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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

NATÁLIA CARVALHO WINCK

A CONTRADIÇÃO DA ESCRAVIDÃO:
GONÇALVES DIAS E JOSÉ DE ALENCAR

CURITIBA
2021
NATÁLIA CARVALHO WINCK

A CONTRADIÇÃO DA ESCRAVIDÃO:
GONÇALVES DIAS E JOSÉ DE ALENCAR

Trabalho final apresentado no curso de


Graduação em Letras Português Italiano,
Setor de Humanas, Universidade Federal
do Paraná, como requisito parcial à
conclusão da disciplina de Literatura
Brasileira II.

Orientador: Prof. Dr. Benito Martinez


Rodriguez.

CURITIBA
2021
“E os elos da corrente, que manietava os homens de cor preta soltaram um som áspero
de discorde, como o rugido de uma pantera.
E eu vi que esses homens tentavam desligar-se das suas cadeias, e que dos pulsos
arrochados lhes corria o sangue sobre as algemas pesadas.
E vi que o ferro resistia às suas tentativas; mas também vi que a sua raiva era
frenética, e que o sangue que lhes manava das feridas cerceava o ferro, como o enxofre
incendido”.
(DIAS, 1850, p.103)
INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo analisar como as obras de Gonçalves Dias e José de
Alencar retratam a escravidão, assim como a questão indígena. Durante a análise das obras de
tais autores ao decorrer da disciplina de Literatura Brasileira I, tornou-se possível fazer uma
comparação entre a abordagem do tema em cada um deles: Gonçalves Dias mais realista e
José de Alencar mais idealista.
Sendo assim, este ensaio se deteve especialmente sobre os estudos de Wilton José
Marques (UFSCar/UNESP) e Eduardo Vieira Martins (DTLLC): Gonçalves Dias: o poeta na
contramão (2009) e Dez estudos (e uma pequena bibliografia) para conhecer José de
Alencar (2016). Este estudo se divide em mais quatro seções, além desta de Introdução: 1)
Revisão da Literatura; 2) Análise Comparada; 3) Considerações Finais; 4) Referências.
REVISÃO DA LITERATURA

