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XII ENCONTRO DO FÓRUM DE LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA – 2023

Caminhos independentes

CADERNO DE RESUMOS

Alexandra Alves da Silva – FFP-UERJ


Em pilhas, as mulheres: um passeio pela escrita feminina contemporânea de Patrícia
Melo

O presente trabalho visa, a partir das leituras do romance Mulheres empilhadas, de


Patrícia Melo, fomentar reflexões, à luz da teoria crítica literária feminista, acerca das
incontáveis manifestações de violências com os corpos femininos, principalmente
para com aqueles de maior vulnerabilidade social, racial e étnica. Nesse contexto de
subalternidade, além de o conteúdo do romance estar alinhado aos pensamentos
decoloniais e interseccionais, a incursão da autora nessa obra verossímil também é
significativa, já que ela se apropria de uma literatura cujo espaço de fala denuncia a
permanência das práticas coloniais como um forte projeto político e patriarcal,
perpetuado pela misoginia velada. Sob o aporte teórico de Françoise Vergès (2022),
Silvia Federici (2017), Eurídice Figueiredo (2020), Patricia Hill Collins e Sirma Bilge
(2021), serão contempladas diferentes abordagens no que se refere à subalternidade,
às inúmeras manifestações de violência e ao biopoder, ressaltando as ideias de que o
romance de Melo interpela questões intencionalmente apagadas pelo sistema para
negar os crimes de violências de gênero. Partindo de acontecimentos que
rememoram situações brasileiras recentes, o romance da autora relembra crimes de
gênero, englobando mulheres cis, trans, homo e heterossexuais,
independentemente de classe. Pensar nos feminicídios brasileiros é também
conseguir abarcar qualquer pessoa que se declare do gênero feminino, trazendo a
interseccionalidade como um ponto-chave dessa discussão, já que o estereótipo de
ser mulher intensifica a misoginia desses homens criminosos.

Alexandre Bruno Tinelli – UFRJ


Letra e sentido em dois poemas de Paulo Henriques Britto

Nesta apresentação, efetuarei uma análise, por assim dizer, microscópica das formas
linguísticas, dos motivos do conteúdo e da composição dos poemas “À margem do
Douro” e “Mirante”, de Paulo Henriques Britto, recolhidos em Nenhum mistério,
penúltimo volume de poesia do escritor, publicado em 2018. Pretendo considerar
somente os textos propriamente ditos e observá-los com atenção sustentada, de
modo que seus movimentos de língua e de fundo não me escapem, ainda que não
venha a me deter sobre todos os seus aspectos. Gostaria de mostrar como, no
detalhe do texto, letra e sentido se informam mutuamente e de que maneira a escrita
se entrelaça à experiência sensível. Para isso, utilizarei o pensamento do poeta e
teórico francês Michel Collot como uma espécie de guia e considerarei a própria
língua como uma paisagem. Meu objetivo é entender como o sujeito lírico dos
poemas se comunica com a carne do mundo através da linguagem.

Alexandre Luiz Ribeiro da Fonseca Júnior – UFMG


Diante dos traumas, os fragmentos: a figuração da ditadura em O lugar mais sombrio,
de Milton Hatoum

Esta comunicação propõe-se a discutir como os romances A noite da espera (2017) e


Pontos de fuga (2019), da trilogia ainda por completar-se, O lugar mais sombrio, de
Milton Hatoum, figuram a ditadura militar brasileira. Os romances evocam os dramas
de uma geração de jovens universitários que, desde 1968, em meio aos conturbados
“anos de chumbo”, amadurecem experimentando as agruras e as angústias daquele
momento sufocante, prefigurando, assim, um romance de formação calcado na
melancolia e no fracasso. Acresce que a forma fragmentária dos romances –
constituída mediante diários do protagonista, diários e anotações de seus amigos,
cartas e correspondências – procura formalizar as vivências traumáticas e
melancólicas desses jovens, fundadas na incerteza e nas incompletudes frente a um
cenário necropolítico e autoritário, impeditivo de uma efetiva formação do indivíduo
e de sua real inserção na sociedade. Nesse sentido, como refletido pela história
narrada nessas obras, na ditadura, a formação é marcada por vazios e
impossibilidades. A fragmentação formal da narrativa, pois, ancora-se nos traumas
do protagonista e de seus amigos.

Amanda Dib da Silva de Almeida Ferreira – UFRJ


Como catar o que falta: poéticas de Carolina Maria de Jesus

O objetivo deste trabalho é pensar nos processos de escrita em Quarto de despejo:


diário de uma favelada (1960), de Carolina Maria de Jesus. Do despejo, lá, onde o
Palácio e a cidade se afastam, isto é, da favela, a narradora vai erguendo a sua obra,
nascida do lixo. Para Raffaella Fernandez (2018), a escritora “inventa a língua da
fome, da escassez, do descarte”, o que é intitulado pela pesquisadora como a
“poética de resíduos”. Uma das marcas do processo criativo de Carolina é o acúmulo
das histórias vivenciadas no cotidiano ou recicladas do passado. No ato de escrever
memórias, a autora já trabalha com os restos e opera a partir dos rastros, afinal, a
memória nunca se dá sem lacunas, sem esquecimento. No diário, lê-se que o gesto
de catar não faz com que a narradora obtenha completude ou que de fato apreenda
os objetos, o material ou a linguagem capaz de representar o todo. Embora seja a
busca por retratar a realidade que esteja em jogo, há algo que sempre escapa à lógica
da representação, e Quarto de despejo não se furta a padecer disso. No prefácio à
nova edição de Casa de alvenaria, Conceição Evaristo (2021) escreve: “Carolina
registrou que seu padecimento ia além de uma panela vazia”. Catar o que lhe falta
torna-se uma pergunta que se inscreve constantemente na busca tanto material
quanto existencial da narradora. Neste trabalho, busca-se perseguir essa pergunta e,
sobretudo, analisar como ela opera em Quarto de despejo no âmbito da linguagem.
Ana Beatriz Pereira Brasil – UFRJ
O cabelo e a reconstrução da identidade da mulher negra a partir da leitura da poesia
de Stephanie Borges

O presente trabalho tem como objetivo estudar a presença do cabelo como sinônimo
de resistência, memória e identidade da mulher negra na poesia contemporânea de
autoria feminina. O objeto do racismo não são apenas o homem negro e a mulher
negra, mas sua maneira de existir diante da sociedade. A imagem da mulher negra foi
construída por preconceitos fincados em ideais racistas e brancos. Longe da sua
verdadeira identidade, a mulher negra se percebe numa tentativa de compreender
qual seria o seu padrão estético. É nesse lugar que se fazem necessários mecanismos
que ajudem na construção ou reconstrução do seu próprio padrão. A poesia é uma
forma de representação de espaços, em que os interesses e as perspectivas sociais
interagem e se entrechocam. É nesses espaços que poetas negras têm usado o
cabelo como instrumento para ressignificar, protestar e rememorar nossas origens.
A obra utilizada para análise é o livro Talvez precisemos de um nome para isso, da
autora Stephanie Borges (2019), um poema longo dividido em várias partes em que a
autora traz um debate sobre beleza e identidade e propõe uma autoanálise sobre a
construção e reconstrução da própria imagem. Como suporte teórico, nos
apoiaremos nos livros Memórias da plantação, de Grada Kilomba, Tornar-se negro, de
Neusa Santos, e Sem perder a raiz, de Nilma Gomes Lima, além de artigos que tratem
sobre cabelo e a mulher negra.

Ana Beatriz Pereira Ramos – UFJF


O medo do tempo: análise do eixo temporal e do eixo semiótico em “O cooper de
Cida”

A figura do tempo na Grécia homérica (aproximadamente os anos 1150 a.C. a 800 a.C.)
era representada por Cronos (Κρόνος), um deus devastador que devorou os próprios
filhos, pois sentia medo de perder o seu trono nos céus. Apesar da distância
cronológica entre o mito grego e a atualidade, o humano contemporâneo permanece
no estado de vítima do tempo, vivendo em função de multitasking e
desinteriorização. Diante dessa situação, o presente trabalho propõe o tempo como
o maior antagonista da literatura brasileira contemporânea. Nessa perspectiva, serão
analisados o eixo temporal e o eixo semiótico do conto “O cooper de Cida”, de
Conceição Evaristo, publicado em Olhos d'água (2015). A análise versa sobre o modo
como o capitalismo influi na forma como a literatura constrói o tempo na narrativa,
moldando uma nova tradição para a leitura e a criação literária. Para isso, destaco o
conceito de tempo narrativo e o percurso gerativo de sentido. A comunicação
proposta possui como principais aportes teórico-metodológicos as seguintes
leituras: Tempo e narrativa (vol. II), de Paul Ricoeur, A criação literária, de Massaud
Moisés, Teoria semiótica do texto, de Diana Luz Pessoa Barros, A condição humana,
de Hannah Arendt, e Sociedade do cansaço, de Byung Chul Han.
Ana Claudia Alves Netto Coelho – UFJF
Uma reflexão sobre violências sexuais em narrativas escritas por mulheres

O presente trabalho é um fragmento de nossa pesquisa sobre violências sexuais em


narrativas escritas por mulheres. Para esta apresentação, tendo como foco o
romance Mar azul (2012) de Paloma Vidal, destacamos a temeridade para controlar os
tormentos, os desprazeres e a insegurança da vítima de abuso sexual. A temática de
Vidal é tópico que faz parte do cotidiano de muitas mulheres: o estupro. Várias não
conseguem escapar dessa agressão e, tornando-se novas vítimas de feminicídio no
Brasil, acabam tendo suas vidas interrompidas. No início de Mar azul, a narradora, não
nomeada na narrativa, descreve a uma amiga o estupro que sofreu na adolescência,
as aflições, o medo, a solidão que esse fato causou em sua vida, e relata a luta para
vencer a ojeriza e superar as dificuldades existenciais, sociais e culturais dela
decorrentes. Como suporte teórico geral, lançamos mão da obra Por uma crítica
feminista: leituras transversais de escritoras brasileiras (2020) de Eurídice Figueiredo.
O estupro e a violência contra mulheres constituem um legado nocivo que tem que
ser superado. Para abordar esse aspecto, recorremos aos estudos: Abuso: a cultura
do estupro no Brasil (2020), da jornalista Ana Paula Araújo, Pensamentos feministas:
conceitos fundamentais (2019), de Heloisa Buarque de Hollanda, e Do que estamos
falando quando falamos de estupro (2019), de Sohaila Abdulali.

Analia Bicalho Vencioneck – UFRJ


A respeito das representações do trabalho precarizado na ficção brasileira
contemporânea

Esta proposta de comunicação tem por objetivo apresentar as reflexões iniciais de


minha pesquisa de doutorado a respeito das representações do trabalho precarizado
em ficções contemporâneas. A investigação parte do conceito de precariado (Braga,
2012; Standing, 2013; Alves, 2018), quanto à sociologia do trabalho, bem como do de
marginalidade (Faria, Patrocínio & Penna, 2015), no âmbito da cultura, para
contextualizar as obras: Perifobia (2017), de Lilia Guerra, Os supridores (2021), de José
Falero, e Via Ápia (2022), de Geovani Martins. Com base nesse corpus, intento verificar
as atribuições de valor ou axiologias do trabalho nas narrativas, e os modos de
operação e modulação da linguagem literária, considerando, para tanto, a
emergência de novas vozes autorais na literatura, o estabelecimento de um novo
paradigma de temas, valores e modos de enunciação, bem como a afirmação de um
vínculo territorial e grupal, a despeito do vínculo de classe. Considerando o
pressuposto marxiano de trabalho historicamente situado como alienação (Marx,
2007) e os retratos e discursos sobre o trabalho precário nas narrativas, que tipo de
questões – não apenas estéticas, mas da própria vida política e social – emergem com
e de tais obras?

André Luís Mourão de Uzêda – UFRJ


O narrador-Iroko de Nada digo de ti, que em ti não veja, de Eliana Alves Cruz
Para a seguinte proposta de comunicação, debruço-me sobre o romance Nada digo
de ti, que em ti não veja (2020), de Eliana Alves Cruz, dedicando-me especificamente
à composição temporal na constituição da trama narrativa. Na obra, o tempo não se
restringe a elemento articulador da função mimética no enredo, mas consiste no
próprio sujeito narrador que domina e mobiliza o discurso – o qual, em minha leitura,
analiso como a personificação da deidade mítica iorubá de Iroko, o Tempo. No
exercício de se buscar outros referenciais teórico-críticos circunscritos em textos de
autoria negra na literatura brasileira contemporânea, analiso a categoria temporal no
romance de Cruz em sintonia com o pensamento mitopoético nagô-iorubá.
Diferentemente da tradição ocidental, nessa filosofia de diáspora (Sodré, 2017), a
percepção temporal não é cronológica nem linear, mas cíclica e reatualizada pelo axé:
o princípio de realização que assegura a existência dinâmica e que permite o
acontecer e o devir (Santos, 2012). Iroko, o orixá do tempo, simbolizado pela árvore
africana de Iroco, diasporicamente ressignificada no Brasil pelo pé de gameleira
branca, é cultuado como divindade silenciosa e turbulenta, que pacientemente sabe
aguardar, mas que, a seu tempo, sempre cobra o que lhe é devido (Martins; Marinho,
2010). Pela chave do tempo paciente e cobrador, interpretamos a figura do narrador
de Nada digo de ti, que em ti não veja como um personagem que acompanha a saga
da protagonista transexual Vitória com sede de justiça para um acerto final de contas.

André Luís Souza Salviano – UFRJ


Pastiche ou pistache? Sérgio Rodrigues recebe Machado de Assis nos dias de hoje

Em A vida futura, Sérgio Rodrigues utiliza o tom cômico para tratar de temas atuais e
espinhosos, tais como gênero neutro, racismo e a adaptação de clássicos da literatura
com o intuito de os simplificar para o leitor contemporâneo. O narrador em primeira
pessoa é nada mais nada menos que Machado de Assis, que vem ao Rio de Janeiro
no ano de 2021 como espírito na companhia do amigo José de Alencar, justamente
para tentarem impedir que seus livros sejam “simplificados” por uma professora da
Escola de Comunicação da UFRJ. O que mais chama a atenção no romance é o
trabalho com a linguagem. Através de um pastiche bem elaborado, o autor emula a
sintaxe machadiana com sucesso. E, ao optar pela paródia, Sérgio aproveita para
fazer troça com a diferença entre o vocabulário conhecido pelo Bruxo do Cosme
Velho, finado em 1908, e os conceitos acadêmicos que são utilizados na atualidade:
“grupos interseccionais, lugar de fala, centralidade, não binário, cisgênero,
epistemologia decolonial, todes... ‘Todes?! Seria um Deus nórdico?’ Logo me perdi.”
Com 166 páginas, divididas em 51 capítulos curtos, à moda de Machado, A vida futura
é um interessante exercício ficcional colocando nosso maior escritor em situação
inusitada e mui original.

André Vinicius Pessôa – UFRJ


O ativismo performático da escrita de Ailton Krenak

O objetivo desta apresentação é o exercício preliminar de uma hipótese de trabalho:


dimensionar criticamente os textos de Ailton Krenak, especialmente os publicados
em Ideias para adiar o fim do mundo, nos territórios fronteiriços do estético e do
político a partir da suposição de uma escrita performática, transpassada por uma
ativa e original intervenção corporal oriunda da presença enquanto elemento
constituinte da enunciação. Inicialmente, como sugestão de um diálogo teórico-
crítico que dê conta da particularidade dessa escrita, serão colocados para jogo
alguns conceitos antes debatidos por Paul Zumthor em Performance, recepção,
leitura e Jean-Luc Nancy em Corpo, fora. Ademais, sem deixar de lado o próprio da
escrita de Krenak, o seu ativismo extraliterário, cabe investigar e questionar o lugar
ocupado pelo pensador como ponto ou contraponto, dentro ou fora dos limites de
uma literatura indígena contemporânea, reconhecida em sua emergência e
permanente construção a partir das teorizações da poeta e crítica literária Graça
Graúna.

Antonio Eduardo Soares Laranjeira – UFBA


Marcelo Montenegro: uma estética do sampleamento

Este trabalho tem como objetivo abordar panoramicamente o percurso poético de


Marcelo Montenegro, considerando seus quatro livros publicados – Orfanato portátil
(2003), Garagem lírica (2012), Forte apache (2017) e Vídeos caseiros (2021) –, com vistas
a perceber a configuração de sua poesia como decorrente de uma escrita sampler.
Com base em uma mirada transdisciplinar dos estudos literários, é possível perceber,
na poesia contemporânea, deslocamentos significativos frente às concepções mais
tradicionais acerca do gênero lírico. Ao operar com conceitos como o de pós-
produção, conforme Nicolas Bourriaud (2009), e de arte inespecífica, a partir do
pensamento de Florencia Garramuño (2014), observa-se na produção de Montenegro
recorrente trânsito entre fronteiras midiáticas, relacionado com a prática frequente
do sampleamento de referências e linguagens que constituem seus textos. Diante
disso, pretende-se demonstrar como a produção de Montenegro, perpassada por
múltiplas referências ao cinema, à música, à literatura e outras linguagens, se inscreve
numa estética sampler, como a compreendem, no contexto da literatura, Leonardo
Villa-Forte (2019), Mauro Gaspar e Frederico Coelho (2006).

Artur Vinicius Amaro dos Santos – UFRJ


Exu-Brasil – as encruzilhadas das crônicas exusíacas de Luiz Antonio Simas

Em Crônicas exusíacas e estilhaços pelintras (2023), Luiz Antonio Simas faz uma
espécie de passeio-transe pelas encruzilhadas do Rio de Janeiro, colocando em cena
o Orixá Exu – senhor das encruzilhadas e orixá da comunicação –, personificado como
pessoas e como parte da cidade, nas encruzilhadas. Em suas 77 crônicas, o livro faz
um passeio pelo Rio de Janeiro e pela baixada fluminense, mostrando como “Fora do
tempo, a Zona parece fugir igualmente à geografia e apresentar-se como um lugar
ilocalizável e indelimitável” (Etelain, 2017). O tempo do livro é um tempo mítico, o
sujeito que narra o livro – um Exu em terra – não se apresenta como um flâneur – um
espectador, um observador da vida, ao passar por ela –, mas se põe diante da cidade
como um corpo-ebó – que na encruzilhada oferece e recolhe a história, registra e
vive, transita e não passeia. Este trabalho pretende passar pelas encruzilhadas das
sete primeiras pequenas crônicas do livro e mostrar como Exu aparece nelas, não
apenas como personagem nominado – ganhando nome de orixá ou como uma de
suas muitas faces popularmente difundidas pela cidade –, mas como imagem de
brasilidade, um signo de leitura que ambienta o espaço do Rio de Janeiro. O objetivo
é pensar como Exu se faz na cidade das crônicas do livro, mas também como ele é
um traço de nacionalidade possível para a identidade de um país colonial, feito na
força, na morte, na festa e, sobretudo, nas estripulias para a sobrevivência.

