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História do Teatro

Prof.a Aline de Oliveira Ferraz

Indaial – 2021
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2021

Elaboração:
Prof.ᵃ Aline Ferraz

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

F381h

Ferraz, Aline de Oliveira

História do teatro. / Aline de Oliveira Ferraz – Indaial:


UNIASSELVI, 2021

189 p.; il.

ISBN 978-65-5663-977-2
ISBN Digital 978-65-5663-974-1

1. Teatro. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci.

CDD 792

Impresso por:
Apresentação
Antes de dar início às observações dos principais movimentos
históricos que serão propostos neste curso de História do Teatro, solicitamos
a sua atenção para algumas considerações iniciais, a fim de que possam
otimizar os estudos e usufruir do legado cultural que o teatro representa
para a história. Caro acadêmico, saudações!

A linguagem teatral constitui uma área do conhecimento bastante


ampla, o que nos permite eleger diferentes aspectos norteadores para
o estudo da cena. Assim, por exemplo, podemos subdividir a história do
teatro em história da pedagogia teatral, que diz respeito aos movimentos
que marcaram os processos de ensino-aprendizagem do teatro; história da
encenação, história da interpretação teatral, história da dramaturgia textual
– e assim por diante.

Nesse curso, priorizaremos uma abordagem híbrida dos diversos


elementos constitutivos da cena. Assim, por exemplo, na Unidade 1,
estudaremos diversas manifestações ocorridas em espaços e tempos
distintos, que deram origem ao que hoje designamos como teatro. Em
seguida, na Unidade 2, veremos a função, as características e os principais
autores da teatralidade do período histórico entre a Idade Média e o século
XIX. Por fim, na Unidade 3, observaremos como os movimentos anteriores
possibilitaram a estruturação dos principais movimentos do século XX, bem
como das produções teatrais dos nossos dias.

Ao conceber uma linha historiográfica, temos em mente que a


narrativa é sempre uma edição diante da impossibilidade de abarcar
todos os fatos que constituem a história teatral. De tal sorte, que ao eleger
os principais movimentos representativos do teatro temos, por objetivo,
construir uma sequência de conhecimentos que facilite a compreensão das
cenas produzidas nos dias de hoje.

Esperamos ainda que o relato desses acontecimentos possa despertar


o seu interesse pelas diversas transformações da cena, que, por sua vez, são
representações da evolução das próprias sociedades em que eles ocorreram.

Se é possível dizer que são muitos os teatros, pois as artes cênicas


abarcam em si a diversidade de experiências existentes nos contextos
históricos e sociais em que se inserem, é possível também afirmar que existem
muitas formas de se compreender um acontecimento teatral, visto que um
movimento teatral tem o potencial de nos revelar as inquietações das épocas
e dos espaços que amparam seu surgimento.
A tradução dos questionamentos humanos nos conteúdos e formas
que compõe a linguagem teatral nos possibilita conhecer importantes
aspectos da vida social, nos diversos tempos e espaços do mundo. Olhar para
a sociedade de cada época, pode nos ajudar a compreender a cena teatral de
forma mais ampla.

Por teatro, entendemos não apenas os prédios. E por acontecimento


teatral, compreendemos não apenas os eventos cênicos, mas, também a
diversidade de materialidades artísticas produzidas por atores, encenadores,
produtores de teatro e não apenas esses, mas também os dramaturgos, os
cenógrafos, os iluminadores, os bilheteiros, e aqueles que são o sentido de
tudo isso: os espectadores.

“A Filosofia do Teatro afirma que o teatro é um acontecimento (no


sentido que Deleuze atribui à ideia de acontecimentos: algo que acontece, algo
onde se coloca à construção de sentido, por extensão, existência e habilidade)
que produz entes no seu acontecer, ligado à cultura vivente, à presença aurática
dos corpos” (DUBATTI, 2011, p. 16).

Nesses teatros, que desde a Grécia Antiga são lugares de onde se vê,
ocorrem as encenações que, para além das apresentações públicas, carregam
em suas estruturas muitas horas de trabalho dedicadas aos processos de
criação, que podem ser compreendidos como espaços de “ensaios”, nos
quais os artistas diversos, envolvidos em um mesmo projeto, colocam-se em
situação de “ensaio” – a fim de obter as melhores soluções expressivas das
formas e dos conteúdos que constituíram um discurso cênico. Assim como
não existe um aspecto do teatro mais importante que outro, não deveria
existir valorização das funções que cada um ocupa na produção teatral.

A matéria-prima dos teatros são as experiências dos que produzem


e dos que ressignificam os sentidos do que é apresentado. Ao elaborarem
sentidos cênicos, artistas e espectadores promovem práticas dialógicas a partir
do que os constituem, num processo de retroalimentação de experiências. De
tal forma, é possível aferir que os teatros são tão ricos quanto a multiplicidade
de interações realizadas a partir do que a cena suscita em cada sociedade. Que
os saberes teatrais aqui sintetizados nos possibilite apreender mais sobre a
história dos homens, das mulheres e da cultura do convívio social. Pronto para
“embarcar” conosco em uma diversidade de espaços e tempos históricos?

Prof.ᵃ Aline Ferraz


LEMBRETE

Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela


um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro


que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá
contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares,
entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento.

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Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!

NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.

Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.

Bons estudos!
Sumário
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES............. 1

TÓPICO 1 — A HISTÓRIA E O SURGIMENTO DO TEATRO.................................................... 3


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................................... 3
2 A ORIGEM DO TEATRO.................................................................................................................... 3
3 PRÉ HISTÓRIA TEATRAL................................................................................................................. 4
4 A ORIGEM DO CONCEITO DE TEATRO..................................................................................... 6
RESUMO DO TÓPICO 1....................................................................................................................... 7
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................. 8

TÓPICO 2 — O TEATRO NA GRÉCIA ANTIGA............................................................................. 9


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................................... 9
2 MITOLOGIA GREGA....................................................................................................................... 11
3 A POÉTICA DE ARISTÓTELES...................................................................................................... 13
4 A TRAGÉDIA E OS TRÁGICOS GREGOS: ÈSQUILO, SÓFOCLES E EURÍPEDES............. 15
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 29
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 30

TÓPICO 3 — O TEATRO ROMANO................................................................................................ 31


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 31
2 A POLÍTICA DO PÃO E CIRCO..................................................................................................... 34
3 A LITERATURA DRAMÁTICA DE PLAUTO, TERÊNCIO E SÊNECA................................. 35
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 39
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 40

TÓPICO 4 — PANORAMA DO TEATRO ORIENTAL................................................................. 41


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 41
2 OS DIVERSOS TEATROS DO ORIENTE..................................................................................... 43
3 OS DRAMATURGOS ORIENTAIS................................................................................................ 52
LEITURA COMPLEMENTAR............................................................................................................. 55
RESUMO DO TÓPICO 4..................................................................................................................... 59
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 60

REFERÊNCIAS....................................................................................................................................... 62

UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX........................................................................ 65

TÓPICO 1 — TEATRO NA IDADE MÉDIA.................................................................................... 67


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 67
2 O TEATRO A SERVIÇO DA FÉ ...................................................................................................... 67
2.1 OS MILAGRES............................................................................................................................... 72
2.2 OS MISTÉRIOS . ............................................................................................................................ 72
2.3 OS AUTOS ..................................................................................................................................... 73
2.4 AS MORALIDADES...................................................................................................................... 73
3 O TEATRO POPULAR....................................................................................................................... 74
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 78
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 79

TÓPICO 2 — COMMEDIA DELL’ARTE.......................................................................................... 81


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 81
2 OS TIPOS DA COMMEDIA DELL' ARTE.................................................................................... 83
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 88
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 89

TÓPICO 3 — TEATRO E A RENASCENÇA.................................................................................... 91


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 91
2 O TEATRO DOS HUMANISTAS................................................................................................... 91
2.1 TEATRO ELISABETANO: SHAKESPEARE E SEUS CONTEMPORÂNEO......................... 93
2.1.1 George Buchanan.................................................................................................................. 93
2.1.2 John Lyly................................................................................................................................ 93
2.1.3 Christopher Marlowe........................................................................................................... 94
2.1.4 Thomas Kyd.......................................................................................................................... 95
2.1.5 William Shakespeare............................................................................................................ 96
2.1.6 Beaumont e Fletcher........................................................................................................... 106
2.1.7 George Chapman . ............................................................................................................. 107
2.1.8 John Marston....................................................................................................................... 107
2.1.9 Thomas Dekker................................................................................................................... 108
2.1.10 Thomas Heywood ........................................................................................................... 108
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 109
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 110

TÓPICO 4 — OUTRAS TEATRALIDADES EUROPEIAS.......................................................... 113


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 113
2 O SÉCULO DE OURO ESPANHOL.............................................................................................. 114
3 A TRAGÉDIA CLÁSSICA FRANCESA....................................................................................... 116
4 O ROMANTISMO ALEMÃO........................................................................................................ 120
5 O REALISMO.................................................................................................................................... 122
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 125
RESUMO DO TÓPICO 4................................................................................................................... 128
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 129

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 130

UNIDADE 3 — A TEATRALIDADE NOS SÉCULOS XX E XXI................................................ 131

TÓPICO 1 — O NATURALISMO.................................................................................................... 133


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 133
2 O SURGIMENTO DO ENCENADOR......................................................................................... 136
3 STANISLAVSKI E O TEATRO DE ARTE DE MOSCOU......................................................... 138
RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 142
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 143

TÓPICO 2 — BRECHT E O “TEATRO ÉPICO”............................................................................ 145


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 145
2 ELEMENTOS DO DISTANCIAMENTO..................................................................................... 147
3 PEÇAS DIDÁTICAS ....................................................................................................................... 150
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 152
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 153

TÓPICO 3 — VANGUARDAS TEATRAIS.................................................................................... 155


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 155
2 O TEATRO ENGAJADO DE MEYERHOLD E PISCATOR..................................................... 155
3 ARTAUD E O "TEATRO DA CRUELDADE'’............................................................................. 159
4 A DRAMATURGIA DO ABSURDO DE SAMUEL BECKETT E EUGÈNE IONESCO........ 162
4.1 SAMUEL BECKETT (1906-1989)............................................................................................... 163
4.2 EUGENE IONESCO (1906-1994)............................................................................................... 163
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 166
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 167

TÓPICO 4 — TEATRO CONTEMPORÂNEO: PRINCIPAIS NOMES E


CARACTERÍSTICAS DA CENA DOS NOSSOS DIAS..................................... 169
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 169
2 O TEATRO EXPERIMENTAL GROTOWSKI............................................................................. 170
3 PETER BROOK E A RESSIGNIFICAÇÃO DOS ELEMENTOS CÊNICOS.......................... 171
4 EUGÊNIO BARBA E ANTROPOLOGIA TEATRAL................................................................. 173
5 ARIANE MNOUCHKINE E A PRODUÇÃO COLABORATIVA............................................ 174
6 O TEATRO COMO POSSIBILIDADE DE CONHECER O MUNDO.................................... 175
RESUMO DO TÓPICO 4................................................................................................................... 177
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 178

TÓPICO 5 — TEATRO CONTEMPORÂNEO E PERFORMATIVIDADES............................ 179


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 179
2 ARTE RELACIONAL....................................................................................................................... 179
3 PERFORMANCE............................................................................................................................... 180
4 TEATRO PERFORMÁTICO........................................................................................................... 182
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 184
RESUMO DO TÓPICO 5................................................................................................................... 188
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 189

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 190
UNIDADE 1 —

A ORIGEM DO TEATRO E SUAS


PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

● compreender que o teatro surge com a própria socialização humana;

● reconhecer o potencial pedagógico da teatralidade grega;

● estudar a diversidade de objetivos das manifestações teatrais na pré-


história, na Grécia e em Roma;

● observar as especificidades do teatro do Ocidente e Oriente.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da
unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o
conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – A HISTÓRIA E O SURGIMENTO DO TEATRO

TÓPICO 2 – O TEATRO NA GRÉCIA ANTIGA

TÓPICO 3 – O TEATRO ROMANO

TÓPICO 4 – PANORAMA DO TEATRO ORIENTAL

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

1
2
TÓPICO 1 —
UNIDADE 1

A HISTÓRIA E O SURGIMENTO DO TEATRO

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, neste tópico, abordaremos o teatro como manifestação
da presença, em um determinado espaço, que prevê a interação entre pessoas,
originada da própria necessidade de expressão do homem.

Podemos imaginar que à medida que o homem pré-histórico transitou do


nomadismo para as condições de vida em comunidades agrícolas, as necessidades
comunicacionais se fizeram mais evidentes.

Em um contexto no qual o convívio com a natureza era mais intenso, os


homens se valiam da materialidade natural (peles de animais, tintas naturais,
cascas de árvores, fogueiras) para construírem representações que os permitissem
expressar os temas e as questões que povoavam seus imaginários.

Por meio de rituais nos quais as comunidades se organizavam em


circunferências e compartilhavam danças, sons, narrativas, manipulação de
objetos e a representação do divino, o homem pré-histórico buscou formas de
dizer para além das palavras. E, graças aos estudos arqueológicos, podemos,
atualmente, compreender que onde há um grupo de pessoas reunidas há também
espaços para coexistência da teatralidade.

2 A ORIGEM DO TEATRO
É conhecida a legitimidade da seguinte afirmação: toda história tem
uma pré-história. Entretanto, o que seria a pré-história do teatro? Sabemos que
a inexistência da escrita é o que caracteriza um período pré-histórico. Então, a
pré-história do teatro diz respeito a todas as manifestações cênicas anteriores aos
textos produzidos pelas antigas civilizações. “Onde quer que o teatro floresça, o
homem volta a ser, não caindo em apologia, um animal superior ou uma criança
imitando a criatura-mundo e desfrutando do prazer igualmente fundamental
de brincar com a ajuda de todas as suas faculdades, desde o mais elementar
movimento físico aos mais elaborados voos da fantasia" (GASSNER.1991, p. 4).

O estudo das artes ao longo dos diversos tempos e espaços distintos


comprovam a necessidade da expressão humana, mesmo nas sociedades tidas
como mais "primitivas" como ocorre nos casos das civilizações que antecedem a
escrita, também conhecidas como pré-históricas. Houve uma necessidade de as
comunidades buscarem, na simbologia, formas de falarem para além das palavras.
3
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

A história da comunicação (GONTIJO, 2001) nos informa que à medida


que as comunidades deixaram de ser nômades, os recursos comunicacionais
se fizeram mais necessários. Sabemos ainda que, muito antes da invenção das
palavras, os homens já se valiam dos recursos cênicos, tais como: os gestos, os
movimentos, os sons, para expressar necessidades e emoções. O que nos permite
compreender que o teatro, como meio expressivo, surge muito antes da sua
própria nomenclatura.

E o que é possível saber sobre as manifestações teatrais por meio dos


estudos arqueológicos do período pré-histórico? Segundo Berthold (2001, p.
3) “[...] o teatro primitivo utilizava acessórios exteriores, exatamente como seu
sucessor altamente desenvolvido o faz. Máscaras e figurinos, acessórios de
contrarregragem, cenários e orquestra eram comuns, embora nas mais simples
formas concebíveis".

FIGURA 1 – REPRESENTAÇÃO DE RITUAL PRÉ HISTÓRICO

FONTE: <https://bit.ly/3ksjKg7>. Acesso em: 4 jun. 2021.

3 PRÉ HISTÓRIA TEATRAL


Podemos compreender que, diante da necessidade desses povos se
expressarem e estabelecerem meios para tornar possível a comunicação, bem
como produzir justificativas para os eventos naturais advindos de um universo
desconhecido, originaram-se os mitos.

A explicação dos fatos desconhecidos, a origem das existências, as


justificativas para os acontecimentos e fenômenos da natureza, bem como
a projeção de desejos para o futuro, tornaram- se motivos para elaboração de
narrativas construídas com os elementos cênicos – e ou o uso da oralidade,
fundando uma série de mitos, lendas e histórias fantásticas atribuídas a diversos
deuses que sobreviveram ao tempo.

4
TÓPICO 1 — A HISTÓRIA E O SURGIMENTO DO TEATRO

Por meio dos rituais, a comunidade dava vida às representações mitológicas


rudimentares. Em circunferências, ou em outras estruturas espaciais favoráveis
à participação de todos, organizavam-se ao redor de fogueiras, ou diante da luz
solar, para produzir cerimônias, onde se compartilhavam tais narrativas, de forma
oral e ou através de mimesis (imitação de gestos, de posturas e sons de animais),
que pudessem explicar os temas e fenômenos da natureza de origem enigmática.

É possível imaginar que a personificação de entidades, a produção de


alegorias, a ornamentação dos corpos, a realização de movimentos, de sons
permitiam a representação concreta dos elementos muitas vezes indisponíveis
(tais como o divino, um animal feroz, o desconhecido, ou mesmo o próprio
medo) possibilitando, assim, a criação de uma série de expressões dramáticas.
Tudo indica que muitas dessas manifestações foram elaboradas com o intuito
de controlar as intempéries e fenômenos naturais – ou, ainda, com o objetivo de
"acalmar os deuses".

FIGURA 2 – ILUSTRAÇÃO EM PAREDE

FONTE: <https://img.comunidades.net/mos/mosqueteirasliterarias/prehistoria.jpg>.
Acesso em: 4 jun. 2021.

A presença dessas manifestações simbólicas da realidade, provavelmente,


produzia possibilidades de uma percepção mais ampliada tanto dos temas da vida
cotidiana (caçadas, guerras, colheitas etc.), como dos acontecimentos de caráter
mais ritualístico, ligados ao universo mágico. O formato coletivo e festivo desses
eventos propiciava aos participantes uma relação igualitária, onde se podia atuar
e observar simultaneamente.

Nessas cerimônias, de forma muitas vezes instintivas, surgiam os


contadores de histórias. Tais narrativas eram incrementadas pelo uso de máscaras,
figurinos construídos a partir de pele de animais, madeira e argila. Imagens
incrustadas em cavernas e vestígios de instrumentos musicais são indícios de que
a música e as danças compunham a teatralização de diversos aspectos da vida
dessas comunidades.

5
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

Devemos salientar que não existem registros escritos deste período. As


informações que temos são frutos de pesquisas arqueológicas, nas quais a herança
cultural dos povos primitivos se evidencia através das expressões artísticas
primárias bastante simples.

DICAS

Para melhor compreender a cultura pré-histórica, recomendamos que você


assista ao filme A Guerra do Fogo. Direção de Jean-Jacques Annaud, Anthony Burgess e
Desmond Morris. Você conseguirá outras referências de filmes sobre a pré-história em:
https://cinema10.com.br/tipos/filmes-sobre-pre-historia.

4 A ORIGEM DO CONCEITO DE TEATRO


Como vimos, as manifestações teatrais primitivas tinham como característica
uma expressão espontânea e improvisada, visto que no período não existia a escrita,
o que nos impossibilita o acesso preciso aos registros das possíveis estruturas cênicas
do período.

Por meio do estudo da teatralidade durante o período pré-histórico,


podemos conhecer mais sobre essas culturas, tais conhecimentos, nos demonstram
que os rituais dramáticos foram produzidos paralelamente em culturas
localizadas em espaços distintos do mundo, contribuindo para a produção das
particularidades de diferentes formas de expressão dos povos pré-históricos.

6
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

● Podemos saber mais sobre a história a partir da história do teatro.

● Que as manifestações teatrais são anteriores à própria nomeação teatral.

● A vida do homem pré-histórico em comunidades agrícolas propiciou o


desenvolvimento das expressividades cênicas.

● A partir de estudos arqueológicos, é possível perceber que os elementos


dramáticos foram usados de formas variadas em lugares e épocas diferentes.

● Que a teatralidade na pré-história teve uma função importante na elaboração


de narrativas que visavam explicar muitos fenômenos que permaneciam
interditados, inclusive em uma fase anterior ao uso da palavra.

● Que o teatro na pré-história acontecia em cerimônias de caráter ritualístico, e


se caracterizava pela participação coletiva circulares, com práticas de danças,
músicas, uso de máscaras, pinturas corporais etc.

7
AUTOATIVIDADE

1 As manifestações cênicas ocorridas na fase anterior à história escrita, também


conhecido como período pré-histórico, ocorreram em espaços e tempos
distintos, apresentando variações de acordo com as necessidades de cada
comunidade. De forma geral, com relação ao objetivo das manifestações
teatrais que ocorreram na pré-história, analise as sentenças a seguir:

I- Em cerimônias ritualísticas que propiciavam a participação de todos


os integrantes da comunidade na elaboração de um mundo bastante
desconhecido.
II- A partir de uma relação entre palco e plateia, no qual os espectadores
apreciavam em absoluto silêncio os textos dramáticos.
III- Geralmente, os espetáculos aconteciam sob carroças onde os atores da
comunidade improvisavam cenas a partir da supervisão dos chefes religiosos.
IV- Se valiam de elementos da própria natureza: fogueiras, peles de animais,
máscaras de argilas em rituais destinados a estabelecerem comunicação
com os deuses, com os sentimentos e realidades vivenciadas.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Somente a sentença III está correta.
b) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
c) ( ) As sentenças II e IV estão corretas.
d) ( ) As sentenças I e IV estão corretas.

2 Segundo Margot Berthold (2001, p. 1), "[...] o teatro é tão velho quanto a
humanidade. Existem formas primitivas desde os primórdios do homem.
A transformação numa outra pessoa é uma das formas arquetípicas da
expressão humana. O raio de ação do teatro, portanto, inclui a pantomima
de caça dos povos da idade do gelo e as categorias dramáticas diferenciadas
dos tempos modernos". Nesse sentido, podemos apreender que:

a) ( ) O teatro surge da própria necessidade dos homens se expressarem.


b) ( ) O teatro só tem início na Grécia Antiga.
c) ( ) O teatro sempre esteve atrelado aos textos, por isso só passou a existir
com a escrita.
d) ( ) O teatro é condicionado à relação entre atores e espectadores e, por
isso, necessita de um edifício teatral para que possa se estabelecer.

3 A descoberta de artefatos arqueológicos tem sido, em grande medida, fonte


para o conhecimento sobre a cultura que a humanidade desenvolveu ao
longo do período pré-histórico. Sabemos que as comunidades primitivas se
estabeleceram em diversos territórios ao longo de um período extenso, fazendo
com que desenvolvessem formas distintas de se expressarem. Contudo, quais
elementos caracterizam as manifestações teatrais desses povos?

8
TÓPICO 2 —
UNIDADE 1

O TEATRO NA GRÉCIA ANTIGA

1 INTRODUÇÃO
Se a história nos mostra que as manifestações teatrais são tão antigas
quanto a própria humanidade, nos informa também que foram os gregos que
criaram a nomenclatura teatral, e nos possibilitaram, por meio dos registros
escritos, ter acesso a toda uma estrutura cênica que ainda hoje são estruturantes
para as formas como pensamos e fazemos teatro dos nossos dias.

FIGURA 3 – PAPIRO CONTENDO TRECHO DO CORO DE ORESTES (EURÍPIDES), 200 a.C.

FONTE: <http://docplayer.com.br/docs-images/68/59726866/images/7-0.jpg>.
Acesso em: 4 jun. 2021.

Entretanto, de que forma a teatralidade grega transitou do teatro primitivo


para as apresentações nos moldes palco e plateia? Ao longo dos tempos, os
refinamentos expressivos propiciaram a transformação das antigas narrativas e
das cerimônias ritualísticas em verdadeiros atos cívicos, nos quais as questões
fundantes dos povos gregos tornaram-se matéria-prima para o exercício estético.
Vale lembrar que a origem da palavra estética, assim como muitos outros termos
do vocabulário artístico, é grega, e pode ser traduzida, como ciência do belo. Uma
beleza compreendida como sublime, possível de ser vista e sentida.

O termo teatro tem origem na palavra grega (theatron), e significa “local


onde se vê” ou “lugar para olhar”. Interessante observar que também em outras
regiões a compreensão do teatro tem vínculo com lançar um olhar para questões
coletivizadas para acessar as subjetividades, numa espécie de contemplação.

9
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

Assim, por exemplo, na Mesopotâmia, a ideia do teatro, num primeiro momento,


vai dizer respeito aos ritos de encontros com os deuses descidos à terra; no
Egito, esteve ligado a uma espécie de ritual mágico-mítico, mitológico, de cunho
farsesco; na Pérsia, às lendas originárias, na Turquia aos rituais xamânicos e as
crenças relativas às divindades da Ásia Menor e na Índia, às danças dramáticas
produzidas em homenagem aos deuses.

Os registros das manifestações teatrais na Grécia ocorreram por volta


do século 550 a.C., principalmente em Atenas. Tais eventos se estabeleceram
nas comemorações e nos festivais, em celebrações grandiosas em louvor e
homenagem a Dioniso, divindade grega relacionada às uvas, ao vinho, e às festas
e a fertilidade.

Essas celebrações mitológicas chegaram a durar semanas. Nelas havia


procissões, onde um coro, formado por homens livres, cantavam, dançavam,
bebiam e representavam, utilizando máscaras e vestimentas especiais. Na Antiga
Grécia, somente os homens detentores de terras eram considerados livres.
Mulheres e escravos não participavam das atividades teatrais, da mesma forma
como não participavam de outras atividades da polis (cidade em grego).

Nas cerimônias havia cânticos, danças e representações. Dioniso, a divindade


do vinho, era personificado como um bode. Os gregos se fantasiavam com roupas
de pele de cabra e folhas de parreiras na cabeça. As procissões tinham um aspecto
cívico religioso, em forma de drama frequentemente imposto pelos deuses, pelo
destino ou pela sociedade, caracterizado pela sua seriedade e dignidade.

Nos festivais os textos dos dramaturgos premiados eram lidos publicamente.


O coro lia em uníssono (em um único tom vocal). Atribui-se a Téspis de Icária o
título de primeiro ator da história. Téspis viajava com um carro (Carro de Téspis)
levando o teatro pelas cidades da Grécia. Em síntese Téspis foi um homem grego,
que em 534 a.C., utilizou uma máscara e interpretou Dioniso, proferindo o texto em
primeira pessoa. Essa atitude chocou muitos espectadores, pois, até então, ninguém
havia tido a coragem de encenar um símbolo divino. Téspis também é conhecido
como o primeiro diretor de coro (corifeu) e dramaturgo.

A evolução final do ditirambo cantado para o texto recitado e dialogado


teve como base “Os Cantos” de Homero que narravam as histórias mitológicas de
deuses, semideuses e heróis gregos. Essa passagem favoreceu o surgimento dos
festivais, que chegaram a reunir mais de 20 mil participantes.

Além de ser um evento que reunia a pólis grega, graças aos festivais
herdamos uma série de textos dramatúrgicos dos autores premiados nesses eventos,
entre eles temos os trágicos: Èsquilo, Sófocles e Eurípides e os cômicos Aristófanes
e Menandro. As obras desses dramaturgos, assim como a "A poética de Aristóteles"
são documentos históricos que nos permitem saber mais sobre o teatro Grego.

10
TÓPICO 2 — O TEATRO NA GRÉCIA ANTIGA

Devido a circunstâncias socioeconômicas e influência de outras


sociedades, uma conjunção de fatores geográficos e históricos, os gregos
transformam situações sociais, políticas e mitológicas em enredos cênicos, dando
um tratamento diferenciado aos acontecimentos.

E
IMPORTANT

As festividades gregas foram evoluindo tanto nos aspectos da organização do


evento quanto na elaboração da linguagem teatral, passando a ter enredo, atores, plateia,
encenação, gênero e até uma teoria sobre o que foi produzido, como nos mostra a obra "A
poética", de Aristóteles.

2 MITOLOGIA GREGA
A sociedade grega, assim como outros povos da antiguidade, tinha, na
tradição oral – que passava de geração em geração –, narrativas que explicam
todas as coisas existentes, essas histórias acabaram por dar origem aos "mitos''.

Como nos explica o pesquisador Junito Brandão (1985, p. 36) "[...] o


mito expressa o mundo e a realidade humana". O estudo dos mitos elaborados
coletivamente determina a mitologia de um povo, de tal forma que podemos
entender que a mitologia consiste em um sistema de crenças composto por uma
série de narrativas. Essas histórias buscam atribuir sentido e explicar as origens
dos fenômenos naturais e, ainda, elaboram justificativas para as questões mais
relevantes de uma determinada sociedade.

As fontes são bastante controversas quanto à origem do deus Dioniso,


como mostra José Antônio Dabdab Trabulsi (2004, p. 63) i: "[...] Segundo Heródoto
(II, 49), o culto de Dioniso veio do Egito, por intermédio de fenícios, estabelecidos
com Cadmo da Beócia. Heródoto assinala ainda (II, 145) que, diferentemente
do que os egípcios pensavam de Osíris, os gregos consideravam Dioniso uma
divindade menos tradicional, quando comparado aos demais deuses gregos”.
Esse fato fez com que por muito tempo o culto ao Deus Dioniso ocorresse de
forma clandestina e pouco aceita pela elite grega.

Conforme nos informa Eurípides, em sua tragédia "Bacantes" (2003, p.


13-24), o culto em adoração ao Deus Dioniso tem origem na Lídia e na Frígia.
A tradição dionisíaca percorreu muitos outros países antes de chegar a Tebas.
Dioniso, segundo a mitologia, foi fruto de uma relação extraconjugal entre o Deus
Zeus e a princesa tebana Sêmele (que era uma mortal). Hera, tendo descoberto
sobre a amante de Zeus, levou Sêmele à morte. Zeus recolheu o filho do ventre
da amante morta e o colocou na sua própria coxa, até o final da gestação. Nascido

11
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

o filho, Zeus o entrega aos cuidados de Sátiros e Ninfas do Monte Nisa. Lá, em uma
sombria gruta, Dioniso cresceu, cercada de frondosa vegetação, e em cujas paredes
se entrelaçaram galhos de viçosas videiras, onde pendiam maduros cachos de uva.

Certa vez, Dioniso colheu cachos das atrativas uvas, espremeu as frutinhas
em taças de ouro e bebeu o suco em companhia de sua corte. Todos ficaram então
conhecendo o novo néctar: o vinho. Bebendo-o repetidas vezes, Sátiros, Ninfas e
Dioniso começaram a dançar vertiginosamente, ao som dos címbalos, embriagados
até caírem em semiconsciência. Dioniso, não era um deus estático, era um deus
epidêmico, nômade e migrante. O autor Marcel Detienne (1988) refere-se a Dioniso
como um estrangeiro (provavelmente, asiático) perseguido pelo poder oficial.

Todos os anos, no final das colheitas de uvas, eram feitos festivais, em


Atenas e por toda Ática, em que os participantes se embriagavam, começavam a
cantar e dançar até ficarem inconscientes. Esses excessos eram contrários à religião
e à aristocracia da pólis, onde os deuses do Olimpo estavam sempre prontos para
aniquilar mortais entusiasmados, que rompiam com a ordem ética, política e social.

Algumas facetas do rito não seriam aceitas por parte da população, e


muitos cultos deveriam ser praticados nos bosques, longe dos olhos do poder
oficial, transformando assim Dioniso em uma divindade ctônica, ou seja,
vinculado à terra, aos bosques e às florestas.

As mênades, também conhecidas como bacantes, eram as principais


sacerdotisas do deus Dioniso; estas mulheres que saíam errantes pelos bosques,
praticavam nos cultos dionisíacos atos orgásticos, com a presença de cortejos com
falos gigantes, danças, músicas, e consumo de bebidas, que as tornavam malvistas
pelo poder oficial. Vale lembrar que mesmo na evolução das manifestações cênicas
em louvor a Deus Dioniso, as mulheres permaneceram apartadas do teatro grego,
por não serem consideradas cidadãs das pólis (cidades gregas). Sendo que os
bosques, as florestas distantes do convívio da elite grega permaneceu sendo o
espaço para as celebrações dionisíacas clandestinas.

FIGURA 4 – REPRESENTAÇÃO DE UMA CERIMÔNIA DAS MÊNADES

FONTE: <https://bit.ly/3nY7uWT>. Acesso em: 4 jun. 2021.

12
TÓPICO 2 — O TEATRO NA GRÉCIA ANTIGA

Faziam parte dos rituais, em honra e glória ao deus Dioniso, que os devotos
da divindade, se expressassem por meio de uma dança vertiginosa. O entusiasmo
era tamanho que, por vezes, os devotos caiam de tanto dançar. O estado alterado
pelo entusiasmo continha a centelha daquilo que hoje chamamos de ator.

Nessas celebrações eram frequentes a presença das procissões e dos


ditirambos. Os ditirambos eram cantos líricos entoados com o auxílio de fantasias
e máscaras, sendo essenciais para representação do deus e para tornar a peça
mais convincente. Pouco depois, essas manifestações evoluíram para a forma de
representação inteiramente cênica, dando origem ao teatro, influenciando outros
povos e tornando-se referência para cultura ocidental.

DICAS

Na série documental "Grandes Mitos Gregos", do canal Curta Brasil, os mitos


são abordados por meio de uma viagem no tempo de belíssimas produções artísticas.
Acesse www.canalcurta.tv.br e aproveite! Caso queira outras indicações de filmes sobre
a cultura mitológica grega, basta acessar: https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/11-
filmes-e-series-para-quem-e-fa-de-mitologia-grega/.

3 A POÉTICA DE ARISTÓTELES
A Poética (do grego antigo: Περὶ ποιητικῆς; e em latim poiétikés, de onde se
origina o termo em português) trata-se de um compilado de aulas produzidas pelo
filósofo Aristóteles, entre os anos 335 a.C. e 323 a.C. Nesses escritos, Aristóteles se
dedica a pensar a arte e a poética produzidas na Grécia Antiga contemporânea ao
período em que produzia seu tratado filosófico.

DICAS

"A Poética" de Aristóteles é uma obra de domínio público de fácil acesso em


variados sites. No entanto, um estudo feito em 2006, de Alessandro Barriviera, apresenta
tradução da Poética de Aristóteles, acompanhada do texto grego e notas. Ficou interessado?
Confira em: http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/268984.

13
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

FIGURA 5 – ESCULTURA DO ROSTO DE PLATÃO

FONTE: <https://static.todamateria.com.br/upload/pl/at/platao-cke.jpg>. Acesso em: 4 jun. 2021.

Nascido em 384 a.C., em uma cidade da Macedônia denominada Estagira,


Aristóteles foi um dos discípulos de Platão e se tornou, junto com seu mestre, um
dos maiores filósofos da Grécia Antiga. Ao contrário de Platão, via a imitação
como um exercício importante para se perceber e, portanto, refletir sobre o mundo.

A partir do tratado de Aristóteles podemos compreender que a tragédia


teve um importante papel para a antiga civilização Grega, funcionando para os
espectadores como uma espécie de pedagogia teatral coletiva, conforme bem
define o pesquisador Junito Brandão: "É, pois, a tragédia a imitação de uma
ação, séria e completa, dotada de extensão, em linguagem condimentada, para
cada uma das partes (imitação que se efetua) por meio de atores e não mediante
narrativa e que se opera, graças ao terror e à piedade, à purificação de tais
emoções" (BRANDÃO,1985, p. 12).

E
IMPORTANT

Diz Aristóteles que, na tragédia, o protagonista, com suas características e


méritos exaltados, através da compaixão e do terror, por meio de uma relação empática
com o público, tem o potencial de provocar a catarse.

14
TÓPICO 2 — O TEATRO NA GRÉCIA ANTIGA

ATENCAO

Podemos entender a catarse como objetivo real da ação trágica, que


conduz a purificação da culpa, uma espécie de reparação que se estabelece por meio do
reconhecimento dos erros. Aristóteles esclarece que a especificidade da condensação das
emoções diz respeito exclusivamente ao terror e à piedade e não a todas as paixões que
carregamos em nossa alma.

As contribuições desse tratado ultrapassaram a produção de uma série de


reflexões, entre outros assuntos, sobre a arte, a denominada "Tecné" dedicada ao
exercício do equilíbrio e da perfeição; as implicações das mimesis como a arte da
imitação; as diferenças entre o teor da tragédia e da comédia; a importância das
unidades de tempo e de espaço para o estabelecimento da ação; ou ainda a função
da purificação das almas por meio da catarse, se configurando sobretudo, em um
documento histórico sobre as relações do homem grego com o universo imaginário.

4 A TRAGÉDIA E OS TRÁGICOS GREGOS: ÈSQUILO, SÓFOCLES


E EURÍPEDES
Com o passar do tempo as celebrações dionisíacas, que ocorriam nas
encostas das montanhas, foram ganhando mais projeção, o que exigiu maiores
refinamentos em relação aos modos de compartilhar os enredos, assim como as
representações e as estruturas cênicas que envolvem a relação palco-plateia. De tal
forma, que as apresentações passaram a ocorrer nas encostas de uma montanha,
de forma a favorecer a boa acústica, ao ar livre, em uma espécie de praça, onde se
estabelecia uma divisão entre atores e espectadores.

Com relação à arquitetura teatral, sabemos que a disposição da cena


ocorria por meio de uma semiarena. A plateia era formada com bancos de madeira
e posteriormente, com bancos de pedra. Os atores se apresentavam no proscênio.

FIGURA 6 – PLANTA BAIXA, CONTENTO OS PRINCIPAIS ELEMENTOS DO TEATRO GREGO

FONTE: <https://bit.ly/3AvE5H8>. Acesso em: 4 jun. 2021.

15
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

Havia um espaço destinado à orquestra onde o coro realizava a sua


interpretação (era circular em terra batida ou com lajes de pedra situada no centro
das bancadas). Um espaço denominado "skené", logo atrás da orquestra, tinha
inicialmente a função de servir como um espaço destinado a proteger as trocas de
roupas dos atores, posteriormente, passou a funcionar como o que hoje conhecemos
por cenário, e servia para representar a fachada de um palácio ou templo.

FIGURA 7 – TEATRO DE EPIDAURO, SÉC. IV A.C. (350 a.C.)

FONTE: <https://bit.ly/3tX0k6n>. Acesso em: 4 jun. 2021.

As apresentações teatrais gregas eram compostas por vários elementos


cênicos, tais como cenários e figurinos. Suas apresentações incluíam músicas,
danças e mímicas que eram avaliadas por um júri. A realização dos concursos
de autores dramáticos, reunia muitos espectadores. À medida que esses eventos
foram evoluindo surgiram os diretores de coro, que tinham a função de ensaiar as
leituras e organizar as procissões. Um júri composto por cinco pessoas importantes
da aristocracia se responsabilizava por premiar os textos que seriam apresentados
publicamente em eventos subvencionados pelo Estado, que tinham o potencial
de alterar totalmente a rotina das polis (cidades), conforme bem sintetizam Jean-
Pierre Vernant e Pierre Vidal-Naquet (1999).

A tragédia não foi apenas uma forma de arte, representou uma instituição
social. Durante os concursos trágicos, a cidade tinha toda sua rotina alterada,
mesmo os órgãos políticos e judiciários interrompiam os atendimentos durante
os festivais. Instaurado sob a autoridade do arconte epônimo, no mesmo espaço
urbano e segundo as mesmas normas institucionais que regem as assembleias
ou tribunais populares, os grandes festivais apresentavam espetáculos abertos a
todos os cidadãos. Essas apresentações eram dirigidas, desempenhadas e julgadas
por representantes qualificados das diversas tribos, a cidade se fazia teatro: "ela se
toma, de certo modo, como objeto de representação e se desempenha a si própria
diante do público" (VERNANT; VIDAL-NAQUET, 1999, p. 10).

16
TÓPICO 2 — O TEATRO NA GRÉCIA ANTIGA

Todos os papéis dos espetáculos eram apresentados pelos homens, em


função disso, o uso de máscaras esculpidas em madeira e pedras se tornava
indispensável à caracterização cênica, pois a distinção dos gêneros feminino e
masculino, bem como as faixas etárias (jovem e idoso) eram definidas por meio
de diferentes características das máscaras.

Vale lembrar que um mesmo personagem, como o próprio Dioniso tinha


uma série de máscaras distintas para representar suas emoções.

Os principais temas eleitos para construir as fábulas teatrais gregas


giravam em torno do cotidiano social, problemas emocionais e psicológicos,
lendas e mitos, homenagem aos deuses gregos, fatos heroicos, guerras e críticas
políticas. O teatro torna-se uma síntese das artes, poesia e ação dramática,
suplementadas pelas demais artes, resultando em um poderoso recurso para
a expressão da experiência e dos pensamentos humanos. A evolução da forma
das apresentações proporcionou a introdução de enredos fictícios, de conteúdo
amplamente humano, possibilitando a transição do ritual para arte. Assim, dois
gêneros foram estabelecidos no teatro grego: a tragédia e a comédia.

FIGURA 8 – DIVERSAS EXPRESSÕES FACIAIS DAS MÁSCARAS UTILIZADAS NO TEATRO GREGO

FONTE: <https://static.todamateria.com.br/upload/ma/sc/mascarasgregas.jpg>.
Acesso em: 10 ago. 2021.

A origem do nome Tragédia vem dessas celebrações: a palavra tragédia


vem da palavra grega “tragoide”, que significa o canto do bode. Se caracteriza pela
morte do herói, justificada pelas leis, pelo destino, pelo castigo dos deuses. Numa
representação da memória coletiva. Ao mesmo tempo que a tragédia tem um
caráter cívico e pedagógico, a organização do enredo tem por objetivo provocar
a catarse, que conforme vimos tratar-se de uma comoção coletiva que promove
uma espécie de alívio público, nos espectadores.
Eis aí o enquadramento trágico: a tragédia só se realiza quando o
métron (medida de cada um) é ultrapassado (êxtase, entusiasmo). No
fundo, a tragédia grega, como encenação religiosa, é o suplício do leito
de Procusto contra todas as desmesuras (violências). E mais que isto:
como obra-de-arte, a tragédia é a desmistificação das bacchi.analid. Eis
aí porque o Estado se apoderou da tragédia e fê-la um apêndice da
religião da política da polis (BRANDÃO, 1984, p. 12).

17
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

FIGURA 9 – MÁSCARA TRÁGICA. DIONISO. MYRINA SÉC II A.C.

FONTE: <https://bit.ly/3lJnvNQ> Acesso em: 10 ago. 2021.

As tragédias eram compostas por cinco atos, nos quais os personagens eram
deuses, reis ou heróis, que viviam situações e conflitos trágicos, podendo ou não
alcançar a redenção. Nesse gênero, destacaram-se Ésquilo, Sófocles e Eurípides.
Quando o herói (um príncipe ou governante) cometia uma violência a si próprio
e aos deuses imortais, ocorria a falha trágica, que coloca o herói em situação de
competição com os deuses, atraindo para si a catástrofe. A punição é imediata:
contra o herói é lançada a cegueira da razão, tudo que o fizer realizá-lo-á contra si
mesmo. Segundo, Brandão (1985), de forma semelhante às tradições mitológicas a
infelicidade permanece presente na estrutura da tragédia, uma vez que:
"[...] Todos os mitos são, em sua forma bruta, horríveis e, por isso
mesmo, trágicos. As cenas são dolorosas, que tem um desfecho, as
mais das vezes, trágico, infeliz. A tragédia é, não raro, a passagem da
boa à má fortuna. Aristóteles expressa que todas as paixões, todas as
cenas dolorosas e mesmo o desfecho trágico são mimese, "imitação",
apresentados por via do poético, não em sua natureza trágica e brutal,
não são reais, passam-se num plano artificial, mimético. Não são
realidade, mas valores pegados à realidade, pois arte é uma realidade
artificial”.

E
IMPORTANT

No gênero trágico destacaram-se Ésquilo, Sófocles e Eurípides.

18
TÓPICO 2 — O TEATRO NA GRÉCIA ANTIGA

FIGURA 10 – ESCULTURAS DE ÉSQUILO, SÓFOCLES E EURÍPEDES

FONTE: <https://bit.ly/2VZq1GJ>. Acesso em: 10 ago. 2021.

Ésquilo (525-456 a.C.), o primeiro dramaturgo trágico reconhecido nos


dias de hoje, foi quem conferiu grandeza e esplendor ao gênero trágico. Empregou
máscaras expressivamente pintadas em resposta às exigências dos personagens
de suas tragédias. Quando estas tornavam-se progressivamente mais complexas,
decorava o palco onde as ações eram desenvolvidas, com objetos cênicos requeridos
por cada uma das peças em particular.

Ésquilo ficou conhecido por valorizar o potencial das pausas de efeito,


e as usava com uma frequência que inspirou Aristófanes a citar esse fato em As
Rãs. Também fez progredir a dança trágica, desenvolvendo grande variedade de
posturas e movimentos, treinava seus próprios coros.

O padrão do primeiro grande dramaturgo, tal como o de diversos de seus


companheiros posteriores, foi o de estar sempre colocado entre dois mundos ou
princípios. Suas personagens, eram mais heróis que homens, seu drama é uma
luta desesperada entre as trevas e à luz, entre a agonia e o terror, em uma busca
desesperada de uma conciliação entre o destino e o princípio de justiça.

Ésquilo, deu prioridade aos diálogos, aumentando de um para dois o número


de atores e reduzindo a importância do coro. “... Os gregos consideravam Ésquilo
como um homem intoxicado de deuses que conseguia seus efeitos por inspiração;
segundo Sófocles, ele fazia "o que devia fazer, mas o fazia sem sabê-lo"... (GASSNER,
1991, p. 23).