Este ensaio toma como principais pilares os textos de Wilton José Marques
(UFSCar/UNESP), Gonçalves Dias: o poeta na contramão (2009), preparado para a sua fala
no Congresso Internacional de 2009 da LASA, e de Eduardo Vieira Martins (DTLLC), Dez
estudos (e uma pequena bibliografia) para conhecer José de Alencar (2016). Deste modo,
esta seção do trabalho se detém sobre o resumo e explicação de tais fontes bibliográficas.
A fala de Marques (LASA, 2009) se divide em três seções, sendo essas: A missão do
vate, Generalidades: ou um outro profeta? e A primeira visão e a crítica (a principal e mais
longa seção). Em A missão do vate, o professor procura explicar o contexto no qual a obra
Meditação (DIAS, 1850) foi constituída, destacando que, no Brasil romântico, procurava-se
formar uma nacionalidade brasileira a partir da imagem e do discurso, sendo a poesia
indianista (ou “americana”, como o próprio autor nomeou) de Gonçalves Dias uma grande
marca disso.
Contudo, Marques ressalta:
“a produção literária gonçalvina não se restringiu apenas à vertente indianista, ela também dialogou
com outros temas inerentes à estética romântica, tais como o amor, a relação com a natureza, a
religiosidade, etc.” (LASA, 2009, p.1).
Sendo assim, o autor destaca que Dias costumava usar suas obras como meios para
chamar a atenção para as “contradições que, desde sempre, permearam o cerne das relações
de poder na sociedade oitocentista brasileira”, como a escravidão (LASA, 2009, p.1). O
estudioso destaca:
“Gonçalves Dias não somente assumiu para si a crença de que sua obra era revestida de um caráter de
missão estético-social, como também sentiu-se igualmente responsável para com os destinos do país”
(LASA, 2009, p.1-2).
Nesse caso, Marques chama nossa atenção especialmente para a obra Meditação
(DIAS, 1850), na qual, podemos encontrar uma “larga visão poética do país” (LASA, 2009,
p.2), como chegou a destacar Antonio Candido:
“as suas raças, os escravos, os índios à margem do progresso, a iniquidade da vida política, as
dificuldades de acertar - abrindo uma perspectiva otimista com o apelo ao patriotismo, chamado a
cumular as lacunas da civilização e compensar, tanto as falhas dos governos quanto a indisciplina dos
costumes públicos” (CANDIDO, 1981, p.52).
Em Generalidades: ou um outro profeta?, Marques procura resumir a obra
Meditação, onde acompanhamos as visões de um jovem estrangeiro sobre o Brasil,
proporcionadas pelo poder de um velho. Nessas visões:
“o jovem (...) acaba assumindo uma postura semelhante à de um profeta que medeia (revelando) as
relações entre os homens e os mistérios de Deus, inacessíveis a esses mesmos homens (...). Como
adentra numa ‘realidade impossível’ aos homens e, inclusive, superior ao seu próprio entendimento, o
profeta, para traduzir o que vê, deve necessariamente lançar mão de uma linguagem simbólica e
poética, cuja força metafórica resida justamente numa espécie de duplo poder, isto é, o de explicitar os
significados de tais visões e o de, por tabela, levar os eventuais leitores a refletirem sobre a importância
de tais significados” (LASA, 2009, p.2).
Na sequência, o autor procura explicitar que, ao fazer uso destas visões que o
protagonista é capaz de ter apenas no que diz respeito ao Brasil, Gonçalves Dias procura não
apenas tornar conhecidos os problemas sociais da época, mas também trazer para eles
possíveis soluções. Segundo Marques, esta é uma “tentativa inocente ou não de ser a
manifestação de uma autoconsciência coletiva1” (LASA, 2009, p.3).
Em A primeira visão e a crítica, Marques se detém sobre o problema da escravidão,
tratado na obra de Gonçalves Dias. Em Meditação, torna-se evidente que a sociedade
brasileira da época tinha como base o trabalho escravo e, justamente por isso, a escravidão
esteve presente no Brasil por um longuíssimo período de tempo, sendo um dos últimos países
a atigir “um novo e desejado status de civilidade” (LASA, 2009, p.3).
A um primeiro momento, a visão que o jovem tem do Brasil é paradisíaca, como
tendia a ser a visão romântica da época sobre terras sul-americanas. Contudo, o personagem
também observa o seguinte:
“(...) vejo milhares de homens de fisionomias discordes, de cor vária e de caracteres diferentes.
E esses homens formam círculos concêntricos, como os que formam a pedra, caindo no meio das águas
plácidas de um lago.
E os que formam os círculos externos têm maneiras submissas e respeitosas, são de cor preta; - e os
outros, que são como um punhado de homens, formando o centro de todos os círculos, têm maneiras
senhoris e arrogantes, e são de cor branca.
E os homens de cor preta têm as mãos presas em longas correntes de ferro, cujos anéis vão de uns a
outros, eternos, como a maldição que passa de pais a filhos” (DIAS, 1850, p.102-103).
Sobre esses círculos concêntricos, Marques propõe uma possível análise de que,
aqueles que estão às margens desta imagem são aqueles à margem da sociedade (os
escravos), de modo que, quando mais ao centro se vai, mais alta a posição do indivíduo na
hierarquia social (os senhores de escravos). Em seguida, o professor se detém sobre a questão
da violência, tratada na visão através da figura das longas correntes de ferro que unem estes
escravos (e também mais adiante em uma cena de agressão contra um dos escravos da visão):

