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Enciclopédia Itaú Cultural de Teatro

Guarnieri, Gianfrancesco (1934 - 2006)


Outros Nomes: Gianfrancesco Sigfrido Benedetto Marinenghi de Guarnieri

Biografia
Gianfrancesco Sigfrido Benedetto Marinenghi de Guarnieri (Milão, Itália 1934 - São Paulo
SP 2006). Autor e ator. Nome de proa nos anos 1960 e 1970, ao lançar textos voltados à
realidade nacional e discutindo, com densidade dramática, problemas sociopolíticos de
impacto. Eles Não Usam Black-Tie, escrito por ele, abre o período da fase nacionalista do
Teatro de Arena, do qual é integrante. Como ator, e eventualmente diretor, distingue-se pela
busca de uma expressividade brasileira nas caracterizações.
Filho de imigrantes, chega ao Brasil com dois anos, vivendo no Rio de Janeiro. Muda-se
para São Paulo em 1954 e como ator integra, a partir do ano seguinte, o Teatro Paulista do
Estudante, grupo amador que se funde com o Teatro de Arena em 1956. Ali, nos elencos de
Escola de Maridos e Dias Felizes, sob a direção de José Renato; e Ratos e Homens,
dirigido por Augusto Boal, ambas encenadas em 1956, projeta-se como intérprete e ganha
espaço no grupo.
No ano seguinte, o Arena encontra-se em crise e pensa em fechar as portas. Para fazê-lo,
resolve encenar um texto de Guarnieri - Eles Não Usam Black-Tie - que, contrariando todas
as expectativas, salva o conjunto da bancarrota e impõe-se como o primeiro texto nacional a
abordar a vida de operários em greve. Inicia-se, desse modo, a construção que faz o autor de
um panorama sobre a vida operária, continuado em Gimba, produzido pelo Teatro Maria
Della Costa - TMDC, que revela o talento de Flávio Rangel, em 1959; e A Semente,
levada à cena pelo mesmo diretor no Teatro Brasileiro de Comédia - TBC, em 1961.
Gimba coloca em cena o morro carioca e a dura sobrevivência das populações
marginalizadas; enquanto que A Semente enfoca, em modo desabrido, a organização do
Partido Comunista e a atuação de uma de suas células num momento de greve operária.
Esses textos ostentam, pela temática e proposições estéticas, vínculos com o realismo
socialista; possuindo o mérito de deslocar o olhar cênico para as camadas populares, seus
problemas e contradições próprias, sem a óptica paternalista tradicional.

O Filho do Cão, de 1964, é ambientado no Nordeste, tentativa de fundir os mitos regionais