• Das suas obras premiadas, chegaram até nós:

A trilogia Oréstia (composta por Agamenon, Coéforas e Eumênides), A


Oréstia de Ésquilo, encenada em 458 a.C., consta de três tragédias de assunto
correlato: Agamêmnon, Coéforas e Eumênides.

É a única trilogia ligada, que nos chegou do Teatro grego, em que Sófocles e
Eurípides vão focalizar o mesmo assunto em uma única tragédia, Electra. Quando
se pode ver a diferença básica entre os três grandes trágicos: Ésquilo elabora suas

19
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

personagens em função da fábula e, por isso mesmo, suas tragédias nunca têm
um fim, constituindo-se realmente numa obra aberta; em Sófocles e EurÍpides, ao
revés, o drama completa-se, já que a fábula existe em função das personagens.

Os persas, inspirado na invasão da Grécia pelos persas, em 480 a.C., a obra


descreve a vitória dos atenienses na batalha de Salamina e com ela conquistou
sucesso em uma competição literária.

• Trilogia Tebana

Sabe-se que a obra era composta de “Laio”, “Édipo” e “Sete Contra Tebas”,
mas apenas o último texto foi preservado. O texto trágico “Agamenon” que narra
a morte do herói grego, assassinado pela esposa Clitemnestra e seu amante Egisto,
após seu retorno vitorioso de Troia; A peça “As Coéforas” conta a vingança de
Orestes, filho de Agamenon. Informado do crime pela irmã Electra, Orestes mata
Clitemnestra e o amante. Na terceira peça, “As Eumênides”, ou “As Benevolentes”,
Orestes é julgado e absolvido pelo areópago, o grande tribunal de Atenas, restituindo
a honra de trazer luz e paz ao mundo assolado pelos fantasmas e pela vingança.

Outra trilogia, com data desconhecida, é composta por: “Prometeu


Acorrentado”, “Prometeu Libertado” e “Prometeu Portador do Fogo”. Prometeu
Acorrentado foi a única que sobreviveu e constitui um belo canto à liberdade e
aos dilemas da condição humana, encarnada por um Prometeu que, apesar de
todas as adversidades, se nega a curvar-se diante dos deuses.

Em síntese, o teatro de Ésquilo é um drama sem esperanças e promessas.


O sofrimento é uma página de sabedoria, a dor redime e concilia, concluindo de
que é o mal no homem e não a inveja dos deuses que destrói a felicidade.

Sófocles (497 – 406 a.C.), nascido em Colono, cidade perto de Atenas, por
volta de 497 a.C., filho de um rico fabricante de armaduras, teve oportunidade de
uma boa educação. Com 16 anos, por sua beleza física, sua bravura e seu talento
musical, foi escolhido para dirigir o coral aos deuses, para celebrar a vitória sobre
os persas na batalha de Salamina.

Em 468 a.C. escreveu 123 peças para participar das competições dramáticas
anuais das festas dionisíacas, obtendo nesse período 24 textos vitoriosos. As
conquistas foram o marco inicial de uma carreira de sucessos.

A obra Sófocliana ficou reconhecida por abordar os desagradáveis temas da


insanidade, da tortura e até do suicídio. De forma realista, retratou as pessoas nas
suas mais amplas perspectivas, conseguindo o feito de expressar com serenidade,
o caráter humano em um mundo ainda permeado pelo universo mítico.

Há dois tipos de sofrimento (hybris) em suas tragédias – aquele que advém


de um excesso de paixão e aquele que brota de um acidente. Sófocles não é um
fatalista paralisador, embora, sua obra tenha servido de base para que alguns
estudos passem a denominar a tragédia grega como um drama do destino.

20
TÓPICO 2 — O TEATRO NA GRÉCIA ANTIGA

Em suas tragédias encontramos a adição de um terceiro ator interlocutor


ao drama ático, de forma distinta à Èsquilo descartou a trilogia em suas
produções. Enquanto Èsquilo usava três tragédias para contar uma história,
embelezando-as com partes líricas irrelevantes, Sófocles usava apenas uma peça
para cada trama e consequentemente era obrigado a confiar nela toda ação. A
forma abreviada oferecia maiores possibilidades dramáticas, impulsionando
uma maior teatralidade.

Entre os trágicos que temos acesso, Sófocles surge como o primeiro


escritor a incorporar aspectos cômicos em suas tragédias, o que conferiu as
mesmas amplitudes de emoções e distinção em relação às demais as produções
do período. Sófocles tornou-se popular ainda em vida, reconhecido pela arte de
sustentar o "suspense trágico", do qual Édipo Rei é um exemplo supremo.

Suas tragédias apresentam personagens, que se destacam pela


determinação e poder, dotados de defeitos ou virtudes fortemente delineadas.
Essas qualidades agem sobre um conjunto de circunstâncias que esbarram em um
acontecimento trágico, desenha seus personagens, principalmente as mulheres
trágicas, como "Electra e Antígona", com compaixão e vigor. O tema principal era
o destino do personagem central, do herói que sofre (hybris) e é destruído.

Inovou a técnica e a construção do teatro grego de seu tempo, quando


acrescentou um terceiro ator aos dois já empregados por Ésquilo, permitindo ampliar
o número de personagens, uma vez que um ator desempenhava vários papéis.

Aumentou também o número de participantes do coro, que de 12 passou


para 15 membros e deu a ele um caráter independente, recurso depois ampliado
por Eurípides. Fez uso de um verso mais rítmico e articulado, elevando a tragédia
à perfeição artística, operando mudanças no gênero. Adicionou mais ação às
tramas e potencializou a decoração e o figurino dos atores.

Quanto as suas obras, restaram apenas sete completas: Ajax, Antígona,


Édipo Rei, as traquinas, Electra, Filoctetes e Édipo em Colono.

Entre essas, a mais antiga é “Ajax” (450 a.C.), ainda muito influenciada pelo
estilo de Ésquilo. Na sequência surgem: “Antígona” (442 a.C.), “Édipo Rei” (430
a.C.) “Electra” (425 a.C.), “As Traquínias” (420-410 a.C.), “Filoctetes” (409 a.C.) e
“Édipo em Colonos” – o final poético da tragédia de Édipo, representada em 401
a.C., após sua morte:

De forma geral, a obra de Sófocles nos convida ao equilíbrio, ao uso do


bom senso. Assim, por exemplo, a luta entre o velho e o novo tempo, será a base
para Antígona, uma tragédia em torno da rivalidade entre o Estado e a consciência
individual de uma mulher. A Protagonista Antígona perde sua vida de possíveis
privilégios, mas não ousa desacatar suas convicções morais.

21
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

Já em Édipo Rei, peça considerada a obra-prima de Sófocles, a ação trágica


se desenvolve em torno da cegueira do filho do rei de Tebas e sua dificuldade
em compreender as profecias de um destino que previa que ele se casaria com
a própria mãe e mataria seu próprio pai. Séculos mais tarde, Freud, ao criar os
fundamentos da psicanálise, inspirado no conflito dessa tragédia, denominará
como “complexo de Édipo” o desejo humano incosciente de possuir o progenitor
do sexo oposto, ao mesmo tempo em que se estabelece uma rivalidade em relação
ao genitor do mesmo gênero.

Eurípides (484-406 a.C.)

Eurípides nasceu em Salamina, Grécia, por volta de 484 a.C., considerado


por um lado, excêntrico para os padrões da Grécia do seu período, e de forma
distinta de Sófocles, bem pouco popular, foi tido por Aristóteles como o mais
trágico dos poetas.

Teve sua vida particular exposta por acusações, envolvendo boatos de


traição e dificuldades de conviver com mulheres. Foi julgado com impiedade em
sua vida privada e teve suas inovações dramatúrgicas mal compreendidas. Sendo
inclusive alvo de críticas de seu colega de ofício, o cômico Aristófanes.

Diante de uma série de repúdios, Eurípedes abandonou a cidade de


Atenas totalmente desacreditado, e se instalou em Macedônia, na corte do rei
Arquelau, onde passou os últimos dias de sua vida. A notícia de sua morte
chega ao grande público no festival de Dioniso por meio de uma homenagem
que o dramaturgo Sófocles realizou em reconhecimento à relevância de sua obra.
Eurípedes havia dedicado cinquenta anos de sua vida ao ofício de dramaturgo
teatral, produzindo nesse período noventa e duas peças, com as quais conquistou
apenas cinco prêmios, um dos quais foi concedido postumamente.

Com relação a sua obra, é possível afirmar que as peças de Eurípides


tinham a capacidade de manter os ensinamentos dos exilados. A aceitação de
suas propostas se justifica no fato de que as heresias proferidas em sua obra,
geralmente, eram expressas por suas personagens e não pelo próprio autor. Além
disso Eurípides, cuidava de apresentar sua filosofia em um molde tradicional.

Uma de suas estratégias, era empregar deuses em seus prólogos e


epílogos. A aparição dessas entidades era mais frequente do que nas obras de seus
predecessores, aparentando um caráter mais formal que o próprio tradicional
Ésquilo. Seus esforços em dourar as pílulas mais amargas levaram-no à inclusão
de solos que mantêm relação incerta com a ação dramática e servem apenas para
excitar os sentidos ou induzir a uma morna aquiescência ao drama como todo.
O desejo de equilibrar tradição e inovação estrutural, irá prejudicar as Unidades
ideológicas, de tom e de ação em algumas tragédias. A maior parte de seu trabalho
encerra muita ação e suas caracterizações são complexas e multidimensionais.

22
TÓPICO 2 — O TEATRO NA GRÉCIA ANTIGA

Conforme sintetiza Gassner (1991), a produção euripidiana: “Conseguiu


criar o mais vigoroso realismo e crítica social da cena clássica”, criando
personagens profundamente humanos, inserindo temas inovadores e modernos,
privilegiando as mulheres e promovendo as ao status de heroínas. Em Eurípides,
as personagens femininas, ao contrário dos homens, em geral fracos, concentram
coragem e ternura, ódio e paixão.

Os elementos da encenação ganham mais destaque no teatro de Eurípedes.


Já o coro perde potência passando a se expressar indiretamente. Constrói um
prólogo inicial com o objetivo de fornecer esclarecimentos adicionais às tramas.
E para as soluções improváveis utiliza uma série de peripécias conhecidas como
“deus ex-machina” a fim de solucionar os conflitos do enredo. Sua escrita inovará
tanto na abordagem das variadas formas de amor como nas narrativas de deuses
e heróis da Grécia, numa versão humanizada.
“O povo simples começou a aparecer em suas peças e seus heróis
homéricos socialmente superiores eram, com frequência, personagens
anônimos ou desagradáveis. Seus Agamenon e Menelau são,
positivamente, anti-heróis, como se desejasse mostrar aos espectadores,
o que era na realidade, eram os heróis militares convencionais. Outras
personagens homéricas como Electra e Orestes são até hoje casos caros
à clínica psiquiátrica. Ademais, Eurípides, é o primeiro dramaturgo
a dramatizar conflitos internos do indivíduo sem atribuir a vitória
final aos impulsos mais nobres. Como exemplos de personalidades
divididas, em Medeia, quando a esposa enganada luta entre o amor
pelos filhos e o desejo de punir o pai deles, Jasão, matando-os; e em
Alceste, quando Admeto oscila entre amor à vida e afeição pela esposa,
cuja morte é a única coisa capaz de salvá-lo. Algumas vezes o elemento
psicológico chega mesmo a transcender o caso individual e torna-se
amplamente simbólico; Hipólito e As Bacantes colocam a questão de
quão longe pode ir um homem na negação das exigências de alguma
força vital superior como a sexualidade e a liberação emocional, sem
ser finalmente destruído por ela, quando esta assume seu poder"
(GASSNER, 1991, p. 68-69).

As peças de Eurípides concorrem em vinte dois festivais, mas apenas


dezenove tragédias e alguns fragmentos de outras obras foram resgatadas. A primeira
tragédia de Eurípides, “As Pelíadas”, obra que não chegou até nós, foi apresentada
no festival de teatro ateniense, em homenagem a Dioniso, em 455 a.C. Entre as suas
tragédias reconhecidas estão: Alceste, Medeia, Andrômaca, As Troianas, Ifigênia em
Táurida, Electra, Orestes e As tocantes e ainda um drama satírico denominado: O
Ciclope. Nessas obras permanecem constantes a temática política.

Entre as obras mais conhecidas de Eurípedes, sem dúvidas, merece


destaque a peça Medeia (431 a.C.). Nela, o autor deu vida a um dos personagens
mais representados no teatro universal. Medeia é a esposa traída e abandonada,
que para se vingar do marido infiel, mata sua rival e seus próprios filhos. O
momento culminante da tragédia é a oração que dirige aos filhos. No ano 1975,
no Brasil, os autores Chico Buarque e Paulo Pontes escrevem Gota d'água, uma
transposição de Medeia para o contexto carioca.

23
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

Sobre as demais obras, temos: “Hipólito” 428 a.C., obra que inspirou as
Fedras de Sêneca e as tragédias de psicologia feminina de Racine, entre elas, Ifigênia
e Ester; “Heracle” (424 a.C.) é uma de suas tragédias mais aterrorizantes, depois de
salvar sua família, o herói, em um acesso de loucura, mata o pai, esposa e filhos; Já
“As Suplicantes” (422 a.C.) narra a trajetória das mães dos sete heróis gregos mortos
na batalha de Delion, cujo sepultamento é proibido por Creonte, rei de Tebas; “As
Troianas” (415 a.C.) é uma obra essencialmente lírica e exalta o pacifismo. Em
"Electra" (413 a.C.) Eurípides retoma o tema do matricídio, já explorado por Ésquilo
e Sófocles, revelando-se tecnicamente, nesse caso, superior aos seus predecessores.

FIGURA 11 – MÁSCARA GREGA CÔMICA DO SÉCULO II a.C.

FONTE: <https://bit.ly/2XDKpyd>. Acesso em: 10 ago. 2021.

A Comédia Grega se instaura como um desdobramento dos cantos


invocados ao “Cosmos” que eram cânticos rituais nas procissões em honra ao Deus
Dioniso, onde bandos festivos dançavam e cantavam pelos campos, embriagados
pelo vinho, usando gestos obscenos e mímicas burlescas. De forma oposta
a tragédia, trazia as questões terrenas da vida cotidiana, conforme esclarece o
pesquisador Junito Brandão para quem a oposição da comédia à tragédia, ambas
com a mesma origem, tendo a tragédia nascido meio século depois da tragédia,
consiste na distinção de suas finalidades (BRANDÃO, 1985).

Algumas características marcantes originárias da Comédia Antiga, foram


conservadas ao longo dos tempos, influenciando os textos poéticos construídos
para serem dramatizados. Entre eles, destacam-se os elementos díspares: as farsas
e o Kômos – que tanto pode ser popular, profano ou dionisíaco, como também
religioso. Além disso, habitualmente encontramos na dramaturgia cômica um
prólogo cuja influência se deve à própria tragédia e um debate no centro da peça
de inspiração sofística, no qual muitas vezes o autor expressa seu ponto de vista
sobre um determinado tema, diretamente, aos espectadores.

As comédias eram encenadas de forma semelhante às tragédias nas


semiarenas gregas. Uma distinção interessante da comédia, diz respeito ao
modo de atuar dos atores cômicos gregos, uma vez que nesse gênero os atores

24
TÓPICO 2 — O TEATRO NA GRÉCIA ANTIGA

costumavam se dirigir diretamente ao público. Nas encenações da comédia grega


sempre existiam quatro atores e todos usavam máscaras. Os atores usavam roupas
e sandálias parecidas com a dos cidadãos. A interação entre atores e espectadores
era bastante acentuada, tornando os espetáculos cômicos bem mais participativos.

As apresentações cômicas contavam como na cena inicial de caráter


expositivo, a fim de apresentar ao público os personagens, cenário e o enredo. Um
coro, muitas vezes paramentado de forma alegórica e fantasiosa, com figurinos
tais como de vespas, rãs, nuvens e pássaros, fazia sua entrada com uma canção, a
procissão do coro grego e a passagem lateral de acesso ao palco eram chamados
de parados. Os integrantes do coro podiam se apresentar divididos, em certos
casos, em duas facções rivais.

Uma vez no palco, os vinte e quatro membros do coro cômico lá


permaneciam durante toda a ação, nela participando de várias formas e gozando de
muitas liberdades. Um ponto alto era a disputa ou agon, na qual duas personagens
representando interesses ou pontos de vista opostos discutiam até que uma delas
derrotava verbalmente a rival. Neste clímax, enquanto os atores se retiravam do
palco, o coro voltava-se para a plateia e, marchando em sua direção de forma militar,
tecia longas considerações sobre um determinado tema. Esse discurso, conhecido
como parábase, emitia os pontos de vista do dramaturgo, algumas vezes chegava a
proferir repreensões diretas para figuras eminentes da plateia.

Em determinada época, os enredos cômicos priorizaram a política grega,


o que despertou muita polêmica. Nesse gênero são notáveis as criações do autor
da comédia antiga (458 a 404 a.C.), Aristófanes. Ele retratava em suas peças o
cotidiano do governo grego, a educação dos sofistas e a guerra.

Em outras fases, a vida privada ganhou mais espaço nas fábulas cômicas,
e havia uma preponderância em retratar os laços familiares conturbados como,
por exemplo, as deslealdades e traições abordadas pelo autor da comédia nova
(340 a 260 a.C.) Menandro.

FIGURA 12 – BUSTO DO POETA GREGO ARISTÓFANES (COMÉDIA ANTIGA).

FONTE: <https://greciantiga.org/img/j/ji393.jpg>. Acesso em: 10 ago. 2021.

25
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

Ateniense do século V a.C., Aristófanes nos deixou onze comédias


completas – e é somente através delas que podemos não apenas fazer um juízo
da comédia ática, mas ainda e sobretudo um levantamento das ideias básicas do
poeta cômico a frente da Grécia do seu tempo.
Os Atenienses gozavam de um fantástico espetáculo enquanto
observavam o coro grotescamente vestido e os atores, algumas vezes
compostos de modo a se parecerem com algum ilustre cidadão que
se revelava um embusteiro e um papalvo. Fantasia, extravagância
e franca bufonaria caracterizavam a estória que se desdobrava.
Galhofas, obscenidades [e injúrias] tais que fariam corar uma peixeira
condimentavam o diálogo e as canções. Estes recursos atrairiam a ira da
censura em qualquer parte do mundo atual (GASSNER,1991, p. 101).

Pouco se conhece sobre a vida de Aristófanes. Deve ter recebido cuidadosa


educação, a julgar pela cultura que demonstra em suas obras e pelos ataques que
faz contra a ignorância. Assinou as primeiras comédias com um pseudônimo, mas
revelou sua verdadeira identidade depois de alcançar sucesso. Aristófanes era
ligado ao partido aristocrático e combateu violentamente os demagogos Cléon e
Hipérbolo, então dominantes na cidade.

A incontrolada liberdade da comédia foi consideravelmente reduzida


com a ascensão dos aristocratas ao poder, justamente no período em que seu
deu a produção do dramaturgo. De qualquer modo, criativamente, Aristófanes
conseguiu adaptar-se às limitações, produzindo diálogos vivos e inteligentes.

Das quarenta peças que escreveu, chegaram até nós, integralmente,


apenas onze textos. Das restantes, só conhecemos fragmentos, a comédia de
Aristófanes alimentou um espírito especial e seguiu um padrão unicamente seu,
especializando-se na sátira social e política, e é difícil encontrar um escritor de
agressividade igual. Entre suas obras, destacam-se:

"As nuvens", cujo enredo traz uma crítica a seu suposto amigo Sócrates,
como representante dos metafísicos e sofistas; "As vespas", com crítica está
endereçada aos tribunais; "Lisístrata" na qual a temática circula em torno da guerra
entre Ateniense e Espartanos (assunto bastante recorrente na obra de Aristófanes);
"As rãs", uma sátira dirigida ao dramaturgo Eurípedes; "A assembleia de
mulheres" na qual o ator mais uma vez busca empoderar as mulheres, projetando
uma realidade de mais igualdade; e sua obra prima "Os pássaros".

A Comédia "Os pássaros" narra as peripécias de uma dupla de idosos


atenienses que, revoltados com o contexto político e bélico de sua cidade, passam
a viver entre os pássaros A defesa de uma possível "soberania da cidade das aves
entre as nuvens" é a base para uma sátira divertida sobre as utopias infundadas.

No período da morte de Alexandre Magno, durante um período de


declínio da cultura grega, surgiu um movimento chamado comédia nova. Um
dos seus principais autores foi Menandro. De forma convergente com a crise do
exercício democrático grego, seu estilo de enredo não abordava tanto as políticas
gregas, mas sim elementos de ordem íntima.
26
TÓPICO 2 — O TEATRO NA GRÉCIA ANTIGA

FIGURA 13 – BUSTO DO DRAMATURGO DA COMÉDIA NOVA: MENANDRO

FONTE: <https://bit.ly/2Zk81Iz>. Acesso em: 10 ago. 2021.

Nascido em Atenas cerca de 342 a.C. e falecido por volta de 292 a.C.,
Menandro também pertenceu a uma família nobre, o que o permitiu ter acesso a
uma boa educação, acredita-se que o filósofo Teofrasto, tenha sido um dos tutores
responsáveis por sua formação.

O teatro de Menandro tem suas próprias convenções bem definidas e


soube como poucos explorar a teatralidade das vias públicas. A cena desenrola-
se na rua e o espectador é informado de toda ação passada no interior da casa por
meio de longos solilóquios, geralmente dirigidos diretamente ao público.

Utilizam-se diversas desculpas para retirar as personagens de cenas que


aparentemente, deveriam ocorrer nos aposentos de uma residência, sem, contudo,
colocar em risco a ação dramática, já que esses estratagemas, acabam por causar
agitadas complicações, que trazem ainda mais humor a fábula.
... As tramas de Menandro são uma cansativa repetição de rapazes
apaixonados por moças, pais perturbados pelo comportamento dos
filhos, servos intrigantes que assistem a um ou outro lado e parentes
perdidos há muito tempo. Com monótona regularidade as comédias
encerram. Suas complicações com um final feliz tão fácil que seria
elogiado por qualquer viciado em dilema. Embora as peças e mesmo as
tramas de seus contemporâneos estejam definitivamente perdidas, não
há razão para crer que esses sessenta e três dramaturgos se afastassem
da fórmula estabelecida. Ao contrário, é Menandro quem, segundo
antiga narrativa, reunia os maiores dotes e pode ser considerado o
talento mais criativo de todos [...] (GASSNER, 1991 p. 106).

As personagens ainda usam máscaras, como no século anterior, mas estas


adquiriram refinamento e expressão cada vez maiores; talvez não estivessem tão
longe da maquilagem teatral dos tempos modernos e seu uso não era prejudicial
no caso das personagens estereotipadas. Sem dúvida as peças de Menandro
sofriam menos com a convenção das máscaras do que as tragédias altamente
individualizadas de Eurípides.
27
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

As apresentações eram ainda mais vitalizadas pelo uso de entretenimentos


durante os intervalos, pois as peças de Menandro não empregavam mais o coro
para fornecer continuidade à ação. Elas eram divididas em atos (possivelmente
cinco), aproximando-se no formato do teatro romano.

Decorrido mais de meio século após a morte de Aristófanes, e, à medida


que a situação política vigente em Atenas da época de suas produções não
permitia a sátira direta às instituições e aos homens públicos, como acontecia
na comédia antiga, restou a Menandro e seus contemporâneos adaptar o tom do
humo empregado em suas produções.

Sua obra foi fundamental para as produções posteriores, tais como as dos
dramaturgos romanos Plauto e Terêncio. Entre os temas principais retratados por
Aristófanes, temos: as viagens, as disputas familiares e os amores clandestinos.
Escreveu mais de cem comédias, com destaque para Orge (Cólera) e Dyskolos (O
Díscolo ou O Misantropo.

DICAS

Para ter acesso às tragédias e às comédias gregas aqui mencionadas, acesse o


site: https://oficinadeteatro.com.

28
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

● O teatro grego teve sua origem em cerimônias para celebrar e contemplar os


deuses, evoluindo mais tarde para apresentações públicas onde se encenavam
as tragédias e as comédias.

● A mitologia grega diz respeito a uma série de narrativas por meio do quais a
antiguidade buscava explicar a origem dos fenômenos naturais e justificar os
acontecimentos de maior interesse do período.

● As manifestações teatrais gregas inauguram toda a nomenclatura e a


estruturação teatral chegando até os nossos dias. O vocabulário teatral criado
na Grécia da antiguidade, assim como alguns textos dramáticos trágicos e
cômicos premiados, além dos ensinamentos contidos na Poética de Aristóteles
sobreviveram ao tempo, inspirando uma série de gerações posteriores ao
apogeu da cultura clássica grega.

● Na Grécia Antiga, o theatron, em grego "lugar de onde se vê" não se limitava a


um espaço, mas, teve, por meio das fábulas e da ação cênica o potencial de
estabelecer-se como um espaço de encontro cívico e pedagógico, no qual o
homem grego livre, podia revisitar temas estruturantes sobre a polis e do seu
próprio íntimo.

● Enquanto a tragédia fazia referência à trajetória de um homem nobre, diante


de um universo mitológico, que levaria os espectadores a uma catarse, a
comédia buscava nos assuntos do cotidiano dos homens comuns à atenção
aos desvios de caráter, sem, no entanto, deixar de abordar criticamente as
falhas sociais, já bem conhecidas pelo público.

29
AUTOATIVIDADE

1 O Teatro grego da antiguidade representa um verdadeiro patrimônio


histórico da humanidade. A ele, devemos o vocabulário e grande parte da
cultura teatral que ainda hoje marcam nossas relações com as artes cênicas.
A partir dessa premissa, analise as sentenças a seguir:

I- Graças aos papéis relevantes das protagonistas nas tragédias gregas, várias
mulheres, do período da Grécia Antiga, tornaram-se atrizes conhecidas
até hoje por suas atuações.
II- O teatro Grego tem início em cerimônias de contemplação a divindade de
Dioniso, o deus do Vinho.
III- Téspis é considerado o primeiro ator do teatro.
IV- Durante as apresentações das comédias gregas (Comédia Antiga), era
comum dirigir-se às autoridades gregas presentes em tom crítico.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Somente a sentença I está correta.
b) ( ) As sentenças I, II e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças II, III e IV estão corretas.
d) ( ) As sentenças I e IV estão incorretas.

2 Durante as apresentações das tragédias gregas premiadas, a sociedade grega


se reunia em um verdadeiro estudo ético e estético. Pensando nos autores
gregos estudados – na obra de Ésquilo: a retratação recorrente de herói
trágico em um caminho vicioso de excessos que acabarão por o conduzi-lo
a hybris (ao sofrimento); em Sófocles: superpõe o destino da malevolência
divina à disposição humana para o sofrimento; e em Eurípedes: inclinou-se
a escrever sobre a autonomia dos homens em relação aos mitos. Pensando
na relação dos espectadores frente às ações cênicas propostas por esses
trágicos, podemos dizer que, em síntese, o objetivo da tragédia é provocar:

a) ( ) O medo. c) ( ) A revolta.
b) ( ) A reflexão. d) ( ) A catarse.

3 Em um trecho da Poética, de Aristóteles (2008, p. 24), o filósofo se dedica


a descrever um dos gêneros do teatro grego, dizendo: "[...] _____________
é a imitação de uma ação elevada e completa, dotada de extensão, numa
linguagem embelezada por formas diferentes em cada uma das suas partes,
que se serve da ação e não da narração e que, por meio da compaixão e do
temor, provoca a purificação de tais paixões”. A que gênero teatral Grego,
Aristóteles se refere a:

a) ( ) Farsa. c) ( ) Comédia.
b) ( ) Tragédia. d) ( ) Drama.

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TÓPICO 3 —
UNIDADE 1

O TEATRO ROMANO

1 INTRODUÇÃO
O teatro na Roma Antiga pode ser descrito por uma diversidade de
modalidades cênicas expressivas, que retratavam uma realidade que necessitava
de muito entretenimento para aliviar o cansaço dos corpos e da alma do povo,
diante de um mundo a ser conquistado. Os antigos romanos lutaram para
conquistar muitos territórios e ficaram conhecidos por absorverem a cultura, e
adaptaram as tradições dos solos conquistados como parte de suas estratégias.

A amplitude artística das manifestações cênicas, no território romano,


compreendiam desde espetáculos realizados nas grandes arenas (os ludi e os circenses),
os teatros de rua com as apresentações em tablados improvisados de virtuoses
contendo números de acrobacias, números de palhaços etc., e, ainda, apresentações
de poesias com acompanhamento musical em um espaço denominado Odeão, até as
apresentações em teatros estáveis, nos festivais de jogos cênicos, onde se encenaram
as comédias de Plauto e Terêncio e as tragédias de Sêneca.

FIGURA 14 – ELEMENTOS DA TEATRALIDADE ROMANA

FONTE: <https://bit.ly/3lMXdKl>. Acesso em: 10 ago. 2021.

Quanto às produções dramatúrgicas restaram poucos registros. Muitos têm


um caráter literário que dificulta imaginá-los em uma encenação. A presença de
episódios de violência, como os estupros, e de longos textos complexos, sobretudo,
na obra trágica de Sêneca, não favorecem a teatralidade.

31
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

Às peças romanas que temos acesso, evidenciam o desejo dos dramaturgos


romanos de escreverem nos moldes dos consagrados poetas gregos, como bem
sintetiza John Gassner, no fragmento a seguir:
Roma, sob influência da cultura grega, forneceu cinco respeitáveis
dramaturgos durante a República, que chegou ao fim na segunda
metade do século I a.C., no entanto, as peças perdidas de Lívio
Andronico, Névio, Ênio e outros são meramente baseados no trabalho
de Ésquilo, Sófocles e Eurípides, sendo que o último sofreu com maior
insistência as honras dessa dúbia distinção. No melhor dos casos, os
fragmentos romanos revelam algum vigor e paixão. O trovão latino
toma o lugar da harmonia grega e a prosa disfarçada em verso suplanta a
poesia. Ademais, em breve, as peças romanas tornam textos puramente
literários, escritos mais para leituras particulares que para encenações,
pois as massas romanas, que não tinham sensibilidade para a tragédia
(GASSNER, 1991, p. 84).

Embora houvesse um desejo de produzir uma cultura teatral tão relevante


quanto à grega, e até houvesse investimentos nesse sentido, por exemplo, a
construção de 125 casas destinadas às apresentações teatrais, o teatro romano irá
se dedicar mais aos aspectos da teatralidade, não desenvolvendo uma produção
dramática que mereça destaque.

FIGURA 15 – TEATRO ROMANO CONSTRUÍDO EM 155 D.C. EM ASPENDOS NA ATUAL TURQUIA

FONTE: <https://joaqpinheiro.files.wordpress.com/2015/07/img_1833.jpg>. Acesso em: 10 ago. 2021.

Podemos entender a teatralidade, como tudo aquilo que no teatro convida


o nosso olhar a permanecer atento, excetuando o próprio texto (ou seja, a peça
escrita). Dito de outro modo, a teatralidade se vale da expressividade dos recursos
cênicos, como a movimentação dos atores, a intenção de fala, o cenário, o figurino,
a música etc., para produzir um discurso para além do verbo. Esta ação cênica
ganha grande relevância no teatro romano em detrimento a riqueza da fábula
elaborada. A ação cênica decorrente de perseguições, pancadarias, lutas, fugas,
quedas ganham maior espaço durante as apresentações.

32
TÓPICO 3 — O TEATRO ROMANO

A arte circense, nesse período, vivenciou um maior crescimento de suas


atividades. No entanto, vale lembrar que, no contexto romano, circo não será
composto apenas por cenas extraordinárias e cômicas. Haverá, nesse período
histórico, uma arena a céu aberto – denominada circus –, na qual homens, por
vezes, serão colocados para guerrear entre si até a morte e, em outras ocasiões,
serão entregues a feras famintas. Geralmente, protagonizavam essas apresentações
gladiadores experientes – ou, ainda, cidadãos que, após julgamento público,
tivessem recebido condenação de morte.

FIGURA 16 – CIRCUS MAXIMUS

FONTE: <https://www.infoescola.com/wp-content/uploads/2011/12/circo-maximus-300x165.jpg>.
Acesso em: 20 jun. 2021.

Dentro das manifestações teatrais, a comédia tornou-se o gênero mais


popular na Antiga Roma. Entre as variadas formas com as quais o humor se
manifestará, no teatro romano, a mais genuína será a "SATURA": um improviso
de caráter burlesco, contendo uma mistura de textos, danças e músicas.

As atuações cômicas ficavam a cargo dos escravos. Vale destacar que as


mulheres tinham pequenas participações no teatro romano. Elas atuavam de
forma clandestina em papéis secundários, de pouca visibilidade na trama, muitas
vezes como elementos decorativos para aguçar a sensibilidade dos espectadores
– em sua maioria homens.

As sátiras populares denominadas “Atelanas”, representadas ao final dos


espetáculos, sobreviveram as perseguições governamentais e se tornaram a maior
contribuição do Teatro Romano. Os personagens tipificando os citadinos romanos,
tornam-se inspirações para os tipos cômicos do teatro popular que se manifestou
posteriormente, na idade média e com maior refinamento commedia dell'arte.

Outras formas de diversão populares dividiam à atenção do público


teatral, portanto, não é de se admirar que a dramaturgia romana incorpora a
violência e a vulgaridade em suas apresentações para conquistar o público.
33
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

ATENCAO

A origem do teatro romano vinculada aos rituais pagãos, um desenvolvimento


regado a violência, e toda espécie de vulgaridade que marcaram as tradições teatrais na Antiga
Roma, não contribuíam com as ideologias pregadas no início do cristianismo. Durante vários
séculos posteriores, essa condenação religiosa dificultará o crescimento das artes cênicas,
uma vez que o desenvolvimento do teatro passa pelo apoio oferecidos pelas sociedades.

2 A POLÍTICA DO PÃO E CIRCO


O registro da expressão, surge na sátira do poeta romano Juvenal (que
viveu por volta de 100 d.C.) como uma metáfora de um período político de
escassez de informação e fomento à consciência política, o que acabou gerando
um desinteresse do povo pelo conhecimento.

Produções textuais e atividades mais críticas, como as sátiras, que


denunciavam as diversas formas de opressão sofridas pelos cidadãos, eram
perseguidas pelos chamados curule aediles, oficiais romanos com altos cargos,
responsáveis por gerir à seleção dos espetáculos, organizarem à arquitetura teatral
e produzir os ludi e os circenses.

Em contrapartida, valorizavam-se outras modalidades teatrais que


aparentemente não oferecessem ameaças ao governo. Entre as manifestações
permitidas, constavam as imitações (mimesis), a pantomima (composição
narrativa por meio de movimentos corporais), e as apresentações de mímica (os
mimos). À medida que os discursos políticos começaram a aparecer também
nessas produções, elas foram repudiadas pelo Estado.

Numa tentativa de evitar grandes descontentamentos públicos, nos


períodos de maior crise, as autoridades distribuem cereais, a fim de aplacar a
forme, e ofereciam diversão por meio de corridas de bigas (carroça de duas rodas),
apresentação de acrobatas, palhaços e outros entretenimentos caracterizados
pelos movimentos rápidos e ritmados pudessem desfocar as tensões. A ideia
da espetacularização, nasce justamente com objetivo de romper os processos de
reflexão da realidade. Estádios, lotados de espectadores e torcedores em suas
arquibancadas, e uma arena contendo cenas sanguinolentas, funcionavam, tanto
para alienar e divertir o público como para explicitar quem detinha o poder.

34
TÓPICO 3 — O TEATRO ROMANO

E
IMPORTANT

A política do Pão e circo, do latim, panem et circenses, tratou-se de uma


política cultural, que envolvia o desejo dos líderes romanos em manter o povo distante dos
conteúdos que pudessem questionar o poder vigente.

3 A LITERATURA DRAMÁTICA DE PLAUTO, TERÊNCIO E SÊNECA


Narra-se que no ano de 240 a.C., o grego Lívio Andrônico produziu e
atuou em um drama, escrito por ele mesmo a partir de textos gregos, tornando-se
dessa forma conhecido como o precursor da Comédia Romana.

FIGURA 17 – DRAMATURGOS ROMANOS

FONTE: <https://bit.ly/3zxvtye>. Acesso em: 20 jun. 2021.

Conta-se ainda que, em virtude de sua dedicação nas atividades no teatro,


Lívio Andrônico sofrera um problema nas cordas vocais, o que o deixara sem voz.
Com a ajuda de um colega músico, conseguiu permanecer no ofício, valendo-se
da voz do rapaz, músico, que declamava seus versos, enquanto ele fazia a parte
mímica. Esse acontecimento propiciou a tradição teatral da ilustração de falas por
meios dos gestos cênicos, e ainda a produção de uma dramaturgia baseada nos
diálogos de revezamento entre as falas dos atores.

Já Tito Mácio Plauto, mais conhecido como Plauto, ficou conhecido entre
os pioneiros da dramaturgia latina, do período republicano romano (séculos II e
III a.C.). Responsável por um tipo de farsa popular, que marcou a Comédia Nova
Romana, também conhecida como comédia palliata, em referência a um manto
usado pelos atores durante as apresentações teatrais gregas.
35
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

Suas comédias, como as demais produções dramatúrgicas da Roma


Antiga, eram baseadas na produção grega, compilando as peças da comédia nova,
a partir do seu estilo romano. Suas peças cômicas foram bastante difundidas no
mundo, e são o registro histórico das atrocidades de uma nação que sobrepôs as
guerras, os domínios territoriais e o poder político acima da cultura.

NOTA

Das cento e trinta peças que produziu, apenas vinte e uma chegaram até nós,
por meio das quais é possível identificar um retrato do povo romano mais simples:

• Anfitrião.
• Epídico.
• Os cativos.
• A comédia dos burros.
• A comédia da panelinha.
• As duas baquides.
• Cásina.
• A comédia da cestinha.
• O gorgulho.
• Os Menecmos.
• O mercador.
• A comédia da valise.
• O Soldado Fanfarrão.
• A comédia do fantasma.
• Persa.
• O pequeno cartaginês Pseudolo.
• O cabo,
• Estico
• As três moedas,
• O truculento.

O diálogo nas obras de Plauto não era uma simples tradução da Comédia
Nova de Menandro, ou das comédias que o antecederam, pois ao contrário do
vocabulário poético dos precursores gregos, Plauto ousou empregar um linguajar
grosseiro e pesado do acampamento militar e da praça do mercado.

Além de escrever, Plauto foi empresário dos atores das suas peças,
cuidando de enaltecer os tipos populares em seu enredo, a fim de valorizar a
teatralidade do povo comum. Tinha como finalidade divertir e produzir uma
dramaturgia viva. Foi mais apreciado na Idade Média e na Renascença do que em
vida, inspirando uma série de dramaturgos posteriores, entre os quais podemos
destacar Molière (França) e Ariano Suassuna (Brasil).

36
TÓPICO 3 — O TEATRO ROMANO

Menos popular que Plauto foi Públio Terêncio, ex-escravo de um senador


chamado C. Terêncio Lucano, de quem herdou o nome, e obteve educação
criteriosa, que influenciou seu teatro de vocabulário erudito, mais sério e menos
farsesco que seu contemporâneo Plauto, fazendo-o com que fosse mais apreciado
pela aristocracia romana aculturada com as tradições gregas do que pelo homem
romano comum.

A obra de Terêncio consiste em uma apurada reescrita da produção de


Menandro, com exceção de sua peça mais elogiada, Fórmio (phormio), obra que
nos permite conhecer mais sobre o trabalho do dramaturgo da Nova Comédia
Grega, Apolodoro, na qual Terêncio se inspira para compor "Fórmio".

Embora Terêncio seja reconhecido por ser um ator com registros


biográficos, há poucas informações precisas sobre vários acontecimentos da sua
vida. Incluindo os anos do seu nascimento (acredita-se que possa ter sido em
195/194 a.C. ou em 185/184 a.C. na África) e de sua morte (160/159 a.C.). A vida
relativamente curta, não o impediu que sua produção tivesse o reconhecimento
de Horácio, de Cícero e da igreja durante a idade média ocidental.

FIGURA 18 – FRAGMENTO DE UMA PEÇA DE TERÊNCIO

FONTE: <https://bit.ly/3nTfokl>. Acesso em: 20 jun. 2021.

Sêneca foi responsável por fazer chegar até nós a tragédia romana. Suas
obras foram produzidas entre os anos de 166 e 160 a.C., chegando até os nossos
dias: "Andria", “Os irmãos”, “O Eunuco”, "Heautontimorumenus", que significa o "O
que pune a si mesmo”, “A sogra” e “Formião”.

Inspirada nas produções dos poetas gregos que o sucederam, escreve


com grande eloquência peças de caráter filosófico e moral que irão inspirar várias
gerações de dramaturgos posteriores a sua existência.

37
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

Conforme comenta o pesquisador Marcelo Pirateli, no resumo de sua


dissertação de mestrado Sêneca, os vícios e, principalmente, as paixões são os
principais fatores de desequilíbrio da ordem, impedindo o homem de viver em
conformidade com a natureza, o que acaba provocando desastrosas consequências"
(PIRATELLI, 2010, p. 5).

DICAS

Sucesso de bilheteria, o filme de O Gladiador (2000), de Ridley Scott com


Russell Crowe. Ele retrata bem a política cultural do "Pão e Circo". Além de assistir ao filme,
você pode conferir no portal da educação um artigo analisando a atualidade dessa política
nos dias de hoje. Confira: https://siteantigo.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/
idiomas/o-gladiador-um-novo-olhar-diante-do-passado/20870.

38
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

● Uma série de manifestações artísticas e outras atividades de entretenimentos


fazem parte daquilo que costumamos compreender como O Teatro Romano.

● A Dramaturgia Romana sofreu forte influência dos poetas dramaturgos


gregos. Alguns autores romanos chegaram inclusive a importar para suas
obras, cenas completas das tragédias e comédias gregas, de acordo com o
gênero em que produziram.

● A política cultural romana denominada "Pão e Circo" foi uma forma dos
governantes estimularem povo romano a se contentar só com o básico. A
oferta estatal de pães e entretenimento espetaculares e impactantes tinham
por objetivo manter o povo satisfeito e alienado.

● Os cômicos romanos Plauto e Terêncio criaram em seus textos tipos que não só
marcaram a literatura latina, como influenciariam gerações de dramaturgos
posteriores.

● As tragédias de Sêneca tinham um caráter mais literário do que teatral, no


entanto, os aspectos morais dos enredos dessas, constituíram uma exceção ao
cerco da igreja à teatralidade no período medieval.

39
AUTOATIVIDADE

1 O Teatro Romano, que embora buscasse referências Gregas, tornou-se


conhecido por uma espetacularidade extremamente impactante. De acordo
com o conhecimento que adquiriu com relação ao Teatro Romano, analise
as sentenças a seguir:

I- Após conquistar o território grego, os romanos se apropriaram de vários


aspectos da cultura da Grécia.
II- A obra do cômico Plauto recebeu muita influência do dramaturgo da
Comédia Nova Grega, Menandro. Escritor de farsas e grande representante
da Comédia Nova Romana, Plauto iria influenciar as obras do francês
Molière e do brasileiro Ariano Suassuna.
III- O ex-escravo Terêncio, dado ao seu humor refinado caiu no gosto dos
romanos mais polidos, sendo considerado o cômico da aristocracia.
IV- A satura, uma comédia de cunho burlesco, é considerada a criação teatral,
mais genuinamente romana.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Todas as sentenças estão corretas.
b) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
c) ( ) Nenhuma das sentenças está correta.
d) ( ) Somente a sentença IV está correta.

2 A história nos conta que o Império Romano conquistou uma série de


territórios, entre os quais ficaram conhecidos a dos povos existentes na
Gália, na Germânia, na Grécia, no Egito, na Palestina, na Síria e na Trácia.
Os romanos buscavam incorporar a sua própria cultura, aspectos dos
povos conquistados. Pensando na arte teatral, quais das civilizações mais
influenciou a produção do teatro romano?

a) ( ) Macedônia.
b) ( ) Egito.
c) ( ) Síria.
d) ( ) Grécia.

3 A expressão “panem et circenses” (pão e circo) foi cunhada da sátira do poeta


romano Juvenal (que viveu por volta de 100 d.C.) com o objetivo de ilustrar
uma crítica bem-humorada acerca da política cultural romana. Após reler o
material sobre o assunto, responda: Qual é o sentido da expressão "pão e circo"?

40
TÓPICO 4 —
UNIDADE 1

PANORAMA DO TEATRO ORIENTAL

1 INTRODUÇÃO
Pensar o Teatro Oriental implica reconhecer que a descrição de algumas
das manifestações dos vários países que compreendem o Oriente não será
suficiente para abarcar a riqueza e as especificidades das diversas expressões da
teatralidade concebida por esses povos.

Quando por meio das pesquisas arqueológicas, observamos os símbolos


nas ruínas, os detalhes dos relevos, das pinturas nos templos, e temos recursos
para ler os sinais nos hieróglifos, podemos chegar à conclusão, de que de forma
semelhante a história do início das manifestações teatrais do ocidente, a origem
da teatralidade oriental se encontra nos rituais religiosos, festivais e celebrações;
que com o passar do tempo, evoluíram para uma arte dramática (literária e cênica)
mais próxima da realizada nos dias de hoje.