1
Grifo nosso.
“No entanto, não se pode esquecer que, em vários momentos, essa idêntica lógica de violência também
se traduziu num estado de permanente tensão entre brancos e negros. Assim, se, para o poeta, a
natureza brasileira era prodigiosa e perfeita, a sociedade evidentemente não o era. A todo momento, e
desde cedo, era sempre preciso demarcar e reafirmar, num contínuo exercício de poder, os papéis e
lugares sociais que regiam tais relações de poder” (LASA, 2009, p.5).
Além da constante prática da violência como forma de dominação destes escravos,
Marques destaca outros modos de dominação da época, como o incentivo à formação de
casais entre os negros, à doutrinação religiosa e à falta de instrução. Mas, ainda sobre a
violência, o autor destaca:
“Entretanto, a despeito dessa opinião do poeta ou a despeito até mesmo do relativo sucesso dessas
práticas atenuantes, a efetiva violência sobre os negros também implicava na possibilidade, igualmente
real, de revide” (LASA, 2009, p.6).
Desse modo, na sequência de Meditação, observamos na visão do jovem a união
destes escravos ao presenciarem a injustiça cometida (na anterior cena de agressão), em “um
forte desejo de reação solidária” (LASA, 2009, p.7):
“E os elos da corrente, que manietava os homens de cor preta soltaram um som áspero de discorde,
como o rugido de uma pantera.
E eu vi que esses homens tentavam desligar-se das suas cadeias, e que dos pulsos arrochados lhes
corria o sangue sobre as algemas pesadas.
E vi que o ferro resistia às suas tentativas; mas também vi que a sua raiva era frenética, e que o sangue
que lhes manava das feridas cerceava o ferro, como o enxofre incendido” (DIAS, 1850, p.103).
Após o pedido do jovem ao velho para que deixe de fazê-lo ver tais cenas
angustiantes, o velho faz com que sua visão recaia sobre a cidade. Contudo, mesmo dentro
deste ambiente, a princípio não hostil, o jovem observa que toda a estrutura social do lugar
recai sobre os negros:
“E nessas cidades, vilas e aldeias; nos seus cais, praças e chafarizes - vi somente - escravos!
E à porta ou no interior dessas casas mal construídas, e nesses palácios sem elegância - escravos!
E no adro ou debaixo das naves dos templos, de costas para as imagens sagradas, sem temor como sem
respeito - escravos!
E nas jangadas mal tecidas, e nas canoas de um só toro de madeira - escravos; - e por toda parte -
escravos!
(...)
Mas grande parte da sua população é escrava; mas a sua riqueza consiste nos escravos; mas o sorriso, o
deleite do seu comerciante, do seu agrícola e o alimento de todos os seus habitantes é comprado à custa
do sangue e do suor do escravo” (DIAS, 1850, p.104).
Ao final de seu texto, Marques faz uso dessa passagem para mostrar-nos como, até
mesmo nesta obra à frente de seu movimento (daquele Romantismo que olhava para o Brasil
exótico e paradisíaco), foi necessária a visão do estrangeiro (do jovem profeta) para delatar a
contradição da “alegria” de nosso país obtida através “do sangue e do suor do escravo”
(LASA, 2009, p.8).
O texto de Eduardo Vieira Martins (DTLLC), Dez estudos (e uma pequena
bibliografia) para conhecer José de Alencar (2016), divide-se numericamente em duas
grandes seções e procura, como indica seu título, trazer para seu leitor uma bibliografia para
o estudo da pessoa e obra de José de Alencar. Martins inicia seu texto com uma pequena
bibliografia de José de Alencar, na qual descobrimos que o famoso escritor foi neto de
Bárbara de Alencar, participante das revoltas libertárias das províncias do Norte. Além disso,
o pai de José de Alencar era político e ex-padre (MARTINS, 2016, p.1).
Segundo o texto, José de Alencar mudou-se para a corte quando criança e se formou
em Direito no estado de São Paulo, sendo contemporâneo de Álvares de Azevedo
(1831-1852), Bernardo Guimarães (1825-1884) e Francisco Otaviano (1825-1889). Além de
escritor, José de Alencar foi advogado, jornalista e político, tendo sido deputado do partido
conservador e ministro da Justiça em Itaboraí (MARTINS, 2016, p.1).
Martins destaca que José de Alencar começou a se envolver com Literatura ainda no
posto de redator do Diário do Rio de Janeiro, quando criticou veementemente o poema épico
A Confederação dos Tamoios (MAGALHÃES, 1856). Publicou no mesmo ano o romance
