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© Almeida Garrett e Imprensa Nacional

Título: Frei Luís de Sousa


Autor: Almeida Garrett
Conceção gráfica: INCM
Fotografia: Tânia Henriques (INCM)
Revisão do texto: Imprensa Nacional
1.ª edição: julho de 2022
ISBN: 978-972-27-2902-4
Depósito legal: 500 197/22
Edição n.º 1024691

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ALMEIDA GARRETT
FREI LUÍS DE SOUSA

Edição de João Dionísio

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/,6%2$


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I. Sobre Frei Luís de Sousa

A fortuna de Frei Luís de Sousa parece hoje indesligável da sua


condição de texto escolar, ainda o meio mais habitual para o reco-
nhecimento de uma obra entre os clássicos das letras nacionais. Não
será esta condição, no entanto, a principal responsável pelo impres-
sionante número de traduções que o texto de Garrett tem ocasionado
ou as re-mediações, em especial cinematográficas, de que tem sido
objeto 10. Também não será essa condição a justificar o modo como

10
As mais importantes adaptações fílmicas são a película homónima de
António Lopes Ribeiro (1950) e Quem és tu?, de João Botelho (2001). Logo em
1863, com o óleo D. João de Portugal, Miguel Ângelo Lupi faz a mais conhecida
pintura inspirada em Frei Luís de Sousa, alusiva à nuclear cena de reconhecimento.
A ópera em língua italiana Fra Luigi di Sousa, de Francisco de Freitas Gazul,
remonta a 1891. Sem propósito de exaustividade, a lista de traduções inclui ver-
sões em alemão (W. von Lückner, Frankfurt a. M., 1847; Georg Winkler, Wien:
Braumüller, 1899), búlgaro (Daniela Dimitrova Petrova, Sófia: Svetulka 44, 2002),
catalão (Gabriel de la S. T. Sampol, Barcelona: Institut del Teatre, 1997), checo
(Marie Havlíková, Praga: Torst, 2011), concani, (Śāntārāma Ananta Hedo, Gõya:
Jāga Prakāśana, 1977), espanhol (D. Emilio Olloqui, Lisboa: Imprensa Nacional,
1859, com o título Después del Combate; Luis López-Ballesteros e Manuel Paso,
Madrid: Florencio Fiscowich Editor, 1890; desconhecido, Madrid-Buenos Aires:
Compañia Ibero-Americana de Publicaciones, 193-; José Andrés Vázquez e Antonio
Rodríguez de León, Cádiz: Escélicer, 1942; Iolanda Ogando, Madrid: Asociación
de Directores de Escena de España, 2003), francês (Maxime Formont, Livourne:
Giusti, 1904; Claude-Henri Frèches, Paris: Fondation Calouste Gulbenkian, Centre
Culturel Portugais, 1972), inglês (Edgar Prestage, London: Elkin Mathews, 1909),

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diferentes escritores (entre outros, Camilo, Eça, Eugénio de Castro,


Armando Silva Carvalho, Vasco Graça Moura) incorporaram em
obras suas a memória cultural deste drama, que tem suscitado um
impressionante caleidoscópio interpretativo.

A diversidade de interpretações desencadeadas por Frei Luís


de Sousa contrasta com a direcionalidade da sua conceção, uma
conceção assente em escrita segura, cujas hesitações são apenas
contingentes e cuja evolução de testemunho para testemunho,
como se procura explicar na parte seguinte desta introdução, se
faz por ajustamento, mais do que por reformulação. Trata-se de
uma escrita em diálogo com a doutrina que dela foi feita a pos-
teriori na conferência apresentada ao Conservatório Real, votada
esta por uns (como Rodrigues Lapa) ao estatuto de paratexto,
erigida por muitos outros ao papel de chave interpretativa espe-
cialmente autorizada. A «Memória», como é conhecido o registo
desta apresentação, não obstante ter subordinado em vários mo-
mentos a história das leituras de Frei Luís de Sousa, não impediu a
gestação de numerosas abordagens de acordo com pontos de vista
bem diferenciados. Vale a pena recordar os principais paradigmas
que nortearam estas leituras, de acordo com a síntese organizada
por J. Cândido de Oliveira Martins 11: 1) a interpretação genética,
apoiada no reconhecimento das fontes históricas e literárias, bem
como no uso que lhes terá sido dado por Garrett; 2) a interpretação
biografizante, que destaca no drama sinais da ficcionalização de
circunstâncias relacionadas com a vida pessoal do autor, em parti-
cular a filha que nasceu da relação ilegítima com Adelaide Pastor;
3) a interpretação de índole religiosa, focada na angústia perante
a impotência, na reação face a acontecimentos que se impõem à
deliberação individual e na esperança cristã; 4) a abordagem geno-
lógica, sobre as questões motivadas pela relação entre o texto de
Garrett e a tragédia clássica, o drama romântico e, com especial
destaque, uma ideia programática de teatro nacional; 5) a leitura

italiano (Giovenale Vegezzi-Ruscalla, Torino: Tip. Speirani e Tortone, 1852), sueco


(Marianne Sandels e Teresa Duarte Ferreira, Malmo: Ariel, 1999).
11
J. Cândido de Oliveira Martins, «Para uma sistematização didác-
tica das leituras interpretativas do Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett»,
pp. 89-135.

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INTRODUÇÃO 23

de caráter político e sociológico, pela qual certos traços do drama


refletem características da situação histórico-política portuguesa
em meados de Oitocentos, com destaque para o que no Frei Luís
de Sousa foi tomado como motivo de censura pelo poder de Costa
Cabral; 6) a interpretação psicocrítica, que convoca a dimensão
do texto relacionada com as pulsões reconhecíveis na conceção
das personagens e dos seus conflitos interiores, assim como nas
representações imagéticas que elas materializam; 7) a leitura
mítico-cultural, que vê nesta obra de Garrett uma meditação sobre
o sebastianismo em articulação com o destino de Portugal.

Importa assinalar que estas interpretações nem correspondem


a movimentos hermenêuticos que mutuamente se excluem, antes
partilhando certos traços, nem se desenvolvem em períodos rigoro-
samente sucessivos, antes parecem corporizar o apelo que o texto
de Garrett exerceu sobre leitores diferenciados. Neste sentido,
Frei Luís de Sousa demonstra ter uma excecional capacidade de
interlocução, como se se tratasse de uma superfície aquática onde
críticos, encenadores, realizadores, atores, estudantes de sucessivas
gerações se projetam nas suas incontáveis especificidades. Isto é,
o teste do tempo a que qualquer obra se sujeita tem levado ao
reconhecimento de que, no caso do texto de Garrett, enquanto
certas dimensões vão perdendo poder de atração até atingirem um
ponto de relativa inércia outras vão emergindo com considerável
magnetismo. O espetro amplíssimo de leituras que Frei Luís de
Sousa tem ocasionado chegou ao extremo de, no final de 2018, o
espetáculo The worst of do Teatro Praga fazer dele a peça inaugural
no desfile paródico do que disseram ser o mau teatro português,
afinal o reconhecimento irónico do estatuto incontornável deste
drama de Garrett sempre que o assunto é o teatro em Portugal.

O fascínio desencadeado por um texto que se deixa apropriar


de maneira tão heterogénea não apaga algumas características,
digamos, próprias que merecem destaque. Por exemplo, no dese-
nho do drama, depois do clímax constituído pelo final do ato ii,
a autêntica prova de força que é o ato iii, uma coisa mental. Ou
o uso deliciado de fontes e a sua paródia na comovida evocação
de Rosa de Lima (na nota L ao ato i) ou na ligeireza bem-disposta
com que Garrett justifica o nome de Maria de Noronha (a nota G

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ao mesmo ato), que atribui à filha de Manuel de Sousa Coutinho


e Madalena de Vilhena. Ou ainda o modo como um produto do
engenho individual, cujo autor não sabe se escreveu um texto de
teatro, faz remapear as categorias genológicas disponíveis. Enfim, a
poderosa imagem de Garrett que emerge do processo de criação de
Frei Luís de Sousa: um escritor dotado de uma singular consciência
histórica e empenhado no controlo de todas as fases de conceção,
escrita, transmissão, interpretação e representação do texto.

Embora a grandeza de Frei Luís de Sousa não se feche em


nenhuma destas leituras, creio que o seu poder de interpelação
se faz hoje como um antídoto contra o determinismo individual e
na qualidade de convite à compaixão perante o sofrimento 12. Para
defender esta ideia convém convocar o mais famoso e influente
comentário acerca de Frei Luís de Sousa, o texto da «Memória»,
que Garrett leu a título de apresentação do drama no Conserva-
tório Real de Lisboa, em 6 de maio de 1843, e fez imprimir logo
antes do texto da peça nas publicações principes do ano seguinte.
A «Memória» tem uma importância fulcral para a compreensão
do teatro português na primeira metade do século xix, para a
compreensão do programa de renovação dos textos de teatro
subscrito por Garrett e, evidentemente, para um entendimento
autoral, designadamente na sua vertente programática, do próprio
Frei Luís de Sousa. A função da «Memória» como pórtico do drama
impôs-se de tal maneira que as edições modernas de Frei Luís de
Sousa a incluem frequentemente nesta posição-limiar.