Bárbara Pinheiro Baptista – UFRRJ


“Pura pose, pura malícia”: itinerários (auto)biográficos de Ana Cristina Cesar

A presente pesquisa tem como objetivo principal compreender a seleção e a


organização do acervo pessoal de Ana Cristina Cesar, levando em consideração a
construção de um projeto de memória em torno da escritora por meio do exame de
fontes como um catálogo de exposição em homenagem à autora, sua fotobiografia
e trabalhos que buscam investigar o seu percurso intelectual. Procuramos
empreender uma análise de como tem sido a elaboração de representações sobre a
trajetória da autora, pensando nas escolhas, seleções e omissões que constituem
esse processo e considerando o arquivo pessoal da escritora uma fonte relevante
para pensar a relação entre sua biografia pessoal e a memória documental presente
no acervo. Foram investigados os procedimentos de memória envolvidos nas
representações biográficas da poeta carioca e, através da análise das fontes, foram
evidenciados os agentes que compõem a guarda de sua memória, bem como os
projetos de construção desses discursos. Buscamos investigar também suas redes de
sociabilidade e sua associação com as vanguardas culturais do período.

Beatriz Lima do Prado – PUC-Rio


As possibilidades da canção contemporânea: uma análise de Como é bom estar
debaixo d’água, de Luedji Luna

A arte das últimas décadas tem se consolidado como espaço de expressão de grupos
marginalizados, espaço onde a autoficção (Kingler, 2008), ou a escrevivência,
postulada por Conceição Evaristo em sua crítica literária, concretizam-se como
subversão da perspectiva hegemônica e pretensamente universal. Entre as formas
de expressão, temos a canção que, ao unir melodia e letra, capilariza-se de maneira
única entre diferentes grupos sociais, elementos que a transformam em potente
ferramenta não só de exposição, mas de disseminação de discussões insurgentes.
Diante do exposto, esta pesquisa pretende examinar de que modo a literatura ganha
novos ares e se enriquece no diálogo com outras expressões artísticas, como a
música e o audiovisual, além de mostrar como o cancioneiro do Brasil
contemporâneo tem valorizado novas perspectivas e temáticas. Para tanto, utilizo o
álbum audiovisual Como é bom estar debaixo d’água (2020), da cantora Luedji Luna, e
pontuo, por meio da análise composicional, melódica e imagética da obra, como a
negritude feminina é tônica na linha narrativa da obra. Pelas letras, vemos expressa
a subjetividade dessa mulher, em vista de evidenciar uma humanidade
historicamente negada. São narrados afetos, angústias, fraquezas e desejos, todos
com um olhar racialmente marcado. Pelas melodias, vemos referências ao jazz, ao
blues e ainda ao compasso dos toques do candomblé. Pelas imagens, são
representados elementos das religiões afrodiaspóricas, de modo tanto metafórico
quanto arquetípico. Vale ressaltar também as referências à literatura escrita, com as
obras de Conceição Evaristo, Tatiana Nascimento e bell hooks. Assim, o álbum é
usado para compreender as possibilidades de comunicação e circulação literária
próprias da expressão musical, e também discutir sobre o recente movimento de
trazer para a arte pluriperspectivas, nas quais indivíduos silenciados e relegados ao
lugar de objeto reivindicam a autonomia de expor suas narrativas.

Bruno Santos Pereira da Silva – UFRJ


“Para ler ao som de”: títulos, subtítulos e as epígrafes em Caio Fernando Abreu

Segundo Gérard Genette na obra Paratextos editoriais (2009), o paratexto é certa


organização textual que se coloca ao lado de outra – para, do grego, que significa ao
lado de, perto de –, mantendo uma relação de continuidade e complemento,
reavendo o texto como força discursiva. Mais que um adorno, o elemento
paratextual pode complementar uma informação, auxiliar numa interpretação e/ou
iluminar o porvir. Apoiando-se na conceituação do crítico francês, a apresentação
proposta concentra-se na obra Morangos mofados (1982) – estando ao mesmo tempo
aberta aos influxos de outras produções do escritor –, buscando examinar e fazer
uma leitura do livro de maior expressão de Caio Fernando Abreu a partir dos seus
títulos, subtítulos e epígrafes, seus paratextos por fim. O intuito é mostrar como a
obra de Caio F. escreve-se antes mesmo do próprio texto, revelando o trabalho com
a linguagem e o labor poético do autor gaúcho.

Bruno Tavares da Silva – UFRRJ


Mestre de Centimentos: a função do MC (Mestre de Cerimônia) na cultura Hip-Hop
contemporânea

Escrever versos, declamar versos, expor o que se pensa utilizando versos significam
reclamar por uma linguagem, instrumento de poder, negada desde o episódio da
escravatura africana. Sim, é isso o que define um MC, tradicionalmente chamado
Mestre de Cerimônias, e que aqui será o Mestre de Centimentos, com C. Todos os
filhos da diáspora africana foram gerados por línguas tonais, bantus em sua maioria.
As subjetivações acontecem mais pelos efeitos provocados na oralidade do que pela
escrita. O ato se inicia no entoar de suas vozes como um chamado para a guerra, e
dominar a audiência é o propósito ritualístico de evocação de ancestralidade, tudo
em sincronia com os tambores eletrônicos. Ser um MC é estar em contato com o
sagrado e o profano, uma permanente troca apenas possível de se sentir, e pouco há
a se explicar sobre versos, pois o sagrado não se explica, apenas se sente. Emeceeing,
ou o estado pleno de transe realizado no ato do verso de improviso, se diferencia do
rapping, que é o discurso preparado como expressão política e social. Ambos
pertencem ao elemento rap da cultura Hip-Hop, que pode ser chamado de gênero
literário moderno ou um caminho independente de literatura, uma forma
contemporânea e antiga de literatura que nos remete aos griôs africanos, aos
trovadores europeus, aos terreiros de macumba e aos becos e às vielas das favelas.
Ainda podem ser mencionadas algumas outras vertentes de práticas emeceeings, o
traping, o freestyling, e todas as formas de versos com intenção de persuasão,
realizada no ato em que se reterritorializam subjetivações por uma outra linguagem,
quando a sua original for negada pelo advento da exploração capitalista.

Camila de Carvalho Santana – UFRJ


Explorando a cronologia da narrativa representativa

A literatura, ao longo do tempo, tem trilhado caminhos independentes, abrindo-se


para uma riqueza de ideias e abordagens que têm forçado o padrão a estar em
constante evolução. Diferentes vozes se ergueram, refletindo a diversidade de
perspectivas e experiências humanas. Nesse cenário, a autonomia ganha destaque,
permitindo que os escritores expressem suas visões de mundo a partir das suas
escrevivências. Assim, a literatura não se isola do contexto político; pelo contrário,
essas duas esferas se entrelaçam de forma indissociável. Dessa forma, os autores são
influenciados pelas questões políticas e sociais de seu tempo e suas obras se tornam
um meio poderoso de expressão e protesto. A criatividade floresce quando os
autores rompem com as convenções, expandindo as fronteiras e criando um legado
literário diversificado e enriquecedor. As vozes dos marginalizados, das minorias
étnicas e sociais, dos esquecidos pela história são resgatadas e ganham
protagonismo nas páginas literárias, seja como personagens principais, seja como
escritores. As influências do momento em que foi escrita, os eventos que a cercavam
e as transformações sociais presentes na época, tudo isso nutre a narrativa e confere
significado mais amplo à história contada. Tendo isso em vista, a finalidade desta
pesquisa é entender a construção dos cânones literários e o conceito imposto de
“literatura menor”, propondo como tese a linha temporal de um século da narrativa
literária de diferentes gêneros para apresentar a suposta evolução, desconstrução e
autossuficiência diante do cânone vigente. Contamos com a ajuda de textos como
Literatura brasileira contemporânea: um território contestado (2012) e “Quem é e
sobre o que escreve o autor brasileiro” (2018), ambos de Regina Dalcastagnè, e “O
que é uma literatura menor?”, de Maria Cristina Batalha (2013), para chegar à
conclusão: a literatura brasileira contemporânea seguiu caminhos independentes
dos modos de criação, escrita e circulação literária.

Camila Franquini Pereira – UFRJ


A perigosa passagem do tempo para os barcos de papel de Ana Martins Marques

Que podem os barcos de papel diante da impassível temporalidade a que somos


expostos? Essa é uma das investigações dos poemas d’A vida submarina, que marcou
a estreia de Ana Martins Marques no mercado editorial, em 2009. Foram poucas as
publicações e, sem novas impressões, ela foi uma obra de difícil acesso até sua
reedição pela Companhia das Letras, em 2021. Com novo projeto gráfico e em edição
de bolso, leem-se nas páginas os mesmos poemas de anos antes, em que há
observações deambulantes sobre o mundo, sobre o outro e sobre si, a fim de
encontrar algum pensamento ou estrutura. Esbarra-se na memória, no amor e na
passagem do tempo ao longo das sete seções que compõem a obra. Nesta
comunicação, investigaremos a primeira, de título “Barcos de papel” — com que os
poemas se assemelham, por partilharem a mesma coragem suicida de lançarem-se
ao mundo. Proporemos uma leitura dos poemas “Barcos de papel”, “Âncora” e
“Vaso”, em que buscaremos o amor e a experiência, mas nos depararemos com o
vazio deixado pelo outro e o naufrágio iminente do amor. No mar da experiência
poética, que é traiçoeiro, a temperatura varia debaixo d’água, as correntes não
param e podem levar os menos experientes para longe, além de ser preciso controlar
com justeza a pressão, a linguagem e as palavras para evitar (ou enfrentar) os
acidentes e a morte. Com a mesma precisão do mergulhador autônomo que controla
manômetro, barômetro, bússola e altímetro e, ainda assim, se relaciona com a
paisagem marítima de forma única e profundamente sensorial e tangível, Ana
Martins Marques escreve. No mergulho poético, o sujeito encontra apenas a
diversidade de palavras que, intransitivamente, não são capazes de capturar nada.

Ceci Penido – PPGSA-UFRJ (IFCS)


Como ouvir o falatório de Stella do Patrocínio

O presente trabalho consiste em uma parte da minha dissertação em andamento em


Antropologia e Sociologia (PPGSA-UFRJ) sobre Stella do Patrocínio. A partir de
conversas com ela, gravadas por Nelly Gutmacher, Carla Guagliardi e Monica Ribeiro
de Souza entre 1986 e 1988 na Colônia Juliano Moreira, Viviane Mosé as versifica,
publicando o livro Reino do bichos e dos animais é o meu nome (Azougue, 2001). Nesse
contexto, Stella é compreendida como “poeta”, nomenclatura que pode e tem sido
revista nos últimos trabalhos sobre ela. Por mais que essa autoria dos versos seja
questionada, seu caráter de enunciação, seu ritmo e sua importância para pensar a
psiquiatria nos dias de hoje não o são. Desse modo, através da antropologia das
emoções (Leavitt, 1996; Beatty, 2014) e do som (Feld, 2012) e de dissertações
recentes em literatura (Zacharias, 2020; Beber, 2021 e Ramos, 2022), pretendo
analisar o “falatório” de Stella – como ela própria o denominava. A partir de uma
reflexão acerca de conceitos como saúde e doença, delírio e norma, acustemologia e
performance, viso demonstrar por que suas falas precisam ser ouvidas de um novo
modo, para que sua linguagem específica possa ser mais bem apreendida.

Clarice Maria Silva Campos – FCRB


A atualidade da produção de Carolina Maria de Jesus

Esta apresentação busca evidenciar a importância do resgate da vida e obra literária


da escritora negra Carolina Maria de Jesus num momento de discussões sobre
interseccionalidade, em que mulheres reivindicam seu espaço e sua voz na sociedade.
Ao observar a história brasileira, verifica-se um discurso colonizador e hegemônico,
carregado de significados que há muito vêm sendo impostos e fixados em nosso
cotidiano. Nesse painel, identifica-se a mulher como minoria, sobretudo a negra. Ao
tematizar as questões vividas por mulheres negras e pobres, a escritora Carolina
Maria de Jesus (1914-1977) apresenta uma produção literária característica por ser
contra-hegemônica. É capaz, com seu texto, de visibilizar e inspirar mulheres negras
brasileiras ainda na atualidade, após mais de 60 anos da publicação de Quarto de
despejo: diário de uma favelada, seu livro mais famoso. Moradora em uma favela na
cidade de São Paulo, Carolina constrói um livro como um diário com a intenção de
pensar a escrita e a própria percepção sobre a sua condição social. Os registros de
Carolina em muitos fatos e aspectos constituem uma ligação com as histórias de
outras mulheres negras. Trata-se de um elo relacionando espaços, identidades,
origens e pontos comuns das nossas histórias. E o que faz a produção de Carolina
assumir um valor literário e um papel importante que continua provocando o
fortalecimento de causas e, ao mesmo tempo, tensões e polêmicas na atualidade?
Ainda que a resposta para essa pergunta seja tão múltipla quanto as buscas feitas por
pesquisadores e acadêmicos, é certo afirmar que os eventos envolvendo a vida e a
obra de Carolina, as homenagens, as festas literárias, a reedição de livros e os
lançamentos de textos inéditos estão recuperando a importância da escritora e
acendendo luzes sobre as muitas carolinas do cotidiano brasileiro.

Cleber José de Oliveira – UFGD


Poéticas da (sobre)vivência: rap indígena, um bastião contemporâneo

As questões indígenas estão no centro do debate público contemporâneo. Dados do


IBGE (2010; 2023) indicam que o Mato Grosso do Sul (MS) concentra a segunda maior
população indígena do país e é onde está localizada a reserva indígena mais populosa
em área urbana: a Jaguapiru-Bororó. O território de MS é atravessado historicamente
por violentos conflitos sociais, sendo a terra o principal elemento em disputa. Os
confrontos que surgem daí, não raro, são travados entre a população originária, que
procura manter/reaver seus tekohas (territórios sagrados), e o modelo
agroeconômico de commodities. Ressalte-se que os interesses econômicos do
segundo colidem frontalmente com os direitos constitucionais do primeiro. Os
resultados, registrem-se, são assassinatos de lideranças e expulsão compulsória de
comunidades inteiras de seus territórios. Como forma de resistência, as comunidades
atingidas por essa barbárie revidam de modo físico, artístico e simbólico, sendo a
manifestação lítero-musical um de seus recursos. Não alheio a isso, o presente
trabalho analisa a poética cancional produzida pelo primeiro grupo de rap indígena
do Brasil o – “Brô MCs” – oriundo da referida reserva no estado de MS. Com efeito,
discute em que medida seus raps atuam como instrumento de conscientização dos
jovens indígenas e não indígenas sobre a atual condição socioeconômica e cultural
das comunidades originárias e de revide às violências a que foram e ainda são
submetidas. Ademais, ressalta como o engajamento sociopolítico de seus
produtores, por meio de sua arte, contribui para a consolidação de uma ideologia de
resistência de cunho popular e de um baluarte indígena na contemporaneidade. As
discussões desenvolvidas estão ancoradas na esteira do pensamento de Deleuze e
Guattari (1975) e Castro Rocha (2006).
Daniel Aparecido Veneri – UFRJ
O peixe social em “Ver-o-Peso”, de Max Martins

O presente trabalho, inserido em um projeto de doutorado mais amplo sobre a


representação do peixe na poesia, propõe-se a interpretar o poema “Ver-o-Peso”,
publicado originalmente em 1971 e escrito pelo poeta contemporâneo paraense Max
Martins, que nos deixou em 2009. A partir da imagem do peixe, o qual categorizei
como “peixe social”, os versos emulam, por vezes, imperativamente, a travessia de
mazelas, principalmente da fome, já que, por meio deles, mergulhamos em uma
linguagem de escamas. É surpreendente o trabalho em linguagem do poema, que
nos traz a cena trágica de uma balança que pesa tanto o peixe como o homem e,
metaforicamente, a fome, se é que é possível medi-la. O sujeito poético narra a saga
do homem e do animal, que são coadjuvantes de suas próprias histórias, sendo
levados, pesados e explorados pelo sistema de mais-valia, pois, conforme evidencia
a professora Tânia Sarmento-Pantoja (2019), “o homem deixa de ser a medida de
todas as coisas para tornar-se coisa medida”. Como suporte teórico, utilizarei as
obras Max Martins em colóquio: estudos de poesia, organizada por Age de Carvalho e
Mayara Ribeiro Guimarães, e Literatura e animalidade, de Maria Esther Maciel,
estudos fundamentais para esse “pulo de peixe”.

Daniella Ferreira dos Santos – UFRJ


A hierarquização entre patroa e empregada doméstica no romance A pediatra, de
Andréa del Fuego

Este trabalho pensará a hierarquização como organizadora da relação entre duas


personagens, Cecília e Deise, respectivamente patroa e empregada doméstica, no
romance A pediatra (2021), de Andréa del Fuego. Discutiremos como elas se
relacionam a partir de uma pressuposta verticalização/distância social que coexiste
com uma ambiguidade afetiva. Observaremos, também, que a hierarquização entre
as personagens se delineia, principalmente, na forma como ocupam o(s) espaço(s)
narrativo(s) e como nele(s) se expressam. Além disso, analisaremos como se dão as
resistências de Deise nessa relação. Faremos uma reflexão que terá como pano de
fundo o sistema capitalista-patriarcal e as estruturas autoritárias que organizam a
sociedade brasileira. A chave de leitura que buscaremos propor para essa obra
literária, portanto, permitirá enxergá-la como um projeto ético e estético que convida
leitoras/leitores a uma problematização de lógicas opressoras. Faremos esse
percurso crítico através de um breve diálogo com o pensamento ecofeminista,
defensor do enfrentamento às relações de dominação. Nossas referências virão de
autoras/es como Marilena Chauí (2001); Alfredo Bosi (2002); Izabel Brandão (2003);
Ozíris Borges Filho (2008); Jurema Brites (2007; 2013); Lilia Schwarcz (2019); Maria
Mies e Vandana Shiva (2021); e Juliana Teixeira (2021).

Danielle Henrique Magalhães – UFRJ


Conversas interdependentes: língua evânica em Adriane Garcia, Lilian Sais e Mar
Becker

Ao longo da tradição ocidental, a poesia costumou ser filiada a uma linhagem


adâmica, de quem nomeia pela primeira vez. A contrapelo dessa leitura, deseja-se
propor uma filiação evânica para a poesia, que implica alguns deslocamentos: do
“verbo” (“no princípio era o verbo”) para a “conversa”; da “ação” de nomear para a
“relação” da conversação; da “independência” da ação unilateral de nomear para a
“interdependência” do gesto relacional e comunal de conversar. Esses
deslocamentos permitem questionar a primazia da “primeira vez”, que fundou um
modo de pensar a literatura desde, pelo menos, o formalismo russo com Chklovski
em “A arte como procedimento” (1917), e, ainda, desdobrar o debate sobre
autonomia e pós-autonomia, que comparece nas proposições da teórica argentina
Josefina Ludmer, que nos convoca a pensar a partir de uma perspectiva decolonial
de O que vem depois (2011), ou daquelas e daqueles que “chegaram tarde ao
banquete da civilização” (2010). Esse percurso de leitura será traçado a partir daquela
que não nomeou pela primeira vez, mas fez outro uso da linguagem ao conversar
com a serpente: a figura de Eva e uma língua evânica podem ser lidas nos livros de
poemas de Adriane Garcia (Eva-proto-poeta, 2020), Lilian Sais (O livro do figo, 2023) e
Mar Becker (A mulher submersa, 2020; e Sal, 2022).

