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1° edição – julho 2021

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS A ALINE PÁDUA


SUMÁRIO
NOTA

PLAYLIST

SINOPSE

PARTE I

PRÓLOGO

CAPÍTULO I

CAPÍTULO II

CAPÍTULO III

CAPÍTULO IV

CAPÍTULO V

CAPÍTULO VI

CAPÍTULO VII

CAPÍTULO VIII

CAPÍTULO IX

CAPÍTULO X

PARTE II

CAPÍTULO XI

CAPÍTULO XII

CAPÍTULO XIII

CAPÍTULO XIV
CAPÍTULO XV

CAPÍTULO XVI

CAPÍTULO XVII

CAPÍTULO XVIII

CAPÍTULO XIX

CAPÍTULO XX

CAPÍTULO XXI

APEGUE-SE AS MEMÓRIAS

O melhor amigo do meu irmão (A REJEIÇÃO)

O irmão da minha melhor amiga (A REDENÇÃO)

CONTATOS DA AUTORA
NOTA

E a série baseada em músicas da loirinha só cresce. Para quem não


sabe, todos os álbuns da Taylor Swift me marcaram em momentos
diferentes da vida, e desde maio, tenho lançado livros clichês baseados em

álbuns dela. Já passamos por RED em “O melhor amigo do meu irmão: A


REJEIÇÃO”, e por Speak Now e 1989 em “O irmão da minha melhor
amiga: A REDENÇÃO”. Não é necessária a leitura dos livros anteriores
para o entendimento deste.

UMA GRAVIDEZ INESPERADA é baseado em vários álbuns da


Taylor, mas principalmente, em Reputation e Lover. Entenderão que Mabi
é uma bagunça, assim como, o seu amor pelas eras musicais. Maria Beatriz
e Inácio trazem consigo vários clichês a sua própria maneira, e espero que

esse casal te cative. Enemies to lovers? Temos! Diferença de idade?


Temos! Casamento por contrato? Temos! Uma gravidez inesperada? SIM
SIM!

Se você é fã da Taylor, com toda certeza, pegará todas as


referências e crossovers de eras diferentes dela.

Mabi e Inácio tem por objetivo te levar a um clichê que a gente


passa nervoso, sua a camisa e se apaixona pelo casal antes mesmo de ser
um casal rs. Um toque de drama e comédia, porque né, tendo Taylor Swift

e Marília Mendonça na playlist de uma história, não tem como ser

diferente.

Espero que esse livro seja um respirar profundo durante esse


momento tão difícil.

Boa leitura,
Aline Pádua
PLAYLIST

Posicione a câmera do seu celular para ler o QrCode e conheça um pouquinho

das músicas que inspiraram este livro. Caso não consiga ter acesso, clique aqui
SINOPSE

Se no meio do caminho de algumas pessoas tem uma pedra, no


meio do caminho de Maria Beatriz, sempre teve Inácio. O herdeiro da
fazenda que fica ao lado das antigas terras de sua família, tornou-se um
homem bruto e fechado, que quando aparece na sua frente, ela já sabe que
só pode ser problema ou alguma proposta indecorosa. Maldito peão velho!

Inácio Torres é um homem de poucas palavras, mas que vê em uma

mulher tagarela, a oportunidade perfeita. Mabi precisa de dinheiro, ele o


tem. Ele precisa de um casamento falso, e ela é a escolha perfeita. Porém, a
única coisa que recebe de Mabi, como sempre, é uma negativa. Maldita
criança sonhadora!

No meio das voltas que a vida dá, uma noite de prazer os marca. E
a consequência será muito maior que o arrependimento: UMA
GRAVIDEZ INESPERADA.
PARTE I

“E ele me parece um pedaço daquilo que a vida tem de mais


charmoso. Ele não faz planos ou promessas, só surpresas, te ensinou a
gostar de surpresas. Ele é diferente.”

Tati Bernardi
PRÓLOGO

“Eu sabia que ele era um assassino

Na primeira vez que o vi

Imagino quantas garotas ele amou

E deixou assombradas”[1]

MABI

Eu estava cansada.

Depois de um dia todo atrás de um novo emprego, e ainda mais,


usando o dinheiro que nem tinha para ir em outras cidades atrás do mesmo.
Suspirei profundamente, e sorri para a mensagem de minha melhor amiga.
Ela estava se testando na cozinha, e jurando que seria uma ótima
cozinheira. Duvidava, assim como, sabia que nós duas sabíamos no

máximo fazer sanduíches, fritar ovo e fazer miojo.

Deixei o celular de lado e caminhei até o meu quarto, jogando-me


contra o colchão. Vinha de uma maré de má sorte terrível. Tanto no amor,
quanto no jogo. Mal via o cara que era apaixonada, e mal sabia onde

conseguiria um emprego. Morava no interior, e tudo estava devidamente


ocupado. Não tinham cargos para atuar como administradora ali, e não
sabia mais ao que recorrer.

Fechei os olhos por alguns segundos e tentei pensar em Hugo. De


repente, era melhor focar no amor ainda não realizado, do que no emprego
perdido e o outro nem encontrado. Os olhos azuis me vieram em mente, e
por um segundo, torci para que ele batesse a minha porta. Ele era meu
vizinho, mas mesmo assim, era como se não o fosse, após tanto tempo sem

nos esbarrarmos casualmente pela rua.

Mesmo em uma cidade pequena, encontrá-lo, parecia apenas


impossível. Vê-lo sorrir, talvez me daria uma pequena esperança, que
alguma parte bagunçada da minha vida, se consertaria. O pior, era tê-lo
que ver sorrir para outras mulheres. No casamento de Leti, minha melhor
amiga, dias antes, foi quando o vi, e infelizmente, o vira praticamente
lamber o chão de uma outra amiga. Era patético vê-lo fazer aquilo, e
talvez, eu fosse ainda mais patética por ser apaixonada por ele.

Contudo, algo me dizia que era ele.

Batidas na porta me fizeram dar um pulo na cama e pisquei


algumas vezes, levantando-me. Seria a sorte para um dia ruim me
encontrando? Parei à frente do espelho, e passei as mãos pelos cabelos,
tentando, ao menos, ficar apresentável. Era quase madrugada, então,

ninguém além de Leti estaria ali. Ao menos, Leti nem bateria. Então, só
poderia ser Hugo, certo?

No momento em que abri a porta, meu sorriso estava tão aberto


quanto poderia, porém, logo se desfez. Não eram olhos azuis, como o mar
que eu não via há tempos. Na realidade, eram olhos castanho-escuros, que
me encaravam duros, como sempre.

— Bateu na porta errada, velho. — falei, e tentei fechar a porta,


mas como sempre, Inácio Torres me contrariava. Colocou um pé entre o

vão da porta entreaberta, e não me permitiu fechá-la em sua cara. Velho!

Ele usava seu chapéu branco de cowboy e as roupas costumeiras. A


barba de um castanho-escuro, quase preto, cobria grande parte do rosto, e
poderia jurar que estava há dias sem fazê-la. De algum jeito, combinava
com ele. Assim como, o maxilar quadrado, olhos duros e sem emoção, e a
forma com os lábios sempre pareciam não se inclinar, ou seja, aquele
homem não sorria.

Por que em todos os caminhos que eu seguia, ele sempre era um

rosto que encontrava? Vi-me perguntando ao universo e odiando o fato de


ter aberto a porta. Não era um bom dia para discussões. E era tudo o que
sabíamos fazer.

A gente mal se suportava. A gente sempre se via como cão e gato.

E a retrospectiva de como sempre parecíamos batalhar um com o outro,


não me divertia tanto naquele dia. Era aquilo, nem mesmo suportar, ou
melhor, não suportar Inácio parecia animador.

— Preciso falar com você, criança. — soltou, e quis socar sua bela
cara pelo apelido ridículo. Revirei os olhos, e me encostei contra o batente
da porta, deixando claro que ele não entraria ali. — Sabe que vão comentar
que estou na sua porta no meio da madrugada, não é?

— Os fofoqueiros do bairro devem estar a postos. — rebati,

revirando os olhos, e ele parecia sério sobre aquilo. — E eu tô pouco me


fodendo pra isso. Deixem pensar que sou a próxima senhora Torres, já que
tá todo mundo quase jogando as filhas sobre você. — debochei, rindo sem
vontade, e por um segundo, vi-o me encarar como se estivesse certa. — O
que faz aqui? Já não basta te encontrar em cada esquina dessa cidade?

— Uma proposta. — respondeu, e franzi o cenho. Inácio tinha


esquecido que nós dois não éramos amigos? Aliás, que ele adorava me
infernizar e tirar o pior de mim? — Preciso que se case comigo.

Arregalei os olhos, e foi impossível não dar um passo à frente e


puxar o ar com força. Procurei pelo cheiro de bebida sobre ele, o qual,
pareceu ficar ainda mais tenso no lugar. Apenas o cheiro amadeirado e
masculino se apoderou de mim, e fiquei completamente perdida. A

sensação do meu próprio corpo em alerta, me assustando.

— Bateu a cabeça? — perguntei, completamente incrédula. Dei


outro passo à frente, fazendo-o tirar o pé do vão da porta. — Acho que a
idade, realmente, está te fazendo esquecer que eu sou a sua inimiga
declarada.

— Não somos inimigos. — rebateu, e seu olhar sequer mudava.


Como aquele homem poderia ser tão fechado? Por que? E por que diabos
eu sempre me via questionando aquilo?

— Está certo. — dei de ombros, cruzando os braços. — Não somos


nada um para o outro, velho. E da próxima vez, que bater de madrugada
aqui, como um maluco, vou ligar para Lucas e pedir pra que te interne. —
sorri falsamente, e dei um passo rápido para trás, batendo a porta na sua
cara.

Assim que o fiz, e a tranquei, vi-me segurando a gargalhada. Inácio


não insistiu e sabia que era um homem assim. Ele não era do tipo que fazia
escândalo ou socaria a porta. Ele estava mais para uma emoção reservada,

ou talvez, inexistente. Talvez, completamente calculada. Dei-lhe dez


segundos, e gargalhei alto, sabendo que mesmo que fosse um dia ruim, ao
menos, eu tinha algo para sorrir.

Inácio Torres me ajudara com aquilo.


CAPÍTULO I

“Você sabe que não sou uma garota má, mas eu

Faço coisas ruins com você

E assim vai”[2]

MABI

Eu só queria perder minha mente um pouco.

Há anos alguns, apenas entendi que mesmo que meu coração


pertencesse a Hugo, eu não poderia parar de viver. Precisava beijar.
Precisava dançar. Precisava conhecer outros corpos. Ele seria o meu conto
de fadas, um dia. E eu sabia, que de alguma forma, o destino me prenderia
a ele. Ele era o meu cara certo desde os quatorze, e depois de uma década,

aquilo, não mudara. Mesmo que ele não me enxergasse como tal. Mesmo

que a gente mal se falasse nos últimos anos.

Sabia que era no azul dos olhos dele, que eu mergulharia.

Sorri para o peão sentado no banco do motorista, e esperei que ele


levasse uma mão até a minha coxa, para apertá-la. Naquela noite, eu só

desejava o corpo quente e bonito de alguém. Contudo, a cada segundo que


se passava dentro do carro, o desejo que sentia pelo desconhecido, se
esvaía. Levei então, a minha mão até a sua coxa e a apertei, dando-lhe um
sorriso fatal. Ele me encarou, parecendo desconfortável, e franzi o cenho.

Onde estava o cara quente que passei a noite inteira dançando no


bar?

— Tem algo errado? — perguntei, e ele negou de imediato,


retirando minha mão de sua perna. — Cara, qual o problema? — insisti,

porque não era uma pessoa, que simplesmente, aceitava uma resposta
silenciosa. Ao menos, só existia uma pessoa capaz de me entregar apenas
aquilo. Por que diabos eu estava pensando em Inácio?

— Acho que não vai rolar. — respondeu, e eu pisquei algumas


vezes, incrédula. — Você parece animada demais para...

— Foder? — indaguei, olhando-o como se fosse um alienígena.


Qual era o problema de uma noite casual com algum cara desconhecido?

Por que nem os desconhecidos, naquela cidadezinha, pareciam saber lidar?

Inferno de interior que eu amava!

— Eu estou me mudando pra cá, acho que...

— Vai se foder. — respondi no fim, revirando os olhos. Ajeitei


minha bolsa no ombro, e antes que ele falasse qualquer coisa, levantei um

dedo. Ele pareceu assustado, e assim percebi, que com certeza, não nos
daríamos bem na cama. Talvez, fôssemos péssimos.

Que merda de escolha!

Desci da caminhonete puta, e não pude evitar bater à porta do carro


com força. Eu estava na seca há meses, e só queria, por alguns minutos,
perder a razão, com um corpo forte e másculo, que soubesse me
enlouquecer, nem que por alguns minutos.

De fato, só conseguia estar com alguém quando viajava para outras

cidades. Existia um certo pudor nos caras daquele interior, que me deixava
maluca. Eram peões lindos, fortes e gostosos, mas no fim, sempre
pareciam loucos para manter sua reputação.

Eu pouco me fodia para a minha.

Caminhei até a conveniência 24 horas do posto de gasolina, o único


lugar aberto aquele horário na cidade. Olhei rapidamente no meu celular, e
eram cerca de três da manhã.

— Cacete. — reclamei, abrindo uma das geladeiras da

conveniência e pegando um refrigerante. Queria apenas beber algo


diferente de álcool e que me mantivesse acordada até chegar em casa, dali
uns três quilômetros andando. — Boa madruga, Serginho. — gritei, já que
não o encontrei em lugar algum. Como sempre, deveria estar nos fundos.

— Tô nos fundos, maluca. — dito e feito quando me gritou de


volta. Ele deveria estar conferindo algo no estoque. O fato de conhecer
todo mundo em uma cidade pequena, tinha suas vantagens. Sérgio foi meu
colega de escola, e assumira, recentemente, o posto do pai. Ele adorava
trabalhar ali, e como eu, por mais que reclamássemos sempre de sermos
caipiras, adorávamos o fato de morar naquela cidade.

— Eu vou pegar um pão de queijo. — gritei de volta, e atravessei o


balcão.

Praticamente, já conhecia o lugar todo. Em muitas noites insones,


onde eu só queria me sentar e esquecer o mundo escrevendo, via-me ali.
Tinha se tornado constante nos últimos tempos, já que perdera o emprego,
e o tempo dedicado ao que era apenas um hobby, tornou-se parte de mim.
Escrever acalmava minha alma, e me fazia acreditar que tudo daria certo,
em algum momento. Ou estava correndo atrás de um emprego, ou estava
escrevendo por ali.
Ouvi o barulho da porta da frente da conveniência sendo aberta e
revirei os olhos. Deveria ser o tal Pablo, ótimo dançarino, péssimo em

manter qualquer fogo. Levantei com o pratinho limpo em mãos e lhe olhei
com o maior deboche que pudera. Contudo, quando meus olhos azuis
bateram nos castanho-escuros a minha frente, soube que o mundo poderia
dar quantas voltas fossem, mas ele sempre parecia parar de frente para

aquele bruto.

— Criança. — fez sinal com chapéu de cowboy, e lhe dei o sorriso


mais falso que eu tinha. O guardava especialmente para ele, pois sabia, que
em algum momento, aquele homem, que parecia ter sido criado para tirar o
pior de mim, apareceria.

— Velho. — rebati, porque existia algo naquele apelido que ele


odiava tanto quanto eu. Eu não era uma criança, tão pouco, ele era velho.
Nossa diferença de dez anos não era a real razão para aquilo. No final, o

fato de eu não o suportar, e a recíproca ser verdadeira, ajudava na questão.

— Está trabalhando aqui agora? — perguntou, e eu franzi o cenho,


enquanto tentava pegar com cuidado, o pão de queijo de dentro da estufa.
— Soube que a fábrica que trabalhava faliu.

— Desde quando é fofoqueiro como a gente? — rebati, e no


momento que pensei que o pão de queijo cairia perfeitamente em meu
prato, vi-o cair um milímetro para o lado, e despencar no chão. — Oh
diacho! — xinguei, abaixando-me rapidamente e pegando a comida. —

Regra dos três segundos. — falei, e deixei o prato sobre o balcão, pegando

o pão de queijo com a mão e mordendo.

Inácio me assistia, como sempre, com o olhar tão misterioso quanto


o fato de que eu não sabia o que se passava na mente dele. O homem era
uma muralha. Nunca sabia ao certo o que ele sentia, só sabia que ele era

bom em falar e demonstrar o quanto gostava de me enlouquecer.

— Então? — insistiu, colocando o chapéu sobre o balcão e


passando as mãos pelos fios ondulados castanho-escuros. O homem era
bonito, e aquela constatação antiga, de repente, parecia até boa demais.
Não! Repeti internamente. Eu que sossegasse meu fogo no rabo, porque
Inácio jamais seria o cara que o apagaria. Será?

— Eu não estou trabalhando aqui, e não sei o porquê de se


importar. — sorri falsamente, e mordi outro pedaço do pão de queijo. — O

que faz aqui?

— Venho sempre que não estou viajando, é um lugar que posso


ficar e ninguém fazer fofoca. — comentou.

— O herdeiro milionário e que precisa de uma esposa. — zombei, e


ele franziu o cenho, fazendo-me rir. Ao mesmo tempo que, lembrei-me
daquela proposta assombrosa no meio da madrugada. Porém, não tocaria
naquele tópico. — É o que mandaram no grupo do zap da cidade depois
que alguém te viu almoçando na Neta, e daí, tiraram foto dos seus

músculos e falaram o dia todo sobre. — complementei.

— O que você achou? — perguntou, e fiquei sem entender,


enquanto abria a lata de coca que deixara perdida sobre o balcão.

— Uma perda de tempo para o grupo em que poderíamos estar

falando do gostoso da Gabi. — respondi, e dei de ombros. Ele endureceu o


maxilar e revirei os olhos. O homem sempre tinha a mesma reação para
tudo. Olhar duro. Maxilar duro. Semblante duro. Inferno de homem duro.
Os músculos seriam duros também? Foco, Mabi. — Explicando, o cara
gostoso da Gabi, é um da cidade, que ela vai ter o seu conto de fadas. Mas
que a cidade inteira viu essa semana no centro e tá falando sobre.

— E o seu conto de fadas com o moleque dos Avelar? — indagou,


fazendo-me olhá-lo de outra forma. Por que sempre parávamos naquele

ponto? — Ele te chutou e ignorou de novo, ou...

— Não começa! — cortei-o, antes que tentasse falar, mais uma vez,
sobre Hugo.

— Uma hora, vai entender que contos de fadas não existem. —


rebateu, e olhou-me profundamente. — As pessoas querem foder e serem
felizes, mais nada. — simplesmente, não consegui enxergar verdade nas
suas palavras, e não entendi o porquê.

— Eu queria foder com outro essa noite, e isso não me impede de

ter o conto de fadas com Hugo. — rebati por fim, e sangue subiu para
minha cabeça. Ao menos, eu ainda estava boa para não o deixar ganhar
alguma discussão.

— E por que está aqui e não fodendo? — sua pergunta me fez

gelar, e sabia que não poderia responder. Seria lhe entregar mais munição
para me atacar. — Ele desistiu de última hora? Ou foi tão ruim que...

— Por que você não vai a merda? — rebati, e terminei de tomar


minha coca. Abri minha bolsa rapidamente, e coloquei o dinheiro sobre o
balcão. — Serginho, uma coca e pão de queijo, depois você me dá o troco!

Sérgio sequer respondeu ao meu grito, e deveria, no caso, estar no


banheiro. Não tinha ideia de como aquele homem entrava nos fundos e
simplesmente, desaparecia.

Dei a volta no balcão, e mantive-me altiva. Ninguém era capaz de


me fazer sair do pedestal, lutei muito por ele, e pela minha autoestima,
Inácio Torres até tentava, com muito afinco, mas seguia inabalada.

— Onde vai? — perguntou, e senti sua mão em meu antebraço,


puxando-me.

Parei um passo, e me virei, encarando-o. Estávamos do lado de fora


da conveniência e apenas dei um passo à frente, soltando-me. Dei-lhe o
dedo do meio, ao mesmo tempo que, senti um pingo de chuva sobre meu

nariz. Diacho!

Foquei em seguir pelo caminho mais próximo até minha casa, e


torci para que a chuva fosse apenas um pingado. No fim, dei dez passos, e
a tempestade desabou. Talvez por aquilo eu não tinha conseguido comprar

um Iphone no ano passado – minha mente considerou. Imaginava eu, ali,


com o celular daqueles em uma bolsa sem proteção para água. Foquei no
meu surto sobre algo que nem tinha, e deixei de lado o resfriado que viria.

O vestido que usava colou em todo meu corpo, e o fato de não usar
sutiã, deixou-me praticamente exposta.

— Azar no emprego, azar na foda, azar no amor... — praguejei,


agradecendo aos céus por não ter uma alma viva por aquela estrada, e
sabendo que o lugar era tão seguro, que poderia dormir ali, que acordaria

muito bem no dia seguinte.

O problema seria quando chegasse ao fim da estrada, e desse para a


rua de casa. Os vizinhos fofoqueiros não tinham horário, e então, a
herdeira falida dos Gonçalo seria a sensação do dia. Fazia tempo que não
era falada, pois então, que falassem dos meus peitos. Ao menos, era
melhor do que o assunto ser Inácio. Maldito velho que atormentava minha
mente!
Ouvi o barulho de um carro parando ao meu lado e não precisei
sequer olhar para saber que era ele. Continuei andando, e o ignorei por

completo, mesmo quando abriu a janela do banco do passageiro e


praticamente ordenou que eu entrasse. Aquele homem achava que
mandava em todo mundo. Mas em mim, ele não podia.

Ouvi o barulho do carro parando, e então, de uma porta sendo

fechada bruscamente. Dei um pulo no lugar e quando fui me virar, apenas


senti meu corpo sendo jogado para cima, e fiquei de ponta cabeça.
Demorou meio segundo para entender que Inácio me colocara em suas
costas, e antes que pudesse socá-lo, ele já me colocava no banco estofado
da sua Range Rover.

— Nem pense. — falou, assim que levantei meu olhar, tentando


focar no que acontecia. Ele me encarou de forma dura, mas existia algo por
trás do seu olhar castanho. Pela primeira vez, enxerguei algo nele. Seu

olhar então desceu, e se focou em meus seios, que marcavam por completo
o vestido de tecido branco e fino. Os traidores endureceram e pesaram
diante do olhar, e eu fiquei pensando se ainda estava bêbada, ou estava em
meio a um pesadelo.

Desde que momento meu corpo respondia ao de Inácio?

Antes que eu pudesse falar algo, ele apenas bateu a porta na minha
cara, e pisquei algumas vezes, sentindo-me péssima. Estava toda
encharcada, mas de repente, meu corpo estava completamente quente.

Algo dentro de mim cresceu, e pareceu ainda mais forte, quando ele se

sentou no banco do motorista e me encarou duramente.

Ele deveria apenas me xingar de criança, ligar o carro e me deixar


em casa. Eu deveria apenas o xingar de velho, tentar abrir a porta do carro,
e no fim, chegar em casa de carona com ele. Nós deveríamos apenas seguir

o nosso protocolo padrão de ódio, mas de repente, apenas cruzávamos uma


linha que nunca, jamais, e em hipótese alguma, pensei que tivéssemos
como o fazer. Sua mão veio para a minha nuca, ao mesmo tempo que meu
corpo subiu sobre o seu. E de repente, eu não sentia mais frio algum, eu
estava queimando, e com, o meu inimigo.
CAPÍTULO II

“Eu acho que ele sabe

Quando ficarmos completamente sozinhos

Eu me sentirei em casa

E ele irá querer que eu fique”[3]

MABI

Senti o peso de um corpo quente sobre o meu, e acabei sorrindo. O


meu humor estava maravilhoso e por um segundo, fiquei apenas apegada a
lembrança dos vários orgasmos em uma noite que realmente precisava
deles. Aquele toque sobre o meu corpo, novamente, fazendo-me desejar o
proibido. E então, um estalo me veio em mente. Arregalei os olhos,

virando-me e encarando o homem deitado ao meu lado.

A gente tinha transado no carro, e não sei em que momento, minha


mente se perdeu por completo, e acabei ali, na cama dele. O orgasmo
incrível fora a motivação. Ao menos, era a história que contava a mim
mesma. Desvencilhei-me dele, e fiquei apenas parada por alguns segundos,

com o corpo nu no meio do seu quarto.

Ele estava enrolado nos lençóis, os quais eu me joguei com ele por
uma noite, como se a gente... Como se a gente não fosse a gente. Inácio era
o homem que eu detestava. Não era? Ao menos, eu pensava que era.
Nunca conseguimos ter uma simples conversa, de cortesia, e de repente,
estávamos em uma noite quente no carro, contra a porta de entrada da sua
casa, na escada... Diacho!

Peguei meu vestido jogado no chão e que agora, estava em

pedaços. Ele praticamente o partira no meio, ainda no carro. Peguei então a


camisa que ele usou na noite passada, de cor preta, e que serviria
perfeitamente como um vestido para mim.

O sol não estava a pino, e quando olhei para meu celular, percebi
que ainda eram oito da manhã. Minha sorte tinha que funcionar naquela
manhã, e conseguiria sair ilesa dali, sem ninguém na sua enorme e
imponente fazenda, me ver. Sem ser a fofoca da cidade, de que teria
passado a noite com o homem que todo mundo queria casar.

Parei por um momento na porta e engoli em seco, vendo-o

respirando profundamente. Não queria pensar sobre, mas eu pensava.


Talvez em tudo. Talvez em nada. Só sabia que o homem quente que me
fizera queimar por todas as horas gastas juntos, não se parecia nem um
pouco com o homem que eu conhecia no dia a dia. Pare de pensar!

Saí do seu quarto e agradeci aos céus por ele ter uma casa enorme,
e morar completamente só. Sua família era enorme, porém, apenas ele
parecia gostar daquelas terras. Ao menos, era o que diziam por aquelas
bandas.

Não saberia dizer como, ou se minha sorte voltara com toda a


força, mas consegui encontrar o velho buraco na cerca que rodeava toda a
propriedade, à qual, eu conhecia muito bem. Era a cerca que eu rondava
quando era criança, sonhando, junto com meus pais, que um dia,

construiríamos algo tão grande quanto os Torres. Lego engano.

Nós tivemos as terras, ao menos, tentamos ter. Após o falecimento


deles, quando eu tinha apenas dezesseis, restara apenas aquele buraco na
cerca, que não sabia como, mas eu ainda conseguia passar, e um mato alto
com vários pedaços de madeira espalhados.

Vi-me tirando os sapatos de salto não muito altos, e sentindo a terra


sob meus pés. Fechei os olhos por alguns segundos, e foi como ser
teletransportada para anos atrás. Eu sentia falta de estar ali, naquela terra,

naquele sonho. Sorri sozinha, como se pudesse sentir meus pais ali.
Contudo, sabia que a vida tivera outros planos para eles, assim como, para
mim. De vez em quando, via-me apenas chegando naquelas terras, que
nem eram mais nossas, e apenas ficando. Sentindo que de alguma forma,

eu conseguiria recuperá-las.

Tinha sido leiloada há muitos anos, e não sabia como, ninguém


mexera. Minha busca de descobrir quem acabou levando, fora em vão.
Com toda certeza, alguma família poderosa. Por um momento, considerei
que fossem os Torres, vizinhos, que adorariam expandir sua fazenda para
ali. Ao menos, eu imaginava que sim.

Contudo, o lugar seguia intacto. Do mesmo jeito que fora deixado,


anos atrás. Assim como, a marca que eu fizera na macieira, perto de um

pequeno lago. Sorri, tocando-a, e vendo minha inicial. A de meus pais


estavam acima, e eu me senti, como se revivendo tudo o que sentia tanta
falta.

Eles eram sonhadores, e me ensinaram a sonhar. O que nem eles, e


nem eu esperávamos, era que a vida nos separaria tão cedo. Ela o fizera, e
de repente, o sonho da fazenda Gonçalo, fora praticamente embora. Não
era um sobrenome grandioso como o de muitos na região, e eu sabia, que
eles sequer o desejavam, eles apenas sentiam que aquele era o lugar para

estar. De alguma forma, talvez por nostalgia, eu sentia também.

Os pés sujos da terra e mato, e o sorriso no rosto.

— Um dia, eu vou construir a casa que sonhamos. — falei, tocando


as iniciais. — Vou conseguir um novo emprego, talvez o livro que vou
lançar seja um sucesso. Leti, Gabi e Ane leram, e elas... Disseram que o

público de e-books vai amar. Vocês, como bons românticos, amariam


também.

— Sabia que estaria aqui.

Paralisei com a voz, e me virei levemente. O tom alto e imponente


era conhecido, de repente, mais conhecido do que o normal. Inácio
caminhava em minha direção, sem camisa, e com apenas o chapéu, calça
jeans e botas. Como ele era tão silencioso? Como poderia estar tão
gostoso? Merda!

— O que faz aqui? — perguntei, cruzando os braços e o olhando


sem entender. A nossa noite tinha sido o bastante de loucura para me
deixar sem estribeira. Contudo, ainda assim, eu não fugia de um bom
embate. Mesmo sabendo o que aquele corpo com seis gominhos, que eu
contei enquanto os lambia... Diacho!

— Invadindo a propriedade de alguém. — respondeu, e eu assenti,


engolindo em seco.

— Compraram, mas nunca mexeram. — comentei, sem nem saber

porque o fazia. Talvez, porque estar ali, me deixava completamente fora de


foco. Ou o fato de que, Inácio sem camisa e muito bonito logo as oito da
manhã, era algo que não esperava. — Enfim, tô indo pra casa. — falei, e
forcei-lhe um sorriso, dando-lhe as costas.

— Aqui é sua casa, ou ao menos, era. — paralisei com o corpo,


sem saber o que ele queria dizer. — Descobri quem comprou as terras, há
alguns meses. — virei-me de uma vez, e o encarei incrédula. — Podemos
ter um acordo, criança.

O tom de implicância não me passou despercebido e o olhei como


se perdesse a sua mente.

— Se você acha que só porque a gente...

— Preciso de um casamento falso, mas que não pareça falso. —

falou, antes que terminasse a minha frase, e tudo pareceu ainda pior. — Eu
te falei sobre isso, da última vez que nos vimos, mas você não quis ouvir.

— O que queria que eu ouvisse? — fiz um gesto com as mãos,


completamente incrédula. — Você apareceu, do nada, na minha casa e me
pediu em casamento. É claro que bati a porta na sua cara! Achei que a
idade tinha te deixado sem um parafuso.
— Devia então, ao menos, escutar os mais velhos. — sua voz mal
saiu e sabia que estava nervoso. — Eu não estava maluco ou bêbado. —

explicou, como se pudesse ler os pensamentos que se passaram por minha


mente, semanas atrás. Jurei nunca nem tocar no assunto, porque, ele, com
toda certeza, tinha errado de casa. — Você é a escolha perfeita.

— Eu não vou me casar com você. — falei, abrindo os braços,

mostrando que era óbvio. — A gente mal se suporta, Inácio. Como assim
sou a escolha perfeita para um casamento falso? Eu amo outra pessoa,
diacho!

Vi-o endurecer ainda mais o maxilar, e odiei não conseguir lê-lo. O


homem ainda era uma muralha.

— Não estamos falando de amor. Estamos falando de um contrato


de um ano, e depois disso, pode casar quantas vezes quiser com o moleque,
claro, se ele te quiser. — olhei-o com ainda mais raiva, e sabia que não

existia a possibilidade de aquilo acontecer. — Minha família está me


pressionando para casar.

— Um homem de trinta e seis anos, que segue o que a família


pede? Não tem nenhum dinheiro que vai receber ou...

— É vida real, criança. — cortou-me. — Não precisa saber dos


meus motivos pessoais, apenas, assinar um papel.
— Não tem nada que...

— As terras seriam suas. — pisquei algumas vezes, completamente

sem entender. — Descobri o comprador e sei que está aberto a ofertas.

— Quem é? — perguntei, sem conseguir me segurar, e dei um


passo à frente. — Estou há anos...

— Precisa assinar os papéis antes. — cortou-me e sabia que falava

sério. Engoli em seco, mas não o meu orgulho. — Podemos fazer isso
funcionar. É só fingir estar apaixonada e eu, faço o mesmo. Não podemos
trair, porque todos descobririam, mas sabemos, depois da noite de ontem,
que ao menos na cama somos bons.

— Não somos bons em nada. — pontuei cada palavra e toquei seu


peito a cada uma. — A noite não existiu e nós dois, honestamente... Uma
fodinha qualquer né?

— Que te fez gritar o meu nome? — falou, em um tom que me

deixou completamente atordoada com as lembranças do que acontecera.


Quando eu queria sair de uma saia justa, debochar, sempre era a melhor
escolha. E eu, era a melhor naquilo. Vi-me rindo alto e negando com a
cabeça.

— Tão velho mas tão... inexperiente. — debochei, a um fio de


cabelo de distância dele. — Sou ótima fingindo sorrisos, fingir na cama, é
ainda mais simples.

Ficamos apenas ali, por alguns segundos, em um embate silencioso,

como se fosse possível, o mesmo desejo que me atingiu na noite passada,


veio, ainda mais forte. Aquilo tinha que passar!

Surpreendendo-me, ele me deu um vislumbre de sorriso, que


raramente, o via fazer. Deu um passo atrás, e segurei-me firme porque

minhas pernas quase falharam.

— Lucas vai te deixar em casa. — apenas comentou, e deu-me as


costas. — Ainda vai implorar para casar comigo, criança.

— Maldito velho! — apenas gritei, vendo-o caminhar para longe, e


suspirei profundamente. Alguns segundos se passaram, e eu fiquei presa,
em olhar para o caminho que ele fazia, completamente perdida. Como
aquela história de casamento por contrato era real?

— E aí, matraquinha?! — ouvi o grito de Lucas e me virei em sua

direção. Ele estava com uma caminhonete, estacionado há alguns metros


dali. Aquele apelido era terrível, mas o tivera a vida toda na escola, e
algumas pessoas, apenas, não se desapegavam dele. Lucas, parecia apenas
ser tão fofoqueiro quanto todo mundo, já que tinha praticamente a idade de
Inácio, e no fim, parecia saber de tudo. Até mesmo, daquele apelido
horrível. Melhor do que criança – pensei.
— O patrão mandou? — rebati o grito, caminhando até ele, e
sabendo que se era ele que me levaria, ninguém saberia que de fato passara

a noite ali. Lucas era o homem de confiança de Inácio, e como boa


fofoqueira da vida alheia, tinha a certeza daquilo.

— E ainda, me mandou roubar roupas da minha irmã mais nova. —


piscou um olho, assim que me aproximei, e o encarei perplexa. — Estão no

banco de trás, pode se trocar, que eu vou ficar quietinho aqui, olhando para
o mato. Ar condicionado ligado e vidros totalmente escuros.

— O que aquele velho tem na cabeça? — indaguei, e ele me


encarou, como se eu fosse uma piada pronta. — Para de me olhar assim,
como se soubesse de algo! — apontei o dedo para ele, que sorriu de lado.

— Vai logo, matraca.

Entrei no carro, e era real, tinham roupas ali, e por mais que Lucas
falasse que eram da sua irmã, era óbvio que tinham acabado de sair de uma

loja. As etiquetas ali e tudo mais. Neguei com a cabeça para os


pensamentos sem nexo que surgiram, e sequer tentei ordená-los. Suspirei
profundamente, cabendo perfeitamente em um vestido florido na cor azul,
e colocando um chinelo, que sequer tinha marca na sola. Há quem eles
queriam enganar?

— Pode entrar, homem. — falei, descendo o vidro e ele se virou,


sorrindo. — Agora, vai me explicar por que comprou roupas e chinelo do
meu tamanho exato? Ou melhor, como?

— Sem palavras. — fez um sinal de zíper com os dedos à frente da


boca, e apenas subiu na caminhonete.

Tentei abrir a boca para perguntar novamente, ou reformular a


pergunta, mas ele aumentou o som no máximo. Ou seja, eu ficaria

revirando tudo aquilo em minha mente. E pior, quando encostei contra o


estofado do banco de trás, vi-me repassando aquela noite, e de repente, eu
queria apenas, poder ter um mais um cadinho.
CAPÍTULO III

“Uma corda que me puxou

De todos os braços errados, direto para aquela lanchonete”[4]

Meses depois...

MABI

Positivo.

Olhei e reolhei para o teste, e jurei aos mil céus que estava errado.
Assim como, os outros cinco que indicavam o mesmo resultado. Respirei
uma, duas, talvez milhares de vezes, enquanto encarava aquele pequeno
pedaço de plástico. Vi-me sentada sobre a tampa do vaso sanitário, e
relembrando, talvez pela quinquagésima vez o que acontecera há cerca de

dois meses.

Repassara aquela noite tantas vezes em minha mente, mas pela


primeira vez, não era por deseja-lo e tentar entender o desejo. Mas sim,
porque tivera uma consequência. Como eu não me lembrei da camisinha?

Como ele não lembrou?

Não conseguia pensar em nada coerente. Vi-me pegando o celular e


pensando em ligar para minha melhor amiga e gritar. Vi-me encarando a
casa ao meu redor, que estava perto de perder, porque não conseguira
pagar o aluguel. Vi-me engolindo em seco, e pensando em como Inácio
iria reagir. A gente ia ter um filho.

Não era um conto de fadas. Não era como eu planejei


milimetricamente em minha cabeça. Não era como eu sonhava. E de

repente, eu me vi apenas sem saber o que fazer. Mas no segundo seguinte,


descobri exatamente do que precisava. Disquei o número de minha melhor
amiga e apenas pedi que viesse com o carro. Eu sempre sonhei com aquele
momento. Eu sempre imaginei, que poderia, construir novamente, a
família que perdi.

Mas o que eu faria? Eu lançaria meu primeiro livro naquele final


de semana, e não tinha ideia de como seriam as vendas. E pelo que
entendi, só teria o dinheiro dali dois meses. Ou seja, eu estaria grávida,

pelas minhas contas rápidas, com quatro meses, sem teto e sem emprego.

De repente, tudo ficava ainda mais perdido.

Passaram-se cinco minutos e ouvi batidas na porta do meu


banheiro. Assim que o abri, dei de cara com Letícia, minha melhor amiga e
companheira, mas que não tinha ideia de que estava completamente falida.

Leti estava feliz, recém-casada, construindo o seu conto de fadas.


Como eu poderia apenas dizer que estava vendendo o almoço para
comprar a janta? Não era justo com ela. E eu não queria, ser um peso para
quem amava.

Ainda mais, para ela, que sempre foi a pessoa que me segurou. Já
fizera demais quando me emprestou o dinheiro para pagar o primeiro
aluguel que atrasei, e muito mais, quando aparecia do nada, em casa, com
uma compra do mês basicamente dizendo: trouxe algumas coisas que vi no

mercado e sei que você ama.

Era o jeito de ela me ajudar e que eu não poderia negar. Meu


orgulho era grande demais para aquilo, mas ali, me devastou.

— Cadê o corpo? — indagou, e eu tive que sorrir em meio ao


desespero. Agradeci por ela ser desatenta, e apenas focar em meu rosto, e
não nos testes sobre a pia ao meu lado. — Vamos enterrar onde?
— Eu preciso de uma carona. — falei, e me levantei, praticamente
arrastando-a dali. Não me dera tempo, nem de jogar os testes fora, e de

repente, ali estávamos. Eu queria contar, mas antes de tudo, precisava


resolver as coisas. Não poderia lhe dar mais uma responsabilidade. Já
bastava o tanto que ela se responsabilizava por mim.

— Ok. — apenas falou, e a segui em direção a saída de casa. Assim

que adentrei o seu carro, suspirei profundamente e pensei em contar sobre,


mas ela foi mais rápida. — Olha, se for para ir na dona Lisandra, eu
preciso te contar algo.

— O que? — indaguei, sabendo que Lisandra era a proprietária da


casa que eu alugava. — Leti, você não...

— Eu encontrei ela no supermercado e daí... Desculpa, eu sei que


vai ficar brava, mas Mabi... — olhou-me, tocando o volante. — Você sabe
o quanto eu ganho e que esse dinheiro não...

— Não é meu. — cortei-a. Ela não precisava dizer mais nada.


Sabia que deveria ter pago os dois meses de aluguel atrasados. — Eu te
amo, mas não pode simplesmente resolver a minha vida.

— É isso que amigas fazem. — falou, e o olhou-me do jeito doce


que apenas ela tinha. Ela era praticamente minha irmã, que a vida me
entregara. Éramos amigas há tanto tempo, que não me lembrava de não a
ter. Ela estava lá, até mesmo, quando eu ainda tinha meus pais. — Faria o
mesmo por mim, Mabi.

— Isso não vem ao caso. — neguei com a cabeça, suspirando


fundo. — Quero ir nas terras dos meus pais, eu só...

— Tudo bem. — respondeu-me, e felizmente, não perguntou sobre.

Ela sabia, que eu apenas adorava ir naquele lugar, e ficar lá, por

algum tempo. Felizmente, era do lado da fazenda de Inácio, o qual era meu
real destino. Mas naquele instante, ela não precisava saber. No fim, ela me
entenderia. Vi-me levando a mão sobre a barriga, e de repente, soube que
eu me sentia mãe. E eu sabia, qual era minha decisão a partir dali.

Leti gritava com a música e eu tentava acompanhá-la. Por alguns


segundos, tentei fingir que apenas estava andando de carro com minha
melhor amiga e gritando as músicas da nossa cantora favorita. Mas nem
mesmo Taylor Swift salvava minha sanidade ali.

Na realidade, cada trecho de música, me vinha como um soco no


estômago. Todo o romance que sonhei, a cada quilômetro, ficando para
trás. Ao menos, por um tempo, tentei dizer a mim mesma. Poderia criar
um conto de fadas depois, não era?

“Dirigindo em um carro de fuga


Eu estava chorando em um carro de fuga

Eu estava morrendo em um carro de fuga

Disse adeus em um carro de fuga...”

Notei, assim que a música parou e Leti estacionou o carro, que eu

estava realmente indo em direção ao meu carro de fuga.

— Precisa ficar sozinha? — perguntou, desligando o som e me


encarando. Assenti, odiando o fato de mentir para ela. — Eu vou então ao
centro e devo voltar...

— Eu vou ficar bem, apenas algum tempo aqui e... — engoli em


seco, forçando um sorriso.

— Está na sua cara que não está bem. — falou e desviei o olhar. —
Não está sendo sincera, e nem brigou comigo. O que houve, Mabi?

Ela me conhecia tão bem quanto eu mesma. Suspirei fundo, e tentei


sorrir.

— Eu prometo te contar daqui a pouco, eu só... Só preciso resolver


comigo mesma.

— Quando eu voltar, sem chance de fugir.

Assenti, e ela me puxou para si, dando-me um abraço. Apenas


queria poder desabar ali, mas me segurei. Leti não precisava que eu me
tornasse, novamente, um peso para ela. Sabia que ela enlouqueceria,
porque seria madrinha, contudo, não queria ter de fazê-la se sentir

responsável. Eu precisava, urgentemente, tomar as rédeas da minha vida.


Sem mais atrasos. Sem deixá-la assumir a dianteira.

Desci do carro, e caminhei até as terras que um dia foram da minha


família, e quando o veículo se afastou, apenas vi-me mudando ligeiramente

de direção e caminhando até a fazenda de Inácio. Quando cheguei ali na


frente, dei de cara com Lucas, e parecia que o universo conspirava ao meu
favor.

— Eu já disse que você é o melhor capataz da região? — vi-me


perguntando, forçando o meu melhor sorriso e fingindo que não estava a
ponto de surtar.

— O que faz aqui, matraca? — perguntou, sondando-me. — Sei


que o patrão chegou de viagem, mas assim... Você aqui, de dia, pelo portão

da frente...

— Lembra que eu te ajudei com Gustavo. — falei, e ele piscou


algumas vezes, surpreso. Ele era maluco por Gustavo, a ponto de que a
história de amor deles, era uma das quais me inspiravam a sonhar com o
meu conto de fadas. Porém, de repente, ia por água abaixo.

— Estamos comparando o homem que eu amo, com você e o


patrão? É isso?

— Lucas! — falei, e mordi o lábio inferior. — Apenas me diz se

Inácio está e se posso encontrá-lo aqui.

— Só porque me apresentou para Gustavo, naquela festa da


faculdade de vocês. — piscou um olho, e fez uma indicação com a cabeça,
para o carro que, meses atrás, eu estivera.

O carro em que ele me tirara dali, na surdina, e me deixara próxima


à minha casa. De algum jeito, funcionara. Ninguém soubera que transei
com Inácio. Porém, eram minutos contados.

No segundo em que o adentrei o veículo, vi-me presa a cena ao


redor do caminho que fizemos, até chegar a imponente entrada. Não
reparara de fato na fazenda, não da última vez que estivera ali. Parecia
maior do que nunca, e a casa que eu dormira, era de fato, a mansão que me
recordava na infância. Porém, completamente reformada e bonita. Suspirei

fundo, tomando coragem. Vamos lá, Mabi!

— O patrão deve estar nos fundos, mas...

Apenas assenti, dando um beijo na bochecha de Lucas que se


calou, e eu pulei do carro. Vi-me dando a volta por onde acreditei que seria
o lado de trás do lugar. Me recordava bem pouco de como era ali. Na
realidade, apenas estivera daquele lado das terras quando
criança/adolescente, porque meus pais adoravam passar um tempo com os

Torres, e depois de anos, na cama de Inácio. E agora, a gente teria um

filho. O destino ria da minha cara, e do meu descuido.

Quando me aproximei mais do que parecia ser um jardim, ao fundo


da casa, notei uma criança, que deveria ter no máximo sete anos, sorrindo
em direção a uma roseira. Ela tinha os cabelos castanho-escuros e

ondulados, típico dos Torres. Quando me olhou, e um sorriso lindo


apareceu em seu rosto, soube que só poderia ser a filha de Olívia Torres –
a irmã mais nova de Inácio, e que em certa época, até foi uma colega
durante os intervalos do colégio.

— Tia. — falou, e eu a encarei, franzindo o cenho. — Vem! Tá


todo mundo esperando.

Pisquei algumas vezes, e sem saber porque, apenas aceitei o toque


de sua mão, e ela me levou consigo, por um caminho que de repente,

deixou-me de cara com uma mesa gigante, e cheia de pessoas.

Todos os Torres estavam ali. Todos eles concentrados em olhar


para Inácio, e parecendo falar de algo que o desagradava. Ele passou as
mãos pelos cabelos, levantando o chapéu, e eu fiquei paralisada por alguns
segundos.

— E onde está a sua noiva? — notei Olívia perguntar, quase na


ponta da mesa, e eu ainda ali, sem ser notada. — Sabe que a gente não
vai...

— Achei a tia. — o grito da garotinha, de mãos dadas comigo, fez


todos se virarem. E de repente, cinco pares de olhos idênticos bateram nos
meus. Sorri, sem saber o que fazer.

— Então, é verdade! — Heloísa, a mãe de Inácio falou, e eu me vi

apenas sendo guiada pela garotinha, que sequer sabia o nome, e ficando à
sua frente. — Como você está bonita, querida!

— Eu... É ótimo vê-los. — falei, entrando na personagem que de


repente, vi que deveria desempenhar. Talvez, fosse o momento de mostrar
para Inácio, que eu seria uma ótima noiva por contrato, e depois, uma
esposa. O que diabos acontecia?

Recebi um leve abraço dela, e me senti horrível, porquê de repente,


estava mentindo para toda uma família. Eles pareciam genuinamente

felizes. Assim, sem conseguir mais evitar, e sentindo a garotinha soltar


minha mão, levantei meu olhar para Inácio.

Ele parecia incrédulo, e eu, estava ainda mais.

Apenas vi-me levando uma mão a barriga, e caminhando até ele,


dizendo a mim mesma, que em algum momento, tudo ficaria simples.
Mentir para todos, seria simples. E de alguma forma, o era.
— Oi, cowboy. — soltei, e senti o exato momento em que sua mão
parou em minha cintura. Não poderia chamá-lo pelo apelido de sempre,

não é? De repente, encontrei algo em seu olhar: incredulidade. Levei meus


lábios até os seus, e pelo breve momento que eles se tocaram, quase me
perdi na personagem. Desci minha mão para seu peito, e sorri, fingindo
que estava no dia mais feliz da minha vida. — Desculpem o atraso. —

anunciei, sem saber o que fazer diante do silêncio de todos, que pareciam
analisar cada ação nossa.

Meu olhar pousou no pai de Inácio, que mantinha um sorriso


aberto, como se de fato, fosse o melhor dia dele. O que estava acontecendo
ali? De repente, eu era a peça perfeita em um jogo? Talvez, realmente
fosse, a escolha perfeita para ele?

— Finalmente, irmãozinho. — senti Júlio quase pular sobre as


costas do irmão mais velho, fazendo-me cambalear junto, e torci para que

não ficasse zonza ali. Todos bateram palmas e eu, sorri como se entendesse
a piada. Talvez eu fosse a piada? — Bem-vinda, cunhadinha.

Júlio me puxou para si, e eu fui, sem saber de fato, como tudo
acontecia. Apenas... acontecia. O olhar que Inácio me deu, dizia tudo, e de
repente, consegui lê-lo completamente.

Vai me explicar tim tim por tim tim.


Eu estava lascada... noiva e... grávida... Ele conseguia ler aquilo no
meu olhar?
CAPÍTULO IV

“Eu gosto de coisas brilhantes

Mas eu me casaria com você com anéis de papel

Uhum, é isso aí”[5]

MABI

Daniela girava ao meu redor, fazendo-me sorrir a cada passo dela.


De repente, o almoço de domingo se foi, e por mais que comera
basicamente nada, porque poderia de repente parar em algum banheiro e
colocar tudo para fora, e já revelar para todos que estava grávida,
felizmente, o nosso filho parecia não querer alarmar, ao menos, não ali. E

por sorte, não tivera tantos episódios de vômito até o momento. Torcia

para que continuasse assim.

— Deixa a sua nova tia em paz, Dani. — Inácio falou, e olhei-o


como se pronta para atacá-lo. Porém, quando ele se aproximou, agachou à
frente da sobrinha, e ela sorriu completamente encantada para ele, eu me

calei. — Pestinha. — pegou-a no colo, e jogou-a para cima, como se não


pesasse nada. A menina gargalhou, e pela primeira vez, em anos, vi Inácio
sorrir abertamente. Como se... Como se aquele fosse ele?

Eu já poderia culpar os hormônios por estar vendo coisas?

— Sua mãe quer te levar até os cavalos, o que acha? — perguntou,


e a garotinha apenas pulou do seu colo, e correu em direção a cozinha. Ela
deveria ir em direção ao jardim, onde todos ainda estavam. Não sabia
como, mas conseguira sair de lá, de frente de todos os sorrisos, e apenas

brincar com Daniela, escondida. Eu não conseguiria sustentar o sorriso por


tanto tempo. Eu estava... exausta. — Escadas. — Inácio fez um sinal com a
cabeça, e pensei em retrucar, mas eu precisava de um momento com ele.

Precisava de algo além daquela atuação grotesca que fazíamos. Das


mãos dadas sobre a mesa, como se pertencessem. Dos vislumbres de
sorriso dele em minha direção. Do meu sorriso forçado e apaixonado para
ele. Suspirei fundo, e praticamente corri escada acima. Vi-me parada no
corredor, e algo me veio em mente. Como se a memória daquela noite, ou

ao menos, do dia seguinte, saindo do quarto, me recordasse da exata porta

do cômodo.

Vi-me adentrando a porta ao fim do corredor, e de repente,


estávamos ali – no mesmo quarto. Ouvi o exato momento que fechou a
porta atrás de si e eu estava por um fio. Engoli em seco, e tentei encontras

as palavras. Bastava dizer duas, porém, não saíam. Precisava da segurança


do meu filho, e de que ele teria algo. E de repente, apenas vi-me aceitando
tudo.

— Vou assinar os papéis. — falei, virando-me, e notando seu olhar,


inspecionador. — Vou ser sua esposa, e eu... Só preciso da garantia de que
assim que as terras forem minhas, ao fim do contrato, você as comprará
para si.

Era o meu plano. Era o meu carro de fuga.

Talvez péssimo, mas era o que tinha. Aquele dinheiro me


garantiria, e ao meu filho, por muito tempo após a separação. Por mais que
ele tivesse um pai rico, eu não sabia o que esperar. Então, como o seguro
morrera de velho, eu preferia, não arriscar. Teria um ano para poder ter um
trabalho bom, e me sustentar, além de que, uma garantia para o meu filho
ter uma boa vida, após o casamento. Uma vida ótima, quem sabe.
Era uma péssima ideia?

— Está me dizendo que vou comprar as terras, passar para o seu

nome, e daí, compra-las de você? — indagou, como se testando as


palavras, e eu apenas me vi assentido para a bagunça. — Por que precisa
de tanto dinheiro ao fim do contrato?

— Eu... — pisquei algumas vezes, sem saber o que dizer.

— Por que está aceitando essa proposta? Das últimas vezes,


pareceu querer morrer a se casar comigo.

— As coisas mudaram. — rebati, e empinei o queixo. — Então?

— Por que, Maria Beatriz? — indagou, dando um passo à frente, e


de repente, tê-lo ao meu redor, me deixava ainda mais perdida e a ponto,
de jogar tudo para o ar. — Está claro que tem um motivo.

No meu conto de fadas ideal, eu teria preparado uma surpresa. No


meu clichê ideal, eu estaria com pessoas que amávamos ao redor,

presenciando tudo. Mas ali, na realidade, apenas me vi olhando para o


homem que eu trocava farpas a vida toda, e no final, mal conhecia. E ele,
era o pai do meu filho.

— Estou grávida. — soltei de uma vez, e meu olhar não desviou do


seu.

Analisei cada reação, como se fosse possível desvendá-lo. No


primeiro momento, ele pareceu sentir o baque. No segundo, seu olhar
mudou, e foi como se brilhasse. No terceiro, ele tirou o chapéu, passando

as mãos nervosamente pelos cabelos, como se não acreditasse.

— E antes que pergunte...

— Sei que é meu. — cortou-me, como se soubesse o que diria, e


me vi indagando se era tão transparente assim. — Quando soube?

— Hoje, antes de vir aqui. — respondi, e me deixando


completamente surpresa, ele apenas deu mais um passo à frente, e pareceu
querer me tocar. Era como se ele... Se ele estivesse encantado. — Inácio?

Vi-o levar uma mão para frente da minha barriga, e respirar


profundamente, não fazendo o movimento por completo.

— Podemos contar para minha família, eles vão...

— Amar a ideia. — complementei, e ele assentiu, como se fosse


fácil assim. — Eles amaram a ideia de eu ser a sua noiva. Estou aqui até

agora, sem entender nada.

— Apenas... obrigado. — soltou, e fiquei perplexa, vendo-o dar um


passo atrás. — Podemos assinar o contrato nessa semana, e daí, nos
casamos na que vem.

— Tão rápido assim? — perguntei, e ele assentiu, sem dar margem


para qualquer explicação. Quando pensei em apenas questionar de outra
forma, batidas na porta me fizeram calar.

— Não sei o que estão fazendo, mas essa pestinha... — a porta se

abriu, e notei Daniela e Júlio. A pequena trazia uma rosa de cor vermelha,
e correu em minha direção, entregando-me. Vi-me agachando e tocando
seus cabelos, imaginando como seria, uma parte de mim, correndo por ali,
fazendo o mesmo. De repente, eu estava completamente extasiada com a

ideia.

— Obrigada. — falei, apertando seu nariz, e ela sorriu abertamente.

— Acho que vai ter que brigar por ela, com a sua sobrinha. — Júlio
falou, e o encarei, vendo-o zombar do irmão. — A menina apaixonou por
ela em segundos.

— Qual é? Eu vou brigar por ela. — ouvi a voz de longe, e não


reconheci. Era grossa, mas não tanto quanto a dos homens a minha frente.

Quando um homem muito parecido com todos a minha volta

adentrou o quarto, empurrando Júlio para o lado, vi-me incrédula de que


aquele era Bruno Torres. Ele era uma criança na última vez que o vi. Fazia
anos.

— Essa mulher só ficou mais linda, porra!

— A criança. — Inácio falou e deu um tapa na cabeça do irmão,


que sorriu, e fez sinal de silêncio com as mãos para a sobrinha. — Maria
Beatriz, a matraca do fim do mundo, melhor amiga de Leti, louca por
Hugo, e agora... futura senhora Torres.

— Que reputação mer... terrível. — mudei rapidamente, e me


levantei, aceitando o abraço do homem à minha frente. — Eu sou Mabi,
apenas. E pode me chamar de cunhada.

— Gosto do termo irmã. — piscou um olho, ao dar um passo atrás,

e me senti terrível, de fato. Eu estava sendo aceita naquela família de uma


forma tão orgânica que... me assustava.

Levei minha mão a barriga, como se fosse instantâneo, e senti o


exato momento em que Daniela veio para perto dela, tocando a mão sobre
a minha. Era como se ela sentisse que tinha algo ali. Era como se tudo se
encaixasse naquele pequeno momento que entramos. Olhei-a incrédula.

— Espera aí... — ouvi o grito de Olívia, que eu sequer sabia que


chegara, e pisquei alguma vezes, ao notá-la. Ela encarou a filha, então o

meu rosto, e então, o irmão mais velho. — Você está grávida?

— Puta que pariu! — o mais novo xingou, levando um tapa na


cabeça da irmã.

— Caralho! — o do meio soltou, e eu fiquei paralisada, sem saber


o que dizer para Olívia.

— Filha, hora de ganhar dinheiro. — ela falou, e Daniela afastou a


mão da minha, levando-a para as orelhas, no mesmo segundo, como se
para evitar ouvir. — Está grávida, não é?

Assenti, sorrindo abertamente, e de repente, senti uma lágrima


descer.

— Puta que pariu! — ela praticamente berrou e me puxou para si.


— Nosso pai, ele... — gritou ainda mais, pulando comigo no lugar.

— Oli, cuidado. — a voz de Inácio era doce, mas era claro que ele
estava preocupado. Ela se afastou, e troquei um breve olhar com ele, que
de repente, apenas vi ser puxado pelos irmãos e quase levantado do chão
pelos dois.

— Eles acham que a gente quebra. — Olívia falou, e sorriu


abertamente, — Prece que foi outro dia que a gente dividia algum lanche
na escola...

— Sempre se deu melhor com as meninas mais nova, como eu. —

dei de ombros, e ela assentiu. — Agora vai ser tia.

— Obrigada por isso. — falou, e puxou-me novamente para si.


Mais palavrões foram gritados e eu fiquei perplexa, sendo engolida por
outros dois irmãos Torres, que me agradeceram tão encantados quanto ela.

— Está impossível não ouvir o barulho. — ouvi a voz Fabrício


Torres, que estava de braços dados com a esposa. Notei, por um segundo,
que o mais velho dos Torres parecia ser amparado pela esposa, e aquilo
ficara em minha mente.

— Por que os gritos e palavrões? — ele perguntou, e sorriu ao


encarar a neta, que ainda tampava os ouvidos. — Por que minha neta vai
ficar rica?

Seu olhar parou no meu, e de repente, era como se sentisse o

mesmo que tinha em minha mente quando pisava nas terras dos meus pais.
O olhar dele, me fazia sentir em casa. Eram os hormônios? Era o
momento? Era a sensibilidade? Não sabia dizer. Apenas me vi, indo até
aquele homem e sua esposa, que me entregava um olhar tão perdido e
amoroso quanto o dele, e sentindo como se fosse o certo.

Toquei a mão direita e esquerda de cada um, e trouxe para minha


barriga. Eles me encararam por um segundo, e de repente, as lágrimas que
eu tanto lutei para segurar, desceram. Aquela família ali. Aquele contato

todo. Aquela imensidão de sentimentos. Aquele pedaço de mim e Inácio,


que crescia dentro de mim.

E de repente, apenas senti-os vindo até mim, e por um segundo, era


como se eu tivesse a reação, que apenas meus pais me dariam. Não me
questionei sobre, apenas... aceitei.

Aceitei que tinha deixado todo o nexo fora dali, no momento em


que soube que seria uma esposa por contrato. Ou talvez, quando me perdi
nos braços de Inácio e fizemos o nosso filho. Não sabia quando, mas de

repente, eu estava no lugar mais errado que poderia, mas ainda assim,
estava onde deveria estar.
CAPÍTULO V

“Então podemos dizer que estamos quites

Você poderia me chamar de "amor" no fim de semana

É a maldita temporada, anote isso”[6]

MABI

Todos festejavam, e eu, tinha um sorriso que não conseguia mais


sustentar.

Vi-me afastando levemente da mão de Inácio, e sabendo que


precisava de um momento sozinha. Caminhei até a cozinha, e busquei
algum banheiro. Não sabia onde encontraria, então, apenas vi-me na
grande sala de estar. Notei uma porta ao fundo, e fui até ela. Não era o

banheiro, porém, vi-me fechando-a e respirando profundamente.

— Ok, você consegue. — falei para mim, e suspirei


profundamente, levando as mãos para a barriga. — Você mal existe e olha
só... Eu tô noiva, apaixonada por uma família e... Merda!

Levantei-me de imediato, e quando fui abrir a porta, dei de cara

com Inácio. Ele me encarou preocupado, e quando abriu a boca para dizer
algo, apenas neguei.

— Preciso encontrar Leti. — soltei de uma vez, e ele franziu o


cenho. — Ela me trouxe, disse que ia no centro e depois passaria para me
pegar, nas terras ao lado. Já deve fazer...

— Duas horas que está aqui. — falou, como se simplesmente fosse


simples assim. Ele tinha controle sobre tudo, calmo e sereno. Eu, era a
bagunça e desordem, completamente fora de controle. — Não pode ligar

para ela?

— Ela não sabe que estou grávida, e eu... Sequer trouxe o celular.
Diacho! — reclamei, e vi-o tirar algo do bolso traseiro da calça. — Sério?

— Somos noivos. — falou, fazendo-me revirar os olhos, e de


repente, era o quê de provocação que precisava. — Se ela quiser entrar...

— Obrigada. — vi-me dizendo, e ele assentiu, saindo em seguida.


Disquei o número de minha melhor amiga, e torci, para que ela não me
matasse caso já estivesse ali, perdida a frente das terras. — Leti!

— Eu vou socar a sua cara na terra, e depois, arrastar os seus


cabelos e...

— Não pode.

— Mas eu vou! Mulher, como assim você some e eu fico maluca, e

vou na sua casa, encontro o seu celular lá e nada de você!!! E de quem é


esse celular? Eu vou arrancar o seu coro!

— Não pode. — vi-me repetindo.

— Se falar que eu não posso, mais uma vez, e não me disser o que
aconteceu e onde está...

— Eu tô grávida. — falei, e ela berrou um “o que” do outro lado da


linha. — Eu tô na casa do pai da criança e... Meu Deus, Leti. É do Inácio!
— sussurrei, com medo de que alguém pudesse ouvir e achasse aquilo tão

estranho, quanto eu acharia.

— Não! — ela berrou e vi-me sussurrando “sim”. Ficamos


naquela uma cinco vezes, e eu quase gritei a resposta, mas me segurei. —
Você vai mover a sua bunda magra para cá, pra sua casa, ou eu juro, que
vou aparecer aí e fazer um escândalo.

— A família dele está aqui, eu não posso sair e...


— O que não está me contando? — indagou, e engoli em seco. —
Aquela proposta sem noção que ele te fez, no meio da noite... — ela

pareceu lembrar, e eu fechei os olhos, sabendo que ela ligava os pontos.


— Não!

— Sim! — praticamente berrei, para que não voltássemos para o


mesmo ciclo. — Eu sou a futura senhora Torres.

— Você se apaixonou pelo seu inimigo? Isso é um enemies to

lovers[7] e eu me perdi? — perguntou, e era claro seu tom. — O que tem na


cabeça, Mabi?

— Eu... Eu estou fazendo o que é certo. — minha voz saiu em um


fio, e ouvi seu suspirar do outro lado da linha. — Eu vou ficar bem.

— Eu vou te buscar aí, Mabi. Você usa teu jeito maluco e sai,
porque eu vou passar por cima de qualquer Torres, mas você não vai fazer
essa loucura.

— Já está feito. — soltei, e suspirei profundamente. — Só me dá


algumas horas, e eu apareço na sua casa.

— Mabi.

— Por favor, Leti. — meu tom foi quase um implorar, e ela bufou
do outro lado da linha.

— Odeio como você consegue me manipular.


— Você me ama. — rebati e poderia vê-la olhando-me com raiva
pura.

— Sorte a sua, porque se não...

— Eu te amo também, e eu apareço daqui algumas horas.

— Você tem três ou eu...

— Ok. — falei por fim, e soltei o ar com força.

Desliguei a chamada, e apenas encarei o celular por alguns


minutos. Vi-me então presa a tela de fundo do celular, que era um Iphone
de última geração, e sorri ao ver a foto de Daniela ali. Inácio colocaria
uma foto do nosso filho ali? Que tipo de pai ele seria? A pergunta melhor,
que tipo de homem ele era?

Fora das provocações, eu não sabia nada. Fora do que era


costumeiro, e daquela noite, eu estava perdida. Passei a mão pelo rosto e
suspirei umas cinco vezes antes de abrir a porta do que parecia ser um

escritório e sair. Ele estava a alguns passos, encostado na escada, olhando


para o nada. De repente, era como se eu quisesse entender, em que
caminho maluco, a gente seguia, para terminar, em um almoço de domingo
em família, e em breve, com o mesmo sobrenome.

— Tudo bem? — ele perguntou, assim que me notou, e seu olhar


era duro, como sempre.
— Vai ficar. — respondi, e entreguei-lhe o aparelho. — Algum dia.
— as últimas palavras saíram em um sussurro, mas pareceu ser o suficiente

para que ele ouvisse. Então, apenas senti-o me puxando e nossos olhares se
encontraram. — O que está fazendo? — indaguei baixo, sem saber porque
o fazia, e senti uma mão em meu queixo. De repente, os olhos castanhos
pareciam bonitos demais, e eu sabia, que era a bagunça do dia, que estava

me causando aquilo. Só poderia.

Pensei que seus lábios viriam para os meus, mas ele apenas beijou
meu rosto, trazendo seus braços ao meu redor, e me fazendo sentir
amparada e presa a si. Queria apenas negar, mas de repente, era bom. Por
que era bom estar nos braços dele? Nunca o foi.

No caso, há dois meses, foi sim! Minha mente gritou.

— Meu irmão está perto de nós. — sussurrou, fazendo minha


mente se ligar e eu entender que todo aquele carinho, tinha algum motivo

claro. Óbvio que o tinha. Estávamos atuando. Toquei levemente suas


costas, e então nos afastamos. Sorri, odiando aquela situação, e odiando-
me por estar ali. Uma bagunça grávida, era como me sentia.

Sua boca veio para minha testa, dando-me um leve beijo, e fechei
os olhos, buscando a atriz dentro de mim. Precisava aprender,
urgentemente, a ser boa naquilo. Algo no olhar de Inácio me dizia, que eu
não sairia bem daquilo, se não aprendesse. Precisava atuar, muito bem. E
precisava aprender a ler suas atuações, tão bem quanto.

INÁCIO

— Eu juro que adoraria ficar mais um pouquinho, é que... — falou,


e praticamente foi engolida pelo abraço de minha mãe, enquanto eu
segurava Daniela no colo. A pequena falava o quanto estava adorando que
tinha uma tia, e meu coração, a cada batida, parecia querer falhar.

Suspirei profundamente, e senti o cutucão em meu braço. Virei-me,


e Júlio me encarava com deboche. Não lhe dei atenção, mas o sorriso em
seu rosto era claro. Ele me atormentaria, enquanto pudesse, sobre aquele
casamento. Mal sabia ele, que por mais que meus pais e eles teorizassem o

que fosse entre eu e Maria Beatriz, no fim, era apenas um casamento por
contrato. E se não fosse pela gravidez, duvidava que ela estaria ali.

Tentei não pensar tanto, sentindo a pequena querer pular do meu


colo, e coloquei-a no chão. Daniela correu para os braços de Mabi, que a
levantou, e meu instinto protetor já se acionou. Ela não podia pegar peso,
mesmo que Dani fosse pequena.
— Relaxa! — Olívia passou a minha frente, como se me barrando.
Minha irmã sempre parecia saber mais sobre mim, do que qualquer outra

pessoa. — Eu sei que quer protegê-los, mas está tudo bem.

— O peso, Oli. — comentei, e ela parecia genuinamente


despreocupada.

— Vai envelhecer nove anos em nove meses, maninho. — sorri

para ela, e acabei relembrando do apelido que Mabi tinha para comigo. O
qual, ela evitou por todo aquele tempo ali. Talvez, na cabeça dela, nenhum
deles soubesse, que nós dois, vivíamos nos atracando. A realidade era,
quem, naquele fim do mundo, não sabia?

Mabi colocou Daniela no chão, tocando levemente o rosto de


minha sobrinha, e eu sabia, que era o golpe mais baixo, que ela poderia me
dar. Mesmo não tendo noção alguma. Então, seu olhar azul parou no meu,
e me movi, sabendo que precisava levá-la. Poderia pedir para qualquer

outra pessoa, contudo, precisávamos daquele momento a sós, para colocar


os pingos nos is.

— Vocês já sabem... — falei para meus irmãos, enquanto chegava


próximo a ela, e como se fosse algo natural, coloquei minha mão em sua
cintura.

Meus pais sorriam, como se deslumbrados, e por aqueles


momentos, sabia que valia a pena toda aquela mentira. E no fim, a verdade
que nos uniria para sempre, não poderia ser mudada – eu teria um filho

com ela.

— Vamos nos instalar, e eu preciso dormir. — Bruno soltou, e o vi


já caminhar em direção as escadas. Coloquei meu chapéu, que estava
posicionado sobre uma mesinha próxima a porta de entrada, e lhes fiz um

cumprimento.

Dava para sentir a tensão sob a palma da minha mão, na qual as


costas de Mabi se encontravam. A cada passo que dávamos em direção ao
carro, notei como seu sorriso aberto diminuía. Respirei pesadamente,
afastando-me dela, e caminhando até a porta do motorista.

— Um cavalheiro. — ela debochou, e seu tom de nervosismo era


claro.

Notei que ela não se moveu para colocar o cinto de segurança,

então, apenas me movimentei sobre ela, e transpassei-o. Nossos olhares se


encontraram, e nossas bocas estavam há milímetros de distância. Foi
exatamente ali, naquele carro, meses antes, que tudo entre nós explodiu.

Vi-me segurando o que me atormentava, e me afastei, notando que


ela parecia estar com os pensamentos longe dali. Talvez, estivesse
pensando em Hugo e como arruinei o seu conto de fadas para sempre.
Ignorei o pensamento, e coloquei o meu cinto de segurança, dando partida
no carro em seguida.

— Leti me buscaria, não precisava...

— Precisamos conversar, criança. — dei entonação na última


palavra, e notei a forma como ela se mexeu desconfortável no banco ao
lado do meu. Existia algo em mim, que sempre buscava pela mínima

reação daquela mulher. Era o que eu podia ter, e talvez, o mais perto de
estar próximo a ela. — Precisa se mudar para minha casa.

— A gente nem casou ainda. — rebateu, e eu assenti, dando-lhe um


leve olhar, e voltando a prestar atenção na estrada.

— Vamos no casar na próxima semana, então... É o tempo que tem


para se mudar para lá. — expliquei, e ela soltou um leve “a”, como se
fizesse sentido. — Nada a negar ou me contrariar?

— Na verdade, tenho uma pergunta... — soltou, e era como se eu a

conhecesse tão bem, para saber que me perguntaria algo, que eu jamais,
teria uma resposta. — Por que não sorri?
CAPÍTULO VI

“Nós éramos uma página nova na mesa

Preenchendo os espaços em branco enquanto avançamos

Como se as luzes da rua apontassem para a ponta de uma flecha

Nos levando para casa”[8]

MABI

A pergunta que eu precisava fazer, além de outras milhares. De


repente, eu só queria entender um pouco sobre aquele homem. Tentava,
talvez, não pensar muito sobre o estofado daquele mesmo carro, meses
antes. E que agora, tinha o resultado que nos uniria para sempre. Um
vínculo eterno com Inácio Torres, a ironia era exemplar.

— Olívia ficou exatamente assim. — falou, ignorando por


completo a minha pergunta, e vi-me sabendo que insistiria. — As mãos
sobre a barriga sem nem mesmo notar.

— Ah. — soltei, e sorri, olhando para a barriga, e minhas mãos

colocadas bem ali. Sequer percebi, era fato. — Por que parece tão
sorridente e feliz com a sua família, mas longe deles...

— Acho que quem eu sou não é um tópico. — cortou-me, e bufei.


— Pare de bufar como uma criança, Maria Beatriz.

— Pare de agir como um velho ranzinza. — rebati, e notei a forma


como suas mãos pareceram mais presas ao volante. Mãos que eu lembrava,
perfeitamente, de sentir em cada pedaço de mim e... Foco, Mabi! — Não
quer falar o porquê, ok. Talvez eu descubra nesse tempo entediada sob o

mesmo teto que você. — soltei, e por uns segundos, era bizarro pensar que
estávamos noivos.

— Precisa começar a ir ao médico, e eu vou com você. —


comentou, e pela segunda vez, no mesmo dia, via-me concordando com
ele. Sobre o nosso filho, seria sempre assim? — Precisa me dizer tudo o
que precisa, para que eu possa te ajudar.
— Não estou tão desesperada assim, Inácio. — vi-me dizendo, e
engoli em seco. Talvez, eu estivesse, mas o que restara do meu orgulho,

me segurava ali. — Só não tenho um emprego, e vou conseguir arrumar,


em breve. — levantei as mãos para o alto, como uma prece.

— Não vai trabalhar enquanto nosso filho não nascer. — falou, e


eu me vi, o encarando completamente incrédula. O tom era de ordem,

como se não deixasse espaço para discordar. — É perigoso. —


complementou, em um tom menos duro, mas mesmo assim, não menos
controlador.

— Não vai controlar a minha vida só porque temos um filho. — vi-


me dizendo, e levei a mão aos cabelos, prendendo-os em um coque. De
repente, estava calor ali. — Muito menos, vai controlar minha vida depois
de nos casarmos.

— A questão não é controle, criança. É a sua segurança e a do

nosso filho. — falou, como se aquilo explicasse tudo. Ele não percebia o
tom que usava comigo? Ou como sempre parecia pronto para me deixar a
beira de querer socar a cara dele? — Não quero te controlar, a questão é
que precisa ter cuidado.

— Não vamos discutir sobre isso agora. — falei, respirando


profundamente. Eu estava exausta. — Foi um dia cheio, e que eu nem
imaginei que aconteceria tanta coisa, eu só preciso da minha melhor amiga
e paz. — encostei-me contra a janela e poderia jurar que apagaria ali

mesmo.

— Você não me parece triste com o fato de que vai ser mãe, nem
mesmo, por ser a mãe de um filho meu. — sua fala me pegou
completamente despreparada. — Sei que não sou o candidato dos seus
sonhos, criança. — revirei os olhos, porque ali estava ele, trazendo Hugo

para uma conversa, que em momento algum, o incluía.

— Eu sonho em ter uma família desde... — soltei o ar com força.


— Eu já me sinto tendo uma pequena família feliz com ele... — sorri,
tocando minha barriga, e podia sentir os olhos de Inácio sobre mim. — ou
ela. Estou desesperada, mas não fiquei triste, em momento algum.

— Entendo. — falou simplesmente, e o encarei, notando que


olhava para a estrada a sua frente.

— E você? — perguntei, tentando tirar o que pudesse. A muralha

naquele homem de um metro e noventa, que parecia novamente levantada,


assim que saímos de sua casa. — Não me pareceu triste, na verdade... Não
sei o que sente sobre.

— Eu... — vi-o respirar fundo. — Eu estou feliz. — disse


simplesmente, e o encarei, como se em busca de mais. — Não vamos falar
sobre sentimentos, criança.
— Por que tem que ser tão difícil? — indaguei, erguendo os braços,
como se não compreendendo porquê ele era de tal forma. De fato, não

compreendia.

Notei então que estávamos próximos a casa de Leti, e me ajeitei


melhor no banco. Nem percebi como tempo da fazenda até ali voou, e de
repente, era como se eu não tivesse entendido nem um por cento do

turbilhão que ele me causava.

Quando estacionou, virei-me apenas para sair, sabendo que no fim,


não conversamos absolutamente nada. Que deixasse para o dia de amanhã
então.

— Espera. — segurou meu braço, fazendo-me parar antes de poder


abrir a porta, e parei, a controversa. O seu toque me lembrando de como
ele sabia me tocar. Diacho! — Não é difícil comigo, criança. — comentou,
e o olhei completamente incrédula.

— Você é como dar dois passos à frente, e cinquenta para trás,


assim como a sua idade.

Sua mão permanecia em meu braço, e tentei não pensar no calor


que me causava.

— Pode ter o meu corpo, quando quiser. — falou, com seu rosto
bem próximo ao meu, e o encarei como se tivesse perdido sua mente. —
Mas não pense, em momento algum, que vai ter mais que isso.

As suas palavras pesaram, e não consegui entender o porquê.

Contudo, vi-me sorrindo no seu rosto, como se fosse uma piada. Ele me
parecia, naquele instante, uma piada tão boa quanto eu, uma romântica,
grávida e noiva do homem que não amava.

— Eu nunca te pedi nada... quer dizer, nada além do dinheiro. —

pontuei, e seu olhar permaneceu preso ao meu. — Não espero nada, além
de uma segurança para o meu filho. Então... Esqueça que pode ter o meu
corpo. — sorri, e afastei seu toque do meu. — Vou marcar a consulta com
a doutora Lena e te mando uma mensagem. — vi-me dizendo, e dei-lhe o
meu celular. — Tem algum papel aqui? — perguntei, e ele franziu o
cenho, mas abriu o porta-luvas, e me entregou um bloquinho, assim como,
uma caneta.

Destinei-lhe os dois, e ele me pareceu perdido, enquanto encarava

os objetos, assim como, o meu rosto.

— Não tenho o seu número. — falei por fim, e notei que sua
expressão mudou, por alguns segundos. Então, pegou o bloco e escreveu
rapidamente, destacando uma folha, e me dando. Apenas me afastei,
abrindo a porta do carro e descendo.

Não olhei para trás, e abri o portão de minha melhor amiga, que
deveria estar na rede da frente, me esperando. Dito e feito, ela estava. E
quando fechei de fato o portão, vi o Range Rover sair, e uma parte de mim,

parecia em uma espiral. O que estava acontecendo comigo?

— Você está bem? — indagou, levantando-se e correndo até mim.


Ela levou a mão ao meu rosto, tocando-o, e logo desceu as mãos para
minha barriga. — Temos um pinguinho teu aqui, é isso mesmo? —

perguntou, e quando seu olhar parou no meu, notei seus olhos marejados.

Apenas consegui assentir. Leti era a pessoa que compreendia


perfeitamente como eu me sentia a respeito de estar grávida, e dos meus
reais planos de ter uma família. Poderia não ser no momento mais perfeito,
contudo, eu sabia o quanto desejava aquilo.

— Um pinguinho meu. — falei, e ela me puxou para si, abraçando-


me com força. — Já pode assumir o posto de madrinha. — pisquei um
olho, assim que nos afastamos, e notei de imediato a preocupação em seu

semblante.

— Como? — perguntou, e suspirei profundamente. — Como você


e Inácio?

— Eu não sei explicar, só... — vi-me lembrando daquela noite, sem


saber como lhe dizer. — Estava de noite, eu estava toda molhada, no carro
dele, e ele... Já reparou o quanto aquele homem tem músculos?
— Maria Beatriz Gonçalo está admitindo que Inácio Torres é um
gostoso? — perguntou, quase soltando um grito, e eu revirei os olhos.

— A gente se detesta desde sempre e... — soltei o ar com força, e


meus pensamentos voaram para longe dali. — Quer dizer, desde que ele
voltou do exterior e pareceu querer me infernizar.

— Uma implicância sem razão óbvia? — perguntou, e eu assenti, e

neguei ao mesmo tempo. — Por que vocês complicam tanto? — insistiu e


eu não soube o que respondeu. — Se detestam tanto que estão esperando
um bebê. — sua fala amaciou e ela tocou minha barriga. — Como ele
reagiu?

— Da maneira mais bonita possível. — respondi, e soltei o ar com


força. Enquanto meus pensamentos voavam para quando nossas discussões
começaram. Por um segundo, eu não conseguia focar na realidade, apenas,
em como a gente se detestava, e era apenas assim, por anos.

Meu coração estava perdido pelo garoto que era apaixonada, pela
primeira vez. Na realidade, ele já era um homem, e aquilo, parecia doer
mais. Hugo beijava uma de nossas colegas de classe, enquanto eu mal
conseguia segurar a bebida doce, e me encostava contra uma das pilastras
da festa que acontecia ao redor. Talvez, ninguém notasse ali, a mulher de
dezoito anos com o coração quebrado e querendo quebrar a cara do cara
que, dias antes, disse que ela era especial.
Especial a ponto de vê-lo com outra?

— Ele é um moleque. — uma voz surgiu a minhas costas, e me

afastei da pilastra, sem conseguir reconhecê-la de imediato. Assim que me


virei, notei os olhos castanhos profundos, a barba por fazer e o chapéu de
cowboy. Diferente da grande maioria dos universitários que estavam por
ali, todos seguindo roupas descoladas para a época, mas não tão caipiras,

quanto diziam. — Não se lembra de mim?

Tentei buscar na memória, mas ela parecia falha. Eu conhecia


aquela voz, mas ao mesmo tempo, parecia perdida. Quem era ele?

— Deve passar tanto tempo secando o moleque dos Avelar, que


sequer se lembra de qualquer outra pessoa. — falou, e eu engoli em seco,
notando que ele era mais ácido do que esperava. As linhas em seu rosto
me mostravam que também era mais velho, assim como, não parecia estar
ali para a festa. — Sou eu, criança.

Minha memória despertou e vi-me encarando-o de cima abaixo.


Aquele homem gostoso, dentro de uma roupa de cowboy que vai desgraçar
a sua cama, era Inácio Torres. Não? Não poderia ser ele.

Contudo, não existia outra pessoa, que me chamava daquela


forma. A única lembrança que tinha dele, na minha infância, quando o
encontrava, era me chamando assim. Mas ali, o apelido parecia ter outro
sentido.

— Desde quando voltou? — perguntei, e meu olhar voltou para o

centro da pista, e notei Hugo sair aos beijos com a nossa colega. Diacho!
A noite seria longa.

— Não parece interessada em saber sobre mim, mas sim... sobre o


moleque.

— Por que está implicando comigo? — indaguei, encarando-o. —


Desde quando temos essa intimidade?

— Por que você é cega por um moleque que nunca vai lhe dar
valor? — sua pergunta me acertou em cheio, e não pensei, apenas reagi. A
bebida foi para o seu rosto, e manchou toda a camisa branca que usava.
Contudo, não me arrependi.

— Agora vai ter razão para continuar a me chamar de criança. —


soltei, e respirei profundamente. Ele apenas continuou a me encarar, e

quis voar sobre sua cara. Por que de todas as pessoas, de repente, eu
estava desgostando de Inácio? — Devia não ser um velho fuxiqueiro e se
meter na vida alheia. Assim, não levava uma bebida na cara.

— Não tem como me abalar com esses joguinhos. — falou, e deu


um passo à frente, ficando bem próximo. — Não sabe com quem está
lidando, Maria Beatriz. Não vai querer entrar em uma queda de braço,
que vai perder.

— Eu não perco, velho.

Sorri, enquanto ele sequer parecia ter qualquer reação no rosto.


Apenas deu um passo atrás, e se afastou, indo para longe. Aquele meio
minuto, em que tudo aconteceu, e felizmente, ninguém presenciou, ou pelo
menos, não acabou parando todas as pessoas da festa, foi o suficiente

para eu não saber para onde Hugo iria. Merda! Merda de velho, diacho!

— Terra chamando Mabi! — o estalar de dedos em meu rosto, me


fez voltar a realidade, e Leti me encarou, claramente sem entender o
momento que fugi dali. De fato, nem eu entendia.

— Foi um dia confuso, eu... Eu só quero descansar, Leti.

— Por que não passa a noite aqui? — perguntou, e já foi me


puxando consigo, enquanto eu tentava não aceitar.

Assim que entrei na sua casa, dei de cara com Heitor, que sorriu

para mim, com o carinho de sempre. Seu marido era praticamente um


irmão para mim, que a vida me dera, e de alguma forma, por mais que eu
tentasse não estar entre eles, eu estava, sempre. E ele, parecia sempre
muito bem com aquilo.

— Eu preciso interferir? — perguntou sorrindo e Leti praticamente


o fuzilou com o olhar. — Eu vou dormir no quarto de hóspedes hoje. —
piscou um olho para mim, que tentei falar, mas ele foi mais rápido. —
Somos sua família, lembra?

Apenas o olhei, com todo amor e carinho que sentia, por saber que
Leti vivia seu conto de fadas juntamente com ele. Não consegui dizer nada,
enquanto Leti me levava até o seu quarto, e as lágrimas desceram. Eu tinha
aguentando. Eu tinha dado de forte. Eu o era. Mas ali, de frente para ela,

parecia impossível – eu estava confusa com tudo.

— Deixa sair.

Ela falou, puxando-me para si, e deixei as lágrimas descerem,


enquanto minha mão estava sobre a barriga, e meus pensamentos no pai
daquela criança. De repente, eu mesma tentava entender – por que Inácio
Torres? Por que?
CAPÍTULO VII

“Você ainda me deixa nervoso quando você aparece

O frio na barriga volta quando estou perto de você

O tempo todo a única verdade

É que tudo me lembra você”[9]

INÁCIO

A pergunta que pairava sobre minha mente era: como o destino


poderia rir tanto assim de mim?

Estacionei algumas ruas a frente, sem conseguir focar na estrada.


Minha cabeça presa aquele dia. Tudo me remetendo ao momento em que
vi-a aparecendo e tirando todo o discernimento de mim. Como sempre, era
ela. Desde sempre, pairando sobre minha mente, como se eu não

conseguisse me afastar.

Anos e anos se passaram, e ali continuava eu, sempre de frente para


ela. Demorou tempo, talvez anos para aceitar e admitir a mim mesmo o
que sentia. Entender o porquê de não conseguir apenas vê-la e ignorar. Ou

o porquê eu sempre trazia o cara que ela amava para a nossa conversa.

Eu sabia lidar com qualquer coisa, menos com a sua indiferença.


Era preferível vê-la colocar as garras para fora e demonstrar algo, do que
não ter nada. E foi então, no dia em que me vi revelando uma foto dela e
colocando em um porta-retratos no meu escritório, que soube, que ainda
era completamente apaixonado por Maria Beatriz Gonçalo.

Sabia exatamente quando começara, e apenas reafirmara: não tinha


prazo de validade. Desde os vinte e oito e eu, me via apaixonado por uma

mulher dez anos mais nova. Não que aquele fosse um problema, era apenas
um fato. O caso era que Mabi sonhava com um príncipe encantado, que já
tinha nome e sobrenome. E eu? Não passava de um peão escondido em
uma fazenda, e feliz por poder estar ao sol.

Fechei os olhos por alguns momentos, odiando a minha


autolamentação. A questão era: o que eu poderia esperar? Nada diferente.
Minha mente se perdeu no que resultou em um laço eterno entre nós.
Maria Beatriz esperava um filho meu, após uma noite tão inesperada,

quanto aquela gravidez.

Não entendi em que momento a minha raiva e preocupação se


tornaram nada. Contudo, ao encarar seus seios praticamente expostos sob
o tecido molhado e fino de cor branca, e vê-los endurecerem diante do
meu olhar, quase perdi a noção do meu próprio nome. Precisei respirar

fundo uma e duas vezes, enquanto dava a volta no carro, e tentava pensar
em carneirinhos fofos cruzando a estrada, enquanto meu corpo todo ardia
por ela.

Um olhar, e aquela mulher me tinha. Vê-la reagir ao meu olhar,


causava-me o inferno. Quando me sentei no banco do motorista,
completamente irado pela sensação de querer e não poder ter, tentei focar
em provocá-la de outra forma, e torcer para que seu olhar não descesse
para abaixo da minha cintura. Eu estava duro por ela. Inferno!

Contudo, quando seu olhar azul, enorme como sempre, encarou-


me tão desejoso quanto um dia sonhei ter, esqueci-me que não poderia
arriscar ter aquele corpo. Seria demais para o meu próprio coração.
Porém, nada mais importava. Nem mesmo, os meus sentimentos. Quando
minha mão foi parar em sua nuca, ao mesmo tempo que ela subiu em meu
colo, e seus lábios se abriram para os meus, eu soube: não tinha como
fugir.
Como se ela me enfeitiçasse e me tivesse quando queria. A
qualquer momento. A qualquer horário. Ela poderia estar sobre o meu

colo, tirando toda minha razão. Mas mal sabia, que eu sempre, estive por
completo, nas mãos dela.

Um sorriso se formou em meu rosto, apenas por lembrar que fora


exatamente ali, naquele banco de carro que a tive pela primeira vez.

Poderia não ser a história de princesa que ela tanto esperava e sonhava. Por
mais que quisesse negar, sabia tudo o que poderia sobre ela, até mesmo,
aqueles detalhes.

Porém, mal sabia ela, que mesmo não sendo o príncipe, em busca
dela com um sapatinho de cristal, ela era a minha loucura. No agora, minha
futura esposa e mãe do meu filho. Acima de tudo, a mulher que eu tanto
sonhava.

Meu celular soou na escuridão do carro, e o atendi, encostando-me

contra o estofado e tentando não ficar imerso nas lembranças. Ao mesmo


tempo que tendo a certeza que tão inesperadamente, que adentrou a minha
vida, ela sairia, assim que o contrato terminasse. Fechei os olhos e soltei o
ar com força atendendo a ligação.

— O que a matraca queria? — a pergunta de Lucas não me


surpreendeu, assim como, respondera a minha de como ela teria entrado
na fazenda sem alguém avisar. — Ela parecia muito interessada em te ver,
e preciso dizer que...

— Ela está grávida. — cortei-o, e ouvi-o soltar três palavrões em

menos de um segundo. Meu melhor amigo era tão expressivo, que me


assustava o fato de sermos tão diferentes.

— E por que não procurou o moleque bosta? — sua indagação me


acertou em cheio. Todos sabiam que aquela mulher amava outro homem.

Era uma situação tão terrível, quanto, prendê-la em um casamento apenas


por algo em troca. Nos dóis ganharíamos, mas no fim, apenas eu estava
em risco. — Deu um emprego a ela, não é?

— Ela está esperando um filho meu, porra. — rebati, e ouvi-o


gargalhar do outro lado da linha, como se estivesse debochando.

— Estava esperando a versão dormente de Inácio Torres ciumento


aparecer e aqui está ela! — praticamente gritou. — Óbvio que eu vou ser
padrinho, diacho! Desde que me fez comprar roupas novas para ela as

seis da manhã e mentir serem da minha irmã...

— Não vamos falar sobre isso. — cortei-o, e ouvi sua risadinha ao


fundo.

— E como o responsável Inácio esqueceu da camisinha? —


perguntou-me e soltei o ar com força. — Vai admitir para mim,
finalmente, que ela te enlouquece? Que você a ama?
— Por que mesmo está me ligando? — rebati, e ele gargalhou
ainda mais alto.

— Parabéns, patrão. — falou, em seu tom mais sério e sabia que


estava feliz por mim. — Estou feliz, de verdade.

— Eu sei. — respondi, e sorri de lado. Sabia que independente do


que acontecesse na minha vida, Lucas estava ali. Éramos inseparáveis

desde crianças. — Você e Gustavo serão os padrinhos, da minha parte. —


já avisei, e ouvi-o chiar, gritando pelo marido. Fazendo-me rir para o nada.
— Leti e Heitor devem ser os padrinhos por parte de Mabi. — vi-me
falando, e batendo os dedos contra o volante.

— E se ela chamar Hugo? — provocou e eu iria mandá-lo para a


puta que pariu, se não fosse a voz de Gustavo ao fundo.

— O que? Eu vou ser padrinho? Vamos ser padrinhos? De quem?


Como? Quando?

— Lucas vai te contar. — respondi, sorrindo da sua confusão. —


Preciso pegar a estrada, mas converso com vocês depois.

— Eu vou te matar, Inácio!

— Te amamos, patrão. — Lucas falou, sorrindo, e desfez a ligação,


contra protestos do marido.

Deixei o celular de lado e fiquei preso a ideia, de compartilhar a


vida, como eles faziam. A diferença era que ele se amavam,
verdadeiramente. Como poderia eu, viver um casamento por contrato com

a mulher que eu amava, e que amava outro?

Vi-me abrindo rapidamente o seu Instagram e encarando suas fotos.


Os olhos azuis que me encantavam, as covinhas nas duas bochechas
quando sorria, os laços de cabelo coloridos... Tudo nela, era como o sol.

Como o brilho em uma noite apenas de escuridão. Ela iluminava qualquer


coisa. Ela me fazia querer ser poeta, ser príncipe.

Cliquei na última postagem e sabia que ela estava prestes a lançar


seu primeiro livro. Vi-me clicando no site que ela avisara que saíra, e
minutos depois, finalizei tanto a compra do e-book já disponível, assim

como, de um Kindle[10], que parecia ser o melhor aparelho para a leitura.

Cliquei também para baixar o aplicativo e vi-me abrindo o livro já


comprado no mesmo, enquanto o aparelho demoraria cerca de uns cinco

dias para chegar em casa. Olívia deveria ter um daqueles, mas nem por
reza, lhe pediria emprestado. Ela me atormentaria por uma vida, e com
toda certeza, contaria a Maria Beatriz.

A primeira frase, antes do livro iniciar, me pegou despreparado.

Para os amores que não se tem escolha. E que se pudesse escolher,


nada mudaria.
O impacto fora tamanho, que joguei o celular sobre o banco do
carona e dei partida no carro segundos depois. Liguei o rádio, para que

qualquer outra coisa, a tirasse da minha mente. Porém, como aos vinte e
oito, ali estava eu, aos trinta e seis, pensando nela. Sempre nela. E
completamente perdido.
CAPÍTULO VIII

“Nós mantemos este amor numa fotografia

Nós fizemos estas memórias para nós mesmos

Onde nossos olhos nunca fecham"[11]

MABI

A primeira coisa que fiz após acordar, foi deixar minha amiga
dormindo e ligar para a médica. Precisava de um encaixe para aquele dia, e
felizmente, o consegui. Vi-me então, parada no meio da sua cozinha,
encostada contra um dos balcões de madeira, digitando uma mensagem
para Inácio. A consulta seria apenas na parte da tarde, mas parecia o certo
já avisá-lo. Talvez ele tivesse algum compromisso e não aparecesse. A
questão era que eu nem sabia o que esperar.

— Bom dia, Yang. — a voz de Heitor surgiu da porta que dava

entrada para a cozinha.

Ele trazia um sorriso no rosto, e algumas sacolas. Aquele era um


dos poucos apelidos que eu adorava. Ele sabia o quanto Leti e eu éramos

apaixonadas por Grey’s Anatomy[12], até porque, em algum momento, ele

foi obrigado a assistir, e foi quando nomeou nossa amizade de Grey-Yang.


No fundo, eu sabia que Leti e eu éramos realmente parecidas com as
personagens da série fictícia.

— Comprei pães, suco e algumas besteiras. — colocou as sacolas


sobre a mesa, e parou um segundo para me olhar. — Não quer falar sobre?

— Leti te falou que estou grávida, que eu sei. — rebati, brincando e


ele deu de ombros.

— Eu ficaria sem falar com ela, se não me contasse que ia ser

padrinho — neguei com a cabeça de imediato. — Mas é sério, Mabi!


Como você está com tudo isso?

— Surtei, enfrentei, desabei... tudo isso ontem. — vi-me dizendo, e


ele me encarou com atenção. — Preciso ainda tentar conversar com Inácio
sobre algumas coisas, já que ele será meu marido.

— Essa é a parte da história que não encaixa. — falou, e cruzou os


braços, escorando-se contra o tampo da mesa. — Tudo bem que sempre
achei que ele parecia mais louco por você, no sentido bom da palavra, do

que louco de ódio... Mas, mesmo assim, por que se casar?

— Porque sim? — vi-me respondendo com a pergunta, e tentando


fugir da ajuda que ele me ofereceria a qualquer momento. — E antes que
comece a tentar ser o meu salvador, assim como Leti, eu estou bem. Não

vai ser o fim do mundo me casar com Inácio, e apenas vocês, saberão que
não é de verdade.

— A cidade toda vai dizer que foi golpe. — falou e eu acabei rindo
alto.

— Já posso ver as fofocas enquanto eu passo: olhá lá, a matraca


deu o golpe do baú no herdeiro dos Torres. — zombei, e ele revirou os
olhos, bufando.

— Fico feliz que nunca se importou com essa falação sobre o que

fosse. — comentou e eu assenti.

— Falem bem ou falem mal, mas falem de mim. — pisquei um


olho, e me aproximei. Heitor me puxou para um abraço, e deu um leve
beijo em minha testa ao se afastar.

— Nunca esqueça, que em qualquer momento, somos sua família.


— falou, e eu assenti para ele. Sabia que os tinha, na realidade, sempre os
tivera. A questão era que precisava dar um passo que não os prendesse a

mim. No sentido de, ter a segurança que ainda não encontrara. — E o

livro?

— Diacho! — vi-me dizendo e me afastando. Tinha me esquecido


por completo que colocara o meu primeiro livro na Amazon Brasil, e
sequer sabia se alguém tinha comprado. O dia anterior fora tão maluco,

que nem me tocara.

— Bom dia aos gritantes, e ao homem mais sortudo do mundo. —


ouvi a voz da minha melhor amiga, e não precisei olhar para saber que foi
até o marido e se aconchegou em seus braços. Meus olhos estavam presos
na página inicial do ranking geral de ebooks da Amazon Brasil, e tinha o
meu nome, no número 1. — O que foi, Mabi?

— Olha isso! — falei, lhe entregando o celular e notei o arregalar


dos seus olhos, e a forma como pareceu quase surtar. — Eu...

— Eu disse que ia ser best seller! — gritou, e deixou o celular na


mesa, vindo até mim, me abraçando.

Tudo acontecia como um tsunami. Não sabia ao certo o que estava


me atingindo ou o que estava acontecendo de fato. Porém, vi-me
abraçando minha melhor amiga com uma mão, e com a outra, tocava
minha barriga, no qual meu pinguinho de gente se escondia. Por um
segundo, eu só poderia, ser grata.

INÁCIO

Estava quase discando seu número, quando duas mensagens dela,


apareceram em meu celular.

Consulta as 15h30 com a doutora Lena. Aqui é a Maria Beatriz.

A assinatura no fim da mensagem me fez sorrir. Mal sabia ela, que


já tinha seu número há tempos. Até que ponto eu sabia tudo o que podia e
ela sequer tinha o meu número de telefone? Eu era uma piada pronta para
aquela mulher, mas não me importava.

— Mensagem da matraca? — a pergunta de Júlio me acertou e


levantei o olhar para ele, que nem notei entrando em meu escritório,
dando-lhe meu pior olhar de mau humor. Não estava em momento para ter
que ver minha família zombar da situação. — Ok! — fez um sinal de
rendição, como se me lesse bem. — Papai quer falar com você. —
levantei-me no mesmo instante, e a preocupação me acertou. — Ele está
bem. — falou, assim que quase passei por ele, colocando uma mão em

meu peito. — Está próximo ao lago.

— Obrigado, irmão. — saí pela porta, e a passos largos, passei pela


cozinha, na qual minha irmã e Daniela estavam, cantando e mexendo em
algo na mesa.

Dei um leve beijo na testa de minha sobrinha, e continuei meu

caminho até o lago. Encontrei meu pai sentado próximo as árvores, com
óculos escuros, o que me fez voltar a ter dez anos novamente. Era como
costumava ser. De repente, as coisas eram simples, e não tão temerosas.

— Pai. — falei, assim que me aproximei, e ele não me olhou,


apenas bateu uma das mãos ao seu lado, e eu fui, sentando-me.

No segundo que o fiz, ele se virou, e retirou os óculos escuros. Os


olhos castanhos como os meus, típicos de nós, que se misturavam com os
cabelos castanhos que minha mãe nos dera.

— Ouvi sua irmã falando sobre o seu casamento. — falou, e o


encarei atentamente. — Sei que estão adiantando tudo por minha causa.

— Pai...

— Inácio. — cortou-me, pegando minha mão e segurando,


olhando-me. — Eu te conheço, e sei que faria qualquer coisa para realizar
o sonho do seu velho pai. Mas eu também sei, que a menina dos Gonçalo
pode sonhar com um casamento de princesa, então... Vai lhe dar isso. Eu
estando aqui ou não, eu quero que essa minha vontade seja respeitada.

— Não é sua culpa. — falei, e ele apenas riu de lado.

— Aquela menina sempre foi a menina dos seus olhos, era nítido.
Antes mesmo de Daniela encontrar uma foto dela em seu escritório e
mostrar para a família toda. — fechei os olhos ao me recordar daquele

episódio, a cerca de um ano. Minha família encasquetou exatamente ali,


que eu amava Mabi. De fato, eles não estavam errados. Contudo, não era
assim que gostaria que eles descobrissem. No fundo, queria que apenas eu
soubesse do sentimento. — Não aceito que se casem com pressa, e muito
menos que seja por minha causa.

— Pai, ela está grávida e sabe como as pessoas daqui são. — vi-me
intervindo, de alguma forma, tentando realizar o sonho que ele um dia já
compartilhou comigo. — Não quero que ela seja massacrada pelos

fofoqueiros daqui. — aquela era uma verdade.

— Se você a ama, dará a ela a cerimônia que merece. — sabia que


não deixava chance para que eu discordasse. — E que se fodam os
fofoqueiros. — vi-me rindo e ele piscou um olho. — Veja como ela se
sente a respeito disso, e caso queiram morar sob o mesmo teto, por conta
do amor que sentem, será uma coisa. Os papéis assinados a frente de quem
amamos, é apenas um complemento. O real é o dia a dia, meu filho.
Vi-me assentindo e sem saber o que responder. Se ele soubesse de
toda a verdade por trás daquela relação, que sequer existia, talvez, nunca

me perdoasse. Contudo, era um risco que eu correria.

— Vou falar com ela, e... Não tenho como dizer se ela deseja ou
não um casamento grande ou pequeno.

— Prometa que não vai abrir mão de dar o melhor a ela. — pediu e

eu assenti, apertando levemente sua mão.

— Eu prometo, meu pai. — falei, e ele sorriu. — Talvez a gente


devesse fazer como você e mamãe. Sequer casar e ser feliz para sempre. —
brinquei, e ele pareceu se perder nas memórias.

— O dia que nos casamos, com todos vocês já nascidos, foi o


segundo melhor dia da minha vida.

— E qual foi o primeiro? — indaguei, e ele sorriu, sem parecer


precisar pensar.

— No dia em que ela entrou na minha casa e a tornou nossa. —


sorri, por imaginar como toda aquela situação estava sendo para eles.

Era uma vida juntos. Era uma família que eles criaram. Era um
medo que ninguém poderia evitar. O médico deu-lhe no máximo um ano, e
a cada dia, o medo de que o tempo diminuísse, era aterrorizador. E desde o
dia em que soubemos daquilo, vi-me batendo na porta de Maria Beatriz.
Sabia o quanto ele sonhava em me ver casado, e com uma família.
O quanto ele desejava que o seu mais velho, encontrasse o amor que ele

tanto ensinou por anos. Eu o tinha encontrado, contudo, não era


correspondido. Mas aquela parte, não era importante.

Importava que ele acreditasse que era real, e por mais horrível que
pudesse parecer, eu apenas queria que ele fosse feliz no tempo que restara.

Ou que algum milagre nos acontecesse, e seu corpo aceitasse algum dos
novos tratamentos.

Contudo, sabia o quanto meu pai estava exausto por lutar em um


hospital. Ele o fazia por nós, e não mais por si. Não custava nada, fazer
algo para com ele. E Maria Beatriz era a escolha perfeita. De repente, a
única possível, que o destino me presenteava.

— Os homens da minha vida, no mesmo lugar, é isso mesmo? —


ouvi a pergunta de minha mãe, e me virei, ainda com a mão de meu pai na

minha. Meus irmãos vinham logo atrás e notei a careta no rosto do mais
novo.

— Eu sou o homem da sua vida, mulher. — Bruno falou,


praticamente correndo até ela, e a levantando, fazendo nossa mãe
gargalhar.

— Você não passa de uma criança. — Olívia gritou mais ao fundo,


trazendo a filha no colo, e sorrindo abertamente. — Aliás, eu já estou
imaginando uma versão mini do Ná correndo por aqui. — falou e Daniela

bateu palmas, claramente, não entendendo nada. O apelido terrível que ela
me colocou quando ainda era criança, e que até hoje, me atormentava.

— Eu sinto que é um menino. — minha mãe falou, assim que se


aproximou com Bruno e Júlio a tiracolo, e se sentou ao meu lado. — O que

você acha, meu filho?

— Eu acho que... — olhei para eles, e por um segundo, apenas


soube que faltavam duas pessoas para eu estar de fato completo – Mabi e o
nosso filho. Imaginava uma cópia dela, com os olhos azuis, e quem sabe,
os meus cabelos castanhos.

— Ele está pensando na Mabi, mamãe. — Júlio implicou, fazendo-


me sair de meu devaneio e olhá-lo mortalmente. — Cara, você nunca tem
bom humor.

— A não ser quando está com Mabi. — Bruno farpou e eu os


ignorei.

— Então? — minha mãe insistiu, batendo um ombro no meu, e


cruzando as pernas. — Seu sexto sentido não diz nada?

Não sabia muito bem o que dizer, a realidade era que eu não
consegui me aproximar o suficiente de Mabi para tocar o nosso filho. Não
que ele fosse mexer ou algo parecido, contudo, era como se eu necessitasse

daquilo.

Naquela noite, apenas me recordava de sonhar com ela, como


quase sempre acontecia, mas tinha algo de diferente. Uma voz masculina e
infantil, que me chamava, bem próximo a ela. Talvez aquele fosse o meu
sexto sentido paterno?

— Um menino, eu acho. — vi-me dizendo e ela sorriu abertamente,


tocando meu rosto.

— Parece que foi ontem que eu me descobri grávida de você e a


gente fugiu para esse fim de mundo. — sorri, e notei seus olhos marejados.
— Vai ser o melhor pai, meu filho.

Sorri para ela, beijando seu rosto com todo meu amor, e passando
meu braço ao seu redor, enquanto meu pai ainda segurava minha outra
mão. Daniela praticamente correu a nossa frente, deitando-se com a cabeça

em minha perna, e Olívia fez o mesmo.

Bruno e Júlio estavam logo ao lado, e ali, eu soube o quanto sentia


falta de todos nós, juntos. Eles ficariam apenas alguns dias, devido ao fato
de que cada um tinha sua própria vida, fora dali, porém, era bom tê-los.
Ainda mais, no momento mais inesperado e de alguma forma, o momento
mais bonito da minha vida.
CAPÍTULO IX

“Lutar contra um amor verdadeiro é boxear sem luvas

Química até explodir, mesmo que não houvesse "nós"[13]

MABI

Não sabia dizer o porquê de estar nervosa. Minhas mãos suavam e


meu coração estava a mil. Levei-as sobre meu vestido e acariciei minha
barriga, pensando se estava assim, de fato, porque saberia como meu filho
estava pela primeira vez. Contudo, com minhas mãos ali, soube que ele
apenas me transmitia paz. Uma paz que eu precisava.

— Ok, eu não posso ficar assim. — falei para o nada, e notei a


movimentação à frente da casa dos meus vizinhos. Notei que os mais
velhos, que moravam do lado esquerdo, estavam em suas cadeiras,

tomando algo, e conversando. Talvez fosse, até mesmo sobre mim.

— Como está, matraca?

A pergunta gritada me fez girar nos calcanhares e me virar na


direção dos vizinhos da casa a frente. A voz era conhecida, e eu nem sabia

que ele tinha voltado de viagem, mas ali estava ele – Hugo Avelar. Olhos
azuis profundos, cabelos louros escuros e uma barba bem-feita.

Vi-me forçando um sorriso ao perceber que sequer pensara sobre


ele nos últimos momentos. A realidade me atingindo, foi assustadora.
Sequer tive tempo para pensar de fato, porque a Range Rover que agora eu
conhecia muito bem, estacionou a minha frente, e o tirou de meu campo de
visão.

Vi-me sem reação em um primeiro momento, e apenas abri a porta

no seguinte. Subi na mesma, e fiquei me perguntando, como seria, dali


alguns meses, subir aquele mesmo degrau. Uma barriga grande deveria
pesar. Quanto de fato pesaria?

Minhas indagações foram embora, no segundo em que senti um


olhar sobre todo meu corpo. Meu nervosismo aumentou, minhas mãos
suaram ainda mais e eu finalmente entendi, que não era pelo ultrassom. Eu
estava nervosa, e quase tendo uma síncope, apenas pelo fato de que
encararia Inácio.

O que estava me acontecendo?

— Tente ser legal com ele, Mabi. Me promete, vai!

— Leti... Eu não posso ser legal se ele se compromete a tirar o pior


de mim, sempre. — vi-me respondendo, e revirei os olhos pelo olhar que

Heitor me lançou, como se querendo rir. — Posso tentar não ser a pior
pessoa.

— Ótimo. — ela segurou meus ombros e sorriu. — Me promete que


liga se precisar que eu vá a clínica ou...

— Eu vou ficar bem com ele. — respondi e dei de ombros.

Eu iria?

Ali, eu já não sabia. Minha coragem fora pelo ralo. De repente, não
conseguia sustentar o seu olhar. Não consegui dizer nada, apenas senti o

momento em que ele se movimentou e passou o cinto de segurança sobre


mim, e acompanhei cada ação. Ser eu mesma com ele era fácil, o difícil era
ser legal. Como se era legal com o cara que seria o pai do meu filho, que
claramente, me detestava?

Detestava tanto, a ponto de usar cada parte do seu corpo. Merda!

— Você está suando e claramente nervosa, criança. — falou, e


tocou minha testa com as costas das mãos. — Está sentindo algo? Sentiu

algo essa noite?

— Eu... — engoli em seco, e tentei negar que a aproximação dele


me assombrava. — Eu não sei porque estou assim. — assumi e respirei
profundamente. — Era fácil apenas te encontrar, trocar farpas e... Agora, a
gente tá indo ver o nosso filho. Tem ideia de como as coisas mudaram?

Ele se afastou levemente, parecendo pensar sobre a pergunta, e por


um segundo, queria que ele fosse transparente. Tal qual, naquela noite. Eu
conseguia ver o seu prazer e a forma como me adorou. Mas ali, ele parecia
o mesmo de sempre, e eu, apenas uma pirada.

— Vamos com calma. — falou, e vi-o respirar profundamente. —


Podemos dar uma trégua, não é?

Pisquei algumas vezes, enquanto tentava me acalmar. De tudo o


que ele poderia me dizer, aquela pergunta, não se passava por minha

mente.

— Vamos nos casar, ter um filho... Podemos ao menos tentar não


nos farpar a cada segundo. — sugeriu e eu assenti de imediato, como se
fosse a solução do problema.

No final, não o era. Eu permanecia nervosa. Talvez, de fato, fosse


ele. Tentei enxergar algo em seu olhar, talvez uma leveza, mas ele parecia
mostrá-la em sua voz. No fundo, eu poderia estar confundindo tudo e

trazendo uma bagunça para ele. Porém, o que eu poderia fazer?

— Ok, eu só... — soltei o ar com força. — Só... Vamos.

Ele assentiu e saiu com o carro. O ar dentro do carro parecia


pesado, e por alguns segundos, vi-me voltando aquela noite. Não sabia a
quem eu queria enganar, mas sabia que aquela noite se repassava em

minha cabeça todas as veze que encostava no travesseiro. Era como um


lembrete de que aquele homem marcara minha pele e cada parte dela.

Não o vira por dois meses seguidos, e foi fácil lidar com a agonia
que me atingia sempre que me recordava do seu toque e da maneira como
parecia feito para pecar comigo. Contudo, após vê-lo e o turbilhão de
emoções se acalmarem, ali estava eu, presa aquela noite outra vez.
Dizendo a mim mesma que foi apenas uma noite de sexo casual. Ok, nos
levara a uma gravidez e um casamento, mas... ainda assim, fora deixada lá,

no passado.

— Chegamos. — falou alto, e era como se fosse para me acordar


dos pensamentos.

Olhei-o de relance, e vi-o pegar o chapéu sobre o banco de trás e


colocá-lo na cabeça antes de descer. Como eu nunca tinha de fato prestado
atenção que os músculos dele eram visíveis mesmo sob uma camisa e
calças jeans gastas? Naquela noite, vi muito mais.

Foquei em sair do carro, e me surpreendi ao ter a porta aberta, e ele

me direcionou a mão, como se para me ajudar. Franzi o cenho, e ele deu de


ombros.

— Sei que acidentes podem acontecer. — falou, e indicou com o


olhar a altura do degrau para subir no carro, até o chão. Assenti, e aceitei

sua ajuda.

Em um leve deslize com o chinelo que usava, vi-me batendo contra


seu peito, e foi impossível negar a tensão sexual que pairava sobre nós. Ela
sempre estivera ali? Ou ela surgiu, do nada, no meio daquele temporal
meses atrás?

— Desculpe. — vi-me dizendo, e notei o começo de um sorriso em


seus lábios. — O que é engraçado?

— Te conheço desde criança, e nunca, me pediu desculpas. —

falou, ao se afastar, e fechar a porta do carro. — Vamos? — fez um sinal


com o chapéu, e sua mão parou em minha cintura. Paralisei sob seu toque,
e pude sentir os olhares de várias pessoas que caminhavam por ali. A
clínica ficava no centro da cidade, ou seja, querendo ou não, todos já
saberiam de nós.

— Seremos a fofoca do ano. — sussurrei, dando um passo e


tentando não pensar em quão quente a mão dele parecia, mesmo sobre o

tecido do meu vestido.

— Deixem falar. — comentou também baixo, e apenas assenti,


seguindo até a entrada da clínica. — Tudo bem se eu entrar com você? —
indagou de repente, antes que eu pudesse alcançar a recepção e
cumprimentar uma velha colega. Franzi o cenho sem entender sua

pergunta. — Pode te incomodar.

— Você é meu noivo. — vi-me dizendo, sentindo o olhar de


algumas pessoas sobre nós, e sabendo que realmente, Inácio não parecia
saber atuar. Ele, na realidade, era péssimo. Ao menos, ali. Na frente da
família dele, pareceu muito bem empenhado.

Subi minhas mãos até a sua camisa, tocando na leve abertura


próxima ao alto do seu peito, e sorri. Sem entender de fato porquê, apenas
levei uma de minhas mãos até o seu chapéu e trouxe-o para a minha

cabeça, com o sorriso ainda preso no rosto.

Pensei que ficaria enorme ou não se encaixaria, contudo, pareceu


caber perfeitamente. Ele não disse nada, apenas pareceu preso ao meu
olhar, e notei o brilho presente ali. Suas mãos em minha cintura, e aquele,
seria um show e tanto para a pequena cidade.

— Pai do meu filho. — falei, e apertei levemente a aba do chapéu


de cor branca, que combinava perfeitamente com ele. A realidade era que
aquele ar de personagem perfeito retirado de uma novela colombiana, lhe

fazia jus. — É claro que vai entrar comigo.

— Maria Beatriz. — a voz me chamando me fez virar, e notei que


todos os olhares do pequeno lugar estavam sobre mim.

Doutora Lena sorriu para mim, e notei a forma como encarou

Inácio. Não sei dizer como, mas eu percebi como o olhara. Tinha um quê
de “que homem gostoso esse” e “ele é o pai?”. Sabia que eles tinham
praticamente a mesma idade, no caso, ela deveria ser um ano mais nova,
talvez, 35. De repente, senti-me um pouco perdida com a forma que ela
chamou meu nome, mas não me cumprimentou, foi diretamente para ele,
dando-lhe dois beijos demorados no rosto.

Será que ela não enxergava eu, a mulher com o chapéu daquele
homem na cabeça? Diacho! De onde tal pensamento veio?

— Como vai, Helena? — ele perguntou e quis pegá-lo pelos


cabelos, ao ver passar as mãos sobre eles, como se para ajeitá-los. Ele não
estaria flertando com ela na minha frente? De repente, a trégua parecia ter
ido para o beleléu.

— Melhor agora. — falou e piscou para ele, fazendo-me


praticamente entrar no meio dos dois, e afastá-los. — Mabi.
— Já é o meu horário, certo? — perguntei, e cruzei os braços. Ela
assentiu, franzindo o cenho. — Acho que por mais que me ache linda com

o seu chapéu, cowboy... Fica melhor em você. — usei meu melhor tom
meloso e coloquei o chapéu novamente em sua cabeça, agradecendo o fato
de ele se mover um pouco para que eu o alcançasse com perfeição. Vi-me
trazendo sua mão para minha, e as entrelaçando.

— Vocês? — Doutora Lena, ou a tal Helena que Inácio chamava


sequer conseguiu disfarçar. — Me desculpem, isso... Por favor, me
acompanhem.

Apertei sua mão mais forte do que o normal, e sequer soube


explicar porque o fazia. O caso era que o olhar mortal que lhe dei, assim
que seguimos a médica gritava: não pense em me fazer de corna. E eu,
imbecil, presa a noite de sexo que tivemos. Eu estava me tornando na pior
ameba que poderia. E tudo, era por culpa única e exclusiva dele.
Minutos depois, deitada sobre uma maca, meu coração batia
freneticamente, e felizmente, todo o profissionalismo de Lena voltara. Ela

olhava para algo na tela, enquanto fazia o ultrassom, e de repente, sorriu.


Pausou a imagem, que eu não conseguia enxergar absolutamente nada, e
eu encarei atenciosamente.

— Esse é o bebê de vocês. — falou e eu mal conseguia respirar. —

Cerca de dois meses, como vimos no exame, e está tudo exatamente como
deveria. — soltei o ar com força, e vi-me buscando com a mão a quem, eu
sequer esperava que estivesse ali. Sem esperar um segundo, a mão de
Inácio encontrou a minha, entrelaçando-a fortemente, e fiquei presa a
imagem borrada, na qual, o nosso bebê estava.

— E esse... é o coração dele. — de repente, o som mais bonito que


já ouvira, tomou conta de tudo ao redor.

Esqueci de qualquer coisa desnecessária, e todas as dúvidas que

tinha. Por um minuto, fiquei presa a cada tum tum tum que ouvia. Virei-me
para buscar o olhar de Inácio, e notei seus olhos marejados, como se preso
e atingindo aquele sentimento, que nosso filho trazia, da mesma forma que
eu.

Surpreendendo-me, ele me deu um leve beijo na testa, e pela forma


que sua boca se mexeu sobre ela, soube que me dizia: obrigado. Olhei-o,
com a mesma gratidão, porque por mais que ele não fosse o meu sonho de
amor, ele era o homem que me trazia o que sempre sonhei, acima de tudo –

ele me permitia ter uma família.

E sabia, que eu e meu filho, seríamos felizes. Por um segundo, vi-


me perguntando se talvez, Inácio poderia estar envolvido naquele
sentimento. Tal pensamento se dissipou, quando o som parou, e todo
aquele momento ficara guardado em meu coração.

Nenhum conto de fadas me preparou para o amor que sentia, por


alguém que eu ainda nem conhecia. Contudo, mesmo perdida, confusa,
nervosa e impulsiva, eu sabia que estava pronta. Estava pronta pra ser mãe
e dar tudo de mim, para que fosse a melhor.
CAPÍTULO X

“Não podemos fazer

Nenhuma promessa agora, podemos, querido?"[14]

MABI

— Minha mãe acha que é um menino. — Inácio finalmente falou


algo, após entrarmos no carro, e as portas se fecharem. Ele sempre parecia
se guardar e não dizer nada em público, no caso, em qualquer ocasião.
Conheci-o o suficiente para não entender como, mas aquele parecia ser seu
jeito.

Vi-me sorrindo levemente, sem saber o que responder. Tivera um


sonho naquela noite, após conseguir colocar toda minha confusão para fora
e finalmente, dormir. Lembrava-me de ver uma cópia dele, com os meus

olhos, correndo ao redor. Contudo, não sabia se deveria lhe falar a respeito.
No final, não sabia como agir diante dele.

— E você? — perguntei, e antes que ele fizesse o movimento,


coloquei o cinto de segurança e notei a forma como me analisou.

Algo gritava para que eu me mantivesse longe. Mas como? Como o


faria? Se eu estava ligada a ele, dali por diante, e mais especificamente,
pelo ano do nosso casamento. Ele apenas ficou em silêncio e ligou o carro,
ignorando-me. Um passo à frente, e ali estávamos, três passos atrás.

O que de fato nós seríamos? Teria como ser amiga dele? Por que eu
simplesmente não apenas vivia e parava de pensar sobre?

— Bom, já que vai ignorar essa pergunta como tantas outras que eu
faço... Quero saber sobre o casamento. Será na semana que vem? A sua

família vai estar? Eu preciso me mudar quando?

Notei a forma como ele apertou mais o volante, e que as suas


nuances não ficavam presas a seu semblante, mas sim, em todo ele. Por
que não reparara naquilo antes?

— Qual o tipo de casamento que você sonha?

Sua pergunta me surpreendeu, e notei o exato momento em que


estacionou à frente da minha casa. Ele queria continuar a conversa ali, mas
diante do fato de que estava me sentindo sufocada, dentro daquele carro e

todas as lembranças que me trazia, vi-me tirando o cinto de segurança, e


fazendo um sinal com a cabeça para ele, que me olhou sem entender.

— Vem me ajudar a descer, velho. — soltei, e pela primeira vez,


usar aquele apelido parecia deixar as coisas mais simples.

No fim, se a gente se detestasse, ao menos, um cadinho, poderia ser


bom. Me lembraria de quem eu era diante dele, e não, da ameba que me
tornei após o seu toque, e da forma que ele me encarava.

Não perguntou nada, e apenas desceu do seu lado, e logo, abriu a


porta do meu. Fazendo diferente, ele levou as mãos a minha cintura e me
desceu para si, colocando-me tão próxima ao seu corpo, que senti todo
meu corpo o reconhecer. Que merda! Como se nada tivesse acontecido, ele
desviou levemente, e fechou a porta do carro.

— Vamos entrar. — usei o que restara do meu raciocínio, e segui


para minha casa.

A bolsa presa a meu corpo, como se pudesse me salvar, e eu me vi


presa há meses antes, quando ele bateu a minha porta, pedindo-me em
casamento. Se a Maria Beatriz do futuro me contasse o que eu sei agora,
jamais acreditaria.
Dei-lhe espaço para entrar, e aquela fora a primeira vez que Inácio
Torres adentrava a minha casa. Ele levou os olhos castanhos ao redor, e eu

fiquei presa à sua imagem ali, por alguns segundos. Como se eu


finalmente, o enxergasse no meio de tudo. Pisquei algumas vezes, e
suspirando profundamente, virei-me para fechar a porta. Encontrei Hugo a
frente de sua casa, do outro lado da rua, o qual, levantou uma mão e fez

um aceno. Vi-me fazendo o mesmo, e de repente, eu só queria não pensar


que ele era o cara que eu amava.

Ele era?

Por que de repente, ele não estava em nenhuma parte importante da


minha vida? Até que ponto eu o amava, verdadeiramente?

Fechei a porta de minha casa, com um sorriso forçado, e uma das


mãos na barriga. O fato era que, eu não tinha tempo para pensar se ele era
o cara certo ou não. Se ele seria o meu conto de fadas após aquele

casamento falso. Encontraria o meu conto de fadas, em algum momento.


Porém, naquele instante, eu estava buscando apenas, a sanidade para
cuidar do meu filho e mais nada. Buscava um amor que ninguém mais
poderia me dar – o de uma família.

— Então? — perguntei, e notei que Inácio estava de pé, próximo ao


meu sofá. — Se senta. — falei, e ele o fez de bom grado, enquanto eu dava
a volta no outro sofá, e me sentava a sua frente.
— Sua casa é como você. — encarei-o atentamente, e ele retirou o
chapéu, passando uma das mãos pelos cabelos. Cabelos os quais eu me

perdi ao passá-los por entre meus dedos. Foco, Mabi! — Quer dizer,
colorida.

— Obrigada, eu acho. — vi-me respondendo, e notando que ele


parecia completamente sem jeito. Ali não era sua zona de conforto, de fato.

Porém, por que eu não me sentia bem por estar em casa? A presença dele
me confundia. — Então, sobre o casamento...

— A pergunta que fiz antes... Qual tipo de casamento deseja?

— Por que o que desejo importa? — perguntei, e ele desviou o


olhar, passando as mãos pelos cabelos. O movimento era quente, e se ele
não tivesse noção daquilo, poderia jurar que estava realmente jogando
comigo. — É um casamento falso.

— Não pode parecer falso para minha família, e bom, nem para

ninguém. — respondeu e eu soltei o ar com força. Mordi o lábio inferior e


sabia que já quebrara tal regra – Leti e Heitor sabiam da realidade. —
Contou a quem? — indagou, como se fosse óbvio em meu semblante.

— Leti e Heitor, mas eles não vão falar para ninguém. — respondi,
e ele assentiu, como se compreendesse. — Eles não acreditariam se
dissesse que era um casamento de verdade.
Ele pareceu querer dizer algo, mas fechou a boca, no segundo
seguinte. O silêncio se estendeu, e não era pesado porque era ruim, mas

sim, porque aquele homem de um metro e noventa, com cada músculo


devidamente espalhado, e a pele bronzeada, era como uma lembrança do
que eu deveria evitar. Deveria evitá-lo, a ponto de não estar ali, com o ar
entre nós podendo ser cortado por uma faca.

Por que ele parecia não sentir nada?

Como poderia aquele homem ser o mesmo daquela noite?

Por que eu estava a ponto de jogar sobre seu colo?

— Não sonho com nada especial. — vi-me falando, para tentar


quebrar a tensão que me fazia já ter o corpo todo quente. — Todo mundo
sabe que sou romântica, mas diferente de Leti, que teve o casamento de
princesa, eu... Eu sonho com algo simples, nas terras dos meus pais. —
comentei, e sorri com o pensamento. — Como se eu pudesse senti-los no

momento que começasse a minha família. — a frase saiu tão facilmente, e


notei que toda a atmosfera mudara. — As pessoas que amo e eu, mais
nada. — vi-me falando, após limpar a garganta, e o olhar de Inácio pareceu
me inspecionar por inteira.

— Não quero destruir os seus sonhos, criança. — falou, e pela


primeira vez, o apelido não parecia ácido. Parecia apenas, ele me
chamando para si. — Pensei que queria um casamento de princesa, e isso
tomaria um bom tempo, e... Eu posso te dar o casamento que deseja, se

isso não destruir o seu sonho de o viver ao lado do homem que ama.

Olhei-o como se não compreendesse. A armadura parecia cair,


assim como, no momento em que aquela boca fora minha. Assim como,
quando aquele corpo fora meu.

— Não estou pensando no homem que amo. — dei de ombros. —


No momento, só penso em mim e nesse pinguinho. — confessei, e olhei
para minha barriga. — Mas não precisa se preocupar em parecer real, acho
que... poderíamos nos casar no cartório e tudo certo.

— Queria que fosse mais simples. — comentou, e passou as mãos


pelo rosto. Ele parecia querer dizer algo, mas nada saía. — Não sabe ainda,
mas vai... Então, talvez seja o momento certo para te contar.

— Do que está falando?

— Preciso que esse casamento seja real por conta de um velho


sonho do meu pai. — respondeu, e meu coração se apertou, sem saber
porquê. — Ele está doente, Maria Beatriz. Os médicos lhe deram um ano,
já que ele não responde mais ao tratamento.

Olhei-o impactada e engoli em seco.

— Eu já estou mentindo demais para ele, para poder realizar o seu


sonho. Não posso mentir sobre um casamento às pressas com você. Mas
isso também não significa que posso usar dos seus sonhos mais profundos.

— suas palavras eram certeiras, e meu coração se apertou ainda mais. Ele
parecia... apenas sincero, mas mesmo assim, a dor estava ali, cravada em
cada uma. — Não quero suas perguntas sobre isso tudo, mas... Se puder
convencer a eles que não deseja nada demais, como algo no cartório,

podemos negociar isso. — e de repente, a realidade me bateu. Ele não


estava se abrindo para mim, ele apenas estava... negociando. Porém, por
mais que soasse como uma transação, ele estava confiando em mim, e
aquela certeza, me apavorou.

Vi-me apenas esticando minha mão até sua perna e a apertando.


Seu olhar parou no meu, e o encarei sem saber o que dizer, e sem saber o
que de fato desejava. Não poderia envolvê-lo aos meus sonhos de amor,
para o que desejava em um casamento real. E como ele, já estava mentindo

o suficiente. Para a sua família e talvez, para mim mesma.

— Posso fazer isso. — sua mão veio para a minha e quando pensei
que a apertaria, ele a afastou de si. — Não quero nada em troca, Inácio.
Sua família me lembra a minha, e estar próxima a eles, é mais do que o
bastante.

— Não quero que se magoe, quando sair da minha vida. — falou, e


suas palavras foram tão assertivas, que era o exato momento em que ele
apenas voltava a ser o de sempre. Sem qualquer rachadura.

— Eles podem ser uma parte minha, se quiserem. Nem você, nem

ninguém, além deles, pode me dizer o que vai acontecer sobre. São os tios
do meu filho, os avós, a prima... Uma família vai muito além de um
casamento. — ele assentiu, e o vi pegar o chapéu em mãos. — Eles vão
ficar por quanto tempo na cidade?

— Não sei... — limpou a garganta e me encarou. — Por que?

— Porque eu tenho esse tempo para convencê-los, e bom, acho que


é hora de você conseguir um anel de noivado. — falei, tentando que tudo
soasse tão roboticamente, como ele o fizera parecer segundos antes. — Eu
não sei como eles acreditaram na história improvisada que criei, de você
me pedindo em casamento no meio da noite, e eu apenas dizendo sim.

— Eles sabem que eu sou um home de atos simples. — rebateu, e


parecia ser um lugar no qual não poderia adentrar. Levantei as mãos em

sinal de rendição.

— Nossa trégua nunca vai funcionar. — vi-me sendo sincera. —


Você não fala, eu quero perguntar. Eu falo, você ataca. E se eu sou
atacada, eu vou atacar de volta, Inácio.

— Não é por querer. — falou e eu suspirei pesadamente, tendo seu


olhar preso ao meu. — Nunca soube lidar com você, Maria Beatriz.
— E eu, muito menos, sei como lidar com você. — admiti, e ele
pareceu pensar sobre. — Como a gente parou nessa? — perguntou, como

se fosse para o nada, e ri sozinha. — O carma não falha.

Notei seu olhar mudar e de repente, toda a tensão que se dissipara


voltou.

Ele se levantou, colocando o chapéu na cabeça, e deu um passo à

frente. Vi-me levantando, como se não pudesse ser intimidada, mas fora
um erro. Ele estava próximo demais.

— Eu me lembro exatamente de como a gente parou aqui. — sua


voz soou mais baixa e completamente perigosa. Engoli em seco, e ele era
realmente, um homem que poderia seduzir quem quisesse. O que me fez
lembrar da forma como falou com Helena, e meu sorriso debochado surgir.

— Não serei corna. — falei, e vi sua expressão mudar, assim como,


notei que uma de suas mãos que estava perigosamente próxima a minha

cintura, paralisou no ar. — Só pra deixar claro. — sorri ainda mais


falsamente, e ele parecia confuso. — Só preciso pegar algumas coisas,
passar na Leti e vamos a missão “convencer a família Torres de que quero
um casamento no cartório”.

Desviei de seu corpo, como se fosse uma ninja, mas antes que
estivesse a salvo, sua mão veio para meu braço e me puxou levemente.
Olhei-o sem entender, e notei a forma como seu maxilar estava cerrado. Eu
mexo com você, velho! Molhei propositalmente meus lábios e seu olhar

acompanhou o movimento. Notei seu pomo de adão subir e descer, como


se segurando, e eu tive a certeza. Eu mexia com ele, mesmo que o mesmo
soubesse disfarçar muito bem. Estava nos detalhes.

— Não serei corno também. — falou, e soltou meu braço, enquanto

eu dava de ombros.

— Minhas mãos e vibrador sempre foram o suficiente. — pisquei


um olho para ele, e não sabia explicar o que me deu, mas de repente,
provocá-lo daquela forma, parecia o certo. Eu tiraria o inferno daquele
homem, e estava só começando...

Torcia para que no meio do caminho daquelas provocações, eu não


me ferrasse por inteira. Ledo engano. Ele me puxou novamente para si, de
forma firme, mas certeira, que me fez encostar os seios diretamente em seu

peito, e abaixou a cabeça em direção a minha, quase a ponto de nossos


lábios se tocarem.

Ele tinha cheiro de hortelã, e me lembrava que seu gosto, bem ali,
também era o mesmo. Merda! Por que eu amava chá de hortelã mesmo?

— Não vai querer fazer esse joguinho. — falou, seu olhar preso ao
meu, enquanto a minha boca praticamente estava na sua. — Não sabe com
quem está lidando, Maria Beatriz. Não vai querer entrar em uma queda de
braço, que vai perder.

Senti-me no nosso passado, em nosso primeiro embate, mas ali,


anos depois, tudo era diferente. Eu era uma outra pessoa, e ele sabia que eu
não perdia.

— Eu não perco, velho. — respondi, com sua respiração quente na

minha. — Assim como não implorei para me casar com você, não vai
conseguir me fazer nada que eu não queira. — deixei claro, e um leve
vislumbre de sorriso apareceu em seu rosto. Por que ele não me dava
aqueles lindos dentes por completo? Diacho de homem fechado!

— Você vai querer. — sua mão desceu perigosamente, quase no


limite entre minha cintura e bunda, mas mantive altiva, mesmo que meu
corpo todo implorasse para que ele descesse. — E vai implorar por mim.

Quando pensei que jogaria a racionalidade pela janela, um grito,

justamente por ela, fez-me sair daquele momento, e me afastar. Alguma


criança estava correndo pela rua e atormentando os velhos sentados, e eu a
agradeci internamente por me salvar.

Era uma queda de braço, a qual, eu não podia perder. E eu não, não
imploraria por ele. No caso, já o tinha feito antes. Oh destino do carma!
Reclamei internamente, indo para meu quarto, e evitando olhar para sua
calça e ter a certeza de que ele estava tão maluco com tudo aquilo como
eu. Porém, ele era centrado e controlado. Já eu? Eu era maluca quando

parava de pensar. E de repente, até os pensamentos, Inácio Torres


conseguia me tirar.

Merda!
PARTE II

“Amor? Não sei. É meio paranoico. Parece uma coisa para


enlouquecer a gente devagar.”

Caio Fernando Abreu


CAPÍTULO XI

“Oh, não consigo

Te impedir de colocar raízes na minha terra dos sonhos

Minha casa de pedra, sua hera cresce

E agora estou coberta de você"[15]

MABI

— Eu posso apenas chegar com a ideia de um casamento agora. —


sugeri, quando notei-nos entrando na estrada de terra e meu coração se
apertar. Porque sempre que passava por ali, apenas para ir até as antigas
terras da minha família, ele o fazia. Uma saudade deles. Uma saudade do
que tive.
Levei a mão a minha barriga e vi-me jurando, que teria de volta. Eu
e meu pinguinho de gente, o teríamos.

— Eu não sei de fato o que te instruir sobre isso. — falou, e sua


visão permanecia na estrada. — Mas faça o que você faria.

— Não deveria dizer isso para alguém impulsiva, velho. —


provoquei, e não sabia dizer porquê, eu estava olhando diretamente para os

lábios dele. Pareciam tão perto de sorrir, e existia uma magia inexplicável
no fato que já o vira fazer. Mas não fora de sua família. Não em qualquer
lugar. Por que, Inácio? Por que você só não é um cara qualquer?

— Minha família mais estranhou o fato de me chamar de cowboy


do que se me chamasse de velho, como já sabiam que o faz. — comentou,
enquanto mexi no rádio tecnológico a minha frente. Como eu conseguiria
ligar aquilo? — Assim, criança. — falou, e sua mão veio para minha, e
sem que eu pudesse protestar, ensinou-me exatamente onde deveria clicar.

Contudo, o simples quente do seu toque, se espalhou por todo meu


corpo, e por um segundo, senti a velocidade diminuir, e o olhar dele, se
prendeu ao meu. Ele sentia aquela tensão que se dissipava por cada canto,
ao mínimo toque? Desde quando ela estava ali?

— Obrigada. — falei sorrindo de nervoso, tentando não pensar que


queria saber se ele queimava comigo, naquele momento. Eu conseguiria
apenas evitar que aquilo me atingisse?

Ele afastou sua mão e senti falta no mesmo instante, enquanto

focava em achar minha playlist no aplicativo de música que encontrei.


Sorri, ao acha-la, e Inácio poderia não saber onde amarrara seu burro
durante um ano, contudo, seria um longo ano de Marília Mendonça e
Taylor Swift.

E quando coloquei no aleatório da playlist, apenas me vi


começando a cantar e fechei os olhos.

“Achei que ia te deixar num canto

Varrer você pra debaixo do tapete

Eu, que já tava fazendo outros planos

Meu celular não tem você no papel de parede

Não foi bem assim

Eu me enganei, tava bem longe do fim

Não foi bem assim

Você me desmontou, sorriu de novo pra mim...”[16]


Vi-me abrindo os olhos e sorrindo, em meio a música. Por um
segundo, apenas me permiti não pensar muito. E como diria Leti: só

aproveita o que tá acontecendo. Eu poderia, não era? Eu poderia apenas


ser eu, e deixar acontecer. Não tinha mais como fugir ou fingir que nada
acontecera. Além de que, eu estava feliz. A minha nova aposta de trabalho
estava sendo um sucesso, e eu só queria extravasar.

Senti o exato momento que o carro parou, mas antes que Inácio
ousasse desligá-lo ou qualquer coisa, coloquei uma mão à frente da dele, e
tive que terminar o meu show particular. Seus olhos sobre mim, e mesmo
assim, não me importei. No fim, apenas cantei, olhando para ele. E de
repente, não fora ruim. Nada ali, naquele momento, era ruim. Éramos
apenas nós, em um carro, e eu colocando a voz não tão afinada assim para
fora.

“A gente não se aguenta

Mas a gente não aguenta ficar longe um do outro

Vontade foi lá em cima

A sua boca tem um ímã e vai colar de novo

E a cama pega fogo


E é sempre o mesmo jogo

Assim que é gostoso...” [17]

— O que é tão gostoso, Maria Beatriz?

O tom de sua pergunta, fez meu sorriso morrer e de repente, tive

noção da tensão que se espalhou por todo o ambiente fechado, com apenas
nós. Aquele lugar. Fechei os olhos, sem conseguir evitar, e jogando meu
raciocínio um tanto longe.

Lembranças me atormentando, pelo leve toque de sua mão em meu


braço que o impedia de desligar o veículo. Era demais para suportar, e por
mais que não quisesse lhe dar o gosto de saber que me atingia, já sabia que
ele percebeu. No fim, era uma batalha 99% perdida.

— Do que está lembrando? — sua voz era baixa e rouca, bem


próxima ao meu rosto. Senti um beijo em meu pescoço, e de repente, seus

dentes contra minha orelha, puxando levemente o lóbulo, no meu ponto


fraco exato. — Está lembrando de como me montou e eu te fiz minha, bem
aqui? — sua mão veio para meu queixo, e senti-o me forçando, como se
precisasse dos meus olhos nos seus.

Os dei para ele, e meu coração falhou uma batida, enquanto o certo
e errado já foram praticamente jogados pela janela.
— E você? — perguntei, a minha mão descendo pelo seu peito, e
parando exatamente em seu cinto, perigosamente ali. Ele engoliu em seco,

e os olhos castanhos dilatados, mostravam-me que era uma briga perdida


para ambos. — Está lembrando de como te tomei na minha boca?

Não demorou mais nada, para os seus lábios virem para os meus,
mas me surpreendendo, ele não me beijou, apenas quase nos encostou e me

matando por dentro, entregou-me um sorriso que me desestabilizou por


inteira. Inácio Torres sorria como um verdadeiro cafajeste, e aquela
certeza, me atingiu de formas que não deveria.

— Vai ter que implorar. — falou, e eu semicerrei os olhos, pronta


pra mandá-lo para onde Judas perdeu as botas, e puxá-lo pela camisa e ter
aqueles lábios. Problema dele se precisava de um implorar. Eu queria, eu
teria. Sem implorar.

Batidas na porta do carro me fizeram pular no lugar, e quase subir

no seu colo, e sorri sozinha, ao encarar um de seus irmãos ali, olhando-os


como se em busca de ver algo. Deus abençoasse o insulfilm!

— Isso não acaba aqui. — falou, e puxou meu lábio inferior com os
dentes, quase me fazendo gemer, mas me segurei mais do que qualquer
outro ser humano seria capaz.

— Está só começando. — pisquei um olho, afastando-me dele, e


descendo meu olhar para o volume em sua calça. — Acho que precisa de
um tempo, não?

— Vai pagar por isso, Maria Beatriz.

— Eu sei que vou. — toquei sua barba, e sorri maliciosamente,


abrindo a porta do carro, e descendo do mesmo, com todo cuidado. Dei de
cara com Bruno, que me estendeu uma mão, e me ajudou de bom grado.

— Não vou nem perguntar porque Inácio ainda está dentro do


carro. — falou, e fez uma leve careta, que me causou um sorriso. —
Fugiram e se casaram diante de toda essa demora. — comentou, como se
sondasse, e eu neguei.

— Eu dei a ideia, mas daí, teríamos que correr e pegar todos aqui, e
correr pro cartório. — respondi, e ele sorriu abertamente, como se gostasse
da ideia. — Por que você não me ajuda com isso?

— A convencer os Torres de casarmos vocês hoje? — perguntou, e

eu assenti de imediato. — Por que tão apressados? — indagou, rindo


baixinho, como se tivesse a resposta.

Andava ao seu lado, em direção a casa, e ele negava com a cabeça.

— A gente já fez tudo ao contrário. — admiti, o que não era uma


mentira. Fiz sinal de aspas com os dedos, porque no fim, o que era o certo
ou errado, não poderia ser julgado por ninguém que não fôssemos nós. —
E eu já to vindo com um bebê, e a mudança a tiracolo daqui uns dias. —
sorri, e ele me parou, olhando-me.

— Acho que ninguém vai te julgar por quererem se casar rápido, na


verdade, acho que vão adorar... Olívia já pode até ter dito algo sobre querer
comprar um vestido de casamento.

— Isso eu já tenho. — vi-me respondendo, e saiu tão naturalmente,

e não sei por que não me arrependi no momento seguinte. Ele me encarou
curioso. — O que minha mãe usou, e eu guardei para esse momento.

— Juro, que por um momento, achei que era mentira dele, quando
falou que tinha uma noiva e que não duvidaríamos dele... Mas vendo
vocês, é nítido.

— O que? — perguntei, e ele sorriu.

— O amor que sentem um pelo outro. — calei-me diante da


resposta, apenas sorrindo.

— Tia! — o grito me fez virar, e me abaixei, para aceitar a


garotinha de cabelos castanhos presos no alto da cabeça, que corria até
mim. — E como tá meu priminho?

— Está maravilhosamente bem. — respondi, e Bruno me encarou


como se tivesse falhado na primeira missão. — Muita novidade para
lembrar de tudo. — pisquei um olho e ele pareceu menos culpado.
— A noiva já tem o vestido, o noivo e...

— O que quer dizer, Bruno? — Heloísa Torres perguntou, saindo

de dentro da casa, junto ao marido e Júlio.

— Ele está dizendo que eu quero me casar com seu filho, senhora
Torres. E queria muito, que pudesse ser com todos vocês juntos.

— Mas é claro que sim, querida. — respondeu-me, vindo em

minha direção. — Por que Bruno está fazendo um escarcéu sobre algo que
já temos certeza?

— Porque queria me casar com ele hoje. — a frase simplesmente


saiu. Ela arregalou os olhos e Olívia deu um soquinho no ar.

— Eu disse! — falou animada.

— Por que, querida? — a pergunta do mais velho dos Torres me


acertou, e por um momento, percebi que por mais que aquele homem
soubesse do seu tempo contado, ele parecia não transmitir nada perto

daquilo. Ele apenas parecia um pai feliz, em meio a sua família.

— Porque sinto que é agora, o momento certo. — vi-me


respondendo, e por mais que fosse para ser uma mentira, não soou nem um
pouco como uma. De duas uma: ou era uma boa mentirosa, ou estava
realmente à beira da loucura. — Porque a gente tem adiado isso há tanto
tempo, e de repente... — dei de ombros, sentindo o carinho de Daniela em
meu cabelo. — Estou construindo a família que eu sempre sonhei, senhor
Torres. — admiti, e era a mais pura verdade. — Sei que assinar os papéis

pode não ser nada, mas... Ter todos ao redor, e fazer isso de um jeito que
me parece certo, significa muito para mim.

Outra verdade, em meio a uma mentira gigante.

— As minhas garotas. — a voz soou como um sussurro e senti a

mão de Inácio ao meu redor, e o olhei. Ele parecia emocionado, e não


sabia explicar porque, mas nunca o vira tão exposto como naquele instante.
Deu-me um leve beijo na testa, e vi-o trocar um olhar significativo com os
pais. — Eu falei para ela sobre um casamento de princesa e tudo o que
desejasse. — falou, e os sorrisos de todos era claro.

— Tenho tudo o que desejo aqui. — comentei e fugi de seu olhar,


porque se tornara pesado demais. Era intenso demais. De repente, era real
demais.

Vi então, Heloísa Torres ir até o marido, e falar algo baixo com ele.
Meu coração disparou no peito, e senti a mão de Inácio ainda mais forte
em minha cintura. No segundo seguinte, ele puxou a sobrinha de meu colo,
como se me poupando do peso, e quando pensei em questioná-lo, apenas
senti a aproximação de seus pais.

— Papéis não são tão importantes, não é querida? — Heloísa


indagou, e eu assenti, vendo o exato momento que o marido sorriu para
mim, e retirou uma das alianças do dedo anelar direito dela. Olhei-os

pronta para protestar e ela negou com a cabeça e se apressou. — A nossa


benção.

— Senhora Torres...

— Heloísa. — corrigiu-me, e tocou minha mão. Notei que Olívia

veio até o irmão e tirou a filha do colo dele. — Sua sogra, e parte da sua
família, a partir de agora.

— Eu não posso...

— Claro que pode, querida. — respondeu, e vi-a puxar a mão do


filho, assim como a minha. — Soube no momento que não vi nenhum anel
no seu dedo, que Inácio guardou isso para você. Foi algo que conversamos,
muitos anos atrás, e hoje, sei que é o momento desse anel pertencer a quem
meu filho ama, e que nós todos, vamos amar.

Meus olhos marejaram, e todo aquele teatro que me prestei, doeu.


Porque era tudo real para eles. Porque não o era para mim. Porque não o
era para Inácio. Seria para o nosso filho? Eu conseguiria ir até o fim?

Ela colocou o anel na mão do filho e sorriu para o mesmo, o qual


puxou-a e beijou sua testa.

— Não é um casamento tradicional, mas isso é o mais perto do


paraíso e da verdade, que tivemos, muitos anos antes. — ela falou, e notei
uma lágrima descer por seu rosto. — Um dia, eu atravessei essa porta, com

o homem que amava, e carregando o nosso primeiro filho. — ela passou a


mão pelo peito de Inácio e era claro o seu amor. — Bem-vinda a família,
Mabi.

— Eu...

Sequer tinha o que dizer, e de repente, estava sendo casada, da


forma mais linda e verdadeira, diferente de toda a realidade ao nosso redor.
Aquilo ali, era o mais próximo ao romance que já acontecera e minha vida.
Era uma família, abrindo as portas para mim, e me deixando entrar, sem
chance de tê-las fechadas a minhas costas.

— Conhecemos seus pais, querida. — Fabrício Torres falou e o


encarei imediatamente. Suas mãos tocaram a minha e uma lágrima desceu.
— O amor deles era nítido e sei que eles lhe criaram em meio ao real, a

família... Hoje, você se torna parte da nossa. E eu espero que se sinta parte,
porque o é. Porque quando se casa com um Torres, não é apenas com ele,
minha querida. É com a família toda.

— Eu aceito. — vi-me respondendo, em meio as lágrimas, e ele me


puxou para si, abraçando-me levemente.

Ele se afastou, assim como Heloísa, e busquei os olhos de Inácio.


Ele tinha os olhos marejados, e sabia que se segurava. Uma de suas mãos
veio diretamente para minha barriga, e então notei, que fora a primeira vez

que me tocara ali, com tanto carinho e amor, que eu soube, naquele
instante, que não faltaria aquilo ao nosso filho. Por um momento, em meu
âmago, questionei-me: e eu?

— Minha mulher... Mãe do meu filho... Minha esposa... — trouxe

minha mão esquerda para seus lábios e deu um leve beijo, fazendo-me
tremer diante do toque. Ele percebia o que estava fazendo? Por que ele
tinha que ser tão bom assim? — Aceita ser minha, e parte de mim, hoje e
sempre?

Sua pergunta fora tão intensa, como se o amor estivesse presente


em cada palavra, e fiquei perplexa, presa a sensação de ser amada, que eu
não conseguia me desligar. Assenti, em meio as lágrimas, e ele deslizou o
anel em meu dedo anelar esquerdo, no qual, coube perfeitamente, fazendo-

me chorar ainda mais.

Senti seu corpo me puxar para o seu, e sua boca bem próxima a
minha. Era como se ele me pedisse permissão, mas mal sabia ele, que não
precisava. Perdida nas sensações, vi-me levando a mão ao seu rosto, e
fechei os olhos, tamanha a intensidade. Ele não sabia, mas eu implorei
internamente, por aqueles lábios, assim como, naquela noite.

Como se eu fosse transparente para si, seus lábios vieram para os


meus. Um beijo leve, mas que parecia levar tudo de mim. Um beijo que

selava, o que jamais esperei. E mesmo com palmas e gritos ao redor,

naquele beijo, tudo silenciou, e eu pude ouvir os nossos corações.

Um casamento, em meio a família dele, com o nosso filho no


ventre, e de repente, mesmo sem qualquer papel e em meio a toda uma
mentira... eu me tornava a esposa de Inácio Torres.

Seria mesmo uma mentira completa?


CAPÍTULO XII

“E diga, diga que conseguimos

Eu sou uma bagunça

Mas sou a bagunça que você queria

Oh, porque isso é a gravidade

Oh, mantendo você comigo"[18]

MABI

Eu estava próxima a entrada da casa, ainda uma bagunça, com


todos falando ao redor, e quando avistei o carro de Leti, meu coração se
acalmou. Outro carro vinha atrás do seu, e sorri, porque ela tinha feito o
que disse, traria mais gente para comemorarmos. Por mais que ela não
concordasse com aquilo, ela estava ali, me apoiando. Sendo a minha
família, que acabara de crescer.

— Nenhuma delas é solteira, que merda. — Bruno falou, assim que


se aproximou, e Inácio me puxou para mais perto, como se checando se eu
estava bem. Algo nele, pareceu preso ao meu corpo, e desde o momento
que nos beijamos, ele estava ali, junto a mim. — Nossa, que mulheres

lindas nas terras Torres! — meu cunhado falou, e eu revirei os olhos,


tentando me desvencilhar de Inácio e ir até minha melhor amiga, que
acabara de descer do carro, acompanhada por Heitor.

— O que foi? — indaguei baixo, e ele pareceu apenas olhar ao


redor, e ouvi a batida de uma porta de carro, e encarei na direção que ele
parecia preso. Ele então me soltou e o olhei perdida. — Inácio?

— Vá falar com Leti. — piscou um olho, deixando-me perdida,


mas não me atentei a mais nada, ao ouvir o grito dela, que trazia consigo

um bolo, que deveria ter comprado na padaria. Por que Leti estava
trazendo comida?

— Passei na fazenda da Gabi, e todos estavam lá, ela e os boys


lindos de morrer. — falou, e me puxou levemente para si. — Como assim
você casou? — praticamente gritou, como o fizera no telefone, minutos
antes.
Jogou o bolo para Heitor, que quase o derrubou e ria dela, que me
deu um leve beijo nos cabelos e foi até Inácio, que estava próximo a porta

de entrada da casa. Todos os outros Torres estavam concentrados em


arrumar uma mesa gigante, para uma festa que eu nem sabia que daríamos
de casamento. Mas ali estávamos nós, a dando.

— Eu sabia. — Gabi falou ao se aproximar, e ficou petrificada

assim como Leti diante do anel em meu dedo anelar esquerdo. Era de fato,
uma das joias mais lindas que já colocara os olhos. Sequer sabia se era de
fato joia, mas o significado parecia maior do que qualquer coisa. —
Naquela noite bêbadas após o bar...

— Foi exatamente nela. — respondi e minha amiga de faculdade


bateu palmas, e quase pulou no lugar, acompanhada por Antônio, que sabia
ser seu noivo, que não perdera tempo em amarrá-la também.

— Eu acho que você deveria ter um anel no dedo, Ane. — ouvi a

voz do irmão mais velho de Gabi, que trocou um olhar com Antônio – seu
melhor amigo e noivo da irmã – que caminhava com Ane ao seu lado, e
que era a melhor amiga dela. Sorri do momento em que ela cutucou a
barriga dele, em uma clara negativa. — Um homem pode sonhar.

— Eu estou ótima podendo casar minhas amigas. — Ane falou e


piscou um olho para ele, aproximando-se. De repente, era uma bagunça de
perguntas sobre como tudo aconteceu e como tudo acontecia, e eu as via
especulando sobre tudo.

— Aí está ela! — ouvi a voz de Gustavo, e levantei o olhar. Ele

morava não muito longe dali, na realidade, no final da propriedade. A


amizade que Lucas e Inácio tinham era tamanha, que eles dividiam a
mesma terra. — Eu vou ser padrinho!

— Ei! — Heitor reclamou, parando ao lado de Inácio, que parecia

estar concentrado no que ele falara antes. — Eu vou ser padrinho!

— Teremos dois padrinhos e duas madrinhas, diacho! — falei, e


tanto Ane quanto Gabi me encararam perdidas. — Tô grávida.

— Puta que pariu! — Ane soltou, e arregalou os olhos. — Eu vou


beber o vinho que trouxe por você, sem problema.

Ri alto, e senti o exato momento que alguém puxou meu vestido, e


os olhos de todos se viraram para o pequeno ser ao meu lado. Daniela
Torres acabara de se tornar o centro das atenções.

— O que foi, pequena? — perguntei, e ela claramente queria que


eu a pegasse. Antes que eu o fizesse, e não me surpreendendo em nada,
Inácio a pegou, aproximando-se do nada, e a levantou. Ele parecia
realmente querer me impedir de carregar qualquer peso. Revirei os olhos e
ele me olhou atentamente.

— Mamãe disse que está tudo pronto. — falou, e todos se


derreteram por ela. — Quem são esses? — perguntou baixinho para o tio,
que a olhava como se fosse o seu mundo. De repente, vi-me encontrando

naquele olhar que ele lhe entregava, o mesmo o qual me entregou, minutos
antes.

— São os amigos da sua tia, pestinha. — respondeu e ela os olhou


interessada, principalmente, para Ane.

— Você quer ser minha amiga? — perguntou, e Ane se derreteu


por completo.

— Posso ser a sua melhor amiga. — respondeu, e foi até ela,


estendendo-lhe as mãos. A pequena foi de bom grado, enquanto Leti e
Gabi reviraram os olhos.

— Essa mulher ainda me ilude que não teremos filhos logo. —


Fábio reclamou e eu sorri. Ela lhe deu um olhar mortal, e logo voltou a
falar sobre algo aleatório com Daniela.

— Então, temos muito o que comemorar hoje! — Leti praticamente


chamou atenção de todos, enquanto Inácio me guiava pela cintura, assim
como todos, até o lado de trás da sua casa. E que agora, era minha também.
Meu Deus! Onde foi que amarrei o meu burro?

Pense no bebê! Minha mente gritava.

— Boa tarde, família Torres. — ela anunciou, e todos os olhos


castanhos voltaram para nós, completamente animados. — Temos um
casamento, uma gravidez, e...

— Leti... — tentei impedi-la, mas ela foi mais rápida.

— Sabiam que tem uma escritora famosa na família? — perguntou,


e todos a encararam de imediato, mas logo, todos os olhares se voltaram
para mim. — Ela não é de falar, mas... Mabi emplacou o primeiro romance

dela em TOP1 da Amazon Brasil. Olhem só! — falou, e pegou seu celular.
Todo mundo praticamente correu ao redor dela, e olharam para a pequena
tela.

Eu suspirei profundamente, e sem saber ao certo o que fazia, vi-me


levando o rosto ao peito de Inácio, como se fosse possível me esconder.
Por que não era mais fácil cavar um buraco e sumir? Não tinha vergonha
do que fizera, a questão era que acabava de começar a publicar meus
romances em uma plataforma paga. Era tudo muito novo.

— Ei. — a voz de Inácio soou sobre mim, e meu olhar subiu para o
seu. Ele tocou levemente meu rosto, e poderia jurar que tudo, novamente,
silenciou. — Parabéns pelo sucesso. — ele estava claramente sendo
sincero, e eu quis lhe contar sobre como foi o processo do livro, o que era
o Kindle e o que tinha escrito. Por que eu queria fazer aquilo? — Pode me
mostrar mais tarde?
Mais tarde?

Minha mente viajou e eu só me vi pensando em como seria tudo

mais tarde. Meu corpo esquentou e era como se no olhar dele, notasse o
quanto eu o era transparente.

— Não me olha assim. — pediu em um tom baixo e controlado,


mas que era o oposto completo do que acontecia dentro de mim. Acontecia

o mesmo com ele? — Eu vou te levar para dentro e te fazer implorar. —


sussurrou em minha orelha, e de repente, sabia que eu não lhe daria aquele
gosto. Eu queria vê-lo implorar

— Nem nos seus melhores sonhos, velho. — rebati, e senti o exato


momento em que nos virou e sua mão apertou rapidamente, mas não
deixou e ser intenso, a minha bunda. Filho da... de uma mãe incrível! —
Inácio! — reclamei, e ele me deu o melhor olhar arrogante. — Vou te fazer
implorar. — sussurrei e ele negou com a cabeça.

— Nos seus sonhos, criança.

Alguém limpou a garganta e finalmente, pareci me lembrar de que


estávamos cercados por várias pessoas. Pisquei algumas vezes, e quando
me virei, senti os olhos de todos sobre nós. Eles pareciam... encantados?

— Acho que precisamos de música! — Júlio falou, comendo algum


salgadinho que Olívia e Heloísa tinham conseguido comprar de última
hora na cidade, e me encarou animado. — Sei que minha nova cunhada

canta.

— Eu sou o médio do médio. — rebati, e ele pareceu não se


convencer.

— Ela cantou no meu casamento. — Leti ainda deu força e eu quis


voar em sua cara. — O que? É a verdade! E ninguém reclamou.

— Claro que não! Estavam todos ocupados comendo e dançando.

— Então, vou achar o velho violão do Inácio escondido em alguma


parte da casa, e antes que ele pense em me proibir, lembre-se que é o dia
especial da sua mulher. — ele falou, praticamente sentenciando o irmão,
que bufou, ao passar as duas mãos ao meu redor.

Violão? Inácio?

— Enquanto isso... — Bruno falou, e vi-o colocar uma enorme


caixa de som, junto a Gustavo, que parecia ser quem comandaria a playlist.

— Bora dançar, minha gente!

Cristiano Araújo soou ao redor, e eu fiquei ali, perplexa, ao apenas


ser girada por Inácio, e ele me colocar a sua frente.

— Vamos mesmo fazer isso? — perguntei e ele assentiu. — Eu não


sou boa dançando.

— Eu te desafio a dançar comigo, criança. — falou, no tom certo


para me aceitar a entrar naquele jogo. Olhei-o como sempre, como se

aquele fosse o nosso jeito, e o era.

— Talvez eu possa pisar no seu pé de propósito. — rebati, e ele


pareceu nem ligar, enquanto eu levei minhas mãos ao seu pescoço.

— Abram espaço para eles... — Bruno anunciou, fazendo-me sorrir


e notar que todos os casais ao nosso redor, estavam juntos, e Daniela no

meio de Ane e Fábio. — A primeira dança do novo casal Torres.

— Senhora Torres? — Inácio indagou, afastando-se, e me levando


ao meio de todos, e me fazendo segui-lo naquele desafio. Quando
novamente envolvi seu pescoço, e ele fez o mesmo com minha cintura, eu
apenas me vi indo com ele, e com a música.

“Será que alguém explica a nossa relação?”

Vi-me perguntando internamente a mesma coisa, que a música


fazia. Nos braços daquele homem, tudo parecia tão certo, que por mais
errado que fosse, eu não me sentia. Eu me sentia no lugar, hora e com a
pessoa certa. O que estava acontecendo?
INÁCIO

“Um caso indefinido, mas rola paixão

Adoro esse perigo, mexe demais comigo

Mas não te tenho em minhas mãos

Se você quiser

Podemos ser um caso indefinido ou nada mais

Apenas bons amigos, namorar, casar, ter filhos

Passar a vida inteira juntos...”

Ela me olhava tão profundamente, que era como se tudo fosse real.
Como se nós dois, tendo a nossa primeira dança como um casal, fosse
apenas o certo. Suspirei fundo, e não pude evitar subir uma mão para o seu
rosto, e quase trazê-la para os meus lábios. Aquela mulher não tinha a vaga
ideia do que poderia fazer de mim. Mal sabia ela, que aquela música me
expunha por inteiro.
“E vai saber se um dia seremos nós

Nenhum beijo, para calar nossa voz

Um minuto, uma hora, não importa o tempo

Se estamos sós

Se você quiser

A gente casa ou namora

A gente fica ou enrola...”

Ela se encostou contra meu peito, e eu fechei os olhos, tamanha


intensidade que me atingiu. Ela era tão espontânea e parecia apenas fazer o
que queria. Por alguns segundos, apenas me apeguei ao fato de que ela
poderia ter me enxergado.

Por mais que eu lhe entregasse a parte de mim, fechada e reclusa,


porque aquele também era eu, me resguardava pelo medo de que os meus
sentimentos fossem tão intensos que a fizessem correr. Porque ela poderia
estar ali, em meus braços, como naquela noite. Porém, era apenas uma
parte de si, porque a outra, pertencia a outro homem. Tentei não pensar
naquilo, e apenas deixei a música sair pelos lábios, sussurrando-a para ela.

Poderia apenas me entregar? Poderia deixar acontecer?


“O que eu mais quero é que você me queira...

Por um momento ou pra vida inteira...”

Seu olhar azul parou no meu, como se me inspecionando e me

surpreendendo, ela sorriu. Não sabia se estava atuando ou o que diabos


estava fazendo, porém, sabia que eu, mais do que nunca, estava rendido
por ela. Como anos atrás, ela ainda me tinha, por completo. E aquele
sentimento, apenas se reafirmava a cada segundo. Quanto mais perto do
paraíso, que era tê-la em meus braços, sabia que seria o inferno, quando ela
saísse.

Ela poderia, em algum momento, apenas não escolher ir, certo?

Ela poderia apenas ficar ali e ser ela.

Poderia cantar algo no meu carro e me fazer querer sorrir a cada

segundo. Poderia me encantar pela forma como me olhava surpresa a todo


momento. Poderia me enfurecer o tanto quanto me excitar apenas por me
provocar sempre que podia. Poderia me entregar além daquele corpo que
era feito para o meu toque. Poderia ser tanto. Poderia ser tudo. Mas lá no
fundo, eu sabia, que a qualquer momento, a bolha seria estourada, e apenas
sobraria o de fato éramos. Contudo, não poderia parar de me dizer que sim,
ela poderia ficar e escolher ser minha.
CAPÍTULO XIII

“E, querida, foi bom

Nunca olhar para baixo

E bem ali onde estávamos

Era solo sagrado”[19]

MABI

— Eu não sei como não vi antes. — Leti falou, ao se sentar ao meu


lado, com uma bebida em seu copo.

Já era tarde da noite, Daniela já tinha sido colocada para dormir na


rede, enrolada em cobertas, e ali estávamos todos nós, em volta de uma
fogueira, e com muita comida e bebida. Inácio parecia ter se dado muito
bem com Fábio e Antônio, os quais pareciam emendados em uma conversa

eterna com Heitor.

— Você não consegue tirar os olhos dele. — Gabi falou, puxando o


cobertor ao seu redor, e eu fiz o mesmo com o meu. — Por que nunca
soube nada além de Inácio ser o cara que te deixava maluca?

— Ele... — parei de falar, e meu olhar fugiu do dele, que parecia


me buscar por ali. — Eu não sei nem explicar.

Leti me deu um olhar, como quem sabia de tudo, mas ainda assim,
queria dizer mais.

— Ele te adora, Mabi. — minha melhor amiga soltou e a encarei


confusa. — É nítido, em todos os detalhes. Acho que presenciei discussões
suficientes de vocês para saber que tinha uma tensão sexual ali, gritante,
mas... Isso que tem acontecido aqui, é muito além.

— Leti. — reclamei, ela apenas negou com a cabeça, como quem


diz “vamos falar disso depois”. — E como assim estão todas amarradas?

— Fábio acha que me amarrou. — Ane debochou, e deu de


ombros. — Ok, eu sou louca por ele, mas nunca o deixarei saber de fato.

— Eles são péssimos. — Gabi reclamou, revirando os olhos, e


recebendo um cutucão da mesma. — Eu acho que cada uma aqui teve seu
clichê maluco. Eu com o melhor amigo do meu irmão, Ane com o irmão
da melhor amiga, Leti com o melhor amigo de infância, e você...

— Um enemies to lovers de respeito. — Ane complementou, e eu


me vi assentindo, tentando concordar. Se elas soubessem... — O cara é um
gostoso, Mabi.

— Ele é. — respondi no automático e por um segundo, lembrei-me

daquele homem sem qualquer roupa. Aquela imagem que se repassara por
minha mente, dias e mais dias após aquela noite. O homem era um pecado.

— Você está quase pulando sobre ele. — Leti me cutucou com o


ombro, e eu neguei com a cabeça. Olhei-a em desespero e ela pareceu
entender – precisava falar com ela. — Por que não me ajuda a achar um
cobertor? — indagou, e eu achei a pior desculpa esfarrapada.

— Disse que não tava com frio. — Ane zombou e Leti revirou os
olhos.

— Do nada. — deu de ombros, e se levantou, fazendo um sinal


com a cabeça. — Mulher, eu não vou entrar na sua casa sem você!

— Minha casa? — perguntei, e ela me encarou perplexa. —


Diacho! É a minha casa, real. — soltei, mesmo não sabendo se de fato o
era. O era?

Leti caminhou ao meu lado, e no segundo em que passei próxima a


rodinha que Inácio estava, meu coração disparou. Seu olhar parou no meu,
como se fosse o que buscasse, e eu sorri. O que diabos estava

acontecendo?

Adentramos a casa, e praticamente puxei Leti até o escritório no


fundo, que era o único lugar que de fato conhecia, a não ser, o quarto dele.
Ela entrou e eu soltei o ar com força.

— Ele é louco por você. — Leti falou, no segundo em que me


joguei sobre o sofá. — Eu nunca reparei de fato, mas amiga... Ele é.

— Ele está atuando, Leti. — rebati, e ela negou de imediato com a


cabeça.

— Queria poder concordar ou mentir que vejo assim, mas...


Ninguém atua tão bem, Mabi. O jeito que ele te olha, e melhor, o jeito que
você olha para ele. — falou e eu engoli em seco.

— Não parei de pensar nele depois da nossa noite juntos, mas

isso... Ele é um deus na cama, isso é fato. Porém, isso não é amor, é?

— Quantas vezes pensou em Hugo hoje? — sua pergunta me


pegou desprevenida e eu pisquei algumas vezes, perdida. O total de zero,
até aquele momento, era nítido na minha cara. — Já parou para se
perguntar, por que ele sempre conseguiu te atingir? Por que Inácio sempre
conseguiu tirar o pior de você?
— Eu não sei. — admiti, e levei as mãos ao rosto. — É um
casamento falso, e foi o casamento mais lindo que eu já vi na vida, sem

ofensa ao seu. — deixei claro e ela sorriu. — Ele é apenas o pai do meu
filho, que eu vou me divorciar e ainda, levar dinheiro no meio do
caminho... Isso tudo é uma bagunça muito grande.

— Eu sei, eu sei. — falou e se ajoelhou a minha frente, puxando

minhas mãos. — Não pense sobre nada disso agora. Não pense se é
verdade ou mentira. Deixa acontecer, Mabi. Regra número 1 do romance
que você mesma escreveu, lembra?

— O amor não precisa ser questionado. — falei, e ela assentiu. —


Não busco amor nele, Leti. Não entrei nessa por isso. Não quero um conto
de fadas com Inácio Torres.

— Eu sei e ele sabe. — comentou e sorriu em minha direção. — É


tudo muito rápido, novo e maluco... Por que não deixar acontecer? Aquele

homem pode ser o tanto fechado que for, mas está nítido o cuidado que ele
tem com você. Ele não vai te machucar.

— E se eu o machucar? — vi-me perguntando e ela sorriu


abertamente.

— Então não o faça. — respondeu e levou uma mão a minha


barriga. — Não são apenas vocês, e sei que tudo isso, tá sendo mais louco
do que você previu. Mas e se, no fim, você só precise ter um momento a
sós com ele? Longe de tudo e de todos. Só vocês dois?

— Não tivemos isso ainda.

— Ouvi Bruno dizer que a família toda já alugou os lugares da


pousada na cidade. Eles não vão ficar na fazenda. — falou e eu arregalei os
olhos. — Conversem, Mabi. É sobre isso. Precisa dizer como se sente.

— A questão é que nem eu sei. — levei as mãos aos cabelos. —


Não adianta surtar, não é?

— Sinto muito, mas por experiência, digo com propriedade que


não. — comentou e eu assenti sorrindo. — Precisamos agora achar alguma
coberta. — ri, e me levantei com ela, puxando-a para um abraço.

— Obrigada por me apoiar na maior loucura que já cometi.

— Sabe que sempre pode só fugir e ficar comigo. — falou, e eu


assenti, sabendo que sim. Mas ali estava eu, trilhando meu caminho,

diretamente para Inácio.

Olhei para uma manta jogada sobre o sofá do escritório e lhe


entreguei, torcendo para que ninguém desconfiasse da nossa conversa
maluca entre sussurros e quase gritos ali.

Quando saímos do cômodo, demos de cara com Bruno, que tinha


sumido por um longo tempo, mas descia a escada com um violão em mãos.
— Achei o tesouro do meu irmão. — falou animado, e o seguimos.

No segundo em que me sentei novamente no lugar, Bruno veio a

tiracolo e me entregou o instrumento. Não era incrível tocando, mas nunca


de fato, tive vergonha de tocar. Ninguém além de nós naquele canto,
parecia ter notado que eu estava ali, segurando o velho violão que deveria
pertencer a Inácio, e concentrada em buscar alguma música em mente.

— Taylor? — Gabi indagou, e eu tive que assentir. A paixão pela


cantora fora algo que nos uniu durante a faculdade, e de fato, nunca mais
nos separou.

Era a melhor escolha, já que mesmo sabendo que Inácio deveria


conhecer inglês, porque ele fizera um intercâmbio quando mais novo,
poderia não querer prestar atenção na letra. De repente, a conclusão de que
eu sabia detalhes da vida dele, me assustara.

Quando dedilhei a primeira nota, cabeças se viraram em minha

direção, e notei o sorriso no rosto de meu sogro, que estava a alguns passos
dali, sentado em uma poltrona, assim como minha sogra, que os filhos
colocaram do lado de fora. Porém, eu senti o olhar que buscava, queimar
sobre cada dedo meu, e pela primeira vez, soube que cantaria para alguém,
que nunca imaginei, que o faria.

Eu estava cantando para Inácio Torres.


“Coloque seus lábios perto dos meus

Desde que eles não se toquem

Fora de foco, fora de olhares

Até que a gravidade seja excessiva

E eu vou fazer qualquer que você dizer

Se você dizer isso com suas mãos

Eu seria inteligente para andar para longe

Mas você é areia movediça...”

Seus olhos pararam nos meus e eu soube, que de alguma forma,


aquela música se encaixava perfeitamente. E estando ali, cantando uma das

minhas canções favoritas, da minha cantora favorita, soube que estava


errada. Eu poderia estar confundindo tudo, mas como a música ainda diria,
eu estava gostando daquilo.

“Esse declive é traiçoeiro

Esse caminho é imprudente


Esse declive é traiçoeiro

E eu eu eu gosto...”

— Vocês sabem a letra. — incitei minhas amigas, ainda tocando o


violão e Olívia deu um grito, parecendo tão animada quanto. Pelo jeito,
minha cunhada também adorava as músicas da loirinha.

Contudo, assim que chegou o momento, perdida junto a elas, meus


olhos se tornaram novamente dele. E de alguma forma, eu soube, que
estava o seguindo para casa. Estava seguindo para casa com ele.

“Dois faróis brilham por uma noite sem dormir

E eu irei te pegar, te pegar de jeito

Seu nome ecoou em minha cabeça

Eu só acho que você deveria, que você deveria saber

Que nada que é seguro vale a pena dirigir, e eu iria

Eu seguiria você, seguiria você até em casa

Eu seguirei você, seguirei você até em casa...”[20]

Elas gritaram a última parte, junto a mim, e eu sorri, terminando a


última nota. Todos bateram palmas, e por um segundo, apenas queria levar

o violão até ele, e vê-lo tocar. Existia tanto nele para eu descobrir, que me

deixava de fato, presa. Como se ele fosse a areia movediça, me prendendo


a si. E por mais traiçoeiro que pudesse parecer e o fosse. Realmente, eu
estava gostando daquilo.
CAPÍTULO XIV

“Nós éramos loucos em pensar

Loucos em pensar que isso poderia funcionar (...)"[21]

MABI

Silêncio.

Uma casa repleta de silêncio assim que a porta foi fechada.

Segurei o ar com força, e pensei em fazer alguma piadinha sobre a


família de Inácio se autoexpulsar dali para nos deixar a sós, mas nada saiu.
Assim que ele passou ao meu lado, pensei que pararia a minha frente, me
provocaria, e quem sabe, colocaria fim aquela agonia. Contudo, ele apenas
passou do meu lado e não disse absolutamente nada.

Vi-o caminhar até a cozinha, e forcei meus pés a fazerem o mesmo.

Assim que cheguei na mesma, estava com as mãos suando e meu coração
quase na boca. Eu tinha tanto para dizer. Eu tinha tanto para perguntar. Eu
tinha tanto para tentar entender.

Contudo, apenas o olhei. Encostei-me contra um dos balcões e

paralisei, diante da cena e cada movimento dele, para simplesmente pegar


uma garrafa de água. A forma como tirou o chapéu e colocou sobre a ilha,
parecendo cansado, e após beber a garrafa de água quase inteira, deixou-a
sobre a ilha, e segurou contra o que parecia ser mármore.

— O que...

— Sei que tudo...

Falamos ao mesmo tempo, e então, seu olhar parou no meu. Ele


logo desviou, como se fugisse, e fiquei completamente perdida. O que

estava havendo? Onde foi parar a conexão que criamos? Ela parecia ter
desaparecido, como se fosse nada.

— Prefiro que fale. — anunciei, engolindo em seco, e de repente,


vi-me sem saber o que esperar.

— Sei que tudo foi rápido e minha família pode ser demais as
vezes. Intensa demais, quero dizer. — soltou o ar com força. — Eu tenho
os papéis do contrato guardados no escritório, de quando falei com o
advogado e pensei em como seria feito de forma sigilosa. Claro que

preciso que leia, e que seu nome seja incluso, e enfim, trâmites e mais
trâmites.

— Do que... — parei minha pergunta, quando a verdade me


atingiu. Ele estava ali, após tudo o que aconteceu, negociando comigo. Eu

era uma estúpida, no fim. — Não nos casamos no papel, e então, estamos
falando do contrato das terras, não é?

— Isso. — falou, e eu assenti, sem saber o que dizer. — Posso


amanhã mesmo...

— Me dê sua palavra. — pedi, e ele finalmente me entregou seus


olhos. Era como se ele se segurasse. Era como se eu o visse, por completo
e exposto, mas ainda assim, ele corria. — Sua palavra me basta.

— As coisas não funcionam assim no mundo real, criança. —

falou, e não sabia dizer porquê, mas aquele tom duro, pela primeira vez,
me machucou.

Me doeu vê-lo me tratar com tamanha indiferença, sendo que tudo


de mim, estava uma bagunça, justamente, pelo que éramos e pelo que
tínhamos nos tornado.

No final, fora uma atuação. E minha ficha, finalmente, começava a


cair.

— Não vou assinar qualquer papel, me dê sua palavra e estamos

resolvidos. Um ano e você compra as terras que serão minhas. — ele


apenas assentiu, e eu não consegui evitar, me aproximei. Minha mão,
como se fosse certa, tocou seu braço. Ele então, apenas se afastou, como se
eu o queimasse. — O que diabos está acontecendo?

— Está confundido as coisas. — sua resposta me acertou em cheio.


— Sei que as coisas podem estar te dando ideias erradas sobre o que somos
ou o que seremos.

— Não ia poder me dar o seu corpo e só isso? — perguntei e sem


poder evitar, praticamente o encurralei contra a ilha. Meus olhos não
disfarçavam toda a decepção. — Você é um ótimo ator, Inácio. Preciso
dizer. Me enganou tão bem sobre... — ri de mim mesma, levando a mão ao
rosto, sem entender porque me magoara tão profundamente. De repente,

era como um tapa na cara. — Sobre tudo.

— Não melhor que você. — e doeu ainda mais, porque ele me


julgava. Eu tinha tanto a falar. Eu tinha tanto a indagar. Porém, apenas
respirei fundo e levei um dedo até seu peito. Meu corpo todo aprovando a
aproximação, enquanto minha mente me julgava, e meu coração diminuía.
Diacho de bagunça!
— Somos então isso? Um casal perfeito e apaixonado aos olhos de
todos, mas quando estamos sozinhos... Somos estranhos e nada? —

perguntei, sem saber de onde saíra tamanha raiva em minhas palavras. Ele
não me encarou, e afastei meu dedo de seu peito, como sempre, tendo nada
como resposta.

Assim que me virei para sair, senti sua mão em meu braço e ele me

puxou.

— É a mãe do meu filho. — falou, e uma de suas mãos veio


diretamente para minha barriga, e não o impedi.

A música que cantei mais cedo, me atingiu em cheio, e soube que


era verdade. Eu faria tudo o que ele dissesse, se ele dissesse com suas
mãos. Taylor Swift e Inácio Torres combinavam, e eu, queria correr dali, o
mais rápido possível. Mas não conseguia – permaneci.

— Vamos ter contato pela vida toda, e quero que isso seja, ao

menos, agradável para você.

Ri sem vontade, e aproveitei o momento para me afastar.

— Feliz primeiro dia de casamento. — fiz uma mesura ridícula e


apenas saí dali, sem ter ideia de onde de fato dormiria.

Sem pensar muito, apenas subi as escadas e adentrei o seu quarto,


trancando a porta. No fim, a luta seria dele. Não sabia onde dormiria, e se
eu pudesse infernizá-lo um cadinho, que fosse, para que ele buscasse outra
cama.

Soquei o travesseiro com seu cheiro, assim que me encostei no


mesmo. Tudo ali tendo o cheiro dele, me recordava de cada momento que
passei naquela cama.

— Diacho! — reclamei, quase a ponto de arrancar os cabelos. — É

pinguinho... — soltei o ar com força. — O que seu pai tá fazendo comigo?


Ele é maluco?

INÁCIO

Deite-me na rede e fiquei ali, por alguns segundos, completamente


perdido diante dos sentimentos. O final perfeito daquele dia seria poder
dormir com aquela mulher que eu tanto amava, em meus braços. Porém,
não poderia lhe exigir mais do que queria me dar. E eu sabia, depois de
ouvir suas palavras, tão certeiras quanto eu deveria ser sobre o que ocorria
entre nós, que seria um longo ano ao seu lado.
“Não busco amor nele, Leti. Não entrei nessa por isso. Não quero
um conto de fadas com Inácio Torres.”

Uma simples frase dita, do outro lado da porta do escritório que eu


adentrava, sem ter a mínima ideia de que ela estaria ali com sua melhor
amiga. Felizmente, era silencioso e abri e fechei a porta sem que nenhuma
delas percebesse. As palavras me deixaram zonzo, ainda mais, do que todo

o sentimento que ela me despertou durante aquele dia.

Maior do que ela um dia poderia sonhar que lhe entregaria.

Vi-me pegando o violão encostado em uma das pilastras e o trouxe


para mim. Era o meu melhor modo de expressão. Não era bom falando ou
demonstrando sentimentos, de alguma forma, nascera daquela maneira.
Sempre fora melhor, apenas pegar meu violão e deixar sair. Fechei os
olhos, pensando na mulher que se trancara em meu quarto, que me olhara
quase que implorando para que eu passasse aquela noite com ela.

Eu queria, loucamente.

Porém, aquilo me machucaria e a confundiria, profundamente. O


melhor, era apenas deixar as coisas como eram: apenas nós dois fingindo.
Dedilhei as cordas e apenas me deixei levar. Desejava, de alguma forma,
que as coisas não seguissem aquele caminho. Ela era minha, mais do que
um papel, muito mais do que um dia pensei que seria. Mas mesmo assim,
não éramos nada.

— Se a moça do café não demorasse tanto... — cantei para o

silêncio a minha frente e apenas deixei sair.

“Pra me dar o troco

Se eu não tivesse discutido na calçada

Com aquele cara louco

E ó que eu nem sou de rolo

Se eu não tivesse atravessado

Aquela hora no sinal vermelho

Se eu não parasse bem na hora do almoço

Pra cortar o cabelo

E ó que eu nem sou vaidoso

Eu não teria te encontrado

Eu não teria me apaixonado

Mas aconteceu

Foi mais forte que eu...”[22]


Parei de tocar e ri de mim mesmo, lembrando-me do olhar que ela

me entregou quando pedi para ser minha. Da forma como cantou e pareceu
que cada palavra era nossa. Da maneira como que por mais que fosse
apenas uma atuação, ela parecia tão entregue. Era a ilusão mais bonita. O
mais perto do amor com ela, que eu chegaria. Guardaria cada memória

bem ali, em meu coração e mente, como se fosse possível, emoldurá-la


comigo, dentro de mim.

Sabia que poderia ficar horas e mais horas ali, apenas perdido em
meu violão e imaginando os lindos olhos azuis nos meus.

Por que não sorri? Era a pergunta que ela me fizera, e eu não tinha
uma resposta exata. A questão era que não me controlava para não o fazer,
apenas, não acontecia em muitas vezes. Mas se ela soubesse... Que apenas
por pensar sobre ela, um sorriso estava em meu rosto.

Feito um bobo. Feito um adolescente. Feito para ela.

— Deveria ser um crime você cantar bem. — sua voz me paralisou


e parei com os dedos quase tocando o violão. — Não consigo dormir e
fingir que não estou puta com você. — falou, completamente sincera, e
meu olhar se perdeu no robe que ela usava, imaginando o que deveria ter
debaixo dele. No caso, eu sabia exatamente o que tinha. — Para de me
olhar como se me visse nua. — acusou e caminhou até a poltrona que
ainda estava ali, uma das quais, meus irmãos trouxeram para fora, para que

nossos pais pudessem se acomodar melhor.

— Por que está puta? — indaguei, mesmo que já soubesse parte da


resposta, e queria que fosse tão simples quanto ela, apenas dizer: estou
puto também. Puto porque você não me ama. Puto porque não posso exigir

nada. Puto porque não tenho o direito de estar puto.

— Não vale a minha resposta. — falou, revirando os olhos, e vi


exatamente o momento que depositou a mão sobre a barriga, como se nem
percebesse que o fazia. — Não tem que acordar cedo?

— Tenho. — respondi, deixando o violão novamente no lugar que


estava. — Mas estou sem sono.

— Culpa por ser sem coração? — perguntou, e uma risadinha


surgiu de sua boca, mas ela não parecia feliz. — Não consigo fingir que

não estou puta, já disse.

— E eu não posso tentar adivinhar. — rebati, e ela deu de ombros.

— Cada um, luta com as armas que tem. — falou, e se levantou,


caminhando até mim. Quando parou a minha frente, notei seu robe descer
um pouco, e como seus seios estavam tesos debaixo do fino tecido. —
Você me deixa maluca porque não consigo te entender e acho que nunca
vou conseguir. E eu vou te enlouquecer a ponto de que vai implorar para

me ter.

— Não vamos entrar nesse jogo, Maria Beatriz. — falei, e me


segurei para não passar as mãos por sua bunda e a trazer para mim. Meu
corpo todo já a reconhecendo. Aquela mulher poderia não saber de todo
seu poder, mas ela sabia de parte.

— Achei que já tínhamos entrado. — falou, e abriu levemente o


robe, deixando-me preso a sua imagem, em apenas uma camisola branca,
praticamente transparente. Desgrama! — Prometeu muito durante todo o
dia, para chegar de noite, e me tratar como nada. — respondeu
simplesmente, e antes que eu pudesse raciocinar, fechou o robe, e meu
olhar parou no seu. — Quando estiver se masturbando, pensando em
mim... Lembra que eu vou estar em um quarto, muito próxima a você... E
lembra que, se não for sincero e me explicar porque está me tratando feito

um nada, não vou ceder.

— Do que está falando, Maria Beatriz?

— Eu não vou negar que adoro a gente se bicando. Sempre foi


divertido e eu mesmo puta, nunca durava muito tempo. Claro, até o
próximo embate. Mas não vamos fingir ou mentir, as coisas mudaram
desde o momento que transamos no seu carro no meio do nada. — falou, e
gesticulou com as mãos. Toda sua sinceridade massacrando os meus
medos. — Mas eu fiquei pensando, um bom tempo, e tá na sua cara que

me esconde algo. — Que eu te amo... foi o que pensei e quase quebrei por

saber que ela não poderia entender. — Pode escolher ficar longe, ou ao
menos, tentarmos ser felizes enquanto estivermos juntos.

— Não posso te dar o que quer de mim. — respondi, sem sequer


precisar pensar.

— Mas você disse que eu poderia ter o seu corpo...

— Esqueça o que eu disse. — falei, e me levantei, puxando-a


levemente para mim, quase me intoxicando com ela ao meu redor. —
Simplesmente não posso.

— Por que? — perguntou, como se já soubesse a resposta, e


apenas, esperasse pela confirmação. — Por que, Inácio?

Apenas neguei com a cabeça e a soltei, me afastando.

— Se é assim que quer, assim será. — falou, e antes que eu

pudesse passar pela porta de entrada, ela esbarrou em mim, e entrou como
um furacão, como se fosse capaz, de derrubar tudo pelo caminho. No meio
dos destroços, mal sabia ela, que estava o meu coração.

Não poderia apenas perder a cabeça e deixar acontecer como


naquela noite. Tínhamos muito mais. Nós tínhamos um filho juntos. E
temia, que de alguma forma, o meu amor por ela, pudesse estragar tudo.
Mais do que eu já fazia.
CAPÍTULO XV

“Você me deixa tão feliz que vira tristeza, é

Não há nada que eu odeie mais do que o que não posso ter

Você é tão deslumbrante, isso me deixa tão maluca"[23]

MABI

Foi uma noite quase insone. Meu corpo todo queimando pelo dele.
Minha cabeça toda perdida em quem éramos. Minha alma completamente
confusa com a situação. Inácio Torres, de repente, estava em todos os
meus limites, e eu não conseguia compreender. Nem sabia dizer, como o
faria.
Desci as escadas, com um vestido de alças finas e de cor branca.
Prendi meu cabelo no alto, e tentei pensar que estava sexy o bastante para

infernizá-lo, da forma como, ele o fazia comigo. Tudo bem que só


atormentaria de forma física, enquanto eu, era uma bagunça total. Diacho!

Assim que cheguei à cozinha, notei uma mulher se dividindo entre


panelas. Sabia que Inácio tinha uma cozinheira em casa, mas de fato, ele

não me explicara nada profundamente.

— Bom dia. — falei, e ela se virou, e os olhos castanho-claros


eram calorosos. — Eu sou Mabi, a esposa de Inácio. — o mais estranho
daquilo, era não ser estranho, me apresentar de tal forma. O que diabos
acontecia?

Aproximei-me dela, e pensei em lhe dar a mão, porém, ela estava


dividida entre mexer em algumas panelas, então, apenas acenei com a
cabeça.

— Bom dia, senhora Torres. — franzi o cenho, porquê de fato, a


gente deveria ter quase a mesma idade. Não estava nem um pouco
acostumada com aquilo. — O senhor Torres me pediu para avisá-la que
não vem para o almoço, e que deve chegar tarde.

— Ele disse? — a pergunta soou livremente e tão debochada, que


vi-me esquecendo até mesmo de corrigi-la. — Por favor, me chama de
Mabi. — pedi por fim e soltei o ar com força.

— Ele me pediu para avisar que toda semana, venho um dia, e

deixo as marmitas para a semana prontas. E caso queira adicionar algo ao


cardápio ou mudar... — falou e me vi dentro de um pesadelo. Ele tinha
mesmo nos afastado daquela maneira? De repente, o dia do casamento,
parecia não ter passado de uma grande atuação. No fim, era uma palhaça.

— Não precisa se preocupar, eu como de tudo. — respondi e levei


minha mão a barriga. — Eu vou confirmar com a médica sobre alguns
alimentos, e te aviso, qualquer coisa. Obrigada...

— Desculpe, senhora. Eu sou Valéria Campos. — falou, tampando


uma das panelas, e limpou as mãos no avental, destinando-o uma. —
Trabalho aqui há alguns meses.

— É um prazer, Valéria. — falei e apertei sua mão — E não se


esqueça, apenas Mabi. — comentei, e ela assentiu não muito contente. —

Não é da cidade, certo?

— Me mudei recentemente, para uma vaga de emprego em uma


fazenda não muito próxima, mas quando cheguei, a vaga tinha sido
preenchida. — revelou e eu franzi o cenho. — Pois é, não muito justo?

— Nem um pouco. — falei, e poderia desconfiar de que família


faria tal coisa. — Fico feliz que tenha conseguido uma vaga aqui.
— Eu ainda mais. — respondeu e me vi gostando gratuitamente
dela. — O cardápio fica na geladeira, sem... quer dizer, Mabi. — corrigiu e

eu sorri, incentivando-a. — Pode mexer no que quiser.

— Acho que só vou comer uma fruta e caçar o meu marido. —


falei, e ela assentiu, como se entendesse.

— Felicidades pelo casamento. — comentou, e diferente do que

poderia esperar, de alguém zombaria do fato de o marido ter saído para


trabalhar no dia seguinte do casamento, ela parecia verdadeira. Sem
julgamento. — E soube por Lucas, sobre o bebê.

— Obrigada, mesmo. — falei, e sorri para ela.

Peguei uma maçã sobre a fruteira e levei até a pia, lavando-a. Logo
trouxe-a a boca, e fiz um esquema mental de como dividiria meu dia.
Comeria a maçã enquanto caçava Inácio e na parte da tarde, sentaria para
analisar tudo sobre o meu lançamento. Eu era mesmo uma best seller? Ri

da minha pergunta, dando um leve aceno e saindo da cozinha.

Os meus chinelos não eram muito apropriados, mas, eu gostava da


sensação do mato em meus pés. Caminhei por um tempo, passei pelos
estábulos, cumprimentei alguns peões, e poderia jurar, que aquela
propriedade era tão grande, que eu poderia me perder. Merda! E nenhum
sinal de Inácio.
Se o plano era infernizá-lo, como o faria se não o encontrasse?

— É bebê, a gente já andou demais. — falei para o meu filho, e

passei a mão sobre a barriga, caminhando de volta para a casa, e tentando


me atentar aos detalhes. Deveria dar um trabalho e tanto administrar aquele
lugar. Por um momento, vi-me pensando como seria, para os meus pais, se
tivessem a chance de administrar de fato, o nosso pedaço de terra – que

não era mais nosso – e ficava do outro lado da cerca. Sem pensar muito,
fui até lá, e fiquei alguns segundos, apenas olhando para o buraco na cerca.
Como uma propriedade daquele tamanho e segurança, deixava aquilo ali?

Inácio viu aquele dia, e sequer consertou. Algo em tudo aquilo que
vivíamos não batia. Nada de fato batia. Nem mesmo eu andava batendo
bem da cabeça. Senti meu celular vibrar e agradecida era, pelos vestidos
com bolsos nas laterais. O tirei dali, e sorri ao olhar a mensagem de minha
melhor amiga, com: Me diz que cavalgou no peão e tirou uma declaração

de amor? Leti poderia seguir a carreira de fanfiqueira e comediante.

Vi-me então clicando para enviar o áudio e rindo.

— Eu até que tentei, mas... Um passo para frente e talvez cinquenta


para trás. A idade dele, quem sabe. — zombei ao fim, e não consegui
passar despercebida a minha raiva sobre.

Meu corpo todo lembrando de como foi, na noite em que parei


exatamente do outro lado da cerca. Depois de me perder por completo por
ele. Eu já poderia culpar os hormônios? Ou era o meu corpo gritando pelo

dele porque o gosto que tive naquela noite me atormentava ainda? Diacho!

Os lábios presos aos meus, devorando-me tão fortemente, quanto


minhas unhas arrebentavam a sua camisa e se espalhavam pela pele
bronzeada. Afastei-me em busca de ar, e o desejo claro em seu olhar, me

fez querer gemer. Quando seus dedos afastaram a barra do vestido e me


tocara ainda sobre a calcinha, apenas deixei sair.

— Quer que eu te faça gozar, Maria Beatriz? — seu tom não


deixava abertura, era como se ele exigisse por uma resposta positiva que
estava óbvia em meu rosto. — Sim ou não? — indagou, e um dedo entrou
em mim, fazendo-me arfar.

Vi-me apenas tentando me concentrar em retirar seu cinto,


tentando não desabar a cada toque certeiro dele em todo meu interior. O

homem ia me fazer gozar ali? Nas suas mãos? Sobre seu colo? Dentro do
carro?

Nem nos meus sonhos mais molhados, me imaginei assim com ele.

— O que está fazendo? — perguntou, no segundo em que abri o


botão da sua calça e fui presenteada com o fato de que ele não usava
cueca. No segundo em que contornei seu pau, e ele gemeu, soube que era
uma guerra justa.

Sua mão livre apenas pegou meus cabelos, praticamente os

enlaçando e beijou-me novamente, enquanto nos tocávamos. Que se


danasse o que a gente seria depois! Eu só queria ter aquele homem dentro
de mim.

Não sei ao certo como, mas ouvi o exato segundo em que ele

desceu o banco, enquanto eu lutava para descer sua calça, e praticamente


jogava a calcinha para qualquer lado do carro. Minhas unhas se
cravaram contra seu peito e apenas me vi descendo sobre ele, e sentindo
todo meu corpo energizar com o toque. Porra!

Me perdi nas sensações, enquanto meu corpo quase ondulou, e ele


bateu com força contra uma das minhas pernas.

— Inácio. — seu nome saiu como um gemido e abri os olhos,


enquanto seus lábios se perdiam em baixar o meu vestido e tentar ter meus

seios para ele. Eu estava em agonia, e encontrei a mesma, em seu


semblante. — Por favor.

— O que? — perguntou, e antes que eu precisasse implorar


novamente, uma de suas mãos destruiu o fino tecido do vestido e sua boca
veio para meus seios, fazendo-me cavalgá-lo com ainda mais força. —
Rebola no meu pau. — exigiu, e eu gemi, dando tudo o que tinha de mim,
em busca do prazer cada vez mais próximo.

Busquei seus lábios, e minhas mãos se perderam em seus cabelos e

peito, enquanto não conseguia parar de descer sobre ele. Suas mãos
castigavam minha bunda, ditando o ritmo frenético, e eu estava por um
fio.

— Goza para mim. — exigiu, e uma de suas mãos tocou meu

clitóris, dando-me o que faltava para praticamente gritar o seu nome.

Um grito engolido pela sua boca, enquanto a chuva desmoronava


do lado de fora. Já tinha maldito o nome dele várias vezes e gritado outras
tantas. Mas nunca, em hipótese alguma, imaginei que o faria, perdendo
completamente o controle de mim mesma, com ele dentro de mim.

— Está um sol muito forte.

A frase me acertou em cheio e senti o exato momento em que um


chapéu fora colocado sobre minha cabeça. Saberia que era ele, apenas pelo

cheiro. E a constatação daquilo, me assustou.

— Diacho, homem! — meu protesto saiu em um grito e quase


morri do coração, enquanto a minha calcinha estava arruinada. Merda por
lembrar daquela noite, mais uma vez! Merda dupla, porque o dono dela
estava na minha frente!

Ele pareceu tentar me inspecionar e eu mudei o semblante,


tentando não deixar tão claro que estava presa a um momento, que não
deveria. Eu tinha entrado em um jogo já perdido, porque ele, continuava

ali, intocável.

— Resolveu aparecer? — indaguei, retirando o chapéu e lhe


entregando de volta. — Ou melhor, olha que bom, esbarrei em você,
marido!

— Sem deboche, criança. — cortou-me, e eu revirei os olhos. Notei


o exato instante que seu olhar pairou sobre o meu decote, que sequer era
muito destoante, e soube que por mais que ele tentasse, não podia evitar. E
o Inácio com tesão, parecia ser o único que apareceria ali. Ou melhor, a
versão bruta de fábrica também. — Não pode pegar sol assim.

— Eu uso protetor solar, e... Vai mesmo me ignorar dessa forma?

— Que forma? — rebateu, recolocando o chapéu na cabeça, e eu


quis voar em seu rosto.

— Como se a gente não sentisse nada um pelo outro. — falei, e dei


um passo à frente, vendo seu maxilar ficar ainda mais duro, e minha mente
voou para o fato, de que outra parte dele também poderia. Pare de pensar!
Transar com ele só pioraria a confusão, eu sabia. Mas atormentá-lo, assim
como, ele atormentava tudo de mim, sem que soubesse, era um jeito de
tornar justo. Ao menos, um casamento justo.
— Não vamos brigar. — anunciou, mas não negou que não sentia
nada. — O sol vai ficar ainda mais forte. — falou, colocando as mãos nos

bolsos e queria odiar o fato de ele ser tão bonito. O mocinho perfeito de
uma novela.

— Eu já vou entrar, tenho que trabalhar. — falei, e lembrei-me de


que fingiu interesse sobre aquilo no dia anterior. Tudo parecia diferente no

dia anterior, mas ali, ignorando-me, nada mudava. — Sabe, o livro que
disse que tinha interesse, mas depois, sequer perguntou. — por que eu
parecia tão magoada? — Enfim, bom dia e bom trabalho.

Sorri sem vontade, porque me sentia péssima. Eu parecia uma


cobrança ambulante, e na realidade, o era. Tudo porque queria entender o
que se passava em mim, tanto quanto, o que se passava por ele. Existia um
conflito profundo que o atormentava? Não pelo nosso filho. Não pelo
casamento. Mas sim, por nós? Por uma aproximação que de repente,

pareceu a coisa certa. A coisa mais certa, pensei.

Ele apenas me deixou ir, e a resposta talvez fosse aquela: nada. Ele
estava apenas facilitando para nós, no fim. Que fôssemos o casal do
casamento quando alguém estivesse por perto. Que fôssemos nada, quando
não tivéssemos ninguém ao redor.

— Aliás, deveria arrumar essa cerca. — gritei, sem me virar, e


segui para a casa.
Me afundaria em entender mais sobre a minha mais nova carreira e
ao romance que realmente dava certo na minha vida confusa – o dos livros.
CAPÍTULO XVI

“Empurrada para o precipício

Me agarrei aos lábios mais próximos

Resumindo, era o cara errado

Agora, estou completamente na sua "[24]

MABI

— Como eu posso ser a autora número 1 em romances, se eu não


consigo entender a cabeça de um homem? — perguntei para as minhas
mochilas, enquanto terminava de fechar algumas coisas. — Talvez por
isso, seja a número 1. Diacho! — falei, ao mesmo tempo que sabia que
precisava correr com aquelas coisas, pegar meu notebook e trabalhar na
divulgação do e-book. Ao menos, no novo trabalho, eu estava com sorte.

Com Inácio, as coisas estavam mais paradas do que nunca.

Trocávamos poucas palavras por dia, e ele parecia querer sumir e se


ocupar com o trabalho. Sentia-o no meio da noite, invadindo meu quarto e
tocando minha barriga, conversando com nosso filho. Porém, assim que
me mexia, ele praticamente fugia. Aquele homem era uma confusão tão

grande, que depois de uma semana naquela, estava a ponto de pegar a


cabeça dele, bater na parede e obrigá-lo a me contar o que acontecia em
seu interior.

Toda a madrugada, eu ficava na varanda de um dos quartos de


hóspedes, e o assistia, lá de cima, cantando com seu violão. Sempre
músicas românticas, e de repente, era como se a pergunta que não pudesse
calar viesse: ele amava alguém? Suspirei profundamente, e tentei não
pensar sobre. Se eu pensasse muito, acabaria por desistir do inferno

pessoal que escolhi fazer na vida dele até que confessasse sua dualidade.

Se ele me contasse que amava alguém, ao menos, saberia porque


parecia tão reticente de me tocar. E aquilo, me levaria a uma explicação
fácil. O problema eram os olhares que ele me entregava. O problema era a
nossa noite juntos, ainda repassando em minha mente. O problema
consistia em todos ao nosso redor dizendo que ele me adorava. O problema
era que no nosso casamento, enxerguei-o tão próximo, como se fosse
possível, que ele me amasse.

— Fiquei grávida e maluca. — falei para o nada, e bufei, jogando o

restante das roupas em uma das mochilas.

Lucas me trouxera mais cedo, já que teria que resolver algo no


centro, e aproveitei, para pegar mais algumas peças de roupa e objetos que
não iria me desfazer. Aos poucos, fazia a minha mudança. Como Leti tinha

pago o aluguel, tinha tempo o suficiente para levar as coisas aos poucos e
vender o que não precisaria durante aquele ano. Era uma boa ideia, vender
alguns móveis e já ter dinheiro guardado, ou quem sabe, usar o dinheiro
para investir no próximo livro. Maria Beatriz empreendedora vinha aí!

Batidas na porta me chamaram atenção, e como estava no quarto,


apenas vi-me gritando para que entrasse. Só poderia ser Lucas, já que ele
era a única pessoa que sabia que estava ali. Ou quem sabe, alguma vizinha
fofoqueira. O povo daquela rua me parava a cada dois segundos, quando

aparecia ali, para perguntar sobre Inácio, casamento e o bebê. Como se


aquela fosse uma história absurda. Para o azar deles, eu estava nem aí para
o que falavam.

— Está ainda mais bonita, matraca.

Levantei o olhar, completamente perdida e encontrei os olhos azuis


de Hugo. Ele me olhava de cima abaixo e por um segundo, não entendi o
que diabos fazia ali. Voltei a pergunta que Leti me fez, no dia do
casamento: quantas vezes pensei em Hugo? Durante aqueles dias, a

contagem continuava a mesma: zero. Ou seja, a conclusão que chegava,


anos acreditando ser apaixonada e louca por um homem, era simples: eu
nunca o amei.

Ele fora minha primeira paixão adolescente, tinha certeza. E talvez,

até pudesse ter realmente sentido algo mais profundo, contudo, se fosse
real, não seria tão fácil apenas deletá-lo. Não seria tão fácil apenas não o
ter por perto. Esperei e esperei, achando que o encontraria, em alguma
esquina na vida e seríamos felizes para sempre. Ironicamente, ali estava
ele, a minha frente por livre e espontânea vontade, e eu, não sentia
absolutamente nada. Sequer poderia imaginar um futuro com ele pós
casamento com Inácio. Quem te viu quem te vê, Maria Beatriz! Caçoei
internamente.

— Oi? — indaguei, e continuei focada em pegar as últimas peças


que separei, de forma que não amassassem tanto na mochila. — Como vai,
Hugo? — a minha boa educação saiu, e ele me encarou, com um sorriso
enorme.

— Soube que se casou. — seu tom zombeteiro não me passou


despercebido.

— Jura? — perguntei ironicamente, e ele levou uma mão para atrás


da cabeça, coçando a nuca. — A cidade toda só fala disso. —

complementei, revirando os olhos, sem ter ideia do que ele fazia ali. Tudo

o que desejava, meses antes era ver aquele homem, mas de repente, era
simplesmente inútil vê-lo. A ironia da vida era tamanha que sequer sabia
como reagir.

— Mas eu sei a verdade. — comentou, e deu passos em minha

direção. Notei que queria se aproximar demais, como se... Como se


fôssemos algo?

— Alto lá! — coloquei uma mão entre nós, e ele sorriu


debochadamente. — Que verdade está falando?

— Que é louca por mim. — respondeu e só não gargalhei de


imediato, tamanha foi minha surpresa pela sua audácia. — Que deu o
golpe do baú no velho, e daí, logo se divorcia, pega o dinheiro e...

Antes que ele continuasse, apenas vi minha mão que estava no seu

peito, ir parar diretamente no seu rosto, em um tapa que estalou tão alto,
que deixaria marcas.

— Primeiro de tudo: não sou louca por você. Posso ter sido um dia,
mas por favor, supere. — falei, e forcei um sorriso. — Segundo: não ouse
falar do meu filho dessa forma, e muito menos, achar que sabe algo sobre o
meu casamento. — ele me encarou perplexo. — Não sabe de nada,
moleque. — pontuei, e de repente, tive que concordar com todas as vezes
que Inácio falou exatamente daquela forma sobre ele.

Hugo Avelar era um moleque.

E parecia estar ali, como se eu fosse algo a se interessar, apenas


porque não estava mais disponível. Metidinho de merda!

— Mabi...

— Fora da minha casa. — determinei e ele tentou abrir a boca para


dizer algo, mas neguei de imediato com a cabeça. — A porta da rua, é
serventia da casa.

Ele pareceu ficar vermelho e de raiva, enquanto eu sorria, e a roupa


que tanto queria que não ficasse amassada, estava praticamente um
desastre na minha outra mão. Ele saiu batendo pé, e senti como se tivesse
chamado atenção de uma criança. Oh diacho!

Enfim, uma coisa a menos na minha bagunça pessoal: eu não

amava Hugo Avelar, e ele era um moleque. Sorri sozinha e encarei minha
roupa toda cheia de marcas, odiando o fato de ter descontado parte do meu
nervosismo nela.

— Diacho! — reclamei, e me vi tentando dobrar a blusa de forma


correta, como se fosse possível, após estar toda amassada. — Ótimo, vou
ter que fazer o que mais odeio: passar roupa!
Suspirei profundamente, e senti o exato momento que o ar todo
ficou pesado e passos se aproximaram. E por um segundo, sabia que só

poderia ser ele. A pessoa que eu menos esperava ver naquele dia, já que
corria de mim como o diabo foge da cruz, durante todos os últimos.

— Lucas teve um problema com o carro, e vim te buscar. — falou,


seu tom ainda mais grosso do que o normal, e o encarei completamente

impaciente. — Podemos ir?

— Não vou me estressar com seu mau humor hoje. — rebati, e


decidi apenas jogar a blusa na mochila. — Já que não quer que eu carregue
peso nenhum, as mochilas são suas. — falei, indicando as duas, e ele as
pegou, de bom grado. Quando se aproximou, todo seu cheiro me atingiu
em cheio, e quis poder moer aquela camisa preta colada aos seus músculos.

Diacho de homem gostoso! E impaciente! E grosso! E rude! E


bonito!

Todos aqueles pensamentos que não deveria ter, culparia os


hormônios. Era aquilo que faria e ponto final.

Andei a sua frente, e corri até o banheiro, para pegar o sabonete


facial que esquecera nas outras vezes, e sabendo que precisava mostrá-lo a
doutora Lena, assim que fosse na próxima consulta. Não sabia o nome dele
e sequer se poderia usar de fato durante a gravidez.
— Dando trabalho em, pinguinho. — sussurrei para o meu filho, e
trouxe o sabonete em mãos, assim como, peguei o celular sobre o sofá.

— Ainda tem muita coisa aqui. — Inácio falou, o que me


surpreendia. — Por que não faz toda a mudança de vez?

— Porque me distrai vir aqui e falar sozinha. Por que ficar numa
casa enorme que nem é minha, falando com a poeira ou os bichos da

fazenda? — perguntei, e ele sequer me olhou, fazendo-me ficar irada. —


Um ótimo dia para o casal, velho. — debochei, porque era o que me
restara.

— Acho que o moleque concordaria. — falou rude, e parei no


momento em que terminei de trancar a porta. — O vi saindo daqui todo
vermelho e bagunçado, Maria Beatriz.

— O que está insinuando? — minha pergunta saiu em um sussurro


e ele apenas negou com a cabeça.

— Nada. — respondeu e eu fiquei incrédula.

Queria poder gritar e espernear, para ver se aquele homem reagia,


porém, ele apenas me ajudou a subir no carro, como se eu fosse quebrar, e
deu a volta no mesmo. Vi o exato momento em que depositou as mochilas
no banco do carona, e uma delas, foi exatamente sobre um buquê de flores
amarelas. Não... Por que tinham flores ali?
Não pergunte!

Não questione!

Não lhe dê esse gosto!

Assim que passou o cinto de segurança ao meu redor, segurei para


não circular aquele belo rosto e obrigá-lo a falar. Suspirei profundamente,
e cada movimento do carro, em direção a estrada que daria para a fazenda,

meu corpo já não aguentava. O silêncio insuportável, porquê de repente,


sequer brigávamos.

Inácio escolheu esquecer da minha existência, e agora, tinha um


buquê de flores no banco de trás do seu carro, que ele escondeu com as
mochilas. Ou achava que escondeu.

Ou seja... ele amava alguém. Filho da... mãe muito boa, dona
Heloísa era incrível!

“Meu orgulho caiu quando subiu o álcool

Aí deu ruim pra mim

E, pra piorar, tá tocando um modão

De arrastar o chifre no asfalto...”[25]


A música não ajudava, e eu sabia que não precisava de bebida
alguma para estar a ponto de apenas admitir que estava me corroendo por

dentro, apenas pela ideia, de que ele estava levando flores para outra
mulher. Fechei os olhos e toquei o topo do nariz, tentando encontrar minha
noção. As coisas só iam ladeira abaixo. Então, comecei a tentar fazer uma
contagem, enquanto rezava para chegar logo à fazenda.

Um: eu não amava o homem que sempre achei amar.

Dois: eu estava com ciúmes do pai do meu filho.

Três: pai do meu filho, vulgo, Inácio Torres.

Quatro: Inácio Torres que tinha flores no banco de trás do seu


carro.

Cinco: Não eram para sua família, porque sabia que eles não viriam
naquela semana.

Seis...

A contagem já estava se perdendo.

Quando o carro finalmente parou e a playlist chegara ao ponto de


tocar Afterglow da Taylor Swift, soube que a desgraça estava feita. Não
esperei por sua ajuda, e apenas desci do veículo com todo cuidado. Se
fosse antes, teria pulado do mesmo, mas precisava pensar no pinguinho.
Antes que ele pudesse fazer o movimento de abrir a porta de trás, vi-me
fazendo, e ignorando as blusas que demorei horas para dobrar, joguei uma
das mochilas no chão e peguei o buquê.

As flores eram lindas e infelizmente, as minhas favoritas. Porém,


eu faria questão de realizar um sonho com elas, socá-las no peito de um
imbecil. E fora exatamente o que fiz.

— O que pensa que...

Vi-me batendo com as flores contra seu peito, e deixando que


minha raiva saísse em cada batida. Inácio apenas permaneceu parado,
como se não entendendo nada, e eu odiei ainda mais o seu autocontrole.
Por que eu tinha que sentir toda aquela bagunça angustiante? Por que eu
tinha que desejá-lo loucamente? Por que eu tinha que sentir aquela raiva
tão assustadora?

— Pronto, agora o buquê ficou lindo. — debochei, diante das flores


esmagadas. — Aposto que ela ia adorar.

— De quem está falando? — perguntou, e dei um passo atrás,


dando de ombros.

— Isso só você sabe. Como eu vou saber para que mulher você
compra flores? — a pergunta saiu como um grito, e apenas dei-lhe as
costas, caminhando até a casa. Porém, travei, e me virei, olhando-o com
raiva. — Estava certo em escolher me ignorar e não sermos nada. Vai ser
mais fácil. — falei, e a passos duros e com meu coração em mãos, apenas

saí dali.

Diacho!

Eu estava me corroendo de ciúmes dele!

Eu estava... enlouquecendo por causa de Inácio.


CAPÍTULO XVII

“Eu vivi como uma ilha, te punindo em silêncio

Disparei como sirenes, só chorando

Por que eu tinha que partir o que eu amo tanto?

Está na sua cara, e eu sou a culpada, eu preciso dizer "[26]

MABI

Andei com toda fúria que tinha em direção as escadas, e estava a


ponto de ligar para minha melhor amiga e pedir uma dose de realidade.
Porque todas as doses de incertezas, confusões e ridicularidades com
Inácio, estavam me sufocando. Ele mexia comigo, extremamente.
Senti meu braço ser puxado e no segundo seguinte minhas costas
foram contra a parede, mas antes que batessem, suas mãos me seguraram

com delicadeza. Um flashback do que acontecera ali, meses antes.


Lembrava do exato momento em que subi em seu colo, e ele me jogou
sobre a parede e fez-me esquecer meu próprio nome.

Ali, com seu olhar preso ao meu, eu sabia meu nome, mas no

momento, ele tinha um leve acréscimo, mesmo que não nos papéis. Por
que eu me sentia parte dele? Por que?

— Eram para você. — falou, colocando uma das flores que


pareceram sobreviver a minha fúria contra minha orelha. — Estava te
levando um buquê. — olhei-o incrédula, e pronta para empurrá-lo e sair.

— Não preciso de mentiras, muito menos, de você. — soltei e


tentei sair de seu aperto, mas ele não permitiu.

— Pode me deixar falar? — perguntou e o encarei incrédula.

— É tudo o que te pedi por esses dias. — respondi e ri sem


vontade. — Não sou uma pessoa paciente, Inácio. Nem um pouco. E eu
fiquei aqui, esperando, enquanto você simplesmente se escondia com os
cavalos e no trabalho. E agora, queria me dar flores? E daí, as amassou
com as minhas mochilas? — indaguei, completamente incrédula.

— O que queria que eu fizesse? — rebateu, e seu tom era baixo,


mas completamente irado. — Eu vi o moleque sair da sua casa, e eu sei o

que sente por ele e...

— E daí? — perguntei, batendo contra seu peito. — O que isso tem


a ver com o fato de estar sendo frio como gelo? Ou com o fato de que
nunca sei qual Inácio eu vou encontrar? Ou será a versão gelo para
sempre? É isso?

— Você o ama, e isso...

— CHEGAMOS!

Um grito fez o momento se dissipar e eu fiquei em choque,


enquanto engolia em seco, e meu coração paralisou diante da sua fala
sendo interrompida. Inácio baixou a cabeça e quando seu olhar parou no
meu, eu soube – ele tinha algo a dizer. Algo que estava me escondendo. E
por dentro, aquilo me matava.

No segundo em que se afastou e eu coloquei um sorriso no rosto,

Olívia entrou, com Daniela correndo em minha direção. Abaixei-me para


ficar do tamanho da pequena, que me deu um forte abraço, e logo senti um
leve toque no meu cabelo, e encarei Júlio, que parecia um tanto
desconfiado. Dei de ombros e me levantei, recebendo seu beijo no rosto.

— A gente não ia vir a cidade tão cedo, mas certa garotinha ia me


matar se não cumprisse o dia com cavalos que ela tanto pediu. — Olívia
falou, e eu sorri, encarando Daniela, e ignorando o fato, que estava a ponto

de desabar, porque o homem a frente dela, me enlouquecia, de todas as

formas. — Por que não passa o dia conosco e os cavalos, Mabi? —


convidou e eu engoli em seco, assentindo em seguida.

— Eu não cavalgo há anos, e confesso, que sempre morri de medo.


— falei, levando a mão a minha barriga de imediato.

— Na verdade, apenas temos uma amazona aqui. — piscou um


olho e se aproximou. — Daniela vai no seu cavalo, enquanto Júlio a guia...

— Como assim, eu? — o irmão perguntou, se fazendo de


indignado, mas sabia que não estava nem um pouco.

— E você me conta tudo, de como foi sua primeira semana aqui e


tudo mais. Que tal? — indagou e eu apenas assenti, sem saber ao certo o
que responder.

— Tenho uma coisa para resolver nos estábulos, mas sabem que

aqui...

— É a nossa causa, eu sei, Ná! — Olívia falou e piscou um olho


para Inácio, que assentiu para ela. Em momento algum, ele me destinou o
olhar, e eu sabia, que a cada segundo, ficava mais insustentável.

Anos nos bicando.

Uma noite que mudou o resto das nossas vidas.


Uma semana que me desestruturou por completo.

Caminhei com eles, e tentei prestar atenção em tudo que Olívia

falava, sobre como estava na cidade grande, e que sentia falta de ficar mais
tempo no interior. Contudo, assim como os outros irmãos Torres, ela
parecia gostar mais de estar em cidades maiores do que em nosso pequeno
fim de mundo.

Tudo bem que eles tinham fazendas por várias outras cidades
vizinhas, mas ainda assim, era claro que se dividiam também, para
acompanhar o tratamento do pai. Sabia por cima, que Inácio viajava a cada
quinze dias para a capital, apenas para estar com ele. Era uma situação
delicada, e mesmo sendo tão novo, me doía vê-los assistir o pai naquela
situação.

— Eu li o seu livro. — Olívia falou e eu arregalei os olhos.

— Não! — respondi e ela riu de lado.

— Mas é claro que sim, mulher! E eu preciso dizer, que tudo o que
desejo é um homem que me ame como Renan ama Marcela. — falou, e
suspirou profundamente, e poderia jurar, que em algum momento, durante
a escrita, fiquei exatamente como ela – sonhando acordada. — E eu já
quero a história dos melhores amigos! E uma história de CEO!

— Preciso de você aqui, patrão!


A voz de Lucas soou alta, e longe, e Inácio se afastou no mesmo
instante de nós, o qual, sequer ainda me olhara, porém, ele parou o passo, e

veio até mim. Sem me olhar, tirou o chapéu branco da cabeça e o colocou
na minha. Ajeitou-o rapidamente, e finalmente, me encarou. Tinha de tudo
ali, no castanho dos seus olhos.

— Está muito sol. — falou e eu me perdi, novamente.

Se um dia, eu desejei mergulhar em algum azul, eu não me


lembrava. Apenas desejava, poder desbravar tudo o que existia no castanho
dele. Merda!

Ele então saiu e me deixou, como sempre, sem entender.

— Há uma história sobre esse chapéu, que acredito que ele não te
contou. — Júlio falou, com Daniela no colo, que parecia mais do que
animada, enquanto nos encaminhávamos para perto dos estábulos. Olhei-o
sem entender, e ele sorriu para a irmã. — Ele nunca deixa ninguém tocar

nesse chapéu.

— O que? — indaguei, tocando o acessório e me lembrando


exatamente do dia em que o tirei de sua cabeça, e o coloquei na minha, no
meio da clínica, no primeiro ultrassom do nosso filho. Ele não hesitou e
sequer tirara de mim.

— Foi o primeiro chapéu de cowboy dele, e quando era mais novo,


dizia que só a mulher amada o usaria. — Olívia complementou e eu fiquei

perplexa. — O lado romântico do homem mais contido que já

conhecemos.

— A nossa contraditória ambulante: Inácio. — Júlio falou e eu me


vi engolindo em seco. — Mas disso, você já sabe.

— Que ele aparenta ser algo, mas por dentro, é um completo

mistério? O mais profundo? — vi-me indagando e meus cunhados me


encararam curiosos. — Eu sei. E de alguma forma, todo dia, pareço mais
maluca por descobrir.

— É por isso que ele te ama.

Olívia piscou um olho em minha direção, mas no momento


seguinte, apenas parei, e fiquei olhando para ele, que praticamente
desaparecia da minha visão. Aquela afirmação me acertando em cheio, não
porque era uma verdade, mas sim, porque eu desejava, desesperadamente,

que o fosse.

Ele chegou próximo a Lucas, que trazia consigo outro cavalo, que
eu já reconhecia – era Thunder, o cavalo de Inácio. Ele subiu no mesmo, e
eu fiquei ali, por alguns segundos, apenas o observando. Tão óbvia quanto
eu nunca fui. Tão pronta para cair como nunca esperei.

— Vamos, tia!
O grito de Daniela deveria me despertar, porém, não fez
exatamente aquilo. Tudo o que acontecera até ali, finalmente, me dando à

luz que eu tanto buscava. Ele era sua própria contradição e mistério. Já em
mim, não existia mais bagunça ou dúvida. Ali, parada no meio da fazenda,
olhando-o conversar com o melhor amigo, eu soube.

Que em algum momento, em todas as esquinas que nos esbarramos,

existia algum sentido. Que de todas as vezes que tirou o pior de mim, ele
sempre, me enervava a ponto de não poder conter. Que talvez algo, me
levava diretamente para ele, e para aquele momento. No fim, não
importava de fato, a questão era, que por mais contraditória que pudesse
parecer naquele exato momento, eu sabia. Sabia que não tivera escolha, e
de alguma forma, talvez não quisesse escolher.

Eu estava apaixonada por todo o mistério, bagunça e contradição


que existia nele. Era a razão da minha loucura, minha falta de senso, minha

angústia, meu desespero, minha ânsia... Era por aquilo que sua indiferença
e frieza me acertava em cheio. Eu estava apaixonada por Inácio.
CAPÍTULO XVIII

“Porque nos despedaçamos um pouco

Mas quando eu te pego sozinho é tão simples

Porque, querido, eu sei o que você sabe

Podemos sentir isso”[27]

INÁCIO

— Têm certeza que querem mesmo pegar a estrada a essa hora? —


Mabi perguntou a Olívia, talvez pela décima vez, e minha irmã assentiu.
Ela estava para se acostumar com o fato de que meus irmãos apareciam do
nada e sumiam do nada também.
— Tenho que estar as sete em uma audiência, então... — deu de
ombros. — Mas chegamos rapidinho, já que o carro é alugado e vamos

pegar um voo na cidade mais próxima. — foi até ela, abraçando-a com
força e como sempre acontecia, meu coração se encheu com a cena. —
Voltamos de surpresa, assim que der.

— É bom ter vocês aqui. — admitiu, e Olívia sorriu em sua

direção.

Beijei Daniela várias vezes no rosto, a qual sorriu, e me abraçou


fortemente, antes de se afastar e praticamente pular do meu colo, para ir
até Mabi. Ela se abaixou e recebeu a pequena nos braços, como se fosse o
certo.

— Ela vai ser uma ótima mãe. — meu irmão falou e eu assenti,
aceitando seu abraço. — Cuide bem dela, irmão.

— Eu vou. — falei, e ele sorriu, mas sabia que estava se segurando

para não me indagar sobre nada. Eles me conheciam, melhor do que


ninguém, mas felizmente, conheciam a ponto de saber que não teriam
repostas no momento. Talvez, nunca.

— Até mais, Ná. — Olívia me abraçou e o fiz, logo depois, beijei o


topo de sua cabeça e ela sorriu. — Lembra que a gente te ama.

— Eu sei. — toquei seu rosto, e ela se afastou, mandando beijos


com as mãos.

— Tchau tio! Tchau tia! — Daniela falou, enquanto se sentava no

banco de trás e a mãe passava o cinto ao redor dela. — Vão visitar a gente!

— Não conte com essa sorte, pequena. — Olívia falou, pois sabia
que eu não era um grande fã da cidade grande. No caso, só ia até lá, por
conta de nosso pai, mas antes de sua doença, raras vezes acabava por

viajar. Gostava do meu canto. Gostava do meu meio do mato.

Assim que o carro saiu, vi o silêncio recair como quilos sobre nós,
e ouvi um suspiro de Mabi.

— Ela sabia, antes mesmo de eu saber quem era ela. — falou,


surpreendendo-me por não me ignorar ou tentar voltar na conversa de mais
cedo. — Ela mal me viu e me chamou de tia. Eu não tinha me ligado nisso,
até hoje. Passei o dia revivendo momentos, buscando detalhes, e de
repente, as coisas não se encaixam.

— Maria Beatriz...

— Não quis falar todo esse tempo, então... Não precisa. — cortou-
me, e seu olhar parou no meu. Ela não parecia mais acuada ou assustada
como cedo. Ela apenas parecia certa do que fazia. O olhar azul inundando
todo o meu. — Eu não sei como, mas todo mundo parece saber mais do
que eu nessa história toda. Até mesmo, a sua sobrinha de sete anos.
— Tudo tem uma explicação, Mabi.

— Mas você não me dá nenhuma. — falou, passando as mãos

levemente sobre o vestido, e as parando sobre a barriga. — Eu não sei se


me conhece bem o suficiente como parece, mas eu sou oito ou oitenta,
Inácio. Ou tenho tudo, ou eu tenho nada. Ou eu te dou tudo, ou não te dou
nada. Ou você me dá tudo, ou não me dá nada. Não aceito metades. Não

aceito segredos. Não aceito ser feita de idiota.

— Não quero que se sinta como se eu estivesse te enganando. —


falei, praticamente em desespero e ela abraçou o próprio corpo.

— Não está? — rebateu. — Não está me enganando ao estragar as


flores lindas que comprou para mim, só porque viu Hugo sair da minha
casa e pensou o pior?

— Pensei que poderia ter batido a porta na cara dele. — fui sincero,
e respirei profundamente. — O mesmo que fez comigo, meses antes.

— Não são a mesma pessoa, Inácio. — falou, e seu olhar me


acertou por inteiro. Era exatamente ali, que eu quebrava. Ela era o meu
calcanhar de Aquiles. E o amor dela por outro, era a minha destruição.

— Eu sei que não, e por isso, não posso ser o que espera de mim.
— falei, e desviei o olhar. — É mais fácil apenas fingirmos que não nos
desejamos, sabendo que temos um prazo...
— O que eu espero de você? — perguntou, e eu me calei. Deu
alguns passos em minha direção e parou bem próxima. — O que acha que

eu espero?

— Uma cama quente. — respondi e soltei o ar com força. — Um


corpo para estar com você e um pai para o seu filho.

— No final, você me conhece tão pouco quanto eu te conheço. Ou

tem medo de enxergar o que está claro em mim. — falou, pegando-me de


surpresa, e eu fiquei estático.

Suas mãos vieram para meu rosto e fiquei perdido, como um


garoto, diante do olhar azul, que ultrapassava cada fresta da minha
armadura. Deixando um rastro de rachaduras por todos os lados. Ela
apenas me tocou, e sorriu, afastando-se no segundo seguinte.

— Boa noite, Inácio.

A tensão entre nós ainda maior, como se fosse possível ser cortada

com uma faca. Percebi ali, que ela estava entregando tudo o que tinha de
si. Tudo que era dela para ser meu. E por mais que pudesse ser a minha
mente ilusória, não pude mais apenas ignorar. Eu queria enxergar aquilo
nos seus olhos. Eu queria que ela me enxergasse.

— Posso não ser ele. — declarei, e de repente, nada mais me


escondia dela. Ela parou o passo e soube que me escutou. — Mas posso ser
seu, por completo. Basta me querer, Maria Beatriz.

Pensei em ir até ela, mas não consegui em um primeiro segundo. O

silêncio me acertou e a falta de reação, deixou-me no limbo. Vi-me então


indo até ela, e antes que a virasse, ela praticamente se jogou em meus
braços.

— Me faz implorar. — praticamente exigiu, e sua boca veio

diretamente para minha.

O desespero do seu toque, o sorriso em meio ao beijo, a forma


como suas mãos buscavam cada parte de mim. Soube ali, que ela entendeu.
Se não o todo, ela ainda entenderia. Mas naquele momento, eu apenas
precisava lhe mostrar, mais uma vez, como a amaria com o meu corpo. E
depois, lhe mostraria o meu coração e alma, que lhe pertenciam.

MABI

Eu poderia morrer ou matar por aqueles lábios.

Sua boca em cada canto de mim, e mais um vestido,


completamente arruinado e jogado pelos degraus da escada. Vi-me sendo
levada pelo seu colo, enquanto lutava contra o seu cinto, e tentava tocá-lo,

a todo custo. Não queria dizer mais nada. Não queria mais pensar em nada.
Eu só queria, poder tê-lo, mais uma vez. Eu só queria, poder ser dele, outra
vez.

Sua boca assaltou a minha, tirando todo meu fôlego e me fazendo

castigar cada parte do seu peito quase totalmente exposto, com minhas
unhas. Outra camisa dele arrebentada, jogada em direção qualquer. Todo
meu corpo clamando para ser adorado pelo dele, e eu soube, que poderia
surtar a qualquer momento, se ele não continuasse.

— O que você quer primeiro? — perguntou, no tom sexy e quente


que eu tanto recordei nos meus sonhos molhados. — Olhos em mim, Maria
Beatriz.

Abri-os, assim que fui depositada na cama, e fiquei extasiada diante

da imagem dele, sem camisa, o cinto quase fora, a calça jeans apertando-se
contra a ereção.

— Quer minha boca? — perguntou, e desceu os lábios para os


meus seios, fazendo-me arfar. — Quer os meus dedos? — levou-os até a
minha boca, os quais trouxe para dentro, fazendo-o me olhar com total
satisfação. — Ou quer o meu pau? — levou minha outra mão sobre sua
calça, e não pude resistir em apertá-lo.
Saudade daquele corpo suado no meu.

— Posso pedir o menu completo? — indaguei, e ele me mordeu o

lábio inferior, ficando ainda mais quente, e uma de suas mãos prendeu as
minhas, acima da cabeça. — Inácio... — reclamei, quando seus lábios
começaram a descer por meu corpo e eu soube que morreria de tesão, se
ele não acabasse com a minha agonia. — Pode me matar de prazer depois,

agora... eu quero o seu pau em mim.

— Implore, Maria Beatriz. — exigiu, e sua mão soltou as minhas,


mas seu olhar, claramente as exigia ali, no mesmo lugar. Sua boca desceu
perigosamente para minha coxa, e deixou uma leve mordida. — Se não
implorar, vou tomar o meu tempo. E você sabe muito bem, como gosto de
te saborear.

E por todos os sete infernos, eu sabia!

Então, apenas vi-me trazendo sua cabeça para cima, forçando-o a

me levar, o qual se apoiou com as mãos na cama, e me encarou,


profundamente.

— Me fode. — pedi, quase implorando, mas sabia que não bastava.


E era exatamente ali, naquele único lugar, que Inácio conseguia ter
controle sobre mim. Ao menos, em determinados momentos. — Me fode,
por favor.
— Não. — falou, mas ao contrário de sua negativa, ele se levantou,
e retirou o cinto, descendo a calça jeans e a cueca de uma vez. O homem

em toda sua glória, era o meu ponto fraco por completo. Não era à toa que
eu perdia a racionalidade diante dele. Era um verdadeiro deus a minha
frente, e todo meu. Nos meus sonhos, mas que se danasse. Era meu.

— Não? — perguntei, quando voltou para mim, e ele assentiu. —

O que vai fazer então?

— Não é apenas uma foda, Maria Beatriz. Nunca foi. — falou, e


mesmo que não fosse um momento sobre sentimentos, de repente, o era.
Eu estava imersa nele. Meu corpo queimava, e meu coração estava a ponto
de sair pela boca. — Mesmo quando achou que era apenas isso, não foi. —
senti-o em minha entrada e um gemido escapou de meus lábios. — Eu te
fodi como se não amasse... — falou, e entrou em mim, tomando cada
parte, e fazendo-me arfar. As mãos entrelaçadas nas minhas, o meu corpo

todo rendido e desesperado pelo dele. Não sabia se aguentaria muito,


porque de repente, estava próxima ao nirvana. — Mas eu sempre amei.

— Inácio. — seu nome saiu da minha boca, como uma prece, e


antes que pudesse dizer qualquer outra palavra, seus lábios vieram para os
meus. Gemi em meio ao beijo, agarrando-me a ele, como se fosse tudo o
que necessitava. E de fato, eu o fazia, naquele instante.

Não era a primeira vez que eu fazia amor com o homem que
amava, e a realidade me acertara em cheio. Porque era ele. Porque sempre

foi ele. Porém, era a primeira vez que eu fazia amor com ele, sabendo que

o amava. Dando-lhe mais do que meu suor, prazer e devassidão. Mesmo


que ele ainda não me permitisse expressar, estava claro, no meu olhar – eu
lhe entregava tudo.
CAPÍTULO XIX

“Em jantares e festas

Eu exponho seu jeito do contra

E a cidade costeira

Por onde vagamos nunca

Tinha visto um amor tão puro quanto esse"[28]

MABI

Respirei profundamente em meu sono, e senti um corpo quente


envolto do meu. Depois de dias de guerra interna. Depois de anos sem
entender. Ali, finalmente, eu sabia, livremente. Virei-me com cuidado e a

expressão serena no rosto do semblante mais duro que já conhecera, me

atingia por inteira. Toquei sua barba com cuidado para não o acordar, e
fiquei apenas ali, por alguns segundos.

— Como eu não te vi antes? — perguntei quase em um sussurro, e


me segurei para não o beijar.

A retrospectiva que fizera durante todo aquele dia. A forma como


eu sempre me lembrava de ele estar lá. Talvez longe. Talvez perto. Mas
Inácio Torres estava em todas as minhas lembranças. Fosse para me
abraçar aos dezesseis quando perdi meus pais. Fosse para começar as
nossas farpas aos dezoito. Ele estava lá.

E finalmente eu entendi o porquê. Pelo menos, parte de toda aquela


confusão que adentramos. Não tinha como ser simples apenas o ter por
perto, como meu. Não o tinha. Porquê de alguma forma, eu sabia, que não

poderia resistir. Não o fazia quando lhe respondia a altura. Não o fiz
quando nos entregamos ao desejo enlouquecedor naquele carro. Não o
faria enquanto o meu coração batesse tão freneticamente por ele.

— Lindo. — sussurrei e encostei nossas testas.

Afastei-me a contragosto e senti o frio me atingir no mesmo


instante. Olhei ao redor, e poderia até colocar sua camisa, porém, a
arruinara por completo. Adentrei o belo closet, no qual algumas coisas
minhas estavam colocadas, e do lado oposto, algumas dele. A lembrança

de ele apenas entrando ali, todas as manhãs, para pegar as suas roupas e
sair, me machucava. Porque eu não queria apenas a sua presença, distante
e intocável. Eu o queria.

E diacho! Eu estava adorando o querer. E morrendo de medo de o

amar tão perdidamente.

Desviei das minhas roupas e parei nas suas camisas, as quais


mexera em momentos sozinha, exatamente ali. Sorri, porque não
conseguira resistir. Tentei ao máximo não espionar por todos os cantos da
casa, contudo, sempre um lado meu, se sobressaía. E enquanto ele dormia,
na cama em que nos amamos, eu resolvi buscar a camisa mais quente e
bonita dele. Preta, como a cor que lhe caía perfeitamente.

Olhei com atenção, como não fizera durante os outros dias, já que

estava com tamanha raiva, que sequer conseguia fuçar tanto, antes de não
querer apenas amassar a roupa e atirá-la pela janela. Sorri sozinha, porque
finalmente entendia a razão de ele tirar toda minha raiva, racionalidade e
angústia. Ele conseguia despertar o que quisesse em mim. Ele tinha o meu
amor.

Peguei uma das camisas pretas, e retirei do cabide. Passei a colocá-


la e olhei por um segundo para a minha barriga ainda querendo tomar
algum formato. Levei as mãos a ela, e uma lágrima desceu. Nosso filho

estava lascado com pais tão complicados, mas lá no fundo, eu sabia, que

não lhe faltaria amor. Nunca.

Minha visão então parou em uma camisa jeans escura, que


diferente da outras, não estava pendurada. Alguma coisa me fazia lembrar,
daquela peça, anos antes. Tentei buscar na memória, e sem resistir, trouxe

o tecido até meu rosto, respirando profundamente. O cheiro dele ali, e eu


sorri. Porquê de alguma forma, tudo em mim, estava envolto, de tudo dele.

Abri a jaqueta e foi como um estalo na mente. Ele a usava, em um


dia que joguei um copo de bebida diretamente na sua cara, após uma noite
no bar. Sorri sozinha, porque felizmente, a bebida não estragara o tecido.
Era uma jaqueta bonita, e combinava com ele. O que eu não admitiria, nem
por reza, naquela época.

Assim que passei a dobrá-la novamente, e dei um passo para

guardá-la, senti algo sob meu pé esquerdo. Franzi o cenho e notei que era
uma fotografia. No segundo em que a peguei, meu coração disparou tão
fortemente, e minha mente girou. Era uma foto minha. Uma foto que eu
nunca revelei. A postara no facebook há alguns meses, e lembrava que
adorava o fato de meus olhos estarem em evidência.

Mas...
— No que está mexendo, criança? — a pergunta soou, e meu corpo
todo reagiu a sua voz, enquanto a pergunta que não queria calar, me

atingia. Eu estava de costas para ele, o que não permitia que me visse com
a foto em mãos, então, quando me virei, notei seu olhar mudar.

— Desde quando? — perguntei, engolindo em seco. Uma lágrima


desceu e tudo me atingiu em cheio. As palavras de todos ao meu redor. Os

anos de ele ao meu redor. A forma como ele nunca deixava de estar por
perto. A forma como ele sempre trazia Hugo como uma questão entre nós.
Porque no fim, o era para ele. — Desde quando me ama?

Surpreendendo-me, ele me entregou um sorriso de lado, que me fez


paralisar por completo. Ele não estava correndo como antes. Ele não estava
se escondendo ou se trancando de mim.

“Posso não ser ele. Mas posso ser seu, por completo. Basta me
querer, Maria Beatriz.” Sua fala de mais cedo, repassando em minha

mente.

Veio a passos certos e tocou meu rosto com as duas mãos,


limpando algumas lágrimas.

— Desde aquela festa da faculdade, em que eu fui, sem saber por


que e... te encontrei. Desde um pouco antes disso, na verdade. — admitiu,
e sua testa tocou a minha. — Mas eu sabia que era uma batalha perdida,
então...

— Tirou a minha raiva, já que pensou que não poderia ter o meu

amor. — complementei e ele assentiu, fazendo-me fechar os olhos,


tamanha intensidade. — Por isso todos parecem saber. Por isso até Daniela
sabe. Por isso sua família acreditou em nós. — soei como uma
metralhadora e ele apenas assentia, enquanto os olhos castanhos

permaneciam fechados. — Como eu não vi? — perguntei, não sabia se


para mim, para ele, ou para o universo. — Como eu fui tão cega?

— Não tinha como. — respondeu, e se afastou levemente. — Mas


está aqui agora, e se me der a chance... — neguei de imediato com a
cabeça, e tive que rir em meio as outras lágrimas que desciam. Seu olhar
mudou e eu quis socar sua bela cara, porque ele era tão cego e burro
quanto eu.

— A prova viva de que a idade não traz inteligência. — caçoei, e

ele franziu o cenho, claramente confuso. — Você é cego como eu, Inácio.

— Do que estamos falando, Maria Beatriz? — indagou, e eu revirei


os olhos. — Criança.

— Estamos falando do fato de estar me matando lentamente todos


os dias desde que me tocou. Estamos falando sobre como consegue
despertar algo em mim, com um estalar de dedos. Estamos falando do fato
de eu nunca ter amado antes, e talvez, mesmo romântica pra cacete, seja
uma péssima mocinha. Se eu tivesse olhado com mais atenção, ou saído da

minha bolha... eu te veria ali. E eu ia saber, que não era raiva, ódio ou
qualquer outra coisa. Ainda me irritaria, mas... sempre teve um mais ali.

— Não precisa...

Levei os dedos a sua boca e o forcei a se calar.

— Não tenho porque mentir. — assumi, e afastei meus dedos. —


Você me tem, Inácio. E de alguma forma, sempre me teve. Eu não vi.
Você não viu. Mas... sempre me teve.

Ele piscou algumas vezes, como se assimilando as informações e


eu fiquei sem fôlego diante do seu semblante. Como a gente era cego
quando se tratava um do outro, como!

— Antes que pense que estou confundindo tudo ou se afaste por


achar que está cuidando de mim... Eu amo você, Inácio. Me apaixonei

desesperadamente e tô morrendo de medo, mas eu amo. E eu amo essa


loucura que a gente se meteu. Eu amo o fato de querer socar a sua cara as
vezes, ao mesmo tempo que, só quero um sorriso. Eu amo te encontrar
tocando na madrugada e pensar que canta para mim. Eu amo quando entra
no meu quarto no meio da noite apenas para falar com nosso filho. Eu amo
como o seu toque me desperta e me faz querer não ir, nunca mais. Eu amo
que foram anos vivendo de uma mentira inventada da minha cabeça, mas
bastou uma noite, para eu não te tirar da mente. Eu amo que mesmo que

pudesse escolher amar alguém, seria você. — admiti, deixando tudo sair, e
sem querer correr. Era aquilo. Aquela intensidade. Aquela era eu. E
mesmo morrendo de medo de que ele se assustasse diante do meu
sentimento, não minimizei nada. Apenas lhe dei tudo.

Seu olhar mudou ainda mais, e notei-o completamente marejado.

— Não sou o príncipe que você sempre desejou, eu sei. — falou e


quis corrigi-lo no mesmo instante, mas ele tocou meu rosto, impedindo-
me. — Mas te ver, citando partes do livro que escreveu sobre amor, eu...
Não sou bom em falar e me expressar, Maria Beatriz. Mas eu sou
completamente louco por você há anos. E a cada dia em que te tive por
perto, e cada vez mais perto, me apaixonei mais. Todo dia, me tem mais
para si.

— E vou poder te ouvir tocar? — indaguei, em meio a um sorriso,


e ele me presenteou com um dele, fazendo-me derreter. — Não vou
facilitar para você, velho. Pode ser o meu felizes para sempre, mas eu
ainda vou te dar mais cabelos brancos.

— Usando apenas camisolas e desfilando pela casa como uma


maldita deusa? — perguntou, puxando-me para mais perto e assenti. —
Não obedecendo a nenhuma ordem minha, se não for para benefício
próprio? — indagou, e eu mordi o lábio, já sentindo todo meu corpo

esquentar. — Eu vou tocar todas as músicas que quiser, criança.

— Bom, prepare-se porque vou te ensinar cada álbum da Taylor


Swift. — ele arqueou uma sobrancelha, como se me desafiasse e eu
arregalei os olhos. — Não! Você não sabe tocar Taylor Swift, Inácio
Torres!

— Eu sei de tudo que você ama, e bom...

— Depois de eu me acabar nesse corpo gostoso, homem... Você vai


pegar aquele violão e me fazer uma maldita serenata. — falei, sorrindo
abertamente, e sentindo-o subir meu corpo no seu, praticamente em seu
colo. — E vai me contar tim por tim tim do que sabe sobre mim.

— Por que não fica quieta e me beija, criança? — indagou, no tom


provocativo e eu quis esganá-lo. — Hora de dormir, filho. — sussurrou,
em direção a minha barriga, e eu quis socá-lo por ser a melhor contradição

ambulante que já colocara os olhos.

Era ele.

Sempre ele.

Desgrama! Eu o amava.

— Porque esse é o momento em que eu te deixo achar que manda


em mim. — respondi, e puxei seu lábio inferior com os dentes. — Mas
acho que prefiro cavalgar hoje, e te mostrar, que vai ter que aprender a me
ler melhor que isso.

Sua mão veio para meus cabelos, puxando-os e me fazendo arfar,


no mesmo instante, em que me encostou contra uma das paredes do closet.

— Vou te torturar antes disso, e vai me compensar ano a ano, que


esperei para poder te amar assim, abertamente. — falou, sua boca

chegando a minha e beijou-me levemente.

— Estou contando com isso. — respondi, e ele finalmente me


devorou.

Sabia que mais uma camisa dele seria destruída no processo, mas
valia a pena. De fato, nós dois juntos, continuávamos sendo uma bagunça
certeira. Não tinha como não ser atingido quando estávamos juntos. Era
uma explosão. Era o certo. Era o amor que se esperava a vida toda para ter,
e não se poderia fugir.

A bagunça mais linda e romântica que eu poderia querer. Era o


meu conto de fadas com o homem que menos esperei, mas o qual, sempre
me esperou.
CAPÍTULO XX

“Eu não quero olhar para mais nada agora que te vi

(Eu não consigo mais desviar o olhar)

Eu não quero pensar em mais nada agora que pensei em você

(As coisas nunca mais serão as mesmas)"[29]

MABI

— Não! — falei, no exato momento em que Inácio tirou um Kindle


de uma gaveta que geralmente ficava trancada no seu escritório. Sabia que
estava trancada, porque já me vi trabalhando ali, naquela mesa enorme
durante a semana, e ficado encucada em porquê tinha uma gaveta trancada,
sendo que Inácio mal ficava naquele cômodo. — O pacote que vi Lucas
recebendo esses dias... — girei na cadeira chique, e ele sorriu de lado,

colocando-o a minha frente.

— Me deixa sentar, criança. — pediu, e no segundo seguinte,


levantou-me, e soltei um gritinho, sendo depositada em seu colo, e batendo
em seu peito, quando me colocou com cuidado sobre si. — Não queria
saber tudo? — indagou, e me deu o Kindle em mãos.

— Começando, por que comprou um Kindle?

— Não viu os livros pela biblioteca, criança? — provocou e puxou


levemente minha orelha com os dentes. Arrepiei-me por inteira, e o encarei
com os olhos semicerrados. — Eu sou um fã de Harry Potter.

— Quantas mais surpresas eu vou descobrir sobre você, velho? —


perguntei e ele deu de ombros, como se não tivesse muito ali. Mas eu
sabia, porque tinha algo tentador em desbravar aqueles olhos castanhos.

Liguei o Kindle e me choquei, no segundo em que vi meu livro na

biblioteca e 100% lido.

— Não! — falei, e ele apenas me encarava, do jeito que poderia me


ler por inteira. E no caso, o lia mesmo. — Como assim você leu meu
romance? E ainda leu meus cabarés? — perguntei rindo, e sentindo meu
rosto queimar.

— Descobri que se tiver similaridade entre você e a mocinha, vou


precisar comprar algemas.

— Inácio! — bati em seu peito com a mão livre, e senti a sua

apertar levemente minha bunda, e em seguida, suas mãos pararam em


torno de minha barriga, acariciando exatamente ali. Sorri pelo carinho e
sabia que ele estava em contato com nosso filho. Como seria, dali alguns
meses, ele ali conosco?

— Um menino. — falou de repente, como se lesse meu olhar, e


pisquei algumas vezes, sem entender. — Me perguntou naquele dia, o que
eu pensava que o nosso bebê é. — explicou e me olhou profundamente. —
Eu sonho com um menino, quase toda noite.

— Eu sonhei também. — comentei e ele sorriu, olhando-me com


carinho. — Será que temos um péssimo instinto de pais ou vamos acertar
de primeira? — perguntei sonhadora, e ele pareceu perdido em meu olhar,
sem dizer nada. — O que foi? — perguntei, sem conseguir compreender

toda a intensidade que ele me destinava.

— Você é linda. — respondeu simplesmente, e eu me derreti por


completo. — Sempre quis te dizer isso.

— Vou te obrigar a dizer todos os dias. — beijei seus lábios com


carinho e ele pareceu encantado. — E não me enrola não! A gente desceu
aqui para você me mostra algo e... tocar.
— Vai querer mesmo me ouvir tão perto? — indagou zombeteiro e
eu revirei os olhos.

— Não vai me enrolar. — bati em suas mãos e pulei do seu colo, e


ele gargalhou alto. — Inácio, você pare de me dar os seus sorrisos, se não,
vou te trancafiar em casa, e te obrigar a sorrir pra mim, o dia todo.

— Eu não consigo forçar sorrisos, criança. — piscou um olho, e se

levantou, vindo até mim. — Simplesmente, as vezes não sai. Vai ter que se
acostumar com o meu lado fechado, quieto e controlado fora do nosso
próprio momento.

— Eu já te aturo há anos. — fiz um sinal com a mão de descaso, e


ele me encarou seriamente, como se me desafiasse. — Violão! — pedi, e
ele caminhou até o lado de trás do sofá a minha frente, e retirou o
instrumento. — Lá fora? — perguntei animada, e ele assentiu de imediato.
— Tô sendo uma stalker do meu marido por uma semana, na varanda do

quarto de hóspedes. — assumi e ele veio até mim, passando uma mão em
minha cintura e beijando minha testa.

Andamos até o lado de fora, e meu coração disparou, a cada


movimento dele, ao se sentar em uma das cadeiras, e eu em uma das redes,
presa à sua imagem.

— Vai cantar comigo em algum momento, não vai? — sua


pergunta me surpreendeu e eu percebi, que a cada segundo, ele parecia o
fazer. Quando Inácio Torres não o fazia? — Qual música, criança?

— Eu te desafio a cantar a minha música favorita da Taylor. —


falei, e ele semicerrou os olhos, sorrindo no segundo seguinte. — To
achando que fui muito fácil.

— Será? — indagou, e no segundo em que dedilhou as primeiras

notas, eu soube. Me danei por completa!

“Há glitter no chão depois da festa

Meninas carregando seus sapatos pela recepção

Velas de ceras e polaroids no chão de madeira

Você e eu da noite anterior

Não leia a última página

Mas, nela, eu fico quando você está perdido e eu estou com medo e você
está se afastando

Eu quero suas madrugadas

Mas eu estarei limpando garrafas com você

no dia de Ano Novo”[30]


O inglês dele era perfeito e a voz rouca, combinava perfeitamente.

Perdera a conta de quantas vezes cantara aquela música a plenos pulmões.


Levei as mãos a minha barriga, enquanto ele continuava a cantar, com os
olhos fechados e parecendo perdido da música.

Como ele podia? Como ele conseguia? Como eu tinha encontrado

o príncipe encantado? De cabelos castanho-escuros ondulados, sem


camisa, um chapéu branco de cowboy ao seu lado, e no momento, apenas
com uma calça fina na cor preta. Ele era o meu príncipe perfeito.

Vi-me apenas levantando, indo até ele, e me sentando no degrau ao


lado, e cruzando minhas pernas. Ele pareceu perceber minha aproximação
no mesmo momento, e logo, seu olhar parou no meu, mas ele não parou de
cantar. A brigde chegou e eu não pude resistir, cantei junto a ele.

“Por favor, nunca se torne um estranho

No qual a risada eu poderia reconhecer em qualquer lugar

Por favor, nunca se torne um estranho

No qual a risada eu poderia reconhecer em qualquer lugar”[31]

Ele parou de tocar, e sua mão veio para o meu rosto.


— Acho que não terá problema em reconhecer minha risada em
qualquer lugar. — olhei-o incrédula e ele sorriu abertamente.

— Que horror, Inácio! — bati em sua mão, e ele deixou o violão.


— Não brinca com esse tipo de coisa.

— Medo de me perder, Maria Beatriz? — indagou, e desceu da


cadeira, sentando-se ao meu lado.

— Eu te enxerguei agora, então... Sem chance, cowboy. —


respondi, e ele tocou meu queixo, levantando-o. — Vai ter que me
aguentar.

— Eu vou te amar, do jeito que eu sempre quis. — trouxe-me para


mais perto. — E quero que me ensine como quer ser amada.

— Você ainda vai perceber que eu realmente te amo. — falei,


notando a fragilidade do seu olhar, e como ele parecia inseguro. Como ele
não poderia?

— Vem cá. — pediu, e me puxou para si, como se o certo fosse


me prender sobre seu corpo, e eu fui, de bom grado. — Vai dormir na
cama comigo. — praticamente mandou e eu tive que revirar os olhos.
Algumas coisas não mudavam. — E eu não vou mais me esconder de
você.

— Então nada mais de atuar, se é que em algum momento,


realmente, o fizemos? — perguntei, e ele assentiu. — O nosso dia do
casamento praticamente surpresa para nós, foi real, não foi?

— Cada segundo. — falou, e tocou meu rosto. — Eu ouvi, sem


querer, você falando com Leti sobre algumas coisas...

— Merda! — cortei-o e suspirei pesadamente. Lembrava-me do


que dissera, um pouco por cima, porque eu estava completamente perdida.

— Eu não me lembro direito, mas pode ter parecido que eu não te queria,
não é? — indaguei, e ele assentiu, como se concordasse. — Por isso se
fechou? Por isso a nossa noite foi um caos e a semana...

— Porque eu estava morrendo de medo, criança. — falou,


encostando nossos narizes. — Medo do que sinto. Medo de te pressionar.

— Tanto medo que não percebeu a forma como eu te olho? —


perguntei, mas não precisava de resposta. — Sempre pareceu me ler tão
bem.

— Eu sempre soube te deixar com raiva, é diferente. — aquela era


uma verdade.

— Com raiva, com tesão... — seu olhar mudou por completo e


tocou meu rosto. — Agora, uma mistura disso tudo, e amor.

— Vou ter que conhecer a minha esposa apaixonada. — falou, e o


título pareceu mais do que bem-vindo.
— E eu, a conhecer o meu marido, e me apaixonar por ele... todos
os dias. — respondi, e seus lábios vieram para os meus.

Simples assim.

A gente não discutia sobre estarmos juntos ou casados porque era


claro. A gente já estava. A gente já se pertencia. Antes mesmo de eu
perceber. Antes mesmo de ele admitir. Sempre teve algo que nos envolveu,

e em minha mente romântica, como o velho fio do destino. Talvez, Inácio


Torres fosse uma parte do meu destino.

Olhos castanhos misteriosos. Sorrisos contidos e guardados.


Surpresas intermináveis e os braços nos quais eu gostaria de ficar. O seu
toque me anestesiava, assim como, me revivia. O seu olhar me endeusava,
assim como, me acendia. A sua presença, era o bastante para exigir tudo de
mim, cada mínimo e amplo sentimento. E eu queria, mais do que tudo,
conhecer todo o resto, que ele poderia me fazer sentir. Se ele não fosse o

meu destino, soube que seria a minha escolha.


CAPÍTULO XXI

“Eu quero usar sua inicial

Em uma corrente em volta do meu pescoço

Não porque ele seja meu dono

Mas porque ele realmente me conhece"[32]

INÁCIO

— Então ela te ama? — Lucas perguntou, encostado contra o carro,


e negou com a cabeça. — Ela ia demorar quanto tempo mais para
entender? E pior, você? Por que não simplificam as coisas?

— Vou fingir que estou entendendo. — falei, passando as mãos


pelos cabelos. — Por que mesmo somos melhores amigos?

— Porque eu sou o cara engraçado e bonito, e você... você é você!

— provocou e eu bati em seu ombro. — É sério, patrão! — falou, e eu tive


que revirar os olhos para o apelido que ele sempre me dera.

Tudo bem, que no fim, me tornara aquilo para ele. Mas Lucas me
chamava de tal maneira, desde quando éramos moleques. Segundo ele

porque eu era cheio da grana. No fim, ele achava que era engraçado,
apenas achava mesmo.

— Não veio aqui só para me dizer que ela te ama, ou veio? Aliás,
agora eu entendi porque simplesmente tirou o dia de folga. — inspecionou-
me e era a verdade. Passara o dia perdido com ela, apenas podendo amá-la
e esquecer do mundo. Falando sobre tudo, e as vezes, sobre nada. Nós
merecíamos aquilo. — Já sei! Vai admitir abertamente, para mim, que eu
já sabia, que você ama a sua senhora Torres?

Zombou e eu sabia que ele nunca pararia, se não falasse de uma


vez.

— As terras. — falei, e ele mudou completamente o semblante. —


Ela sabe de tudo, mas não das terras.

— E por que não foi a primeira coisa que contou? — indagou,


como se preocupado e eu passei a mão direita sobre o chapéu pendurado
na outra. — Você admitiu que ama a mulher a vida toda, e ela tá

descobrindo todo o seu lado romântico de príncipe de conto de fadas...

— Lucas!

— Nem vem com a história de que não é o cara certo para ela e blá
blá blá. — revirou os olhos. — Sabemos que pode ser um bruto, mas o teu
coração é uma geleia!

— Esse não é o tópico. — cortei-o e ele parecia a ponto de me


mandar a merda, ou me levar diretamente até Mabi. — Isso pode
pressioná-la ainda mais.

— Acha que tudo isso está a pressionando? — perguntou, e eu


assenti, não sabendo se feliz ou não por ter alguém para falar sobre. —
Acha que ela está confundindo as coisas? Fantasiando? E que se souber
das terras, vai se sentir em dívida ou...

— Ela disse que só não sabia, mas sempre me amou. — falei, e

meu amigo me olhou com atenção. — E se na verdade, daqui um ano, ela


acordar e ver que...

— Que o homem que eu me declarei e dei tudo de mim, duvida? —


uma voz ao fundo me paralisou e a luz não muito forte na frente da casa de
Lucas não ajudou em nada. Porém, eu sabia que era ela.

— Eu sinto muito. — Gustavo falou, e caminhava ao lado dela. Ele


foi direto para Lucas, que apenas me encarou, sem saber o que dizer. Ali,
ela descobria mais do que a minha insegurança, ela descobria que eu

estava com medo. Morrendo.

Eu nunca pensei que a teria. E de repente, a tinha. Não tão de


repente quanto os anos que passei a amando, mas ainda assim... Tão rápido
quanto ela me enxergou, ela poderia escolher não me enxergar. Não era?

Merda!

Um homem de trinta e seis anos, completamente domado e perdido


pelo medo de perder a mulher que amava. Que era sua esposa. Que era a
mãe do seu filho. Que era o seu futuro, ao menos, em sua mente.

— Vim rebocá-lo para casa. — Mabi falou, e surpreendendo-me,


estendeu-me a mão, e eu fiquei sem reação.

— Vai logo, homem! — Gustavo praticamente ordenou e saí de


meu estupor.

— Velho? — ela insistiu, e eu fui, dando-lhe minha mão.

Uma vida escondendo o que sentia. Uma noite que mudara tudo.
Um dia que ela via cada rachadura minha.

Entrelaçou nossos dedos e eu não sabia o que dizer. De repente, a


culpa caiu sobre mim. A culpa de não confiar nela. A culpa de não saber
lidar com o amor. A cada passo que dávamos em direção ao meu carro,
meu coração se perdia na linha entre quase sair pela boca e quase parar.

A casa de Lucas era na mesma propriedade, mas tinha uma

considerável distância. O que me fazia querer brigar com ela por ter
andado tanto até ali, mas não consegui. Apenas me calei, ao ajudá-la a
subir para o banco do passageiro, e passar o cinto sobre si. Ela sorriu
docemente, e eu estava perdido.

O que estava acontecendo?

Se um dia eu consegui lê-la, ali, eu não tinha ideia.

Pensei que o silêncio perduraria, mas senti seus olhos presos em


meu corpo, e uma mão diretamente na minha coxa, me fez adorar seu
toque.

— Pode me levar até aquele buraco na cerca? — perguntou, e eu


me vi apenas assentindo e seguindo caminho. — E pode, deixar o farol do
carro alto, em direção ao lago do outro lado da cerca? Não deve ser muito

eficiente, mas com as lanternas dos celulares, deve funcionar.

— O que vai fazer? — indaguei, e ela deu de ombros.

— Bom, ao menos uma surpresa para você. — apertou minha coxa


com cuidado. — Não sou tão boa, mas... Vamos lá!

Assim que estacionei o carro, fiz o que me pediu. Carro parado em


direção que sabia que era o lago, farol alto, e corri para ajudá-la a descer.
— Está com seu celular, não é? — perguntou e eu assenti, sendo
apenas puxado por sua mão e seguindo-a.

Mabi passou pelo buraco na cerca e fiz o mesmo, tentando


acompanhar seu ritmo. O caminho não estava totalmente iluminado, pois
seria impossível, porém, o farol alto, as luzes ao redor da fazenda, e os
nossos celulares com as lanternas, ajudavam.

Quando ela parou a frente da árvore e passou os dedos sobre algo,


fiquei ainda mais perdido. Porém, ela sorriu sobre o ombro, e os olhos
azuis, me arrebataram, por inteiro. Eu poderia duvidar de tudo, mas nunca,
do amor que sentia por ela. E não sabia o que pensar, por estarmos
exatamente ali.

MABI

— Eles eram felizes aqui, sabe? — perguntei, tocando as iniciais e


tentando não pensar que a felicidade deles acabara rápido demais. Um
acidente de carro em um dia sem chuva ou qualquer outro veículo. Alguns
diziam que era para ser. Eu gostava de me apegar a ideia de que eles se
amavam tanto, que tiveram que partir daquela vida, juntos. — Mas eles

eram felizes, em qualquer lugar.

— Meus pais contam até hoje, que nunca virão casal tão
apaixonado. — falou, e eu virei a lanterna para o seu peito, tomando
cuidado para não acertar seus olhos. — Eu sinto muito, de verdade.

— Lembro de como me abraçou naquele dia horrível. — anunciei,


porque ele fora uma das pessoas que me apeguei aos braços e deixei tudo
sair. — Acho que nunca te agradeci por me deixar destruir sua camisa ao
chorar tanto.

— Sabe que isso não é um problema.

— Eu sei que eu tinha dezesseis, você vinte e seis, e nem éramos


amigos ou próximos... Mas você estava lá.

— Eu sempre me senti próximo a você, mesmo que nosso contato

fosse pouco. — admitiu, e eu assenti. — Mas daí veio a faculdade, e a vida


acontecendo... E quando eu tive um tempo para ficar na cidade, soube que
precisava de mim, e eu fui.

— Como você soube? — indaguei, e ele franziu o cenho. — Como


soube que me amava?

— Dois anos depois. — falou e dei um passo para perto, sentindo


seu toque em meu rosto. — Eu estava apenas caminhando pela fazenda,
era um domingo, e quando notei o buraco na cerca, parei para tentar

entender. Lembrei-me vagamente, de passar por ali com meus irmãos,


quando mais novo.

— Eu passava por ele, e acabava correndo pelas suas terras, com o


que? Seis, dez anos?

— Nossos pais não pareciam ter problema em ter os filhos


correndo de um lado para o outro.

— Não. — sorri, e sua mão livre veio para meu rosto.

— Quando cheguei desse lado, eu te vi. — falou e pareceu preso na


lembrança. — Te vi com os cabelos sendo bagunçados pelo vento, com um
vestido rosa e falando sozinha com a árvore. Deveria te achar maluca, mas
no fim, senti que tinha me ferrado.

Eu estava presa a um conto de fadas, só podia.

— Apaixonado por uma mulher que fala com árvores. Inácio


Torres, se contasse isso a sua inimiga pessoal... Ela te destruiria. — falei, e
ele sorriu, olhando-me novamente. — Ou, ela se apaixonaria também,
perdidamente, quando te viu, sobre um cavalo, falando com seu melhor
amigo e a evitando por dias.

— Mabi...
— Eu quase tive um treco passando por esses dias de confusão
nossos. Não posso imaginar como foi para você acreditar nesse amor, e me

ver sendo cega. — falei, e quase praguejei. — Me perdi em anos buscando


um amor como o dos meus pais, de alguém que eu achei que seria certo e
seria o meu futuro. Eu queria acreditar em algo, e acreditei, que a primeira
paixão da escola, seria o certo.

— Mabi...

— Não consegui enxergar que não era amor, porque, eu nunca


amei antes. Não até você chegar e quebrar tijolo por tijolo do castelo
encantado que eu criei. E depois disso, o transformado em nós. Talvez não
seja o suficiente, ou eu tenha que te provar todos os dias, mas... O amor é
sobre amar todos os dias, não é?

— Eu te amei por todos eles. — falou e notei a lágrima escorrer


pelo seu rosto.

— Como a minha música favorita, Inácio. — toquei seu rosto com


carinho e sorri. — “Eu fico quando você está perdido e eu estou com

medo.”[33] — ele beijou minha testa e eu quase me desmanchei.

Éramos uma página nova, mas parecíamos estar contando aquela


história há muito tempo. Mesmo antes do “eu te amo”, era amor.

— Pode me ajudar? — perguntei e mexi no bolso traseiro de sua


calça jeans, no qual sabia que geralmente, ficava uma chave extra de casa.

Até aquilo, eu passara a perceber no homem.

Fiz um sinal com a cabeça até a árvore, e vi-me mirando a lanterna


na mesma. Cravei o símbolo de “mais” ao lado da minha inicial, que fora
feita ali, anos atrás. Antes que eu pudesse fazer a inicial dele, senti-o
segurar minha mão e surpreendendo-me, me auxiliou a escrever a sua. A

gente era um cafona tão bonito, que eu poderia ficar presa aquele momento
para sempre.

— Não vou ser mais fácil, só porque é cafona como eu. — brinquei
e ele sorriu para mim.

— Eu sinto por ser inseguro. — assumiu e eu neguei de imediato.


— Eu sou, e não tenho porque esconder isso. — tocou meu rosto com
carinho. — Não ouviu toda a conversa com Lucas, não é?

— Gustavo e eu estávamos conversando, então... só ouvi o final. E

aqui estamos. — sorri, e ele fez o mesmo. — O que foi? Tem mais alguma
surpresa? Não vale! — falei, e bati levemente em seu ombro. — Não vale
superar a minha.

— Eu sou o dono das terras. — falou e eu demorei alguns segundos


sem entender o que de fato queria dizer. — Essas terras, criança.

— Não! — vi-me parecendo uma repetição ambulante. — Mas...


— Não sei explicar, eu só recebi a oferta do comprador do leilão há
alguns anos... Ele não sabia ao certo o que fazer e se arrependeu de ter

comprado. Então, as comprei e deixei como estavam. — admitiu. — O


furo na cerca, para me lembrar, do dia em que em apaixonei... Da mulher
que eu encontrei justamente aqui e...

Fiquei incrédula e vi que a vida dele, parecia tão junto a minha, que

de repente, nos entrelaçávamos.

— O que eu vou fazer para poder surpreender você, de verdade? —


perguntei, enquanto algumas lágrimas desciam e meu coração se perdia.
Deixei o celular no bolso, e vi-me levando as duas mãos para o seu rosto,
sem conseguir pensar direito.

— Quando disse que me ama, o fez. — falou e eu fiquei sem chão.


— Vamos fazer dar certo, não sei como, mas vamos.

Sorri, sentindo sua mão limpando as lágrimas que desciam de meu

rosto. No meio do nada que era meu tudo. No meio da escuridão em meio
a pouca luz. No meio de onde tudo pareceu começar, e de forma alguma,
poderia terminar.