De acordo com a redação publicada em 1844, é o seguinte o


texto impresso a que gostaria de dar mais atenção:

A desesperada resignação de Prometeu cravado de


cravos no Cáucaso, rodeado de curiosidades e compai-
xões, e com o abutre a espicaçar-lhe no fígado, não é mais

12
A exposição seguinte baseia-se em João Dionísio, «A escultura da
dor no Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett», pp. 37-51.

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INTRODUÇÃO 25

sublime. Os remorsos de Édipo não são para comparar


aos exquisitos tormentos de coração e de espírito que aqui
padece o cavalheiro pundonoroso, o amante delicado, o
pai estremecido, o cristão sincero e temente do seu Deus.
Os terrores de Jocasta fazem arripiar as carnes, mas são
mais asquerosos do que sublimes; 13

Tendo por referência a tragicidade de conhecidas figuras da


mitologia clássica, Garrett encontra-se aqui a defender o incompa-
rável potencial trágico do protagonista da sua peça, o ex-cavaleiro
de Malta e fidalgo português Manuel de Sousa Coutinho, depois
frade dominicano Frei Luís de Sousa. O trecho prossegue com
a comparação entre Jocasta e D. Madalena de Vilhena. Ora, no
rascunho conservado da «Memória», concluído a 17 de abril de
1843 (se tomarmos por segura a data inscrita no final), apresenta
uma diferença bem digna de registo neste ponto do texto:

Se <a>/h\a alguma coisa q se pareça com isto, na contra-


posição se intende e pr methonymia, é <o>/a\desesperada
resignação de Prometheu cravado de cravos no Caucaso
rodeado de curiosid.s e compaixões e com o abutre a
espicassar-lhe no figado. [o Lacoon]
Eu intendia q a bella figura de <Fr>/M\anuel de
Souza Coutinho, <natura>[Edipo] rodeada da de sua
esposa 14

O trecho no rascunho prossegue com um passo que será


aproveitado, mas um pouco depois, nas versões seguintes: a
imaginação de um grupo familiar constituído por Manuel de
Sousa, D. Madalena e Maria, que Garrett representaria mais fácil
e felizmente, escreve, através da escultura do que por meio da
escrita de um drama. Mas observemos o que mais distingue este

13
F, p. 6. O texto publicado em 1844 é citado segundo as normas de
transcrição aplicadas na presente edição; os textos provenientes de testemunhos
anteriores são citados segundo normas conservadoras de transcrição.
14
R, 258 v.

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momento do rascunho do que virá depois: a) privativa desta fase


inicial é uma introdução à comparação com figuras da mitologia
clássica que se denuncia como resposta à pergunta «há algum
antecedente trágico da figura de Manuel de Sousa Coutinho?»;
b) e também exclusiva dela é o enquadramento da aproximação
através da contraposição e da metonímia.

À vista das redações posteriores que se fixam no texto publi-


cado, há, entre outras diferenças, uma referência no rascunho que
desaparece depois: «o Lacoon». Talvez se trate de uma anotação
inserida em curso da escrita num espaço disponível, por sinal
numa zona pertinente em relação ao conteúdo da anotação.

De acordo com o Vocabulario de R. Bluteau, 1712-1728, «Lao-


coon» era:

Filho de Priamo, e de Hecuba, na opiniaõ de alguns,


ou de Acoetes, segundo Hygino; de Capis, segundo
Apollodoro, e de Antenor, segundo Tzetzes; foy por sortes
escolhido Sacerdote de Apollo Thymbreo na Cidade de
Troya; e segundo escreve Virgilio, fez opposiçaõ à reso-
luçaõ, que se tomou de receber na dita Cidade o cavallo
de pao, dedicado a Pallas pelos Gregos, que nelle tinhaõ
fechado gente armada. Ainda assim chegou a lançar na dita
machina hum dardo; mas em castigo do seu atrevimento,
da Ilha de Tenedos sahiraõ duas serpentes, que com seu
veneno mataraõ os dous filhos de Laocoon, a que Hygino
chama Antifas, e Thymbre; e que por Servio saõ chamados
Ethro, e Melantho. Laocoon querendo acudir a seus filhos,
morreo da mesma morte que elles. No seu Commentario
sobre o segundo livro da Eneida, diz Servio, que fora Lao-
coon victima do furor de Apollo, por se ter ajuntado com
sua mulher Antiope, diante do simulacro deste Nume. 15

15
Consultado (em 19 de abril de 2021) através do Corpus Lexicográfico
do Português, http://clp.dlc.ua.pt/inicio.aspx.

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INTRODUÇÃO 27

A maior parte destes elementos seria suficiente para atrair a


atenção de Garrett no contexto de um comentário ao drama Frei
Luís de Sousa: por um lado, Manuel de Sousa Coutinho é castigado
injustamente tal como sucede a Laocoonte se tomarmos como razão
para o castigo a sua advertência sobre o Cavalo de Troia; por outro,
a desgraça que se abate sobre o fidalgo português depende de
uma sequência semelhante à passagem do serviço de Deus para
o amor humano (Laocoonte era um sacerdote, mas depois casa-se;
Manuel de Sousa era cavaleiro da ordem de Malta, contraindo
depois matrimónio com D. Madalena de Vilhena); enfim, a pena
atinge não apenas Laocoonte, como também os filhos, da mesma
maneira que não é apenas Manuel de Sousa (e a mulher) a sofrer
no desenlace do drama, mas igualmente D. Maria, a filha de am-
bos, aqueles morrendo para a vida dos homens, esta morrendo de
facto. A referência a Laocoonte ganha igualmente relevo porque,
apresentando Garrett o seu drama ao Conservatório e discutindo
a medida em que poderia ser considerado uma tragédia, o autor
português teria em mente que a história de Laocoonte tinha servido
de matéria a uma tragédia de Sófocles, perdida embora 16.

O episódio de Laocoonte interessará também por outra via


para considerações acerca do texto de Garrett. O tormento de
Laocoonte foi maximamente representado numa escultura de
mármore hoje patente no Museu do Vaticano. A peça escultórica,
possivelmente do século i a. C., foi atribuída por Plínio, o Velho,
na Naturalis Historia, a Agesandro, Atenodoro e Polidoro, da ilha de
Rodes. Depois de se lhe ter perdido rasto, a estátua foi descoberta
no início do século xvi. Ora, este tipo específico de representação
coloca o leitor num trilho que Garrett explorará de modo convicto
nas publicações de 1844, se bem que sem referência expressa a
esta escultura. Tenho em mente o passo da «Memória», que vem
pouco depois do trecho antes transcrito, no qual o autor fala da
sua matéria como mais apropriada para ser trabalhada com
sucesso na arte da escultura do que na arte dramática. O conjunto

16
Sophocles, Fragments, pp. 198-201.

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familiar constituído por Manuel de Sousa, D. Madalena e D. Maria,


diz Garrett, é:

um grupo, que se eu pudesse tomar nas mãos o


escopro de Canova ou de Torwaldson — sei que o desin-
tranhava de um cepo de mármore de Carrara com mais
facilidade, e decerto com mais felicidade, do que tive em
pôr o mesmo pensamento por escritura nos três atos do
meu drama 17

Antonio Canova (1757-1822) foi um escultor neoclássico vene-


ziano que reagiu aos excessos do Barroco e ficou sobretudo conhe-
cido por trabalhos em mármore. Dele subsistem peças executadas
com mármore de Carrara, feitas quando tinha apenas 9 anos. Em
Roma, a partir do final de 1780, vai cultivar a simplicidade na
realização das suas esculturas, merecendo destaque o facto de ter
representado de modo neoclássico algumas figuras do seu tempo,
como Napoleão, Pauline Bonaparte e Washington.

Quanto a Bertel Thorwaldsen (c. 1770-1844), igualmente


mencionado por Garrett, foi um escultor dinamarquês-islandês,
também ele cultor do estilo neoclássico e visto como um sucessor
de Canova, sendo a pose das suas figuras humanas ainda mais
rígida e formal do que a das do escultor italiano. A referência
de Garrett a Canova e Thorwaldsen é robustecida por uma nota
onde propõe uma teoria geral da correspondência entre as artes,
sendo a escultura e a tragédia emparelhadas 18:

Não escrevi esta frase à toa: é uma convicção minha


que na poesia da linguagem o género paralelo à estatuária
é a tragédia; assim como a epopeia à grande arquitetura; e
os outros géneros, espécies e variedades literárias aos seus

17
F, p. 7.
18
F, pp. 162-163.

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INTRODUÇÃO 29

correspondentes na pintura: ode à alegoria, idílio à paisa-


gem, epigrama à caricatura, romance e drama ao quadro
histórico, e assim os mais. A música segue as divisões da
poesia falada cuja irmã gémea nasceu. Ao cabo, a ARTE
é uma só, expressada por variados modos segundo são
variados os sentidos do homem. Em vez de tantos mestres
de retórica e poética, ou de literatura como agora creio
que se chamam, um só que desinvolvesse esta doutrina,
tão simples como verdadeira, aproveitava no curso de um
ano o que eles perdem e têm perdido em muitas dezenas.