com a exposição realista da miséria em que vive a população. O texto é montado dentro do
Teatro de Arena, com direção de Paulo José, recebendo reparos por parte da crítica. Uma
experiência bem diversa ocorre em 1965, como uma resposta ao golpe militar do ano
anterior: para estruturar um espetáculo em torno da saga de Ganga Zumba, o herói negro
dos Palmares, Guarnieri, Augusto Boal e Edu Lobo enveredam pelo modelo de um
seminário histórico, o que possibilita a inclusão de um narrador contemporâneo que interliga
e comenta os episódios representados, estabelecendo outro patamar de comunicação com a
platéia. Tais técnicas, de cunho marcadamente brechtiano, dão forma ao sistema coringa,
um modelo de espetáculo musical cujo primeiro fruto é Arena Conta Zumbi, em 1965. Dois
anos depois, surge Arena Conta Tiradentes, um aprimoramento do sistema que destaca o
protomártir da Independência como herói. Dois sucessos que promovem o Arena à condição
de liderança junto ao teatro de resistência.
A peça curta Animália, de 1968, é escrita para integrar a Primeira Feira Paulista de
Opinião, dirigida por Boal e montada no Teatro Ruth Escobar. Após seu desligamento do
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Arena, Guarnieri aceita uma encomenda de Fernanda Montenegro e escreve Marta Saré,
saga musicada de uma prostituta nordestina que faz fama e fortuna no Rio de Janeiro, em
1968, realização apenas discreta. Um novo musical, Castro Alves Pede Passagem, de 1971,
ambienta num programa de televisão passagens significativas da vida do poeta romântico,
num bem logrado jogo metalingüístico, que lhe rende os prêmios Associação Paulista de
Críticos Teatrais - APCT, e Molière de melhor autor. Sob sua direção, a montagem marca o
início de uma colaboração com a Othon Bastos Produções Artísticas, que, sucessivamente,
encena outros textos seus.
Botequim, dirigido por Antônio Pedro Borges, no Rio de Janeiro, e Um Grito Parado no
Ar, outra colaboração com Othon Bastos e Martha Overbeck, agora com direção de
Fernando Peixoto, ambos de 1972, evidenciam a forte censura imperante no auge da
ditadura militar, e são por ele classificados como "teatro de ocasião". Em Botequim, os
freqüentadores de um bar são impedidos de sair, em função da tempestade que cai lá fora;
enquanto que Um Grito Parado no Ar é centrado sobre as frustradas tentativas de um grupo
teatral de levar a termo sua realização, oferecendo através de metáforas um retrato da
situação de isolamento a que foi confinada a sociedade brasileira. Esse último garante a
ele os prêmios de melhor autor da Associação Paulista dos Críticos de Artes - APCA, o
Molière e Governador do Estado. Basta!, da mesma época, é interditada pela Censura e
impedida de entrar em cena.
Em 1976 Guarnieri volta à alegoria, criando Ponto de Partida, mais uma montagem pela
companhia de Othon Bastos, em encenação de Fernando Peixoto. O próprio autor
desempenha um pastor de cabras, em sensível composição. Numa hipotética aldeia medieval
um poeta surge enforcado, sem que ninguém saiba o motivo; o que motiva as conjecturas
das diversas figuras cênicas, desde uma camponesa até os mandatários locais. A alusão à
morte do jornalista Wladimir Herzog, assassinado no ano anterior pelos órgãos de
segurança, é bastante evidente, e Guarnieri arrebata os prêmios Molière, Governador do
Estado, Mambembe e APCA de melhor texto.
Após longo afastamento dos palcos, exercendo outras atividades, inclusive como Secretário
de Cultura da Prefeitura, o autor volta em 1988 com Pegando Fogo...Lá Fora, texto que não
alcança a mesma densidade dos anteriores.
Em sua carreira de ator, Guarnieri acumula sucessos e prêmios, distinguindo-se, no Teatro
de Arena, na composição de algumas personagens de grande expressividade, tais como em
Ratos e Homens, de John Steinbeck, em 1957; como o jovem Tião, de seu próprio texto
Eles Não Usam Black-Tie, em 1958, em que é premiado como autor revelação; O Filho do
Cão, em 1964; A Mandrágora, de Maquiavel, em 1962; Tartufo, de Molière, em 1964; O
Inspetor Geral, de Nikolai Gogol, em que é dirigido por Boal, em 1966; o Coringa de Arena
Conta Tiradentes, em 1967; o protagonista de A Resistível Ascensão de Arturo Ui, de
Bertolt Brecht, em 1968.
Também ator de cinema e televisão, acumula nesses veículos grandes interpretações. Pelo
sensível acorde dramático alcançado como Otávio, o pai de Eles Não Usam Black-Tie, na
versão cinematográfica de Leon Hirszman, em 1982, recebe inúmeros prêmios.
Na avaliação do crítico Décio de Almeida Prado, "Guarnieri escreveu com facilidade
e fecundidade tanto na década de 1960 quanto na de 1970, antes e depois de 1964, porque
tinha durante esse tempo todo um claro projeto político em vista. Sabia a favor do que ou
contra o que manifestar-se. (...) Se na qualidade de escritor engajado Guarnieri nunca se
recusou a tomar partido, na de poeta dramático equilibrou sempre a sua obra entre dois
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recusou a tomar partido, na de poeta dramático equilibrou sempre a sua obra entre dois
pólos: a sedutora simplicidade das grandes explicações históricas - no caso, o marxismo - e a
extrema complexidade do mundo real e dos homens. Daí o paradoxo (comum a toda boa
literatura) desse teatro: não é preciso partir de suas premissas ideológicas para admirá-lo
enquanto lição humana e realização estética". 1
Notas
1. PRADO, Décio de Almeida. Peças, pessoas, personagens: o teatro brasileiro de Procópio Ferreira a Cacilda Becker. São Paulo:
Companhia das Letras, 1993. p. 120-121.

Nascimento/Morte

1934 - Milão (Itália) - 6 de agosto (naturalizado brasileiro)


2006 - São Paulo SP - 22 de julho

Formação

Autodidata

Fontes de Pesquisa
MARTINS, Maria Helena Pires (Org.). Gianfrancesco Guarnieri. São Paulo: Abril
Educação, 1980. 106 p. (Literatura comentada).

MICHALSKI, Yan. Gianfrancesco Guarnieri. In: ______. Pequena enciclopédia do teatro


brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: CNPq, 1989. Material inédito, elaborado em
projeto para o CNPq.

MOSTAÇO, Edelcio. Teatro e política: Arena, Oficina e Opinião. São Paulo: Proposta:
Secretaria de Estado da Cultura, 1982. 196 p.

PRADO, Décio de Almeida. Peças, pessoas, personagens: o teatro brasileiro de Procópio


Ferreira a Cacilda Becker. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. 173 p., il.

ROSENFELD, Anatol. O mito e o herói no moderno teatro brasileiro. São Paulo:


Perspectiva, 1982.