Cinco Minutos e no ano seguinte publicou O Guarani. Com o sucesso de O Guarani,
publicou A Viuvinha (que ficou inacabado), passando, então, para o teatro com a peça Rio de
Janeiro, verso e reverso, seguida pela famosa O demônio familiar. Após a proibição da peça
As asas de um anjo, em 1858, José de Alencar escreveu o romance Lucíola, publicado em
1862. Contudo:
“A despeito do sucesso (e, em certa medida, por causa dele), sua obra começava a ser questionada por
críticos e escritores que, à maneira de Franklin Távora e Joaquim Nabuco, investiam contra o que lhes
parecia falta de adesão aos dados colhidos pela observação e abuso da imaginação criadora”
(MARTINS, 2016, p.2).
Em seguida, o autor se detém sobre a bibliografia recomendada para o estudo de José
de Alencar. Destaca algumas edições críticas de seus romances, como as de Darcy
Damasceno, Cavalcanti Proença e outros, além da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin.
Além disso, recomenda textos críticos do próprio Alencar, como Cartas sobre “A
Confederação dos Tamoios”, Bênção Paterna e Como e porque sou romancista, textos onde
aborda suas próprias obras, procurando categorizá-las e defendê-las das críticas.
Em Bênção Paterna, Alencar propõe para sua obra a classificação em três fases: 1)
“primitiva” (“aborígene”); 2) histórica; 3) “infância da nossa literatura”. Na primeira
frase estaria inserido o romance Iracema, na segunda estariam O guarani e As minas de prata
e, na terceira, histórias como O tronco de Ipê, Til, O gaúcho (inseridos em comunidades
interioranas), Lucíola, Diva, A pata da gazela e Sonhos d’ouro (inseridos na corte):
“Essa classificação proposta pelo autor foi retomada pela crítica e pela historiografia literária do século
XX, que, com alterações ora mais, ora menos acentuadas, dividiu sua obra em categorias como
‘romances históricos’, ‘indianistas’, ‘urbanos’ e ‘regionalistas’, rótulos utilizados também pelas
editoras que a publicaram” (MARTINS, 2016, p.4).
Martins expõe sobre Como e porque sou romancista:
“Ao refutar a acusação de haver copiado O último dos moicanos, de Fenimore Cooper, argumenta que,
ao contrário do norte-americano, que teria representado o indigena de uma perspectiva ‘realista’, ele
adotou um ponto de vista idealizante e poético2” (MARTINS, 2016, p.4).
Na página seguinte, o texto se detém especialmente sobre as influências de Alencar
para o teatro e o drama brasileiro. Sobre o primeiro, Martins destaca que o autor encontrava
na “alta comédia” um espaço para a educação moralizante do público. Sobre o segundo:
“alguns problemas discutidos a propósito de O jesuíta transcendem o gênero dramático e ajudam a
compreender a visão do escritor sobre questões que afetam também o romance, como, por exemplo, a
relação entre história e imaginação3” (Coutinho, 1978, p.29 em MARTINS, 2016, p.5).
Após essas indicações bibliográficas, o autor passa às sugestões das críticas da
“recepção imediata” de Franklin Távora e Joaquim Nabuco, que criticam especialmente a
falta de veracidade de sua obra:
“Távora argumenta que Alencar era um escritor de gabinete, que por não observar as regiões e os tipos
humanos representados em seus romances era obrigado a abusar da imaginação, incorrendo em erros e
impropriedades (...) Nabuco debruça-se sobre os romances e procura destacar o que lhe parece ofender
a ciência, a história ou a mera observação da realidade (...) No tocante ao teatro, a crítica de Nabuco
incide sobre a incorporação do escravo e da sua linguagem em O demônio familiar e Mãe, rompendo o
decoro devido à arte, compreendida por ele como uma forma de representação ideal da sociedade: ‘o
homem do século XIX não pode deixar de sentir um profundo pesar, vendo que o teatro de um grande
país, cuja civilização é proclamada pelo próprio dramaturgo escravagista (...) acha-se limitado por uma
linha negra, e nacionalizada pela escravidão’ (p.106)” (MARTINS, 2016, p.6).
Entrando na segunda seção do texto, o estudioso procura indicar bibliografias críticas
posteriores, como as de Antonio Candido, Tristão Alencar Araripe Júnior, M. Cavalcanti
Proença, Valeria De Marco, Alfredo Bosi, Roberto Schwarz, João Roberto Faria, Flávio
Aguiar e Décio de Almeida Prado. Sobre essas obras, procuro destacar apenas aquelas que se
alinham com o objetivo deste trabalho.