Porque era aquilo. Porque éramos nós. Porque era o meu conto de
fadas. E Inácio Torres, era o amor que tanto sonhei.
APEGUE-SE AS MEMÓRIAS

“Apegue-se as memórias, eles vão se apegar você

E eu vou me apegar a você"[34]

Meses depois...

Ela tentava, todos os dias, lhe fazer surpresas. E todas as vezes,


naqueles quase nove meses de gravidez, falhara miseravelmente. Inácio
tinha um quê de esperteza para sempre descobrir o que ela tramava, até
porque, Maria Beatriz era completamente transparente para ele. Então, ela
planejou jantares românticos em casa – ele descobriu. Ela planejou jantares
românticos fora – ele descobriu. Ela planejou piqueniques ao anoitecer –

ele descobriu. Tudo relacionado a ela, parecia simples para ele. E o era.

E mesmo que ela se sentisse frustrada, por não conseguir


surpreendê-lo de fato, no fim, ele se sentia, surpreendido, todos os dias.
Porque a cada tentativa dela, que em sua cabeça fora falha, ele notava o
quanto o amor dela por ele era verdadeiro. E para Inácio, aquilo sempre
seria o suficiente. Amara-a por uma vida, achando que nunca teria aquele
amor. Amara-a ainda mais, por saber que era recíproco.
— Então, supermercado? — Inácio perguntou, sem entender
porque sua esposa lhe mandara uma mensagem do nada, para que ele lhe

encontrasse ali.

— A surpresa do dia. — Maria Beatriz respondeu, tentando


alcançar um pacote de miojo no alto da prateleira, mas o seu tamanho e a
barriga já enorme, não facilitaram. Inácio segurou um sorriso e pegou o

pacote, entregando-lhe. Ela colocou no carrinho que empurrava e bufou.


— Pelo menos esse, você não adivinhou.

— O que eu já te disse sobre surpresas, criança? — ele a parou, e


notou o olhar frustrado em seu olhar.

Sabia que ela estava assim, por ser uma romântica incurável, e
porque, queria quebrar todas as inseguranças dele. Por mais que ele
dissesse que já o fizera, ela parecia determinada a continuar. E mesmo
tentando, não conseguia convencer a mulher da sua vida, grávida e

determinada.

— Se disser que eu te surpreendo todo dia apenas por acordar do


meu lado, vou te bater. — declarou, e revirou os olhos.

Ela já era feroz, mas após alguns meses da gravidez, tornara-se


ainda mais. Maria Beatriz sabia daquilo. Sabia que não conseguia mais
guardar para si algumas frustrações. Dentre elas, estava o fato de ser uma
ótima escritora de romance, e uma péssima romântica na vida real.

— Helena disse que...

— Não a chame assim. — cortou-o, e Inácio segurou a risada,


porque se o fizesse, ela lhe jogaria o miojo direto na cara. A mulher estava
que não se aguentava, com ciúmes de uma outra, que mais parecia ter
medo das reações dela. — Desculpe, eu só...

Ela falou simplesmente, e Inácio a puxou para si, sabendo que


estava uma confusão em seu interior. Nunca conseguiria compreendê-la,
mas a cada dia, tentava amenizar o peso do mundo, que ela parecia levar
nas costas. A cada dia que se aproximava do nascimento do filho deles,
Maria Beatriz parecia ainda mais ansiosa.

Sabia que ela tinha medo.

Não do parto, mas sim, de perder sua família.

Ele a entendia por completo, porque sua relação familiar era a

mesma. A cada dia que passava, Inácio sentia ainda mais o medo de perder
o pai, e não sabia dizer como Maria Beatriz conseguira passar pela perda
de tudo, quando mais nova. No caso dele, ainda tinha uma esperança, já
que um novo tratamento, passara a fazer efeito, e quem sabe, as coisas se
encaminhariam. Era pelo que todos eles torciam. Já Maria Beatriz, perdera
tudo, e via-a todos os dias, falar de como o pinguinho deles, era o seu tudo.
O era, a ponto de ela não saber lidar com o fato de que seria uma
boa mãe. O era, a ponto de Inácio tentar todos os dias lhe dar o apoio e

calma que precisava. Eles eram os opostos perfeitos, de fato. Se


encaixavam um no outro, mesmo quando acharam que não faziam sentido
algum. Ali, eles faziam. Abraçados no meio do mercado da cidade,
enquanto Maria Beatriz sentia o medo de perder tudo, e Inácio, tinha o seu

mundo nos braços.

Era um dia de compras, que ela usara apenas de um momento para


respirar fundo. Mas minutos depois, se viu ligando para ele, e o querendo
ali. Não sabia dizer o porquê, mas algo dentro de si, apitou. Acreditou, em
um primeiro momento, que fora a frustração do jantar romântico que não o
surpreendera na noite anterior. Porém, no segundo que sentiu uma leve
cólica, e suas pernas ficaram completamente molhadas, tudo fez sentido.

— Diacho! — falou, afastando-se de Inácio, o qual piscou algumas

vezes, sem entender. — A bolsa estourou. — declarou, e ele arregalou os


olhos, descendo o olhar para as pernas dela e então, para o chão. E era real.

— Não pode ser, ainda faltam... — ele começou a falar, mas se


complicou todo no caminho. Maria Beatriz apenas ficou o encarando,
como se maravilhada diante da confusão do marido. O homem que ela
amava finalmente era surpreendido por ela. O pinguinho não errava! —
Por que está sorrindo? Não está com dor ou...
Ela se viu então tocando os lábios do homem de um metro e
noventa a sua frente, que parecia pronto para desmaiar, e continuou

sorrindo.

— Primeiro: eu te surpreendi. — ele a olhou incrédulo. —


Segundo: nosso Lorenzo vai nascer! — ela praticamente gritou, e deu um
pulo no lugar. Nem ela mesmo entendia, mas não sentia dores, apenas...

calma. Depois de longos meses de medo, ali, ela soube que estava pronta.
Talvez, sempre estivesse, para dar à luz ao seu filho.

— O que eu faço com você, criança? — Inácio perguntou, e a


pegou no colo no segundo seguinte.

Mesmo ela protestando, ele a levou até o carro daquela maneira. E


como sempre, ao depositá-la com cuidado, transpassou o cinto sobre ela.
Ambos sorriram, porque era o melhor momento para se lembrarem de
quem eram. Eram o amor um do outro. Era o dia, do fruto daquele amor

nascer.

Lorenzo Gonçalo Torres nasceu cerca de quatro horas depois, com


os cabelos ondulados e castanhos do pai, e os olhos azuis da mãe. Ele não
sabia, mas as pessoas que o amparavam, olhando-o com tamanha devoção,
lhe ensinariam o que era o amor verdadeiro.

Inácio Torres encontrou o amor verdadeiro em um segundo olhar


para a mulher que vira crescer, e se perdeu por completo. Maria Beatriz
encontrou o amor no príncipe encantado que nunca procurou, mas estava

ali, pronto para tirar tudo dela. Lorenzo foi a gravidez inesperada que os
unira no momento certo, mas eles estavam destinados, muito antes daquilo.

Foi no olhar que Inácio perdeu quando a viu com os cabelos ao


vento em um vestido rosa. Foi na fala que Maria Beatriz perdeu quando o

enxergou de fato e viu, que aquele chapéu branco, só poderia ser dela.

E fora a primeira frase que ela escreveu, no prefácio do seu


segundo livro lançado, naquele último mês: Para o amor que eu não tive
escolha. E que eu escolho, novamente, todos os dias. Para sempre.
E chegamos ao fim, e eu espero que de alguma forma, Mabi e
Inácio tenham alcançado as expectativas de todas as pessoas que me

pediram por eles. Um casal que traz consigo vários clichês, mas que no
fim, são apenas pessoas reais, com medos, inseguranças, amores e desejos.
Eu já estou com saudade, mas posso dizer, que parte dela, será sanada
quando conhecermos as histórias dos outros Torres. Isso mesmo! Teremos

mais para contar deles, em clichês únicos. O que acha disso?

Lembrando que Olívia pediu por um CEO... ai ai, o que vem


por aí?

Caso tenha gostado da leitura, não esqueça de deixar sua avalição.


Ela é muito importante para que a história chegue a outras pessoas e
desperte interesse nelas. E caso, queira conhecer mais do meu trabalho ou
papear comigo, recomendo que me encontre nas redes sociais,
principalmente, o Instagram (@alineapadua).

Muito obrigada por chegar até aqui

Espero te ver em outras histórias ��

Com amor,

Aline
O melhor amigo do meu irmão (A REJEIÇÃO)

clique aqui

Sinopse: Gabriela Moraes era apaixonada pelo melhor amigo do irmão mais
velho desde os quinze anos. Antônio era mais do que o seu sonho de consumo, ele
também era a pessoa com quem ela sempre pode contar. O que ela não imaginava, era
que no seu aniversário de dezoito anos, ela seria rejeitada da forma mais fria por ele.

Dois anos depois e ele bate à sua porta.

Ela queria não sentir nada, e não sabia o que ele fazia ali. Porém, sabia que,

nunca mais, lhe daria a chance de quebrar seu coração.


O irmão da minha melhor amiga (A REDENÇÃO)

clique aqui

Sinopse: Ane Sousa nunca quis se apaixonar por ninguém, muito menos, pelo
irmão mais velho da sua melhor amiga. Fábio Moraes era um amigo, no fim, mesmo que
a cada sorriso ela se visse sorrindo também. Era inevitável desejá-lo. Quando aqueles
lábios se tornam seus, por alguns segundos, Ane pensa que talvez estivesse errada.
Porém, a forma como ele reage, lhe mostra, que o certo, sempre foi correr do
sentimento.

Momentos marcados por desculpas esfarrapadas.

Dois anos de uma amizade consolidada, e nada mais.

Duas pessoas que fogem do real sentimento que as envolve.

No fim, eles se tornarão o clichê que nunca desejaram?


CONTATOS DA AUTORA

Instagram: @alineapadua

Wattpad: @AlinePadua

Facebook: Aline Pádua

Grupo do facebook: Romanceando com Aline Pádua

Meus outros livros: aqui


[1] Trecho da canção intitulada Ready For It? da artista norte-americana Taylor
Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[2] Trecho da canção intitulada So It Goes... da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[3] Trecho da canção intitulada I Think He Knows da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[4] Trecho da canção intitulada invisible string da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[5] Trecho da canção intitulada Paper Rings da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[6] Trecho da canção intitulada ‘tis the damn season da artista norte-americana
Taylor Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[7] Tradução direta: inimigos para amantes.

[8] Trecho da canção intitulada Cornelia Street da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[9] Trecho da canção intitulada This Town do artista britânico Niall Horran –
álbum: Flicker, data de lançamento: 2017.

[10] Kindle é um leitor de livros digitais desenvolvido pela subsidiária da


Amazon, a Lab126, que permite aos usuários comprar, baixar, pesquisar e,

principalmente, ler livros digitais, jornais, revistas, e outras mídias digitais via rede sem

fio. Fonte: Wikipédia.

[11] Trecho da canção intitulada Photograph do artista britânico Ed Sheeran –


álbum: x, data de lançamento: 2014.

[12] Grey's Anatomy é um drama médico norte-americano exibido no horário

nobre da rede ABC. Fonte: Wikipédia.

[13] Trecho da canção intitulada Afterglow da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[14] Trecho da canção intitulada Delicate da artista norte-americana Taylor Swift


– álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[15] Trecho da canção intitulada ivy da artista norte-americana Taylor Swift –


álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[16] Trecho da canção intitulada A gente não se aguenta da artista brasileira


Marília Mendonça – álbum: Realidade, data de lançamento: 2017.

[17] Trecho da canção intitulada A gente não se aguenta da artista brasileira


Marília Mendonça – álbum: Realidade, data de lançamento: 2017.

[18] Trecho da canção intitulada Dancing With Our Hands Tied da artista norte-
americana Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[19] Trecho da canção intitulada Holy Ground da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: RED, data de lançamento: 2012.

[20] Trecho da canção intitulada Treacherous da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: RED, data de lançamento: 2012.

[21] Trecho da canção intitulada False God da artista norte-americana Taylor

Swift álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[22] Trecho da canção intitulada Dia, lugar e hora do artista brasileiro Luan
Santana – álbum: 1977, data de lançamento: 2016.

[23] Trecho da canção intitulada Gorgeous da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: RED, data de lançamento: 2017.

[24] Trecho da canção intitulada it’s time do to go da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[25] Trecho da canção intitulada Largado Às Traças da dupla sertaneja brasileira


Zé Neto e Cristiano – álbum: Acústico, data de lançamento: 2018.

[26] Trecho da canção intitulada Afterglow da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[27] Trecho da canção intitulada So It Goes... da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[28] Trecho da canção intitulada gold rush da artista norte-americana Taylor Swift
– álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[29] Trecho da canção intitulada Daylight da artista norte-americana Taylor Swift


– álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[30] Trecho da canção intitulada New Year’s Day da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[31] Trecho da canção intitulada New Year’s Day da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[32] Trecho da canção intitulada Call It What You Want da artista norte-
americana Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[33] Trecho da canção intitulada New Year’s Day da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[34] Trecho da canção intitulada New Year’s Day da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.
Copyright 2021 ©

1° edição – setembro 2021

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS A ALINE PÁDUA


SUMÁRIO
SUMÁRIO

NOTA

PLAYLIST

SINOPSE

PARTE I

PRÓLOGO

CAPÍTULO I

CAPÍTULO II

CAPÍTULO III

CAPÍTULO IV

CAPÍTULO V

CAPÍTULO VI

CAPÍTULO VII

CAPÍTULO VIII

CAPÍTULO IX

CAPÍTULO X

PARTE II

CAPÍTULO XI

CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XIII

CAPÍTULO XIV

CAPÍTULO XV

CAPÍTULO XVI

CAPÍTULO XVII

CAPÍTULO XVIII

CAPÍTULO XIX

CAPÍTULO XX

CAPÍTULO XXI

NOVOS COMEÇOS SAGRADOS

O melhor amigo do meu irmão (A REJEIÇÃO)

O irmão da minha melhor amiga (A REDENÇÃO)

UMA GRAVIDEZ INESPERADA

CONTATOS DA AUTORA
NOTA

Quem diria que os Torres tomariam conta da cena e trariam mais


livros inspirados nas músicas da Taylor Swift? Se você é nova por aqui,
fico feliz de lhe contar, que todos os álbuns da Taylor Swift me marcaram

em momentos diferentes da vida, e desde maio, tenho lançado livros


clichês baseados em álbuns dela. Já passamos por RED em “O melhor
amigo do meu irmão: A REJEIÇÃO”, por Speak Now e 1989 em “O irmão
da minha melhor amiga: A REDENÇÃO”, e por Reputation e Lover em
“UMA GRAVIDEZ INESPERADA”.

UMA GRAVIDEZ INESPERADA foi o primeiro livro que conta a


história da família Torres e seus quatro irmãos. Ele discorre sobre Mabi e
Inácio (o irmão mais velho). Não é necessária a leitura deste livro para o

entendimento deste, contudo, fica o aviso de spoilers sobre o casal


Mabi e Inácio.

CEO INESPERADO: o meu ex melhor amigo, veio diferente e


não foi baseado em um álbum todo, mesmo que Lover esteja presente em
várias passagens, a realidade é que realizei o sonho de ter Back To
December (do álbum Speak Now) como a base da história. Talvez não faça
sentido para você, cara leitora, porém, saiba que é construído com a
melhor parte do meu coração.

Se você é fã da Taylor, com toda certeza, pegará todas as

referências e crossovers de eras diferentes dela.

Babi e Júlio tem por objetivo te levar a um clichê que a gente se


emociona, se irrita e quer colar a cabeça deles e fazê-los conversar. Um
toque de drama e comédia (alô novelas turcas que amo), e muita Taylor

Swift na playlist de uma história.

Espero que esse livro seja um respirar profundo durante esse


momento tão difícil.

Boa leitura,
Aline Pádua
PLAYLIST

Posicione a câmera do seu celular para ler o QrCode e conheça um


pouquinho das músicas que inspiraram este livro. Caso não consiga ter acesso,
clique aqui
SINOPSE

Se nem tudo que reluz é ouro, Júlio é apenas a melhor imitação


de pedra preciosa que Babi colocou os olhos.

O seu ex melhor amigo, a abandonou e quebrou seu coração


quando eram adolescentes. Bárbara Ferraz jurou a si mesma que nunca
mais o deixaria ficar perto. Maldito CEO engomadinho!

Júlio Torres sabe que deixou uma parte de si para trás. Sua ex

melhor amiga o odeia e ele, muitas vezes, teve o mesmo sentimento por si.
Maldita sombra!

Júlio sabe que não pode mais ignorar, porque ele não quer apenas a
sua melhor amiga de volta, ele a quer como sua.

Babi foge dele como o diabo foge da cruz. Entretanto, como fugir
se depois do reencontro e finalmente os pratos limpos, ela se descobre
grávida do seu ex melhor amigo?
PARTE I

“Mas eu sabia que você duraria como um beijo tatuado

Eu sabia que você iria assombrar todos os meus “e se’s”

O cheiro de fumaça ficaria por todo esse tempo

Porque eu sabia tudo quando era jovem

Eu sabia que te amaldiçoaria pelo maior tempo

Perseguindo sombras na fila do mercado

Eu sabia que você sentiria minha falta quando a emoção expirasse

E você estaria em pé na luz da minha varanda da frente

E eu sabia que você voltaria para mim.”

cardigan – Taylor Swift


PRÓLOGO

“No tempo em que ainda estávamos mudando para melhor

Querer era suficiente

Para mim, era suficiente

Viver pela esperança de tudo isso

Cancelava planos só para o caso de você ligar”[1]

BABI

Aquele lugar era nosso.

Sorri pela lembrança e passei a mão pelo balanço velho. Não sabia
dizer como foi, mas de repente, a gente se resumia ali. Eu e Júlio éramos
partes um do outro. Desde os doze anos, até ali, aos dezoito. Era estranho

pensar que nossas escolhas estavam chegando, e que poderiam nos separar.

Porém, eu duvidava que nos separariam. Por que estava tão preocupada
com aquilo?

Soltei o ar com força, sabendo que ele terminara o namoro de


alguns meses com Lúcia. Eu também terminara o meu há algumas

semanas. Até naquilo, parecíamos conectados. E por mais que quisesse


resguardar e mentir, sabia, lá no fundo, que era mais do que eu estava
preparada. Eu o sentia em tudo de mim. Eu queria senti-lo em toda parte de
mim.

Em que momento você descobre que seu melhor amigo se tornou


seu primeiro verdadeiro amor? E por que desejar que ele seja o único?

— Quem? — a pergunta veio alta, e antes que pudesse impedi-lo,


sua mão estava sobre meus olhos.

Foi exatamente assim que a nossa amizade começou, quando ele


ajudou meus pais em minha festa surpresa de doze anos na época, mesmo
que a gente nunca tivesse se falado além de almoços entre as famílias.

— Estúpido. — respondi, e sorri quando ele encostou seu queixo


em minha cabeça. Ele era tão maior... Suspirei, não querendo pensar
daquela forma. Parecia poder estar em cada canto meu. E estando ali, nas
minhas costas, não conseguia impedir meu corpo todo de querê-lo. E Júlio
me conhecia melhor do que ninguém, então, ele conseguia ver que me

arrepiava e tremia em sua presença? Ao mesmo tempo que me sentia


segura e queimava?

Tantas outras bocas que beijei, buscando o que eu só queria


encontrar na dele. Lá no fundo, sabia que só encontraria na dele.

— Geralmente, você luta mais... — provocou, me trazendo para a


realidade, e me forcei a afastá-lo e tirar sua mão de meus olhos. — O que
aconteceu? — perguntou, quando seu olhar parou no meu e seu sorriso
sumiu.

Olhos castanhos lindos, assim como os cabelos castanhos


enrolados, que se mantinham impecavelmente. Vi-o se tornar um homem,
e não conseguia fingir que não me atingia a sensação de que ele era meu.

— Não quero falar sobre a faculdade hoje. — vi-me dizendo e ele

me puxou para perto, rodando-me no meio do caminho. — Por que a gente


só não fica aqui?

— A gente já está aqui, Bárbara.

Sorriu lindamente de lado e meu pensamento evaporou. Todos


tinham apelidos, assim como ele era chamado de playboy e eu de sombra,
a sombra dele, no caso. Não era um problema, até porque, sempre
estávamos juntos. A questão era que ele não me chamava de nada daquilo,

nem mesmo de Babi. Apenas carinho ou o meu próprio nome. E algo na

forma que ele dizia meu nome, fazia-me derreter. Era alguma crise dos
dezoito anos?

— Fecha os olhos. — pedi, e ele o fez de imediato, sem perguntar


ou questionar. Ele era tão fácil nas minhas mãos, sempre ali para tudo e

para todas as horas. Como seria tê-lo tão longe? Eu realmente consideraria
ir para fora do Brasil apenas para não o perder? Não poderia, e ele não
poderia deixar seu sonho morrer. — Imagina seu futuro. — continuei, e ele
sorriu, como se pensasse em algo. — O que você vê daqui dez anos?

— Você. — respondeu de imediato e meu corpo todo tremeu. Por


que ele tinha que ser tão perfeito? Júlio Torres tinha que errar em alguma
coisa, não era possível. A cada dia em que me tomava conta de que o
amava me sentia apavorada. — Você me infernizando vinte e quatro horas.

— Na mesma cama? — a pergunta escapuliu de minha boca e ele


franziu o cenho, mas não abriu os olhos.

Vi-me tomando coragem, que não sabia de onde vinha, e fui até
ele, tocando sua camisa branca agarrada a cada músculo que ele
desenvolvera ao longo dos anos. Subi minha mão até o seu pescoço, e vi o
exato momento em que seus pelos se arrepiaram. Ele sentia o mesmo? Eu
tinha perdido a noção?
— Se fizer isso... — começou, ainda de olhos fechados.

— Fizer o que? — indaguei, e toquei seus lábios com os dedos, e

mesmo que estivesse acostumada a tocá-lo, nunca fora tão certeiro como
naquele instante.

— Não brinca comigo. — pediu, abrindo os olhos e uma de suas


mãos foi direto para o meu rosto. — Eu te conheço melhor do que

ninguém, e pensei que estava louco ao ver o desejo gritando no seu olhar...
— soltou o ar com força, e seu hálito de hortelã me atingiu. Ele poderia só
parar e me beijar até esquecermos que éramos melhores amigos? — Me
diz o que quer. — praticamente implorou, tocando meus lábios e fazendo-
me quase gemer. O que diabos era aquilo?

Nem mesmo os namorados diferentes, ou os beijos perdidos em


pessoas aleatórias... Tudo se apagou ali.

— Você. — soltei, e não sabia dizer quem deu o primeiro passo,

mas de repente, aqueles lábios que tanto me faziam sorrir, calaram os


meus. Sem tempo para pensar no que era certo ou errado. Sem tempo para
imaginar o que seríamos. Sem tempo para podermos parar.

Sua língua na minha e toda meu raciocínio evaporado. Mãos na


minha cintura e costas, fortes e decididas, fazendo-me arquejar e gemer
seu nome no beijo. A forma como aquele lugar se transformara por
completo e ele era meu. Por alguns segundos ou talvez por horas com
aqueles lábios nos meus, em uma sede sem fim... por aquele momento, eu

poderia jurar que ele era meu, em todos os sentidos.

Lego engano.

— Júlio!

A voz veio de longe, e eu finalmente me afastei de seu corpo, sem

saber quanto tempo ficamos ali. A gente se olhou e eu sabia que não
precisávamos dizer nada. A gente se conhecia no olhar. Eu estava uma
bagunça, daquilo tinha certeza, e percebi que era fato quando Inácio
Torres, o irmão mais velho de Júlio se aproximou.

Ele me fez um leve cumprimento, tocando a mão no chapéu de


cowboy, e eu sorri. Ele era uma pessoa fechada, mas eu conhecia um
pouco do lado família dele. Inácio, assim como todos os Torres, eram
únicos quanto estavam juntos. E eu, sempre estava lá, envolta deles.

— Mamãe está maluca atrás de você, parece que o voo adiantou e


ela precisa te levar para a capital agora.

— Voo? — perguntei, olhando de Inácio para Júlio. O mais velho


franziu o cenho, como se tão perdido quanto eu, e Júlio o olhou como se
implorasse para ficar calado.

Contudo, conhecia Júlio melhor do que aquilo.


— Hora errada, irmão. — Júlio falou, e Inácio pareceu entender o
que acontecia, e eu fiquei ainda mais perdida. — Bárbara, eu...

Por que ele parou de falar quando me encarou? Por que ele
parecia ter uma culpa nos ombros?

— Você disse que estava pensando no estágio e... Como já tem um


voo marcado? — a pergunta saiu de imediato, e era como se eu, pela

primeira vez, visse em seu olhar a mentira clara. — Fala alguma coisa!

— Eu sinto muito, Bárbara. — falou de repente, e me surpreendeu


ainda mais ao me puxar para perto e beijar minha testa. Eu estava inerte,
sem saber o que fazer. — Eu sinto tanto, e eu... Preciso ir.

Ri sem vontade, empurrando-o para longe. Era como se ele


estivesse se despedindo. Por que ele estava fazendo aquilo? Por que ele
não estava falando? Por que ele não estava sendo claro? Por que ele estava
escondendo coisas?

Pensei em ameaçá-lo. Pensei em gritar. Pensei em apenas chorar.


Entretanto, apenas paralisei, e vi-o sair dali, indo em direção ao irmão, que
tinha se afastado, e estava a alguns metros, olhando para outra direção. Era
como se eu levasse um soco na cara, e o destino me mostrasse que todos
aqueles anos de amizade eram uma mentira.

Quando ele desapareceu do meu campo de visão, permiti que uma


lágrima descesse, e toquei meus lábios, ainda formigavam pelos dele. Ele

estava me deixando, sem dizer nada, como se eu não fosse nada... Talvez,

eu não significasse nada de fato para ele.


CAPÍTULO I

“Os demônios jogam os dados, os anjos reviram os olhos

O que não me mata me faz te querer ainda mais”[2]

Cerca de dez anos depois...

BABI

— A gente tem mesmo que ir fantasiada? — perguntei a Lisa, que


deu de ombros, girando em sua fantasia de diaba. Ri um pouco, porque eu
sabia o quanto minha amiga adoraria infernizar alguém.

Dei de ombros, olhando para o vestido colado em meu corpo, uma


fenda entre os seios, que destacava a tatuagem que ficava entre o vale

deles, e chegava próxima ao meu umbigo. Era nova, e finalmente, estaria

exibindo-a por aí.

Olhei para a máscara que usaria, e tentei imaginar se conseguiria


ficar com ela boa parte da noite. A realidade era que tudo em meu rosto me
incomodava. Por aquilo, tinha quase três graus de miopia, mas só colocava

os óculos ou lentes quando era realmente necessário. Naquela noite, eu


estava de lentes, justamente, porque usaria uma máscara que ocuparia boa
parte do meu rosto.

— Minha amiga, você tá uma gostosa! — Lisa assoviou assim que


prendi a máscara na cabeça e eu revirei os olhos. — Não faz essa cara,
porque a gente vai na melhor festa do ano aqui da capita, e eu consegui
isso, de graça.

— O dono da festa está quase construindo um Taj Mahal para você.

— revidei e ela deu de ombros, como se não importasse. — Vai mesmo


torturar o pobre homem? — indaguei, e ela pareceu pensar um pouco e deu
um giro, a saia não deixava muito para a imaginação, a se pensar sobre o
fato de que sua bunda era enorme e ela com certeza, rebolaria até o chão.
— Você disse que ele é 10 de 10, lembra? — insisti, e ela parou ao meu
lado, encarando-me pelo reflexo.

— Olha o julgamento da mulher que não transa há meses porque


vive para o trabalho e a família! — rebateu e eu não pude sequer

questionar. — Só por hoje, sem atender nenhum telefonema... — falou,

praticamente ordenando, e eu me vi, mesmo a contragosto, entregando-lhe


meu aparelho.

— Sabe que assim que você se ajeitar com alguém e eu estiver


bêbada o suficiente, eu vou pegar o celular de volta. — rebati, e ela riu de

lado.

— Sei onde esconder muito bem. — piscou um olho e saiu do meu


lado.

Lisa Fernandes era minha rocha na cidade grande. Conhecia-a no


primeiro dia de estágio em uma multinacional, e desde então, nunca mais
nos desgrudamos. Tínhamos objetivos diferentes no trabalho, assim como,
para a própria vida. Eu buscava experiência e aprendizado diferentes da
fazenda na qual cresci, ela buscava a presidência de uma multinacional.

Já faziam cinco anos que estávamos ali, dividindo um apartamento


na capital, enquanto eu ainda me decidia se voltaria a fazenda ou não, e me
desdobrava para estar no interior todo fim de semana. Enquanto Lisa
mantinha seu foco em conseguir a promoção que estava ainda mais perto
de ser realidade – um cargo executivo.

Eu adorava o meu trabalho, ainda mais, poder aplicar tudo o que


aprendera durante a faculdade de Economia, no entanto, sempre sentia
falta de algo. Assim como, me sentia quando estava na fazenda, a qual eu

administrava, mesmo à distância, e com a relutância dos meus pais, de


estarem me sobrecarregando. Eu era filha única e tudo para eles, assim
como, eles era o meu mundo. Porém, nunca soubera ao certo do que abrir
mão, e como diria minha mãe: faça o que tem que fazer, enquanto se sentir

feliz.

Eu era feliz me dividindo em duas, mas sabia, que em algum


momento, acabaria tendo que escolher. E mesmo que amasse a cidade
grande e estar ali, minha família era meu porto seguro, e pesava muito
mais na escolha.

— Pensando demais...

Voltei a realidade com Lisa estalando os dedos na minha frente e a


máscara já me incomodando.

— Pronta? — perguntou e eu dei de ombros, seguindo-a em


direção a saída do quarto de hotel, o qual, o seu cara da vez, deixara um
andar fechado para nós duas. Nunca entenderia de fato o porquê de ele
fazer aquilo, a não ser, para surpreendê-la. Mal sabia ele que Lisa estava
pouco se importando com aquilo.

Não sabia como minha amiga fazia tantos preparativos para uma
única noite, contudo, o seu envolvimento com o anfitrião da festa, vulgo
gostosão que ela não admitia ser gostoso, nos trouxera para a cobertura de

um hotel, um andar exclusivo, enquanto a festa aconteceria há alguns


andares dali.

— Vamos conversar sobre o sobrenome dele ser o mesmo do


hotel? — indaguei, provocando-a, e ela me lançou um olhar mortal.

— Vamos falar de Reis, no dia em que você falar sobre o tal CEO
engomadinho. — rebateu, e eu engoli em seco, adentrando o elevador. —
Foi o que pensei. — ela riu, e meus pensamentos se perderam.

Não era o momento certo para pensar em Júlio Torres. Na


realidade, nenhum momento o era. Dez anos... Felizmente, o elevador
chegou ao local, e eu não me perdi em nada a mais, apenas me vi seguindo
para fora do mesmo e as luzes escuras me acertaram.

— Uau! — Lisa falou, caminhando ao meu lado, e a olhei de

esguelha. — Ele sabe dar uma festa. — comentou e eu sorri no momento


em que vi o tal Igor Reis se aproximar de nós, como se ele estivesse
esperando a noite toda ali para vê-la.

Muitas pessoas ao redor dele, mas o olhar, era direto na minha


amiga, e eu tive que cutucá-la com o braço, para que finalmente o notasse.
No segundo em que ela o encarou, soube que era minha deixa para achar o
bar. A música explodia por todos os lados e eu tive que sorrir por ser uma
das músicas da minha cantora favorita, só que remixada.

— Boa sorte. — falei para Lisa, antes que ela me usasse para fugir,
e praticamente corri em direção a um amontoado de pessoas à frente de um
balcão gigantesco. Surpreendendo-me, não era a única a usar uma máscara
simples para ter o traje da noite. Muitas pessoas pareciam tê-lo feito.

“Odeio acidentes

Exceto quando nós fomos de ''amigos'' pra isso

Ah-ah, querido, você é a pessoa que eu quero”[3]

Cantei alto a música e fiquei mais animada do que imaginava para

aquela noite.

— Uma dose de uísque. — pedi, sentando-me na banqueta, e


cantando um pouco mais com a música, enquanto era servida. Levei a dose
até a boca e degustei um pouco, já querendo tirar aquela máscara de vez.
Suspirei profundamente, no segundo em que terminei o líquido e meu
corpo todo estremeceu.

Não era a bebida.


Olhei ao redor, e me surpreendi no segundo em que Lisa me puxou
para si, praticamente me carregando até a pista de dança, só me dando

tempo de deixar o copo sobre uma o balcão e mais nada. O pop acabou,
dando lugar a um funk, que explodiu por todos os lados.

— Se me abandonar assim de novo e não for por algum gostoso...


— falou, e eu tive que rir, porque ela estava com o batom todo borrado. —

O que foi?

— Sua boca. — respondi, e ela arregalou os olhos, fazendo-me


sorrir mais. — Não sei por que não fica com ele de vez.

— Porque não vamos falar disso. — cortou o assunto e eu neguei


com a cabeça. — Balança essa raba, mulher! — encorajou-me e eu ri,
fazendo o movimento que ela me ensinara, que não era ainda tão bom
quanto o dela, mas estava aprendendo.

No momento em que desci até o chão, novamente, o mesmo arrepio

me acertou e a respiração falhou. Parei, levantando-me, e vi-me


procurando alguém, sem entender porquê.

— A esquerda, máscara escura e terno sob medida. — Lisa falou


alto, devido à música, e eu assenti, virando na direção. — Ele está te
secando faz um tempo.

— Quem é ele? — perguntei, e no mesmo instante meus olhos se


encontraram com os dele. Prendi uma respiração, sem saber porquê, e o

arrepio se tornou quente. De repente, cada parte da minha pele estava

quente.

— Não faço ideia. — ouvi a reposta de minha amiga, mas não me


atentei.

Como se algo me puxasse, apenas vi-me indo. Passei dentre as

pessoas, e de repente, faltavam apenas alguns passos para chegar até ele.
Quando notei a aproximação, e a forma como ele me encarava, como se
fosse possível me ler por inteira, acabei parando. Desviei de seu olhar,
assim como, de seu caminho. O que eu estava pensando?

Por que deveria ir até um homem que me fazia tremer apenas com
o olhar? Deveria ir, porque ele parecia bem capaz de te esquentar
também. Mente traidora.

Cheguei ao bar e pedi outra dose de uísque, e torci para que fosse

apenas algo da minha imaginação. Virei a dose e mexi na máscara, que me


incomodava ainda mais. Por um segundo, lembrei que ele usava uma
também, que me permitia apenas ter um vislumbre dos olhos castanhos
profundos. Como eu conseguia enxergar aquilo?

— Por que fugiu? — a pergunta soou baixa e perigosa, e mesmo


com a música explodindo para todos os lados, o tom dele, me atingiu por
inteira. Permaneci na postura perfeita e apenas girei o rosto. Os olhos dele
eram realmente castanhos, tentadores, e algo me dizia que prontos para

pecar.

— A gente se conhece? — indaguei, querendo fugir daquele


momento, mas não consegui desviar o olhar do dele. Imponente, dentro de
um terno preto sob medida, com a máscara tomando grande parte do seu

rosto, e me fazendo imaginar como ele seria. Mesmo assim, era fácil dizer
que ele era lindo. Oh merda!

— Adoraria te conhecer essa noite. — falou, e passou um braço


perigosamente ao meu lado, e vi-o pegar um copo de uísque, e trazê-lo até
seus lábios. Aquela aproximação, me queimava. E fazia muito tempo que
não me sentia tão tentada a estar numa noite com um estranho. Me fazia
querer saber o gosto dele, misturado ao uísque. Deveria ser tão gostoso
quanto ele aparentava ser?

Vi-me apenas pedindo outra dose e a virando. Seu olhar me


acompanhava, queimando cada pequena parte exposta do meu corpo,
principalmente, a tatuagem em meu decote. Suspirei e caminhei em
direção a minha amiga, que estava envolta de Igor, e que me fez quase rir
da cena. Cheguei próxima a eles, e consegui sua atenção quando a
cutuquei, tirando-a do que ela chamaria de “feitiço do dono mundo” e ela
piscou algumas vezes, virando-se para mim.
— Posso mesmo pegar qualquer quarto do andar em que estamos?
— perguntei, e ela assentiu, piscando um olho para Igor, que não

conseguia desviar dela. — Eu vou com ele... — fiz um sinal com a cabeça
na direção que o meu corpo gritava que ele estava. Como era possível
perceber a presença de alguém assim?

— Minha amiga... o cara é um gostoso, e a gente nem tá vendo o

rosto dele. — falou, e senti o exato momento em que Igor a puxou para
perto, fazendo-me segurar a risada. — Te encontro de manhã, então? Daí
você me conta se ele é bonito mesmo.

— Não vou tirar a máscara dele. — vi-me falando e ela arregalou


os olhos, sorrindo. — Uma noite para fugir da realidade, lembra?

— Você é uma mulher cruel quando quer. — piscou um olho, e eu


saí, dando-lhe as costas, e parado a cerca de sete passos dali, envolto de
um mar de gente, estava ele, como se esperando.

Eu não precisei dizer nada, mas senti que ele me seguia. No


momento em que paramos à frente do elevador, e as portas se abriram, era
o último momento para eu desistir. Se no meio de um mar de gente, eu
conseguia senti-lo me queimar, como seria apenas nós dois em um espaço
mínimo?

Dei um passo à frente, e no segundo seguinte, senti minhas costas


contra a porta que se fechara e a proximidade do corpo dele envolto do
meu. Ele não perdia tempo, e eu tive que sorrir pela forma primitiva como

aqueles olhos me encaravam. Caralho! Ele era como um sonho molhado


dos meus livros favoritos.

— O que você quer? — perguntou, e um de seus dedos percorreu o


entorno da minha máscara, sem a pretensão de tirá-la, e era claro que

aquilo o excitava. Tudo era claro no olhar castanho dele.

— Sem nomes. — falei, e seu dedo desceu por meu pescoço,


trilhando um caminho perigoso até meu decote. — Sem rostos.... — engoli
em seco quando ele tocou a tatuagem e quase o beijei ali mesmo.

Nunca agradeceria tanto ao universo por estar com uma máscara


apenas nos olhos e parte do nariz. De repente, nem mesmo o fato de odiar
algo em meu rosto parecia importar. Eu queria ele sobre mim, e aquela
máscara como lembrança de que poderia apenas esquecer tudo.

— Uma noite? — perguntou, sua voz grossa e sexy, fazendo-me


arquejar, e era como se ele fosse feito para me fazer desejá-lo.

As portas se abriram, e ele me segurou firmemente contra si, e meu


olhar se perdeu no dele. Subi minhas mãos até seu peito e o afastei
levemente, apenas para puxá-lo no segundo seguinte pela mão, até um dos
quartos que estavam vazios naquele andar.
— Se o seu gosto for tão bom quanto o seu toque... eu estou fodido.
— falou, e eu parei um passo, antes de abrir a porta. — Permita-me. —

pediu, e me encostou levemente contra a parede do corredor.

Suas mãos desceram pelo contorno do meu corpo, e vi o exato


momento em que ele se ajoelhou. Quando abri a boca para perguntar algo,
vi-o puxar uma das minhas pernas sobre seu ombro e paralisei. Ele não

ia... ou ia?

— Eu posso? — indagou, dando um leve beijo na parte exposta da


minha coxa, enquanto o vestido longo já estava uma bagunça quase em
meu quadril. — Diga-me o que posso e eu farei.

— Pode tudo. — falei, e senti a mordida em minha coxa e segurei


um gemido. Filho da...

Antes que eu pudesse dizer algo mais, sua boca veio diretamente
para onde mais o necessitava, e eu engoli o gemido, e todo o orgulho que

tinha. De repente, era aquilo. Eu estava perdida, com as pernas em torno


dos ombros de um desconhecido, em um corredor de hotel, e me
derretendo por inteira.

Eu estava, literalmente, fodida.


CAPÍTULO II

“Eu não me identifico com você

Eu não me identifico com você, não

Porque eu nunca me trataria de forma tão merda assim

Você me fez odiar essa cidade”[4]

BABI

Segurei a corrente ao redor do meu pescoço, após finalmente


arrumá-la e fui até o espelho do outro lado da loja. No momento em que
me vi ali, era como ter um vislumbre dele, e sua máscara negra, o peito
exposto e a corrente presa a si. Suspirei fundo, guardando aquela noite
quente como o próprio inferno no canto mais bonito da minha mente,

enquanto guardava a corrente que eu acabei por arrebentar de seu pescoço

e se tornou a prova de que aquela noite realmente existiu.

— E como sua mãe está, sombrinha? — a pergunta veio da dona da


loja, senhora Suellen, que deveria ter a idade da minha mãe, e me conhecia
por aquele apelido ridículo, e que infelizmente, a cidade toda também.

Como eu poderia brigar com todo mundo para pararem de me


relembrar que um dia fui a sombra de Júlio Torres?

— Melhor agora. — respondi, e abri minha carteira, pagando-lhe


os vinte reais do conserto do fecho. — Voltei de vez.

— Que notícia incrível! — bateu palmas, e eu sorri. Não tinha


como brigar com aquelas pessoas. Elas não tinham culpa que meu ex
melhor amigo quebrou meu coração, e no fim, me fez odiar aquele apelido,
assim como, me fizera odiar aquela pequena cidade por um longo tempo.

Cerca de uma década depois, tornara-se apenas indiferente. Nunca


mais tivera o desprazer de ter um encontro com Júlio ali, e muito menos, o
azar de vê-lo na capital. Quer dizer, a não ser...

— Sempre que precisar, estamos aqui. — ela falou, cortando meu


pensamento e agradeci por aquilo. O melhor era ignorar tal pensamento.

— Preciso passar no mercado ainda, mas... obrigada, dona Suellen.


Quando quiser, sabe que a fazenda está de portas abertas.

— Obrigada, Babi.

Sorri tanto porque ela me chamara pelo meu real apelido, quanto
por me sentir bem em estar ali. Já tinha se passado um mês, e as coisas
simplesmente foram acontecendo. Minha mãe teve uma crise e me vi
correndo no dia seguinte daquela festa para o interior, e não saí dali mais.

Estava em tempo de decidir o que fazer e onde ficar, e bom, acabara o


fazendo. Decidi por ficar com meus pais e cuidar integralmente dos
negócios da família.

Sentia-me diferente, tinha que admitir. Enquanto andava pelo


pequeno centro, sabia que não me faltava nada ali, a não ser, pela a
saudade que sentia de Lisa. O resto, eu tinha tudo. Na realidade, minha
mãe andava dizendo que era como se eu estivesse brilhando. Talvez,
depois daquela noite com o desconhecido que eu mataria alguém para

descobrir quem era, eu o estivesse.

Suspirei fundo, e cumprimentei algumas pessoas, enquanto


adentrava o mercado. Coloquei minha bolsa no carrinho e no momento em
que comecei a empurrá-lo, uma vontade sem igual de comer miojo de
tomate me bateu. Há quanto tempo eu não comia aquilo?

Vi-me empurrando o caminho pelo lugar e me sentindo salivar.


Quando parei próxima as várias marcas, notei que o sabor que eu queria,
estava justamente no alto, o qual, eu não alcançava. Custava ter mais cinco

centímetros de altura? E pra ajudar, apenas usava meus all-stars de guerra,


e que sempre eram os melhores aliados.

— Para de me provocar, e ajuda a moça. — ouvi uma voz nada


desconhecida, e antes que pudesse me virar, senti meu corpo todo

tensionar e a mesma sensação daquela noite me atingir.

Não, não poderia ser... Um corpo alto e musculoso, tal qual o do


homem daquela noite, praticamente me cobriu, e pegou alguns miojos no
alto da prateleira. Quando ele finalmente me encarou, sabia que não tinha a
probabilidade de ser outra pessoa. Era ele – o cara daquela noite.

Eu não poderia acreditar. Eu só poderia estar confundindo tudo e o


meu corpo, ainda mais maluco do que nunca. Não poderiam ser o mesmo
cara. O cara da máscara negra, e que me fez alcançar ao céu, não poderia

ser Júlio Torres – meu ex melhor amigo e inferno pessoal.

— Babi! — a voz de Mabi Gonçalo quebrou o momento, e pisquei,


fugindo do olhar dele, e aceitando o leve abraço dela. Soubera por cima,
das fofocas que os outros irmãos Torres me passavam, que ela se casara
com Inácio. E ali estava ela, fazendo compras com o cunhado. — Quanto
tempo a gente não se vê? — perguntou, e eu engoli em seco, sem saber o
que dizer.
A gente se conhecia, porque toda aquela cidade se conhecia.
Contudo, não me lembrava de me sentir desconfortável em algum

ambiente com Mabi antes, ela era uma pessoa encantadora. Alguns anos
mais jovem que eu, mas ainda assim, era fácil gostar dela.

— Muito trabalho. — vi-me respondendo, e vi-a cutucar Júlio com


o braço, o qual não desviava o olhar do colar em meu pescoço.

Ele parecia em choque. E eu, queria correr dali. De repente, após


uma década pensando em como seria revê-lo, com o destino atuando, ali
estávamos nós, frente a frente, e nada me viera com o ódio que imaginava.
Na realidade, eu não sabia o que sentir ou o que deveria. Seu olhar parou
no meu, e eu desviei, segurando levemente a mão de Mabi, antes de pensar
em qualquer desculpa esfarrapada para sair.

— Esqueci algo no carro... — vi-me falando. — Podemos


continuar essa conversa outro dia? — indaguei e ela parecia presa em olhar

entre nós dois.

— Claro... Vai ter um almoço na minha casa nesse domingo, e não


aceito não como resposta.

— Eu vou, sem problemas. — falei no impulso e saí dali no mesmo


instante. Não olhei para trás, até finalmente chegar ao carro e poder
respirar fundo. Que merda estava acontecendo?
Não sabia dizer quanto tempo fiquei ali, procurando a chave do
carro na bolsa, com a cabeça perdida em qualquer outro lugar. Como

aquilo poderia estar acontecendo?

— Bárbara. — a voz que eu tanto amei um dia, agora, me fazia


duvidar da minha sanidade mental. Não me virei, ignorando sua presença.
E como se fosse o universo conspirando, achei a chave. Desfiz o alarme e

quando fui abrir a porta e sair dali, senti-me sendo delicadamente


empurrada. Da forma delicada e certeira que aquele cara tinha.

— Não precisa ficar tão perto, eu consigo ouvir. — falei, e senti-o


se afastar. — O que quer? — indaguei, e levantei meu olhar, fingindo que
não sentia absolutamente nada, e que estava tudo sob controle. No fundo,
eu estava enlouquecendo por completo.

— Mabi me obrigou a trazer o miojo de tomate. — comentou e me


estendeu uma sacola, e eu queria tanto negar, contudo, não poderia

demonstrar nada, nem mesmo, raiva. Ele tinha que achar que eu era
indiferente, da mesma maneira que eu acreditei que seria. Merda!

— Agradeça ela por mim. — falei, e abri a porta, entrando no


carro. Antes que eu pudesse fechar a porta, senti sua mão a segurando e eu
quis levantar dali e estapear aquele rosto. Aquele belo rosto... Inferno!

— Precisamos conversar.
Soltei uma risada, sem conseguir me conter e neguei com a cabeça.

— Está atrasado dez anos. — falei, e dei-lhe um olhar como quem

diz: suma daqui. — Não temos mais nada em comum.

— Não estou falando do passado, estou falando daquela noite. —


franzi o cenho, fingindo não ter ideia do que ele falava.

— Tenho certeza que está me confundindo. Não nos esbarramos há

uns dez anos, e...

— Não vai escapar de mim. — sua voz soou tão certa quanto
naquela noite.

Ele dissera a mesma frase, e eu sabia que o resultado fora diferente.


Porém, mesmo querendo dar-lhe uma resposta à altura, resolvi apenas
vestir a capa da indiferença e sorrir. Puxei a porta, e daquela vez ele se
afastou, e no momento que ela bateu, agradeci aos céus pelos vidros
completamente escuros. Soltei o ar com força, e olhei para o lado de fora,

no qual ele permaneceu parado, olhando-me, como se fosse possível me


enxergar ali. Maldito!

Por que ele tinha que aparecer no interior justamente naquele


momento? Por que era ele naquela noite?

Saí com o carro e bati com força contra o painel de música, como
se o som tivesse culpa da minha frustração, ou por Júlio Torres ser o rosto
do cara que eu tinha ficado encantada e viciada em uma noite. Não poderia
ser!

— Não vai escapar de mim. — a voz dele reverberou por todo meu
corpo, fazendo-me gemer, quando suas mãos seguraram com força minhas
coxas. — Depois dessa noite, eu vou te contar o meu nome, e vai gemer
ele. — sussurrou, fazendo-me cravar as unhas em suas costas, e ansiar

ainda mais pelo seu toque.

— Inferno! — falei, tentando me concentrar na rua, enquanto as


lembranças daquela noite me atingiam. Parei na segunda rua que virei, e
tive que puxar o ar com força algumas vezes. Não era apenas aquela noite
me atormentando, era o nosso passado, correndo por toda minha mente e
me paralisando.

— Eu só quero me despedir... — eu ouvi a voz dele, quase em um


grito, e ele querendo partir para cima do capataz da fazenda.

Apenas fiquei ali, do alto da varanda do meu quarto, com o


coração quebrado. Sabia que tudo o que desejava era ir até ele, ter seus
braços ao meu redor e esquecer que ele me escondeu que já tinha tomado
sua decisão. Contudo, não pude. Porém, eu não deixaria. Nunca mais
deixaria que ninguém, muito menos, Júlio Torres, me machucasse
novamente. Apenas lhe dei as costas, e entrei para o meu quarto. Eu
poderia ficar a salvo ali. Longe dele. Longe de tudo. Era só questão de
tempo para passar.

O tapa na frente do carro me fez pular no banco e pisquei algumas

vezes. De relance vi olhos castanhos quase idênticos com os de Júlio, os


cabelos castanhos enrolados, só que compridos, diferentes dos irmãos mais
velhos. Olhar para Bruno Torres sempre me fazia lembrar de Júlio, e ali, a
semelhança me doeu ainda mais.

Baixei o vidro do carro, e ele se escorou, como pessoa que não


precisava de convite algum. Os vidros eram escuros, mas se existia alguém
que poderia saber a placa do meu carro, com certeza, era ele.

Ele era o irmão Torres que eu mais mantive contato, claro, além
dos seus pais. Nunca pudera virar as costas para eles, mesmo evitando ao
máximo e eles respeitando o fato de não querer saber de Júlio. Bruno era
uma extensão da nossa amizade, quando mais novos. Onde a gente ia, o
caçula ia junto. Até mesmo Olívia entrara naquela dança, muitas vezes.

Nossa diferença de idade era pouca, apenas de quatro anos quando se


tratava dele.

— Eu já te disse que é a mulher mais linda do mundo hoje? —


indagou, do jeito galante de sempre, e eu apenas apertei seu nariz, como
fazia quando ele era uma criança. — Você sabe acabar com o ego de um
homem, mulher!
— O que foi? — perguntei, e ele revirou os olhos.

— Soube que estava na cidade, e como não tem me atendido... E

olhe só, cidade pequena é uma coisa maravilhosa. Foi só eu pensar em


você e aqui estamos! — fez um sinal com a mão e eu tive que rir.

— Precisa de carona até a fazenda de Inácio? — perguntei,


imaginando que talvez ele estivesse com a cunhada e o meu carma – Júlio.

— Eu preciso saber se esbarrou no meu irmão. — falou, e eu


desviei o olhar de imediato. — Ok, agora eu quero a carona!

— Não vamos falar do seu irmão, fofoqueiro mirim! — rebati, e


apenas senti o momento que ele bateu a porta do carro do lado do carona, e
entrou. — To falando sério, Bruno!

— Olha, eu sei que você proibiu Deus e o mundo de falar dele,


mas... Primeiro, esse colar no seu pescoço é dele. E segundo, o que
consegui tirar dele com muita força de vontade e gastura, com a ajuda da

Mabi, foi que ele não consegue esquecer uma mulher que foi embora com
esse mesmo colar...

— Do que diabos você está falando? — perguntei, fingindo burrice


completa e ele levou uma mão ao peito, como se fazendo de vítima. —
Podemos só esquecer o fato de que reencontrei seu irmão?

— Eu sabia! — gritou, e eu ignorei completamente, ligando o som,


e saindo com carro.

Coloquei o volume no máximo, enquanto Bruno contava toda sua

expectativa e certeza de que eu era a mulher mascarada com Júlio. Era por
aquelas e outras, que eu nunca, em hipótese alguma, estaria com Júlio, se
soubesse que era ele. Tínhamos uma fanbase muito sólida e famílias certas
de que ficaríamos juntos. Não ficaríamos. Não éramos nada. Foi o que

repeti a mim mesma todo o caminho, enquanto Bruno fofocava tudo a


respeito dos Torres, como sempre fazia, mas daquela vez, ignorando
propositalmente meu pedido de não falar sobre Júlio.
CAPÍTULO III

“Eu acho que já vi esse filme antes

E eu não gostei do final

Você não é mais minha terra natal

Então, o que estou defendendo agora?”[5]

BABI

— Então sua família inteira está na cidade? — perguntei, e Bruno


assentiu, parecendo intrigado com algo. — Você está muito quieto. —
sondei, e ele deu de ombros, e senti seu olhar sobre meu rosto.
— De todas as vinte perguntas que fiz, você respondeu uma ou
duas, e ainda não foi sincera... Eu estou numa tarefa difícil aqui. —

comentou, do jeito leve e espontâneo que tinha, e eu sorri. Sempre fora


fácil sorrir para ele.

— Quase todas suas perguntas envolvem seu irmão, e quem dera


fosse o Inácio... A gente tem um limite claro sobre tudo isso, Bruno. Sua

família é parte da minha vida, e eu nunca me afastei de vocês, mas não vou
falar sobre seu irmão.

— É tão difícil assim dizer o nome dele? — perguntou, e eu engoli


em seco, tentando focar no caminho de terra a nossa frente.

— As coisas são mais fáceis do que parecem. — falei, mesmo


sabendo que era uma grande mentira. Ao menos, talvez Bruno acreditasse.
— O que eu posso dizer... Júlio... — engoli em seco ao dizer seu nome,
porque se tornara um erro pronunciá-lo daquela forma tão aberta. E o papo

de ser indiferente, ia por terra, quando não estava à frente dele. — Não é
um assunto que gosto de relembrar e conversar... Éramos melhores amigos,
nos afastamos, eu o odiei por um longo tempo, e agora... Não somos mais
nada.

— O colar no seu pescoço diz outra coisa. — Bruno praticamente


sussurrou e acabei parando com o carro, sem conseguir me concentrar. —
Sabe que pode mentir para todo mundo, mas não para mim.
Bruno conhecia bem aquela história, e parte dele, parecia querer
consertar. Contudo, não era algo que ele pudesse fazer. Júlio fizera a

escolha dele, e ninguém mais conseguiria lidar com toda aquela bagunça.

— Tem que parar de querer consertar, seja lá que for... — falei, e


levei uma mão ao seu rosto, tocando-o com carinho. Eu vi ali, no castanho
dele, que me escondia algo, mas como sempre, apenas guardei para mim.

Sabia que Bruno tentara muito ao longo dos anos, juntar-nos. Contudo, era
impossível.

Ao menos, sempre me pareceu. Existia uma linha de mágoa a qual


me acertava, assim como, me atingia naquele momento por saber que era
Júlio naquela noite.

— Um dia, vai entender. — respondeu simplesmente, e beijou


levemente minha mão. Sorri para ele, porque era um irmão para mim. A
família Torres era minha, mesmo que não fizesse de fato parte dela. —

Mabi me mandou mensagem, pra te lembrar que tem um almoço no


domingo, na fazenda de Inácio.

Fazenda de Inácio, vulgo fazenda principal dos Torres, onde eles


cresceram, e onde eu passei boa parte da adolescência.

— O que? — respondi de relance, saindo com o carro, e me


sentindo mais leve. Lembrei-me então de que concordei com aquilo no
automático, apenas para fugir de Júlio. — Merda! Mabi já mora com
Inácio, né?

— Talvez as coisas sejam como nos velhos tempos... Ok, não tanto,
porque temos mais agregados, e agora duas crianças na família, mas...
Sabe que meus pais vão adorar te ver.

— Golpe baixo! — revidei, e ele voltou a sorrir, da forma cafajeste

de sempre.

Eu tinha fugido daquele embate por tanto tempo, que de repente,


não entendia como fora tão boa em não esbarrar com Júlio por ali. Os
últimos tempos mostravam apenas que eu era péssima. Primeiro de tudo,
fui para cama com ele e esqueci completamente o meu nome, mesmo não
sabendo qual era o dele. Segundo, eu esbarrara com ele no supermercado,
com o colar que sequer sabia que lhe pertencia, em meu pescoço.

E ele permanecia ali, contra minha pele.

O toque dele, ainda queimando por cada parte de mim.

Foco, Bárbara!

Felizmente, já chegara em frente à fazenda de Inácio, a qual um


dia, fora minha segunda casa, quando todos os Torres moravam ali. Aquela
lembrança me atingia em cheio.

— Promete que vai, ao menos pensar que existe uma explicação.


— Bruno falou de repente, e não me deu tempo para responder ou
prometer de fato, beijou minha testa, e pulou do carro. Fiquei estática e

neguei com a cabeça. Mandei-lhe um beijo com a mão, e segui meu


caminho.

Precisava de um mergulho no lago e esquecer o turbilhão de coisas


que aconteceram naquele dia. Minha vida calma e fácil, de repente, se

entrelaçava ao fato de que meu passado voltara como uma erupção. Levei
uma mão até o colar, e tive que me concentrar em dobro, para não deixar
que o carro saísse da estrada, enquanto meus pensamentos eram dele.
Apenas dele.

Quando pensei que finalmente poderia, quem sabe, conhecer


alguém que me faria parar de pensar em Júlio, o cara, na verdade, era ele...

— Se eu pudesse, te levaria para jantar e dançar por toda uma


noite... — a voz dele era como um lembrete de que não tínhamos acabado.

Vibrando por cada canto de minha pele, enquanto seus lábios desciam, e
suas mãos seguravam minhas pernas bem abertas. — Mas te ter como um
banquete, o seu gosto... — sua língua me acertou em cheio e eu gemi,
mesmo voltando de um orgasmo. O que aquele homem tinha? Ele me tinha
completamente entregue em suas mãos. — O seu gosto é a melhor coisa
que já provei.

Bati contra o volante, e agradeci aos céus pela fazenda da minha


família não ficar tão longe. Estava enlouquecendo apenas por pensar e me

perder naquele momento. Assim como fizera após estar com ele, e não

saber quem era. Agora porque sabia exatamente onde o encontrar. Ainda,
sabia que ele fora a primeira pessoa a quebrar meu coração. A primeira e
única.

JÚLIO

Não poderia ser ela.

Não poderia...

Repetia aquilo continuamente, enquanto queria correr até ela e

implorar para que fosse minha. Por que não era simples assim?

— Quando vai me dizer o porquê de estar com essa cara? — Mabi


me perguntou, assim que a ajudei a subir no carro, e eu apenas neguei com
a cabeça, fechando a porta. Dei a volta, e me sentei no banco do motorista.
— Odeio o fato de você parecer um Inácio 2, às vezes. Já me basta um! —
reclamou, e eu tive que sorrir para ela.
— Pode ligar para Bruno e ver se ele achou o bendito frango? —
indaguei, e ela arqueou uma sobrancelha, como se soubesse exatamente o

que eu estava fazendo. Eu estava fugindo do assunto, e sequer disfarçava.


— Gravidinha linda. — provoquei, tentando colocar a mão na sua barriga,
e ela me deu um tapa, focando no telefone.

— Já terminamos as compras, e preciso do meu fofoqueiro favorito

para ajudar a descobrir o que houve com Júlio... — falou, e vi-a clicando
em algo na tela, deixando o celular no viva-voz.

Era possível ouvir uma voz feminina ao fundo, cantando não muito
baixo, e eu paralisei. Aquela voz...

— Eu estou com Babi. — respondeu, e era possível ouvir ele rindo


de algo que ela dissera, que não chegara até nós. Meu corpo todo gelou e
meu coração se afundou. — Eu devo chegar na fazenda antes de vocês, e
sobre o frango, nada feito.

— Então a gente se vê lá. — Mabi falou abruptamente e clicou em


desligar. — É ela. — comentou alto, olhando-me com preocupação e eu
engoli em seco. Era como se minha cunhada, que agora era uma parte
minha e da minha família, conseguisse me ler por completo com o olhar.
Como se ela finalmente juntasse um mais um, e descobrira a parte que eu
escondia. — Quer conversar? — perguntou, e eu neguei com a cabeça,
pegando sua mão e dando um leve beijo.
Eu não tinha muito o que contar. Eu não tinha o que lhe falar. Mabi
assentiu, e pareceu perceber que eu precisava de espaço. Ao mesmo tempo

que eu queria poder falar abertamente com alguém sobre tudo aquilo. Eu
não conseguia. Fazia tanto tempo.

Vi-me encostando contra o banco do motorista e suspirando


profundamente. Pela primeira vez, em anos, aquilo me acertara novamente.

Justo no momento que acreditei ter superado o que sentia por Bárbara, era
ela. No mais inesperado, continuava sendo ela.

Abri os olhos e resolvi me concentrar na realidade. Sair dali com o


carro, ir a fazenda, ajudar Mabi com as compras, e não pensar em Bárbara.
A última parte parecia impossível. Ouvi Mabi mexer no som e ela
conectou suas músicas, as quais ela não tinha ideia, me acertavam
diretamente. Porque a maioria delas, eram parte do que ouvi um dia com
Bárbara.

“Esses dias eu não tenho dormido

Fico acordada lembrando de como eu fui embora

Quando o seu aniversário passou eu não te liguei

Então eu penso no verão, todas as lindas vezes

Que eu assisti você dando risada, no banco do passageiro


E me dei conta que eu te amava no outono...”

Por alguns segundos, eu apenas saí dali, e era como se fosse a voz
dela, comigo, anos atrás, cantando. Sorri sozinho, preso ao momento e
querendo me apegar a cada parte dele.

— Deve ser difícil, não é? — perguntou, olhando para as estrelas,

enquanto a música continuava e ela parecia imersa. Eu estava deitado ao


seu lado, e o seu cheiro em cada canto de mim. Ela era minha melhor
amiga, a parte mais bonita que eu conhecia da vida, e de repente, não
conseguia vê-la apenas como tal.

— O que? — vi-me indagando, e me apoiando em um braço, para


olhá-la com atenção. Por todos os deuses! Ela era coisa mais linda que eu
já vira!

— Você deixar alguém, achando que é o certo, e depois perceber

que estragou tudo. Que ela é o amor da sua vida. — respirou


profundamente, e seus olhos castanho claros bateram nos meus. — Sorte
que a gente é novo o suficiente para não precisar pensar em amor.

— Sim. — respondi no automático e engoli em seco. Por mais novo


que fosse, e sabendo de todos os contras, eu sabia dizer o que sentia, ali
dentro, e que crescia a cada dia. Eu me apaixonara pela minha melhor
amiga, enquanto ela, apenas me olhava com carinho.

— O que foi? — perguntou, ao se sentar, e levar uma mão ao meu

rosto. Aos dezesseis, eu estava a ponto de implorar para voltasse atrás e


que meu primeiro beijo fosse dela. Que tudo de mim, fosse dela. — Anda
tão longe esses dias...

— Estamos juntos todos os dias. — rebati, e sorri, tentando fugir

da questão.

— Estou falando daqui. — tocou meus cabelos, e sabia ao que ela


se referia. Contudo, ela sequer desconfiava. Eu era bom em esconder
sentimentos, algo que aprendera de relance com meu irmão mais velho. —
Nunca escondemos nada um do outro, Júlio.

— Não é nada para se preocupar, carinho. — falei, e toquei seu


rosto, e a forma como ela era quente, me desestabilizava por inteiro.

— Quando me chama pelo apelido é porque está fugindo...

E eu realmente estava fugindo... Já faziam dez anos em que eu


fugia dela. Daquele sentimento. Do que éramos. Do que eu sonhava.

Finalmente avistara à frente da casa de meu irmão, e parei com o


carro, Desci de imediato, e dei a volta para ajudar Mabi a descer.

— Eu...

— Apenas fica sozinho um pouco. — ela falou, como se


entendesse, e eu assenti.

Vi-me caminhando pela fazenda, e mesmo sem destino, sabia

exatamente para onde estava indo. Parei no meio do caminho, sabendo que
não tinha como ir até lá. Não naquele instante. Seria intenso demais e não
estava pronto. Como simplesmente voltar ao lugar que um dia foi nosso, e
fingir que não sentia nada depois de tudo? Toda vez que ia lá, parte de

mim se perdia. E naquele momento, estava a ponto de perder a razão.

Olhei para o céu e neguei com a cabeça, sem conseguir acreditar. A


mulher naquela noite era Bárbara. A mulher a qual me fez pensar que
finalmente havia a esquecido, no fim, era ela. Por que aquele amor? Por
que um amor que eu não podia ter?
CAPÍTULO IV

“E o que já foi nosso

Não é de ninguém agora

Eu te vejo em todos os lugares, a única coisa que compartilhamos

É esta pequena cidade”[6]

BABI

— Ei, Marcos! — falei, assim que passei próxima a cerca e ele


sorriu, concentrado em seu trabalho.

Ele fora meu primeiro namorado e não era nada estranho estar
próxima a ele e conversar. Não como o era quando se tratava de outra
pessoa. Por que tudo sempre me levava para Júlio?

— Qual o real problema? — minha mãe perguntou, andando ao

meu lado, e eu apenas apertei mais sua mão na minha. — Soube que os
Torres todos estão na cidade...

— Quem é o fofoqueiro dessa fazenda? — perguntei, e ela me


olhou sorrindo, parecendo relaxada e em paz. Não a culpava por se sentir

mal, existia algo nas mulheres da minha família, como se precisassem ser
uma rocha. Na maioria do tempo éramos, contudo, nem sempre era
possível.

— Seu pai é o maior fofoqueiro da região e você sabe disso. — tive


que rir, porque era verdade. Finalmente chegamos até o lago, e separei
nossas mãos, apenas para levantar meu vestido solto e ficar apenas com o
maiô. — E eu te conheço bem o suficiente para saber que vai usar a água
como fuga, como sempre...

— Mamãe! — falei, revirando os olhos. Ela se sentou sob uma das


árvores, com os óculos de sol escondendo os olhos azuis, os quais sempre
me lembravam de casa. Entretanto, não puxara aquilo dela, na realidade,
eu era a cópia física do meu pai, enquanto a personalidade era toda dela.

No primeiro impacto contra a água, meu corpo protestou por estar


gelada, mas agradeceu no segundo seguinte. Coloquei-me para boiar e
sorri sozinha. Eu gostava de apenas poder ficar ali, perdida em tudo e
pensando em nada. Com os olhos de uma das pessoas que mais amava na

vida, ao meu lado.

Senti novamente que era a hora certa para voltar ao interior e


assumir de vez a administração da fazenda, assim como, ficar perto dos
meus pais. Amava aquele lugar, e estaria mentindo se dissesse que não saí

dali no passado, apenas para fugir também. A capital fora, por um tempo, o
meu lago para não encontrar o passado. Mesmo que o risco fosse alto,
quando soubera por cima, que ele estava de volta ao Brasil, e trabalhando
com tecnologia. Por que, novamente, meus pensamentos estavam nele?

— Não pode curar um término apenas nadando. — Júlio falou,


como se fosse o dono da razão, e eu lhe dei a língua, apenas indo até o
pequeno deck do outro lado do lago, para conseguir pular certeira. O fiz,
e ouvi seu grito do meu nome logo atrás, desaparecendo enquanto eu

desaparecia na água.

Mal sabia ele que era fácil terminar, tanto que não fosse um
término com ele.

— Você é tão... — a voz dele estava alta e brava, fazendo-me rir,


quando emergi por completo, e notei-o passando a mão pelos cabelos
molhados. Lindo. Completamente lindo e a um toque da minha mão.
— O que? Uma deusa por não chorar por um término de namoro
adolescente? — perguntei, mordendo o lábio e seu olhar seguiu, fazendo-

me acreditar que não surtava sozinha.

— Incontrolável. — complementou, e tocou meu rosto, com o


carinho sempre exposto. No segundo seguinte, senti meu corpo sendo
empurrado para baixo, e assim que consegui me soltar, pulei sobre ele.

Uma bagunça de nós, no meio do lago, e me fazia pensar que eu gostaria


muito, de manter aqueles pequenos momentos enquadrados. Mas
principalmente, em meu coração.

— Sorriam, crianças! — ouvi de longe a voz de meu pai, e quando


me virei, apenas senti o flash, e Júlio gargalhou ao meu lado. Meu pai, a
cada dia que se passava, tornava-se o tio da foto. — Essa ficou ótima,
garoto!

Olhei de Júlio para meu pai, sem entender, e então notei que ele

estava fazendo chifrinhos em mim.

— Babaca! — reclamei, jogando água nele, que apenas sorriu


lindamente. Lindo demais para minha pobre existência.

— Não... Se você é uma deusa, eu sou um deus. — piscou um olho,


e eu queria ter uma resposta esperta para lhe dar, mas falhara
miseravelmente. Ele era o deus dos meus sonhos impossíveis, no meio da
noite. Ou até mesmo, enquanto me perdia de mim mesma durante o dia.

Era ele.

Sempre ele.

De todas as loucuras que imaginei, após crescer em uma casa


cheia de amor, e com pais que mesmo depois de tantos anos, dançavam
todas as noites juntos, não pensei que o amor me acertaria tão cedo. Bem

ali, ao meu lado. Bem ali, tão certo, aos dezessete. Encontrara o amor
antes mesmo de poder entender o que aquele sentimento todo
representava.

— Pode ficar à vontade, como sempre, meu querido.

Ouvi a voz de minha mãe e pisquei algumas vezes, saindo das


lembranças e parando de boiar. Assim que me virei, soube que estava a
ponto de infartar, quando ninguém mais, ninguém menos, do que Júlio
Torres, estava ali, me olhando. Ele usava o jeans escuro, completamente

colado a cada músculo, e a camisa social, puxada até os antebraços, como


se o calor fosse apenas suportável assim, a qual tanto o imaginei usando
um dia, já que sabia que ele se tornara um CEO.

Ele deu a volta, e foi até o velho deck, sentando-se, e eu, do outro
lado do lago, que não era tão grande assim, apenas tentei imaginar o que
diabos ele fazia ali. Talvez eu tivesse um pouco de noção, porém, não
queria ter consciência alguma naquele instante.

Não ousei sair do lago e muito menos do lugar que estava. Ele era o

intruso ali. Eu não ia lhe dar gosto de ceder a minha raiva, que ele sabia
melhor do que ninguém, que poderia me dominar, e dar a primeira palavra.
Se ele queria ficar ali, em silêncio, apenas me olhando, que fosse.

Foda-se também!

Olhei de relance em direção a árvore que minha mãe deveria estar,


e revirei os olhos. Dona Marta Ferraz era uma pequena traidora! Voltei a
tentar boiar, e usei todo meu autocontrole para simplesmente não sair dali,
e esmurrar a cara dele. Quem ele pensava que era? Depois de quase uma
década, aparecer ali e tudo bem? Era aquilo?

Fiquei ali, olhando para o céu, enquanto o pouco de sol que restara
tocava minha pele. Minha respiração meio perdida e minha mente no
homem sentado há alguns metros dali. Eu sentia seu olhar sobre mim,

sobre todo o meu corpo... Era sobre aquilo, não era?

Ouvi o exato momento em que algo ou alguém se jogou dentro da


água, e eu rezei para todos os deuses, para que ele não tivesse entrado.
Porém, quando saí da posição que me encontrava, olhei em direção ao
deck, e ele estava vazio. Não demorou muito, para ele emergir, bem ao
meu lado, e meu coração disparou desenfreado.
Merda de coração traidor!

— Não quero atrapalhar... — falou, e eu respirei fundo, negando

com a cabeça.

— Mas já atrapalhando. — complementei e me segurei, lá no


fundo, para não sorrir. Pensei que seria tão estranho estar à frente dele.
Pensei que seria horrível, ou até mesmo, que perderia as palavras. A

questão era como se o tempo não tivesse passado e eu ainda


complementava as frases dele. Merda!

— Sei que não quer falar comigo, e não quer me ver... Mas eu
preciso falar, Bárbara.

Ele estava todo molhado a minha frente, olhando-me como se eu


fosse o seu mundo. Quanta ironia! Eu ainda achava que conseguia
entendê-lo. Nunca o fizera de fato. Eu me iludira e demorara muito tempo
para tirá-lo do meu sistema. Porém, no fim ele estava ali, de novo, e apenas

olhá-lo, me fazia arder.

Como no passado.

Como naquela noite.

— Acho que está aqui por isso. — falei por fim, e puxei o cordão
de meu pescoço, fazendo-o arrebentar, da mesma forma que o fizera contra
a pele dele naquela noite. Não sabia ao certo o que ele ainda fazia ali,
preso a minha pele. No entanto, era errado.

Com o colar em mãos, deixei-o em sua mão, sem tocá-lo, e apenas

vi-me nadando para longe dali. Eu queria poder ficar e reafirmar que eu
continuava uma maldita deusa, e poderia superar tudo. Mas ainda assim,
não superara ele. E era demais, tê-lo tão perto, depois de ter o gosto do
paraíso.

Quantas vezes eu imaginei como seria me entregar a ele? A ponto


de que não poderia ser real. Não depois de tanto tempo, mas aquela noite,
fora ele. Fora nossa.

— Eu volto para dezembro toda vez. — falou e eu estaquei no


lugar, e meu coração afundou. Fechei os olhos por um segundo, e sabia
exatamente o que ele fazia. Um golpe baixo, e me acertou em cheio.

— Não tem o direito de voltar... — falei, virando-me e apontei o


dedo em sua direção. Meu corpo todo o reconhecendo como seu, e uma

lágrima desceu. O autocontrole indo para o caralho. — Não tem o direito


de voltar aqui e citar as músicas que o meu melhor amigo cantava
comigo... — olhei-o com raiva, e senti a dor clara em seu olhar. — O meu
melhor não existe mais! — encostei um dedo contra o seu peito, e sabia
que fora um erro, porque o senti em cada parte de mim.

— Ainda vai me ouvir...


Afastei-me e dei-lhe as costas, saindo dali praticamente correndo e
sem conseguir controlar a respiração. Júlio ultrapassava todos os limites

aparecendo ali, como se nada tivesse acontecido. Se ele estava querendo


me enlouquecer, poderia saber que estava tendo êxito. Sentia que cada
parte de mim, que jurava ter se encontrado, agora se partia. Se partia bem
no local onde eu jurei nunca mais deixá-lo estar – meu coração.
CAPÍTULO V

“E te dizer te amo

Agora é mais estranho

Estranho mesmo é te ver distante

Botaram o nosso amor numa estante”[7]

JÚLIO

Eu estava dando um tiro no escuro. E talvez, errando por completo


o alvo. O caminho até a volta para a fazenda do meu irmão, no lugar o qual
crescera, fora de apenas pensar sobre tudo, ao mesmo tempo que, apenas
sobre ela.
Ajudou com que as roupas secassem um pouco contra meu corpo, e
não parecesse ainda mais perdido, quando tentasse entrar de fininho pela

porta de trás da casa. O fato era que teria que torcer para que ninguém
estivesse do lado e fora. Os Torres eram unidos, e mais do que aquilo,
sabíamos de tudo um do outro.

Vi-me agradecendo aos céus, quando não encontrei ninguém à

frente da grande casa, e andei pé por pé, buscando não ser ouvido.
Qualquer barulho e teria certeza que alguém apareceria, nem que fosse de
algum buraco do chão. Quando cheguei na porta de trás, que daria para a
cozinha, comecei a pedir as bençãos, para que ninguém me notasse.
Contudo, ouvi a risada de meu irmão mais velho, e estaquei, torcendo para
que ele estivesse perdido em qualquer coisa, e não me localizasse.

Assim que o vi, notei que estava em uma das redes que, segundo
ele, sua esposa o obrigara a comprar no final de semana passado. Sorri da

cena, e era incrível vê-lo tão solto, como o Inácio que apenas a gente
conhecia, para com ela. Há alguns anos, a gente sabia que Mabi Gonçalo
era o amor da vida dele. E ali, vendo-o olhar para a barriga dela, enquanto
ela contava algo, e sorrindo, era gratificante.

Meu irmão mais velho merecia tal felicidade.

Pensei que passaria ileso, mas no segundo seguinte, lembrei-me


que além de fechado, Inácio era um ótimo observador.
— Por que está com a roupa toda molhada? — sua pergunta soou, e
eu ouvi a risada de Mabi parar, e soube que estava ferrado. Ao contrário

dele, que mesmo sendo perguntador, não era tão invasivo, ela me
dissecaria.

— Pulei num lago. — respondi, piscando um olho para Mabi, que


arregalou os olhos, com certeza fanficando algo em sua mente. — A gente

conversa depois, cunhadinha. — falei, antes que ela teorizasse, e ela sorriu
abertamente, como se já tivesse ganhado um prêmio. Por que éramos
todos tão impertinentes? — E como está o meu sobrinho? — acabei
indagando, enquanto tirava os sapatos, que estavam cheios de água.

— Se perguntando porque o tio dele está ensopado, e com o colar


de volta. — falou, astuta como sempre, e eu sabia que aquele colar em
minha mão era uma história tanto.

Por que a minha boca era tão grande a ponto de fazer Mabi e

Bruno calarem quando lhes contei na semana passada que estava


fascinado por uma mulher que levou embora, além da minha sanidade, o
bendito acessório?

— Por que você não canta pra mim? — vi Inácio indagando, e eu


sorri em gratidão. Ele estava distraindo a esposa, mesmo que seu olhar me
acusasse com “o que diabos estou perdendo?”. Ao menos, ele não era o
fofoqueiro oficial da família.
Deixei meus sapatos sobre o tanque, e vi-me tirando a camisa, que
estava imprestável. Apenas de calça e descalço, adentrei a mansão, e era

impossível não deixar as lembranças me embalarem. Todos nós crescemos


e fomos criados ali. Os quatro Torres, os tormentos de dona Heloísa, como
ela mesmo dizia. A maior diferença de idade era com Inácio, de oito anos,
já em relação ao restante, tínhamos apenas dois anos de um para com o

outro. Contudo, a grande diferença de personalidade contava muito mais,


mesmo sendo unidos.

Inácio era o mais velho e mais fechado de nós. Eu, o do meio, era a
transição perfeita do observador com o fofoqueiro oficial da família,
Bruno. Olívia era a única mulher, e a mais decidida de todos nós, o que ela
queria, ela tinha. Já Bruno era o caçula, e a mistura maluca dos três mais
velhos. E era ainda mais maluco saber que além de Dani, a filha de Oli, em
alguns meses, outro Torres estaria correndo por aquele mesmo lugar que

um dia fora nosso.

Perdido em pensamentos, vi-me subindo as escadas com todo


cuidado, e não sabendo se agradecia ou desconfiava daquele silêncio todo.
Eu tinha fugido do almoço em família, porque minha cabeça não conseguia
parar de pensar em Bárbara, e de repente, acabei apenas na fazenda dela,
que ficava há alguns quilômetros dali.

— Oi tio. — levei um susto, levando a mão ao peito, enquanto


Dani sorria sapeca, encarando-me desconfiada. — Você foi comprar

sorvete? — perguntou, e eu sabia que aquela menina nunca deixava passar

nada.

— Não, mas... E se a gente fizer um acordo? — perguntei,


agachando-me e ficando na altura dela, já no piso superior. — Se alguém
perguntar por mim, você diz que não me viu, e assim que eu sair do banho,

te levo para tomar sorvete no centro. — falei, e ela levou uma mão a
bochecha, batendo ali levemente com o dedo, como se pensasse. Meu
coração se aqueceu, diante da menina dos olhos da minha família.

— E eu posso comer dois sorvetes de casquinha? — indagou,


fazendo o arranjo como quisera, ao mesmo tempo que ouvi barulho vindo
do corredor esquerdo.

— Você pode tudo. — sussurrei e ela assentiu, esticando-me a


mão, a qual apertei. — Orgulho do titio! — beijei sua testa, e ela correu em

direção ao quarto que ficava, enquanto eu praticamente corri em direção ao


meu, que ficava na direção oposta.

Assim que tranquei a porta atrás de mim, ouvi o barulho de outra


porta sendo aberta, e sabia que escapei por pouco. O interrogatório de
Bruno e Olívia poderia ficar para depois. Vi-me então abrindo a mão sobre
a cômoda, e o colar até fizera uma leve marca nela, pela força com a qual o
segurara. De volta para mim, mas não da forma que gostaria. Na verdade,
ela poderia o ter. Assim como, poderia me ter. Assim como, o meu

sobrenome e futuros filhos.

Encarei o espelho a frente, e era como ver o mesmo eu, de dez anos
atrás. Louco por ela. Ansioso por ela. Apaixonado por ela. Soltei o ar com
força, sabendo que por mais que tenha lutado, não conseguia mais. Não
conseguia mais fingir que não a queria, e principalmente, que não queria

tê-la. Ainda, não sabia como falaria com Bruno sobre, mas eu precisava.

Porque ali estava o destino, colocando-a a minha frente, como uma


presa. E no fim daquela noite, na realidade, ela fora a predadora.
Roubando-me de mim mesmo, e pensei, que do amor errado que sentia
pela minha ex melhor amiga. Contudo, era ela. Como sempre, era ela.

— Bárbara Bárbara... — vi-me balançando a cabeça, incrédulo.


Uma dose do paraíso, e eu queria enfrentar o inferno por ela.

Comecei a divagar sozinho, enquanto entrava no banheiro, e minha

cabeça se perdia no que ela dissera. Depois de dez anos, ouvir aquilo,
acertara-me de uma forma que não sabia explicar.

— Não tem o direito de voltar aqui e citar as músicas que o meu


melhor amigo cantava comigo... — a raiva dela era nítida, mas me
acertara em cheio. — O meu melhor amigo não existe mais!

Eu poderia ser maluco por estar sorrindo, ali, dentro do banheiro,


enquanto tudo ficava ainda mais bagunçado. Entretanto, eu conseguiria

lidar com tudo que ela me direcionasse. A raiva, a mágoa, a dor, o ódio...

Só não poderia aceitar a sua indiferença. Um dia me doera tão forte, que
me paralisara. Ali, sabendo que de alguma forma, ela sentia algo, algo que
nos ligava ao passado, assim como, à noite em que nos entregamos por
completo, eu estava tendo esperança.

Depois de anos sem aquele sentimento, eu o tinha.

A esperança de poder recuperar o que nunca foi meu. A esperança


de poder amá-la de forma correta.

Eu cantava baixinho, a mesma canção que ecoava em minhas


lembranças com ela. Eu estava sorrindo como um adolescente, e depois de
tanto tempo me culpando, finalmente, não o fazia. O destino me colocara a
frente dela, eu não podia simplesmente negar. Não mais. Foram tantos
anos pedindo por um sinal, e ele veio, muito mais forte que um tapa na
cara. Naqueles olhos castanhos. Naquela tatuagem que me acendera por
inteiro. Naquela voz sexy que me embalara por uma noite. E eu queria

todas as outras.

“Esses dias eu não tenho dormido

Fico acordada lembrando de como eu fui embora

Quando o seu aniversário passou eu não te liguei

Então eu penso no verão, todas as lindas vezes

Que eu assisti você dando risada, no banco do passageiro

E me dei conta que eu te amava no outono...”

— Ele tá cantando Taylor Swift. — ouvi a voz de minha irmã mais


nova, e não me surpreendi em encontra-la deitada na minha cama, com o

nosso caçula ao lado. Bruno me olhou com um sorriso, e tentei não focar
em buscar algo diferente em seu semblante. Ainda precisava falar com ele,
mas sabia que era cedo demais para o fazer. Não o era? Ou já deveria o
fazer? Merda!

Quando eu pensava que tudo estava resolvido, eu me lembrava que


Bruno também era parte da minha vida e coração, e tudo o que menos
queria era machucá-lo. Muito menos, que a minha felicidade o
machucasse.

— O que querem? — perguntei, levando uma toalha até os cabelos

e os secando, enquanto outra estava presa na minha cintura.

— Usando sua sobrinha para mentir... — Olívia me acusou, e eu


sorri de lado. — Ela é uma péssima mentirosa.

— Não vou nem perguntar como entraram.

— Chaves extras! — Bruno respondeu, e se sentou na cama,


olhando-me com atenção. — Um passarinho me contou que você chegou
todo molhado.

— Um passarinho chamado Mabi? — rebati, e ele deu de ombros.


— O que tanto querem? — indaguei no fim.

— Beijou ela? Se ajoelhou? Implorou por perdão? — Olívia


parecia uma metralhadora, ficando de joelhos na cama, e me encarando
com expectativa. — Ou ela passou a sua cara no chão, pisou e...

— Isso é tudo é amor por mim? — rebati, e Oli revirou os olhos.

— Você foi um imbecil, convenhamos. — respondeu, e eu assenti,


sem poder negar. — E ainda mais imbecil por não ter tentado mais durante
esses dez anos... — complementou, e eu me vi olhando de relance para
Bruno, que engoliu em seco. Desviei dele, e fui em direção ao espelho,
soltando a toalha sobre a cômoda, e passando o antitranspirante. — Mas eu
ainda sou team #Jabi!

— Que shipp horrível! — falei, virando-me para olhá-la, a qual

sorria abertamente.

— Não pior que ser team #Minácio!

— Porra! — Bruno respondeu, gargalhando alto, e eu tive que


sorrir disso. — Não poderia ter um nome combinando nesses casais?

Por um segundo me perdi, e poderia jurar que Bruno com Babi


daria um nome e tanto. Merda! Merda de culpa!

— Iiiiii, nem vem com essa cara! — pisquei algumas vezes, e Oli
se aproximou, batendo em meu peito. — Quando tem esse olhar, você
sempre foge dela. Mesmo quando sabia que ela vinha, ou ia visitar nossos
pais, ou pior...

— Oli, não! — cortei-a, e ela suspirou profundamente. — As


coisas são diferentes agora.

— Espero mesmo! — rebateu, e tocou meu rosto, com carinho. O


mesmo com o qual a encarava. — E está devendo sorvete pra minha filha.
Então, se veste logo e leva ela no centro!

— Mais alguma coisa, ditadora? — perguntei, e ela me olhou com


raiva. Sabia que era o seu ponto fraco. Olívia era uma pessoa controladora,
mas odiava o fato de ser chamada assim. Contudo, como irmão mais velho,
era meu dever enchê-la sempre. — Sabe que eu te amo, não é? — ela
revirou os olhos, e beijei sua testa.

— Vou acreditar que me ama, quando se amar primeiro. —


apontou um dedo em meu peito, e vi-a indo em direção a porta. — Vai
com a gente na casa do Lucas? — vi-a indagando para Bruno, que
assentiu.

— Pode ir apressando nossos pais, eu já... — fez um sinal até mim,


e ela saiu, como se entendesse que Bruno ficaria ali mais um pouco. No
momento em que Oli fechou a porta atrás de si, vi-me apontando um dedo
para ele, o qual fez o mesmo, em minha direção. — Não! — falamos ao
mesmo tempo, e eu engoli em seco. — Não pode me impedir de falar,
irmão.

— Não vai se desculpar de novo.

— Eu vou me desculpar a vida toda, porra! — rebateu, e eu engoli

em seco. — Não precisa me olhar como se precisasse se explicar, ou


precisássemos conversar. — levantou e veio até mim, tocando meus
braços. — Eu nunca vou me perdoar por ter atrasado a sua felicidade e a
dela.

— Bruno...

— Por favor, só pense em vocês. Não pense mais em nada. — era o


claro pedido de uma promessa. — Quando soube que pulou em um lago,

eu só consegui pensar que foi até ela... Estava na hora de parar de cuidar de

todo mundo, e cuidar de você.

— Sabe que mesmo com tudo isso... Eu ainda a deixei. Eu ainda


não a mereço. — vi-me dizendo, e no segundo seguinte, queria socar
minha cara. Não deveria falar disso com Bruno, não com ele.

— Nunca é tarde demais para fazer por merecer. — sorriu


levemente, e eu sabia que era sincero. Conheci-o tão bem quanto a mim
mesmo. Ainda assim, me doía nos ver naquela situação. De todas as coisas,
não queria machucá-lo, porque o amor nos encontrou. — São feitos um pro
outro, e se ainda não enxergou isso, tá na hora de trocar aquela porra de
óculos velho!

— Obrigado, irmão. — falei, com um sorriso, e ele apertou meu


ombro. — Eu não queria que...

— Não! — cortou-me e sorriu levemente. — Apenas seja feliz. Tá


na hora, né? — piscou um olho, e sem me deixar falar nada, apenas saiu.

Soltei o ar com força, assim que a porta se fechou, e engoli em


seco. Parecia tão simples, que me assustava. Olhei para o colar sobre a
cômoda, e sabia que precisava consertá-lo, assim como, levá-lo até a dona
dele. A dona de tudo em mim.
CAPÍTULO VI

“Mas eu não sei confiar

Em ninguém, até sei que você me quer bem

Sei que tu quer me ganhar, meu bem

Sei que eu também não sou de ninguém

Tu só me ganha no olhar, no jeito de amar”[8]

BABI

— Eu quero saber onde a traidora se encontra! — vi-me indagando,


assim que adentrei em casa, e o silêncio fora minha resposta.
Estava muito quieto diante do que geralmente era. Não me
surpreendi ao encontrar um post-it neon pregado na porta da geladeira, e a

letra de minha mãe bem ali: “Fomos chamados para jantar nos Oliveira, a
casa então... tá livre. Aproveita. Com amor, mamãe” Ri não pela intenção,
mas na letra diferente, que pertencia ao meu pai, que complementava a
mensagem com “e papai que quer ser avô”. Por Deus, eles eram péssimos

cupidos!

Sabia que eles amavam Júlio, mesmo ele tendo quebrado meu
coração. Segundo minha mãe, talvez ele pudesse ser o cara certo, e que iria
juntar pedaço por pedaço. Porém, eu o tinha feito, durante aqueles anos.
Ele não só quebrara uma parte de mim, mas várias delas, após aquele dia
fatídico.

Pensei, depois de um tempo, que ele insistiria, que ele realmente se


arrependeria de ter se afastado tão repentinamente... contudo, não tive

nada. Nenhuma resposta ou tentativa. Era como se tudo o que ele desejasse
fosse me evitar.

O fez perfeitamente, por dez anos. Por aquilo, não entendia o que
ele fazia ali, na minha casa, pulando em um lago, citando a música que
costumava ser nossa, e agora, se encaixava tão perfeitamente. Merda de
mente fanfiqueira!

Subi as escadas, e consegui ouvir o barulho de meu celular, que


deixara no quarto. Corri até o mesmo, porque existia uma pessoa em

particular que sempre me ligava, e poderia estar tentando há um bom

tempo. Assim que cheguei à frente da penteadeira, cliquei em atender, e o


grito de Lisa do outro lado da linha não me surpreendeu.

— É melhor dizer que estava presa no feno com um peão gostoso!


— gargalhei alto, e comecei a me livrar das roupas, deixando-a no viva-

voz. — Mulher, aqui tá uma loucura!

— Rolando no colchão com o seu riquinho? — rebati, e ouvi seu


bufar. — O clichê do CEO é seu amiga, vai fundo!

— Olha que o carma pega! — falou certeira, e eu sabia exatamente


ao que se referia. Joguei-me nua na cama, e precisava tomar coragem
para tomar um banho e ir até o centro, comprar as coisas que não fizera
de manhã, porque me perdi por completo. Me perdi por ele. — Aliás, por
que o CEO engomadinho que tu confessou amar bêbada... é amigo do

Igor?

— Como assim? — vi-me perguntando surpresa.

— Ele ficou me falando de um tal de Torres que ficou perguntando


sobre a mulher no andar do hotel dele, e eu nem ligando... Aí, ele me
mostrou uma foto. E eu juro, se esse tal Torres não for o seu ex melhor
amigo, que tava na foto que você guarda como relíquia...
— Puta merda! — falei, levando uma mão a cabeça.

— Puta merda, exatamente o que eu disse pro Igor!

— Então agora ele não é mais riquinho ou Reis... — provoquei, e


sabia que ela me conhecia bem o bastante, para saber que eu estava
fugindo.

— Minha querida, eu te conheço! — cortou-me. — Agora entendo

porque do CEO engomadinho e tal, ele é realmente CEO de uma empresa


de tecnologia, mas... o que eu não entendo, por que nunca falou sobre ele?
Ou o nome dele?

— Lisa...

— Eu sei que não gosta de falar sobre amor e tudo mais, e eu


respeito isso. Mas Babi, eu to preocupada! Não me pergunte porque, algo
me deixou maluca assim que somei um mais um.

Sorri, porque Lisa era um achado e tanto. Eu era boa em fazer

amigos, e na realidade, tinha vários. A questão era que todos eram amigos
pontuais. Ele se lembravam de mim em datas importantes e tudo mais.
Porém, o que construí com Lisa era diferente. A gente se aguentava nos
dias comuns. Nos dias em que nada acontece, a não ser as nossas
reclamações ou sono sem fim.

Ela era o meu Júlio do passado, na realidade. Tirando a parte que


eu me apaixonava. Ela era como um pedaço de uma amizade verdadeira,
onde você confia até mesmo, os seus pensamentos perdidos, e a pessoa lhe

dá atenção, a pessoa quer estar ali.

— Era ele, o cara na noite. — respondi e ouvi um grito de “O


QUE”. — Eu sei, muita informação nova e tal, mas... Não tínhamos ideia.
Pelo menos, eu não sabia que era ele. — falei, e então a dúvida pairou

sobre mim. Eu vi a confusão e surpresa em seu olhar quando nos


encontramos no supermercado, porém, não era fácil dizer se o conhecia
ainda. Na realidade, se um dia o fiz. Então, ele poderia apenas estar
atuando.

Se ele sabia...

Eu precisava entender se ele sabia que era eu. Filho de uma... mãe
incrível! Merda!

— Cara, se ele não for o seu 10 de 10, eu não digo mais nada! —

Lisa falou, e eu tive que rir, porque apenas ela era capaz de me fazer ficar
animada diante de toda aquela bagunça. — Na segunda você vem pra cá,
certo? — indagou.

— Sim, tenho que buscar algumas coisas e assinar alguns papéis.


— falei. — E claro, te ver.

— Eu sei que sou irresistível. — tive que revirar os olhos. — Mas


você vai me falar tim tim por tim tim de tudo isso, porque te conheço, só

depois de umas duas taças de vinho para começar a falar...E quem sabe,

uma surpresa.

— Não tenho nada a esconder. — rebati sorrindo. — Que surpresa?


Aliás, a gente pode sair na segunda, sei lá, ir no parque?

— Você e seus programas nada a ver com os meus. — falou, e eu

ri. — Parque, depois boate? E sobre a surpresa... te conto mais tarde.

— Como quiser. — rebati, sentindo falta de estar perto dela. —


Sinto sua falta, Lisa.

— Eu também, mais do que gostaria de admitir. — sorri, sabendo


que era sincero. — Quem sabe eu não ganhe um quarto na sua fazenda de
rica, e daí, passe as férias aí, os finais de semana...

— Sabe que as portas sempre estão abertas. — falei, e ela sorriu do


outro lado.

— Quando você piscar, eu posso estar aí. — queria mesmo, de


fato, que ela estivesse. Porém, por mais próximas que fossemos, sabia que
a vida da Lisa era na cidade grande, ela amava o lugar. O tanto quanto eu
amava o meu interior. — Preciso desligar, mas... Promete que me liga?

— Se eu não ligar, tenho certeza que você vai fazer.

— Péssima amiga. — rebateu e eu sabia que ela ria. — Te amo,


coisa misteriosa.

— Eu também. — ela desfez a ligação, e suspirei profundamente.

Levantei-me, levando o celular comigo para o banheiro.

Cliquei na minha playlist favorita de sofrência, que praticamente


ouvia todo dia, e deixei o celular sobre o balcão da pia. Liguei a ducha, e
mesmo com o dia quente lá fora, eu não conseguia tomar banho frio. O que

não fazia sentido, já que eu amava nadar em lugares gelados. O que fazia
sentido em mim, afinal? Naquele segundo, nada.

Fechei os olhos e cantei baixinho, odiando o fato de pensar tanto


nele. Era como se virasse, girasse, partisse, reencontrasse, e no fim, era ele.
Mas talvez não fosse a vida me surpreendendo com uma armadilha. Era
apenas ele, me predando naquela noite, como se fosse o dono do mundo.

Júlio Torres era capaz daquilo? Se tinha algo que eu conhecia dele,
e tinha certeza que não mudara, era sua determinação. Desde sempre ele

parecia certo demais sobre tudo e sobre quem ele era. Poderia eu ter sido
apenas uma parte do jogo?

“E o que já foi nosso

Não é de ninguém agora

Eu te vejo em todos os lugares, a única coisa que compartilhamos


É esta pequena cidade

Você disse que era um grande amor

Um pra entrar pra história

Mas se a história acabou, por que ainda estou escrevendo páginas?”[9]

Cantei alto e enquanto cada parte de mim, ainda sentia as mãos


dele por meu corpo. Neguei com a cabeça, porque não poderia me apegar
aquilo. Uma noite de sexo com um desconhecido não poderia valer mais
do que um passado de abandono. Eu estava indo pelo caminho
terminantemente errado.

Saí do banho sem pensar muito, puxando o roupão que sempre


deixava pendurado do lado do box e pensando em como as coisas se
perdiam. Por um momento, queria ser capaz de bloquear meus próprios
pensamentos.

Quando cheguei até o quarto, meu celular estava tocando e sorri ao


ver o nome de Bruno, por mais que me doesse estar próxima a ele, ou
qualquer Torres. Estar perto deles, era o mesmo que me sentir perto de
Júlio. Queria negar, mas era a verdade. E não poderia ser mais uma
mentira que contaria a mim mesma.

— O que foi, fofoqueiro? — indaguei assim que coloquei a ligação


no viva-voz.

— Estou no centro, tomando um sorvete e pensei... por que não

chamar uma amiga? — perguntou e eu ri sozinha. O poder de Bruno – me


fazer sorrir, a qualquer momento. Talvez ele fosse a parte do irmão mais
novo, que eu nunca tivera.

— E o sorvete não vai derreter até eu chegar aí?

— Sempre posso pedir outro. — rebateu e eu sabia que ele não


desistiria. — E faz tempo que a gente não conversa para matar o tempo.

— Não precisa implorar. — falei, e ele riu do outro lado da linha.


— Chego em uns 20 minutos ou mais, sabe como é a estrada.

— Estarei esperando, senhorita.

Desfiz a ligação e pensei no mal que faria apenas sair e falar com
Bruno. Nenhum, certo? Suspirei e fui até meu armário, encarando as
opções. Vestidos, terninhos combinando, ou shorts com regatas. Eu não era

tão versátil. E para os calçados, fora os saltos que Lisa sempre me


presenteava nos aniversários, tinham meus vinte all-stars, que eu
colecionava desde os 12. Felizmente, meu pé nunca crescera, e ainda
serviam perfeitamente.

Optei por um vestido e meu all-star favorito da época de colégio.


Estava basicamente sem sola, mas, eu o adorava. Era branco, com vários
detalhes em preto e vermelho. Nunca achara outro igual, e descobrira logo
que fora uma edição limitada. Mandei uma mensagem para meus pais, e

olhei-me rapidamente no espelho. De repente, senti falta de algo em meu


pescoço – o colar.

Suspirei, minha tatuagem em destaque, o qual fizera há menos de


dois meses, e adorava por completo. Todas as outras eram pequenas, mas

aquela ali, era um sonho realizado – ter algo marcando quase todo meu
torso. E combinava perfeitamente comigo, uma espada adornada por
flores, livros e música.

Pensei que não tinha como Júlio saber sobre ela, porque eu não
usava redes sociais, a não ser para assistir vídeos aleatórios. E Lisa muito
menos tinha postado uma foto minha já com a tatuagem. Mas o que eu
estava pensando? Como se Júlio estivesse interessado em saber sobre
mim. Bufei do quão patética eu soava.

Cerca de meia hora depois, após acelerar um cadinho mais na


estrada de terra, acabara chegando no centro. Parei o carro perto da praça,
e ainda bem que o fiz, porque o centro estava lotado de pessoas,
principalmente, perto da sorveteria. Felizmente, Bruno deveria já estar em
algum lugar sentado, e garantindo alguma cadeira para mim.

— Ei sombra! — me virei, antes de entrar na sorveteria. Encontrei


Lili me encarando, a qual fora minha colega por toda a infância e
adolescência, e também, a primeira namorada de Júlio. Por que eu estava

lembrando daquilo? — Faz tempo que não te vejo! — falou, abrindo os

braços e vindo em minha direção.

Aceitei o seu abraço, e sabia que ela continuava animada, como


sempre fora. Os olhos azuis me encararam curiosos e ela sorriu
amplamente.

— Vamos marcar de sair, qualquer dia desses. — falou, e eu


assenti. Pensei que seriam aqueles velhos encontros que no fim a gente
nunca marcava. — Na realidade, a turma toda está pensando em fazer um
reencontro. Coisa de colégio antigo, e tal.

— Só me mandar uma mensagem, continuo com o mesmo número.


— comentei e ela sorriu amplamente. — É bom te ver, Lili!

— Continuo linda, né? — indagou, e eu sorri, assentindo. —


Enfim, eu ainda tenho que passar no mercado, mas... Te mando mensagem,

certo? Já até convidei a tua sombra hoje, então... Logo nos veremos todos.

— Ok. — falei sem entender, e ela me deu um beijo no rosto, antes


de dar as costas, e atravessar a rua.

Minha sombra? Pisquei algumas vezes, tentando não pensar sobre,


e adentrei a sorveteria. Minha cabeça ainda meio perdida, que não percebi
quando bati contra alguém e meu corpo todo acordou.
— Tia Babi!

O gritinho infantil me era familiar, porém, não tanto quanto o corpo

musculoso que encontrara o meu. Assim que levantei o olhar com cuidado,
paralisei ao encontrar os olhos castanhos de Júlio, olhando-me por inteira e
praticamente, me comendo viva. Oh merda!
CAPÍTULO VII

“Eu, eu, eu persisti e resisti à tentação de te perguntar

Se alguma coisa tivesse sido diferente

Tudo teria sido diferente hoje?”[10]

BABI

Felizmente, um puxão em meu vestido, fez-me piscar e acordar


para a realidade, e desviar o olhar, assim como, do corpo dele.

— Oi gatinha. — falei para Daniela, que abriu os braços, e me


agachei para lhe abraçar. — O que faz aqui? — indaguei, e busquei Bruno
com o olhar mas não o encontrei ali dentro. — E o seu tio Bruno?
— Eu vim tomar sorvete com o meu tio favorito. — falou, e eu
sabia que ela falava isso sobre todos eles. Garota esperta! — O tio Bruno

saiu com a mamãe, tio Ná, tia Má e os vovós.

— Jura? — indaguei, e me levantei, pensando em como caíra


diretamente na armadilha que Bruno montara. Filho da mãe!

Quando voltei a olhar para Júlio, ele parecia completamente

distante dali, como se algo brilhasse em seus olhos, mas não fosse nada
bom.

— Por que não senta com a gente? — a pequena perguntou e antes


que eu pudesse responder, puxou-me com a mão até uma mesa desocupada
do lado de fora, que tinha uma mochila de criança sobre. Deveria ser a
mochila dela.

Sentei-me numa das cadeiras, e Daniela me estendeu as mãos,


vindo para o meu colo. Só tinham duas cadeiras naquela mesa, e por um

segundo, vi-me pensando se caso ela quisesse sentar na cadeira, só sobraria


o colo de Júlio para mim. Oh merda!

— Eu vou pegar o sorvete para você. — Júlio falou, deixando o


copo com o sorvete dele sobre a mesa, e colocando o outro na mão da
sobrinha.

— Mas...
— Morango com leite condensado e calda de chocolate, não é? —
indagou, como se fosse no automático, e eu assenti. Ele ainda sabia o meu

sabor favorito... Não consegui desviar o olhar, e o segui com o mesmo, até
vê-lo desaparecer dentro do estabelecimento.

Não demorou muito para ele voltar, e eu continuei o olhando,


enquanto o via praticamente desviar do meu olhar e parecendo ter comido

algo que não gostou. Ainda assim, eu sabia que precisava perguntar sobre
aquela noite. Nem que fosse de forma rápida e certa. O fato de Daniela
estar entre nós, ajudava e muito, porque nunca seria o foco na conversa.

— Preciso saber. — vi-me falando, e engolindo em seco, quando


fui pegar o copo com o meu sorvete, e nossos dedos se tocaram. Era como
se tudo de mim soubesse que era ele, em cada mísero toque.

— O que? — indagou, ainda sem me encarar, e focado em seu


próprio sorvete. Eu não precisava olhar para saber que era de abacaxi e

limão.

— Sabia que era eu? — perguntei, e permaneci o olhando, o qual


apenas destinou o olhar a sobrinha, sentada em meu colo, e limpou a boca
dela com um guardanapo. Ele ainda era bom com crianças? Vi-me
querendo saber também. Foco, Babi!

— Não. — respondeu, e por um milésimo de segundo, encarou-me.


Desviou, parecendo fugir de algo e fiquei perplexa. Onde estava o homem
todo decidido de mais cedo? O que estava de fato acontecendo? — Não

tinha ideia, Bárbara.

— Ok. — vi-me respondendo, e ele não parecia estar mentindo.


Mesmo que naquele momento, eu não conseguisse entendê-lo em nada. —
Será que dá para me olhar? — perguntei, e notei-o travar um movimento

de levar o sorvete até a boca, e parei de raciocinar direito. Por que ele era
malditamente bonito até comendo?

Seu olhar castanho parou no meu, enquanto Daniela cantava algo


baixinho e se lambuzava no sorvete.

— Você gosta dele, não é? — perguntou, e eu pisquei algumas


vezes, como se não entendesse nada. E eu realmente, não entendia. —
Esquece, não tem que me responder isso. Na verdade, não sei como está
falando comigo agora.

Eu também não sabia. Poderia dizer que era porque Daniela me


pediu, ou apenas me deixei levar, contudo, eu sempre sabia fugir de
situações que não gostava. E ele, sabia muito bem daquilo. Se não quisesse
estar ali, eu não estaria.

O problema maior: eu queria.

— Acho que...
— Tio, eu posso tomar mais um? — a pergunta de Dani me parou,
e eu engoli em seco. Eu estava tão perdida ali, sem saber o que diabos ele

queria falar sobre.

— Claro que sim. — ele respondeu, e apenas senti Dani pular do


meu colo, e correr para dentro da sorveteria.

— Não corre! — a voz de Júlio se perdeu, assim como, a visão de

Daniela lá dentro. Ele sorriu, e pela primeira vez, notei que era verdadeiro.
Quando me encarou, sua expressão mudou e eu fiquei sem saber o que
dizer. — Eu pensei que teria muita coisa pra te falar quando quisesse me
ouvir.

— Só não pensou que eu ia querer ouvir agora? — rebati e ele


assentiu de imediato. — Devia armar melhor com o seu irmão. —
provoquei e ele piscou algumas vezes, como se buscando alguma resposta.
— Bruno não te falou?

— O que ele de fato fez? — perguntou, como se tão perdido quanto


eu, e o olhei em choque. Jurava que fora uma armação conjunta.

— Ele me ligou, disse que estava na sorveteria me esperando e...

— Ele nem veio ao centro com a gente. — cortou-me e levou uma


mão até os cabelos, passando-as levemente por ali. Aquelas mãos...
Grandes, do tamanho exato para me marcar inteira. Foquei em tomar mais
um pouco do sorvete, mas quase engasguei, quando notei Júlio analisar

cada sútil detalhe meu, ao engolir a sobremesa.

Ele parecia sem ar por alguns segundos, e eu, era um reflexo.

— Peguei estrelinhas! — o gritinho de Daniela me fez piscar, e me


afastei para que subisse no meu colo. — Muitas estrelinhas, tia, olha! —
falou, mostrando-me o sorvete, e eu me foquei ali, enquanto sentia todo

meu corpo queimar, sabendo que os olhos dele estavam em mim.

Comecei a fazer notas mentais, porque só poderia ter desligado os


neurônios.

Primeiro: não deveria estar ali.

Segundo: já deveria ter ido embora.

Terceiro: por que eu me deixava levar pelo tesão?

Só poderia ser aquilo. Todo o tesão acumulado a partir daquela


noite em que a gente se entregou por completo. E de repente, eu não

raciocinava direito.

— Tá na cara que está confusa. — a voz dele soou baixa e tão


tentadora, que eu quase me perdi ao olhá-lo. — Mais cedo fugiu, depois
quase me bateu, e agora, está me ouvindo... Pode levar o tempo que
precisar, Bárbara. Eu só quero conversar, de verdade.

Assenti, sem conseguir lhe dar uma resposta.


Eu nunca pensei que gostaria mesmo de ouvi-lo. Ao menos, não
imaginei que o faria tão repentinamente. Porém, a vida parecia brincar com

a gente, colocando-nos frente a frente no improvável, e ali, mesmo que


fosse uma armação, ainda significava algo. Entretanto, mesmo que
quisesse e desejasse ardentemente, ouvir suas desculpas ou entender o que
passou, eu sabia que abriria uma brecha para o que prometi a mim mesma,

nunca mais acontecer – um coração quebrado.

— Não posso te ouvir. — soltei, pois era a realidade. Querer, eu


queria. Mas poder, era outra história. Não poderia lhe conceder tal poder.
— E a realidade é que o que passou, passou. Não temos mais nada.

Ele pareceu analisar cada fala minha, e pensar sobre, porém não
disse nada por alguns minutos. Terminei de tomar meu sorvete, com seu
olhar sobre mim, e com Daniela contando animada sobre como adorava os
cavalos do tio Ná. Eu estava sorrindo para ela, mas nenhum deles era

verdadeiro.

E ali eu entendi porque tanto fugira da presença de Júlio antes, e


agora, deveria fugir ainda mais. Ele me intoxicava. Tudo nele, se tornava
cada parte de mim quando se aproximava. Como se eu não fosse mais um
ser pensante, e me perdesse.
JÚLIO

Só não terminamos de comer no silêncio, porque Daniela valia por

todos nós para falar. De repente, conversar com a pessoa que sempre fui eu
mesmo, era difícil. Não tão de repente assim, já que faziam dez anos.
Olhando-a dali, não parecia que o tempo fora tão esmagador assim. Porém,
lembrando-me de todas as datas que eram tão nossas, e não o foram, e eu
estava sem ela, sabia que fora devastador.

Assim que Daniela desceu de seu colo, e rumou em direção a


sorveteria, porque queria uma água, vi-me não pensando, e apenas
esticando a mão e tocando levemente no braço de Bárbara. Ela estacou, e

quase me vi perguntando: você sente como se cada parte de si estivesse a


ponto de se partir apenas para encontrar cada parte de mim?

Dei um passo à frente, e fiquei bem próximo, quase sentindo sua


respiração contra o meu pescoço, devido à nossa diferença de altura.

— A gente pode não ter nada, mas para mim, você ainda significa
tudo. Isso nunca mudou. Mesmo quando achou que mudou, não aconteceu.
— sussurrei, sem conseguir evitar, e ela me olhou, e era clara a mágoa.
Assim como, depois de tanto tempo, enxerguei o que sempre busquei
apenas nela – algo mais.

Se ela se lembrava ou não, eu não sabia, mas aquele sempre foi o


meu jeito de dizer que a amava. Mal sabia ela, que perdidamente.

— Não se foge ou abandona quem ama. — ela respondeu minha


pergunta silenciosa, mostrando que se lembrava. Porém, ela não aceitava

aquele amor, ao menos, não acreditava nele. — Teve tempo para tentar
voltar... por que agora?

— Por que não agora? — vi-me revidando e ela deu um passo


atrás.

— Tarde demais.

Deu-me as costas e eu soltei o ar com força. Sentia os olhares nada


discretos das pessoas ao nosso redor. Não sentia falta daquilo que
acontecia no interior, mas como meus pais ensinaram, deixem falar. Segui-

as para dentro da sorveteria, e já encontrei Daniela com uma garrafa de


água na boca. Aquela pequena não perdia tempo.

Ela me fazia pensar no quanto eu adoraria ser pai.

Suspirei fundo, ao vê-la interagindo com Bárbara. Todos aqueles


anos, vendo-as de longe, e não conseguindo me aproximar. Porque prometi
a mim mesmo, e em respeito a quem amava. Lembrava-me de quando a vi
segurar Dani no colo pela primeira vez, o quanto aquela imagem me
acertou. Eu seria o pai de quantos filhos aquela mulher quisesse me dar.

Ou até mesmo, se ela quisesse muitos cachorros e gatos.

Eu faria de tudo por ela. Mesmo sabendo que não fiz nada daquilo
que gostaria.

Por medo de machucar quem amava. E agora, talvez fosse o

momento mais errado, porque o sentimento dela, poderia ser outro. Poderia
ser dele. Poderia aquela noite ser algo de momento, porque ela não sabia
quem era. E de fato, poderia ser tarde demais.

Contudo, eu só saberia de tudo aquilo, falando com ela,


perguntando... Eu estava preparado para qualquer resposta?
CAPÍTULO VIII

“E eu sabia como você tomava seu café

E suas músicas favoritas de cor (...)

Estúpida, emotiva, obsessiva pequena eu

Eu sabia desde o início que seria exatamente assim que você iria embora "
[11]

BABI

Depois de dar um grande beijo em Daniela e prometer que eu a


veria em breve. No caso, a veria mesmo, já que ela estaria na casa de
Inácio naquele domingo. A primeira vez em anos, que eu iria estar com
todos os Torres. Sabia que eles respeitaram meu espaço, de não estar
próxima a Júlio, mesmo quando os visitava. A questão era que geralmente
acontecia fora daquela cidadezinha. Eles viviam espalhados na capital e
outras cidades do interior. No final, tornara-se fácil não encontrar o

castanho dos olhos dele.

A cada passo que eu dava, sentia que ele me acompanhava com o

olhar. E eu queria poder virar, jogar tudo para cima e dizer: eu ainda te
amo. Porém, eu sequer sabia o que eu amava naquele momento. Estava tão
confusa com tudo aquilo. Por mais que a Bárbara de dezoito anos esperou
e aguardou tanto pelo momento que ele simplesmente voltaria atrás, e lhe
contaria que apenas teve medo, ali, a Bárbara de vinte e oito, sabia que o
medo não explicava dez anos longes um do outro.

No momento em que sentei no carro e girei a chave, com o motor


falhando, sabia que só poderia ser alguma brincadeira sem graça do

destino. Tentei mais cinco vezes, e tudo que o motor fizera era engasgar,
mas nada de ligar. Ri sozinha, sem graça alguma, e me perguntei: Bruno
teria estragado meu carro também? Sabia que ele não faria tal coisa, nem
ninguém. Parecia apenas a vida, me jogando na cara que eu não
conseguiria fugir.

Mas eu daria um jeito.

Uma batida no vidro aberto me fez parar de rir e girar. Não


precisava olhá-lo para saber quem era, no entanto.

— Precisa de uma carona? — Júlio perguntou sério, mas eu sabia

que por trás daquela carinha de bom moço inatingível, ele estava rindo.
Com toda certeza pensando que tinha ganhado aquela. Outra coisa que
nossa amizade se baseou: a competitividade.

Porém, não queria pensar em placares, ou em como as coisas iam.

Porque não importava o número, importava o fato de que eu estava à frente


dele, e parecia esquecer meu próprio nome. Eu não deveria apenas
continuar fugindo e evitando? Lutando para não pensar mais do que
deveria sobre aquela noite? Sobre o nosso passado?

— Não. — saí do carro, trazendo minha bolsa e ativando o alarme


em seguida. Lembraria de pedir para alguém da fazenda buscar o carro na
segunda e levar na oficina, já que era praticamente sexta-feira de noite, e
não atormentaria ninguém com aquilo, e não precisaria tão cedo.

Senti seus passos atrás de mim, e parei apenas porque a voz


feminina e de criança me chamou.

— Tia Babi. — quando olhei para Daniela, no colo de Júlio, notei


que ela tinha a cara de que pediria algo e eu não conseguiria negar. Oh
merda! — Por que não vai com a gente?

— Porque eu tenho que ir ao mercado ainda. — aproximei-me


apenas o suficiente para apertar o nariz dela, e sabia que ele encarava cada

gesto meu.

— A gente precisa comprar algumas coisas para o jantar também,


já que vamos ser só nós dois hoje. — Júlio comentou, como se fosse
simples assim, e eu o encarei perplexa. — O que? — indagou, na maior
cara de pau.

— Não vai conseguir nada indo por esse caminho. — falei,


indicando Dani com a cabeça e ele sorriu de lado, dando-me o ar cafajeste
que eu me derretia por completo quando mais nova. E ali, já adulta, senti o
mesmo impacto. O impacto daquela noite.

— O que tem de mais em ir ao mercado com a gente? —


perguntou, e eu conhecia aquele joguinho, mas era impossível não cair. —
Está com medo de ficar perto de mim e perceber que pode sim me escutar?

— Não vai ganhar nada com isso. — falei, e soltei o ar com força.

Ele estava me desafiando, e sabia que eu não abria mão. O pior, era vê-lo
tentar estar comigo de todas as maneiras, até mesmo, as mais antigas
nossas.

Júlio apenas sorriu e passou a minha frente, com Daniela em seu


colo, e os segui, com o meu pensamento completamente perdido. Queria
poder gritar com ele e tirar toda a raiva que ficara acumulada. Ao mesmo
tempo que queria colocá-lo contra a parede e fazê-lo ter algum sentido. O
que eu precisava entender além de mim mesma? Tudo. Absolutamente

tudo sobre nós.

E nós sequer existia.

Assim que o vi desligar o alarme do carro e notei qual era, fui em


direção ao mesmo, para já entrar no banco do carona, contudo, ele fora

mais rápido. Abriu a porta para mim, enquanto segurava a sobrinha com
um dos braços e eu tentei não pensar que o lado cavalheiro dele ainda
existia. E o pior de tudo, que a pobre Babi jovem, não tinha chance de não
se apaixonar por ele.

Quando se era adolescente, era fácil ver no mínimo, o máximo para


sentir o amor da sua vida. Lego engano.

Assim que me sentei, digitei rapidamente uma mensagem para


Lisa: “o que fazer quando se quer enforcar o seu ex melhor amigo com a

própria língua dele?”

Não demorou três segundos e ela respondeu, fazendo-me sorrir.


Apenas Lisa era capaz de falar algo assim em uma situação como aquelas.
“Por que não usar a língua dele para algo que te faça revirar os olhos?”.
Acabei revirando os olhos no fim, apenas por saber que minha amiga
levava tudo da maneira mais leve possível. Era bom ser assim.
Senti sua proximidade, no momento em que ele se sentou no banco
do motorista, e eu foquei na janela, agradecendo o fato de que dali até o

mercado, eram menos de cinco minutos com o carro. A cada rua que a
gente passava, era como se eu lembrasse, do exato momento em que ele
tirou a carteira de motorista, e me levou como sua primeira passageira. O
nosso destino? O nosso lugar. O qual eu não ia há tantos anos, que sequer

sabia se ainda existia.

— Como minha primeira passageira, vai poder escolher a música.


— falou, e eu soltei um gritinho, animada. Estava para tirar minha
carteira também, porém, os meus dezoito só chegariam no próximo mês. E
era um sonho compartilhado nosso, poder ouvir música no mais alto
possível, e andar de carro por aí. — Podemos até ir nas cidades vizinhas
na semana que vem.

— Mas primeiro de tudo... — falei, e coloquei o cd, com os olhos

brilhando, enquanto via-o sumir, e esperava o meu álbum favorito


começar. — É agora que te faço decorar cada letra dos meus álbuns
favoritos.

— Já fazia isso antes. — provocou, e eu sorri, dando de ombros, e


sabendo que era verdade. O que a gente tinha, era tão bonito. Eu sabia
tudo sobre ele, cada mísero e pequeno detalhe. Assim como, ele conseguia
saber cada limite e espaço meu, apenas pelas minhas músicas e gostos.
— Tia Babi! — a realidade me chamou e eu pisquei algumas vezes,
saindo daquelas lembranças e me virando para Daniela.

— O que foi, gatinha?

— O tio perguntou se você não vai colocar nenhuma música? —


perguntou, e notei que Júlio sorria para ela pelo retrovisor. Naquele curto
espaço de tempo em que me distraí, pensando justamente naquele homem,

ele tinha influenciado a sobrinha. Eu tinha que ficar mais atenta.

— Não agora. — respondi para Júlio, que me olhou de esguelha. —


O mercado é logo ali... — dei de ombros, sem nem entender porque de fato
eu estava me explicando. — Para com esse joguinho! — sussurrei as
últimas palavras, e apenas fiquei em paz quando ele estacionou o carro, e
eu abri a porta, praticamente pulando do mesmo. Imbecil!

No instante em que adentramos o mercado, me arrependi por


completo. Daniela dentro do carrinho, ele o empurrando e eu sentia os

olhares de todos ao redor sobre nós. Era fato que nós éramos um dos casais
que aquela cidade mais torcia. Nunca entendera porquê, mas era claro que
a sombra de Júlio Torres, seria a futura senhora Torres para eles.

— Não vai pegar nada? — Júlio perguntou, enquanto pegava dois


pacotes de macarrão e colocava no carrinho, e eu apenas foquei em abrir
minha lista, e checar o que precisava.
Vi-me pegando um pacote de macarrão penne e já dando check.
Sentia o olhar dele sobre mim, mas foquei apenas no que era preciso – as

compras.

Alguns corredores do mercado depois, e faltava apenas um item na


minha lista. Estávamos no corredor dos doces e salgadinhos, e Júlio tirou
Daniela de dentro do carrinho para que ela pudesse correr livremente por

ali e escolher o que queria. Vi-me segurando um suspiro. Há muitos anos,


eu me via imaginando como seria uma vida exatamente assim.

Nós dois, no mercado, com o nosso filho correndo... Ri sozinha, do


meu próprio pensamento. Parecia tão certo naquela época, mas ali,
mostrava-me que a vida nunca era de fato como a gente queria. Não que eu
não desejasse um amor calmo e simples, mas a realidade, era que o
sentimento que eu tinha por ele, não tinha morrido, nenhuma pequena
parte, mas não resultara em nada.

— O seu favorito.

A voz dele me chamou atenção e me virei para encontrá-lo


segurando minha barra de chocolate branco favorito. Era como se Júlio
estivesse tentando provar que me conhecia, como se ele buscasse algo com
tudo aquilo. O que seria? Eu estava preparada para a resposta daquela
pergunta?
— Era o seu favorito, quero dizer. — corrigiu-se, colocando a barra
dentro do carrinho de compras, e suspirando profundamente. — Não sei

muito sobre o que você gosta ou não, hoje em dia. — confessou tão baixo,
que jurei que era para si mesmo, mas ainda assim, foi possível ouvir.

— O que quer com isso? — perguntei, dando um passo à frente,


ficando próxima a ele. Por mais que aquilo me energizasse por inteira e

não me permitisse pensar, eu precisava. Precisava saber. — Depois de


tanto tempo, o que quer comigo?

Ele passou uma mão pelos cabelos ondulados bem cortados, e a


outra estava amparada contra o carrinho.

— O que eu sempre quis... — começou a falar e notei-o engolindo


em seco. — Você. — eu estava tão próxima, que poderia jurar que ele não
mentia sobre aquilo. Mas nada naquela história e situação fazia sentido.

— Não... — vi-me falando, e negando com a cabeça. — Você quer

o que tivemos naquela noite. — falei, pois sabia que estávamos em um


local público, e ainda, Daniela ao nosso redor. — Por isso toda essa
encenação e armadilha, e... Porque você gostou da mulher mascarada
naquela festa. Você gostou e quer mais.

— Nunca se tratou de s... — travou o maxilar e se colocou ereto,


encarando-me com certeza. — Nunca se tratou de nada perto disso,
Bárbara. Você sabe muito bem disso.

— Então vai me dizer que aquela noite não influenciou em nada, o

fato de você simplesmente querer estar próximo de mim?

Notei o exato instante em que algo passou em seu olhar castanho.


A mágoa, a culpa, a dúvida... O que tanto ele pensava?

— Me mostrou que eu não posso mais negar o que sinto. Nem mais

um minuto. — soltou o ar com força, e pude senti-lo em meu rosto,


tamanha proximidade. — Você pode nunca me perdoar, mas eu nunca vou
parar de tentar.

— Eu tenho uma vida fora disso... — vi-me sussurrando de volta,


assim como ele fazia. — Eu tenho uma vida fora dessa fantasia de ex
melhores amigos que se reencontram. Você quer o meu perdão? Ok, você
o tem. — falei, sabendo que não era sincero, e mesmo assim, era o que eu
entregaria. Lhe entregaria qualquer coisa para ter minha paz de volta.

— Não minta para mim. — falou, tão baixo e perigoso que era
como se estivéssemos sozinhos, sem nada mais ao redor. — Não quero o
seu perdão, não só isso...

— O que quer, Júlio? — o nome dele saiu da minha boca e sabia


que fora um erro. Tudo porque ele estava perto demais, deixando-me
confusa e perdida.
— O seu amor.

— Eu quero esses todos! — o grito de Daniela não foi o suficiente

para que nossos olhares se afastassem, e tive que usar o que restara do meu
autocontrole para me afastar.

Sorri para a garotinha, e fui até ela, tocando seus cabelos castanhos.
Notei que ela estava com no mínimo, cinco barras diferentes de chocolate,

e sorria abertamente.

— Por que não me dá esses e pega alguns salgadinhos? — sugeri, e


ela me entregou os chocolates animada, e rumou em direção a sua outra
escolha. Coloquei os itens dentro do carrinho e tentei não pensar em mais
nada, porém, era impossível.

— Bárbara...

— Não. — falei, e o olhei sobre o ombro, o qual se me conhecesse


bem o suficiente, entenderia que eu estava por um fio. A qualquer

momento, ou eu quebraria, ou eu estaria em pura fúria. — Não agora.

Ele assentiu, e vi-o ir até a sobrinha. Peguei o último item da minha


lista, que era uma barra de chocolate branco, a qual ele tinha colocado no
carrinho antes, e continuava sendo a minha favorita.

Uma lágrima desceu, e eu pisquei algumas vezes, odiando o fato do


quanto ele conseguia me expor. Cada sentimento. Cada mínima parte. E
depois de muito tempo, admiti a mim mesma, que talvez não só meu gosto
por chocolate continuava o mesmo, mas o meu gosto por ele.
CAPÍTULO IX

“Meu tempo, meu vinho, meu espírito, minha confiança

Tentando achar uma parte de mim que você não tenha tomado

Eu te dei tanto, mas não foi suficiente

Mas eu ficarei bem, são apenas milhares de cortes"[12]

JÚLIO

— Boa noite, pequena. — falei para Dani, dando um leve beijo em


sua testa, a qual já estava com os olhinhos quase fechados.

Ela estava cansada de tudo o que fizemos naquela noite. Primeiro o


sorvete, depois o mercado, depois o jantar... Deixei a porta do seu quarto
entreaberta e fui em direção a sala de estar do meu irmão, no andar

debaixo.

Vi-me mudando o caminho no momento seguinte e indo até o


escritório dele, servindo-me de uma generosa dose de uísque. Meus
pensamentos se perderam por alguns instantes, e tudo o que conseguia
pensar era em cada detalhe dela. Cada pequena parte que eu perdi em todos

aqueles anos.

Levei o líquido a boca e virei um pouco, sentindo-me não muito


melhor após.

— Ei! — a voz baixa de Olívia me fez virar, e notei que ela estava
sozinha, já que se a família toda tivesse voltado, eu já teria escutado.
Olívia era tão silenciosa quanto Inácio quando queria. — Ela já dormiu,
né? — perguntou, tirando a jaqueta jeans que vestia, e vindo até mim,
pegando o copo de minha mão.

Ela cheirou a bebida e sorriu, dando um leve gole.

— Acho que a cansei muito. — falei e Oli devolveu o copo,


sorrindo. — Onde estão todos?

— Acho que tentando descer bêbados do carro, quer dizer, papai e


Mabi não estão, e eu obviamente também não. Enquanto dirigia pra cá, o
instinto de irmã apitou e eu sabia que só poderia ser você. — falou, e
olhou-me com atenção. — O que tá acontecendo?

— Eu a amo. — confessei, e vi-me indo em direção ao sofá que

tinha ali, e me sentando. Oli se prostrou ao meu lado e ficou me encarando,


como quem dizia “qual a novidade nisso?”. — E eu não consigo mais
evitar... — suspirei fundo e minha irmã me encarou com cuidado.

— Nunca entendi porque evitou. — falou, enquanto eu virava mais

um pouco da bebida. — Mas Inácio me disse algo hoje que... talvez faça
sentido.

— O que? — perguntei em alerta.

De todas as pessoas ao nosso redor, eu sabia que ele era o único


capaz de ter realmente entendido.

— Você foi um merdinha com ela quando resolveu tudo do estágio


antes e não contou, mas eu sei que você foi até ela minutos depois e tentou
se despedir... Depois disso, as coisas não fazem sentido, irmão. Por que

simplesmente desistiu de vocês?

Abri a boca para responder, mas me calei no segundo seguinte.

— Inácio sussurrou que Bruno estava tentando se redimir, apenas


para que eu ouvisse. — comentou e eu fiquei perplexo. — Isso, depois que
Bruno falou que armou para vocês se encontrarem.

— Apenas o Bruno sendo o Bruno. — engoli em seco, mas Olívia


deu um peteleco na minha testa, como se chamando minha atenção.

— Esqueceu que sou a mais próxima de você? — olhou-me com

certeza. — Por que nunca me disse?

— Não queria que Bruno ficasse mais sentido do que ele já ficou.
— confessei, e soltei o ar com força. — Ele se culpa há muito tempo e não
queria que ninguém quisesse escolher um lado, ou tentasse intervir. Eu não

ia deixá-lo sofrer.

— E então, você sofre? Babi sofre? — rebateu, e eu neguei com a


cabeça.

— Já parou para pensar que ela pode sentir o mesmo por ele? —
perguntei, tomando o resto do uísque. — Quando ela fala dele, tudo nela se
ilumina e... Eu vi os dois juntos durante esses anos, e eu podia jurar que...

— Ou isso é uma mentira que conta a si mesmo para justificar o


fato de que abriu mão do amor da sua vida, por conta dos sentimentos do

seu irmão mais novo?

— Oli...

— Eu nunca escolheria um lado. — cortou-me. — Mas essa


história não é a do Bruno, nunca foi. Ele não controla o que sente, eu sei
muito bem disso. Eu não controlei quando me apaixonei perdidamente e
acabei tendo uma filha, mas... A gente sabe quando é real.
— Não vamos falar disso agora, por favor. — pedi, trazendo-a para
perto e beijando sua testa. — Seu instinto de irmã é certeiro.

— Não me faça lembrar do almoço que eu organizei e descobrimos


sobre Mabi e o nosso futuro sobrinho... — suspirou feliz e convencida. —
Se vocês me dessem o poder de resolver seus problemas amorosos,
estariam todos casados e com no mínimo cinco filhos.

— Se eu estivesse com ela, já seria o bastante. — confessei, e sabia


que não poderia fingir não sentir nada, não perto de Oli. Trouxe-a mais
para perto e beijei novamente sua testa. — Acho que vou andar um pouco
e...

— Por que não vai até o lugar de vocês? — perguntou de repente,


afastando-se. — Há quantos anos não vai lá?

A realidade era que eu ia todos os anos, e em várias datas


diferentes. Por muito tempo, fora minha esperança de que ela apareceria, e

tudo se resolveria, e poderíamos ser apenas nós dois por alguns segundos.
Mudar aquela lembrança de quando a deixei. Mudar aquele momento para
apenas o qual eu dera o primeiro beijo no amor da minha vida.

— Não vou demorar muito, eu acho. — falei, levantando-me e


deixando o copo vazio sobre a bandeja do pequeno bar que Inácio tinha ali.
— Tudo bem se...
— Eu nunca imaginei que você fosse um péssimo bêbado. — ouvi
a voz de Mabi longe, e sorri, porque com certeza, ela tinha conhecido a

versão bêbada do nosso irmão mais velho.

— Vou sair de fininho. — falei para Oli, e segui para fora do


escritório. No momento que os vi subindo as escadas, com Bruno e Inácio
apoiando um ao outro, enquanto Mabi apoiava minha mãe, segurei a

gargalhada.

Assim que fechei a porta da frente, ri alto ao ouvir a frase de


Olívia.

— Que situação essa em Fabrício Torres? — nosso pai riu alto, e


era tão bom vê-lo assim – feliz. Uma pequena angústia no peito me
atingiu, e eu sabia que não poderia deixá-la tomar conta. Nosso pai ficaria
bem, e todos nós, faríamos o impossível para que ele se curasse.

Minha mente se perdeu um pouco, enquanto caminhava para fora

da fazenda, e sabia exatamente para onde eu iria. E após vários minutos, a


vista daquele lugar, com o nosso velho balanço, que eu reformara no ano
passado, me acertou em cheio. Ele ficava bem na divisa entre as fazendas
das nossas famílias. Um pedacinho de terra que nos fora dado, quando
ainda éramos adolescentes.

Depois de tanto tempo indo ali, e esperando por ela ou um sinal do


destino, acabei por construir a casa de madeira que a gente tanto falava de
ter, apenas para poder guardar nossas coisas, e dormir à luz das estrelas

quando decidirmos.

Era um espaço pequeno, mas ficara da forma como eu imaginava


que ela adoraria. Uma geladeira para todas as bebidas que a gente brigava
se não estivessem quase congelando. Um micro-ondas para as comidas

congeladas que com certeza traríamos para fazer ali, e a pipoca com
manteiga que ela adorava. Do outro lado, tinha uma cama enorme, a qual
não pensei muito, apenas escolhi. Apenas uma, porque era assim que nos
imaginava... Lembrando do nosso primeiro dia, naquele fatídico dia.

— O que você vê daqui dez anos?

— Você. — respondi sem precisar pensar, e notei sua respiração


mudar, como se uma reação de todo o corpo dela diante das palavras. Eu
poderia estar enlouquecendo, mas era como se depois de tanto tempo

apaixonado, finalmente, visse o sentimento sendo compartilhado. — Você


me infernizando vinte e quatro horas. — complementei, tentando suavizar
a resposta, e jurando que estava louco por enxergar desejo em seu olhar.

— Na mesma cama? — aquela pergunta me deixou de joelhos e eu


queria, mais do que tudo, aqueles lábios como meus.

Era uma doce lembrança, antes de tudo se perder. Ainda, todo o


lugar era telhado de forma transparente, para que assim, não importasse se
estivesse chovendo ou não, ela pudesse ver o céu, nos meus braços...

Suspirei profundamente, e me sentei na cama, pensando em como sonhei,


tantas vezes em poder mostrar a ela.

— Dez anos... — falei para o nada, e olhei em direção ao banheiro.


Ela adoraria, porque tinha a banheira enorme que ela tanto dizia que

sonhava ter, apenas para tomar vinho como adulta que seria, um dia. Eu
mal sabia se ela realmente gostava de vinho.

Levantei-me, indo até o baú que ficava a alguns passos da enorme


cama, e o abri, olhando para as várias cartas espalhadas. Tantas datas e
momentos diferentes... Confissões de um amor que eu sabia que se
perdera, e talvez, nunca mais fosse encontrado. Eu estava pronto para ela
me encontrar?

A chave daquele lugar era uma abertura eletrônica, do único jeito

mais seguro que pensei, que um lugar mais afastado das casas principiais
seria. A senha, era tão fácil, que eu pareceria ainda mais brega – a data do
aniversário dela. Que tinha além da importância clara, fora quando a gente
se tornou melhores amigos.

Talvez eu precisasse passar a noite ali... e pensar no que faria no


dia seguinte. Porque minha cabeça estava atormentada com tudo o que se
passara. Em pensar que planejei tanto que a gente teria nossa primeira vez
ali, e no fim, acabou sendo como completos desconhecidos. O quão

diferente o destino pode ser daquilo que planejamos, não era?

Olhei para o violão, que era dela, e que ela nunca buscara, e fui até
ele, trazendo o instrumento até mim, só conseguindo pensar na nossa
música. A qual ela cantara, porque era sua favorita, e de alguma forma, se
tornou algo nosso. Fazia um bom tempo que não tocava exatamente aquela

música, talvez porque as lembranças fossem grandes demais... doessem


demais.

“Eu sinto falta da sua pele bronzeada, do seu doce sorriso

Tão bom para mim, tão certo

E como você me segurou em seus braços

Naquela noite de setembro

A primeira vez que você me viu chorar

Talvez isso seja apenas uma doce ilusão

Provavelmente um devaneio sem motivo

Se nos amássemos de novo, eu juro que te amaria direito

Eu voltaria no tempo e mudaria tudo, mas não posso fazer isso

Então se a sua porta está trancada, eu entendo...”[13]


Parei de tocar e cantar, enquanto engolia em seco, e pensava em

como doía cada parte daquela música. Nunca pensei que nós dois
pudéssemos ser definidos daquela forma. Minutos depois, ouvi passos do
lado de fora e meu coração disparou, como se não acreditando que tinha
alguém ali. Deixei o violão de lado e praticamente corri para abrir a porta,

mas como sempre, deveria ser apenas a minha mente brincando.

Não tinha ninguém ali.

Baixei o olhar e respirei profundamente.

— Estou enlouquecendo... — sussurrei para o nada, e já me virei,


para voltar para dentro e me perder um pouco com a música.

— O que isso significa?

Paralisei diante da voz, e achei que fosse minha mente pregando


outra peça. Virei-me com cuidado e quando meu olhar recaiu sobre a visão

da pessoa que tanto esperei aparecer ali, meu coração errou uma batida.
Não sabia sobre “o que” ela estava perguntando, mas vendo-a dali, com os
cabelos castanhos presos no alto da cabeça, e os olhos castanho claros
iluminados, tive novamente a certeza, de que significava o mundo para
mim.
CAPÍTULO X

“E eu não sinto raiva

Eu não sinto nada

Além do que você já sabe

Pior é que cê sabe bem, meu bem"[14]

BABI

Eu não devia estar ali.

Depois de tantos anos... era a primeira vez, que me via ousando


estar tão perto do lugar que um dia foi nosso. Nosso lugar de se encontrar
todo dia. Nosso lugar de passar o tempo e esquecer tudo. Nosso lugar de
fofocar sobre nada e sobre tudo. Nosso lugar de inventar histórias sobre o

futuro. Nosso lugar de compartilhar medos, receios e desejos. Nosso lugar

de deitar sob as estrelas e dormir em colchões improvisados.

Porém, assim que me aproximei, e notei as várias luzes presas as


árvores ao redor, como se fosse a iluminação própria do lugar, o nosso
balanço completamente restaurado, como se tivesse sido o feito há pouco

tempo, as memórias se dissiparam. Virei-me e a pequena cabana de


madeira, fez meu coração pular no peito. Ele... Ele tinha feito tudo aquilo?

Nada mais fazia sentido. Nada parecia explicar a nossa separação.


Simplesmente, nada. Quando a porta da cabana se abriu, meu coração
perdeu a batida e eu apenas me vi escondendo atrás da árvore. Sabia que
era ele, apenas pela forma como meu corpo todo reagiu. Suspirei
profundamente, e soube que não dava mais para fugir.

Tinha sido o bastante.

Respirei fundo e saí de trás da árvore, caminhando até a porta, e


notei-o de costas.

— O que isso significa? — foi o que saiu de minha boca, enquanto


eu segurava tudo de mim para não quebrar. Júlio paralisou diante da fala, e
se virou devagar. Quando seu olhar parou no meu, era como se ele não
acreditasse que eu estava ali. — O que tudo isso significa? — perguntei,
abrindo os braços e deixando algumas lágrimas descerem.

Eu estava cansada.

Eu estava exausta de tudo aquilo.

Tantos anos se passaram, e de repente, alguns momentos,


quebraram cada pedaço da barreira que eu lutei tanto para construir. Era
como se apenas o olhar dele, fosse o suficiente para atravessá-la e no meio

do caminho, a derrubar.

— Por que está aqui? O que fez com esse lugar? — as perguntas
saíram tão rápidas que eu não pude impedir. Nem queria mais. — Por que
tudo o que eu estou descobrindo sobre você mostra o oposto do que de fato
aconteceu?

— Bárbara...

— Bárbara o que, Júlio? — rebati, e ele deu alguns passos à frente,


como se quisesse me alcançar. — Não tem o direito de aparecer na minha

frente depois de tantos anos e me fazer duvidar de tudo o que eu acredito!


— minha voz saiu praticamente quebrada. — Por que me abandonou? — a
real questão, o ultimo que jurei que nunca faria, mas ali estava eu,
quebrando minhas próprias regras, porque não aguentava mais estar
perdida.

Ele abriu a boca para falar uma e outra vez, mas nada saiu.
— Eu errei quando resolvi aceitar o estágio fora do país antes de te
avisar, e as coisas simplesmente aconteceram, e eu... Sabia que se te

contasse, poderia te influenciar a querer ir também, mas eu sei o quanto


sua família é unida, e o quanto te machucaria...

— Não tinha que escolher por mim. — rebati, e ele assentiu.

— Eu sei que eu fiz errado, e no momento que vi a dor nos seus

olhos eu tive ainda mais certeza... Então eu precisava me despedir e dizer


que tudo ia ser como era, mesmo longe e...

— Eu não te atendi. — complementei e ele assentiu, e era clara a


dor nos seus olhos.

— Me matou por dentro aquilo, mas eu sabia que merecia. Ia te dar


um tempo para pensar e assim que voltasse no próximo mês, eu ia fazer de
tudo para que a gente voltasse a ser... a gente. Ou até mais que isso. —
falou e suas palavras eram o oposto de tudo que aconteceu. — Mas eu... eu

não pude.

— Por que? — a pergunta saiu e eu me vi indo para mais perto,


quase o tocando. — Por que não pode?

— Eu não tenho o direito de falar sobre isso. Eu sei que é pedir


muito para que acredite em mim quando digo que eu tive um motivo, mas
não posso dizer. — respirou profundamente e eu fiquei perplexa. — Doeu
te ver de longe todos esses anos. Doeu tanto saber exatamente quando você

estaria ou não e fugir, porque eu não podia te ter ao redor. Porque sabia

que se eu te tocasse novo, se te tivesse perto... ia esquecer tudo e apenas


ser seu.

Neguei com a cabeça e uma risada fria saiu de minha boca.

— Então eu tenho que aceitar que você teve “um motivo”... — fiz

aspas com as mãos e deixei outra lágrima descer, mas não era tristeza, era
raiva. — Mas não pode falar sobre ele. Algo tão importante que nos
separou por anos, e você não pode confiar em mim? — minha pergunta
saiu quase como um grito e eu notei a dor clara em seu olhar.

— Depois daquela noite, eu procurei você feito um louco, mesmo


sem saber quem era... e quando eu descobri, no meio do mercado, na nossa
cidade, eu... Eu soube que eu não podia mais correr. Na verdade, eu nunca
pude. Cada ano sem você foi como perder uma parte de mim. — sua mão

veio para meu rosto, e sua testa encostou na minha. Por um segundo, eu
não consegui reagir. — Eu sei que é muita coisa, e que somos pessoas
diferentes agora, mas eu... sempre te amei, Bárbara. Desde os dezesseis...
— eu estava sufocada com tamanha aproximação e com a chuva de
revelações me acertando. — Desde lá, sempre foi você. Eu aceito o que
quiser me dar, qualquer coisa... Eu só quero uma segunda chance.

— Para que? — afastei-me de seu toque, e senti falta no mesmo


momento. — Para me quebrar de novo? Para daí, aparecer e dizer que tem

um novo motivo, mas que com certeza, não explica tudo isso. Você acha

que me ama, Júlio. Você está preso a um clichê de melhores amigos que se
apaixonam, sendo que na verdade, você apenas se esqueceu de mim. Se
lembrou, quando descobriu que a gente tem química... e deve estar em
meio a uma crise pessoal ou perdido. Mas você não me ama. Porque quem

ama confia... e você, não o fez no passado, e não o faz agora.

— Bárbara... — notei uma lágrima descendo por seu rosto, mas por
mais que aquilo me machucasse, apenas neguei com a cabeça, e resolvi
sair dali.

Eu não sabia o que encontraria, mas no fim, nada perto da paz que
precisava. O jeito era me agarrar a verdade cega que tive, durante todos
aqueles anos, que a gente não era feito para ser. Nunca seríamos.

Alguns metros dali, eu tinha estacionado meu carro, perdida em

mim, e em tudo que acontecia. As lágrimas secaram, mas meu coração


ainda doía. Mais do que o fez anos antes. Mais do que um dia pensei que
faria de fato. Entrei no carro, e quando encarei o retrovisor externo
esquerdo, vi-o parado, ali, me esperando.

Fechei os olhos com força, e quando os abri, soube do que


precisava.
Não saberia dizer o que me deu, mas vi-me apenas descendo do
carro e correndo até ele, abraçando-lhe com toda a força que tinha, e seu

corpo todo circulando o meu. A verdade era que eu morria de saudade


dele. Do toque. Do cheiro. Do abraço. Do amor.

— Eu senti tanto a sua falta. — admiti, afastando-me levemente, do


abraço que parecia querer curar todos aqueles anos, mas sabia que era

impossível. Éramos duas bagunças de lágrimas e dor. — Eu senti que eu


nunca mais te tocaria e... Não posso confiar o meu coração a você, Júlio.
Porque se eu te perder novo, não vai restar nada de mim.

— Só... fica comigo hoje. — seu pedido saiu livremente, e suas


mãos pararam no meu rosto. — Só nós dois, no nosso lugar, seu velho
violão, o balanço e... a gente finge por uma noite que o tempo não passou.
Que somos apenas...

— Apenas nós. — complementei e ele assentiu, e eu queria tanto

dizer “sim”. Queria tanto poder passar uma borracha em tudo e apenas
ficar ali, mas sabia que estar próxima a ele me confundia. A ponto de que
não me seguraria. — Não posso. — uma lágrima desceu, e vi-me tocando
o rosto dele com carinho. — Não quero te machucar ou me machucar no
caminho...

— Eu sei. — falou, puxando-me para si, e beijando minha testa,


fazendo-me fechar os olhos e querer não o soltar nunca mais. — Eu sei que
quebrei muitas coisas, mas... eu prometo, que não vou mais te machucar. E

se eu me machucar, tá tudo bem. — respondeu por fim, e engoli em seco,

afastando-me e olhando-o profundamente.

— É demais para mim. — fui honesta, e toquei seu rosto com


carinho. — Se eu ficar, vou me confundir ainda mais e... Eu preciso me
acalmar e colocar a cabeça no lugar. Você sabe que eu...

— É impulsiva e toma as decisões apenas por tomar, às vezes. —


assenti, e acabei sorrindo. Ele ainda completava minhas frases. Ele ainda
era uma parte de mim. Confusa, perdida e diferente, mas o era.

— E você precisa se encontrar de novo, porque talvez, esteja


confundindo tudo. — passei a mão levemente por sua barba, aquele arrepio
ultrapassando todo meu corpo. — O amor pode ser confundido com
carinho. — falei, lembrando-me exatamente da forma como ele me
chamava antigamente.

Ele então beijou minha mão direita e colocou sobre seu peito,
fazendo-me quase arfar.

— O meu coração sempre foi seu, para o que quisesse. E se


precisar quebrá-lo, para me dar uma chance, eu aceito. — abri a boca para
responder, mas a outra mão dele veio até meus lábios, calando-me. — Não
estou confuso ou perdido, não quando estou com você.
— Preciso pensar. — minha voz quase não saiu, e ele assentiu,
traçando uma linha perigosa entre meus lábios e a bochecha. — Preciso

pensar longe de você.

— Lembra que eu disse? Eu aceito qualquer coisa. — beijou minha


testa, e eu respirei fundo. Fiquei na ponta dos pés e beijei sua bochecha,
sentindo meu corpo todo ansiar por mais. — Eu também senti sua falta,

carinho.

O apelido me acertou em cheio, e sabia que ele estava agindo como


um homem que me amava loucamente. Porém, tudo aquilo me assustava.
Nada parecia claro. Nada parecia fazer sentido. A única coisa que eu
gostaria de fazer era beijá-lo e nunca mais soltar. Mas e se fosse um erro?
Um erro em meio a saudade?

Passei a mão por seu rosto, e me afastei, sem conseguir dizer mais
nada. Andei até o carro e não olhei para trás. Assim que saí com o veículo,

soube que consegui mais perguntas do que respostas. E queria poder


entender, o que de fato o afastou de mim. O que de fato o fez me deixar ali
e nunca mais voltar... Tinha algo que Júlio escondia a sete chaves, e aquilo
me intrigava. E eu sabia, que precisava descobrir aquilo, para tomar
alguma decisão.
PARTE II

“E você sabe que eu faria tudo por você

Sentaria com você nas trincheiras

Te daria minha vida selvagem, te daria um filho

Te daria o silêncio que só acontece quando duas pessoas se


entendem

Família que escolhi, agora que vejo seu irmão como meu irmão

É o suficiente?”

peace – Taylor Swift


CAPÍTULO XI

“Me diga que não é minha culpa

Me diga que sou tudo que você quer

Mesmo quando eu parto seu coração "[15]

BABI

No momento em que pisei novamente na casa dos meus pais, meu


coração ainda estava disparado. Uma parte de mim gritando que deveria ter
ficado, a outra me dizendo que estava certa em não o tê-lo feito. Suspirei
profundamente, e tentei pensar na barra de chocolate que comprara mais
cedo – junto a ele. Assim que abri a porta da frente, ouvi o barulho de um
carro do lado de fora, o que não era comum naquele horário. Meus pais já

tinham chegado e deveriam estar no décimo segundo sono. Os dois


acordavam com as galinhas, e por aquilo, praticamente dormiam com elas
também.

Voltei da porta que acabara de entrar, e não demorou muito para


um sorriso emoldurar meu rosto, assim como, eu ficar completamente

surpresa. Eu tenho uma surpresa... Lisa descera do carro, e a vi mandando


um beijo para quem quer que fosse que estivesse dirigindo. Sem que
pudesse falar ou perguntar algo, o carro apenas voltou por onde veio, e eu
fiquei paralisada, vendo-a com uma mochila e pequena mala, com os
braços abertos.

— Surpresa! — praticamente gritou, e eu fui até ela, aceitando o


seu abraço, completamente incrédula. — Quem mandou dizer que eu
poderia vir quando quisesse... Mal sabia que eu já tava vindo. —

provocou, afastando-se levemente, e me encarou de cima abaixo. — Por


que andou chorando?

Sua pergunta me pegara desprevenida e eu engoli em seco. Ela me


conhecia melhor do que ninguém naqueles últimos anos, e portanto, sabia
que tinha algo errado comigo.

— É uma longa história... — sorri, e ela fez o mesmo, como se


tentando me entender com o olhar. — Mas quem te trouxe? E o que deu na
sua cabeça, pensei que estava presa no trabalho...

— Um evento cancelado no final de semana, Igor tem negócios em

uma cidade aqui perto... — deu de ombros, como se fosse fácil assim. —
Uni o útil ao agradável ao aceitar a carona e jatinho dele.

— Então Igor Reis te trouxe? — caçoei e ela revirou os olhos,


empurrando meu ombro, enquanto eu pegava sua mala menor. — Mas

agora sério, não tem ideia de quão maluca as coisas ficaram nesses últimos
dias.

— O que seu ex melhor amigo, vulgo CEO engomadinho fez de tão


ruim? — indagou, como se fosse fácil saber que era sobre ele, e
adentramos a casa, a qual ela olhou com admiração, mesmo já tendo estado
ali tantas outras vezes. — Eu nunca me canso da beleza dessa casa e dessa
cidade.

— Pensei que fosse uma mulher de negócios da cidade. —

provoquei, e ela deu de ombros.

— Você é uma péssima influência. — piscou um olho, e me sentei


no sofá, com ela logo atrás. — Mas então... Por que não me dá um breve
resumo? Algo me diz que de duas uma, ou transou com ele de novo, ou
está mais perdida do que nunca.

— Tá tão na cara? — rebati, e encostei a cabeça contra o sofá,


notando que Lisa fizera o mesmo.

— Eu te vi falando mal desse cara desde que a gente se conhece, e

nunca, em momento algum, citou abertamente o nome dele. Sempre foi


“ex melhor amigo” ou “CEO engomadinho”, mas quando te liguei e falou
sobre ele abertamente, fiquei em alerta. Você funciona nos detalhes, Babi.
É fácil saber tudo sobre você se te analisar com cuidado. Mas, o mais

importante, como você tá?

— Perdida. — confessei, e levei uma mão a testa, suspirando


fundo. — E não tenho ideia do que fazer.

Então, contei-lhe tudo o que acontecera nos últimos dias, em cada


detalhe, e analisei as expressões de surpresa, raiva e estranheza de Lisa.
Ela parecia querer socar a cara de alguém, assim como, parecia pensar
sobre tudo aquilo.

— Então... resumindo, tem um motivo para tudo isso? Ou melhor,

ele diz que tem. — franziu o cenho, parecendo pensar sobre. — Por que
não pergunta aos irmãos dele? Pelo que sei, são muito próximos,
principalmente do tal Bruno.

— Não é uma má ideia, mas só o fato de eu perguntar e ter a


resposta por alguém que não seja Júlio, mostra que no fim, ele não confia
em mim.
— Porém, pode realmente não ser uma história dele, que ele possa
contar... — ela pareceu pensar, analisando as possibilidades. — Quanto

mais eu sei sobre esse cara, mais confusa eu fico. — assumiu, e eu dei de
ombros. — Mas essa coisa toda de construir a cabana dos sonhos, cuidar
do lugar que era de vocês... Isso soa muito romântico e apegado demais
para alguém que te evitou por anos.

— A cada volta que eu dou, mais confusa eu fico. — ela assentiu, e


trouxe uma mão até meu ombro. — É bom te ter aqui, poder colocar para
fora, sem a expectativa de ninguém...

— Nem me perguntou se eu torço ou não para o casal. — riu de


lado, e eu revirei os olhos. — Eu te vi tendo seus casinhos de uma noite
durante esses anos, e até aquele quase namoro que você corria... Mas
nunca te vi com esse semblante.

— Qual? — indaguei, passando a mão no rosto.

— De saudade e paixão. — pisquei algumas vezes, e ela continuou.


— Não sou a pessoa mais romântica do mundo, e você sabe, mas sei de
uma coisa: que a gente não consegue mentir o que grita dentro do peito. E
quando o faz, machuca muito mais do que a gente mesmo.

— Eu preciso decidir se quero uma resposta e se... Se eu tiver? —


dei de ombros. — Vou correr pros braços dele e tentar um relacionamento?
Depois de tudo isso, parece que é tarde demais.

— Diz isso para os livros que você lê sobre reencontros, e fica

suspirando... — rebateu e eu ri de lado, pois era verdade. Ao mesmo tempo


que sabia que na vida real era diferente.

— Talvez, quem sabe, eu esteja assim porque sou apegada demais


ao passado, e quando a dúvida sobre isso passar, os sentimentos se

mostrem de fato.

— E se perceber que o ama loucamente e foda-se tudo? —


perguntou, e eu suspirei profundamente.

— Aí, minha amiga, eu sei que estou ferrada. — respondi e ela


sorriu abertamente. — Que tal chocolate branco?

— Você sabe que eu nunca nego um doce.

Levantei do sofá, com Lisa as minhas costas, e o coração um


tantinho mais leve. Era bom não me sentir sozinha ali e perdida com meus

próprios sentimentos. Porque minha cabeça logo se dispersaria e eu viveria


como se Júlio não tivesse voltado a minha vida.

E de repente, no meio de uma conversa sobre o filme que Lisa


assistira no cinema naquela semana, vi-me pensando em como ele adoraria
o tema. Por um segundo, era como se eu finalmente passasse a entender,
que por mais longe que ele estivera e por mais machucada fora, eu nunca,
de fato, o deixei sair por completo do meu coração.

JÚLIO

— Precisava mesmo te ver. — a voz de minha cunhada me acertou,


e pausei um passo, voltando em direção as redes penduradas no jardim de
trás da casa. Mabi tinha um livro em mãos e sorria abertamente.

Fez um sinal com a cabeça e as mãos, para que fosse até ela, e me
sentasse ao seu lado. Sorri, porque era como se eu tivesse uma nova irmã.
Ela era o oposto completo do meu irmão, mas ainda assim, o complemento

certo.

— O que posso fazer pela grávida mais linda desse mundo? —


perguntei, sentando-me em algumas almofadas jogadas à frente da rede, e
ela me olhou com atenção. — O que foi?

— Parece mais... não sei dizer, só mais feliz. — respondeu, e deu


de ombros, como se calando a si mesma. — Enfim, você lembra que
convidei Babi para o almoço no domingo, mas queria saber sua opinião
sobre isso. Na hora, eu não tinha notado que vocês tinham uma história

maior do que a amizade que toda a cidade sabe, eu... Eu não quero me
intrometer se isso for machucar algum de vocês.

Sorri para ela, e para o cuidado que ela tinha para comigo.

— Está tudo bem, na verdade, não sei como as coisas estão entre

nós. — suspirei profundamente. — Apenas não se culpe por tê-la


convidado ou algo assim. Um almoço de domingo com os Torres, é algo
que ela está mais do que acostumada. E pela nossa conversa de hoje, talvez
minha presença não seja tão ruim quanto um dia foi.

— Quer falar sobre? — Mabi perguntou, tocando minha mão, e a


clara preocupação no olhar. — Eu sou uma ótima fanfiqueira, você sabe.

— Não tenho muito a dizer. — suspirei profundamente, tentando


não pensar que não confessei de fato o que me fizera afastar dela, e sabia,

que jamais o faria. — Talvez ela decida que me quer e que me ama. Talvez
a gente só volte a ser amigo. Talvez ela nunca mais queira me ver... Não
posso pensar sobre as múltiplas escolhas que ela tem.

— Por que não faz melhor do que pensar? — perguntou e eu a


encarei sem entender. — Demonstra que vale a pena, o porquê de estar
com você é uma escolha.
— Não quero pressioná-la, e eu sei que a nossa química, acaba por
fazer isso. — Mabi pareceu pensar sobre, como se buscando uma solução.

— Sei exatamente como é isso... — suspirou, como se lembrasse


de algo, e tinha certeza, apenas pelo seu olhar, que era sobre seu irmão. —
Porém, nada te impede de ser apenas você domingo... vamos estar todos,
então, como até Olivia me contou, que ela é praticamente da família, vai

ser um momento diferente de apenas vocês, no seu mundinho particular.


Pode ser o momento de verem se pertencem ao mundo um do outro,
mesmo separados.

— Quando ficou tão boa em dar conselhos? — indaguei, e ela fez


uma careta de esnobe, como se fosse a dona da verdade, fazendo-me rir.

— Desde o momento em que me apaixonei pelo cara que eu


sempre quis jogar um sapato na cara. — respondeu, com um sorriso
iluminando cada parte do seu rosto. — As melhores histórias de amor

acontecem sem a gente saber. O fato de você ter estado com uma
desconhecida, e no fim, ser sua antiga melhor amiga, a qual, tá na sua cara,
você é completamente louco... pode ser real, Júlio.

— É pelo que torço. — fui honesto e sorri, levantando-me.

— Ajuda a grávida de um metro e cinquenta e cinco? — perguntou,


estendendo-me a mão, e fazendo-me rir ao ajudá-la. — Eu agora vou ter
que dormir no quarto vazio ao lado, porque seus irmãos apagaram juntos
na minha cama. — falou, fazendo-me gargalhar, enquanto andávamos em

direção a entrada dos fundos. — Eu tirei várias fotos e vou usá-las contra
Inácio sempre que ele pensar em me dizer que não posso fazer algo porque
estou grávida.

— Ele ainda tenta te controlar?

— Nem nos sonhos dele, ele consegue, imagina... — sorriu em


minha direção, enquanto eu passei um braço ao redor de seu pescoço. —
Todo dia uma reza para que o nosso bebê tenha a minha personalidade.
Porque se for um mini Inácio...

— Você vai dar conta. — falei, assim que chegamos as escadas, e


ela parecia perdida, com uma das mãos livres do livro sobre a barriga. —
Vai ser uma mãe incrível, Mabi. Já é, na verdade. — corrigi, e ela sorriu
abertamente. Era claro que por trás dos sorrisos mais sinceros, ainda assim,

ela trazia sua fragilidade.

— Obrigada. — respondeu, enquanto a ajudava a subir as escadas.


— Quando eu estiver de nove meses, vão querer me carregar, só pode... —
bateu em meu braço, fazendo-me soltá-la, enquanto ela subia as escadas
sozinha. — Você e Inácio podem dar a mão e sair correndo, quando se
trata de querer me colocar no plástico bolha. Imagina quando você for pai?
— perguntou, como se ofendida, e eu ri de lado.
Dei-lhe um beijo na testa, assim que chegamos ao andar de cima, e
desejei boa noite. Quando entrei no meu quarto, os acontecimentos daquele

dia, mais a pergunta de Mabi, me acertavam por inteiro. Como eu seria


pai? Não tinha ideia, porém, apenas conseguia pensar em como seria um
sonho, construir a família que Bárbara um dia me confidenciou querer.

— E eu ainda vou encontrar alguém que queria construir comigo,

uma família enorme como a sua... ou caso eu não possa ter filhos, adotar
vários. — suspirou profundamente, parecendo pensar seriamente sobre.
Enquanto eu, queria levantar uma placa e dizer “ei, eu to aqui”. Porém,
Bárbara parecia não me enxergar no meio de uma multidão. Ela me via e
me amava, mas não da forma como eu fazia. Não romanticamente. Aos
quase dezoito, aquilo me acertava por inteiro. — E você?

— O que tem eu? — respondi sem entender. — Está me chamando


para ser o pai dos seus filhos? — indaguei, e ela revirou os olhos, batendo

contra meu peito.

— Se eu chegar aos quarenta sem, quem sabe, eu te faça essa


oferta. — piscou um olho, e eu ri abertamente, e poderia jurar que aquela
ideia era uma possibilidade que não descartaria. — Vai que a gente sobra
e se junta?

— Vai que... — falei, e passei meu braço ao redor do seu corpo,


trazendo-a para perto, a qual se encostou contra meu pescoço e suspirou
profundamente.

Vi-me sorrindo sozinho dentro do quarto, com cada lembrança me

acertando. Sequer sabia o que aconteceria, porém, sabia que mesmo que
ela não quisesse o meu amor ou não fosse capaz de me dar uma chance, eu
ainda era dela – com cada imperfeição e afeição – por completo.
CAPÍTULO XII

“Você pode fugir, mas só até certo ponto

Eu escapei também, lembra como você me viu partir

Mas se está tudo bem para você, está tudo bem para mim"[16]

JÚLIO

Eu estava nervoso e sequer conseguia disfarçar.

Mabi me avisara que Babi realmente viria para o almoço no


domingo, e por mais que meu coração tentasse se acalmar, parecia
impossível.

— Então você disse a verdade para ela? — a voz de Olívia chegou


até mim, que já andava em círculos no jardim da frente, e eu a olhei sem

conseguir responder de fato. — Iiiiii, por que essa cara?

— Não é nada, eu só não sei o que esperar. Ela vir aqui com toda
nossa família, não quer dizer nada demais. — engoli em seco e Olívia
sorriu abertamente. — Para de me olhar como se estivesse me casando!

— Você vai estar pior no dia do casamento, relaxa. — chegou bem

próxima e segurou meus ombros. — Não falou sobre Bruno?

— Não. — ela assentiu, pensando sobre. — Não é a minha história


para contar.

— Mas estragou a sua história, a história de vocês... — apontou em


meu peito e eu apenas neguei com a cabeça. — Uma hora, ela vai
descobrir... e aí? Vai querer que ela pense que não confia nela? Ou que vai
passar o resto da vida sem entender de fato o que te fez ficar longe dela por
anos?

— O que eu posso fazer? — rebati, e neguei com a cabeça. Minha


voz estava baixa e controlada, porque não queria que ninguém ouvisse
aquilo também. Porém, precisava continuar: — Como eu vou
simplesmente dizer que ela é o primeiro amor do meu irmão? Que eu
preferi quebrar o meu coração do que o dele?

— O que?
Paralisei diante da voz, e vi-me sem conseguir virar.

— Puta merda! — Olívia falou, e virou o resto do vinho na taça em

suas mãos. — Oi Babi! — olhei de relance, minha irmã ir até ela, e então,
notei uma outra mulher.

— Eu sou a Lisa. — ela se adiantou, cumprimentando minha irmã,


enquanto meu olhar se perdia, dentro do castanho de Babi.

— Acho que vai adorar conhecer o restante dos Torres. — Olívia


falou, e vi-a apenas passar por mim, com os braços dados com a que
deveria ser a amiga de Babi, e olhou-me como se mandasse energia
positiva.

— Bárbara... — comecei a falar, mas ela levantou a mão, me


calando. Vi-a passar uma mão no rosto, como se pensasse sobre, e meu
coração se apertou. Eu não sabia de fato como aquela informação a
acertaria.

— Podemos... — engoliu em seco e fez um sinal com a cabeça. —


Podemos só andar um pouco? — indagou, e eu assenti, indo até ela, e
seguindo-a lado a lado.

Depois de alguns metros, um pouco mais longe da casa, ela passou


a mão pelos cabelos, e parou, olhando-me.

— Como assim Bruno me ama? — perguntou, e eu não sabia se era


para mim, ou para si mesma, ou para o universo. — Eu... Eu não posso
acreditar que...

— Não era para você saber, eu... Eu não queria trazer ainda mais
bagunça para essa situação. Ele se culpa pelo nosso afastamento, mesmo
que ele não pudesse controlar o que sentia, o mesmo que confessou
completamente sem saber que o fazia.

— Como descobriu isso? — perguntou, seu rosto parecendo em


pânico e a cor fugindo do mesmo.

— Quando voltei do estágio, no fim do mês, encontrei apenas ele


em casa, completamente bêbado, e acabado... Ele me xingou e no meio do
processo de colocá-lo na cama ou tentar que tomasse banho, ele disse
que... — paralisei, porque nunca consegui tirar aquelas palavras de minha
mente. Não até aquele exato momento.

— O que ele disse, Júlio? — insistiu, vendo-me travar.

— Ele disse que nunca te machucaria como eu fiz, e que eu não


tinha ideia do quanto você valia. Que você era o amor da vida dele e ele
não sabia mais o que fazer.

— Ele tinha o que? Dezesseis? — rebateu, e eu assenti, vendo-a


passar a mão no rosto, totalmente incrédula. — E daí...

— Eu fingi que não sabia de nada no dia seguinte, e que ele não
falou nada... Mas então, eu comecei a perceber como ele ficava, toda vez
que te via, e com o tempo, soube que eu não podia interferir. Um dia, ele

me confrontou sobre, se eu não ia mais falar com você ou... Então, ele
entendeu que eu sabia dos sentimentos dele. Eu não poderia te amar se isso
significava que quebraria o coração de outra pessoa que eu amo.

— E eu, Júlio? — sua voz quase não saiu, e ela levou a mão ao

próprio peito. — E o meu coração? Já se perguntou sobre como quebrou o


meu coração?

— Eu os via... Eu sabia quando você estaria ou não em casa, ou


quando Dani nasceu, ou as festas... eu sempre fiquei longe, mas te vendo.
Eu te via sorrindo e feliz com ele, e achei que só iria estragar tudo, porque
no fim, todo mundo parecia bem sem mim. Pensei que talvez ele fosse o
cara certo... Por que eu faria algo?

— Porque eu te amava. — abriu os braços, como se fosse óbvio. —

Porque a gente sempre confiou um no outro e não tinha o direito de


escolher por mim! Por que sempre tem que pensar em todo mundo, menos
em você? Por que?

— Bárbara...

— Por que não me contar agora? Se passaram dez anos e eu nunca,


em momento algum, estive com Bruno, então... — ela fez um careta, como
se apenas a ideia daquilo a aterrorizasse. — Por que adiar mais isso?

— Porque eu não sei o que fazer. — admiti, levando a mão a

cabeça. — Porque eu já tive de escolher entre vocês antes, e eu não quero


machucar ninguém de novo. Não queria mais que isso seja um problema.
Não quero que isso seja um problema. Mas o é, você sabe que minha
família é...

— Seu tudo, eu sei. — complementou, e deu um passo à frente,


vindo até meu corpo, tocando meu rosto, surpreendendo-me por completo.
— Eu sei da conexão que todos vocês tem, eu sei! — fechou os olhos, e eu
fiquei paralisado, apenas a olhando tão próxima a mim. — Mas isso não
justifica tudo! — a voz dela soou ainda mais séria. — Não justifica não
confiar em mim! — fez um sinal contra si e era clara a mágoa no seu
olhar. Ela respirou fundo e fez um sinal com a cabeça. — Acho melhor a
gente entrar.

— Bárbara...

— Se eu falar sobre isso agora, não vai ser bom, para nenhum de
nós. — foi sincera e eu assenti, sabendo que não poderia pressioná-la. Ela
saiu de perto, e vi-a seguindo em direção a casa. Tomei uma larga
respiração, antes de fazer o mesmo caminho, e minha cabeça ainda mais
perdida do que antes.
Por que a vida tramava tanto assim para nós?

BABI

Assim que adentrei a casa, encontrei a família toda e meu coração


se encheu, assim como, passei a entender mais do porquê Júlio escolhera
me esconder aquilo. Eu sabia qual era o sentimento de amar tanto alguém,
a ponto de abrir mão de tudo. Faria o mesmo pela minha família, e eu não
poderia julgá-lo por aquilo. O que se passava por minha mente, era o fato
de que ele não confiou em mim. Porém, não saberia dizer o que eu faria, se
estivesse em seu lugar.

A cada momento que se passava e a cada nova revelação, eu apenas

estava desistindo de não tentar. Depois de tantas falhas, erros e tempo


perdido, eu não queria mais lutar contra o que me trazia direto para ele.
Tentar ser amiga dele seria um recomeço grande para mim, e eu tentava
me convencer, de que era o suficiente.

— Oi, minha filha. — Fabrício Torres me abraçou e eu sorri para


ele, tocando seu rosto com carinho. Ele parecia bem e forte, o que
apaziguava meu coração. — Estou forte como um touro, como pode ver.
— E gato. — respondi, e ele passou as mãos pelos cabelos, fazendo
charme. Aquele homem continuava lindo, mesmo com o passar dos anos,

assim como, sua esposa, que logo estava nos braços, e passou as mãos por
meus cabelos. — E a sorte de ter casado com uma mulher dessa, em senhor
Torres.

— O charme que ela não pode resistir. — ouvi as risadas ao redor,

enquanto Heloísa revirava os olhos, e eu só pensava o quanto um amor


daqueles era bonito. Eu tinha o exemplo em casa, e ali, também.

— Estamos felizes por estar aqui. — Heloísa tocou meu rosto e


sabia o quanto aquilo significava para ela. Ela gostava de todos juntos e
misturados, sem faltar ninguém.

— Ela não parou de falar o quanto precisava comprar o seu


refrigerante favorito. — Olívia provocou e eu me virei para ela, que estava
sentada em um dos sofás, com Lisa ao seu lado.

Mabi estava sobre o colo de Inácio, que bebia algo, e sorria


levemente. Ele me endereçou um daqueles sorrisos e fiz o mesmo. Até
mesmo dele, o protetor e fechado Torres, eu sentia falta de estar ao redor.
Era difícil encontrá-lo, já que ele mal ia para a capital ou as outras
fazendas da família. Ele sempre preferiu o seu mato, como ele diria.

Júlio adentrou o ambiente segundos depois, e meu olhar ficou preso


nele, como se tudo se tornasse apenas nosso. Eu sabia que ele queria dizer
algo, assim como, eu queria poder fazer. Mas o que falaríamos? Sobre o

que discutiríamos? A cada momento, ficava mais difícil estar perto, porque
tudo parecia nos levar para o mesmo caminho.

Nunca apenas nós dois.

Nunca apenas a nossa decisão.

Nunca apenas um momento de poder respirar fundo.

Estavam sendo dias esgotantes com toda aquela imersão de


sentimentos.

— Bruno vai se atrasar, então... Por que não vamos todos para a
mesa?

Assenti para dona Heloísa, e minha mente se perdeu pelo simples


citar de Bruno. Tentei ignorar aquilo por um instante, porque não poderia
simplesmente gritar tudo o que me agoniava. Eu precisava comer, respirar

fundo e pensar. Sempre pensava melhor de barriga cheia. Fui até Lisa, que
praticamente grudou no meu braço e sussurrou no segundo seguinte.

— Eu não sei quem eu pegaria primeiro, se pudesse. — ri da minha


amiga, que me encarava incrédula. — Babi, esse povo é bonito demais! Eu
ficaria com a mulher do brutão ali, ele, e a irmã dele... Só não pegaria o
seu, claro, por respeito e tal.
— Meu Deus do céu, Lisa! — ri alto, e ela bateu em minha mão,
como se para que a deixasse continuar.

— Eu estou chocada que eu não sabia da existência de gente tão


bonita assim...

— Você se comporta! — empurrei seu ombro e ela me olhou como


se pensasse em algo.

— Que eu saiba, Olívia é solteira e o mais novo também... Só


preciso checar quando ele aparecer. — queria rir do que ela falara, mas
fora impossível.

Mais uma vez, apenas o nome de Bruno, me fazia pensar o quanto


ele entendera tudo errado. Me amar? Como ele podia? Não fazia sentido
algum. Contudo, existia algum sentido no amor?

— Pela sua cara, deve ser feio... — sussurrou e eu neguei com a


cabeça.

— Te conto depois. — pisquei um olho, e nos separamos assim que


chegamos na mesa.

Ela se sentou ao meu lado, e logo a minha frente, estava Júlio. Eu


acabei sorrindo, sem saber como me portar, era como se meu coração
estivesse querendo pular da boca, e queria poder dizer que era apenas o
fato de estarmos próximos novamente e entendendo o que acontecera.
Fechei o sorriso no segundo seguinte, confusa e ansiosa. No fundo, eu
sabia que era mais... Eu sempre soube que ele significava mais.

Passinhos de bebê, Babi...

Eu precisava daqueles passinhos para entender se valeria a pena


arriscar mais do que podia do meu coração. Mesmo que uma voz lá no
fundo, já me dissesse que já o fizera, no segundo em que me permiti ouvi-

lo.
CAPÍTULO XIII

“Então podemos dizer que estamos quites

Você poderia me chamar de "amor" no fim de semana (...)

Estou na casa dos meus pais

E a estrada não percorrida parece muito boa agora

E ela sempre leva a você na minha cidade natal”[17]

BABI

— Você conhece o Reis, não é? — Lisa perguntou para Júlio,


assim que saímos para o jardim, o qual a encarou surpreso pela pergunta
repentina, assim como eu.
Pós almoço, todo mundo com preguiça, buscando apenas descansar
um pouco. Bruno não tinha aparecido e algo me dizia que não fora uma

coincidência. Algo que eu precisava perguntar a Júlio, não me


surpreenderia se ele tivesse avisado o irmão que eu descobrira sobre.

— Igor? — Júlio perguntou, se aproximando, e ela assentiu. —


Temos alguns negócios em comum.

— Então, ele vem me buscar amanhã, vamos no avião dele para a


capital... — sorriu para mim e eu queria poder calar a boca dela naquele
momento, porém, ela fora mais rápida. — Por que não vai com a gente?
No caso, Babi vai também.

— Elisa. — chamei sua atenção e ela fingiu que nem era consigo.
Apenas a chamava pelo nome todo quando estava a ponto de esganá-la.

— Ignore o mau humor. — fez um sinal para mim, e eu olhei para


Júlio, torcendo para que ele negasse. — O que me diz?

— Eu não quero atrapalhar, Elisa.

— Pode me chamar de Lisa, quer dizer... se pensar em quebrar o


coração dela de novo, eu sou Elisa, a que vai quebrar o seu belo rostinho.
Mas... se for para fazer ela ficar com a pele linda e feliz, aí pode ser o
apelido.

Júlio sorriu diante da honestidade ácida de minha amiga, e eu


puxei-a para perto.

— O que está fazendo? — perguntei, sem me importar de que ele

ouvisse.

— Resolvendo problemas. — apertou minha bochecha e se virou


para ele. — No caso, vou dizer para o Igor, que você vai com a gente, e
acho falta de educação não estar pronto as dez amanhã.

— Você nem sabe se a família dele vai junto. — falei, olhando para
Júlio, como se pedisse socorro. A gente ainda nem tinha conversado direito
e Lisa não tinha ideia do que estava fazendo.

— Meus irmãos e meus pais vão ficar essa semana... — explicou e


eu só consegui pensar o quanto aquilo era oportuno. Olhei-o como quem o
desafiava a dizer “não” e ele sorriu para minha amiga, assentindo. —
Estarei na fazenda de Bárbara as 10.

— Ótimo. — minha amiga falou, e olhei ao redor. — Eu vou

aproveitar para ficar na rede com o resto das pessoas, e antes que Babi me
coma viva. Boa sorte no que for que forem conversar, já que toda vez,
parece ser um novo capítulo de novela turca.

— Vai me pagar por isso. — ela sorriu, mandando-me um beijo


com a mão, e indo diretamente para Daniela, que sorria para minha amiga.

Onde eu tinha me enfiado?


Um amor que decidia a minha vida.

Uma amiga que me fazia parecer ainda mais maluca.

— Não precisamos conversar agora se não quiser. — falou,


parecendo diferentes de segundos atrás e eu revirei os olhos.

— Diz o cara que poderia ter negado ir com a gente. — apontei o


óbvio e ele pareceu sem graça.

— Não pensei que minha presença fosse te deixar tão chateada. —


engoliu em seco, e levou uma mão para de trás da cabeça, demonstrando
que estava nervoso.

— A questão é que eu estou a ponto de explodir. — assumi o que


era fato. — Não consigo crer que decidiu tudo por mim. — falei, e ele me
olhou com pesar. — Custava o que me ver e contar a verdade? Eu sei que
envolve mais do que a gente, mas...

— Eu não queria machucar ninguém. E acredite quando digo que

me matou por dentro ter te machucado.

— Como eu posso acreditar nisso? — abri os braços, incrédula.


Caminhei na direção oposta de onde todos estavam, evitando que a minha
voz alta pudesse atrapalhá-los. — Como posso acreditar que se importa, se
sequer confia em mim?

— Olha para mim e diz que não acredita que fiz tudo isso pensando
no melhor. — pediu, e deu um passo à frente, trazendo minha mão para
seu peito, fazendo-me entender que estava tão entregue quanto eu. Ainda

no hoje.

— Por que agora? Por que não ignorou aquela noite e continuou a
decidir por mim? — rebati, sem conseguir evitar e bater contra seu peito.
— Por que?

— Porque eu não suporto mais ficar longe de você. — assumiu, e


uma lágrima desceu por seu rosto. — Não suporto mais passar um segundo
sem poder saber que posso te ver, ou ligar, ou... Quando soube que meu
pai ficou doente, eu só consegui pensar, em como tinha perdido tanto
tempo longe de uma das pessoas que eu mais amava. Eu senti a dor que
era, perder você, mesmo estando ali... E se eu te perdesse para sempre?

— Isso foi no começo do ano... — ele assentiu, e sabia que fazia


alguns meses em que descobriram sobre a doença do pai, assim como,

fazia o mesmo tempo em que estive tão perto de Júlio. Ele só não sabia da
segunda parte.

— Eu fiquei tão perdido, que eu jurei que tinha estado com você...
Criei na minha cabeça um momento juntos, como se você pudesse estar lá
para me abraçar e cuidar de mim, no momento em que eu perdi o chão por
completo. — ele achava que fora um sonho? — Bêbado e perdido,
pensando em como tudo seria se eu não tivesse escolhido por você... ou
pelo meu irmão. — negou com a cabeça. — E daí, a noite em que eu te

tive... — prendi uma respiração. — Eu juro que quando acordei no dia

seguinte, e não te encontrei lá, eu só consegui pensar em como seu cheiro


era familiar, em como sua voz me acalmava... Em como parecia ser a
minha Bárbara, nos meus braços, mesmo que fosse impossível. Mas era
você... Mais uma vez, a vida me jogando na cara o quanto eu tinha errado,

e... eu desisti de não lutar. De apenas aceitar. De não poder amar você.

— E como vai ser meu amigo se não confia em mim? — eu estava


fingindo que a parte do amor romântico não existia. Uma parte de mim,
ainda completamente resguardada. — Se quer que a gente volte, ao menos,
a ser amigo... vai ter que confiar em mim. Isso inclui, dizer a verdade. E
não tomar qualquer decisão, por simples que seja, ou que vá nos separar
por anos, por mim.

— Eu aceito o que quiser me dar. — soltei o ar com força, sentindo

a dor de vê-lo ali, completamente aberto.

Depois de tanto tempo, eu só queria tê-lo nos meus braços e não o


deixar ir. O problema era que não sabia até que ponto poderia deixar
acontecer. E se eu o perdesse de novo? E se a gente se machucasse? E se
não fôssemos mais os mesmos?

Não éramos, de fato.


— Não posso prometer nada ou que vamos ser isso ou aquilo. —
suspirei fundo. — Mas não quero mais fingir que você não existe e que

não sinto sua falta. — admiti, e levei uma mão até seu rosto. — Só peço a
verdade, Júlio.

— Eu só quero você. — encostou minhas testas e eu fechei os


olhos, tamanha a intensidade. — Pensei que não iria querer...

— O que? — insisti, vendo-o travar, claramente, se escondendo.

— Que você não ia querer estar perto de mim tão cedo, confesso.
—sorri para ele, e depois de tanto tempo, era completamente honesto. —
Mas eu não estou reclamando.

— Eu sei que não. — ele sorriu, e como sempre, sabia que


iluminava a noite mais escura daquela forma. Por que a fanfiqueira não
parava? — Passinhos de bebê... — falei, e ele assentiu, tocando meu
cabelo, do jeito que fazia no passado, e mostrou-me que algumas coisas

não mudavam.

Eu reagi como sempre, encostando mais contra sua mão, e por um


segundo, apenas consegui pensar em como aquelas mãos eram perfeitas
para enrolar cada fio e me fazer adorar aquela pequena dor.

Foco, Babi!

Afastei-me do seu toque, sem querer parecer alarmante, e lembrei


do fato em questão.

— Sabe que eu vou falar com Bruno, não é? — indaguei e ele

assentiu, e era claro o seu desagrado sobre aquilo. — Disse a ele que
descobri isso? — negou de imediato, com os olhos confusos. — Ele não
apareceu pro almoço, então...

— Pode ter sido que Oli falou algo e ele não veio, mas... não tenho

ideia.

— Bom, eu vou falar com ele o quanto antes e espero que as coisas
não fiquem estranhas. — soltei o ar com força, sabendo que falava mais
para mim do que para ele. — Bruno é como meu irmão mais novo, e... Isso
fode a minha cabeça.

— Imagina como ficou a minha. — ele sorriu sem vontade alguma,


e eu sabia, naqueles pequenos detalhes, que não estava errada em ouvi-lo e
muito menos, em tentar. O que eu estava tentando de fato, era o que não

sabia. — A propósito, reparei que está comendo de verdade.

— O que quer dizer com isso? — perguntei, e ele deu de ombros.

— Lembra que praticamente não comia quando éramos mais


novos? — assenti, porque era a verdade. Sempre comia muito pouco e
ficava satisfeita, e até tive que fazer uma reeducação alimentar para
melhorar aquilo. — Eu vi hoje que tem comido mais, quer dizer... fiquei
feliz por isso.

— Não vai ficar nada feliz ao saber que essa fome toda tem surgido

nas últimas semanas... — confessei, e suspirei fundo. — Continuo não


comendo muito, quer dizer, tudo o que não é chocolate. E daí, me forço, na
maioria das vezes, porque sigo uma dieta para não ficar abaixo do peso.

— O que será que desencadeou sua fome? — indagou e eu dei de

ombros, enquanto minha mente viajava, e por um segundo, travei por


completo. Fora exatamente três semanas depois da nossa noite que eu
começara a ter mais fome... porém, quem estava contando, não é mesmo?

Não que sexo dos deuses pudesse abrir o apetite semanas depois.

Revirei os olhos de mim mesma, e travei no segundo seguinte.


Sexo não, mas...

“Eu soube que estava grávida de você, com poucas semanas,


quando comecei a ficar maluca por comer até os tijolos se fosse

possível...”, o que minha mãe sempre dizia, quando contava a história da


minha gravidez. A fruta caía longe do pé, às vezes, não era?

Abri a boca para perguntar para Júlio, se em algum momento ele


não usara camisinha, mas travei. Onde eu estava com a cabeça? A gente
tinha acabado de decidir que tentaríamos ser amigos, e eu ia perguntar
sobre a noite maluca de sexo que tivemos?
— Bárbara, você está bem? — Júlio perguntou, e seu tom
preocupado não me passou despercebido. Ele tocou meu rosto, e só então,

pisquei algumas vezes, e respirei fundo. — O que foi?

— Eu lembrei de algo, mas... — engoli em seco. Ele me encarava


de forma estranha, e me lembrei que nunca soube mentir para ele. Merda!
— Ok, não vou mentir. Estou te pedindo para ser sincero e tal, e já estou

começando errado. — ele riu baixinho, surpreendendo-me. — Eu só não


quero falar sobre isso, tudo bem?

— Ok. — respondeu simplesmente e sorriu, mas a preocupação


continuou clara no olhar. — Se precisar falar, saiba que eu estou aqui.
Sempre vou estar.

E se eu estiver grávida, você vai ser o pai do meu filho... Cacete!

— Podemos só ir ficar com os outros? — perguntei, querendo fugir


dele, enquanto minha mente girava, e eu sabia que se ficasse mais um

segundo sozinha ali, ao lado dele, acabaria perguntando.

E assim que chegamos perto de todos, sentei em uma das redes que
Lisa estava, e notei seu olhar sobre quem julga “eu sei o que você fez no
baile a fantasia passado”. Contudo, naquele momento, nem eu sabia. E de
repente, vi-me pensando em cada segundo, recordando se a gente não tinha
se prevenido. E que os céus me perdoassem, porque eu estava relembrando
a noite de sexo quente com Júlio, ao lado de toda a família dele.
CAPÍTULO XIV

“Todos nos alertaram sobre momentos assim

Nos disseram que a estrada fica difícil e você se perde

Quando você está sendo guiado por uma fé cega"[18]

BABI

Eu estava tremendo.

No momento em que adentrei a casa dos meus pais, ainda sentia o


olhar atento de Lisa sobre mim.

— Babi, se isso é porque convidei Júlio, juro que foi com a melhor
intenção, mas posso inventar qualquer desculpa e...

— Não é isso, eu só... — suspirei fundo, mas não consegui falar

sobre o que desconfiava. — Todos esses dias tem sido uma bagunça e
eu...acho que só tem sido demais para mim.

— Quer falar sobre? — indagou, e acabei assentindo, tentando


fugir da minha desconfiança e focando no fato de que Bruno era

apaixonado por mim. Ele não deveria mais ser, certo?

— Júlio me contou que não voltou para mim porque descobriu que
o irmão me amava. — suspirei com pesar. — Bruno, o mais novo dos
Torres.

Ela arregalou os olhos, claramente em choque.

— Que porra é essa?

— Foi exatamente o que pensei. — falei, jogando-me contra o sofá,


e ouvindo o barulho dos meus pais na cozinha. — A gente pode conversar

melhor sobre quando estivermos na capital, como já disse, meu pai é o


maior fofoqueiro da região... — a última frase falei mais alto, e ouvi um
resmungo alto vindo da cozinha.

— Olha como você pinta seu pai, menina! — ele então apareceu,
desviando-me do assunto, assim como, fazendo-me focar em algo diferente
de toda aquela confusão. Que poderia apenas piorar. Foco, Babi! — E
como foi o almoço?

— Depende. — Lisa respondeu-o, assim que se sentou ao meu lado

e sorriu de lado. — O senhor vai contar para quem sobre?

Uma gargalhada estourou logo atrás do meu pai, e eu acabei


acompanhando minha mãe, enquanto meu pai levava uma mão ao peito e
fingia que fora machucado.

— Vocês não sabem apreciar os dons de um fofoqueiro. — falou,


desfazendo com as mãos, e se sentou no sofá a nossa frente.

— Eu adoro uma fofoca e o senhor sabe... — o pior era que


Domenico Ferraz e Lisa combinavam e muito naquele quesito. No caso,
não que ela espalhasse as fofocas com ele, mas sim, porque ela adorava
ouvir tudo o que ele tinha para contar sobre a pequena cidade e além. —
Foi ótimo, mas fiquei dividida entre qual dos Torres eu ficaria, se tivesse a
chance...

— Eles tem o próprio charme, né? — minha mãe perguntou e Lisa


assentiu, enquanto meu pai a olhava inconformado. — O que? Eu e
Fabrício já fomos namorados e isso não é um segredo!

— Mentira! — Lisa praticamente gritou e eu ri abertamente. —


Como assim?

— Foi há muito tempo. — minha mãe deu de ombros, rindo do


olhar ciumento de meu pai, que já fazia bico. Eles não mudavam. — Mas
no fim, a gente descobriu que era só amigo, foi um namoro na

adolescência... antes da gente encontrar o amor verdadeiro — ela então


encarou meu pai e poderia jurar que ele sorria como se fosse o homem
mais feliz do mundo. Não duvidava que ele o fosse. — Agora, sem mais
enrolar... Júlio e Babi se mataram? Quer dizer, ela bateu nele?

— Por que? É um pré-requisito deles dois? — Lisa perguntou,


olhando-me de relance, e eu neguei com a cabeça. Mas ela me conhecia
bem o suficiente para saber que era impulsiva, e geralmente, o toque era o
meu jeito de expressão.

— Nunca vi alguém mais impaciente quanto ela e alguém tão


paciente quanto ele... opostos completos, sabe?

— Mamãe, ninguém quer saber sobre a sua torcida de anos sobre


eu Júlio. — revirei os olhos, mas a sensação que me atingiu não fora ruim.

Não como antes.

Naquele momento, eu e Júlio não éramos mais uma parte do


passado. A gente agora estava tentando... ser amigo de novo, certo? Falar
dele não me trazia dor, não mais. E a forma como tudo mudara, me
assustara por completo. Era aquele o poder dele sobre mim?

— Foi por isso que eu o fiz nos ajudar no aniversário de 12 dela, e


a partir dali, eles nunca mais se soltaram. — falou, como a boa cupido que
se orgulhava de ser. — Eu sabia que ele era o par perfeito para ela, no

momento em que ele em vez de brigar quando ela chamou sua atenção por
derrubar algo durante um almoço entre as famílias, ele apenas sorriu.
Sorriu e pareceu encantado.

— A gente tinha 11 anos, mamãe! — fiz um gesto com as mãos,

como se fosse impossível ela prever tudo aquilo.

— Pois eu compraria um livro com essa história. — Lisa falou,


surpreendendo-me por completo. Ela não era a maior adepta de romances
clichês, o que me fez arquear uma sobrancelha. — Todos nós temos nossos
segredos, Babi. — piscou um olho como quem diz “nunca disse que
odiava clichê, só vivo dizendo que podem ser demais”.

— E agora eles estão como? — o questionamento de minha mãe foi


para minha amiga, deixando-me perplexa.

— Gente, eu estou aqui! — fiz um sinal com a mão entre as duas,


as quais deram de ombros.

— Eles parecem bem, e eu acho que não vai demorar muito para se
agarrarem.

— Lisa! — falei, olhando-a incrédula.

— O que? — deu de ombros, sorrindo abertamente. — Eu estou


apenas sendo sincera.

— Eu acho que estão todos malucos. — fiz sinal com as mãos em

direção a ela e minha mãe, enquanto meu pai fazia sinal de rendição com
as dele. — Estamos apenas tentando voltar a ser amigos... passinhos de
bebê. — falei o certo e todos me encararam como quem diz: nem você
mesma acredita nisso. — E eu estou com sono! — bati uma palma e me

levantei. Fui até meus velhos, dando um beijo no rosto de cada um, e me
virei para minha amiga.

— Vou ficar aqui mais um pouco. — falou, e eu sorri, bagunçando


seu cabelo quando passei, e ouvindo um xingamento.

A cada degrau que subia, era como se minha cabeça voltasse a se


questionar sobre tudo. Do fato de que estava tentando ser amiga de Júlio
de novo. Do fato de que não conseguia esquecer a noite em que nos
reencontramos. Do fato de que ele não tinha ideia de que tinha estado com

ele antes daquilo, mas sem máscara. Do fato de que eu tinha uma dúvida
permanente e que não conseguia ignorar.

Não sabia se ficava feliz ou furiosa pela farmácia mais próxima


ficar há quilômetros dali. Ao mesmo tempo que tentei pensar sobre a
última vez que fiquei menstruada, e já fazia mais de um mês. Suspirei
profundamente, sabendo que as vezes acontecia aquilo. Eu atrasava, e era
normal.
Vi-me segurando contra o balcão da pia do banheiro e soltando o ar
com força. E se realmente tivesse uma vida ali? E por que não pegava o

carro do meu pai emprestado novamente e ia no centro? E por que não


falava com ninguém sobre? E por que estava com medo de fazer o teste e
descobrir que estava apenas fantasiando?

Tantos porquês, mas eu sabia bem... Eu sempre quis uma família.

Lembrava-me de aos dezoito, desejar uma família com ele. Ali, aos
vinte e oito, eu estava aterrorizada. Abri a torneira e molhei a mão direita,
levando-a até minha nuca e respirando profundamente. Minhas lembranças
me atingindo, e meu coração errando uma batida, por saber que precisava
tirar aquilo a limpo, mas que no dia seguinte, estaria frente a frente com
ele.

— A gente deveria fazer uma casa de madeira aqui. — falei,


girando ao redor do nosso lugar, enquanto pensava em como seria

incrível morar exatamente ali, na divisão entre as fazendas dos nossos


pais. O nosso lugar, se tornar o nosso lar.

— E construir uma família juntos aos quarenta? — provocou,


fazendo-me olhá-lo com escárnio. Ele não parava de falar sobre aquilo e
eu queria socar a sua cara. — Nunca pensei que sonhasse com uma
família, você é tão...
— Impulsiva para ser mãe? — rebati e ele negou de imediato.

— Livre. — olhei-o sem entender. — Não parece querer se prender

a ninguém. Digo, ninguém que seja como os seus namorados que não
combinam.

— Para de falar assim deles. — bati em seu peito e ele riu alto. —
Suas namoradas também não combinam em nada com você. Ou devo dizer

algo depois que Olívia pisou no pé de Sofia porque ela falou mal dos
cavalos? — ele riu ainda mais alto e o acompanhei.

Era aquilo.

Tudo parecia passar, menos nós dois. Desde os doze, era apenas a
gente, e a cada segundo, sabia que me marcava mais, porque eu não
conseguia parar de pensar, em como seria ter aqueles lábios como meus.
Em como seria de fato, ter uma vida com ele.

Parecia cedo para pensar aquilo. Pelo menos, aos dezessete, não

deveria estar tão apaixonada certo? Ou não, não sabia o que pensar ou
como controlar. Apenas aceitava o que ele poderia me dar, enquanto
guardava aquele sentimento e fingia que não entendia os olhares diferentes
que ele me destinava. Não poderia acreditar que um sonho adolescente
com meu melhor amigo, que gostaria que fosse meu amor, poderia ser real.

Neguei com a cabeça, voltando a realidade, e encarando meu


reflexo. Ele construíra uma cabana para gente, como a casa que um dia

pedi... E agora, a gente voltava a tentar ser amigo... Quando me dei conta,

minha mão estava sobre minha barriga e um medo descomunal tomou


conta do meu corpo.

E se estivesse apenas confundido tudo? Se estivesse deixando a


Babi adolescente tomar conta da Bárbara adulta que não pensava que

falaria com ele de novo?

Vi-me sentando no chão do banheiro e tentando encontrar alguma


explicação ou solução. Porém, depois de anos, com as coisas á claras, a
única confusão consistia em mim mesma, e no fato de que minha mão não
saía de minha barriga.

JÚLIO

— Está sorrindo tão bonito, meu menino. — minha mãe falou,


entrando no meu quarto e tocando meu rosto com carinho. Beijei sua
palma e ela me olhou com cuidado. — Ela faz toda diferença e falta, não
é?
Assenti, e sabia o quanto Bárbara também significava para minha
família.

— Vê-los longe doeu em todos nós. — admitiu, e desceu sua mão


para meu ombro. — Apenas tome cuidado com ela, e seja você... é nítido o
amor que sentem e o quanto precisam estar juntos.

— Acha que ela ainda me ama? — perguntei, e minha mãe sorriu

abertamente, como quem diz “não creio que está perguntando isso”.

Porém, não disse nada, apenas piscou um olho e deu um passo


atrás.

— Isso é algo que você tem que perguntar a ela, não acha? —
rebateu e eu me vi assentindo.

— Só não quero pressioná-la, mais do que imagino que já tenho


feito...

— Se tem uma coisa que sei sobre Bárbara, é que ela não faz nada

que não queira... ela te ignorou por dez anos, filho. Se ela não quisesse te
ouvir ou falar, ela ficaria mais dez.

— Tem razão. — ela sorriu, olhando-me como boa dona da razão


que era.

— Sempre tenho. — ouvi o barulho de batidas na porta, e ambos


olhamos.
Meu pai estava ali, encostado contra o batente e mais forte do que
nunca. Era por aquilo, que a doença dele, mesmo tendo aterrorizado a

todos nós no primeiro instante, no outro, nos uniu ainda mais. Todos
juntos, e aquilo não parecia o real monstro que era.

— Estou feliz por você, meu filho. — ele deu passos calmos até
nós, e me segurei para não ir até ele e o ajudar. — Bárbara é parte da nossa

família, e nunca deixou de o fazer. Mas ver vocês dois juntos... é algo que
esse velho homem sempre desejou.

— Estamos tentando ser amigos... — cortei-o e vi o olhar que


trocou com minha mãe, como se eles soubessem de muito mais. —
Agradeço a torcida, no entanto.

— Apenas cuide dela, e deixe alguém cuidar de você... — segurou


minha nuca e encostou nossas testas, fazendo-me sorrir.

— Obrigado, papai.

Os dois logo saíram, e eu fiquei ali, com o coração mais quente e


era como se finalmente pudesse ser eu mesmo. Meus pensamentos não
mais perdidos, mas apenas nela. Sabia que meu sono não me encontraria,
não com tudo o que acontecera naquele dia. Para ser mais exato, naqueles
últimos dias.

Resolvi descer até a sala de estar, e assim que cheguei lá, encontrei
Bruno, que brincava com Dani, e me lembrei de que ainda não tinha ideia

se ele sabia que Babi descobrira sobre tudo ou não.

— Contei a ele. — Olívia falou, como se lesse a pergunta em


minha mente. — Mas foi assim que ele chegou. — complementou,
esclarecendo o fato de Bruno não ter vindo ao almoço, então aquela não
tinha sido a razão?

— Fiquei preso conversando com uma amiga, e almoçamos juntos.


— meu irmão comentou despreocupado, colocando Dani em suas costas.
— E eu estou muito feliz, de verdade, por saber que estão voltando a se
falar... e espero, que me deem mais sobrinhos...

— Bruno. — falei, indo para perto dele, e por mais que seu tom
fosse leve e calmo, sabia que meu irmão ainda tinha algo o preocupando.
Eu não tinha ideia do quanto o sentimento que ele nutria por Bárbara,
ainda poderia ser real. — Sabe que se quiser...

— Nem vem! — bateu em minha mão, e Daniela soltou um


gritinho, agarrando-se em seu pescoço e rindo. — Quero os dois felizes, e
espero que Babi não acabe com a minha bunda quando conversarmos.

Acabei sorrindo, porque todos nós sabíamos o quanto ela era


explosiva e impulsiva. E pela primeira vez, em anos, eu não sentia culpa
por falar sobre ela com Bruno. Era como se as coisas finalmente
estivessem acontecendo... e no tempo certo.

E em um tempo, que eu poderia lutar pelo amor dela.

E amanhã seria um novo dia, um novo dia para lutar.


CAPÍTULO XV

“Quanto mais você fala, menos eu sei

Aonde quer que você vagueie, eu seguirei

Estou implorando para você pegar minha mão"[19]

JÚLIO

Assustando-me por completo, no caminho de carro, até o jatinho


particular dos Reis, em uma cidade vizinha, Bárbara ficou em silêncio até
fechar os olhos e parecer cair em sono profundo. Notei que ela descansava
com a cabeça para trás no banco, claramente exausta, como se não tivesse
dormido a noite toda. Não sabia se ela fingia estar dormindo, ou se minha
suspeita estava certa.

— Quase tive que jogar água nela, para que acordasse. — Lisa

falou baixo, olhando-me do banco do carona. — Acho melhor a gente


deixar ela dormir, já que será corrido na cidade.

Vi que os fios de cabelo voaram para o rosto de Bárbara, e


comprovaram que ela estava de fato em sono profundo. Ela odiava

qualquer coisa em seu rosto, que pudesse incomodá-la. Lembrava-me de


como odiava usar os óculos quando éramos mais novos. Ela ainda era
assim?

Sob o olhar de Lisa, levei minha mão até o rosto de Bárbara e


retirei os fios com cuidado, colocando-os com mais cuidado ainda atrás da
orelha.

— Ela é importante, Júlio. Mas eu acho que já sabe disso... — olhei


para Lisa e assenti, a qual sorriu em minha direção. Vi-a trocar um longo

olhar com Igor, que cantava baixinho com a canção que soava ainda mais
baixo por todo o carro.

Minutos depois, nós já estacionamos, e notei que Bárbara sequer se


mexeu. Igor foi o primeiro a descer, e notei que correu para abrir a porta
para Lisa, a qual segurou um sorriso.

— Sempre sendo o cavalheiro que eu não pedi. — ela o provocou e


notei o olhar de devoção que ele tinha por ela.

Quem via Igor Reis ali, daquela forma, não tinha ideia de que

meses atrás, ele estava cada noite com alguém diferente. A prova de que
quando o amor nos acertava, nos derrubava na lona.

Desci do carro, enquanto vi alguns funcionários de Igor se


aproximarem, para levar as malas. Abri a porta do lado de Bárbara, e

toquei seu rosto com cuidado.

— Ei, carinho. — chamei, e ela piscou algumas vezes, mas não


abriu os belos olhos. Levei a mão até sua bolsa, a qual ela deixara cair do
lado, e peguei, colocando ao meu redor. — Vou te colocar no meu colo,
para pegarmos o avião, ok? — perguntei, e poderia jurar que ela estava
dividida em um sonho e a realidade.

— Se quiser, ainda posso pegar a água que trouxe e jogar nela. —


Lisa sugeriu, sorrindo malevolamente e eu neguei.

Peguei Bárbara com cuidado, e no segundo seguinte, ela encostou a


cabeça contra meu peito, como se fosse o lugar mais confortável do
mundo.

— Tá tudo bem, pontinho. — ela sussurrou e parecia imersa no


sonho, enquanto as mãos estava grudadas uma na outra. Caminhei com
cuidado, levando-a até o avião, e colocando-a no seu lugar, ao meu lado.
Assim que fui passar o cinto nela, seus olhos castanho claros se
abriram e ela piscou algumas vezes, como se acostumando com a luz e

tentando entender onde estava.

— Mas eu... — começou a dizer e seu olhar encontrou o meu. —


Quanto tempo eu dormi? E como cheguei aqui?

— Como um belo mocinho, ele te trouxe nos braços. — a voz de

Lisa soou do lado esquerdo e Bárbara me olhou como se perguntasse se era


verdade.

— Você não acordou por nada e não quis te assustar. — falei, e ela
assentiu, como se pensando em algo, e notei a mão sobre a barriga, como
se estivesse com fome, ou algo assim. — Precisa de algo? — indaguei,
sentando-me ao seu lado, e ela encostou a cabeça contra o assento.

— A minha dignidade de volta. — resmungou, fazendo-me rir e


negar com a cabeça.

Passou as mãos pelos cabelos, colocando-os atrás da orelha, e eu


fiquei ali, perdido em cada detalhe dela. Não conseguia tirar os olhos, nem
mesmo, fingir que não a observava. Quando fomos avisados sobre a
decolagem, vi-me segurando firme contra o assento e finalmente desviando
meu olhar dela. Voar não era algo que me acostumaria nunca. Ainda era
um teste contra o medo de altura.
Assim que agarrei mais firme o braço do assento, senti uma mão
delicada sobre a minha, apertando levemente. O simples toque dela me fez

relaxar um pouco mais, e quando o avião estabilizou e abri os olhos, ela


sorria.

— Me lembrou de quando a gente voou pela primeira vez, em um


ano novo... achei que você fosse ter um ataque cardíaco. — provocou e eu

revirei os olhos, mas não afastei minha mão da dela. Eu estava


aproveitando cada brecha que ela me dava.

— Continuo tendo um minimedo toda vez, mas... não mudei quase


nada, em todo o resto.

— Sério? — indagou, e notei-a engolir em seco, olhando-me


profundamente. — Achei que eu tinha mudado muito, muito mesmo.. —
sua voz foi quase um sussurro. — Mas quando olho para você, é como
ficar presa no tempo.

— Espero que não seja ruim. — falei, vendo-a desviar o olhar.

— Só é diferente de como me sinto com os outros. — assumiu, e


pareceu que não era algo que gostaria de dizer em voz alta, pela careta que
fez logo em seguida. — Continuo pensando alto demais.

— Sempre amei esse lado seu. — assumi e seus olhos voltaram


para os meus. — Que pensa alto, fala de uma vez e não enrola. Eu sou o
oposto... — dei de ombros. — Talvez por isso eu seja tão...

— Sem graça? — era claro o tom de provocação em sua voz. — O

que? — perguntou, fingindo-se de inocente, e sua mão saiu da minha,


quando a levou para os cabelos, prendendo-os no alto da cabeça em um
coque.

— Você está linda. — soltei, sem conseguir mais segurar, e ela me

encarou depois de respirar profundamente. — O que...

— Você disse isso, no começo do ano, quando a gente se viu... —


suspirou pesadamente. — Você não estava consciente.

— Como assim? — minha pergunta saiu perdida, e ela negou com


a cabeça.

— Podemos falar disso mais tarde. — vi-me assentindo. — Eu


prometo que a gente fala sobre isso, ok?

— Ok.

Não entendi absolutamente nada, mas fiquei ali, apenas tentando


lembrar de como poderia ter estado com ela, sem que me lembrasse.
Respirei profundamente, buscando na minha memória, mas nada veio, a
não ser, o sonho que tive com ela, que pareceu tão real, no dia em que
descobrimos sobre a doença de meu pai.

— Está fritando seus miolos. — sua voz me fez parar, e a encarei.


— Vai sobreviver até quando eu te contar.

— Eu espero que sim. — ela sorriu, e eu me vi não acreditando,

que depois de tanto tempo, era tão simples.

Mesmo que não conseguisse evitar o desejo que me acertava, a


cada pequeno contorno dela e a forma como ela me olhava, uma
recordação de como seu gosto e toque me enlouqueciam. Mas além do

desejo, era ela, minha melhor amiga, ali, ao meu lado. E eu torcia, para que
pudesse também voltar a ser o melhor amigo dela, assim como, queria
mais. Sempre mais.
CAPÍTULO XVI

“Odeio acidentes

Exceto quando nós fomos de ''amigos'' pra isso

Uhum, é isso aí

Querido, você é a pessoa que eu quero

Anéis de papéis e porta-retratos e sonhos impróprios"[20]

BABI

Olhei para o teste de gravidez em minha mão e mal sabia como se


respirava. Não consegui falar sobre aquilo. Não consegui pensar direito
sobre aquilo. Aqueles últimos dias tinham sido demais e eu não sabia mais
para onde correr. Não depois de ter um sonho com uma menina, que corria

ao meu redor e me chamava de mamãe. Não depois de acordar nos braços


de Júlio e lembrar que aquela menina, o chamou de papai. E nós a

chamávamos de pontinho...

— Ahhhh! — falei com raiva, e joguei o teste dentro da bolsa, sem


conseguir pensar direito.

Lisa teve que ir trabalhar, e eu estava presa no nosso apartamento,


que fora minha casa por um longo tempo, mas que agora, seria apenas um
lugar para eu poder visitar minha melhor amiga.

Vi-me então apenas parando de pensar e saí do apartamento,


pedindo um Uber no caminho, e sabendo que meu destino não deveria ser
aquele, mas de repente, o era. A cada minuto que se passava, eu ficava
mais impaciente e meu coração acelerava. Quando o carro finalmente
parou e eu dei de cara com o logo da TORRES Tecnologia, sabia que

estava deixando minha impulsividade falar.

Porém, aquela era eu, e precisava daquilo.

Fui até a recepção e falei meu nome, quando pensei em dizer o


nome de Júlio e explicar da visita não marcada, o rapaz sorriu para mim, e
apenas me direcionou ao que parecia ser um elevador privativo.

— Mas eu nem disse para onde iria ou quem. — falei, e ele pareceu
olhar algo em seu tablet.

— O senhor Torres deixou sua passagem livre pela empresa... ao

que consta, desde a data da abertura. — abri a boca, sem saber como ainda
me surpreendia com aquilo.

Correndo de mim como o diabo corria da cruz, ao mesmo tempo


que, parecia deixar aberto o caminho direto para ele. O que eu faria com

Júlio Torres? O abraçaria? O encheria de beijos? O socaria por esconder


tanta coisa?

E se agora fosse eu que estivesse escondendo?

Minha mão foi diretamente para a barriga e vi-me agradecendo ao


rapaz, quando o elevador se abriu e eu entraria. Porém, paralisei diante da
cena de Júlio, conversando animosamente com uma mulher que eu não
conhecia. Porém, eu conhecia o olhar que ela tinha para com ele.

Qual é, Babi? Ele é um homem lindo, gostoso e solteiro.

E vocês são só amigos... Quis bater na minha própria consciência,


enquanto esperava ele me notar ali. Quando o fez, pareceu completamente
em choque por um instante, e vi-o me olhar de cima abaixo. Meu coração
deu um pulo, porque acabei fazendo o mesmo, e aquele homem, em um
terno sob medida, caindo como uma luva, e o colar que eu arrebentei de
seu pescoço, de volta ao dono, fez meu corpo todo ferver.
— Obrigado, senhorita Alencar. — ele falou para a mulher, que
deu um beijo demorado em seu rosto, antes de sair sem sequer destinar um

olhar para mim. Ok, então! — Bárbara! — meu nome foi dito com clara
surpresa e eu quase me derreti, porque me vi tão atraída, que era
impossível não querer pular sobre ele.

Ele agiu como meu melhor amigo naquela manhã, mas ali, eu não

conseguia enxergar só aquilo. Ele era bonito demais. A gente tinha história
demais. E aquilo me deixava à beira de explodir.

— Preciso falar com você. — soltei de uma vez, e ele assentiu para
o rapaz que me trouxe até ali, fazendo um sinal com o braço, para que o
acompanhasse.

Assim que o elevador se fechou, vi-me encostando contra a parede


de aço e as lembranças daquela noite me acertaram. Olhei para o espelho
da porta, e o olhar de Júlio estava sobre mim, como se me inspecionando e

pensasse exatamente o mesmo que eu.

— O que foi? — perguntei, tentando quebrar a tensão que parecia


poder ser cortada por uma faca, e notei o sorriso que se emoldurou no belo
rosto.

— Só feliz em te ver aqui. — respondeu, e eu engoli em seco, sem


saber ao certo o que fazer. O que de fato eu fazia ali?
Quando o elevador parou e finalmente chegamos ao que parecia ser
o andar que ele tinha uma sala, apenas o segui e tentei lembrar o que me

levara até ali. Porém, a cada segundo em que seguia seus passos, eu me
perdia das palavras. O que eu poderia dizer?

— Então? — ele perguntou, dando a volta em uma enorme mesa de


vidro e se sentando em uma cadeira que gritava “sou o CEO”. E ele era tão

engomadinho quanto eu costumava xingá-lo para minha amiga, mesmo ela


não tendo ideia antes, de quem ele era. Eu não tinha ideia de como era a
versão CEO dele. Mas era quente, cada pequeno detalhe. — Bárbara?

“Então, a gente tá tentando voltar a ser amigo, mas eu quero foder


com você a cada minuto e acho que estou grávida.” De repente, apenas
guardei aquelas palavras e suspirei profundamente. Não poderia
descarregar tudo e depois culpar minha impulsividade. Apenas... O que que
poderia fazer? Eu sequer sabia o que ele sentia. Ou melhor, não sabia se

podia confiar no que ele dizia sentir.

Nós dois poderia apenas ser errado... e talvez não fosse para
acontecer.

— Desculpe, eu não devia ter vindo. — assumi, sentando na


cadeira que ele me indicara. Seu olhar mudou para preocupação e me vi
pensando em como estava uma bagunça. Mas ainda assim, tinha coisas a
dizer para ele. E precisava, mais do que nunca, entender o que sentia.
Era amizade? Era amor? Era saudade? Era tesão?

— É sobre o que deixou em aberto no avião? — indagou, e aquele

foi meu escape perfeito. — Sabe que pode confiar qualquer coisa a mim,
certo?

Olhei-o e a minha resposta era simples: eu sabia?

— Quando descobriram que seu pai estava doente, Bruno me

ligou... Ela me contou tudo e me disse que você tinha sumido para algum
lugar e... — suspirei profundamente. — Eu apenas não pensei, fui até o
endereço que tinha do seu apartamento, sem ter ideia se morava lá ou não,
e... te esperei lá. Na época, não entendi porque meu nome estava liberado
para subir no seu prédio, mas agora, sei que parece que sempre deixou as
coisas ali para mim, como se me esperasse.

Ele assentiu, como se pensasse sobre tudo aquilo.

— Você apareceu na madrugada e cheirando a bebida,

completamente irracional. A primeira coisa que disse foi que eu estava


linda. — sorri, e respirei fundo. — Depois de tanto tempo longe, eu só quis
poder estar ali com você. Então, te ajudei a entrar, a tomar banho e te
coloquei para dormir. — as lembranças daquela noite voltando com força.
— Não sabia se você lembraria ou não, mas quando Bruno apareceu de
manhã, obriguei-o a prometer que não contaria que me viu saindo dali e
ficasse com você. Caso você perguntasse, que ele fingisse que não sabia de
nada.

— Então não foi um sonho. — Júlio falou, e passou as mãos pelos


cabelos, como se completamente confuso. Vi-me levantando e indo até ele,
do outro lado da mesa, e me encostei contra o tampo, bem próxima. — Foi
tão real, mais do que os outros sonhos que tive com você durante esses

anos todos... — ele então me olhou e sua mão veio para a minha, com o
cuidado de sempre. — Obrigado por estar lá por mim. — eu sorri, sem
saber o que fazer, e uma lágrima desceu. — O que foi?

— Eu só... Só não sei o que estamos fazendo. — confessei, e toda


minha guarda desceu. — É como se os últimos tempos tivessem me
engolido, e a cada segundo surge algo... Eu não sei.

— Por que não fica comigo hoje? — indagou e eu o encarei sem


entender. — Digo, para passarmos um tempo juntos, entender como nos

sentirmos, e sermos só a gente.

“Eu e você, nosso mundinho particular e muita comida, é tudo o


que eu preciso.” era como se pudesse ouvir a voz dele, não tão grossa
quanto agora, me dizendo.

Levei uma mão até seu rosto e apenas assenti. Não podia mais lutar
contra o que sentia. Só poderia entender o que sentia, sentindo. Era aquilo.
Fazer o que podia no agora, e entender o que ainda viria.

— Preciso resolver algo na minha antiga empresa, mas estou livre à

noite. — comentei e ele me encarou claramente curioso. — Acabei


deixando a empresa, para assumir a fazenda. Sabia que um dia acabaria
optando por um, e minha família sempre ganharia. Além de que, sinto falta
daquela terra.

— Somos dois. — assumiu, e eu o olhei, arqueando a sobrancelha.


— O que?

— Essa pose de CEO engomadinho. — revirei os olhos, e ele riu


abertamente. — Eu te chamava assim para Lisa, quando estava com raiva.
— olhou-me claramente interessado e dei de ombros. — Ela ficava me
atazanando, querendo saber quem era o cara que minha mãe tanta falava...
Aí, quando me estressava, falava sobre você assim.

— Se for o CEO dos livros que você lê. Quer dizer, pelo menos

lia... — olhei-o incrédula, o qual trouxe sua cadeira para mais perto,
fazendo-me sentar na mesa, e meus saltos pararam em sua calça
perfeitamente delineada no corpo. Não estávamos fazendo aquele
joguinho, estávamos? — Não quer tirar? — indagou, e antes que
respondesse, vi-o tirando meus sapatos com cuidado, e depositando meus
pés sobre as coxas, que me recordava bem daquela noite, eram torneadas e
na medida que me faziam babar. Literalmente.
O toque da sua mão contra meus pés era o oposto do salto, mesmo
que ele fosse confortável. O toque de Júlio acalmava meu corpo todo, ao

mesmo tempo que, me acendia.

— O que diabos está fazendo? — indaguei baixo, notando o olhar


dele mudar, e sabia que eu não estava diferente. — Não vamos transar de
novo, Júlio. — alertei-o, mas foi como se dissesse aquilo para mim mesma.

Ele arqueou uma sobrancelha e eu conhecia aquela expressão de quem diz:


“tem certeza?”. Fui bater contra seu peito, mas acabei por me
desequilibrar e cair sobre seu colo. Ele riu alto, ajeitando-me sobre si, e eu
revirei os olhos, batendo contra seu peito. — Não pense que vou cair nos
seus joguinhos. — alertei-o, e me certifiquei de ficar sentada no braço da
cadeira, longe do seu colo.

— Nunca joguei com você, Bárbara. — tocou meu cabelo com


carinho, tirando os fios do meu rosto, os quais eu já estava correndo para

tirar. — E eu sei que não vamos transar de novo... aliás, a gente nunca
transou. — revirei os olhos, e ele segurou meu rosto com cuidado,
olhando-me profundamente. — Gosto de me lembrar daquela noite, mas
nada se compararia a te ter, sabendo que é você. — de repente, a conversa
mudava por completo, e notei a forma intensa como me encarava. —
Desculpe, não quero que pense que...

— Pode ser sincero comigo. — falei, e tentei não pensar muito nas
suas palavras. — Afinal, somos eu e você, né?

Ele assentiu, e de repente, meu coração falhou uma batida.

Lembrei-me do teste de gravidez na minha bolsa, e de tudo que estava me


questionando antes de chegar ali. Ele me inebriava tanto, a ponto de eu
esquecer que poderia estar grávida. Suspirei fundo, e sorri, tentando não
pensar muito.

Precisava tomar coragem para fazer o teste, mas não ali. E não
tinha ideia do que esperar do homem à minha frente, que me olhava como
se fosse sua deusa particular e seu mundo todo. E por um segundo, apenas
não questionei, aceitei que talvez, eu fosse realmente amada por ele.
CAPÍTULO XVII

“Me beije uma vez

Pois você sabe que eu tive uma noite longa (Oh)

Me beije duas vezes, pois vai ficar tudo bem (Uh)

Três vezes, pois eu estive esperando minha vida toda "[21]

BABI

— O que você acha? — perguntei a Lisa, enquanto ela penteava o


cabelo, sentada no sofá e parecendo pensar sobre tudo o que contei.

— Como você ainda não teve coragem de fazer o teste? —


indagou, olhando-me como se seu fosse um ser extraterrestre. — Eu já
teria feito uns vinte, só para ter certeza. — riu de lado e me encarou. —

Mas é sério, parece que você tá mais com medo de estar próxima dele e

ceder de fato, do que de estar grávida.

Respirei profundamente, e assenti, sentando-me no tapete a sua


frente. Já era noite, e eu tinha feito tudo o que precisava. Depois de passar
um tempo com Júlio naquela tarde, e perceber o quanto eu ainda o amava,

as coisas apenas pioraram em minha mente. Porque eu não conseguia


desapegar do sentimento de posse, de ter e de querer. Eu já fora
apaixonada pelo meu melhor amigo, e o fato de que aquele amor
romântico não morreu, me assustava.

Tudo desandou quando misturamos as coisas anos atrás, e eu não


queria passar por aquilo novamente. Não suportaria perdê-lo de novo, e
quando o encarava, era um reflexo. Sabia que ele também temia aquilo, e a
cada olhar, risada ou palavra que ele me direcionou, me mostrava o quanto

estava exposto. A questão era: a gente não poderia realmente só ser amigo
e tudo ficar bem?

— Por que não deixa acontecer? — a pergunta de Lisa me trouxe


da realidade, e ela soltou a escova de cabelo, puxando minha mão para o
seu colo. — Você pensa demais, Babi. Sempre protegeu seu coração, e o
que aconteceu?

— Foi quebrado? — indaguei, e ela assentiu. — Não quer dizer que


se apenas agir por impulsividade, não vai acontecer de novo.

— Mas quer dizer que você quer. Admita que o ama, e que isso não

vai mudar... Se ele ousar te machucar de novo, eu vendo a minha coleção


de bolsas de marca. Eu juro!

— Você tem uma bolsa de marca, Lisa. — ela riu comigo e


assentiu.

— Esse é o ponto! — apertou minhas mãos com carinho. — Ele te


olha como se você fosse a coisa mais preciosa da vida, como se fosse uma
deusa... Eu conheço aquele olhar, Babi. E você também.

Pisquei algumas vezes, absorvendo suas palavras, e tentando minar


minhas inseguranças. Eu tinha razão para tê-las. Dez anos de razões para
não querer estar com ele. Dez anos de convicções jogadas por terra em
apenas alguns dias. Dez anos que pareciam absolutamente nada quando
estava próxima a ele. Dez anos de um sentimento que não foi embora.

— O olhar dos meus pais? — indaguei, e ela assentiu, como se me


lesse perfeitamente. — Queria tanto apenas querer e ter, e não ficar
pensando em como isso pode me machucar, ou no que isso vai resultar.

— Por que não começa apenas indo no apartamento dele, e


desejando boa noite? — Lisa incentivou e eu a encarei com uma careta. —
Sem choro nem vela, vamos mexer essa raba, que eu te deixo lá. E a
qualquer sinal de algo que você decida que não quer mais, me manda uma

mensagem, liga, que eu vou correndo.

— Sabe que eu sinto sua falta todo dia, não é? — indaguei, e notei
o carinho em seu olhar, e a forma como a gente se completava.

Eu não era boa em fazermos amigos íntimos. Eu era cercada de


vários, no entanto, mas confiava em quase ninguém. Confiar em Lisa foi

tão fácil, que a gente dividiu a vida. Era estranho não chamar mais ali de
lar, assim como, não a ver todos os dias.

— Sei que se tentar mudar de assunto, para me amolecer, eu vou


ligar para o Torres, e arrastar a bunda dele para cá. — provocou, puxando-
me ao seu levantar, e me abraçando. — Eu te amo, e só quero sua
felicidade, nem que tenha que dirigir para isso.

Ri alto, pois sabia o quanto ela odiava estacionar o carro.

— Lado positivo é que vou te deixar na frente do prédio e nem vou

me matar na baliza, já saio no segundo seguinte. — piscou um olho e me


puxou pela mão. — Vou só trocar de roupa e a gente já vai.

— Ok. — segui-a, e me joguei contra a sua cama, enquanto Lisa


tirava tudo do armário.

Levei a mão para minha barriga, e peguei o celular que deixara


dentro do bolso da frente do vestido. Uma mensagem de Júlio piscou na
tela, como se em verdadeira sintonia, e era um fato que nenhum de nós
trocou o número de telefone durante todos aqueles anos. No caso, o

número dele estava denominado como “nunca pense em atender”, o que o


fez rir mais cedo, quando lhe mostrei, ao mesmo tempo que notei o seu
olhar vacilar. Ele se culpava por aquilo. Se culpava por ter escolhido por
mim.

“Está tudo bem se não puder vir, mas... comprei o seu tipo de
lasanha favorito. Só no caso de precisar de algum incentivo.”

Ri da mensagem, e entendi que não podia mais me apegar a


covardia, e muito menos, deixar passar aquele momento. Precisava viver, e
deixar acontecer. E não poderia mais adiar a verdade sobre aquela noite.
Levei a mão a minha barriga, antes de responder que estava indo, e me
sentei na cama.

— Ele te faz sorrir como uma adolescente, e olha, que eu não te

conheci adolescente.

Peguei o travesseiro ao meu lado e joguei nela, a qual sorria tão


largo, que parecia pronta para me entregar a um casamento.

— Eu não vou nem perguntar se quer se trocar ou se arrumar,


porque estamos indo agora. — pegou as chaves do carro sobre a mesa de
cabeceira e fez um sinal com a cabeça. — Antes que a dona insegurança
que baixou em você, volte com força. — me pegou pelas mãos, e me
puxou, fazendo-me segui-la em direção a saída do apartamento.

Consegui pegar minha bolsa no último segundo, enquanto Lisa me


empurrava, e na realidade, eu não estava nervosa sobre a minha aparência.
Era muito mais do que aquilo. Era muito maior do que estar pronta para
encontrar o cara que eu tanto sonhava. Era o fato de que eu me sentia

exposta, dos pés até o último fio de cabelo, porque não era qualquer cara.
Era Júlio.

Era a pessoa que me conhecia melhor do que ninguém. Sabia das


minhas falhas, defeitos, acertos e qualidades. A gente compartilhou muito
mais do que a adolescência, a gente compartilhou sonhos e uma vida nos
anos que estivemos lado a lado. Dez anos depois, e por mais mudados que
estivéssemos, os momentos que tivemos nos últimos dias, não silenciaram
ou acalmaram meu coração, eles me expuseram ainda mais.

Eu ainda o amava.

Eu ainda o queria.

E eu sabia que não podia mais fugir.


JÚLIO

Eu não conseguia tirar aquela tarde da minha mente. A cada


segundo, eu revivia a risada, a expressão, o olhar, os trejeitos... Tudo o que
envolvia Bárbara. Notei também a forma como ela ainda parecia se conter

e temer estar comigo. Não a julgava, porque sabia o quanto aquele tempo
tinha nos afastado e nos machucado.

Olhei-me no espelho e era estranho me sentir tão à vontade comigo


mesmo. Porque era ela que viria ali, e por mais que meu coração estivesse
martelando contra o peito, de ansiedade para vê-la. Ainda assim, era a
minha melhor amiga. Ela sabia de cada detalhe meu, e me dera uma
segunda chance. Uma chance que eu não desperdiçaria nem por um
segundo.

Eu seria o melhor amigo, se ela quisesse.

Eu seria o seu amante, se ela desejasse.

Eu seria o seu amor, se ainda tivesse chance.

Seria o que ela estivesse disposta a me dar. E tudo de mim, sabia


que estava disposto a ser apenas dela. Porque aqueles dez anos não foram
em busca de um novo amor. Foram anos em que tentei me convencer de
que o amor não era para mim, mas nem por um segundo, a não ser na noite
que passamos juntos, imaginei que poderia amar outra pessoa. E o destino
riu e me deu a resposta: não pode mesmo.

Ainda tinha muito para acontecer e trilhar. Passinhos de bebê,


como ela mesmo dissera. Suspirei fundo, e meu corpo todo tremeu com as
batidas na porta. Assim como sempre deixara o caminho livre para ela,
mesmo que soubesse que não poderia estar lá, Bárbara sempre esteve na

lista de pessoas que poderiam me visitar sem precisar anunciar. E pela


primeira vez, a espera fazia sentido. Não era apenas eu, uma taça de vinho
e a vontade angustiante de estar com ela, e mais uma vez, não poder.

Eu não sabia de fato se podia, ou se merecia, contudo, faria de tudo


para que de alguma forma, pudesse ser digno daquilo. No momento que
abri a porta, e meus olhos bateram no castanho claro dos dela, meu corpo
todo a reconheceu, e era como se eu fosse puxado em sua direção. Cada
pequeno detalhe dela a um passo de mim, e eu tive que sorrir, enquanto

cada parte do meu ser, implorava internamente para que me aproximasse.

Era ela, o meu amor.

Era ela, a minha melhor amiga.

Era ela, como ela diria anos atrás, a quem eu pertencia.

Abri a boca para dizer “boa noite” enquanto não conseguia tirar o
sorriso do rosto. Porém, como nada com Bárbara era como o esperado, o
meu sorriso sumiu no segundo seguinte. Isso porque, os lábios dela se

encontraram com os meus.


CAPÍTULO XVIII

“Você segurou as minhas mão na rua

Andou comigo de volta ao apartamento

Anos atrás, nós estávamos lá dentro

Descalços na cozinha

Novos começos sagrados

Se tornaram minha religião, escute”[22]

BABI

Quando a porta se abriu, o olhar que me recebeu, me fez entender


que eu não conseguiria fugir, nem mesmo se tentasse. Ainda não entendia
por completo como ele conseguiu nos afastar daquela forma, mas estava
ali, justamente, porque queria tentar. Tentar com ele.

O mesmo arrepio me envolveu, quando seu olhar desceu por todo


meu corpo, e logo o castanho escuro parou no claro do meu. Não pude
evitar fazer a mesma análise. Cada grama do meu corpo implorando para
que eu me aproximasse do dele. Do calor. Do abraço. Do aconchego.

Depois de tanto tempo, e tantos casos perdidos de amor, era como


voltar para casa e encontrar o que eu já tinha há muito tempo – o amor para
a minha vida. E a forma como vi o mesmo nele, me fez jogar todo o pensar
para o fundo da gaveta.

Antes que pudesse evitar ou correr, vi-me indo para seus braços, e
meus lábios encontraram os seus. Diferente do nosso primeiro beijo.
Diferente daquela noite. Éramos nós dois, cientes do que cada um sentia,
cada mínima parte. Porque mesmo que eu não tivesse dito em voz alta,

Júlio me conhecia bem o suficiente para saber, para conseguir me ler.

O toque dos seus lábios nos meus me queimou, e não me


surpreendia como todo meu corpo buscou mais do dele, e agradecendo
exponencialmente quando ele me levantou em seu colo, e me acomodou
perfeitamente nos braços. Ouvi o barulho da porta se fechando, e meu
corpo encontrando a madeira. Um gemido saiu sem que eu pudesse evitar
quando seus dentes roçaram meus lábios, e busquei o ar que sequer me
lembrei de precisar, quando ficamos a apenas um fio de cabelo de distância

um do outro.

— Bárbara... — sua voz tão baixa e suplicante como naquela noite,


fazendo todo meu corpo querer implorar por mais de cada parte do seu. —
Eu...

Ele se calou, enquanto uma de minhas mãos foi para o seu pescoço,

e a outra se depositava contra o rosto. Notei o desejo claro em seu olhar,


assim como, podia senti-lo contra meu corpo. Contudo, existia uma
fragilidade ali, que eu interpretei perfeitamente.

“Eu aceito o que quiser me dar.”

Poderia até ser uma sentença bonita, se não fosse o peso o qual ela
carregava. As palavras dele, suplicantes para que eu lhe desse o mínimo.
Contudo, eu nunca seria uma pessoa que amaria o mínimo, ou retribuiria
aquilo. E falava por nós, quando sabíamos que o amor se igualava, ao

menos, o amor verdadeiro. Nada de partes. Nada de metades. Nada de


quase. Era tudo. Era cada pequeno detalhe.

Suspirei profundamente, e me vi descendo do seu colo, sabendo


que por mais que o desejasse, não poderia usar aquilo, enquanto não
estivéssemos na mesma página. E ele precisava entender de fato o que eu
queria dar. E não se assemelhava em nada com uma parte de mim.
— E eu disse que não íamos transar... — falei, e ri de mim mesma,
vendo um lindo sorriso surgir em seu rosto. — Não consigo conter minhas

mãos, no entanto.

Toquei a dele, agora parada ao lado da minha cabeça, e as


entrelacei. Era claro o desejo mútuo. A forma como nossos corpos
gritavam. O jeito como parecíamos tão certos. Como naquela noite,

vendados para a verdade. Como naquela ali, vendo claramente.

— Não vou negar seus beijos. — ele provocou, e me deu um leve


beijo na testa, fazendo-me adorar aquele leve carinho. — Nossa lasanha
está no forno, já pronta. Eu tenho alguns vinhos, mas não sabia qual
escolheria... Então...

Ele se afastou, e seguiu em direção ao que imaginei ser a cozinha.


Não consegui inspecionar o apartamento de primeiro momento, porque
minha mente girou sobre o fato de que não poderia degustar um bom

vinho. Não com a dúvida ainda em mente. Não com a pergunta que eu
necessitava de resposta.

Segui-o, e o vi colocar algumas garrafas sobre o balcão, o que me


fez rir, e voltar ao exato momento, quando ele fez aquilo, no meu
aniversário de dezessete, colocando os cds que encontrou da minha cantora
favorita – Taylor Swift – e disse que não conseguiu escolher apenas um
para me presentear. Eram versões deluxe e importadas, e fiquei
completamente incrédula com a decisão nada responsável que ele tomou.

Júlio também não sabia amar pela metade, e eu sempre soube.

— Eu não sei se prefere tinto, branco, verde... — seu olhar parou


no meu, como se fosse ainda um menino, e eu fui até ele, tomando
coragem de falar sobre o que tanto adiei.

Quando me encostei contra o balcão e levei uma mão a sua boca,

ele se calou, como se me estudasse com cuidado. Olhos castanhos


avaliadores, e que eu desejei tanto de volta nos meus.

— Não quis perguntar antes, porque eu achei que sabia exatamente


porque as coisas ainda estavam um poucos estranhas entre nós, mas... Por
que parece que tem algo para me dizer?

— Eu te amo. — confessei, e uma lágrima desceu, sentindo o peso


daquelas palavras, que pesavam no meu peito. — Eu te amo como antes,
talvez até mais... — minha mão passou por sua bochecha e notei seus olhos

marejados. — Queria dizer que vamos fazer isso devagar, e que vamos
apenas ser amigos até estragarmos tudo, mas... Eu não quero que estrague.
Eu não quero ser só sua melhor amiga.

— Bárbara... — meu nome soou baixo, e abri os olhos, que sequer


notei ter fechado.

— Me conhece melhor do que ninguém, e sei que está disposto a


me dar o que eu quiser. — ele me olhou atentamente, assentindo. —
Pessoas como nós não amam apenas a borda, Júlio. A gente ama até o mais

profundo, se joga de cabeça e não tem nenhuma corda para se segurar, a


não ser, o nosso próprio coração.

Ele encostou a testa na minha, e respirei fundo.

— Eu te quero inteiro, da forma como vejo que você me quer

também. — fui franca, e fora como se meu coração relaxasse, mesmo que
batesse freneticamente, pelo fato de que estava à frente do real dono dele.
Sempre ele.

Suas mãos vieram para meu rosto, e afastou-se levemente.

— Eu nunca mais vou te machucar, nunca mais vou tomar decisões


por nós dois. — falou e eu assenti, sentindo a sinceridade em cada palavra.
— E se estragarmos tudo, que a gente faça isso junto, apenas nós. —
acabei negando com a cabeça, sabendo que não era apenas aquela conversa

que precisávamos ter. — O que foi?

— Lembra da nossa noite? — indaguei, e notei seu olhar mudar e


tinha certeza que todas as coisas mais pecaminosas que fizemos se
passaram por sua mente. Bati em seu peito, e ele sorriu preguiçoso. — É
sério! — chamei sua atenção e ele pareceu entender. — Preciso que me
diga se tem certeza que usou camisinha todas as vezes que transamos.
Ele pareceu pensar por um segundo, e uma de suas mãos desceram
para minha barriga, e ele mexeu levemente ali, como se no automático,

enquanto parecia buscar algo na memória. No segundo seguinte, ele


engoliu em seco, e já soube a resposta.

Desviei levemente do seu corpo, apenas para abrir minha bolsa, e


colocar o teste de gravidez de farmácia sobre o balcão.

— Eu não tive coragem ainda... Desconfiei quando comentou sobre


o fato de eu estar comendo mais do que antigamente e ao fato de que
minha mãe sempre conta que sua fome duplicou quando ficou grávida.
Então, um mais um...

— Dois. — respondeu baixo e sua respiração alterada, a mão ainda


na minha barriga e seu olhar desceu para a mesma. — Ou quem sabe, três?

Passei as mãos pelo rosto, sentindo-me completamente exposta e


com medo.

— Tive alguns sonhos e não sei o que dizer. — assumi. — Não sei
se estou mais com medo de dar positivo ou negativo. — coloquei para
fora, e senti sua mão em meu rosto, enquanto sentia-me tremer.

— Por que a gente não faz isso junto? — indagou, e eu engoli em


seco, olhando-o atentamente. — Como nas viagens em lugares duvidosos,
em que tínhamos que dividir o mesmo banheiro, e eu ficava de guarda do
lado de dentro.

Acabei rindo, e me lembrei de como ele conseguia aquela reação

tão facilmente.

— Ok.

Concordei com a cabeça, como se precisasse reafirmar para mim


mesma, e peguei o teste. Júlio me guiou pelo apartamento, e assim que

acendeu as luzes do banheiro, fiquei ainda mais nervosa. Minha mão


tremia e eu estava a ponto de correr.

— Carinho... — olhei-o, e notei como ele parecia calmo. Eu, a pura


impulsividade. Ele, a pura calma. — Tudo bem se não der positivo, a gente
tem a vida toda para tentar, juntos. — passou as mãos pelos meus cabelos e
eu finalmente percebi que não precisava ser naquele momento exato. Por
mais que desejasse ser mãe, um sonho recorrente, podia ser depois. E seria
com ele. Eu sabia que seria.

Beijou minha testa, e eu respirei fundo, antes de entrar no banheiro,


e a intimidade era algo que nunca poderia negar que tínhamos. Fiz o xixi
no potinho, com o olhar atento de Júlio sobre mim, claramente de
preocupação, e eu sequer travei. Simples assim, deixei o pote sobre um
apoio do lado, me limpei, e fui lavar as mãos no segundo seguinte.

Júlio colocou as mãos sobre meus ombros, e encarei-o pelo reflexo,


como quem dizia: calma, vai ficar tudo bem! Assenti, e senti um leve beijo

contra meus cabelos, enquanto os minutos pareciam ter parado no tempo.

Júlio tinha finalizado o teste, e o deixado sobre a pia, e cada segundo, meu
coração parecia que pararia.

Fechei os olhos, assim que terminei de contar mentalmente, e me


encostei contra o seu peito, sem coragem de olhar. Algo dentro de mim

gritando, como se eu não precisasse de confirmação alguma.

— Carinho...

— Vai, me diz. — pedi, sem conseguir abrir os olhos.

— Vamos ser pais.

Abri os olhos e olhei para o teste a nossa frente, sem acreditar na


palavra “Grávida”. Virei-me para Júlio e ele sorria abertamente, com os
olhos marejados, como se estivesse tão feliz quanto eu. Pelos céus, eu
sequer perguntei como ele se sentia a respeito.

— Vamos ser pais. — repeti suas palavras e ele assentiu, tocando


meu rosto com carinho. — A gente ficou dez anos longe, e em um mês e
pouco, transamos, brigamos, nos resolvemos e... vamos ter um filho. —
sequer conseguia acreditar no que acontecia.

Se alguém me contasse, anos atrás, que aquilo tudo aconteceria, eu


gargalharia e mandaria a merda. Porém, era a verdade, a mais pura e real.
E eu estava adorando-a.

— E vamos ter um filho antes dos quarenta. — ri alto de suas

palavras, e fui direto para seus braços, enquanto sentia as lágrimas


descerem, e entendia melhor ainda porque eu parecia um bebê chorão nos
últimos dias. Poderia já ser algo relacionado aos hormônios?

— O que a gente vai fazer? — vi-me perguntando, assim que ele

me encarou novamente, e levei os dedos ao seu rosto, limpando algumas


lágrimas. Minha barriga roncou alto e ele riu abertamente, levando suas
mãos bem ali.

— Primeiro, vamos alimentar vocês... — meu coração todo se


encheu ao vê-lo se referir assim. — Segundo, vamos não sei... pensar em
nomes?

— Puta merda! — soltei, rindo ainda mais, e ele fez o mesmo.

Era como se nenhum de nós esperasse por aquilo. Não daquela

forma. Nunca daquela maneira. Contudo, era uma sucessão devastadora de


acontecimentos que não te davam chance de reclamar, brigar ou contestar.
Você poderia, no entanto, mas ainda assim, ia compreender no fim, que o
melhor, sempre seria ali, nos braços de quem você amava.

E quando nos vi gargalhando um para o outro, em meio a um choro


descontrolado e dúvidas infinitas, eu soube... que era o nosso recomeço.
Diferente do que um dia sonhei. Marcante como eu imaginava. Mas apenas

nosso, como sempre desejei.


CAPÍTULO XIX

“Senhoras e senhores, por favor, fiquem de pé

Com cada cicatriz de corda de violão na minha mão

Eu aceito essa força magnética de homem para ser meu amado

Meu coração estava emprestado e o seu estava triste

Tudo está bem quando termina bem se o final for com você

Juro ser excessivamente dramática e honesta com o meu amado"[23]

JÚLIO

Sentados no sofá, com seu corpo sobre o meu, no lugar onde eu


poderia dizer que ela pertencia. Bem assim, livremente. Era estranho poder
amá-la de uma forma não escondida e não resguardada. Contudo, era a

melhor maneira que eu poderia conhecer.

Bárbara estava concentrada na pesquisa em seu celular, sobre


algum médico para irmos no dia seguinte, e simplesmente não conseguia
fazer o mesmo, porque não conseguia desviar o olhar dela. De tudo o que

ela me contou e o que descobrimos, saber que ela ainda confiava seu amor
em mim, abertamente, me tomou por completo. Ainda mais, por saber que
aquele amor, mesmo que a gente não pretendesse, se multiplicara.

Uma de minhas mãos estavam sobre sua barriga, e a cada segundo


que desviava do seu rosto, meus olhos paravam ali – uma parte de nós.
Como sempre, tudo a respeito de Bárbara não pedia licença ou batia na
porta. Apenas entrava, derrubando o que precisasse no caminho, para no
fim, me deixar de joelhos. Pelo fato de que amava o quanto ela mudou

tudo de mim, desde os nossos doze anos. Pela maneira como ela me fazia
rir tão facilmente, e parecia ser tão fácil deixá-la fora de si apenas com um
olhar.

Encostei-me contra o assento, levando a cabeça para trás, e respirei


fundo. Fechei os olhos, deixando um sorriso sair e não saberia dizer
quando ele iria embora. Talvez, nunca mais.

— Eu acho que temos que estabelecer regras. — a voz dela soou de


longe, fazendo-me parar o balanço e me virar. Bárbara trazia uma grande

mochila, fora uma ainda maior, que sabia que acomodava seu violão, eu

franzi o cenho. — Sobre o lugar ser nosso, pateta.

Assenti, e ela veio até mim, deixando-me dar um beijo em sua testa,
como era de praxe. Sorriu lindamente, e nem parecia a mesma de
segundos antes, que estava soltando ordens ao redor.

— Nossos pais nos deram essa parte das terras, o que achei meio
bizarro, mas... Quer dizer que pertence a nós. — falou, dando uma
voltinha, e colocando as mochilas no chão. Primeiro, ela abriu a menor,
tirando um manto, o qual jogou sobre a grama, e assim que se sentou
sobre, bateu no lugar, como se para me convidar, e eu fui.

Minutos depois, ela se acomodou contra o meu peito, fazendo-me


sorrir pela proximidade, e entender que estava completamente fodido por
ter me apaixonado pela minha melhor amiga.

— Eu tenho uma coisa... — começou, e virou seu olhar para mim,


como se tivesse um segredo. — Aprendi a tocar o bridge daquela música.
— falou, e eu arregalei os olhos, pois sabia que ela tinha a mania de
começar a aprender, e apenas se focar na parte favorita da canção e
nunca mais voltar. Porém, estava feliz que ela finalmente decidira por
tudo. Bárbara e suas barbarices. — E antes que eu desista, resolvi que vou
tocar para você.
— É uma honra, carinho. — falei, e ela revirou os olhos pela forma
lisonjeira, mas sabia que ela amava tal apelido.

— Preparado? — perguntou, ajeitando-se melhor com o violão já


em mãos, e eu assenti, ansioso por sua voz. Ela respirou fundo e se
concentrou nos acordes, fazendo-me relaxar, ao mesmo tempo que, ficar
atento a cada palavra dela. — “ Ah, eu lembro de você...

Você dirigindo até minha casa

No meio da noite

Eu sou a única que te faz rir

Quando você está quase chorando

Eu sei suas músicas favoritas

E você me conta sobre seus sonhos

Penso que eu sei aonde você pertence

Penso que eu sei que é a mim...”[24]

Seu olhar parou no meu por um segundo, e eu sabia que ela estava
orgulhosa de si mesma, mas o brilho nela não era apenas por aquilo, por
ter acertado cada parte da música... Por um segundo, deixei-me acreditar
que era porque ela desejava dizer aquelas mesmas palavras. Antes que eu
pudesse bater palmas ou dizer algo, ela continuou.
“Você não pode ver

Que eu sou a única

Que te entende

Que esteve aqui por todo esse tempo

Então por que você não consegue ver?

Você pertence a mim

Em pé ao lado e esperando em sua porta dos fundos

Todo esse Tempo

Como você pode não saber

Você pertence a mim...”[25]

— O que está te fazendo rir assim, em?

A voz dela soou baixa, o que era raro, e um leve beijo no meu
pescoço, fez meu corpo todo acordar, e reagir ao seu toque. Saí das minhas
lembranças, enroscadas ao pertencimento que sentia sobre aquela mulher,
e adorando ainda mais o momento atual, porque ela estava ali, nos meus
braços, e era óbvio que nunca deixei de pertencer a ela. Nenhuma parte de
mim.
— Adoro o fato de ser tão sensível ao meu toque. — sua voz soou
perigosa, e sua boca subiu para minha orelha, puxando o lóbulo, e me

fazendo firmar ainda mais as mãos em sua cintura, segurando-a sobre


exatamente o que ela me causava. Bárbara tinha o poder de me deixar duro
em segundos, como um bendito adolescente.

Sem abrir os olhos e deixando-a explorar meu pescoço com a boca,

apenas deixei minhas mãos fazerem seu caminho, trilhando por debaixo da
barra do vestido que subira, deixando suas pernas mais expostas, assim
como, poderia manejar livremente por seu torso. A cada arrastar de minhas
unhas por sua pele, conseguia ouvir a mudança em sua respiração, assim
como, o leve tremor do seu corpo.

— Acho que dois podem jogar esse jogo... — falei, minha voz mais
rouca do que o usual, e abri os olhos, encontrando os dela já dilatados, e no
exato momento que ela lambeu os lábios, fazendo-me quase gemer sobre

si. — A gente não estava transando, lembra? — perguntei, com o sorriso


caído para o canto do rosto, e ela assentiu, como se conseguisse entender
perfeitamente o que eu queria.

Suas mãos vieram para detrás do meu pescoço, e ela se ajeitou


ainda melhor sobre meu colo, fazendo-me arfar.

— O que vamos fazer sobre isso então? — indagou, provocativa.


— Nos tocar a seco como dois adolescentes? — seus lábios chegaram ao
meu rosto, mas longe o suficiente para quase implorar por eles nos meus.

— Nos tocar a frente um do outro? Ou ignorar a química que explode a

cada dois segundos entre a gente? — complementou, e eu desci a mão para


sua bunda, apertando-a com força, e Bárbara quase engasgou.

Era a troca perfeita que eu só encontrara com ela, naquela noite.


Cada pequeno toque e olhar, fazendo o outro se perder por completo. Não

poderia mentir que mal lembrava meu próprio nome após gozar querendo
descobrir o dela naquela noite. E que só conseguia desejar que ela gritasse
o meu.

— Como disse, e eu respeito, não vou transar com você. —


anunciei, e ela parou o leve beijo que daria próximo aos meus lábios. Levei
uma mão até seu rosto, e ela me encarou como se quisesse socar a minha
cara. Linda, porra! Linda ainda mais cheia de desejo por mim. —Vou
venerar cada parte do seu corpo e ouvir cada gemido. Descobrir todos os

seus pontos secretos de prazer e te entregar todos os meus. Vou fazer amor
com você, Bárbara.

Minhas palavras pareceram ter tanto efeito, que o clima ao nosso


redor ficou ainda mais cortante, e sabia que nada mais precisava ser dito.
Não sei quem deu o primeiro passo, mas minha boca encontrou a dela no
meio do caminho, e ela gemeu alto contra mim. Meu corpo todo implorou
por mais, e eu sabia que nem nos meus sonhos mais bonitos, imaginei que
seria tão bom assim. Tão certo.

BABI

Mãos espalhadas pelo meu corpo, parando em meu cabelo e seios,


fazendo-me arquear para trás, buscando por mais contato. Júlio estava me
torturando, a cada toque certo, mas não tão certo assim, como se
prologando o momento, e deixando-me ainda mais louca por ele.

— Tira a roupa para mim.

Sua voz não era um pedido e meu corpo estremeceu. Tão calmo e
sereno fora dali. Tão direto e dominador na hora do sexo. Ele era o que eu

sempre busquei e não sabia.

Desci o zíper do vestido, e olhei sobre os ombros, enquanto a peça


descia por meu corpo, caindo aos meus pés, e apenas dei um passo atrás,
para sair de perto do tecido, e levar as mãos para a calcinha, única peça
que restara. Sentia meus seios pesarem, minha boca secar e todo meu
interior quase explodir.
Antecipação do que viria a seguir, com seu olhar em cada parte
exposta minha. Antes que eu pudesse olhá-lo novamente, senti uma mão

sobre meus olhos, e senti a pele nua de seu torso contra as minhas costas.
Merda! Como ele podia fazer aquilo tão bem?

— Quem? — a pergunta antiga, diferente de todas as outras vezes,


incendiou-me por inteira. A voz dele estava no tom certo para me fazer

derreter, e eu já tinha perdido minha mente. — Quem?

Sua mão livre encheu um de meus seios, fazendo gemer e soltar um


arfar, enquanto minha cabeça tombava contra o seu ombro.

— Cretino. — praguejei, com a sua mão deixando meus seios e


descendo por minha barriga, e logo, rondando onde eu mais precisava dele.
Engoli em seco, soltando um suspiro, e minha boca, institivamente, buscou
a dele.

Achei que ele me torturaria mais, enrolaria mais, ou brincaria ainda

mais. Contudo, seus lábios devoraram os meus, daquela maneira, fazendo-


me perder a força nas pernas, quando sua mão tomou conta do meu centro,
fazendo-me quase gritar.

— Lembra do que eu disse? — perguntou, mas ainda não tirou a


mão dos meus olhos, impedindo-me de ver. Segurei com força contra seu
corpo, enquanto sua boca mordia perigosamente meu queixo e pescoço.
Senti o exato momento em que a cama bateu contra minhas pernas.

Meu corpo foi virado, e finalmente, pude vê-lo por completo.

Mordi o lábio, incapaz de fazer algo diferente, ao ver seu torso todo
exposto, a boca inchada, os olhos castanhos dilatados, a forma como ele
me encarava como se fosse uma maldita deusa. Não duvidava que poderia
gozar apenas olhando-o.

Minha mão foi diretamente para a cueca, única peça sobre seu
corpo, e antes que ele pudesse impedir, retirei a peça, encarando-o no
processo, e vendo-o me olhar furioso, porque não o toquei em nenhuma
outra parte que não fosse o tecido. Nem cheguei perto.

Lhe dei um sorriso de quem diz “eu também posso te fazer


implorar” e me deitei na cama, sendo abençoada com a visão daquele
homem nu e completamente pronto para mim. Suspirei no segundo em que
seu corpo me escalou, e uma de suas mãos traçou uma linha imaginária na

lateral direita do meu corpo, e cada segundo, ficava mais quente.

— Sabe que temos dez anos para compensar... — sua boca desceu
para bem próxima da minha, e eu quase implorei por um beijo. — E eu
preciso dessa boca esperta tão suja... — falou, traçando um dedo no meu
lábio inferior, e o suguei para dentro, vendo-o aprovar o movimento com
um quase gemido. — Me diz o que você quer. — pediu, olhando-me
profundamente, e seus lábios desceram para minha garganta, e sua língua
lambeu cada parte de meu corpo, até chegar nos seios, e me fazer arfar. —

Palavras, Bárbara.

Sabia o que ele queria fazer. Venerar o meu corpo e tomar seu
tempo, e eu não estava reclamando, nem um pouco, porém, tudo o que eu
queria, naquele exato momento, era que ele me tomasse. Era me sentir
dele. Era que pudesse fazê-lo perder o controle.

Quando sua boca chegou na minha barriga, vi-o sorrir levemente e


deixar um beijo ali, longe de todo o desejo e perversão que estávamos
imersos. Suspirei fundo, porque nem de longe era uma transa qualquer, não
com ele. Não com meu melhor amigo. Não com o amor da minha vida.
Não com o pai do meu filho.

— Quero você dentro de mim. — minha voz soou baixa, mas sabia
que ele ouviu, quando sua língua parou, e refez todo caminho até minha
boca, torturando-me. — Júlio, se você não estiver em mim, em alguns

segundos, eu sou capaz de gozar só pela sua tortura. — praguejei, e ele


parou a frente do meu rosto, com um sorriso preguiçoso.

Senti-o abrir ainda mais minhas pernas, e se acomodar entre elas.

— O quão molhada está para mim? — perguntou, e eu amava


aquele homem cavalheiro e quieto, mas na cama, a forma como ele parecia
apenas ser o mais sujo possível, me enlouquecia.
— Por que não confere? — rebati, petulante, e senti o exato
momento em que invadiu meu corpo, sem precisar de mais, e me fez arfar.

Tão certo. Tão bom. Tão perfeito. — Porra! — falei, ao mesmo tempo em
que ele amaldiçoou alguma coisa.

Fechei os olhos, e senti sua mão em meu pescoço, fazendo-me


arfar. A cada encontro dos nossos corpos, eu sabia que não demoraria

muito. Tudo era demais. A entrega. Os toques. Os olhares. As palavras.

— Júlio... — gemi, e quando abri os olhos, encontrando seus olhos


presos aos meus, e o quanto ele parecia a ponto de explodir. Ótimo, porque
eu estava na mesma.

— Sabe o que sonhei todos esses anos? — perguntou, e eu neguei,


sentindo-o aumentar o ritmo, e minhas pernas já ao seu redor, enquanto ele
se ajoelhou na cama, tornando tudo ainda mais intenso, e me fazendo-me
arquear em sua direção. — O suor na sua pele, o seu gosto na minha boca,

o jeito como você me receberia tão bem... — uma mão nos meus seios, a
outra em minha bunda, ajudando-me a cavalgá-lo com mais força e
fazendo-nos gemer alto. — Mas principalmente, como seria poder te
amar... te foder enquanto te amo, tão loucamente.

Sua boca veio para a minha e gemi em sua língua, sentindo minha
mente viajar, enquanto me agarrava a seu pescoço, quase enterrando
minhas unhas, e querendo tudo, mas menos que aquele momento acabasse.
Quando busquei o ar, e soube que iria perder a linha de raciocínio
nos próximos segundos, segurei seu rosto com as mãos, e olhei-o

profundamente. Existia de tudo ali. A parte carinhosa e competitiva do


meu melhor amigo. A parte dominadora e perversa do meu amante. Mas
acima de tudo, tinha amor.

— Eu te amo. — falei, antes de sentir-me perdendo toda a

racionalidade, e quase gritando seu nome, enquanto meu corpo se desfazia


em mil pedaços, e a boca dele veio diretamente para a minha, como se
bebendo cada palavra que disse. E senti-o encontrar o seu prazer,
deixando-me ainda mais no limite.

— E eu te amo, carinho.

Sua declaração preencheu o ambiente que estava repleto de nossas


respirações altas. Enquanto nossos corpos permaneciam ligados, e nossos
corações se acalmavam. Ele sorriu, e acabei fazendo o mesmo, e enquanto

respirava profundamente, e olhava-o completamente lindo após um


orgasmo fenomenal, soube que eu queria sempre aquilo. Todas as partes
dele, como minhas. E que todas as minhas, fossem dele.
CAPÍTULO XX

“Tempo, tempo místico

Me rasgando, depois me curando bem

Havia pistas que eu não vi?

E não é bem bonito pensar

Que o tempo todo havia uma

Corda invisível

Amarrando você a mim"[26]

BABI

Uma semana passou voando.


As coisas aconteceram em um ritmo que eu sequer conseguia
acreditar. Ficara toda ela na capital, resolvendo burocracias, e me

dividindo entre o apartamento de Lisa e o de Júlio. Nós todos tínhamos


surtado juntos, quando fiz o primeiro ultrassom, o qual Lisa ficara
presente, e fora a primeira vez, em anos, que a vi chorar.

— Acho que as vezes não é para ser. — comentou, enquanto

dirigia, e eu apertei levemente sua perna, enquanto ela dava de ombros. —


Sabia que a família dele era complicada, mas nem tanto assim... E eu não
vou mudar ou me moldar porque um bando de gente riquinha acha que
devo estar à altura. — revirou os olhos, e sabia que o sentimento dela
estava mais para raiva do que qualquer outra coisa. — E enquanto puder,
vou fugir de Reis e fingir que nunca dei uma chance para essa... —
suspirou fundo. — essa coisa de relacionamento.

— Eu queria estar lá para te ver colocar cada um em seu lugar, ao

mesmo tempo que, sinto muito por eles serem tão infelizes. — falei, e ela
já parecia melhor, apenas por desabafar.

— E olhe só, eu tenho um interior inteiro para passar os próximos


dias, bendito feriado! — levantou uma mão e eu sorri. — Posso passar
altas horas fofocando com seu pai e sua mãe, além de conhecer vários
peões... — olhou-me e sorriu abertamente.

Eu sabia que ela estava magoada com toda a situação que passara
com Igor, mas também, conhecia-a o suficiente para saber que não

importava mais nada, não quando as pessoas machucavam apenas porque

sentiam que podiam. Era claro que minha amiga queria apenas distância
dos Reis, mesmo que ainda tivesse sentimentos por Igor. No entanto, não
era minha história para contar.

— Então, tudo certo para contar? Coragem? — perguntou, assim

que parou o carro à frente da fazenda Torres, e eu assenti. — Primeiro de


tudo, vai conversar com Bruno, não é?

— Não posso mais adiar isso. — suspirei profundamente. — Só


espero que as coisas não fiquem estranhas, ou sei lá... Eu o amo como um
irmão, e vai me machucar, caso o machuque.

— Ele vai ficar bem. — falou, enquanto tirávamos os cintos. —


Mas lembra que não pode se estressar, não mais do que já faz. — chamou
minha atenção, como boa madrinha do meu filho que era.

— Eu espero que nossos pais não esperem que vamos fazer disso
um casamento. — ri sozinha, e Lisa me encarou com uma careta. — O
que?

— O colar no seu pescoço é uma aliança disfarçada, vamos lá, né!


— revirou os olhos, e eu sorri, descendo do carro. Não poderia negar, no
entanto.
Aquele mesmo colar, que marcara nosso reencontro, assim como,
nosso recomeço. Sorri, segurando-o contra meu peito, e sorrindo, enquanto

caminhava ao lado de minha amiga.

Estava escovando os dentes, após acordar, e ainda um pouco presa


ao sono. Abaixei-me para lavar a boca e quando voltei a encarar meu
reflexo, ali estava ele. O rosto inchado pelo sono, os cabelos ondulados

mais bagunçados do que o usual, mas que lhe caíam perfeitamente, e com
o peito todo exposto.

Sorri, sentindo seu abraço ao meu redor, e senti um leve beijo em


meus cabelos. Os nossos dias juntos estavam sendo... não sabia de fato
como definir. Uma mistura de calmaria, risada, loucura, resumida em
felicidade. Era aquilo, eu me sentia feliz com ele. Mesmo que a gente se
visse apenas nas noites, e ainda fizesse tão pouco tempo. Conseguia me
imaginar dividindo uma vida com ele, todos os dias.

Senti o exato segundo em que ele passou algo por minha pele, e
abri os olhos, vendo o colar em meu pescoço – que era dele, e pelo jeito,
agora era meu.

— Eu pensei que gostaria de colocar um anel no seu dedo, quando


chegasse a hora, mas sei que aconteceu tanto, que no fim, posso te
assustar. — falou, olhando-me, enquanto mexia no colar em meu pescoço.
— Mas esse colar, é como uma promessa de que quando chegar a hora
certa, eu vou te fazer o pedido.

— Do jeito mais lindo e romântico, a lá meus romances de CEO?

— provoquei, e ele sorriu, beijando meus cabelos. Esperei que ele fechasse
o colar, mas não o fez, olhando-me ainda pelo reflexo, como se esperasse
algo. — O que?

— Quero saber se aceita esse colar, como uma promessa

silenciosa de que somos nós, de novo, e vamos ser, ainda mais. — sorri,
assentindo, e segurando o colar contra o meu peito. — Palavras, carinho.

— Sim. — levei minhas mãos a seu pescoço, enquanto ele fechava


o colar, e sorri abertamente. — Eu te amo. — falei, virando-me, e ele me
puxou para si, encostando nossas testas.

— Não mais do que eu. — falou, e antes que eu pudesse retrucar,


sua boca veio para a minha.

— Para de sonhar acordar com o CEO engomadinho! — Lisa falou,

batendo em meu braço, e eu pulei no lugar, só então percebendo que saí do


ar por alguns instantes. — Para a sua sorte, olha quem tá ali. — minha
amiga falou, indicando a esquerda, e quando olhei, Bruno estava ali,
falando no celular, e com um sorriso no rosto. — Caramba, olha o tamanho
desse homem! Ele á praticamente um trator de gostoso!

— Lisa! — bati em seu braço, e ela deu de ombros.


— Mulher, eu agora tô ainda mais na dúvida de quem eu pegaria
dessa família.

— Bruno é solteiro. — provoquei, e ela pareceu pensar e fez uma


careta.

— Ele tem cara de encrenca e dor de cabeça na certa. — sussurrou,


e deu de ombros. — Vou ver se encontro o bruto, ou a gravidinha, ou

quem sabe a gostosa da família... — piscou um olho, e foi direto para a


porta principal, enquanto eu negava com a cabeça.

Demorou alguns segundos para que Bruno se virasse por completo


e me notasse, a poucos passos dele. Seu sorriso morreu, e ele engoliu em
seco, enquanto se despedia da pessoa do outro lado da linha.

— Ei. — falou, e encarei-o com carinho, mas completamente


preocupada. — Estamos todos apostando sobre o que será o jantar. —
provocou, do jeito leve de sempre, e vi-me dando um passo para mais

perto. — Não vou conseguir fugir dessa conversa? — indagou, e eu dei de


ombros, cruzando os braços a minha frente.

— Antes de tudo, eu só quero dizer que você é muito importante


para mim. — admiti, e seu olhar mudou. — E não quero, que nem por um
segundo que se culpe pelo o que aconteceu comigo e seu irmão. O que foi
já foi, Bruno. — ele assentiu, mas notei o quanto não parecia certo sobre
aquilo. — E quero dizer que sinto muito, se em algum momento, mostrei
que...

— Você nunca demonstrou mais do que um amor fraternal, Babi.


— cortou-me, e o encarei com pesar. — Eu era jovem, meio burro e...
Estaria mentindo se dissesse que não foi o meu primeiro amor, você foi...
E todo o processo de entender o quanto isso me acertava foi intenso, e

acabou comigo julgando meu irmão por te machucar, e a arrogância de que


seria o cara certo. Eu não sou, e eu entendi no meio do caminho. Eu
entendi a forma como ele te olha, nunca seria o mesmo que eu faço. Muito
menos, você correspondeu algum olhar dessa maneira. — sorriu de leve, e
sua mão veio para meu braço, tocando-me com carinho. — Só queria
poder voltar atrás e não ter deixado que Júlio soubesse, porque ele nunca
faria algo para me ferir. E por mais que não me culpe, eu me culpo por
isso, porque não foi justo. Nem comigo. Nem com ele. Nem com você.

— Você é como um irmão para mim. — soltei, e segurei sua mão


com cuidado. Notei seu olhar vacilar, e me doeu saber que por mais que
ele parecesse ter superado aquilo tudo, ainda estava em um processo de
cura. — Existem vários tipos de amores, Bruno. Não sou nenhum
especialista, mas... Sei que não sou o amor da sua vida, ou para a sua vida.
Vai encontrar e eu vou estar aqui para ser a melhor cupido, se necessário.

— Eu sei que vai, sombra. — provocou e abriu os braços,


afastando-se. — Não vai chutar a minha bunda?

— Hoje não. — sorri, e fui até ele, aceitando seu abraço.

Um abraço que significava que o passado ficava no lugar dele, e


que não nos machucaríamos mais. E eu sabia que a vida guardava o amor
certo para ele. Porque pessoas como Bruno Torres não perderiam a chance
de um amor monumental.

— Agora que estamos em paz, e... ok, me conta vai! — pediu,


assim que me afastei e pisquei algumas vezes. — Vai matar o fofoqueiro
se não me disser sobre o que se trata o jantar.

— Nem em seus sonhos. — pisquei um olho, e ele levou uma mão


ao peito, fingindo-se de magoado.

— Ok ok, crianças! — ouvi a voz de Olívia, e me virei, para sentir


um pequeno pedaço de gente correndo em minha direção. Daniela veio até
mim, e abraçou minhas pernas, fazendo-me abaixar e lhe abraçar com

força, e levantá-la. — Eu não vou esperar mais, ou Júlio aparece ou...

— Estou aqui!

A voz dele me fez girar, com Daniela no colo, e por um segundo,


soube que ele enxergou o mesmo que eu. Como seria, dali alguns anos, ter
o pontinho de gente que estava na minha barriga, daquele tamanho.
Correndo e falante, entre nós. Seria menina? Seria menino?
— Por que você não vem com o tio favorito? — indagou, e ouvi
Bruno praguejar ao lado, enquanto Daniela saía do meu colo, e encarei

Júlio sem entender. — Sem esforço. — sussurrou, mas ouvi o grito de


Olívia no segundo seguinte.

— Não! — ela falou, e eu a olhei, como se não entendesse.

— Sim! — Bruno revidou, e os dois pareciam patetas se encarando.

Segundos depois, a família Torres saiu de dentro da casa, em peso,


assim como a minha. Meu pai fora o primeiro a colocar o pé para fora,
como bom fofoqueiro que era.

— Por que os gritos? — ele perguntou, e eu abri a boca, para dizer


que não era nada, mas Júlio me encarou, parecendo entender.

