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Ensaio produzido para o XV Colóquio de Literatura Baiana – A poesia contemporânea
(ALB/UEFS/UNEB), 2020.
2 Wesley Correia é Doutor em Estudos Étnicos e Africanos, escritor e ensaísta. É professor de
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acabam reduzidas às perspectivas de um outro grupo que sobre aquele lança
camadas e mais camadas de significantes, estofando, assim, o recrudescimento
do que Chimamanda Adiche tem considerado como “o perigo de uma história
única” (2010). Dito de outro modo, deriva-se deste processo uma alteridade fora
de proporção e, em boa medida, mantenedora dos preconceitos que
circunscrevem subjetividades secularmente atravessadas por vários e
elaborados mecanismos de opressão. Uma vez trazido ao âmbito da escrita que
figura nas prateleiras literárias do Brasil, caracterizadas pela sintomática
ausência de vozes negras, o dado pode explicar, por exemplo, a reiterada
alocação de personagens de cor nos sub-lugares da ficção narrativa, na sua
secundarização corrente e na fetichização dos seus corpos em plano diegético,
a ponto de tornar evidentes não só a impossibilidade do protagonismo destas
personagens em cena, mas também, como consequência direta da regulação
que esta agência opera, o nítido apagamento de suas histórias no interior da
história mesma; uma operação que nada tem de fortuita porque coexiste em
diálogo direto com a realidade concreta, em especial ao reproduzir os níveis de
estratificação social que dão substrato aos mundos formados a partir da
diáspora. Outrossim, considerando-se a natureza de cada gênero, uma vez que
estejam devidamente resguardadas as proporções de intenção e finalidade, o
mesmo princípio invisibilizador, presente nos romances, novelas e contos
brasileiros mais difundidos, se manifestará também na lírica e no teatro. Fato é
que a tenacidade do imaginário, urdido sob a ubiquidade de um cânone macho-
branco, sofre impacto quando sujeitos de fora do centro, os assimetricamente
escritos/descritos, quando “outsiders” tomam o controle do discurso para fazer
ecoar outros vieses semânticos, sintaxe e substância também outras, enquanto
a previsibilidade da página vai sendo surpreendida pela ação do deslocamento
das vozes; seguramente, neste sentido, a encarnação da grande ferida aberta
do Brasil, da ferida em carne viva vertida em livro, fenômeno que se tornou
possível a partir da estrondosa presença de Carolina Maria de Jesus no cenário
da literatura, constitui desde 1960 até os dias atuais o principal exemplo de
fissura nas colunas canônicas. Antes dela, entretanto, na segunda metade do
século XIX, a voz de Maria Firmina dos Reis, considerada por alguns
historiadores da literatura como a primeira romancista negra, já depunha contra
os desníveis da instância literária: “Sei que pouco vale este romance porque
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escrito por mulher, e mulher brasileira, de educação acanhada e sem o trato
e conversação dos homens ilustrados.” (REIS, 2018, p. 12, grifos meus). Por
conseguinte, lição definitiva sobre o caminho da autoexpressão como resposta
ao etnocentrismo foi legada a partir do desbravamento que as autoras de “Quarto
de despejo” e de “Úrsula” empreenderam, cada qual a seu tempo e a sua
maneira, enquanto leitoras perspicazes do Brasil. Em posse do verbo, sujeitos
Outros cuja condição é, sob muitos aspectos, equivalente à das escritoras
referidas, cumprem dar carne e nervos, sangue e ossatura ao que antes era
espectro, operando assim tanto um modo diverso de fazer literatura, uma vez
que serão reposicionados, principalmente, a ideia e o lugar da autoralidade
soberana, quanto a promoção de uma recepção distinta da usual, posto que o
público entrará em contato com a locução e a gramática elementares à uma
subjetividade comumente obliterada; não raro, parte considerável dos
espectadores divisará o próprio espelho em meio à experiência da leitura de
textualidades negras, de maneira que o efeito catártico e libertário desta
vicissitude não encontra outra justificativa, senão como manifestação da
Unidade Ancestral. Com efeito, as literaturas negras inauguram um campo de
força, cuja disputa figurará em torno dos modos de controle da linguagem, no
sentido de explorar a problemática complexa que uma das faces deste controle
– precisamente o binômio “fala versus silêncio” – revela se tomada à luz da raça,