E
IMPORTANT

De forma geral, quando comparado às produções do Ocidente, o Teatro


Oriental se demonstra bem mais tradicional. As narrativas, os códigos gestuais, a
corporeidade ritualística são de conhecimento tanto dos artistas como do público, de tal
modo que a execução precisa em seus mínimos detalhes compor um dos aspectos da
realização artística.

"No treinamento do ator oriental não existe a expressão corporal no


sentido em que a conhecemos no Ocidente, o que ocorre é o aprendizado exato e
detalhado do gestual que deverá fazer parte do repertório do artista, sua repetição
sistemática, sua memorização absoluta" (AZEVEDO, 2004, p. 132).

As narrativas, primitivas e rudimentares estão ligadas às crenças, e se


fazem presentes na maior parte das antigas civilizações orientais. Através do
êxtase espiritual, numa linguagem bastante corporal e cheia de simbolismos o
homem oriental projetou uma comunhão com o sagrado, concebeu justificativas
para as origens, celebrou a vida e ritualizou a morte.

41
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

Ao lado dos fragmentos literários, as artes visuais desses povos, nos


oportunizam a interpretação de algumas evidências a respeito do início das
manifestações teatrais no Oriente. Originário de cerimônias religiosas, ou
fúnebres, tais como as homenagens produzidas por meio de diálogos dramáticos,
embalados por música e dança, prestadas ao Rei-deus. Em forma de celebrações
coletivas, ou em apresentações nos festivais, era muito comum a glorificação à
vida na Terra ou no além-mundo. Nessas ocasiões, a divindade permanecia como
figura central das narrativas produzidas e não se economizava pompa nos ritos
em louvor aos protagonistas das cerimônias.

FIGURA19 – EXPRESSÕES DO TEATRO ORIENTAL

FONTE: <https://www.coladaweb.com/wp-content/uploads/2014/12/Teatro-Oriental.png>.
Acesso em: 20 jun. 2021.

Há registros da presença dos elementos cênicos, em todo Oriente desde


3.000 a.C., tais como o uso de artefatos para representação variadas, proveniente do
uso de máscaras, pintura corporal, vestimentas e adornos usados com finalidades
de adoração, ou decorativos em cerimônias realizadas no palácio em Hatra, nas
casas dos fenícios em Tharr. Já nestas manifestações, o Teatro Oriental tende a
compreender o teatro como arte que agrega outras linguagens, tais como o texto,
ou as narrativas corporais ou advindas da manipulação de bonecos (marionetes),
a dança e a música. A noção de uma arte completa, também é muito cara ao
Ocidente, como nos demonstra o conceito de "Arte Total" de Richard Wagner
durante a primeira metade do século XIX.

A partir do século XIX, a cultura oriental passa a ser alvo do interesse


Ocidental, mas, o Teatro Oriental em específico, será pesquisado pela vanguarda
teatral europeia. Artaud, Meyerhold, Strindberg estão entre os nomes que terão suas
obras influenciadas pela teatralidade produzida no Oriente.

42
TÓPICO 4 — PANORAMA DO TEATRO ORIENTAL

2 OS DIVERSOS TEATROS DO ORIENTE


Antes do século XIX, acreditava-se que no Egito Antigo, as manifestações
de artes plásticas, da dança e da música eram mais evoluídas que a arte dramática.
Baseados em narrativas de escritores da antiguidade e em textos de Velho
Testamento foi possível reparar que houve uma evolução das cerimônias e dos
mitos, em representações similares às que teriam originado o teatro grego. Estas
celebrações eram estritamente religiosas, sendo o deus representado por uma
estátua e não por um ator, a ação era real e regida por um sacerdote. O público
não participava destes rituais como espectadores.

“Os testemunhos arqueológicos mais antigos referentes ao teatro egípcio


são um grupo de estelas funerárias encontradas em Abidos, datadas do Médio
Império (2040 a.C.), que nos contam como os reis da XII Dinastia (1991-1782 a.C.),
rompendo com a tradição, fizeram executar, em cerimônias públicas, os segredos
do drama sagrado de Osíris Khentamentiu," sua morte, ressurreição e triunfo''. Não
é possível saber, a partir da inscrição, se as fases distintas do mistério – retratando
a vida, a morte e a ressurreição do deus – eram encenadas em sucessão imediata, a
intervalos de dias, ou até mesmo de semanas” (BRANCAGLION, 1996;1997, p. 14).

DICAS

O documentário O legado das antigas civilizações (disponível em: https://


youtube.com/watch?v=KNe5Ww58Up4 e ainda em https://youtu.be/lF1ErQO5GDI) tem
uma série de episódios, entre os quais você poderá conhecer mais sobre a arte, a cultura
e a literatura de diversos povos orientais.

FIGURA 20 – NEFERTITI E FILHAS ADORANDO O ATON – 1372 – 1350 a.C.

FONTE: <https://bit.ly/3nOXUWm>. Acesso em: 20 jun. 2021.

43
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

A partir das ruínas egípcias e do estudo das imagens pintadas e esculpidas


nas pirâmides e nos monumentos designados às sepulturas dos faraós, fica
evidente uma série de elementos teatrais nas cerimônias dramáticas fúnebres, nas
quais havia inclusive espaço para lamentações e choros pantomimas ensaiados,
bem como no culto aos deuses. Assim, por exemplo, a teatralidade pode ser
notada em apresentações dos mistérios devotados as divindades ancestrais. Esse
rito acabou por inspirar a tradição dos mistérios ocidentais durante o período
medieval da igreja católica.

Em síntese, é possível afirmar que no Egito Antigo ritual e espetacular


idade caminham lado a lado, existindo inclusive registros em papiro, do período
do Antigo Império de marcações cênicas destinadas a esses propósitos.
Se não houve no Egito uma verdadeira tradição de literatura dramática,
como entre os gregos, existia um tipo de teatro essencialmente
religioso, quer nas suas formas mais puras, rituais por excelência, quer
nas formas mais populares, que também conservam uma temática
mitológica. Assim como, na Idade Média, o teatro destinou-se à
glorificação do cristianismo, no Egito foi quase sempre a apoteose do
ciclo de Osíris (BRANCAGLION, 1996/1997, p. 18).

A coexistência de um teatro profano, em que divindades ou heróis fictícios


pudessem ser encenados por atores, ainda que dentro de um drama litúrgico
(com carácter ritual e mitológico), viria ocorrer durante a Idade Média. O teatro
de sombras que surgiu no Egito durante o século XII d.C., proporciona estímulos
para representação de lendas populares e eventos históricos, sua forma e técnica
foram inspiradas pelo Oriente.

Quando se pensa o teatro da Índia, logo vem à mente as apresentações


ritualizadas, de cores vivas e com a presença de movimentos de lutas e de danças.
De fato, na índia uma única palavra é utilizada para designar mais de uma
modalidade das artes cênicas: Natyashastra, diz respeito tanto à dança, quanto
ao teatro. Então quando mencionamos "Natyashastra" estamos nos referindo às
manifestações expressivas corporais de caráter presencial.

O teatro clássico da Índia engloba toda extensão da vida, na terra e no céu,


onde a dança e a atuação dramática são iguais, e é derivado de uma única obra: o
Natyasastra de Bharara.

A dança hindu evoluiu e sobreviveu até hoje em suas quatro formas


características:

● Bharatanatyam: arte manifesta pelas dançarinas no templo, de caráter feminino


e submisso.
● Kathakali: pantomima integrada a certas danças dramáticas grotescas, de
caráter masculino, com Personagens tais como: deuses, heróis e monstros,
caracterizados pelo uso de máscaras com expressões exageradas e uso de
figurinos suntuosos.

44
TÓPICO 4 — PANORAMA DO TEATRO ORIENTAL

● Kathak: danças diversificadas sobre a comunhão, em que a força masculina e


a graça feminina se entrelaçam.
● Manipuri: dança mística, de movimentos lentos.

Contudo, há de se considerar a presença no território indiano de outras


manifestações milenares, que reavivadas seguem expressando se através de um
mundo mágico, no contexto de um povo que entende a arte como um valor a ser
cultivado.

FIGURA 21 – MARIONETES INDIANAS

FONTE: <https://bit.ly/39pjvfv>. Acesso em: 20 jun. 2021.

O Koodiyattan está entre as tradições populares mais antigas do teatro


na Índia. Permanece vivo na cultura indiana graças aos esforços do povo em
repassar os elementos da tradição de geração em geração. De caráter ritualístico,
as apresentações de Koodiyattan ocorriam nos templos-teatros, e tinham objetivo
como representar, aos olhos da comunidade, ações de sacrifício à divindade. O
Koodiyattan conta com a participação das mulheres e influenciou a obra do diretor
inglês Peter Brook.

Ainda sobre a dança-teatro clássica denominada Kathakali, vale a pena


registrar que, originada, cerca de dois mil anos atrás, no extremo sudeste da
Índia, mais especificamente na antiga região do Malabar, o Kathakali ganha sua
forma final no século XVII, quando se evidencia seu caráter dramático de cunho
épico, heroico e eloquente.

45
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

FIGURA 22 – ATOR DURANTE APRESENTAÇÃO DO KATHAKALI (FOTO: CHALLIYIL E.


PAVITHRAN VIPIN)

FONTE: <https://bit.ly/3tYA6QM>. Acesso em: 20 jun. 2021.

O povo indiano acredita que os palcos são espaços sagrados, nos quais os
próprios Deus escolhem estar para revisitar a luta entre os polos do bem e do mau.
Portanto, todos os elementos de uma apresentação de Kathakali tem um sentido
religioso. A partir do ano de 1920, com a criação da escola Kalamandalam destinada
ao ensino da performance masculina, o Kathakali ganha uma intensa projeção.
Uma performance de Kathakali não é “apenas” uma performance
teatral. É uma cerimônia na qual o ingrediente mais importante é,
claramente, o componente dramático, mas nela tomam parte outros
elementos: a dança, o ritual, a revisitação dos mitos e seus signos, a
reafirmação dos valores religiosos, os ideais de honra guerreira e um
singular fruir estético. Tudo isso amalgamando uma estética única no
mundo, revestida de uma potente teatralidade, que recria sobre a cena
uma dimensão que transborda a realidade. E faz do palco um território
místico onde homens e deuses dialogam, em silêncio, como iguais e
repisam passo a passo, gesto a gesto, noite após noite, a grande paixão
dos seres humanos sobre a Terra e sua relação com tudo aquilo que os
ultrapassa (RIBEIRO, 2013, p. 85-86).

Documentos históricos chineses demonstram registros de apresentações


de caráter cênicos na China já na Dinastia Shang (1600 a.C. – 1046 a.C.). As
manifestações eram espécie de rituais xamânicos, por meio da dança e do canto,
nesses rituais havia o desejo de se comunicarem com o divino, contando fatos
heroicos e produzindo memória sobre as lendas e os mitos.

46
TÓPICO 4 — PANORAMA DO TEATRO ORIENTAL

E
IMPORTANT

Durante aproximadamente seiscentos anos, o teatro chinês se manifestou


como uma arte popular, com apresentações de origem dramáticas e cômicas, realizadas
numa relação de proximidade com os espectadores, em espaços públicos abertos, com luz
natural e sem cenários.

ATENCAO

No início do século IV as manifestações cênicas passam por mudanças,


tornando se mais requintadas. No século XIX, as apresentações chinesas se estabelecem
como uma modalidade de arte total, na qual o texto literário, a interpretação dos dançarinos,
música e movimentos acrobáticos irão compor a chamada Ópera de Pequim.

DICAS

Acesse: https://youtu.be/ZGbKg8d3gJ0 e confira a visita de artistas da "Opera


de Pequim, no Instituto de Artes da Unesp/SP.

Com mais de mil anos de história o teatro japonês é conhecido por


teatralizar a cultura popular e a expressão religiosa japonesa (o budista), por
meio de pantomimas denominadas dengaku e surugaku, de um teatro dançado,
extremamente sofisticado, do tradicional teatro de bonecos denominado de
bunraku e, posteriormente, nas elaboradas expressões do Nô e do Kabuki –
expressões tradicionais, ainda hoje apresentadas pelo mundo e sobretudo, nas
cidades japonesas de Tokyo, Osaka e Kyoto.

Em síntese podemos descrever o Nô como um drama de estilo lírico, com


uso de máscaras e movimentação lenta, detalhista e muito precisa, pensada para
despertar os sentidos da elite Japonesa.

O Nô ficou conhecido como sendo a forma teatral mais antiga do Japão.


Embora não haja precisão quando ao seu surgimento, sabe-se apenas que foi no
século XIV que a tradição começou a ser mais difundida dentro e fora do solo
japonês.

47
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

A máscara tem um papel importante no Teatro Nô, e são bastante numerosas,


em torno duzentos e cinquenta tipos diferentes, permitindo que o mesmo ator
assuma mais de uma personagem durante uma apresentação. São as máscaras que
irão potencializar a expressividade cuidadosa e energia sensorial que um ator dessa
modalidade constrói ao representar um Shite (personagem principal).

FIGURA 23 – MÁSCARAS DO TEATRO NÔ

FONTE: <https://bit.ly/3u1e5AJ>. Acesso em: 20 jun. 2021.

Outro elemento de destaque no Nô é a energia (Ki), que deve se fazer


evidenciada de forma ritualística, tanto no trabalho dos intérpretes das personagens,
quanto nas participações do coro e na execução dos músicos.

Com cerca de 600 anos de tradição, e, portanto, do mesmo período que


o Nô, a peça diálogo Noh Kyogen, a princípio era apresentado no intervalo entre
as apresentações do Nô. No entanto, atualmente, é possível encontrar sessões de
Kyogen desmembrados dos programas do Nô.

ATENCAO

Embora seja bastante confundida com o Nô, a fábula do Kyogen é bem mais
dialogada, suas mímicas têm um caráter farsesco, mas não necessariamente, cômico, já
que o estilo pode trazer temas bastante profundos da condição humana.

48
TÓPICO 4 — PANORAMA DO TEATRO ORIENTAL

De caráter mais cômico, o Kyogen possui mais personagens, todos


representados por homens. Sua dramaturgia geralmente apresenta um embate,
onde dois personagens discutem uma questão utilizando falas coloquiais, de
forma a remeter a linguagem do povo mais simples, do Japão do século XVI.
Além disso, utilizam acento em determinadas palavras a fim de potencializar suas
expressividades, bem como a tradição de realizar a onomatopeia para ilustrar
objetos e animais citados no discurso.

Uma postura corporal especifica (postura básica) dos atores, na qual o


quadril é deslocado para trás, os braços movimentam-se a partir dos cotovelos, o
queixo permanece retraído etc., corrobora para identidade do Kyogen. Fazem uso
de meias (tabi). Com relação a outros aspectos da caracterização, os atores podem
aparecer em cena com, ou sem o uso de máscaras. Quando optam pelo uso delas,
dão preferência para as mais caricatas ou irônicas.

Tão, ou mais tradicional que o Nô, o Kabuki constitui uma peça de teatro
melodramático extremamente genuína e popular. A palavra Kabuki traz em si o
significado dos elementos que a caracteriza, assim temos: o canto (Ka), a dança
(bi) e a representação (ki).

FIGURA 24 – ATOR TEATRO KABUKI

FONTE: <https://bit.ly/2XL4H8Q>. Acesso em: 20 jun. 2021.

Dentro do sistema da representação, a interpretação tem uma estética


específica, com gestos limpos e formalizados, potencializado por pausas "mie",
que permitem ao espectador apreciar as formas dos corpos dos atores, como
quando se está diante de uma estátua.

Os elementos visuais das apresentações constituem um convite à parte


para os olhos dos espectadores. O uso de cores vivas, elementos extravagantes
e de grande visualidade no cenário, na maquiagem e nos figurinos favorecem a
popularidade do Kabuki.

49
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

FIGURA 25 – PINTURAS FACIAIS DO KABUKI

FONTE: <https://bit.ly/2XBtQSO>. Acesso em: 20 jun. 2021.

A música tem a função de dar vida ao palco, e a orquestra que executa as


músicas, em uma apresentação de Kabuki, é chamada de músicos de "shamisen"
devido ao instrumento homônimo ("shamisen") de três cordas tocado com uma
palheta que se tornou característico do Kabuki.

O desenvolvimento do Kabuki ocorreu durante o século XVI, com o


aumento da classe dos mercadores, que embora tendo poder aquisitivo, na época
não eram vistos como nobres, e, portanto, encontraram nos temas de oposição ao
sistema feudal, espaço para expressarem suas próprias emoções.

A arte do Kabuki mantém todos os detalhes do ritual a trezentos anos sem


modificações. Desde sua decodificação, no ano de 1692, a tradição ritualística que
envolve desde a preparação técnica, a escolha das peças, como o desenvolvimento
da encenação, incluindo os estilos dos figurinos e dos adereços cênicos utilizados,
permanecem inalterados. E embora distante da realidade contemporânea japonesa
o Kabuki permanece muito popular e apreciado no Japão e no mundo.

Após a derrota japonesa na Segunda Guerra Mundial, surge no Japão o


“Ankoku butoh”, na última metade dos anos cinquenta, que pode ser traduzido
por dança das sombras – ou, ainda, como dança das trevas.

A narrativa do nascimento do Butoh, conta que na cerimônia de iniciação


do filho do maior representante do Butô, o falecido mestre Kazuo Ohno, cujo
filho se chama Yoshito, houve um momento da cena que durou cerca de cindo
minutos, onde Yoshito permaneceu silencioso e concentradíssimo na ação de
observar a palma de suas mãos, enquanto Tatsumi Hijikata mantinha o foco
de o observar. Na sequência, Yoshito recebeu uma galinha e produziu ações
representativas de uma cópula e na sequência da morte da ave. Hijikata reagia ao
ocorrido. Do vínculo entre morte e vida, imobilidade e movimento, dessa forma,
nasceu o Butoh o também conhecido como Butô.

50
TÓPICO 4 — PANORAMA DO TEATRO ORIENTAL

DICAS

Neste link: https://youtu.be/XqDodOJjjLQ, você poderá acessar uma


apresentação em que Kazuo Ohno dança com seu filho Yoshito a lendária cena "Dead
Sea" e "A Mesa".

Akira Kasai, Hijikata, Kazuo Ohno, Mitsutaka Ishii, Yoshito irão compor
o primeiro coletivo de artistas- pesquisadores da arte, permanecendo juntos por
cinco anos. Após esse período Hijikata e Ohno passam a realizar uma série de
viagens internacionais, divulgando o Butô para o mundo. Na década de 1980
Kazuo Ohno se apresenta no Brasil, iniciando uma parceria de afetos mútuos.

FIGURA 26 – PERFORMANCE KAZUO OHNO

FONTE: <https://bit.ly/3m2vEx5>. Acesso em: 20 jun. 2021.

Segundo Kazuo Ohno, o principal representante do Butô, as referências


para a criação dessa arte ultrapassam os limites inventados entre ocidente e
oriente, nas palavras do mestre:
Posso dizer que tive influência do balé clássico depois de Isadora
Duncan (1878-1910), que tirou as sapatilhas e começou a dança livre,
rompendo com as formas do balé; também de Mary Wieman (1886-
1973), que pertenceu à dança de vanguarda alemã dos anos 30 e uma
das criadoras do expressionismo na Alemanha. A dança de Wigman era
completamente diferente do balé e da dança de Duncan. Era uma dança
que nasce no interior, na intimidade do ser humano (GIRÃO, 1995, s.p.).

51
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

No Butô, a morte é retratada como sendo o fim da predominância das


atividades cerebrais, frente a natureza. O butô, saúda as qualidades do corpo
morto, o ventre materno, a energia vital, a sombra, a desautomatização dos
movimentos. Nas palavras de Kazuo Ohno:
Eu penso que há algo em comum entre a energia de nascimento de
uma vida e a do nascimento do Universo. Existe uma força centrípeta
entre mãe e filho, como entre o Sol e os planetas do sistema Solar. Tudo
o que existe nesse mundo é ligado profundamente com o Universo.
Mas a dança moderna não incluía esses fenômenos básicos da
natureza, as relações entre ser humano, morte, vida, amor, universo,
natureza e outros temas essenciais, nem o expressionismo alemão. O
envolvimento com estas questões foram nossos mestres e crescemos
com elas. É isto que expresso no meu butoh (GIRÃO, 1995, s.p.)

3 OS DRAMATURGOS ORIENTAIS
No livro Mestres do Teatro, John Gassner faz uma belíssima introdução
sobre a dramaturgia oriental defendendo que no que concede a história do teatro,
entre o Oriente e o Ocidente existem mais semelhanças do que é possível imaginar,
a partir da máxima: "todos os homens são irmãos" (GASSNER, 1991, p. 121).

Gassner solicita nossa atenção para os enfoques "espirituais e sensoriais"


que a arte adquire nos países orientais. E assumindo os riscos da controvérsia,
observa que, na inexistência de uma dramaturgia textual remanescente, faz-
se necessário atentar-se para os sinais da teatralidade narrativa das antigas
civilizações, que permite por exemplo, reconhecer a dramaticidade da produção
hebraica, no século III, nos textos produzidos para compor o Velho Testamento.
Nesse contexto, Ezequiel se torna o "o poeta das tragédias judaicas" dedicado a
narrar a saga de Moisés de tal forma que a dramaticidade do discurso se torna um
valor no seio da cultura hebraica (GASSNER, 1991, p. 121-122).

O teatro Indiano, à semelhança dos demais povos aqui estudados, tem sua
teatralidade originária nos rituais, mas é por volta do ano 320 d.C., período de
grande desenvolvimento cultural na Índia, que a dramaturgia ganha relevância,
sob o patrocínio do próprio rei.

O conceito de uma dramaturgia do corpo se encaixa muito bem, quando


pensamos no teatro indiano. Sobre a produção textual, temos peças, escritas em
sânscrito, geralmente narrando histórias da realeza, com enredos de amor e finais
felizes de acordo com a tradição das peças de "artifícios". Entre essas, encontra-se
no século X, "Dez Formas" (Dasharupa) de Dhanamjaya, com a narrativa típica da
dramaturgia de artifícios, na qual oito heroínas com características diversas estão
as voltas com suas desventuras românticas. O poeta Rabindranath Tagore, foi o
grande responsável pelo renascimento da dramaturgia hindu do século XIX.

52
TÓPICO 4 — PANORAMA DO TEATRO ORIENTAL

Embora de origem milenar, a dramaturgia textual do Extremo Oriente


(China) passa ter reconhecimento somente em 1280 d.C., por meio do apoio de
Kublai Khan, grão-cã do Império Mongol, que atraiu artistas e pensadores para
sede do seu governo em Pequim. Durante sua dinastia (Yuan) uma produção de
oitenta e cinco dramaturgos desconhecidos rendeu um montante de quinhentos
textos dramatúrgicos genuinamente chineses.

Essa produção simbolizou uma mudança de paradigma na literatura


teatral chinesa, visto que os escritores chineses demonstravam certa relutância
em escrever para o teatro, dada as próprias convenções rudimentares como a cena
teatral se manifestava (sem cenário, com a contrarregragem exposta ao público
etc.). De temática e formatos variados, os textos produzidos nesse período, em
sua maioria tem um tom satírico, não contemplam a mulher em cena, e falam de
assuntos diversos, tais como: a ética, o mor, o militarismo, eventos históricos etc.

Para Gassner merece destaque a produção escrita em tom irônico por


voltas dos séculos XIII, XIV, denominada Hoe Lan- Kie, cuja tradução é "O círculo
de Giz" numa referência à história do Rei Salomão – "Círculo de Giz", que nessa
trama uma complexa de intrigas retratará os interesses sem limites de uma viúva
e um escrevente judicial (GASSNER,1991, p. 142).

No Japão, o Teatro Nô, cuja dramaturgia advém da poesia da síntese


expressiva perfeita, que passa de geração para geração, oferecerá as maiores
contribuições para a história da escrita teatral do Extremo Oriente, inovando
com formas muito originais. Além disso, a dramaturgia corporal, dos precisos
movimentos do corpo do ator, bem como da manipulação de bonecos, integraram
o legado do povo japonês a história da dramaturgia mundial.

Após um período de uma produção dramatúrgica sensacionalista,


originada de lendas, a partir das temáticas de heróis com características irreais,
contra bestas e demônios, geralmente, inseridas nas apresentações populares
de Kabuki, aspectos da vida cotidiana do povo começaram a integrar os textos,
por volta do século XVII, tornando apresentações ainda mais populares. Com a
presença de elementos da dança e da música, algumas encenações chegavam a
durar oito horas do amanhecer, ao entardecer do dia, outras eram bastante curtas.

Em meados dos anos de 1300 d.C., Kwanami Kiyotsugu escreveu quinze


peças para o Teatro Nô, com o patrocínio do Xogun Yoshimitsu e parceria para
interpretação do próprio filho de Xogun, o Kiyotsugu. Entre essas peças, a
dramaturgia de Sotoba Komachi, uma bela moça, que cai em maldição, com a morte
do seu amado. Sotoba Komachi havia imposto a seu apaixonado cem encontros
antes de entregar a ela, mas é surpreendida com a morte dele, no nonagésimo nono
encontro. Aterrorizada, Sotoba perde sua beleza e juventude e permanece numa
trama poética para recuperar o destino que antes houvera recusado.

53
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

A partir do século XIX os dramaturgos japoneses recebem fortes influências


da dramaturgia Ocidental. A Obra de Shakespeare é extremamente bem aceita, a
ponto de receber, na cidade de Tóquio, um museu em sua homenagem. Tal projeção
acaba por trazer censuras a Hamlet, por conta de uma possível "insurgência" ao
Estado no seu conteúdo. Autores como Tolstói, Ibsen, Strindberg, Shaw e O'Neil
são outros nomes muito apreciados no teatro japonês.

Tadashi Suzuki nasceu em 1939, tornou-se filósofo, escritor, encenador e


um dos maiores pensadores do teatro de vanguarda e, da interpretação teatral
contemporânea. Sua poética corporal, conhecida como método Suzuki, segue
influenciando a formação expressiva do corpo do ator, em um trabalho expressivo
singular sobre a condição humana, contribuindo para a criação de outras formas
de produzir e dar sentido a uma dramaturgia teatral.

54
TÓPICO 4 — PANORAMA DO TEATRO ORIENTAL

LEITURA COMPLEMENTAR

ALGUMAS NOTAS SOBRE ARISTÓTELES E A DEFINIÇÃO DE POESIA

Gabriel Nocchi Macedo

O que diferencia prosa e poesia? Feita a um grupo de estudantes


universitários, em uma prestigiosa universidade, a pergunta gerou hesitação.
Com alguma insistência, obtiveram-se algumas tímidas respostas: a poesia é uma
“expressão de sentimentos”, enquanto a prosa “conta uma história”. Qualquer
distinção formal entre uma e outra categoria de composição literária, mesmo
a noção de “verso”, passa despercebida. A resposta dos nossos universitários
reflete, de certa forma, a ideia que o público geral tem do propósito da poesia:
exprimir sentimentos, criar imagens, sugerir afetos, enquanto romances, contos e
novelas narram histórias com início, meio e fim.

No entanto, na tradição literária, a distinção essencial entre prosa e poesia


deve-se não tanto ao conteúdo quanto à forma, e sobretudo ao metro (do grego
metron, “medida”): uma estrutura rítmica definida sobre a qual se constrói o
verso, ou seja, a linha poética. Até o século XIX, com a emergência da prosa poética
seguida, ao início do século XX, pela aparição do verso livre (cujo ritmo é despojado
de qualquer coerção métrica), o metro era o critério essencial, a condição sine qua
non à criação poética.

Os antigos gregos, criadores da crítica literária, foram os primeiros a


teorizar sobre a natureza da poesia. Platão, notório por sua aparente antipatia
por poetas, refere-se ao metro como uma vestimenta ou armadura que cobre as
“palavras nuas” (logoi psiloi), ou seja, a prosa. Na sua Poética, Aristóteles reconhece
o metro como o denominador comum dos diversos gêneros de poesia (Aristóteles,
poética 1447b 14-20):

Colando o verbo poiein [1] ao nome do metro, eles chamam uns de “poetas
elegíacos”, outros de “poetas épicos”, não pela representação (mimesis), mas de acordo com
o metro que usam; de fato, costumam-se chamar assim também aqueles que tratam, usando
metro, de medicina ou da natureza. Entretanto, não há nada em comum entre Homero e
Empédocles além do metro, por isso, é mais justo chamar o segundo de especialista da
natureza do que de poeta.

Como ilustra essa passagem, o uso do metro na Grécia Antiga era muito
mais amplo do que a ideia moderna de poesia. Em seus primeiros séculos,
toda a literatura grega era poética; até tratados científicos e filosóficos, como
o Da natureza de Empédocles de Acragas, eram versificados. Aristóteles foi o
primeiro a questionar a identificação convencional “texto em metro = poesia”,
situando no centro de sua definição de poesia a noção de mimesis, traduzido
ora por “representação” ora por “imitação”. Empédocles escreve versos com um
propósito científico (ou didático), não mimético: nada, em sua obra, imita ou

55
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

representa a ação humana. Ele, portanto, não deveria ser considerado poeta, mas
um “escritor científico”. A essência do poético, segundo Aristóteles, reside no seu
caráter mimético. O metro só não basta à poesia.

Mimesis é o conceito central da filosofia estética de Aristóteles. As artes são


formas de mimesis, imitações da natureza, de eventos, do caráter, da ação, e das
emoções humanas, cada uma com meios que lhes são próprios (Poética, 1447a 18-28):

Aqueles que criam imagens representam muitos objetos pelo uso formas e cores
[…], outros o fazem pelo uso da voz, como em todas as artes mencionadas acima, que
fazem imitações usando ritmo, linguagem e melodia, separadamente ou em conjunto. As
músicas da flauta, da cítara e de outros instrumentos com efeito semelhante, como a flauta
de Pan, usam melodia e ritmo apenas, enquanto a dança usa o ritmo sem melodia (de fato,
os dançarinos, pelo ritmo de seus gestos, imitam caráteres, emoções e ações).

Após uma digressão sobre a nomenclatura de alguns gêneros literários, o


fundador do Liceu conclui (Poética, 1447b 24-27):

Há também artes que usam todos os meios aqui evocados, digo ritmo, melodia e
metro, como a poesia ditirâmbica, a poesia nômica, a tragédia e a comédia [2].

Aristóteles, infelizmente, não trata de todos os tipos de literatura e de


sua relação com a mimesis (a maior parte do primeiro livro da Poética é de fato
dedicada somente à tragédia; o segundo livro, que tratava da comédia, foi
perdido). Entretanto, aplicando o raciocínio aristotélico à terminologia moderna,
chegar-se-ia às seguintes definições: poesia é a arte que usa, como meios de
realizar a mimesis, linguagem e ritmo. Alguns gêneros poéticos usam tão somente
linguagem e ritmo (como a épica), outros, linguagem, ritmo e melodia (como os
gêneros de poesia cantada citados acima). A arte que realiza a mimesis pelo uso
da linguagem pura, sem ritmo, é o que hoje chamaríamos de “prosa literária” ou
“ficção” e englobaria os o romance, o conto, a novela etc. A “não ficção”, ou seja,
a prosa científica, filosófica, ensaística etc., faz uso da linguagem pura, mas não
realiza mimesis. Os antigos tratados filosóficos em verso, como o de Empédocles,
preenchem as condições formais da poesia, i.e. usam linguagem e ritmo, mas
também não são miméticos e excluem-se assim da teoria poética de Aristóteles.

A mimesis, e consequentemente a poesia, têm suas origens, segundo


Aristóteles, na natureza humana (Poética 1448b 4-24):

Duas causas parecem ter originado a arte poética, ambas naturais. A representação
é natural aos seres humanos desde a infância, e é por ela que eles se diferenciam dos
outros animais. Pois, o ser humano é o mais mimético de todos [os seres] e seus primeiros
aprendizados se fazem através da representação. E todos os homens obtêm prazer
das representações. Um sinal comum disso é que nos alegramos ao ver reproduções
extremamente realistas de coisas que nos são dolorosas de ver, como cadáveres ou formas
de animais repugnantes. A causa disto é que não só os filósofos gostam de aprender, mas
também os homens comuns, mesmo se eles têm menos aptidão. É por isso que as pessoas

56
TÓPICO 4 — PANORAMA DO TEATRO ORIENTAL

têm prazer em contemplar imagens, porque contemplando-as elas aprendem e inferem o


que cada coisa é, por exemplo, “isto é tal coisa”. Até porque, se eles por acaso nunca viram
o objeto representado, não é a representação que lhes trará prazer, mas a técnica, a cor ou
algum outro elemento.

Representação nos é então natural, assim como a melodia e o ritmo (o


metro é bem entendido, parte do ritmo). Desde o início, aqueles mais naturalmente
inclinados a tais coisas desenvolveram, pouco a pouco, a poesia a partir da
improvisação.

POESIA A PARTIR DA IMPROVISAÇÃO

FONTE: <https://bit.ly/3o8Uxd9>. Acesso em: 31 ago. 2021.

Tem-se aqui um ponto central da estética aristotélica, que, em momento


algum, reivindica-se de l’art pour l’art. A mimesis, inerente à natureza humana, não
provoca somente prazer ao homem, ela é um modo de aprendizado. A poesia,
enquanto expressão mimética, mantém essa função e reveste-se assim de uma
importância moral. O dever do poeta, diz Aristóteles, não é contar o que aconteceu
na realidade, mas o que poderia acontecer, por necessidade ou probabilidade. O
historiador relata fatos e eventos, muitos dos quais são frutos do acaso ou não
se podem explicar. Cabe ao poeta expressar, na sua representação desses fatos e
dos homens que participam deles, aquilo que, nas circunstâncias e na ação de um
homem, é útil a todos os homens (Poética, 1451a 38 – 1451b 10):

A diferença entre o historiador e o poeta não é que um escreve sem metro e o outro
com metro (de fato, se a obra de Heródoto fosse posta em metro, ela ainda seria um tipo
de história, com ou sem metro), mas a diferença é que um diz o que aconteceu, o outro, o
que poderia acontecer. Por isso, a poesia é mais filosófica e mais séria que a história, pois a
poesia revela o universal, e a história, o particular. O universal diz respeito ao tipo de coisa
que um tipo de pessoa deve provavelmente ou necessariamente dizer, e este é o objetivo da
poesia, mesmo se ela usa nomes particulares.

57
UNIDADE 1 — A ORIGEM DO TEATRO E SUAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

Exemplificando: a verdade de Édipo Rei não é aquela de um antigo rei


de Tebas (que provavelmente nunca existiu) que matou o pai e casou-se com
a mãe. O que o espectador (ou leitor) aprende ao ver representadas ações dos
personagens e suas consequências, é a verdade sobre insolência humana, sobre
os perigos do poder, sobre a inexorabilidade do destino.

As definições de Aristóteles podem parecer ultrapassadas nos dias de


hoje, quando a arte já não tem sempre um dever mimético e se considera, desde
Nietzsche, independente da moralidade. Todavia, na idade em que a história se
escreve em tweets, onde jornalistas viraram ideólogos e youtubers, é reconfortante
lembrar do velho filósofo e saber que, pelo menos na poesia, há verdades que
permanecem inalteradas.

● [1] Poiein, do qual derivam “poesia”, “poeta” etc., significa “fazer, criar”.
Literalmente, Aristóteles refere-se a poetas elegíacos e épicos como “fazedores
de elegia” e “fazedores de épica”.
● [2] O ditirambo e o nomos são odes líricas entoada por um coral, o primeiro em
homenagem a Dioniso, o segundo a Apolo. As tragédias e comédias gregas,
compostas eram inteiramente em verso, compunham-se de partes faladas e
de partes cantadas com acompanhamento musical.

FONTE: <https://estadodaarte.estadao.com.br/algumas-notas-sobre-a-aristoteles-e-a-definicao-de-
-poesia/>. Acesso em: 31 ago. 2021.

58
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

● O teatro oriental é milenar, de forma semelhante ao que vimos no teatro


Ocidental, o Oriente tem sua teatralidade fundada nos rituais e em celebrações
recheadas de elementos expressivos, entre as quais se destacam os aspectos
ligados à visualidade e os movimentos corporais precisos.

● De caráter extremamente tradicional, a grande diversidade de manifestações


teatrais que integram o teatro Oriental é marcada pela presença de um vínculo
entre arte sensorial e os elementos espirituais.

● No Oriente é bastante comum manifestações teatrais que concebem a


encenação teatral como uma "arte total" (no sentido Wagneriano), que busca
integrar texto, ou narrativas advindas dos movimentos corporais e ou da
manipulação de bonecos, com elementos da dança, da música e da máxima
potência dos elementos visuais.

● O teatro tradicionalmente indiano tem uma expressão corporal muito intensa,


sendo possível compreender o conceito de dramaturgia corporal em sua
estrutura. Durante o período do grande desenvolvimento cultural na Índia
(ano 320 d.C.), sob patrocínio da própria realeza, o teatro Indiano passa por
grande evolução em peças escritas em sânscrito, com peripécias amorosas,
algumas delas conhecidas por uma "dramaturgia de efeito”.

● O teatro chinês construiu uma tradição de um teatro popular, realizado a


céu aberto, sem cenários, e começa a se sofisticar a partir do século IV até a
manifestação da Ópera de Pequim, caracterizada como uma arte total.

● Conhecido por sua tradição de retratar a cultura e a religiosidade do povo


Japonês, o teatro japonês se expressou por meio de um teatro dançado, por
meio de uma série de modalidades, entre as quais destacamos: dengaku,
surugaku, bunraku, Nô, Kabuki, butô, método Suzuk etc.

CHAMADA

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AUTOATIVIDADE

1 Sabemos que o milenar teatro oriental, de forma semelhante ao teatro


do ocidente é múltiplo e diverso. Suas variadas representações possuem
características marcantes e admiráveis. De acordo com a veracidade dos
enunciados propostos, analise as sentença a seguir:

I- O Teatro chinês passou um grande desenvolvimento a partir do século XIX.


Uma das suas manifestações mais relevantes é a conhecida Ópera de Pequim.
II- A palavra indiana Natyashastra significa tanto dança quanto o teatro, e
expressa o desejo da sociedade indiana não dissociar uma modalidade da
outra.
III- Por vezes, a teatralidade do Oriente está muito vinculada à espiritualidade.
Essa noção, no possibilita por exemplo, observar a descrição da
dramaticidade do povo Hebreu, em um livro religioso como é o caso do
Velho Testamento da Bíblia.
IV- Enquanto o Nô é uma expressão mais popular, o kabuki que teve sua
origem no teatro para realeza, é mais requintado.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Todas as sentenças estão corretas.
b) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.
c) ( ) Nenhuma das sentenças está correta.
d) ( ) Somente a sentenças IV está correta.

2 Quando estudamos a história do teatro Oriental percebemos que a linha


imaginária que separa o Ocidente do Oriente, muitas vezes, se torna quase
inexistente. Cite algumas especificidades encontradas nas manifestações
teatrais do Oriente. Na sequência, responda: de que forma um teatro acabou
por influenciar o outro?

60
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, S. M. de. O papel do corpo no corpo do ator. São Paulo:
Perspectiva, 2004.

BERTHOLD, M. História mundial do teatro. São Paulo: Perspectiva, 2001.

BRANCAGLION Jr., A. Mysteries and theatre in ancient Egypt. São Paulo:


Clássica, 1996/1997.

BRANDÃO, J. Teatro grego: Tragédia e Comédia. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 1985.

BRANDÃO, J. Teatro grego: tragédia e comédia. RJ. Ed. Vozes, 1984.

DETIENNE, M. Dioniso a Céu Aberto. Trad. Carmem Cavalcanti. Rio de


janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.

DUBATTI, J. Da cena contemporânea: teatro convívio e tecnovívio. Rio de


Janeiro: UFRJ, 2011.

EN ARISTÓTELES, Mimesis. Facultad de Humanidades y Ciencias de la


Educación Doctorado en Filosofía. 2008. Tese (Doutorado) – Universidad
Nacional de La Plata, Buenos Aires.

EURÍPIDES: As Bacantes/β<κχαι.Trad. Trajano Vieira. São Paulo: Editora


Perspectiva, 2003. [Edição bilingue Português - Grego].

GASSNER, J. Mestres do teatro. Tomo I. Série Estudos. 2. ed. São Paulo: Editora
Perspectiva, 1991.

GASSNER, J. Mestres do teatro. São Paulo: Perspectiva, 1974.

GIRÃO, E. T. Kazuo Ohno – ator, dançarino. [24 de setembro de 1995]. Japão:


Jornal: Internacional Press. Entrevista de Mário Kodama. Disponível em: http://
www.caleidoscopio.art.br/entrevista/kazuo-ohno.html. Acesso em: 31 ago. 2021.

GONTIJO, S. O livro de ouro da comunicação. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.

PIRATELI, M. A. O Caráter Educativo das Tragédias de Sêneca. 2010.


Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Maringá,
Maringá.

RIBEIRO, A. Deuses e marionetes: Kathakali, teatro dança clássico da Índia e


seus delicados diálogos. Revista Sala Preta, v. 13, n. 1, p. 85-86, jun. 2013.

61
TRABULSI, J. A. D. Dionisimo, poder e sociedade na Grécia até o fim da época
clássica. Belo Horizonte: Editora Universidade Federal de Minas Gerais, 2004.

VERNANT, J.; VIDAL-NAQUET, P. Mito e tragédia na Grécia antiga I e II. São


Paulo: Perspectiva,1999.

62
UNIDADE 2 —

DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender as condições históricas e sociais que influenciaram as


produções teatrais no período da idade média;

• reconhecer as especificidades da Commedia Dell’arte e sua importância


para a renovação da cena teatral;

• identificar as condições históricas que oportunizaram os avanços da


cena no período renascentista;

• conhecer as principais contribuições da cena europeia no século XIX e


suas influências nos movimentos teatrais posteriores.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da
unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o
conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – TEATRO NA IDADE MÉDIA

TÓPICO 2 – COMMEDIA DELL’ARTE

TÓPICO 3 – TEATRO E A RENASCENÇA

TÓPICO 4 – OUTRAS TEATRALIDADES EUROPEIAS

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

63
64
TÓPICO 1 —
UNIDADE 2

TEATRO NA IDADE MÉDIA

1 INTRODUÇÃO
A Idade Média compreende um período bastante longo, que se estende
do século V – logo após a queda do Império Romano do Ocidente – e vai até o
século XV, com a conquista de Constantinopla pelo Império Turco-Otomano.

O fator que mais impactará nas manifestações culturais e, sobretudo, nas


produções artísticas, tais como a linguagem teatral, durante o período medieval,
será o vínculo entre o poder oficial e a igreja católica. Esse aspecto possibilitará
dois tipos de produções cênicas: o teatro sacro e o teatro profano.

As manifestações ligadas à ideologia cristã, caracterizadas por seus


objetivos catequizadores, enquadradas como teatro sacro, valorizavam temas
inspirados nas histórias bíblicas de cunho maniqueísta, ou seja, a realidade é
descrita por meio de espaços distintos, onde as forças do bem e do mau estão bem
delimitadas. Entre essas manifestações, encontram-se os mistérios, os milagres e
as moralidades.

Já as de caráter popular, denominadas de profanas, nesse contexto,


foram fortemente combatidas. Os mimos, os jograis e as “farsas” de autores não
conhecidos configuraram a transição das “Atelanas Romanas" em convenções do
teatro profano medieval. Somente a partir do século IV, a partir do Concílio de
Cartago, que as proibições desse teatro passam a ser revistas.

Já no final da Idade Média (século XVI), no denominado “período de


transição”, surgem, na península Ibérica, dois grandes dramaturgos: Fernando
Rojas (na Espanha) e Gil Vicente (em Portugal), mesclando a forma de escrita
medieval à ideologia humanista, que caracterizará o retorno dos temas clássicos
gregos, dentro do movimento renascentista.

2 O TEATRO A SERVIÇO DA FÉ
A Idade Média começa com a ruína do império romano, após uma série
de guerras e disputas por territórios. As terras foram divididas e apropriadas por
diversas tribos. A Europa se desenvolveria a partir de uma organização social
estabelecida por meio de feudos, os donos de terras detinham todo poder e davam
proteção e trabalho para os servos que moravam e cultivavam em seu território.

65
UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

FIGURA 1 – PODER, RELIGIÃO E CULTURA NA IDADE MÉDIA

FONTE: <https://bit.ly/3ECplsr>. Acesso em: 3 set. 2021.

Durante a Idade Média a Igreja Católica permaneceu ao lado das classes


mais abastadas, recebendo grandes extensões de terras, obtidas em troca da
salvação nos reinos de Deus.

ATENCAO

Além do poder político e econômico, a igreja tinha uma grande influência


cultural, sendo detentora do saber, da escrita e da leitura.

Para manter a sua influência e aumentar os seus domínios, o catolicismo


transformou seus ritos e rituais cristãos em celebrações, transformando as
festividades pagãs em novas datas a serem celebradas dentro das festividades
cristãs, como o Natal e a Páscoa.