— Melhor fechar os ouvidos e ganhar dinheiro, gatinha. — falou


para a sobrinha, a qual levou as mãos a orelha, como boa tradição de que
teríamos palavrões ao redor, e ela não poderia ouvir. — Antes que os

dois...

— Babi tá grávida! — Bruno e Olívia praticamente berraram, e eu


os olhei como quem pergunta: como assim descobriram?

— O que? — Porra! — Como assim? — Diacho! — Eu sabia!

A mistura de gritos surpresas se espalhou, e minha cabeça girou.

— Mas como vocês... — olhei para Olívia e Bruno que correram


até nós, para nos abraçar.

— Mania clássica dos meus irmãos. Daniela parece um detector de

gravidez. — respondeu, e eu sorri, aceitando seu abraço, e ela pulou ao


meu redor.

— E ela planejou um discurso tão bonito... — a voz de Lisa soou


mais alta, provocativa, e eu sorri abertamente, sem me conter. — O que a

gente não sabia era que seria literalmente passinhos de bebê,. — provocou
e mesmo querendo rebatê-la, acabei sorrindo.

Logo nossos pais se aproximaram, e não pude evitar as lágrimas, ao


ver todos eles com os olhos marejados. Fabrício Torres me encarava com
um agradecimento explícito, assim como, minha mãe me encarava como
quem dizia: eu disse que ia ter uma família com ele. Ela o dissera, quando
eu tinha doze anos. Maluca, eu sei, mas aquela era Marta Ferraz.

— A cidade inteira vai ficar sabendo... — provoquei meu pai, que

me puxou para um abraço, praticamente me tirando do chão.

— É a melhor fofoca da vida desse velho homem, filha. — sorri, ao


ver uma lágrima descer por seu rosto. — Eu disse Fabrício, que no fim, as
nossas família se uniriam.

O Torres assentiu, e veio até mim, com Heloísa o auxiliando.

— Obrigado por cuidar tão bem dele, querida. — falou, e beijou


minhas mãos, fazendo-me querer chorar ainda mais. — É a única pessoa
que ele deixa fazer isso, então... é um momento e tanto vê-los assim.

— Mas eu quero saber, quem vai fazer a pergunta que não quer
calar... — Heloísa se pronunciou, após me abraçar, e trocou um olhar
significativo com Mabi.

— De quanto tempo? — minha agora cunhada indagou, e seu olhar

cresceu até duas vezes, enquanto parecia saber bem mais do que eu. No
caso, ela poderia saber daquela noite.

— Eu não vou dizer nada sobre isso. — respondi, antes que eles
começassem a cochichar, e senti o braço de Júlio ao meu redor.

— Nem precisa, Babi. — Lisa falou, e gargalhou alto, enquanto


todo mundo se virava para ela. — O que?

— Não ouse...

— Eu só posso dizer que sou a madrinha e... vai nascer daqui oito

meses.

Outra leva de palavrões nos acertou e Olívia foi rápida em tapar as


orelhas da filha, enquanto todo mundo ficava ainda mais incrédulo.

— Eu só quero saber, quem vai me contar essa história todinha. —


minha mãe falou, e eu neguei com a cabeça.

Suspirei fundo, olhando para Júlio e sabendo que, aquela história


nos pertencia. Apenas nossa, no meio do que um dia pareceu tão

impossível.
CAPÍTULO XXI

“Eu sei suas músicas favoritas

E você me conta sobre seus sonhos

Penso que eu sei aonde você pertence

Penso que eu sei que é a mim "[27]

JÚLIO

— Vem, quero te levar em um lugar. — falei, puxando Bárbara


para perto, e roubando sua atenção por completo, depois de uma noite
regada a nossa família toda ao nosso redor. Ela veio de bom grado,
entrando no carro, e me encarando como se já soubesse.
Ela de fato sabia para onde eu estava indo.

Minutos depois, chegamos no nosso lugar, e era tão bom poder

estar ali, e ter a certeza de que permanecia apenas nosso. De que ela estaria
ali comigo, por um bom tempo, se assim desejasse. No caso, ela poderia
querer passar a noite ali comigo.

— Por que não estou surpresa por estarmos aqui? — indagou,

assim que abri a porta para ela, descendo do carro, e puxei-a novamente
para mim, sem conseguir conter minhas mãos. — O que está aprontando,
Júlio?

Neguei com a cabeça, e paramos a frente da cabana. Só conseguia


pensar em como seria, transformar aquele lugar em um lar. Soltei o ar com
força, e antes que eu digitasse algo, ela colocou a data do seu aniversário, e
a porta se abriu.

— Por que não estou surpresa sobre isso também? — provocou e

eu bati em sua bunda, enquanto ela entrava. O seu silêncio me assustou em


um primeiro instante, mas quando passei a sua frente, notei como ela
parecia encantada. Deu passos até o grande baú, e o abriu, como se fosse a
parte que mais a instigava. E ali ainda não parecia ter olhado para o teto.
— Não... Você não fez isso, Júlio Torres!

— O que? — perguntei sorrindo e fui até ela, sentando-me na cama


do lado, e vi-a com o pacote de cartas em mãos. — Escreveu cartas para
mim, de todas as datas importantes e... — vi-a soltar um pacote, e pegar

uma outra, passando a mão ligeiramente. — Para a mãe dos meus filhos.

Escrevi aquela carta no momento em que descobrimos que Maria


Beatriz estava grávida. Algo me encheu, e eu só conseguia pensar em
como seria, ter um filho da mulher que eu ainda amava, profundamente.

Vi-me apenas escrevendo, sem conseguir evitar, e guardei-a ali, para o que
imaginei, ser o próprio mural dos meus sentimentos.

— Por que me trouxe aqui? — perguntou, com a carta em mãos, e


parecendo tomar coragem para abrir. Puxei-a até mim, e a fiz deitar sobre a
cama, a qual encarou o teto e praticamente soltou um gritinho, como se
não acreditasse. — Eu tenho uma raiva quando você apenas fica calado,
esperando que eu exploda e...

— Me ame? — perguntei, e pousei o corpo sobre o dela. — Te

trouxe aqui porque é o nosso lugar, e queria que... o nosso pontinho de


gente, o conhecesse. — passei a mão por sua barriga, e ela levou a sua até
ali. — E porque, eu acho que quero criar lembranças novas de nós, bem
aqui...

— E isso inclui o fato de o meu velho violão estar ali, e ter cartas
românticas, e a casa que eu te falei que teríamos um dia? — assenti, e ela
se levantou com cuidado, e passou a mão pela carta, parecendo ainda
pensar sobre lê-la. — Acho que terei um bom tempo lendo cada uma...

Mas antes disso, sei exatamente o que seu olhar pede.

— O que? — perguntei, e ela me deu um leve beijo, antes de se


levantar. Ela conseguia ver que eu estava praticamente implorando para
ouvir sua voz cantando para mim?

BABI

— Você sabe que passou um longo tempo, a Taylor lançou outros


álbuns... Não acho que Back to December defina essa parte da nossa vida.
— caminhei até o violão, e voltei rapidamente para ele, sentando-me na

beira da cama. Senti seu corpo logo atrás do meu, e era tão bom ter aquilo
de novo. Nós dois, um violão e o nosso lugar. Do jeito que eu imaginei, e
como ele fez. — Continuei aprendendo a tocar e bom... a primeira vez que
ouvi essa música, apensa lembrei de você. No caso, te amaldiçoei um
pouco, porque ainda era tudo nosso. Até mesmo, as minhas músicas
favoritas.

Ouvi sua risada baixinha, e respirei fundo, antes de começar a


tocar. Nunca pensei, que em algum momento de fato, cantaria aquela
música para ele... Mas ali estávamos nós, e não apenas dois, em três, e ele

era de fato, tudo o que aquela música definia.

“A lua está alta

Como os seus amigos, na noite em que nos conhecemos

Fui pra casa e tentei te stalkear na internet

Agora, eu já li todos os livros ao lado da sua cama

O vinho está gelado

Como o ombro que eu te dei na rua

Gato e rato por um mês, dois ou três

Agora, acordo à noite e te vejo respirar”

Vi-o me encarando como quem diria: talvez muito mais que três
meses, certo? Sorri, e continuei, e enquanto o olhava, notei a forma como
respirou fundo e não pude acreditar quando a voz dele, encontrou a minha,
cantando perfeitamente a letra. Júlio Torres não cansava de me
surpreender.
“Me beije uma vez

Pois você sabe que eu tive uma noite longa (Oh)

Me beije duas vezes, pois vai ficar tudo bem (Uh)

Três vezes, pois eu estive esperando minha vida toda

(1, 2, 1, 2, 3, 4)...”

Ele parou de cantar, destinando-me um sorriso com os olhos


marejados, enquanto toda aquela intensidade me atingia. Porém, eu
continuei, porque era daquilo que éramos feitos.

“Eu gosto de coisas brilhantes

Mas eu me casaria com você com anéis de papel

Uhum, é isso aí

Querido, você é a pessoa que eu quero

Odeio acidentes

Exceto quando nós fomos de ''amigos'' pra isso

Uhum, é isso aí

Querido, você é a pessoa que eu quero


Anéis de papéis e porta-retratos e sonhos impróprios

Oh, você é a pessoa que eu quero...

No inverno, na piscina gelada lá fora

Quando você pulou primeiro, eu fui também

Estou com você, mesmo que me deixe chateada

O que me faz lembrar

Da cor que pintamos a parede do seu irmão

Querido, sem todos os ''exs'', brigas e falhas

Nós não estaríamos aqui de pé tão orgulhosos, então...

Te beijo uma vez, pois sei que você teve uma noite longa (Oh)

Te bejo duas vezes, pois sei que vai ficar tudo bem (Uh)

Três vezes, pois você esperou a vida toda (1, 2, 1, 2, 3, 4)

Ah

Eu gosto de coisas brilhantes

Mas eu me casaria com você com anéis de papel


Uhum, é isso aí

Querido, você é a pessoa que eu quero

Odeio acidentes

Exceto quando nós fomos de ''amigos'' pra isso

Uhum, é isso aí

Querido, você é a pessoa que eu quero

Anéis de papéis e porta-retratos e sonhos impróprios

Oh, você é a pessoa que eu quero

Eu quero dirigir por aí com você

Eu quero suas complicações também

Eu quero suas segunda-feiras monótonas

Envolva seus braços em mim, bebê...

Eu gosto de coisas brilhantes

Mas eu me casaria com você com anéis de papel

Uhum, é isso aí

Querido, você é a pessoa que eu quero

Odeio acidentes
Exceto quando nós fomos de ''amigos'' pra isso

Ah-ah, querido, você é a pessoa que eu quero

Anéis de papel e porta-retratos e todos os meus sonhos

Oh, você é a pessoa que eu quero”[28]

Não consegui cantar o último refrão, porque notara as lágrimas


descendo pelo seu belo rosto. Deixei o violão de lado, e fui diretamente
para o seu colo, sendo embalada por ele, ao mesmo tempo que, ele fazia o
mesmo.

Era como se ele não pudesse acreditar que era real, e eu queria
mostrar que o era. Nos afastei apenas o suficiente para o olhar com todo o
amor que sentia, agora livre, e tão claro que ele sabia que estava em mim.
Sempre esteve.

Talvez ele ainda soubesse as minhas músicas favoritas, mesmo não


tendo noção que elas o eram.

— Ouvi todos os álbuns que ela lançou... — confessou, sorrindo


entre as lágrimas que eu sequei. — Era uma das poucas formas de me
sentir perto de você. Debatia comigo mesmo qual era sua favorita e como
seria poder te ouvir cantar por horas...

— E como está sendo a experiência? — perguntei, suas mãos


paradas no meu quadril, e logo uma foi para a frente da minha barriga.

— A melhor de toda minha vida. — respondeu, tocando meu rosto,

e fechou os olhos por alguns segundos, como se tentando se acostumar


com tamanha intensidade que nos consumia quando estávamos juntos. —
Tenho medo de abrir os olhos e acordar desse sonho... Disparado, o melhor
sonho que tive.

— Não está sonhando. — falei, e seus lindos olhos castanhos se


abriram. — Eu ainda vou ser o seu pesadelo particular, não tenho dúvida
nenhuma. — ele sorriu de lado, e tocou meu rosto.

— Mas pelo que entendi, ainda tenho que realizar os seus sonhos
impróprios, carinho. — sorri, assentindo. — E quero todos eles, todos os
sonhos que quiser compartilhar.

— Bom, sinto informar que está incluso em quase todos eles a


partir de agora, então... Será um longo caminho.

— Tenho dez anos para compensar, mas quem está contando? —


indagou, e seus lábios vieram levemente até os meus.

— E eu tenho dez anos para ler em cartas... O que eu vou descobrir


a mais sobre você, Júlio Torres?

Ele arqueou uma sobrancelha e deu de ombros.

— Não muito. — negou com a cabeça, como se reafirmasse. —


Sou o mesmo garoto que gostava de você aos doze, se apaixonou por
completo aos dezesseis, ferrou com tudo aos dezoito, e mal pode acreditar

que tem uma segunda chance aos vinte e oito...

— Mas no fim, quem está contando?

Ele sorriu, e puxou-me para si. Naqueles lábios, que pareciam


sempre ter a coisa certa para dizer, depois de tanto tempo, eu conseguia

ouvir e aceitar cada palavra. Talvez ele já não soubesse todas as minhas
músicas favoritas. Talvez ele não tivesse ideia de como foi a minha
faculdade. Talvez ele ainda estivesse caminhando para entender de fato
cada parte nova minha que encontraria.

Contudo, ainda assim, mesmo depois de tanto tempo e uma vida


nova, éramos nós. No mais improvável que poderia acontecer, e no
reencontro que jamais esperei que acontecesse, ainda mais, da forma que
fora. O reencontrei, o amei, o rechacei, o ouvi, e no fim, entendia o porquê

fazia tudo aquilo. Poderia ter mudado e se transformado, mas nada sobre o
nosso amor. Não ele.

Aos doze, eu só queria poder jogar um sapato na sua cabeça a cada


segundo.

Aos dezessete, eu só queria poder ser sincera e o amar como


sonhara.
Aos dezoito, um coração quebrado e a promessa que eu nunca mais
o deixaria entrar.

Aos vinte e oito, eu sabia que aquela promessa nunca teve chance
de ser quebrada, já que ele nunca de fato saiu.
NOVOS COMEÇOS SAGRADOS

“Anos atrás, nós estávamos lá dentro

Descalços na cozinha

Novos começos sagrados

Se tornaram minha religião, escute "[29]

Meses depois...

— Por que estamos mesmo construindo uma casa? — Bárbara


perguntou para Júlio, enquanto outra leva de problemas chegava até eles,
mesmo sendo sábado à noite. Obra sempre era trabalho e atraso.

— Eu acho que posso te roubar e levar para a cabana, e colocamos

o berço do lado da cama... — Júlio sugeriu, fazendo-a sorrir, porque era


uma ideia adorável, se não fosse por ser um lugar tão pequeno. Eles
estavam definitivamente, reconstruindo no lugar deles, a casa como
desejavam. — Mas por que a gente não se concentra que teremos que ver
todos os nossos ex colegas...

— E ex namorados? — ela provocou, e Júlio a olhou


perigosamente. — Imagina as piadinhas sobre nós. — fez uma careta, e lhe
deu as costas, para que pudesse fechar o vestido.

No reflexo do grande espelho do quarto que eles dividiam na casa

dos Ferraz, Júlio sorriu e não conseguia acreditar, mesmo pele contra pele,
enquanto subia o zíper, que ela estava de volta em sua vida. Todos os dias,
tanto longe, quanto perto, era sempre uma surpresa, porque ele podia
escutá-la, podia vê-la, podia tocá-la... Suspirou fundo, mandando um leve

arrepio por todo o corpo da mulher que adorava.

Bárbara sentia o quanto ele ainda se culpava, e não saberia dizer


quando aquilo passaria. Assim que o vestido foi fechado, puxou as mãos
dele ao seu redor, sentindo-as sobre sua barriga, enquanto ficavam ali,
apenas aconchegados um ao outro. Ela já estava com três meses, e eles
estavam enlouquecidos para descobrir o sexo.

Mabi até mesmo já fizera uma aposta que era uma menina. Bárbara
não poderia negar, porque ela sonhava constantemente com uma garotinha

com os olhos dele, e os cabelos dela.

— Como estão hoje? — Júlio indagou, pela décima vez no dia,


fazendo-a rir baixinho, e se afastar levemente.

— Tentando botar na sua cabecinha que eu não vou sumir. —


falou, dando um leve beijo em seus lábios, e ele sabia que por mais que
tentasse não transparecer, ela o lia perfeitamente. — E vou colocar sapatos
de salto para que quando me cansar, já tenho uma desculpa.

— Bárbara! — chamou-lhe atenção e ela deu de ombros,

afastando-se.

O coração de ambos se enchia, pela forma como eles se


completavam tão perfeitamente, no dia a dia. Construindo uma casa e
ficando malucos com todos os perrengues e atrasos. Dividindo-se entre a

capital e o interior enquanto tentavam dormir sempre juntos, mesmo que


fosse impossível. Colecionando novas memórias e sabendo que poderiam
partilhá-las no futuro.

Júlio viu-a colocando mais um colar, mas nunca tirando o qual ele
lhe entregara naquela manhã. Ele, toda vez, ficava incrédulo de que aquela
mulher, pudesse querê-lo.

— Se não sairmos agora, vamos nos atrasar... — uma voz veio do


lado de fora, batendo na porta, e logo a cabeça de Mabi adentrou a pequena

abertura. — E sabe que seu irmão está a ponto de virar o carro e ir


embora...

Ela já estava com a barriga bem maior do que Bárbara, mas era
clara a troca que as duas acabaram tendo após o exato momento em que
anunciaram a gravidez. E ali estavam eles todos, indo a um reencontro
geral de classes na antiga escola. Júlio poderia jurar que Inácio sequer se
mexeria durante todo o encontro.

— Inácio e um reencontro... — Babi falou provocativa, assim que

adentraram o carro do cunhado, o qual lhe deu um olhar de “não ouse”. —


O que? Não adianta me olhar assim! Sabe que estou vacinada contra
qualquer jeitão bruto dos Torres.

— Sem chance, velho. — Mabi rebateu, e Júlio notou o irmão

revirar os olhos, sem dizer mais nada, enquanto puxava Bárbara para mais
perto, e ela se acomodava melhor ao seu lado. — Aliás, eu acho que
deveríamos...

— Sim! — Bárbara rebateu, sem precisar que ela complementasse,


e Júlio e Inácio também entenderam perfeitamente. Elas gritariam todas as
músicas possíveis dali até o bairro longe, no qual a escola se encontrava.

E no meio de tudo aquilo, por um instante, Bárbara olhou para Júlio


e no olhar que trocaram, ela soube que não poderia pedir nada mais. Ela

sempre sonhou com um amor tranquilo, que tocasse seu coração e lhe
desse a paz misturada as borboletas no estômago. E ele o era,
perfeitamente. A cada dia, aqueles dez anos se dissipavam, e eles se
importavam com o agora.

Quando o carro estacionou, Inácio praticamente correu para ajudar


Maria Beatriz a descer, a qual revirou os olhos, e antes que eles fizessem o
mesmo, Bárbara segurou a mão de Júlio, e ele parou, sem descer.

— O que foi? — perguntou, tocando levemente seu rosto, e ela

mexeu em algo na bolsa que trouxera, tirando um pequeno envelope de


dentro. Era da cor rosa, deixando-o sem entender, e muito menos ter ideia
sobre o que seria.

— Eu queria fazer uma surpresa, até programei com Lisa e nossa

família, mas... Assim que fiz esse cartão, estou quase tendo um treco por
não contar. — Bárbara foi honesta, e suspirou profundamente, entregando-
lhe o pequeno envelope.

Ela estava há dias sem conseguir se conter e mal dormindo. Fora


fácil esconder de Júlio porque ele tivera que passar a semana quase toda na
capital, mas ainda assim, quando o viu naquela manhã de sábado, ela quase
jogou tudo para o ar.

— Queria poder escrever cartas lindas como as suas e entregar,

mas...Sou ansiosa e vai, abre!

Júlio notou que ela estava encorajando-o, e abriu o envelope, sem


entender porque a mulher da sua vida o encarava com tamanha
intensidade. Quando seu olho bateu nas três palavras escritas no cartão, seu
coração quase falhou, sua visão nublou e ele sorriu abertamente.

— Como...
— Surpresa! — Bárbara gritou, e foi possível ouvir o barulho de
Mabi e Inácio do lado de fora, olhando pelo vidro.

Ele puxou-a para si e sabia que aquele abraço significava tudo para
eles. Como na carta que ele escrevera para ela, meses antes, destinada a
mãe dos seus filhos. No meio do que ele escrevia, dissera claramente que
sentia que eles teriam uma menina, não saberia explicar porquê. E ele

sentiu, escreveu, e de alguma forma, acontecera...

Enquanto ele passava a mão na barriga dela e se deleitava com a


sensação de que agora, eram duas mulheres em seu mundo todo, e se um
dia apenas os dois foi perfeito, três apenas multiplicava a sensação.

Foi na resposta ácida dela que Júlio sorriu e soube que adorava a
filha dos seus vizinhos, e mais tarde, se apaixonara por cada lacuna dela.
Foi na paciência dele que Bárbara perdeu a pose e soube que o amor
poderia ser exatamente como ela sonhava – calmo e bom.

E fora as três palavras que ela escreveu, no cartão rosa esquecido


por alguns segundos sobre o banco do carro que ela, como sempre, o
surpreendera: É uma menina.
E chegamos ao fim, e eu espero que de alguma forma, Júlio e Babi
tenham alcançado as expectativas de todas as pessoas que me pediram por

mais dos Torres. Um casal que traz consigo vários clichês, mas que no fim,
são apenas pessoas reais, com medos, inseguranças, amores e desejos.

Eu já estou com saudade, mas posso dizer, que parte dela, será
sanada quando conhecermos as histórias dos outros dois Torres. Isso

mesmo! Teremos mais para contar deles, em clichês únicos. O que acha
disso? Bruno terá seu final feliz? Olívia contará sobre sua paixão pelo
pai de Dani?

Além disso, talvez os Reis sejam um ponto importante. Quem


adoraria conhecer mais sobre outra família?

Caso tenha gostado da leitura, não esqueça de deixar sua avalição.


Ela é muito importante para que a história chegue a outras pessoas e
desperte interesse nelas. E caso, queira conhecer mais do meu trabalho ou

papear comigo, recomendo que me encontre nas redes sociais,


principalmente, o Instagram (@alineapadua).

Muito obrigada por chegar até aqui

Espero te ver em outras histórias ��

Com amor,
Aline
O melhor amigo do meu irmão (A REJEIÇÃO)

clique aqui

Sinopse: Gabriela Moraes era apaixonada pelo melhor amigo do irmão mais
velho desde os quinze anos. Antônio era mais do que o seu sonho de consumo, ele
também era a pessoa com quem ela sempre pode contar. O que ela não imaginava,
era que no seu aniversário de dezoito anos, ela seria rejeitada da forma mais fria
por ele.

Dois anos depois e ele bate à sua porta.

Ela queria não sentir nada, e não sabia o que ele fazia ali. Porém, sabia

que, nunca mais, lhe daria a chance de quebrar seu coração.


O irmão da minha melhor amiga (A REDENÇÃO)

clique aqui

Sinopse: Ane Sousa nunca quis se apaixonar por ninguém, muito menos,
pelo irmão mais velho da sua melhor amiga. Fábio Moraes era um amigo, no fim,
mesmo que a cada sorriso ela se visse sorrindo também. Era inevitável desejá-lo.
Quando aqueles lábios se tornam seus, por alguns segundos, Ane pensa que talvez
estivesse errada. Porém, a forma como ele reage, lhe mostra, que o certo, sempre

foi correr do sentimento.

Momentos marcados por desculpas esfarrapadas.

Dois anos de uma amizade consolidada, e nada mais.

Duas pessoas que fogem do real sentimento que as envolve.

No fim, eles se tornarão o clichê que nunca desejaram?


UMA GRAVIDEZ INESPERADA

adquira o seu clicando aqui

SINOPSE

Se no meio do caminho de algumas pessoas tem uma pedra, no meio do


caminho de Maria Beatriz, sempre teve Inácio. O herdeiro da fazenda que fica
ao lado das antigas terras de sua família, tornou-se um homem bruto e fechado, que

quando aparece na sua frente, ela já sabe que só pode ser problema ou alguma
proposta indecorosa. Maldito peão velho!

Inácio Torres é um homem de poucas palavras, mas que vê em uma mulher


tagarela, a oportunidade perfeita. Mabi precisa de dinheiro, ele o tem. Ele precisa
de um casamento falso, e ela é a escolha perfeita. Porém, a única coisa que recebe
de Mabi, como sempre, é uma negativa. Maldita criança sonhadora!

No meio das voltas que a vida dá, uma noite de prazer os marca. E a
consequência será muito maior que o arrependimento: UMA GRAVIDEZ

INESPERADA.
CONTATOS DA AUTORA

Instagram: @alineapadua

Wattpad: @AlinePadua

Facebook: Aline Pádua

Grupo do facebook: Romanceando com Aline Pádua

Meus outros livros: aqui


[1] Trecho da canção intitulada august da artista norte-americana Taylor

Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[2] Trecho da canção intitulada Cruel Summer da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[3] Trecho da canção intitulada Paper Rings da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[4] Trecho da canção intitulada Happier Than Ever da artista norte-

americana Billie Eilish – álbum: Happier Than Ever, data de lançamento: 2021.

[5] Trecho da canção intitulada exile da artista norte-americana Taylor Swift

– álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[6] Trecho da canção intitulada Death By Thousand Cuts da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[7] Trecho da canção intitulada penhasco. da artista brasileira Luísa Sonza –

álbum: DOCE 22, data de lançamento: 2021.

[8] Trecho da canção intitulada melhor sozinha :-)-: da artista brasileira

Luísa Sonza – álbum: DOCE 22, data de lançamento: 2021.

[9] Trecho da canção intitulada Death By Thousand Cuts da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[10] Trecho da canção intitulada the 1 da artista norte-americana Taylor

Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[11] Trecho da canção intitulada Enough For You da artista norte-americana

Olivia Rodrigo – álbum: SOUR, data de lançamento: 2021.

[12] Trecho da canção intitulada Death By Thousand Cuts da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[13] Trecho da canção intitulada Back To December da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: Speak Now, data de lançamento: 2010.
[14] Trecho da canção intitulada penhasco. da artista brasileira Luísa Sonza

– álbum: DOCE 22, data de lançamento: 2021.

[15] Trecho da canção intitulada Afterglow da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[16] Trecho da canção intitulada 'tis the damn season da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: Evermore, data de lançamento: 2020.

[17] Trecho da canção intitulada 'tis the damn season da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: Evermore, data de lançamento: 2020.

[18] Trecho da canção intitulada False God da artista norte-americana Taylor

Swift álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[19] Trecho da canção intitulada willow da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: Evermore, data de lançamento: 2020.

[20] Trecho da canção intitulada Paper Rings da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[21] Trecho da canção intitulada Paper Rings da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[22] Trecho da canção intitulada Cornelia Street da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[23] Trecho da canção intitulada Lover da artista norte-americana Taylor

Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[24] Trecho da canção intitulada You Belong With Me da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: Fearless, data de lançamento: 2009.

[25] Trecho da canção intitulada You Belong With Me da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: Fearless, data de lançamento: 2009.

[26] Trecho da canção intitulada invisible string da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[27] Trecho da canção intitulada You Belong With Me da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: Fearless, data de lançamento: 2009.

[28] Trecho da canção intitulada Paper Rings da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[29] Trecho da canção intitulada New Year’s Day da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.


Copyright 2021 ©

1° edição – novembro 2021

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS A ALINE PÁDUA


SUMÁRIO
PLAYLIST

SINOPSE

PRÓLOGO

PARTE I

CAPÍTULO I

CAPÍTULO II

CAPÍTULO III

CAPÍTULO IV

CAPÍTULO V

CAPÍTULO VI

CAPÍTULO VII

CAPÍTULO VIII

CAPÍTULO IX

CAPÍTULO X

PARTE II

CAPÍTULO XI

CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XIII

CAPÍTULO XIV

CAPÍTULO XV

CAPÍTULO XVI

CAPÍTULO XVII

CAPÍTULO XVIII

CAPÍTULO XIX

CAPÍTULO XX

ESSE É O JEITO QUE EU TE AMEI

O melhor amigo do meu irmão (A REJEIÇÃO)

O irmão da minha melhor amiga (A REDENÇÃO)

UMA GRAVIDEZ INESPERADA

CEO INESPERADO – meu ex melhor amigo

CONTATOS DA AUTORA
NOTA

Quem diria que os Torres se tornaria uma série clichê com os


quatro irmãos?

Se você é nova por aqui, fico feliz de lhe contar, que todos os
álbuns da Taylor Swift me marcaram em momentos diferentes da vida, e
desde maio, tenho lançado livros clichês baseados em álbuns dela. Já
passamos por RED em “O melhor amigo do meu irmão: A REJEIÇÃO”,
por Speak Now e 1989 em “O irmão da minha melhor amiga: A
REDENÇÃO”, por Reputation e Lover em “UMA GRAVIDEZ
INESPERADA”, e por Back to December em “CEO INESPERADO –
meu ex melhor amigo”.

UMA GRAVIDEZ INESPERADA foi o primeiro livro que conta a


história da família Torres e seus quatro irmãos. Ele discorre sobre Mabi e
Inácio (o irmão mais velho). CEO INESPERADO – meu ex melhor amigo
foi o segundo livro dessa família, e discorre sobre Babi e Júlio (o irmão do
meio). Não é necessária as leituras destes livros para o entendimento
deste, contudo, fica o aviso de spoilers sobre o casal Mabi e Inácio e o
casal Babi e Júlio. Recomenda-se a leitura em ordem, para que
consiga sentir-se mais próximo de todos eles.

O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY, traz o Torres mais


pedido até o momento, que é engraçado, relaxado, provocativo e cafajeste.
Porém, agora vamos conhecer um lado que nenhum outro livro mostrou
sobre ele – como Bruno Torres é quando se apaixona, de verdade. Esse
livro tem como inspiração os álbuns Fearless e evermore da Taylor Swift.

Talvez não faça sentido para você, cara leitora, porém, saiba que é
construído com a melhor parte do meu coração.

Se você é fã da Taylor, com toda certeza, pegará todas as


referências e crossovers de eras diferentes dela.

Bruno e Abigail tem por objetivo te levar a um clichê que traz o


lado real das relações que se transformam em anos, ou quem sabe, em um
único momento. Cada ser humano tem suas inseguranças e traumas, e esse
casal, vem mostra-los, de cara limpa e com coragem. Mas envoltos de

muita fofura, amor, fraternidade e provocações.

Espero que esse livro seja um respirar profundo durante esse


momento tão difícil.

Boa leitura,
Aline Pádua
PLAYLIST

Posicione a câmera do seu celular para ler o QrCode e conheça um pouquinho


das músicas que inspiraram este livro. Caso não consiga ter acesso, clique aqui
SINOPSE

Se existe amor à primeira vista, Abigail Alencar e Bruno Torres


compartilham o completo oposto. Abi o detestou desde o primeiro
momento, e com o passar dos anos, o sentimento permaneceu. Bruno é o
típico cowboy cafajeste, arrogante e popular, que ela não suporta um
segundo na presença.

A cidade pequena sabe de seu desgosto e desinteresse no mais novo


dos Torres, porém, ele sempre pareceu ficar ainda mais animado em
confrontá-la. Se existe algo sobre Bruno que ela conhece bem, é que ele
não foge de um desafio.

Assim, quando Abi o encontra como babá da sua filha de apenas


um ano, ela só consegue pensar que ele quer algo. Bruno jura que está ali
apenas para tirá-la do sério, como sempre, mas tudo acaba por mudar,
naquele exato instante.

Existe uma linha tênue entre o amor e o ódio... eles estarão


dispostos a cruzá-la?
“Eu teria esperado quinhentos anos mais por você. Mil anos. E, se esse foi
todo o tempo que nos foi permitido… a espera valeu a pena.”

Corte de Asas e Ruína


PRÓLOGO

“E você era selvagem e louco

Tão frustrante

Tão intoxicante, complicado

Escapou por um erro e agora”[1]

ABIGAIL

Levei as mãos à barriga já plana, tocando-a como se ainda pudesse


senti-la ali. Se tornou um hábito durante a gravidez, o qual não perdi.
Contudo, a minha filha estava em casa, com o padrinho, enquanto
comprava mais flores, para combinar com ela.

Olhei ao redor, na antiga floricultura, que pela primeira vez, desde


que cheguei, era o único local que frequentava de fato, e sempre no horário
específico, que meu melhor amigo avisou que a rua estava simplesmente
vazia. Aproximei-me das tulipas brancas e as cheirei. Ainda estava longe
da primavera, mas como tinha a minha própria, sentia-me sempre naquela

estação.

Não tinha saído para simplesmente perambular pelo centro da


cidade desde que voltara de vez da capital. Sabia que era parte da minha
insegurança gritando e existiam razões maiores para aquilo, mas aos
poucos, como caminhar até ali, eu dava um passo além.

Os girassóis também me chamaram atenção e fui até eles,


escolhendo alguns, antes de voltar o olhar para as margaridas. Porém, um
cheiro de baunilha, que há muito tempo não sentia me atingiu. Precisei

respirar profundamente, como se para confirmar, e quando me virei para


procurar a flor, ou indagar a atendente, dei de cara com uma parede.

Não uma parede.

Mas sim, um peito alto e musculoso. Meu olhar subiu, e quando o


castanho dos dele chegaram aos meus, minha boca secou, e o fato de
reencontrá-lo daquela maneira, me atingiu em cheio. De repente, o meu
inimigo número um da adolescência, e o qual, adorava me atazanar, abriu

um sorriso largo, e seu olhar se modificou, ao analisar-me com claro

reconhecimento.

— Abigail? — meu nome rolou como um teste em sua boca, e


apenas fiquei parada ali, naquele olhar, sem conseguir me afastar de fato.

Bruno Torres a minha frente. Bruno arrogante Torres. Bruno


detestável Torres. Bruno minha promessa dramática Torres. Relembrei-me
de cada forma que o chamava em minha mente quando mais nova, e por
um segundo, lembrei-me de quem um dia fui.

Da Abigail que costumava ser.

— Você está... — falou, e deu um passo atrás, como se para me


olhar com maior atenção, e parecia realmente encantado. O que diabos
estava acontecendo?

— Adorável? — rebati, lembrando-me da forma como ele me


chamava anos atrás, por pura provocação, e de como queria esganá-lo por
ela. Ele me deu um sorriso de lado, assentindo. — Continua previsível,
Torres.

— E você aumentou o número de tatuagens... — comentou, e por


um segundo, apenas quis viver o momento. Ser quem um dia fui. Eu estava
mesmo entrando em uma briguinha infantil com ele? — Está de volta?

— Jura que o fofoqueiro da cidade não sabe disso? — rebati.

— Como sabe que eu sou fofoqueiro? — indagou, e arqueei uma


sobrancelha, como se fosse óbvio. Ele o era na época da escola, o que
poderia ter mudado? Contudo, sabia mais sobre ele atualmente, do que ele

poderia sonhar a respeito de mim. — Ok, seu silêncio continua


esclarecedor.

— Não tem nada melhor para fazer?

— Melhor do que reencontrar a mulher que me detesta tão


abertamente e atormentá-la um cadinho? — perguntou, e negou com a
cabeça. — Sinto muito, mas tenho todo o tempo do mundo para você.

— Algumas coisas não mudam... — soltei, e revirei os olhos. —


Continua detestável.

— Sempre um prazer em me encontrar, não?

— Vá fazer algo, Torres.

Dei-lhe as costas, e fui até os girassóis, escolhendo três e para levar


a atendente, que faria o arranjo. Já tinha as tulipas, e agora, só faltava as
rosas vermelhas. Porém, quando cheguei do outro lado da pequena
floricultura, senti o cheiro de baunilha ao meu redor, e não precisei me
virar para saber que ele me seguia.

— Não tenho uma sombra com o nome de Bruno Torres, não que
eu saiba. — soltei, e ouvi sua risadinha nas minhas costas.

— Eu só estou olhando as flores... — revirei os olhos, escolhendo


as rosas e logo indo até o balcão, entregando a cesta na qual coloquei cada

espécime.

Estando bem próxima, notei que ela estava corada, e não conseguia
disfarçar o quanto a presença daquele homem a afetou.

Se eu apostasse, diria que ela tinha dezoito anos, e com toda


certeza, não seria fácil resistir a alguém tão bonito da família Torres.
Todos eles compartilhavam os mesmos cabelos e olhos castanhos, como se
fosse uma marca registrada, mas Bruno... Bruno parecia uma curva fora do
caminho.

Recordava-me dele na adolescência até os nossos dezoito/dezenove


anos, mas ali, revendo-o depois de quase seis anos... Poderia dizer que o
tempo não parou de melhorá-lo. Contudo, minha mente estava fechada
para aquilo no momento, e estava fechada para ele há muito tempo.

Não poderia pensar sobre o quanto ele parecia um mocinho dos


livros que Nero me indicava, e muito menos, o sorriso e olhar de menino,
que permaneciam em seu rosto.

— Sempre quis saber o que te faz suspirar. — encostou-se no


balcão, piscando um olho para a atendente, que já estava quase sem ar.
Revirei os olhos e puxei uma respiração profunda.

— Estou respirando... — afirmei, e cruzei os braços, enquanto

observava a mulher à minha frente completamente desconcertada, e


claramente perdida em fazer o arranjo. — Vá escolher as suas flores,
Bruno.

— Já o fiz. — rebateu, e fez um sinal com a cabeça para as que a


atendente mexia. — Vou pedir o mesmo que o seu.

— Por que não vai a merda? — perguntei de uma vez, soltando o ar


com força, e ele gargalhou, como se fosse o momento alto do seu dia.

Olhei-o de relance e quis voar em seu pescoço. E ali estava a

sensação antiga, que sempre tive a frente dele: de não conseguir ser
indiferente por muito tempo. Ele parecia saber como me atingir, e mesmo
após tanto tempo, ainda o fazia.

— Estou mais interessado em olhar para você.

Encarei-o com puro tédio e felizmente, o meu arranjo ficou pronto,


apressei-me a pagar para sair dali. Agradeci a moça à minha frente, que
parecia mais controlada, e caminhei para fora, sem nem destinar um outro

olhar para ele.

Era como se a Abigail de anos atrás assumisse, e mesmo sendo


uma atitude infantil, me sentia bem em minha pele. Era bom relembrar, os
momentos antes de...

— Sempre um poço de educação comigo. — a fala próxima cortou


meu pensamento, enquanto seus passos me alcançaram na calçada,
forçando-me a encará-lo. — Espero ter o prazer de te ver de novo, Abigail.

— Não vai ter tanta sorte. — pisquei um olho e voltei a caminhar, e


felizmente, ele não me seguiu.

— Também senti saudades. — gritou, assim que dei cerca de dez


passos para longe, e o seu cheiro se dissipou.

Não me importei em erguer a mão livre, mostrando-lhe o dedo do

meio, sem sequer olhar pelo ombro. Ouvi sua gargalhada alta, e puxei a
mão de volta, enquanto caminhava em direção à minha casa.

Entretanto, a cada passo que dava, não me via contando os buracos


na calçada para afastar meus demônios, vi-me presa às lembranças de
enfrentamentos com ele. E por um segundo, apenas me permiti sorrir.

Não era de todo mal reencontrar um velho inimigo.


PARTE I

“Com suas mãos nos bolsos

E seu sorriso de: Aposto que você queria me ter

Mas eu queria, então eu sorri, e me derreti como uma criança

Agora cada respiração que respiro me lembra disso”[2]


CAPÍTULO I

“E a estrada não percorrida parece muito boa agora

E ela sempre leva a você na minha cidade natal”[3]

Meses depois...

ABIGAIL

— Eu não quero nem saber, Nero. — falei para meu melhor amigo,
que se jogou na cadeira do outro lado, como se realmente considerando a
ideia. — Não vamos fingir ser um casal apenas porque sua mãe...

— Sabe que eu não pediria se não... — respirou fundo, passando as


mãos pelos cabelos castanhos. — Eu só estou a ponto de mandar toda
minha família a merda.

— Nunca me arrependi de ter feito isso meses atrás. — comentei,

apertando suas bochechas, fazendo-o revirar os olhos e sorrir levemente.

Alfredo Lopes, ou Nero para os íntimos, era a real contradição


ambulante. Ele parecia uma massa de músculos com tatuagens e um olhar
de motoqueiro que quebrava corações, mas na realidade, ele era um nerd
apaixonado por softwares, e não sabia sequer falar com uma mulher. Ao
menos, não com alguma que não fosse eu.

— É sério, não podemos pedir para aquela tal Carolina Reis? — o


olhar de pânico que ele me destinou detrás dos óculos de grau, fez-me rir

abertamente.

— Eu estou pedindo por uma namorada de mentira, não uma


herdeira maluca que vai anunciar que está grávida e dizer que vamos nos
casar na próxima semana. — rebateu, e eu fiz o sinal da cruz. O círculo
íntimo da imponente família Lopes me assustava. — Mas enfim, não quero
falar de coisa ruim, muito menos dos Reis... — fingiu um calafrio, e eu me
joguei na poltrona ao seu lado. — Como está a minha princesa?
— A minha princesa, não é? — rebati, e ele fez um sinal com a
mão, como se fosse a mesma coisa.

— Está com Brenda. — passei as mãos por meus cabelos, sem


conseguir evitar um sorriso. — Está engatinhando e me deixando mais
babona do que nunca.

Como sempre, meus pensamentos sobre minha filha, faziam-me


vagar para longe. Por um segundo, apenas revivi cada pequeno momento
com ela nos últimos meses. Nunca esqueceria do porquê Prim tinha aquele
nome, ou melhor ainda, porque ela me fazia sorrir tão abertamente. Depois
de tudo, ela era a nova vida que me fez acreditar que a minha ainda tinha
algum sentido.

— Pensando naqueles que não devem ser mencionados? — a voz


de meu melhor amigo me acordou. — Sabe que eles não merecem...

— Eu sei. — cortei-o e suspirei fundo. — Mas estava pensando na


vida e em Prim. — corrigi-o.

— Sempre soube que voltaria para o seu melhor amigo, e ainda


com uma afilhada. — piscou um olho, completamente arrogante, e dei um
tapa em sua cabeça, me levantando. — Porra, Abi!

— Vai dominar o mundo pelo seu pc, enquanto eu... — sorri,


olhando para o meu celular e vendo se tinha alguma mensagem de Babi. —
Tenho duas clientes, e as duas já conseguiram te fazer corar tão

violentamente, meu amigo... — ele me mostrou o dedo do meio, fazendo-


me rir alto. Naqueles momentos, sequer parecia que eu tinha vinte e
quatro, e ele vinte e seis anos.

— Elas não vão mais... — engoliu em seco, totalmente sem jeito,

como se não totalmente certo sobre.

— Não vão o que? — insisti, vendo-o começar a corar, e gargalhei.


— Elas estão agora presas aos Torres, mas... sabe que não as impede de te
deixar vermelho com um “oi”. — pisquei um olho, e ele fez o sinal da
cruz, como se para me afastar. — Te amo também, peste.

— Vá trabalhar, mulher!

Sua voz saiu um pouco tremida e sabia que ele corria de pessoas

que o cercavam, mesmo conhecidas. Fato que nos aproximou, quando


ainda éramos crianças.

Maria Beatriz Gonçalo e Bárbara Ferraz eram do tipo de pessoa


que ele corria, principalmente, porque pareciam amar deixá-lo corado. Na
realidade, quem não adorava? Ele era um homem adorável.

Voltei para a parte da frente do estúdio e sentei-me na minha sala.


Já havia separado o material e sabia que as clientes poderiam chegar a
qualquer instante. Ouvi o barulho na porta da frente, e deixei o celular de

lado, levantando-me para recebê-las.

O sorriso em meu rosto era amistoso, porquê de fato, gostava delas.


Não era de distribuí-lo gratuitamente, mas Babi era uma antiga cliente, e
Maria Beatriz era uma boa lembrança da antiga cidade em que morei,

porque fomos vizinhas por um certo tempo.

Além de ambas terem estudado na mesma escola que eu. Contudo,


o sorriso morreu no segundo em que notei o homem que adentrou o meu
local de trabalho.

— Sua expressão de feliz ao me ver sempre é... — o tom de voz


debochado não me passou despercebido. — Peculiar. — complementou,
com um sorrisinho no canto esquerdo da boca, e eu revirei os olhos.

Geralmente, era o meu maior movimento frente a Bruno estúpido


Torres. Se existia raiva à primeira vista, nós éramos a prova viva. Desde o
momento em que olhei para aquele homem, anos atrás, quando ainda
éramos adolescentes, eu o detestei. E ele se esforçava para merecê-lo.

A diferença era que ele não tinha mais os cabelos castanhos


ondulados compridos, mas sim, bem cortados. Ele trazia consigo um
chapéu de cowboy, que honestamente, nem sabia porque o usava. Uma
camisa xadrez aberta sobre uma regata preta, que não deixava muito a

imaginação para os seus músculos.

Ele sempre foi um tipo grande, mas nos últimos tempos, quando o
reencontrei, ele parecia de fato um trator. Que diabos de pensamentos
eram aqueles? Uma calça jeans apertada, que delineava suas pernas, e um
par de botas que combinava perfeitamente com seu visual. A realidade era

que poderia chamá-lo de muitas coisas, mas não de feio. E aquilo me


enfurecia ainda mais.

— Estamos fechados para cavalos, volte amanhã. — falei, e cruzei


os braços, já pronta para lhe dar as costas.

— Babi me mandou. — comentou, antes que pudesse me virar


totalmente.

Ele se aproximou demais. Segundo Nero, era o jogo dele, de

conseguir me deixar enérgica e com ainda mais raiva. Porém, eu não podia
dizer que Bruno perdia naquilo, porque ele sabia exatamente em qual calo
pisar para me ter com raiva.

— Essa tatuagem é nova? — indagou, apontando para o meu braço


esquerdo, e quase o tocando.

— O que Babi disse? — cortei-o, tampando a tatuagem em questão


com a mão, que na realidade não era nem um pouco recente. Ele ergueu as
sobrancelhas, olhando-me com atenção.

— Está bonita hoje, Abigail. — olhei-o sem paciência alguma, e


ele deu uma risadinha. — Adorável, como sempre.

— Detestável, como sempre. — rebati, apontando-lhe, e ele cruzou

os braços, deixando os músculos ainda mais à mostra. Ele os estava


flexionando? Para mim? — Corta a briguinha de sempre e fala.

— Ela me pediu para passar aqui e dizer que Mabi e ela talvez não
venham hoje porque o carro quebrou no meio da estrada, e meus irmãos
devem estar arrancando os cabelos nesse momento, além de que os
celulares ficaram sem bateria, e só tinham o de Inácio disponível, ele não
tinha o seu número e...

— Ok. — cortei-o, sabendo que se deixasse, ele falaria pelo resto

do dia. A cada reencontro que tínhamos naquela pequena cidade, ele me


mostrava que muito de si não tinha mudado. — Entendi o recado.

Dei-lhe um leve aceno com a cabeça e já iria dar um passo atrás,


quando ele colocou o chapéu na cabeça e sorriu, como se tramasse algo.

— O que quer? — perguntei de uma vez, pois era aquilo, mantinha


meus amigos por perto e os inimigos mais perto ainda. No fundo, bem lá
no fundo, a Abigail de quinze anos, estaria orgulhosa de que aquela guerra
fria ultrapassou os anos. — Vamos, Torres! Não tenho o dia todo.

— Acho que vou fazer uma tatuagem... — sugeriu, e eu o encarei


como se fosse possível queimá-lo vivo. — Acha que ficaria bom aqui? —
do nada, ele levantou a regata preta, e exibiu o tanquinho que pude contar
seis gominhos e tive que engolir em seco, antes de subir o olhar para o seu

peito, o qual ele indicava com o dedo. — Algo interessante mais abaixo,
Abigail?

Ele mantinha aquele sorrisinho de “eu sei que sou gostoso” e nem
me dei o trabalho de negar. Ele sabia que o era. Eu não era cega, e muito
menos, seria mentirosa por causa dele.

— O que quer tatuar aí? — indaguei, fingindo qualquer interesse, e


focada em seus olhos, sem querer me distrair novamente em seu corpo.

— Nada. — respondeu, baixando a regata, e arqueei uma


sobrancelha, sem entender. — Só queria saber se realmente não me acha
gostoso.

Fechei os olhos por um segundo e respirei fundo.

— Voltamos a ter quinze anos? — indaguei, porque aquela era uma


cena clássica da nossa adolescência. — Eu já pisei no seu ego anos atrás,
não vai querer isso de novo. Acho que não está preparado. — revidei,
cruzando os braços, e ele riu baixinho.

— Só para descontrair. — piscou um olho, e respirou fundo, como


se pensasse em algo, quando encarou-me firmemente. — Babi deve te ligar
mais tarde, eu acho.

— Ok. — falei, estranhando um pouco do seu comportamento, por


mais que ele parecesse leve, como sempre, não parecia ser real. Ok, eu
tinha que parar de pensar sobre aquilo! Não era do meu interesse. — Mais
alguma coisa, além de passar informação e querer me fazer perder tempo?

— Alguém já lhe disse hoje o quanto é adorável? — indagou,


colocando o chapéu na cabeça, e eu assenti.

— Você, quando entrou. — ele riu de lado. — Não me obriga a te


jogar algo na cara, como da última vez.

— Pedro vai nos expulsar daquele bar, algum dia.

— Eu paro de jogar bebida na sua cara, se parar de me encher


enquanto eu quero dançar em paz, ou sei lá, foder! — revidei e ele
assentiu, como se pensasse em algo. E eu me lembrei da cerveja que foi
para o seu rosto, quando me irritou em uma das noitadas que finalmente
voltava a ter. — Vai logo, Torres!
— Sabe que se precisar foder, é só me chamar. — piscou um olho e
deu alguns passos atrás, chegando próximo a porta, como se para fugir. —

Tenha um bom dia, Abigail.

Ele então saiu, e eu soltei o grunhido, que guardava. Bruno filho de


uma mãe muito boa Torres!

— Caralho! Dá pra sentir a tensão sexual há um quilômetro. —


Nero gritou de seu escritório, e poderia esganá-lo, mas ouvi-o fechando a
porta e trancando, como se para me impedir de o fazer. — Uma hora vão
ter que decidir se fodem ou se odeiam, ou se fodem com ódio!

— Vai se foder com a tal Reis, nerd! — gritei para a porta de meu
amigo, que poderia visualizar perfeitamente em minha mente, e feito o
sinal da cruz.

A gente se conhecia o suficiente para saber como provocar o outro

com a liberdade que apenas melhores amigos compartilhavam. Sorri


sozinha, e coloquei a música no último, tentando focar em uma das
ilustrações de clientes que ainda precisavam ser aprovadas, e só então,
chegaríamos na fase de tatuar.

Desta forma, minha mente se perdeu de qualquer coisa,


principalmente, das provocações do meu melhor amigo a respeito de
Bruno Torres.
CAPÍTULO II

“Quanto mais você fala, menos eu sei

Aonde quer que você vagueie, eu te seguirei

Estou implorando para você pegar minha mão

Arruinar meus planos, esse é meu homem”[4]

ABIGAIL

— Eu já te disse para parar de atender pessoas de última hora. —


Nero chamou minha atenção, enquanto bebia algo em uma caneca, que só
pelo cheiro, deduzia que estava cheia de café. — Brenda vai pedir
demissão a qualquer momento. — provocou, e eu revirei os olhos.

— Sabe que ela traria Prim aqui para você olhar... — apontei-lhe o
dedo, e ele abriu um largo sorriso. Sabia que meu melhor amigo era
completamente apaixonado pela afilhada, e não se negaria em me ajudar.
Na realidade, ele fora meu alicerce nos últimos meses, junto a ela. — Acho
que às vezes ela usa a desculpa de ter que sair dez minutos antes, apenas

para poder te ver e flertar.

Notei-o corar e ri alto, fechando minha bolsa.

— Você acha que todo mundo flerta comigo, Abi. — rebateu, e eu


revirei os olhos, indo até ele e apertando sua bochecha. — Precisa que eu
te leve?

— Está tentando ganhar um jantar de graça? — perguntei, e ele deu


de ombros, parecendo terminar de tomar o café, ao virar a caneca.

Ouvi o barulho do seu celular, e ele praguejou, olhando com terror


para a tela. Não precisei nem perguntar, para saber que era sua mãe, a qual,
aprendera a fazer chamada de vídeo durante as últimas semanas.

— O jantar é às oito, então... — pisquei um olho e dei um leve


aceno com a cabeça, antes de sair do seu escritório, vulgo, meu estúdio de
tatuagem aos fundos, vulgo, a casa dele nos dois andares acima.
A casa que eu alugava, ficava a cerca de cinco minutos a pé dali, e
sempre era bom poder caminhar e olhar para a pequena cidade na qual

passei meu ensino médio.

Pelo menos, aquele lugar me trazia lembranças de um momento em


que tudo era mais simples e bonito. Onde a parte alta do meu dia, era
escrever o nome de Bruno Torres em um caderno e riscá-lo com força,

porque o detestava.

Ri sozinha, e que ele nunca soubesse, mas a minha raiva sobre ele,
me ajudou a esquecer grande parte dos reais problemas.

Odiá-lo era como dar murro em ponta de faca, mas nunca de fato se
machucar. Então, até certo ponto, era saudável.

Assim que cheguei à frente da minha casa, reconheci a música que


vinha da sala de estar. Desde quando Brenda ouvia Taylor Swift? Pelo que

sabia, ela era apaixonada por reggae. Cantei baixinho, enquanto abria a
porta, e com um sorriso no rosto para encontrar a razão de eu ainda
conseguir ter tal expressão.

Quando encarei o centro da minha sala, a bolsa que segurava quase


despencou no chão e fiquei estática. Prim estava dentro de seu cercadinho,
apoiando-se como podia sobre a borda, com o vislumbre de um sorriso,
enquanto Bruno Torres dançava animadamente sobre o tapete, ao som de
Shake It Off.

Em que pesadelo maluco eu tinha me enfiado?

O som não estava tão alto, mas parecia que nenhum dos dois notou
minha presença, quando ele parou um segundo, durante outra parte da
música, e Prim mudou sua expressão e pareceu querer chorar. Tentei ir até

ela, mas ele foi mais rápido.

— Não não, arco-íris. — falou, pegando-a no colo, e girando


levemente. — A música continua e vou traduzir para você, no futuro talvez
eu consiga te ensinar inglês, quer dizer, sua mãe é inteligente, ela vai te
ensinar antes e... Agora: Meu ex trouxe sua nova namorada... Ela é tipo Ai,
meu Deus! — a voz dele saiu quase falhada, quando fez o giro e me
encontrou, parada ali, e sem saber o que fazer.

O que ele fazia ali?

E desde quando ele me achava inteligente?

O que minha filha fazia nos braços dele?

O que ele fazia na minha casa?

Não pensei em mais nada, quando Prim começou a chorar, e fui até
eles, puxando-a de seu colo, e trazendo-a para o meu. Ela pareceu
reconhecer meu toque e se acalmou em poucos segundos, enquanto tocava
seus cabelos.

— É...

Ele começou a dizer, mas engoliu em seco, como se sem saber


como prosseguir. Pela primeira vez, em mais de dez anos que nos
conhecíamos, Bruno fofoqueiro Torres parecia sem fala.

Vi-o respirar fundo, e ir até à televisão, desligando-a. Notei que a


frente dela tinha um celular, posicionado em direção ao cercadinho de
Prim.

— O que faz aqui, Bruno? — perguntei, sem conseguir me segurar


mais, e torcendo para que minha filha se acalmasse de fato e pudesse
apenas botá-lo para correr dali.

— Olha, eu estava caminhando por aqui e... soube que você


morava na antiga casa dos Mendonça, e resolvi passar para dar um “oi” ou

para ser franco, te provocar, entrar numa briga... enfim, esfriar a cabeça. —
a segunda “primeira vez” daquele dia. O mais novo dos Torres não estava
passando detalhe a detalhe do que realmente o fizera aparecer ali. — E
quando bati na porta, Brenda praticamente passou como um furacão, disse
Graças a Deus e me deu uma mamadeira. Disse que eu era confiável e
poderia te ligar qualquer coisa...
— Eu vou matar Brenda. — minha voz mal saiu, e ele arregalou os
olhos.

— A mãe dela passou mal, Abigail. — fiquei em alerta, e fechei os


olhos. — Eu sei que ela agiu meio sem pensar, mas o montinho de arco-íris
tava dormindo no cercadinho e eu passei a última hora praticamente
apenas a olhando... — ele pegou o celular que antes estava na frente da

televisão e se aproximou. — Eu não sei se tem câmeras, mas deixei


gravando todo o tempo que estive aqui.

Fiquei perplexa diante de suas palavras, e ele digitou algo no


celular.

— Se você quiser, pode ver no meu celular, ou posso mandar no


seu e-mail... Quer dizer, já que eu estou bloqueado no seu celular. — seu
sorriso de lado voltou por alguns segundos, e eu mal sabia como se
respirava.

Ele tinha feito tudo aquilo?

Ele tinha... ficado ali e olhado a minha filha?

Ele tinha passado na minha casa para me infernizar e acabou


como babá?

— Pode mandar no e-mail. — falei, e ele assentiu, digitando algo e


logo senti meu celular vibrar no bolso traseiro. Prim já respirava

calmamente em meu colo, dormindo novamente, e toquei seus cabelos

negros como os meus, e soltei um suspiro. — Eu acho que... obrigada. —


soltei por fim, e aquela, era a terceira “primeira vez” do dia. Eu nunca
tinha o agradecido por nada em todos aqueles anos.

Na realidade, nunca conversamos por tanto tempo, ou ele falou

tanto, sem que brigássemos.

— Eu vou indo. — falou, e não pude deixar de notar que seu


semblante estava diferente de mais cedo. Tinha uma leve tristeza em seu
olhar, que não sabia como, conseguia detectar.

Deu passos em minha direção, já que eu estava próxima do


caminho para a porta. Parou um segundo, encarando Prim e notei seu olhar
mudar, com um carinho explícito.

— Tchau, arco-íris. — ele sussurrou, tão próximo, que pude sentir


seu calor ao meu redor. Merda!

— O nome dela é Primavera. — vi-me falando, e seu olhar parou


no meu, como se surpreso por minha iniciativa. Eu também estava. — Foi
babá por uma hora, acho que merece saber.

— Espera aí! — deu um passo atrás, ainda falando baixo, mexendo


as mãos, como se incrédulo. — Abigail Alencar está dizendo que Bruno
Torres merece algo? E não estamos falando de eu merecer um tapa na

cara?

— Não força, Torres! — revidei, mas tive que morder a língua,


para não sorrir da clara animação dele.

Como meu oposto, ele sorriu largamente, e voltou para perto, com
um olhar de menino, que nunca pareceu ter perdido.

— Foi um prazer te conhecer, Primavera. — ele sorriu para o


pacotinho de gente enrolado em meu colo. — Adorável como sempre,
Abigail.

— Detestável como sempre, Bruno.

Ele sorriu, colocando o chapéu preto na cabeça, e dando um leve


aceno, antes de sair de minha casa. Quando a porta se fechou atrás de si,

soltei o ar com força, e mal sabia como se respirava.

O que diabos acabara de acontecer?

BRUNO
Tinha que admitir que não fora a minha ideia mais inteligente. Na
realidade, eu não era tão perspicaz assim. Contudo, fora a melhor pior
ideia que tivera nos últimos tempos.

Passar aquele espaço curto de tempo olhando para a filha de

Abigail dormindo, e depois que ela acordou, dançar para ela e tentar
mantê-la entretida, me recordava de como as coisas eram quando minha
sobrinha ainda era tão pequena. Um tempo em que meu pai não estava
lutando bravamente pela vida.

Passei as mãos pelo rosto, e levantei o chapéu, passando as mãos


pelos cabelos. Soltei o ar com força, e ignorei a lágrima que queria descer.
Nós já tínhamos chorado demais.

Nos últimos tempos, praticamente fugi para a fazenda que ficava na

cidade vizinha de onde meus pais e família estavam. Precisava voltar para
o lugar que fora minha casa desde os dezoito e não me permitir desabar a
frente deles.

Todos pareciam tão fortes, tão focados e tão alinhados... Nunca


admitiria em voz alta para com eles, mas me sentia completamente
deslocado. Porque no fundo, eu estava desesperado.
Em alguns meses, parte de minha família estaria no exterior, por
conta de um tratamento experimental que poderia dar resultado. Mas e se

ele não desse? E se todos estivéssemos apenas adiando o inevitável?

Rasgava-me por dentro ter tais pensamentos, e era o exato segundo


em que fugia. Não era tão longe de onde eles estavam agora, e nem a
capital, mas era a fazenda onde consegui me encontrar pela primeira vez.

Não que pudesse comparar minhas crises existenciais e coração quebrado


com a dor real que me atingia naquele instante, mas ainda assim, queria
tentar colocar a cabeça no lugar.

Só não compreendi a mim mesmo, quando bati na porta de Abigail.


Mesmo que no fundo eu soubesse que ela era a única pessoa que nunca me
olharia com pena.

Não tinha certeza se ela sabia o que minha família passava, já que
as cidades eram pequenas demais para fofocas, e como bom fofoqueiro,

sabia que as informações voavam muito rápido. Mesmo assim, sabia que
ela poderia ter alguma noção, mas não me daria uma colher de chá por
aquilo.

Ela me enfrentaria.

Ela me xingaria.
Ela me responderia.

Ela era a única pessoa que pensei no instante em que desejei apenas
ser eu de novo, sem qualquer dor ou medo. E de alguma forma, a filha que
eu nem sabia que ela tinha, o fizera também.

A vida não parecia ter mudado por completo apenas para mim, mas

não poderia dizer que estava surpreso por ela ser mãe. Abigail era a pessoa
mais responsável que eu conhecia, superando até mesmo meu irmão mais
velho. E Inácio era como uma mula empacada, de pensar mil vezes antes
de fazer algo, enquanto considerava todos os fatores.

Abigail era daquela forma no colégio, e mesmo agora que nos


reencontramos, soube que aquilo não tinha mudado.

Um olhar negro mordaz, uma boca carnuda capaz de bendizer ou


maldizer a qualquer momento, e um sorriso tão contido, que poderia contar

nos dedos de uma mão, de quando ela o fizera em relação a alguém que
não fosse seu melhor amigo.

Entretanto, por trás de toda aquela máscara, sabia que a mesma


garota que tirava notas altas, mesmo ignorando por completo a existência
de todo mundo, era responsável.

E ela tinha uma filha.


A filha a qual eu cuidei.

Sorri sozinho, sem entender porquê, e finalmente encontrei meu


carro, perto do centro. Passei as mãos pelo rosto e olhei para as mensagens
no grupo da família, onde Mabi praticamente intimou todo mundo a ir
jantar. No caso, eu poderia chegar a tempo, se entrasse no carro naquele
segundo.

Lembrei-me do nome da pequena que me ajudou nos últimos


minutos, sem sequer saber que o fazia - Primavera. Combinava
completamente com ela, ainda mais pela roupa colorida que ela usava
naquele dia.

Entrei no carro, e coloquei na playlist que minha irmã - Olívia -


compartilhávamos desde a adolescência. Shake it Off preencheu o
ambiente da 4x4, e joguei o chapéu sobre o banco do carona.

Poderia rever minha família, depois que aquele pacotinho na cor do


arco-íris me relembrar de quem eu era. E poderia estar lá naquela noite
para minha família – para fazê-los sorrir. Era o meu único poder, e o usaria
ao máximo.
CAPÍTULO III

“Amigos terminam, amigos se casam

Estranhos nascem, estranhos são enterrados

Tendências mudam, rumores voam pelos novos céus

Mas estou exatamente onde você me deixou”[5]

ABIGAIL

— O que tanto você olha nesse celular? — a pergunta de Nero


quase me tirou do torpor. Quase. O vídeo que se passava no aparelho
continuou me prendendo.

Eu estava petrificada, encarando Bruno Torres, sentado no sofá da


minha sala, que parecia pequeno para ele, e com o olhar perdido em um
sorriso em direção a minha filha.

Assim como, no segundo em que ela acordou, e ele se levantou,

mexendo rapidamente em algo na televisão, que tocava uma música


infantil baixinha, e em poucos segundos, iniciou Shake It Off da Taylor
Swift. Ele parecia saber a letra toda, e dançou conforme o clipe que
passava, e ganhava sorrisos e sorrisos de minha filha.

Não sabia dizer porquê, mas algo dentro de mim se revirou. Olhar
para ela, perto de alguém diferente de eu, Nero e Brenda, era algo que não
estava acostumada. Mas ainda assim, o estranho era não me incomodar.

A presença de Bruno Torres, o cara que eu jurei odiar com todas

minhas forças – uma promessa nada irreal e nada dramática para uma
adolescente de quinze anos – não me incomodava.

— Diacho! O que Bruno fazia aqui?

Naquele momento, quase dei um pulo na cadeira, e Nero


gargalhou, enquanto encarava o vídeo sobre meu ombro. Sequer o vi se
mover, e parar exatamente ali.
— De tudo que você pudesse me contar...

— Olha, não é tão maluco quanto parece. — revidei, e bloqueei a


tela do celular, recebendo um bufar de insatisfação do meu melhor amigo.
— Senta aí, que eu vou te falar.

— Bem que percebi que estava suspirando, como fazia, anos

atrás...

— Eu não... — soltei o ar com força, e revirei os olhos, para não


revirar a mão na cara dele. — Quando cheguei em casa, dei de cara com a
cena de Bruno e Prim... Ele me contou por cima, que estava passando por
aqui e resolveu vir me ver? — a fala saiu mais como uma pergunta, como
se Nero pudesse me explicar. — Brenda praticamente o fez ser babá de
Prim, porque a mãe dela passou mal e... Eu confirmei a história com
Brenda antes de você chegar. Enfim, eu só...

Notei o olhar de Nero mudar, enquanto ele tomava um longo gole


de sua taça de vinho. Conhecia aquele lado dele – o lado acusador.

— Não me olha assim! — apontei-lhe o dedo, e ele ficou ainda


mais sério.

— Você tá me escondendo que está fodendo com o seu amor de...

— Se terminar essa frase, eu juro que vou te fazer engasgar com


essa taça! — cortei-o, e ele riu baixinho, como se percebendo que estava

apenas predispondo o pior. — Eu não estou fodendo com Bruno.

— Então, o que ele veio fazer aqui?

— Nem eu entendi, porra! — reclamei, suspirando fundo, sem


querer deixar que aquilo mexesse comigo.

Depois de toda a merda que passara, não conseguia sequer me


imaginar perdida em pensamentos por alguém. Por que diabos estava o
fazendo em relação a Bruno fodido Torres?

— Sabe, sem provocação agora... — começou, após dar um último


gole no vinho. — Desde a escola, existe algo entre você e Bruno. — abri a
boca para contrariá-lo, mas ele jogou um pano de prato na minha cara. —
Escuta, mulher! É meio óbvio que aquela merda com Tamires e Felipe
acabou te afetando, mas não mudou em nada o fato de que vocês dois são

como imãs. Acho que os casos mal resolvidos não dão descanso... Talvez
devesse falar com ele.

— Não está mesmo me aconselhando a desenterrar uma história


melodramática adolescente depois de uma década, está? — revidei, e ele
me encarou sério. — Nero, você realmente está fazendo isso!

— É claro que estou. — olhou-me como se fosse óbvio. — Olha,


pode ser só tesão, mas... O que você tem a perder Abi? Está vivendo para
construir muros ao seu redor desde… enfim. — suspirou fundo. — E eu

sei que não quer se apaixonar, mas... convenhamos que você já se


apaixonou pelo Bruno. Então, tecnicamente...

— Eu juro, que se você insistir nisso, eu vou ligar para a Reis mor,
e convidá-la para sair com você! — ameacei-o, e seu olhar se tornou de

espanto. — Verônica, certo?

— Está jogando baixo. — falou, semicerrando os olhos. — Mas a


sua reação infantil e exagerada só comprova que estou certo. Bruno pode
ajudar na sua caminhada de cura, Abi.

— Não sei de verdade onde quer chegar. — assumi, e sabia que


não precisava de qualquer máscara ou disfarce à frente dele.

E por mais que quisesse apenas esquecer tudo aquilo, sabia que era

impossível. Por um segundo, quando adentrei a sala de casa, e notei Bruno


ali, era como se eu fosse a Abigail de antes.

Bruno me recordava a Abigail antes de ter a confiança quebrada em


mil pedaços. Enquanto Prim, me dava uma esperança de futuro, que eu
poderia ser feliz. Então, juntando os dois... minha mente estava
explodindo. E meu melhor amigo leu tudo aquilo perfeitamente.
— Bruno pode ser muitas coisas, mas ele nunca foi mentiroso, pelo
menos, nunca o fez com você. — falou, e sabia que era verdade. — Vocês

já tiveram todo tipo de briga durante esses anos, e quando você voltou,
mesmo que fosse apenas a sombra do que um dia foi, quando o
reencontrou, a Abi que eu conheço estava de volta...

— Bruno não é a porra do meu cavaleiro de armadura brilhante,

Nero. — falei, tentando apenas cortar aquele assunto.

— Mas pode ser um bom escudo para se lembrar de quem é, Abi.


— rebateu, e se levantou, caminhando até mim, e tocando meus cabelos
com carinho. — Eu te amo muito. Você é minha família, Abi. Você e
Prim. — olhei-o com todo o amor que sentia, e ele sorriu levemente. —
Apenas peço para não deixar que aqueles malditos, depois de tudo,
decidam sua vida.

Assenti, e ele beijou minha testa, antes de ir até o berço móvel que

tinha naquele andar, e no qual, colocara Prim, enquanto nós comíamos e


ela já apagara por completo. Ele se abaixou, na falha tentativa de beijar a
testa dela, e por fim, apenas acariciou os cabelos da afilhada.

Levantei-me, e caminhei com ele até a porta, o qual parecia preso


em seus próprios pensamentos por alguns segundos.

— Nero... — falei, assim que ele abriu a porta, e se virou para mim.
— Sei que me ama, mas... Não vou foder com o Torres mirim.

Ele riu de lado, e revirou os olhos.

— Você dizia o mesmo quando éramos adolescentes, mas no fim...

— Aquele beijo não existiu! — cortei-o, sorrindo, e sabendo que eu


era uma piada eterna durante a adolescência. Não era à toa que eu ouvia

Fearless e me recordava de Bruno. De onde aquele pensamento surgira?


— Vamos continuar fingindo que eu nunca, nunquinha te confessei o que
sentia naquela época.

— Não é para mim que tem que confessar. — provocou, e bati em


seu peito, enquanto ele se afastava.

— Não me force a ligar para Verô. — ameacei, e ele fez o sinal da


cruz com as mãos, enquanto caminhava até a rua. — Devia ligar para ela,
Nero!

— Vai se foder, Abi!

Sorri para ele, enquanto o via desaparecer na rua bem iluminada


pelos postes devido à noite, e passei as mãos pelo rosto, completamente
perdida em mim. Com Nero sempre foi tão fácil… E por muitas vezes, vi-
me perguntando, como seria, se eu tivesse me apaixonado por ele, em
algum momento. Ou melhor, antes de...
Sequer conseguia falar o nome deles.

Fechei a porta atrás de mim, e vi minha filha suspirando


calmamente em seu sono. Não poderia pensar nos “e se”, porque não me
apaixonar por ele, me faria não ter ela. E ela era a melhor coisa que eu já
tive.

Quando tudo era inverno, ela veio e encheu minha vida de cor...
minha própria primavera.
CAPÍTULO IV

“Aquela conhecida dor corporal

Os estalos das mesmas pequenas rupturas

Em sua alma

Você sabe quando é hora de ir embora”[6]

BRUNO

Encarei o álbum de fotos, e não sabia ao certo o que eu fazia ali,


encarando a turma do colegial, que eu conhecia tão bem. Eu era o cara
popular, conhecia cada um ali, e sabia onde a maioria estava nos dias
atuais. Sempre fora assim. Sempre gostei de saber de tudo.

E de repente, Abigail Alencar quebrava minhas pernas, porque ela


me surpreendia – sempre ela. Por mais que a conhecesse, nunca fui capaz
de prevê-la por completo. E anos depois, o mesmo se repetia. Ela tinha
uma filha, que deveria ter no máximo um ano, e eu sequer sabia que ela
tinha ficado grávida.

A minha mente se perdia, porque algo me acusava, de que eu devia


saber. Por que aquela sensação? Por que eu me sentia assim? Por que eu
sempre me senti assim sobre ela?

— Quieto demais, maninho.

A voz de Olívia chegou até mim, e notei a curiosidade no olhar de


minha irmã. Ser o caçula de uma família com quatro irmãos, trazia consigo
uma preocupação exacerbada e uma proteção ilimitada.

— Abigail não vai pular daí direto para sua garganta. — Olívia
provocou, notando o meu dedo exatamente sobre o rosto dela fechado na
foto de formatura, na garota de dezessete, que já tinha algumas tatuagens
pronunciadas em seus braços.

Minha irmã encostou na mesa, a qual eu deixara o álbum, e pareceu


querer me ler, ou já o tinha feito. Fechei o álbum, e a encarei.
— Qual a análise, da ajudante oficial dos irmãos Torres? —
indaguei, e ela revirou os olhos, mesmo sabendo que era verdade.

Olívia sempre pareceu prever perfeitamente a vida de todos nós.


Ela dissera que Inácio, o nosso mais velho, uma hora acordaria para vida e
ficaria com a mulher que descobrimos que ele amava. Ela dissera que
Júlio, o segundo mais velho, uma hora pararia de ser tão burro, e

reconquistaria o amor da sua vida. E eu...

— Apenas a mesma análise de sempre, maninho. — comentou, e


cruzou as pernas sobre a mesa de madeira maciça. — Quer algo mais
profundo sobre minha teoria de que foi apaixonado por Abigail?

— De novo isso, Oli? — rebati, e ri de lado.

O meu jeito de fugir de momentos embaraçosos era exatamente


aquele. Rir de lado e fingir que estava tudo bem. No fundo, eu sabia que

existia certa razão para a opinião de Olívia. Contudo, o que eu poderia


fazer? Eu tinha o que? Doze anos?

— Convenhamos que o seu amor nunca foi Babi. — falou, e eu


engoli em seco, sentindo o gosto amargo na boca.

Aquela culpa que eu carregava, por ter ajudado meu irmão a foder
com tudo em sua vida amorosa. Dois jovens burros e inconsequentes, e eu
fiz o meu pior para não ajudar.

— Olhando para trás, eu nunca vou entender como imaginei que...


— passei as mãos pelo rosto, sentindo-me exausto. Pensar que um dia
considerei desejar Bárbara Ferraz, me angustiava.

Ela era como uma irmã mais velha para mim, e o simples

pensamento de que acreditei ser apaixonado por ela, e ainda fodi com tudo,
me enjoava. Nunca fora sobre aquilo. E eu só fui cego e imaturo demais
para perceber.

Me apaixonei pela primeira pessoa que me dera um pouco de


atenção... aquilo era comum, aos quinze anos?

— Enfim, ela e Júlio estão juntos, vamos ter outro sobrinho, e é


isso que importa. — Oli piscou um olho, e eu sorri abertamente.

A prova maior de que não passara de um momento de puro

capricho e cegueira, que durara alguns anos, tinha que admitir, era que não
sentia nada além de felicidade por eles, quando ouvia sobre sua vida
juntos. E ainda mais, os via juntos no nosso dia a dia.

— Mas importa também o fato do porquê o meu caçula favorito


está tão pensativo, mal fazendo piadas ou contando fofocas durante os
jantares... — falou, e tocou meu rosto, forçando-me a olhá-la.
— Eu estava vindo aqui exatamente para perguntar isso. — a voz
do nosso irmão mais velho nos atingiu, e eu o encarei sem entender.

Inácio não era de nos confrontar tão abertamente sobre


sentimentos. Ou seja, ele estava realmente preocupado.

Fechou a porta atrás de si, e a conversa entre meus pais, Mabi,

Bárbara e Júlio desapareceu. Eles estavam na sala de estar, ainda falando


sobre algo, que em qualquer outro momento, eu estaria interessado. Mas
nos últimos tempos, me consumia. Era normal me sentir consumido pela
minha própria família?

— Dani está perguntando de você. — meu irmão falou, e sabia que


era o seu jeito nada disfarçado de expulsar Olívia dali.

— Canalha. — Olívia rebateu, mas se levantou da mesa, e foi até


ele, batendo em seu peito. — Vamos conversar depois, certo? — ela

indagou, olhando-me sobre o ombro, e eu assenti.

Conversar sobre o que? Nem eu sabia.

Inácio caminhou até o bar do escritório da sua casa, que era a


mesma na qual todos nós crescemos. Analisei-o e era claro que ele sempre
soube exatamente aonde pertencia. Meu irmão, de chapéu branco de
cowboy e de poucas palavras. Meu irmão que era um exemplo, e o qual,
me fez querer ter um chapéu também. À frente dele, sentia-me com dez
anos de novo.

Ele se serviu de um pouco de uísque, e o fez para comigo,


colocando o copo à minha frente, sem perguntar nada.

— Não posso prometer nada, Bruno. — começou a dizer, e se

encostou no tampo da mesa, ao meu lado. — Mas eu posso dizer que seja o
que for, nosso pai está em paz.

— Ná...

— Não. — cortou-me. — Eu te conheço, melhor do que qualquer


um. Sei que está te matando por dentro, saber que nosso pai vai fazer outro
tratamento experimental, e que cada dia pode ser o último dia com ele...
Mas quando pensar nisso, lembra que você sempre terá todos os outros
dias passados. De quando ele te jogou no lago, e fingiu que ia te deixar

aprender a nadar sozinho. — uma lágrima desceu no mesmo instante, e


nem mesmo o gosto do uísque ajudou. — De quando ele deu um fora na
frota de garotas que apareceram atrás de você, porque você não tinha ideia
de como negar os convites pra quadrilha da cidade. — ri em meio as
lágrimas que já nublavam minha visão. — De quando ele nos deixou dois
meses sem poder viajar porque não estávamos nos dedicando a aprender o
violão e piano, que tanto pedi por aulas e você quis também. — notei que
meu irmão tinha os olhos marejados. — De quando ele está na sala de
estar, rindo de uma fofoca da cidade, e se vê em você... Você é ele por

completo, Bruno. O jeito engraçado, nada polido, charmoso, zombeteiro...


Olívia é como nossa mãe, Júlio é a mistura dos dois, eu sou uma curva
esquisita dos genes, mas você irmão, você é como ele. — virei o resto da
bebida e notei que Inácio fez o mesmo. — Tem que aceitar sua dor, porque

ela faz parte do amor no qual fomos criados. Nós temos tanto, irmão. E
nós o temos ainda, então...

Não o deixei continuar, apenas me levantei, e fui para os seus


braços. Inácio me segurou com força, enquanto praticamente desabava em
seu abraço. O mesmo irmão que fazia o mesmo quando me machucava na
época de criança, agora, me confortava no momento mais difícil que nossa
família passara.

— Obrigado, Ná. — falei, e me afastei, rindo ao encarar sua camisa

branca com partes transparentes devido ao meu choro incontrolável.

Ele apenas assentiu, olhando-me profundamente, do jeito Inácio de


dizer: eu também te amo, maninho.

Batidas na porta me fizeram terminar de limpar o rosto, enquanto


meu irmão parecia impecável em sua aparência de “nada no mundo me
abala”.
A porta se abriu, e a primeira coisa que vi foi a ponta de uma
barriga, que pertencia a mulher que conseguia tirar dele, o que antes,

apenas a família fazia.

— Sinto interromper, mas…

Maria Beatriz Gonçalo Torres, mais conhecida como Mabi, ou

melhor ainda, a minha cunhada e mulher da vida de Inácio. Ela tinha uma
das mãos na barriga já pronunciada e mordia o lábio com força.

— O que eu disse sobre machucar sua boca, criança? — ele


perguntou, no tom superprotetor, e foi até ela, tocando seu rosto, fazendo-a
revirar os olhos.

— Não seja um velho ranzinza. — bateu no peito dele, mas tinha


um sorriso no rosto. — Bruno, o assunto é com você... — ela falou, vindo
até mim, e a encarei sem entender. — Sabe aquele pé de manga que a

gente passou semana passada? Na beira da estrada?

Notei o brilho em seus olhos, como se ela estivesse pensando na


melhor coisa do mundo, e assenti, sem entender absolutamente nada. Notei
que Inácio bateu uma mão no rosto, como se incrédulo.

— Preciso achar aquela árvore. — ela mordeu o lábio de novo,


como se estivesse se segurando. — Estou com desejo. — revelou, e eu ri
alto, sem conseguir me conter. Sabia o quanto ela odiava o fato de não
conseguir se controlar quando se tratava de alguma vontade, e com certeza,

estava sem jeito por estar me pedindo. — Desculpa, eu...

— Vou buscar a manga para você, cunhadinha.

Seu olhar brilhou, e ela praticamente pulou sobre mim, me

abraçando. Sorri para ela, e encarei meu irmão sobre o ombro, o qual
parecia encantado com a cena.

Era um fato que Maria Beatriz se tornara uma parte de nós, e para
mim, ela se tornara uma irmã. E por ela, sairia no meio da noite, andaria
alguns minutos de carro e buscaria a bendita manga.

Ela merecia por fazer o homem ao meu lado, que sempre foi o
apoio de todos nós, entender que ele merecia alguém para apoiá-lo
também.

— Precisa de companhia, irmão? — Inácio perguntou, assim que


saímos do escritório, e neguei com a cabeça, olhando-o como quem diz
“preciso de só mais um momento sozinho”.

Dei um leve aceno para toda minha família e fui em direção ao


carro do lado de fora. Assim que liguei o veículo e o som, notei que Shake
it off tomou o ambiente, e voltei ao tópico de Abigail.
Por que eu não conseguia parar de pensar sobre ela?
CAPÍTULO V

“Eu não gosto que qualquer um morreria para sentir seu toque

Todos querem você

Todos se perguntam como seria amar você”[7]

ABIGAIL

Tomei mais um gole do café, e suspirei fundo. Já estava quase na


hora de começar o trabalho, mas ainda buscava um pouco de energia, e
após uma noite de sono tão boa, que fora quase impossível sair da cama,
sentia como se minha alma ainda estivesse dormindo.
Fazia bastante tempo que simplesmente não apagava, e felizmente,
Prim dormiu a noite toda, no berço ao lado da minha cama. Pelo menos,

tinha parado de checar a respiração dela a cada cinco minutos. Estava, aos
poucos, aprendendo a ser mãe, mas a preocupação permanecia ali.

— Bom dia, Abi.

Dei um leve aceno para Julie, que sempre vinha no mesmo horário
naquela pequena padaria, que era basicamente a única fora a do centro, de
toda a pequena cidade.

Pelo menos, era menos movimentada, e me sentia mais à vontade.


Nunca fui fã de multidões e não entendia como vivera três anos na capital.
Só poderia estar fora de minha mente, e realmente, estava.

Julie se sentou no canto mais distante, como sempre, parecendo


apreciar sua própria companhia, e eu foquei em ler as notícias e fofocas no

celular.

O grupo da cidade estava cheio de mensagens, e parte delas era


sobre a festa anual que aconteceria dali alguns dias. Felizmente, aquele fim
de mundo era menos fofoqueiro do que o qual nasci e fiquei até o final do
fundamental.

Olhei a hora, e ainda tinha quinze minutos. Cliquei no aplicativo do


kindle e voltei minha atenção para o livro que Nero me recomendou dias
atrás.

A gente poderia ter um clube de leitura, que seria: os livros que


Nero recomenda, e Abigail lê. Ri do pensamento, e sabia que era um
romance, da nossa conterrânea – Maria Beatriz Gonçalo, que no caso, era
uma Torres agora.

No momento em que me concentrei nas letras, senti a luz mudar


sobre a mesa, e o cheiro característico de baunilha me atingir. Não
precisava olhar para saber quem era, e só poderia ser ele, pela audácia de
se sentar na mesma mesa que eu.

De alguma maneira, as outras pessoas pareciam ter medo de mim, e


não reclamava sobre. Poderia ser sobre o meu rosto fechado e um sorriso
raro para desconhecidos, ou até mesmo conhecidos, as roupas quase
sempre na cor preta, e as tatuagens se destacando por cada parte de minha

pele.

Um dia, até liguei para o pré-julgamento delas, mas apreciava a


minha solidão, e não estava disposta a fazer amigos. Muito menos, ser
amiga de pessoas que me julgavam apenas por ter algo diferente na pele.
Só poderia esperar o pior delas.

— Bom dia, Abigail.


Não levantei meu olhar para ele, e tentei fingir que Bruno já não
estava aparecendo a minha frente, literalmente, após ter passado uma noite

sonhando com ele. Após toda aquela conversa maluca com Nero, o qual
culpava por tal feito. Mas ali estava o diabo, pronto para me tentar.

— Eu só queria saber se tem companhia para a festa anual.

Ok, agora ele tinha minha atenção!

Olhei-o com o cenho franzido e sem entender absolutamente nada.

— Não tem uma fila de pretendentes? Ainda mais agora que o


Torres intocável e o Torres destinado já estão amarrados?

Ele me deu um sorrisinho de lado, e me vi mordendo a língua para


não reagir. Merda! Talvez Nero tivesse razão.

Desde a escola, existe algo entre você e Bruno.

— Não é um convite tão bonito assim, posso garantir. — falou, e o


encarei ainda mais perdida. — Vou levar Dani, minha sobrinha, filha da
Olívia, que tem seis aninhos, e que ama comer todos os tipos de besteira,
ainda, que ama dançar até cansar, o que acontece por volta das nove...

Bruno falador Torres

— Direto ao ponto, Torres! — pedi, e ele piscou uma vez, como se


notando que falou demais. Ele sempre falava demais.

— Pensei que talvez você fosse levar a arco-íris, e sei que bebês
dormem cedo, então... — arregalei os olhos, sem conseguir disfarçar a
surpresa. Quem era aquele homem à minha frente? — Não precisa me
olhar como se eu fosse um extraterrestre.

— Está me chamando para a festa da cidade, para que Prim possa


ser companhia a Dani? — rebati, e ele assentiu, como se fosse óbvio.

Notei que ele não usava o chapéu preto naquela manhã, e parecia
menos cowboy do que geralmente caminhava pela cidade. Uma coisa que
eu sempre me perguntei: quem Bruno era?

Ele parecia uma versão mais nova de Inácio, às vezes. Ele parecia
uma versão mais nova de Júlio, em outras. Até mesmo, parecia uma versão
masculina de Olívia, de vez em quando.

— Não saio muito com Prim. — vi-me falando, e respirei fundo. —


Não sei o que quer mesmo com isso, mas sabe que não somos amigos,
certo?

— Por que não somos amigos, Abigail?

Não esperava seu rebate certeiro, e olhei-o como se tivesse sido


substituído.
— Olha, não sou tão confuso assim, e não sou de mentir... Não vou
também ser enrolado, como sempre sou, não com você. — o que diabos

estava acontecendo? — Estar com você me faz lembrar de quem eu sou, e


desde que voltou, a sensação de que eu ainda sou o Bruno de anos atrás,
me persegue.

— Por isso bateu na minha porta ontem? — perguntei, como se

começasse a compreender a bagunça que acontecia a minha frente. Ele


assentiu, e passou a mão pelo rosto, e reconheci como um detalhe claro de
que estava nervoso. Por que eu ainda sabia sobre aquilo? — Não sou a
melhor escolha para nada disso. — falei, sendo completamente honesta. —
Preciso lembrar que sou a pessoa que jogou uma lata de cerveja em você
na semana passada?

— Exatamente por isso. — ele fez um sinal com os braços abertos,


como se fosse claro. — Não me trata diferente, como se...

Ele parou de falar, e notei o olhar mudar, como se a dor se


instalasse ali. Em todos aqueles anos que eu o conhecia, nunca o vira
assim, a não ser quando os irmãos começaram a se mudar devido à
faculdade. Contudo, parecia uma dor ainda maior. Uma dor que me
recordava de mim mesma.

Cacete! Eu estava intoxicada com as idiotices de Nero. Não deveria


dar ouvidos a ele, nunca mais.

Terminei meu café e me levantei, sem saber o que fazer diante


daquilo.

— Abigail...

— Somos bons nos odiando. — falei, e fiz uma leve careta. —

Vamos continuar assim, e tenho certeza, que nos raros momentos em que
nos esbarramos, vai se lembrar de quem é.

Saí dali, sentindo a intensidade do olhar dele me atingir, e resolvi


apenas fugir. Eu estava tão perdida diante dele e de tudo aquilo, que só
conseguia pensar em como estávamos malucos.

Era claro que existia algo que quebrara Bruno, e o reconhecia. Mas
não era porque ambos estávamos quebrados, que poderíamos ou
deveríamos nos remontar.

— Espera! — senti sua mão em meu braço, e um arrepio percorreu


cada célula do meu corpo. Paralisei, e puxei meu braço, como se ele me
queimasse.

O flashback daquela noite me acertando…

Bruno me encarou com um semblante confuso. Como se tivesse


passado pela mesma sensação e não compreendesse. Bom, era exatamente
por aquilo que era fácil odiá-lo. Era justamente por aquilo que eu fazia o
meu melhor para evitá-lo. Porque eu sabia. Porque eu sempre soube.

— Acho que não foi o jeito mais inteligente de te abordar. — falou,


e levantei as sobrancelhas, como se fosse claro.

— Inteligência nunca foi seu forte, Torres. — soltei, e dei-lhe as

costas, sendo possível ouvir sua risada.

Não entendia o que diabos o fizera me procurar naquela manhã e


me falar sobre. A realidade era que nem sabia como ele me encontrara ali.
Eu sempre senti que ele era confusão e problema na certa. E não estava no
momento propício para que permitisse tais coisas em minha vida.

Não precisava de um caso com o cara que eu detestava. Eu estava


considerando um caso?

Eu o detestava, certo?

Meus lábios foram para os dele, e senti toda minha pele queimar,
como se fosse possível viver exatamente o que lia nos livros de romance.
Sua mão veio para o meu rosto, fazendo leves círculos na bochecha,
enquanto a língua invadiu minha boca, mostrando-me que um beijo
poderia ser muito mais.

Era mais. E era com ele.


— O que tinha de tão ruim no café hoje?

A pergunta de Nero, quando adentrei o seu escritório, fez-me


dispersar aqueles pensamentos. Aquilo não importava mais. Na realidade,
nunca importou. Era melhor focar apenas no que a pequena Abi prometeu
a si, e que não poderia descumprir. E por que eu pensava e ainda me
apegava àquela bendita promessa?

“Eu prometo odiar Bruno Torres por todos os dias da minha


vida...”

Uma frase tão infantil escrita em um caderno, que eu ri de mim


mesma. Então, por que estava tão apegada a levá-la a sério, anos depois?

— Se perguntando se eu tenho razão sobre o que disse ontem? —


meu melhor amigo perguntou, e o encarei com a própria raiva que crescia
em mim.

De adorar os joguinhos de ódio com Bruno. De não saber lidar com


Bruno querendo estar próximo a mim.

Precisava entender que aquilo não era nada demais. Eu estava


apenas pensando muito sobre e aumentando.

— Bruno me chamou para a festa... chamou eu e Prim.

A boca de Nero praticamente caiu.


— E eu disse não, como boa mulher inteligente.

— Mas o que...

— Vá trabalhar, Nero! — falei, e fiz um sinal com a mão para o


nerd que me perseguiu pelo corredor, parando à frente da porta do meu
estúdio de tatuagem. — Pode parar de me shippar com Bruno apenas por

um segundo?

— O que?

O sussurro poderia me passar despercebido, mas passei a mão pelo


rosto, perplexa por Maria Beatriz já estar ali, na porta de trás do prédio,
que era no caso, a entrada para o meu estúdio. Olhei para Nero como se
fosse matá-lo, porque eu lhe disse que deveria colocar um barulho na
porta, para sabermos quando alguém chegava.

— Bom dia, Mabi. — falei, e dei o que era mais perto de um

sorriso para alguém.

Ela e Bárbara tinham remarcado depois do completo rolo que fora


o dia anterior para elas. No fim, nenhuma delas estava indo tatuar, mas
sim, me encomendar alguns desenhos.

Segundo elas, seriam as tatuagens que fariam, assim que lhe fossem
permitido. O que levaria muitos meses ainda, mas quem era eu para
contrariar duas mulheres grávidas? Eu fui uma cabeça de pedra, mais do

que o normal, quando estava naquela condição. Nero pagou todos os seus

pecados e os que nem tinha cometido, durante os nove meses ao meu lado.

— Babi? — indaguei, enquanto ela parecia presa a imagem de


Nero, que já estava vermelho como um pimentão.

Um homem de quase dois metros corando era o meu achado para


rir mais tarde da cara dele. Sabia que ele ficaria sem jeito a frente dela,
como sempre.

— Passou na loja aqui do lado, mas... — voltou seu olhar para


mim. — Como assim tem um shippe com Bruno e Abi rolando, Nero?

— Se fodeu. — sussurrei para meu melhor amigo, mesmo que


estivesse fodida junto.

Não poderia deixar que aquele assunto saísse dali, e muito menos

que a cunhada do dito cujo Bruno, pudesse lhe contar que ele era um
assunto entre eu e meu melhor amigo.

— Eles se odeiam, sabe como é... — Nero falou, e me encarou,


notando que eu o esganaria se não desfizesse aquilo. — Gosto de deixar
Abi com mais ódio ainda.

Mabi pareceu pensar sobre, mas assentiu, como se fizesse todo o


sentido do universo.

— Bom, eu sou a prova viva de que enemies to lovers existe... —


comentou, e queria apenas abrir o chão e me enterrar lá dentro. Uma
romântica incurável, que escrevia romances, um dos quais Nero devorou e
eu estava lendo no momento. Só poderia ser a pessoa menos indicada para
ouvir as maluquices de Nero. — Enfim, não vou ficar enchendo você com

isso, Abi. Sei que gosta da sua privacidade.

Pensei em lhe dizer que Bruno não fazia parte da minha


privacidade, contudo, o mais inteligente era apenas me calar e não alongar
toda aquela conversa sem sentido.

— E eu já sei o que vou tatuar, quer dizer, assim que for liberada
para isso...

Assenti para ela, encaminhando-a para o escritório que ficava antes

do estúdio de tatuagem em si. Ofereci-lhe uma poltrona confortável, e


notei que ela pareceu relaxar no estofado.

— Acho que vou perder as costas a qualquer momento... —


reclamou, e me vi nela. Era a sensação que tive, quando minha barriga
começou a de fato pesar. Porém, valera tão a pena, porque me mostrava
que minha Prim estava ali, comigo. — Você tem filhos, Abi? — olhei-a
com atenção. — Desculpe, nem sei se posso te chamar de Abi, quer dizer...
— Tá tudo bem, Mabi. — dei-lhe um leve aceno de cabeça. —
Você já me defendeu na escola, do povo da sua sala que me culpava por

Nero não ficar com eles... — relembrei.

— É... — ela sorriu animada, como se lembrando de algo. — Eu


jurava que ia se casar com Nero. Acho que todo mundo pensava isso.

Neguei com a cabeça, e sentei-me à frente da minha mesa, onde


estavam todos os meus papéis favoritos e materiais de ilustração. Poderia
até ser o que eles pensavam, mas a minha amizade com Nero era a coisa
mais natural e espontânea que conhecera. Era tão certa, desde o começo,
quando tinha apenas oito e ele dez.

— Sobre sua pergunta de filhos, eu tenho uma menina. — não


sabia o porquê ela indagara, talvez fosse óbvio que eu o era. Muito menos,
sabia do porquê de estar falando sobre aquilo com ela, mas acabei até
sorrindo, porque me lembrei de Prim. Contudo, Bruno já deveria ter

contado a todos os Torres, e até a cidade inteira, então... o que eu tinha a


esconder?

Ela pareceu genuinamente interessada, e franzi o cenho.

— Não sabia? — perguntei, e ela negou de imediato. Bruno


fofoqueiro Torres não fofocou sobre? — Bom... — disfarcei meus
pensamentos, já que não era momento de pensar a respeito dele. — Ela
tem um ano.

— O sentimento muda? — indagou de repente, pegando-me de


surpresa. — O sentimento de que não tem ideia do que está fazendo? —
explicou, e compreendi a preocupação em seu olhar.

— A cada dia, parece que eu sei menos, mas... Ela está lá, como se

para me ensinar um pouco, tendo paciência. — respondi, e me lembrei dos


olhos negros iguais aos meus. Minha cópia perfeita.

Batidas na porta nos interromperam, e logo Bárbara adentrou o


ambiente, a barriga menor que a de Mabi, mas era claro que ambas
compartilhavam aquele momento único.

— Por que sinto que tem algo no ar? — ela perguntou,


interrogativa como sempre, e veio até mim, dando-me um leve beijo na
bochecha, antes de se sentar no sofá ao lado da poltrona em que Mabi

estava. — Como está, Abi?

— Abi tem uma menina de um ano.

Mabi soltou, como se tão animada com a notícia, que não pudesse
se conter, e agradeci internamente por elas serem tão boas falando, porque
não era o meu forte.

— Fofoqueira como Bruno... — Babi começou a falar, e Mabi


ficou vermelha. — Aliás, você que deixou Nero tão vermelho como está

agora?

Tive que rir, e Bárbara me encarou interessada, querendo saber


mais.

— Eu nunca vou entender por que ele cora quando eu digo oi. —

abriu os braços, como se fosse completamente sem sentido. — Passei no


escritório dele antes cumprimentá-lo. A gente estudou na mesma escola,
então... Parece tão natural fazer isso, mas ele sempre fica envergonhado.

— Ele nunca vai esquecer que defendeu ele do pessoal da sua


turma, que sempre o provocaram por não se enturmar... — comentei, e
Bárbara pareceu se lembrar sobre. — Mas não impede de ele corar frente a
mulheres bonitas. — pisquei um olho, e ela sorriu.

— Ele é adorável.

Assenti, e peguei meu portifólio em uma das gavetas, para mostrar-


lhes. Por um segundo, acabei me lembrando de quem me chamava
exatamente assim, e ali estava ele novamente, me atormentando.

Colocaria a culpa no fato das mulheres de sua família estarem no


mesmo ambiente que eu. Não estava tão desesperada a ponto de ficar
pensamento aleatoriamente sobre Bruno. Não mesmo.
CAPÍTULO VI

“Você pode fugir, dizer que não precisamos disso

Mas há algo em seus olhos que diz que podemos conseguir”[8]

ABIGAIL

Eu estava exausta.

Só conseguia pensar em chegar em casa, tomar um banho quente e


ficar abraçada com minha bebê. Estava para fechar o notebook, após lançar
alguns dados na planilha de finanças que mantinha. Era péssima com
dinheiro, e assim, acabei por convencer Nero a me ensinar o básico a
respeito de softwares. No fim, ele configurara tudo e eu apenas escrevia os
valores onde estava sinalizado.

Um e-mail novo apareceu, e reconheci o remetente, o mesmo do


dia anterior. Suspirei fundo, e cliquei, abrindo o documento e sem crer no
que estava escrito.

“Querida (adorável) Abigail,

Para que não pense que estou tentando te seduzir, como deve ter
parecido mais cedo... estou mandando um e-mail, e não uma carta. Estou
agora, determinado em mudar a sua visão sobre mim. Sei que me odeia de
graça (é de graça, certo?), e sempre foi tão bom te provocar, que nunca
tentei mudar essa péssima primeira impressão. Mas aqui estamos, anos
depois... Somos adultos, Abigail. Então... Como bom adulto, quero te pedir
a chance de me candidatar a babá da arco-íris, caso precise. Qualquer hora,
é só chamar.

OBS: no anexo tem um vídeo meu com a Dani ainda bebê, para
mostrar o quanto sou ótimo.

Atenciosamente,

(detestável) Bruno Torres”


Ele não estava realmente fazendo aquilo?

Estava?

Atualizei a página cinco vezes, sem crer que estava realmente


acontecendo. Resolvi apenas fechar a tela do computador e segui para o
lado de fora. Encontrei Nero saindo de seu escritório, com os óculos nas

mãos, claramente cansado.

— Tem como outra pessoa sem ser o dono do e-mail, mandar um


e-mail por esse? — indaguei, e ele franziu o cenho, como se confuso e
surpreso pelo questionamento. — Sabe que eu sou ruim com tecnologia.

— Eu te dei um Ipad e você não usa para desenhar, sinceramente...


— reclamou, e eu ri de lado, porque era real. — Enfim, tem com sim. Pode
ser que a pessoa tenha a senha do dono do e-mail, ou tenha hackeado...

— Bingo! — praticamente gritei. — Você é um gênio!

— Você fala como a minha mãe de cinquenta anos quando eu tiro o


roteador da tomada e coloco novamente. — soltou e revirei os olhos. — O
que? Parece velha com o ela.

— Não parecendo insuportável igual, tá ótimo. — revidei, e ele


passou um braço ao meu redor, enquanto me levava até a porta. — Sabe
que amanhã eu não venho, certo?
— Um dia de paz. — afastou-se, levantando as mãos aos céus, e eu
o encarei como se fosse a pessoa mais exagerada do universo.

— Como se não fosse aparecer no almoço. — apontei o óbvio e ele


riu de lado, animado para aquilo. Se existia algo que conquistava Nero, era
comida de graça. — Boa noite, ridículo.

Ele me deu um beijo na testa, e assim que coloquei o pé na calçada,


ouvi-o me chamar.

— Por que a pergunta sobre o e-mail?

— Te conto amanhã, se merecer. — falei, e ele semicerrou os


olhos. — Te amo também. — mandei um beijo para ele, e não lhe dei mais
ouvidos, caminhando em direção à minha casa.

Ainda eram quatro da tarde, mas parecia que um caminhão passara


por cima de mim. Quando parei de frente para casa, vi-me engolindo em

seco. No dia anterior, assim que abri a porta, dei de cara com Bruno.
Aquilo não ia acontecer de novo, mas me apavorou a possibilidade.

Qualquer pessoa se esgueirando na minha intimidade, me


assustava. Mais do que deveria, principalmente, quando era ele.

Felizmente, não tocava Taylor Swift, quando me aproximei da


porta. Desde quando Taylor Swift era indicativo da presença de Bruno?
Minhas lembranças se perderam, e recordei das apresentações escolares,

em que Olívia e Bruno cantavam, e quase sempre, eram músicas dela. Oh

merda!

Abri a porta, sem querer focar naquilo, e sorri ao encontrar Brenda


no sofá, mexendo no celular, e como sempre, naquele horário, Prim estava
terminando seu cochilo.

— Sem Torres hoje? — perguntei, ao caminhar até o berço que


ficava ali, e minha pequena dormia tranquilamente.

— Abi, eu pedi desculpas. — falou, e parecia realmente


preocupada com que eu tivesse a xingando.

— Eu estou brincando, Brenda. — comentei, e lhe dei um sorriso, a


qual pareceu se acalmar.

— Nunca sei quando está brincando. — revirei os olhos, mas ela

parecia realmente séria sobre. — Prim foi um anjo, como sempre. Melhor
emprego do universo, sério!

— Não sei o que vou fazer quando você voltar para a faculdade. —
comentei, e ela se levantou, guardando o celular no bolso, como se nem ela
soubesse.

— Será que posso ser babá da Prim até ela fazer dezoito? —
indagou e eu não entendi de fato se brincava. — Se eu odiar ainda mais a

faculdade, vou pedir esse emprego para a eternidade.

— Não pago tão bem assim. — falei, e ela deu de ombros.

— Nem tudo é sobre dinheiro. — respondeu, e parecia séria demais


para uma mulher de apenas dezoito anos. Contudo, eu a entendia. Quando

escolhi ser tatuadora, passar por todo o tipo de questionamentos, tanto


familiar, quanto impessoal. E demorou para entender o que eu realmente
queria e o que faria. — Mas eu te aviso se precisar que me aguente por
muitos anos...

— Tudo bem.

Ela sorriu, e deu um leve aceno, antes de sair, e me deixar sozinha


com Prim. Meu celular vibrou no bolso traseiro e o trouxe para frente,
notando que era uma mensagem de Mabi. Ela parecia genuinamente

animada em contar tudo sobre a gravidez dela para mim, o que eu não
entendi, mas não julguei. Mesmo ela sendo um pouco invasiva, não me
sentia nervosa sobre. Acabei respondendo-a, feliz ao notar o ultrassom 3d
que ela fizera naquele dia mais tarde.

Se eu pudesse, na minha época, ter alguém para compartilhar sobre


a gravidez, fora Nero, teria sido assim? No fim, aquilo não importava mais.
Mexi um pouco no celular, enquanto esperava Prim acordar, o que
não demoraria muito. Quando parei no e-mail, acabei clicando novamente

no que Bruno me enviara, e pensei sobre o fato de terem hackeado. Seria


possível? Ou estava apenas me negando a crer que ele queria ser legal
comigo?

Entrei no meu WhatsApp e cliquei para desbloquear o número dele.

O tinha feito quando ele passou a me enviar mensagens de bom dia, todos
os dias, do tipo que as pessoas mandam em grupos aleatórios, a partir do
momento em que soube que eu estava de volta à cidade. Foram quase dois
meses de mensagens assim, até que o bloqueei, e ele apareceu no estúdio
no dia seguinte para cobrar explicações, as quais terminaram comigo
apenas o encarando e ele sabendo que estava sendo insuportável.

“Você me mandou um e-mail?”

Uma mensagem simples e direta, e não sabia porquê, fiquei


encarando a tela, notando o exato segundo que ele ficou online. Ele
começou a digitar, e quando se passou um minuto de “digitando...” fiquei
esperando um textão, o qual não veio. De repente, apareceu que ele estava
gravando áudio. E de alguma forma, eu preferia aquilo.
Eu era a pessoa chata que mandava um áudio de 10 minutos no
WhatsApp. A sorte era que apenas Nero tinha que aguentar aquele lado

meu.

“Mandei e estou me sentindo horrível por não ser respondido por

lá... mas é isso que você faz, quer me destruir, Abigail!”

Revirei os olhos para o drama, e comecei a gravar um áudio.

“Pensei que tivesse sido hackeado... O que realmente quer?”

A resposta não demorou a chegar.

“Quero que responda o meu e-mail, com muito carinho, Bruno”

Revirei os olhos e joguei o celular de lado. Ouvi os resmungos de


Prim e fui até ela, trazendo-a para o meu colo. A qual veio de bom grado e
tinha o rosto inchado pelo sono. Ela falava algumas coisas completamente
sem sentido, que na realidade, eram sons estranhos, mas que eu ficava

buscando a palavra “mamãe”.

— Quem é a coisa mais linda da mamãe? — perguntei, levantando-


a e descendo em meu colo, e ela me presenteava com seus sons
inteligíveis. — Você gostou do péssimo babá que teve ontem? — indaguei,

e era ainda mais maluco, porquê de repente, eu estava falando sobre Bruno
Torres para a pessoa mais importante de toda minha história, contudo, não
me pareceu errado.

Prim me deu um sorriso bagunçado em meio a sua baba de bebê, e


trouxe-a para se deitar perfeitamente no meu colo, e ela se concentrou em
brincar com os dedos sobre as tatuagens que cobriam grande parte do meu
torso. Ela sempre parecia encantada com os traços.

Era tão simples assim, confiar e acreditar na minha filha. Se eu

pudesse, a protegeria do mundo todo, para que nunca ela tivesse que ter
seu coração e mente quebrados por qualquer um que seja. Notei que ela
utilizava novamente uma das roupas com unicórnio que comprei durante a
gestação, em um surto consumista que tive, e me apaixonei por roupas com
todas as cores do arco-íris.

Seria por isso que Bruno a chamou de tal forma? Por ver as cores
em suas roupas?

E ali estava ele novamente. Depois anos sem nos vermos, e antes
disso, quando me via apenas ignorando ou batendo de frente com aquele
homem, ele parecia ter voltado com uma força assustadora aos meus
pensamentos recorrentes.

A questão era que detestá-lo era tão fácil quanto respirar, e sempre
pude lhe confiar tal sentimento. Assim como, ele parecia fazer o mesmo
para comigo. Suas provocações, aproximações e palavras sem nexo.
Porém, sua atitude não condizia com o que voltamos a ter no segundo em
que pisei o reencontrei na velha cidade.

Ele parecia querer mais, em uma intensidade que me assustava.


Porque intensidade me remetia à confiança, e depois de tudo, não sabia
como poderia confiar em alguém que já não fizesse parte da minha
redoma.

Mas Bruno já o fez... Minha mente provocou, e fechei os olhos,


enquanto meus dedos se perdiam nos cabelos de Prim.

— Ele me perguntou o porquê de não sermos amigos, Prim. —


comecei, sentindo os leves dedos trilhando agora as tatuagens do braço. —
Ele me disse que o lembrava de quem ele era antes... Não sei o que isso
quer dizer, a respeito dele, claro, mas... Seu padrinho tem razão, me sinto
eu mesma próxima a Bruno. Mesmo que apenas admita para você e

ninguém mais. — soltei, abrindo os olhos e encontrando o reflexo idêntico

dos meus. — Estou pensando demais sobre, né filha?

Meu celular vibrou no sofá, e notei que não era uma mensagem no
WhatsApp, mas sim, outro e-mail. E eu agora conhecia o remetente. Sem
conseguir me segurar, acabei clicando no mesmo, e comecei a ler, com o

aparelho ainda sobre o estofado.

“Querida (adorável) Abigail,

WhatsApp são para pessoas que flertam, e convenhamos que não


estamos fazendo isso (no caso, você nunca correspondeu nenhum dos
meus, a não ser com algum líquido alcoólico voando na minha cara).
Decidi insistir, como bom Torres que sou, e acredito que posso me explicar

melhor enquanto digito por um computador – sou péssimo em digitar no


celular e por isso os áudios. Antes que eu comece a me estender no
assunto, e você nem leia o resto disso, já que sempre parece me cortar, até
mesmo as fofocas, quero que saiba que não estou pedindo para ser minha
amiga do nada.

A gente tem uma história, Abigail. Não é a mais convencional para


sermos amigos hoje, mas preciso ser honesto sobre. A nossa história me
faz pensar que de alguma forma, tenho que estar digitando esse e-mail para

você.

Espero que você queira me responder, nem que seja para exigir
explicações que eu não tenho, ou, terei que tomar medidas drásticas e bater
na porta da sua casa amanhã.

OBS: uma boa noite para você e a arco-íris.

Atenciosamente,

(detestável) Bruno Torres”

Deixei o celular de lado com um sorriso e pensei em de fato


respondê-lo. Mas o que eu poderia dizer? Eu não tinha ideia de como um
erro de percurso, com ele parando dentro da minha casa, tivesse estreitado
os laços que nunca construímos.

Então, apenas deixei aquilo de lado, sem querer dar uma resposta
imediata. O faria antes de dormir, e até lá, descobriria o que dizer, algo que
pudesse ser certeiro e o fizesse parar com qualquer joguinho que tivesse
começado.

— Vamos dançar um pouco, Prim? — perguntei para minha


pequena, que levantou os bracinhos, como se entendesse perfeitamente o
que eu pedi.

Não sabia o que estava fazendo, mas de repente, resolvi voltar para
o exato local em que ele me deixou, e admitir aquilo para minha filha, fazia
sentido – um dia, me apaixonei por Bruno Torres.

Talvez aquele velho sentimento, esquecido e trancado, pudesse

estar me confundindo, exacerbando o que de fato ele queria. Ou até


mesmo, me prendendo a névoa de histórias aleatórias de romance que criei
sobre nós, quando tinha apenas quatorze/quinze anos.

— Alexa, tocar The Way I Loved You da Taylor Swift.

Em alguns segundos, a música começou, enquanto ajeitava Prim de


forma melhor no colo, a qual batia palminhas e parecia encantada. Ela
sempre gostou de me ver cantar para si, ainda mais, em uma canção
animada. E naquela bolha que apenas ela conseguia me colocar, na qual eu

poderia admitir tudo o que senti, permiti-me sentir. Apenas me deixei


voltar a ter quinze anos, e fingir que o maior problema era ter me
apaixonado por um cara que eu fingia odiar.

“E você era selvagem e louco

Apenas tão frustrante


Intoxicante, complicado

Fugi de um erro e agora

Eu sinto falta de gritar e brigar e beijar na chuva

E são duas da manhã e eu estou amaldiçoando o seu nome

Eu estou tão apaixonada que agi insana

E esse é o jeito que eu te amei

Desmoronando e se desfazendo

É uma montanha-russa meio que rápida

E eu nunca soube que eu pudesse sentir tudo isso

E esse é o jeito que eu te amei

Oh, e esse é o jeito que eu te amei

Nunca soube que eu pudesse sentir tudo isso

E esse é o jeito que eu te amei...”[9]


CAPÍTULO VII

“E ele está passando

Raro como o vislumbre de um cometa no céu

E ele se sente em casa

Se a carapuça serviu, então a use para sempre”[10]

BRUNO

Eu sabia o que estava fazendo? Talvez

Eu sabia o porquê de o estar fazendo? Talvez.


Eu deveria estar fazendo? Talvez... não.

Ela não me respondeu, e sequer me mandou algo no WhatsApp.


Enquanto cavalgava pela fazenda, minha mente estava presa apenas
naquilo, e não saberia dizer em que momento Abigail conseguiu tomar
conta dos meus pensamentos. Aliás, não sabia porquê de estar tão ansioso
assim para que o dia raiasse, e pudesse bater na porta dela.

No caso, eu não podia, mas ainda assim, o faria. Era um convite


simples e rápido, e ela poderia dizer um “não” na minha cara, mas o que eu
tinha a perder? Abigail já me entregou tantas negativas ao longo dos anos
que nos conhecemos, que estava calejado sobre. Contudo, algo me dizia
que naquele momento seria diferente. Era como se o “não” pudesse ter
algum poder real sobre mim.

Como naquele beijo...

Minha mente vagou, e engoli em seco. Faziam muitos anos que não
parava para tentar entender o que aconteceu entre nós e porque ambos
fingimos que nunca o tivemos. O sentimento veio ainda mais forte, quando
a revi na floricultura da cidade que um dia compartilhamos.

Concentrei-me em chegar ao estábulo, e cumprimentar alguns dos


funcionários que já estavam a todo vapor, mesmo sendo apenas cinco da
manhã. Os dias começavam cedo, e de alguma forma, eu acabei me
apegando aquilo.

Nunca fui tão certo de quem eu era, e ser protegido por todos
pareceu ter grande influência sobre mim. Não poderia mentir e dizer que
conquistei o que tinha, pois na realidade, Fabrício e Heloísa Torres
deixaram a vida ganha para as várias gerações que viriam a partir de seus
filhos. O meu jeito de mostrar-lhes que valeu a pena, era cuidar daquela

terra que eles reservaram para mim. Quatro pedaços de terra para quatro
filhos.

Esperava estar fazendo o certo para com o meu.

Um diploma de administração e agronomia, as duas faculdades que


fiz ao mesmo tempo, para conhecer as alternativas válidas para
melhoramento daquela terra, me prendiam em viagens para a capital.
Contudo, após algum tempo, acabei me acostumando.

Nossos pais nos deram ferramentas para facilitar, mas ainda assim,
sempre deixaram claro e livre de que deveria ser a nossa escolha e o nosso
caminho. Inácio permaneceu na fazenda em que crescemos, na cidade
vizinha. Júlio era um CEO da tecnologia e se dividia entre a capital e
agora, o seu próprio lugar que ficava ao lado da fazenda do nosso mais
velho. Olívia se tornou advogada e mesmo que amasse o centro urbano,
sempre fugia pra a fazenda ao lado da minha, que era o seu lugar, e no
qual, ela decidiu que passaria a criar a filha.

Eu? Como sempre, parecia sem saber exatamente quem era. E as


palavras de meu irmão se repassavam em minha mente: Você é ele por
completo, Bruno. O jeito engraçado, nada polido, charmoso, zombeteiro.
Torcia para que Inácio estivesse certo, e para que em algum momento, eu
realmente acreditasse naquilo.

Caminhei até em casa, e fui direto para o banho. A água fria


pareceu lavar parte dos pensamentos perdidos que me acompanhavam, ao
mesmo tempo que me atingiu o fato de eu saber exatamente quem eu era
quando estava com Abigail.

Por que ela?

Por que ela em minha mente?

O que deveria fazer sobre?

No caso, eu já estava fazendo. Meu instinto gritou no segundo em


que os olhos dela voltaram para os meus, depois de longos anos sem
qualquer notícia concreta a respeito. E de repente, era tão certo quanto
respirar, que eu deveria estar próximo dela.

Eu sentia que existia algo entre cada provocação, xingamento,


discussão e porta na cara. Saí do banho, enxugando-me rapidamente e
encarei as horas no celular: 6h00. Refleti um pouco, se ela estaria acordada

ou não, mas me recordava de ela sempre estar na padaria perto do seu

estúdio, por volta das 06h30. Talvez, tivesse sorte e a encontrasse ainda em
casa, caso saísse naquele exato segundo.

Já eram 06h40 quando estacionei o carro à frente de sua casa, e


torci para que o mundo estivesse ao meu favor e ela não tivesse ido para a

padaria ainda. Não queria fazer-lhe outro convite naquele lugar, e repetir a
negativa. Algo me dizia que talvez a mudança nos ares, a permitisse pensar
em um sim. O era uma péssima estratégia, e talvez, nem pudesse ser
chamada de uma. Dei cinco batidas leves na porta, recordando que ela
tinha uma criança pequena em casa e que..

Meus pensamentos se perderam no segundo em que a porta se


abriu, e uma Abigail claramente sonolenta e com uma garrafa de água nas
mãos, me encarou como se quisesse voar no meu pescoço.

— Me dê um motivo para não cometer um assassinato nesse exato


momento. — falou, a voz rouca pelo sono, e mordi o lado interno da boca,
para não gargalhar.

— Em minha defesa, pensei que ia para o trabalho e talvez, te


pegasse a tempo de não estar lá ou na padaria e...

— Encurta, Torres. — falou, encostando-se no batente, parecendo


realmente interessada em apenas voltar para a cama.

— Enfim, eu... Eu queria fazer um convite. — comecei, e ela


acariciou as têmporas, e poderia jurar que formas de me bater se passavam
por aquela linda mente.

Linda mente?

Eu devia estar fora da minha.

Porém, o que eu poderia fazer?

A mulher estava com apenas um regata branca colada ao corpo,


assim como um short preto curto. As tatuagens espalhadas por cada
milímetro de pele, e meus pensamentos se voltaram para o fato de que
gostaria de lamber cada uma delas... Quanto tempo eu levaria apenas a
medindo com a minha língua?

Meu olhar parou em seus seios, os quais se endureceram, e eu tive

que conter um arfar.

— Meus olhos estão aqui em cima, Bruno.

Por que eu gostava tanto quando ela dizia meu nome? Só


conseguia pensar em como seria, ela o dizendo quando... Merda! Não era
sobre aquilo. Não era sobre a atração crescente que eu sentia. Não era
sobre desejo.
Eu estava ali como seu amigo. Mesmo que não o fossemos.

— Entendi que não quer expor a arco-íris, e a festa anual foi um


convite péssimo. — comecei, ela cruzou os braços, e notei que escondeu
os seios atrás dos mesmos. Foco, Bruno! — Eu tenho uma fazenda, com
muitos cavalos, um lago enorme, tem até piscina... — eu só piorava nas
razões e o olhar dela permanecia o mesmo. — Queria saber se gostaria de

visitar, com sua filha.

Ela pareceu pensar e levou a mão aos cabelos, soltando do que


parecia um coque feito com ele mesmo, e me fez quase desviar de seu
rosto e descer o olhar para o seu corpo. Contudo, algo me dizia que se o
fizesse, mais uma vez, ela me mandaria porta afora.

— Hoje é meu dia de folga, não tenho planos. — comentou e fiquei


animado com o início da sua reação. — Mas não vou sair de casa nessa
hora, nem a pau.

— Posso buscar vocês as...

Esperei que ela continuasse, e ela fez um sinal com as mãos, como
se fosse óbvio.

— Após as dez, no mínimo. — apontou um dedo em minha


direção.
— Qual o horário do almoço da arco-íris? — indaguei, e os olhos
de Abigail se arregalaram.

— As onze e meia. — respondeu, olhando-me desconfiada.

— Ok, volto as onze, para dar tempo de chegarmos na fazenda, e


ela já poder comer...

— Vai cozinhar para gente? — indagou, como se não pudesse se


conter, e eu dei de ombros.

— O que posso dizer? Sou cheio de surpresas. — revirou os olhos,


e eu sorri abertamente, sem poder me conter. — Até as onze então... Aliás,
bom...

— Não me dê bom dia antes das sete, na minha folga. — cortou-


me, fazendo-me sorrir de lado.

— Adorável como sempre, Abigail.

— Detestável como sempre, Torres.

A cara inchada e a voz rouca pelo sono. Os cabelos negros


bagunçados sobre os ombros e os olhos tão escuros praticamente fechados.
Mesmo assim, a língua inteligente não parava e a nossa provocação
também não. Ela era ainda mais linda quando estava puta comigo.
Eu estava fodido.
CAPÍTULO VIII

“Porque eu não sou sua princesa

Isso não é um conto de fadas

Mas eu vou achar alguém algum dia

Que realmente me trate bem"[11]

ABIGAIL

O que eu estava fazendo?

Olhei para o reflexo no espelho e soltei o ar com força. Estava


usando meu vestido favorito na cor cinza, que era curto o bastante para

deixar parte de minhas tatuagens nas coxas a mostra, uma jaqueta preta
sobre o mesmo, para contrastar, e o meu coturno preto favorito. Por que
usar as roupas que eu mais adorava para um encontro com Bruno Torres?

— Não. — falei para mim mesma, e era uma mania que tinha,
como se colocando as coisas em voz alta, elas pudessem se resolver. —

Não é um encontro!

Deixei o cabelo um pouco preso e não passei nada além de protetor


solar e rímel no rosto. Não era adepta a maquiagem e não sabia porquê de
pensar tanto sobre aquilo naquele momento. Poderia até saber a razão, mas
eu me negava a aceitá-la.

Fui até o berço em que Prim estava praticamente se segurando, e


notei o quão bonita ela estava com seu vestido todo colorido, na qual a cor
roxa se destacava um pouco mais, mas não camuflava as outras seis. Sorri

para minha filha e tirei uma foto da mesma, o que era algo comum. Não
me recordava de um dia em que não tivesse uma foto nova de Prim na
minha galeria.

Batidas na porta chamaram minha atenção e antes que pudesse


pensar em simplesmente desistir, suspirei fundo e resolvi apenas enfrentar
aquilo. Eu queria ir para a fazenda? Sim. Eu queria passar aquele
momento com Bruno? Por mais que dissesse que não, sentia que sim. E por
aquilo, estava indo.

Peguei a bolsa de Prim e a minha, ficando uma pequena bagunça,


enquanto a carregava pelas escadas. Assim que abri a porta, encontrei o
olhar castanho de Bruno, que estava com outra roupa, e não entendia ao
certo porque o fizera. Ele costumava trocar de roupas constantemente?

Ele tocou o chapéu preto na cabeça, e foquei em seus olhos, para não me
perder inspecionando seu corpo.

Não era sobre aquilo.

— Bom dia? — soou mais como uma pergunta, como se ele


testasse se já era o momento.

— Bom dia, Torres. — falei, e notei que Prim não tirava os olhos
do chapéu dele, e erguia os bracinhos em sua direção. — Depois, pequena.

— sussurrei em seus cabelos, como se ela pudesse entender, mas de


alguma forma, ela não parecia prestes a chorar para ir ao colo de Bruno.
Ainda bem.

— Posso? — indagou, indicando as bolsas, e o deixei fazê-lo,


tirando um braço de Prim, e deixando-o deslizar a alça por ele. Por um
segundo, senti seus dedos na pele tatuada e seu olhar castanho parou no
meu.
Ele também sentia aquela merda de sensação que queimou cada
parte de pele que encostou?

Prim fez um barulho, o qual quebrou nossos olhares, e me vi


caminhando com Bruno em direção ao carro, colocando minha filha com
cuidado na cadeirinha, que deveria ter sido de Daniela, enquanto ele
colocava a bolsa dela no porta-malas. Assim que me sentei no banco do

carona, olhei rapidamente para uma mensagem que Nero mandou, de um


meme aleatório, e revirei os olhos. Ele era tão previsível.

— Então, Nero e você? — a pergunta me fez levantar o olhar, e


encontrei Bruno colocando o cinto ao redor do corpo, com o olhar preso na
tela do meu celular.

— Não pode ser um pouco menos curioso? — revidei, e bloqueei a


tela, ganhando um sorriso que não parecia tão engraçadinho como os
habituais.

— Não consigo evitar...

— Faz parte do fofoqueiro oficial da família Torres? — provoquei,


e prendi o meu cinto, enquanto ele dava de ombros, e notei que olhou
rapidamente pelo retrovisor, sorrindo em direção a minha filha.

Por que eu não me incomodava de ele estar próximo dela?


Desde que engravidei até aquele momento, a única pessoa que
permiti que realmente se aproximasse dela foi Nero. Brenda foi aos

poucos, até nos acostumarmos e confiar completamente em ela sozinha


com Prim. Mas com Bruno era tão... tão fácil?

— Posso colocar música? Ela gosta de música no carro?

— Nunca estou em silêncio no meu, e acho que ela gosta. — falei,


e foquei em olhar para a janela, enquanto ele saía com o carro, e logo
passou a mexer em algo no painel.

De repente, Shake it Off começou e eu o encarei, ao sentir que me


olhava de esguelha.

— Não pode ser mais óbvio, né?

— O que? — fez-se de desentendido, e notei que as duas mãos


estavam firmemente colocadas sobre o volante.

A cada vez que ele as movimentava, os músculos de todo seu braço


se contraíam, e não pude deixar de notar as veias que se sobressaíam tanto
ali, quanto nas mãos. Mãos grandes demais e com dedos longos, que me
faziam ser além do movimento que ele fazia para dirigir.

Felizmente, Bruno parecia preso a estrada e não notou minha


inspeção nada discreta, enquanto a música preenchia o ambiente, e de
alguma forma, o silêncio entre nós dois, não me era estranho.

Assim que o refrão chegou, Bruno começou a cantar alto e o


encarei sem surpresa alguma. Ele nunca pareceu nem um pouco como um
cara tímido ou de masculinidade frágil. Ele apenas parecia fazer o que
queria, e pelo jeito, cantar para Prim era algo que estava gostando.

— Qual é? Não conhece? — provocou, assim que o refrão acabou,


como se me instigando. — Ou não sabe a parte falada da música? Eu te
desafio!

— Sabe que a gente não tem mais quinze, mas sim quase vinte e
cinco, certo?

— O que não impede de provocar você ser um ponto alto do meu


dia, então... parece que tenho quinze de novo.

Calei-me por um momento, e notei como ele sorria

verdadeiramente, ainda olhando para a frente, como se realmente quisesse


dizer aquilo. Depois de tudo, acreditar no que um homem dizia parecia tão
impossível, mas com ele, não o era. Onde eu tinha deixado a minha
cabeça?

No passado? No que vocês não tiveram?

— Vamos lá, Abigail! — incentivou, enquanto o refrão estava para


acabar de novo, e eu revirei os olhos, mas não pude evitar querer ser

apenas eu, como antes.

Fechei os olhos por um segundo, e assim que a exata parte que o


ouvi cantando na sala da minha casa começou, acabei por deixar a voz sair.

“Ei, ei, ei!

Só pense que enquanto você esteve chateada e decepcionada por causa dos
mentirosos

E dos sujos, sujos trapaceiros do mundo

Você poderia estar se acabando nessa batida incrível

Meu ex trouxe sua nova namorada

Ela está tipo: Ai, meu Deus

Mas eu vou deixar pra lá

E para o cara bem ali com o cabelo lindo

Por que não vem pra cá, amor?

Nós poderíamos sacudir, sacudir, sacudir...”[12]


O fato de ele não cantar junto, me fez encará-lo, e quando parou em
um cruzamento de terra, seu olhar voltou para o meu, parecendo
encantado.

— Se disser que eu canto bem, vou te mandar a merda por ser um

mentiroso. — soltei, e ele riu baixinho, após fazer um leve aceno para o
carro que passava a nossa frente. Ele realmente conhecia todo mundo?

— Estou apenas surpreso por fazer algo que eu pedi. — comentou,


e foquei em Prim, que mexia em um dos brinquedos pendurados na
cadeirinha, completamente alheia a nós. — E sobre cantar bem... podemos
competir para quem é pior nisso.

— Você pelo menos é afinado. — soltei, e ele riu baixinho.

— Sei um pouco porque perseguia meus irmãos em todas as aulas

que tinham em relação a música. — compartilhou e não sabia dizer porque


estava completamente interessada naquela conversa. — Estou te deixando
entediada, certo?

Notei a fragilidade na sua voz, e me surpreendi, negando com a


cabeça, e recebendo um olhar inquisitivo dele.

— Você fala por nós dois, não me importo. — pisquei um olho e


ele assentiu, como se animado por aquilo.

Os próximos minutos foram regados por mais músicas de Taylor


Swift, a voz rouca afinada de Bruno e causos e mais causos de sua vida.
Sabia que ele era um livro aberto, mas vi-me indagando se ele
simplesmente contava para todo mundo sobre como ele quebrou o dente
aos dezenove anos?

Quando o carro finalmente parou, fiquei paralisada diante da beleza


da casa principal da fazenda. Diferente do que eu imaginei, apesar de
grande, não era extremamente luxuoso. Apressei-me para retirar Prim da
cadeirinha, a qual já estava ficando mal-humorada por estar perto do
horário do seu almoço.

— Aqui. — Bruno me estendeu um minichapéu rosa, e eu sorri, ao


colocá-lo sobre Prim. Ficou um pouco grande, mas a protegeria até
adentrarmos a casa. — Dani tem várias coisas aqui, no quarto favorito

dela, na casa do tio favorito...

— Por que eu acho que Inácio e Júlio devem falar o mesmo?

— Porque eles são péssimos perdedores. — piscou um olho e não


pude evitar revirar os olhos, enquanto o seguia, e notava que já estava com
a bolsa de Prim em seu ombro. Ele abriu a porta e sorriu amplamente, ao
nos convidar. — Bem-vindas.
— Com licença. — pedi, e dei um passo à frente, ficando ainda
mais encantada com o lugar, que parecia tirado diretamente de uma novela

mexicana localizada no interior, que eu adorava. — Olha, Prim! Essa é a


casa do Bruno. — sussurrei para minha filha, a qual tocava meu vestido e
tinha os olhinhos atentos ao ambiente.

Quando chegamos ao que parecia ser a sala de jantar, assustei-me

ao ver uma refeição já posta e parecia estar na temperatura certa, como se


soubesse o momento em que chegaríamos.

— Talvez eu tenha roubado a cozinheira de Inácio hoje e...

— Achei que ia cozinhar. — provoquei, e ele deu de ombros,


enquanto empurrava a cadeirinha alta para bebês, na qual pelo jeito,
poderia colocar Prim.

— Nunca lhe disse que sei fritar um ovo, Abigail.

— Por que não estou surpresa? — rebati, e notei como Prim o


encarava, com clara curiosidade e esticando os bracinhos, como se
quisesse ir para o colo dele e demandou tudo de mim, conseguir deixá-la o
fazer.

— Realmente, eu posso? — perguntou, como se preocupado com o


meu olhar, que não conseguia disfarçar, não quando se tratava de Prim.
— Já foi babá uma vez. — soltei, limpando a garganta. — E parece
que ela gostou de você.

— Eu sou incrível. — piscou um olho, aceitando-a em seu colo, e


meu coração que estava disparado, aos poucos, passou a se acalmar. —
Sou irresistível, não é arco-íris?

— Ou a minha filha de um ano tem um péssimo gosto. — rebati, e


ele sequer me destinou o olhar, aceitando um dos dedos ser apertado pela
mãozinha dela.

Minha mente toda se dilacerou e eu tentei evitar o sentimento que


se apossava de mim. Deveria ser da fragilidade em que me encontrava. Ou
o fato de ter apenas Nero ao redor. Contudo, não conseguia parar de
pensar, no quanto Bruno Torres, de repente, parecia um homem adorável.

Eu estava completamente na merda.


CAPÍTULO IX

“Não posso evitar se eu quero te beijar na chuva

Então, venha sentir essa magia que eu sinto desde que te conheci

Não posso evitar se não há mais ninguém

Eu não posso me segurar"[13]

BRUNO

— Acho que ela realmente gostou do chapéu. — Abigail falou,


enquanto Prim parecia encantada com a aba do chapéu rosa que lhe
entregara.
— Vou pedir um para ela, de cowgirl. — acabei soltando, e notei o
olhar da mulher a minha frente mudar por completo. Era bem claro que ela

parecia querer esconder a filha do mundo, e eu me sentia honrado de ela


me deixar tão perto assim. — Eu não quero ser invasivo, Abigail.

— De todos as vezes que te vi, é a primeira que parece se


preocupar com isso. — comentou, seu semblante se suavizando, enquanto

estava encostada contra uma grande árvore que ficava a frente do lago. —
As outras pessoas sempre parecem ter medo de mim, apenas porque meu
rosto é sério, mas você... Você nunca pareceu intimidado.

— Talvez eu não seja esperto, como você diz. — soltei, e ela negou
com a cabeça, como se tivesse certeza que era outra coisa. — Esqueceu
que eu sou irmão caçula de Inácio? O cara que sequer tem alguma reação à
frente de pessoas que ele conhece?

— Olhando por esse ângulo, faz sentido. — ela assentiu, passando

as mãos levemente pelas costas da filha, que estava sentada sobre um


tapete que arrastei até ali, para que Prim tivesse livre movimentação pelo
local, sem correr o risco de querer comer o mato.

Algo que eu tinha certeza que todos meus irmãos, incluindo-me,


fizemos. Minha mãe não nos poupava dos detalhes de crescer em uma
fazenda.
— Mas ele tem o lado que as pessoas que ele ama conhecem. —
continuei, e o olhar negro parou no meu. — Ele é uma manteiga derretida,

sério! Pode não parecer, e ele não é o irmão de gritar “eu te amo” aos
quatro ventos, mas ele... — sorri ao me lembrar da última conversa que
tivemos. — A gente sabe exatamente a forma como ele demonstra esse
amor.

— Esqueceu que ele é casado? — não entendi sua pergunta. —


Está praticamente listando as qualidades do seu irmão mais velho, que se
diga de passagem é um gostoso...

Não pude evitar um som de desagrado e uma careta.


Surpreendendo-me, pela primeira vez em muito tempo, vi Abigail sorrir
abertamente. Não o vislumbre de um sorriso forçado ou zombeteiro. Um
sorriso real, que me fez indagar o quanto ela conseguia ficar ainda mais
bonita quando sorria. Como a música que Olívia era apaixonada dizia

mesmo? E você tem um sorriso que poderia iluminar a cidade inteira...

Oh merda!

— Você fica a cada segundo mais estranho. — soltou, com o


sorriso ainda no rosto e quase pedi para que permanecesse ali para sempre.
— Ok, por que tá olhando tanto para minha boca? E sei que não é para me
beijar. — complementou, e eu engoli em seco. Em outros momentos, tinha
total certeza que seria exatamente por aquilo. Mas naquele, era o sorriso
dela. Tão... Tão inesperado. Tão bonito.

— Você sorriu para mim. — falei, como se fosse óbvio, e me vi


soando como um adolescente de quinze anos. Talvez por que ela te faça
voltar a ter essa idade e querer reescrever parte da sua própria história?
A pergunta de meu âmago me acertou, e resolvi apenas ignorar.

— Não é algo tão raro assim. — deu de ombros, mas seu olhar
fugiu do meu, como se ela soubesse que o era. — Eu rio a cada cindo
segundos com Nero, então...

— Uma hora chama o meu irmão de gostoso, e na outra fala que


sorri para o Nero... Você sabe como esmagar o meu ego. — ela então me
surpreendeu ainda mais, quando soltou uma gargalhada.

Prim pareceu animada diante da mãe, encarando-a com devoção.

Eu tinha o mesmo olhar para com ela?

Quer algo mais profundo sobre minha teoria de que foi apaixonado
por Abigail?

A voz de Olívia soou em minha mente, como se relembrando


aquilo, e sabia que não era apenas sobre o passado. Não era sobre o fato de
se um dia fui ou não apaixonado por Abigail, quando éramos adolescentes,
mas sim, porque me sentia da mesma forma que antes, bem ali.

Se eu era apaixonado por ela antes, então agora...

— Lembra quando me perguntaram no colégio, por pura


implicância, qual era a última boca que eu beijaria? — sua pergunta me
tirou dos pensamentos, e notei a covinha que aparecia apenas quando ela

estava com o sorriso espalhado pelo rosto. Por que eu queria tocar aquele
ponto específico? Talvez porque quer tocar cada parte dela. Merda!

— Você respondeu o óbvio, na frente da escola inteira, em um


microfone... Que a minha boca era a última. — sorri da lembrança, e de
como aquilo me instigou a ir até ela, durante a festa que aconteceu na
cidade naquela noite. Nós dois sozinhos atrás do velho prédio de três
andares, o mais alto do lugar e...

— Por que não pode repetir o que disse, só para mim? — insisti,

cruzando os braços à frente do corpo, e Abigail parecia mais interessada


em arrumar a franja, do que realmente me olhar.

E por um segundo, só consegui pensar no quão bonita ela era.

— Porque não se derruba quem já tá no chão. — piscou um olho,


finalmente me encarando. — Por que não vai curtir a festa e me deixa em
paz? — olhou-me com todo o se ar de “eu gostaria de socar a sua cara” e
que ela tinha para comigo, desde que nos vimos pela primeira vez, na
mesma turma da escola, há cerca de um ano.

— Por que você me odeia? — perguntei, minha voz quase falhando


e não sabia o que diabos tomava conta de mim, não quando se tratava de
Abigail.

— Por que você não para de me provocar? — rebateu, e a resposta


era óbvia.

— Porque é divertido. — notei seu olhar mudar por um segundo e


ela assentiu, como se sentisse o mesmo, mas algo me dizia de que não era
assim.

Ela então apenas me deu as costas e iria sair, mas dei um passo à
frente, alcançando-a e segurando seu braço. Abigail se virou, e sem que
eu precisasse puxá-la, ela veio para mais perto, quase tocando sua boca

na minha.

Não pensei mais em nada, não quando os olhos negros como uma
noite sem estrelas encontraram os meus. Apenas olhei-a por um último
segundo, como se pedindo permissão, e quando ela fechou os olhos, tomei
aquela boca como minha.
ABIGAIL

Assim que os lábios quentes se afastaram dos meus, deixando-me


com as pernas bambas, sem entender como de repente, eu tinha o primeiro
beijo com o garoto que estava apaixonada. Ele não sabia. Ninguém sabia.
Mas detestá-lo encobria aquele sentimento. Buscar motivos para não me
apaixonar, também ajudava.

No segundo em que ele me encarou novamente, entrei em completo


pânico, porquê de repente, toda a minha história tinha ido por água
abaixo. Eu era encantada com Bruno Torres desde sempre, na realidade,

quem não o fazia? Porém, consegui a atenção dele, utilizando facilmente


da raiva para camuflar qualquer outro sentimento.

Era uma paixonite adolescente, pelo menos, era o que minha irmã
mais velha afirmou, quando eu lhe confessei tudo. Ela disse que aquilo
passava, e que era o exemplo de que era um sentimento com data de
validade. Então, para que deixar acontecer, certo?
Seja esperta, maninha! Não se deixe acreditar que uma paixonite
adolescente é para sempre!

Vi-me apenas afastando dele, e saí correndo dali, sem sequer olhar
para trás, nem quando ele chamou meu nome. Merda! Eu tinha feito tudo
errado. Corri por dois quarteirões, até estar longe o suficiente para poder
parar, e felizmente, Bruno não me perseguiu.

Palmas soaram próximas, e levantei o olhar, para encontrar duas


pessoas que eram do grupinho que Bruno andava na escola – Tamires e
Felipe.

— Eu acho que ele ganhou a aposta. — comentaram entre si e eu


fiquei paralisada.

— Que aposta? — perguntei, mesmo me sentindo estúpida por


fazê-lo. — Que...

— Ele apostou com a gente que tiraria o seu bv, hoje mais cedo,
depois daquela declaração tosca. — Felipe soltou, e Tamires parecia mais
interessada em rir da cena.

— Convenhamos que ele foi rápido. — ela complementou e sabia


que eles tinham visto o beijo, ou então, Bruno os mandou para... para me
humilhar.
Saí dali, sem querer saber de mais nada, e jurei a mim mesma,
assim que abri o meu diário naquela noite e escrevi o nome dele, que

Bruno Torres teria todo o meu ódio e nada mais.

— Está pensando naquela noite atrás do prédio velho? —


perguntei, notando como o homem ao meu lado parecia longe dali, e
trazendo meu rosto para perto do seu, para que me escutasse melhor.

Acabara de sair dos meus próprios devaneios e o vi fazer o mesmo,


enquanto piscava os olhos e me encarava. — Eu te detestei ainda mais
depois daquele momento.

— Eu percebi. — as duas palavras saíram com pura amargura de


seus lábios. — Só consegui pensar no quanto realmente me odiava após
aquilo.

— Nero e eu temos uma teoria, que claro, eu só cheguei a ela de


fato, quando já estava na faculdade... — comecei a falar, e ele me encarou

como quem perguntava: o que Nero tem a ver com isso? — A gente foi
visto pela Tamires e o Felipe, eles me viram correr para longe e me
seguiram, até que eu parasse... eles me disseram que era uma aposta, e
como boa garota de quinze anos, que assistia muito filme na sessão da
tarde, eu acreditei, e jurei te odiar de verdade a partir daí. Diga-me se
estou errada?
— O que? — a voz de Bruno praticamente não saiu. — Eu nem
sabia que alguém viu o nosso beijo...

De fato, eu não estava surpresa.

— Bom, demorei alguns anos para aceitar que essa teoria que
surgiu primeiro de Nero, que te achava um playboy chato, mas não

ridículo, estava certa. — ri de mim mesma, ao lembrar das palavras do


meu melhor amigo. — No fim, foi até bom...

— Como diabos isso foi bom? — indagou, e fechou os olhos por


um segundo, e logo olhou para Prim. — Desculpe, arco-íris, esqueça o que
eu disse. — olhou-me como se culpado e eu neguei com a cabeça, não era
um problema para mim, não naquele instante.

— A gente ia fazer o que? Começar a namorar? — vi-me rindo


novamente, e estava parecendo tão à vontade que me assustava. — Depois

de um tempo, apenas comecei a te odiar porque era divertido, e... Aqui


estamos.

— Você gosta de mim? — arregalei os olhos, diante de sua


abordagem. — Quer dizer, você gostava de mim?

— É por isso que apareceu na minha casa ontem e hoje? —


indaguei, e notei o quanto seu rosto caiu. Ele era completamente nítido em
suas expressões. Sorri, porque era apenas mais uma provocação minha. Ele
não me chamou ali por isso, e deixou claro em seus e-mails. Bruno cafona

Torres. — Quer saber se o meu inimigo mortal foi a minha primeira


paixão? — fiz a pergunta real, e ele apenas assentiu, como se em completa
expectativa. — O que você acha?

— Que você sempre consegue me enrolar. — respondeu, fechando

os olhos, e um sorriso se abriu no rosto preenchido pela barba por fazer.


Ele tinha as mãos contra o tapete, apoiando-se ali. — Mesmo aqui, em que
não estamos nos bicando ou maldizendo, você... Você consegue ser a
pessoa mais difícil que já tive o prazer de conhecer.

— Difícil e prazer na mesma frase... — soltei, e seu olhar se abriu,


encontrando o meu. — Não faz muito sentido.

Seu semblante mudou por completo, e um arrepio percorreu todo


meu corpo, mesmo sem que ele me tocasse. O seu olhar pareceu o bastante

para me sufocar, e não de uma maneira ruim.

— Não vai querer que eu faça isso ter sentido, vá por mim. —
soltou, e notei-o engolir em seco, enquanto movia a cabeça para mais perto
da minha, quase tão perto, que já sentia sua respiração.

— O que estamos fazendo? — perguntei, e uma das minhas mãos


livres, foram direto para o seu rosto, e notei a forma como seu corpo
pareceu me corresponder.

— Não tenho ideia, mas uma coisa é certa, não estamos apenas nos
divertindo.

A intensidade. O momento. A confissão. Tudo aquilo me


massacrava, e eu só conseguia pensar se aqueles lábios eram tão bons

quanto na minha lembrança. Suspirei fundo, e seu nariz encostou no meu,


fazendo com que um gemido quase escapasse da minha boca.

— A melhor babá chegou!

Joguei a cabeça tão rápido para trás, que consegui derrubar o


chapéu dele no chão, e ocupei-me em olhar para minha filha, que parecia
completamente entretida no mordedor que eu trouxera, alheia à toda a
tensão sexual que poderia ser cortada como uma faca.

— Olívia, você tem um time...

— Oi, Abi! — a Torres parou a minha frente, ajoelhando-se, e


abriu um sorriso enorme para Prim. — Eu ia te perguntar como está e tudo
mais, mas olha só essa coisinha mais linda do universo.

— O que faz aqui? — a pergunta de Bruno a fez piscar e encará-lo.

— Interroguei Valéria. — soltou e jurei que Bruno ia voar nos


cabelos dela, típico de irmãos, não que eu soubesse de fato como era
aquilo. A forma como eles se olhavam já era diferente. Não como eu e...
Esqueça isso, Abi! — Nem vem com essa cara, a pobre mulher só

comentou que cozinhou para você, uma mulher e uma bebê linda... Pensei
que você tinha um filho perdido no mundo e aí vim correndo.

Tive que segurar a risada diante da clara preocupação fofoqueira de


Olívia.

— Como sabe que não é sobre isso?

— Abigail é inteligente demais para engravidar de você. — Olívia


soltou, e notei que Bruno estava a ponto de pegar o chapéu e jogar na cara
dela. — Mas eu posso ficar de babá por alguns minutos, se quiserem.

— Não... Não precisa. — respondi de imediato, engolindo seco. —


Está quase na hora de Prim dormir e de irmos para casa...

— Por que não coloca ela para dormir, eu fico de babá apenas

olhando-a no berço que temos no velho quarto de Dani aqui, e... Bruno te
leva para cavalgar. — ofereceu, e eu fiquei em choque, sem saber o que
responder. Eu poderia fazer aquilo? Eu poderia confiar nela?

— Está deixando Abigail desconfortável, Olívia!

Olhei para Bruno e ele parecia realmente incomodado com a


situação, como se ele me compreendesse.
— Uma mãe superprotetora reconhece outra. — Olivia falou e
voltei meu olhar para ela. — Apenas se desejar, Abi.

— Eu acho que se ela dormir, e por alguns minutos... tudo bem.

Olívia bateu palmas, chamando atenção de Prim, que já esticava as


mãozinhas para ela.

— Eu posso? — perguntou e eu assenti, vendo minha filha ir toda


sorridente para o colo da mulher. Olívia era mãe, e eu sabia que ela vivia
para a filha, completamente. Algo dentro de mim, conseguia confiar nela,
por aquilo. — E qual o nome dessa princesa?

— Primavera. — Bruno foi mais rápido e logo me encarou, como


se pedisse desculpas.

— É perfeito. — a irmã mais velha soltou e sorriu, fazendo caras e


bocas para minha filha.

Levantei-me, ajudando Bruno a pegar as coisas, tanto de Prim,


quanto que ele trouxera por conta. Caminhamos em silêncio até a casa,
enquanto Olívia parecia completamente em outro mundo com Prim.

— Não precisa deixar que ela fique de babá. Olívia... Olívia pode
ser bem persuasiva. — Bruno sussurrou, e notei que ele estava se sentindo
culpado por aquilo, apenas pelo seu olhar. — Sério, Abigail! Se quiser,
posso expulsá-la agora.

— Não se preocupe. — falei, e era a frase mais estranha que já


destinei a ele. Desde quando Bruno Torres se preocupava comigo? —
Prim merece conhecer pessoas novas, e pessoas boas. — complementei.

Ele não tinha como saber exatamente o que eu queria dizer, mas

bastava para mim.

Bastava porque finalmente estava abrindo o mundo para Prim. E


ela merecia aquilo, longe das redomas que construí, e que a qualquer
momento, poderiam desabar. Eu ainda as controlava, mas agora, passava a
deixar que pudessem ser mais largas, acomodar mais pessoas.

E do que aquele dia me entregava até o momento, saber que estava


dando um passo além do que eu contei, me fazia sentir viva. Depois de
tanto tempo e muita terapia, eu finalmente estava conseguindo.
CAPÍTULO X

“E eu não sei porquê, mas com você eu dançaria

Em uma tempestade, com meu melhor vestido

Sem medo"[14]

ABIGAIL

— No segundo que quiser voltar para perto de Prim, se for agora...


— Bruno sugeriu, talvez pela décima vez, enquanto caminhávamos em
direção ao estábulo.
— Ela está bem, sei o quanto Olívia é cuidadosa com a filha, dá pra
ver só pela forma como elas interagem quando estão na cidade ou o jeito

que ela se iluminou à frente de Prim. — confessei, e ele pareceu


convencido. — Mas tenho que dizer que não sei andar a cavalo e esse hoje
não é o dia que vou aprender. — comuniquei-o, o qual parecia incrédulo.

— Então por que concordou em vir comigo? — parou ao perguntar,

já próximo as portas do que parecia ser o estábulo. — Ah, a aposta... —


pareceu realmente certo sobre aquilo, mas antes que eu pudesse corrigi-lo,
ele continuou: — Eu nunca, em momento algum, fiz uma aposta dessas,
muito menos, uma que te envolvia.

Ele era transparente como água, e era clara sua sinceridade.

— Isso também fazia parte da minha teoria e do Nero... —


expliquei e ele assentiu surpreso, como se tudo fizesse sentido. — Mas
como disse, isso não muda nada... Só te contei porque... — me calei,

porque no fundo sequer sabia do real motivo. Eu estava seguindo algum


conselho horrível do meu melhor amigo sobre me permitir?

— Se eu soubesse... — suspirou profundamente. — Depois que


Nero tentou socar a minha cara no dia seguinte, e me disse para ficar
longe, jurei que eram um casal, e que...

— O que? — minha pergunta saiu como um grito. — Como assim


Nero tentou te socar?

— Você não sabe? — franziu o cenho, com um sorriso no canto da


boca. — Foi no banheiro da escola, assim que cheguei... Júlio previu o
movimento dele e segurou no meio do caminho. Se não fosse meu irmão,
eu teria ficado com o olho roxo.

Eu fiquei paralisada. Como Nero fez algo assim e não me disse?


Claro que ele o fez, já que me ouviu chorar as mágoas por toda a
madrugada após o beijo. Levei uma mão ao rosto, negando com a cabeça.

— Aquele nerd maluco. — sorri, apenas por pensar. — Ele deveria


estar tentando defender minha honra... — revirei os olhos e Bruno me
encarava com atenção. — Por que eu acho que isso tem a ver com ter me
ignorado por uma semana, sem nenhuma piadinha ou... No caso, eu te
ignorei também, mais do que o normal, mas mesmo assim...

— Pensei que tinha me usado para trair Nero. — fez uma leve
careta, e acabei da mesma maneira. Dito em voz alta, toda aquela história
era digna de um clichê amoroso adolescente. Péssimo, por sinal. — Nossa
história é horrível, vamos ser honestos.

Dei de ombros, e senti o exato momento em que um pingo de


chuva caiu sobre meu nariz.
— Mas já que não é pela aposta, por que me seguiu? — perguntou,
como se realmente interessado, e eu suspirei profundamente.

— Se eu estou na água, é para me molhar. — soltei, e dei um passo


à frente, lembrando-me do momento que compartilhamos, segundos atrás.
— Se quer ser meu amigo... — fiz aspas com os dedos. — Então, tenho
que ver se vale a pena.

— Está mesmo considerando isso?

— O que eu tenho a perder? — revidei, e seus olhos estavam


presos aos meus.

— Não sei você, mas eu posso perder a minha sanidade... — deu


mais um passo e ficou ainda mais próximo, sua respiração novamente na
minha, e não consegui disfarçar a forma como meu corpo reagia, como se
no local certo.

Pensei que fazia tempo que não me sentia de tal forma. Mas a
realidade era que aquilo que vivi, não poderia nem ser considerado paixão.
O que tive com Bruno antes, e agora, no depois tumultuoso e confuso, era
diferente.

— Não quero ser apenas seu amigo. — engoliu em seco, sua mão
vindo até minha bochecha, e fechei os olhos diante do toque que se
alastrou por toda parte, deixando-me à mercê. — Pensei que sim, mas isso
aqui... — sua testa encostou na minha. — Isso que existe entre nós, está

gritando dentro de mim.

— Sem declaração, Bruno. — cortei-o, abrindo os olhos, e tendo-o


tão perto como realmente desejava. — Apenas me beija.

— Tão irritantemente amável...

Antes que pudesse rebatê-lo, sua boca encontrou a minha, e mesmo


no toque leve e reconhecedor, sabia exatamente onde estava, e com quem.
Eu estava voltando a dez anos atrás. Eu estava presa a aquele exato
momento.

Como se ele estivesse me experimentando e eu o mesmo, minha


mão foi para seu cabelo, puxando-o para mais perto, e ele veio de bom
grado. A mão em meu quadril com ainda mais força, quando sua língua

tocou a minha e um gemido fraco escapou de meus lábios.

A chuva desabou de repente, sobre nós dois, e mesmo assim, não


foi o suficiente para quebrar nossa conexão. Estávamos os dois
completamente famintos e entregues, e nada poderia atrapalhar.

Não saberia dizer como, mas em um instante eu estava de pé, e no


outro, minhas costas bateram em algo, enquanto enlacei minhas pernas ao
redor de seu corpo. A chuva já não nos acertava, mas meu corpo já tinha
sido ensopado, assim como minhas roupas, e as dele.

Porém, nenhum de nós pareceu se importar. Bruno me segurava


perfeitamente, com uma mão em minha bunda, firmando-me, e me fazendo
arfar. Uma outra mão parada em meu pescoço, dominando-me do jeito que
eu gostava, e ele sequer tinha conhecimento.

Os botões certos. Os toques alarmantes. A boca que tomava a


minha, como se fosse apenas dele. Como se eu fosse dele.

Um leve gemido saiu de sua garganta, assim que puxei seu lábio
inferior com os dentes, e nos afastamos pela falta de ar. Seu olhar estava
selvagem, assim como o seu cabelo, que eu despenteara por inteiro, mas
que parecia ainda mais sexy. A boca já inchada, e eu tinha certeza de que
não estava diferente.

— Se eu pensei, que anos atrás foi bom... — falou, e seu nariz veio
para meu pescoço, inspirando profundamente. — O que estamos fazendo,
Abigail?

A mesma pergunta que eu lhe fizera, minutos antes. A qual, só


poderia ter a mesma reposta, que ele mesmo entregou.

— Não apenas nos divertindo um com o outro através do ódio... —


soltei, complementando o anterior, e ele sorriu contra minha pele. — Tesão
e raiva não são tão longe assim, convenhamos.

— Vai admitir então que me acha um gostoso? — rebateu, e eu


revirei os olhos, tocando seu rosto, e trazendo-o para ficar próximo ao
meu.

— Talvez, nos seus sonhos pervertidos. — levei meus lábios aos


dele, como se necessitando de mais. Não sabia se aquilo aconteceria de
novo, se eu estaria pronta para algo daquela maneira, mas ainda assim, vi-
me desejando. Desejando ser a Abi do passado. — Estamos
completamente molhados! — reclamei, pensando em como iria embora
dali

Notei o sorriso se transformar no rosto de Bruno, e sabia que


apenas alguma pérola viria a seguir.

— Gosto de você molhada... — sussurrou, mas não em tom de


brincadeira. Sua voz baixa, rouca e levemente acentuada. Meu corpo todo
pareceu seguir seu comando, e se arrepiar. Poderia culpar a chuva, mas não
o fiz, diante do olhar penetrante. — Toda molhada. — complementou, e
seu aperto em minha bunda aumentou, fazendo-me apertar com força os
seus cabelos entre meus dedos.

— Eu preciso ir para casa. — soltei, e ele me desceu com cuidado,


parecendo procurar algo errado a minha volta. Como se verificando se

estava tudo bem.

— Só aceitou vir aqui para tirar uma casquinha, confessa. —


revirei os olhos e bati em seu peito, afastando-o. O qual apenas riu e me
puxou para si, surpreendendo-me. — Não estou reclamando, Abigail.

— E eu não vou dar mais munição para o seu ego. — pisquei um


olho, e minha mão parou no seu rosto.

Tão certo. Tão bonito. Tão meu... Suspirei fundo, acreditando que
era apenas uma invenção de minha mente de quinze, que realizava o que
fosse de sonho infantil em estar com ele, na realidade.

Contudo, não éramos mais crianças, e eu não era a mesma mulher


que saiu dali, e agora voltou. Eu tinha a minha vida, e por mais que a
presença dele me relembrasse de fato daquilo, não poderia ir tão longe

assim. E foi quando o arrependimento bateu...

— Isso não foi um erro. — a voz dele me atingiu, e pisquei duas


vezes, ante de encará-lo, como se fosse impossível ele estar me lendo. —
Seja o que for que está se passando nessa linda mente... — tocou minha
cabeça e sorriu de lado. — Não estou te pedindo em casamento, mas não
posso negar que quero estar com você.
— Sem rótulo? — a pergunta saiu tão fácil, que me assustou. O que
eu estava fazendo? — Sem ninguém saber... Digo, Nero vai saber.

Bruno era a pessoa mais aberta e fofoqueira que eu conhecia, e


poderia tudo ir por água abaixo ali. Bruno fofoqueiro Torres sabia guardar
segredos?

— Não vou contar a ninguém, mas se minha família perguntar,


saiba que eu... não minto para eles. — assenti, porque era completamente
justo. Nero era minha família e saberia. — Minha boca é um túmulo. —
fez um sinal de zíper sobre a mesma, e eu trouxe seu rosto mais para perto.

— Posso te dizer muitas coisas que essa boca é, mas isso não.

— Por que não a prova de novo, para ter certeza se sabe tanto
assim? — desafiou-me, e encostei nossos narizes. A intensidade que me
consumia, refletida no olhar dele.

E por um segundo, apenas deixei de lado o fato de que eu poderia


me arrepender, cedo ou tarde. Contudo, aquele era Bruno Torres, ele já
quebrara o meu coração antes, e não existia a chance, pra que o fizesse
duas vezes.

Era uma atração que precisávamos deixar falar, e quando ela se


calasse, cada um seguiria seu caminho... simples assim.
PARTE II

“Eu vivi e aprendi

Tive você, me queimei

Esperei e aguentei

Deus sabe, tempo grande e desperdiçado

Perdi lágrimas, jurei que sairia daqui

Mas nenhuma quantidade de liberdade limpa você

Eu ainda tenho você em mim”[15]


CAPÍTULO XI

“Eu vejo seu rosto em minha mente enquanto dirijo

Pois nenhum de nós achou que terminaria assim

Pessoas são pessoas

E, às vezes, mudamos de ideia"[16]

BRUNO

— Não precisava ter nos trazido. — Abigail sussurrou, fechando


com cuidado a porta do seu quarto, enquanto meu olhar percorria cada
detalhe da sua casa, que antes chegara apenas até a sala de estar. — Para
de bisbilhotar a minha vida! — bateu em meu braço, e fez menção de
passar à frente, contudo, a segurei, trazendo-a facilmente para o meu

corpo. — O que?

— Lembra que a gente se beijou mais cedo? — provoquei, e levei


minha boca para perto de sua orelha, deixando um leve beijo logo abaixo.

Notei todo o seu corpo se arrepiar, enquanto ela usava uma camisa
enorme minha, e uma calça de moletom que tivemos que praticamente
amarrar contra o seu corpo, após todo o incidente com a chuva. Um ótimo
incidente.

Sabia que minha irmã deveria estar cavando um buraco no chão da


minha casa, querendo saber exatamente o que estava acontecendo. Porém,
meu foco permanecia no cheiro da mulher próxima ao meu corpo. Nunca
antes pareceu tão certo estar assim, apenas próximo de alguém.

Já tinha beijado mais bocas do que me lembrava, e tocado mais


corpos do que realmente sabia os nomes. O que fosse que Abigail fazia ao
meu redor, me tirou de órbita, porque me prendeu a ela. Quando estava
com ela, era apenas ela. Nada mais.

Mesmo que não pudesse tocá-la de tal maneira antes, quando seu
olhar negro recaía no meu, sabia que estava perdido. Talvez, sempre
soube. Só não estava pronto para admitir, mas no agora, eu estava prestes a
gritar no meio da rua.

Era normal sentir tudo aquilo após o segundo beijo com a pessoa
que você mais brigou na vida?

Um adolescente – era exatamente como ela me fazia sentir.

— O que está querendo? — indagou, sua mão correndo para meu

pescoço, e trazendo meu rosto para o seu. — Vai implorar por outro beijo?
— provocou, e minha outra mão desceu para sua cintura, puxando-a para
mim.

— Vou é tão...

— Adorável? — levantou as sobrancelhas, como se eu fosse


previsível, mas com aquele corpo tão próximo ao meu, de fato, não era o
que se passava em minha mente.

— Sexy para caralho. — respondi, e notei a confusão em seu

semblante. — O que?

— Não estou tentando te seduzir usando suas roupas e você... —


revirou os olhos, e a outra mão que estava em meu peito, parou em minha
barba. — Acho que, talvez, mereça um beijo meu...

— Eu tenho certeza.
Puxei-a para mais perto, com nossos corpos sem qualquer espaço
um do outro, e ela conseguia sentir o quão difícil eu era por ela. Um difícil

que estaria disponível a qualquer momento para lhe mostrar qualquer tipo
de prazer.

Batidas na porta, fizeram-na apenas roçar meus lábios e se afastar.


Não pude evitar um gemido frustrado, e ela sorriu abertamente, como se

adorasse me ver enfeitiçado por ela. Era algo bom, certo? Ela gostar da
forma que eu reagia para com ela?

Nunca estive em um relacionamento antes, e tinha certeza, que não


tinha ideia alguma do que de fato estava fazendo. Nem se era um
relacionamento... Sem rótulo, mas ela contaria para o melhor amigo. Tinha
de significar alguma coisa.

Ela escapou de meus braços, descendo as escadas, e a segui, sem


conseguir evitar. Quando a notei encostada contra o batente da porta, e a

figura alta e tatuada a sua frente, todo meu foco se transformou. A forma
como ela sorria para Nero, desencadeou um nó dentro de meu estômago e
estava para fazer o mesmo com minha garganta.

Abigail tinha um sorriso estampado no rosto, que eu raramente via,


mas a frente dele, não parecia um problema. Ele era a exceção às regras?
Mas se ele o era, não chegara a ser romanticamente? Eu tinha alguma
chance frente aquilo?

Perguntas demais para um homem recém colocado em um


relacionamento sem rótulo e que mudou da água pro vinho.

Sem realmente pensar, apenas parei ao lado dela, colocando uma


mão em sua cintura, e senti o olhar arregalado de Nero a nossa frente. Não

consegui identificar o porquê do sorrisinho do homem, que nos encarava


de um para o outro, como se sem acreditar. Contudo, eu sabia que
precisava fazer algo. Algo que estava me matando por ter ficado tão perto
e mesmo assim, tão longe daqueles lábios.

Um beijo perdido em anos.

Um beijo perdido em alguns minutos.

Precisava da boca dela na minha, e de fato, não estava me


importando com a presença de outra pessoa. Quando ela então me encarou,

como se esperando algo, talvez para que eu cumprimentasse seu melhor


amigo, apenas trouxe sua boca para minha.

E Abigail me deixava de joelhos, porque ela não fazia nada do que


eu esperava... em vez de talvez me afastar e achar ridícula aquela
necessidade, ela aprofundou o beijo, como se precisasse daquilo o tanto
quanto eu.
Nada mais importava.

ABIGAIL

Não sabia de onde Nero tinha saído, mas de repente, nem a


presença dele me impedia de estar intoxicada pelo cheiro do homem
detestável ao meu lado. Detestável... estava a ponto de rir de mim mesma,
quando o encarei e seu olhar parecia nublado da mesma necessidade que
corria por todo meu corpo. De repente, aqueles lábios detestáveis estavam
nos meus.

— Por mais que eu seja fã número 1 do casal... — a voz mais alta e

o limpar de garganta de Nero, me fizeram cair na realidade. Merda! O que


eu estava fazendo? Qualquer pessoa que passasse na rua poderia nos ver. E
nós não éramos algo que eu queria contar. Não queria, certo? — Nem
acredito, que depois de todo esse tempo, finalmente, entenderam que não
se odeiam.

— Eu sempre disse que ela era adorável. — Bruno se pronunciou, a


voz leve e baixa, diferente do toque intenso e forte contra minha cintura.

— Não vou cair em uma conversinha fiada de vocês. — intervi, e


revirei os olhos. — Ainda não me disse porquê veio... — foquei em Nero,
tentando esquecer o quanto queimava a pele por debaixo da camisa fina
dele que eu usava.

— Você não é de sumir, a não ser que... — Nero limpou a garganta


como se estivesse dizendo demais, e agradeci internamente por ele saber
daquilo. — Mas vejo que só estava me ouvindo, pela primeira vez na vida.

— Como assim? — o tom interessado de Bruno não me passou


despercebido. Notei que seus olhos estavam repletos de expectativas antes
mesmo de continuar. — Eu sou algum tópico na conversa de Abigail com
você?

— Tópico? — meu melhor amigo revirou os olhos. — Acho que é

um tópico desde a escola. — complementou e ouvi a risadinha de Bruno ao


meu lado.

— Nero, assim que Bruno sair eu vou voar na sua garganta. —


falei, e ele apenas continuou rindo, como se adorando aquele exposed. —
E Bruno, já não está tarde? Sua irmã não está esperando?

— Porra, Abi! — a voz de Nero saiu engasgada com uma risada.


Ele sabia que eu não sabia ser sutil, e sempre ria de quando cortava
alguém.

Precisava que Bruno saísse, mesmo que meu corpo se negasse a


querer tal coisa, porque não era o momento para permitir que Nero falasse
a respeito de tudo que lhe vinha na mente, sendo que não era tão
importante assim. Precisava calá-lo antes que ele falasse demais.

— Vou fingir que não está me expulsando já que o nosso dia foi
perfeito. — sussurrou próximo a minha orelha, como se fosse um segredo
apenas nosso. Quando seu rosto pairou sobre o meu, a um fio de cabelo de
distância, não resisti em encostar nossos lábios, em uma clara promessa de
mais. — Boa noite, Abigail.

Ele então sorriu de lado, e se afastou, fazendo-me sentir falta do


seu toque no segundo seguinte. Vi-o acenar com a cabeça para o meu
melhor amigo, e antes de adentrar a 4x4 estacionada à frente da minha

casa, ele me olhou novamente, como se também carregasse a promessa de


algo mais.

Não pude evitar um suspiro, e por um segundo, esqueci que


tínhamos a plateia de um, bem ali.

— E ela volta a suspirar como uma adolescente, só que usando as


roupas do cara... Nero 1, Abi 0. — a voz de Nero, com o carro tomando
seu rumo pela rua, fez-me finalmente encará-lo e apertar uma de suas

bochechas com força. O que ele odiava, e eu estava mais do que disposta

de atormentar. — Porra, Abi! — reclamou, afastando-se.

— Decide se vai entrar e ouvir a história toda ou...

— Vem cá, que eu preciso te abraçar porque eu estou... — notei

sua expressão mudar, e seu olhar brilhando. — Estou tão feliz por isso,
Abi.

— Nero...

Levei meus braços até seu pescoço, e seu corpo grande passou ao
redor do meu.

— Quando eu vi o quanto eles te quebraram, pensei que nunca


mais... Nunca mais a minha melhor amiga, que lia romances comigo desde
a adolescência, voltaria a acreditar em algo.

— Não é amor, Nero. — soltei, e estranhei a falta de certeza em


minha voz, enquanto me afastava e ele tocou meu rosto com carinho.

— Mas é confiança, Abi. O que sabemos, que para você, importa


muito mais. — beijou minha testa com carinho, e fiquei ali, nos seus
braços, por alguns segundos, apenas aceitando que ele também via o meu
progresso. Minha psicóloga ia adorar saber daquilo também. — E em que
momento você vai admitir que eu estava certo e você errada?

O tom provocativo não me passou despercebido e o afastei,


empurrando seu peito. Entrei em casa, e ele me seguiu, pronto para ouvir
toda a história. E felizmente, naquele momento, não era uma história tão
ruim quanto a última que lhe contara.

Era apenas sobre eu, me permitindo sair com minha filha, e ela
conhecendo pessoas. Era apenas sobre eu, me permitindo sentir algo que
um dia me atormentou, e que voltava com força. Era apenas sobre eu,
conseguindo acreditar de novo, que podia sentir.

E depois de tanto tempo, finalmente, eu não me sentia tão


quebrada.
CAPÍTULO XII

“Eu me pergunto se você sabe

Que eu estou tentando muito

Não ser pega

Mas você é tão legal

Passa seus dedos pelo seu cabelo

Sem saber me faz te querer "[17]

ABIGAIL
“Querida (adorável) Abigail,

O que eu disse nos outros e-mails não poderia ser menos verdade –
não me lembro de uma vez que não te desejasse, e então, peço desculpas
por isso. Portanto, esse é um e-mail de reparação. Preciso que saiba que
tudo o que ficou na minha mente antes de dormir, foi o gosto dos seus
lábios, e em como o seu corpo se encontra em cada limite do meu. Tão boa

para tocar. Contudo, a imagem que ficou em minha mente, e adormeci, foi
do seu sorriso tão aberto, que mostrava a covinha em sua bochecha
esquerda. Preciso dizer que me sinto honrado de vê-la.

OBS: talvez eu seja ruim com e-mails.

OBS2: talvez eu queira te beijar de novo.

OBS3: que tal eu te beijar de novo?

Atenciosamente,

(detestável) Bruno Torres”

Revirei os olhos, mas não pude deixar de sorrir da mesma forma


que ele comentou que o fiz no dia anterior. Bruno brega Torres, e suas
palavras bonitas em um e-mail. Por que ele tinha que parecer tão bom em
quebrar meu desejo de odiá-lo ou de não sentir nada além da atração?
Porque você já caiu por ele uma vez... Minha mente praticamente
gritou e permiti-me ignorá-la. Se eu pensasse muito, não continuaria

aquilo, então, o melhor era apenas deixar acontecer. Eu sentia que sim, e
depois de tudo, confiava cegamente nos meus instintos. Eles nunca
estiveram errados, afinal.

Eram cerca de dez da noite, e já estava de pijamas, deitada na cama

e perdida em assistir televisão. Bruno tinha feito questão de me mandar,


novamente, aqueles imagens de bom-dia prontas, e finalmente, lhe contei o
quanto tinha pavor daquilo.

Ele respondeu um simples: eu soube no momento que me bloqueou.


Mas notei que ele não o fez apenas para me irritar naquela manhã, pareceu
mais uma desculpa para puxar assunto.

Parecíamos tão bons pessoalmente, mas ali, longe um do outro, era


como se ele pisasse em ovos. O entendia, porque me sentia da mesma

forma. O que eu deveria dizer? O que eu deveria fazer?

A resposta era claro: eu não devia nada.

Poderia apenas ser eu, como sempre fui, com ele. Nunca me
pareceu que Bruno buscava algo mais do que eu lhe dava, e me sentia
segura a respeito daquilo. O dia passou voando, cheio de trabalho e com
áudios aleatórios no WhatsApp, fora alguns prints e links com fofocas que
ele enviara. Acabei rindo sozinha quando li aquilo e lhe mandei várias

figurinhas zombeteira.

Algo parecia tão certo naquilo, que quando o e-mail piscou na


minha tela e vi seu nome no remetente, acabei por clicar em seu número e
o ligando.

Minhas mãos ficaram trêmulas de repente, como se fosse a


primeira ligação para alguém importante. Ele é, mas você se nega a
acreditar! Engoli em seco de meu próprio pensamento, e após dois toques,
a ligação foi atendida.

— Abigail... — a voz grossa soou do outro lado da linha, e


consegui ouvir o barulho de outras pessoas ao fundo. — Já volto! — sua
voz ficou afastada do celular, e jurava que teria gritado para quem fosse.
— Tem a minha resposta?

— Só liguei para dizer que não vou responder seus e-mails...

— Como é? — sua voz era claramente ofendida, e poderia


visualizar perfeitamente seu semblante dramático. E por que aquilo me
fazia sorrir feito uma boba? — Se eu bater na sua porta, no meio dessa
noite, eu duvido que eu não consiga um beijo.

— Acha que é tão simples e fácil assim? — comentei, entrando no


desafio que eu não sabia que desejava. — Posso bater à porta na sua cara,
o que é 99% provável.

— 1% é o bastante para mim. — rebateu, e poderia imaginar


aqueles olhos castanhos presos nos meus, dublados de desejo. Merda! —
E acho que vai preferir bater a sua boca na minha.

— Alguém já lhe disse o quanto é brega? — indaguei, e


esparramei-me melhor na cama, suspirando fundo, já com um pouco de
sono.

— Nem pense em dormir. — falou de repente. — Tchau família,


tenho um assunto urgente! — ouvi-o falar e alguns resmungos altos de
vozes diferentes como “tchau”, “eu amo esse casal” e “quando vai trazer
ela para jantar?”. Então ele tinha falado sobre mim? Ou melhor, talvez
Olívia tenha falado e eles o perguntaram... — Não pense em fechar esses
lindos olhos negros enquanto eu não te der um beijo de boa noite. — falou,

cortando meu pensamento.

— Está saindo da casa de Inácio? — indaguei, puxando um lençol


sobre meu corpo.

— Em uma hora e meia, eu vou estar na sua porta.

— Então tenho uma hora e meia para cochilar... — provoquei, e


ouvi sua risada do outro lado da linha.

— Não ouse, Abigail. — seu tom de voz era zombeteiro e sorri,


mesmo que ele não pudesse me ver.

— E talvez eu não escute as batidas na porta... Até alguma hora,


Bruno.

Antes que ele pudesse protestar, desfiz a ligação e fiquei parada por
alguns segundos, encarando o celular. Por que viver aquilo, pouco a
pouco, parecia tão bom? Era como se a gente estivesse vivendo o que
perdemos durante a adolescência, mesmo que não se pudesse perder, algo
que nunca se teve.

Mas ele tivera meu ódio. E eu sempre tive suas provocações.

Suspirei fundo e fechei os olhos, sabendo que meu sono era tão
leve, que qualquer vento forte me acordava, e com toda certeza, se ele

batesse, eu ouviria. E a questão era? Eu deveria abrir aquela porta?

Seria apenas um beijo?

BRUNO
“Aí que mora o perigo, aí que eu caio lindo

Aí que eu sei das consequências, mesmo assim vou indo

É que vale a pena, vale a cama, vale o risco

O que é um arranhão pra quem já tá fudido?”[18]

Terminei de cantar, batendo a mão no volante e estacionei o carro.


Notei que as luzes do vizinho da frente de Abigail ainda estavam acessas, e
poderia estar tendo alguma festa ali. Olhei rapidamente pelo espelho
retrovisor e questionei se eu estava bonito. Nunca de fato duvidara da
minha beleza, mas até aquilo, Abigail me deixava preocupado.

E se ela realmente batesse a porta na minha cara?

Mas era igual a música que acabou: “O que é um arranhão pra


quem já tá fudido?”. Desci do carro e caminhei até sua porta, batendo
levemente, e por um momento, senti que minhas mãos suaram, como se
fosse a primeira vez que a veria.

Da mesma forma que me senti quando a reencontrei meses atrás, na


floricultura da cidade. Reações que apenas ela despertou, e eu me sentia
cego, por não ter notado logo. Se eu o tivesse feito antes? Se eu tivesse lhe

mostrado além dos nossos joguinhos? Como estaríamos?

Minhas perguntas se esvaíram no segundo em que a porta se abriu e


o olhar negro parou no meu. Ela vestia a minha camisa, e meu corpo reagiu
de imediato, ao notar que parecia ser a única peça em seu corpo. Seus
mamilos endureceram diante do meu olhar, e notei a forma como apertou

as pernas, fazendo-me suspirar.

Porém, quando seu olhar parou no meu, a covinha aparente, em um


sorriso tão bonito, fez meu coração dar um solavanco no peito, enquanto
minha mente gritava: é ela.

É por ela que você esperou.

Corpo, coração e mente, completamente interligados e gritando.

Tentei dizer algo, mas não sabia como o fazer. Como eu poderia

apenas dizer: eu fui cego e só agora... só agora notei que sempre foi você.
Que era ela que eu queria desesperada e pacientemente. Que era ela que
me tirava a paz e a reencontrava. Que era ela...

Antes que pudesse realmente colocar os pensamentos em ordem ou


deixá-los sair completamente embaralhados, senti suas mãos ao redor do
meu pescoço, puxando-me para si.
— O que foi? — indagou, e senti as unhas roçarem minha nuca, e
eu sequer sabia onde colocar as mãos. Caralho! — Bruno?

Pisquei algumas vezes, como se preso na chuva de certezas que me


atingiram no simples olhar sem qualquer vestígio de dúvida a frente dela.
Eu estava apaixonado por Abigail Alencar.

Seu olhar analisador ainda estava no meu, e soube que ela poderia
quebrar meu coração, e não era o risco que me assustava, mas sim, assustá-
la por sentir demais.

Levei minha boca a sua, em um leve beijo e a paz e tormento que


apenas ela me proporcionava me atingiu. Anos sem saber onde era o meu
lugar, e naquele momento, eu soube. Era exatamente ali, com aquela
mulher.

Com a mulher que me enfrentava, respondia e desafiava. Com a

mulher que de alguma forma estúpida consegui deixar escapar entre meus
dedos. Com a mulher que eu agora, estava mais do que obstinado em tentar
me mostrar. Com a mulher, pela qual, eu lutaria.

E quando ela se afastou, ainda me encarando com a curiosidade


nítida em seu rosto, como se soubesse que algo se passava em minha
mente, soube que faria de tudo para que, de alguma maneira, eu merecesse
ter a chance de fazê-la sentir o mesmo.
Que ela desejasse me querer, da forma como eu já a queria – por
completo.

Que ela pudesse se apaixonar por mim.


CAPÍTULO XIII

“Novos começos sagrados

se tornaram minha religião "[19]

ABIGAIL

Era como se ele me escondesse algo, no olhar castanho tão


profundo, que me consumia por completo. Não apenas a química
explodindo por cada poro, mas também, o sentimento. Trouxe-o para mais
perto, puxando-o para dentro de minha casa, e deixei todas as minhas
inseguranças e medos do lado de fora. Ele veio de bom grado, e quando
segurei sua mão, notei que ela tremia, como se ele estivesse a ponto de
desmoronar. Queria questionar, mas parecia tão profundo, que resolvi

apenas apoiá-lo, estando ali.

Estando ali por ele.

— Vem cá. — pedi, trazendo-o para o sofá, no qual o encontrei

dias atrás, no mais inesperado possível e de repente, mudou por completo


a nossa relação.

Ele se sentou, sem conseguir desviar o olhar do meu, e fui para o


seu colo. Ele me recebeu, escorando-me com uma mão, como se eu fosse
algo raro e precioso, enquanto sua outra mão se entrelaçava na minha.

— Quer falar sobre isso? — perguntei, notando a sua fragilidade, e


mesmo que cada parte de mim se queimasse, e o desejo explodisse entre
nós, não era o momento. E existia um mais em compartilhar algo tão

íntimo quanto o silêncio e as máscaras de lado, que eu me sentia imersa


dele.

Um mais que duvidei que de fato existia. Mas estava ali, comigo.

— Acho que não é o momento. — confessou, e sua mão subiu para


o meu rosto, trazendo-o para perto do seu. — Eu só quero que saiba que
eu... Sei que as mesas giraram muito rápido entre nós, mas a gente se
conhece há tanto tempo... Mas parece que eu te enxerguei agora, por
completo.

— Bruno...

Seu nome saiu como uma oração de meus lábios e senti meu
coração pulsar freneticamente. O que ele queria dizer com aquilo?

— Eu não quero perder o que enxergo bem aqui. — seu tom sério e
intenso era diferente de tudo que um dia recebi. — Seja o que for isso que
temos, saiba que... você me tem aqui. — tocou minha mão novamente.

Era a declaração de que o tinha bem ali – em minhas mãos.

O ar me faltou e soube que ele estava abrindo parte do que lhe


atingia. Era genuíno, e no fundo de meu ser, sabia que era raro. O que
estava acontecendo ali, era algo raro e feito para nós. Complexo, confuso e
atormentador, ao mesmo tempo que, simples, ordenado e calmante.

— Eu não sei o que dizer. — confessei.

Meus sentimentos eram confusos e os temia de forma assustadora.


Não porque eram irreais ou sem sentido, mas porque eu tinha medo do que
vinha depois. O depois de todo o começo bonito e encantador.

Pare de compará-los! Gritei internamente e foquei no olhar


castanho dele, que era o único o qual permanecera em minha memória
como algo bom para relembrar, por mais odiável que um dia o tenha
considerado.

— Não precisa dizer nada. — seu tom era mais leve, beijando-me
levemente, como se para confirmar. — Pode me beijar a vontade, no
entanto.

— Acho que eu já fiz. — soltei, e ele abriu um sorriso de lado,


provocador e cafajeste, como eu conhecia. — Mas posso abrir uma
exceção e lhe dar mais um...

— Só mais um? — perguntou, fazendo um leve bico, e eu soube,


que faria qualquer coisa para tirá-lo de seu rosto.

Passei as mãos por seu pescoço e levei meu nariz ao dele.

— Talvez dois, se não fizer nenhuma piadinha brega e parar de


mandar e-mails. — provoquei, e ele me olhou como se um pensamento

sagaz lhe viesse à mente. — O que é?

— O que é o que? — rebateu, sua respiração presa a minha. —


Acho que esqueceu o quanto adoro desafios...

— Eu vou descobrir como se bloqueia e-mails.

— Duvido ter coragem de ficar sem um e-mail escrito por mim e


que pode conter informações necessárias a respeito do homem que está
cortejando.

Revirei os olhos e não pude evitar uma risada.

— Porra, você fica ainda mais adorável quando sorri.

— Acabou de perder um beijo. — sussurrei, sentindo meu corpo


gritar pelo dele, como se precisasse de mais contato.

— Então vou ter que fazer valer a pena o único que me resta...

Antes que eu pudesse rebater, sua boca veio para minha, mas
diferente de antes, ele me devorou. Sua língua exigiu, e em poucos
segundos, vi-me suspirando no beijo, e me voltando à frente de seu corpo,
deixando uma perna de cada lado de seu colo, fazendo-me sentir o quanto
ele precisava daquilo.

Bruno me fazia sentir viva.

Bruno me fazia querer voltar a sentir.

Bruno já me fazia sentir... O que?

Sua mão subiu para o meu cabelo, puxando-o para trás, enquanto
sua boca desviava da minha e descia por meu pescoço, como se lambendo
os traços das tatuagens que tinha bem ali, e antes que eu pudesse reclamar,
sua boca voltou para a minha, exigente e decidida, fazendo-me querer me
agarrar a ele e nunca mais soltar.

Quebrei o nosso contato e levei minha boca até sua orelha,


puxando-a com os dentes, sentindo as mãos dele, em minha bunda, ficarem
ainda mais apertadas.

— Por que não dorme aqui? — perguntei, sem saber de onde tirara

tamanha coragem. — Mas tenho que dizer que é só isso... dormir. —


expliquei, e ele me puxou novamente para a sua boca, mas em um beijo
calmo e lento, como se experimentando o meu sabor, e o leve gemido em
minha boca, mostrou que ele o apreciava.

Suas mãos ficaram menos ansiosas e as minhas também, como se


ambos estivéssemos reequilibrando as batidas de nossos corações.

— Não é só sexo, Abigail. — sua voz soou baixa, assim que nos
separou, e encostou minha testa na dele. — Por mais que possa sentir o

quão difícil eu estou por você... — e eu podia senti-lo todo sob mim,
principalmente naquele instante, e minha imaginação me levava a
imaginar, o quanto poderia ser bom. Se um beijo era devastador, como
seria o sexo? — Não é sobre isso... Não para mim.

— Nem para mim. — confessei, fechando os olhos. — E eu sei que


posso me arrepender disso depois, mas... eu estou confiando em você,
Bruno. E é tudo o que posso te oferecer no momento.
— Eu estou feliz em ficar com seus beijos se isso for tudo o que
quiser... — sua voz soou séria e tocou meu rosto, como se precisasse de

meus olhos nos dele. — E estou honrado por me considerar digno da sua
confiança.

Suspirei profundamente atingida por cada palavra certa, que me


arrebatava por completo.

— Quando ficou tão bom com as palavras?

— Quando comecei a escrever e-mails para uma certa mulher


tatuada, linda, corajosa, gostosa e...

— Adorável? — indaguei, sabendo que era exatamente como ele


terminaria.

— Como sempre, Abigail. — respondeu, e sorriu de lado, olhando-


me com clara diversão. — Posso ficar com o sofá? — indagou, como se

conseguisse me ler, e saber que dormir na mesma cama era um passo que
eu não estava nem perto de poder lhe dar.

Por mais que o desejasse e o quisesse, eu tinha que permitir


acontecer, sem me deixar levar pelo momento e acabar saindo de minha
mente. Precisava sentir que estava em total controle.

— Eu tenho um quarto de hóspedes. — comentei, e me levantei de


seu colo, mas sem soltar sua mão. — E acho que lhe devo um minitour

pela casa, já que me mostrou toda a sua mansão.

— Finalmente se lembrou de ser educada. — provocou, e eu revirei


os olhos, levando-o até a cozinha.

Simples assim, eu o levei de cômodo em cômodo, ignorando os

quais ele já conhecia, e o meu quarto, no qual Prim dormia tranquilamente,


e não arriscaria acordá-la. O mais confiante daquela situação era que ele
não questionava sobre mim, ou sobre Prim.

Era como se ele estivesse me dando o espaço e tempo que


necessitava. E eu esperava fazer o mesmo por ele, ao notar novamente, o
olhar intenso que trazia um medo que nunca vi antes, e ele sequer parecia
conseguir esconder.

— Posso me candidatar a colega de casa? — perguntou, assim que

se jogou no colchão do quarto de hóspedes, e revirei os olhos, sendo


puxada para o seu corpo, e caindo sobre ele. — Eu sou um ótimo babá.

Sorri, levando meus lábios aos dele. Uma música me atingiu e eu


não poderia negar, que era exatamente como me sentia. Eu não tinha mais
palavras, gracinhas, xingamentos ou cortes para lhe dar. Eu tinha apenas os
meus lábios para calar os dele, e sentir que valia a pena. Valia a pena
querer recomeçar, mesmo que não fosse um para sempre.
CAPÍTULO XIV

“Pessoas começaram a falar

Nos testando

E eu sabia que ninguém no mundo

Poderia levá-lo

Eu tive um mau pressentimento "[20]

Dias depois...

ABIGAIL
Sentei-me no lugar de sempre, na mesma padaria, com o Kindle em
mãos e um café no copo. Os dias passaram voando e eu me sentia presa a
história que Mabi escrevera. Sentia-me vivendo um romance digno de
livros, e não conseguir colocar a cabeça de fato no lugar. Suspirei fundo,
lembrando que veria Bruno naquela noite, e ele dormiria em casa.

Se passaram duas semanas após ele bater na minha parte e declarar


tão bravamente que o tinha em minhas mãos. E desde então, a cada dia,
tentava compreender mais sobre meu corpo e o meu desejo. Cada parte de
mim gritava para apenas deixar acontecer, e a cada momento em que os
nossos beijos se aprofundavam, sentia meu corpo reconhecê-lo como seu.

Não era uma virgem, mas não era apenas sobre fazer sexo com um
cara qualquer. Era desejar e querer um homem que dormia no quarto ao
lado do meu alguns dias da semana. Era desejar e querer um homem que

encararia depois. Era desejar e querer um homem, que claramente, estava


tão entregue aquela relação que sequer tinha um nome.

E aquele homem era Bruno Torres, pelo qual eu já me apaixonara


de graça no passado, e temia deixar uma conexão ainda maior, confundir
minha mente e nos levar a perder o que estávamos construindo. As
provocações estavam lá, as briguinhas desnecessárias, as falas
intermediadas... Assim como, os toques carinhosos, os beijos selvagens
e/ou doces, os abraços no sofá... Bruno estava se tornando uma parte da

minha rotina, o que me deixava desesperada pelo pavor de não ter ideia do
que estava fazendo.

As imagens dele com Prim, tão atencioso, animado e carinhoso,


eram partes ainda mais animadas do meu dia a dia, quando ele aparecia

sem avisar, ou quando marcávamos algo. Ainda era algo apenas nosso, o
que Nero e sua família sabiam, ninguém mais. E funcionava tão bem...

— Arco-íris... — ele fez uma careta, enquanto trocava a fralda suja


com uma sagacidade, que sabia que realmente cuidou da sobrinha. Fiquei
encostada contra o batente, sentindo meu coração se derreter. Era uma
imagem que eu poderia emoldurar. — Como pode algo tão fedido sair de
uma coisinha tão linda como você?

Minha filha o encarava encantada e eu não pude deixar de querer

ir até ela e apertar suas bochechas.

As lembranças de dias atrás me acertando e eu sorri para o nada,


enquanto encarava o Kindle sem de fato ler.

Sabia que poderia explicar e dizer que ele não precisava ser algo
para com Prim, mas de fato, nunca precisei o fazer. Bruno nunca pareceu
pensar sobre o fato de eu ter uma filha, sendo um inconveniente ou um
problema. Pelo oposto, ele parecia encantado com ela, por todo o tempo.

Até mesmo, quando parecia parar de respirar para trocar a fralda.

E se ele queria estar comigo, seja o que for, ele sabia que ela era
uma parte grande, inegociável e feliz minha. Se fosse um problema para
ele, ele então se tornaria meu problema e já estaria bem longe.

— Olha só...

Reconheci a voz masculina, mas não me dei o trabalho de olhar.

— Fodendo com Torres, finalmente?

Pisquei os olhos, e levantei o olhar, encarando Felipe Duarte, que


tinha um sorriso malicioso no rosto. Era como se ele permanecesse preso a
adolescência, de uma forma ruim, por mencionar aquilo tão alto e
provocativo, como se fosse uma briga que planejou.

Ignorei-o e terminei de tomar meu café, e notei o exato segundo em

que a figura feminina de Tamires surgiu ao meu lado, e tive que respirar
fundo. Por que eu tinha que vê-los justamente de manhã? Era o melhor
momento do dia para tirar o pior de mim.

Não me surpreendia de as pessoas já saberem ou desconfiarem


sobre eu e Bruno. Juramos não contar para ninguém, mas também não era
nada disfarçado o fato da sua 4x4 à frente da minha casa, ou os beijos à
frente da minha porta.

Mas eu percebi que não ligava de as pessoas saberem ou não. O


que de fato me importava, era o que eu vivia e o que podia controlar. O
resto que fizesse seu caminho sozinho, e se a fofoca de estar com ele fosse
tão interessante, só podia imaginar o quão desocupadas as pessoas
estavam.

— Ela não fala mais?

Deixei meu copo na mesa e me levantei, finalmente os encarando.

— Há boatos de que ainda tem uma filha, e pelo jeito, nem dele é...
— Tamires começou e eu paralisei por um segundo. — Não sei como
esconde tão bem as coisas, Abigail.

— Faço o meu melhor. — minha voz soou cortante.

Dei-lhes as costas, notando o olhar de mais três pessoas e os

atendentes da padaria sobre nós.

— Uma filha bastarda para o Torres... — parei o passo e minha


raiva subiu no mesmo instante. — Bem que dizem que o têm de bonitos,
eles têm de burros.

Virei-me apenas para olhá-los e não pude evitar apontar um dedo.


— Não fala da minha filha ou vou te fazer engolir meu punho. —
dei o aviso, e notei o quanto lhes atingiu a verdade em minhas palavras.

Não era mais a garota que apenas se calava e os ignorava. Não quando
tocava em algo relacionado a Prim. Não sobre ela. — E não tem o direito
de falar sobre Bruno. — dei um passo na direção deles. Se tinha alguém
que podia provocá-lo, apenas porque era o nosso jogo, era eu. Ninguém

tinha o direito de falar dele de forma tão depreciável. — Revejam o que


querem, se acham ele tão burro ou se estão se mordendo porque não
conseguiram crescer às custas do sobrenome dele.

— Sua...

— Acho melhor calar a boca.

A voz masculina foi cortante, e eu a reconheci, mesmo após tanto


tempo sem o ver. Quando olhei de relance, na entrada da padaria, estava
Inácio Torres.

— Isso parece até piada. — Tamires praguejou, mas não desviou o


olhar do mais velho dos Torres. — Soube do acidente da sua irmã... Foi
mesmo um acidente? — olhou-me e naquele segundo, a respiração me
faltou, e o pânico quase se instalou.

Lembre-se de respirar!
— O que parece ou não, é da conta de vocês? — Inácio rebateu, e
poderia jurar que era o momento que mais o vi falar. Não que fossemos

próximos, mas Inácio era conhecido por ser apenas calado e sério, nada
mais. — E Abigail?

Virei-me para ele e o encarei.

— Sim? — indaguei, enquanto notava Tamires e Felipe saírem da


padaria mas os olhares do resto das pessoas, ainda estava sobre nós.

— Pode se sentar comigo por alguns minutos?

Assenti e segui para a mesa mais distante que ele escolheu,


sentando-me a sua frente.

— Tinha negócios na cidade, e Mabi me intimou a chamá-la para o


almoço de família no domingo, já que tem conseguido fugir das intimações
dela...

Olhei-o sem graça, o qual tirou o chapéu branco de cowboy e


colocou na mesa a nossa frente.

— Poderia dizer para não se sentir pressionada, mas minha família


está realmente animada para te conhecer... te conhecer como namorada do
Bruno.

Namorada? Eu era aquilo?


— Posso falar com Bruno primeiro? — indaguei, imaginando em
qual desculpa poderia dar para fugir de outro almoço ou jantar com eles.

Não que não me interessasse em conhecê-los de fato, mas ainda


assim, parecia sério. Sério demais para o que tínhamos.

— Como desejar. — assenti e ele me encarou. — Estamos felizes

pela felicidade do Bruno... então, só queria dizer obrigado, e espero que


possa, quando se sentir pronta, nos ver.

Fiquei completamente surpresa com sua atitude, e não pude deixar


de arregalar os olhos.

— Obrigada. — foi tudo o que consegui responder, e meus


pensamentos se perderam.

Eu era namorada de Bruno Torres? Eu aceitaria ir, finalmente, ao


almoço de família dos Torres?

Perguntas demais, para respostas de menos. E eu estava, a cada


segundo, mais envolvida com ele, e menos comparando-o com o meu
passado. O que significava mais do que poderia explicar.
— Não estou surpreso.

A voz de Nero, alta no corredor, me fez sair de meus devaneios,


enquanto finalizava as alterações que a cliente da tarde solicitara na

ilustração que seria sua tatuagem. Levantei-me, como boa curiosa, e antes
que abrisse a porta, alguém o fez.

O cheiro de baunilha invadiu o ambiente e um sorriso de homem


que sabia exatamente o que estava fazendo para tirar sua mente do lugar,
tomou conta do lugar.

— Ei! — Bruno falou, aproximando-se, e puxando-me pela cintura,


dando um leve beijo em minha boca, antes de direcioná-lo para minha
testa. Aquilo era tão intenso, que por alguns segundos, esquecia do mundo

ao redor, apenas por estar nos seus braços. — Vim me autoconvidar para o
almoço.

Olhei-o com atenção e sabia que tinha mais. Não era pura
coincidência, ele sair do trabalho para almoçar ali comigo, justamente no
dia em que seu irmão mais velho encontrou a cena patética da padaria.

— E Inácio não lhe disse nada? — indaguei.


Ele soltou o ar com força, passando a mão pelos cabelos
despenteados, que agora sabia que ficavam assim, justamente por sua

preocupação.

— Ele ficou preocupado e me contou. — falou, e tocou meu rosto.


— Quer falar sobre isso?

— Não é importante. — dei de ombros. — Nós dois não temos sido


discretos e não me importo, de verdade, que saibam.

— Não? — sua voz quase não saiu e ele pareceu mais do que
surpreso. — Quer dizer, sério?

— Eu sei o que disse semanas atrás, mas... o que eu tenho a


esconder?

— No caso, é ótima em esconder coisas nesse fim do mundo, eu só


fui saber da arco-íris, quando entrei na sua casa, literalmente.

— O que deixa ainda mais claro que não me importo que saibam
sobre nós. — dei de ombros. — Mas e você?

— Eu? — levou uma mão ao peito, com o olhar melodramático em


jogo. — Eu posso gritar dos telhados.

— Brega antes da uma da tarde é demais até para você. — toquei


seu peito, e ele sorria lindamente. — Sem gritos, apenas... vamos continuar
fazendo o que fazemos.

— E vai conhecer minha família, digo, oficialmente?

— Você por um acaso está me pedindo em namoro? — rebati, e


notei-o engolir em seco e levar uma mão aos cabelos, passando-as
levemente. — Péssimo pedido para um cara brega.

— Qual a probabilidade de você negar?

— 99%... — soltei, provocando-o, e o mesmo me encarou como


um desafio aceito.

— Sabe que eu sou fã do 1%.

— Dois patéticos. — a voz de Nero nos tirou daquele momento, e


vi-o revirar os olhos. — Se os pombinhos pararam, talvez notem que...

Bruno era grande o suficiente para que não conseguisse enxergar de

fato atrás dele, então quando ele se afastou levemente, notei Brenda, com
Prim em seu colo, e uma mochila nas costas.

— Sua mãe? — perguntei de imediato, indo até ela e tomando Prim


em meus braços.

— Eu tô vivenciando um enemies to lovers ao vivo, é isso? — ela


rebateu, como se incrédula, e lançou um olhar carregado para Nero, que já
estava vermelho como um tomate.

— Brenda. — fiz um sinal com a mão na sua frente, e ela piscou


algumas vezes, como se finalmente caindo sua ficha.

— Desculpe, é que a faculdade ligou, e preciso deixar uns papéis


lá... Não deve demorar mais do que duas horas e eu volto.

— Tudo bem. — respondi, sentindo as mãozinhas de Prim se


apegando a minha regata preta. Bruno me encarou, como se pedisse
permissão para algo.

— Se precisar ficar fora o dia todo, posso ficar com Prim. —


ofereceu-se, e eu franzi o cenho. Ele não tinha que trabalhar? —
Vantagens de ser herdeiro. — piscou um olho, e eu acabei por revirar os
meus.

— Vá com calma, Brenda.

Ela assentiu, e olhava para a mão de Bruno em minha cintura,


como se encantada.

— Desculpem, eu... — sorriu largamente. — Obrigada, Abi. Até


amanhã então!

Ela deu um leve aceno para os homens e logo saiu, deixando-me


para encarar Bruno que parecia querer roubar Prim de meu colo, a
qualquer momento.

— Vamos passar em casa e pegar o canguru, e você vai ficar com


ela por aqui? — indaguei, e ele acenou afirmativamente.

Ele se aproximou de minha filha, com aquele olhar de


completamente derretido, e tocou uma das mãos dela, que já tentou pular

para o seu colo.

— Tal mãe, tal filha... — Nero provocou, mas sorria da cena, como
se aprovasse tudo aquilo.

Prim foi de bom grado para o colo de Bruno, e parecia encantada


com o a camisa xadrez que ele usava naquele dia.

— Eu também senti saudade, arco-íris. — ele falou, e notei o exato


momento que Nero saiu, não antes de me lançar um olhar de “eu disse que
era ele”. — Sou mais legal que o Nero, pode dizer. — pediu, e ela soltou

um leve resmungo inteligível, mas que foi o suficiente para ele me encarar,
como se certo de que ela concordou.

— Não vou responder a isso.

— Qual é? — perguntou, balançando-a. — Eu olho para ela, e sinto


ainda mais falta de Dani pequena.

— Se é assim com elas, nem imagino como será com os seus


próprios bebês um dia...

A fala simplesmente saiu de minha boca, e notei a forma como me


encarou, como se querendo dizer algo, mas sem coragem. O mesmo olhar
que encontrei semanas atrás, quando apareceu para me beijar e passou a
primeira noite em minha casa.

Contudo, não tinha direito de pressioná-lo.

— Pronto para voltar a ser babá por uma tarde? — perguntei,


tentando aliviar o clima, e ele sorriu, como se realmente animado. — Os
lados bons de namorar um herdeiro... — provoquei, e ele me encarou com
os olhos semicerrados.

— Eu ainda nem pedi e já aceitou... O que eu fiz para merecer a


versão Abigail mais fácil?

— Vou diminuir sua porcentagem para 0,05%. — soltei, voltando-

me para minha cadeira, e tentando concentrar no trabalho. — Vamos


almoçar daqui quinze minutos.

— Sim, senhora.

Revirei os olhos, porque ele logo me chamaria de ditadora ou algo


parecido. O fato era que precisava do controle, era o que me mantinha sã.
Mas com ele, por mais que o tentasse, não funcionasse da mesma maneira
para tudo.

No caso, quando apenas parava ali, com o cotovelo apoiado na


mesa e a mão segurando o rosto, e vi-o cantar algo baixinho para minha
filha, não conseguia controlar a vontade de dividir aquela vida com ele.

Eu o detestei. Eu o odiei. Eu o reencontrei. Mas ali, eu o queria.

Queria permanentemente, e o medo de perder antes mesmo de tê-lo por


completo, me apavorava. A questão era: eu poderia tê-lo?
CAPÍTULO XV

“Você fica com a camiseta dele, ele mantém sua palavra

Pela primeira vez, você esquece

Dos seus medos e seus fantasmas

Um passo, não é muito, mas disse o bastante"[21]

ABIGAIL

— Eu sei que minha voz é horrível, mas amo que você a adora,
arco-íris.
Ouvi-o falar para Prim, que já estava adormecida em seu colo,
enquanto eu bebia água, escorada no balcão da cozinha, olhando-os

atentamente. Bruno tinha escolhido uma playlist de sertanejo, e Prim


praticamente a adorava, e ainda mais, quando ele se empolgou e cantou
para ela. E como naquele primeiro dia, ela pareceu gostar, e dormia
pacificamente.

Segui-o, enquanto ele caminhava calmamente pela casa, tomando


conta de cada espaço, mesmo que não lhe pertencesse. Mas algo em minha
mente, conseguia vê-lo exatamente ali, como parte. Suspirei fundo,
subindo os degraus, e quando parei no batente da porta de meu quarto, ele
a colocava com cuidado no berço.

— Boa noite, arco-íris. — quase não ouvi, devido a voz realmente


baixa. — Que os anjos te protejam, como você protege sua mãe.

Como ele?

Assim que ele levantou o olhar e finalmente me notou, um sorriso


se espalhou por seu rosto, e ele veio a passos cautelosos até mim. Fechei a
porta, conferindo apenas a babá eletrônica, antes de fazermos o caminho
para a sala. Deixei minha mão para trás, e ele a segurou, seguindo-me.

— Acho que nada mais justo, depois de eu dançar a noite inteira


com o montinho de arco-íris mais lindo desse universo... conceder a honra
de a mulher mais linda, me acompanhar em uma dança. — falou, girando-

me assim que meus pés chegaram ao tapete.

Rolei para longe dele, apenas conectados por nossos dedos, os


braços esticados. Ele usava a camisa xadrez já com alguns botões abertos e
calças jeans, os pés descalços sobre o tapete, assim como os meus.

Os cabelos castanhos totalmente bagunçados, mas que caíam


perfeitamente no lugar, e a barba por fazer, que contrastava perfeitamente
com os olhos de menino. Era uma imagem digna de um mocinho para se
apaixonar. Eu tinha mesmo pensado aquilo?

Antes que pudesse pensar mais, ele me puxou para si, fazendo-me
enrolar no seu corpo, enquanto outra música começava.

— Dança comigo? — indagou em meu ouvido e eu assenti,


enquanto permanecia de costas para ele, e o mesmo me guiava. — Essa

música me lembra de você...

Conhecia a canção bem por cima, mas aquela parecia a versão


acústica, e antes que pudesse indagar, a voz dele soou, próxima a minha
orelha, acompanhando cada verso.

— “Você tem tudo, você tem muito

Muito mais que um dia eu sonhei pra mim


Tem a pureza de um anjo querubim

Eu trocaria tudo pra te ter aqui...

Eu troco minha paz por um beijo seu

Eu troco meu destino pra viver o seu

Eu troco minha cama pra dormir na sua

Eu troco mil estrelas pra te dar a lua

E tudo que você quiser...

E se você quiser te dou meu sobrenome.”[22]

Não consegui dizer nada, apenas me deixei levar, enquanto ele


ainda nos guiava, e fechei os olhos, tamanha intensidade. Ele cantando ali,
bem baixinho e juntinho de mim, no meio da minha sala.

Não sei quanto tempo ficamos apenas ali, abraçados e indo de um


lado para o outro, mas a voz dele se calou, e foi quando despertei do
torpor, virando-me, para encontrar aqueles olhos castanhos como um
reflexo dos meus.

Soube ali, que ele queria dizer cada palavra da canção. E eu não
tinha dúvida, mais nenhuma – eu estava apaixonada por Bruno Torres.
E por ele, valeria a pena.

Levei minha boca para a sua, e ele me puxou para si, aceitando o
beijo, que era lento, mas não menos devastador. Contudo, em poucos
segundos, tornara-me uma bagunça, presa no seu colo, e com minhas mãos
buscando desfazer os botões de sua camisa.

Não queria mais esperar. Não queria mais pensar.

Eu queria tê-lo, por completo. E quando me encarou, com cuidado,


claramente tomando aquilo que eu podia dar, eu sorri. Porque era claro que
ele sentia o mesmo, bem ali. Não sabia quando começara para ele, mas
estávamos na mesma página.

— Não precisamos... — levei um dedo a sua boca e sussurrei


“shhh”.

Desistindo dos botões que pareciam um empecilho maior do que

deveriam, puxei a camisa, fazendo-os soltar, e um leve grunhido subiu por


sua garganta. Saí de seu colo, e levantei os braços, no pedido silencioso de
que ele fizesse aquilo. Eu queria que ele apenas me despisse e me tomasse.
Eu queria que ele perdesse a cabeça e me mostrasse o seu lado mais
selvagem.

Contudo, quando ele subiu minha regata com cuidado extremo, os


seus olhos me mostravam o quanto ele estava se segurando, assim como o
seu suspirar profundo. Ele percorreu cada detalhe de minhas tatuagens, e

seus dedos pararam sobre o piercing em meu mamilo esquerdo, fazendo-


me estremecer.

Levei minha mão a dele, e o apertei contra mim, o que me fez


gemer pelo toque certo e notei as veias de seus braços se pronunciarem.

— Acho melhor tirar essa camisa, e me tomar... — falei, e me


aproximei, ainda com minha mão sobre a dele, tocando-me. — Ouvi
boatos, de que Bruno Torres gosta de mandar na cama.

— Abigail... — ele fechou os olhos com força, como se segurando.


— Eu não quero que pense que é...

— Shhh. — calei-o com os lábios, e toquei seu rosto. — Olha para


mim. — pedi, e ele o fez. — Eu sei. — falei, e ele respirou profundamente,

como se entendendo que eu finalmente compreendia. — Eu sei. — repeti,


para que não restassem dúvidas, e passei a mão por seus braços, fazendo a
camisa sair de seu corpo.

O corpo malhado e dourado do sol. Os seis gominhos, que me


fizeram morder o lábio inferior, e o V fundo que me deixava prestes a
perder a cabeça e querer percorrê-lo com a boca.
— Não. — falou, e sua mão veio para meu pescoço, segurando-me
firmemente, o que me surpreendeu. Seu olhar mudou e sabia que estava

ordenando que eu parasse de pensar. — Não vai me lamber antes que eu


beije cada traço, de cada maldita tatuagem, e conte uma por uma com a
boca...

Foi minha vez de fechar os olhos, quando ele me puxou para si pelo

pescoço, forçando-me a encará-lo.

— Olhos em mim, sempre. — ordenou, e como se automático, meu


olhos estavam nos meus. — Boa menina.

— Bruno... — comecei a dizer, mas me perdi, quando sua outra


mão parou em minha bunda, puxando-me para cima de si. A forma como
ele me chamou, deixou-me ainda mais pronta.

— O que? — perguntou, com meu corpo sobre o seu, e

caminhando lentamente pelas escadas.

Ele então me depositou com cuidado na cama na qual ele dormia


sempre que estava ali, e eu suspirei resignada, pela falta de seu toque,
quando a mão em meu pescoço se afastou, e ele se levantou por completo.

— O que? — repetiu a pergunta, e me vi ajoelhando na cama, sem


saber o que dizer.
— Eu quero tudo. — pedi, e mordi o lábio. — Quero tudo que quer
e pode me dar. Tudo o que quer tomar.

Ele não disse nada, apenas retirou o cinto, e o depositou na beira da


cama, enquanto abria o botão da sua calça, mas a deixou em si. Apenas
fiquei ali, completamente impactada com aquela versão dele. E a visão
privilegiada dele, bem ali.

— Quer tudo o que eu quero tomar e o que posso te dar, certo? —


perguntou, colocando um joelho sobre a cama, e levando uma mão ao meu
rosto, olhando-me profundamente. Assenti, encarando seus lábios e
querendo que ele viesse para mim. — Palavras, Abigail.

— Sim. — falei, sendo tão firme como ele no tom, e ganhando um


olhar ainda mais profundo.

— Então, se eu quiser o seu corpo, vai me entregar?

— Sim. — respondi, quando sua mão desceu até minha clavícula


em uma linha imaginária sobre a pele tatuada.

— E se eu quiser a sua mente, te fazer esquecer seu nome?

— Sim, por favor. — pedi, quando seus dedos desviaram de meus


seios e desceram para o lado de meu corpo, fazendo-me arrepiar.

— E se eu quiser o seu coração? — a pergunta saiu mais baixa que


as anteriores, mas não menos decidida. — Tem uma resposta para isso?

Vi-me subindo as mãos para o seu rosto e aproximando-me, o


quanto podia, devido a uma de suas mãos presa ao meu pescoço e a outra
do lado direito de meu corpo.

— Já o tem.

Então, sua boca esmagou a minha, fazendo-me gemer e queria me


enrolar em torno dele, rasgar aquelas roupas e esquecer que um dia pensei
que poderia amar outra pessoa. Não. Nunca fora assim. Não certo assim.

Logo ele se afastou, fazendo-me reclamar quase em desespero, e


me fez deitar sobre a cama, enquanto me cobria com o corpo, e sua boca
finalmente desceu para o meu pescoço. E então, sua língua encontrou a
primeira tatuagem, no pescoço, e começou a descer, seguindo-a com leves
mordidas, e acompanhando cada suspiro meu.

Ele parecia realmente obstinado em fazer aquilo.

Quando chegou aos meus seios, e a língua brincou com o piercing


de um, e a mão espalmou o outro, apertando-o no limite da dor, segurei-o
com força pelos cabelos, gemendo. Era como se ele soubesse o mapa certo
do meu prazer. E malditamente devagar, ele chegou a meu umbigo, e não
importava que estivesse uma bagunça desesperada, ele parecia adorar o
meu corpo, como se fosse uma deusa.

— O seu gosto... — falou, enquanto uma das mãos chegou a minha


calça de moletom, e a desceu vagarosamente, fazendo-me arfar. — O gosto
da sua boca não saía da minha mente, quando eu ainda era um adolescente,
mas conseguiu ficar ainda melhor com todo esse tempo. O gosto do seu
corpo... — Ele então me olhou, e quando notou que eu não usava calcinha,

notei como flexionou os braços. — Vai me dar isso? O seu gosto?

— Apenas fode comigo. — praticamente implorei, e forcei-o a me


olhar, subindo seu rosto até o meu. — Pode me subjugar, devorar e fazer o
que quiser depois, mas agora... fode comigo, por favor.

Notei seu olhar mudar, e uma das mãos desceu para sua calça,
descendo-a junto com a cueca, fazendo olhá-lo de imediato. Porém, sua
mão veio para o meu pescoço, prendendo-me em seus olhos.

Não sabia como ele conseguira fazer tudo aquilo com apenas uma
mão, mas não iria reclamar. Em segundos, ele estava nu sobre mim, e sabia
que o fazia, pelo barulho de roupas caindo no chão, e a camisinha entre
meus seios.

— Se eu te tocar, vou te sentir molhada o suficiente para me


receber? — indagou, soltando meu pescoço, e soube que poderia olhá-lo, e
quando o fiz, suspirei profundamente, querendo senti-lo em mim. —
Palavras, Abigail. — pediu, prendendo minha mão que ia até ele, em cima

de minha cabeça.

— Por que não testa? — desafiei-o, e ele desceu a outra mão até
minhas coxas, fazendo-me arfar. Quando dois dedos me tomaram de uma
vez, me surpreendi, mas eles deslizaram tão facilmente que eu desejei
ainda mais.

— Isso tudo é para mim? — indagou, e eu gemi seu nome,


sentindo-o aumentar o movimento com os dedos, como se me testando, e
antes que minha outra mão chegasse ao seu rosto e exigisse que me
tomasse, ele tirou os dedos de dentro de mim, quase ganhando um
xingamento. — É para mim?

— Sim. — respondi, e ele soltou minhas mãos, para pegar a


camisinha e desenrolar em si. Não perdi nenhuma parte, sentindo meu
corpo tremer pela antecipação e desejo.

— Me leva para você. — exigiu, e eu o fiz de bom grado, trazendo-


o para mim, gemendo com o leve contato, assim que o alinhei a minha
entrada. — Seja uma boa menina, e me deixe te foder.

— Sim. — era tudo o que saía de minha boca, e ele então fez o
movimento para frente, tomando com cuidado cada parte de mim,
enquanto meu corpo se arqueou, e eu mal conseguia respirar quando
nossos quadris se encontraram.

— Porra! — xingou baixinho, com suas mãos paradas ao lado do


meu corpo, fazendo-me apertá-lo internamente, pedindo por mais. — Não.
— ordenou, e eu estava a ponto de explodir, querendo mais. — Mãos no
alto, e não pense em movê-las... Se o fizer, eu paro.

O fiz, e as deixei cruzadas acima da cabeça, e senti o primeiro


impulso do seu corpo no meu. Fechei os olhos tamanha a necessidade e
sensação, a ponto de me fazer perder a mente. Já tinha lhe entregado tudo,
e agora, ele levava a minha sanidade. Senti uma mão forte em meu
pescoço, forçando-me, e abri os olhos, como se soubesse que deveria fazer.

Minhas mãos imploravam para tocá-lo, e fiquei extasiada diante do


olhar de adoração, assim como, a boca tão próxima a minha, roçando-me a
cada estocada certeira, que meu corpo se encontrava cada vez mais perto
do precipício.

— Bruno... — falei, enquanto sua outra mão castigava meus seios,


fazendo-me arfar. — Eu estou tão perto que...

— Eu sei. — olhou-me profundamente. — Te sinto me apertando


tão forte... Tão perfeita, porra! — gemi com suas palavras, e minhas mãos
tremeram, como se sem conseguir me segurar mais.
— Bruno...

— Eu sei, querida. — então, a mão em meus seios veio para a


minhas, firmando-as, e ele me segurava, em todos os lugares, como se
estivesse ali apenas para tirar tudo de mim e me segurar depois. — Me
diga, o quão perto acha que está... — uma estocada mais forte, e a mão em
meu pescoço desceu vagarosamente pelo centro do meu corpo,

encontrando meu clitóris, quase me fazendo gritar. — Perto... — tocou-me


levemente, fazendo minhas mãos brigarem contra a dele, e meu corpo
implorar por mais.

Quando a sensação se tornou demais, fazendo-me fechar os olhos e


quase gritar o seu nome, soube que seu olhar me queimava. Eu tentei dizer,
tentei avisar que... Mas não conseguia, estava apenas chegando as estrelas,
e não conseguia pensar em mais nada, que não fosse o encontrar o seu
quadril com o meu, e senti-lo tão duro dentro de mim.

— Goza para mim. — exigiu, e abri os olhos, assentindo, e


deixando-me levar, quando seu toque em meu clitóris se tornou
exatamente o que precisava, enquanto cada estocada levava meu corpo ao
paraíso, e eu apenas me senti caindo. — Boa menina. — soltou, só que sua
voz entrecortada, enquanto eu gozava, e exigia ainda mais dele. Queria
ficar ali, com seu corpo batendo no meu por horas, por dias... Eu queria
aquela sensação de pertencer a ele, de toda as maneiras.

Senti o aperto em minhas mãos aumentarem, e o exato segundo em


que ele veio, fazendo-me quase gemer por tê-lo desfeito sobre mim, e o
corpo trêmulo sobre o meu. Poderia emoldurar aquela visão... do corpo
suado e relaxado dentro do meu, unindo-nos como nunca pensei que
poderia ser.

Um sorriso preguiçoso emoldurou o belo rosto, enquanto ele saía


de dentro de mim, e se livrava da camisinha, deixando meus braços livres.
Logo seu corpo voltou para o meu, e notei o olhar completamente mudado
e o cuidado e atenção com o qual olhou cada parte do meu rosto e corpo,
como se me conferindo.

— É agora que você admite que está apaixonado por mim. — falei,
tentando relaxá-lo, enquanto me encarava com devoção.

— Optei pela forma brega. — assumiu, deitando-se e me puxando


para o seu peito, fazendo-me olhá-lo. — Cantar uma música sertaneja, que
diz claramente, que eu te dou meu sobrenome.

Não pude evitar arregalar os olhos, mesmo que sabendo que ele
fora sincero quando a cantou. Era ainda mais real, quando ele admitia tão
abertamente. Bem ali, onde entregamos absolutamente tudo. Tentei lhe
dizer, mas as palavras se enrolaram dentro de mim. Ainda tinha medo de
dizer e estragar tudo, como antes. Mas... eu queria, queria muito o fazer.

— Eu sei. — sussurrou, beijando minha testa.

E então, ele sabia... sorri, e me aconcheguei ao seu corpo, sem


precisar dizer mais nada. No silêncio com Bruno Torres, eu encontrei o
que nem sabia que procurava – uma chance de acreditar no amor de novo.
CAPÍTULO XVI

“Após o sangue e as feridas

Após as maldições e os gritos

Além do terror ao anoitecer

Assombrado pelo olhar em meus olhos

Que teria te amado por toda a vida.”[23]

BRUNO

— Por que eu acho que não é apenas o primeiro almoço de Abigail


com a nossa família? — a pergunta de Júlio, o segundo mais velho de nós

me atingiu. Sorri, fechando a caixinha de veludo em minhas mãos, e


colocando-a no bolso traseiro da calça jeans.

O fato de ser popular e conhecer Deus e o mundo, não impactava


nas reais ligações que eu construíra na vida. Tinha conhecidos e colegas,
mas a amizade na qual cresci, junto aos meus irmãos, era incomparável.

Não importava qual deles era – Inácio, Júlio ou Olívia – era apenas com
eles, que realmente conseguia entender o real significado de confiar em
alguém.

E agora, com ela.

— Acho que um pedido de casamento a assustaria, levando em


conta que Inácio... Nem acredito que estou falando isso. — riu baixinho,
jogando-se no sofá, ao meu lado. — Tem noção que nosso irmão mais
velho a intimou para um almoço?

— Daqui a pouco Ná vai tentar ver quais são as intenções dela


comigo. — zombei, e coloquei o corpo contra o encosto do sofá.

— Essa parte é a minha. — Júlio levou uma mão ao peito,


encenando dramaticamente, como se estivesse claro aquilo. Do que ele
estava falando? — É nosso caçula, acha mesmo que não vamos aprontar
nada?
— Sabe que eu estou prestes a trazer Abigail? Abigail Alencar? —
rebati, e ele sorriu abertamente, olhando-me com carinho.

— Ela sempre parecia te seguir com o olhar, mesmo quando se


“odiavam”. — fez um sinal de aspas com os dedos. — Nero ter tentado
socar sua cara naquele dia, me mostrou que você chegou bem perto.

— Finalmente estou no momento certo. — suspirei fundo, e passei


as mãos pelos cabelos, lembrando-me de como tudo havia mudado,
novamente, no meio da sua sala de estar.

Abigail se entregara por completo, e eu nunca imaginei, que


sentiria de fato, que ela se apaixonou por mim, tão rapidamente. No caso,
esperei a vida toda por aquele exato segundo, mas não importava. O que
importava era que eu a via, e que esperaria quantos anos ou vidas fossem
necessárias, por poucos momentos com ela.

— Irmão, você tá tão domado...

A voz de Júlio me tirou dos pensamentos, e notei como ele estava


genuinamente feliz por mim.

— Faz ainda menos sentido a sua declaração adolescente,


completamente bêbado de gostar de Babi, né? — a voz de Olívia chegou
até nós, zombando, e tive que concordar.
Passei as mãos pela nuca, sentindo-me tão burro. Tão burro por não
ter notado um palmo a minha frente e não ter percebido que tudo o que

sempre encontrei na melhor amiga do meu irmão foi uma irmã também.
Burro!

— E por que você ainda está aqui? — a voz de Babi preencheu o


ambiente, enquanto ela descia as escadas.

— Estou sendo expulso? — rebati, e ela revirou os olhos, mas tinha


um sorriso no rosto.

— Só não acho legal se atrasar em buscar a mulher que vai pedir


em namoro...

— O que? — agora era a voz de Maria Beatriz, surgindo do


corredor que vinha da cozinha, com meu pai e irmão mais velho no
encalço. — Como assim eu não sabia que você vai pedi-la em namoro?

— Pensei que já estavam namorando.

— Titio! — o grito de Dani me tirou da bagunça de perguntas e


comentários, e apenas me abaixei para pegar uma bagunça de cabelos
castanhos como os nossos, que pulou em meu colo, e a levantei. — Estou
com saudade!

— Isso é culpa do seu acampamento de verão. — soltei, beijando


seus cabelos e rosto, fazendo-a rir alto. — Mas me deixe ver você... —

parei, olhando-a, a qual se espichou ainda mais no colo, como se tivesse

crescido muito. — Um centímetro?

— Dois! — praticamente gritou, abraçando-me novamente, e ouvi


a risada da minha irmã ao lado.

— Acredite, ela lutou bravamente pelos dois centímetros na última


medição no acampamento. — Olívia bateu em minhas costas, e olhou com
o amor nítido para a filha.

— E o que mais de tão incrível aconteceu no seu acampamento? —


indaguei, e notei sua expressão mudar, como se ela não quisesse pensar
tanto assim. — Ei, pequena. — toquei seu rostinho, mas no segundo
seguinte, minha irmã a puxou para si.

Olhou para Olívia, que a apertou contra si e parecia machucada

apenas pelo pensamento de algo.

— O que houve? — perguntei para Júlio, que tinha um semblante


tão confuso quanto o meu, e completamente preocupado. No final, parecia
que apenas Olívia entendia que de fato acontecera.

Daniela tinha passado as últimas semanas no acampamento, e longe


de todos nós. O mais longe que ela ficou da família e de fato, de estar
completamente protegida. Era um avanço e tanto, para ela conhecer mais
do mundo e de tudo, mas naquele instante, me lembrei que tudo não era tão

bonito assim.

Ela tinha chegado naquela manhã, e não sabia ao certo o que


poderia ter drenado a animação e sorriso de para uma garotinha como
Dani, para ela estar agarrada a mãe, como se precisasse daquilo.

— O acampamento pediu uma foto da família. — Olívia começou,


ainda segurando-a contra si, e notei que a filha era sua força, e vice-versa.
— E teve um dia, que eles mostraram as fotos, entre si... Perguntaram
sobre o... — suspirou fundo, e eu sabia. Sobre o pai dela. E então, todos
nós entendemos. — Ela disse que tinha vários, e que eram na verdade, os
tios dela. — continuou, e senti meu coração afundar, porque ela os
enfrentou. — Mas ela disse que ficou triste, porque todos tinham um pai
nas fotos, menos ela.

— Isso porque... — dei um passo à frente, e logo senti meus irmãos


ao redor, pairando sobre elas. Daniela se mexeu, como se nos sentisse ali, e
notei os olhos castanhos marejados, o que partiu o meu coração.

— Ela não tem apenas um... — Júlio continuou e ela o olhou, como
se sentindo esperta e corajosa novamente.

— Mas três... — Inácio tocou seu rosto, e ela já esticou as mãos


para ele. — Nós três, pestinha.

Ela foi para ele, com um sorriso, e toquei seus cabelos, enquanto
Júlio segurava sua mão. Olhei de relance para minha irmã, que como
sempre, reprimia suas emoções, não permitindo que qualquer lágrima
descesse, mesmo com os olhos cheios.

O barulho da porta da frente se abrindo, fez-nos virar, e quando


repousei meu olhar bem ali, encontrei a outra parte do meu mundo,
adentrando o que mais importava para mim.

— Olha só quem eu encontrei aqui do lado de fora... Acho que ela


pensou em desistir, Bruno. — Lisa, a melhor amiga de Bárbara caçoou, ao
adentrar o ambiente, acompanhada por Abigail, com Prim presa a si, em
um canguru. Quanto tempo ela estava ali, do lado de fora? — Eu só tenho
que dizer, que os Torres tem uma sorte grande com mulheres lindas.

— Vai espantar a nova. — Babi falou para a amiga, que sorria,


indo até ela.

Fui com passos cautelosos até a mulher que de repente, tornou todo
o lugar completo, e sorri. Estranhei o fato de que ela me entregara o
mesmo sorriso, mas que não chegava a seus olhos e muito menos, parecia
verdadeiro. Seria o nervosismo de estar ali? Seria o nervosismo de estar
com Prim e tantas pessoas ao redor?
— Um bebê!

O grito de Daniela, fez Prim tentar virar no colo de Abigail, e me


abaixei para pegar minha sobrinha, e levantá-la. Suas lágrimas sumiram,
enquanto ela encarava Prim, e parecia querer tocá-la.

— Ela é tão bonita. — minha sobrinha falou, e meu coração estava

a ponto de explodir.

— Assim como você. — Abigail falou, e tocou o rosto de minha


sobrinha, que sorriu para ela. A voz daquela mulher, finalmente me
acertando, e seu olhar chegou ao meu. — Espero não ter demorado muito.

— Sempre na hora certa, Abigail.

— Ai, o brega! — Júlio caçoou, e senti-o se aproximar, enquanto


eu apenas olhava para Abigail e Prim, extasiado. — Deixa a mulher
respirar, irmão!

Afastei-me levemente, e notei que meu pai se aproximou, ao lado


de minha mãe, com sorrisos contidos no rosto.

— Essa é a Abigail. — falei para eles, sentindo-me no momento


que nunca pensei que de fato chegaria, de apresentar-lhes alguém. E era
muito além de apenas a primeira mulher que o faria, era a única. — E essa
é a arco-íris.
— Primavera. — Abigail me corrigiu, e notei seu olhar vacilar em
direção aos meus pais. — É um prazer, senhor e senhora Torres!

— A primeira garota que Bruno trouxe, no fim, é uma mulher


linda, com um pacotinho de gente tão lindo quanto... — meu pai falou, e
vi-me segurando Daniela com um braço, enquanto segurava a mão livre de
Abigail, que tremia. — Bem-vinda a família, querida.

— O que meu marido quer dizer... — minha mãe se apressou, e


sorriu lindamente para ela. — É que pode nos chamar de Heloísa e
Fabrício... — cutucou-o com o cotovelo, e então, Abigail sorriu, como se
encantada, e ajudei-a a soltar Prim de si, para que pudesse cumprimentá-
los.

E por um segundo, enquanto ela abraçava meus pais, com a filha


em seu colo, só imaginei como seria, se em algum momento, eu pudesse
chamá-las de minha família também.
CAPÍTULO XVII

“Eu nunca estive pronta, então eu vejo você ir

Às vezes você simplesmente não sabe a resposta

(...) Ela teria sido uma noiva tão adorável

Que pena que ela é fodida da cabeça, disseram.” [24]

ABIGAIL

Cada segundo como uma batida falhada do meu coração.

Cada respiração como uma falta de ar para meus pulmões.


Cada palavra como uma facada acertando todo meu interior.

Suspirei fundo e meu olhar se perdeu por um instante, pelo


caminho que Bruno e Bárbara fizeram, para buscar algo na cozinha. Meu
coração se afundou, e tive que renegar tudo de mim, para que
simplesmente não levantasse e fosse embora.

Não sabia exatamente porquê adentrara aquela casa, não depois do


que ouvi, e de repente, me sentia sufocada. Bruno não parecia perceber, e
por um instante, jurei que ele estava tão focado em olhar para a cunhada,
que sequer notou o quanto estava me segurando ali.

Não pense nisso, Abi!

Queria poder indagar, perguntar e exigir alguma resposta, mas me


faltavam palavras. Longe de qualquer segurança do que eu conhecia.
Longe de qualquer pensamento de melhora que eu tinha conquistado. A

frase que ecoou do outro lado da porta, segundos antes de eu bater, me


atingiu novamente, assim que o vi sorrir para ela.

— Faz ainda menos sentido a sua declaração adolescente,


completamente bêbado de gostar de Babi, né?

Olhei para Olívia, como se em busca de respostas, como se as


exigindo, contudo, a mulher não poderia entender. Fazia sentido? Então
Bruno Torres foi apaixonado por Bárbara Ferraz, a melhor amiga do seu
irmão Júlio, e que naquele instante carregava um filho dele.

— Abigail? — a voz de Bruno tomou conta de mim, e senti sua


mão na minha, sob a mesa, como se para me acalmar.

Pela primeira vez, em todo aquele tempo, fugi do seu toque,

enquanto minha mente vagava para os detalhes mínimos, que eu perdi


sobre ele, no final, amar outra mulher.

Como Samuel fez.

— Por que não a leva para tomar um pouco de ar? — a voz da


matriarca dos Torres soou mais alta na mesa, enquanto eu sentia minha
boca secar, e meu coração disparou.

— Eu... — comecei a dizer, e notei que Olívia permanecia


empenhada em alimentar Prim, com o auxílio da filha. Então, eu podia sair

dali, por alguns segundos, reencontrar minha mente e voltar. Não pensar
em Samuel. Não pensar em Fernanda. — Com licença. — pedi, e em
poucos segundos, atravessei em direção a porta da frente da casa.

Quando meus pés chegaram a grama, o grito ficou sufocado em


meu peito, e me vi segurando contra a primeira árvore que encontrei. Eu
pensei que conseguiria... Eu pensei que estava pronta... Repetia a mim
mesma, e uma lágrima desceu.

— Abigail...

A voz de Bruno me acertou, mas de repente, não era mais a voz


dele, ou o cheiro de baunilha característico. Nem os olhos castanhos
transparentes com cada sentimento. Tornou-se a voz de Samuel, calma e

controlada, o cheiro forte de menta, e os olhos azuis. Eu não devia


compará-los, mas de repente, a história parecia se repetir.

Aquela noite ecoando em minha mente, e depois de meses e mais


meses, senti-me impotente. Meu medo se alastrou por cada poro do meu
corpo.

— Foi por ela que bateu na minha porta? — a pergunta saiu de uma
vez, enquanto abraçava o próprio corpo. — Foi porque... Porque viu a
felicidade dos seus irmãos e quis replicar com a primeira pessoa que lhe

deu toda a atenção?

— Do que está falando, Abigail?

— Eu pensei que conseguiria. — admiti, e as lágrimas desceram,


como se partes de mim se quebrando pelo caminho.

Eu não podia arrastar Bruno para o meu inferno pessoal, ou usá-lo


contra ele. Não era justo. Mas mesmo assim, quando busquei o olhar
daquela noite, em que praticamente se declarou, dizendo que estava em

minhas mãos, lembrei-me do receio e medo em seu rosto, como se... Ele

estava pensando nela? Era aquilo. Ele desejava estar com ela, e não
comigo. Eu era... Era só o caminho para um fim, como eles fizeram.

— Eu não posso, Bruno. — soltei, abraçando-me com ainda mais


força. — Eu preciso ir. — falei, e notei a forma como seu olhar mudou, e

como eu parecia ter quebrado o brilho nele.

Ele não falou nada, e de repente, o silêncio era alto demais, e meu
corpo todo tão fraco, que me vi a ponto de o ar faltar, e do meu corpo
querer ceder. Seus braços foram mais rápidos e pararam ao meu redor, mas
quando o olhei, mesmo sentindo-me acolhida, encontrei olhos verdes, que
não eram seus. E de repente, eu só queria gritar, e correr dali, mas não
consegui. Petrificada no tempo, presa aos meus demônios e optando por
fugir.

Eu precisava fugir para não o quebrar.

Eu precisava fugir antes que destruísse tudo.

Bruno merecia alguém inteiro, e era uma luta entre a parte sã de


minha mente, e a parte que se quebrava cada vez mais, trazendo à tona
todos os esqueletos que tentei esconder no armário.
— Por favor. — pedi, sem saber o que de fato queria. — Eu
preciso... preciso que me deixe ir. — praticamente implorei, e ele me

soltou no mesmo segundo, mas não se afastou o suficiente. — Por favor,


liga para o Nero.

Ele assentiu, e no segundo em que tentou pegar o celular no bolso


traseiro da calça, notei a caixinha de veludo despencar entre nós, e meu

coração afundou. Não podia estar acontecendo novamente.

Eu esperava aquele momento, tanto. Eu esperava o momento em


que Samuel colocaria aquele anel no meu dedo, e me diria o quão amada
eu era. Mas durante o almoço, quando minha irmã demorou mais do que o
normal para acordar, vi que ela não estava apenas atrasada, mas trazia
consigo, o mesmo anel que eu vi no bolso do paletó dele, e que agora,
adornava o dedo dela.

— Ele já está vindo. — a voz de Bruno me tirou das lembranças e

eu soube que não era Samuel a minha frente. Não. Não era a mesma
história, mas mesmo assim, eu estava para condená-la.

Queria dizer que ia controlar aquilo e poder ser apenas dele. Queria
dizer que esperei a vida toda por aquele amor, e que morria a cada segundo
longe do seu toque. Queria dizer que de tudo o que mais odiei na vida, ele
nunca chegou nem perto de tal sentimento. Queria dizer que ia ficar e lutar.
Porém, me calei.

Aquele pânico tomando conta de meu interior e me impedindo de


tocar a coisa mais rara e real que encontrara. Queria dizer que o amava,
mas de repente, apenas me vi cedendo para o meu passado, e deixando-os
me quebrar, mesmo após tudo.
CAPÍTULO XVIII

“Então, aqui está o meu tudo que está se transformando em nada

Aqui está o silêncio que me fere tão fundo

Onde isso está indo?

Por um minuto, pensei que eu soubesse

Mas agora não sei mais.”[25]

BRUNO

Os minutos foram angustiantes, e eu apenas fiquei ali, olhando-a.


Ela parecia não me reconhecer, e nunca pensei, que a dor que me atingiu,

por vê-la querendo partir, me massacraria. Mas o meu coração era dela,
para o que quisesse. Contudo, sentia que aquilo era muito maior do que a
minha dor. Muito maior do que eu imaginava.

— Bruno?

A voz de Nero chegou até nós, e notei o olhar de Abigail vacilar,


buscando-o, como se precisasse de algo para reconhecer.

— Pode buscar Prim? — ele pediu, e assenti.

Fiz meu caminho para dentro da casa do meu irmão, encontrando


todos ainda envolvidos no almoço, mas claramente interessados em saber o
que aconteceu.

— Explico depois... — soltei, indo até Prim, que levantou os


bracinhos em minha direção, e veio de bom grado.

Seu olhar negro preso ao meu, e meu coração se afundou. Perdendo


Abigail, eu a perdia também... e a dor se multiplicou, ao sentir a mãozinha
em meu rosto. E se eu nunca mais pudesse senti-la?

Quando cheguei do lado de fora, encontrei Nero ao lado de Abigail,


mas sem tocá-la. O que me mostrava, que ela havia se fechado não só para
mim, mas que algo, bem ali, foi um gatilho para ela.
Sabia que ela escondia algo, no caso, ela guardava, e que em
algum momento, poderíamos falar sobre. E eu fazia o mesmo, não me

abrindo sobre o medo de perder meu pai para a doença que o atingia.
Contudo, nunca pensei que fosse algo que a deixaria tão devastada, como
se perdida de si.

— O carro está ali na frente. — ele falou para Abigail, que parecia

petrificada. — Eu vou levar Prim, tudo bem?

Ela assentiu, e ainda abraçada a si mesma, começou a caminhar


para longe de nós. Nero veio até mim, e tomou Prim em seu colo, que
começou a chorar, e fez meu coração sangrar ainda mais.

— Eu sei que... Só dê um tempo para ela. — Nero sussurrou,


olhando-me com a preocupação nítida. — Só um tempo, Bruno.

— Ela tem tudo o que quiser. — falei, e ele assentiu, tocando meu

ombro, antes de fazer o mesmo caminho que Abigail, com Prim ainda
chorando no colo do padrinho.

Notei que ela queria ir até a filha, mas sequer parecia conseguir
tocá-la. Meu coração se afundou mais, porque queria poder fazer algo,
queria poder... Poder tirar toda aquela dor que irradiava a partir dela. E por
um segundo, quando seu olhar voltou para trás, direto para mim, eu
entendi como uma promessa: espere por mim.
E ela mal sabia, que eu esperaria, a vida toda. E outras mais.

O tempo passou, quebrando-me.

Nero era o meu ponto de equilíbrio naquele instante. Ele me


mandava mensagens esporádicas, falando que estava com Abigail, e ela
estava segura. Contudo, o nó em minha garganta não se desfez. Deixei o
chapéu preto sobre o balcão da cozinha, e suspirei fundo. Já tinha chegado
em casa, precisando ficar sozinho e esperar por ela.

Não sabia de fato o que esperava, mas.... E se Abigail precisasse


de mim? Eu estaria mais perto, e... Tinha que estar mais perto dela,
mesmo que a uma distância que ela não saberia. Coloquei a caixinha de

veludo sobre o balcão, e a abri, encarando a pedra da cor dos seus olhos, e
que me relembrava do quanto ela era única.

Deixei para lá, e olhei novamente para o meu celular, notando que
Nero me respondera, dizendo que ela estava deitada e bem, na medida do
possível. Sabia que ele não poderia fazer mais do que me informar aquilo,
mas me cortava por dentro, não ter ideia de qual tormento a atingia e
conseguiu derrubá-la daquela forma.

Repassei e passei tudo o que aconteceu durante o almoço e antes


dele, tentando entender o que poderia ter sido um gatilho para ela, mas não
conseguia encontrar. Culpava-me por não saber e por ter causado
inconscientemente aquela dor a ela. Ter feito com que tudo desmoronasse
tão facilmente sobre sua cabeça.

Fui direto para o banho, com o celular deixado na pia, caso tocasse
e fosse ela. Ou fosse Nero, dizendo que ela precisava de algo. Deixei os
punhos contra a parede, segurando-me para não desabar.

Eu faria qualquer coisa que pudesse, para tirar aquela dor dela.
Fechei os olhos, enquanto a água quente escorria por meu corpo, e tentei
focar apenas no olhar dela, antes daquele momento.

A forma como ela me correspondia, mesmo sem dizer nada. E o

amor com Abigail não era falado. Não... Ele era sentido. Ele era
demonstrado. E eu o sentia, pulsando em mim, a cada respiração. E por
aquilo, pela certeza do sentimento que compartilhávamos, não consegui
evitar que as lágrimas descessem.

E se não tivesse volta?

E se eu a tivesse quebrado?
E se eu nunca mais pudesse estar ao seu redor?

Saí do banho, enrolado na toalha, e olhei para minhas mensagens.


Não tinha nada de novo, e então, acabei fazendo a mesma pergunta de
segundos antes: como ela está?

Desci as escadas e passei a procurar o que fazer, algo para ocupar a

mente, mas nada me acertava. Suspirei fundo, ao me jogar no sofá, e


esperando qualquer notícia dela. Quando o celular apitou, olhei-o e era a
resposta de Nero, novamente, de que ela estava segura.

Encostei-me melhor sobre o estofado, e passei as mãos pelo rosto,


relembrando-a ali, comigo, dias atrás. Uma lágrima desceu, e senti meu
coração se partir, por imaginar que alguém a quebrara. Como alguém ou
algo poderia ter a coragem de quebrá-la?

Perdi-me olhando para as fotos que tiramos e os vídeos em meu

celular. Todos os dias, ela me encaminhava a foto que tirava de Prim,


segundo ela, um a tradição criou desde que ela nasceu. E ela me trouxe
para perto, me fez amá-la... Fechei os olhos, por alguns segundos, com o
vídeo dela e de Prim, tocando ao fundo, como se ela estivesse ali comigo.

E daquela forma, senti um pouco da paz, que apenas ela, por


inteira, poderia me proporcionar.
CAPÍTULO XIX

“E eu estava recuperando o fôlego

Pisos de uma cabana rangendo sob meus passos

E eu não podia ter certeza

Eu tive uma sensação tão peculiar

Esta dor não seria para sempre.”[26]

BRUNO

— Bruno.
Sua voz me chamando me fez sorrir e senti seu toque sobre minha
bochecha, e aquele, era disparado o meu sonho mais desejado dos últimos

tempos. Fiquei preso a sensação, tornando-se mais quente e real, enquanto


eu a visualizava ali comigo, na minha casa. Perdido entre o sono e a
realidade, eu não queria acordar.

Queria senti-la ali, para sentir que ainda tinha chance.

— Abre os olhos. — seu pedido soou alto, e senti o toque ainda


mais forte contra meu rosto. — Sou eu, Bruno.

Sem conseguir negar nada àquela mulher, mesmo que imerso em


um sonho, os abri. Pisquei algumas vezes, acostumando-me com a luz e
quando dei por mim, ela realmente estava ali. Meu coração acelerou,
minha boca secou e me senti incrédulo.

Ela usava um conjunto de moletom e os cabelos presos em um

coque. Os olhos estava inchados, o que indicava que ela chorou e muito.
Suspirei fundo e tive que usar todo meu autocontrole para não ir até ela, e
trazê-la para meus braços.

— Eu só vou... — falei, ao lembrar que apaguei ali no sofá, com


apenas uma toalha no corpo. E sequer sabia que horas eram.

Assim que me virei para subir as escadas, quase correndo, para que
não desse tempo de ela fugir, senti sua mão em meu braço.

— Não precisa se esconder de mim. — sua voz soou baixa e


entrecortada. — Nunca de mim. — continuou, e me virei, olhando-a
profundamente. No simples toque de seus dedos sobre minha pele, meu
corpo a reconheceu, e implorou para que ela quisesse ficar.

Ficamos assim, nos olhando, por alguns segundos, que poderiam


ser a minha eternidade.

— Eu tinha uma irmã... — soltou de repente, com seus dedos ainda


roçando a pele exposta de meu braço, e os olhos baixos.

Em toda o tempo que a conhecia, nunca a vi fugir do olhar de


alguém, não daquela maneira. Muito menos, não do meu. Abigail se
afastou, e deu um passo atrás, como se queimasse sua garganta falar sobre
aquilo.

— Não precisa me contar. — falei, e seu olhar parou no meu, como


se buscasse verdade. — Não precisa se explicar para mim.

— Eu quero. — soou como uma confissão e sua mão espalmou


meu peito, como se precisasse do contato. — Na verdade, eu preciso.

Ela então se afastou novamente e passou as mãos pelo rosto.

— Fernanda morreu em um acidente de carro... — olhei-a


atentamente, e eu desconfiava por cima, pelo que fora dito na cidade, de
que a mais velha dos Alencar havia falecido, a cerca de dois anos. Porém,

ninguém soube de mais detalhes. — Ela morreu junto ao meu namorado,


logo após saírem de uma festa.

Olhei-a confuso, e senti o gosto amargo na boca.

— Conheci Samuel na faculdade, e em pouco tempo, começamos a


namorar... Em seguida, fomos morar juntos, para diminuir os gastos, e no
meio do caminho, acabei por desistir do curso de arquitetura, focando em
fazer o curso de ilustração e de tatuadora, que eu tanto sonhava... Ele
conheceu minha irmã no meu aniversário, e desde que ela atravessou a
porta do apartamento que dividíamos, ela não saiu. Fernanda se mudou
para lá, com mala e cuia, dois dias depois. Eu estava tão feliz, porque ela
era a pessoa que eu mais confiava, e o cara que eu estava apaixonada
gostava dela, e tudo junto... Eu não enxerguei o óbvio. Ou melhor, eu

ignorei os sinais. — notei a forma como sua fala saiu quebrada. —Ignorei
os olhares de desejo que eles trocavam durante as refeições e os sussurros
pelos corredores... Ignorei que ele mal me tocava, enquanto parecia sempre
perto demais dela... Ignorei o anel de noivado no dedo dela, que eu achei
que ele tinha comprado para mim, quando o vi em seu paletó... Estava tão
focada em terminar o meu curso de ilustração, enquanto fazia um curso de
tatuagem, encontrando minha vocação que... Eu ignorei que eles chegavam
bêbados de festas juntos. Quando eu o indagava, ele dizia: você gostaria

que eu odiasse sua irmã? Eu sou legal com ela, por conta de você. Ou
quando eu a indagava, e ela dizia: ele é bonito demais para não gostar. —
sua risada soou fria novamente. — Quando dei por mim, mais de três anos
tinham se passado... e eu ainda sorria para eles, como se fossem o meu

mundo... Bom, eles eram. Eram a ponto de que eu não querer enxergar,
porque não podia perdê-los. — ela se encostou contra o sofá, como se a
ponto de cair. — Tudo mudou na noite em que acordei e era a polícia...
Eles bateram de frente com um caminhão, após mais uma noite de festa,
que eu nem sabia que foram. No meio da dor e do desespero da perda, eu
finalmente, enxerguei tudo, porque minha mãe... minha própria mãe sabia,
que ele tinha a pedido em casamento, a cerca de uma semana, e estavam
apenas esperando o momento certo para me contar. E foi aí que eu mexi

em cada canto daquela casa, que mais parecia um salão de segredos


nojentos... E encontrei as fotos dos dois, os vídeos... — negou com a
cabeça, e parecia estar se negando a chorar. — No primeiro momento, eu
quis queimar tudo, no segundo, eu quis fugir, no terceiro, eu quis apenas
que a dor passasse... Eu não sentia a dor da perda das pessoas que eu
amava, porque eu sentia a dor maior da traição tão... Foi quando eu passei
a me culpar.
— Não. — finalmente falei, e seu olhar parou no meu, e sabia que
ela lutava contra as lembranças. — Não foi sua culpa.

— Na época, eu só pensei que merecia o mesmo destino que o


deles. — sua admissão, me partiu em dois e fiquei petrificado. Apenas de
imaginar, por um segundo, um mundo em que ela não existisse. — Eu
estava certa do que fazer, e foi quando... Quando Nero me encontrou. —

suspirou profundamente. — Não o via pessoalmente há muito tempo,


porque ele estava no exterior, mas ele estava lá, no dia do velório, em que
sequer consegui sair daquela maldita casa... — notei-a apertar as mãos com
força. — Ele me segurou e me mandou gritar... Me mandou colocar para
fora. Ele sequer sabia da história, mas ele... ele entendeu. — ela então me
encarou. — Só me lembro do frio que fazia naquela época, e como, deixei
tudo para trás naquela casa, enquanto me mudava para o apartamento de
Nero. — soltou o ar com força. — Eu estava na rua, sem casaco algum,

sentindo o frio me atingir, como se merecesse... Procurei no frio, uma


forma de ficar viva, mas a cada carro que passava ao meu lado, na rua, me
mostrava que por mais que Nero estivesse ali, para me segurar, eu não
conseguia me segurar. E foi então que os pensamentos voltaram, e eu só
queria... Só queria dar dois passos e fazer-me sentir algo. Eu me sentia
morta, e me culpava por não conseguir sentir mais nada.
Foi então que ela me encarou novamente, e um sorriso emoldurou
seu rosto.

— Eu entrei numa farmácia, em vez de entrar na frente de um


carro... — falou, e notei seus olhos marejarem, mas não de tristeza. Não,
apenas o brilho que ela sentia ao falar da filha. — Eu me sentia mal há
algumas semanas, e nada parava no meu estômago... Nero tentou me levar

a algum médico, mas eu só... só queria me entregar ao que fosse. Mas algo
em minha mente me dizia para comprar um remédio qualquer e fazer algo
parar no estômago naquele dia. Foi quando eu notei as prateleiras com
absorventes, e então... Em um desespero, eu pedi para fazer o teste de
gravidez ali mesmo, no banheiro da farmácia. E quando eu vi as duas
listrinhas... Eu me senti viva de novo. Eu quis estar viva de novo. —
olhou-me com as lágrimas rolando pela face. — Não me importou mais
nada, a não ser, que eu tinha esperança. Que eu não precisava mais sentir o

frio para estar viva.

— Por isso Primavera. — falei, e ela sorriu, em meio as lágrimas.


— Abigail... Eu... Eu queria poder dizer algo o bastante para...

— Não. — cortou-me, e se levantou, dando passos leves até mim.


— Eu ainda preciso dizer que... — soltou o ar com força e sua mão veio
para o meu braço, como se necessitasse de tal toque. — Eu não sabia mais
confiar, nem pretendia. Mas você... Quando nos reencontramos naquela

floricultura, só consegui pensar em como você me trazia de volta para a

Abigail que eu costumava ser. E eu só queria ficar mais perto de você,


mesmo que xingando-o. No fim, eu apenas adotei a estratégia da Abigail
adolescente apaixonada pelo mais popular dos Torres, que usava a raiva
como forma de estar perto. E aqui...

— Aqui estamos. — complementei, e ela assentiu, tocando meu


rosto. — Eu fiz algo que... Que acionou algum gatilho ou..

— Às vezes não preciso de nada para que uma crise venha, mesmo
eu tendo acompanhamento semanal com minha terapeuta, que aliás,
conversei assim que cheguei em casa. — sorriu fracamente. — Mas eu
ouvi Olívia dizendo sobre você ter se apaixonado por Babi...

— Abigail, não! — tocou meus lábios com os dedos, para me calar.

— Eu sei que mesmo que você o tivesse feito, ficou no passado.


Mas a cada segundo que se passava, fiquei presa na imagem de vocês dois,
e... Eu vi Samuel e Fernanda a minha frente. — fechou os olhos, como se
fosse vergonhoso. — Eu tentei controlar, tentei ignorar e... Mas foi mais
forte que eu, e de repente, eu só precisava fugir. Porque não podia passar
por aquilo novamente, não podia me permitir. Enquanto outra parte de
mim, relembrava que você não é como eles, e que eu nunca tinha
encontrado o amor de fato antes... não assim. — seus olhos pararam nos
meus. — Fugi porque me senti sem controle. Fugi porque me culpei por

compará-los. Fugi porque eu não podia olhar para você e ver eles... Fugi
porque eu estou quebrada, Bruno. Estou nessa jornada de cura há anos, e
há dias bons e ruins, mas não queria te arrastar para o pior deles.

— Eu nunca amei alguém, não antes de você ou antes disso aqui...

— tomei sua mão com cuidado, sentindo-a se acalmar. — Posso te contar


essa história sem sentido de ter gostado de Babi com detalhes depois, mas
eu te juro, que só foi um momento adolescente perdido. — toquei sua
bochecha, e ela me encarou, varrendo meu olhar. — Obrigado por confiar
em mim, e confiar cada pequena parte de você... — olhei-a com ainda mais
carinho, tentando passar a sensação esmagadora que ela me trazia – a
sensação de casa. — E eu me sinto honrado, se puder cuidar de cada
pequena parte. Da mais bonita a mais feia. Da mais óbvia a mais secreta.

Porque essas partes compõe você. E eu amo, absolutamente tudo que há


em você. — ela fechou os olhos, e notei uma lágrima descer. — Olha para
mim... — pedi, quase implorando, e ela o fez, enquanto encostei nossas
testas. — Eu sei agora, e entendo que está se curando, e me mata por
dentro saber que tenha que fazer isso... — soltei o ar com força. — Mas
mesmo que fuja, mesmo que corra, mesmo que me deixe... eu vou estar
aqui, te esperando. Para que grite. Para que me enfrente. Para que me
acolha. Para que eu te mantenha. Para que eu te ame... — suas mãos

vieram para o meu rosto, tocando-me firmemente. — Eu sei que é uma

jornada solitária, em que cola cada pedacinho, do menor ao maior caco, e


recolocando-os e remontando-os, porém, eu vou estar aqui, te esperando.
Sem pressa. Sem exigência. Apenas...

— Amor. — complementou, e se afastou, como se precisando me

olhar por inteiro. — Nunca pensei que eu sentiria isso, de verdade. E


quando eu olho para você, eu me sinto... me sinto em casa, Bruno. Você se
tornou uma lar para mim. Um lar que eu confio e que eu zelo. Depois de
tudo, tem você. E eu... eu te amo.

Soltei o ar com força, absorvendo cada palavra, enquanto uma


lágrima descia.

— Nunca vou me arrepender de ter ouvido meus instintos e batido


na sua porta. — confessei, com as duas mãos em seu rosto, e as dela sobre

meu pescoço. — Fui até lá, quase que me espelhando em você, porque eu
me senti exatamente o mesmo Bruno de antes, quando nos reencontramos.
E eu só queria sentir isso de novo... e eu senti. E sinto que sou a melhor
versão de mim mesmo com você. Nunca fui como meus irmãos, que sabem
exatamente o seu lugar no mundo e quem são. Mas com você, seu sempre
sei. Porque também é um lar para mim... você e Prim, são o meu lar,
Abigail. E eu as amo, com todo meu coração.

— Vai mesmo encarar esse amor, Bruno Torres? — indagou, o tom


provocativo se sobressaindo e meu coração acelerou. Ali estava uma outra
parte da mulher que eu amava. Porra! Eu amava.

— Vou gritar dos telhados para que todos saibam. — revidei, e

notei-a sorrir abertamente, diante da minha breguice, a qual ela negava,


mas sabia que adorava. — Vou cantar em um bar e te dedicar uma música.
Vou dançar com você na chuva. Vou te pedir em casamento em Paris. Vou
fazer valer a pena um amor com todos os clichês bregas que você não quer,
mas merece.

— Eu já tenho a melhor coisa clichê e brega bem aqui. — falou,


ficando mais próxima e os lábios próximos aos meus. — Eu tenho você.

E então seus lábios tocaram os meus, e como naquele primeiro

beijo, anos atrás, perdido em como ela era quente e tentadora, eu me senti
em paz. Nada mais existia. Nada além de nós. E principalmente, nada além
daquele amor.
CAPÍTULO XX

“Nós éramos jovens

Quando eu te vi pela primeira vez

Eu fecho meus olhos

E começo a lembrar.”[27]

ABIGAIL

Uma semana depois, e ali estava eu, tentando.

Depois daquela crise, tomei meu tempo para recuperar minha


mente e agradeci aos céus por reencontrar meu caminho aos poucos, a cada
dia. Sem pensar em nenhum deles. Sem recordar daquela época.

— Eu posso fazer isso. — ouvi Maria Beatriz reclamar,


praticamente bufando para com o marido, que já colocava o chapéu branco
sobre a cabeça dela.

No meio da fazenda de Bruno, que era um local certo, enquanto eu


ainda me acostumava com todos ao redor. Enquanto eu não sabia qual
outro gatilho poderia ser ativado, e como seria de fato de ter uma família
ao redor. A simples lembrança de minha mãe, me fazia mal. Então, estava
indo no meu ritmo, conhecendo aos poucos e deixando acontecer.

Ali estávamos.

Prim no colo de Júlio, que lhe mostrava a laranjeira, e tinha os


olhos negros encantados com o mais novo tio. Pelos céus! Eu estava

realmente considerando-me parte daquilo?

Fazer parte de uma família não é ruim! Relembrei-me, e respirei


devagar, refazendo o exercício de recordar onde eu estava, e com quem.
Estava na fazenda do homem que colocara um diamante negro no meu
dedo anelar esquerdo, mesmo eu discutindo que ele deveria ficar no dedo
anelar direito.
Segundo ele, a minha mão esquerda era mais bonita, contudo, sabia
que não era apenas aquilo. Além de me desafiar, ele estava me dando a

garantia mais do que clara, de que não ia embora.

No fundo, eu sabia. Mas me encantava vê-lo querer me proteger,


até mesmo, de mim mesma.

— Eles são barulhentos. — Nero comentou, tomando algo em seu


copo, e tinha certeza que estava lutando bravamente para não corar no
meio de todos eles.

— Nero. — Olívia o chamou, sem sutileza alguma, como sempre.


— Por que não me ajuda a buscar as outras bebidas?

O plano de corar foi por água abaixo, e notei o sorriso de gato no


rosto de minha cunhada.

— Vamos lá! — ela piscou um olho, e segurei uma gargalhada,

para não o envergonhar ainda mais. — Eu prometo não te atacar como na


oitava série.

— Não! — soltei, porque eu não sabia daquilo.

— Ele nunca te contou? — ela parecia claramente ofendida, e


poderia jurar, que se ele pudesse se enterrar vivo, o faria. — Nero, você
acabou de cair na escala de homens bonitos tatuados que eu gosto.
— É que... — ele travou, e me lançou um olhar de socorro.

— Vai ajudá-la. — o empurrei levemente com o ombro. — E eu


vou querer saber tudo sobre isso. Primeiro o quase soco em Bruno e agora
isso... O que mais você está me escondendo homem?

— Talvez ele seja sádico. — Olívia sussurrou e ele engasgou com a

bebida, fazendo-me gargalhar, e notei-a apenas puxando pelo braço e


seguindo para dentro da casa.

— Ela vai pegar ele. — Bárbara falou, aproximando-se com


Daniela ao seu redor, a qual estava soprando bolhas, e parecia realmente
animada com a ideia de entrar no lago com a tia, que já vestia um maiô. —
E eu acho que vou fazer a pergunta, que vai fazer Bruno querer me
enforcar, mas… Já esteve com Nero? — notei o enfoque que deu na
palavra, como se para deixar claro às segundas intenções, e neguei de
imediato com a cabeça, fazendo uma careta.

— Ele é de fato, o irmão que a vida me deu. — soltei, e respirei


fundo.

Se existia alguém que me mostrara o quanto uma família poderia


ser real, antes de tudo, foi Nero.

— Eu estou ouvindo isso, Bárbara!


A fala de Júlio soou mais alta, já que ele estava há alguns passos
dali com Prim, e ela revirou os olhos, me encarando.

— Tirando a minha curiosidade sobre melhores amigos que eu jurei


serem mais... — fiz uma outra careta, como se fosse absurdo. — Só queria
aproveitar que nosso fofoqueiro favorito está enrolado com o bolo que
encomendou e ainda não voltou, para dizer que se precisar, a qualquer

momento, de um momento só seu, ou com ele, ou enfim...

— O que ela está querendo dizer... — Júlio se aproximou, e o olhar


de Prim pousou no meu, fazendo-me sorrir para o meu montinho de gente
– como Bruno diria – em contato com outras pessoas. Em segurança com
eles. — É que estamos nos candidatando como babás.

— E nós também! — Mabi gritou, em meio a algumas frutas que


devorava, sentada no colo de Inácio, que pareciam presos em seu próprio
mundo particular. — Já vale como um treinamento real. — complementou

e a olhei como se incrédula.

— Quer usar minha filha como cobaia? — indaguei, e ela arregalou


os olhos, como se tivesse cometido um pecado. Inácio me deu um breve
olhar de pessoa séria que raramente era de fato interpretado.

— Pelos céus, eu não...


— Ela está brincando, criança. — ele falou, e ouvi as risadas ao
meu redor, quando a cor voltou ao seu rosto, e ela me apontou um dedo.

— Mulher, você é má! — semicerrou os olhos. — Acho que Bruno


se apaixonou pela versão feminina sua, velho. — comentou para o marido,
que revirou os olhos, como se evitando um sorriso.

— Eles são sempre assim? — indaguei, virando-me para Babi e


Júlio, notando a forma como pareciam se comunicar com o olhar. — Toda
essa família é assim?

— Acho que fomos nós que começamos... — a voz de Fabrício


Torres chegou até mim, e o encarei, com o coração acelerado.

Eu não tive um pai, e a mãe que me criou, nunca pareceu me ver


além de uma gravidez não desejada. Portanto, apenas passei a identificar o
amor de uma mãe para com um filho, quando me tornei uma. Mas em

Fabrício com os quatro filhos, eu encontrava o mesmo olhar que Bruno


destinava à Prim.

— Podemos conversar? — ele perguntou, e olhei rapidamente para


Júlio, que assentiu, segurando Prim como se não fosse problema algum
ficar mais um pouco com ela. Na realidade, eles pareciam brigar entre si
pela atenção dela.
Caminhei em silêncio ao lado do patriarca da família, o qual parou
mais próximo ao lago, e distante um pouco de todos.

— O senhor está bem? — indaguei, a preocupação me atingindo,


porque Bruno me contou abertamente sobre os temores que o levaram até
mim, mesmo que inconscientemente. O temor de perder o pai. Uma dor
que eu sabia que mesmo por trás do seu sorriso mais sincero, podia ser

sentida.

— Gosto da sua sinceridade. — comentou, e me encarou, com o


sorriso que me lembrava o de Bruno. — Gosto do que fez como meu
menino. — falou, e o encarei atentamente. — Bom, ele pode ser um
homem, mas sempre vai ser o meu menino... o protegido da família. —
complementou, e assenti, sem poder evitar imaginar Bruno na mesma
idade de Prim. — Gosto que ele voltou a ser o meu filho quando passou a
estar com você... E eu só queria dizer muito obrigado.

Meus olhos se encheram, e Fabrício Torres me pegou


completamente desprevenida. Pensei que ele gostaria de falar sobre o
episódio anterior, quando simplesmente abandonei o almoço de família e
fugi. Ou até mesmo, sobre eu ter uma filha, ou... Qualquer absurdo, mas
menos aquilo.

— Eu acho que o agradecimento é todo meu. — falei, e dei um


passo à frente, levando minha mão a dele, que veio facilmente, com um
sorriso maior no rosto. — Por ter criado o homem que eu amo.

— Podemos os dois ser gratos? — assenti, e ele sorriu ainda mais


aberto.

— Não acredito que resolveu dar boas-vindas oficiais a ela sem a

minha presença. — a voz de Heloísa chegou até nós, e ela parou ao lado do
marido, que lhe destinou um olhar que significava mais do que mil
palavras. Mais do que palavras descreviam. O mais que eu conheci com
Bruno. — Complementando, o que espero que seja o agradecimento do
meu marido por fazer o nosso menino voltar a vida... — ela então segurou
minha mão livre, olhando-me profundamente — Obrigada por trazer mais
luz a nossa família, ou melhor, o nosso próprio arco-íris. — outra lágrima
desceu, e meu coração se expandiu. Então era aquilo, eles aceitavam Prim
como sua neta, e... ela agora tinha avós para quem chamar. — Bem-vinda,

querida.

Sem que eu pensasse, apenas fui até eles, e os envolvi em um


abraço, como se fosse o certo, e de repente, toda a caminhada até aquele
momento fez sentido. Daquele primeiro beijo confuso. Da vida que
Primavera me trouxe de volta. Do reencontro infantil. De enxergá-lo por
inteiro pela primeira vez. De conhecer o que era o verdadeiro amor e o que
significava família.

— Eu acho que parte da família está faltando...

A voz que me se tornara a primeira que eu ouvia pelas manhãs, e a


última que escutava as noites, nos cercou. Afastei-me com cuidado de seus
pais, e Bruno tinha Prim em seu colo... Não, não apenas Prim, mas a nossa

filha. E eu soube, naquele momento, que finalmente aceitei a


grandiosidade do sentimento, que ele era o pai dela. Que não existia
chance, de qualquer outra pessoa, o ser.

— Disseram que eu sou um péssimo partido, foi? — ele provocou,


aproximando-se de mim, e me puxando levemente pela cintura. — Vou ter
que colocar um sorriso nesse rosto adorável.

— Vai ter que ser detestável então. — revidei, e ele sorriu, como se
obstinado pelo desafio.

— Por você, apenas o pior de mim. — comentou, e seus lábios


encontraram os meus de forma leve. — O que você acha, arco-íris? —
perguntou, para Prim que estava soltando alguns sons, como sempre, e me
fazendo torcer para que sua primeira palavra saísse. — Acha que a sua mãe
merece saber do nosso segredinho?

— Que segredinho? — indaguei, olhando de ela para ele.


— Bom, ela que me disse, e eu não quis ser arrogante e confessar
que fui o primeiro...

— Não! — soltei, levando as mãos ao rosto, incrédula.

— Como foi mesmo? — ele insistiu, beijando sua testa. — Quando


ela acordou na madrugada, e te mandei continuar dormindo, que eu a

ninaria, ela resolveu que era o momento de dizer...

— Mama! — ela bateu palminhas, cortando-o e olhando-me, como


o meu reflexo em um cores vibrantes. — Papa! — falou, ao encarar Bruno,
e senti que ele parou de respirar ao meu lado.

— Essa é nova. — sua voz mal saiu, e ele engoliu em seco.


Encarou-me, como se pedindo permissão para deixar extravasar a
felicidade que gritava dentro dele.

Eu sabia que gritava. Porque naquele momento, eu conhecia cada

detalhe do homem que sempre chamaria de detestável, porque éramos


assim, mas que se tornara completamente adorável para comigo – em meu
coração.

— Eu sei. — falei, beijando seu rosto, e trazendo Prim para o meu


colo, para praticamente esmagá-la com beijos na bochecha, a qual
continuava a fazer barulhos, e de vez em nunca, chamava por mama e
papa. — Eu acho que ela estava te esperando... assim como eu.

— Abigail...

— Parabéns papai! — complementei, e apenas pude sentir os seus


braços ao meu redor, como se estivesse protegendo o que havia de mais
raro ali, e o raro, éramos nós.

Preso nele. Presa com ele. Presa a minha família.