Há, finalmente, um derradeiro motivo de interesse na anota-


ção «o Lacoon». É que ela remete o leitor para o famoso ensaio
homónimo de Lessing Laokoon. Oder über die Grenzen der Malerei
und Poesie, a famosa reflexão publicada em 1766 sobre as fronteiras
da pintura e da poesia. Há vários momentos no ensaio de Lessing
de grande interesse para uma revisão de Frei Luís de Sousa, espe-
cificamente para uma compreensão mais fina do que poderíamos
chamar «drama estatuário», bem como para o entendimento da
desistência por parte de Garrett de se referir a Laocoonte na
redação final da «Memória». Vale a pena recordar que, apesar
de o subtítulo do ensaio anunciar uma reflexão sobre a poesia
e pintura, logo no prefácio o autor germânico esclarece que por
pintura entende as artes visuais em geral, incluindo portanto a
escultura 19. Para Lessing, a estrutura e a linguagem dramáticas
pertencem às imitações progressivas, ao passo que a pintura, e
assim a escultura, se limita a captar instantes 20. Por isso, no capítulo 4,
Lessing assinala que o escultor de Laocoonte se vê obrigado a
exercer moderação na expressão de dor física 21. Tal moderação
resultaria, como explicara dois capítulos antes, da necessidade
de representar a dor em articulação com a mais elevada beleza
que fosse possível. Nestes termos, a violência desfiguradora da
dor teria de ser reduzida, convertida num suspiro, não porque o
grito resulte necessariamente de uma alma ignóbil, mas porque o

19
Gotthold Ephraim Lessing, Laocoön, p. 6.
20
Gotthold Ephraim Lessing, Laocoön, capítulo xv; Ofélia Paiva Monteiro,
A Formação de Almeida Garrett. Experiência e Criação, p. 413.
21
Gotthold Ephraim Lessing, Laocoön, p. 23.

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sofrimento violento distorce as feições da pessoa de uma maneira


repugnante. Assim, por causa de a visão da dor intensa provo-
car agonia, a sua representação deve ser transformada, por meio
da beleza, no sentimento da compaixão 22. A propriedade destas
observações de Lessing no caso de Frei Luís de Sousa parecerá
evidente a quem se lembrar da intenção programática de Garrett
de erradicar os excessos típicos do dramalhão do seu tempo.
O seu drama seria despojado:

sem um mau para contraste, sem um tirano que se


mate ou mate alguém, pelo menos no último ato, como
eram as tragédias dantes — sem uma dança macabra de
assassínios, de adultérios e de incestos, tripudiada ao som
das blasfémias e das maldições, como hoje se quer fazer o
drama — eu quis ver se era possível excitar fortemente o
terror e a piedade — ao cadáver das nossas plateas, gastas
e caquéticas pelo uso contínuo de estimulantes violentos,
galvanizá-lo com sós estes dous metais de lei 23

O dossiê genético conservado na Universidade de Coimbra


mostra como alguns impulsos contrários a esta intenção progra-
mática foram rechaçados. No final do ato ii, o Romeiro persuade
D. Madalena de que o seu primeiro marido estava vivo, o que a
condenava à desgraça, e evidencia a Frei Jorge, já com D. Madalena
fora de cena, que ele próprio era D. João de Portugal. Por isso, mais
tarde, D. Madalena ainda acalenta a esperança de que o Romeiro
pudesse afinal ser um impostor e não tivesse contado a verdade.
Nos apontamentos iniciais de Garrett, conforme escreve Lapa, o
desengano de Madalena estava projetado para ser espetacular, em
divergência com a contenção geral do drama. Com efeito, misturando,
como é seu hábito nas observações preparatórias, partes das falas
das personagens com indicações acerca das situações em que elas
se encontram, Garrett escreve no que previa ser a cena 9 do ato iii:
«Sc. <8>/9\. Apparece Fr. Jorge com os habitos. Animo! Vamos!

22
Gotthold Ephraim Lessing, Laocoön, p. 17.
23
F, p. 10.

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INTRODUÇÃO 31

Ds é pae…. Magdalena ainda hesita. Fr. Jorge levanta o reposteiro —


o romeiro apparece. — Dona Helena cai de bruços (A, fl. 257 v.)».
Lapa qualifica esta invenção como um truque de melodrama, de
que Garrett iria prescindir 24. Tendo prescindido de tal manobra, e
por consequência mantendo-se o drama no equilíbrio de contenção
que o autor procurava, há um outro momento do texto em que se
concentra o impulso para o choque e a domesticação desse impulso.
É quando, também no ato iii, D. João de Portugal quase se denuncia
a D. Madalena. Tendo primeiro pensado que ela se lhe referia ao
exclamar «Esposo, esposo!», D. João fica desenganado ao reconhecer
que ela pensava em Manuel de Sousa Coutinho e, na sequência desta
tomada de consciência, diz: «Ah!... E eu tão cego que já tomava
para mim!... — Céu e inferno! abra-se esta porta… (investe para a
porta com ímpeto; mas para de repente) Não: o que é dito, é dito» 25.

Quanto ao desfecho do último ato, Lapa também anota que


nas indicações iniciais Garrett tinha previsto uma conclusão mais
funesta, com a referência à morte a emergir nas falas de duas
personagens, o Romeiro e Telmo (que nos planos para o drama
começa por ser chamado Silvestre). É o que se pode verificar
num apontamento a propósito da cena final logo depois de um
sumário do ato iii: «Romeiro — Fr. Jorge — Sylvestre | Queres
vingarte — Não pode ser | Vou morrer na Palestina | Sylvestre eu
vou enterrar o corpo | do meu anjo e morrer a pé | d’elle — ».
Nos materiais preparatórios, este desfecho reaparece pouco adiante
na descrição mais circunstanciada, feita cena a cena, deste mesmo
ato iii, no resumo da cena 11: «Fr. Jorge ao Rom.o queres vingar-
te — Vou morrer | na Palestina — Telmo — e eu interro o meu
| anjo □ aope d’elle.» 26.

Como diz Lapa, um tal remate «tresandava a dramalhão» 27,


mas Garrett soube desviar-se deste intento e acabar o texto no
modo contido que Lessing sugere seja adotado no tratamento da

24
Almeida-Garrett, Frei Luís de Sousa, 1964 (7.ª ed.), pp. 78-79, nota 1.
25
F, p. 143.
26
O trecho anterior e este respetivamente A, fl. 270 v. e 257 v.
27
Almeida-Garrett, Frei Luís de Sousa, 1964 (7.ª ed.), p. 95, nota 1.

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dor humana. Decisões deste tipo contribuem globalmente para a


formulação de juízos como o de Andrée Crabbé Rocha:

A economia de meios com que tôda a peça é feita,


principalmente os dois primeiros actos, cria uma austera
sobriedade que vai das palavras às paixões. Garrett não
precisa de chamar ao amor de D. Madalena uma “lava
vulcânica”, como o autor do romance Manuel de Sousa
Coutinho, para no-la mostrar verdadeiramente possuída
da sua paixão. 28

Se nas duas situações antes apresentadas, Garrett parece seguir


o preceito de Lessing, noutros pontos do drama diverge do ideal
de moderação estatuária. No capítulo 3 do seu ensaio, Lessing
escreve que quando um homem firme e resistente grita, não o faz
de maneira incessante, e apenas a permanência aparente de um
tal grito, quando é representado na arte, o converte num sinal de
impotência feminina ou petulância infantil 29. O que sucede com a
conceção do drama de Garrett é sintomático a este respeito: por um
lado a descoberta de que D. João de Portugal está vivo é feita por
Manuel de Sousa Coutinho não dentro, mas fora de cena; por outro
lado, as representações mais ostensivas da dor cabem a uma mulher
(D. Madalena no momento da revelação e depois) e a uma criança
(Maria, no ato iii). A imoderação surge em particular numa fala autor-
reflexiva de D. Madalena, quando está prestes a tomar o hábito:

Oh Deus, Senhor meu! Pois já, já? Nem mais um


instante, meu Deus? — Cruz do meu Redentor, oh cruz
preciosa, refúgio d’infelizes, ampara-me tu, que me
abandonaram todos neste mundo, e já não posso com as
minhas desgraças… e estou feita um espetáculo de dor e
d’espanto para o céu e para a terra! 30

28
Andrée Crabbé Rocha, O Teatro de Garrett, pp. 175-176.
29
Gotthold Ephraim Lessing, Laocoön, p. 20.
30
F, pp. 149-150.