2
Grifo nosso.
3
Idem.
Valeria De Marco, em A perda das ilusões, destaca sobre os romances de Alencar:
“Seu romance não é pausa na vida agitada; é também proposta de reflexão sobre o país e
veículo de discussão política” (MARCO, 1993, p.226). Em Um mito sacrificial: o indianismo
de Alencar, Alfredo Bosi destaca que, apesar de ser esperado que o colonizador fosse
vilanizado, em um período antilusitano como o qual estão inseridos os romances O guarani e
Iracema, nas obras indianistas de Alencar “o índio ‘entra em comunhão com o colonizador’
(p.177)” e se entrega “sacrificialmente” a ele (MARTINS, 2016, p.9).
Em A importância do romance e suas contradições em Alencar, Roberto Schwarz
destaca, quando trata do romance Senhora:
“Essa dissonância entre o centro e a periferia, ao mesmo tempo em que cria um problema de
composição, revela um dado da realidade brasileira do segundo reinado, que seria, ela própria, vincada
por um descompasso entre a ideologia liberal e a manutenção do sistema escravocrata de produção”
(MARTINS, 2016, p.10).
Por fim, sobre a análise de Décio de Almeida Prado de O jesuíta, Martins destaca:
“Almeida Prado discute as ideias de Alencar sobre o gênero, desvenda a arquitetura da peça e os
elementos históricos e ficcionais empregados na sua construção, mostrando como o protagonista, o dr.
Samuel, transita entre o mito e a história4 (p.154), e chamando a atenção para a ‘ausência do negro’
como elemento constitutivo da futura nação brasileira, o que vem ressaltar o ‘caráter abstrato, como
que simbólico’ de O jesuíta (p. 159)” (MARTINS, 2016, p.12).