Poderiam ser dias bons e ruins, mas ainda assim, eu os tinha. E


quando olhei ao redor, encontrando as pessoas que ele amava, e a pequena
família que eu tinha antes no meu melhor amigo, soube que agora éramos
mais -e tinha encontrado, no mais inesperado... o verdadeiro significado de
recomeço. O verdadeiro sentido do amor.
ESSE É O JEITO QUE EU TE AMEI

“Passei os últimos oito meses

Pensando no fato de que tudo o que o amor faz

É partir, queimar e acabar

Mas, numa quarta-feira, num café

Eu vi isso recomeçar"[28]

“Querido (detestável) Bruno,

Eu não podia escrever esses votos de maneira diferente, não, não

mesmo. Portanto, nesse instante, em que tenho certeza que está tremendo,
e com as lágrimas nublando sua visão, estou lendo o e-mail que te mandei
mais cedo (assim que seu celular foi confiscado). Demorou, mas o seu
momento de me vencer e ter uma resposta assim, chegou. Seria mentira
dizer que não o guardei para um momento especial, e convenhamos, não
somos bons em mentir um para o outro. Na realidade, não éramos nada
bons nem mesmo em dizer olá.
Dos mocinhos que eu fui apaixonada, para o homem que deve ter
saltado de uma dessas páginas, na mistura perfeita para tirar cada parte

do meu ser do eixo. E você sequer sabia que eu estava em partes... Mas
mesmo quando soube, não pareceu fazer diferença. Você disse que amaria
cada uma delas, enquanto eu as juntava, e tentava ser inteira novamente.
Você não só amou... Não, você as admirou. Você me vê, todos os dias,

tentando colar alguma, que mesmo torta ou incompleta, sem chance de


reparo, me incentiva a tentar. Mas esse é o momento que você me
pergunta: como?

Como você faz isso?

Você o faz quando me admira como se eu fosse o seu mundo


inteiro, apenas porque dormimos na mesma cama. Você o faz quando olha
para a nossa filha como se ela fosse a razão para estar no mundo. Você o
faz quando resolve voltar a ter quinze anos novamente, e despertar o que

há de pior de mim. O pior de mim, que encontrou sempre, o melhor de


você.

Quando pensei no que escrever, eu só me imaginei, sendo tão


brega o quanto poderia, para o homem que realmente cumpre as
promessas ditas e silenciosas. Então, permita-me ser brega com você e
dizer que... Você é a pessoa mais adorável que eu tive a honra de
conhecer, e tenho a sorte, de poder amar. Aproveite o momento, porque

não me verá dizendo o mesmo, apenas porque eu quero o seu sorriso

arrogante quando te chamo de detestável. O sorriso pelo qual eu caí sem


querer, e depois, caí de cara, sabendo que podia quebrar tudo de mim.
Mas que pelo contrário, você consertou uma parte de mim, que nem sabia
que buscava – a parte de se permitir precisar de alguém.

E eu quero precisar de você. Porque afinal, onde eu vou encontrar


um babá melhor?

Com amor,

(adorável) Abigail Torres”

Primavera releu o e-mail impresso que o pai tinha na parede,


enquadrada, como se fosse uma obra de arte para admirar. Sua mãe sempre

teve razão, não existia homem mais brega do que Bruno Torres. Ela então
se virou para todos, na sala de estar da sua casa, que ficava na fazenda,
onde ela crescera, e se apaixonava a cada dia mais, pela vida no campo.

Sua família toda estava por ali, completamente espalhada e todos


tinham uma certa pulga atrás da orelha, do porquê ela não desejou uma
festa extravagante de dezoito anos. Contudo, o que o padrinho escondia
por ela, em um envelope, encostado contra a pilastra, em que a madrinha
se colocara estrategicamente a frente do mesmo, como se para esconder o

papel com as setes cores do arco-íris, era a resposta.

Tinha que ser com eles. Apenas com eles.

— Eu quero o discurso. — seu pai reclamou, enquanto ela enrolava

após apagar as velas, diante do bolo enorme que ele exagerou, como
sempre. — Vamos, arco-íris!

— Só se vier me ajudar... — pediu, e ele praticamente correu até


ela, dando um leve beijo em sua testa, assim que se aproximou. Ele estava
chorando há cerca de uma semana, afirmando que tinha ficado para trás e
não era mais um babá qualificado.

Prim notou a mãe ir até Nero e pegar o envelope, caminhando


calmamente até eles no segundo seguinte. Os olhares de todos

compenetrados em cada movimento dela. Minha mãe. Minha força. Minha


heroína. Ela sempre lhe contava a história de como a salvei, mas mal sabia
ela, que depois de mais velha, Prim entendia... ela escolheu nos salvar. Ela
escolheu ser sua mãe, mesmo que o mundo tivesse lhe tirado o próprio
brilho. Poderia até mesmo ser a sua primavera, mas Abigail... ela era o seu
sol. E na breguice, aquela família combinava perfeitamente.

Uma mãe que dava um nome com significado. Um pai que sempre
a chamou de arco-íris. Uma filha que escolheu um envelope com as sete

cores que sempre usara quando bebê, e ainda o fazia.

— O que é isso?

Bruno Torres poderia envelhecer, mas a sua curiosidade, nunca se


perderia. Ele apena aceitou o envelope, assim que Primavera lhe entregou,

e a olhou como se perdido, mas a sua curiosidade foi maior, então, ele o
abriu. No segundo em que seus olhos recaíram nas palavras ali escritas, seu
coração errou as batidas. Primavera já tinha o seu nome no registro há
anos, porque ele a escolhera, e porque Abigail lhe concedeu a honra de
compartilharem aquela família. Mas naquele instante, sua filha, a explosão
de cores em sua vida, o escolheu. E naquele pedido de adoção extraoficial,
que ela imprimiu na internet, e não valia legalmente, mas que significou
tudo para ele.

— Ele não vai parar de chorar por mais uma semana. — Abigail

provocou, e Bruno a encarou, como se fosse a primeira vez.

A primeira vez de verdade, e eles voltaram no tempo. No exato


momento em que se enxergaram de fato, mesmo sem ainda compreender,
que estavam destinados. Naquela sala de estar, ao som de Taylor Swift, e
que tudo mudou. E quando Shake It Off preencheu o ambiente, como Prim
programou com o padrinho, ela sorriu ao ser cercada dos braços das
pessoas que mais amava.

Ela tinha a sorte de ser o inesperado mais bonito das pessoas mais
amáveis que já conheceu.

FIM
E chegamos ao fim do nosso terceiro Reis, e espero que de alguma

forma, Bruno e Abi tenham alcançado as expectativas de todas as pessoas


que me pediram tanto algo dos Torres. Um casal que traz consigo vários
uma boa bagunça de sentimentos, recordações e recomeços.

3/4 dos irmãos Torres. Isso mesmo! Agora falta apenas Olívia, e

como posso dizer que ela traz consigo, mais do que a finalização dos
Torres, mas também, o início dos irmãos Reis. Quem aí lembra desse
sobrenome?

Caso tenha gostado da leitura, não esqueça de deixar sua avalição.


Ela é muito importante para que a história chegue a outras pessoas e
desperte interesse nelas. E caso, queira conhecer mais do meu trabalho ou
papear comigo, recomendo que me encontre nas redes sociais,
principalmente, o Instagram (@alineapadua) e Tiktok (@autoralinepadua).

Muito obrigada por chegar até aqui

Espero te ver em outras histórias ��

Com amor,

Aline
O melhor amigo do meu irmão (A REJEIÇÃO)

clique aqui

Sinopse: Gabriela Moraes era apaixonada pelo melhor amigo do irmão mais
velho desde os quinze anos. Antônio era mais do que o seu sonho de consumo, ele
também era a pessoa com quem ela sempre pode contar. O que ela não imaginava, era
que no seu aniversário de dezoito anos, ela seria rejeitada da forma mais fria por ele.

Dois anos depois e ele bate à sua porta.

Ela queria não sentir nada, e não sabia o que ele fazia ali. Porém, sabia que,

nunca mais, lhe daria a chance de quebrar seu coração.


O irmão da minha melhor amiga (A REDENÇÃO)

clique aqui

Sinopse: Ane Sousa nunca quis se apaixonar por ninguém, muito menos, pelo
irmão mais velho da sua melhor amiga. Fábio Moraes era um amigo, no fim, mesmo que
a cada sorriso ela se visse sorrindo também. Era inevitável desejá-lo. Quando aqueles
lábios se tornam seus, por alguns segundos, Ane pensa que talvez estivesse errada.
Porém, a forma como ele reage, lhe mostra, que o certo, sempre foi correr do

sentimento.

Momentos marcados por desculpas esfarrapadas.

Dois anos de uma amizade consolidada, e nada mais.

Duas pessoas que fogem do real sentimento que as envolve.

No fim, eles se tornarão o clichê que nunca desejaram?


UMA GRAVIDEZ INESPERADA

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SINOPSE

Se no meio do caminho de algumas pessoas tem uma pedra, no meio do


caminho de Maria Beatriz, sempre teve Inácio. O herdeiro da fazenda que fica ao

lado das antigas terras de sua família, tornou-se um homem bruto e fechado, que quando
aparece na sua frente, ela já sabe que só pode ser problema ou alguma proposta
indecorosa. Maldito peão velho!

Inácio Torres é um homem de poucas palavras, mas que vê em uma mulher


tagarela, a oportunidade perfeita. Mabi precisa de dinheiro, ele o tem. Ele precisa de um
casamento falso, e ela é a escolha perfeita. Porém, a única coisa que recebe de Mabi,
como sempre, é uma negativa. Maldita criança sonhadora!
No meio das voltas que a vida dá, uma noite de prazer os marca. E a
consequência será muito maior que o arrependimento: UMA GRAVIDEZ

INESPERADA.
CEO INESPERADO – meu ex melhor amigo

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SINOPSE

Se nem tudo que reluz é ouro, Júlio é apenas a melhor imitação de pedra
preciosa que Babi colocou os olhos.

O seu ex melhor amigo, a abandonou e quebrou seu coração quando eram

adolescentes. Bárbara Ferraz jurou a si mesma que nunca mais o deixaria ficar
perto. Maldito CEO engomadinho!

Júlio Torres sabe que deixou uma parte de si para trás. Sua ex melhor amiga o
odeia e ele, muitas vezes, teve o mesmo sentimento por si. Maldita sombra!

Júlio sabe que não pode mais ignorar, porque ele não quer apenas a sua melhor
amiga de volta, ele a quer como sua.

Babi foge dele como o diabo foge da cruz. Entretanto, como fugir se depois do
reencontro e finalmente os pratos limpos, ela se descobre grávida do seu ex melhor
amigo?
CONTATOS DA AUTORA

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Tiktok: @autoralinepadua

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Meus outros livros: aqui


[1] Trecho da canção intitulada The Way I Loved You da artista norte-americana
Taylor Swift – álbum: Fearless, data de lançamento: 2008.

[2] You All Over Me Taylor Swift (feat. Maren Morris)

[3] Trecho da canção intitulada ‘tis the damn season da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[4] Trecho da canção intitulada willow da artista norte-americana Taylor Swift –


álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[5] Trecho da canção intitulada right where you left me da artista norte-americana
Taylor Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[6] Trecho da canção intitulada it’s time to go da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[7] Trecho da canção intitulada gold rush da artista norte-americana Taylor Swift

– álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[8] Trecho da canção intitulada change da artista norte-americana Taylor Swift –


álbum: Fearless, data de lançamento: 2008.

[9] Trecho da canção intitulada The Way I Loved You da artista norte-americana
Taylor Swift – álbum: Fearless, data de lançamento: 2008.
[10] Trecho da canção intitulada long story short da artista norte-americana
Taylor Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[11] Trecho da canção intitulada White Horse da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: Fearless, data de lançamento: 2008.

[12] Trecho da canção intitulada Shake It Off da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: 1989, data de lançamento: 2014.

[13] Trecho da canção intitulada Hey Stephen da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: Fearless, data de lançamento: 2008.

[14] Trecho da canção intitulada Fearless da artista norte-americana Taylor Swift


– álbum: Fearless, data de lançamento: 2008.

[15] You All Over Me Taylor Swift (feat. Maren Morris)

[16] Trecho da canção intitulada Breathe da artista norte-americana Taylor Swift


– álbum: Fearless, data de lançamento: 2008.

[17] Trecho da canção intitulada Fearless da artista norte-americana Taylor Swift


– álbum: Fearless, data de lançamento: 2008.

[18] Trecho da canção intitulada Arranhão da dupla sertaneja Henrique e Juliano


– álbum: Arranhão (Ao Vivo), data de lançamento: 2021.

[19] Trecho da canção intitulada Cornelia Street da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[20] Trecho da canção intitulada Dancing With Our Hands Tied da artista
brasileira Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2018.
[21] Trecho da canção intitulada You Are In Love. da artista norte-americana
Taylor Swift – álbum: 1989, data de lançamento: 2014.

[22] Trecho da canção intitulada Tudo que você quiser do artista brasileiro Luan
Santana – álbum: O Nosso Tempo É Hoje, data de lançamento: 2013.

[23] Trecho da canção intitulada happiness da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[24] Trecho da canção intitulada champagne problems da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[25] Trecho da canção intitulada Forever & Always da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: Fearless, data de lançamento: 2008.

[26] Trecho da canção intitulada evermore da artista norte-americana Taylor Swift


– álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[27] Trecho da canção intitulada Love Story da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: Fearless, data de lançamento: 2008.

[28] Trecho da canção intitulada Begin Again da artista norte-americana Taylor

Swift – álbum: RED, data de lançamento: 2012.


Copyright 2022 ©

1° edição – janeiro 2022

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS A ALINE PÁDUA


SUMÁRIO
NOTA

UMA GRAVIDEZ INESPERADA

CEO INESPERADO – meu ex melhor amigo

O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY

FELIZ NATAL, TORRES

PLAYLIST

SINOPSE

PRÓLOGO

CAPÍTULO 1

CAPÍTULO 2

CAPÍTULO 3

CAPÍTULO 4

CAPÍTULO 5

CAPÍTULO 6

CAPÍTULO 7

CAPÍTULO 8

CAPÍTULO 9

CAPÍTULO 10

CAPÍTULO 11

CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13

CAPÍTULO 14

CAPÍTULO 15

CAPÍTULO 16

CAPÍTULO 17

CAPÍTULO 18

CAPÍTULO 19

CAPÍTULO 20

CAPÍTULO 21

CAPÍTULO 22

CAPÍTULO 23

CAPÍTULO 24

CAPÍTULO 25

CAPÍTULO 26

CAPÍTULO 27

CAPÍTULO 28

CAPÍTULO 29

CAPÍTULO 30

EPÍLOGO

PORQUE LÁ ESTAMOS NÓS OUTRA VEZ...

EXTRA

OS TORRES
Sobre os Reis...

CONTATOS DA AUTORA

O melhor amigo do meu irmão (A REJEIÇÃO)

O irmão da minha melhor amiga (A REDENÇÃO)


NOTA

E a série baseada em músicas da loirinha tá forte. Alguém


avisa que a gente foi abençoada pelo número 13? Será que
teremos 13 livros? Brincadeiras à parte, só queria dar aquele

recadinho com muito amor, para quem não sabe, todos os álbuns
da Taylor Swift me marcaram em momentos diferentes da vida, e
desde maio de 2021, tenho lançado livros clichês baseados em

álbuns dela. Já passamos por várias músicas até aqui, e a Família


Torres, tem seu quê especial.

Não é obrigatória a leitura dos outros TRÊS TORRES para


o entendimento deste livro, porém, fica a recomendação, além do
aviso de spoilers. Deixarei eles listados em ordem logo abaixo

dessa nota, caso prefira lê-los, antes de embarcar de cabeça


nessa história.

Preciso dizer também, que tudo começou com “O melhor


amigo do meu irmão – a Rejeição” que foi escrito baseado em

RED (a versão de 2012). Porém, para finalizar com chave de ouro

os Torres, e também, uma forma de homenagem ao álbum que


me fez criar todo esse conceito de deixar o amor pela música da
Taylor fluir, estamos aqui no clichê Torres baseado em RED

Taylor’s Version de 2021. O tempo passa, né minha gente?

UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O VIÚVO é baseado

principalmente na versão de 10 minutos de All To Well (existe um


complemento com uma música intitulada Daylight, do álbum

Lover, que os swifties de plantão, podem amar ou... detestar,

espero que seja a primeira opção rs). Entenderão que Olívia é


controladora, mas no fundo, sua vida nunca segue as suas

próprias regras. Olívia e Murilo trazem consigo vários clichês e

espero que a maneira de eles serem contados, te conquiste.

Espero que esse livro seja um respirar profundo durante


esse momento tão difícil (e que infelizmente, ainda não acabou).

Boa leitura,
Aline Pádua
UMA GRAVIDEZ INESPERADA

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SINOPSE

Se no meio do caminho de algumas pessoas tem uma pedra, no


meio do caminho de Maria Beatriz, sempre teve Inácio. O herdeiro da
fazenda que fica ao lado das antigas terras de sua família, tornou-se um
homem bruto e fechado, que quando aparece na sua frente, ela já sabe que só
pode ser problema ou alguma proposta indecorosa. Maldito peão velho!

Inácio Torres é um homem de poucas palavras, mas que vê em uma


mulher tagarela, a oportunidade perfeita. Mabi precisa de dinheiro, ele o tem.
Ele precisa de um casamento falso, e ela é a escolha perfeita. Porém, a única
coisa que recebe de Mabi, como sempre, é uma negativa. Maldita criança
sonhadora!
No meio das voltas que a vida dá, uma noite de prazer os marca. E a
consequência será muito maior que o arrependimento: UMA GRAVIDEZ
INESPERADA.
CEO INESPERADO – meu ex melhor amigo

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SINOPSE

Se nem tudo que reluz é ouro, Júlio é apenas a melhor imitação de


pedra preciosa que Babi colocou os olhos.

O seu ex melhor amigo, a abandonou e quebrou seu coração quando


eram adolescentes. Bárbara Ferraz jurou a si mesma que nunca mais o
deixaria ficar perto. Maldito CEO engomadinho!

Júlio Torres sabe que deixou uma parte de si para trás. Sua ex melhor
amiga o odeia e ele, muitas vezes, teve o mesmo sentimento por si. Maldita
sombra!

Júlio sabe que não pode mais ignorar, porque ele não quer apenas a sua
melhor amiga de volta, ele a quer como sua.
Babi foge dele como o diabo foge da cruz. Entretanto, como fugir se
depois do reencontro e finalmente os pratos limpos, ela se descobre
grávida do seu ex melhor amigo?
O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY

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SINOPSE
Se existe amor à primeira vista, Abigail Alencar e Bruno Torres
compartilham o completo oposto. Abi o detestou desde o primeiro momento,
e com o passar dos anos, o sentimento permaneceu. Bruno é o típico cowboy
cafajeste, arrogante e popular, que ela não suporta um segundo na presença.

A cidade pequena sabe de seu desgosto e desinteresse no mais novo


dos Torres, porém, ele sempre pareceu ficar ainda mais animado em confrontá-
la. Se existe algo sobre Bruno que ela conhece bem, é que ele não foge de um
desafio.

Assim, quando Abi o encontra como babá da sua filha de apenas um


ano, ela só consegue pensar que ele quer algo. Bruno jura que está ali apenas
para tirá-la do sério, como sempre, mas tudo acaba por mudar, naquele exato
instante.
Existe uma linha tênue entre o amor e o ódio... eles estarão
dispostos a cruzá-la?
FELIZ NATAL, TORRES

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SINOPSE
O Natal parou de ser uma data festiva, e tornou-se dolorosa, assim que
Maria Beatriz perdeu os pais. No entanto, nesse ano, tudo mudou e ela vai lutar
para que essa data seja ressignificada. Que ela possa sorrir na data, o tanto
quanto, um dia o fez, no passado. Assim, ela precisa que tudo saia PERFEITO.

Uma árvore de natal destruída, enfeites perdidos pela casa, a ceia que
não vai chegar a tempo, um desmaio...

Será que ela terá o seu Feliz Natal ao lado dos Torres?

Esse é um conto natalino, narrado na visão de Mabi e Inácio (do livro


Uma Gravidez Inesperada), onde você poderá passar essa data tão especial
ao lado da Família Torres.
PLAYLIST

Posicione a câmera do seu celular para ler o QrCode e conheça

um pouquinho das músicas que inspiraram este livro. Caso não consiga ter

acesso, clique aqui


SINOPSE

Olívia Torres sempre teve em mente que para bom

entendedor meia palavra basta. Assim, quando se apaixonou


perdidamente e descobriu que o homem com o qual se envolveu
era casado, o seu mundo perdeu o chão. Ela apenas foi embora,

sem olhar para trás.

Contudo, com Murilo, ela nunca pode parar de olhar. Ainda

mais, quando descobriu que estava grávida.

Murilo Reis perdeu tudo. Nunca pensou, que em algum

momento, poderia voltar a sentir algo. Entretanto, bastou um olhar


para Olívia, para ele compreender que ainda existia uma chance.

Chance essa, que se perdeu por completo, quando ela o deixou.


Anos depois e uma coincidência do destino, Murilo

descobre que não apenas as lembranças daquele amor de verão


permaneceram, mas sim, que ele tem uma filha.

Um amor de verão pode ser o amor para a sua vida?


PRÓLOGO

“Bem, talvez nós tenhamos nos perdido na tradução

Talvez eu tenha pedido por muito

Mas talvez isso fosse uma obra prima até você rasgá-la por completo

Correndo assustada, eu estava lá

Eu me lembro disso tudo muito bem"[1]

OLÍVIA

Olhei para a minha mala bagunçada no canto do quarto,

enquanto puxava o lençol para o alto. Ele não estava do meu

lado, mas as lembranças daquela noite estavam ali, me


acompanhando. Sorri, enrolando-me ainda mais no colchão e

sorrindo sozinha. Eu estava apaixonada.

Eu estava apaixonada por um desconhecido no meio do

nada.

Em férias forçadas por meus irmãos, e que eu jamais viria,


se não me colocassem no avião.

Poderia agradecê-los quando o conhecessem?

Eu precisava, antes de tudo, saber o seu nome. Suspirei

fundo, e inalei o seu cheiro no travesseiro. Ele estava em tudo de


mim, como se lembrando que eu não poderia esquecê-lo. A

princípio foi uma brincadeira interna, mesmo com a atração

gritando por cada poro. Ele tinha aquela cara de “eu sei que você
me quer” e eu tinha a maior cara de pau de “o que eu quero, eu

tenho”.

E ali estávamos nós.

Arrastei-me pelos lençóis e me levantei. Precisava tomar

um pouco de água e depois iria procurá-lo. Era o nosso último dia


naquele lugar, e eu não queria ir, sem poder saber que uma parte

dele iria comigo. Ao menos, o seu nome. Olhei para a bracelete


vermelho em meu pulso e sorri, ao encontrar o dele, que eu
guardei na gaveta da cozinha.

Fingi que os enterrei, para poder lhe entregar antes de


irmos embora. Um ato romântico dele, que eu poderia

corresponder. Existia algo naquele homem, que me fazia ficar

assim. Girando no meio da cozinha com um copo de água, na sua

camisa e apenas de calcinha por baixo, cantando.

“Tudo o que eu sabia esta manhã quando acordei

É que sei alguma coisa agora

Sei alguma coisa agora que eu não sabia antes

E tudo o que vi desde 18 horas atrás

São olhos verdes, sardas e o seu sorriso

Na minha mente fazendo com que me sinta bem”

Girei pelo lugar, e fechei os olhos, continuando a cantar e


sonhar que eu tive sorte. Tudo bem que Júlio foi o mais rápido de

todos os meus irmãos a encontrar o amor, mas mesmo assim, eu

mal acreditava que em uma ideia que primeiro foi de Bruno, eu

teria o encontrado. De todas as ideias não inteligentes que o meu


caçula tinha, a daquela viagem fora de longe, a única que valera a

pena.

Valera a pena por conta do homem ruivo que tirou meu

sossego.

Bati meu dedinho em algo e abri os olhos, ao sentir meu


corpo cair e segurei com força o copo, para que o mesmo não

virasse ou se quebrasse. Olhei ao redor da bagunça que fiz, e


que era um canto das malas de Murilo desfeitas, no quarto que no

fim dividimos todos os dias, e apenas uma bolsa pequena que


deveria estar aberta caiu e se esparramou.

Ele tinha alguns produtos interessantes, e parei por alguns


segundos, deixando o copo de água do meu lado, no chão. Olhei

o sabonete facial extra, ainda lacrado e me lembrei do mesmo na


pia do banheiro. O homem era mesmo organizado, não era? Ou
foram os seus irmãos, que me contou terem intervindo e o

colocado ali, que até mandaram os extras? Resolvi parar de


xeretar, e organizei o sabonete lacrado, assim como o pós barba

que encontrei caído do outro lado, e fui recolocá-los na pequena


bolsa. Contudo, paralisei assim que abri mais o tecido para

guardar, e encontrei uma foto.

Uma foto dele.


Ele estava sorrindo, em um terno sob medida, na cor cinza

claro – uma cor que não o vira usando, em nenhum dia. A sua
frente, uma mulher loira linda, sorria, enquanto levantava o buquê,

e era claramente a noiva daquela foto. Olhando para os detalhes,


e me negando a acreditar, vi a aliança dourada no dedo anelar

esquerdo de ambos, e o olhar profundo que trocavam.

Ele... Ele era casado?

Foi então que virei a fotografia, e como minha mãe fazia,

estava escrito: Murilo e Bianca. A data estava na parte debaixo, e


o casamento deveria ter acontecido a cerca de dois anos.

Levantei-me com cuidado e caminhei até o meu celular, jogado e


esquecido dentro da minha bolsa, que deveria estar praticamente
sem bateria. Foi então que encontrei a data.

A mesma data do casamento.

Era por aquilo que os irmãos o mandaram? A noiva dele


poderia aparecer, a qualquer momento?

Meu coração falhou uma batida, e então, apenas uma


possibilidade me passou pela mente, enquanto uma lágrima

descia. Ele estava com problemas no casamento e por aquilo,


fugiu para aquele meio do nada?
A forma como ele me olhou pela primeira vez, eu estava lá.

A forma como me enfrentou mas pareceu querer correr, eu

estava lá.

A forma como seu corpo me aceitou de imediato, eu estava


lá.

A forma como concordou em tudo ser no sigilo e morrer


naquela ilha, na proposta indecorosa que fiz no primeiro dia. Eu

estava lá. Eu me lembrava muito bem.

E agora, eu só queria esquecer.

Guardei a foto de volta, assim como os produtos e apenas


me vi correndo para tirar cada pedaço meu daquele ambiente.

Depois de quase tudo pronto, cada momento se passando por


minha mente, eu apenas fiquei me indagando: como eu não vi?

Então, quando saí do quarto, era como se eu conseguisse

ouvir o barulho do meu coração se quebrando, a cada passo para


longe. Aquele bracelete ainda eu meu punho, e em minha mão o

dele, sem conseguir me livrar. Talvez dali um tempo, eu o fizesse.


Mas por enquanto, aquele amor estava me queimando, e eu só
queria fugir.
CAPÍTULO 1

“Eu passei pela porta junto com você, o ar estava gelado

Mas algo ali me fez sentir em casa de alguma forma"[2]

QUASE OITO ANOS DEPOIS

MURILO

Por que irmãos mais novos sempre deixavam problemas


para trás?

— Não vou te dar carona, Carolina. — falei, já saindo de


casa, e correndo de outra responsabilidade que não fosse o

trabalho. — Já basta ser babá do Igor hoje.


— Eu odeio dirigir! — ela reclamou, quase dando piti, e eu

ouvi a risada sonora de Tadeu, que só acontecia quando


conseguíamos tirar um ao outro do sério.

— Então, aprenda a gostar. — pisquei um olho, enquanto


ela estava enrolada no roupão e uma toalha na cabeça, na porta

de casa.

Tadeu mexia em algo no seu carro, como se preparando

para viajar para algum lugar, e eu não entendi muito bem, porque
de repente ele ficara tão apegado a um veículo. Ele nunca foi

assim.

— Não tem porque fazer o cabelo hoje, Carolina. — a voz

de Verônica soou, enquanto passava por nossa caçula. — Eu já

te disse que os Lopes não vão fazer nenhum jantar com Alfredo

hoje, então, não precisa se preocupar.

— Não é apenas por Alfredo.

Ela entrou em um monólogo, explicando todos os motivos,

enquanto Verônica permanecia com um semblante neutro. Antes

que eu pudesse sair dali, batidas no vidro me fizeram olhar na

direção, e Verô me entregava algo – uma carteira, que com toda


certeza, não era minha.
— Igor esqueceu, e está em uma festa de casamento, que
fica a caminho da empresa, te mandei o endereço por

mensagem... Só passar e deixar com ele, tudo bem?

Sequer forcei um sorriso e ela piscou um olho, afastando-

se e voltando a ouvir o monólogo nada interessante de Carol e o

porquê seu cabelo tinha que estar impecável todos os dias. Deixei

a carteira de Igor jogada no banco do carona, e conferi o

endereço no celular, para passar por lá primeiro. Por que

realmente irmãos mais novos sempre apareciam algo?

Assim que liguei o som, já a caminho, lembrei-me do

porquê odiava dar caronas para Carolina e Igor – os dois tinham

um gosto musical muito parecido com o meu passado, até

demais. Quis simplesmente parar a música, mas pareceu


impossível, porque lembrar dela, me fazia sorrir, mesmo depois de

tanto tempo, pensar sobre ela, me fazia sentir a liberdade que

nunca mais encontrei.

“Estou andando rápido pelos semáforos

Ruas lotadas e vidas ocupadas

E tudo o que sabemos


É incerto

Estamos a sós com nossas mudanças de ideias

Nos apaixonamos até que doa ou sangre

Ou desapareça com o tempo

E eu nunca (nunca)

Previ você chegando

E eu nunca mais (nunca)

Serei a mesma...”[3]

Bati contra o som, e balancei a cabeça, querendo calar,

cegar e fingir que as lembranças não me acertaram. Suspirei


fundo, enquanto fazia o resto do caminho até a primeira parada

em completo silêncio, que era, na realidade, preenchido pelo som


da risada alta e escandalosa que ela tinha.

Ela ainda sorria assim?

Foco Murilo!
Minutos depois, desci do carro e encarei o imponente hotel

a frente, que felizmente consegui a entrada liberada para o salão


de festa, apenas para poder entregar a carteira ao meu irmão

mais novo. Foi fácil a entrada, devido ao sobrenome Reis em meu


documento, e tirando meus irmãos, esse era o único bem que

vinha com tal sobrenome.

Caminhei pelo que parecia ser a recepção da festa, já

aparentemente vazia, e notei que em um arco, deveriam ter


acontecido as fotos dos convidados. Por que Igor não poderia ter
lembrado da maldita carteira? Eu tinha uma papelada gigantesca

para terminar no escritório, e com toda certeza, demandaria toda


o final de semana. Contudo, ali estava eu, caçando-o na festa de

casamento de alguém que não conhecia, para lhe entregar a


carteira que esqueceu no sofá de casa.

O que Verônica não me pede sorrindo, que eu faço

chorando?

Pisquei algumas vezes, quando reconheci a mulher negra

que caminhava de mãos dadas com uma garotinha. Por um


segundo, pensei que Elisa tinha chamado minha atenção, por ser

ex namorada de Igor, e já algum rosto que me facilitaria a vida.


Porém, meu olhar recaiu na garotinha de tranças presas a
cabeça, com os cabelos na cor castanho escuro... um castanho
que eu só vi uma vez.

Eu estava ficando maluco?

— Elisa? — chamei seu nome, a qual parou na direção que


ia.

Não saberia dizer se ela falou comigo ou não, já que minha


atenção ficou presa a garotinha com uma mancha vermelha de

nascença no mesmo local que a minha, bem no alto da cabeça,


próxima a raiz dos seus cabelos, que teria certeza, que se não
fosse penteado, seria impossível notar.

Ela abriu um sorriso desconfiado, aproximando-se, e sem


entender muito, apenas me agachei, ficando a sua altura.

— O seu cabelo é vermelho. — ela falou, e meu coração


disparou de imediato. Eu sempre gostei de crianças, mas existia

algo nela, que gritava como se fosse para ficar por perto. Como
se eu finalmente, tivesse me encontrado.

— Qual o seu nome? — indaguei, minhas mãos coçando


para tocar a sua mancha, e ter certeza de que era real.

— Daniela Torres. — falou, com claro orgulho, e por um


segundo, me vi perguntando se ela, no meu passado, a dona dos
meus sonhos de tantos anos, teria o mesmo sobrenome. Seria
possível? — E o seu?

— Eu sou...

— Qual o problema? — Elisa perguntou, cortando-me, e


notei que estourou a bolha que Daniela e eu entramos.

A garotinha era tão parecida com aquela mulher do meu

passado, que era impossível não as relacionar. Os mesmos


cabelos, os mesmos olhos... A diferença, era aquela mancha,

como a minha.

Notei então o som de outros passos, e alguém dizer para

Lisa sair dali. Abri a boca para perguntar o que estava


acontecendo, levantando-me.

— É você, só pode ser você...

Virei-me, e antes mesmo que pudesse perguntar algo ou


tentar entender, ou ao menos, pedir mais informações, apenas

notei de relance a figura de três homens, e um punho direto no

meu rosto.
CAPÍTULO 2

“E bem em diante dos seus olhos

Estou sofrendo

Sem passado, nenhum lugar para se esconder

Só você e eu”[4]

OLÍVIA

No primeiro momento foi Lisa passando com Dani agarrada

ao seu corpo, como se brincando com ela, mas ainda assim, o

rostinho de minha filha demonstrava que ela estava confusa. No


segundo, ouvi os gritos de minhas cunhadas, e não pensei duas
vezes, em seguir em direção ao barulho. Só poderiam ser meus

irmãos. Mas por que na festa de casamento de Babi e Júlio, eles


estariam fazendo barraco? Merda!

Quando cheguei lá, a cena que me aguardava, me


assustou

Inácio Torres - meu irmão mais velho, que sempre foi

quieto e observador, com as mãos no pescoço de um homem,

batendo-o contra a parede. Enquanto Júlio segurava Bruno, que


tinha as mãos inchadas, e parecia ser o único mais controlado no

meio daquela desordem. Caralho!

Quando notei Bruno se soltar de Júlio e partir para cima

para terminar o que for que quisesse, a voz de Inácio reverberou

pelo ambiente. Nunca a ouvi tão alto.

— Não!

Então, quando seu rosto virou, eu vi quem estava contra a

parede. Os olhos verdes. Aqueles malditos olhos verdes. Mesmo

com o rosto cortado e machucado, seria impossível não o

reconhecer. Notei seu choque e em como ele parecia perdido.

A gente se reconheceu de imediato.

Como se aqueles oito anos não tivessem passado.


— Você...

— Não sabe nem o nome dela, porra! — Bruno berrou, e

eu estremeci.

Dei passos até Inácio e toquei seu braço, ainda em volta

do pescoço de Murilo. Eu sabia agora o nome completo, Murilo

Reis. O homem pelo qual caí tão perdidamente. O homem pelo

qual me enganei completamente. O homem que eu enganei no


fim. O pai de Daniela.

— Ele não sabe! — gritei assim que Inácio praticamente se


livrou de mim, e parecia não enxergar mais nada. — Ele não sabe

sobre Daniela! — berrei, forçando Inácio a soltá-lo, e senti

finalmente sua força vacilar. — Ele não sabe, que merda! —

reclamei alto, e finalmente, meu irmão pareceu ouvir. Na

realidade, todos eles.

— O que...

A voz de Murilo sequer saía, e senti todo meu corpo

apenas agir.

— Merda! — continuei, e quando vi, estava com as mãos


no rosto dele. Ele sangrava, e de repente, senti todo meu peito se

comprimir. A sensação de que eu não poderia ter permitido aquilo,


foi assustadora. — Onde estavam com a cabeça? — a pergunta

soou alta, e não pude evitar, olhar irada para os meus irmãos, que
pareciam incrédulos.

— Como assim ele não sabe? — Inácio indagou, e meu


olhar voltou para o claro de Murilo, que me encarava como se o

meu toque o machucasse. Afastei-me, como se ele me


queimasse, e realmente, o fazia.

Sete anos depois... E eu ali, segurando o rosto dele como

se ainda significasse tudo. Porra, Olívia!

— Ele não sabe ou...

— Não sabia. — a voz de Murilo saiu baixa e senti meu


corpo todo se arrepiar com a proximidade. — Até agora, quer

dizer.

— Preciso de um momento a sós com ele. — exigi, e olhei

rapidamente para cada um dos meus irmãos. Júlio me encarou


como se odiasse aquilo, mas entendesse. Bruno parecia

incomodado, mas assentiu. E Inácio, a decepção que encontrei


no castanho dele, me acertou em cheio.

— Tem cinco minutos. — a voz de meu irmão mais velho

era calma e comedida, e eu assenti.


Era raro ele tomar conta de alguma situação, sem nos

pedir aprovação, mas eu não podia julgá-lo. Se fosse o oposto,


estaria tão machucada quanto, por não confiar a total verdade

sobre Daniela.

— Como... Como pode? Como eu chego, aleatoriamente

em um lugar, e encontro uma filha? — a voz de Murilo era tão


dolorosa, que a culpa que eu carregava, quase me sufocou.

Virei-me com cuidado, e estávamos tão próximos, que me

senti a beira de perder a mente.

— Eu sei que temos que conversar. — falei, e ele negou de

imediato com a cabeça, passando as mãos pelos cabelos ruivos,


e notei que seu rosto já estava inchado.

— Conversar? — uma risada fria se formou em seu rosto, e


então me encarou profundamente. — Depois de quase oito anos,

você quer conversar? — ele estava a um fio de cabelo de


distância, e era atormentador, o poder que aquela aproximação

ainda tinha sobre mim.

Senti-me presa ao passado, ao que fomos, e ao que fora

quebrado. Dei dois passos atrás, cruzando os braços sobre meu


corpo.
— Eu não fugi grávida! — rebati, no tom baixo e fingindo
ser indiferente. — Eu descobri que estava grávida só com quatro
meses. — continuei, e respirei fundo. — Eu pensei em te contar,

mas... — e ali estava o gatilho daquela foto, e do que descobri


depois. E me vi rindo baixo da minha própria covardia. — Não

sabia exatamente que bagunça era a sua vida, mas eu não ia em


momento algum sujeitar minha filha a isso. — fui honesta até
certo ponto, já quase explodindo, e respirei fundo para me conter.

De repente, minha ferida que jurei estar cicatrizada, estava, na


verdade, completamente exposta e ardendo. — Mas essa é a

festa do casamento do meu irmão, eu não posso ficar aqui ou sair


do nada... Então, preciso que espere. Sei que pode ser pedir

muito, mas... É isso. Pode ficar aqui ou pode ir e depois voltar.

— Não vou ficar mais um segundo longe dela. — olhei-o, e

soube que era real. Que ele parecia de fato determinado e certo
daquilo. — Não me importo de ficar nessa festa, e esperar até a
madrugada, mas eu vou ficar vendo-a de longe. Não pode me

negar isso.

— Apenas não diga a ela ainda, ela... — suspirei fundo. —


Ela não tem noção alguma.
— Eu não vou assustá-la ou aparecer de repente e dizer
que sou o pai dela. — gesticulou com a mão, claramente
ofendido. — Eu só quero... — suspirou fundo e passou a mão

pelo rosto. — Eu só quero vê-la.

— Ok. — foi tudo o que saiu, e suspirei fundo. — Tem um

banheiro no corredor a esquerda se quiser se limpar e...

— Porra, irmão!

A voz de Igor invadiu o local, e vi-o indo diretamente para

Murilo e segurando o rosto do mesmo, como se o analisando.

— Como entrou na frente de um trem? — indagou, e seu

olhar parou no meu, enquanto Murilo o afastava, dizendo que


estava tudo bem. — O que houve?

— Quem te disse que eu estava aqui? — ele indagou, e me

senti uma intrusa na situação.

— Fui tentar falar com Lisa, e no fim, acabei sabendo que

estava aqui, e bom... Os Torres não pareciam felizes com isso. —

Igor então me encarou, como se ainda mais confuso. — Não! —

falou, piscando, como se algo fizesse sentido em sua mente. — É


você a mulher que me contou quando tava bêbado...
— Chega, Igor! — cortou o mais novo, que se voltou para

ele.

— Tem um banheiro no corredor a esquerda. — repeti, e

dei dois passos atrás. — Conversamos no fim da festa, Murilo.

— Mal posso esperar.

Seu tom era cortante e apenas lhe dei as costas, saindo.

Imbecil! Existia algo na forma como ele me tratava agora, que me

tirava do sério. Por mais razão que ele tivesse, em eu ter

escondido sobre nossa filha, ele ainda tirava o pior de mim, como
o fez desde o momento que seu olhar recaiu sobre o meu.

E de repente, vi-me voltando aquela praia e lembrando do

que fomos.

E no fundo, eu sabia que estava ferrada.


CAPÍTULO 3

“E sei que isso foi há muito tempo

E aquela magia já não está mais aqui

E eu posso estar ok, mas não estou nada bem"[5]

OLÍVIA

Eu estava tremendo.

A cada passo que dava de volta para a parte principal da

festa, apenas procurava minha filha com o olhar. Eu precisava


encontrar Daniela. Precisava tomá-la em meus braços, e por

alguns segundos, fingir que estava tudo bem.


Suspirei fundo quando senti um leve toque em meu ombro,

e o olhar de Bruno apenas me fez seguir em direção a uma das


portas do grande corredor que dava para a entrada da festa.

Assim que adentrei o local, encontrei Inácio na ponta da mesa, e

logo os braços de Júlio me envolveram, beijando minha testa com


carinho.

Naquele momento, me virei lentamente para o meu irmão


mais velho e me surpreendi porque ele abriu os braços, mesmo

parecendo magoado. Fui diretamente para ele, e não pude evitar

as lágrimas que desceram. Eu não era de demonstrar meus


sentimentos sobre os próprios problemas, não daquela forma.

Contudo, naquele instante, pareceu impossível.

— Ná, eu...

— Eu sei. — apenas se afastou e segurou meu rosto com

as duas mãos. — Não precisa se explicar para mim, não agora.


Seja o que for, já basta estar sendo difícil para você. — assenti, e

suspirei profundamente.

— Só não nos tranque para fora, Oli.

A voz de Bruno chegou a meus ouvidos e me virei


lentamente, encontrando-o, com um olhar diferente do divertido e
leve. Ele parecia pronto para me defender, de qualquer forma.

— Nós só queremos que saiba que estamos aqui. — Júlio

parou ao meu lado, e segurou minha mão livre.

— Vou me resolver com Murilo ao fim da festa... — limpei

minhas lágrimas rapidamente, e forcei um sorriso. — Não

planejamos essa festa maravilhosa por nada, e não quero que

foque em mim. — Júlio me encarou, como se aquele fosse um


pedido impossível. — Quero que seja uma noite perfeita para

você e Babi, por favor.

— Não estragou nada. — corrigiu-me, e sorriu. — Ele vai

ficar? — indagou, e eu assenti, com pesar.

— Não posso deixá-lo longe, não mais. — tive que admitir.


— Prometo explicar melhor depois, mas agora... Só quero

encontrar Dani.

— Lisa e Abi estão com ela. — Bruno falou, e me puxou

levemente para si, levando-me para fora daquela sala.

Caminhamos lado a lado e tratei de melhorar minha feição,

porque precisava parecer o melhor possível para minha filha.


Assim que alcancei a parte em que a festa toda ainda continuava,

com muita música, bebida e comida, localizei a razão de tudo


aquilo. A pessoa mais importante e intocável da minha vida –

minha filha.

Dei passos longos e rápidos até ela, e como se

compreendesse, ela se virou, correndo até mim, e se jogando em


meus braços. Os pequenos braços no meu pescoço, o seu cheiro

me deixando em paz, e me apeguei aquele abraço como se fosse


tudo. E o era.

— O homem do cabelo vermelho tá bem?

Sua pergunta me pegou desprevenida, e me afastei com


cuidado, ficando quase ajoelhada a sua frente.

— Ele falou com você? — indaguei, e procurei Lisa com


olhar, que parecia ter sido a pessoa que presenciou toda a

situação.

— Ele só perguntou o meu nome e ficou olhando para

minha manchinha. — falou, indicando a marca de nascença de


cor vermelha que ela tinha, a mostra, devido a trança raiz que

usava.

No dia a dia, apenas as pessoas próximas conseguiam vê-


la, mas como se fosse o destino, zombando da minha cara, Murilo
tinha que conseguir ver exatamente a mesma marca que ele

tinha, nela.

Na nossa filha.

— Lisa...

Ouvi a voz de Igor, e não ousei me virar, pegando minha

filha no colo, e levantando-a, presa a mim.

— Não é o momento, Reis. — a voz dela era tão fria

quanto a que Murilo me destinou antes. Por que diabos eu estava


pensando nele? No caso, seria impossível não o fazer.

Tantos anos depois...

— Eu só queria agradecer, consegui encontrar meu irmão.


— ele falou, e notei que parecia extremamente cuidadoso. —

Apenas isso, Elisa.

Ela assentiu, sem sequer lhe destinar o olhar, mas antes de

ele sair, notei o breve olhar que pousou sobre Daniela, e um


sorriso se abriu instantaneamente em seu rosto. Eu sabia muito

pouco sobre os Reis, e de alguma forma, temia a reação daquela


família sobre Daniela.

Quando descobri qual era o sobrenome de Murilo, não me


passou despercebido, o quanto eles eram influentes e conhecidos
em todo Brasil. Existia um poder nato na forma como eles se
portavam, principalmente, a mais velha deles, ao menos, pelas
fotos que me foram mostradas.

— Eu sei que é muito, Olívia. — Igor falou, e pareceu


engolir em seco. — Mas eu preciso te avisar que assim que

qualquer um dos nossos outros irmãos souber, todos vão


aparecer.

— Pode os conter até o fim da noite? — minha pergunta foi

direta.

— Murilo não vai deixar que saibam tão cedo, mas só

quero dizer que não costumamos mentir ou omitir nada um do


outro, então... É isso.

— Entendo.

Ele assentiu, e saiu rapidamente, deixando-me perdida em

pensamentos. Talvez eles não fossem tão diferentes de nós, os


Torres, quando se tratava um do outro. Poderíamos até tentar

esconder algo um do outro, mas em algum momento, aquilo


estouraria. O que acontecia comigo, naquele exato momento.
CAPÍTULO 4

“Porque lá estamos nós outra vez, na rua daquela cidadezinha

Você quase ultrapassou o sinal vermelho porque estava olhando pra


mim

Vento no meu cabelo, eu estava lá

Eu me lembro disso tudo muito bem”[6]

MURILO

Eu só queria não estar perdido naqueles pensamentos.

Levei outra dose de uísque a boca, e gostaria mesmo de poder

ficar bêbado, mas no fundo, só estava contando os minutos,


enquanto a festa apenas aumentava e parecia mais animada.
— Por que não pega leve?

Senti dois tapas leves de Igor em minhas costas, e ele mal

sabia, que aquela mesma pergunta, me foi feita, anos atrás. Meu

olhar então varreu a multidão a minha frente, e finalmente a


encontrei, do outro lado do salão, dançando animadamente, com

a filha a sua frente, a qual sorria. A nossa filha.

Eu não estava amargurado. Contudo, como Verônica jogou

na minha cara, eu estava agindo como um cara amargurado.


Porém, o que eu poderia fazer? Se eu não tinha o trabalho agora,

o que me restava, era beber.

Tadeu, Igor e Carol me obrigaram aquelas férias forçadas,

e eu torcia, a cada segundo, para que Verônica me tirasse

daquela miséria. Fui colocado no meio do nada, sem qualquer

chance de comunicação com o meio externo, e tudo o que

consegui, foi mandar uma mensagem para minha irmã mais velha
e pedir que me tirasse dali, o quanto antes.

Eu precisava do trabalho para me lembrar quem era. Ou da


bebida. Porque quando ficava preso ao meu próprio silêncio, me

relembrava do quanto ela o detestava. Do quanto eu não fui o

suficiente e nunca mais poderia ser. A culpa pelo o que aconteceu


com Bianca me atormentava, tão profundamente, que me sentia
vazio. E precisava preenchê-lo.

De repente, os olhos castanhos profundos que me


encararam curiosos mais cedo, me acertaram de imediato. Por

que aquela desconhecida estava na minha mente?

— Por que não pega leve?

— Está me perseguindo? — não pude deixar de perguntar,

sem me obrigar a encará-la. Algo sobre a forma como ela pareceu

me ler por completo, sem eu sequer saber o seu nome, me fazia


correr. Não me sentia assim desde... Desde nunca.

— Estamos presos no mesmo meio do nada, rei do mundo.

— Rei do mundo? — foi impossível não me virar, e arqueei

uma sobrancelha. Ela tinha um sorriso de escárnio no rosto, e

assentiu.

— Anda com toda essa pose de CEO intocável, e sei

exatamente o valor desse relógio caro no seu pulso... — apontou

para o meu rolex, e fiquei ainda mais perdido. Por que eu estava

interessado naquela conversa sem sentido? — Fora que parece


não sair de roupas de trabalho... Estamos numa ilha paradisíaca,
e ainda está com terno e calças sociais. Não me surpreendia ao

vê-lo de gravata amanhã.

— Não vai me ver amanhã, tenha certeza. — ela riu ainda

mais abertamente e deu um passo à frente, ficando bem próxima.

— Vamos ser honestos, ok? — senti seu hálito quente em


meu rosto, e foi impossível me afastar, porque apenas aquela

proximidade me fazia sentir vivo. Sem vazio. Sem bebida. Sem


trabalho. — Foi obrigado a tirar férias também? — perguntou, e

deu um passo atrás, sorrindo de lado.

— Também? — ela assentiu, e poderia jurar que deveria

ter no máximo vinte anos. — Quantos anos tem?

— O suficiente para ficar maluca com o final da faculdade.

— jogou os cabelos para trás, e meu olhar percorreu seu


pescoço, como se fosse algo a ser adorado. Foco, porra! — Vinte

anos e você?

— Vinte também. — ela assentiu, como se considerando

algo. — E no fim, resolveu que vai fazer amigos no meio do


nada?

— Estamos tentando ser amigos? — arqueou uma

sobrancelha, e eu não pude evitar um sorriso. — Olha, ele sorri!


— bateu uma palma, completamente provocativa. — Gostaria de

saber o que mais você faz.

— Não vou me livrar de você se disser que quero ficar

sozinho?

Ela me olhou, como se me desafiasse a dizer aquilo. Por

que eu simplesmente não lhe dava as costas e saía? Mas pelo


contrário, completamente fora da razão, puxei a banqueta vazia
ao meu lado, e lhe dei espaço para sentar, como se fosse o certo.

Quando ela o fez, não pude evitar olhá-la e percorrê-la por


cada detalhe. Dos cabelos castanhos ondulados, aos olhos

enormes das mesma cor, que pareciam tão transparentes, e que


gritavam para que eu tomasse aqueles lábios pintados de

vermelho com os meus.

— Eu juro, que se eu soubesse que ela era a mulher que

contou ter conhecido no passado... Eu juro que...

A voz de Igor me trouxe a realidade e neguei rapidamente

com a cabeça.

— Não tinha como saber... E pare de me lembrar de


quando enchemos a cara e te contei sobre a mulher daquela ilha.

Ele riu de lado, como se para quebrar a tensão.


— Eu devia ter reparado melhor na garotinha, mas eu mal
a via, e muito menos, com os cabelos presos...

— Foi a sorte eu ter visto a marca de nascença na cabeça


de Daniela. — suspirei fundo, e era tão estranho, porque eu
descobrira minha filha, e sequer tive tempo de absorver aquilo.

Como no passado, Olívia apenas chegava e tomava tudo


para si, sem me dar qualquer chance. No agora, uma parte
composta por nós dois, o fazia.

— Sabe que Verô não vai deixar com que ela fique longe.

— Verônica não vai saber agora. — falei, porque eu


conhecia minha irmã o suficiente para saber o quanto aquela
informação poderia ser uma bomba em meio a todos nós. —

Preciso me entender com Olívia primeiro.

— Ainda a ama, irmão?

Olhei para o mais novo, e neguei com a cabeça, ao mesmo


tempo que assenti. No fundo, não sabia o que responder. A

verdade era que imaginei por tanto tempo como seria, se um dia,
pudesse reencontrá-la, mas sequer acreditei que seria real. Eu
sabia que não a merecia, a ponto de que era claro que a vida

nunca me daria uma outra chance. Entretanto, não era mais por
ela. Nem por mim. Nem era mais sobre o que vivemos ou
sentimos.

Era sobre Daniela.

Daniela Torres Reis... o nome fazia tanto sentido em minha


mente, que me assustava. E por um segundo, vi-me perguntando

a mim mesmo, se tivesse a procurado no passado e descobrisse

quem realmente era. Ou pelo menos o seu nome real – Olívia.

Não poderia dizer que a amava, porque o que vivemos foi

sem qualquer nome ou cobrança. Era diferente. No agora, eu

sabia exatamente seu nome e quem ela era, e o mesmo para com
ela. Era assustador. Porque de algum jeito, ela ainda parecia

exercer o mesmo poder sobre mim.

Aquele sentimento gritando em meu peito, e eu tinha que

silenciá-lo. Porém, eu senti o vazio se desfazer, mais uma vez.


CAPÍTULO 5

“E o tempo

Está indo no seu doce ritmo ao te apagar

E você tem os seus demônios e, querido

Todos eles se parecem comigo” [7]

OLÍVIA

— Oli. — Bárbara me puxou para si, afastando-me


levemente de Dani.

— Eu estou com saudades da minha pestinha. — Júlio


pegou a sobrinha no colo, levantando-a. — Pode ir tranquila.
Afastei-me a contragosto, e Babi me fez seguir com ela,

para uma das portas daquele corredor por onde passei mais
cedo. Assim que a grande porta se fechou, abafando os barulhos

da festa, ela me encarou, segurando minhas mãos com firmeza.

— Eu sei que foi difícil, e que talvez, eu tenha falhado por

conta da minha distância de Júlio... — tentei cortá-la, mas ela

apertou minhas mãos, como se para me calar. — Mas eu estou


aqui, Oli. Sempre estive. Você é a minha irmãzinha mais nova, e

eu sinto muito por ter permitido Murilo ter entrado, eu não tinha

ideia que...

— Não é sua culpa. — olhei-a com clareza, para que não


restassem dúvidas. — Esqueceu que foi a pessoa que me

abraçou, e que comprou o teste de gravidez, e depois do


resultado, ficou lá comigo, enquanto eu chorava, sem ter ideia do

que ia fazer? Você disse que estaria ao meu lado, Babi.

Independente da minha escolha. Se fosse seguir com a gravidez

ou não, se eu fosse querer contar a minha família ou não... Mas

eu já tinha contado pra minha família, porque você sempre foi

parte. Pode ser o amor da vida de Júlio, mas sempre foi uma irmã
mais velha para mim. — ela me puxou para seus braços, e relaxei

por alguns segundos, aceitando seu carinho. Suas mãos


passaram por meus cabelos, do mesmo jeito que ela o fez, no
passado.

— Eu posso pedir para Murilo vir aqui, se precisar. — falou,


e engoli em seco. — Já estamos praticamente apenas em família,

então... Abigail e Bruno já montaram uma noite do pijama para

Isa, Lorenzo, Dani e Primavera. Acho que nada mais justo do que

ficar a sós com ele, e conversarem.

— Eu vou para o meu apartamento aqui da cidade, prefiro

assim.

— Um lugar seu pra se sentir mais em sua pele, não é? —

indagou, e ela me conhecia muito bem. — Eu posso pedir para

que ele venha aqui e vocês podem sair, sem que Dani veja os

dois juntos.

— Ela não para de querer conversar com o homem do

cabelo vermelho. — confessei, e sabia que fugi a noite toda dos

olhares de Murilo, que parecia se camuflar muito bem em cada

canto. Mas em alguns momentos, Daniela o notava.

Era como se ela soubesse que era ele.

— Eu vou esperar aqui então. — falei, e ela me abraçou

rapidamente, antes de sair.


Bati o salto contra o piso, o que reverberou pelo local, e se

um alfinete caísse, poderia ser ouvido. Minutos depois, quando


ouvi a porta sendo aberta, virei-me devagar, e por um segundo,

apenas absorvi a imagem dele, parado ali, com uma mão na


maçaneta, e olhando-me friamente.

O pior era que ele parecia ainda mais bonito do que nunca.
Os cabelos ruivos estavam mais longos, perfeitamente penteados,
como se eles sempre estivessem assim. Mas eu sabia que não.

Sabia exatamente como eles eram ainda mais bonitos


bagunçados e presos aos meus dedos, sobre um lençol quente.

Merda!

— Eu tenho um apartamento na cidade. — falei, e ele

apenas pareceu aguardar um pouco, para só então entrar, e


fechar a porta atrás de si. — Podemos ficar a sós e conversar lá.

— Eu estou de carro. — falou, e assenti, fazendo um gesto


com a cabeça, para que me seguisse.

A cada encontro do meu salto contra o piso, meu coração


parecia querer realinhar, mas as batidas permaneceram erráticas.
Uma confusão de pensamentos se espalhavam por minha mente,

até mesmo, o passado. Sentia-me embaralhada por lembranças


que jurei trancar e não mais revisitar, mesmo que meus sonhos no

meio da noite fizessem o oposto.

— Acho que estamos um pouco...

— Embriagados? — a voz dele era mais leve, mas ainda

assim, soava séria. Sorri abertamente, sabendo que cinco doses


de tequila não eram o suficiente para me deixar bêbada de fato,

contudo, eram a desculpa perfeita para estar mais próxima dele.

— Pode usar a palavra bêbados, sabe disso, não é?

— Eu acho que gosta de me corrigir, sabe tudo. —


respondeu, formando uma leve careta, e não pude resistir, ao ficar

na ponta dos pés e apertar suas bochechas.

— Alguém já lhe disse que é fofo? — seu olhar se tornou


ainda mais fechado, enquanto negava com a cabeça. — Você

também tem uma cozinha no seu “quarto”? — fiz aspas com os


dedos e ele assentiu, enquanto eu o puxava pela mão, abrindo a
porta dele.

Era um desconhecido.

Um desconhecido bonito e sexy como o inferno. O qual não


se apresentou e muito menos pareceu interessado em saber o
meu nome. Eu tinha três semanas naquele paraíso, por que não
aproveitar?

Algo nele gritava para que eu o fizesse.

— Eu acho que não deveria... — levei os dedos a sua


boca, e o puxei até a cozinha.

— Não bebemos tanto assim, mas não sei você, eu estou


com fome. — falei, deixando-o próximo ao balcão, enquanto abria

a porta da geladeira, e procurava por frios, que eu sabia que eram


entregues a todos naquele hotel.

A curiosa não conseguia parar até descobrir algo.

Como meus irmãos tinham pensado em me colocar em um

real paraíso como aquele? Inácio merecia ser idolatrado pelo


resto dos dias, porque sabia que por mais que Júlio e Bruno
pudessem se gabar pela ideia, principalmente, o caçula, foi ele

quem bancou tudo aquilo.

Mantive a porta da geladeira aberta, já que esquecera por

completo de acender as outras luzes do lugar. Apenas a lua


iluminava o ambiente, já que todas as paredes eram de vidro, e
agora, a luz da geladeira. Tropecei sem querer em sapatos

jogados pelo caminho, e senti braços fortes me segurando.


Levantei meu olhar, agradecendo silenciosamente.
Coloquei os frios na bancada, mas as mãos dele não se
afastaram da minha cintura, na realidade, pareciam longe de tal

coisa. Uma música me veio em mente, e tive que rir baixinho.

— Dançar sob a luz da geladeira, parece uma boa ideia?

— indaguei, e ele piscou algumas vezes, como se pensando a


respeito. — Alguém já te disse que pensa demais, rei do mundo?
— passei os braços ao redor do seu pescoço, e surpreendendo-

me por completo, um sorriso estampou seu rosto. — Seu sorriso

deveria ser um crime.

— Um crime é você ser tão bonita.

Não esperava tão declaração e de repente, perdi as

palavras. Suspirei fundo, sentindo o exato momento que uma de

suas mãos subiu para o meu rosto, e a diferença de altura não


parecia tão grande assim. Era como se os lábios dele estivessem

próximos. Tão próximos que podia sentir o seu calor.

— Olívia?

Sua voz me fez piscar algumas vezes, e então, notei que

estava no estacionamento. Fechei os olhos por um segundo, e


apenas tentei manter a compostura. Fazia um longo tempo que

não pensava exatamente naquele momento. Em nós dois,


naquela cozinha, na primeira noite...

Ouvi o barulho de um alarme sendo desativado, e apenas

foquei em segui-lo. Assim que abriu a porta para mim, assenti, e


me sentei, agarrando-me ao vestido caro e bonito que usava

naquela noite.

Quem diria que eu não terminaria aquela festa bêbada e

sendo carregada junto com meus irmãos, mas sim, indo contar
abertamente para o pai da minha filha que ele era o pai dela, e

como faríamos tal coisa funcionar. Apenas lhe ditei o endereço e

não esperei qualquer outra interação durante o trajeto.

Contudo, enquanto prestava atenção nos prédios e ruas

cheias devido ao fim de ano, senti meu coração falhar uma batida,

quando uma música iniciou, justamente na parte que me fizera ser

teletransportada para nós. Sendo que nós nunca existiu.

“Porque lá estamos nós outra vez, no meio da noite

Estamos dançando pela cozinha sob a luz da geladeira

No andar de baixo, eu estava lá


Eu me lembro disso tudo muito bem” [8]

De repente, meu olhar apenas encontrou o seu, enquanto

ele quase ultrapassava um sinal vermelho, e tudo o que jurei ter


superado naqueles anos, parecia ser jogado na minha cara, de

que não – não o fiz.

Talvez o fato de nunca ter colocado um ponto final naquela

história, fosse o que faltava. Talvez, após aquela conversa,


finalmente me sentisse livre do sentimento que nasceu em poucos

segundos, foi vivido em poucos dias, e enterrado nos últimos

anos... mas eu não podia mais enterrar, precisava me libertar

daquilo.

Amores de verão eram assustadores – foi o que aprendi

após deixá-lo e ter uma prova de que não foi apenas um surto de

minha mente. Daniela era a prova de que Murilo e eu existimos.


Mesmo que não fosse amor de fato, e apenas um momento. Um

momento que marcou mais do que deveria, eu sabia. Ao menos,

o fizera comigo.
CAPÍTULO 6

“Você poderia ser aquele que eu mantenho, e eu (eu)

Posso ser a razão pela qual você não consegue dormir à noite

Uma mensagem em uma garrafa é tudo que posso fazer

Parada aqui, torcendo que chegue até você” [9]

MURILO

Assim que estacionei o carro, senti meu celular vibrar no


bolso e notei que era Tadeu. Acabei apenas desligando o

aparelho, sem cabeça para falar sobre qualquer outra coisa

naquele momento. Sabia que estava mais do que atrasado para o


jantar, já que a festa acabou por volta das três da manhã, porém,
não poderia explicar aquilo tudo por telefone. Igor que salvasse

minhas costas o quanto pudesse.

— É por aqui. — Olívia falou, antes de abrir a porta do

carro e sair. Fiz o mesmo caminho que ela, rapidamente, e logo


estávamos dentro de um elevador. Não havia mais ninguém, e a

cada andar, segurava a mim mesmo para não a olhar.

Quantas noites me vi perguntando como tudo seria se eu a

tivesse procurado?

Agora, me indagava, como tudo de fato seria, se eu o

fizesse. Eu estaria lá no nascimento da nossa filha? A gente teria


se tornado algo mais do que apenas um caso de amor perdido?

Por um segundo, meus olhos vagaram pelo espelho, e eu


me perdi no quão bonita ela conseguiu ficar. Ainda mais do que

antes. Porém, não estava ali no seu rosto, aquele sorriso

provocante, pronto para me irritar ou o olhar afiado, como se me

desafiasse a deixá-la ir.

Desde o começo, Olivia parecia ser tão atrevida, a ponto

de se infiltrar sob minha pele, e eu nem notar. Mas ali estava uma

versão dela que eu desconhecia. Séria, concentrada e claramente


preocupada. Quantas outras versões eu não tinha qualquer
conhecimento?

O elevador finalmente parou, e a segui pelo corredor, e


notei que seu apartamento parecia ser o único no andar. Talvez,

uma cobertura. E me toquei, que não tinha ideia de quem ela era

de fato ou como vivia.

Quando abriu a porta, e me deu espaço para entrar, vi-me


não conseguindo desviar do olhar dela, por um segundo, e fiquei

preso a sua figura, tão próxima, que me fazia querer gritar: Por

que me deixou?

Porque foi apenas a porra de um caso de verão para ela,

Murilo!

— Pode se sentar no sofá. — ela quebrou o silêncio

angustiante, enquanto seus olhos castanhos invadiam o verde

dos meus.

— Ok.

Foi tudo o que pude dizer, forçando minhas pernas a se

mexerem, e vagando por cada detalhe do apartamento, que


parecia uma casa acolhedora. Sentei-me no sofá, enquanto a via

fechar a porta, e se livrar dos saltos altos no segundo seguinte.


— Odeio essa merda! — sua voz era cansada, enquanto

se escorava em meus ombros. — Odeio amar essa merda. —


pareceu-se corrigir-se, enquanto jogava os sapatos pelo quarto, e

sorria de lado. — Agora sim, melhor!

— Então...

Sua voz me chamou para a realidade, e pisquei algumas

vezes, saindo das lembranças. Quantas vezes aquelas mesmas


lembranças me acertaram nos últimos anos? Muitas de milhares.

— Eu só quero saber, antes de lhe contar sobre Daniela,


como? Como soube que ela era sua filha? — perguntou, sem

mais delongas, sentando-se na poltrona a minha frente.

Escorei-me com os cotovelos nas coxas, e a dor latente no

meu rosto, entregava parte de como a descoberta me atingiu.

— Eu estava na recepção da festa com a carteira de Igor,

quando notei a ex namorada dele, com uma garotinha no colo.


Algo me era extremamente familiar, e... Não sei explicar, apenas

fui até elas. Por um segundo, pensei que fosse para pedir para
Lisa entregar a Igor a carteira, mas quando ela se aproximou,
notei a mancha vermelha bem na raiz dos cabelos, como a minha.

E os olhos dela, os cabelos... Ela é você, Olívia! — pela primeira


vez, dizia o seu nome, diretamente para ela. — Não tive muito

tempo antes de trocar algumas poucas palavras, e descobrir o


nome dela, e assim que ela saiu, três homens chegaram, e bom...

— um sorriso involuntário saiu de meus lábios. — Apenas senti o


primeiro soco.

— Eu sinto muito. — falou, e levantei meu olhar,


encontrando o seu. — Os três são meus irmãos, eles... Podem

ser superprotetores. Não sabiam que o pai de Dani não sabia


dela. — admitiu, e assenti, como se fizesse algum sentido.

— Meus irmãos não sairiam por menos, se as coisas

fossem ao contrário. Carolina gritaria muito, já Verônica... — calei-


me, sem perceber porquê de repente, estava falando tão
abertamente sobre algo tão pessoal, quanto minha família. Talvez

ainda fosse o poder dela sobre mim. O mesmo que rachou minha
armadura, e a fez adentrar.

— Eu descobri que estava grávida apenas quatro meses


depois. — ela começou, suspirando fundo. — Depois de alguns

dias, eu apenas tentei encontrar você. E foi mais difícil do que eu


imaginava... O fiz, quando cheguei ao sétimo mês, e de verdade,

só não imaginei que inventei aqueles dias juntos, porque tinha a


prova viva bem ali. — suspirou fundo, passando as mãos pelos
cabelos. — Quando descobri, soube que estava de casamento
marcado e eu... — ela pareceu se perder em lembranças, e eu
queria saber o que se passava em sua mente. Daria qualquer

coisa para aquilo. — Eu decidi que não tinha forças, não naquele
momento, para entrar em uma bagunça como essa. Eu só

conseguia pensar em como minha filha poderia ser um estorvo


para outras pessoas, e eu... Eu não queria que ela sofresse, ou
fosse o motivo de atrapalhar a felicidade de alguém. Então, optei

pelo caminho mais fácil e simples, não contar. Apenas tentei


apagar quem você era da minha mente, e não me permiti pensar

sobre isso até... Até hoje.

— Nunca ia me contar? — a pergunta saiu em um tom de

mágoa sem que pudesse evitar. — Por mais que tenha seus
motivos, não acha que Daniela e eu merecíamos saber? Eu não

sei como foi a vida dela, eu nem sei se a minha filha é feliz, Olívia.
— notei que minhas mãos tremiam, e seu olhar vacilou.

— Ela é, mas... — notei-a engolir em seco. — Eu tinha feito

uma promessa, a mim mesma, de quando ela chegasse aos dez,


nós conversaríamos sobre o seu pai, e...

— E o que? — perguntei, minha cabeça girando. — Aí eu


descobriria a minha filha, e que perdi um década da vida dela?
Acha mesmo que saber disso depois, muda algo? Acha que não
magoou mais pessoas do que a si mesma nisso?

— Eu sei dos meus erros, Murilo. — sua voz soou cortante,


e passei as mãos pelos cabelos, completamente perdido. — E eu
não quero me redimir ou pedir para que entenda, ou perdoe o que

fiz... Eu só quero que você e Daniela tenham a chance de serem


pai e filha.

OLÍVIA

— A chance que você tirou.

As palavras dele bateram tão forte, que tive que usar todo

meu autocontrole. Eu queria poder gritar e dizer todas as minhas

frustrações sobre. Mas como o faria? Não tinha justificativas

melhores do que proteger o meu próprio coração e o de minha


filha. E eu não ia entrar no mérito da foto. O que eu diria?
— Eu sei. — foi tudo o que consegui dizer, e levei as mãos

ao rosto, respirando fundo. — Só quero saber, qual a sua real


intenção e sentimento sobre isso. Preciso saber.

— Por que? Para saber se vai sumir com a nossa filha

novamente? Escondê-la até que... Até que ela sequer saiba que
eu existo?

— Ela quer um pai. — soltei de uma vez. — Ela teve todo o

apoio, amor e carinho dos meus irmãos, mas ela sempre sentiu

falta de algo. Ela sempre sentiu falta de você, mesmo não


sabendo que existe.

— Como vamos fazer isso? Onde vocês vivem? O que

você faz? Em que ano da escola ela está? O que ela gosta?
Como vamos... vamos contar?

Ele tinha tantas perguntas, e eu sabia que até mais que

isso. Levantei-me, enquanto pensava e processava tudo aquilo.

Fui até a adega e peguei um dos meus vinhos favoritos, que


coincidentemente, também sabia que era o favorito dele. Peguei

duas taças, depositando-as na ilha da cozinha, e sentia seus

olhos acompanhando cada movimento meu.


— Acho que vamos precisar de uma bebida. — falei, assim

que me aproximei, destinando-lhe uma taça.

Ele a aceitou, e por um breve segundo, nossos seus dedos

se tocaram, e o mesmo arrepio, de anos atrás, talvez até mais


forte, me atingiu. Afastei-me dele, como se me queimasse – o que

de fato acontecia – e voltei para o meu lugar. Sabia que seria uma

longa noite.
CAPÍTULO 7

“E fiquei pensando durante a viagem: A qualquer momento agora

Ele vai dizer que é amor

Você nunca chamou pelo o que era” [10]

MURILO

Eram oito da manhã, quando eu finalmente saí do

apartamento de Olívia. Meu carro ficaria no seu prédio e a avisei


que alguém o buscaria no fim do dia. Assim que o táxi parou a

frente do condomínio, paguei e resolvi que deveria caminhar até

em casa. Seriam cerca de três quilômetros dentro do condomínio,


mas ainda assim, eu precisava daquilo.
Precisava daquele momento a sós, com meus

pensamentos gritando, e cada detalhe se repassando por minha


mente.

— Eu não sabia ao certo como seria, mas eu gravei...


Gravei cada mês dela, é o nosso momento especial, desde

quando descobri a gravidez.

— Como assim?

— Aqui. — Olívia me entregou um hd e notei o sorriso

falhar em seu rosto. Eu não via aquele sorriso há tantos anos, e

de repente, uma parte dele, me acertava em cheio. Porque nossa


filha, tinha o sorriso dela. — Fiz uma cópia para um dia te

entregar. Sei que não vai recuperar todos os anos e muito menos,

compensar, mas... É isso que posso te entregar agora.

Aceitei o dispositivo, assentindo.

— Começou comigo, gravando sobre como me sentia na

gravidez, a cada mês, e depois, aos poucos, quando ela começou

a falar, se tornou algo nosso... A gente compartilha o que mais

desejamos e como estamos nos sentindo. — não pude evitar

imaginar o quanto deveria existir ali dentro, do aparelho que


segurava. — No último mês, ela pediu um pai. — então desviou o
olhar, e eu suspirei fundo. — A cor favorita dela é vermelho. —
não sabia porquê, mas aquilo não me surpreendia. — Ela ama

dias ensolarados e não pode faltar pão francês no café da manhã.

Ela diz que quer ser atriz, mas ao mesmo tempo, uma

matemática. Ela ama andar a cavalo e ficar na fazenda... No caso,

eu tenho uma fazenda, no interior, temos vivido mais lá do que

aqui nos últimos tempos. Estou terminando de transferir meu


trabalho para lá. — olhei-a atentamente, como se esperando

explicação. — Sou advogada. — assenti, e ela continuou: — Ela

não consegue passar uma semana sem ver os tios, e é a xodó da

minha família.

— Eu imagino. — não pude evitar imaginar a reação dos

meus irmãos. — Minha família vai querer conhecê-la e... com

certeza, estar perto dela. Isso é um problema?

— Acredito que não. — falou, e entendia seu receio. Ela

não os conhecia, e com certeza, se sabia algo sobre os Reis, não

deveria ser além das manchetes em que parecíamos uma família

rica e intocável. Até mesmo, apenas predadores do mercado. —

Ela quer mesmo morar no interior, e eu sei que sua vida é por

aqui. — estreitei meu olhar, como se não imaginando que ela


pesquisasse sobre mim. — Quer dizer, é bem claro, devido aos
ternos. — fez um sinal com a mão, em minha direção e apenas

me recordei de como ela implicava com a vestimenta no passado.


— Enfim, eu não sei como vamos fazer acontecer, mas eu quero

que ela sofra o menos possível. Se for preciso que ela se mude
para a cidade, não é um problema. Mas quero que seja uma
decisão dela.

Assenti e guardei em minha mente – eu iria onde minha


filha quisesse estar. Não me importaria, de jogar tudo para o alto

e correr para qualquer cidade que fosse, por ela. O que Olívia não
tinha ideia, era que aquele vazio, que ela preencheu por alguns

momentos no passado, ainda estava ali, me relembrando que eu


nunca teria a chance – a chance de ser completo.

Mas no primeiro sorriso de Daniela, eu soube, que

encontrei a parte que faltava. Antes mesmo de ter certeza que era
minha filha. Era como se eu estivesse esperando, a vida toda por

aquilo. E o meu sonho de dar continuidade a minha família, de


poder ensinar tudo o que o Verônica nos ensinou, poderia ser
real.

— Podemos nos encontrar nesse final de semana? —

perguntei, e ela pareceu ser pega de surpresa. — Não sei como


vamos fazer, mas vamos achar um jeito.
— Acho que é um bom tempo para prepará-la. — suspirou

fundo, e pareceu pensar. — Tem algum problema se for em algum


lugar que ela já conhece? Eu acho que seria mais fácil.

— Aqui? — indaguei, e ela assentiu. — Acho que levar ela


para o casarão Reis, que divido com meus irmãos, pode ser...

Pode ser demais.

Ela assentiu e vi que o assunto parecia assustador, para


ambos.

— Acha que ela vai... vai gostar da ideia? — não pude


evitar a pergunta, a insegurança me acertando por inteiro.

A feição de Olívia suavizou, enquanto a mesma assentia.

— Ela gostou de você de graça, e é difícil isso acontecer.


— assumiu, e olhei-a sem entender. — Ela tem isso, de você.

Sabia o que ela queria dizer, e um sorriso se abriu no meu

rosto, mesmo que ser desconfiado das pessoas não fosse de fato
uma virtude. Ainda assim, ela tinha algo meu. Minha filha tinha
algo meu.

— Madrugou e não foi a trabalho.

A voz de Carol chegou a minha orelha, despertando-me


para a realidade. Os olhos verdes iguais aos meus, e os cabelos
loiros presos no alto da cabeça. Ela deveria ter saído para correr,
e acabara de chegar à frente da casa da nossa família – que nós
cinco dividíamos.

Ela passou um braço ao meu redor, totalmente suada,


sabendo que aquilo me deixava irritado. Afastei-a, e a mesma riu,

enquanto entrávamos em casa. Por um segundo, apenas imaginei


Daniela correndo por aquele lugar. Aquele lugar também era dela.

— Não sei se pergunto ou não o que houve.

Verônica estava no alto da escada, em seu robe negro, e


os cabelos escuros, como os de Tadeu e Igor, presos no alto da

cabeça.

— Igor tentou até fingir que não sabe de nada, mas está na

cara dele que algo aconteceu. — ela continuou, enquanto


caminhava até mim. — Não é de passar a noite fora se não for na

empresa, então... Confesso que estou curiosa.

— Eu disse que talvez conheceu alguém.

Carol falou e sabia que ela estava maquinando algo sobre


alguma das colegas que ela me apresentara durante o último
mês. Mal sabia ela, que era completamente longe daquilo.

— Bom dia, irmão.


Só então notei Tadeu, sentado no final do sofá, com uma
caneca enorme em mãos, que deveria estar cheia de café.

— Onde Igor está?

— Sufocando no quarto. — ouvi o grito dele, que apareceu


na escada, parecendo ter esperado cada segundo até a minha

chegada. — Por favor, me tira o sufoco! — implorou,

dramatizando como apenas ele sabia fazer, e eu neguei com a


cabeça.

Era um grande comitê de boas-vindas, e eu tinha certeza

que não era por mal – ele se preocupavam. Todos sabiam que
minha vida era sempre a mesma, com uma rotina certa e

organizada, raramente, saindo da mesma. E quando o fazia, era

por trabalhar e estar preso na empresa. Nada além.

Sumir, e não estar na empresa, e muito menos avisar algo,


com certeza, os deixou em alerta.

— Eu estou bem. — falei, e retirei o terno, jogando-o no

sofá. — Eu só não sei como dizer. — confessei, e me joguei no

estofado, sentindo os quatro pares de olhos sobre mim.

— Faz tipo band-aid. — Carol sugeriu, jogando-se a minha

frente, sentando no chão.


— Ok. — olhei ao redor e respirei fundo. — Eu tenho uma

filha!

— Ufa! — ouvi Igor soltar, já próximo a nós. — Caralho! —

Carol soltou, como se incrédula. — Como assim? — Tadeu

perguntou, parando com a caneca a caminho da boca.

Verônica apenas me observava, como se estivesse

juntando algumas peças.

— Acredito que não é uma gravidez recente... — esperta,

como sempre.

— Olívia Torres!

— Igor! — chamei sua atenção, e ele deu de ombros, como

se perguntasse “o que?”. — Será que eu posso contar?

— Como que conta ficando quieto?

— Os dois podem parar de enrolar. — Verônica interviu. —

Quantos anos ela tem?

— Vai fazer oito. — então, seu olhar mudou e ela pareceu

pensar sobre algo. — Então o nome dela é Olívia Torres?

— Da mãe, sim. — afirmei, e senti todos me observarem.

— Eu trouxe algo. — levantei o hd e eles pareciam interessados.

— Olívia e Daniela tem algo todo mês, que elas gravam e...
— É uma menina.

Então, notei um sorriso se abrir no rosto de Verônica, o que

era extremamente raro, e não pude evitar retribuir.

— Ah! — Carol gritou, pulando sobre mim e me abraçando

com força, e eu tive que rir da nossa caçula.

— Já sabemos quem não será a tia favorita. — Tadeu

provocou, nos raros momentos em que se intrometia, e Igor


gargalhou alto, enquanto Carol pulou do meu colo e jogou um

travesseiro em sua direção.

— Parabéns, irmão. — Tadeu falou, ao desviar de outra

almofada, e eu assenti, sem saber o que dizer.

— Então, por que a gente não assiste? — Igor sugeriu,

agora se jogando ao meu lado. — Quer dizer, se não quiser

assistir sozinho primeiro e...

— Prefiro rever com vocês.

Então, Verônica se sentou na poltrona que era sua desde

que consigo lembrar, enquanto Tadeu permaneceu na ponta do

outro sofá, Carol se jogou no mesmo estofado, colocando os pés


na perna dele, a contragosto do mesmo. Igor estava sentado no
outro sofá, no qual estava segundos antes, só que agora,

conectava o hd na televisão.

E de repente, eu estava mostrando a nova integrante de

uma família que era acostumada a ser apenas de cinco, por muito

tempo. Éramos seis.


CAPÍTULO 8

“E você me liga de novo só pra me quebrar como uma promessa

Tão casualmente cruel em nome de ser honesto

Eu sou um pedaço de papel amassado e jogado aqui

Porque eu me lembro disso tudo, tudo, tudo” [11]

OLÍVIA

Talvez eu tivesse finalmente pego no sono no sofá, ou


estivesse perdida em minha mente. Ouvi o barulho da campainha

e me levantei em um pulo. Não podia ser um dos meus irmão ou

Daniela, já que Bruno avisou que ficaria com ela até a noite. E
eles não eram de tocar a campainha, já que todos tinham a

chave.

Olhei rapidamente para o meu reflexo no espelho, e

perguntei as horas a Alexa. Eram dez da manhã, e então, eu


deveria ter cochilado até que um bom tempo. Suspirei fundo, e as

olheiras eram óbvias. Mas o que eu poderia fazer? Deveria ser o

zelador, ou alguém do prédio.

Quando abri a porta, não pude evitar a surpresa em meu


olhar. Uma mulher alta, que deveria ter no mínimo dez

centímetros a mais que eu, sem contar com os saltos. E eu a

conhecia... a reconhecia, no caso. Seus olhos verdes eram como


os dele, mas os cabelos eram escuros e espessos, perfeitamente

presos no alto da cabeça, em um rabo de cavalo. Ela parecia ter


acabado de sair de um filme de moda. O olhar superior

permanecia, assim como a postura perfeita – Verônica Torres.

— Acho que sabe quem eu sou. — falou, segurando os

óculos escuros. — Está sozinha? — perguntou, e eu assenti, sem

saber o que dizer.

O que ela fazia ali? Murilo a mandou ali? Ela não teria

vindo buscar o carro dele, tinha certeza. E mais, se o fizesse, por

que subiria ao meu apartamento? Como ela tinha subido?


— Bom, vou ser direta. Não é um prazer conhecê-la, Olívia
Torres. — engoli em seco, diante do seu tom frio e dicção perfeita.

— Estou aqui porque sei que meu irmão é ótimo em compreender

as coisas, e aceitar. Mas não pense, nem por um segundo, que

vai colocá-lo para trás novamente.

— Verônica...

— Reis. Não sou sua amiga, e muito menos pretendo,


então, sou Reis para você. — corrigiu-me, e olhei-a incerta. O que

aquela mulher realmente queria?

— O que quer aqui?

— Quero que saiba que se pensar, por um milésimo de

segundo que seja, em colocá-lo pra trás, ou pensar que vai


afastar alguém da nossa família novamente, eu vou saber. E vai

se arrepender disso. — seu tom poderia fazer qualquer pessoa

tremer.

— Está me ameaçando?

Seu rosto permaneceu impassível, como se ela não

sentisse absolutamente nada, mas suas palavras foram certeiras:

— Estou te dando um aviso. Caso pense em enganá-lo ou

a qualquer um da minha família novamente. Ou afastar a minha


sobrinha de nós... Eu vou me certificar de que nunca mais a veja.

— Não tem o direito de falar assim da minha filha. —

bradei, sentindo meu interior se corroer.

— Não tinha o direito de tirar anos da vida dela com Murilo,


e olhe só... — seu deboche não era ácido, ele era estarrecedor.
— A justiça nesse país pode não funcionar, mas eu sei

exatamente quais botões apertar para que funcione ao meu favor.

— Não é só você que tem uma família rica e poderosa,

Reis. — revidei, e ela sequer pareceu se importar.

— Não vai querer entrar nessa comigo. Ainda mais estando

errada. — segurei uma respiração. — Então, que fique claro. Não


vai interferir ou pensar em afastá-los. Não vai pensar na

possibilidade de criar a filha longe dele, não mais. Caso o faço,


farei questão de provar que uma Reis tem palavra.

— Eu não preciso da sua ameaça ou olhar superior. — falei


com desinteresse, mesmo que estivesse fervendo por dentro.

Minha vontade era voar sobre ela, mas infelizmente, ela tinha
razão em grande parte do que dizia. E eu senti que não eram
ameaças vazias.
— Espero que não precise me enfrentar no tribunal. —

colocou o óculos de sol, e sem dizer mais nada, apenas saiu.

O salto dela reverberou por todo o corredor, até o elevador,

e vi-me fechando a porta, e sentindo as lágrimas se acumularem.

Eles não tirariam Daniela de mim. Estava claro que Murilo

não faria tal coisa, mas sua irmã... ela deixava mais do que claro
que o faria. E de repente, apenas desabei.

— Diacho...

Ouvi o xingo não alto, mas não pensei em me virar. Não

sabia quanto tempo fiquei naquela mesma posição, com medo e


aterrorizada. Com meu erro se alastrando e me cobrando a cada
segundo. E se eu perdesse Daniela? O que eu faria?

— Ei ei...

A voz da pessoa que sempre me acalmou quando

pequena, a qual me apeguei. E as lágrimas que secaram,


voltaram com total força.
— Ná, eu...

— Estou aqui. — sussurrou, embalando-me em seu colo, e

me agarrei a ele.

Queria que fosse como antes, apenas um machucado


superficial, que sararia em poucas horas ou no máximo um dia,

mas não, estava me rasgando por dentro. Eu poderia perder a


minha filha, por conta da minha própria escolha.

— Não posso perdê-la. — sussurrei, enterrando a cabeça


em seu pescoço, e sentindo sua mão em meus cabelos,
segurando-me com força, como se eu pudesse desintegrar a

qualquer momento. Não duvidaria. — Não posso.

— Você não vai.

Seu tom foi tão confiante, que meu choro parou por alguns
instantes, tomando coragem de olhar em seus olhos. Notei que

por mais que tudo aquilo tivesse o abalado, a sua confiança em


defender quem amava estava intacta. E se Verônica estivesse

fazendo o mesmo que ele?

— Quer falar agora? — indagou, enquanto me afastei,


tentando limpar as lágrimas, e ainda uma bagunça. Em mim

mesma. Em minhas escolhas. Em meu passado. Em Murilo.


— O que eu posso dizer, Ná? — passei as mãos pelo
rosto, a raiva tomando conta de mim. — Eu fodi com tudo.
Coloquei a minha dor, a dor de um coração partido à frente da

minha filha e... Agora, eu posso perdê-la.

— Ele ameaçou tirá-la?

Só assim notei a presença de Júlio, que estava tão

silencioso, que me assustara. Talvez eu tivesse me perdido


demais na dor, para conseguir notar que existia mais alguém além

dos braços de Inácio, bem ali.

— Ele está sendo compreensivo, mas... A irmã mais velha


dele, Verônica, apareceu mais cedo e deixou claro que se eu

pensar em afastá-los de Dani, ela vai usar todo o poder e dinheiro

que tem para... — fechei os olhos com força.

— Temos dinheiro como eles, Olívia.

— E poder. — Júlio complementou, fazendo-me encará-lo.

— Vamos até o inferno se for preciso, porque ela não tem direito

de ameaçá-la.

— O pior é que ela tem, Júlio. — suspirei fundo, e olhei


dele para o nosso mais velho. — Eu escondi dele uma filha, por

anos... Nem mesmo vocês sabiam que ele não sabia, então...
— Precisamos encontrar esses Reis o mais rápido

possível.

Inácio se levantou, estendendo-me a mão, e o encarei sem

entender.

— Você errou sim, e me machucou saber que não nos


contou tudo, mas, a escolha é sua. Sempre foi sua. Nem mesmo

a tal Reis pode tirar sua escolha de ser a mãe da sua filha, por

mais que tenha errado com o irmão dela.

— Ná...

— Ele está certo, Olívia. Apenas dessa vez, deixa a gente

ajudar. — olhei-os com pesar, mas assenti, sendo puxado pelo

braço de Júlio, que me amparou, enquanto Inácio parecia ligar

para alguém. — Por que não toma um banho, se arruma... Vamos


a casa dos Reis.

— Eu não tenho medo deles, Júlio. Eu tenho medo de

perdê-la.

— Daniela está com nossos pais, no apartamento do

centro. Todos nós vamos estar com você, para resolver essa parte

de ameaças. Você não é uma criminosa, e não vai ser tratada


como uma! — me deu um leve beijo na testa, deixando-me a sós

no quarto, e vi-o caminhar em direção a sala.

Pela primeira vez, em todos aqueles anos, eu finalmente

fazia algo sem esconder qualquer parte deles. E por mais exposta
que estivesse me sentindo, não parecia tão ruim quanto imaginei.

Suspirei fundo, entrando no banheiro, e retirando a roupa toda

marcada por lágrimas.

Por um segundo, só conseguia pensar no sorriso de

Daniela, e em como, eu daria tudo para nunca a perder. E a mera

possibilidade, me aterrorizava.
CAPÍTULO 9

“Até estarmos mortos e enterrados

Cheque o pulso e volte jurando, é a mesma coisa

Após três meses na cova

E então você se pergunta para onde tudo foi enquanto eu tentava te


alcançar

Mas tudo que senti foi vergonha

E você segurou minha forma sem vida” [12]

MURILO

Eu estava assistindo pela milésima vez o vídeo do

aniversário de um ano de Daniela, que parecia apenas um


pedacinho de gente. Uma lágrima desceu, e sempre sentia um

dos meus irmãos parando as minhas costas, ou notava que Tadeu


fingia olhar o celular, mas também assistia comigo.

A campainha me fez franzir o cenho e olhei para Carol, que


já estava com uma máscara facial, então, não seria para ela.

Olhei para Igor, bebendo seu vinho do outro lado do cômodo, o

qual deu de ombros. Tadeu apenas negou com a cabeça, e achei


ainda mais estranho.

— Esperando alguém, V? — gritei, já que ela deveria estar

no primeiro andar, mas logo ouvi seus passos nas escadas.

— Temos visitas que não convidamos.

Franzi o cenho, enquanto Carol soltava um gritinho, como


se quisesse esconder o rosto, mas não conseguisse sair da sala,

porque queria saber qual a fofoca da vez. Contudo, com certeza

os seguranças avisaram Verônica de quem estaria ali. Ninguém

chegaria aquela porta se ela não autorizasse.

— Quem?

— Você vai ver. — ela caminhou até a porta, e a abriu,

completamente, deixando-me quase paralisado diante da cena de

Olívia, seus irmãos e suas cunhadas ali. Mas que diabos?


Será que ela mudou de ideia?

Será que ela veio para dar uma notícia ruim?

— Daniela está bem? — foi o que saiu da minha boca,

quando o pânico me acertou, e logo senti a mão firme de Igor em

meus ombros, como se para me amparar.

— Ela está com os avós. — Olívia falou, ainda parada na

porta.

— Entrem. — Verônica falou, dando-lhes espaço, e eu

fiquei ainda mais perdido. — Não acredito que seja um assunto

bom.

— Por que será? — o que agora sabia ser Júlio Torres

rebateu, o que não mudou em nada a expressão de minha irmã.

Olhei para ela, e depois para Olívia, em busca de

respostas.

— Quando ia contar para o seu irmão que ameaçou tirar a

guarda da minha filha? — Olívia perguntou, e senti o baque de

suas palavras.

— Verônica? — indaguei, afastando-me de Igor, e me

aproximando dela, que estava sentada em sua poltrona,

claramente a vontade. — Me diga que não fez isso.


— E farei novamente. — deu de ombros.

— Com que direito? — então o mais velho dos Torres

parecia a ponto de explodir. Notei sua esposa tocar seu peito e

sussurrar algo, como se para acalmá-lo.

— O mesmo direito que ela escondeu Daniela por anos.

— Você é inacreditável, como Nero diria. — sabia ser a


esposa de Bruno Torres, devido as tatuagens, e o fato de que
sabia por cima, ser a melhor amiga de um velho conhecido da

família. — Elegante e cruel, Reis?

— Estou sendo justa. — rebateu, sem sequer parar para

olhá-la.

— Não vai fazer isso, Verônica. — ela me encarou, como


se me induzisse a desafiá-la. — Olívia errou comigo, mas nem por
isso, farei o mesmo com ela.

— Nunca disse que você faria, irmão.

— Você!

Virei ao som do grito da Carol, e então, Bruno Torres ficou


praticamente sem cor.

— A patricinha na balada? — ele indagou, e ela assentiu,


acredito que até mesmo esquecendo de que estava fazendo sua
sagrada skincare. — Que mundo pequeno.

— Eu devia saber o que está acontecendo aqui?

— A gente se encontrou numa balada a o que? Uns cinco

anos? — Carol assentiu, rindo abertamente. — E acabou em


briga, no caso, ela me usou para fugir do cara que queria deixar, e

eu tive que socar a cara dele.

— Por isso eu tive que te tirar da delegacia. — Júlio

reclamou, e Carol riu alto.

— Eu tive a sorte de que Igor me salvou, e Verô não sabia

disso até...

— Eu que paguei a fiança, Carolina. — minha irmã rebateu,

e a loira arregalou os olhos.

— O foco da conversa foi para onde? — a voz de Bárbara


Ferraz Torres chamou atenção de todos, e sabia seu nome, já que

fora em seu casamento que tudo virou de cabeça para baixo. —


Podemos só chegar em um acordo de que Oli não vai esconder
mais Daniela e então, não tem porque ameaçá-la?

— Nunca disse que faria algo se ela colaborasse.

— Arrogante e dona da razão... Diga-me, senhora Reis, o


que precisa para parar de controlar a vida que não lhe pertence?
— Maria Beatriz, a esposa de Inácio, perguntou, o que deixou
tanto a mim, quanto a todos meio boquiabertos.

Surpreendendo-me, Verônica demonstrou alguma reação


antes de respondê-la.

— Daniela tem nosso sangue, então ela é uma Reis. É

assim que as coisas funcionam por aqui.

— Você manda e todos obedecem? — Inácio indagou, seu

semblante repleto de raiva, e eu estava pronto para interferir, mas


Tadeu foi mais rápido, passando à frente dele.

— Ela cuida da gente. — e eu não podia discordar menos.

— Jeito diferente de cuidar, controlando... — dessa vez foi

Júlio.

— Não nos conhecem. — falei, levantando-me e


caminhando até onde Olívia estava. — Pode ir para casa

tranquila, de que não vamos fazer nada a respeito da guarda de


Daniela. Apenas reajustar o que for preciso, para que eu possa

fazer parte da vida dela. Mas não aceito que entrem na minha
casa e falem de nós, e principalmente, de Verônica, como se nos
conhecessem.
— É justamente por isso que estamos aqui. — Bárbara
falou, parecendo a mais calma. — Não é para julgar ou brigar, só
precisamos saber em que pé estamos... Daniela é uma parte linda

da vida de todos nós, e o fato de atacar a respeito dela, nos fez


vir até aqui. Queremos que as coisas fiquem claras.

— Então, vamos ser claros. — Verônica se levantou e


encarou a todos eles, segurando levemente em meu ombro. —
Somos uma família e lutamos pelos nossos, não aceitamos

menos que isso. Então, Daniela é uma parte de nós, e apenas

queremos o melhor para ela. Simples. Nada mais. Se Olívia está


com medo de perdê-la, basta ela não pensar em tirá-la de Murilo.

E o tópico não será aberto.

— É simples falar, Reis.

— Abigail... — Bruno tentou pará-la, mas ela continuou.


Agora eu sabia o seu nome.

— Quando se é mãe, a gente sente tudo à flor da pele

quando se trata dos nossos filhos... A mínima ameaça que seja,

nos deixa desoladas e perdidas. Não trate o sentimento com o


qual deixou Olívia, como se fosse fácil. Não sei se é mãe, mas...
— Ela é. — foi Igor que falou, da forma séria que

raramente o via. — Ela nos criou, todos nós. Então, se você


colocar por esse lado, vai entender alguns porquês.

— Não precisam entender nada. — Verônica deu de

ombros, novamente. — Não me importo com isso. Quero Murilo e


Daniela felizes, e só. Enfim, eu tenho trabalho a terminar e mais

nada a dizer. Sintam-se à vontade.

Ela então apenas deu um leve aceno com a cabeça e

subiu as escadas, claramente encerrado o assunto.

— Olívia? — ela então me encarou, suspirando fundo. —

Posso ter um minuto a sós com você?

Ela deu um leve olhar para os irmãos, que avisaram que

esperariam na frente da casa.

Levei-a até o escritório que Tadeu tinha no primeiro andar,

e era estranho, tê-la exatamente naquele ambiente que sempre

me senti afundar, com ela ali, tudo parecia mudar de figura. Foco,
Murilo!

— Verônica não vai fazer nada sobre, tem a minha palavra.

— falei, sem sequer lhe dar tempo para sentar, tão próximo, que
ela conseguia enxergar cada detalhe em meu olhar. — Até
mesmo ela, com toda sua confiança, sabe que não pode ir além

com uma decisão dessa sem que eu esteja de acordo.

— Eu só... Eu só entrei em pânico. — soltou o ar com

força. — Desculpe por toda a cena, só que o meu medo de perder


Daniela, me tira do eixo e quando vi, já estávamos aqui.

— Ao menos, os Reis e Torres se conheceram. — tentei

forçar um sorriso e ela me encarou, fazendo o mesmo. — Vão ter


que se aturar, sinto muito. Meus irmãos estão enérgicos por

serem tios, então, que todos se preparem.

— Daniela vai amar ter mais pessoas na família, ela

sempre disse que queria ter irmãos como eu, que seria a mais
velha e controlaria tudo.

— Imagina se Verô se torna a Reis favorita dela?

— Seu senso de humor continua péssimo. — falou,

sorrindo e sua mão encostou levemente em meu peito, como se


para me afastar.

Por um segundo, aquele simples contato, fez meu coração

falhar uma batida e quase me perdi no momento. Porque era


como se pudesse ser como exatos anos atrás, quando

poderíamos ser quem queríamos na hora que desejássemos.


— Não quero que se preocupe ou sofra por algo que não

tem possibilidade de acontecer. — falei, e ela assentiu, como se


buscasse acreditar nas palavras. — Mas eu preciso te perguntar

algo...

— O que?

— Pretende, de alguma forma, me afastar de Daniela? — a

pergunta soara tão dolorida quanto o era na minha alma.

— Murilo... — ela soltou o ar com força e passou as mãos

pelos cabelos castanhos, que estavam presos no alto da cabeça.


— Eu sei que não tem como confiar na minha palavra agora, mas

eu juro. Eu nunca mais vou me colocar entre vocês.

Assenti, sem saber o que dizer, e ela me entregou um leve

sorriso, ambos parecendo nos colocar em nossa zona de


conforto, que parecia longe dali, de toda maneira.

— Eu só espero que nossos irmãos não se matem...

— Durante os aniversários de Dani? — complementou e eu


assenti, e me doía saber que nunca estive em nenhum. Contudo,

eu estaria no próximo, certo? Tinha que acreditar naquilo.

— Espero que eles se tolerem, pelo menos. — fui honesto

e ela sorriu, o primeiro a chegar aos seus olhos, que notei


estarem um pouco vermelhos, mesmo com a maquiagem que

usava. — Posso te ajudar em mais alguma coisa? Dani está bem?

— Ela está ótima. — sorriu, e mexeu em algo no bolso da

calça, trazendo até mim. A sua proximidade, me embalando. —


Aqui. — assim, ela abriu uma conversa do WhatsApp, que tinha

várias fotos de Dani, em uma sala de estar. — Ela está com meus

pais.

— Mal vejo a hora de conhecê-la oficialmente.

— Como já tínhamos combinado... Vamos fazer isso no

final de semana, certo?

— Mais do que certo, para mim. Só tenho medo que ela


não me queira. — admiti, e notei o olhar de Olivia suavizar,

enquanto baixava o telefone.

— Ela vai te amar, Murilo.

Ela sorriu, e eu queria muito acreditar naquelas palavras,


contudo, o amor não era um sentimento que me acertava com

facilidade. Não, em relação ao que as outras pessoas sentiam. E

mais uma vez, a culpa por ser incapaz de amar Bianca, e a culpa
por amar demais quem sequer ficou, me acertava.
Mas eu sabia que amava Daniela, sem conseguir explicar

como ou porquê. Ela era uma parte de mim, e não me importava


mais nada, a não ser, ser o meu melhor para ela, por mais

insuficiente que eu pudesse ser.


CAPÍTULO 10

“E eu amo você por me dar os seus olhos

Ficando atrás e me olhando brilhar

E eu não sei se você sabia, então estou aproveitando esta chance para
dizer

Que eu tive o melhor dia com você hoje” [13]

OLÍVIA

— O que, pequena? — perguntei, entrando por debaixo de

seus cobertores, enquanto ela fingia dormir. — Já são dez horas,

Daniela. — cantarolei, e levei minhas mãos até suas costas, onde


ela morria de cócegas.
— Me rendo. — gritou, se jogando de costas na cama,

impedindo-me de começar a tortura. — Estou com soninho,


mamãe.

— Mas foi você que disse que queria brincar cedo. —


sussurrei, abraçando-a, e trazendo-a para mim. Por um segundo,

me apeguei aquele momento tão comum das nossas manhãs.

Seria o mesmo? Seríamos as mesmas? — E você lembra que eu


tenho algo importante para conversar com você?

— É sobre unicórnios não serem reais? — ela deixou

apenas um dos olhinhos abertos e eu a encarei sem entender. —

Eu sei que não, mas não vou contar para Prim.

— Por que a preocupação da sua prima de dois aninhos

saber que unicórnios não existem?

— Porque ela gosta muito, muito deles. — fez um gesto

com as mãos, e eu tive que rir da sua demonstração. — Até

perguntei pro tio Ná se tem como um potrinho virar um unicórnio,

mas ele disse que não.

— Quem sabe, depois que ela ficar grande assim como

você... — passei as mãos pelos cabelos castanhos como os


meus, bagunçados em seu rosto. — Ela não passe essa paixão
para os potrinhos?

— Mas até lá, eu finjo que não sei que é verdade. — fez
um gesto de silêncio com o dedo na frente da boca e eu assenti,

beijando a pontinha do seu nariz. — Tem pão, mamãe?

— Quando não tem pão, Daniela? — revidei, e ela sorriu,

jogando a coberta longe, e já pulando da cama.

Ela sempre fazia isso. Primeiro: as cobertas voavam.

Segundo: ela rodava no meio da cama, que felizmente, era


grande o bastante para caber umas cinco dela. Terceiro: ela se

jogava sobre mim. E ela o fez.

— Bom dia, mamãe mais linda.

— Bom dia, minha pequena. — beijei seu rosto, e depois

seus cabelos, e não pude deixar de demorar na mancha vermelha


no alto da sua cabeça.

E por um segundo, vi-me pensando, como eu seria, se

alguém tivesse me privado daqueles momentos com minha filha.

Fechei os olhos por um segundo, e a culpa me acertou.

— Quero pão, mamãe.


Forcei um sorriso e abri os olhos, trazendo aquele pequeno

pedaço de gente, que um dia já foi ainda menor, e cabia dentro de


mim. Suspirei fundo, carregando-a até o banheiro, para que se

aprontasse, enquanto eu corria para fazer um suco. Meu celular


vibrou na ilha da cozinha, no exato momento que parei de bater a
polpa de maracujá. Coloquei um pouco de suco no copo e peguei

o aparelho, não me surpreendendo ao ver uma mensagem de


bom dia de Murilo.

Nos falamos vagamente por mensagem ao decorrer da


semana. No caso, eu lhe enviava fotos de Daniela, e lhe pedia

algumas informações sobre a família dele. Eu sabia que poderia


pedir ajuda aquele mesmo detetive particular, de anos atrás, que

foi o único a descobrir quem era o homem ruivo misterioso no


meio do nada comigo, porém, não queria partir para aquele lado.
Não daquela vez. Já que nunca de fato sequer abri o dossiê

completo que ele fez sobre Murilo, e nem o tinha mais.

Por um segundo, cliquei na foto dele de perfil e fiquei presa


na mesma. Ele ainda era o mesmo, mas ao mesmo tempo,

parecia tão mais bonito. Como poderia?

— Mamãe!
O grito de Daniela me fez dar um pulo no lugar e quase

engasgar com o suco que comecei a virar, e o celular quase


escorregou.

— O que eu já disse sobre gritar? — perguntei, puxando o


ar de volta, e deixando o celular novamente sobre a ilha.

— Desculpe, mamãe. — assenti, e me sentei na bancada,


com ela sobre o meu colo.

Nossas manhãs, em épocas em que ela não tinha escola


eram geralmente assim – devagar, e no nosso ritmo. Daniela
estava acostumada a se sentar no meu colo, enquanto comia o

café da manhã, e assim o fazíamos, desde quando ela completou


dois anos.

— Esse pão só não é melhor do que o que a Sula traz. —


revirei os olhos, tomando meu suco, e rindo da sua desculpa

esfarrapada.

— Já te disse que estamos nos mudando de vez para o

interior. — puxei seus cabelos para trás, fazendo uma trança


apenas para não a atrapalhar enquanto comia.

— Eu quero ir logo... Ter aulas, poder visitar meus tios,

brincar com meus priminhos, andar de potrinho todo dia...


— Todo dia se fizer todas as suas tarefas, Daniela. —
corrigi, e ela se virou, com um pedaço de pão na boca, para
morder. — E aliás, já estamos praticamente mais lá do que aqui...

— Ah! — ela deu um grito mordendo o pão e lhe dei um


olhar balançando a cabeça. Ela estava mais do que animada.

Ela então se calou, como se pensasse em algo, e se virou


novamente para frente. Notei-a mastigar devagar, como a ensinei,
e atenta a cada pedaço, mas era claro que alguma tristeza a

encontrou. Assim que ela terminou de comer aquele pedaço e


bebeu um pouco do leite com achocolatado que deixei pronto na

sua caneca favorita, a fiz me encarar.

— O que foi? — toquei seu pequeno rostinho com as duas

mãos e ela suspirou fundo.

— Eu gostei do pessoal da futura escola, durante as

semanas fora com eles naquele acampamento, mas... Eu queria


tanto mostrar meu papai para eles. — confessou, e beijei

levemente sua testa.

Com a idade dela, as perguntas vieram, e eu sabia, que em

algum momento, chegaríamos bem ali. E de alguma forma, o


destino me sorriu e Murilo estava na sua vida, mesmo que eu
mesma não tivesse dado o passo.

— E se eu disser que tenho alguém que quero que


conheça. — falei com cuidado, e seus olhos brilhando de lágrimas
não derramadas, pareceram curiosos. — Na verdade, você já o

viu no casamento do seu tio Júlio.

— O homem do cabelo vermelho? — perguntou animada, e


era como se ela sentisse alguma conexão. — Ele... Ele vai vir me

ver?

— Como você é tão esperta, em mocinha? — rebati,


levantando-me com ela da banqueta, e fazendo-a rir. — Por que

não se arruma para que eu e ele te contemos algo muito

importante?

Ela assentiu, e já se virou para sair, enquanto eu respirava


fundo e já pegava o celular, para pedir para Murilo aparecer ali

logo. Eu não conseguiria enrolar mais. Não com minha filha

daquela forma. Não com ele tão próximo. Mesmo com todo o

medo, pavor e insegurança me rondando, Daniela merecia a


verdade. Ela merecia aquela chance.

— Ele é meu papai, mãe?


Sua pergunta me acertou, e eu me virei para a mesma,

enviando uma mensagem simples de “Venha” para Murilo.

— Ele é, pequena. — falei, e ela correu até mim,

abraçando minhas pernas. — Está feliz por isso?

— Ele se parece comigo. — indicou a mancha escondida


sob seus cabelos. — Ele... Ele é bonito, mamãe. Eu não sei

porquê, mas eu gostei dele.

— E geralmente não gosta fácil de ninguém, Daniela. —

ela deu de ombros sorrindo, e eu nunca vi tanto brilho nela, a não


ser, em seus aniversários. — Ele vai vir te ver, tudo bem?

— Sim! — bateu palmas, afastando-se e sorrindo ainda

mais. — Obrigada por realizar o meu sonho, mamãe. — falou, e

me agachei para abraçá-la.

— Não tem que me agradecer por isso, pequena. —

afastei-me, e suspirei fundo. — Apenas se lembre que sua família

está aqui. — toquei seu coração e ela levou as mãozinhas sobre


o meu dedo. — E nada vai nos afastar.

— Nada, mamãe. — beijei sua testa e então, ela correu em

direção ao quarto. — Eu tenho um papai!!!!

Meu celular vibrou, e então vi que era uma ligação. Era ele.
— Olívia, oi! — sua voz estava até entrecortada. Ele

parecia realmente nervoso. — Tem certeza que ela quer me ver

agora, ela...

— Ela está gritando pela casa que tem um papai, Murilo.

— Eu estou na frente do seu prédio. — falou de repente, e

fiquei me perguntando, se ele estava ali desde muito cedo. —

Desculpe, eu não consegui ficar em casa, sabendo que


conheceria ela hoje.

— Não se desculpe por isso. — a realidade, era que queria

dizer para ele não se desculpar sobre nada. Não quando se

tratava sobre a nossa filha. Nossa. Daniela era nossa, e de


repente, aquilo não me machucou. — Eu deixei sua entrada

liberada.

Ele desfez a ligação e eu fiquei ali, olhando para o


apartamento sem saber o que fato fazer. De repente, a ficha caiu,

de que agora existiria mais uma pessoa, para transformar o

mundo de Daniela em um lugar melhor. Era o que eu realmente

esperava.
CAPÍTULO 11

“Eu não sei com quem eu vou falar agora na escola

Mas eu sei que eu estou rindo no carro voltando pra casa com você

Não sei quanto tempo irá levar para ficar tudo bem

Mas eu sei que eu tive o melhor dia com você hoje” [14]

MURILO

Olhei para o porta-malas do carro, lotado de sacolas, e


pensei se deveria ou não subir com um dos presentes que fui

comprando ao longo da semana. Fechei-o novamente, sem saber

o que escolher e tentei respirar fundo. Caminhei até o elevador,


que Olívia me passou o código direto para o seu apartamento e

me vi contando os segundos.

Eu ia ser apresentado a minha filha.

Ela ia saber que eu era seu pai.

Um turbilhão de pensamentos me acertaram. Um milhão de

medos me assombraram. Fechei os olhos por um segundo, e foi

como se pudesse ouvir Bianca dizer que eu merecia o amor.

— Eu ainda mereço, Bia? — perguntei para o vazio, que foi

preenchido pelo barulho do elevador parando. — Eu sinto muito


por... por estar feliz. — admiti, o que tentei dizer a ela, em meus

pensamentos, durante toda aquela semana. Se de alguma forma,

ela pudesse ouvir. Eu aposto que ela ficaria feliz por eu ter
encontrado Daniela. Por eu ter encontrado Olívia. Ela ficaria,

certo?

Minhas mãos tremiam, enquanto engolia em seco, antes de

bater. Suspirei fundo uma e duas vezes, e logo a porta foi aberta.

Olívia estava com um leve sorriso, mas conseguia ler o

nervosismo claro em seu olhar.

— Ele já chegou?
O grito de fundo me fez procurar por Daniela no mesmo
instante, e pareceu ser o suficiente para quebrar o gelo que de

repente, se instaurara entre nós.

— Sim, pequena. — Oli gritou de volta, e um outro gritinho

foi ouvido do fundo do apartamento. — Ela está animada.

— Eu pensei em subir com algum dos presentes que

comprei, meus irmãos compraram alguns, mas não coube no


porta-malas, eu...

— Ela só quer te conhecer. — Olívia abriu espaço para que


eu entrasse. — Pode respirar, Murilo.

— Eu... — mexi na camisa social, e passei as mãos pelos

bolsos da frente da calça, antes de colocá-las bem ali. — Eu só


estou nervoso.

— Se prepare porque ela não está nem um pouco...

Olhei para Olívia sem entender, mas quando me virei, em

direção ao corredor, eu vi Daniela. Ela estava em um vestido rosa,

com alguns enfeites no cabelo e sandálias douradas. Ela

parecia... Ela parecia uma personagem de desenho animado, só


que mais linda. Era a minha filha, bem ali.
Diga alguma coisa, falei internamente, mas absolutamente

nada saía. Eu estava preso em mim, apenas a olhando. Ela então


caminhou até a mãe, e agora eu já estava à frente do sofá, no

qual me sentei por puro reflexo. Sequer saberia dizer meu nome
se alguém perguntasse.

— Eu tenho um papai? — a pergunta me acertou em cheio,


e as lágrimas encheram meus olhos.

Eu só queria poder tocá-la, trazê-la para os meus braços e

dar-lhe a certeza de que nunca mais, em momento algum, ela


teria que se perguntar tal coisa. Que ela nunca deveria ter que ter

feito tal questionamento.

— Você sempre me disse que queria um, lembra? — Olívia

continuou, e os olhos castanhos de nossa filha pararam no verde


dos meus.

— Eu tenho meus tios, mas eu sabia... — ela então se


afastou da mãe, caminhando até mim, claramente com cautela.
Parou há cerca de três passos e meu coração retumbou no peito.

— Eu sabia que tinha um papai... Você é... é meu papai?

Uma lágrima desceu, e eu apenas me vi abrindo os braços.

Ela soltou um gritinho animado, e em segundos, seu pequeno


corpo estava no meu, agarrando-se a mim, como se dependesse

daquilo para respirar – no caso, eu dependia. E de tudo que sabia


que não era merecedor, sabia que não o era de ser o pai dela.

Mas jurei naquele instante, que faria de tudo ao meu alcance e


ainda mais, para merecê-la.

— Eu senti tanta saudade. — ela falou, e eu sorri em meio


as lágrimas, enquanto me apertava com força. Quando se

afastou, olhou-me atentamente, e sorriu ao tocar a mancha


vermelha em meu cabelo, que era idêntica à sua. — Eu puxei de
você? — indagou, e fiz o mesmo gesto, tocando a mancha que

sabia que se escondia debaixo das madeixas castanho escuras


de seus cabelos.

— Sim, minha filha.

Engasguei com as palavras, e ela sorriu abertamente, com


um brilho que eu nunca vi em ninguém. Porque era dela. Meu

olhar parou no de Olívia, que estava longe de nós, mas com os


olhos marejados, claramente presa a cena. E foi fácil lê-la. Era

claro em seu olhar: a culpa, o arrependimento e a dor. Eu sabia,


porque via o mesmo quando me encarava no espelho, todos os

dias.
— Eu preciso contar para os meus titios e titias! — gritou,
agarrando-se novamente a mim, e me levantei, com ela em meus
braços.

E depois de tudo o que aconteceu nos últimos dias, e como


um turbilhão com o qual o reencontro com a única mulher que

chegou ao meu coração, alma, mente e corpo, nós


compartilhamos um sorriso sincero. Acabei por gargalhar, porque

eu já tinha conhecido os tios dela, ao menos, sabia que o mais


velho tinha um ótimo gancho de direita.

— Tem muitas perguntas, pequena? — Olívia indagou, e

ela se afastou, para dar um breve olhar para a mãe.

— Eu queria passar o dia com vocês. — ela pediu, como

se fosse o melhor presente do mundo, e meu coração afundou.


Eu queria tanto ter estado lá antes. Ou melhor, aqui.

Olhei para Olívia, e a dor da sua omissão me atingiu. Me


doía, porque a pessoa para qual me doei, simplesmente, parecia

apenas correr para longe de mim.

— Eu... — Olívia me olhou, como se culpada pelo pedido

da própria filha, e eu apenas assenti com a cabeça, ainda com


Daniela no colo. — Eu acho que podemos ir a sua lanchonete
favorita, o que acha?

— Qual a sua lanchonete favorita, papai?

Minhas pernas quase fraquejaram, e as lágrimas se


formaram em meus olhos. Eu era o pai daquela menina linda e

perfeita. Ela era... Era o que eu tanto procurei no mais escuro dos

meus dias. O que um dia Olívia iluminou. E agora ela.

— Eu tenho uma lanchonete que ia muito quando mais

novo, que tem um escorrega gigante e bom, minha irmã ficava do

lado de fora, olhando para os meus irmãos e eu...

— Eu tenho mais titios? — perguntou, seu olhar ficando


ainda mais aberto.

— Sim, filha. — ela sorriu ainda mais amplo, como se

ansiosa para que me ouvisse chamá-la assim. — Vai poder


conhecer todos, Verônica, Carol, Tadeu e Igor.

— O amigo da tia Lisa, não tava no casamento do tio Júlio?

— Garota esperta. — Olívia falou, aproximando-se e dando

um leve beijo no cabelo de Daniela, que riu baixinho, como se


adorasse tal carinho. — Ele mesmo.
— Então, por que ele não me contou sobre o meu papai?

— perguntou, e paralisei, olhando para Olívia, que parecia tão em


choque quanto eu.

Até o momento, ela não tinha entrado naquela questão.

Mas o que eu poderia dizer? Por mais que a verdade fosse


simples, ela poderia ser assustadora. E nunca, em hipótese

alguma, queria que Daniela perdesse o que claramente

compartilhava com Olívia. Um amor de mãe e filha, que eu

raramente encontrava. Já que a minha, sequer poderia ser


chamada de tal coisa.

— Ele não sabia. — Daniela se virou, ao som da voz da

mãe, que tocou seus cabelos com cuidado. — Nem seu pai sabia.
— complementou, e a pequena franziu a testa.

OLÍVIA
Abri a boca para continuar, e torci, do fundo do meu

coração, que Daniela não me odiasse. Porém, poderia ser

inevitável. Ela era apenas uma criança. Uma criança que eu privei
da presença do pai, e que a cada dia, eu via que desejava, mais

do que tudo, tê-lo por perto.

Era o meu erro.

E eu tinha que consertá-lo.

— Mas assim que eu descobri, eu vim... — Murilo falou,

olhando-me de soslaio, como se para enviar uma mensagem

calmante “ela não precisa saber agora”. — E eu não vou embora,

nunca mais.

— Promete, papai?

Aquela pergunta me quebrou por inteira, assim como, a

forma como ele agia. Se um dia, eu imaginei que o conhecia por

completo, no auge daqueles dias de calor e paixão, ali, eu soube


que tal lado – paciente e conciliador, não era algo que

experimentei.

— Prometo, estrelinha.

— Eu gosto desse apelido. — ela se apertou nos braços

dele, e por um segundo, apenas trocamos um olhar, com tanto


significado, que eu me vi abrindo a boca e apenas gesticulando:

obrigada. — Mamãe, então você pode ser o Sol?

E lá vem a minha menina que não sabe me separar dela –

e bom, nem eu nunca o faria.

— O que quiser, pequena.

Olhei para Murilo, e era como parar no momento, em que


aquele quase idêntico apelido saiu de seus lábios, anos atrás. E

por um segundo, mesmo que devesse fugir, apenas me vi

relembrando.

Bom, eu estava lá, e eu me lembrava daquilo muito bem.

Eu não sabia se ele ia aparecer ou não. Poderia ser um

convite desperdiçado, de um cara que parecia conseguir queimar

cada parte de mim, apenas por me olhar. Ou era inocente demais.


Ou aquele era o amor de verão mais arrebatador do que nos

livros ou músicas que conhecia.

E quando ele chegou, eu já sabia.

Como se meu corpo o detectasse, depois de tirar minha


sanidade por grande parte da noite, e boa parte da manhã.

Depois de me fazer rir do quão organizado e certinho ele era. Ou

como ele realmente combinava o relógio com a gravata. Quem


diabos levava relógios, caros até os dentes, para uma ilha

paradisíaca? E pior, ternos e gravatas sob medida e sapatos

italianos?

— Eu jurei que ia vir de terno e gravata. — provoquei,


assim que se aproximou, um sorriso escondido no canto da sua

boca. Ele revirou os olhos, mas aceitou meus lábios nos seus,

fazendo-me quase pedir para que esquecêssemos de passar a


noite na areia.

Ele usava a roupa que o obriguei a comprar na tarde

anterior, que consistia em uma regata branca colada ao torso bem

trabalhado e um shorts branco, que divergia em muito com todos


os ternos pretos ou cinza escuros. Ele nunca me pareceu tão

lindo, quanto naquele instante.

— Esperando apenas o pior. — rebateu, e me afastei


levemente, para ficar de costas para ele, tendo o pôr do sol nos

brindando com toda sua beleza. Os dias naquele paraíso estavam

acabando, assim como, os meus dias com ele.

Seria um adeus?

Seria um até logo?

Seria um “vamos ficar juntos”?


Murilo era sempre totalmente silencioso, mas por algum

motivo, ele me intrigou – novamente. Virei-me, e diferente do meu


olhar que estava preso ao esplendor, ele estava preso em mim.

— O que foi? — perguntei, e sua mão veio diretamente

para o meu rosto.

— Você é como um raio de sol. — falou, seus lábios


encontrando minha testa, fazendo-me agarrar a sua cintura. — O

meu raio de sol, tenho que admitir.

— Alguém gosta dos pronomes possessivos, eu vejo. —


não pude evitar a provocação, que sempre era solta para com ele,

mas quando seu olhar parou no meu, notei o quanto ele estava

leve. Ele tinha um brilho único, era o que gostaria de gritar, mas

não consegui. Porque estava anestesiada demais por tudo que


ele me fazia sentir. E ele me fazia sentir tudo.

— Mamãe.

A voz de Daniela me tirou do torpor, e pisquei algumas

vezes, voltando para o que acontecia bem ali, anos depois. Murilo
me encarou, como se tivesse pensado exatamente no mesmo

momento, e meu coração inchou, em meio as cicatrizes e medos.


Ele parecia, por um segundo, também lembrar de tudo aquilo
muito bem.
CAPÍTULO 12

“Esta é a época de princesas e navios de piratas e os sete anões

Papai é esperto e você é a moça mais bonita de todo o mundo” [15]

OLÍVIA

Olhei para os dois, conectados em seu próprio mundo


particular e meu coração se aqueceu. Depois de tantos anos, já

incrédula de que em algum momento, eu teria coragem para

voltar atrás e encará-lo, antes da promessa que fizera a Daniela,


ali estávamos.

E por mais que fosse uma bagunça de sentimentos,


emoções e sensações, o meu saldo final era felicidade. Por ver
minha filha realizando o seu sonho de ter um pai, e mais, o fato

de que Murilo Reis estava claramente tão feliz quanto ela pela
sua posição.

— Eu amo comer massa. — Dani falou, colocando uma


grande porção de macarrão à bolonhesa na boca, a qual mal se

fechou.

— Com calma, pequena. — pedi, levando o guardanapo

até sua boca. — E respira fundo, mastiga devagar, o seu pai não
vai correr daqui. — avisei, notando que sua empolgação poderia

estar diretamente ligada ao fato de que ela tinha medo de ele

desaparecer do nada.

Um medo que eu instalei em minha própria covardia de

temer enfrentá-lo.

— Sua mãe está certa, estrelinha.

Eu estava sentada à frente dos dois, que estavam lado a

lado, e Murilo tinha seus olhos compenetrados em cada detalhe

dela, que parecia mais do que disposta de contar todas suas

histórias. Já saímos de quem eram seus amigos na escola da

cidade, e de alguns amigos que faria na escola do interior.


Chegamos aos tópicos de tios favoritos, e ela disse que amava
todos igual, mas que preferia os primos, porque sempre sonhou
em ter irmãos como eu, e eles podiam ser considerados aquilo.

Daniela Torres puxara o lado da família que soltava a


língua facilmente, diferente de mim. E eu via que não foi algo

puxado de Murilo, já que ele nunca me pareceu alguém realmente

aberto. E de repente, aquela realidade, do passado, me atingiu.

Ele era casado, quando estava comigo, e até mesmo


quando tomei coragem para procurá-lo, por conta da gravidez,

descobri que em breve, ele se casaria com outra.

Será que se eu soubesse o que sei agora, de que Daniela

o amaria tão facilmente, eu voltaria no tempo e faria diferente?

Eu apenas não voltaria no tempo e apagaria o que


vivemos, porque resultou na coisa mais linda que eu sequer sabia

que precisava – nossa filha. Daniela era a razão de guardar

aquele verão em meu peito, além de claro, do sentimento que

queimava, e eu apenas tentava conter as chamas lá dentro. Não

podia pensar e relembrar, não com saudade. Não depois de

decidir que o melhor era correr.

— Por que não me beija? — perguntei, assim que ele

parou a minha frente, já sem camisa e com os cabelos


bagunçados devido a infiltrar meus dedos ali enquanto

dançávamos. — Tem medo de não resistir e querer mais, dono do


mundo?

— Eu sei exatamente o que quero, raio de sol. E isso me


assusta para caralho. — a segunda parte foi um fio de voz, e

antes que eu pudesse indagar, seus lábios encontraram os meus.


Perdi qualquer raciocínio, e me deixei levar. Pelo calor da sua
boca, pelo convidativo do seu corpo, pelo toque em cada canto

meu... Eu tinha que admitir, eu também queria mais e estava


assustada pra caralho.

— Olívia?

— Mamãe?

As perguntas me fizeram piscar algumas vezes, e peguei


rapidamente o copo de refrigerante que pedi e bebi. Tentando

disfarçar que por alguns segundos, apenas me vi longe dali. Mas


ainda assim, não muito longe dele. Suspirei fundo, assim que
engoli a bebida, sentindo o olhar verde de Murilo me

inspecionando. Ele teria percebido? Não, claro que não! Pare com
isso, Olívia!
— O que foi? — indaguei, encarando o pequeno pedaço de

lasanha que eu sequer tinha terminado.

— Queria saber se posso conhecer meus tios Reis hoje?

— Daniela perguntou animada, e eu me vi pensando por alguns


segundos, mas sabia que jamais o negaria.

Por mais que fora complicado em um primeiro momento,


não tinha nada a ver em relação a deixá-los longe dela. Quem
sabe, ela poderia adorá-los? Tudo dependia de ter aquele

contato.

— Se tudo bem para eles, e para o seu pai... — falei,

concentrando-me em seguida em terminar minha refeição, e


notando Daniela soltando um gritinho e uma risada alta. Ela

estava mais do que feliz em saber que teria mais tios e mais
pessoas para ouvir suas histórias eternas.

— Eu posso ligar para eles e ver se estão todos em casa.


— Murilo se manifestou, e eu assenti. — Só um minuto,

estrelinha.

Ele então saiu da mesa, me dando um leve aceno de

cabeça, e por um segundo, me vi seguindo-o com o olhar. Ele


parecia ainda mais bonito com o terno azul escuro, sob medida e
os cabelos ruivos já mais compridos, assim como a barba bem
cortada. Ele parecia um sonho se tornando realidade. Talvez
porque ficara preso em minhas lembranças unicamente boas

daquela viagem. Me fazendo tentar esquecer o último dia e a


decisão que tomei a partir dele.

Por que eu não conseguia simplesmente odiá-lo?

Depois de tantos anos, pensei que de fato tinha superado.


Talvez porque o deixei adormecido em meu interior e busquei

absolutamente zero coisas a respeito dele ou dos Reis para me


inteirar. Fingi que ele sequer existia, porque no fundo, eu sabia

que se soubesse, parte daquele sentimento que jurei ter matado,


ainda voltaria a vida.

— O papai é tão bonito e legal, não é, mamãe? — Daniela


perguntou, olhando-me com o mesmo brilho nos olhos, que eu via

nele. Olhar para ela, sempre me fez lembrar de Murilo. Era a


grande realidade, que eu ignorava.

— Ele me ajudou a ter uma menina linda como você, claro


que ele é bonito. — pisquei um olho, saindo de fininho da
questão. — E sobre ser legal... Está gostando do seu pai,

pequena? Pode ser sincera.


— Gostando é pouco, mamãe. — assumiu, suspirando
fundo. — Acho que esperei por ele tanto tempo, que eu já
guardava o amor que sinto pela senhora, para ele, aqui. — tocou

seu próprio peito, e senti meus olhos marejarem. A minha menina,


tão pequena e que eu tão prontamente protegi do mundo, estava

crescida. E a cada dia, se tornava uma parte ainda mais livre de


mim.

— Fico feliz por isso, de verdade. — levei minha mão a

sua, parada sobre a mesa. — Saiba que qualquer cosia que te

incomode, só me dizer que voltamos para casa.

— Obrigada, mamãe. — falou, e pegou minha mão, dando

um leve beijo. — Eu espero que meus tios sejam legais. Sei que

gosto do Igor, quer dizer, do tio Igor.

— Vamos ver se seu pai conseguiu juntá-los... — pisquei


um olho, e ela levantou as mãozinhas, batendo palmas.

— Eles estão todos em casa. — a voz de Murilo me fez

desviar de nossa filha, que agora soltou outro grito. Daniela e

seus gritos de felicidade eram um clássico. — Acho que ficaram


por estarem esperando a oportunidade de conhecê-la. —

comentou, olhando-me, e eu assenti.


— Bom, se tudo bem, podemos ir agora. — olhei então

para Dani. — O que acha, filha?

— Sim!!!!

Ela pulou da cadeira, fazendo-me rir, assim que se jogou

no colo do pai em seguida, e eu segui para acertar a conta. Senti


então um leve toque no meu ombro nu devido ao vestido de alças

finas, e parei o passo, sem conseguir ignorar que aquele simples

contato me fazia saber que era ele.

— Sim? — olhei-o sobre o ombro, vendo nossa filha em


seu colo.

— Eu já deixei tudo pago. — comentou, e franzi o cenho,

pois não o vi fazer tal coisa. — É que o dono é amigo da família,

então temos uma conta aqui há muitos anos...

— Ah certo. — respondi por fim, sem entender direito, mas

acabei apenas seguindo-o para a saída. Assim que chegamos do

lado de fora, notei o conversível de Murilo, que nos aguardava, e


que na realidade, nos levara até ali.

Ajeitei Daniela no assento elevado no banco de trás, e sorri

para a animação da mesma.


— Vamos até o casarão Reis, filha! — Murilo anunciou,

colocando os óculos de sol, e desviei o olhar no mesmo instante,

tentando não pensar no quão tentador ele era.

Eu tinha que focar em Daniela, apenas nela.

O que foi, foi.

O agora, era o que realmente importava.

— Meu pai do céu...

Notei então uma grande faixa rosa na frente do casarão

que estivera dias atrás. Tinham balões por todo jardim, ordenados

em arbustos, e eu fiquei perplexa. Eles praticamente fizeram uma


festa de boas-vindas para Daniela.

— Há quanto tempo eles sabem que ela viria?

— Minutos... Da hora que liguei até agora. — Murilo

sussurrou, como se tão surpreso quanto eu. — Somos um pouco


intensos, deveria ter avisado.
— Ela vai amar toda essa atenção. — falei, e de

automático, me vi levando uma mão a sua, que estava no volante,


e visivelmente trêmula. O toque nos fez trocar um breve olhar, e

por uma fração de segundo, tudo voltou com força, e eu abri um

sorriso sem graça, afastando-me.

— Eu acho que estão felizes em te conhecer, pequena. —


desci do carro, e ajudei Daniela a sair do assento, colocando-a no

chão ao meu lado. — Olha só a faixa...

— Bem-vinda, Daniela Torres Reis... — minha filha leu alto,


e um sorriso enorme emoldurou seu rosto. — Eu tenho um novo

sobrenome também?

— Sim, pequena. — ela veio para os meus braços e sorriu


abertamente, enquanto eu tentava controlar o lado de que agora,

não éramos mais apenas nós duas contra o mundo. Existiam

muitos mais.

— Eu te amo, mamãe. — falou, olhando-me com atenção,


como se soubesse que eu precisava daquilo.

— Eu também te amo, minha pequena. — agachei-me,

tocando seu rosto e beijei novamente sua testa. — Agora vai lá

com seu pai, conhecer seus tios... Eu vou estar logo atrás.
Ela assentiu, e correu até Murilo, que a aguardava há

alguns passos,

— Eles chegaram! — ouvi o grito de Carolina Reis, e

poderia jurar que foi dela que Daniela puxara o lado enérgico.

— Você parece uma barbie. — Daniela respondeu, como

se encantada.

— Eu a chamo exatamente assim, Dani. — Igor então


passou pela porta da frente, com uma caixa de presente enorme.

— Eu sou o Igor, amigo da Lisa, mas agora pode me chamar de

tio Igor ou... tio favorito.

Então notei Tadeu praticamente o empurrar para o lado e


quase fazer Igor cair com a caixa no chão. Segurei a risada,

vendo Daniela completamente encantada diante deles.

— Parem de brigar na frente da nossa sobrinha. — a voz

de Verônica era baixa, mas o tom dominante estava presente.

— Quem é você? — Daniela perguntou, olhando para a

mulher à sua frente, e eu conhecia muito bem seu olhar de

admiração, porque era exatamente assim que ela olhava para os


meus irmãos.
— Sou Verônica Reis, sua tia. — ela falou e caminhou

dentre os irmãos, agachando-se à frente da minha filha, com um


sorriso que eu sequer sabia que ela poderia dar.

— Oi, tia Verô. — Dani falou e notei suas bochechas

vermelhas, e de repente, apenas se jogou sobre a mulher, que a

levantou, pegando-a no colo.

— Eu nem tive tempo de ser a tia favorita. — Carolina

reclamou, o que fez Igor gargalhar alto, e Tadeu sorrir.

Notei de canto de olho que Murilo limpou sob os olhos,


como se estivesse emocionado. E não teria como não estar. Ele

acabava de mostrar a sua família, o mais novo membro dela. E

aquilo, me fez recordar do dia em que Daniela nasceu, e como foi,

para cada um dos meus irmãos tê-la em seus colos. Assim como,
ela se tornou a primeira neta dos meus pais
CAPÍTULO 13

“E, meu bem, foi bom

Nunca olhar para baixo

E bem ali onde estávamos

Era solo sagrado” [16]

Dias depois...

MURILO

— Não tem uma pista de pouso. — Carol observou,

olhando ao redor como se incrédula. — Que diabos de lugar é

esse?
— Uma cidade pequena, barbie e o castelo de diamante.

— Igor rebateu, descendo do carro e batendo a porta, enquanto


eu revirava os olhos para os dois.

— Da próxima vez, eu venho sozinho, no meu carro. — foi


tudo o que Tadeu disse, ao descer, claramente enervado por toda

a cantoria que Igor e Carol faziam durante as nossas idas e

vindas em família, que eram raras nos últimos anos, em carro.


Mas Daniela de repente, até mesmo naquilo, nos mudou.

— Eu vou comprar uma 4x4 como aquela. — a loira falou,

pisando de mal jeito com o salto, e logo se apoiando em mim.

Verônica demorou um pouco mais para descer, como se

estivesse procurando algo na bolsa, mas quando saiu, parecia

realmente a dona da situação. Como ela conseguia ser assim? Eu

nunca compreenderia. Nem mesmo com meus quase trinta anos

sendo cuidado por ela.

— Por que não me disse que viria de botas, V? — Carol

reclamou, enquanto seu salto afundava na grama, e Igor sorria.

Tadeu se afastou para fumar, como se precisando se

acalmar de algo. Não o julgava, pois tivera o trabalho como vício


por um longo tempo.
— Você me viu de botas, Carolina. — ela apenas disse,
colocando os óculos de sol, e olhando ao redor. — Idêntico as

fotos que me enviaram, interessante.

— Eu pedi para não os investigar, Verô. — reclamei,

praticamente carregando Carol ao meu lado, que estava a ponto

de afundar.

— Um pedido negado. — disse simplesmente, andando a


nossa frente, e suspirei frustrado.

— Como eu ainda tenho medo da nossa irmã depois de


tanto tempo? — Igor sussurrou, como se fosse um segredo e lhe

dei um olhar de repreensão.

— Porque ela tem razão, sempre. — Tadeu quem


comentou, ao voltar, e jogar a bituca no chão pisando com o tênis

sobre ela. — Por que não para de ser irritante? Vocês dois? — fez

um sinal para Igor e Carol, que levantaram as mãos em sinal de

rendição.

O tempo poderia passar, mas a dinâmica entre nós, parecia

sempre a mesma.

— Quem vê pensa que não vimos ele cantar um pouco de

Taylor Swift... Pra ser especifica, foi em Enchanted. — mordi o


lábio para não rir, porque eu tinha notado a mesma coisa, mas

permaneci em silêncio, tendo pena de Tadeu que ficara sentado


entre os dois piores de nós, no banco de trás, que mesmo

espaçoso, eles conseguiam fazer ser um desastre.

— Apenas vá se f...

— Bom dia?

A voz me chamou atenção, fazendo Tadeu parar no meio


da frase, e me virei.

— Você deve ser Úrsula, a capataz, certo? — Verônica


perguntou, e o olhei incrédulo. Como ela sabia das informações

que Olívia passara apenas para mim?

— Sim, madame. — a mulher respondeu, ajeitando o


chapéu, e dando um leve olhar ao redor de todos nós, fazendo
Igor quase corar, pela forma como o analisou. — A dona Olívia

está esperando vocês na parte de trás da casa.

— Agradeço por nos avisar. — Verô se adiantou, e já se


virou, para seguir caminho.

— Eu sou Murilo. — apressei-me a dizer, tentando me


familiarizar com as pessoas que claramente estiveram ao redor da

minha filha, muito antes de eu mesmo.


— Pai da Dani, né? — ela perguntou, apertando minha

mão, um sorriso grande no rosto. — Ela mostrou uma foto sua


para cada ser vivo dessa fazenda, e foi dos trabalhadores até os

bichos... Acho que os potrinhos não aguentam mais ouvir falar do


senhor, moço.

— Pode me chamar de Murilo.

— Só se o bonitão ali me chamar de Úrsula. — piscou para


Igor, que parecia querer se enfiar em um buraco.

— Sou comprometido. — ele falou, forçando um sorriso.

Todos nós paramos e o encaramos, até mesmo Verônica


que estava há passos dali.

— Seus amigos parecem discordar. — ela insistiu, e ele


apenas se desculpou rapidamente, e praticamente correu até
nossa irmã mais velha. — Eu estou brincando, não me interesso

apenas por ele. — bateu em meu braço, e piscou um olho para


Carol, que corou por completo. — Mas por mulheres lindas como

a madame rosa, devo dizer.

— O seu jeito de fazer as pessoas correrem, minha amiga.

Virei-me ao som da outra voz, e então reconheci o irmão


mais novo de Olívia, que eu sabia que morava na fazenda vizinha
a dela. Ela não me avisou que seus irmãos estariam durante essa
visita, talvez, porque ela quisesse evitar o caos do último encontro
de todos, entretanto, ela poderia ter mudado de ideia.

— Oli não sabe que vim, apenas checando. — ele falou


como se notasse minha surpresa, passando um braço ao redor de

Úrsula, que o empurrou para longe. — Mulher, me esnobou tanto


que eu vou casar com outra.

— Eu caso com ela por você, sem pensar duas vezes. —

Bruno Torres então fez uma grande carranca, e se afastou dela.

— Não mexe com meu ponto fraco, mulher. — ela apenas

riu, ajeitando o chapéu na cabeça. — Mas então, foram bem de


viagem? Preciso apartar alguma possível briga?

— Acho que vamos ficar bem. — respondi, e ele deu um


leve aceno, apertando o chapéu preto na cabeça. — Mas

agradeço por tentar nos ajudar.

— Eu acho que estamos enrolando. — Verônica foi quem

falou, alto para me fazer virar em sua direção. — Não estamos


aqui por outro Torres, que não seja Daniela.

— Úrsula, pode me servir um café enquanto eu ignoro essa

mulher? — Bruno indagou, com um sorrisinho de lado e logo foi


escoltado pela mulher, que o chamou de intrometido no processo.
Ele só riu, enquanto eu me prontifiquei de seguir meus irmãos, até
onde Verô já nos aguardava.

Ela parecia conhecer um local muito bem, e eu sabia que


nada passara por fora de sua inspeção meticulosa sobre a vida

dos Torres. Verônica e sua desconfiança, era o seu modo comum


de ser.

— Papai!

Me virei ao som da voz, e me agachei para pegar o meu

pequeno raio de luz do chão. Eu nunca me acostumaria com


aquele abraço tão forte, o seu sorriso tão aberto ao meu ver, ou a

forma como me chamava.

— Oi estrelinha. — dei um forte beijo em sua bochecha, e

ela riu alto.

— Tia Verô! Tia Carol! Tio Igor! Tio Ta! — ela praticamente

pulou do meu colo e correu para cada um deles, que não

conseguiam disfarçar o quanto eram rendidos por ela. Nem

mesmo Verô. Já que Daniela parecia tê-la colocado em seu dedo


mindinho.
Caminhei com cautela até onde Olívia se afastava de

Carol, a qual sequer disfarçou e me deu uma piscadela, antes de


correr até a sobrinha.

— Eles são surpreendentemente bons com ela. — falou

baixo, e eu sorri de lado, contendo a vontade de cumprimentá-la


da maneira que em minha mente seria apropriada.

Contudo, beijar na boca do seu ex amor de verão não era

de fato apropriado, certo?


CAPÍTULO 14

“Tem havido esse buraco no meu coração

Essa coisa foi um tiro no escuro” [17]

MURILO

— Vou fingir que não está surpresa por eles não serem
frios e insensíveis. — Olívia arregalou os olhos por um segundo,

mas um sorriso longo logo tomou conta do seu rosto. — O que?

— Por um segundo, quase esqueci que o seu senso de

humor é igual ao de um cavalo.

Acabei sorrindo de lado, e logo senti braços meu ombro.


— E como está, cunhadinha?

— Igor! — cortei-o, lançando um olhar que o fez calar a

boca de imediato, antes de soltar outra gracinha.

— Tudo bem. — ela falou e piscou um olho para ele. — Eu

lido com Bruno há mais de vinte e seis anos, lidar com Igor é
fichinha.

— Assim me machuca...

— Você se cura bem rápido, irmão. — Tadeu lhe deu um

tapa na nuca, o qual Igor reclamou, mas o sorriso permaneceu no


rosto. — É um prazer te ver novamente, Olívia.

— O mesmo, Tadeu. — eles se cumprimentaram, enquanto


Verônica já tinha Daniela no colo. — O que eu disse sobre usar

seus tios como carregadores?

— A tia Verô me disse que como não puderam me carregar

bebê, vão carregar enquanto conseguirem...

— Essa é uma boa resposta, tenho que admitir. — notei o

breve olhar que as duas trocaram, e diferente da indiferença e

frieza que buscava encontrar em minha irmã, ela parecia apenas

tentar compreender Olívia.

— Por favor, tenham mais filhos!


Igor praticamente implorou, enquanto eu auxiliava Olívia
com o que parecia ser uma imensa pilha de pratos para a grande

mesa já posta do lado de fora da casa. Era um lugar tão bonito,

que eu poderia entender o quanto Daniela realmente pediu para

poder morar no interior. Diferente dos prédios, do barulho alto e

da correria, ali era estranhamente calmo. Contudo, um estranho

que eu poderia me acostumar. Por ela.

— Como se eu fosse me casar. — Tadeu zombou para o

mesmo, enquanto Verônica escolheu ignorá-lo, e Carol parecia

animada.

— Eu estou contando os dias para casar. — ela falou,

como sempre, sonhadora. Por mais que romance não fosse algo

que nenhum de nós conhecesse, Carolina Reis era uma


romântica incurável. E quando se tratava da mulher de cabelos

castanhos a minha frente, eu não estava muito longe. — Aliás,

acredito que o conhece.

— Eu? — Olívia indagou, após terminar de distribuir os

pratos.

— Alfredo Lopes. — Carol comentou, e Olívia piscou, como

se tentasse buscar na mente, mas nada viesse. — Quer dizer,

acho que o conhecessem por outro nome...


— Nero. — Verônica se pronunciou, enquanto colocava

Daniela no chão, a qual correu até mim.

— O que tem o tio Nero? — a pequena indagou, o que fez

minha irmã mais velha direcionar um olhar mortal para Carolina.

— Nada, querida. — Verô falou, tocando a testa dela, como


se a marcasse, do jeito que sempre fazia conosco. Aquele era o

jeito de Verônica dizer que nos amava, e agora, Daniela fazia


parte. — Carol está apenas falando que conhece o seu tio Nero.

— Eu já fiquei com ele. — Olívia falou, e paralisei por


alguns instantes. — Quer dizer, eu tentei... Mas éramos só

adolescentes, e Nero um garoto assustado. Sobrou só uma boa


história de como o assustei, e acho que ele tem medo de mim até

hoje. — complementou, e soltei o ar com força.

— Pode voltar a respirar, irmão.

Igor sussurrou, parando ao meu lado, mas não tão baixo, o


que me fez cutucá-lo com força na barriga, e ele gargalhar alto.

— Eu quero irmãos! — Daniela gritou de repente,

levantando as mãos para mim e não lhe neguei, pegando-a no


colo, sem saber o que responder. Troquei um olhar de socorro

com Olívia, que parecia aparentemente tranquila com a ideia.


Como se Daniela falasse sobre aquilo casualmente. — E quero

mais priminhos!

— Alguém para me ajudar a convencer todo mundo a ter

filhos. — Igor a puxou do meu colo, jogando-a para cima.

— Por que não me dá um priminho, tio Igor?

Olhei de soslaio para o nosso mais novo, que engoliu em


seco, enquanto Carolina gargalhava da cara de tacho dele.

Alguém conseguia deixar Igor sem palavras.

— Digamos que a mãe do seu futuro priminho não quer ser

a mãe dele, no exato momento.

— A tia Lisa? — a pequena insistiu, fazendo-o arregalar

ainda mais os olhos, e encarei Olívia, que gargalhava do outro


lado da mesa.

— Como sabe da Lisa? Menina, você tem informantes

melhores do que os meus...

— O tio Bruno sabe de tudo. — ela sussurrou.

Então notei Olívia adentrar a casa, o que me fez segui-la,


deixando minha filha com meus irmãos, que pareciam mais do

que animados em compartilhar a fofoca do momento com ela.


Encostei-me contra o batente e notei a forma como Olívia
se movimentou na cozinha, tirando algo do forno e as mãos
claramente trêmulas. Do lado de fora, ela parecia tão bem

resolvida e tranquila, que me assustou notar a fragilidade com a


qual ela se encontrava.

— Olívia.

Ela deu um pulo no lugar, mesmo com a voz baixa que


usei, e acabou tocando com a mão sem luva na forma que

acabou de tirar do forno.

— Merda! — praguejou, e fui até ela, pegando sua mão

sem me importar com nada, apenas em abrir a torneira e deixar a


água corrente sobre alguns dedos que já estavam ficando

avermelhados. — Eu devia ter pedido a ajuda de Val com isso.


Sou uma péssima anfitriã. — falou, sorrindo, mas notei o

nervosismo em cada palavra.

Era como se eu entendesse suas nuances.

Ela então me encarou, enquanto a água ainda corria por


seus dedos, e o olhar preso no meu, me fez sorrir de lado, sem

me importar. Existia uma conexão que nunca foi quebrada, e nós


dois sabíamos. Ela sabia?
E por mais que ela não fosse mais a mesma, ainda existia
algo intacto bem ali, que me fazia olhar para ela, e não enxergar
nada além dos mesmos olhos castanhos que eu tive, que eu

sonhei, que eu lutei para esquecer... e nunca esqueci.

— Não precisa ficar nervosa. — falei, e ela já abriu a boca

para retrucar, mas impedi-a, com um aceno de cabeça. — Eu vou


me sentir da mesma forma quando estiver em um ambiente sem
os meus irmãos, e apenas com os seus ao redor, com a sua

família... Acho que é natural. Tudo bem, estar nervosa com o

novo.

— Ok. — sussurrou, trazendo uma mão para minha, e

afastando, para fechar a torneira e enxugar a mão com cuidado

em um pano de prato colocado sobre a bancada. — Sobre isso...

— Sobre estar no mesmo local com a minha família... É um


convite que Daniela vai fazer, e bom, pode incluir todos os seus

irmãos, caso desejem. Mas ela é acostumada a passar o Natal

com o meu lado da família, e esse ano preparamos algo especial


devido a esposa do meu irmão mais velho, e meus pais devem

voltar bem em cima da data...

— Já está aí a data...
— Sim, e como não comentou nada, fiquei pensando em te

avisar que Dani quer te convidar para passar com ela, mas que
tudo bem se os Reis tiverem algo importante, toda família tem e...

— Não é uma data feliz para a gente. — engoli em seco,

sem querer entrar em detalhes. — Eu adoraria passar com


Daniela, se for possível.

— Ótimo, se seus irmãos quiserem... — deu de ombros,

como se não soubesse como me abordar sobre. — Enfim, não

quero que seja pego de surpresa e não saiba o que dizer, é só


que... — respirou fundo. — Estou acostumada a ela em nossa

bolha particular dos Torres. Então, sei que pode parecer que

quero controlar tudo, mas eu só não quero que ela...

— Estranhe ou se sinta perdida. — complementei, e Olívia

assentiu, claramente aliviada por eu entender. — Eu ficaria

honrado de poder passar uma data importante para ela, com ela.

Olívia então sorriu abertamente, e acabei fazendo o


mesmo, sem conseguir esconder a facilidade com que ela

conseguia me trazer para aquilo. Era tão... fácil.

— Posso indagar algo? — perguntei, enquanto ela se

virava para vestir duas luvas protetoras dessa vez e assentia. —


Daniela se dá bem com os avós? É que ela fala muito dos tios,

mas não a vi falando sobre eles. E não sei se devo falar sobre,

quando ela perguntar sobre os meus pais ou...

— Ela os ama. — Olívia parou, sem tirar a forma do lugar.


— Tem sido um momento delicado para eles, quer dizer,

principalmente para o meu pai, que está lutando contra uma

doença até o momento incurável. — engoliu em seco, e notei que


seus pensamentos saíram dali. — Nos encontrou no casamento

às pressas do meu irmão, porque ele vai com eles para o exterior,

no começo desse ano, para o tratamento experimental... Devido a

todos os exames e correria, eles não estão tão presentes, e bom,


Daniela sabe da verdade. E sei que por mais inocente e protegida

que ela seja, ela não fala porque tem medo de que seja a última

vez que ela possa falar dele... Ela me disse isso, da última vez
que ele foi internado, meses atrás.

— Eu... Eu sinto muito, Olívia. — ela me olhou, e depois de

tantos anos, aquela fragilidade estava em todo seu semblante. —


Eu não tinha ideia, eu... Sinto muito, mesmo. Se puder ajudar

algo, por favor, basta me dizer.

— Foi bom que tocou no assunto, porque agora ela tem

você também para estar lá por ela. Acho que de todos os meus
irmãos, eu sou a mais cética sobre tudo... Eu acredito sim que o

tratamento pode funcionar, mas eu sei que em algum momento,


mesmo que seja apenas a lei da vida, da idade, a gente vai

perdê-los... Somos uma família muito unida e acho que deu para

perceber, e eles... Eles fizeram isso. Meus pais nos fizeram quem
somos, e Daniela sente isso. Ela carrega a doçura da minha mãe

quando pede algo, e a gargalhada alta e explosiva do meu pai,

então... Eu só fico feliz que ela tenha mais pessoas para amar,

como eles ensinaram.

— Eu nunca imaginei que depois de escondê-la, nos

acharia dignos do amor de Daniela.

Ela piscou algumas vezes, como se tentasse entender


minha fala, mas engoli em seco, sem saber como explicar.

— Digo, eu... Eu não sei como explicar porque falei sobre

isso. — admiti, sabendo que aquele era um limite que não

conseguiria passar, não naquele instante.

— Bom, vamos ter que nos aturar, se a vida permitir, por

longos anos... Quem sabe, um dia, a gente fale sobre, né? —

indagou, como se para aliviar o clima, e eu assenti, apegando-me

ao fato de que suas palavras eram completamente honestas. —


Todos com fome? — praticamente gritou, ao sair da cozinha,

carregando a forma, e eu a segui.

Paralisei com a cena, dos meus irmãos em torna da minha

filha, que estava sentada na cadeira da ponta da mesa, contando


alguma história de como foi a montaria do seu primeiro potrinho.

Eu sabia que a estrutura da nossa família era diferente da de

Olívia, agora ainda mais, contudo, por mais indignos que um dia
fomos chamados, a mulher que agora sorria para minha filha,

atenta a cada trejeito dela, juntou cada pedaço e nos tornou quem

éramos.

E eu sabia que eu daria o meu melhor para ser o pai digno


de Daniela, da mesma forma que Verônica se fez como mãe e pai

para cada um de nós.


CAPÍTULO 15

“Hoje à noite eu vou dançar

Como se você estivesse nesta sala

Mas eu não quero dançar

Se eu não estiver dançando com você” [18]

OLÍVIA

A cena toda do nosso Natal perfeito estava se dissolvendo,


ao menos, para Maria Beatriz. Contudo, como boa virginiana, eu

já tinha um plano antes mesmo de ela sonhar que o tínhamos de

fato.
— Acha que Inácio vai conseguir segurá-la? — Abi

perguntou, e olhei-a de esguelha, enquanto ajudava a arrumar a


outra árvore de Natal. — Quer dizer, Mabi é uma coisa pequena,

mas uma força da natureza.

— Acho que ela está esgotada. — comentei, ajeitando uma

das bolinhas. — Ná é bom em contar histórias e enrolar com

coisas antigas, ela vai ou dormir ou ouvir tudo.

— Para de chamar o nosso mais velho de chato, Oli. —


Júlio defendeu, e eu revirei os olhos. Sempre tão parceiros, que

sentia vontade de esganá-los. — Aliás, onde está o seu amado

futuro marido?

— Para de falar de Murilo assim. — o repreendi, o qual

levantou as mãos em sinal de rendição, enquanto Isabela o

encarava com os olhos arregalados e querendo colo, claramente

pedindo por atenção do pai.

— Quem disse que ele estava falando de Murilo? —

Bárbara indagou, e seu tom de implicância não me passou


despercebido. — Gosto da versão da Oli óbvia.

— Eu odeio vocês. — sussurrei, e eles gargalharam,


enquanto via Primavera passar correndo, com um Lorenzo
engatinhando animado atrás dela. — Não vocês, crianças lindas
da tia.

— Qual é? — virei-me ao som da voz de Bruno, que estava


na função de olhar as crianças. Eu sempre soube que ele seria o

tio daquele naipe, mas não que chegaria tão cedo. — Por que não

está tocando algo?

— Taylor Swift?

— Por favor, eu preciso sofrer com um bom sertanejo

primeiro.

— Sofrer o que, detestável? — Abigail perguntou,

enquanto ele abraçava-a pela cintura, e a mesma revirava os

olhos.

— Pela mulher mais adorável que está morta de ciúmes

porque eu ajudei uma tal Reis há cinco anos...

— Está com ciúme de Carolina? — a voz de Murilo invadiu

o ambiente, e ele parecia chocado, assim como todos nós

ficamos.

Ele estava extremamente quieto desde que chegou, e

também, diante de toda a cena dramática que teve de encarar. A

árvore despencando, as crianças sendo salvas por ele e meu


irmão, e minha cunhada desmaiando... Era uma boa introdução

para o Natal dos Torres.

— Desculpem, não é da minha conta...

— Agora você é da família, cunhadinho. — revirei os olhos


pela forma como Júlio falou e se encostou nele.

— Depois de te deixarem roxo, agora eles falam assim... —


Bárbara provocou, e eu mordi a língua para não me intrometer.
Porque eu sabia, que qualquer coisa que dissesse poderia ser

usada contra mim. — Se bem que Inácio não está aqui para
completar o trio ridículo, achando que são os Bridgertons.

— Quem perdoa é Jesus Cristo. — Abigail falou, e os


olhares de todos pararam nela. — Não os Torres ou Reis. — a

mesma complementou, piscando um olho. — Agora Murilo, por


que não nos conta do motivo do seu tom de voz tão surpreso com

Carol e Bruno?

— É que minha caçula já tem um certo interesse amoroso,

e posso dizer que não é Bruno. — comentou, e o olhei


interessada. Não tanto no assunto, mas sim, na forma como ele
estava lindo com a camisa semiaberta, e uma calça jeans colada
ao corpo, e os sapatos italianos que não faltavam, nem mesmo no

meio da fazenda.

— Fecha a boca para não babar. — Júlio gesticulou com a

boca, ainda do lado de Murilo e lhe dei o dedo do meio.

— Viu, resolvido! — Bruno comentou, e deu um beijo

estalado no rosto da noiva. — Mas vou sofrer mesmo assim,


porque ela tá me maltratando.

— O estilo de Carol é o Nero? — perguntei, sem poder


evitar, e foi o exato momento que Verônica adentrou o ambiente.

Como sempre, quieta e na dela, com Daniela a tiracolo.


Não sabia onde os outros Reis se encontravam, mas sabia que
ela não deixara Murilo sozinho. Não no que seria uma data que

ele disse que eles não comemoravam. Ela agia realmente como
uma irmã mais velha protetora e mãe.

— Alfredo tem apenas o sobrenome certo e é sem jeito


com mulheres. — ela comentou, e notei Abi a encarar de

imediato, interessada.

— Não cansa de falar de mim pelas costas, Reis.

— Eu o vi entrando na sala e então disse na sua cara. —


ela rebateu, e troquei um breve olhar com Murilo, que parecia
estar acostumado com aquilo.

— Melhor ser legal com sua futura cunhada, Nero. —

Abigail provocou, e ele bufou, seguindo pela direção contrária, em


que deveria estar ajudando na cozinha. — Eu amo que ele não
cora na frente da Reis.

— Agora! — Bruno gritou, quebrando todo o momento, e


começou a cantar alto, junto com a música que vinha de uma
caixa de som enorme, que ele deveria ter comprado justamente

para as festas em família. — Presta atenção nessa história!

— Bora, todo mundo de casal... — ele insistiu, e antes que

eu pudesse fazer qualquer coisa, apenas me vi sendo puxada por


meu caçula, que me girou, cantando alto. — Aproveita a deixa...

— sussurrou, e me girou, soltando em seguida.

Quando me vi, estava nos braços de Murilo, que sorriu e

deu de ombros, como se fosse o certo. Olhei sob os ombros, e


notei que todos estavam girando pela sala, enquanto Bruno

berrava com a música, e Abigail tentava não gargalhar.

Daniela com Verônica, sorrindo junto da tia, que dançava

animada com ela.


“Pulei na piscina, chorei disfarçado

Só pra ninguém ver os meus olhos molhados

Pulei na piscina tão desesperado

Que quando eu caí, foi mágoa pra todo lado

Pulei na piscina, chorei disfarçado

Só pra ninguém ver os meus olhos molhados

Pulei na piscina tão desesperado

Que quando eu caí, foi mágoa pra todo lado

Pra ver se esse amor morre afogado...” [19]

— Eles são engraçados. — Murilo falou na minha orelha,

enquanto girava comigo pela sala, e minhas lembranças me


encheram. Assenti, com a mão coçando pra não adentrar aqueles

cabelos vermelhos, que tanto estavam presos a minha memória.

— Bruno é o que grita... — comecei, e ele se afastou


levemente, encarando-me, enquanto continuávamos dançando.

— Júlio é o que coloca fogo... — indiquei com a cabeça. — Inácio

é o que tenta segurar a barra.


— E você? — perguntou, surpreendendo-me.

Ninguém nunca tinha me indagado sobre.

— Eu sou a que tenta controlar. — confessei, fazendo uma

careta. — Mas gosto de segurar barra, colocar fogo e depois

gritar. — pisquei um olho, ouvindo a música que estourava por


todos os lados. — Fazia tempo que não dançava assim...

Ele então me encarou profundamente, e por um segundo,

apenas parei o passo. Sabia do exato momento em que dancei

com tamanha intimidade com outro homem. Fazia anos. Na


realidade, quase oito anos.

O que eu poderia dizer? Que depois dele, dançar com

aquela intensidade, pareceu se tornar uma piada? Por que nunca,

nenhum outro, me fez ficar imersa numa dança, e ele o fez, até
mesmo, quando não tínhamos música?

— Vem cá. — me chamou, no meio da praia já quase

deserta, e eu fui. Meu vestido dourado já estava todo amassado e


sujo de água e areia, mas ele sequer parecia se importar.

Ele me girou, fazendo-me agarrar a ele, ainda de costas,

enquanto nos embalava. Fechei os olhos, com o som de fundo do


mar batendo nas pedras e na areia. Suspirei fundo, quando suas
mãos se firmaram ainda mais em meu quadril, e levei as minhas

para o seu pescoço, deixando-nos completamente unidos.

Eu queria poder marcar aquele momento em minha pele,

assim como, ele o fazia na minha.

— Vai se lembrar disso? — ele indagou, e eu sorri, ainda

sem abrir os olhos. — E se fizermos mais lembranças assim? —

indagou, e foi assim que me virei, encarando-o, e levando minhas


mãos até os seus cabelos bem cortados, infiltrando meus dedos

ali.

— Vai se lembrar de mim? — perguntei, sem conseguir

responder qualquer uma das perguntas.

Nosso acordo não consistia em se apaixonar, mas eu o

tinha feito. Sem perceber. Sem querer. Sem saber. E eu temia que

quando o mundo real chamasse, eu perdesse exatamente o de


mais bonito que criamos ali. Então, por que estragar?

— Sua música, Oli!

A voz de Bárbara me tirou de meu devaneio, enquanto eu

estava parada nos braços de Murilo, e felizmente, a mesma me


salvou. Forcei um sorriso, escutando a música, que também um
dia, escutei com ele. Segui para a cozinha, com Babi a tiracolo, a

qual parecia estar tentando me deixar a vontade.

— É tão na cara que estava pensando em vocês dois... e

não duvido, que ele também. — sussurrou. — E seus pais virão

para o Natal, não vai os apresentar?

— Sim e não. Prefiro que seja rápido e que não os encha

com os meus problemas. — confessei. — Em algum momento,

vou contar a eles com calma.

— Sei que todo mundo está tentando deixar Fabrício fora


dos problemas, ainda mais, pela saúde dele não poder sofrer

mais nenhum baque, mas... Sabe que os Torres são intrometidos

por natureza, né? — assenti, e ri de lado. — Eles já me


perguntaram de Murilo umas dez vezes. E eu tive que descrever

ele em todas elas.

— Eu só não quero que mamãe tente me salvar do mundo,

ou que meu pai ache que pode me proteger mesmo sabendo que
não. — dei de ombros. — Se somos superprotetores, é

justamente por conta deles. Então, apenas o básico deve bastar.

— Medo de Fabrício ou Heloísa darem as boas-vindas a

família para o Reis? — indagou, direta como sempre. — Sabe que


eles fizeram isso comigo, com Mabi e com Abi... O clubindo Abi,

pode ganhar um novo membro, você querendo ou não. É isso que

te assusta?

— Meus pais nunca erraram quando se tratou dos amores


dos meus irmãos, eu só não quero que Murilo e eu sejamos

colocados em tal perspectiva... Porque nós dois e amor, já foi um

erro.

— Eu pensava o mesmo de Júlio. — encarou-me com

pesar, mas continuou: — Tenho certeza que Mabi e Abi também...

Então, apenas deixa acontecer. Por mim, irmã. — pediu, do jeito

que ela sabia que eu jamais negaria. Bárbara Ferraz sempre foi
além da melhor amiga do meu irmão, ela foi minha única amiga

por anos e a irmã que eu nunca tive. E ali estava eu, assentindo.

Era sobre aquilo, apenas respirar fundo e não pensar tanto.

Porque se eu pensasse, sequer poderia ficar próxima a ele.


Porque tudo nele, me relembrava da Olívia que eu era, e que com

ele, vinha à tona.


CAPÍTULO 16

“Eles dizem: Tudo vai bem quando termina bem

Mas estou em um novo inferno cada vez

Que você engana a minha mente” [20]

MURILO

— Papai... — a voz baixa de Daniela me chamou, tão baixa

que pensei que pudesse estar imaginando ou sonhando, mas


não, seus belos olhos castanhos estavam levemente abertos. —

Obrigada por hoje. — sorri, vendo o cansaço claro que ela estava,

por toda a festividade. O Natal nunca foi assim para mim, mas
com ela, agora fazia todo o sentido. — Obrigada por ser o meu

papai.

Sua fala me pegou completamente desprevenido, e vi-me

sorrindo para ela.

— Obrigado por me permitir, estrelinha. — beijei sua testa.


— Eu... — engoli em seco, sabendo que contava nos dedos de

uma mão, quantas vezes deixei aquele sentimento tomar conta de

mim e ele era real. Com Daniela, eu soube que o amor não
precisava ser escondido. Não com ela. — Eu te amo, filha.

— E eu amo você, papai. — paralisei com sua resposta de


prontidão, enquanto ela se agarrava a uma as pelúcias que

ganhou de presente, e parecia cair em sono profundo.

Fechei os olhos por um segundo, e só queria poder gritar

enquanto uma lágrima descia pelo meu rosto. Eu não sabia como

chegara ali e o porquê o merecera, mas eu... Eu o faria. Eu o faria

por merecer.

Saí do quarto com cuidado e encontrei Verô do lado de fora

da casa.

— Está mesmo bem por conta própria? — Verônica

perguntou, enrolada em um cachecol que nunca vi antes e eu


assenti. — Não quero que fique sozinho, você sabe.

Eu sabia.

Eu sabia que era por aquilo que ela não me deixara vir a

sós para o Natal com os Torres. Sorri, e mesmo sabendo que ela

não gostava, puxei-a para os meus braços. Ela podia ser alta,

mas ainda assim, conseguia envolvê-la, da mesma forma, como

ela fazia raramente em nossos aniversários.

Senti um beijo em minha testa, e sorri, agradecendo por ela

sacrificar aquela data por mim. O Natal nunca foi uma data fácil
para ela, não depois da morte de nossa avó, justamente no dia.

— E você? Vai ficar bem, irmã?

— Eu sempre fico. — apertou levemente meu rosto, como

sempre fugindo da resposta, mas sabia que era o seu jeito de ser.

Eu queria poder fazer mais, e lhe mostrar que poderia contar. Mas
nem mesmo Tadeu, o mais próximo em idade, o conseguiu. —

Vou apenas dar mais uma volta, e dormir.

— Feliz Natal, Verô.

Ela não respondeu, mas assentiu, estendendo-me um copo

que só pelo cheiro, sabia que era café. E assim, deixou-me

sozinho na varanda da casa. Todos já tinham se recolhido, alguns


na nova casa dos Torres, outros no casarão principal, mas algo

me mantinha ali. Talvez o fato de que fora a primeira data especial


que passei ao lado da minha filha, e de tudo que poderia

imaginar, nos poucos dias que compartilhamos, ela se tornou o


meu mundo. Acho que o aconteceu, quando seus olhos
encontraram os meus.

Bebi o último gole do café que Verônica deixou, e suspirei


fundo. Precisava ainda conversar com Olívia. Minha vida seria na

cidade vizinha daqui, com elas, assim que pudesse fazer toda a
mudança. Eu não queria apenas partes da vida de Daniela. Eu

queria poder vê-la, quem sabe, todos os dias. Eu queria, poder


acompanhar todos os detalhes, da rotina, do dia a dia, do

simples... Seria querer demais?

— Acordado ainda?

Aquela voz.

Fechei os olhos e quando vi já estava segurando com força


o copo. Não era porque ela me incomodava, mas era porque o

simples tom de sua voz, me fazia lembrar da única vez que me


senti de fato livre na vida – e foi com ela. E me sentia novamente,

aqui, com ela.


— Lembro de você gostar de dormir cedo, para ver o sol

nascer...

— E você me fazia beber até perder a hora, ou me fazia

perder no seu corpo e sequer me importar com quantas


badaladas dava o relógio... — suspirei fundo, sem conseguir

conter as palavras. — Desculpe. — vi-me dizendo, passando as


mãos pelos cabelos.

Talvez eu só estivesse confundindo tudo.

Mas era realmente uma confusão se eu sentia o mesmo


que antes? Antes mesmo de algo ser confuso? Nós éramos de

fato uma bagunça antes mesmo de sermos algo? Éramos nós?

Eu podia nos chamar de nós?

— Murilo...

Senti sua mão em meu ombro, e me virei aos poucos,

sentindo-me queimar sob aquele calor.

— Significou muito para ela. — sorriu, e notei o brilho em

seu olhar. Não me virei por inteiro, guardando aquelas palavras.


— Significou muito para mim.

Então, não pude evitar olhá-la por completo.


— Tudo o que tem feito, sua compreensão apesar de
tudo... — suspirou fundo, e era clara a sua culpa. — Eu... Eu
pensei que fosse me olhar como uma inimiga, mas nunca o fez.

Em nenhum momento.

— Sempre esperando o pior de mim, raio de sol.

O apelido escapuliu e diferente do constrangimento que


poderia gerar, ela apenas abriu um lindo sorriso de orelha a
orelha. E fez-me lembrar daqueles dias, e esquecer da confusão,

mas nunca, dos meus sentimentos. Acordados por ela.


Adormecidos por ela. E ali, renascendo apenas por ela.

E se eu apenas pudesse ter uma parte, como aquele lindo


sorriso, era o suficiente. Porque eu me apaixonei por ela em um

verão do qual quis fugir, e me encontrei nela, em outro verão, em


que éramos mais que uma paixão – tínhamos uma parte de nós,

juntos.

— Eu jurei que ia vir de terno e gravata. — provocou,

passando as mãos por meu pescoço, fazendo-me revirar os


olhos, e aceitar seus lábios nos meus.

— Esperando apenas o pior. — rebati, e ela riu ao se


afastar, e o pôr do sol nos presenteava com toda sua beleza. Mas
não estava focado nos raios que deixaram o céu em uma mistura
de laranja e rosa, mas sim, em toda ela. Em como os raios a
deixavam ainda mais linda, como o raio de sol em destaque. O

único que me atraía, e me assustou para caralho.

— Às vezes você pensa naquele verão? — sua pergunta

me trouxe para a realidade. — Quer dizer, também pensa naquele


verão?

Então ela também pensava? Ele a marcou como me

marcou? Então, por que ela me deixou? Então, por que eu

simplesmente nunca soube sequer o seu nome, não após aquela


coincidência do destino?

— Sim. — foi tudo que consegui deixar sair. — Ainda mais

agora. — falei, engolindo em seco, tentando não demonstrar o

quão desesperado estava sobre nós. Sobre o que aquelas


lembranças me traziam. Muito antes de Daniela. Muito antes

daquele dia.

— Toda vez que olho para ela, é impossível não pensar em

você... — sua confissão me acertou em cheio, e finalmente


entendi. Eu era o pai da filha dela, e era a lembrança diária de

que eu existi em sua vida. Não o que vivemos. Não o que fomos.

Pare de fantasiar, Murilo!


— Podemos ser amigos, não é? — perguntei, tomando

coragem, e pensando que era o melhor.

Por mais que meus olhos vagassem por cada pedaço dela.

Por mais que meu peito batesse freneticamente apenas com a

sua voz. Por mais que minha mente se perdesse em lembranças


de nós. Nós nunca existiu.

— Claro que sim.

Por um segundo, pensei ter enxergado a clara decepção

em seu olhar, mas sabia que era minha mente, maquinando sobre
conhecê-la mais do que de fato sabia. Porque se o fizesse,

saberia a razão pela qual ela foi embora, sem qualquer adeus.

Estiquei então minha mão, e ela apertou com a sua. Mas

como sempre, era uma caixinha de surpresas, e me puxou para


si, abraçando-me, e fazendo todo meu corpo se despedaçar e

encaixar-se novamente em segundos. Aceitei-a ali, e não pude

deixar de sentir seu cheiro e pensar em como cada limite dela, se


encontrava em cada limite meu.

— Feliz Natal, dono do mundo. — sussurrou, afastando-se

levemente, e nossos olhares se encontraram, assim como,

nossas bocas se encontraram a um fio de cabelo de distância.


— Feliz Natal, raio de sol.

Ela então sorriu novamente, e deu um passo atrás, e ouvi o

barulho de passos do lado de trás da porta. Ela não soltou minha

mão, enquanto caminhava até a maçaneta e girou. Não me


surpreendi ao encontrar seus irmãos e cunhadas do outro lado.

Bruno e Júlio quase caíram um em cima do outro, enquanto Babi

e Maria Beatriz ao menos tentavam fingir que estavam olhando


para a roupa uma da outra. Abigail gargalhou alto, e notei o

sorriso de lado no rosto do mais velho – Inácio, que estava

encostado contra a parede, claramente não querendo estar ali.

— Não tinham ido dormir? — ela perguntou, e se soltou de

minha mão, fazendo-me sentir falta de seu calor, mas não

consegui não sorrir de todo o desenrolar. — Patéticos, todos

vocês!

— Eu fui obrigado. — Inácio se pronunciou, e ela lhe

lançou um olhar de “eu te conheço muito bem”.

— Eu posso usar a desculpa de que estou procurando

inspiração para o próximo romance? — Mabi indagou e mordi a


língua, para não gargalhar.
— Merda! — Lisa então apareceu, com três baldes de

pipocas na mão, e notou que todos foram pegos por nós. — Ainda
tive que equilibrar a pipoca, porque Nero resolveu sair pela

fazenda... Perdi algum babado?

— Lisa, eu te amo, mas... Não tá ajudando! — Babi se

pronunciou, e eu tive que sorrir de tudo aquilo. — Cacete, ele é


bonito demais sorrindo!

— Bárbara! — Júlio falou, levantando-se, e eu sorri ainda

mais.

— O que? — fingiu-se de inocente, e notei Lisa me encarar

com interesse.

— O sobrenome que estraga, vou te contar. — Lisa falou,

entregando um balde para Abigail, que revirou os olhos.

— Não precisa do nome para...

— Se completar essa frase, eu juro que durmo no sofá! —

Bruno se pronunciou, e ela piscou um olho em direção a ele, que


parecia ser o mais dramático de todos. Ele me lembrava a Igor.

Júlio a Tadeu. Inácio a Verônica.

— Já que perderam o tempo estando aqui, por que não

fazemos uma fogueira? — Olívia sugeriu, e eles pareceram


genuinamente animados.

— Verônica já foi dormir? — Maria Beatriz perguntou, e era

estranha a conexão que ela estabeleceu com minha irmã, em tão

pouco tempo.

— Ela disse que ia andar um pouco e depois iria... Posso

encontrá-la.

— Acho que ela não vai gostar da fogueira, mas...

— Aproveita, se achar Nero, fala pra ele que eu estou


esperando explicações — Abigail falou, e fiquei sem entender

absolutamente nada, mas assenti.

Recebi um leve olhar de Olívia, e gostava que ela me

entendia, mesmo que não soubéssemos nada um do outro antes.


Éramos de famílias grandes e intrometidas, inseparáveis pelo

jeito, e eu queria, que ela fizesse parte da minha, mesmo que

apenas como a minha amiga e mãe da minha filha.


CAPÍTULO 17

“Eu queria poder voar

Eu te pegaria e nós voltaríamos no tempo

Eu escreveria isso no céu

Eu sinto sua falta como se fosse a primeira noite” [21]

MURILO

— Tem certeza que quer isso? — Igor perguntou, enquanto


eu terminava de colocar as coisas dentro de uma pequena mala.

— Sempre lutou muito por esse cargo...

— Sabe que eu amo o negócio da família, mas amo mais a

nossa família. — falei, e coloquei o porta-retratos que tinha todos,


assim como, Bianca presente. — Daniela está em primeiro lugar,

e então... Uma hora, eu teria que abrir mão das viagens que eu
odeio e todo o resto que vem com a responsabilidade do setor de

marketing. Só estarei presente no que for imprescindível, até

bom... Até encontrar alguém que possa me substituir


pessoalmente e em tudo.

— Há muitos candidatos? — indagou, e eu assenti,


sabendo que levaria no mínimo um mês para analisar a todos

junto com Verônica e Tadeu.

— Carol não está interessada, mesmo preparada, então...

Teremos que abrir para alguém fora da família, mas sabemos que
não é um problema. Há muitas pessoas mais do que preparadas

nas filiais.

— Sabia que a nossa Rainha Má quem vai decidir. —

revirei os olhos do apelido que ele deu a Verônica desde sempre,


mas era à sua maneira carinhosa de demonstrar que a amava. —

Enfim, estou aqui apenas para ser a carona... Dessa vez, que tal

não encontrar outro amor do passado e um fruto desse?

— Filho da puta! — xinguei, e ele riu alto, jogando a

cabeça para trás.


— A sorte de odiarmos nossos progenitores. — piscou um
olho, levantando-se. — Aliás, não sei se ficou sabendo, mas

temos quase um quarto cheio de presentes para Dani, então...

Trata de arrumar uma casa grande no interior, e entregar um

presente por dia que já tem até várias etiquetas com os nomes

dos tios, porque... Olha, talvez tenha até ela completar uns vinte

anos.

— Eu disse que era exagero. — suspirei fundo, e joguei a

mala nas costas. — Podemos apenas ir almoçar?

— O que eu vou fazer para suportar os almoços com Carol

gritando, Tadeu resmungando e Verônica em silêncio?

— Gritar de volta com Carol? — rebati, e ele riu de lado,

seguindo-me até a saída da sala. Parei um segundo, apenas

olhando para aquele local, e me senti inexplicavelmente bem.

“Um dia, algo ou alguém vai te fazer pensar além dessa

mesa e cadeira chiques... Ou o orgulho que quer que Verônica

sinta.” Foi como se ouvisse a voz de Bianca, e eu sorri, depois de

tanto tempo, ao ter uma lembrança dela.

— Ou provocar Tadeu, até ele gritar, o que vai fazer a

rainha má abrir a boca, e vou fingir que está lá para conciliar...


— Todos nós sabemos que um dia sairíamos da mansão.

— falei, ao me virar para ele, e fechar a porta atrás de mim. —


Não acha que vai sair tão cedo?

— Depois de Lisa me jogar na calçada? — negou com a


cabeça. — Acho que Verô e eu vamos ter gatos juntos.

— Não seja dramático. — revirei os olhos, enquanto

esperávamos o elevador. — Lisa ainda vai te dar uma chance...


ou não.

— Eu te odeio as vezes, sabe. — falou, e eu sorri


abertamente. Igor era um ator nato, o qual não sabia como

conseguia gerir toda a nossa rede de hotéis. Talvez aquele lado


dele ajudasse nos negócios.

Assim que as portas do elevador se abriram, a imagem que


encontrei, me deixou paralisado.

— Surpresa!

O grito de minha filha, fez-me soltar a mala, agachar-me, e


tê-la em meus braços de imediato.

— Mas o que...

— Ela estava com saudade, já que só iriam se ver no ano


novo... — Olívia falou, e eu beijei o rosto de Daniela, que parecia
mais do que animada.

— Eles não se viram na segunda? — Igor provocou, a


pequena que lhe fez uma careta.

— E hoje já é quarta. — minha filha falou, e quando a


encarei, soube que era a escolha certa. Estar me mudando para

mais perto.

— Como tinha um compromisso na cidade hoje, e ela

queria muito conhecer onde o pai trabalha... Desculpem aparecer


sem avisar. Eu tentei pedir a recepção, mas disseram que nossa
entrada estava liberada.

Franzi o cenho e encarei Igor, que levantou as mãos em


sinal de rendição, e então, apenas uma pessoa se passou em

minha mente, para ter feito tal coisa e ninguém comunicado –


Verônica.

— Está tudo bem.

— Eu posso conhecer sua sala? — ela perguntou,


descendo do meu colo, e parecendo intrigada.

— Pode me esperar no carro, para o almoço? — indaguei a

meu irmão que assentiu, e sorriu libertinamente. A cabeça de Igor


ia de 0 a 100 muito rápido. — E claro, gostaria que fossem
almoçar com a gente, depois de mostrar a sala para Dani.

— Sim! — minha filha gritou, antes que a mãe pudesse se


manifestar.

Vi-a sair do elevador, enquanto meu irmão adentrava, e

praticamente fazia uma dancinha de torcida. Pelos céus! Ele era


patético, às vezes. Talvez sempre.

Os minutos se passaram, enquanto eu mostrava cada


detalhe da sala, perfeitamente decorada, que tinha mais
impessoalidade do que qualquer coisa, porém, Daniela parecia

encantada, principalmente, com a vista para toda a cidade.

— Ela vai amar vir no seu trabalho. — Olívia comentou, e

me virei rapidamente para olhá-la, enquanto Dani estava com as


mãos contra a grande parede de vidro, tocando-a como se fosse

possível tocar os prédios. — Está de viagem?

Ela encarou minha mala, e então seu olhar percorreu

minha mesa que estava totalmente vazia.

— Estou me mudando para a cidade de vocês. —


sussurrei, e ela arregalou os olhos. — Pensei em ser surpresa,

mas acho que talvez não tenha sido uma boa ideia.
— Quer dizer... Não imaginei que de fato se mudaria,
quando comentou que queria vê-la todo o dia se possível. —
respirou fundo, como se pensando sobre. — Acho que ela vai

amar a ideia, para ser sincera. — sussurrou e deu alguns passos


para perto, como se compartilhássemos um segredo. — Ela tem

contado para toda a cidade sobre o pai, e bom, eu consegui


transferir alguns clientes para atendimentos via internet, e outros
detalhes, que me permitem trabalhar da fazenda e em um

escritório no centro... Mas não é algo que tem que fazer, Murilo.

Sei que quer recuperar todo esse tempo, mas...

— Não tenho, mas eu quero. — fui totalmente honesto,

olhando no mais profundo dos seus olhos. — Eu posso fazer

grande parte do meu trabalho, com um notebook e internet,

então... Ser o pai dela é o mais importante para mim.

Ela assentiu, como se pensando a respeito.

— Há outra casa na nossa fazenda. — soltou, e sua voz

soou tão baixa, que pensei ter sido minha imaginação fértil. —
Fica a cerca de dez metros da nossa, e bom, ninguém a ocupa há

um bom tempo. Acho que deveria ser algo para a capataz, mas

Úrsula preferiu uma casa mais longe, com privacidade... Então...


— Está me oferecendo uma casa do lado da sua? —

indaguei, e ela mordeu o lábio inferior, como se tivesse sido pega.

— Digo, pode ser estranho, mas... Não há nem muros, eu

consigo basicamente enxergar da janela do meu quarto, algum

dos quartos da casa, mas... Ok, essa ideia é...

— É perfeita. — cortei-a, sem conseguir acreditar que

estava me jogando de cabeça. Completamente. — Quer dizer, se

não for deixá-las desconfortáveis ou... E caso não dê certo, eu

posso me mudar, na mesma hora.

— Eu acho que pode funcionar. — falou, e seu olhar parou

em minha gravata já um pouco solta, como se pronta para mexer

nela, o que fez mais lembranças me invadirem, e meu coração


disparar. — Daniela vai amar te ter por perto, e acho que ela

consegue entender que não estamos juntos como um casal, mas

somos os pais dela, presentes... — minha lembrança foi cortada,

e engoli em seco, assentindo.

Bom, era aquilo. Coração estúpido. Mente ainda mais

estúpida.

— Por que não vamos almoçar? — perguntei, tentando

cortar tanto meus pensamentos, quanto aquele momento.


Precisava me preparar para estar tão perto, e ao mesmo

tempo, tão longe, da mulher que ainda me perseguia. E que

agora, estava literalmente, ao meu lado.

— Onde? — Dani perguntou, virando-se, e vindo até mim,


claramente animada.

— No casarão Reis. — falei, e toquei seu nariz com

cuidado. — Todos os seus tios Reis vão estar lá.

Seus olhos brilharam, e a mesma assentiu.

— Tudo bem?

Perguntei a Olívia, que fez o mesmo movimento, e nos

seguiu para fora da sala, enquanto Daniela estava de mãos dadas


comigo. Quando adentramos o elevador, suspirei fundo, e senti

Olívia praticamente se espremer contra a parede do mesmo,

como se quisesse me evitar.

Um passo para frente com nossa filha, mil passos para trás

para nós. Infelizmente, tudo o que vivemos parecia uma página já

virada, e na realidade, esquecida por ela. E eu tinha que

entender, que no fim, eu tinha sorte. Tinha sorte de ter Daniela ali
comigo. E que aquele era o amor mais honesto e sincero que

teria.
E que o romântico, talvez tenha sido enterrado naquela

praia, com os nossos braceletes de mesma cor.


CAPÍTULO 18

“Nós tivemos

Um lindo, mágico amor ali

Mas que triste

Lindo, trágico caso de amor” [22]

OLÍVIA

— Fiz merda! — falei, assim que fechei a porta do banheiro


a minhas costas, e poderia jurar que Valéria não entendeu nada

do meu arrombo.

Ela era a única pessoa que adentrara minha vida nos

últimos tempos e que realmente, permiti que entrasse. Uma


conexão criada de uma forma instantânea, e quando percebi, nos

falávamos a respeito de tudo, mesmo que parte dela fosse um


completo segredo. Bom, eu também não era um livro aberto. E

talvez aquilo, nos tornasse próximas.

Começou com ela sendo a cozinheira de Inácio, e quando

pedi socorro para aprender a cozinhar coisas melhores e mais

saudáveis para Daniela, as aulas que ela me dera, nos


aproximou.

Geralmente, dividíamos o karaokê que eu tinha na sala,

quando ela estava de folga, e passava o dia comigo e Daniela,

esparramadas na sala de casa. O lado bom daquela amizade, era


que Valéria parecia entender que existia um combo. O que grande

parte das outras pessoas não gostava de fato.

— Eu devo pedir um dia de folga para o seu irmão? —

perguntou, e ouvi o barulho de panelas ao fundo.

Pelo horário, ela deveria estar fazendo algum doce. O que

me fez sonhar com o bolo de chocolate maravilhoso que ela fazia.

— Eu só... Merda, Val! Eu convidei o meu ex amor de

verão e pai da minha filha para morar na casa vazia ao lado da


minha...
— O que? — ela deu um grito do outro lado da linha,
gargalhando alto, em seguida.

— Não ria da minha condenação! — minha voz reverberou


pelo banheiro, e agradeci aos deuses por estar sozinha, e Daniela

não ouvir meu surto dentro de casa. Por que diabos eu estava

trancada no banheiro? — O que eu faço?

— O que você faz? Agarra o homem! — rebateu, e revirei


os olhos.

— Estou falando sério, Val!

— E eu também. — notei então meu celular apitar, e ela

mudou a chamada para vídeo. — Aliás, o que está fazendo no

banheiro? Eu devo sussurrar?

Sua expressão de desconfiança era impagável.

— Não sei porque me tranquei aqui e te liguei, como se

fosse confidenciar o segredo do século. — suspirei derrotada,

jogando-me sentada no vaso sanitário fechado. — Eu sou uma

piada.

— E eu sou uma péssima conselheira. — acabei rindo da

forma como disse, e dei de ombros. — Esqueceu que o clube

“Abi” é o mais recomendado em casos de amor?


— Você é minha amiga também, Val. — rebati, e sua

expressão suavizou.

— Eu sei e aprecio muito isso, mas... Eu sou uma porta

para o amor. Esqueceu que eu amo um homem que ama uma


mulher que nunca o amou e era minha melhor amiga? — fiz uma

careta, e queria muito saber o nome do infeliz para socar a cara


dele. — O clube Abi tem enemies to lovers a friends to lovers com
direito a final feliz! E você liga para a solteira que está fazendo

brigadeiro as dez da noite de uma terça?

— Não sou muito inteligente. — debochei, e ela fez uma

leve careta, o que me fez gargalhar. — Val, eu juro que foi sem
querer! Quando vi, eu estava convidando e... Agora to ferrada!

— Aliás, quando vai admitir que ele é um gostoso? —


rebateu, e eu a encarei perplexa. — O que? — seu cabelo ruivo
estava preso sob uma faixa longa, e o cansaço era claro em seu

olhar mas foquei no brilho da sua pele.

— Você tá usando algum produto novo para pele?

— Não, por que? — indagou, parecendo provar o doce, e


quase gemer pelo sabor.
— Sua pele tá brilhando! — expliquei, e a mesma revirou

os olhos.

— Foca no gostoso! Por que eu ainda não to sabendo

direito sobre. Não consegui saber por ninguém, já que só ajudei


com a comida e tive que correr pra capital... Além de que Mabi

estava surtando com o Natal e fez todo mundo surtar junto... — ri


sozinha daquilo, e recordei que Val não o passou conosco de fato

conosco.

— Deveria ter ficado com a gente.

— Talvez numa próxima, senhorita Torres. — revirei os

olhos para a forma de me chamar. — Agora me diz, ele está te


tirando a razão apenas por ser gostoso? Ou tem mais?

Ser amiga de Valéria naquele último ano estava para me


tirar da própria cabeça, já que ela era realmente direta. O que não

me permitia enrolar ou fugir da resposta.

— Você viveu um amor de verão com Murilo Reis. —

enfatizou o sobrenome, e fiquei perplexa.

Não a vi comentando absolutamente nada sobre ele no


Natal. Notei vagamente que ele pareceu reconhece-la, mas nada

muito profundo.
— Tecnicamente, foi sexo enlouquecido no verão com
Murilo Reis... Mas por que esse foco todo no sobrenome?

— Todo mundo conhece os Reis. — rebateu, e a encarei


confusa. — Eu sou da cidade grande, Oli, já te disse... Por isso
ele até me reconheceu no Natal. — suspirou fundo. — Mas enfim,

eu te entendo.

— O que?

— O porquê de chamar ele para morar do seu lado. —


falou rapidamente, e franzi o cenho. — Murilo é um grande
gostoso e sejamos sinceras, que mal fez sentar? — sabia que ela

estava me provocando.

— Cacete, Val! — gritei, e ela riu do outro lado da linha. —

Ele é o pai da Dani, que eu escondi por anos... Não posso


simplesmente sentar e sumir.

— É, isso complica um pouco...

— Um pouco? — ela riu abertamente, parecendo desligar a

panela.

— Mas é sério, por que não só aproveitar? Quer dizer...

Você nunca me disse porque o deixou, apenas que tinha que


acabar e depois se descobriu grávida.
— Eu só... Só não gosto de lembrar que fui a outra. —
engoli em seco, e Valéria parecia pensar sobre algo. Aquilo era
tudo que eu conseguia entregar. Porque doía demais tocar

naquele ponto. — O que foi?

— De uma mulher cheias de medos e segredos para

outra... dos mais velhos, Murilo é o único Reis realmente inocente.


— ela pareceu totalmente séria. — Ele nunca te faria a outra. Pelo
pouco que o conheço, ele é certinho demais para traição ou

qualquer coisa do tipo.

— Mas isso não é o importante agora, é que... É que ele


vai ser meu vizinho.

— Poderia ser considerado até roommate. — provocou, e

mexeu com o celular, levando-o para a mesa. — Essa novela tá

maravilhosa e de graça!

— To falando sério, Val! Eu acho que estou

enlouquecendo... Só queria que ele pudesse recuperar o tempo

com Dani, estando perto e de repente, o chamei.

— Pode ser que no fundo você não consiga evitar querer


estar perto dele também. Nem todo amor de verão dura apenas o

verão, Oli.
Suas palavras me acertaram em cheio e engoli em seco.

Eu sabia o que realmente queria naquele verão, antes mesmo de


acabar. Eu sabia que queria continuar com ele. Sabia que usaria

com orgulho os braceletes vermelhos que ele nos comprou. Sabia

que não queria fingir ou omitir o sentimento. Sabia que queria


chamá-lo pelo nome.

Porém, naquela época quando eu vi a fotografia, eu soube

que não poderia chamá-lo pelo nome, porque o sobrenome dele

pertencia a outra. Foco, Olívia!

— Olha, agora sério! — sua voz me chamou atenção,

fazendo-me esquecer da fotografia e enterrar a dor que me

atingiu. — Sei que é mais difícil do que deixa aparentar, mas


também, é mais fácil do que você guarda... Daniela é uma parte

linda da história de vocês, seja ela complexa ou simples. Mas

Daniela é a única parte que vale a pena ser vivida? Por que não
se permite apenas ser amiga dele e ver onde isso vai dar? Por

que não indaga o que te fez correr no passado? Tem algo no seu

coração que te impede de falar com ele, Oli. E talvez isso, seja a

chave para seguir em frente.

— Por que você não segue em frente, Val? — perguntei,

sentindo-me uma adolescente novamente, como se estivéssemos


trocando dicas de como “esquecer um amor que não deveria

sentir”.

Ela sorriu, claramente sem vontade e negou com a cabeça.

— Porque eu ainda sonho acordada com ele. — assumiu,

suspirando fundo. — Sabe, eu poderia escolher sonhar com a

geladeira Electrolux do BTS, mas não, estou sonhando com o

bendito do homem que não deveria.

Ri de lado da sua comparação e sabia que ela estava com

os pensamentos presos ao homem que não dava nem nome, nem

forma. Apenas sabia que ela adorava o seu sorriso.

— Acho que só vou superar quando eu encarar a rejeição


de cara, sei lá... — deu de ombros, e senti meu coração afundar.

— O que não é o seu caso, sejamos sinceras.

— Não tem nem sentimento para se rejeitado, Val.

— Se não tivesse, não estaríamos nessa chamada de

vídeo, Oli.

Ri sem vontade, e assenti, sentindo-me uma grandíssima

péssima mentirosa. Ao menos, para as pessoas que estavam ali,


ao meu redor, e eu permitia saber. Valéria sabia, nos limites do
que eu deixava sair, que não falaria sobre algo se não me

importasse. E eu me importava, e muito, com Murilo.

Girei nos meus calcanhares, enquanto a música explodia


em minha orelha, e já eram quase duas da manhã. Daniela

acabou querendo dormir com os tios no casarão Reis, e

felizmente, uma parte de mim, já estava acostumada a dividi-la


com o resto da minha família, o que me permitia dar aquele voto a

eles. Além de que, ela tinha o seu celular e qualquer segundo,

poderia me ligar, e eu estaria lá, sem pestanejar.

Bebi mais um pouco do vinho e girei novamente, minha


mente enevoada com o álcool e o corpo já leve.

“Mas nós éramos algo especial, você não acha?

Aos vinte e poucos anos, jogando moedas na piscina

E se meus desejos tivessem se tornado realidade

Teria sido você

Em minha defesa, eu não tenho uma


Por nunca deixar as coisas do jeito que estão

Mas teria sido divertido

Se você tivesse sido o certo...

Eu, eu, persisto e resisto à tentação de lhe perguntar

Se uma coisa tivesse sido diferente

Será que tudo seria diferente hoje?” [23]

Talvez realmente tivesse sido divertido se ele fosse o cara


certo. Caminhei para encher minha taça novamente e tirei os

fones apenas para parar a canção e logo continuar, na minha

sofrência particular, e foi quando ouvi batidas na porta.

Quem diabos aparecia naquela hora?

E mais, teria permissão para subir?

Assim que olhei pelo olho mágico, estranhei a presença de

Murilo, e meu alarme interno acionou.

— Como Daniela está? O que houve? — perguntei de


imediato, procurando-a ao seu redor, e estranhando não a

encontrar.
— Ela está bem, dormindo com Verô e Carol. — explicou,

como se fosse óbvio, e o encarei sem entender, parada ao lado


da porta. — Desculpe aparecer a essa hora, é que tive que

buscar algo na empresa e como era no caminho, pensei em

passar para te perguntar uma coisa.

— Ah, certo. — falei, abrindo a porta para que entrasse, e o


mesmo negou rapidamente com a cabeça. — Não quer entrar?

— É que realmente, só queria te perguntar se está mesmo

bem com o fato de sermos vizinhos. — olhei-o confusa. — Sei


que pode parecer tudo rápido e eu ansioso, mas não quero, de

forma alguma, invadir seu espaço pessoal ou pressionar Daniela.

— Ela vai amar te ter por perto. — admiti, e poderia culpar

o álcool por não estar pensando tanto antes de falar. — E eu acho


que podemos fazer isso dar certo. De alguma forma. — forcei um

sorriso, enquanto ainda segurava a taça de vinho nas mãos. — É

tudo muito novo para mim também, Murilo.

— Vamos ter que aprender juntos? — indagou, e assenti,

sorrindo levemente. E para ele, como sempre, era sincero.

Mesmo que eu quisesse fugir e negar que era simples.


— Fui mãe solo por escolha por quase oito anos, é novo ter
alguém com quem dividir as dúvidas, responsabilidades e

momentos... — tomei um pouco do vinho, e só então pensei no

que disse. — Dela. — dei ênfase na palavra que faltou, e ele


assentiu, como se já tivesse compreendido.

— Estou tentando ser o melhor pai que posso, eu... Eu só

estou com muito medo de errar.

— Esse medo nunca passa. — confessei, ainda me

segurando na porta. — Não quer mesmo entrar e ficar um pouco?

Pode tomar uma taça de vinho e voltar a tempo de encontrá-la no

café da manhã com seus irmãos.

— Somos amigos e pais de uma menina linda, né?

Eu não sabia se sua pergunta era para ser em voz alta,


pelo tom baixo com o qual soou, mas vi-me assentindo, e

estendendo a mão que antes estava na porta para ele.

— Somos.

Ele então adentrou aquele apartamento, e entendi que o


combinado que começamos no Natal, permanecia intacto.

Estávamos tentando... por Daniela. Mas por um segundo,


enquanto o via tirar os sapatos e caminhar até a cozinha para
servir sua taça, vi-me perguntando: seria divertido, se ele fosse o
cara certo, não é?
CAPÍTULO 19

“Eu aposto que você nunca, jamais pensou

Que eu não posso te dizer olá

E arriscar outro adeus” [24]

MURILO

— É muito maior do que eu esperava. — falei, enquanto

Olívia me mostrava a casa, que realmente, ficava muito próxima a


sua.

Daniela estava passeando com os tios, e deveria chegar só


no fim da tarde. O que daria tempo suficiente para eu descarregar

algumas das malas que já trouxera.


— E bom, tudo aqui já veio mobiliado, só precisei chamar o

pessoal da limpeza pesada, e bem... — deu de ombros, enquanto


adentrava o que parecia ser o quarto principal, abrindo as

cortinas. — Aqui é o melhor quarto.

— Como conhece tanto dessa casa? — indaguei curioso, e

tentando testar a estranha amizade que começamos nos últimos

tempos. Na realidade, desde aquela conversa sincera no Natal e


a noite com vinho em seu apartamento.

— Quando nossos pais nos presentearam com as

diferentes fazendas, eu fui a premiada com a qual já vinha com

duas casas, e por um tempo, testei morar aqui, até escolher a


outra... — sorriu, voltando-se para mim. — Não é o casarão Reis,

mas...

— Sua família é tão rica quanto a minha, Olívia.

Ela pareceu sequer ligar para a provocação. Não que

dinheiro fosse uma discussão entre nós, mas era claro que ambos

nos conhecemos justamente porque alguém das nossas famílias


nos enviou para férias isoladas que eram além de caras.

— Não posso negar isso, mas eu já estou lotando o quarto


de hóspedes com os presentes dos seus irmãos para Dani. —
confessou, e bati uma mão na testa. — Ela é acostumada a ser
mimada, mas com certeza prefere poder ver e sair com os tios, a

qualquer outra coisa... Se quiser falar para eles isso.

— Verônica vai estar na sua porta a qualquer momento. —

comentei, e ela fez uma leve careta. — Se bem, que imagino

todos os quatro fazendo isso. Até mesmo, vindo dormir aqui.

— Bom, a casa é sua para receber quem quiser... No caso,


mulheres ou homens. — limpou a garganta, claramente sem jeito

e então percebi para onde o assunto corria. — Quer dizer, não se

incomode só porque Dani mora aqui do lado.

— Eu jamais traria sexo casual para a casa onde eu vou

estar com a minha filha, Olívia. — ela sequer me encarou, mas

notei que o assunto de repente pesou entre nós. Ela levava

homens para casa? Ela estava envolvida com alguém naquele

exato momento? Eu não tinha a mínima ideia e sabia que não

teria como perguntar sobre. — Aliás, precisamos acertar sobre o


aluguel, os custos de Daniela e...

— Essa casa está no nome de Daniela, já te disse. E outra


coisa, além do meu salário como advogada, a fazenda rende

muito dinheiro, não precisa...


— Eu preciso fazer parte. — falei em um fôlego, e seu

olhar finalmente voltou para o meu. — Não quero ser um pai


apenas no papel e no cheque, mas é justo que eu ajude. Ela é

minha filha também.

— Eu sei que quer compensar os anos perdidos. —

suspirou fundo, aproximando-se. — Podemos chegar em algum


acordo, de todas as coisas que ela faz, dos gastos, deixar tudo
meio a meio... O que acha?

— Excelente.

Um sorriso apareceu em seu rosto e estávamos tão

próximos, que mordi a língua para não perguntar, se alguém mais


a fazia sorrir assim. Em que mundo eu estava vivendo? O das

nuvens daquele amor de verão, só podia.

— Eu já falei com um colega sobre a inclusão do seu nome

na certidão, do reconhecimento da paternidade... Vai levar um


tempo, mas vamos conseguir.

— Se Verônica não der um jeito de acelerar isso. Apenas


não deixe ela descobrir o nome do seu advogado. — Olívia
gargalhou e assentiu, segurando levemente no meu ombro.
Um toque tão simples, mas quando se tratava dela, me

deixava esperando por mais. Torcendo para que significasse


mais.

— Eu acho que gosto dela, mas nunca irei admitir em voz


alta para ela... E está proibido de contar.

Foi impossível não levantar as mãos em sinal de rendição,


diante do seu comando.

— As pessoas geralmente estranham a nossa relação. —


falei, e Olívia me encarou incerta. — Principalmente pessoas que
não tem irmãos. Ou muitos irmãos.

— Bom, eu sou a única mulher com outros três irmãos, e


do meio... É uma bagunça ilimitada.

— Verô foi praticamente nossa mãe e pai, com apenas


dezoito anos... — vi-me confessando e notei o olhar da mulher a

minha frente mudar. — Acho que isso justifica o quanto ela


significa para mim. E porque significa tanto Daniela gostar

abertamente dela.

— Como você disse, mas não conte a Carol, Verônica se


tornou a tia favorita... Ela já marcou de sair com Dani amanhã, e

nossa filha não para de falar sobre isso. Aposto que Abigail não
aguenta mais ouvir sobre os Reis, e deve estar atormentando
Bruno e Nero com isso.

— O mundo é realmente pequeno. — comentei rindo, ao


pensar nas ligações que eu jamais imaginei ter, mas apareceram
todas bem ali. — Meus irmãos compraram alguns móveis de

presente, mas devem chegar durante a semana. Eu acho que vou


aproveitar que Dani está tão compromissada para organizar tudo.

— Se precisar de ajuda, estou livre.

Olhei-a surpreso, e então notei que ainda estava com a


mão no meu ombro. Uma estranha amizade, certo? Mas um

estranho extremamente bom.

— Está falando sério? — indaguei, e a mesma deu de

ombros. — Lembro que você deixou sua roupa na mala todos os


dias da viagem, raio de sol.

— Eram apenas quatro semanas, e... — fez uma leve


careta. — Vamos dizer que depois que me tornei mãe, vesti a

camisa de virginiana com gosto.

— Vai mesmo querer me ajudar a pendurar camisas,


calças sociais...
— E deixei-me adivinhar? — zombou, semicerrando os
olhos. — Gravatas combinando em tons preto, cinza e marrom,
sapatos italianos, relógios que são o valor dessa casa?

— Eu tenho algumas roupas não sociais.

— Eu duvido. — olhei-a em desafio.

— Ok, você começa com essa mala aqui... — bati na

grande mala preto ao meu lado e ela assentiu. — Vou buscar as


outras duas no carro.

— Sim, senhor.

Debochou, e vi-me apenas saindo do quarto. Lembranças

nem um pouco puras fazendo presença naquele instante, e era


melhor eu sair, antes que estragasse o momento bonito que

estávamos criando. A gente podia ser amigo, e estávamos

provando aquilo, certo?

A real questão era: seria fácil ser amigo da mulher que eu

nunca esqueci?

Demorei talvez uns vinte minutos para conseguir subir as

outras duas malas, e já comecei a pensar que talvez devesse ter


doado grande parte daquelas roupas também. Por que eu tinha

que ser um acumulador de ternos?


Assim que cheguei ao quarto, já pronto para as piadinhas

que Olívia poderia fazer sobre a demora, paralisei ao encontrá-la


segurando a regata branca, a qual ela escolheu para mim, a cerca

de oito anos, em uma das lojas da praia, para que eu usasse no

nosso penúltimo pôr do sol no paraíso. Ela olhava para a peça,


presa a mesma, e por um segundo, fiquei da mesma maneira – só

que eu olhava para ela.

— Você disse que gostou da regata. — provoquei, com a

boca na sua, enquanto suas unhas marcavam meu peito e


subiam o tecido.

— Só comprei para poder tirá-la... — rebateu, e então

deixei que se livrasse da peça, enquanto eu agilizava para lhe


tirar daquele vestido dourado que caía perfeitamente em seu

corpo, mas que ficaria muito melhor aos seus pés.

— Faz muito tempo, né? — sua voz me chamou para a

realidade, e pisquei algumas vezes, saindo do escuro daquele


quarto de hotel, e parando bem ali, com ela, mais uma vez. —

Não acredito que ainda tem essa regata... Deve ser a única.

— Carol me obrigou a comprar algumas outras, quando o


aniversário dela foi nas Maldivas, no ano passado. — confessei, e
Olívia riu de lado. — Mas realmente, parece que foi em outra

vida... E nossa filha vai fazer sete anos.

— É. — deu-me um último sorriso, antes de dobrar a

regata novamente, e colocar sobre o edredom da cama bem-feita.


— Tudo bem se eu colocar música?

— Não deveria ser: tudo bem se eu colocar Taylor Swift?

Ela riu alto, conectando o celular no que parecia ser um


aparelho de som, e não me surpreendi a uma das músicas mais

recentes da artista internacional começar.

— Carol ouve esse álbum em loop... — comentei, e

escondi a parte de que eu ainda ouvia o mesmo álbum da época


em que nos encontramos, simplesmente, porque me fazia lembrar

dela. Porque me fazia acreditar, por alguns segundos, que aquela

felicidade foi real.

— Acredite quando digo que criei uma mini swiftie. —


piscou um olho, e girou, quando a música começou, e foi

impossível não sorrir também. Porque com ela, era fácil assim. E

de repente, quando ela cantou alto e me encarou, foi como ter


vinte anos de novo.
“Talvez você tenha corrido com os lobos e se recusado a sossegar

Talvez eu tenha saído enfurecida de todas as salas desta cidade

Jogamos fora nossas capas e adagas porque agora já é manhã

Está mais claro agora, agora...” [25]


CAPÍTULO 20

“E sei que isso foi há muito tempo

E que não havia mais nada que eu pudesse fazer

E eu esqueço de você por tempo suficiente

Para esquecer a razão de precisar te esquecer” [26]

OLÍVIA

O que a gente faz quando a vida gira 360 graus?

Eu mal tinha conseguido dormir naquela noite. Minha

mente presa no homem que estava na janela da casa ao lado da


minha. Suspirei fundo, subindo na cabeceira da cama, vestida

apenas com a camisola. Encarei pela janela que ficara logo ali, e
a mesma, que dava de frente para a dele. Não duvidava que já

estivesse acordado, já que até mesmo naquelas férias, ele o fazia


por volta das seis.

Não me surpreendi ao encará-lo caminhar sem camisa pelo


quarto, e meus olhos desceram por cada detalhe dele, e notei que

vestia apenas uma cueca... uma cueca branca. Puta que pariu! O

homem não poderia ao menos tentar não ser tão gostoso?

Suspirei fundo e me virei novamente para o meu quarto.


Tinha ficado boa parte da noite apenas encarando aquela janela,

sem qualquer sinal dele, e com as cortinas fechadas, para de

manhã, dar de cara com músculos bem definidos e as pernas


torneadas. Sem contar que as lembranças de cada parte daquele

corpo ainda estavam em minha mente.

— A gente não devia estar fazendo isso. — suspirei, com

sua boca descendo minha calcinha de renda branca, e gemi alto


ao sentir seus dentes em minha coxa. — Mas quem se importa?

— Eu me importo... — respondeu, e sua barba roçou


minhas coxas já bem abertas, e completamente nuas. Quando

sua respiração chegou sobre meu centro, foi quase impossível

quebrar o seu olhar. — Eu me importo dessa visão do paraíso de

você toda molhada para mim, sem eu mal ter te tocado.


— Por que não me faz ficar ainda mais? — desafiei-o, e
desci minha mão até seus cabelos, vendo os olhos verdes já

escuros pelo desejo, e quis apenas poder guardar em minha

memória, que nenhum outro antes dele, me fez sentir tamanha

antecipação. Era como se as preliminares tivessem começado

naquele bar do hotel. E ali estávamos nós.

Negando meu pedido, ele escalou meu corpo, parando

sobre meu vestido já todo enroscado sobre meus seios, e sua

boca pairou sobre a minha. Ele estava com apenas a calça social

completamente aberta, e a cueca que me impedia de ter um


vislumbre completo. Contudo, o que eu podia ver, naquele

caminho de pelos ruivos que se escondia sob o tecido, era que

aquele corpo me tiraria do chão – literalmente.

— Talvez eu possa te torturar, como o fez, rebolando nesse

maldito vestido o dia todo na praia.

— Então admite que estava me observando? — rebati, e


levei meus dentes aos seus lábios inferiores, puxando-os. —

Admite que se sentiu atraído desde que me viu pela primeira vez?

— Eu prefiro mostrar.
Então sua boca bateu contra a minha, devorando-me.

Agarrei-me a ele, e senti o vestido ser completamente destruído


contra minha pele, pela força de seus braços, e surpreendendo-

me por completo, eu adorei. Nenhum dos romances eróticos me


preparou para tamanha realização de sentir o tecido ser
arrebentado contra meu corpo.

— Olívia? — ouvi meu nome, seguido de batidas na porta.

Dei um pulo na cama, com minha mão já no meio das

pernas, e suspirei resignada. Que merda! Levantei-me a


contragosto e sequer me importei em puxar o robe. Eu sabia

exatamente quem poderia estar do outro lado, e por um segundo,


só queria que perdesse a mente, como ele o fazia comigo, pelo
simples fato de o ver exposto. Assim que abri a porta, ele estava

perfeitamente vestido em um terno, e engoli em seco. O homem


continuava gostoso até assim.

— É... bom dia. — falou, e eu tentei forçar o sorriso. — Te


vi pela janela mais cedo e imaginei que já tivesse acordado. Me

desculpe se atrapalhei... — fez um sinal para mim, desviando o


olhar de minhas pernas nuas, e dei de ombros.

— Eu tenho que conhecer a escola nova de Daniela hoje


cedo, e bom, se quiser, pode ir com a gente. — sugeri, fechando
a porta do quarto a minhas costas, e segui para o quarto ao lado,

que era de Daniela. — Primeiro aviso: ela é péssima em acordar


cedo.

— Posso tentar? — indagou, e eu dei de ombros, abrindo a


porta.

Murilo adentrou o ambiente apenas iluminado pela luzinha


que ela usava desde os dois anos, e então, parou ao lado da
nossa filha. Encostei-me contra o batente, e assisti-os, sem poder

evitar um sorriso no rosto.

— Bom dia, estrelinha. — ele sussurrou, e tocou seus

cabelos, o que sequer fê-la se mexer. — Ela tem um sono pesado


como o seu. — arqueei uma sobrancelha em sua direção como

quem diz “você ainda lembra disso?”, e Murilo apenas deu de


ombros.

Vi-o balançá-la levemente, e beijar sua testa, o que fez


Daniela se mexer, e eu segurei a risada. Ele precisaria ser mais

incisivo.

— Dani... — ele falou mais alto, e tirou os cabelos que

caíam sobre o seu rosto. — Filha linda do papai.


Aquele pareceu o código secreto que eu não conhecia,
pois ela arregalou os olhos de imediato e se virou para ele, como
se incrédula.

— Papai. — sua voz estava rouca pelo sono, mas era


possível notar a felicidade em sua voz. — Mamãe. — ela então

me encarou, e pisquei um olho, sorrindo em sua direção.

— Dia de conhecer a escola, pequena. — avisei, e a


mesma, me surpreendendo ainda mais, praticamente pulou da

cama, correndo até o seu banheiro. — Preciso dizer que isso é


um acontecimento! — pontuei, ao notar Murilo sorrindo para

nossa filha. — Ela não fica animada assim nem quando vai viajar.
E olha que a gente levou ela para Disney. — resmunguei, e o

mesmo sorriu ainda mais.

— Fico feliz em saber que ela está feliz por me ter.

De repente, ele parecia completamente frágil. Era como se


Murilo Reis tivesse uma fachada que escondesse os reais medos

de seu interior. Eu notei aquilo no passado, e o notava agora.

— Eu fico feliz por vê-los assim. Sinal que eu não estraguei

tudo ao escolher por todos nós. — admiti, e engoli em seco.


Aquele era um erro que eu não me perdoaria, talvez nunca.
— Olívia...

— Sim? — perguntei, cruzando os braços, enquanto ele se

aproximava.

— Eu sei que sabe que não te julgo por isso. E se em


algum momento, pudermos conversar sobre o que houve e...

— Acho que a gente decidiu ser amigo, não é? — cortei-o,

após notar que o silêncio se estabeleceu.

Eu não queria ser apenas amiga dele, eu sabia. Era tão

óbvia aquela atração, que me assustava. Mas o que eu poderia

fazer? Estávamos tão perto, mas ainda assim, há quase oito anos

de distância um do outro.

— É, claro. Acho que é melhor assim. — suas palavras me

acertaram em cheio e acabei apenas assentindo. — Digo, para

Daniela não confundir as coisas e tudo mais.

— Isso, claro. — suspirei fundo, e me afastei do mesmo. —

Vou preparar o café da manhã, se quiser me ajudar ou esperar

por Dani, fique à vontade. A casa também é sua, espero que

saiba disso.

Ok, se eu estava pensando que estava sendo sutil, com

toda certeza, a sutileza foi por água abaixo. No final, sempre fui
uma péssima romântica, e permanecia sendo. Porque eu nunca o

odiei, nem mesmo quando fugi como uma covarde, e com o medo
de ser penas o seu escape. Porque eu nunca consegui esquecê-

lo, e agora, ele seguia ainda mais vivo em meu peito, assim como,

nas minhas lembranças.


CAPÍTULO 21

“Porque eles não sabem sobre a noite no hotel

Eles não estavam andando no carro quando nós dois caímos

Não leram a nota na foto Polaroid

Eles não sabem o quanto eu sinto sua falta”[27]

Dias depois...

MURILO

— A mamãe não é a mulher mais linda do mundo, papai?

— Daniela perguntou de repente, assim que a ajeitei no banco, e


um sorriso estampava o seu rosto.
Queria saber disfarçar e fingir que não notava a forma

como ela parecia elogiar a mãe muito além do normal naqueles


dias. Ela o fazia, mas não diretamente para mim. Não daquela

maneira.

— Ela é linda, assim como você. — toquei seu nariz com

carinho, e ela revirou os olhos. — O que deu em você hoje?

— Nada. — falou, dando de ombros. — Por que a gente

não busca a mamãe no trabalho e toma sorvete? Aí pode dizer


para ela o quanto ela é linda.

Tive que rir baixinho da cara de pau da minha filha de


quase oito anos, que sequer sabia disfarçar.

— O que pensa que está fazendo?

— Eu assisti Operação Cupido com a tia Babi. —


confessou, na maior simplicidade. — Eu não tenho uma gêmea,

mas posso ser esperta por duas...

— Está tentando me fazer namorar com a sua mãe?

— Não é uma ideia incrível? — perguntou, com os olhos

brilhantes, e ali, me vi no primeiro momento que negaria algo a

minha filha. Sentir dor ao fazer aquilo era normal? — O que foi,
papai?
— Você sabe que sua mãe te ama muito, certo? —
perguntei, e ela assentiu animada. — E eu... Eu também te amo

muito, estrelinha. — ela abriu um sorriso lindo, da mesma maneira

que o fez, quando lhe disse pela primeira vez. — Mas o nosso

amor por você, nos torna uma família, independente de eu

namorar a sua mãe ou não...

— Então, não vão namorar? Como no filme? — perguntou

e eu neguei com a cabeça, beijando sua testa. — Por que? Por

que não se amam?

— Porque ser adulto é complicado, estrelinha. — afastei-

me e a encarei profundamente. — E não quero que se preocupe

com isso.

— Eu pensei que fosse fácil, como no filme... — pareceu

pensar sobre algo. — Como o tio Inácio tem a tia Mabi, o tio Júlio

a tia Babi, o tio Bruno a tia Abi... Eu pensei que a mamãe teria o

meu papai.

Meu coração se partiu ali e queria tanto poder lhe dar

aquilo, porque no fundo, era minha vontade também. Mas a


vontade de um, e o amor solitário, não era uma opção.
— Como eu disse, é complicado. — tentei ser o mais

sincero possível. — Mas eu prometo, que independente de não


sermos um casal, permanecemos a sua família, estrelinha.

— Eu sei, papai. — falou, e sorriu de lado, do jeito que


recordava a mim mesmo. — Mas ainda podemos buscar a

mamãe no trabalho e tomar sorvete?

— Não me deixe esquecer das flores que sua tia Abi me


pediu para pegar na floricultura, que ela encomendou.

— Sim, papai! — gritou, já parecendo esquecer do primeiro


assunto, e soltei o ar com força. — Vamos ouvir a música da

Taylor que ouvi com a tia Verô!

— Sua tia Verô? — indaguei, completamente surpreso, e

ela assentiu. — Qual o nome?

— É... — pareceu pensar, e em seguida pegou o celular,

ligando para minha irmã, enquanto eu saía com o carro. Verônica


não demorou nem dois toques para atendê-la.

— Como vai a coisa mais linda da tia?

— Tia Verô! — minha filha se iluminou, e meu coração se


derreteu em vê-las daquela maneira. — Qual a música da Taylor

que a gente cantou aquela noite? Que a senhora tocou violão?


Verônica? Violão? Taylor Swift? Desde quando?

— Bad Blood, pequena.

— Obrigada, tia Verô! Fala oi para o papai! — posicionou o

celular em minha direção, como se me filmasse, e dei um leve


aceno para minha irmã, prestando atenção na estrada. — Te ligo

mais tarde, tia.

— Ok, coisa mais linda.

— Pronto, papai. — sorriu abertamente, e mexeu em algo


no celular, logo conectando a música no meu carro, que com

certeza, me deixaria surdo em algum momento. Como eu saberia


que caminhonetes tem um sistema de som tão alto? Ou foi Igor
que conseguiu uma exatamente assim para mim? — Ah! — gritou

com a música, e eu a acompanhei, enquanto teríamos um longo


caminho até o centro da cidade.

Depois de vinte minutos, e após já pegar as flores que


Abigail me pediu para levar a sua casa, finalmente parei à frente

do pequeno prédio no qual Olívia trabalhava, e pelo que


compartilhou comigo durante o café da manhã, que

surpreendente, fazíamos juntos desde que me mudei, ela estava


presa a um caso de divórcio que não ia tão bem assim. E pelo
jeito, existia algum problema envolvendo herança.

Algo que os Reis sabiam eram sobre briga de herança.

— Agora, é só esperar a sua mãe... — falei, encarando as


dezoito horas no relógio de pulso, e Daniela olhava animada para

o lado de fora, assim como eu. Por que tão ansioso para rever
Olívia?

Sério mesmo que está se perguntando o porquê, Murilo?


Minha mente debochou. No fundo, eu sabia. Só não poderia
admitir, não em voz alta. Talvez, nem internamente.

Foi quando encarei pela janela, e a cena que encontrei, fez


um sorriso preencher o rosto. Olívia acabara de sair pelas portas

da frente, com seu terno que caía perfeitamente no corpo, e que


pelos céus, a achava ainda mais bonita. A não ser, sem nenhuma

daquelas peças. Foco, Murilo! Ela sorria, enquanto procurava algo


na bolsa, e antes que eu pudesse dar uma leve buzinada, ouvi

alguém chamar seu nome, e ela se virar.

Um homem...

Ele deveria ser um pouco mais novo, e meu sorriso morreu,

quando o vi tocar intimamente o antebraço dela, falando sobre


algo, que ela gargalhou, deixando-me completamente
anestesiado. Ao menos, no primeiro segundo. No instante
seguinte, eu estava saindo do carro, após descer Daniela, e

caminhei até eles, com nossa filha a tiracolo.

— O pessoal vai naquele bar do karaokê na sexta, se

quiser ir com a gente, e quem sabe, estender para a minha casa...

— Olívia. — minha voz soou mais séria do que deveria,


mas não me importei. Notei-a quase dar um pulo no lugar, talvez

por não me esperar ali, e pelo tom. — Esse é seu...

Ela franziu o cenho, levantando uma sobrancelha, como se


não entendesse minhas ações. Pois é, nem eu mesmo entendia.

— Eu sou Daniela, filha da Olívia. — minha filha foi mais

rápida que a mãe, que parecia completamente perdida. — E esse

é o meu papai! — me indicou, do jeito animado que o fez com


tantas outras pessoas, que me enchia de orgulho, porque ela

claramente tinha orgulho de mim.

— Eu pensei que fosse mãe solo. — o cara teve a audácia

de falar, e cerrei minha mão livre do aperto de Dani, para não


socar aquela carinha de recém-saído da faculdade. — Quer dizer,

eu...
— Não tem nome? — indaguei, o que fez Olívia me olhar

como se fosse me assassinar ali mesmo. — A propósito, sou


Murilo Reis.

— Reis? Reis Transportadora, Hotéis e Joias? — ele

arregalou os olhos, como se perplexo.

— Sim. — falei por fim, e arqueei uma sobrancelha, sem

entender seu tom.

— Esse é o Fernando, Dani. — Olívia finalmente pareceu

encontrar sua voz, e então focou em nossa filha. — Ele é


estagiário no trabalho novo da mamãe... E enfim, acho que já

falamos sobre tudo, até mesmo o que não precisávamos. Seria

ótimo o karaokê, mas nessa sexta tenho um compromisso com


uma amiga, Fernando. Que tal na próxima semana?

— Sim... — endureci ainda mais meu olhar e poderia jurar

que o garoto de no máximo vinte, engoliu em seco. — Quer dizer,

o pessoal todo deve ir de novo.

— A gente marca então!

Olívia então lhe deu um leve aceno, enquanto Daniela lhe

dava a mão, e caminhava no nosso meio.


— O papai vai nos levar para tomar sorvete, mamãe. —

Daniela falou, assim que nos aproximamos do carro e me fez

recordar do seu pedido. — Ele está muito bonito hoje, não é?

A pergunta da minha filha me fez travar, porque pensei que


tínhamos dado um fim aquele assunto, mas claramente não... Ela

ainda estava presa a história do filme.

— Pior que ele está feio hoje, pequena. — Olívia


respondeu, enquanto caminhávamos pela rua principal, e mordi a

língua dentro da boca, para não lhe dar uma resposta à altura. —

Por que não vai na frente e já pega um lugar para nós?

Nossa filha disparou pela calçada, até a sorveteria que


ficava a cerca de uns vinte passos meus dali. E notei a forma

como algumas poucas pessoas na rua me encaravam. Eu ainda

era novidade naquela cidade pequena. Segundo o que Abigail me


contou, eu era o tal gostoso que todo mundo queria pegar no

momento, ao menos, no grupo de WhatsApp das solteiras da

cidade.

— O que diabos foi isso? E o que tem dito para Daniela?


Por que ela quer que eu te elogie? QUE JOGO É ESSE? — sua

voz soou como um sussurro, mas sabia que ela estava o fazendo

para não armar um escândalo.


— Eu... — engoli em seco e não consegui enrolar. — Ele

estava querendo transar com você, é óbvio.

— E por que intrometeu? — rebateu, e fiquei perplexo.

— Queria transar com ele? — perguntei, e ela arregalou os

olhos, como se não esperasse pela questão.

— Isso não vem ao caso e não é da sua conta. — falou,


com um dedo parando no meu peito. — E pode parar de encher a

cabeça da minha filha sobre te achar bonito.

— Nossa filha. — corrigi-a, e segurei seu dedo, fazendo-a


espalmar meu peito, tão perto, que notei a forma como seu corpo

reagiu. Ela ainda reagia a mim, e eu sabia. Mesmo que tentasse

ignorar os sinais apenas carnais daquela conexão antiga. — E eu

não lhe falei nada, pelo contrário, pensei que ela tinha entendido
que Operação Cupido é só um filme, e que nós dois somos a

família dela, e não um casal. — falei rapidamente, e baixo, já que

estávamos tão próximos, que se descesse meu rosto, encontraria


seus lábios.

Que diabos de momento tínhamos nos transformado?

— Depois vai me contar melhor sobre isso, mas agora,

sobre a cena com Fernando...


— O cara que você quer transar.

— E se for? — rebateu, fazendo-me aumentar o aperto

sobre sua mão, segurando-me para não a puxar para mim. —

Qual o seu problema hoje, Murilo? Sempre é tão racional, e


agora...

— O que? Reajo com ciúmes diante da mulher que não sai

da minha cabeça desde que a conheci? Isso é realmente


irracional?
CAPÍTULO 22

“Oh, sua doce disposição e o meu olhar arregalado

Nós estamos cantando no carro, perdidos pelo norte do estado

Folhas de outono caindo como peças em seus devidos lugares

E consigo lembrar dessa cena mesmo depois de todos esses dias” [28]

OLÍVIA

— O que? Reajo com ciúmes diante da mulher que não sai


da minha cabeça desde que a conheci? Isso é realmente

irracional?

Fiquei paralisada diante de sua pergunta, e dei um passo

atrás, sem poder mais suportar. Toda aquela cena. Toda aquela
aproximação. Eu não podia ceder, não para ele. Não depois de

tudo que aconteceu entre nós, e o que realmente acontecia.

— Eu peguei o melhor lugar. — Daniela gritou, da

sorveteria e foi a minha deixa para escapar da pergunta de Murilo.


— Vem, papai. Quero que conheça a moça legal que te contei.

Entramos juntos no estabelecimento, e enquanto Daniela

se agarrou a ele, para apresentá-lo a atendente que sempre

conversava por muito tempo com ela, o jogo pareceu se inverter.


Paula deveria ter dezoito anos, e sempre foi simpática conosco,

mas ali, o seu olhar não era apenas de tal coisa para Murilo.

Não... Eu conhecia aquele olhar. Porque um dia, eu o olhei


exatamente assim.

Olhar de quem quer algo, e vai conseguir. Mas que merda!

— Então esse é o seu pai bonitão que todo a cidade tá

comentando? — a garota indagou, e eu fiquei ali, parada ao lado,

como se não existisse para ela. Talvez, para Murilo também não.

— Eu sou Paula, mas pode me chamar de Paulinha.

— Sou Murilo. — ele lhe esticou a mão, e a garota apertou

com delicadeza, passando os dedos pelos dele, o que me fez


olhar para cena, completamente embasbacada.
Não faça uma cena como ele! Não se atreva, Olívia!

— A parte do bonitão é por sua conta. — complementou, e

de repente, o sangue subiu.

Eu também era uma Torres, porra!

— O de sempre para Dani e eu, e um sorvete de chocolate,

creme e coco queimado para Murilo, o pai da minha filha. —

enfatizei, e notei o olhar da garota mudar levemente, como se

tentando se sintonizar. — Estamos com pressa, por favor. —

insisti, e ela se mexeu, saindo da nossa frente, o que me fez


segurar com força contra o balcão.

— Vamos comer em casa, mamãe?

— Vamos comer no carro do seu pai, pequena. — falei,

lançando um olhar mortal para Murilo. — E espero que o sorvete

derreta e suje toda aquela tapeçaria cara... — sussurrei, me


sentindo uma adolescente, o que fez Murilo levantar uma

sobrancelha, como se me desafiasse. — O que foi?

— Eu poderia lhe fazer a mesma pergunta. — rebateu, e

apenas dei de ombros. Porque a realidade, era que poderia


indagar o mesmo que ele: O que? Reajo com ciúmes diante do
homem que não sai da minha cabeça desde que o conheci? Isso

é realmente irracional?

Os minutos se passaram, e não pude deixar de notar no

bilhete que foi entregue para Murilo junto com o troco do sorvete.
Seguimos para o carro, e o silêncio apenas não foi mortal porque

Daniela estava animada, contando a respeito de como estava


adorando passar o dia com o pai e eu querendo esganar o
homem sentado no banco da frente, ao meu lado, tomando seu

sorvete, antes de irmos para casa.

Casa...

Casa que também era dele.

Como eu ia fugir?

“Mas agora terminamos e isso acabou

Aposto que você não conseguiu acreditar

Quando percebeu que era mais difícil me esquecer

Do que eu ir embora
E aposto que você pensa em mim...” [29]

— Acho que ela dormiu.

A voz de Murilo me tirou do torpor da música que eu

cantava baixinho, tentando me prender a qualquer coisa que não


fosse ele, e todo o papelão que nos prestamos mais cedo. Eu

tinha quantos anos mesmo? Quinze?

Virei-me para encontrar Daniela agarrada a um urso

enorme de pelúcia que foi presente dos seus tios Reis, pelo que
recordava, de Tadeu. Ela dormia serenamente, o que me fez

encarar o silêncio apenas quebrado pela música, que não ajudava


em nada, já que foi uma das muitas que ouvi, justamente
pensando no homem ao meu lado.

— Vamos conversar sobre o que aconteceu?

Olhei-o de relance, o qual fez o mesmo, e mordi o lábio

inferior, sem saber o que responder.

— Vamos?

Responder com uma pergunta era a minha melhor opção.


Ele então parou o carro, fazendo-me encará-lo, e quando o fez

também, foi impossível um sorriso não surgir no meu rosto, assim


como, o fez com o dele. De repente, apenas gargalhamos, um da
cara do outro, como se ambos soubéssemos do quão absurdo
fomos.

Por um segundo, voltei ao passado, e me vi dentro de outro


carro, com ele, o pôr do sol, e o barulho das ondas no mar ao

redor. A maresia nos meus cabelos, e a forma como ríamos de


coisas tão simples, e que de repente, eram nossa piada favorita.

Ali, na nossa realidade, anos depois, nós éramos nossa própria


piada favorita.

Ele era a minha. Ele ainda permanecia.

— Mamãe? Papai?

E ali, tinha um pedaço de nós, que acordava, sem entender

do porquê da nossa gargalhada alta, e que sequer controlamos.


Fiz um leve carinho em seus cabelos e ela fechou novamente os

olhos, enquanto Murilo ligava o carro.

— Ainda vamos falar sobre isso, eu acho. — comentei

baixo, enquanto ele tinha um sorriso no rosto, como se tivesse


muito a dizer, mas não precisasse. Não agora. — E eu aposto que

você pensa em mim quando diz... — cantei com a música, e


recebi um breve olhar dele, como se soubesse que não era à toa
o trecho.

Não o era. Nunca o era para com ele.

— "Oh, meu Deus, ela é doida, ela canta músicas sobre


mim”... — complementou, cantando com a música e modificando

o final, fazendo-me rir e revirar os olhos, ao mesmo tempo. —

Aposto que você pensa em mim...

Dei de ombros, enquanto outra música começava, e

guardei a resposta para mim, assim como ele, guardava para si.

Mas no fundo, era como se eu começasse a perceber, que

ambos ficamos presos aquele verão, por mais livres que


pudéssemos parecer no presente. Ou era minha mente romântica

sendo desenterrada, e eu não conseguia evitar.


CAPÍTULO 23

“E lá estamos nós outra vez, quando ninguém precisava saber

Você me manteve como um segredo, mas eu te mantive como um


juramento

Oração sagrada, e nós juramos

Que iríamos lembrar disso tudo muito bem, é” [30]

OLÍVIA

— E isso não quer dizer que gosta dele? Ou remotamente

para pra pensar sobre antes? — Babi perguntou, enquanto eu

voltava com uma lata de cerveja, e um suco de uva na taça para


ela. — Ele te olha como se fosse a coisa mais linda que já viu, Oli.

Preciso te dizer isso.

— Pode ser que por serem minha família, enxerguem

coisas que não existem. — falei, e suspirei fundo, pensando a


respeito da redoma que criei.

Fora difícil, quando me encontrei grávida e de repente, as

amigas que jurei serem para sempre, apenas se mostraram como

amigas de balada ou da época em que era apenas eu. Nenhum


daqueles colegas ficou, e meu jeito fechado, fez-me ter ainda

mais cuidado para abrir qualquer espaço.

Depois de Murilo, foi como se eu criasse aquela armadura,

para que ninguém mais pudesse entrar, mas a cada dia,

descobria que não foi apenas o medo, mas o fato de que apenas

ele conseguiu me acertar tão profundamente. Valéria e minhas

cunhadas eram as únicas que conseguiram entrar.

— Só faz um mês, Babi. — ela pegou a taça e eu me

joguei no tapete a sua frente, bebendo minha cerveja. — Ele tem


sido um pai incrível.

— Podemos focar na parte homem gostosão que você


deixou? — perguntou, como se me sondando, e dei de ombros.
Fazendo-me me lembrar da conversa que tive com Val. Sempre
foi fácil falar com Babi, mas nunca foi fácil falar exclusivamente

sobre mim.

— É mais complicado do que parece? Ou eu estou

complicando? — fiz as duas perguntas, respirando fundo. — Ele

foi um amor de verão... — tentei desfazer o nó em minha

garganta, mas parecia impossível. — Tão rápido quanto começou,

tudo terminou e... Eu achei que ia seguir em frente,

tranquilamente. Como boa swiftie, eu estava preparada para só o

enxergar em canções de coração partido, ou de amor perdido...


Mas eu poderia dizer que foi a gravidez, mas antes mesmo de

descobrir, eu ficava pensando sobre ele, como tudo seria, ou

como... Como eu queria ouvir dele, que aquilo significou tão

profundamente, quanto para mim. Mas ele tinha outra, ou teria

outra e eu...

— Nunca parou para ouvir ou quis ouvir o outro lado?

— O que eu posso descobrir? — dei de ombros, virando a

lata toda. — Que eu estou errada? Que eu fui a outra? Que...

— Que ele te ama. — cortou-me, e pisquei perplexa para

ela. — Vai por mim. De uma igual, que escondeu e lutou

bravamente contra o amor por uma década...Tem algo estranho


nessa história. Do pouco que conhecemos Murilo Reis, e até

mesmo todos dessa família, eles podem ser uma presença toda,
mas não soam mentirosos. Ele não parece ser um enganador, Oli.

— suas palavras acertaram em cheio, naquele nervo que eu


tentava manter intocável, porque continha todas as minhas
ilusões de que éramos algo. — Você pode ter se enganado.

— Eu não sei...

Levantei-me, já procurando por outra cerveja na geladeira

dela, abri uma long neck e bebi um longo gole. Minha mente se
virando, e revirando diante da foto da mulher loira ao seu lado,

vestida de noiva, e um sorriso tão lindo que parecia ser a garota


certa.

Não era a mesma que ele aparecera como noivo meses


depois, quando descobri da gravidez, e finalmente, descobri seu
nome... Quantas mulheres estavam envoltas em sua vida? Eu

estava no meio delas, e aquilo me apavorou.

— Acho que vou ter que te levar embora... — Babi

provocou, e quando voltei até ela, minha garrafa já estava quase


vazia. — Por que só não para de pensar um pouco, Oli? Como fez

para se apaixonar por ele?


— Eu não... — calei-me, e acabei rindo de mim mesma.

Seria ridículo mentir que não tinha me apaixonado no nosso


passado. Não depois de manter uma parte de nós, que não

consistia em nossa filha, ainda tão perto de mim. Porque era


como se eu soubesse, que o reencontraria. — Eu não sei o que

fazer.

— De duas uma: ou assume que precisa dar um fim a essa

história, ou continua se sentindo uma merda e bebendo cerveja


para esquecer. — direta e reta, fazendo-me revirar os olhos, e
jogar a cabeça para trás, encostando em sua perna, quase em

seu colo. — E o fim pode ser apenas um ponto, para que possa
escrever um novo capítulo...

— Essa não é a frase do novo romance da Mabi? —

perguntei rindo, e ela acabou fazendo o mesmo.

— Não sou tão articulada assim, mas... — tocou meus

cabelos com carinho, como se fosse fazer uma trança. — Até


quando vai se deixar nesse limbo? Já parou para pensar que ele

pode estar sentindo o mesmo?

Virei-me de imediato para olhá-la, a qual parecia realmente

falar sério.
— Ele pode não demonstrar muito, mas quando te olha...
Caralho, Oli! Tem algo que está matando o homem, e ele não fala.

— Pode ser por ter perdido tantos anos da Dani. — tentei


ser racional, e ela bufou, enquanto eu terminava a cerveja. — Eu
não posso pensar que sou o centro disso. Já me coloquei assim

uma vez, e acabei... Fodi tudo para minha filha, Babi. Ela poderia
ter tido o pai, sempre ao lado. Ela merecia mais do que eu fiz. —

admiti, deixando uma lágrima descer. — Porque eu fui egoísta.


Porque me matou saber que ele estaria com outra, e que eu não
signifiquei nada. E eu não conseguiria vê-lo. Acho que nunca

conseguiria, se ele não aparecesse, de repente, na minha frente.

— O destino dá o jeito. — tocou meu rosto e notei seus

olhos marejados. — Além de mãe, você é mulher, Oli. Não pode


se culpar por ser humana. — deixei outras lágrimas descerem. —
Precisa lembrar disso, e se não fizer, todos nós... todos que te

amamos, estamos aqui, para o fazer.

— Essa família é tão cafona. — soltei, uma risada em meio

as lágrimas, e ela sorriu amplamente, apertando meu nariz. — E


os Reis parecem tão perto disso, mesmo com todo o jeitão da

cidade grande.
— Considero eles, a versão de terno e gravata e salto alto
dos Torres. — ri alto, e concordei plenamente. — Mais uma
cerveja? — perguntou, levantando-se, e indo até a cozinha, com a

taça vazia nas mãos.

— Júlio não comprou aquele uísque caríssimo? —

perguntei, e ela me olhou sobre o ombro, como se fosse a melhor


ideia do universo.

— Maldade com a mulher amamentando, estou vendo que

é de família. — semicerrou os olhos, mas vi-a sumir dentro da

cozinha, e segundos depois, voltar com a garrafa e um copo. — O


que você não me pede sorrindo, que eu faço chorando... Seu

irmão vai morrer por abrir o uísque caríssimo.

— Mas posso ver que sou parte de uma vingança sua. —

falei, conhecendo-a perfeitamente.

— Bom, quem mandou ele comprou esse uísque,

justamente agora que eu não posso beber? — abriu-o e colocou

além de dois dedos em meu copo, parecendo inebriada com o

cheiro. — Júlio me paga por isso!

— Prevejo um novo sobrinho! — falei, levando o copo a

boca.
— Eu ia dizer o mesmo, te vendo beber assim, e

imaginando que pode esbarrar em um gostosão ruivo apenas de


toalha... — engasguei com a bebida, com a simples menção

daquela imagem, que já me atormentava por dias. Ter a visão do

quarto de Murilo era demais para o lado fraco da carne. Ele era
um deus. — Eu sabia! — gritou, olhando-me parecendo ainda

mais interessada.

— Me nego a falar sobre isso! — virei a dose, e ela sorriu

como uma gata.

— Me diga o mesmo após mais duas doses.

Eu estava trocando os pés, enquanto segurava os sapatos

nas mãos. Podia ouvir meu irmão e todo seu sermão enquanto

me trazia para casa, e tentava não ser o vilão por ter comprado o
uísque que Babi tanto queria, justamente naquele momento.

Ria sozinha, lembrando-me de ela o ignorando, cantando

alto comigo, e como fingia o sofrimento perfeitamente em All To


Well[31]. No caso, eu cantava a plenos pulmões, porque era a
música que sempre me lembrou dele.

Suspirei fundo, procurando os interruptores, e comecei a

cantar, enquanto não conseguia o fazer.

— “E lá estamos nós outra vez, quando ninguém precisava

saber

Você me manteve como um segredo, mas eu te mantive

como um juramento...”[32]

Preparei-me para gritar o final, finalmente encontrando o

interruptor e as luzes da sala se acenderam, fazendo-me soltar os

sapatos e continuar, sem conseguir evitar, girando pelo tapete. Eu


me sentia livre, deixando tudo sair, depois de tanto tempo.

Porém, quando abri a boca, outra voz se misturou a minha,

com os olhos verdes presos no meu, cantando da forma que eu

só me recordava, nos meus sonhos mais bonitos.

— “Oração sagrada, e nós juramos


Que iríamos lembrar disso tudo muito bem, é”[33]

— Não tem o direito de cantar essa música. — falei, talvez


um pouco enrolado, mas não poderia evitar. — Essa é a minha

música de sofrer.

— Sofrer? — perguntou, enquanto eu tentava caminhar até

ele, mas logo meu corpo se desequilibrou e senti mãos firmes ao


redor da minha cintura. — Boa pegada, senhor “não sinto

absolutamente nada”.

— O quanto bebeu? — pareceu sequer se importar com a


provocação ou com o velho apelido, e me senti esmagada.

Talvez fosse o momento. Talvez fosse a reaproximação.

Talvez fosse o álcool. Mas me machucou: imaginar que apenas eu

lembrava aquilo. No fim, eu fui um segredo, e ele foi meu


juramento. Como cantamos segundos antes. Por aquilo, ele não

poderia ter tal letra em sua boca.

— Infelizmente, não o suficiente para te tratar como o


segredo que deveria ter sido. — soltei-me de seus braços, dando

um passo em falso para trás, e quase caindo, mas consegui me

endireitar antes que me estatelasse no chão. — O que faz aqui?


— Eu...

— Daniela não está, então... O que faz na minha casa,

Murilo?

— Para uma bêbada, você é tão articulada. — falou, e


notei como passou as mãos pelos cabelos, claramente nervoso.

— Eu só fiquei preocupado.

— Sobre?

— Você geralmente chega as sete, e... Nada do seu carro


ou qualquer coisa, então...

— Tomou o direito de entrar na minha casa e me esperar

no escuro? — ri sozinha da ideia, achando ainda mais absurda,

quando dita em voz alta.

— Eu só... Ok, não devia ter feito isso.

— Não, eu não devia... — ri sozinha, da minha própria

miséria naquele momento. Eu podia culpar o álcool depois. — Eu


não devia, Murilo.

— O que, Olívia?

Seu tom tão preocupado e me enganando naquele verde

tão bonito, quanto os dias ao seu lado, até tudo se tornar um


pesadelo.
— Não devia ter me apaixonado por você.
CAPÍTULO 24

“E a marca das almas gêmeas te deixou triste?

Cá entre nós, o caso de amor também te deixou mutilado?”[34]

MURILO

— No passado?

Eu não devia estar dando corda, mas foi impossível. Meus


sentimentos explodindo por dentro.

— E existe passado para nós? Somos presente. — notei a

forma como parecia nem mesmo acreditar que estava


confessando aquilo.
— Por que me deixou? Se estava apaixonada, por que...

— Por que? — ela então apenas me olhou e soltou uma

longa gargalhada, que logo se transformou por completo em uma

bagunça de choro.

Merda!

Eu não devia estar dando corda.

— Não devíamos estar tendo essa conversa com você

bêbada desse jeito. — falei, circulando sua cintura, mantendo-a

em pé, a qual parecia a ponto de desabar. E ela o fez, em


segundos, caindo sobre o meu colo, e seu corpo todo apenas

desligou. — Bebeu uísque, raio de sol. — sussurrei, lembrando

que era a única bebida capaz de deixá-la daquela maneira.

Forcei seu corpo para cima, pegando-a no colo, e subi as


escadas, para onde sabia ser seu quarto, já que era na direção do

meu. De onde a vi durante o último mês. Tão perto, ainda assim,

tão longe.

Quando adentrei o ambiente, depositei-a com cuidado na


cama, e apenas tirei sua bolsa que estava em volta do corpo

completamente apagado. Deixei-a ao seu lado, e já sairia, mas a


ideia de ela acordar passando mal, ou algo do tipo, manteve-me
ali.

Puxei a poltrona ao lado da cama, deixando-a próxima o


bastante para poder mexer no abajur sobre sua mesa de

cabeceira. Notei seu kindle aberto bem ali, e me segurei para não

mexer, porque também adorava passar meu tempo lendo. Um dos

velhos hobbys que nunca perdi. Um dos únicos, na realidade.

Mexi com a luz do abajur, para que não ficasse em seu

rosto, e então, percebi que a gaveta da pequena mesa de

cabeceira estava entreaberta. Levantei-me, apenas para fechá-la,

mas meu olhar foi pego nos braceletes de cor vermelha,

perfeitamente alinhados dentro de uma caixinha de vidro.

— Isso é tão... tão como pulseiras de amizade? — ela

perguntou, sorrindo em clara provocação, enquanto eu virava seu

pulso e amarrava delicadamente o pedaço de fita vermelha que

comprei de um dos vendedores na praia.

Segundo ele, significava um amor para durar.

E mesmo sabendo que sequer sabia o seu nome, eu

queria o fazer. Eu queria saber tudo. Eu queria fazer parte do seu


mundo. Mesmo se fosse longe. Mesmo se fosse difícil. Longe

daquela ilha paradisíaca, poderia o mundo me engolir novamente,


mas não me arrependeria se estivesse com ela.

— Pulseiras de um possível reencontro? — indaguei,


notando seu sorriso vacilar, e como ela pareceu surpresa. — Eu

tenho uma para mim, também.

— Acho que posso manter as duas. — falou, tocando meu


rosto, enquanto eu ficava confuso. — Para não destoar com suas

roupas. — seus lábios vieram para os meus, enquanto eu


segurava a outra fita.

Quando se afastou, não pude evitar um sorriso.

— Ou podemos enterrar aqui, e ficarmos imortalizados. —

sugeriu, e enxerguei um lado romântico que raramente lhe via,


não sem música envolvida. — Foi aqui que começou, né?

— Me diga o que quer, raio de sol.

— Quero poder te ver com essa fita, um dia, fora daqui...

Não pensei muito, entendendo que estávamos na mesma


página, e acreditando naquilo. E que no dia seguinte, eu a
chamaria pelo seu nome.

Eu não a chamei...
Eu sequer descobri o seu nome.

Fechei os olhos, engolindo em seco, e fechando a gaveta.


Poderia não significar nada? Poderia significar tudo?

E por alguns segundos, me perdi ali, nas lembranças da


mulher que um dia esteve a um toque da minha mão, e agora,

estava a alguns passos de mim. Contudo, apenas acabei


adormecendo.

OLÍVIA

— Diga que quer isso como eu. — sua voz era uma
exigência, como se necessitasse daquele toque como eu. E eu

apenas fui, beijando-o com a saudade que sentia. Era como


reviver o primeiro toque. Era como reaver o que perdemos.

— Diga, Olívia!

E então, eu pisquei algumas vezes, ouvindo sua voz ao


fundo, como se me chamando. Mais uma vez, um sonho quente
perdido, porque a realidade me gritava, e eu não estaria em seus
braços. Oito anos perdida em outros braços, procurando os dele.

— Olívia?

Joguei o travesseiro sobre a cabeça que doía, e senti o


gosto da bebida em minha boca, lembrando-me da cerveja, do

uísque... E então, lembrei-me dele. Ele à minha espera. Eu me


declarando. Eu apenas apagando....

Merda!

O que foi que eu fiz?

— Olívia?

Sua voz estava no mesmo ambiente, e retirei o travesseiro,


tendo a noção real de que não era um sonho. Não como antes. E

ele estava realmente ali, olhando-me. O verde dos seus olhos,


sendo o farol que eu gostaria de seguir, para me reencontrar. E

apenas fui.

Levantei-me, e quando vi, já estava me colocando sobre

ele. O qual não me impediu ou sequer pareceu se opor, ao abrir


espaço para o meu corpo sobre o dele. E se fosse aquilo? E se

tudo o que precisássemos fosse aquele final? Uma despedida


real da carne, para que o coração pudesse bater por outro?
— Uma última noite. — pedi, tocando seu rosto, e senti
suas mãos sobre minha cintura. — Para darmos um fim ao que
começamos naquela praia, Murilo.

— Com você chamando o meu nome? — senti sua


respiração mudar, e seu aperto aumentou, fazendo-me quase

gemer diante do simples toque. — Ainda tão sensível para mim?

— Por que não vê por si mesmo?

Perguntei, levando minha mão a barra do vestido já quase

todo espalhado em minha cintura, deixando minhas coxas

expostas contra o moletom fino de sua calça, e a regata branca


que marcava cada pedaço do deus que ele era. Retirei a peça

pela cabeça, e sorri, diante do seu olhar que varreu meus seios,

que ficaram pesados de imediato, arrepiando-se.

Como antes, no agora.

Minha mão em seu rosto, coçando a barba por fazer, na

coloração ruiva que eu busquei em tantos outros, e nunca

encontrei. Porque era dele. Porque era apenas nele.

Faça isso, meu corpo implorou.

Termine isso, minha mente gritou.

Mantenha isso, meu coração fraquejou.


— Eu pensei tanto em como seria te ter de novo, bem

assim... — seu olhar verde me varreu, enquanto uma de suas


mãos pararam em meu rosto, puxando-me para mais perto. —

Diga-me que quer isso como eu.

— Eu quero. — falei, sem pensar duas vezes. Eu já tinha


pensado demais. — Eu quero, Murilo.

Notei a forma como tudo nele se modificou, apenas por

chamá-lo pelo nome. E eu queria, apenas deixar acontecer. Ele

me puxou para si, beijando-me profundamente, e perdi qualquer


senso da realidade.

Como antes, ele era o único que me fazia parar de pensar.

Esquecer-me por completo de tudo ao redor.

Contudo, senti seu corpo enrijecer sob o meu, e não de


uma forma que gostaria. Como se ficasse petrificado, seus lábios

se afastaram dos meus, claramente a contragosto.

— Murilo? — indaguei, e a pouca luz do abajur era a única


que conseguia me dar algum sinal de sua expressão.

— Não posso fazer isso.

Senti então meu corpo paralisar, e não pensei muito antes

de levantar de seu colo, e buscar o vestido no chão. Coloquei-o,


sentindo a rejeição me acertando tão intensamente, que queria

lembrar de onde tirei que aquela era uma boa ideia. Dar um fim

adequado a uma história que não devia ter começado.

— Olívia...

— Quero ficar sozinha. — consegui dizer, segurando as

lágrimas, e me virei, encarando qualquer lugar que não fosse ele.

— Apenas vamos esquecer isso.

Senti-o tão próximo, como se fosse me tocar, e eu esperei.

Por um segundo, apenas aguardei que ele me tocasse, e

dissesse que entendi tudo errado. Que eu sempre entendi tudo

errado. Mas o seu silêncio e a forma como senti se afastar, os


passos certos para longe de mim, então o barulho da porta sendo

fechada, provaram o contrário.

Joguei-me na cama, sentando de qualquer maneira, e senti


a dor que era dilacerante. Nem mesmo o nosso desejo era o

suficiente. O que eu estava pensando?

Apenas fechei os olhos e cantei baixinho, com meu

coração nas mãos. E entendendo que nunca foi apenas um amor


de verão. Não. Porque doía ainda vivo e inebriante. Tão vermelho

ardente quanto antes.


“Bem, talvez nós tenhamos nos perdido na tradução

Talvez eu tenha pedido por muito

Mas talvez isso fosse uma obra prima até você rasgá-la por

completo

Correndo assustada, eu estava lá

Eu me lembro disso tudo muito bem...” [35]


CAPÍTULO 25

“Porque lá estamos nós outra vez, quando eu te amava tanto

Antes de você perder a única coisa real que conheceu de verdade

Era raro, eu estava lá

Eu me lembro disso tudo muito bem” [36]

MURILO

Meu corpo todo estava energizado.

Suspirei fundo, e fiquei preso a madeira da porta, do outro

lado do corredor. Eu poderia ouvir ela cantando baixinho, e meu


coração falhou uma batida. Eu poderia apenas aceitar uma noite
e nada mais? Eu poderia apenas ter aquela mulher e entender

que ela não era de fato minha? Que ela nunca foi?

Ou podia dar meia volta e mostrar como eu me sentia.

Encarar a realidade e não esconder mais, independente do que


ela pudesse sentir naquele exato momento. Independente do

nosso passado. Apenas pensando em nós, naquele momento. E

se eu não lutasse por ela ali, não existiria o futuro que eu tanto
queria viver.

Eu a perdi uma vez...

Eu poderia perder duas?

Levei as mãos aos cabelos bagunçados e espalhados por

ela. Minha boca ainda sentia o seu gosto, e eu queria mais... Eu


sempre desejei mais dela. Suspirei fundo, perdido em minhas

próprias escolhas e meus medos. Fechei os olhos, e o castanho

dos dela estavam presos em minha mente.

Com ela, eu nunca precisei pensar.

Com ela, eu sempre pude ser eu mesmo.

Fosse no passado. Fosse no agora.

E eu queria que o fosse também, no futuro.


E assim, apenas me virei e deixei qualquer medo ou
insegurança minha do lado de fora, assim que adentrei seu quarto

novamente. Eu lhe pertencia, e lutaria para que ela quisesse, me

pertencer também.

OLÍVIA

De repente, apenas ouvi a porta sendo aberta, e seu corpo

embalou o meu. Deixando-me presa a si, como se não fosse

possível escapar ou correr. Ele tirou os cabelos presos a meu


rosto, junto com as lágrimas que ainda desciam.

— O que está fazendo? Por que voltou? — perguntei,


sentindo-me tão exposta quanto nunca antes. Da forma que

apenas conseguia ser com ele.

— Porque eu te perdi uma vez. — sua testa encostou na

minha, e eu suspirei pesadamente. — Eu não posso te perder de

novo, raio de sol. — notei seus olhos marejados, e como aquilo


significava mais do que tudo para ele. — Não posso suportar que

seja um fim, mas eu aceito qualquer coisa. — soou como um


implorar, e de repente, não era apenas a aura sexual que pairava.

Talvez, nunca fora apenas ela. Mas sim, a necessidade de


contato, o medo de não poder tocar mais.

Apenas um ponto final, para começar um novo capítulo...

— Me beija.

Foi minha vez de implorar, e seus lábios vieram para os

meus, fazendo-me quase perder o ar, pela força e intensidade


impostas neles. Eu estava sobre ele, como antes, mas senti a

forma como parecia não mais perdido. Não mais. Ele me


encontrou ali, e ele queria ficar. Mesmo com medo de eu não

querer o mesmo. E se fosse para acreditar que éramos para


sempre, que fosse em uma noite como aquela.

Que me lembraria de como fui livre ao seu lado, e de como


ele me prendeu em si por anos.

As roupas foram tiradas, com nossos corpos se afastando


o mínimo possível. Quando senti tudo dele exposto pra mim, não
pude evitar um gemido alto, e a forma como puxei seus cabelos

ruivos já maiores, e senti que poderia memorizar aquela cena. Eu


queria memorizar cada detalhe, para que eu pudesse revivê-lo em

minha mente, por quanto tempo precisasse.

— Eu não sei ao certo o porquê de me deixar, mas eu sei

que erramos sim na tradução... — falou, enquanto tomava cada


parte de mim, e fechei os olhos, recebendo-o como se aquele

fosse o seu lar. Suas mãos vieram para os meus cabelos,


puxando-o, como se me obrigando a olhá-lo, e o fiz. — Eu nunca

menti para você, e não estou mentindo agora... — o primeiro


impulso, e meu corpo todo desceu sobre o dele, tomando-o como
o meu.

Por um segundo, não importou se ele pertenceu a ela ou


outras mais. Os nomes dela estavam apagados. Ele me pertencia.

Cravei minhas unhas em suas costas e nuca, sentindo-o se


arrepiar e o gemido rouco escapar de sua garganta. Cada parte
dele parecendo ter sido criada para contornar cada parte de mim.

Para que estivéssemos exatamente ali.

Seus olhos pararam nos meus, enquanto o encontrava em


cada estocada, e cada célula do meu corpo implorava por mais.
Uma mistura de gemidos, gritos e palavras inteligíveis.
— Diga-me que é minha. — era um comando, assim como,
uma reivindicação, e não pude evitar apertá-lo ainda mais,
enquanto chegava perto de quebrar.

— Diga-me que é meu.

Rebati, com uma mão em seu rosto, o olhar verde

encontrou o castanho do meu, e encontrei nele, tudo o que


sempre enxerguei em mim – o pertencimento. O quanto eu
pertencia a ele, ele me pertencia.

— Diga.

Imploramos e exigimos juntos, com as vozes falhadas, e o


coração tão exposto, que poderia ser segurando pelo outro. Para
embalar e honrar. Ou para esmagar e destruir.

— Sou seu.

Sua boca veio para a minha, e eu mal tive raciocínio,

quando encontrou o ponto exato que me fazia desabar. Gemi alto,


em sua língua, enquanto o orgasmo me arrebatava. Com toda

saudade. Com toda a necessidade. Com toda vontade.

— Sou sua.

Sussurrei, quando desci do prazer, e senti-o se desfazer,


apertando-me tão fortemente em si, que deixaria marcas. Mas
nenhuma era maior do que o seu primeiro olhar, que nunca
esqueci. E por um segundo, apenas sorri, encontrando nele um
reflexo perfeito – e no fim, eu só queria estar errada, para que nós

fosse algo certo.

Assim como eu sentia.


CAPÍTULO 26

“Sei que você gosta de mim

E é meio assustador

Ficar aqui esperando, esperando

E fiquei hipnotizada

Por sardas e olhos brilhantes

Nó na língua” [37]

MURILO

Eu senti o quente do seu corpo sobre o meu. Sorri antes

mesmo de abrir os olhos, porque ela era a única pessoa, que

sempre me permiti dormir tão profundamente ao lado. E eu me


sentia seguro. Eu me sentia em casa, até mesmo, quando não

éramos nada mais que uma parada no caminho.

— Espero que esteja tão bom quanto está para mim, raio

de sol. — sussurrei, e beijei levemente sua testa.

Soltei-me devagar de seu aperto, e pensei no que poderia


fazer naquela manhã, já que pelo que o seu irmão nos avisou,

Daniela só voltaria após o almoço. Eu sabia que Olívia gostava de

ovos mexidos e suco no café da manhã, e com essa ideia,


coloquei minha calça de moletom perdida no canto do quarto.

Não pude sair antes de dar-lhe um leve beijo nos lábios, e


ela se mexeu no sono, mas não acordou. Saí pé por pé, com

cuidado para fechar a porta, mesmo sabendo que seu sono era

bem pesado.

Desci as escadas com o mesmo cuidado, e quando pisei

fora da mesma, uma voz feminina me fez paralisar o corpo.

— E eu pensando que teria que implorar para vê-lo

novamente.

Eu conhecia aquela voz por cima, do Natal. Quando me

virei, poderia jurar que meu rosto ficou da cor dos meus cabelos.

Estava com o torso todo exposto, e apenas com uma calça de


moletom, as sete da manhã, na casa da mãe da minha filha, à
frente da matriarca dos Torres, que felizmente, tinha um sorriso de

orelha a orelha.

— Chega cedo para tomar café? — indagou, abrindo os

braços, e eu sequer me mexi. — Menino, eu criei três homens...

Me dá um abraço! — pediu, e finalmente, tomei coragem de ir em

sua direção, e aceitei seu aperto forte. — E eu duvidei de Babi,

quando disse que tomava café aqui com Dani e Oli...

— Sim, senhora Torres. Para ficar mais perto de Dani, eu

venho todos os dias, tomamos café e depois ela fica em casa

comigo... Já que eu trabalho de casa mesmo, e Olívia começou a

trabalhar a ter dias no escritório no centro.

— E onde está minha neta? — indagou, o que me fez

engolir em seco.

— Ela dormiu no Bruno. — respondi, completamente sem

graça, e foi impossível não coçar minha nuca. — Eu...

— Vou fingir que não te vi descendo as escadas a essa

hora, e que não estou vendo os arranhões no seu corpo... —

arregalei os olhos, e olhei ao redor, em busca de qualquer coisa

que pudesse me tampar. — Por que não sobe, coloca uma


camisa, e chama Olívia, antes que infarte a minha frente? Ou

antes que meu marido apareça, e praticamente te case com ela?

— Eu... Eu sinto muito, senhora Torres.

— Heloísa. — corrigiu-me, e eu assenti, correndo pelas


escadas. Me sentindo um adolescente de quinze anos pego. — E
Murilo? — gritou, assim que eu cheguei no primeiro andar. —

Espero que me chame de sogra, um dia.

— Eu também. — acabei soltando, sem perceber, e ela

sorriu ainda mais. — Eu... Me desculpe senhora... quer dizer,


Heloísa.

— Tá tudo bem, garoto.

Ouvi-a falar e sua gargalhada em seguida. Assim que abri


a porta do quarto de Olívia, não me importei mais com o barulho.
Ela se mexeu nos travesseiros, mas parecia decidida em não

acordar.

Fui até a cama, e dei um beijo forte na sua boca, o qual


demorou para que ela correspondesse, mas logo o fez, quando

me puxou para si. Sorri em meio ao seu aperto, e me segurei para


não fazer exatamente o que ela queria.

— Por que não volta para cama?


— Raio de sol, eu... Eu acabei de encontrar sua mãe lá

embaixo. — falei, e Olívia praticamente arregalou os olhos, dando


um pulo da cama em seguida. — Ela não precisou que eu

dissesse nada para saber que...

— Merda! — reclamou, enquanto corria nua até o closet, e

eu não pude evitar, enquanto colocava a regata que estava


jogada no chão, de ficar a assistindo, enquanto colocava um

pijama, e jogava o robe branco por cima. — Para de me olhar


como se eu...

— Fosse linda? — perguntei, e a impedi de sair do closet

quando tentou passar. — Isso você já sabe, raio de sol. — toquei


seu rosto, e ela então revirou os olhos, do jeito de sempre. —
Quando vai aprender que eu não canso de te olhar?

— A gente vai ter que conversar melhor depois... — falou,


segurando meu rosto, e eu assenti, sentindo seus lábios

levemente sobre os meus. — Mas para de me olhar assim ou meu


pai vai perceber o que rolou! — chamou minha atenção, fazendo-

me rir, assim que se afastou.

— Sua cara de bem fodida é nítida.


— Murilo Reis! — praticamente berrou, olhando-me de
forma dura. — Eu gosto de você quieto e observador, por favor.

— Gosta quando eu ajo com o dono do mundo, se não...


não teria me fisgado no nosso primeiro dia naquela praia.

— Eu tinha fantasias com CEO’s frios e insensíveis, e

achei que fosse um... — provocou, ao colocar as pantufas, e


correr para o banheiro. A segui, parando no batente, e a mesma
escovou o dente rapidamente, me encarando. — O que?

— Qual foi seu veredito naquela época e agora?

— Naquela época, eu fingi que não foi uma decepção


completa. — começou, com a boca toda suja de pasta e piscou
um olho. — Agora, eu tenho certeza que é uma decepção.

Ela então lavou a boca rapidamente, e quando terminou,


me encarou profundamente.

— Não há um grama do seu corpo que seja insensível ou


frio... — apoiou-se em meu ombro e sorriu. — Quer dizer, a não

ser quando está com seus ternos sob medidas e uma cara, que
juro, parece que ignora o mundo inteiro.

— Mas não você... — toquei seu rosto, e notei seu olhar


mudar, como se não pudesse resistir. — Nunca você, raio de sol.
— Precisamos conversar melhor sobre isso... só que
depois. — deu-me um rápido beijo nos lábios, e me empurrou
levemente, para passar. — Se quiser pode usar minha escova ou

tomar um banho... Tem roupas dos meus irmãos no closet, então,


fica à vontade. Eu vou dar um jeito de iludir dona Heloísa, antes

que ela nos case.

— Eu me casaria com você, só dizer.

Ela paralisou em seu caminho até a porta, e me senti um

imbecil.

— Eu quero dizer... Desculpe, eu... — comecei, e então,


ela se virou, olhando-me de forma que me calou, como se não

fosse um problema.

— Reis... — suspirou fundo. — Mais tarde, ok?

— Mais tarde, Torres.

Piscou um olho e voltou a mexer na maçaneta, fazendo-me

ficar preso à sua imagem, e segurar minha língua, que estava

mais do que solta naquela manhã. Com ela. Sempre com ela.

Assim que me virei para ir ao banheiro, apenas senti meu


corpo sendo virado novamente, e um outro beijo nos meus lábios.
Aprofundei seu movimento e ela gemeu em meus braços, antes

de se afastar.

— Assim fica difícil...

— Eu sei. — reclamou, dando-me um último selinho. — Só

para te fazer lembrar de mim.

— Eu nunca te esqueci. — admiti, e ela me encarou,

tocando minha barba com tamanha adoração, que me deixaria de

joelhos por ela. — Vai, se não vamos descer juntos...

Assentiu, e se virou para sair novamente, mas fiquei ali,


apenas esperando para que ela voltasse, caso quisesse. Ela não

voltou, mas me encarou sobre o ombro, sorrindo.

— Eu também não.

E assim saiu, deixando-me preso a nós dois. E pela


primeira vez, em anos, eu me sentia livre, de estar exatamente

assim, preso a ela.


CAPÍTULO 27

“Eu estava relembrando uns dias atrás

Enquanto tomava café sozinha

E, Deus, me deixei levar

De volta à sensação de primeira vista (...)

De volta à quando você se encaixa em meus poemas

Como uma rima perfeita” [38]

OLÍVIA
— Oi papai. — falei, assim que o encontrei sentado no

sofá, e o abracei sobre o estofado. — Como está hoje?


— Bem melhor do que ontem. — piscou um olho, e me

senti ainda mais feliz, por ver que realmente, o físico dele
finalmente parecia melhorar. — E você? Está com uma cara de

mais feliz do que no Natal? Ou no Natal ela já tava sorrindo

assim, Helô?

— Não provoca, homem. — minha mãe interviu, e agradeci

aos céus por aquilo. Dei a língua para o meu pai, e fui até o
abraço dela, que me esperava. — Eu sei o que vi, dona Olívia. —

sussurrou, e eu me afastei, revirando os olhos.

— Murilo deve estar aqui logo para tomar café com a

gente. — avisei, e meu pai me olhou interessado. — Eu já disse


que somos amigos.

— Eu também olhava para sua mãe desse jeito quando

ainda éramos amigos... E olhe só, quatro filhos, cheios de netos e

talvez, mais a caminho... — provocou e eu revirei os olhos.

— Eu nem vou me dar o trabalho de responder a isso. —

falei, apontando-lhes para me seguir na cozinha.

— Onde está Val?

Minha mãe perguntou, e eu dei de ombros. Minha amiga já

tinha furado comigo de sairmos na sexta-feira, inventando uma


desculpa não muito convincente, e confessava que estava um
pouco preocupada. Nós, desde que nos aproximamos, sempre

saíamos toda a semana. Mas parecia que ela tentava se manter

distante nos últimos tempos. Contudo, como disse que era

problema familiar, resolvi não a pressionar. Se existia algo que eu

sabia ser delicado para ela, era falar sobre os seus parentes.

— Pelo jeito, vai viajar para a Capital. — parei à frente do

fogão e pensei que todos ali amávamos ovos mexidos. Algo que

aprendi a amar com meus pais. — Ainda nem consegui

apresentá-la adequadamente para Murilo, já que ela praticamente


correu no Natal.

— Como seu peguete?