66
TÓPICO 1 — TEATRO NA IDADE MÉDIA

FIGURA 2 – TEATRO LITÚRGICO

FONTE: <https://filosofiapopcom.files.wordpress.com/2019/12/teatromedieval1.png>.
Acesso em: 3 set. 2021.

Nesse contexto, as encenações foram usadas para atrair e fidelizar os


moradores e trabalhadores dos feudos (em sua grande maioria, analfabetos e
primitivos), que ainda gostavam de cantar, dançar, festejar as colheitas, celebrar
as estações do ano de forma pagã, uma vez que não estavam convencidos da
existência de um só Deus.

Todo esse processo de dominação cultural ocorreu paulatinamente,


visto que o Império Romano era politeísta e pagão. Como vimos, os romanos
reverenciavam seus diversos deuses através de espetáculos grandiosos, realizados
em imponentes arenas. Durante séculos depois de Cristo, a Igreja Católica
procurou estabelecer-se e difundir a ideologia de um único Deus. Como não
existia liberdade religiosa, poucos se proclamavam cristãos, ou expressavam sua
fé publicamente, por terem medo de serem perseguidos e mortos, ridicularizados
por cômicos, ou ainda, terminarem como vítimas em cenas violentas (tão
apreciadas pelo público).

Com o declínio do Império romano, Constantino se converteu ao


cristianismo, proporcionando maior liberdade religiosa ao povo. Por volta de 392
d.C., Teodósio I, decretou o catolicismo como a religião oficial do império, proibindo
a manifestação da crença em outras divindades, bem como dos cultos politeístas.

ATENCAO

Como representante absoluta do poder estatal e da vontade do criador, a Igreja


proibiu as manifestações teatrais, baniu os atores e relegou os teatros romanos à decadência.

67
UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

Durante os cinco séculos seguintes o teatro permaneceu em estado de


dormência. Foi somente por volta do século X que a igreja procurou associar
as festanças pagãs (que a população não deixava de celebrar) às festividades
religiosas, passando, inclusive, a adotar a dramaturgia como forma de propagar
seus preceitos e catequizar a população.

FIGURA 3 – CENAS ALEGÓRICAS A SERVIÇO DA CATEQUIZAÇÃO

FONTE: <https://www.coladaweb.com/wp-content/uploads/teatro-medieval.jpg>.
Acesso em: 3 set. 2021.

É importante salientar que a Igreja entendia o teatro como meio para


alcançar os seus fiéis. No entanto, a arte dramática tem uma importância maior
na história – conforme demonstram os importantes historiadores do teatro: “O
ritual da Igreja girava ao redor dessa morte e ressurreição de um Deus que se
mostrara tão fecunda na primitiva história do teatro. Todo o credo e literatura da
Cristandade compunham um grande drama" (GASSNER, 1991, p. 159).

E
IMPORTANT

Gradativamente a ideologia cristã passou a adotar os elementos da arte


dramática para educar e catequizar o povo que não sabia ler a bíblia e não entendia latim
para acompanhar as missas, os padres usaram as representações de forma didática, para
ensinar as passagens bíblicas, adicionando gestos que simbolizavam a liturgia cristã.

68
TÓPICO 1 — TEATRO NA IDADE MÉDIA

FIGURA 4 – TEMAS MEDIEVAIS RECORRENTES: CRUZADAS, FEUDALISMO, INQUISIÇÃO

FONTE: <https://bit.ly/3lFZSWi>. Acesso em: 3 set. 2021.

Os elementos da teatralidade passam a ser incorporados às celebrações


religiosas. Os sacerdotes incluíram um diálogo dramático, com revezamento de
falas e cantos, realizados por solistas e coros, como os hinos de origem latina,
denominados "Tropo".

O Tropo começou a ser usado na Páscoa, em uma peça chamada “Santas


Mulheres". O coro passou a ser subdividido em dois grupos, sendo que em um
deles ficavam os monges que representam os anjos (vestidos de branco e usando
asas) que guardavam o santo sepulcro e um segundo subgrupo formado por
monges encapuzados (para não serem reconhecidos), representando as três
Marias. Esta peça foi o ápice de todo o drama cristão, tornando-se modelo básico
para o teatro eclesiástico.

O teatro religioso buscava ensinar e moralizar o povo. Ele era encenado


pelo clero, pois somente religiosos podiam escrever e encenar os dramas dentro
das igrejas (nos altares) durante as missas e festividades religiosas.

Havia muitos santos e festividades em comemoração às santidades,


gerando uma série de encenações, sermões e autos sacramentais que possibilitaram
a introdução de personagens secundárias.

69
UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

FIGURA 5 – O MARTÍRIO DE SANTA POLÔNIA

FONTE: <https://bit.ly/39qW9pW>. Acesso em: 3 set. 2021.

Os temas das peças eram baseados em passagens bíblicas e na biografias


dos santos. As apresentadas ocorriam por meio de manifestações denominadas
como: Milagres, Mistérios, Autos, Moralidades.

2.1 OS MILAGRES
Gênero teatral era baseado na vida dos santos e da Virgem Maria ou da
intervenção destes na vida cotidiana. Inicialmente, eram cenas curtas e simples,
representadas dentro das Igrejas, baseadas em histórias do velho testamento. Com
a evolução das peças, as encenações ficaram mais demoradas, solicitando mais
espaços para as apresentações. Esse fato motivou a criação de cenas em espaços
distintos. De tal forma que a peça ocorria por meio do trânsito do público, numa
procissão por entre as estações onde ocorriam as cenas.

2.2 OS MISTÉRIOS
De grande dimensão, os Mistérios constituíam peças elaboradas para
ensinar a população, e proporcionar entretenimento, através da dramatização
de histórias sagradas do velho e do novo testamento. Os temas encenados com
frequência contemplavam o nascimento (Natal) e a ressurreição (Paixão) de Cristo.
Maiores que os milagres, contavam com a participação de muitos colaboradores.
À medida que foi evoluindo, passou a ser encenado fora das Igrejas, que já não
comportavam o tamanho do elenco, o que possibilitou agregar elementos não
sacros, cotidianos, populares e cômicos.

70
TÓPICO 1 — TEATRO NA IDADE MÉDIA

2.3 OS AUTOS
Gêneros contendo os mesmos elementos que apresentam os Mistérios e os
Milagres, descrevendo as intervenções dos santos e da Igreja na vida cotidiana dos
homens até o dia do "Juízo Final". Não se trata de peças totalmente religiosas. Nos
autos são comuns as alegorias, o uso de uma linguagem coloquial e didática, que
geralmente despreza o latim, facilitando o entendimento bíblico pelos populares.

Surge, por meio do desenvolvimento dos "autos", o teatro de tipos que usa a
religião para moralizar e educar o público, como o representado nas obras de Gil Vicente
(1465-1536). Gil Vicente foi um poeta português que retratou a decadência moral de
forma humana e alegórica. Entre sua temática, estão: o vício, a ira e a esperança. Sua
obra criticava o poder desmedido da Igreja, a corrupção e o comportamento errático
do clero, a decadência das virtudes, da moral e dos costumes.

2.4 AS MORALIDADES
Eram peças objetivas, curtas e diretas, que falam das vantagens de se
ter fé, de uma vida sem vícios e repleta de virtudes. São peças mais curtas e
fantasiosas, nas quais os pensamentos e sentimentos são representados para que
os espectadores saiam do espetáculo melhores que entraram.

À medida que essas celebrações evoluíram, o número de pessoas


interessadas em participar cresceu. Na tentativa de incluir mais participantes,
outros temas foram inseridos, aumentando inclusive a necessidade de criticar o
papel da igreja na sociedade. As representações desceram dos altares e saíram das
igrejas para as praças públicas. Conforme comenta o pesquisador Gassner (1991,
p. 162), em seu livro Mestres do Teatro: “com as peças sobre santos, os dramas
eclesiásticos escritos em latim e representados na Igreja atingiram o limite de
‘suas’ potencialidades, e a dramaturgia só poderia continuar a se desenvolver
empregando o diálogo vernacular, oferecendo a obra livre para os gostos e
interesses do povo."

DICAS

A Revista Histedbr On-line, produzida pela UNICAMP, apresenta um artigo,


em que você poderá ter mais detalhes sobre o teatro catequético na Europa e no Brasil.
Ficou interessado? Basta acessar o link: https://fe-old.fe.unicamp.br/pf-fe/publicacao/4961/
art03_25.pdf.

71
UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

3 O TEATRO POPULAR
O teatro que renasceu para louvar a Deus e as benesses da Igreja Católica
evoluiu, ganhando as ruas e se popularizando. As críticas e os ressentimentos em
relação aos excessos da Igreja passaram a ser representadas pelo baixo clero em
festas satíricas de caráter profano, em que liam sermões de paródias e seguiam
pelas ruas em procissão, cantando palavras obscenas em melodias sagradas. Além
destas farras, existiam as palhaçadas não dramáticas dos Goliardos, também
conhecidos como eruditos, errantes, que cantavam os prazeres da vida mundana
e satirizavam os dogmas religiosos.

DICAS

No Longa metragem "Loucuras na Idade Média" (2001) distribuído pela Fox


Film do Brasil o personagem principal revisita vários ambientes da Idade Média, a partir da
perspectiva do século XXI. Você pode conferir em: https://youtu.be/niNc5A9FCQo.

FIGURA 6 – TEATRO FORA DOS MUROS DA IGREJA

FONTE: <https://filosofiapopcom.files.wordpress.com/2019/12/teatromedieval.jpg>.
Acesso em: 3 set. 2021.

As celebrações teatrais desenvolveram características diferentes nos


vários países europeus, de acordo com os costumes de cada região. Vale lembrar
que os intercâmbios culturais eram dificultados pela escassez dos transportes.

Na França, as cidades se apropriaram das peças religiosas. Arcando com


os custos dos espetáculos que eram práticos e bem desenvolvidos em todas as
áreas. Contava com cenários dispostos em semicírculo ou em linha reta com

72
TÓPICO 1 — TEATRO NA IDADE MÉDIA

decoração exclusiva para cada episódio, existia o paraíso e o inferno, eram usados
animais vivos, efeitos de luz e uma profusão de cores, os elencos cênicos eram
majestosos e todos podiam assistir.

FIGURA 7 – TEATRO DE RUA (PINTURA "MERCADO DE CAVALOS DE BRUXELAS", DE VAN DER MEULEN)

FONTE: <https://bit.ly/3u3gzi7>. Acesso em: 3 set. 2021.

Conforme nos ensina o pesquisador Alexandre Mate (2016, p. 5): “Pelo


desenvolvimento experimentado pelo teatro religioso francês, a partir do século
XIV foram criadas as grandes Paixões, que se transformaram em gigantescos
espetáculos ao ar livre, coordenados por confrarias religiosas, arregimentando
quase toda a comunidade, sendo apresentados em vários dias".

Na Inglaterra, havia as Guildas, que era termo medieval usado para


representar as associações de classes ou sindicatos que funcionavam sobre
a responsabilidade do sobrenome de um cidadão respeitável. Cada Guilda
comercial era responsável pela apresentação de uma peça em uma estrutura de
dois andares (sobre rodas). Esses carros iam repetindo o espetáculo, de cidade em
cidade. Cada localidade recebia uma sucessão de carros que juntos narravam uma
fábula completa. Eram espetáculos grandiosos e abundantemente decorados. As
peças costumavam ser chamadas de Mistérios e eram apresentadas por amadores,
mas podiam contar com a participação de alguns mímicos profissionais ou de
integrantes do baixo clero.
Frequentemente as peças são cruas na estrutura, no estilo e na
versificação, a ação é arrastada, a construção das personagens é
convencional e o conteúdo, ligeiro. No entanto, tomadas como um
todo (e devemos lembrar que, de forma geral, eram consideradas como
simples episódios de um único drama, que podia prolongar-se por
diversos dias) possuem de tal modo o fascínio e o arrebatamento do
grande drama que esquecemos suas imperfeições (MATE, 2016, p. 5).

73
UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

Na Alemanha as peças sobre o Natal surgiram nos séculos XI ou XII e


as peças sobre a Páscoa surgiram no século XIII, ambas tiveram seu auge no
século XV. Os dramas eram encenados em vários palcos, por centenas de pessoas
(homens, mulheres e crianças).

O restante dos moradores formava a plateia, a nobreza assistia aos


espetáculos em camarotes, havia um grande uso de engenhosidade (máquinas,
alçapões e polias) e fogos de artifícios. Nos intervalos das peças havia o canto de
corais com versos de trechos da bíblia, foi desta forma que a população conheceu
as Escrituras Sagradas, questionou o papel da Igreja Católica que os levou à
Reforma Protestante e o fim do teatro religioso.

Em meio a protestos, a guerra civil e as mudanças socioculturais da


sociedade medieval, a arte dramática se transformou. Os milagres foram
substituídos pelo canto dramático dos evangelhos em oratórios (semelhantes ao
tropo ou diálogos salmodiemos). As peças cíclicas tornaram-se muito populares
na Europa, nos séculos XV e XVI. Seus melhores exemplos são apresentados na
Inglaterra, que, segundo Gassner (1991, p. 172): "são notáveis por sua poesia
relativamente elegante, compreendendo diversos tipos de metros e cadências. O
tom desse conjunto de peças é respeitoso e devoto; o material lendário tomado
dos Evangelhos apócrifos confere um toque de fantasia aos detalhes da Paixão
que, de outra forma, seriam dolorosamente realistas".

Embora, ainda abordando temas bíblicos, mesmo que de forma mais


popular e satírica, essas peças eram realistas e divertidas com uma linguagem
de humor popular. As moralidades pouco se modificaram, por não ter caráter
unicamente religioso e tratar de assuntos humanos, mas por resistir ao fim da
Idade Média, muito embora sem grande importância ou relevância.

FIGURA 8 – PINTURA DA PASSAGEM DO TEATRO RELIGIOSO PARA O TEATRO POPULAR MEDIEVAL

FONTE: <https://static.todamateria.com.br/upload/56/9e/569eccbd86384-teatro-medieval.jpg>.
Acesso em: 3 set. 2021.

74
TÓPICO 1 — TEATRO NA IDADE MÉDIA

ATENCAO

Representando a nova era que se iniciava, surgiu a Farsa, que pode ser
compreendida como peças elaboradas para diversão, com personagens folclóricos e rudes
com um humor sem refinamento.

John Heywood, nascido em 1497, na Inglaterra, foi um dos autores que


merecem destaque, por retratar este período de transição para a Renascença.

Em Portugal, já durante o século XVI, Gil Vicente foi um grande


representante do período de transição entre o teatro medieval e o teatro humanista,
do Renascimento. Considerado o primeiro grande dramaturgo do teatro
português, sua obra de caráter popular, trará elementos moralizantes, alegorias
e figuras bem retratadas que, por meio de tramas maniqueístas, revelaram uma
sociedade que necessita de ajustes, nos moldes do teatro medieval. Escreveu uma
série de autos, entre os quais consta a famosa trilogia das Barcas: “Auto das Barcas
do Inferno”, o “Auto da Barca do Purgatório” e o "Auto da Barca da Glória".

FIGURA 9 – ILUST ORIGINAL: AUTO DA BARCA DO INFERNO, GIL VICENTE, 1531

FONTE: <https://bit.ly/3hS3S4M>. Acesso em: 3 set. 2021.

75
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Que o período medieval foi um período bastante extenso. Nele, temos


manifestações teatrais muito distintas, que quando ligadas à igreja receberam
o nome de teatro sacro; e quando ligadas à cultura popular foram denominadas
de teatro profano.

• Durante a Idade Média o poder estatal esteve intimamente ligado à Igreja


Católica, influenciando as manifestações culturais e artísticas. Nesse
contexto, o teatro sacro passa a ser um importante veículo de catequização,
já as expressões teatrais populares, consideradas pagãs, serão fortemente
perseguidas.

• Os mistérios, os milagres e as moralidades são representantes do teatro sacro


medieval, e tem como objetivo trabalhar ideologias cristãs, por meio da
representação das passagens bíblicas mais complexas, o exemplo da vida dos
santos e de personagens que combatem aquilo que era considerado imoral.

• Os mimos, os jograis e as “farsas” de origem não sacra (não ligado à igreja) com
autores desconhecidos, apresentados em espaços itinerantes representaram o
teatro popular medieval.

• A partir do século XII. d.C, as apresentações realizadas pelas "Confrarias"


formada por pessoas vinculadas à igreja que atuavam nas representações de
forma amadora, passam a ser permitidas publicamente no interior das Igrejas,
em espaços sacros anexos, ou mesmo às portas das Igrejas.

• Os enredos são tirados das histórias bíblicas, e as representações eram feitas


nos dias de festas religiosas.

• Durante o século XVI, Gil Vicente, considerado o primeiro grande dramaturgo


de Portugal, tornou-se um representante do período de transição entre o
teatro medieval e o teatro humanista.

76
AUTOATIVIDADE

1 Sobre o que trata do Teatro Medieval, conforme os nossos estudos, analise


as sentenças a seguir.

I- As manifestações teatrais medievais podem ser subdivididas entre sacro


e profano.
II- As manifestações sacras estão vinculadas com o sagrado e podem ser
divididas em autos, mistérios, milagres e moralidades.
III- De autoria desconhecida os mimos, os jograis e as “farsas” compunham o
teatro profano e tinham um caráter popular.
IV- O dramaturgo português Gil Vicente é considerado um dos maiores
representantes do período de transição entre o teatro medieval e o teatro
humanista.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Somente a sentença I está correta.
b) ( ) As sentenças I e II e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças II, III e IV estão corretas.
d) ( ) Todas as sentenças estão corretas.

2 Segundo a pesquisadora Margot Berthold, numa passagem do livro “História


Mundial do Teatro”, uma das linguagens medievais mais usuais no campo
do teatro teve a importante função social de propor críticas reflexivas a
determinados assuntos ligados às desigualdades sociais e aos desvios de
caráter, tudo isso por meio do humor. Nas palavras da autora, a origem
dessa linguagem "remonta tanto as festas dos bufões quanto as recitações
dialogadas dos agressivamente chistosos menestréis” (BERTHOLD, 2001, p.
255). A qual estilo linguístico medieval a autora Margot Berthold se refere?

a) ( ) A farsa.
b) ( ) Os mistérios.
c) ( ) As atelanas.
d) ( ) Os mimos.

3 O vínculo entre igreja e poder durante o período medieval tornará a igreja


detentora da autoria de grande parte das produções artísticas do período.
Além de patrocinar as produções no campo das artes, a igreja foi responsável
por legitimar que tipo de arte merece ser apreciada, e as que seriam
perseguidas. No campo teatral, a igreja percebendo o caráter comunicacional
de determinadas modalidades das artes cênicas, adotou o teatro para
ilustrar passagens bíblicas mais complexas, materializando um pensamento
maniqueísta e moralista, com um objetivo definido. Qual era esse objetivo?

77
a) ( ) Alegrar as celebrações.
b) ( ) Catequizar os espectadores.
c) ( ) Apresentar os bons atores do clero.
d) ( ) Arrecadar uma maior quantia de dízimo.

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TÓPICO 2 —
UNIDADE 2

COMMEDIA DELL’ARTE

1 INTRODUÇÃO
Por volta do século XVI, surge um movimento teatral, que representará
uma ruptura da tradição do teatro literário, denominado Commedia Dell’arte.

De caráter preponderantemente popular, a Commedia Dell’arte inovará


ainda trazendo para o centro da trama, as peripécias de criados astutos, sobre os
quais se darão boa parte dos conflitos, até que eles próprios encontrem soluções
surpreendentes.

Entre as características mais marcantes da Commedia Dell’arte, merecem


destaque: o caráter improvisacional das cenas e a fisicalidade dos intérpretes.
Conhecida por ser a arte do ator, a Commedia Dell’arte será desempenhada
por famílias de artistas, que desenvolveram tipos específicos, incluindo toda
construção da postura e a utilização da máscara da personagem durante anos.
Além disso, a fisicalidade da Commedia Dell’arte comunicava mais por meio das
posturas, gestos e movimentos do que pelo texto falado, solicitando habilidades
de malabaristas, acrobatas, mímicos etc. Muitas dessas famílias adotaram uma
vida itinerante, levando suas apresentações por vários países europeus, onde a
Commedia Dell’arte dominou a cena teatral até meados do século XVII.

Ao invés dos convencionais textos escritos, na Commedia Dell’arte se opta


por roteiros de improvisos chamados canovaccio, contendo os elementos básicos
da trama a ser desenvolvida pelos atores durante as apresentações ao ar livre, em
praças e feiras públicas.

Exemplos de Canovaccios (canovaccio é um roteiro para improviso,


contendo de forma simplificada a trama de uma peça):

I. Um criado atrapalhado perde algo. Enquanto tenta encontrar, interage com


outros empregados, que também estão à procura de algo. Atrapalhados,
pensam estar procurando o mesmo objeto, mas sem saber, procuram por
coisas distintas.
II. Ao cair à noite, um grupo de soldados (covardes que se fazem de valentes)
se deparam com saudades do passado (um passado imaginado, cheio de
desafios e vitórias), cantam de forma chorosa a nostalgia desse período, até
que se surpreendem com um monstro (a sombra de uma árvore, ou de um
animal) que os fazem tremer de medo.

79
UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

III. Dois enamorados (apaixonados) pretendem se encontrar, e usam um disfarce


para escapar dos seus pais (autoritários). Disfarçados não se reconhecem (pois
usam máscaras). Lutam entre si. Na luta um perde a máscara, mas o outro não
percebe. Irritada com a situação, a enamorada fere o enamorado. E então as
identidades são reveladas.

FIGURA 10 – NÚMERO VIRTUOSÍSTICO PARA ENCANTAR O PÚBLICO.

FONTE: <https://bit.ly/2W77N6m>. Acesso em: 3 set. 2021.

E
IMPORTANT

Na Commedia Dell’arte, o discurso teatral costuma ser constituído pelo


emprego de " lazzi", ou seja, uma ação cênica, de caráter cômico, previamente ensaiada.
Além disso, se utiliza o Grammelot, que constitui uma espécie de língua inventada a partir
de sons onomatopeicos e intensão vocal, somada a esses elementos existe uma intensa
expressividade e movimentação corporal dos atores.

ATENCAO

Os tipos da Commedia Dell’arte irão influenciar várias gerações de dramaturgos.


Já no século XVIII, Carlo Gordoni (Veneza – 1707 a 1793), considerado o maior comediógrafo
italiano do período, se inspirou nas tramas da Comédia Dell’Arte para compor sua obra.

80
TÓPICO 2 — COMMEDIA DELL’ARTE

2 OS TIPOS DA COMMEDIA DELL' ARTE


O final da Idade Média se dá de forma gradativa e irregular, variando a
forma e a intensidade em que ocorre, assim como o lugar onde acontece.

Durante o período de transição para a nova era, o teatro e as outras artes,


contribuíram recuperando elementos da cultura clássica, aprimorando gêneros
usados durante a Idade Média, experimentando novas formas de expressão e
representando os costumes e pensamentos modernos.

A comédia italiana do século XVI é um exemplo do que foi a Renascença.


Livre, flexível, sem inibições e experimental. Foram feitas grandes mudanças
cenográficas, as peças deixaram de ser apresentadas diretamente ao público
e passaram a contar com o cenário como complemento da apresentação,
contribuindo para ampliação das sensações cênicas.

FIGURA 11 – APRESENTAÇÃO PÚBLICA À CEU ABERTO

FONTE: <https://bit.ly/3kxpzsU>. Acesso em: 3 set. 2021.

A representação da alegria e da liberdade dos atores e mímicos ambulantes


da Idade Média seja na adaptação livre dos clássicos greco-romanos – ou nas
apresentações improvisadas que deram origem a Commedia Dell’arte – tinham
o objetivo de demostrar as virtuoses dos artistas, que passaram ser reconhecidos
por suas habilidades de encantar o público.

A Commedia Dell’arte tem personagens característicos e fixos, sempre


retratados da mesma forma, por atores e famílias de atores, que desenvolveram
durante anos técnicas de expressividades corporais (posturas, uso de máscaras,
virtuoses, improviso de falas; línguas e dialetos próprios, e falas inventadas,
próximas a blablação, que eram denominadas grammelot). Os artistas confeccionavam

81
UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

suas próprias máscaras e figurinos, criavam seus roteiros improvisacionais


(denominados canovaccios) com os quais o público se identificava. Não havia
texto escrito, por isso era comum o uso de lazzis.

Como vimos, o lazzi é uma estrutura de virtuosismos variados, ensaiadas


previamente a cena, com objetivo de ligar as cenas, ou entreter o público durante as
cenas, possibilitando um intervalo necessário para troca dos artistas, nesses entremeios
ocorriam pequenos números de música, malabares, palhaçaria entre outros.

FIGURA 12 – A ARTE DO ATOR.

FONTE: <https://bit.ly/3CHILKN>. Acesso em: 3 set. 2021.

Por essas características a Commedia Dell’arte ficou conhecida como


a arte do ator, tamanha destreza corporal que os intérpretes desenvolviam
na caracterização dos tipos que representavam. As personagens, por serem
arquétipos, muito bem constituídos visualmente, são descritos como tipos, que
agem de maneira caricatural, sempre envolvidos por intrigas e confusões que
acabavam por dinamizar a movimentação cênica.

Os tipos da Commedia Dell’arte são divididos entre: os criados que


geralmente são a causa e a solução dos conflitos cênicos; os patrões que são
representantes das classes privilegiadas, injustas e arcaicas da sociedade; e os
enamorados, os únicos que não utilizam máscaras em virtude da ingenuidade e
pureza do amor que representam. Entre os tipos mais comuns, temos:

82
TÓPICO 2 — COMMEDIA DELL’ARTE

FIGURA 13 – ALGUNS TIPOS DA COMMEDIA DELL’ARTE

FONTE: <https://bit.ly/3zsbC3y>. Acesso em: 3 set. 2021.

• Pantalone: velho, avarento, caduco, pode ser pai ou marido, sempre fácil de
se enganar.
• Doutore: pedante, egoísta, individualista, vilão, vigarista, cheio de disfarces,
com falas de difícil compreensão.
• Arlecchino (Arlequino): um dos tipos mais recorrentes na cena Dell'arte, um
criado, atrapalhado, uma espécie de bobo da corte, um bufão, geralmente
protagoniza os conflitos da trama. O Arlecchino pode se apresentar com
sua parceira, uma Colombina, criada como ele, porém graciosa, inteligente,
ágil e habilidosa. Também conhecida pelos nomes: Pasquela, Franceschina,
Esmeraldina e Diamantina.
• Capittano: conhecido como capitão, trata-se de soldado mentiroso, que
embora conte vantagens de bravura se demonstra covarde.
• Polichinelo ou Pulcinella: personagem caracterizado com uma corcunda, e
um caráter cruel, malicioso, belicoso, sinistro.
• Os Enamorados: às representações masculinas, se apresentam com nomes
próprios: Leandro, ou Orazio, jovem, ingênuo, fútil, atraente e vaidoso, movido
pela paixão, geralmente filho do Pantalone, ou de um Dottore. As representações
femininas são conhecidas por nomes tais como: Rosalba, ou, Flavínia, Lavínia,
ou ainda Isabella, geralmente filha de um nobre, a namorada se demonstra
inocente e apaixonada, jovem, vaidosa e com alto poder de sedução.

83
UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

FIGURA 14 – OS TIPOS E O USO DE MÁSCARAS NA COMMEDIA DELL’ARTE

FONTE: <https://bit.ly/2W1RPdx>. Acesso em: 3 set. 2021.

Todos os personagens, com exceção aos ingênuos enamorados, usavam


máscaras expressivas, que caracterizam seus desvios e negligências de caráter. São
representados com linguajar próprio, representando o convívio entre os nobres
e os criados de classes econômicas não abastadas, dando uma visão realista da
sociedade. Os criados, por sua vez, são os tipos enfatizados nas tramas, tornando
a comédia popular e influente.

FIGURA 15 – DETALHES DAS MÁSCARAS DE CADA TIPO DA COMMEDIA DELL’ARTE

FONTE: <https://bit.ly/3ADDMdi>. Acesso em: 3 set. 2021.

84
TÓPICO 2 — COMMEDIA DELL’ARTE

No Teatro Popular, as peças eram representadas por atores ambulantes,


(que davam vida a pessoas simplórias e se expressavam em dialetos comuns entre
a plebe), com muita competência, eram talentosos e criativos, apresentavam-se
em praças e feiras, sem cenários e com o mínimo de objetos cênicos, retratando
o aspecto humano e terreno, garantindo diversão para as massas e aplausos dos
nobres, superando o teatro religioso da Idade Média.

Durante a Renascença, a comédia não se limitou ao improviso. Existiu o


que se chamava de Commedia erudita, uma imitação dos clássicos Plauto e Terêncio,
com cenas de intrigas, raptos e sequestro "comédia de anagnórises", quando
acrescida de elementos da renascença deu origem a Comédia Neoclássica, que
teve como principais autores:

Ludovico Ariosto (1474-1533), poeta e autor de “Orlando Furioso”, "Casaria,


Se Suppositi (Pretendentes)”, "Necromante", “Lena e Scolastica”, foi um crítico
ferrenho das instituições burocráticas, da aristocracia e da corrupção da Igreja,
dava voz a personagens satíricos e obscenos e criava cenas que mesclavam as
influências clássicas com elementos modernos.

Pietro Aretino (1492 – 1556), conhecedor de toda corrupção moral de sua


época, não poupava reputações, escreveu “Cortigiana”, “Marescalco”, “Talanta”,
peças realistas que representavam todos os vícios em todos os extratos sociais,
foi um autor mais dedicado em retratar a personalidades do que em desenvolver
uma narrativa.

Nicolau Maquiavel (1469-1527) escritor político, visionário, realista e crítico,


conhecia e analisava a sociedade e a aristocracia com muita propriedade. Quando
perseguido e exilado, sem poder se dedicar a comédia política, escreveu: "Clizia”,
“La Mandragola" (A Mandrágora), peças ricas em ironias e versos mordazes que
tinham por objetivo denunciar a corrupção italiana e um mundo dividido entre
simplórios e malandros.

No século XVIII, Carlo Gordoni (Veneza – 1707 a 1793), considerado o maior


comediógrafo italiano do período, se inspirará nos roteiros improvisacionais
Comédia Dell’Arte, nos personagens clássicos dessa linguagem para compor textos
dramatúrgicos cômicos mais realistas do que as tramas originais Comemedia
Dell’Arte.

DICAS

O Filme A Carruagem de Ouro (1952) de Jean Renoir retrata a vida mambembe


de uma trupe de atores italianos. Acessando o vídeo disponível em https://youtu.be/FnvYz_
c7mXg, apresentado pelo pesquisador Carlos Eduardo Carneiro, você poderá conferir cenas
do filme e saber mais sobre a Commedia Dell’arte.

85
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• Que a Comédia Dell’Arte foi um movimento teatral popular, que se desenvolveu


na Europa entre os séculos XVI e XVII.

• Os aspectos físicos da interpretação teatral, os enredos improvisados cheios de


movimentos, que romperam com a tradição do teatro literário, além de cenas
repletas de elementos visuais e sonoridades são características importantes
da comédia Dell’Arte.

• Os roteiros cênicos da Comédia Dell’Arte terão um caráter inovador, uma


vez que promovem, para o primeiro plano das tramas, tipos atustos muito
populares, caracterizados pelas funções sociais de serviçais que desenvolvem,
em detrimento aos tipos representantes da aristocracia, mais tradicionais,
quase sempre representados de forma a expor suas falhas morais, abrindo
exceção somente para os ingênuos casais de enamorados, quase sempre muito
jovens e amigos dos criados.

• Devido a precisão da expressividade cênica e a sofisticada interpretação dos


tipos, além de uma série de outras virtuoses como a capacidade improvisacional,
as técnicas de malabares, danças, acrobacias, torna a Comédia Dell’Arte
conhecida por ser a arte do ator.

• A partir do século XVIII, dramaturgos populares, passam a se inspirar nos


tipos da Comédia Dell’Arte para escrever textos dramatúrgicos, entre os
quais se destaca o Carlo Gordoni (Veneza – 1707 a 1793).

86
AUTOATIVIDADE

1 Algumas das características mais marcantes da Commedia Dell’arte


merecem destaque. São características da Comédia Dell’Arte:

I- Interpretações de tipos com caráter e fisicalidade bem definidos.


II- Uso de roteiros contendo esboço de cenas a serem improvisadas.
III- Adoção de releituras dos personagens trágicos gregos.
IV- Adoção de máscaras específicas para os tipos representados.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As opções I, II e III estão corretas.
b) ( ) As opções I e II e IV estão corretas.
c) ( ) As opções I, III e IV estão corretas.
d) ( ) Todas as opções estão corretas.

2 Os canovaccios, ou roteiros improvisacionais da Commedia Dell’arte


costumam girar em torno de temas tais como: os relacionamentos afetivos,
o dinheiro, o trabalho e a subsistência. Analisando a documentação acerca
da Commedia Dell’arte, o pesquisador José Eduardo Vendramini afirmará
que: “Examinando tanto os registros verbais quanto os visuais da Commedia
Dell’arte, fica sempre evidente o seu caráter extremamente popular, o que
coincide diretamente com os temas eleitos pelos roteiristas, todos eles
vinculados a elementos do cotidiano: o amor, a obtenção de lucro (ou a sua
manutenção, por meio do engodo dos incautos e da avareza), a comida e a vida
como imigrante numa outra região do país, com os inevitáveis preconceitos
dos citadinos contra o camponês, o rústico ou caipira (fato que dá ampla
margem à utilização dos mais variados dialetos, elemento fundamental da
Commedia Dell’arte)." A partir desse registro, fica evidenciado que Commédia
Dell’Arte constitui uma ruptura não apenas ao teatro literário, mas também
a temática dos movimentos anteriores, principalmente, por dar destaque na
trama ao papel:

a) ( ) Dos enamorados apaixonados.


b) ( ) Dos soldados valentes.
c) ( ) Dos criados astutos.
d) ( ) Dos doutores sábios.

3 Caracterizada, pela crítica destinada às figuras sociais de classes distintas


como as dos servos, dos militares, dos intelectuais etc., manifestados
em arquétipos corporais, os tipos da Commedia Dell’arte podem ser
subdivididos em criados, patrões e enamorados. Entre os tipos presentes
nessa linguagem, nós encontramos:

I- Os Zannis, geralmente caracterizados pela malícia, indolência e esperteza.


II- Pantallone, um tipo que representa velho avarento e muito rico.
87
III- Reis e rainhas representando a realeza.
IV- Os enamorados casal de jovens ingênuos, perdidamente apaixonados,
geralmente filhos de ricos injustos, como o Pantallone e o Dottore.

Assinale a alterativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.
b) ( ) As sentenças I e II e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças I, III e IV estão corretas.
d) ( ) Todas as sentenças estão incorretas.

88
TÓPICO 3 —
UNIDADE 2

TEATRO E A RENASCENÇA

1 INTRODUÇÃO
Ao romper com a temática exclusivamente sagrada, vinculada à igreja
católica, o teatro do período renascentista ganhou uma amplitude temática que
permitiu a exploração de temas variados, de tal forma que é possível afirmar que
o teatro renascentista foi a progressão natural da ação burlesca que caracterizou
as práticas teatrais populares desenvolvidas na Itália do século XV.

Embora a influência religiosa medieval tenha permanecido forte por muito


tempo em vários países europeus, fazendo com que nesses lugares se sobressaísse
uma teatralidade sacra de cunho erudito, os temas e as novas convenções cênicas
do renascimento foram ganhando espaço na história, deixando um grande legado
para a humanidade.

Entre os dramaturgos renascentistas, podemos destacar: O autor italiano


Maquiavel, na Espanha, Miguel de Cervantes e Calderón de la Barca e na Inglaterra
Ben Jonson e o grande nome da dramaturgia mundial, o inglês William Shakespeare,
autor que de forma brilhante retratou os grandes dramas humanos, tornando-se
atemporal, por sua capacidade em transformar uma história de amor, em um
cenário ilustrativo de aspectos importantes da alma humana e da sociedade do
período da renascença.

Entre os anos de 1590 e 1613, Shakespeare produziu peças históricas e


cômicas, dramas históricos e grandes tragédias, entre suas produções encontramos:
"A megera Domada", "Sonho de uma Noite de Verão", "Romeu e Julieta", "Muito
barulho por nada", "Hamlet", "Otelo", "Rei Lear", "Macbeth", entre outras.

2 O TEATRO DOS HUMANISTAS


A Renascença foi um movimento social e cultural, que encerrou o período
que ficou conhecido como sendo o das trevas e a obscuridade da Idade Média.

89
UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

E
IMPORTANT

O Período Humanista caracterizou-se pelo renascimento do conhecimento


clássico, pela substituição do Teocentrismo, sendo pelo humanismo, pela ascensão da
classe média (burguesa) e pelos questionamentos sobre o poder da Igreja e sua influência.

O Teatro retratou todo período de transição para a era Moderna. Recuperou


os clássicos greco-romanos (Sófocles, Eurípides e Ésquilo) que foram traduzidos e
publicados.

A dramaturgia moderna elimina o obscurantismo e traz conhecimento dos


clássicos, por autores que neles se inspiraram para criar ou apenas os traduziram
e adaptaram com o incentivo dos mecenas.

Na Itália, em 1515, Trissino escreveu "Sofonisba'', a primeira tragédia


clássica em italiano, um drama que descreve a paixão com simplicidade e clareza.
Giovanni Rucellai escreveu “Rosamunda", história estática com elementos clássicos
e "Orestes'' baseada em “Ifigênia” em Táuris. Lodovico Dolce em sua "Giocasta'',
adapta a tragédia, e produz "Eurípides e Marianna”, uma tragédia do ciúme,
sob influência de Sêneca. Em 1530, Martelli escreveu a obra “Tullia” baseado na
"Electra” de Sófocles.

Na França, um integrante do Pleiade (círculo poético e humanístico)


Jodelle dá início a sua criação com a de tradução de "Antígona” e compõe em 1552, o
primeiro drama clássico original em francês a “Cléopâtre Captive" (Cleópatra Cativa).

Na Alemanha, os humanistas protestantes – como Melanchton e seus


alunos – traduzem os clássicos gregos para o latim e os encenam junto com as
tragédias de Sêneca. Para eles, os clássicos tinham os maiores valores morais e
serviam de contraponto para a deterioração e corrupção vigentes.

Em Estrasburgo, por volta de 1580, o teatro se torna uma instituição


pública, peças foram traduzidas e adaptadas para melhor compreensão do novo
público. Em 1601, a peça "Prometeu Acorrentado” é apresentada com modificações
e adaptações; onde "Prometeu é identificado como o espírito da Renascença e assegura-
se ao público que Deus deu à Alemanha seu próprio Prometeu na figura do inventor da
imprensa!" (GASSNER, 1991 p. 178).

Hans Sachs escreveu, em 1555, uma “Alceste Original”. Na Holanda,


o poeta Vondel adapta dos clássicos da comédia de Terêncio. Toda Europa se
dedicou a representar de forma dramática todas as mudanças que o mundo vivia,
mas foi na Inglaterra que o teatro atingiu sua plenitude.

90
TÓPICO 3 — TEATRO E A RENASCENÇA

2.1 TEATRO ELISABETANO: SHAKESPEARE E SEUS


CONTEMPORÂNEOS

ATENCAO

Como, vimos anteriormente, o estudo dos clássicos, em toda Europa foi


responsável pela exaltação do ser humano, seus valores e seus sentimentos, propiciando um
grande desenvolvimento intelectual, além de uma série de leituras e adaptações criativas.

A cultura clássica foi a base do novo modo de pensar e se expressar. As


universidades usaram os teatros para disseminar erudição, criticar os costumes
sociais e protestar contra a religiosidade.

2.1.1 George Buchanan


Na Inglaterra, a dramaturgia elisabetana é derivada da redescoberta da
imitação da comédia e da tragédia greco-romanas. George Buchanan traduziu
"Medeia" e "Alceste" de Eurípides para o latim e seus alunos as representaram
em Bordeaux, dramatizando temas bíblicos à maneira grega em seus Baptistes.
Terêncio inspirou peças didáticas relacionadas muito de perto com as antigas
"moralidades"; várias delas vieram da França e da Holanda, a peça "Acoiostus"
escrita pelo holandês Gna Phaeus foi usada como livro escolar. Nicholas Udall em
"Ralph Roister Doister'' (1533) faz uma adaptação da comédia romana, inspirado
em Plauto, dando vida aos seus personagens característicos. A "Gammer Gurton's
Needle" (A Agulha de Gammet Curtom), comédia sobre a vida aldeã de autoria
e data incertas (pode ter sido escrita pelo John Bridges) também é uma comédia
acadêmica, apresentada pela primeira vez na Christ's College de Cambridge. Eram
comédias divertidas e didáticas, de estilo plebeu e humor popular, que seriam
incorporados em obras de Shakespeare, posteriormente.

2.1.2 John Lyly


John Lyly, dramaturgo talentoso, que com seu estilo e sugestões, inspirou
as comédias românticas de Shakespeare, estreou com a novela “Euphues” que
popularizou a figura de linguagem o “ eufemismo” e em 1586 apresentou sua
primeira peça para Rainha Elizabeth, "Campaspe", seguida por "Safo" e "Eaon" e
por "Endimião", todas com muita bajulação alegóricas a Rainha.

91
UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

Ainda de John Lyly a obra "The Woman in the Moon'' (A Mulher na Lua)
continha críticas amargas às mulheres, devido ao seu desapontamento pelo não
reconhecimento das suas inúmeras adulações, por parte da Rainha. Também
escreveu um drama pastoral em "Love's Metamorphosis" (Metamorfose do Amor),
uma comédia italiana de intrigas em "Mother Bombie'' (Mãe Bombie), durante os
anos 1578-1579.

A dramaturgia Inglesa se desenvolve com o aparecimento da tragédia


elisabetana, entre 1559 e 1566, foram publicadas cinco das tragédias de Sêneca,
e o conjunto da obra atribuída a ele apareceu em 1581 no histórico volume “Ten
Tragedies “(Dez Tragédias), seu estilo melodramático inspirou a dramaturgia
repleta de paixões, as imitações de sua obra foram abandonadas à medida que a
dramaturgia evolui.

A peça "Gorboduc", escrita pelo poeta Thomas Sackville e por Thomas Norton
é uma peça típica de Sêneca, com elementos de teatro medieval (dumb shows ou
pantomimas que apresentavam os acontecimentos de forma visível enquanto estes,
anteriormente eram narrados na peça), os autores usaram uma prosódia nativa
"verso branco" ou pentâmetros não rimados e histórias locais. Entre os temas eleitos,
apareciam o interesse por problemas referentes ao bom governo, à concórdia
civil e à sucessão ao trono fizeram de muitos dramas históricos elisabetanos uma
lição velada para a sua e outras épocas. Gorboduc teve como característica ser
melodramático e romântico, assim como outras obras desse período.

É importante salientar que os primeiros dramaturgos elisabetanos


imprimiram em suas peças grande emoção e muita violência, envoltas em um
estilo melodramático.

2.1.3 Christopher Marlowe


Inglês, nascido em 1564, retratou as transformações de sua época de
forma simples e direta, o mundanismo, a ascensão da classe média. Apesar de
sua educação altamente religiosa, retratou o esplendor dos heróis substituindo a
adoração dos santos. A nova era preenchia seus pensamentos e sua criatividade.

Foi o maior poeta do teatro elisabetano, sua obra foi marcada por seu
lirismo poético e grandeza dramática, contribuiu para o engrandecimento do
teatro elisabetano, rompendo com seus predecessores que insistiam em imitar os
clássicos.

Alcançou a alta poesia teatral distinguindo-a das imitações melodramáticas


que foram abundantemente usadas por seus antecessores, usando para isso uma
visão das mudanças que aconteciam percepções criativas, intuição intelectual e
inspiração poética.

92
TÓPICO 3 — TEATRO E A RENASCENÇA

Foi influenciado por Kyd (seu colega de quarto), quando escreveu sua
peça a respeito da vingança, “The Iew of Malta” (O Judeu de Malta) e também
influenciou muitos contemporâneos, suas peças eram apresentadas pela bem-
sucedida companhia de “Lord Admiral “(Lorde Almirante) sob a direção de Alleyn,
com atores adultos e não adolescentes, tão comuns na corte. O público assistiu,
durante os anos de 1587 a 1593, as peças escritas por Marlowe que tinham uma
qualidade inédita. Suas tragédias eram repletas de ambição e paixão, como na
peça "Dido, Queen of Carthage" (Dido, Rainha de Cartago), em colaboração com
Nashe. Na "tragédia de Tamburlaine", forneceu emoção e magia.

Sua obra "Dr. Fausto" é uma peça sem igual, sua estrutura é baseada nas
moralidades do período da Idade Média, produzindo nos espectadores uma
emoção consistente, alçando a um dos maiores clímax já atingidos na dramaturgia
mundial. O enredo trata da busca de uma mente inquieta do que está além da
compreensão humana, que se depara com raros êxtases e desilusões e é arrastada
para um final, do qual fazem parte a frustração e a derrota.