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INTRODUÇÃO 33

A representação da dor é aqui garantida através dos vocati-


vos, das exclamações, das perguntas e repetições, mas de modo
particularmente autoconsciente na referência a «um espetáculo de
dor e d’espanto para o céu e para a terra!». O espetáculo, que é
feito de palavras, tem também dimensão musical, pois imedia-
tamente antes desta fala de D. Madalena ouve-se o órgão a tocar
dentro e logo a seguir um coro de frades que canta: «De profundis
clamavi ad te, Domine; Domine, exaudi vocem meam». E quando
termina a fala de Madalena volta a ouvir-se o órgão, cantando o
coro: «Fiant aures tuae intendentes; in vocem deprecationis meae».
O resultado é evidentemente o de emoldurar o que diz Madalena.
A nota G ao ato iii de Frei Luís de Sousa explica por que razão
Garrett, embora instado a não o fazer, pôs em latim os versos do
salmo 130 31, pois procurara ocasionar um ambiente de solenidade
e, tratando-se de um drama, produzir um efeito de real.

A superar em violência ostensiva a dor da mãe deparamos


com a representação da dor da filha, na cena 11 do ato iii.
No plano inicial a cena é resumidamente descrita em dois lugares.
Primeiro, logo a seguir à descrição sumária dos atos: «– No meio da
cerimonia entra a f.a | desgrenhada — Ja sei tudo meu pae | m.a
mãe — morre de vergonha e de terror. — cantam os frades, orgam
| acabou-se». E depois, na apresentação mais circunstanciada do
ato iii: «Sc. 11 — Anna espavorida chega <de L.a> Ja sei tudo meu
pae | ma mae — de vergonha! — cantam os frades» 32. Nesta fase
inicial da conceção, o pathos é dado sobretudo na primeira descrição
pelo qualificativo «desgrenhada» e na segunda pelo qualificativo
«espavorida», em ambas pela referência ao ambiente musical e
à menção da vergonha como causa da morte. Logo a seguir, no
rascunho, a caracterização física e da disposição de espírito de
Maria é precisada e vai manter-se até à redação publicada: «estado
de completa alienação (…) cabelos soltos, o rosto macerado mas
inflamado com as rosetas éticas, os olhos desvairados» 33. As falas

31
Um dos salmos penitenciais usados no Ofício dos Defuntos. Este salmo
foi musicado por vários compositores (Bach, Händel, Mendelssohn, Mozart,
entre outros) e integrado em diferentes peças de Requiem. Cf. F, p. 216.
32
Respetivamente A, 270 v. e 257 v.
33
F, p. 152.

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34 EDIÇÃO CRÍTICA DE FREI LUÍS DE SOUSA

finais de Maria, que anunciam a sua morte em cena, constituem


um espetáculo de dor mais hiperbolizado do que o de Madalena
e ocasionaram reação desfavorável por parte de alguma crítica.
Assim Andrée Crabbé Rocha, que afirma:

a apoteose do fim é de retórica e mau gôsto. Garrett


esqueceu aqui tôda a compostura hierática da peça, e abriu
de par em par as portas dum paraíso fulgurante, onde a
figura descomposta de Maria é, contra a nossa vontade,
melodramática. 34

Sem perder de vista este juízo, os dois momentos protagoni-


zados por D. Madalena e por Maria que mais visivelmente esca-
pam ao hieratismo estatuário garrettiano servem de apoio para
acompanharmos Lessing no capítulo 4 de Laokoon. Aí responde à
pergunta sobre se é impróprio representar um homem a gritar,
tomado por sofrimento. Parafraseando o autor germânico, trata-se
de uma impropriedade transitória e ligeira nas imitações progres-
sivas, no pano de fundo do que sabemos acerca de um homem
cujas virtudes já nos inclinaram a seu favor. O Laocoonte de Vir-
gílio grita, mas quem grita é o mesmo homem que conhecemos
e prezamos como um patriota prudente e um pai afeiçoado aos
filhos. Os gritos dele não são relacionados com o seu caráter, mas
com o seu sofrimento: o poeta pode fazer isto, o artista visual
não. Seríamos por esta via levados a supor que, de acordo com a
perspetiva de Lessing, a enfática representação da dor no Frei Luís
de Sousa faria parte integrante do legítimo campo de atuação de
Garrett. No entanto, talvez não seja exatamente assim na medida
em que Lessing prossegue, fazendo uma afirmação de importância
nuclear para a matéria que nos ocupa, ao estabelecer uma fronteira
operatória entre discurso direto e discurso indireto no âmbito dos
géneros literários. Porque dizer que alguém gritou causa uma
impressão e gritar causa uma impressão diferente, o drama, con-
cebido para ser uma representação ao vivo desempenhada pelo
ator, talvez tenha de se conformar à representação material típica

34
Andrée Crabbé Rocha, O Teatro de Garrett, p. 168.

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INTRODUÇÃO 35

das artes plásticas 35. É neste pano de fundo que Garrett retira
o seu protagonista do espetáculo desfigurante da dor, mas nele
inclui uma mulher impotente perante o destino, D. Madalena, e
uma criança estranha, D. Maria. É sobretudo por intermédio destas
duas personagens que o seu texto não resiste totalmente ao apelo
melodramático. É sobretudo por intermédio delas que o seu texto
não tem um aspeto dominantemente masculino como na história
de Laocoonte, que, recorde-se, vitima pai e dois filhos. Será este
um dos motivos por que, aparecendo a referência «o Lacoon» num
momento muito incoativo da elaboração da «Memória», depois
desaparece? É certo que a conformidade entre a narrativa de Lao-
coonte e Frei Luís de Sousa não existe neste ponto nodal. Noutro
plano, a advertência de Lessing contra a representação da dor em
direto leva-nos a entender renovadamente o princípio do aponta-
mento que Garrett apôs no remate do rascunho: «Parece-me q não
fiz uma coisa de theatro» 36. Mas, independentemente das dúvidas
acerca da identidade de género textual e das declinações de género
da representação da dor, o Frei Luís de Sousa é um impressionante
memento contra o voluntarismo individual e um convite poderoso
à compaixão. Ou por melhores palavras: «uma impressiva imagem
da fragilidade das venturas humanas e do ‘desconcerto’ que parece
reger a Fortuna, tornando difícil a abertura à fé» 37.

A seguir o leitor encontra uma descrição dos manuscritos


subsistentes, o modo como o texto foi sendo criado e transmitido,
além da apresentação das opções adotadas na presente edição.

35
Gotthold Ephraim Lessing, Laocoön, p. 24.
36
R, fl. 52 r. Precisamente sobre os sinais do programa teatral no texto
de Garrett, cf. a apresentação crítica de Maria João Brilhante na edição que
preparou de Frei Luís de Sousa.
37
Ofélia Paiva Monteiro, «Introdução a Frei Luís de Sousa», p. 114.

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AO CONSERVATÓRIO REAL.* 1

SENHORES,
Um estrangeiro fez, há pouco tempo, um romance da aventu-
rosa vida de Frei Luís de Sousa. 2 Há muito infeite de maravilhoso
nesse livro, que não sei se agrada aos estranhos; a mim, 3 que sou
natural, pareceu-me impanar a singela beleza de tão interessante

*
Foi lida esta memória em conferência do Conservatório Real de Lisboa
em 6 de maio de 1843.
1
AO CONSERVATÓRIO REAL.] L Memoria lida | em conferencia |
geral do Conservatorio | R. de Lxa | em | 6 de Maio de 1843 [Em L esta
anotação encontra-se no canto superior esquerdo, no topo da zona da página deixada
em branco. C começa por não apresentar esta anotação, mas uma folha numerada
(3) foi preparada de propósito para a incluir (na margem inferior: Foi lida ésta
memoria em conferencia <geral> do Conservatorio Real de 6 de Maio de
1843.), bem como as três primeiras linhas manuscritas da «Memória» propriamente
dita (cf. nota seguinte).]
2
SENHORES, || Um estrangeiro fez, há pouco tempo, um romance da
aventurosa vida de Frei Luís de Sousa ] L Senhores; || (…). [Em C a parte
inicial do texto começou por ser escrita, sem vírgulas, no topo de 72 r., para ser de
seguida cancelada e transposta (até à palavra Fr.) para a parte inferior de um novo
fólio, onde ocupa quatro linhas. Esta deslocação serviu certamente de indicação para
que fosse esta a única parte da Memória a compor na primeira página de TF. O início
destacado da Memória apresenta-se assim: Senhores, | Um extrangeiro <>/fez\,
| <faz>[← ha] pouco tempo, um romance | da aventurosa vida de | Fr.]
3
livro, que não sei se agrada aos estranhos; a mim, ] L livro, — que
não sei se agrada aos extranhos — a mim, C livro, — que não sei se agrada
aos estranhos; < — > a mim,