4
Grifo nosso.
ANÁLISE COMPARADA

Como mencionado na Introdução deste trabalho, o principal objetivo desta análise


comparada é analisar como as obras de Gonçalves Dias e José de Alencar retratam a
escravidão, especialmente, e a questão indígena. Primeiramente, é importante ressaltar que,
tanto um quanto outro, viam em suas obras um espaço para conscientização de seus leitores.
Contudo, é importante salientar que José de Alencar esteve ativamente envolvido na política,
diferentemente de Gonçalves Dias, de modo que, para o último fez-se mais possível a delação
das podridões ideológicas de sua época sem filtros ou idealismos.
Como destacou Marques em Gonçalves Dias: o poeta na contramão:
“Gonçalves Dias não somente assumiu para si a crença de que sua obra era revestida de um caráter de
missão estético-social, como também sentiu-se igualmente responsável para com os destinos do país”
(LASA, 2009, p.1-2).
Além disso, ressalta que, em Meditação, Gonçalves Dias procura não apenas tornar
conhecidos os problemas sociais da época, mas também trazer para eles possíveis soluções.
Segundo o estudioso, esta é uma “tentativa inocente ou não de ser a manifestação de uma
autoconsciência coletiva” (LASA, 2009, p.3). Valeria De Marco, por sua vez, afirma sobre
Alencar, em A perda das ilusões: “Seu romance não é pausa na vida agitada; é também
proposta de reflexão sobre o país e veículo de discussão política” (MARCO, 1993, p.226).
A abordagem de ambos os autores, entretanto, sobre o tema das escravidão, é feita de
modo muito diverso. Gonçalves Dias trata do tema de maneira muito mais realista e direta,
enquanto José de Alencar costuma tratá-lo de maneira muito atenuada, como podemos
observar em O demônio familiar, peça na qual o escravo Pedro não passa por nenhuma
dificuldade a não ser por aquelas causadas pela sua própria imprudência.
Gonçalves Dias, por outro lado, como mencionado anteriormente, não teme retratar,
por exemplo, a grande “ferramenta” usada contra os escravos na época: a violência. Sobre
isso, Marques destacava:
“No entanto, não se pode esquecer que, em vários momentos, essa idêntica lógica de violência também
se traduziu num estado de permanente tensão entre brancos e negros. Assim, se, para o poeta, a
natureza brasileira era prodigiosa e perfeita, a sociedade evidentemente não o era. A todo momento, e
desde cedo, era sempre preciso demarcar e reafirmar, num contínuo exercício de poder, os papéis e
lugares sociais que regiam tais relações de poder” (LASA, 2009, p.5).
Por isso mesmo, como destacava Marques em sua fala, a raça dominante precisava
recorrer a outros meios de dominação, como a falta de instrução e a doutrinação religiosa
(LASA, 2009, p.5-6). Dessa maneira, é interessante observar a ausência de tais elementos na
obra de José de Alencar. Muito possivelmente isso se deve ao tom idealista de seus livros,
como destacou Décio de Almeida Prado em O drama histórico nacional: Agrágio de
Menezes, José de Alencar, Paulo Ério, Castro Alves (quando trata de O jesuíta):
“Almeida Prado discute as ideias de Alencar sobre o gênero, desvenda a arquitetura da peça e os
elementos históricos e ficcionais empregados na sua construção, mostrando como o protagonista, o dr.
Samuel, transita entre o mito e a história (p.154), e chamando a atenção para a ‘ausência do negro’
como elemento constitutivo da futura nação brasileira, o que vem ressaltar o ‘caráter abstrato, como
que simbólico’ de O jesuíta (p. 159)” (MARTINS, 2016, p.12).
Roberto Schwarz, propõe, em A importância do romance e suas contradições em
Alencar, ao analisar o romance Senhora, que isso poderia se dar devido a “um descompasso
entre a ideologia liberal e a manutenção do sistema escravocrata de produção” da realidade
brasileira do segundo reinado (MARTINS, 2016, p.10). Ou, segundo Franklin Távora, em
Cartas a Cincinato, a possível causa para tal seria que “Alencar era um escritor de gabinete,
que por não observar as regiões e os tipos humanos representados em seus romances era
obrigado a abusar da imaginação, incorrendo em erros e impropriedades” (MARTINS, 2016,
p.6).
Joaquim Nabuco, entretanto, possuía uma opinião mais radical sobre o retrato da
escravidão na obra de José de Alencar (neste caso em O demônio familiar):
“a incorporação do escravo e da sua linguagem em O demônio familiar e Mãe, rompendo o decoro
devido à arte, compreendida por ele como uma forma de representação ideal da sociedade: ‘o homem