Após sua tentativa de injetar os objetivos e a ideologia renascentista em


material criado na Idade Média, voltou-se para os livros clássicos e aristocráticos,
quando sua obra aborda temas históricos e objetivos. Em "The Jew of Malta" (O
Judeu de Malta), escrita em 1592 e em, "Eduardo II", representado em 1592; mais ou
menos um ano antes de sua morte, Marlowe obteve o maior engrandecimento do
drama histórico, se aproximando dos reconhecimentos obtidos por Shakespeare.

Através de sua poesia, trouxe para o teatro, personalidades fortes e cenas


impressionantes. Em sua obra, o teatro retrata a expectativa e o poder da nova era
em expansão na Inglaterra. Aos vinte nove anos, é morto em uma briga banal, na
mesma época em que foi acusado de heresia.

2.1.4 Thomas Kyd


Thomas Kyd, companheiro de quarto de Marlow, também acusado de
heresia em 1593, compreendeu as exigências do teatro de sua época, melhor
que qualquer outro autor. Foi responsável pela mudança na representação das
cenas, vivenciando as emoções e não apenas narrando as histórias. Possuía uma
inclinação para tragédia, traduziu "Cornelia”, drama francês de Garnier escrito
à maneira de Sêneca. Por volta de 1589 parece haver escrito um "Hamlet", obra
perdida que teria sido o original da obra de Shakespeare.

Há indícios de sua colaboração em duas obras Shakespearianas "Tito


Andrônico" e "Henrique VI". A única peça remanescente que lhe pode ser
atribuída com certeza é "The Spanish Tragedy'' (A Tragédia Espanhola), a mais
bem-sucedida obra de seu tempo (1588).

Foi o autor de "Arden of Faversham'', representada entre 1586 e 1592,


criador da tragédia de classe média, gênero que não foi usado por Marlowe ou
por Shakespeare.
93
UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

2.1.5 William Shakespeare


Nascido em 1564, em Stratford-on-Avon, Shakespeare teve uma infância
abastada, frequentou o curso básico de humanidades na "grammar school", onde
adquiriu uma educação elementar. Na juventude conheceu a pobreza, devido
à falência de seu pai. Abandonou a escola para trabalhar, não frequentou a
faculdade, aos dezoito anos se casou com uma mulher mais velha e tornou-se pai
de três filhos – ainda com 21 anos. Possuía uma tênue ligação com a baixa nobreza
através de sua mãe e através da própria vida em um período durante o qual as
classes baixas estavam alcançando a independência e lutando por oportunidades.

FIGURA 16 – LIVRO COM ILUSTRAÇÃO

FONTE: <https://cdn.britannica.com/s:575x450/48/162848-004-CEF3BCA1.jpg>.
Acesso em: 3 set. 2021.

Transitava tanto na classe média quanto na aristocracia, quando o


mundo dos atores e dos boêmios dramaturgos fundia-se com os "proletários”
e vagabundos de seu tempo. As memórias de diferentes experiências vividas e
de uma vasta rede de relações pessoais, servem de inspiração para suas peças.
Em Londres em 1592 está associado à Companhia de Lorde Strange que, mais
tarde, será transformada na Companhia do Chamberlain trabalhando, como ator,
produtor e dramaturgo.

Escreveu ou adaptou a segunda e a terceira partes de "Henry VI" (Henrique


VI) em 1591.

A produtividade de Shakespeare é retratada por vários pesquisadores.


Um capítulo todo foi dedicado a ele, mencionado em um fragmento:
"Durante os dois anos seguintes Shakespeare prossegue seus trabalhos
literários para diversas companhias. Escreve Richard. III (Ricardo
III), que é uma continuação de Henrique VI; Titus Andronicus, (Tito
Andrônico), uma peça de vingança na tradição Sêneca- Kid, que ele
provavelmente retocou mais do que criou, e sua Comedy of Errors

94
TÓPICO 3 — TEATRO E A RENASCENÇA

(Comédia dos Erros), uma adaptação livre dos Menaechmi (Gêmeos),


de Plauto, e ao mesmo tempo um tributo à tradição humanista da
comédia italiana que antecedeu a explosão da teatralidade da era
Elisabetana (GASSNER, 1991, p. 245).

Seu talento natural para a imaginação e a musicalidade verbal, seus


conhecimentos do mundo e das pessoas e a confusão eclética de sua época,
levariam Shakespeare ao êxito em retratar a universalidade humana.

Shakespeare foi um ator de renome em seu tempo, que lhe garantiu uma
experiência fundamental para um dramaturgo. Experiência esta que também
adquiriu com seus contemporâneos. De Kyd (1977), os métodos para preencher
o palco com ações são de extraordinária força; de Marlowe, a transfiguração
da ação por meio da 'poesia' e a captação da imaginação dos espectadores com
personalidades heroicas; de Lyly, as tiradas brilhantes e o diálogo refinado das
comédias (SALES 1991).

Shakespeare é singular em associar o conteúdo intelectual de sua época


em personagens vivos e fixá-lo em situações dramáticas, com uma linguagem rica
e fluida. Sua vivacidade mental lhe confere facilidade de absorver experiência ou
sensações e seu equilíbrio mental o salva dos excessos dos outros dramaturgos
elisabetanos, diferente de seus contemporâneos por possuir uma humanidade
simples e muito bom senso.

Se dedicou a uma diversidade de gêneros teatrais: comédia, drama histórico,


tragédia e romance ou a tragicomédia – o que fosse desejado pelos espectadores.

Sua eclética obra contém quase um mundo inteiro, capta inúmeros aspectos
da humanidade e projeta a realidade para planos mais amplos. É um dramaturgo
moderno em seus trabalhos, apesar de fazer uso de um sobrenaturalismo,
remanescente de outras épocas e partilhado pela maioria de seus contemporâneos.

Shakespeare reflete a perspectiva mundana da Renascença, se demonstra


preocupado com a glória e com a prosperidade da Inglaterra, é benevolente com
a aristocracia e não considera a plebe como força política influente. É crítico em
relação ao feudalismo, não tolera a monarquia irresponsável ou incompetente
e credita a um governo estável ao bem-estar da população, considera o
individualismo fundamental para humanidade.

Segundo Gassner (1991) "O drama shakespeariano é o drama da vontade


individual. O homem, em todas as eras, existe e exerce sua vontade, onde o 'teatro
do indivíduo' é inevitavelmente universal, ainda que suas personagens tragam
estampado em si o selo de seus próprios tempos”. O individualismo na obra de
Shakespeare abrange todas as classes sociais e se estende aos dois sexos.

Em suas peças a vida é retratada com intensidade, seus personagens são


ativos e superam suas deficiências (físicas ou mentais), com grande composição
trágica e vivacidade intelectual.

95
UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

É o maior autor humanista da história do teatro universal, que melhor


retratou sua era (Inglaterra, reinado de Elizabeth I, filha de Henrique VIII e Ana
Bolena) e com grandeza e profundidade a humanidade, com grande inteligência
e criatividade, mesmo sem formação acadêmica culta.

Shakespeare escreveu:
• "Henrique VI", partes dois e três (1590-91), sequências de uma peça anterior
composta por autor, ou autores, diferentes.
• “Henrique VI”, primeira parte (1591-92).

Esta trilogia é baseada em peças mais antigas, algumas partes


permaneceram inalteradas, deixando o texto repetitivo, há na peça passagens
que contaram com a participação ou a influência de outros autores como Greene
e Marlowe, porém o estilo de Shakespeare é identificado, pelo valor narrativo e
caracterização de personagens.

Na primeira parte da "Guerra das Rosas”, as façanhas de Joana D’Arc


são retratadas sem simpatia, com muita ação e tensão. O bravo Talbot, o general
inglês, é uma personagem arrojada, e o peso da ênfase está no risco de uma nação
em guerra quando seus chefes se engajam em ambições privadas. Na segunda
parte, a Rebelião de Jack Cade, demonstra de forma realista, como a anarquia
da Aristocracia se replica nas classes baixas. A parte final da trilogia, trata da
continuidade da guerra, "Henrique VI", o monarca irresoluto, é uma personagem
patética, e a sinistra figura de Ricardo de Gloucester, que em breve se tornará
Ricardo III, agiganta-se através das cenas como um portento de barbarismo que
está por vir.

Mais de 3200 versos de "Henrique VI”, partes dois e três, foram tomados
integralmente de duas peças anteriores, First Part of the Contention" (A Primeira
Parte da Contenda) e “The True Tragedy of Richard Duke of York" (A Verdadeira
Tragédia de Ricardo, Duque de York).

• "Ricardo III" e "A Comédia dos Erros"(1592-93).

Em "Ricardo III", continua a estória iniciada na terceira parte de “Henrique


VI”, o corcunda Ricardo é um personagem que se sente inferiorizado pela sua
deficiência física e busca a compensação em um sentimento de superioridade,
semeia o ódio e amargura, em busca do poder a qualquer preço, termina em queda
e solidão. É considerada uma peça menor, aquém das obras-primas do autor.

96
TÓPICO 3 — TEATRO E A RENASCENÇA

FIGURA 17 – CARTAZ (UMAS DAS VERSÕES DE ROMEU E JULIETA DE SHAKESPEARE PARA O CINEMA)

FONTE: <https://bit.ly/3EH0mEm>. Acesso em: 3 set. 2021.

"A Comédia dos Erros'' é a primeira obra cômica de Shakespeare, trata-se


de uma farsa sobre uma troca de identidades com situações baseadas em uma
hipótese extravagante. Aqui o autor desenvolve a trama e percebe a necessidade
de mantê-la em movimento.

Devido ao fechamento dos teatros em Londres, causado por uma praga


na cidade, Shakespeare volta-se para literatura, escrevendo seus dois poemas
erótico-narrativos, “Venus and Adonis" (Vênus e Adônis), em 1593, e “The Rape of
Lucrece" (A Violação de Lucrécia), em 1594, ambos dedicados ao jovem Conde de
Southampton, que lhe rendeu um patrocínio, que seria investido na Companhia
do Chamberlain, mais tarde do Rei, tornando-o, assim, um coproprietário de uma
companhia teatral, o que lhe conferia a oportunidade de escrever de acordo com
o gosto de seu público e da capacidade de seus atores.

Shakespeare se torna um homem bem-quisto pela monarquia, mas ciente


das intrigas da corte, do problema da sucessão do trono e dos conflitos políticos.

Em 1594-95, começa sua carreira como criador de comédias românticas


com “The Two Gentlemen of Verona" (Os Dois Cavalheiros de Verona), “Love's
Labour's Lost" (Trabalhos de Amor Perdidos) e de tragédias como "Romeu e
Julieta”. No mesmo período surgem as tragédias:

• “The Two Gentlemen of Verona" (Os Dois Cavalheiros de Verona), onde cria
suas primeiras e encantadoras mulheres, Julia e Silvia, é essencialmente um
romancista que escreve sobre o amor fiel e infiel de forma crítica através do
riso, mas não muito inspirada.
• "Love's Labour's Lost" (Trabalhos de Amor Perdidos), ainda não demonstra
sua grande criatividade, é uma peça crítica e lenta, que termina num apelo ao
comportamento natural, sobre a queda da afetação diante do bom senso.

97
UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

• “Romeu e Julieta'' é um grande drama lírico de Shakespeare, perfeito


em seu gênero, o autor, nessa tragédia traduziu o prazer de dois de seus
poemas eróticos para a linguagem do teatro vivo. É possível acompanhar o
desenvolvimento dos personagens durante a peça.

No ano seguinte, em 1595/1996, aplica o mesmo dom lírico à fantasia de:

• "Midsummer Night 's Dream" (Sonho de Uma Noite de Verão), onde o elemento
lírico, unido ao folclore e a graça cria um mundo de fantasia e realidade, mesmo
sugerindo que o amor é um sonho e uma ilusão, propicia entretenimento na
forma de arte dramática.

No mesmo ano, volta a história e escreve "Ricardo II" descrevendo o


soberano como caprichoso, sensitivo, imprudente e cheio de autocomiseração;
é, acima de tudo, um esteta irresponsável que ama o prazer e os refinamentos,
transformando todos os acontecimentos, exceto sua morte, numa adornada obra
de arte. Tem uma "imaginação retórica" muito mais que qualquer consistência de
sentimentos ou ação. Ricardo II é um personagem por demais multifacetado para
fornecer a unidade de efeito.

Em (1596-97) escreve "Rei João", onde retrata com sensibilidade


comovente a infelicidade do Rei Arthur (criança), destronado pelo seu tio, a
defesa da independência da Inglaterra e um patriotismo são força a essa tragédia,
considerada apenas melhor do que a peça em que foi baseada. A obra "The
Merchant of Venice" (O Mercador de Veneza), escrita no mesmo ano, tem como
característica uma grande criatividade que mantém a unidade de tom e ponto
de vista, além de contar com a utilização de vários elementos de experiência e
reflexão, de sentimento e diversão.

Suas qualidades dramáticas, são exploradas em "Henrique IV" e “Henrique


V” (1597-1598), última peça sobre a história da Inglaterra, onde levou a história
de seu país até aquele ponto de unificação e triunfo nacional que vê repelido e
ampliado no reino de Elizabeth. Essas duas peças, são compostas com grande
clareza e coesão. Retratam de forma realista, todas as mudanças políticas de sua
época. Baseadas na formação de um rei, que supera o feudalismo e cria uma
nação unida, transformando-a em um instrumento para conquistas. A história
da Inglaterra será descrita novamente em uma pequena participação do autor em
uma colaboração, no final de sua carreira, na peça "Henrique VIII".

A partir de (1599-1600) com "Júlio César", “Coriolano”, "Antônio e


Cleópatra”, tem início seu período romano, quando traz para o público inglês um
novo mundo.

• “Julio Cesar” é um drama político com lições sobre histórias das massas,
nessa peça, Shakespeare alcança a completude e cria uma das mais nobres
personagens da história do teatro, na figura do eterno liberal que é Brutus, e
uma das grandes cenas de multidão da dramaturgia no linchamento do poeta
Cina, politicamente inocente.
98
TÓPICO 3 — TEATRO E A RENASCENÇA

• “Much Ado About Nothing” (Muito Barulho Por Nada),” As You Like It” (Como
Quiserdes), e "Twelfth Night”(A Décima Segunda Noite) demonstram seus
esforços em criar comédias românticas.
• “Muito Barulho por Nada” é considerada a mais fraca das três, segundo
Gassner (1991), conta com o pior caso de amor entre Hero e Claudio é um dos
mais cômicos casais do teatro Beatrice e Benedick.
• “Como quiserdes'' é a forma perfeita de um drama pastoral, escrito sem
grandes pretensões e conta com gloriosa poesia, brilhantes caracterizações e
engenhosa mistura da realidade comum com a graça idílica.

A "Décima Segunda Noite" ou a "Noite de Reis", contribuiu para a alegria


da humanidade, assim como em muitas outras obras, desde Os Dois Cavalheiros
de Verona até Cymbeline”, boa parte da ação gira em torno de uma jovem que
aparece disfarçada de rapaz, (as mulheres, não trabalhavam como atrizes e eram
substituídas e imitadas por jovens rapazes), esse artifício foi responsável por
muitas cenas absurdas, as mulheres da peça Rosalind e Viola são dotadas de um
espírito moderno e da liberdade da feminilidade mesmo na busca do casamento.

Esse poderia ter sido o fim do período de comédia de Shakespeare, mas,


ao contrário foi o ano da deliciosa farsa "The Merry Wives of Windsor" (As Alegres
Comadres de Windsor) peça escrita a pedido da Rainha Elizabeth, ressuscitou
o que se costumava chamar de "Falstaff" (mais tolo e menos impertinente)
perseguido pelas Sra. Ford e Sr. Page, que não se impressionam com o fato dele
ser um aristocrata, representam a liberdade da classe média, tão em moda naquele
período. Com essa farsa Shakespeare se despede da produção cômica, por volta
1600, dá início a década trágica e cínica de sua carreira da qual resultam suas
maiores obras.

São vários os fatores que levam o autor a esse período sombrio, como a
procura por histórias sangrentas (como as imitações de Sêneca), a popularização
das tragédias vingativas, com personagens revoltadas e cínicas, conflitos
religiosos, o fim do reinado tirânico de Elizabeth I, ascensão do mercantilismo,
decadência do idealismo e intrigas e corrupção.

Shakespeare era um homem do seu tempo, observador e crítico dos


acontecimentos sociais e políticos. Em 1600, "Hamlet" e da vida a sua desilusão,
em 1601, escreve “Troilus and Cressida" (Troilo e Créssida), em que toda peça é
um ataque a inconstância feminina, possivelmente inspirado em Elizabeth I,
seguida pela crítica a conduta intrigueira e corrupta da corte, demonstrada pelos
oportunistas e corruptos líderes da "Guerra de Tróia”, reavivada no vilão “ lago”
em “Othello" (Otelo). Os efeitos da ambição inescrupulosa, da corrupção moral
e da crescente discórdia civil são expressos, um ano depois, em "Macbeth" e no
“Rei Lear”, bem como dois anos mais tarde na explosões finais de “Coriolanus"
(Coriolano) e “Timon of Athens" (Tímon de Atenas).

99
UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

FIGURA 18 – HAMLET DE WILLIAM SHAKESPEARE

FONTE: <https://cdn.pixabay.com/photo/2012/10/25/23/19/hamlet-62850_960_720.jpg>.
Acesso em: 3 set. 2021.

Até mesmo as comédias escritas neste período, são repletas de críticas


à hipocrisia e corrupção moral da sociedade, em “All's Well That Ends Well"
(Bem está o que Bem Acaba), na qual o amor de Helena é obrigado a lidar com
muita mesquinharia e dor, e “Measure for Measure" (Medida por Medida) a mais
tristes das comédias, através do sombrio Tartufo. Especula-se que nem só de
críticas políticas e sociais, tenham levado o autor a tamanho desapontamento,
mas também uma desilusão amorosa, o certo é que seu estado de espírito não
diminuiu sua habilidade artística.

“Troilo e Créssida'' é uma comédia cínica e realista, que explora o


pessimismo com uma perspectiva negativista e anti-heroica.

“Guerra de Tróia'', inspirada por Homero, traz os gregos retratados como


homens sem caráter, sem decência, vis e estúpidos. Heitor, o único troiano da
peça, é assassinado, não em combate, mas quando se encontra desarmado, pelos
gregos. A guerra é um absurdo banho de sangue travado por uma Helena que
não tinha virtudes, em defesa de um Menelau que é completamente dominado; a
jovem heroína, Créssida, também é desprezível. Não é uma peça alegre ou leve,
mas uma verdadeira exposição das falhas da humanidade.

De tal sorte que, “Bem Está o que Bem Acaba” e “Medida por Medida'' são
comédias sombrias, onde o espetáculo cômico tem humor apenas para atenuar o
peso das verdades humanas. E onde a vilania é complementada pelas virtudes.
As terríveis mulheres do Rei Lear, Goneril e Regan, são contrabalançadas por
sua irmã Cordélia, seus maridos, servidores e Edmund pelo valoroso Kent e pelo
inimitável e leal Bufão, a inocente Ofélia e o equilibrado amigo Horácio florescem
na debochada corte do tio de Hamlet.

100
TÓPICO 3 — TEATRO E A RENASCENÇA

Mas suas tragédias, com exceção de "Tímon de Atenas'' (onde há um nobre


criado para nos lembrar, de que não se perderam completamente as esperanças
do gênero humano), figuram entre suas peças mais bem construídas porque nelas
o autor segue sua visão de mundo sem perder o foco.

Seus vilões são elaborados com compreensão e compaixão. Embora Cláudio


e a mãe de Hamlet estejam mergulhados na culpa, os dois são palpáveis seres
humanos. Macbeth e sua esposa, ambos maculados de sangue, tornam-se criaturas
reconhecíveis. O amor adúltero de Antônio e Cleópatra é transfigurado pela
nobreza de sua paixão. Coriolano, o traidor de sua pátria, é um jovem tragicamente
desorientado, ainda que se comporte como um presunçoso e um tolo na maior parte
do tempo. Apenas personificações do mal absoluto, tais como Goneril e Regan,
estão quase inteiramente fora do pálio da humanidade, como também o está o
demônio de Otelo, lago, descrito como um representante da "atividade intelectual
doentia", de um tipo que não era desconhecido na Itália renascentista.

Shakespeare, sempre faz uma avaliação crítica, mesmo quando os


sofrimentos de suas personagens justificam sua amargura; em parte, Hamlet e
Lear são os autores de seu próprio tormento pois se desviaram de algum princípio
da conduta razoável.

A ação dramática de suas peças está repleta de filosofia e reflexões que


enriquecem sua linguagem. O incisivo questionamento que Hamlet efetua sobre
o homem e a sociedade emana do choque dramático da descoberta do assassinato
de seu pai e da infidelidade de sua mãe. A amarga crítica social de Lear, surgida
à medida que reflete a sorte daqueles seus antigos súditos cuja própria existência
lhe escapara antes, toma corpo quando ele próprio nada mais é senão um pária
errando por uma tempestuosa charneca.

Na obra Shakespeariana, a tragédia não comporta o individual, sai


das especificações pessoais de cada personagem e atinge o todo, um conjunto
orgânico com muitos elementos envolvidos, e a estrutura dramática é o que dá
unidade a tudo.

Nos anos de 1610 e 1611 escreveu as peças burlescas "Péricles", "Cymbeline"


(Cymbeline) e "The Winter's Tale" (O Conto de Inverno), que seriam a sua
recuperação e reconciliação com um novo estilo, depois de "Timon de Atenas",
última tragédia, onde cometeu alguns erros, atingiu seu limite como autor e como
homem de espetáculos que estava negligenciando seu público, que procurava
romance.

Em todas as peças de sua nova série, com exceção da última, "The Tempest"
(A Tempestade), seu talento e sua qualidade se apresentam em fragmentos. Em
"Péricles'', a fábula pseudoclássica, pode ser considerada um esboço de suas peças
anteriores, somente na personagem Marina e na música do naufrágio do barco,
incluída na peça, se reconhece seu estilo.

101
UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

Em "O Conto de Inverno", há um asfixiante e inconveniente tratamento


do ciúmes. A personagem chamada Perdita, constitui outra personagem, jovem
e fabulosa, de Shakespeare, e a representação do vagabundo personificado no
Autólico é uma construção elaborada e incomparável na dramaturgia. Em "A
Tempestade", o autor recupera seu estilo inigualável e seu talento se faz presente
nos mínimo detalhes da obra.

Depois de 1613 não escreve mais, tendo voltado um pouco antes para
Stratford, como um homem rico, que viveria bem e confortável, até o final de sua
vida, em abril de 1616.

Várias de suas produções foram publicadas em volumes conhecidos como


"Quartos" depois de sua morte.

Além de uma dramaturgia atemporal e universal, em uma passagem


de "Hamlet" de forma metalinguística, o autor Shakespeare oferece algumas
orientações aos intérpretes de todos os tempos. Confira:

• Hamlet – “...” Não gesticule assim, serroteando o ar com a mão. Contenha-se.


Mesmo na torrente da paixão, é preciso manter o autocontrole. Ai, me dói na
alma ouvir um ator desmiolado e barulhento cabeça de peruca dilacerando
uma paixão até a pôr em trapos, rachando os ouvidos do público. Tornando
a plateia, na sua maior parte, incapaz de apreciar qualquer coisa que não seja
confusão e barulheira. Evitem esse exagero, por favor. Mas também não se
pode desprezar a caracterização do personagem. Ajuste o gesto à palavra e
a palavra ao gesto, tendo o cuidado de ser natural. O propósito do teatro
sempre foi oferecer um espelho à natureza, e ajudar a sociedade a se ver,
como realmente é! Já vi atores representarem – e muito elogiados, por sinal,
que não falavam como cristãos, nem como pagãos, nem sequer como homens!
Esbravejavam e mugiam tanto, que eu até achei que os homens eram feitos
e muito malfeitos, por péssimos aprendizes da natureza, de tão abominável
que era a forma encontrada por eles para imitar a humanidade.

• Primeiro Ator – Creio que em nosso elenco já corrigimos razoavelmente esse


defeito, senhor.

• Hamlet – Mas é preciso acabar de vez com ele! E os atores cômicos então? Não
digam mais do que está escrito no seu papel. Tem uns, que se põem a dizer
asnices, para agradar algum incauto da plateia, mesmo que nesse momento
esteja acontecendo no palco alguma coisa realmente importante. Além de ser
detestável, isso revela a mesquinha ambição do bobo que se comporta dessa
forma.

(Diálogo entre o Príncipe Hamlet da Dinamarca e o Primeiro Ator, em


virtude da representação encomendada para o rei Cláudio e a corte da Dinamarca).

102
TÓPICO 3 — TEATRO E A RENASCENÇA

Ben Jonson (1573), nascido no norte da Inglaterra, um mês depois da


morte de seu pai, um pregador protestante, sem herança, e sem bens, não teria
como receber uma educação erudita, porém foi tutelado por Camden, que soube
transformá-lo em um homem culto.

Em 1592 estava em Londres, casou-se. Em 1596 foi pai, mas perdeu seu
único filho ainda criança para a praga. Tornou-se boêmio e usuário de bebidas
alcoólicas, trabalhou no teatro, adaptou a velha Tragédia Espanhola para o
produtor teatral Philip Henslowe e escreveu uma imitação de duas comédias
romanas em "The Case Is Altered"(O Caso está Mudado).

Em 1598, tornou-se famoso com uma peça extraordinariamente bem-


sucedida, “Every Man in his Humour" (Cada Homem com sua Mania), dedicada
ao Mestre Camden, "o mais culto, e meu honorável amigo". Trata-se de uma peça
que pretende retratar uma imagem do seu tempo, uma obra de grande realismo
cômico, seus personagens caricaturais representam todos os vícios, mania ou
humores característicos da era elizabetana, sem atenuar seus defeitos e sim
apresentando-os em forma de riso.

Foi preso e seus bens confiscados, quando depois de uma briga, assassinou
o ator Gabriel Spencer, na prisão tornou-se católico, foi solto em 1.599, quando
escreveu a peça “Every Man Out of His Humour” (Cada homem fora de sua Mania),
menos divertida e coerente que sua peça anterior, se caracteriza pelo estilo caricato do
autor. Seus personagens (tolos e malucos), com seus maneirismos e suas idiocracias,
expõem toda corrupção e hipocrisia da sociedade londrina da sua época. Apesar da
indignação e raiva demonstradas no seu texto, a peça foi um sucesso.

Ainda em 1599 teria escrito mais duas peças, que se perderam. Dois anos
mais tarde escreveu "Cynthia 's Revéis" (As Farras de Cíntia), comédia aristofânica,
onde houve muita sátira à aristocracia.

Jonson se envolveu numa guerra contra outros dramaturgos, fazendo com


que seus personagens tivessem os maneirismos dos colegas e sendo retratado por
eles como um bufão bêbado.

Entretanto, três anos depois de toda confusão, produz "Eastward Ho!" (Para
o Oriente!), encerrando a guerra com a comédia. "Poetastro" que é uma celebração
da arte verdadeira. Depois de um período de retiro, escreve a tragédia romana
"Sejanus"(Sejano), que faz uma leitura do momento de declínio do governo da
rainha Elisabeth , de toda corrupção da corte e da tirania da soberana. Embora a
peça tenha sido um sucesso, o autor não se identificou com a tragédia e voltou a
se dedicar a comédias.

"Para o Oriente" em colaboração com Marston e Chapman que além de


dramaturgos, eram amigos de Ben Jonson, sobre o estilo de vida londrino, faz
um insulto à realeza escocesa. A crítica a coroa renderia aos três dramaturgos
passagem pela prisão, e só não terminou em tragédia ainda maior, pois Ben

103
UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

Jonson tinha prestígio obtido por conta das mascadas que havia produzido.
A libertação de Ben Jonson e seus amigos foi celebrada por outros escritores e
eruditos e assim, Jonson torna-se um herói da intelligentsia inglesa.

No ano seguinte escreve "Volpone", uma sátira à ganância, uma comédia


de construção laborada e de grande reconhecimento, embora, muito identificada
como uma "moralidade", foi escrita na prisão com a mesma indignação e desilusão
com os desequilíbrios humanos presentes nas tragédias de Shakespeare, mas é
uma peça engraçada, com elementos ridículos e tolos.

Quatro anos mais tarde é a vez da hilariante "Epicene or The Silent Woman"
(Epicene ou a Mulher Silenciosa), outra comédia de humores, onde personagens
com uma série de manias, são enganados por malandros e acabam pagando para
terem paz.

Em 1610 "The Alchemist" (O Alquimista) composta em versos cômicos,


satiriza a credulidade e a ganância sem lançar mão da amargura. Sua sucessora,
em 1614 "Bartholomew Fair" (A Feira de São Bartolomeu), novamente recorre
a situações inusitadas e exageradas, para escrever esta que foi uma das mais
estrondosas farsas satíricas do teatro. Entre essas duas últimas comédias, Johnson
escreveu "Catilina", outro drama de assunto romano, fiel ao estilo clássico, no
entanto é uma obra mediana, o que o levou a se dedicar somente às sátiras. Ainda
inventivas e engraçadas.

Com o tempo, o talento de Ben Jonson parece declinar. "The Devil is an


Ass” (O Diabo é um Asno) é um dos melhores trabalhos deste período, e mostra
como diante da humanidade, Satã é um demônio menor.

Escreveu muitas comédias, até sua morte em 1637, sempre fiel ao seu
talento na arte de fazer rir.

2.1.6 Beaumont e Fletcher


Fletcher, nascido em 1579, filho de um homem que mais tarde se tornaria
bispo, recebeu educação primorosa, mas se viu sem dinheiro depois da morte de
seu pai.

Beaumont, nascido em 1584, filho de um juiz, foi educado para seguir a


profissão do pai, porém sob influência de Johnson, tornou-se escritor e boêmio.
Amigos, moram juntos até 1613, quando Beaumont se casou, falecendo após três
anos, deixando que Fletcher se dedicasse sozinho ao teatro.

Juntos, em 1609, escreveram uma brilhante paródia do teatro elisabetano


"The Knight of the Burning Pestle" (O Cavaleiro do Pilão Ardente). E um ano
depois, escreveram "Philaster" (Filmaster) que tem como título alternativo de "O
Amor Jaz sem Sangrar”, peça que apresenta ao público um novo estilo de peça, a
tragicomédia, sem mortes e sofrimentos característicos da tragédia.
104
TÓPICO 3 — TEATRO E A RENASCENÇA

Em 1611, a peça mais aclamada da dupla, "The Maiden 's Tragedy" (A


Tragédia da Moça), considerada pelo público uma das melhores tragédias
elisabetanas, trata-se segundo a opinião dos especialistas de uma peça frívola,
escrita de forma corriqueira.

Depois da separação da dupla, Fletcher continuou escrevendo, mas


nenhuma das peças desse período teve o destaque das produções anteriores.

2.1.7 George Chapman


Outro autor do período, com educação privilegiada. Suas produções
obtiveram algum destaque na corte, porém seus textos são pouco vigorosos.
Sabe-se que escreveu em 1605, "All Fools" (Todos Tolos) uma comédia satírica com
influências da obra Terêncio, sobre um pai que deseja impedir um casamento, que
acaba sendo realizado sem sua permissão.

No ano seguinte, escreveu “The Gentleman Usher" (O Cavaleiro Escudeiro)


mas não obteve sucesso. Produziu ainda a comédia de caráter "Monsieur d'Olive"
outro bom texto, mas seu talento se revela melhor na escrita de tragédias. Em
1607, escreveu seu "Bussy d'Amboise'', texto com influências do autor Marlowe.
Seguido de "Revenge af Bussy d' Ambais" (Vingança de Bussy d'Amboise), que tem
pontos parecidos com Hamlet, de Shakespeare.

Em seus textos posteriores "The Conspiracy of Charles", "Duke of Byron" (A


Conspiração de Charles, Duque de Byron) e "The Tragedy of Charles", "Duke of
Byron" (A Tragédia de Charles, Duque de Byron), faltou ênfase na trama e vigor
aos personagens. Em 1612, escreveu "The Widow 's Tears" (As Lágrimas da Viúva),
uma comédia irônica e plena de força, ainda que mal construída. Depois de 1613
diminui drasticamente sua produção.

2.1.8 John Marston


John Marston (1575-1634) – Satirista irônico, com uma visão negativa e
cínica da realidade, produziu teatralmente menos que seus colegas. Seu texto é
realista, embora pouco elaborado, e sua contribuição para o teatro são personagens
vivas e não presas em manias como as de Jonson.

Deu vida às "tragédia de vingança", por meio dos melodramas “Antônio e


Metida” e “Antonio 's Revenge" (A Vingança de Antônio). Produziu as comédias:
“O Descontente”, "Parasitaster or the Fawn" (Parasitastro ou O Cervo Novo) e "Para
o Oriente!" escritas em parceria; "The Dutch Courtesan" (A Cortesã Holandesa)
obra que descreve a força da paixão carnal, tema ainda abordado no título "The
Insatiate Courtesan" (A Cortesã Insaciável).

105
UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

2.1.9 Thomas Dekker


Thomas Dekker (1570-1642) considerado um dos mais brilhantes escritores
entre os jovens dramaturgos Elisabetanos, autor dos provocativos livros satíricos:
“The Bellman oi London” (O Guarda-Noturno de Londres) e o “ Gull's Hornbook”
(ABC do Otário), espécies de manuais sobre a indolência e a malandragem. Foi
um grande colaborador dos dramaturgos de sua época, e dedicou-se pouco à
escrita de peças exclusivamente de sua autoria.

Escreveu: "Old Fortunatus" (O Velho Fortunato), "The Roaring Girl" (A


Garota Estrepitosa), escrita em colaboração com Middleton; "The Honest Whore"
(A Prostituta Honesta) e "O Feriado do Sapateiro". Teve problemas com a justiça
em virtude de suas dívidas e faleceu próximo ao período do fechamento dos
teatros durante a Reforma Puritana de 1642.

2.1.10 Thomas Heywood


Autor crítico da classe média londrina, que apesar de ter escrito em todos
os estilos, não teve uma obra de grande sucesso. Escreveu em 1603 "Woman Killed
with Kindness" (Mulher Morta pela Ternura) uma crítica escancarada ao Estado;
"King Edward IV" (O Rei Eduardo IV), e ainda "The Four Prentices of London" (Os
Quatro Aprendizes de Londres).

"The Fair Maid of the West" (A Bela Moça do Ocidente), "The English Traveler"
(O Viajante Inglês) e A Bela Moça do Ocidente. Ainda entre os dramaturgos
Elisabetanos do período temos John Webster, considerado o último dos atores
teatrais desse período, escreveu dramas românticos e tragédias. Entre suas obras,
merece destaque "The Roman Ator" (o Ator Romano) uma verdadeira homenagem
ao ofício do intérprete teatral.

DICAS

Compreender William Shakespeare por meio do pensamento dos filósofos


contemporâneos Leandro Karnal, Luiz Felipe Pondé pode ser muito enriquecedor. Ficou
curioso? Confira nos seguintes links:
• https://www.youtube.com/watch?v=bL2UmixWsEg.
• https://youtu.be/AezrRGRnwlI.

106
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Desenvolvido em diversos países europeus, tais como a Itália, a Inglaterra,


a França e a Espanha, o teatro renascentista foi bastante influenciado pelo
teatro popular de caráter burlesco.

• A ruptura com a arte sacra, conferiu liberdade na exploração de uma


diversidade de temas, que permitiu, por exemplo, a profundidade das obras
Shakespearianas.

• Entre as principais características do teatro renascentista temos: o uso de uma


linguagem coloquial, tratamento popular e cômico de temas da vida privada,
maior movimentação dos intérpretes e uma retomada do antropocentrismo,
no qual os conflitos humanos passam a ter prioridade na trama.

• Embora o teatro no período da renascença tenha o humanismo como uma


característica comum, ele se estabeleceu de forma distinta nos diversos
países da Europa. Assim, por exemplo, podemos destacar na Itália a peça
"Mandrágora'' (1524) de Maquiavel.

• Na Inglaterra, o Teatro Elisabetano (1558-1625) terá grandes produções, entre


as quais podemos destacar as obras "Romeu e Julieta", "Macbeth", "Hamlet",
''Sonhos de uma Noite de Verão", do dramaturgo Shakespeare. Na Espanha, no
século XVI, Cervantes produz “O Cerco de Numancia” e Calderón de la Barca
escreve “A Vida é Sonho”.

107
AUTOATIVIDADE

1 O termo Renascimento, diz respeito a retomada de valor precioso


as sociedades clássicas da antiguidade. Enquanto o teatro medieval
institucional tinha no centro do seu discurso valores religiosos, o teatro
renascentista buscará nas sociedades gregas e romanas questões de caráter:

a) ( ) Bíblico.
b) ( ) Materialista.
c) ( ) Humanista.
d) ( ) Erudito.

2 Entre as principais características do teatro renascentista, temos: o uso de


uma linguagem coloquial, o tratamento popular e cômico de temas da vida
privada, uma maior movimentação dos intérpretes e uma retomada do
antropocentrismo, no qual os conflitos humanos passam a ter prioridade
na trama. Embora o teatro no período da renascença tenha o humanismo
como uma característica comum, ele se estabeleceu em países distintos da
Europa. Diante do exposto, analise as sentenças a seguir:

I- O antropocentrismo privilegia a condição humana na trama.


II- Tem temáticas diversas, retratadas em comédias e dramas.
III- Os personagens são complexos bem caracterizados, usam linguagem
coloquial.
IV- O ambiente privado ganha contornos sociais.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Somente a sentença I está correta.
b) ( ) As sentenças I e II e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças II, III e IV estão corretas.
d) ( ) Todas as sentenças estão corretas.

3 Considerado o maior dramaturgo da literatura mundial, o poeta nacional


da Inglaterra, William Shakespeare, concebeu em torno de 37 peças, entre
as quais constam comédias, peças históricas e tragédias. Entre outras, fazem
parte das obras Shakespearianas:

I- As peças cômicas – As Comédias dos Erros, Os Dois Cavalheiros de Verona,


Sonho de Uma Noite de Verão, O Mercador de Veneza, Muito Barulho Por
Nada, Cimbelino, Noite de Reis, Como Quiserdes, A Megera Domada.
II- Os dramas históricos – Ricardo II, Ricardo III, vários fragmentos de
Henrique IV e VI, além de Henrique V e VIII, Rei João e Eduardo III.
III- As tragicomédias – A Tempestade, Rei Lear, “Vênus e Adônis” e “O
Estupro de Lucrécia”.
IV- As tragédias: Romeu e Julieta, A Tempestade, Júlio César, Antônio e
Cleópatra, Hamlet, Otelo, Rei Lear, Macbeth.

108
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As sentenças I, II e IV estão corretas.
b) ( ) As sentenças I e III e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças II, III e IV estão corretas.
d) ( ) Todas As sentenças estão corretas.

109
110
TÓPICO 4 —
UNIDADE 2

OUTRAS TEATRALIDADES EUROPEIAS

1 INTRODUÇÃO
Na Europa, entre o século XVI e a primeira metade do século XIX, uma
série de manifestações teatrais com características distintas foram agrupadas em
movimentos com denominações diversificadas, entre os quais temos, no século
XVII: o século de Ouro da dramaturgia espanhola e o Classicismo Francês; no
século XVIII o Classicismo e o Romantismo Alemão, e o Realismo em países
europeus distintos em meados do século XIX.

O século de Ouro Espanhol foi caracterizado por produções realizadas


entre o renascimento e o barroco espanhol. De caráter popular e muito autênticas,
essas produções desprezavam as normas de escrita culta do teatro clássico.

O número de peças escritas nesse período impactará a dramaturgia


espanhola. O lirismo de Lope de Vega, autor de 520 obras, lhe rendeu o título
nacional de criador do teatro espanhol, construindo personagens que se tornaram
fixos na dramaturgia nacional.

No entanto, caberá a Calderon de la Brarca, o reconhecimento como autor de


maior êxito na Espanha desse período. O título se deve ao acabamento impresso
na escrita de suas comédias de intrigas, peças filosóficas e dramas.

O teatro clássico Francês (século XVII) teve como alvo os frequentadores


da Corte de Versalhes da cidade de Paris, um público sofisticado acostumados
com uma dramaturgia que empregasse a linguagem culta e o rigor de uma
escrita coerente, que observasse as unidades de tempo, espaço e ação, segundo a
interpretação do período feita da obra "A Poética" de Aristóteles. Dois estilos irão
se destacar dentro do estilo Clássico Francês: a Tragédia dos autores Corneille e
Racine e a sofisticada e a comédia de Molière com suas sofisticadas análises do
caráter da França de sua época.

Em oposição a tentativa de retomar os paradigmas da escrita nos moldes


greco-romanos do Teatro Clássico Francês e com a justificativa que se tratava de
novos tempos e uma nova realidade, surge na Alemanha entre os anos de 1770 à
1785 um movimento denominado Classicismo Alemão que terá entre seus autores
intelectuais tais como Goethe, Lenz e Schiller.

111
UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

Ainda, com o objetivo de se opor às regras normativas da escrita nos


moldes clássicos, surge o Romantismo, um movimento que teve como objetivo
valorizar a emoção em detrimento a razão, a subjetividade e a liberdade criativa
de autores da França e da Alemanha.

Durante a primeira metade do século XIX, o Realismo surge inicialmente


para se contrapor à ideia de "Liberdade na arte" promovida pelo movimento do
Romantismo. Para os autores realistas, a realidade tem elementos materiais que
independem da subjetividade de quem os retrata. O lema nesse movimento passa a
ser: "é belo se é real" e isso permite o uso de uma linguagem coloquial, que abrangesse
todo núcleo familiar, incluindo as especificidades dos discursos regionais.

Além de autores tais como: Henrik Ibsen, Oscar Wilde, Bernard Shaw, Anton
Tchekhov o teatro realismo motivou a elaboração do sistema de interpretação
teatral do Russo Constantin Stanislavski a fim de conferir fé cênica necessária às
novas formas de retratar a realidade na cena.

2 O SÉCULO DE OURO ESPANHOL


No século XVI, o teatro na Espanha, ainda era feito por atores ambulantes,
que apresentavam suas peças (alegorias compostas por antiguidades e
cristianismo) e seus figurinos brilhantes, nos festivais de teatro, que ocorriam por
volta da comemoração de Corpus Christis, nas praças das cidades.

O espiritual e o mundano, embora contrastantes, estavam presentes


tanto nos cortejos barrocos, como nas peças teatrais, no simbolismo dos “autos
sacramentais” ou no realismo, com o objetivo de edificar a religião católica e
combater a Reforma Protestante.

O Teatro espanhol trouxe elementos humanistas adaptando os preceitos


da fé, disfarçando e mesclando os sacramentos com fábulas e minimizando o
pecado. No entanto, a Igreja mesmo abrindo espaço para arte, ainda possuía o
poder de censura. As peças eram impressas com os interlúdios (entremeses) e
loas, e distribuídas em centenas de exemplares. Tinham de passar pela censura da
Inquisição, o que não impedia os autores de satirizar as autoridades eclesiásticas,
as instituições e ao fanatismo religioso.

A luta da comunidade teatral é descrita pela pesquisadora Margot Berthold


da seguinte forma: “Agora, assim como os generais espanhóis estavam lutando
pelo ouro e os missionários jesuítas, pelas almas dos índios, o teatro também não
ficava atrás” (BERTHOLD, 2001, p. 368).

Os atores itinerantes espanhóis, começam a buscar lugares fixos para


apresentar suas peças (uma sede) em busca de uma remuneração mais vantajosa.
As irmandades religiosas se interessaram em disponibilizar e organizar estes
espaços (corrales) para o público, que contribuíram com doações para suas obras
de caridades e assim eles teriam controle sobre as apresentações.
112
TÓPICO 4 — OUTRAS TEATRALIDADES EUROPEIAS

Em Madri, a Cofradía de la Pasión manteve esses corrales (1565), um na


Calle deI Sol e outro na Calle del Príncipe; em 1574 a Cofradía de la Soledad
abriu seu Corral de Burguillos. Valência tinha um teatro-corral desde 1583, e em
Sevilha há registros de seguidas representações num “CorraI de Dona Elvira” no
ano de 1579.

Nesta época, o siglo de oro, (entre os anos de 1580 a 1680), o teatro corral
espanhol ainda era provisório e rudimentar, ao ar livre e cercado de muros das
casas, em um palco que poderia ser montado e desmontado de forma rápida. O
tablado era montado em um pátio, as cortinas separavam os camarins e servia de
fundo para o palco, os balcões e galerias das casas da frente eram usados como
um palco superior e os das casas laterais serviam de camarotes para as senhoras
(Cazuela), que no século XVII seria acrescentado ao lado do palco, os nobres
sentavam-se em fileiras em frente ao palco e os homens do povo (mosqueteiros)
ficavam nas arenas, os palcos ainda contavam com uma escada que conectava os
cenários e as peças eram apresentadas sob iluminação natural.

O teatro barroco espanhol continuava muito ligado à tradição medieval,


nas representações e nos temas, com poucos elementos e recursos cênicos, seu
crescimento se deu através da poesia.