do gênero, da classe e de uma variedade de possíveis categorias analíticas que
se inscrevem nos territórios da cultura, da sociedade e do comportamento. Tal
disputa, porém, não teria caráter de revanche, muito menos pretenderia
substituir um centro por outro, uma tinta por outra, sob risco de favorecer um
parâmetro ambíguo assaz similar ao que se quer combater. Nas palavras de
Lívia Natália:
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desempenham na formação de novos públicos. Estes, por sua vez, garantem
àquelas o óleo necessário para que a roda da engrenagem continue girando, e
assim, o processo se dá como que de modo retroalimentar, porque os
interlocutores nele envolvidos intuem que o ponto de interesse para o qual
convergem está diretamente ligado à manutenção desta potente rede de rubrica
identitária; razão pela qual se pode considerar que a relacionalidade aí
estabelecida consistirá em uma ação absolutamente sustentável em termos
discursivos. Ao tornar publicamente audíveis muitas vozes ocultas (cf. Noa,
2009), esta rede identitária revela um caudal de saberes profundos – produzidos
desde os povos originários e emergidos da entranha das comunidades
tradicionais – saberes sem os quais o Brasil não pode ser lido, sequer pensado,
na sua inteireza cultural. Significa, em segundo lugar e ainda no esteio da
premissa anterior, compreender as literaturas negras brasileiras, em cujo arquivo
salta a veemência com que o signo da revisão se impõe frente à necessidade de
expressar a memória, largamente traumática, compreendê-las como alternativa
de retorno à própria história da nação, desta vez emanada dos sujeitos que lhe
constituem a base e que representam, por isso, parte significativa de seu
currículo mais genuíno. Como corolário, esta espécie de sublevação das vozes
negras (que aqui ganha sentido de um Quilombo residual, todo insurgido nas
trincheiras da criação literária) desautoriza o discurso da pretensa universalidade
que suplementa as letras hegemônicas e promove o debate acerca das
diferenças nas quais a vida social está alicerçada, fazendo-o com a consciência,
mas sobretudo com a responsabilidade, de que quanto mais afirmado for o lugar
da comunicação multireferencial tanto mais urgente será a implementação de
uma socialidade cultural efetivamente democrática, capaz de garantir
conformação às dinâmicas heterogêneas da nação. A despeito do espaço
literário conquistado por escritoras e escritores negros, cujas obras têm sido, na
grande maioria dos casos, ou autofinanciadas ou produzidas à guisa de
manufaturação, a despeito da inegável episteme que se estabelece quando
produções independentes furam o bloqueio da academia e subvertem, em certo
grau, a lógica do mercado editorial brasileiro, a despeito do crescente interesse
do público pelas produções literárias negras – o que leva as maiores editoras do
país a considerar, mesmo que reduzidamente, esta pauta em seus catálogos –,
enfim, a despeito das sucessivas mudanças, ainda parece muito tímida a
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circulação da prosa e da poesia periféricas quando comparada à de autores não-
negros. Para se ter ideia, uma investigação realizada pelo Grupo de Estudos em
Literatura Brasileira Contemporânea da UnB, entre 2003 e 2018, a partir de um
corpus de quase setecentos romances nacionais, publicados ao longo das seis
últimas décadas, concluiu que a autoria negra não ocupa nem 3% deste
universo. A porcentagem, ínfima, torna-se ainda mais aviltante ao ser
confrontada com os resultados do Censo demográfico, produzido pelo IBGE em
2010, que revela que mais da metade da população brasileira é formada por
pretos e pardos autodeclarados. Inúmeras são as vozes que se levantaram e
continuam a se levantar em oposição ao enorme hiato que o racismo estrutural
legou à história da literatura brasileira, aliás o mesmo racismo que subtraiu a
Teixeira e Sousa o lugar de romancista de fundação, que interditou Luís Gama
e abreviou a potência mística de Auta de Souza, que esmaeceu a negritude de
Machado de Assis, que condenou Cruz e Souza e Lima Barreto às galés do
sofrimento psíquico, que alijou a produtividade de Lino Guedes e deu ao
esquecimento a escrita de Aloísio Resende, de sorte que não é exagerado
classificar o silenciamento da produção artística negra como estratégia das mais
caras ao racismo e ao sistema de privilégios que ele inaugura e sustenta.
