Este documento apresenta uma análise comparativa entre as obras dramáticas dos dramaturgos chileno Juan Radrigán e brasileiro Plínio Marcos. Ambos escreveram grande parte de suas peças durante períodos ditatoriais em seus respectivos países, dando voz aos marginalizados. A análise das obras deles permite compreender melhor os contextos históricos e políticos do Chile e do Brasil no século XX.
Este documento apresenta uma análise comparativa entre as obras dramáticas dos dramaturgos chileno Juan Radrigán e brasileiro Plínio Marcos. Ambos escreveram grande parte de suas peças durante períodos ditatoriais em seus respectivos países, dando voz aos marginalizados. A análise das obras deles permite compreender melhor os contextos históricos e políticos do Chile e do Brasil no século XX.
Este documento apresenta uma análise comparativa entre as obras dramáticas dos dramaturgos chileno Juan Radrigán e brasileiro Plínio Marcos. Ambos escreveram grande parte de suas peças durante períodos ditatoriais em seus respectivos países, dando voz aos marginalizados. A análise das obras deles permite compreender melhor os contextos históricos e políticos do Chile e do Brasil no século XX.
* Doutor em Letras: Literatura e outros Sistemas Semiticos (rea de concentrao: Literatura Comparada), 2004. JUAN RADRIGN E PLNIO MARCOS: CONTEXTOS E TEXTOS DRAMTICOS/ESPETACULARES Marcos Antnio Alexandre* RESUMO: Este ensaio tem como objetivo realizar um breve estudo comparativo entre a obra dramtica e espetacular do dramaturgo chileno Juan Radrign (1937) e do dramaturgo brasileiro Plnio Marcos (1936/1999). A partir desse estudo, busca-se entender melhor as particularidades da histria poltica brasileira e chilena, uma vez que ambos os dramaturgos conceberam grande parte de suas obras dramticas sob o perodo ditatorial em seus respectivos pases. PALAVRAS-CHAVE: Juan Radrign, Plnio Marcos, contextos, textos dramticos, textos espetaculares. Juan Radrign e Plnio Marcos sempre declararam que, atravs de seus textos teatrais, eles tinham a oportunidade de fazer do povo comum, o elemento primordial de suas dramaturgias. Dar voz ao marginalizado tornou-se, assim, o vis norteador da grande maioria das obras dos dois dramaturgos, fazendo do cunho social uma ferramenta no s para resgatar, mas tambm para reconhecer e questionar a situao em que vivem os marginalizados nas suas respectivas sociedades. Por esse motivo, a anlise comparativa das peas plinianas e radriganeanas permite-nos que compreendamos seus contextos especficos de enunciao e de insero cultural, possibilitando o reconhecimento e o melhor entendimento de momentos histricos fundamentais na construo e reconstruo da vida poltico-social das naes chilena e brasileira no sculo XX e na nossa contemporaneidade. Como Bhabha (1988:34), considero que o crtico deve tentar apreender totalmente e assumir a responsabilidade pelos passados no ditos, no representados, que assombram o presente histrico. 210 Belo Horizonte, v. 9, p. 1281, dez. 2005 Com base nesses dizeres, pesquisar as obras plinianas e radriganeanas possibilita- nos, a partir de suas dramaturgias estabelecer um dilogo entre a histria dos dois pases, fazendo com que possamos de fato resgatar os passados no ditos. Juan Radrign qualificado pelo crtico Grnor Rojo como o grande investigador do teatro chileno desde 1979 at 1982. O dramaturgo colocou em pauta, no cenrio, a situao limite de seres que sofrem, sentem e pensam, atravs de uma dramaturgia em que o sentimentalismo d lugar ternura e de onde, mesmo a partir das circunstncias mais dolorosas, capaz de brotar a solidariedade. Da, a fora que emana de suas tramas e argumentos que conseguem causar impacto e convencer fazer-crer nos dizeres de Marco De Marinis (1997) sem fazer uso de recursos que no sejam nada mais do que a retratao da verdade simples, da realidade. Alguns jornalistas de teatro criticaram Radrign pelo fato de suas personagens parecerem ter sido retiradas das cloacas sociais ou pela posio moralizante diante da desolao humana, da pobreza, da misria moral e tambm pela sensao de angstia produzida pelos dilogos de suas personagens. Entretanto, o autor sempre defendeu seu teatro de reflexo crtica, expondo que tinha comeado a escrever em pleno inferno e nada tinha mudado, o quadro de horror mantm-se inaltervel. Somos um povo que no se deu tempo para chorar pelos seus mortos, que no incorporou a suas entranhas a brutal derrota sofrida. Decididamente, um material no apto para as comdias. A partir dessas palavras, posso afirmar que a aproximao do dramaturgo ao teatro esteve impulsionada pela necessidade de comunicar, ou