— Papai! — levei a mão ao rosto, incrédula, que aos vinte

e oito anos, estava ouvindo tal coisa. — Eu juro, que vou sair

traumatizada dessa família, sério!

— Nós somos perfeitos, você sabe. — minha mãe

debochou, e eu revirei os olhos, indo até a geladeira para pegar

os ovos.

Ouvi as leves batidas no batente da porta, e virei meu

olhar, encontrando Murilo já vestido, no que deveriam ser roupas


de Júlio, que ficavam perdidas em meu closet, e felizmente, lhe

serviram perfeitamente.

— Eu conheço essas...

— Mamãe, por que não me ajuda a fazer um café bom? —


indaguei, cortando-a antes que desse asas a cobra, que no caso,
seria deixar meu pai saber que Murilo passou a noite ali. — Sabe

que eu sou péssima com isso.

— Eu prefiro o café da Mabi, e olha que ela é bem ruim na

cozinha.

Murilo sorriu, e o vi se sentar completamente tenso na

cadeira ao lado do meu pai.

— E você, rapaz? O que faz da vida? — perguntou, e eu


bati com o pano de prato na própria cabeça, sem acreditar.

— Papai, para de agir como se Murilo você o primeiro

menino que te apresento. — pedi, sem conseguir ignorar, e minha


mãe gargalhou alto. — O que foi?

— Tecnicamente, ele é.

— Eu vou ficar maluca! — assumi, focando em pegar a

frigideira, e os ignorando.
— Ela se faz de brava, mas é um amor. — meu pai

continuou, e eu revirei os olhos, ouvindo a risada da minha mãe.


— Eu conheci um Reis, mas faz bastante tempo.

— Ah, temo dizer que muitas pessoas que carregam esse


sobrenome não são tão boas quanto aparentam, senhor Torres.

— Senhor? Onde? No céu? Pode me chamar de Fabrício...


ou sogro. — sussurrou, e eu me virei para intervir, mas minha
mãe foi mais rápida.

— Respira e foca nos ovos, que eu sei que você quer que
ele chame sim a gente de sogros. — sussurrou só para que eu

ouvisse, e engoli em seco, sem encará-la. — Eu conheço o seu


coração, princesinha.

— A sua princesa está com o coração perdido faz tempo.

— Por ele, eu vejo. — falou, e olhei sobre o ombro,

notando que Murilo engatou em uma ótima conversa com meu


pai, com um sorriso no rosto, claramente animado e mais

relaxado. — O olha como se fosse o seu mundo, Oli. E eu sei que


não nos contou tudo, nem perto do pouco que aconteceu, mas...

Ele te olha da mesma maneira.


— Babi disse o mesmo, assim como todo mundo. —
confessei, mexendo os ovos e tentando não os queimar por estar
presa em outro lugar. — Eu só... Só preciso conversar com ele

com calma, e esclarecer tudo.

— Apenas quero o brilho que a minha menina perdeu, há

tantos anos... — tocou meu rosto, e sorri levemente. — Só vejo


esse brilho quando está com Dani, e agora, quando está com

ele... O verdadeiro amor pode ser assustador, mas ele é o que


realmente abrasa. A sua família que você escolhe, princesa.

— Obrigada, mamãe. — assumi, e beijei sua testa,

mexendo os ovos já quase prontos. — Por sempre me entender,


mesmo no pouco que eu entrego.

— Você sempre nos entregou tudo o que é preciso. —


beijou minha bochecha e logo voltou a mexer na cafeteira. — Mas

continua péssima em fare café, eu não creio.

— Mamãe! — falei alto, assim como ela, e ouvi a risadinha

de meu pai ao fundo. — Sem união por aqui, senhor Torres.

— Eu ia te defender, princesinha.

— Princesa? — Murilo perguntou, claramente surpreso.


— Por que? Não pareço uma princesa? — debochei,
olhando-o seriamente. Ele levantou as mãos em sinal de rendição
e eu sorri, sem conseguir evitar. — Aposto que Carol é a princesa

dos Reis.

— Era isso! — minha mãe falou, soltando a cafeteira e

correndo até ele. — Eu apenas conheci a mais velha, e devo


dizer, que ela me soa como a mãe de vocês. — Murilo assentiu de
imediato. — Queria conhecer seus outros irmãos, se possível.

— Tenho fotos. — ele anunciou, pegando o celular e logo

colocando no centro da mesa, para que meus pais olhassem as


fotos.

Desliguei o fogo, mas meu olhar permaneceu ali, com ele,

sentado na minha mesa de jantar, com meus pais ao redor, o

acolhendo como uma parte minha. Eles sabiam de todos os


outros amores dos meus irmãos, será que o meu, eles também

acertariam?

E quando ele sorriu de lado, do jeitinho que me tinha de

joelhos por ele, eu soube... existia quase 99% de chance de


terem o feito novamente. E eu torcia, para que o 1% que

sobrasse, fosse a minha única e exclusiva culpa, e que eu não


perdesse aquele amor. Não depois de começar a acreditar – de

novo.

— Eles são incríveis. — Murilo falou pela décima vez,


assim que adentrei a que agora era sua casa, e tive que revirar os

olhos. — Eu nunca soube como era ter pais presentes, então,

estou surpreso que possa ter alguém em quem basear, fora Verô.

— Fico feliz que os veja como exemplos. — admiti, e logo

senti suas mãos em minha cintura, puxando-me. — Vá e troque

essa roupa que não combina em nada com você, mesmo meu

irmão sendo um CEO. E assim, vamos conversar, antes que


nossa filha chegue.

— Eu amo quando diz “nossa” filha. — confessou, fazendo-

me semicerrar os olhos. — É como se sempre existisse uma parte


nossa que nunca foi deixada para trás, após aqueles dias no

paraíso.

— Vai logo. — pedi, antes que eu me entregasse em seus

braços, e me esquecesse por completo do porquê estava ali. Ele


me deu um leve beijo, antes de seguir para as escadas.

— O escritório tem um sofá maravilhoso, que Tadeu me

presenteou, se quiser testar. — falou, e eu assenti, já caminhando

em direção a porta que ele indicou com a cabeça.

Assim que adentrei o ambiente, não foi o sofá que chamou

minha atenção, mas a parede de quadros próximos a janela. Ali

estava uma foto dele com Daniela, que eu tirei no primeiro dia
deles juntos, na sua lanchonete favorita. Abaixo tinha uma foto

com cada um dos irmãos, e era incrível como mostrava a

personalidade e relação de todos, enquadrada. Notei que existia


dois porta-retratos grandes, bem no centro, um com todos os

Reis, e o outro, debaixo, completamente vazio. Estranhei um

pouco, mas continuei minha inspeção.

Parei em sua mesa, notando um porta-retrato vazio, assim


como outro com uma foto apenas de Daniela. Franzi o cenho, e

sabia que lhe perguntaria, se não tinha fotos ou se ainda estaria

querendo revelar.

No fim, vi-me indo até o sofá na cor marrom escura,


adornado com moldura em preto e que era tão bonito, que se não

fosse confortável, eu mesma xingaria Tadeu. Joguei-me nele, e

sorri, ao sentir o quanto era macio. Notei então, uma mesinha ao


lado, com alguns livros, e então, outro porta-retratos. E foi aí, que

meu coração falhou uma batida.

Era como um deja-vu...

E mais uma vez, eu só pensei em correr, como boa

covarde. Mas, não era mais a mesma mulher inconsequente e


apaixonada de vinte anos. Eu já tinha me modificado e muito

naqueles anos, e mesmo com o coração na boca, fiquei ali.

— Ele tem a foto dela... — fechei os olhos por alguns

segundos, e meus dedos se apertaram em torno do quadro, e eu


sabia que poderia quebrá-lo. Uma foto dela, da que deveria ser

sua ex esposa, no seu escritório, junto com toda sua família.

— Raio de sol...

Estremeci diante do apelido, largando o porta-retratos na


mesa de qualquer jeito, e me virando, tentando disfarçar.

Contudo, como eu o faria? Eu achei que era só enterrar o

passado e deixá-lo lá, mesmo que conversássemos. Era viver um

dia de cada vez, e ver se poderíamos dar certo como casal.

Apenas algumas horas, e de repente, eu soube do porquê

não deveria ter ido diretamente para ele. Do quanto aquela

conversa sobre o passado era necessária.


— O que há de errado? — ele perguntou, segurando meu

queixo, e apenas me afastei. Tanto do seu toque, quanto do seu

corpo. Sua presença era esmagadora.

— Não consigo pensar com você por perto. — admiti,


respirando fundo. — A nossa noite foi um erro. Como nós dois

fomos um erro... — engoli o nó na garganta e não me virei,

sabendo que se o encarasse, eu quebraria. Eu sequer conseguia


raciocinar. De repente, toda minha coragem foi por água abaixo.

— Somos os pais da Dani, temos que ser responsáveis e não

misturar as coisas.

Uma foto dela, era o gatilho que eu sequer sabia que tinha.

— Olívia...

Sua mão segurou meu braço, querendo me virar, mas me

neguei.

— Olha para mim. — pediu, mas me neguei prontamente,


puxando-me do seu alcance.

Ele então passou a minha frente, e de repente, aqueles

olhos verdes estavam nos meus.

— O que estamos fazendo, Murilo? Repetindo o ciclo? Eu

não vou colocar o meu coração em jogo de novo. Não por alguém
que claramente tem o seu ocupado. — admiti, e aquilo doeu.

Doeu porque eu sabia que ele me desejava, e sabia que


parte do que vivemos foi real, porque não tinha como fingir de tal

forma. Mas amor? O amor era maior do que aquilo. O amor era o

que eu sentia, e me fazia gritar, porque era insuportável imaginá-

lo amando outra.

— É claro que tenho... — sua voz soou baixa, e em vez de

as lágrimas descerem, a fúria tomou conta. Apenas me vi

empurrando-o para longe e não consegui bater contra seu peito,


porque suas mãos me impossibilitaram. — Oli...

— Não se atreva. — eu não estava gritando, mas minha

voz soou como uma faca. — Não se atreva a tentar ser

casualmente cruel. Não comigo.

— O que eu tenho que fazer... — tentei me soltar, contudo

ele prendeu meus braços contra seu peito. — O que eu tenho que

fazer para te convencer de que é única mulher que chegou ao


meu coração? Que me deixa louco? Que me tira da zona de

conforto, e me permite ser eu mesmo? Que entende meu humor

péssimo e não se importa de fato se eu estivesse de roupas

sociais no meio de uma praia?


— Foi a foto dela, no casamento de vocês, que eu vi e...
Fui embora. Porque eu pensei que era a outra. — falei,

desenterrando meus próprios demônios.

— Do que diabos está falando?

— A mulher loira no porta-retrato. — ele então soltou

minhas mãos, e caminhou até a mesa, pegando a foto, à qual me

atingira em cheio, relembrando-me do dia que apenas fugi. Para


longe do medo de perder aquilo que eu nunca tive – ele.

— O nome dela era Bianca... Bianca Ferreira Reis.

— Era? — minha voz saiu em um sussurro.

Era?

Então não era mais sua esposa?

Ou então ele não a amava mais?

— Ela era minha esposa e... morreu há nove anos.


CAPÍTULO 28

“Essa é a forma mais cruel de se apaixonar

Isso é se apaixonar por você e você estar a mundos de distância” [39]

MURILO

— O que?

A voz de Olívia praticamente não saía.

— Foi por isso? — gesticulei, com o porta-retrato em mãos.

— Que foto? O que você viu?

— Eu... Eu estava dançando e esbarrei em algo, e quando

vi, era uma foto sua e dela, no casamento de vocês, que


coincidentemente, fazia aniversário naquele dia e... — assumiu, e

notei o quanto parecia frágil. De todas as vezes em que encontrei,


sequer a vi tão frágil, nem mesmo quando descobri sobre Daniela.

— Entendi que eu era sua amante, e eu fugi.

E então, um flashback daquele dia me atingiu, e senti meus

joelhos quase cederem.

— Eu resolvi vir aqui antes, não só pra correr, mas para te

dizer Bia que... Que eu te amo, muito. E eu sempre vou te amar,


como minha melhor amiga. Você sabe disso, melhor do que

ninguém. — assumi, sentado na areia e tocando as ondas. Bianca

odiaria aquele lugar, já que ela tinha pavor de praia, o que me fez
rir só de pensar no destino que meus irmãos escolheram. — E eu

lembro que não acreditei quando disse que eu encontraria o


verdadeiro amor, mas eu encontrei. — confessei, e senti uma

lágrima descer. — É ela, Bia. E eu sinto muito, se o seu amor por

mim era assim, e eu não pude corresponder. — assumi, sentindo-

me horrível, mas ao mesmo tempo, não podia mais mentir. —

Mas o meu coração é dela. E sei que você bateria na minha

cabeça e diria que eu tenho que ser feliz, como sempre me pediu
para ser... E como disse, que mesmo no amor fraterno que lhe

entreguei, que o era.


Senti então uma leve brisa, e por um segundo, imaginei
que Bianca estava ali, me abraçando. Sorri para o nada, mas era

para ela, e eu esperava, que de alguma forma, ela soubesse.

E assim, eu voltei o mais rápido que pude para o meu

quarto, e tentei não parecer tão emocionado ou apaixonado, mas

era impossível. Pois a mulher que eu amava estava do outro lado

da porta, na cama que compartilhamos. Foram apenas três

semanas, mas foram as três semanas em que me senti vivo. As

três semanas que me ensinaram que por mais que eu não

merecesse o amor, eu o tinha encontrado.

E então, quando abri a porta e notei que estava tudo tão

silencioso, senti meu coração falhar uma batida. Caminhei pelo

quarto e procurei a bagunça dela, mas não encontrei


absolutamente nada. Nem mesmo os restos de maquiagem na

pia... nada. Corri para a recepção e assim que cheguei na

mesma, soube que a hóspede do quarto ao lado do meu, tinha

feito checkout. Ela tinha saído, a cerca de quinze minutos.

Quinze minutos.

E então eu corri para fora, após quase enforcar o

recepcionista, que não podia, como era lhe instruído, me passar

qualquer informação sobre. Nenhum hóspede, sabia nada sobre o


outro naquele lugar. E de repente, eu não sabia nada, além do

sentimento que tinha, pela mulher que agora, eu perdi.

Não...

Que me deixou.

E quando cheguei a pista dos aviões, e notei que um

acabara de sair, meu coração afundou, e uma lágrima desceu,


queimando-me. E de repente, aquelas três semanas me
enterraram. Não sabia o que fazer, enquanto vagava pelas ruas

de areia, e tentava acreditar que era apenas um pesadelo. Mas


no fim da tarde, quando o meu horário de partir chegou, e ela se

tornou apenas a lembrança do que vivemos, eu soube que na


realidade, eu tive a sorte de viver aquele sonho.

Que por mais quebrado que eu fosse, ela me fez inteiro


pelos nossos dias contados.

— Murilo...

A voz de Olívia me tirou do torpor, e senti as lágrimas


descerem com força, relembrando-me. Aquela mulher não tinha

noção do quanto me tinha na sua mão.

— Eu me senti miserável, Olívia. Quando voltei e você não

estava lá... Eu não sabia seu nome. Eu não sabia de onde era. Eu
não sabia... nada. E eu não te merecia também. Eu não merecia a

sorte que tive de te encontrar. De encontrar o amor bem ali.

— Murilo.

— Eu não mereço agora. — assumi, rindo de mim mesmo.


No fim, eu era patético. — Acho melhor fazermos como disse, e

sermos os pais de Daniela. Acho que o melhor é...

— É o que? — abriu os braços, cortando-me. Sua voz

aumentando. — Fugir como covardes, como eu fiz? Aceitar


meias-verdades e viver com partes de um “e se” que sequer
sabemos gerenciar? — ela negou com a cabeça e notei seus

olhos marejados. — Não posso deixar o homem que amo mais


uma vez, sem que ele saiba que eu o amo. Não posso mais,

Murilo. Eu errei quando corri ao ver uma foto. Eu errei quando


corri de novo, ao saber que você se casaria em breve. Eu errei
quando ignorei por anos quem você era, sem querer saber mais.

Eu errei em não ouvir o meu coração, enquanto ele gritava para


que eu fosse atrás... Para que eu tentasse. Porque ele doía, doía

mais do que eu pensei que poderia suportar. E eu não me permiti


estar mais vulnerável... E onde isso me trouxe? Aqui! Exatamente

aqui, com você. A frente de um porta-retratos, onde todo esse


ciclo começou.
— O que quer de mim, Olívia?

— Tudo. — admitiu, olhando-me profundamente. — Toda a

verdade, e eu aguento. Seja para que decidamos que esse amor


é unilateral ou uma mentira. Seja para que eu coloque o seu
sobrenome e você o meu, e vivermos felizes para sempre.

— Como uma música da Taylor?

— Para que que seja o meu All To Well[40] ou o meu

Daylight[41], Murilo... Nós merecemos a verdade.

— Não é uma história pequena. — comecei, passando as

mãos pelos cabelos. — Preciso que escute tudo, porque eu não


sei entregar partes, não com você...

Ela então me surpreendeu, ao levar uma mão até a minha


e segurar, olhando-me profundamente. Era como se ela gritasse

silenciosamente naquele gesto: estamos juntos.

E sabia, que de alguma forma, era naquilo que eu


acreditava.
OLÍVIA

— Bianca era minha melhor amiga que foi diagnosticado


aos dezoito anos com câncer. — olhei-o, enquanto nos

sentávamos no sofá, e não ousei separar nossas mãos. Eu


também precisava daquilo. Precisava saber que era real. — Eu

sempre soube que ela sentia mais do que amizade, mas por

anos, consegui apenas ignorar aquilo. Não que eu não


acreditasse no amor, mas confesso que os Reis não tem sorte

nisso. E eu queria, muito, me apaixonar por ela. Porque ela era

minha melhor amiga, ela sabia tudo de mim e... Mas no fim, nunca
aconteceu. Ela era como Carol é para mim. Mas quando a doença

avançou ainda mais, e ela não correspondia ao tratamento. Ela...

ela... ela me fez um pedido, assim que descobrimos o tempo de


vida que lhe restava. Ela sonhava em se casar com o homem que

amava.

— Você era esse homem. — falei, sem conseguir me

conter, e ele assentiu.

— Então, aos dezoito anos, a gente se casou...Mas, a


questão era que eu mal conseguia beijá-la. Eu estava feliz por ela
estar feliz, mas no fundo, me matou por dentro, condená-la a um

casamento que ela tanto sonhou e idealizou, sem no fim, viver


qualquer parte de um amor. — notei a dor que ele sentia, e ainda

se culpava, naquele momento. — Ela, até o final, tentou me fazer

crer que estava feliz, e eu juro, que nas últimas semanas, até
mesmo consegui acreditar, mas... Eu sabia que não era

merecedor de qualquer amor ou felicidade, após ter concordado

com o casamento que apenas destruiu os sonhos da minha

melhor amiga...

Pensei em interrompê-lo, mas era claro que ele precisava

colocar tudo para fora, então, apenas apertei sua mão, como se o

incentivando.

— Então, quando ela morreu, eu me enfiei de cabeça no

trabalho. Era o que me restou, e eu fiquei nisso, durante um ano

inteiro, até que fiz vinte anos, e meus irmãos interviram. Eles
dizem que foi sem Verônica saber, mas eu duvido que eles

conseguiriam tudo aquilo sem ela, então... Fui mandado para

aquela viagem, no meio do nada. Sem nome. Sem comunicação.

Sem nada. — engoli em seco, e as lágrimas desceram. E soube


ali, que eu não era a outra. Mesmo quando meu coração sangrou
por acreditar naquela possibilidade, ele bateu para que eu o

questionasse. E se eu o tivesse feito?

— E então, a gente se conheceu... — falei, notando que

ele se perdeu em lembranças.

— E então eu conheci o amor, o amor verdadeiro. — olhou-

me profundamente, e suas mãos vieram para o meu rosto. —

Aqueles dias sempre foram os dias que me fizeram acreditar que


se existe algo superior, com toda certeza, eu fui abençoado pela

sorte em te conhecer. — sua testa encostou na minha e eu já

estava quase perdida no choro. — E quando me deixou, eu me


senti miserável, Olívia. Eu não merecia te procurar e descobrir

onde estava, ou te cobrar esse amor... Porque talvez, fosse o

preço que eu tivesse que pagar.

— Não. — falei, segurando o seu rosto, e fazendo-o me


olhar. — Não fala isso.

— É como eu me senti. — admitiu. — O que me fez

apenas desistir e aceitar que era assim, e que eu poderia então

aceitar o contrato de casamento que uma das famílias mais


poderosas do Norte nos fizeram, para aumentar o mercado dos

hotéis Reis. E eu fui até o fim, quer dizer, quase... A não ser

quando Tadeu socou a minha cara, e pela primeira vez, eu vi a


minha família que Verônica tanto lutou, quase se desfazer, por

aquela decisão. Então, eu desisti do casamento e bom... eu


apenas me lembrava do que o amor verdadeiro era, quando me

lembrava de nós.

— Eu te amava. — falei, e neguei com a cabeça, sentindo

a dor que causei a nós, assim como, todo o medo nos sufocou. —
Eu sei que errei muito, e talvez, eu vá errar daqui a pouco, mas...

Desde o segundo em que conheci Igor, a única coisa que se

passava em minha mente, era pedir os papéis que deixei com o


detetive de anos atrás, quando descobri que estava grávida

meses depois daquele dia... Eu queria saber tudo. Eu queria

saber o que ele disse. Mas eu fui covarde. Eu tive tanto medo de

que aquela dor chegasse a Daniela. E pra ser sincera, que meu
coração se quebrasse de novo. Então, o deixei enterrado... Mas

assim que te vi, foi como se cada parte voltasse a vida. Contra a

minha dor do passado. Contra as minhas decisões erradas.


Contra minha mente racional, de que estava aqui pela nossa filha.

Contra... Contra tudo o que eu neguei no passado. Porque... —

suspirei fundo, e fiz seus olhos verdes molhados pararem nos


meus. — Porque eu nunca deixei de te amar. Porque eu te amo.

— Olívia...
— Pode achar o que quiser, sobre não merecer... Mas se

por um segundo, pensar em dar uma chance para nós, eu estarei

aqui, para mostrar que você merece. — fechei os olhos, sem

conseguir acreditar que finalmente estava ali, junto a ele, com


meus sentimentos em viva-voz. — Você merece mais do que um

amor covarde, Murilo. E estou aqui, abrindo cada pedaço de mim

para você, porque vou honrar cada pedaço de você.

— Olívia...

— Porque eu te perdi uma vez. — encostei sua testa na

minha, e repeti suas palavras, as quais me fizeram acreditar de

novo, naquilo, que no fundo, eu nunca pude duvidar. Porque era


nosso. — Eu não posso te perder de novo, dono do mundo. —

senti seu sorriso contra o meu rosto, e acabei fazendo o mesmo.

— Não posso suportar que seja um fim, mas eu aceito qualquer


coisa. — assumi, assim como ele, e finalmente abri os olhos,

encontrando os dele, que me inspecionavam.

— Aceita um homem um tanto quebrado, com o brinde de

quatro irmãos malucos e esquisitos, um sobrenome que atrai


problema, e o pai da sua filha? — indagou, e notei que por trás de

toda a tristeza que foi colocada para fora, existia o brilho único

dele.
E era um brilho que eu sabia que também estava em mim.

— Aceita uma mulher um tanto covarde, com o brinde de


três irmãos turrões, o clube Abi que vai querer te transformar em

parte, um sobrenome que todo o interior conhece, e a mãe da sua

filha?

— Eu te aceitei assim que os seus olhos pararam nos


meus.

— E aí está o romântico incurável que eu me apaixonei! —

falei, e senti-o me puxar diretamente para o seu colo. — Eu te


amo, Murilo.

— Eu te amo, Olívia. — assumiu, e meu coração estava ali,

em suas mãos, e ele o acolheu. — Sempre quis poder dizer isso,

e o seu nome.

— Temos o para sempre, o que acha?

— Isso é um pedido de casamento? — indagou, e eu ri

alto, sem conseguir evitar.

— Talvez eu faça esse sacrifício por você. — meus dedos


estavam nos seus cabelos, do jeito que nunca deveriam ter

deixado de estar. — Ou não. — provoquei e ele sorriu, do jeito


que me deixava a par do quanto eu poderia matar por aquele
sorriso.

— E o que vamos fazer agora? — indagou, e eu dei de

ombros.

— Acho que eu vou te beijar, te amar, e depois... Vamos

decidir como adultos responsáveis como isso tudo será com a

nossa filha.

— Gosto disso.

— Claro que sim. — passei a mão por sua barba, sentindo-

me querer mergulhar nos seus olhos verdes. — Temos quase oito

anos para compensar.

— Eu te dou o para sempre, raio de sol.

E então seus lábios estavam nos meus, e eu poderia deixar

para depois. E não era a primeira vez que me sentia livre em seus
braços, mas após saber de tudo, eu me senti em queda livre. E eu

sabia, que ele estava lá comigo, para me pegar.

E quando eu olhasse para cima, eu poderia ver a luz do


dia, que apenas brilhava sobre ele.
CAPÍTULO 29

“Você tirou tempo para me memorizar

Meus medos, minhas esperanças e sonhos

Eu só gosto de estar com você

O tempo todo

Por todos aqueles momentos em que você não se foi

Eu tenho pensado

Eu gostaria de ficar com você

Minha vida inteira” [42]

OLÍVIA
— Ok, eles devem estar chegando... — falei, e Murilo me

puxou novamente para si, me beijando contra a parede, e me


fazendo derreter. — Eu tenho que enviar um relatório para o

trabalho antes de Daniela chegar...

— Claro.

Ele falou, enquanto eu abria a porta da sua casa, e sorria,

ainda presa em seus braços. Notei então seus braços

tensionarem, e não entendi, quando o encarei e vi-o engolir em


seco, olhando para algo atrás de mim.

— Amigos, não é, Júlio?

Assim que me virei, encontrei todos os meus irmãos e

cunhadas, espalhados a frente daquela casa e da minha, e


praticamente dei um pulo para longe de Murilo, lembrando que

Daniela poderia estar ali. E que a gente já tinha conversado sobre

como contaria a ela sobre nós. Aos poucos, com cuidado. Para

que ela não estranhasse, e para que nós dois nos adaptássemos

aquela nova situação. Não que fosse muito difícil vivermos juntos.
Já o tínhamos feito no passado, mas não duvidaria que seria algo

novo.

— É...
— A sua sorte é que Bruno está com Daniela, vendo os
cavalos... — Abigail se pronunciou, e abriu os braços. — Eu já

posso chamar o clube Abi de Bi?

— Bi? — foi Maria Beatriz que indagou.

— Éramos Mabi, Babi e Abi, mas agora, temos o Mubi. —

abriu os braços, como se fosse óbvio.

— Eu adorei isso! — Mabi gritou, vindo até mais perto, e

notei meu irmão mais velho respirando fundo, como se incrédulo.

— Por que parecem estar vendo fantasmas?

— Por que todo mundo está aqui? — perguntei, sem

entender nada. — Mamãe e papai passaram aqui no café, mas...

A gente marcou algo e eu não sabia?

— Desde quando a gente avisa quando vem? — Júlio

indagou, e eu revirei os olhos.

— Desde que você e Inácio moram em outra cidade, e

Bruno disse que viria após o almoço, então... Vamos, falem logo!

— Papai estava muito animado e a gente quis ver por si. —

surpreendi-me quando foi Inácio ao quebrar o silêncio sepulcral.

— Não me olha como se eu fosse fofoqueiro.


— Só é protetor mesmo, velho! — Mabi bateu contra seu

braço e sorriu abertamente, enquanto Lorenzo estava no colo do


pai. — Então é real? Estão mesmo juntos?

— E agora vocês decidiram perguntar isso? — olhei-os


incrédula. — E se a gente só tivesse tendo um casinho de uma

noite e nada mais?

— Raio de sol... — Murilo se pronunciou, passando a mão


pela minha cintura. — Precisa mesmo enrolar eles assim? —

sussurrou e eu assenti.

— Ninguém manda serem fuxiqueiros.

— Meus irmãos vão aparecer assim que contar para eles,


se prepare. — falou ainda em tom baixo e eu mordi o lábio,

imaginando o caos instalado. Mas de repente, me pareceu uma


ótima ideia.

— Já que todo mundo quis aparecer, por que a gente não


chama os Reis e reúne todos? — meus irmãos bufaram junto a

Abigail, e acabei rindo baixinho. — Vocês vão ter que ser legais
com eles, já vou avisando. — falei, afastando-me de Murilo assim
que ouvi a voz alta de Bruno. — Com ela, vamos com cuidado,

certo?
— Sempre.

— Ok, então! Vocês que se virem para fazer o almoço,


porque eu tenho que enviar um relatório para o trabalho, e Murilo

também tem trabalho. — falei, e fiz um sinal para todos, que


apenas assentiram. O lado bom de ser controladora. — E Dani?

— gritei minha filha, que logo apareceu correndo à frente do tio


mais novo, e veio até mim, abraçando minhas pernas.

— Oi mamãe. — olhou então para o pai, com os olhos

brilhando. — Oi papai.

— Oi, estrelinha.

— Seu pai vai trabalhar, por que não coloca aquela roupa
chique de empresária que comprou com sua tia Verô e o ajuda?

— indaguei, e ela bateu palmas, soltando um gritinho. Pisquei um


olho para Murilo, que parecia mais do que feliz por aquilo. —

Venho chamar vocês para o almoço. — falei, próxima a ele, e foi


difícil, me segurar para não tomar aqueles lábios como meus. —

Agora vocês, vamos para a minha casa conversar!

— O que tá acontecendo? — Bruno perguntou, claramente

perdido, e então seu olhar recaiu em Murilo e depois em mim,


como se buscando explicações. — Eu perdi algo?
— Como sempre.

Abigail o provocou, o qual pegou a filha dos seus braços e

enlaçou sua cintura, beijando-a na bochecha com força. E por um


segundo, ao ver todos os meus irmãos tão felizes entre si, e
completamente abertos, eu soube – que eu me via com Murilo,

exatamente assim.

Enquanto eles discutiam entre si o que fariam para


cozinhar, segui rapidamente para o escritório, abri meu notebook,

para conseguir enviar o relatório. Felizmente, naquele dia não


teria que ir ao trabalho no centro, o que me trazia mais tempo com

a minha família – sorri por pensar em Murilo e Daniela.

— Ei. — levantei o olhar, para encarar Inácio, adentrando

meu escritório. — Posso só ter um minuto?

— Sabe que sempre.

Ele então fechou a porta atrás de si e veio até mim,


sentando-se na mesa, ao meu lado, e me encarou.

— Eu só queria dizer que fiquei envergonhado por ter


agido como agi, quando descobrimos sobre Murilo.

— Ná...
— Eu fiquei tão revoltado por pensar que ele te abandonou
que... Eu me senti assim há oito anos, quando descobrimos da
gravidez. Senti que por mais que eu tentasse proteger a nossa

princesa, o mundo ia vir e... — suspirou fundo. — Eu só queria me


desculpar por se em algum momento, te fiz pensar que não podia

contar comigo ou que...

— Eu sempre soube que você estava aqui. Sempre. —


cortei-o, olhando-o profundamente, e levando minha mão a sua.

— Meu irmão de sorriso fácil, desde quando eu consigo me

lembrar, mas que tem uma máscara fria para o mundo. Você me
ensinou a ser forte, Ná. Você foi a pessoa que estava lá comigo,

quando eu gritava toda a dor de estar tendo uma criança... —

apertei ainda mais sua mão. — Eu sempre sei que posso contar

com você, até mesmo nos meus erros, e que foram muitos... —
sorri de lado. — Eu te amo, irmão. E eu sempre vou ser grata a

Mabi por te dar aquilo que você tanto merece, que é esse sorriso

no rosto e uma família para ser o melhor pai que alguém pode ter.

— Oli...

Ele então me puxou para si, fazendo-me abraçá-lo e eu fui,

sem pensar duas vezes. A gente não tinha conversado

profundamente depois de tudo que aconteceu no casamento, aí


veio o embate com os Reis e tudo mais, mas para mim, sempre

foi claro – que Inácio Torres, era o alicerce que fizera de todos
nós, os Torres que éramos hoje.
CAPÍTULO 30

“Vento no meu cabelo, você estava lá

Você se lembra disso tudo

No andar de baixo, você estava lá

Você se lembra disso tudo

Era raro, eu estava lá

Eu me lembro disso tudo muito bem” [43]

MURILO

— O que houve?
A pergunta de Verônica trazia o seu tom preocupado, e eu

sabia que lhe era estranho, ligar àquela hora.

— Dani acabou de ir para casa da mãe e... Eu preciso te

contar algo. — falei, passando as mãos pelos cabelos, e ela


fechou o notebook que estava aberto ao seu lado, encarando-me.

Minha irmã parecia extremamente cansada, mas sabia que jamais

admitiria. — Onde estão os outros?

— Quer que os chame? — perguntou, e eu assenti, vendo-


a discar algo no outro celular que mantinha, e me fiz a pergunta,

de quantos aparelhos Verônica deveria ter naquele momento. —

5, 4, 3...

— 2, 1... — complementei, e ouvi o barulho da porta do

escritório dela em casa sendo aberto. — Oi família!

— O que foi? — Carol perguntou, já praticamente se

jogando sobre as costas de Igor, que se abaixou para poder me

ver, e Tadeu se encostou na beirada da cadeira de Verô.

— Ele tá com cara de que fodeu. — Igor falou, fazendo-me

revirar os olhos.

— Olha a boca, Igor.


— O que? — ele se fez de coitado, como sempre. — A
gente já é maior de idade, Verô.

— Apenas cale a boca e deixa o Murilo falar. — Tadeu o


cortou, fazendo-me rir. — Ele tá rindo...

— Isso tem cara de... Ah meu Deus! Olívia? Está com

Olívia? Se acertaram?

— É tão óbvio assim? — perguntei, e todos eles

assentiram, como se fosse fácil. — A gente se resolveu e bom,

queremos contar para Daniela, aos poucos claro... Sem que ela
estranhe.

— Ela me pediu ajuda para unir vocês, e me fez assistir

Operação Cupido via vídeo chamada com ela. — Carolina se


manifestou, e a encarei surpreso. — Meu irmão, se vocês não se

resolvessem, ela ia resolver por vocês.

— E quando vamos comemorar todos? Agora temos mais

uma Reis. — Igor falou animado, e eu dei de ombros.

— Assim que contarmos para Dani, vamos reunir todos e é

isso. — falei, e todos me encararam com sorrisos. — Fico felizes


que gostem dela.
— Gostar pode ser um termo forte para a rainha má, Mu.

Você sabe...

— Apenas cale a boca, príncipe encantado. — rebati, e ele

fez-se de ofendido, levando uma mão ao peito.

— Agora que já contou, todos fora porque eu tenho que


trabalhar. — Verônica falou, e mesmo contrariados, todos saíram

dali. Notei seu olhar severo para eles, que demoraram para
finalmente se afastar.

— Também te amo, maninha. — Igor falou, beijando seu


rosto com força, fazendo-a revirar os olhos.

— Boa noite, Verô.

— Boa noite, V e Mu! — Carolina gritou, e ouvi a porta


sendo fechada.

— Eu não quero atrapalhar seu trabalho, V, eu só...

— Eu os mandei sair porque eu só queria te perguntar


algo, a sós... — olhei-a curioso. — Você a ama, não é? Do jeito

que Bianca te disse que um dia faria?

— Desde aquelas férias forçadas. — confessei, e Verônica

assentiu. — Eu nunca pensei que poderia merecer o amor, Verô.


Eu acho que nunca pensei que seria um pai, e agora... Aqui

estou.

— Como eu disse uma vez, quando ainda era criança e me

disse que queria ser o melhor Reis... — falou, fazendo-me


recordar daquele exato momento. — Você sempre foi o melhor,

para a nossa família. E a família, é o que importa. — ela então


pegou o dedo indicador e médio e fez o sinal de como estivesse

tocando minha testa. — Fique bem, Murilo.

— Obrigada, irmã. — falei, e sorri para ela. — Eu também


te amo. — falei, pois eu sabia que aquele era o gesto que ela

sempre usou para nos dizer exatamente isso.

Ela então desfez a chamada, e eu fiquei ali, perdido em

pensamentos. Sorri sozinho para o nada, e então, vi-me olhando


para os porta-retratos vazios, e sabia que aquele era o momento
que eu poderia começar a mudá-los. Assim que Daniela

soubesse.

Ouvi o barulho na porta da frente, e a mesma sendo


aberta. Não costumava fechá-la, já que Olívia me jurou que era
um lugar seguro. Assim que me levantei, meu medo todo

evaporou quando dei de cara com a mulher que eu amava,


vestida em um robe dourado.
— O que...

— Me senti uma adolescente saindo de casa escondida

para te dar um beijo. — falou, e logo contornou a mesa, sentando-


se no meu colo, e beijando minha boca. — Não conseguia dormir
sabendo que está tão perto e que não pude me despedir direito.

— Está me convidando para morar com você?

— Não é óbvio? — perguntou, e eu sorri de lado, sem

conseguir crer. — Um beijo, boa noite e eu te amo. — falou,


trazendo seus lábios para os meus.

Assim que pensei em falar-lhe o mesmo, ela então parou o


olhar justamente sobre o porta-retratos vazio sobre a minha mesa
de trabalho.

— Não revelou a foto que queria? — indagou, claramente


curiosa. — Eu estou me mordendo pra saber o porquê alguém

tem porta-retratos com fotos lindas, mas alguns sem nada.

— Porque essa foto aqui, é para colocar a foto da mulher

que eu amo, mas aposto que ela estranharia, se entrasse aqui e


desse de cara com o rosto dela na parede e na minha mesa... —
confessei e Olívia arregalou os olhos, como se incrédula. — Bom,

agora como ela sabe que eu amo, não preciso mais fazer charme.
— Eu estou fodida para competir com o seu romantismo.
— falou, e suspirou profundamente. — Eu acho que eu encontrei
o meu Daylight e demorei tanto para entender...

— Carol canta essa música as vezes... — tentei então me


lembrar de como era. — Eu não quero olhar para mais nada

agora que te vi... — cantei o que recordava, e ela sorriu,


ajeitando-se melhor no meu colo e continuando:

— Eu não quero pensar em mais nada, agora que pensei

em você... — complementou e sorriu abertamente. — Eu dormi

por tanto tempo em uma noite escura de 20 anos, e agora, eu

vejo a luz do dia, eu só vejo a luz do dia.[44]

— Eu acho que o seu ato romântico pode ser uma

serenata. — falei, vendo-a revirar os olhos. — Sua voz é linda,

raio de sol.

— Não me jogue água quando eu decidir fazer exatamente


isso. — piscou um olho, e então seus lábios vieram para os meus,

fazendo-me calar da melhor maneira possível. — Mas posso te

adiantar um pouco.... Tem um violão?

— Está falando sério? — perguntei, e ela assentiu.


— Regra número 1 dos Torres: a gente canta para quem a

gente ama. — deu de ombros, e notei o que era raro, o leve


rosado em suas bochechas. — Melhor pegar antes que eu

desista.

Sorri abertamente, e a levantei do meu colo, indo até o


armário, o qual foi presente de Igor, que como brinde, colocara

meu velho violão da época da escola. Não que eu fosse bom,

mas era um item que nunca consegui me desfazer. E de repente,

fez todo o sentido.

— Alguém o afinou, e parece que não foi você... — falou,

assim que o tinha em mãos.

— Deve ter sido Verô. Já que esse violão foi um presente


dela, quando era mais novo, mas eu sou um caos perto de todos

os dons musicais do restante da família...

Ela então dedilhou um pouco do violão, agora sentada

sobre a minha mesa, e sem parecer se importar.

— “Meu amor era tão cruel quando as cidades em que eu

vivi

Todo mundo parece pior na luz

Há tantas linhas que eu ultrapassei imperdoavelmente


Eu vou te dizer a verdade, mas nunca adeus

Eu não quero olhar para mais nada agora que te vi

Eu não quero pensar em mais nada

Agora que pensei em você

Eu dormi por tanto tempo em uma noite escura de 20 anos

E agora, eu vejo a luz do dia, eu só vejo a luz do dia

A questão de sorte só atrai o azar

E então, eu me tornei o alvo da piada

Eu machuquei os bons e confiei nos perversos

Esclarecendo as coisas, eu respirei a fumaça

Talvez você fuja com os lobos

E se recuse a sossegar

Talvez, eu tenha ido embora de cada sala desta cidade

Jogado fora nossas capas e nossas adagas

Porque é de manhã agora

Está mais claro agora, agora


Eu não quero olhar para mais nada agora que te vi

(Não consigo mais deixar de olhar)

Eu não quero pensar em mais nada

Agora que pensei em você

(As coisas nunca mais serão iguais)

Eu dormi por tanto tempo em uma noite escura de 20 anos

(Agora, estou bem acordada)

E agora, eu vejo a luz do dia (A luz do dia)

Eu só vejo a luz do dia (A luz do dia)

Eu só vejo a luz do dia, luz do dia, luz do dia

E eu ainda consigo enxergar tudo (Na minha mente)

Tudo de você, tudo de mim (Interligado)

Uma vez, eu acreditei que o amor seria (Preto e branco)

Mas é dourado (Dourado)

E eu ainda consigo enxergar tudo (Na minha mente)

Indo e voltando daquela ilha deserta (Me esgueirando na


sua cama)
Uma vez, eu acreditei que o amor seria (Vermelho ardente)

Mas é dourado

Como a luz do dia, como a luz do dia

Como a luz do dia, luz do dia...”[45]

— Mamãe? Papai?

Olívia que então sorria e ainda tocava, parou, e poderia

jurar que seu coração disparou assim como o meu. Olhei de

relance para a porta do escritório, e ali estava Daniela, com um


ursinho de pelúcia nas mãos, e seu pijama de estrelinhas.

— Você ama o papai, mamãe? — ela perguntou, na lata,

sem dar tempo para qualquer pensamento.

Sem que a gente pudesse indagar em como ela chegou ali


ou por que ela estava ali.

— Eu...

— Por que está fora da cama, estrelinha? — perguntei,


tentando ajudar Olívia, que agora descia da mesa, e deixava o

violão sobre a mesma.

— Eu fiquei com saudades e... queria dormir com o papai

hoje. Fui avisar a mamãe, mas ela não estava, aí pensei que ela
veio aqui te dar boa noite. — comentou, com toda sua inocência e

fiquei sem palavras.

— Dani... — Olívia então falou, indo até a nossa filha e se

agachando.

— A gente canta para quem a gente ama. — Daniela falou,

e Olívia trocou um breve olhar comigo. — O tio Inácio fala isso


desde que eu sou bem pequeninha... Diz que o vovô conquistou a

vovó assim, cantando.

Então Olívia me deu um olhar que me perguntava sobre


tudo, ao mesmo tempo que eu sabia exatamente o que ela queria

fazer. Eu também queria. Eu também achava que nossa filha

merecia. Sorri, assentindo, e ela entendeu. Porque ela, dentre

todas as pessoas, era a qual sabia me ler, perfeitamente.

— Eu amo seu pai. — assumiu, tocando os cabelos da

nossa filha, deixando a marca de nascença à mostra

Então fui até elas, e fiquei na mesma altura de Dani, que

ainda parecia começar a compreender tudo.

— E eu amo sua mãe, estrelinha. — falei, notando como os

olhos estavam pequenos devido ao sono, e como ela parecia

pensativa. — Eu sei que é novo, mas...


— Então, a gente agora não é mais uma família que mora
em casas separadas? — ela indagou, e a olhei surpreso para. Era

como se ela tivesse a certeza, de que éramos todos partes de

algo, mesmo não estando juntos, e aquilo, aquecia meu coração.


— A gente é tipo o tio Ná, a tia Mabi e o priminho Lore, a tia Babi,

o tio Júlio e a priminha Isa, o tio Bruno e a tia Abi e a prima Prim?

Olívia riu alto e me vi fazendo o mesmo.

Porque no fim, por mais que a gente quisesse controlar, a

vida acontecia. E ali estava ela, apenas acontecendo com a

gente.

— Sim, estrelinha. — respondi, sorrindo abertamente. —


Exatamente assim.

— Então, posso dormir na cama com vocês hoje? —


indagou, como se fosse apenas mais um dia, e eu não sabia

como tiraria o sorriso do meu rosto. A minha filha estava nos


aceitando como casal, e de repente, tudo se encaixava. — Com

os meus ursinhos?

— Que tal todo mundo na cama da mamãe? — Olívia se


manifestou, e pegou nossa filha no colo, levantando-a. — Acho

que é um bom jeito de começarmos, não é?


— O melhor, raio de sol.
EPÍLOGO

“Uma vez, eu acreditei que o amor seria (Vermelho ardente)

Mas é dourado

Como a luz do dia, como a luz do dia

Como a luz do dia, luz do dia?” [46]

Depois...

— Esse é o melhor aniversário de todos! — Daniela falou,


assim que os parabéns foram contados, e após soprar suas

velinhas de oito anos. — Eu não sabia o que pedir esse ano,

porque eu realizei o meu maior sonho, que era ter um papai...


Um som de “ownti” foi ouvido por toda a sala, e Murilo não

pode evitar passar um braço sobre a cintura da filha. Ela estava


tão maior e tão mais esperta, que o deixava em pânico, apenas

em pensar que logo menos, ela poderia estar escapando pelos

dedos de todos eles.

Ela estava crescendo, e lhe assustava, o quanto aquilo foi

rápido.

A vida dele se transformou em questão de meses, desde o


momento que seu olhar cruzou o de Daniela, e de repente, ele

estava ali, com chapeuzinhos de festa, e uma roupa vermelha e

dourada, que ela escolheu como tema da festa: estrelas e


corações.

Olívia pensava a mesma coisa, ao notar o quanto sua vida

tão controlada e delimitada, se tornara um caos em poucos dias,

para se encaixar tudo no exato lugar, em outros. Ela tinha


planejado tanto, tudo o que podia com Daniela, para no fim, a vida

apenas rir da cara dela. Da melhor forma possível.

— Vamos cortar o bolo e dar para o seu tio favorito, que

sou eu! — Bruno gritou, e foi possível ouvir o bufar de Igor, que

lhe mostrou o dedo do meio de forma escondida das crianças. —

Me erra, Reis!
— Esse ano não vou dar para nenhum titio.

Daniela avisou, como se para prepará-los e era óbvio que

todos estavam empolgados para saber o que ela decidiu. As


apostas eram grandes sobre ela entregar para Murilo. Contudo,

ninguém de fato sabia o que se passava pela cabecinha de

Daniela Torres Reis.

— Pode começar a gravar o meu vídeo desse mês, vovô.


— seu pedido surpreendeu a todos. Mas logo Fabrício Torres

pegou uma câmera e começou a fazê-lo. — Eu perguntei ao vovô,

e ele disse que eu podia fazer isso...

Todos se viraram para o patriarca dos Torres, que apenas

deu de ombros. Nem mesmo Heloísa estava sabendo do ocorrido,

o que deixou todos ainda mais ansiosos.

— Vai matar os mais velhos do coração, princesinha. —

Carolina dramatizou, o que foi concordado por todos os tios

presentes.

— Esse primeiro pedaço... — falou, segurando o pedaço

que a mãe e o pai a ajudaram a cortar. — Eu quero entregar para

o meu irmãozinho!
O silêncio tomou conta do local. Todos se encararam, como

se não entendessem nada, e Olívia poderia jurar que sua pressão


caiu, e Murilo foi quem mudou de lado, para ajudá-la a

permanecer em pé.

— Dani...

— Estrelinha, você...

— Eu ouvi a conversa de vocês. — ela sussurrou, mas era


quase impossível que aquela família enorme não escutasse. —

Eu perguntei ao vovô se eu já posso dar para o meu irmão, mas


ele disse que eu tenho que entregar para a mamãe, para que ela

coma, e daí ele possa experimentar o bolo de chocolate gostoso.

— Filha...

Olívia não sabia o que fazer. Ela só tinha certeza, mais


uma vez, de que Daniela mudava a sua vida, de acordo com o

como ela queria. Ela tinha descoberto a gravidez a cerca de uma


semana, e estava tentando encontrar um jeito de contar a todos.

Ela só se lembrava de ter feito o teste, e simplesmente

gritado para Murilo sobre, e então, chorado por uma noite inteira,
sem acreditar. Ao mesmo tempo que eles estavam exultantes, os

mesmos estavam em pânico.


Eles não tinham planejado a gravidez.

Eles não sabiam como Daniela reagiria.

Olívia estava ansiosa para poder compartilhar todos os

primeiros momentos com Murilo.

Murilo estava aflito de fazer algo errado e estragar

absolutamente tudo naquele momento tão mágico.

Ela não tinha ideia de como Daniela escutou e soube, mas

ela entendeu que sua filha era de fato a estrela daquela família, a
que os guiava. Desde quando descobriu a gravidez, ao

nascimento, ao momento eu conheceu o pai, até quando


descobriu que eles estavam juntos... e agora, com a segunda
gravidez.

— A gente vai bater palma, sorrir, fingir costume... —


Verônica foi quem quebrou o silêncio, e o casal pareceu cair na

realidade. — Ou é exatamente o que estou pensando?

— É... — Olívia então pegou o pratinho que a filha lhe


estendeu e levantou, pegando o garfinho e comendo um pedaço.

Murilo levou uma mão a sua barriga, e os gritos se espalharam


pela sala. — Estamos esperando um bebê. Dani vai ter um

irmãozinho ou irmãzinha.
Os gritos foram ainda mais massacrantes. As crianças não
estavam muito longe dos adultos, que pareciam a cada momento
a ponto de desmaiar.

— É um menino, mamãe. — Daniela falou, como se


soubesse, e foi o momento que Maria Beatriz começou a chorar,

abraçada a Inácio.

— Se ela diz, está dito. — a Torres falou, sorrindo para a


sobrinha, e chamando atenção de todos. — Ela soube da minha

gravidez apenas ao se aproximar da minha barriga, nem eu ou


Inácio falamos nada na época... — então seu olhar caiu para

Lorenzo. — Ela sabia e eu não duvido, que esse seja o menino de


vocês chegando...

E então, a bagunça foi generalizada.

Inácio Torres teve que disfarçar uma lágrima que descia,

enquanto abraçava a irmã e o cunhado, que agora, se tornara


parte da família.

Júlio Torres praticamente caiu de joelhos à frente da irmã,


sem acreditar que ali estavam eles novamente, vivendo o sonho

da maternidade dela.
Bruno Torres correu pela casa, com Dani em suas costas e
as crianças atrás, comemorando como se não houvesse amanhã.

Olívia Torres estava perdida nas lágrimas, sem acreditar


que se desfez por completo, à frente de todos que amava.

Heloísa Torres sorriu, e se virou para o marido, que estava

melhor do que nunca, já que o tratamento experimental estava

sendo um sucesso, e logo ele voltaria para o exterior, para


continuá-lo. Ela o olhou como quem dizia: nós fizemos isso muito

bem.

Fabrício Torres chorou, porque o seu sonho de ver um dos


seus filhos realizados era mais do que uma realidade, era uma

consagração. E eles mal sabiam, que Olívia de fato gerava um

menino, um menino que levaria o seu nome, e então, daria

continuidade aquela família cheia de amor, compreensão, carinho


e acolhimento.
PORQUE LÁ ESTAMOS NÓS OUTRA
VEZ...
“Eu quero ser definida pelas coisas que eu amo

Não pelas coisas que odeio

Não pelas coisas de que tenho medo, de que tenho medo

Ou pelas coisas que me assombram no meio da noite

Eu, eu só penso que

Você é o que você ama?”[47]

E lá estavam eles novamente...

Naquela mesma praia, enquanto o pôr do sol brilhava em

cores vívidas, e era uma das razões daquele amor ser tão bonito.
Ao menos, eles pensavam assim.

Vestida de dourado, como o vestido que ele sempre

dissera que fora feito para ela. E ele vestido de branco, da cor
que ele sabia que ela gostava de vê-lo, ao entender que era a

união de todas aquelas que compunham o verdadeiro amor.

Eles se olhavam, e mal podiam acreditar, que estavam

exatamente ali. A barriga de Olívia já estava grande, marcando os


seus cinco meses, da gravidez de um menino, o qual fora o acerto

em cheio de Daniela. Ninguém duvidava de como aquela


garotinha poderia saber de tudo.

E enquanto ela caminhava até eles, pelo caminho de


pedrinhas vermelhas na areia, todos os olhares estavam nela.

Daniela trazia a caixinha de vidro, com os braceletes de cor

vermelha, que representavam o amor que nasceu ali, e que eles


manteriam, para sempre.

Ambos beijaram a testa da filha, antes de ela correr até

Verônica e Inácio, que eram os padrinhos dos dois. Uma dupla

que ninguém imaginaria, um dia, que de fato se daria bem. Mas


no fundo, eles tentavam. Eram parecidos demais para se odiarem

para sempre.

Olívia segurou a caixinha que estavam os braceletes

vermelhos e os tirou, amarrando um no pulso dele, e permitindo


que Murilo fizesse o mesmo para com ela. O celebrante falou

algo, mas eles estavam tão inertes em si, que sequer saberiam

dizer o que fato era.

Eles optaram em não colocar o coração em viva-voz, não

em palavras. Porque de fato, os votos deles estavam espalhados


por aquelas mesmas areias, que marcaram seu passado e os
levaram até ali.

Até o momento em que eles foram declarados casados, na


mesma praia, em que discutiram sobre como a luz do sol era tão

variante, mas ao mesmo tempo, tão bonita.

E eles sabiam exatamente do porquê de ter sido ali. E não

precisavam mais de palavras, pois eles se conheciam, apenas


num olhar. Um olhar onde tudo começou. Um olhar onde tudo

permanecera.

Porque aquele amor era dourado como a luz do dia, e eles

se lembrariam de tudo aquilo muito bem.


EXTRA

“Eu gostaria que não fosse quatro da manhã

Parada em frente ao espelho

Dizendo para mim mesma: Você sabe que tinha que fazer isso

Sei que a coisa mais corajosa que já fiz foi fugir”[48]

VALÉRIA

— Eu sinto muito, Bianca.

Eu falei baixo, enquanto me aproximava do corredor que


sabia estar sua lápide. Eu vinha todo mês, para mudar as flores,

sempre para as rosas brancas que ela tanto gostava. Enquanto


caminhava, paralisei no passo, assim que encontrei Olívia bem

ali. Pensei em apenas dar as costas e fugir, mas sabia que não
podia. Não mais.

Não com o que logo ela saberia, assim como toda sua

família. E nada mais justo do que eu contar a ela, já que encontrei


em Olívia o que pensei que nunca mais teria com ninguém – uma

amizade.

Amassei o papel em minhas mãos, e o guardei no bolso,

sem coragem de contar aquela parte. Senti então o olhar de


Olívia sobre mim, e quando subi a cabeça, a mesma me

reconheceu. Eu vinha fugindo dela, justamente porque eu fugia

dos Reis. Principalmente, de um dos mais velhos deles.

Fugia daquilo porque tudo o que o envolvia não passava


de uma grande mentira. E eu, era a pessoa que tinha

conhecimento de tudo aquilo, ao acaso. E mesmo assim, mesmo

sabendo exatamente do tipo de pessoa que ele era, eu cedi.

E ali estava eu, no meio do cemitério, sendo pega nos

braços por Olívia Torres. A mulher que uma das pessoas que

apenas pagou o pato naquela história, felizmente, encontrou o

verdadeiro amor.

De todos, Murilo era quem realmente merecia – eu sabia.

Ele mal sabia do triângulo em que se meteu, e me culpava

não conseguir contar. Não depois de tanto tempo. Não quando

reencontrei aquela bendita carta e sabia do destino exato dela.


Por que, Bianca? Por que não deixou isso diretamente com ele?
No fundo, eu sabia das suas razões, até porque, as li, mas
ainda assim, quebrava meu coração.

— Val, o que foi? O que houve?

— Eu me fodi. — assumi, finalmente em voz alta. — Estou

grávida daquele cara que ama outra pessoa.

Ela então não disse nada, apenas me puxou para os seus

braços e eu aceitei.

E ela mal sabia, que agora fazia parte do ciclo, que

felizmente, para Murilo, se fechou. Olívia e Murilo, ainda

saberiam, mas a realidade era que no passado, foi exatamente

assim: Valéria que amava Tadeu, que amava Bianca, que amava

Murilo...

E agora, eu carregava um filho dele no ventre.

E quanto mais eu tentava correr, mais Tadeu Torres

conseguia me manter cativa.

Continua?
OS TORRES

Sendo realmente honesta: eu nunca imaginaria que estaria

finalizando essa série. Mas Aline, como assim? Pois é, na


verdade é exatamente isso. Porque Inácio e Mabi eram um livro

único, até que eu deixei um recadinho no fim do livro, e vocês


embarcaram nessa comigo. Quatro livros (e um conto de natal) e
uma família inteira depois, aqui estamos... Finalizando os Torres,
e eu sequer consigo pensar em dizer adeus.

Então, eu só queria agradecer a cada uma que topou viajar

por cada momento e cada detalhe de cada Torres. Eles foram o


meu respiro de alívio em meio a esse momento tão difícil que
todos nós estamos enfrentando. E algo que eu nunca falei

abertamente antes, é que os Torres surgiram da minha paixão por

novelas (de todo o tipo, colombianas, mexicanas, turcas,


coreanas... a gente tem de tudo).

Mas principalmente, por uma chamada Pasión de


gavilanes, que assisti quando estava disponível na Netflix em

2019. Um ano que me marcou, por quebrar o meu coração ao

perder uma das pessoas que eu mais amo nessa vida, e sei que
amarei até nas próximas – minha avó. Ela que me ensinou a amar

novelas, e me fez assistir toda uma nova, apenas porque me


recordava dos momentos ao seu lado.

Os Torres e Reis, nasceram da neta da dona Maria, que


era uma noveleira de primeira, e que ensinou a ela, o verdadeiro

significado de proteger os seus. E então, toda a minha vitória com

essas famílias, devo a ela. Ao que ela me ensinou.

E é por isso que eu nunca direi adeus, e sempre um “Até


logo” aos Torres, porque é exatamente assim que os considero,

como uma parte minha, que não me deixarei esquecer.

Obrigada por apoiarem esse sonho,

Com amor,

a neta da dona Maria, Aline


Sobre os Reis...

E depois desse EXTRA eu só imagino você assim: meme


da Nazaré confusa. Pois é, eu também fiquei quando Tadeu e
Valéria falaram comigo pela primeira vez. Mas o que eu tenho que

dizer é: se você sentiu curiosidade e quer continuar nessa jornada


comigo, só que agora, do lado dos Reis, não esquece de avaliar o
primeiro deles – o nosso Murilo. E claro, dar muito amor a nossa

última Torres – a nossa Oli.

Caso queira saber mais sobre os projetos futuros a respeito

de Tadeu, Igor, Carolina e Verônica, me siga nas redes sociais


listadas abaixo, principalmente no instagram (@alineapadua).
Estou doida para poder compartilhar tudinho com vocês.

Obrigada pela leitura,

Aline
CONTATOS DA AUTORA

Instagram: @alineapadua

Tiktok: @autoralinepadua

Meus outros livros: aqui


O melhor amigo do meu irmão (A REJEIÇÃO)

clique aqui

Sinopse: Gabriela Moraes era apaixonada pelo melhor amigo do irmão


mais velho desde os quinze anos. Antônio era mais do que o seu sonho de
consumo, ele também era a pessoa com quem ela sempre pode contar. O que
ela não imaginava, era que no seu aniversário de dezoito anos, ela seria
rejeitada da forma mais fria por ele.

Dois anos depois e ele bate à sua porta.

Ela queria não sentir nada, e não sabia o que ele fazia ali. Porém,

sabia que, nunca mais, lhe daria a chance de quebrar seu coração.
O irmão da minha melhor amiga (A REDENÇÃO)

clique aqui

Sinopse: Ane Sousa nunca quis se apaixonar por ninguém, muito


menos, pelo irmão mais velho da sua melhor amiga. Fábio Moraes era um
amigo, no fim, mesmo que a cada sorriso ela se visse sorrindo também. Era
inevitável desejá-lo. Quando aqueles lábios se tornam seus, por alguns
segundos, Ane pensa que talvez estivesse errada. Porém, a forma como ele
reage, lhe mostra, que o certo, sempre foi correr do sentimento.

Momentos marcados por desculpas esfarrapadas.

Dois anos de uma amizade consolidada, e nada mais.

Duas pessoas que fogem do real sentimento que as envolve.

No fim, eles se tornarão o clichê que nunca desejaram?


[1] Trecho da canção intitulada All To Well (10 Minutes Version) da artista
norte-americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de
lançamento: 2021.

[2] Trecho da canção intitulada All To Well (10 Minutes Version) da artista
norte-americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de
lançamento: 2021.

[3]
Trecho da canção intitulada State of Grace da artista norte-americana Taylor
Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de lançamento: 2021.
[4] Trecho da canção intitulada Last Time feat Gary Lightbody da artista
norte-americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de
lançamento: 2021.

[5] Trecho da canção intitulada All To Well (10 Minutes Version) da artista
norte-americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de
lançamento: 2021.

[6] Trecho da canção intitulada All To Well (10 Minutes Version) da artista
norte-americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de
lançamento: 2021.

[7] Trecho da canção intitulada Sad Beautiful Tragic da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de lançamento:
2021.

[8] Trecho da canção intitulada All To Well (10 Minutes Version) da artista
norte-americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de
lançamento: 2021.

[9] Trecho da canção intitulada Message In a Bottle da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de lançamento:
2021.

[10] Trecho da canção intitulada All To Well (10 Minutes Version) da


artista norte-americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de
lançamento: 2021.

[11] Trecho da canção intitulada All To Well (10 Minutes Version) da


artista norte-americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de
lançamento: 2021.

[12] Trecho da canção intitulada All To Well (10 Minutes Version) da


artista norte-americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de
lançamento: 2021.

[13] Trecho da canção intitulada The Best Day da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de lançamento: 2021.
[14] Trecho da canção intitulada The Best Day da artista norte-americana
Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de lançamento: 2021.

[15] Trecho da canção intitulada The Best Day da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de lançamento: 2021.

[16] Trecho da canção intitulada Holy Ground da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de lançamento: 2021.

[17] Trecho da canção intitulada Run feat. Ed Sheeran da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de lançamento:
2021.

[18] Trecho da canção intitulada Holy Ground da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de lançamento: 2021.

[19] Trecho da canção intitulada Pulei Na Piscina da dupla sertaneja


brasileira Guilherme e Benuto – álbum: DRIVE-IN (Ao Vivo), data de
lançamento: 2021.

[20] Trecho da canção intitulada All To Well (10 Minutes Version) da


artista norte-americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de
lançamento: 2021.

[21] Trecho da canção intitulada The Very First Night da artista norte-
americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de lançamento:
2021.

[22] Trecho da canção intitulada Sad Beautiful Tragic da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de lançamento:
2021.

[23] Trecho da canção intitulada the 1 da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: Folklore, data de lançamento: 2020.

[24] Trecho da canção intitulada I Almost Do da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de lançamento: 2021.

[25] Trecho da canção intitulada Daylight da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[26] Trecho da canção intitulada All To Well (10 Minutes Version) da


artista norte-americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de
lançamento: 2021.
[27] Trecho da canção intitulada The Very First Night da artista norte-
americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de lançamento:
2021.

[28] Trecho da canção intitulada All To Well (10 Minutes Version) da


artista norte-americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de
lançamento: 2021.

[29] Trecho da canção intitulada I Bet You Think About Me da artista


norte-americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de
lançamento: 2021.

[30] Trecho da canção intitulada All To Well (10 Minutes Version) da


artista norte-americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de
lançamento: 2021.

[31] Canção da artista norte-americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s


Version), data de lançamento: 2021.

[32] Trecho da canção intitulada All To Well (10 Minutes Version) da


artista norte-americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de
lançamento: 2021.

[33] Trecho da canção intitulada All To Well (10 Minutes Version) da


artista norte-americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de
lançamento: 2021.
[34]
Trecho da canção intitulada All To Well (10 Minutes Version) da artista norte-
americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de lançamento:
2021.
[35] Trecho da canção intitulada All To Well (10 Minutes Version) da
artista norte-americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de
lançamento: 2021.

[36]
Trecho da canção intitulada All To Well (10 Minutes Version) da artista norte-
americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de lançamento:
2021.
[37]
Trecho da canção intitulada Message In a Bottle da artista norte-americana
Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de lançamento: 2021.
[38]
Trecho da canção intitulada Holy Ground da artista norte-americana Taylor
Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de lançamento: 2021.
[39] Trecho da canção intitulada Come Back... Be Here da artista norte-
americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de lançamento:
2021.

[40] Canção da artista norte-americana Taylor Swift – álbum: RED


(Taylor’s Version), data de lançamento: 2021

[41] Canção da artista norte-americana Taylor Swift – álbum: Lover, data


de lançamento: 2019.

[42] Trecho da canção intitulada Stay Stay Stay da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de lançamento:
2021.

[43] Trecho da canção intitulada All To Well (10 Minutes Version) da


artista norte-americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de
lançamento: 2021.

[44]
Trecho da canção intitulada Daylight da artista norte-americana Taylor Swift –
álbum: Lover, data de lançamento: 2019.
[45] Trecho da canção intitulada Daylight da artista norte-americana
Taylor Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[46] Trecho da canção intitulada Daylight da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[47] Trecho da canção intitulada Daylight da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[48] Trecho da canção intitulada Better Man da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de lançamento: 2021.
Copyright 2022 ©

1° edição – março 2022

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS A ALINE PÁDUA

Revisão: Sônia Carvalho

Diagramação: AAA Design


SUMÁRIO
NOTA

UMA GRAVIDEZ INESPERADA

CEO INESPERADO – meu ex-melhor amigo

O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY

FELIZ NATAL, TORRES

UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O VIÚVO

PLAYLIST

Agradecimentos

SINOPSE

PRÓLOGO I

PRÓLOGO II

PRÓLOGO III

PARTE 1

CAPÍTULO I

CAPÍTULO II

CAPÍTULO III

CAPÍTULO IV

CAPÍTULO V

CAPÍTULO VI

CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII

CAPÍTULO IX

CAPÍTULO X

CAPÍTULO XI

CAPÍTULO XII

CAPÍTULO XIII

CAPÍTULO XIV

CAPÍTULO XV

CAPÍTULO XVI

CAPÍTULO XVII

CAPÍTULO XVIII

CAPÍTULO XIX

CAPÍTULO XX

CAPÍTULO XXI

PARTE 2

CAPÍTULO XXII

CAPÍTULO XXIII

CAPÍTULO XXIV

CAPÍTULO XXV

CAPÍTULO XXVI

CAPÍTULO XXVII

CAPÍTULO XXVIII
CAPÍTULO XXIX

CAPÍTULO XXX

CAPÍTULO XXXI

EPÍLOGO

Dentro da sua alma, você sabe quando é hora de ir...

EXTRA

NOTA

CONTATOS DA AUTORA

O melhor amigo do meu irmão (A REJEIÇÃO)

O irmão da minha melhor amiga (A REDENÇÃO)

UMA GRAVIDEZ INESPERADA

CEO INESPERADO – meu ex melhor amigo

O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY

FELIZ NATAL, TORRES

UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O VIÚVO


NOTA

E foi do livro único que se tornou uma série de quatro


irmãos, para uma série de quatro irmãos, que gerou outra série –
os nosso Reis. Antes de tudo, o recadinho de sempre para quem

vem acompanhando ou vai começar agora, os meus romances


clichês: todos os álbuns da Taylor Swift me marcaram em
momentos diferentes da vida, e desde maio de 2021, tenho

lançado livros clichês baseados em álbuns dela. Já passamos por


várias músicas até aqui com a Família Torres, e agora, vamos
iniciar uma nova jornada com a Família Reis.

Não é obrigatória a leitura da outra série para o


entendimento deste livro, porém, fica a recomendação,

principalmente, do último livro da série, que conta a história de um


dos irmãos Reis – o Murilo. Deixarei-os listados em ordem logo

abaixo dessa nota, caso prefiram lê-los.

Preciso contar a vocês que as músicas Better Man e

Mirrorball da Taylor, me influenciaram e muito durante a escrita

desse livro. Posso dizer que cada uma representa um dos


protagonistas, e estou realmente apegada a elas.
GRÁVIDA DO CEO QUE NÃO ME AMA tem o seu nome

clichêzão, e traz consigo muitos dos clichês que a gente (ou odeia
rs), e claro, com muitas referências a novelas de todas as

nacionalidades que imaginarem, mas principalmente, aos

doramas (aliás, imagino a Valéria como a protagonista de A vida


secreta da minha secretária, que é um dos meus favoritos).

Entenderão que Val e Tadeu podem parecer opostos completos,

mas em cada limite de um, a gente nota que tem o encaixe para o
outro. Ao menos, espero que sim. E de todo coração, que eles te

conquistem.

Espero que esse livro seja um respirar profundo durante

esse momento tão difícil (e que aos poucos, vamos superando).

Boa leitura,
Aline Pádua
UMA GRAVIDEZ INESPERADA

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SINOPSE

Se no meio do caminho de algumas pessoas tem uma pedra, no


meio do caminho de Maria Beatriz, sempre teve Inácio. O herdeiro da
fazenda que fica ao lado das antigas terras de sua família, tornou-se um
homem bruto e fechado, que quando aparece na sua frente, ela já sabe que só
pode ser problema ou alguma proposta indecorosa. Maldito peão velho!

Inácio Torres é um homem de poucas palavras, mas que vê em uma


mulher tagarela, a oportunidade perfeita. Mabi precisa de dinheiro, ele o tem.
Ele precisa de um casamento falso, e ela é a escolha perfeita. Porém, a única
coisa que recebe de Mabi, como sempre, é uma negativa. Maldita criança
sonhadora!
No meio das voltas que a vida dá, uma noite de prazer os marca. E a
consequência será muito maior que o arrependimento: UMA GRAVIDEZ
INESPERADA.
CEO INESPERADO – meu ex-melhor amigo

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SINOPSE

Se nem tudo que reluz é ouro, Júlio é apenas a melhor imitação de


pedra preciosa em que Babi colocou os olhos.

O seu ex-melhor amigo, a abandonou e quebrou seu coração quando


eram adolescentes. Bárbara Ferraz jurou a si mesma que nunca mais o
deixaria chegar perto. Maldito CEO engomadinho!

Júlio Torres sabe que deixou uma parte de si para trás. Sua ex-melhor
amiga o odeia e ele, muitas vezes, teve o mesmo sentimento por si. Maldita
sombra!

Júlio sabe que não pode mais ignorar, porque ele não quer apenas a sua
melhor amiga de volta, ele a quer como sua.
Babi foge dele como o diabo foge da cruz. Entretanto, como fugir se
depois do reencontro e finalmente os pratos limpos, ela se descobre
grávida do seu ex-melhor amigo?
O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY

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SINOPSE
Se existe amor à primeira vista, Abigail Alencar e Bruno Torres
compartilham o completo oposto. Abi o detestou desde o primeiro momento,
e com o passar dos anos, o sentimento permaneceu. Bruno é o típico cowboy
cafajeste, arrogante e popular, que ela não suporta a presença nem por um
segundo.

A cidade pequena sabe de seu desgosto e desinteresse no mais novo


dos Torres, porém, ele sempre pareceu ficar ainda mais animado em confrontá-
la. Se existe algo sobre Bruno que ela conhece bem, é que ele não foge de um
desafio.

Assim, quando Abi o encontra como babá da sua filha de apenas um


ano, ela só consegue pensar que ele quer algo. Bruno jura que está ali apenas
para tirá-la do sério, como sempre, mas tudo acaba por mudar, naquele exato
instante.

Existe uma linha tênue entre o amor e o ódio... eles estarão


dispostos a cruzá-la?
FELIZ NATAL, TORRES

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SINOPSE
O Natal parou de ser uma data festiva, e tornou-se dolorosa, assim que
Maria Beatriz perdeu os pais. No entanto, nesse ano, tudo mudou e ela vai lutar
para que essa data seja ressignificada. Que ela possa sorrir, o tanto quanto,
um dia o fez, no passado. Assim, ela precisa que tudo saia PERFEITO.

Uma árvore de Natal destruída, enfeites perdidos pela casa, a ceia que
não vai chegar a tempo, um desmaio...

Será que ela terá o seu Feliz Natal ao lado dos Torres?

Esse é um conto natalino, narrado na visão de Mabi e Inácio (do livro


Uma Gravidez Inesperada), onde você poderá passar essa data tão especial
ao lado da Família Torres.
UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O VIÚVO

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SINOPSE
Olívia Torres sempre teve em mente que para bom entendedor meia
palavra basta. Assim, quando se apaixonou perdidamente e descobriu que o
homem com o qual se envolveu era casado, o seu mundo perdeu o chão. Ela
apenas foi embora, sem olhar para trás.

Contudo, com Murilo, ela nunca pôde parar de olhar. Ainda mais,
quando descobriu que estava grávida.

Murilo Reis perdeu tudo. Nunca pensou, que em algum momento,


poderia voltar a sentir algo. Entretanto, bastou um olhar para Olívia, para ele
compreender que ainda existia uma chance. Chance essa, que se perdeu por
completo, quando ela o deixou.

Anos depois e uma coincidência do destino, Murilo descobre que não


apenas as lembranças daquele amor de verão permaneceram, mas sim, que
ele tem uma filha.

Um amor de verão pode ser o amor para a sua vida?


PLAYLIST

Posicione a câmera do seu celular para ler o QrCode e conheça

um pouquinho das músicas que inspiraram este livro. Caso não consiga ter

acesso, clique aqui


Agradecimentos

Raramente faço isso abertamente nos livros, mas senti que


esse momento precisava. Gostaria de então, listar as pessoas
incríveis que tive ao meu lado durante a jornada de Tadeu e

Valéria. Na realidade, todas elas estão comigo desde o primeiro


Torres, e meu coração fica muito grato e em paz por tê-las.

Minha gratidão a Adri, Isa, Kami, Lana e Lívia, por


aceitarem passar por cada curva diferente que essa história deu,
desde antes mesmo de eu começar a escrevê-la. Ter vocês ao

meu lado, fez com que tudo fosse mais fácil. E fez de Tadeu e
Valéria o que eles são.

E as minhas leitoras, que abraçaram essa ideia com tanto


amor e antes mesmo da data do lançamento, fizeram o livro bater

recordes pessoais meus, em relação a pré-venda de um ebook.

Obrigada por apoiarem o meu trabalho e serem tão


dedicadas. A cada uma de vocês, desejo que o seu clichê favorito

se realize (quem sabe um Reis para chamar de seu rs)

Esse livro é para vocês


Com amor,

Aline
SINOPSE

O triste é que aquele velho ditado se tornou real em

sua vida: Valéria que amava Tadeu, que amava Bianca, que
amava Murilo, que não amava ninguém. Desde que seus olhos
pousaram em Tadeu Reis, Valéria se apaixonou. Não sabia dizer

se era pelo olhar escuro enigmático, o sorriso que ela queria tirar
daqueles lábios cerrados ou o fato de ele ser tão atencioso.

Porém, Tadeu apenas tinha olhos para outra mulher, e


Valéria escondeu aquele sentimento no fundo de sua alma,

tentando matá-lo durante os anos que se passaram. Uma


coincidência do destino, os coloca frente a frente. Ela sabe que

ele é errado, mais do que isso, uma grande mentira, porém, seu

corpo não resiste.


E uma noite com o homem errado não é o fim do mundo,

certo? Para ela, tornou-se um outro começo, já que terá uma


parte dele consigo, para sempre. Valéria está grávida do homem

que não a ama. E não pretende deixá-lo descobrir.


“Não negligencie o que você tem, pensando no que perdeu.”[1]
PRÓLOGO I

“Lá estava eu novamente esta noite

Forçando a risada, fingindo sorrisos

Mesmo velho, cansado, solitário lugar

Paredes de insinceridade

Olhares perdidos e vagos

Sumiram quando vi o seu rosto

Tudo que posso dizer é que foi

Encantador te conhecer"[2]

VALÉRIA
— Gael, você precisa se casar com ela! — a voz de minha

tia soou baixa e calculada, assim como aquela festa de


casamento arranjado que acabávamos de descobrir, que tinha por

objetivo no final, anunciar o casamento do meu irmão mais velho.

— É pelo bem dessa família!

— Pelo nosso bem? — ele revidou, soltando-se dela, e

olhando-a com desdém. — Nunca pensa em ninguém além de


você, Hellen. Tem medo de que a gente afunde a empresa da

família e por isso, corre para o lado onde a corda é mais forte.

Respirei fundo, ainda sem entender por completo, e

segurei com força a minha bolsa.

— Ei! — ouvi a voz de Henrique, que segurou nosso irmão

e fez um sinal de negativa com a cabeça. — Apenas fique até o

fim, irmão. Não vai se casar com ela.

— Como ousa...

— Cale a boca, Hellen! — senti as mãos de Paola

segurarem com força no meu vestido, e tive pena da minha irmã

de apenas cinco anos. Nosso pai acabava de chegar, bêbado

como sempre e a ponto de ter que ser carregado dali. — Vocês


são todos uma vergonha... Se ao menos, Eliane estivesse aqui...
— A mamãe tá com as estrelas, né, tin tin? — olhei para a
inocência de Paola, e fiz apenas um sinal de cabeça para Rique,

saindo dali de imediato, e adentrando um grande corredor, que

daria para a festa.

Parei por um segundo com ela, e me ajoelhei, sorrindo. Eu

tinha apenas quinze anos, e não sabia muito sobre nada, mas

sabia que não poderia deixar com que Paola fosse atingida por

aquilo. Não como a gente foi.

— A mamãe é uma estrela. — apertei seu nariz e ela

sorriu, com os olhos castanhos já mais animados. — E você é a

nossa estrelinha. — girei-a no lugar, fazendo-a parar à frente da

grande parede espelhada. — A gente vai entrar, comer, cantar

kpop pelos cantos e depois vamos embora.

Ela assentiu, abraçando minhas pernas.

Olhei para o meu reflexo, e apenas consegui pensar que o

ruivo dos meus cabelos estavam a cada dia ficando mais escuros.

A nossa descendência coreana pela parte materna ainda

permanecia, e era algo que tinha orgulho.

Ao menos, algo que poderia sempre me lembrar de minha

mãe, no caso, todos nós. Pois nós tínhamos os olhos dela. Parte
do motivo de nosso pai nos odiar.

— Ei! — ouvi a voz de Bianca, e me virei.

Paola se soltou e correu até a mesma, que a abraçou no

ar. Ela era a única amiga que fiz em toda a vida. Talvez porque
ela vivia no mesmo meio que eu, ou porque as nossas famílias
eram próximas. Mas ela era uma das poucas pessoas que não

me olhavam de cima abaixo, como se julgando o fato da minha


família ser um verdadeiro caos.

E ela era boa em me fazer pensar em qualquer outra coisa,


como suas roupas, joias e gostos. Além de termos um gosto

musical parecido.

— Vem, a família do Murilo veio!

— Pode só ficar com Paola um minuto? — pedi, vendo um


corredor que dava para o banheiro. — Só vou rapidinho retocar o

batom. — ela assentiu, e saí a passos apressados dali.

Na realidade, eu só precisava respirar fundo, antes de


entrar de fato naquela festa. Eu sentia os olhares. Eu sabia do

porquê dos olhares. Minha tia já estava me vendendo para


homens mais velhos ou com nomes importantes.
Joguei um pouco de água na nuca e fechei os olhos,

pedindo internamente que pudesse apenas fugir logo dali com


minha irmã a tiracolo.

— Sorria e finja que não sente nada. — repeti a mim


mesma, e abri a porta do banheiro.

Ainda me acostumando com aqueles saltos altíssimos,


senti meu corpo desequilibrar e bati contra um outro. De repente,
senti a atmosfera toda mudar, e foi como se estivesse presa a

uma das cenas dos doramas[3] que eu adorava. Senti o olhar

escuro encontrar o meu, e ele era tão penetrante quanto


fascinante. Só conseguia pensar em como ele era bonito, e como

o toque dele sobre a pouca pele exposta na minha cintura, fazia-


me sentir as borboletas voarem por todo o estômago.

O que estava acontecendo?

— Ei, sai da frente!

Senti alguém bater contra meu corpo, e fui empurrada


ainda mais para o dele. A mulher adentrou o banheiro, e eu fiquei

ali, ainda presa no homem desconhecido à minha frente. Ele me


era vagamente familiar, mas ainda assim, não tinha ideia.

— Ah, vejo que conheceu o irmão mais velho do Murilo.


Dei um pulo para trás, e então notei que mesmo com o
salto enorme, ele ainda era mais alto do que eu. Desde quando
eu ligava para altura de alguém?

— Me desculpe, eu não te vi e...

Ele apenas assentiu, como se fosse encerrar a conversa.

— Tadeu, essa é a Valéria...

— Apenas Valéria. — falei rapidamente, e ela assentiu,

como se entendesse meu receio com meu sobrenome. Ela sabia


um pouco, na verdade. — É um prazer. — estendi a mão e seu

olhar ainda me analisava, como se estivesse pensando se deveria


ou não aceitar.

— Tadeu Reis.

Apertou minha mão, e novamente, senti meu corpo todo


retesar, e de repente, não pensei em mais nada que não

fôssemos nós dois, exatamente ali, no toque um do outro.

E no lugar menos inesperado, eu encontrei... o que sequer

conhecia de fato – meu primeiro amor.


PRÓLOGO II

“Eu te odeio, eu te amo

Eu odeio querer você

Você quer ela, você precisa dela

E eu nunca serei ela"[4]

Quatro anos depois...

VALÉRIA

As lembranças me atingiram em cheio. Olhei para o final do

corredor vazio, lembrando que antes daquele dia, o sorriso de


minha amiga era maior. Mas eu nunca mais o veria, nem seu

brilho.

Ela tinha se casado com o melhor amigo – Murilo Reis.

Contudo, ele nunca a amou de tal forma. Era uma linha clara, que
ele jamais ultrapassaria com ela. Ele a amava, mas como uma

irmã. E ela, tinha seu amor por ele, em um romance. E no meio

daquilo tudo, segundo ela, encontrou conforto nos braços do


irmão mais velho dele – Tadeu.

E eu estive lá, vendo-a ser recebida por Tadeu, em seu

apartamento. Fomos vizinhos por algumas semanas, e de

repente, a proximidade aleatória que pensei ser o ponto chave


para conseguir, ao menos, ser amiga dele, se tornara em um

penhasco. Os cumprimentos dados e suprimentos trocados, se


transformaram em literalmente nada.

Não depois da noite que ele e Bianca tiveram.

Sem conseguir suportar, vê-lo recebê-la novamente, eu

voltava para o meu apartamento, com o choro acumulado, me


negando a deixar as lágrimas descerem. Eu conseguia ouvir

claramente, todas as vezes, o meu coração se quebrando. Assim

como o foi, quando ela me contou sobre o que aconteceu.


Mas ela estava feliz, e por um momento, sabia que a sua
felicidade, valia muito mais. E ela não tinha ideia que o custo da

sua felicidade, também me atingia.

Então eu ouvi, quieta e com um sorriso no rosto, ela me

contar, que foi ao apartamento dele, apenas para perguntar algo,

e ele então... Ele a beijou apaixonadamente e confessou que faria


de tudo por ela. Até mesmo, cancelaria o casamento. Contudo,

Bianca não podia lhe dar aquilo, ela estava em um momento

delicado, e infelizmente, de dias contados. Mas pelo jeito, ele

aceitara ser dela pelos dias que restariam, e ao menos, sentir um

gosto daquele amor.

E foi o que houve, até o momento em que ela partiu.

Meu coração se quebrou, daquela vez, por perder a única

amiga que tivera. E que infelizmente, tivera que me separar tão

cedo. Segurei com força o envelope que ela me entregou. A

última coisa que me dera, deixando claro que não era o único,

mas conseguiria se lembrar de onde realmente deixou. E era uma


carta, que ela me destinou, a entregar no momento certo, a

Murilo.
“Querido Murilo,

Eu sei! Eu prometi que não faria cartas tristes, mas é mais

forte do que eu, você sabe. Na verdade, você sempre soube mais

sobre mim do que eu mesma. E eu não quero enrolar ou dizer


que te amo pela milésima vez, na verdade, essa carta é um

pedido de perdão.

Perdão por tê-lo feito se amarrar a mim tão cedo. Perdão


por tê-lo feito de meu marido, apenas para realizar o meu sonho

de construir um conto de fadas, que eu sempre soube, ele nunca


desejou estar. Perdão por pensar sempre tanto em mim, e nunca

em você. Na realidade, em vocês.

E me dói admitir que eu entreguei tudo de mim, nos últimos

dias. Posso culpar o meu desespero pela vida, mas a realidade é


que pensei em mim. Novamente. Pensei e ainda penso, enquanto
escrevo essa carta. Porque não consigo sequer te olhar direito,

mesmo com um sorriso no rosto. E a culpa está em ter te traído.

Assim, na lata.

E a culpa está em ter te traído com seu irmão mais velho.

Assim, na lata de novo.


Eu sei que isso vai atormentar Tadeu, e assombrá-lo. Mas

o que eu posso dizer para tentar amenizar, quem sabe, um pouco


disso? É que nenhum de nós planejou que acontecesse.

E bom, estar com ele, me mostrou que de fato, nunca


poderia ter o verdadeiro amor com você. Nem nos dias contados.

Nem em um milhão de anos. Entendi que não fomos feitos para


ser, como um romance, estando nos braços dele. E eu preciso te

pedir perdão, por não me arrepender disso, mas por ter feito
tantas escolhas que me levaram a trair o que mais prezei de fato
– a sua confiança.

Sei que não resta nada, não agora.

Mas eu sei que se existe você, que sempre esteve lá por

mim... E a pessoa que eu sempre vou amar, independente das


escolhas que tive.

Você é o meu porto seguro, Murilo. Sempre foi.

Me perdoe por não ter sido o seu.

Com amor e saudade,

Bianca”

E ali estava eu, abrindo-a, pela primeira vez, e soube que


não tão cedo, lhe entregaria. Murilo merecia mais do que
descobrir, em meio à dor de perder a melhor amiga que tanto
amava, e que se culpava por não amar além daquilo, que foi
traído por ela e pelo irmão.
PRÓLOGO III

“Me beije no banco do seu Rover

Realmente doce, mas eu queria que você estivesse sóbrio"[5]

Um ano depois...

VALÉRIA

— Noite difícil. — deixei sair, enquanto me acomodava no


banco de couro isolado ao seu lado. Virei o resto da dose de

tequila, e meu olhar parou no escuro do seu.

— O que faz aqui, Fontes? — perguntou, fazendo-me

revirar os olhos.
— O mesmo que você, Reis. — Levantei o copo vazio, e

encarei a bagunça de pessoas e corpos, em um bar barato no


meio da estrada mais longe de casa possível, mas perto o

suficiente para voltar antes de darem falta. — Afogando um amor.

Senti seu olhar em mim, mesmo que não estivesse o

encarando. Virei-me, notando a surpresa clara na expressão, que

permanecia ainda dura e intacta.

— Surpreso de eu saber que bate um coração aí dentro?


— perguntei, tocando levemente sobre a lapela do seu terno

amassado, e ele segurou minha mão de imediato. — O que?

Apenas Bianca podia tocar aí?

Notei então todo o seu ar de dono de mundo estremecer, e

foi como se por um segundo, e talvez pela primeira vez, o visse

sem palavras. Soltei-me de seu aperto e ri sozinha, assim que

alguns desconhecidos deixaram bebidas caírem sobre a mesa à


nossa frente, não me contive e peguei a garrafa que fora salva. O

álcool podia ajudar.

— Fontes...

— O quê? — virei-me, e era claro o pânico em seu olhar.


— Apenas eu sei, se é isso que te fez perder a pose de intocável
e frio. Seu casinho está a salvo comigo, sou ótima em esconder
coisas...

— O que quer em troca? — perguntou, e nem tentou negar


de fato que teve um caso com a esposa do irmão mais novo.

Por que ele tinha que ser tão direto?

Por que ele não podia ao menos fingir não saber do que eu

falava?

— Que o homem que eu amo me ame. — falei seriamente,

mas não pude conter a risada em seguida. Ele franziu o cenho, e

se aproximou levemente, como se fosse para me cheirar. — Estou

bêbada, se é isso que está se perguntando...

— Está mesmo afogando as mágoas por amor?

— E você, não? — dei de ombros, e por um segundo, o

meu braço nu pelo vestido tocou em seu terno sob medida, o que

fez um arrepio percorrer todo meu corpo.

— Não estamos falando sobre isso. — cortou-me, e revirei

os olhos, sem conseguir me conter. — Por que age como se essa

conversa fosse uma birra?

— Me beije e nosso contrato de fidelidade está selado. —

falei, e notei-o me encarar como se tivesse duas cabeças. — Não


deve ser tão difícil. Vamos fingir que somos dois desconhecidos

no meio do nada, e que eu sou a mulher mais gostosa do lugar e


você o gostosão que todo mundo quer... Então, a gente se beija, e

dá um show para todos, como num roteiro perfeito de uma novela.

Ele não disse nada, e então, apenas me aprontei, ficando

de joelhos sobre o sofá e levei uma das mãos ao seu rosto. De


imediato, sua mão impediu a minha, e eu tive que rir de como ele
era tão difícil.

— Com Bianca não foi difícil, né? — indaguei, e notei seu


aperto afrouxar, a ponto de que pude tocar com as unhas a sua

barba que sempre tentei imaginar a textura.

— Não estamos fazendo um contrato de fidelidade com um

beijo, Fontes.

— Tão poderoso, bonito e intocável para mim, Reis? —

minhas unhas afundaram levemente em sua nuca, e sua


sobrancelha subiu, como se me desafiasse. — Era apenas um
teste, para ver até onde iria por esse segredinho sujo. — afastei-

me de imediato, e deixei a bebida que estava na outra mão, cair


sobre a mesa.
Dei-lhe as costas, e segui para fora do estabelecimento.

Aquela noite tinha começado do pior jeito possível e ela estava


para terminar, com um coração novamente quebrado e a

sensação de não pertencimento que eu já conhecia tão bem. Nem


mesmo correndo qualquer risco, ele se arriscaria a ficar tão perto

de mim.

Por quê?

Qual era o problema comigo, afinal?

— Não é um segredinho sujo.

Parei diante da sua voz baixa e controlada. Virei-me, e seu


olhar parou, encontrando o meu.

— Vai me beijar então pelo seu caso de amor com a


esposa do seu irmão?

— Como sabe sobre isso? — indagou, parecendo se dar

conta de que não tinha questionado sobre. — Quem mais sabe?

— Bianca era minha amiga, Tadeu. — falei, e fiz um sinal

de descaso com as mãos. — Ela precisava de um ombro para


contar o quão culpada se sentia por estar feliz nos braços do

homem que não amava. — minha voz soou curta e grossa, mas
não me segurei.
Ele sabia que ela não o amava. Eu sabia daquilo também.
E por um segundo, só queria que doesse nele, o tanto quanto
doeu em mim, saber que ela tinha tudo aquilo que eu mataria por

um segundo.

— O que me garante que não vai contar a ninguém?

— A minha palavra. — ele me encarou perplexo. — Bem-


vindo ao mundo de confiar nas pessoas, Reis.

— Não confio em você, Fontes.

— E nem eu em você... — olhei-o com desdém, por mais

que meu coração gritasse no peito. — Um dia vou cobrar minha


dívida sobre isso. Sobre o meu silêncio.

— Não era o beijo?

Ri alto, e antes que ele pudesse falar algo ou se afastar,


apenas fiquei na ponta dos meus saltos e toquei nossos lábios

levemente. Um segundo, mas que eu guardaria em minha


memória, como raro e intocável, antes de nossos olhos se

encontrarem, e a magia se dissipar.

Infelizmente, como eu imaginava, a magia esteve, no breve

encontro dos seus lábios nos meus.


— Acha mesmo que pode negociar com um beijo? —
neguei com a cabeça. — Soube que os Reis são os melhores em
fazer acordos, portanto, que o nosso conste como aberto... Um

dia, eu vou cobrar.

— Não pode simplesmente dizer o que quer?

— O que eu quero, você nunca poderá me dar. — olhei-o

de cima abaixo, e soube que já bastava por aquela noite. Vinte


anos e dignidade alguma não era algo que gostaria de repetir. —

Então, no momento que eu puder cobrar algo, o farei.

Saí andando, e poderia jurar que deixei um homem com as


mãos presas às costas. E aquele era o único jeito de ter algum

controle sobre Tadeu Reis em minha vida, mesmo que nunca

fosse usá-lo ao meu favor. Eu só queria poder ter controle sobre

alguma coisa relacionada a ele, já que o meu coração já estava


perdido há tempos.
PARTE 1

“Às vezes, no meio da noite

Eu posso te sentir de novo

Mas eu só sinto sua falta

E só queria que você fosse um homem melhor

E sei porque tivemos que dizer adeus

Como a palma da minha mão

Mas eu só sinto sua falta

E só queria que você fosse um homem melhor”

Better Man – Taylor Swift


CAPÍTULO I

“Com suas mãos nos bolsos

E seu sorriso de: Aposto que você queria me ter

Mas eu queria, então eu sorri, e me derreti como uma criança

Agora cada respiração que respiro me lembra disso"[6]

OITO ANOS DEPOIS

VALÉRIA

Olhei para as fotos que carregava de nós ainda crianças,

todos juntos. Eu sentia tanta saudade dos meus irmãos, que doía

ainda mais, em ocasiões como aquelas. Por tal motivo, não


consegui passar o Natal junto com a nova família que encontrei –

os Torres.

Ainda era uma ferida aberta, estar tão longe pelo bem dos

meus irmãos, e não poder compartilhar momentos que antes de


nossa mãe falecer, foram únicos.

Olhei de soslaio, para ver as pessoas no bar à minha frente

se abraçarem, e então tive certeza de que já deveria ser meia-

noite, no caso, vinte e cinco de dezembro.

— Feliz Natal, minhas vogais favoritas. — falei para a foto,

e guardei-a novamente na minha carteira, assim como, os


guardava em meu coração.

Suspirei fundo, e então levantei minha cerveja aberta em


direção às pessoas do outro lado do balcão, que sorriam entre si,

e pareciam estar realmente aproveitando a noite tão especial

perto, mesmo que trabalhando. Enquanto eu, naquele bar no

meio da estrada, que funcionava também como uma pousada,

não tinha outra escolha.

— Existe algo em lugares no meio do nada que me trazem

até você?
A pergunta me paralisou, e senti todo meu corpo ser
percorrido por um arrepio. Olhei para a quantidade de garrafas

que bebi, e não passavam de quatro, o que mostrava que estava

longe de estar bêbada de fato.

Não ousei virar, imaginando que era minha própria mente

inventando algo, já que fazia um bom tempo desde que ouvira

aquela voz, e talvez, eu já estivesse de fato criando-a em minha

mente, e confundindo-a com qualquer uma.

Foi então que o banco ao meu lado foi puxado e senti a

presença esmagadora que apenas ele conseguia me causar.

Depois de tantos anos, era ainda mais assustador, ter a certeza

de que aquela áurea o envolvia. Ou melhor, me envolvia, quando

ele estava por perto.

Dos quinze anos, para os meus vinte e oito anos, parecia

que a sensação de o ter por perto, tornara-se ainda mais

evidente.

Ousei então olhar ao lado e não pude acreditar no que

meus olhos viam – Tadeu Reis. O que diabos Tadeu Reis fazia
ali? E por que ele estava falando comigo?
Foquei na minha bebida e tive que jurar a mim mesma que

comecei a alucinar de fato. Assim que terminei, pedi mais uma, e


continuei apenas curtindo a música natalina que tocava ao fundo,

enquanto as pessoas tão perdidas quanto nós eram acolhidas


naquele lugar.

— Vai me ignorar com cerveja a noite toda?

— Que eu me lembro, Tadeu Reis não é muito de falar. —


soltei de uma vez, antes de terminar outra garrafa. — O que faz

aqui? Como me encontrou?

— Por incrível que pareça, não estou propositalmente atrás

de você. — comentou, e me neguei a encará-lo. — É estranho


reencontrá-la justamente no meio de do nada, longe de tudo,

depois de tantos anos...

— Não contei a ninguém e ainda tem uma dívida comigo.

— cortei-o, antes que continuasse.

Finalmente o encarei e sabia que foi um erro. Um erro em

forma de olhos escuros tão profundos, quanto o céu sem estrelas.


E ali estava eu, fazendo poesia, mesmo que ele não merecesse
uma linha dela.
Vi-o pedir um copo e uma garrafa de uísque, o que não me

surpreendeu. Apenas não saí dali de imediato porque não queria


parecer intimidada por sua presença. Contudo, depois de tantos

anos, reencontrá-lo justamente em um local parecido com o qual


o beijei pela primeira vez – mesmo que fosse sem importância

real – era um tanto quanto estranho. E aquilo me afetava.

— Há algo de errado em eu querer falar com alguém que

conheço? — indagou de repente, após uma dose, e o encarei,


sem entender nada.

— O que faz nesse fim do mundo? — perguntei por fim,

sem conseguir me conter. — Se não está me seguindo por conta


do que sei, como chegou aqui?

— De carro? — rebateu, e eu levantei uma sobrancelha,


sem conseguir reconhecê-lo.

Eu o conhecia desde os meus quinze anos, justamente na


época que me apaixonei, e realmente, nunca o vi agir de tal

maneira. De ser debochado daquela maneira, o que geralmente


pertencia a Igor ou Carolina. Ele teria mudado tanto assim? Ou eu
de fato nunca o tinha conhecido?

— O quanto já bebeu?
— Primeira dose. — levantou a garrafa e então colocou
mais em seu copo. — Só estou cansado... esqueça o que disse.

— Só se me der uma dose. — acabei por falar, e estiquei


minha mão até o seu copo, que ele segurava contra o balcão.
Nossos dedos se encontraram, e por uma fração de segundo, era

como se tudo parasse.

O mundo ia e vinha, e eu permanecia ali, apaixonada por


ele. Era alguma condenação? Algo para me fazer gostar ainda

mais dos meus doramas que não aconteceriam em minha vida?

Ele não afastou os dedos e muito menos aceitou os meus,

surpreendendo-me quando levantou o copo em direção à minha


boca e me fez beber daquela maneira, enquanto ele me servia.

Seu olhar permaneceu no meu, e por um segundo,


imaginei que era o mais perto de qualquer interação real que já

tivemos. Tão palpável quanto a atração que eu sentia e me


negava a deixar sair. Quando ele afastou o copo, e a bebida

desceu queimando minha garganta, seus olhos permaneceram


em mim.

E por um segundo, permiti-me acreditar que era em minha


direção que eles gostariam de estar.
Uma garrafa de uísque depois, e eu perambulava me
segurando contra o corrimão da pequena escada, para chegar ao
meu quarto. Um sorriso despontava em meu rosto, sendo

impossível ignorar o fato de que uma noite de bebedeira e um


longo silêncio ao lado de Tadeu Reis poderia ser tão boa.

Era tão boa porque era com ele?

— Fontes. — chamou, assim que cheguei à frente do


quarto, e me virei ainda com o sorriso que não saía de meu rosto.

Uma eu bêbada era pior do que várias de mim alegres sóbrias. —

Obrigado pela companhia essa noite. — assumiu, deixando-me


surpresa.

Tudo naquela noite me deixava completamente sem jeito.

E não era apenas pelo fato de que a barba dele estava maior do

que eu recordava, as sobrancelhas marcantes tão escuras quanto


os cabelos bem penteados e que pareciam ser sido feitos para

aquele belo rosto. Não... tinha mais ali.

— Feliz Natal, Reis. — falei, e estendi minha mão, como se

fosse uma forma de deixar apenas passar e fingir que além de


surpresa, eu estava ainda mais na dele. Eu era patética?
— Feliz Natal, Valéria. — apertou minha mão, fazendo-me

sorrir de imediato.

— Temos uma mudança aqui. — neguei com a cabeça. —

Nunca me chamou pelo primeiro nome, e eu muito menos pelo

seu...

— Algumas coisas são como são. — assenti e sabia

exatamente do que se tratava.

Nós éramos de sobrenomes que exigiam algo além de o

seu próprio querer. Na realidade, geralmente éramos uma versão


distorcida de nós mesmos para com a grande parte dos que nos

cercavam. Ao menos, eu era. Até os meus vinte anos, pelo

menos, quando desisti de ser. Pelo bem dos meus irmãos.

Já Tadeu, ele era? Ele sempre foi?

— Às vezes, poderiam só não ser... — dei de ombros, e

afastei minha mão da sua, fugindo dele, como se pudesse fugir de

mim mesma por alguns segundos. — Bom, é por isso que estou
aqui.

— Fugindo?

— Me encontrando também. — admiti, e notei-o engolir em

seco, enquanto seu olhar pousou no meus lábios e


permaneceram ali. — E você, fugindo?

— Não faço ideia.

E então deu um passo à frente, e de repente, estava


apenas eu contra a parede, encurralada por suas mãos ao lado

da minha cabeça, enquanto seu olhar me consumia.

— Diga-me para não fazer isso. — falou baixo, próximo aos

meus lábios, como se fosse uma prece. — Diga-me para parar


antes que possa...

E sem conseguir me segurar, minhas mãos foram para o

seu rosto e seus lábios chegaram aos meus. Diferente daquele

primeiro beijo sem qualquer propósito, aquele era real. Suas mãos
em minhas costas, puxando-me para si, fazendo-me agarrar ao

seu corpo, como se precisasse de sua proximidade para respirar.

Sua boca devorando a minha, como se aquela fosse uma marca


que apenas ele pudesse deixar.

E de repente, eu apenas o permitir deixar a marca que

quisesse.

Afinal, uma noite com o homem errado não era o fim do


mundo. Ou era?
CAPÍTULO II

“Você já não sabe demais?

Só vou te machucar se você me deixar

Me chame de amiga, mas me mantenha mais perto (me ligue de volta)

E eu vou te ligar quando a festa acabar”[7]

VALÉRIA

Positivo!

Levei as mãos à cabeça, sem conseguir acreditar e quis

socar minha própria cara por um segundo. As coisas já estavam


mais complicadas do que poderiam. De todos os interiores em
que os Reis poderiam se enfiar, eles tinham se enfiado

justamente na cidade vizinha na qual eu morava.

E pior, o homem do qual eu escondia uma parte importante

do passado, também o fazia, e esse homem era o atual marido da


minha atual melhor amiga. Murilo Reis era uma parte do passado

que Bianca deixou para que eu consertasse, já que ela não teve

tempo, e ali estava eu, literalmente fodida com toda a situação.

Por todos os lados parecia acorrentada aos Reis.

Primeiro: me apaixonei pelo espécime masculino de pior

índole deles, e que de quebra, amava minha amiga na época.

Segundo: sabia que ele e minha amiga tiveram um caso,

enquanto ela era casada com o irmão mais novo dele. E eu tinha
uma bendita carta para entregar para Murilo, a qual nunca tive

coragem.

Terceiro: agora estava esperando um filho de Tadeu e não

sabia por quanto tempo poderia fugir de fato.

Aquela história toda já era confusa demais, e eu me


arrastei para dentro da confusão no momento que permiti que ele

entrasse naquele quarto comigo. Eu não pensei que seria um


risco, porque eu me protegia, mas ainda assim, ali estava eu,
grávida.

Eu tinha fugido pela minha família, e para não estar presa


ao que mais aterrorizava naquela hierarquia que os Fontes se

enfiaram – um casamento por contrato. E agora, eu estava

grávida do candidato perfeito e se qualquer pessoa, tivesse o

mínimo de desconfiança, eu estaria condenada àquilo. Do que

tanto fugi.

— Val!

As batidas na porta me fizeram dar um pulo no lugar, e

soltei o teste com tudo, que caiu no chão do banheiro. Lavei

minhas mãos rapidamente, e saí dali. Assim que abri a porta do

meu quarto, encontrei o olhar desconfiado de Olívia Torres.

Ela era uma achado, eu tinha que admitir. Acreditava que

encontramos uma na outra o silêncio e cumplicidade que poucos

conseguiam entregar. Ela aceitava o que eu era, sem exigir que

fosse minha confidente e soubesse de tudo. Eu aceitava o

mesmo.

Depois de Bianca, eu nunca mais tinha acreditado em

qualquer amizade, ou qualquer relacionamento de tal forma,


porque mesmo sem querer, aquela relação me quebrou. Da pior

maneira.

— Por que não vai almoçar com a gente?

— É tia Val, por quê?

Não me surpreendi ao encontrar Daniela – a filha de Oli e

Murilo – argumentando como se fosse uma pessoa já crescida, e


sorri. Ela tinha apenas sete anos, mas conseguia nos levar no seu
mindinho, se fosse possível.

— Porque estou tendo dor de estômago, e nem um pouco


de bom humor. — apertei a bochecha da pequena, que revirou os

olhos, fazendo-me sorrir.

— Tem vários titios de mau humor hoje. — ela falou, e


antes que eu pudesse apenas negar, puxou minha mão. —
Vamos todos ficar de mau humor juntos, titia.

Eu nem era tia daquela criança e ela me tratava como


família. E era aquilo que os Torres fizeram comigo. Desde o
momento que cheguei ali, após a proposta de emprego como

cozinheira em outra fazenda ter evaporado, e com um pé na


frente e outro atrás, Inácio Torres me acolheu.
Ele não era tão mais velho que eu, e era engraçado ver

como era superprotetor e aos poucos, foi me colocando a parte


de tudo na sua família. De repente eu era a tia Val, para todas as

crianças e bebês dos Torres. Sem contar para os mais velhos,


dona Heloísa e Fabrício, que mesmo aparecendo tão pouco

devido ao tratamento de saúde do segundo, ainda assim, me


mostravam como uma família era.

Conviver naquele último ano com os Torres me mostrou


que uma família feliz e honesta era possível, definitivamente
diferente de onde cresci. Do lar que nunca pude chamar de lar. Se

eu pudesse dizer algo a Gael ainda, seria que ele estava certo
quando apenas foi embora e esqueceu seu sobrenome por um

tempo. Mesmo que no fim, ambos ficamos presos a ele de alguma


forma.

— Ela convence qualquer um, sejamos honestas.

Olívia falou ao meu lado, e eu me apeguei a eles, como


tinha feita desde que cheguei ali. Apeguei-me aos Torres, para

esquecer minha própria realidade. E de repente, para esquecer


que a mão sobre minha barriga, agora significava muito mais.

Quando chegamos à frente da casa de Inácio, meu corpo


todo paralisou quando notei alguns outros carros parados à
frente.

— Mas...

— Valéria Fontes!!!!!

O grito de Carolina Reis poderia ser ouvido da minha casa,


que ficava não muito longe, mas ainda assim, eram cinco

quilômetros. Senti então seus braços ao redor do meu corpo, e


enquanto aceitava seu carinho, entendi a fala de Daniela.

“Tem vários titios de mau humor hoje.”

O que imaginava serem Inácio e Júlio, que poderiam estar

em alguma discussão eterna sobre o final de uma série para lá de


confusa que estavam assistindo, na realidade, era... Só poderia

ser...

— Deixe a menina respirar, Carolina!

Ouvi então a voz de Verônica Reis, que não via desde o

Natal, mas que parecia de repente, ainda mais assustadora – ela


era a tia do filho que eu carregava. Carolina em meus braços era

a tia do filho que eu esperava. No caso, Daniela ao meu lado era


a prima dele, e... então, notei de relance, Tadeu adentrar meu

campo de visão, ao lado dos irmãos, e poderia jurar que ia


desmaiar.
— Está tudo bem?

Então senti a mão de Bruno Torres na minha, como se para

me segurar, e eu assenti.

— Ela está com dor de estômago e mau humor, então...


por favor, cuidado com a minha amiga. — Olívia falou, fazendo-

me revirar os olhos, e empurrar Bruno, que sorriu de lado em

complô com a irmã.

— É bom vê-la, Carol. — falei, finalmente me afastando da

mesma. — Desculpe, não é o meu melhor dia.

— Ainda quero a cor igual a do seu cabelo, sério. Ficou

ainda mais bonita durante esses anos, e com essa cara de vinte
anos como se...

— Ela não está legal, Barbie. — Igor então se pronunciou e

passou à frente da irmã, empurrando-a. — Permita-me te


acompanhar, como nos velhos tempos.

Ri para ele e aceitei.

Ele fora meu acompanhante em algumas festas estúpidas

em que estive quando mais nova. Sempre foi o Reis mais


sociável. No caso, ele e Carolina.

— Desde quando ela conhece todos os Reis?


A pergunta de Bruno poderia ser sutil, mas soara como um

grito. Ouvi o barulho de um tapa, e poderia jurar que Abigail – sua


esposa – foi quem o acertou.

— Reis! — fiz um gesto de cabeça ao passar por Tadeu,

que assentiu, e sorri abertamente para Murilo. — Cunhadinho.

— Melhor nome que poderia me chamar.

— Ele apaixonado só não é pior do que ele apaixonado

com Olívia perto. — Igor sussurrou, fazendo-me rir e esquecer por

um segundo, que a qualquer momento, poderia virar e dizer: “Ei,


você vai ser titio em breve”.

— Eu não acredito que Oli conseguiu!

Mabi foi quem me recebeu, e eu sorri para minha patroa,

vulgo que odiava o fato de chamá-la pelo sobrenome, mas que


era a cara-metade do homem de cara fechada e semblante neutro

ao seu lado – Inácio.

— Eu consegui, titia!

Dani foi quem falou, correndo até ela, e abraçando suas

pernas.

— Pois você merece mais sorvete por isso. — piscou para

a sobrinha, e eu ri da interação de todos. — Vou até pedir para


Júlio e Babi trazerem mais.

— Eles ainda não chegaram? — indaguei, tentando não

parecer estranha e no canto, já que o fizera no Natal, diante do

fato de que de repente, os Reis eram parte da família que eu


encontrei.

— Foram buscar Lisa.

Quando todos se sentaram, na enorme mesa da sala de


jantar, não pude deixar de sentir o olhar de Bruno sobre mim,

como se tivesse uma grande placa de “O QUE ESTÁ

ACONTECENDO?” em sua testa.

— Para de ser fuxiqueiro! — Olívia foi quem falou,


apontando um dedo para ele, que levantou as mãos em sinal de

rendição.

— Mas então, foi aqui que você esteve todos esses anos?

— Carol indagou, curiosa e animada. — Quer dizer, não nos


vemos há...

— Eu estava no exterior e no último ano, estou por aqui...

— engoli em seco. — Nada demais. — forcei um sorriso, o qual


ela aceitou como resposta. Felizmente, a curiosidade de Carolina

era fácil de ser sanada.


— Ela já sabia antes da gente? — foi então que Bruno

perguntou, fazendo um sinal para a irmã, e eu neguei de


prontidão.

— Somos dos mesmos encontros sociais de famílias da

Capital. — foi Verônica que falou, surpreendendo-me ao tomar a

dianteira. Olhei-a de imediato, com um agradecimento silencioso.

— Bom apetite a todos! — Inácio falou de repente, e foi o

suficiente para cortar o irmão mais novo, e me vi agradecendo-lhe

com o olhar também.

Mesmo com a mesa farta, eu sequer consegui colocar

muito no prato, como se fosse possível a náusea me consumir.

Felizmente, de um lado estava Igor, e do outro Carolina, o que me


impedia de ter uma visão de Tadeu, que estava logo ao lado do

irmão.

De repente, olhando aquilo tudo, eu soube que contar

sobre o filho que esperava, não era certo. Não ali. Não agora.
Talvez nunca.

Contudo, o almoço não foi silencioso.

Pelo contrário, ao juntar Bruno Torres e Igor Reis, a

conversa poderia tomar caminhos que você nem imaginava.


Assim que terminei de comer, pedi licença e fui ao banheiro mais

próximo, que ficava perto da cozinha, a qual se tornou minha

companheira de todo dia.

Cozinhar era o único momento que me sentia tendo um lar.

Joguei um pouco de água no rosto e me encarei no reflexo.

Felizmente, eu não parecia tão acabada quanto imaginava em

minha mente. Na realidade, eu estava era tentando não pensar


em nada. Não pensar sobre o fato que descobri estar grávida, e

muito menos, que o pai do meu filho estava na sala ao lado.

— Para de ser medrosa, porra! — sussurrei para mim

mesma, e prendi meus cabelos ruivos no alto, em um coque que


me deixava um pouco melhor na situação.

Assim que abri a porta, o susto me acertou em cheio, ao

encontrar Tadeu na parede oposta.

— Há outros banheiros na casa. — falei de relance.

— É realmente isso que vai dizer? — perguntou, e eu franzi

o cenho.

— Desculpe, mas... — paralisei. Será que ele? Não, não


tinha como ele saber. Eu tinha acabado de descobrir, então como
poderia aquela informação ter chegado a ele? Ninguém sabia.

Apenas eu e... eu. — O que foi?

— Por que foi embora sem dizer nada?

Foi então que entendi, soltando o ar e respirei fundo,

aproximando-me dele, para que a conversa não pudesse ser

ouvida tão perto dali.

— Porque não tem nada para mim aqui. — respondi de

uma vez, contra o seu ego ferido, e o encarei de cima abaixo. —

Podemos parar de fazer um caso sobre isso?

— Não estou...

— Me seguir até o banheiro é fazer caso. — sussurrei com

entonação e ele arqueou as sobrancelhas. — Olha, só não me

teste hoje. Não estou no meu melhor dia, e ainda mais...

— O quê? — indagou, como se estivesse genuinamente

interessado, e eu quis bater naquela cara bonita.

Já podia culpar os hormônios?

Ainda mais agora que estou grávida de um filho seu, e não


vou permitir que ninguém me obrigue a casar com você e muito

menos que tente fazer esse papel, e mais, você é o meu primeiro

amor e me deixa confusa a ponto de...


Ok, drama demais para aquele momento, e qualquer outro.

— Só me deixe em paz, Tadeu.

Dei-lhe as costas, sem nem eu mesma acreditar nas

palavras. De repente, eu quem fazia um caso sobre aquilo, como


se ele considerasse me perseguir após a nossa transa de uma

noite. Eu continuava sendo patética.

— Valéria...

Senti sua mão no meu pulso, e antes que eu pudesse me


virar, notei a presença de mais uma pessoa. No caso, uma

pequena pessoa. Afastei-me dele de imediato e sorri para Dani.

— O sorvete chegou, titia Val... titio Tadeu, você gosta

também?

— Eu... claro. — ele respondeu, e uma das raras coisas

que aconteciam, se tornaram reais – ele sorriu.

Um sorriso no canto da boca, mas ainda assim, longe de

toda neutralidade e frieza que sempre lhe cabiam. E por Deus, eu


conseguia ver o meu filho com aquele sorriso.

Foco, Valéria!

Ele então aceitou a mão que Dani esticou e eu me mantive


apenas parada, enquanto ele passava.
— Não acabamos isso ainda. — sussurrou, quando ficou
próximo e eu neguei com a cabeça.

Infelizmente não.

Mesmo que de fato nunca tivéssemos começado algo real.

O mais real que tínhamos existia ali, dentro de mim... uma

parte de nós.
CAPÍTULO III

“Você sabe que acordará na cama dele pela manhã

E se você estiver por baixo dele, nunca vai sair por cima"[8]

TADEU

— Eu devo perguntar sobre sua miniperseguição a Valéria


no almoço? — Verônica perguntou, sua voz baixa e ritmada,

como sempre. Não tinha ninguém por perto e eu sabia que era
por aquilo que estava me indagando. — Algo do passado?

— Eu... — suspirei fundo e neguei com a cabeça. — Ela


era uma amiga.
— Tem certeza de que é só isso? — perguntou, mas antes

que pudesse pensar em alguma resposta, ela apenas saiu


andando em direção ao carro.

Sabia que Verônica era de falar pouco, até menos que eu,
quando não era preciso. Ser a mais velha dos Reis, talvez

acarretasse tal coisa. Primeiro vinha ela, nossa irmã e

praticamente mãe e pai de todos. Verônica Reis era a mais


inexpressiva, misteriosa e intocável de nós. Apenas eu e meus

irmãos sabíamos que ela era muito mais do que aquela fachada,

mesmo que ainda soubéssemos muito pouco.

Eu era o de idade mais próxima, apenas seis anos mais


novo do que ela, mas ainda assim, sabia que ela guardava muito

mais do que a maioria poderia suportar. Que ela suportou muito


por cada um de nós. Talvez por aquilo, desde ela, passando por

mim, Murilo, Igor e Carolina, a frieza e falta de tato fora

diminuindo. Talvez porque o peso do nosso sobrenome fora

diminuindo no decorrer dos anos, e graças a ela.

Olhei de relance, e vi Carolina e Igor rindo alto com nossa

sobrinha, enquanto Murilo contava algo sobre estar voltando a

cavalgar. Era engraçada a diferença clara entre cada um de nós.

Desde as cores de cabelos, até os trejeitos.


— Ela já foi pra casa.

Virei-me de relance, e encontrei Elisa, a ex namorada de

Igor, ou talvez não mais ex. Ainda não entendia direito qual era a
relação deles. Mas sabia que era praticamente impossível

estarem longe nos últimos tempos, pela proximidade que os

Torres criaram com os Reis, e Elisa era claramente uma agregada

deles.

Olhei-a, sem entender. Ela apenas revirou os olhos, como

se impaciente.

— Valéria já foi pra casa dela. — pisquei assustado. —

Qual é? Eu vou fingir que não vi você saindo e indo até ela,

prometo.

De repente, eu deveria perguntar: por que está se

intrometendo nisso? Ou como fiquei tão óbvio para as pessoas?

— Apenas vá. — piscou um olho e saiu em direção oposta,

deixando-me sem qualquer entendimento.

Eu deveria? Deveria ir atrás dela? O que Elisa sabia sobre

nós? Na realidade, existia nós? De repente, era como se Valéria


me colocasse em uma espiral. Quando se tratava dela, eu nunca
era a mesma pessoa de sempre. Era como se fosse um

superpoder, que apenas ela conseguia ter sobre mim.

Aos trinta anos, nunca imaginei que voltaria a me sentir

exatamente como o fiz aos dezessete.

Fui com cautela até o meu carro, e apenas mandei uma


mensagem para Verô, avisando que ia dar uma volta e logo

estaria ali novamente. Não que ela fosse acreditar, mas ela teria
uma resposta caso alguém perguntasse. Poderia mentir e dizer

que não tinha ideia de onde Valéria morava, mas a questão era
que passei os últimos tempos apenas tentando inventar alguma

desculpa para estar exatamente ali – a caminho da casa dela.

Já fazia um mês que a revi pela primeira vez, e tudo o que

conseguia buscar, eram pedaços daquela noite. Uma noite que


ficou presa na minha memória. Em meu corpo.

Uma das músicas que meus irmãos adoravam, tocava pelo


carro, já que eles dominavam até isso em minha vida. E de
repente, eu tive que concordar com cada pedaço de letra, e até

me vi cantando junto. Talvez eu tivesse decorado várias canções


daquela cantora, justamente por conta deles. E felizmente, eu

gostava.
“Eu ainda estou naquela corda bamba

Ainda estou tentando de tudo para manter você rindo para mim

Eu ainda acredito, mas não sei por quê

Eu nunca fui natural, tudo o que faço é tentar, tentar, tentar

Eu ainda estou naquele trapézio

Ainda estou tentando de tudo para manter você olhando para

mim...”

Minutos depois eu chegava à casa. No meio do nada da


fazenda, com um silêncio de interior, que poderia ser

ensurdecedor. Assim que estacionei o carro, notei-a abrir uma das


janelas, e encarar o lado de fora, como se o barulho chamasse

sua atenção.

Notei seu olhar se arregalar, e ela fechou a janela

rapidamente. Saí do veículo e respirei fundo, antes de bater na


sua porta. Sabia agora que ela estava ali, mas algo me dizia que
ela não abriria tão fácil assim. Seria aquilo? Só um caso de uma

noite?

Eu precisava saber.
Ela não tinha ideia do quanto eu precisava.

VALÉRIA

Olhei novamente para o resultado agora jogado no chão do


meu banheiro, e o peguei. Suspirei fundo, levando-o comigo pela

casa, enquanto dava praticamente voltas no lugar. O que eu


faria? Como eu faria aquilo?

Neguei com a cabeça, sentindo-me presa em uma redoma:


ninguém podia saber. Ou melhor, Tadeu não podia saber. Deixei o

teste sobre a mesinha de centro da sala, e fui até a cozinha,


tomar um pouco de água. Foi o exato instante que ouvi o barulho
de um carro chegando. Eu só esperava que fosse algum dos

outros empregados da fazenda, e eu não teria que me envolver


em nada. A questão era que nem sabia como sobrevivera ao

almoço.
Ainda mais, depois daquela conversa nada comum com
Tadeu. Por que diabos ele me seguiria até o banheiro? E que
história era aquela de “não acabamos isso ainda”? Abri a cortina

da janela da frente, enquanto tomava minha água, e quase a


cuspi, ao notar que era uma 4x4 do último ano.

Sabia que nenhum dos Torres tinha trocado o carro, e de


repente, lembrei-me exatamente de um dos carros parados à
frente da casa de Inácio - e não era o de Verônica. Merda! Fechei

a janela rapidamente, torcendo para que ele não tivesse me visto,

já que sequer enxergava quem estava no carro, devido ao


insulfilm.

Respirei fundo uma e duas vezes, antes de voltar para a

sala e andar de um lado para o outro.

— Não pode ser ele... — sussurrei para o nada. — Não


pode.

Batidas na porta me fizeram dar um pulo no lugar, e

apenas parei de respirar por alguns segundos. Sem qualquer

som, com toda certeza, a pessoa iria embora. Ao menos, eu


esperava que sim. Se fosse Tadeu, que voltasse pelo caminho

que chegou.
Outras duas batidas, e eu levei uma das mãos à boca,

assim que quase suspirei fundo, de nervosismo.

— Eu sei que está aí, Valéria. — engoli em seco, e fechei

os olhos.

Aquela voz... A bendita voz baixa e controlada que me


perseguia desde os meus quinze anos. A voz que agora eu me

lembrava de ser ainda mais bonita quando chamava pelo meu

nome... Foco, Valéria!

Dei passos nada voluntários até a porta, e apenas abri uma


fresta. Ele conseguia ver talvez metade do meu rosto, e aquilo

seria o suficiente. Tinha que ser.

— O quê? — indaguei, e notei seu olhar confuso. — Estou

ocupada.

— Hoje é domingo.

— Ocupada com as coisas que eu gosto, oras. — rebati, e

eu o vi me encarar atentamente. — Diz logo o que foi, porque


tenho um ótimo dorama pra continuar. — no caso, o dorama era

meu mesmo: de estar grávida do homem que sempre amei, mas

que odiava o tanto quanto, mas ele não precisava saber daquele
pequeno grande detalhe.
— Eu só queria falar da última noite.

Foi quando meu olhar correu para o meio da sala e

encontrou o teste que deixei exatamente ali, para quem quisesse

ver. E a pessoa que menos poderia saber, estava ali do outro


lado. Então, apenas abri o necessário da porta para passar, e me

coloquei do lado de fora, fechando-a atrás de mim.

— Estávamos bêbados? — indaguei, encostando-me


contra a porta fechada. — Foi um erro? Não deveríamos nos

encontrar em lugares no meio do nada? Eu concordo com tudo

que disser, fica tranquilo. — falei, e forcei um sorriso, torcendo


para que ele apenas fosse embora logo.

Depois de tanto tempo apenas querendo ver aquele rosto,

nunca imaginei que estaria feliz em vê-lo apenas desaparecer.

Olhos escuros tão profundos que me atormentavam, e traziam


paz na mesma intensidade. A barba grande, como sempre, e

parecia ainda maior, dando aquele ar de mistério que tanto

combinava com ele. Os cabelos escuros e penteados para trás,

mas que eu me recordava de cada detalhe, de como eram bonitos


espalhados em um travesseiro.

Ele não estava com seus ternos de praxe, mas com aquela

bendita blusa de manga longa e gola alta, calças jeans presas a


cada curva do corpo, e botas que não pareciam ficar bem em

ninguém, mas apenas nele. Como alguém podia ser tão bonito
em uma peça, a ponto de eu nem sequer conseguir usar blusa de

gola alta nos últimos anos? Merda de cabeça apaixonada.

— Então, se eu disser que gostaria de te ver de novo,

depois daquela noite...

— Não sou de sexo casual, sinto muito. — ele abriu a boca

para me cortar, mas continuei. — Nem mesmo estou procurando

um relacionamento. Então, aquela noite foi só isso... uma noite e


nada mais.

— Você sempre me confunde.

— Eu? — olhei-o incrédula. — A gente não se vê há anos,

e você aparece na minha porta dizendo que quer repetir a noite


que a gente nem devia ter tido? — e as palavras me doeram,

porque de repente, se aquela noite não tivesse acontecido, eu

não estaria grávida.

Minha mão foi instantaneamente para a minha barriga, e


senti a culpa me acertando. Perdão, coisinha da mamãe. Não foi

isso que eu quis dizer.


— Eu só... Só pensei que... — ele então se calou, e eu o vi

completamente sem palavras. Algo dentro de mim se remexeu,

mas me segurei para não perguntar o que de fato acontecia.

Talvez eu já soubesse.

— Olha, se está com medo de que eu vá contar para

alguém sobre o que sei... Acredite, eu não vou. — seu olhar

mudou por completo. — Então, se está aqui para tentar me


seduzir ou usar aquela noite como uma desculpa perfeita para

não me dever mais nada, só porque sei de você e.... enfim, do

que houve naquela época, apenas vá.

Senti a dor em cada palavra que proferi. E de repente, a


forma como ele me encarou, deixou-me completamente sem

chão. Porque eu tentava evitar o pensamento de que aquele

passado fosse uma sombra. Mas toda vez que olhava para
Tadeu, sentia-a sobre mim.

— Não tem nada a ver com o passado. — sua voz soou e

só quando senti o leve toque em meu queixo, sendo levantado,

percebi que me perdi de mim mesma por alguns segundos, e ele


me encontrou no lugar que eu detestava: frágil.
— E nós não temos nada. — falei, afastando-me de seu

toque, e colocando a armadura que aprendi a ter desde muito


nova. Ao menos por aquilo, eu poderia ser grata à minha tia. —

Não sei o que pensou ou imaginou, Tadeu. E de verdade, não

quero saber. Apenas me deixe em paz.

— Eu não queria te deixar assim. — olhei-o com pesar. —


De um mentiroso para outro, sei que se arma para se proteger. E

sinto muito por você ter que se proteger de mim.

Ele então saiu, e eu fiquei ali, por alguns segundos,


olhando para o amor da minha vida, que nunca me pareceu tão

errado quanto no agora. E pensando que de tudo que poderia

acontecer, de mais incerto entre nós, agora existia uma parte que
não era nada errada – o nosso filho.
CAPÍTULO IV

“Às vezes só quero me esconder e não quero lutar

Eu tento, e tento, e tento, e tento, e tento

Apenas me abrace

Estou me sentindo só"[9]

VALÉRIA

— Amigas para sempre? — Bianca perguntou, e segurei

sua mão com força.

As paredes rosas do quarto, contrastavam com o cinza das


prateleiras. Sabia que seus pais fizeram de tudo para que ela
tivesse o final de vida mais bonito que pudesse, ainda dentro de

casa. Mas chegamos ao ponto em que ela não tinha como passar
os dias em casa. E ajudei como pude, a redecorar aquele quarto

de hospital.

Éramos amigas de ensino médio, e de repente, dividíamos

a vida uma com a outra. Era o nosso objetivo inicial, viajar para

um intercâmbio após o término da escola, mas infelizmente, a


doença apareceu. A doença que a tirava de nós, e matava uma

parte de mim.

Porque Bianca já não era mais a mesma, mesmo com um

sorriso no rosto. Mesmo que ela contasse histórias sobre


momentos que guardaria para sempre. Como aquele nosso, em

que lhe dei um dos seus pirulitos favoritos, que ela tanto sentia
falta.

O médico disse que ela tinha no máximo um mês, e já


tinham se passado quinze dias. Seriam apenas mais quinze dias

para estar perto dela. Doía ver que todos os sonhos dela foram

colocados em uma sacola, e corrido anos em dias.

— Amigas, para sempre. — falei, tentando segurar as

lágrimas.
— Se a gente pensar pelo lado positivo das coisas, você
pode viver por nós duas..

— Bia...

— Prometa. — falou de repente, cortando-me. — Prometa

que não vai deixar ninguém comandar a sua vida. Ninguém.

— Bia...

— Você doa tudo de si, Val. Até a quem não merece ou te

dá apenas um pouco de atenção... A nossa amizade sempre foi

baseada no como eu me sinto, e não você, mas eu sei que sente.

Eu sei que sente o mundo dentro de si. — segurou minha mão

com mais força. — Não deixe que nada te tire isso.

— Não quero que nada me tire você. — fui honesta, e

deixei uma lágrima descer.

— Eu tive um pouco de tudo que sempre sonhei. — falou,

chamando minha atenção. — O que eu posso dizer? O

casamento com o homem que amo e meu melhor amigo. O caso

de amor imprevisto com o homem que não amo. Eu errei e acertei

em um curto período de tempo, que eu jamais faria em décadas...


Você sabe, sou a mais romântica de nós, e eu queria uma vida de

aventuras e amor, e... todo o clichê que eu pudesse. E eu tive.


Não tive a sorte de ter mais tempo, para quem sabe ser uma

amiga melhor, para todos vocês, mas ainda assim... Eu estou feliz
pelo tempo que tive.

— Bia... por favor, não fala assim.

— Como se eu estivesse morrendo? — indagou, no seu


humor caótico e fechei os olhos. — Eu te amo, tin tin. E como boa

romântica, deixarei cartas para você.

— Não faz isso... Não fala como se tivesse desistido.

— Eu acho que só aceitei. — olhou-me com clara


serenidade, que me deixou boquiaberta. — Como a música, Val...

E se eu realmente pensei que algum milagre poderia nos ajudar?

E se o milagre foi pelo menos ter um momento com você?[10]

— Eu prometo. — falei, e senti seus braços ao redor do

meu corpo, e aceitei seu abraço.

Mal sabia eu, que aquele de fato seria, o último momento

com a pessoa que eu gostaria que estivesse ali, como minha


amiga, sempre.

Quando o carro parou no cemitério, meu coração deu um


solavanco. A cada segundo, eu me culpava. Porque no fundo, era
como se eu culpasse Bianca pelo que ela não tivera controle.
Nem mesmo eu teria. Como eu poderia julgá-la por ceder e viver

um caso com alguém? A questão era que aquele alguém, era o


cara por quem eu era apaixonada – e ela não sabia – e agora, o

pai do meu filho.

Por que eu me sentia culpada?

Por que eu culpava Tadeu?

Por que era tão difícil entregar a carta que ela deixou para

Murilo?

— Eu sinto muito, Bianca.

Eu falei baixo, enquanto me aproximava do corredor onde


sabia estar sua lápide. Eu vinha todo mês, para mudar as flores,

sempre para as rosas brancas que ela tanto gostava. Mas


naquele momento, tinha me adiantado. Sequer tinha virado o
mês, e ali estava eu, porque precisava falar abertamente com ela,

ser sincera. Se eu tivesse sido, no passado, talvez... talvez aquilo


tudo não tivesse ocorrido da forma como foi.

Se ela soubesse dos meus sentimentos por Tadeu, ela não

teria ficado com ele, e eu não me culparia por amá-lo e muito


menos, por esperar um filho dele. Praticamente uma década

depois, e aquela história se arrastava atrás de mim.


Tadeu Reis se arrastava pelos cantos da minha vida.

Enquanto caminhava, paralisei no passo, assim que

encontrei Olívia bem ali. Pensei em apenas dar as costas e fugir,


mas sabia que não podia. Não mais.

Não com o que logo ela saberia, assim como toda sua

família. E nada mais justo do que eu contar a ela, já que encontrei


em Olívia o que pensei que nunca mais teria com ninguém – uma
amizade.

O quão irônico era ter encontrado uma amizade verdadeira


e confiado em alguém, e depois descobrir que ela era justamente

a única mulher que chegou ao coração do homem que Bianca


realmente amou?

Os Reis se arrastavam pela minha vida.

Amassei o papel em minhas mãos, e o guardei no bolso,

sem coragem de contar aquela parte. Senti então o olhar de


Olívia sobre mim, e quando subi a cabeça, a mesma me

reconheceu. Eu vinha fugindo dela, justamente porque eu fugia


dos Reis. Principalmente, de um dos mais velhos deles.

Fugia daquilo porque tudo o que o envolvia não passava

de uma grande mentira. E eu, era a pessoa que tinha


conhecimento de tudo aquilo, ao acaso. E mesmo assim, mesmo
sabendo exatamente do tipo de pessoa que ele era, eu cedi.

E ali estava eu, no meio do cemitério, sendo amparada nos


braços por Olívia Torres. A mulher, uma das pessoas que apenas
pagou o pato naquela história, felizmente, encontrou o verdadeiro

amor.

De todos, Murilo era quem realmente merecia – eu sabia.

Ele mal sabia do triângulo em que se meteu, e me culpava

por não conseguir contar. Não depois de tanto tempo. Não

quando reencontrei aquela bendita carta e sabia do destino exato


dela. Por que, Bianca? Por que não deixou isso diretamente com

ele?

No fundo, eu sabia das suas razões, até porque, as li, mas

ainda assim, quebrava meu coração.

— Val, o que foi? O que houve?

— Eu me fodi. — assumi, finalmente em voz alta. — Estou

grávida daquele cara que ama outra pessoa.

Ela então não disse nada, apenas me puxou para os seus


braços e eu aceitei.
E ela mal sabia, que agora fazia parte do ciclo, que

felizmente, para Murilo, se fechou. Olívia e Murilo, ainda


saberiam, mas a realidade, era que no passado, foi exatamente

assim: Valéria que amava Tadeu, que amava Bianca, que amava

Murilo...

E agora, eu carregava um filho dele no ventre.

E quanto mais eu tentava correr, mais Tadeu Reis

conseguia me manter cativa.


CAPÍTULO V

“O que eu sou agora? O que eu sou agora?

E se eu for alguém que não quero por perto?

Estou caindo de novo, estou caindo de novo, estou caindo

E se eu estiver disposto? E se eu desistir?

E se eu for alguém de quem você não falará?

Estou caindo de novo, estou caindo de novo, estou caindo"[11]

Três meses depois...

TADEU
Olhei para o meu computador, enquanto a apresentação

sobre a nova filial no exterior continuava, mas não conseguia


focar. Há dias sequer me lembrava de exercer com disciplina meu

real papel como CEO da Reis Investimentos.

O que aquele sobrenome construiu, principalmente com

Regina e Verônica Reis, transformou-se em um império. E eu era

uma parte que deveria estar atenta, por comandar um setor


inteiro, dentre as diversas facetas que os negócios da família

tinham.

Mas ainda assim, minha mente estava nos olhos

enigmáticos dela. Na forma como ela parecia me ler tão bem, a


ponto de que eu não conseguia fingir ou ser nada, além de mim

mesmo, com ela.

Levantei-me, e encarei a bela vista do centro da cidade, à

noite. Já havia passado a hora de ir para casa, mas eu não me


movi dali. Precisava de um tempo a sós com meu pensamentos,

sem ter que me trancar no quarto e ignorar minha família.

Aos trinta anos, era engraçado me ver daquela perspectiva.

Era o segundo irmão mais velho, de uma família de cinco. E não

precisava do olhar da minha irmã mais velha que sabia me ler

como ninguém, ou da animação dos meu caçulas que não


paravam de falar um segundo, ou sempre estavam discutindo
sobre algo.

A realidade, era que me via olhando para o celular e


encarando o número de celular dela.

Eu era um perseguidor por ter ido atrás e descoberto tudo

o que conseguia?

Suspirei fundo e olhei para a sua foto de perfil. O sorriso

fácil no rosto, com as covinhas aparecendo, e a franja ruiva que

me deixava de joelhos. Mesmo após tantos anos, ela parecia


apenas ter ficado ainda mais bonita. Não pude evitar sorrir, ao me

lembrar da nossa noite, e de como ela ficava ainda mais linda

espalhada em seu sonho.

Nunca imaginei que ela me deixaria lá, sem qualquer

despedida.

Virei-me e procurei o seu corpo, novamente. Contudo, o

que encontrei foram lençóis frios e a falta dela. Arregalei os olhos

de imediato e tentei me acostumar com a luz solar adentrando o

ambiente. Virei-me, procurando-a pelo ambiente, mas não

encontrei nada. Apenas o seu cheiro no travesseiro, e as

lembranças, foram o que me restaram.


Não era mais um sonho perdido no meio da noite, certo?

Batidas na porta me despertaram, e pisquei algumas

vezes, antes de me virar e destravar a porta em um botão na

mesa. Surpreendi-me ao encontrar meu irmão mais próximo de


idade – Murilo, bem ali. Ele não morava mais na capital, e agora,

tinha sua família no interior. Meu dia melhorou cinquenta por


cento, após notar que minha sobrinha o acompanhava.

— Titio Ta! — ela falou, correndo pela sala, e logo estava

no meu colo. Sorri, e a segurei com força, beijando sua testa. —


O papai queria fazer uma surpresa. Surpresa! — abriu os braços,

claramente animada, e se aconchegou ao meu pescoço.

Com toda certeza, ela deveria estar cansada. Talvez por

ser uma longa viagem daqui até o interior, ou até mesmo, por
estar tarde.

— Ela não para de falar do quanto está com saudade dos


tios.

— Desculpe ter ficado tão ocupado nos últimos dias. —


falei baixinho para ela, que assentiu, como se entendesse.

Daniela Torres Reis era um presente para todos nós. Ela

uniu duas famílias e era a felicidade que meu irmão tanto merecia.
E nunca imaginei vê-lo tão inteiro quanto naquele momento.

Realmente era grato por tê-las.

— Trabalhando até tarde... — Murilo falou, aproximando-

se. — Fugindo dos nossos irmãos?

— Igor ficou ainda mais grudado depois que você saiu,

então... tem dias que preciso fugir um pouco. — admiti, e ele


sorriu, assentindo, como se soubesse exatamente como era.

— O lado positivo de morar em casas diferentes. — Olívia


falou, com certeza, pensando em seus irmãos.

— Um dia, quem sabe, sairei da Mansão Reis.

— Só falta encontrar o seu raio de sol, irmão. — ele falou,

puxando a mulher, que revirou os olhos, devido ao seu lado


romântico, e eu fiz uma leve careta para Daniela, que sorria ao
ver os pais.

Era aquilo?

Construir sua própria família?

Seguir em frente?

Às vezes, me sentia preso ao passado. Às vezes, a mim

mesmo. Às vezes, a uma dose de uísque necessária todo dia,


para encarar meu reflexo. Às vezes, a ela.
E novamente, ela estava em minha mente, rondando e me
fazendo cair. Como se ainda fôssemos tão jovens quanto na
época em que nos conhecemos. Como se as nossas escolhas

certas ou erradas, não nos definissem.

Ao menos, não queria que me definissem para ela, mesmo

que nunca tenha me prontificado a esclarecer. Era uma luta de


anos, para poder entender. E bastava um olhar ou lembrança,

para que eu me recordasse, da coisa mais bonita que eu jamais


tive a sorte de ter.

Em uma noite, talvez.

Mais do que aquilo? Talvez nunca.

Contudo, não conseguia aceitar que era apenas uma noite.

Não com ela.


CAPÍTULO VI

“Eles me disseram que todas as minhas jaulas eram mentais

Então eu me perdi, assim como todo o meu potencial

E minhas palavras atiram para matar quando estou brava

Eu me arrependo bastante disso"[12]

VALÉRIA

Olhei para mim mesma e engoli em seco. A ondulação em

minha barriga, fora os testes de gravidez positivos e a consulta


com a obstetra, era a primeira prova real de que realmente existia

uma pessoinha ali. A minha coisinha.

Sua e de Tadeu... Minha mente acusou, e eu engoli em

seco, negando-me a pensar nele.

Eu estava completando três meses e finalmente conseguia


tocar minha barriga e sentir a grande diferença. Talvez fosse pelo

meu tamanho ou pela genética, ou até minha mente me

blindando, mas eu finalmente me via. Virei-me de lado e encarei a


curva perfeita da barriga, e por um segundo, só me imaginei

usando vestidos que se colassem bem ali, e mostrassem para o

mundo que eu esperava alguém.

E então, eu sorri.

Pela primeira vez, em todo aquele tempo sem a ficha de

fato cair, e me negando a acreditar até mesmo vendo os

resultados e exames. Eu sorri, porque fazia sentido na parte mais

sem senso da minha mente. De uma noite que nunca deveria ter

acontecido, mas aconteceu. De uma mistura que nunca deveria


ocorrer, mas agora eu gerava.

Peguei meu celular jogado sobre a penteadeira e o


posicionei, apertando minha camisa grande de dormir contra o
corpo, e tendo o vislumbre perfeito de lado do que ficava claro –
eu era uma mãe. Eu me tornaria oficialmente dali a alguns meses,

mas a sensação era tão fervescente, que de repente, entendi o

que Olívia queria dizer quando se tratava de Daniela: ser mãe foi

a coisa mais inesperada que me aconteceu, mas me mostrou a

verdadeira definição de um outro amor. Um amor que você não

vê, não toca, não interage... mas que cresce ali, dentro de você.

Seriam assim os noves meses?

Nove meses para formar a pessoa que você mais vai

amar?

Vi-me então abrindo o contato de Tadeu, que

surpreendentemente, tinha algumas mensagens de bom dia ou

boa noite nas últimas semanas. Algo sobre ele ainda me

perseguir, me dizia das duas uma: ou ele gostou tanto daquela

noite que queria repetir, ou estava morrendo de medo que usasse

seu segredo com Bianca contra ele. A questão era que não tinha
ideia.

Estar perto dele me desconcertava.

Estar próxima a ele me fazia duvidar das minhas próprias

escolhas.
Porque existia algo no olhar dele, que parecia deixar em

branco tudo o que li na carta de Bianca. Que demonstrava uma


declaração silenciosa de que ele ficava preso no mesmo universo

que eu quando me olhava, mas sabia que era a minha mente


fantasiando. Assim como fantasiou, até eu descobrir que ele
estava com uma das minhas amigas mais próximas, e indo contra

tudo que acreditava, apenas por ela.

— Desculpe. — vi-me falando para o nada, na realidade,

para a minha barriga, onde minha mão estava. — Desculpe por


ficar pensando assim e talvez te faça mal. Sou nova nisso,

coisinha. Mas eu prometo que vou fazer de tudo para que nada
que eu passe, possa te prejudicar.

Suspirei fundo, e queria muito poder compartilhar aquela

foto com meus irmãos. Queria poder dizer a eles que seriam tios,
e sabia o quanto adorariam aquilo. Era como se todos nós

esperássemos pelo momento que a família real crescesse. Não


como Hellen. Deixei o celular de lado e tentei parar de pensar
sobre.

Imaginar que Hellen poderia descobrir ou até mesmo

qualquer pessoa próxima a ela, me deixava nervosa. Não que ela


pudesse me controlar como antes, mas ainda assim, eu sabia do
poder de manipulação que ela exercia. E não estava nem um

pouco empenhada em cair em seus joguinhos. Muito menos,


arriscar.

— Seus tios ainda vão saber... — suspirei fundo e sorri


imaginando um pacotinho pequeno, com os olhos iguais aos

meus, e sem poder evitar, a cor escura e profunda que ele trazia.
— E seu pai também, um dia. — admiti, sem conseguir mentir

para o meu filho ou filha.

Era normal estar falando com a minha barriga daquela


forma?

Meu celular vibrou e notei que já estava na hora de voltar


para a casa de Inácio. Maria Beatriz tinha me pedido para fazer

dois bolos para eles naquele dia, e tinha certeza de que ela
estaria me esperando na cozinha para tentar aprender. De fato,
ela apenas acabava por experimentar de tudo um pouco, mas não

aprendia. O que era bom, já que mantinha meu emprego.

E era um ponto que tinha que falar.

Apenas Olívia sabia sobre a gravidez e pedi para que ela

me esperasse ter coragem para contar aos meus patrões. No


caso, não tinha ideia de como eles agiriam, contudo, era incrível
que não me sentia agoniada em me imaginar lhes falando. Existia
um conforto em estar próxima aos Torres que se tornara
inexplicável depois de um ano conhecendo-os.

Minutos depois, após me preparar, já estava entrando pela


cozinha, e procurei Mabi com o olhar. Como não a encontrei,

achei estranho, mas entendi assim que encontrei os ingredientes


que pedi sobre a ilha da cozinha, e um post-it avisando que teve

uma emergência com Leti.

Deixei o post-it de cor amarela com um coração desenhado


na geladeira, e antes de qualquer coisa, conectei meu celular na

parte de som da cozinha, e já fiquei animada quando Thunderous


do Stray Kids começou a tocar.

Assim que peguei o avental, não pude evitar subir minha


regata um pouco e passar a mão, sorrindo.

— Sua mãe tá pronta para te deixar viciada em kpop e


dorama. — falei, sorri sozinha, e me vi mal esperando a hora que

pudesse ter alguma resposta, nem que fosse um chute. —


“Continue falando, nós não seguimos as regras...”

Fiz uma dancinha que com certeza não se assemelhava


muito à original do grupo. Eu sorria, enquanto colocava o avental,
mas assim que ouvi o barulho na porta de entrada da cozinha, de
algo caindo, virei-me.

Meu coração falhou uma batida, e se não fosse pelo


barulho alto da música, poderia jurar que o silêncio foi
ensurdecedor. Tadeu Reis estava parado contra o batente, o que

deveria ser seu celular no chão e seu olhar preso na minha


barriga.

— Eu soube que trabalhava aqui. — sua voz mal saiu, e eu

me apressei em fechar o avental, e puxar minha regata para

baixo.

— Achei que era óbvio depois daquele almoço ou da nossa

conversa... — coloquei um falso sorriso no rosto, e foquei nas

sacolas sobre a ilha. — Se está procurando Daniela aqui...

— Corta o papo furado, Valéria.

Engoli em seco, mas não me virei. Não o deixaria ver como

estava desestabilizada. Ele agora sabia que eu estava grávida,

mas não tinha como ter certeza de que o filho era dele, a não ser

que visse minha clara reação de espanto. Tinha que incorporar a

Veronica Park[13] que existia em mim.


— Eu já disse tudo o que tinha que dizer quando apareceu

na minha casa. — olhei-o sobre o ombro.

— Já sabia que estava grávida?

Em seus olhos, notava a incredulidade e como de repente,

ele parecia completamente atormentado. Mal sabia ele, que


naquele dia, eu tinha acabado de descobrir.

— O que isso te diz respeito? — rebati, e me encostei

contra a ilha, cruzando os braços à frente do corpo.

Notei-o passar as mãos pelos cabelos e negar com a


cabeça, como se estivesse extasiado. Um sorriso surgiu em seu

rosto, mas diferente dos raros que eu via, aquele era de pura

incredulidade. Como eu conseguia lê-lo tão bem? A realidade era

que o lia bem apenas em minha mente.

— Não ia me contar que vou ser pai?

Sua pergunta não me surpreendia, mas o tom dela, acabou

me deixando com raiva. De repente, eu só queria tirar aquela


certeza da sua cara. Ou melhor, fugir com a verdade.

— Quem disse que o filho é seu?

Minha pergunta mal saiu e senti seus passos se

aproximando. Após uma respiração, ele estava tão perto, que era
como se tudo ao redor tivesse desaparecido.

— Olha no meu olho e diz que não sou o pai. —

praticamente exigiu e sustentei seu olhar, mas odiei o fato de que

eu era muitas coisas – menos uma mentirosa.

— O que quer com isso? — rebati, sem dar-lhe o gosto de

uma resposta concreta. — Quer que eu solte fogos? Ou faça uma

surpresa para fingir que descobriu?

— Não pensou que eu tinha o direito de saber? — indagou,

e eu permaneci com os braços cruzados, enquanto os dele

estavam de cada lado da ilha, prendendo-me. Porém, ninguém

me intimidava. Como a própria Maria Beatriz dizia: um boi para


não entrar em uma briga, e uma boiada para não sair de uma.

— Não pensou que posso não querer que saiba?

— Ainda é o nosso filho. — afastou-se de leve, levando a

mão aos cabelos, claramente nervoso. — É algum carma de


família, onde a gente tem que esperar anos para descobrir que é

pai? — pareceu perguntar para o nada, e correlacionei ao que

seu irmão mais novo passou, e que os céus me perdoassem, mas


aquela observação foi engraçada, e eu acabei rindo.

O olhar de Tadeu permanecia a pura incredulidade.


— Desculpe, mas o carma é realmente uma vadia. — dei

de ombros, ainda rindo. — Não sei o que quer ou o que faz aqui,
mas bom, já que estamos e que infelizmente, o carma não pode

funcionar com você... Enfim, quem sabe com Igor?

— Por que sempre dá mil voltas em um assunto?

— Porque sim. — dei de ombros, e forcei outro sorriso.

Permaneça forte e respire fundo! Eu ainda tinha uma carta na

manga. — Já sabe que vai ser pai, então...pode ir.

— Eu não vou ficar longe do meu filho.

— Nosso filho. — corrigi-o. — E ele ou ela ainda não

nasceu, e até lá... temos um grande caminho.

Notei-o respirar fundo e voltar para perto, quase me

encurralando novamente.

— Não faça isso comigo. — seu pedido soou baixo e

poderia jurar que fora um delírio, se ele não complementasse. —

Não me coloque para fora da sua vida... e do nosso filho.

— Bom, ninguém pode saber. Não da minha família, pelo


menos. Se seus irmãos souberem e não chegar aos Fontes, por

mim, tudo bem. — falei de uma vez, sem querer mais enrolar. —
Mas isso acaba aqui. É o pai dessa criança, nada mais. — talvez

eu estivesse reafirmando aquilo para mim mesma.

— O que acontece se os Fontes descobrirem?

— Bom, estão me casando com o herdeiro dos Centurini


há anos, mas ainda assim, se descobrirem que estou grávida e

ainda mais, de você... vão anunciar o casamento do século, sem

ao menos perguntar. — e eu estaria quebrando um contrato que


assinei, o qual protegia minha irmã, complementei mentalmente.

— Por que não pode se casar comigo?

Olhei-o incrédula.

— A pergunta é: por que eu deveria? — rebati, revirando

os olhos. — Eu vou te atualizar sobre o nosso filho, e tudo que


puder. Mas é o máximo de contato que teremos.

— Por que sempre me coloca para fora? Para a borda?

Como se não suportasse a minha presença?

— Observação interessante do cara que me engravidou. —

não pude perder a ironia. — Mas eu prefiro de ter à borda. Não

confio em traidores, Tadeu.

Notei então seu olhar vacilar e ele se afastou de imediato.


— Eu... — parou de falar e negou com a cabeça. —

Podemos conversar mais tarde, após o trabalho?

— Estarei em casa antes das seis.

— Ok, até as seis.

Ele então parou um passo, encarando minha barriga por

um segundo, e depois, os meus olhos. Quando ele saiu pela


porta, agarrei-me à bancada para não despencar, e soltei o ar

com força.

Fechei os olhos e vi tudo dar um giro de 360 graus. No fim,

até a vida não me permitia ser uma boa mentirosa. Eu não


poderia demorar anos para reencontrá-lo? Por que ele insistia em

aparecer à minha frente?

E ali estávamos nós.

O modelo mais desordenado de um quebra-cabeça, sem

qualquer parte que se encaixasse. No caso, apenas uma.


CAPÍTULO VII

“Eu ainda estou naquela corda bamba

Ainda estou tentando de tudo para manter você rindo para mim”[14]

TADEU

Virei-me em direção ao corredor, para a sala de estar, e


senti-me tonto. A cada passo que dava, agradecia por não ter

encontrado Inácio e nem Maria Beatriz Torres em casa. A


realidade era que o pedido de minha presença ali era mais do que

bem-vindo, mas quando a mensagem de que eles tiveram um

imprevisto e não poderiam estar em casa tão cedo naquele dia,


eu já estava na metade do caminho. Poderia ter virado e voltado a
capital, ou até mesmo, dirigido até a casa do meu irmão. Mas ali

estava eu, onde eu sabia que ela estaria.

E tinha mais... muito mais.

O nosso filho.

Eu iria ser pai.

Andei a passos quase arrastados até o carro e não saberia


dizer como consegui discar o número de Verônica. Sabia que ela

deveria estar em uma reunião importante com a filial do exterior

naquele momento, mas mesmo assim, sequer conseguia pensar


no trabalho. Sem me surpreender, ela me atendeu em menos de

três toques.

— O que houve?

Sua voz era alarmada, e eu era uma das poucas pessoas

que conseguia decifrar seu tom. De repente, apenas me vi quase

gaguejando ao pedir que se conectasse ao nossos irmãos.

— Não vou conectar ninguém nessa chamada, enquanto

não vir o seu rosto. — falou, e só então notei que deixei a câmera

do celular, agora preso a um suporte no carro, virada para o lado

errado. Quando finalmente a encarei, ela fez o mesmo. Notei seu


olhar mudar, e não pude aguentar.
Uma lágrima desceu.

— Tadeu...

— Eu vou ser pai, Verô. — assumi, e minhas mãos

estavam presas ao couro dos bancos, como se eu pudesse

afundar neles. — Eu... Eu... Você sabe que eu...

— Eu sei. — falou, porque ela realmente sabia. Ela sabia

dos meus piores medos. Ela os conhecia de perto. — Não é como

ele, Tadeu. Não somos como ele.

Olhei-a, enquanto as lágrimas nublavam minha visão e por

um segundo, agradeci pelos vidros serem completamente

cobertos por insulfilm.

— Eu preciso contar para os nossos irmãos, preciso...

— Precisa se acalmar e me dizer onde está. — cortou-me,

e sabia que era claro meu desespero para com ela.

— Estou na casa de Inácio Torres. — comentei, enquanto

respirava fundo e tentava conter o choro. — Ele precisava de uma

recomendação e...

— Valéria Fontes, novamente?

E então me vi piscando e encarando minha irmã, como se

ela soubesse de tudo aquilo que eu lutava para esconder.


— Não foi muito sutil no almoço, irmão. E muito menos

consegue disfarçar algo tão óbvio para mim.

— A encontrei agora e ela está grávida... — suspirei fundo,

ao complementar: — de um filho meu, Verô.

— Estou feliz por você, irmão. — olhei-a surpreso. — Estou


feliz porque sei o quanto gostaria disso mas nunca imaginou que

aconteceria.

— Eu nunca vou merecer...

— Você vai falar com ela ainda? O que mais conversaram?

— Ainda nada concreto, só que os Fontes não podem


descobrir. — fui claro e ela assentiu. — Algo sobre um casamento

arranjado...

— Elas me ligaram esses dias, perguntando sobre a


disponibilidade de Igor para conhecer a mais nova herdeira deles,

que deve estar para fazer dezoito anos... Não me surpreendo em


saber que Valéria tenha sido prometida a alguém.

— Ela fugiu disso.

— Mas eles iriam amar um casamento com os Reis. —

assenti, enquanto limpava as lágrimas. — Não vão descobrir por


mim, fique tranquilo.
— Obrigado, Verô.

— Obrigado por confiar em mim, você sabe. — notei o leve


sorriso no canto de sua boca. — Será demais aparecer aí com

nossos irmãos? No caso, posso usar a desculpa de ir ver Daniela.


Quem sabe contar a eles pessoalmente, sobre?

— Preciso falar com Valéria primeiro, se está tudo bem, por


todos estarem ao redor, ainda mais que faz tão pouco tempo.

— Ok, fale com ela e me avise. — assenti. — E se não se


aguentar, posso conectar com os outros agora.

— Sei que tem uma reunião importante, Verô. Desculpe


por...

— Por me tornar tia? — cortou-me, e de repente, ela era


um reflexo meu – com um sorriso. — Nunca se desculpe por
aumentar a nossa família dessa maneira.

— Eu acho que vou fazer uma visita a Murilo e contar, e os


mais novos que não me matem por serem os últimos.

— Carolina vai te deixar careca, você sabe...

— Eu aguento. — suspirei fundo, sorrindo. — Eu te amo,

irmã.
Ela então fez um sinal com os dois dedos contra a tela,
como se estivesse tocando minha testa, e eu sabia o que
significava.

Desfiz à ligação porque sabia que ela não o faria, já que o


trabalho nunca viria em primeiro plano para ela. Então, saí com o

carro dali. A viagem até a cidade vizinha era um bom tempo, e


então, teria algo a pensar e me acalmar, até chegar ao meu irmão

mais novo, que deveria estar em casa trabalhando.

E de repente, vi-me apenas ligando uma das músicas que


sempre me lembravam dela, porque sempre a ouvia cantando

baixinho, quando ainda nos encontrávamos quase sempre, ainda


tão jovens.

“Se você visse que sou eu quem entende você

Estive aqui o tempo todo, então por que você não vê?

O seu lugar é comigo...”[15]

— O QUÊ?

Murilo praticamente gritou, enquanto derrubava uma pasta

cheia de papéis no chão.


— Como assim eu vou ser tio? Como assim é da Val?
Como assim?

— O QUÊ?

Outro grito, só que feminino, invadiu o ambiente, no caso,


da sala de estar da casa de meu irmão. Olívia Torres, minha

cunhada, me encarava perplexa.

— Você é o pai?

— Você sabia que ela estava grávida? — Murilo perguntou,

como se perplexo, mas o olhar dela estava em mim.

— Então você é o tal que amava ou... — ela se calou de

repente, engolindo em seco. — Se fizer alguma merda, eu juro


que esqueço que é o tio da minha filha.

— Raio de sol...

— Raio de sol nada, Murilo. — cortou-o e veio para perto


de mim, colocando um dedo contra meu peito. — É uma

promessa, Tadeu. Se machucar Valéria ou o filho de vocês, eu

juro que vai se arrepender.

— Não precisa se preocupar. — falei, e tirei com cuidado


seu dedo de meu peito, e notei o sorriso enorme em seu rosto,
como se ela estivesse exultante também. — Não sei se está

odiando ou gostando do fato de eu ser o pai do filho de Valéria?

— Nem eu. — admitiu, e então, antes que falasse qualquer

outra coisa, senti meu corpo ser virado, e o corpo de meu irmão

veio para o meu.

Murilo praticamente me tirou do chão, abraçando-me com

tamanha força, que me fez lembrar de quando ainda éramos

apenas moleques, e ele sempre foi o carinhoso entre nós. O que

corria até mim, vinha até mim. E tinha todo aquele amor gratuito,
que eu nunca consegui demonstrar.

— Parabéns, irmão. — falou, assim que consegui colocar

meus pés no chão novamente. — Parabéns, certo? — indagou,


como se sua ficha caísse. Ele estava pensando em Reinaldo

Reis, o qual deveria ter sido um pai, mas, na realidade, era um

explorador. De todos nós. Principalmente eu e Verô, seus filhos

biológicos.

— Eu estou feliz. — admiti, e ele abriu um sorriso ainda

maior. — Só queria poder contar logo.

— Os mais novos ainda não sabem? — indagou, rindo alto,

e eu me segurei para não fazer o mesmo. — Verô deve ter sido a


primeira que ligou, e imagino que está surtando... Raio de sol, se

prepare que os Reis vão aparecer e nos usar de desculpa.

— Valéria sabe que todos sabem? — ela perguntou e eu

neguei com a cabeça.

— Ela me permitiu contar. — adiantei-me e ela assentiu.

— Você e Valéria... — Murilo comentou, como se pensando

em algo. — Eu lembro de falar para Bianca, sobre como você


parecia outra pessoa perto da menina dos Fontes, e nós tínhamos

o quê? Quinze na época?

E então, aquele foi um soco na boca do meu estômago.

Parecia que apenas eu e Valéria ficamos presos ao


passado com Bianca, e Murilo seguiu em frente. Por aquilo, me

mataria por dentro trazer o passado e fazê-lo remoer algo, que já

parecia tão bem esclarecido. Ou melhor, que Daniela e Olívia

fizeram com que se tornasse menos difícil.

O que você fez, Bianca?

O quê?

Era o que eu gostaria de ter a resposta, e sabia que parte


dela estava com a mulher que agora esperava pelo meu filho. A

mulher que me achava um traidor, e eu não lhe poderia negar que


era. Mas também, não poderia negar que no meio de tudo aquilo,

eu só queria que não me tivesse enganado naquela noite.


CAPÍTULO VIII

“Me dê um ou dois dias

Pra pensar em algo inteligente

Pra escrever uma carta para mim mesma

Pra me dizer o que fazer” [16]

VALÉRIA

“Espero que esteja tudo bem.

Os bolos estão prontos e só esperando vocês.

Boa noite,

Val”
Deixei o post-it colado na geladeira e saí pela cozinha, em

busca do meu carro. Já eram seis e quinze. O meu expediente


geralmente terminava as cinco e meia, mas a realidade era que

enrolara o máximo que pudera cozinhando e repensando o que

faria. Tadeu estaria ali? Tadeu estaria na minha casa?

— Ei, patroa!

Revirei os olhos do apelido e me virei para Pedro, que

vinha em seu cavalo branco, como um verdadeiro príncipe. Um


príncipe de chapéu de cowboy e muito bonito, tinha que admitir.

Contudo, existia algo sobre ter estado com Tadeu naquela noite,

que me impedia de sentir qualquer atração que fosse por outro


alguém. Aquilo me agoniava.

Pedro era claramente um gostoso interessado em mim e

eu parecia uma pamonha por não conseguir de fato ter alguma

inclinação em querê-lo.

— Esqueceu como sempre, que a gente tem os mesmos

patrões? — provoquei, e ele sorriu de lado, descendo do cavalo


lindo, que se chamava Coragem.

— Como estamos hoje? — indaguei para o animal,


enquanto passava a mão levemente por sua cara, e era tão nítido
o carinho que ele sentia por mim e eu por ele. Como poderia ser
assim? Tão simples e tão fácil gostar de alguém? No fundo,

tínhamos muito o que aprender com os animais.

Desde quando eu era reflexiva daquela forma? Levei a

outra mão à minha barriga e só pude culpar aquela pequena

mistura minha e do Reis, que deveria ser muito mais reflexivo que

eu.

Merda!

Ali estava eu pensando nele, de novo.

— O pessoal vai pro bar na sexta, karaokê. — avisou, e eu

o encarei afastando-me de Coragem. — Eu posso te buscar se

quiser.

Respirei fundo e lembrei-me da minha péssima

apresentação no último karaokê.

— Sério que ainda vão me aceitar lá? Depois da palhaçada

que fizemos? — indaguei, e ele alargou o sorriso, assentindo. —

Então me manda mensagem lembrando amanhã, que a gente

combina.

— Valéria?
Pisquei algumas vezes, ainda desacostumada com aquela

voz me chamando exatamente assim. Na realidade, tudo mudara


naquela noite, meses antes, na qual o meu nome correu

livremente pela sua boca, e ficou intacto em minha mente, como


se não fosse possível esquecê-lo.

— Reis? — virei-me, encontrando Tadeu parado a alguns


passos de nós, mas que logo se aproximou. — Inácio e Mabi não
aparecerão tão cedo, eu acredito. Esperou esse tempo todo?

— Estava te esperando. — sua fala foi cortante, e mesmo


que seu olhar estivesse cravado no meu, juraria que algo o

incomodava.

— Esse é seu amigo? — Pedro indagou, e então me

lembrei que o mesmo permanecia ali.

— Na verdade, é um dos tios da Dani. — comentei, e

segurei o resto da informação: e pai do meu filho, surpresa!

— Ah, sim... Eu sou Pedro. — ele estendeu a mão para

Tadeu, que sequer fez questão de lhe dar a dele, e eu fiquei ali,
no meio daquilo, como se fosse possível enforcar aquele homem
com o olhar. — Já vi que não vamos convidá-lo para o karaokê.
— Não mesmo. — complementei, e então pisquei um olho

para Pedro. — Tenho uma coisa para resolver com ele, me manda
mensagem, certo?

— Sim, patroa.

Revirei os olhos, e logo o vi montar a cavalo e sair dali,

com um sorriso em minha direção.

— Tio da Dani?

— O que queria que eu dissesse? — rebati, assim que o


tom nada feliz de Tadeu me encontrou. — Somos amigos desde

quando?

— Não vou discutir por isso.

— Acho ótimo, porque eu muito menos. — revirei os olhos,

e ajeitei minha bolsa. — Está esperando há quanto tempo?

— Fui ver meu irmão, contar a ele... — arregalei os olhos,

sem acreditar. Não imaginava que Tadeu fosse de fato ser tão
rápido com isso. No caso, eu era enrolada? Porque minha família

sequer sabia onde eu estava, muito menos sobre o meu estado.


— Olívia ouviu, e me disse que quer conversar com você depois.

— Merda! — falei, fechando os olhos. — Toda vez que


estou perto de você, alguma bomba explode.
— Está chamando o nosso filho de bomba?

— O quê? — praticamente gritei e ele me encarou

incrédulo. — Estou falando das confusões que a sua presença me


mete. O nosso filho é única coisa boa e bonita que gerou de
qualquer aproximação que tivemos. — deixei bem claro, e ele

pareceu voltar a respirar normalmente. — Acho melhor irmos para


a minha casa e conversarmos... Antes que eu desista.

— Valéria, eu...

Parei, assim que dei um passo em direção ao meu carro.

— O quê? — virei-me e notei que ele parecia ainda mais


sério e intenso do que nunca.

— Se essa conversa for te estressar ou te deixar mal,


podemos adiar. Eu li que mulheres grávidas não podem passar
por estresse e... — ele continuou falando e fiquei perplexa, diante

da fragilidade que ele demonstrava sobre o assunto. Ele ficou


fazendo isso? Lendo sobre gravidez?

— Ei! — cortei-o, já sem nem saber do que falava, contudo,


minha voz sequer teve efeito, e ele continuou. — Tadeu? —
insisti, e absolutamente nada, e notei que ele falava sobre o

primeiro trimestre como um especialista. Sem mais conseguir


evitar, toquei em seu braço, e finalmente, sua boca parou. — Nós
estamos bem. — falei, referindo-me claramente ao nosso filho. —
Se eu não pudesse conversar com você, acredite, não o faria.

Seu olhar parou no meu, e ele assentiu, mas logo foi até a
minha mão que ainda apertava levemente o seu braço. A

sensação de lar que aquele pequeno movimento me trazia, me


assustava de forma absurda. Como podia? Como podia ter me
apaixonado por ele há mais de dez anos e ainda assim, me sentir

uma adolescente? Mesmo após tudo? Mesmo com tudo?

— Eu vou no meu carro. — avisei, passando por ele, e


senti seu olhar por todo meu corpo.

— Não prefere ir caminhando? — indagou, pegando-me de

surpresa. — Li que caminhadas são boas para grávidas.

Abri a boca para responder, mas na realidade, não sabia o


que dizer. O que eu falaria? Que eu não esperava aquela reação

ou tratamento? Que estava surpresa com o caminho que as

coisas estavam tomando?

— Estou me sentindo cansada para andar cinco


quilômetros. — dei de ombros. — Te encontro na frente da minha

casa.
Sem lhe dar mais chance para falar sobre algo que poderia

ser benéfico para o meu atual estado, apenas entrei no carro e


saí com o mesmo. Minutos depois já estacionei na frente de casa,

e não tardou para que o carro dele parasse ao lado. Suspirei

fundo, enquanto a música terminava e meu coração ficava preso


na garganta.

— “E se meus desejos tivessem se tornado realidade teria

sido você. Em minha defesa, eu não tenho uma. Por nunca deixar

as coisas do jeito que estão. Mas teria sido divertido, se você

tivesse sido o certo...”[17]

Vi-me cantando, enquanto encarava-o descer do carro, e

era impossível não pensar em como as coisas teriam sido

diferentes, caso ele tivesse gostado de mim. Mas em que mundo


paralelo eu ainda vivia? Simplesmente não se pode escolher de

quem gostar. Eu sabia bem daquilo. Porque se pudesse escolher,

nunca o teria escolhido de fato. Certo?

E de repente, eu não tinha resposta para tal pergunta. O


que me assustou por inteira, e me fez tirar o cinto e desligar o

som, saindo rapidamente do carro. De onde saíam tantas

questões?
— Como já sabe, minha casa. — fiz um sinal com a

cabeça, e ele me seguiu a passos tão silenciosos, que não

saberia que existia alguém ali, se não fosse pela sensação de


atração em que ele me colocava.

Abri a porta, e lhe dei espaço para entrar, fugindo do seu

olhar por um segundo, enquanto a pergunta que fiz a mim

mesma, permanecia sem resposta.

Se eu pudesse escolher o amor, eu não escolheria amar

Tadeu Reis, certo?

Por que a resposta não era simples e direta?

Por que nunca me questionei sobre o mesmo antes?


CAPÍTULO IX

“Quando estou longe de você

Fico mais feliz do que nunca

Queria poder explicar isso melhor

Queria que não fosse verdade” [18]

VALÉRIA

— Se quiser se sentar, fica à vontade. — falei, jogando


minha bolsa no chão do lado da minha poltrona favorita da vida,

que era tão confortável, que poderia dormir nela.

E ignorando os pensamentos que rondavam a minha


mente, fazendo-me fervilhar por dentro.
Ele então o fez, sentando-se à minha frente. O silêncio

recaiu entre nós, e vi-me abrindo a boca uma ou duas vezes, mas
parecia que qualquer palavra que jogasse, poderia ser como

acertar um campo minado. De repente, o olhar dele era tão

inexpressivo, que me deixava anestesiada.

Senti um enjoo me tomar e encostei-me melhor contra a

poltrona. Merda! Eu não os tinha todos os dias, mas quando


vinham, deixavam-me exausta, e presa ao lado da privada por

alguns bons minutos.

— Precisamos ver como isso vai funcionar. — a voz dele

finalmente preencheu o ambiente, e eu apenas assenti, mantendo


meus olhos fechados e concentrada em não piorar a náusea. —

Eu quero ser um pai presente, Valéria.

— Fique à vontade. — falei, e engoli em seco, sentindo a

ânsia. — Eu só acho que... — tentei até pensar no que ia dizer,


mas a ânsia piorou, e me vi apenas correndo dali, em direção ao

banheiro.

Abri a porta em um estrondo e sequer me importei se a

fechei ou não, ou como meus cabelos poderiam cair dentro da

água. Eu só precisava colocar tudo para fora. E foi exatamente o

que fiz. Sentindo minha alma saindo do corpo por alguns


segundos, e com uma das mãos firmemente posta na minha
barriga, como se dizendo: vai com calma aí, coisinha.

Senti o calor crescer e quase me englobar, mas não


conseguia parar por um segundo, para me rearranjar. Foi quando

senti um ar fresco tomar conta de minha nuca, e meus cabelos

sendo presos no alto da cabeça. Pensei em dizer algo ou até

mesmo mandar Tadeu a merda, porque de repente, eu poderia

até culpá-lo por aquele mal-estar – que tipo de pensamentos

eram aqueles?

Pensamentos de grávida?

Senti o toque gelado de uma toalha molhada em minha

nuca, o que me ajudou a respirar melhor, enquanto outra parte da

minha alma ia para fora, mesmo que não tivesse muito o que

vomitar. Os segundos ali pareciam horas, mas finalmente,

chegava ao fim. Respirei fundo, tirando finalmente a cabeça da

direção do vaso sanitário, e no mesmo segundo, senti os braços


de Tadeu me segurarem no lugar.

Era como se eu fosse cair para trás, como sempre


acontecia, e me deitar no chão do banheiro. Felizmente, eu o

mantinha muito limpo e o tapete era fofinho. No caso, agora não


tinha um tapete às minhas costas, mas sim, as mãos do pai do

meu filho.

Não sabia como, mas ouvi o barulho da descarga sendo

dada, enquanto ainda era segurada, e logo uma toalha sendo


passada pelo meu rosto, e por fim, pelos meus lábios. Pisquei

algumas vezes, e sabia que aquele poderia ser o meu pior


momento. Se existia algo que eu detestava desde sempre era
vomitar. Toda vez que tive alguma intoxicação alimentar ou virose

que fosse quando criança, aquele era o ápice do me deixar


acabada.

Por causa daquilo que nunca bebia a ponto de passar mal.


Eu odiava a sensação de não controlar meu corpo.

— Como está?

— Como se tivesse deixado minha alma no vaso. — falei,

com minha voz falhando.

— Não pode ficar sozinha estando assim. — suas palavras

eram duras, mas eu sentia o tom de preocupação nas mesmas.


Meus olhos então estavam nos dele, e eu neguei com a cabeça,
já querendo me levantar.
— Só não sou boa vomitando. — assumi. — Acabou de

descobrir meu grande defeito. — pisquei um olho e me segurei


contra o que fui encontrando, evitando estar encostada sobre o

corpo dele novamente.

Quando parei à frente da pia, joguei água na boca e em

seguida, escovei meus dentes. Uma das mãos ainda permanecia


na barriga e eu dizia internamente: coisinha irritante, assim como

o seu pai.

Joguei um pouco de água no rosto, e encarei meu reflexo,


dando de cara com Tadeu, parado a minhas costas, segurando a

toalha que deve ter usado para me ajudar. O que eu deveria


dizer? O que eu poderia fazer?

Notei-o abrir a boca para dizer algo, mas logo se calou,


como se estivesse se segurando sobre algo.

— Já estou melhor. — falei, e ele assentiu, olhando-me


profundamente. — Obrigada pela ajuda.

— Isso é o mínimo, Valéria.

— Já vi que me chamar pelo primeiro nome virou um


hábito. — falei, e me virei, cruzando os braços à frente do corpo.

Arqueei uma sobrancelha e o encarei.


— Se te incomodar, eu posso...

— Por que está agindo assim? — perguntei de uma vez,

sem conseguir mais fingir que cada atitude dele não estava me
deixando à beira do colapso. — Nunca fomos de conversar muito,
na verdade, você não é de falar... Mas de repente, se tornou um

grande falante comigo. Nunca pareceu realmente preocupado


com algo, e agora... Agora parece que está observando cada

passo meu. Nunca te vi tão empenhado como se...

— Se quisesse fazer a coisa certa? — complementou e eu


assenti, e era como se entendesse.

— Tudo isso para ser um bom pai? — perguntei, e sabia


que poderia ser um tópico delicado.

O pouco que sabia sobre o pai dele, não era algo


considerado bonito. Imaginava que o pior estaria ainda escondido.

Ele poderia ser como eu? Ter medo de ser como o próprio pai?

Dois adultos de praticamente trinta anos que pareciam

adolescentes assustados por conta que se tornariam pais?

— Acho que nunca me conheceu tão bem quanto imagina.


— olhei-o sem entender. — Esse sou apenas eu, Valéria. Não o

Tadeu Reis, apenas... eu.


— Ok. — foi tudo o que consegui dizer, mas não pude
deixar de considerar que ele não respondeu à minha pergunta, e
existia uma chance de 99% de ela ser positiva.

Segui para fora do banheiro, e senti-o às minhas costas.

Assim que me joguei novamente na poltrona, ele parou ao

lado, ainda me inspecionando.

— Tem esses vômitos sempre?

— Uma vez ao dia, na pior das hipóteses. — dei de

ombros. — No começo era mais constante.

— Valéria... — olhei-o, com um sorriso falso e me sentindo

de repente cansada.

Talvez eu estivesse cansada de estar tão próxima dele. A

verdade era que o sentimento que tinha me aterrorizava, porque

eu não conseguia simplesmente enterrar e esquecer. Nunca o fiz.


E agora... E agora parecia ainda pior com tamanha proximidade.

— Não pode ficar sozinha desse jeito.

— Eu estou me virando bem, obrigada. — pisquei um olho,

e ele negou com a cabeça.

— Eu posso me mudar para cá.


De repente, aquele assunto ia de 0 a 100 muito rápido. O

quê?

— Não somos a versão 2.0 de Murilo e Olívia. — falei de

imediato, sabendo que foi com algo muito parecido que minha

amiga e o irmão dele acabaram voltando a se envolver. No caso,


a história de amor deles estava traçada há muito tempo. Foco,

Valéria! — Não vamos fazer disso um momento para que...

— Eu só quero cuidar do nosso filho.

— Eu estou fazendo isso! — revidei, e ele me encarou


perplexo. — O que você pode fazer?

— Enquanto ele não nascer, eu posso cuidar de você. — e

foi minha vez de ficar perplexa. — Está gerando uma vida que é

uma parte minha, e eu não quero que corra nenhum risco. Não é
sobre você ou sobre eu, é sobre o nosso filho.

Eu sabia que não era sobre mim, mas ainda assim, estaria

mentindo se dissesse que as palavras não me atingiram. Na


realidade, eu não poderia ficar fugindo daquela forma, como se eu

me importasse com o fato de ele estar perto. Como se eu tivesse

algo lá no fundo que gritava por ele. Não! Eu tinha que ser

madura e encarar a realidade. Sendo ele perto ou longe, eu


poderia lidar. Eu tinha que lidar. E não deixar que ele pensasse

que me incomodava ou que... que eu o amava.

— No caso, acho que eu confundi o que me disse. — modo

Veronica Park ativado. — Faça como quiser, Tadeu.

— Sério?

— O que quer que diga? Que eu brigue para não ficarmos

próximos ou que vamos estragar tudo? — dei de ombros. — A


realidade é que nenhum de nós sabe como de fato acabou na

mesma cama... — pelos céus, eu era péssima. — E se quer

cuidar de mim, como se isso fosse um cuidado para o nosso filho,

não vou me opor.

— Não?

— Quer que diga que sim? — revidei, e ele negou de

imediato com a cabeça. Nem eu mesma sabia o que falar mais. —

Mais alguma coisa?

— Então está me dizendo que posso me mudar pra cá e

ficar próximo?

— Pelo nosso filho, sim. — coloquei um falso sorriso no


rosto. O que diabos eu estava fazendo?

— Certo.
— Certo, então. — suspirei fundo, e me estiquei para

disfarçar meu incômodo. — Acho que tem algo mais a fazer, não?
Procurar um aluguel na cidade? — aquele era o pior modo de

expulsá-lo da minha casa naquela noite, mas eu precisava.

Precisava respirar longe dele.

— Eu pensei em morar aqui.

— Nem pensar. — a resposta veio de imediato e ele

arqueou as sobrancelhas, como se não entendesse. — Gosto da

minha privacidade.

— Mas como vou saber se está passando mal se estiver

morando em outra casa?

— Será que não podemos só pular esse tópico esquisito e

sem noção que entramos por hoje? — indaguei, já cansada. —


Eu odeio passar mal, de verdade. Só quero fechar os olhos e

dormir.

— Eu sinto muito, Valéria.

Notei a forma como sua voz saiu quebrada, e era como se


enxergasse o arrependimento nos seus olhos assustados.

— Eu não quero ser um estorvo ou te incomodar, eu só...

só quero ajudar, de verdade.


— Pode ajudar indo embora agora.

Ele apenas fez um aceno com a cabeça e vi-o sair a

passos silenciosos dali. Soltei o ar com força, assim que ouvi a

porta sendo fechada. Um segundo depois, ouvi-a sendo aberta


novamente, e pensei que fosse explodir assim que me escorei na

poltrona e poderia culpar os hormônios por estar surtando,

contudo, não eram os olhos escuros que me enervavam, e me


faziam correr para longe. Não... Era Olívia, me encarando como

se fosse retirar o que restou da minha alma após o banheiro.

— Ok, por que eu encontrei meu cunhado de quem nunca

decifrei uma expressão parecendo a ponto de desabar, e agora


estou te vendo a ponto de explodir?

Abri a boca para falar, mas nada saiu, e de repente, eu não

sabia se Tadeu estava de fato a ponto de desabar, mas eu, com


toda certeza, acabava de fazê-lo.
CAPÍTULO X

“Todo esse tempo

Eu nunca aprendi a ler sua mente

Eu não conseguia mudar as coisas

Porque você nunca deu um sinal de aviso” [19]

TADEU

Felizmente, tinha conseguido um lugar na pequena


pousada da cidade. Na realidade, tinha deixado alugado mais

cedo, porque a negativa de Valéria estava clara em minha mente.

Não entendia até o momento que coloquei a chave na porta de


madeira, como ela me aceitaria por perto. Mas como sempre, me

surpreendendo, ela o fez.

— A mansão Reis tá muito vazia.

Girei meu corpo de imediato, e fiquei estupefato ao

encontrar Igor e Carolina, ambos me encarando com curiosidade


brilhando nos olhos.

— Mas o que...

— Antes que pergunte: Verô não nos disse nada. Ela

apenas nos mandou e disse que talvez precisasse de nós. —


nossa caçula respondeu, como se fosse simples assim. — Eu

disse para ela que não seria um talvez, mas certeza.

— Fui o primeiro a dizer que você parecia um cachorrinho

que perdeu o dono quando não foi nada sutil ao seguir Val até o
banheiro na casa do Ná...

— Desde quando chama Inácio Torres de Ná? — Carol

indagou, e por um segundo, sabia que eles entrariam no universo

particular que criavam, e mudavam de assunto repentinamente.

Os dois eram assim desde sempre. Talvez por serem os

mais novos, ou por simplesmente serem os únicos com um real


bom humor dos cinco irmãos. Verônica, Murilo e eu éramos
péssimos em conviver com os outros, já aqueles dois...

— Podem só parar de falar por um segundo. — pedi, ao


notar que as justificativas de Igor sobre chamar cada Torres pelo

apelido, eram ainda piores do que tê-los me azucrinando. — Não

têm que trabalhar?

— Te pergunto a mesma coisa. — Carolina rebateu, e


apenas abri a porta, sendo seguido pelos dois. — E por que não

ficou na casa do nosso irmão?

— Muito tempo até a outra cidade, e pretendo conversar

com Valéria amanhã cedo.

— Eu sinto que estamos perdendo alguma coisa. — Igor


comentou, jogando-se na grande cama de casal que existia ali. —

Por que Verô nos tiraria todas as funções em segundos, só para

virmos ficar com você? Aliás, ela só não veio porque teve um

imprevisto com os Fontes.

— Os Fontes? Da família de Val?

— Parece que eles soltaram uma nota que vou me casar


com a Paola, a mais nova. Além de aparecerem na nossa casa.
— Igor comentou, revirando os olhos. — Sabe que eles fariam de

tudo para casar com um Reis.

— Sei...

Foi então que a conversa com Valéria me veio em mente.


Suspirei pesadamente, e sabia que precisava conversar com
Verônica sobre os Fontes e entender a estranha relação que

existia com eles e Val. Conhecia o pouco que podia sobre cada
um deles, porque na realidade, a única pessoa que me chamou

atenção e me foi próxima um dia, foi ela. Se era que podíamos


chamar simples cumprimentos e conversas rápidas de algo.

E ali estava eu, prestes a contar aos meus irmãos que a


mulher que parecia me detestar por completo, agora estava

grávida.

— Eles apareceram na mansão no momento em que

estávamos saindo. Foi sorte Verônica não os ter jogado na


calçada. — agora eu suspeitava do porquê Verô os recebera.
Talvez para ela mesma entender quem eles eram a fundo, e

poder me contar sobre. — Mas enfim... Valéria te jogou na


calçada?
— Por que de repente isso acaba em Valéria? — indaguei,

sentando-me na cadeira encostada na parede, a qual tinha uma


televisão presa.

— Porque a gente nunca sabe nada de você, mas naquele


almoço, parecia estar respirando pela atenção dela... Nunca

reparei muito, quer dizer, não a víamos há anos, e sempre que


íamos a festas, quando mais novos, eu era o Reis que ficava

próximo a ela. Claro, Murilo também, mas ele tinha Bianca ao


redor, e... — olhei para Igor sem paciência alguma. — Ok, eu sei
que falo demais.

— Resumindo: a gente sabe que está sentindo algo por


ela. — olhei-os perplexos. Como assim? Como eles.... — Nem me
olha desse jeito! — apontou um dedo em minha direção. — Só te

vi dessa forma há o quê? Dez anos atrás? E eu era uma


adolescente romântica, então imaginava que estava vendo

coisas.

— Não vou te dar moral nessa história toda. — falei por

fim, correndo do seu olhar, e escutei o grito de ambos de


imediato.

— Tadeu Tadeu, a gente te conhece! Você é o homem


mais misterioso da família e de repente, todos os seus trejeitos
são óbvios, porque eles mudaram... e a única grande mudança foi
Valéria aparecer.

— O que querem que eu diga? — perguntei, já não


sabendo para onde correr.

— Eu quero saber tudo! — Carolina falou ansiosa, mas ela

sabia que jamais conseguiria tal informação. — Mas, me contento


em saber por que estamos aqui.

— Valéria está grávida.

Soltei de uma vez, e os encarei. Notei suas expressões

mudarem drasticamente e de repente, olhos arregalados, assim


como bocas entreabertas.

— Mas...

— Mas... como assim?

— Quem é o pai?

As perguntas dele se misturaram, e eu apenas revirei os


olhos, diante de tamanha lerdeza e falta de compreensão do

assunto.

— Será que podem... — os dois me encararam. — Ela está


esperando um filho meu.
— Então era isso que estava fazendo no Natal que não
apareceu! — a voz de Igor saiu como um grito.

— Eu vou ser tia... de novo! — Carol gritou ainda mais alto,


e eu sabia que seríamos expulsos dali logo menos.

Senti os dois pularem em cima de mim, e meu corpo bateu

junto com a cadeira no chão. Talvez nos expulsassem da cidade.

— A gente achou que seriam cinco para sempre, e em


poucos meses, ganhamos Dani e agora... É menino ou menina?

Quanto tempo ela está? Como ela está? Ai, meu Deus!

Precisamos comprar brinquedos e roupas!!!

Ri de como Carolina praticamente montou em voz alta


cada passo do que faria para o meu filho, enquanto Igor me

encarou com clara emoção nos olhos.

— Estou feliz por você, irmão. — ele falou, e tocou meu


ombro, apertando levemente. — E lembre-se sempre, que é

melhor do que ele. Em tudo.

Apenas assenti e respirei fundo, soltando o ar com força.

Carol era a mais inocente de todos nós, felizmente, porque


Verônica conseguiu afastar todos os sanguessugas de nossa

família, quando ela ainda era muito pequena. Mas Igor estava lá,
mesmo que por pouco tempo, e sabia que Reinaldo tentou

recorrer a ele há alguns anos.

Era uma história bagunçada de todos nós. Filhos de pais e

mães diferentes, mas criados pela mesma avó, que assumira o

papel assim que Verônica nasceu. E Verônica assumira o papel


dela, assim que nossa avó ficou doente, e ela tinha apenas

quinze anos. Assumiu o papel de mãe e pai cedo, deixando-nos o

legado que apenas Regina Reis poderia ter ensinado.

Vi-me sorrindo, sem poder evitar, ao agradecer


mentalmente Verô, por mandar Carol e Igor, para que eu não

ficasse a sós com meus próprios demônios. Eu só temia pelo dia

em que minha irmã descobrisse a verdade, que eu não merecia


aquele cuidado. Que na realidade, eu era talvez o mais parecido

com Reinaldo Reis. Eu era um traidor.

— Bianca...

— O quê? — ela então colocou as mãos sobre o meu


peito, e eu não sabia para onde correr ou me esconder. — Uma

noite não foi o suficiente?

E de repente, eu estava de olhos fechados, e cabelos

ruivos presos em minha mente, enquanto o toque dela parecia me


queimar... Mas não era ela.

— Ei! — senti um estalo à frente do meu rosto. Pisquei

algumas vezes, saindo daquelas lembranças. — Por que a gente

não sai pra comemorar? — Carolina perguntou, batendo palmas.


— Sei que tem uma conveniência que fica aberta 24 horas, pelo

que sei, foi perto de lá que Mabi e Inácio se atracaram pela

primeira vez...

— Como sabem tanto da vida dos outros? — indaguei,

completamente perplexo, e Igor riu de lado.

— Eu tenho uma boa informante. — olhei-o, sem entender.

— Lisa e Igor são os piores... Eu não faço ideia do que


esses dois têm, mas as fofocas... eles sempre trocam.

— Podemos apenas beber em silêncio? — sugeri, e Carol

revirou os olhos, ao me dar a mão para me ajudar a levantar.

Eu ainda estava estatelado no chão, com Igor sentado ao

lado.

— Sempre tão chato. — Igor reclamou, levantando-se. —

Valéria é uma mulher engraçada, acho que são o famoso opostos


se atraem.
— A gente não é nada. — corrigi-o, e ambos me

encararam com as sobrancelhas arqueadas, assim que me


coloquei de pé. — O què?

— Não são nada porque ela não quer, sejamos honestos.

— Eu não quero saber das suposições que fazem sobre


mim. — fiz um sinal claro com os dedos, para que ficassem

quietos. — Apenas... obrigado por estarem aqui.

— Ah, o nosso ursinho fica até fofo por causa dela.

— Sem esse apelido, Carolina. — ela riu alto, e pulou


sobre mim, dando um forte abraço.

— Mal vejo a hora de Val saber que Carol te chamava de

ursinho carinhoso...

— Não ouse! — olhei-o com clara reprovação e ele apenas


riu. — Apenas vamos! — fiz sinal em direção à porta, e eles

assentiram.

No fundo, eu só queria focar no presente e que talvez, eu

tivesse a sorte de que nenhum deles, nunca soubessem, o que eu


realmente era.
CAPÍTULO XI

“Olhos castanhos culpados e mentirinhas do bem

Sim, eu me fiz de boba, mas sempre soube” [20]

VALÉRIA

— Ele é... É como um sonho. Tadeu é tão apaixonado...

As palavras de Bianca, minha melhor amiga, nunca doeram


tanto. Não conseguia pensar em algum momento em que elas

fizeram aquilo. Mas de repente, eu estava perto de desabar,

porque o homem que eu amava, agora, a amava. O quanto aquilo


poderia doer?
— Val... Se ele disse algo para te machucar, eu juro que...

— O que ele fez para me machucar, acho que ele nem

sabe. — admiti, agradecendo pela voz da minha amiga me

trazendo para realidade. — Ele não tem como saber o que


sempre senti por ele... — suspirei fundo. — A gente se conhece

desde sempre, pra ser mais exata, nos meus quinze anos, e foi

quando me apaixonei por ele. — neguei com a cabeça. —


Primeiro amor à primeira vista, e... Como eu te contei antes, ele é

o cara que ama outra e eu só assisti isso.

— Murilo nunca mencionou sobre o irmão amar ou ter se

apaixonado por alguém... — Olívia passou as mãos de leve pelos


meus braços, ainda sentada ao meu redor no chão. — Tem

certeza que ele ama outra pessoa? E se ama, por que ficaria com
você, Val?

Sorri tristemente para ela.

Se ela soubesse...

— Ele não pode mais chegar até ela, e acho que, tesão?

— nem eu mesma sabia o que dizer. — A questão é que desde

que transamos, tudo se confundiu ainda mais... Passei anos


fugindo de tantas coisas, para no fim, uma das quais menos
gostaria de reviver, bater à minha porta. Tadeu parece
empenhado em estar ao redor. Ele até mesmo se ofereceu para

cuidar de mim, por conta do nosso filho... No sentido de que estou

tendo os enjoos fortes, e ele presenciou um momento assim. Só

que como vou entender que ele está fazendo isso pelo bebê?

Como eu não vou confundir tudo, sabendo que ainda existe

resquício daquela paixão adolescente? Como eu vou lidar com o


fato de que estamos interligados e que bem aqui... — levei uma

das mãos à barriga e deixei outra lágrima descer. — Aqui tem

uma parte dele que eu amo e não posso negar.

— Eu acho que primeiro, você precisa se acalmar. — tocou

meu rosto, fazendo-me me encará-la. — Levou um tempo para se

acostumar com o fato de que está grávida, e agora, precisa de

tempo para se acostumar com Tadeu sabendo disso.

— Não posso fugir para sempre. — assumi, e ela me

encarou.

— Se fosse realmente fugir de tudo, não teria nem aberto

sua porta para ele. Eu acho que você precisa é de um banho

quente, um bom dorama, comida gostosa, e se amar assim como

a sua geladeira diz.


Tive que sorrir para ela, e da referência a um dos meus

idols favoritos. Sabia que Olívia era uma raridade. Ela era a única
pessoa que deixei entrar depois de tanto tempo fugindo de

qualquer amizade que fosse. Ela só aconteceu. E ela me ouvia,


se interessava, e me guardava... Era diferente de todas as outras
relações que experimentei.

E era realmente grata por tê-la, porque construímos


exatamente o que eu queria poder ter com Paola.

— Eu só preciso fazer uma ligação antes. — ela assentiu, e


se levantou, correndo até o outro lado da sala e pegando meu

celular, trazendo-o. — Oli, não precisa...

— Para de querer ser tão forte para o mundo. — olhei-a

surpresa. — Pode desmoronar, que eu vou estar aqui, pegando


os caquinhos. — piscou um olho e se levantou. — Vou ver o que
tem na cozinha e fazer algo para comer.

— Oli...

— Nada de “Oli”, faça sua ligação. — piscou um olho e


saiu, deixando-me com um sorriso, mesmo após tantas lágrimas.

Olívia cuidava de mim, do jeito que há muitos anos,

ninguém de fato se propusera. Talvez aquela fosse a diferença


gritante entre o que eu conhecia como família, o que os Torres – a

família dela – conheciam, e o que os Reis – mesmo desajustados


– sabiam: família se protegia.

A minha, tinha que se proteger à distância, como um


quebra-cabeça, com quatro peças incompatíveis, e infelizmente,

os quatro se resumiam, em nós: eu, Gael, Henrique e Paola.

Disquei o número da minha caçula e suspirei fundo,


aguardando. Sabia que ela não gostava tanto de mim assim, não

depois que fui embora, mas apesar dos pesares, ela ao menos
me atendia de vez em quando. E até então, Hellen não descobrira

sobre aquelas ligações esporádicas. Sinal que Paola sequer falou


sobre.

— O quê?

— Paola... — ouvi seu suspiro no fundo.

— Estou num evento. — cortou-me de imediato. — Se não


se importa, alguém tem que carregar o peso que você deixou.

— Paola, eu não... eu sinto sua falta.

— E eu sinto falta da família que nem tive, olha só. —

engoli em seco, a ponto de desabar. — Não quero brigar de novo,


apenas... Apenas me deixe em paz, assim como conseguiu a sua.
Se ela soubesse que minha paz tinha um preço alto.

— Hellen com certeza nem sabe que você tem esse

número. — foi então que percebi o meu erro, enquanto ela


sussurrava. — Eu sei partes, não tudo... apenas sinto muito, irmã.

— Paola, mas...

Ela desfez a ligação de imediato, e eu disquei novamente.


Suspirei fundo, ao ir direto para a caixa-postal. Paola tinha

descoberto, então? Paola agora sabia sobre o porquê de eu ter


ido embora? Eu só queria poder contar a ela sobre tudo, mas
ainda assim, teria que me contentar com a sua voz.

Talvez, se eu pudesse perguntar a alguém mais poderoso


do que Hellen... Não, falar com Verônica Reis sobre isso não era

uma opção. Não poderia arrastar mais ninguém para aquilo.

— Eu estou fazendo uma sopa, não tão boa quanto a sua,

já sabe. — pisquei algumas vezes e encontrei o olhar de minha


amiga. — Aliás, eu comecei a ver “A vida secreta da minha

secretária”[21] e eu estou sofrendo desde já para quando ele

descobrir a merda toda.

— Eu acho que já assisti esse umas três vezes. — ela


arregalou os olhos. — Foi um dos que mais gostei nos últimos
tempos e a personagem principal tem os cabelos na cor dos
meus.

— Ruivos inalcançáveis para meras mortais como eu. —


revirei os olhos, enquanto ela balançava o cabelo castanho para
os lados. — Aliás, Pedro me perguntou de você.

— Sério?

— Sim, ele foi fazer uma entrega na minha casa, algo que
a nossa capataz tava resolvendo, e todo sem jeito me chamou...

Eu agora estou me dividindo em torcer pelo peão tatuado gostoso

ou o meu cunhado vibes ceo frio e misterioso?

— Pensei que ia chamar seu cunhado de gostoso. — forcei


uma careta.

— Não duvido que ele seja. — olhou-me com uma

sobrancelha arqueada e eu peguei a almofada ao lado e joguei


em sua direção.

Olívia riu alto e desviou, pegando a almofada e jogando em

minha direção. Revirei os olhos de sua pontaria péssima, e logo a

senti se jogar novamente ao meu lado.

Sua mão veio para minha barriga, e eu sorri

instantaneamente.
— Coisinha linda... — fechei os olhos, encostando contra o

sofá, e fiquei envergonhada.

Não era acostumada a ser carinhosa, não depois de tanto

tempo sendo e perdendo aqueles que eu amava ao redor. Mas

com o meu filho ou filha, era praticamente impossível. Era natural.


Ver Oli o chamando do apelido que eu dei, me fazia lembrar do

quanto aquilo era importante. A conexão que tínhamos.

— Vamos ajudar a sua mãe a ficar calma e por favor,

maneirar no enjoo... — neguei com a cabeça, abrindo os olhos. —


Sua madrinha aqui tá pedindo com muito amor.

— Quem disse que vai ser madrinha? — indaguei, e ela me

ignorou por completo.

— Sua mãe fala besteira às vezes, só ignora... — olhei


para a cena, da minha amiga com a mão sobre a minha barriga e

sussurrando para o meu filho, e por um segundo, tudo parecia em

seu devido lugar.

Ao menos, Olívia e meu filho estavam nos seus. E depois

de muito tempo, apenas me sentindo em um lar quando estava ao

redor dos Torres, ali, com nós três, eu conseguia respirar. E

mesmo com saudade daqueles que já foram meu lar, sabia que a
minha coisinha mudava tudo de figura – porque ela agora se

tornava um novo lar para mim.


CAPÍTULO XII

“Guarde seu conselho, porque eu não vou ouvir

Você pode até estar certo, mas eu não ligo

Há um milhão de motivos para que eu desista de você

Mas o coração quer o que ele quer

O coração quer o que ele quer” [22]

VALÉRIA

Batidas na porta me despertaram.

Olhei para Olívia do outro lado da cama, dormindo

profundamente. Levantei-me com cuidado para não a acordar, e


puxei o robe jogado na cadeira. Desci as escadas, e peguei meu
celular no caminho, sobre o sofá. Antes de abrir a porta, notei que

tinham cerca de dez ligações de Tadeu, e meu coração falhou


uma batida.

O que teria acontecido?

Cliquei no seu contato, que ele nem sabia de fato que eu


tinha, e abri a porta, apenas esperando o pior. Contudo, tive a

visão dele, com o celular em mãos, olhando para a tela, e depois

para mim. Por um segundo, consegui ler o nome com que meu
contato estava salvo – ela. Por que eu sequer tinha um nome?

Olhei para ele confusa, e tentei entender o que acontecia,


mas antes que eu ou ele pudéssemos perguntar algo, duas

pessoas pularam de trás de suas costas, com sacolas enormes

nas mãos – Igor e Carolina Reis.

— Eu tentei avisar antes...

— Surpresa! — falaram, e empurraram o irmão da frente,

quase jogando-a para fora da varanda. — A gente não quer te

pressionar ou algo assim, mas foi impossível não passar em lojas

e comprar presentes para o nosso sobrinho ou sobrinha.

— Eu acho que é um menino. — Igor piscou um olho e me

encarou.
Olhei para Tadeu, que parecia genuinamente
envergonhado.

— Quando chegaram? — perguntei, dando-lhes espaço


para entrar, e eles não se fizeram de rogados.

— Ontem à noite, bem tarde... Verô nos mandou para...

— Igor! — Tadeu o cortou, e olhei-os confusa.

Eu conhecia um pouco da dinâmica dos Reis, mas fazia um

longo tempo que não os tinha tão próximos. Era até engraçado e

me fazia sentir ainda mais falta do que não pude ter com os meus

irmãos.

— Ignora eles. — Carolina falou, dando-me um abraço com

cuidado, e logo em seguida olhando para minha barriga. — Tá tão

pequena e redondinha... Ai, nessa hora eu só queria um bebê.

— Precisa de alguém que te tolere primeiro. — Igor

provocou, e eu tive que rir.

— Ou faça isso sozinha. — pisquei um olho para ela, que

puxava o cabelo de Igor no segundo seguinte. — Vocês não

mudaram nada.

— Os mais bonitos e legais, eu sei. — Igor fez pose, e

abriu os braços. — Posso?


— Claro que sim. — fui até ele, e aceitei seu abraço, e sorri

pela forma como eles pareciam achar que eu ia quebrar. —


Sabem que podem abraçar de verdade uma grávida, né?

— Tadeu nos mata! — Carol resmungou e eu então o


encarei, ao fundo, encostado contra o batente. — Aliás, ele

comprou duas coisas, só que uma está no carro.

— Carolina!

— Eu posso ver? — perguntei, e ele fez um leve aceno

com a cabeça, como se me chamando. — Aliás, se quiserem dar


um susto em alguém, Olívia está dormindo no meu quarto,

completamente apagada...

— Como a gente deu sorte com cunhadas? — Igor

perguntou, e Carol o seguiu, passos lentos pelas escadas.

Pensei em corrigi-los, mas apenas deixei as palavras irem

com o vento. Naquele segundo cheguei até Tadeu, do lado de


fora da casa, e o segui até o carro.

— Por que não entrou?

— Eu acho que nossa conversa não foi muito boa, e eu


não queria incomodar. Já basta meus irmãos ligados nos 220v às

sete da manhã.
— Eles são bons. — cruzei os braços, e sorri. — Eles são

bons para Dani, com certeza serão para o nosso filho.

— Eu também acho, mas não conte a eles que te falei isso.

— assenti, revirando os olhos. — Eu sei que gosta de kpop,


confesso que não sei muito, mas eu pesquisei e bom, parece ser

de um grupo famoso. — ele então me estendeu uma sacola de


papelão pequena, que estava no banco de trás.

Notei outras várias ainda pelo carro, mas não adentrei

aquele assunto.

— Obrigada. — falei, abrindo a mesma e fiquei paralisada

ao encontrar um body na cor preta, com o símbolo do BTS[23]. Era

simples, mas me tocava profundamente, porque era algo que eu


gostava, que meu filho poderia usar. Olhei para Tadeu, sem

conseguir disfarçar a surpresa. — Eu adorei. — fui sincera. —


Espero que nosso filho ou filha também goste.

— Espero que ele seja como você. — olhei-o sem


entender, mas me contive, ao vê-lo abrir o porta-malas. — Meus
irmãos compraram mais algumas coisas, e têm presentes de Verô

também, que ela me pediu pra comprar por vídeo-chamada...

Olhei para as sacolas enormes e fiquei perplexa.


— Me diz que pelo menos você só comprou esse body... —
ele deu de ombros.

— Comprei alguns brinquedos também.

— Tadeu, eu ainda estou gerando a criança. — ele levou


uma das mãos à nuca, passando-a levemente ali, claramente sem

jeito. — Eu sei que seus irmãos são empolgados, mas não


imaginei que você fosse.

— Isso porque ele está disfarçando sobre ter comprado


brinquedos, na verdade, ele comprou a melhor loja de brinquedos
da cidade...

— O quê? — minha voz saiu em um grito, diante da frase


dita às minhas costas, que Igor soltou.

Notei Tadeu o encarar claramente com raiva e engoli em


seco.

— Me diz que isso não é verdade! — ele abriu a boca e


fechou algumas vezes, mas nada saiu. — Por que comprar uma

loja de brinquedos?

— Eu li que brinquedos são importantes para o

desenvolvimento...
— Mas nosso filho nem nasceu. — ele deu de ombros,
como se fosse um detalhe.

— Eu acho que vão à falência só comprando presentes


para os sobrinhos... — Olívia falou, bocejando e piscando em
direção a Tadeu. — Vai se acostumando com isso.

— Eu vou proibir todos de comprarem presentes. — fiz um

sinal com o dedo, e então notei o carro de Murilo se aproximando.


Esperei-o estacionar, e assim que desceu, com Dani ao seu lado,

fiz um sinal para ele. — Todos vocês estão proibidos de

comprarem presentes. — ele levantou as mãos em sinal de


rendição, enquanto Dani corria até mim.

Suas mãos vieram diretamente para a minha barriga e sorri

para a pequena. Eu a tinha enrolado tanto sobre a gravidez, que

ela pareceu descobrir de imediato, que fiquei surpresa por ela ter
guardado segredo até aquele momento.

— Oi, bolinha. — falou para minha barriga e eu ri baixo. —

Todo mundo já sabe?

— Agora a gente pode falar para todo mundo. — ela


assentiu, me abraçando pela barriga.

— Por que está descalço, tia Val?


Olhei para os meus pés, e senti o olhar de todos sobre os

mesmos de imediato. Eu sequer tinha me lembrado. Dei de


ombros, mas antes que pudesse falar qualquer coisa, apenas

senti meu corpo sendo suspenso, e braços ao meu redor.

A surpresa foi tamanha que eu só consegui entender de


fato, quando Tadeu me colocou no chão novamente, já dentro de

casa.

— O que pensa que está fazendo? — perguntei, e ele

apenas me encarou seriamente.

Ok, eu odiava o lado dele que parecia se esconder e

apenas me provocava a ponto de querer tirar aquela seriedade do

belo rosto.

— Cuidando de você... de vocês. — falou, e eu respirei


fundo, lembrando-me de que tínhamos uma plateia e não queria

dar um show.

Dei meia volta e subi as escadas, em busca dos meus


chinelos. E por um segundo, a minha raiva era tamanha, que eu

só queria voltar e mandá-lo à merda. Mas ao mesmo tempo, um

sorriso idiota estava no meu rosto, o que me fez querer chorar.

Era aquilo.
Bem-vindo à bagunça pessoal de Valéria Fontes, que já

sequer sabia o que estava fazendo da vida.

E a culpa era dele.

Como sempre, dele.


CAPÍTULO XIII

“Porque nos despedaçamos um pouco

Mas quando você fica sozinho comigo, é tão simples

Porque, amor, eu sei o que você sabe

Podemos sentir isso” [24]

VALÉRIA

— Eu ainda preciso falar com Inácio hoje. — falei, assim


que Oli me deu um abraço, se despedindo.

— Se prepare para os Torres surtando, em breve...

— Eu acho que se sobrevivi aos Reis, consigo sobreviver à


sua família. — ela negou com a cabeça, dando passos para fora
da casa. — O quê?

— Sua família, lembra? — olhei-a sem entender. — Sabe

que é parte dos Torres, certo?

No fundo, eu sabia. Mas nunca admitira aquilo em voz alta.

A forma como cuidavam de mim era algo que me deixava sem


palavras e me fazia sentir parte. Eu sabia, mas ali, em voz alta,

ficou ainda mais evidente.

— Eles não vão trazer mais presentes, certo?

— Eles já estão curados sobre isso. — sorri, e ela assentiu.


— Aliás, quem for dormir na minha casa, já sabe...

— Nada de presentes, cunhadinha. — Igor e Carolina


acenaram levemente, no banco de trás do carro de Murilo, que

sorria no banco do motorista. — A gente se vê logo, cunhadinha?


— Carol então indagou, olhando-me, e eu assenti.

Já a tinha corrigido cinco vezes no dia, sobre não ser sua

cunhada, mas no fim, apenas dei a batalha como vencida. Uma

palavra não era tão poderosa assim. Era?

— Espero que sim. — Dani fez um leve tchauzinho ao lado

dos tios, com um sorriso de orelha a orelha.


Depois daquela manhã caótica, em que tudo o que ouvi
foram as vozes deles e apostas sobre mil coisas diferentes, o

silêncio que recaiu ali, fora um tanto estranho.

— Sinto que quando estou longe deles, consigo voltar a

entender meus pensamentos.

Tadeu falou, próximo ao seu carro, como se me esperasse.

Como se ele estivesse esperando os irmãos saírem, para poder


termos um momento. Queria dizer que não e mandá-lo embora,

mas era necessário. Pela minha sanidade mental, deixarmos as

coisas certas.

— Sinto falta do barulho de Rique e Paola. — admiti,

mesmo que as palavras mal tivessem saído.

— Se quiser, posso trazê-los. — olhei-o surpresa, e ele me

encarou desconfiado. — Sei que tem algo que te impede de ficar

perto da sua família, não sei exatamente o que, mas... talvez

nada impeça que eles te vejam.

— Não é o momento. — fui tudo o que consegui dizer. —

Pode ser o caos para os meus irmãos, porque vai levar... Enfim,

não é o momento. — suspirei fundo, engolindo aquele assunto.

— Se precisar falar, eu vou estar aqui.


Fingi que não ouvi o que disse, e desviei o olhar.

— As coisas não estão claras entre nós, eu acho. — olhei-

o. — Eu vou alugar uma casa próxima, para não te incomodar

estando no mesmo ambiente, mas ainda assim, acho arriscado


que fique sozinha.

— Fiquei o primeiro trimestre e tudo correu bem. — falei,

como se para acalmá-lo. — E não é algo que me causa algum


perigo, pode até falar com a minha médica se for te ajudar.

— Tudo bem. — assentiu, olhando para o horizonte. —


Mas posso vir todos os dias, de manhã e à noite? — indagou. —

Sei que trabalha das oito as seis, mas posso estar aqui para te
levar e trazer, nem que seja para poder te ver um pouco.

— Vai tentar ser assim até nosso filho nascer? —


perguntei, e ele me encarou profundamente. — Sei que é novo

para nós, mas não precisa de toda essa atenção. Não vai ser um
pai ruim por não estar todo dia comigo, ainda grávida.

— Eu quero, Valéria. — engoli em seco diante do tom que


me acertou por inteira. Meu corpo todo me alertando que ele era
um perigo claro. Um perigo que eu adoraria correr novamente. —

Se eu puder, ficarei feliz.


— Vamos vendo como vai ser, certo? Além do mais, você

tem o seu trabalho na capital.

— Há muito que eu posso fazer estando aqui, e meu

trabalho não é uma prioridade. — respirei fundo, porque cada


palavra me confundia ainda mais.

— Ok. — cruzei os braços à frente do corpo. — Vamos


tentar e caso isso me incomode, eu te falo e paramos. E vice-
versa. Ainda pode ser o pai dessa criança, mas esse é o meu

espaço, é a minha vida também... Então, fazemos assim, certo?

Ele assentiu e eu tentei convencer a mim mesma, que não

era uma péssima ideia.

— Posso te levar até a casa de Inácio, tenho ainda que

resolver um assunto com ele. — olhei-o incerta. — Te trago de


volta depois.

Era como se ele lesse o meu claro incômodo na expressão,


mas não queria que fosse assim. Não queria que ele soubesse de

nada sobre mim, contudo, como sempre, parecia impossível.

— Pode ser agora?

Ele apenas deu a volta no carro e abriu a porta do carona.


Caminhei em silêncio até lá, e parei apenas um segundo para
olhá-lo, quando me sentei no banco. No olhar escuro dele,
encontrei toda a bagunça que estava presa em mim.

O que eu estava fazendo da minha vida?

TADEU

Eu poderia mentir e fingir que não estava desesperado?

Depois de tanto tempo correndo, negando e fugindo... Não


conseguia mais. Não depois de todos os caminhos tortuosos me
levarem diretamente para ela. Mesmo quando eu planejava e

nada saía exatamente como em minha mente, mas no final, me


ligava diretamente a ela.

Valéria entenderia? Ela acreditaria em mim?

Pensei em Bianca e apenas uma coisa se passava em


minha mente: foi tempo demais. E aquilo me sufocava, porque

não implicava apenas a mim ou ao meu caráter, mas o dela. Olhei


de relance para Valéria e eu sabia que ela carregava muito em
seus ombros, segredos de várias pessoas, mais do que ela
deveria ter que o fazer.

Contudo, não era como se eu pudesse estalar os dedos e


resolver por ela cada detalhe. Ela precisava do seu tempo e do
seu momento para colocar para fora. Mas ainda assim, era

demais, vê-la assim, como se a minha presença, estivesse


esmagando-a.

— Por que não coloca uma música? — sugeri, e ela

apenas mexeu no painel, não colocando do seu celular.

Uma das músicas que Carolina ouviu mais cedo


recomeçou e eu só conseguia pensar, que em certos momentos,

o carma era impressionante.

Era a música que eu me recordava de ouvi-la cantar alto,

para quem quisesse ouvir, em seu antigo apartamento. E de


pensar que um dia, eu vivi tão próximo a ela, a ponto de que

poderia atravessar o corredor e encontrá-la. Aquele foi um bom

momento, até ter se tornado o meu maior erro.

— Lembro-me dessa música. — admiti, e senti seus olhos


sobre mim. — Quando passava pelo corredor, geralmente, você

estava cantando ela.


— Isso faz o quê? Uns dez anos? — perguntou, e eu

assenti. Eu deveria ter vinte e ela dezoito, naquela época.

Meu apartamento no centro continuava no mesmo lugar, e

eu só o tinha porque era mais perto da faculdade na época, do

que a mansão dos Reis. Tê-la como vizinha por um tempo, foi um
grande presente, até se tornar meu desespero.

— Eu realmente gostava dessa música. — admitiu, e notei-

a se arrumar melhor no banco.

“Então eu escapei pro jardim para ver você

Nós ficamos quietos, porque nos matariam se soubessem

Então feche seus olhos

Fuja dessa cidade por um momento, uh, oh”[25]

— Não mais?

— Não. — suspirou fundo. — Me faz pensar no amor que

eu tinha na época e que nunca foi meu.

Aquelas palavras me acertaram em cheio, e apenas tentei


focar no caminho, porque doía. Doía saber que aquela mulher

amava outro homem. Na realidade, me destruía por dentro.


Mesmo que eu já soubesse daquilo. Sempre existiu um brilho no

olhar dela, que aumentava, quando ela parecia pensar em outra

pessoa, e que não entendia como, não poderia ser dela.

Se ela soubesse...

Se ela me olhasse...

Suspirei, porque nada era tão simples assim. E apenas

fiquei em silêncio, sem conseguir mais ouvir ou tentar entender.


CAPÍTULO XIV

“Estou tão cheia desse mesmo velho amor

Parece que já fui explodida em pedacinhos

Estou tão cheia desse mesmo velho amor

Do tipo que quebra seu coração

Ooh, desse mesmo velho amor” [26]

VALÉRIA

Meu celular vibrou e poderia jurar que era Tadeu, outra vez,

querendo que eu cancelasse a minha noite, por medo de eu

passar mal. Aquele homem não desistia nunca?


Contudo, batidas na porta me levaram a ignorar o celular e

ir até a mesma. Assim que a abri, fiquei paralisada ao encontrar


Maria Beatriz, Abigail, Bárbara, Lisa e Olívia, com olhares

curiosos, no caso, a última não tanto assim.

— Pedro chamou vocês para o karaokê?

— O quê? — Lisa foi quem perguntou, olhando ao redor,

enquanto eu lhes dava espaço para entrar. — Mulher, como assim

tá grávida do último Reis que presta e não contou?

Se ela soubesse...

Abri a boca para dizer algo, mas Olívia foi mais rápida.

— Inácio falou com Mabi, que falou com Babi, que falou
com Abi e... — assenti, como se repensando a respeito.

— Eu imaginei contar pessoalmente para cada uma.

— Estou ofendida. — Mabi foi quem se manifestou, e olhei-

a sem entender. — Como o Inácio sabe das coisas antes da

gente? Seu grupo de amigas?

Meu grupo de... eu tinha um grupo de amigas?

Se olhasse por aquele cenário, eu finalmente compreendia.

Há muito tempo ninguém realmente se interessava em saber da


minha vida, apenas por ser eu ou preocupação. Na realidade,
sempre foi ao que fazer em relação ao meu sobrenome.

Mas aquelas pessoas ali, ao meu redor, sequer se


importavam com aquilo. Nem tinham ideia do quanto aquele

sobrenome representava. Para elas, eu era apenas a Val, a

cozinheira na casa do irmão da Oli, do marido da Mabi, do

cunhado de Babi e Abi... Suspirei fundo, e senti meus olhos se

encherem.

Merda de hormônios!

— Sensível? — a pergunta veio de Abigail, que se

aproximou com cuidado, olhando-me com preocupação.

— Mais do que pensei ser possível. — admiti, e respirei


fundo.

— Eu disse a ela que piorava ou melhorava de vez. — Oli


comentou, e tive que rir, porque era a verdade. — Eu disse a elas

que ia para o karaokê, e no fim, todo mundo aqui ama isso,

então...

— Não precisam fazer isso. — falei, e notei Babi revirar os


olhos.
— Eu entendo que é toda fechada igual a Oli, mas mulher,

não vai pensar nem por um segundo, em ficar sozinha... Não


depois que Tadeu nos contou que está passando mal. — Lisa

soltou, como se fosse simples assim.

— O quê? — minha voz mal saiu, enquanto a de Olívia

poderia quebrar as janelas.

— Ele pegou meu número com Igor e me ligou. — ela


começou. — Achei estranho no começo, mas eu entendi o ponto

dele. Como ele não pode te impedir de ir no karaokê ou chegar a


tempo de ir junto e vai atrasar, ele me pediu para cuidar de você.

E foi quando eu liguei para Babi, e ela tinha acabado de descobrir


da sua gravidez por Mabi, já que Inácio... enfim, isso aí.

— Tadeu... Tadeu ficou louco? — eu praticamente gritei


daquela vez, e fui em direção ao meu celular. — Eu vou matá-lo.

Senti então meu celular sendo tirado de minha mão e


encarei Babi.

— Por que não o matar depois de perder a voz no


karaokê? — indagou, olhando-me com empolgação. — Não
entendo essa bagunça toda de vocês, mas vamos ser honestas,
todas nós somos presas a bagunças, e em algum momento, elas

se ajeitam. Só... vamos curtir a noite.

Queria corrigi-la, e dizer que ela estava errada, que Tadeu

e eu não éramos bagunça alguma. Nós... Nós não éramos nada.

— Eu voto em cantar algum modão e esquecer os Reis. —

Lisa falou, parando ao meu lado e olhou-me em entendimento. —


Sei como é... — sussurrou, e não sabia o que ela de fato sabia,
mas era como se me entendesse.

E foi quando me lembrei que ela e Igor tinham algo. Algo


indefinido que foi findado, e ninguém entendia ao certo o que

aconteceu. De repente, era melhor focar nos problemas


românticos alheios, do que os meus. Meus? Foco, Valéria! Tadeu

não era um problema romântico. Ele só estava agindo como um


pai superprotetor.

Eu tinha que esquecer aquilo.


Meu celular vibrou e bufei já imaginando ser ele, mas na
realidade, era uma mensagem de Pedro. O texto era curto
“Levanta a cabeça e me acha, patroa”. Sorri e fiz o movimento,

logo o encontrando perto de mais alguns amigos da fazenda, que


estavam já bebendo.

— Cerveja? — indagou, e eu neguei de prontidão.

Felizmente, minha barriga ainda não aparecia tanto, o que


não deixava que as pessoas soubessem. Na realidade, ainda era

estranho pensar que poderia contar a todo mundo ali, que aquele
assunto não chegasse à capital. Mesmo assim, eu me continha.

Talvez por eu ser um tanto superprotetora. E aquilo me fazia


pensar em Tadeu.

— Prefiro estar sóbria pra primeira música. — pisquei um


olho, enquanto todos se cumprimentavam, e fui entrando.

Senti o braço de Olívia no meu, e lembrei-me de Carolina,


que até então estava na cidade, mas não viera.

— Onde estão os irmãos de Murilo?

— Seus cunhados? — Olívia provocou e eu revirei os


olhos. — Tiveram um assunto urgente e voltaram para a capital

hoje cedinho.
— Estranho... Murilo foi junto? — indaguei e ela assentiu.
— Sobre o que era?

— Preocupada que seja algo com Tadeu? — empurrei-a


com o quadril e ela sorriu. — Parece que algo sobre uma filial no
estrangeiro. Dani estava animada de ir ver a tia Verô, então...

foram todos.

— Tadeu disse que chegava hoje... — suspirei. — Não sei


o que pensar sobre isso.

— Eu penso que ele pode ficar na fazenda. — Maria

Beatriz, vulgo dona daquela fazenda, assim como Inácio, se


intrometeu. — Assim, só dizendo mesmo...

— Prefiro ele longe. — ela me encarou como se

entendesse e assentiu. — Estou tentando me acostumar só com

a ideia de ele indo e vindo todos os dias até a minha casa...

— Pode dizer para ele não o fazer...

— Posso só esquecer isso por hoje? — indaguei, e ela me

entregou uma garrafa de água que acabou de pedir no balcão.

— Então é hora de se hidratar, para acabar com sua voz


naquele palco...
Assenti, dando um longo gole de água e senti um braço de

Pedro ao meu redor em seguida. Ele fazia tal coisa, em raros


momentos, mas felizmente, não era algo desconfortável. Na

realidade, me lembrava da forma que meu irmão mais velho o

fazia.

Que ele não soubesse daquilo, porque eram claras as

intenções de Pedro, mas ainda assim, nunca me despertaram

nada. Mesmo os caras que já me despertaram algum interesse,

não pareceram de fato uma boa escolha depois de uma noite.

De repente, lembranças me acertaram. As mãos dele no

meu cabelo. O olhar profundo no meu. A forma como a pele dele

encontrava a minha...

— Sua vez!

O grito de Lisa me fez piscar algumas vezes e me mover,

saindo de perto de Pedro e indo até o palco. Escolhi a música, a

de sempre, e que infelizmente, me lembrava dele. Sabia que a


cachaça ajudava de vez em quando, mas daquela vez, minha

coisinha seria meu equilíbrio. Um gole de água e as palmas

exageradas dos meus colegas e amigas, entre as mesas


espalhadas pelo bar, tinham que bastar.
E que as lembranças com Tadeu se dissipassem como a

música...

“Ah, esse tom de voz eu reconheço

Mistura de medo e desejo

Tô aplaudindo a sua coragem de me ligar

Eu pensei que só tava alimentando

Uma loucura da minha cabeça

Mas quando ouvi sua voz, respirei aliviado...”[27]

TADEU

Eu tentei ligar, mas foi em vão. Contudo, assim que desci

do carro, eu sabia exatamente onde ela estava. Sabia que era o

karaokê, mas apenas de músicas sertanejas e eu reconheceria a

voz dela, em qualquer estilo musical que fosse.


Assim que cheguei à entrada, tive um vislumbre dela, mais

ao fundo, do lado oposto do balcão de bebidas, e em frente a


várias mesas. E foi como se tudo o que vivemos até ali, passasse

por minha mente. Mesmo que fosse pouco. Mesmo que fosse

nada. Ainda assim, por alguns segundos, eu podia me iludir, que


era para mim.

“Tanto amor guardado tanto tempo

A gente se prendendo à toa

Por conta de outra pessoa

Só dá pra saber se acontecer...”

Seu olhar chegou ao meu, assim que me aproximei mais,


como se ela soubesse exatamente onde eu estava. E

surpreendendo-me, ela não desviou o olhar ou disfarçou, ela

apenas continuou a cantar – me olhando. E eu queria apenas

tomá-la nos braços e trazê-la para mim.

“E na hora que eu te beijei

Foi melhor do que eu imaginei


Se eu soubesse tinha feito antes

No fundo sempre fomos bons amantes

No fundo sempre fomos bons amantes

É o fim daquele medo bobo

É o fim daquele medo bobo...”[28]

Palmas soaram ao redor pela nota máxima que ela

conseguiu, deixando-me anestesiado. O seu olhar então saiu do

meu, e eu a vi sendo abraçada pelo mesmo cara que a convidou


para estar ali. Senti o nó na garganta e dei um passo à frente,

mas senti uma mão de leve sobre o meu braço.

— Ela não vai gostar. — ouvi a voz de minha cunhada, que


trazia uma latinha de cerveja consigo. — Ela está confusa com

muitas coisas, te ver com ciúmes não vai ajudar.

— Eu não... — suspirei fundo, me calando.

Era horrível quando se tratava de Valéria e toda a


ansiedade que me tomava, porque eu esperei por tanto tempo,

que ali, parecia um adolescente perdido.

— Não precisa se explicar para mim. — piscou um olho, e

me estendeu uma latinha de cerveja fechada. — Bebe com a


gente.

— Eu acho que ela não vai me querer por perto... Posso


esperar mais no fundo ou no carro.

— Ou pode ir beber com meu irmão! — olhei-a sem

entender, e então senti-a dar um pulo para o lado, e Inácio Torres

trazia consigo a carranca de sempre.

— O que faz aqui, velho? — a esposa dele perguntou,

claramente confusa.

— Olívia disse que tinha uma emergência, e como estava

no centro... — deu de ombros. — O que foi?

— Te chamei para fazer companhia ao Tadeu. — olhei para

minha cunhada incrédulo. — Sabia que não ia aceitar beber, e

como seus irmãos não estão aqui...

— Não precisava disso.

— Ah, vão logo. Porque essa competição de quem fica

mais sério por mais tempo tá me cansando. — Lisa alfinetou ao

passar, e Inácio apenas piorou a carranca.

— Vamos beber, mas no bar daqui. — falou, e notei Maria

Beatriz revirar os olhos. — Não seja uma criança.

— Não me force a te fazer cantar na frente de todos.


— Você canta? — perguntei, claramente surpreso.

Ele apenas fez um sinal com o chapéu branco na cabeça,

me indicando o bar, e o segui.

— Uísque? — indagou, e eu assenti, sentando-me na


banqueta ao seu lado.

Ele fez os pedidos, e apenas aguardei. Felizmente, o mais

velho dos Torres era ainda mais fechado que eu, e seu silêncio

era algo com que me acostumei facilmente.

— Olívia não devia ter te falando para vir. — falei, ao tomar

um gole e ele balançou a cabeça, colocando o chapéu sobre o

balcão.

— Ela só está sendo cuidadosa, vai se acostumar. — olhei-


o com atenção. — Ela é assim, cuida de todos nós. Até eu, que
sou o mais velho.

— Irmãos são assim, né?

— Pois é. — negou com a cabeça, e notei um sorriso fraco


em seu rosto. — Eu me surpreendi quando apareceram na minha
casa dias atrás, com Valéria me contando da gravidez... Sabe,

desde que ela apareceu, eu gosto dela. Ela me lembra Bruno,


sempre disposta a fazer uma piadinha sobre algo, ou sempre
sorrindo sobre tudo, mesmo que não tenha graça nenhuma. Ela
pareceu perdida por um longo tempo, mas depois de um ano, a vi
solta, nos almoços em família com a gente, conversando, e

principalmente, próxima da minha irmã. Eu não olho para ela e


vejo alguém que eu aceite ser machucado. Não ela, Reis. E
espero que esteja sendo claro aqui.

— A vê como sua família? — indaguei, e meu olhar correu


o lugar, e de repente, os olhos dela estavam nos meus. Como se
estivessem exatamente onde deveriam.

— E você, como a vê? — perguntou, mas não consegui

desviar o olhar da mulher que parecia tão linda em um vestido


preto, que deixava seu cabelo ruivo ainda mais em destaque. As
sardas em seu colo, e os meus pensamentos naquela noite, em

como pude contar cada uma delas... — Entendi.

Pisquei algumas vezes e então notei que Inácio deveria ter


seguido meu olhar, e entendido o que quisera.

— Apenas seja cuidadoso. — olhei-o e assenti. — Não sei


o que tem, mas o jeito que ela te olha não é como alguém que se
permite ser machucado, mas ainda assim, pode ser, por você.
Guardei suas palavras e procurei-a novamente,
encontrando-a rindo ao lado das amigas, e bebendo água. Não
pude evitar o sorriso que veio ao meu rosto – por isso, agarrei-me

aquela música, aquele olhar e aquela observação. Um pedaço de


mim, poderia dormir bem naquela noite.
CAPÍTULO XV

“Você deveria saber das consequências

Do seu poder magnético

Ser um pouco forte demais” [29]

VALÉRIA

— Por que não quer dormir em casa? — perguntei, talvez

pela terceira vez e Olívia riu de lado.

— Porque prometi visitar Júlio hoje, e se eu não for, ele vai

dizer pela milésima vez que troquei ele por você. — revirei os
olhos, e poderia muito bem imaginar seu irmão dramatizando
assim. Ela me abraçou e sussurrou rapidamente: — Ele tá um

gostoso.

— Olívia...

Ela riu ao se afastar, correndo até o carro do irmão mais

velho, que me deu um leve aceno ao apertar o chapéu de cowboy,


e escoltar a esposa um pouco bêbada.

Sorri, dando um leve tchau para as meninas que dormiriam


na casa de Júlio também, mas iriam no carro de Abi, que foi quem

nos trouxe.

— Pronta? — Pedro perguntou, e eu agradeci aos céus por

ele estar um tanto bêbado e eu não ser sem educação ao negar

que me deixasse. Os olhares dele a noite toda diziam uma história


diferente sobre o que queria de fato. — Posso te levar em casa,

patroa.

— Eu já tenho carona. — sorri, e me afastei levemente. —

Obrigada pela noite.

— Poderia ser ainda melhor, não acha? — indagou, em um


tom que deveria funcionar para com muitas mulheres, mas

comigo, absolutamente nada. Nem mesmo sem o olhar de Tadeu


Reis me queimando, muito menos ali, passando exatamente por
aquilo.

— Amigos, lembra? — sussurrei e ele me deu um sorriso


triste, mas assentiu. — Desculpe. — ele então passou os braços

ao meu redor e eu aceitei, dando-me um leve aperto. — Vá de

carona, certo?

Ele deixou um beijo na minha testa, e eu sorri, porque


agora, ele parecia entender. Ou não. Porque não era a primeira

vez que era concisa sobre o que éramos, mas ele ainda insistia.

Dei-lhe as costas, e me surpreendi ao notar que Tadeu já

estava alguns passos mais próximo.

— Não preciso de segurança. — falei, ao parar à sua


frente. — Mas também não queria incomodar ninguém mais para

me levar, então... é por isso que estamos indo juntos.

Mal o olhei, e foi o melhor que fiz. Mesmo quando abriu a

porta do carona, fazendo-me revirar os olhos para o

cavalheirismo, apenas foquei em qualquer outro ponto do espaço,

menos nele.

Evitá-lo era o melhor caminho, certo?


Assim que ele se sentou ao meu lado, e o tempo foi

passando, ficou impossível ignorar o quanto estar perto dele, me


trazia o reconhecimento que eu gostaria de negar. Mesmo em um

bar lotado, meus olhos encontraram os dele toda a vez que


apenas pensei em buscá-lo, e sempre no exato local. Era sempre
assim. Desde os quinze, e ali, anos depois, era como se estivesse

presa em uma ilusão.

Uma ilusão que consistia naquele carro sendo uma barreira

contra o mundo real, e meu corpo sentindo-se à vontade para


querer o dele, mais uma vez. Pare com isso! Contudo, meu olhar

foi diretamente para ele, e encontrei-o dirigindo com apenas uma


das mãos.

As mangas da camisa social branca para cima, marcando

os antebraços. Botões abertos em seu peito, como se tivesse


tirado a gravata de qualquer jeito. Desci o olhar, e encontrei a

calça social preta que não deveria ficar tão bonita em alguém,
mas nele...

— Por que não coloca uma música? — indagou de


repente, e desviei o olhar, como se tivesse sido pega. Sua voz

estava em outra nota, e engoli em seco. Ele sentia aquilo


também?
Mexi rapidamente no painel e quis esmagar Carolina, por

novamente estar na playlist dela. Ao menos, eu acreditava que


era. Por que Wildest Dreams teria que tocar justamente naquele

segundo?

“Eu disse: Ninguém precisa saber o que fazemos

As mãos dele estão no meu cabelo

As roupas dele estão no quarto

E sua voz é um som familiar

Nada dura para sempre

Mas isso está ficando bom agora

Ele é tão alto e bonito pra cacete

Ele é tão mau, mas ele faz tão bem...”[30]

Bati no painel a fim de desligar, porque aquilo estava me

sufocando. Cada lembrança. Cada palavra. Cada momento. Uma


única noite e eu estava arruinada. E quando o silêncio voltou e ele

apenas parou o carro de repente, fiquei perplexa.


Ele me olhou. Eu o olhei.

Ele então apenas saiu, deixando-me em alerta ao bater à

porta. Notei-o passar as mãos pelos cabelos, e abrir outros botões


da camisa, como se estivesse sufocado. Prendi o ar, e vi-me
apenas abrindo a porta. E ali novamente, quando parei a frente

dele, senti a química explodir.

E não sabia como, mas em dois segundos, eu estava


pronta para cometer outro erro.

Seu corpo levantou o meu, e senti seus lábios nos meus.


Tudo naquela história poderia ser errado. Eu era errada. Ele era

errado. Meu amor era errado. Mas aqueles lábios nos meus
poderiam ser o próprio inferno, e eu estava gostando de me

queimar.

Uma das mãos presa ao meu cabelo, outra em meu

pescoço, prendendo-me como queria e desejava ao seu beijo.


Enquanto minhas mãos se espalhavam por debaixo da sua

camisa, trazendo-o para mais perto, como se fosse impossível me


afastar. Puxei o ar com força, quando sua boca se separou da
minha, apenas para respirarmos, e seus olhos pararam nos meus.
— O que estamos fazendo? — ele perguntou, e senti sua
testa na minha.

— Eu não sei. — admiti, e só então percebi que estava


sobre o capô do carro, com ele ao meu redor. — Acho que... Que
estamos confundindo tudo? — perguntei, respirando fundo, mas

minhas mãos estavam ainda contra a sua pele, e eu sentia cada


pequeno arrepio que se passava por ele. — Desde quando se
sente assim? — eu tive que perguntar, sem conseguir evitar, e

seu olhar encontrou o meu.

— Assim como? — indagou, e eu tirei minhas mãos


debaixo da sua camisa, e levei uma delas até seu rosto,

descendo um dedo levemente pelo seu pescoço, e vendo seus

pelos se eriçarem.

— Assim.

— Desde... — suspirou fundo, e me encarou como se não

pudesse ser sincero. — Desde aquele esbarrão, naquela festa.

— Qual? — perguntei, completamente perdida, ou melhor,

duvidando que eu pudesse entender de fato.

— Está frio. — falou, mudando por completo seu

semblante.
Vi-o se afastar, abrir a porta de trás do carro e depois voltar

até mim. Ele colocou o sobretudo que nem sabia que tinha ao
meu redor, e senti vontade de socar aquela cara linda.

Por que ela tinha que ser tão linda?

— Podemos conversar melhor na sua casa. — assenti,


sentindo-me negada, e desci rapidamente do capô.

Talvez eu estivesse criando coisas onde não tinha. E Tadeu

não era novo naquele jogo. Não... Nem mesmo eu. Mas quem

poderia negar aquela química? Como poderia?

Assim que me sentei, senti a mão dele livre vir para a

minha coxa, não tão exposta devido ao vestido longo, mas ainda

assim, de tecido tão fino, que era como se eu pudesse sentir sua

pele na minha. Ele deu um leve aperto e afastou o toque, como se


aquele fosse um recado. E eu não compreendia.

Nada. Absolutamente nada se passava por minha mente.

Desde quando Tadeu Reis era atraído por mim? E desde


quando eu caía como um patinho em qualquer jogo de sedução?

Merda!

— São os hormônios. — soltei, minutos depois, assim que

já chegávamos próximos a fazenda. — Desculpe por te atacar


assim.

Senti seu olhar sobre o meu corpo todo, e cada célula

minha gritou. Eu era boa em me armar, e então apenas virei o

rosto e dei um falso sorriso, como se explicasse tudo. Como se


aquela desculpa fosse o suficiente.

— Não é como se eu não quisesse...

— Mesmo assim. — cortei-o, e limpei a garganta. — Se eu


estivesse normal, isso não aconteceria.

— Assim como na noite em que fizemos o nosso filho?

— Detalhes de uma noite em que estávamos no meio do

nada, bebendo e falando sobre aleatoriedades... Acontece. — dei


de ombros, como se fosse simples assim. Mas a realidade era

que guardava aquela noite dentro de uma caixinha de sonhos em

meu peito. Eu era patética fingindo, na realidade. — Enfim, na

vida real, no meu dia a dia, se não fosse pelos hormônios, não
estaria fazendo isso.

— Ok.

Ele então se calou, e eu escolhi o mesmo caminho. Eu


calada era uma preciosidade, como diria meu irmão mais velho.

Porque falando, ou eu dava cinco voltas em um assunto ou me


perdia por completo nele. E não me permitiria perder em um

assunto como aquele com Tadeu. Porque já bastava meu corpo


energizado e meus lábios inchados.
CAPÍTULO XVI

“Aquela velha e familiar dor corporal

Os estalos das mesmas pequenas rupturas

Dentro da minha alma

Eu sei quando é hora de ir” [31]

VALÉRIA

— Entregue. — Tadeu falou, assim que eu pisei na varanda


da casa, e senti seu olhar sobre mim. — Passou mal hoje?

— De manhã, mas só náusea. — levantei as mãos aos


céus, virando-me para encará-lo. — Na próxima consulta, já vou
perguntar sobre isso. Se posso comemorar porque não vai ser tão

constante.

— Aliás...

Seu olhar parou na minha barriga e notei a forma como sua

mão vacilou, como se quisesse me tocar, mas soubesse que era


um limite pré-estabelecido. No caso, que limite era aquele que me

fez agarrar-me a ele no capô de um carro? Hormônios, Valéria!

Contando aquela mentira para mim mesma, mil vezes, até ela se
tornar real.

— Ficou de me passar os dias e horários das suas


consultas. — assenti, porque era verdade, e eu me esqueci por

completo.

— Aconteceram tantas coisas nos últimos dias... Deixa eu

só pegar aqui no celular e te enviar o arquivo que a clínica me

enviou. — peguei meu celular na bolsa e então vi que a bateria já

era. — Preciso colocar no carregador.

Destranquei a porta e entrei, encontrando meu carregador

jogado no sofá, como sempre, e o conectei na tomada mais

próxima. Notei que Tadeu permaneceu do lado de fora, como se


esperando que o convidasse, e uma parte de mim se sentiu mal
por saber que ele realmente estava tentando não me incomodar,
e outra, riu perversamente, porque era como se eu estivesse no

controle na situação.

Primeiro, que eu sequer entendia a situação ainda.

Segundo, que eu não tinha controle sobre nada.

Menos de um minuto e o celular ligou, e rapidamente

procurei o arquivo pra lhe enviar. Encaminhei a mensagem, e

sorri, levantando-me. Ele permanecia no mesmo lugar, encostado

no batente, com aquela carinha de quem estava me desafiando a


deixá-lo entrar. Não que fosse um real problema, oferecer-lhe uma

noite ali. Mas eu sabia que uma noite, debaixo do mesmo teto que

ele, poderia me deixar ainda mais confusa do que já estava.

— Deixei o celular no carro. — avisou, e eu assenti,

chegando próxima à porta. — Se precisar de qualquer coisa,

basta me ligar ou mandar uma mensagem.

— Eu estou bem. — assenti. — No caso, estamos bem. —

levei uma das mãos à barriga e passei de leve. — Coisinha

linda... — sussurrei, tão baixo, que era como se fosse apenas

naquela frequência que meu filho pudesse ouvir.

— Coisinha?
A pergunta de Tadeu fez com que sentisse minhas

bochechas quentes, e levantei o olhar, ainda com a mão sobre a


barriga.

— Foi o primeiro apelido que me veio em mente, e ficou...


Não é o mais bonito, mas acho que nosso filho gosta. — dei de

ombros. — Chame de instinto materno.

Ele então abriu um sorriso que poderia parar uma cidade


inteira, apenas para olhá-lo, o que teve exato efeito sobre mim.

— Fico feliz que esteja feliz. — olhei-o sem entender. —


Pode ser estranho, mas eu entendo quando o assunto é temer ser

como aqueles que a gente mais temeu um dia. — então, lembrei-


me da conversa breve que tivemos dias antes, quando ele

apareceu ali e descobriu sobre a gravidez. Sobre como ele


parecia preso a alguma coisa. E talvez fosse aquilo. Talvez fosse
aquele medo.

— Parentes ruins fodem a cabeça da gente, né? — ele


assentiu, e seu sorriso se desfez aos poucos, como se ele

estivesse longe dali. — Por isso, sempre bom ser alguém que
quebra o ciclo.
Dei um passo à frente, e segurei sua mão livre, trazendo-a

para a minha barriga. Não o olhei de imediato, e apenas


permaneci aceitando aquele toque, que parecia tão certo.

— Podemos ter um passado torto, um reencontro meio


sem sentido, e eu confesso que pareço ser a mais perdida em

tudo isso, porque eu não esperava que minha vida estivesse


exatamente assim... — levantei o olhar, e encontrei o seu. — Mas

isso é real. — espalmei sua mão na minha barriga, com a minha


sobre a dele. — E a gente pode se detestar, ou o que seja, mas
não aceito que sejamos menos que tudo de nós para essa

criança.

— É um juramento? — perguntou, e eu dei de ombros,


sorrindo.

Com ele, parecia simples assim. E eu queria dizer que era


apenas aquele juramento que gostaria de guardar.

— Podemos pensar em como nosso pacto de pais de

primeira viagem? — ele assentiu, e sua mão permaneceu no


mesmo lugar, como se temesse que eu o afastasse. — Feito? —
estiquei a minha mão livre para a dele, que apertou a minha, e

logo a trouxe para a minha barriga também. — Feito. — ele


assentiu, e o sorriso que havia sumido, retornara. Notei a
expressão que brilhava em seus olhos, como se aquele momento
fosse mágico.

E ele era.

Porque pela primeira vez, em anos, eu não enxergava


Tadeu Reis como alguém que eu amava ou deveria odiar. Não. Eu

o enxergava. Eu o compreendia em um medo. E quando seus


olhos marejados pararam nos meus, soube que ele tentava me
compreender também.

TADEU

Passei os últimos minutos apenas em um vórtice.

Relembrando sem descanso a sensação de estar tão próximo do


meu filho ou filha, ou melhor – a nossa coisinha – do que jamais
imaginei. Valéria Fontes ainda era uma incógnita, e eu não

conseguia tirar o sorriso do rosto.


Porque ao mesmo tempo que ela me repelia, ela parecia
me puxar para si. Porque ao mesmo tempo que eu imaginava que
ela me condenaria para sempre, ela me compreendia. A gente era

uma bagunça, mesmo que a gente não existisse de fato.

A música embalava o caminho, e eu sabia o que deveria

fazer.

Era o primeiro passo a tomar, para que eu pudesse estar


de fato livre e libertá-la – quando ela escolhesse – daquele

passado. Não que pudesse ser esquecido ou abafado. Talvez,

Valéria nunca me olhasse como de fato eu gostaria. Mas eu sabia


que não podia mais me negar a chance de tentar. No momento

certo, ter a chance de lhe contar o meu lado da história.

Não era o mais bonito. Não era o mais conclusivo. Mas

ainda assim, eu precisava que aquilo acontecesse. Era uma forma


de cuidar dela também. E eu sabia que fazia aquilo muito mais

por ela, do que por mim.

Na realidade, sentia-me um covarde por nunca ter aberto

de fato. Mas eu não tinha um porque que me fizesse enfrentar o


medo de perder aquilo que mais amava. Mas ela... Ela me

encorajava. Mesmo sem saber. Mesmo sem que pudesse

entender.
Talvez um dia, ela entendesse.

Mandei uma mensagem, cerca de cinco minutos antes de


chegar, e assim que estacionei o carro, encontrei o vislumbre de

meu irmão na varanda, com uma caneca, que deveria ter café.

Ele fez um aceno com a mão, antes mesmo de eu estacionar, e


respirei fundo, talvez mais do que dez vezes, antes de descer do

carro.

Entretanto, sabia que já tinha adiado mais do que o tempo

necessário. Para que eu mesmo aceitasse o que fiz, e as


consequências que viriam. Então quando vi Murilo com um leve

sorriso no rosto, que depois de encontrar sua família inesperada,

não saía de sua face, eu soube que ele merecia.

Merecia a verdade, da pior versão de mim.


CAPÍTULO XVII

“Estou indo com calma, indo com calma

Porque você tirou tudo de mim

Te observando sair, te observando subir

Em cima de pessoas como eu” [32]

VALÉRIA

Quartos vazios agora eram quartos ocupados por um


enxoval completo, e talvez mais do que um. Suspirei, ao fechar a

porta e não conseguir acreditar de fato que os Reis estavam tão

animados com o sobrinho. Que Tadeu estivesse tão animado para


ser pai.
Peguei meu celular no segundo seguinte e disquei o

número de Gael, esperando que daquela vez, ele tocasse.


Contudo, como sempre, apenas a caixa-postal. Olhei para o

número de Paola e de Henrique, e segurei as lágrimas, querendo

ligar para eles.

Eu queria tanto... tanto poder falar com eles. O aniversário

de Paola estava chegando e só conseguia pensar no quanto


gostaria de estar lá. Mas eu tinha um acordo e uma promessa a

serem cumpridos, e aquilo me matava por dentro. E me matava

porque eu precisava saber o que estava acontecendo, e do que


exatamente ela sabia.

Batidas na porta me fizeram guardar o celular rapidamente,

e desci as escadas com cuidado, sentindo-me uma criança ao


lembrar que estava seguindo as ordens de Tadeu sobre aquilo.

Que diabos estava me acontecendo?

Assim que abri a porta, não pude disfarçar minha surpresa

ao encontrar Verônica Reis. Sabia que cedo ou tarde, ela

apareceria, mas não imaginei que viesse completamente sozinha.

Olhei ao redor, como se buscando a trupe toda, mas não os

encontrei.

— Sinto que não é um bom momento.


Engoli as lágrimas e neguei com a cabeça, dando-lhe
espaço para entrar.

— Acho que é sobre o seu sobrinho? — indaguei, e ela me


surpreendeu ao encarar minha barriga de forma breve, ao passar.

— Eu não sei o que Tadeu ou os outros falaram, mas... estamos

bem.

— Na verdade, eu estou aqui tanto para te dar parabéns,


quanto para lhe contar algo importante, sobre os Fontes.

Fechei a porta, e lhe indiquei o sofá de imediato, sentindo-


me deslocada. Apenas aquele sobrenome, me fazia lembrar que

eu não poderia voltar para casa. Porque minha casa não poderia

ser mais minha.

— Eu não tenho contato com eles há muito tempo...

— É sobre uma proposta de casamento. — olhei-a sem


entender, já levando a mão à barriga. — É sobre Paola. Eles

tentaram vendê-la para os Reis.

— O quê? — minha voz quase não saiu.

— Eles me procuraram, a levaram para que eu avaliasse...

— fez aspas com as mãos. — Não sei a fundo o que sabe sobre

os Reis, mas não fazemos isso. Não mais. — assenti, ouvindo-a


com cuidado. — Mas isso me alarmou e pesquisei sobre...

Descobri que estão tentando negociar com uma outra família, e


com um homem trinta anos mais velho que ela...

— Não... Hellen não pode fazer isso, nós temos um


contrato, nós...

Eu estava tão assustada, que as palavras pularam de

minha boca.

— Eu consegui chegar ao contrato de vocês. — olhei-a

ainda mais surpresa. — Ele é simplório, para ser exata. Com o


dinheiro que Hellen vai ganhar com a venda da sua irmã, ela

consegue pagar a multa milionária e ainda continuar milionária.

— Isso não é possível! Nós estamos no século XXI...

— Sei que não é o melhor a se contar, mas pensei que


merecia saber. — olhei-a com cuidado e assenti. — Não sabem

sobre sua gravidez, e tomarei cuidado para que não descubram.

— Verônica... — ela me encarou, claramente atenta. — O


que eu posso fazer?

— Tadeu tomou a dianteira sobre. — olhei-a sem entender.


— Ele ofereceu um emprego irrecusável para sua irmã, na nossa
filial no exterior, e digamos que Hellen está atenta, acreditando

que ele tem interesse em Paola.

— Ele... Ele não me disse nada.

— Ele nem vai dizer. — olhei-a perdida. — Ele tem medo


de te contar as coisas e te fazer passar mal, digamos que Tadeu é

muito cauteloso, ainda mais, quando se importa com algo.

— Mesmo assim, não posso deixar que minha irmã fuja

para sempre... — e agora a fala dela ao telefone me fizera ainda


mais sentido. — O quanto ela sabe sobre?

— Pelo que consegui conversar com ela a sós, descobriu


recentemente sobre o contrato que você assinou aos vinte anos.
— suspirei fundo, sentindo-me mal. — Eu só estou te contando

isso, porque Paola me pediu, e eu sei que merece saber.

— Não precisavam ter que se preocupar com isso... — dei

algumas voltas pela sala. — Eu... Eu não sei o que dizer,


Verônica.

— Eu acho que as coincidências na vida, não devem ser

ignoradas. — olhei-a com cautela. — Os Fontes terem me


procurado justo agora, pode ser um aviso para ter cuidado. E não

vamos deixar que isso te afete, e ao seu filho e de Tadeu.


— Mas até quando vamos levar isso? — indaguei, e ela
deu de ombros. — Eles estão bem? Meus irmãos, quero dizer...
Eu precisava falar com Gael.

— Tadeu está fazendo tudo o que pode para chegar até


ele. — olhei-a perplexa. — Olha, eu sei que não são um casal e

acredite, não estou te dizendo isso para pressioná-la sobre. Nem


Tadeu vai fazer.

— Eu... Minha família é baseada em dar para receber,

sempre. — engoli em seco. — Por isso os filhos se tornaram


transações bancárias.

E então, eu me vi presa àquele passado. De como Hellen,


que era a irmã mais velha do meu pai, tomou as rédeas da

família, já que meu pai perdeu os direitos de todos nós e dos


bens, por estar internado em uma clínica. E mesmo quando ele

era liberado, ele sempre tinha uma recaída, que o levava a


agredi-la, não importava onde ela estivesse.

Meu pai nunca mais foi o mesmo depois que minha mãe
faleceu no parto de Paola. E a culpa que ele despejara sobre nós,
já que éramos a lembrança no dia a dia de como nossa mãe era,

principalmente minha irmã mais nova, nos assolou por anos.


Ainda me atingia.
Contudo, fiz o máximo que pude, junto a Gael, para mantê-
lo longe. Mantê-lo em segurança e deixar Paola em segurança
também. Depois de tantas agressões contra Hellen, nunca

saberia quando ele seria capaz de fazer algo contra a nossa irmã
mais nova.

Ele já tentou contra Gael, que não aceitou. O fez com


Henrique, que nunca mais o procurou. Tentou comigo, que
apenas segurei sua mão e lhe dei as costas, enquanto ele caía de

bêbado na sala de estar. Na sala de estar onde nossa mãe

costumava nos presentear com mangás e nos fazer ler um pouco


a cada dia.

Hellen nunca reportou à polícia as agressões, na realidade,

ela as usava a seu favor, para continuar dominando as ações na

empresa da família. Ela o fez até Gael completar dezoito, e exigir


seu lugar, que posteriormente seria de Henrique. Mas ainda

assim, com as ações da parte do meu pai, ela era maioria. O

conselho a adorava, e sabia bem o que eles queriam – que a


Fontes Distribuidora lucrasse.

Contudo, quando eu cheguei à maioridade, a conversa era

outra. Homens Fontes compravam suas esposas. Mulheres

Fontes eram vendidas como esposas. Eu me lembrava daquele


slogan, que Hellen utilizava desde quando eu tinha doze anos,

como se fosse o seu orgulho. A questão era que aquela tradição


arcaica, ela levava à frente, simplesmente, pelos negócios. E era

óbvia a repulsa de grande parte das pessoas, mas ainda assim,

existia um lado na elite que adorava tais acordos.

Sem sentimentos. Apenas dinheiro. Tudo resolvido.

Quando eu ouvia toda a história de algumas pessoas da

minha própria família, até mesmo, a história de Hellen, eu sentia

como se fosse vomitar. Minha própria mãe, que foi vendida a um


casamento com meu pai. Porque era para ser usada como moeda

de troca, e manter um sorriso no rosto. E era uma lavagem

cerebral perfeita, sobre a vida perfeita com tudo o que o dinheiro


pudesse comprar, mas onde nada era real.

Levei a mão à barriga, apegando-me a coisinha que estava

ali, dentro de mim – mostrando-me que eu não era como eles. Eu

tinha seguido outro caminho. Eu tentei proteger Paola, e mesmo


que quase falhando, tive a sorte do destino me ajudar, e os Reis

estarem no meio daquela tentativa de transação.

— Paola faz aniversário em poucos dias... — suspirei


fundo, e senti o olhar de Verônica sobre mim. — Acha possível eu

encontrá-la? Antes que ela vá para o exterior?


— Eu imaginei que me perguntaria isso, então... — ela

pegou seu celular e discou algo, levando-o à orelha. — Tudo

certo? Sim, eu te mandei a localização. Quanto tempo? Estou


esperando.

— O que está acontecendo? — perguntei, completamente

perdida.

— Quis trazer o assunto com calma, para caso passasse


mal, a gente esperasse um pouco mais...

— Esperar o quê?

Ouvi então o barulho na porta da frente, e meus olhos

pararam nele. Arregalei os olhos de imediato, ao notar a mulher,


no rosto da menina doce que eu nunca esqueceria – Paola. A

nossa estrelinha.

— Tin tin?

As lágrimas vieram com força e todos aqueles anos longe,

fugindo, para que ela pudesse ser livre, vieram. Corri até ela, que

veio para os meus braços, e fez-me quase desabar. E de repente,

sentia uma peça do nosso quebra-cabeça se encaixar.


CAPÍTULO XVIII

“Porque eles dizem que lar é onde seu coração está gravado” [33]

VALÉRIA

— Eu sinto muito. — falei, tocando seus cabelos, sentindo

as lágrimas descerem. — Eu senti tanto a sua falta... — agarrei-

me a ela, como se minha vida dependesse daquilo.

Abri os olhos apenas para procurar Verônica e agradecer,


mas então, não a encontrei mais ali, mas sim, Henrique parado no

batente da porta. Não demorou para ele logo estar ao nosso

redor, e meu coração estava em três quartos, quase completo.


Não saberia dizer quantos minutos passaram, mas quando

me afastei, encontrei-os ainda ali, e era tão bom que não fosse
apenas mais um sonho.

— Vocês estão tão grandes... — falei, e mesmo que a


diferença de idade para Rique fosse de apenas três anos. Ainda

assim, existia uma década para com Paola. — Tão bonitos... —

sorri de lado, fazendo uma careta. — Pareço uma velha falando


assim.

— Você continua como me lembrava, só que tem algo

diferente. — Henrique falou, tocando meu rosto e olhando-me por

inteira. — O que eu estou perdendo aqui?

— A gente não sabe o porquê de estarmos aqui, pra

sermos exatos. — Paola falou e a encarei sem entender. — Sim,

eu implorei para que a senhora Reis me ajudasse, mas ainda

assim, não pensei que ela iria tão longe... — olhou-me


atentamente, e então, puxei-os pelos braços, levando-os até o

sofá, fazendo-os se sentar. — Como você está, tin tin?

— Em choque. — admiti, sentando-me no tapete, e

cruzando as pernas abaixo das roupas largas que eu usava,

geralmente, o par perfeito de uma camiseta e calça de moletom

para dormir. — Nem acredito que estão aqui... — toquei a mão de


cada um, olhando-os sentados naquele sofá. O sofá que foi a
primeira coisa que eu comprei com meu salário. Mesmo que a

casa já viesse mobiliada, eu sempre sonhei que um dia,

conquistaria o tão sonhado sofá e poltrona confortáveis, parecido

com o que tínhamos quando crianças.

Éramos ricos, desde sempre, mas aquele dinheiro nunca

nos pertenceu. A realidade era que todos nós estávamos presos

ao que Hellen demandava, porque não admitíamos que a

empresa que a nossa mãe salvou da falência, e que deveria ser o

seu legado, mesmo não tendo seu sobrenome, não lhe


pertencesse mais. E era assim que Hellen conseguiu nos

comandar por tanto tempo.

Queria acreditar que tinha acabado. Mas ainda estávamos


longe daquilo, já que ainda faltava um de nós.

— Gael? — indaguei, e notei os olhares de ambos

mudarem.

— Faz dois anos, desde que consegui contato... Eu não sei

de verdade, onde ele se perdeu ou o que está fazendo. Mas da


última vez, ele quase quebrou a casa inteira, de tão revoltado que

estava. — fechei os olhos, sentindo-me afundar. — A gente sabe

que ele teve que aguentar sozinho por muito tempo.


— Sinto falta dele. — admiti, e segurei as mãos deles com

forças. — E vocês? Como estão se sentindo?

— Aliviada. — Paola falou. — Quando me ligou aquele dia,

eu achei que fosse algum sinal, de que os papéis que Rique e eu


descobrimos, que Hellen esconde a sete chaves, tinham a ver

com você e Gael. — suspirou fundo. — Me sinto presa em um


dorama, e não um feliz, desde muito cedo...

— Mas agora vai conseguir fugir disso, por um tempo... —

suspirei fundo. — Vou achar um jeito de pararmos isso, mas eu


preciso encontrar Gael. Todos nós temos que entrar nessa briga,

juntos... Eu achei que te mantendo a salvo de ser uma mercadoria


para eles, seria o bastante. Mas isso apenas nos arruinou. Ainda
mais depois que Gael partiu, a gente ficou tão perdido...

— Eu tenho tentado aprender tudo o que posso nesses


últimos anos. — Rique falou, e o encarei. — Acho que temos tudo

para conseguirmos retomar o nosso lugar, e dar um basta em


Hellen.

— Mas isso ainda não explica porque os Reis nos


ajudaram. — e eu tinha me esquecido que minha irmã mais nova

era perspicaz e não deixava nada passar. — Tadeu, que nunca


nem falou comigo além de acenos breves, praticamente declarou
que me deu o emprego por algum motivo. Hellen ficou no céu,

Henrique chocado e eu, bom, não entendi nada, até acreditei que
era verdade... Só que Verônica me falou sobre você e aqui

estamos.

— Eu não sei como explicar isso sem ser direta. — admiti,

e os dois me encararam com cautela.

Levantei-me, afastando sem a mínima vontade as minhas


mãos das dele. Virei-me de lado e apertei a camisa contra o meu

corpo, marcando perfeitamente a barriguinha de grávida ainda


pequena.

— O quê?

O grito de ambos foi como um alívio, e eu apenas abri os

braços.

— Surpresa. — falei, sentindo-me um pouco acanhada. —

Eu e Tadeu nos envolvemos, e bom, estou grávida dele. — fechei


os olhos com força, querendo esquecer aquela parte. — Eu disse

a ele, assim que descobriu que não poderia deixar minha família
saber, porque eu sabia que isso geraria um casamento de

imediato na cabeça de Hellen... E eu não poderia me casar, de


forma alguma, se não isso quebrava o contrato que assinei com
ela. E, bom, não sei ao certo como chegaram em tudo isso.

— Eles estão te protegendo. — minha irmã se levantou e


veio até mim. — Protegendo vocês... — sua mão então veio para
minha barriga, e as lágrimas já vieram com força. — Um ou uma

mini tin tin. — ela então me abraçou com força e sorri em meio às
lágrimas.

— Não acho que te vi chorar tanto até hoje... — Rique

provocou e parou ao meu lado, afastando Paola. — Parabéns,


irmã. — ele então tocou minha barriga, e eu assenti, em meio às

lágrimas.

— Os hormônios e tudo isso, está me matando. — admiti.

— Faz o quê? Uma semana que Tadeu descobriu sobre a


paternidade e tudo entrou numa espiral...

— Mas espera aí! Está de quanto tempo?

— Três meses, indo para o quarto. — ela arregalou os

olhos, assim como Rique. — Ia esconder a gravidez dele?

— Bom, não é como se a gente fosse um casal. — mordi o


lábio inferior e senti os olhos julgadores deles. — Parem de me
olhar assim! — bati no braço de cada um, e eles riram. — Ainda
sou mais velha que vocês!

— Dá pra ver por essa olheira aí. — ela alfinetou,


apertando minha bochecha, e eu peguei a almofada do lado e bati
diretamente no seu peito.

— Algumas coisas nunca mudam. — Rique falou, enquanto

eu sentia Paola tentar fazer cosquinha em minha barriga e


braços, e eu corri até ele, tentando me esconder. — Ainda

continuo o mais alto.

— Deixa Gael ouvir isso. — puxei suas orelhas, e ele


praticamente gemeu de dor, virando-se para me atacar, assim

como nossa irmã.

De alguma forma, eu parei no tapete, com eles ao meu

redor, fazendo-me gargalhar alto, e por um segundo, que meu


olhar percorreu a sala, como se algo me chamasse. E no meio da

gargalhada, eu o vi ali – Tadeu. Um breve momento trocado,

naquele olhar escuro, que me entregou o sorriso que sua boca

não tinha. E no meu, esperei que ele pudesse enxergar: obrigada.


CAPÍTULO XIX

“Minha mente transforma a sua vida em folclore

Não posso mais ousar sonhar com você” [34]

VALÉRIA

— Então você rodou o mundo por um tempo, até parar


justamente aqui. — minha irmã falou, enquanto eu mexia nas

panelas, e a vi comer a batata frita que fiz antes de tudo. Era o


que ela mais gostava de comer, e segundo ela, as minhas ainda

eram as melhores. — Cozinheira de uma família que

coincidentemente, tem ligação com os Reis... Mas, em que


dorama a gente está?
— Sossega, tun tun. — Henrique falou, sentado no balcão

e com o olhar preso a nós, nossa irmã fez uma careta para o
apelido. Nós éramos péssimos neles.

Lembrava-me de chamar Gael de ten ten, porque eu


sempre pedia doces para ele, quando éramos mais novos. E era

como quem queria perguntar: você tem? E aquele ficou como seu

apelido. E no fim, como ele sempre me respondia: sim sim, e eu


repetia como um tin tin, acabara como meu apelido. Já Henrique e

Paola, acabaram por ter de aceitar o resto das vogais, quando os

batizei com os apelidos cafonas.

— Se eu contasse a história de amor de cada um, vocês


teriam os doramas clichê de romance perfeitos. — ambos

reviraram os olhos. — Parem com isso! — falei, batendo neles


com o pano de prato.

Meu celular tocou no balcão, e fiz um sinal para Rique


atender e colocar no viva-voz.

— É Tadeu. — ele sussurrou, assim que aceitou a


chamada na tela. Dei um pulo, e baixei o fogo, puxando o celular,

e tirando-o do viva-voz. — E ela ainda diz que eles não são um

casal...
Bati em sua orelha com o pano de prato antes de sair da
cozinha, e segui para o meu quarto.

— Oi. — falei, assim que fechei a porta atrás de mim.

— Desculpe interromper seu momento, só queria saber se

está bem... — ouvi o barulho de ele limpando a garganta. — Se

estão bem?

— Nunca estive melhor. — assumi, sem conseguir

esconder.

Existia algo em Tadeu que me deixava confortável. E era

simples assim. Desde quando o provoquei naquele bar no meio

do nada, até aquela pousada há pouco tempo atrás... Era fácil

falar com ele, mesmo que eu não quisesse.

— E como você está? — perguntei, e o silêncio perdurou

por alguns segundos, deixando-me confusa. — Tadeu?

— É... Eu estou bem. — sua resposta não me convenceu.

— É que nunca me perguntou isso antes.

Foi então que pensei sobre isso, e era verdade... Ele

estava tentando fazer aquela convivência da melhor forma

possível e eu, geralmente só tornava mais confusa.


— Meus irmãos disseram que só podem ficar até a hora do

almoço, já que é o tempo que puderam sair sem que ninguém


desconfiasse... Pode me ver a tarde?

— Claro. — sua resposta veio quase que instantânea. —


Até mais tarde, então.

— E Tadeu? — ele me deu um leve “sim” para que

continuasse. — Obrigada por tudo isso. Sei que está fazendo pelo
nosso filho, mas ainda assim, eu não tenho palavras para dizer o

quanto estou grata.

— Só quero que fique feliz, Valéria. — sorri, e então,

encarei meu reflexo no espelho do quarto. Há muito tempo aquele


brilho não estava sobre mim. — Até.

— Até.

Desfiz a ligação, e senti falta da sua voz novamente.

Existia uma dualidade em Tadeu que me assustava. Como


alguém que cuidada e zelava tanto por uma desconhecida que
carregava o seu filho, era capaz de trair o próprio irmão? E de

repente, olhando para a última gaveta da minha cômoda, em que


estava a carta que Bianca deixou, eu comecei a duvidar de mim

mesma.
Porque ele poderia ter mudado ao longo dos anos. Mas até

que ponto alguém muda tão severamente?

Ainda existia aquela pedra, que mais parecia uma

montanha, no meio do nosso caminho. E em algum momento,


teria que entender se ela poderia ser movida ou a deixaríamos ali,

nos dividindo.

Eu só gostaria de poder entender, e de alguma forma, lá no


fundo, poder gostar do pai do meu filho pelo que ele era. Mesmo

que ele nunca fosse meu. Apenas, alguém com que pudesse ter
uma troca fácil e tranquila.

Eu queria mesmo ser amiga de Tadeu Reis?

Levei minha mão à barriga e neguei com a cabeça.

— Sua mãe está ficando maluca, e no momento, vou te


culpar coisinha linda...

— Coisinha?

Virei de imediato e encontrei meus dois irmãos com os

rostos entre uma fresta mínima na porta.

— Não acredito que estavam tentando ouvir atrás da

porta? — indaguei perplexa.


— A gente só tava andando pela casa... — Henrique
balbuciou, quase gaguejando, o que me fez revirar os olhos. —
Ainda acho que terei que permitir um namoro ou não.

— Vou te permitir é o meu tapa na sua cara. — abri a porta,


e os dois quase caíram para dentro. — Péssimos fuxiqueiros.

— Como assim meu sobrinho ou sobrinha é coisinha? —


Paola insistiu e eu revirei os olhos novamente, apenas a
ignorando, e descendo as escadas. — Volta aqui, tin tin.

E por um segundo, só queria que o tempo parasse e


permanecesse daquela maneira, para sempre.

TADEU

— Tudo bem mesmo, Verô? — indaguei, entregando-lhe

uma pasta com vários documentos assinados. — Não quero


atrapalhar o seu trabalho.
— Murilo tem dado conta de todos os compromissos dele,
mesmo estando em uma cidade como essa. — ajeitou a pasta
dentro da enorme bolsa que trazia. — Vai ser tranquilo.

— Com dois chefes de setores diferentes e imprescindíveis


longe? — ela me encarou, como se eu fosse patético.

— Está procurando um motivo para fugir de Valéria?

— Não é isso, eu só... — suspirei fundo, e lembrei-me da


conversa que tive com Murilo. Nunca, nem em mil anos, imaginei

que seria de tal forma. — Ela já me tratou diferente apenas por

saber que estou envolvido em ajudar os irmãos dela. Não era isso
que eu queria, Verô.

— Não quer a gratidão dela? — neguei de imediato com a

cabeça. — O que realmente quer, irmão? — parou na mesa ao

meu lado, e recostou-se.

Ela.

Tudo dela.

Cada centímetro dela.

Cada curva que a vida dela fizesse.

Cada momento inesperado ou esperado ao seu lado.

