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O BEIJO

Martha Medeiros

Na primeira página de um site, o convite: “Você viu? Mulheres fazem fila para
beijar rapaz!” Adivinha se não era carnaval em Salvador. Estavam lá diversas fotos
do garanhão beijando uma, depois a outra e a mulherada em fila aguardando a vez.
Parece divertido, mas não é novidade: acontece em tudo o que é festa aberta, em
qualquer época do ano. Todo mundo beijando todo mundo, uma delícia de
descomprometimento. Nem evolução, nem involução, apenas mais uma coisa que
se dessacraliza diante dos nossos olhos. O beijo.
Dizem que o primeiro beijo não se esquece, e eu realmente nunca consegui
esquecer do meu primeiro, e olha que eu tentei. Foi um desastre, um desacerto, uma
tentativa malograda de encaixe, até que veio o segundo e, aí sim, choveram estrelas.
Desde então, o beijo passou a fazer jus à sua fama de grande astro de um encontro
amoroso.
Para quem, como eu, não chegou a viver esta onda de banalização do beijo,
para quem beijava só quando estava apaixonado, ou, vá lá, com um ficante de vez
em quando (e não mais de um por noite, e tampouco ficar todas as noites, pois
tínhamos que sossegar o pito, como diziam nossos pais), enfim, para quem não viveu
este oba-oba, o beijo segue sendo a confirmação de uma atração recíproca. E
personalizada. Especial como raros momentos o são.

Paixões se iniciam de repente. Você troca e-mails com alguém sem a menor
intenção de rolo, e então, sem mais nem menos, passam a flertar um com o outro, o
jogo da sedução começa. Ou você é amiga de um cara sem jamais passar pela
cabeça ir além da amizade, mas um belo dia, do nada, pinta um clima, que confusão.
Ou então você é apresentada a uma pessoa numa festa e se encanta à primeira
vista, e a partir daí fica mentalizando estratagemas para um segundo encontro e,
quem sabe, um terceiro e um quarto.
Principalmente um quarto. Bom, há várias maneiras de se iniciar um romance,
mas enquanto o primeiro beijo não acontece, existe apenas uma intenção, uma
possibilidade, um quem sabe. Olhares, telefonemas, torpedos, tudo isso não passa
de aquecimento, e pode esfriar antes mesmo que aconteça alguma coisa. Que
alguma coisa? Ora, do que estamos falando aqui, criatura? Do beijo!!!! Quem não se
lembra do final de Cinema Paradiso? Nenhuma cena de sexo nos emocionaria
daquele jeito.
O primeiro beijo de uma nova relação: quando será, e onde? Quando ele vier
me deixar em casa? Dentro do cinema? No meio de um papo, inesperadamente? Ah,
que cruel e excitante é esta vida. Aguardar pelo primeiro beijo, aquele beijo que vai
atestar: sim, não era uma fantasia, ele estava mesmo a fim de mim todo este tempo,
e eu, nem se fala. Se não estava, fiquei. O beijo, uau! O detonador de toda história
de amor, ou de uma ilusão de amor, que seja.
Depois vinha o desenrolar dos acontecimentos, mas deixemos pra lá o depois.
Não é importante. O que nos deixava ligadinhas era a expectativa do primeiro beijo,
que valia por um carimbo, um atestado, um apito do juiz: começou, tá valendo. Então
algo se iniciava. Sou ficcionista, mas não a ponto de delirar. Era bem assim, crianças.

The Kissing Sailor (Alfred Eisenstaedt)

Um marinheiro norte-americano, assim que soube que a Segunda Guerra Mundial tinha terminado, agarrou-se a uma
enfermeira que passava pelo local e beijou-a.

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