Danielle Silva Pereira – UFRJ


O diálogo intersemiótico e intertextual na poesia de Sony Ferseck como propulsor da
ressurgência de elementos da cultura Makuxi

Esta comunicação pretende apresentar uma análise da poesia de Sony Ferseck a


partir de perspectivas decoloniais. Tal poesia não se limita ao exercício literário, mas
transcende essa dimensão ao realocar o próprio conceito de literatura em um
universo que vai além da linguagem verbal, lançando-se, ainda, a outras
manifestações artísticas. O cerne desta pesquisa envolve a exploração do diálogo
intersemiótico e intertextual que circunda a “poética de vida” (Krenak, 2019) comum
à obra de Ferseck, ao refazer a conexão com os ancestrais e a natureza a partir dos
elementos da cultura Makuxi, representados nas fotografias, nos bordados e nos
tarenkon (palavras encantadas de cura), pantonkon (narrativas indígenas) e erenkon
(cantos indígenas). Através da construção de uma rede de significados que se
retroalimentam, a autora estabelece uma conexão íntima e sinestésica entre
diferentes tipos de linguagens, permitindo que as palavras se metamorfoseiem em
símbolos, bordados, cores e vice-versa. Essa escrita anfíbia, que percorre a
ressurgência de uma memória cultural dos povos originários, é nomeada como
“tradução poética” por Olivieri-Godet (2022). Nesse contexto, as fronteiras entre o
linguístico e o cultural são subvertidas, destacando a profundidade resultante das
interações complexas entre cultura, história, memória e emoção, que são habilmente
entrelaçadas para recriar e transpor significados heterogêneos. O amplo espectro
dessa poesia abarca, também, o conceito de “poetnicidades orais” (Fiorotti, 2018),
que, contrário à visão eurocêntrica de superioridade da escrita em detrimento das
outras linguagens, enfatiza a relevância de contos, narrativas, encantarias e rituais na
expressão poética como forma de preservar a identidade étnica dos povos indígenas
e resistir à colonização cultural e linguística. Objetiva-se, portanto, desvendar os
modos pelos quais Ferseck resgata os elementos da cultura Makuxi, mas também a
forma como ela explora e confronta as noções eurocêntricas de literatura e arte.

Dilma Mesquita de Lacerda – Colégio Pedro II


Sopa na Praça: a literatura nas ruas

Esta comunicação pretende apresentar a proposta e os resultados alcançados pelo


sarau Sopa de Letras ao longo dos seus 15 anos de execução. O sarau multilinguagem,
nascido no Campus Centro do Colégio Pedro II em 2008, ganhou as praças e ruas da
cidade em 2019, unindo em sua prática os conceitos de Arte Pública, de
“pracialização” da experiência comunitária e de terreirização da vivência cultural. As
inspiradoras ideias de Paulo Freire em seu Ação cultural para a liberdade servem como
ponto de partida para as aulas públicas de literatura, pautadas pela horizontalidade
nas relações, pelo afeto e pelo princípio de democratização do conhecimento. Outras
inspirações surgiram ao longo do percurso: Luiz Antonio Simas, Ailton Krenak,
Renato Cordeiro Gomes e João do Rio igualmente acrescentam pontos importantes
às reflexões e leituras que integram o arcabouço teórico, estopim para a ação. O
trabalho com diferentes linguagens artísticas, outra característica marcante do
projeto, reitera a vocação para o diálogo – teatro, música, dança e artes visuais
reforçam o poder de circulação do texto literário, foco principal do sarau e motivo de
sua existência. A literatura como vivência comunitária, sem distinção de público leitor
ou ambiente, é a ideia maior e razão de existir do sarau Sopa de Letras.

Douglas Ernesto Fernandes Gonçalves – UERJ


Redemocratização e questões de gênero em Gostaria que você estivesse aqui, de
Fernando Scheller

Vinte e um anos de ditadura militar fizeram com que pautas feministas ficassem em
segundo plano em favor da resistência democrática e defesa dos direitos humanos
dos perseguidos pelo regime autoritário recém-findado. No Brasil as lutas pelas
melhores condições das mulheres ficaram estagnadas, garantindo continuidade ao
comportamento misógino, machista e patriarcal da sociedade. No romance Gostaria
que você estivesse aqui (2021), somos apresentados a personagens femininas que nos
levam a discutir as questões de gênero no período histórico-político-social do Brasil
dos anos 1980. Baby foge de um casamento arranjado com uma pessoa mais
abastada. Selma rompe com estereótipos da classe média e dedica-se a uma carreira
acadêmica. Temos a oportunidade de conhecer também a história de Eloá, filha de
Rosalv, mulher trans, assassinada no Rio de Janeiro, em uma das favelas da cidade. O
pai, viúvo, em busca do paradeiro da filha, casa-se novamente com Elza, uma típica
mulher de periferia. Para entender melhor as relações dessas mulheres com sua
contemporaneidade e com as questões feministas, discutiremos os princípios do
feminismo hegemônico (Beauvoir; Woolf; Federici; Dorlin), não hegemônico (hooks;
Davis; Hill Collins) e decolonial (Gonzalez; Hollanda; Verges), bem como as
interferências de gênero, sexo e sexualidade em um contexto político e cultural em
plena ebulição (Schwarcz; Hollanda).

Elaine Cristina Rapôso dos Santos – IFAL


Políticas públicas e literatura: os impactos da Lei Aldir Blanc para a literatura de
autoria feminina produzida contemporaneamente em Alagoas

Este trabalho apresenta e discute os resultados da pesquisa intitulada “Os impactos


da Lei Aldir Blanc para a literatura de autoria feminina produzida em Alagoas”,
aprovada com bolsa PIBIC pelo Edital nº. 16/2022/PRPPI/IFAL. A partir dela foi possível
mapear os impactos da Lei Aldir Blanc (BRASIL, 2020) para a literatura de autoria
feminina em Alagoas, por meio da análise dos resultados dos editais lançados pela
Secretaria Estadual de Cultura do Estado de Alagoas (Secult/AL) e pelas prefeituras
que aderiram à proposta da referida lei. Do ponto de vista metodológico, realizou-se
uma pesquisa qualitativa-quantitativa, através de pesquisa bibliográfica e
documental, que utilizou, dentre outras, ferramentas de pesquisa de campo e
entrevistas com agentes do segmento livro, leitura e literatura que aderiram aos
editais em diversas cidades do estado. A partir da perspectiva de Foucault (2009),
que compreende o discurso como objeto de luta e de desejo, bem como da leitura de
Ricœur (2007), que apresenta o conceito de “dever de memória” como uma
possibilidade de fazer justiça pela via da memória contra o esquecimento, e
questionando, ainda, a constituição do cânone enquanto lugar de silenciamento
(Muzart, 1995; Reis, 1992), marcado pela perspectiva do cisheteropatriarcado
(Akotinene, 2019), a participação das mulheres nos editais pesquisados, conforme os
resultados discutidos, aponta para movimentos de renovação na literatura alagoana
com: a) a publicação de livros escritos por mulheres cis e trans e sua inclusão no
cenário editorial alagoano; b) o fortalecimento de editoras independentes (Muniz Jr.,
2020), com ênfase para iniciativas protagonizadas por mulheres (Ribeiro, 2020); e c)
fortalecimento de fóruns para a discussão do cenário literário/editorial, com
protagonismo feminino, como demonstraram os dados relativos à atuação do Fórum
da Literatura Alagoana (FLAL) e de outros fóruns.

Eliane Waller – UERJ


O provisório eterno: marcas do silêncio na literatura de Edney Silvestre

O trabalho faz uma análise do romance Vidas provisórias, de Edney Silvestre, cuja
temática remete à questão do exílio e suas consequências na vida das pessoas, em
relação à experiência do desenraizamento. Em que pese o caráter subjetivo da
literatura e a liberdade de escrita conferida ao escritor, o desenvolvimento do enredo
propicia ao leitor uma visão clara e singular da vivência dos personagens em um dado
momento histórico, uma vez que vários elementos – algumas situações e locais, por
exemplo, são verídicos –conferem uma visão ampla e privilegiada dos
acontecimentos. Algumas vezes, as mudanças são para melhor; em outras, no
entanto, o redemoinho em que se cai é tão grande, que todas as possibilidades de
compreensão não conseguem elucidar o porquê daquilo tudo. No romance Vidas
provisórias, o cenário da incerteza e do medo e a sensação de estar num redemoinho
infinito aparecem com grande evidência na vivência das histórias de Paulo Antunes e
Bárbara Costa, dois personagens cujas trajetórias não se distinguem de tantas –
verídicas e dolorosamente relatadas –, ao longo do período de exceção vivido pelo
Brasil entre 1964 e 1985 e durante o curto período do governo (1990 – 1992) de
Fernando Collor, primeiro presidente eleito após a ditadura. Ultimamente, em que a
simples citação de protagonistas violentos da ditadura provoca a simpatia de um
segmento da população brasileira, a reflexão acerca daquele tempo se faz
necessária. O romance de Edney Silvestre nos possibilita, através de um enredo
instigante, aprofundar nossa reflexão acerca dessa temática tão importante,
principalmente no momento presente, em que se sofrem, em vários países, as
consequências da polarização e da globalização.

Elódia Xavier – UFRJ


O existencialismo na obra de Carla Madeira

Estudo da obra de Carla Madeira – Tudo é rio, 2014; A natureza da mordida, 2018; e
Véspera, 2022 –, visando mostrar como os três romances, embora diferentes entre si,
se articulam com o existencialismo de Sartre. Carla Madeira, escritora
contemporânea nascida em Minas Gerais, trabalha com o tema da família em choque
com os embates sociais e as consequências dos dramas psicológicos. Seus
personagens fazem parte de uma engrenagem em que liberdade e responsabilidade
são requisitos básicos.

Evandro Viana – UERJ


De Cassandra Rios à atualidade: caminhos independentes da literatura LGBTQIA+

Partindo de um breve panorama dos acontecimentos ocorridos no Brasil durante a


segunda metade do século XX, em especial durante o golpe militar de 1964,
apresentaremos Cassandra Rios (Odete Pérez Rios). Filha de uma família de classe
média de imigrantes espanhóis, nascida em 1932 na cidade de São Paulo, foi a autora
mais perseguida durante o regime militar, tendo praticamente todos os seus livros
censurados durante sua vida. Sua primeira obra, Volúpias do pecado, rejeitada por
todas as editoras de São Paulo, foi publicada de forma independente a partir de um
empréstimo concedido por sua mãe. O sucesso do livro foi imediato, tendo sido
republicado nove vezes. Em uma época em que não se falava sobre sexualidade,
Cassandra Rios representou a mulher como ser sexual, apta a sentir prazeres, e
apresentou a sexualidade fora da heteronormatividade, pois, até então, os gays na
literatura eram estigmatizados como doentes, marginais e pecadores. Em 1970,
tornou-se a primeira escritora brasileira a alcançar um milhão de exemplares
vendidos, marca que só seria alcançada anos depois por Paulo Coelho. Mesmo sendo
sucesso de vendas, a Academia a rejeitou por ser lésbica e por não ser elitista, pois
sua escrita era para o público e não para seus pares. Mesmo enfrentando a ditadura,
a sociedade conservadora e as editoras alinhadas ao regime, Cassandra Rios achou
meios para publicar suas obras, tendo sido a primeira autora a viver somente da
venda de seus livros. De sua época até os dias atuais, o mundo evoluiu em diversos
aspectos, mas ainda hoje não achamos tão facilmente obras LGBTQIA+ nas livrarias.
Quais os caminhos percorridos por Cassandra Rios? São os mesmos que enfrentam
hoje os autores de obras LGBTs? Esses são alguns dos questionamentos que
proporemos a partir desta comunicação.

Fábio Santana Pessanha – UFF


A poesia raciocinante e corporal de Orides Fontela

A partir do livro Poesia completa, de Orides Fontela (Hedra, 2015), com organização e
apresentação de Luís Dolhnikoff, e também das entrevistas concedidas pela poeta,
reunidas em Orides Fontela – toda palavra é crueldade (Moinhos, 2019), com
organização de Nathan Matos, a presente discussão se baseará no questionamento
pela instituição de uma possível corporeidade poético-filosófica em Orides Fontela.
Essa hipótese se dá em função de um trecho de uma entrevista concedida pela poeta
a Michel Riaudel, quando Orides se referiu à sua escrita como “uma poesia mais
meditativa, mais raciocinante”. Daí, seria possível depreender que os poemas
oridianos carregariam um forte enviesamento pela abordagem filosófica.
Paralelamente, ao se considerar o termo corporeidade, este apresenta um aspecto
movente, por se tratar de uma composição em que o sufixo “-dade” traz à palavra
“corpo” a disposição para o ambíguo. Se fôssemos cogitar o significado estrito de tal
sufixo – pelo qual se define a formação de substantivos abstratos, segundo o
dicionário Houaiss –, seria plausível dizer que a corporeidade estaria no âmbito de
uma abstração do corpo, como se tivesse esvaziado o aspecto material de algo que
ocupa lugar no espaço e possui massa. Contudo, a preferência aqui é a de considerar
a movência da corporeidade como edificação concreta, extrapolando sua
materialidade ao estabelecer um espaço de trânsito singular. Propõe-se, portanto, a
concretude dessa ação ambígua, respaldada nos poemas oridianos, ao se ponderar a
instituição de uma pensatividade corporal ou, por que não, de uma corporeidade
pensativa.

Fernanda Longo dos Santos Silva – UERJ


Entre erros e acertos: o humor como autodefesa nas obras de Claudia Tajes

A articulação literária e política feita por Claudia Tajes traz à luz do conhecimento
questionamentos e críticas acerca do que é ser mulher numa sociedade
cisheteropatriarcal. Ao se fazer lida, a autora portoalegrense enquadra sua escrita no
conceito de autodefesa, que Elsa Dorlin (2020) cunhou como táticas defensivas e
subjetividades desarmadas que protegem a comunidade e não um sujeito
propriamente dito. A autora brasileira usa seu ácido humor e seu cinismo como
elementos-surpresa na defesa pelo direito feminino de ser quem é. Ao hiperbolizar
os problemas sociais que suas protagonistas vivem, Tajes constrói sua crítica
diretamente em cima da sociedade patriarcal, usando a força da dominação
masculina como fonte de energia do seu humor para, a partir daí, derrubá-la, tal como
eram descritas as artes marciais asiáticas usadas em favor das mulheres. Sandra
Almeida (2010) defende que uma forma de propiciar uma leitura crítica dos discursos
da atualidade é justamente por intermédio de narrativas que contestam e
problematizam o atual cenário global pela representação, construção e produção de
uma percepção de mundo. No fim de sua obra, Elsa Dorlin cita as técnicas de
autodefesa que as mulheres ativam cotidianamente e não permitem que elas sejam
aniquiladas pela violência, como “evasão, negação, astúcia, palavra, argumento,
explicação, sorriso, gesto, fuga, esquiva, todas técnicas de ‘combate real’ que não
são reconhecidas como tais”, e constata que, ao se defender da violência dessa
forma, a mulher causa constantemente diversas violências a si mesma, silenciando-
se e aceitando o que lhe foi “destinado”. Ao centrar-se em si e agir perante a ordem
patriarcal, as personagens de Claudia Tajes transgridem as regras em vigor e abarcam
novas possibilidades de defesa para as mulheres, que envolvem suas vozes e o poder
de se expressar.

Gabriela de Santana Oliveira – UFF


O concreto e o diáfano na lírica contemporânea brasileira de Neide Archanjo: o
sujeito, o tempo e o amor

Este trabalho se propõe a estudar a vasta produção poética de Neide Archanjo (1940-
2022), a fim de compreender as tendências que atravessam sua escritura. Para tanto,
a leitura analítico-interpretativa dos livros da autora será orientada pela hipótese de
que sua poesia se edifica no limiar de duas esferas aparentemente díspares: o
concreto e o diáfano. Nosso objetivo é investigar como essa dualidade está imbricada
e se manifesta no discurso lírico de Archanjo, de forma a constituir o sujeito poético
e alguns temas caros a essa poesia como o lirismo amoroso e as inquirições sobre o
tempo. O modo de acercamento da obra de Archanjo parte do pressuposto de que a
autora alia em seus poemas elementos da experiência imediata, algo da ordem do
corpo, do telúrico, do efêmero e do concreto, a outros elementos que tendem aos
universais, do domínio do espírito, do etéreo e do metafísico. Desse modo, a lírica de
Neide Archanjo representaria um equilíbrio bem-sucedido entre essas duas linhas de
forças. Para investigar esse trânsito entre o concreto e o diáfano, no plano do lirismo
amoroso, o corte de análise será orientado pela dualidade amor e erotismo. No
campo da memória, a investigação será guiada pelas noções de mundanidade e
reflexividade. Por fim, no que se refere à figuração da persona poética, serão
observadas as marcas de individualidade/interioridade e de alteridade/exterioridade.

Gabriel Bustilho Lamas – UFRJ


Um caso de surrealismo em ‘brasileiro’: Roberto Piva, Paranoia

Em novembro de 1965, surge, na revista francesa La Bréche: Action Surréaliste, o


último periódico surrealista que esteve sob a direção de André Breton, um texto
intitulado “Le Surréalisme à Sao Paulo”. Tratava-se de pequeno artigo que
comentava a situação brasileira (seu contexto social, econômico e cultural, dos anos
30 ao golpe de 64) e era seguido por três minúsculas resenhas, de um parágrafo cada,
sobre os livros Paranoia, de Roberto Piva, Amore, de Sergio Lima, e Anotações para
um apocalypse, de Claudio Willer. Esses eram, para o autor fantasma do texto, que
era assinado apenas por XXX, as primeiras aparições de livros surrealistas no Brasil.
Assim, se, por um lado, o surrealismo, no seio do Modernismo brasileiro, não havia
despontado, por outro, é o que dá a entender o pequeno artigo, as condições
econômicas, sociais e culturais (em especial o golpe de 64) da época o teriam feito
emergir, mas, claro, não como escola literária, e sim como “movimento fundamental
do pensamento moderno”. Esta comunicação pretende se debruçar sobre Paranoia,
que foi declarado na resenha “o primeiro livro de poesia delirante publicado em
‘brasileiro’”, buscando entender qual teria sido esse interesse dos surrealistas pela
obra e por quais motivos ela aparece resenhada numa revista francesa, tendo em
vista, inclusive, um aparente desinteresse mútuo dos surrealistas com o Brasil e dos
poetas brasileiros com o Surrealismo. Isso, por conseguinte, teria o intuito de buscar
compreender tanto os desdobramentos do pensamento teórico surrealista dentro
do verso quanto os motivos da ressonância desse pensamento na obra de Roberto
Piva.