Tudo que eu sempre quis.


Tudo que eu nunca pude ter.

— Olha... — levantei o olhar e senti a análise de Verô. Ela


me conhecia melhor do que ninguém. — Eu já reparei nisso,

quando era mais novo, mas sabia que poderia ser difícil para

você, ainda mais porque aquele maldito ainda nos rondava, mas...
Sempre teve sentimentos por ela. Por que não os confessar?

— Simples assim? — indaguei, e ela assentiu.

— Simples assim. — rebateu, e tocou meu rosto, forçando-

me a encará-la. — Pode usar a armadura que quiser por aí, mas


quem você ama, passa facilmente. E ela já passou, há muito

tempo. Ela só não sabe. Por que não a deixar saber agora?

— E se ela achar que é pelo bebê? Ou que eu estou

confundindo tudo?

— Aí é hora de provar a ela, o que realmente sente. —

afastou-se e fez o sinal de sempre, tocando levemente com os

dedos indicador e médio contra minha testa.

Sabia exatamente do que ela falava, bem ali.

Verônica nunca precisou dizer que nos amava e que

estaria conosco, porque ela encontrou o seu jeito de provar


aquilo, muito além de palavras. E aquele simples gesto era uma

prova.

E eu?

Bom, eu tinha que achar o meu caminho.

E que Valéria não me detestasse ainda mais por ele.


CAPÍTULO XX

“Olhando agora

Tudo parece tão simples

Estávamos deitados em seu sofá

Eu me lembro” [35]

VALÉRIA

— Por favor, quando conseguirem um número diferente,


me liguem... — eles assentiram, e senti os braços de ambos ao

meu redor. — Amo vocês, muito. — falei, e senti uma lágrima

descer.
— E a gente ama vocês. — Paola falou, levando uma das

mãos à minha barriga, e eu tive que sorrir, puxando-a para perto


novamente. — Prometo que vou conseguir um celular e número

logo, já que a empresa tem seu próprio e esse, Hellen não terá

como acessar ou desconfiar... Então, quero fotos de gravidez.

— Ok. — falei, enquanto Henrique me puxava e olhava-me

já com saudade. — Não me olha assim, ton ton.

— Só você para acabar com o ego de um homem. — ri, e


ele me abraçou com carinho novamente. — Volto assim que

puder, eu prometo.

— Apenas se cuidem. — praticamente exigi, e eles

bateram continência, para me fazer rir.

Caminhei com eles até o carro, onde alguns seguranças

estavam, e Verônica Reis, no banco do carona.

Parei ao lado e assenti para ela, com um olhar de quem

poderia dar o mundo que ela desejasse, caso ela quisesse. Eu

era muito grata pelas horas ao lado dos meus irmãos, mas ela

parecia me entender, pela forma como eu a via olhando para os

irmãos dela. Ainda mais. Porque Verônica os criou.


Vi-os partir e os tchauzinhos se perderam pelo escuro da
janela do carro, e tive que segurar tudo de mim, para não desabar

ali mesmo.

Senti então meu corpo sair do chão, e não me surpreendi,

ao me encontrar exatamente no colo de Tadeu, como dias atrás.

— Outra vez, sem sapatos.

— Empolgação. — falei, sem conseguir sequer brigar por

ele estar me tocando. Eu ainda estava presa aos meus irmãos.

Quando senti a madeira do chão sob meus pés, apenas

olhei para Tadeu, e tentei disfarçar as lágrimas.

— Eu só preciso de um momento. — comentei, e me virei

para ir até as escadas.

— Não precisa se esconder, Valéria. — parei com o passo

no primeiro degrau. — Não de mim.

Virei-me, e encontrei seu olhar no marejado do meu.

Assenti, mas mesmo assim, ainda era difícil. Porque eu


não sabia confiar. Muito menos, como confiaria nele? Como

colocaria meu coração numa bandeja a ser servido?

Suspirei fundo, subindo as escadas, e entrando no meu

quarto, ao menos, para lavar o rosto rapidamente no banheiro.


Notei então, que apesar da dor de vê-los partir, era como

se uma parte minha continuasse inteira. Faltando apenas uma


peça. Suspirei, após secar meu rosto e procurei meus chinelos

pelo quarto. Coloquei-os, e desci as escadas, encontrando Tadeu


parado no mesmo lugar.

Era estranho como ele sempre parecia deslocado ali


dentro, mesmo que preenchesse cada canto com sua presença.

— Sabe que pode se sentar, não é? — perguntei,

passando por ele, que apenas me seguiu, e se sentou no sofá, à


frente da poltrona que escolhi. — Não precisa pedir permissão

aqui, Tadeu.

— Não acho que devo agir como se fosse a minha casa. —

olhei-o sem entender — Não quero que alguma atitude minha, te


deixe desconfortável.

— Isso tudo é por antes? — perguntei, sem conseguir me


conter. Cruzei minhas pernas, e me ajeitei melhor na poltrona. —
Isso é tudo por que eu sei sobre Bianca?

Notei sua expressão mudar de imediato, e tentei lê-lo, mas


parecia impossível. Era uma mistura clara de sentimentos.
— Acha que eu vou te julgar se cometer algum erro,

porque te julguei pelo que aconteceu com ela? — insisti, e notei-o


engolir em seco, antes dos seus olhos pararem nos meus. — Não

quero mais brigar por isso, Tadeu.

— Não ajudei seus irmãos para que... para que sentisse

que tem uma dívida comigo, ou com a minha família. — falou


rapidamente, e o encarei perplexa.

— Acha que estou fazendo isso por que estou me sentindo

em dívida? — olhei-o incrédula. — É impossível não me sentir em


dívida, mas esse não é o ponto.

— O jeito que me trata mudou drasticamente após eles


aparecerem, e Verônica te contar sobre... É por isso que não

queria que ela o fizesse. — olhei-o ainda mais confusa. — Eu


queria construir algo real com você, que pudesse gostar de mim...
do pai do seu filho. — foi cirúrgico e eu assenti.

— Nada nos impede de tentarmos ser amigos. — ele me

encarou, como se surpreso. — Estou num mar de confusão desde


que soube da gravidez, e tento encontrar partes de mim mesma
nisso. Não te culpo ou a alguém por isso, sou apenas eu e minha

mente, tentando... Mas ter meus irmãos por perto, deixou claro
que eu... ainda sou eu. E bom, não sou de afastar as pessoas.
— Sempre me afastou, Valéria.

— Não quando a gente descobriu que era vizinho. —

rebati, e ele foi pego de surpresa, claramente sem esperar. — O


quê? Acha mesmo que eu ia bater na sua porta só para pedir
água? — revirei os olhos, tanto de mim naquela época, para o

sorrisinho que surgiu no seu rosto. — Eu estava tentando ser sua


amiga.

— Não vou fingir que não pensei nisso...

Ok, Val! É só bater na porta dele e perguntar qualquer


coisa. Era fácil assim nos filmes, não poderia ser tão diferente na

vida real. Com dezoito anos, eu duvidava que fosse funcionar,


mas ainda assim, estava na porta do meu vizinho no final do

corredor, que na realidade, foi o cara por quem me apaixonei à


primeira vista, aos quinze anos.

Se Tadeu Reis soubesse, talvez corresse na direção


contrária. Mas como ele não tinha ideia, e eu estava ali, dando

três batidas na porta dele, e aguardando.

Quando a porta se abriu, quase engasguei ao encará-lo

com uma toalha em volta do pescoço, e o torso quase todo


exposto. Uma calça de moletom preta e nada mais... Meus olhos
sequer puderam mentir o que analisavam tão animados.

— Oi. — falei, e engoli em seco, quando o olhar escuro


parou no meu. — Eu sou Valéria, amiga...

— Fontes, certo? — perguntou, e eu assenti, mesmo

odiando o sobrenome, ao menos, ele se lembrava de mim. — É a

nova vizinha? — olhei-a surpreso, por ele saber que alguém tinha
se mudado ali naquele dia. — Mandaram uma mensagem sobre

isso hoje.

Tadeu Reis não tinha cara de quem olhava mensagens que


não fossem importantes, mas ignorei tal parte.

— Sim, sou a nova vizinha. — fiz um sinal para minha

porta, que ficava há duas da dele. — Eu fiz compra, mas esqueci

do óbvio...

— Sal?

— Água. — ele então quase me entregou um sorriso, e eu

quase desmaiei ali mesmo. — Se tiver uma garrafinha, tá ótimo.

Até o meu filtro chegar.

Ele apenas se virou, deixando a porta aberta, e eu me

segurei, para não dar um passo à frente e entrar. Como seria


aquele apartamento dele? Seria tão elegante e bonito quanto a

mansão Reis? Teria algo de alguma mulher ali?

— Por que não entrou? — sua pergunta me surpreendeu,

quando ele entrou novamente em minha visão, com uma garrafa

de 5l de água em mãos. — Eu comprei algumas hoje. — avisou, e


então fez um aceno em direção à minha porta.

Ele então caminhou até lá, comigo ao seu lado, e colocou a

garrafa bem à frente, fazendo-me sorrir por ser tão solícito.

— Se precisar de mais, ou qualquer outra coisa... — deixou


em aberto, e fez um outro aceno com a cabeça, em direção ao

seu apartamento.

— Digo o mesmo. — sorri, e ele assentiu. — Quer dizer,

não tenho muito além de refri e lámen agora, mas... — que ele
não entendesse o significado duplo de comer lámen, ou

entendesse... seria essa a minha chance?

— Tenha uma boa noite, Fontes.

— Uma boa noite, Reis.

E pela primeira vez, não me incomodou alguém me chamar

pelo sobrenome, e não o corrigir para o outro – Campos. Porque


era ele. E aquele foi o primeiro passo para um plano perfeito de

tentar conquistá-lo.

Bom, foi um plano falho. Já que poucas semanas depois,

ele e Bianca ficaram juntos, exatamente naquele apartamento, e


eu nunca mais consegui passar sequer perto da porta. Até

mesmo, me vi quase me mudando de imediato, mas não o fiz,

para não levantar qualquer suspeita do quanto aquilo me atingia.

— Não ficamos amigos. — ri sem vontade alguma. — Mas

agora as coisas são diferentes.

— Diferentes como?

— No sentido de que somos adultos de fato, pessoas


maduras, e temos que lidar com o nosso futuro, de alguma forma,

interligado... — levei a mão à barriga, e seu olhar pousou bem ali.

— Podemos tentar ser amigos, pelo nosso filho?

— Acho que é um bom jeito de ver as coisas. — admitiu, e


eu não sabia o porquê do aperto em meu peito. Na realidade, não

queria enxergar o que era. — Eu estou morando há alguns

quilômetros daqui. A casa mais perto que consegui alugar. —


assenti, e por um segundo, reconsiderei a proposta de ele morar
comigo até o fim de gestação. Mas ainda assim, era um caminho

perigoso.

Ali estava eu sugerindo que poderíamos ser amigos, e

fanficando na minha mente como seria morar com aquele homem

e o fato de que não me aguentaria. Péssima? Às vezes.

— Por que não me mostra? — indaguei, tentando esvaziar

minha mente. A cara dele era um claro ponto de interrogação. —

A sua casa.

— Ah. — assentiu. — Eu posso te levar lá, quando quiser.

— Agora?

Ele apenas se levantou, e como sempre, fez um leve aceno

com a cabeça. Por que aquele homem era tão bom em me indicar

o caminho de tal forma? Por que eu gostava daquilo nele?

Felizmente, ele não usava uma blusa de gola alta naquele

dia, o que deixava meus pensamentos nada adequados de fora.

Mas o fato de estar com uma camiseta preta presa ao corpo, me


fazia duvidar da minha própria sanidade, ao ver o leve movimento

dos seus braços e como os músculos se sobressaíam.

A questão não eram as roupas, mas sim, como caíam

exatamente nele. E eu conhecia cada pedacinho dele.


— Valéria?

Quase dei um pulo no lugar, com sua voz me chamando,

enquanto meu pensamento se perdia.

— Só preciso pegar minha bolsa... — e minha vergonha na


cara, perdida em algum canto da casa.
CAPÍTULO XXI

“Olhos cheios de estrelas

Apressando-se pela boa vida

Nunca pensei que te encontraria aqui

Pode ser amor

Nós poderíamos ser o caminho a seguir

E eu sei que vou pagar por isso” [36]

VALÉRIA

— Uau! — falei, girando pela sala de estar. — É uma bela

casa. — sorri abertamente. Sorrir era um jeito de camuflar a

bagunça que se instalara dentro de mim.


— É a mais próxima a sua que consegui. — parei de girar,

e me segurei rapidamente no sofá, já que fiquei um pouco tonta.


— Tudo bem?

Logo senti sua mão no meu cotovelo, como se para me dar


apoio, e apenas assenti, dando um passo atrás.

— Não vou quebrar, Tadeu.

Então seu olhar parou no meu, e poderia jurar que os


pensamentos dele viajaram para o mesmo momento que eu.

Minha boca não cansava de usar as mesmas palavras em

momentos diferentes.

Senti sua mão pairar sobre os botões da minha camisa, e o

cuidado que ele tinha ao desabotoar cada um. Mas eu não queria
aquilo. Eu não queria ser cuidada por ele. Não era o que o olhar

dele me dizia, o que o mesmo queria também.

Eu só queria queimar aquele quarto, se fosse possível,

apenas com ele.

Puxei sua mão para o meu pescoço, e sua boca veio de


imediato à minha. Não precisei dizer nada, e senti o aperto

doloroso, ao ponto de quase ficar sem ar, e seus lábios traçando

todos os limites da minha. Sua outra mão então desceu pela


camisa, estourando os botões, e gemi em sua boca, ganhando
como resposta, um aperto forte na cintura, que ficaria a marca.

Que eu tivesse marcas daquela noite. Que eu pudesse


olhar no espelho e saber que não foi mais um sonho perdido em

alguma madrugada.

— Você não sabe o que está pedindo. — sua voz soou

baixa e tão perigosa, que quase gemi pela vibração contra minha
pele. — Não quero te machucar. — avisou, puxando a pele do

meu pescoço com os dentes, e a resposta do meu corpo foi se

arquear ainda mais para ele.

Eu estava tão pronta.

Ele tinha que saber.

— Não vou quebrar, Tadeu.

Peguei uma de suas mãos e desci para o meio das minhas

pernas. No momento que ele sentiu a umidade, bem ali, que eu

não tinha intenção alguma de esconder, quase rosnou contra

minha boca. E um sorriso perigoso se emoldurou no belo rosto,

enquanto sua barba deixava rastros vermelhos por cada canto da


minha pele. Eu poderia emoldurar aquele momento. Tadeu Reis
decorando cada parte do meu corpo com a língua, e abaixando-

se para me dar prazer.

Se eu morresse ali, com certeza, seria de prazer.

— Eu sei que não.

Sua resposta me tirou da névoa de pensamentos, e engoli

em seco, ao encarar o mesmo homem, só que muito bem vestido


e um semblante neutro no rosto. O mesmo se passava pela
mente dele? Ele teria tido a mesma lembrança ali?

Pare com isso! Vocês estão tentando ser amigos, lembra?


Minha mente me julgava, e eu acatei cada palavra. Precisava

focar no fato de que a gente estava tentando.

Principalmente eu.

Olhar para ele e não pensar no passado.

Olhar para ele e ignorar que meu coração estava em risco.

Olhar para ele e fingir que minha mente não se perdia com
um olhar.

Torcia para que não me sentisse sempre de tal maneira.

Talvez, conhecendo-o daquela forma, eu transformasse a

paixão que a Valéria de quinze anos sentiu e nunca conseguiu


superar, em algo novo. Em algo que não me deixaria tão à

distância dele, por medo de me machucar.

— Tenho uma pergunta. — falei alto, fugindo dos meus

próprios pensamentos.

— Que seria?

— Pretende morar aqui até o nosso filho nascer?

— Parece que estamos na mesma questão, então. — fez

um sinal em direção aos sofás, e o segui, aceitando me sentar em


um deles, enquanto ele foi em direção ao da frente. — Ia te

perguntar isso. Se pretende morar aqui por um longo período ou


não. Imagino que a resposta seja positiva, já que não quer que
bom, seus parentes, sem serem seus irmãos, saibam disso.

— É mais complicado agora. — assumi. — Acho que meu


lugar nunca foi exatamente aqui, não nesse momento, por mais

que ame. Eu e meus irmãos temos o plano de retomar a empresa


da família, e bom, só é possível estando lá.

— Sendo CEO de um dos setores da Reis, e conseguindo

fazer quase tudo daqui, te garanto que é possível fazer isso.

— Sabe como CEO soa extremamente engraçado? —


perguntei, sem conseguir me conter, e ele negou com a cabeça.
— É um dos termos que sempre vejo em romances clichês.

— E você não gosta?

— Como a gente parou nessa questão? — indaguei, e dei

uma risadinha. — Nada contra. — foi tudo o que consegui


responder, ignorando o fato de que todos os meus doramas nos

últimos tempos eram exatamente sobre CEO’s.

— Se você diz.

— Mas voltando no assunto real... — cruzei as pernas, e o


encarei. — Eu não sei por quanto tempo vou ficar. Mas acredito

que seja um bom lugar para ele ou ela passarem a infância. E


claro, até eu resolver esse problema com Hellen... Não quero que
nosso filho sofra por algo assim.

— Nem você. — olhou-me profundamente. — Não


queremos que nada te faça passar mal.

— Nada igual a essa coisinha aqui. — passei a mão pela


barriga, e senti o olhar de Tadeu descer, assim como um sorriso

no canto do seu rosto. — Quer tocar?

— Eu posso?

— Você é o pai, Tadeu. — fiz uma careta, e ele revirou os


olhos, fazendo-me rir. Fácil assim.
Ele então veio do outro sofá até o que eu estava,
sentando-se ao lado.

— Pelo que li, em breve, você vai começar a senti-lo, e


quem sabe... — sua mão parou sobre a minha barriga, e de
imediato, senti um movimento ali.

— Você apertou a barriga? — indaguei, alarmada. E então

seu olhar estava tão assustado quanto o meu. — Fala alguma


coisa.

— Como o quê?

E de repente, outro movimento, singelo, mas que eu

conseguia sentir. E pelo jeito, Tadeu também.

— Não é possível que... — levei minha mão bem próxima a

de Tadeu, e senti o movimento. — Puxa saco do pai, desde o

ventre.

— Valéria!

— O quê? — rebati, inconformada.

— Não pode chamar nosso filho de... — então um

movimento mais forte. Olhei-o com uma careta, e notei o sorriso


se espalhar pelo seu rosto. — Ok, talvez só agora.
— Será que por que sua voz é bonita? — indaguei para o

nada, e cutuquei Tadeu. — Canta alguma coisa. — pedi,


afastando sua mão, e levantando um pouco da minha camiseta,

deixando minha barriga a mostra. Voltei sua mão para a barriga,

assim como a minha. — O quê?

— Eu...

— Nem vem. — semicerrei os olhos. — Sei que você é um

dos bons cantores dos Reis, então... Canta alguma coisa.

— Escolhe a música.

— Mas... — revirei os olhos. — Não consigo pensar em

nada agora. — minha mente está em branco.

E me surpreendendo, em poucos segundos, ele começou a

cantar:

“Uma janela quebra, abaixo de uma rua longa escura

e uma sirene toca na noite

Mas estou bem, porque tenho você aqui comigo

E quase posso ver que há uma luz em meio à escuridão”

Bem, se você soubesse o quanto este momento significa

para mim

E quanto tempo esperei pelo seu toque


E se você soubesse o como está me fazendo feliz

Nunca pensei que amaria alguém tanto assim...”

Meu olhar não conseguia fugir dele, e muito menos, dos


movimentos que se tornaram uma bateria na minha barriga. As

lágrimas desceram, e me tornei uma bagunça, sem conseguir

impedir.

“E eu me sinto em casa,

eu me sinto em casa

Parece que eu voltei todo o caminho de onde eu vim

E eu me sinto em casa,

eu me sinto em casa

Parece que estou de volta para onde pertenço

Parece que estou de volta para onde pertenço...”[37]

Quando o olhar de Tadeu parou no meu, era como se ele

quisesse dizer muito mais, contudo, ele parou. A sua mão livre
veio para o meu rosto, secando as lágrimas, como se alarmado.

— Eu estou bem. — respondi à pergunta silenciosa. — Na


verdade, há muito tempo não estive tão bem assim... — senti

outra leve ondulação e sorri. — Essa coisinha ama a sua voz... —

e eu também, era o que queria dizer.

Por que ele tinha que ser tão bom assim? Em tudo?

— E eu a amo. — falou, e eu sabia que era do nosso filho,

mas seu olhar estava no meu, fazendo-me experimentar a

sensação de como seria, ouvir aquelas palavras que eu tanto


desejei. A Valéria de quinze anos em surto dentro de mim.

Seu olhar baixou e eu mantive o sorriso, sem conseguir

disfarçar.

— Sei que nenhum de nós tem um parentesco muito bom,


não além dos nossos irmãos... — ele então me encarou. — Mas

será um bom pai, Tadeu. E eu serei uma boa mãe. Porque a

gente quer ser. E eles, nunca quiseram.

Ele assentiu, e surpreendendo-me por completo, senti seus

lábios sobre a minha testa. Um toque tão carinhoso, que eu quase

me derreti.

— Você já é, Valéria.
E então, sem saber como chegamos exatamente ali, eu

não me preocupei com o caminho. Apenas conosco. A junção de

dois, que agora nos unia. E eu também me sentia em casa. Eu

sentia que eles eram como um lar.


PARTE 2

“E eles cancelaram o circo, incendiaram a discoteca

Quando mandaram para casa os cavalos e os palhaços de rodeio

Eu ainda estou naquela corda bamba

Ainda estou tentando de tudo para manter você rindo para mim

Eu ainda acredito, mas não sei por quê

Eu nunca fui natural, tudo o que faço é tentar, tentar, tentar

Eu ainda estou naquele trapézio

Ainda estou tentando de tudo para manter você olhando para mim”

mirrorball – Taylor Swift


CAPÍTULO XXII

“Eu não quero olhar para mais nada agora que te vi

Eu não quero pensar em mais nada agora que pensei em você

Eu tenho dormido há tanto tempo numa noite escura de vinte anos

E agora, vejo a luz do dia” [38]

Dias depois...

TADEU

— Eu não acho que isso seja preciso. — falei, enquanto

Verônica anotava algo, durante a nossa reunião semanal por

videochamada. — Algo que queira acrescentar?


— Que eu estou te vendo de bom humor. — Eu a vi fechar

seu notebook e retirar os óculos de grau. — Devo agradecer a


Valéria?

— Deve agradecer a ausência de Carol e Igor. — ela


apenas continuou a me encarar. — As coisas estão indo melhor

do que eu imaginava.

— Fico feliz. — deu um vislumbre de sorriso. — Devo ir no

final de semana, com nossos irmãos... Dani está me cobrando


uma visita.

— Eu a vi ontem. Lado bom de estar morando aqui.

— Essa parece uma boa cidade para se crescer. —

assenti, pensando no que conversei com Valéria. — Hoje vai ser a


primeira consulta que vai acompanhar, certo?

Assenti, fechando o meu notebook, e notando que ela

parecia pensar em algo.

— Acho que estou um pouco nervoso, ainda mais depois

que ela ou ele se mexeu.

— É bom te ver assim.

— Assim como?
— Sorrindo sem nem perceber. — ouvi as batidas na sua
porta. — Me liga mais tarde, para contar como foi.

— Bom trabalho, irmã.

— Boa consulta, irmão. E mande um olá para Valéria.

Desfiz a ligação por chamada de vídeo no celular, e retirei-

o do tripé. Eu mal via a hora de poder ver Valéria novamente. A

realidade era que a conexão que criamos naquele momento, junto

com o nosso filho, se passava e repassava por minha mente.

Porque não era apenas sobre o nosso filho.

— E eu a amo.

Notei a reação dela diante das minhas palavras, e a

esperança que achei estar apagada em meu peito, depois de


tantos anos, se reacendeu. Porque era ela. Assim como no seu

número de telefone salvo em meu celular – sempre foi ela.

Queria não ter deixado para a interpretação, mas ainda

assim, não podia simplesmente jogar aquela verdade em seu

colo. Nem tudo o que me trouxera até ali.

Era com calma e paciência, para que ela entendesse. Para

que não lhe restassem dúvidas de quando eu dissesse como me

sentia, ela conseguisse de fato acreditar.


E talvez, por sorte do destino, ela aceitasse.

VALÉRIA

— Ela é uma ótima médica. — falei, enquanto Tadeu me


seguia pela calçada. Sentia os olhares sobre ele, as pessoas com

um ponto de interrogação no rosto.

Meu celular vibrou e ri ao notar que era no grupo da

cidade. Tinha fotos de Tadeu ao meu lado, e perguntas como:


esse gostoso é solteiro? Se não for, retiro o gostoso.

— Estão te chamando de gostoso no grupo da cidade.

Seu olhar veio para o meu, e era ele agora que tinha a

interrogação no rosto.

— Há vários grupos dessa cidadezinha, porque é claro,


todos se conhecem, e você é o assunto do momento. — pisquei

um olho.

— Murilo também já foi?


— Até hoje ele é. — confessei, e ele arqueou uma

sobrancelha. — Eles o chamam de agregado Torres mais


gostoso. — Tadeu fez uma leve careta, e eu tive que rir baixinho.

— Se prepare para algum apelido péssimo assim.

— Já vi apelidos piores, principalmente, na minha família.

— parei de andar, olhando-o com atenção. — O que?

— Qual o seu apelido familiar secreto e vergonhoso?

— Nem sob tortura. — revirei os olhos, mas permaneci


sem me mexer. — Temos cinco minutos para chegar no horário
certo da consulta.

— Não vou me mover até me dizer. — olhei-o, como se


vasculhasse algo. — Qual é? Não deve ser tão ruim.

— Esqueceu quem são os meus irmãos? — segurei a


risada. — Igor e Carolina são os piores, principalmente ela.

— Eu tenho um vergonhoso também. A gente pode trocar.


— sugeri, e ele parecia ainda mais confuso. — Segredos assim
geram honra.

— Na verdade, destroem a honra. — fiz um tsc com a

boca, e notei-o morder o lábio inferior. Ele queria rir? Realmente?


— Não admito que vamos ser amigos e você não me diz
seu apelido da vergonha...

— Não acredito que estamos parados no meio da calçada,


com várias pessoas olhando e falando disso.

— Eles estão acostumados com fofocas. — pisquei um

olho, e lembrei-me de algo. — Se bem que Carol deixou o número


dela salvo...

— Vai me obrigar mesmo a dizer?

— Ou posso obrigar os tios do meu filho. — ele então

bufou, respirando fundo. — É pegar ou pegar.

— Primeiro consulta, depois, apelido vergonhoso.

— Você é um ótimo amigo. — ri de lado, e ele levou uma

das mãos ao rosto, e a outra às minhas costas, como se para me


obrigar a andar.

— E você, é uma amiga manipuladora.

A verdade era que me apegava à palavra “amizade”

porque se não o fizesse, aquele simples toque em minhas costas,


ainda sob o tecido fino da regata que usava, seria uma perdição.

O era, mas eu fingia que não. Fingia e mentia para minha mente e
corpo. E torcia, para que Tadeu não notasse. Se não, estaria
perdida.

Minutos depois e eu estava deitada em uma maca, com o


coração literalmente na boca e ouvindo as observações da minha

médica. Tadeu parecia preso à tela que eu não enxergava

absolutamente nada, não sem o auxílio da médica, e às vezes,


nem com ela mostrando.

— Ainda sem querer mostrar se é um menino ou uma

menina. — assenti, sem me importar com aquilo. Coisinha


teimosa, igual ao pai dela. — Querem ouvir o coração?

— É a coisa mais linda. — virei-me para Tadeu, que

parecia ter trancado a respiração. — Prepara o seu coração,

homem! — dei-lhe minha mão e me virei para a médica,

assentindo.

Segundos depois, o barulho ecoou pelo ambiente, e senti

sua mão apertar a minha. Sorri ao encará-lo, do mesmo jeito que


aquela orquestra ritmada e tão rápida me acertou quando a ouvi,

pela primeira vez. Era a vez dele, de sentir que era real.
E por um segundo, me perdi, ao vê-lo quase chorar à

minha frente, confirmando que ele poderia ter a armadura que


fosse para o mundo, mas o nosso filho, derrubava-a em

segundos.

— Que tal? — perguntei, e ele apenas me deu um leve


sorriso.

Baixou a cabeça e seus lábios encontraram minha testa,

sussurrando um leve “obrigado”. E eu só percebi a emoção que

também me tomara, quando uma lágrima desceu.

No fim, éramos dois perdidos pelo nosso filho. E em

alguma coisa, a gente sabia combinar. Felizmente, na melhor

delas.
CAPÍTULO XXIII

“Dizemos que somos amigos, mas eu estou te olhando do outro lado da


sala

Não faz sentido, porque estamos brigando por causa do que fazemos

E não tem como eu acabar ficando com você

Mas amigos não olham para amigos desse jeito

Amigos não olham para amigos desse jeito” [39]

VALÉRIA

— Não. — ri, voltando o vídeo, e imitando o passo, que na

minha cabeça, era perfeito. Apenas nela. — Você solta a frase e


complementa com ddaeng!

Tadeu me encarou como se eu tivesse duas cabeças,

ainda sentado no sofá, e claramente não entendendo minha

empolgação. Mas a realidade era que aquela música poderia ser


minha dose de endorfina diária.

— “Hip hop? Ddaeng! Rap style? Ddaeng! gyang raep-peo,

ddaeng! Bangtan, ddaeng!” — cantei alto, e comi outra pipoca,

enquanto Tadeu ainda tentava fazer a minha assinatura no Viki[40]


voltar a funcionar. Não sabia o que tinha acontecido, mas de

repente, ela simplesmente, parara de funcionar. E mesmo

sabendo que ele não tinha nenhuma formação na área, era a

pessoa mais próxima a quem poderia recorrer.

A realidade era que ultimamente, muitos os pequenos

problemas ou momentos do dia a dia, a gente estava dividindo.

Construir uma amizade assim, tornava tudo mais fácil, não era?

— Acho que o problema era a localização. — falou,

enquanto eu focava na minha parte favorita da música. —

Valéria?

— “Escória, só façam as suas coisas

Olhe para mim, eu sou todas as suas coisas


Você arrasa? É tão legal? Estou sem palavras

Mesmo que eu não ga-ga-ga-gagueje por estar perplexo

Me pe-perdoe, minha habilidade com a f-fala não é boa

M-mesmo assim eu estou t-t-tentando falar devidamente

Mas minha boca fica torta

Eu g-g-gosto muito de você, eu g-g-gosto muito de

você...”[41]

— Essa música é daquele grupo que eu comprei o body,

não é? — perguntou, e parei a minha performance, para encará-

lo. — O quê?

— Procurou mais sobre o BTS? — indaguei, sentando-me

ao seu lado no sofá, e ele assentiu. — E SKZ[42]? E Blackpink[43]?

E Mamamoo[44]? Quer dizer, algum outro?

— Tenho tido um longo momento conhecendo quase todos,

pelas músicas que agora estão na playlist que oficializou no meu

carro. — rebateu, e eu ri de lado, não podendo negar.

— Ainda na minha função de converter todo mundo para

gostar das lendas, assim como, dos doramas. — ele levou uma
das mãos ao rosto, e me encarou sério. — O quê?

— É bom te ver empolgada assim com o que gosta.

— Não sei gostar pela metade. — admiti. — Quando gosto

de algo, me jogo de cabeça. E quando vejo, já to afundada, e


querendo levar quem puder junto.

— Isso vale além do gosto musical e para séries? —


perguntou, e me encostei melhor no sofá, ajeitando minhas
pernas. A cada dia, ficavam mais engraçadas as poses estranhas

que eu ficava, mesmo com a barriga ainda não muito grande.


Felizmente, Tadeu não comentava a respeito.

— Eu acho que para tudo. — suspirei fundo. — Sabe, eu já


gostei de um cara... — comecei a falar, e limpei a garganta. — E

mesmo nunca acontecendo nada... — ao menos, não naquela


época. — Me marcou profundamente. Acho que se pensar assim,

para o amor... — olhei-o, e soube que era um erro. Falar


exatamente daquele assunto, com o cara que eu não esqueci e
que agora, gostava tão facilmente por apenas ser ele – era um

erro. Mas não conseguia me controlar. — Nunca mais amei


alguém, então não sei. — admiti, e fugi de sua análise.
Felizmente, a música ainda não tinha terminado, o que

diminuía o peso do silêncio em que caímos. Queria perguntar a


ele, sobre como se sentia a respeito daquilo, mas o medo de

saber que seus sentimentos por Bianca permaneciam, me


assustavam, a ponto que era melhor viver ignorante a respeito.

Ao menos, não sabendo diretamente.

Era o melhor.

Eu tinha que aceitar.

— Acho que pode encontrar isso ainda. — falou, me


fazendo virar para encará-lo. — Como nos seus doramas... —

estendeu-me o celular, e abri um sorriso fraco, tentando disfarçar


a minha confusão. — Depois do que aconteceu com Murilo, eu

acredito em muita coisa.

— A novela perfeita, não é? — indaguei sonhadora. — Só

fico triste pelo fato de ficarem tanto tempo separados, sendo que
se amavam...

Então, seu olhar parou profundamente no meu, e me vi


duvidando até mesmo de tudo o que sabia até ali.

E se...

E se...
E se...

Era tudo o que se passava por minha mente.

O barulho da televisão me fez dar um pulo, já que do nada,

começara um outro vídeo na playlist aleatória, e era muito mais


alto. Nunca agradeci tanto aos meus sete coreanos favoritos por

me salvarem dos “e se” em minha mente.

— Por que a gente não come algo?

E aquela foi a pergunta menos perigosa de toda aquela


noite. Ou a minha mente estava se perdendo um pouquinho mais,

a cada dia mais perto dele.


CAPÍTULO XXIV

“E você deve saber que se eu pudesse

Eu respiraria você todos os dias” [45]

VALÉRIA

Mais um dia chegando ao fim.

— Eu só queria dizer que... — virei-me, após colocar minha


bolsa no ombro. Encontrei Maria Beatriz sorrindo, com uma

sacola em mãos. — Eu achei no centro, e fiquei chocada ao

descobrir que a loja de brinquedos agora é do Reis.


— Tadeu é um pouquinho sem noção. — fiz um sinal de

pequeno com o dedão e dedo indicador. — Eu já o proibi e toda a


família de comprarem presentes. Temos praticamente dois

quartos lotados de coisas, e um para o bebê.

— Mas eu precisei comprar isso aqui. — direcionou-me a

sacola, e eu sorri, aceitando o pacote. — Eu achei tão você e tão

cafona... Amei, sério!

— Vou levar isso como elogio. — ela riu, enquanto eu abria


o presente.

Era um body na cor azul, com vários desenhos de doces e


uma frase no centro:

— Eu sou receita única da mamãe. — li alto e tive que rir,


puxando-a para um leve abraço. — Eu não acredito que não vi

isso quando fui à loja antes.

— Chegou hoje. — falou animada, batendo palmas. —

Cafona e fofo, né?

— Do jeitinho que eu gosto. — pisquei um olho e guardei


com cuidado o body dentro do pacote. — Eu aposto que ele ou

ela vão amar. — passei a mão sobre a barriga já maior, e notei os

olhos de Mabi brilharem. — Ansiosa por mais?


— Por enquanto, só Lorenzo. — levantou as mãos em sinal
de rendição. — Mas vou amar ser babá quando precisar.

— Terei isso em mente.

Ela me deu outro abraço, antes de correr até a geladeira

para pegar o doce que me pediu mais cedo, e eu me despedi.

Como já se tornara rotina, eu não precisei procurar muito, para

encontrar a 4x4 de Tadeu, parada próxima dali.

Ele estava encostado no capô, falando de algo ao telefone,

e por um segundo, bebi por completo a sua imagem. Com aquela


bendita blusa de gola alta, que delineava perfeitamente cada

pedacinho do seu torso. Calças jeans justas e um coturno na cor

marrom, que me deixava desordenada.

Era normal se sentir tão atraída por alguém?

Era tão mais fácil gostar da geladeira frost-free de duas

portas vulgo Kim Nam-joon[46], que eu admirava por ser um dos

meus idols favoritos, mas infelizmente, Tadeu não ficava muito

atrás. Na realidade, ele poderia ser definido com uma versão com

água na porta. Eu era péssima, quando entrava no meu loop de

comparações sem sentido.


Antes que eu fosse até ele, seu olhar me encontrou e fez

um sinal, como se pedisse dois minutos para terminar a chamada.


Assenti, encostando-me no carro, próxima à porta, e esperando.

— Ei, patroa!

Ouvi a voz de longe, e levantei o olhar. Caminhei até


Pedro, que parou com o cavalo há alguns metros do carro. Desde

o karaokê, não o via novamente. Era como se ele estivesse com


vergonha da forma que me abordou ou quem sabe, estivesse

tentando uma nova abordagem. Talvez descobrisse ali.

— Ei! — falei, e seu olhar veio para o meu. — O que foi? —

perguntei, ao notar que ele encarava minha barriga.

Ok, ela estava um pouco maior. Mas ainda assim, nada

que gritasse que existia um bebê ali.

— Fofocas? — indaguei, ao notar seu silêncio e sua clara

falta de jeito. — Fofocas na cidade?

— Tem gente falando que engravidou do irmão do marido


da dona Olívia. — praticamente sussurrou, descendo do cavalo.

— Não sou de fuxicar a vida de ninguém, você sabe.

— Mas tem algum problema nisso? — rebati, e eu o vi

mexer nervosamente no chapéu. — O que realmente aconteceu?


— É que... Ninguém sabe se está realmente com ele, digo,

como casal... — olhei-o com atenção. — E eu queria saber, se...


Se existe ainda, alguma chance.

— Pedro...

Doeu começar a falar aquilo, porque a resposta era nítida

na minha cara. E eu sabia da sensação de ser rejeitado, mesmo


que nunca fosse de fato, cara a cara. A dor minha era maior por
outros n motivos, mas não queria que ele se sentisse mal, de

forma alguma, muito menos, por mim.

— Eu acho que nunca tive, não é? — perguntou, antes que

eu pudesse encontrar as palavras certas. — Não te culpo por


isso, Val.

— Eu só... Sinto muito. — assumi, já que não podia dizer


além daquilo.

O que eu diria?

Que eu me apaixonei aos quinze?

Que minha vida virou uma bagunça após os dezoito?

Que então, reencontrei aquele que menos desejava e

acabei grávida dele?


E agora... e agora eu gostava do que estava conhecendo
nele.

— Posso te dar um abraço? — perguntou, e eu sorri,


assentindo.

Ele então veio para perto, e foi um leve toque, como se

estivesse tomando cuidado.

— Existe algo nas pessoas sobre acharem que grávidas

vão quebrar... — provoquei, e ele sorriu, tocando o chapéu. —


Amigos ainda?

— Sempre, patroa. — piscou um olho, e eu o vi encarar


algo atrás de mim. — Boa noite, senhor Reis.

Ele então fez um leve aceno e montou no cavalo, saindo


em questão de segundos.

Virei-me, para encontrar Tadeu parado ainda próximo ao

carro, só que agora, as mãos nos bolsos da frente da calça,


encarando-me do jeitinho que não deveria. Taylor Swift, por que

me castigasse ao pensar nesse homem e nas suas canções?

“Com suas mãos nos bolsos

E seu sorriso de: Aposto que você queria me ter”[47]


E como queria, Taylor. Não deveria, mas eu queria. Falei

internamente, como se não estivesse surtando, ou aceitando o


surto, e caminhei até ele. Segurando o sorriso que queria surgir e
a forma como claramente, eu estava me derretendo. Essa parte

da música não! Xinguei-me mentalmente.

“Mas eu queria, então eu sorri, e me derreti como uma

criança

Agora cada respiração que respiro me lembra disso” [48]

Se bem que eu já tinha me derretido, e a cada momento,


me lembrava de que ele estava ali. Por mim. Pelo nosso filho.

Por... Nós? Existia nós? Naqueles últimos dias, com tamanha

proximidade, eu comecei a me indagar tal coisa.

E a resposta era sempre confusa. Assim como eu. Não era

difícil me definir como o meme da Nazaré confusa desde o

momento em que Tadeu reapareceu em minha vida.

Abri a boca para ao menos cumprimentá-lo, porém Tadeu


me deu as costas, para abrir a porta do carona, e estranhei por
completo seu jeito. Fechou a porta e deu a volta no carro,

completamente em silêncio, e fiquei apenas o encarando,


enquanto colocava o meu cinto, e ele fazia o mesmo, para

sairmos dali.

— Preciso passar na minha casa primeiro, tudo bem? —


assenti, confusa diante do seu tom neutro e impenetrável.

— Dia ruim? — perguntei, sem conseguir me aguentar,

assim que deu partida.

Ele respirou fundo, como se pensasse em algo, e fiquei


ainda mais curiosa.

— Uma ligação ruim? — insisti, e ele apenas negou com a

cabeça, enquanto dirigia.

Resolvi ficar em silêncio, mesmo que estivesse me


corroendo por dentro, para saber o que o tinha deixado de tal

maneira. Surpreendentemente, Tadeu tinha um humor constante,

sempre parecia disposto a ajudar no que precisasse e era


atencioso. Contudo, era óbvio que ele não estava confortável.

Não naquele momento.

Apenas me prontifiquei em colocar a música, e foquei na


letra, cantando baixinho, enquanto ele dirigia. Que no caso,
agora, tinha uma playlist minha, e além do comum gosto de Taylor

Swift com Carol, eu tinha o meu k-pop de plano de fundo. E God’s

Menu do Stray Kids era a pedida certa do dia. Enquanto Tadeu


parecia perdido em si mesmo, eu me pedia no Du du du du du du

e imitava a voz do Felix[49].

Assim que o carro parou, saí do mesmo, apenas para me

alongar um pouco. A minha barriga começava a pesar, e as dores

nas costas pareciam ser minha nova companhia. Encostei-me


contra o carro, e esperei que ele saísse, para fazer o que quer

que fosse. Geralmente, ele pegava algo que comprou na cidade,

para levarmos para minha casa e jantarmos. Segundo ele, eu já

cozinhava o dia todo, e não era justo, fazer a noite também.

Eu que não reclamaria, mas acreditava que deveria ter

esquecido de trazer consigo daquela vez. Ele tinha se tornado

parte da minha rotina. A princípio foi estranho, mas era agradável


tê-lo ali e me ter perto dele. Como uma parte além de apenas o

pai do meu filho.

Parei próxima à varanda, e quando não o senti me


seguindo. Virei-me, e o encontrei ainda dentro do carro. Voltei

meus passos e fui até a janela do lado do motorista, que ele

permaneceu.
— Por que está tão estranho? Não vai descer?

— Acho melhor não falarmos sobre. — falou, sem me


encarar. Mas notei que segurava o volante com força.

— Ei! — bati levemente na parte de metal do carro. —

Somos amigos, lembra? Ou ao menos, é o que tentamos ser nos


últimos tempos, certo? — indaguei insegura, e quando seu olhar

parou no meu, sabia da resposta.

Era como se eu o conhecesse mais do que nunca.

Suspirei fundo, sentindo-me patética por ter acreditado que


estávamos tentando algo. E de repente, descobrindo que não

éramos nada. Por que eu realmente tive tal ideia? Ele só era o pai

do meu filho, nada mais.

— Boa noite, Reis.

Não pude disfarçar a mágoa em minha voz e lhe dei as

costas, já sabendo que as coisas voltavam à estaca zero. Talvez,

nunca deveriam ter saído dela.

Pelo menos, a minha casa não ficava realmente longe da


dele, e nada me privaria de uma caminhava noturna. Mas a

realidade era que estava puta por ele me tratar com tamanha

indiferença. Merda!
Ouvi o barulho da porta batendo, mas não me virei, apenas

senti que deveria ignorá-lo. Não era fácil para ele o fazer? Por

que para mim tinha que ser tão difícil?

— Não posso ser seu amigo. — sua voz soou no silêncio


da noite da fazenda, e me fez quase parar. — Não posso ser

apenas isso, Valéria.

Assim que me virei para lhe perguntar o que diabos aquilo


queria dizer, levei o susto pela proximidade que estávamos. A um

fio de cabelo de distância, quase me queimando pelo fato de

ainda parecer tão longe.

— Não posso fingir e dizer que não quero socar a cara


daquele metido a cowboy toda vez que o vejo dando em cima de

você. Com as mãos sobre você. Com os olhos sobre você.

— O quê? — minha voz quase não saiu, diante da minha

surpresa.

— Não posso fingir que consigo ser apenas seu amigo,

quando a noite que tivemos não sai da minha cabeça. — sua mão

veio para o meu rosto, e foi quase que instantâneo, o gemido pelo
contato de sua pele na minha. Numa situação que eu não
esperava. — E a forma como seu corpo me mostra que pensa o

mesmo, está me matando.

— Não vamos ferrar tudo se pensarmos em algo mais? —

indaguei, com meus lábios tão perto dos dele, que já nem sabia

porque aquela discussão começou. Contudo, estava adorando o

caminho pelo qual ela seguia.

— Apenas me diz, se quer isso tanto quanto eu... — seu

nariz passou pelo meu, e sua mão veio para a minha nuca, no

ponto fraco que ele tão bem conhecia. Ao menos, explorou


perfeitamente na noite em que tivemos. — Se quiser, posso te

dar. Tudo o que quiser.

— Me beija.

Não precisei dizer mais nada, quando ele engoliu o ar que


antes estava em minha boca, e sua língua encontrou a minha. Foi

impossível não gemer alto, e era claro o quanto ele adorava

aquele som, pela forma como suas mãos me trouxeram para si. E
agora, eu estava praticamente em seu colo, sendo levada para

dentro de casa, e sem conseguir raciocinar.

Como a gente chegou ali?

O que a gente estava fazendo?


Eu não tinha exata certeza, mas eu sabia que não poderia
mais ignorar.
CAPÍTULO XXV

“Conversa de travesseiro

Meu inimigo, meu aliado

Prisioneiros

Então estamos livres, é excitante” [50]

VALÉRIA

Sua boca estava em toda parte, e eu já não sabia em que


lugar estávamos. Só me dei conta de fato, quando o senti me

depositar sobre algo macio. Abri os olhos, tendo a visão

esplêndida de ele todo bagunçado por mim. Os cabelos tão


perfeitamente alinhados, na bagunça que minhas mãos deixaram.
— O que quer de mim? — perguntou, com sua boca

descendo perigosamente para baixo, com meu vestido preso à


parte de cima do corpo. — Quer que eu te faça minha? Quer ser

minha?

Eu queria.

Eu queria tudo.

E era como se ele finalmente lesse aquilo.

Em minha expressão. Em meu desespero. Em meu alarde.

Minhas unhas em suas costas, puxando para fora a

bendita blusa que me deixava de joelhos por ele. E ele mal sabia.

Desci-as pela sua pele, marcando-o, e sentindo-o me morder com


ainda mais força sobre o tecido fino da vestido largo que usava.

Eu estava ainda mais sensível, e com ele, fazia-me entender que


nada se comparava a tal toque.

Com ele, nenhum outro nome me vinha à mente.

Com ele, eu só conseguia pensar como seria descobrir

mais sobre o seu corpo.

No prazer dele. No meu prazer. Em como era tão certo, nós

dois bem ali, e nenhum pensamento fora.


O mundo poderia acabar, mas eu estaria feliz em estar
naquela cama com ele. Nada mais. Nada além de nós.

— Me conta. — sussurrou próximo à minha boca,


passando a barba levemente por meu pescoço em seguida.

— O quê? — minha voz mal saía.

— O que se passa em sua mente, amor?

Senti meu corpo todo reagir àquela palavra, e não poderia

negar, que queria. Queria e aceitava ser amada por ele naquele

momento. Que o meu autojulgamento se prestasse para outro

momento. Porque não queria pensar em como reagiria depois. Só

no agora. E no agora, eu era o amor dele, mesmo que apenas

pelo prazer.

— Que eu nunca senti isso com ninguém. — admiti, e sua

língua passou pelos meus lábios, fazendo-me gemer. — Cada


toque tão certo, cada parte... — a sua mão direita veio para a

minha, entrelaçando ao lado do colchão, como se fosse o encaixe

perfeito. — Essa bendita conexão.

— E o que quer que faça a respeito?

— Que me ame. — pedi, sem conseguir fingir e dando tudo

de mim, ao sentir sua outra mão destruir a calcinha que estava já


desalinhada do meu corpo. — Que me tenha.

— Sabe o quanto quis ouvir isso? — perguntou, e me

surpreendendo, afastou-se do meu corpo, levantando-se.

Pisquei algumas vezes, sem entender.

Ali, praticamente zonza por ele, no meio da cama, e vendo-

o ficar de pé ao lado. Sem camisa, minhas marcas em sua pele, e


a cueca sendo o último resquício de tecido em seu corpo.

— Por que tem que me torturar? — perguntei, ficando


sentada, à frente dele. Com as pernas abertas ao lado de cada
uma das dele.

— Por que esse é o único momento que vou fazer isso com

você. — falou, ajoelhando-se, e suas mãos vieram para o meu


vestido, já todo embolado, retirando-o do meu corpo. Gemi pelo
meu corpo nu se acostumando com a brisa fria da noite que

entrava, mas logo, o toque dele estava ali, ao meu redor. —


Porque esse é o único momento que vai ter que me esperar para

me ter. Nunca mais terá que fazer isso.

Eu não tinha dimensão do quanto tais palavras me


atingiram.
— Tadeu... — suspirei fundo, sentindo seus dedos na

lateral do meu corpo, e logo, senti-o me empurrar levemente para


a cama. — Eu sei que quer me torturar, mas agora... Por favor,

apenas me tome!

Seu corpo tão maior que o meu, pairou, e senti o olhar

escuro me acertar. Ele era ainda mais lindo, todo espalhado sobre
mim, exigindo que eu fosse sua, enquanto eu implorava para que

fosse meu.

— Hora de dormir, coisinha. — sussurrou, dando um beijo


leve na minha barriga, e seus lábios subiram por cada canto, até

chegar até meu queixo, marcando-me ali. — Hora de me olhar,


amor! — exigiu, e só então notei que estava de olhos fechados,
perdida pelas suas mãos em meu corpo, e a forma como me

orquestrava perfeitamente.

— Se eu te olhar, vai me foder? — indaguei, dando um leve

impulso para trás, e colocando meu corpo todo sobre a cama, já


não mais na beira da cama. — Se eu te olhar, vai parar de me

torturar?

— Se me olhar assim, eu vou te dar o que quiser. —

finalmente retirou a última peça do próprio corpo e gemi com a


visão de ele todo nu, pronto para me dar prazer. Ele era como o
próprio pecado.

— Te olhar como? — indaguei, assim que o senti se


acomodar sobre mim, e ele exatamente onde precisava. — Como
a porra do homem que eu quero?

— Como o único que você deseja. — sua boca veio para a


minha, engolindo meu gemido, no segundo em que suas mãos
tomaram as minha, entrelaçando-as e prendendo-as no alto da

cabeça. — Olhos em mim. — exigiu, e o encarei, enquanto cada


centímetro dele, tomava cada parte de mim. — Porra! —

praguejou, e eu gemi, segurando-me para não revirar os olhos. —


Não sabe o quanto fiquei revivendo cada momento daquela

noite...

— Por que não me mostra o quanto sentiu saudade? —

indaguei, e senti-o me tomar por completo, fazendo-me arfar.

— Por toda essa noite, amor. — sussurrou, mordendo meu

pescoço e sua boca pairou novamente na minha. — E todas as


que desejar.

Tomei sua boca, já não suportando o desejo que explodia


por cada poro do meu corpo. Era demais. Ele era demais. Tudo
era demais. Contudo, por um segundo, ou ao menos, por aquela
noite, eu me permiti.

Permiti-me ser o amor dele, e descobri que era o que


realmente gostaria de ser... Suspirei diante de tal constatação em
minha mente, quando não conseguia pensar em nada além de

seu toque, do seu cheiro, do seu corpo... Mas além disso, tinha a
sua presença, o seu jeito, a sua paciência, a sua quietude... Não
era só pelo prazer, era pelo amor.

E eu tinha me apaixonado pelo pai do meu filho.

Eu tinha me apaixonado, novamente, por Tadeu.

TADEU

Não me surpreendi ao acordar e encontrar o lado da minha

cama vazio. Sabia que fugir era o jeito de Valéria evitar que a
machucassem, ou a quem ela amava. Mas agora, eu sabia que

não poderia negar o que tivemos naquela noite. Não mais.


Porque foi muito maior e mais sincero do que antes.

Porque a entrega não foi parcial ou apenas pela atração que


explodia entre nós. Não, foi por inteiro.

Cada pedaço do corpo, mente e alma dela estavam

naquela cama, assim como, cada pedaço de cada lacuna minha.


Ela me tinha, mesmo que não entendesse ainda. Eu a tinha, e

precisava entender até que ponto. Até onde ela estaria disposta a

se entregar.

E com um sorriso no rosto, e sabendo exatamente o que


faria, eu me levantei.

Ela poderia fugir de mim o quanto quisesse. Mas ela não

podia fugir do que realmente sentia. E eu sabia, porque era


exatamente, o que gritava dentro de mim.

Se eu achei que me apaixonei aos dezessete, à primeira

vista, era porque não tinha ideia de como seria, cair de fato por

ela. Contudo, a vida já me dera o aviso, quando a olhei pela


primeira vez, que eu estivesse preparado, porque ela daria um

significado do que era o amor.


CAPÍTULO XXVI

“Não é verdade

Me diga que você mentiu pra mim

Chorar não é do seu feitio

O que diabos eu fiz?

Nunca fui do tipo que

Deixa alguém ver através de mim” [51]

VALÉRIA

Andar de um lado para o outro na minha sala de estar se

tornou rotina. Ali estava eu, revivendo cada cena daquela noite. E
sem entender como de fato consegui chegar em casa, após andar

e andar e andar, sem entender o que de fato tinha feito.

Eu tinha me apaixonado por ele e estava lutando

internamente, para aceitar tal sentimento. Novamente.

E ali estava eu, dizendo a mim mesma que estava tudo


bem. Que foi apenas uma noite e que com certeza, ele apenas

disse tudo o que disse pelo momento. As outras pessoas faziam

isso, certo?

Mas as outras pessoas não são o homem que você ama!

Minha mente, como sempre, tinha razão.

— Sua mãe tá parecendo uma adolescente, e a culpa é do

seu pai... — falei para minha barriga, sentindo-me um pouco


fraca. — O que eu vou fazer?

Batidas na porta me fizeram dar um pulo no lugar e não

precisava olhar para saber quem era. Eu sabia que era ele. De

alguma forma, eu sabia que ele viria até mim.

E estaria mentindo se dissesse que não esperava por


aquilo. Que lá no fundo, não torcia para que finalmente, pudesse

ser sincera.
— Não devia estar aqui. — falei, no instante em encontrei
Tadeu do outro lado da porta. — Estou ocupada.

— Fugindo?

Respirei fundo, negando.

Apenas me afastei da porta, e esperei que ele entrasse, e

como tínhamos nos acostumado, ele o fez. E de repente, voltei

dias antes, onde ele sequer entraria na minha casa, se eu não lhe

desse o total consentimento.

Ele agora parecia que via exatamente o que estava escrito

por trás dos meus olhos. E eu, estava apavorada.

Porque apenas uma coisa se passava por minha mente: eu

me apaixonei por ele. De novo. E mais uma vez. Merda!

— Por que foi embora sem dizer nada?

A mesma frase. A mesma entonação. A mesma resposta


em meus lábios.

— Porque não tem nada para mim aqui.

Só que agora, eu enxergava ainda mais nele. Em nós.

— Tem... Não é muito, mas... Você me tem, Valéria.

Olhei-o incrédula e ri sem vontade alguma.


— Você? — neguei com a cabeça. — Acho que é

impossível ter alguém que já amou tanto, a ponto de esquecer a


própria família. — me doía, porque era como um fantasma me

rondando. Saber que o amor que sentia por ele, na realidade, ele
já tinha sentido por outro alguém.

— Até quando vai deixar que o fantasma de Bianca fique


entre nós?

— Nós, Tadeu? — levantei as mãos para o alto, sem

conseguir acreditar naquela conversa. — Onde existiu nós? —


minha pergunta saiu mais alta do que esperava.

De repente, todos aqueles anos de uma paixão, que agora


eu encontrava um amor impossível, me atingiram em cheio.

Porque se um dia me apaixonei pela primeira vista, agora eu


sabia, que me apaixonei por quem ele era. Não superei o mínimo,
como superaria o todo?

— Até quando vai negar que sente algo por mim? — sua
pergunta me atingiu por inteira, e baixei os braços, rendida.

— Está me vendo negar? — olhei-o profundamente. —


Tudo que tenho feito, sem querer, é deixar você entrar. E a cada

vez que deixo um pouquinho, jurando a mim mesma que não é


nada demais, na realidade, você toma uma parte. Assim como

tomou no passado, você toma agora.

— Valéria...

— O que quer eu diga? — deixei uma lágrima descer. —


Se quer a verdade, ela é essa: me apaixonei por você aos quinze

anos. — ri sem vontade. — Eu te vi e eu soube... Não me peça


para explicar, porque nem eu sei. Mas agora, eu sei. Agora, te
conheci, e mesmo sabendo que não devia, eu me apaixonei. Uma

vez, à primeira vista. Na segunda, por você. Patética, certo?

— Você é tudo, menos patética.

— Como não? — abri os braços, em busca de respostas.


— Eu me escondi desse sentimento por todo esse tempo, porque

eu sabia que era um amor perdido.

— Bianca te disse isso? Que eu era um amor perdido?

— Bianca nunca soube do que eu sentia. — rebati, e notei


sua expressão mudar por completo. — Ao menos, se ela
soubesse, eu não teria que saber de vocês e... — não pude evitar

a náusea que me atingiu. Aquilo me atormentava, e era


impossível. As palavras e como ela descrevia como ele era com

ela. Tudo me acertando.


— Por que Bianca é tão importante assim?

— Porque ela teve o seu amor, Tadeu. — respirei fundo,

segurando as lágrimas. — Porque se você a amava, do jeito que


eu te amo, não é algo que eu possa tentar ou competir. Nem
pretendo.

O silêncio perdurou e fugi do seu olhar. Estava me


sufocando, mesmo depois de colocar para fora. E nunca me senti
tão exposta em toda a vida. Nunca imaginei que me jogaria de tal

forma do precipício, e ali estava eu, de cara com o chão.

— O que quer que eu diga? — indagou de repente, e notei

seus olhos marejados. Nada naquilo fazia sentido. — Que eu a


amava? Que eu a adorava?

— Não...

A dor se espalhou por todo meu corpo.

Por que ele tinha que falar assim?

— Não mais, Valéria! — suas mãos vieram para o meu

rosto, fazendo-me encará-lo, e não pude negar as lágrimas que


desceram. — Não vou deixar que aquela noite destrua o que eu

sempre senti.

— Se a nossa noite foi tão maldita assim...


— Não! — cortou-me, e parei, a ponto de desmoronar. — A
noite com Bianca. A noite em que eu bati na sua porta, e estava
tão bêbado e tão perdido, que sequer me lembro do que

aconteceu... Não me lembro de nada. Só me lembro de acordar


na cama com a esposa do meu irmão do lado. É isso que quer

que eu diga? Que eu não sei o que houve?

O que?

— Do que está falando? — minha voz mal saiu, e senti

meus lábios tremerem.

Suas mãos saíram do meu rosto, afastando-se levemente,


e senti a falta do que seu toque de imediato.

— Eu não sei porque Bianca inventou toda essa história e

resolveu me perseguir nos seus últimos dias de vida... Eu não

tenho ideia do que ela inventou para você ou na carta que deixou.
Eu honestamente, não tenho ideia. Só sei que se você queria a

verdade, aí está ela. Me apaixonei aos dezessete anos, quando

uma pessoa bateu contra o meu corpo e eu perdi a própria noção

do tempo... Me apaixonei por você à primeira vista. E sequer


sabia o que amor era, mas me destruiu quando achei que ia

realmente se casar com outro... Mas agora, depois desse tempo

com você, descobri o verdadeiro o sentimento.


— Você não quer dizer isso. — soltei uma risada fraca,

sentindo meu coração martelar no peito. — Você não... Bianca


não... Eu...

— Se quer a verdade, eu vou te dar... Eu vou te dar tudo o

que quiser, Valéria. Qualquer mínimo pedaço que seja, porque eu


vivi de pedaços do que pude ter de você por anos... Porque eu

pensei que nunca teria uma outra oportunidade de estar perto de

você, e não vou mais deixá-la ir. Não se me pedir para ficar.

— Tadeu...

— Apenas me deixe contar o meu lado da história, que eu

não conseguia dizer, porque eu mesmo não entendia. Me culpo

há anos pelo que nem sei que aconteceu, e tudo o que tenho
daquela noite, é o que Bianca me disse no dia seguinte.

E de repente, o ar me faltou.

Busquei-o com força, mas senti que poderia desmaiar a

qualquer momento.

Senti os braços de Tadeu ao meu redor, e respirei fundo,

não me permitindo apagar. Contradizendo meu próprio corpo e

buscando os olhos dele. Eu precisava saber. Mas ainda assim,


era demais. Era demais para aquele momento.
E de repente, apenas me vi caindo na escuridão.

Mas ela não era vazia, nela, estava ele.


CAPÍTULO XXVII

“Tenho medo de tudo que eu sou

Minha mente parece uma terra estrangeira

O silêncio ressoa dentro da minha cabeça

Por favor, me leve, me leve, me leve para casa” [52]

TADEU

— Valéria! — chamei seu nome em desespero, e notei que


ela lutava para se manter acordada.

— Acho... — sua voz mal saía. — Acho que vou...

— Merda! — reclamei, ao tê-la mole nos meus braços.


Coloquei-a com cuidado no sofá, sentindo a culpa me

invadir. Depois de tudo, eu me esqueci do principal – que ela não


podia passar por um estresse daquele. E falar sobre o passado

agora era algo fora de questão. Ainda mais, para deixá-la de tal

forma.

— Valéria! — chamei-a novamente, de forma baixa e

controlada, tentando me lembrar de como Verônica fazia quando


Carol tinha alguma queda de pressão. — Por favor, amor. Por

favor... Acorde. — minha voz saiu com um implorar, e minhas

mãos em seu rosto, em desespero.

Um minuto e nada de ela se mexer.

Peguei meu celular e liguei para o médico que contratei há

algumas semanas, justamente, caso algo acontecesse. Em uma

cidade pequena quanto aquela, não queria arriscar ter que dirigir

até o posto médico mais próximo. E eu mal conseguia digitar, com


as mãos trêmulas.

Batidas na porta me chamaram atenção e enquanto falava


com o médico ao telefone, corri para abri-la.

— Reis? — pisquei, achando que estava perdendo a


cabeça.
— Sim, doutor. — falei, enquanto o médico me respondia
sobre o tempo que demoraria e o que fazer, e tentava ter certeza

de quem via ali, do outro lado da porta. — Dez minutos? — tentei

respirar fundo. — Ok!

— O que faz aqui? — senti meu corpo ser praticamente

empurrado para trás, e de repente, o homem que há tantos anos

não via, adentrava a casa de Valéria. — Tin tin...

Ele se jogou ao lado dela, e tocou seu rosto, como se

testando a sua respiração, do jeito que eu fizera antes.

— Ela...

— O que fez para ela? — sua voz era como um trovão. —

O que fez para que ela desmaiasse assim?

— Fontes...

— A última vez que a vi assim, foi depois de uma briga com

a maldita da Hellen... — ele então se levantou e veio até mim,

empurrando-me contra a parede, e me prendendo com o braço.

Ele era tão alto quanto eu. Talvez, tão forte quanto.

Contudo, eu conseguiria me livrar, mas a culpa me impedia. Era

como se eu quisesse sentir a dor, que eu lhe causei, sem

imaginar que o faria.


— O que...

— Sai de cima do meu irmão, porra!

— Val...

Vozes diferentes adentraram o ambiente, e senti Murilo


retirá-lo de cima de mim. Assim como, notei minha cunhada correr

até a amiga. Eu mal conseguia respirar, não por ter sido


pressionado, mas sim, por ver os meus olhos favoritos,
completamente fechados, e sem saber quando ela os abriria.

— Tadeu... — Murilo segurou meu rosto com força e eu mal


conseguia respirar.

Senti-o me tirar de dentro da casa, e por um segundo, um

estalo me veio, querendo voltar. Eu precisava estar perto dela. Eu


precisava cuidar dela. Contudo, as lembranças me atingiram. Do
mal que eu fizera. Do mesmo mal que Reinaldo nos fez.

— Irmão...

— Como pode me chamar de irmão? — perguntei, e me

afastei, deixando as lágrimas descerem. — Eu te traí, Murilo. Eu

traí o que a gente mais preza. E agora, eu machuquei a mulher

que eu amo. Eu a deixei no mesmo estado que...


— Não ouse comparar o que deve ter acontecido aqui, com

o que aconteceu anos atrás com aquele maldito. — segurou-me


com força, fazendo-me olhá-lo. — Não importa a porra do sangue

que corra nas suas veias, não é filho daquele bastardo. Não
machucaria ninguém de propósito. Não trairia ninguém por querer.

Você nunca o fez, Tadeu.

— Murilo...

— Eu já te disse, naquele dia. — segurou meu rosto e eu

tentei não quebrar mais. Lembrando-me exatamente do momento


em que lhe confessei, o pouco que eu sabia sobre aquela noite no

passado. — Não é culpado pelas escolhas dos outros. E há


momentos, que não temos como fugir.

— Valéria, ela...

— Ela acordou.

A voz de Olívia me atingiu, quase como um grito, já que


estávamos afastados, há passos da casa, no meio da fazenda. Eu

queria voltar e segurá-la firme, e nunca mais deixá-la ir. Mas por
um segundo, apenas me vi mal conseguindo respirar, e pensando

em quanto eu não a merecia.

Não merecia a quem amava.


— É certo! A Fontes mais velha vai se casar com o
Centurini mais velho!

Aquela informação, casualmente dita em uma reunião, por


membros outros representantes martelou em minha mente. E
então busquei com pude, e foi quando descobri que era real.

Valéria, a minha Valéria ia se casar. E não comigo.

A bebida foi de amarga para não sentir sequer o gosto em


poucas horas. E só parei quando não encontrei mais nenhum gole

sequer dentro da garrafa de uísque ou nos vinhos. Levantei-me,


cambaleando e não sabia ao certo o que faria. Talvez me

declarar? Talvez contar que não conseguia tirar os olhos dela de


minha mente desde que se encontraram com os meus naquele

simples esbarrão?

Conferi e reconferi o número do apartamento. Poderia ser

um bêbado, mas não me tornaria um bêbado que bate na porta


errada. Assim que a mesma se abriu, procurei pelos meus
cabelos ruivos favoritos e de tom único, e não os encontrei. Na

realidade, os cabelos eram mais claros, pareciam até loiros. Ela


disse algo, e me vi negando com a cabeça, já não sabendo o que

dizer.
E foi quando dei um passo à frente e toquei o seu rosto,
procurando memorizar cada detalhe, mas parecia tão embaçado,
que sequer estava raciocinando. E por um segundo, cabelos

loiros se tornaram ruivos, e eu soube. Era ela...

E surpreendendo-me, quando levei meus lábios aos seus,

ela os aceitou.

— Irmão...

A voz de Murilo me trouxe para a realidade, e suspirei

fundo. Aquelas lembranças só me mostravam que realmente não

merecia Valéria. Mas ainda assim, faria o que fosse preciso para
merecê-la.
CAPÍTULO XXVIII

“Talvez devêssemos apenas tentar

Contar uma boa mentira pra nós mesmos

Eu não queria fazer você chorar” [53]

VALÉRIA

Pisquei algumas vezes e senti um cheiro familiar.

Poderia levar anos, mas ainda assim, aquele cheiro de

canela, me lembrava dele.

— Gael?
E então, quando minha visão se tornou clara, pisquei sem

conseguir acreditar.

— Gael? — indaguei novamente, e minhas mãos correram

para o seu rosto.

— Apenas uma queda de pressão, pelo que vejo. — ouvi a


voz desconhecida, e me virei, encontrando o homem mais velho,

que já tinha visto na última vez que estivera no hospital, devido a

cólicas fortes, no ano passado.

— O que aconteceu? Eu tô alucinando?

— Quando fez sua última refeição?

Abri a boca, mas fechei-a novamente, lembrando


exatamente do que doutora Helena me recomendou antes da

consulta que Tadeu estivera. Eu precisava comer várias vezes ao


dia, nem que fosse pouco, devido a hipoglicemia que desenvolvi

com a gravidez. Merda!

— Eu desmaiei e estou alucinando?

— Eu não sou uma alucinação, tin tin.

Então me virei, e apenas me vi pulando sobre o corpo do

meu irmão mais velho. O primogênito da minha família, e a

pessoa que eu tanto sentia saudade – Gael.


— Como diabos apareceu aqui? — perguntei, e toquei seu
rosto, como se procurando algum machucado. — E como está

sem qualquer ferimento?

— Para com isso! — rebateu, e fez-me levantar, olhando-

me por inteira. — Você não cresceu muito... — provocou, e eu bati

contra seu peito. — Desculpe por demorar tanto.

— Eu pensei que fosse demorar para sempre. — assumi, e


ele me trouxe para o seu peito, abraçando-me. — Estamos com

saudade, Gael. Mais do que o suportável.

— Eu... Eu consegui o que tanto buscava. — olhei-o com

atenção, ao me afastar. — Vou entrar na briga pela empresa, com

Hellen.

— O testamento da mamãe? — ele assentiu, e eu levei as

mãos a boca, sem conseguir crer.

— Mas isso fica para depois. — tocou meus cabelos. —

Agora me diz, por que eu encontrei Tadeu Reis na porta?

Foi então que minha mente deu um estalo, e tudo voltou

com força.

— Se quer a verdade, eu vou te dar... Eu vou te dar tudo o

que quiser, Valéria. Qualquer mínimo pedaço que seja, porque eu


vivi de pedaços do que pude ter de você por anos... Porque eu

pensei que nunca teria uma outra oportunidade de estar perto de


você, e não vou mais deixá-la ir. Não se me pedir para ficar.

— Onde ele está? — perguntei, e o procurei pela casa,


mas nenhum sinal. — Onde ele...

— Ei! — ouvi a voz de minha amiga na porta, e em passos

longos, Olívia estava ao meu lado. — Como está se sentindo?

— De onde saiu todo mundo? — indaguei perplexa. —

Gael ainda mais... — bati novamente contra seu peito, como se o


culpando pela saudade. Filho de uma mãe maravilhosa! — O que

houve, Oli?

— Ele aí só conseguiu não ser morto pelo capataz, porque

a gente chegou e confirmou que era seu irmão. No caso, Murilo o


reconheceu. — olhei-a incrédula. — Inácio teve que ser segurado

por Mabi, para não socar o esquentadinho aí.

— Quem são essas pessoas? — meu irmão perguntou

baixo, claramente perdido. — Por que está com elas?

— A família que eu encontrei. — sussurrei, enquanto


segurava a mão de Oli. — Devia ter deixado Inácio socar a cara
dele, por mim. — Olívia riu, e eu acabei fazendo o mesmo. — Mas

como me encontrou? — perguntei alarmada.

— Nunca te perdi de vista. — piscou um olho, como quem

sabia muito mais do que realmente dizia, e sua sorte era que não
entraria naquele assunto por agora. — Tin tin... Apenas me diz, o

que Tadeu Reis fez para você? — indagou, e me vi sem saber o


que responder. Porque de repente, o que era bagunçado, se

tornou uma zona.

E eu me vi buscando-o novamente por cada canto, e não


encontrando. Era como se eu precisasse saber que ele estava ali.

Que ele estava ali por mim. Mas não. Eu não o encontrava, e de
repente, temia que ele estivesse fugindo.

Talvez tivesse dito mais do que realmente queria. Talvez a


nossa noite, a relação que criamos e minha declaração, o
confundiram. E agora, ele fugia.

— Ele está lá fora.

Oli falou, afastando-se levemente, com uma careta para o


meu irmão. E eu poderia esperar, por dias, para ver aquele olhar

escuro adentrar aquela casa – a minha casa. Eu precisava saber


mais. Tinha que saber mais. Merecia saber mais.
— Resumo do resumo? — peguei a mão de meu irmão e
trouxe para a minha barriga, e notei o choque em seu olhar. Sorri,
sem conseguir me conter.

— Está grávida? — sua voz quase não saiu.

E foi nesse exato segundo que senti o ar mudar, como se

eu precisasse olhar em outra direção. Eu o fiz, e como sempre, o


encontrei. Seu olhar no meu, e não conseguia disfarçar. Não o
que gritava dentro de mim. Não o que já revelei para ele.

— Estou. — falei, e o encarei por um segundo, para depois


voltar para o olhar escuro que tanto adorava e que agora, me

confundia mais do que o normal. Porque ele parecia um reflexo.


— Tadeu é o pai do meu filho.

Mas na realidade, ele era muito mais...

Ele era o homem que eu amava, e a quem me declarei

abertamente, minutos antes. Minutos antes de apagar e agora,


estar sem saber o que de fato ele queria dizer.
CAPÍTULO XXIX

“Você não vai retirar o que disse?

Diga que estava tentando me fazer rir

E nada precisa mudar hoje

Você não queria dizer: Eu te amo” [54]

VALÉRIA

— Está quase caindo de sono. — falei, revirando os olhos


e dando a coberta pesada para o meu irmão. — Bom que pode

usar as enormes pelúcias do seu sobrinho como travesseiro. —

ele riu, e me puxou para si novamente, dando-me um leve abraço.


— Há quanto tempo não dorme?
— Não precisa se preocupar comigo, tin tin. Já basta ter te

encontrado apagada quando cheguei. — afastei-me, tocando seu


rosto

Era tão típico de Gael, não se permitir descansar. Não se


permitir ser cuidado por alguém. Não o culpava, porque cresci

exatamente da mesma maneira.

— Pura irresponsabilidade minha. E no seu caso,

irresponsabilidade sua. — olhou-me, negando com a cabeça. —


Apenas dorme algumas horas, por mim. Pelo seu sobrinho.

— Golpe baixo.

— O que posso fazer? — dei de ombros, sorrindo para ele.

— Não vamos ter um momento fofo de irmãos até que te veja sem
essas olheiras horríveis.

— Pensei que estivesse com saudade. — provocou,

alongando os braços.

— Do meu irmão mais velho bom e saudável. — ele revirou

os olhos, e se recostou contra a cabeceira da cama. — Te chamo


para o almoço, mas se estiver dormindo, eu te acordo só no

jantar.
— Não vou poder ficar por muito tempo. — assumiu, e eu
assenti, sabendo daquilo.

— Tenho que te contar algumas coisas ainda, assim como


você deve ter uma lista desses últimos anos. — suspirei

pesadamente. — Mas agora, você dorme, e eu vou comer

novamente, porque vai dar a hora de eu ter algo na barriga.

— Além do bebê?

— Vai dormir, ten ten. — bati em seu braço e ele sorriu,

espalhando-se pela cama de solteiro, que antes estava


abarrotada de presentes dos Reis e Torres, mas agora, tinha-o

sobre. — Até já, irmão.

— Até, tin tin.

Fechei a porta atrás de mim, sentindo-me tão feliz por

poder ouvir a sua voz. Por saber que ele estava ali. Desci as
escadas com cuidado, e quando cheguei à sala, não pude evitar

procurar o dono dos meus pensamentos. Contudo, nenhum sinal

dele.

Não tínhamos falado absolutamente nada um com o outro,


após eu acordar. E aquela mera perspectiva de não saber, estava
me abarrotando. Fui até a porta da frente, a abri, e caminhei pela

frente da casa, sentindo a grama sob os dedos dos meus pés.

Se Tadeu me visse ali...

E como se fosse o destino, rindo da minha cara, senti meu


corpo ser levantado, e eu sabia exatamente quem era. Pela
presença. Pelo toque. Pela respiração. Era fácil saber que era ele.

— Vamos fazer disso uma tradição? — perguntei,


encostando minha cabeça contra o seu peito, sem conseguir

evitar.

Se eu pudesse mentir para mim mesma por mais alguns

segundos, após colocar meu coração em risco, eu o faria. Sem


pestanejar. Foi um tempo doloroso. Foi um tempo de perda. E eu

não só queria o lado dele da história – eu precisava.

Nunca imaginei que existiria algo além do que Bianca me

contou. Algo além da carta que ela deixou. Mas ainda assim,
depois de me apaixonar novamente por ele e pararmos

exatamente ali, eu merecia o benefício da dúvida. Ele o merecia.

Que Bianca me perdoasse, de onde ela estivesse.

Mas eu precisava pensar em mim, e no que eu sentia. Não

mais apenas no que os outros se prostravam. Contudo, o silêncio


de Tadeu, por todo o caminho, até me colocar no sofá,

cuidadosamente deitada, me confundiu. Ele não tinha estado ao


meu redor ou escutado o porquê do meu desmaio. Ele estava

preocupado? Ele estava... estava fugindo? Busquei seu olhar, e


ele desviou, como se a segunda opção fosse realidade.

Não.

Não mais.

TADEU

— Tadeu...

A voz de Valéria me fez pausar e me virar de imediato.

Voltei para analisá-la, agora no sofá, quase que deitada.


Uma mão protetoramente colocada em sua barriga, e era como se
ela tentasse proteger nosso filho, de qualquer coisa a qualquer

instante.
— Como Helena disse. — ela passou a mão pelo rosto,
respirando fundo. E eu queria segurar seu rosto com as mãos e
ter certeza de que não era um sonho. Ela estava bem. Ela estava

acordada. Fiquei repetindo a mim mesmo. — Eu esqueci de


comer hoje cedo

— O quê? — minha voz mal saiu.

— Se eu não como nos horários certos, isso acontece.


Pelo menos, durante a gravidez tem sido assim. — falou, tentando

se sentar, mas a impedi.

— Fica deitada mais um pouco.

— Eu estou bem. — insistiu, colocando-se sentada. —


Pode me trazer uma banana?

Assenti, e corri até a cozinha, voltando em segundos.

— Obrigada. — falou, mordendo um pedaço e jogando a

cabeça para trás, como se para esticar o pescoço, e logo voltou a


me encarar. — Tive até um sonho esquisito.

— Sonho?

— É... — riu no lugar, como se não acreditasse.

Seu olhar então parou no meu, e era como se eu


entendesse. Ela acreditava mesmo que o que disse a ela foi um
sonho? Ou ela estava tentando voltar aquele assunto?

— Não estava tentando me contar seu lado na história com

Bianca, estava? — indagou, e olhei-a em choque. De repente,


não conseguia sequer camuflar minhas reações. — Não foi um
sonho... Eu sei. — começou, mordendo outro pedaço. — Eu

confessei... Merda! — fechou os olhos, e negou com a cabeça. —


Se fosse um sonho, eu não estaria envergonha assim.

— Envergonhada pelo quê?

— De ter desmaiado no meio de uma revelação. — fez

uma careta e me encarou. — Se a minha mente estiver certa


depois de tudo isso que aconteceu... — fez um sinal para as

escadas, como se indicando o aparecimento do irmão. — E eu

não esteja fanficando...

— O melhor é não falarmos sobre isso. — cortei-a, e ela


franziu o cenho. — Já te fizemos passar mal uma vez, não

queremos que isso aconteça de novo.

A culpa me acertando.

Por que eu tinha que ter falado sobre aquilo?

Porque você não aguenta mais esconder. Não dela. Não

para ela.
— Vai simplesmente fingir que não tem nada para contar?

— perguntou, o seu tom mudando.

— Não vamos falar disso, não enquanto isso puder te

prejudicar...

— Qual é! — cortou-me, e notei a mágoa em seu olhar.

— Val...

— É uma brincadeira? É um jogo? — era clara a sua

revolta. — Por que não me dizer? Se é tão importante e...

— Não vamos falar disso agora.

— Então vá embora. — suas palavras me acertaram em

cheio. — Se não vamos encarar o que quer que seja juntos, eu

quero que saia.

— Val...

— Não! — indicou um dedo em minha direção. — Não vou

aceitar uma parte ou fingir que aceito. Não! Eu me apaixonei por

você de novo. Eu me declarei para você! Não vou aceitar partes

de ninguém! Ainda mais, se esse alguém é você.

— Eu só...

— Só estava confundindo as coisas? — riu sem vontade.


— Eu não posso suportar, te falar sobre o passado e te ver

assim de novo...

— Assim como? Desmaiando? — fez um gesto de pouco

caso. — Não vai usar isso como desculpa.

— Desculpa? — minha voz mal saiu.

— É. — seus olhos estavam marejados. — Se quer retirar

o que disse, que na verdade, não se apaixonou por mim aos


dezessete ou nesse tempo, a hora é agora...

— Você está entendendo tudo errado. — falei, suspirando

fundo.

— Ok, vamos pelos fatos... — respirou fundo. —


Transamos de novo, eu surtei porque descobri que me apaixonei

por você de novo, fugi de você de novo, só que você veio atrás de

mim e acabamos discutindo. Eu confessei que te amo, e você que

se apaixonou por mim no passado, só que desmaiei por conta da


hipoglicemia, quando acordei dei de cara com meu irmão que não

vejo há anos, e agora, está fugindo do assunto por medo de que

eu desmaie de novo? Algo a acrescentar?

— Val...

— Não vai fugir...


Não consegui mais apenas ouvir, minha boca foi

diretamente para a sua, calando-a. Sabia o quanto ela poderia ser


falante quando queria ou estava nervosa. Principalmente, quando

se sentia acuada. E ela estava. Exposta, completamente sincera

à minha frente.

Seus lábios encontraram os meus, e me afastei, antes que


fôssemos por outro caminho.

— Eu não vou fugir ou retirar o que disse... Só preciso ter

certeza de que vai ficar bem.

— E isso será?

— Depois que você tiver uma refeição completa, e eu

certeza que não está nervosa...

— E se eu desmaiar de ansiedade, até você me contar? —


olhei-a incrédulo. — Sabia que fofoca pela metade mata o

fofoqueiro? Assim como fanfic pela metade, mata o fanfiqueiro.

— Vou fingir que entendi o que disse. — peguei a banana


que ela deixou cair sobre o colo, e não terminou de comer. —

Termina sua fruta, e eu vou te levar para comer algo.

— Eu tenho marmitas saudáveis prontas. — falou, e deu de

ombros. — Mais barato e mais rápido. — apenas lhe dei um beijo


na testa, como resposta. — Tadeu...

Sua voz me parou, antes que pudesse sair.

— Só não... Não brinca comigo.

Voltei meus passos, e parei à sua frente, segurando seu


rosto com minhas mãos. Do jeito que sempre imaginei. Do jeito

que ela sempre estava nos meus sonhos.

Nunca imaginei que o momento certo chegaria. Mas ali

estávamos nós. E eu não queria mais fugir ou lhe deixar em


branco.

— Eu amo você. — uma lágrima desceu por seu rosto, e

limpei-a com cuidado. — E sempre amei só você. — meus lábios

foram para o caminho que a lágrima fez e depois para sua boca, e
por último, a sua testa. — Apenas precisamos pensar além de nós

agora... — olhei-a, e ela entendeu. Ela sabia que a saúde dela e

do nosso filho, vinha a frente. — Só alguns minutos, para quem


esperou uma vida, pode ser?

— Te dou vinte minutos.

Sorri, e me afastei a contragosto, para ir até a cozinha, e


arrumar algo para que ela comesse. Contudo, depois de tantos
anos, aquele sorriso estava colado na minha cara, e não me

importava com nada e nem ninguém que o visse. Apenas ela.

A mulher que eu amava, e que agora eu sabia... me amava

também.
CAPÍTULO XXX

“E ele está passando

Raro como o brilho de um cometa no céu

E ele faz se sentir em casa

Se o sapato servir, caminhe nele

Aonde quer que você vá” [55]

VALÉRIA

— Lembra-se de Hellen ter arrumado um casamento para

você quando tinha uns dezoito quase dezenove?

— Lembro. — falei, sentindo-o tocar minha mão sobre a


mesa, como se precisasse ter certeza de que eu estava bem ali.
— O que isso tem importância? Ela tentou vários arranjos até

assinarmos um contrato.

— Quando eu soube, não tinha ideia de que era um

arranjo... — olhei-o sem entender. — Acho que por ser você,


minha mente simplesmente travava. E eu... Bom, eu não tive o

melhor dia.

— Onde quer chegar?

— Bebi demais, além do que era acostumado e tomei

coragem de bater na sua porta... — pisquei algumas vezes,

incrédula. — Eu achava que era você. Quando fui levado até meu
apartamento me lembro de te puxar para mim. Lembro que eu

achava algo estranho o seu cabelo ruivo parecer tão mais claro,

mas a minha mente, pelo álcool, parecia estar com a pessoa

certa...

— Não...

— Sim. — um sorriso completamente triste surgiu em seu

rosto. — Eu só me lembro realmente, de acordar no outro dia e ter

Bianca na minha cama, com um sorriso e dizendo que queria

levar aquilo adiante.


— Ela disse que foi ao seu apartamento, que você a beijou
e disse que faria de tudo para acabar com o casamento caso... —

pisquei algumas vezes, tentando juntar os fatos.

Ok, ela tinha mentido sobre ter ido ao apartamento dele a

princípio. Mas e o depois? E tudo que ela contava?

— Não sei ao certo o que houve, mas sei que eu queria

muito contar que te amava... Eu precisava. Então não me


surpreendi quando Bianca me disse que me declarei

fervorosamente para ela. — apertei sua mão, notando que ele

fechava os olhos. — Eu disse a ela que foi um erro, que eu

confundi as coisas, e que... Que não era daquela maneira. Mas

então, ela disse que entendia eu me sentir mal por trair Murilo,

mas que ela não ia deixar passar. Caso não deixasse com que
me visse ou fosse ao meu apartamento, ela contaria.

Um soco no meio da cara doeria menos.

E por mais que eu não quisesse crer, era óbvio que Tadeu

não mentiria. Por que ele o faria? Depois de tanto tempo, eu

conhecia os trejeitos dele. E era nítido o quanto aquilo o abalava


e doía revisitar o mesmo lugar. E eu conhecia Bianca, que ela

usava o que podia ao seu favor, só não esperava que... que ela

fosse ser uma mentirosa.


— Eu mal conseguia te olhar, depois daquilo. — assumiu.

— Eu não conseguia ficar perto de Murilo. Eu... Eu senti a cada


vez que estava próximo a ela, que nunca me perdoaria. Que eu

nunca poderia seguir em frente. Que tinha destruído tanto o que


nunca tive com você, quanto a relação com meu irmão.

— Não tem ideia do que ela dizia? — indaguei, enquanto


algumas lágrimas desciam. — É por isso que me acho patética e
tive tanto medo de confiar em você... Eu sou tão facilmente

enganada. — assumi, e senti o seu aperto sobre as minhas mãos


na mesa. — Ela dizia que vocês ficaram juntos por todos aqueles

dias. Ela deixou uma carta falando que pôde sentir o amor de
alguém, quando esteve com você... — ri sem vontade alguma. —

Como eu não desconfiei disso?

— Como alguém desconfiaria? — rebateu, fazendo-me


olhá-lo. — Eu nunca soube que alguém sabia, até você me

colocar contra a parede naquele bar, anos atrás... E foi quando


percebi que achava que tinha te perdido no passado, por achar
que não a merecia, naquele momento, tive certeza. Porque eu

não tinha ideia do que Bianca falou, e ainda não tenho, mas eu
sabia que ela fantasiava sozinha, em seu canto, quando estava a
sós... Levei anos para absorver isso tudo, e entender. Eu acho

que ela estava em desespero, e...

— Usou você de escape. — assumi, levando uma das

mãos ao rosto dele, em que uma lágrima descia. — Por que não
me disse? Naquela noite em que te chamei de traidor? Ou nas

outras vezes? — engoli em seco, sentindo a culpa me atingir.

— Porque é assim que me sinto, e não há nada que mude


o fato de que estive com ela naquela noite. — suspirou fundo,

olhando-me. — Mesmo que não tenha sido intencional, eu...

— Ela se aproveitou de você, Tadeu. — levantei-me,

sentindo a raiva tomar conta. — Como ela pôde? Como ela pôde
simplesmente me contar uma história de amor, sendo que na

verdade, te usou?

— Amor, por favor...

— O quê? — deixei as lágrimas descerem com força. — Eu


aceitei tudo. Eu aceitei que ela me contou todo o amor lindo de

vocês, e que me quebrou por dentro, mas eu não senti raiva.


Porque ela não sabia do que eu sentia, e nunca permiti que

ninguém soubesse. Só que agora, descubro que ela usou o


homem que eu amo... Que diabos de pessoa faz isso? Usa
alguém que está bêbado e...

— Não pode se estressar. — cortou-me, e logo o senti me


puxar para os seus braços, trazendo-me para o seu colo, no qual
me sentou, com cuidado.

— Eu não acredito que guardei por anos o segredo dela,


para ela simplesmente... — neguei com a cabeça. — Por que ela
faria isso?

— Eu queria não ter ouvido.

Assustei-me com a voz, e com Murilo adentrando a


cozinha.

— Deixaram a porta da frente aberta, e... Sinto muito por


estar ouvindo a conversa de vocês. — assumiu, e eu mal
respirava. — Mas acho que devo me intrometer um pouquinho.

— Ele sabe. — o sussurro de Tadeu me fez piscar algumas


vezes, incrédula.

— Mas...

— Tadeu me procurou dias atrás, e me contou sobre o que

houve... — ele suspirou pesadamente, e se aproximou. — Eu não


o culpo. E eu não culpo você por ter guardado esse segredo.
— Murilo, eu...

— Nenhum de vocês tem culpa do jogo que Bianca decidiu

fazer naquela época. — sua fala me pegou completamente de


surpresa. — Eu a amo, como minha melhor amiga, até hoje, mas
eu a conhecia... Bianca podia ter palavras bonitas, mas ela

sempre pensou apenas em si. Desde que a conheço. É quem ela


era... — deu de ombros. — O que não justifica, mas explica
muitas das suas ações.

— Ela realmente... — fechei os olhos com força. — Eu me

sinto tão patética, culpada e burra. — assumi, e olhei para os


dois.

Senti as mãos de Tadeu em meu rosto, forçando-me a

encará-lo, como quem diz: não é nada disso.

— Eu sinto muito por terem se perdido por isso. — Murilo


falou, e logo vi minha amiga entrar no campo de visão,

abraçando-o. — Eu só precisava que soubesse, Valéria. Não a

culpo. Não culpo Tadeu. Nem mesmo consigo culpar Bianca. Mas

a raiva, a dor, a mágoa... você pode sentir. Se permita. Uma


mentira dessas, que define parte da sua vida, não pode ser

simplesmente esquecida.
— Obrigada por entender. — falei, e ele sorriu, do jeito fácil

e leve que sempre me pareceu. Olívia me deu um leve aceno com


a cabeça, antes de ambos se afastarem por completo.

Ouvi a porta da frente ser fechada, e suspirei fundo, ainda

no colo de Tadeu.

— Por que não me disse que contou a ele? — indaguei,

agora segurando o seu rosto, em busca de repostas.

— Porque queria que tivesse o seu tempo, para querer

contar.

— Não é uma história minha, Tadeu. É sua. — assumi. —

Eu só fui colocada no meio, porque Bianca decidiu que... Enfim,

não vou pensar nela agora, porque minha vontade é gritar toda

essa raiva que subiu.

— Não vale a pena. — seu nariz parou no meu, e olhei-o.

Ele parecia tão frágil e entregue ali, que me atingiu por

inteiro.

— Então a gente se apaixonou ao mesmo tempo... —

suspirei fundo. — Desencontros e reencontros, e aqui estamos?

— indaguei, e ele assentiu. — Eu sinto muito.


— Pelo quê? Por me encontrar? — bati em seu braço, e

tive que sorrir em meio às lágrimas que teimaram em voltar. —

Pelo quê, amor?

— Eu gosto quando me chama assim. — assumi, e era tão


bom poder fazê-lo, de forma livre para ele. — Mesmo que nesse

instante, não sinta que o mereça.

— Val...

— Se eu tivesse surtado e brigado com você, por estar

com o coração quebrado naquela época. Se eu tivesse, ao menos

te perguntado, e não te abordado bêbada naquele bar anos atrás.

Se eu tivesse...

— Não estaríamos exatamente aqui. — ele falou, cortando-

me. — Não teríamos construído uma relação como essa, e... —

suas mãos pararam sobre minha barriga, fazendo com que eu


ficasse ainda mais bagunçada. — Eu sei que é frustrante e pode

ser que demore para entender tudo, mas... A nossa história é o

que ela é. E nós a fazemos.

— Queria voltar no tempo e ter desconfiado. — encostei


minha testa na dele. — Mas eu não mudaria nada, se fosse para

estar exatamente aqui, nos seus braços...


— Sendo o meu amor? — indagou, e abri os olhos,

procurando a certeza no deles.

— Sendo o que você quiser, Tadeu. — assumi. — O que

quiser de mim.

— E se eu quiser tudo? Como me mudar para cá, te dar o


meu sobrenome e te ver de branco até o altar?

Eu ri, sem conseguir crer que a gente parava exatamente

ali.

— Não sei se choro ou fico feliz, pelo seu sorriso. —


admitiu, e eu passei as mãos de leve por sua barba.

— Acredite, não estou forçando um. Não aqui. — suspirei

fundo. — Não mais com você.

— Sem armadura ou se esconder?

— Bom, se aceitar uma mulher confusa, de humor

duvidoso e completamente apaixonada... Essa sou eu.

— Gosto de cada versão de você. — falou, passando as

mãos de leve por meu cabelo. — Principalmente, a versão em


que eu vejo esses cabelos ruivos jogados pelo travesseiro, todas

as manhãs...
— Olha só, temos um fanfiqueiro por aqui. — ele riu, mas

eu sabia que não entendia ainda o que significava aquilo. Projeto

novo: mostrar para Tadeu o mundo das fanfics.

— Se significa que posso fantasiar com você, sendo minha,


todos os dias... Então sim, sou isso aí.

— Não pode fantasiar. — rebati, e seu olhar mudou, como

se não entendesse. — Não pode porque eu vou tornar isso


realidade.

— Como?

— Bom, começando com... Se eu sou o seu amor, preciso

ter uma dose diária muito maior do sentimento, certo?

— Sim...

— E imagina só, o quão mais fácil seria, se pudesse ter

você como a última visão antes de dormir, e a primeira ao

acordar?

— Gosto de olhar por esse ângulo.

— Eu também. — Levei meus lábios aos dele, e o leve

toque, me fez quase derreter. — Acho que só preciso descansar

um pouco e tentar não surtar pela ira que está dentro de mim. Tô
com raiva de tanta coisa, que acho que vou explodir.
— Por que não coloca para fora?

— Porque não quero mais desperdiçar um momento que


seja, pensando nisso... Não quando posso pensar em você.

Seus lábios vieram para os meus, e os aceitei. Não era um

beijo de desespero. Bem longe daquilo. Na realidade, era um

beijo de confirmação. De que, finalmente, estávamos na mesma


página e livres. E eu não perderia mais nenhum momento único

que poderia ter com o homem que eu amava, e que agora sabia,

me amava também.
CAPÍTULO XXXI

“Você consegue ouvir no silêncio, no silêncio

Você consegue sentir na volta para casa, volta para casa

Você consegue ver com as luzes apagadas, luzes apagadas

Você está apaixonada, um amor verdadeiro

Você está apaixonada” [56]

VALÉRIA

— Por que não fica aqui? — Tadeu me puxou novamente

para a cama, e eu ri, aceitando ser envolta por ele. — Não é muito

cedo?

— Já é de tarde, e eu preciso fazer uma coisa.


— Precisa mesmo... Precisa me beijar e ficar nessa cama

pelo resto do dia.

— Preciso acordar, Gael. — sussurrei, e então seus olhos

se abriram, como se ele lembrasse da existência do meu irmão.


— Que foi?

— Ele tentou me bater.

— O quê? — minha voz saiu num grito.

— Vai acordar ele. — falou estupefato, e eu o encarei

incrédula.

— Ótimo, porque eu vou dar um soco naquela cara

enxerida.

— Eu poderia tê-lo afastado facilmente, só... Só estava


surtando com você desmaiada.

— Desculpe por isso. — assumi, dando um beijo no topo

do seu nariz. — Vou comer nas horas certas.

— Não quero nunca mais passar pela sensação de

impotência de vê-la desacordada daquela maneira...

— Imagina seu pai no dia do parto, coisinha? — perguntei

para minha barriga, exposta devido a camiseta estar enrolada

abaixo dos meus seios. — Aposto você poder usar chupeta que
ele desmaia. — senti um leve chute e ri sozinha, imaginando que
ele gostou da ideia.

— Eu vou estar medicado, pode ter certeza. — Tadeu


dramatizou, e senti sua mão em minha barriga, o que fez nossa

coisinha praticamente dançar lá dentro.

— Puxa-saco...

Tadeu riu, descendo pelo meu corpo, e logo senti seus

lábios contra a minha barriga.

— Sempre quis fazer isso. — admitiu, e eu tive que sorrir

da cena linda que se desenrolava bem ali.

Poderia guardar os dois em um porta-retratos. Senti mais

beijos por minha barriga, e nosso filho respondendo na mesma

intensidade. Se eu pudesse, ficaria ali, presa à cena, por horas.

— Quando disse que a amava... — levei minha mão ao seu

rosto, sobre a minha barriga. — Quando disse que amava a

nossa coisinha, aquele dia, que cantou pela primeira vez. Foi para

mim também, não foi?

— Sempre foi para você. — admitiu, e seu corpo pairou

sobre o meu. — Bastava querer olhar, amor.


— E eu achando que você poderia ser um homem melhor...

— suspirei fundo. — Como eu pude ser tão cega?

— Dizem que o amor é cego. — bati em seu braço, mas eu

adorava aquele lado debochado que apenas eu tinha dele. Era


como se eu pudesse acessar cada pedacinho exposto dele, e

torná-lo ainda mais meu. — Eu nunca imaginei que me amasse


também, mesmo que enxergasse a nossa atração.

— Duas pessoas burras numa relação só podia dar nisso...

— relaxei, levando a mão dele à minha barriga novamente. —


Que a nossa coisinha puxe a parte inteligente perdida.

— E tenha os seus cabelos, sua boca, seu nariz...

— Seus olhos. — falei, sem conseguir me conter. — A

parte que eu mais amo em você, depois do seu... — ri de lado,


imaginando outra conotação para a frase.

— Não acredito que está me resumindo a sexo. — rebateu,


fingindo-se de ofendido. — Sou muito mais que o meu...

— Coração? — cortei-o, e ele parou de segurar o riso. —

Sou péssima sendo fofa, mas sério... Eu quero essa cor na nossa
coisinha. — falei, e tracei levemente ao lado dos seus olhos. —

Minha cor favorita.


— Só queria não ter perdido tanto... — suspirou fundo,

assim como eu. — Mas temos todo o tempo do mundo para


recuperarmos, certo?

— Em todas as vidas que pudermos...

Seus lábios vieram para os meus, e os aceitei, perdida em

cada parte do seu toque, e como ele me fazia sentir. Batidas


fortes na porta, fizeram com que parássemos o beijo, e encarei-a
sem entender.

— Acho melhor estar sozinha nesse quarto trancado, tin


tin.

— Tin tin? — Tadeu indagou, olhando-me curioso. — Esse

é o seu apelido vergonhoso?

— Não vou admitir, até saber o seu... Aliás, to sendo

enrolada há dias. — ele sorriu, e beijou minha testa. Batidas


voltaram na porta, e eu revirei os olhos, levantando-me. — Salva

pelo meu irmão sendo um imbecil, mas ainda assim, vou


descobrir.

Tadeu apenas me deu aquele olhar de “você é a coisa mais

linda curiosa” e eu me derreti, indo até a porta e abrindo apenas


um pouco.
— O quê? Veio lutar pela honra da sua irmã grávida? —
perguntei, e Gael arregalou os olhos, claramente vendo que
estava fazendo um show sem motivo. — E antes que pergunte,

sim, estamos juntos. Sim, ele é o amor da minha vida e a gente


vai se casar, algum dia.

— Eu sou? — ouvi a pergunta de Tadeu, e seu corpo ao


meu redor. Suas mãos pairando na minha barriga. — A gente vai

casar? — sua pergunta veio como um sussurro, e eu revirei os


olhos.

— Melhor correr enquanto pode. — falei, enquanto meu

irmão nos encarava incrédulo. — Pode usar Gael de desculpa,


dizer que ele era contra essa relação e tal... — senti um leve beijo

em meus cabelos. — O que foi, ten ten?

— Desde quando estão realmente juntos? — indagou, e eu

ri.

— Bom, desde hoje, mas... Literalmente, igual o meme do

Titanic, estamos nessa parece que há 84 anos. — senti um leve


aperto em minha cintura, como se chamando minha atenção.

— Ele era o cara que você gostava aos quinze...


— Como sabe que eu gostava de alguém aos quinze? —
rebati.

— Você ficava suspirando e cantando Taylor Swift pela


casa, algo não tava batendo... — engoli em seco, pela exposição
na lata. — Eu só não esperava que demoraria treze anos para

finalmente estar com ele... — debochou, e eu queria voar em seu


pescoço.

Se ele soubesse da missa a metade.

Meu olhar encontrou o de Tadeu, e eu sabia que ele era a

única pessoa que de fato compreendia aquele tempo de espera, o


qual nos trouxe exatamente até ali. E eu sorri, porque apesar de

todos os pesares, eu estava em seus braços.

E única coisa que gostaria de tirar proveito daquele tempo

separados, era a dívida que ele tinha comigo. De um segredo que


não me pertencia e que era uma mentira. Mas ainda assim,

poderia ser transformado em algo nosso. Então, se um dia,

pudesse cobrar, seria para que ele permanecesse exatamente

assim, em meus braços.


EPÍLOGO

“Esse amor é bom, esse amor é mau

Esse amor está vivo de volta dos mortos

Essas mãos tiveram que soltá-lo

E esse amor voltou para mim” [57]

Depois...

Aquele amor era deles.

Demoraram anos, lágrimas e desencontros para que fosse,

mas era. Tadeu Reis sabia que talvez nunca se perdoasse pelo
fato de ter bebido tanto naquela noite. Contudo, não se culpava
mais pela escolha de Bianca, não depois de ouvir com detalhes o

que ela disse à mulher que ele amava.

Bianca não sabia que ele amava Valéria, contudo, por que

fingir que ele a amava?

Era o tipo de pergunta que não valia a pena perder seu


tempo. Não mais. Não depois de tudo o que lutou, contra si,

contra seus sentimentos e contra sua dor. Ele enfrentou seu maior

medo, que era perder um de seus irmãos, por aquele erro, e


felizmente, ele tinha a sorte de sua família ser como era. Murilo

não o julgou em nenhum momento, na realidade, o entendeu.

Ajudou-o, no fim, e mesmo que Tadeu jamais se perdoasse, ele


tentava, todos os dias, por Murilo. Pelo irmão dele tê-lo feito.

E olhando para onde aquilo lhe trouxe, ele gostaria sim, de

mudar um pouco do caminho, mas não mudaria nada, caso fosse

perder aquele agora. O agora onde Valéria sorria, em uma mesa


farta, com os Torres, Fontes e Reis reunidos. Ela parecia

finalmente completa, e o coração dele, se completava por aquilo.

Nela, ele sempre encontrou a parte perdida de si, do amor

que nunca imaginou ser real, mas era. Porque foi feito para ela.

Eles construíram uma história baseada em não conseguirem


negar o que sentiam, mas sem conseguirem enxergar o que o
outro sentia.

Contudo, ele enxergava agora.

Com ela sorrindo, ficando de pé e as mãos na barriga de

quase seis meses. Ele não podia imaginar que estariam

exatamente ali, naquele momento, para anunciarem o que todos

esperavam, mas não durante aquele almoço.

— Momento da grávida.

— Ei, eu também? — Olívia rebateu, e ela revirou os olhos

para a amiga.

— Momento da grávida de cabelos ruivos. — corrigiu e seu

olhar parou no meu, que estava sentada à sua frente, do outro

lado da mesa. — Preciso fazer um anúncio.

— Que estão juntos? — Igor perguntou, rindo de lado,

enquanto levantava sua taça de vinho. — Quem não sabe disso

ainda?

— Irmão...

— O quê? — Tadeu o olhou como se fosse socá-lo. — Ah,

é, esqueci que não podemos interromper a patroa dele. —

provocou, e a mesa estava cheia de risadinhas.


— Na verdade, só Tadeu acha que vou anunciar isso para

todos. — foi então que ele a encarou sem entender. O que ela
estaria aprontando? — É meio óbvio que estamos juntos, já que

mal conseguimos ficar longe um do outro, mas isso não é o foco.

— Não? — foi a vez de ele perguntar, perdido.

— O que está aprontando? — a voz de Paola era baixa,

mas todos a encararam. — Tin tin, não dá ponto sem nó.

Valéria então deu a volta na mesa, com um sorriso no rosto

e parou exatamente ao lado dele. A mão de Tadeu foi


instantaneamente para sua barriga, e ela sorriu quando a coisinha

deles chutou. Não mais apenas coisinha, ela agora sabia.

— Lembra sobre o apelido vergonhoso? — ele franziu o

cenho, assentindo. — Acho que podemos chamar a nossa


coisinha assim também.

— O que ursinho carinhoso tem a ver com... — Carol se


calou, arregalando os olhos. — É um menino!

Valéria riu alto, assentindo, enquanto a mesa se tornou

uma festa. Contudo, quando seu olhar parou no dele, foi como se
tudo ao redor perdesse o foco. Eram apenas eles e aquele

momento. A coisinha irritante como o pai, demorou o tanto que


pôde para lhe mostrar o sexo. E ela conseguiu enganar Tadeu na

última consulta e guardar tal segredo.

Sentiu-o puxá-la para os seus braços, e notou o sorriso no

canto de sua boca.

— Não acredito que descobriu o apelido e ainda o usou

para... — ele riu, e beijou sua testa. — É por isso que eu te amo.
— sussurrou, puxando-a para perto.

— Por quê? — Valéria indagou, provocando, mesmo que já


soubesse.

A resposta dele foi encostar os lábios nos dela. Como


sempre, os beijos deles, eram o encontro que sempre
necessitavam.

Eles se amavam, porque eles se completavam.

Existia uma grande diferença entre o que cada um era,

mas ainda assim, existia um encontro perfeito em cada limite um


do outro. Em cada detalhe. Em cada momento. Em cada sorriso.
Em cada troca.

Tadeu encontrou em Valéria a pessoa que o compreendia,

e o permitia ser quem era. Valéria encontrou em Tadeu um lugar


onde podia se permitir ser cuidada. E eles se encontraram, na
coisinha que os fez finalmente enxergar um ao outro.

Eles se amaram à primeira vista, sem razão. Tão jovens,


mas eles souberam. Eles se amaram outra vez, com certeza. Tão
maduros, contudo, mais quebrados. Entretanto, da segunda vez,

existia uma peça que era parte dos dois, e os fez se encaixar
novamente. Uma peça que não era a razão para se amarem, mas

sim, o reflexo daquele sentimento.

E eles se amaram de novo, enquanto ela sorria em seus


braços e ele beijava sua testa, envoltos de gritos e palmas. Era

assim. Simples assim. Apaixonar-se pela pessoa certa todos os


dias.
Dentro da sua alma, você sabe
quando é hora de ir...

“Quando as palavras de uma irmã voltam em sussurros

Que provam que ela não era”[58]

VALÉRIA

— Eu queria te odiar. — falei, encarando pela primeira vez

a lápide de Bianca e me sentindo leve. — Mas a realidade, Bia?


Não consigo sentir nada além de raiva, quando paro para
reanalisar a situação. — admiti. — E me culpo por sentir raiva da

situação toda, porque essa sou eu. — fiz uma leve careta. — Só

queria te dizer, que eu não vivi a vida que fizeram para mim, na
verdade... a vida aconteceu. Para mim e para Tadeu. A gente se

encontrou, sabe? A gente se reencontrou, na verdade? —

suspirei fundo. — Eu acho que nunca vamos saber realmente o


que houve naquela noite. Já que bom, não podemos confiar no
que você disse. Mas a questão é que todos estamos em paz. Eu

não tendo mais que guardar segredo. Tadeu, perdoando a si


mesmo. Murilo, que parece nem ter sido abalado de fato com

isso. E eu não posso mentir, ao pensar que você usou o homem

que eu amo... Mas não consigo te odiar. Eu só acho que no fim,


preciso fechar essa parte. E por isso estou aqui. Espero, um dia,

não sentir mais raiva ou mágoa com isso, mas... Até lá. Fique em

paz, Bia.

Troquei as flores, como fazia todo o mês, mas a realidade

era que não sabia quando voltaria. Apenas o pensamento de


Bianca usando Tadeu daquela forma, me matava por dentro. E iria

contra tudo o que eu acreditava. Se um dia pensei que ele era um

traidor, na realidade, ela foi. Comigo. Com ele. Com Murilo. E

bom, fomos nós a sofrer por aquilo, e não queria mais. Não

mesmo.

Que aquela história se findasse.

— Depois de tantos anos... — pisquei algumas vezes,

virando-me, e encontrando a mãe de Bianca, que me destinou um

leve sorriso. — É uma boa amiga, Valéria.

— Como está, senhora Ferreira? — indaguei, e ela parecia

como da última vez que a encontrei ali, meses atrás.


— Tentando, um dia de casa vez.

Engoli em seco, levando a mão à barriga, e não consegui

imaginar o tamanho da dor que seria, se me tirassem o que mais


amava. Sabia que Lauren Ferreira nunca conseguiu superar a

morte da filha. Mas quem o fazia? Quem conseguia?

Apenas de pensar na possibilidade, me sentia fraca.

— Eu encontrei nas coisas de Bianca. — destinou-me um

envelope, e a encarei incrédula. — Bianca me disse que deixaria

cartas, mas muitas se perderam depois que a perdi... acredito que


essa seja a única que restou, e a encontrei no fundo do seu

guarda-roupa, há alguns dias.

Ela então me estendeu, e eu aceitei o envelope, com as


mãos trêmulas.

— Não sei por onde anda ou o que faz, Valéria. Mas só


queria agradecer, por se lembrar dela... — olhei-a, e me

compadeci da sua dor. — Acho que agora vai me entender,

quando digo que não há nada maior do que alguém que ame,

aquele que mais amamos.

Assenti, e lhe dei o espaço que precisava, para ter o seu

momento ali, com a filha.


Caminhei de volta, e olhei rapidamente para o envelope,

que tinha o meu nome. Suspirei fundo, mas nem por um segundo,
duvidei do que faria. Não mais. Tinha resumido grande parte de

mim e dos meus sentimentos ao que Bianca ditou um dia. E


naquele momento, as palavras dela não tinham mais poder. Não
sobre mim.

Então, vi-me rasgando a carta, e jogando-a no primeiro lixo


que encontrei. Poderia ser que estivesse lá, uma explicação para

tudo, ou uma explicação para nada. Um monólogo ou um


romance. Já não me importava. Não mais.

Senti o pingo de chuva sobre meu nariz e sorri, dando


passos largos para poder chegar logo à entrada do cemitério. E
um pouco antes da chuva despencar, senti meu corpo ser

levantado e fui carregada com cuidado até o carro, sem dar


chance de ser molhada. Quando Tadeu finalmente se sentou no

banco do passageiro e a tempestade caiu, apenas o encarei, e


soube que eu não queria mais pensar naquilo.

Não mais.

Era o meu ponto final para aquela história que não me

pertencia.
E ele era o ponto de recomeço do amor que sempre me

pertenceu.

E a mesma pergunta voltou à minha mente, enquanto ele

me puxou para si e beijou meus cabelos: se pudesse escolher o


amor, não escolheria amar Tadeu Reis, certo?

Errado.

Totalmente errado.

Porque mesmo que pudesse escolher, ainda seria ele.


Sempre ele.
EXTRA

“Alguns garotos estão tentando demais, mas ele nem sequer tenta

Mais novo do que meus ex-namorados, mas age como um homem feito,
então

Não vejo nada melhor, eu o manterei para sempre

Como uma vingança”[59]

LISA

Eu posso ficar de babá nesse fim de semana.

Mandei a mensagem no grupo de amigas, e Val respondeu


com uma figurinha animada. Deixei o celular sobre o balcão e

peguei minha garrafa de água, girando pela sala, e cantando junto


com a música. O problema consistia em estar cantando e

pensando nele.

Maldito seja Igor Reis!

O homem parecia ter se enraizado em mim e em minha

vida, desde que nos conhecemos. E agora, mesmo não tendo


mais nada, a não ser aquela amizade estranha que construímos,

permanecia nos meus sonhos secretos.

— Bem que ele podia só sair da minha mente por um

segundo...

Suspirei, e me joguei no sofá, pronta para assistir pela


milésima vez o mesmo show. Contudo, o barulho da campainha

me fez gemer contra o estofado. Quem diabos apareceria às duas

da manhã?

Caminhei a contragosto até a porta, tendo a certeza de que

só poderia ser engano, ou minha vizinha pedindo algo


emprestado. Contudo, quando olhei pelo olho mágico, me

surpreendi ao encontrar Igor. Ele estava sumido há algumas

semanas. E fazia muito tempo que não aparecia ali.

— O que... — parei de falar, quando abri a porta e notei-o

tirar um bebê de um carrinho e segurá-lo no colo. — O que está

acontecendo?

— Eu... Eu preciso que se case comigo.

— O quê? — minha voz mal saiu, e o bebê chorou ainda

mais alto.
— É sério. — olhei-o, buscando alguma brincadeira em seu
semblante, como sempre, mas não havia nada. — Preciso que

seja minha esposa.

— Por que está me pedindo isso?

Igor suspirou e seu olhar pousou no bebê em seu colo.

— Por ele.

Continua?
NOTA

E depois desse EXTRA eu só imagino você assim: como


assim, Aline???? Pois é, só digo que o próximo Reis vem aí, com
outro clichê que a gente ama. Mas o que eu tenho que dizer é: se

você sentiu curiosidade e quer continuar nessa jornada comigo,


só que agora, do lado dos Reis, não se esqueça de avaliar Val e
Tadeu, e claro, a nossa coisinha favorita.

O que achou deles? Se surpreendeu? Passou raiva?


Gostou de como as coisas correram? Não esquece de me contar

��

Tadeu é a apenas o primeiro Reis, e teremos um melhor


desenvolvimento da família como um todo, ao decorrer dos outros
livros. Então, as lacunas em aberto, ainda serão fechadas.

Preparadas para ver mais de Tadeu, Val e a coisinha só que pela

visão dos outros personagens? E os Fontes, Aline? Bom, aí


depende de vocês... O que acham?

Caso queira saber mais sobre os projetos futuros a respeito

de Igor, Carolina e Verônica, me siga nas redes sociais listadas


abaixo, principalmente no instagram (@alineapadua). Estou doida

para poder compartilhar tudinho com vocês.

Obrigada pela leitura,

Aline
CONTATOS DA AUTORA

Instagram: @alineapadua

Tiktok: @autoralinepadua

Twitter: @alineapadua

Meus outros livros: aqui


O melhor amigo do meu irmão (A REJEIÇÃO)

clique aqui

Sinopse: Gabriela Moraes era apaixonada pelo melhor amigo do irmão


mais velho desde os quinze anos. Antônio era mais do que o seu sonho de
consumo, ele também era a pessoa com quem ela sempre pôde contar. O que
ela não imaginava, era que no seu aniversário de dezoito anos, ela seria
rejeitada da forma mais fria por ele.

Dois anos depois e ele bate à sua porta.

Ela queria não sentir nada, e não sabia o que ele fazia ali. Porém,

sabia que, nunca mais, lhe daria a chance de quebrar seu coração.
O irmão da minha melhor amiga (A REDENÇÃO)

clique aqui

Sinopse: Ane Sousa nunca quis se apaixonar por ninguém, muito


menos, pelo irmão mais velho da sua melhor amiga. Fábio Moraes era um
amigo, no fim, mesmo que a cada sorriso ela se visse sorrindo também. Era
inevitável desejá-lo. Quando aqueles lábios se tornam seus, por alguns
segundos, Ane pensa que talvez estivesse errada. Porém, a forma como ele
reage, lhe mostra, que o certo, sempre foi correr do sentimento.

Momentos marcados por desculpas esfarrapadas.

Dois anos de uma amizade consolidada, e nada mais.

Duas pessoas que fogem do real sentimento que as envolve.

No fim, eles se tornarão o clichê que nunca desejaram?


UMA GRAVIDEZ INESPERADA

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SINOPSE

Se no meio do caminho de algumas pessoas tem uma pedra, no


meio do caminho de Maria Beatriz, sempre teve Inácio. O herdeiro da
fazenda que fica ao lado das antigas terras de sua família, tornou-se um
homem bruto e fechado, que quando aparece na sua frente, ela já sabe que só
pode ser problema ou alguma proposta indecorosa. Maldito peão velho!

Inácio Torres é um homem de poucas palavras, mas que vê em uma


mulher tagarela, a oportunidade perfeita. Mabi precisa de dinheiro, ele o tem.
Ele precisa de um casamento falso, e ela é a escolha perfeita. Porém, a única
coisa que recebe de Mabi, como sempre, é uma negativa. Maldita criança
sonhadora!
No meio das voltas que a vida dá, uma noite de prazer os marca. E a
consequência será muito maior que o arrependimento: UMA GRAVIDEZ
INESPERADA.
CEO INESPERADO – meu ex melhor amigo

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SINOPSE

Se nem tudo que reluz é ouro, Júlio é apenas a melhor imitação de


pedra preciosa em que Babi colocou os olhos.

O seu ex-melhor amigo, a abandonou e quebrou seu coração quando


eram adolescentes. Bárbara Ferraz jurou a si mesma que nunca mais o
deixaria ficar perto. Maldito CEO engomadinho!

Júlio Torres sabe que deixou uma parte de si para trás. Sua ex-melhor
amiga o odeia e ele, muitas vezes, teve o mesmo sentimento por si. Maldita
sombra!

Júlio sabe que não pode mais ignorar, porque ele não quer apenas a sua
melhor amiga de volta, ele a quer como sua.
Babi foge dele como o diabo foge da cruz. Entretanto, como fugir se
depois do reencontro e finalmente os pratos limpos, ela se descobre
grávida do seu ex-melhor amigo?
O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY

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SINOPSE
Se existe amor à primeira vista, Abigail Alencar e Bruno Torres
compartilham o completo oposto. Abi o detestou desde o primeiro momento,
e com o passar dos anos, o sentimento permaneceu. Bruno é o típico cowboy
cafajeste, arrogante e popular, que ela não suporta um segundo na presença.

A cidade pequena sabe de seu desgosto e desinteresse no mais novo


dos Torres, porém, ele sempre pareceu ficar ainda mais animado em confrontá-
la. Se existe algo sobre Bruno que ela conhece bem, é que ele não foge de um
desafio.

Assim, quando Abi o encontra como babá da sua filha de apenas um


ano, ela só consegue pensar que ele quer algo. Bruno jura que está ali apenas
para tirá-la do sério, como sempre, mas tudo acaba por mudar, naquele exato
instante.
Existe uma linha tênue entre o amor e o ódio... eles estarão
dispostos a cruzá-la?
FELIZ NATAL, TORRES

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SINOPSE
O Natal parou de ser uma data festiva, e tornou-se dolorosa, assim que
Maria Beatriz perdeu os pais. No entanto, nesse ano, tudo mudou e ela vai lutar
para que essa data seja ressignificada. Que ela possa sorrir na data, o tanto
quanto, um dia o fez, no passado. Assim, ela precisa que tudo saia PERFEITO.

Uma árvore de Natal destruída, enfeites perdidos pela casa, a ceia que
não vai chegar a tempo, um desmaio...

Será que ela terá o seu Feliz Natal ao lado dos Torres?

Esse é um conto natalino, narrado na visão de Mabi e Inácio (do livro


Uma Gravidez Inesperada), onde você poderá passar essa data tão especial
ao lado da Família Torres.
UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O VIÚVO

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SINOPSE
Olívia Torres sempre teve em mente que para bom entendedor meia
palavra basta. Assim, quando se apaixonou perdidamente e descobriu que o
homem com o qual se envolveu era casado, o seu mundo perdeu o chão. Ela
apenas foi embora, sem olhar para trás.

Contudo, com Murilo, ela nunca pôde parar de olhar. Ainda mais,
quando descobriu que estava grávida.

Murilo Reis perdeu tudo. Nunca pensou, que em algum momento,


poderia voltar a sentir algo. Entretanto, bastou um olhar para Olívia, para ele
compreender que ainda existia uma chance. Chance essa, que se perdeu por
completo, quando ela o deixou.

Anos depois e uma coincidência do destino, Murilo descobre que não


apenas as lembranças daquele amor de verão permaneceram, mas sim, que
ele tem uma filha.

Um amor de verão pode ser o amor para a sua vida?


[1] Frase de The Secret Life of My Secretary é uma telenovela sul-
coreana exibida pela SBS em 2019, estrelada por Kim Young-kwang, Jin Ki-joo,
Kim Jae-kyung e Koo Ja-sung.

[2] Trecho da canção intitulada Enchanted da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: Speak Now, data de lançamento: 2010.

[3] Dorama é o nome dado às séries de TV produzidas em países


asiáticos, como Japão, China, Coreia do Sul, Tailândia e Taiwan.
Originalmente, no entanto, o nome dorama era usado para se referir apenas às
séries de TV japonesas. A pessoa que gosta de dorama é chamada de
dorameira ou dorameiro. Fonte: < https://www.significados.com.br/dorama/>

[4] Trecho da canção intitulada i hate u, i love u da artista Gnash feat.


Olivia O'Brien – álbum: A força do querer, vol. 1, data de lançamento: 2016.

[5] Trecho da canção intitulada Wish You Were Sober do artista norte-
americano Conan Grey – álbum: Kid Krow, data de lançamento: 2020.

[6] Trecho da canção intitulada You All Over Me da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de lançamento:
2021.

[7] Trecho da canção intitulada When The Party’s Over da artista norte-
americana Billie Eilish – álbum: When We All Fall Asleep, Where Do We Go?,
data de lançamento: 2019.
[8] Trecho da canção intitulada New Rules da artista britânica Dua Lipa –
álbum: Dua Lipa: Complete Edition, data de lançamento: 2018.

[9] Trecho da canção intitulada Sober da artista norte-americana Demi


Lovato – álbum: Melancholic Mood, data de lançamento: 2021.

[10] Trecho da canção intitulada Ronan da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de lançamento: 2021.

[11] Trecho da canção intitulada Falling do artista britânico Harry Style –


álbum: Fine Line, data de lançamento: 2019.

[12] Trecho da canção intitulada this is me trying da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[13] Veronica Park é uma personagem de The Secret Life of My


Secretary, uma telenovela sul-coreana exibida pela SBS em 2019, estrelada
por Kim Young-kwang, Jin Ki-joo, Kim Jae-kyung e Koo Ja-sung. Fonte:
Wikipédia.

[14] Trecho da canção intitulada mirrorball da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[15] Trecho da canção intitulada You Belong With Me da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: Fearless (Taylor’s Version), data de
lançamento: 2021.
[16] Trecho da canção intitulada Happier Than Ever da artista norte-
americana Billie Eilish – álbum: Happier Than Ever, data de lançamento: 2021.

[17] Trecho da canção intitulada Happier Than Ever da artista norte-


americana Billie Eilish – álbum: Happier Than Ever, data de lançamento: 2021.

[18] Trecho da canção intitulada Happier Than Ever da artista norte-


americana Billie Eilish – álbum: Happier Than Ever, data de lançamento: 2021.

[19] Trecho da canção intitulada exile da artista norte-americana Taylor


Swift feat Bon Iver – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[20] Trecho da canção intitulada traitor da artista norte-americana Olivia


Rodrigo – álbum: Sour, data de lançamento: 2021.

[21] The Secret Life of My Secretary é uma telenovela sul-coreana


exibida pela SBS em 2019, estrelada por Kim Young-kwang, Jin Ki-joo, Kim
Jae-kyung e Koo Ja-sung. Fonte: Wikipédia.

[22] Trecho da canção intitulada The Heart Wants What It Wants da


artista norte-americana Selena Gomez – álbum: For You, data de lançamento:
2014.

[23] BTS, também conhecido como Bangtan Boys, é um grupo sul-


coreano formado pela Big Hit Music, uma subsidiária da HYBE Corporation, em
2013. Ele é composto por sete membros: RM, Jin, SUGA, J-Hope, Jimin, V e
Jungkook. Fonte: Wikipédia.

[24] Trecho da canção intitulada So It Goes.. da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[25] Trecho da canção intitulada Love Story da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: Fearless, data de lançamento: 2008.

[26] Trecho da canção intitulada Same Old Love da artista norte-


americana Selena Gomez – álbum: Revival, data de lançamento: 2015.

[27] Trecho da canção intitulada Medo Bobo das artistas brasileiras


Maiara e Maraísa– álbum: Ao Vivo em Goiânia, data de lançamento: 2016.

[28] Trecho da canção intitulada Medo Bobo das artistas brasileiras


Maiara e Maraísa – álbum: Ao Vivo em Goiânia, data de lançamento: 2016

[29] Trecho da canção intitulada Gorgeous da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[30] Trecho da canção intitulada Wildest Dreams da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: 1989, data de lançamento: 2014.

[31] Trecho da canção intitulada it’s time to go da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.
[32] Trecho da canção intitulada my tears recochet da artista norte-
americana Taylor Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[33] Trecho da canção intitulada Home da artista britânica Gabrielle Aplin


– álbum: English Rain, data de lançamento: 2013.

[34] Trecho da canção intitulada gold rush da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[35] Trecho da canção intitulada Out Of The Woods da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: 1989, data de lançamento: 2014.

[36] Trecho da canção intitulada cowboy like me da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[37] Trecho da canção intitulada Feels Like Home da artista canadense


Chantal Kreviazuk, data de lançamento: 1999.

[38] Trecho da canção intitulada Daylight da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[39] Trecho da canção intitulada That Way da artista canadense Tate


McRae – álbum: Decade of Summer: The 10s, data de lançamento: 2021.

[40] Viki é um site (aplicativo) feito de forma colaborativa: os usuários


podem ver e legendar longas e seriados, para os fãs de produções do leste
asiático que têm dificuldades em achar filmes e séries chineses, japoneses,
sul-coreanos e taiwaneses e de outros países nos serviços de streaming.
Fonte: < https://www.metropoles.com/entretenimento/conheca-o-streaming-
especializado-em-dramas-asiaticos>

[41] Trecho da canção intitulada DDAENG, música não oficial de RM,


Suga and J-Hope (membros do grupo sul-coreano BTS). A canção foi lançada
como parte do BTS Festa, 2018. Fonte: <https://bts.fandom.com›

[42] Stray Kids é um grupo masculino sul-coreano formado pela JYP


Entertainment. É composto atualmente por 8 integrantes: Bang Chan, Lee
Know, Changbin, Hyunjin, Han, Felix, Seungmin e I.N. Fonte: Wikipédia.

[43] Blackpink é um grupo feminino sul-coreano formado pela YG


Entertainment em 2016. Ele é composto por quatro integrantes: Jisoo, Jennie,
Rosé e Lisa. Fonte: Wikipédia.

[44] Mamamoo é um grupo feminino sul-coreano formado pela RBW


Entertainment em 2014. O grupo é formado por quatro integrantes: Solar,
Moonbyul, WheeIn e Hwasa e teve sua estreia oficial em 18 de junho de 2014
com o single Mr. Ambiguous. Fonte: Wikipédia.

[45] Trecho da canção intitulada Hands To Myself da artista norte-


americana Selena Gomez – álbum: Revival, data de lançamento: 2015.

[46] Kim Nam-joon, mais conhecido por seu nome artístico RM, é um
rapper, compositor e produtor musical sul-coreano. Tornou-se popularmente
conhecido por ser integrante do grupo sul-coreano BTS.

[47] Trecho da canção intitulada You All Over Me da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: Fearless (Taylor's Version), data de
lançamento: 2021.

[48] Trecho da canção intitulada You All Over Me da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: Fearless (Taylor's Version), data de
lançamento: 2021.

[49] Felix nasceu em 15 de setembro de 2000 em Sydney, Austrália. Ele é


o dançarino principal, rapper líder e sub-vocalista do grupo sul-coreano Stray
Kids. Fonte: https://stray-kids.fandom.com/wiki/Felix>

[50] Trecho da canção intitulada Pillowtalk do artista britânico Zayn –


álbum: Mind of Mine, data de lançamento: 2016.

[51] Trecho da canção intitulada i love you da artista norte-americana


Billie Eilish – álbum: When We All Fall Asleep, Where Do We Go?, data de
lançamento: 2019.

[52] Trecho da canção intitulada Arcade do artista norte-americana


Duncan Laurence – álbum: Small Town Boy, data de lançamento: 2020.

[53] Trecho da canção intitulada i love you da artista norte-americana


Billie Eilish – álbum: When We All Fall Asleep, Where Do We Go?, data de
lançamento: 2019.

[54] Trecho da canção intitulada i love you da artista norte-americana


Billie Eilish – álbum: When We All Fall Asleep, Where Do We Go?, data de
lançamento: 2019.
[55] Trecho da canção intitulada long story short da artista norte-
americana Taylor Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[56] Trecho da canção intitulada You Are In Love da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum:1989, data de lançamento: 2014.

[57] Trecho da canção intitulada This Love da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: 1989, data de lançamento: 2014.

[58] Trecho da canção intitulada it’s time to go da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[59] Trecho da canção intitulada Ready For It da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: Reputation data de lançamento: 2017.
Copyright 2022 ©

1° edição – maio 2022

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS A ALINE PÁDUA

Revisão: Sônia Carvalho

Diagramação: AAA Design


SUMÁRIO
SUMÁRIO

NOTA

UMA GRAVIDEZ INESPERADA

CEO INESPERADO – meu ex melhor amigo

O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY

FELIZ NATAL, TORRES

UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O VIÚVO

GRÁVIDA DO CEO QUE NÃO ME AMA

PLAYLIST

SINOPSE

PRÓLOGO

PARTE 1

CAPÍTULO I

CAPÍTULO II

CAPÍTULO III

CAPÍTULO IV

CAPÍTULO V

CAPÍTULO VI

CAPÍTULO VII

CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO IX

CAPÍTULO X

CAPÍTULO XI

CAPÍTULO XII

CAPÍTULO XIII

CAPÍTULO XIV

PARTE 2

CAPÍTULO XV

CAPÍTULO XVI

CAPÍTULO XVII

CAPÍTULO XVIII

CAPÍTULO XIX

CAPÍTULO XX

BÔNUS

CAPÍTULO XXI

CAPÍTULO XXII

CAPÍTULO XXIII

CAPÍTULO XXIV

CAPÍTULO XXV

CAPÍTULO XXVI

CAPÍTULO XXVII

CAPÍTULO XXVIII
CAPÍTULO XXIX

CAPÍTULO XXX

CAPÍTULO XXXI

CAPÍTULO XXXII

CAPÍTULO XXXIII

EPÍLOGO

EXTRA

NOTA

CONTATOS DA AUTORA
NOTA

E dando continuidade à nossa Família Reis, vamos ao


homem mais novo – Igor.

Como sabem, existe uma ligação entre a série da Família


Reis e a série da Família Torres (os livros estarão listados abaixo).

Igor Reis foi o primeiro da sua família a aparecer em algum livro


meu, em “CEO INESPERADO – meu ex melhor amigo” (segundo
livro da Família Torres). Ele aparece, justamente porque Lisa é a
melhor amiga da prota daquele livro. A gente vê um cadinho

sobre eles, e toda a história dos dois vai sendo arrastada com
“disse” e “não me disse” pelos outros dois livros dos Torres e o
primeiro dos Reis.

Assim, não é necessária a leitura de toda a série da

Família Torres para o entendimento deste livro, porém, fica a dica

de que terá como matar saudade de um pouco deles caso resolva


ler, ao menos o livro 2 desta outra série. Assim, para embarcar

de cabeça na Família Reis, recomendo a leitura do LIVRO 4

da Família Torres – UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O


VIÚVO (a história de Murilo Reis), e obrigatoriamente, a
leitura do LIVRO 1 da Família Reis – GRÁVIDA DO CEO QUE

NÃO ME AMA (a história de Tadeu Reis).

Preciso contar a vocês que as músicas The Very First Night

& Style da Taylor Swift e everyone at this party da Camila Cabello,


me influenciaram e muito durante a escrita desse livro. Eu

simplesmente fiquei em loop ouvindo-as enquanto escrevia.

O CASAMENTO DO CEO POR UM BEBÊ tem o seu nome

clichêzão, e claro, apresenta muitos clichês em seu entorno,


dando aquele ar novela que a gente ama (ou odeia rs).

Entenderão que Igor e Lisa são muito parecidos, mas respeitam

os próprios limites. E que muitas vezes, aquele clichê é válido:


pessoa certa, no tempo errado. A gente torce para ver eles

encontrando o certo nos dois termos. E espero de coração, que


eles te conquistem.

Espero que esse livro seja um respirar profundo durante


esse momento tão difícil (e que aos poucos, vamos superando).

Boa leitura,
Aline Pádua
UMA GRAVIDEZ INESPERADA

Família Torres – Livro 1

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SINOPSE

Se no meio do caminho de algumas pessoas tem uma pedra, no


meio do caminho de Maria Beatriz, sempre teve Inácio. O herdeiro da
fazenda que fica ao lado das antigas terras de sua família, tornou-se um
homem bruto e fechado, que quando aparece na sua frente, ela já sabe que só
pode ser problema ou alguma proposta indecorosa. Maldito peão velho!

Inácio Torres é um homem de poucas palavras, mas que vê em uma


mulher tagarela, a oportunidade perfeita. Mabi precisa de dinheiro, ele o tem.
Ele precisa de um casamento falso, e ela é a escolha perfeita. Porém, a única
coisa que recebe de Mabi, como sempre, é uma negativa. Maldita criança
sonhadora!
No meio das voltas que a vida dá, uma noite de prazer os marca. E a
consequência será muito maior que o arrependimento: UMA GRAVIDEZ
INESPERADA.
CEO INESPERADO – meu ex melhor amigo

Família Torres – Livro 2

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SINOPSE

Se nem tudo que reluz é ouro, Júlio é apenas a melhor imitação de


pedra preciosa que Babi colocou os olhos.

O seu ex melhor amigo, a abandonou e quebrou seu coração quando


eram adolescentes. Bárbara Ferraz jurou a si mesma que nunca mais o
deixaria ficar perto. Maldito CEO engomadinho!

Júlio Torres sabe que deixou uma parte de si para trás. Sua ex melhor
amiga o odeia e ele, muitas vezes, teve o mesmo sentimento por si. Maldita
sombra!
Júlio sabe que não pode mais ignorar, porque ele não quer apenas a sua
melhor amiga de volta, ele a quer como sua.

Babi foge dele como o diabo foge da cruz. Entretanto, como fugir se
depois do reencontro e finalmente os pratos limpos, ela se descobre
grávida do seu ex melhor amigo?
O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY

Família Torres – Livro 3

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SINOPSE
Se existe amor à primeira vista, Abigail Alencar e Bruno Torres
compartilham o completo oposto. Abi o detestou desde o primeiro momento,
e com o passar dos anos, o sentimento permaneceu. Bruno é o típico cowboy
cafajeste, arrogante e popular, que ela não suporta um segundo na presença.

A cidade pequena sabe de seu desgosto e desinteresse no mais novo


dos Torres, porém, ele sempre pareceu ficar ainda mais animado em confrontá-
la. Se existe algo sobre Bruno que ela conhece bem, é que ele não foge de um
desafio.

Assim, quando Abi o encontra como babá da sua filha de apenas um


ano, ela só consegue pensar que ele quer algo. Bruno jura que está ali apenas
para tirá-la do sério, como sempre, mas tudo acaba por mudar, naquele exato
instante.

Existe uma linha tênue entre o amor e o ódio... eles estarão


dispostos a cruzá-la?
FELIZ NATAL, TORRES

Família Torres – Livro Extra

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SINOPSE
O Natal parou de ser uma data festiva, e tornou-se dolorosa, assim que
Maria Beatriz perdeu os pais. No entanto, nesse ano, tudo mudou e ela vai lutar
para que essa data seja ressignificada. Que ela possa sorrir na data, o tanto
quanto, um dia o fez, no passado. Assim, ela precisa que tudo saia PERFEITO.

Uma árvore de natal destruída, enfeites perdidos pela casa, a ceia que
não vai chegar a tempo, um desmaio...

Será que ela terá o seu Feliz Natal ao lado dos Torres?

Esse é um conto natalino, narrado na visão de Mabi e Inácio (do livro


Uma Gravidez Inesperada), onde você poderá passar essa data tão especial
ao lado da Família Torres.
UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O VIÚVO

Família Torres – Livro 4

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SINOPSE
Olívia Torres sempre teve em mente que para bom entendedor meia
palavra basta. Assim, quando se apaixonou perdidamente e descobriu que o
homem com o qual se envolveu era casado, o seu mundo perdeu o chão. Ela
apenas foi embora, sem olhar para trás.

Contudo, com Murilo, ela nunca pode parar de olhar. Ainda mais,
quando descobriu que estava grávida.

Murilo Reis perdeu tudo. Nunca pensou, que em algum momento,


poderia voltar a sentir algo. Entretanto, bastou um olhar para Olívia, para ele
compreender que ainda existia uma chance. Chance essa, que se perdeu por
completo, quando ela o deixou.
Anos depois e uma coincidência do destino, Murilo descobre que não
apenas as lembranças daquele amor de verão permaneceram, mas sim, que
ele tem uma filha.

Um amor de verão pode ser o amor para a sua vida?


GRÁVIDA DO CEO QUE NÃO ME AMA

Família Reis – Livro 1

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SINOPSE
O triste é que aquele velho ditado se tornou real em sua vida:
Valéria que amava Tadeu que amava Bianca que amava Murilo, que não
amava ninguém. Desde que seus olhos pousaram em Tadeu Reis, Valéria se
apaixonou. Não sabia dizer se era pelo olhar escuro enigmático, o sorriso que
ela queria tirar daqueles lábios cerrados ou o fato de ele ser tão atencioso com
quem amava.

Porém, Tadeu apenas tinha olhos para outra mulher, e Valéria escondeu
aquele sentimento no fundo de sua alma, tentando matá-lo durante os anos
que se passaram. Uma coincidência do destino, os coloca frente a frente. Ela
sabe que ele é errado, mais do que isso, uma grande mentira, porém, seu
corpo não resiste.
E uma noite com o homem errado não é o fim do mundo, certo?

Para ela, tornou-se um outro começo, já que terá uma parte dele
consigo, para sempre. Valéria está grávida do homem que não a ama. E não
pretende deixá-lo descobrir.
PLAYLIST

Posicione a câmera do seu celular para ler o QrCode e conheça

um pouquinho das músicas que inspiraram este livro. Caso não consiga ter

acesso, clique aqui


SINOPSE

Águas passadas não movem moinhos – era o que Lisa

repetia a si mesma. Contudo, estar sempre tão próxima do único


homem que realmente se apaixonou, fazia com que ela quisesse
voltar, e na verdade, se afogar com ele. Igor Reis era um erro, e

ela sempre soube.

Ainda assim, não podia evitá-lo para sempre, já que seus

círculos de amizades eram tão próximos. Então, era apenas isso:


Igor era um amigo. Um ótimo fofoqueiro e uma pessoa para

perder horas conversando – mesmo que quisesse perder muito


mais.

Todavia, quando ele bate na sua porta no meio da

madrugada com um bebê a tiracolo, ela não sabe o que de fato


está acontecendo. Porém, nada é tão ruim que não possa piorar,

e ele a pede em casamento.

Nas voltas que a vida dá, Lisa se vê com o sobrenome

Reis, um bebê para chamar de seu e um contrato de casamento


por um ano com o homem que ama.

Até onde o casamento do CEO por um bebê será uma

mentira?
“Amigos são como duas almas em um só corpo. Não se machuque,

pois isso vai me machucar também..”[1]


PRÓLOGO

“Te daria minha vida selvagem, te daria um filho

Te daria o silêncio que só acontece quando duas pessoas se entendem”


[2]

No futuro

LISA

Eu posso ficar de babá nesse fim de semana.

Mandei a mensagem no grupo de amigas, e Val respondeu

com uma figurinha animada. Deixei o celular sobre o balcão e

peguei minha garrafa de água, girando pela sala, e cantando junto


com a música. O problema consistia em estar cantando e

pensando nele.

Maldito seja Igor Reis!

O homem parecia ter se enraizado em mim e em minha

vida, desde que nos conhecemos. E agora, mesmo não tendo


mais nada, a não ser aquela amizade estranha que construímos,

permanecia nos meus sonhos secretos.

— Bem que ele podia só sair da minha mente por um

segundo...

Suspirei, e me joguei no sofá, pronta para assistir pela

milésima vez o mesmo show. Contudo, o barulho da campainha

me fez gemer contra o estofado. Quem diabos apareceria às duas


da manhã?

Caminhei a contragosto até a porta, tendo a certeza de que

só poderia ser engano, ou minha vizinha pedindo algo

emprestado. Contudo, quando olhei pelo olho mágico, me

surpreendi ao encontrar Igor. E fazia muito tempo que não

aparecia ali. O que tornava ainda mais estranha sua aparição.

— O que... — parei de falar, quando abri a porta e notei-o

tirar um bebê de um carrinho e segurá-lo no colo. — O que está


acontecendo?

— Eu... Eu preciso que se case comigo.

— O quê? — minha voz mal saiu, e o bebê chorou ainda

mais alto.

— É sério. — olhei-o, buscando alguma brincadeira em seu

semblante, como sempre, mas não havia nada. — Preciso que

seja minha esposa.

— Por que está me pedindo isso?

Igor suspirou e seu olhar pousou no bebê em seu colo.

— Por ele.

— Entra... quer dizer, entrem. — falei, e o ajudei a trazer o

carrinho, enquanto caminhava com o bebê no colo. — Ele devia

estar fora de casa a essa hora? De quem é esse bebê? —

indaguei, completamente confusa e fechando a porta atrás de


mim.

Igor o balançava de um jeito que não sabia se fazia


sentido, mas parecia ter acalmado a pequena pessoa em seus

braços. Aproximei-me, sem conseguir evitar, e segurei sua

mãozinha e logo olhos castanho-claros bateram nos meus,

grandes e parecendo curiosos.


— Oi, principezinho. — falei, e sorri para ele, que abriu o

que parecia ser um esboço de sorriso e jogou o corpinho em


minha direção. — Fácil assim?

— O quê? — Igor perguntou, parecendo preso em seu


próprio mundo.

— Ele quer vir no meu colo. — falei, e então ele pareceu se

lembrar de toda a situação. O que será que o estava deixando tão


distraído?

Então com extremo cuidado ele me passou o pequeno, que


se agarrou a meu colo e a um dos meus cachos que estavam

soltos. Felizmente, ele parecia apenas curioso e não a ponto de


puxá-los.

— Ok, agora senta, respira e me fala o que está


acontecendo. — exigi, e Igor assentiu, fazendo exatamente o que

mandei.

Naquele breve momento, aproveitei para olhá-lo. Era difícil

admitir, mas eu sentia falta dele – tanta – que me doía. A sua


amizade era algo que prezava, mas de repente, via-me presa à
ideia que veio exatamente de um dorama que assisti na semana

passada.
Eu conseguiria vê-lo se casar e ser feliz com outra pessoa?

Construir uma vida com outro alguém? Apenas a ideia daquilo me


aterrorizou, e não consegui finalizar o dorama até agora, por

conta da fala simples, que para mim, de simples não tinha nada.

O peso extra em meu colo me fez então paralisar, e

pensar... E se o bebê fosse dele? E se ele já estivesse dando tal


passo?
PARTE 1

“E assim foi

Nós nunca previmos isso

Não tentando se apaixonar

Mas nos apaixonamos como crianças correndo”

The Very First Night – Taylor Swift


CAPÍTULO I

“Te vejo no escuro

Todos olham pra você, meu mágico

Todos olham pra nós

Você faz todo mundo desaparecer"[3]

ANTES

LISA

Passei a mão pelo macacão branco, que contrastava

perfeitamente com o batom vermelho em meus lábios. Ouvi o


barulho da porta da frente sendo aberto, enquanto me sentava e

colocava os saltos altos.

— Ok, você sabe que vai matar do coração todas as

pessoas que passarem ao seu lado? — minha melhor amiga,


Babi, indagou, parando à minha frente.

Fez-me levantar, dar uma voltinha e sorriu abertamente.

— Mulher, você tá uma grande gostosa.

— Correção, eu sou uma grande gostosa! — pisquei um

olho, enquanto ela revirava os seus. — Não quer mesmo tomar


um banho rápido ou ir assim mesmo comigo?

— Sem chance de me animar para sair hoje. — jogou-se


contra o sofá e largou a bolsa longe. — Estou exausta e só quero

um bom banho de banheira, e dormir. Nada mais! Dance por mim.

— Aliás, acho melhor testar esse macacão.

Ela riu e mexeu em algo no celular, e logo Vai Malandra

começou, fazendo-me rebolar até o chão e ter a certeza se o

tecido me aguentaria ou não por toda a noite. Geralmente, fazia-o

também com vestidos curtos, para ver se subiriam ou não.

— Acho que aprovado. — falou, enquanto eu parava de

dançar e seu olhar na minha bunda. — Me lembre que preciso ir à


academia com você e conquistar uma bunda assim.

— Você é a parte com os peitos nessa amizade. — ela

apenas riu, e se jogou novamente para trás no sofá. Peguei


minha bolsa sobre a poltrona e parei à sua frente. — Devo voltar

logo...

— Tipo, pelas seis da manhã? — provocou.

— Torça para que sim. Faz tempo que não encontro nada

de interessante nessas boates por aqui.

— Desejo um grande gostoso para uma grande gostosa. —

dei-lhe um forte beijo no rosto, deixando a marca, e ouvi-a

praguejar. — Te odeio.

— Também te amo. — rebati, enquanto fechava a porta do

nosso apartamento.

Bárbara Ferraz era meu ponto de apoio há muitos anos.

Dividimos a faculdade e agora, o trabalho na mesma empresa.

Sabia que os nossos objetivos eram completamente diferentes, e

que em algum momento, ela com toda certeza voltaria para o

interior, mas ainda assim, nunca senti que poderia de fato perder
aquela amizade.
Era como se eu tivesse encontrado a minha alma gêmea

fraterna, e era o bastante para mim. Nunca pensei que uma alma
gêmea necessariamente viria de bandeja como um

relacionamento amoroso. Nunca de fato me imaginei apaixonada


por alguém e já ter o meu local de parceria, ocupado por Babi, era
mais do que suficiente.

Não procurava o amor, por justamente acreditar que o


sentimento desestabilizava uma parte da vida que era minha

prioridade – o trabalho. Por aquilo, gostava de me divertir com


pessoas que claramente desejavam o mesmo. Era claro e

simples, podendo resultar numa ótima noite para a pessoa que


escolhesse.

Tomei mais um gole do uísque, ainda sem gostar muito das

músicas que tocavam ao redor. Prendi meus cabelos cacheados


soltos no alto da cabeça, porque mesmo que não estivesse
dançando ainda, o calor já estava ficando insuportável. Muita
gente, pouco espaço, e mesmo assim, não tinha encontrado

ninguém interessante.

Talvez realmente estivesse na hora de mudar de boate.

— Sozinha?

A pergunta era tão clichê que me fez revirar os olhos. Uma

cantada como aquela não poderia ser menos óbvia. Dei de


ombros, e me virei, procurando o dono da voz grossa e

perfeitamente calculada para me fazer ouvi-lo. O tom era bom, o


que me valia mais do que o flerte ruim.

Quando meu olhar recaiu no homem encostado contra o


balcão, foi impossível não o olhar por completo. Olhos castanho-
claros, cabelos escuros, lábios finos, que continham um sorriso no

canto de quem sabia exatamente o que fazia. Camisa preta com


quase todos os botões abertos, não deixando muito a imaginar

dos músculos sob o tecido. A mesma dobrada até os antebraços,


que ressaltavam algumas tatuagens. Uma me chamou ainda mais

atenção, que parecia desparecer em sua calça jeans apertada.

— Não mais. — respondi, levando o uísque à boca e

olhando-o novamente. Ele era muito bonito para que eu já o


tivesse visto e não lembrasse, o que me surpreendia. Quem era
ele? — Na verdade... depende. — ele se aproximou, colocando o
cotovelo sobre o balcão e me encarando de perto.

— Do quê? — indagou, e estava tão próximo que senti seu


hálito de uísque contra minha pele. Por que eu gostei tanto
daquilo?

— Do que você está procurando... — olhei ao redor, como


se fizesse o mesmo que fiz a noite toda. — Dançar? Uma noite?
Banheiro?

Surpreendendo-me, ele deu uma risadinha baixa,

Apenas se afastou, para um segundo depois parar ainda


mais próximo e abaixar a cabeça para sussurrar contra a minha
orelha: — Sou Igor.

O arrepio que percorreu meu corpo, fez-me antecipar pela


segunda opção. Ele então se afastou, estendendo a mão, e vi-me

deixando o copo sobre o balcão e fui até ele. O contato da pele


quente contra a minha, fez com que pudesse imaginar que ele

poderia ser muito mais do que uma carinha bonita.

— Que tal todas as opções? — perguntou, assim que me


virou e me prendeu levemente em seus braços, de costas para si.
Suprimi um arfar e tive que sorrir ao encará-lo de lado. — Mas
prefiro que seja no meu banheiro, para ter você toda exposta.

— Quantas vezes me imaginou nua até agora?

— Desde o momento em que te vi entrar. — respondeu


com uma risadinha, e senti sua barba bem-feita encontrar o meu

pescoço. — Tenho que tirar a prova de que sou bom mesmo em

imaginar.

Empurrei-o levemente, assim que um funk começou e ele

abriu um sorriso que com certeza derretia muito mais do que o

coração das pessoas ao seu redor. Quanto mais eu o olhava,


mais bonito ele me parecia.

— Primeiro tem que me convencer com a dança, garoto.

— Sabe que devo ter a sua idade? — perguntou,

rondando-me e segurando minha cintura em seguida.

— É, pelo sorriso de cachorrinho que caiu da mudança. —

rebati, e me virei para ele, passando as mãos em seu pescoço.

Notei a forma como fechou levemente o olhar, e sorri. — Pelo

jeito, gostou do meu toque.

— E aposto que vou gostar de muito mais.


Sua boca então veio para a minha, e mesmo que não

estivesse esperando, era como se por todos aqueles dias, eu


ansiasse por tal encontro. A perfeição no encaixe, no segundo em

que os lábios se uniram me assustou, assim como, o gemido que

saiu de minha boca e foi engolido pela dele.

Ele era bom.

Muito bom.

E em meio ao beijo, eu sorri, porque talvez tivesse

acertado ao insistir em ir na mesma boate naquela noite.


CAPÍTULO II

“Venha aqui, vestido de preto agora

E assim, assim, assim vai

Arranhões por suas costas agora

E assim, assim, assim vai"[4]

LISA

— Onde estamos indo? — perguntei, assim que senti meu

corpo ser colocado contra um carro, e seus lábios perdidos em

meu pescoço. Segurei o gemido, assim como, agarrei-me à sua


nuca, fazendo-o me encarar.
— Meu apartamento. — respondeu, e então se colocou

ereto. Eu estava nos meus saltos altos, mas ele ainda assim era
maior. E eu continuava a olhá-lo sem crer no quão bonito ele era.

— O que foi? — indagou, e notei-o ofegante. Ele parecia tão

ansioso quanto eu para colocarmos as mãos um no outro.

— Não bebeu demais? — perguntei, sentindo seus lábios

encontrarem meu colo e suspirei fundo. — É muito longe para


irmos a pé ou de táxi?

— Na verdade, duas quadras daqui.

Olhei-o surpresa e apenas puxei sua mão.

— Não prefere esperar o táxi? — sua pergunta ficou

perdida, enquanto caminhávamos pelas calçadas. — Não para de


me surpreender.

— Em poder andar de saltos por duas quadras? — rebati, e

senti seus braços ao redor da minha cintura.

Como se fosse fácil e simples assim. Mesmo que eu já

estivesse acostumada a conhecer caras assim, ele tinha um ar


diferente. Era como se o toque fosse certo e na medida que eu

esperava. Como se ele antecipasse o que queria,


— Em parecer tão a vontade comigo, e eu ainda nem sei o
seu nome.

— Não me perguntou e insistiu em me chamar de deusa.


— pisquei um olho e ele sorriu de lado, parando um passo, e

acabei fazendo o mesmo. — Elisa, mas todo mundo me chama de

Lisa.

— Um nome digno de uma deusa.

Revirei os olhos, e ele me puxou levemente pelas mãos,

ainda caminhando. Já era madrugada, mas felizmente, não


estava frio naquele momento. Não saberia dizer se eram as

bebidas ou a forma como meu corpo estava eletrizado pelo dele.

Senti meu celular vibrar na bolsa e sabia que deveria ser


Babi, alertando que viu minha mensagem e que se eu não desse

sinal de vida até de manhã, ela estaria atrás de mim. Preocupada

como sempre.

Não tardou a chegarmos a um imponente prédio, que não

me surpreendia por ele morar, não pela forma como suas roupas

pareciam ter saído de um desfile de moda. A questão era que Igor

não parecia nem um pouco interessado em compartilhar se era

rico ou não, o que me deixava tranquila. Odiava aquele tipo de


conversa, que muitos caras tinham sobre si mesmos e suas

posses. Como se aquilo fosse o auge de uma conversa.

Assim que paramos à frente de um elevador, ele digitou

uma senha e arqueei uma sobrancelha. Então, as portas do


elevador se abriram e notei que só existia o botão da cobertura já

acionado. Ok, ele deveria ser muito rico. Suspirei fundo,


guardando minhas observações, e notei a forma como ele se
encostou contra a parede de metal, e sua mão ainda segurava

uma das minhas. Encarei-o pelo espelho, e ele me deu um leve


sorriso, como se para me tranquilizar. Sobre o quê?

Os segundos se passaram rapidamente, e assim que as


portas se abriram, ele entrelaçou nossos dedos e me levou para o
que deveria ser a porta do seu apartamento. Não consegui de fato

me prender a nenhum outro detalhe, porque de repente, meu


olhar ficou preso ao dele.

Assim como quando dançávamos.

Ouvi o barulho da porta sendo aberta e fechada, luzes

sendo acesas, e sua mão se afastou da minha. Foi o único


momento que meu pensamento mudou, buscando por ele.

Encontrei-o deixando o paletó sobre o sofá e jogando o celular


sobre o mesmo.
Quando seu olhar parou no meu, era como se ele

adentrasse o mesmo mundo que eu – algo apenas nosso. Ele


caminhou a passos largos, e quando parou à minha frente, suas

mãos contornaram os lados do meu corpo, sem de fato me


tocarem.

— Sente isso? — perguntou, e sua voz um pouco mais


rouca, assim como, notei sua respiração vacilar.

Dei um passo à frente, encostando-me contra seu peito e o

nosso arfar foi conjunto. Levantei levemente a cabeça, para estar


na posição exata e praticamente perfeita, para sua boca encontrar

a minha – a um fio de cabelo de distância.

— O que vamos fazer sobre isso? — desafiei-o, e senti sua

mão subir até meus cabelos, e se firmarem em minha nuca,


deixando-me ainda mais inclinada para ele.

— O que desejar, deusa.

Minha boca então procurou a sua, e senti o exato segundo

em que o controle dele se desfez. Minhas mãos encontraram os


botões de sua camisa, puxando-os de qualquer jeito, e senti a

pele sobre a minha, cada músculo se remexendo sob mim.


Meu corpo foi puxado para cima, e cruzei as pernas ao
redor de sua cintura, sentindo o desejo dele tão evidente quanto o
meu. Nossa bocas não se separavam, assim como, as nossa

mãos – procurando onde podiam tomar. E foi quando ele se


sentou em algum lugar, comigo sobre ele, que finalmente

puxamos o ar com força.

Sua camisa já estava toda aberta, e meu macacão já

estava praticamente na cintura, com meu torso todo exposto.


Seus olhos pairaram nos meus seios e antes que pensasse em
qualquer outra coisa, sua boca encontrou um deles, enquanto sua

mão apertava o outro.

— A noite toda... — falou, com a língua traçando levemente

a pele. — Eles tão expostos e eu sem saber.

— E talvez tenha outra surpresa. — provoquei,

empurrando-o, e ficando de pé.

Desfiz-me do macacão e fiquei apenas na calcinha

minúscula que não cobria quase nada.

— Caralho... — praguejou, e se levantou de imediato,

jogando a camisa para longe, e abrindo sua calça.


Ele tinha o ar de um garoto quando sorria, mas ali, com o
rosto coberto pelo tesão, ele parecia faminto – por mim. Suas
mãos me puxaram para perto, e logo o senti descer, com sua

boca passando por cada rastro de pele, até que se ajoelhasse.

— Igor...

Sua boca estava em minha coxa, deixando uma forte

mordida, enquanto minhas pernas quase cederam, mas suas


mãos me firmaram no lugar.

— Saber que esteve assim ao meu lado a noite toda é o

mesmo que declarar que me torturou... — falou, o tom


completamente diferente de antes, quase como se estivesse

intoxicado. Ele então passou o nariz sobre a renda, fazendo-me

arfar, e segurar com força em seus cabelos. — Acho que é hora

de te torturar, deusa.

— O que vai fazer? — perguntei, assim que seus dedos

pararam nas laterais e puxaram o tecido dolorosamente devagar

contra minha pele. — Já está me torturando. — assumi, e ele

sorriu contra minha pele, enquanto jogava o pedaço de pano para


longe, e eu estava completamente nua à sua frente.
Nunca me esqueceria do olhar fascinado dele contra o

meu, como se estivesse se deleitando com cada segundo. Nem


mesmo, como a forma que sua pupila dilatou e parecia ser o dono

de toda a situação. E eu não estava nem perto de reclamar sobre

aquilo, na verdade, estava perto de clamar por ele.

— Vai ter que ficar de pé e sem falhar, enquanto eu te

chupo. — falou, olhando-me e poderia jurar que quase perdi o

peso das pernas naquele segundo. — Se não aguentar, não vou

deixar que goze. Daí, só comigo, dentro de você.

— E isso deveria ser ruim?

Minha pergunta quase não saiu, enquanto sua boca tomou

onde mais precisava, e quase gritei. Tentei focar em ficar de pé e


não deixar que soubesse que tirava toda minha força, apenas

com a boca, mas era praticamente impossível. De repente, eu só

era uma mistura de gemidos e quase gritos, perdida no toque

dele.

Não sabia dizer como, mas quando estava tão perto, mas

tão perto de chegar ao prazer, senti-o se afastar, e me puxar para

seu colo. Não demorou um segundo, e antes que pudesse


questionar, eu senti algo macio às minhas costas.
Apenas a luz dos outros prédios e da cidade ao redor,

adentravam as cortinas mal abertas, mas não tive tempo de focar

naquilo, mas sim, dos lábios dele pairando nos meus. Meu gosto
na sua boca, e então, na minha boca. Gemi, sentindo-o

completamente nu sobre mim, e agarrei-me a seu corpo,

querendo deixar claro que dois poderiam jogar aquele jogo.

Quando pensei em virá-lo com minhas pernas, ele me


segurou, dando uma risadinha de lado.

— Acho que está na hora de continuar a tortura, deusa. —

sussurrou, movendo-se até a mesinha de cabeceira e voltando


com uma camisinha, com um sorrido largo no rosto.

— Será que isso realmente será uma tortura? — indaguei,

enquanto ele se preparava, e passava as unhas levemente sobre

a sua pele, notando-o se arrepiar por inteiro.

Como podia ser tão bom assim?

Era como se estivesse no lugar que deveria, com o homem

que desejava encontrar.

Exigi sua boca na minha, espantando tais pensamentos e


ele me devorou, fazendo-me gemer, e então trazê-lo para mim.

Ele atendeu de bom grado, e quando seu corpo se acomodou por


todo meu, foi impossível, não afastar nossos lábios e me perder

no castanho dos seus olhos.

— Tão... — ele fechou os olhos com força, enquanto suas

mãos estavam presas uma à minha, e a outra em minha cintura.

Esperei as palavras clichês e qualquer outra coisa, mas como já o

fazia por toda a noite, ele o fez – surpreendeu-me. — Tão linda.

Então notei que eu tinha fechado os olhos brevemente, e

quanto os abri, encontrei os dele nos meus. Trouxe-o para ainda

mais perto, como se fosse possível, e joguei todo a razão para


fora. Porque eu só conseguia pensar e focar nele. Apenas no que

acontecia ali.

— Lindo. — sua boca veio para a minha e senti seu sorriso


contra minha pele.

E cada vez que seu corpo se encontrava com o meu,

sentia como se pudesse chegar ao paraíso. E por um segundo,

considerei que o paraíso fosse algo real.


CAPÍTULO III

“Oh, estamos dançando na minha sala

E meus punhos sobem

E eu digo que estou só brincando, mas

A verdade é que

Eu nunca vi uma boca que eu mataria para beijar

E eu estou apavorada, mas não consigo resistir"[5]

IGOR

— Onde você está? — meu melhor amigo gritou do outro

lado do telefone, e eu tive que tampar o celular rapidamente, com


medo que a linda mulher adormecida em sua cama, pudesse

levar um susto.

Caminhei meio perdido pelo apartamento, já que não ficava

por ali e mal conhecia o meu próprio imóvel. Fui para o banheiro
social e me tranquei no mesmo.

— Que porra, Carlos! — sussurrei, soltando o ar com força.

— Não acaba com a melhor foda que tive na vida.

— Está com alguém? Essa hora? Dormiu com ela? Desde

quando dorme com quem fode?

Revirei os olhos e tentei responder tudo de uma vez.

— Eu a trouxe pro meu apê no centro. — ouvi-o gritar o


nome da esposa, e sabia que já estava indo fofocar. — E eu não

tenho nenhuma regra cafona de não dormir, mas ela... Cara, ela
tem algo diferente.

— Ela consegue te aturar? — rebateu, e eu ri baixinho. —

Querida, Igor está apaixonado.

— Não acredito. — ouvi a voz assustada de Iara, e poderia

vislumbrar ambos rindo um para o outro. E como boa vela que

sempre fui desde a nossa adolescência, eu ainda o era.


— Eu não estou dizendo isso, é só que... É diferente. Foi
diferente de todas as outras. — admiti, ainda sussurrando. — Não

quero pensar que foi só uma noite e ela vai sair.

— Tão emocionado... — Iara falou, e poderia jurar que

estava no viva-voz. — Então, por que não a traz para o café da

manhã com a gente?

— O quê? — eu e Carlos perguntamos ao mesmo tempo.

— Não é como se estivesse pedindo ela em casamento, e

pode ser legal... É só um café da manhã. — comentou, naquele


tom certeiro que convenceria qualquer um sobre aquilo.

Mas e Elisa?

Um sorriso já se abriu no meu rosto, apenas por relembrar

de como o seu nome era tão lindo quanto ela. Por mais que eu

mal o tivesse chamado, mas sim, de deusa. Porque ela o era,


completamente.

Ouvi o barulho vindo de fora daquele cômodo e me

apressei.

— Eu mando mensagem em alguns minutos, se vamos ou

não... — falei, e antes que eles pudessem começar outra leva de

perguntas, acabei desligando.


Assim que abri a porta do banheiro, tive a visão do paraíso

parado no meio da sala de estar. Elisa estava abaixada, olhando


para um porta-retratos, o único daquela casa, em que estávamos

eu e meus irmãos – minha família. Ela vestia a minha camisa


preta da noite passada e poderia suspeitar que mais nada, os
cabelos cacheados torcidos no alto da cabeça em um coque, e

um sorriso aberto enquanto passava os dedos pela fotografia.

— Da esquerda para direita... — comecei a falar, e ela deu

um leve pulo no lugar, o que me fez rir baixinho. — Verô, a mais


velha – e minha mãe, explicando melhor, Tadeu, o segundo mais

velho e mais quietão, Murilo, o que considero do meio, o mais


conciliador, eu – o mais bonito deles... — seu olhar parou no meu,

e ela os revirou. — E por último, Carol – a mais nova, e a nossa


barbie, mas minha outra parte favorita.

— Vocês têm o mesmo sorriso aberto. — comentou,

afastando os dedos da fotografia. — Os outros já não... — olhou-


me, e foi impossível não sorrir da forma como descaradamente
encarando meu corpo apenas coberto pela cueca. — Estava te

procurando.

— Só posso dizer que me achou se for para ficar mais um


pouco... Se for para dizer que foi apenas uma noite... —
aproximei-me, puxando=a levemente pela cintura, e senti suas

mãos em meu pescoço. — Garanto que ainda não me encontrou.

Ela sorriu, balançando a cabeça.

— É sempre engraçadinho e emocionado após uma noite?


— indagou, enquanto eu balançava levemente seu corpo, como

se entrássemos em uma dança silenciosa.

— Engraçadinho sempre, emocionado é a primeira vez. —

admiti, e seu olhar mudou brevemente, como se estivesse


tentando entender. — Não estou te pedindo um relacionamento,
mas... podemos continuar nos vendo?

— Não esperava por isso. — foi honesta, e a virei,


puxando-a levemente de costas para o meu corpo. — Mas...

Ela então parou de falar, e fiquei esperando, como se fosse


uma manhã de Natal. Deveria ter ligado para Tadeu ou Murilo e

pedido dicas? Mas quais eles me dariam? Meus irmãos mais


velhos eram maravilhosos como irmãos, contudo, em

relacionamentos, eram uma piada. Tadeu, nunca de fato pareceu


gostar de alguém. Já Murilo se prendeu em um casamento

apenas por amor à melhor amiga, e atualmente era viúvo.

Piores exemplos não tinha.


Verô e seus gatos seriam de maior ajuda do que eles. Ou
até mesmo, as fantasias de Carolina.

— Mas... — insisti, e ela girou, parando à minha frente.

— Impaciente?

Levei uma das mãos até o seu rosto e só conseguia pensar

no quão bonita ela era. Em tal patamar que eu não sabia como
alguém poderia ter tais detalhes.

— Paciência não é meu forte, a não ser, em outros


momentos... — admiti, e ela revirou os olhos, tocando minha

barba em seguida.

— Por que não? — indagou, e não sabia dizer se era para

si ou para mim, ou para o nada.

Contudo, tomei aquela como uma resposta positiva e selei


seus lábios com os meus. Senti-a sorrir durante o beijo, e como

aconteceu quando a beijei pela primeira vez, meu coração


disparou. E merda! Eu não precisava de péssimos conselhos dos

meus irmãos para isso, era como se já soubesse. Mas deixaria


enterrado em meu peito, ao menos, por agora.
— Ela é a primeira garota que você nos apresenta. —

Carlos falou, enquanto o ajudava a secar a louça, e


conseguíamos ter a visão perfeita de Lisa e Iara nos balanços do
jardim. — Devo considerar isso especial?

— Estão tão desesperados assim para que eu deixe de ser

a vela oficial de vocês? — rebati. — Depois de a vida toda me


aguentando? Esperava mais de vocês!

Meu melhor amigo revirou os olhos, já acostumado com

meu jeito, mas eu sabia que era realmente algo novo para eles.
Eu sempre fui o número 3 daquele trio, e eles me mandavam

encontrar meu número 4. Do ensino fundamental, para o ensino

médio e na faculdade... Eram anos e anos sendo aquele número.

Nunca desejei deixar de ser ímpar.

— Ela se encaixa aqui, tenho que dizer.

Olhei para Carlos, que já guardava alguns pratos.

— Sabe o que pensei quando Iara se declarou pra mim no

ensino médio? — indagou, e eu me lembro de como ele surtou


por uma noite toda sobre aquilo, me contando cada detalhe. Abri

a boca para dizer uma gracinha, mas ele bateu com o pano de
prato antes que o fizesse. — Como eu fui tão cego e não percebi

antes? Como eu não soube antes?

— Sempre foi meio lerdo, Carlos.

— Mas a questão é... — não se deixou levar pela

provocação, como sempre, o que me fez rir. — Quando eu soube,


percebi que foi o que senti desde o primeiro momento em que a

vi. O clichê do amor que era amor antes de ser.

— Acha que Lisa é o meu amor?

— Acho que vai descobrir isso por si mesmo. — piscou um


olho, e me vi pensando naquilo. — Convenhamos que paciência

não é o seu forte, sempre fui muito rápido e impulsivo, mas

mesmo que seja recíproco, o melhor é deixá-la entender também.

— Eu a conheço faz um dia, e já estamos falando de amor.


— bati com o pano de prato em minhas mãos, no peito dele. —

Você está mais emocionado do que eu.

— Eu te conheço. — revidou, como se fosse óbvio assim.


— Nunca trouxe ninguém, e agora tava se gabando de ser o

padrinho do meu filho.

— Eu me gabo de ser padrinho do seu filho para todo

mundo. — fui incisivo. — Mas não vou negar que tem algo
diferente em relação a ela.

— A gente sabe, mesmo quando acha que não... — bateu

em meu ombro, afastando-se. — Deixo as panelas aos seus

cuidados.

— Eu já disse que te odeio? — gritei, vendo-o sair em

direção ao jardim e correr até a esposa. Era uma cena comum, de

todos os meus finais de semana, em que os veria para o café da


manhã e acabaria ficando para o almoço. Iara e Carlos eram parte

da minha vida, e de repente, entendi a importância que aquilo

tinha e de ter trazido Lisa ali.

Ela podia não compreender o quanto aquilo significava,


mas meu amigo sabia. Assim como eu. E mesmo tão rápido e

impulsivo como eu era, não poderia evitar que meus sentimentos

fossem assim.

Mas tentaria.

Por ela.

Para não estragar tudo.

Um passo de cada vez.


CAPÍTULO IV

“Não se emociona

Que eu tô sem tempo pra brincadeira, mano

Cê acha que eu tô brincando?"[6]

LISA

Abri a porta com cuidado e tentei segurar o meu chaveiro


barulhento, para que não acordasse minha melhor amiga.

Contudo, assim que adentrei o apartamento, dei de cara com Babi

escorada no balcão da cozinha. Ela estava de máscara facial, os


cabelos presos por uma faixa e uma caneca com algo na mão.
— Café? — indaguei, e ela me destinou a caneca.

Olhou-me de cima a baixo, e um sorrisinho surgiu no rosto.

— A noite foi boa. — concluiu, como se fosse simples

assim, enquanto eu dava um longo gole na bebida. — Quer dizer,

a noite, a manhã e o almoço...

— Não faço sempre isso, eu sei. — admiti, caminhando até

o sofá, e me jogando na poltrona. Meu macacão estava


felizmente em ordem, já que Igor se dispôs a passá-lo antes de

sairmos para encontrar seus amigos. Eu tinha mesmo feito

aquilo? — Não sei o que me deu. — segunda admissão, e tentava


concentrar-me no café.

— Eu acho que algo chamado amor à primeira vista...

— Isso não é um dorama, Babi. — rebati, e ela riu baixinho,

— Qual é? Não olhou para ele e pensou “encontrei o meu

amor” ou “flores explodiram ao redor”?

— Só se forem faíscas. — resmunguei, terminando o

líquido quente, e ela me deu um tapa no braço, puxando a caneca

em seguida. — O quê?

— Como ele é? Quero o relatório completo!

— Ele...
Meu celular vibrou e antes que eu pudesse pegá-lo dentro
da bolsa, Babi foi mais rápida, já que o acessório estava do lado

dela. Revirei os olhos, enquanto ela parecia compenetrada.

— Abre aspas “Sou eu, e como não trocamos nada além

de telefones, esse é o meu insta. Iara perguntou se tudo bem

postar a foto em que estamos nós quatro? Ela adora falar da vida

em redes sociais.” — senti seus olhos em meu corpo, mas me

fingi de desentendida. — Quem é Iara? Como assim foto? Onde

você estava?

— A gente se conheceu na boate, dançamos, fomos para o

apê dele, tivemos a transa do século e de manhã ele me convidou

para tomar café da manhã com o melhor amigo, que é casado

com Iara, que foi uma fofa, e me convenceu a ficar para o almoço.

— Ok, quando é o enterro?

— O quê? — olhei-a, sem entender.

— Da minha piranha favorita. — peguei a primeira coisa

que encontrei, como minha bolsa, e joguei-a em sua direção,

acertando na sua barriga. Ela riu alto, e me entregou o telefone.

— Eu acho que ele quer que você o siga... E talvez, mais do que

isso.
— Eu não sei por que fiz tudo isso. — respirei fundo,

encarando a mensagem. — Eu nunca me emocionei assim com


alguém e não sei o que estou fazendo, para ser sincera.

— Se apaixonando, talvez? — Babi pareceu perguntar


para o nada. Logo se sentou ao meu lado, e me puxou para o seu

colo. Ela então cheirou meus cabelos e notei seu sorriso. — Pelo
menos o xampu dele é bom.

— Segundo ele, compras da caçula.

— Ele falou da família? — rebateu, e eu tive que revirar os


olhos. — Eu acho que ele tá tão na sua, quanto você tá na dele.

— encarei-a como quem pergunta “será?” e ao mesmo tempo


sem entender porque gostaria daquilo. — Agora, fotos do gato.

Procurei pelo @ que ele me mandou e então encontrei


várias fotos do mesmo, e por um segundo, fiquei presa à sua

imagem.

— Reis? — Babi indagou, como se conhecesse o

sobrenome, e eu tentei puxar em minha memória. — Lembra


daquela rede de hotéis que fechou com a nossa empresa uma
vez? Até que foi a Renata quem assumiu o caso?
Assenti, recordando daquilo. Por um segundo, fez sentido.

O fato de ele parecer ser tão rico, mas ainda assim, sabia que os
Reis estavam além daquilo.

— Não deve ser o mesmo... — então parei a frase, ao


encontrá-lo posando em um evento, com a irmã mais nova ao

lado, e fazendo menção à rede de Hotéis Reis. — Ele não pode


ser o CEO disso.

— Por que não?

— Porque... — engoli em seco. — Ele me pareceu tão


tranquilo e...

— Ei! — Babi me cortou, e segurou minha mão. — Sei que


tem receio com gente muito rica, e tudo mais... Mas, não precisa

focar nisso. Ele pareceu ser um cara legal, até você descobrir o
sobrenome.

— Acho que estou pensando demais.

E estava mesmo, já que o passado enterrado sobre meus


progenitores, deveria permanecer naquele lugar – esquecido.

Cliquei no stories dele e então o vi com a foto ao meu lado

e com seus amigos, que ele deveria ter repostado há alguns


segundos.
Eu me vi então digitando uma mensagem para o mesmo.

“Eu não deveria ter autorizado a foto primeiro?”

“Aposto que se perdeu no meu instagram e em como sou

bonito, e ia demorar demais para me responder, deusa.”

— Deusa! — Babi praticamente berrou, e me senti como se

estivéssemos em um filme adolescente. Só que éramos adultas,


formadas, de carteira assinada, agindo de tal forma. — Não pode

negar um homem que te venera!

— Eu o conheço há menos de vinte e quatro horas. —

rebati e ela deu de ombros.

— Eu conhecia o engomadinho por anos e ele foi um

imbecil, então... o tempo é relativo. — abri a boca para futricar e


ela foi mais rápida, pulando do sofá, e quase me derrubando. —
Não vamos falar sobre ele! Apenas foque no seu CEO gostoso e

sua primeira paixão verdadeira.

— Eu já me apaixonei no ensino fundamental, por favor. —

debochei, e ela semicerrou os olhos.

— Duvido que estava com essa carinha de sonhadora

naquela época.
Peguei a almofada e joguei-a em sua direção. Ela gritou e
correu para o corredor, já adentrando o seu quarto. Sorri para o
nada, e mesmo que quisesse negar o que fosse, vi-me apenas

focando em responder à mensagem dele. No fundo, tinha que


aproveitar meu final de semana de fato e esquecer aquela noite.

Mas como o faria se parecia tão bom apenas conversar com ele?

Merda!
CAPÍTULO V

“Eu não quero te machucar, eu só quero estar

Bebendo em uma praia com você em cima de mim

Eu sei o que todos dizem

Mas não estou tentando te enganar"[7]

IGOR

Caminhei pelo condomínio, como se estivesse flutuando.

Era estranho me sentir tão leve e tranquilo após uma noite sem

dormir. Eu era alguém que necessitava de um bom sono. O que


uma ótima companhia pela madrugada, manhã e tarde não

mudavam, não é?

Pedi para que um dos seguranças de Verô pegasse o meu

carro deixado na boate, e trouxesse para a Mansão Reis. Por


mais que todos tivéssemos seus próprios apartamentos, há muito

tempo, já dados pela nossa irmã mais velha, nunca conseguimos

transformar outro lugar em lar. Na realidade, era bem claro que


apenas sairíamos da mansão quando construíssemos uma

extensão da nossa pequena bagunçada família.

E eu gostava daquele lugar, mesmo que ainda

atormentado com um pouco do que descobrira sobre o que Verô


passou ali. Era um assunto intocável, porém, esperava o dia em

que ela precisasse colocar para fora. Que ela se permitisse cuidar
de nós.

Em meu caso, não tinha muito do que reclamar. Diferente


dos meus irmãos mais velhos, sempre foi fácil ser aberto para o

mundo. Não que eu confiasse facilmente nas pessoas, mas tive a

sorte de até hoje ter confiado nas pessoas certas. Talvez fosse o

bônus de ter aprendido a ter um olhar afiado com os mais velhos.

E isso me remetia a Lisa.


Sorri apenas em pensar sobre ela.

Foi tão fácil me atrair por ela, sem que eu precisasse

pensar muito, apenas me senti preso à imagem daquela


verdadeira deusa adentrando a boate. E foi ainda mais fácil,

gostar de estar com ela. Apenas atração e tesão eram

completamente diferentes do que dividimos. Era como se eu

pudesse apenas ficar olhando para ela e admirá-la. Uma coisa

completamente nova em minha experiência de vinte e seis anos.

Ela também se sentia assim?

Perdi-me completamente em pensamentos enquanto me

indagava sobre.

— Quem é ela?

Mal pisquei ao colocar os pés dentro da mansão Reis e

Carolina já estava em meu encalço.

— Posso passar pela inspeção depois? Não dormi nada na

noite passada e eu só quero banho e cama. — falei, apertando

suas bochechas, como se ela ainda fosse uma adolescente, e a

mesma bufou.

Ri de sua falta de compreensão e vi-a caminhar até Murilo,

que estava jogado sobre o sofá, assistindo algum filme com


Tadeu. Ela empurrou o braço dele, fazendo-o pausar o filme,

enquanto Tadeu bufava, e mostrou algo no celular.

— Já vi essa foto umas dez vezes antes de Igor chegar,

Carol. — ele falou, e ela o encarou como se fosse óbvio o fato de


que precisava que ele interviesse.

— Viu só, aprenda com eles, a ser menos fuxiqueira...

Pisquei um olho para minha irmã mais nova, desviando do


controle que ela jogou em minha direção.

— Eu não vou levantar um dedo daqui para buscar. —


Tadeu foi quem rebateu, e em alguns momentos como aqueles,

era como se ainda fôssemos crianças. Era algo que nunca se


perdia quando se tratava de irmãos.

Assim que pisei nas escadas, já estava sorrindo, feliz por


ter me livrado da inspeção inicial de Carol. O que eu poderia dizer

sobre a foto que repostei com Lisa ao meu lado? Mesmo que
meus amigos estivessem na mesma, era meio óbvio que ela

estava comigo. Ao menos, para o olhar atento de Carolina Reis.

Ouvi o barulho da porta da frente, e tentei apressar meus


passos, antes que...
— Verô! O Igor tem alguém! — Carolina praticamente

berrou, atrapalhando o filme dos outros dois, que pareciam já ter


desistido do mesmo, e antes que eu chegasse ao primeiro andar,

ouvi os saltos da nossa irmã mais velha contra a madeira.

— Eu vi a foto. — ela comentou casualmente. — Se for

algo sério, pelo que eu senti, já que nunca publica nada com
alguém além de nós, devia trazê-la para jantar.

Virei-me e me segurei no corrimão, para não cair escada

abaixo. O quê?

— Não sei porque a cara de surpresa. — rebateu

casualmente, subindo degrau por degrau.

— Precisamos investigar ele primeiro.

— Não seria investigar ela? — provoquei, e Carol revirou


os olhos. Só então percebi que caí em seu joguinho.

— Então temos motivos para pensar que alguém dessa


família vai se amarrar e não acabar com a vida de Verô, Mikasa,
Zuko e Gaara?

— Meus gatos estão a salvo de vocês.

Verô falou, passando ao meu lado e apertando levemente


meu braço, como se fosse o seu jeito de avisar que deveria
pensar no que ela sugeriu. Assim que ela sumiu de nosso campo
de visão, indo para o seu quarto, notei Carol ainda parada em um
degrau abaixo do meu.

— O quê? — fiz-me de desentendido, notando seu sorriso


enorme.

— Quem é ela?

Antes que ela continuasse, e sem querer lhe dar o braço a

torcer, apenas disparei em direção ao meu quarto, e sabia que


Carolina me seguia. Contudo, minhas pernas eram maiores e
consegui fechar a porta por um segundo em sua cara, dando-lhe

um sorrisinho.

— Ingrato! — gritou do outro lado da porta, enquanto eu

gargalhei. — Ela me seguiu de volta! — sua voz foi praticamente


um estrondo, e eu corri a pegar meu celular e mandar uma

mensagem para Lisa. Ela não tinha ideia do que estava fazendo
ao dar corda à minha irmã.

Porém, a vaga ideia de vê-las interagindo, deu-me para


pensar que um jantar dela conosco, em algum momento, poderia

ser algo bom. O que seria completamente diferente de tudo que já


compartilhamos. Já que Murilo vinha de um casamento que não
foi real, Verô não tinha pretensão alguma de ter alguém – ao
menos, foi o que sempre deixou claro, Tadeu era fechado como
uma ostra e Carolina sonhava acordada esperando o príncipe. Já

eu, sempre estive focado em me divertir e deixar acontecer. E


pela primeira vez, eu chegava na segunda parte de um pós

apenas uma noite e nada mais.

E eu estava gostando, até demais.


CAPÍTULO VI

“Você tem aquele cabelo longo, jogado para trás

E a camiseta branca

Eu tenho aquela fé de menina boa

E uma saia curta apertada"[8]

Semanas depois...

LISA

— Eu fui abandonada. — reclamei, assistindo minha

melhor amiga terminar a skincare, e me mostrar o dedo do meio.


Nossas chamadas de vídeo se tornaram uma parte significativa.

Ainda mais agora que ela tinha se mudado de vez para o interior.

— E eu fui levada por você naquela festa a fantasia e

acabei ficando com meu ex melhor amigo! — rebateu, e eu ri alto,


jogando-me para trás no colchão. — Queria ver a sua cara se

fosse você!

— E como eu saberia que Júlio Torres é amigo de Igor, e

ainda mais, que transaria com ele, sem saber que era ele? Aliás,
lembrando que nunca me disse o nome do bendito.

— Chega de falar sobre ele. — cortou-me, bufando mas eu


tinha certeza, pelo que seu pai me confidenciou por uma

mensagem mais cedo, que Júlio estava focado em reconquistá-la.

E mesmo que ela negasse, era claro que ainda gostava dele. Mas

não era minha história para contar. — Sexta-feira a noite, em

casa?

— Estava prestes a continuar “Casamento, não namoro”.

— suspirei. — Esse dorama é pura bagunça e confusão, e eu


estou amando.

— Nada de boate? Nada de Reis?


— Foi um dia cheio de trabalho, e até pedi comida. — ela
me encarou surpresa. Se existia alguém que não gostava de

gastar com delivery, aquela pessoa era eu. — E Igor deve estar

no trabalho agora.

— Um CEO para minha melhor amiga, como nos livros de

homem sem camisa na capa que você ama. — tive que revirar os

olhos, mas não podia negar. Igor ficaria um grande gostoso se

posasse em uma capa como aquela. Foco, Lisa!

— Não podemos negar que tem o seu próprio CEO,

querida ex melhor amiga.

— Já disse para aparecer por aqui, a qualquer hora. —

relembrou e eu sabia que podia, e talvez o fizesse, no próximo

feriado. — Meu pai mal vê a hora de te contar todas as fofocas

daqui.

— Ele é minha melhor companhia. E sua mãe a razão para

que eu vá. — ela pegou o celular, dando-me a língua, do jeito que

conseguia, com a máscara já parecendo endurecer na pele. —

Vou voltar para o meu dorama, e surtar porque está perto de


acabar.
— Aliás, lembra que eu falei que sou próxima da mais nova

dos Torres, certo? — assenti, escorando-me no cotovelo, sem


entender onde ela queria chegar. — Enfim, ela tem a cunhada –

Mabi, que você vai adorar quando conhecer. Encurtando a


história, Valéria, que trabalha na casa de Mabi e se tornou amiga
da família, também ama dorama.

Soltei um grito, pois a felicidade era genuína.

— Ponto para as dorameiras abandonadas. — falei e ela

tentou segurar a risada do outro lado da linha. — Passe o meu


número para ela, por favor. Preciso de alguém que surte comigo.

— Vou avisar Oli sobre isso.

— Agora vá ficar parada, que sua cara tá quase

empedrada. — ela assentiu, fazendo um sinal de coração com os


dedos e desligando a chamada em seguida.

Soltei o celular ao meu lado e respirei profundamente,


pensando que seria tudo comer um chocolate àquela hora. Só

que minha despensa estava gritando por uma compra nova e eu


andava cheia de preguiça para encarar um supermercado.

Caminhei até a cozinha, na busca de encontrar algo que

pudesse sustentar a vontade de doce àquela hora, enquanto me


negava a pedir outra coisa no aplicativo. Odiava a espera eterna

pela minha comida. Encostei-me contra o balcão, encarando os


armários abertos e tentando focar no que fazer.

— Alexa, tocar BANGBANGBANG de Big Bang.

Eu adorava aquela música e adorava o fato de que mesmo

tarde da noite, meus vizinhos geralmente davam festas, o que me


ajudava a não ter nenhuma denúncia. E sem Babi ali, aquele
apartamento parecia tão grande, que usava a música de

companhia.

Batidas na minha porta, me fizeram parar no instante em

que pegaria a lata de leite condensado e inventaria alguma coisa.


Talvez doce de leite na panela de pressão?

Assim que olhei pelo olho mágico, o rosto de Igor com um


sorrisinho de lado me surpreendeu. Abri a porta para dar de cara

com ele, vestido em um terno sob medida, já com a gravata fora,


alguns botões desfeitos, e a clara cara de cansaço. Contudo, ele

ainda parecia o mesmo pecado ambulante de sempre.

— Trouxe doces! — levantou a sacola, mostrando-me ser

da minha doceria favorita. — Achei que era a melhor desculpa


para me deixar entrar.
Semicerrei os olhos, e abri-lhe ainda mais espaço para
entrar no apartamento. Ele já tinha me trazido algumas vezes,
mas nunca de fato estivera em meu apartamento. A realidade era

que Babi nem eu trazíamos homens ali. Contudo, Igor Reis não
era apenas mais um cara.

Nem de longe.

— Apenas veio me mimar, então?

Aproximou-se, e seus lábios vieram para os meus, tão


doces quanto eu me lembrava, tão intensos quanto eu desejava.

— Conheço essa música. — falou, assim que afastou seus


lábios nos meus. — Bang bang bang! — cantarolou, e eu revirei
os olhos.

— Os reis do kpop.

— Tô tentando me lembrar de onde ouvi isso. — admitiu,

enquanto andava comigo até o balcão e depositava a sacola de


papelão. — A sua sorte é que sou bonito o suficiente para

convencer o atendente de não fechar a porta na minha cara,


mesmo chegando segundos antes de eles fecharem.

— Devo agradecer a sua beleza por aceitar que tudo o que


queria agora era um doce? — ele sorriu, enquanto me cercava no
balcão e sua mão veio para o meu rosto.

— Qualquer desculpa para poder te ver, deusa.

— Não que você precise de alguma. — levei meus braços

ao redor do seu pescoço, e ele sorriu lindamente. — Com fome?

— De você? Sempre. — revirei os olhos, batendo contra o

seu peito. — Sei que ficou no trabalho até agora. — ele suspirou

fundo, bocejando em seguida. — Comeu alguma coisa?

— No almoço. — olhei-o incrédula, pois já era muito tarde.

— Por isso comprei alguns salgados também. — piscou um olho,

como se resolvesse.

— Com quem eu faço a reclamação de que o chefe não


está se alimentando direito? — indaguei, e ele sorriu levemente.

— Se eu contar a Carlos ou Iara.

— Deusa, meu ponto fraco, não. — reclamou e eu tive que


rir.

Os seus amigos me mandavam mensagens desde o dia

em que nos conhecemos. Principalmente Iara, que me pediu para

ficar de olho em Igor, já que Carlos estava preocupado pela forma


como ele estava sempre preso ao trabalho. E sabia que eles o
cobrariam de se cuidar melhor, mesmo com o pouco tempo que

os conhecia.

Eles me lembravam o que Babi representava para mim.

— Foi só hoje e um dia na semana passada. — parecia

uma criança se explicando, com a carinha de gato de botas, que


ele sabia bem representar. — Não conte a eles.

— Da próxima, sem desculpas.

Ele assentiu e seus lábios vieram para os meus.

E não poderia negar, que ele era a melhor surpresa que eu


tivera, não só naquela noite, mas nos últimos tempos.
CAPÍTULO VII

“As pessoas se apaixonam de maneiras misteriosas

Talvez apenas com o toque de uma mão

Bem, eu, eu me apaixono por você a cada dia

E eu só quero te dizer que estou apaixonado"[9]

IGOR

— Não é um bom momento. — assumi, ao me virar na

cadeira e dar de cara com Carolina, com um sorriso de orelha a

orelha.

— Trouxe o seu almoço.


Colocou uma sacola à minha frente e piscou um olho. Não

era incomum que aquilo acontecesse, mas era raro Carol estar de
fato na empresa, já que ela detestava o trabalho ali. Mesmo que a

ideia de termos uma rede de hotéis fosse nossa, apenas eu de

fato me empolguei com aquilo.

Carol tinha o seu lado de enjoar fácil das coisas,

principalmente, quando alcançava algum objetivo.

— Andei falando com a minha cunhada. — comentou,


desembrulhando o lanche que comprou para si, e arqueei uma

sobrancelha. — Vai dizer que não estão namorando?

— Estamos juntos. — assumi, e Carol me inspecionou com

o olhar.

— Namoradinhos que não namoram, tá bem! — riu de

lado, e deu uma grande mordida no lanche. Revirei os olhos e

foquei em afastar alguns papéis, antes de poder comer de fato. —

Gostei dela, de verdade.

Encarei-a, completamente surpreso.

— Acho que finalmente algum de nós vai desencalhar. —

deu uma risadinha de lado. — Nem acredito que você foi o

primeiro.
— Não podemos considerar o casamento... — fiz aspas
com os dedos. — de Murilo como o primeiro de nós.

— Que Deus a tenha, mas eu a detestava por tê-lo feito se


casar. — assumiu, e eu assenti com a cabeça. O tipo de coisa

que você apenas confidencia àqueles em quem realmente confia.

— E você, barbie? — indaguei, após beber um pouco do

refrigerante que trouxe. — Nada em vista para o seu castelo?

— A senhora Lopes ainda fala comigo. — deu de ombros.

— Não sei muito o que pensar, admito. Alfredo é um cara legal, e


eu acho que poderia dar certo, mas...

— Se existe um “mas” não me parece bom.

— Só vou deixar acontecer, e ver no que dá. — piscou um

olho. — Estou focada em decidir o que fazer da minha vida.

— Seu cargo aqui continua intacto.

— Por que eu não consigo gostar daqui? — indagou,

suspirando fundo.

— Talvez do mesmo jeito que eu não consigo gostar de

ficar viajando pelo mundo. — sorri, dando uma mordida em

seguida no lanche. — Meu favorito, da minha irmã favorita.


— Deixa Verô ouvir isso. — rebateu, com um risinho de

lado.

— Ela é mais que irmã, você sabe. — pareceu pensar por

um segundo e assentiu.

— Infelizmente, tenho que dar razão agora. — fez uma leve


careta. — Faz tempo que não vamos ao cinema, em família... O

que acha?

— Eu sabia que queria alguma coisa quando passou por

aquela porta.

— Eu só vim ser uma ótima irmã e alimentar meu irmão

mais velho que sei que pula as refeições sempre. — encarou-me


se fazendo de coitada. E eu conhecia bem aqueles olhos de pena

que ela sabia fazer como ninguém. — Os mais velhos já


concordaram... Que tal chamar Lisa?

— Boa tentativa. — rebati. — Mas ela está presa em uma


conferência até bem tarde. Até combinei de buscá-la no trabalho

por conta disso.

— Você ia tentar buscá-la de todo jeito, convenhamos. —


não pude negar. — Mas enfim, noite de família no cinema?

— Tadeu sabe dessa animação toda?


— Nosso ursinho vai adorar a comédia que eu escolhi. — ri

alto, imaginando a cara de tacho que ele ficaria quando


descobrisse o objetivo de Carolina.

As coisas andavam tão tranquilas ultimamente, que sequer


me recordava do quanto já cheguei a odiar aquele sobrenome.

Não por conta dos meus irmãos, mas sim, pelos outros
interligados a ele. Não perderia meu tempo pensando sobre quem

não merecia, mas sim, em como nosso sobrenome foi


ressignificado, quando vó Regina nos juntou, e Verô deu
continuação ao que ela construiu.

Um Reis era um Reis digno se viesse daquela criação.

— Não rouba as minhas batatas. — Carol bateu em minha

mão, e eu tive que rir, porque sequer notei que estava pegando
da dela.

— O preço a se pagar por ser mimada, dividir comida


comigo. — pisquei um olho e ela pegou as batatas e enfiou-as na

minha boca, sem dó nem piada. — Caralho, Barbie! — bradei, e


ela gargalhou alto.

— Apenas dividindo comida com meu querido irmão.


E realmente, naqueles momentos, sabia que éramos de
fato dignos. Ao menos, queria acreditar.

— Nunca mais! — Tadeu falou, sendo o primeiro a sair pela


porta do cinema.

— Ursinho! — Carol gritou, correndo atrás dele. — Eu vou


no banco do carona.

— Eu vou te esganar, Carolina! — ele rebateu.

— Parem de parecer crianças de doze anos, meu Deus!

Murilo correu até eles, como bom conciliador que era, e eu


gargalhei alto, passando um braço ao redor dos ombros de nossa

irmã mais velha. Ela não era de toques e amor caloroso daquela
forma, mas nunca se negou a aceitar que era o meu jeito.

— O que acha do fato de ter criado esse bando, e eles


agirem como pirralhos?

— Gostava mais de quando eram pirralhos. — debochou, e

eu tive que rir. — Mas me dão menos trabalho hoje em dia.


— Eu sempre fui um santo. — rebati, e ela me encarou
levemente, como se seu olhar dissesse tudo. — Pelo menos não
enfiei uma tesoura na cabeça.

— Não me lembre de quando Carol fez isso. — fez uma


careta, e a guiei pelos corredores do shopping, em busca da

saída e encontrar o restante de nós que deveria estar brigando


até agora.

Quando finalmente os localizamos, Carol já acenava do

banco do carona, como boa mimada que era, que Tadeu poderia

brigar e discutir mas ela sempre ganhava o que queria, e o nosso


mais velho com certeza fingindo que estava em outra dimensão

para não lidar com ela.

— Não sei porque ainda me intrometo. — Murilo falou,

assim que abri a porta para Verô entrar, e ela se sentou ao seu
lado. — Não vai entrar? — ele indagou, vendo-me parado do lado

de fora.

— Tenho que buscar Lisa.

Todos me encararam surpresos, menos Carol que já sabia


daquilo.
— Ela deve sair por agora do trabalho. — olhei

rapidamente meu relógio que já marcava onze horas da noite. —


Ou até demore um pouco mais.

— Te vemos amanhã, então. — Murilo comentou e eu

assenti. — Vá com segurança, irmão.

— Sabe que eu sou um exemplo de cuidado. — pisquei um

olho e ele bufou.

— Lembre-se de convidá-la para jantar com a gente... —

daquela vez todos os olhares pararam em Verô, que apenas me


encarou. — Amanhã seria bom.

— Eu... — engoli em seco. Ela realmente tinha dito aquilo

quando soube de Lisa pela primeira vez, mas não pensei que de

fato era sério. Verô queria mesmo conhecê-la? — Eu vou ver com
ela.

— Só assim para ele assumir que está namorando para

gente. — Carol implicou e eu me virei para ela, apertando suas


bochechas com força. Ela deu um solavanco com o corpo, e para

sua sorte, a porta me impedia de alcançá-la novamente.

— Vão com cuidado.

Tadeu assentiu e me afastei, esperando-os sair dali.


Por algum motivo, a simples imaginação de Lisa ao lado da

minha família, em um jantar, me trazia um sorriso no rosto. Eles

eram as pessoas mais importantes da minha vida, e foi quando


percebi, que ela estava se tornando uma também. Depois de

tantos anos, apenas encontrando conforto e um lar nos meus

irmãos, eu parecia ter encontrado algo parecido com alguém de

fora.

E a sensação mesmo assustadora, me fazia bem.

Meu celular vibrou e encarei o seu nome no visor. De

repente, meu coração acelerou e a resposta da pergunta que


sequer fizera me acertou. Não precisei nem a ver para ter certeza.

— Finalmente, eu saí. — falou, num tom claramente

cansado.

E eu me vi rindo sozinho para o nada, mas que era para


ela, no estacionamento do shopping. A reação de todo meu ser,

diante da sua voz foi o que precisava apenas para reafirmar – eu

estava apaixonado.
CAPÍTULO VIII

“Puta, vagabunda, interesseira

Eu fazendo meu trabalho

Escutando só besteira"[10]

LISA

— Não não...

Ri do seu lamento, enquanto seus braços me cercavam, e

eu tentava escapar de alguma forma daquela cama. Não que


quisesse, mas precisava ir ao trabalho.
— O que eu posso fazer para me deixar sair? — perguntei,

cedendo um pouco na força e ele sorriu, ainda com os olhos


fechados.

— Um: vários beijos. — adiantei-me, e fui até ele,


distribuindo beijos por todo seu rosto e costas.

— Fácil. — brinquei, ainda sentindo seus braços fortes ao

meu redor. — Qual a segunda condição?

— Dois: aceitar ir num jantar com a minha família.

Fui pega de surpresa e então seus olhos castanhos


encontraram os meus. Ele estava falando sério?

— Eu conheci Babi, lembra? Até que viajamos para o


interior e ficou com ela, e tudo mais... — sorri para ele,

lembrando-me daquilo.

Em tão pouco tempo, nós dois já tínhamos vivido dias que

eu não imaginei ter ao lado de alguém tão cedo. Ele conheceu

uma das partes importantes minhas e nada mais justo do que eu

fazer o mesmo. Era um pouco complicado para mim, mas com


ele, parecia certo aprender a ceder.

Aprender a fazer parte.


Ele estava dando o seu melhor, e eu queria que tivesse o
melhor de mim também.

— Ok, mais uma fácil. — o peso de seu braço se tornou


nada. Dei-lhe um leve beijo nos lábios e me levantei, seguida do

seu olhar embasbacado. — O quê? Eu deveria ter dito não? —

provoquei, parando na beira da cama e o encarando.

Vestida na sua camisa, já que nunca me lembrava de


trazer roupas a mais, e não poderia reclamar de quão confortável

era. O quão íntimo aquilo se tornou para mim.

— É que pensei que sairia correndo. — admitiu, sentando-

se na cama, e vindo até a beirada da mesma. Puxou-me para

estar entre suas pernas, e como nos outros dias, a visão dele,

sendo a primeira do meu dia, era diferente de tudo que já

experienciei.

Vi-me suspirando sem saber de fato porque o fazia. Talvez,

eu já soubesse, só não conseguia admitir ainda.

— Estamos deixando acontecer, certo? — levei minhas

mãos ao seu rosto. — Se eu não gostar de algo, vou dizer. E

espero o mesmo de você.


— Eles podem ser um pouco intimidantes e estranhos,

confesso.

— Sempre quis saber como é ter vários irmãos. —

comentei, lembrando-me de minha mãe e de como ela adorava a


ideia. Mas infelizmente, não foi possível. — Talvez eu roube os

seus.

— Eu te dou, de graça.

Ri e levei meus lábios para os seus.

Sabendo o que ele faria, travei minhas pernas e o impedi


de me virar na cama.

— Conheço seu joguinho, Igor Reis. — falei, e ele riu de

lado, do jeitinho que eu tanto adorava e me tinha por completo.

Zombeteiro na medida certa pra mim.

— Das coisas que eu adoro em você. — deu-me um leve

beijo, e o olhar que me entregara dizia que ele realmente o fazia.

E foi quando eu notei, de verdade, e consegui admitir a

mim mesma, que o adorava também. A ideia de um


relacionamento não era assustadora com ele, nem do tipo que

atormentava ou fazia mudar sua própria vida. Era calmo,


engraçado, gostoso e sincero. E eu queria fazer dar certo, porque

ele parecia o cara certo.

Certo para mim.

Horas depois, caminhei pelo corredor da empresa, em

direção à sala da diretoria e por um segundo, senti que aquela era


uma péssima ideia. Contudo, meu chefe tinha sido claro de que

era a minha chance de promoção. Notei então alguns colegas


amontoados perto da entrada da sala de café e vi-me respirando
novamente.

Por que eu estava com tamanha sensação ruim?

Como minha mãe diria: quando a esmola é demais, o santo


desconfia. Eu tinha a promessa de ser promovida há um ano, e
até aquele momento nada. Algo me intrigava: por que justamente

agora? Talvez fosse o fato de Babi ter pedido demissão e não


terem que escolher entre nós. Ainda assim, algo parecia errado.
Bati duas vezes na porta e abri, conforme as instruções
que recebi. Contudo, assim que notei o ambiente à minha frente,
estranhei o homem mais velho e desconhecido parado ali.

Definitivamente, não era o meu chefe ou qualquer superior que eu


conhecesse.

— Senhorita Elisa Fernandes? — indagou, olhando-me de


cima a baixo, e a forma como pareceu mapear meu corpo, fez-me

sentir asco. Que diacho era aquilo?

— Sim. — fui sucinta, e fiquei parada a uma longa distância


da mesa em que ele estava encostado. — O senhor seria?

— O seu passo para ser a CEO dessa empresa.

Olhei-o sem entender absolutamente nada e já estava

pronta para corrigi-lo, de que não era o meu objetivo tal coisa. Na
verdade, o meu ponto alto naquela empresa era ser a

responsável pelo setor de relações internacionais da empresa,


sendo consultora econômica da matriz dali. E então seguir com

minha vida acadêmica. Pelo jeito, ele tinha errado a pessoa.

— Talvez queira ser a CEO da matriz? — olhei-o perplexa,

e ele sorriu, jogando a pasta em suas mãos sobre a mesa. —


Vinte e seis anos, mestrado em uma das federais mais difíceis do
país, nunca ficou doente e apresentou ótimas indicações de
funcionários já efetivados aqui.

— O que mais tem aí? — indaguei, encarando levemente


os papéis. Aquela história me parecia muito estranha.

— Não é burra, algo para elogiar o manipuladinho.

Semicerrei os olhos e cruzei os braços.

— Acredito que meu chefe se confundiu, e trouxe a pessoa


errada, senhor...

— Senhor Reis. — senti o impacto do simples sobrenome

sobre mim. Ele tinha alguma relação com Igor? Mas o que ele

estaria... — Reinaldo Reis, o pai do seu namoradinho, e espero


que futuro marido.

— Igor me disse que o pai está morto. — o pensamento

saiu em voz alta, e notei o olhar do homem à minha frente mudar,


mas era completamente diferente de tristeza. — Eu...

Ele então gargalhou alto, como se aquilo tudo fosse uma

grande piada, e fiquei ainda mais perdida.

— É claro que ele diria isso. — deu de ombros. — Vamos


ser diretos. Você pode ter o cargo que quiser aqui ou na matriz,

se me trouxer informações sobre meu querido filho.


— O quê? — minha voz praticamente não saiu.

— Preciso de um contato com Igor, e você... — colocou as


mãos nos bolsos e veio em minha direção. Assim que parou ao

meu lado, encarou-me e não baixei meu queixo, sem entender o

que de fato ele queria com aquilo. — O que me diz?

— Isso é uma pegadinha? — perguntei, olhando ao redor,

e fingindo estar procurando câmeras, mas no fundo, esperava

que tivessem várias por ali. — É algo anos 2000 do Silvio Santos?

— Talvez não seja tão inteligente assim, como imaginei. —


olhei-o perplexa. — Apenas fique com ele, se case e me passe

tudo o que souber sobre Verônica, ou qualquer coisa que

considere importante sobre os bastardos ao lado dele. —


arregalei os olhos, sem conseguir crer que não estava presa a um

dorama ou novela mexicana. — E terá a promoção que desejar

nessa empresa.

— Ficou louco? — rebati, e senti o exato segundo em que


seus dedos se fecharam em meu braço.

— Pode ser minha putinha se quiser. — afastei-me dele

com um solavanco, e meu punho foi direto em seu rosto. Ele

gemeu pelo impacto e pareceu quase cair. — Vagabunda!


— Vá se foder!

Dei-lhe as costas e rumei para fora dali. Se tinha uma coisa

que aprendi desde muito nova, era não aceitar de forma alguma,

ser tratada menos do que deveria. E ainda mais, com um


desconhecido completo que estava afirmando x e y sobre o que

eu não entendia.

— Se cruzar essa porta, nunca mais entrará nessa


empresa.

Paralisei diante de sua fala, e sequer consegui levá-la a

sério. Não era possível ele ter tamanho poder? Mas quem de fato

era ele?

— Muito bem. — falou, e a raiva me consumiu novamente.

— Talvez tenha que ser uma putinha bem domada.

— Não precisa me demitir. — a fala saiu dentre meus

dentes rangendo. — Se essa empresa a qual dediquei tantos


anos se presta ao papel de ceder a um ser como você... eu me

demito.

O homem pareceu em choque, enquanto eu saía pela


porta, e praticamente corri em meus saltos em direção ao

elevador. Não saberia o que dizer ou o que fazer, apenas a


adrenalina parecia me manter de pé naquele instante. A cada

andar que descia, sentia a raiva diminuindo, e dando lugar à falta


de razão de todo aquele momento.

Quem aquele homem era? Por que tinha me procurado?

Qual a verdadeira relação com Igor?

Meu celular tocou e o nome de Igor brilhou na tela.

— Ei, sei que não me confirmou se viria, mas...

— Apenas me busca aqui na empresa. — falei, soltando o

ar com força, e desfiz a ligação.

Não conseguia pensar direito, mas também não poderia


afastá-lo. Tinha que entender o que estava acontecendo e então,

ir atrás do meu verdadeiro chefe que me colocou ali. Aquele filho

da... Respirei fundo, ainda dando uma chance para que ele
pudesse se explicar.

Tinha que existir alguma explicação.

Contudo, primeiro precisava falar com Igor e descobrir

quem era Reinaldo.

Segundo, falar com meu chefe e descobrir se tinha de fato

me demitido ou não.
Esperei por alguns minutos, encostada na frente do prédio

em que a empesa ficava, e coloquei a rainha CL para me distrair

um pouco dos pensamentos, mesmo que a cada “What’s up” eu

estivesse refazendo o caminho do que aconteceu até ali.

Quando o carro de Igor parou à minha frente, apenas tirei

os fones e guardei o celular, nem me questionando pelo fato de

até ter decorado a placa. Nós estávamos em um relacionamento


mesmo que não o tivéssemos nomeado ainda;

Ele sorriu ao descer do veículo e veio até mim, tocando

levemente meu rosto. Conduziu-me até a porta, abrindo-a, como o

cavalheiro que era, e fiquei me indagando: não era possível que


aquele fosse o seu pai. Quando finalmente abri minha boca para

trazer o assunto, dei um pulo no banco, ao encontrar a irmã dele

no banco de trás.

— Surpresa, cunhadinha!

— Barbie, você prometeu! — ele falou, ao entrar no carro,

e eu forcei um sorriso que nem sabia de onde tinha tirado. — Ela

insistiu em vir, acho que seria mais fácil te fazer não desistir do
jantar.

— Ah, o jantar...
Engoli em seco, quando minha ficha caiu.

Era naquela noite, o meu jantar com a família de Igor. E


quando o encarei, com um sorriso aberto, e sua irmã falando

sobre mil coisas que eu ainda não acompanhava de fato, senti-me

perdida. O homem que acabara de deixar na sala da empresa

que também parecia ter deixado para trás, era de fato seu pai?

O que eu faria?
CAPÍTULO IX

“Nós éramos uma página nova na mesa

Preenchendo os espaços em branco enquanto avançamos

Como se as luzes da rua apontassem para a ponta de uma flecha

Nos levando para casa”[11]

IGOR

Notei de relance um sorriso no rosto de Lisa, que antes


nunca tinha aparecido. Tudo bem que estávamos nos vendo há

apenas alguns meses, mas ainda assim, a sensação era de

conhecê-la a ponto de duvidar que a forma como ela agia naquele


exato instante era verdadeira.
— Eu adoro essa música! — Carol gritou do banco de trás,

tirando-me dos pensamentos, enquanto levei uma das mãos até a


de Lisa, colocada sobre sua perna esquerda.

Ela me deu um breve olhar, e felizmente, pude capturá-lo,


por estar parado no sinal vermelho.

— Você gosta do que, Lisa? — minha caçula continuou o

assunto, cantando partes da música, e notei por um segundo,

Lisa se virar para falar com ela, enquanto eu tinha de focar


novamente no trânsito.

— De tudo um pouco, de Taylor Swift, passando por kpop,


sertanejo, indo pro funk... — pareceu ser a fala mais fácil dela

naquele fim de tarde, e culpei minha mente preocupada por ela

dar para trás naquele jantar, de estar imaginando coisas.

O problema não parecia ser o jantar, mas poderia ser o

nervosismo dela com aquilo. Como eu me sentiria se estivesse

indo conhecer a família dela? Tínhamos falado sobre aquilo, mas

infelizmente, Lisa não tinha mais a mãe, contudo, prometeu que


ainda teria o meu momento de convencer a melhor amiga dela,

que era como sua família, se eu teria a sua bênção ou não.


Essas conversas eram tão simples na noite anterior, por
que eu estava tão hesitante?

Ela embarcou em uma conversa animada com Carol sobre


seus grupos de kpop favoritos, incluindo palavras como bias e utt,

que eu já tinha escutado antes, mas nunca me toquei de fato

sobre o que se tratava. Sorri de leve, tentando acalmar a mim

mesmo, e me focar na mão na sua, que era tão certa quanto

respirar.

Minutos depois eu já estacionava à frente da Mansão Reis,

e percebi o olhar atento de Lisa sobre a casa. Esperei alguma

piadinha ou consideração, mas ela não me reservou

absolutamente nada. Ok, agora eu estava realmente pirando à toa

ou preocupado com razão.

— Barbie, vai na frente. — pedi para minha irmã, que

pareceu entender que não era uma brincadeira minha, e sequer

retrucou.

— Espero vocês lá dentro. — falou, e saiu rapidamente do

carro.

Apertei a mão de Lisa, que me encarou profundamente, e

permanecia com o sorriso que não me convencia de nada.


— Aconteceu alguma coisa? — indaguei, levando a outra

mão livre ao seu rosto, e ela respirou profundamente.

— Tive um péssimo dia no trabalho. — respondeu, e

parecia realmente sincera. — Mas precisamos conversar sobre


algo, Igor.

— O que foi?

Minha preocupação deveria ser nítida e notei o modo como


seu olhar mudou.

Batidas na janela do carro me fizeram quase dar um pulo


no lugar, e senti-a fazer o mesmo. Encontrei então Carolina do

outro lado, o que me mostrou que não tinha entendido que


precisava daquele momento. Desci o vidro e ela me encarou

sorridente. Por que irmãos eram tão intrometidos assim?

— Antes que queira me bater... — avisou, já fazendo um

sinal com as mãos de proteção, e revirei os olhos. — Verô foi


quem me mandou aqui, ela disse que precisa falar algo

importante com vocês.

Franzi o cenho, sem entender nada, e notei Carol se


afastar em seguida. Olhei para Lisa e notei sua clara

preocupação.
— Não precisamos fazer isso se não quiser. — avisei, e

toquei seu rosto com minhas mãos. — Minha família pode parecer
complicada, em alguns momentos. Sei que é um passo que a

maioria dos casais dá, e acredite, quero dá-lo com você. Quero te
dar o mundo, Lisa. — assumi, e ela pareceu sentir o baque da

minha sinceridade em si, porque era a primeira vez que a via tão
exposta.

— Vamos fazer isso. — falou, e tocou minha mão sobre o


seu rosto. E então sorriu, da forma que eu tanto gostava, e fiquei
menos preocupado sobre estar forçando-a a algo. Na realidade,

Lisa era tudo, menos uma pessoa que parecia poder ser forçada
a algo.

Desci do carro, com ela a tiracolo, e entrelacei nossos

dedos. Por um segundo, eu me sentia nervoso. Nunca tinha feito


tal coisa, e mesmo que fosse simples, significava muito. Lisa

gostaria dos meus irmãos? Eles gostariam dela? Perguntas tão


banais, mas que poderiam ser decisivas.

— Bem-vinda à Mansão Reis.

Lisa olhou pela casa, e era claro o brilho nos seus olhos.

Aquele lugar era lindo e tinha muito orgulho dele, ainda mais, por
saber como acabamos tendo-o. Procurei meus irmãos, e
encontrei os mais velhos na sala de estar. Eles poderiam ser
durões, mas eu sabia que estavam curiosos sobre a primeira
pessoa que de fato alguém apresentaria naquela família.

— O ruivo é Murilo. — falei, enquanto caminhávamos até


eles, que se levantaram rapidamente. — O que parece que não

tem amigos, mas é fofo, é Tadeu.

— Igor! — meu mais velho rebateu, e ouvi a risadinha de


Lisa ao meu lado.

— Ele fala muito sobre vocês. — ela os cumprimentou, e


notei a carranca no rosto de Tadeu se desfazer um pouco. — É

um prazer.

— Até posso imaginar o que ele diz. — a voz de Verô nos

chamou atenção, e virei meu olhar para ela.

Seu rosto era neutro como sempre, e encaminhei Lisa até

ela.

— Essa é Verô. — falei, e Lisa a cumprimentou, com um

leve sorriso no rosto.

— Podemos ter um minuto antes do jantar? — indagou, e

estranhei tal coisa, ainda mais, por ter nos chamado no carro
minutos antes. E por um segundo, só gostaria de conseguir
decifrar minha irmã mais velha.

— Claro. — respondi, e já a seguiria até o escritório, mas


ela negou com a cabeça. — O quê?

— Apenas com Elisa, Igor.

Olhei-a sem entender de fato, e me negaria, se não fosse o

leve toque de Lisa em minha mão. Verô não era de bancar a mãe
impertinente, a não ser que tivesse motivos para tal coisa. As

duas seguiram para o escritório do térreo da casa, e me virei para

meus irmãos mais velhos, sem entender nada.

— O que houve? — indaguei de imediato.

— Verô recebeu uma ligação e acredito que não muito boa.

— Tadeu foi quem se pronunciou. — Não acho que ela vai

assustar a garota, irmão.

— Ainda assim, Verô teria me dito se fosse ter um

momento com ela... — passei as mãos pelos cabelos, confuso.

— Ela pode só estar dando boas-vindas e ameaçando

levemente, do jeito que apenas Verô sabe fazer. — arregalei os


olhos para Murilo. — Ela não vai deixar que ninguém quebre o

seu coração, não de propósito.


Eu sabia que não, mas também sabia que existiam coisas

que eram incontroláveis. Verô sabia daquilo também. Suspirei


fundo, e não pude me aguentar parado no lugar. Fui até o

escritório, bati na porta, e esperei. Precisava entender o que

estava acontecendo, porque sentia que tinha algo muito errado.

Para Verô tomar uma dianteira, fosse o que fosse, algo não

estava bem.
CAPÍTULO X

“Me dê um ou dois dias

Pra pensar em algo inteligente

Pra escrever uma carta para mim mesma

Pra me dizer o que fazer” [12]

LISA

Enquanto eu caminhava até o escritório, permaneci presa à


ideia de que tinha perdido a carreira que tanto lutei para construir.

Seria aquilo? Em menos de um minuto, perdi tudo o que tanto

batalhei por anos?


Sequer deveria estar naquela casa, naquele instante, mas

sim, indo até quem eu sabia ser meu verdadeiro chefe e exigindo
uma explicação. Contudo, era como se eu não soubesse como

dizer “não” para Igor, não após vê-lo tão dedicado ao que

estávamos construindo.

Porém, e se tudo já tivesse desmoronado?

— Se encontrou com Reinaldo Reis hoje?

A pergunta da irmã mais velha de Igor, que significava mais

do que aquilo, me pegou completamente de surpresa. Foi então

que percebi que já estávamos dentro do ambiente e com a porta


fechada.

Como ela sabia? Seria ela parte do que jurei ser uma
pegadinha?

— Sabia que ele ia me procurar? Quer dizer, ele me

procurou a mando de alguém daqui? — perguntei de relance, sem

conseguir evitar. — Parece uma grande brincadeira de mau gosto,

isso sim. Se aquilo foi um teste para saber se estou com Igor pelo

sobrenome ou dinheiro dele, já deve ter a resposta.

Ela então pareceu pensar sobre algo, passando as mãos

pela grande mesa de madeira à sua frente, mesmo que de pé.


— Então ele te ofereceu algo mais que dinheiro?

— Não sabe? — rebati, e ela me encarou, como se não

esperando tal pergunta. — Parece saber sobre eu ter encontrado


Reinaldo, mas não sobre o que ele falou?

— Não é a melhor introdução à família que gostaria de te

dar. Mas existem coisas exigidas para quem queira fazer parte

disso. — assumiu, e encarou-me profundamente. O que diabos


ela queria dizer com tal coisa? — Reinaldo está morto para nós,

mas nós não estamos mortos para Reinaldo.

— Igor disse que o pai está morto, e esse homem

apareceu dizendo ser o pai dele. E por que estamos tendo essa

conversa sem ele? — rebati, e ela sequer mudou seu semblante.

A mulher parecia indecifrável.

— O quê?

Igor adentrou o ambiente de imediato, e notei Verônica o

encarar seriamente.

— Um homem chamado Reinaldo me procurou. — falei

finalmente para ele, notando que não poderia adiar tal conversa,
não depois de tudo ser jogado ao ventilador. Se fosse delicado ou

não, já estava explanado. — Ele disse que era o seu pai, Igor.
— Reinaldo está morto para nós, mas nós não estamos

mortos para ele. — nunca o vi falar tão seriamente em todo


aquele tempo, e me surpreendia por ser a mesma frase que a

irmã disse há poucos segundos. — Eu sinto muito, Lisa. —


aproximou-se, e fiquei sem saber o que fazer. — Era sobre isso
que queria falar? Por isso estava estranha?

— Ele me ofereceu um cargo como CEO da empresa, ou


até da matriz, se eu levasse informações de vocês e me casasse

com você.

— Filho da...

— Estamos adiando esse jantar. — Verônica pareceu


praticamente bater um martelo, e saiu do escritório em segundos,

com o celular na orelha.

— Igor...

Ele pareceu perdido por um segundo, respirando fundo,


como se tentando se realocar.

— Eu sinto muito. — cada palavra pareceu ser dita do

fundo de sua alma. — Acho que o jantar já era. — forçou um


sorriso, assim como vários que forcei naquela noite.
E por um segundo, vi-me tentando responder à questão

que Verônica levantou, e que de fato não parecia tão simples.


“Existem coisas exigidas para quem queira fazer parte disso.” Eu

queria fazer parte? Aquela parecia uma bagunça além do comum.

Mas por um segundo, apenas me vi indo até Igor e

trazendo-o para mim, e era como se eu soubesse, que talvez


fosse um dos últimos momentos ao lado dele daquela forma.

E então eu já estava em frente ao meu prédio novamente.

Após a passagem de tempo mais estranha ao lado de Igor, que


parecia precisar correr para algum lugar logo. O silêncio entre nós

era perturbador, e foi quando me senti no limbo de que essa


relação poderia ser um erro.

E só agora ambos percebíamos tal coisa.

— Eu sinto muito, Lisa.

Encarei-o, forçando outro sorriso e apertei sua mão.


— Não há muito o que fazer sobre o que já foi. —
argumentei. — E não há muito o que me possa explicar sobre
alguém próximo que age de tal maneira. — e como já esperava,

Igor não se aprofundou novamente no assunto.

Ele não queria falar sobre o tal Reinaldo. E eu tinha meus

próprios problemas para com aquele homem agora. Acreditava


que ambos deveríamos nos resolver sozinhos. Deveria ser aquilo.

— Certeza de que ele não te ameaçou ou prejudicou em

nada? — insistiu, parecendo ser conhecedor de causa sobre do


que aquele homem era capaz.

— Podemos falar mais sobre isso depois, acredite. — falei,


cortando aquele assunto. Não era como se eu pudesse

simplesmente abrir o que aconteceu de fato sobre o meu trabalho.


Se eu tivesse realmente perdido o emprego, voltaria à estaca

zero, sem entender como de fato parei ali. E olhando para Igor, eu
sabia a resposta. Mesmo que quisesse ignorá-la, por mais alguns
minutos.

Poderia fingir por alguns minutos que estava tudo bem e


que ainda estávamos na mesma página?
— Tenha cuidado. — vi-me dizendo, sem saber ao certo
porquê, e levei minhas mãos ao seu rosto, como se pudesse
memoriza-lo. E eu queria fazê-lo, para que aquela sensação ruim

em meu interior, como se fosse de perda, passasse.

Eu o estava perdendo? E ciente daquilo?

— Caso algo aconteça, apenas me ligue. — praticamente

implorou, e assenti. Era como se dissesse: se Reinaldo aparecer,


me diga. — Conversamos amanhã, certo?

— Certo.

Deu-me um leve beijo, que por um segundo, tomou conta

de mim, e me fez esquecer por completo de como tudo aquilo


poderia terminar de forma errada.

Quando se afastou, relutei em soltar sua mão e vi-o

fazendo o mesmo.

Era aquela sensação atormentadora de saber que era o

fim, mesmo que se negasse a aceitar? Por um segundo, torci para

que minha intuição estivesse errada. Contudo, ela não estivera

em vinte e seis anos.


CAPÍTULO XI

“Se eu estou morta para você, por que você está no velório?

Xingando meu nome, desejando que eu tivesse ficado

Veja como minhas lágrimas ricocheteiam” [13]

IGOR

Eu estava incrédulo, mas não tanto assim. Porque eu sabia

um pouco do que Reinaldo era capaz. Aquele grandíssimo


desgraçado. Suspirei fundo uma vez, e não sabia o que

responder. Contudo, bastava lembrar-me do olhar de Lisa agora

para entender porque ela parecia tão distante do que realmente


era. Reinaldo tinha voltado para nos infernizar, e daquela vez,

estava mexendo com a mulher por quem eu me apaixonei.

E ele pagaria caro por trazê-la para aquilo.

Disquei o número de Verô, que foi direto para caixa-postal.

Onde ela estaria? Ela já o teria encontrado?

Mudei meu caminho em direção à casa dele, que eu já nem

sabia se ficava no mesmo lugar. Contudo, era o que poderia fazer.


Infelizmente, ficava longe o bastante para que eu quase

enlouquecesse até chegar lá. Minha mente se revirando, ao

recordar o quanto ele tinha estado atrás de mim ao longo dos


anos.

O quanto ele me considerava o elo fraco da família, e


tentou me persuadir diversas vezes ao que segundo ele, era estar

do lado certo da família. Ele sequer poderia ser chamado de um

Reis. Ao menos, não por nós.

A cada tentativa de ligação que ia para caixa-postal,

enfurecia-me mais. Não queria que Verô tivesse que lidar sozinha

com aquilo de novo. Não por saber que a vida toda ela o fizera.

Ainda mais, depois das desconfianças que eu tinha a respeito, do


que meu doador de esperma fez com ela.
Quando finalmente parei à frente da casa que era de
Reinaldo, que eu estive apenas uma vez ao longo dos vinte e oito

anos, não me surpreendi ao encontrar Verô saindo dali, com os

seguranças às suas costas.

— Acha mesmo que vai me impedir de algo?

Notei Verô parar e então seu olhar encontrou o meu, que

estava descendo do carro.

— Eu ainda vou acabar com você, sua puta, assim como

fiz com Regina.

Antes que eu pudesse ir até ele e colocá-lo em seu devido

lugar, Verô foi até ele e o derrubou com um soco. O homem caiu

praticamente desacordado, enquanto ela limpava a mão em um


pano. E eu senti o ódio por não ter que vê-la tocá-lo, mesmo que

com raiva, após o que desconfiava.

— Devia ter aprendido que não se mexe com a minha

família, Reinaldo. — ela falou, e ele parecia tentar olhá-la. — É o

meu último aviso.

Ela então veio até mim, e antes que eu pudesse perguntar


algo, apenas me fez adentrar o carro, me impedindo de ir até ele,

porque ela sabia que eu o faria.


— Não vale a pena. — ela falou, segurando meu ombro

com sua mão e a encarei. — Não deveria estar aqui.

— Você não deveria, Verô.

Ela apenas me deu um vislumbre de sorriso e deu a volta


no carro, sentando-se no carona do meu veículo. Dividi-me em ir
até Reinaldo ou ela, mas a escolha era óbvia. Por mais que

quisesse socá-lo até tirar toda minha raiva, eu sabia que


precisava tirar minha irmã dali. Era o mínimo.

Assim que aquele lugar ficou para trás, encarei levemente


Verô, que digitava algo em seu celular.

— Ela perdeu o emprego. — falou, e segurei o volante com


força, a ponto de os nós dos dedos ficarem brancos. — Posso

fazer com que ela consiga de volta, mas não acredito que seja a
solução.

— Ela não vai aceitar.

Sabia que Lisa tinha seu orgulho e o quanto batalhou pelo


trabalho. Ela falava dele com tanta empolgação e de repente, vi-

me sendo o culpado por ela não o ter mais.

— Reinaldo é um antigo amigo do dono daquela empresa,

e conseguiu intervir, a ponto de fazê-la se demitir. — engoli em


seco. — Não queria te trazer para isso, e você sabe, mas o efeito

colateral dessa vez, é com alguém que você se importa. — parei


no sinal vermelho e pude encará-la. — Eu deveria ter sido mais

atenta por ele não ter agido nos últimos tempos. Vou tentar
resolver isso, Igor.

E então, via Verônica se culpar.

E era um dos raros momentos em que ela se expunha para


nós. Se existia algo que poderia desestabilizá-la, era não poder

evitar que as coisas dessem errado para cada um de nós.

— Ele precisa pagar pelo que tem feito. — falei,

permanecendo com os olhos na estrada. — Pelo que ele fez, e


pelo que ainda pensa em fazer conosco, Verô.

— Ele estará perdendo cada centavo que conseguiu nos


próximos dias. — Verô falou, como se precisasse se explicar. Ela

raramente o fazia, mas era clara a culpa que deixava transparecer


em cada palavra. — Pensei que deixá-lo de fora, o faria desistir

de tentar importunar a sua vida, mas não foi o suficiente. Meu


último aviso foi dado há muito tempo.

— Ele é o errado, Verô. Não se esqueça disso. — ela


apenas voltou à sua feição de sempre. — Obrigado por cuidar de
mim.

Ela pareceu querer dizer algo, mas nada saiu e poderia

jurar que ela diria que não fez o bastante. Mesmo que ela
achasse que não, ela o fazia. Não tínhamos como estar cem por
cento atentos e viver nossas vidas, de acordo com o que os

nossos demônios em carne e osso poderiam fazer.

Era demais para qualquer um.

E de repente, a visão do sorriso fraco de Lisa me veio em


mente.

Era demais para ela.

Suspirei fundo, e lembrei-me de como foi o beijo que lhe

dei quando a deixei em casa. Era como se ele viesse com um


aviso, de que poderia ser o último. Mesmo que não quisesse
acreditar que tinha encontrado o amor, apenas para saber que ele

de fato existia.
CAPÍTULO XII

“Assim como no dia em que te conheci

O dia em que pensei que seria para sempre

Você disse que me amava

Mas isso não vai durar por muito tempo” [14]

LISA

— Então é simplesmente isso? — indaguei para aquele,


que até ontem era meu chefe, mas que agora parecia um

desconhecido completo. — Um cara que eu nunca vi por aqui

aparece, me assedia e eu perco o emprego.


— Você se demitiu. — ele foi incisivo e eu respirei fundo

duas vezes, para não o mandar para o inferno. — Reinaldo é um


velho amigo.

— Chama um homem como aquele de amigo?

E de repente, a realidade de que não conhecemos de fato


em quem tanto acreditamos me acertou. Ri sem vontade alguma,

e ele me encarou, como se pouco se importasse. Seu telefone

tocou na mesa, enquanto eu pensava se deveria sair dali daquela


forma.

— O quê? — ele gritou para o telefone, e notei o medo em


seu olhar.

De repente, aquilo pareceu interessante.

A porta então foi aberta e me surpreendi ao encontrar


Verônica Reis adentrando o ambiente. Ela parecia segura de si,

como sempre, e trazia outras duas pessoas com ela.

— Podem recolher tudo. — deu a ordem, e eu só queria

uma pipoca pela cena.

— Senhora Reis...

Olhei embasbacada para o meu chefe, que com toda

certeza era mais velho que ela, mas parecia um menino


assustado agora.

— Acho que é hora de ir, Paulo. — ela falou, e ele pareceu

sem reação. — Se não entendeu, estou te tirando daqui.

— Mas eu não fiz...

— Escolheu o Reis errado para se aliar. — foi incisiva e eu

tive que começar a rir, quando o homem simplesmente se

ajoelhou a ela. — Devia estar assim para com ela, não comigo.

Ela deu passos atrás, e um breve olhar para mim. O

homem então me encarou como sua tábua de salvação e eu

gargalhei.

— O carma não tardou dessa vez. — falei, e ri ainda mais.

— Eu não faço questão de trabalhar para uma empresa que apoia

assédio, e estou me perguntando quantos outros casos existiram

aqui... — ele parecia furioso, mas quando seu olhar se voltou para
Verônica, tornou-se o de um cachorrinho, com todo respeito aos

cachorros.

— Ele realmente te demitiu?

Assenti para Verônica, que fez um sinal em direção à porta.

— Terminem com tudo, e principalmente, coloquem o lixo

para fora.
— Não pode simplesmente fazer isso! — o homem gritou,

ajoelhado e já quase arrancando os cabelos.

— Até nunca mais, Paulo.

Segui-a pelo corredor, parando apenas para pegar a caixa


com minhas coisas na mesa, já empacotadas e tentei ignorar o
sentimento de perda que me assolava. Era como se tivesse

perdido anos me dedicando a algo que era tão importante para


ela. E por um segundo, vi-me pedindo perdão à minha mãe. Que

ela, de onde estivesse, pudesse entender que não foi minha


escolha.

Notei o olhar de outros colegas sobre mim, enquanto


caminhava até o elevador com Verônica, e imaginava que teriam

muitos boatos correndo por aí. E talvez, coisas até piores, que me
privariam de ter um emprego melhor. Mesmo que estivesse
contente com o carma funcionando, sentia-me arrasada.

Assim que as portas do elevador se fecharam, respirei


fundo e tentei não pensar tanto. Não estando à frente de uma

mulher que mal conhecia. Que eu sabia muito do pouco que Igor
compartilhou, e do quanto ela era importante para ele. Poderia

dizer que a admirava por tê-lo criado tão bem, ao mesmo tempo
que gostaria de nunca mais vê-la em minha vida.
Estar perto dos Reis, parecia ter tornado minha vida uma

bagunça. Mesmo que não os culpasse.

— Tem um tempo para um café? — perguntou, sem me

encarar, mas parecendo realmente interessada.

— Pode ser no daqui da esquina?

Ela assentiu e eu tentei não pensar muito sobre o que ela


falaria. O que mais poderia ser?

Uma mensagem de Babi chegou, e ela estava mais do que


preocupada, dizendo que sentiu que algo estava errado comigo.

O time de melhor amiga não falhava mesmo.

Felizmente, ela não tinha como saber de todo desenrolar,

nem me viu desabar na noite anterior, sem saber o que faria. Ela
estava no interior com a família, tentando resolver os próprios
problemas. Contudo, sentia falta de poder apenas receber o seu

abraço.

Respondi-a com uma figurinha alegre e dizendo que estava


tudo bem. A questão era que não gostaria de adentrar aquele

assunto, não sabendo que ela tentaria de tudo para resolvê-lo. E


precisava colocar minha cabeça no lugar, antes de qualquer

coisa.
Antes de decidir como conseguiria outro emprego.

Antes de saber o que aconteceria com o meu

relacionamento com Igor.

Assim que me sentei à frente de Verônica, pedi um café


preto e esperei ansiosa pelo que fosse. Queria sair logo dali.

— Sei que pode não ser o que procura, mas posso


compensá-la. — começou e a encarei sem entender. — Tenho

contatos com as melhores empresas na área econômica, com um


telefone, posso colocá-la no cargo que tinha nessa, sem que seja
mais prejudicada ainda.

— Não posso aceitar isso.

— É o mínimo. — estendeu-me um cartão de visita, sobre


a mesa. — Caso mude de ideia, apenas ligue para esse número.
Pode ser que queira recomeçar do zero, seja como for. É sua

escolha.

— Não posso simplesmente...

— Sua aproximação com Igor te fez perder o emprego. —


cortou-me, e a encarei atenta. — Repito, isso é o mínimo.

— Eu agradeço por tentar reparar o que houve, mas, ainda


continua sendo errado aceitar isso.
— Não é um favor, acredite. — aceitei o cartão, sem saber
mais como negar, e finalmente os cafés chegaram.

Tomei um longo gole e busquei forças para aquele dia.

— Sei que está confusa com tudo, e pode ser que não
continue estando com ele, após isso. Ele gosta de você, Elisa. —

olhei-a surpresa, porque realmente não esperava que aquele café

fosse por conta de algo além do cartão que acabou de me


estender. — Só queria que soubesse disso.

Assenti, respirando fundo.

Era claro que ela não diria nada mais profundo, talvez para

não interferir na minha decisão, mesmo que tivesse intercedido


pelo irmão falando sobre. Ainda assim, era confuso em minha

mente tudo aquilo. Eu estava realmente sem saber o que fazer.

Estar ligada a Igor Reis, me conduzia a uma espiral de que


seria influenciada, querendo ou não, onde quer que fosse?

— Ele está no trabalho, fica perto daqui. — olhei para

Verônica, sem conseguir compreender completamente. — Caso

queira falar com ele, e quem sabe, se resolverem.

— Agora eu entendo porque ele fala de você com tanto

amor. — sua feição era de surpresa, e sorri por vê-la diferente do


habitual. — Ainda vou pensar no que fazer... — bebi meu café e

me levantei. — Tenha um bom dia, senhora Reis.

Dei-lhe um leve aceno com a cabeça e segui para fora do

local. Estar em volta deles, me sufocava. Porque uma parte de

mim gritava que eu conseguia lidar com aquilo, enquanto outra


sabia que eu precisava voltar e relembrar que toda a minha luta,

não era apenas minha. Era da mulher que me faz ser quem eu

era.

E eu sabia onde devia ir, a partir daquele momento.

— Ei, mainha.

Suspirei fundo, encarando a árvore à minha frente, que

plantei junto com ela, quando tinha apenas seis anos. Nós

vínhamos todos os finais de semana até aquele parque, apenas


para vermos como estava o desenvolvimento dela. E depois de

tanto tempo, foi a única coisa que me restou. Maria Lúcia

Fernandes me adotou quando tinha um ano de idade, após eu ter

sido abandonada na casa ao lado da sua.


Segundo ela, quando me viu, ela soube.

Ela soube que não poderia me deixar ir nunca mais. A

questão era, que eu tive que vê-la partir, há cerca de cinco anos,

quando realizei o sonho que construí com ela de entrar em uma


faculdade. Foi por ela que eu cheguei lá, foi por ela que eu não

desisti, mesmo após tudo parecer sem sentido.

— Lembra-se do emprego que eu estava cultivando... —


suspirei fundo, tocando o tronco, já sentada na grama. — Acho

que a senhora já até sabe o que aconteceu. Puxei o meu lado

fofoqueiro da senhora. — poderia imaginá-la me xingando e


dizendo “me respeita, garota”. — Eu falei sobre ele no domingo,

em que vim aqui... Eu acho que gosto dele. Não o gostar de

sempre. A verdade é que me apaixonei, mainha. Eu não pensei

que aconteceria por agora, mas... Talvez fosse o momento errado


mesmo. Como a senhora diria, momento errado com a pessoa

certa. — suspirei fundo, deixando uma lágrima descer. — É como

se eu soubesse que tenho que deixá-lo por agora, para que eu


me encontre novamente. Tô uma bagunça. — admiti, para a única

pessoa que o conseguiria fazer. — Eu não sei por onde

recomeçar, depois de anos de estabilidade. — suspirei fundo. —

E eu não queria perdê-lo, mas eu sei que não posso dar esse
passo, não com ele. E se acontecer da corda arrebentar pro lado

mais fraco, novamente? — olhei para o céu, e respirei


profundamente. — Se for para ser, um dia, ele virá aqui. Mas não

agora.

Senti uma lufada de ar me acertar, e fechei os olhos. Em

minha mente, era como se ela estivesse ali, de fato, me


escutando, e me dizendo: estou com você, como sempre.

Eu sabia que ela estava.

E eu sabia o que fazer.


CAPÍTULO XIII

“Você contou para sua família por um motivo

Você não conseguiu guardar

Sua irmã virou toda a garrafa

Agora ninguém está comemorando” [15]

IGOR

Batidas na porta me despertaram do torpor.

Eu estava olhando para a tela do computador, sem

conseguir me focar em absolutamente nada. Assim que meu


secretário entrou, tentei colocar um sorriso no rosto e parecer

normal.
— Senhor Reis?

— Sim? — tentei parecer o mais interessado possível.

— Elisa Fernandes está na recepção, ela não tem hora

marcada, mas como disse para avisar caso ela...

— Pode deixá-la subir, agora. — eu deveria parecer tão

desesperado que meu secretário correu dali para sua mesa. —

Obrigado! — gritei, para que ele escutasse, e respirei fundo.

Levantei-me e sentei-me na cadeira talvez dez vezes, ou

mais. Sabia do tempo que demoraria para ela vir do térreo até
aquele andar, mas ainda assim, não conseguia me controlar. As

coisas pareciam mais do que complicadas entre nós, ou melhor,

sem explicação alguma naquele instante.

Não sabia se deveria de fato ansiar para vê-la, porque era


como se tivesse certeza do que ela faria. E não podia culpá-la.

Nem a ninguém além de Reinaldo.

A porta foi aberta segundos depois, e me escorei contra a

mesa, quase escorregando, ao vê-la passar.

— Obrigada. — ela sorriu para o meu secretário, mas não

chegou aos seus olhos. Então ela se virou, me encarando. — Ei!


— olhou ao redor, como se precisasse fugir de mim, e meu
coração se apertou. — Então é aqui que o CEO dos Hotéis Reis
se esconde?

— Não de você. — assumi, e dei alguns passos à frente,


sem conseguir evitar.

— Não entendo de fato o que houve, mas eu notei que há

um problema maior na sua família. — começou e me encarou

atentamente. — Não precisa se explicar sobre isso, e sobre o que


não pode controlar. — abri a boca para falar, mas ela trouxe os

dedos até ela. — Não foi você que causou isso, independente da

ligação que tenha ou não com aquele cara.

Ela me encarou profundamente, e notei-a engolir em seco.

Surpreendendo-me, seu corpo veio para o meu, abraçando-me

com força. Aceitei seu toque, agarrando-me a cada parte dela.

Quando nos afastamos, a contragosto, notei seu olhar marejado.

Ela não precisava dizer nada. Era como se eu já soubesse.

Sabia o quanto ela tinha lutado até ali para conseguir

chegar onde chegou, e vê-la perder tudo, em questão de

segundos, apenas por estar comigo, me atormentava. Porque

ninguém merecia aquilo. E muito menos ela, a mulher que eu

adorava.
E meu coração estava se despedaçando, mesmo que a

dona dele, estivesse ao meu lado.

— Mas não podemos simplesmente continuar, não é?

— Não quero que se torne um estranho. — falou de


repente, e eu quase segurei uma respiração. — Mas preciso
recomeçar, o meu emprego, as minhas coisas... — suspirou

fundo. — Sei que pode parecer egoísta, mas eu tenho que


escolher agora.

— A gente foi rápido demais? Ou o destino quis que fosse


assim? — levei minha mão a dela e segurei com força. — Eu

nunca quis que saísse machucada.

— Sou eu quem está quebrando o seu coração e indo para

longe, Igor. — tentei disfarçar minha dor, para que aquilo não
pesasse sobre ela, mas parecia impossível. Doía tanto, saber que

de repente, por conta de algo do qual eu não podia fugir – o meu


sobrenome – eu a perdia.

— Eu vou sobreviver.

Forcei um sorriso e ela tocou meu rosto.

— Eu acho que vou criar um fanfic e dizer para Babi que

estamos terminados como se eu o detestasse, porque ela nunca


vai aceitar isso... — ela pareceu pensar alto e a encarei, sem

entender. — Babi é sua defensora número 1, sério!

— Ela vai te fazer ficar comigo? — ri, sem conseguir evitar.

Porque ainda era fácil assim com ela. Apenas com ela.

— Queria dizer que não sou manipulável, mas acho que

todos somos. Apenas por estar aqui... — suspirou fundo. — Me


faz questionar essa decisão.

— Talvez depois?

Uma lágrima desceu pelo seu rosto, e era a primeira vez

que a via tão exposta daquela forma. Talvez ainda tivéssemos


muito o que conhecer um do outro. Talvez o futuro guardasse
mais do que conseguíamos compreender naquele momento.

— Eu espero que sim. — assumiu, na fragilidade tão nítida


quanto a minha, de quem compreendia, que nós não estávamos

nos separando por não gostarmos um do outro, mas sim, por algo
maior que nós.

E eu torcia, que em algum momento, aquilo não fosse tão

grande assim. Que o meu sobrenome não pesasse sobre ela de


tal forma.
Porém, quando seus lábios vieram para os meus, soube
que a gente não queria compreender o que pesava ou não. A
gente queria estar. Mesmo que não devêssemos. Era um beijo de

despedida, e tentei não pensar sobre, nem mesmo quando uma


lágrima desceu.

E quando ela me encarou novamente, um sorriso leve no


rosto, que mostrava um reflexo de mim – estava doendo em nós

dois.

— Amigos? — perguntou, e eu assenti, mesmo que


sentisse, lá no fundo, que quando ela saísse por aquela porta,

não a teria de volta tão cedo.

— Já que não deve ser bom sermos vistos juntos, agora.

— admiti, e ela pareceu pensar sobre, como se não tivesse


considerado daquela maneira. — Quer almoçar comigo aqui?

— Acho que preciso ficar longe, para aceitar isso. — falou,


seus dedos entrelaçados nos meus, um pouco mais longe. —

Ficar perto de você muda tudo de figura.

Assenti, e dei um leve beijo na sua testa.

Quando seus dedos se desconectaram dos meus, soube

que eu nunca esperei o amor tão cedo, mas ele me atingiu de


uma forma tão direta, que não me via encontrando em qualquer
outro lugar.

Que em algum momento, fosse o nosso tempo.

Que fôssemos nós.


CAPÍTULO XIV

“Por favor, nunca se torne um estranho

No qual a risada eu poderia reconhecer em qualquer lugar

Por favor, nunca se torne um estranho

No qual a risada eu poderia reconhecer em qualquer lugar” [16]

LISA

Eu estaria mentindo se dissesse que não estava ali por um


motivo.

E quando caminhei dentre as pessoas, forçando meu


destino a colaborar, segurei meu celular com força, contendo-me
para não ligar para ele. Obriguei-me a guardar o aparelho na

bolsa e parei no bar. Pedi uma dose de uísque e me sentei ali.

Recordações em minha mente. Um sorriso fraco no rosto.

Eu tinha conseguido um emprego naquele dia, e por

incrível que pudesse parecer, eu me vi querendo ligar para ele. A


questão era que não existia mais aquele nível de intimidade entre

nós. Não existia, certo?

Semanas depois, praticamente me arrastando de volta

para a cidade grande. Sem poder mais fugir e me esconder na

casa da minha melhor amiga no interior. Sorri ao pensar nela, e


em como ela parecia ter encontrado seu verdadeiro lugar. E de

como eu era a primeira na linha de frente, torcendo para que seu

coração se curasse com o mesmo amor que o quebrou.

Seria eu o Júlio Torres de Igor?

Seria eu a pessoa que ficaria em seu peito, machucando-o

durante os dias que se passaram, por ter que escolher e ele não

ter sido o primeiro na lista. Suspirei fundo, e ri de minha

comparação.

Por um segundo, voltei semanas atrás, de como a gente

voltou naquela mesma boate, em que nos conhecemos, e


dançamos a noite toda. Igor era como eu, ele gostava das
noitadas. Ele gostava de sair, se divertir e dançar até não

aguentar mais. E ele o fez, só que comigo. Por três meses,

apenas nós dois.

Agora era como se eu entendesse como alguém ficava três

meses na cova e escrevia uma obra de arte como All To Well.

Porque era capaz de que aquele tempo, relembrando o que

vivemos, me tornasse uma bagunça, mas infelizmente eu não

tinha talento algum para escrever canções sobre isso.

Uma risada me fez parar com o copo a caminho da boca.

Fechei os olhos com força, pensando que estava ouvindo

coisas. Contudo, eu ainda o ouvia. Aquela risada, que poderia ser

aberta e brilhante, ou de lado e baixa. Virei-me ao som da mesma

e foi o soco que eu não necessitava, bem na boca do estômago.

Eu conseguia reconhecer a risada dele.

Igor Reis estava há alguns passos dali, talvez dez, rindo do

que um cara que eu desconhecia falava.

Como se ele pudesse sentir a minha presença, assim como


eu reconheci sua risada, seu olhar parou no meu. Coração na
boca. Mãos tremendo. Meu corpo arrepiado. Uma mistura de

ansiedade, saudade e angústia.

Vi-me terminando a bebida e deixando o copo vazio no

balcão. Não conseguiria explicar o porquê, mas eu precisava de


ar puro. Era como se eu tivesse esquecido como se respira

estando tão perto dele. Mas você veio aqui, mais uma vez,
apenas para tentar vê-lo de novo, minha mente criticou. E estava
certa, porque eu sentia tanta saudade, que me vi procurando-o no

mesmo lugar, sempre.

E ali estava ele.

E ali estava eu fugindo.

Quando finalmente cheguei ao lado de fora da boate, puxei

o ar com força, e me vi fechando os olhos por alguns segundos.


Por que a sensação era tão esmagadora?

Eu ainda gostava dele? Eu ainda estava apaixonada por


ele?

— Ela disse para que não me tornasse um estranho, mas

ela me trata como um estranho... o que devo fazer?

Virei-me ao som de sua voz, e abri os olhos.

— Acho que eu sou a estranha aqui.


— Você é uma deusa. — corrigiu-me, dando um passo à

frente, e eu mal sabia como se respirava. — Senti sua falta.

Abri a boca para dizer o mesmo, mas a fechei, sem saber

de fato como fazê-lo. Eu o tinha deixado. Eu tinha quebrado o seu


coração. E eu não sabia como poderíamos ser algo, que não

acabasse por implicar em nos fazer sofrer com o mesmo fim,


outra vez.

Eu ainda não estava pronta.

E talvez, nunca fosse o momento certo para nós.

— E eu tenho uma fofoca de milhões. — falou


casualmente, e o encarei sem entender. Mas me lembrei de como
era fácil gostar dele, porque ele era no número certo para mim –

um fofoqueiro de primeira. — Mas só vou contar se parar de fingir


que não sente nada.

— Eu não quero tornar tudo mais estranho.

— A gente pode dar uma volta no tempo e sermos amigos,


certo? — falou, encarando-me profundamente. — Prometo que

dessa vez, não vou te prejudicar.

— Igor...
— Eu sei que te prejudiquei, mesmo que não me culpe por
isso. — tentei cortá-lo, mas ele foi mais rápido, segurando minha
mão, e me desestabilizando por inteira. — Eu te amo, Lisa. — sua

confissão me acertou em cheio, e imaginei-me dentro de um


sonho. — Mas eu sei que não é o momento que possa retribuir o

sentimento. Contudo, eu posso te amar do jeito que me permitir.

— Ensaiou quantas vezes isso? — vi-me perguntando,

sentindo meus olhos marejados, e ele riu de lado, baixinho, do


jeito tão Igor, que me fazia quase ceder e correr para ele.

— Tem sido um longo tempo ouvindo as playlists de

coração partido de Carol. — seus dedos acariciavam cada um dos


meus. — A do momento é Deprê... — começou a cantar, como

naquele dia em seu apartamento, e me trouxe para si.

“Luto absoluto, sem beber, sem comer

Minha doença é grave, eu sinto falta de você

É um sofrimento raro, preciso de atestado

Foi traumático...”

Ali, no meio da calçada, eu apenas aceitei ir para os seus

braços. E ele continuou a cantar, como se nós fôssemos a parte


perfeita de uma comédia romântica um tanto trágica. E por mais
que não fosse o momento mais feliz entre nós, era a primeira vez,
desde quando colocamos um ponto final, que eu consegui
entender.

Olhos castanhos nos meus e era como se ele lesse minha


alma. E eu entendi, que ele soube antes de mim, que já era amor.

Ele era o meu amor, mesmo que não pudesse ser por completo,
naquele exato instante.
PARTE 2

“Eu queria poder voar

Eu te pegaria e nós voltaríamos no tempo

Eu escreveria isso no céu

Eu sinto sua falta como se fosse a primeira noite”

The Very First Night – Taylor Swift


Í
CAPÍTULO XV

“Te tomei como um shot

Achei que poderia tirar o gosto amargo com a noite fria

Deixar que os anos apagassem o que eu sinto por você

E toda vez que nos falamos

Cada palavra nos trouxe até este momento

E eu tenho que me convencer de que não o quero, mesmo sabendo que

quero” [17]

Cerca de dois anos depois...

LISA
— Certeza? — o pai de Babi me perguntou, enquanto me
encarava seriamente. — Eu o vi com uma mulher no bar esses

dias, mas só conversando e rindo, nada demais.

— O senhor está me fofocando isso, por que, exatamente?

— indaguei, escorando-me no balcão e ele sorriu ternamente. —

Sério, como sabe quem é Igor?

— Ele e os irmãos causaram um alvoroço por aqui. —


comentou, fazendo-me rir, sabendo que era verdade.

Nunca imaginei que a cidade do interior em que Babi


nasceu e agora voltava a viver, seria um ponto de encontro claro

com o homem que eu fugia mesmo morando na mesma capital

que eu. Mesmo que eu já não quisesse mais fugir.

— O irmão dele mora aqui perto agora. — falei, e Ferraz

me encarou curioso. — A gente só tem uma amizade estranha

agora, nada mais.

— Por que não tentar de novo?

— Ele pode ter seguido em frente. — falar aquilo, trazia um

amargo à boca. — E eu deveria estar indo encontrar a sua filha


no centro. — semicerrou os olhos, e ele sorriu, vindo para perto e
dando-me um leve beijo na testa. — Se souber de alguma fofoca,

eu conto.

— Ele vai saber antes, querida.

A voz da mãe de Babi adentrou o ambiente, provocativa do


jeito que apenas ela sabia ser, e eu ri, vendo o marido dela
encará-la incompreendido.

— Volto para vê-los amanhã, antes de voltar para a capital.

— Vou cobrar. — ela então me deu um beijo na testa


também, e sorriu,

Estar ali com eles era sempre reconfortante. Lembrava-me


do quanto temi conhecer a família de Babi, quando começamos a

nossa amizade, mas os Ferraz, abriram seus corações para mim,


e se colocaram no meu, da forma mais fácil e simples possível.

Caminhei até o carro, e vi uma mensagem de Igor, que

dizia já estar na cidade, segundo ele, para visitar Tadeu e Valéria.


Sorri, sem conseguir evitar. Mesmo que tivesse pouco dele, ainda
me era muito. Após deixá-lo, a ferida que ficou aberta, era menos

dolorida, porque ainda, me restava um pouco da relação que foi


interrompida.

Ao menos, uma pequena parte.


Uma outra mensagem chegou, e me encostei no carro,

para responder, ao notar que era Iara, a esposa do melhor amigo


dele. Mesmo com a distância, ainda mantínhamos certo contato, e

ela era a torcedora número 1, que Babi não me ouvisse, para que
Igor e eu reatássemos.

— Theo mandou oi.

Sorri para a figurinha, de um bebê dormindo perfeitamente


no carrinho. O que mostrava como o tempo realmente havia

passado. Quando a conheci, ela já estava grávida, e agora,


Theodoro já deveria ter um ano e poucos meses.

Respondia-lhe com uma figurinha soltando vários corações


e uma mensagem de “Theo está bem melhor dormindo para

pensar em mim”. Poderia imaginá-la rindo daquilo, e mostrando


para o marido. Eles tinham uma relação verdadeiramente bonita,
que não me era tão raro encontrar, já que agora conhecia a

grande mistura dos Ferraz-Torres-Reis-Fontes.

Será que uma Fernandes também encontraria algo assim


com um Reis?

Eu me vi então pensando que o pai de Babi viu Igor com


outra no bar. E aquilo me corroía, mesmo que soubesse que ele
com toda certeza não ficaria solteiro para sempre. E muito menos,
desacompanhado. Ainda mais, porque eu o entendia. Mesmo que
não soubesse se ele fazia o mesmo, não o julgaria. Porque a lista

era imensa, das vezes, que tentei encontrar em qualquer outro, o


que parecia só existir nele.

Saí com o carro de Babi, emprestado por mais um final de


semana ali, e ouvi seu último áudio, de que estava terminando

algumas compras no mercado, e que poderia encontrá-la lá.


Liguei o som, e quando Style na versão acústica começou a tocar,
só queria poder socar a cara dela. Mesmo assim, o gosto musical

de Babi era parecido com o meu, e vi-me entendendo aquela


música pela primeira vez.

“Eu digo: Eu ouvi, oh

Que você estava por aí com alguma outra garota

(Alguma outra garota)

Ele diz: O que você ouviu é verdade, mas eu

Não consigo parar de pensar em você, e eu

Eu disse: Eu já passei por isso algumas vezes


Você tem aquele olhar sonhador de James Dean em seus olhos

E estou com aqueles lábios vermelhos, o clássico que você adora

E quando nós terminamos, voltamos todas as vezes...”[18]

Gritei junto com a música, e quem visse de fora, com


certeza, sentiria a vibe em que entrei. E por um segundo, vi-me

perguntando, se em algum momento nós voltaríamos. Seria

possível? Depois de todo aquele tempo, ainda existia algo nele


para me querer?

Quando finalmente estacionei, uma batida na janela, fez-

me dar um pulo no banco. Acalmei-me ao notar que era Valéria,


com seu barrigão e um sorriso no rosto. Assim que saí do carro,

foi impossível evitar minha expressão mudando drasticamente, ao

ver Igor de mãos dadas com Daniela – sua sobrinha, e


conversando alegremente com algumas pessoas à frente da

sorveteria.

— Eu me ajeitei com o meu Reis, e você? — Valéria

sussurrou, e eu revirei os olhos, voltando-me para ela. — Aliás,


assisti 1% de alguma coisa, e achei que faltaram mais detalhes,
mas cara, o casal... — fez uma expressão tão fofa, que gargalhei

alto.

— Ainda estou terminando, sem spoiler. — levei uma das

mãos à sua barriga, e senti o chute de Vitor. — Garoto esperto,

quanto mais mexer pra mim, mais vai ganhar presentes quando
crescer.

— Se ele ganhar qualquer coisa mais, vou deixar a casa

para os presentes. — fez uma careta, e sabia que não estava

exagerando.

— Uma deusa... e uma gradivinha linda. — virei-me ao som

da voz, e logo senti os braços de Daniela em minhas pernas.

A filha de Murilo Reis era a filha de Olívia Torres, que

grande ironia era aquela?

— Tia Lisa. — puxei-a para o meu colo, e ela sorriu

abertamente. Amava o fato de que mesmo eu não tendo ligação

sanguínea alguma com ela, ela me considerava de tal forma.


Tudo porque era próxima de sua mãe, o que ocorreu logo após

Babi voltar a se relacionar com Júlio Torres. — O tio Igor não quer

me dar mais sorvete.


— Eu comprei cinco. — ele falou, como se explicasse

perfeitamente.

— Murilo vai te matar se souber que deu tudo isso de

sorvete para ela. — Valéria bateu em seu braço e ele se fez de


desentendido.

— Por que mais sorvete e não um passeio até

encontrarmos a tia Babi? — ela assentiu de imediato, e dei um


olhar para Igor, como que mostrando que era assim que se fazia,

e ele levou uma das mãos ao peito, como se tivesse sido atingido.

Ele era tão...tão lindo. Que merda!

Por que eu não conseguia só impedir tais pensamentos?

Porque já os impediu por tempo demais, minha mente

gritou.

E enquanto ele me seguia, conversando sobre algo com

Valéria, eu só conseguia pensar em como tudo parecia me levar


diretamente para ele. Mesmo que eu tentasse ignorar ou

esquecer, o destino nos colocava sempre frente a frente. E por

alguns segundos, eu só queria dizer que sentia sua falta. Mais do


que poderia admitir. Ou deveria.
— Vai deixar sua tia Lisa sem costas! — ele falou de

repente, passando a minha frente e puxando Dani para si. — Não


queremos uma deusa machucada.

— Igor... — chamei sua atenção e ele apenas piscou,

sorrindo.

Como se fosse fácil assim.

Ali, era. Ali, parecia.

Agora, era. Agora, parecia.

— Deuses não se machucam, tio Igor.

Daniela soltou, com o ar superior que só poderia ser a

mistura perfeita dos pais, e eu gargalhei alto. Esperei Valéria, que

sorria também, e passei meu braço pelo dela. E eu gostava

daquilo, de apenas estar perto dele e ser uma parte da conversa.

Imaginaria então, se eu voltasse a ter tudo?


CAPÍTULO XVI

“Amigos se separam, amigos se casam

Estranhos nascem, estranhos são enterrados

Tendências mudam, boatos voam por novos céus

Mas eu estou exatamente onde você me deixou” [19]

IGOR

— É tão bom poder fugir pra cá de vez em quando. — Lisa


assumiu, jogando-se contra a grama, e acabei deitando-me ao

seu lado.

— Faz um bom tempo que não ficamos sozinhos, e sem

medo de estarmos perto um do outro...


Ela me encarou levemente e então sorriu.

A realidade era que se ela não tivesse me deixado, eu teria

que deixá-la. Nunca me perdoaria se a prejudicasse ainda mais.

Contudo, o pouco que ainda tínhamos era o suficiente para mim.


Ao menos, tentava me convencer de tal coisa.

— Eu estou enlouquecendo no doutorado. Você, perdido

em viagens internacionais. — comentou, suspirando

profundamente. Como ela ficava sempre tão mais bonita? —


Aliás, estou esperando meu perfume francês.

— Só quando for no meu apartamento.

— Descarado! — reclamou, mas tinha um sorriso no rosto.

— Cada um luta com as armas que tem, deusa.

— Se me chamar de deusa novamente na frente da sua

família ou dos meus amigos, eu vou socar a sua cara. — bateu

em meu braço e apertei sua barriga, trazendo uma careta para o

seu rosto. — Estou falando sério!

— Quem mandou o destino nos manter perto? — fiquei de

bruços e encarei o nada daquela fazenda, longe de todo o barulho

do almoço de domingo, composto por uma bagunça de pessoas


barulhentas. — Quem mandou sua melhor amiga casar com um
Torres?

— Quem mandou Murilo ter tido um romance de verão com


uma Torres? — revidou, ficando de bruços também, e não pude

evitar percorrer o olhar por todo seu corpo. Porra, ela era perfeita!

Um vestido roxo curto, de alças bem finas, e que descia em

um tecido leve pelas pernas, e deixava pouco para a imaginação.


Ainda mais, para a imaginação de quem já teve tudo aquilo ali.

Por um segundo, a curva da sua bunda, poderia ser emoldurada.

Quando finalmente voltei para o seu rosto, notei que não

era o único babando por ali. Seu olhar estava sobre meu corpo, e

foi então que entendi porque minha pele queimava, e não só pelo

sol a pino. Depois de todo aquele tempo, se tornava cada dia

mais difícil disfarçar as reais intenções de um com o outro.

Mas eu não poderia dar o primeiro passo. Não sabendo

das possíveis consequências. Reinaldo ainda não tinha morrido, o

que era uma pena. E aquele homem, para aparecer e tentar

arruinar algo na minha vida, tinha o time perfeito. O encosto.

— Agora... — ela limpou a garganta, quando meus olhos

pararam nos dela. — Ainda tem Tadeu e Valéria. — ela riu


sozinha.

— Não há nada de normal nos relacionamentos dos Reis.

— assumi, e ela me encarou, enquanto mexia em algumas

florzinhas que estavam à sua frente. — Murilo foi descobrir que


era pai oito anos depois de ter sido deixado pela única mulher que

amou – e ainda, foi no casamento da sua melhor amiga.

— Só me lembro de correr com Dani, e descobri depois


que Murilo levou uma surra. — ela gargalhou e eu fiz uma careta,

mas tive que rir também.

— E Tadeu, que conseguiu engravidar em uma noite, a

mulher por quem ele é apaixonado desde a adolescência. E isso,


no meio do nada. Por que ele não fez isso anos atrás? Muito

burro! — Lisa bateu em meu braço, como se fosse horrível pensar


assim. — O que tem de grande, tem de lerdo.

— Valéria pode parecer um doce, mas aposto que ela fez


ele cortar um dobrado. — assenti, pensando sobre. — Mas como
todo mundo parou bem aqui... — fez um sinal para o local

perdido. — Gosto da paz desse interior.

— Não tem boate, mas tem aquele bar com karaokê que é

bom também. — comentei, e ela assentiu, parecendo pensar.


— O pai de Babi te viu com uma mulher lá, há algumas

semanas. — comentou e fiquei completamente surpreso. Então


ela buscava saber sobre mim? Interessante! — Não me pergunte

como ele sabe perfeitamente quem é você. Aposto que é obra da


minha melhor amiga.

— Sabe que você é praticamente filha deles, né? — ela


pareceu pensar, e sorriu assentindo. — Se eu fosse me casar

com você, teria que pedir sua mão para ele.

— Esse não é o século dezenove. — revirou os olhos. — E


não vamos nos casar, Igor Reis!

— Não é um pedido, deusa, é uma súplica.

Ela me encarou atordoada, como se realmente estivesse

considerando.

— A sua sorte é que não tenho um anel agora. — pisquei

um olho e ela fez um sinal de desfazer com as mãos. — Um dia,


vou ter um anel bonito.

— Um romântico. — debochou, virando-se novamente, e

encarando os céus, com a mão sobre os olhos, como se para


evitar os raios diretamente neles. — De fato, não há nada de

normal nos Reis.


— Ei Ei! Eu estava falando de Murilo e Tadeu, Carol e Verô
devem entrar na roda ainda... Se bem que espero Verô solteira
pra sempre, se algum cara chegar perto dela, eu acho que... — fiz

uma careta, apenas de imaginar. — Ele nunca vai passar pela


nossa inspeção.

— Ela merece um grande gostoso que a proteja do mundo,


apenas por ter aguentado você. — provocou, e não pude evitar,

fui até ela, pairando sobre seu corpo. — O quê? — prosseguiu,


empurrando-me de cima de si.

— A mansão Reis não pode ficar vazia. — falei, pensando

em como ela tinha ficado nos últimos tempos. — Tadeu e Murilo


moram aqui no interior agora. Talvez Tadeu volte para a capital,

mas só depois de Valéria ter o bebê. Então... Até lá, somos eu,
Carol e Verô, e os três gatos dela.

— Saudades de serem vocês cinco? — indagou, e eu tive


que assentir, enquanto me sentava, e sentia seu olhar sobre mim.
— Sinto saudade todos os dias, de ser o número dois.

Olhei-a com interesse, sabendo que falava sobre sua mãe,


e o quanto era importante para ela. Por mais que Lisa sempre

tivesse um sorriso no rosto, ele brilhava sempre mais quando se


tratava de sua mãe, assim como, ele poderia desaparecer,
quando a saudade batia. Não tinha ideia de como aquela segunda
parte seria. Nem queria, mesmo que fosse inevitável.

— Eu sempre torci para ela conhecer alguém, que a


fizesse querer e pudesse ter, os vários filhos que ela queria. —
suspirou profundamente, parecendo lembrar-se de algo. — Ela

até pensou em adotar, sabia? Assim como fez comigo.

— E por que não?

— Bom, uma mulher sozinha, com vários empregos e com

uma filha. — deu de ombros. — Ela tentou e muito, mas não

conseguiu, infelizmente. Um dos sonhos que ela deixou para mim.

— Pensa em adotar? — indaguei e ela assentiu de


imediato.

— Assim que conseguir estabilidade. — admitiu. — Quero

muito sentir o que ela sentiu, de quando olhar para uma pessoa e
sentir que preciso lhe dar o mundo. — ela parecia realmente

sonhadora.

— Nunca me vi como pai. — peguei-me falando. — Às

vezes, quando estou com Theo, me sinto um pouquinho mais


animado. Ou quando vejo a felicidade de Tadeu com a chegada

do filho. Ou Murilo quase tendo um treco por agora ser pai de


dois. Imagino até como Verô ficaria feliz ao me ver pai. Ela nunca

nos disse, mas ela sempre quis aumentar a família.

— Quem sabe um dia sinta isso? — indagou, e eu assenti,

pensativo.

— Um dia. — soltei para o nada, e sorri para o mesmo.

Eu, ela e o meio do nada, era tudo tão mais fácil. Apenas

gostaria de ficar ali, para sempre. Ou ao menos, poder pausar e

reviver o mesmo, sempre que pudesse.

— Eu sou o melhor irmão, escolheram muito errado. —

falei para minhas cunhadas, que reviraram os olhos, enquanto


meus irmãos mais velhos pareciam a ponto de me atacar. — Eles

me amam. — pisquei um olho, e fui em direção ao carro, em que

Verô já nos esperava.