Lope de Vega, em 1575, aos trinta anos, começou a escrever peças, trouxe
o teatro para a Renascença. Ele produziu mil e quinhentas obras dramáticas, das
quais quinhentas, aproximadamente, estão conservadas, incluindo roteiros para
os "Corpus Christi". Na encenação de "Corpus Christi de Araucana", caracterizou
o Filho de Deus como um chefe indígena sul-americano, além de uma série de
comédias de capa y espada e a exaltação a Espanha, que caracterizaram sua obra.

FIGURA 19 – LOPE DE VEIGA

FONTE: <https://bit.ly/3kxg5hd>. Acesso em 3 set. 2021.

113
UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

Em suas “peças de honra”, um pai ou irmão, defende a virtude da donzela


da família, mas nas peças de capa e espada, os duelos verbais ou armados, são
característicos, assim como a presença de um "Gracioso" (personagem que se
torna fixo na dramaturgia Castelã) representando um alívio cômico à trama.

Gabriel Téllez, foi um monge, que escreveu peças a partir do ano de 1624
sob o pseudônimo de Tirso de Molina. Seguidor do estilo Lope da Vega, seus
personagens eram desenvolvidos com preciso conhecimento humano. Escreveu:
“Don Gil de las Calzas Verdes" (Dom Gil dos Calções Verdes) – em que uma mulher
desafia seu papel na sociedade. “El Burlador de Sevilla" (O Burlador de Sevilha),
peça que apresenta o personagem D Juan Tenório, que teria representado o homem
conquistador em outras tantas obras. Em "A Sapatilha de Cetim” retoma o estilo
formal do teatro barroco espanhol, dividindo as peças em jornadas de um dia.

Guillén de Castro autor de "Las Mocedades del Cid", drama épico que fez
uso da grandeza poética, característica do barroco, para superar as limitações do
palco corral.

Juan Ruiz de Alarcón, dramaturgo que apresentou a comédia de costumes


para Espanha, sua principal obra foi "La Verdad Sospechosa" (Verdade Suspeita).

No século XVII, os artifícios cênicos e engenhosidades mecânicas, usados


em outros países, substitui o palco-corral, assim os textos ricos e bem elaborados,
deixaram de ser a principal característica das peças, para deleite da plateia e
desgosto dos autores, uma vez que nem todos se adaptaram.

Pedro Calderón de la Barca, foi um dramaturgo de sucesso, diretor de teatro


versátil, aristocrata bem formado, dedicado à igreja, ao rei e à nação, dono de
um texto criativo, fez uso dos mecanismos cênicos em suas apresentações sem
prejudicar a beleza do seu texto. Escreveu e dirigiu grandes autos sacramentais,
dramas filosóficos e comédias.

Na sua obra destacam-se: “La Vida es Suello" (A Vida é Sonho), "A Senhora
das Fadas”, “O Juiz” “Alcalde de Zalamea”, “O Príncipe Constante”, “EI Gran
Teatro dei Mundo" (O Grande Teatro do” Mundo), “EI Golfo de las Sirenas" (O Golfo
das Sereias), onde apresenta zarzuela (gênero de comédia musical espanhola do
século XVII, vigente até o século XX) e a "El Mayor Encanto Amor" (Amor, o Maior
Feiticeiro ).

3 A TRAGÉDIA CLÁSSICA FRANCESA


A discussão é descrita em a Pratique du Théâtre (Prática do Teatro) do abade
François Hédelin d' Aubignac, sobre a questão do tempo, da ação e da reação
dramática e aos trânsitos dos espaços da cena que o dramaturgo deveria conceber
em suas peças. No mesmo período o cardeal Richelieu, fundou a Sociedade dos
Cinco Autores, para investigar e experimentar as regras teóricas em um trabalho

114
TÓPICO 4 — OUTRAS TEATRALIDADES EUROPEIAS

conjunto, o grupo escreveria em conjunto peças sobre um tema dado, sendo que
cada autor produziria um ato, estritamente de acordo com a regra aristotélica das
três unidades.

E
IMPORTANT

Na França, no século XVII, intelectuais e eruditos debatiam sobre a regra das


três unidades (ação, lugar e tempo), estabelecida em a “Poética” de Aristóteles, quanto à
obrigatoriedade e à intensidade do uso das unidades de lugar e de tempo. Em meio a essas
controvérsias se desenvolveu a tragédie classique francesa.

Pierre Corneille, autor do sucesso parisiense de 1629 "Mélite ou les Fausses


Lettres" (Mélite ou as Cartas Falsas), peça que rendeu ao dramaturgo a indicação
para participar da Sociedade dos Cinco Autores, foi um dos eleitos para contribuir
com o projeto do cardeal Richelieu e se manteve dentro das especificações do
estilo clássico, na “Comédie des Tuileries” (1635) e na tragédia “Médée" (Medeia).

Em 1636, inspirado pela peça espanhola “Mocedades del Cid“ (Guillén


de Castro), Corneille criou Le Cid, um herói apaixonado, com grande espírito
de luta e coragem, com uma linguagem poética inédita, que transgrediu os
limites da estética clássica, foi um grande sucesso de público, porém objeto de
crítica e censura dos outros dramaturgos. As mudanças apresentadas na peça,
foram consideradas ofensivas, o autor e sua obra foram condenados e banidos
dos eventos teatrais de Paris, não participando das inovações (mecanismos e
transformações dos elementos cênicos, com inclusão de maquinaria, iluminação
e decoração) característicos do período barroco.

Em 1647 foi admitido na Academia Francesa de Arte, depois de ter


voltado aos princípios acadêmicos, nos dramas históricos “Horace", "Cinna” e
“Polyeucte”. Sua "Andromede" foi encenada em Paris no Petit Bourbon, em 1650,
reaproveitando os adereços cênicos da Ópera Orfeu de 1647, criados por Torelli,
criando uma contradição de estilos.

Em "Discours des Tm is Unités'' (Discurso das Três Unidades) e na


autocrítica “Examen” incluída na edição de 1660 suas obras completas, o autor
defende a linguagem culta (versos alexandrinos) e bem construída (com métrica
conservadora).

Sua obra posterior segue com as regras clássicas. Embora, com relação às
inovações mecânicas, os elementos de palco e de cenários, bem como a riqueza
dos figurinos, faça uso das características barrocas. Durante anos buscou se tornar
o mestre da tragédie classique.

115
UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

Jean Racine estreou como dramaturgo em 1664 com a “La Thebaud" (A


Tebaida ) em 1664 e “Alexandre le Grand'' (Alexandre, o Grande) em 1665, devido
ao empresário teatral e dramaturgo Molière.

FIGURA 20 – ANDROMÂCA DE RACINE

FONTE: <https://bit.ly/3CHPqUX>. Acesso em: 3 set. 2021.

“Andromaque” (Andrômaca) e os dramas posteriores, em razão de


controvérsias e rivalidades, seriam entregues à companhia do Hôtel de Bourgogne,
onde fiel a métrica e a estrutura das três unidades, apresentou seus personagens
com profundidade psicológica, conforme comentário realizado por Margot
Berthold acerca da obra do autor: "Racine percorre a gama de sua experiência
moral e artística.”

Em 1689, ele escreveu a tragédia bíblica "Esther" para a Maison de Saint


Cyr, em 1691 escreveu "Athalie", uma tragédia baseada no Livro dos Reis.
Durante décadas do século XVII o teatro barroco francês teve como característica
a tragédia clássica.

Em 1658, Molière apresenta-se, junto com seu grupo, no Louvre, diante


do rei Luiz XIV. Entre as peças eleitas para as apresentações à corte, estavam
“Nicomede de Corneille''. Enquanto "Nicomede de Corneille" desagradou a realeza, a
farsa "Le Dépit Amoureux” (A Decepção Amorosa), peça em que próprio Molière
foi autor e intérprete, foi um grande sucesso, que transformou o soberano em
patrono do teatro, cedendo a Molière, em 1661, o teatro do Palais Royal, outrora o
Palais Cardinal de Richelieu, onde o autor criou e foi mestre da comédia clássica
francesa. No mesmo ano, foi apresentada a "École des Maris" (Escola de Maridos),
inspirada em Terêncio, em 1662 foi a vez da "Escola de Mulheres'', elaborada
unicamente com seu talento e criatividade.

116
TÓPICO 4 — OUTRAS TEATRALIDADES EUROPEIAS

Durante os próximos dez anos, Molière escreveu vários sucessos, com


críticas sociais e morais, inspirado na Commedia Dell’arte, deu vida a personagens
típicos do teatro de improviso, que são recriados com maior sensibilidade e
individualidade, criando o teatro de caracteres. Como, observa-se em “O Tartufo”,
"O Misantropo”, “O Avarento'' e "O Doente Imaginário''.

FIGURA 21 – PINTURA : MOLIÈRE, EM JANTAR COM LUÍS XIV (1857), OBRA DE AUGUSTE
DOMINIQUE INGRES.

FONTE: <https://bit.ly/2XJ18PX>. Acesso em: 4 set. 2021.

O autor também atuou em mais de trinta papéis em suas peças, até o dia
17 de fevereiro de 1673, quando atuando como Argan, em "O Doente Imaginário",
teve um colapso no palco e morreu.

Na Alemanha, intelectuais de primeira grandeza, tais como: Goethe,


Lenz e Schiller iniciam uma campanha de oposição às normas de escrita vigente
nos moldes greco-romanos, desenvolvidos na dramaturgia clássica francesa.
Esses autores reivindicavam uma escrita que conseguisse retratar os temas e as
expressividades do seu período (1770 a 1785). Esse movimento ficou conhecido
como Classicismo de Weimar.

Nesse período Goethe produz "Fausto", o drama do homem moderno,


considerada umas das obras mais importantes da literatura Alemã, que recebeu
versões de outros dramaturgos: Christopher Marlowe escreve "Tragical history of
doctor Faustus" em 1604 e Lessing produz sua versão da obra entre os anos de 1755
e 1775.

Com "Fausto", Goethe encerra sua fase pré-romântica, e passa a se destacar


como um dos autores mais significativos do romantismo, como veremos a seguir.

117
UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

4 O ROMANTISMO ALEMÃO
No século XVIII, surge na Alemanha, um movimento que rejeitava a visão
clássica do teatro e se opõe ao absolutismo e a favor da rebeldia.

ATENCAO

A teoria teatral do período constituiu uma oposição às regras previstas pelo


classicismo, se opondo mais especificamente à “tragédia clássica francesa". Essa oposição
ficou materializada nos ideais de um movimento denominado Romantismo.

E
IMPORTANT

Ao contrário do uso mais convencional do termo, o romantismo enquanto


movimento, tem um caráter utópico e revolucionário, configurado na personalização de
heróis pouco reais.

O teatro romântico, também conhecido como drama romântico, propunha


uma liberdade de escrita, na qual cada autor poderia retratar o mundo por meio
da sua própria subjetividade, valorizando enredos nos quais as emoções se
sobrepunham ao racionalismo.

Gotthold Ephraim Lessing precedeu Goethe no teatro, trazendo liberdade e


idealismo para a dramaturgia Alemã. Em 1749 escreve "O Jovem Sábio", uma
sátira, para provar que pode superar o teatro francês, porém sem forma ou
conteúdo. Em 1754 com "Miss Sarah Sampson" supera a tragédia burguesa, com
um drama alemão sobre a vida real escrito em linguagem coloquial, fora dos
moldes requintados da época.

Suas duas últimas peças foram "Emília Galotti", publicada em 1772, e


constitui uma crítica ao autoritarismo alemão, e ainda "Natã o Sábio" de 1779,
onde vai pregar a tolerância religiosa.

Um dos maiores escritores desta era foi Johann Wolfgang von Goethe.
Nascido de família rica, teve uma excelente educação, frequentou algumas
universidades. Ficou conhecido por sua sensibilidade e capacidade de viver de
forma apaixonada, embora não se imaginasse casado.

118
TÓPICO 4 — OUTRAS TEATRALIDADES EUROPEIAS

Sua primeira tragédia, "Goetz von Berlichingen", escrita em 1771, inova


com a apresentação da revolta contra o cotidiano e a busca da perfeição. Depois,
em 1774 surge "Os Sofrimentos do Jovem Werther" e no mesmo ano "Clavigo",
peças menos relevantes que suas grandes obras, e ainda "Stella", em 1775.

Goethe acreditava ser função da arte a educação das massas. Usava linguagem
métrica para alcançar uma estrutura ordenada dos versos, tal como encontramos no
romance "Wilhelm Meister" e dos dramas "Iphigenie" (1779), "Egmont" e "Tasso"
e, principalmente na supracitada obra "Fausto", produção pré- romântica, cuja
temática Goethe dedicou-se por sessenta anos (1772 à 1832), até alcançar o que o
dramaturgo reconheceu, como sendo a "essência de uma vida". Quando pretendia
incitar os atores saírem estilo rotineiro e fazê-los interpretar com sofisticação.

FIGURA 22 – FAUSTO DE GOETHE (CARTAZ DE RICHARD ROLAND HOLST)

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/07/Goethe%27s_Faust.jpeg>.
Acesso em: 3 set. 2021.

Embora o autor tenha se dedicado ao tema em um período anterior,


atribui-se o período de escrita de "Fausto" apenas ao período entre 1808 e 1832.
De forma sintética é possível dizer que "Fausto" é um drama épico, um registro de
cinquenta anos de história da Europa, relatando o existencialismo e a busca pelo
conhecimento, pelo significado e objetivo da vida.

DICAS

Para saber mais sobre Fausto, de Goethe, confira esse artigo da revista Cult:
https://revistacult.uol.com.br/home/fausto-a-busca-pelo-absoluto/.

119
UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

Schiller produz em 1781, "Os Salteadores", peça que retrata a luta do bem,
representado pelo nobre Karl Moor, contra o mal, personificado na figura do seu
irmão criminoso. Na trama o herói foge para a floresta e se junta a marginais, para
tirar dinheiro de ricos hipócritas e reparti-lo com os pobres.

Na sequência, Schiller produz os seguintes textos dramatúrgicos: "Fiesco"


(1782), "Kabale und Liebe" (Intriga e Amor) em 1783, "Hino à Alegria" e "Don Carlos''.

Em 1788 escreve sua trilogia de maior sucesso: "Lager" (O Acampamento


de Wallenstein), "Os Piccolomini" e "A Morte de Wallenstein", onde dramatiza
as dúvidas de um general da Guerra dos trinta anos, que pretende abandonar
a fé católica e fundar um reino independente na Boêmia, traído e assassinado
pelo amigo Piccolomini, que é o pai de um jovem idealista e noivo da filha de
Wallenstein.

Em 1800, escreve "Maria Stuart'', ainda com personagens substanciais


e algum realismo. Entretanto, em "Die Tung- frau von Orleans" (A Donzela de
Orléans), de 1801, parece abandonar a profundidade do enredo e da caracterização
dos personagens.

Em "Die Braut von Messina" (A Noiva de Messina), o autor escreve com


talento um drama de destino e sua última peça "Wilhelm Tell" (Guilherme Tell),
escrita em 1804, representando um resumo de todas suas qualidades e defeitos de
Schiller como dramaturgo.

5 O REALISMO
O Teatro realista surge como oposição ao drama romântico, rompendo
com as idealizações. Pessoas do povo, em tramas envolvendo o engajamento
social em linguagem coloquial e por vez repleta de regionalismos surgem em
detrimento aos heróis idealizados e nobres.

E
IMPORTANT

Em meados do século XIX, surge a necessidade de discutir sobre os homens,


seu cotidiano, seu meio ambiente e a sua relação com a sociedade, retratando de forma
objetiva a realidade.

120
TÓPICO 4 — OUTRAS TEATRALIDADES EUROPEIAS

FIGURA 23 – LITOGRAFIA (1890-1910)

FONTE:<https://bit.ly/2XEa756>. Acesso em: 3 set. 2021.

Alexandre Dumas Filho manifesta através de seus dramas, como em


"A dama das Camélias" publicada em 1852, um realismo descritivo, ao qual
acrescenta uma crítica social, em "Le Demi Monde" (O Mundo Escuso), de 1855.
"A Question d'Argent" (A Questão de Dinheiro) de 1857, aborda a necessidade de
alguns homens de enriquecer, não importando de que maneira. Escreveu sobre a
ilegitimidade em "Le Fils Naturel" .

(Filho Natural), e sobre as mulheres em "Les Idées de Madame Aubray" (As


Ideias da Madame Aubray).

O francês Augier, escreveu entre 1844 e 1878, foi autor de “Gabrielle” e”


O Casamento de Olímpia'', onde descreve sem sentimentalismo, o que acontecia
nas ruas de Paris.

Suas peças advertiram as pessoas ingênuas sobre a vilania e os vícios


da sociedade. Em "Les Lionnes Pauvres" (As Leoas Pobres), alertava contra a
complacência doméstica; em "La Jeunesse" (A Juventude), demonstra as armadilhas
da cobiça; em "Les Effrontes" (Os Impudentes), atacava a imprensa; em "Contagion"
(Contágio), criticou a falta de fé e a descrença religiosa.

Ainda no século XVIII, o crítico alemão Lessing, preocupado com a


qualidade das interpretações, dizia que temos atores, no entanto, não temos
“arte de representar”. A novas possibilidades de iluminação teatral, além
da dramaturgia mais realista solicitava uma forma mais científica e crível de
interpretação (FRANK, 2003).
121
UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

Nesse contexto o Sistema do russo Constantin Stanislavski (1863- 1938)


revoluciona o fazer artístico do ator, conclamando os intérpretes a uma observação
mais apurada da realidade e um estudo aprofundado das ações internas e externas
a serem representadas.

FIGURA 24 – STANISLAVSKI, O REFORMULADOR DA ARTE DO INTÉRPRETE

FONTE: <https://www.escritas.org/autores/constantin-stanislavski.webp>. Acesso em: 3 set. 2021.

Além de ser ator, diretor e teórico, Stanislavski (1989) escreve um série de


obras, publicadas em vários países do Ocidente, com versões distintas, destinadas
a fomentar o trabalho do ator e conduzi-lo a uma verdade cênica na elaboração
dos personagens. Sua obra influenciou muitas gerações de atores e diretores,
entre os quais destacamos: Lee Strasberg, Meyerhold, Grotowski, Viola Spolin e Peter
Brook.

No Brasil, as obras "Minha vida na arte", "A preparação do ator", "A


construção da personagem" e a "Criação do papel" tornaram-se referências
fundamentais para a formação dos intérpretes de teatro. Em suas obras, Stanislavski
deixa uma série de contribuições valorosas, mudando os paradigmas da arte de
atuar, com orientações objetivas e profundas, tais como: "Aprendam a amar a arte
em vocês mesmos, e não vocês mesmos na arte".

A obra de Stanislavski será extremamente importante não apenas para a


interpretação realista como também para o naturalismo, onde veremos com mais
detalhes seu sistema.

122
TÓPICO 4 — OUTRAS TEATRALIDADES EUROPEIAS

LEITURA COMPLEMENTAR

O CONTEXTO EUROPEU DE FORMAÇÃO E ATUAÇÃO NA PASSAGEM


DO SÉCULO XIX PARA O XX

Umberto Cerasoli

Na Europa do final do século XIX, o modelo dominante de atuação era


caracterizado pelo representar. Dentro desse modelo, a interpretação baseava-
se em um conjunto limitado de códigos, poses e gestos que correspondiam a
determinados sentimentos e situações. Assim, para cada sentimento ou estado
que o intérprete desejasse representar, havia um gesto ou pose correspondente.
Tais códigos foram definidos pelos atores mais experientes e por suas companhias,
sendo transmitidos de geração a geração. Dessa forma, segundo esta tradição
de interpretação, bastava o ator reproduzir tais poses e atitudes nas situações
adequadas e a “personagem” estava pronta.

Como lembra Nicolau Evreinoff (apud ASLAN, 1994, p. 135) na Rússia, no


tempo de Pedro, o Grande, o ator colocava o público a par de seu estado afetivo e
depois se exprimia com gestos demonstrativos: por exemplo, “para traduzir a cólera
rasgava as vestes, ia e vinha como uma fera enjaulada, virava os olhos furibundos”.

Para a historiadora do teatro Odete Aslan (1994), nesse período, o escasso


número de ensaios e a alta rotatividade dos espetáculos incitavam os atores a
basearem suas interpretações em estereótipos. Outro recurso bastante em voga,
ainda segundo essa historiadora, era o apelo à dramaticidade desmedida:
“Declamavam com ênfase e sorviam por vezes na embriaguez do gênio da
inspiração. Exteriorizavam-se até a histeria, abandonando-se ao gesto eslavo do
sofrimento, utilizando efeitos fáceis, derramando suas lágrimas com abundância”
(ASLAN, 1994, p. 72).

Quanto ao modelo de produção teatral vigente na época, pode-se dizer


que, em diversos casos, a produção teatral foi baseada em companhias teatrais
familiares e itinerantes. Sobre esse modelo, Grotowski (2007, p. 222) lembra que
nas companhias da Europa central e oriental,
[...] o pai e a mãe eram atores, o velho tio era o diretor, mesmo se na
realidade a sua função se limitasse a indicar aos atores: “você deve
entrar por esta porta e sentar-se naquela cadeira”, além disso cuidava
dos detalhes do figurino e dos acessórios quando era necessário. O
sobrinho era ator e, quando se casava, a mulher também tornava-se
atriz; se depois chegava um amigo, se unia à família teatral. Essas
famílias tinham um brevíssimo período de ensaios, mais ou menos
cinco dias, para preparar uma novidade. Assim os atores daquele
tempo tinham desenvolvido uma memória prodigiosa: aprendiam o
texto com grande rapidez e em poucos dias eram capazes de dizê-lo
de cor. Mas, visto que às vezes se confundiam, era necessário o ponto.

123
UNIDADE 2 — DO MEDIEVAL AO SÉCULO XIX

Outra característica marcante desse teatro foi a especialização dos papéis


segundo tipos pré-estabelecidos: o vilão, o herói, o galã, a dama centro etc. Assim,
no interior das companhias teatrais, cada ator dominava o conjunto específico
de códigos e “clichês” necessários para a representação do seu papel-tipo. Essa
especialização do trabalho do ator segundo papéis dramáticos permitia às
companhias teatrais da época uma grande agilidade na preparação de “novas”
montagens, fato decisivo para a sobrevivência das companhias que dependiam
da constante renovação dos repertórios para atrair público e fazer bilheteria.
Entretanto, essas montagens, se bem observadas, quase sempre giravam em torno
das mesmas personagens e das mesmas situações dramáticas – não passando, em
sua grande maioria, de variações sobre temas e situações recorrentes.

Já no que se refere à organização das companhias teatrais, pode-se dizer


que quase sempre estavam organizadas hierarquicamente de forma vertical a
partir do seu primeiro-ator, normalmente ocupante do posto de maior destaque
nas companhias. A esse ator cabia, por direito, a representação dos papéis
principais e, quando este ator obtinha alguma fama e reconhecimento junto ao
público, tornava-se a “vedete” da companhia – posição que lhe garantia uma
série de regalias e privilégios, dentro e fora de cena.

No teatro europeu de então, grandes vedetes movimentavam a cena teatral


e garantiam o sucesso comercial de suas companhias. Personalidades como Sarah
Bernhardt, Julia Bartet, Mounet-Sully e Réjane (na França); Ellen Terry e Henry
Irving (na Inglaterra); Eleonora Duse (na Itália), foram conhecidas como “monstros
sagrados” do teatro de seu tempo e gozavam de grande fama e popularidade.

Apoiada sobre uma elaborada técnica pessoal de interpretação,


geralmente “vocal”, já que a ênfase da atuação estava na declamação dos papéis,
a interpretação destes grandes atores estava quase que inteiramente baseada no
poder de arrebatamento carismático de suas personalidades em cena. Assim, toda
uma “cultura” paralela aos palcos foi criada em torno da figura da vedete, que
passou a ser a principal responsável pelo sucesso ou fracasso de uma bilheteria.
Neste ponto, vale observar que o público afluía aos teatros para apreciar mais
o desempenho espetacular que o “talento” e “genialidade” que esses grandes
atores imprimiam as suas interpretações pessoais, do que propriamente para
apreciar esta ou aquela montagem deste ou daquele texto teatral em específico.

A preponderância da vedete em cena e o papel de destaque que ocupava


dentro das companhias contribuem para explicar a elevada dose de exibicionismo e
narcisismo presente em suas interpretações, outra característica marcante da época.
Essas qualidades peculiares das vedetes marcavam o teatro de então e constituíam
o grande chamariz das produções, o diferencial das montagens mais badaladas.

Por fim, resta observar que, dada a natureza da personalidade da vedete


ser completamente rebelde à ideia de submeter-se à disciplina predeterminada
por uma direção externa, a arte do monstro sagrado fazia com que ele fosse quase
sempre o seu próprio diretor. Muitas vedetes eram, inclusive, elas mesmas as
proprietárias de suas companhias.

124
TÓPICO 4 — OUTRAS TEATRALIDADES EUROPEIAS

Já no que se refere à formação do ator na França, Odete Aslan destaca a


existência de duas “escolas” no período. A escola do “Conservatório” que, por
estar voltada à formação de intérpretes para os papéis clássicos da Comédie-
Française, iniciava seus alunos dentro da tradição do “falar bem” e do “colocar-se
bem” em cena herdada dos seus grandes atores. E a “escola da vida” que formava
seus atores a partir da experiência prática que obtinham através de “Figurações”,
“pontas”, “substituições” e finalmente papéis. Como lembra Aslan (1994, p. 3):

As marcações eram simples: levantar-se, dar três passos à frente para


proferir uma fala diante do ponto (Dullin reconhecia ter aprendido tudo na
escola do Melodrama). As personagens correspondiam a tipos convencionais. Em
suma, era preciso somente dizer o texto com certa desenvoltura e conhecer alguns
truques para “tirar efeitos”.

Assim, dentro desse modelo de formação, ao aprendiz não havia outra


saída senão escolher entre o respeito a uma tradição instituída e formalizada ou a
aventurar-se no empirismo mais desenvolvido. Em ambas as escolas, entretanto,
a ênfase da formação recaia sobre o poder de persuasão da oratória e sobre o
refinamento da gestualidade do ator. Também aqui ficou evidente a influência
do modelo de interpretação adotado pelas vedetes sobre a formação dos jovens
atores, que se dedicavam a uma aprendizagem por espelhamento dos grandes
nomes do teatro da época.

Como vimos até aqui, o grande modelo de atuação vigente na Europa do


final do século XIX era o da representação, modelo este amparado no largo uso
de “clichês” e na construção de personagens-tipo estereotipados e exteriorizados.
Com os holofotes direcionados sobre a figura do ator-vedete, sua forma de
atuação, além de reforçar ainda mais o estilo de representação “carregada” e
“afetada”, representou o grande modelo segundo o qual se iniciavam os jovens
atores – um modelo baseado nos valores românticos da inspiração, do talento e
da genialidade, ou seja, em “valores” exclusivamente ligados à personalidade
nata do ator. Ao diretor cabia o papel, quando existia, de organizador da cena.

No que se refere ao grau de domínio técnico do ator sobre o seu


instrumento de trabalho, o oficio do ator, enquanto artista criador, estava longe
de se equiparar ao do pintor, ao do artesão ou ao do escultor, pois, como descrito
acima, sua criação estava baseada em valores pouco objetivos e controláveis.
Pode-se mesmo pensar que, para o ator, a dimensão “artística” de sua profissão
(pelo menos no sentido que hoje adquiriu a conotação da palavra artista) era
de pouca relevância. Mesmo ao Teatro cabia um papel menor dentro das Artes,
quase sempre subalterno à Literatura.

FONTE: <https://www.revistas.usp.br/aspas/article/download/62862/65639>. Acesso em: 3 set. 2021.

125
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• O século de Ouro da dramaturgia espanhola, o Classicismo Francês, I o


Classicismo Alemão, o Romantismo e o Realismo foram movimentos distintos,
desenvolvidos na Europa por oposição, ou em defesa das normas clássicas
dramatúrgicas, entre os séculos XVII e a primeira metade do século XIX.

• No século XVII, o apogeu criativo, em obras populares e autênticas dos


autores do renascimento e do barroco espanhol, entre os quais se destacam
Lope de Vega e Calderón de la Barca, marcaram o período como o século de
Ouro do teatro Espanhol.

• Na França, os autores Corneille, Racine e o cômico Molière representaram a


exceção de um teatro que pretendia romper com as normas clássicas. Suas
obras atenderam às necessidades culturais da realeza e de nobres por meio de
uma linguagem culta e bem construída.

• Na Alemanha, o classicismo ficará a cargo de intelectuais tais como: Goethe,


Lenz e Schiller.

• Em oposição às normas do classicismo, o Romantismo conclamou a


subjetividade dos artistas na representação do mundo.

• Em meados do século XIX, o Realismo surge como oposição ao emprego da


emoção do Romantismo, solicitando a retratação objetiva da realidade.

• Com o realismo, a necessidade de uma interpretação mais crível será o mote


para a elaboração do Sistema Stanislavski, destinado à formação e à atuação
dos intérpretes. Nessa perspectiva os atores passam a ser coautores na
construção dos personagens sugeridos pela dramaturgia textual.

CHAMADA

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126
AUTOATIVIDADE

1 Boa parte dos movimentos europeus que surgiram entre os séculos


XVII e XIX tinham como característica a oposição aos padrões de escrita
dramatúrgica previstos em movimentos anteriores bastante tradicionais. A
poética aristotélica, por exemplo, nos ensina que um texto dramatúrgico
coeso deve observar as unidades de tempo, de ação e de espaço. Qual
movimento desse período se manteve fiel às normas da "boa escrita cênica"?

a) ( ) O Romantismo.
b) ( ) O Realismo.
c) ( ) O Classicismo.
d) ( ) O Barroco Espanhol.

2 O período Realista coincidiu com a existência de uma sociedade


influenciada pelos ideais positivistas, que valorizavam a mentalidade
científica. Tais aspectos têm um grande vínculo com o sistema de formação
de atores preconizado por Constantin Stanislavski. Qual é a importância de
Stanislavski para o teatro?

3 Acerca do período Realista e das características que o definem, analise as


sentenças a seguir:

I- A temática realista costuma abordar as questões históricas, fatos sociais


contemporâneos de forma engajada.
II- No teatro realista a linguagem é coloquial, os autores buscam valorizar os
modos como o povo realmente fala adotando regionalismos.
III- No teatro realista os heróis geralmente, são pessoas comuns do povo.
IV- Entre os dramaturgos realistas que merecem destaque temos: na França
Alexandre Dumas, autor de “A Dama das Camélias”; o norueguês Henrik
Ibsen autor de “Casa de Bonecas”, na Rússia, Gorki, autor de “Ralé e Os
Pequenos Burgueses”; e na Alemanha Hauptmann, autor de “Os Tecelões”.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I, II e IV estão incorretas.
b) ( ) As sentenças I e III e IV estão corretas.
c) ( ) Todas as sentenças estão corretas.
d) ( ) As sentenças II, III e IV estão corretas.

127
REFERÊNCIAS
BERTHOLD, M. História Mundial do teatro. São Paulo: Perspectiva, 2001.

CERASOLI JÚNIOR, U. O contexto europeu de formação e atuação na


passagem do século XIX para o XX. Revista Aspas, n. 1, p. 179-187, 2011.
Disponível em: https://www.revistas.usp.br/aspas/article/view/62862. Acesso
em: 13 set. 2021.

FRANK, J. A forma espacial na literatura moderna. Revista USP, n. 58, p. 225-


241, 2003.Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/33863.
Acesso em: 13 set. 2021.

GASSNER, J. Mestres do teatro I. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1991.

KYD, T. The spanish tragedy. Manchester: Manchester University Press, 1977.

MATE, A. Evolução” do teatro medieval. Laboratório: portal teatro sem cortinas


história do teatro mundial (Idade Média). São Paulo: UNESP, 2016. Disponível
em: https://silo.tips/download/laboratorio-portal-teatro-sem-cortinas-historia-
do-teatro-mundial-idade-media. Acesso em: 13 set. 2021.

SCALA, F. A loucura de Isabella e outras comédias da Commedia dell'arte.


Tradução Roberta Barni. São Paulo: Iluminuras, 2003.

STANISLAVSKI, C. An actor prepares. Abingdon: Routledge, 1989.

TOLEDO, C. de A. A. de.; RUCKSTADTER, F. M. M.; RUCKSTADTER, V.


C. M. O teatro jesuítico na Europa e no brasil no século XVI. Revista histedbr
on-line, Campinas, n. 25, p. 33-43, mar. 2007. Disponível em: https://fe-old.
fe.unicamp.br/pf-fe/publicacao/4961/art03_25.pdf. Acesso em: 13 set. 2021.

VENDRAMINI, J. E. A commedia dell'arte e sua reoperacionalização. 2008.


Disponível em https://bit.ly/2XH9dEW. Acesso em: 13 set. 2021.

128
UNIDADE 3 —

A TEATRALIDADE NOS SÉCULOS XX


E XXI

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conhecer os novos paradigmas que o teatro naturalista imprimiu nos


modos de fazer e de fruir a cena;
• reconhecer as especificidades do Teatro Épico de Brecht;
• identificar as contribuições das Vanguardas para a cena contemporânea;
• reconhecer as características da cena contemporânea, bem como as
influências dos movimentos anteriores nos modos como lemos e
fazemos o teatro nos dias de hoje;
• identificar a potência das performatividades no contexto das artes
cênicas contemporâneas.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em cinco tópicos. No decorrer da
unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o
conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – O NATURALISMO

TÓPICO 2 – BRECHT E O "TEATRO ÉPICO"

TÓPICO 3 – VANGUARDAS TEATRAIS

TÓPICO 4 – TEATRO CONTEMPORÂNEO: PRINCIPAIS NOMES E


CARACTERÍSTICAS DA CENA DOS NOSSOS DIAS

TÓPICO 5 – TEATRO CONTEMPORÂNEO E PERFORMATIVIDADES

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

129
130
TÓPICO 1 —
UNIDADE 3

O NATURALISMO

1 INTRODUÇÃO
Alguns autores realistas importantes, à medida que atingiram o extremo
da objetividade, tornaram as suas descrições minuciosas, principalmente as de
caráter científico, que foram consideradas naturalistas. Se o Naturalismo pode
ser entendido como um exagero do Realismo, vale a pena recordamos que, no
realismo:

● a ambientação detalhada do espaço ficcional será de grande valor não apenas


para a estruturação da dramaturgia, mas para a construção das personagens,
pois no realismo os seres humanos são influenciados pelo meio;
● a compreensão do homem como fruto do seu meio confere ao o espectador/
leitor possibilidades de análise objetiva das personalidades representadas;
● a linguagem coloquial, será usada como mais um elemento da descrição
detalhada desse meio, incluindo os elementos regionais e familiares que
possam conferir credibilidade ao discurso;
● o realismo tem como meta retratar a realidade, em todos os seus detalhes, sem
edições do que se deve, ou não, materializar-se artisticamente. Desta forma,
a partir do realismo, costumes, assuntos, pessoas até então desconsideradas
são tematizadas cenicamente, com o objetivo de retratar a sociedade
contemporânea em movimento, com as especificidades de cada região.
o se o naturalismo potencializa os ideais realistas, no movimento naturalista
essas questões passam a ser tratadas com radicalidade. Assim, por exemplo,
a crueza da realidade e os aspectos desagradáveis da vida passam a figurar
como a principal temática do movimento naturalista.

Dentre os grandes nomes do Naturalismo no teatro, temos: Henry Becque


(1837-1899), Máximo Gorki (1868-1936) e Émile Zola (1840-1902), que, inclusive,
foi considerado o precursor do movimento tanto na literatura como no teatro, por
meio do manifesto “Naturalismo no Teatro”. Como vimos anteriormente, o russo
Constantin Stanislavski dedicou-se à arte da interpretação e da encenação e à
pedagogia da interpretação teatral. Sua imortalidade veio por meio do registro de
suas experiências como ator, diretor e professor, registradas em seus diários de
bordo e mais tarde em livros que a geração, pós-geração de atores permanecem
se beneficiando com o denominado “Sistema Stanislavski”.

Com as propostas do realismo cênico e a inclusão de um encenador nas


produções, além da melhoria da qualidade da iluminação nos teatros, a imitação
teatral passa ser inadequada e indesejada. Diante disso, tornou-se urgente a
131
UNIDADE 3 — A TEATRALIDADE NOS SÉCULOS XX E XXI

formação de atores capazes de construir e dar vida aos personagens. Segundo o


sistema de Stanislavski (1991), essa formação precisa estruturar-se em torno de
um trabalho físico, intelectual, espiritual e emocional, uma verdadeira filosofia
de vida, baseada na formação integral do humano, na observação minuciosa da
realidade e na apreciação de boas referências artística.

NOTA

Conforme tentamos demonstrar na leitura complementar da unidade anterior,


antes de Stanislavski, o trabalho dos atores, com raras exceções, tendia a reproduzir um
modo de falar, movimentos e gestos estereotipados para ilustrar as ações cênicas.

E
IMPORTANT

O final do século XIX foi próspero nas pesquisas científicas. Estudos sociológicos
comprovam a importância do meio na formação e no desenvolvimento do indivíduo. Houve
um crescimento significativo do pensamento científico, que resultou em novas descobertas
e novos recursos tecnológicos que possibilitam uma maior interatividade social.

ATENCAO

Caem as estruturas e amarras do teatro clássico. Alargam-se as fronteiras


geográficas e políticas, as ideias são compartilhadas e experimentadas em vários países,
quase que simultaneamente. O realismo e o naturalismo (movimentos representativos da
vida real) ganham destaque nos palcos franceses, alemães e ingleses.

O desenvolvimento da mobilidade e a utilização das diversas possibilidades


da iluminação elétrica (que preenche, reestrutura e anima os espaços cênicos),
trazem mudanças significativas que contribuíram para a evolução teatral.

Como vimos anteriormente, o evento teatral dependeu da aceitação da


aristocracia dos lugares em que se instaurava, fazendo com que uma série de
convenções dentro dos limites impostos pelo teatro clássico e não permitia o
diálogo direto com a maioria da população, considerada de classe subalterna.

132
TÓPICO 1 — O NATURALISMO

Em 1881, Émile Zola (1840-1902), em seu "Le Naturalisme au Théâtre''(O


Naturalismo no Teatro) traz uma crítica às leis do teatro clássico, às comédias
repletas de mentiras ridículas e propõe uma abordagem figurativa da realidade,
que seria o equivalente aos procedimentos de uma pesquisa científica em animais
humanos vivos.

FIGURA 1 – ÈMILE ZOLA

FONTE: <https://bit.ly/3kEDDks>. Acesso em: 31 jul. 2021.

No drama naturalista, a coletividade, e não o indivíduo, assume o papel


de herói e dá voz aos oprimidos e humilhados, expondo todo sofrimento e revolta
dos excluídos, como visto nas peças de Tolstoi, Gorki e Gerhart Hauptmann.

Em 1889, Henrik Ibsen, com a peça Espectros, demonstra os novos rumos


do teatro moderno. A obra é apresentada por toda Europa, e surpreende por
seu estilo cênico, repleto de realidade. Não apenas "Espectro" mas outras peças
do autor foram apresentadas por toda a Europa, transformando os palcos em
cenários de debates e reflexões sobre as agruras humanas.

133
UNIDADE 3 — A TEATRALIDADE NOS SÉCULOS XX E XXI

FIGURA 2 – FLYER DA PEÇA ESPECTROS DE IBSEN

FONTE: <https://acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/47991/1/Espectros%200001.jpg>.
Acesso em: 31 jul. 2021.

E
IMPORTANT

Nesse contexto, surge o encenador – o responsável pela execução de todos os


signos que compõem os discursos teatrais, do desenvolvimento do estilo, da interpretação
dos atores, do domínio dos elementos da cena, tais como marcação cênica, iluminação,
cenário, figurinos e trilha sonora etc.

2 O SURGIMENTO DO ENCENADOR
O encenador, no Brasil, também denominado como diretor de teatro, tem
uma função de conceber a cena, a representação de cada aspecto da teatralidade.
Será a pessoa que pensa na pertinência dos signos eleitos para o discurso teatral,
que viabiliza recursos para a produção – ou, conforme nos ensina Guénoun
(2004), podemos compreender a função do encenador como um espectador que
experiencia o discurso cênico antes dos espectadores que o sucederão.

134
TÓPICO 1 — O NATURALISMO

Talvez, nos atuais, seja difícil compreender o teatro, sem a figura do


encenador. No entanto, vale a pena lembrar que, antes dos anos de 1960, as
produções cênicas tinham apenas os ensaiadores. A falta de iluminação elétrica de
qualidade no teatro, uma tendência a compreender o texto como o centro da cena
(visão textocêntrica), colaborava com a ausência da função do encenador teatral.

André Antoine, no final do século XIX, foi o primeiro encenador


reconhecido. O surgimento do encenador em grande medida possibilitou a criação
e o amparo das descobertas cênicas, deflagradas pelas “vanguardas modernas”,
no século XX.

FIGURA 3 – PLACA DEDICADA AO ATOR-DIRETOR ANDRÉ ANTOINE, THÉÂTRE LIBRE, PARIS

FONTE: <https://bit.ly/3CzCWyS>. Acesso em: 31 jul. 2021.

Considerado o primeiro encenador teatral e o pai do naturalismo no


cinema, Antoine, a partir de 1887, apresenta peças de Ibsen, Strindberg, Tolstoi e
Hauptmann, em seu Théâtre Libre (Teatro Livre), encerrando as representações
figurativas, trazendo para os palcos as encenações modernas.

O cenário tem o potencial de caracterizar a caixa cênica, por meio


transfigurações de portas e janelas funcionais – ou, ainda, do uso de árvores e
arbustos naturais, também era comum projetar a efeitos visuais (possibilitados
pelo uso da luz elétrica) e sonoros para criar a sensação de realidade, atingindo o
ponto máximo de realismo ao usar carne crua pendurada em ganchos, numa peça
que se passava em um açougue.

Antoine foi o responsável pela movimentação natural do ator, mesmo que,


para isso, os intérpretes dessem as costas para quarta parede, ou seja, os atores
não mais se posicionavam de frente para o público, eles se moviam de acordo
com o desenvolvimento da ação necessária para continuidade da apresentação,
mesmo que tivessem que dar as costas para a plateia.

135
UNIDADE 3 — A TEATRALIDADE NOS SÉCULOS XX E XXI

Para Antoine, o palco deveria reproduzir a vida real, os atores deveriam


se colocar de acordo com o curso da ação e dos diálogos, não apenas voltado para
plateia. O espaço cênico e o trabalho do ator devem interagir de forma integral
sob as orientações do encenador (BERTHOLD, 2004).
Nos últimos anos do século XIX ocorreram dois fenômenos, ambos
resultantes da revolução tecnológica, de uma importância decisiva
para a evolução do espetáculo teatral, na medida em que contribuíram
para aquilo que designamos como o surgimento do encenador. Em
primeiro lugar, começou a se pagar a noção de fronteiras e, a seguir,
a das distâncias. Em segundo, foram descobertos os recursos da
iluminação elétrica (ROUBINE, 1998, p. 21).

O desenvolvimento social, científico e econômico transformou as


encenações. O progresso tecnológico foi a base para representações modernas,
embora para dramaturgos e encenadores da tecnologia fosse restrita ao necessário
apenas para trazer a realidade para o palco. Antoine introduz a iluminação
elétrica nas peças, usando seus efeitos para salientar o real.

3 STANISLAVSKI E O TEATRO DE ARTE DE MOSCOU


A Revolução Russa tinha por objetivo o fim da estratificação e desigualdades
sociais, bens e propriedades foram confiscados e redistribuídos. O teatro na Rússia
tinha como patronos os nobres, grandes industriais e comerciantes ricos, depois
da revolução passou a receber incentivos governamentais, trabalhadores da arte
dramática, dominavam as formas de comunicação com o público e acreditavam
nos ideais da revolução, então houve uma evolução do teatro burguês para o
teatro político, que mobilizou pessoas e recursos para propagar as agitações,
celebrar a revolução e mobilizar, em ambientes controlados, a população, a
teatralização da vida.

FIGURA 4 – TEATRO DE ARTE DE MOSCOU SÉC. XIX

FONTE: <https://bit.ly/3lOyq8I>. Acesso em: 31 jul. 2021.

136
TÓPICO 1 — O NATURALISMO

Em 1897, o escritor Vladimir Ivanovich Nemirovich-Danchenko e o diretor


teatral Stanislavski fundaram o Teatro de Arte de Moscou, onde, Stanislavski
se responsabilizou pelas questões artísticas e cênicas. Embora fosse um
empreendimento privado, contava com o financiamento de acionistas da Sociedade
Filarmônica de Moscou e da Sociedade para arte e literatura.

Desde a primeira apresentação, em 1898, com o drama histórico Czar Fiodor


Ivanovich, de 1868, adotou-se o princípio da veracidade histórica, com o cenário
reproduzindo fielmente o ambiente e a época, sendo o elemento cênico mais
importante, que seria modificado na apresentação da segunda peça em 1898 “A
Gaivota”, caracterizada pela sutileza da interpretação intuitiva e sentimental da peça.

FIGURA 5 – LEITURA DA "A GAIVOTA " DE TCHÉKHOV TEATRO DE ARTE DE MOSCOU

FONTE: <https://bit.ly/3lUtnE3>. Acesso em: 31 jul. 2021..