Gabriel Costa Resende Pinto Bastos dos Santos – UERJ


Figurações monstruosas na contística brasileira contemporânea: corpos de medo em
Cristhiano Aguiar e Marcio Markendorf

Este trabalho propõe uma análise dos contos “Lázaro” e “As onças”, publicados em
Gótico nordestino (2022), de Cristhiano Aguiar, e “Animais noturnos”, publicado em
A lua fantasma (2023), de Marcio Markendorf. A relevância da categoria cultural do
monstro, esta “corporificação metafórica dos medos” (França, 2022), atravessa toda
a história da civilização, partindo das numerosas fontes míticas que lhe serviram de
primeiro suporte histórico até o alcance de suas múltiplas mutações modernas,
consoante a transformação contínua de angústias e fobias compartilhadas. Na
literatura brasileira contemporânea tributária do gótico e do horror, o monstruoso é
capaz de assumir cor local e refletir questões tópicas, manifestando grande
produtividade reflexiva na manipulação de seus topoi, sem desvincular-se da sua
universalidade conceitual e dos fundamentos de medo enraizados em todas as
comunidades humanas. Feitas essas considerações, nosso intuito é corroborar a
vitalidade do conceito de “monstruoso” e das contribuições da área da “teoria da
monstruosidade” por meio de estudos de caso de obras recentíssimas da literatura
brasileira. Interessamo-nos sobretudo por reimaginações monstruosas que as
singularizem, com o poder de síntese caro ao conto, em uma tradição nacional
específica (a brasileira), seja por meio da adaptação e ressignificação de monstros
clássicos, seja pelo reposicionamento da iconografia e do imaginário locais de modo
a produzir efeitos de medo.

Heglan Pereira Moura – UFRJ


Chegança do Almirante Negro na Pequena África: a odisseia de João Cândido em teatro
de cordel
O presente trabalho apresenta uma análise da experiência vivida no espetáculo
teatral intitulado Chegança do Almirante Negro na Pequena África, uma criação única
que mescla teatro, dança dramática e a linguagem rica em cordel. A peça narra a
odisseia de João Cândido, conhecido como o herói da ralé, líder da Revolta da Chibata
ocorrida em 1910 na baía de Guanabara, Rio de Janeiro. A Revolta da Chibata foi um
movimento marcante, no qual mais de dois mil marinheiros se insurgiram contra os
castigos físicos impostos pelos líderes brancos da Marinha do Brasil. João Cândido
Felisberto conduziu esse motim, que desafiou as injustiças e punições arbitrárias. A
peça é uma colaboração de Edmilson Santini, renomado cordelista, e Ligia Veiga,
diretora de teatro em pernas de pau. A encenação é realizada pelo elenco da Grande
Companhia Brasileira de Mystérios e Novidades. O espetáculo incorpora elementos
arquetípicos e tragicômicos ao utilizar músicos, atores e dançarinos em pernas de
pau. A trilha sonora é inspirada nos folguedos populares e cria uma ligação profunda
com a cultura brasileira, especialmente as cheganças e marujadas, compondo uma
narrativa que ressoa com o espírito do auto popular. A Chegança do Almirante Negro
na Pequena África não apenas celebra a memória e identidade brasileira, mas também
revitaliza a história da Revolta da Chibata e a figura heroica do “Mestre-sala dos
mares” através de uma expressão artística única que une teatro, dança, cordel e
música popular. O espetáculo se destaca como um testemunho vivo da resistência e
luta por justiça em nossa história.

Igor Mateus Alves Rodrigues – UERJ


A Bildung em seu estágio terminal: uma leitura de O natimorto no contexto da
semicultura

Partindo do pressuposto de que muitos dos romances do escritor e quadrinista


Lourenço Mutarelli podem ser vistos como veículos para a representação de um
indivíduo contemporâneo que pode ser descrito como um Homo Urbanus desiludido,
alienado, isolado do mundo e levado à loucura — caso tente encontrar sentido no
absurdo do mundo (no sentido camusiano da palavra) —, faz-se uma leitura do
romance O natimorto através das lentes da Bildung, como descrita por Reinhart
Koselleck e contextualizada no mundo da semicultura de Theodor Adorno. A partir
disso, procura-se mostrar como é possível ler o romance em questão como a
exemplificação ficcional do desgaste enfrentado por indivíduos “romanticamente
formados” inseridos no mundo da semiformação. A formação (Bildung) obtida pelos
indivíduos, ou, pelo menos, a formação que creem ter, se mantém frente à pressão
do meio em que se encontram, curva-se à semicultura ou simplesmente se degenera
em algo antitético à Bildung, uma Gegenbildung?

Inês de Souza Oliveira – UFF


Escrever a cidade com os pés: uma leitura dos labirintos de João Gilberto Noll e
Samuel Rawet

Na literatura brasileira, houve diversos momentos em que a representação da cidade


se apresentou como um tema recorrente. Sobretudo a partir dos anos 60, a sua
presença em romances e contos brasileiros se tornou cada vez mais expressiva. O
presente trabalho pretende propor uma leitura transversal das obras de Samuel
Rawet e de João Gilberto Noll, destacando pontos de aproximação no que tange às
maneiras de enunciação da cidade, da construção de uma poética em movimento e
da elaboração espiralada de suas obras. Em muitas de suas novelas e contos, a falta
de referências faz com que os personagens se engajem em longas caminhadas,
buscando, na ausência do que dizer, escrever com os pés uma enunciação que
encontra nas paisagens transitórias um espaço para se habitar diante de uma
realidade que se esgarça e se despedaça. Ambos os autores parecem estar sempre
escrevendo o mesmo livro, em que se destaca a vinculação entre as atividades de
caminhar, escrever e pensar, e constituem uma experiência de andar por labirintos.
Dessa maneira, o caráter em movimento de suas obras pode ser pensado por meio
dessa perspectiva labiríntica em que sentidos e representações avançam por
caminhadas intermitentes e se apresentam de forma espiralada. As dissonâncias com
uma forma tradicional de representação e os efeitos de sentidos propostos por essas
transgressões aparecem como o ponto de encontro em que o presente trabalho
pretende focar as suas análises. Cidades e labirintos são, portanto, os eixos em torno
dos quais a investigação do presente trabalho se detém, e constituem as linhas
mestras por entre as quais a análise de diferentes aspectos de suas obras será feita
do ponto de vista comparativo.

Isabela Pasqualini Barreiros – UFJF


As ilustrações de Lourenço Mutarelli como nova relevância para A metamorfose, de
Franz Kafka

A partir da nova edição de A metamorfose, de Franz Kafka, pela editora Antofágica,


ilustrada por Lourenço Mutarelli, tem início a presente pesquisa. Tivemos como
objetivo analisar a relação texto-imagem dessa edição, buscando possíveis
influências na interpretação ou na perspectiva do texto que poderiam gerar novas
relevâncias para a leitura desse clássico. Para tanto, foram analisados: a intenção do
ilustrador Lourenço Mutarelli, abarcando as emoções através da linguagem corporal
das imagens; o objetivo da editora, dispondo as ilustrações do que seria um prefácio
ao longo das páginas do livro; e, por fim, a relação entre essas representações visuais
e a novela A metamorfose, traçando e trançando os problemas enfrentados pelo
protagonista Gregor Samsa e sua transformação. Com as ilustrações de Lourenço
Mutarelli, o mundialmente conhecido Gregor, que desperta certa manhã de sonhos
intranquilos, metamorfoseado em um inseto monstruoso, ganha uma narrativa visual
bastante interessante, progressiva no decorrer das páginas, juntamente ao texto,
como se seu corpo ainda estivesse em plena transmutação, sofrendo e se
metamorfoseando, embora o modo como esse processo aconteceu, o momento, a
duração não tenham sido explicados ou sequer questionados por Samsa durante a
narrativa textual.

Isabel Lima Ribeiro – FFP-UERJ


Uma coreografia do desamparo: sofrimento psíquico nas narrativas de Aline Bei
“Quantas perdas cabem na vida de uma mulher?”. Ecoando a frase de O peso do
pássaro morto (2017), de Aline Bei, a presente comunicação investiga as diversas
circunstâncias de desamparo que a autora trabalha em seus romances O peso do
pássaro morto e Pequena coreografia do adeus (2021). Abordando as violências físicas
e psicológicas às quais as protagonistas são submetidas, as obras tecem em comum
fios que conduzem a um ponto de vulnerabilidade não palpável, mas emocional e
psíquica: o desamparo. O significado do termo não é desconhecido e nem mesmo
complexo. A partir do momento em que nos aprofundamos no tema, porém, seu
sentido literal e denotativo já não consegue cumprir o papel de nos fazer entender
sua origem e desdobramentos, considerando que se trata de experiência
estruturalmente subjetiva, parte da nossa condição humana. A ausência de uma ideia
completa ou mesmo de um “diagnóstico” dificulta compreender as particularidades
desse estado, especialmente em se tratando de mulheres. Os principais estudos
sobre o tema desenvolvidos até então, pelos psicanalistas Sigmund Freud e Jacques
Lacan, trazem um olhar extremamente patriarcal. Assim, analisar o desamparo, tom
dominante das vozes e principalmente dos silêncios protagonizados pelas
personagens femininas de Aline Bei, entendendo-o como sentimento diretamente
atrelado à realidade de um grupo específico da sociedade, as mulheres, é o escopo
deste trabalho.

Jade Soares do Nascimento – UFRJ


Imagens de levante na poesia de Carlos de Assumpção

A poesia negra contemporânea traz consigo um movimento de levante,


empoderamento e resistência literária em que escritores de grupos historicamente
silenciados através de mecanismos sociopolítico-culturais subvertem os regimes de
representação e construção da identidade e do self para assumir protagonismo,
produzindo testemunhos de suas vivências, culturas e histórias. O presente trabalho
busca analisar a construção do que chamo de imagens de levante na poesia negra,
em especial na obra de Carlos de Assumpção, e o funcionamento dessas imagens
poéticas como elã do letramento racial através da poesia. A reconstrução de
discursos e imagens dentro e fora da poesia só é possível a partir da compreensão da
linguagem enquanto instrumento de opressão. Parto de reflexões sobre a lógica dos
regimes de representação (Hall, 2016) e das chamadas imagens de controle
(Collins,1990), segundo as quais não se trata de abdicar de imagens, mas de
ressignificá-las. A compreensão dessas lógicas, assim como ocorre no letramento
racial, relaciona-se à nossa capacidade de ler os padrões imagéticos e discursivos
utilizados para subjugar um grupo, e, assim, pensar em como resistir e questioná-los
como elementos externos e não internos ao indivíduo ou a um grupo. A insurgência
que parte do letramento a respeito da consciência dos processos de formação das
identidades é a base de formação do empoderamento. Isso está na origem do
processo de reivindicação da voz, das palavras e das imagens que falam de uma
identidade negra, ou, nas palavras de Carlos de Assumpção: “Mesmo que voltem as
costas/ Às minhas palavras de fogo/Não pararei de gritar”. Imagens de controle são
parte da sociedade; é preciso conhecer os dispositivos para subvertê-los através de
novos discursos, de novas imagens de levante.

Janaína Nery Viana – UFF


Vozes negras femininas rompendo silêncios na literatura contemporânea: caminhos
para a construção de subjetividades em Rua do Larguinho e Perifobia, de Lília Guerra

A pesquisa intitulada “Vozes negras femininas rompendo silêncios na literatura


contemporânea: caminhos para a construção de subjetividades em Rua do Larguinho
e Perifobia, de Lília Guerra”, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da
Literatura da Universidade Federal Fluminense (Poslit/UFF), tem por intuito
investigar como vozes negras femininas da literatura contemporânea constroem
formas de representação de sujeitos negros, sobretudo mulheres negras, de modo a
romper com práticas de apagamento, inferiorização e objetificação destas/es,
naturalmente sustentadas por uma perspectiva eurocêntrica e patriarcal
predominante na literatura canônica. Para tanto, sugere-se analisar como esse
processo se apresenta, especificamente, em duas obras da escritora negra
contemporânea Lília Guerra: Rua do Larguinho e Perifobia, que trazem, em suas
narrativas, o contexto das periferias e o atravessamento desses espaços, com todas
as suas especificidades ou complexidades, nos sujeitos neles inseridos, mais
precisamente, nas mulheres negras, considerando-se a intenção explícita de
evidenciá-las sob o aspecto ou a perspectiva de humanização. Assim, o processo de
subjetificação e (des)silenciamento dessas mulheres no ambiente periférico bem
como o de ressignificação de suas imagens a partir da literatura, por meio das obras
supracitadas, tornam-se o objeto de investigação deste estudo que, inicialmente, se
fundamenta nas contribuições de Alves (2010), Cuti (2010), Evaristo (2005; 2010) e
Figueiredo (2023), entre outras/os.

João Felipe Teodosio da Silva – UFRJ


Sonhos de liberdade em O avesso da pele

Em O avesso da pele (2020), de Jeferson Tenório, o narrador-personagem Pedro


(re)constrói a história de vida de seu pai por meio do uso de diversas técnicas
narrativas. Essa reconstrução é evidenciada apenas no início – “Em silêncio, esses
mesmos objetos me contam sobre você. É com eles que te invento e te recupero” –
e no final do livro – “Então precisei juntar os pedaços e inventar uma história”. Dessa
forma, observa-se a existência de uma narrativa dentro da narrativa, formada através
do processo de, segundo o narrador, invenção. O presente trabalho analisa essa
(re)invenção como uma estratégia para o narrador-personagem reapropriar-se da
história de vida do pai, interrompida durante uma abordagem policial. Essa
reapropriação não tem como função, porém, homenagear postumamente o pai, mas
permitir ao narrador-personagem seguir adiante: “Por isso não estou reconstituindo
esta história para você nem para minha mãe, estou reconstituindo esta história para
mim”. A pesquisa se preocupa ainda em traçar um paralelo entre a estratégia de
(re)invenção do narrador-personagem em O avesso da pele e a pequena peça de
ficção reconstituída de um sonho de Robin Kelley em Freedom Dreams (2022) sobre
“Maroon Poets”. A gênese da narrativa (re)inventada de Pedro no romance dialoga
com a origem do movimento dos “Maroon Poets” – um protesto na cidade de Nova
York pelo assassinato verídico do estudante guineano Amadou Diallo pelas mãos da
polícia. Assim, é feita uma comparação entre as duas narrativas, de forma a
compreender a (re)invenção do narrador-personagem Pedro como uma possível
forma de exercício de sonhar a liberdade, como descrito por Kelley. Como arcabouço
metodológico para a análise da construção do narrador serão utilizadas as teorias do
clássico Walter Benjamin (1994) e da contemporânea Regina Dalcastagnè (2012).

Jordão Pablo de Pão – Unileya / UERJ


Patrimonializar o cordel em São Gonçalo: considerações sobre a criação da Academia
Gonçalense de Literatura de Cordel

A instalação de Academias de Letras no Brasil se consolidou como uma forma de


reunião e interação entre interessados nas suas áreas de abrangência desde a
fundação da Academia Brasílica dos Esquecidos, em 1724 (Neves, 1940). Além de
promover a atividade local com uma chancela que transcende os limites de território
da circunscrição, a academia aponta para um maior crédito simbólico social (El Far,
2000). Em julho de 2023, a instalação da Academia Gonçalense de Literatura de Cordel
(AGLC) promove a institucionalização de uma “cultura do cordel” já perceptível na
dinâmica social local a partir de figuras particulares, das participações nos eventos da
região metropolitana do Rio de Janeiro e dos registros midiáticos sobre lançamentos
editoriais. Nesse sentido, analisar o cenário dessa concretização permite que
entendamos a contribuição que a AGLC pode fomentar para as Letras, sobretudo no
que respeita aos gêneros populares, e nos leva a perceber como a inserção do gênero
na vida intelectual (Lopes, 2015) do município pode ampliar a democratização de
acesso à prática leitora.

Juliana de Brito Carvalho Ferreira – UFRJ


O cárcere político na produção poética de Lara de Lemos

Ao colocar em cena as discussões de classe e gênero, a produção de literatura feita


por mulheres no recorte temporal de 1970 a 1990 tem poucos nomes consagrados.
Neste trabalho sobre a produção poética da escritora gaúcha Lara de Lemos, coloca-
se primeiramente em debate a possibilidade de pensar uma epistemologia através da
experiência de mulheres, alinhada à necessidade de interseccionar essas teorias. O
que pretendo nesta pesquisa é levantar a produção dessa autora, durante e após o
período histórico da ditadura civil-militar, para compará-la com a produção anterior
e, dessa forma, perceber como a transformação do debate acerca da denúncia do
sistema político se deu por meio da própria produção literária e do contexto
sociocultural. A produção investigada serão os livros Adaga lavrada e Inventário do
medo. Dessa perspectiva, o objetivo é entender como as experiências pessoais no
cárcere influenciaram a mudança da literatura de Lemos, que se encontrava
anteriormente no senso comum de “poesia de mulher” – conceito bem desenvolvido
pela escritora Ana Cristina Cesar. Através dessa investigação, nota-se como a
produção de Lara de Lemos se modificou para uma escrita mais áspera e crítica
dentro dos embates políticos. Por meio dessa exploração, pretendo contribuir para
o entendimento de como o debate público em torno do regime militar e da prisão
dos opositores, bem como os conceitos de nacionalismo e cultura são elaborados
numa escrita feminina. Utilizo os textos da autora escolhida para tratar a experiência
do cárcere e da tortura na visão poética e artigos e ensaios de intelectuais feministas
como Heloisa Buarque de Holanda e Ana Cristina Cesar, entre outras autoras. Os
poemas de Adaga Lavrada e Inventário do Medo que serão utilizados nesta pesquisa
são diversos. Entre eles, destaco “Degredo”, “Simples investigação” e outros que
também proporcionarão uma análise sobre os eixos discutidos.

Júlia Zorattini – UFF


O retorno dos mortos: fascismos em A nova ordem e O dia de um oprítchnik

Este trabalho tem por objetivo a investigação do elemento fascista nas obras A nova
ordem (2019), de Bernardo Kucinski, e O dia de um oprítchnik (2006), de Vladimir
Sorókin. Respectivamente enquadrados nos gêneros distopia e anti-utopia, tais
romances não buscam meramente explorar as tendências autocráticas de seu
momento de publicação, quais sejam, o governo Bolsonaro e o primeiro mandato do
governo Putin, e alertar o leitor a seu respeito, mas também refletir sobre resquícios
de autoritarismo imbricados nas culturas nacionais do Brasil e da Rússia. Assim, essas
narrativas realizam a anacrônica mescla de um elevado grau de desenvolvimento
tecnológico com a ressurreição de instituições nascidas em períodos de intensa
repressão, como o DOI-CODI, no romance brasileiro, e a sanguinária polícia política
de Ivan, o Terrível (oprítchnina), no russo. Partindo dos conceitos de “fascismo
eterno”, de Umberto Eco, e de elaboração do passado, de Theodor Adorno, entende-
se que os constantes ciclos de opressão e violência vividos por ambos os países se
devem a uma ineficácia na eliminação dos pressupostos sociais que os originaram,
que permite a renovação e restauração de estruturas totalitárias. Ao nosso ver, as
meditações propostas por tais obras são essenciais para pensarmos em formas de
superar esses fantasmas que continuam a retornar.