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144 EDIÇÃO CRÍTICA DE FREI LUÍS DE SOUSA

história. Exponho um sentimento meu; 4 não tive a mínima idea de


censurar, nem siquer de julgar a obra a que me refiro, escrita em
francês, como todos sabeis, pelo nosso consócio 5 o Sr. Fernando Dinis.
É singular condição dos mais belos factos e dos mais belos
carateres que ornam os fastos portugueses, serem tantos deles,
quási todos eles, de uma extrema e estreme simplicidade. As
figuras, os grupos, as situações da nossa história — ou da nossa
tradição — que para aqui tanto vale 6 — parecem mais talhados
para se moldarem e vazarem na solenidade severa e quási esta-
tuária da tragédia antiga, do que para se pintarem nos quadros,
mais animados talvez 7 porém menos profundamente impressivos,
do drama novo — 8 ou para se interlaçarem nos arabescos do
moderno romance.
Inês de Castro, por exemplo, com ser o mais belo, é também o
mais simples assunto que ainda trataram poetas. E por isso todos
ficaram atrás de Camões, porque todos, menos ele, o quiseram
infeitar julgando dar-lhe mais interesse.* A 9
Na história de Frei Luís de Sousa — 10 como a tradição a
legou à poesia, e desprezados para este efeito os imbargos da

4
Exponho um sentimento meu; ] L Exponho um sentimento meu,
C Exponho <aqui> um sentimento meu,
5
refiro, escrita em francês, como todos sabeis, pelo nosso consócio]
L refiro escripta, como todos sabeis, em Francez pelo nosso consocio C re-
firo, <es-|,>[↑<escripta,>][← <q e>escripta em Francez], como todos sabeis,
[← <escripta em Francez>] pelo nosso consocio [Garrett hesita em C sobre a
colocação da expressão escripta em Francez.]
6
— ou da nossa tradição — que para aqui tanto vale — ] L — ou
da nossa tradição, que para aqui tanto vale — C — ou da nossa tradição<,>
— que [↑ para aqui] tanto vale
7
talvez ] LC talvez,
8
novo — ] L novo — C novo, —
*
Profunda observação de Mr. Adamson, citando um crítico alemão, a res-
peito das causas por que, entre tantas tragédias de Inês de Castro, portuguesas,
castelhanas, francesas, inglesas e alemãs, nenhuma tinha saído verdadeiramente
digna do assunto. Vej. Memoirs of Camoens by John Adamson.
9
Profunda observação (…) entre (…) John Adamson. ] C Profunda
observação (…) <>/entre\ (…) John Adamson. ] [L não apresenta esta anota-
ção, que em C foi inserida na zona da página guardada para acrescentos, emendas
e indicações, estando encimada pela instrução Isto hade ir | em nota no | fim.]
10
Sousa — ] LC Souza, —

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MEMÓRIA 145

crítica moderna — a qual, ainda assim, tão-somente alegou mas


não provou — nessa história, digo, há toda a simplicidade de
uma fábula trágica antiga. Casta e severa 11 como as de Ésquilo,
apaixonada como as de Eurípides, enérgica e natural como as de
Sófocles, tem, 12 de mais do que essoutras, 13 aquela unção e delicada
sensibilidade que o espírito do Cristianismo derrama por toda ela,
molhando de lágrimas contritas o que seriam desesperadas ânsias
num pagão, acendendo até nas últimas trevas da morte, a vela da
esperança que se não apaga com a vida.
A catástrofe é um duplo e tremendo suicídio; mas não se obra
pelo punhal ou pelo veneno: foram duas mortalhas que caíram
sobre dous cadáveres vivos: — jazem em paz no mosteiro, o sino
dobra por eles; morreram para o mundo, 14 mas vão esperar ao pé
da Cruz que Deus os chame quando for a sua hora.
A desesperada resignação de Prometeu cravado de cravos no
Cáucaso, 15 rodeado de curiosidades e compaixões, e com o abu-
tre a espicaçar-lhe no fígado, não é mais sublime. Os remorsos
de Édipo 16 não são para comparar aos exquisitos tormentos de
coração e de espírito que aqui padece o cavalheiro pundonoroso,
o amante delicado, o pai estremecido, o cristão sincero e temente
do seu Deus. Os terrores de Jocasta fazem arripiar as carnes, mas
são mais asquerosos do que sublimes; 17 a dor, a vergonha, os
sustos de D. Madalena de Vilhena revolvem mais profundamente
no coração todas as piedades, 18 sem o paralisar de repente com
uma compressão de horror que excede as forças do sentimento

11
antiga. Casta e severa ] LC antiga, casta e severa
12
Sófocles, tem ] LC Sophocles. Mas tem,
13
essoutras, ] L essoutras, C <aquel->|[← ess]outras,
14
vivos: — jazem (…) mosteiro, (…) eles; morreram (…) mundo, ] L vivos
— jazem (…) mosteiro; (…) eles, morreram (…) mundo; C (…) mundo,
15
Cáucaso ] L Caucaso; C Caucaso
16
Os remorsos de Édipo ] L Os remorsos de Édipo C Os remorsos de
Édipo <e os terrores de Jocasta>
17
mais asquerosos do que sublimes; ] LC mais ascorosos do que
sublimes:
18
piedades, ] L piedades, C piedades

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146 EDIÇÃO CRÍTICA DE FREI LUÍS DE SOUSA

humano. A bela figura 19 de Manuel de Sousa Coutinho, 20 ao pé da


angélica e resignada forma de D. Madalena, amparando em seus
braços interlaçados o inocente e mal-estreado fruto de seus fatais
amores, formam naturalmente um grupo, que 21 se eu pudesse to-
mar nas mãos o escopro de Canova ou de Torwaldson B — sei que
o desintranhava de um cepo de mármore de Carrara com mais
facilidade, e decerto com mais felicidade, do que tive em pôr o
mesmo pensamento por escritura nos três atos do meu drama. 22
Esta é uma verdadeira tragédia — se as pode haver, e como
só imagino que as possa haver sobre factos e pessoas comparati-
vamente recentes. 23 C Não lhe dei todavia esse nome porque não
quis romper de viseira com os estafermos respeitados dos séculos
que, formados de peças que nem ofendem nem defendem no atual
guerrear, inanimados, ocos, e postos ao canto da sala para onde
ninguém vai de propósito — 24 ainda têm contudo a nossa veneração,
ainda nos inclinamos diante deles quando ali passamos por acaso.
Demais, posto que eu não creia no verso como língua dramá-
tica possível para assuntos tão modernos, também não 25 sou tão
desabusado contudo que me atreva a dar a uma composição em
prosa o título solene que as musas gregas deixaram consagrado à
mais sublime 26 e difícil de todas as composições poéticas.

19
A bela figura ] L Eu intendo que a bella figura C <Eu intendo
que><a>/A\ bella figura [Em L começa aqui um novo parágrafo.]
20
Coutinho, ] LC Coutinho
21
formam naturalmente um grupo, que ] L deviam formar um grupo
que, — C <deviam> forma<r>/m\ [natural.te] um grupo, que —
22
atos do meu drama. ] L actos do meu drama. C actos [do] <d’esta
peça> meu drama.
23
recentes. ] L recentes. C <modernas> recentes.
24
propósito — ] LC propósito, —
25
modernos, também não ] L modernos, <como este>, também não
C modernos <como este>, [↑ também] não
26
musas gregas deixaram consagrado à mais sublime ] L musas gre-
gas [↑[←deixaram] consagrara<m>/d\o] á mais sublime C musas gregas [2↑
deixaram] [1↑consagrara<m>/d\o] á mais sublime [Em C, Garrett apercebe-se
primeiro de que não fora incluída uma forma verbal necessária e acrescenta na
entrelinha superior consagraram, tendo depois preferido escrever deixaram (na
segunda entrelinha superior) consagrado. Enganou-se, entretanto, na substituição,
tendo escrito consagrarado.]

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MEMÓRIA 147

O que escrevi em prosa, pudera escrevê-lo em verso; — e o


nosso verso solto está provado que 27 é dócil e ingénuo bastante
para dar todos os efeitos d’arte sem quebrar na natureza.D Mas
sempre havia de aparecer mais artifício do que a índole especial
do assunto podia sofrer. E — di-lo-ei porque é verdade — repug-
nava-me também pôr na boca de Frei Luís de Sousa outro ritmo
que não fosse o da elegante prosa portuguesa que ele, mais que
ninguém, 28 deduziu com tanta harmonia e suavidade. Bem sei
que assim ficará mais clara a impossibilidade de imitar o grande
modelo; mas antes isso, do que fazer falar por versos meus o mais
perfeito prosador da língua.
Contento-me para a minha obra com o título modesto de
drama: só peço que a não julguem pelas leis que regem, ou devem
reger, essa composição de forma e índole nova; porque a minha,
se na forma desmerece da categoria, pela índole há de ficar per-
tencendo sempre ao antigo género trágico.
Não o digo por me dar aplauso, nem para obter favor
tão-pouco, 29 senão porque o facto é esse, e para que os menos
refletidos me não julguem sobre dados falsos e que eu não tomei
para assentar o problema que procurava resolver. 30 I
Não sei se o fiz: a dificuldade era extrema pela extrema sim-
plicidade dos meios que adotei. Nenhuma ação mais dramática,
mais trágica do que esta; mas as situações são poucas: estender
estas de invenção era adelgaçar a força daquela, quebrar-lhe a
energia. Em um quadro grande, vasto — as figuras poucas, as
atitudes simples, é que se obram os grandes milagres d’arte pela
correção no desenho, pela verdade das cores, 31 pela sábia distri-
buição da luz.