Outras peças de Tchékhov foram encenadas pelo Teatro de Arte de


Moscou, "Tio Vânia", "As Três Irmãs" e "O Jardim das Cerejeiras", através das
quais Stanislavski criou ilusões, usando os recursos de iluminação e de sonoplastia
para conferir realidade para as cenas.
Stanislávski admitiu que tendia ao exagero nesse domínio, e ele mesmo
gostava de contar a difundida anedota: Tchékhov teria dito uma vez
que escreveria uma nova peça, começando-a da seguinte forma:
‘Como é maravilhosamente tranquilo aqui, não se ouve um pássaro
cantando, nenhum cachorro latindo, nenhuma coruja piando, nenhum
rouxinol cantando, nenhum relógio batendo, nenhum sino tocando, e
nem mesmo um simples grilo cricrilando (BERTHOLD, 2001, p. 463).

137
UNIDADE 3 — A TEATRALIDADE NOS SÉCULOS XX E XXI

FIGURA 6 – STANISLAVSKI ENCENANDO "LONELY LIVES"

FONTE: <https://bit.ly/3EPdE1x>. Acesso em: 31 jul. 2021.

Grande parte do sucesso da obra de Tchekhov se deve às direções minuciosas


Stanislavskianas, que soube reconhecer a interferência das pausas dramáticas na obra
de Tchekhov, de forma a materializar a atmosfera da realidade descrita.

Stanislavski foi o primeiro teórico a pensar a interpretação teatral do


ponto de vista da formação de atores. Buscava o equilíbrio na arte de representar,
conscientizava os atores da importância de agir em sintonia com as exigências de
seus papéis, não impunha suas concepções.

DICAS

O sistema de Stanislavski era baseado na colaboração entre o ator e o diretor,


as experiências pessoais não deveriam interferir no desempenho teatral. Nas palavras do
próprio autor: "Se você estiver em busca de alguma coisa, não vá sentar-se na praia à
espera de que ela venha encontrá-lo. Você tem de procurá-la com toda a sua obstinação".

FONTE: <https://folhadaminhasampa.com.br/noticia/164/morador-do-bairro-do-colonia-
contasobre-sua-carreira-como-ator/amp>. Acesso em: 15 set. 2021.

Quando mencionamos que as propostas de Stanislavski constituem um


sistema, queremos ressaltar o caráter científico deste trabalho. Não se trata de
uma receita pronta, mas de observação e consciência dos elementos constituintes
da atuação de um intérprete, tais como: a ação, a imaginação, a concentração,
os objetivos internos e exteriores; o superobjetivo, a fé cênica, o sentimento de
verdade, a linha contínua, a memória emotiva; a comunhão, a adaptação, a
consciência corporal, entre outros.
138
TÓPICO 1 — O NATURALISMO

Após a Revolução Russa de 1917, Stanislavski se manteve distante


das massas populares e suas ebulições políticas. Depois de uma turnê pela
Europa, em 1924, ele publica sua autobiografia: “Minha Vida na Arte”. Como
já mencionamos, seus estudos teatrais (e seu sistema) são explicitados em seus
livros, como em “A preparação do ator”, de 1936; “A construção da personagem”,
de 1938; e “A criação do papel”, de 1961, sendo responsáveis pela evolução e
pelo desenvolvimento da arte de representar nos moldes realistas e naturalistas,
influenciando todo mundo moderno.

Ao estilo de Stanislavski, seria acrescentado o realismo extremo, com


o drama da acusação e a crítica social, das obras de Máximo Gorki. Segundo
Berthold (2001, p. 463), Michael Tchékhov resumiu o método de Stanislavski com a
fórmula: “A matéria-prima da imaginação é sempre tirada da vida" (BERTHOLD,
2001, p. 463).

DICAS

O longa-metragem antológico “Nós que Aqui Estamos por Vós Esperamos”


(de 1999), dirigido por Marcelo Masagão, é uma excelente aposta para quem deseja saber
mais sobre as diversas transformações ocorridas no final do século XIX e XX. Ficou curioso?
Então, acesse o link e confira: https://youtu.be/ahQzx79jUso.

139
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Nos últimos trinta anos do século XIX os avanços dos meios de transportes e as
descobertas de recursos ligados à iluminação elétrica possibilitaram diversos
desenvolvimentos nas sociedades que impactaram as novas condições da
cena teatral.

• Uma maior visibilidade do que ocorria na cena, além de uma maior troca entre
os espectadores e artistas dos acontecimentos teatrais de países europeus
distintos, motivaram o surgimento da função do encenador, também
conhecido como diretor de teatro.

• O francês Antoine, do "Théâtre-Libre", ficou conhecido como primeiro


encenador da história do teatro, seguido a ele temos outros nomes, num período
muito próximo como por exemplo o do diretor, ator e teórico Stanislavski.

• O Naturalismo pode ser considerado como uma exaltação dos elementos do


movimento realista, em que não basta mais criar o simulacro da representação,
mas buscar a transposição cênica de uma observação apurada da realidade.

• A construção científica e sensível dos personagens será de muita importância


para novas formas da cena. O sistema Stanislavskiano torna-se um material
imprescindível para uma interpretação crível das personagens nas acepções
realistas e naturalistas.

140
AUTOATIVIDADE

1 Entre os anos de 1840 e 1860, a França (especificamente a cidade Paris) se


instaura como um grande centro de referência da cultura Teatral. Sabemos
que uma série de transformações, sobretudo, as científicas e tecnológicas,
alteraram os rumos das fronteiras daquilo que era considerado o "bom
gosto". Sobre o que corresponde aos dois fenômenos que impactaram
o desenvolvimento da cena teatral nesse período, assinale a alternativa
CORRETA:

a) ( ) A fotografia e os meios de transportes.


b) ( ) A iluminação elétrica e a invenção do celular.
c) ( ) A penicilina e a invenção da lâmpada.
d) ( ) Os meios de transporte e o computador.

2 No teatro, o movimento naturalista representou uma crítica ao modelo


teatral clássico. Os dramaturgos Tolstoi, Gorki e Gerhart Hauptmann
representam bem os anseios naturalistas de retratar a realidade, não mais
por meio de personagens heroicos individuais, e sim por meio de discursos
que representassem algo específico. Sobre o que representava os anseios
naturalistas, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Voz de uma coletividade de nobres com problemas subjetivos e complexos.


b) ( ) Voz de homens subjugados pelos deuses.
c) ( ) A voz de mulheres que ingressavam numa arte até então, masculina.
d) ( ) Voz de uma coletividade muitas vezes oprimida e ou humilhada.

3 “Stanislávski admitiu que tendia ao exagero nesse domínio, e ele mesmo


gostava de contar a difundida anedota: Tchékhov teria dito uma vez
que escreveria uma nova peça, começando-a da seguinte forma: "Como é
maravilhosamente tranquilo aqui, não se ouve um pássaro cantando, nenhum
cachorro latindo, nenhuma coruja piando, nenhum rouxinol cantando,
nenhum relógio batendo, nenhum sino tocando, e nem mesmo um simples
grilo cricrilando". (BERTHOLD, 2001, p. 463). A anedota entre Stanislávski e
Tchékhov diz respeito a qual tradição Stanislavskiana?

141
142
TÓPICO 2 —
UNIDADE 3

BRECHT E O "TEATRO ÉPICO"

1 INTRODUÇÃO
Bertolt Brecht nasceu em 1898, em Augsburg (Alemanha). Viveu 58 anos,
tornou-se poeta, dramaturgo, e encenador, influenciando novas formas de se
fazer, pensar e ver o teatro, não apenas no século XX, mas até nos dias de hoje.

Brecht não dissociava arte de política, e ambas as noções da educação. Para


ele toda a arte deve ser equivalente a uma boa aula, e toda a aula deve sensibilizar
os estudantes como uma boa obra de arte.

FIGURA 7 – BERTOLT BRECHT

FONTE: <https://anovademocracia.com.br/images/2-format43.webp>. Acesso em: 31 jul. 2021.

Sua escrita era engajada e favorável ao pensamento comunista e, sobretudo,


do bolchevismo soviético. Baseado na ideologia da esquerda revolucionária, cria
o teatro épico, nos quais explora uma série de elementos estéticos e pedagógicos,
tais como: o uso de modelos de ação, quebra da quarta parede, dissociação entre
narrativa e ação; uso de Gestus social; presença do coro, explicitação dialética,
registros em protocolos; entre outros, com objetivo de causar o distanciamento,
recurso no qual o espectador ao invés de se identificar, passa a refletir aquilo o
que está sendo apresentado.

143
UNIDADE 3 — A TEATRALIDADE NOS SÉCULOS XX E XXI

Frequentemente, encontramos a dramaturgia produzida por Brecht


dividida entre: peças de entretenimento político, produzidas após a primeira
guerra mundial, onde Brecht atuou como enfermeiro, dessa fase temos por
exemplo, "o casamento do pequeno burguês"; e as peças didáticas, onde a
dialética fica ainda mais evidenciada, entre as quais podemos citar: "O voo sobre
o oceano", "Baden-Baden sobre o acordo", "Aquele que diz sim e Aquele que diz
não" e peças musicais entre as quais destacamos: "Mãe Coragem e Seus Filhos".

FIGURA 8 – MÃE CORAGEM E SEUS FILHOS DE BRECHT, COM HELENE WEIGEL

FONTE: <https://bit.ly/2Wdid4q>. Acesso em: 31 jul. 2021.

No início do século XX, temos inúmeras inovações, o sistema produtivo


de bens e serviços deixa de ser manufaturado e passa ser industrializado,
produzido em maior quantidade e em menor tempo, o proletariado ascende
para o consumidor com uma oferta maior de produtos a preços acessíveis, o
comportamento humano (individual e coletivo) é estudado cientificamente
e compreendido, não mais atribuídos a deuses ou ao destino, as revoluções
buscavam igualdade das classes.

Todas estas mudanças estão presentes na evolução da arte dramática.


Como vimos na unidade anterior, o homem era considerado como fruto do meio
em que vivia e este meio estava mudando rapidamente, o movimento naturalista
trouxe para os palcos a vida real, foram retratadas pessoas que anteriormente
eram invisíveis para sociedade, toda crueza desta exposição foi contraposta pelo
simbolismo que demonstrou a importância da imaginação e do ideal.

Esse período de revoluções proporcionou ao teatro uma mobilização


política. O teatro revolucionário, usava a expertise das pessoas do meio teatral
para organizar, propagar e difundir a agitação e as mudanças políticas.

Erwin Piscator, em 1919, cria um manifesto em que proclama o “teatro


proletariado'', como um instrumento de propaganda da luta de classe.
144
TÓPICO 2 — BRECHT E O "TEATRO ÉPICO"

Bertolt Brecht, em colaboração ao Piscator, acreditava que a encenação


dinâmica levaria o teatro a uma mudança radical a partir da base. O autor, em
parceria com o diretor, levaria conhecimento ao público, despertando-lhe uma
inteligência crítica, com um “carácter exposicional". Em sua concepção, a encenação
e a representação do “teatro épico” derivam dos elementos do distanciamento. O
teatro teria um caráter pedagógico, despertando o senso crítico do espectador, em
sintonia com seu tempo e com um estilo que remetia ao passado.
Não podemos nos esquecer que, como dito pelo próprio Brecht, o
teatro épico “pressupõe, além de um certo nível técnico, um poderoso
movimento social, interessado na livre discussão de seus problemas
vitais e capaz de defender esse interesse contra todas as tendências
adversas (BRECHT, 1986 apud COSTA 1990, p. 103).

Em meados de 1930 Brecht escreveu: "Do ponto de vista estilístico, o


teatro épico não é nada particularmente novo, com seu caráter exposicional e sua
ênfase no artístico, ele é aparentado ao antigo asiático. Tais tendências didáticas
são evidentes nos mistérios medievais, assim como no drama clássico espanhol e
no teatro jesuíta.

2 ELEMENTOS DO DISTANCIAMENTO
A expressão teatral clássica tinha como objetivo criar uma ligação
emocional entre os atores e o público, também conhecida como identificação. O
teatro épico anula esta ligação emocional, pelo efeito de distanciamento. A ação
no palco tem a função de provocar a consciência crítica do espectador.

Vários elementos podem contribuir para criar este distanciamento, por


exemplo, a apresentação de um coro comentarista, um ator narrador que intercala
a representação com a narração dos fatos, ou ainda com comentários sobre a ação
que se desenvolve no palco, capítulos são expostos em cartazes, pode haver o uso
de máscaras e projeções, os atores têm suas falas mudadas para terceira pessoa, no
tempo passado e com o acréscimo de rubricas, todos esses elementos possibilitam
que o espectador se transforme em um observador que toma decisões racionais e
não emocionais, refletindo a sua própria existência.

Os temas são apresentados como teses, com pontos de vistas diversos,


de forma dialética. A música deixa de funcionar como ambientação atmosférica
e passa a fazer parte da narrativa, por vezes contradizendo o que está sendo
mostrado.

Em síntese, o teatro épico costuma explicitar os recursos cênicos, revelando


que se trata de uma encenação. No jogo cênico, o simulacro é revelado. O teatro
dramático, de forma oposta, tende a esconder o maquinário cênico de forma a
produzir no espectador a ilusão de que, o que ocorre no palco "é verdadeiro".

145
UNIDADE 3 — A TEATRALIDADE NOS SÉCULOS XX E XXI

QUADRO 1 – DIFERENÇAS ENTRE AS REPRESENTAÇÕES DRAMÁTICAS E ÉPICAS

FORMA DRAMÁTICA DO TEATRO FORMA ÉPICA DO TEATRO

Ativa Narrativa
Envolve o público numa ação cênica Não envolve/Público como observador
Exaure-lhe a atividade de catarse Estimula o público à ação
Permite-lhe sentimentos Arranca-lhe decisões
Proporciona emoções Proporciona noções
O público é colocado em frente a uma
O público é admitido numa ação
ação
O público é submetido a sugestões O público é submetido a argumentos
Sensações impelidas até a plena
As sensações são respeitadas
consciência
Pressupõe o homem um ser conhecido O homem como objeto de indagações
O homem é um ser imutável O homem é mutável e modificador
Tensão relativamente ao êxito Tensão relativamente ao andamento
Um cena serve a outra Cada cena tem vida própria
Progressão Montagem
Curso linear dos acontecimentos Não linear/Por curvas
Evolução obrigada Evolução por saltos
O homem como processo em
O homem como dado fixo
andamento
A exisência social determina o
O pensamento determina a existência
pensamento
Sentimento Razão
FONTE: <https://bit.ly/3CJi20d>. Acesso em: 23 jul. 2021.

No texto sobre a recepção de Brecht produzido por Alexandre Flory,


aqui compilado, Flory ressalta o vínculo da obra Brechtiana com o espectador.
Após décadas de uma cultura dramática, até mesmo nosso pensamento costuma
funcionar de forma dramática, entendendo que uma ação sempre é seguida de uma
reação. O potencial político do teatro épico consiste em reconhecer que toda ação
ocorre em um espaço com materialidades dadas, e que as forças circunstanciais
interferem tanto nas possibilidades das ações como nos resultados das reações.
Nesse sentido, para que o espectador possa observar as forças determinantes da
ação, é preciso interromper o fluxo do pensamento dramático, seja durante uma
peça brechtiana, seja na realidade dos nossos dias:

146
TÓPICO 2 — BRECHT E O "TEATRO ÉPICO"

O sentido político do teatro, na perspectiva de Bertolt Brecht, deve ser


atualmente concebido em termos do papel do espectador e o apelo
de Brecht a uma nova “arte do espectador” pode unicamente ser hoje
abordado no contexto da cultura midiática, no qual as práticas da
recepção têm sofrido mudanças drásticas. O público que hoje consome
música, televisão ou filmes está distraído; as pessoas usam smartphones
e internet e estão acostumadas a uma comunicação superficial, mas
imediata e interativa. Quais são então as oportunidades que o teatro
politicamente orientado possui, nesse contexto de mudanças, para
incentivar o público em sua própria criatividade? [...] O teatro se
torna político por interrogar sua própria prática, tornando-a seu tema
e problema. Ele se dirige a espectadores criativos que não desejam
respostas prontas, mas buscam no teatro a matéria com a qual possam
eles mesmos criar, de maneira precisa, suas próprias perguntas e
respostas (FLORY, 2013, p. 55-83).

O Brecht entendia a cena como um exercício para uma revolução, no


poema a seguir, o título deixa claro a convocação do autor para ação dos leitores
e espectadores.

É PRECISO AGIR
Bertold Brecht (1898-1956)

Primeiro levaram os negros


Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando, mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.

DICAS

Para conhecer melhor a proposta de Brecht confira a Canção da Capitulação


da Peça A Mãe Coragem, na belíssima interpretação de Maria Alice Vergueiro, em https://
youtu.be/oaxDtGgPvzw

147
UNIDADE 3 — A TEATRALIDADE NOS SÉCULOS XX E XXI

3 PEÇAS DIDÁTICAS
Em 1936 na peça "Vergnügungstheater oder Lehrtheater''?“ (Teatro de
Divertimento ou Teatro Didático?), o autor admite que os aspectos didáticos do
seu teatro não excluem a diversão e o entretenimento.

E
IMPORTANT

As peças de Brecht, revelam os fatos e conduzem o público à reflexão e


consequentemente, ao conhecimento.

Walter Benjamin, filósofo contemporâneo e amigo de Brecht, de grande


importância para os estudos da cultura e das artes dos nossos dias, ao definir
a "Peça Didática" presta uma grande contribuição para o seu entendimento:
"A peça Didática sobressai como um caso específico, através da pobreza dos
aparatos, simplificando e aproximando a relação do público com os atores e dos
atores com o público. Cada espectador é ao mesmo tempo observador e “atuante"
(BENJAMIN, 1932 apud KOUDELA, 2013, p. 30).

NOTA

A pesquisadora Ingrid Koudela, no livro "O espectador criativo, colisão e


diálogo", nos narra uma série de equívocos de compreensão sobre a peça didática, a
começar pela adoção da terminologia didática em vez da expressão emancipatória:
aprendizagem. Koudela (1991, p. 13) nos lembra que o detalhe da nomenclatura adotada,
tem acepções distintas, pois enquanto "o termo didático, na acepção tradicional, implica
dar/doar conteúdos através de uma relação autoritária entre aquele que detém o
conhecimento e aquele que é ignorante" o entendimento de aprendizagem traz em si uma
relação processual, ativa e autônoma do sujeito frente aos conteúdo a serem aprendidos.

É possível encontrar as "peças de aprendizagem", ou como são mais


conhecidas as "Peças Didáticas" de forma compiladas nos volumes da coleção
Teatro Completo (Brecht), entre elas, será possível localizar: O voo sobre o oceano
ou O voo de Lindbergh (1928/1929); A peça didática de Baden-Baden sobre o acordo ou
Baden-Baden sobre o acordo (1929); Aquele que diz sim; Aquele que diz não (1929/1930);
A decisão (1929/1930) e A exceção e a regra (1929/1930), Fazem parte dessa lista,
ainda os fragmentos: “O malvado Baal, O Associal” e “Decadência do egoísta
Johann Fatzer”

148
TÓPICO 2 — BRECHT E O "TEATRO ÉPICO"

E
IMPORTANT

Para além das peças curtas, denominadas de "peças didáticas" em que uma
tese era exposta aos espectadores, todo teatro Brechtiano tem como principal objetivo
incentivar um público reflexivo.

Assim, por exemplo, em 1922, é encenada “Trommeln in der Nacht”


(Tambores na Noite), em que o autor afirma que o teatro não era o lugar para
substituir experiências próprias pelas apresentadas no palco.

Em 1924, na peça “Dickicht der Stadt” (Na Selva das Cidades), Brecht expõe
a função pedagógica e a sua metodologia artística, num apelo à objetividade
crítica. Em 1928, na Ópera dos três vinténs e na ópera “Aufstieg und Fall der Stadt
Mahagonny” (Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny), em 1930, é demonstrada
as diferenças entre as formas dramáticas e épicas do teatro, com o importante papel
para as canções, que interrompem e marcam a ação no palco. Embora não fosse
essa a intenção de Brecht, o público se divertiu com a apresentação que satirizava
o romantismo burguês – e os personagens da primeira peça e não alcançaram a
proposta do autor, que era transformar a diversão em informação, o que seria
atingido somente em 1930, quando estreou a segunda opera (KOUDELA, 2013).

Em 1941, a peça “Mutter Courage und ihre Kinder'' (Mãe Coragem e


seus Filhos), demonstrou de forma racional e crítica, a guerra em curso, e as
transformações que tempos tão duros trazem para sociedade.

Em: “Leben iles Galilei” (A Vida de Galileu Galilei), em “Herr Puntila


und sein Knecht Matti” (O Senhor Puntila e seu Criado Matti) e na peça de 1943
em Schweik im Zweiten Weltkrieg (Schwejk na Segunda Guerra Mundial), fica
explícito a necessidade de alcançar um objetivo crítico.

Na parábola Der gute Mensch von Sezuan (A Alma Boa de Setsuan), em


1948, em Kleines Organon für das Theater (Pequeno Órganon para o Teatro), o
conhecimento chega ao público através de um discurso direto que guia a ilusão
através das relações humanas.

149
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• As transformações ocorridas no século XX alteraram radicalmente os modos


de vida nas sociedades. Populações até então com um padrão de vida rural,
passam a desempenhar um papel importante como força de mão de obra da
industrialização, em condições de trabalho bastante precárias.

• A partir do ensejo de uma revolução, surge no teatro a proposta de uma cena


que se estabelecesse como um movimento social, um exercício reflexivo as
ações necessárias às mudanças desejadas.

• O objetivo do teatro Épico é provocar a reflexão. Para tanto, o espectador


não deve se identificar com a ação, mas observá-la de forma distanciada e
dialética.

• A reflexão no teatro épico é promovida por meio do uso de recursos, que tem
por objetivo explicitar que se trata de uma cena de teatro. Para tanto, a cena
costuma apresentar entre outros, os seguintes elementos: o uso de narrativas,
distinção entre os fatos que são narrados e a ação, narrativas, ou reações de
um coro, quebra da quarta parede; quebra no discurso da personagem para
que o ator apresente um relato como trabalhador da cena; uso de Gestus
social; mais de ponto de vista sobre o mesmo fato etc.

• As peças didáticas são peças bastantes curtas, em que apresentam um modelo


de ação a ser analisada pelo público e constituem um recurso para o ensino-
aprendizagem sobre situações de opressão.

• Brecht não dissociava o teatro de aprendizagem, nem a aprendizagem do


movimento político.

150
AUTOATIVIDADE

1 Bertold Brecht, poeta, teórico e dramaturgo ficou conhecido por propor


um teatro Épico, no qual elementos como o distanciamento, a linguagem
narrativa, o Gestus social, a presença do coro, são frequentes. De forma
sintética, qual é o objetivo do distanciamento no teatro épico Brechtiano?

a) ( ) Delimitar melhor a distância entre os atores e a plateia.


b) ( ) Que os espectadores possam refletir o que está sendo exposto.
c) ( ) Para que os espectadores possam se identificar com o que está sendo
exposto.
d) ( ) Para que haja uma verdadeira comunhão entre os participantes.

2 Com base em nossos estudos sobre o teatro, classifique D para linguagem


DRAMÁTICA e para a linguagem ÉPICA:

( ) Proporciona identificação emocional.


( ) Os personagens são constantes, lineares e imutáveis.
( ) O espectador permanece como observador.
( ) As ações são lineares e uma cena precede a outra.
( ) As ações são circulares e independentes.
( ) Os personagens são mutáveis e reflexo das situações materiais.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) D – D – E – D – E – E.
b) ( ) E – D – E – D – D – D.
c) ( ) D – E – E – E – E – D.
d) ( ) D – E – D – E – D – E.

3 Segundo Brecht "o ator deve ler o seu papel com uma atitude de espanto
e contradição. Ele deve compreender as características e saber avaliar, não
só o desenrolar dos acontecimentos, como também o comportamento do
personagem que interpretará, ele não pode aceitar nada como dado, que
“não poderia deixar de acontecer desta maneira”, que “era de se esperar
em virtude do caráter dessa pessoa”. Antes de memorizar as palavras ele
deve memorizar o que lhe causou espanto e o que sentiu ser contraditório.
Isto deve ser feito porque o ator deve manter esses momentos na sua
representação” (BRECHT, 1967, p. 162). Quais elementos são necessários
ao tipo de interpretação a que Brecht se refere?

151
152
TÓPICO 3 —
UNIDADE 3

VANGUARDAS TEATRAIS

1 INTRODUÇÃO
A palavra Vanguarda é utilizada para denominar tudo aquilo que está
"à frente de algo", ou seja, representa uma inovação. Representa o rompimento
com as normas sociais e políticas, baseada em experimentos que transformam as
estruturas. Quando se trata de movimentos teatrais, dizem respeito a uma ruptura
com a tradição conservadora, com a ética e a estética presente nas representações
clássicas apresentadas ao longo dos séculos anteriores.

O movimento das Vanguardas surgiu no final do século XIX, com o


objetivo reformar a cena teatral. Seguiu pelo século XX, transgredindo as normas
e revolucionando as formas. Traz para os encenadores a responsabilidade de
mudar a estética das apresentações e trazer inovações revolucionárias e políticas.

O termo ganha significados diversos atrelados às práticas militantes,


subversivas e revolucionárias. Esteve presente nos movimentos: impressionista,
simbolista e no socialismo. Foi a arte a serviço da política, como veremos.

2 O TEATRO ENGAJADO DE MEYERHOLD E PISCATOR


Nos anos posteriores da Revolução Russa, houve muita pressão, para que
o teatro representasse os ideais revolucionários. Uma vez que não existiam mais
na sociedade a aristocracia e a burguesia, que foram destituídas e expulsas, sua
vida, seus amores e seus dramas não tinham mais de serem encenados.

Era a vez da classe trabalhadora, para quem foram apresentados a


grandes comícios, com coral e músicas, seguidos de desfiles formados por atores
e militares que representavam todo poder do Estado. O povo era o herói que
derrotou e venceu, tudo que os oprimia, esta vitória era celebrada diversas
vezes, em todos os feriados e festivais que aconteciam durante o ano, de forma
dramática. Organizadas por encenadores teatrais incumbidos da propaganda
política, a AGIT-PROP. Eram grandes espetáculos que alegravam as massas e
enalteciam o partido socialista.

Para Szondi (2003) Piscator se apropriou do conceito de montagem e com


isso conseguiu se distanciar da “reprodução técnica de um drama” e se aproximar
“de uma forma artística épica autônoma” (SZONDI, 2003, p. 131).

153
UNIDADE 3 — A TEATRALIDADE NOS SÉCULOS XX E XXI

Meyerhold funda, em 1902, a Sociedade do Drama Novo, em que se


contrapõe a Stanislavski e à estética naturalista na busca de uma teatralidade que
possibilitaria a utilização de outros recursos teatrais, que não ficassem restritos ao
realismo do teatro "burguês.
Meyerhold deseja criar para o espectador novas condições óticas. Sem
conseguir transformar a sala, ele busca então modificar o status do
espectador, caracterizado pelo olhar frontal e pôr um ponto de vista
sempre idêntico (do lugar que cada um ocupa) sobre os atores. Pela
amplitude da área do jogo (...) obrigando o olhar a passar da cena à
tela, da tela à sala, varia concretamente as distâncias, aproxima os
atores do espectador (...) utiliza a diagonal para romper com o jogo
da cena frontal. Enfim, através dos exercícios biomecânicos, o ator
sabe melhor utilizar o espaço (...) pela forma que ele dispõe de seu
corpo no espaço, é capaz de combinar diferentes partes segundo uma
montagem “de múltiplos pontos de vista”. Em suma, Meyerhold busca
as equivalências teatrais em uma nova linguagem fílmica e ultrapassa
as restrições da cena, palco italiano esvaziado e desnudado pelos
meios teatrais (PICON-VALLIN, 2011 apud MONTEIRO, 2005, p. 28).

Seus experimentos o levam a utilizar de outras artes como pinturas,


músicas e danças para exprimir seu teatro, que tem ainda aspectos de arte
circense, da Commedia Dell’arte e da ópera chinesa ou do Nô japonês.

FIGURA 9 – MEYERHOLD E A BIOMECÂNICA

FONTE: <https://teatroemescalahome.files.wordpress.com/2019/08/images-1.jpg>. Acesso em:


23 jul. 2021

Em seus espetáculos, as músicas, a luz e o corpo dos atores eram trabalhados


para serem essencialmente teatrais, a partir de uma técnica denominada
Biomecânica, transformando assim o palco em um lugar de representatividade
pura, que foi evoluindo para um teatro popular, porém o objetivo só seria alcançado
pela revolução.

154
TÓPICO 3 — VANGUARDAS TEATRAIS

FIGURA 10 – CONSTRUTIVISMO NA CENA DE MEYERHOLD

FONTE: <https://bit.ly/3AEgiF3>. Acesso em: 23 jul. 2021

Na década de 1920, Meyerhold põe em prática seu teatro revolucionário,


que quebrou a estética burguesa, incitando o público com noções de militância
política, estimulando a adesão destas pessoas a uma causa e ao apoio das ideias
que possibilitaria essa causa. Sendo desta forma, um instrumento de propaganda
partidária. A esse movimento deu-se o nome de agit-prop.

Os ideais comunistas, de uma sociedade igualitária, sem classes ou


concentração de poder, inspiraram Erwin Piscator, em 1919, a lançar o seu
manifesto, convocando os trabalhadores de Berlim a criar um Teatro Proletariado,
onde pretendia não apresentar arte e sim uma propaganda política capaz de
convencer a grande massa a aderir ao novo sistema social e econômico.

Em seu livro Das Politische Theater (O Teatro Político), de 1929, Piscator relata:
"e nós usávamos indiscriminadamente a todos os meios possíveis: música, canções,
acrobacias, caricaturas rapidamente esboçadas, esporte, imagens projetadas, filmes,
estatística, cenas interpretadas, discursos" (BERTHOLD, 2001, p. 500).

Piscator usava todos os recursos teatrais como instrumento da luta de


classe, sua técnica era conhecida como "ação direta" e sua arte ficou conhecida
como panfletária.

155
UNIDADE 3 — A TEATRALIDADE NOS SÉCULOS XX E XXI

FIGURA 11 – PISCATOR O PIONEIRO NO USO DA PROJEÇÃO CÊNICA

FONTE: <https://bit.ly/3oc9FpM>. Acesso em: 23 jul. 2021.

O engajamento de Piscator foi censurado em 1925, durante a apresentação


do seu drama-documentário de massa “Trotz alledem” (Apesar de Tudo), em
Berlim, a partir da segunda apresentação. Em 1926, Piscator atualizou Dic Riiuber
(os Salteadores), de Schiller, transformando-a em uma peça política engajada,
que terminou em tumulto, assim como em 1927, com a encenação de "Gewitter
über' Gotland" (Temporal sobre Gotland) de Em Welk. O herói personificava Lenin
e apresentava uma leitura histórica da peça com grande teor político, sendo alvo
de tantas críticas, que levou o rompimento do encenador com a Volksbürhne e
vislumbrar um palco próprio de agitação e propaganda, onde pudesse encenar ao
seu estilo grandioso e impressionista, que nunca foi realizado.

Piscator manteve o movimento em ação com a utilização de esteiras


rolantes, sua intenção era intensificar ao máximo suas apresentações usando para
isso elementos não teatrais.

Vale lembrar o ímpeto pedagógico de Piscator, bem como suas inovações


cênicas, tais como o uso de projeções, introdução de fatos documentais e dos
próprios trabalhadores de fábrica em suas propostas, tornaram o conhecido como
"cientista teatral". Embora não alcançasse sucesso com suas peças, sua técnica de
ação direta seria primordial para o desenvolvimento do teatro de Brecht.

156
TÓPICO 3 — VANGUARDAS TEATRAIS

FIGURA 12 – INOVAÇÕES CÊNICAS EM PISCATOR

FONTE: <https://bit.ly/3kAResU>. Acesso em: 23 jul. 2021.

3 ARTAUD E O "TEATRO DA CRUELDADE'’


Antonin Artaud (1896-1948) foi um francês poeta e intelectual, com grande
conhecimento sobre arte dramática, sendo também, ator, diretor e pensador
teatral , do início da década de 1920. Ele defendia que o encenador não poderia
ficar limitado ao texto, impedido de utilizar as inúmeras possibilidades criativas
do discurso cênico pelas restrições tradicionais.

A sua teoria tinha como objetivo revelar o fracasso dos valores e hierarquias
da sociedade ocidental. Compreendendo o teatro como potente espaço para
comunhão social, crítica aos espetáculos apresentados no período entre as grandes
guerras mundiais, defendendo, por outro lado, um teatro autônomo, capaz de
contagiar as massas, tal qual uma doença (a peste). Sua proposta ficou conhecida
como Teatro da Crueldade.

Seu processo preconiza a quebra da importância do verbo e das suas


qualidades e limitações literárias, em função do teatro como arte única,
responsável por causar ao espectador uma grande comoção. Sob influência de
alguns grupos de expressão artísticas, principalmente os surrealistas, embora não
tenha se filiado a nenhum movimento, concebeu a partir de influências múltiplas
um teatro ritualístico, em que todos os elementos cênicos fossem potencializados.

Entre 1924 e 1926, Artaud considera a feitura da arte como uma metáfora
para o funcionamento de toda consciência e da própria vida. Reivindicando uma
consciência mais sutil, imaginativa e rebelde. Filiou-se ao movimento surrealista,
porém logo achou as fórmulas surrealistas uma outra espécie de confinamento,
sendo expulso desta comunidade, quando a maioria dos participantes desta estavam
prestes a filiar-se ao Partido Comunista Francês. Artaud era incapaz de entender ou
esperar qualquer prazer na colonização dos novos domínios da consciência.

157
UNIDADE 3 — A TEATRALIDADE NOS SÉCULOS XX E XXI

“O Teatro e seu Duplo”, considerada a sua melhor obra escrita,


corresponde a uma coletânea de cartas, manifestos e ensaios produzidos entre
1932 e 1937, sendo publicado em 1938, no mesmo ano em que se agravou sua
perturbação mental (que muitas vezes foi atribuída a meningite, que o afetou
quando criança). Artaud menciona o problema e começa a articular métodos e
técnicas. Inspirou-se no Taoísmo e na medicina oriental para identificar no corpo
do intérprete núcleos expressivos. Fez observações originais sobre a mecânica da
respiração e do movimento.

Em 1932, Artaud enviou ao prelo a 12ª ou mesmo a 15ª versão de um


relato cujo título seria alternativamente “Teatro Alquimista”, "Metafísico" ou
"Experimento”, optando posteriormente, por “Crueldade”, pois a palavra lhe
pareceu menos ambivalente e equívoca do que as demais noções. O que tinha em
mente era a crueldade e a violência cósmica (o princípio formulado por Heráclito de
que sem destruição, não há criação). Criação, devir, caos, ideias de natureza cósmica
e universal definem a concepção desse teatro não apenas metafísico, mas mítico.

No ano de 1933, escreve “O Heliogábalo”, novela histórica sobre as três


versões de uma outra forma de civilização, testemunhando a mesma procura de
uma sociedade integrada ao redor de temas abertamente religiosos, e fugindo
do secular. Em 1935, pretendia concretizar sua poética do espaço com a peça
“Os Cenci”, um completo fracasso, que ficou em cartaz por 17 dias. Apesar
de repousarem em todos os aspectos ideológicos de Artaud, não conseguiu
corporificar e depois disso embarcou para o México e levou duas grandes dream
plays de Calderón e Strinberg (A vida é um sonho e a Peça de sonho).

Em 1936, escreveu a peça “A Conquista do México” concebida como


espetáculo inaugural do que Artaud chamou de “Teatro da Crueldade",
projeto concluído antes dele partir para o México para estudar a tribo de índios
Tarahumaras.

Em meados de 1937, viajou para as Ilhas Aran, com um obscuro plano


de explorar ou confirmar seus poderes mágicos. Entretanto, o movimento não
foi assimilado à arte. Dirigiu-se em mediação para dentro da sua própria vida.
Este fato resultou em As Novas Revelações do Ser, baseada no Tarô, sendo seu
último trabalho antes do colapso mental que o levou ao confinamento. Quando
ele retornou à França, depois que saiu do manicômio de Rodez, em 1946, sua
linguagem se tornou parcialmente ininteligível, toda escrita está na primeira
pessoa, e é uma forma de discurso em vozes mistas de encantamento e explanação
discursivas. Suas atividades são simultaneamente arte e reflexões sobre arte.

158
TÓPICO 3 — VANGUARDAS TEATRAIS

FIGURA 13 – ARTAUD

FONTE: <https://bit.ly/2WccYC0>. Acesso em: 23 jul. 2021.

Entre 1946 e 1948, nos três últimos anos de sua vida, Artaud teve grande
explosão de sua escrita, indiferente a sua ideia de poesia como uma declaração
lírica fechada, adequada ao âmbito de suas necessidades imaginativas. Nos
últimos escritos, a identidade obscena da carne e da palavra atinge as raias
da abominação. Notadamente na peça autorizada pela rádio francesa, “Para
Acabar com o Julgamento de Deus”, que foi então proibida na véspera de sua
programada radiodifusão. Em fevereiro de 1948, Artaud expressa a mais ardente
repulsa contra a fala, e contra o corpo. Até o ano de sua morte, em 1948, seus
trabalhos intermitentes acusam os efeitos dos remédios.

FIGURA 14 – ANOTAÇÕES DE ARTAUD

FONTE: <https://static.frieze.com/files/inline-images/web-cahier-n.253-fol.-18v-19.jpeg>.
Acesso em: 23 jul. 2021.

159
UNIDADE 3 — A TEATRALIDADE NOS SÉCULOS XX E XXI

O “Teatro de Crueldade” não pressupunha provações físicas, mas servia


como experiência reveladora da natureza do homem, derrubar máscaras e expor
defeitos e não apenas servir de válvula de escape dos problemas cotidianos, nem
um espaço de entretenimento.

Ao término de mais de dez anos de palco como ator e diretor, Artaud reage
à decadência da sociedade ocidental e seus valores (ou falta deles), que quase
tudo permitem, exatamente por isso a época atual equivale espiritualmente a um
deserto, no qual tudo quanto é sagrado volatiza-se a ele a chama de “marasmo”,
sendo que o único lugar possível de articular o conflito, para ministrar a terapia
à doença do século é o Teatro.

Referente ao estudo linguístico, Artaud conseguiu um alto grau de


refinamento, onde suas ideias estéticas ou não, são refeitas a cada instante,
justamente por abolir a estética em si e colocar um tipo de encenação cuja proposta
é a construção, não de um jogo, mas de uma realidade verdadeira, fazendo com
que cada espetáculo seja uma espécie de acontecimentos (happening), cujo teor de
veracidade iguala-se à vida ou aos sonhos. Prenunciando as correntes filosóficas
do pós-guerra, expressa repulsa pela materialidade da arte, seus escritos propõem
formas abstratas, adequadas para exprimir as convulsões do espírito, as dores da
psique e a violência dos apetites instintivos.

4 A DRAMATURGIA DO ABSURDO DE SAMUEL BECKETT E


EUGÈNE IONESCO
A expressão "Teatro do Absurdo" surge na crítica de Martin Esslin (1918-
2002), para denominar as produções da segunda metade da década de 1950, no
contexto do final da Segunda Guerra Mundial, que visavam denunciar a atmosfera
solitária, de desolação e principalmente da falta de comunicação da sociedade
moderna. Trata-se, portanto, de uma classificação das obras desse período, e não
de um movimento, ou um gênero teatral.

O vazio interior e a falta de coerência entre os discursos e a realidade


tornaram-se presentes nos temas, no corpo do discurso, ou na forma como eram
apresentados, e representavam uma oposição aos modos de se conceber da
dramaturgia realista.

Entre os principais dramaturgos "do Absurdo" estão: Eugène Ionesco


(França, 1909-1994), Samuel Beckett (Irlanda, 1906-1989). Podemos ainda citar,
outros grandes dramaturgos do Teatro do Absurdo, tais como Harold Pinter
(Inglaterra, 1930-2008) e Fernando Arrabal (Espanha 1932).

160
TÓPICO 3 — VANGUARDAS TEATRAIS

4.1 SAMUEL BECKETT (1906-1989)


Autor reverenciado no século XX, que nasceu na Irlanda, graduou-
se em literatura, italiano e francês. Em 1928, lecionou na França, onde viveria
futuramente. Em 1930, ainda na Irlanda, escreveu um estudo crítico, comentando
a obra de "Proust''. Em 1931, escreveu "Dream of Fair to Middling Women”, publicada
post mortem. Em 1938, morando na França com sua esposa Suzanne Deschenaux-
Dumesnil, uniram-se à Resistência Francesa.

Em 1942, em fuga, durante a guerra começou a escrever "Watt”. Depois


da guerra, passa a escrever em francês. Entre 1951 e 1953 escreveu uma trilogia
("Molloy", "Malone Morre" e "L'Innommable"), quando escreveu sobre a solidão
do ser humano e a peça “Esperando Godot”, representando ao lado do autor
Ionesco, o começo do Teatro de Absurdo.

FIGURA 15 – BECKETT DIRIGINDO ESPERANDO GODOT

FONTE: <https://bit.ly/3o33lkq>. Acesso m 23 jul. 2021.

Em 1969, Beckett ganhou o Prêmio Nobel de literatura. Sua obra é


composta por poemas, textos em prosa, novelas, contos, ensaios e peças de teatro
como "Fim de Festa”, “Ato sem Palavras” e “ Os Dias Felizes”, escreveu também
para o rádio, o cinema e a televisão.

4.2 EUGENE IONESCO (1906-1994)


Filho de pai romeno e mãe francesa, nascido na França, no começo do
século vinte. Educado na França, onde ficou com a mãe, quando o pai voltou para
a Romênia, a família voltou a se encontrar em Budapeste, onde Ionesco se formou e
trabalhou como professor de francês e fez amizade com o lúcido pessimista Cioran

161
UNIDADE 3 — A TEATRALIDADE NOS SÉCULOS XX E XXI

e com o místico Mircea Eliade, o criador da cátedra de Religiões Comparadas, que


durou por toda vida. Em 1948, escreveu a peça “A cantora Careca”, apresentada em
1950, baseada em um livro-texto para o aprendizado de inglês, a peça de apenas
um ato, representa uma realidade semelhante ao cotidiano, onde os personagens
desenvolvem diálogos sem sentido e apresentam situações absurdas, que de
forma surrealista, descrevem a solidão e a insignificância humanas.

Ionesco usou sua experiência de vida, entre dois países ricos em cultura e
muito diferentes entre si, para criar, uma “anticomédia”, onde as situações eram
extravagantes e os diálogos discordantes e desconcertantes. Seus textos eram
conhecidos pela “estética do desconcerto'', desde sua primeira publicação, em
1934 com "Nu!” (Não) e por toda sua carreira de escritor.

FIGURA 16 – IONESCO

FONTE: <https://bit.ly/3EMwDdd>. Acesso em: 23 jul. 2021.

Cabe observar que no final do século XIX, o francês Alfred Jarry (1873-
1907), com sua peça “Os Poloneses”, apresenta um personagem: Ubu-Rei – uma
criação excêntrica que representa os primeiros pensamentos surrealistas. No
entanto, seu teatro não fez parte deste movimento pela falta de estrutura, baseado
em situações cômicas, para fazer rir e não fazer pensar.

Ionesco escreveu até 1975, entre suas peças, encontram-se: A lição, As


cadeiras, O mestre, Vítimas do dever e, em 1960, "Rhinoceros" (Rinoceronte),
considerada sua grande obra prima.

162
TÓPICO 3 — VANGUARDAS TEATRAIS

DICAS

A peça Rinoceronte conta a história das reações e falta delas dos personagens,
quando a cidade onde moram é invadida por um rinoceronte, os diálogos que se apresentam
são banais, confusos e inúteis. Alguns culpam os governantes, outros acham que é um
sonho. Ainda há os que querem saber de onde veio a criatura, que causou estranheza e
fascínio em toda a cidade, pela novidade, que trouxe motivação e curiosidade. Bérenger
não pensa no animal, mas sim no ciúme que sente de sua amada Daisy – e não se deixa
levar pela novidade. O alvoroço é tamanho que é preciso pessoas de fora (bombeiros)
para que a ordem se reestabeleça. Por toda vida, Ionesco defendeu a estética do absurdo.
Morreu em 1994, na França.

DICAS

Para mais informações sobre o teatro do absurdo, confira:


http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo13538/teatro-do-absurdo.

163
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• No final do século XIX (e boa parte XX), as vanguardas teatrais representaram


uma verdadeira transformação, tanto na forma de se fazer quando nas formas
de se ver e pensar a cena.

• A partir das Vanguardas, temos a representação estética do rompimento com


as normas sociais e políticas, baseada em experimentos que transformam as
estruturas.

• Entre os encenadores que inovaram cena do período por meio de estética


revolucionárias somadas ao engajamento político, temos: Meyerhold, Piscator,
Artaud, Eugène Ionesco (França, 1909-1994), Samuel Beckett (Irlanda, 1906-1989).