Kaio Rodrigues – UFRJ


“Ela não esperava que eu resistisse”: velha/nova colonialidade em Solitária, de Eliana
Alves Cruz

Em Solitária (2022), Eliana Alves Cruz empreende uma abordagem crítica que engloba
tanto o passado quanto o presente, examinando quais grupos são de fato
representados na construção histórica brasileira. Situado em uma capital inominada,
o romance narra a vida de uma mãe e filha que trabalham em um elegante
apartamento, o que desencadeia uma análise profunda das intersecções entre
gênero, raça e classe, assim como da complexidade do enfrentamento brasileiro com
sua herança escravocrata. A narrativa, permeada por uma série de eventos que
emanam dessas tensões, evidencia como a elite se mostra disposta a silenciar os
membros subalternos, resultando em uma atmosfera opressiva que se assemelha
aos espaços nomeados em cada capítulo: do aposento da empregada à residência do
porteiro, da sala de refeições e além. Através da perspectiva decolonial, o propósito
deste estudo é contextualizar a produção literária de Eliana Alves Cruz como uma
resposta ao cânone preexistente, uma vez que o protagonismo de duas mulheres
negras é suficiente para fissurar fundações do denominado pacto da branquitude
(Bento, 2022), o qual concebe a cor de pele como elemento universalizante,
enquanto relega outros tons de pele à marginalização em várias dimensões – física,
social e emocional. Além disso, este trabalho se propõe a explorar de que maneira a
educação é delineada como um elemento central dentro da narrativa, representando
uma ferramenta que possibilita a ascensão social e uma alternativa à configuração
estabelecida. Para alcançar tal objetivo, este estudo se vale da análise das obras de
Beatriz Nascimento (1985), Eduardo de Assis Duarte (2010), Rita Segato (2021) e
Juliana Teixeira (2021), que servirão como aparato teórico para fundamentar a
reavaliação do Brasil de hoje.

Karine Aragão – UFRJ


O projeto decolonial estético de Exu: encruzilhando a literatura de Cidinha da Silva, o
feminismo de María Lugones e a pedagogia de Luiz Rufino

O presente trabalho propõe uma leitura do conto “Lua cheia”, da escritora brasileira
Cidinha da Silva, inserido no livro Um exu em Nova York, publicado em 2018, pela Pallas
Editora, como um texto que evoca e reflete a perspectiva decolonial a partir do
questionamento e da desestabilização da passividade e da docilidade como
características inerentes ao corpo feminino, rompendo com o paradigma de gênero
imposto pela colonialidade. Para tal objetivo, procura-se olhar para a narrativa
literária a partir de intelectuais fundamentais à epistemologia decolonial, tendo como
suporte teórico principal as abordagens da socióloga argentina María Lugones em
Colonialidade e gênero (2008) e em Rumo a um feminismo descolonial (2014), e do
pedagogo brasileiro Luiz Rufino em Pedagogia das encruzilhadas (2019). Com este
trabalho, ao lançarmos luz sobre questões relacionadas à estética contemporânea,
acredito que seja possível instigar movimentos de descolonização dos seres e dos
saberes, sobretudo, relacionados à construção de gênero em sociedades que, assim
como o Brasil, foram historicamente colonizadas e estão em busca de novos rumos
com vistas à transformação.

Karoline de Lima Gomes – UFRJ


O testemunho marginal como crítica do presente: comentando “Luke Cage” (2019) e
“Bandeira vermelha” (2021), de GB Montsho

Ao aplicar as abordagens elaboradas por Seligmann-Silva (2023) sobre a prática


testemunhal à poesia marginal contemporânea, o presente artigo oferece uma
análise possível para dois poemas de GB Montsho, “Luke Cage” (2019) e “Bandeira
vermelha” (2021). Como afirmou Davis (2016), “a estética burguesa sempre buscou
situar a arte em uma esfera transcendente, além da ideologia, além das realidades
socioeconômicas e, certamente, além da luta de classes”. Porém, não é o que se
observa no pacto ético e estético que congrega os escritos de Literatura marginal
(Ferréz, 2005; Patrocínio, 2013). Em um movimento contra-hegemônico e insurgente,
Montsho, que é um jovem rapper e poeta negro, desloca a poesia da redoma
construída pelo conceito canônico de autonomia e utiliza seus textos como
ferramenta crítica. Com um testemunho marcado pela construção poética, realiza a
tentativa de inscrever o presente na história a partir de um outro olhar: o dos
marginais.

Karoline dos Santos Silva – UNIRIO


Estratégias de re(x)istência no romance Um defeito de cor

A presente comunicação tem como objetivo analisar as estratégias de resistência e


reexistência presentes no romance brasileiro Um defeito de cor (2006), da escritora
mineira Ana Maria Gonçalves. O romance remonta aos tempos da escravidão no
Brasil colonial e aborda a história da vida de Kehindé, presumidamente Luísa Mahin,
uma mulher que veio escravizada da África, da região do Reino de Daomé, ainda
criança. A envolvente narrativa de quase 950 páginas conta as peripécias de Kehindé
tentando se estabelecer em um país diverso culturalmente e na condição de
escravizada. Para se adaptar à realidade de escravizada, entre diferenças culturais e
adversidades, seja na casa grande ou na senzala, Kehindé, desde criança, demonstra
certa sagacidade ao ler as distintas situações sociais que lhe são apresentadas e
aprende a sair delas com o uso de estratégias. Ao longo do livro, aprendemos que
essa é sua característica marcante, além da força de vontade de se tornar livre
novamente. Faremos um recorte que privilegia o momento da infância de Kehindé
para analisar as diferentes situações que se configuram como forma de resistência.

Laila Souza de Paula – UFF


A figuração do rio em Mário de Andrade e Marcos Siscar: endereçamento, crise e
revolta

A proposta é discutir o rio no poema “A meditação sobre o Tietê”, de Mário de


Andrade, e nos poemas “O que é o rio o rio é uma ponte” e “Dentro do peito dos
filhos do rio”, de Marcos Siscar. Serão discutidas ideias como origem,
endereçamento, retorno e revolta, relacionadas à percepção de uma subjetividade
ao mesmo tempo particular e coletivizada. A presença do rio Tietê na poesia
marioandradina também aparece ao longo das Poesias Completas I (2013), publicação
utilizada na leitura em questão. Em Metade da arte (2003), livro de Marcos Siscar que
contém o poema analisado, o rio que corta São Paulo aparece no capítulo “Rio
verdadeiro”, em uma referência à origem etimológica tupi do nome Tietê. Tal
referencial em comum torna possível uma reflexão sobre o rio e as águas como itens
imagéticos na poesia de ambos. O estudo dos dois poetas se apoia também no
conceito de crise discutido por Marcos Siscar (2011), um dos que atravessam o campo
da poesia moderna e contemporânea, e na noção de revolta no poema, abordada por
Guilherme Gontijo Flores (2019), em quem nos baseamos numa tentativa de analisar
o movimento revoltoso do rio como análogo ao fluxo dos e nos poemas. A discussão
dos conceitos de margem e de limiar, segundo Raul Antelo (2002), nos auxilia a
questionar limitações de significação do poema e do rio, seja semântica ou
estruturalmente. O objetivo é abordar a desestabilização que não provoca a
destruição da construção poética, mas abre espaço para outras possibilidades de
sentido.

Larissa d'Avila da Silva – UFRJ


Refletindo sobre a reconfiguração das imagens de musa e sereia na poesia de Rita
Isadora Pessoa

Esta comunicação aborda a transformação da imagem tradicional de musas e sereias


na poesia de Rita Isadora Pessoa no livro Mulher sob a influência de um algoritmo
(2018), com uma lente crítica que se concentra nos princípios da crítica literária
feminista. Ao investigar a reconfiguração dessas imagens, o trabalho analisa como a
poesia de Rita desafia as ideologias do patriarcado. A análise se aprofunda na
evolução dessas figuras icônicas, tradicionalmente representadas de maneira passiva
e submissa na literatura em vez de ativas criadoras, e explora como a autora as
revigora, conferindo-lhes uma nova voz e autonomia. Por meio dessa reavaliação, a
apresentação busca revelar como a poesia contemporânea de autoras como Rita
Isadora Pessoa pode contribuir para a desconstrução das normas literárias
patriarcais, abrindo caminho para uma representação mais autêntica e
empoderadora das mulheres na literatura. Para o aprofundamento teórico, nos
apoiaremos nos versos de Hesíodo sobre a musa na mitologia grega, em Ana Paula
Cavalcanti Simioni sobre as mulheres artistas e os silêncios da história, assim como
em artigos e resenhas produzidos sobre a obra de Rita Isadora Pessoa, como
exemplos de ressignificação do fenômeno da musa e da sereia na atualidade da cena
poética.

Laryssa Amaro Naumann – UFRJ


A instabilidade socioespacial como fio condutor da construção da narrativa de Via
Ápia, de Geovani Martins

Propomos, nesta comunicação, relacionar a leitura de Via Ápia, de Geovani Martins


(2022), aos seguintes aspectos: a) o trabalho como eixo central na composição dos
personagens; b) a instabilidade como mola propulsora da narrativa; c) o confronto
da paisagem social do morro (Rocinha) e do asfalto (São Conrado); e d) a alteração
socioespacial com a chegada da UPP na Rocinha. Mike Davis, em Planeta favela,
dedica-se ao questionamento sobre uma “humanidade excedente?” para abordar a
relação entre a favela e o crescimento do trabalho informal. A questão do trabalho
entre os personagens de Via Ápia é crucial para o desenvolvimento da narrativa. Na
obra, os personagens transitam entre a informalidade e a formalidade do trabalho e
por diversos graus de informalidade. Do ponto de vista narrativo, é interessante
pensarmos, ainda, sobre como a narrativa é construída através da expectativa em
torno de uma mudança política muito grandiosa, como a chegada da UPP na favela,
e, ao mesmo tempo, como Geovani Martins constrói personagens que estão
constantemente passando por mudanças, de ocupação, de espírito, mas também
físicas. São homens e mulheres em movimento com as dinâmicas socioespaciais. É
interessante destacar que os dois núcleos, que acompanhamos inicialmente
separadamente, são unidos quando um grupo – Douglas, Murilo e Biel – precisa sair
da casa do “Coroa” e se torna vizinho do outro núcleo – Washington, Wesley e dona
Marli. A vida é instabilidade. Dos personagens de Via Ápia, a instabilidade é a própria
vida. Por fim, é interessante marcar como o narrador se aproxima de seus
personagens através de escolhas gramaticais mais informais. Geralmente, os
narradores mantêm uma linguagem formal e a informalidade recai sobre os
personagens a fim de compor a identidade desses indivíduos. Em Via Ápia, há um
projeto literário de favelado e não apenas sobre favelado.

Leonardo Augusto Bora – UFRJ


Lugares, coisas e vozes entrelaçadas em Solitária, de Eliana Alves Cruz

O trabalho investiga as dimensões narrativas do romance Solitária, de Eliana Alves


Cruz, publicado em 2022. Observa-se, especificamente, a espacialidade transformada
em ficção, o que salta aos olhos quando da leitura do sumário (cada capítulo das três
partes do romance tem um nome que se refere a objetos e/ou lugares de casas e
cidades) e, ainda mais, quando da análise da terceira parte (“Solitárias”), cujas vozes
narrativas são de quatro diferentes quartos (“Quarto de empregada”, “Quarto de
porteiro”, “Quarto de hospital”, “Quarto de descanso”). A fim de complexificar a
análise, são propostos diálogos interartísticos com duas obras cinematográficas que
também enfocam as vivências de empregadas domésticas, em metrópoles e tempos
que expressam diferentes contextos latino-americanos: Que horas ela volta? (2015),
de Anna Muylaert, e Roma (2018), de Alfonso Cuarón. É desdobrada, por fim, a ideia
de que o romance de Eliana Alves Cruz desenha cenários e personagens a partir de
aprofundadas reflexões de gênero, raça e classe, algo também observável nas
películas, obras que exploram tensões e questões sociopolíticas com notável
sensibilidade.

Leonardo Freitas de Carvalho – UERJ


A lírica dissonante de Cacaso e a sua interlocução com Baudelaire, Rimbaud e
Mallarmé

Antônio Carlos de Brito (1944-1987), mais conhecido como Cacaso, atuou em


diferentes áreas ao longo da sua curta vida, de poeta a crítico literário, de desenhista
a letrista. Mesmo que atuante em diversos campos, foi o ofício de poeta que mais o
alçou a um maior reconhecimento público, sobretudo por ter sido parte da geração
mimeógrafo, inserida no movimento da poesia marginal brasileira. Se a sua vida em
geral foi guiada por uma versatilidade considerável no âmbito profissional e artístico,
não é diferente o que acontece com a sua própria obra poética, pautada por
variações que vão de um clássico soneto petrarquiano a ligeiros monósticos, poemas
compostos por apenas um verso. Sendo um poeta tão escorregadio esteticamente
falando, Cacaso explorou frequentemente formas dissonantes nas suas letras, em
especial no seu livro mais famoso, Beijo na boca (1975), o que vai ao encontro de uma
tradição que deu início ao enfrentamento às formas clássicas e rígidas de composição
da lírica, tradição composta por nomes como Baudelaire, Rimbaud e Mallarmé. A
nossa proposta, neste estudo, é analisar, principalmente com base na teoria da lírica
moderna do alemão Hugo Friedrich, a maneira como Cacaso dialoga com essa mesma
tríade. Selecionaremos alguns dos trechos mais relevantes e alguns aspectos da
construção dos seus poemas que não são apenas ocasionais ou isolados, como
veremos, mas que estão comumente presentes na poesia caótica, tensa e dissonante
do poeta mineiro.

Luana Gabriela Paslawski – UFES


A representação do homem negro em Ponciá Vicêncio e Canção para ninar menino
grande, de Conceição Evaristo

O objetivo desta comunicação é analisar a representação dos personagens homens


negros nos romances Ponciá Vicêncio e Canção para ninar menino grande, de
Conceição Evaristo, com ênfase na intersecção das opressões de gênero, raça e
classe. Procuramos observar, a partir da elaboração dos personagens masculinos, os
impactos das opressões de classe e raça na construção da sua indiferença diante da
opressão de gênero, um “não atinar” devido ao sexismo reproduzido por eles. De
maneira distinta, os homens também têm suas identidades sociais determinadas,
além de assimilarem e reproduzirem as práticas sexistas, daí a necessidade de
repensar a masculinidade hegemônica. Mesmo assim, compartilham os homens
negros de bases muito próximas às das mulheres negras, o que permite estabelecer
um plano mais igualitário de convivência, ainda porque, em se tratando de outras
opressões, raça e classe são afetadas de maneira muito semelhante. Com isso,
espera-se apresentar a literatura de Evaristo a partir de uma perspectiva que repense
as hierarquias que se estabelecem na sociedade.

Lucas Ferreira Alves – UFRJ


Quatro pombas passeiam sobre O livro das semelhanças

Um poema é feito de palavras. Um livro é feito de papel. A grosso modo é isso, mas
algo falta. E o que falta é a vida. Este trabalho procura pensar a natureza da
linguagem poética e qual a relação que ela estabelece com o mundo. Para isso, o
objeto de pesquisa selecionado é O livro das semelhanças, de Ana Martins Marques,
publicado em 2015. Nesse livro, a poeta busca, numa tentativa quase sempre
frustrada, estabelecer paralelos entre o livro e o mundo; entre a palavra e a coisa.
Esse modo operacional é bastante evidente na primeira seção chamada “Livro”, um
metalivro formado das partes integrantes desse objeto, a capa, o título, a epígrafe, a
dedicatória. E toma novos contornos nas seções seguintes, quando o suporte se
torna o mapa, em “Cartografias”, ou as formas idiomáticas, em “Visitas a lugares-
comuns”, ou, por fim, sob a forma negativa da imaterialidade em “O livro das
semelhanças”. Ana Martins Marques busca fazer do livro um lugar habitável, e por
isso, um lugar vivo.

Luciely da Silva – UFF


Piedade: elementos constitutivos de uma mulher negra em fuga em Velhos demais
para morrer, de Vinícius Neves Mariano

Esta comunicação busca analisar Piedade, única protagonista mulher da obra Velhos
demais para morrer (2020), do mineiro Vinícius Neves Mariano. O romance distópico,
finalista do Prêmio Jabuti de Literatura em 2021, descreve uma sociedade que, em
2086, implementou o extermínio de idosos como política pública para a restauração
do equilíbrio financeiro. Nesse contexto, Mariano intercala narrativas de três
personagens de diferentes faixas etárias: Perdigueiro (a criança), Daren (adulto) e
Piedade (idosa), que descortinam o cotidiano em tempos em que o consumo se
sobrepõe à valorização da cultura e das diferentes gerações. Piedade figura como elo
entre os dois protagonistas e se torna símbolo entre o passado que se quer rasurar e
o presente de resistência e exclusão nessa sociedade etarista na qual o capitalismo
ignora os valores humanistas. A personagem, de mais de 65 anos, foi professora de
História (em uma época na qual as aulas de História ainda não tinham sido abolidas
pelo governo) e se destaca por ser a maior expressão de rebeldia e recusa frente ao
sistema liberal e suas imposições. Ao atingir o limite da idade economicamente ativa,
Piedade se vê condenada à morte e inicia sua jornada de fuga, registrada em diários
ao longo de toda a narrativa. Isso posto, pretende-se, nesta apresentação, analisar
os elementos constitutivos dessa personagem negra durante sua empreitada de
fuga. De início, ressalta-se o caráter autobiográfico da personagem e estuda-se sua
formação intelectual enquanto mulher negra. Em seguida, analisa-se sua recusa ao
quilombismo e os desdobramentos de sua fuga permanente reveladas em seu diário,
apontando para a importância da escrita e da memória em tempos de ditaduras do
esquecimento. Textos de Ecléa Bosi, Béatrice Didier, Carla Akotirene, Grada Kilomba,
Djamila Ribeiro, bem como entrevista concedida a mim pelo autor Vinícius Neves
Mariano (no prelo) compõem a fortuna crítica de análise do romance.