Carol tentou me impedir e ir no banco da frente, mas


acabou perdendo, e como péssima perdedora, disse que dormiria

confortavelmente.
Verô mexeu no som, e quando uma batida alta começou, e

ela saiu com o carro, vi-me lembrando da noite em que fui Ao

apartamento de Lisa pela primeira vez.

— Essa música! — acusei, e a mais velha sequer me


encarou.

— O que tem?

— Você, Verô! — ela me encarou de relance, claramente


sem interesse. — Essa música... Bang Bang Bang... — cantei

junto, e ela parecia apenas focada no caminho. — Lisa escuta

direto, assim como outras de kpop.

— Sério que agora que percebeu que Verô gosta desse


estilo de música? — Carol debochou, revirando os olhos. — Por

isso ela prefere Tadeu!

— Carolina!

Verônica chamou sua atenção, como se ainda fosse uma

adolescente, e eu ri de lado.

— Igor! — sobrou para mim, e me fiz de pobre coitado. —

Ela tem bom gosto musical.

— Lisa é perfeita, eu sei. — fiz-me de metido, e Carol

gargalhou.
— Por isso que te meteu um pé na bunda. — provocou, e

tentei acertar sua cabeça com um peteleco.

— A gente ainda vai voltar. — falei, certo de mim. — Só

espero o momento certo.

— Vai ser o casamento do ano. — minha irmã mais nova


bateu palmas, animada. — Deviam casar todos juntos... Murilo e

Oli, Tadeu e Val, você e Lisa...

— Você e Nero! — provoquei, e o carro deu um solavanco,

o que não me surpreendia, devido à estrada de terra. — A estrada


não quer que fiquem juntos.

— A mãe dele quer. — piscou um olho, e nem adentrei o

assunto. Achava aquela uma péssima ideia, e nem disfarçava

mais.

Meu celular tocou e notei o nome de Iara na tela. Sorri,

atendendo.

— O café da manhã será mais tarde amanhã. — avisou de


imediato. — Vamos fazer um bate e volta para a praia aqui perto,

e como sabemos que não está, não podemos te levar.

— Sendo esquecido, percebi. — ela riu do outro lado e ouvi

o resmungo de Theo. — Cadê o bebê mais lindo do mundo?


— Está nos deixando malucos porque não quer dormir de

jeito nenhum.

— Ele vai dormir no carro, certeza. — assumi. — Me

liguem quando chegarem lá, certo? Aceito fotos da viagem


também.

— Para de flertar com a minha mulher. — ouvi o grito de

Carlos ao fundo e ri. — Sem fotos para você!

— Amo vocês também, imbecil.

— Fique bem, Igor. — Iara ainda ria. — Também te

amamos.

Ela desfez a ligação e encarei o celular por alguns

segundos, sentindo um leve apertar. Uma sensação estranha me


envolveu, mas tentei ignorar. Suspirei fundo, e fiquei mais leve,

assim que recebi uma foto deles, com Theo já na cadeirinha,

obviamente chorando.

Eles eram uma parte minha também.


CAPÍTULO XVII

“Te daria minha vida selvagem, te daria um filho

Te daria o silêncio que só acontece quando duas pessoas se entendem”


[20]

LISA

Eu posso ficar de babá nesse fim de semana.

Mandei a mensagem no grupo de amigas, e Val respondeu


com uma figurinha animada. Deixei o celular sobre o balcão e

peguei minha garrafa de água, girando pela sala, e cantando junto

com a música. O problema consistia em estar cantando e


pensando nele.
Maldito seja Igor Reis!

O homem parecia ter se enraizado em mim e em minha

vida, desde que nos conhecemos. E agora, mesmo não tendo

mais nada, a não ser aquela amizade estranha que construímos,


permanecia nos meus sonhos secretos.

— Bem que ele podia só sair da minha mente por um

segundo...

Suspirei, e me joguei no sofá, pronta para assistir pela

milésima vez o mesmo show. Contudo, o barulho da campainha

me fez gemer contra o estofado. Quem diabos apareceria às duas


da manhã?

Caminhei a contragosto até a porta, tendo a certeza de que


só poderia ser engano, ou minha vizinha pedindo algo

emprestado. Contudo, quando olhei pelo olho mágico, me

surpreendi ao encontrar Igor. E fazia muito tempo que não

aparecia ali. O que tornava ainda mais estranha sua aparição.

— O que... — parei de falar, quando abri a porta e notei-o

tirar um bebê de um carrinho e segurá-lo no colo. — O que está

acontecendo?

— Eu... Eu preciso que se case comigo.


— O quê? — minha voz mal saiu, e o bebê chorou ainda
mais alto.

— É sério. — olhei-o, buscando alguma brincadeira em seu


semblante, como sempre, mas não havia nada. — Preciso que

seja minha esposa.

— Por que está me pedindo isso?

Igor suspirou e seu olhar pousou no bebê em seu colo.

— Por ele.

— Entra... quer dizer, entrem. — falei, e o ajudei a trazer o

carrinho, enquanto caminhava com o bebê no colo. — Ele devia

estar fora de casa a essa hora? De quem é esse bebê? —

indaguei, completamente confusa e fechando a porta atrás de

mim.

Igor o balançava de um jeito que não sabia se fazia

sentido, mas parecia ter acalmado a pequena pessoa em seus

braços. Aproximei-me, sem conseguir evitar, e segurei sua

mãozinha e logo olhos castanho-claros bateram nos meus,

grandes e parecendo curiosos.

— Oi, principezinho. — falei, e sorri para ele, que abriu o

que parecia ser um esboço de sorriso e jogou o corpinho em


minha direção. — Fácil assim?

— O quê? — Igor perguntou, parecendo preso em seu

próprio mundo.

— Ele quer vir no meu colo. — falei, e então ele pareceu se


lembrar de toda a situação. O que será que o estava deixando tão
distraído?

Então com extremo cuidado ele me passou o pequeno, que


se agarrou a meu colo e a um dos meus cachos que estavam

soltos. Felizmente, ele parecia apenas curioso e não a ponto de


puxá-los.

— Ok, agora senta, respira e me fala o que está


acontecendo. — exigi, e Igor assentiu, fazendo exatamente o que

mandei.

Naquele breve momento, aproveitei para olhá-lo. Era difícil

admitir, mas eu sentia falta dele – tanta – que me doía. A sua


amizade era algo que prezava, mas de repente, via-me presa à

ideia que veio exatamente de um dorama que assisti na semana


passada.

Eu conseguiria vê-lo se casar e ser feliz com outra pessoa?

Construir uma vida com outro alguém? Apenas a ideia daquilo me


aterrorizou, e não consegui finalizar o dorama até agora, por

conta da fala simples, que para mim, de simples não tinha nada.

O peso extra em meu colo me fez então paralisar, e

pensar... E se o bebê fosse dele? E se ele já estivesse dando tal


passo?

— Eu... Eu nem sei como dizer isso. — a voz de Igor me


tirou dos pensamentos confusos, para me trazer para a realidade
ainda mais confusa.

— Tipo Murilo? Descobriu que tem um filho só agora? —


indaguei, e seu olhar se arregalou, negando de imediato com a

cabeça. — Por que então parece tão perdido?

— Eu... — notei-o quase gaguejar, e estranhei. Sentei-me

ao seu lado e levei a mão livre até seu queixo, fazendo-me


encará-lo. — O que houve?

— Carlos e Iara sofreram um acidente. — arregalei os


olhos de imediato e notei a força que ele parecia fazer para

contar. — Eu ainda não consegui contar a ninguém e nem admiti


a mim mesmo internamente.

— Eles...
Ele então assentiu, e notei as lágrimas não derramadas em
seus olhos. Agora eu entendia. Agora, fazia todo sentido a sua
reticência em simplesmente falar sobre algo. Igor não era uma

pessoa que pensava antes de falar, pelo contrário. Tudo apenas


acontecia e ele vivia. Porém, ele acabou de perder o melhor

amigo... Céus!

— As últimas horas, elas... — ela já não dizia coisa com

coisa. —Descobri que Theo era minha responsabilidade.

— Theo? — perguntei, olhando para o bebê que se


aconchegou em meu colo e já parecia sonolento. E finalmente

minha ficha caiu, interligando as fotos que já tinha visto do


pequeno. Como eu não tinha somado um mais um? — Igor? —

indaguei, e notei-o respirando fundo, como se o ar ficasse difícil a


cada segundo, e era claro que tudo parecia pesado demais para
ele.

— Ei! — seu olhar parou no meu, mesmo que ele tentasse


limpar algumas lágrimas. — Por que não me conta sobre

amanhã? — indaguei, e ele pareceu acordar de um momento,


praticamente saltando do sofá.

— Eu, droga! Não pensei direito antes de vir, e imagino que


estejamos atrapalhando e...
— Igor! — chamei sua atenção de forma incisiva, e ele
parou no lugar. — Apenas fiquem aqui hoje, e vamos conversar
de manhã. Não é um bom momento para falar seja o que for...

— Deusa...

— Apenas me escute, só dessa vez?

— E quando eu não faço? — sorri e assenti para ele,

levantando-me com o pequeno, que dormia profundamente. —


Ele dormiu tão fácil com você.

— Sou boa com crianças.

Ele então me entregou o vislumbre do sorriso que eu

adorava, mas sabia que não era sincero. Igor parecia, pela
primeira vez, quebrado. E parte de mim, estava da mesma forma,

apenas por vê-lo assim.

Coloquei Theo com cuidado no carrinho e ajeitei a manta


que estava enrolada ao lado. Ele se agarrou ao tecido e pareceu

ficar ainda mais profundo em seu sono.

— Comeu o que hoje? — perguntei, parando à frente do

homem que só me lembrava de ver assim, no dia em que tive que


deixá-lo. — Igor... — ele não me encarou, e me doeu.
Notei-o então de cabeça baixa como se fosse impossível

me encarar. Como se por um acaso o fizesse, fosse deixar tudo


sair. Mas ele precisava daquilo. Então me vi indo até ele, e

puxando-o para os meus braços. Ele veio, sem se negar, e

apenas o senti desabar por completo sobre mim.

E meu coração se partiu, por tê-lo de tal maneira.


CAPÍTULO XVIII

“E se eu não soubesse a verdade

Eu pensaria que você está me ouvindo agora

Se eu não soubesse a verdade

Eu pensaria que você ainda está por aí” [21]

IGOR

Adentrei meu apartamento, cansado pela viagem, e já


procurando meu notebook. Queria ter ido para a mansão direto,

mas tive a brilhante ideia de esquecer meu notebook de trabalho

ali, e precisava do mesmo urgentemente. Meu celular vibrou e


senti meu coração se apertar de imediata. Aquela sensação ruim

não me deixava desde a ligação de Iara.

— Já chegaram? — indaguei surpreso, assim que atendi a

chamada de meu amigo. — Carlos?

— Senhor... Senhor Igor?

— Sim? — perguntei, sem reconhecer a voz do outro lado

da linha. E então, fiquei estático.

— O senhor é o contato de emergência de Carlos Santos.

— Sim?

— Precisamos que venha a...

E então, tudo foi feito em câmera lenta. Lembrava-me de

chegar ao cruzamento, próximo à casa deles com a rodovia. Mal

recordava como dirigi até ali. Contudo, me senti sendo parado e


segurado por vários braços, quando notei dois corpos cobertos

por um saco preto. Meus gritos eram mudos, e meu desespero

ardia no peito.

— O senhor e senhora Santos faleceram na batida.

Aquela frase me atingiu por inteiro, e foi então que lembrei

que não eram apenas eles.


— Theo? Onde está Theo? — tentei passar pelos policiais
que me impediram.

— Ele foi levado ao hospital, apenas para checagem. —


olhei-o incrédulo. — Ele não teve qualquer escoriação visível e

parece bem.

— Preciso ver o Theo... Preciso.

Pulei na cama, sentindo o suor por todo meu corpo. E era

um pesadelo, exatamente como o que acontecera horas antes. As

lágrimas desceram, porque eu me agarrei a Theo por aquele


tempo, até o momento em que tive que fazer o primeiro

reconhecimento dos corpos. Agora, eu mal conseguia olhar para

Theodoro.

E a culpa me rondava a cada segundo que pensava sobre

isso. Eu o tive em meu colo, desde o momento em que os

médicos me avisaram que ele estava bem. Ele estava lá comigo,

no segundo em que recebi a notícia de que os pais faleceram. E

foi a partir daí, que ficou praticamente impossível olhá-lo.

O que eu diria para ele?

Como eu explicaria para ele?


Estava na cama de Lisa, deitado, grudado a seus

travesseiros, e parecendo imerso em um pesadelo. Em qualquer


outro no momento, estar naquele quarto seria um sonho, mas de

repente, não era. Não tinha como ser.

Procurei por Lisa no ambiente, mas não a encontrei.

Forcei-me a levantar, e caminhei a passos contados dali.


Encontrei-a sentada no sofá, olhando para algo no celular, como
se presa àquilo. Fechei os olhos por um segundo, e era como se

conseguisse ouvir meu celular tocar e a voz da polícia do outro


lado da linha.

— Ei!

Senti mãos ao meu redor, segurando-me no lugar, e logo

em torno do meu rosto.

— Igor, sou eu! — abri então os olhos, e encontrei os

castanho-claros de Lisa. — Está em segurança! Está em casa!

Assenti, sentindo minhas lágrimas descerem, mas tentei

me segurar.

— Theo?

— Está dormindo ainda, no carrinho aqui. — falou,

apontando para o lado do sofá, que não conseguia ver direito


devido à escuridão. — Não consegue dormir?

— Toda vez que fecho os olhos, é como se revivesse o


momento em que me ligaram, até o reconhecimento dos corpos.

— cambaleei no lugar, e Lisa me guiou até a poltrona, sentando-


me ali. — Desculpe por todo trabalho.

— Não se desculpe comigo, nunca.

Ela falava seriamente, e então se aconchegou no braço da

poltrona, ainda tocando meu rosto. Seus pés estavam sobre o


meu colo, e por um segundo, tudo parecia bem. Mesmo estando
tão terrivelmente errado.

— Por que me pedir em casamento? — indagou, e eu


engoli em seco.

— Tenho que me desculpar por isso também. — admiti. —


Depois que os advogados de Iara e Carlos me procuraram, eu

entrei em pânico e... Corri até aqui. Não podia ter jogado isso
dessa maneira.

— Se não quer falar disso agora, tá tudo bem. Só estou

preocupada pelo fato de parecer algo importante, mais do que


posso imaginar.
— Envolve Theo. — engoli em seco, e suspirei. — Carlos e
Iara me deixaram com a tutela dele, e sou o administrador da
herança até que ele complete dezoito anos. Explicando

rapidamente, a única família de Carlos é sua mãe, e ela já é de


idade e está doente há muitos anos. E Iara foi praticamente

deserdada quando ela e Carlos se casaram.

— Então, eles confiaram Theo a você. — assenti, e joguei

minha cabeça para trás. — Onde eu entro?

— Eu preciso estar casado, segundo os advogados, para


que a tutela de Theo seja totalmente minha. Se não, abre brecha

para família de Iara tentar tomá-lo. E ela foi bem clara, em uma
gravação que deixou, que não os queria com ele. — fechei os

olhos, doendo-me lembrar daquilo.

— Desculpe por ter perguntado, eu... — olhei-a, e neguei

com a cabeça.

— Ainda é muito recente. — tentei convencer a mim

mesmo, como se fosse melhorar depois. Existia melhora após


uma perda daquelas? — E fui em quem bati na sua porta pedindo
em casamento, então... — abri um sorriso sem vida. — Eu não

pensei muito, quando só decidi vir aqui. Eu só... Só conseguia


pensar, que se um dia, me casasse com alguém, seria apenas
com você.

— Fico feliz por confiar em mim.

Notei então a sala começar a tornar-se mais clara, e pelo


jeito, já deveria ser perto da seis da manhã. E em algumas horas,

seria o velório deles. Foi então que relembrei por completo do

cenário. Teria que sair dali, para estar ao lado da mãe de Carlos.

— Preciso começar a me arrumar. — olhei de relance para

onde o carrinho de Theo estava. — O velório deles será mais

tarde e logo depois, o enterro.

— Seus irmãos me ligaram. — Lisa falou, e me encarou


profundamente. — Estão procurando você por todo lugar. Pedi

para que ficassem calmos e aparecessem de manhã. — avisou, e

assenti com a cabeça. — Quanto tempo desde o momento em


que te ligaram informando o acidente, até chegar aqui com Theo?

— Menos de um dia. — ela então pareceu chocada. — Eu

liguei para os advogados, porque sabia que Carlos sempre

mantinha tudo sobre Theo documentado, devido a família de Iara


só desejar estar por perto, quando descobriram que ele era rico. E

foi quando soube de tudo.


— Eu não sei nem o que dizer. — falou, e segurou minha

mão com força. — Mas quero que saiba que estou aqui, para
qualquer coisa.

Sorri fraco para ela, e aceitei seu carinho.

Lisa e eu fomos de estranhos a amantes, de amantes a


amigos, e ficamos por ali. Mesmo assim, o sentimento que nos

envolvia, sempre pareceu crescer mais e mais. Algo que não

podíamos controlar, mesmo que tentássemos controlar tudo ao

nosso redor para não nos machucarmos mais.

— Ainda vai ter que tomar uma atitude e assumir que a

ama. — lembrava-me exatamente do que Carlos disse, no dia

anterior a tudo aquilo, e de como parecia certo. — Quero ser


padrinho de casamento logo, porra!

Ao mesmo tempo que aquela lembrança me era preciosa,

me fazia querer morrer. Fechei os olhos novamente, e senti Lisa

se afastar, assim como barulhos novos ao redor. Quando os abri,


dei de cara com Carol, Tadeu, Murilo e Verô.

Eu deveria estar imerso em outro universo, quando parava

para pensar no que de fato aconteceu.

— Igor...
Tentei sorrir para Carol mas estava acabado. A realidade

era que não teria como simplesmente fingir estar bem à frente das

pessoas que me conheciam tão profundamente.

— Carlos... Iara...

Minha voz falhou, e ouvi o choro de Theo ao fundo. De

repente, eu me sentia tão vazio, a ponto de não saber o que fazer.

Quando uma parte de si se quebrava tão profundamente, que me


sentia preso ao que não devia temer - eu mesmo.
CAPÍTULO XIX

“Comparações são facilmente feitas

Uma vez que você tenha provado da perfeição” [22]

LISA

— Ei!

Dei um pulo no lugar, ao notar Babi na minha porta. Ela


ainda tinha as chaves daquele apartamento, e tê-la ali, me

relembrava de que em algum momento, fora o nosso lar.

Júlio estava com ela, com Isabela – minha afilhada – no


colo. Vi-me levantando para ir até eles, quando escutei o chorinho
de Theo, que tinha conseguido dar a mamadeira mais cedo, mas

a todo momento, em que não dormia, parecia querer colo.

Dei meia-volta, e peguei o pequeno, que deveria ser da

idade de Isabela, ou talvez um pouco mais. Sabia que Iara tinha


engravidado, e que Igor se tornara padrinho. Mas ainda assim,

mesmo que tentássemos, a nossa amizade após o

relacionamento rompido, não conseguira seguir tão em frente.

Era como se eu sempre tivesse algo mais a dizer. Era


como se ele estivesse da mesma maneira. E eu esperava o

momento certo para dizer a ele, que tudo o que queria, era que

nós pudéssemos tentar novamente. Mas ainda assim, sentia que


poderia afastá-lo. O que me deixava mais do que perdida naquele

tempo que se passou.

Eu era doutoranda, meio período em uma empresa

pequena como consultora financeira, e estava realizando meus


sonhos profissionais. E de alguma maneira, o medo de que estar

com Igor, e o sobrenome dele pesar novamente sobre o que

batalhei, fora se transformando em pó. Nunca me sentira tão

segura quanto naquela época, mas me faltava ter coragem de

dizer a ele.
Ainda, eu sabia que ele conhecia outras pessoas. Poderia
estar com alguma delas. E eu, em alguns momentos, me vi

fazendo o mesmo. Talvez, para convencer a mim mesma de que

não era amor. Mas toda vez, eu voltava a estaca de sempre – que

não existia alguém como ele.

— Esse é o famoso Theo. — Babi falou, aproximando-se, e

o bebê se virou para ela, cm os olhos azuis iguais aos da mãe,

curiosos em sua direção. — Eu acho que você vai ganhar uma

amiguinha.

— Isa odeia todo mundo. — falei, levando o pequeno para

perto dela, que estava mais do que empolgada com a barba do

pai. — Obcecada pelo pai.

— Nem me diga. — Babi reclamou. — Esses dois entram

no mundo deles, e eu fico só assistindo. E fui eu que carreguei

por nove meses, vale lembrar.

— Olha o drama, carinho. — Júlio debochou, aceitando o

carinho da filha.

Theo deu um quase gritinho, e levou a mãozinha a Isabela.

Ela se virou para ele, e surpreendendo a todos nós, tentou tocá-lo


também. Encarei primeiro Júlio, que parecia embasbacado. Babi

não estava muito diferente daquilo.

— Pode ser que ela não goste dos primos. — Júlio

comentou e tive que irr.

— Deixa Inácio, Bruno ou Olívia ouvirem isso. — ela o


cutucou com o braço, enquanto os bebês à nossa frente pareciam

encantados. — Aliás, eles vieram junto. Só disseram que vão


passar na Mansão Reis primeiro. — assenti, porque eu sabia que

agora era quase uma mistura de famílias.

Murilo era um Reis, mas por causa de Olívia também era

um Torres. Com toda certeza, eles estavam ali porque Igor era tão
presente nos almoços de família, por ser tio de Daniela, e ter a

mesma mentalidade de Bruno Torres, que eles estavam


preocupados.

— Trouxe tudo de Isa, está no porta-malas. — assenti,


agradecendo com o olhar. — Na verdade...

Ouvi batidas na porta, e então a mesma se abriu.

Apenas o vislumbre de cabelos ruivos mais escuros, e uma


barriga de grávida enorme.
— Trouxe alguns dos 876 presentes que Vitor já ganhou.

— Babi correu para ajudá-la, e ela fez uma careta. — Se mais


alguém tentar me fazer ficar parada, só porque estou com oito

meses, não respondo por mim.

— Ei, Val! — ela sorriu abertamente, e se aproximou.

Nossa amizade tinha crescido durante aquele meio tempo,


principalmente, por sermos malucas e adoradoras de doramas e
kpop. Era sempre bom passar horas falando sobre tudo e sobre

nada com ela. Ainda mais, pelo fato de nós duas sermos
enroladas com algum dos Reis. Não que falássemos abertamente

sobre isso, mas era como se não precisássemos.

— Vou ao velório ver Igor, mas resolvi trazer algumas

coisas para Theo primeiro.

— Obrigada por isso. — eu estava emotiva, e de repente,

se devia ao carinho das pessoas que gostavam de mim e de Igor,


e por aquela pequena nova pessoa nas nossas vidas. — Theo,

essa é a tia Val!

— E por que eu não sou a tia Babi? — minha melhor amiga

revidou, e eu bufei, enquanto Júlio se segurou para não rir.

— Ela é cunhada do Igor.


— Já é tudo a mesma coisa. — revirei os olhos para ela,
enquanto Theo parecia encantado com os cabelos de Val.

— Posso pegar ele? — ela perguntou, e ele esticou as


mãozinhas, querendo. — Garoto dado, gosto assim. — ele foi de
bom grado, e segurou-se nela como um porto-seguro.

— E você, não vai ao velório? — Babi foi direta, como


sempre e respirei fundo. — Posso ir ao banheiro antes de
responder?

Ri da sua falta de sutileza, e segui com ela até o meu


quarto, o qual fechou a porta e me encarou curiosa.

— Ninguém sabe que Igor te pediu em casamento, a não


ser eu. — assenti, e ela pareceu pensar. — Ok, não fica nervosa,

mas... Pelo que Oli conseguiu saber por Murilo, vazou para várias
pessoas sobre Theo ter ficado para tutela de Igor.

— O QUÊ? — quase gritei.

— Pois é. — negou com a cabeça. — É como uma novela

mexicana, ou um dorama... Os advogados lucraram vazando a


informação, que deveria ser sigilosa, aí agora muitas pessoas
sabem. Esse velório pode ser a aposta de várias pessoas

quererem casar Igor.


— Mas que p... — respirei fundo. — Como podem usar da
morte de duas pessoas como se fossem ganhar na loteria?

— Como disse, parece até ficção. — levantei-me de


imediato.

— Lembra quando me confessei bêbada que queria estar

com ele novamente e ia me declarar?

— Na semana passada, né? — Babi indagou, e eu assenti.


— O seu time é impressionante! — debochou.

— Vaca! — ela riu, e me encarou. — Não posso deixar que

ele passe por isso sozinho. — respirei fundo. — Eu o amo, Babi.

E mesmo que não seja por amor, esse casamento, e eu tenha


que colocar esse sentimento guardado, não posso deixá-lo. Não

dessa vez.

— Vai se casar com ele, então?


CAPÍTULO XX

“Mas eu sabia que você duraria como um beijo tatuado

Eu sabia que você iria assombrar todos os meus e se's” [23]

IGOR

Olhei ao redor e levei o copo de uísque à boca novamente.


Uma sala lotada. Olhares claramente vazios, mas curiosos. Carlos

me olharia como quem diz: “vamos dar o fora daqui”. E eu daria.


Só nunca imaginei, que um dia estaria no velório dele.

Respirei fundo, e senti uma mão apertar meu ombro.


— Lembra daquele esconderijo do lado esquerdo do

imenso jardim? — Tadeu perguntou, e o encarei, tentando captar


a mensagem. — Talvez fosse melhor tomar um pouco de ar,

irmão.

Assenti para ele, e me deixei ser levado, sem conseguir de

fato compreender o que acontecia. Não estaria ali, se não fosse

pelo fato de que fizera uma promessa a Iara. De que estaríamos


juntos até o último segundo. A questão era, que eu não conseguia

olhar para eles. Não depois de tê-los reconhecido após o

acidente.

Eram como flashes que me acertavam. Era como se olhá-


los novamente, sem vida, me traria a certeza de que os tinha

perdido.

Minhas lágrimas desceram novamente, e senti o exato

instante em que Tadeu se colocou ao meu redor, como se me


protegendo. Em meio ao desespero, virei o resto da bebida, e só

consegui de fato enxergar algo à minha frente, quando meu irmão

nos parou.

— Não precisa se segurar, irmão.


— Eu só queria... — olhei para o jardim, da casa da família
dele, que por um longo tempo na nossa infância, eu corri para

cima e para baixo. Ele era o único herdeiro, o que deixava tudo

para Theo posteriormente, e agora, me deixava como tutor. Se eu

pensasse sobre isso, minha cabeça explodiria. — Por que não

estou surpreso? — ri sem vontade alguma, porque a dor me

consumia.

— Ele deixou Theo para você, não deixou? — Tadeu

perguntou e finalmente o encarei. — Valéria está com Lisa, e me

disse que Theo está com elas. Carlos não tem irmãos e a mãe
dele já é de idade...

— Como chegou a isso? — indaguei, e ele apertou meu

ombro.

— Eu me tornei pai, Igor. E as coisas passam a ter outro

peso quando isso acontece. Não é mais apenas sobre mim. —

suspirou fundo. — Eu fiz um testamento duas semanas após


saber da gravidez de Valéria.

— Acha que Carlos pensou isso? Por que eu?

— Eu aposto que sim. O maior medo de um pai, até que

descobri agora, é não poder estar lá pelo seu filho. — admitiu, e


notei a intensidade de suas palavras. — Se perguntarmos a

Murilo, não me surpreenderia se ele tivesse feito um testamento


também.

— Eu só... Não posso sem eles, Tadeu. — engoli em seco,


sem conseguir crer. — Eu tento ficar perto de Theo, mas toda vez,

me mata por dentro. Como eu posso ser uma boa escolha assim?

— Precisa se deixar viver isso primeiro, a perda. — a voz


de Murilo tomou conta do ambiente, e como sempre cauteloso. —

O luto é uma saudade diária, irmão. Mas na vida, a gente


encontra algo que possa suprir. Theo vai se tornar uma lembrança

viva deles, e vai conseguir se agarrar a isso.

— Vocês têm mais certeza sobre mim, do que eu mesmo.

— Porque a gente te conhece. — só então vi que Carol


estava ao seu lado, abraçada ao ruivo. — Sei que não quer ouvir

nada agora, muito menos falar sobre isso, mas... Estamos aqui,
nem que seja para chorar e colocar tudo para fora.

— Eu nem sei ainda como continuo chorando. — ri


sozinho, lembrando que Carlos sempre era o chorão entre nós. —
Eu só não consigo aceitar.
— E talvez nem vá. — olhei de relance para Verô, que se

aproximava. Sabia que a maior perda que ela viveu, foi nossa
avó. Mas nunca a vi admitir tão abertamente algo relacionado

àquilo, mas parecia claro sobre quem ela falava. — Você vai
entender como seguir em frente, em algum momento.

Ela então tocou meu rosto, e antes que pudesse evitar,


apenas me vi indo para os seus braços. Senti suas mãos em

meus cabelos e a maneira como ela me segurava para si, como


se fosse me proteger de todo mundo. Em segundos senti os
braços do restante de nós, e em meio às lágrimas, acabei

sorrindo, porque eu me lembrei ali, que nunca estive sozinho.

E eles eram uma razão para que eu lutasse por Theo.

— Está feio, mas isso é o seu normal. — Carol provocou,


apertando minha barriga, e foi o primeiro sorriso verdadeiro que

tive naquele tempo. Já estávamos de volta à sala principal da


casa, cheia de gente. — Alerta vermelho! — anunciou, e quando

levantei o olhar, dei de cara com Hellen Fontes.


— Soube que era próximo do filho de Marcela. — falou,
com toda elegância e falta de sentimento, que me fazia querer
correr dali. — Meus pêsames, Igor.

— Senhor Reis. — Carol se intrometeu, abrindo um sorriso,


corrigindo a mais velha, e eu segurei seu braço, para que

demonstrasse que estava tudo bem. Um barraco no meio do


velório dos meus melhores amigos, poderia deixar tudo ainda pior.

— Ah, claro. — ela forçou um sorriso, como se entendesse

algo que Carol e eu perdemos por completo. — Valéria?

A pergunta dela mal saiu, fazendo-nos virar, e quando me

dei conta, estava tão surpreso quanto ela. Minha cunhada vinha
ao lado do meu irmão, os cabelos ruivos-escuros chamando

atenção por onde fosse. Ela parou à minha frente, e tocou meu
rosto, do jeito que costumava fazer quando éramos mais novos.

Por um segundo, queria que fôssemos os mesmos jovens que


dançavam por festas que detestavam.

Ela me puxou para si, como se fosse o certo, e agarrei-me


à sua força. Desci uma de minhas mãos à sua barriga, já grande e
marcada pela gravidez. Por um segundo me virei, como se me

lembrasse de que Hellen estava ali, mas já poderia ser tarde


demais. Os problemas que envolviam Valéria e a mais velha dos
Fontes eram muitos, e era uma história muito longe da minha.
Ainda assim, a protegeria. Ela era uma de nós também.

— De quem está grávida?

Valéria se afastou, pedindo desculpas em um tom que


apenas eu escutei.

— Não acho que seja de seu interesse, Hellen. — ela

respondeu, mas meu irmão estava no modo protetor, e já passou


um braço ao redor de seu ombro. Carol trocou um breve olhar

comigo, como se estivesse estática com a situação.

— Vejo que fez o seu jogo. — olhou dela para Tadeu. —

Mas ainda me resta um Reis.

— Esse de todos os momentos possíveis, não é o certo. —

minha cunhada deu um passo à frente, afastando-a de mim, e só

então percebi o quão próxima a mais velha estava. — Se quer


falar comigo, faremos isso fora daqui. — sua voz era baixa e

controlada, e por um segundo, eu só conseguia pensar que

Carlos e Iara adorariam aquele casos de família.

— O futuro marido de Paola, Igor Reis. — a mulher


praticamente gritou, sem disfarçar sobre nada.
Tive que rir da forma descarada que aquela mulher agia, e

notei que Valéria estava pronta para arrastá-la dali, antes que
mais olhares parassem sobre nós. Não me surpreenderia se a

mulher usasse um velório para anunciar um noivado comigo.

Pelos céus! Era cada uma que me aparecia.

— O meu marido, se ouvi bem o que disse, senhora

Fontes!

Aquela voz.

Antes que eu me virasse, apenas senti seu corpo ao redor


do meu, abraçando-me levemente. O toque de Lisa, como

sempre, inconfundível.

— Onde está Theo? — indaguei em um sussurro, e ela me

encarou brevemente, enquanto Tadeu praticamente escoltava


Hellen Fontes para fora.

— Babi está com ele. — falou e sua mão veio para o meu

rosto. — Desculpe a demora.

— Não precisava fazer isso. — anunciei, mesmo sabendo

que a tinha pedido em casamento e todo o desfecho que traria. —

Foi por um impulso, como eu disse, eu só...


— Precisa de mim. — piscou um olho, e segurou

firmemente minha mão. — E eu quero fazer isso.

— Lisa...

— Quase tivemos um barraco? — perguntou, tirando-me

daquele assunto, da forma que apenas ela sabia fazer. Olhei-a

incrédulo. — O quê?

— Vai mesmo entrar nessa.

— Vamos honrar a memória deles. — falou, e olhei-a com


todo o amor que ainda sentia, mesmo com a dor excruciante. —

Vamos fazer o melhor para o Theo.

— Obrigado, eu...

Eu te amo, era o que queria dizer. Mas guardei as palavras

para o momento que fosse certo. Já estava tudo mudando de

figura para Lisa, e sabia do tanto que ela abria mão, apenas por
estar ali comigo, como minha parceira.

— Eu não sei como agradecer. — complementei, e ela

apenas assentiu, apertando ainda mais seus dedos nos meus.

— Você não precisa.

— Igor?
Procurei a voz baixa e um pouco falhada, que eu conhecia

desde sempre – a mãe do meu melhor amigo.

— Estou aqui. — falei, e me soltei de Lisa, indo devagar

até ela, que segurou minhas mãos. Ela já estava em uma cadeira

de rodas, ao menos, há cinco anos. Seu olhar de dor era

tamanho, que me atingiu por inteiro.

— Eu estava lembrando, da vez em que destruíram todas

as minhas rosas... — começou a falar, como sempre fazia quando

a visitava, junto a Carlos e Iara.

Vi-me sentando no chão, à sua frente, para ouvir toda a

história.

Era claro que ela precisava relembrar as coisas, como se

para ter certeza de que era real. Não conseguia colocar em


palavras a dor que eu sentia, então a imaginava, enterrando seus

filhos – já que Iara se tornara uma parte deles. E por um segundo,

apenas fiquei ali ouvindo, e complementando algumas partes,


com as lágrimas descendo livremente.

E era como se em algum momento, estivesse completo de

novo.
BÔNUS

“Estou rindo com o meu amor, construindo fortalezas debaixo dos


lençóis

Confio nele como um irmão

Sim, você sabe que fiz uma coisa certa” [24]

TADEU

— Tem certeza disso? — perguntei talvez pela décima vez,


e Valéria assentiu, enquanto a ajudava a descer do carro que era

um pouco alto. — Não me olhe assim!

— Estou grávida, não limitada desse jeito. — ri de sua

careta, e senti-a entrelaçar nossos dedos. — Não posso viver

com medo de esbarrar em Hellen, e outra, Igor precisa da gente.

— Sabe que escolheu uma família maluca para chamar de

sua também, não é?


— Se você me irritar eu sempre posso pedir socorro para

Verônica. — piscou um olho, fazendo-me segurar o sorriso,


enquanto caminhávamos pelo grande salão da sala principal da

casa da família Santos.

Não conseguia imaginar a dor que se passava em meu

irmão naquele instante, mas era claro o quão quebrado ele

estava. Se eu pudesse, eu a tiraria dele agora mesmo e o faria


voltar a ser o nosso Igor de sempre. Era tão diferente e doloroso

vê-lo se afundar em si, algo que nunca presenciei, mesmo o

conhecendo desde sempre.

Olhei ao redor, localizando-o, e foi quando reconheci


Hellen Fontes.

— Valéria...

Ela pareceu apressar ainda mais seus passos,

praticamente arrastando-me com ela, e nosso filho deveria estar

fazendo uma festa em sua barriga. Ele adorava quando ela mexia

muito. Sorri, por pensar em Vitor. E de repente, meu sorriso


morreu, ao ouvir os questionamentos de Hellen para cima de

Valéria.
Elas não se viam há anos, e a mulher não parecia
demonstrar qualquer sentimento diferente de interesse nítido nas

relações que Valéria construiu. Parecia uma vilã de novela

mexicana, só que muito ruim.

Em alguns minutos, eu já a estava rebocando para fora do

salão, porque era claro que ela não pararia por ali, em uma

simples declaração de casamento do meu irmão, que não

aconteceria.

— Nunca mais ouse falar assim com alguém da minha

família. — falei, e seu olhar mudou, quando encarou Valéria

parada atrás de mim. — Se ousar chegar perto de Igor

novamente, ou insinuar algo para ele com Paola...

— Achou mesmo que cairia no joguinho de vocês? De que

Tadeu Reis tinha interesse em Paola? — rebateu, e foi quando

senti Valéria passar à minha frente, a qual tentei impedir, e

encarar a mulher. — Só não imaginei o quão esperta se tornou.


Engravidar de um Reis...

— Não é sobre o sobrenome dele, e você sabe. E é


exatamente por isso que me detesta tanto e me considera burra,

porque nunca segui o que impôs para nós. — notei então que

Valéria parecia completamente controlada. — Não somos mais


seus brinquedos, Hellen. E não ouse, nunca mais, tentar atingir os

Reis dessa forma.

— Acha mesmo que pode me impedir?

— Eu posso! — ela rebateu, dando um leve sorriso para


mim. — Posso porque tenho ações na empresa, se bem se
lembra... Assim como Gael.

— Gael não vai voltar.

— Tem certeza? — revidou e notei o olhar da mais velha


vacilar. — Espero que saiba o caminho da saída, porque se tentar
entrar naquele salão de novo, eu juro que a farei ser jogada na

rua.

Valéria então se virou, puxou-me para si, e caminhou


tranquilamente de volta para o salão principal. Notei-a respirar
fundo, assim que nos afastamos os suficiente, e toquei seu rosto

com carinho, vendo que por mais forte que ela parecesse, foi algo
que nem ela esperava. — Depois de tanto tempo... — eu a vi

passar a mão levemente pela barriga. — Eu acho que está mais


do que na hora de tomarmos o que é nosso por direito. — sabia
que ela falava sobre a empresa da família, e vi-me puxando-a

para os meus braços, sem conseguir evitar.


— Estou orgulhoso. — admiti, e quando me afastei, ela

sorriu levemente.

— Amar você, é o meu maior ato de coragem, e me

ensinou que não preciso ter medo... de nada mais. — minha mão
foi em automático para sua barriga, e senti o exato segundo em

que Vitor chutou. — Esse garoto parecia querer voar no pescoço


de Hellen também.

— Não esperaria menos dele, ele é um Reis. — ela se

aconchegou nos meus braços, enquanto eu tentava localizar Igor


novamente pelo local cheio de gente.

— Um Fontes-Reis.

Sorri, e assenti, sabendo que aquela história estava longe

de terminar.
CAPÍTULO XXI

“E é difícil estar em uma festa quando me sinto como uma ferida aberta

É difícil estar em qualquer lugar hoje em dia quando tudo que eu quero é

você” [25]

IGOR

— Fica comigo hoje.

Apenas me vi assentindo para Lisa e seguindo-a até o


carro. Notei de relance, ela conversando com meus irmãos do

lado de fora, mas eu estava totalmente no automático. Ela trouxe

uma sacola, e minutos depois, adentrou o veículo.


— Uma das coisas que eu fiz e não te contei nesse tempo.

— comentou, assim que fechou a porta do motorista, colocando o


cinto. Ela então o soltou e veio até mim, dando um leve sorriso,

quando se aproximou, e puxou o cinto ao meu redor. Fechei os

olhos, quando me recordei dos policiais falando que eles não


usavam cinto na hora do acidente.

Por que tudo parecia me recordar exatamente daquilo?

Por que eu não podia esquecer apenas por alguns


segundos e fingir que no próximo sábado, eu estaria com eles,

tomando café e me estendendo até o almoço?

Por que eles?

Nunca fui um homem religioso, mas de repente, via-me


questionando até os céus.

— Eu tirei minha carta de motorista, só não tive coragem

ainda de comprar um carro. — a voz de Lisa me trouxe da

realidade, enquanto ela colocava o próprio cinto e parecia tentar

me tirar a todo custo dos meus próprios pensamentos. — Foi um

longo período ouvindo uma jovem de dezoitos anos e pensando

em você.
Sua admissão me fez questionar do que falava, apenas me
aceitando adentrar àquele universo.

— Drivers License? — perguntei, lembrando-me do estouro


que aquela canção teve, e ela assentiu, dando partida no carro.

— Por que não estou tão surpreso?

— Porque eu adoro uma boa música bem escrita. —

gabou-se, enquanto eu me livrava da gravata preta, que de


repente, me sufocava. Por todos os eternos minutos daquele dia,

eu nunca pensei que odiaria tanto uma cor. — Aliás, vou colocá-la

e cantar.

Assim que a música começou, ela fez o mesmo. A cada

sinal vermelho, seu olhar parava no meu, como se me checando.

E naquele meio tempo, apenas a preocupação nítida dela, era

como uma ótima distração. Mesmo que eu relembrasse daí, do

porque seus olhos castanhos pareciam tão inquietos.

— Obrigado. — vi-me sussurrando, e como já esperava,

ela estava tão atenta a mim, mesmo não deixando evidente, que

seu olhar mudou por completo. — Obrigado por estar aqui, Lisa.

— Eu sabia que era uma boa cantora.


E foi quando eu tive que rir novamente, de forma

verdadeira. Ela conseguia, mesmo nos piores momentos, tirar o


melhor de mim.

— Mas falando sério... — suspirou profundamente, e senti


sua mão direita livre, parar em minha coxa. — Estamos indo para

o meu apartamento, ok?

— Theo? — vi-me indagando, ao notar que já estávamos


próximos do seu prédio.

Era como um instinto gritando por ele, como se eu


precisasse, a todo custo protegê-lo. E me matava porque em todo

aquele caos, por alguns momentos, via-me esquecendo


completamente dele. E toda vez que seu nome saía da minha

boca, eu não tinha ideia de como ele estava.

Eu sabia ser irmão. Eu sabia ser padrinho. Eu sabia ser tio.

Mas pai? Como aprenderia aquilo tão rápido? Era possível


aprender aquilo?

Não que eu, em algum momento, seria para Theodoro. A


questão era que eu deveria tentar ser, ao menos, um por cento do
que Carlos representava. Do que Iara também o era.
— Os Torres e Reis estão com ele. — falou, olhando-me de

relance, como se tentando entender o que eu achava. — Bom, há


uma bagunça de outras crianças com eles na Mansão Reis, e

achei que seria bom deixá-lo seguro e em um lugar mais


aconchegante agora.

— Não é um bom momento para ele estar comigo. — Eu


me vi admitindo. — Será que em algum momento vou conseguir

olhar de verdade para ele?

Senti apenas o leve aperto em minha coxa, que poderia ter


vários significados, mas me agarrei ao que gostaria de crer: que

sim, eu conseguiria. Que eu daria conta daquilo tudo. Que eu


honraria, como ela mesmo disse, a história de Iara e Carlos.

Assim que chegamos ao seu apartamento, vi-a vir até mim,

e me ajudar a livrar-me de cada parte da roupa. Ela tocou meu


rosto, encaminhando-me até o banheiro, e não me dando

alternativa, que não fosse um banho quente. Tomei-o em poucos


minutos, e quando saí, enrolado em uma toalha, vi uma pilha de
roupas que eram minhas, sobre a sua cama.
— Tomei a liberdade de pedir para Tadeu pegar algo para
você. — falou, adentrando o ambiente. — Aqui. — deu-me um
copo, que tinha um pouco de água e a encarei sem entender. —

Apenas confia em mim.

Não precisava pensar muito sobre o que deveria ter

naquele copo. Eu me neguei a tomar qualquer medicação durante


todo aquele dia, justamente, porque queria estar inteiro, para

amparar a mãe de Carlos, mas no fundo, eu estava implorando


para que existisse algo que me desligasse por completo.

Virei o copo, sentindo o gosto um pouco ardido do

medicamento, e Lisa tocou meu rosto, como se avaliando cada


parte de minha expressão.

— Já volto.

Coloquei rapidamente a roupa, que consistia em uma

camiseta de flanela cinza e uma calça de moletom da mesma cor.


Quando Lisa voltou, ela trouxe consigo uma taça cheia de frutas,

e meu estômago reclamou pela fome, mesmo que o sentisse


embrulhar, ao pensar de fato em engolir aquilo.

— Apenas tenta, por favor.


Levou-me até a cama, sentando-me, e em seguida,
sentando-se ao meu lado. Ela então pareceu colocar
aleatoriamente algo no streaming já aberto na sua televisão, e me

foquei em tentar comer o que ela me ofereceu. A cada mordida. A


cada olhar. A cada batida do meu coração... Eu sentia tudo

ficando mais leve. Não saberia dizer como, mas após sentir o
gosto doce de um morango, meu corpo todo pareceu relaxar.

E não tardou, para não ter controle algum, e apenas

desligar por completo.

Poderia estar preso àquela escuridão, que parecia tão


profunda quanto o oceano por horas ou quem sabe, apenas

segundos. Vi-me mergulhando profundamente, sem entender

como tudo parecia sem forma, mas de repente, tornou-se um

jardim imenso, que eu não reconhecia.

— Papai!

O chamado me travou, e foi quando notei uma criança, que

deveria ter uns cinco anos, correndo na minha direção. Não me

esquivei, pelo contrário, apenas me vi agachando e aceitando seu


abraço.

— Eu fiz bem, não é?


Paralisei diante da fala, ao levantar o olhar e encontrar

Carlos à minha frente. Pisquei uma vez, e então, Iara estava ao


lado dele. Um sorriso leve nos lábios de ambos.

— Sei que é difícil agora, mas vai ter que nos deixar ir. —

ele falou, agachando-se à minha frente, sua mão passando pelos


cabelos do garoto, que agora, eu reconhecia por completo –

Theodoro. — E quando nos permitir ir, vai ficar em paz também.

— Não posso. — vi-me falando, tentando tocá-lo, mas foi

em vão. — Não posso sem vocês.

— A gente está em paz, porque Theo tem você. — a voz

de Iara me fez encará-la, e a mesma sorriu. — E quando se sentir

pronto, deixe-nos ir.

— Iara...

— Nós te amamos. — senti então seu toque em meus

cabelos, e as mãos de meu melhor amigo, agora estavam nas

minhas. Theo ao nosso redor, como se protegido. — E ele


também.

— Eu...

Então a imagem foi ficando distorcida novamente, e era

como se estivesse afundando. Tentei respirar fundo, mas a água


foi o que consegui. Tentei gritar por ajuda. Tentei gritar por eles. E

de repente, apenas me senti sendo puxado, talvez, de dentro de

mim mesmo.

— Igor!

A voz era baixa, mas ainda distante, eu a reconheceria, em

qualquer lugar.

— Abra os olhos, Igor. — insistiu, e mesmo que a água


ainda parecesse pesada ao meu redor, tentei abri-los’. — Está

comigo. Sou eu, Lisa!

Quando meus olhos finalmente se acostumaram com a

claridade, notei-a pairando sobre o meu corpo, e seu olhar


preocupado. Meu corpo todo estava molhado, e percebi que era

suor. Suas mãos vieram para o meu rosto, como se preocupada

com a temperatura, e só consegui pensar em como aquilo era


injusto para com ela.

— Parece sem febre, graças aos céus! — falou, e me fez

deitar novamente.

— Quanto tempo eu dormi? — vi-me indagando, ao sentir


meu corpo todo tão pesado, como se estivesse ali por horas.
Lembrei-me de que estava escuro quando chegamos ali, no caso,

o que me recordava antes de apagar.

— Umas quinze horas. — arregalei os olhos, surpreso. —

Não fique assim, é normal devido ao que tomou.

— E Theo?

— Seus irmãos estavam te esperando acordar, para saber


o que fazer. — falou, e me vi levantando, e saindo dali

rapidamente. Como se eu precisasse vê-lo e acreditar naquilo que

me foi dito. Mesmo que fosse apenas minha mente me


enganando.

— Peça para eles o trazerem, por favor.

— Certeza? — indagou, tocando meu rosto, e vi-me dando

um leve beijo em sua mão.

— Sim.

Talvez eu nunca de fato tivesse certeza, mas precisava

tentar. Era sobre aquilo – tentar. Por ele. Por Carlos. Por Iara. Eu

tentaria.
CAPÍTULO XXII

“Mas eu sou fogo e vou manter seu coração frágil quente

Se sua tristeza em forma de cascatas e ondas do oceano vier

Todas essas pessoas pensam que o amor é para se mostrar

Mas eu morreria por você em segredo” [26]

LISA

— Pode mesmo ficar com eles? — indaguei, para uma


Babi que já estava revirando os olhos, enquanto ia comigo até o

seu carro. Que se tornou um empréstimo naquele dia, para que

eu não chegasse atrasada ao trabalho. O meu doutorado que


lutasse sozinho por aquela semana, felizmente, já bem adiantado,

devido a ser totalmente regrada quando se tratava de prazos.

— Igor tem a mim, Júlio e os irmãos. — comentou, e eu

respirei fundo. — Theo vai ficar bem também.

— Eu só... — fechei os olhos por alguns segundos. — Eu


pensei que voltaria para ele em qualquer cenário, mas nunca, em

hipótese alguma, que isso aconteceria.

— Há coisas maiores do que o que planejamos, minha

amiga. — bateu em meu braço, e eu assenti. — Aliás, meus pais

querem te ver. Eu disse a eles para esperarem, porque já tem


muita gente em cima, e acho que não é o momento, mesmo que

queiram ajudar.

— Estou tão perdido. — admiti, e ela era a única pessoa

que claramente veria aquilo. — Eu sinto que Igor está tão

quebrado, que... Não sei o que fazer. Fico me lembrando de mim

mesma, anos atrás, quando mainha se foi... Demorou muito para

sair daquele buraco, e só saí porque ela nunca me permitiria ficar


ali.

— E Igor tem Theo para fazê-lo querer sair também. —


assenti, acreditando naquilo. — Eu sei que não quer falar disso,
mas sobre o casamento...

— O que tem?

— Sabe que muitas pessoas vão falar o que querem sobre

isso. — assenti, porque já imaginava.

— Tempos atrás, eu não o faria. Mas demorei um tempo

para entender que todo lugar que faz o seu relacionamento

pessoal valer mais que o seu próprio trabalho, não merece o seu

esforço. — admiti. — A questão era que eu também precisava me

sustentar... Mas no meio daquilo tudo, percebi que sou ótima


como consultora financeira freelancer.

— Está mais segura sobre isso? — indagou, porque ela

sabia que eu não aceitava ajuda financeira de quem fosse.


Mesmo dela, que era minha melhor amiga.

— Eu estou trilhando o caminho que queria, a bolsa do


doutorado, o trabalho de meio período... Ainda vou passar no meu

sonhado concurso público para discente. — ela levantou as mãos

aos céus, assim como eu. — Hoje dou graças por ter saído

daquele emprego, sério!

— Não acredito que me escondeu isso por tanto tempo. —

bateu em meu braço de leve, o que me fez rir. — Se eu soubesse


do que aconteceu com Igor, de verdade, tu estava fodida.

— Também te amo.

Pisquei um olho, e ela veio para perto, me dando um leve

abraço e outro tapa no ombro.

— Ai! — reclamei, e ela se afastou sorrindo. — Segure as

pontas para mim, até mais tarde.

— Isabela está fazendo isso melhor que eu. — ri do seu

zombar. — Ela não larga do Theo e já até criei uma fanfic.

— Mulher, eles têm pouco mais de um ano. — ela deu de

ombros, e se afastou, enquanto eu adentrava o carro.

Mas um sorriso permanecia no meu rosto. Sempre com ela


ao redor, as coisas ficavam mais fáceis. E por um segundo,

pensei em como tudo poderia ter sido diferente, caso ela


soubesse do que realmente houve.

Ainda assim, eu não estaria de fato preparada. Não como


me sentia naquele exato segundo. E eu teria que entender, de

algum jeito, que no meio daquele momento trágico, o meu amor


por Igor ainda valia a pena. E por ele, eu estaria ali.
Mesmo sendo apenas meio período, sentia-me podre.

Assim que cheguei ao carro, disquei o número de minha melhor


amiga.

— Já saiu? — indagou de imediato.

— Acho que só vou comer algo aqui perto e já estarei de

volta. — suspirei fundo, tirando a bolsa do meu entorno, ao me


sentar no banco do carro. — Como está tudo aí?

— Uma discussão interminável de onde Igor vai morar com


Theo, e sobre o casamento de vocês... — deu uma risadinha
baixa. — Tá sendo ótimo, porque Igor está tão ocupado

implicando com os irmãos, que mal parece o vegetal do dia


anterior.

— Um ponto para o modo barraqueiro intrínseco dos Reis.


— ela gargalhou alto, e poderia jurar que agora chamara atenção

de alguém. — Lisa já está vindo, e talvez a opinião dela seja


válida quando se trata onde ela vai morar também.

Poderia imaginar a cara de tacho de todos ao escutá-la


falando tão abertamente assim.

— Te vejo já. — falou, antes que eu pudesse escutar as

respostas de todos, e eu me vi rindo sozinha. Como aquele povo


conseguia fazer de tudo para distrair Igor eu não sabia, mas eles
eram realmente bons.

Estacionei o carro em frente à minha doceria favorita, e por


um segundo, relembrei-me da primeira vez em que Igor estivera
no meu apartamento. O que me fez pensar sobre o que Babi

comentou – onde ele iria morar com Theo, que me levaria de


brinde junto. A questão era que eu tinha declarado aos quatro

ventos que estaria com ele. Mas ele estava certo sobre aquilo?

E se bastasse apenas assinarmos papéis e tudo certo, a


guarda de Theo estaria a salvo com ele? Não era como se eu

pudesse exigir ou pensar sobre os sentimentos de Igor por mim


naquele instante, até porque, seria desumano o fazer. Eu estava

agindo de acordo com o que sentia por ele, mas ele, estava
desesperadamente tentando preservar o que restou das pessoas
que amava. E eu uma pessoa na qual confiara tal coisa.

— Eu não pensei muito, quando só decidi vir aqui. Eu só...


Só conseguia pensar, que se um dia, me casasse com alguém,

seria apenas com você.

Mesmo assim, dentro da própria dor, Igor não era alguém

que agiria apenas por impulso. Eu o conhecia. E aquela admissão


girava em minha mente, porque por mais incerto que fosse tudo
aquilo entre nós, no fundo, nós dois guardávamos algo um com o
outro.

Olhei para os doces, e me vi encarando uma sessão que


apenas considerava, quando Isabela estava na cidade – a de
ursinhos de pelúcia pequenos e fofos, que ficavam expostos

como que para montagem de um presente maior para uma


criança.

Peguei um ursinho de cor azul, que usava um macacão

branco e parecia tão feio, que ficava até bonito se continuasse

olhando. E foi quando pensei pela primeira vez, que Theo gostaria
de algo. Sorri, trazendo o ursinho até o balcão e então escolhi o

que comeria ali antes de ir para a Mansão Reis.

Toda vez que encava o ursinho, enquanto comia, pensava

em como seria a reação dele ao recebê-lo. Não entendia ao certo


que sentimento começara a tomar conta de mim, mas apenas o

aceitei, não pensando muito sobre isso. Foquei em imaginar os

olhinhos verdes brilhando diante da cor azul da pelúcia, e dos


gritinhos que ele poderia dar.

E eu estava sorrindo sozinha, ao imaginar a reação dele.

Sem entender como cheguei de fato àquele pensamento.


CAPÍTULO XXIII

“Quando estou com medo do mundo, quando cada parte de mim dói

Você não sabe quantas vezes você me salvou

Então, por que você está se escondendo de mim, só está piorando” [27]

IGOR

— Não quer mesmo que a gente te ajude a decidir isso?

Olhei de relance para Verô, encostada na mesa do seu

escritório. Ela tinha colocado todos para fora, deixando apenas eu

e ela. Naquele momento, Theo estava sendo bajulado por meus


irmãos, o que me deixava levemente mais tranquilo. Era normal

sentir tamanha preocupação?


— Eu quero poder escolher algo para ele. — admiti. — Até

o momento em que esteja pronto para que ele seja criado na casa
que os pais dele escolheram.

Tentei não pensar tanto, porque era a primeira vez, em


dias, que me sentia saindo do fundo do poço. E quando

finalmente o fiz, tivemos uma discussão tremenda sobre onde de

fato viveria com Theo. Theo e Lisa, no caso. Eu sabia que todos
eles estavam me dando opções, com o objetivo de me ajudarem,

e até fiquei feliz em conseguir discutir com eles, porque mostrava,

a mim mesmo, que estava conseguindo voltar à realidade.

Já fazia uma semana, preso à minha própria dor.

O primeiro dia: apenas deitado na cama, sem conseguir

comer nada. Na realidade, Lisa me obrigou a comer algumas

frutas, e foi aquilo.

O segundo dia: tentei ao menos chegar próximo ao quarto

em que sabia que Lisa estava com Theo, e falhei miseravelmente.

O terceiro dia: mais pesadelos e sendo acordado por meus

irmãos, que estavam praticamente a postos.

O quarto dia: aceitando que precisava ainda do

medicamento para conseguir dormir, ao menos, naquele período.


O quinto dia: quando encarei minha imagem no espelho,
após um banho quente em que tentei deixar as lágrimas saírem

novamente, e torcia para que fossem juntas com a água, para não

voltarem. Foi quando percebi o quão péssimo eu estava. Em

minha mente, poderia escutar Carlos me cobrando por não me

cuidar. Iara me ligando para ter certeza se eu comi. E foi quando

chorei de novo.

O sexto dia: finalmente abri a porta do quarto de Lisa com

Theo, que tentava se adaptar àquele momento meu, enquanto

minha família toda também o fazia. Não conseguia esquecer-me


do que vi, assim que adentrei aquele quarto e que me fez de fato,

acordar para a vida no sétimo dia.

— E esse aqui é o papai. — ela falava, mostrando um


porta-retratos para o bebê que parecia compenetrado na imagem.

— Essa aqui é a mamãe. — ele fez um barulho e ela riu,

apertando-o contra si. — Menino inteligente! — ele fez outro

barulho, ainda mais alto. — Esse aqui é o seu padrinho, o Igor. —

ela colocou a mãozinha dele sobre a foto, e quando me

aproximei, sem ser notado por nenhum deles, percebi que era a

foto que tiramos, na primeira vez em que Lisa os conheceu, no


dia seguinte de quando estivemos juntos. — Essa sou eu, pode
me chamar de tia Lisa. — ele se agarrou aos cabelos dela,

sorrindo abertamente, sem dentes ainda. — E esse aqui é você...


— ela apontou para a barriga de Iara, e meu coração falhou uma

batida. — Ainda era pequenininho, menor do que agora.

Foi então que os olhinhos verdes, idênticos aos de Carlos

pararam nos meus. Ele soltou um gritinho, como se me


reconhecendo, e suas mãozinhas vieram em minha direção. A
inocência de Theo era tamanha, que ele parecia nem ter ideia do

que acontecera de fato.

— Igor.

A voz de Lisa parecia surpresa, e ela então se virou,


colocando o porta-retratos sobre a cama, na qual eu sabia que ela

mal dormia, porque toda noite, sentia seu corpo ao redor do meu,
como se me protegendo. Ela estava lá, mesmo que não me
dissesse que o faria. Theo em seu colo, ainda reclamando, como

se pronto para uma birra para vir para os meus braços. Como eu
conseguia saber tão bem daquilo?

— Acho que ele está com saudade. — ela falou, olhando-


me profundamente. — Não precisa fazer isso agora, se não...
— Eu também estou. — admiti, e aceitei os bracinhos dele,

trazendo-o para mim.

Beijei sua cabeça com o cabelo ainda maior do que eu

realmente lembrava, e sabia que era da parte que puxou de sua


mãe. A cor castanho- claro, beirando o loiro. Lisa me encarava

como se admirada, e um sorriso leve no rosto. E eu sabia que por


eles, eu precisava voltar a estar ali.

— Às vezes a gente não escolhe. — a voz de Verô me

trouxe para a realidade, e pisquei algumas vezes. — A gente se


torna responsável sem querer. E depois de um tempo, você não

consegue viver mais sem isso. — olhou-me profundamente, e


pela primeira vez, em todos aqueles anos, era como se
entendesse o sentimento dela, ao menos parte, do que tinha por

cada um de nós. — Não esqueça que tem a quem pedir ajuda,


sempre.

— Eu sei, Verô.

Levantei-me, e ela me aceitou em seus braços.

Senti suas mãos tocarem meus cabelos, e um leve beijo

nos mesmos. Ela não era de demonstrar carinho assim, mas


sabia que eu precisava. Então aquilo era uma parte de se tornar
pai? Fazer coisas não apenas por você, mas pensando naquele
que as necessita?

A verdade era que eu tinha um ótimo exemplo, que


permanecia firme, a ainda estava ali por mim, mesmo após adulto.
Gostaria de proporcionar a Theo, o que ela conseguiu

proporcionar para cada um de nós.

— Acho que nunca te disse, mas... — afastei-me e a


encarei, notando a serenidade de sempre em seu olhar. —

Obrigado por me escolher como seu filho.

Ela sorriu e fez um leve sinal com o dedo indicador e médio

contra minha testa. Acabei sorrindo também, e fui novamente


para os seus braços. Se eu fosse um por cento para Theo, do que

ela era para mim, sabia que conseguiria honrar meus amigos.

— Então vamos preparar o seu apartamento para receber

Theo a partir de hoje? Para ser o lar dele? — perguntou, e


assenti, agradecendo pelo seu apoio.

— Seus irmãos já encheram dois quartos da casa com o


que ele “precisa”. — fez um sinal de aspas com as mãos. —

Podemos fazer a escolha que quiserem.


— Preciso esperar Lisa chegar, para ver como ela vai
querer isso, se ela... Ela vai mesmo morar com a gente.

— Eu sei que ela não teve o melhor início conosco, mas


me surpreendi com a atitude dela agora. — olhei-a sem entender.
— Sabe que posso fazer o casamento acontecer depois de

amanhã, certo? Já que tem pressa para conseguir não dar brecha
para perder Theo.

— Vai ser madrinha do nosso casamento? — provoquei, e

Verô apenas voltou para sua expressão neutra de sempre. —

Parece muito rápido, mas não posso ficar enrolando. Só preciso


confirmar se está tudo bem para Lisa.

A questão era muito maior do que eu queria ou como me

sentia, ao menos, naquele momento. Eu estava quase usando a

expressão que Carolina tanto dizia pela casa: de colocar o


cropped e reagir. Depois de uma semana, parecia estar tentando

enterrar o meu luto e focar em não permitir que a vida de Theo

fosse diferente de como os pais dele queriam, ao menos, por


agora.

Verô então bateu em meu ombro e caminhou de forma

silenciosa até a porta. Assim que abriu a porta do escritório com


tudo, vi Carol desabar sobre Murilo, que caiu sobre Tadeu. Ela

apenas cruzou os braços, e pulou-os ao passar por ali.

— Vocês hein... — fiz um barulho de tsc tsc com a boca. —

Péssimos fuxiqueiros!

— O que aconteceu aí?

A voz de Lisa invadiu o ambiente, e meu olhar parou nela,

que estava claramente surpresa ao encarar meus irmãos caídos

no chão, um em cima do outro.

— Isso daí é quando a fofoca quase mata o fofoqueiro,


mas eles não são tão bons.

Tive que gargalhar de Valéria, que vinha ao lado de Babi,

que tinha Theo em seu colo. E então, todos os olhos pararam em

mim. Claramente, nenhum deles estava preparado para me ver


sorrindo novamente. Mas com certeza, estavam felizes em me ver

voltando.

— É sobre isso, principezinho. — Lisa foi até o pequeno, o


qual já queria pular em seu colo. — Não siga os exemplos dos

seus tios.

Sorri, e por um segundo, mesmo com a falta excruciante no

meu peito, soube que valia a pena ter voltado a tentar. Por eles,
valia por completo.
CAPÍTULO XXIV

“Eu queria poder voar

Eu te pegaria e nós voltaríamos no tempo

Eu escreveria isso no céu

Eu sinto sua falta como se fosse a primeira noite” [28]

LISA

— Podemos conversar? — Igor perguntou, parado à porta


do quarto, enquanto eu terminava de colocar Theo no berço, em

que ele dormia tranquilamente.

— Sobre onde vamos morar? — indaguei, e seu olhar

parou no meu. — No caso, nós três?


Ele assentiu, fazendo um sinal para segui-lo para fora e o

fiz, até o seu quarto. Não me era mais estranho aquele lugar, e
sim, pensar que eu tinha tamanha intimidade agora, de conhecer

vários cantos da Mansão Reis, por estar praticamente morando ali

na última semana. Como a vida dava suas voltas, não era?

— Babi me disse que estavam discutindo sobre isso.

— Eu pensei que o meu apartamento seria um bom lugar.

— olhei-o, considerando que era amplo, e com certeza, seria bom


para Theo. — Mas primeiro de tudo, preciso saber se quer

continuar com isso.

— Está me despedindo em casamento?

— Não é isso. — respondeu rapidamente. — Eu só não


quero que se sinta pressionada, mesmo já sabendo que está.

Eu...

Sorri para ele e me aproximei, tocando seu rosto.

— Eu não faço nada que não queira. — admiti. — E não

estou arrependida de ter aceitado estar aqui por você e Theo. E


no que vamos seguir.

— É um contrato de um ano de casamento, Lisa. —


assenti, sabendo daquele detalhe. — Eu não queria ter que te
obrigar a assinar algo assim, mas é o tempo necessário para
poder ter a guarda completa de Theo. E precisa ser rápido.

— Andei falando com Olívia, de como ajeitar os papéis do


casamento e fazermos algo rápido, no cartório. O mais importante

agora é manter Theo com você, do jeito que eles queriam. —

afastei-me, procurando seu olhar. — Pelo jeito, será em menos de

duas semanas todo o processo, de mudança até o casamento.

— Esse, com toda certeza, não é o jeito que imaginei me

casando com você. — admitiu, e eu o entendia por completo. —

Em estar construindo uma vida com você.

— Então quer dizer que nos imaginou casados, Igor Reis?

— provoquei, e seu risinho no canto da boca, me iluminava

depois de tantos dias longe daquele brilho.

— Nunca nos imaginou também? — perguntou, do jeito

debochado que eu tanto adorava, e apenas semicerrei os olhos.

— Quem sabe? — dei de ombros, e ele riu de lado.

— Eu amo que nunca é uma simples conversa entre nós.

— admitiu, e olhou-me profundamente. — Senti tanta falta disso.


— deu dois passos à frente, levando uma das mãos ao meu rosto,

tocando-me levemente. O simples estar perto, de apenas nós


dois, me fazia relembrar de como o seu toque me intoxicava. —

De poder estar perto de você.

— Não é o cenário perfeito para resolvermos os nossos

próprios problemas. — vi-me confessando, e ele assentiu, como


se soubesse. Ainda assim, seu nariz já estava tocando o meu, e

minhas mãos em contato com sua camisa, como se eu me


segurasse para não o tocar de fato. — Talvez depois.

— Sim... — ele sussurrou, como se estivesse tão perdido

quanto eu, e meus olhos já estavam fechados, quando senti o


simples toque dos seus lábios nos meus.

Saudade gritando por cada canto da minha pele. Com ele


tão perto, era fácil esquecer de tudo que acontecia ao redor. Ali,

na nossa redoma, era tão simples.

— Igor do...

Dei um pulo para trás, ao escutar o grito de Carolina, e vi-


me tentando disfarçar o que acontecia, sem entender de fato

porque o fazia. Mordi o lábio inferior, e segurei a risada,


disfarçando minha própria frustração, que Igor não fazia questão,
quando encarava a irmã mais nova como se a ponto de voar

sobre ela.
— Que time, Carolina!

Não consegui segurar a risada, encostando-me na cômoda


ao lado, enquanto Carol não disfarçava em nada seu olhar sobre

nós dois.

— Desculpa. — ela pareceu realmente sincera, mas logo

foi até ele, segurando seu braço. — É que queria perguntar onde
Lisa estava. — então me encarou, como se fosse a sua salvação.
— Se precisa de ajuda para empacotar as coisas, se vai fazer

isso hoje, se quer...

— Ok ok! — levantei as mãos em sinal para que parasse, e

segurei as dela em seguida. — Vamos aos poucos! — ela


assentiu, como se entendendo que estava realmente dando um

passo além. Não que me incomodasse. A realidade era que


estava me acostumando com a sensação de ter outras pessoas
querendo cuidar de você e facilitar sua vida. E realmente,

Carolina era o clássico de uma irmã mais nova intrometida. E


gostava daquilo nela. — Por que não me ajuda a ver um terno

branco perfeito para usar no casamento?

— Sério? — indagou, dando um pulinho e então

enganchando-se em meu braço. Sabia que ela adorava moda, e


assenti, vendo-a praticamente brilhar à minha frente.
— E eu? — Igor perguntou, assim que cheguei na porta
com Carol, e apenas me vi piscando um olho para ele. — Depois?
— insistiu, e eu ri, assentindo.

Aos poucos, as coisas pareciam tomar seu lugar. Mesmo


que em um formato que nunca esperamos. Talvez um dia,

entenderíamos todos os porquês por trás daquilo.


CAPÍTULO XXV

“Em minha defesa, eu não tenho uma

Por nunca deixar as coisas do jeito que estão

Mas teria sido divertido

Se você tivesse sido o certo” [29]

IGOR

— Nunca vi uma mudança ser feita tão rapidamente.

Olhei de relance para Lisa, que trazia uma grande mala e a

colocava ao lado da porta do quarto. Segundo ela, faria sua


própria mudança pessoal aos poucos, para que não ficasse
maluca organizando roupas e sapatos, e até mesmo, os seus

enfeites favoritos.

Ela então olhou ao redor, caminhando pelo apartamento e

vi-a sorrir ao encarar a porta do quarto que seria de agora em


diante, o de Theo.

— T de Tantinho de gente? — leu a frase, e eu ri junto a

ela.

— Eu o chamei assim, no dia que o conheci. — confessei.

— Segundo Iara, era o melhor apelido que ele tinha. — ao menos,

algumas lembranças, agora voltavam e me segurava para não me


afundar nas mesmas. — Carol conseguiu encomendar isso online,

e chegou tão rápido que nos surpreendemos.

— Um tantinho de gente que está? — indagou, e fiz um

sinal para que abrisse a porta.

Ela então adentrou o ambiente e vi sua boca se abrindo de

imediato. Nem eu mesmo tinha acreditado em quão rápido as

pessoas que Verônica contratou, conseguiram finalizar aquele

ambiente. Era inacreditável a agilidade que tiveram.

— Não mexemos na cor das paredes, porque ele ainda é

muito pequeno e a tinta teria que esperar secar. — comentei, e vi


Lisa parando ao lado do berço, em que Theodoro dormia
profundamente.

Queria poder me gabar de que o ninei e o coloquei ali, mas


a realidade era que meus irmãos ficaram ao redor, e ele acabou

adormecendo nos braços de Murilo. Eu estava tentando ficar mais

próximo a ele, mas ainda assim, sentia sempre aquela barreira,

que parecia melhor manter-me afastado. Como se ele fosse

quebrar ao meu toque, ou talvez, o contrário.

Era sobre dar um passo para a frente, e parecer dar dois

para trás.

— Ficou lindo. — falou, virando-se para mim, ainda

apoiada na beirada da proteção do berço. — Ele é tão bonzinho,

não acha? — indagou, sorrindo novamente para ele. — Não

chora muito, adora dormir e não dá trabalho, na grande parte do

tempo.

— Ele é. — respondi, olhando-o com os olhinhos fechados

e os bracinhos no alto da cabeça, mas na direção do ursinho de

pelúcia que Lisa lhe dera. Ele não o soltava desde o momento em
que o ganhou. — Ele parece muito mais descansado que você. —

acusei, e ela fez uma leve careta, voltando-se comigo para fora

do quarto. — Está sendo muito corrido, não é?


— Na verdade, acho que só preciso de um bom vinho para

relaxar hoje. — assumiu. — A gente tem um casamento marcado


amanhã. — piscou um olho, e vi-a sem saber para onde seguir

com sua mala.

— Mesma cama? — sugeri, e Lisa me encarou de cima a

baixo, como se julgando. — Não culpe um homem por tentar. —


sorri para ela, que parecia se soltar um pouco mais quando fazia
aquilo.

Ela seguiu para dentro do que era apenas meu quarto


naquele apartamento, e dei-lhe o espaço necessário para se

arrumar naquele meio tempo. Sabia que eram muitas coisas


acontecendo de mudança em sua vida em um curto período.

Ao mesmo tempo que, depois de aqueles dois anos


acostumado a flertar e provocá-la, a cada instante raro em que
estávamos próximos, ali, debaixo do mesmo tempo, dividindo-o

dali por diante e em breve, com uma aliança em seu dedo – eu


não tinha ideia de como agir.

— Queria poder contar isso para vocês. — falei, parando


em um dos porta-retratos pendurados na parede da sala, em que

estávamos eu, Iara e Carlos, ainda adolescentes. — Teriam boas


ideias do que fazer sobre o meu caso realmente indefinido com
Lisa. — sussurrei, e tentei afastar a sensação de vazio que quase

se instaurou.

— Vou tomar um banho rápido. — a voz de Lisa me

chamou atenção no fim do corredor. — Quer assistir alguma coisa


depois?

— Um dorama? — perguntei, indo até ela, que abriu por


inteiro a porta do quarto.

— Continuo uma dorameira de primeira. — respondeu, um


pouco mais animada. Sabia que ela adorava aquele tipo de
novela asiática, principalmente, quando se tratavam de comédias

românticas.

— Pedi algumas sugestões à minha irmã.

— Carolina é dorameira também?

— Sim, mas não é essa irmã. — a surpresa no olhar de

Lisa era cômica.

— Verônica Reis é uma dorameira? — indagou tão

entusiasmada, que poderia jurar que estaria mandando


mensagem para minha irmã naquele momento. — Não brinca!

— Ela é fã número 1 da cultura asiática. — assumi,


relembrando os detalhes que eu não notei ao longos dos anos,
mas que foi fácil correlacionar quando tentei reparar mais nos

gostos dela. — Ela me disse que Vincenzo[30] é um dos melhores

doramas dos últimos tempos.

— Estou tão ansiosa para ver esse. — admiti,

espreguiçando-me levemente. — Um banho rápido e um miojo de


tomate para acompanhar um novo dorama, o que acha?

— E um bom vinho? — complementei, e ela assentiu.

Virou-se para caminhar para o banheiro da suíte, e fiquei

apenas a observando. Contudo, ela parou e se voltou para mim.

— Vamos fazer isso dar certo, seja o que for que estamos

fazendo a nosso respeito. — sorriu e eu assenti, acreditando em


suas palavras também.

Poderia ser um casamento por um bebê, mas seria um


casamento por amor, em qualquer outra situação. Eu sabia
daquilo. Ela parecia saber daquilo. Só estávamos tomando o

nosso próprio tempo, para que pudéssemos pensar a respeito do


outro, profundamente.
O cheiro de café fresco me despertou.

Abri os olhos um pouco absorto no sono ainda, devido a

estar usando o medicamento que meu médico recomendou, ao


menos por certo tempo, até que meu corpo pudesse descansar
de fato, sem ter algum gatilho. Ser humano era entender as

próprias limitações em momentos delicados como aqueles.

Levantei-me da cama, notando que o lado de Lisa estava


também bagunçado. Lembrava-me de termos começado o

primeiro episódio de Vincenzo ontem à noite, ali na cama mesmo

comendo miojo e tomando vinho, parando um tempo assim que


Theo chorou um pouco, e fiquei com Lisa, enquanto ela lhe dava

a mamadeira, e voltamos após eu o fazer arrotar, e colocá-lo para

dormir.

Passinhos de bebê, mas eu estava feliz em estar


conseguindo.

Viu só, Carlos? Viu só, Iara? Eu vou ser bom para ele. Era

o que tentava dizer a cada segundo

— Como é? — ouvi-a indagar baixinho, e uma risadinha de


Theo em seguida. — Vincenzo Cassano. — ela fez a entonação

imitando o personagem e segurei a risada no fim do corredor.


O melhor de tudo, era que Theo a encarava claramente

absorto, não sabia se pelas frutas que ela lhe dava, enquanto
estava sentado na cadeirinha alta, que descobri ser chamada de

caldeirãozinho – um item indispensável para crianças na idade

dele – ou pelo fato de adorar a voz dela.

Talvez os dois.

— Bom dia, senhora Cassano. — debochei, e o olhar de

Lisa parou no meu.

— Esse era o sobrenome com o qual gostaria de terminar o


dia. — rebateu, e Theo bateu palmas, como se concordasse.

Aquele era um complô?

— São sete da manhã e temos esse tantinho de gente

ficando ao seu lado?

— Eu sou mais bonita, sinto muito. — provocou, batendo

em meu braço, assim que passei ao seu lado. Não pude evitar,

dar um leve beijo em sua nuca, vendo-a se arrepiar por completo


no segundo seguinte. — Igor!

— O quê? — fiz-me de inocente, e fui até a geladeira,

pegando uma garrafa de água. — Café fresco é algo que nunca


tive em casa.
— Que ser humano não tem café fresco em casa de

manhã? — rebateu, claramente surpreendida.

— Quando nos conhecemos, você estava aqui e eu

sempre pedia algo fora... Estou acostumado a sempre beber café


na empresa, na realidade. — Ela parecia realmente chocada.

— Bom, acostume-se. — piscou um olho, e eu assenti,

sem qualquer intenção de discordar.

— Agora que seu padrinho já acordou, por que a gente não

escuta a música favorita da tia Lisa, hein? — ela perguntou para

Theo, que tinha um bracinho para cima, os olhos nela, e a outra

mão nos pedaços de fruta à sua frente. — Principezinho


independente!

— Qual a música do momento, senhora Cassano? —

provoquei novamente, e ela revirou os olhos.

— Continua com isso, para ver se eu não tiro Reis do meu


sobrenome. — rebateu, e mexeu em algo na televisão, logo

colocando uma música do boygroup que eu conhecia antes

mesmo de saber o nome de fato – Stray Kids[31]. — A gente vai

assistir muito Chan’s Room juntos, tantinho.


— Esse apelido é meu. — dramatizei, me servindo de um

pouco do café que estava na garrafa térmica no balcão.

— Nosso apelido. — piscou um olho e então focou em

Theo novamente. — Poppin'... — ela cantou alto com a música,

sorrindo para ele, e fazendo um movimento da dança, que me

deixou embasbacado.

Aquela mulher não tinha pena de um pobre homem que

não sabia o que era sexo de fato depois de tê-la perdido? Ela

estava rebolando na cozinha, às sete da manhã. E eu tentando


fingir que não estava acompanhando cada movimento, sentindo a

língua arder por nem conseguir beber o café direito.

— Merda! — reclamei baixinho, ao sentir minha boca


queimar, e seu olhar então parou no meu. — Não se preocupe,

só...

— Estou te distraindo? — indagou e seria inútil fingir que

não, porque ela conhecia as reações do meu corpo muito bem.


Mesmo que o nosso tempo no passado tenha sido contado, foram

dias em que nós dois decoramos o limite do outro.

— Quando você não me distrai, deusa?

Ela riu levemente, e pareceu gostar daquilo.


— O que foi? — indaguei, parando ao seu lado, e levando

a caneca de café com cuidado à boca.

— Estou feliz que esteja conseguindo voltar, aos poucos.

— admitiu, e me vi beijando levemente seu rosto. Ela então me


encarou, e aqueles poucos centímetros um do outro me fizeram

querer saber se o café era doce em sua boca também.

O gritinho animado de Theo me fez sorrir, ao dar um leve


beijo em seus lábios e me virei para ele.

— O que foi, Carolina versão 2.0? — indaguei, e senti o

tapa de Lisa em meu braço no segundo seguinte. — Eu aposto

que se a gente for se pegar, a qualquer hora que seja, a


campainha vai tocar, sério!

— Me respeita que a gente ainda nem casou. — olhei-a,

enquanto Theo vinha todo alegre para o meu colo.

— Tá vendo essa mulher má ali, que parece com uma


deusa? — perguntei, os olhinhos verdes brilhando da minha

direção para a dela. — Não se engane, tantinho. Ela pode ser a

rainha da tortura.

— Igor Reis!
— Vamos apenas dançar com essa música que eu não

tenho ideia do que está falando, além de Maniac! — cantei com a


batida e Theo riu no meu colo, fazendo-me ter a mesma reação.

Quando ele sorria daquela forma, eu até me esquecia que

tinha apenas um ano e cinco meses. Ele parecia iluminar cada

parte de mim, mesmo que não tivesse a mínima pretensão. E por


um segundo, vi-me agradecendo por ter a chance de uma parte

das pessoas que amava, estar ali comigo.

Ele era a melhor parte deles, segundo os mesmos. E aos


poucos, eu entendia o sentimento.
CAPÍTULO XXVI

“Nós poderíamos deixar as luzes de Natal até janeiro

Esta é a nossa casa, nós fazemos as regras

E há uma aura deslumbrante, um tom misterioso em você, querido

Eu te conheço há 20 segundos ou 20 anos? [32]

LISA

— Tudo certo. — Olívia falou, como minha representante à


frente daquele contrato de um ano, que era uma formalidade

antes de eu e Igor seguirmos de fato para o cartório e nos

casarmos.
Assinei os papéis, sem pensar muito, com minha decisão já

bem tomada desde o segundo em que lhe disse que estaria ali.
Senti o olhar de Igor sobre mim, e o encarei. Ele estava em um

terno sob medida na cor branca, e claramente desconfortável. Era

óbvio que não me queria fazer assinar aquilo, mas eu sabia que
era o respaldo para que não existissem lacunas onde perdesse

Theo.

Mesmo que a gente brigasse e se odiasse do dia para a

noite, e quiséssemos terminar aquele casamento. O que eu não

imaginava acontecendo, mas quem sabe de fato do futuro, não


era? Depois do choque que ele teve, de perder as duas pessoas

que tanto amava, imaginava as tantas incertezas que lhe

rondavam.

Levei uma das mãos até a sua perna e a apertei

levemente, como se o incentivando. Ele então suspirou e assinou

a sua parte dos papéis, e começamos a rubricar o que parecia

serem páginas infinitas. Por que tanta burocracia, meu Brasil?

— E agora? Tudo certo?

— Podemos ir para o cartório. — Oli falou, e assenti,

levantando-me.
Antes que pudéssemos sair do escritório dele, ainda em
seu apartamento, senti sua mão me parar. Oli fez um sinal com a

cabeça, claramente demonstrando que esperaria do lado de fora,

e eu assenti.

— O que foi? — indaguei, olhando a preocupação em seu

olhar.

Igor parecia tão frágil que me assustava.

— Eu sei que ainda não é real, não da forma como... Bom,

como eu imaginei, ao menos. — ele então foi até a primeira


gaveta da mesa e tirou uma caixinha de veludo. Olhei-o surpresa,

e notei o seu sorriso tímido. Eram raras ocasiões em que o via

daquela maneira. — Mas uma deusa merece um presente de

casamento digno de uma deusa.

— Eu...

Ele então colocou a caixinha em minhas mãos, e a abri,

mal segurando a respiração. Foi então que encontrei um colar

fino, todo cravado no que pareciam pequenos diamantes. E vindo

dele, eu não duvidaria que de fato, fossem.

— Pedi para Carol te convencer a não usar nada no

pescoço, inventando uma desculpa qualquer. — admitiu, e então


tirou o colar da caixinha, pedindo clara permissão com o olhar,

para que pudesse colocá-lo.

Assenti, e ele então, passou ao meu redor, e senti o frio

dos seus dedos em contato com a minha pele, mostrando-me que


por mais que aquele casamento fosse por Theo, nunca poderia

ser definido apenas por aquilo. Porque nós dois éramos mais,
antes mesmo de tudo virar de cabeça para baixo.

Levei os dedos até o colar, ainda sem uma completa visão

de como eu estava. Já vestia o terninho sob medida, do jeito que


um dia me imaginei de fato me casando no civil, mas Igor não

sabia de tal detalhe. Ele me encarou, olhando-me de forma tão


adoradora, que por um segundo, senti-me de fato como uma
deusa. Como sua deusa.

— Você está linda. — falou, quase sem fôlego.

— Os meus saltos brilhantes combinaram, não é? —


indaguei, e ele então pareceu se tocar com o que eu calçava. —
Do jeitinho que um dia imaginei me casando no civil.

— Se casando comigo? — tentou tirar uma resposta, e eu


ri, vendo-o me entregar um sorrisinho de lado. — Aliás, estamos

combinando.
Foi então que ele colocou para fora da camisa social

branca, um colar idêntico, só que sem o adorno dos diamantes.

— Cafona. — provoquei, e ele não se deu ao trabalho de

negar. — Mas lindo.

— Eu sei. — suas mãos vieram para minha cintura, e

puxaram-me levemente. — Quais as chances de alguém bater na


porta?

— Muitas de milhares. — respondi, e dei-lhe um leve beijo


no rosto, vendo-o me encarar inconsolável. — Vai ter que me
beijar após o sim. — sussurrei, e ele riu abertamente. — Aliás, eu

tenho um presente de casamento também.

Levei a mão até o bolso da minha calça, que felizmente,

não deixava muito marcado, e ele não teve como desconfiar.

— Programado em tempo recorde para conseguir isso. —

falei, e lhe entreguei o pequeno envelope.

Igor o abriu e me encarou surpreso, quando finalmente


entendeu o que estava ali dentro.

— Sementes?

— Por enquanto, vou te deixar quebrar a cabeça para


entender. — brinquei, e ele pareceu realmente curioso. —
Prometo te contar assim que a plantarmos.

— Vamos plantar agora. — puxou-me pela mão e eu ri,

seguindo-o pra fora dali.

— Temos um horário para nos casarmos, garoto.

Ele parou, encarando-me, e senti os olhares de alguns de

seus irmãos que esperavam na sala de estar.

— Salva pelo casamento, futura senhora Reis. —

provocou, e eu apenas ignorei, indo até minha melhor amiga, que


parecia encantada ao nos olhar.

— Quem disse que não viveria seu dorama?

— Nenhuma palavra sobre isso, senhora novela turca. —


ela riu e levou as mãos aos meus cabelos, apertando-os do jeito

que a ensinei, para me ajudar a deixar os cachos melhor


definidos. — Pronta para ser madrinha do meu casamento?

— Você sabe que sim. — olhou-me com carinho e era


como se me entendesse por completo. Ela sempre o fazia. —

Ainda terei um melhor discurso de casamento do que o seu.

— Disso, eu duvido.

Sorri, e era como se todos ali soubessem que por mais que
não fosse um casamento tradicional, como eles ainda fariam, ou
já tiveram. Ainda assim, era algo a ser celebrado. E no fundo, eu
me via contando sobre aquilo para Theodoro no futuro, e
conseguia até vislumbrar seus olhinhos verdes surpresos com

cada detalhe.

Por que eu estava pensando nele daquela maneira?

— Sem estrutura para isso. — Babi falou sonhadora, e me

virei, na direção que olhava.

Foi quando vi Tadeu com Theo em seu colo, vestido em um

miniterno, que combinava perfeitamente com as cores das nossas

roupas. Ele então resmungou, querendo ir diretamente para Igor,


ao seu lado, vi-o pegá-lo e sorrir naquele processo.

Por um segundo, senti meu coração disparar. E foi em um

milésimo, que eu senti, o que antes me parecia tão vago, mesmo

minha mãe me falando com tamanho amor. Foi quando eu


entendi porque entreguei aquelas sementes para Igor, e porque

gostaria que ele plantasse uma árvore em família, para ele,

Carlos, Iara, Theo e... Eu. Foi quando eu me vi olhando para

Theodoro e era como se eu pudesse dar a própria vida por ele.

Faltou-me o ar no próximo segundo e senti Babi me

segurar levemente.
— Eu encontrei. — admiti em voz baixa, apenas para mim,

levando uma mão ao meu peito. — Eu encontrei, mainha.


CAPÍTULO XXVII

“Em minha defesa, eu não tenho uma

Por nunca deixar as coisas do jeito que estão

Mas teria sido divertido

Se você tivesse sido o certo” [33]

IGOR

— Eu estou arrasando como CEO! — Carolina respondeu,


fazendo caretas pela chamada de vídeo. — Pode levar o tempo

que for para se adaptar à nova rotina com Theo e Lisa, sério!

— Sei que odeia esse trabalho, Barbie.


— O seu secretário me auxilia em tudo, e já até aumentei

salário dele. — ri, sabendo que ela com certeza o teria feito. —
Ele sabe sobre tudo, incrível!

— Estou feliz que se deu bem com ele, porque tenho


planos de torna-lo meu braço direito na empresa, daqui a um

tempo.

— Eu sabia! — bateu palmas. — Viu como eu tenho visão?

— E um português repetitivo de merda, né?

— O bebê! — xingou, e eu quase me xinguei ali na frente.

Theo estava no meu colo, olhando para a tela do

computador, ao mesmo tempo que parecendo encantando com a


toca colorida em minha cabeça. Ele era tão bonzinho, que

agradecia aos céus por não ser como os bebês da idade dele que
assisti em alguns documentários.

— Tô tentando aprender. — admiti. — Mas ainda sou

péssimo nisso. — fiz uma careta, e Carolina revirou os olhos.

— Você tem sido ótimo, é só olhar para Theo para ter

certeza. — fiz isso, e notei-o com um sorriso banguela em minha

direção. — Aliás, Lisa contou que ele tá engatinhando de um jeito


esquisito, e tentando se empoleirar nas coisas...
— Já até chamei uma empresa para deixar todos os
móveis mais seguros, porque acho que a qualquer dia ele vai sair

andando por aí. — ela pareceu maravilhada, com os olhos

brilhando. — Vai ser babá se continuar me encarando assim!

— E ainda diz que tá sendo péssimo. — bufou. — Tá

agindo igual a Murilo e Tadeu! — acusou e tentei não me apegar

àquilo. Não queria, em hipótese alguma, agir como o pai de Theo.

Porque eu sabia, que jamais poderia representar perfeitamente tal

papel. — Só não digo que é como Verô porque fui a última, então

não tenho ideia de como ela se preparou para cada um de nós.

— Ela não se preparou, eu acho.

Carol assentiu, sorrindo.

— Quando se sentir melhor, traz ele na empresa, pra

conhecer o seu trabalho... Não sei se é uma ideia legal para

bebês, mas...

— Péssima ideia, mas eu gostei. — ela jogou o cabelo para

trás, se gabando.

Ouvi batidas na porta, e ela olhou em outra direção.

— Vou te deixar trabalhar, Barbie. Mais uma vez, muito

obrigado pela ajuda.


— Tô pagando a minha dívida por ter comprado meus

lanches durante toda a infância. — provocou e eu ri de lado.

— Tecnicamente o dinheiro era de Verô.

— Então pronto, você que vai ficar com dívida comigo. —


piscou um olho, debochando. — Cuida bem dele, viu?

— Eu vou...

— To falando com o Theo. — cortou-me, e a encarei

surpresa. — É meio feio, eu sei, mas pode dar amor que ele
aceita.

— Te odeio, Barbie.

— Também te amo.

Mandou um beijo exagerado com as mãos, e desfez a


chamada.

— É Theo, você vai ter que aguentar uma família maluca,


viu? — falei, e ele levou as mãozinhas para a touca, como se
querendo tirá-la. — Por que a gente não dá uma volta no

condomínio? — perguntei, e levantei-me com ele, indo até o


quarto.

Olhei rapidamente para as coisinhas dele, todas


etiquetadas e bem guardadas em um guarda-roupa e duas araras
pequenas. Sabia que meus irmãos não davam ponto sem nó, e

não me surpreendi ao encontrar uma touca quase igual à minha,


só que no tamanho micro.

— Aposto que foi sua tia Carol.

Entreguei-lhe o tecido, com o qual pareceu encantado e se

agarrou ao mesmo. Fiz o procedimento que aprendi com Lisa, ou


melhor, a gente aprendeu assistindo tutoriais na internet, e
testamos com várias coisas, antes de realmente confiar que daria

certo com Theo – o wrap sling. Já tinha visto Iara usar algumas
vezes, mas nunca me atentei de fato, em como poderia ser

prestativo aquilo.

Meus dias tinham sido estudar tudo o que conseguia sobre

bebês e educação infantil. Queria dizer que estava pronto para


voltar ao trabalho e fazer uma rotina, mas a realidade era que se
em algum momento não conseguia sequer olhar para Theo, no

agora, eu não conseguia ficar longe dele.

Ficava em minha mente, como seria para conseguir deixá-


lo com alguém para poder trabalhar. Aquela simples ideia me
aterrorizava. E o lado bom de ser o CEO da empresa e ter tudo de

acordo, além de uma irmã capacitada para assumir a qualquer


hora, era fazer tais decisões. E eu estava escolhendo estar com
Theo, pelo tempo que fosse necessário.

Aprender com ele. Entender como ele se sentia. Conhecer


coisas que nem tinha ideia sobre, mesmo sendo seu padrinho. Eu
sabia do básico sobre bebês, como trocar fralda, alimentar,

segurar, fazer arrotar... E o básico não me parecia o suficiente


para ser o bom exemplo que Iara e Carlos deveriam gostar.

Em alguns momentos, via-me perguntando: como eles

puderam deixar o testamento, mas nada me dizendo do que


esperavam. Eles não eram do tipo de pessoas que apenas te

entregavam algo, sempre foram completamente explicativos.


Contudo, já havia perguntado aos advogados, ao menos, cinco

vezes, e eles alegaram que não tinham acesso a nada. Talvez


meus amigos tenham se preparado, mas realmente não
imaginariam que aconteceria. No caso, como poderiam?

— Pronto. — falei, ao prender Theo ao meu peito. — Vou


aproveitar para descer o lixo, se não sua tia Lisa me esgana

quando chegar da faculdade.

Ele estava atento à touca, e nem pareceu se importar com

minha falação. Assim que adentrei o elevador, agradeci pelo


mesmo estar vazio. Não sabia bem explicar, mas o instinto de
proteção para com Theo, me deixava em alerta até quando via
alguém o encarando.

No casamento, aquilo foi uma verdadeira luta interna.

Quando o elevador parou e três mulheres entraram, dando-


me bom dia, e seus olhos se prenderam no tantinho de gente

preso a mim, até segurei uma respiração. Pare de paranoia, Igor!

Elas só estão vendo o quanto ele é bonito.

— É seu filho? — uma delas perguntou, e não tinha ideia

de como poderia me acertar em cheio.

— Meu afilhado. — respondi e uma até tentou tocar as

mãozinhas dele. Fiquei paralisado por um instante, antes de dar


um passo atrás. Era normal sentir que o coração ia sair pela boca,

apenas pelas pessoas estarem tão próximas?

Não tinha ideia do que significava aquele mar de


sensações.

Quando finalmente saímos de dentro do elevador, foi como

se conseguisse voltar a respirar. Theo estava com os olhinhos

perdidos para os lados, como se tentando reconhecer o ambiente.


Caminhei com ele perto do parquinho e imaginei o quanto ele
poderia gostar daquilo, dali a alguns anos. Até mesmo, da piscina

dali.

— Imagina Theo, você dando voltas e voltas na piscina. —

falei, e ele me encarou curioso. — Sei que você ama a água do

banho, e seus pais diziam a mesma coisa. — apertei seu nariz, e


ele fez uma careta, que me causou uma risada.

Senti meu celular vibrar no bolso e ao olhar o nome no

visor, meu coração se apertou um pouco. Não sabia como Lona

Santos estava levando aquilo, mas ela me pediu um espaço, após


ter de enterrar seu único filho, e Iara, que ela considerava como

sua filha também.

— Oi, tia Lona.

— Oi, meu querido. — falou, sua voz um pouco mais


animada, quase perto do que costumava ser. — Queria saber

como estão as coisas? Como está Theo? — sua voz era um

pouco falhada, e sabia que se esforçava e muito para fazê-lo.

— Ele está bem, mais forte que todos nós. — brinquei, e

ouvi o seu leve sorriso do outro lado. — Sei que a senhora

costumava almoçar com ele todo final de semana. Quando quiser,

posso levá-lo.
— Poderia ser hoje? — indagou, surpreendendo-me. — Sei

que tem o seu trabalho e talvez não esteja com ele, mas... A

saudade dele está maior do que qualquer dor.

— Eu entendo, Lona. — infelizmente, entendia boa parte


daquela sensação. — Mas não voltei ao trabalho ainda, estou

apenas passeando pelo condomínio com Theo. Ele está aqui

encarando uma borboleta. — comentei, ao reparar em que ele


parecia tão focado. — Posso ir agora, sim.

— Estarei esperando, com seu bolo favorito.

— Chego mais rápido ainda, então. — ela sorriu

novamente, o que fez meu coração se aquecer. — Até já, tia


Lona.

— Até já, meu querido.

Desfiz a ligação e olhei para Theo, todo animado.

— Vamos visitar sua vovó, tantinho. — ele parecia sequer

saber do que se tratava, mas começou a falar várias coisas sem

nexo, como dadada, tetete, dududu. — Daqui a pouco, vai estar

cantando a música da tia Val, que tem o dududu. — provoquei,


saindo com ele dali, em direção aos elevadores.

De repente, o dia parecia ter ficado melhor.


CAPÍTULO XXVIII

“Se um homem fala merda, então não devo nada a ele

Não me arrependo de nada, porque ele mereceu isso” [34]

LISA

Sorri ao receber a foto de Theo vestido com um jeans e


camisa social. Era a coisa mais fofa, ver aquele estilo de roupa

em crianças tão pequenas. Lembrava-me de ter comprado um


conjunto de alfaiataria para Isabela, antes mesmo de ela nascer,

porque imaginava-a linda no mesmo.

E agora, eu me derretia por Theo também. O tanto quanto,

apenas me senti derreter por ela antes. Na realidade, o plus que


veio com a nova família em que Babi estava inclusa, fez-me estar

cercada de crianças e poder sentir-me derretida por cada uma


delas. Em breve, estaria mimando Vitor e Fabrício para cima e

para baixo. Quem sabe Theo e eles pudessem ser amigos?

Estava parada tomando meu café, perdida naquela foto,

que nem notei minha chefe adentrar o ambiente. Só percebi,

quando senti um olhar preso sobre meu corpo.

— Senhora Lima. — ela fez um sinal com a cabeça, e


parecia pronta para me corrigir novamente. Não que tivéssemos

uma grande diferença de idade, mas ainda assim, sempre gostei

de levar tudo a risca no trabalho. — Precisa de algo? — indaguei,


ao notar que ela não parecia estar parando para tomar algo ou

buscando o que comer.

— Podemos ter uma conversa? — indagou, e assenti, já

deixando minha caneca sobre o balcão. — Pode trazer o seu


café. — piscou um olho, e seguiu para sua sala. Guardei o celular

no bolso e fiz o mesmo caminho que ela.

Assim que fechei a porta atrás de mim, ela apertou um

botão que tiraria a visão dos outros funcionários, que trabalhavam

lado a lado comigo, em uma grande mesa, todos os dias. Ao

menos, eu sempre estava ali pelas manhãs. Era um bom trabalho,


para conciliar com o meu doutorado, e não ficar completamente
sobrecarregada.

Quando consegui passar na entrevista, três semanas após


perder o emprego, o qual sequer gostava de lembrar. Após aquele

episódio com Reinaldo Reis, aquele assunto se tornara o meu

Voldemort. Não gostava de citar nem o nome da empresa, como

se fosse possível trazer algo de ruim. Supersticiosa quando

queria, era a realidade.

— Está aqui há quase dois anos, certo? — perguntou,

indicando a cadeira à sua frente. — Já tivemos algumas

conversas, em que queria te colocar integralmente, mas sempre

deixou claro sua prioridade no doutorado.

— Agradeço por entender esse ponto.

— É uma ótima profissional e estimo de verdade isso. —

falou, e senti que existia um “mas” naquilo. — Vou ser direta,

porque não costumo saber fantasiar as coisas.

— Aconteceu algo? — indaguei sem entender o que

ocorria.

— Um dia, me encontrei casualmente com Verônica Reis,

em uma festa de caridade. Não que acredite ser tão casual assim,
já que agora, sei porque ela me disse, aleatoriamente... — fez

aspas com os dedos. — que se um homem chamado Reinaldo


Reis tentasse entrar em contato comigo que poderia contatá-la. —

fiquei completamente tensa. — Na época, apenas guardei a


informação e pensei que seria isso. Talvez, mulheres ajudando
mulheres. Todas as pessoas. sabem o quanto a matriarca dos

Reis é poderosa, e bom, era um ponto a meu favor. Ontem à


noite, entendi porque ela o fez.

— Reinaldo te procurou?

— Veio me contar sobre seu casamento e no caso, sobre

seu filho... — Como ele ousava colocar Theo naquilo? — Nunca


fui de me intrometer na vida dos funcionários, e deixei isso muito
claro a todos vocês. Você tirou os dias de folga que precisava, e

que tinha seu direito e para mim, era o suficiente. Contudo, esse
homem veio me contar como se eu devesse fazer algo com a

informação.

— O que ele disse?

— Que eu deveria te demitir. — arregalei os olhos. — Além


de besteiras sobre se eu sabia porque você foi demitida do antigo

emprego.
— Eu me demiti. — vi-me falando, e ela assentiu, como se

já estivesse informada.

— Eu entraria em contato com Verônica, porque agora

entendi partes do porquê ela falou comigo, anos atrás... Mas


acredito que seria melhor falar para você sobre. — assenti, um

pouco perdida. — Não entendi exatamente o que ele queria, mas


independente de qualquer coisa, tenha cuidado. Ele não me

parece uma pessoa boa.

— Obrigada por... por não levar isso para o meu lado


profissional. — falei, sentindo a raiva crescer.

— Mulheres sabem quando homens falam merda apenas


para tentarem nos convencer a fazer o trabalho sujo para eles. —

nunca me vi concordando tanto com algo. — Como disse e repito,


é uma ótima profissional. E a sua vida pessoal é a sua vida, Lisa.

— Obrigada, de verdade. — suspirei aliviada.

— Bom, era isso. — ela riu um pouco sem graça. — E não

entenda como uma intromissão, mas se precisar de auxílio com o


seu filho, pode trazê-lo durante o expediente, a gente tem uma

babá a postos para isso aqui.


Pensei em corrigi-la e dizer que Theo não era meu filho,
mas vi-me assentindo, e agradecendo novamente. Meu único
pensamento ao sair daquela sala era que encontraria Reinaldo

Reis, e o resultado não seria nada bonito. Não para ele, daquela
vez.

Não foi uma busca tão difícil assim. O endereço de

Reinaldo Reis estava praticamente exposto na internet, já que a


casa parecia estar a venda há algumas semanas. Assim que
estacionei à frente da mesma, repensei em minha mente o quanto

aquele homem parecia obstinado em foder com a vida de quem


era seu filho. Não que ele tivesse qualquer direito de chamar Igor

assim.

Assim como meus progenitores, ele não merecia sequer

receber uma palavra em troca. Desci do carro, e vi-me apertando


o interfone. Esperei por alguns segundos, e a arma de choque

estava a postos no bolso da minha calça. Eu estava preparada


para o que fosse, ao menos, para com ele.
Quando a porta se abriu, notei que ele não era nem a
sombra do homem que conheci anos atrás. Ele parecia ter
envelhecido muito mais em dois anos, além de estar todo

desgrenhado e claramente não tomava banho há dias. Não que


eu fosse sentir pena, pelo que tivesse ocorrido.

O carma era ótimo quando funcionava para algumas


pessoas.

— É mais inteligente do que pensei. — ele falou,

aproximando-se como se tivesse alguma intimidade. — Casou

com o mais fraco deles, e ainda, conseguiu um bastardo para


chamar de seu...

Vi-me sem pensar duas vezes, quando o segurei pelo

pescoço e bati-o contra a cerca viva que emoldurava a casa. Ele

era maior, mas eu sabia muito bem como derrubar alguém duas
vezes o meu tamanho. Um detalhe que ele agora saberia.

Ele poderia falar de quem quisesse, mas não do homem

que eu amava, e muito menos de Theo. Não, não deles.

— Sabe... — ele tentou se soltar, mas parecia realmente a


ponto de desabar. O homem era um desastre. — Fale o que

quiser, sobre quem quiser, mas não sobre eles. Não ouse abrir a
boca para falar sobre eles. — Bati-o novamente, para reafirmar

meu ponto. — Não ouse ir atrás do meu emprego ou querer ferrar


com a minha vida outra vez...

— Vai fazer o quê, sua putinha? — falou, e senti o hálito de

álcool em sua boca. — Vai me matar?

— Acho que já está tendo algo pior que a morte. —

debochei, e notei seus olhos endurecerem. — Vou fazer questão

de que o seu sobrenome seja jogado ainda mais na lama, ao

processá-lo por assédio. — ele então riu, como se fosse a piada


do ano. — Sabe, existiam câmeras com áudio naquela sala, que o

seu digníssimo amigo Paulo se esqueceu de avisar... Acho que

ele pensou que estava tudo sobre controle ou que eu seria uma
presa fácil. — ele então arregalou os olhos, como que surpreso.

— Imagina só: Reinaldo Reis, ex-socialite que perdeu tudo, sendo

processado por assédio... Imagine só, o que mais irão procurar


sobre sua vida?

Ele então me empurrou, como se tentando se afastar, e o

soltei, rindo diabolicamente.

— Está avisado. — alertei. — Não ouse chegar perto de


nenhum deles, e muito menos, de mim.
Notei-o gritar todos os palavrões possíveis, e quase cair na

calçada. O homem era praticamente o ditado de “estar chutando

cachorro morto”. Contudo, sentia-me aliviada por finalmente tomar


parte sobre aquilo. Naquela época, eu já tinha perdido tanto, que

não quis reagir. Ainda mais, porque levaria Igor e toda sua família

para os holofotes, devido a ligação sanguínea dele e Tadeu com

aquele homem.

Antes de sair com o carro, e vê-lo adentrar a casa, vi outro

carro estacionar, e um homem mais novo, que não tinha ideia de

quem era, ir até ele, e ajudá-lo a levantar, assim como, a entrar

pelo portão. Olhei a cena um pouco desconfiada, e algo me


alertou, que talvez, ainda voltasse a ver aquele rosto. No fundo,

torcia para que não.

Meu celular tocou e deixei a chamada no carro, enquanto


finalmente ia para bem longe daquele lugar, e daquele homem.

— Olá, deusa das nossas vidas. — Igor falou, galante

como sempre, e eu ri sozinha enquanto dirigia.

— O que está querendo, garoto? E como está o


principezinho? — perguntei, e ouvi sua risadinha ao fundo.
— Nesse momento, engatinhando até a avó e dando

aquele sorriso banguela. — fiquei completamente surpresa. — Ela


me ligou e pediu para vê-lo.

— Nossa, isso... Isso é tão bom! — aquela informação

mudava completamente meu humor. — Fico tão feliz por ele voltar

a tê-la.

— Na realidade, ela me pediu para te ligar e ver se pode

passar aqui por agora. — ok, aquilo era ainda mais

surpreendente. — Segundo ela, precisa mostrar algo importante


para nós dois.

— Meu orientador acabou cancelando a reunião que

teríamos hoje, e estou sem aulas também. — falei, encarando


meu relógio. — Chego aí em uns trinta minutos.

— Ok, deusa. — sua voz parecia realmente leve, o que me

deixava estonteante. Aos poucos, ele parecia voltar a brilhar. —

Te vejo já.

— Até!

Liguei o som do carro, sentindo-me mais leve por

finalmente ter enfrentado Reinaldo e agora, poder realmente


conhecer a avó de Theo, já que nosso primeiro encontro, deveria

ter sido no pior dia de sua vida.

Selecionei a música que estava em minha mente, e deixei

minha mente viajar, enquanto ia para o lugar ao qual pertencia.


Onde Igor e Theo estariam, eu sabia que deveria estar. Sorri,

porque as coisas nunca pareceram tão certas.


CAPÍTULO XXIX

“Sobre os alvoroços

Sobre todo o barulho

E através de toda a preocupação

Ainda ouço sua voz” [35]

IGOR

— Ela chegou, tia!

Puxei Lisa levemente para perto, que me presenteou com

um sorriso. Beijei sua bochecha e notei seu olhar parar no meu


por um instante, como se estivesse assim como eu, pensando em

como a gente se aproximava, dia após dia. Mesmo que debaixo


do mesmo teto, depois do nosso casamento, e daquele beijo após

o “sim”, nada aconteceu entre nós.

Acreditava que estávamos encontrando o espaço de cada

um, em meio à nova vida que adentramos. Mas eu não podia


fingir, que mesmo sem entender muito do que acontecia comigo,

o que sentia por ela, ainda explodia por cada poro de meu corpo.

— Elisa. — a voz de Lona chegou até nós, e sua

acompanhante empurrava sua cadeira de rodas. — Acho que não


pudemos nos apresentar direito da outra vez, mas é um prazer.

— O prazer é todo meu, senhora Santos.

— Tia Lona. — ela segurou a mão de Lisa, que pareceu

completamente tocada. — Se Igor a escolheu, sei que é uma boa


pessoa.

— Tia Lona é a única que tem a real visão da perfeição que

eu sou.

— E do quão metido também. — ela falou, fazendo-me

dramatizar como se tivesse me acertado no peito, e ambas riram.


— Theo acabou dormindo, e o colocamos no berço do quarto que

tinha aqui. — explicou, para Lisa que já parecia procura-lo. —

Uma mãe reconhece outra, querida.


Notei Lisa travar ao meu lado, e ela até abriu a boca para
dizer algo, mas nada saiu. Eu queria poder auxiliar, mas a

realidade era que não sabia o que fazer. As denominações como

pai e mãe de Theo, durante aquele dia, estavam se repassando

como fogo em minha mente.

— Tenho que descansar já já, mas quero mostrar algo para

vocês...

Nos à seguimos em direção à sala principal, e vi sua

acompanhante deixá-la ao lado do sofá, e então pedir licença.

Olhei sem entender para ela, e senti o olhar de Lisa sobre o meu,

como se perdida. Mal sabia ela que estava da mesma forma.

— Sentem-se. — pediu, e o fiz, indicando o lado do sofá

vazio ao meu lado para Lisa. — Os primeiros dias foram tão

difíceis, que eu me recusei a ver qualquer coisa sobre Carlos e

Iara. Era demais. Qualquer coisa era demais.

Levei minha mão até a dela livre, que a apertou levemente.

— Mas eu sonhei com eles, e nesse momento, senti uma

paz tão grande, que entendi que era hora de olhar para eles

novamente. — confessou, e mexeu em algo no bolso do seu

cardigan. — Os advogados me entregaram isso, uma semana


após o enterro. Não tive coragem de ler, até ontem. E quando o

fiz, soube que precisava mostrar a você, Igor. A vocês dois, na


verdade.

Olhei-a sem compreender, mas aceitei o envelope que me


entregou em mãos.

— Carlos e Iara nunca foram de fazer algo sem explicação,

mas acredito que escolheram entregar essa carta para mim, para
que pudesse ser claro o bastante, do quão sério eles estavam

sobre essa decisão. — olhei para ela completamente


embasbacado. — Então saibam, que mesmo o mais triste de toda

essa situação, eles não poderiam estar mais felizes, por terem
deixado Theo com alguém que lhe dará o amor que eles só
puderam proporcionar-lhe por um curto período.

— Tia... — ela apertou minha mão, como se para me parar.

— Quando ler, vai entender. — sorriu e incentivou-me a


abrir, mas eu estava tão pasmo, que sequer consegui. — Leve o
tempo que quiser, querido. A carta é sua.

— Eu... Obrigado, tia. — ela sorriu levemente, e assentiu.

Abaixei-me, e ela tocou meu rosto, dando um leve beijo em

minha testa.
— Queria que pudessem ficar mais, mas realmente, estou

cansada. — admitiu, e eu assenti, entendendo completamente.


Ela tinha ficado um longo tempo com Theo. Bebês têm o

superpoder de drenar qualquer energia. — Se puderem, os cafés


da manhã de domingo são de vocês.

— Vamos adorar. — Lisa respondeu, e senti sua mão na


minha, assim que me levantei, e ela fez o mesmo. — Obrigada

por me receber, senhora... Tia Lona.

— Obrigada por cuidar dos meus meninos. — ela sorriu, e


logo apertou algo no seu celular. Sua acompanhante voltou e fez

um breve sinal com a cabeça, para leva-la. — Fiquem à vontade


para pegar Theo, e espero vê-los no próximo domingo. Uma boa
noite, crianças.

— Boa noite!

Lisa segurava meu braço, que tremia e então, a encarei,


após tia Lona se afastar.

— Leva o seu tempo, lembra? — indagou, e eu assenti,


respirando fundo.

— Acho que preciso disso, para depois pensar... — admiti,

guardando a carta no bolso da calça. — Pronta para pegar um


tantinho que vai chorar por sair da posição de soninho?

— Está falando fino igual a criança. — provocou, e eu não

neguei. — Deixo esse trabalho para você. — piscou um olho, e eu


segui até o quarto de Theo ali, mas senti seus passos às minhas
costas.

Ela poderia sempre me falar para fazer algo, mas logo


estaria ao meu lado, como se não podendo ficar longe de Theo. E
eu a entendia, bem até demais sobre aquilo.

— E assim, eles foram felizes para sempre.

Lisa terminou a história, que na realidade, me deixou preso

por mais tempo do que Theo, encostado contra o batente da


porta, olhando-os. Ela tinha aquele hábito, de ler para ele, todos

os dias, antes da hora oficial de dormir. Não que ele já


entendesse, mas realmente, era algo lindo de se ver.

— Cansado? — perguntou baixo, colocando o livro sobre a


cômoda, e então me encarando.

Puxei-a para perto, e sua boca veio para a minha, em um


beijo que me fez sorrir. Tudo nela parecia melhorar tudo que eu
mesmo conseguia equilibrar tão bem em mim.

— Já vou para a cama. — falei, sentindo seu olhar curioso.

— Só preciso de um momento com ele.

— Ok, garoto.

Sorri para o apelido, que ela raramente usava, mas que

sempre acendia algo dentro de mim. Como se fosse a indicativa

de que ela se lembrava de tudo que nos levou até ali. Que já era
amor, muito antes. Lisa se afastou, e vi-me indo até a poltrona na

qual ela estava sentada segundos antes, e me ajeitando ali.

— Lisa é incrível, né tantinho?

Ele estava preso em seu sono, como se não tivesse ideia


de realidade. Tirei então o envelope de dentro da calça de

moletom, o qual não consegui me separar desde o segundo em

que a mãe de Carlos me entregou. Queria ter certeza de que


estava pronto e que era o momento, mas ainda assim, a verdade,

era que nunca estaria pronto para aquilo. Assim como, nunca

estivera para perdê-los.

Finalmente abri o envelope e retirei um papel amarelado de


dentro. Reconheci a letra de Carlos de imediato e fechei os olhos,

por um segundo, procurando forças.


— Ok... Eu consigo. — vi-me dizendo, como se para me

dar força.

“Se minha mãe te entregou isso, é porque com certeza, ela

enxergou a confusão que Iara e eu instalamos em sua mente. A


gente espera que essas cartas sejam perdidas com o tempo e

que nunca, nenhum de vocês, tenha que abri-las. Mas se o fez,

irmão... Eu sinto muito. E obrigado.

Não tem muita ideia do que eu disse à mamãe na carta


direcionada a ela, mas a realidade é que eu sei que Theo está

bem com você, e aposto, com cada ano que nos conhecemos,

que está se culpando por isso. E por te conhecer, principalmente


pelo que Iara também temia, é que estou escrevendo.

Eu sinto muito por não estar mais aí, para continuar sendo

o melhor amigo do mundo para você – sabemos que eu sou, não

é? Mas sem ego explodido, eu sinto muito por não estar, de


verdade. Queria ter ficado por muito mais tempo, seja ele qual for,

mas sou grato por cada segundo que construímos essa amizade.

E obrigado, por estar cuidando de Theo.


Disse a mamãe, que se notasse, você se culpando por

estar sendo um bom pai para ele, que ela lhe passasse essa

carta, de imediato. Porque Igor, a gente sabe, desde o momento


em que decidimos fazer o testamento, que você amaria Theo

como um pai. E temos muita sorte por isso. Então, seja qual for a

sua ideia de culpa sobre isso, não a sinta.

Se eu não estou aí para ser o pai dele, por que não você?
Ou melhor, você deve estar se perguntando, por que eles me

escolheram? Porque você, meu irmão, a gente te conhece. Tão

bem, a ponto de saber que pode se culpar por estar amando

Theo.

Mas não o faça, por favor.

E não sofra por nós, por favor.

Nós te amamos e por isso, te escolhemos.

Nós amamos Theo, e por isso te escolhemos.

Porque você ia fazer de vocês dois, a melhor família

possível. E com certeza, se fosse para encontrar alguém, para ser

a mãe dele, não erraria. Porque você sabe exatamente como


encontrar o melhor, em cada um.
E eu sei. Nós sabemos, que encontraria o melhor para

Theo.

Queria que pudéssemos encontrá-lo juntos, mas se está

lendo isso, saiba que está tudo bem. Porque eu tenho você. Iara

tem você. E Theo, ele ainda está com você.

Obrigado por estar com ele, irmão.

Obrigado por todo tempo ao meu lado.

E eu espero, o dia, que vamos nos ver outra vez.

Com amor, (e um choro terrível), Carlos”

Minhas mãos tremiam, quando notei mais uma coisa dentro

do envelope. Uma foto nossa, quando adolescentes, no jardim da

sua casa. E por incrível que parecesse, eu não chorava. Não


naquele momento. Eu tinha um sorriso no rosto, que

representava, de alguma forma, o tanto que eu fui feliz ao lado

dele.

Ao lado deles.

— Obrigado por confiar Theo a mim, irmão. — sussurrei e

uma lágrima desceu, já que eu tinha me tornado uma mistura das

mesmas nos últimos tempos. — Eu não vou decepcioná-los.


CAPÍTULO XXX

“Você poderia partir meu coração em dois

Mas quando ele se curasse, continuaria batendo por você

Sei que é precipitado, mas é verdade” [36]

IGOR

— Por que eu aceitei mesmo esse jantar?

Indaguei, depois de Carolina me dar mais de setenta

motivos para morar na Mansão Reis. Não que eu não quisesse,

contudo, eu sabia que era a construção de uma nova vida com


Lisa e Theo. E no momento, não sentia que deveria adentrar
aquele espaço com eles. Até porque, ainda estávamos

começando a aprender como era sermos... nós.

— Não vão discutir durante o jantar. — Verônica falou,

finalmente chegando.

Seu olhar então foi para Theo e como sempre se tratava


dos sobrinhos, ela se derretia. Vi Lisa se levantar e ir até ela, com

ele no colo.

— Olha a Tia Verô, tantinho.

— Esses apelidos... — Tadeu falou, mas pareceu se tocar


no segundo seguinte do erro. — Ok, eu me rendi a eles.

— Ainda bem que voltou atrás, antes que eu ligasse para


Valéria e a fizesse vir comer o seu couro. — Carolina falou, como

se fosse simples assim, e ele a ignorou, como sempre.

Murilo apenas permanecia calado, analisando toda a

situação, e de repente, era como se tudo voltasse atrás. A

questão era que ele agora era pai de dois, Tadeu pai de um, eu...

tinha Theo. Todos estávamos completamente apaixonados por


nossas esposas, e não morávamos mais sob o mesmo teto.

Como tudo pode acontecer em um tempo tão rápido de


dois anos?
Dois anos pareciam ter sido uma brincadeira, se pensasse
realmente sobre isso. Porque naqueles poucos dias, vivendo a

intensidade que era com Theo e Lisa, eu parecia ter experenciado

um tempo diferente de fato.

— Já volto.

Lisa então se sentou novamente ao meu lado, enquanto

Verô deveria ir até o lavabo. Encarei aquela cena, e só consegui


pensar, em como o primeiro jantar com Lisa ali, foi literalmente,

ladeira abaixo. E por algum motivo, aquilo me fez rir.

Era melhor rir do que chorar, certo?

— Do que está rindo?

Levantei o olhar para Verônica, que já voltou e se sentou

na ponta da mesa, como sempre, a líder daquela família. Sentia

falta até mesmo do silêncio dela durante os jantares.

— aposto que pensou o mesmo que eu, do primeiro jantar

de Lisa aqui.

— Eu tive outros jantares. — Lisa falou, após ajeitar Theo

no caldeirãozinho ao seu lado, o qual ficava entre ela e Verônica.

A amizade que aquelas duas começaram a construir, era algo que

me deixava extremamente feliz.


— Contando da primeira vez que veio aqui, para um jantar

comum agora? Acho que é a primeira. — falei, e então ela me


encarou, como se compreendesse.

A gente estava ali porque queria passar um tempo com


meus irmãos, não porque as coisas simplesmente saíram do

controle. Engoli em seco, tentando deixar aquilo não me atingir,


não naquele instante. Não enquanto Theo parecia compenetrado
em encarar cada pessoa da mesa, com um sorriso banguela no

rosto.

— Bom, acho que dessa vez não teremos surpresas com

Reinaldo. — comentou casualmente, e a encarei de imediato,


como se sentisse que tinha algo por trás.

— Eu soube. — Verônica comentou, levando a taça de


água à boca. — Seus seguranças deveriam ter filmado.

— Seguranças? — Lisa indagou surpresa, e então me


encarou.

— O quê? — fiz-me de desentendido. — O que Verô sabe

que eu não sei? — perguntei, e ela sequer titubeou.

— Reinaldo tentou atrapalhar meu trabalho, minha chefe o


colocou no seu lugar, e eu fui na casa dele, praticamente joguei
ele contra a cerca-viva e o ameacei de processá-lo por assédio,

caso pensasse em fazer algo contra você ou Theo.

— O que... — minha voz nem saiu.

— E como assim eu tenho seguranças? — revidou, como


se aquilo fosse o importante ali. — Igor Reis!

— E como assim eu não sabia sobre isso? Seguranças


de... — olhei para Theo, segurando o palavrão, e abri os braços,

perplexo. — Ele poderia... Pelos céus, Elisa!

— Eita, que essa é a primeira vez que vejo ele a chamando

de Elisa. — a voz de Carol soou, diante do silêncio entre nós. —


Eles estão brigando durante o jantar, Verô!

— Eles estão apenas colocando os pingos nos “is”, não


inventando motivos para brigar.

Ignorei a conversa alheia, e encarei minha esposa estático.

Por Deus! Onde Lisa estava com a cabeça?

— Vem comigo. — pedi, estendendo-lhe a mão, e lancei

um breve olhar para meus irmãos, como se pedindo para que


olhasse por Theo naqueles segundos.

Lisa aceitou meu toque, e veio tranquilamente, enquanto


caminhávamos até os jardins dos fundos.
— Eu estou bem. — foi a primeira a falar, e não consegui
encará-la. — Se essa vai ser nossa primeira briga, quero que me
olhe.

Virei-me, engolindo em seco.

— Ele nem sequer me tocou, e eu ia te contar, assim que

tivéssemos um tempo livre... — falou, puxando minha mão para a


sua. — Não fica com essa cara.

— Que cara? Como se minha esposa tivesse passado por


um perigo sem igual, e eu não tinha ideia? — indaguei, e estava
realmente chateado. Não com ela. Mas por parecer sempre

perder o controle das situações.

— E como o meu marido me coloca com seguranças e eu

não tenho ideia? — rebateu, e fiquei sem saber o que responder.

Ficamos ali, um olhando para o outro, como se não

soubéssemos explicar ou justificar. Aos poucos, notei um sorriso


começar a brotar no canto de sua boca, e vi-me fazendo o

mesmo.

— Não deveríamos estar rindo durante uma briga. — falei,


ela se aconchegou ao meu peito. — Não mesmo.
— Não deveríamos brigar por isso. — Afastou-se,
encarando-me. — Eu coloquei Reinaldo em seu lugar, do jeito que
precisava para passar essa página. E você contratou seguranças,

porque quer que nada me aconteça. Certo?

— Por que você sempre sabe o que dizer? — eu estava

perplexo, mas com um sorriso no rosto.

— Porque sou uma deusa. — levou as mãos até meu


pescoço e conhecia a mudança nítida em seu olhar. — A sua

deusa.

Seus lábios então vieram para os meus, e por mais que


fosse para ser um beijo leve, vi-me não me segurando. Eu sentia

tanta saudade dela. De cada parte. De cada espaço. De cada

limite. Sua língua na linha, Seu corpo se apegando ao meu.

Mesmo que no meio do jardim da casa da minha família, fosse


tudo o que poderia desejar.

Era quase impossível me separar, e senti-a tremer em

meus braços, como se necessitasse de mais.

— Preciso de você. — assumi, e beijei-a novamente, como


se pudesse tomar seu gosto para mim. Suas mãos em meu peito

e costas, puxando-me para perto.


— A gente tem que dar um jeito nisso. — concordei rindo, e

ela beijou minha boca, queixo e pescoço. — Merda! — reclamou


de repente, e suas mãos vieram para cada espaço que tocou. —

Meu batom é vermelho.

Dobrou a blusa que usava e pareceu tentar limpar, mas


sem resultado algum.

— Meus irmãos vai ficar felizes de verem que em vez de

brigarmos, estávamos a ponto de foder no jardim. — segurei-a

pela bunda e a trouxe para mim, cheirando profundamente seu


pescoço. — Vai na frente, senão não vou te soltar.

— Acho que a gente deveria brigar mais...

Bati em sua bunda, e ela soltou quase um gritinho, antes

de refazer o seu caminho. Com aquela mulher, eu sabia, estava


ferrado.
CAPÍTULO XXXI

“Com o jeito que fazemos amor

Você tira as minhas dúvidas” [37]

LISA

— Finalmente silêncio! — Igor falou, jogando-se no sofá


atrás de nós, o que me fez rir. — Eu os amo, mas às vezes, só

queria esganá-los.

— Gosto da ideia de irmãos que vocês são. — rebati, e ele

me encarou, como se incrédulo. — Eles só estão preocupados,


você sabe.
Por alguns segundos, o brilho do Igor que eu tanto

conhecia, parecia estar de volta.

— Foi quase uma luta para Carolina aceitar de novo, pela

quinquagésima discussão, que posso viver sozinho com Theo e


você por agora no apartamento. — suspirou fundo, e eu ri de sua

expressão. — Claro que espero um dia que ele volte a estar na

casa que os pais dele queriam que ele estivesse, mas até lá... —
toquei sua mão com a minha, e me surpreendi quando me puxou

para o seu colo. Mas fui de bom grado.

Talvez a forma como não resistimos um ao outro ao jardim,

tivesse mostrado, que mesmo após tudo, ainda existia aquela


faísca, prestes a explodir entre nós, a qualquer momento.

— Um dia, as coisas vão parecer mais fáceis. — falei, e ele

assentiu, como se finalmente começasse a acreditar. — Não se

cobre tanto.

— E você? No que tanto anda se cobrando?

— Igor...

— Vejo você correndo para todos os lados... — assumiu. —

Toda hora cuidando de mim, ao mesmo tempo que de Theo, tem

o seu trabalho e o doutorado... Ainda, foi nos defender contra


Reinaldo! — sabia que ele não deixaria de lado tão fácil assim,
então sorri. — Sei que tem sido demais.

— Nunca diga que é demais estar com você. — cortei-o,


tocando seu rosto. — Não é um ato tão altruísta quanto

considera. — assumi, finalmente trazendo à tona aquilo.

— Não?

— Queria poder me gabar, mas não. — levei minha mão

até o seu rosto, e o acariciei. — Lembra quando disse que me

amava, do lado de fora daquela boate?

— E a gente dançou por um bom tempo enquanto eu

cantava um sertanejo de arrastar o chifre no asfalto? — ri alto, e

me segurei em seguida, ao lembrar que Theo dormia no quarto ao


lado.

— Melhor definição daquele momento, ponto para você. —


ele riu de forma superior, fazendo-me revirar os olhos. — Eu não

queria apenas perguntar se ensaiou o discurso.

— Não?

— Está ficando repetitivo. — provoquei, e senti-o levar

minha mão até o seu peito, mostrando que seu coração

martelava. O meu não estava tão diferente.


— O que queria dizer?

— Que eu também te amava. — assumi, e finalmente,

aquelas palavras pareciam estar livres no momento certo. — Que

eu te amo.

Senti seu coração acelerar ainda mais, como se ele


estivesse a ponto de jogar tudo pro alto, assim como eu. Ele fugiu

do meu olhar por um segundo, como se pensasse em algo, e vi-


me tocando seu rosto, e forçando-o a não se esconder. Não de

mim.

— Temi que se tornasse pena. — admitiu, segurando

minha mão esquerda, alisando a parte em que a aliança fina e


simples mostrava que éramos de fato de casados. — Quando

assinou o contrato de um ano do casamento... Eu senti meu


coração quebrar mesmo te amando.

— Theo precisava que eu fizesse isso. — olhou-me


atentamente. — Não queria que os seus sentimentos, já confusos
com tudo o que houve, piorassem, quando admitisse que quero

ficar, de verdade. Então esperei...

— O quê?
— Esperei o momento certo de colocar isso para fora. —

senti suas mãos em meu rosto. — Te tive tão pouco, te perdi por

tanto tempo... O que é um arranhão pra quem já tá fodido[38]?

— Lisa... — ele jogou a cabeça para trás, gargalhando alto,

e o brilho do homem que eu amava, voltara. De pouco a pouco.

— Mas é sério... — ri abertamente e quando seu olhar


voltou para o meu, notei-o diferente. — O quê?

— Casa comigo.

— O quê?

— Quem está repetitiva agora? — provocou, e bati

levemente em seu peito. — Estou falando sério.

— Terra chamando, nós já somos casados, garoto. — ele


fez uma leve careta para o apelido, mas eu sabia, que lá no

fundo, ele gostava.

— Não que Theo seja o motivo errado, mas... quero que

façamos isso do jeito certo. — olhei-o completamente


embasbacada. Eu não esperava por aquilo, não mesmo. — Não

precisa responder agora... acho que foi um pedido fraco.

— Igor! — reclamei, e ele riu alto de novo, segurando meus

braços para não bater nele novamente. — Nem pense em chamar


um carro de som ou coisas cafonas.

— Deusa, cafona, eu?

— Você vestiu Theo com uma roupa de dinossauro, e nos

fez usar os pares que combinavam. Ainda, me fez descer com


vocês assim, para andar no condomínio. — tive que rir, sem

conseguir ficar brava de fato, ao relembrar a cena.

— Isso foi fofo, não cafona.

— Cafona. — rebati, e ele negou com a cabeça. — Pior do


que cafona.

Mexi-me no seu colo, para me ajeitar melhor, e foi quando


quase caí da poltrona, mas ele me segurou firmemente. E assim,

levantou-me para si, deixando-me perfeitamente alinhada com o


seu rosto. O clima todo mudou, em um milésimo de segundo.

— Já disse o quanto você fica mais bonita a cada dia?

— Faz um tempinho já. — admiti, minha voz mal saindo.

— Você é perfeita, deusa. — segurei uma respiração,

sentindo seus dedos descerem levemente por debaixo da minha


blusa, e sua pele na minha, quase me fez gritar. — Não sabe o

quanto sinto saudade...


Sua boca veio para o meu pescoço, e senti os seus dentes
rasparem levemente ali.

— Tão sensível ainda...

Puxei-o então para cima, e sua boca veio para a minha.


Um beijo completamente diferente do casto que tivemos que

trocar no nosso rápido casamento. Porque nenhum de nós queria

esperar.

Um bagunça de mãos por todo meu corpo, assim como,

das minhas sobre o dele. Roupas sendo jogadas para todos os

lados, e quando finalmente consegui ter o vislumbre de todo ele


nu debaixo de mim, meu corpo não queria mais esperar.

— Sem preliminares agora, preciso de você. — exigi, ao

mesmo tempo que soava como uma súplica.

No momento em que o senti me puxar para si, o choro


estridente no quarto ao lado, fez ambos travarmos. Olhei para

Igor. Igor olhou para mim. Acreditava que ambos poderíamos

chorar pela frustração daquele momento, mas me vi gargalhando

nua, sobre o seu corpo. E ele, fazendo o mesmo.

— Um pequeno empata-foda de primeira.


Eu mal me aguentava de tanto rir, enquanto me levantei,

coloquei rapidamente a camisa de Igor jogada no chão e fui até o


quarto de Theo. Senti o olhar do homem que eu amava sobre o

meu corpo, e parei, encarando-o de volta. Ele vestia a cueca de

qualquer jeito, enquanto ainda sorria. E com toda certeza, iria


verificar Theo também.

E de repente, tudo parecia tão certo, que eu poderia gritar

de felicidade. Ou quem sabe chorar, assim como Theo continuava

a fazer.

Senti o corpo de Igor tensionar, e meu coração acelerou.

Virei-me, e já o seguraria de imediato, imaginando ser um dos

seus pesadelos. Mas me surpreendi quando senti lábios


molhados contra o meu pescoço. Logo descendo para minha

clavícula, e deixando mordidas por cada canto da pele.

— Acorda, deusa.
Pensei que seria mais um dos sonhos das várias noites

que tive pensando em nós naquele tempo, mas não, o calor da

sua pele na minha, contava outra história. Meu olhar parou em


suas tatuagens, que eu tanto sentia falta de tocar, de cobrir com

minha língua.

— Igor...

— O quê? — perguntou, e senti-o contra minha coxa,


sabendo que já estava pronto e nu. — Depois que Theo dormiu,

vim pra cá, e ia te deixar dormindo, mas... Tão perto de você, tão

longe por todo esse tempo.

Seria mentira dizer que não coloquei minha camisola mais


matadora quando voltei para o quarto antes dele naquela noite.

Contudo, o cansaço me derrubara. Mas ali estava ele, sendo meu

sonho molhado de madrugada, do jeitinho que eu sempre desejei.

Então pairou seu corpo sobre o meu, suas mãos ao lado

da minha cabeça encarando-me.

— Quantos nomes gemeu durante esse tempo? —

perguntei, descendo minhas mãos por seu corpo, e tocando-o


onde realmente queria.
— Só o seu. — confessou, baixando sua boca para bem

perto da minha. Uma de suas mãos desceu para as alças da


camisola de renda transparente, rasgando-as. — Quantas vezes

pensou que era eu? — indagou, fazendo-me soltá-lo, e

entregando um gemido de frustração em seguida. Ele se abaixou


apenas para tirar a camisola e jogá-la para qualquer canto do

quarto. — Quantas?

— Todas. — assumi, e seu corpo nu no meu, era o mais

perto do nirvana que eu chegara em toda minha vida. — Todas as


vezes em que imaginei que era você me tocando...

Senti-o me virar, e fiquei de joelhos na cama, logo sendo

girada para o lado, e colocada contra o seu peito. Arfei ao senti-lo


em minha entrada, e levei meu braço a seu pescoço, puxando

sua boca para a minha. Antes que ele fizesse ou quisesse me

torturar mais, fiz um movimento com o quadril, que o fez entrar um

pouco.

— Porra, Lisa! — gemeu, e segurou-me firmemente contra

si. — Isso não vai ser longo, romântico e com pétalas de rosa,

mas eu juro, que vou comprar a porra de um caminhão de rosas


para você.
Ri em meio a um gemido, com uma de suas mãos em

meus seios, e a outra em minha coxa. Nos lugares escondidos do

meu prazer, que só ele sabia desvendar.

— Se não me foder, vou te bater com a porcaria das rosas.

E então, ele o fez.

Senti meu corpo todo recebê-lo com tamanho afinco, que

tive que buscar sua boca, para gemer alto contra ela. Ele parecia
se segurar também, e o aperto em cada parte do meu corpo

apenas aumentou. E olhando nos meus olhos, e perdendo em

cada parte do meu corpo, em que ele tocava cada limite, a gente

se encontrou novamente.

Um encontro de almas, em meio a pele e desejo.

Um encontro de corações, em meio a gemidos e suor.

Nunca entendera de fato a definição de “fazer amor” com

alguém. Mas até mesmo, quando tudo o que precisávamos era


saciar o desejo do corpo um pelo outro, senti que não era apenas

aquilo.

Era mais.

Sempre foi.
CAPÍTULO XXXII

“Mas você sonha com alguma epifania

Apenas um único vislumbre de alívio

Para entender o que você viu” [39]

IGOR

O telefone tocando. O nome de Carlos no visor. Os

policiais dizendo meu nome. Meu corpo sendo segurado por eles.
Os corpos cobertos pelo plástico preto. Tentei fechar os olhos e

escapar. Segurei-me em mim mesmo, e sabia que estava preso.

Uma espiral de dor me afundando. Quando os abri, as lágrimas já


desciam, e meu coração se despedaçava, ao encarar o asfalto

marcado com sangue.

— Não! — falei, e as lágrimas desceram com mais força.

— Não é real!

Mas mesmo que não fosse, aquela cena, sendo revivida,


me reafirmava, que os perdi. Que não teria como acordar e ir

direto para a casa deles. Que eu não os veria mais todo sábado

de manhã. Anos e anos sendo congelados em um instante. Um


acidente sem explicação maior. Ninguém sabia como o carro

bateu sozinho contra a proteção na rodovia.

Ninguém.

E o inexplicado me acertava, enquanto caía ajoelhado no


chão e sentia minhas pernas doerem. Não maior que a dor que

me assolava.

— Não! — gritei, levando as mãos à cabeça. — Não! Por

favor, não!

— Igor!

Uma voz familiar me chamou, mas era como se não

conseguisse ouvir completamente.


Senti meu corpo ser balançado e não queria encarar os
policiais novamente, não queria enfrentar aquela cena ou ouvir a

mesma falta de explicação. Foi quando tiraram as mãos dos meus

olhos, e senti um leve beijo na testa. Paralisei, e ouvi meu nome

sendo sussurrado novamente.

— Igor!

Abri os olhos, o que não havia tido coragem ainda, e foi


quando o castanho de Lisa me acertou. Ela... Ela não podia estar

ali também. Dei um pulo no lugar, e então senti o macio do

colchão. Meu corpo todo estava molhado, o suor escorrendo e

notei o seu olhar acompanhar cada movimento meu.

— Vamos tomar um banho, ok? — indagou, e me ajudou a

levantar.

Eu estava em completo piloto automático, aceitando o que

ela me guiava. Já faziam alguns dias que aqueles pesadelos não

me acertavam, mas me encontraram novamente. Quando dei por

mim, já estava nu, com Lisa me colocando com cuidado dentro da

banheira de água morna. Ela tirou sua roupa rapidamente, e se


sentou às minhas costas, puxando-me para si.
— Pesadelos com aquela noite? — perguntou, passando

um pouco de água em meus cabelos e massageando levemente.

— Eu pensei que tinha melhorado. — admiti, após assentir

para sua pergunta. — Eu gritei? — indaguei, ao pensar em como


Theo poderia ter acordado por conta daquilo.

— Ali! — fez sinal com a cabeça para algo sobre a beira

ampla da banheira, onde eu geralmente deixava um vinho, mas


que agora, tinha uma babá eletrônica. Theo estava abraçado ao

seu ursinho azul, dormindo profundamente. Lágrimas vieram para


os meus olhos, e não consegui imaginar como estaria, caso ele

não estivesse ali. — E respondendo sua pergunta, não gritou em


momento algum, apenas murmurou algumas coisas... Mas eu
senti seu corpo tenso, e foi quando acordei. — comentou,

pegando a esponja e passando levemente por meu peito, como


se para me acalmar.

E ela era boa naquilo.

— Não sei como um dia vou contar isso para ele. — falei,

limpando as lágrimas e olhando-a de baixo. — Se não consigo


contar a mim mesmo.
— Sabe, o luto é muito particular de cada um. — falou,

despejando um pouco de sabonete nas mãos e passando por


meu ombro. — Quando perdi minha mãe, eu tentei ser forte como

ela, para não me deixar afundar. Um ano depois, eu quase entrei


em depressão, por tudo que eu guardei. Toda a dor que deixei

enterrada. A terapia me ajudou e ainda me ajuda a lidar com isso.


Mas todo dia, eu me lembro dela. Seja um cheiro, um sabor, um
som... Algo me lembra dela. Antes, isso me fazia chorar. Hoje, me

faz sorrir. É um processo um pouco torturante, e acho que nunca


aceitei, mas aprendi a conviver. Apesar da dor e da saudade. —

suas mãos passaram ao meu redor, segurando-me consigo. — Já


faz oito anos, e às vezes, às vezes é tão latente, que revivo o
exato dia em que a perdi. O tempo para cada um lidar com a

perda é incalculável, Igor. Não está regredindo como pensa, está


vivendo o luto... o seu luto.

Fiquei sem palavras por alguns segundos, a encarando.

E era como se ela pudesse adentrar cada canto meu, e

compreender o que se passava, mesmo o que eu tentasse


esconder. Coloquei-me sentado e me virei, encarando-a. Ela
trouxe sua mão para o meu rosto, e vi-me colocando a minha

sobre a dela.
— Como pode me ler tão bem? — perguntei, e ela veio
para mais perto, aconchegando-se. Não era apenas a nossa pele
que estava sem qualquer peça, eram as nossas almas. Com Lisa,

era como se realmente eu pudesse entender que era amor, muito


antes mesmo de ser. — Como pude ter tanta sorte?

— De encontrar alguém que te entende, respeita, cuida, se


preocupa? — indagou, e eu assenti. — Alguém que te ama,

entende seu humor ácido e deboche, ri das piores piadas? —


assenti novamente, sorrindo e beijando sua mão ainda em meu
rosto. — Eu encontrei cada pedaço que eu nem sabia que

precisava em você, garoto. — notei seus olhos marejados, e sua


outra mão veio para meu peito. — Quando se abre comigo e me

mostra, o que às vezes nem imagina, eu sei que entende. Sabe


exatamente o quão expostos estamos um para com o outro.

— E eu quero estar, deusa. — levei a mão livre ao seu

rosto, limpando a lágrima que descia. — Eu já tive e ainda tenho


meus próprios medos, mas algo que nunca me aconteceu, foi

temer o meu amor por você.

Ela então sorriu em meio às lágrimas, e seu corpo veio

para o meu. Seu abraço sendo o que eu necessitava naquele


momento, e em tantos outros.
— Por isso, tudo o que fizemos até agora, foi sem medo...
— seu olhar parou no meu. — Nos entregarmos de cabeça,
quebrarmos nossos próprios corações, sermos amigos, voltarmos

atrás e entendermos, nos casarmos e estarmos com Theo... Por


mais que estivéssemos apavorados, não foi o medo que contou,

foi o nosso amor.

— Lisa...

— Não sou tão boa com as palavras como você, nem a

mais romântica, mas eu quero que saiba, que vou estar aqui, da

risadinha debochada ao choro sem controle...

— Do casamento no cartório, ao casamento em uma

fazenda, como você sonha? — ela riu, batendo levemente contra

meu peito.

— Para de perguntar as coisas para Babi. — repreendeu-


me.

— Então estou perto de acertar...

O chorinho na babá eletrônica pareceu o momento perfeito

para ela fugir daquele assunto, e antes que pudesse sair, eu a


impedi.

— Eu vou.
— Tem certeza? — indagou, claramente preocupada.

E foi aí que entendi, o que uma relação real era. A


importância de sermos sinceros um com o outro, como sempre

tentamos. Assenti, dando-lhe um leve beijo, e saí da banheira.

Peguei a toalha e me sequei rapidamente, amarrando-a na


cintura.

Quando abri a porta do quarto de Theo, vi-o já tentando

escalar o berço, e os olhinhos molhados. Ele costumava chorar

em algumas madrugadas, mesmo que não fosse fome ou algo


parecido. Pelo que falamos com a terapeuta infantil, poderia ser

uma forma de ele demonstrar a falta que sentia dos pais. Não

tinha como ter certeza, mas eu sabia, que estaria ali para ele.

— Ei, tantinho. — peguei-o, e o seu choro parou de

imediato. — Só o colo do seu padrinho está bom agora? —

provoquei, e seus olhos verdes estavam presos aos meus. —

Sente falta deles, não é? — sua mãozinha veio para o meu peito,
como se estivesse me entendendo. Ao menos, a gente entendia o

que queria, quando queria. — Vamos combinar de não chorarmos

sozinhos, que tal? Se eu chorar, você fica comigo. Se você


chorar, eu venho correndo.
Ele fez um barulhinho, como se concordando, e eu ri,

levando meu nariz ao dele, tocando levemente.

— Obrigado por ficar comigo, Theo. — falei, e beijei sua

testa. — Eu te amo, tantinho.


CAPÍTULO XXXIII

“É tão insuportável ver você pra baixo

Só quero te levantar e não te deixar ir

Essa luz da manhã ultravioleta abaixo

Me diz que esse amor vale a luta, oh” [40]

LISA

— Em que momento vai parar de dar dicas para Igor sobre


como eu me imagino casando? — indaguei, incrédula por Babi ter

se tornado confidente, do homem que agora era meu marido.

Marido.
Ri sozinha por pensar sobre. Olhei de relance para a

aliança em meu dedo anelar esquerdo, e depois, levei os dedos


para o colar que desde o momento em que ele colocou ali, não

consegui tirar. Era uma lembrança constante de que estávamos

ligados, e mesmo que nunca fosse apegada a coisas brilhantes,


com ele, aqueles pequenos detalhes, me tocavam

profundamente.

— Em minha defesa, eu só estou trocando fofocas com ele.

— avisou, e eu bufei, ao reposicionar o celular na penteadeira. —

Já conseguiu terminar de levar suas coisas para aí?

— Devo desfazer a última mala amanhã. — levantei as


mãos aos céus. — Nunca pensei que quando disse que faria aos

poucos, realmente o seria...

— A enrolação em pessoa. — provocou, fazendo-me

revirar os olhos. — Mas já que é sábado, o que vão fazer?

— Tem uma ideia sobre. — ela me encarou curiosa,

enquanto colocava meu brinco. — Mas quem sabe, terá que


saber pelo seu novo amigo fofoqueiro.

— Não ousaria! — falou, e ouvi o choro de Isabela ao


fundo. — Alerta de soneca acabada, ou não...
— Vai lá e dê muitos beijos na minha afilhada por mim.

Ela assentiu, mandando um beijo pela tela, e eu desfiz a

chamada de vídeo.

— Então temos planos para hoje?

A voz de Igor me fez dar um pulo no lugar, e levei uma das

mãos ao peito, devido ao susto.

— Puta merda! — reclamei, e ele sorria de lado, como se

não tivesse culpa de nada. — Ouvindo a conversa alheia?

— Ouvindo a conversa da minha esposa. — corrigiu, e me

vi apenas ignorando-a sobre. — Mas sério, deusa... — senti suas

mãos em minha cintura, e me encarou pelo reflexo do espelho.

— O quê?

— O que vamos fazer hoje? — insistiu, e apenas deitei

minha cabeça em seu ombro, espreguiçando-me.

— Vai saber, quando chegarmos lá. — pisquei um olho, e

me afastei, notando o choque em seu olhar. — Theo já está


pronto?

— Todo coberto com roupas leves, e boné. — bateu uma


continência, e foi a minha deixa para bater em seu braço pela
gracinha. — Tentei imaginar o lugar que vamos, e pensar num

parque.

— Pena que não tem ideia de qual. — bati contra seu

peito, e ele fez uma careta. — Por que me parece tão


empolgado?

— Tudo com você é empolgante, deusa.

Olhei-o com os olhos semicerrados e procurando algum


indicativo do que realmente poderia estar aprontando.

— Onde está o seu presente de casamento?

Ele arregalou os olhos e praticamente correu para fora do


quarto. Vi-o ir até o escritório, enquanto eu caminhava até a sala,

e encontrava Theo apoiado contra o chiqueirinho. Aquele negócio


era realmente útil. Uma hora ele estava dormindo ali dentro. Na
outra, parecia capaz de escalar qualquer coisa segurando-se

contra os entornos.

— Onde está o bebê mais lindo desse mundo?

A pergunta mal saiu e ouvi seu gritinho, assim como, seus


olhinhos me procuraram. Ele então encontrou, e levantou as
mãos, como se animado para que eu o pegasse.
— Fácil assim, principezinho? — perguntei, e me abaixei,

pegando-o no colo. Beijei várias vezes o seu rosto e cheirei-o.


Como o cheiro de bebês podia ser tão bom? — Bonito, cheiroso e

educado... Como eu vou fazer para você nunca se casar?

— Ele não tem nem dois anos, Lisa!

Virei-me, para encontrar Igor com o envelope em mãos e


sorri, dando de ombros.

— Não vai me dizer que realmente sente ciúmes dele...


também? — perguntou, surpreendendo-me, porque aquela foi
uma conversa na qual ainda não tínhamos chegado.

— Também? — ele assentiu, parecendo completamente


sem graça.

— Todas as vezes que saio de casa com ele, mesmo que


seja para ir andar perto do parquinho... As pessoas parecem

querer tocá-lo e eu entro em pânico.

Olhei-o embasbacada.

— Deve ser o seu lado protetor que se ativa de imediato.


— falei, levando a pequena fralda, amarrada à sua chupeta, que

agora limpava sua boca. — Não sei dizer se isso é exagero ou


não. — Fui honesta. — Tão nova quanto você nisso. — Fiz um
sinal entre Theo e eu, e Igor assentiu, como se estivéssemos
compartilhando inexperiências claras. — Pronto?

Igor pareceu se tocar, quando apertava o rostinho de Theo


e logo pegou a bolsa dele, que deixávamos na sala de estar. Era
engraçado saber que fosse onde fosse, aquela bolsa nos

acompanharia. Mas algo parecia tão certo, em cada pequena


mudança, que me via sorrindo para todos os detalhes.

— Depois de dois anos que nos conhecemos, você ainda

me tortura. — Igor anunciou, enquanto estava sentado no banco


de trás com Theo, como se para olhá-lo com cuidado.

— Eu sou uma ótima esposa, por favor. — provoquei, já


avistando uma vaga para estacionar, e Igor mal saberia o que o

atingiu naquele dia. — Aliás, já estamos chegando.

Quando descemos do carro, Igor já se adiantou para tirar o

carrinho de Theo do porta-malas, e então pareceu notar a sacola


que eu deixara estrategicamente escondida no seu carro. Peguei-

a, enquanto ele colocava a bolsa de Theo na parte debaixo do


carrinho.

— Sementes?
Ele levantou o envelope de dentro de bolsa da calça e eu
assenti. Guiei o caminho até a árvore minha e de mainha, e
coloquei a manta de piquenique que trouxera, e que era minha

velha de guerra, sobre a grama. Igor parecia analisar cada


movimento, assim como sorria e falava com Theo a cada minuto.

— Vem aqui. — falei, batendo na manta já escorada com


alguns pesos, e me levantei apenas para ir até Theo. — Você
também, tantinho.

Igor se sentou ali e pareceu procurar alguma explicação

que fosse, mas pelo semblante confuso, não encontrou nenhuma.

Ajeitei o carrinho para que fizesse sombra sobre Theo,

quando estivéssemos sentados, e vi-me sorrindo sozinha, pela

falta de coragem de admitir em voz alta, o que era tão simples no

meu coração.

— O que foi? — a mão de Igor levantou meu queixo, e

notei-o claramente preocupado. Ele me conhecia. Eu o conhecia.

E a certeza de cada parte do sentimento, me indicava do quão

certa estava por estar ali.

— Mainha e eu plantamos essa árvore, anos atrás. —

apontei para a pequena planta próxima a nós. — Segundo ela, é


a árvore da nossa família. Não importa o que aconteça, ou o que

façamos, ela sempre vai representar a força desse sentimento. —


continuei e respirei fundo. — A gente vinha todo final de semana,

regar e comer algo em torno da árvore, mesmo quando era

apenas um brotinho. — olhei-o e o encontrei-o com um sorriso no


rosto, como se pudesse imaginar. — Depois que ela se foi, vi-me

fazendo o mesmo, todo final de semana, porque é aqui que me

sinto conectada a ela. — admiti, e ajeitei Theo entre minhas

pernas, para levar minhas mãos ao envelope na mão de Igor. —


Quando te dei isso, mesmo que não soubesse ainda, era para

dizer o quanto eu gostaria que a nossa família... — notei seus

olhos marejados e tinha certeza de que não estava diferente. —


tivesse o mesmo. Um ponto de encontro e de paz.

— Lisa...

— Abre a mão. — pedi, e ele o fez, sem questionar mais.


Virei levemente o envelope na sua palma, e ali tinham cinco

sementes. — Cada uma, representa um de nós... uma das

pessoas que faz parte dessa família.

— Eu, você, Theo... — ele parou, e por um segundo


encarou as sementes, como se tentando entender. Percebi
quando sua ficha caiu, porque sua primeira lágrima desceu. —

Carlos e Iara?

Sorri, limpando seu rosto, e ele acabou fazendo o mesmo.

Um reflexo de bagunça no meio do parque. Com certeza,

mainha estava rindo, de onde estivesse, presenciando tal coisa.

Esse é o seu genro, a senhora que lute. Literalmente! Ri apenas

por pensar tal coisa. Porque a realidade era que ali, me sentia tão
próxima a ela, como se tivesse a certeza de que sabia de cada

detalhe que ocorria.

— A gente começou essa família de uma forma diferente,

eu sei. — Igor falou, e meu olhar era todo dele, enquanto Theo se
agarrava ao meu colo, e parecia genuinamente interessado em

fazer parte. — Mas eu amo, Lisa. Assim como, amo Theo. Assim

como, eu amo você.

Sorri para ele, e seus lábios vieram para os meus,

levemente, como se não precisasse de mais nada.

— Não tenho ideia de como se planta uma árvore. —

admitiu, assim que se afastou um pouco e eu gargalhei alto,


caindo para trás na manta, com Theo agarrado ao meu torso.
— Vou te ensinar. — pisquei um olho, e ele pairou sobre

nós, todo cuidadoso para não derrubar as sementes. Ele deveria


já ter guardado no envelope, mas não pareceu se tocar sobre

isso. O que me fazia rir. Igor Reis era genuíno. Em cada trejeito e

reação, existia a pura sinceridade. E sabia que foi exatamente


assim que caí tão perdidamente por ele. — Vou te amar.

— Isso é a promessa ou a resposta para se casar comigo

um dia, de véu e grinalda?

Eu ri, enquanto Theo fez um barulhinho alto, como se


concordasse.

— Agora sim, tantinho. — improvisou um high five com a

mãozinha de Theo, fazendo-me revirar os olhos. — Aliás, eu já


tenho o anel. — sussurrou.

— Você não ousaria...

Ele então me surpreendeu, quando se ajeitou, guardou as

sementes, e se colocou de joelhos à minha frente, em segundos.

Eu estava deitada, com Theo, e fiquei em delay sem entender o


que fazer, quando ele retirou uma caixinha de veludo do bolso da

calça.

— Não acredito que... — sentei-me, e fiquei perplexa.


— Não fiz um discurso bonito. Quer dizer, eu fiz... —

começou, enquanto eu olhava para Theo, como se ele pudesse

me explicar algo. — Mas nada pareceu tão bonito assim, ou digno

de uma deusa.

— Igor...

— Eu quero que tenha tudo. E principalmente, que eu

possa te entregar tudo de mim, quando estivermos em um altar


novamente. — falou, e meu coração falhou uma batida. — Eu sou

emocionado também, você sabe. A nossa pequena família sabe.

— assenti, sentindo as lágrimas virem. Quão bagunçados nós

éramos? — Se me permitir, quero ser aquele que vai estar lá, seja
para discutir sobre quem é o vilão do dorama antes de qualquer

suspeita, seja para dançar e beber por uma noite toda, seja para

trocar horários e ficar exausto porque uma outra pessoinha


depende de nós, seja para poder ouvir cada um dos seus medos

e cada uma das suas vitórias... — eu mal sabia como estava

respirando naquele momento. — Seja para ser a única que eu


amo. Seja para ser a minha família.

Vi-me apenas lhe entregando minha mão esquerda, na

qual ele deslizou o anel que eu sequer sabia do que era feito,

porque meu olhar estava preso em cada parte do dele.


Ouvi barulhos de palmas ao redor, assim como gritos, e

Theo pareceu se empolgar e tentar fazer o mesmo. Ri da cena,


enquanto meu foco era todo no homem com um sorrisinho de

lado no canto da boca, da mesma forma que era, quando nos

conhecemos.

Ele não era mais o mesmo. Eu também não.

Mas ainda assim, o sentimento que explodiu naquela noite,

permanecia. E eu sabia, que nada me preparou para um amor

que eu sequer conseguisse colocar em palavras de tão precioso.

— Eu te amo.

Minha voz mal saiu, quando ele deu um leve beijo em

minha testa, e em seguida, no rostinho de Theo. E por um

segundo, quando a leve brisa nos atingiu, era como se pudesse


sentir, que éramos cinco, ali, novamente.
EPÍLOGO

“Vocês se beijam em calçadas

Vocês brigam e conversam

Uma noite, ele acorda

Um olhar estranho em seu rosto

Pausa, e diz

Você é minha melhor amiga

E você sabia o que significava

Ele está apaixonado” [41]

De todos os doramas que Lisa assistiu, nenhum deles a

preparou para a história de amor que lhe seria concedida. Ela não
pensava naquele amor como algo conquistado, porque sentia, no
mais profundo do seu ser, que com ela e Igor era o clichê de “era

amor muito antes de ser”.

Ela olhou de relance para o vestido branco em seu corpo e,

então, para o homem que a esperava no final do altar. Um filme


se passando por sua cabeça, enquanto todos que eles amavam,

estavam à sua volta. Ela entrava com o pai e a mãe de Babi ao

seu lado, que lhe confidenciaram, que Igor fez questão de ir até
eles, e lhes pedir permissão para ser o marido dela.

Algo que ele nunca lhe confessou, mas o fizera.

Nos pequenos detalhes, até naqueles que nenhum dos


dois conhecia, eles se amavam – profundamente.

Igor a encarou caminhando até ele, e não pode evitar


pensar em como foi, fazer a própria caminhada até ali, em que

Verô teve que controlar o passo dele, porque estava a ponto de

correr pra que Lisa viesse logo até ele. O que não fazia sentido, já

que eles eram casados e tinham um filho juntos. Contudo, o amor

que se sentia, às vezes, era sem sentido.

Um filho.

Eles tinham um filho juntos.


Theo então levava as alianças, caminhando confiante, em
seus seis anos de idade, até os pais. Ele ainda não sabia de fato

sobre sua própria história, mas sabia que aqueles eram os seus

pais que o escolheram. Ele explicava para os amiguinhos na

escola, que era muito sortudo. Tinha os papais que estavam nos

porta-retratos e nas estrelas, e tinha os papais que liam para ele

dormir e faziam piqueniques todo final de semana.

Ele era um garoto esperto, tal como Iara e Carlos poderiam

prever.

Lisa e Igor já estavam uma bagunça, quando ele chegou

próximo e lhes entregou as alianças.

— Obrigada, filho.

— Obrigado, filho.

Eles disseram juntos, e o filho sorriu, do jeito que parecia


uma mistura perfeita dos dois. Lisa sabia, desde sempre, que o

amor de uma mãe não era definido pelo laço sanguíneo, porque

ela teve tudo exatamente da mulher que a escolheu como filha.

Mas seria mentira dizer que não foi difícil apagar a culpa de sentir

que Theo era dela, mesmo quando o sentiu no mais profundo do


seu ser. Foi um processo de entendimento, tanto dela, quanto de

Igor. Que também foi escolhido para ser o filho de alguém.

Aceitar as palavras mama e papa, quando vieram pela

primeira vez, daquele tantinho de gente, que aos poucos se


transformava em um tantão. Aceitar que eles eram de fato os pais

dele, mesmo que não quisessem, em momento algum, ocupar tal


lugar que pertencia a Iara e Carlos. Foi aquela carta que Carlos
deixou, que os fizera processar melhor cada fase que passavam

ao lado de Theo. Fizeram entender o porquê da própria culpa, e


que poderiam seguir sem ela. Mesmo que até naquele momento,

Igor procurasse pelo melhor amigo e amiga, na parte dos


padrinhos do seu casamento.

Quem dera aquilo acontecesse, certo?

Mas quando viu o filho, abraçado à irmã mais velha, ele


soube.

Eles estavam.

Eles sempre estiveram.

Eles sempre estariam.

E quando Lisa lhe disse “sim” no altar, e ele fez o mesmo,

soube que eles o fizeram muito tempo antes. Quando ela aceitou
sua mão naquela balada, e transformou sua vida para sempre.

Porque o amor acontecia, apenas com um olhar, mas eles


sentiram, que o deles, não poderia ser explicado de tal forma.

Não era e nem seria um amor à primeira vista. Era o amor que
eles esperavam, mesmo antes de saber que o faziam.

Desde aquela primeira noite.

E muito antes dela.


EXTRA

“Sr. Pensamento Superior

Você tem todo o espaço de que precisa?”[42]

CAROL

Bruto insensível!

— Não preciso da sua ajuda.

O homem sequer me encarou, apenas deu a volta no carro,

e começou a empurrá-lo, enquanto o olhava inconformada do


lado de fora.

— Esse carro é meu, senhor. — falei, parando à frente do

veículo e abrindo os braços. — Não precisa me ajudar.

— Não passa ninguém nessa estrada que não seja eu e os

empregados da fazenda, então... Só terá a minha ajuda.

— Resolvo isso com uma ligação. — rebati, e ele então


parou, mexendo no chapéu preto de cowboy em sua cabeça. Por
que ele parecia tão bonito com aquilo?

— Não tem área, madame.

Olhei-o incrédula.

— Não tem por que me ajudar. — falei, bufando, por ver


que o homem fazia tudo aquilo por clara obrigação e parecendo

querer me explodir com o olhar.

— Sou um homem decente, isso basta.

Vi-me quase bufando novamente e tentei me controlar,


procurando área com o celular. Ele pareceu se concentrar em

empurrar o veículo, e não pude deixar de notar a forma como os

músculos pareciam enormes, mesmo dentro da camisa de flanela


xadrez.

Ele era tudo mais.

Claramente mais alto. Mais velho. Mais bruto. Mais

impaciente. Mais gostoso... De onde aquilo saiu?

Bufei, ao notar que nada de área, e vi-me parando ao seu

lado.

— Ok, senhor... — esperei seu nome, e ele sequer me

encarou. Mais sem educação também. — Estou esperando seu

nome. — complementei, e ele então parou, olhando-me. E se eu


não fosse Carolina Reis, com certeza, estaria mortinha no chão
com aquele simples olhar aterrorizador. Mais gostoso de perto...

— Franco.

O nome realmente combina com ele, pensei. Mas tentei

focar na realidade.

— Deve ter área na sua fazenda, certo? — ele assentiu,

levantando o chapéu e passando os dedos pelos cabelos que só

então notei que eram muito escuros. — Só vamos até lá, faço

uma ligação e vão me socorrer aqui.

— Vai deixar seu carro aqui?

— Sou madame, lembra? — debochei, e ele não esboçou

reação alguma. — O dia foi cheio e só quero ir logo para casa do

meu irmão.

— Ok, senhora...

— Senhorita, pelo amor de Deus! — levantei as mãos para

os seus. — Carolina Reis. Ou só Carol.

— Senhorita Reis. — cortou-me grosseiramente, e apenas

vi-me virando os olhos.

Como eu poderia estar reagindo com tanto afinco a alguém

que acabava de conhecer? E detalhe, no meio do nada?


E em todo aquele tempo, presa ali, eu sequer me recordei

do contrato que assinei e de como as coisas seriam dali por


diante. Verônica comeria meu fígado se soubesse, ainda mais,

porque ela sempre foi clara sobre assinar contratos sem ler de
fato. E eu era uma coração mole do caramba. Por aquilo, eu
estava noiva de Alfredo Lopes.

— A madame vem ou não?

Pisquei algumas vezes, notando-o já a alguns passos, e vi-

me encarando-o debochadamente.

— Não preferia senhorita Reis?

— Prefiro o silêncio.

Eu quase ri, mas me segurei, porque não pretendia deixar


o clima entre nós ainda pior. Contudo, com ele de costas para
mim, inconscientemente, uma coisa permeava meus

pensamentos: era só mais um cara no meu caminho?

Continua?
NOTA

E depois desse EXTRA eu só imagino você assim: E


AGORA? QUANDO SAI O LIVRO? rs Em breve, teremos a nossa
primeira Reis, com direito a diferença de idade, cowboy bruto,

filha adolescente e muita bagunça familiar. Vamos descobrir onde


Nero (Alfredo Lopes) entra nessa bagunça aí! E como sempre, se
você sentiu curiosidade e quer continuar nessa jornada comigo,

ao lado dos Reis (tem babado pra vir, em), não esqueça de
avaliar Igor e Lisa, e claro, falar do nosso Theo.

O que achou deles? Surpreendeu-se? Passou raiva?


Gostou de como as coisas correram? Não se esqueça de me
contar!

Caso queira saber mais sobre os projetos futuros, a

respeito de Carolina e Verônica, me siga nas redes sociais

listadas abaixo, principalmente no instagram (@alineapadua).


Estou doida para poder compartilhar tudinho com vocês.

Obrigada pela leitura,

Aline
CONTATOS DA AUTORA

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Twitter: @alineapadua

Meus outros livros: aqui


[1] Frase de Aristóteles.

[2] Trecho da canção intitulada it’s time to go da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[3] Trecho da canção intitulada So It Goes.. da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[4] Trecho da canção intitulada So It Goes.. da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[5] Trecho da canção intitulada Finally//Beautiful Stranger da artista norte-


americana Halsey – álbum: Manic, data de lançamento: 2020.

[6] Trecho da canção intitulada MULHER DO ANO XD da artista


brasileira Luísa Sonza – álbum: Doce 22, data de lançamento: 2021.

[7] Trecho da canção intitulada End Game da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[8] Trecho da canção intitulada Style da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum:1989, data de lançamento: 2014.
[9] Trecho da canção intitulada Thinking Out Loud do artista britânico Ed
Sheeran – álbum x, data de lançamento: 2014.

[10] Trecho da canção intitulada INTERE$$EIRA da artista brasileira


Luísa Sonza – álbum: Doce 22, data de lançamento: 2021.

[11] Trecho da canção intitulada Cornelia Street da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[12] Trecho da canção intitulada Happier Than Ever da artista norte-


americana Billie Eilish – álbum: Happier Than Ever, data de lançamento: 2021.

[13] Trecho da canção intitulada my tears recochet da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[14] Trecho da canção intitulada Heartbreak Anniversary do artista norte-


americano Giveon – álbum: Take Time, data de lançamento: 2020.

[15] Trecho da canção intitulada champagne problems da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[16] Trecho da canção intitulada New Year’s Day da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.
[17] Trecho da canção intitulada Back To You da artista norte-americana
Selena Gomez –, data de lançamento: 2018.

[18]
Trecho da canção intitulada Style da artista norte-americana Taylor Swift –
álbum:1989, data de lançamento: 2014.
[19] Trecho da canção intitulada Same Old Love da artista norte-
americana Selena Gomez – álbum: Revival, data de lançamento: 2015.

[20] Trecho da canção intitulada it’s time to go da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[21] Trecho da canção intitulada my tears recochet da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[22] Trecho da canção intitulada my tears recochet da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[23] Trecho da canção intitulada my tears recochet da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[24] Trecho da canção intitulada Call It What You Want da artista norte-
americana Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[25] Trecho da canção intitulada this is me trying da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[26] Trecho da canção intitulada peace da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.
[27] Trecho da canção intitulada Boys Don’t Cry da artista cubana Camila
Cabello – álbum: Familia, data de lançamento: 2022.

[28] Trecho da canção intitulada Very First Night da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: Familia, data de lançamento: 2022.

[29] Trecho da canção intitulada the 1 da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[30] Vincenzo (hangul: 빈센조 ; rr: Binsenjo) é uma telenovela sul-


coreana com atuações de Song Joong-ki, Jeon Yeo-been e Ok Taec-yeon.
Estreou na tvN em 20 de fevereiro de 2021, e está disponível para streaming
na Netflix. Fonte: Wikipédia.
[31]
Stray Kids é um grupo masculino sul-coreano formado pela JYP
Entertainment. É composto atualmente por 8 integrantes: Bang Chan, Lee Know,
Changbin, Hyunjin, Han, Felix, Seungmin e I.N. Fonte: Wikipédia.
[32] Trecho da canção intitulada Lover da artista norte-americana Taylor
Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[33] Trecho da canção intitulada the 1 da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[34] Trecho da canção intitulada the 1 da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[35] Trecho da canção intitulada the 1 da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[36] Trecho da canção intitulada Back To You da artista norte-americana


Selena Gomez data de lançamento: 2020.
[37] Trecho da canção intitulada No Doubt da artista cubana Camila
Cabello – álbum: Familia, data de lançamento: 2022..

[38] Trecho da canção intitulada Arranhão da dupla sertaneja brasileira


Henrique & Juliano – álbum: Manifesto Musical, Vol. 1, data de lançamento:
2021.

[39] Trecho da canção intitulada epiphany da artista norte-americana


Taylor Swift– álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[40] Trecho da canção intitulada Afterglow da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[41] Trecho da canção intitulada You Are In Love da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: 1989, data de lançamento: 2014.

[42] Trecho da canção intitulada I Bet You Think About Me da artista


norte-americana Taylor Swift – álbum: RED Taylor’s Version, data de
lançamento: 2021.
Copyright 2022 ©

1° edição – maio 2022

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS A ALINE PÁDUA

Revisão: Sonia Carvalho

Diagramação: AAA Design


SUMÁRIO
Sumário

SUMÁRIO

NOTA

UMA GRAVIDEZ INESPERADA

CEO INESPERADO – meu ex melhor amigo

O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY

FELIZ NATAL, TORRES

UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O VIÚVO

GRÁVIDA DO CEO QUE NÃO ME AMA

O CASAMENTO DO CEO POR UM BEBÊ

PLAYLIST

SINOPSE

PRÓLOGO

PARTE 1

CAPÍTULO I

CAPÍTULO II

CAPÍTULO III

CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V

CAPÍTULO VI

CAPÍTULO VII

CAPÍTULO VIII

CAPÍTULO VIX

CAPÍTULO X

CAPÍTULO XI

CAPÍTULO XII

CAPÍTULO XIII

CAPÍTULO XIV

CAPÍTULO XV

PARTE 2

CAPÍTULO XVI

CAPÍTULO XVII

CAPÍTULO XVIII

CAPÍTULO XIX

CAPÍTULO XX

CAPÍTULO XXI

CAPÍTULO XXII
CAPÍTULO XXIII

CAPÍTULO XXIV

CAPÍTULO XXV

CAPÍTULO XXVI

CAPÍTULO XXVII

CAPÍTULO XXVIII

CAPÍTULO XIX

CAPÍTULO XXX

CAPÍTULO XXXI

FESTA DA JAS

EPÍLOGO

EXTRA

NOTA

Árvores Genealógicas TORRES-REIS


NOTA

E dando continuidade à nossa Família Reis, vamos à

caçulinha – Carolina, ou Barbie pros íntimos.

Como sabem, existe uma ligação entre a série da Família

Reis e a série da Família Torres (os livros estarão listados abaixo;


há árvores genealógicas disponíveis ao final do ebook).

Recomendo a leitura da Família Torres antes da leitura da Família

Reis, contudo, se não se importar com vários personagens, sinta-


se à vontade para ler na ordem que desejar (leia o recado abaixo

para melhor entendimento).

Para embarcar de cabeça na Família Reis, torna-se

obrigatória a leitura do LIVRO 4 da Família Torres – UMA FAMÍLIA


INESPERADA PARA O VIÚVO (a história de Murilo Reis), do
LIVRO 1 da Família Reis – GRÁVIDA DO CEO QUE NÃO ME

AMA (a história de Tadeu Reis) e do LIVRO 2 da Família Reis – O


CASAMENTO DO CEO POR UM BEBÊ.

Duas das músicas que me inspiraram a escrever essa


história foram You Are In Love e State Of Grace da Taylor Swift, e

as encontrarão durante o texto.

A FILHA DO COWBOY QUE ME ODEIA tem o ar de

novela colombiana que eu adoro (espero que vocês também).


Carolina e Franco são totalmente opostos, mas no meio do

caminho, a gente vai ver que podem ser mais parecidos do que

pensam, ou até mesmo, se completarem. E temos a nossa


Jasmine, que vem como o complemento perfeito para essa

história. Prometo muita cena em família, o famoso estilo cão e


gato do casal e uma família nova nascendo.

Espero que esse livro seja um respirar profundo durante


esse momento que parece finalmente estarmos superando (e que

aos poucos, vamos conseguir).

Boa leitura,
Aline Pádua
UMA GRAVIDEZ INESPERADA

Família Torres – Livro 1

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SINOPSE

Se no meio do caminho de algumas pessoas tem uma pedra, no

meio do caminho de Maria Beatriz, sempre teve Inácio. O herdeiro da

fazenda que fica ao lado das antigas terras de sua família, tornou-se um

homem bruto e fechado, que quando aparece na sua frente, ela já sabe

que só pode ser problema ou alguma proposta indecorosa. Maldito peão


velho!

Inácio Torres é um homem de poucas palavras, mas que vê em uma

mulher tagarela, a oportunidade perfeita. Mabi precisa de dinheiro, ele o

tem. Ele precisa de um casamento falso, e ela é a escolha perfeita. Porém,


a única coisa que recebe de Mabi, como sempre, é uma negativa. Maldita

criança sonhadora!

No meio das voltas que a vida dá, uma noite de prazer os marca. E a

consequência será muito maior que o arrependimento: UMA GRAVIDEZ

INESPERADA.
CEO INESPERADO – meu ex melhor amigo

Família Torres – Livro 2

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SINOPSE

Se nem tudo que reluz é ouro, Júlio é apenas a melhor imitação

de pedra preciosa que Babi colocou os olhos.

O seu ex melhor amigo, a abandonou e quebrou seu coração

quando eram adolescentes. Bárbara Ferraz jurou a si mesma que nunca

mais o deixaria ficar perto. Maldito CEO engomadinho!

Júlio Torres sabe que deixou uma parte de si para trás. Sua ex

melhor amiga o odeia e ele, muitas vezes, teve o mesmo sentimento por

si. Maldita sombra!


Júlio sabe que não pode mais ignorar, porque ele não quer apenas a

sua melhor amiga de volta, ele a quer como sua.

Babi foge dele como o diabo foge da cruz. Entretanto, como fugir

se depois do reencontro e finalmente os pratos limpos, ela se

descobre grávida do seu ex melhor amigo?


O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY

Família Torres – Livro 3

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SINOPSE

Se existe amor à primeira vista, Abigail Alencar e Bruno Torres


compartilham o completo oposto. Abi o detestou desde o primeiro

momento, e com o passar dos anos, o sentimento permaneceu. Bruno é o

típico cowboy cafajeste, arrogante e popular, que ela não suporta um

segundo na presença.

A cidade pequena sabe de seu desgosto e desinteresse no mais

novo dos Torres, porém, ele sempre pareceu ficar ainda mais animado em

confrontá-la. Se existe algo sobre Bruno que ela conhece bem, é que ele

não foge de um desafio.


Assim, quando Abi o encontra como babá da sua filha de apenas um

ano, ela só consegue pensar que ele quer algo. Bruno jura que está ali

apenas para tirá-la do sério, como sempre, mas tudo acaba por mudar,

naquele exato instante.

Existe uma linha tênue entre o amor e o ódio... eles estarão

dispostos a cruzá-la?
FELIZ NATAL, TORRES

Família Torres – Livro Extra

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SINOPSE

O Natal parou de ser uma data festiva, e tornou-se dolorosa, assim


que Maria Beatriz perdeu os pais. No entanto, nesse ano, tudo mudou e ela

vai lutar para que essa data seja ressignificada. Que ela possa sorrir na

data, o tanto quanto, um dia o fez, no passado. Assim, ela precisa que tudo

saia PERFEITO.

Uma árvore de natal destruída, enfeites perdidos pela casa, a ceia

que não vai chegar a tempo, um desmaio...

Será que ela terá o seu Feliz Natal ao lado dos Torres?
Esse é um conto natalino, narrado na visão de Mabi e Inácio (do livro

Uma Gravidez Inesperada), onde você poderá passar essa data tão

especial ao lado da Família Torres.


UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O VIÚVO

Família Torres – Livro 4

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SINOPSE

Olívia Torres sempre teve em mente que para bom entendedor


meia palavra basta. Assim, quando se apaixonou perdidamente e

descobriu que o homem com o qual se envolveu era casado, o seu mundo

perdeu o chão. Ela apenas foi embora, sem olhar para trás.

Contudo, com Murilo, ela nunca pode parar de olhar. Ainda mais,
quando descobriu que estava grávida.

Murilo Reis perdeu tudo. Nunca pensou, que em algum momento,

poderia voltar a sentir algo. Entretanto, bastou um olhar para Olívia, para
ele compreender que ainda existia uma chance. Chance essa, que se

perdeu por completo, quando ela o deixou.

Anos depois e uma coincidência do destino, Murilo descobre que

não apenas as lembranças daquele amor de verão permaneceram, mas

sim, que ele tem uma filha.

Um amor de verão pode ser o amor para a sua vida?


GRÁVIDA DO CEO QUE NÃO ME AMA

Família Reis – Livro 1

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SINOPSE

O triste é que aquele velho ditado se tornou real em sua vida:


Valéria que amava Tadeu que amava Bianca que amava Murilo, que

não amava ninguém. Desde que seus olhos pousaram em Tadeu Reis,

Valéria se apaixonou. Não sabia dizer se era pelo olhar escuro enigmático,

o sorriso que ela queria tirar daqueles lábios cerrados ou o fato de ele ser

tão atencioso com quem amava.

Porém, Tadeu apenas tinha olhos para outra mulher, e Valéria

escondeu aquele sentimento no fundo de sua alma, tentando matá-lo

durante os anos que se passaram. Uma coincidência do destino, os coloca


frente a frente. Ela sabe que ele é errado, mais do que isso, uma grande

mentira, porém, seu corpo não resiste.

E uma noite com o homem errado não é o fim do mundo, certo?

Para ela, tornou-se um outro começo, já que terá uma parte dele

consigo, para sempre. Valéria está grávida do homem que não a ama. E

não pretende deixá-lo descobrir.


O CASAMENTO DO CEO POR UM BEBÊ

Família Reis – Livro 2

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SINOPSE

Águas passadas não movem moinhos – era o que Lisa


repetia a si mesma. Contudo, estar sempre tão próxima do único

homem que realmente se apaixonou, fazia com que ela quisesse

voltar, e na verdade, se afogar com ele. Igor Reis era um erro, e


ela sempre soube.

Ainda assim, não podia evitá-lo para sempre, já que seus

círculos de amizades eram tão próximos. Então, era apenas isso:


Igor era um amigo. Um ótimo fofoqueiro e uma pessoa para
perder horas conversando – mesmo que quisesse perder muito

mais.

Todavia, quando ele bate na sua porta no meio da

madrugada com um bebê a tiracolo, ela não sabe o que de fato


está acontecendo. Porém, nada é tão ruim que não possa piorar,

e ele a pede em casamento.

Nas voltas que a vida dá, Lisa se vê com o sobrenome

Reis, um bebê para chamar de seu e um contrato de casamento


por um ano com o homem que ama.

Até onde o casamento do CEO por um bebê será uma


mentira?
PLAYLIST

Posicione a câmera do seu celular para ler o QrCode e conheça

um pouquinho das músicas que inspiraram este livro. Caso não consiga ter

acesso, clique aqui


SINOPSE

Os opostos se atraem.

Carolina Reis queria jurar que isso estava errado, mas não
pôde evitar a forma como seu corpo reagiu ao cowboy bruto e

grosso que, literalmente, atravessou o seu caminho. Franco era


uma incógnita, com um chapéu de cowboy escuro e uma
expressão tão dura, que lhe fazia indagar se ele em algum

momento sorria. Bruto insensível!

Franco Esteves não tinha tempo para perder, muito menos,


com uma patricinha mimada que encontrou sozinha no meio da

estrada. Porém, não conseguia evitar ajudar alguém, mesmo que


este parecesse ser no mínimo uma década mais novo, com olhos

claros penetrantes e um sorriso zombeteiro. Diacho de madame!


O que era para ser apenas um esbarrão no meio do nada,

torna-se uma verdadeira tortura, quando Carolina assume, por


coincidência a função de tutora da filha do cowboy. Ele só quer

evitá-la. Ela só quer irritá-lo. No meio do ódio e atração que lhes

permeiam, uma adolescente se torna um vínculo que eles não


podem evitar.

Mas até onde ela será a única a uni-los?


“Quando alguém de quem você precisa aparece, chamamos de

destino.”[1]
PRÓLOGO

“Às vezes eu imagino

Como é sentir

Meu primeiro amor será

Verdadeiro e real?

Eu estarei pronta quando

Meu coração começar a cair?

O que eu farei

Quando meu amor vier a chamar?” [2]

CAROLINA
Eu me lembrava do exato momento em que conheci

Alfredo Lopes – ou apenas Nero. Ele era alguns anos mais velho,

e parecia completamente perdido em uma festa de negócios das


famílias mais ricas da capital. Talvez por aquilo, ele tenha se

destacado em minha mente.

Um cara todo tatuado, parecia detestar aquela festa

malfeita, tanto quanto eu. Ele corou ao meu olhar e eu pensei:


posso fazer dele o meu amor.

Suspirei fundo, ao encarar os papéis que me foram


entregues naquele dia. Escondida no meu quarto, analisei e

reanalisei a minha assinatura nos mesmos. Eu tinha o quê?

Acabado de completar dezoito anos na época em que os assinei?

Lembrava-me do exato momento em que Gabriela Lopes

apareceu com os mesmos.

Eu estava conversando com Nero e tentando imaginar que

seria fácil gostar dele. A realidade era que eu queria gostar dele.
Queria me apaixonar, desesperadamente. Queria viver um amor

de verdade, o tanto que eu gostava de ver e rever em filmes e

séries. E tudo aquilo que queria, dava um jeito de conseguir.


Aos dezoito anos, completamente pressionada pela mãe
dele – Gabriela – vi-nos assinando papéis que nos comprometiam

dali a alguns anos. Nero tinha seus próprios motivos, mas eu

ainda era muito cega para enxergá-los. Não enxergava nada além

de mim, naquele exato segundo. E foi assim, que me comprometi,

para ser mais exata, quando completasse vinte e seis anos, caso

eu não tivesse me casado com outro alguém.

Uma Reis para um Lopes.

Como eu tinha caído naquela?

Meu aniversário de vinte e seis anos chegou, e com ele,

toda a imaturidade que tinha, naquela época, parecia ter se

esvaído. Ao menos, naquele aspecto. Eu não queria mais um

amor fantasiado e escrito na minha mente, como realmente seria.

Com cada detalhe entalhado em meus sonhos fantasiosos.

Não, eu queria mais.

Eu queria algo real.

Eu queria algo verdadeiro.

Eu queria o que vi meus irmãos encontrarem. Eu queria um

amor que me fizesse não desejar a cama de mais ninguém. Eu

queria um amor que me tirasse o fôlego e me fizesse desejar ficar.


Eu queria alguém para chamar de melhor amigo. Eu queria

alguém para chamar de lar.

Guardei os papéis novamente, que Gabriela me deixou

como presente de aniversário naquele dia. Eu apostava que ela


estaria torcendo para que eu lhe respondesse logo. Ela me

cobraria, cedo ou tarde. E eu conseguiria quebrar contrato, de


fato. Porém, a vergonha que seria admitir tal erro para a minha
família, era tamanha, que me via o evitando.

Evitando até mesmo o rompimento.

Batidas na porta me fizeram levantar, e ajeitei-me melhor

no meu vestido rosa. Era o meu dia e o meu momento. Eram mais
do que meus quatro irmãos ali agora, na Mansão Reis. Eu tinha a

eles, meus sobrinhos, minhas cunhadas, os Torres... uma família


de cinco, se multiplicando pouco a pouco, e às vezes, do nada.

Deixaria aquele papel assinado no passado, em um lapso


de burrice, escondido em uma gaveta, por enquanto. Em outro
momento, eu encararia tal realidade.
PARTE 1

“E eu nunca (nunca)

Previ você chegando

E eu nunca mais (nunca)

Serei a mesma”

State Of Grace – Taylor Swift


CAPÍTULO I

“Era uma vez

Alguns erros atrás

Eu estava na sua mira

Você me pegou sozinha

Você me encontrou"[3]

Cerca de um mês depois...

CAROLINA
O lado bom de nascimentos dos sobrinhos próximo ao meu

aniversário de vinte e seis anos era que Verônica não teria tempo
para perder sabendo da minha presepada. Eu tinha duas opções:

a primeira, praticamente impossível, era que ela não sabia

daquele contrato; a segunda, e realmente possível, era que ela


estava esperando o contrato ser cobrado.

Não que fosse totalmente ruim ela se intrometer, mas eu a


conhecia bem o suficiente para saber que jamais apoiaria algo

assim. E era vergonhoso entrar no assunto antes, já que eu tinha

um coração bobo, para não dizer que era um coração burro.

Suspirei fundo, aumentando o volume do som no máximo.


O lado perfeito de estar sozinha em meu carro e dirigindo por

horas até a casa dos meus irmãos. Se havia algo que nunca
pensei que gostaria, era do ar do interior. Mas até naquilo, eles

conseguiram me mudar. Não que fosse uma fã número 1 de

andar de salto na grama ou do silêncio assustador de todas as

noites em que passei ali, mas tinha me tornado um pouquinho.

“Igual eu preciso dele na minha vida

Mas quanto mais eu vou atrás, mais ele pisa


Então já que é assim

Se por ele eu sofro sem pausa

Quem quiser me amar

Também vai sofrer nessa bagaça”[4]

Gritei alto, e então notei que a estrada de terra estava

ficando ainda pior. Meu gps já tinha morrido e jurei a mim mesma

que sabia o que estava fazendo, já que nem a área do celular

estava pegando. Eu tinha que saber o que estava fazendo. Eu e

as sacolas de presentes para o nascimento dos meus sobrinhos,


que resolveram nascer praticamente ao mesmo tempo.

O quão clichê os Reis eram, né?

Desviei atenção um segundo, da estrada deserta à minha

frente, e olhei novamente a foto de Igor ao lado do nossos

sobrinhos, já naquela sala de espera de bebês, que não tinha

ideia do nome. Foi a última coisa que chegou no meu celular,


meia hora atrás, quando ainda tinha área. Ele sorria na foto, mas

eu sabia que estava sendo convencido: se autointitulando o

melhor tio, por chegar ali antes.

Babaca!
Voltei minha atenção para a estrada, e freei com tudo, ao

quase atropelar um bezerro que não tinha ideia de onde tinha


saído.

Marília Mendonça ainda cantando, minha alma na boca,


enquanto o bezerro atravessava pleno a estrada, e eu estava

perto de ter um ataque do coração.

— Cacete!

Já podia até ouvir um sermão de Tadeu, se estivesse ali.

Não tire os olhos da estrada!

— Puta que pariu! — xinguei, finalmente soltando os dedos

do volante, e respirando fundo.

Procurei por outro e qualquer animal por ali, mas


felizmente, não localizei nenhum. Que não aparecesse mais
nenhum, amém. Assim que tentei dar a partida novamente, notei

que o carro estava estranho, como se o pneu traseiro não se


mexesse. Foi então que notei a fumaça à minha frente, e soltei

uma maldição.

Abri a porta do carro, e coloquei rapidamente meus saltos,


descendo da 4x4. Como eu tinha conseguido estragar um carro

daqueles?
Eu tinha o celular em mãos, já procurando área, quando

senti alguém atravessar minha visão, e não pensei duas vezes,


em praticamente jogar o aparelho no ser. Se fosse um bezerro,

ele que não corresse atrás de mim.

— Diacho!

A voz grossa e baixa me fez piscar algumas vezes, e então


me virei por completo e encontrei um cowboy. Não, não, o
cowboy. Ele segurava o celular, que deveria ter batido contra o

seu peito, quase todo exposto, diante de botões do alto da camisa


de flanela preta agarrada ao corpo. Meus olhos não puderam

evitar encará-lo por completo. Do chapéu preto à calça jeans que


deixavam quase nada à imaginação.

Foco, Carolina!

— A madame viu um bezerro passar por aqui?

Madame? Não segurei o risinho, encostando-me no carro,


e buscando meu spray de pimenta colocado atrás do banco do

motorista. A gente nunca sabe, né?

— Qual a graça?

— Não sou madame. — revidei, deixando o spray bem


colocado no bolso de trás da minha calça jeans. — Patricinha,
talvez. Eu devo ser uns... — olhei de cima abaixo novamente. Ele
tinha um olhar fechado e as linhas de expressões, me mostravam
que com certeza era mais velho. — Dez anos mais nova que

você?

— Viu o bicho ou não? — indagou, estendendo-me o

celular, mas sem dar qualquer passo em minha direção.

— Vi tanto, que quase atropelei — assumi, respirando


fundo. — E de algum jeito, ferrei esse carro aqui.

Vi-me pegando o celular de suas mãos, evitando tocá-lo,


sem conseguir entender de fato o porquê. Ele passou ao meu

lado, indo em direção ao carro, logo atrás, como se tentasse


empurrá-lo. Ele parecia enxergar algum problema na parte
traseira, ou no pneu, que eu não tinha ideia. Apenas encarei a

cena sem entender.

— Por que está me ajudando? — perguntei curiosa, sem

entender ao certo. Existia algo estranho no semblante dele, como


se odiasse estar ali. Qual era o problema dele?

— Por nada.

Seu tom era tão ríspido, que fiquei surpresa. Não tocada, já
que era pra lá de acostumada com tons de voz como aqueles. E
tudo o que conseguia fazer era rir da cena.

Bruto insensível!

— Não preciso da sua ajuda.

O homem sequer me encarou, apenas deu a volta no carro,


e começou a empurrá-lo, enquanto eu o olhava inconformada do

lado de fora.

— Esse carro é meu, senhor. — falei, parando à frente do


veículo e abrindo os braços. — Não precisa me ajudar.

— Não passa ninguém nessa estrada que não seja eu e os

empregados da fazenda, então... Só terá a minha ajuda.

— Resolvo isso com uma ligação. — rebati, e ele então


parou, mexendo no chapéu preto de cowboy em sua cabeça. Por

que ele parecia tão bonito com aquilo?

— Não tem área, madame.

Eu sabia daquilo, mas odiei o fato de que ele sabia


também. Por que eu parecia uma criança birrenta junto a ele?

Olhei-o incrédula.

— Não tem por que me ajudar. — falei, bufando, por ver


que o homem fazia tudo aquilo por clara obrigação e parecendo

querer me explodir com o olhar.


— Sou um homem decente, isso basta.

Vi-me quase bufando novamente e tentei me controlar,


procurando área com o celular. Ele pareceu se concentrar em

empurrar o veículo, e não pude deixar de notar a forma como os

músculos pareciam enormes, mesmo dentro da camisa de flanela.

Ele era tudo mais.

Claramente mais alto. Mais velho. Mais bruto. Mais

impaciente. Mais gostoso... De onde aquilo saiu?

Bufei, ao notar que nada de área, e vi-me parando ao seu


lado.

— Ok, senhor... — esperei seu nome, e ele sequer me

encarou. Mais sem educação também. — Estou esperando seu

nome. — complementei, e ele então parou, olhando-me. E se eu


não fosse Carolina Reis, com certeza, estaria mortinha no chão

com aquele simples olhar aterrorizador. Mais gostoso de perto...

— Franco.

O nome realmente combina com ele, pensei. Mas tentei

focar na realidade.

— Deve ter área na sua fazenda, certo? — ele assentiu,

levantando o chapéu e passando os dedos pelos cabelos que só


então notei que eram muito escuros. — Só vamos até lá, faço

uma ligação e vão me socorrer aqui.

— Vai deixar seu carro aqui?

— Sou madame, lembra? — debochei, e ele não esboçou

reação alguma. — O dia foi cheio e só quero ir logo para casa do

meu irmão.

— Ok, senhora...

— Senhorita, pelo amor de Deus! — levantei as mãos para


os céus. — Carolina Reis. Ou só Carol.

— Senhorita Reis. — cortou-me grosseiramente, e apenas

vi-me virando os olhos.

Como eu poderia estar reagindo com tanto afinco a alguém

que acabava de conhecer? E detalhe, no meio do nada?

E em todo aquele tempo, presa ali, eu sequer me recordei

do contrato que assinei e de como as coisas seriam dali por


diante. Verônica comeria meu fígado se soubesse, ainda mais,

porque ela sempre foi clara sobre assinar contratos como

aqueles. E eu era uma coração mole do caramba. Por isso,


contratualmente, ficaria noiva de Alfredo Lopes.

— A madame vem ou não?


Pisquei algumas vezes, notando-o já a alguns passos, e vi-

me encarando-o debochadamente.

— Não preferia senhorita Reis?

— Prefiro o silêncio.

Eu quase ri, mas me segurei, porque não pretendia deixar

o clima entre nós ainda pior. Contudo, com ele de costas para
mim, inconscientemente, uma coisa permeava meus

pensamentos: era só mais um cara no meu caminho?


CAPÍTULO II

“Oh, ele é tão presunçoso, o Sr. Sempre ganha

Tão acima de mim em todos os sentidos

Tão longe de sentir qualquer coisa "[5]

CAROLINA

Comecei então a gravar, enquanto caminhava a passos

salvos do homem enorme à minha frente. Ele era muito grande ou


eu era muito pequena? Um metro e cinquenta e oito, não era tão
pequeno assim... Na verdade, o era. Mas eu fingia que não,

usando meus saltos para onde fosse.

E ali estava eu, focando em toda a mata ao nosso redor, e

felizmente, não era tão alta.

— Bom, Carolina Reis... — sussurrei, engolindo em seco.


— Esse cara aí, Franco... — aumentei o zoom e foquei nele, que

sequer olhou para trás, desde os dez minutos passados, que

começamos a caminhar até o que ele disse ser sua fazenda. —


Ainda não sei o sobrenome, mas se eu sumir, a culpa é dele. —

sussurrei novamente, e ajeitei o celular de modo que não ficasse

suspeito de que gravava. — Ei, peão!

— Eu tenho nome.

Sua voz soou cortante, e eu revirei os olhos, quando ele

parou o passo.

— Franco, não é? — indaguei, com o celular bem seguro e

focando em seu rosto, que finalmente se virou. — Sabe que sou

uma Reis, então, que tal ficarmos quites?

— Esteves — falou por fim, e eu assenti, como se fosse um

prêmio. — Quer que eu diga meu nome inteiro para sua


gravação?
Pisquei algumas vezes, surpresa por ele ter notado, e
então fiz questão de me aproximar e filmá-lo totalmente.

— Força do hábito de ser mulher. — falei, dando passos


atrás, sem conseguir sorrir daquilo. A realidade era que sentir

medo, sempre, em torno de estranhos, era uma merda. — Como

viu que estava gravando?

— Você não fala baixo.

Olhei-o indignada, agora já estando ao seu lado, e ele

voltou a andar.

— Ainda demora muito para chegar à sua fazenda? —

indaguei, guardando o celular na bolsa, e estabilizando-me nos

saltos. O lado bom de ter irmãos que moravam no interior, era que
me acostumei a andar para lá e para cá, na terra batida ou mato,

de salto.

— Não muito, só atravessar aquela outra estrada ali. —

apontou com a mão e eu assenti.

— Que ótimo! — respirei fundo animada. — Meus

sobrinhos nasceram hoje, praticamente juntos, e eles... São tão


fofos! — exclamei, sem conseguir evitar. — Estou louca para

poder vê-los, e ver minhas cunhadas, meus irmãos...


— Parente dos Torres?

Pisquei algumas vezes, diante da sua pergunta, e acabei

assentindo.

— Não eu. — comecei, e ele apenas continuou andando,


sem me encarar. Não parecia de fato interessado, mas era melhor
do que um silêncio com um desconhecido que era o dobro do

meu tamanho. — Minha cunhada é Olívia Torres.

Ele então me encarou, o que me surpreendeu, e sem

conseguir evitar, notei o quão claro eram seus olhos. Verdes?


Azuis? Não saberia dizer, mas eram tão claros que me senti

curiosa para descobrir.

Antes que eu pudesse indagá-lo sobre, olhei rapidamente

para o chão, tentando desviar de uma pedra, mas foi tarde


demais. Isso que dava me deixar distrair com olhos bonitos.

Merda!

Senti então meu corpo bater contra algo firme, e poderia

torcer que fosse uma árvore, mas era ele. Cada parte do meu
corpo o reconheceu, e engoli em seco, sem conseguir disfarçar a
sensação. Quando levantei de fato o queixo e consegui encará-lo,

devido a quase queda, seus lábios estavam próximos dos meus.


Suas mãos seguras em torno da minha cintura, como se

não fosse me deixar cair, de forma alguma. E em todos aqueles


vinte e seis anos, em que li, assisti, ouvi e procurei, a sensação

estava ali. Pare com isso, Carolina! Disse a mim mesma, e sem
pensar duas vezes, o empurrei, afastando-me do seu toque.

Onde eu estava com a cabeça?

Eu não era Murilo que se apaixonou perdidamente depois


de dias no paraíso.

Eu não era Tadeu que se apaixonou quando adolescente à


primeira vista.

Muito menos Igor que se apaixonou após uma noite.

— Desculpe. — falei, engolindo em seco, e apenas me vi


retirando os saltos, temendo fazer algo parecido novamente. Não
poderia tocá-lo assim. Não ousaria. O que diabos estava

acontecendo comigo? — Conhece Olívia? — indaguei, passando


por ele, que logo deu um longo passo e se adiantou, guiando-nos.

De repente, o que era esquisito apenas por sermos dois

estranhos no meio do nada, se tornou ainda pior, porque eu não


conseguia colocar sanidade na minha mente.
Por que eu gostei mais de estar nos braços de um cara que
nem conhecia?

Não ouse, Carolina Reis!

Não ouse se iludir novamente!

— Sou um antigo conhecido do irmão dela. — não ousei

mais olhá-lo, apenas seguindo como podia.

— Inácio?

— Sim, o mais velho — assenti para o nada. — Soube por


cima sobre a chegada de uma família rica da cidade por aqui.

— Não me parece do tipo curioso. — Eu estava tentando


não deixar tudo pior, mas minha língua, como sempre, era mais
rápida que meu cérebro. — Quero dizer, eu sou de uma família de

fofoqueiros e fuxiqueiros de primeira, não me parece como a


gente.

Ele então parou, e acabei fazendo o mesmo, evitando que


pudesse bater contra seu corpo. Seu olhar então percorreu cada

parte de mim, mas diferente de antes, parecia que poderia me


desintegrar viva.

— Não sou nada como vocês.


Cada palavra parecia um desabafo silencioso. Rude, frio e
direto. Insensível ao extremo.

— Não pensei que fosse. — rebati, e então notei a entrada


de uma fazenda adiante.

Senti meu celular vibrar e então desviei do olhar duro do

homem à minha frente. Quem diabos era ele para achar que

poderia falar sobre a minha família? Sobre não querer ser como a
gente? A gente era uma bagunça, mas era uma bagunça incrível!

Se eu tivesse mais cinco minutos para perder com ele, com

certeza, faria o meu celular parar na sua boca.

— Verô! — falei, e respirei fundo.

— Onde você se meteu? — sua voz era tão preocupada,

que poderia jurar que ela me mataria antes de me abraçar quando

nos revíssemos. — Era pra ter chegado há horas, Carolina.

— Eu... Eu errei o caminho, igual disse pro Igor e depois...

— olhei com descaso para o homem à minha frente, e de repente,

percebi que aquele toque no meio do nada, apenas significou

aquilo – nada. Apenas minha mente carente para viver um


romance. Como foi com Nero. E agora, era até com o tal Franco.
— Meu carro deu problema, e estou... na fazenda de um antigo

conhecido do Ná – Franco Esteves.

— Ok, estou indo para aí. — falou, e eu sabia que o faria.

— Não, fica com os nossos irmãos — pedi. — Sei que

estão todos eufóricos com os bebês, só manda um táxi ou alguém


da fazenda.

— Eu estou indo te buscar, Carolina.

Revirei os olhos, e apenas assenti para o nada, e Verô

desfez a ligação. Até parecia que eu tinha dezesseis anos ainda.

Senti então que estava sendo acompanhada com o olhar, e

foi quando notei Franco parado a alguns passos dali, me

encarando.

— O que foi? — indaguei, sem mais querer ter qualquer


educação.

Poderiam me falar e criticar sobre qualquer coisa, mas

nunca, sobre a minha família.

— Ah, claro. — respirei fundo. — Obrigada por me trazer a


um lugar com área. Até nunca mais, eu espero! — dei-lhe as

costas, e segui para o outro lado da entrada, que felizmente,

estava vazia, e me ajeitei para encostar numa das pilastras.


Não ousei mais encará-lo, mas sabia que não tinha se

movido do lugar, o que não sabia explicar, me deixava furiosa.

— Por que está brava?

— E do que isso te importa? — revidei, e foi então que ele

se moveu, dando passos em minha direção. — Não sei o porquê,

mas eu tenho vontade de socar a sua cara e eu nem te conheço.

— Não parecia violenta minutos atrás.

— Não tinha falado da minha família com tamanho


desprezo minutos atrás. — rebati e então seu olhar parou no meu.

Ele abriu a boca para dizer algo, mas nada saiu, como se

não tivesse mais o que fazer.

— Eu não acredito!

O grito feminino alto e ardido, fez-me quase tampar as

orelhas, e olha que era acostumada com os meus próprios.

— Conseguiu mesmo alguém? — olhei então de um


Franco que parecia a ponto de desmaiar, para uma garotinha que

deveria ter seus treze anos, que me encarava com um brilho no

olhar.

— Não é o que está pensando, filha.

Filha?
Eu apenas fiquei ali, parada, sem saber o que fazer e sem

reação.

Ouvi então o barulho de um carro se aproximando, e por

um segundo, pensei que pudesse ser minha irmã. Ledo engano.

Senti braços finos ao meu redor, agarrando-se à minha cintura, e

olhei para Franco em busca de socorro.

Quando o carro parou e um homem talvez da idade de

Franco, e usando um terno sob medida desceu, fiquei sem

coragem de afastar educadamente a garotinha.

— Quem é essa? — o homem perguntou, e eu me senti

presa dentro de um drama mexicano muito ruim, porque aquele

parecia um vilão de quinta categoria.

Como eu podia ter uma imaginação tão fértil?

— Ela é...

— Só vamos logo, Jasmine. — ele falou, tentando puxar a

garota à força, e aquele foi um gatilho que me acertou em cheio.

Vi-me passando a frente dela, e o encarando com raiva.

— Não ouse tocar nela sem permissão. — minha voz soou

tão ríspida, que notei a surpresa do homem à minha frente.


Senti então minha visão ser ocupada por costas largas,

cobertas por um tecido preto.

— Essa é a sua nova tentativa de guarda para Jasmine,

sério? Uma garota de o quê?

— Vinte e seis anos, babaca de terno. — passei a frente de

Franco, e olhei para o homem que me encarava de cima abaixo.

— Pode ter certeza de que com muito mais respeito que você.

— Não é hora para isso, Toledo.

Toledo, guardei o nome em minha mente, e algo apitou de

que deveria saber mais.

— Eu só vou, porque sabe... tá escurecendo e logo

aparecem aqueles bichos tão mais irracionais que você. — fez um


sinal com a cabeça para Franco, e fiquei desacreditada da cena.

Vilão de quinta categoria, check.

Então tão rápido e do nada que aquele homem chegou, ele


simplesmente entrou no carro, e se foi. Olhei para toda a cena, e

senti um nojo tão grande, que era como se a Carolina de dez

anos, estivesse ali novamente.

— Eu quero minha mãe! — gritei, e esperneei, batendo


contra o peito de Roberto, que tentou puxar-me a todo modo.
Foi então que Verônica apareceu, e ouvi um clique alto.

Senti as mãos dela em meus olhos, não me deixando enxergar o


que acontecia, mas sabia que aquele clique, tinha feito Roberto –

o que deveria ser meu pai – se afastar.

— Reis? Senhorita Reis? Madame?

Ouvi a voz grossa ao longe, e tentei sair daquele estado,


mas era difícil. Senti então um aperto forte em meu braço, que me

fez dar um pulo para trás. Pisquei algumas vezes, e foi quando

encontrei Franco à minha frente, olhando para as próprias mãos,


como se tentando entender.

— Tudo certo? — indaguei, respirando fundo uma e duas

vezes, até me acalmar.

— Obrigada. — foi então que notei a garotinha ainda


parada ali, com uma flor nas mãos, que eu nem sabia de onde

tinha saído. — Desculpe ter colocado a senhora nessa situação,

eu pensei que... — sorriu de lado, destinando-me a flor.

Aceitei-a, sem ainda entender muito, mas parecia que tinha


perdido parte de uma conversa, quando entrei no meu próprio

mundo. Merda de lembranças!


— Ele não parecia um cara legal. — sorri, ao ver que era
uma daquelas florzinhas que eu sempre via espalhadas pela

fazenda do Torres mais velho. — Sempre que precisar de alguma

ajuda com ele, me liga.

— Não precisa...

Dei um olhar para Franco, que o fez calar de imediato, e de

repente, pareceu entender que era um assunto delicado não só


para eles. Enfim, não me importava o que ele entendia ou não,

mas eu tirei um cartão de visita da bolsa e entreguei para ela.

— Jasmine, certo? — ela assentiu, e sorriu.

— Igual a flor que dei para senhora.

— Como diria minha irmã, senhora tá no céu! — apertei


levemente sua bochecha e ela sorriu. — Só Carol ou Barbie.

— Barbie, gostei. — ela sorriu abertamente, e eu fiz o


mesmo.

Ouvi então o barulho de outro carro se aproximando, e torci


para os cosmos que fosse Verô, e finalmente, era. Notei então
que Maria Beatriz quem vinha no banco do carona, e sorri para

ambas.
— Minhas princesas ao resgate chegaram. — falei, e me
afastei da pequena, que não era tão pequena assim, já que
poderia ter quase a minha altura. Mas também, bastava olhar

para o pai dela que sabia de onde vinha tanta altura. — Foi um
prazer, Jasmine.

— E aí, Franco? — Mabi gritou do carro, sorrindo

abertamente para ele.

Ela era boa com pessoas fechadas, né?

— Como vai, Maria Beatriz? E Inácio?

— O mesmo velho chato de sempre. — respondeu sobre o

marido, enquanto eu notava que Franco sequer mudava sua


expressão. — Devia levar Jasmine para ficar um dia com a gente,
sabe que Dani ia adorar.

— Eu quero!

— Veremos isso. — Ele apertou a aba do chapéu,


enquanto eu passava do seu lado.

— Foi um desprazer, senhor Esteves.

Minha voz mal saiu, mas sabia que ele tinha escutado, e
então, fui direto para o banco de trás, ignorando qualquer olhar ou
fala que ele não deixaria sair.
Assim que o carro saiu, fiquei presa à visão de Jasmine
agarrada às pernas do pai, com um sorriso de orelha a orelha.
Enquanto ele, parecia encarar o carro, assim como os meus

olhos, buscavam os dele.

Que merda eu estava pensando?


CAPÍTULO III

“E aí, chegou pousando na minha revoada

Freou minha boca que era acelerada

Ela é porrada

Oh, baixinha invocada"[6]

FRANCO

— Não era a minha tutora falsa, né?

O tom triste na voz de Jasmine não me passou


despercebido.
— Filha, eu...

O que eu poderia dizer? Que não tinha ideia de quando

conseguiria alguém que pudesse assumir tal papel?

— Eu estou tentando encontrar alguém.

— Eu sei que sim, papai. — falou, mas notei seu olhar

cabisbaixo, enquanto corria pela entrada da fazenda.

A fazenda que lhe pertencia.

A terra que era dela.

Olhei para o céu, como se procurasse a ajuda de Pâmela,


mas infelizmente, como sempre, eu não tinha respostas.

— Vou pegar mais umas flores para colocar no jarro da

mesa — falou, enquanto já estava longe, e eu assenti, vendo-a

correr de um lado para o outro na grama.

Tirei meu chapéu e levei ao peito, parando por um

segundo, ainda olhando para a estrada já deserta. Não tinha mais


ninguém ali. Não tinha mais Carolina Reis.

Engoli em seco, apenas me lembrando da forma como ela


literalmente, surgiu na minha frente. Baixinha, invocada e em

saltos altos quase imbatíveis. Por que eu estava pensando nela?


Neguei com a cabeça e recoloquei o chapéu, seguindo
minha filha pela pequena entrada até a nossa casa. Parei à frente

da varanda, e enquanto Jasmine se perdia em pegar mais

algumas flores, enquanto aproveitava os últimos raios de sol,

trouxe o cigarro à boca.

Só a nicotina para tentar tirar aquela tensão.

Toledo não ia sossegar tão cedo, e estava a cada dia, nos


rodando mais. Se não fosse por ser de direito de Jasmine, eu já

tinha tirado minha filha dali e sumido pelo mundão. Mas ela tinha

direito de, ao menos, viver no lugar que a mãe tanto sonhou para

ela.

Do pouco que Pâmela pôde demonstrar para ela, aquela

fazenda, era a grande parte do que mais me contava ser seu

sonho em partilhar com a nossa filha. Se ela estivesse viva, ela

com certeza saberia o que fazer, ou como tirar o irmão mais velho

da nossa cabeça.

— Segura pra mim, papai.

Descartei o cigarro, enquanto Jasmine fazia uma careta.

— Fumar mata, eu sei. — falei, e ela não desfez a careta,

apenas me entregou um pequeno cartão. — Não faça isso,


nunca.

— Se só o cheiro é ruim, imagina colocar isso na boca —

fez um gesto de ânsia, e sorriu em seguida, afastando-se. — Já

pego, só vou pegar mais flores, que elas estão lindas


demaisdaconta!

Assenti, e enquanto ela terminava de encher as mãos de

flores, eu encarei o cartão de visita que ela me entregou. Carolina


Reis, Diretora Financeira da Hotéis Reis. Não entendia de fato o

que aquela sigla significava, mas apenas pelo carro que ela
dirigia, e a despreocupação, a forma como parecia ser a dona de

tudo... Era óbvio que não era alguém simples.

— Prontinho!

Jasmine parou à minha frente, empurrando as flores para o


meu corpo, e puxou o cartão de visita das minhas mãos.

— Vou guardar no meu diário. — olhei-a sem entender. —


A tia Barbie me protegeu. — sussurrou, como se pensando sobre.

— Ninguém, tirando o senhor e os peões da fazenda, fizeram isso


antes. Nem na escola.

E ali, meu coração se desfazia um pouco. Jasmine era boa

demais para um mundo tão cruel. Ela era facilmente conquistada


com qualquer ação ou palavra bonita. Ela me lembrava de

alguém, que há muito tempo deixei de conhecer.

Abaixei-me, ficando na sua altura, e ela puxou meu chapéu

para sua cabeça, como se aquela fosse sua proteção número 1.


Eu sabia que ela fazia aquilo, sempre que se sentia sozinha.

— Sei que ela pareceu legal, e o que fez foi legal, mas não
quer dizer que pode...

— Confiar nela, eu sei. — assentiu, e apertou-se ainda


dentro do chapéu. — Mas queria poder, confiar nas pessoas.

— Você vai aprender como, um dia. — Seu olhar era


atencioso.

— O senhor também. — olhei-a confuso. — Vai ter alguém


para proteger o senhor, como me protege.

— Eu já tenho você. — Ela então colocou o chapéu na

minha cabeça, e eu sorri. — Viu só!

— Mas a uma esposa...

— Já falamos sobre isso. — Levantei-me e segurei as


flores com cuidado. — Não vou me casar novamente.

— Mas pode se apaixonar...

Parei o passo e a encarei.


— A gente pode amar mais de uma pessoa na vida, certo?
— indagou, e eu suspire fundo. Aqueles eram assuntos que eu
não gostava de adentrar. — Ou amar quando se é adulto como o

senhor?

A questão não era se eu podia amar novamente, a questão

era que eu nunca de fato tive tal sentimento. Nem mesmo com
Pâmela. Não da forma que talvez Jasmine fantasiasse que foi.

O amor romântico não era algo que eu esperava que

aconteceria comigo. Nunca imaginei de fato.

— O amor não é para o seu pai, não esse amor romântico.

— E se um dia for?

Sabia que ela não desistia tão fácil, mas não tinha ideia do
que se passava na cabeça de Jasmine muitas vezes.

— Aí, você vai poder usar o chapéu do seu velho por um

mês.

Seus olhos brilharam, e ela estendeu a mão, como se para

firmar aquele acordo. Fiz o máximo para não amassar as pétalas,


enquanto esticava a minha mão e apertava a dela.

— Trato feito, senhor Esteves.


— Melhor entrar antes que eu amasse suas flores,
senhorita Esteves.

Ela riu e o fez, enquanto eu a seguia.

Felizmente, mesmo com todas as perguntas e questões


que só aumentaram nos últimos anos, Jasmine era uma filha

paciente comigo. Ela parecia aceitar o que poderia lhe dar,

mesmo no mais limitado que eu fosse. Ela tinha apenas quatorze


anos, e era a minha vida, desde os meus dezenove.

Fui até ela na mesa de jantar, que guardava rapidamente o

cartão de visita em seu diário, que parava em qualquer canto da


nossa casa, o que considerava o maior ato de confiança dela para

comigo.

Ela então tirou as flores já secas de dentro do jarro, e

correu para trocar a água, e em seguida, uma a uma das flores


em minhas mãos, ela foi ajeitando dentro do vaso.

— A sorte do senhor é que só fuma de vez em quando, aí

não fica esse cheiro horrível preso nas coisas... — provocou, e eu

sabia que ela detestava aquele meu hábito quando estava


nervoso. — Não precisa se preocupar, papai. O Toledo não vai

conseguir me tirar de você. Nem a fazenda da mamãe de nós.


— De você, pequena. — ela deu de ombros, como se fosse

a mesma coisa. Mas não o era. Nem de perto. — Mais algum


pedido especial para o seu arranjo?

— Como a tia Barbie chegou aqui? Onde a conheceu?

E eu pensando que ela deixaria aquele assunto morrer,


mas não era simples assim. Não com uma filha curiosa e saudosa

por um pai em um relacionamento.

— Não crie teorias. — toquei levemente contra seus

cabelos. — Ela só estava presa na estrada sozinha, e não tinha


área...

— E o que o senhor fazia em outro lugar que não aqui?

Foi então que minha ficha caiu. Diacho!

— Um dos bezerros fugiu, diacho! — passei as mãos pelos


cabelos, levantando o chapéu.

— Ah, o azulino? O Olavo encontrou ele na frente da

fazenda e levou ele lá pros outros...

— Ah. — Neguei com a cabeça, pensando no quanto me


perdi do meu objetivo após encontrar aquela... aquela mulher na

estrada.
— Então a tia Barbie fez você se esquecer de um bezerro

fugido?

Notei seu olhar esperto sobre mim, como se criando uma

história fenomenal em sua mente.

— Eu só me distraí tendo que aguentar uma mulher

insuportável que não parava de falar...

— Ela não parecia tão falante quando...

— Chega desse assunto! — pedi e ela riu de lado, como se


aceitasse naquele segundo. — Estou falando sério, Jasmine.

Nunca mais vamos ver essa mulher, então, pare.

— Se o senhor diz. — Deu de ombros, e eu fiquei


incrédulo.

Nenhum de nós veria novamente Carolina Reis.

E aquilo não era um fato, mas sim, um pedido aos céus.

Ela era do tipo de gente que apenas precisávamos manter


distância. Quanto mais longe melhor.
CAPÍTULO IV

“Sonhos alucinantes no silêncio da noite

Você sabe que eu peguei

Mau, garoto mau, um brinquedo brilhante que tem um preço

Você sabe que eu comprei"[7]

CAROLINA

— Tem como morrer intoxicada por fofura? — perguntei,


encarando meus sobrinhos, nos bercinhos lado a lado. — Eu

acho que tô morrendo!


— Se eu sobrevivi, Barbie. — Igor me segurou pela cintura,

me abraçando em seguida. — Eles são tão...

— Perfeitinhos, não é?

A gente estava ali, igual dois tios babões, quase

desidratando pelos nossos mais novos sobrinhos. Fabrício, o


segundo filho de Murilo, que tinha os cabelos ruivos dele. Vitor, o

primeiro filho de Tadeu, que tinha os cabelos escuros como os

dele, e os olhinhos já pareciam com os da mãe.

— E era só a gente... — falei, sentindo as lágrimas

descerem de novo. — Parece que foi ontem que Murilo apareceu


dizendo que descobriu que era pai e...

— Foi só ladeira acima...

Assenti, virando-me para Igor, e o abraçando com força.


Ele me aceitou ali, e eu mal conseguia acreditar que era real. Foi

quando notei Verônica na porta, encarando-os, com Murilo e

Tadeu, os papais do momento, olhando para nós.

— Agora você tem o tantinho, temos Dani, Fabrício, Vitor...


Fora que ganhamos irmãs, e todos os Torres de bagagem. —

suspirei profundamente. — Eu gosto de famílias grandes, que

droga!
— A boca, Carolina.

A voz de Murilo era branda, e eu sorri, afastando-me de

Igor.

— Para de ser um pai chato. — provoquei, batendo contra

o seu peito. Sabia que ele só me corrigia, porque o seu filho

estava dormindo ali, naquela sala. — Olívia me contou que falou

tantos palavrões, que até pensou que nunca pariu antes.

— Eu quase perdi a mão. — comentou, fazendo uma

careta.

— Não vamos tentar comparar a sua dor a dela, né? — ele

levantou as mãos em sinal de rendição. — Aliás, ela voltou a

dormir.

— Ela e Valéria estão apagadas no quarto ao lado,

completamente exaustas. — Tadeu falou, passando por nós, e


indo babar pelo filho.

— A coragem de parir que elas têm... — levantei as mãos

aos céus. — Talvez daqui a uns dez anos, eu tenha.

— Prefiro que nunca. — Igor sussurrou, provocando, e dei

uma cotovelada na sua barriga.

— Vai amar quando eu tiver um filho ou filha.


— Até lá... — Verônica interferiu, e nos puxou para fora da

sala. Será que ela... — Precisamos conversar, Carolina.

— Sobre? — fiz-me de burra, a melhor estratégia que

tinha.

Que não seja sobre Nero.

Que não seja sobre Nero.

Que não seja sobre...

— As minhas Reis favoritas! — ouvi então a voz de Abigail,


e quase fui para o chão, a sorte era que Igor estava do meu lado,

como bom irmão que servia para alguma coisa, às vezes.

Abigail Torres, a melhor amiga de Alfredo Lopes – vulgo


Nero – que era o cara que agora, eu seria cobrada em um

casamento por contrato. Que ótimo dia para aprender a


teletransportar.

Forcei um sorriso, enquanto ela cumprimentava Verô, e em


seguida, vinha até mim.

— Se Nero passar por aqui ou o virem, diz que é pro lugar


mais chique do hospital. Ele ficou enrolado com a mãe, e deve

estar para chegar.


— Ok. — Foi tudo que consegui dizer, se senti o apertão de

Igor no meu braço. — O quê?

— Eu vou buscar um café, e você, Carolina... Mais tarde

vamos conversar.

Pela forma que ela falava, não parecia ser sobre Alfredo, o

que me permitiu respirar novamente. Deveria ser sobre o meu


carro no meio da estrada ou por ter me perdido no meio do nada?

No meio do nada com um grande cowboy gostoso.

Foco, Carolina!

Um grande cowboy babaca.

— Ei, Reis! — virei-me, junto a Igor, e então encarei Gael


Fontes – o irmão mais velho de Valéria, que saía do quarto ao

lado. Nunca vi aquele homem com um semblante tão leve. Não


que o conhecesse muito bem, mas eu vi algumas vezes, há

muitos anos. — Verônica?

— Foi tomar café. — Igor respondeu, mas antes que Gael

seguisse pelo corredor, segurou o baço dele. — Por quê?

— Igor?

— Sou mais velho que você, Reis. — soltou-se de Igor, e


logo saiu andando, como se fosse simples assim.
— Por que o parou? — perguntei, e o olhar preocupado de
Igor parou no meu. — O que foi?

— Gael tem conversado com Verô, várias vezes... Ele nem


disfarça.

Arregalei os olhos, como se finalmente somando um mais

um.

— Acha que ele...

— Acho que eles já tiveram algo. — arregalei os olhos. Não


que Verônica fosse celibatária. Na realidade, eu só torcia que ela

não o fosse. Mas Gael Fontes? O cara que era o problema


estampado na cara da família Fontes?

— Se tiveram, foi há muito tempo... Não acha que...?

— Eu não acho nada. To é tendo certeza de que ele está


tentando recuperar alguma coisa.

— Verô não gosta dele. — falei, e eu tinha plena certeza.


Não sabia dizer porque, mas eu sentia que era sem nexo aquilo.

— Bom, deixa ele tentar, né? Vai que rola.

— Vai que rola, o quê?

Ouvi a voz de Murilo, e ele e Tadeu saíam do quarto,


fechando a porta atrás de si.
— Verônica e Gael.

O barulho de algo caindo, fez-me desviar dos meus irmãos,

e quase engasguei ao encontrar Nero ali, e seu óculos no chão.


Tentei então, procurar minhas borboletas no estômago, mas
parecia mais um mar de areia. Nada... Absolutamente nada.

Ok, ele era bonito.

Mesmo desastrado, enquanto recolocava os óculos de


grau, e ajeitava os cabelos negros um pouco enrolados. Ele era

uma montanha de músculos, coberta por tatuagens em todo lado,

e bochechas rosadas quando falava com qualquer mulher. Ele era


tão fofo, desde que me recordava. E foi aquilo?

Foi simplesmente a esperança de viver um romance com

alguém que me deu um por cento de atenção no passado, que

me fez imaginar que poderia criar aquilo?

Foi por aquilo que assinei um contrato?

Minha mente se perdeu e me odiei por alguns segundos.

Nero se aproximou e lhe dei um sorriso, que era tão falso

quanto as expectativas que tinha sobre nós. De repente, eu que


sonhava acordada em ter aquele cara, apenas me indagava do

porquê eu queria tanto tê-lo.


Acreditava que depois de ver meus irmãos e seus

verdadeiros amores acontecerem, a realidade era que as


expectativas sobre viver um amor real foram mudadas por

completo.

Não queria mais ter que implorar para viver um romance


montado na minha mente. Nem queria me resumir àquilo. Eu só

queria deixar acontecer.

E com Nero foi tudo, menos deixar acontecer.

Era o tipo de amor óbvio. Sua família queria uma nora de


nome e com dinheiro. Eu queria um cara fofo e que corava ao me

ver, como meu. De um jeito tão infantil que me assustava.

Porém, no agora, aquela infantilidade poderia me cobrar.

E cobrar caro.
CAPÍTULO V

“Já puxaram o tapete debaixo dos meus pés

Já confiei em mentiras e confiei em homens

Fui quebrada, mas juntei meus pedaços de novo.”[8]

CAROLINA

Felizmente a conversa com Verô era sobre eu ter mais

cuidado quando resolvesse dirigir sozinha por aí. Principalmente,


quando despistava os seguranças que todos tínhamos. Ou, como

naquele dia, os dispensava.


Ela não tinha tocado no nome de Alfredo. E eu muito

menos, o tinha visto após aquele momento no corredor do


hospital. Meu telefone tocava, de vez em quando, com o nome da

mãe dele no visor, e eu ignorava.

Ignoraria até onde fosse possível.

— Parece longe daqui.

Olhei para Lisa, minha cunhada, que se jogou no sofá ao


meu lado.

— Eu sempre estou há quilômetros daqui. — brinquei. —


Saudades das Maldivas.

Lisa riu de lado, e me encarou.

— Seria por não estar mais fazendo parte da rede de


hotéis?

— Nem de perto — assumi. — Gostei de estar no lugar de

Igor por um tempo, mas era porque tinha um propósito —

confessei. — Estar lá, não era só pelo trabalho, era pra que ele e

você pudessem estar com Theo e... Bom, agora, não tem mais

uma motivação. Igor está de volta, e meu cargo de vice continua

patético.

— Você é ótima no que faz, Carol.


— Então por que detesto tanto? — respirei fundo. — O
famoso “White people problems”, né? — caçoei e ela apenas me

encarava, como se preocupada. — Vou começar o curso de

moda, em algum momento, mas só não sinto que é agora...

Era difícil falar sobre aquilo, ainda mais, porque não era

como se alguém pudesse se identificar. Eu era privilegiada, e

muito. Fiz a faculdade com o propósito de ser boa para as

empresas da família, da forma como Verô merecia que fosse. Mas

quando vi que ele não ligava se eu estaria nas empresas ou não,

mas sim que fosse feliz, tudo desandou. Não tinha mais
motivação para estar lá. Porque eu criei a rede de hotéis de Reis

junto a Igor, mas o sonho sempre foi dele.

Eu só estava cansada de ter propósitos baseados em


outras pessoas. E me perguntava, a mim mesma, onde colocaria

o meu.

— Mabi falou sobre um amigo do Inácio...

Voltei a atenção para minha cunhada, que me encarava

curiosa. Sobre o que, eu não sabia.

— Que te ajudou no meio do nada...


— Esteves? — indaguei, e ela assentiu meio sem certeza.

— Franco Esteves?

— Sabe até o nome completo...

— Pode parar — falei, e ela riu de lado. Ela e Igor eram tão
parecidos, que eu entendia por completo do porquê estarem
casados e serem os melhores palhaços de todos. — É só um

bruto insensível.

— Opostos se atraem?

— Lisa! — rebati, e ela riu abertamente.

— Sabe que acho você e Nero um grande flope, né? —


assenti, porque aquele assunto já tinha chegado para gente, em

certo momento. — Mas enfim, não estou torcendo contra, eu só...

— Também estava enganada sobre Nero. — assumi,


respirando fundo. Lisa mal conseguiu disfarçar a surpresa em seu

olhar. — Não que ele seja ruim ou algo assim, só... só coloquei
expectativa em algo que nem existe.

Como sempre, colocando um propósito baseado em outras


pessoas.

— Acho que estou numa vaga crise existencial. — Respirei


fundo, e logo senti Lisa vir para mais perto, puxando-me para si.
— Um carinho já ajuda um pouco.

— Acho que todo mundo tem uma crise assim, talvez


várias... — tocou meus cabelos, puxando-me para si. — Mas o

importante é sair delas melhor do que antes.

— Minha terapeuta que me aguente na próxima sessão,

sério — brinquei, mas era a mais pura verdade. — O lado bom de


tudo isso, é estar aqui. — Olhei ao redor da casa de Murilo, que
ainda ficaria uns dias no hospital, junto à esposa e o filho recém-

nascido. Assim como Tadeu. Lisa e eu estávamos encarregadas,


assim como Verô e os irmãos de Olívia, de cuidarmos de Dani. A

questão era que Daniela, agora promovida para irmã mais velha,
era apenas uma. E sempre sobrava algum de nós na casa, sem
fazer nada.

Naquele momento, ela deveria estar pela fazenda, com o


irmão mais novo de Olívia – Bruno. E eu e Lisa, completamente à

toa.

— Por que a gente...

Meu celular tocou, com o meu toque favorito de Mic Drop, e

Lisa cantou junto, fazendo-me rir. A gente tinha um gosto


parecido, e eu enxergava nela, a cada dia mais, uma irmã. Se
parasse para pensar, eu tinha ganhado três nos últimos tempos, e
era muito feliz por aquilo.

— Mic, mic bungee!

Lisa cantou junto, e eu ri, finalmente me afastando para


atender a ligação, que não tinha o contato salvo. Quem seria?

— Alô!

— Barbie, tia... — paralisei diante do tom fraco e da voz

mal saindo do outro da linha. Ninguém me chamava assim, a não


ser minha família, e... Jasmine que eu tinha dito que poderia.

— Jasmine? — indaguei, ficando de pé, de imediato.

Ouvi o barulho alto de algo, e então ela soltou um grito.

— A senhora disse que eu...

— Onde você tá? — perguntei, e ela mal conseguia falar,

mas fiz uma nota mental de onde era. — Ok, fica falando comigo
ok? Não desliga, de forma alguma.

— Eu só tenho 10% de bateria...

— Eu vou chegar aí antes que acabe, tenha certeza —


falei, e olhei para Lisa. — Preciso sair, pode...

— Quer que eu vá junto?

— Não, só...
Corri pela porta, e dei um leve aceno para minha cunhada,
em explicar nada. Só consegui chegar a um dos carros do meu
irmão, que como sempre, felizmente, tinha a chave ali dentro. E a

cada segundo, meu coração acelerava, quase na boca.

— Jasmine...

— Oi. — sua voz era tão fraca, que me doía por dentro.

Não deixe as lembranças voltarem! Você precisa estar atenta


agora, Carolina! — Eu acho que ele já...

— Não saia daí, ok? — falei, e ouvi seu “sim” bem baixo ao

fundo. — Está bem trancada, protegida?

— Eu tranquei a porta dessa sala e joguei várias coisas na


frente...

— Garota esperta — falei e suspirei fundo. — Por que a

gente... não canta uma música? Pro tempo passar mais rápido e
nem perceber que já estou chegando?

— Eu...

— Vai ajudar, confia em mim.

— Não posso confiar em ninguém. — senti o peso de suas


palavras, mas ela mal sabia, que ao me ligar, era o que estava

fazendo. — Mas eu quero cantar com você, tia Barbie.


— Ok, então... você começa e eu canto junto.

— A senhora conhece música sertaneja raiz?

— Aqui a gente vai do kpop, Taylor swift, funk, jazz, rock e

sertanejo... — tentei brincar, e ouvi uma leve risada do outro lado

da linha.

— Pode ser sertanejo dessa vez?

— Qual você quiser.

— A que meu pai sempre cantava... “Nestes versos tão

singelos

Minha bela, meu amor

Pra você quero contar

O meu sofrer e a minha dor...”[9]

Sorri, e não sabia explicar porquê, mas me enchi de

lágrimas. Apenas me vi cantando com ela, e felizmente, o fato de


ser tão eclética, me servia para acalmar alguém que precisava de

mim, naquele exato instante.

E mesmo que estivesse presa à nossa cantoria, e sentindo-


me melhor por ver que a voz dela foi aumentando aos poucos,

como se sentisse mais segura, a cada quilômetro que eu

passava, via-me relembrando a Carol, nos braços de Verô, tão


pequena, e cantando com ela, da forma que ela podia calar os

gritos. Ao menos, naquela época.

— Verô, eles estão xingando a vovó...

— A vovó pediu para gente cantar só um pouquinho... —

ela então foi até a caixa de som, e aumentou no máximo. —

Lembra que é a música favorita da vovó, certo?

— Tá bem. — respondi, sem entender.

“Tenho vinte e cinco anos

De sonho e de sangue

E de América do Sul

Por força deste destino

Um tango argentino

Me vai bem melhor que um blues...”[10]


CAPÍTULO VI

“Vamos lá, garotinha, dê um sorriso

“Não, eu não tenho motivo nenhum pra sorrir

Eu não tenho ninguém pra quem sorrir, eu esperei um tempo por

Um momento pra dizer que eu não te devo porcaria nenhuma.”[11]

CAROLINA

Corri pelos corredores daquele supermercado, e poderia


sentir os olhares sobre mim.
— Ok, você correu e passou pela sessão de frios... —

repeti o que Jasmine falou.

— Eu tô na salinha à esquerda. — sua voz mal saiu.

Foi então que vi a porta azul que ela me descreveu, e

mesmo que tivesse algumas pessoas fazendo compras naquele


horário, ninguém parecia de fato passar por dentro daquele

corredor, que deveria ser o estoque. Onde estavam os

trabalhadores daquele lugar?

— Eu...

— Ora ora!

Foi então que ouvi a voz que felizmente, eu reconhecia de


duas noites atrás.

— A suposta tutora de Jasmine.

— E quem diabos é você? — indaguei, empurrando-a para

fora dali.

O homem poderia ser maior, mas foi de bom grado para

trás, e se não o fizesse, com toda certeza, o empurraria com toda

força que tinha. As aulas de defesa pessoal e boxe, serviam e

muito para momentos como aquele. Eu odiava homens com


olhares como os dele. Porque eu já tive a cota, durante a infância,
daqueles mesmos olhares.

— O tio dela, e você?

— Carolina?

Ouvi a voz de Nero, e suspirei fundo.

— Faça um favor, para mim. — olhei ligeiramente para

Nero, que deveria ser duas vezes maior que aquele homem. —

Apenas tira esse cara da minha vista, se não vou quebrar a cara

dele.

— Tão baixinha, mas tão...

— Se completar essa frase. — senti Nero passar à minha

frente e empurrar o homem dali. — Eu te explico depois, ok?

— Ok.

Nero como sempre era apenas um acenar de cabeça e

bochechas coradas. Suspirei fundo, e fui até a porta novamente, e

bati na porta.

— Jasmine! — falei alto e ouvi algo se mexer no fundo. —

Eu já coloquei ele para fora, pode...

Então a porta se abriu, e de repente, apenas senti os

braços dela ao redor da minha barriga. Soltei o ar com força e


agarrei-me a ela, sem entender tamanha conexão que existia

entre nós. Não sabia se era porque eu enxergava nela, eu


mesma. Ou se eu simplesmente gostava dela, de uma forma, que

aquela vida ainda não explicava.

— Eu fiquei com tanto medo... — ela assumiu, e me

agachei, levando-a para de trás de outra parede do estoque. Para


longe de olhares curiosos. Que agora, pareciam de fato
interessados.

Por que não estavam quando aquele...

— O que ele fez? — perguntei, tocando seu rosto, que

estava inchado e os olhos avermelhados.

— Ele ia me levar com ele, para a capital — assumiu. —

Eu então joguei o xampu que estava na minha mão na cabeça


dele e corri... Ninguém me ajudou, mesmo eu pedindo ajuda.

Então eu me escondi aqui. — apontou para a portinha. — Todos


sabem que ele é meu tio, e que ele... A família dele tem dinheiro.

— A minha tem mais. — Duvido que ela tenha escutado,


mas então coloquei aquilo em mente. Fosse ele quem fosse, não
tinha ideia de que uma Reis era capaz. E do que o meu
sobrenome era. E pela primeira vez, poderia usá-lo para uma boa

causa. — Seu pai?

— Eu liguei várias vezes, mas não deu área.

— Ele não veio com você?

— Eu... — ela então mordeu o lábio inferior, como se fosse

confessar algo. — Eu pedi carona para uma das peoas, porque


meu xampu favorito acabou, e o papai só ia vir na sexta, e eu...

queria sair um pouco da fazenda.

— Ela pensa que você está onde?

— Em casa. — Fechei os olhos com força, imaginando a


merda acontecendo. — Eu não imaginei que fosse encontrar

Toledo ou...

— Não precisa se explicar para mim. — sorri, limpando as


lágrimas que ainda restavam em seu rosto. — Só vamos atrás do

seu xampu favorito e vou te levar para casa, ok?

— Eu... Obrigada tia.

— Pelo menos não sou mais senhora. — falei, e ela riu de


lado, parecendo se animar. — Aliás, só agora consegui ver com

certeza... Seus cabelos são ruivos, iguais aos do meu irmão mais
velho.
— A senhora tem irmãos? — perguntou, e praguejou um
diacho. — Quer dizer, você tem irmãos?

— Muito melhor. — trouxe-a para meu lado, enquanto


caminhávamos de volta para o supermercado. — Eu tenho três
irmãos e uma irmã mais velha, no caso, essa irmã é praticamente

minha mãe e pai. Só não a chamo de mãe, porque ela me


mataria.

— Eu sempre quis ter irmãos, e uma mãe. — falou,

guiando-me até o corredor de higiene pessoal. — Mas meu pai


não parece muito interessado em ninguém, quer dizer... Ele

pareceu gostar da... de você.

— De mim? — perguntei, já rindo. — Não conheci seu pai

mais de alguns minutos mas assim, a gente já se deu mal de


cara.

— Ele ficou olhando o carro ir embora...

E então ela percebeu aquilo também?

Olhei-a com atenção, enquanto pegava o seu xampu e me


mostrava.

— Será que temos uma versão 3.0 da operação cupido por


aqui? — perguntei, e ela arregalou os olhos, me encarando.
— O que é isso? — foi minha vez de ficar surpresa.

— Nunca assistiu esse filme? — ela negou com a cabeça e

eu finge sentir um baque contra o peito. Dramática como só eu


sabia ser. — Eu assisti ele com a minha sobrinha, Daniela.

— Dani da tia Oli?

— Ela mesma. — sorri, e assenti.

— Fiquei sabendo na escola, que ela tinha vários titios


novos... e um papai. — assenti, lembrando-me da história de

Murilo. — Eu tenho tios, mas eles não moram tão perto... E minha

mãe, ela já é uma flor de margarida por aí.

Então era assim que ela falava sobre a mãe ter falecido?
Ela parecia tão adulta ali, claramente encarando assuntos tão

deliciados.

— Queria ter a sorte da Dani, de aparecer uma nova


mamãe e que meus titios, da parte do papai, gostassem de mim.

— Ei! — corrigi-a, enquanto seguíamos até o caixa. — Eles

não têm como não gostar de você.

— Eles não tem tempo, tia. — suspirou fundo, mas forçou


um sorriso. — Eles mandam presente e vêm no Natal, já é algo,

né?
— Jasmine...

Ela apenas passou à minha frente, e logo passou o xampu,


pagando-o, e eu ali, sem saber o que dizer.

Por que famílias eram tão complicadas, não eram? Eu

sabia bem daquilo, já que vinha de um redemoinho, em que


Regina e Verônica me salvaram. Salvaram nós quatro.

— Por que a gente não vai ver a Dani? — indaguei, e

então Jasmine parou, me encarando surpresa. — Primeiro vamos

passar no seu pai e pedir, e daí eu te levo lá. Ela tá em casa,


cavalgando.

— Eu amo cavalgar.

— Eu amo ver de longe, mas tudo bem. — ela sorriu e

assentiu.

— Acho que o papai não vai deixar, não depois de ainda

ter encontrado Toledo aqui... E de eu ter fugido.

— Será que é uma má ideia a gente fugir por mais algumas


horinhas só?

Sugeri, e sabia que poderia estar assinando meu atestado

de óbito.
CAPÍTULO VII

“Lutar com um amor verdadeiro é como lutar boxe sem luvas

Química até explodir, até que não haja mais nós"[12]

FRANCO

— Vê se para de fugir, rapaz. — falei, passando as mãos


de leve pega cabeça do azulino, que era o bezerro fujão dos

últimos dias. Que me fez sair correndo por ali e ainda dar de cara
com a tal Carolina Reis.

Por que eu estava pensando sobre aquilo ainda?


— Patrão!

Virei-me ao som da voz, e encarei o meu capataz

claramente preocupado.

— O que foi, homem?

Ele respirou fundo, segurando o chapéu com força contra o

peito.

— Fui chamar a Jas, como pediu, mas...

— Mas o quê? — perguntei completamente perdido. — Ela


está desenhando? Não quer vir ver como o Azulino tá?

— Ela não tá em casa...

A voz dele mal saiu, mas ainda assim, consegui escutar.

— O QUÊ? — a minha, pelo contrário, já deveria estar dois

tons acima. — O que disse?

— Parece que ela foi no centro com a Lara... Disse para

Lara que ocê autorizou...

— Onde Lara está? — perguntei, já sem paciência e

rumando em direção à casa.

— Ela deixou a Jas no mercado, enquanto ia no contador,

mas daí quando voltou, disseram que viram a Jas saindo com

uma moça loira da cidade... Acho que uma tal de... Cleo... Carla...
— Carolina? Carolina Reis?

— Isso, os parentes novos dos Torres.

— Diacho! — praguejei, e fui direto para a picape. — Cuida

das coisas por aqui e manda Lara voltar, que eu mesmo vou

resolver isso.

Peguei meu celular e notei que estava sem bateria. Ótimo

momento para aquilo! Detestava tecnologia, porque toda vez que

precisava de algo simples, como apenas fazer uma ligação e

descobrir onde minha filha estava, não funcionava.

Saí então com o carro, e sabia exatamente onde pararia

primeiro – a fazenda de Inácio Torres.

O trajeto que geralmente levava trinta minutos, eu tinha

feito em dez. Não conseguia pensar em nada além de encontrar

minha filha. O que aquela mulher fazia com ela? Levando-a de

algum lugar?

— Diacho de patricinha!

Quando parei apenas à frente da fazenda, encontrei Lucas,

o capataz e melhor amigo de Inácio, que deveria estar em pleno

expediente.
— E aí, sumido?

— Oi Lucas. — falei, tentando esconder minha raiva.

— Cara... — ele então se encostou perto da porta e me

encarou. — Não te vejo há quase um ano e tá com a mesma cara


de raiva de antes, ou pior...

— Preciso saber onde Carolina Reis fica por aqui?

— A Barbie? — indagou confuso, e eu fiquei ainda mais.

Contudo, lembrei que minha filha se referiu a ela de tal forma,


então deveria ser comum. — Ela tá na casa do irmão, que fica
aqui perto... Por quê?

— Ela está com a minha filha, Lucas.

— Jas tá por aqui e eu nem sei? — perguntou, como se

surpreso. — Ná tá no hospital, babando no sobrinho novo, então,


hoje aqui tá um tédio que só... Posso ir junto?

— Vai caçar o que fazer — falei, e ele riu alto, afastando-se


do carro.

— Vai reto, pela estrada de sempre, e gira na primeira casa


vermelha que encontrar... De nada! — gritou, enquanto eu só o

via desaparecer do retrovisor.


Velhos conhecidos que não mudavam, e aquele era Lucas.

O mesmo desde que o conheci na escola.

Rumei para onde ele orientou, e quando finalmente

cheguei, mal estacionei, e já pulei do carro. Saí um pouco


perdido, após bater na porta da casa e não ter resposta alguma.

Fiquei ali, esperando por alguns segundos, e percebi que não


tinha qualquer barulho lá de dentro.

— Diacho!

— Quem é você?

A voz era alta e clara, em um tom ameaçador que não me


passou despercebido. Quando me virei, dei de cara com a mulher
que dirigia o carro que Carolina nos deixou, duas noites atrás.

— Onde está a minha filha? — perguntei, e ela cruzou os


braços, como se tivesse o dia todo, para ficar apenas ali.

— Quem é você? — insistiu, e seu olhar não parecia


sequer mudar ou tremer. Ela parecia... parecia impenetrável.

— Sua... Seja lá o que a tal Carolina seja de você... Ela


está com a minha filha, e eu quero a minha filha aqui, agora. —

exigi, e ela apenas meneou a cabeça, para uma direção à


esquerda.
— Me siga.

Não era um pedido ou uma orientação, mas eu fui. Era a

única resposta que tinha naqueles minutos torturantes. Enquanto


caminhava há certa distância daquela desconhecida, apenas se
passava por minha mente, que Jasmine ficaria de castigo por pelo

menos duas semanas. Que ideia era aquela de mentir para sair
de casa de tal forma?

Quando meu olhar finalmente a captou, lembrei-me de

como respirava.

Vi-me correndo em sua direção, ao nota-la sendo enrolada

em uma toalha, por Carolina, que estava agachada à sua frente.


Não pensei muito, apenas passei por ela, e vi-me, virando

Jasmine em minha direção.

— Papai?

A voz dela era de surpresa, mas vi-me apenas a puxando


para mim, mal sabendo como se respirava de novo.

— Onde estava com a cabeça? — perguntei, olhando-a por


inteiro, e vendo se tinha algum machucado ou o que fosse. —
Quase me matou do coração.

— Eu...
— Ela só estava tendo um momento bom com a gente, não
a culpe por isso.

Trinquei o maxilar e me vi apenas fazendo um gesto com a


cabeça para Jas, que sabia exatamente o que significava. Vi-a
caminhando até Daniela, que relembrava vagamente, e do irmão

mais novo de Inácio, que me encarava curioso.

— Que bicho te mordeu dessa vez, Esteves?

Ignorei-o, apenas olhando diretamente para os olhos de

Carolina, que se levantou, e tinha o queixo arrebitado em minha

direção.

— Acho que não foi um bicho, mas sim... uma certa Barbie.

— Vamos conversar.

Vi-me apenas seguindo para um pouco longe dali, e por

mais que pudesse se negar, ela veio logo atrás. Quando já


estávamos longe dos ouvidos curiosos, principalmente, dos da

minha filha, virei-me para ela.

— Nunca mais aja como se fosse alguém para minha filha!

— falei baixo e controlado, mas passando o recado claro. —


Nunca mais ouse chegar perto dela.
— E queria que Toledo chegasse? — ela então deu um

passo mais para perto, e suas palavras me atingiram em cheio.

— O que ele tem a ver com isso?

— Pergunta à sua filha, já que não importa o que eu diga,

não vai acreditar. — seu dedo veio para o meu peito, e fiquei
imóvel. — Não sei o que tem contra mim, bruto insensível. Mas

saiba que o ódio é recíproco.

Apenas me adiantei a tirar seu dedo do meu corpo, mas foi

o meu erro. Quando a toquei para então afastá-la, meu olhar saiu
do seu, e parou em toda ela. E toda ela, estava praticamente

exposta. Vestida em um biquíni rosa tão pequeno, que me deixou

boquiaberto por alguns segundos. Cada curva. Cada limite. Cada


pedaço de pele dela. Tudo ali, e eu, parecia um maldito

adolescente ao olhá-la assim.

— Quer um balde para parar de babar? — sua pergunta

me fez acordar daquele torpor, e soltei sua mão, dando um passo


atrás.

— Nada demais, ainda prefiro mulheres adultas.

Ela então abriu a boca para responder, mas apenas lhe dei
as costas, indo até Jasmine, que já estava quase pronta, pelo que
notava.

— A gente se vê na próxima... na sua casa? — a pergunta

de Daniela foi alta, e seus olhos pararam nos meus. — Eu gosto

de vacas também.

— Quando quiser e seus pais autorizando. — Fui claro e

Daniela sorriu, como se não se importasse nem um pouco com

meu rosto fechado. — Sempre é bem-vinda, Daniela.

— Credo, Esteves. — encarei então Bruno Torres, que

segurava a filha no colo, enquanto notava sua esposa nadando

mais a longe no lago. Sabia por cima das histórias que contavam,

mas tudo o que acontecia com um Torres naquela região, era dito
em algum lugar. Então não precisava de muito para crer que

aquela era Primavera. — Devia ficar para o jantar.

— Agradeço. — apertei meu chapéu, e apenas olhei para


Jas. — Pronta?

— Sim. — falou, e assenti, seguindo para fora dali. — Só

vou...

Vi-a então ir até Carolina, que estava já envolta no seu


roupão, e aceitou os braços da minha filha ao seu redor. A cena

era... linda. Linda, Franco?


Elas falaram algo baixinho, e então vi minha filha parar à

frente da outra mulher, que me levou até ali.

— Foi bom te conhecer, tia Verô.

A mulher apenas tocou com os cinco dedos, levemente na

testa da minha filha, em um carinho, e não disse nada.

— Jasmine? — falei, passando perto da mulher, e


apertando meu chapéu, como uma despedida.

Senti então minha filha ao meu lado, e quando chegamos

perto do carro, trouxe-a diretamente para os meus braços,


sentindo-me mil vezes mais leve.

— Quase matou o seu velho do coração. — assumi, e notei

a culpa em seu olhar. — Vai me contar tim tim por tim tim, e está

de castigo por mentir para Lara.

— Mas...

— Nada de “mas”, Jasmine. — abri a porta do carro para

que ela entrasse. — Nem pense mais em ficar perto dessa...

dessa mulher.

— A tia Barbie me salvou. — falou, ficando emburrada, e

cruzando os braços. Fechei a porta do carro, já sem saber o que

fazer ou como começar uma conversa sem discutir.


E quando finalmente me sentei no banco do motorista,

notei que Carolina nos seguira até ali, e me encarava com certo

brilho no olhar, como quem diz “vou acabar com a sua vida”. E eu

não sabia dizer como, conseguia lê-la tão bem. Esperava que
estivesse apenas errado, e que daquela vez, não voltasse a vê-la.

Não mais.
CAPÍTULO VIII

“Está tudo bem eu ter dito tudo isso?

É normal que você esteja na minha cabeça?

Porque eu sei que é delicado"[13]

CAROLINA

— Não sei se estou mais surpreso por Esteves aparecer,

ou por você ter conseguido trazer a filha dele aqui...

— Para de ser fuxiqueiro, Bruno. — Abigail se adiantou e

bateu no braço do esposo. — Mas eu gostei da vibe cão e gato.


— Abi! — revirei os olhos, parando ao lado de Dani, que

pulou novamente no lago. — Ele é só um bruto que me odeia sem


razão nenhuma.

— Esteves não teve muita sorte com pessoas ricas. —


Bruno comentou, como se não soubesse tanto quanto parecia

sobre. — O que eu sei mesmo, é que ele detesta gente de fora.

Até a gente que é daqui, ele não chega muito perto.

— Não precisava ser um sem educação comigo. — refutei,


e Bruno levantou as mãos em sinal de rendição, enquanto Abi ria,

e puxava a filha para si. — Enfim, a filha dele é maravilhosa. Deve

ter puxado cada pedaço da mãe.

— Está fazendo o mesmo que ele.

Ouvi a voz de Verô, que estava em suas roupas sociais, e

botas nos pés. Estava de braços cruzados e se aproximou.

— O quê?

— Está julgando sem saber. — falou, sentando-se no

tronco ao meu lado. — Por que parece tão invocada com isso?

— Quem está invocada com o quê? — a voz de Lisa

chegou até nós, e ela trazia consigo um balde de pipoca.

— Não acredito que foi até a casa do Ná para fazer pipoca.


— Culpa de Val, que não sei como, não tem pipoca em
casa. — falou, aproximando-se com um balde enorme de pipoca.

— O que eu perdi?

— O pai da Jas chegou, brigou com a tia Carol e foi

embora igual a um touro bravo.

— O quê? — Lisa indagou rindo, e a gargalhada foi geral.

Daniela tinha talento nato em passar uma fofoca de forma fácil. —


E ele é como?

Notei o olhar de minha cunhada passar sobre mim, e dei de


ombros.

— Só um cowboy imbecil. — falei baixo, para que Daniela

não escutasse, e Lisa arqueou uma sobrancelha.

— Feio também?

— Esteves? Feio? — Abi foi quem perguntou, rindo,

enquanto jogava Prim para cima, dentro do lago, e Daniela

nadava ao seu redor. — Eu não o via há muito tempo, mas a fama

dos Esteves por aqui sempre foi boa. São em quatro irmãos,

todos homens, e Franco, que apareceu aqui, é um dos do meio.


Todos têm os cabelos escuros e olhos tão claros que você fica

abismada. Eles eram tão populares quantos os Torres.


— Gostosos tanto quanto?

— No mesmo nível!

— Lisa! — reclamei, ao mesmo tempo que Bruno olhava

emburrado para a esposa.

— Abigail, eu vou pro sofá de novo.

— Para de ser detestável. — piscou um olho para o


marido, sorrindo. — Pelo que vi hoje, ele só ficou ainda mais... —

ela riu de lado. — Charmoso.

— Charmoso? Ele? — indaguei emburrada. — O cara nem

mexe os cantos da boca direito. Ele só tem aquela expressão


dura, como se quisesse me matar com um olhar...

— Eu já vi esse filme antes... — Lisa comentou, sorrindo de

lado e encarando Abi.

— E eu gostei muito do final. — a outra traidora completou,

e eu fiquei inconformada.

— Fala alguma coisa, Verô! — cutuquei minha irmã, que

parecia mais interessada na pipoca que compartilhava com Lisa.


— Olha aí sua cunhada falando de outros homens gostosos na

sua frente.
— Igor sabe bem com quem se casou. — olhei-a incrédula.

— O que quer que eu faça? Que diga que Franco Esteves é


detestável?

— Ei, eu sou! — Bruno gritou, como se incompreendido, e


Abigail o mandou ficar quieto.

— Ele é terrível, Carolina. — Verônica falou, sequer me


olhando. — Não deveria nunca mais vê-lo.

— Obrigada, melhor irmã do mundo inteirinho.

Sabia que ela estava sendo irônica, mas agradeci o seu

falso apoio do mesmo jeito.

— Que ele fique bem longe de mim, amém! — falei,

fazendo o sinal da cruz com os dedos, e Lisa revirou os olhos. —


Pena que eu gosto da filha dele... — suspirei fundo.

— Se identifica. — assenti para as palavras de Verô. —

Algo mais?

— Não sei explicar. — admiti, e ela apenas me encarou,

como se já entendesse tudo. — O quê?

— Tá tocando BTS!

A voz de Dani foi como um grito, e demorei dois segundos


para lembrar que só poderia ser meu celular. Levantei e fui até a
bagunça das minhas coisas, em que deixei as roupas, assim
como minha bolsa. Peguei o celular e por um segundo, pensei
que poderia ser Jasmine, mas era outro número desconhecido.

— Carolina Reis. — falei, suspirando fundo.

— Precisamos conversar.

Arregalei os olhos, incrédula que ele sequer sabia falar oi


ou algum cumprimento. Ao mesmo tempo que meu corpo todo

reconheceu aquela voz como algo tão bem-vindo, que me


assustou. Bem-vindo o cacete.

— Não tenho nada para falar com você. — desfiz a ligação,


e joguei o celular de volta nas cosias.

— Deixa eu adivinhar... — Lisa falou, atenta a cada passo


meu. — O tal cowboy gostosão?

— Que história é essa de cowboy e gostosão na mesma

frase, Elisa Reis?

Então minha cunhada foi salva pelo meu surto de raiva, já

que Igor resolveu aparecer, com o filho deles a tiracolo, que usava
um minichapéu de cowboy, que me fez derreter por completo. Vi-

me indo até o meu sobrinho e apertando suas bochechas.


— O cowboy gostosão da sua irmã — ela explicou, e me
virei incrédula para a mesma.

— Nero é cowboy desde quando? — ele não perdia tempo


em provocar, e bati contra o seu braço livre. — O quê? Já superou
o nerd?

— Ele é meu melhor amigo, cuidado! — Abigail gritou e

Igor apenas piscou para ela.

— Não pisca para a minha mulher, Reis!

— Para de ser enxerido, Torres!

E ali estavam Igor e Bruno competindo pela atenção, como

sempre.

— Elas estão falando do...

Meu cleular tocou de novo e bufei, indo novamente até ele

e o pegando.

— Eu já disse que não tenho nada para falar com você. —


falei de uma vez, e desfiz a ligação, sem dar qualquer abertura

para que ele pensasse em ligar novamente. — Bruto!

— Algo está errado no castelo de diamante hoje? — Igor

indagou, em direção a Verô, e apenas os ignorei.

— Vou tomar um banho, para ver se tira essa raiva de mim.


— Sabem o que dizem sobre amor e ódio, em...

— Igor, se não quiser ser meu saco de pancadas...

— Te amo, Barbie linda.

Revirei os olhos e fui em direção à casa do meu irmão,

batendo o pé. Não sabia explicar como, mas aquele homem.


Aquele bendito cowboy...

— Ah! — reclamei para o nada, enquanto caminhava, e

assim que o celular tocou de novo, apenas apertei em não

atender. — O que diabos ele quer? Dizer que eu não sou uma
mulher de verdade?

Por que eu estava tão furiosa com algo assim?

Com palavras de um cara qualquer que eu nem conhecia?

— Carolina Reis, para com isso! — falei comigo mesma,


adentrando a casa do meu irmão e foi quando senti meu celular

vibrar novamente. Agora o número identificado como Jasmine.

— Oi Jas. — falei, respirando fundo. — Tá tudo bem? —

perguntei, já em alerta.

— Nunca te vi falar tão manso assim.

— O que faz com o telefone da sua filha? — rebati,

arregalando os olhos. — Isso é invasão de privacidade, sabia?


— Não da minha filha que está de castigo sem celular por

duas semanas por ter mentido e saído de casa sem dizer nada.

— Olha... — respirei fundo uma duas, dez vezes. — O que

quer? — trinquei os dentes, e ouvi seu suspirar do outro lado da


linha.

— Jasmine não quer me contar o que houve.

No primeiro momento fiquei surpresa, e não sabia dizer


porquê, mas orgulhosa dela. No segundo, vi-me gargalhando alto,

sem evitar.

— Agora precisa de mim, cowboy? É isso mesmo?

— Eu só... Só estou preocupado com a minha filha. — seu


tom era tão tenso, que poderia jurar que estava com os dentes

cerrados.

— E isso te fez vir falar com alguém que jurou não querer
mais perto da sua filha?

— Eu estou tentando, Carolina.

A forma como meu nome saiu de sua boca, fez um arrepio

percorrer cada parte do meu corpo. Meu coração acelerou e vi-me


dizendo mentalmente: não, não, não! Não ouse fantasiar de novo,

Carolina!
— Então tente mais! — falei por fim, sabendo que

precisava ficar longe dele. — Tente descobrir por sua filha. Como
você mesmo disse, eu não tenho nada a ver. Boa noite, Franco.

Desfiz a ligação e vi-me jogando o celular sobre o sofá. Eu

ia tomar um banho e esquecer o aparelho por ali, pelo resto da

noite. Ele desistiria, e com toda certeza, conseguiria tirar algo da


filha adolescente de quatorze anos, certo?

Enquanto isso, eu daria um jeito na sensação crescente em

minha mente e corpo, que de repente, ficava repetindo a voz dele


chamando o meu nome.

Que merda era aquela?


CAPÍTULO VIX

“Agora diga que me odeia

Que você não consegue aguentar mais

Mas eu sei que eu e você

Nós somos inevitáveis "[14]

FRANCO

— Jas...

— O quê? — perguntou, comendo o pouco do que tinha


colocado no jantar. — Estou quietinha, do jeito que o castigo
pede.

— Você não está de castigo sobre falar, e sabe disso. —

falei, e ela deu de ombros, terminando seu prato. — Não vai

comer mais?

— Tô com sono. — admitiu e seus olhos iguais os meus,


me encararam. — Acho que de ter nadado bastante com a Dani.

Respirei fundo, tentando não lhe dar outro sermão.

— O senhor pode ficar bravo e eu sei que o que fiz foi

errado. — assumiu, ao se levantar da mesa. — Mas eu também


estou cansada de viver sozinha aqui. Não posso ir a lugar

nenhum, ou ver alguém. As pessoas da sua família não gostam

de mim, as pessoas da família da mamãe me detestam, o pessoal


na escola até tenta ser meu amigo, mas eu nunca posso sair.

— Eu só quero que fique protegida.

— Quanto mais me protege do Toledo, menos eu vivo. —

falou, e às vezes, eu me surpreendia do quanto a inocência de

Jasmine passava a uma maturidade absurda para certos


assuntos. — Quero conseguir me defender, papai. Quero ser

alguém capaz. Não quero ter que ligar de novo, pedindo socorro

para alguém.
— Filha... Me conta o que houve. — pedi novamente, e ela
negou com a cabeça, empurrando a cadeira de volta para o lugar.

— Só quero dormir. — assumiu, e veio até mim, claramente


pedindo seu beijo na testa de toda noite. — Vou ouvir uma

música.

— Jas...

— Não faz diferença o que aconteceu ou não, se nada vai

mudar.

Ela então saiu, deixando-me sem palavras, e de repente,

eu me sentia o mesmo Franco de dezenove anos, com um bebê

recém-nascido no colo, sem ter ideia do que fazer.

Vi-a seguir em direção às escadas, e era clara a sua

postura de descontentamento. O que eu poderia fazer?

Já tinha tentando descobrir por Carolina, e absolutamente

nada de resposta. Na realidade, fora pior do que eu esperava.

Suspirei fundo, e me levantei, felizmente já tendo terminado o

meu prato. Peguei meu celular e liguei novamente para ela.

Se existia uma pessoa que me fazia engolir qualquer

orgulho ou palavra, era Jasmine. E por ela, eu encararia até


mesmo aquela patricinha mimada de novo. Quantas vezes

fossem necessárias.

A ligação foi direto para a caixa-postal e suspirei fundo,

encarando as horas. Já eram dez da noite, e na minha mente, era


como se soubesse que ela não deveria estar dormindo. Jasmine

não me diria nada, eu sabia. Já que ela puxara aquilo exatamente


de mim – quando ela se trancava, levava até mesmo dias para
algo sair.

E eu me sentia um pai de merda por causar aquilo, mesmo


sem ter certeza do que realmente aconteceu.

Disquei então o número de Célia que era uma senhora que


trabalhava na fazenda, antes mesmo de eu aparecer por ali, e em

poucos minutos, ela já estava na minha porta. Ela sabia o porquê


de eu ligar, porque geralmente consistia em ficar de olho em
Jasmine por algum tempo. Ela era mãe do capataz, e morava em

uma das casas mais próximas da nossa, dentro daquela imensa


fazenda.

— Não precisa explicar nada, como sempre, garoto.

Peguei meu chapéu e agradeci-a brevemente, antes de ir

até o meu carro. Enquanto Jasmine se trancava, eu não tinha o


poder de fazer o mesmo. Porque jamais conseguiria dormir, sem

ter ideia do que acontecera com ela. E teria que ir exatamente


para o lugar onde estivera mais cedo, e encarar os olhos claros

de Carolina Reis.

Se eu tivesse sorte...

Onde eu estava com a cabeça?

CAROLINA

— Volto logo, só vou espairecer um pouco.

Fechei a porta atrás de mim, e segui em direção ao lago ali


perto. Deixei minha música no último, colocando o fone de ouvido.

Eu estava mais inquieta que o normal, e aquilo sempre me


deixava a margem de precisar de alguns segundos sozinha.

Não queria pensar sobre o que fiz no banho, não mesmo.

Depois de longos passos, encostei-me contra o tronco de


uma árvore, e achei inteligente a escolha de um conjunto de
moletom rosa, mesmo que a blusa fosse um cropped, para passar
aquela noite. Estava tendo um leve vento gelado, e pelo menos
não passaria tanto frio.

Fechei os olhos, enquanto Red Lights tocava, e respirei


fundo, não tentando passar muito a fundo na letra, nem me

teletransportar para qualquer outro lugar. Mas ali estava minha


mente, tendo os olhos duros dele por cada parte de mim.

Do mesmo jeito que aconteceu durante o banho, que antes

que eu pudesse evitar, apenas notei que me tocava, pensava,


justamente no homem que eu não gostava. Nem um pouco.

— O ódio é recíproco. — falei para mim mesma, abrindo os


olhos e suspirando fundo. Tirei os fones de ouvido e coloquei no

alto, curtindo um pouco daquela noite estrelada. — Aqui é tão


bonito, por que eu não penso em outra coisa? Cacete!

Talvez eu estivesse muito tempo no interior e fosse uma


espécie de delírio de saudade dos prédios e barulhos dos carros.

Só poderia ser. Ou até mesmo o fato de que eu não levava


ninguém para minha cama há alguns meses. Talvez fosse a
simples carência, certo?
E eu poderia dizer qualquer coisa sobre Franco Esteves,
mas ele era um pedaço de mal caminho. Ele era alto, forte,
claramente musculoso... O jeito bruto só me fazia pensar em

quais outros momentos ele poderia ser da mesma forma. Mesmo


que eu detestasse a forma como ele se referia a mim, não podia

negar que meu corpo gostava da sensação da presença dele.

— Merda!

Então resolvi focar na música e cantei baixinho, enquanto

as estrelas pareciam rir da minha cara.

“Agora diga que me odeia

Que você não consegue aguentar mais

Mas eu sei que eu e você

Nós somos inevitáveis...”

Senti meu corpo todo se arrepiar, de repente, e me


desencostei da árvore. Quando me virei, senti meu corpo todo

quase desligar pelo susto, e se não fosse os braços que eu não

deveria estar pensando, me segurarem, eu cairia de bunda no


chão.
— Cacete! — bradei, puxando o ar com força. — De onde

você surgiu?

— Que boca suja. — falou, e eu apenas me vi empurrando-

o e saindo do seu alcance. — Precisamos conversar.

— Como chegou aqui? Como sabia que eu estava aqui? —


indaguei, sem entender absolutamente nada, a não ser, o fato de

que ele estava vestindo em um novo par de roupas que

delineavam seu corpo, e o chapéu preto como sua marca.

— Eu sou conhecido dos Torres... — revirei os olhos,


dando um passo atrás. — Vim porque preciso falar com você.

— Jasmine não disse nada? — perguntei, com o deboche

escorrendo por minha boca. — Ela é realmente uma garota

incrível.

— Ela não está em um bom momento, senhorita Reis.

Então, se puder colaborar.

— Voltei a ser senhorita? — rebati, e dei um passo à frente.


— E é óbvio que ela não está num momento bom. Ela

praticamente foi perseguida dentro de um supermercado e

ninguém a ajudou, só porque aquele tal Toledo é tio dela. Eu


entendo sobre famílias poderosas, mas eu posso pisar nele como

um inseto, e vou fazer, se ele se aproximar dela novamente.

— O que ele fez?

— Ela teve que se trancar num quartinho do estoque do

supermercado, e tentou te ligar mas não deu área, aí apelou para

mim, uma completa estranha... e eu ouvi ele esmurrar a porta do

outro lado. Eu ouvi a voz dela de medo... — naquele instante, eu


já até me esquecia que detestava o homem à minha frente,

porque eu realmente tinha nojo era do homem que fez aquilo com

Jasmine. — Quando cheguei, ela parecia um bichinho assustado.

— Ele ainda estava lá?

— Como o maldito que é. — falei, e então voltei meu olhar

para o dele. E vi a dor exposta ali, como se ele estivesse

repassando muitas coisas. — Precisa pará-lo, Esteves.

— É mais complicado do que parece. — assumiu, tirando o


chapéu e colocando-o contra o peito, como se perdido em seus

próprios pensamentos. — Obrigado por me contar.

Surpreendi-me com sua fala, que mal saiu, e mesmo que o


momento fosse o mais tenso possível, acabei abrindo um

sorrisinho.
— Então ele sabe agradecer... — cruzei os braços, e então

seu olhar parou no meu. — E sabe ser educado.

— Você também não vai com a minha cara, madame. —

falou, e eu me vi mordendo o lábio e relembrando o que não

devia. — Eu vejo isso.

O que ele via?

— Que o ódio é recíproco? — vi-me indagando, e

respirando fundo, quando ele deu um passo à frente. — Não tente

me fazer de culpada, se foi você quem começou já me odiando.

— Nunca disse que a odeio. — assumiu, e deu mais um

passo, parando tão próximo, que eu mal consegui respirar. — Só

não a suporto.

— A gente nem se conhece para dizer algo assim. — falei,


vendo que na realidade, era ele que não ia de fato com a minha

cara. — Como pode não suportar alguém que mal conhece?