• Meyerhold com sua teatralidade explicitada se opõe ao realismo burguês e,


em 1902, funda a Sociedade do Drama Novo, onde se contrapõe a Stanislavski
e a estética naturalista.

• Piscator, grande influenciador de Brecht e seu Teatro Épico, será o mais


panfletário dos teatrólogos do momento, e se valerá de todos os recursos
possíveis para fazer da cena um espaço para o exercício da revolução.

• Artaud compreende que o teatro por ser uma arte completa se instaura como
um potente meio pelo qual seria possível afetar as massas, como uma peste.
No teatro Artaudiano não existe textocentrismo, todos os elementos cênicos
precisam ser empregados no mais alto grau de suas expressividades para que
o teatro volte a ser um lugar de comunhão.

• O Teatro do absurdo foi uma classificação dada às produções que falavam da


realidade insensata, esvaziada de sentido pós segunda guerra mundial. Entre os
principais dramaturgos "do Absurdo" estão: Eugène Ionesco e Samuel Beckett.

164
AUTOATIVIDADE

1 A partir das informações sobre as Vanguardas Teatrais, analise as sentenças


a seguir:

I- Em síntese as Vanguardas Teatrais estiveram a serviço da política, tendo


como influência o impressionismo e o capitalismo.
II- Meyerhold se vincula ao realismo burguês, aproximando-se da estética
de Stanislavski e ao teatro naturalista.
III- Erwin Piscator, em 1919, lança seu manifesto convocando os trabalhadores
de Berlim a criar um Teatro Comunitário.
IV- O movimento do "Teatro do Absurdo" surge no final da primeira Guerra
Mundial para representar o excesso de comunicação da sociedade moderna.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e IV estão corretas.
b) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
c) ( ) Somente a sentença IV está correta.
d) ( ) Nenhuma das sentenças está correta.

2 As produções teatrais de vanguarda trouxeram uma série de nomes de


diretores que marcaram o teatro mundial. Sobre os nomes dos encenadores
dessas propostas, associe os itens, utilizando o código a seguir:

I- Piscator.
II- Samuel Beckett.
III- Eugène Ionesco.
IV- Meyerhold.

( ) Propôs a preparação dos atores por meio dos exercícios biomecânicos,


buscou ultrapassar as restrições cênicas, pensando a cena de forma
cinematográfica, esvaziando o palco italiano e excluindo os elementos
teatrais desnecessários.
( ) Autor do "Teatro Político" em criações usou todos os meios possíveis:
acrobacias, caricaturas, música, canções, imagens, cenas, esportes com o
objetivo de conscientizar seus espectadores/trabalhadores.
( ) Autor, do texto dramático “A Cantora Careca”, seus textos ficaram
conhecidos por sua “estética do desconcerto''.
( ) Escreveu para Televisão para o cinema, ele é o autor da peça “Esperando
Godot”.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) I – III – II – IV.
b) ( ) IV – I – III – II.
c) ( ) III – IV – II – I.
d) ( ) I – II – IV – III.

165
3 Antonin Artaud acreditava na potência teatral por conta de ser uma
linguagem que agrupa vários elementos artísticos como a literatura, a
música, os aspectos visuais. Para Artaud (1984), os sons e os figurinos têm
o poder de transportar os espectadores para épocas e locais distintos. Em
que medida as propostas de Antonin Artaud se aproximam da teatralidade
contemporânea?

166
TÓPICO 4 —
UNIDADE 3

TEATRO CONTEMPORÂNEO: PRINCIPAIS NOMES E


CARACTERÍSTICAS DA CENA DOS NOSSOS DIAS

1 INTRODUÇÃO
Quando falamos em teatro contemporâneo, estamos falando das tendências
teatrais que marcam os nossos dias. Vale ressaltar que, quando mencionamos
o termo "Teatro Moderno", estamos nos referindo aos acontecimentos que
marcaram as primeiras décadas do século XX. No entanto, quando falamos
em teatro contemporâneo, estamos falando de uma teatralidade marcada por
algumas transformações das artes em geral e da linguagem cênica em especial. E
qual são as marcas da teatralidade contemporânea?

A primeira coisa que devemos ter em mente é que os teatros dos nossos
dias são múltiplos e diversos, possuem influências variadas e apresentam
hibridismo entre referências de gêneros, estilos e linguagens artísticas.

Nos dias de hoje, da mesma forma como temos os chamados "teatrões",


focados em construir uma relação ilusionista com exatidão, teremos apresentações
performáticas, cujos objetivos é explicitar os "jogos" que sustentam a teatralidade,
buscando uma maior comunhão entre o artista e o público, entre os homens e a
tecnologia, entre os homens e os espaços.

Vale a pena ficar atento nos movimentos da teatralidade contemporânea,


tais como:

• A quebra do textocentrismo, onde o texto passa a ser mais um elemento de


significação, dentre os outros signos cênicos.
• O rompimento com os espaços convencionais da cena (os teatros e os palcos),
as apresentações passam a ocorrer nos ambientes reais da cena (igrejas,
hospitais, casas), e não mais numa caixa preta com cenários que imitam o
espaço real.
• Abrem-se espaços para outras relações entre artistas e espectadores, várias
produções propõem uma maior interatividade dos espectadores.
• Lugares e objetos cênicos passam a ser ressignificados.
• As produções tendem a ser colaborativas, onde todos os artistas incluídos no
processo são coautores.
• Inserção de elementos da "realidade", nos chamados "teatros do real" ou ainda
"teatros documentários, nos quais os chamados "atores do real", ou "experts"”
ou ainda "documentados" atuam junto, ou no lugar dos atores.

167
UNIDADE 3 — A TEATRALIDADE NOS SÉCULOS XX E XXI

• A teatralidade contemporânea passa a ter uma maior proximidade com


a questões políticas e sociais dos dias de hoje. Questões identitárias, a
descolonização, a tecnologização excessiva, passam a ser tematizadas em
atuações próximas das ações culturais e das ações artísticas.

DICAS

Para melhor compreender como essas tendências são aplicadas nas


proposições da cena contemporânea, observe as produções dos grupos teatrais a seguir:
• https://www.rimini-protokoll.de.
• https://www.teatrodavertigem.com.br.
• http://ciateatrodocumentario.com.br.
• http://www.ciahiato.com.br.

2 O TEATRO EXPERIMENTAL GROTOWSKI


Jerzy Grotowski foi um pesquisador teatral e diretor, que, embora tenha
estudado todos os movimentos teatrais ocidentais e orientais (Índia, China e Japão)
do século XX, não encontrou nenhuma técnica que fizesse do Teatro uma arte
que permitisse interações com o público. Desenvolveu seu próprio método, uma
técnica que seria conhecida como Teatro Laboratório (de pesquisas – Vanguarda)
onde influenciado pelas pesquisas de Stanislavski, Meyerhold, Brecht, Vakhtangov,
Artaud, pela cena indiana, japonesa e chinesa, desenvolveu um teatro físico, que
pudesse fortalecer a conexão entre os atores e deles com o público.

Desejava a reconstrução do ser humano, treinado para ser uma criação


artística, transformado pelo trabalho do ator, que alcançou com sensibilidade o
âmago da alma da plateia.

FIGURA 17 – GROTOWSKI ENSAIA SEUS ATORES

FONTE: <https://bit.ly/3lVFgcH>. Acesso em: 23 jul. 2021.

168
TÓPICO 4 — TEATRO CONTEMPORÂNEO: PRINCIPAIS NOMES E CARACTERÍSTICAS DA CENA DOS NOSSOS DIAS

Em seus laboratórios, buscava tornar o corpo do ator uma forma de


expressão, seu treinamento não impõe exercícios, mas incentiva diferentes técnicas
e exercícios que possibilitam a flexibilidade do corpo e a clareza psíquica. O corpo,
a voz, os gestos do ator estão à disposição de elaborações arquetípicas, para lhe
permitir a exposição de suas motivações e fases. O silêncio externo trabalha como
estímulo. “Se há um silêncio absoluto, e se, por diversos momentos, o ator não faz
absolutamente nada, este silêncio interno começa, e volta toda a sua natureza em
direção as suas fontes” (GROTOWSKI, 1968, p. 194-200).

A fim de eliminar do teatro e das interpretações teatrais tudo aquilo que é


desnecessário, Grotowski propõe um "Teatro Pobre". Essa noção pretende sugerir
que os clichês, as alegorias e os ornamentos sem sentido, não deveriam mais se
interpor entre os intérpretes e o público.

As propostas e ideais de Grotowski exigem uma grande doação do


ator, pois precisa lutar com bloqueios pessoais e limites individuais e a favor
da interpretação autêntica. Portanto, não é um trabalho fácil, muitas vezes
se trabalha até a exaustão física até se dispor de todos os artifícios, máscaras,
cenários e figurinos.

DICAS

Ficou interessado no Teatro de Grotowski? Então acesse: https://youtu.be/


hyTEQJHLPU4.

3 PETER BROOK E A RESSIGNIFICAÇÃO DOS ELEMENTOS


CÊNICOS
Peter Brook, inglês, nascido em Londres, em 1925, passa a se interessar
por teatro, na Universidade Oxford, onde tem contato com as teorias de Bertolt
Brecht e Antonin Artaud. Desse contato, cria sua própria forma de conceber a
cena, cuja característica será a participação do público no espetáculo, não de
forma reflexiva, ou ritualística, como conceberam Brecht e Artaud, mas uma
participação criativa.

Diretor de teatro e cinema, apresentou em suas montagens a importância


da arte na convivência humana. Em 1955, fez muito sucesso ao dirigir o ator
Laurence Olivier, numa encenação de "Titus Andronicus", do dramaturgo
Shakespeare.

169
UNIDADE 3 — A TEATRALIDADE NOS SÉCULOS XX E XXI

Na década de 1960, adaptou e dirigiu obras de Shakespeare, no Royal


Shakespeare Company, como “King Liar” (Rei Lear – 1962), “A Midsummer Night’s
Dream” (Sonhos de Uma Noite de Verão – 1970), "The Tempest" (A Tempestade –
1990) e The Magic Flute (a Flauta Mágica – 2011). Também dirigiu "O senhor das
Moscas", de William Golding, e outras de suas obras dramáticas para o cinema.

FIGURA 18 – PETER BROOK ENSAIANDO

FONTE: <https://bit.ly/3i5Hnth>. Acesso em: 23 jul. 2021.

Atualmente, mesmo depois de ter alcançado o sucesso e o respeito de seus


pares, continua pesquisando as origens do teatro, em seu Centro Internacional
para Investigação Teatral, em Paris, fundado na década de 1970.

Encenou peças em Nova York (no West End e na Broadway), em Paris e em


Londres. Em 1985, estreou "Mahâbhârata'', um espetáculo de nove horas, baseado
na história épica indiana.

Foi responsável pela adaptação no cinema de uma série de clássicos


teatrais e literários, entre os quais destacamos: A Sombra da Força de John Gay
(1953), Moderato Cantabile de Marguerite Duras (1960), O Senhor das Moscas de
William Styron e Marat-Sade de Peter Weiss (1966).

Peter Brook defende a expressão corporal do ator em detrimento de


outros elementos cênicos, como texto, iluminação, palco e figurino, numa teoria
semelhante a do Teatro Pobre proposto por Grotowski, que ficará no universo
Brookiniano conhecida como Teatro Vazio, numa referência a um espaço aberto a
um jogo a ser completado e/ou decifrado pelo espectador.

Entre suas encenações destacamos: King Lear (Rei Lear), A Midsummer


Night’s Dream (Sonhos de Uma Noite de Verão); The Tempest (A Tempestade); e
The Magic Flute (A flauta mágica).

170
TÓPICO 4 — TEATRO CONTEMPORÂNEO: PRINCIPAIS NOMES E CARACTERÍSTICAS DA CENA DOS NOSSOS DIAS

DICAS

Ficou curioso sobre a produção teatral de Peter Brook? Então acesse o link e
saiba mais: https://youtu.be/jUJsWwqGbEk.

4 EUGÊNIO BARBA E ANTROPOLOGIA TEATRAL


Eugênio Barba nasceu na Itália Meridional, em 1936, emigrando para
Noruega em 1954. Estudou teatro na Polônia no começo da década de 1960. Em
1964, fundou a Odin Teatret, em Oslo, e viajou pelo oriente pesquisando sobre as
tradicionais formas de atuação, não conhecidas pelos ocidentais.

Em 1979, na Dinamarca, fundou o ISTA (International School of Theatre


Anthology), onde desenvolve um estudo sobre o comportamento sociocultural e
fisiológico do ser humano em situação de representação, que se encerra com bons
conselhos do pesquisador aos atores, desenvolvidos pela observação de processos
ocidentais e orientais, mesclando-os para alcançar a máxima eficiência, expressiva.

FIGURA 19 – EUGÊNIO BARBA COM GRUPO ODIN TEATRET

FONTE: <https://bit.ly/3i3VZJO>. Acesso em: 23 jul. 2021.

O Teatro de Barba, recomenda atenção aos “princípios que retornam”:


o cotidiano e o extracotidiano, o equilíbrio em ação, a dança das oposições, a
incoerência coerente e virtude da omissão, a equivalência, e um corpo decidido.
“Vários atores e dançarinos, de lugares e épocas distintas e
independentemente das formas estilísticas de suas próprias tradições,
compartilham princípios semelhantes. A primeira tarefa da antropologia
teatral é rastrear esses princípios que retornam. Os princípios que
retornam não provam a existência de uma “ciência do teatro” ou de
algumas leis universais. São apenas “conselhos particularmente bons”,
indicações que têm uma grande chance de se tornarem úteis para a
prática cênica” (BARBA,1995, p. 14).

171
UNIDADE 3 — A TEATRALIDADE NOS SÉCULOS XX E XXI

DICAS

Ficou curioso? Então acesse o link e saiba mais: https://www.youtube.com/


watch?v=jTwFK2m0wl8.

5 ARIANE MNOUCHKINE E A PRODUÇÃO COLABORATIVA


Ariane Mnouchkine nasceu na França, em 1939. Filha do produtor de cinema
russo Alexandre Mnouchkine e da inglesa June Hannen, ela cresceu em Bordeaux em
consequência da Segunda Guerra Mundial, voltando para Paris em 1947.

Em 1957, transfere-se para Londres para completar seus estudos


universitários em Oxford, onde descobre sua vocação para o teatro. De volta a
França, estuda psicologia na Universidade de Sorbonne, monta e dirige a Associação
Teatral de Estudantes de Paris (ATEP).

Escreveu o roteiro do filme "L'homme de Rio", de Philippe de Broca e, aos


23 anos, foi indicada ao Oscar de melhor roteiro original.

FIGURA 20 – ARIANE MNOUCHKINE ENSAIANDO

FONTE: <https://bit.ly/3m1LhF0>. Acesso em: 23 jul. 2021.

Em 1964, depois de uma viagem ao oriente, funda em Paris o Théâtre


du Soleil. Uma Sociedade Cooperativa de Produção, juntos com outros atores da
ATEP, onde desenvolvem novas alternativas de produzir e encenar teatro. Nessa
abordagem todos os integrantes são corresponsáveis e coautores de tudo o que é
produzido na comunidade, incluindo as encenações, a limpeza do espaço, a luz e
a sonoplastia da cena.
172
TÓPICO 4 — TEATRO CONTEMPORÂNEO: PRINCIPAIS NOMES E CARACTERÍSTICAS DA CENA DOS NOSSOS DIAS

Em 1967, dirigiu A Cozinha, de Arnold Wesker, em um circo abandonado.


Traduziu e dirigiu clássicos como Sonhos de Uma Noite de Verão, Décima
Segunda Noite e Les Shakespeare. Permanece sendo uma grande referência da
cena contemporânea.

DICAS

Quer saber mais sobre o trabalho da grande encenadora Ariane Mnouchkine?


Então acesse o link e saiba mais: https://youtu.be/vLmRJH3wiDg.

6 O TEATRO COMO POSSIBILIDADE DE CONHECER O MUNDO


Herdada dos gregos, as palavras Theatron e Theoros têm em comum a
mesma raiz, da qual se originam as expressões teatro e teoria. Se, na origem, o
teatro significou o lugar de onde o público observava a ação, é a teoria que confere
a possibilidade de se ter um ponto de vista sobre as ações tanto dos que atuam
como dos que observam, como dos discursos cênicos produzidos no teatro.

Sabemos que uma das funções do teatro de longa data, vem sendo a de
retratar a realidade. Nesse sentido, sim, podemos saber mais de cada sociedade, em
diversos espaços tempos históricos, estudando o que os teatros desses povos têm a
dizer e de que forma o fazem. Entretanto, para além disso, podemos entender ainda
que as sociedades podem evoluir à medida que os homens e as mulheres que nela
convivem sabem mais sobre si mesmos. E uma sociedade que investe em cultura,
investe no crescimento das pessoas e no bem-estar coletivo. Conforme nos aponta
a pesquisadora francesa Picon-Vallin (2005), o teatro contemporâneo é o lugar
certo para estudar, questionar a história, tornar a realidade das transformações do
mundo conhecida, assim como as das cidades, a evolução de seus habitantes, os
danos dos conflitos nessas cidades, a condição das cidades no mundo, pois se hoje
o romance se serve da ficção, muitas vezes de forma descomedida, para explorar e
experimentar as possibilidades de um mundo em permanente mutação, no teatro
ele é a convocação de momentos da história e seu uso, o estudo ou confrontação
de documentos ou experiências documentadas em cena que ajudam a apreender
as múltiplas questões, grandes e pequenas – que nascem a todo o instante.

Durante a década de 1990, intensificam-se as percepções dos papéis dos


espaços de convivência destinados ao desenvolvimento e qualidade de vida dos
habitantes das cidades. A declaração Universal sobre a Diversidade Cultural
(UNESCO, 2001), a Lei de Fomento ao Teatro da cidade de São Paulo (em 2002),
a Agenda 21 para a Cultura. A Carta das Cidades Educadoras, são exemplos dos
documentos produzidos com o propósito de promover aprendizagens decorrentes
das subjetividades em convívio no território público e no efetivo exercício

173
UNIDADE 3 — A TEATRALIDADE NOS SÉCULOS XX E XXI

democrático da urbis, compreendendo as cidades como espaços relevantes para a


evidenciação manifestação da diversidade cultural dos seus habitantes. O Teatro,
conforme nos lembra Jorge Dubatti (2003), é um espaço de convívio, portanto,
de aprendizagens inscritas nas interações entre as pessoas: a filosofia do teatro
defende que o teatro é um acontecimento convivial/poético/espectatorial. Segundo
o autor, o “teatro-matriz” relaciona-se a um patrimônio cultural da humanidade:
(convívio + poieis + expectação), no qual as subjetividades de forma coletiva, em
diálogo podem se manifestar como os patrimônios históricos que realmente são.

DICAS

Quer saber mais sobre o teatro como possibilidade de conhecer mais o


mundo? Então acesse os links e saiba mais:
• https://youtu.be/3KYHchh_qq8.
• https://youtu.be/XAKAAI96tLw.

174
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• O teatro contemporâneo nada mais é do que as cenas dos nossos dias atuais.

• Os teatros nos dias de hoje são diversos e possuem variadas influências, além
de conter um hibridismo de referências.

• Entre as tendências do teatro contemporâneo, podemos citar: as produções


coletivas, a ruptura com a supremacia do texto dramático, encenações
realizadas em cenários ambientes ao invés dos palcos; hibridismo de
referências; forte ligação com as questões sociais dos nossos tempos, entre
outras. Para explicitar tais tendências, visitamos as obras de alguns dos
grandes diretores do nosso momento.

• No Teatro Pobre de Grotowski observamos uma arte essencial.

• No teatro de Peter Brook vimos o Teatro Vazio, onde é possível ressignificar


os elementos da cena.

• A International School of Theatre Anthology, de Eugênio Barba, instaurou-se


como um campo de estudos do comportamento sociocultural e fisiológico das
sociedades.

• O Théâtre du Soleil de Ariane Mnouchkine permanece sendo uma grande


referência dos trabalhos colaborativos.

• Alguns aspectos que atestam os laços entre o teatro e a educação, ou dito de


outro modo, o teatro como espaço produtivo para lermos melhor o mundo e
escrevermos histórias mais coerentes.

175
AUTOATIVIDADE

1 Analise as sentenças a seguir que tratam dos estudos realizados acerca da


cena contemporânea:

I- Temos uma grande retomada dos dramaturgos clássicos, montados de forma


clássicas.
II- Temos uma grande retomada de autores clássicos, que muitas vezes surgem
por meio de releituras, adaptações, atualizações (ou ainda acoplados a
outras dramaturgias contemporâneas).
III- São comuns os teatros realizados em espaços não convencionais, tais
como bolsa de valores, residências, igrejas, piscinas etc.
IV- A relação entre palco e plateia permanece a mesma, mas, os espectadores
são mais educados. Silenciosos contemplam o que é apresentado, buscando
entender a mensagem da peça e aplaudindo no final.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
b) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
c) ( ) As sentenças I e IV estão corretas.
d) ( ) As sentenças III e IV estão corretas.

2 O Teatro Contemporâneo nos apresenta uma série de grandes nomes, com


grandes propostas para a cena dos nossos dias. A partir disso, associe os
itens, utilizando o código a seguir:

I- Concebeu a antropologia teatral a fim de rastrear os princípios expressivos


das sociedades.
II- Dirigiu "Mahâbhârata'', ressignificando os elementos cênicos, num
verdadeiro jogo teatral.
III- Criador do Teatro Pobre propõe aos atores ensaios a partir da técnica de
exaustão física.
IV- Dirige os trabalhos colaborativos do Théâtre du Soleil.

( ) Peter Brook.
( ) Grotowski.
( ) Eugênio Barba.
( ) Ariane Mnouchkine.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) II – III – I – IV.
b) ( ) I – III – II – IV.
c) ( ) III – IV – I – II.
d) ( ) II – III – IV – I.

3 O Teatro do nosso tempo pode ser compreendido como um espaço de


aprendizagens? Descreva sobre essa possibilidade.

176
TÓPICO 5 —
UNIDADE 3

TEATRO CONTEMPORÂNEO E PERFORMATIVIDADES

1 INTRODUÇÃO

Uma das principais características da arte contemporânea é a ruptura


de barreiras entre as linguagens artísticas. Podemos mencionar outros aspectos
importante desse período, tais como a valorização da presença (a fisicalidade e
corporeidade do próprio artista), o encontro entre artista e espectadores, a relação
entre artistas, espectadores e os espaços e tempos que compartilham, elementos
estes, que constituíram as forças motrizes da Performance.

A Performance muitas vezes denominada também de happening,


cuja a compreensão tem a ver com "acontecimento" e geralmente pressupõe a
interatividade do público, o que não necessariamente acontece na performance, são
por vezes entendidos como sinônimos pois tanto o Happening, como a Performance
tem suas raízes em movimentos artísticos anteriores, entre os quais o Dadaísmo,
o Futurismo, a Arte Conceitual, a Arte Pop, o Minimalismo. Esses movimentos
assim como as "Instalações" rompem com determinadas barreiras classificatórias
do modernismo para se articular de forma mais íntima da materialidade urbana.

Questionar a função da arte, conceitos hegemônicos sobre obra de arte,


o lugar da arte, o objetivo de se consumir arte, as relações com o tempo, com
o capitalismo, com o consumismo, costumam pautar as performances, como
provocações, convites para que a sociedade possa refletir as formas como nos
colocamos no mundo, nos relacionamos e valoramos tudo que nos cerca. Nas
palavras de Bishop (2012, p. 219): "Se essa tradição [da performance dos anos
1960-80] valorizou a presença viva e o imediatismo através do próprio corpo do
artista, na última década essa presença não está mais ligada a um único artista,
mas ao corpo coletivo de um grupo social".

2 ARTE RELACIONAL
O Livro Estética Relacional, de Nicolas Bourriaud, nos aponta uma
possibilidade de leitura para compreender as obras, sobretudo as inseridas
no universo das artes visuais, produzidas nos anos 1990, consideradas muitas
vezes herméticas e de difícil compreensão. Segundo o autor, essas produções
estariam ligadas aos movimentos que, a partir dos anos 1960, comungam de uma
intencionalidade de estabelecer relação com o público, rompendo com os padrões
de sentido, de técnica e de status artísticos dos movimentos anteriores para priorizar
espaços de convívio.
177
UNIDADE 3 — A TEATRALIDADE NOS SÉCULOS XX E XXI

Essa compreensão será de grande valia para entendemos as novas funções


da teatralidade contemporânea, uma vez que o teatro é um universo dialógico e
com o potencial grande para alteridade, onde é possível ampliar nossos olhares
para o espaço público. Nas palavras do próprio Bourriaud (2009, p. 19): "A
possibilidade de uma arte relacional (uma arte que toma como horizonte teórico
a esfera das interações humanas e seu contexto social mais do que a afirmação
de um espaço simbólico autônomo e privado) atesta uma inversão radical dos
objetivos estéticos, culturais e políticos postulados pela arte moderna".

No contexto da arte relacional, o mundo excessivamente industrializado,


o tempo corrido do capital, uma realidade esvaziada do diálogo, a colonização
do imaginário e da possibilidade de se efetivar experiências serão criticadas,
em contraposição, os espaços de encontro, os tempos dilatados, a consciência
do presente, a diversidades dos corpos e das culturas são materializados em
propostas que despertem os sentidos, as identidades, as reflexões.

DICAS

Em uma palestra proferida para o Instituto Cultural Itaú, sobre arte


Contemporânea o Prof. Celso Favaretto irá dizer que entre as importantes transformações
que caracterizam a arte contemporânea, existe a mudança de status do artista, que deixa
de ser o gênio a quem cabia a genialidade da concepção, para se tornar um "interessante
propositor de experiências". Favaretto produziu uma resenha sobre o Livro Estética Relacional
para o Jornal de Resenhas. A seguir, confira a palestras e a resenha. Bons diálogos!
• https://youtu.be/-XG-71wqwUI.
• http://jornalderesenhas.com.br/resenha/do-significado-ao-uso/.

3 PERFORMANCE
O termo inglês Performance surge como um movimento que se consolida
como linguagem artística, que entrelaça elementos do teatro, da literatura, da
dança, das artes visuais e do audiovisual.

A performance assim com o happening tem como marca "o acontecimento"


que se instaura como interferência, no espaço, solicitando novas formas de ver, de
perceber, de sentir, por meio do encontro entre artista e o público, geralmente em
um espaço de transito, urbano, inesperado.

Está relacionada também ao happening e, muitas vezes, os termos são


descritos como sendo a mesma coisa. Alguns estudiosos dizem que há uma
pequena diferença entre os dois tipos de manifestação artística.

178
TÓPICO 5 — TEATRO CONTEMPORÂNEO E PERFORMATIVIDADES

FIGURA 21 – MARINA ABRAMOVIĆ E ULAY

FONTE: <https://static.todamateria.com.br/upload/ma/ri/marinaabramovic-cke.jpg>.
Acesso em: 31 jul. 2021.

Da mesma forma como a Performance se vale do hibridismo entre diversas


linguagens artísticas, entre elementos e fragmentos de elementos de múltiplas
manifestações comunicacionais, o desenvolvimento performativo ocorre a partir
de influencias variadas instauradas tanto nas décadas de 1960 e 1970 como a arte
conceitual, a arte pop, o minimalismo, dadaísmo, surrealismo, a body art, entre outros
como em tecnologias de ponta muitas vezes ainda restrita a um público restrito.

Com frequência, encontraremos manifestações que não se moldam as


classificações habituais, e quase sempre elas são agrupadas em denominações
tais como performances, instalações, os happenings, ou ainda nos coletivos,
chamados de Fluxus.

Entre os principais nomes da Performance temos: Ana Mendieta (1948-


1985), Marina Abramović (1946), Georges Maciunas (1931-1978), Chris Burden
(1946-2015), Nam June Paik (1932-2006), John Cage (1912-1992) – Joseph Beuys
(1921-1986), Gilbert Proesch (1943), George Passmore (1942) Rudolf Schwarzkogler
(1941-1969), Günther Brüs (1938), Herman Nitsch (1938), Bruce Nauman (1941),
Vito Acconci (1940-2017), Valie Export (1940) etc.

No Brasil destacam-se as obras performáticas de: Flávio de Carvalho (1899-


1973), Hélio Oiticica (1937-1980), Letícia Parente (1930- 1991), Wesley Duke Lee
(1931-2010), Nelson Leirner (1932),Cildo Meireles (1948), Carlos Fajardo (1941),
José Resende (1945), Ana Texeira (1957), Frederico Nasser (1945), Hudinilson Jr.
(1957-2013), Guto Lacaz (1948), Ayrson Heráclito (1968), Eleonora Fabião (1968)
entre outros e outras.

179
UNIDADE 3 — A TEATRALIDADE NOS SÉCULOS XX E XXI

DICAS

Para conferir algumas performances ao longo dos anos, acesse: https://youtu.


be/plIKtCKb3dA.

4 TEATRO PERFORMÁTICO
Como vimos a Performance se vale de distintas linguagens artísticas,
caracterizando-se contudo pela implementação dos elementos cênicos em suas
composições, entre eles a materialidade corporal, a noção de presença, do tempo
do ao vivo, diante de um público.

FIGURA 22– INTERFERÊNCIA NO CEMITÉRIO VILA MARIANA SP/ CIA. TEATRO DOCUMENTÁRIO

FONTE: <http://ciateatrodocumentario.com.br/wp-content/uploads/2016/06/para-Guga-2.jpg>.
Acesso em: 30/07/2021.

O termo Teatro Performativo foi proposto por Josette Féral (2017), a fim
de minimizar os desejos limitantes da oposição Teatro e Performance, uma vez
que a cena ocidental é prioritariamente performática, conforme nos demonstram
os estudos de Patrice Pavis (2017), em seu livro "Dicionário da Performance e do
teatro Contemporâneo".

180
TÓPICO 5 — TEATRO CONTEMPORÂNEO E PERFORMATIVIDADES

FIGURA 23 – "OS CEGOS" DO GRUPO DESVIO COLETIVO

FONTE: <https://bit.ly/3lYOMM6>. Acesso em: 31 jul. 2021.

A ação performática ocorre quando o artista (performer) propõe uma


interação entre o corpo (físico, psicológico ou espacial) com o meio (social ou
ambiental). Desta experiência os resultados são as novas percepções em uma
transformação. Não tem uma norma, uma regra, um formato, ou seja, não se
define, mas sim transgride o senso comum e ativa o senso crítico.

Em suas pesquisas e experimentos, Artaud buscava a criação de uma


equação entre o ser humano, a sociedade, o meio ambiente e o objeto. Esta
busca é idêntica à do teatro performático. “Grotowski explica: O Performer, com
maiúscula, é o homem de ação. Não é o homem que faz o papel do outro. É
o dançante, o sacerdote, o guerreiro: está fora dos gêneros estéticos. [...] Pode
compreender apenas se faz. Faz ou não faz. O conhecimento é um problema de
fazer” (FABIÃO, 2008, p. 241).

A dramaturgia deixa de ser compreendida como um texto, passa a ser o


discurso e pode ocorrer como:

• um movimento que flexibiliza os conceitos e os objetos da arte, possibilitando


infinitas ações dramáticas, como: mudanças referenciais do comum ou
natural, a instalação de um cenário em um lugar inusitado;
• atrito entre dois corpos cênicos ou públicos, distintos, intervenções físicas;
• aumentos, exageros, despropósitos, intencionais;
• minimalismo, só o ato de estar gera uma reação;
• causar um colapso, quando a experiência leva o espectador a uma ação gerada
por estresse;
• investimento em dramaturgias pessoais, contar a sua estória e não se um
personagem;
• ritualização do cotidiano e desmistificação da arte.

O tema do teatro performático é demonstrar infinitas possibilidades de


mudanças que podem ocorrer na vida do espectador e ou do ator, em função das
intervenções propostas. De uma forma ou outra, todos que participam de uma
experiência performática, sofrem uma transformação.
181
UNIDADE 3 — A TEATRALIDADE NOS SÉCULOS XX E XXI

LEITURA COMPLEMENTAR

TEATRALIDADE E PERFORMATIVIDADE

Silvia Fernandes

O conceito de performatividade é trabalhado hoje, prioritariamente, no


campo de estudos da performance, que se consolidou nos Estados Unidos nos
anos 1970 e 1980, especialmente com a equipe liderada por Richard Schechner,
da Universidade de Nova York. O pesquisador americano entende que sua
consolidação como área de estudos independente, ligada à antropologia e à
sociologia, foi responsável pela criação de um “novo paradigma”, em resposta
aos limites dos métodos modernos de análise, que não conseguiam dar conta
da radical mudança no panorama cultural e artístico que ocorreu no último
terço do século XX. A nova disciplina considera o teatro e a arte da performance
como um foco de análise entre outros, já que delimita seu campo de estudo de
modo bastante ampliado. Schechner define performance como ação, e propõe-
se a explorá-la em diferentes domínios, em que as práticas artísticas aparecem
ao lado de rituais, atividades esportivas, comportamentos cotidianos, modos de
engajamento social e até mesmo demonstrações de excelência em variados setores
de atuação. Para estabelecer seu recorte, volta às origens do termo performativo,
que surge como conceito definido nos anos 1950, quando Austin o utiliza para
designar as locuções verbais que não apenas dizem alguma coisa, mas de fato
a realizam. Retomado por John R. Searle, o conceito é desenvolvido na teoria
dos atos da fala, ou da palavra-ação. Schechner baseia-se nos dois scholars para
disseminar a noção de performance em todas as esferas da vida social, incluindo
tanto as ações cênicas quanto a vida cotidiana na teoria da performatividade.

Não é o caso de tratar aqui as inúmeras abordagens da performatividade


que Schechner desenvolve, pois acredita que “não há nada inerente a uma ação
que a torne uma performance ou a desqualifique enquanto tal”, abrindo um campo
de estudos cuja amplitude dificulta análises específicas. Para este argumento,
interessa apenas reter a afirmação de que a performance nunca é um objeto ou
uma obra acabada, mas sempre um processo, por estar ligada ao domínio do
fazer e ao princípio da ação.

Quanto à performatividade, seria ao mesmo tempo uma ferramenta


teórica e um ponto de vista analítico, já que toda construção da realidade social
tem potencial performativo.

A dedicação dos estudos da performance a variados aspectos da vida


social tem contraponto nas análises voltadas especificamente para a arte da
performance, desenvolvidas inicialmente por Rose Lee Goldberg e Jorge Glusberg
e, no Brasil, de forma pioneira, por Renato Cohen. A despeito de terem emergido
simultaneamente, no contexto contracultural dos anos 1970, os dois campos de
pesquisa diferenciam-se. A performance art detém-se na instância artística, e não

182
TÓPICO 5 — TEATRO CONTEMPORÂNEO E PERFORMATIVIDADES

pode ser separada das práticas estéticas que passaram a se desenvolver em vários
cantos do mundo no período, como o happening, a action painting, a live art, a arte
conceitual e a body art. Interessada na experiência corporal e na ação do artista
em situações extremas, a arte da performance visa exatamente desestabilizar o
cotidiano por meio da transgressão e da ruptura, promovendo ações artísticas
marcadas pela diferença.

A perspectiva ligada à arte da performance é mais produtiva para o estudo


da teatralidade, pois, seguindo seus pressupostos, pode-se dizer que diversos
traços performativos permeiam a linguagem do teatro contemporâneo. É o que
defende a teórica alemã Érika Fischer-Lichte, ao considerar a performance uma
extensão natural do campo do teatro, e não um novo paradigma, como quer
Schechner. A ensaísta trabalha com exemplos extraídos exclusivamente do que se
pode considerar a prática artística do teatro e da performance contemporâneos.
Seguindo a linha europeia de abordagem do tema, focaliza suas análises no
trabalho de encenadores e performers como Frank Castorf, Einar Schleef, Romeu
Castelucci, Marina Abramovich e Schlingensief, por exemplo. Por outro lado,
concorda com ele quando afirma que a performance e o teatro contemporâneo
são processos e não obras acabadas.

Para Fischer-Lichte, o teatro experimentou um desvio performativo por


volta dos anos 1960, que o transformou em evento, em lugar de obra acabada.
A partir daí, não pode mais ser concebido como representação de um mundo
ficcional que o público deveria observar, interpretar e compreender. Na verdade,
a performatividade elude o escopo da teoria estética tradicional, pois resiste
às demandas da hermenêutica de compreender a obra de arte. Para a ensaísta,
entender as ações do artista é menos importante do que experimentá-las, fazendo
a travessia do evento proposto. A participação nessa experiência provoca uma
gama tão ampla de sensações que transcende a possibilidade e o esforço de
interpretação e produção de significado, não podendo ser superada nem resolvida
pela reflexão. Isso não quer dizer que, numa performance, não haja nada para o
espectador interpretar. Entretanto, também não se pode dizer que as ações do
artista performativo apenas signifiquem alguma coisa.

É evidente que tanto para a hermenêutica quanto para a semiótica, tudo


que é perceptível em cena pode ser definido e interpretado como signo. No entanto,
no caso da performance, a materialidade das ações e a corporeidade dos atores
dominam os atributos semióticos. O evento envolve performers e espectadores em
atmosfera compartilhada e espaço comum que os enreda, contamina e contém,
gerando uma experiência que ultrapassa o simbólico. O resultado é uma afetação
física imediata que, para a ensaísta, causa uma “infecção emocional” no espectador.

A abordagem de Josette Féral concorda, em muitos aspectos, com a de


Fichter-Lichte, especialmente quando faz dialogar com os conceitos de teatralidade
e performatividade. Em ensaio publicado pela primeira vez em 1988, cujo título é
“Teatralidade: sobre a especificidade da linguagem teatral”, recusa-se a definir a
teatralidade como uma qualidade no sentido kantiano, pertinente exclusivamente

183
UNIDADE 3 — A TEATRALIDADE NOS SÉCULOS XX E XXI

à arte do teatro e pré-existente ao objeto em que se investe. Defende a ideia de que


ela é consequência do processo dinâmico de teatralização que o olhar produz ao
postular a criação de outros espaços e outros sujeitos. Esse processo construtivo
é resultado de um ato consciente que pode partir tanto do performer no sentido
amplo do termo – ator, encenador, cenógrafo, iluminador – quanto do espectador,
cuja visada cria a clivagem espacial necessária à sua precipitação. De acordo com
a ensaísta, a teatralidade tanto pode nascer do sujeito que projeta um outro espaço
a partir de seu olhar, quanto dos criadores que instauram um lugar alterno e
requerem um olhar que o reconheça. Também é possível que a teatralidade nasça
das operações reunidas de criação e recepção. De qualquer forma, a teatralidade
não é um dado empírico ou uma qualidade, mas uma operação cognitiva ou ato
performativo daquele que olha (o espectador) e/ou daquele que faz (o ator). Tanto
ópsis quanto práxis, é um vir a ser que resulta dessa dupla polaridade.

Em ensaio anterior, “Performance e teatralidade: o tema desmistificado”,


Féral opunha o conceito de teatralidade ao de performatividade. O texto apresenta
a performance como uma força dinâmica cujo principal objetivo é desfazer as
competências do teatro, que tende a inscrever o palco numa semiologia específica
e normativa. Caracterizado por estrutura narrativa e representacional, o teatro
maneja códigos com a finalidade de realizar determinada inscrição simbólica
do assunto, ao contrário da performance, expressão de fluxos de desejo que tem
por função desconstruir o que o primeiro formatou. Ainda que oponha os dois
conceitos, percebe-se que uma das principais intenções do estudo de Féral é
considerar a teatralidade a resultante de um jogo de forças entre duas realidades
em oposição: as estruturas simbólicas específicas do teatro e os fluxos energéticos –
gestuais, vocais, libidinais – que se atualizam na performance e implicam criações
em processo, inconclusas, geradoras de lugares instáveis de manifestação cênica.
Por recusar a adoção de códigos rígidos, como a definição precisa da personagem
e a interpretação de um texto, o performer apresenta-se ao espectador como um
sujeito desejante, que em geral se expressa em movimentos autobiográficos e
tenta escapar à representação e à organização simbólica que domina o fenômeno
teatral, lutando por definir suas condições de expressão a partir de redes de
impulso. A condição de um evento não repetível, que se apresenta no aqui/agora
de um espaço, é outro princípio de separação entre performance e teatro. Em
certo sentido, a performatividade, nessa acepção, aproxima-se do conceito de
teatro energético de Jean-François Lyotard, um teatro de intensidades, forças e
pulsões de presença, que tenta esquivar-se à lógica da representação.

Voltando a Féral, em texto recente, a ensaísta atenua a oposição estabelecida


nesse ensaio inicial, sustentando que a performatividade é um dos elementos da
teatralidade e todo espetáculo é uma relação recíproca entre ambos. Sublinha
que a performatividade é responsável por aquilo que torna uma performance
única a cada apresentação, enquanto a teatralidade é o que a faz reconhecível
e significativa dentro de um quadro de referências e códigos. O que varia é
exatamente o grau de preponderância de uma ou de outra.

184
TÓPICO 5 — TEATRO CONTEMPORÂNEO E PERFORMATIVIDADES

Féral avança uma nova etapa dessa discussão em último ensaio sobre o
assunto, em que projeta o conceito de “teatro performativo”. Discordando de
Hans-Thies Lehmann (2007) a respeito do termo pós-dramático, que considera
excessivamente genérico e, por isso mesmo, pouco efetivo, a autora analisa
algumas das experiências enfocadas pelo ensaísta alemão como o resultado da
contaminação radical, que acontece no teatro contemporâneo, entre procedimentos
da teatralidade e da performance.

A despeito da distinção de abordagem, Lehmann (2007) já havia observado


a emergência de um campo de fronteira entre a performance e o teatro, à medida
que este se aproxima cada vez mais de um “acontecimento e dos gestos de
autorrepresentação do artista performático”. É exatamente o que Féral ressalta
quando afirma que o teatro contemporâneo se beneficiou amplamente de algumas
conquistas da arte da performance. A principal delas é deslocar a ênfase para a
realização da própria ação, e não sobre seu valor de representação. Segundo Féral,
essa mutação é responsável por uma ruptura epistemológica de tal ordem que é
necessário adotar a expressão teatro performativo para qualificá-la.

FONTE: <https://periodicos.ufba.br/index.php/revteatro/article/view/5391/3860>. Acesso em:


25/07/2021.

185
RESUMO DO TÓPICO 5
Neste tópico, você aprendeu que:

• A arte contemporânea anseia romper as barreiras entre as linguagens


artísticas, entre público e manifestação artística.

• A Performance, o Happening e a instalação rompem com determinadas


barreiras classificatórias validadas até o advento do modernismo.

• A Performance, o Happening, a instalação, buscam um vínculo com


materialidade urbana, extrapolando os espaços usuais de apresentação clássica
destinadas às obras de arte.

• Movimentos como o Dadaísmo, o Futurismo, a Arte Conceitual, a Arte Pop


são influências para as artes performativas, bem como as tecnologias de ponta.

• Entre os vários nomes da performance, podemos citar: Ana Mendieta, Marina


Abramović, Georges Maciunas, Chris Burden, Nam June Paik, John Cage, Joseph
Beuys,Gilbert Proesch, George Passmore, Rudolf Schwarzkogler, Günther Brüs,
Herman Nitsch, Bruce Nauman, Vito Acconci, Valie Export, Flávio de Carvalho,
Hélio Oiticica, Letícia Parente, Wesley Duke Lee, Nelson Leirner, Cildo Meireles,
Carlos Fajardo, José Resende, Ana Texeira, Frederico Nasser, Hudinilson Jr.,
Guto Lacaz , Eleonora Fabião, Ayrson Heráclito, entre outros.

CHAMADA

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186
AUTOATIVIDADE

1 A performance busca romper como as classificações convencionais. Há um


redimensionamento da própria ideia de "obra de arte". Entretanto, podemos
verificar que alguns movimentos artísticos já apresentavam elementos que
pareceram repaginados nas artes performativas. Assinale a alternativa
CORRETA que corresponde aos movimentos artísticos que influenciaram a
arte performativa:

a) ( ) O Realismo, o Dadaísmo e o Futurismo.


b) ( ) O Dadaísmo, o Futurismo, a Arte Conceitual, a Arte Pop.
c) ( ) A Arte Conceitual, a Arte Pop e os Romantismo.
d) ( ) O Simbolismo, o Realismo e a Art Pop.

2 Fruto de uma interação entre o corpo (físico, psicológico ou espacial) com


o meio (social ou ambiental), a performance como acontecimento inaugura
algo novo, ou uma nova forma de ver aquilo que já era conhecido. Descreva
quais outros elementos caracterizam a performance.

3 De acordo com o que estudamos acerca da performance, analise as sentença


as seguir:

I- O termo Teatro Performativo foi proposto por Josette Féral.


II- O teatro Contemporâneo é em larga medida bastante performático.
III- As regras e os formatos utilizados nas Performances são bem delimitados.
IV- As fronteiras entre performance e teatro são muito claras, pois enquanto
no teatro existe um elenco de atores, na performance um único artista,
geralmente das artes visuais se apresenta na performance.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e IV estão corretas.
b) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
c) ( ) As sentenças III e IV estão corretas.
d) ( ) As sentenças I e II estão corretas.

187
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