27
solto está provado que ] L sôlto está provado que C sôlto, está
provado que,
28
que ele, mais que ninguém, ] LC que elle mais que ninguem
29
tão-pouco, ] L tam-pouco; C tam-pouco,
30
procurava resolver. ] L procurei resolver C procurei resolver.
31
no desenho, pela verdade das cores, ] L no desenho pela verdade
das côres, C no desenho, pela verdade <dos> das cores,

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148 EDIÇÃO CRÍTICA DE FREI LUÍS DE SOUSA

Mas ou se há de fazer um prodígio ou uma sensaboria. Eu


sei a que impresa de Ícaro me arrojei, 32 e nem tenho mares a que
dar nome com a minha queda: elas são tantas já! 33
Nem amores nem aventuras, nem paixões nem carateres vio-
lentos de nenhum género. Com uma ação 34 que se passa entre
pai, 35 mãe e filha, um frade, um escudeiro velho, e um peregrino
que apenas entra em duas ou três cenas — tudo gente honesta e
temente a Deus — sem um mau 36 para contraste, sem um tirano que
se mate ou mate alguém, pelo menos no último ato, 37 como eram
as tragédias dantes — sem uma dança macabra de assassínios, 38
de adultérios e de incestos, tripudiada ao som das blasfémias e
das maldições, como hoje se quer fazer o drama — eu quis ver se
era possível excitar fortemente o terror e a piedade — ao cadáver
das nossas plateas, gastas e caquéticas 39 pelo uso contínuo de esti-
mulantes violentos, galvanizá-lo com sós estes dous metais de lei.E
Repito sinceramente que não sei se o consegui; sei, tenho fé
certa que aquele que o alcançar, esse achou a tragédia nova, e
calçou justo no pé o coturno das nações modernas; esse não aceite
das turbas o τραγος consagrado, o bode votivo; não subiu 40 ao
carro de Téspis, não besuntou a cara com borras de vinho para
fazer visagens ao povo: F esse atire 41 a sua obra às disputações das
escolas e das parcialidades do mundo, e recolha-se a descansar

32
sensaboria. Eu (…) arrojei, ] L sensaboria: eu (…) arrojei, C (…)
arrojei
33
queda: elas são tantas já!] L queda. São tantas j<á>/a\! C queda.
[→Ellas] <S>/s\ão tantas j<á>/a\!
34
género. Com uma ação ] LC genero: uma acção
35
pai, mãe e filha, ] LC pae mãe e filha,
36
sem um mau ] C sem um </*‘mau’/>[→mau]
37
ato,] L acto
38
assassínios, ] L assassínios
39
plateas, gastas e caquéticas ] L plateas gastas e <□>/cacheticas\
C plateas gastas e cacheticas [O acrescento no espaço em branco deixado em L
foi feito noutra letra.]
40
o τραγος consagrado, o bode votivo; não subiu ] L o τραγος
[→ (tragos) τραγος] consagrado, o bode votivo de Baccho, porque não subiu
C o τραγος consagrado, o bode votivo de Baccho, </*não subiu/>; porque
não subiu
41
povo: esse atire ] L povo [→ esse] atire C povo: [↑esse] atire

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MEMÓRIA 149

no sétimo dia de seus trabalhos, porque tem criado o teatro da


sua época.
Mas se o ingenho 42 do homem tem bastante de divino para
ser capaz de tamanha criação, 43 o poder de nenhum homem só
não virá a cabo dela nunca. Eu julgarei ter já feito muito se, dire-
tamente 44 por algum ponto com que acertasse, indiretamente pelos
muitos em que errei, concorrer para o adiantamento da grande
obra que trabalha e fatiga as intranhas da sociedade que a con-
cebeu, e a quem peja com afrontamentos e nojos, 45 porque ainda
agora se está a formar em princípio de embrião.
Nem pareça que estou dando grandes palavras a piquenas
cousas: o drama é a expressão literária mais verdadeira do estado
da sociedade: a sociedade de hoje ainda se não sabe o que é, o
drama ainda se não sabe o que é: a literatura atual é a palavra, 46 é
o verbo ainda balbuciante de uma sociedade indefinida, e contudo
já influi sobre ela; G é, como disse, a sua expressão, 47 mas reflete
a modificar os pensamentos que a produziram.
Para insaiar estas minhas teorias d’arte, que se reduzem a pintar
do vivo, desenhar do nu, e a não buscar poesia nenhuma nem 48
de invenção nem de estilo fora da verdade e do natural, escolhi
este assunto, 49 porque em suas mesmas dificuldades estavam as
condições de sua maior propriedade.
Há muitos anos, discorrendo um verão pela deliciosa beira-
-mar da província do Minho, fui dar com um teatro ambulante
de atores castelhanos fazendo suas récitas numa tenda de lona
no areal da Póvoa de Varzim além de Vila do Conde. Era tempo
de banhos, havia feira e concorrência grande; fomos à noite ao
teatro: davam a comédia famosa não sei de quem, mas o assunto

42
Mas se o ingenho ] C Mas [↑se] o ingenho
43
capaz de tamanha criação, ] LC capaz d’esta grande creação,
44
muito se, diretamente ] L muito, se directamente <se> C muito se
directamente
45
afrontamentos e nojos, ] LC afrontamentos<,> e nojos[,]
46
a literatura atual é a palavra, ] L a litteratura é a palavra, C a litte-
ratura [→actual] </*na/> é a palavra,
47
expressão, ] LC expressão;
48
nenhuma nem ] L nenhuma, nem
49
assunto, ] LC assumpto

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150 EDIÇÃO CRÍTICA DE FREI LUÍS DE SOUSA

era este mesmo H de Frei Luís de Sousa 50. Lembra-me que ri muito
de um homem que nadava em certas ondas de papelão, enquanto
num 51 altinho, mais baixo que o cotovelo dos atores, ardia um
palaciozinho também de papelão… era o de Manuel de Sousa
Coutinho em Almada!
Fosse de mim, dos atores ou da peça, 52 a ação não me pareceu
nada do que hoje a acho, grande, bela, sublime de trágica majes-
tade. Não se obliteram facilmente em mim 53 impressões que me
intalhem, por mais de leve que seja, nas fibras do coração: e 54 as
que ali recebi estavam inteiramente apagadas quando, poucos anos
depois, lendo a célebre memória do Sr. bispo de Viseu D. Francisco
Alexandre Lobo, e relendo, por causa dela, 55 a romanesca mas
sincera narrativa do padre Frei António da Incarnação, 56 pela
primeira vez atentei no que era de dramático aquele assunto.
Não passou isto porém de um vago relancear do pensamento.
Há dois anos, e aqui nesta sala, quando ouvi ler o curto mas bem
sentido relatório da comissão que nos propôs admitir às provas
públicas o drama 57 O Cativo de Fez,J é que eu senti como um raio
de inspiração nas reflexões que ali se faziam sobre a comparação
daquela fábula ingenhosa e complicada com a história tão simples
do nosso insigne escritor 58.

50
ao teatro: davam a comédia famosa não sei de quem, mas o assunto
era este mesmo de Frei Luís de Sousa ] L ao theatro ouvir a comedia famosa
de Calderon que tractou <d>este mesmo assumpto de Fr. Luiz de Souza.
C ao theatro ouvir a comedia famosa de Calderon que tractou este mesmo
assumpto de Frei Luis de Sousa.
51
enquanto num altinho, ] L em quanto, n’um altinho C em quanto
<n> | n’um altinho,
52
Fosse de mim, dos atores ou da peça, ] L Fosse de mim; dos actores
ou da peça;
53
em mim] C <  > em mim
54
e ] LC <é>/e\
55
relendo, por causa dela, ] LC relendo por causa dela
56
Frei António da Incarnação, ] L Fr. Antonio da Encarnação, C Frei
Antonio <  > da Encarnação,
57
o drama ] L o bello drama C o </*bello/> drama<,>
58
ingenhosa e complicada com a história tão simples do nosso insigne
escritor ] L ingenhosa com a historia do nosso insigne escriptor C <e>/i\ngi-
nhosa e complicada [→ com] a historia [↑tam simples] do nosso insigne
escriptor