Manuella Lopes Villas – UFRJ


Do corpo à palavra, olhar o Brasil na poesia e performance de Luiza Romão e Valeska
Torres

Esta apresentação busca investigar, no trabalho de Luiza Romão e Valeska Torres,


como diferentes linguagens são capazes de disputar e se relacionar com a história
oficial, o corpo e o território. Em horizontes de ruína e destruição, como não só os da
cidade, mas também os da nação, é possível nomear o Brasil? Assim, desejo entrever
a fabricação de presentes pelas obras dessas autoras, as quais possuem um ponto de
vista situado, como Josefina Ludmer postula em Literaturas pós-autônomas (2013).
Através da poesia e da performance, as autoras parecem tecer estratégias para
reposicionar não só o corpo e suas histórias, como também a voz e suas
epistemologias, de forma a nos catapultar também para futuros (im)possíveis. Se as
violências do processo de construção nacional e da modernidade tornam-se
constitutivas, faz-se preciso olhar os embaralhamentos e o que ficou do avesso,
silenciado, a fim de reposicionar as certezas já estabelecidas. Desse modo, este
trabalho procura ler as produções dessas duas autoras contemporâneas brasileiras,
entre a poesia e a performance, para observar os tensionamentos mobilizados pelas
suas obras e para além delas.

Marcella Assis de Moraes – UFRJ


Como se fosse um monstro: gênero e feminilidade na prosa de Fabiane Guimarães

Fabiane Guimarães é uma escritora goiana de 32 anos que publicou dois romances
recentes pela editora Alfaguara: Apague a luz se for chorar, de 2021, e Como se fosse
um monstro, de 2023. A estreia da autora, no entanto, aconteceu na internet: entre
janeiro e julho de 2016, Guimarães publicou uma edição seriada da novela Pequenas
esposas na revista on-line Azmina. Apesar do formato digital, trata-se de um folhetim,
gênero caro ao século XIX e estigmatizado pela associação ao ócio e ao
sentimentalismo atribuídos às mulheres (pelo menos às da classe média branca,
universalizadas pelo teor racista de nossa composição social brasileira). É
interessante, nesse sentido, recompor o percurso da autora: ela parece, desde o
início, trafegar entre estratégias narrativas próprias a gêneros da cultura popular ou
desvalorizados pelo cânone, sobretudo àqueles associados à feminilidade, como o
folhetim e o melodrama, sem, no entanto, temer um efeito de mau gosto produzido
por essa escolha. Ao contrário, parece ser justamente esta a proposta estética da
autora: investir nos signos reconhecíveis da feminilidade (enredos melodramáticos,
intrigas familiares, situações graves e inverossímeis, reviravoltas que encaminham o
desenlace da trama) para, do lado de dentro, implodir o estereótipo a partir de uma
sondagem das questões caras à luta feminista hoje (aborto, direitos reprodutivos,
exploração sexual, pedofilia, entre outros). Assim é que ela reinstala o folhetim, mas
de maneira que o único final feliz possível seja o divórcio, em vez do casamento. O
que esta pesquisa coloca, portanto, é um estudo desse percurso na obra de
Guimarães: de que maneira a escritora elabora artisticamente os temas caros às
mulheres hoje, levando em conta uma tradição de lugares-comuns que, a princípio,
tenderíamos a recusar, mas que ela inclui e refaz?

Marcella Mahara Costa Torós – UFRJ


Sair do lugar-infância em Clarice Lispector e Ana Martins Marques

O trabalho que será apresentado surge de um projeto de pesquisa já em andamento,


que se propõe a ler como é construída a representação literária da transição entre a
infância e a adolescência em dois textos de Clarice Lispector, O lustre, segundo
romance da autora, publicado em 1946, e “Os desastres de Sofia”, conto presente no
livro A legião estrangeira, publicado em 1964. A pesquisa tem como foco a
singularidade no modo como as protagonistas Virgínia, no romance, e Sofia, no
conto, vivem as transformações que irrompem na transição da infância para a
adolescência, em seus desdobramentos. Nesta comunicação, faremos uma leitura
comparada desses textos com um poema de Ana Martins Marques de seu último
livro, Risque esta palavra (2021). O poema não possui título e se inicia com os dois
seguintes versos: “É como se a infância não fosse um tempo / mas um lugar”. Já nos
últimos, a sujeita poética confessa ter matado uma criança, uma menina que agora
vive dentro de seu corpo. Entendemos que tal menina é a própria sujeita poética, uma
parte dela que precisou morrer para sair da infância. Pensaremos, então, a saída do
lugar-infância em sua complexidade, a partir da riqueza de imagens presentes no
poema e nos textos claricianos.

Maria Elenice Costa Lima Lacerda – UFPI


(Inter)relações entre a música “Maria, Maria”, de Milton Nascimento e Fernando
Brant, e o conto “Maria”, de Conceição Evaristo

Milton Nascimento e Fernando Brant escreveram a canção “Maria, Maria”, que foi
lançada em 1978 no álbum Clube da Esquina 2. Talvez não por coincidência, Conceição
Evaristo tenha escolhido o título “Maria” para um dos contos presentes em Olhos
d’água, publicado em 2016. Afinal, há entre a letra da música e a narrativa de
Conceição elementos que não apenas aproximam essas mulheres, mas que parecem
torná-las somente uma, ao mesmo tempo que representam várias. O trabalho aqui
proposto, além de analisar comparativamente a música e o conto, também aborda
algumas percepções dos alunos do ensino médio do Colégio Técnico de Floriano da
Universidade Federal do Piauí acerca das temáticas de ambas as produções artísticas.
Para isso, o aporte teórico transita entre textos sobre intertextualidade e questões
sobre o feminismo negro e o conceito de escrevivência. Os resultados parciais
demonstram que os alunos, apesar de precisarem de uma mediação para aproximar
os dois universos, também conseguem estabelecer uma (re)leitura plena de sentidos
quanto à (sobre)vivência do povo negro e da condição feminina na sociedade
patriarcal brasileira.

Maria Júlia Peixoto dos Santos Saad – UFJF


“Rolézim”, de Geovani Martins: uma forma sem síntese

A presente comunicação tem como objeto de estudo o conto inaugural “Rolézim”,


do livro O sol na cabeça, de Geovani Martins, publicado em 2018. O texto retrata um
dia vivido pelo narrador-personagem e quatro amigos que decidem ir à praia, em uma
tentativa de amenizar o calor que fazia naquele dia. Com uma onda de arrastões e
uma morte que havia acontecido, a polícia militar fluminense estava à espreita dos
jovens. O conto é analisado sob a ótica social e linguística, enfatizando os processos
de representação da ruptura com a ideia de unidade brasileira, bem como a relação
da linguagem manipulada por Martins com o “pretoguês” de Gonzalez. Essa análise
permite observar a violência contra os corpos pretos e periféricos, retratados pelo
narrador-personagem, que se aproxima do lugar social do qual faz parte,
empregando uma linguagem coloquial, falada pelo grupo marginalizado e
representado no conto, o que possibilita a exploração do texto como uma forma sem
síntese, que compreende a sociedade brasileira como constituída pela diversidade.
Os pressupostos teóricos utilizados são os textos “A unidade brasileira e a forma sem
síntese”, de Jaime Ginzburg (2017), “A categoria-cultural de amefricanidade” e
“Racismo e sexismo na cultura brasileira”, de Lélia Gonzalez (1983 e 1988). Em meio
a experimentações formais, Geovani Martins faz no conto inaugural de sua primeira
publicação uma escolha de linguagem original e se utiliza de referências
autobiográficas de forma a nos aproximar de uma realidade representada sem
síntese, desafiando a ideia de homogeneidade, que se desdobra sobre vidas pretas e
marginalizadas.

Mariana Alvarenga de Oliveira – UFRJ


“Arcas de Babel”: um abarcar de línguas à deriva

Operando como caminho aberto ao trânsito entre línguas, a coluna de livre acesso
“Arcas de Babel”, publicada pela Revista Cult, com curadoria da poeta-tradutora
Patrícia Lavelle, abarca uma série de traduções de poesia em curso e reflexões acerca
das experiências múltiplas que constituem a atividade tradutória no contemporâneo.
Em paralelo a isso, são promovidos, em conformidade com uma perspectiva
translíngue, os deslocamentos que ocorrem no cerne da escrita dos poetas-
tradutores brasileiros que publicam na coluna. Tendo em vista que as “Arcas”
constituem corpus de análise de minha pesquisa, vinculada ao projeto “Poéticas
translíngues do contemporâneo: contrapedagogias e glotopolíticas latino-
americanas”, coordenado pelo Prof. Dr. Antonio Andrade (UFRJ/FAPERJ/CNPq),
objetivo discutir como a prática da tradução e a invenção poética compartilham entre
si o desejo de desencadear as potencialidades da língua de partida e transformar as
singularidades que residem no interior da língua de chegada, via processos de
estranhamento recíprocos que desafiam os limites impostos pelas fronteiras
glotopolíticas e assimetrias linguísticas entre língua materna e estrangeira,
hibridizando-as. Uma vez que a coluna é apresentada por Lavelle como intervenção
concreta no campo literário, com intuito também de propagar a diversidade autoral
e a paridade de gênero, foram selecionados para análise textos, acompanhados de
suas respectivas traduções em língua portuguesa, de doze grupos de identificação
mapeados. Tais produções perpassam desde a poética intercultural de poetas
nômades latino-americanos até expressões consagradas no cânone literário
ocidental, desde poéticas nas quais a denúncia é fator mobilizador a rupturas em
relação à estética tradicional ou diálogos com outras manifestações artísticas.
Embora partam de lugares diferentes, as “Arcas” mantêm-se interligadas por um fio
condutor comum: a construção de pontes que acolhem atravessamentos e contatos
linguístico-culturais por intermédio de poetas que buscam fazer da prática da
tradução uma estratégia de construção de caminhos alternativos.

Mariana Belize Santos de Figueiredo – UFRJ


O amor encontra a morte em Os grandes senhores, de Ronaldo Lima Lins

No romance Os grandes senhores, publicado em 1975, encontramos Marília e


Santiago, personagens atormentados pelo contexto político e histórico de suas
épocas e as consequências iniciais da ditadura militar. Nessa relação, desdobram-se
questionamentos e conflitos mergulhados no erotismo e no amor que os envolve, o
que existencialmente entrega ao leitor uma experiência impactante. Entre a
angústia, lida através do diálogo com Sartre em O ser e o nada, e os fragmentos de
um discurso amoroso, pautados nos estudos de Roland Barthes, analisaremos a
relação entre os dois personagens e de que maneiras ela se desenvolve no romance
na contramão de um contexto em que a violência e a morte se impõem como regra
e ameaça às vidas dos dois. Além disso, se impõem as diferenças de classe, de sexo,
ideologias e visões de mundo e, nesse sentido, o erótico se apresenta, lido através de
Bataille, como descontinuidade, na qual os seres humanos são seres descontínuos.
Apontando as intransigências e diálogos (im)possíveis entre o jornalista Santiago e a
guerrilheira Marília, no qual também o corpo fala, este trabalho se converte numa
tentativa de compreensão, de entendimento e diálogo entre forças opostas: a morte
e a vida aqui não só se digladiam, mas também são complementares, uma dando
sentido à outra, por mais terrível que isso pareça. E assim se desenha no romance o
diálogo com a existência, bem ao gosto da escrita dinâmica e voraz de Ronaldo Lima
Lins.

Mariana Filgueiras de Souza – UFF


De Lucinda a Mabel: representações da trabalhadora doméstica na literatura
brasileira

Este trabalho faz um panorama da transformação da representação da trabalhadora


doméstica na história literária brasileira a partir de duas obras de pontos de vista
raros: o conto “Lucinda, a mucama”, de Joaquim Manuel de Macedo, escrito em
1869; e o romance Solitária, de Eliana Alves Cruz, de 2022. Ao narrar a história de
Lucinda, personagem que tem centralidade na trama, o conto de Joaquim Manuel de
Macedo registra o início do fim da escravidão, na transição da figura da mucama, a
mulher escravizada responsável pelos trabalhos domésticos nas propriedades de
senhores em meados do século XIX, para a “criada de servir”, a mulher já liberta mas
ainda subjugada, em finais do XIX. Mais de 150 anos depois, o romance de Eliana Alves
Cruz, Solitária, também dá centralidade à trabalhadora doméstica, no caso, Mabel,
protagonista do enredo, herdeira direta do legado escravista da figura de Lucinda,
mas agora remunerada. Nesta comparação, serão analisadas as mudanças nas
estratégias de mediação e enunciação literária de cada trabalho e o impacto na
construção da personagem da trabalhadora doméstica – a maior categoria laboral
brasileira – no imaginário nacional.

Marilia do Nascimento Costa – UFBA


A autoficção como estratégia de desdramatização no teatro contemporâneo

Na dramaturgia brasileira contemporânea, nota-se maior interesse e valorização de


dados biográficos na elaboração da cena teatral. As experiências pessoais dos atores
servem como mote para os enredos ficcionalizados no palco, que geralmente são
compostos por elementos que enfatizam a mistura dos gêneros, dos recursos
midiáticos e do metateatro. A partir dessa perspectiva, o espetáculo Conversas com
meu pai (2014), encenado e idealizado pela atriz Janaína Leite, é interessante para
pensar algumas das estratégias de desdramatização propostas por Jean Pierre
Sarrazac em O drama não será representado. Alguns elementos teatrais analisados
por Sarrazac estão presentes no espetáculo de Janaína Leite, mas reconfigurados
pelo artifício autoficcional, como será demonstrado na apresentação. Desse modo,
Sarrazac não acredita no fim do drama ou em um pós-dramático, mas em uma
alteração na forma dramática, que em seu vocabulário é nomeada de
desdramatização. Neste trabalho, será analisado como é realizada a decomposição
da forma dramática aristotélica, na cena contemporânea, a partir de uma “desordem
organizadora” nos termos de Sarrazac. Para isso, o principal mecanismo identificado
para a desdramatização é a ruptura da fábula, logo, a ruptura também do belo animal
– texto estruturado, ações estruturadas, dividido em atos e cenas. A partir dos
elementos mencionados, percebe-se no espetáculo Conversas com meu pai um
investimento no procedimento autoficcional pela maneira como os dados biográficos
são mobilizados na cena teatral, que implica uma mudança formal que, seguindo a
lógica sarrazaqueana, pode-se chamar de desdramatização.

Mario Newman de Queiroz – UFRRJ


Elos de alegorias, contos, mitos e animação

O espaço ficcional permite muitas leituras, truísmo (de) que a longeva discussão
sobre mímesis (se) alimenta. Em 1998, quando foi lançada a animação dos estúdios
Pixar e Disney, A bug’s life, no Brasil traduzida como Vida de inseto, não tardou a se
perceber que era uma narrativa que ia muito além de uma estória para mero
entretenimento infantil. Afloraram leituras que traziam à luz o caráter alegórico da
narrativa, ressaltando as questões das lutas contra a opressão, da importância do
esforço coletivo organizado para o bem comum, de mudanças nos modelos de
subjetivação centrados no indivíduo, de aceitação e aproveitamento da diversidade,
do acolhimento das diferenças intrínsecas, da aceitação do radicalmente outro, da
necessidade de se aceitar novas ideias para superar situações adversas, questões
relacionadas à liderança. Destacou-se, enfim, que a obra era uma grande alegoria
sobre a necessidade de posturas para realizar transformações sociais para o bem
comum. Não se previa, então, uma pandemia avassaladora em fins de 2019. É durante
a pandemia, motivado por ela, que Ronaldo Lima Lins escreve Elos de alegorias
[contos]: as alegorias com insetos são retomadas numa linhagem que remonta a
Kafka, sempre lembrado em sua metamorfose quando modernamente falamos de
alegorias com insetos, ainda que o verdadeiro personagem principal possa estar na
irmã do metamorfo. Sem perder de vista as alegorias com insetos, da mitologia
greco-romana a Kafka ou à animação da Pixar, o que indagamos diante do livro de
Ronaldo Lima Lins é: afinal, o que nos dizem esses insetos?

Marta Bonach Gomes – PUC-Goiás


Mulher contemporânea e o homem do patriarcado em Cora Coralina
Este artigo tem como desiderato dissertar acerca da mulher contemporânea no
âmbito da literatura, em relação ao homem, sob a égide do patriarcado, mediante
uma revisão bibliográfica e análise de relevantes poemas de Cora Coralina que
tangenciam o tema, subentendido nas entrelinhas. Serão consultadas obras
acadêmicas, estudos culturais, etnográficos e literários, que se debruçam sobre a
questão da identidade nacional e representação da literatura no cerrado goiano, com
o escopo de investigar a posição atual da mulher ante o homem, na tessitura histórica
de um período dominado pelo mando coronelista em Goiás. Abordaremos como a
literatura feminina se erige em valiosa ferramenta para a compreensão das
problemáticas de gênero na sociedade contemporânea. Destarte, tal análise
bibliográfica percorreu alguns passos, a saber: a) a compreensão dos impactos,
positivos e negativos, desses elementos na vida das mulheres; b) a percepção de
como a voz literária de Cora Coralina pode enriquecer a teoria do conhecimento no
âmbito científico; c) o entendimento de que componentes como a intuição, a emoção
e a sensibilidade podem contribuir para a literatura goiana. Os poemas interpretados
revelam e evidenciam como a batalha pela emancipação feminina é um processo
contínuo e complexo, exigindo a superação de arraigadas estruturas sociais em nossa
cultura.

Mateus Calheiros Pereira – UFRJ


Tensões e contradições sobre o militarismo em Via Ápia (2022): perspectivas a partir
de Teoria do drone (2015)

O presente trabalho pretende analisar, a partir da ótica de Teoria do drone


(Chamayou, 2015), de que forma o militarismo atravessa a narrativa de Via Ápia
(Martins, 2022). O objetivo é construir uma jornada analítica a partir de dois aspectos:
primeiramente, as tensões decorrentes da instalação da UPP na Rocinha, já que o
espaço periférico é historicamente suscetível a excessos e violências por parte de
agentes estatais, além da contradição que o termo “pacificação” pode possuir sob a
perspectiva dos personagens da história; em segundo lugar, o conflito moral pelo
qual passa o personagem Murilo, soldado do exército brasileiro, que, por ser criado
na Rocinha e estar num posto militar, se sente numa posição de “vítima e carrasco”,
tendo em vista o histórico de violência de forças militares nas favelas. A partir de tais
problemáticas e do olhar crítico de Chamayou sobre a atuação de agentes estatais
em operações e as tensões que um soldado ou policial pode proporcionar para a
sociedade, visa-se entender quais atravessamentos do militarismo são abordados
nessas passagens de Via Ápia (2022).

Mateus Thaler Beck – UFRJ


A ideia de felicidade em Carlos de Assumpção

A discussão acerca da felicidade remonta aos gregos antigos, sendo até a


contemporaneidade um tema ainda bastante frequente nas artes, com expressões
inclusive na literatura brasileira recente. O objetivo deste trabalho é verificar como a
discussão acerca da felicidade se revela na obra de Carlos de Assumpção.
Considerado um dos decanos da poesia de protesto do século XX, o poeta possui uma
perspectiva não conformista e trata abertamente sobre a ferida social feita pelo
racismo em suas produções (Duarte, 2011), a partir da vivência e da memória da
negritude, submetidas a um negrocídio (Pucheu, 2020). A análise dos poemas
“Protesto”, “Eclipse” e “Berimbau”, presentes na obra Não pararei de gritar – poemas
reunidos (Assumpção, 2020), demonstra que, para Carlos de Assumpção, a felicidade
do povo preto não ocorrerá com a vingança de seus algozes, mas, sim, através da
efetivação da justiça social, fruto de uma integração social legítima e concreta, e do
retorno às suas origens histórico-culturais. Com isso, percebe-se que o poeta
compreende a felicidade como fenômeno social e não individual, estabelecendo uma
correlação direta entre a luta social antirracista e as relações sociais do mundo
objetivo com a preservação da subjetividade e da saúde mental.