Porquanto sejam inúmeras as vozes que congregam o Quilombo residual, torna-
se impossível, aqui, listá-las em sua totalidade, e é sabido ademais que nem
todas alcançam a amplitude merecida. Entretanto, a fim de tentar estabelecer
uma brevíssima diacronia, ainda que inexata, das literaturas negras, faz-se
necessário assinalar alguns nomes: agente central das articulações iniciais em
torno da institucionalização dos movimentos negros do país, o paulista Abdias
do Nascimento produziu, especialmente entre os anos de 1960 e 1980, uma
poesia de combate ao racismo à brasileira, muito sob a influência das teses do
Pan-africanismo, das transformações advindas do Harlem Renaissance e das
lutas pelos direitos civis nos Estados Unidos. Nesta cepa, estão presentes o
poeta recifense Solano Trindade e o também paulista Carlos de Assumpção; a
força do bardo alargou horizontes, atraindo pessoas, a um só tempo,
identificadas e comprometidas com a pauta da igualdade racial, da garantia de
direitos às minorias e da luta em defesa da representatividade. Muitas delas
ensejaram esforços em prol de uma política mais orgânica quanto à publicação
e distribuição das produções negras. É com este espírito que nascem alguns dos
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grupos ativistas mais significativos do país, a exemplo do longevo Quilombhoje,
em São Paulo, do Negrícia, no Rio de Janeiro, do GENS (Grupo de Escritores
Negros de Salvador), na Bahia, e do Palmares, em Porto Alegre. Neste ínterim,
dá-se a criação da Mazza Edições, editora fundada em 1981, pela militante negra
Maria Mazarello Rodrigues, e já antes, no ano de 1975, estreava no comércio
dos livros a Pallas Editora que, desde então, abriga em seu portfólio uma
expressiva quantidade de vozes negras. Fato marcante ocorre em 1978 com a
idealização dos Cadernos Negros, série que passou a ser coordenada pelo
grupo Quilombhoje, a partir de 1980, e que até o presente permanece como um
dos principais veículos de divulgação das textualidades negras brasileiras;
passados mais de quarenta anos desde o feito, tem-se, como saldo, a presença
de editoras voltadas especialmente para o tema das relações étnico-raciais,
entre as quais, a Nandyala Livros, a Ciclo Contínuo Editorial, a Ogum’s Toques
Negros, a Editora Malê e a Padê Editorial. Atravessando cenas importantes da
história nacional, passando pela tragédia da ditadura militar, iniciada em 1964,
até a redemocratização do país, duas décadas mais tarde, as vozes que
emergiram nesse período e as que se firmaram um pouco depois, nos anos 90
e mesmo nos anos 2000, tratam do corpo, do passado e do Brasil negros como
símbolos do que resistiu à requintada empresa racista. Nesta fase profícua de
aprofundamento da crítica e da criação literária, destacam-se, inicialmente,
nomes como os de Ruth Guimarães, Oswaldo de Camargo, Paulo Colina,
Abelardo Rodrigues, Oliveira e Silveira, Beatriz Nascimento, Conceição Evaristo,
Geni Guimarães, Joel Rufino dos Santos, Cuti, José Carlos Limeira, Éle Semog,
Salgado Maranhão, Jônatas Conceição, Miriam Alves, Fátima Trinchão,
Esmeralda Ribeiro, Aline França e, mais tarde, Ronald Augusto, Edmilson de
Almeida Pereira, Miró da Muribeca, Lande Onawale, Ricardo Aleixo, Elisa
Lucinda, Jovina Souza, Ana Maria Gonçalves, Rita Santana, Cristiane Sobral,
Lívia Natália e Fábio Mandingo. Com a possibilidade de ampliação da circulação
dos textos por via também das mídias sociais, vozes negras seguem no front a
produzir discursos de enfrentamento e a questionar a “ordem” unilateral das
coisas; conectadas com as questões que marcam o conturbado início do século
XXI, com o crescimento de setores conservadores no país, de ataques ao
conhecimento e à cultura, de sufocamento das políticas de inclusão, com a
violência da “necropolítica” (MBEMBE, Achille, 2018) articulada pelo Estado
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contra as populações mais vulneráveis, tais vozes emergem de campos distintos
de interesse e de atuação, porém, não obstante as muitas afiliações que
assinam, convergem na construção de um projeto sólido em torno da
diversidade, da representatividade e da denúncia, sendo possível citar Alex
Simões, Cidinha da Silva, Jeferson Tenório, Allan da Rosa, Cássia Vale, Nelson
Maca, Davi Nunes, Jairo Pinto, Hamilton Borges, Hildália Fernandes, Lubi
Prates, Eliana Alves Cruz, Vagner Amaro, Tatiana Nascimento, Vânia Melo,
Negafya, Marcelo Ricardo, Gonesa Gonçalves, Jacquinha Nogueira dentre
tantas Outras, Outros e Outres que abastecem a utopia de um Brasil menos
destoante.