seja, Radrign sentia a urgncia de chegar mais rpido ao pblico e ponderou que o teatro seria o caminho mais direto. Plnio Marcos apresenta uma biografia que se relaciona muito com a de Radrign. Nascido em Santos em 1935, o autor abandonou, ainda adolescente, os estudos formais concluindo apenas o curso primrio. Profissionalmente, tambm ocupou vrias funes. Como Radrign, Plnio sempre fez do cidado comum o objeto principal de sua dramaturgia. Foi a curra sofrida na cadeia por um garoto conhecido, que o levou a escrever Barrela (1959-1980) aos vinte dois anos de idade e, a partir desse momento, ele no abandonou a escrita e as personagens marginais e marginalizadas que o consagraram. Essas personagens, representadas sob diferentes abordagens crticas e semnticas, sempre povoaram seus textos que, constantemente, converteram- 211 Belo Horizonte, v. 9, p. 209-217, dez. 2005 se em motivo de polmicas e proibies por parte da censura. Segundo Javier Arancibia Contreras, Fred Maia e Vincius Pinheiro (2002:12), Em Plnio Marcos, o dramtico um ato espontneo. Nasce da aguda naturalidade (e mesmo do naturalismo) com que desenha as frases, engendra a ao verbal, grava o pormenor que no poderia possuir outro talhe. Isso advm, quero crer, do mesmo modo como o autor enxergava a vida e vivia os fatos que ela propiciava: pelos olhos e com a sensibilidade de quem est inteiramente na situao, sem mediaes, exposto curiosidade pblica como o cru latejamento de um msculo lanhado. Grande parte da dramaturgia de Juan Radrign e Plnio Marcos foi escrita e concretizada num contexto histrico especfico o autoritarismo. Em ambos os pases a dimenso do regime ditatorial foi devastadora: prises, torturas, cassao de direitos civis, assassinatos, censuras, traumas, ausncia e aniquilamento da memria. Talvez, a diferena mais relevante seja o fato de que a ditadura chilena esteve sobre o jugo de um nico homem, o general Augusto Pinochet. Segundo Idelber Avelar (2003), a dimenso e o impacto do exlio na cultura chilena foi muito maior do que no Brasil. Radrign disse em entrevista a mim concedida, em 2001 que, em relao classe artstica, houve represso, porm no se pde proibir que as pessoas pensassem. Entretanto, o que deve ser enfatizado que o horror da represso foi vivido nos dois pases e pelo exposto que sustento a idia de que no h como analisar as obras dramticas desses autores sem o entendimento dos regimes de opresso aos quais estiveram submetidos os cidados chilenos e brasileiros e sem concretiz- las ao nosso contexto de enunciao. Nesse sentido, o conceito de historicizar proposto por Juan Villegas (1998), assume um carter fundamental para a anlise das obras plinianas e radriganeanas. Segundo o autor, numa de suas acepes, Historizar tambin significa entender al autor como productor de significados. Es decir, conceder importancia al autor en cuanto un individuo frente al mundo, frente a su circunstancia y cuya respuesta no constituye una respuesta individual sino una respuesta colectiva, desde la perspectiva de un determinado modelo de mundo producto de una ideologa. (Villegas, 1998: 53) Na minha leitura, tanto Radrign quanto Plnio Marcos, cada um dentro de suas especificidades e a partir de seus contextos scio-culturais, so produtores de sentidos, uma vez que seus textos nos fazem repensar os seus momentos de 212 Belo Horizonte, v. 9, p. 1281, dez. 2005 inscrio, possibilitando que realizemos um dilogo dos mesmos com o nosso momento enunciador. Dessa forma, estudar o perodo da ditadura brasileira e chilena e contextualiz-lo a partir das obras de Plnio Marcos e Radrign permite no apenas conhecer, mas tambm entender melhor o porqu de se retratar as personagens marginalizadas e os motivos pelos quais elas se fizeram centro da dramaturgia pliniana e radriganeana. Os dois autores assumem a responsabilidade de colocar em questionamento o passado no dito, fazendo de suas personagens objeto de questionamento do momento presente. Depois de estudar a obra dramtica radriganeana, tive a oportunidade de compreender e aceitar a frase polmica e recorrente do autor de que a ditadura no acabou. Tal afirmativa permite que leiamos sua fala relacionando-a com as novas formas de insero e legitimao do poder em nossa sociedade. Com vistas a estabelecer uma leitura comparativa entre os textos dramticos dos autores, distintos temas podem ser relacionados a partir de suas peas. A ttulo de exemplo, posso citar, entre outros, a esttica do feio, as instncias do poder o existencialismo, vozes na/da ditadura, o uso da linguagem, ecos da religiosidade, a figura da mulher, a temtica social. Para esse ensaio, destaco, sinteticamente, as