Milena Martins Moura – UFF


Revistas digitais independentes: percursos, percalços, presenças

Esta comunicação busca mostrar o fenômeno, em pleno crescimento, da edição de


revistas digitais independentes no Brasil contemporâneo, sobretudo durante e após
a pandemia da Covid-19, analisando sua importância para o cenário literário atual
brasileiro. Sediadas em plataformas digitais e editadas por autores ou grupos de
autores independentes, essas revistas – algumas altamente nichadas, como as
voltadas exclusivamente às mulheres, à produção LGBTQIA+, à periferia, aos povos
originários etc., outras de escopo amplo, aceitando todo tipo de autores e obras –
promovem um mapeamento e um arquivamento da produção literária
contemporânea, proporcionando aos autores uma vitrine de demonstração de suas
obras, e, aos leitores, acesso gratuito e irrestrito ao novíssimo conteúdo literário
produzido. Importantes ferramentas de propagação de saber, conhecimento e
cultura, essas revistas, porém, também enfrentam seus percalços: seus editores
muitas vezes não apenas não ganham como também perdem dinheiro para mantê-
las; as tarefas da edição tomam seu tempo livre ou mesmo de trabalho remunerado
informal; por não serem atividades principais de seus editores, muitas revistas
enfrentam tempos de hiato ou são extintas, entre outras dificuldades inerentes a se
levar ao ar o projeto de uma revista digital. Essa tarefa, no entanto, tem se mostrado
um recurso a mais para a valorização da arte independente, usando as tecnologias da
informação e da comunicação como meio de reunir autores em torno de pautas
comuns, levar suas palavras a mais leitores e promover, assim, uma descolonização
dos espaços de produção literária, fornecendo gratuitamente acesso à publicação e
à leitura, o que se evidencia, também, pelo fato de que muitas revistas se
converteram em editoras independentes que promovem essa mesma valorização na
seara da publicação de livros.

Milena Velloso Cordeiro da Silva – UFRJ


A mulher quer ser ciborgue: poesia digital e autoria nas googlagens de Angélica
Freitas
O presente estudo analisa de que forma se dá a construção e a recepção da poesia
produzida através de recursos digitais, especificamente no fazer poético das
googlagens, presentes no livro Um útero é do tamanho de um punho (2012), de
Angélica Freitas. O procedimento artístico denominado pela própria autora se baseia
na utilização do mecanismo de pesquisa da plataforma Google, a fim de estabelecer
recortes e colagens de termos da busca, formando versos após a montagem de
trechos selecionados. A motivação deste trabalho surgiu da necessidade de pesquisa
acerca do impacto da tecnologia na literatura, sobretudo na poesia, buscando
compreender, discutir e propor métodos da produção artística literária a partir da
obra literária de Freitas (2012). Ele também se propõe a ser um trabalho atento diante
do conceito de autoria quando relacionado à poesia produzida com auxílio de
ferramentas tecnológicas. Para a discussão, são utilizados os aportes teóricos de
Perloff (2013), Goldsmith (2013), Antonio (2017), entre outros.

Millena Lopes Lourenço – UFRJ


O outro colocado no outro lado do abismo

O estudo analisa o olhar dos indivíduos opressores para com aqueles marginalizados
pela sociedade, olhar que passa pelo filtro do preconceito e pela distorção da
realidade em busca do melhor para si, afastando ao máximo a humanidade dos
indivíduos oprimidos. O texto principal a ser analisado é O som do rugido da onça, de
Micheliny Verunschk, que narra a história de crianças indígenas sequestradas por
cientistas europeus, levadas para outro continente e apresentadas como americanas
salvas da vida selvagem e barbárie. As reflexões de Benedito Nunes e Emanuelle
Coccia são fundamentais para a construção deste estudo, possibilitando entender a
visão de pessoas colonizadoras e imperialistas que, mesmo fora da literatura,
insistem, ao longo dos séculos, em fazer do outro, considerado por eles como
diferente, um animal indigno de direitos. O outro, a animalidade e os indígenas são
as principais questões que permeiam e ajudam a direcionar este estudo.

Mykaelle de Sousa Ferreira – UERJ


Totalitarismo e distopia em Tupinilândia, de Samir Machado de Machado

Publicado em 2018, Tupinilândia, de Samir Machado de Machado, é uma obra de


fôlego na literatura brasileira contemporânea. A narrativa conta a história do parque
temático “Tupinilândia”, construído no centro da Floresta Amazônica durante o
período da ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985). O projeto utópico é idealizado
pelo personagem João Amadeus Flynguer para ser uma referência mundial sobre a
cultura brasileira, no entanto, a nostalgia proporcionada por Tupinilândia insere o
leitor em uma viagem ao passado histórico, na contramão do imaginário projetivo de
“país do futuro”. Com ecos da literatura de George Orwell e Michael Crichton, isto é,
entre o romance de aventura e a tradição distópica, Samir Machado de Machado tece
uma ficção política com um mosaico de referências que revela as cissuras do tecido
democrático brasileiro, no passado e no presente. Nesse sentido, tomando como
base o pensamento de Antonio Candido (1965), M. Keith Booker (1994), Ana Kiffer e
Mariana Patrício Fernandes (2021), para citar apenas alguns exemplos, questiono a
maneira como o mundo externo se torna um componente interno na obra. Esta
comunicação, portanto, propõe analisar as principais estratégias textuais utilizadas
pelo autor, de modo que seja possível formular hipóteses sobre como os escritores
brasileiros em atividade no último decênio encontram nos recursos da distopia
literária um terreno fértil para a representação ficcional da violência perpetrada por
regimes antidemocráticos.

Nathalia Augusto Pereira – UERJ


Ricardo Aleixo, leitor de Nei Lopes

Lançado em 2022, entre Salvador/BA e Belo Horizonte/MG, Diário da encruza, nova


antologia poética de Ricardo Aleixo, reúne poemas dedicados a personalidades
negras e indígenas, como Ailton Krenak, Marielle Franco, Leda Maria Martins, Cecil
Taylor e Itamar Assumpção, entrelaçando caminhos e diálogos. Esse diário de viagens
cruza o mundo decolonial e paira no Rio de Janeiro, com duas referências a Nei Lopes.
Na dedicatória do livro, Aleixo cita Lopes, oferecendo-lhe um “imenso abraço
transatlântico” e dedicando-lhe um dos poemas, no qual o chama de vizinho. Tais
poemas, ao aumentarem o zoom, aproximam distâncias entre vivências da diáspora
e cartografam uma rota lírica, cujas fronteiras ficam cada vez mais diminuídas. Esta
comunicação é uma das vias de passagem de minha pesquisa em andamento acerca
da poesia de Nei Lopes, através da apresentação da antologia Diário da encruza, de
Ricardo Aleixo, com o desdobramento dos poemas “Aconteceu Maravia” e “Nei
Lopes é meu vizinho”. A abordagem de leitura dos poemas selecionados considerará
o olhar microscópico para observar o completo em seus detalhes.

Palloma dos Santos Pimentel – UFRJ


A imagem da escola a partir da visão de meninas negras: Geni de A cor da ternura e
Maria-Nova de Becos da memória

A partir da leitura e da análise dos romances A cor da ternura (1989), de Geni


Guimarães, e Becos da memória (2006), de Conceição Evaristo, o presente trabalho
observa que a presença da imagem da escola assume grande força significativa em
ambas as obras. Nas duas narrativas, a ideia da educação escolar apresenta diversas
facetas: a escola como um local de opressão, onde o preconceito e a segregação
ocorrem, ou como um lugar de esperança para uma mudança de vida, em que a
educação é meio de libertação do estigma social. Em A cor da ternura (1989), a
narrativa parte do olhar da personagem Geni, uma menina negra que, inserida em um
contexto social de opressão às mulheres e ao povo negro, relata, a partir de suas
experiências, os desafios, a desigualdade e o racismo. No livro Becos da memória
(2006), de Conceição Evaristo, é expresso o olhar de uma menina negra chamada
Maria-Nova, que enuncia as vivências e os relatos memoriais que os moradores da
favela ― os quais estão sofrendo um processo de desfavelamento ― lhe contam nos
becos, assim como sua experiência e visão a respeito dos entraves sociais
enfrentados pelo povo afro-brasileiro. O ponto comum a ser analisado em ambas as
obras é a forma como a imagem da escola e suas configurações são representadas
nos livros, a partir do olhar de duas crianças ― meninas, negras e de classe baixa― e
de suas famílias, amigos e vizinhos. Com o apoio dos textos teóricos, que orientam a
análise da visão que as duas protagonistas fazem a respeito das suas vivências
escolares, são estabelecidos os possíveis conceitos de escola presentes nessas
narrativas.

Patricia Mariz da Cruz – UFF


Os lutos de Mar azul, de Paloma Vidal

“Quanto tempo dura um luto?”, questiona-se, por repetidas vezes, a narradora de


Mar azul (2012), de Paloma Vidal, após a leitura dos diários do pai, recém-falecido. A
pergunta e o artigo indefinido evidenciam que a personagem septuagenária enfrenta
a dor por diferentes perdas, aproximando-se da definição de Sigmund Freud, em Luto
e melancolia (2011). Ao longo do romance, as lembranças – desencadeadas pela
orfandade recente – revelam um pouco da trajetória da protagonista e demonstram
a inexistência da superação pela morte da melhor amiga, desaparecida pelo regime
militar argentino. O luto não pôde ser vivido completamente, pois, além de não ter
ocorrido o enterro, a narradora precisou buscar exílio no Brasil devido ao medo de
também se tornar vítima da violência ditatorial. Dessa forma, o sofrimento pelo
assassinato de Vicky agravou-se em função da partida forçada da terra natal, o que
faz a protagonista viver presa às memórias do passado e assim não conseguir seguir
adiante. Essa situação remete aos pressupostos de Edward Said (2003) a respeito da
condição experimentada pelo estrangeiro, situado em um entrelugar. No romance,
então, encontram-se diversos lutos: pelo pai, pela amiga, pela democracia, pela saída
da Argentina. A partir dos estudos de Julia Kristeva (1994), Julia Kóvacs (1994) e
Eurídice Figueiredo (2017), é possível compreender que a morte possui grande
relevância para o romance de Paloma Vidal, sendo, por esse motivo, alvo de análise
do presente trabalho.

Pedro Alegre – Colégio Pedro II


Jeferson Tenório: a literatura pelo avesso

Nos três romances de Jeferson Tenório, publicados de 2013 a 2020, em cada um deles
de maneira específica, é a figura do leitor que surge da voz dos narradores. Crianças
e jovens negros se deparam ao acaso com clássicos do cânone europeu: Cervantes,
Dostoiévski, Shakespeare. O que parece sugerir, por um lado, um típico processo
formativo, ou de aprendizagem, desses jovens em direção à vida adulta, na verdade,
por outro, promove a encenação do ato da leitura em choque com a situação racial
dos protagonistas. Este trabalho é um estudo sobre a narrativa de Tenório, a qual se
vale do procedimento de fazer colidir a cultura literária com a vida mais cotidiana,
marcada pelo racismo. Poesia e fome, discriminação racial e clássicos da literatura
europeia imbricam-se em uma encruzilhada a partir da qual as identidades se movem,
se alteram, se comunicam. O beijo na parede (2013), Estela sem deus (2018) e O avesso
da pele (2020) não são apenas romances de formação, mas formam, à sua maneira,
novas possibilidades de pensar a cultura do romance, a qual, como sabemos, tem em
Dom Quixote o exemplo definitivo daquele que, para escrever, precisa colocar em
cena o próprio ato de leitura.

Pedro Ivo Silva – UFCAT


Questões de autoria na poesia negra cuir

Este trabalho se propõe à análise crítica e interpretativa da poesia de autoria negra


cuir, ou seja, a poesia de autoria negra na dissidência sexual e/ou de gênero, desde as
categorias da amefricanidade (Gonzalez, 2020 [1988]) e do cuirlombismo literário
(Nascimento, 2019) como chaves de leitura e interpretação possíveis para questões
acerca dessa autoria. Para além da caracterização que tem sido aplicada na definição
de “literatura negra” ou “literatura afro-brasileira” por diversas/os pesquisadoras/es
brasileiras/os (Bernd, 1988; Cuti, 2010; Duarte, 2011; Evaristo, 2016), a poesia de
autoria negra cuir tem problematizado seu lugar nessa definição, por meio de seu
projeto ético, estético e político como movimento desde uma ética do amor (hooks,
2006; 2021) na superação das temáticas da dor, da luta e da denúncia (do racismo e
das “cuirfobias”). No lastro teórico-acadêmico deixado por pesquisadoras/poetas
negras cuir como Audre Lorde (2007 [1984]), Cheryl Clarke (2006) e Nascimento
(2018; 2019), esse projeto literário pode ser vislumbrado, por exemplo, na produção
poética de Tatiana Nascimento, Kika Sena, Pedro Ivo e Beatriz Aqualtune, poetas que
compõem um diagnosticado levante de autoria negro-cuir na poesia produzida nos
últimos anos, notadamente a partir de 2016, com a criação da Padê Editorial e a
publicação do livro Lundu (Nascimento, 2016).

Philipe Barcellos Barros – UFRJ


Quando a língua fotografa a si mesma: a metalinguagem na poesia de Ana Martins
Marques em três atos

O presente trabalho tem como objetivo analisar três poemas da obra de Ana Martins
Marques, observando como a temática da metalinguagem se relaciona com as
dinâmicas de tempo apresentadas. Serão analisados os poemas “Caravelas”,
presente no livro A vida submarina (2021), “Título”, em O livro das semelhanças (2015),
e “História”, que consta do livro Risque esta palavra (2021). No primeiro, o eu lírico
compara os poemas e o mar em relação à sua capacidade de pôr vidas em perigo, ao
passo que retrata um momento estático em meio a uma série de acontecimentos; o
segundo apresenta a construção de um livro, equiparando um de seus elementos a
um objeto do teatro por meio de uma cena completamente estática; já o terceiro fala
das palavras em relação à passagem do tempo, como elas atravessam eras. Para
realizar essas leituras, conto com os apontamentos feitos por Georges Didi-
Huberman no livro A imagem queima (2018), no qual alega que a imagem expande
seu sentido e queima a partir das possíveis associações feitas entre ela e qualquer
elemento presente na memória de seu observador. A imagem exige que o
observador, ao observá-la, reorganize seu pensamento para entendê-la, dessa forma
criando um novo conhecimento. Assim, uma vez que as imagens descritas nos três
poemas se baseiam na relação estabelecida entre a imagem, a metalinguagem e o
tempo, as obras analisadas provocam, no leitor, a necessidade de reorganizar sua
perspectiva a respeitos dos tópicos apresentados e mudar a visão em relação a eles.

Rafaela Nogueira Barbosa – UFRJ


Douglas Diegues: a flor-cadáver

Poeta e tradutor do portunhol selvagem, e também editor de cartoneras, Douglas


Diegues é multiartista e vive hoje entre muitas fronteiras. Além das fronteiras da
linguagem poética, ele também transita entre fronteiras territoriais, sendo as mais
conhecidas Brasil, Argentina e Paraguai. Os seus sonetos salvajes, ou “insurretos
sonetos”, como se refere a eles o poeta Glauco Mattoso, são tomados por uma
espécie de origem escatológica que celebra a nova vida em estado de
decomposição/metamorfose. Um açougue, por exemplo, passa a ser um museu de
arte contemporânea; os papelões que serviram de capa para seus livros já
embalaram, um dia, carnes congeladas e outros produtos cadavéricos; e os poemas
de Diegues, que emergem agora como estudo científico, parecem raflésias, plantas
conhecidas como flores-cadáveres: duram poucos dias, exalam odor de carne podre
e são polinizadas por moscas, assim como o portunhol selvagem descrito por
Diegues, que brota como flor da bosta das vacas.

Raphael Salomão Khéde – UERJ


Reflexões sobre o conceito de marginalidade na literatura brasileira contemporânea

O trabalho tem como objetivo investigar o conceito de “marginalidade” na literatura


brasileira contemporânea, através de três experiências distintas, do ponto de vista
textual e ideológico, mas que receberam, ou se deram, o mesmo rótulo de
“marginal”. A primeira experiência se refere ao escritor João Antônio (1937-1996) que
recebeu a etiqueta de “escritor marginal”, pelos seus contos/crônicas/reportagens,
em jornais da chamada “imprensa nanica” na época da ditadura civil-militar, sobre as
classes marginalizadas das metrópoles brasileiras. A segunda experiência se insere
dentro de um contexto literário diferente, do ponto de vista social e ideológico. Trata-
se da chamada “poesia marginal”, identificada com a coletânea organizada por
Heloisa Buarque de Hollanda em 1976, 26 poetas hoje. Como veremos, os próprios
autores não se reconheciam na definição de “artista marginal”. Nesse caso, o gênero
textual é a poesia, autoproduzida (através do processo de mimeografia), divulgada e
comercializada num circuito alternativo em relação aos mecanismos das editoras
tradicionais. Os temas abordados se referem a categorias comportamentais
relacionadas a sexo (inclusive, a homoafetividade, como no caso de Roberto Piva e
Ana Cristina Cesar), drogas, prisão (Waly Salomão), saúde mental (Torquato Neto),
entre outros. A terceira experiência é a da “literatura marginal”, seleção de poetas
reunidos por Ferréz em 2005 (Literatura marginal: talentos da escrita periférica).
Nesse caso, a etiqueta “marginal” está relacionada a um novo e crescente processo,
na literatura brasileira contemporânea, de organizações independentes de autores
periféricos, os quais compreendem a “marginalização” como uma forma coletiva de
identidade socioeconômica. Conforme analisaremos, existe uma relação de afinidade
estética e ideológica entre este grupo e João Antônio, citado por Ferréz na sua
introdução para a antologia. Através do suporte da sociologia da literatura, o
trabalho pretende refletir sobre os desdobramentos ideológicos e sobre as questões
comportamentais e socioeconômicas inerentes ao conceito de “marginalidade”
aplicado aos autores e grupos referidos.