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MEMÓRIA 151

Quiseram-me depois fazer crer que o drama português era


todo tirado, ou principalmente imitado, 59 desse romance francês
de que já vos falei e que eu ainda não tinha lido então. Fui lê-lo
imediatamente, e achei falsa de todo a acusação; 60 mas achei mais
falsa 61 ainda a preferência de ingenuidade que a esse romance
ouvia dar. Pareceu-me que o assunto podia e devia ser tratado
de outro modo, e assentei fazer 62 este drama.
Escuso dizer-vos, Senhores, que me não julguei obrigado a ser
escravo da cronologia, nem a rejeitar por impróprio 63 da cena tudo
quanto a severa crítica 64 moderna indigitou como arriscado de 65
se apurar para a história. Eu sacrifico às musas de Homero não
às de Heródoto: K e quem sabe por fim em qual dos dois altares
arde o fogo de melhor verdade! 66
Versei muito e com muito afincada atenção a memória que já
citei do douto sócio da Academia Real das Ciências o Sr. bispo de
Viseu; e colacionei todas as fontes donde ele derivou e apurou seu
copioso cabedal de notícias 67 e reflexões: mas não foi para ordenar
datas, verificar factos ou assentar 68 nomes, senão para estudar de
novo, naquele belo compêndio, 69 carateres, costumes, 70 as cores do
lugar e o aspeto da época, aliás das mais sabidas e averiguadas.
Nem o drama, nem o romance, nem a epopea são possíveis, 71
se os quiserem fazer com a Arte de verificar as datas na mão. 72

59
imitado, ] L imitado C imitado,
60
acusação; ] C acusação,
61
mas achei mais falsa ] L ma<is>/s\ achei mais falsa
62
modo, e assentei fazer ] L modo, [↑e assentei] f<i>/a\z[er] C modo/*,/
[↑e assentei] f</*iz/>/az\er
63
por impróprio ] LC como improprio
64
a severa crítica ] LC <o>/a\ sever<o>/a\ <tribunal da> crítica
65
arriscado de ] L arriscado para C arriscado <para>[→de]
66
verdade! ] L verdade.
67
notícias ] C notícias <,>
68
ou assentar ] LC e assentar
69
de novo, naquele belo compêndio, ] L de novo <na> [n’a]quelle bello
compendio, C de novo n’aquelle bello compendio,
70
costumes, ] C costumes
71
epopea são possíveis, ] LC epope<ia>/a\ são possiveis
72
Arte de verificar as datas na mão.] L [“]<a>/A\rte de verificar as dat-
tas[”] na mão C Arte de verificar as dattas <mão>/na\ mão.

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152 EDIÇÃO CRÍTICA DE FREI LUÍS DE SOUSA

Esta quási apologia seria ridícula, Senhores, 73 se o meu trabalho


não tivesse de aparecer senão diante de vós, que por instituição
deveis saber, e por tantos documentos tendes mostrado que sabeis,
quais e quão largas são, e como limitadas, 74 as leis da verdade
poética, que certamente não deve ser opressora, mas também não
pode ser escrava 75 da verdade histórica. Desculpai-me apontar
aqui 76 esta doutrina, não para vós que a professais, mas para algum
escrupuloso mal advirtido que me pudesse condenar por infração
de leis a que não estou obrigado porque as não aceitei. 77
E todavia cuido que, fora dos algarismos das datas, irrecon-
ciliáveis com todo o trabalho de imaginação, pouco haverá, no
mais, que ou não seja puramente histórico, isto é, referido como
tal 78 pelos historiadores e biógrafos, ou implicitamente contido,
possível, 79 e verisímil de se conter no que eles referem.
Ofereço esta obra ao Conservatório Real de Lisboa, 80 porque
honro e venero os eminentes literatos, 81 e os nobres carateres
cívicos que ele reúne em seu seio, e para testimunho sincero
também da muita confiança que tenho numa instituição que tão
útil tem sido e há de ser à nossa literatura renascente, que tem
estimulado com prémios, animado 82 com exemplos, dirigido com
sábios conselhos a cultura 83 de um género que é, não me canso

73
ridícula, Senhores, ] L ridicula, senhores, C ridicula Senhores,
74
limitadas, ] LC limitadas
75
escrava ] LC escrava,
76
Desculpai-me apontar aqui ] L Desculpai-me appontar aqui C Des-
culpa<i>/e\-me </*appromptar/ aqui> appontar aqui [Em C, o segmento que
foi cancelado ocupa toda a última linha de 79 r.]
77
a que não estou obrigado porque as não aceitei. ] L a que não estou
obrigado [→porque] <nem>/as\ não acceitei. C a que não estou obrigado
[→porque] <nem> as [↑não] acceitei.
78
referido como tal ] C referido [→como] <  > tal
79
possível, ] LC possivel
80
Ofereço esta obra ao Conservatório Real de Lisboa, ] L Dedico ésta
obra ao Conservatorio Real de Lisboa C <Dedico>[↑Ofereço] esta obra ao
Conservatorio Real de Lisboa
81
literatos, ] C l<i>/e\tteratos
82
com prémios, animado com exemplos, ] L com prémios, animado
com exemplos; C com prémios </*e/> animado com exemplos,
83
dirigido com sábios conselhos a cultura ] LC dirigido com conselhos
para a cultura

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MEMÓRIA 153

de o repetir, a mais verdadeira expressão literária e artística da


civilização 84 do século, e reciprocamente exerce sobre ela a mais
poderosa influência. 85
Eu tive sempre na minha alma este pensamento, ainda antes
— perdoai-me a inocente vaidade, se vaidade isto chega a ser — 86
ainda antes de ele aparecer formulado em tão elegantes frases
por esses escritores que alumiam e caracterizam a época, os
Victor Hugos, os Dumas, os Scribes. O estudo 87 do homem é o
estudo deste século, a sua anatomia e 88 fisiologia moral as ciên-
cias mais buscadas pelas nossas necessidades atuais. Coligir os
factos do homem, imprego para o sábio; 89 compará-los, achar a
lei de suas séries, ocupação para o filósofo, o político; revesti-las
das formas mais populares, e derramar assim pelas nações um
insino fácil, uma instrução intelectual e moral 90 que, sem aparato
de sermão ou preleção, surpreenda os ânimos e os corações da
multidão no meio de seus próprios passatempos — a missão do
literato, do poeta. Eis aqui porque esta época literária é a época
do drama e do romance, 91 porque o romance e o drama são, ou
devem ser, isto.
Parti desse ponto, mirei a este alvo desde as minhas primeiras
e mais juvenis composições literárias, escritas em tão desvairadas
situações da vida, e as mais delas no meio de trabalhos sérios e
pesados, para descansar de estudos mais graves ou 92 refocilar o
espírito fatigado dos cuidados públicos — alguma vez também
para não deixar secar de todo o coração na aridez das cousas
políticas, 93 nas quais é força apertá-lo até indurecer para que no-lo
não quebre o egoísmo duro dos que mais carregam onde acham
mais brando, ferem com menos dó e com mais covarde valentia
onde acham menos armado.

84
artística da civilização ] C artística <expres> da civilização
85
poderosa influência. ] LC poderosa e salutar influencia.
86
ser — ] C ser; —
87
Scribes. O estudo ] LC Scribes[.] < — o>/O\ estudo
88
e ] LC <é>/e\
89
sábio; ] L sabio, C sabio;
90
intelectual e moral ] L intellectual<,> e moral C intellectual e moral
91
romance, ] LC romance:
92
ou ] L <é>/e\ C <é>/ou\
93
cousas políticas, ] L coi<z>/s\as politicas C co<u>/i\sas politicas

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154 EDIÇÃO CRÍTICA DE FREI LUÍS DE SOUSA

Eu tinha feito o meu 94 primeiro estudo sobre o homem antigo


na antiga sociedade: pu-lo no expirar da velha liberdade romana,
e no primeiro nascer do absolutismo novo, ou que deu molde 95 a
todos os absolutismos modernos, o que vale o mesmo. L Dei-lhe
as formas dramáticas, 96 é a tragédia de Catão.
O romance de Dona Branca não foi senão uma tentativa inco-
lhida e tímida para espreitar o gosto do público português, para
ver se nascia entre nós o género, e se os nossos jovens escritores
adotavam aquela bela forma, entravam por sua antiga história 97
a descobrir campo, a colher pelas ruínas de seus tempos heroicos
os tipos de uma poesia mais nacional e mais atual. 98 M
O Camões levou o mesmo fito e vestiu as mesmas formas.
Os meus insaios de poesia popular na Adozinda vê-se 99 que
prendem no mesmo pensamento — falar ao coração e ao ânimo
do povo pelo romance e pelo drama.
Este é um século democrático: tudo o que se fizer há de ser
pelo povo e com o povo… ou não se faz. Os príncipes deixaram
de ser, nem podem ser, Augustos. Os poetas fizeram-se cidadãos,
tomaram parte na cousa pública como sua; querem ir como Eurí-
pedes 100 e Sófocles, solicitar na praça os sufrágios populares, não
como Horácio e Virgílio, 101 cortejar no paço as simpatias de reais
corações. As cortes deixaram de ter mecenas; os Medicis, Leão X,