questes da esttica do feio, da presena temtica do existencialismo, da linguagem e do poder. Em Juan Radrign e Plnio Marcos, o feio pode ser analisado como uma esttica, por isso a nomenclatura de a esttica do feio para se referir s obras dos dramaturgos. Nos seus textos, o vocbulo mais que um adjetivo determinante, ou seja, o feio se transforma num signo de corroso fsica, mas ao mesmo tempo social e ideolgica, manifestando-se sob diferentes aspectos e, dessa forma, pode ser encontrado como indicao dos autores nas suas rubricas com vistas s futuras representaes, definindo entre outros elementos constituintes da pea, vesturios, espaos fsicos, adereos, etc. A filosofia existencialista que postula a liberdade de eleio do homem como uma das premissas bsicas se faz presente nas obras dos dramaturgos, principalmente nos textos radriganeanos. As problemticas da existncia individual so concretizadas na dramaturgia de Juan Radrign e Plnio Marcos. Podemos, a partir de fala de Sartre 213 Belo Horizonte, v. 9, p. 209-217, dez. 2005 (1984:6) de que O homem nada mais do que aquilo que ele faz de si mesmo, observar a luta que o marginalizado trava para se inserir no sistema que se recusa a aceit-lo. Desse embate surgem pontos de frico que nos remetem a temas recorrentes nos textos radriganeanos e plinianos como, entre outros, o medo/temor, o moral, a solido, a angstia, a fome, a humilhao, a explorao, a perda da famlia, a incapacidade de amar, mas, sobretudo, a questo da liberdade de eleio, mesmo que essa escolha signifique a morte da personagem. Nesse sentido, devo salientar que a obra dramtica dos dois dramaturgos apresenta, tambm, vinculao com o teatro do absurdo. A construo dramtica, o lugar destacado que outorga ruptura da linguagem dialgica e a forte elaborao simblica dos textos tm muito em comum com esse gnero dramtico. Em Radrign, por exemplo, a inteno scio-existencial, assim como a incorporao da oralidade popular, o vincula aos precursores da esttica do absurdo. O dramaturgo no sacraliza a palavra. Na sua obra, o absurdo transcendido pelo sacrifcio do heri trgico popular, que reivindica a dignidade do ser humano. As personagens radriganeanas quando tomam conscincia do absurdo da realidade a qual se encontram submetidas e que desta realidade se desprendem temas como alienao, degradao, situao econmica e social deplorvel, destruio da famlia e dos valores como a dignidade, honra, autenticidade sentem-se desconformes com suas vidas, pois a elas (marginalizados, pobres, mendigos) tocou a pior parte da luta humana pela sobrevivncia. Do enfrentamento com essa realidade inoperante, surge a angstia existencial e, com ela, a questo da liberdade, o questionamento da divindade e a esperana (ou falta dela). Em se tratando da temtica do uso da linguagem, ambos os dramaturgos nos fazem repensar a linguagem cannica na medida em que suas personagens marginalizadas trazem consigo suas prprias prticas discursivas, revelando uma fala que prima pelo uso da linguagem popular e no pelo emprego do discurso formal, cujo uso faria de suas personagens inverossmeis. Por isso que as grias e os palavres empregados no so gratuitos, uma vez que refletem o mundo em que as personagens vivem. As falas, ditos e expresses utilizados pelas personagens, sem sombra de dvida, retratam aspectos geogrficos, ticos e sociais. 214 Belo Horizonte, v. 9, p. 1281, dez. 2005 Na grande maioria das obras dos autores analisados, a questo do poder se converte num dos aspectos centrais da dramaturgia, fazendo com que possamos questionar a tipologia das classes sociais. A idia de mltiplas exploraes permite pensar a existncia de localizaes contraditrias de classe, que podem ser simultaneamente exploradas por um mecanismo e por outros. Neste sentido, observa-se que em cada texto o exerccio do poder assume facetas diferenciadas, podendo ser lido como micro-poderes que se instalam. Como afirma Foucault (2003:XIV) [...] nada est isento de poder. Qualquer luta sempre resistncia dentro da prpria rede de poder, teia que se alastra por toda a sociedade e a que ningum pode escapar: ele est sempre presente e esse exerce como uma multiplicidade de relaes de foras. E como onde h poder h resistncia, no existe propriamente o lugar da resistncia, mas pontos mveis e transitrios que tambm se distribuem por toda a estrutura social. Essa multiplicidade de relaes de foras qual se refere Foucault se faz presente nos textos. Berro (personagem pliniana de Homens de papel, 1967), Giro e Osvaldo (personagens plinianas de O Abajur lils, 1969), Bereco (personagem pliniana de Orao para um p-de-chinelo, 1969) e Miguel (personagem radriganeana de Hechos consumados, 1981) so, a ttulo de exemplo, os representantes do que estou nomeando de micro-poderes, pois cada personagem detentora de um poder representado signicamente no ato de possuir uma arma, de ser dono de um quarto, de ter dinheiro, de ser o vigia de terras, respectivamente e o exerce, inclusive, sob coero de seus iguais. Por outro lado, temos outras manifestaes de micro-poderes que se exercem de forma alegrica atravs da relao de possesso com determinados objetos: a balana de Berro que pesa sempre para menos e em seu benefcio; o abajur signo de discrdia, de medo, de represso, de ruptura, de violao de direitos, da ditadura; a garrafa de cachaa smbolo de sobriedade para Rato (personagem pliniana de Orao para um p-de-chinelo) e que representa, ao mesmo tempo, a possibilidade de esquecimento e de sublimao de sua memria; o porrete de Miguel que representa no s o instrumento de morte, mas a mo da ditadura. Atravs desses elementos simblicos, quero demonstrar que as relaes de poder no se passam fundamentalmente nem ao nvel do direito, nem da violncia; nem so basicamente contratuais nem unicamente repressivas. (Machado apud Foucault, 2003: XV). 215 Belo Horizonte, v. 9, p. 209-217, dez. 2005 Dessa forma, os textos dramticos ao serem convertidos em montagens assumem e ganham outras relaes, pois passam a dialogar com outras linguagens especficas do universo espetacular: luz, cenografia, figurino, adereos, sonoplastia, corpo, voz, ritmo, msica, etc. Chamo ateno para esse aspecto pelo fato de que, na prtica, o texto dramtico apenas um dos elementos que compem o espetacular e so exatamente os outros elementos componentes da linguagem teatral que, em parceria com a obra literria, sero os responsveis pelo resultado e sucesso da montagem. Nesse sentido, propor, por exemplo, uma leitura espetacular de Fatos Consumados de Juan Radrign um exerccio de contextualizao e concretizao da obra ao nosso momento enunciador. Nesta pea, Juan Radrign verte, alm das preocupaes sociais, as preocupaes existenciais de sujeitos que articulam suas angstias pessoais com uma linguagem que se resiste em caber dentro de um modelo valorativo acunhado na tradio intelectual ou na verso oficial do que se considera linguagem culta. Estamos diante de uma expresso discursiva que reproduz, ou melhor, que transcreve a sintaxe e lxico da linguagem oral prpria do setor marginal chileno. As personagens expressam as profundas preocupaes existenciais que as acossam mediante um discurso particular que, ao se transformar em objeto esttico, atravs do texto dramtico e de sua possvel encenao, reclama um espao e faz com que os sujeitos representados busquem a legitimao de suas presenas no espectro cultural do conglomerado social ao qual esto vinculados. Acredito que os textos plinianos e radriganeanos ainda tm muito a dizer e, como Stuart Hall (2003: 377), considero que a teoria a atividade de teorizar, de continuar pensando, em vez do ponto final da produo de um modelo terico ltimo. A partir desta premissa e da constatao de que, no mbito acadmico, poucos estudos tm sido desenvolvidos sobre a obra dramtica de Juan Radrign e Plnio Marcos, que vejo sentido em propostas de leituras tericas e espetaculares sobre as peas desses dramaturgos, visto que suas personagens reapresentam o corpo reprimido do marginalizado e, ao mesmo tempo, reinventam a voz de um organismo social silenciado. Eduardo Said (1996) argumenta que o objetivo da atividade do intelectual fazer progredir a liberdade e o conhecimento humanos. A meu 216 Belo Horizonte, v. 9, p. 1281, dez. 2005 ver, a obra dramtica de Juan Radrign e Plnio Marcos prima por apresentar esse objetivo e nos propicia (leitores e/ou espectadores) conhecer e entender melhor o universo cultural, os contextos histricos de sua produo e, ao mesmo tempo, as pontes que unem os dois pases Chile e Brasil , pontes alegricas que se concretizam nos mbitos culturais, sociais, polticos e estticos. ABSTRACT: This essay aims at carrying out a comparative study between the dramatic works of the Chilean playwright Juan Radrign (1937) and the Brazilian playwright Plnio Marcos (1936/ 1999). The study aims at a better understanding of the particularities of Brazilian and Chilean political histories, since the two playwrights studied conceived great part of their dramatic works under the dictatorial period in their respective countries. KEY WORDS: Juan Radrign, Plnio Marcos, contexts, dramatic texts, spectacular texts. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS AVELAR, Idelber. 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