Renato Suttana – UFGD


Aspectos de uma voz oracular na poesia de Francisco Carvalho

A poesia do poeta brasileiro Francisco Carvalho é uma das mais importantes


publicadas no Brasil na segunda metade do século XX. Neste estudo, consideram-se
aspectos do seu desenvolvimento temporal ao longo de anos, abordando-se algumas
características do imaginário que a perpassa. Parte-se da ideia de que nessa poesia se
realiza um encontro de tradições – com ecos do Classicismo português mesclando-se
a uma linguagem de recorte moderno e contemporâneo, derivado de códigos de
escrita que emanam do Modernismo. Amalgamado em sua poética, o diálogo entre
esses elementos se afirma como um vetor dominante, permitindo compreender o
modo como certas imagens da vida empiricamente vivida, com suas determinações
de tempo e lugar, encontram na palavra poética o seu contorno e o seu acabamento.
A vida, nessas condições, não acaba – no sentido de um fechamento que a torne
definitiva –, mas também não começa, pois a abertura da obra no âmbito do
imaginário a expande em todas as direções. Instaura-se um tempo de exílio que será
tanto o tempo do mito e do imaginário, quanto o tempo daquilo que chamaremos de
uma fala profética ou oracular, cujos limites transcendem as compartimentações da
razão e da memória. Pode-se dizer, então, que o voo da palavra escapa para uma
outra dimensão, onde todo evento de enunciação se converte imediatamente numa
abertura ou numa ultrapassagem. Objetiva-se, pois, aqui, a partir da análise da
trajetória poética de Francisco Carvalho, compreender essas relações e interrogar o
seu sentido. Para isso, buscamos aportes no pensamento de Maurice Blanchot,
Octavio Paz, Gaston Bachelard e outros que refletem sobre o sentido da imagem e
da sua importância para a constituição da linguagem poética.

Ricardo Silva Ramos de Souza – UFJF


A metáfora do grito em poemas de Carlos de Assumpção e Oswaldo de Camargo

As antologias poéticas Não pararei de gritar, de Carlos de Assumpção, e 30 poemas de


um negro brasileiro, de Oswaldo de Camargo, publicadas pela Companhia das Letras,
trazem, para um público mais amplo, dois poetas negros brasileiros que iniciaram
suas trajetórias literárias no final da década de 1950 e refletem as condições desiguais
impostas à população negra no Brasil. A metáfora do grito é utilizada nos poemas
“Não pararei de gritar” e “Grito de angústia”, de Assumpção e Camargo,
respectivamente, mas com perspectivas distintas e recursos estéticos diferentes
para demonstrar os dilemas e os anseios dos homens negros em uma ordem social e
racial desfavorável. Assim, os dois poetas buscam tratar de questões envolvendo a
identidade, a memória, a história e a subjetividade dos homens negros, combatendo
o esquecimento e o silêncio impostos pela história oficial brasileira. Além disso, esses
dois poemas, publicados em 1958, marcam características essenciais que os
distinguem das gerações de poetas negros anteriores e passam a ser referenciais
para os poetas negros posteriores, principalmente os vinculados à série “Cadernos
Negros”, lançada em 1978, de cujos volumes iniciais Carlos de Assumpção e Oswaldo
de Camargo participaram. Objetiva-se, por fim, demonstrar a importância desses
poemas e desses dois autores para a consolidação de uma vertente literária negro-
brasileira.

Rodrigo Jorge Ribeiro Neves – UERJ


O sertão e a cena

A partir do romance Grande sertão: veredas (1956), de Guimarães Rosa, o Museu da


Língua Portuguesa, em São Paulo, abrigou exposição homônima, entre 2006 e 2007,
concebida por Bia Lessa, diretora teatral, cineasta e artista contemporânea múltipla.
As palavras que compõem a narrativa monumental do escritor mineiro atravessaram
os visitantes por meio de objetos que remetem à ideia de construção, como tijolos,
madeiras, areia e tecidos. Anos depois, em 2017, a multiartista levou o sertão rosiano
para os palcos teatrais, onde o pacto fáustico de Riobaldo foi (re)escrito/inscrito
através de um pacto cênico-dramatúrgico de grande potência visual e interativa,
como um espetáculo-instalação. Por fim, Bia Lessa, em mais uma travessia entre
linguagens, traduziu recentemente as veredas sertanejas para as telas do cinema,
intitulando a nova obra de O diabo na rua, no meio do redemoinho, subtítulo do texto
literário. Nesse caso, os recursos da linguagem cinematográfica restabelecem outros
pactos entre a narrativa de Guimarães Rosa e a escrita cênico-visual de Bia Lessa.
Considerando esses pactos e travessias, examinaremos no presente trabalho de que
modo somos conduzidos pelas palavras, em suas dimensões literária e visual, a não
apenas acompanhar as trajetórias das personagens do romance, como Riobaldo,
Diadorim e Joca Ramiro, ou a reconstituir a áspera e difícil cartografia das regiões
brasileiras onde habitam, mas também a pensar em outras concepções de realidade
social e de mundo. Afinal, se, para Rosa, o sertão está em toda parte, Bia o desperta,
por meio da cena, em nós.

Salma Soria – CEFET/RJ


Poética do tecido e da máquina de costura: entrelaçamentos e rasuras

No poema “Estamparia”, Edimilson de Almeida Pereira traz para a cena poética o


funcionário da fábrica de seda e sua relação laboral. Em “Chego até você de
madrugada”, André Gravatá aponta a relação da máquina de costura com a própria
mãe, costureira, entre as memórias da infância que se confundem ao barulho da
máquina. Para Aristóteles, o poeta, do mesmo modo que o pintor ou qualquer criador
de imagens, é um artista da imitação ao representar as situações das coisas. O filósofo
Vilém Flusser nos provoca ao conduzir a transmissão da escrita na raiz etimológica da
palavra texto, que quer dizer tecido, e considerar a palavra, linha. Escrever é
entrelaçar um fio de tecido. Esta comunicação, “Poética do tecido e da máquina de
costura”, visa trazer os desfiamentos e entrelaçamentos dos poemas indicados ao
corpo do olho que veste as palavras.

Sue Helen da Silva Vieira – UFRJ


A po(rr)ética de Priscila Branco em açúcar

Em seu primeiro livro de poemas, publicado em 2021, Priscila Branco nos convida a
experimentar açúcar de maneira não tão doce. Mais do que fazer qualquer paralelo
sinestésico com o sabor de seus versos, convém ressaltar que sua poética é uma
espécie de porrada no estômago, já que ela levanta questões que estão diretamente
imbricadas ao contexto social. A imagem da mulher perpassa a obra em diversas
nuances, como no segundo capítulo, em que se observa a questão do corpo feminino
em situações de vulnerabilidade e violência. Ao iniciar um de seus poemas com os
versos “é crime ser mulher/ no brasil”, a poeta chama atenção para que esses temas
também se tornem assunto de poesia, através das imagens de escuridão, desalento
e total desconforto. Outro ponto que este trabalho pretende abordar é a imagem da
casa, correlacionando-a à da mulher, a fim de pensar os espaços de memória que a
casa representa, na tentativa de “inventar saídas/ para vencer os abismos”. A casa,
mais do que um espaço doméstico, é o local que inflama a escrita da poeta e faz
reverberar seu instinto de sobrevivência.

Suzane Morais da Veiga – UFRJ


Coletivos literários femininos: o lugar da escritora e as alternativas ao mercado
editorial

De acordo com o estudo “Retratos da Leitura no Brasil”, realizado pelo Instituto Pró-
Livro em 2019, a maioria dos leitores no Brasil é composta por mulheres, contando
cerca de 54% do público leitor. Entretanto, conforme observa-se na pesquisa
divulgada no mesmo ano pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira
Contemporânea da Universidade de Brasília (UnB), liderado pela professora Regina
Dalcastagnè, a realidade de publicações feitas por mulheres apresenta uma clara
discrepância em relação ao número de leitoras: 70% dos livros publicados no país em
2019 foram escritos por homens. Para driblar esse cenário de exclusão, as escritoras
têm encontrado na organização em coletivos literários femininos uma forma de
driblar as barreiras encontradas no mercado editorial. O objetivo desta comunicação
é, portanto, analisar a condição paratópica da escritora, com base em Maingueneau
(2010), como um “não lugar” ou uma localização indefinida no campo literário, e
evidenciar como as autoras estão buscando ressignificar o lugar da escritora dentro
dos coletivos de mulheres. Assim, propomos investigar os processos de criação
textual e constituição desses projetos em rede a fim de divulgar e publicar as suas
obras. Para isso, selecionamos como objeto de análise três coletivos: o Leia Mulheres,
iniciado em 2015, o Mulherio das Letras, criado em 2017, e o Escritoras Vivas, grupo
surgido após a pandemia de Covid-19, em 2021. A partir da reflexão sobre o impacto
desses grupos, segundo aponta Casarin (2023), é possível perceber a potência
política das redes de apoio entre escritoras para estimular a leitura e a produção de
mulheres, tendo na internet e nas ferramentas digitais o principal canal de atuação
para formação de conexões dentro do cenário literário brasileiro contemporâneo.

Tatiana Alves Soares – CEFET-RJ


Entre tempos, temperos e temperamentos: a audaciosa jornada lar adentro

Alguns escrevem sobre partidas e retornos; outros, sobre permanência e fixidez. Em


Oikospoética – a tecelagem literária de retorno ao lar, obra de Carol Bernardes
publicada em 2022, tem-se uma imagem que funde simultaneamente os arquétipos
de Penélope e Ulisses. A obra constitui-se numa prosa poética que, paulatinamente,
carrega em seu rastro traços de uma intuição atávica e ancestral a ser despertada por
aquela que permanece. Nessa cartografia da jornada casa adentro, duas linhas
estruturam a narrativa: uma, que sugere um quase ressentimento, voz coletiva que
irmana tantas mulheres que, ainda que tenham um teto todo seu, conhecem o alto
preço de se saber entre quatro paredes; outra, marcada por um tom cósmico,
transcendente, que busca o sentido para além da superfície, na mulher que pisa o
solo da casa, em profunda conexão com as raízes que se estendem por baixo dele. O
presente trabalho tem por objetivo refletir acerca da condição feminina à luz dos
arquétipos presentes na referida obra.

Thaís Fernandes Velloso – UFRJ


Banhos de samba: cultura popular brasileira na crônica de Eneida

A partir das crônicas “Na beira do abismo, samba” e “Banho de cheiro”, publicadas
respectivamente nos livros Cão da madrugada (1954) e Aruanda (1957), este trabalho
propõe-se a destacar a importância da escritora paraense Eneida de Moraes e sua
relação com duas manifestações culturais representativas das cidades onde nasceu e
viveu: o banho de cheiro e o carnaval carioca. Para tanto, discutiremos os estudos de
Renato Cordeiro Gomes sobre a influência da cultura de um povo na formação da
identidade das cidades e os estudos teóricos de Stuart Hall e Eneida Maria de Souza.
Será abordada, ainda, a escrita peculiar da autora na crônica, com foco na valorização
estética do gênero, a fim de investigar como a expressividade da linguagem
explorada por Eneida de Moraes ratifica que, “quando consegue transformar a língua
em linguagem”, como afirma Eduardo Portella, “então a crônica é literatura”.

Uédipo Ferreira dos Reis – UFF


Escrever: repetir modos de olhar

Ao documentar seu processo de escrita, Marília Garcia não só revela a seus leitores
os procedimentos por ela utilizados para compor seus poemas como também
nomeia artistas disparadores de suas operações. Esse gesto da poeta nos possibilita
realizar uma leitura de (parte de) sua escrita inserida dentro de algumas dinâmicas e
de algumas intenções. Livro de artista, arquivos de artista e paratextos são três
modos com os quais podemos nomear o momento em que o livro se diz. Em Parque
das ruínas, essa descrição detalhada de suas táticas de escrita e a menção aos
“disparadores” de suas fontes (David Perlov, Rose-Lynn Fisher, Jean Baptiste Debret,
Harun Farocki, Paul Klee, Georges Perec) revelam procedimentos poéticos
impulsionados pela experiência do olhar. À vista disso, no presente trabalho
pretendemos efetuar uma leitura de Parque das ruínas, em diálogo com outros livros
da vencedora do Prêmio Oceano de Literatura, focalizando o registro do gesto
criador a partir da experiência do olhar.

Vanessa Leal Nunes Vieira – UFF


Por cima do mar: aspectos da diáspora africana e suas ressonâncias na construção de
Brasília

O mar teima em existir em um silêncio constante. Dependendo de quem o contempla,


Kalunga toma ares de desterro, aventura, culpa ou morte. O romance de Deborah
Dornellas, Por cima do mar (2019), explora como as águas nos conduzem pela
memória entre o passado e o presente, impondo no cotidiano árido as possibilidades
de ser caminho e também deserto. Segundo Jean-Paul Sartre (2004), o escritor deve
fazer com que ninguém possa ignorar o mundo ou considerar-se inocente diante do
que descobre sobre ele, e Deborah consegue exercer essa influência sobre os leitores
ao criar uma narradora-protagonista negra, filha de um candango da construção de
Brasília e de uma empregada doméstica. Como o anjo benjaminiano da história, ela
consegue parar para “acordar os mortos” e juntar fragmentos de partes de uma
história que insistem em silenciar. Vencedor do prêmio Casa de Las Américas, o
romance aborda a ideia do mar como conexão entre Brasil e Angola, Brasília e
Benguela, e as inúmeras memórias envolvidas nesse (des)encontro. A história de
Lígia Vitalina é um projeto chamado de “reunião de lembranças” e ela reconhece em
sua verdade a “história de muitas negras brasileiras”. Aqui seria interessante
entender que Deborah Dornellas é uma mulher branca. Mas ao colocar a narrativa em
primeira pessoa, é como se desse o lugar de fala para Vitalina, uma mulher negra.
Deborah não narra Vitalina, a personagem narra a si mesma. E é através de seus olhos
atentos que testemunhamos os movimentos das personagens que fazem parte da
sua família e verificamos como as diferenças sociais e raciais marcam a vida em
Brasília. Suas lembranças escritas fundem-se com a oralidade dos eventos contados
por seus familiares e concretizam-se numa orquestra de memórias, onde antes
imperava o silêncio.

Vanessa Massoni da Rocha – UFF


Entre perdas, vestígios e cartas: entrelaçamentos entre o luto e a prática epistolar em
Triste não é ao certo a palavra, de Gabriel Abreu

Romance de estreia do escritor carioca Gabriel Abreu (1993), Triste não é ao certo a
palavra (2023) (re)anima os debates em torno do gênero epistolar na
contemporaneidade. O autor compõe uma obra de viés autobiográfico no qual o filho
Gabriel (28 anos) tenta aprender a lidar com a doença da mãe, acometida de
demência frontotemporal em estágio avançado. A perda progressiva da mãe, cujo
luto o narrador precisa fazer, leva a um duplo movimento: presentificar a mãe
ausente (Foucault; Landowsky) por meio dos arquivos deixados por ela e buscar
compreender a si mesmo face ao “vagaroso degelo” (Abreu, 2023) da matriarca. Nas
palavras de Aline Bei, “Quando uma mãe se desintegra, um filho ainda é?” O romance
traz à baila elementos que permitem aprofundar as considerações acerca dos
“protocolos de leitura do epistolar” (Rocha), rechaçando as afirmações de que o
epistolar seria um gênero extinto (Galvão; Sant’anna). Nessa toada, a obra ressalta
tanto o caráter mutante desse gênero “proteiforme” (Diaz) quanto o
convívio/migração entre o epistolar e outras mídias (e-mail, plataforma zoom). Além
disso, Gabriel Abreu articula algumas instâncias sensíveis do epistolar: a carta
enquanto “arquivo de si”, “documento” (Dauphin; Santos) e a carta-ficcional regida
por novas premissas temporais. Nesse sentido, a correspondência permite que o
narrador destine uma missiva para a mãe antes da doença, o que evoca uma carta-
refúgio capaz de refutar o apagamento identitário e prolongar/recriar uma mãe sã
protegida pelas bordas da folha de papel.

Verônica Filíppovna – UFRJ


Perséfone: limiares da vida e da morte

Dora Ferreira da Silva se refere em vários dos seus poemas ao mito de Perséfone,
recriando de modo próprio e original o rapto e a chegada da jovem ao submundo.
Mais do que isso, entrelaça o clássico e o contemporâneo, a tradição e a ruptura, o
sagrado e o profano, ao mesmo tempo que se volta para o mito e seus ritos como
manifestação da palavra divina. As referências de Dora Ferreira da Silva ao mito de
Perséfone e ao mundo dos mortos representam algumas características peculiares: a
recriação do mitema da filha da Deméter com o soberano do Olimpo, que tanto
ritualiza quanto reatualiza os mistérios órfico-dionisíacos na sua expressão
genesíaca, a catábase (descida) e a anábase (subida) da rainha das sombras como
movimento da própria Vida, que constantemente se renova no ciclo das estações. A
proposta aqui é interpretar como a poeta reconfigura o mito de Perséfone no livro
Hídrias, conciliando poesia e pensamento, desde as referências da Grécia arcaica até
as diferentes versões que ela mesma opera, mas conservando sempre o mistério e o
encanto da palavra numinosa.

Vinícius Santos Loureiro – UFRJ


O militarismo entre a opressão e a ausência em Gótico nordestino

Publicado no ano de 2022, Gótico nordestino é uma obra escrita e publicada durante
a pandemia de covid-19, que tematiza determinadas nuances da questão sanitária
pela via do insólito ficcional. Entre suas opções de foco, o autor Cristhiano Aguiar traz
à tona a figura do militarismo no contexto da experiência pandêmica, escrutinando
sua relação com o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022) e sua
condução das práticas de combate ao vírus, em meio às formas de representação
habituais desses personagens na gramática de diferentes subgêneros das literaturas
não miméticas, na qual se recorre ao aspecto bélico como forma de garantia de
ordem e segurança diante de ameaças de origem desconhecida. A partir dos contos
“Lázaro” e “As onças”, o presente trabalho se volta à discussão da expressão militar
na obra, com foco na tensão entre as formas de registro não realistas e as demandas
sociais que vinculam o contexto pandêmico e a obra literária.

Vitor Felix do Vale – UFRJ


O passado escravagista brasileiro em O crime do Cais do Valongo

A comunicação parte de uma leitura comparada do romance O crime do cais do


Valongo, de Eliana Alves Cruz, de obras visuais de francês Jean-Baptiste Debret, um
poema de Ricardo Aleixo e outra obra visual do artista brasileiro Mulambö. A partir
das produções de Cruz, Aleixo e Mulambö, é possível estabelecer uma hipótese sobre
a ruptura operada pelos sujeitos negros nas artes brasileiras do contemporâneo
(aqui, a literatura e as artes visuais), em paralelo às formas de representação de
pessoas negras na arte e na imprensa dos séculos XVIII e XIX. Além disso, leituras do
filósofo camaronês Achille Mbembe indicam a trajetória dos povos africanos e da
diáspora negra, que vivem em países cujas estruturas coloniais marcam até os dias
atuais a vida dessas populações, construídas socialmente como “negros” e “negras”.
Assim, é possível pensar como essas consequências históricas estão refletidas na
sociedade, nas produções da imprensa brasileira e nas obras de Debret, nos séculos
mencionados, e, em oposição, observar de que forma Cruz, Aleixo e Mulabö
recuperam esse passado, como denúncia e subversão, em seus trabalhos
contemporâneos.

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