Enquanto isso,
Outras piranhas fedras
Suavizam sua verve
Entre o mundo vagabundo do que passa
E a obscuridade tecelar de quem só serve
E da vida – nunca – nada sorve.
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declaradamente durante eventos ou quando é entrevistada) e, de alguma forma,
na visceralidade taxonômica de Augusto dos Anjos. Rita Santana, por sua vez,
radicaliza, na experiência de Ser-Poeta, a energia intuitiva que a move
subjetivamente, e desta experiência é que ela extrai a matéria-prima – a
substância rara e pungente – para compor a vibrante plástica sensorial que dá
corpo a seus poemas. Talvez este resultado artístico não fosse possível ou talvez
um outro produto se consumasse no desenho da forma, nas linhas do discurso,
se o seu processo de criação não articulasse um lirismo tão acentuadamente
polissêmico que nasce menos da fusão e mais da conectividade entre distintas
correntes de pensamento – desde o hermetismo trágico da Antiguidade Clássica
às construções mais factuais brotadas na Ilustração e desaguadas na
Modernidade, da estrutura prosaica idealista à ruptura com a articulação
convencional do texto, do pesar religioso à impetuosidade pagã e sensual – com
que a poeta forja sua imensa mandala de sensações. Tal é a profundidade da
convergência destes mundos simbólicos no poema de Rita Santana, que diante
dele, frente à apoteose metafórica que cada texto alcança em sua unidade
dotada de sentidos muito particulares, subitamente pode-se ter a sensação de
estar diante e sob impacto de uma tela de Frida Kahlo, de um painel de Salvador
Dali ou de um pequeno quadro de Vincent Van Gogh. Senão, vejamos o poema
“A escriba”, do livro “Alforrias”, de 2012:
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versos – por isso o assombro das duas últimas estrofes – como em relação à
força centrípeta que cada uma destas palavras é capaz de exercer no poema
por inteiro, pois não haverá de ser tarefa simples a de pintar, por meio das letras,
o sonho e o mito, em tudo intangíveis; conforme observou Aleilton Fonseca em
prefácio à obra “Cortesanias”, publicada pela autora em 2019, “a poesia de Rita
Santana convida o leitor a um diálogo denso e instigante, através de um discurso
consubstanciado num lirismo de dicção oracular e tom expressionista.”
(SANTANA, Rita. Cortesanias. 2019, p. 09). Em outras palavras, ao tratar deste
aspecto, Lígia Telles chama a atenção para
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Já pensou naquele país da serra da Barriga?
sei que talvez não,
é difícil imaginar uma terra
onde não fosse possível ver
uma negra ter que mostrar a bunda
abrir as coxas tirar das entranhas o pão de cada dia
onde não fosse possível ver
criancinhas
de dez, oito, seis anos
voltando às quatro da manhã
depois de vender chicletes e o último resquício de
dignidade
nos cruzamentos da cidade.