do século XIX não pode deixar de sentir um profundo pesar, vendo que o teatro de um grande país, cuja
civilização é proclamada pelo próprio dramaturgo escravagista (...) acha-se limitado por uma linha
negra, e nacionalizada pela escravidão’ (p.106)” (MARTINS, 2016, p.6).
Gonçalves Dias, por sua vez, era capaz de observar que o retrato da sociedade da
época simplesmente não poderia deixar de incluir a presença, em peso, dos negros, como
podemos observar na visão do jovem profeta em Meditação:
“E nessas cidades, vilas e aldeias; nos seus cais, praças e chafarizes - vi somente - escravos!
E à porta ou no interior dessas casas mal construídas, e nesses palácios sem elegância - escravos!
E no adro ou debaixo das naves dos templos, de costas para as imagens sagradas, sem temor como sem
respeito - escravos!
E nas jangadas mal tecidas, e nas canoas de um só toro de madeira - escravos; - e por toda parte -
escravos!
(...)
Mas grande parte da sua população é escrava; mas a sua riqueza consiste nos escravos; mas o sorriso, o
deleite do seu comerciante, do seu agrícola e o alimento de todos os seus habitantes é comprado à custa
do sangue e do suor do escravo” (DIAS, 1850, p.104).
Sendo assim, é fácil observar que a escravidão não só fazia parte da sociedade
brasileira da época, mas era propriamente o sustento dela e fruto de verdadeira contradição
para o Romantismo que visualizava as terras brasileiras como “exóticas e paradisíacas”.
Sobre a questão indígena, as obras de tais autores podem ser comparadas com o
mesmo peso e medida usados para o tema da escravidão. Gonçalves Dias, propriamente por
ser um estudioso da área e descendente indígena, era capaz de abordar o tema com realismo,
enquanto José de Alencar possuía uma visão mais idealizada (e muitas vezes contraditória)
do assunto. Segundo os estudos de Martins, o próprio Alencar teria afirmado o mesmo:
“Ao refutar a acusação de haver copiado O último dos moicanos, de Fenimore Cooper, argumenta que,
ao contrário do norte-americano, que teria representado o indigena de uma perspectiva ‘realista’, ele
adotou um ponto de vista idealizante e poético” (MARTINS, 2016, p.4).
Além disso, em Um mito sacrificial: o indianismo de Alencar, Alfredo Bosi destaca
que, apesar de ser esperado que o colonizador fosse vilanizado, em um período antilusitano
como o qual estão inseridos os romances O guarani e Iracema, nas obras indianistas de
Alencar “o índio ‘entra em comunhão com o colonizador’ (p.177)” e se entrega
“sacrificialmente” a ele (MARTINS, 2016, p.9). Enquanto isso, em poemas como O Canto do
Piaga e Marabá, Gonçalves Dias se posiciona contra o colonizador, que vem para destruir a
pureza destes povos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo propôs-se a analisar as obras de Gonçalves Dias e José de Alencar a partir
dos estudos de Wilton José Marques (UFSCar/UNESP) e Eduardo Vieira Martins (DTLLC),
tomando a liberdade interpretativa possível para tais obras. O objetivo de tal pesquisa era o de
discorrer sobre os temas da escravidão e da questão indígena nas obras de Gonçalves Dias e
José de Alencar, principalmente levando-se em conta o contexto social e literário no qual tais
obras estavam inseridas.
Sendo assim, é importante ter-se em conta que, sendo este um trabalho de análise
literária, não nos detivemos na análise destes temas em nosso atual contexto social e literário,
pois nenhum destes autores se encontram presentes na atualidade. Devido ao tempo e escopo
da disciplina de Literatura Brasileira I, uma pesquisa mais extensa não foi possível. Contudo,
espera-se que, com o uso das referências previamente mencionadas, tenha-se feito possível a
confecção de uma análise completa e coerente.
REFERÊNCIAS

CANDIDO, Antonio. Os três Alencares. In: Formação da literatura brasileira [V.2.], Belo
Horizonte: Itatiaia, 1981.
COUTINHO, Afrânio (org.). A polêmica Alencar-Nabuco. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, Brasília: UnB, 1978.
DIAS, Gonçalves. Meditação. In: Guanabara, revista mensal, artística, científica e literária
[Tomo I], Rio de Janeiro, 1850.
LASA 2009 XXVIII International Congress. Gonçalves Dias: o poeta na contramão. 2009.
(Congresso).
MARCO, Valeria De. A perda das ilusões. O romance histórico de José de Alencar.
Campinas: Unicamp, 1991.
MARTINS, Eduardo Vieira. Dez estudos (e uma pequena bibliografia) para conhecer José
de Alencar. In: Guia bibliográfico da FFLCH [S.l: s.n.], 2016.

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