Espetáculos
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Espetáculos

Adaptação
1963 - São Paulo SP - O Melhor Juiz, o Rei
1965 - São Paulo SP - Tempo de Guerra
1968 - Recife PE - O Melhor Juiz, o Rei
1970 - São Paulo SP - Don Juan

Autoria
s.d. - Sorocaba SP - Eles Não Usam Black-Tie
1959 - São Paulo SP - Gimba
1960 - São Paulo SP - A Semente
1961 - Rio de Janeiro RJ - Eles Não Usam Black-Tie
1964 - São Paulo SP - O Filho do Cão
1964 - Salvador BA - Eles Não Usam Black-Tie
1964 - São Paulo SP - O Cimento
1964 - São Paulo SP - História de um Soldado
1965 - São Paulo SP - Arena Conta Zumbi
1966 - São Paulo SP - A Criação do Mundo Segundo Ary Toledo
1967 - São Paulo SP - Arena Conta Tiradentes
1967 - Recife PE - Eles Não Usam Black-Tie
1968 - São Paulo SP - Arena Conta Tiradentes
1968 - São Paulo SP - Animália
1968 - São Paulo SP - Marta Saré
1969 - Nova York (Estados Unidos) - Arena Conta Zumbi
1969 - Porto Alegre RS - Arena Conta Tiradentes
1970 - Buenos Aires (Argentina) - Arena Conta Zumbi
1970 - São Paulo SP - Gimba
1970 - Curitiba PR - Arena Conta Zumbi
1971 - Curitiba PR - Arena Conta Tiradentes
1971 - São Paulo SP - Castro Alves Pede Passagem
1971 - Montevidéu (Uruguai) - Arena Conta Zumbi
1972 - Rio de Janeiro RJ - Castro Alves Pede Passagem
1972 - São Paulo SP - Botequim
1972 - São Paulo SP - Basta!
1973 - São Paulo SP - Um Grito Parado no Ar
1973 - Rio de Janeiro RJ - Botequim
1975 - Rio de Janeiro RJ - Um Grito Parado no Ar
1976 - São Paulo SP - Ponto de Partida
1976 - Rio de Janeiro RJ - Arena Conta Zumbi
1979 - São Paulo SP - Que País É Esse, Que Zorra!
1979 - São Paulo SP - Crônica de um Cidadão sem Nenhuma Importância
1979 - Rio de Janeiro RJ - Ponto de Partida
1979 - Recife PE - Um Grito parado no Ar
1988 - São Paulo SP - Pegando Fogo...Lá Fora
1994 - São Paulo SP - Que Fazer Leonel?
1995 - São Paulo SP - A Canastra de Macário
1998 - São Paulo SP - Anjo na Contramão
2000 - Rio de Janeiro RJ - Eles Não Usam Black-Tie
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2000 - Rio de Janeiro RJ - Eles Não Usam Black-Tie


2001 - São Paulo SP - Luta Secreta de Maria da Encarnação
2005 - (Portugal) - O Canto do Teatro Brasileiro I

Direção
1971 - São Paulo SP - Castro Alves Pede Passagem
1980 - São Paulo SP - Pegue e Não Pague
1995 - São Paulo SP - Doldrum, a Travessia de Jofé

Interpretação
1955 - São Paulo SP - O Inspetor Está Lá Fora
1956 - São Paulo SP - Ratos e Homens
1956 - São Paulo SP - Escola de Maridos
1956 - São Paulo SP - Dias Felizes
1957 - São Paulo SP - Enquanto Eles Forem Felizes
1957 - São Paulo SP - Só o Faraó Tem Alma
1957 - São Paulo SP - Juno e o Pavão
1958 - São Paulo SP - Eles Não Usam Black-Tie
1959 - São Paulo SP - Gimba
1960 - São Paulo SP - A Semente
1961 - São Paulo SP - As Almas Mortas
1961 - São Paulo SP - A Escada
1962 - São Paulo SP - A Mandrágora
1962 - São Paulo SP - Eles Não Usam Black-Tie
1963 - São Paulo SP - O Melhor Juiz, o Rei
1964 - São Paulo SP - Tartufo
1964 - São Paulo SP - O Filho do Cão
1965 - São Paulo SP - Arena Conta Zumbi
1966 - São Paulo SP - O Inspetor Geral
1967 - São Paulo SP - Arena Conta Tiradentes
1967 - São Paulo SP - O Círculo de Giz Caucasiano
1967 - São Paulo SP - La Moschetta
1968 - São Paulo SP - Marta Saré
1968 - São Paulo SP - Animália
1968 - São Paulo SP - A Resistível Ascensão de Arturo Ui
1968 - São Paulo SP - Arena Conta Tiradentes
1970 - São Paulo SP - Don Juan
1970 - São Paulo SP - A Resistível Ascensão de Arturo Ui
1971 - São Paulo SP - Putz
1976 - São Paulo SP - Ponto de Partida
1981 - São Paulo SP - Pegue e Não Pague
1988 - São Paulo SP - Pegando Fogo...Lá Fora
1995 - São Paulo SP - A Canastra de Macário

Música
1958 - São Paulo SP - Eles Não Usam Black-Tie
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Participação especial
2005 - São Paulo SP - Avenida Dropsie

Tradução
1966 - São Paulo SP - O Inspetor Geral
1968 - Recife PE - O Melhor Juiz, o Rei
1970 - São Paulo SP - Don Juan
1978 - Porto Alegre RS - O Inspetor Geral

Trilha sonora
1964 - Rio de Janeiro RJ - Opinião

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