94
feito o meu ] LC feito <> o meu
95
molde ] LC modello
96
dramáticas, ] LC dramáticas;
97
não foi senão uma tentativa incolhida e tímida para espreitar o gosto
do público português, para ver se nascia entre nós o género, e se os nossos
jovens escritores adotavam aquela bela forma, entravam por sua antiga histó-
ria ] L (…) <se> [se]não (…) encolhida e timida para ver se nascia entre nós
o genero, para espreitar o gôsto do publico portuguez, <> se os seus jovens
escriptores adoptav<ão>/am\ aquella bella forma, <s>e entrav<ão>/am\ pela
sua antiga historia C (…) <se> [se]não uma tentativa incolhida e timida para
ver se nascia entre nós o genero, para espreitar <se>/o\ <o> gôsto do público
portuguez, <ou dos seus no> se os seus jovens escriptores adoptava<õ>/m\
aquela bella fórma, </*de/> entra</*õ/>/va\m pela sua antiga historia
98
atual. ] LC natural.
99
Adozinda vê-se ] L <a>/A\DOZINDA <se> vê[→se] C ADOZINDA
[←e similhantes] <se> vê [↑se]
100
sua; querem ir como Eurípedes ] LC sua, (…) Euripides <,>
101
Virgílio, ] LC Virgilio

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MEMÓRIA 155

Dom Manuel e Luís XIV já não são possíveis; não tinham favores
que dar nem tesouros que abrir ao poeta e ao artista.
Os sonetos e os madrigais eram para as assembleas perfumadas
dessas damas que pagavam versos a sorrisos: — e era 102 talvez a
melhor e mais segura letra que se vencia na carteira do poeta. Os
leitores e os espectadores de hoje querem pasto mais forte, menos
condimentado e mais substancial: é povo, 103 quer verdade. Dai-lhe
a verdade do passado no romance e no drama histórico, 104 — no
drama e na novela da atualidade oferecei-lhe o espelho em que
se mire 105 a si e ao seu tempo, a sociedade que lhe está por cima,
abaixo, ao seu nível, — 106 e o povo há de aplaudir, porque intende:
é preciso intender para apreciar e gostar. 107
Eu sempre cri nisto: a minha fé não era tão clara e explícita
como hoje é, mas sempre foi tão implícita. Quis pôr a teoria à
prova 108 experimental e lancei no teatro o Auto de Gil Vicente. Já
escrevi algures, e sinceramente vos repito aqui, que não tomei
para mim os aplausos e favor com que o recebeu o público; não
foi o meu drama que o povo aplaudiu, foi a idea, 109 o pensamento
do drama nacional.
Esta academia Real 110 diante de quem hoje me comprazo
de falar, e a quem, desde suas primeiras reuniões, expus o meu
pensamento, os meus desejos, as minhas esperanças e a minha
fé, vós, Senhores, o intendestes e acolhestes, e lhe tendes 111 dado
vida e corpo. Direta ou indiretamente o Conservatório tem feito

102
sorrisos: — e era ] L s<o>/u\rrizos — e era C sorrisos: — <vai> e era
103
é povo ] L e<o> povo, C <e>/é\ <o> povo,
104
histórico, ] LC histórico;
105
mire ] L <lhe>[↑mire] C <lhe> [→mire]
106
nível, — ] LC nivel: —
107
apreciar e gostar ] L appreciar. C appreciar<.>/e\ gostar
108
à prova ] C á </*parte/> prova
109
foi a idea ] TF foi à idea LC foi a idea, [Em C, o X que se vê à trans-
parência de «Leão X», na outra face da folha, encontra-se sobre o artigo a de «a |
idea» e pode ter contribuído para a acentuação inadvertida.]
110
Real ] L Real,
111
Senhores, o intendestes e acolhestes, e lhe tendes ] L Senhores, a
<e>/i\tendestes e <a> acolhestes e lhes tendes C senhores, o intendestes e
acolhestes, e lhes tendes

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156 EDIÇÃO CRÍTICA DE FREI LUÍS DE SOUSA

nascer em Portugal mais dramas em menos de cinco anos 112 do


que até agora se escreviam num século.
O ano passado quando publiquei o Alfageme, aqui vos disse,
Senhores, a tenção 113 com que o fizera, o desejo que tinha de o
submeter à vossa censura, e os motivos de delicadeza que tive
para o não fazer entrar a ela pela fieira marcada nas nossas leis
académicas. 114 Os mesmos motivos me impedem agora de apre-
sentar 115 Frei Luís de Sousa sob a tutela do incógnito 116 e protegido
pelas fórmulas que haveis estabelecido para o processamento
imparcial 117 e meditada sentença de vossas decisões.
Mas nenhuma delicadeza, nenhuns respeitos humanos podem
vedar-me que eu venha intregar como oferenda ao Conservatório 118
Real de Lisboa este meu trabalho dramático que provavelmente
será o último, inda que Deus me tenha a vida por mais tempo;
porque esse pouco ou muito que já agora terei de viver 119 está
consagrado, por uma espécie de juramento que me tomei a mim
mesmo 120 a uma tarefa longa e pesada que não deixará nem a
sesta do descanso ao trabalhador 121 que trabalha no seu, com a
estação adiantada, e quer ganhar o tempo perdido. Incita-o esta
idea, e punge-o, demais, o amor próprio: 122 porque hoje 123 não
pode já deixar de ser para mim um ponto de honra desimpenhar

112
anos ] L annos,
113
a tenção ] L [a] <a>tenção
114
marcada nas nossas leis académicas. ] L marcada <pelas>[↑em] nossas
leis academicas. C marcada pelas nossas </*ordens/>[↑leis] academicas.
115
agora de apresentar ] L agora de vos apresentar C agora <do>
[↑de] apresentar
116
incógnito ] L incognito,
117
imparcial ] L imparcial,
118
venha intregar como oferenda ao Conservatório ] L venha offerecer-
-vos, dedicar ao Conservatorio C venha <oferecer vos >[↑apresentar como
offerenda] ao <c>/C\onservatorio
119
terei de viver ] LC terei que viver
120
mesmo ] L mesmo, < — > C mesmo, [↑—]
121
ao trabalhador ] LC a[o] <um> trabalhador —
122
demais, o amor próprio: ] L de mais, o amor próprio, C de mais
<> o amor próprio,
123
hoje ] LC hoje<,>

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MEMÓRIA 157

funções de que me não demiti nem demito 124 — escrevendo, na


história do nosso século, a crónica do último rei de Portugal o
Senhor Dom Pedro IV. 125
Assim 126 quási que dou aqui o último vale a essa amena
literatura que foi o mais querido folguedo da minha infância,
o mais suave inleio da minha juventude, e o passatempo mais
agradável e refrigerante dos primeiros e mais agitados anos da
minha hombridade.
Despeço-me com saudade; 127 — nem me peja dizê-lo diante
de vós: é virar as costas ao Éden de regalados e priguiçosos fol-
gares, para entrar nos campos do trabalho duro, onde a terra se
não lavra senão com o suor do rosto; 128 e quando produz, não
são rosas nem lírios que afagam os sentidos, mas plantas — úteis
sim, porém 129 desgraciosas à vista, fastientas ao olfato — 130 é o
real e o necessário da vida.

124
funções de que me não demiti nem demito ] LC fun[c]ções [→de]
que me não demitti [↑nem] demitto
125
escrevendo, na história do nosso século, a crónica do último rei de
Portugal o Senhor Dom Pedro IV. ] L escrevendo a historia do nosso seculo
na minha chronica do ultimo rei de <p>/P\ortugal o Senhor Dom Pedro IIII.
C escrevendo na historia do nosso seculo [→a] <> chronica do último rei
de Portugal o Senhor Dom Pedro [→IV] <IIII>.
126
Assim ] LC Assim,
127
saudade; ] LC saudades;
128
senão com o suor do rosto; ] L <senão juncto> senão com o suor do
rosto; C senão <juncto senão> com o suor do rosto;
129
porém ] LC <necessarias> porêm
130
olfato — ] L olfato<,> —

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ÍNDICE

A edição crítica da obra completa de Almeida Garrett,


por Maria Helena Santana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Introdução,
por João Dionísio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Simbolos e siglas usados nesta edição . . . . . . . . . . . . . . . . 17
I. Sobre Frei Luís de Sousa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
II. Sobre esta edição:
1. Descrição dos manuscritos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
2. Da génese à primeira apresentação do drama . . . 59
3. Transmissão manuscrita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
4. Publicação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100
5. Fortuna editorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
6. Critérios desta edição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
Normas da edição:
1) Transcrição. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122
2) Aparato . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124
Bibliografia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
Texto crítico — Frei Luís de Sousa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
Prólogo dos editores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
Ao Conservatório Real (memória) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143
Frei Luís de Sousa, drama . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159
Notas:
À memória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 269
Ao drama, ato i . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 283
Ao drama, ato ii . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 301
Ao drama, ato iii. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 309

Apêndice, juízo crítico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 313

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Apontamentos e rascunhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 325
Apontamentos de Almeida Garrett sobre a preparação
do drama . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 327
[A) Personagens e enredo] . . . . . . . . . . . . . . . . . 327
[B) Atos e cenas] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 330
Rascunho da Memória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 335
Rascunho do Drama . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 345

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