(José Carlos Limeira, Quilombos)
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Nascimento e a Lélia Gonzales, duas das personalidades mais relevantes na luta
contra o racismo, o poema “Quilombos” integra o livro “Atabaques”, de 1983,
realizado em parceria com o poeta carioca Éle Semog; importante lembrar que
esta parceria já havia rendido, em 1978, a obra “O arco-íris negro”, igualmente
cara às literaturas afro-brasileiras, porque didática e corajosa, do ponto de vista
político, no que toca à crítica social feita ao Estado, aos homens de poder e ao
mundo do trabalho, aos herdeiros do privilégio e à ausência de ações efetivas
capazes de minimizar os efeitos do racismo e das profundas injustiças impressos
no espírito da sociedade brasileira. O que torna “Quilombos” um marco da
revolução que vozes negras arquitetam desde sempre, para além da força
discursiva e da leitura devastadora que aí se faz da ideologia do branqueamento,
é também a sua estrutura, cirurgicamente articulada de forma a dar vazão ao
exercício de memória que primordialmente o atravessa. Assim, totalizando 97
versos, subdividido em seis seções que se encadeiam como capítulos de uma
história no interior da qual estão conjugados ancestralidade, sofrimento,
superação e sentimento de liberdade, o poema convoca à re-existiência do
icônico quilombo da Serra da Barriga, conforme os irretocáveis versos citados
há pouco. Ainda que tenha vocalizado as muitas expressões da identidade negra
como em “Zumbi...dos”, de 1971, “Lembranças”, de 1972, e “Black intentions/
Negras intenções”, de 2003, José Carlos Limeira produziu uma poesia diversa
que permeou as impressões urbanas, a saudade, o sonho e o amor, a exemplo
do livro “Encantadas”, de 2015.
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Entre os nomes da profícua literatura negra produzida na Bahia
contemporânea, o do poeta Lande Onawale alcança o posto de guardião de uma
sistemática representatividade, porque toda a sua escrita mostra-se
comprometida com a memória, simultaneamente individual e coletiva, cuja seiva
se abriga no espesso tronco das tradições afro-brasileiras. Nasce em 1965 este
soteropolitano destinado por miNkisi a observar com atenção os mundos interior
e exterior para, em seguida, vertê-los em pura beleza à maneira dos griots. É de
sua autoria o emblemático poema inaugural “Bandeira”, publicado no Jornal do
Movimento Negro Unificado, em 1991, e transcrito a seguir:
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O alcance poético cada vez mais consolidado de Lande Onawale se deve, pelo
menos, a três propriedades marcantes em sua produção, a saber, i. uma
destinação para transpor em versos a cosmologia dos bantu-Kongo (FU-KIAU,
K.K.B, 2001) que, a partir da compulsória travessia africana pelo Atlântico Sul,
legou ao Brasil e à Bahia, em especial, extensa diversidade filosófica, cultural e
religiosa, bastante vívida em muitos espaços sociais; ii. a capacidade de resvalar
entre temas ora engajados ora existenciais e amorosos com a mesma fluidez
vocal e o mesmo domínio técnico, que, então convergidos, resultam na magia
da transmutação poética; iii. a economia da forma indicando o interesse flagrante
na poesia da Poesia ou na presentificação de uma linguagem mais abissal que
nasce, nas palavras de Hampaté Bâ, do “diálogo secreto [do escritor] consigo
mesmo” (HAMPATÉ BÂ, 2010, p.168), sendo que a compacta geometria dos
poemas contrasta com a imensidão de sentidos e com as inumeráveis
associações que a sua realização torna possíveis. Estas marcas garantem
originalidade à obra de Lande Onawale, o que inclui “O Vento”, de 2003,
“Kalunga: poemas de um mar sem fim”, de 2011, além de “Pretices & milongas”,
de 2019, da qual foram extraídos os poemas transcritos abaixo:
Sankofa
Território é o que carrego em mim
E me transporta
Para onde eu vim
Procura
O orgasmo rasgando os lençóis da noite...
É teu nome
Que meu grito procura
Aparente paradoxo
Sobre a poética de Rita Santana, José Carlos Limeira e Lande Onawale não
basta que recaiam invólucros teóricos de literatura, sobretudo quando se
considera que muitos destes ainda estão à serviço dos princípios e da tradição
colonialista ocidental no campo estético. Com efeito, os textos da poeta e dos
dois poetas baianos, que conduzem a presente leitura, exigirá mais do que a
apreciação convencional, senão uma outra percepção do próprio fenômeno
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subjetivo manifestado nos poemas, sem que se perca de vista o tom e a cor de
tal fenômeno.
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