— Conheci o bastante para saber que é problema.

— Eu? — rebati, empinando meu queixo e quase ficando


na ponta dos pés, e mesmo assim, ele era muito mais alto. — Eu

sou incrível, só para começo de conversa. Sou linda, educada,


muito bem diga-se de passagem, tenho assunto para qualquer

coisa, sou uma grande gostosa e ainda por cima...

— Fala demais. — cortou-me, e senti a raiva subir por todo

meu corpo.

— Eu não falo demais.

— Fala. — deu mais um passo, e vi-me dando um para

trás, quase encostando na árvore. O que estávamos fazendo? —


É como se eu pudesse ouvir a sua voz na minha cabeça, mesmo

que tentasse evitar.

— Então quer dizer que pensou em mim? — perguntei,

sem conseguir evitar, e vi-o colocar o chapéu na cabeça,


aproximando-se tanto, que seus lábios estavam a um fio dos

meus.

— Devia saber a hora de parar de falar.

— Eu não falo...

E antes que completasse a frase, apenas senti os lábios

dele, firmes, diretamente nos meus. Ele não me provou ou

degustou, ele apenas me tomou como se fosse o real dono, e me


calou por completo. Eu deveria empurrá-lo. Eu deveria mordê-Lo.

Eu deveria afastá-lo. Eu deveria... suas mãos apertaram minha


bunda, trazendo-me para si. Enquanto minhas mãos castigavam

suas costas, trazendo-o para mim.

Foda-se.

Eu não deveria pensar em mais nada.


CAPÍTULO X

“Ele é tão alto e bonito pra cacete

Ele é tão mau, mas ele faz tão bem

Já posso ver o fim quando tudo começa"[15]

FRANCO

O que eu estava fazendo?

Onde eu estava com a cabeça?

A cabeça eu não sabia, mas a minha boca estava presa à

dela. Ao gosto dela. A tudo dela. Não conseguia me lembrar se


alguma outra vez, me senti tão viciado em um gosto como

naquele instante.

Foi tão inesperado e rápido que a tomei, vi-me afastando-a,

e quando a encarei, soube que não deveria tê-lo feito. Olhos


claros brilhantes, uma boca vermelha e inchada do meu toque, o

cabelo sempre perfeitamente penteado, completamente

bagunçado.

Bagunçado por mim!

Você tem 34 anos, Franco!

Você tem uma filha!

Você não tem tempo para...

Ela então suspirou baixinho e seu olhar fugiu do meu.

— Já conseguiu a sua conversa. — falou, e se virou,


parecendo pegar algo jogado no chão, que eu sequer tinha

notado. — Peça para Jasmine me ligar, quando ela sair do

castigo.

Ela então deu passos para longe, e por puro reflexo, vi-me

indo até ela, como se fosse pará-la. Contudo, me parei antes.

Que puro reflexo era aquele? Por que eu a pararia?


Vi-me levando as mãos aos lábios, que deveriam estar tão
inchados quanto os dela, e senti meu coração acelerar. Respirei

fundo, ajeitando alguns botões da minha camisa que se soltaram,

pelo toque dela. Das unhas que chegaram à minha pele, e

deixaram marcas.

Diacho!

E eu fiquei ali, vendo-a desaparecer da minha vista,


enquanto tentava voltar a ter alguma racionalidade. E não

entendia como consegui deixar-me levar tão facilmente. De uma

forma tão... tão certa. Mesmo que não fizesse sentido algum.

Eu estava ali por conta de Jasmine.

Apenas aquilo.

Mais nada.

CAROLINA

Meus lábios estavam formigando.


Meu corpo todo em alerta, e pedindo por mais. Mas então,

eu apenas me vi fazendo o oposto. Correndo para longe.

Eu o conhecia há menos de três dias. Pelos céus! Não que

eu fosse puritana e não tivesse estado com caras que conheci em


uma noite. Contudo, existia uma receptividade do meu corpo ao

toque dele, que me assustava. Não era como nenhum outro. Não
foi algo que esperei.

— Parece que viu um fantasma.

— Puta merda! — soltei, e me segurei contra uma árvore,


já quase na casa do meu irmão. — O que faz aqui, Nero? — vi-

me indagando, e era tudo o que menos precisava naquela noite.

O cara que eu achei que gostava.

O cara que eu acabei de beijar e não era ele.

O cara que eu tinha um contrato de casamento e os dois

fingíamos que não sabíamos daquilo.

— Abi esqueceu alguns documentos em casa, e me pediu

para trazer. — falou, e então notei que estava sentado em uma


cadeira, e o que parecia um livro em seu colo.

— Você...
Virei-me, encarando a distância do lado até ali, e então,

voltei meu olhar para Nero. Ele não estava com os óculos de
grau, e me perguntei, se ele realmente precisava dos mesmos.

— O quê? — indagou, e pareceu tão tranquilo, que não era


como se ele tivesse me visto sendo beijada por Franco Esteves,

certo?

— Nada. — vi-me dizendo por fim, sem querer dar pano


para manga. — Certo, boa leitura. — forcei um sorriso e tentei

migrar para a casa do meu irmão, mas sua voz me parou.

— Minha mãe tem tentado falar com você, certo?

Mordi o lábio, e me virei para Nero, que parecia tão em


paz, que não era um assunto tão delicado para ele, ou era?

— Sobre aquele contrato, certo?

— Infelizmente. — e ali estava ele, me rechaçando como

sempre, e pela primeira vez, todo aquele tempo, não encarei


como um desafio. Eu tinha entendido, depois de tantas histórias
de amor, que o amor não era sobre aquilo. Não era sobre criar a

história perfeita apenas em sua mente, e achar que vai acontecer.


E Alfredo Lopes – Nero – não era o meu. Nem nunca foi. Era só o
brinquedo bonito e intocável para uma garota que sempre teve
tudo, e não queria abrir mão. E eu abria, naquele instante.

— Penso o mesmo. — ele piscou algumas vezes, como se


surpreso. — Eu vou dar um jeito nisso. — falei, e ele assentiu,
como se apenas aceitando. — Não vamos nos casar, fica

tranquilo.

— Obrigado por entender, Carolina.

— Por finalmente entender que não existe... — fiz um sinal


imaginário entre nós dois. — Nada que nos interligue?

— Você é bonita, mas...

— Você é bonito, mas era só um jogo de uma menina

carente. — admiti, e ele pareceu absorver as palavras. — Sinto


muito por ter tornado algo tão maior, ao assinar aqueles papéis.

— Bom, os Reis conseguem tudo, certo?

— Quebrar um contrato será simples. — admiti. — Só


quero poder curtir esse tempinho aqui, com minha família e

depois, cuidarei disso.

— Obrigado, mesmo.

— Não por isso.


Pisquei um olho, e me afastei do mesmo, e não senti
nenhum vazio. Apenas... alívio, para ser honesta comigo mesma.
Suspirei fundo, e adentrei a casa, com cuidado para não acordar

Daniela, que já deveria estar dormindo nos quartos de cima.

Subi degrau por degrau, até um dos quartos de hóspede

que era meu e de Verô por aqueles dias, e quando fechei a porta
atrás de mim agradeci a todos os astros, por ela não estar ali. E
rezando para que demorasse onde quer que estivesse na casa.

Vi-me jogada contra o colchão e com as mãos nos lábios

inchados. Respirei fundo, e era como se o cheiro dele, que me


remetia a baunilha, estivesse por toda parte. Fechei os olhos e

tentei esquecer-me daquele momento, mas pelo contrário, fui

apenas mais imersa no mesmo. E antes que pudesse contestar

ou discutir comigo mesma, acabei apagando ali mesmo.

Com o gosto de Franco Esteves.


CAPÍTULO XI

“Tudo que eu quero é um amor que dure

Isso é pedir demais?

Há algo de errado comigo?

Tudo que eu quero é um cara legal

Minhas expectativas são altas demais?"[16]

CAROLINA

— O seu carro está lá até agora? — Valéria perguntou

assustada, enquanto Vitor estava aninhado em seu peito e


mamando. Seu olhar voltou para o filho, e vi-me quase babando

de amor pela cena.

— Tecnicamente, meu carro está parado naquela estrada

pelo mesmo tempo de vida da nossa coisinha mais fofa. — estava


agachada, e consegui notar as nuances do pouco cabelo que

meu sobrinho tinha, que variavam do escuro de Tadeu, para o

ruivo escuro de Val. — Vou até lá hoje, com Lucas.

— Inácio sabe que o melhor amigo dele, que é capataz, tá


praticamente te baldeando por aí?

— Lucas é um ótimo informante sobre tudo por aqui. —


levei a mão ao peito, fazendo-me de inocente. — E o marido dele

ia com a gente, mas parece que tem dentista. — complementei, e

Val pareceu pensar a respeito.

Batidas na porta me fizeram levantar, e encará-la. Os

irmãos mais novos de Valéria adentraram o ambiente, e notei toda

a felicidade dela praticamente se tornar um brilho.

— Hora boa?

— Hora de morrer de amor pelo sobrinho, sério. — falei,

dando um leve beijo na testa de Val, que sorriu de lado. — Volto

depois que salvar o que restou do carro. Não se esqueçam dos


babadores, titios. — dei um sorriso para Henrique e Paola Fontes,
que apenas assentiram, mas o olhar preso na irmã.

Saí do quarto, e dei de cara com Lucas, que já me


esperava ali. Tinha vindo ver Olívia só agora, e aquele, parecia

ser o último dia das minhas cunhadas e dos bebês no hospital. O

que era um alívio para todos. Porque a realidade era que todo

mundo queria estar perto das duas ao mesmo tempo. Só não

tinha ideia de como aquilo seria feito, já que Olívia morava na

cidade vizinha, então, com certeza, seria uma pequena divisão.

Ou Inácio a convenceria de ficar por ali, na fazenda dele, pelo


menos nas primeiras semanas.

Famílias grandes e bagunçadas eram realmente algo que

eu gostava. E por algum motivo, Jasmine me veio à mente no


mesmo instante.

— Tenho uma notícia, Barbie.

— Sobre? — indaguei para Lucas, finalmente parando ao

seu lado.

— Seu carro não está mais no mesmo lugar e preciso

resolver algo inadiável com Inácio.


— Como um carro daquele some assim? Roubado? —

perguntei, e ele riu de lado, como se soubesse de tudo.

— Pelo que um dos peões me contou, foram ordens de

Franco Esteves, e o carro está na fazenda dele.

— O quê? — minha voz mal saiu.

— Foi exatamente isso que me perguntei, mas eu que não


vou cutucar touro bravo com vara curta.

Ri alto, e me lembrei que Daniela o chamou da mesma


forma.

— O que eu faço, então? — indaguei, tanto para mim


mesma, quanto para Lucas. Não que ele soubesse, que eu estava

atordoada até aquele momento, depois do beijo que tivemos na


noite passada. Tinha sido um delírio? Eu tinha ficado maluca?

— Vai na fazenda dele e pega o carro? — rebateu sorrindo.

— Ele não gosta de mim. — assumi.

— Fiquei sabendo...

— Deixa eu adivinhar? Bruno Torres fofocou sobre?

— O que Bruno Torres vê, toda a cidade vê. — revirei os

olhos, por saber que era verdade. — Eu tenho o número dele, se


preferir ligar antes de ir. E posso ir com você, só que amanhã.
— Não se preocupa. — bati levemente em seu ombro. —

Ei, garoto problema! — chamei Gael, que vinha em nossa direção,


bebericando algo em um copo de café de plástico.

— Garoto? — ele perguntou, o seu semblante não


mudando em nada.

— Sei que tem a idade da minha irmã, eu sei. — apressei-


me a dizer. — Preciso de carona até uma fazenda.

— E por que eu faria isso?

— Porque eu sei onde Verô vai toda a tarde, quando não

está aqui. — ele franziu o cenho e pensou um pouco, antes de


assentir. — Ótimo negócio.

— Isso aqui é uma nova bagunça clichê? — Lucas


perguntou e eu apenas pisquei um olho. A realidade era que eu
tinha vaga ideia de onde Verô estava, e mesmo que soubesse,

jamais contaria ao irmão mais velho da minha cunhada. A


questão era que usá-lo de carona até a fazenda Esteves, seria

algo que ninguém ficaria fuxicando. Nem desconfiariam.

— Nem um pio sobre, ok.

Lucas fez um sinal de zíper com o dedo sobre a boca, e eu


sorri para o mesmo.
— Podemos ir? — Gael perguntou e eu assenti. Era uma
péssima boa ideia aquela carona. Verô ia me sacrificar se
descobrisse que a usei de desculpa para conseguir convencer

aquele homem. Porém, já que ele claramente a queria, eu que


aproveitasse. Porque ela mesmo, sequer parecia realmente

interessada.

— Vai mesmo ficar sozinha aqui? — Gael perguntou,

ajudando-me a descer do carro que era tão grande, que até me


assustou, e eu estava acostumada com carros altos.

Firmei meus saltos no chão batido e ajeitei a saia longa


que deveria estar amassada.

— Vou ver uma amiga. — vi-me dizendo, ao me lembrar de


Jasmine. — E antes que pergunte, Verô pode estar no centro,

pelo que sei.

— Centro, Carolina? — indagou, olhando-me incrédulo. —

Não tem ideia de onde ela está, não é?

— E nem que soubesse, Fontes. — Bati contra seu peito,


coberto por um suéter, e ele apenas se afastou, indo para o carro.
Dei-lhe um aceno com as mãos, e ele saiu, sem olhar para
trás. Poderia ser um homem, mas tinha realmente o mesmo jeito
de um garoto problema, como eu ouvia algumas pessoas falando

sobre ele. E eu não era ninguém para julgá-lo.

Passei a vida toda sendo julgada por ser o estereótipo

perfeito de patricinha que ama rosa e coisas fofas. Mas eu


gostava de quem eu era. Gostava do meu apelido de Barbie,
assim como adorava os filmes. Gostava de usar rosa em alguma

parte do meu look, nem que fosse um acessório minúsculo.

Gostava de quem eu era, mesmo aos vinte e seis anos. E


conseguia me ver exatamente assim dali a alguns anos.

Suspirei fundo quando encarei a entrada da fazenda, e

perguntei a mim mesma o real motivo de estar ali. Era pelo carro,

certo? Tinha que ser pelo carro!

— O que faz aqui, madame?

Meu corpo todo paralisou, e apenas olhei sobre o ombro

esquerdo, sem crer que não estava delirando. Foi quando o

encontrei, o homem que estava preso em meus pensamentos


após tomar meu gosto na noite passada. Respirei fundo, e repeti

a mim mesma, que não era nada.


Mas no fundo, eu sabia do porquê realmente estar ali. Eu

só queria provar a mim mesma que aquilo não significou nada.


Que eu não ia sair correndo novamente como uma covarde, após

um simples beijo.

Era aquilo.

Empinei meu queixo e me virei, e vi-o atravessar a estrada

até mim. Cada passo dele, um erro de batida do meu coração.

Que sensação aterrorizadora era aquela?

— Meu carro. — foi tudo o que consegui dizer, tentando


manter a falsa calma em meu rosto. — Vim buscar o carro que

tirou da estrada sem a minha permissão.

Não vim para provar para mim mesma que era apenas uma

atração superada e sem sentido.

Não.

Porque se fosse aquilo, quando ele parou à minha frente,

notei que a prova não seria encontrada. Mas sim, a atração que
ainda gritava por todos os poros, e me segurei, para mais uma

vez, apenas não dar as costas e fugir, antes que fizesse alguma

besteira.
CAPÍTULO XII

“Oh, caramba, nunca vi essa cor azul

Apenas pense

Nas coisas divertidas que podemos fazer

Porque eu gosto de você"[17]

FRANCO

Quem era aquele cara?

Por que ela o estava tocando de tal forma?

E por que ele a deixou ali, a minha porta?


— Queria que tivesse deixado no meio do nada? —

perguntei, tentando engolir a cena que presenciei do outro lado da


estrada e refrear sentimentos que não deveriam estar ali.

Nenhum sentimento.

— Por que não disse que mexeu com o meu carro? —


indagou, colocando as mãos na cintura, e me encarando decidida.

Diacho de mulher invocada! — Ficou me ligando várias vezes, e

até apareceu na fazenda, mas não disse, em nenhum momento


nada sobre o carro.

Olhei-a profundamente, e aquele era o meu erro. Desde o


primeiro instante em que meus olhos recaíram nos dela – ficar

preso aos mesmos.

Por que eu não tinha dito nada?

Primeiro: porque estava preocupado com a minha filha.

Segundo: que perdi minha mente, e de repente, estava

beijando-a com toda fome que eu nem sabia que tinha.

Fome dela.

— Não me perguntou sobre.

Apenas continuei a andar para dentro da fazenda, e senti

seus passos às minhas costas. Os saltos dela batendo contra


alguns adornos de pedra que tinham por ali, e por mais deslocada
que ela deveria ser, eu não conseguia enxerga-la de tal forma.

Por que ela parecia tão bem, seguindo-me, como uma


verdadeira madame em busca de explicações?

Por que eu não conseguia parar de pensar sobre aquele

maldito beijo?

Porque talvez não foi tão maldito assim, minha mente

gritou.

— Onde está o carro? — perguntou, assim que nos

aproximamos da minha casa, e parei, mexendo no meu chapéu

em busca de não a encarar novamente. Aprendi naqueles poucos

dias, que não me era saudável ficar em seu olhar. — E Jasmine?

— O carro está estacionado atrás da casa, chamei um

conhecido mecânico que o consertou. — mesmo sem ver sua


expressão, sabia que ela me encarava por completo, porque meu

corpo todo queimava. Diacho! — E Jasmine está tendo aulas de

piano.

— Piano? — sua pergunta saiu como um grito animado. —


Posso vê-la?
— Está me pedindo permissão para ver a minha filha, que

simplesmente levou para a casa do seu irmão, sem me falar


nada? — indaguei, e finalmente a encarei, sem conseguir fugir

por muito tempo.

— Tenho amor á minha vida, e você sabe agora muito bem

que a história não foi bem assim. — respondeu, fazendo um gesto


exagerado com as mãos.

— Ainda não sei porque não a trouxe para casa depois do

que houve.

E então, seu olhar sustentou o meu, e foi como se eu

soubesse, que ela pensava a respeito do mesmo momento – em


que ambos apenas deixamos acontecer, e ela parecia tão perdida

quanto eu. E sabia daquilo, porque a vi correr para longe, em


instantes após o beijo.

— Porque ela merecia ter um momento melhor do que


aquele no dia. — deu de ombros. — Não sou tão conhecedora de
pré-adolescentes, mas eu já fui uma.

— Não faz muito tempo.

Ela então respirou fundo, como se não esperasse a

intervenção, e tive que me segurar pela primeira vez, para não rir
da mesma. Porque ela arrebitou ainda mais o nariz que parecia

perfeitamente desenhado, e o torceu, como se brava por cada


palavra.

— Eu tenho vinte e seis anos. — pontuou, dando ênfase no


final. — Qual o seu problema com a minha idade?

— Nenhum. — dei de ombros.

A realidade, era que o fato de existirem oito anos de

diferença entre nós, era mais do que um alerta, de que deveria


ficar longe dela. Desde o primeiro momento que a vi, eu sabia,
que ela gritava problema por cada poro. Um problema e bagunça,

que eu me vi atraído. E depois de tantos anos, sem sentir-me


assim, tão facilmente atraído por alguém, foi como um choque

que deveria apenas fugir.

E em vez de fugir, eu me via parado à frente dela, dando

corda para qualquer coisa que ela dissesse.

Qual o seu problema, Franco Esteves?

— Isso não é um age gap. — sussurrou, e apenas franzi o

cenho, sem entender o que de fato aquilo significava. — Enfim, é


mais velho, que ótimo, parabéns! — bateu palmas, e sua
naturalidade em apenas agir como queria, me assustava. Nunca
fui aquele tipo de pessoa. — Posso ver Jas agora?

— Sabe tocar piano?

— Minha irmã me ensinou. — e então, um sorriso diferente


dos habituais passou por seu rosto, e um olhar tão quente se

estabeleceu ali, que sabia que ela estava imersa em lembranças.


— Mas faz bastante tempo.

— Já está dando desculpas antes mesmo de tocar?

— Quem disse que vou tocar em algum instrumento dentro

da sua casa? — rebateu, e apenas meneei a cabeça, em direção


à porta de entrada.

Antes que ela me seguisse, a porta se abriu, e a professora


de Jasmine saiu, sorrindo para a mesma, e seu olhar parou no
meu. Meneei a cabeça para Júlia, que logo trouxe uma das mãos

até o meu braço. Era por aquilo que eu evitava me envolver com
mulheres próximas à minha casa, e mesmo assim, ainda poderia

me trazer tais problemas.

— Barbie!

Ouvi o grito animado de Jasmine, que quase me deixou


surdo, e vi-a correr até Carolina. As duas pareciam ter uma
conexão que me assustava.

— Como foi a aula? — perguntei a Júlia, tentando soltar-

me de seu toque, delicadamente.

— Foi ótima, como sempre. — olhos escuros pararam nos


meus. — Está ocupado? — indagou, e seu olhar foi para as

outras duas pessoas ao lado, que estavam abraçadas, mas senti

o olhar penetrante de Carol sobre nós. — Jas já parece ter


companhia, por que não...

— Ele tem que me ouvir tocar.

Olhei para Carolina surpreso, e Jasmine deu pulinhos no

lugar.

— Sim, o papai prometeu isso.

Eu prometi? Desde quando?

Não pude disfarçar a confusão no meu olhar, mas aquelas


palavras fizeram Júlia se soltar, e deixar um beijo na minha

bochecha tão demorado, que notei Jasmine fazendo uma careta.

Logo que ela saiu de nosso campo de visão, olhei para

Jasmine pronto para um esporro.

— Não trate Júlia assim. — pontuei, e minha filha assentiu


mesmo sem vontade, e correu para dentro de casa, gritando por
Carolina.

— De nada! — Carolina foi quem se adiantou, antes que


indagasse algo. — Era óbvio que tava correndo da mulher, e

bom... De nada!

— Quem disse que estava correndo dela? — perguntei,


perplexo.

Ela então me encarou de cima abaixo e bufou.

— Então enquanto eu vou tocar com a sua filha, devia

correr para ela. — fez um sinal de descaso com as mãos, e


adentrou a minha casa.

Simples assim.

E fiquei parado na soleira, sem entender absolutamente

nada do que tinha acontecido naqueles poucos minutos.


CAPÍTULO XIII

“Tudo não pareceu novo e animador?

Eu senti seus braços se enrolando ao meu redor

É tudo diversão até que alguém perca a cabeça"[18]

CAROLINA

E era como se eu nem existisse.

Nem ele, nem a tal professora de piano, fizeram questão

de nos apresentar. Não sabia por que ainda esperava o mínimo


de educação de Esteves. Não sabia porque diabos estava

esperando algo dele.

— Você está bem? — perguntei, sentando-me ao lado de

Jas, à frente do piano.

Olhei ao redor da casa, e diferente do que poderia


imaginar, era um lugar completamente colorido e aconchegante.

Olhando para a garota ao meu lado, só poderia pensar que cada

canto gritava pela presença dela ali.

— Estou, graças a senhora. — fez uma careta, e eu sorri.

— A você, tia.

— Só Barbie também, como quiser. — pisquei um olho, e

encarei as partituras à minha frente. — Luan Santana? Taylor


Swift? Adele? Temos uma garota eclética por aqui.

— É. — sorriu de orelha a orelha. — Você... — enfatizou a

palavra e eu ri. — Também é, né? Me disse pelo telefone. — sua

voz mal saiu ao final.

— Sim. — toquei levemente seus cabelos. — Quer tocar


algo?

— Por que você não toca pra gente? — perguntou, e a


encarei surpresa. — Aqui em casa, geralmente só eu toco, e bom,
já estamos acostumados a nunca ter alguém diferente fazendo
isso.

— Ok, então... — ela se levantou e se jogou na poltrona


próxima dali, com olhar preso ao meu. — Algum pedido especial?

— Alguma do álbum 1989 da Taylor. — olhei-a interessada

pela escolha. — É uma das que ainda não cheguei a tentar.

— Então... Essa é You Are In Love – acho que a minha

favorita dessa álbum. — ela assentiu e consegui ver o brilho em

seu olhar.

— Eu sei cantar essa.

— Então, só me acompanhar...

Limpei a garganta e fechei os olhos por alguns segundos, e


repeti em minha mente, das vezes em que toquei aquela mesma

música completamente só, e imaginando como seria, viver um

amor exatamente assim.

“Um olhar, uma sala escura

Direcionado especialmente para você

O tempo corre rápido demais

Você reprisa em sua mente


Botões em um casaco

Piada despreocupada

Sem provas, não muitas

Mas você viu o bastante

Conversa fiada, ele dirige

Café à meia-noite

A luz reflete

A corrente em seu pescoço

Ele diz: Olhe para cima

E seus ombros te tocam

Sem provas, um toque

Mas você sentiu o bastante...

A voz de Jasmine se juntou à minha, e eu sorri,

continuando a tocar, e então, senti um olhar por todo meu corpo,


como se acompanhando cada palavra que saía de minha boca.

Levantei meu olhar, ainda cantando, e Franco estava parado ali,


encostado contra o batente da entrada. E por uns segundos, foi

como se eu não soubesse explicar.

Mas eu sorri para ele.

Enquanto eu cantava uma das músicas mais românticas e


que adorava.

Eu me vi sorrindo, verdadeiramente, para Franco Esteves.

“Você consegue ouvir no silêncio, no silêncio

Você consegue sentir na volta para casa, volta para casa

Você consegue ver com as luzes apagadas, luzes


apagadas

Você está apaixonado, um amor verdadeiro

Você está apaixonado...”

“E assim continua

Vocês dois dançando em um globo de neve, dando voltas e


voltas

E ele mantém uma foto sua em seu escritório na cidade

E você entende agora porque eles perdem a cabeça


E lutam as guerras

E porque eu passei minha vida inteira tentando colocar isso

em palavras...”

— Eu amo essa parte. — Jasmine gritou, enquanto eu

apertava a última tecla. — Já acabou? — indagou, e eu sorri,


encarando-a.

— Gosto de terminar ela assim... — confessei, e era tão


pessoal, que me assustou compartilhar de tal forma. — Assim

como pular uma parte, porque nunca encontrei o momento certo


de cantá-la.

— Nunca encontrou esse amor, tia Barbie?

Virei-me para ela, sentando-me melhor, e estando de


costas para Franco.

— Eu já procurei, muito — assumi e suspirei fundo. — Mas


às vezes a gente procura nos lugares errados. — e agora eu

pensava em Nero. — OU o amor não precisa ser procurado.

— Sério?

— Não sei se é uma verdade absoluta. — ela então me


deu um pequeno espaço para me sentar na poltrona ao seu lado.
Ela logo se ajeitou e quase ficou sobre mim. Algo me indicava que
a linguagem de amor de Jasmine era por toque. — Mas eu vi
muitos amores não procurados acontecerem e eles serem de

verdade.

— Ouviu, papai?

Foi então que me surpreendi, ao vê-la tão decidida falando

para o homem parado a passos de nós, acompanhando cada


movimento.

— Não ouvi nada. — ele falou, e logo se virou, para seguir

por um corredor. — Por que não aproveita que Carolina está aqui
e lhe mostra a casa? Vou ver se temos café da tarde.

Então ele sabia ser receptivo?

Por que ele estava sendo receptivo?

Seria por causa do beijo? Esqueça isso, Carolina!

Foi só um beijo, com um desconhecido, não deveria

significar nada. Nem ficar repassando em minha mente a cada

segundo.

— Tia, vem! — Jasmine pulou de meu colo e estendeu a


mão. — Vou te mostrar primeiro o lugar mais legal – o meu

quarto.
Ela então me fez subir as escadas com ela, e então notei

que tinha um amplo corredor com vários quartos.

— Essa parte aqui a gente quase não usa. — falou,

apontando para cinco portas do lado esquerdo. — O meu quarto e

do papai ficam desse lado. — apontou para a direita e a segui.

Ela então foi até o final do corredor, e abriu uma porta, que

me deu a visão de um amplo quarto, mas que parecia não ter

nada. Foi então que notei as cores escuras nos lençóis, como se

da cor do chapéu que ele sempre usava, e era praticamente uma


cama, e armários que duvidava estarem ocupados por completo.

— Chato né? — Jasmine perguntou, e eu me vi rindo, ao

assentir. Ela então me guiou passando por três portas e parou-


nos à frente de uma porta amarela, que não poderia me passar

despercebida. — O meu já é lindo por fora. — assumiu, e não

poderia deixar de concordar.

Assim que ela o abriu, fiquei encantada com o interior.


Existiam pinturas coloridas desde o chão ao teto. Todas elas

pareciam seguir uma linha cronológica, como se de história e

fiquei perplexa com os detalhes. Aquele parecia um quarto feito


para uma garota viver seu próprio conto de fadas, consigo

mesma.
— Isso é...

— Sensacional, né?

Seus olhos brilhavam, enquanto eu tocava a cama, que


ficava bem na posição, onde vários desenhos de personagens se

acumulavam, ao redor, como se protegendo.

— Deita aqui, tia. — pediu, batendo na cama de casal, e o

fiz, logo sentindo-a afundar do meu lado do colchão. — Pra cima.

Olhei então para o teto, e fiquei ainda mais maravilhada.


Tinha uma rainha, cultivando uma flor como a que Jasmine me

entregou no dia em que a conheci – um jasmim. E foi fácil

interpretar, ao notar cada detalhe, e mesmo sabendo tão pouco.

— Foi sua mãe que fez tudo isso? — perguntei, e Jasmine

praticamente pulou na cama, sorrindo e assentindo.

— Algumas partes, eu desenhei depois de mais velha, mas


toda a história de como ela seria minha mãe, foi dela... — ela

suspirou fundo, e seus dedos passaram sobre um dos

personagens próximos à cabeceira, e notei o chapéu

inconfundível de cowboy. — Papai diz que foi como se ela


sentisse, que precisava contar essa história para mim.
— Ela parecia incrível, Jas. — falei, e seus olhinhos

idênticos aos de Franco pararam nos meus.

— Ela era — sussurrou. — Ela ainda é. — levou uma das

mãos ao peito e segurou ali, como se fosse algo que fizesse

sempre.

— Esse é o quarto mais lindo que já estive. — confessei, e

ela pareceu completamente surpresa. — E olha que eu já fui a

muitos países e fiquei em vários lugares maravilhosos.

— Com vista pro mar?

— Quase todos. — ela pareceu encantada.

— E mesmo assim aqui é mais bonito. — apontou para o

redor, desconfiada.

— É, porque dá pra sentir o amor em cada linha. —


confessei, e ela então me surpreendeu, ao pular sobre mim, e me

abraçar.

— Eu te conheço só um pouquinho, mas gosto da senhora.

— falou, e eu sorri, enquanto ela se afastava.

— Pode ser que eu te mostre meu quarto de Barbie um dia,

na capital. — comentei, e ela fez uma leve careta. — Sem o tal

Toledo ao redor, posso garantir.


— Sempre tive medo da capital por causa dele. — sua

confissão me doeu.

— É uma cidade grande e linda. — falei, lembrando-me do

meu lar, que a cada dia, parecia ficar mais vazio. — A Mansão
Reis é linda também.

— Da sua família?

— Eu tenho fotos, se quiser. — comentei, e puxei meu


celular na bolsa que estava caída no chão. Mexi na galeria e lhe

entreguei, na pasta em que estava toda a minha família.

E me sentia abrindo-me para alguém, que não eram eles.

O que me surpreendia, porque por mais extrovertida que fosse, e


muito popular, eu raramente conseguia me sentir à vontade, de

verdade, com pessoas de fora. Traumas que a vida ainda havia

de curar, quem sabe.

Mas com Jasmine, era simples como respirar.


CAPÍTULO XIV

“Mas talvez tenha sido tempo demais

Não acertei o momento, e parece que estou sendo punido

Não acredito que, para chegar mais perto de você

Acabei construindo uma parede da qual não posso me aproximar "

[19]

CAROLINA

Os dedinhos dela passavam para o lado, e a cada foto


nova, parecia mais surpresa.
— São todos seus irmãos e irmãs? — indagou, apontando

para uma foto que Igor e eu tiramos a contragosto de todo mundo,


no último almoço na Mansão Reis, onde Val e Olívia ainda

estavam grávidas.

— Pra ser sincera, praticamente. — falei, já pronta pra lhe

explicar toda a bagunça de pessoas contidas ali, só que um

barulho alto me fez travar no lugar.

Jasmine tremeu ao meu lado, e notei seu olhar de pânico.


Eu já tinha visto aquela cena antes, em meu reflexo. Apertei

levemente sua mão, e toquei seus cabelos, fazendo-a me

encarar.

— Da última vez, que ouvi esse barulho, eles... Eles me

levaram. — ela falou, e seus olhos se encheram de lágrimas. —

Eu fiquei longe do papai por um mês todinho. Um mês, tia. E se

agora...

— Não vai ficar longe dele, eu prometo. — falei, sentindo a

dor dela em cada palavra. Eu não me importava que mal os


conhecesse, mas eu conhecia aquele mal. O mal de pessoas que

nunca querem ajudar, mas sim, separar famílias. Famílias de

verdade.
— Eu já volto e você tranca o quarto, e só sai, quando eu
bater. — fiz um sinal com os três toques que daria, e em seguida

cinco, e ela assentiu, como se entendesse. — Ou a minha voz e a

do seu pai, apenas.

— Ok. — Outro estrondo e a voz de Franco estava alta

também.

— Aqui. — Entreguei-lhe meu celular, colocando no minha


playlist favorita, e conectei o fone de ouvido, logo os colocando na

sua orelha. — Depois de dez minutos, pode tirar e me esperar.

— Mas, tia...

— Sei que é difícil confiar, mas lembra que já confiou em

mim?

Ela então pareceu pensar e entender, e assentiu.

Sorri para e mesma, e me levantei, fazendo um sinal para

que ela viesse e trancasse a porta. Assim que ouvi o trinco, vi-me

acelerando o passo e cheguei ao alto da escada.

Pessoas de terno, talvez cinco ao redor de Franco, e fiquei

perplexa pela ação. O tal Toledo à frente dele, encarando-o como

se não passasse de uma barata para ser esmagada. E eu sabia

bem que era um show barato. Ninguém que tem a guarda de uma
criança, por lei, precisaria de tudo aquilo. Ele fazia o show porque

claramente, gostava de machucar Franco.

— O que quer aqui? — perguntei, descendo degrau por

degrau, e notei os papéis na mão de Franco, aos quais ele


prestava toda atenção. Quando me aproximei, toquei seu braço, e

seu olhar parou no meu de imediato. A raiva e algo mais,


parecendo tristeza, pairava ali. — Posso?

Ele assentiu, me entregando os papéis e foi então que

notei ser uma cobrança formal de acordo com o testamento de


Pâmela Toledo. Olhei de relance para o homem de terno à nossa

frente, que apenas nos encarava, como se tivesse vencido. Eu


não conhecia o testamento que sequer estava ali, mas a cobrança
era clara, de que Franco Esteves não cumpriu seus deveres

legais até os quatorze anos de Jasmine Toledo Esteves, que era


providenciar uma tutora, e agora, ele poderia perder a guarda.

Parecia mais uma baboseira montada para causar medo


do que realmente algo legal.

— Isso não está registrado em cartório e nem autorizado


por nenhuma vara judicial. — Bati com os papéis contra o peito do

homem à nossa frente. — Se quer ter uma conversa de adultos,


fale com o nosso advogado.
— Nosso? — ele indagou, com um sorriso nada contente.

— Quem é você?

— Carolina Reis. — falei, e sem pensar duas vezes, vi-me

entrelaçando o braço no de Franco, que parecia imóvel. — A


tutora de Jasmine.

— O quê?

— Olha, como já disse... Não precisa e nem pode estar

aqui, isso é invasão de prioridade. — Afastei-me de Franco e fui


até a porta, abrindo-a. — Tem algum documento real? Tem
mandado policial? Ou não passa de um show de quinta?

— Não vai se livrar de mim, Franco. — o homem falou,


enquanto seus comparsas saíam, me ignorando por completo.

— Vá para o inferno de onde saiu, Toledo. — a voz de


Franco soou baixa e fria, como se aquele fosse o seu puro ódio.

— Saia da minha casa.

— A casa dos Toledo! — ele corrigiu, e me vi quase


fechando a porta nele. — Não sabe com quem está querendo

brigar, garota — ele falou, parando a minha frente, e eu ri alto.

— Devia pesquisar sobre os Reis.


Então, assim que ele colocou os pés pro lado de fora,
mesmo quando se virou, apenas bati a porta na sua cara.

O baque da porta, foi como sentir o baque de algo se


fechando, do mesmo jeito no passado. Meus joelhos quase
cederam e eu tentei lugar contra aquelas lembranças, mas de

repente, eu só me via nelas.

— Ele já foi. Eles já foram. — Verônica me segurou contra


si, e vi-a esconder algo dentro da bolsa, que ela me fez prometer

nunca mexer. — Eles não vão voltar e te levar, eu prometo.

— Mas, mãe...

— Verô. — ela tocou minha testa, com o dedo indicador e


médio, e eu chorei ainda mais. — Eu estou aqui. Seus irmãos

logo estarão e vai ficar tudo bem.

— Promete?

Ela então sorriu, o que realmente acontecia, e beijou minha


testa. Fechei os olhos e fiquei ali, acreditando que era possível.

Que teríamos paz, um dia.

— Carolina...

A voz soava longe, e eu tentei me desfazer do abraço, mas


não consegui. O ar me faltava, e os nós dos meus dedos doíam
tanto que não conseguia abri-los. Tentei voltar. Tentei lutar. Tentei
respirar.

— Carolina...

Senti então braços fortes ao meu redor, e tentei me soltar,


porque não sabia o que estava acontecendo. Mais uma

respiração profunda e o ar não veio. E de repente, senti algo ser

depositado contra minha cabeça. Era uma sensação diferente,


que me fez entender que não era a Carolina de dez anos. Não

mais.

Abri os olhos e finalmente consegui puxar o ar com força.

Foi quando os olhos claros de Franco pararam nos meus,


tão próximos, que consegui ver que eles variavam de fato pelo

azul e verde. Respirei fundo uma, duas... talvez dez vezes, ainda

ali, agachada no chão, próxima à porta.

— Eu... — engoli em seco. — Desculpe, eu...

— Não se desculpe — falou e senti o leve toque de seus

dedos no meu queixo. — Obrigado pelo que fez — assumiu, e

não soube o que fazer.

Era como se ele visse a parte mais quebrada de mim. Era

como se eu visse a parte mais quebrada dele.


Como era possível?

Como tínhamos chegado ali?

— Eu vou ver Jasmine. — seu tom nunca me pareceu tão

leve quanto naquele instante, e mesmo quando se afastou, era

como se permanecesse ali. Vi-o desaparecer pelas escadas, e foi


quanto notei que o peso em minha cabeça permanecia. Levei as

mãos a ela, e encontrei o chapéu preto. O chapéu dele.

Tirei-o e o encarei, perplexa. Tão surpresa que não

conseguia crer no que acontecia.

E desde o momento que o vi, só naquele, entendi que era

uma sucessão de surpresas. E grande parte delas, se não todas,

foram boas.
CAPÍTULO XV

“É agridoce pensar sobre os danos que causamos

Porque eu estava me afundando, mas eu estava fazendo isso com

você

Sim, tudo que quebramos e todos os problemas que criamos

Mas eu digo que te odeio com um sorriso no rosto"[20]

FRANCO

Bati na porta levemente, e não obtive resposta. Esperei


alguns segundos e bati de novo, mas nada. Fui até o meu quarto
e procurei o molho de chaves extras que tinha de todos os vários

quartos daquela casa. Encontrei a de Jasmine e voltei,


destrancando-a com cuidado.

Quando abri só um pouco da porta, notei que ela estava


sob seus edredons, e com fones de ouvido nas orelhas. Um

celular que sabia não ser o dela, estava em suas mãos, e ela o

segurava perto do peito, como se fosse sua salvação.

Aproximei-me com cuidado, e me sentei à beira da cama.


Levei uma mão aos edredons sobre ela, e fiz um leve carinho em

suas costas. Fosse o que fosse, Carolina tinha conseguido fazê-la

se sentir segura a tal ponto. Tirei com cuidado os fones de ouvido


dela, e me afastei, vendo-a agarrar o travesseiro extra, imersa em

seu sono.

Sabia que ela acordaria faminta mais tarde, contudo, a

deixaria descansar um pouco. Não me lembrava de uma vez em


que Toledo aparecesse, que não a encontrasse tremendo e

assustada, e aquela cena ali, era uma bênção.

Por um segundo, foi como se eu a estivesse segurando de

novo, contra mim. Aquele pequeno ser, que chorava baixinho,

quase todo tempo, com saudade da mãe que não conseguiu

conhecer. Como de luto, assim como eu, da família que ela


perdeu. Como se desesperada como eu, do que seríamos dali por
diante.

Jasmine não tinha ideia, mas quando era apenas um bebê,


foi o único momento que me permiti chorar junto a ela. Perdido e

sozinho, sem ter ideia de como tocar uma fazenda, e acima de

tudo, de como ser um bom pai. Eu não tivera um, e não tinha

ideia do que era uma família. E foi a cada lágrima derramada,

com ela, enquanto pude, que aprendi. Aprendi que minha filha

merecia o meu melhor e cada sorriso que soltasse.

— Eu te amo, pequena. — sussurrei, e beijei seus cabelos,

afastando-me.

Levantei-me com cuidado e segui para fora do quarto.

Desci as escadas, e encontrei Carolina sentada à frente do piano

e o meu chapéu acima do mesmo.

— Ela dormiu. — falei, completamente receoso e sem crer

que aquela mulher ali era de tal maneira – tão decidida.

Como ela podia ser tão boa com minha filha?

Como ela podia simplesmente arriscar tudo por


desconhecidos?

Quem de fato era Carolina Reis? E por quê?


Por que ela parecia tão assustada quanto eu, segundos

depois?

Por que eu tinha gana por estar próximo e protegê-la?

Logo eu, que só protegi a uma pessoa em toda minha vida,


e não sabia fazê-lo direito.

— Não sei o que fez, mas ela ficou bem. — entreguei-lhe o

celular, e os fones.

— Obrigada. — falou, apontando para o chapéu e eu

apenas assenti, sem saber o que fazer.

Como eu explicaria algo que nem eu sabia por que fiz?

Por que eu queria me explicar para com ela?

— Sabe, estou séria sobre isso. — falou, e a encarei, sem

entender. — Não precisa ser um gênio para juntar um mais um, e


saber que a família por parte de mãe da Jasmine, quer ela por
isso aqui... — fez um sinal com o dedo ao redor. — Conheci

muitas pessoas como Toledo, pessoas do meu sangue... —


suspirou fundo. — Eu me vejo nela, Franco.

— Eu vi como a defendeu — falei, e engoli em seco. —


Mas não é uma briga ou responsabilidade sua. Ainda mais,

porque eles são...


CAROLINA

— Eles podem ser o que forem, os Toledo. — Olhei-o


profundamente. — Os Reis podem fazer pior. — Ele parecia
assustado com tal fala. — Minha irmã pode destruir esse tio de

Jasmine com um telefonema.

— Não quero isso perto da minha filha — ele falou,

claramente receoso. — Tento, há anos, resolver isso de forma


mais branda, porque não quero que Jasmine tenha lembranças
ruins da parte da mãe. Da última vez que não me segurei e

quebrei a cara dele, quase a perdi por comportamento violento...


— agora eu entendia porque ele parecia tão cauteloso. Aquilo

deveria ser um verdadeiro inferno. Ter que se conter, porque


sabia que ele poderia perder no fim. Perder o que mais lhe
importava. — Não quero que...

— Não importa o que você quer, não com pessoas como


ele. — Neguei com a cabeça. — Acredite, eu conheço muita
gente assim.

— Não posso deixar que chegue na minha vida e tente

consertar, Carolina — ele falou, aproximando-se, e claramente


certo daquilo. — Não é sobre isso.

— É sobre Jasmine. — Levantei-me, e fiquei à sua frente,

mais alta do que antes, devido aos saltos. — Se não quer destruir
os Toledo, posso te ajudar a encontrar uma brecha.

— O que quer dizer?

— Uma brecha no testamento da sua esposa. — falei com

cuidado, temendo ser invasiva. Mais do que já era. — E até lá,


vou assumir o papel de tutora de Jasmine.

— Não!

Sua voz soou rude, mas era como se eu começasse a


entender. Era simplesmente o jeito dele.

— Vai dizer que não tem procurado pessoas para que


sejam a tutora dela? — era claro em seu olhar, que ele o fizera. —

Mas deve ser complicado para um homem viúvo, bonito, rico, com
uma filha... toda essa parte da confiança e de não confundir as

coisas.

Precisava mesmo pontuar bonito, Carolina?


— O que está sugerindo?

— Que mesmo mal me conhecendo, sabe que pode confiar

em mim. Ou tentar. E não vou confundir absolutamente nada


entre nós e tratarei Jasmine bem, pelo tempo que for.

— Confundir, o quê? — ele pareceu realmente sem

entender.

Dei um passo à frente, e nossos corpos quase se colaram,


e senti sua respiração pesar.

— Isso. — falei, e notei seu maxilar cerrado. — Aquele

beijo foi algo de momento, não é como se fôssemos nos beijar,

transar e nos apaixonar. — Forcei um sorriso e tentei ser o mais


convincente possível. — E Jasmine é uma garota esperta, para

saber que estamos fazendo isso exclusivamente por ela.

— Não tem porque estar nessa situação. — Ele deu um


passo atrás, como se não suportasse aquela proximidade, e eu

tentei fingir tranquilidade.

Aquele era um bom plano. Um bom plano para ajudar

Jasmine e Franco, a se livrarem das ameaças de uma parte da


família, que bolei naqueles minutos enquanto ele estava no quarto

com ela.
Era um bom plano, repetia a mim mesma.

— Eu quero estar, por ela. — Pontuei, e Franco me


encarou profundamente. — Porque quando eu precisei... — sorri,

ao me lembrar de Verô e meus irmãos. — Eu tinha alguém por

mim.

— É muito jovem, tem uma...

— Eu não sou a minha idade, Esteves. — Abri os braços.

— Eu sou assim, livre. Eu escolho onde estar, e mesmo que

negue, eu vou ajudar Jasmine.

— Eu...

Ele então passou as mãos pelos cabelos, claramente

nervoso.

— Preciso pensar sobre isso, Carolina.

— Eu estarei aqui amanhã, de todo jeito. — falei, movendo-

me e sorrindo abertamente, e antes que ele retrucasse, apenas

complementei: — Posso ver o meu carro agora?

E então, depois de tudo aquilo, finalmente voltava ao real


assunto que me trouxe ali. Notei um quase sorriso no semblante

do cowboy bruto à minha frente, e todo meu corpo quase se

derreteu.
Talvez, aquele fosse um péssimo plano para mim mesma.
PARTE 2

“Estamos sozinhos, só você e eu

No seu quarto e nossas fichas estão limpas

Apenas signos de fogo iguais

Quatro olhos azuis”

State Of Grace – Taylor Swift


CAPÍTULO XVI

“Eu gosto tanto de você

Mas isso tudo me dá

Frio na barriga demais

Longe de casa e dos meus

Só tem você minha paz

Mas eu não sei confiar "[21]

CAROLINA
Abri a porta da casa do meu irmão, e então, encontrei Verô

sentada na sala, lendo algo. Olhei ao redor, e parecia não ter


mais ninguém ali.

— Todos foram comer fora — falou, tirando os olhos do


livro e logo os óculos, e me encarou. — Senti que tinha algo

errado.

— Virei tutora da Jasmine.

O semblante de Verônica mudou brevemente, e ela fechou

o livro, deixando-o na mesa de centro. Fui até ela, e deitei minha

cabeça contra suas pernas. Trouxe uma de suas mãos até os


meus cabelos, e ela passou os dedos levemente.

— O que houve?

— Eles estão sendo ameaçados há anos, Verô — suspirei


fundo. — A família por parte materna dela, parece ser gente com

dinheiro, e tenta ter mais... No caso, se tiverem a guarda de

Jasmine, acho que garantem a fazenda toda para si. Não sei ao

certo quem está por trás de tudo isso a fundo, mas tem o cara – o

tal Toledo, que só sei o sobrenome.

— Pesquisei sobre eles. — Arregalei os olhos, e ela

parecia apenas calma. — Posso te encaminhar o arquivo que


recebi sobre eles. Não é nada que não possa lidar.

— Franco não quer destruí-los, porque querendo ou não,

são “família” da filha dele — comentei, fazendo aspas com os


dedos. — Vou ver se consigo o contrato desse testamento, que

parece que exige uma tutoria feminina. Nossos advogados vão

achar alguma brecha, para que os Toledo nunca mais os

ameacem.

— Está se vendo nela?

A pergunta direta de Verô não me surpreendia.

— Tive duas crises nesse meio tempo, lembrando-me de

quando eu tinha dez anos. — senti as mãos de Verô pararem. —

Consegui voltar, mas não quero que ela também tenha isso. Que
ela perca o poder sobre si mesma, por conta do passado.

— Nunca perdoarei os filhos de Regina pelo que lhes


fizeram passar. — A voz de Verô foi baixa e tão fria, quanto

raramente era.

— Eles sempre escolheram Igor e eu, por sermos mais

novos e na cabeça deles, mais fracos. — Dei de ombros. — Você


cuidou de nós, e nos salvou deles.
— Eu os destruí, Carolina. — Olhei-a e notei que ela não

tinha qualquer arrependimento. — E eles sempre voltam, porque


prometi a Regina que eles teriam chances.

— Reinaldo está à beira do colapso pelo que sabemos,


Roberto está fora do país há anos e nunca mais tentou me

contatar, Rodinei está por algum lugar perdido, como sempre... Se


tornaram velhos patéticos.

— Que tiveram filhos patéticos — falou e a encarei curiosa.

— Mas me diga, como o pai de Jasmine reagiu à sua tutoria?

— Ele não reagiu. — vi-me respondendo, notando que ela

fugia do assunto. — O que está escondendo?

Ela piscou algumas vezes, e sua expressão se tornou

neutra.

— Verô...

— Por que não falamos sobre o que está escondendo? —


fiquei em silêncio, e naquele instante, soube que ela sabia sobre
o contrato com Nero. Não precisava colocar em palavras para eu

ter certeza.

— Ok, você sempre ganha — suspirei, deixando aquele

assunto enterrado por enquanto. — Ele disse que ia pensar, mas


disse que vou ser tutora querendo ele ou não.

— Você gosta dele.

Olhei-a inconformada, levantando-me.

— Não gosto não. — fui certeira e ela apenas arqueou uma


sobrancelha, encarando-me como se soubesse de tudo.

Geralmente, ela sabia. Contudo, não aquilo. — Também não


desgosto... — continuei. — Foi uma má primeira impressão, mas

agora estamos nos conhecendo.

— Vou aceitar essa resposta agora.

Revirei os olhos, e me ajeitei contra seu ombro.

— Tadeu ou Murilo decidiram o que vão fazer?

— Vão ficar cada um em sua casa. — olhei-a surpresa. —


Não me pergunte o porquê, mas eles se sentem mais confortáveis
assim. E acredito que vamos nos dividir, para que não sejamos

notados, mesmo querendo ajudar.

— Muita gente às vezes atrapalha, né?

— O hospital estava a ponto de multar pelo tanto de gente


naqueles quartos. — ri de lado, e sabia que era realmente uma

bagunça de pessoas apenas para verem dois bebês recém-


nascidos. — Mas como vai ser tutora? Vai ser mudar para casa
deles?

— Não. — respondi de prontidão.

— Como uma tutora não vive na mesma casa? — indagou,


e vi-me levantando de imediato e procurando meu celular na

bolsa jogada na poltrona ao lado. — Vou voltar para o meu filme.

— Não tem nada a declarar sobre essa minha decisão? —

perguntei, já com o celular em mãos. — Digo, você sempre


apoiou tudo o que eu queria fazer, Verô. Até mesmo quando
desisti de estar com Igor na parte dos Hotéis.

— Por que não te apoiaria? — refleti um pouco. — Você


sempre foi muito segura das suas decisões, Carolina. Está

machucando ou feriando alguém, emocionalmente ou


fisicamente?

— Quero socar a cara do tio da Jas, e não acredito que vou


sair dessa sem o fazer.

— Entendeu a pergunta. — ri de lado, e neguei. — Eu só...


Sabe como me senti perdida nos últimos tempos, vendo toda a
nossa família mudar, nossos irmãos saindo de casa... Reavaliei
tantas vezes o que realmente importava para mim. E agora, com
Jasmine, foi só certo.

— Porque é certo, então.

Sorri para Verô, e fiz um sinal para o celular, subindo as


escadas.

Ouvi o barulho da televisão voltar, e encarei o contato de

Franco Esteves em meu celular – bruto insensível. Sorri, sem


conseguir evitar, mas que no fim, ele não parecia ter nada,

absolutamente nenhuma parte insensível perto da filha. Modifiquei

o contato para “touro bravo”, e nunca esqueceria o apelido que


Daniela lhe deu.

Abri o whatsApp e não me surpreendi ao encontrar uma

foto dele com Jasmine no perfil. Sorri, tocando a foto, sem poder

evitar. Vi-me então digitando um simples Boa noite, e aguardei.


Ele demoraria muito? Ele usava bastante aquele aplicativo?

Algo nela gritava que não ligava nem um pouco para

aquele meio de comunicação.

Demorou para chegar.


Lembro-me de ter pedido para me avisar se chegou bem.
Joguei-me contra o colchão, revirando os olhos.

Não é como se fosse conseguir destruir um carro daquele


novamente. Como você disse que seu mecânico falou, foi uma
falha momentânea. E estou ótima, obrigada pela preocupação.
Figurinha do Hyunjin[22] sendo debochado.

O que quer, senhorita Reis?

Suave como um coice, senhor Esteves.


Figurinha de um cavalo dando coice.
Quero saber se pode me passar os documentos a respeito
da tutoria de Jasmine. Preciso estar a par de tudo e do que é
necessário.

Eu te disse que ia pensar, Carolina.

Eu te disse que ia ser a tutora, Franco.

Apenas vá comer ou dormir, Carolina.

Se não me mandar nada, vou entender como um convite

para simplesmente aparecer aí com malas.


Notei então que a mensagem sequer chegou, e o único

risquinho era claro. Suspirei fundo e lhe daria o tempo para me

responder até 6a manhã seguinte. Se não, faria exatamente o que


disse. E não o deixaria me impedir.

Abri meu e-mail e encontrei os arquivos que Verô

conseguiu a respeito dos Toledo. Mexi na minha mala no canto, e


peguei a bolsa do meu notebook, descendo as escadas em

seguida.

Joguei-me na poltrona ao lado da minha irmã, que parecia

concentradíssima no filme, e conectei meus fones de ouvido, para


ter uma música de fundo. E mesmo que quisesse evitar, vi-me

abrindo o WhatsApp web, caso Franco decidisse me responder.

Contudo, quando a chuva de arquivos me acertou, minha


mente ficou focada apenas naquilo. E um deles me chamou

atenção – o testamento de Pâmela Toledo Esteves. Olhei de

relance para Verô, que parecia perdida em seu mundo e apenas

imaginei no quanto os contatos dela eram realmente


excepcionais.
Eu poderia fazer uma passeata em homenagem ao quão

poderosa minha irmã era. Porém, eu sabia que aquele poder tinha
um preço. E não tinha ideia do quanto ela pagou de fato, e o

quanto ainda pagaria.


CAPÍTULO XVII

“Esses olhos azuis da cor do oceano olhando nos meus

Eu sinto como se eu fosse afundar e me afogar e morrer "[23]

FRANCO

— Papai?

Virei-me, parando de tocar meu violão e encontrei Jasmine


coçando o rosto e claramente confusa.

— Cadê a tia Barbie?


— Ela já foi. — olhou ao redor, como se confusa. — Toledo

também se foi.

Ela suspirou fundo e caminhou até mim, sentando-se ao

meu lado, no grande banco de cor branco que tínhamos à frente


de casa. Que ela escolheu, para que segundo ela, eu pudesse

sempre tocar dali, enquanto a via correr pela frente da casa.

— Deu tudo certo?

— Talvez um pouco. — olhou-me sem entender, ainda

bocejando, e deixei o violão de lado, encarando-a. — Lembra-se

do nosso plano de conseguirmos uma tutora por tempo limitado,


apenas para não ter que lidar mais com as ameaças do seu tio?

— Claro que sim. — falou, apontando para si. — Foi uma


ótima ideia. — olhou-me, com uma careta. — Mas o senhor nem

executou.

— Estou tentando. — assumi. — Eu sei que já é grande o

suficiente para entender as coisas. Mesmo que eu tenha te

protegido o máximo que pude... Eu sei que sabe das coisas.

— O que quer dizer, papai?

— E se eu dissesse que consegui alguém para agir como


sua tutora? — seus olhinhos se arregalaram, e ela deu um pulo,
ficando de pé. — Na verdade, a pessoa se ofereceu mas...

— A Carolina? Carolina Reis? Tia Barbie? — foram gritos e

mais gritos, completamente animados. — Ela realmente se


ofereceu? Ela quer fazer isso?

— É um acordo pontual, você sabe. — levantei-me,

segurando levemente suas mãos. — Sei que gosta dela. Que

gostou de cara dela. — suspirei fundo e ia contra tudo o que


temia, estar abrindo tal proposta à minha filha. Contudo, a

realidade, era que não me restavam alternativas. Carolina Reis

apareceu no momento exato, parecendo ser a pessoa certa. —

Não quero que crie alguma ilusão de que Carolina vai ficar para

sempre.

— Mas a gente pode ser amiga, para sempre. — falou, e

eu respirei fundo, temendo pelo coração dela, que poderia sair

quebrado daquilo. — Sei que ela não vai ser minha mãe, papai.

— sua voz saiu mais triste do que imaginei, e me arrependi de


imediato de ter aberto tal ideia. — Já estou bem por ela estar nos

ajudando.

— Ela me parece uma boa mulher, mas vamos com

calma... — toquei seu rosto e ela assentiu. — Ela não precisa

viver aqui, parecer que vive.


— Sim, do jeitinho que eu te propus quando essa ideia

veio. — assenti, e ela parecia um pouco mais animada. — Ela


pode trazer a sobrinha, né? Eu posso, então, sair com ela um

pouco, enquanto o senhor trabalha?

— Vamos com calma. — pontuei cada palavra, e ela

pareceu entender.

Seus braços se enrolaram ao redor do meu corpo, e a


abracei com força.

— Papai! — pulou para trás, de repente. — Ela pode me


ajudar com o aniversário de quinze anos. — pareceu ainda mais

animada. — Como eu tô de férias, vou ter que convidar todo


mundo pela internet, mas ela pode me levar e ajudar a fazer

tudo...

— Ela precisa querer fazer isso, pequena.

— Ela parece gostar de festas. — Pensou consigo mesma.


— Eu vou perguntar para ela, prometo. Se ela disser que não

pode, eu vou fazer sozinha.

— E eu me tornei ninguém, por acaso?

— O senhor sempre me enrola e fazemos tudo em cima da

hora. — Revirei os olhos, porque eu achava tão mais prático


resolver tudo na última hora. — Mas é meu aniversário de quinze

anos, eu quero ser uma princesa.

— Você já é. — ela fez uma careta, negando. — Claro que

é. Sua mãe te chama assim desde...

— Que soube que eu estava na barriga dela —

complementou, e sorriu de lado. — Dessa vez, vou fazer questão


de convidar os Toledo e esfregar na cara deles que não vão nos
afastar.

— Eles são sua família também, Jasmine.

— Eles não são, o senhor é. — neguei com a cabeça, mas


ela continuou. — Família não é só o sangue, papai.

— Eu sei, mas... — respirei fundo, porque por mais que


tentasse defender os Toledo para ela, sempre parecia difícil. —
Vai convidar os meus irmãos?

— Sim, mas eles nunca vêm... — deu de ombros. — Mas


gosto dos Natais que temos juntos.

— Vou falar com eles.

— O senhor odeia falar com eles. — passei as mãos por

seus cabelos, e os baguncei, fazendo-a reclamar. — Papai!

— Vamos comer alguma coisa, porque você dormiu muito.


— Nossa, fiquei tão animada em saber que a tia Barbie vai
ser minha tutora que até esqueci da fome que estou. — sua
barriga roncou, e ela pulou nas minhas costas, fazendo-me, pegá-

la daquela forma. — Obrigada por tudo, sempre, papai.

Sorri, sentindo sua cabeça deitar em meu ombro e nos

levei para dentro. Aqueles momentos com ela, valiam mais do que
qualquer coisa no mundo para mim.

CAROLINA

— Deixa eu ver se entendi... — Igor falou, no momento em

que estacionou à frente da fazenda de Esteves. Por um segundo,


me indaguei se aquele lugar não tinha um nome especial. — Você
vai ser tutora de uma adolescente, cujo pai é o mesmo em quem

você quase bateu quando conheceu?

— Não é tão ruim quanto parece — comentei, e indiquei

com a cabeça para que ele descesse. — Só... Só aconteceu.


— Vai dar namoro! — ele gritou, de repente, imitando o
programa que passava aos sábados à noite, e vi-me batendo
contra seu braço. Ter um irmão mais velho, de apenas dois anos

de diferença, resultava em nós dois quase nos matando de brigar


às vezes.

— Se ele ou Jasmine ouvirem... — fechei a mão e ele


levantou as suas em sinal de rendição, como se desistindo.

Um limpar de garganta me fez virar o rosto do meu irmão

quase desfalecendo, para uma Jasmine com o que parecia um

caderno em mãos, próxima à entrada, nos encarando.

Puxei minha mão rapidamente e Igor gargalhou alto, mas

logo se recompôs.

— É ela? — perguntou baixo, mas sabia que Jasmine

conseguiria ouvir, porque nenhum de nós dois sabia ser sutil.

— Desce logo. — falei, e saí do carro, logo o ouvindo abrir

a porta do outro lado também. — Oi, Jas.

— Oi, tia Barbie. — ela veio até mim, e me deu um leve

abraço, mas seu olhar estava em Igor, como se o analisando. —


Ele parece o moço das duas fotos.
— O irmão Reis mais bonito, Igor. — ele falou todo galante,

e se curvou, fazendo os olhinhos dela brilharem. Nunca


entenderia porque era tão fácil qualquer pessoa se derreter por

ele. — E fui eu quem deu o apelido de Barbie para sua tia aí.

Cutuquei Igor com o braço, enquanto Jasmine parecia


fascinada.

— Não dê bola para ele — avisei, puxando-a para perto. —

Vai pegar minha mala, Igor.

— Viu só, ela trata o próprio irmão como empregado. — ele


dramatizou e eu revirei os olhos.

— Vocês são meio engraçados juntos. — Jasmine falou,

sorrindo de lado. — Parecem mesmo irmãos.

— Eu sou mais bonita.

— Eu sou mais bonito.

As vozes de nós dois saíram juntas, e ela gargalhou alto.

— Jasmine! — a voz grossa me paralisou por completo, e

segurei o suspiro no fundo da garganta.

Por um segundo, o barulho da risada de Jasmine e as

rodinhas da mala contra o chão que Igor puxava, apenas

silenciaram. E eu vi, Franco Esteves, entrar no meu campo de


visão, usando uma regata branca colada ao corpo, totalmente

molhada, e não saberia dizer se era suor ou água, mas sabia que

cada músculo dele ficou evidente.

Seis gominhos.

Seis fodidos gominhos.

— Trouxe babador, Barbie, no castelo de diamante do

interior?

O deboche quase sussurrado de Igor me fez voltar à


realidade, e pisquei algumas vezes, dando outro cutucão contra

sua barriga naquele momento.

— Teve que entrar no lago? — Jasmine perguntou, indo


para perto do pai, que assentiu, segurando na aba do chapéu, e

nos encarando.

— Você veio. — falou, e seu olhar parou brevemente em


minha boca, ou eu estava, definitivamente, imaginando aquilo.

Dentro de uma novela colombiana perfeita. Alô, Paixões

Ardentes!

— E eu sou apenas o entregador de bonecas sem fala. —


Igor se adiantou, e eu queria matá-lo naquele segundo. — Franco

Esteves, certo? — perguntou, e esticou a mão para o homem à


nossa frente, que o olhou de cima a baixo, mas apertou sua mão.

— Sou Igor Reis.

— Um dos irmãos da tia Barbie. — Jasmine explicou e eu

não sabia dizer, mas ainda estava um pouco paralisada diante da

cena que me atingiu de primeira.

Como eu faria se visse aquele homem sem camisa?

Pelos céus, Carolina!

Era com se eu nunca tivesse visto um homem nu.

Nunca viu Franco Esteves nu, minha mente gritou.

E nem iria, vi-me gritando internamente de volta.

— Podemos passar aqui amanhã à noite, para um jantar?

— O que está fazendo? — indaguei, a pergunta de Igor me

assustando, enquanto ele ainda segurava a mão de Franco.

— Verô me pediu para fazer as honras. — Olhou-me de


soslaio e piscou um olho. — Somos em cinco, contando com

Carolina.

— São bem-vindos. — Franco falou, e finalmente as mãos


se soltaram. Ele parecia tão confuso quanto eu. — Se quiser

entrar...
— Tenho que correr, bebê pequeno e esposa, mais dois

irmãos malucos com recém-nascidos... — Igor falou e apenas o

puxei pela camisa, trazendo-o para perto do carro. — E olha só,

Carol não me quer aqui.

— Eu vou te esganar — falei, fazendo-o entrar no carro, e

ele apenas mantinha o sorrisinho de lado. — Fala pra Verô me

ligar.

— Também te amo, Barbie — sussurrou, apertando uma

das minhas bochechas, e bati contra seu ombro, enquanto ele

dava um leve aceno com as mãos para Jasmine e Franco, que

assistiam a cena sem dizer nada. O que eles diriam?

Quando finamente Igor desapareceu dali, fui até as outras

duas malas grandes de rodinha, e as peguei.

— Eu levo uma, tia. — Jasmine se ofereceu, e deixei que o

fizesse. — Eu quero malas assim também, só que não todas rosa

pink. Uma amarela, uma rosa e uma preta.

— Para onde vai viajar, mocinha?

— Quero conhecer o mundo, como a senhora fez.

— Um dia. — pisquei para ela, que apenas puxou a mala

para cima, correndo com a mesma.


De onde saía tanta energia?

— Realmente apareceu, e com três malas... — falou,


enquanto segurava a que Igor deixou ao seu lado. — Não precisa

fazer isso, Carolina.

— Sei que não. — Pisquei um olho, e senti o sol forte sobre

minha cabeça. — Acho que vou ter que usar mais protetor e
comprar um chapéu como esse.

— Precisamos falar dos detalhes, principalmente, sobre

ficar aqui.

— Eu li o testamento, Franco. — Ele então fechou


totalmente a expressão. — Eu disse que os Reis têm poder. —

respirei fundo. — Li tudo o que foi possível sobre os Toledo, mas

principalmente, o testamento.

— Como...

Ele respirou fundo, como se segurasse.

— Sei que foi uma invasão de privacidade, mas... —

Apontei com a cabeça, para Jasmine que puxava a mala de um


lado para o outro e sorria. — Valeu a pena, por ela.

— Não pode fazer o que quiser conosco, porque vai nos

ajudar.
— Não está em dívida comigo, nunca — assumi,
encarando-o profundamente. — Como disse, faço isso pela

Carolina que teve alguém por ela, no momento que mais

precisou.

— Ela gosta de você, se magoá-la, eu juro que te coloco

para fora daqui na mesma hora. — sorri de lado, diante de sua

rudez. Eu estava me acostumando com aquilo.

— Se eu a machucar, eu me coloco para fora daqui. — bati

levemente em seu braço, e só então percebi que foi

completamente espontâneo. Eu era de toques, e Franco, com

certeza, não. Nem tínhamos intimidade para tal coisa. — Ok, onde
vou ficar?

— Podemos só fazer de uma forma que...

— Pareça que eu vivo aqui? — assentiu, como se fosse

fácil. — Não vou morar aqui pelo tempo que é exigido no


testamento, apenas o suficiente para que os advogados que

acionei, encontrem a brecha que livrem vocês de ameaças. Você


de perder a guarda e Jasmine de perder o que é dela por direito.

— Parece saber mais da minha vida do que eu agora.


— Na verdade, só sei sobre os dois pontos que mencionei.
— dei de ombros, e senti os olhos dele tão profundos nos meus,
que quase poderia me afogar ali. — Você continua um mistério,

Franco Esteves.
CAPÍTULO XVIII

“No meio da noite, em meus sonhos

Você devia ver as coisas que fazemos, amor, hm

No meio da noite, em meus sonhos

Eu sei que vou ficar com você, então vou no meu tempo

Você está preparado para isso?"[24]

CAROLINA

— Pode deixar as malas aqui. — Franco falou, e Jasmine

soltou a que trazia, bem na entrada. — Eu vou só tomar um


banho rápido e já volto para subi-las.

Olhei ao redor, e Jasmine estava ainda perdida em si,

correndo com a mala na grama da frente. Foi quando notei um

violão colocado ao lado do banco branco ao lado da porta.

— Jas! — chamei, e a pequena me encarou. — Você toca?


— indaguei, sentindo o nervosismo tomar conta do meu corpo.

Por que eu estava assim?

— O papai — ela falou, surpreendendo-me, e se

aproximou, subindo a mala, e deixando-a ao lado das outras

duas. — O papai me contou que se ofereceu, tia. Obrigada


mesmo, por ajudar a gente.

Sorri, porque com ela era fácil assim.

— Não precisa me agradecer. — pisquei um olho. —


Depois, vamos conversar direitinho sobre alguns pontos, do que

você gosta ou não em casa, para que eu não faça nada que te

incomode ou...

— A senhora já faz muito estando aqui... — fiz uma careta,


e ela pareceu notar. — Você. — Corrigiu rapidamente.

— Olha só, sabe o que descobri ontem a noite... — seus


olhos pareciam curiosos e notei algumas sardas espalhadas pelo
seu rosto, expostas pelo sol. — Que seu aniversário de quinze
anos é daqui a menos de um mês.

— Sim! — ela deu um grito, quase pulando. — Quer dizer,


sim. — pareceu tentar se corrigir. — Como soube?

Fuxiquei sua vida todinha noite passada.

— Como não saberia? — pisquei um olho, deixando vagar

aquela resposta. — Mas, me diz, quais são os planos?

— Eu... Eu não sei quanto tempo vai ficar ajudando a

gente, mas... Sei que pode ser minha amiga, mesmo quando

parar de ser minha tutora. — Engoli em seco, sentindo-me

estranha simplesmente por imaginar tal coisa. — Queria saber se

pode me ajudar com a minha festa de quinze anos.

— Ok, espera aí! — fiz um sinal com o dedo, e levei uma

das mãos ao peito. — Está pedindo para Carolina Reis lhe ajudar
a dar uma festa? Assim, mas, “a festa”?

— Sim! — sussurrou, e notei sua empolgação escondida.

— Mas só se puder e se não atrapalhar, e se quiser e...

— Ok ok! — toquei seus ombros, fitando-a. — Já viu o meu

instagram? Jas, eu sei como dar a festa que quiser.


— Jura? — perguntou e negou com a cabeça ao mesmo

tempo, acreditava que para minha questão. — E gostaria de me


ajudar?

— E eu sou de negar uma boa festa? — ela deu um pulo,


praticamente se pendurando contra meu corpo, e eu ri da sua

empolgação toda. — Mas precisamos começar para ontem...

— Eu tenho várias ideias e referências no Pinterest. —


falou, ainda agarrada a mim, e a mantive no ar um pouco. Ainda

era mais alta que ela, também, pela ajuda dos saltos.

— Quem você tá garrando aí, menina?

Pisquei algumas vezes, assim que Jas se afastou, e então


notei um claro peão, com um chapéu branco na cabeça. Ele

deveria ser um pouco mais velho que eu, talvez uns vinte e oito, e
me encarou de cima a baixo.

— Carolina Reis. — falei, descendo da entrada, e lhe


estendendo a mão. O que eu diria? Não poderia simplesmente

dizer que era uma acordo que tinha com Franco para ser a tutora
de Jasmine e os livrar dos Toledo, certo? — Namorada do Franco.
— foi o que saiu, e notei Jasmine disfarçar uma risada.

Aquela menina me lembrava Igor.


— E ele namora desde quando? — o homem pareceu

completamente surpreso, e me olhou por inteira. — Ainda mais,


uma moça da cidade.

— Para de ser sem educação, Serginho. — Jasmine bateu


contra o chapéu dele, quase o derrubando. — Por que saberia

dos relacionamentos do meu pai?

— Porque eu trabalho aqui, oras. — respondeu, e vi-me


sem entender muito. — Desculpa o mal jeito, moça. — neguei

com a cabeça e ele apertou minha mão. — Eu...

— O que tá fazendo, Sérgio?

— Conhecendo a namorada docê. — Ele sorriu todo


galante, e soltou minha mão. — Como eu não sei que tá de rolo?

— Vai trabalhar, Sérgio. — A voz de Franco soou mais


irritada que o normal, e o homem de cabelos longos escuros à

minha frente, deu uma risadinha.

— Um prazer, patroa. — Fez um sinal com o chapéu e


fiquei ali parada, sem entender nada.

Vi-o subir em um cavalo ali próximo, e acenar novamente.

Vi-me acenando com a mão, e me virei para Franco.


— Foi o que consegui inventar na hora — sussurrei, e dei
de cara com seu peito, coberto por uma camiseta preta, e o cheiro
de baunilha me atingiu por completo. — Acho que é inteligente,

todo mundo acreditar que a gente tá junto, principalmente...

— Eu voto SIM! — Jasmine se adiantou, e levantei meu

queixo, dando de cara com aquele rosto, que daria tudo para
dizer que era feio, mas o homem parecia esculpido. O que eu não

daria para ver um sorriso? Merda!

— Eu voto SIM! — falei, engolindo em seco, e forçando um


sorriso.

Ele apenas assentiu e se afastou, indo até as malas.

— Não vai votar? — perguntei, seguindo-o, e o mesmo

pareceu sequer escutar. — O que foi? — insisti, ao adentrar a


casa junto a ele.

— Vou te mostrar o seu quarto, e tenho que trabalhar. —


Parou de repente, e trombei contra suas costas.

Não foi uma escolha inteligente não usar sutiã naquele dia.
Porque aquele breve contato, me fez tremer por completa, e não
de um modo ruim. Vi-me tentando cruzar os braços e disfarçar, e

agradeci aos céus por ele não se virar por completo.


— Vou tentar terminar rápido para conversarmos sobre
tudo que é preciso — assenti, e olhei para qualquer lugar, menos
para suas costas. — Jasmine tem aulas de inglês hoje, então,

fique à vontade.

— Tudo bem — falei, e continuei encarando o piano mais

longe dali.

— Carolina?

Voltei meu olhar para ele, como se fosse apenas

obedecendo uma ordem. Que diabos! Ele então estava me

encarando, e o ar me faltou um pouco. Aquela atração era


tamanha, que não podia ser apenas eu surtando a escondendo.

Tive a confirmação ao ver os dedos dele praticamente brancos

contra as duas malas que segurava, como se descontasse nelas,

o que queria realmente fazer.

— Sim. — falei, fingindo-me da maior sonsa possível.

— A casa é sua — assenti, e respirei fundo, sorrindo de

lado. — Pode ir onde quiser e mexer no que desejar.

— Certo.

Ele então assentiu e já se virava, quando a minha boca

pareceu ter vida própria.


Sepá ela tem vida própria...

— É tão surreal que esteja com alguém como eu?

Ele então me encarou, e abriu a boca algumas vezes, mas

nada saiu.

— Pelo jeito, é sim. — Mordi o lábio inferior, pensando


sobre. Algo dentro de mim doeu, e tentei ignorar tal sensação. —

Vou guardar a desculpa de os opostos se atraem pra qualquer um

daqui da fazenda que perguntar. Bom, vamos ver o meu quarto.

— Claro.

Assentiu, e o clima que era de pura tensão sexual, se

transformou no pior tipo de tensão. Como se eu fosse um membro

deslocado naquele lugar, e não que me incomodasse tal coisa. Eu

estava acostumada a me sentir assim no interior, porém, ali,


aquele deslocamento me atingiu pela primeira vez.
CAPÍTULO XIX

“Anos atrás, estávamos lá dentro

Com os pés descalços na cozinha

Novos começos sagrados

Isso se tornou minha religião"[25]

CAROLINA

— Então você tem dias cheios quando está de férias...


Piano, violão, inglês e francês, pintura... Gosta mesmo de tudo

isso?
— Mamãe pediu que eu aprendesse tudo o que pudesse,

para que escolhesse o que queria ser. — Olhei-a atentamente. —


Ela pediu para o papai, no caso. E eu gosto de tudo o que faço...

Na verdade, desisti de cara dos esportes.

— Sou péssima em esportes também — admiti, e ela riu de

lado. — Podemos apostar uma corrida, e quase certeza de que

vou perder.

— Não conte muito com isso. — Ri para ela, enquanto


Jasmine me ajudava a tirar algumas coisas da mala, e as

organizava no grande guarda-roupa do quarto em que ficaria. Era

do lado do de Franco, e bem próximo ao dela.

Ele tinha saído há algum tempo, e depois que o fez, foi

como se pudesse voltar a respirar. E com Jasmine, mesmo

sabendo que eu não era dali, eu me sentia em casa. Uma

sensação que não podia evitar.

— O que é isso? — perguntei, notando o caderno que ela

tinha mais cedo, e que agora, estava jogado no meio da cama,


perto de tudo.

— Meu diário. — Coloquei mais um cabide e a encarei. —


Eu sempre carrego ele, porque esqueço fácil algumas coisas, e
quando gosto muito, eu escrevo. Ou quando quero rever coisas
que gostei muito.

Ela então pegou o caderno e trouxe para si, abrindo em


uma parte marcada, e o virando para mim.

— Não! — fechei os olhos e levantei as mãos, como se

fosse um ato criminoso. — É o seu diário.

Ela riu alto.

— Pode olhar, tia Barbie.

Abri os olhos meio desconfiada, e não o fiz por completo.

— Essa é a mamãe. — foi então que me aproximei, pela

sua animação e amor ao falar. — Ela tinha os cabelos como os

meus, e era muito bonita. — Olhei para a foto de uma mulher que
parecia a versão mais velha de Jasmine, só que com olhos

escuros. Ela sorria segurando um pincel, e com um quadro em

branco atrás.

— Muito bonita — falei, porque era de fato.

Um sorriso que parecia iluminar qualquer lugar. E por um

segundo, eu entendi como alguém como Franco poderia ter se

casado. Não que pudesse julgá-lo pelo seu jeito atual, mas era
como se entendesse que ele era fechado demais para se

apaixonar. Mas um sorriso daqueles, o faria. Com toda certeza.

— Tão bonita quanto a senhora.

Olhei para Jasmine, completamente sem reação. E não era


pela forma que ela me chamou.

— Ela ia gostar da senhora... — negou com a cabeça. —


De você.

— Bom, não sei. — Admiti, sorrindo de lado. — Não é todo


mundo que gosta de mim. — pisquei um olho, tentando deixar
aquela conversa menos pesada. — Posso ser sincera e briguenta

demais, às vezes.

— Vai brigar comigo? — sondou-me, fechando o caderno e


poderia jurar que aquela era a princesinha do deboche.

— Se não me contar, eu tenho que saber se terá um

príncipe para os seus quinze anos.

— Eu já tenho o rei, que é o papai. — Olhei-a quase me

desmanchando pela fofura.

Adolescentes não eram difíceis? Por que Jasmine era tão

fofa e querida?

— Mas tem uma pessoa...


— Sempre tem — falei empolgada, jogando-me ao seu

lado na cama, e esperando a fofoca — Qual o nome dele?

— É ela.

— Ah. — Abri a boca surpresa. — Então temos uma


princesa para outra princesa... Quem é ela? — insisti, porque o

que de fato me importava era saber quem era a pessoa que


Jasmine falava com os olhos brilhando.

— Minha melhor amiga — assenti, esperando por mais


informações. — Quer ver uma foto dela?

— É claro que sim! — falei animada, e ela caçou o celular


rapidamente sob as roupas. — Jas...

— O quê? — indagou, enquanto pegava o aparelho e


parecia procurar a foto de quem deveria ser seu primeiro amor.

— Quem mais sabe? — perguntei, e senti um leve peso no

meu peito. O medo se instalando ao repensar e pensar sobre o


quanto o simples fato de ela gostar de alguém do mesmo sexo,
poderia fazer outras pessoas a machucarem. E eu não permitiria.

Não poderia permitir que o fizessem.

— O papai e os pais dela — falou, respirando fundo. — É


um namorinho ainda, nada... — deu de ombros. — Mas gosto
dela, tia. Por ser férias eles estão viajando, e eu até ia junto, mas
os Toledo não permitiram.

— Que filhos da... — parei no mesmo instante, e ela riu. —


Desculpe, eu...

— Eu não os considero minha família. — Fiquei surpresa.

— Não falo tão mal deles por conta do papai tentar honrar a
memória da mamãe, mas... — deu de ombros. — Eles são
péssimos, todos eles. Do meu tio Alberto, o qual sempre aparece

para me perseguir, até os piores que são os que mandam ele


fazer.

— Cristina e Valter, né? — ela assentiu de imediato.


Descobrira que eles eram os outros tios, mais velhos de Jasmine,

mas que nunca apareciam. — Eu fiz minha pesquisa, desculpe.

— É sinal que se importa. — Riu lindamente. — Essa é a

Daiana. — Foquei então na foto em seu celular, e morri de


amores ao ver que era uma foto das duas, abraçadas, no que

deveria ser um aniversário. — A gente se beijou pela primeira vez


no começo do ano, e foi quando descobri que gostava dela... —
riu baixinho. — Quando contei pro papai, foi tão engraçado.

— Por quê?
— Porque ele ficou sem reação. — Olhei-a esperando por
mais. — Ele parecia ter calculado todas as pessoas que poderiam
julgar a gente, e jurei que ele compraria alguma arma para nos

proteger.

— Ele é um bom pai, né?

— O melhor de todos. — sorriu e respirou fundo. — Fico

feliz que você apareceu e conseguiu tirar um pouco do que ele


teve que segurar sozinho por esses quatorze anos... Sei que ele é

todo fechado, mas é um bom homem. O melhor, na verdade.

Notei a forma como ela parecia fazer uma leve propaganda


do pai, e apenas apertei seu nariz, o qual ela enrugou.

— Ele é meu namorado de mentira por algum tempinho,

acho que até o seu aniversário. — Ela não pareceu muito

contente com a minha pontuação. — Mas eu, Jas... para você, eu


vou sempre estar aqui. Seja eu morando na capital ou não. Seja

você viajando o mundo. Essa conexão e troca que a gente teve

de imediato... — fiz um sinal entre nós. — Isso nada quebra.

— Nada. — pontuou, segurando minha mão livre, e sorri


para a mesma.
Aquilo tudo poderia ser uma mentira para o bem, mas ela

não. Ela era totalmente real.

FRANCO

Eu estava exausto.

Talvez tivesse exagerado no esforço, mas precisava

descontar toda aquela tensão que sentia em meu corpo em


alguma coisa. Em algo que não fosse um sorriso lindo e cabelos

loiros que caíam perfeitamente.

Quando adentrei minha casa, escutei risadas femininas, e

não demorei para localizá-las na sala de jantar, sentadas na


mesa. Carolina mostrava algo para Jasmine no celular, e as duas

pareciam realmente entretidas naquilo. Meu coração ficava

apertado, principalmente, pelo fato de que Carolina Reis era a

primeira pessoa mais velha, que via Jasmine confiar tão


facilmente.
Não que ela não o fizesse com outros, mas com Carolina,

era mais visível.

Como se me sentisse ali, logo o olhar azul parou no meu, e

seu sorriso se desfez um pouco. Fiz um leve aceno com a


cabeça, e ela parecia um tanto perdida. Não saberia dizer como,

mas as coisas conseguiram ficar estranhas logo após a sua

indagação mais cedo. O que eu poderia dizer?

Eu nunca me imaginei dividindo um teto com alguém mais.

Não depois de Pâmela. Não era como se tivesse estado sozinho

por todos aqueles quatorze anos, mas a realidade era que sexo
casual com alguém que queria simplesmente o mesmo, era fácil.

Já Carolina, era uma estranha, que se tornou tutora da minha

filha, e a fazia rir de uma forma que só a via fazer comigo.

Eu não me daria a dúvida de deixar algo acontecer, com


tanto em jogo. Principalmente, por saber que o gosto dela era tão

bom e viciante quanto aparentava. Eu não podia perder a cabeça

de tal forma novamente. Aquele beijo foi algo de momento, não é

como se fôssemos nos beijar, transar e nos apaixonar. As


palavras dela se prenderam em minha mente, e me apeguei a

cada uma delas.

Eu não deveria sequer estar me questionando.


— Já comeram? — perguntei e só então Jasmine notou

minha presença.

— Eu esquentei as marmitas que a gente tinha. — Jasmine

explicou. — Podemos comer pizza hoje ainda?

— A gente comeu pizza ontem, pequena.

Ela fez uma leve careta.

— Só para comemorar meu primeiro dia aqui. — Carolina

intercedeu, e seu olhar parou no meu. Queria negar de imediato,

mas ela parecia apenas tentar deixar as coisas mais simples. Ela
já estava me ajudando e sem pedir nada em troca, o que eu

poderia negar a ela? — Pizza de quatro queijos, marguerita e

portuguesa, o que acham?

— Pode pedir, Jas — falei para minha filha que deu um


pulo no lugar animada. — Vou tomar um banho, e não esquece

que tem que treinar aquela música no piano.

— Estava só te esperando chegar. — ela fez uma careta e


acabei sorrindo de sua petulância. — Vou já começar a treinar,

enquanto toma banho.

— Certo... — desviei meu olhar para Carolina, que parecia

levemente surpresa com algo, com os olhos levemente


arregalados. — Precisa de algo? Está à vontade?

— Eu estou bem — respondeu simplesmente, e desviou o

olhar. — Jas me mostrou tudo que era preciso e conheci um

pouco da fazenda hoje.

Assenti e apenas me vi seguindo em direção ao andar de

cima. Quando fechei a porta do meu quarto, vi-me puxando o ar

com força e quis negar aquela sensação. Passei a mão pelo rosto
e tentei não pensar muito a respeito, mas era impossível.

Eu sabia que estava atraído por ela.

Sabia que a ver todo dia, debaixo daquele teto, não seria

fácil.

Mas eu tinha que ignorar tal sensação, porque não era


justo estar assim. Aquilo não era uma história de amor, das tantas

que Pâmela contava e sonhava, das quais ela pensou que a

gente pudesse ter, e talvez, um dia até tivéssemos. No fim, me


sentia exausto. Porque minha vida que era uma linha reta, já

demarcada e contínua, se tornou um enrolado cheio de contornos

diferentes, desde que Carolina Reis apareceu.


CAPÍTULO XX

“Ele diz: Olhe para cima

E seus ombros te tocam

Sem provas, um toque

Mas você sentiu o bastante"[26]

CAROLINA

— Sabe que não sou um bebê para em colocar na cama.

— Ouvi Jasmine reclamar, e me vi sorrindo parada no corredor.


Nós tínhamos tido um dia cheio. Ela preencheu boa parte

dele, e a noite que poderia ser estranha, apenas se tornou um


momento calmo e bom, ouvindo-a tocar piano, e tentando segurar

a vontade de analisar cada pedacinho de Franco quando ele

parecia compenetrado na filha.

Respirei fundo, e ouvi a leve risada ele.

Pois é, ele sorria.

E o sorriso dele era lindo.

— Quem vê pensa que não é você que me cobra de te


colocar na cama de vez em quando. — Poderia até imaginar

Jasmine fazendo uma careta. — Quer que eu cante hoje?

— Sempre, papai.

Encostei-me contra a parede do outro lado do corredor e

por um segundo, segurei a respiração. E no seguinte, ouvi a voz

dele bem baixa, que deveria ser o tom que a fazia claramente cair

no sono. Ao menos, deveria fazer antigamente.

“Nestes verso tão singelo

Minha bela, meu amor

Pra você quero contar


O meu sofrer e a minha dor

Eu sou quem nem o sabiá

Quando canta é só tristeza

Desde o gaio onde ele está...”

Vi-me cantando mentalmente a canção, enquanto ele a fez

por completo. Ele era afinado e poderia jurar que eu dormiria,

mesmo com sua voz grossa ressoando em meu ouvido. Era


gostoso de se ouvir. Acreditava não pelo fato de ser uma bela

voz, mas por ter tanto sentimento nela.

Fiquei perdida ali, ouvindo-o, e quando ele parou, pensei

em apenas sair de fininho e seguir para o andar debaixo, que era


meu objetivo desde o segundo em que saí do meu quarto. Meu

quarto. Era tão estranho como tudo acontecia entre nós, mas ao

mesmo tempo, eu sabia que estava no lugar certo.

Onde Verô esteve por mim, eu estava por Jasmine.

— Podemos conversar?

Dei um pulo no lugar e levei a mão ao peito, pelo susto.

— Homem do céu! — sussurrei, e notei seu olhar um tanto

divertido. Quantas facetas aquele homem tinha e escondia? —


Claro, podemos — respondi tentando não pensar muito no susto,

mas meu coração estava na boca.

— Pode ser lá fora?

— Ahan, só vou pegar um cardigan, então.

Ele assentiu e vi-o seguir para o andar debaixo. Fui

rapidamente para o meu quarto, peguei o cardigan favorito e


desci atrás dele. Não demorei a encontrá-lo, sentado no banco
branco, que mais cedo notara o violão ao lado.

— Dia cheio? — perguntei, tentando lembrar que eu era


Carolina Reis, uma pessoa que sempre sabia o que dizer ou

sobre o que falar.

— Um pouco. — Tirou o chapéu e colocou-o no colo. —


Como foram as coisas?

— Mais naturais possíveis — assumi, encostando-me

contra a pilastra à sua frente, e ficando a uma distância que


considerei segura. — Jasmine é uma boa menina. E você é
realmente um bom pai. — Seu olhar parou no meu, como se não

esperasse. — Vocês são ótimos juntos.

— O que você realmente quer fazer aqui, Carolina? —

indagou, claramente escolhendo suas palavras. — Precisamos


conversar sobre o que você precisa e quer, e quanto tempo isso

vai durar. E principalmente, preciso entender porque está fazendo


isso. O que quer em troca.

Ele que sempre me parecia tão calado e em seu mundo, de


repente, se tornou uma metralhadora de palavras.

— Quero que Jas tenha a chance que eu tive. — falei e


apertei levemente as mãos contra a calça de moletom rosa que
vestia. — É tão difícil acreditar que não quero nada em troca? —

indaguei, e seu olhar segurou o meu, como se ele realmente


tivesse dúvidas. — Bom, não é normal uma pessoa que você

conhece há poucos dias, querer assumir o lugar de tutora da sua


filha e te ajudar a se livrar do lixo.

— É algo muito pessoal?

— Tão pessoal quanto a sua vida que eu pesquisei sem

autorização. — admiti, e respirei fundo. — Posso? — apontei para


o lado vazio do banco, e ele assentiu de imediato.

— Onde quiser, a casa é sua também agora. — Mordi o


lábio e por um segundo, destetei o fato de que eu gostaria mesmo

era de sentar-me sobre ele.

Porra, Carolina!
Sentei-me bem na ponta, e tentei parecer completamente
natural. Levei as mãos até meus joelhos e minha mente se
perdeu um pouco. Por que eu sentia que podia falar sobre

qualquer coisa com ele? Um completo estranho? Por que aquilo


me atormentava tanto?

Eu não tinha qualquer resposta, então, apenas me vi


fazendo o que poderia.

— Acho que não é surpresa saber que sou rica, de uma

família muito rica. Herdeira...

— Patricinha. — Ele complementou e notei a leveza em

sua voz, como se ele tentasse suavizar o que acontecia, e tive


que rir. Não esperava tal atitude. Era como se ele também não

entendesse como poderia confiar em mim, mas o fazia.

— A patricinha. — corrigi-o e sorri. — Mas nem tudo é

perfeito para quem nasce em berço de ouro, e você parece saber


um pouco, devido a mãe de Jasmine. — ele assentiu e notei seu

semblante mudar. — Somos em cinco, como Igor disse mais


cedo. Verô é a mais velha – a que conversou quando foi buscar
Jasmine, temos praticamente 12 anos de diferença uma da outra.

E ela... Ela me criou. — senti meus olhos marejarem, apenas por


recordar. — Um resumo é que nossos progenitores nunca foram
nada além disso, nada... — frisei, respirando fundo. — Quem nos
protegeu com unhas e dentes, sempre, foi nossa avó. Mas ela
tinha uma saúde delicada e quando faleceu, Verô foi quem tomou

conta de tudo. Se não fosse por ela, aos dezoito anos, abdicar de
tudo pela gente, e lutar pela gente... Eu não estaria aqui, com

certeza. — tentei não pensar muito e voltar àquelas lembranças.


— Quando conheci Jasmine, eu senti uma conexão. E quando
soube da história em si, eu entendi que não era por acaso. —

Levantei meu olhar e encontrei o de Franco, no meu. — Não

acredito em acaso, mas sim, em destino.

— Eu não sei o que dizer. — Admirei-o pela sinceridade.

— Só saiba que não quero e nem espero nada em troca,

eu só... faço o que sinto. — Respirei fundo, sorrindo de lado. —

Não posso ver alguém tentar controlá-la, do mesmo jeito que


fizeram comigo desde que nasci, e ficar parada. Eu tenho o poder

que tenho com esse sobrenome Reis, e pela primeira vez,

encontrei utilidade.

— Nunca entendi porque sobrenomes têm tanta

importância. — Eu fiz uma careta, concordando.

— Eu odiei o meu por anos, até entender que o sobrenome

significava o que eu queria que ele significasse. E hoje, ele


significa eu, Igor, Murilo, Tadeu e Verônica. Nós cinco, e sempre

nós cinco.

— Saber que conseguiu acesso aos papéis do testamento

e outras informações, me assustou. — Olhei-o surpresa. — Estou

acostumado a lidar com o que posso sozinho. E nunca, o meu


sobrenome teve qualquer peso nisso. Mas eu sei que estou no

limite do que posso fazer. — ele pareceu levemente atormentado.

— Não quero confiar em você, principalmente, minha filha a

você... mas eu sei que não tenho escolha.

— Não vou culpá-lo por não confiar em mim. — Assumi. —

Confiança se constrói, Franco.

— Eu só... — vi-o deixar o chapéu do lado do banco, e


espalmar o mesmo. — Eu só nunca me imaginei em uma situação

assim.

— Parece que nunca pensou em falar com ninguém sobre

isso. — seu olhar saiu do nada à nossa frente e voltou para o


meu. — É como se... — fiz um sinal ao seu redor. — Tivesse uma

barreira enorme à sua frente, uma armadura.

— O que quer dizer?


— Conheço pessoas como você — falei, e notei-o

endurecer a expressão. — Não é uma crítica... — ri de lado. —

São pessoas que eu amo... — pensei sobre Tadeu, e


principalmente, Verônica. — A vida os fez assim.

— Eu te julguei e à sua família, no primeiro momento que

pude... — notei-o engolir em seco, e baixou levemente a cabeça.

— E agora estou aqui, dependendo de você.

— Ei! — vi-me apenas levando minha mão a dele e

apertando. Senti o leve acelerar por cada parte do meu corpo, em

sua pele na minha. Tão certo. Tão inevitável. — Eu te julguei


como um bruto insensível. E bastou um pouco para perceber que

não tem nada da segunda característica.

— Ainda me acha um bruto?

— Ainda me acha uma patricinha?

E foi então que senti seus dedos tocarem levemente nos


meus, e um vislumbre claro de sorriso no canto de sua boca. Meu

olhar se perdeu bem ali, e tentei dizer a mim mesma que não

podia achar aquilo tão bonito.

Que não deveria estar pensando em nada mais que ajudar.

Mas quando ele se virou de fato, e o sorriso estava ali, foi como
se eu desmanchasse como uma criança.

Era a primeira vez que Franco Esteves sorria para mim.

E pareceu como se eu estivesse esperando por toda a vida

por aquele momento.

Puxei levemente minha mão, e tentei disfarçar as batidas

erradas do meu coração. Elas não podiam bater por ele, não
mesmo. Não depois que as minhas expectativas de amor terem

se tornado praticamente tão altas. Assistir meus irmãos viverem

histórias de amor tão bonitas, fez-me desejar apenas que fosse


assim – não menos.

E eu não podia fantasiar com Franco.

Era claro que ele não queria algo daquela maneira.

Mas e se ele quiser? Minha mente atormentou e fiz


questão de apenas tentar ignorar.

— Então somos um casal de falsos namorados, e apenas

minha filha e seus irmãos sabem? — indagou, o sorriso

diminuindo e logo desparecendo, e vi-me desejando-o


novamente.

— As minhas cunhadas e os Torres também devem estar

fazendo, lembrando que uma das cunhadas é uma Torres — ele


assentiu ligeiramente. — Mas eles não vão falar para ninguém.

Igor é um fofoqueiro de primeira, e nem preciso te explicar sobre

Bruno Torres, mas quando se trata de família, eles sabem ser

discretos.

— Espero que isso dê certo. — admitiu, e vi-o colocar o

chapéu novamente.

— Vai dar, eu tenho certeza. — pisquei o olho, levantando-

me. — E sobre o tempo que vou ficar, talvez até o aniversário de

Jas, que me pediu para ajudá-la. Pode ser que nos livremos dos

Toledo antes, mas...

— Não pode dizer sempre “sim” para ela. — Revirei os

olhos. — Carolina!

— Meu nome. — sorri de lado, e notei sua expressão

endurecer. Ele ficava tão bonito quando fazia aquilo... — Eu sou a


patricinha das festas, fica tranquilo. Não estou fazendo nada que

não quero. E vai entender que nunca faço o que não quero.

— Mimada?

— Completamente. — Sorri, sem poder negar. — Algo

mais?
— Apenas... obrigado. — notei então sua expressão

suavizar. — Por nós dois, obrigado.

— Acho que posso pedir algo em troca... — falei, e encarei

o violão ao seu lado. — Quando isso acabar, quero que toque

para mim.

— Quem disse que eu toco? — indagou, e apenas insisti


com o olhar, e ele com certeza soube a resposta. — Isso é um

acordo?

Estendeu a mão e eu sorri, porque só conseguia pensar


em um dos livros feéricos que li nos últimos anos, e que poderia

jurar que uma tatuagem apareceria em mim, assim que apertei

sua mão e disse “isso é um acordo”. Porém, quando seu toque

estava no meu, novamente, senti uma paz misturada a toda


bagunça que ele me transformava.

Apenas ele.
CAPÍTULO XXI

“Nós éramos uma página nova na mesa

Preenchendo os espaços em branco enquanto avançamos

Como se as luzes da rua apontassem para a ponta de uma flecha

Nos levando para casa"[27]

CAROLINA

— O bom é que você não costuma sair muito, então os


boatos do nosso namoro vão correr pelos seus peões e tudo

mais. — Fiz aspas com os dedos e Franco me encarou sobre a


xícara de café. — Não precisamos parecer próximos a não ser

que os Toledo apareçam ou algo assim.

— Vocês acordam cedo. — ouvi a voz de Jasmine, a qual

parecia se arrastar até a mesa, e eu ri da cena. — Por que meu

despertador tocou agora?

— Porque a gente vai ver as coisas pro seu aniversário,


mocinha. — Ela se jogou na cadeira ao meu lado, e abriu um

olho, sorrindo de lado. — Conheço a cidade, mas não a fundo,

para saber o que preciso encomendar na Capital, ou se

precisamos ir até lá ver algo...

— Eu adoraria viajar para lá.

— Jasmine. — a voz de Franco soou firme, e virei-me para


ele. — Lembra-se do que conversamos?

— Vamos com calma. — Repetiu, e fechou o olho

novamente. Ela realmente não era uma pessoa matinal. — Eu


posso ir com calma dormindo mais um pouco?

— Eu ainda vou correr — comentei, e ela apenas saiu da

cadeira e migrou para o sofá mais próximo. — Ela acordou muito

mais cedo do que combinamos — falei, sorrindo para Franco, que


parecia mais sério que o normal.
Mais do que encontrei quando desci as escadas, e ele já
estava fazendo café.

— Estou fazendo algo que está te incomodando? —


indaguei, sabendo que jamais cruzaria uma linha entre a

educação da filha dele comigo.

— Só não estou acostumado a ter Jas fazendo tantas

coisas fora e com outra pessoa — assenti, e ele pareceu pensar


em algo. — Mas ela cresceu e quer isso, então... Não posso

impedir.

— E sobre a Capital...

— Isso não — falou, respirando fundo. — Eu sei que

parece certa sobre o poder da sua família, mas não vou arriscar a
Jasmine ir para lá e nunca mais voltar...

— Já fizeram isso, né? — minha pergunta foi mais retórica


do que qualquer outra coisa.

— O pior mês da minha vida — assumiu, e notei que a

gente tinha uma relação de confiança em crescente.

— Como saiu dessa?

— Meus irmãos. — Comi mais um pouco do iogurte que ele

me ofereceu mais cedo, e o encarei. — Eles são ricos, ou melhor,


enriqueceram... E puderam me ajudar no tribunal.

— Não vejo quase nada deles pela casa — falei. — Tem

alguns porta-retratos seus com a Jas, com a Pâmela... Mas não vi

nada além de uma foto que posso suspeitar ser deles.

— Não somos como a sua família. — parecia ser uma


explicação suficiente para ele. — Mas Jas sempre os convida

para o aniversário.

— Ela me disse. — Sorri ao me lembrar da nossa

conversa. — E todos os detalhes que quer fazer acontecer —


continuei, empolgada. — Estou adorando que vamos ter algo tão

grande para fazer durante esse tempo.

— Sabendo disso, aqui... — ele colocou um cartão sobre a

mesa, e notei o seu nome gravado no mesmo. — Para a festa


dela.

— Franco, eu posso...

— Eu sou o pai dela, Carolina — cortou-me, não de forma


grossa, o que me surpreendeu. — Eu sei que é claro que não sou

dono de nada aqui, e muito menos sou rico, mas eu poupo


bastante.
— Se não aceitar, vai ser um golpe no seu ego de pai? —

indaguei, levando uma das mãos ao cartão e o encarando. —


Sabe o quanto eu gasto sem qualquer controle?

— Tenho muitas economias. — Sorri, pegando o cartão e


deixando-o próximo de mim. — Apenas não a leve para a Capital.

Eu entendo que talvez convide Daniela para ir junto ou até


mesmo seus parentes, mas não...

— Eu não faria sem sua autorização, nunca. — Pontuei, e

o encarei profundamente. — Quando a levei para a casa de


Tadeu sem pedir permissão foi porque senti que ela precisava

daquilo, e eu sequer tinha contato com você. Isso não vai


acontecer de novo, prometo.

— Sua espontaneidade me surpreende, toda vez que


conversamos — falou, levando a xícara à boca novamente.

— Eu sou uma caixinha apenas de ótimas surpresas. —


Pisquei um olho, e vi-o quase revirar os olhos. — Enquanto a

princesinha dorme, eu vou fazer meu cardio. Já basta a academia


que eu simplesmente fingi que não existe mais nos últimos
tempos.

— Seu corpo é lindo.


Até errei meu passo, batendo o dedinho do pé contra a
quina da mesa.

— Merda! — segurei o grito apenas porque Jasmine


dormia ali perto.

Escorei-me na mesa, e me surpreendi quando senti braços

fortes ao meu redor, e fui suspensa no ar. Meu dedinho latejava,


daquela dor chata que a gente detesta, porque parece que vai
nos matar nos primeiros segundos. Contudo, até a dor pareceu

desaparecer, quando percebi que estava como uma noiva nos


braços de Franco.

— Onde dói? — indagou, assim que me colocou na


poltrona.

— Eu só... — notei-o então ajoelhado à minha frente, e


nossa diferença de altura, o deixava quase próximo à mina boca.

Merda! — Eu só bati o bendito dedinho! — reclamei, como boa


dramática que era.

Ele piscou algumas vezes, levantando-se de supetão, e


acreditei que nem ele entendeu o que aconteceu. Um elogio, uma

estabanada, um desesperado... A gente parecia uma comédia de


primeira. Vi-me rindo assim que ele apenas migrou até a mesa e
retirou as coisas, sem sequer me encarar.

Pelos céus, a gente tava fodido!

Estão todos na casa do Ná hoje, bando de indecisos. Obs:

não aguento mais olhar para Bruno.

Ri alto, da mensagem que Jasmine leu para mim, enquanto

eu já estava próxima ao nosso primeiro destino.

— Apenas manda uma figurinha rindo dele — pedi para a


mesma, que o fez, e parecia realmente gostar de estar fazendo

parte daquela bagunça. — Já vou começar avisando... — respirei

fundo, ao notar a entrada da fazenda de Inácio Torres. — É muita


gente, mas vou te apresentar cada um. — pude sentir seu olhar

sobre mim.

Assim que me aproximei, notei Lucas em seu cavalo, que

me deu uma aceno. A fazenda de Inácio Torres era diferente da


de Jasmine. Tinha uma grande entrada, até chegarmos de fato à
casa principal, e por aquilo, dirigi até a frente. Não me surpreendi

ao ver os carros da minha família ali, e outros mais.

Famílias grandes e caóticas.

— Chegamos! — falei, e me virei para Jas, sorrindo.

Porém, meu sorriso morreu quando a notei com uma expressão


preocupada. — O que foi?

— Aquele dia, na casa do seu irmão, eu não pensei muito,

tia. — admitiu. — Mas e se eu estiver atrapalhando ou...

— Ei! — levantei seu queixo, e ela me encarou, piscando


algumas vezes. — Nunca pense que é um incômodo. Nunca!

Como eu te disse, eu e seu pai estamos numa mentira para que

não corram mais riscos de serem separados, mas nós duas... —

apertei levemente seu queixo. — Nós duas somos amigas para


sempre, Jas.

— Amigas para sempre — ela repetiu, e finalmente seu

belo sorriso voltou.

— Vai adorar conhecer dois ruivos como você. — Pisquei

um olho, e ela pareceu realmente animada, porque abriu a porta,

e pulou do carro. — Três, se contarmos com Fabrício, que acabou


de nascer.
Ela veio rapidamente até mim, segurando minha mão. Bati

na porta da frente, e logo a abri. Assim que adentrei a casa, notei

um espalhado das pessoas que eu conhecia tão bem.


Principalmente, meus irmãos, que pareciam exaustos.

— Bom dia, família! — falei, e notei o olhar de Tadeu vagar,

e parar na mocinha ao meu lado. — Trouxe alguém para

conhecerem e vim roubar Daniela.

— Jura, tia? — Dani gritou, aparecendo do nada do

corredor da cozinha, e eu ri. — Oi, Jas!

Vi-a correr até a mesma, e abraçá-la. Afastei-me

levemente, para que elas se cumprimentassem.

— Como está o meu ursinho favorito? — indaguei, parando

ao lado de Tadeu, que estava sentado na ponta do sofá, e Murilo

deitado sobre a perna dele, quase dormindo. — Parece acabado,


Mubi.

— Para de me chamar assim. — Tadeu rechaçou e eu ri de

lado.

— Estão os dois acabados porque ficaram checando a


respiração dos bebês a noite toda. — Igor apareceu, trazendo
consigo um saco de salgadinho. — Eu disse que são patéticos,

mas quase fiz o mesmo com o Theo.

— São patéticos fofos, pelo menos. — falei, e dei um beijo

no rosto de Tadeu, depois um em Murilo, que piscou algumas

vezes, acordando, e fui até Igor, fazendo uma careta quando ele

beijou meu rosto, cheirando a salgadinho fedido. — Onde está o


resto?

— No andar de cima, com as cunhadas mais lindas que

temos.

— Eu tenho mais uma — rebati.

— Obrigada por lembrar que eu existo. — Lisa falou,

aparecendo no alto da escada, com Theo no colo. — Temos visita

hoje!

— Oi, tia Lisa!

— Eu morro quando me chamam de tia, sério. — ela se

derreteu, e eu tive que rir.

Fui até Jas, e a trouxe para perto dos meus irmãos,


enquanto Dani vinha no encalço.

— Eu apresento seu pai ou você Dani?


— Eu eu eu! — Dani se adiantou, e eu sorri da mesma. —

Esse é o meu papai, Murilo Reis. — ela falou, levando Jas para o

lado do pai, que ficava sentado e colocava um sorriso no rosto.

— Ele tem o cabelo quase na cor do seu — complementei,


e Jas parecia encantada. — É quem separa as brigas da gente

desde criança.

Ela esticou a mão para ele, que apertou, e me deu um leve


olhar de “preciso saber mais”.

— É um prazer, Jasmine.

— Esse aqui é o Tadeu. — falei, soltando uma longa

respiração. — Ele tem essa cara de mau aí, mas é igual ao seu
pai, todo derretido. Tipo um ursinho carinhoso,

— Ursinho carinhoso? — ela perguntou, claramente não

sendo da mesma geração que a gente, e Tadeu só não me

mandou a merda, porque tínhamos crianças ali. Igor gargalhou e


trocamos um breve olhar.

— Oi, senhor Reis. — ela parecia ainda mais tímida e

usando o pronome de tratamento que tanto usou comigo.

— Só tio Tadeu ou... — ele respirou profundamente. — ou

Ursinho.
Olhei-a indignada, e ele me deu aquele olhar de “vou te

fazer penar na minha mão”.

— Perdeu a vaga no coração do ursinho, Carol. — Igor

provocou, e mesmo me fazendo de indignada, só queria abraçar

Tadeu por estar fazendo-a sorrir.

— Tá bem. — ela falou, ainda tímida.

— Aquele ali você já sabe, o irmão mais feio — falei,

apontando para Igor, que lhe ofereceu o salgadinho, que ela

negou. — Isso mesmo, não coma essas coisas de cheiro


duvidoso.

Ela riu, e levei-a até Lisa, já no andar debaixo.

— A Lisa você conheceu aquele dia no lago, mas pra te

refrescar a memória, é a esposa do irmão Reis feio, que ninguém


sabe como suporta ele — comentei, e Jasmine riu, dando um leve

beijo no rosto de Lisa, que se abaixou.

— Fala oi, Theo! — o mesmo ainda pequeno, levou as


mãozinhas até o rosto de Jasmine, e deu um sorriso largo, já com

alguns dentinhos aparecendo. — Ele ainda vai falar um oi melhor,

prometo. — Ela sorriu, enquanto Jas apertou levemente a

mãozinha dele.
— Val e Oli tão acordadas? — perguntei, e ela assentiu. —
Vou subir, então.

Fui até o andar de cima com Jas, e bati levemente na

primeira porta semiaberta. Assim que a adentrei, dei de cara com


o quarto em que Oli estava, e um berço ao seu lado. Quase todos

os seus irmãos estavam ali, e foi a oportunidade perfeita.

— Ok, vamos falar mais baixo porque temos um bebê aqui


— falei para Jas, e fiz um aceno para todos.

— Jasmine? — Inácio foi quem indagou, e se aproximou,

claramente curioso.

— Eu te contei que ela cresceu e ficou a cara de Pâmela —


Mabi sussurrou e notei o olhar de Jasmine se iluminar.

— Acho que eles te conhecem, mas você não deve se


lembrar de todos, certo? — perguntei, e ela assentiu. Sabia que o

pai dela foi próximo de Inácio Torres, algum dia, e que os Torres
eram conhecidos por todo o lugar, mas ainda assim, ela vivia

muito presa na fazenda. Mesmo que soubesse os nomes e rostos,


não tinha ideia de quem eram de fato.

— Querem que eu faça as honras? — indaguei, e Bruno se


adiantou.
— E me difamar? — rebateu, e chegou próximo a ela. — A
gente se viu no lago, e como pode perceber... — apontou para os
outros irmãos. — Sou o Torres bonito.

— Bruno. — Júlio se pronunciou, afastando-se do berço e


notei a careta de Olívia. — Eu sou Júlio, o Torres do meio, como a
Oli. — ele apertou a mão dela, que assentiu sorrindo.

— Vi o senhor no Instagram da tia Lisa.

— Por que eu sou senhor e a Lisa tia? — ele rebateu, e ela


riu de lado. Júlio Torres sabia ser galante.

— Eu sou a melhor amiga da tia Lisa, a tia Babi. — A

esposa dele passou à frente, e sorriu para Jas. — Sou esposa do


metido aqui.

— Oi, tia Babi. — ela riu abertamente.

Uma coisa que tanto Reis quanto Torres adoravam, eram

se tornar tios. E eu sempre ria do fato.

— Vocês são lerdos, e a gente ainda tem que passar o dia


todo no centro. — cortei-os e parei à frente de Inácio e Mabi, ao

lado da cama de Oli. — Esse é o Inácio, o conhecido do seu pai,


que tem o mesmo tipo de cara feia dele. Feia porque quer deixar
assim. — Ele bufou ao lado, mas não disse nada, e ouvi maria
Beatriz sorrir. — Essa é a Mabi, esposa dele, e a Torres favorita
da Verô.

— Vou nem brigar por isso.

Sorri da fala de Olívia, porque sabia que o começo dela

com Verô não foi mil maravilhas.

— Essa é a responsável por eu ter que tolerar os Torres...


— provoquei, e ouvi Bruno bufar.

— A mãe da Dani e esposa do tio Murilo.

— Minha garota! — falei, batendo uma palma leve. — E

aqui está o ruivinho mais novo da família. — Mostrei-lhe Fabrício


dentro do berço, completamente apagado, e eu quase me derreti.
— Lindo, né?

— Ele tem a cor quase igual a minha — falou e segurou os

cabelos.

Batidas na porta nos fizeram virar, e encontrei Nero parado

ali, encarando-nos.

— Aquele ali é o melhor amigo da minha esposa — Bruno

falou, como bom intrometido que era. — O nome é Alfredo, mas


todo mundo chama de Nero.

— Ele é grandão — Jasmine sussurrou e eu ri ao seu lado.


— Verônica pediu para te ver, Carolina.

— Desde quando Verônica e você conversam e não se

matam no meio do caminho? — Olívia perguntou e eu me fiz o


mesmo questionamento.

Ele apenas deu de ombros, e logo saiu.

Segui com Jasmine para fora, que acabava de ter mais

outros tios para conta. Nero apontou com a cabeça para o quarto
da frente, e não me surpreendi ao encontrar Verô, Abigail e
Valéria ali dentro.

— Que garoto recado inusitado, Verô. — falei, e Jas veio


junto a mim.

— Era o único disponível — comentou simplesmente, e

seu semblante ficou mais leve quando notou Jasmine. — Olá,

pequena.

— Oi, tia Verô.

— Abigail você já conhece, esposa do Bruno. — falei, e Abi


deu um leve aceno, enquanto parecia segurar um pacotinho de

gente, ou melhor, a coisinha mais preciosa daquela sala – Vitor.

— Então essa é a garotinha de cabelos como os meus? —


Valéria indagou, e parecia realmente impaciente, deitada na
cama, mas claramente cansada.

— O seu é tão escuro e bonito. — Jas falou, aproximando-


se dela.

— Eu sou Val, ou tia Val. — Piscou um olho, e bateu na


cama ao seu lado, para Jasmine subir.

— Esposa do ursinho e agregada dos Torres — comentei,


e Jas assentiu, como se compreendendo.

— São muitas pessoas, não é? — perguntei, enquanto ela


tocava no cabelo de Valéria, incrédula.

— Nunca ia saber de todo mundo, mesmo com as fotos


que me mostrou.

— Bom, aos poucos, você pega. — pisquei um olho.

— Eles podem ir no meu aniversário? — perguntou


baixinho, e sorri.

— Se eles não forem, eu bato em cada um. — Ela sorriu

amplamente, e foi quando meu olhar parou no de Verô, que


apenas analisava a cena. — O que foi? — a pergunta era tanto
pelo seu olhar, quanto por Nero como pombo-correio.

Ela apenas se aproximou e tocou minha testa com os


dedos indicador e médio. Eu sabia o que ela queria dizer, e a
intensidade. Aquele era o jeito de Verô dizer que nos amava,
sempre foi.

E eu entendi o que ela queria dizer: que eu amava

Jasmine.

E bem, aquela era a verdade mais clara de toda minha


vida. Eu o fazia, mesmo.
CAPÍTULO XXII

“Reclama, mas gosta do meu estilo independente

Me mudei de endereço, vou morar na sua mente

Vestidinho da Gucci, hmm, só pra ficar indecente

Com meu Rolex no pulso, salto fino, marca quente"[28]

FRANCO

— EU AMEI! — ouvi o grito de Jasmine, e cavalguei em


direção ao som.
Quando me aproximei, vi-a com várias sacolas, e Carolina

carregando uma enorme caixa atrás dela.

— Mas ainda temos muito o que fazer, mocinha.

Parei com o cavalo e fiquei apenas as observando, sem

conseguir desviar o meu olhar da mulher loira sorridente,


perfeitamente ereta em seus saltos altos. Ela poderia não ter

nada visual que fizesse sentido naquele lugar, mas dali, de onde

eu via, ela estava exatamente onde deveria.

Diacho, Franco!

Como se me percebesse, seu olhar voltou diretamente

para onde eu estava. Notei-a tentar acenar com a mão, mas

quase derrubou a caixa, então sorriu e pareceu desistir. Apertei a


aba do meu chapéu, e notei seu olhar percorrer cada pedaço do

meu corpo e ela morder o lábio inferior. Desviou rapidamente e vi-

a praticamente correr para dentro da casa.

Ela fugia.

Ela fugia assim como eu.

Apenas me vi decidindo cavalgar um pouco, porque a

minha cabeça já estava longe do trabalho, mesmo que tentasse


focar em fazer tudo que era necessário para que a fazenda
funcionasse. Meus pensamentos estavam nela. E via-me
cobrando a mim mesmo, racionalidade.

Cavalguei até o lago, longe dos animais e todos os


funcionários. Deixei meu cavalo preso à árvore, e vi-me tirando a

camisa, e as botas, adentrando a água gelada, que parecia na

temperatura perfeita para me fazer aquietar o facho. Mergulhei

fundo, e olhos azuis estavam presos nos meus, como se eu não

pudesse ignorar. Como se eu pudesse ignorar tudo, e apenas

focar nela.

Resolvi que já que o trabalho naquele dia era pouco e não

me permitia descontar toda aquela frustração, apenas nadei.

Nadei por ali, ao ponto de querer esgotar minhas próprias forças.

Eu não poderia olhar para Carolina, não quando tudo o que se


passava por minha mente, toda vez que o fazia, era que ela me

queria também.

Que aqueles olhos pediam pelo meu olhar.

Que aquela boca pedia pelo meu beijo.

Que aquele corpo pedia pelo meu toque.

Mergulhei novamente, e me permiti ficar ali, pelo tempo

que tinha fôlego, para ver se acalmava não só o meu corpo, mas
o meu coração que batia desenfreado.

CAROLINA

Quanto mais eu andava, pelas instruções que alguns

peões me deram, de que Franco viera nessa direção mais eu me


arrependia por ter concordado em vir chamá-lo para almoçar.

Mas como negaria isso para a senhora fofa chamada Célia,


que tinha conhecido durante minha corrida matinal, e era a

cozinheira deles há muitos anos. Além de ser a mãe do capataz.


Ela era adorável, e me vi sem saber como negar o fato de que
poderia encontrar Franco Esteves naquela fazenda.

Porém, como era possível eu não encontrar um homem de


um metro e noventa, que provavelmente, estava sobre um cavalo.

Parei meu passo e me recordei da cena tão magnética que


foi, vê-lo como um príncipe encantado sobre aquele cavalo preto,

da cor do chapéu que não saía de sua cabeça. Por que eu ainda
fantasiava com aquelas coisas?
Pelo menos eu estava com meus fones de ouvido, e Luan

Santana de fundo, fazendo-me cantar alto, enquanto caminhava


para mais longe, e logo avistei o que deveria ser um lago. Seria o

mesmo lago em que Franco entrou quando o vi com a camisa


toda molhada?

Foco, Carolina!

— “Te avisei: Não sou flor que se cheira...” — comecei a


cantar junto a música de fundo do meu fone. — “Mas essa abelha

é teimosa. Me cheira e ainda me beija. Com essa boca gostosa...”

Foi quando notei o mesmo cavalo preto, comendo algo

perto de uma árvore, e franzi o cenho. E quando me aproximei,


ouvi o barulho na água, e dei um passo atrás, ao notar as costas

largas nuas.

“Tá aí o motivo do meu abalo emocional

Fico ou não fico?

Vou ou não vou?

É lance ou amor?...”

E Luan Santana nunca me entendeu tanto como naquele

instante.
Franco passou as mãos pelos cabelos e os colocou para
trás, e eu só me vi caminhando para mais perto do lago, ao notar
que ele andava na outra direção. E naquele meio segundo,

apenas torci para que ele se virasse, e eu tivesse o vislumbre


perfeito do seu torso nu.

Tentei ficar em silêncio, mas minha respiração pesou.

Contudo, ele não se virou. O oposto aconteceu, como se


fosse o destino me dizendo: pare com isso! Ele nem sabe que

você está aí! Enquanto eu sabia exatamente quando ele me


olhava, ele apenas mergulhou e desapareceu na água.

— Merda! — reclamei, já na beira do lago, e xinguei a mim


mesma por perder minha mente.

Ouvi então o barulho de água sendo jogada perto de mim,


e então Franco Esteves apareceu à minha frente. Parecia até

cena de dorama, e daria uma baita de uma cena se ela não


existisse. Franco apenas de calça jeans, todo molhado,

caminhando em minha direção.

— Te dou dez segundos para parar de me olhar assim e

sair, se não...
— O quê? — indaguei, empinando meu queixo e ficando
ainda mais próxima.

— Fodam-se os dez segundos.

Sua boca então veio para a minha, e me vi indo direto para


o seu colo. Suas mãos se espalharam pelo meu corpo, puxando-

me para si, e logo senti meu corpo em choque com o seu, todo

molhado. Minha regata branca e saias já deveriam estar


transparentes pelo contato, mas eu não me importava.

Eu queria mais.

Senti-o se sentar, e eu ainda presa em seu colo. Cada

parte dele em cada parte de mim. Suas mãos pareciam ter o


mapa certo de onde me tocar. E suspirei pelo beijo tão

atormentador, que parecia colocar para fora todo o desejo que

ambos guardávamos.

Quando o ar faltou, sua boca veio para o meu colo, e gemi,

sem conseguir evitar.

— Não devíamos estar fazendo isso...

— Não... — ele falou, e sua boca pairou na minha


novamente. — O que estamos fazendo, mesmo? — perguntou

sério, mas o sarcasmo que não vi antes, estava ali.


— Estamos... — beijei-o novamente, enquanto minhas

mãos se perdiam no abdome esculpido. — Eu vim te chamar pro


almoço.

— Certo... — comentou, e sua boca veio para a minha,

num beijo casto, mas não menos intenso. — Vamos almoçar,


então?

Assenti, enquanto suas mãos apertaram ainda mais forte a

minha bunda, e eu reprimi um gemido. Estava tão exposta, com

minha saia espalhada, e as pernas sobre ele. Senti-o todo, e eu


queria sentir ainda mais.

— Não quero comer. — Assumi, sentindo a intensidade do

seu olhar, e agarrando-me às suas costas.

— Eu quero... você. — Mordi o lábio inferior, enquanto suas


mãos subiam para os meus cabelos, e acertavam o ponto

sensível bem na base da minha nuca. — Quero você, Carolina.

Se eu não sabia lidar com a atração por aquele homem


apenas desconfiando que ele estava sentindo o mesmo, como

lidaria com ele dizendo que queria me comer, literalmente?

Quando sua boca voltou para a minha, levei minha mão até
o zíper do seu jeans, um grito me fez travar no lugar, e não pude
evitar o gemido de frustração.

— Diacho. — Franco xingou, enquanto eu escondia meu

rosto na curva do seu pescoço.

— Patrão, a patroa tá de procurando! — deveria ser Sérgio,

mas com certeza, não nos viu ali, porque parecia mais estar

informando para Franco. Levantei brevemente o olhar e notei que

a árvore e o cavalo de Franco deveriam nos ocultar bem ali.

Ouvi o barulho de passos para longe, e sabia que ele

cavalgou para longe.

— E me achou. — ele sussurrou, senti meu corpo todo se

arrepiar, e fiquei sentada novamente. Senti-o sobre mim, e gemi.


— Qualquer pessoa pode aparecer...

— Então... — mordi o lábio, sem conseguir evitar. — Então

vamos comer... — falei, e suspirei fundo, frustrada. Notei seu

olhar safado e bati contra seu ombro. — Comida, Franco.

— Um homem pode sonhar.

— Está confessando que sonhou com nós dois, assim? —

indaguei, e ele me levantou consigo, colocando-me em pé


novamente.
Tentei não olhar para a frente da sua calça, claramente

esticada e deixando pouco para a imaginação. Meus seios


pesados e sensíveis me denunciavam também, e caso ele fosse

ousado o suficiente saberia que eu estava mais do que pronta.

— Sabe cavalgar? — indagou, e se virou indo em direção

às suas coisas.

— Sei — falei, e não pude evitar os pensamentos que se

passaram por minha mente.

— Não me tortura. — sua voz mal saiu, e era tão bom


saber que eu o desestabilizava tanto quanto ele o fazia. — Sabe

montar a cavalo? — perguntou, enquanto colocava a camisa, e

me tirava a visão dos deuses.

— Sei, mas morro de medo. — Fui sincera. — Por quê?

— Então vamos a pé — comentou simplesmente, e vi-o ir

até o cavalo e puxá-lo consigo. — Para de me olhar assim!

Apenas me vi mordendo o lábio, e assim que pensei em


apenas beijá-lo novamente, outro grito falando o mesmo que

antes, nos acertou.

E naquele momento, eu odiava todos os peões da fazenda,

e a mim mesma, por ter pedido ajuda para encontrar Franco.


E ele, o que fez? Ele riu!

Sim, Franco Esteves deu uma risadinha da forma que eu

bufei para as pessoas o chamando. Mas me surpreendeu ao me

puxar levemente pela cintura e depositar um leve beijo na curva


do meu pescoço, fazendo-me estremecer.

— Depois, Carolina.
CAPÍTULO XXIII

“Sem culpa, sem dor, sem pressão

Deixa o amor em modo avião

Sem culpa, sem dor, sem pressão

Deixa o amor em modo avião"[29]

CAROLINA

— Ok, mais alguém? — perguntei, digitando os nomes dos


convidados na planilha que fiz exclusivamente para o aniversário

de Jas.
Meus pensamentos ainda estavam tomados pelo que

aconteceu mais cedo, e tentava me manter sã, depois que Franco


voltou para trabalhar, após o almoço. Os olhos dele carregavam

tantas promessas, que eu devo ter me engasgado umas duas

vezes com a comida.

— Meus tios por parte do papai — Jas comentou. — Será

que eles eu posso convidar pessoalmente?

— Eles moram perto? — indaguei, pois não tinha


pesquisado a fundo os Esteves.

— Praticamente todos moram numa cidade que fica há


cinco horas daqui — comentou, enquanto digitava algo no celular.

E apenas pelo brilho no seu olhar, tinha certeza de que era

Daiana. — Eles vivem viajando, na verdade. Tem a fazenda dos

Esteves, mas quem fica realmente lá é a titia Guta. Ela se casou

com o tio Juan faz uns dois anos, ela é com quem eu mais falo.

Por um segundo, fiquei me perguntando se deveria ou não

adentrar o assunto dos Esteves com Franco. Por que me parecia


que os irmãos se evitavam?

— Os outros tios ou tias?


— Tem o tio Oscar, e o tio Flávio — assenti, anotando os
outros nomes. — Eles raramente vêm, mas nos dois últimos anos

a tia Guta veio. — já gostava daquela mulher de graça. — Eles

aparecem no Natal, sempre.

— É uma data especial por aqui? — perguntei, e ela

assentiu, sorrindo de lado.

Não pude parar para pensar que o Natal deixou de fazer


sentido para minha família desde o momento em que vovó Regina

morreu naquela data. Nunca me esqueci do dia em que Tadeu me

fez perceber que por mais que nossa irmã tentasse, não

podíamos esperar que ela estivesse numa ceia conosco sorrindo

Ela tentava, sempre. Mas parecia machucá-la a cada segundo.

— Um pedaço de Verô morreu naquele dia, Carol. — ele

tocou meu rosto, limpando as lágrimas. Eu estava triste, aos doze

anos, porque queria muito ir às compras de uma árvore de

NATAL, com Verô junto. — Sei que é difícil entender agora, mas
vamos ser só nos quatro para comprar árvore, ok?

Naquela época eu nem entendia, mas no agora, eu sabia.


Ao menos, conseguia tentar entender. Felizmente, nunca tinha

perdido ninguém que eu amasse daquela maneira.


— Eles prometeram para mamãe — Jas comentou

simplesmente. — Papai me explicou uma vez, quando perguntei


porque eles raramente apareciam, mas nunca perdiam um Natal.

Foi porque eles prometeram pra minha mãe.

Tinha algo realmente complexo em toda aquela situação

dos Esteves, e estava me coçando para saber mais.

— Mais alguém? — indaguei, tentando focar na lista de


convidados.

— Acho que já foi todo mundo, tia.

Assenti, e salvei a planilha, passando para os outros

preparativos. Meu celular tocou, e vi o contato de Verô na tela.

— Sim, rainha das nossas vidas — falei, ao atender e


colocar no viva-voz.

— Posso levar vinho no jantar? — indagou, e então

arregalei os olhos, minha ficha caindo, de que eles iriam ali mais
tarde. — Esqueceu-se do jantar, Carolina? — a mulher conseguia
entender até o meu silêncio.

— Precisam mesmo vir? — rebati, respirando fundo. — Por


que realmente estamos tendo esse jantar?
— Porque seus irmãos querem conhecer Franco — falou

simplesmente.

— Ok. — soltei o ar com força. — Vou fingir que não são

nada ciumentos.

— Já sabe disso, então...

— Que horas vão vir? — perguntei, e pensei na janta que


dona Célia me disse que teríamos hoje. — Vai ser carne de

panela com batata, porque é o favorito de Jasmine — comentei, e


Jas bateu palmas ao lado.

— O jantar é na sua casa, você que diz o horário, Carolina.

Minha casa?

Por que as escolhas de palavras de Verônica eram sempre

minimamente calculadas, então, ela não disse aquilo à toa. Pare


de pensar demais, Carolina!

— Que horário vocês jantam, normalmente, Jas? —


indaguei, para ela que digitava freneticamente.

— Umas 19h.

— Ok, 19h, então. — Verô falou, e eu revirei os olhos. Ela

tentava não ser controladora, mas era. — Até mais tarde, Jas.
Desfez a ligação após Jasmine falar “até“, revirando os
olhos. De repente, uma grande decepção me acertou. Meus
irmãos estariam para o jantar e poderiam demorar ainda mais...

Quando viria o depois, que Franco prometeu?

Para quem estava resguardando tudo momentos antes,

agora, eu parecia desesperada. Era como se estivesse alucinada


há muito tempo por aquele toque que me atormentava.

— Então os titios novos vão vir jantar aqui hoje?

— Eles são enxeridos por natureza. — pisquei um olho e


sorri para ela.

— Eu queria usar saltos igual a você — falou, pegando-me


completamente de surpresa.

— Por que não me disse que queria saltos? Podíamos ter


passado em alguma loja, para comprarmos alguns — indaguei,

sem entender.

— É que eu... não sei andar com eles.

— Todo mundo sabe, só falta a boa e velha prática. —


Levantei-me e girei nos meus.

Olhei levemente para os pés dela e notei que não pareciam


tão maiores ou menores que os meus.
— Eu uso 35, e você?

— 35 também. — bati palmas. — O que vamos fazer?

— Vamos treinar andar de salto.

— Mas eu tenho aula de piano daqui a pouco — reclamou,


e eu mordi o lábio, pensando. — É uma hora todinha de aula, e os

titios devem chegar uma hora depois...

— Vamos fazer o seguinte — falei. — Eu ligo pro seu pai e


peço para ele desmarcar a aula de piano de hoje, se ainda der

tempo... só que vai ter que treinar comigo e com meus irmãos

após o jantar, porque duvido que eles vão embora de cara.

— Sério? — perguntou animada. — A senhora... quer dizer,


você liga pra ele?

— Torça para que ele atenda, e sua professora já não

esteja a caminho...

Fiz uma careta ao lembrar-me da professora, porque era

claro que ela queria muito mais que dar aulas para Jasmine. Mas

também, quem poderia culpá-la? Franco Esteves era um grande

gostoso.

Peguei meu celular e disquei o número de Franco, saindo

de fininho de perto de Jas, indo até a geladeira e pegando uma


água. Tinha enchido a mesma com os meus iogurtes e bebidas

favoritas, e aquilo realmente, me remetia a casa.

— Aconteceu algo? — a pergunta de Franco após o

terceiro toque me fez quase derrubar a garrada. A voz dele...

Tudo nele me deixava como uma ameba.

— Jasmine quer aprender a usar saltos para o jantar dos

meus irmãos aqui hoje. — Ouvi seu suspirar do outro lado da

linha. Acreditava que nem ele se lembrava daquilo. — Eu tentei

negar o jantar, mas os conheço bem para saber que viriam de


todo jeito. — Foi minha vez de suspirar. — Ela tem aula de piano,

mas se tiver a aula, não vai dar tempo de treinar os saltos comigo,

então poderia cancelar a aula de hoje? Eu e meus irmãos


podemos passar a lição com ela. Verônica é incrível no piano.

— Vou mandar uma mensagem para Júlia. — fiz uma leve

careta, ainda bebendo minha água.

— Parecem íntimos. — sepá ela realmente tinha vida


própria. Se preserva, Carolina! — Quer dizer, ela é professora há

um bom tempo da Jas?

— Há alguns anos...
— Entendi. — Guardei a água novamente na geladeira. —

A gente se vê depois, então.

— Espero que esse depois chegue logo.

Ele desfez a ligação e engoli em seco, assim como o meu

ciúme. Como eu podia sentir ciúme de um homem que nem era

meu?

O problema começava com F e terminava com O desde


que o conheci.

FRANCO

— Patrão, tem um tal de Tadeu Reis te procurando... Diz

ser o irmão mais velho da patroa.

Virei-me de relance, encarei o celular que estava


guardando no bolso e vi que ainda eram seis e meia. Pelo que

Carolina me mandou mensagem, eles chegariam as sete e meia.


Eu já estava me preparando para voltar para casa, justamente por

aquilo.

Trouxe Lírio – meu cavalo a quem Jasmine dera o nome –

e caminhei até o homem de cabelos pretos e semblante

completamente fechado, que estava parado ao lado do meu

capataz. Assenti para o mesmo, que logo se afastou e cheguei


próximo ao homem desconhecido.

— Boa noite — falei, segurando a aba do chapéu, e o

cumprimentei. — Desculpe o mau jeito, Carolina me disse que


chegariam mais tarde. — Apontei para minhas mãos sujas.

— Foi proposital — falou, encarando-me por completo.

Por que eu me sentia completamente deslocado, na minha

própria pele, ao notar que ele parecia me analisar?

Aquele deveria ser o tal titio de semblante mais sério que

Jasmine comentou?

— Vou ser direto — falou, e respirou fundo em seguida. —


Sei o que Carolina está fazendo aqui, e sei que ela é uma mulher

de um coração enorme... Mas sei também o quanto é difícil para

ela confiar em alguém, então... Não pense, em momento algum,


que se a magoar, não vai ter que pagar por isso. Porque eu o farei

pagar, cada lágrima que ela derramar.

— O que está insinuando? — perguntei confuso. — Ela

lhes contou o que realmente está acontecendo?

— Sei que não é real, mas eu sei que Carolina também é

humana e tem um coração enorme para entregar. — Sua fala me

acertou em cheio. — Ela não está aqui para sofrer, Esteves.


Então, não pense em brincar com ela. Ela pode ser mais nova e

parecer fácil de ser iludida, mas se tentar fazê-la de idiota...

— Eu jamais faria isso.

— Se a machucar, eu te destruo. — Sua voz soou tão


intensa, que me coloquei no exato lugar. Carolina foi criada pelos

irmãos, e aquele parecia ser o irmão homem mais velho. Ele

parecia ser aquele que ela se amparou, além dos outros. — É

uma promessa que não quero ter que cumprir.

— Eu entendo — falei por fim. — Faria o mesmo por

Jasmine — ele assentiu e esticou a mão em minha direção.

Apertei-a, ainda desconfiado, mas ele o fez decidido. — Ela não


sabe que está aqui, não é?
— Deve desconfiar, pelo menos — assenti, e ele pareceu

suavizar a expressão, ao se afastar.

— Já estava indo para casa, então...

— Eu sabia que você viria antes, por isso catei Murilo e vim

de uma vez! — ouvi o grito que me fez desviar o olhar e encontrar

o único irmão de Carolina que tinha conhecido antes, e que


parecia o menos sério de todos.

— Eu acho uma palhaçada isso. — O ruivo ao seu lado

falou e logo esticou a mão. — Mesmo achando ridículo, faço das


palavras de Tadeu as minhas — cumprimentei-o, e assenti. —

Sou Murilo Reis. — Pareceu lembrar-se de se apresentar.

— Verônica? — indaguei já me sentindo cercado por eles.

— Ela só deve vir ás sete e meia, e vai fingir que a gente


nem veio antes. — O mais novo falou, sorrindo. — Ela é a

verdadeira educada dessa família.

— Igor — o mais velho falou, e notei a troca entre eles.

Por um segundo, senti falta de quando eu tinha tal troca


com os meus irmãos. Sentia falta de poder me sentir tão próximo

a Flávio, Oscar e Juan. A gente nunca foi uma família perfeita,

mas até tínhamos tentado nos manter. Porém, tudo foi ladeira
abaixo quando começamos a ficar adultos. A responsabilidade e o
peso da vida adulta, fez-nos separar, quase que por completo.

Ao mesmo tempo que Jasmine foi o que me separou deles,

de estar no mesmo lugar que eles, ela era o motivo de eles ainda
me verem.

Assim que abri a porta de casa, com os três irmãos Reis

em meu encalço, dei de cara com a minha sala de estar


completamente diferente.

Tinha um tapete colocado no centro, como se fosse uma

passarela. Carolina estava com uma câmera em mãos, e gritava

coisas como “linda”, “sorria mais”, “vira de lado”, “por favor,


senhorita Esteves”, para uma Jasmine que reparei estar em

saltos, e se sentindo o centro do universo bem ali.

Ela era o meu. E de repente, era de Carolina também.

Quando o olhar azul parou no meu, ela estava quase


deitada, tirando uma foto, de ângulo diferente, e notei que as fotos

saíam na hora. Enquanto ela chacoalhava mais uma, e uma das


músicas sul-coreanas tocavam de fundo, que eu conhecia muito
bem porque minha filha às vezes as escutava por horas, notei o

olhar de Carolina mudar de animado para uma careta.


— O que... — ela respirou fundo e ficou de pé. Ela veio até
mim, entregou-me a câmera, como se passasse o bastão. Sua
mão tocou a minha e um leve arrepio percorreu todo meu corpo,

quando ela sorriu e deu um tapinha em meu peito. — Eu já volto,


Jas, só vou cometer um ou três fratricídios!

Antes mesmo que os irmãos dela entrassem, vi-a fechar a

porta atrás de si, e ouvi seu grito de “o que pensam que estão
fazendo aqui?”. Virei-me para Jas, que estava vestida com suas
roupas favoritas, que eu sabia serem, porque ela sempre me

recordava quando as colocava, e deu uma voltinha no saltos.

— Como estou, papai?

— Uma princesa, como sempre. — falei, e me aproximei


dela, dando um leve beijo em seus cabelos.

— Você sempre diz isso — reclamou, mas tinha um sorriso


no rosto. Meu olhar parou na mesa repleta de fotos reveladas e
tive que rir.

— O que vocês fizeram aqui?

— Nos divertimos — falou animada, e notei-a desequilibrar


e se segurar em mim. — Ainda vou aprender, certinho, para o
meu aniversário.
— Vai ficar de salto o aniversário todo?

— Não. — Fez um gesto de desdém. — Mas quero dançar

assim, para ficar quase tão alta quanto você. — falou, e vi-me
segurando seu braço e a girando no lugar. Ela riu, e logo veio
para mim.

A gente ouviu os gritos de Carolina do outro lado da porta,


e ambos olhamos na mesma direção.

— Ela sabe ser brava, né? — Jas perguntou rindo e eu


assenti, conhecendo mais de Carolina.

E eu soube que mesmo que quisesse fugir, só me via indo,


diretamente para ela, e querendo mais, mais e mais....
CAPÍTULO XXIV

“Você podia ter caprichado menos no beijo

Devia ter pegado leve na hora de amar

Podia ter falado não, ao invés de aceito

Talvez a história da gente não tava onde tá"[30]

CAROLINA

— Verô valeu por vocês três — falei, ao segui-los até os


carros, nos quais agora se dividiram, e estariam Murilo e Igor em
um, Tadeu e Verô em outro. — Ela além de chegar na hora certa,

deu uma aula excepcional de piano para Jasmine.

— Ei, eu dei também! — Igor falou, e eu revirei os olhos. —

E eu só vim para segurar Tadeu, caso precisasse.

— Igor! — Tadeu falou sério, e foi o único que ficou fora do


carro.

A pose de bandido mau se esvaiu, quando ele me encarou


e se aproximou levemente.

— Eu vi como olha para ele, Carol — falou, e quase prendi


a respiração. Se já não bastasse Verônica dizendo que eu

gostava de Franco, agora tinha Tadeu. O último romântico que eu

esperava ver, mas o era, por completo. — Sabe que eu apenas


me preocupo, certo?

— Nunca ameaçou Nero... por quê? — perguntei, sabendo

que aquela velha história de amor que eu finalmente vi que não

era, nunca pareceu afetar meus irmãos, não como o que

acontecia agora.

— Porque nunca te vi assim. — Apontou para o sorriso em

meu rosto. — E nem precisei de muito para saber. Bastou ouvir de

Verô sobre você não gostar dele de cara ou a forma como lhe
respondeu quando ele apareceu... — tocou levemente meus
ombros. — Eu amo a mesma pessoa desde os dezessete, Carol.

Sei que é amor, quando vejo.

— E eu ainda não sei se é — falei, e senti o peso de tudo

aquilo. — Eu não sei, ursinho.

— Você vai saber. — Puxou-me levemente e me abraçou.

Agarrei-me a ele, e fechei os olhos. — E quando souber, se ele te

machucar, eu o destruo.

— Tadeu! — falei assustada, afastando-me.

Ele então sorriu, e deu um leve beijo na minha testa.

— Ai, os Reis me emocionam tanto... — Igor falou, fingindo

um fungar, e lhe dei a língua. Murilo riu ao seu lado, e sabia que

como sempre, ele era o mais tranquilo de nós. — Um que se

apaixona num esbarrão. Um que se apaixona na praia. Um que

se apaixona na balada. Uma que apaixona na estrada.

— Igor! — falei, quase indo até o carro e batendo nele, mas

Tadeu me segurou.

— Verô... — vi-o chamando minha irmã, que já estava

sentada no banco do motorista, e tinha um leve sorriso no canto

de sua boca. Era raro, mas tão raro, que meu coração se encheu.
Ela só o fazia, quando parecia não conter a própria felicidade. E

eu via que ela geralmente era, quando se tratava da gente.

Mas e ela?

— Por favor, não se apaixona como a gente — Igor pediu e


eu revirei os olhos.

— Ela pode já ter se apaixonado ou se apaixonar, seu


ridículo. — falei, indo até o lado dela do motorista e sorrindo.

— Então quer dizer que está apaixonada, Carolina? — ela


indagou, e eu vi que caí direto na armadilha. Neguei com a
cabeça e me afastei, com o impacto daquilo.

— Ei! — falei, buscando refúgio em Tadeu, que já se

sentava no banco do carona do carro com ela. — Não é sobre


mim.

— Dessa vez, é tudo sobre você. — Ela piscou um olho,

como se fosse simples assim.

— E da próxima será sobre você? — indaguei, e ela

apenas desviou o olhar. O que não era de praxe, e por um


segundo, foi como se acendesse a desconfiança em minha
mente: e se Verô sempre amou alguém?

E se ela não pudesse ter vivido aquele amor?


Minha indagação morreu assim que vi os carros partindo e

acenei para eles. E mesmo assim, vendo o meu lar indo embora
dali, eu não me senti abandonada ou sozinha. Quando me virei, e

encontrei Franco e Jasmine sentados no banco à frente da casa,


a uma distância grande dali, vi meu coração errar uma batida.

E se...

E então, a cada passo que eu dava, o olhar dele parecia


desvendar mais do meu.

E se...

E se eu tivesse me apaixonado de verdade por ele?

Fugi do seu olhar e tentei fugir das palavras de Tadeu. Meu

olhar parou em Jasmine já quase dormindo sobre o colo dele, e


sorri.

— Tem alguém que se cansou — falei e vi-me ajudando-a

a levantar. — Vamos dormir, mocinha?

— Os titios gostaram da gente, né?

— É claro que sim! — respondi assim que ela se levantou e


senti o olhar de Franco nos acompanhar. — Quem seria louco de

não o fazer?
— Bom, tem algumas pessoas... — deu de ombros, e sabia
que falava dos tios paternos e maternos.

— Eles, às vezes, só não sabem demonstrar.

Tentei descontrair, e ajudei-a a tirar os saltos, quando


adentramos a casa. Ela parecia realmente cansada, tanto que

quando chegamos ao seu quarto, praticamente desabou na cama.


Apenas joguei o edredom sobre ela, que grudou no travesseiro.

— Boa noite, pequena — falei, e notei o sorrisinho no canto


de sua boca.

— Boa noite, tia Barbie.

Beijei sua testa, e fechei a porta do quarto com cuidado.

Assim que respirei fundo já no corredor, meu olhar parecia saber


exatamente onde ele estava. Fui em direção ao andar debaixo, e
eu poderia jurar que ele estaria lá, sentado ainda do lado de fora,

me esperando.

Mas minha mente estava gritando. E pela primeira vez,

depois de tudo que aconteceu, meu coração se apertou. Talvez


porque eu finalmente conseguia ver o que me negava a acreditar.
Que eu gostava dele... E talvez algo mais. E se eu fosse para a
cama com ele, poderia ser que tudo aquilo se tornasse um
desastre.

Eu poderia realmente me apaixonar

Mais do que já está? Neguei a minha própria mente.

Quando pensei em apenas correr para o quarto que era

meu e me esconder, ouvi seus passos na escada, e fiquei apenas

parada ali, no corredor, esperando.

Como se eu tivesse esperado a vida toda por aquilo.

E quando seu olhar parou no meu, engoli em seco, e senti

meu corpo todo gritar pelo seu toque. Cada parte que quis negar,

se desligando. Porque quando a gente se olhava assim, desde


aquele primeiro momento, eu soube – eu o queria.

E mesmo que não fosse meu de fato. Eu o queria como

meu, na sua cama. Que fosse meu o quanto pudesse.

Dei passos para trás, até que cheguei contra a porta do

seu quarto, e ele caminhou lentamente, como um bom predador.

Seu olhar desceu para o meu e sua boca pairou na minha. Seus

braços do lado do meu corpo, e as respirações pesadas.

Pensei em mil coisas para falar. Pensei em dezenas de

maneiras de fugir. Mas bastou sua mão tocar meu rosto, e trazer-
me mais para si, que todas elas se dissiparam.

— Depois... — assenti, e senti sua boca vir para a minha.

Sabia que o depois finalmente havia chegado, e nada fazia

mais sentido do que aquela boca que eu mataria para chamar de

minha.
CAPÍTULO XXV

“Estou enlouquecendo agora, fora de controle

Passando a noite acordado mais uma vez

No momento em que fecho meus olhos

Tudo que vejo são luzes vermelhas"[31]

CAROLINA

Roupas sendo jogadas para longe. Pele contra pele.


Respirações pesadas eram o único barulho dentro daquele

quarto.
Senti-me sendo depositada na cama, e sua boca buscou a

minha, enquanto suas mãos se espalharam sobre minha barriga e


seios, fazendo-me segurar um gemido alto. Cada parte do meu

corpo estava implorando pelo dele, e eu não tinha ideia se em

qualquer outro momento me senti tão domada assim.

Era como se ele comandasse cada passo que eu daria, ao

mesmo tempo, que minhas mãos controlavam cada arfar e


gemido baixo que eu engolia ao beijá-lo.

— Não devíamos... — sussurrou, uma de suas mãos

segurando as minhas no alto da cabeça, me obrigando a respirar

fundo e encará-lo. — Eu te quero, mas te quero inteira.

— Franco... — sua voz saiu como um clamor, porque a

forma como ele falava, poderia me fazer implorar.

— O quê? — indagou, sua boca pairando sobre a minha.

— Não posso raciocinar o que quer que seja agora. —

admiti, e forcei-me a soltar de sua mão, levando-as para o seu

pescoço, e prendendo-o com as pernas. Girei-nos na cama, e

assim que fiquei sobre ele, notei a surpresa em seu olhar.

A visão que eu tinha, sentada sobre ele agora,

completamente nu a meu dispor, fez todo meu corpo, também nu,


parecer a ponto de desmanchar apenas pela visão.

— Se ainda está pensando sobre alguma coisa, é porque

estou fazendo algo errado — sussurrei, e mordi seu lábio inferior,


castigando-o por aquilo. — Mas eu sinto o mesmo... — levei

minha mão ao seu peito, e trouxe uma das suas para o meu,

sobre meu coração. — Te quero inteiro, só para mim.

Falar aquilo, pareceu me deixar tão exposta quanto meu


corpo estava, contudo o olhar intenso e o leve sorriso que se

abriram em seu rosto me deram a certeza de que poderia confiar.

E eu confiava não só o meu corpo a Franco Esteves

naquele momento, eu confiava tudo de mim. Cada parte que eu

escondi. Cada parte da qual eu me orgulhava. Cada parte do

passado. Cada parte do futuro que viria. Quando seus lábios

vieram para os meus, e ele me posicionou perfeitamente sobre si,

gemi em sua língua, e me agarrei ao seu peito, marcando-o.

— Eu quero te adorar por horas, mas agora...

— Só quero te montar do jeito que imaginei desde que

coloquei meus olhos em você — falei, e me posicionei melhor

sobre ele, descendo levemente. O gemido alto veio, e sua mão

tampou minha boca, no primeiro instante, fazendo o prazer


apenas aumentar. A forma rude como ele me tocava, com a fome

que seu olhar tinha sobre o meu corpo. Ao mesmo tempo que
parecia o dono da situação e se desfazia em um gemido rouco

quando me sentei por completo sobre ele.

Fechei os olhos tamanha a conexão, e senti-o me encarar

profundamente. Ele então se moveu, ficando sentado, fazendo-


me senti-lo ainda mais fundo, e me deu alguns segundos para me
acostumar. Quando eu gemi com a primeira rebolada sobre ele,

uma das mãos veio para a minha nuca, puxando os cabelos ali, e
expondo meu pescoço. A outra mão estava em minha boca, a

qual eu mordia para evitar os gemidos altos. Então eu não sabia


mais onde ele começava, e eu terminava. Não me importava

como chegamos exatamente ali, ou o que faríamos a seguir. Só


importava cada gota de suor que via descer por seu corpo, e a
forma como sua boca parecia querer marcar cada parte de mim.

E se eu precisava de qualquer outra confirmação de que


eu gostava dele ou não, ela estava ali. Na forma como me
entreguei, como nunca antes. Na forma como ele me tocou, como

nenhum outro fez. Por mais que eu não quisesse me iludir ou


acreditar em um amor que inventasse, a boca dele na minha dizia

outra história.
Era real.

Era o sentimento pulsando em cada parte do meu ser.

Era o ato carnal que parecia me transcender. Era a forma

como seu simples suspiro me fazia quase desmanchar. Era a sua


voz me desestabilizando por inteira. Era o silêncio em que tudo se

transformava, apenas por estar ali, com ele.

Sempre esperei os fogos de artifícios explodindo ao redor

quando me apaixonasse, mas o que encontrei, fora da bagunça


que nós dois fazíamos um com o outro, era o silêncio. Uma paz
tão grande que ia de encontro com a desordem que éramos de

toques, arranhões, chupões, beijos e apertões.

E soube ali, que eu conseguia escutar no silêncio...

Eu estava apaixonada por Franco Esteves.

Acordei com leves beijos nas costas, e me mexi sem

vontade alguma na cama. O cheiro de baunilha nos lençóis me


fez ter certeza de que não era mais um sonho no meio da noite
com aquele homem, assim como, a dor gostosa alastrada por
cada parte do meu corpo.

— Homem, está mesmo querendo a quarta vez? —


indaguei, e ouvi seu sorriso contra a minha pele. — É um cowboy
ou uma máquina?

Senti-o me virar na cama, e logo seus lábios encontraram


os meus dando um beijo que me fez repensar se eu não poderia
querer outra rodada também. Gemi em frustração quando ele se

afastou, e notei que alguns raios solares já adentravam as


janelas. Passei meu olhar para ele, já vestido em sua roupa que

eu deveria cortar ou tacar fogo, porque todas pareciam bonitas


demais em cada limite do seu corpo.

Desde quando eu sentia ciúmes de tal forma? Não sabia.


Mas parecia natural quando se tratava dele.

— Tenho que ir trabalhar. — falou, e tocou levemente meu


rosto. — A gente pode conversar depois.

Notei a fragilidade me seu olhar, e vi-me lhe dando um


beijo casto, mas repleto do sentimento que me invadia.

— A gente sempre pode conversar, Franco. — Sorri, sem

conseguir me conter. — E é como se eu visse as engrenagens na


sua cabeça quase pifando...

Ele negou com a cabeça, e notei como estava exposto.

— É a primeira pessoa que parece me ler tão bem —

admitiu, e fiquei ainda mais tocada.

— Não foi só uma noite, eu sei. — falei, e senti sua

respiração de alívio. — Achou mesmo que eu ia...

— Papai!

O grito me fez arregalar os olhos, e Franco praticamente


me enrolou no lençol, enquanto eu me jogava para debaixo da

cama e me escondia ali. Ouvi a porta sendo aberta, e puxei parte

do lençol preto que caía, e rezei para que Jasmine ainda


estivesse em seu mau humor matinal.

— Jas?

— Bom dia, papai. — falou, e notei seu tom claramente


desanimado de manhã. — Você viu a tia Barbie?

— Ela... — Franco pareceu quase gaguejar e limpou a

garganta em seguida. Vi-me levando a mão à boca e a mordendo

para não rir alto, da forma que queria. — Ela deve ter ido correr.

— Mas ainda nem são seis e meia. — Jas reclamou e eu


estava me segurando ao fundo. — Queria ter o bom humor
matinal dela.

Senti a cama afundar acima de mim, e entrei em um pouco


de desespero.

— Por que acordou tão cedo? — Franco indagou, e eu

jurava que ele deveria estar quase tendo uma síncope ali.

— Eu ia tentar correr com ela. — acabei sorrindo de lado,

ao imaginar Jas pensando em mim. — Mas agora... — ela deu um

pulo da cama, levantando-se da mesma, e segurei o gemido pelo

susto. — Agora eu vou voltar a dormir.

— Bons sonhos, pequena.

A porta se fechou, vi-me sendo puxada pelo lençol, e

segurei a gargalhada que veio com força. Eu estava enrolada em

um lençol preto, no chão do quarto do homem que dias atrás


parecia me detestar, e ele parecia sem cor no rosto, mas quase

gargalhando como eu.

— A gente tá fodido — falei, e ele se abaixou, para me


pegar no colo e eu me ajeitei, antes que me depositasse na cama.

— Vamos ver o que vai dar?

Ele pareceu entender a pergunta, e assentiu, dando um

leve beijo em meus lábios, colocando-me com cuidado na cama.


Sabia que por mais que estivéssemos gritando o nome um do

outro, e a conversa entre nós e entre nossos corpos fosse fácil, a

realidade era que teríamos que ter cuidado. Vínhamos de uma


mentira para salvar a guarda da filha dele, a quem me negava a

magoar de qualquer forma, caso Franco e eu fôssemos algo para

não durar.

Apenas tal pensamento fez um sentimento ruim atingir meu


peito. Pensar que aquele toque no meu rosto, não pudesse ser o

certo, me aterrorizou. Como se ele me lesse, seus lábios vieram

para os meus, e calaram meus medos. E por alguns segundos,

tudo pareceu exatamente bem.


CAPÍTULO XXVI

“Você tirou uma foto de nós dois

E então descobriu (então descobriu)

Que o resto do mundo era preto e branco

Mas nós tínhamos cores vivas"[32]

FRANCO

Era normal se sentir vivo daquela forma?

Sorri para o nada, o que raramente fazia, mas não


conseguia evitar.
Suspirei fundo, encarando os cavalos, e indo até Lírio e

fazendo-lhe um leve carinho.

— É, garoto, tô lascado. — admiti, e ele relinchou, como se

pudesse me entender.

Minha mente se perdendo para o dia anterior, e em toda a


retrospectiva do que Carolina Reis significava em minha vida.

Agora eu entendia porque a afastei tão veementemente à primeira

vista. Não porque ela me recordava o povo que temia. Não era
por aquilo. Era pelo meu coração que errou uma batida quando a

vi e tentei enganar a mim mesmo.

E agora eu estava ali, perdido e pensando sobre ela.

Estava quase na hora do almoço e meu corpo todo já queria

seguir para casa, para encontrá-la. Seria natural desejar que ela

estivesse lá, todos os dias? Que ela estivesse lá por mim?

Sabia do porquê de ela começar a estar conosco, ou

melhor, com Jasmine. Mas como me culparia pela forma que ela

me fazia sentir? O que ninguém fez, e que eu não esperava, não


depois de ter perdido tanto. Não acreditando que algo amoroso

pudesse surgir de tal forma.


Mas depois de tantas camas quentes, com ela, a cama
pareceu de fato um lugar para bagunçar e querer descansar. Um

lugar para se adorar alguém.

— Você tá sorrindo mais pro cavalo do que já sorriu para

mim.

Aquela voz...

Virei-me, o sorriso permaneceu em meu rosto, e vi o olhar

esperto me tomar. Ela era tão bonita. Diacho, tudo nela era tão

lindo que me deixava sem fala! Contudo, ainda mais, pela


personalidade forte e sincera que ela demonstrava. Carolina e eu

poderíamos ter todas as diferenças possíveis, mas encontrava

nela alguém semelhante, pela forma como era decidida.

— O que faz aqui? — indaguei, quando ela se aproximava

cauleosamente, pelos saltos altos das botas rosas. E aquilo

poderia parecer gritante, mas era tão ela, que a fazia única para

mim.

— Bom, usei a desculpa de te chamar para almoçar...

Assim que ela já estava bem próxima, vi-me passando um


braço por sua cintura e trazendo-a para mim. Minha boca foi para

a dela, e senti seu corpo todo se derreter sobre o meu. A forma


como ela correspondia o meu toque, e a forma como o seu toque

me tinha em suas mãos... Ela era um encontro que eu jamais


imaginei que o destino me daria.

Afastei-me a contragosto, para podermos respirar, e passei


as mãos por seus cabelos loiros um pouco revoltos. Estavam lisos

naquele dia, e eu não tinha ideia do que mais combinava com ela.
Tudo parecia combinar. Eu combinava com ela?

Notei seus cabelos um pouco quentes, e ela fez uma

careta.

— Esqueci-me de comprar um chapéu desses —

comentou, como se me lesse perfeitamente. E ela o fazia, o que


me assustava para um caralho.

Vi-me tirando o meu e colocando nela. Assim como fiz


naquele outro dia. Ela não sabia, mas a única pessoa que já o

usou antes foi Jasmine. Aquele acessório era muito mais do que
aquilo, significava o elo de união que restava com meus irmãos. E
foi o primeiro presente que ganhei, quando adolescente.

— Deveria ficar grande, não é?

— Não porque está com a dona dele. — A resposta saiu

tão fácil, que me vi culpando-a por estar tão aberto naquele dia.
Os olhos de Carolina brilharam e era como se ela

entendesse.

— Então, eu sou dona do chapéu favorito... — falou e

passou os braços ao redor do meu pescoço. — Estou perto de ser


dona do peão? — sorriu lindamente, e vi-me dando um leve beijo

em seu nariz.

— Como quiser, madame.

Ela riu alto e bateu em meu peito.

— O pior apelido que já recebi. — Provocou, e eu não

conseguia me afastar de seu corpo. — Se eu soubesse que


bastava te dar um chá para que se tornasse um romântico...

Fiquei encarando-a, sem entender de fato o que queria


dizer. Era claro que ela estava brincando com a minha cara, e
pareceu ainda mais engraçado quando não entendi. Ela

gargalhou alto, e apenas me beijou novamente.

— Te conto depois...

— Eu gostei do nosso depois... — falei entre os nossos


beijos.

— Você é um safado, Franco Esteves. — Provocou,


mordendo meu lábio inferior. — Mas eu sabia que era, assim que
coloquei os olhos em você.

— É?

Puxei-a para cima, para que circulasse minha cintura com

os pés. Ela gemeu baixinho e eu sorri, pela forma como seu corpo
correspondia ao meu de imediato.

— Eu sou o safado?

— Eu sou um anjinho. — Rebateu, e se acomodou melhor

sobre meu corpo, fazendo-me segurá-la com força na cintura. —


Só vim chamar para o almoço.

Puxei-a para outro beijo, e só pensava em levá-la para o


quartinho que tinha nos fundos e perder a noção de tudo ao redor.

— Franco? — o chamado me fez paralisar com Carolina no

colo, que arregalou os olhos e estremeceu. Virei-me, e então


encontrei Augusta. Mas o que... — Jasmine, eu...

Neguei veementemente com a cabeça, e vi Carolina


praticamente pular do meu colo, para sair dali, antes que Jasmine

nos flagrasse. Contudo, ela me deu um último beijo, antes de


correr.

— Eu acho que eles devem ter ido em direção ao lago. —


Augusta falou, e notei-a fazendo um sinal com a mão. Carolina
parou no meio do caminho, enquanto Augusta adentrava os
estábulos. — O que... Eu fiz certo em despistá-la? Por que está
escondendo... — seu olhar parou em Carolina. — Ela? Oi, prazer,

sou Augusta Este... quer dizer, Augusta Bernardes.

— Jasmine falou de você, ela te adora — Carolina falou,

arrumando os cabelos claramente sem jeito, e me segurei para


não rir da mesma. Porém, quando encarei Guta, sabia que algo
não estava certo. — Eu ia te ligar hoje, para confirmar o convite

pro aniversário da Jas.

— Ela me ligou hoje cedo — falou, e suspirou fundo, seu


olhar parando no meu. — Foi como se ela soubesse, Franco.

— O que foi, Guta? — indaguei, e vi-a negar com a

cabeça, e segurar as lágrimas. — O que Juan fez?

— O que ele não fez, melhor dizendo — suspirou fundo e


se abraçou, como se tentando se proteger. — Eu só preciso de

um tempo longe dele...

Troquei um breve olhar com Carolina, que pareceu

entender e se afastou, dizendo que ia encontrar Jasmine. Assim


que ela saiu, notei Guta quase desabar, e fui até ela, segurando-

a, e ela se agarrou ao meu abraço.


— Eu o deixei, Franco — admitiu, e aquilo me pegou

completamente desprevenido. — Eu cansei.

Diacho!

CAROLINA

— Tia Guta pode ficar no meu quarto hoje? — Jasmine

perguntou animada, e parecia notar que a tia realmente precisava


daquilo. Eu não sabia ao fundo o que aconteceu, mas era óbvio

que aquela mulher, que deveria ter a minha idade ou um pouco

menos, estava exausta.

— Eu sempre fico no seu quarto, lembra?

Aquela reposta de Augusta me fez pensar nas vezes que o

irmão de Franco estivera ali. Ele nunca dormia com ela? Pelos

céus, alguém mata a curiosidade da fanfiqueira! Vi-me quase


implorando com o olhar para saber.

Senti um leve carinho contra minha perna, e meu olhar

parou no de Franco, que parecia compenetrado em sua taça de


vinho. Talvez ele soubesse que eu precisava me acalmar ou tinha

uma interrogação na minha testa.

Eu achava que aquele almoço pós-primeira noite com

Franco seria estranho, mas não o era por nós dois. Nós dois
parecíamos estar tentando o que quer que fosse aquilo. Porém,

era estranho porque a cunhada dele surgiu do nada, e parecia

angustiada, e eu estava no desespero de querer ajudar, mas sem


saber como.

O celular de Jasmine tocou e notei o brilho no seu olhar.

Quando ela me deu uma olhadinha, como se pedindo permissão,


fiz que sim com a cabeça, e ela subiu correndo as escadas.

— Com certeza é Daiana — falei, e Franco assentiu,

olhando-me.

— Ela me disse era tutora dela... — assenti levemente. —


De mentira... — complementou e vi-me pegando a taça de Franco

e trazendo à minha boca.

— Bom, foi por ela que entrei nessa — assumi, falando

baixo. — Mas eu tô querendo ele, desde a hora que o vi. — fui


honesta, e senti um leve aperto da mão de Franco na minha coxa,

sob a mesa. Ri de lado e o encarei. — Vou culpar o vinho que


nem tomei por isso. — brinquei, e Augusta finalmente pareceu

sorrir verdadeiramente, desde que a vi chegar.

— Então Jas ainda não sabe que pode ser real? —

indagou, e vi Franco assentir, assim como eu. — Fico feliz,

mesmo — ela comentou, olhando para nós dois. — Pâmela

também ficaria — falou, e me pegou completamente


desprevenida. — Ela era minha prima.

Assenti, ainda um tanto perdida.

— Franco disse que vai ficar quanto tempo quiser, então...


se quiser ajudar na festa da Jas, ela vai amar. — falei, tentando

tornar aquilo menos estranho, e ela assentiu, parecendo um

pouco mais animada.

O celular de Franco tocou, e não pude deixar de fuxicar


com o rabo de olho e vi o nome de Juan – seu irmão mais velho.

— Franco...

Ele apenas negou com a cabeça e se levantou, apertando


o ombro de Augusta, que parecia agradecer silenciosamente.

— Eu não devia estar aqui. — Olhei-a, notando seu

desespero crescente. — Eu não posso ser a causa de que eles

briguem mais ou que Franco minta.


— Seja lá o que aconteceu com eles, ou com você e o

irmão dele agora, por que ele não te ajudaria? — perguntei, e ela

pareceu sem resposta. — Mentiras são necessárias, às vezes —

falei o que Verô me dissera, quando ainda era muito jovem, e


comecei a desconfiar que ela me escondia coisas. Depois de um

tempo, descobri que todos os meus irmãos o fizeram – tudo para

me proteger.

Apertei levemente sua mão sobre a mesa, e senti um leve

pesar por ela. Claramente perdida e sem rumo, bem ali. Levantei-

me e segui até onde Franco estava, do lado de fora. Ele já tinha o

celular apenas em mãos e suspirou fundo.

Vi-me o abraçando pelas costas, e senti-o ceder um pouco.

— Sua família é complicada? — perguntou, e ri ao encostar

minha cabeça contra suas costas.

— Complicação deveria ser o nosso sobrenome, não Reis


— falei, e senti-o me virar e puxar-me novamente, só que para

seu peito. — A sua também?

Ele assentiu, passando as mãos por minhas costas.

— Pois agora vai ter que se esforçar para eu te largar,

porque eu amo confusões — confessei, e ele apenas levantou


meu queixo, para olhá-lo.

— Obrigado por estar aqui.

Mesmo sem entender, eu sorri, e senti seus lábios sobre os

meus. Ele não precisou dizer, mas eu sabia que teríamos uma

conversa sobre aquela bagunça, logo mais.


CAPÍTULO XXVII

“Espere pelo sinal e te encontrarei depois que escurecer

Me mostre os lugares onde os outros te deixaram com cicatrizes"[33]

CAROLINA

Meu celular vibrou, e o encarei, enquanto procurava Franco


do lado de fora da casa. Jasmine estava empolgada em uma

noite de filmes com a tia, e senti que ela estava basicamente me


empurrando para o pai. No caso, talvez só quisesse ter um

momento a sós com a tia. Eu não deveria pensar demais sobre, e


nem imaginar que ela desconfiava que algo tivesse acontecido.

Por que ela desconfiaria?

Não olhei o visor e levei o aparelho à orelha.

— Carolina Reis.

— Finalmente... — quase soltei um palavrão ao ouvir a voz

do outro lado da linha. — Sabe há quanto tempo estou tentando

te encontrar, Carolina?

— Boa noite para você também, senhora Lopes. — revirei

os olhos, e vi-me refazendo meu caminho, pela pouca iluminação


até o lago. Aquele lago. Como Franco conseguia desparecer na

própria fazenda durante o trabalho? — Em que posso ajudá-la?

— Eu não recebi notícias do seu casamento, então acredito

que...

— Esse não é o momento, mas... — suspirei fundo —

Vamos ter que reincidir esse contrato — falei, poderia jurar que a

mulher caiu dura do outro lado da linha. Devido ao silêncio e

concentrei-me apenas em andar, e tentar, ao menos, encontrar


seu cavalo. A noite ali era tão silenciosa, que não sabia dizer

como, mesmo acostumada com todo barulho da cidade grande,

eu me sentia em casa ali.. — Senhora Lopes?


Assim que cheguei mais próxima, finalmente tive o
vislumbre do corpo do homem que parecia ter esquecido que

tinha celular naquela hora. Eu o estava procurando desde que

Jasmine gentilmente me dispensou. Ri só de lembrar-me do seu

jeitinho para fazê-lo.

— Senhora Lopes, se não vai dizer nada, acho que...

A ligação foi desfeita do outro lado da linha e não sabia se


ficava aliviada ou preocupada pela reação da mulher. Vi-me

mandando uma mensagem para Nero, avisando que sua mãe me

ligou, mas quando avisei do contrato, ela apenas desligou. Bom,

eu faria a minha parte de desfazer aquilo, ele que lidasse com o

emocional da mãe interesseira.

Fiz um barulho com a garganta, e finalmente ele me notou.

Tinha a visão de Franco encostado contra uma árvore, e o seu

chapéu colocado sobre a mata ao lado.

— Estava me perguntando quanto tempo levaria para me

encontrar. — falou baixo, e eu dei de ombros.

Senti o cheiro de cigarro, bem de leve, mas eu conseguia

reconhecer.
— Por que está nervoso? — perguntei, aproximando-me

dele, e senti seus braços ao meu redor.

— Por que acha que eu estou nervoso? — rebateu, e levei

minha mão à sua boca.

— O cheiro de cigarro. — Ele negou com a cabeça, como


se inconformado.

— Nada te passa despercebido? — foi minha vez de negar.

— Eu consegui descobrir isso da pessoa mais misteriosa


que qualquer um vai conhecer — falei, lembrando-me de Verô. —
E ela só o faz quando está preocupada ou nervosa com algo.

— Nesse momento queria estar preocupado com o fato de

estar gostando tanto disso. — falou, e tocou meu rosto, e não


pude evitar a conexão. — Mas estou mesmo é com o fato de que
Guta está aqui, o que quer dizer que a qualquer momento o

drama dos Esteves vai estourar. E isso também pode te afetar. —


por aquela eu não esperava.

— Pâmela entra onde nisso? — não pude evitar perguntar,

e ele respirou fundo. — Não sei por que, mas minha intuição grita
que tem algo aí.
— Como Jas já deve ter te contado, somos em quatro –

Juan, o mais velho, depois Oscar, eu e Flávio — assenti,


lembrando-me do que ela me contou. — Não sou bom como você,

dando detalhes, mas encurtando a história, Juan acha que roubei


a vida dele. Foi o grande motivo de a gente ter se distanciado.

— Espera...

— Juan queria Pâmela, mas... ela me queria — falou, meio


sem jeito. — Quando a gente ficou junto pela primeira vez, eu não

tinha ideia de que ela era a moça rica de quem ele gostava. Juan
nunca foi aberto sobre nada, então... — deu de ombros. — A

gente continuou se encontrando algumas vezes, até que Pâmela


engravidou, e quando ela conseguiu me encontrar, quando a
família quase a deserdou pela gravidez, descobriu que eu era um

Esteves.

— Cacete! — falei, inconformada. — Então...

— Então a bomba explodiu. Descobri que a mulher que

engravidei era a mulher que meu irmão, que era meu exemplo e
tudo mais, queria. E eu não podia deixá-la sozinha, ela tinha
acabado de ser deixada pela família... Só que eu era só um peão,

os Esteves nunca tiveram nada, fazenda ou algo assim... Juan


era quem fazia de tudo para que isso acontecesse — suspirou
fundo, lembrando. — Foi quando ele simplesmente tentou fazer
negócios com os Toledo, que ele assumiria o filho que Pâmela
esperava e se casaria com ela... Só que quando ele fez isso, e

eles aceitaram, quer dizer, parte deles, Pâmela me trouxe aqui. —


Apontou ao redor. — Essa fazenda era a herança dela, do avô.

Ela disse que a gente podia começar uma vida aqui, e tentarmos
ser bons pais. Quando os Toledo e Juan descobriram, foi outro
caos. Ela se negou a casar com ele e todo o resto, e eu fiquei

inconformado pelo fato de que Juan achou tão simples negociar o


meu filho... — eu o olhava inconformada. — A gente nunca se

falou direito depois disso, e meus outros irmãos fizeram como eu,
tentaram apenas ir cada um para o seu lado...

— Pâmela e você começaram do zero, aqui... — respirei


fundo e finalmente entendi. — Agora eu sei por que luta tanto por

esse lugar, para que Jasmine fique com ele.

— Era o que ela queria. — falou, e seu semblante era


triste. — Pâmela parecia saber, antes de qualquer um, que

deixaria algo para Jasmine. Talvez porque ela conhecia a própria


família e tinha medo de tirarem tudo, e por saber que eu não tinha
ideia do que fazer contra eles — assenti, e senti seu aperto contra

o meu corpo aumentar.


— E onde eu entro nisso? — perguntei, lembrando-me de
seu aviso.

— Sei que acha implicante ressaltar isso, mas você é


jovem, Carolina. — olhei-o revoltada. — Não faz esse bico. —
Apertou meu rosto, e eu revirei os olhos. — Eu não sou apenas

um, sou dois. Quando me leva consigo, leva Jasmine junto. E tem
toda uma história familiar por trás, dos Toledo que você está me
ajudando, e dos próprios Esteves... Não posso te pedir para

querer tentar algo comigo, sem avisar isso.

— Primeiro de tudo — falei, tocando seu rosto. — Eu


escolhi Jasmine primeiro, depois você. — Ri de lado, da sua

expressão que suavizou. — E segundo, se eu parar e te contar a

zona que são os Reis, você que vai sair correndo... — ele me

olhou desconcertado. — Sério, eu sei que está me avisando, mas


não precisa, não quando a gente é tão honesto um com o outro. E

eu já procurei tantas vezes me sentir assim com alguém, que

agora... — suspirei fundo. — Eu nunca encontrei o que procurava,


Franco. Não até o destino me entregar você — assumi. — Pode

ser que eu seja emocionada como todos os meus irmãos, ou

pode ser que eu tenha perdido a cabeça, mas eu gosto de você...


— admiti, e ele me encarou profundamente. — Gosto de um jeito
que pensei que esperaria a vida toda e nunca aconteceria. E se

não for o momento para começarmos algo, eu vou entender. Você


pensa por dois, e eu respeito isso. Mas saiba que em nenhum

momento, estive brincando com você, ou com Jas... Eu a amo,

Franco. — falei, deixando meu peito aliviado por colocar para fora.
— Mesmo que a gente estrague tudo, eu vou continuar amando

ela, e querendo estar perto.

— Carolina... — ele apareceu completamente chocado

diante das palavras. — Eu nem sei o que dizer.

— Só me dizer que tem algum lugar, aí no fundo,

disponível para mim — falei, e toquei sobre o seu peito.

— Não está no fundo, amor — fiquei inerte com as


palavras. — Está na superfície, vibrando. — cobriu minha mão

com a sua, e olhou ao redor. — Por isso estou aqui... — indicou o

lago e vi-me sorrindo — Estar aqui, agora, me faz pensar em

você.

— Se me chamar de amor de novo, eu não respondo por

mim. — Adiantei-me e ele me entregou o sorriso que eu tanto

mataria para ter. — E para de sorrir desse jeito, que me faz perder
a pose de patricinha insensível.
— Você tirou a minha pose de cowboy frio e bruto. — Seus

lábios chegaram próximos aos meus.

— Gosto de você todo bruto. — Ele então deu uma risada

alta, e me puxou para um beijo.

Logo passei minhas pernas ao redor da sua cintura, e ele

se sentou comigo ali, sobre o seu corpo. A gente parecia ter

nascido para estar exatamente assim. No colo dele, eu não sentia


apenas prazer, tesão e desejo. Eu sentia muito mais.

Um mais que eu descobriria com ele, em meio a toda

aquela bagunça. E eu nunca disse que gostava de algo

organizado.
CAPÍTULO XXVIII

“Pessoas começaram a falar nos testando

E eu sabia que ninguém no mundo poderia levá-lo

Eu tive um mau pressentimento"[34]

CAROLINA

— Então já temos muitas coisas... — falei sorrindo, para

Daniela e Jasmine, que já estavam com seus sorvetes. — Não


quer mesmo comer nada, Augusta?
— Pode me chamar de Guta, lembra? — indagou e

Jasmine riu, como se me visse fazendo o mesmo que ela.

— Vou me acostumar, prometo. — Sorri para a mesma.

Já tinham se passado duas semanas que ela estava na

casa de Franco. No caso, também fazia duas semanas desde que


eu e ele acabamos nos rendendo à atração que sentíamos. E ao

mais que ambos ainda tentávamos entender.

Minha mente gritava: você está apaixonada. E meu

coração batia na mesma frequência, contudo, minha boca, pela

primeira vez, parecia sem vida própria. Eu nunca tinha dito tais
palavras a alguém. Como o faria? Como era se sentir exposta

assim?

As únicas pessoas às quais já tinha dito palavras tão

profundas foram meus irmãos. Eu não tinha amigas ou pessoas

próximas, fora eles. Tirando minhas cunhadas agora, não existia

mais ninguém. Era um dos fatos que era tão parecida com ele.

Ele se escondia e se mantinha distante e sem confiar. Eu me


expunha e estava próxima de muitas pessoas, mas não confiava.

Algo, sempre, parecia nos tornar parecidos.


— Tia Carol. — Olhei para Dani, após começar a comer o
sorvete. — Quando a senhora vai me dar um priminho também?

Quase engasguei com o sorvete, e ela compartilhou um


breve olhar com Jasmine. Elas tinham uns quatro anos de

diferença de idade, mas pareciam conseguir conversar

perfeitamente daquela maneira.

— De onde surgiu isso? — perguntei, notando Augusta


sorrindo da cena. Não pude deixar de corar, porque ela deveria

ter interligado as minhas fugidas para o quarto de Franco toda

madrugada. Às vezes ela me pegava no meio do corredor, e

apenas sorria.

Ao menos, ela estando dormindo com Jas, evitava que a

mesma aparecesse no quarto dele tão cedo como daquela

primeira vez.

— Bom, todos os titios já me deram priminhos, tirando a tia

Verô e você. — Olhei-a como se incapaz de raciocinar de tal

forma. — Eu até tenho um irmão agora.

— E vai ter que esperar para ter algum primo vindo de

mim. — avisei, focando no meu sorvete. — Não me imagino


grávida agora. — Pisquei um olho para a mesma, que pareceu

insatisfeita, mas voltou ao sorvete.

— Você seria uma ótima mãe, tia. — a voz de Jas me

pegou desprevenida e senti o peso de suas palavras sobre mim.


Não pude evitar levar minha mão ao seu rosto e apertar seu

queixo em seguida. Como tinha se tornado um gesto tão natural


entre a gente.

Meu celular vibrou e encarei o visor, tomando mais

cuidado, ao relembrar da cilada que foi atender sem olhar e ser


Gabriela Lopes. Porém, não muito longe dela, no caso, porque

era Nero no telefone.

— O que houve? — indaguei, porque não me recordava de

ele ter me ligado qualquer outra vez.

— Minha mãe descobriu que está no interior e parece que

foi na fazenda do Franco. — Quase soltei um palavrão e larguei o


sorvete. — Onde está? Precisamos encontrá-la e dar um jeito
nisso, de uma vez.

— Eu estou no centro...

— Eu posso passar aí agora e te pegar, para irmos para lá.


— Ok — falei por fim, e voltei meu olhar para as três

mulheres à minha frente. — Estou na sorveteria bem na rua


central, e te espero aqui.

Ele apenas desligou e eu aguardei.

— Aconteceu algo?

— Não se eu puder evitar — falei, e fiquei revivendo na


minha mente.

E se ela aparecesse na frente de Franco e dissesse a ele


que eu tinha um contrato de casamento com o filho dela? Puta

merda! Eu sequer tinha tocado naquele assunto, porque não me


era realmente importante. Não parecia tão importante, até aquele
exato instante. Merda!

— Tia Verô! — o grito animado de Dani me tirou do torpor,


e me vi levantando o olhar e encontrando minha irmã, como um

passe de mágica.

— Verô...

— Eu acabei de saber — Olhei-a incrédula. — Temos que


correr. — Olhei para trás dela, onde Gael Fontes estava, e tentei

ligar um mais um, mas parecia impossível.


— Nero vai passar para me pegar aqui — avisei, mas já me
levantei. — Guta, preciso que fique com elas, eu volto logo!

— Mas Carol...

— Por favor — pedi, e engoli em seco.

— Gael — Ouvi a voz de minha irmã, e vi-a apenas

fazendo um sinal para ele, que se aproximou. — Pode ficar com


elas até voltarmos?

Ele não pareceu gostar muito da ideia, mas assentiu. Era


como se não pudesse negar nada a Verônica e aquilo me

assustou. Ela apenas fez uma aceno para Guta, que parecia
perdida em tudo aquilo.

— Prometo te contar depois — avisei, e ela parecia


realmente nervosa. — Não é nada demais, mas...

— Tia Barbie? — olhei de relance para Jasmine. — Eu

cuido delas.

Sorri, sem poder evitar e lhe dei um beijo na testa.

— Eu sei que cuida, pequena. Já volto.

Afastei-me a contragosto e segui Verô que já tinha entrado


no carro. Mandei uma mensagem para Nero, avisando que já
estava a caminho e que ele podia ir direto.
— Eu não vou começar um sermão sobre o quão errado foi
ter assinado esses papéis quando tinha dezoito anos. — Verônica
falou, assim que deu a partida. — Mas espero que se lembre, de

nunca mais, fazer algo assim.

— Eu sei que errei — admiti, e me senti péssima. — Mas

nunca tive medo disso, porque sei que pode ser quebrado, mas...
E se Franco souber e...

Respirei fundo, sem saber como continuar.

— Liga para ele e avisa que está indo.

Eu o fiz, mas a chamada foi direta para caixa-postal.

— Merda! — reclamei. — Ele deve estar em um lugar sem


área.

— Por que está preocupada com o que Gabriela pode

estar fazendo na casa dele?

— Porque... Porque eu gosto dele, Verô — admiti, o que

ela pareceu saber antes de mim. — Eu estou apaixonada — dizer

aquilo em voz alta, evitou-me de sufocar. — E morrendo de medo,

porque eu nunca pensei que me sentiria assim tão... tão viva.


Quando estou com ele, eu... — seu olhar passou sobre mim

rapidamente. — Ok, eu não disse, mas... Estamos tentando.


— Lembra quantas vezes me perguntou como seria,

quando se apaixonasse?

Assenti, e ela respirou fundo.

— Eu nunca te dei uma resposta sobre, porque não tem

uma certa. — Olhei-a incrédula. — A gente sabe exatamente o


que não é amor, mas sabe quando é amor.

— Eu não quero perdê-lo por uma burrice tão imatura

quanto uma assinatura com o cara que eu nunca nem gostei —

admiti, com raiva de mim. — Onde eu estava com a cabeça ao


entrar nessa?

— Você sempre gostou de controlar o que acontecia no

seu pessoal, o mesmo foi no que achou que seria amor? — a

pergunta de Verô era praticamente retórica. — Agora encontrou


sua resposta, sem nem perguntar.

— Franco é minha resposta.

Tentei ligar novamente, e mais outras vezes. Até mesmo,


tentei entrar em contato com Gabriela, mas o celular dela parecia

tão fora de área quanto o dele. Será que... Será que ela estaria

próxima a ele?
FRANCO

— Patrão!

Virei-me para a voz de Sérgio e estranhei ao encontrar

uma mulher mais velha, bem vestida e em saltos altos. Tentei

recordar de alguma pessoa que Carolina tenha me mostrado foto


e que poderia ser de sua família, mas não tinha nada em minha

memória sobre a mulher à minha frente.

— Boa tarde, senhora...

— Lopes — ela falou, aproximando-se. — Gabriela Lopes.

— Em que posso ajudar, senhora Lopes?

— Aqui é a fazenda em que Carolina Reis está se

hospedando?

Hospedando?

Carolina era muito mais do que aquilo, contudo, não era

assunto para aquela mulher ali.


— Ela está vivendo aqui sim. — falei por fim, e olhei-a sem

entender. — A senhora é o que dela?

— Futura sogra.

Duas palavras que me acertaram em cheio.

Que eu saiba, minha mãe tinha falecido quando eu ainda

era pequeno. Como? Como ela poderia ser a futura sogra de


Carolina?

— Desculpe, mas acho que está confusa — falei, ajeitando

minha postura. — A senhora é...

— A mãe de Alfredo Lopes, o noivo dela.

E não esperava por aquela facada no meu peito, não

naquele momento. Não de Carolina.


CAPÍTULO XIX

“E de repente, você é aquele que eu tenho esperado

Rei do meu coração, corpo e alma

E de repente, você é tudo o que eu quero, nunca vou te largar

Rei do meu coração, corpo e alma "[35]

CAROLINA

Eu praticamente pulei do carro e segui correndo para


dentro da fazenda. Parei um segundo, apenas para tirar meus

saltos e ter mais mobilidade. Encontrei Sérgio no meio do


caminho, que parecia não entender meu desespero, e vi-me

gesticulando ou quem sabe gritando sobre Franco. Ele me indicou


a direção e vi-me correndo ainda mais.

Notei o carro importado parado à frente da fazenda, e meu


coração estava na boca. Se antes eu jurava que não seria capaz

de bater em alguém mais velha, naquele instante, estava

reconsiderando. Quando cheguei mais próxima de uma das


grandes demarcações que tinham ali dentro, que os animais

ficavam de um lado, e Franco dissera que estavam verificando a

segurança do cercado – ou deveria se chamar algo assim, o


encontrei.

Ele tinha o cenho franzido sério, enquanto encarava

Gabriela Lopes, em carne e osso, que não poderia ter aparecido


em pior momento.

— Senhora Lopes! — vi-me quase gritando, e corri em


direção a Franco, que finalmente pareceu notar minha presença.

Seu olhar pesou no meu e engoli em seco.

Fiquei entre os dois, mais próxima a ele, e a encarei.

— O que pensa que está fazendo? — perguntei, sem ter a


mínima paciência.
— Vou deixá-las conversar à vontade. — Franco falou, e
me surpreendeu. Virei-me pare ele, incrédula, e minha mão tocou

seu braço, evitando que ele fosse.

— Quem é ele? — ouvi a voz da mulher às minhas costas,

e sequer me importava de fato.

— Franco, eu...

Ele apenas negou com a cabeça, e tirou seu chapéu,

colocando-o sobre minha cabeça. Aquela atitude me atingiu em

cheio, porque não esperava que ele considerasse o que fosse.


Ele então assentiu, e montou em seu cavalo, saindo dali

segundos depois.

Toquei o chapéu, incrédula.

— O que disse a ele? — perguntei, virando-me a mulher

que parecia não entender nada.

— Disse apenas o meu nome. — respondeu. — E que era

sua futura sogra... — fechei os olhos e soltei um palavrão. — Não

sei se estou gostando do seu tom, Carolina.

— Meu tom? — bufei. — Olha, senhora Lopes, sempre a

respeitei. Mas nenhum papel, que eu ainda te avisei que seria


desfeito, te dá o direito de aparecer na minha vida e tentar me

foder.

— Carolina. — a voz de Verô chegou até mim, e notei Nero

logo atrás dela. — Não devia estar aqui, Gabriela.

— Não devia ter vindo até Franco. — falei de uma vez, sem
me importar. — Não tinha nem que me procurar, já que eu avisei o

que seria feito. Eu não vou casar com Nero, se não entendeu isso
ainda.

— Mas...

Notei-a fingir um desmaio, e revirei os olhos. Nero foi

rápido e segurou a mãe, mas notei a forma como ele sabia


exatamente o que ela fazia.

— Sei exatamente o que precisa...

Senti a mão de Verô sobre a minha, como se para que eu

parasse. Olhei-a sem entender, mas ela apenas tomou a frente.


Ela não era de se intrometer em algo nosso, não quando já
estávamos para resolver. O que seria aquilo?

— Vai atrás dele. — Olhei-a sem entender. — Isso não é


importante para você, é? — indagou, indicando Nero.

— Não, mas... Eu posso resolver.


— Eu sei que pode, mas não precisa disso agora. — fez

outro aceno com a cabeça. — Vai atrás do seu amor, eu coloco


um ponto final nisso aqui.

— Verô...

Notei seu olhar que me entregava mais do que sua boca, e

concordei. Ela poderia me pedir o que queria, e eu aceitaria.

— Boa sorte — falei, e saí dali, correndo na direção em

que vi Franco indo.

Algo me dizia para onde ele tinha ido...

Cheguei rápido ao lago, que na minha mente, já tinha se


tornado um lugar todo nosso. Não demorei para encontrá-lo,

encostado na árvore, a qual quase toda a noite, a gente ficava


conversando ou se perdendo no toque um do outro. Era tão bom
ter aquilo com ele.

— Franco...

— Vai se casar com o filho dela? — indagou, e franzi o

cenho, parando à frente dele, e trazendo seus olhos para os


meus.

— Claro que não — respondi direta e sem qualquer dúvida.


— Foi uma burrice de jovem adulta, ter assinado um contrato que
me casaria com o filho dela, caso não me casasse até os vinte e...

Os dedos de Franco chegaram à minha boca, e me

calaram.

— Não precisa se explicar. — falou, e seus dedos traçaram


minha bochecha. — Você o amou? Foi por isso?

— Amor? — perguntei, e quase engasguei com meu


próprio riso frouxo.

E de repente, tudo o que aconteceu até ali, me acertou em


cheio. Tudo o que vivemos em tão pouco tempo, mas que parecia

valer mais do que qualquer outra vida que teria. Ou tenha vivido.
A forma como ele transformava onde eu estivesse, em lar, apenas
por estar ao seu redor.

Eu sabia que estava apaixonada por ele.

Eu sabia antes daquele momento, mas agora, eu sabia que

não era apenas paixão.

Era mais.

O mais que eu tanto procurei e esperei.

O mais que eu temi que não pudesse ser correspondido.

O mais que eu não sabia como confessar.

O mais que eu apenas tive com ele.


O mais que apenas queria ter com ele.

— Nunca encontrei amor em outro lugar que não fosse

aqui. — admiti, e não o encarei, sem a coragem e bravura que


sempre me cercavam. Não quando se tratava de estar exposta
assim. Nunca o fizer antes. Eu não sabia. Eu não tinha ideia de

como seria.

— Nem eu. — levantou meu queixo e fez-me encará-lo. —


Nunca questionou sobre o meu passado ou sobre o meu

casamento, Carolina. Por que te julgaria por ter assinado algo tão

jovem? Por que pareceu que ia evitar um desastre?

— Por medo. — engoli em seco. — Por medo de você

entender tudo errado e eu perder... perder o que estamos

construindo. — Senti uma lágrima descer, sem conseguir evitar.

— Eu sei que tudo é recente demais. Mas eu também sei que eu


sinto demais... por você.

— Confesso que no primeiro momento, me assustou para

cacete. — confessou, e suas mãos vieram para o meu rosto,

limpando levemente as lágrimas. — Medo de que você talvez


amasse outra pessoa ou... Mas eu sei que o que sinto não pode

ser algo apenas meu. O que temos compartilhado, Carolina. É tão

nosso, que eu não duvidaria disso, nem por um segundo.


— Franco...

— Eu confio em você. — falou, e o ar me faltou. — Talvez


seja cedo demais. Talvez a gente estrague tudo depois. Mas

quero que saiba como me sinto.

E aquilo era tão maior que um eu te amo, que me vi


pulando em seu corpo, e abraçando-o com toda minha força. Ele

era tão... Tão único para mim. Diferente de todo caos e bagunça

que eu pudesse imaginar que um amor seria, o dele era certo e

inteiro. Era... era nosso.


CAPÍTULO XXX

“E você entende agora porque eles perdem a cabeça

E lutam as guerras

E porque eu passei minha vida inteira tentando colocar isso em

palavras"[36]

CAROLINA

— Vem cá.

Afastei-me levemente e senti seus lábios encontrarem os

meus. Um beijo calmo e leve, que me entregava o que precisava.


A certeza que apenas ele me entregava.

— Preciso te mostrar uma coisa... — falou e entrelaçou

nossos dedos. — Vamos ter que cavalgar, tudo bem?

— Eu confio em você.

Um sorriso enorme se abriu em seu rosto, e ele como um

especialista naquilo, me colocou rapidamente montada em Lírio,

com ele logo atrás de mim. Prendi a respiração por alguns


segundos, mas aos poucos, fui me acostumando. Uma de suas

mãos em minha barriga, me prendendo a si, como se me

segurando ali.

— Segura forte.

Não entendi no primeiro momento, nem mesmo onde

seguraria, mas então, senti o galopar aumentar, e engoli o grito


dentro da garganta. Se eu gritasse, sabe-se lá o que poderia

acontecer. Vi-me fechando os olhos, e só os abri, quando senti o

cavalo desacelerar.

Eu estava com um estoque de palavrões pronto para sair.

Mas quando abri os olhos, paralisei ao encontrar um

campo de Jasmins. Notava que estávamos bem longe da parte


central da fazenda, já que não reconhecia nada que enxergava.
Antes que eu pudesse indagar algo, Franco me ajudou a
descer, e fez o mesmo. Não pude evitar dar um leve soco em seu

peito, devido ao meu rosto que deveria estar pálido e ganhei um

sorriso de presente.

— Admita que é bom.

— Só se eu quiser morrer cedo — avisei, com meu olhar

preso às flores, iguais as que Jasmine me entregou assim que


nos conhecemos, e que eu tinha agora dentro do meu livro

favorito. — Isso é tão...

— A razão do nome de Jasmine. — falou, e logo uniu

nossos dedos. — Pâmela dizia que era o lugar que ela mais

sentia paz, em toda fazenda. E por isso, quando soube que era

uma menina, o escolheu.

— Eu entendo o porquê — falei, admirando aquele lugar.

— Isso é tão lindo... — indiquei ao redor, com a mão livre.

— Nunca se perguntou se eu a amava ou a amo. — Sua

indagação me pegou de surpresa, e o encarei. — Sei que sabe

que eu tenho um passado, e um fruto dele que vem junto comigo,

mas... Nunca me perguntou sobre ela.


— Não queria parecer enxerida — confessei, e ele tinha

um leve sorriso no canto da boca. — Eu não sou enxerida... —


defendi-me, e ele arqueou a sobrancelha, como se a resposta

fosse óbvia. — Não sempre. — complementei, e lhe dei a língua.

— A gente tentou se amar... — surpreendi-me com sua

resposta. — Como sabe, não foi uma gravidez planejada e tudo


que se seguiu... — respirou fundo. — Pâmela e eu queríamos que
desse certo, mas a gente não teve tempo. Até aprender que o

tempo não precisava ser apenas sobre quando ela estava viva. —
Apertei levemente sua mão. — É estranho mas, eu a amei ao

decorrer dos anos com Jasmine. Eu a amo pela história que ela
me permitiu ter, pela filha incrível que temos, e pelo tanto que ela

lutou por isso. Eu a amo por ter intercedido com meu irmão mais
velho e os outros, para que a data favorita que eu tinha, quando
garoto... quando ganhei esse chapéu de Juan... — suspirou

fundo, e senti a intensidade daquilo. — Os fez prometer que


passariam todos os Natais com a gente. — Engoliu em seco. —

Ela não está aqui, mas é como se estivesse o tempo todo —


admitiu.

— Eu sei que não sou alguém dessa história, mas... Ela

parece estar em todo lugar, Franco. Ela é parte de cada


coisinha... — tive que sorrir. — E é uma paz, sabe?

— Mas como disse, o tempo quando se trata de amor, é


relativo. Ao menos, para mim. — Foi então que se virou, e me

encarou. — Você me ensinou isso, quando nessas semanas,


transformou minha vida de cabeça para baixo. Desde o momento

que me tira do sério, até quando me deixa todo bobo por você...
— trouxe-me para mais perto. — Não sei como estão as coisas

com os Toledo, ou como será com a minha ou a sua família... Mas


eu quero estar com você. Eu quero que fique comigo. Que
escolha estar comigo.

— Isso me parece o pedido de casamento mais bonito que


eu já. — falei, e levantei a cabeça, tentando não chorar. — Não
me pede em casamento agora, homem. Eu to sem meus saltos.

Ele riu alto e tirou o cabelo que caiu sobre meus olhos,
ajeitando-os no chapéu que era dele.

— Mas estou no chapéu favorito do meu cowboy favorito —

falei, e fiz uma careta em seguida. — Amar você me fez mais


cafona do que já sou. Isso não é justo.

— É justo, quando te amo da mesma forma.


Então seus lábios vieram para os meus, e eu não precisava
nem dizer sim ou não. Nem precisava dos saltos. Ele sabia que
eu ficaria. E eu sabia, que ele também.

— Eu sabia!

Dei um pulo para trás, e foi quando todo meu corpo

paralisou.

Jasmine estava ali, com o celular em mãos, como se

tivesse tirado uma foto, e nos encarando.

— Podem continuar, quero tirar uma foto.

Era agora que eu fingia um desmaio?


CAPÍTULO XXXI

“Então você nunca foi um santo

E eu amei em tons errados

Nós aprendemos a viver com a dor

Mosaico de corações partidos

Mas este amor é valente e selvagem"[37]

CAROLINA

— Filha...

— Jas...
— Eu fiquei esperando quando iam me contar. — falou, e

pisquei algumas vezes, incrédula. — Contei para a tia Augusta


que eu já sabia que estavam juntos ou... tentando. — Olhou-me,

como se soubesse tudo ao redor, e a fala me faltou.

— Jas, a gente não queria te esconder nada — confessei,

e parei à sua frente, engolindo em seco. — Me desculpa, eu...

— Por fazer meu pai feliz, tia? — indagou, e fiquei

paralisada com suas palavras. — Eu vi que ele estava mais feliz,


desde o dia que começou a morar aqui. — Sorriu levemente e a vi

trocar um olhar com o pai. — E também, quando a tia Augusta

apareceu, você me encontrou, usando o chapéu dele... —


arregalei os olhos, e virei-me para Franco, que parecia ter se

esquecido daquele detalhe também. — Me fiz de burra, confesso.


— Deu uma risadinha. — Porque eu sei que adultos são mais

complicados do que eu e Dai... — ela então apertou minha mão e

sorriu. — Conheceu o meu campo?

— É lindo — confessei, ainda incrédula com sua reação.

— Jas... — Franco a chamou, e ela parou, enquanto me

puxava para perto das flores. — Você pode dizer se não se sentir

confortável com isso ou...


— Eu sempre torci para que o senhor tivesse um amor
verdadeiro. — Ela então foi até ele, e tocou sua mão. — Que o

senhor visse a vida além da fazenda, além de mim... Eu só quero

sua felicidade. E saber que é a tia Barbie, só me deixa mais feliz

ainda por isso.

— Eu não sei o que dizer, pequena.

— Só pensa no senhor, um pouquinho. — pediu, e fiz um


sinal com a mão que soltou da minha. — Seja o que for, se estão

ficando, namorando ou não sei... Cuida bem dele, tia.

Seu olhar tão como o dele me encontrou, e senti-me quase

chorar novamente. Como eu tivera tamanha sorte? De encontrar o

amor, e ele ser multiplicado?

— Eu vou.

— Mas agora... — puxou minha mão novamente e então a


trouxe para a do pai. — Quero uma foto! — pediu, e então

reposicionou o celular, para uma selfie, e vi-me quase desabando

de vez, quando o olhar de Franco encontrou o meu, e ele parecia

tão emocionado quanto.

Nenhum de nós esperou por aquilo.

Era bem óbvio que ambos fugimos um do outro.


Era bem óbvio que ambos estávamos esperando qualquer

destino.

Só não imaginávamos que o destino seria nosso.

— Eu amei! — Jas gritou, e então pisquei algumas vezes,


lembrando que era uma foto. — Vou colocar no meu diário, assim
que imprimir. E papai?

— Sim?

— Me deve um mês com seu chapéu favorito. — comentou


e vi-o rir de lado, como se não esperasse por aquilo. Olhei-os sem
entender. — O papai disse que se ele encontrasse o amor

romântico, eu poderia ficar com o chapéu dele por um mês. —


explicou e olhei surpresa para Franco.

— E aí você apareceu...

Ele então pegou o chapéu e depositou na cabeça da filha,

que deu um pulinho no lugar. Ele poderia ter perdido naquela


aposta, ou o que fosse, mas não tinha nem de perto o olhar de
um perdedor.

— Isso é o quê?

Então encontrei Verô parada a alguns passos de nós, e ela


sorriu para mim. Deixei as lágrimas descerem, quando fui até ela,
e a abracei. Ela me segurou contra si, e eu só queria agradecê-la

por tudo. Porque por ela, eu tive a chance de encontrar algo tão
verdadeiro.

— Então ainda vai me dizer que não gosta dele? —


brincou, e eu me afastei, rindo alto. — Bem-vindos à Família Reis.

— Quando ela disse que sabia, não me surpreendeu. —

Augusta falou, sorrindo de lado. — Jas sempre foi muito esperta,


e bem, acho que tá na hora de a gente ver um filme. — falou

simplesmente, e sorri para o fato de que Verô ainda permanecia


ali, porque Jasmine a convenceu de ficar na fazenda naquela
noite.

Era como se Verô acolhesse a família que eu escolhi, e eu


a amava ainda mais por aquilo.

— Boa noite, Carolina. — falou, e tocou levemente com o


dedo indicador e médio na minha testa, fazendo-me sorrir. — Boa

noite, Franco.
Ela deu um leve aceno de cabeça, e ele apertou a aba do
chapéu.

Ajeitei-me melhor no banco branco, enquanto Franco


estava ao meu lado, e seu braço ao redor do meu corpo. Tudo
poderia parecer estranho, mas não era, mesmo sendo tão novo,

não com a gente. Nós tínhamos passado o resto da tarde perto


dos campos dos jasmins. Com Jasmine tirando mil fotos, tanto de

nós, quanto das tias, logo que Augusta apareceu também.

— Acho que o aniversário dela pode ser agitado —


comentei, e encostei minha cabeça contra o ombro dele. — Os

Toledo, Esteves, Reis e Torres, no mesmo lugar... Fora os outros


tantos.

— Só me importo em ter você e Jasmine aqui. — Eu ri, e


não pude evitar apertar sua bochecha, enquanto ele retirou o

chapéu e colocou sobre o meu colo. — Acho que agora não é tão
importante assim o que os advogados vão achar ou não nos
papéis, já que estamos juntos.

Olhei-o e notei a leve fragilidade ali, novamente, em seu


olhar. Era como se quando nossos olhares se conectavam, eu

pudesse entender seus temores mais profundos.


— Bom, eu acho que nem quando a gente disse que era
de mentira, era — confessei, e ele assentiu. Seu braço saiu do
meu entorno, e arrumei a postura, cruzando as pernas sobre o

banco. — O que foi? — indaguei, ao vê-lo se mexer e pegar o


violão, que estava ali, como se o esperasse.

— Quando isso acabar, quero que toque para mim — falou,


como se imitasse meu tom de voz, mas saiu péssimo da sua
boca.

— Eu não falo assim. — fiz-me de desentendida.

— Mas eu tenho um acordo para cumprir — falou, e se


sentou novamente, ajeitando-se no banco. — Eu confesso que só

sei o pouco de inglês que sei, por conta de Jasmine. Mas espero

que não saia tão ruim, e bom, foi a parte que sei que faltou para

você, naquele dia.

Olhei-o sem entender nada, mas aguardei.

Quando reconheci os acordes, meu coração errou uma

batida.

— “De manhã, na casa dele. Torrada queimada, domingo.


Você guarda a camisa dele. Ele mantém sua palavra. E, pela

primeira vez, você esquece dos seus medos e seus fantasmas.


Um passo, não é muito. Mas diz o suficiente...” — a parte que eu

nunca tinha coragem de cantar, porque nunca pensei que


conseguiria entender. Da música que eu cantei quando estive no

seu piano pela primeira vez, e ele guardou. Era claro que ele

guardou aquele momento. Porque a gente sabia, antes mesmo de


sentir tanto assim. Ele sabia também.

E então ele continuou: “Vocês se beijam em calçadas.

Vocês brigam e conversam. Uma noite, ele acorda. Um olhar

estranho em seu rosto. Pausa, e diz... — ele então me encarou


profundamente e eu sabia que ele queria dizer as próximas

palavras: — “Você é minha melhor amiga...” — as lágrimas

desceram, e eu acabei apenas o acompanhando com a canção,


sem poder me segurar.

— “E você sabia o que significava, ele está apaixonado...

— ele assentiu, continuando a tocar e cantar, e eu, junto a ele.

“Porque você consegue ouvir no silêncio

Você consegue sentir na volta para casa

Você consegue ver com as luzes apagadas

Você está apaixonado, um amor verdadeiro

Você está apaixonado...”


Ele parou e deixou o violão de lado de imediato. Notei sua

falta de jeito, como se esperando minha aprovação, e vi-me indo

para o seu colo, e dando-lhe um leve beijo. E nós estávamos


apaixonados, e era amor verdadeiro.
FESTA DA JAS

“Não é apenas onde você deita sua cabeça

Não é apenas onde você arruma sua cama

Contanto que estejamos juntos, importa pra onde vamos?

Lar"[38]

CAROLINA

— Eu devia ter repensado isso — falei, no segundo em que


senti minhas costas queimarem, porque apostava que todos os

Toledo tinham feito questão de aparecer no aniversário de Jas.


Eles pareciam os mais deslocados da festa, enquanto a

gente ria, se divertia e dançava. Eles estavam esperando por


qualquer indício de que Franco e eu fôssemos uma mentira. Mal

sabiam, que os advogados os procurariam no dia seguinte, para

alertá-los que tudo que fizeram em respeito a guarda de Jasmine


com Franco, até o momento, era totalmente ilegal.

Até mesmo porque não existia prova de que Pâmela


realmente tenha colocado aquela cláusula no testamento. Era

uma cláusula do testamento do avô dela, e faziam uso da mesma,

como se estivesse certo. Só que eles estavam errados. E


enquanto eles ainda não tinham o tapete puxado de vez, eu ria

nos braços do homem que amava.

— Sobre? — Franco indagou, enquanto me girava


levemente, pela parte próxima aos campos de jasmins, que se

tornou a pista de dança do aniversário.

— Sobre você de terno — falei, e ele parou um pouco de

dançar, como senão tivesse entendido. A música que tocava,

definia perfeitamente, a forma que eu me sentia, ao olhá-lo tão

lindo dentro de um terno sob medida. — Tá aí o motivo do meu

abalo emocional... — cantei para o mesmo, e ele negou com a


cabeça, dando-me um leve beijo nos lábios. — Como você pode
ficar ainda mais gostoso em um terno?

— Está dizendo que me prefere de terno? — indagou, e


neguei de imediato. — Pode me ter assim novamente, no dia do

nosso casamento.

— Primeiro: não existe nada maior ou melhor do que você

com suas roupas diárias. É uma guerra interna te deixar sair de


casa, todo dia. — Bati contra seu peito, e ele claramente

segurava a risada. — Segundo: ainda estamos falando de

casamento?

— Quando não estou te pedindo em casamento, Carolina?

— rebateu, e eu sabia que ele já deveria ter pedido umas três

vezes nas últimas semanas. E não era como se eu não desejasse

aquilo, eu apenas não sentia que era o momento certo. Queria

sentir o momento certo de viver o sonho de ir em busca do vestido

perfeito. Porque o homem perfeito, eu já tinha. Era o que


realmente importava para mim, não a celebração em si. Então,

desejava estar tão animada com a celebração quanto ele. Para

ter tamanho sentido para ambos.

— Quando eu te fiz ir para a capital comigo, para buscar

algumas coisas, e eu achei que fosse terminar comigo —


provoquei, lembrando-me da cara fechada dele – mais do que o

normal – durante todo o dia.

— Carolina... — suspirou fundo e eu sorri, apoiando-me

contra seu peito.

— A mais linda de todas.

— Não consigo brigar com você. — admitiu, e eu revirei os


olhos.

— A gente discute quase todo dia.

— Estou falando por coisas sérias, não por você estar

vigiando a professora de piano de Jasmine por ciúmes. —


comentou e eu o fuzilei com o olhar.

— Preciso lembrar que você quase bateu no irmão da

minha cunhada, achando que ele tava dando em cima de mim?

— Ele foi folgado, é diferente.

— Ela é folgada com você também.

Dois pares de olhos azuis, encarando-se tão


profundamente, que eu sabia que ambos sabíamos que éramos
ciumentos e poderíamos ser um pouquinho sem noção quando se

tratava do outro.

— Ok, meu casal favorito.


Virei-me ao som da voz de Jas, que estava tão linda, que

eu quase perdi a fala quando ficou pronta. Na sua cor favorita, o


amarelo, e que caía perfeitamente com cada detalhe que ela

escolheu para a sua noite. As botas pretas de cowboy que


remetiam a seu pai, as flores espalhadas por seus cabelos, que

remetiam à sua mãe, e o vestido que era toda ela.

Ao seu lado, de mãos dadas, estava Daiana. Ela era tão

tímida, que demorou alguns bons minutos para que realmente


dissesse uma palavra para mim. Mas o meu sexto sentido
apontava que era uma boa garota. E se ela não o fosse, e

partisse o coração de Jasmine... Era algo que eu não gostava


nem de pensar.

Pensar em Jasmine sofrendo, me fazia sofrer por

antecedência.

— Algo errado? — adiantei-me a perguntar, olhando ao

redor, e procurando algum incêndio para apagar.

Acreditava que nunca teríamos tantas pessoas na fazenda


quanto naquela noite. Só a minha família já era uma pancada de
gente, mas ainda assim, Jasmine tinha convidado toda sua sala

de aula, e as pessoas pareciam não ter noção de que não


deveriam convidar outras três mais.
A sorte era que eu não poupei nada para aquela festa, e foi
um dos motivos de discutir com Franco dias atrás. Ela descobriu
que eu tinha pagado metade da festa, e demorou para que

entendesse que eu queria mesmo fazer aquilo. Era como o


presente que eu sabia que Jasmine iria gostar. Aquela festa de

quinze anos, me emocionou e tocou tanto quanto a minha.

— Só queria dizer que estão lindos, tia. — comentou, e eu

me derreti toda. — Não tem uma pessoa que não disse para mim,
que são lindos juntos.

— É claro que nós somos lindos — provoquei, e senti a

mão de Franco ao redor da minha cintura.

— Quer dizer, tio Tadeu não comentou isso.

— Tadeu sempre é o do contra. — comentei, e ri de lado,


ao me virar, e dar de cara com ele. — Oi, ursinho.

— Por que sempre está falando de mim? — rebateu, e eu


revirei os olhos.

— Eu quase nunca falo de você. — pisquei um olho e notei


seu semblante um pouco diferente. — O que foi?

— Senhorita Reis...
— Senhora Esteves. — Franco corrigiu um dos
organizadores da festa, e cutuquei-o com o braço.

— Senhorita Reis-Esteves — falei, o homem assentiu, e


notei que estava ali todo profissional, para me contar algo. — O
que houve?

— Hora da primeira dança da aniversariante.

Encarei rapidamente Tadeu que apenas meneou a cabeça,


como se me dizendo que poderia deixar para depois, mas algo

me intrigou na sua posição. Ele não parecia daquele jeito quando

chegou.

— Jas... — ela respirou fundo, e vi-me segurando suas


mãos. — Se os saltos das botas incomodarem, já sabe. —

assentiu, mas ainda parecia muito nervosa. — Seu pai vai estar lá

com você.

Dei um breve olhar para Franco, que direcionou sua mão à

dela. Ele estava claramente emocionado, desde o momento em

que a viu dentro daquele vestido e pareceu se dar conta de que

Jasmine crescera mesmo. Mas a forma como eles se


direcionaram para o centro da pista de dança, me fez suspirar

alto.
Minha família.

Antes que tudo fosse iniciado e anunciado, puxei Tadeu


que apenas estava parado ali.

— Você nunca aparece para falar algo, sem que seja

realmente...

— Me ligaram. — olhei-o confusa. — Me felicitando sobre o

casamento.

— Que casamento?

— Você não vai se casar por agora? — indagou, e eu


neguei com a cabeça.

— Por que está preocupado? — minha pergunta mal saiu e

foi quando meu olhar passou para Verônica, perto do restante da

nossa família, impecável em um vestido vinho, e bebendo


champanhe. Ela estava misteriosa. Não o comum de todos os

dias. Ela estava mais. — Verô?

— Murilo e Igor estão tentando descobrir também —


comentou e eu mal sabia o que fazer. — Só pensei que pudesse

saber de algo.

— De casamentos? Nos últimos dias só aquela besteira de

contrato com Nero. — Foi então que me recordei de que eu não


tinha ficado até o final. — Ursinho...

— O quê?

— E se Verô estiver para se casar com Nero?

Ele me encarou, eu o encarei, e ambos não sabíamos o


que pensar. O que de fato deveria estar acontecendo?

— Tia.

A voz baixa e comedida de Daiana me chamou para a

realidade.

— Sim — respondi, e a encarei, ainda perdida com aquela

conversa estranha com Tadeu. — Acho que vai começar.

Foi então que voltei meu olhar para o centro da pista de


dança, e meu foco se tornou todo deles. Quando Tristeza do Jeca

começou a tocar, o choro quase veio forte demais. Porque era a

música que ele cantava para ela. Porque era a música que cantei

junto a ela. Porque era uma parte deles, que se tornou, parte de
mim.

E acusava dizer, que eles eram uma das melhores partes.


EPÍLOGO

“Estas são as mãos do destino

Você é meu calcanhar de Aquiles

Esta é a era de ouro

De algo bom, e certo, e real”[39]

O vestido dela não tinha como ser apenas branco. Não o

vestido de Carolina Reis.

Ele era banhado a um rosa-claro e o sol que evidenciava

as nuances da cor no mesmo. Os sapatos dela eram da sua cor

favorita também, e ela, se sentia de fato uma princesa, pela


quase coroa que estava colocada em seus cabelos. Para a
menina que ela foi, que queria tanto encontrar o amor, para a

mulher que ela se tornou, e que o amor a encontrara.

Ela levou as mãos à sua barriga ainda plana e imaginou

como seria, dizer em voz alta, cada parte dos seus votos. Ela
poderia imaginar, como Franco a encararia, e como ele reagiria,

depois dos anos juntos, em que finalmente, ela deixou que ele a

levasse a um altar. Porque para ela, um anel era a última coisa


que precisava. Ela precisava dele. Ela precisava de Jasmine.

Ela se encontrou ali, neles.

Batidas leves na porta, fizeram-na virar, e já tentava a


fundo, segurar as lágrimas. Já tivera a visita de cada irmão, e

ficava cada vez mais difícil. A cada um deles que aparecia, uma

parte da sua maquiagem quase se desfazia. Porém, ela guardaria

para sempre, cada palavra que eles lhes ofereceram naquele dia.

E Carolina sabia que o comum era a noiva fazer a entrada com o


pai. Mas ela não o teve. O que ela teve, foram os melhores quatro

irmãos que poderia pedir. E a melhor mãe e pai em uma só

pessoa – Verônica. Ela que lhe permitiu ter uma família real, e

agora, lhe dava a chance de escolher a sua própria. Ela lhe

levaria ao altar.
— Você está linda. — Jasmine falou, encarando a bela
mulher à sua frente, que desde quando entrou em sua vida, era

sua inspiração. — Mais brilhante do que nunca, tia. — ela então

suspirou, sabendo o que fazia ali.

Já fazia dois anos.

Dois anos em que Carolina Reis entrou na vida de

Jasmine, e a transformou por completo. Dois anos em que ela


descobriu como era ter uma mãe, mesmo que ela nunca tivesse

colocado aquilo em palavras. De fato, não em palavras faladas.

— Mais alguém para tentar destruir minha maquiagem? —

Carolina perguntou e se aproximou de Jasmine.

— Na verdade... — a adolescente de agora dezessete


anos, lhe entregou o diário. Carolina encarou aquele objeto

precioso e notou uma fita pink que se sobressaía, mesmo dentro

do mesmo. — Eu queria te mostrar isso, há um tempo já... Mas a

verdade é que tinha tanto medo de estragar tudo, que não o fiz.

— O que quer dizer?

Agora Carolina estava preocupada.

— Quando você apareceu, eu soube. — A mais velha a

encarou sem entender. — Quando me chama de pequena,


princesa ou mocinha, eu sei. Quando ri de cada piada ruim minha,

ou chama minha atenção por ter feito algo errado, ou quando


chora com qualquer mínima dor que eu tenha... eu sei, tia Barbie.

Foi então que Carolina tomou coragem de abrir o diário de


Jasmine. Assim que a página se abriu, ela levou uma das mãos à

boca e a maquiagem não valia mais nada.

“Oi, mamãe Pam,

Faço esse diário, desde quando aprendi a escrever. E a

senhora sabia, o que tanto pedi, por todos esses anos... Que eu
tivesse a chance de ter uma nova mamãe. Que eu soubesse que

era ela, quando eu a encontrasse.

Hoje, eu conheci uma moça e ela me disse que seu nome

era Carolina Reis, ou podia chamá-la de Barbie. Eu escolhi


chamá-la de tia Barbie. Só que a verdade, mamãe, é que eu senti.

Senti aquilo que eu tanto pedi desde pequena. Senti que havia
encontrado minha outra mamãe. A que vai passar comigo, tudo
aquilo que a senhora tanto queria.

Percebi isso, quando ela corrigiu minha forma de chamá-la


de senhora, para apenas você. Eu queria usar o mesmo pronome
de tratamento que tenho com a senhora, com ela. Isso é normal?

Será que estou certa?

Eu espero que sim.

Eu espero que um dia escreva nesse diário, que a chamei


de mamãe.

Ela é especial, mamãe. Eu sei que é. E se a senhora a


mandou para mim, para nós... obrigada.”

Carolina não poderia acreditar quando encarou a data


assinada no diário, e muito menos nas palavras. Porém, lá no

fundo, ela sabia exatamente como Jasmine se sentiu. Ela sabia


que jamais se separaria dela, desde que se encontraram.

— Mamãe.

Carolina piscou algumas vezes e a encarou, com as


lágrimas nublando sua visão. Ela então abraçou Jasmine, com

todo amor que sentia, e mal conseguiu pensar direito.

— Filha... — ela então se separou e tocou o rosto da

garotinha que a cada dia que passava, se tornava uma bela


mulher. Os Reis, melhor do que ninguém, sabiam que sangue não

era a única forma de estar conectado com alguém. Eles


valorizavam a alma. — Obrigada, filha.
— Obrigada por aceitar não só o papai, mas a mim...

— Eu nunca tive que te aceitar, Jas. — sorriu para a filha,

já quase mais alta que ela. — Eu tinha que te encontrar, eu sei. —


ela então trouxe a mão da filha para a barriga, e sorriu. — Esse é
único segredo que consegui esconder de você...

— O quê? — perguntou, sem entender.

— Não somos apenas três, não mais... — sorriu

abertamente, e notou os olhos arregalados da filha. Sim, Jasmine


era sua filha. — Somos quatro.

— O papai vai desmaiar no altar, pai do céu! — a menor


falou, abraçando-a com força e quase dando um grito. — Vou
ficar do lado dele, de prontidão.

— Ele não vai...

E foi exatamente assim que aconteceu.

Franco Esteves nunca pensou que em seus quase


quarenta anos, acabaria por desmontar por inteiro à frente de

várias pessoas. Pessoas que agora ele podia chamar de família.


Quando ele viu Carolina, pela primeira vez, ele soube que estava

destinado a ela. Poderia negar, lutar ou contrariar, mas lá estava


ela, de novo, mostrando-lhe que não tinha porque correr.
Ele era dela. O tanto quanto ela era dele.

Então quando ela começou seus votos, citando a música

deles e parte da sua história, ele pensou que estava preparado


para tudo. Mas com Carolina Reis, tinha que ser diferente. Porque
era ela que lia cada entrelinha dele. Porque era ela que

encontrava cada detalhe dele. Então ao saber que seria pai pela
segunda vez, o homem de um metro e noventa, quase sufocou no
terno sob medida que usou especialmente naquela ocasião. E foi

amparado pela filha, ao quase desmaiar, e por fim, as lágrimas o

tomarem.

Poderia não ser a história de amor que eles esperavam.

Poderia ser que nenhum deles esperasse por uma.

Mas eles encontraram amor, no meio da estrada em um dia

comum.

Mas eles encontraram amor, em decisões mal pensadas

mas decisivas.

Mas eles encontraram amor, o verdadeiro amor.


EXTRA

“E não há nada como uma mulher louca

Que pena que ela enlouqueceu

Ninguém gosta de uma mulher louca

Você fez ela ficar assim

E você cutucará aquela ursa até as garras dela atacarem

E você encontra um motivo para colocá-la em sua forca

E não há nada como uma mulher louca"[40]

VERÔNICA
— Pode parar de fingir, senhora Lopes — falei, e então a

mulher tentou ao menos disfarçar que não tinha fingido um


desmaio. O que fazia menos sentido ainda. — Como pode ver,

Carolina não vai assumir esse compromisso.

— Isso é inaceitável. — ela praticamente rosnou, e retirei

meus óculos escuros, olhando-a de cima. Notei sua postura se

modificar um pouco. — Os Reis cumprem sua palavra. Ao menos,


é o que todos dizem desde que você assumiu o lugar de Regina.

— Não fale dela, nunca mais. — Fui incisiva, e notei outro

olhar pesar sobre o meu. — Qual a motivação dele? — indaguei,

ainda encarando a mulher, que dizia estar bem para o filho.

— Isso é pessoal. — Alfredo me respondeu, no tom que eu

tanto já estava acostumada. Ele parecia um garotinho

envergonhado à frente de qualquer um, principalmente, mulheres.

Mas na minha, era como se ele tentasse se proteger, ao assumir


uma posição de tamanha hostilidade clara.

— Ok. — falei simplesmente. — Como disse, eu li os


papéis e tomei uma decisão.

— O quê? — os dois indagaram de imediato.


— Uma Reis para um Lopes... — recitei a frase que
conhecia há muito tempo. — Nosso casamento será daqui a um

mês.

— O quê?

Sustentei o olhar incrédulo de Alfredo e o de surpresa de

sua mãe. Parecia que a mulher iria de fato desmaiar agora.

— Bom, tudo resolvido. — Recoloquei meus óculos. —

Podem voltar de onde saíram, e entro em contato em uma

semana.

Dei-lhe as costas, e já caminhava na direção que vim.

Senti um aperto firme em torno do meu braço e fui parada.

Levantei o olhar e encontrei a incredulidade pura no de Alfredo.

— Por que está fazendo isso? — indagou, como se aquela

fosse a pior decisão que ele já vira alguém tomar.

— Isso é pessoal. — Suas próprias palavras o acertaram.

— Se tocar em mim, sem a minha permissão novamente, vai se

arrepender.

Ele então me soltou, e deu dois passos atrás, como se

minha presença fosse demais para suportar. No meu caso,

apenas continuei meu caminho e meus próprios pensamentos.


Eu tinha muito mais para me preocupar do que um

casamento por contrato com data de validade.

Continua?
NOTA

E depois desse EXTRA eu só imagino você assim:

#VEMVERO. O livro dela já se encontra em pré-venda aqui na


amazon (os detalhes como capa, título e sinopse serão
atualizados a partir da primeira semana de lançamento de

Carolina; link aqui).

E como sempre, se você sentiu curiosidade e quer encerrar

essa jornada comigo e saber tudo sobre os Reis, não se esqueça


de avaliar Carol, Franco e Jasmine.

O que achou deles? Surpreendeu-se? Passou nervoso?


Gostou de como as coisas correram? Não se esqueça de me
contar!

E os Esteves em? Que será que vem dessa história em

aberto? Caso tenham interesse em saber mais deles, me conta

nas redes sociais ou aqui na avaliação.

Caso queira saber mais sobre os projetos futuros, a

respeito da Verônica, me siga nas redes sociais listadas abaixo,


principalmente no instagram (@alineapadua). Estou doida para

poder compartilhar tudinho com vocês.


Obrigada pela leitura,

Aline
Árvores Genealógicas TORRES-REIS
[1] Frase da telenovela sul coreana It's Okay to Not Be Okay.

[2] Trecho da canção intitulada AM I READY FOR LOVE? da artista

norte-americana Taylor Swift.

[3] Trecho da canção intitulada I Knew You Are A Trouble da artista

norte-americana Taylor Swift – álbum: 1989, data de lançamento: 2014.

[4] Trecho da canção intitulada Todo mundo vai sofrer da artista

brasileira Marília Mendonça – álbum: Todos os cantos, vol. 2, data de

lançamento: 2019.

[5] Trecho da canção intitulada Mr. Perfectly Fine da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: Fearless (Taylor’s Version) From the Vault,

data de lançamento: 2021.

[6] Trecho da canção intitulada Abalo Emocional do artista brasileiro

Luan Santana – álbum: LUAN CITY AVENIDA AMARILDO SANTANA (Ao

Vivo), data de lançamento: 2022.

[7] Trecho da canção intitulada Cruel Summer da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[8] Trecho da canção intitulada Nightmare da artista norte-americana

Halsey.
[9] Trecho da canção intitulada Tristeza do Jeca da dupla sertaneja

brasileira Tonico & Tinoco.

[10] Trecho da canção intitulada À Palo Seco do artista brasileiro

Belchior – álbum: Belchior, data de lançamento: 1974.

[11] Trecho da canção intitulada Nightmare da artista norte-americana

Halsey.

[12] Trecho da canção intitulada Afterglow da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[13] Trecho da canção intitulada Delicate da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[14] Trecho da canção intitulada Red Lights do boygroup sul coreano

Stray Kids (Bang Chan, Hyunjin) – álbum: Noeasy, data de lançamento:

2021.

[15] Trecho da canção intitulada Wonderland da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: 1989, data de lançamento: 2014.

[16] Trecho da canção intitulada All I Want da artista norte-americana

Olivia Rodrigo.

[17] Trecho da canção intitulada Delicate da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[18] Trecho da canção intitulada Wonderland da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: 1989, data de lançamento: 2014..


[19] Trecho da canção intitulada Sorry, I Love You do boygroup sul

coreano Stray Kids – álbum: Noeasy, data de lançamento: 2021.

[20] Trecho da canção intitulada Favorite Crime da artista norte-

americana Olivia Rodrigo – álbum: SOUR, data de lançamento: 2021.

[21] Trecho da canção intitulada melhor sozinha da artista brasileira

Luísa Sonza – álbum: doce 22, data de lançamento: 2021.

[22] Hyunjin nasceu em 20 de março de 2000 (22 anos) em Seul,

Coreia do Sul. Ele é o dançarino principal, rapper líder, sub-vocalista e o


visual do grupo Stray Kids .Fonte: STRAY KIDS FANDOM <https://stray-

kids.fandom.com/wiki/Hyunjin>

[23] Trecho da canção intitulada Gorgeous da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[24] Trecho da canção intitulada Ready For It? da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[25] Trecho da canção intitulada Cornelia Street da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[26] Trecho da canção intitulada You Are In Love da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: 1989, data de lançamento: 2014.

[27] Trecho da canção intitulada Cornelia Street da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.


[28] Trecho da canção intitulada 700 por hora da artista brasileira

Ludmilla – álbum: Hello mundo, data de lançamento: 2019.

[29] Trecho da canção intitulada Modo Avião da artista brasileira

Ludmilla.

[30] Trecho da canção intitulada Morena do artista brasileiro Luan

Santana – álbum: THE COMEBACK, data de lançamento: 2021.

[31] Trecho da canção intitulada Red Lights do boygroup sul coreano

Stray Kids (Bang Chan, Hyunjin) – álbum: Noeasy, data de lançamento:

2021.

[32] Trecho da canção intitulada Out Of The Woods da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: 1989, data de lançamento: 2014.

[33] Trecho da canção intitulada willow da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[34] Trecho da canção intitulada Dancing With Our Hand Tied da

artista norte-americana Taylor Swift – álbum: Reputation, data de


lançamento: 2017.

[35] Trecho da canção intitulada King Of My Heart da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[36] Trecho da canção intitulada You Are In Love da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: 1989, data de lançamento: 2014.


[37] Trecho da canção intitulada State Of Grace da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de


lançamento: 2021.

[38] Trecho da canção intitulada Home da artista britânica Gabrielle

Aplin – álbum: English Rain, data de lançamento: 2013.

[39] Trecho da canção intitulada State Of Grace da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de


lançamento: 2021.

[40] Trecho da canção intitulada mad woman da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.


Copyright 2022 ©

1° edição – julho 2022

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS A ALINE PÁDUA

Diagramação: AAA Design

Ilustração: AAA Design

Revisão: Sônia Carvalho


SUMÁRIO
Sumário

NOTA

UMA GRAVIDEZ INESPERADA

CEO INESPERADO – meu ex melhor amigo

O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY

FELIZ NATAL, TORRES

UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O VIÚVO

GRÁVIDA DO CEO QUE NÃO ME AMA

O CASAMENTO DO CEO POR UM BEBÊ

A FILHA DO VIÚVO QUE ME ODEIA

PLAYLIST

POR TRÁS DE VERÔNICA DE VERÔNICA REIS

Sinopse

01

02

03

04

05
06

GRÁVIDA EM UM CASAMENTO POR CONTRATO

SINOPSE

PRÓLOGO

CAPÍTULO 1

CAPÍTULO 2

CAPÍTULO 3

CAPÍTULO 4

CAPÍTULO 5

CAPÍTULO 6

CAPÍTULO 7

CAPÍTULO 8

CAPÍTULO 9

CAPÍTULO 10

CAPÍTULO 11

CAPÍTULO 12

CAPÍTULO 13

CAPÍTULO 14

CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16

CAPÍTULO 17

CAPÍTULO 18

CAPÍTULO 19

CAPÍTULO 20

CAPÍTULO 21

CAPÍTULO 22

CAPÍTULO 23

CAPÍTULO 24

CAPÍTULO 25

CAPÍTULO 26

CAPÍTULO 27

CAPÍTULO 28

CAPÍTULO 29

CAPÍTULO 30

CAPÍTULO 31

CAPÍTULO 32

CAPÍTULO 33

CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35

CAPÍTULO 36

CAPÍTULO 37

CAPÍTULO 38

CAPÍTULO 39

CHAME DO QUE QUISER...

EPÍLOGO

EXTRA

NOTA

Contatos da autora
NOTA

E chegamos a nossa última e tão esperada REIS! Vulgo,

rainha da p*rra toda, porque é assim que a gente conhece


Verônica. Essa personagem despertou todo tipo de sentimento e
agora é sua vez de contar sua história. Não quero me alongar por

aqui, mas preciso deixar o recado de que recomendo a leitura de


toda a série TORRES-REIS para o melhor entendimento desse

livro. Mas caso não se importe com spoiler, você pode arriscar ler

esse e se gostar, fazer sua própria ordem.

Nero e Verônica, nossos queridos VeNero, tem sua


construção em pequenos detalhes de cada livro. Começa de fato

no livro 3 dos Torres e segue daí. Fica também o aviso que a

história de Verônica começa em POR TRÁS DE VERÔNICA REIS


e o romance se passa de fato em GRÁVIDA EM UM

CASAMENTO POR CONTRATO. Por isso os dois estão


disponíveis aqui, e separados.

Espero de coração que Verônica seja tão especial para


vocês, o quanto é para mim....

Boa leitura,

Aline
UMA GRAVIDEZ INESPERADA

Família Torres – Livro 1

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SINOPSE

Se no meio do caminho de algumas pessoas tem uma pedra, no

meio do caminho de Maria Beatriz, sempre teve Inácio. O herdeiro da

fazenda que fica ao lado das antigas terras de sua família, tornou-se um

homem bruto e fechado, que quando aparece na sua frente, ela já sabe

que só pode ser problema ou alguma proposta indecorosa. Maldito peão


velho!

Inácio Torres é um homem de poucas palavras, mas que vê em uma

mulher tagarela, a oportunidade perfeita. Mabi precisa de dinheiro, ele o

tem. Ele precisa de um casamento falso, e ela é a escolha perfeita. Porém,


a única coisa que recebe de Mabi, como sempre, é uma negativa. Maldita

criança sonhadora!

No meio das voltas que a vida dá, uma noite de prazer os marca. E a

consequência será muito maior que o arrependimento: UMA GRAVIDEZ

INESPERADA.
CEO INESPERADO – meu ex melhor amigo

Família Torres – Livro 2

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SINOPSE

Se nem tudo que reluz é ouro, Júlio é apenas a melhor imitação

de pedra preciosa que Babi colocou os olhos.

O seu ex-melhor amigo, a abandonou e quebrou seu coração

quando eram adolescentes. Bárbara Ferraz jurou a si mesma que nunca

mais o deixaria ficar perto. Maldito CEO engomadinho!

Júlio Torres sabe que deixou uma parte de si para trás. Sua ex-

melhor amiga o odeia e ele, muitas vezes, teve o mesmo sentimento por

si. Maldita sombra!


Júlio sabe que não pode mais ignorar, porque ele não quer apenas a

sua melhor amiga de volta, ele a quer como sua.

Babi foge dele como o diabo foge da cruz. Entretanto, como fugir

se depois do reencontro e finalmente os pratos limpos, ela se

descobre grávida do seu ex-melhor amigo?


O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY

Família Torres – Livro 3

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SINOPSE

Se existe amor à primeira vista, Abigail Alencar e Bruno Torres


compartilham o completo oposto. Abi o detestou desde o primeiro

momento, e com o passar dos anos, o sentimento permaneceu. Bruno é o

típico cowboy cafajeste, arrogante e popular, que ela não suporta um

segundo na presença.

A cidade pequena sabe de seu desgosto e desinteresse no mais

novo dos Torres, porém, ele sempre pareceu ficar ainda mais animado em

confrontá-la. Se existe algo sobre Bruno que ela conhece bem, é que ele

não foge de um desafio.


Assim, quando Abi o encontra como babá da sua filha de apenas um

ano, ela só consegue pensar que ele quer algo. Bruno jura que está ali

apenas para tirá-la do sério, como sempre, mas tudo acaba por mudar,

naquele exato instante.

Existe uma linha tênue entre o amor e o ódio... eles estarão

dispostos a cruzá-la?
FELIZ NATAL, TORRES

Família Torres – Livro Extra

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SINOPSE

O Natal parou de ser uma data festiva, e tornou-se dolorosa, assim


que Maria Beatriz perdeu os pais. No entanto, nesse ano, tudo mudou e ela

vai lutar para que essa data seja ressignificada. Que ela possa sorrir na

data, o tanto quanto, um dia o fez, no passado. Assim, ela precisa que tudo

saia PERFEITO.

Uma árvore de Natal destruída, enfeites perdidos pela casa, a ceia

que não vai chegar a tempo, um desmaio...

Será que ela terá o seu Feliz Natal ao lado dos Torres?
Esse é um conto natalino, narrado na visão de Mabi e Inácio (do livro

Uma Gravidez Inesperada), onde você poderá passar essa data tão

especial ao lado da Família Torres.


UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O VIÚVO

Família Torres – Livro 4

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SINOPSE

Olívia Torres sempre teve em mente que para bom entendedor


meia palavra bastava. Assim, quando se apaixonou perdidamente e

descobriu que o homem com o qual se envolveu era casado, o seu mundo

perdeu o chão. Ela apenas foi embora, sem olhar para trás.

Contudo, com Murilo, ela nunca pôde parar de olhar. Ainda mais,
quando descobriu que estava grávida.

Murilo Reis perdeu tudo. Nunca pensou, que em algum momento,

poderia voltar a sentir algo. Entretanto, bastou um olhar para Olívia, para
ele compreender que ainda existia uma chance. Chance essa, que se

perdeu por completo, quando ela o deixou.

Anos depois e uma coincidência do destino, Murilo descobre que

não apenas as lembranças daquele amor de verão permaneceram, mas

sim, que ele tem uma filha.

Um amor de verão pode ser o amor para a sua vida?


GRÁVIDA DO CEO QUE NÃO ME AMA

Família Reis – Livro 1

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SINOPSE

O triste é que aquele velho ditado se tornou real em sua vida:


Valéria que amava Tadeu, que amava Bianca, que amava Murilo, que

não amava ninguém. Desde que seus olhos pousaram em Tadeu Reis,

Valéria se apaixonou. Não sabia dizer se era pelo olhar escuro enigmático,

o sorriso que ela queria tirar daqueles lábios cerrados ou o fato de ele ser

tão atencioso com quem amava.

Porém, Tadeu apenas tinha olhos para outra mulher, e Valéria

escondeu aquele sentimento no fundo de sua alma, tentando matá-lo

durante os anos que se passaram. Uma coincidência do destino, os coloca


frente a frente. Ela sabe que ele é errado, mais do que isso, uma grande

mentira, porém, seu corpo não resiste.

E uma noite com o homem errado não é o fim do mundo, certo?

Para ela, tornou-se um outro começo, já que terá uma parte dele

consigo, para sempre. Valéria está grávida do homem que não a ama. E

não pretende deixá-lo descobrir.


O CASAMENTO DO CEO POR UM BEBÊ

Família Reis – Livro 2

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SINOPSE

Águas passadas não movem moinhos – era o que Lisa


repetia a si mesma. Contudo, estar sempre tão próxima do único

homem que realmente se apaixonou, fazia com que ela quisesse

voltar, e na verdade, se afogar com ele. Igor Reis era um erro, e


ela sempre soube.

Ainda assim, não podia evitá-lo para sempre, já que seus

círculos de amizades eram tão próximos. Então, era apenas isso:


Igor era um amigo. Um ótimo fofoqueiro e uma pessoa para
perder horas conversando – mesmo que quisesse perder muito

mais.

Todavia, quando ele bate na sua porta no meio da

madrugada com um bebê a tiracolo, ela não sabe o que de fato


está acontecendo. Porém, nada é tão ruim que não possa piorar,

e ele a pede em casamento.

Nas voltas que a vida dá, Lisa se vê com o sobrenome

Reis, um bebê para chamar de seu e um contrato de casamento


por um ano com o homem que ama.

Até onde o casamento do CEO por um bebê será uma


mentira?
A FILHA DO VIÚVO QUE ME ODEIA

Família Reis – Livro 3

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SINOPSE

Os opostos se atraem.

Carolina Reis queria jurar que isso estava errado, mas não
pôde evitar a forma como seu corpo reagiu ao cowboy bruto e

grosso que, literalmente, atravessou o seu caminho. Franco era


uma incógnita, com um chapéu de cowboy escuro e uma

expressão tão dura, que lhe fazia indagar se ele em algum

momento sorria. Bruto insensível!


Franco Esteves não tinha tempo para perder, muito menos,

com uma patricinha mimada que encontrou sozinha no meio da


estrada. Porém, não conseguia evitar ajudar alguém, mesmo que

este parecesse ser no mínimo uma década mais novo, com olhos

claros penetrantes e um sorriso zombeteiro. Diacho de madame!

O que era para ser apenas um esbarrão no meio do nada,

torna-se uma verdadeira tortura, quando Carolina assume, por


coincidência a função de tutora da filha do cowboy. Ele só quer

evitá-la. Ela só quer irritá-lo. No meio do ódio e atração que lhes

permeiam, uma adolescente se torna um vínculo que eles não


podem evitar.

Mas até onde ela será a única a uni-los?


PLAYLIST

Posicione a câmera do seu celular para ler o QrCode e conheça um

pouquinho das músicas que inspiraram este livro. Caso não consiga ter

acesso, clique aqui


POR TRÁS DE VERÔNICA DE VERÔNICA REIS
Sinopse

Existe uma história de cinco irmãos e como o amor chegou


para cada um deles. Contudo, para que cada história existisse,
outras cinco pessoas tiveram que agir. Uma delas, até os dias

atuais, protegia a família deles. A família, que um dia, a escolheu.

Por trás de Verônica Reis existe muito além da história de


cinco irmãos. Existe a história da família Reis.

Esse conto é um prequel de “GRÁVIDA EM UM

CASAMENTO POR CONTRATO”.


“sasageyo sasageyo

shinzou wo sasageyo

subete no gisei wa

ima kono toki no tame ni”[1]


01
“Vou te abraçar

E te proteger

Então deixe o amor te aquecer

Até amanha

Eu vou ficar com você

Do seu lado."[2]

Pedro Reis era o mais velho de quatro irmãos.

O único próximo à mãe e o único que chorou no funeral do


pai.

O pai não era grande coisa, mas ainda assim, Pedro foi
aquele que herdou seu primeiro nome e era aquele que tentava

entender o homem que apenas parecia ligar para álcool e

dinheiro. Ao menos, até o dia de sua morte.

Os irmãos Reis tinham pequenas diferenças de idade, mas


ainda assim, Pedro sempre se mostrou como um protetor de

todos. Ainda mais, no momento em que um bebê foi deixado à

frente da mansão dos Reis, apenas com cinco palavras: ela é filha

de Rodinei.
Foi Pedro quem acordou naquele dia, e quando abriu a

porta para ir ao trabalho, deu de cara com um amontoado de


cobertas e bochechas vermelhas. Por sorte, não fazia frio naquela

manhã, mas ele não tinha ideia em que momento o bebê foi

deixado ali.

A primeira coisa que fez foi trazer aquele pacotinho de

gente para o seu colo. E em seguida, adentrar a casa. Ele não


sabia dizer o sentimento que o tomou naquele instante. Ele

sempre foi o mais sensível em relação à família, e demonstrava

abertamente seus sentimentos, contudo, nunca se permitiu ser


aberto com ninguém mais.

O sobrenome Reis era almejado, e ele seguia a linha de

confiar desconfiando sempre de qualquer pessoa. Mas o bebê


inocente em seu colo... Ele se viu sorrindo para o mesmo, e

quando finalmente conseguiu tirar todas as cobertas, ele notou

que usava um macacão rosa bebê, e pelo que estava no cartão,

provavelmente era uma menina.

Uma bebê abandonada à sua porta.

Foi quando ela quase começou a chorar e ele a balançou,

sem ter ideia do que estava fazendo de fato. Ele sentiu um olhar

preso nele, e foi quando o levantou. Sua mãe descia as escadas


e parecia tão confusa, a ponto de apenas se aproximar e pegar o
cartão que estava na mão livre dele.

— Ela é filha de Rodinei.

As palavras de Regina Reis foram como uma agulha

caindo em um local totalmente silencioso.

— Aquela vadia...

O grito de Rodinei fez com que a bebê no colo de Pedro

chorasse alto, e o mais velho apenas lhe deu um olhar que o

calou de imediato.

— Sabia da existência dessa criança? — a voz de Regina

era baixa, mas com toda certeza, ela se controlava. — Sabia que

em algum momento alguém cobraria a paternidade?

— Ela não é minha filha. — pontuou, olhando

profundamente para a mãe. — Eu não sei onde aquela vad...

— Rodinei! — a voz de Pedro não era nada amigável.

— Enfim, ela não queria a criança, mas queria alguém que


pudesse lhe dar dinheiro por ela. Quando me neguei a pagar, ela

sumiu. — comentou, dando de ombros. — E agora colocou uma

zé ninguém à frente da porta como se...


— Vamos fazer um teste de DNA. — Regina falou

simplesmente, e trocou um leve olhar com Pedro. — Hoje.

— Eu quero essa criança longe de mim, independente do

resultado. Não preciso de ninguém além de Roberto e Reinaldo


para querer tirar meu dinheiro.

Aconteceu muito rápido. Mas em um momento Regina

estava do lado de Pedro e no outro, a mão dela estava no rosto


do filho mais novo.

— Meu dinheiro. — Regina foi certeira. — Não sei como


errei tanto com vocês, a ponto de não pensarem por nenhum

momento que um bebê inocente foi deixado à porta, mas, sim na


herança que terá que dividir.

— Sabe que eu não me importo, não é, mamãe?

— Não sei porque ainda me chama de mãe já que não se

importa. — o mais novo apenas fez uma careta e já ia sair.

— Vamos fazer esse teste agora. — Pedro exigiu, e ele


parou no caminho. Se existia uma única pessoa que Rodinei

realmente respeitava e se importava era com o irmão mais velho.


Assim que o sangue de Rodinei foi coletado, ele

simplesmente sumiu da clínica. Enquanto isso, Pedro estava com


a bebê, no pediatra e tentando compreender como estava a

saúde da pequena. De fato, era uma menina. E de fato, ela não


parecia doente, mas tinha que receber maiores cuidados.

Ele não sabia por que, mas simplesmente cancelou todo o


seu dia, para ficar ao lado da pequena. Era desesperador quando

alguém os afastava, e Pedro considerou que estava


enlouquecendo. Nunca sentiu tal coisa e muito menos conseguiu
entender do que se tratava.

Ele não entendeu porque estava pedindo para seu


assistente comprar artigos para bebês de oito meses. Muito
menos, porque já estava olhando como ficaria um quarto de bebê

ao lado do seu. Algo sobre como Pedro se sentia em relação à


pequena, que sequer tinha um nome, e pelo que ele conseguiu

descobrir, sequer uma certidão de nascimento, o fez ficar ali.

Ficar com ela, em seus braços.

Levá-la para seu apartamento no centro e tentar cuidar da


forma como conseguia.
À espreita, Regina acompanhava o filho. Todo cuidado,
atenção e carinho que ele depositava em uma criança que ele
nunca tinha visto antes. Ela nunca entendeu como o seu marido

já falecido conseguiu fazer com que os filhos mais novos fossem


tão apegados apenas ao dinheiro e não à família. Mas com

Pedro, mesmo ele amando o pai, ele nunca caiu em seus


joguinhos.

Regina sentia a culpa por ter escolhido aquele homem


como pai deles. Não existia um dia em que não se arrependesse
de ter focado tanto em salvar a empresa da família e torná-los tão

grandes, do que ter ficado mais em casa e cuidado dos filhos


atentamente. Talvez se ela não tivesse se dedicado tanto ao

trabalho, os filhos não teriam dado tanto valor apenas ao trabalho


dela.

Pedro era uma exceção.

Ele parecia entendê-la. Ao menos, ele sempre tentou.

E vendo-o ali, tão apegado àquele pequeno ser, ela já


sabia que independentemente do resultado, ele não a deixaria ir.
Pedro tinha encontrado uma razão além da própria mãe e dos

irmãos.
Quando o resultado ficou pronto, Pedro olhou para a mãe e
pediu que ela abrisse.

— Isso faz diferença? — Regina perguntou, segurando o


papel, notando-o sentado no sofá, com a bebê dormindo sobre
seu colo. — Faz realmente diferença, meu filho?

— Não sei o que aconteceu. — admitiu, suspirando fundo.

Pedro tinha apenas vinte e dois anos, mas parecia carregar muita
coisa consigo, principalmente, o peso do sobrenome. — Eu só...

Só não consigo ficar longe dela.

— Sente que ela é sua filha?

Aquela não era uma pergunta que ele esperava, mas o que
o surpreendeu de fato, foi ele ter uma resposta já na ponta da

língua para aquilo. Ele olhou para o pequeno rostinho em seu

peito, que ressonava e parecia tão inocente em meio a um mundo


que já a recebera cruelmente. Ela fora abandonada. Ela fora

renegada. E ela sequer tinha um ano de idade.

Pedro sabia, na realidade, ele soube daquilo quando a

encontrou.

Ela era a filha que ele não sabia que um dia desejou, mas

ela o era. E foi naquele instante que ele soube que daria o mundo
e tudo de si por ela.

— Verônica. — falou, e levantou o olhar para mãe. —


Verônica Regina Reis.

— Filho...

— Algo me diz que ela vai te adorar, mamãe. — ele riu e


deixou uma lágrima descer. Sua mãe não estava muito diferente.

— Não preciso saber do resultado sobre a paternidade de

Rodinei, eu sei que... que ela é minha filha.


02
“Você pode deixar pra lá

Você pode dar uma festa cheia de todo mundo que você conhece

E não convidar a sua família, porque eles nunca te mostraram amor

Você não precisa se desculpar por ir embora e crescer."[3]

O que ninguém esperava de fato era que Pedro Reis


assumiria aquele bebê. O choque na alta sociedade foi

praticamente um escândalo que duraria meses. As perguntas de


quem era a mãe e do porquê Pedro aparentemente não estar em
um relacionamento.

A questão era que ele tinha o seu amor há alguns anos. O

melhor amigo de infância, que se tornou o homem que ele amava

por completo – Sérgio Kang. Só que era um amor que apenas


eles, Regina e Yumi – a irmã mais velha de Sérgio – sabiam. Se o

futuro pode ser intolerante, o passado era tanto quanto.

Eles sabiam o quanto seriam julgados por se amarem. E

eles nunca ligaram de fato para o que os outros pensariam sobre,

mas eles pensavam em como aquilo poderia prejudicar suas


próprias famílias. Ambos sabiam que, ao menos Regina faria de
tudo para protegê-los, mas ainda assim, a família de Sérgio

poderia fazer o inferno contra eles, junto ao resto da alta


sociedade.

Então, eles aceitaram, que por algum tempo, viveriam seu


amor em silêncio. Eles ainda eram novos, apenas vinte e poucos

anos, e tinham planos de jogar tudo para o alto quando

chegassem aos quarenta.

Planos que foram um tanto modificados quando Rodinei


abriu mão de fato da paternidade de Verônica, e Pedro, a

registrou como dele. Um escândalo escondido sob o casamento

relâmpago de Yumi Kang com Pedro Reis. Era o cenário perfeito


da família tradicional para que todos não pensassem de fato na

real origem de Verônica.

Aos seis anos, a pequena Verônica entendia que tinha dois

papais, a madrinha Yumi e a vovó Regina. Mas os dois papais


não eram algo que ela podia contar a alguém. Nem aos tios. Não

que ela gostasse deles, na realidade, Verônica praticamente

nunca os via.

Rodinei parecia evitá-la.

Roberto parecia nem estar ali.


Reinaldo parecia ocupado demais.

Ao menos, na cabeça de uma criança de seis anos, era

como funcionava.

E a vida seguia, tranquilamente.

Ela morava em uma casa com os dois papais, a madrinha

e a vovó. Ela era uma criança feliz, tinha tudo, e estava mais do

que animada para o seu primeiro dia escolar. Ela era esperta e

mal via a hora de ser tão inteligente quanto os seus pais.

O que ela não sabia, era que naquele dia, eles receberiam

uma visita inesperada. Uma que se repetiria de dois em dois

anos, e depois em quatro. A visita de um de seus tios.

Reinaldo apareceu com um bebê no colo, e sorria

abertamente. Pedro estranhou a visita repentina, e ainda mais, a

forma como ele parecia ter ganhado na loteria. Não era do feitio
do irmão, e ele sabia. Ainda mais que Reinaldo odiava crianças.

— Garanti o meu também. — ele falou, olhando

odiosamente para o irmão mais velho. — Garanti o meu futuro e

vou garantir de novo.

— Não está mesmo dizendo que...

— O que está acontecendo?


— Yumi, apenas leva Verônica daqui, por favor.

A garotinha não queria sair, seu olhar preso no bebê no

colo de seu tio.

— Diga oi para o seu priminho Tadeu, querida.

Verônica não soube o que dizer, nem porque o tio falou

com ela. Ele nunca o fazia, mas antes que pudesse perguntar, foi
pega no colo pela madrinha e levada escadas acima.

— Pronto, vamos ficar aqui até o seu tio ir...

— Por que os titios nos odeiam?

Yumi arregalou os olhos, e percebeu que a cada dia seria

mais difícil poupar Verônica da bagunça real que os Reis se


tornaram. Como ela explicaria para uma criança que a família dela

era dividida em dinheiro e nada mais? Como se explica a ambição


nua e crua para uma criança que conhecia o mais puro amor?

— Eles não nos odeiam, pequena. — ela falou, segurando


as pequenas mãos. — Eles não sabem o que é amar, na verdade.

E não podemos obrigar alguém a aprender.

— O papai Pedro tenta ensinar, né?

— Ele sempre tentou. — ela suspirou fundo. — Mas tem


coisas que só vai entender quando for adulta.
— Eu já sou grande, madrinha. — a garotinha fez um bico,

que fez Yumi sorrir e querer apertá-la.

A porta se abriu e Sérgio entrou, e com ele, um grito

acabou passando.

— Eu não vou deixar, seja qual truque de merda estejam

tentando para garantir mais da herança, só porque não tenho um


filho. Você pode ter uma, mas eu terei dois. Assim como Roberto.

— Irmão...

— Ou melhor, você não tem...

— Ok. — Sérgio deu um grito mais alto, ao bater a porta


atrás de si, e sorriu para a filha. — Que tal a gente ouvir uma

música bem alto e dançar?

— O senhor não ia trabalhar?

— Olha só! — bateu palmas mais altas e incentivou a irmã

a fazer o mesmo. Ele o fazia, porque sabia que novamente uma


discussão ocorria no andar debaixo e Reinaldo não pouparia

ninguém de dizer que Verônica, na realidade, era filha de Rodinei.


— Como Nossos Pais?

A garotinha deu um grito, e bateu palmas.


Ela amava aquela música, porque era a que vovó sempre
lhe cantava antes de dormir. Ela não entendia algumas palavras
ainda, nem o real significado, mas ela sabia que era bom cantar e

dançar junto à família.

A família que ela ainda não tinha noção do quanto a

amava. E do quanto ela amava de volta.

— Eu tenho um priminho. — falou animada, assim que caiu


do lado da madrinha na cama, com Sérgio ainda cantando alto e

tentando evitar que ela escutasse qualquer coisa. — Ele se


chama Tadeu, papai.

— É mesmo, pacotinho?

— Não sou um pacotinho. — respondeu o pai, que apertou

suas bochechas, e sorriu para a mesma.

Contudo, Sérgio nunca poderia deixar de chamá-la assim.

Nunca esqueceria do dia em que Pedro apareceu na sua porta,


com aquela bebezinha toda empacotada de cobertores no colo, e

que já parecia suar pelo tanto de camadas, e disse que era pai. E
perguntando se ele queria ser pai também.

Sérgio apenas aceitou a bebê no colo para bater no peito

de Pedro e só não o xingou porque a tinha ali.


— Eu não te traí. — Pedro então percebeu que deveria
explicar. — Na verdade...

— Ela está com calor. — Sérgio falou, tirando dois


cobertores e a bebê abriu os olhinhos. — Parece um pacotinho
fofo.

— O nosso pacotinho fofo? — Pedro indagou, e o homem

à sua frente, o encarou mortalmente, mesmo o deixando adentrar


o apartamento.

Batidas na porta o tiraram daquelas lembranças, e logo um

Pedro claramente exausto adentrou o ambiente. Ele sabia que os


Reis tinham suas diferenças, mas nunca pensou que pesaria

tanto assim para o marido.

Ele sabia o quanto doía em Pedro não ser tão próximo dos

irmãos como gostaria. Não da forma como Sérgio era com Yumi.
Roberto o invejava. Reinaldo o odiava. O único que parecia sentir

algo positivo era Rodinei, mas esse parecia preferir o mundo do

que um almoço em família. Então, aquilo tudo quebrava o seu

marido, mesmo que ele não confessasse.

— E meu priminho é legal?


— Ele ainda é um bebê, pacotinho. — Pedro falou e viu a

careta da filha. — Mas logo você vai poder ficar mais próxima a
ele, já que ele vai ficar com a gente por um tempo.

— Ele vai? — a menina parecia tão animada que pulou da

cama, e mesmo que quisesse, sua inocência nunca notaria a


clara interrogação e dúvida no olhar dos outros dois adultos no

ambiente.

Era aquilo.

Os irmãos de Pedro voltando a usar pessoas como bem


entendiam, e agora, pareciam ser os próprios filhos que eles nem

mesmo queriam.

E Regina, parada com o mais novo neto no colo, já no

jardim da casa para qual se mudou assim que Pedro se casou


com Yumi, soube que não deixaria que Tadeu, e nem um outro

neto que eles lhe apresentassem, pagassem pela ganância dos

pais.

Ela os criaria.

Ela faria de tudo por eles.

E não erraria, não como fez com os filhos. Ela não se

permitiria mais errar.


03
“É tão estranho, os bons morrem jovens

Assim parece ser, quando me lembro de você

Que acabou indo embora

Cedo demais."[4]

— Você é agora o mais novo. — Verônica falou,


acariciando os cabelos escuros de Tadeu, que apertava

fortemente suas mãos. O bebê tinha um ano, e todo aquele


tempo, morou com eles.

Os pais, madrinha e avó até acreditaram que Verônica


estranharia e teria ciúmes. Mas na realidade, ela se apegou

completamente a Tadeu desde o primeiro momento. Reinaldo não

apareceu durante todo aquele tempo, e Pedro apenas via o irmão


na empresa, o qual nunca indagou como estava o filho e muito

menos, o citava. A não ser, para se gabar para outros que tinha

um herdeiro e em breve, teria outro.

As pessoas indagavam quem era a mãe do filho de

Reinaldo, mas era algo que ele apenas não trazia à tona. Não era
de fato importante, não para o jogo que ele queria ganhar. Ele só
precisava de alguém com seu sangue, nada mais. O resto,

poderia ser deixado de lado, portanto, um filho com barriga de


aluguel e outro em breve, seria o mais correto.

Ele e Roberto sabiam exatamente em que épocas teriam


seus próximos filhos. E acreditavam que aquele era o melhor

plano para barrar qualquer estratégia que a mãe pudesse usar

para tirá-los do testamento.

O dinheiro era o que importava.

Eles não tinham ideia de como Verônica tratava Tadeu

como seu próprio irmão. E de como, ela já era superprotetora com


ele. Assim como os pais o eram com ela, ela era com ele.

— Pacotinho.

Verônica fez uma careta, mas se virou, encarando Pedro.


O homem sorriu, porque sabia que a filha detestava tal apelido.

Mesmo assim, era algo tão deles, que jamais conseguiria se

perder. Verônica poderia ter trinta anos, mas ele sabia que a

chamaria exatamente assim. Ali, com quase sete, Pedro só

conseguia pensar em como ela cresceu rápido.

— Os papais têm uma viagem junto com sua madrinha,

mas a vovó vai ficar com você.


— E os seguranças também? — ela perguntou, esperta
como era.

Ela ainda não compreendia, mas já assistia filmes que


mostravam pessoas que sempre seguiam outras para protegê-las.

Além de uma conversa breve que a avó teve com ela, quando

percebeu as mesmas pessoas bem próximas a elas, desde que

saíram de casa.

Verônica ainda estava aprendendo o que significava ser

uma Reis. Não eram apenas inimigos dentro de sua própria

família, eles estavam do lado de fora também, e eram ainda mais

perigosos.

— Os seguranças vão ficar aqui também. — Pedro sorriu e

beijou sua cabeça, olhando-a profundamente.

Ele não sabia dizer que sentimento o tomou, mas ele

separou-a rapidamente de Tadeu e trouxe-a para o seu colo.

Chegando próximo ao ambiente estava Sérgio, que não pôde

evitar ir até eles, e fazer parte daquele abraço de família.

— Te amamos, pacotinho.

Sérgio disse, e ela sorriu e apertou a bochecha de ambos

os pais, como eles faziam com ela. Sabia que a forma que cada
um deles tocava em seu rosto, quando diziam que a amavam, era

a forma de não precisar dizer as palavras, mesmo que eles


sempre fizessem,

Pedro antes de ir, levou o dedo médio e indicador à testa


da filha, tocando-a. Ela sabia o que significava. Um até logo, eu te

amo.

— Vovó! — Verônica gritou, enquanto dava tchau para os


pais e a madrinha, que já estavam saindo com o carro.

— Eu e Tadeu estamos bem aqui, querida.

Ela pulou no lugar, segurando as pernas da avó. Por um

segundo, Regina tentou segurar a sensação ruim que se passava


em seu peito. Pesava e doía, e ela ainda não sabia o porquê. Ela
segurava Tadeu no colo, e sentia as mãos de Verônica em suas

pernas. Era como se ela estivesse se apegando a força dos


netos. Algo estava errado, e ela só não sabia dizer o quê.

Horas depois, enquanto ela não conseguia dormir, e


apenas assistia Verônica e Tadeu dormindo lado a lado, na

grande cama de casal, Regina ouviu o barulho do seu telefone.


Ela foi até o mais próximo e atendeu, sentindo-se um pouco

nauseada.
A sensação ruim não passava desde o momento em que

Pedro, Sérgio e Yumi saíram. O que ela não esperava, era que no
segundo em que atendesse o telefone, na realidade, fossem seus

seguranças avisando que Rodinei estava à frente da casa.

Ela olhou rapidamente para os netos bem-comportados e

protegidos por travesseiros, principalmente Tadeu. Ela então


desceu as escadas, já tendo liberado a entrada do filho mais

novo, que há muito não via. Porém, quando ela o encontrou já de


joelhos na frente da porta de entrada, ela paralisou.

— Filho...

— Eu estava passando pela rodovia... — ele mal conseguia


falar. — Vi toda a movimentação de ambulâncias e... Eu ia

ignorar, como sempre. Poderia ser só mais um acidente. Mas


então, eu vi a cor azul do carro de Pedro, assim que a luz da
ambulância...

— Não...

— Eu desci do carro e fui até lá. — o homem não tinha


nem forças, não sabia como estava conseguindo contar aquilo

para a mãe. — Consegui apenas ver Yumi sendo retirada, e então


duas lonas pretas sobre...
— Não! — o grito de Regina era de pura dor, quando ela
caiu também de joelhos. — Não eram eles...

— Eu sinto muito, mãe.

Era a primeira vez, em anos que Rodinei tomava coragem


de estar ali. E ele nunca imaginou que quando o fizesse, estaria

exatamente para contar tal notícia. De como ele viu a única


pessoa que ele realmente amou e lhe protegeu do pai bêbado e
sem qualquer sentimento, apenas como um corpo enrolado no

asfalto de uma rodovia.

Aquilo quase o matou.

Porque por mais que Rodinei não fosse perfeito, ele era o
admirador número 1 de quem Pedro era. Ele amava o irmão,

mesmo que se sentisse um fardo para o mesmo. Ele amava a


mãe, que agora trazia para os seus braços, mesmo que nunca

tivesse de fato demonstrado.

Ele demorou a entender que Regina trabalhava tanto fora

não porque não os amava, mas porque ela queria dar-lhes uma
vida melhor. Ele demorou a entender o que Pedro tão facilmente

compreendeu. E agora, quando ele ia voltar, e dizer que queria


fazer parte novamente, se ele pudesse... Pedro tinha morrido.
Regina gritava contra o peito do filho mais novo, porque
agora ela entendia a sensação de angústia que a atingia. Ela
agora entendia porque pediu tantas vezes para Yumi ou Sérgio

convencerem Pedro de que uma viagem não era algo bom no


momento. Ela agora entendia que perdeu duas das pessoas que

ela mais amava na vida. Ela perdeu o único filho, que algum dia, a
amou de fato.

— Vovó!

A voz de Verônica fez com que Regina reunisse forças de

onde não tinha, e engolisse o choro que não conseguia sequer


controlar. Ela tentou, porque Verônica precisava dela.

— Tá tudo bem? — a pequena perguntou, descendo as

escadas e seu olhar parou no tio mais novo, que ela não via há

muito tempo. — Eu sonhei com o papai.

— Foi um sonho bom, querida? — ela indagou para a neta,

ainda de costas, e se soltando aos poucos de Rodinei. Sua face

jamais esconderia a dor de perder um filho.

— Ele disse que eu tinha que olhar as estrelas.

E então, Regina quase desabou novamente. Quando

Verônica se aproximou, e olhou para avó, a pequena não tinha


ideia do que acontecia. Mas um fato era que nunca viu a avó

chorar antes. Não até aquele momento.

Algo estava muito errado, e ela temia que não pudesse

consertar. Nem mesmo se pedisse ajuda aos seus papais.

— Quer ver as estrelas, vovó?

Foi tudo o que a pequena conseguiu perguntar, em sua

grande inocência, e tocando as costas da avó com carinho. O que

ela não tinha ideia, naquele momento, era que a partir dali, seriam

apenas elas duas contra o mundo. Não mais eles cinco.


04
“Tudo que eu quero é nada mais

Do que ouvir você batendo na minha porta

Porque se eu pudesse ver seu rosto mais uma vez.”[5]

Verônica demorou para entender o que a perda significava.


Demorou para compreender que seus pais não voltariam. Então

ela os esperou um ano inteiro, praticamente parada na porta de


entrada da casa, sempre no horário que eles voltavam do
trabalho.

O que lhe restou, após aquele ano, fora ver a avó

segurando as lágrimas e a madrinha tentando falar com ela do

outro lado da linha telefônica. Verônica era jovem demais para


compreender o quanto aquele acidente que não foi tão acidental

assim, tinha impactado sua família.

A família que agora se resumia nela, Tadeu e Regina.

Regina via a neta, durante todo aquele ano, esperando

pelos pais. Esperando que as coisas voltassem ao normal.

Esperando que eles voltassem. Seria mentira dizer que ela


mesma não esperou o mesmo. Que ela ainda não conseguia

acreditar que tinha feito o reconhecimento dos corpos. Era uma


dor que ela tentou deixar de lado, porque os netos precisavam

dela.

Uma dor que ela carregava, e tentava não repassar para

Verônica. Ela ainda cresceria e poderia entender. Ao mesmo

tempo que Regina teria que prepará-la. Regina sabia que era
pedir demais para qualquer um estar em seu lugar, mas sabia

também, mesmo antes de tudo, que esse lugar pertenceria a

Verônica, se ela assim o quisesse.

Mas era um lugar que demandava um controle emocional


que ela não poderia exigir ou ensinar. Contudo, a cada momento

que pensava sobre, ela apenas queria que a neta ficasse longe
de tudo aquilo.

Até o momento que seus outros netos vieram.

A relação que Verônica desenvolveu com cada um deles,

mostrou-lhe que ela era como Pedro. Ela queria protegê-los,


desde o primeiro momento. Enquanto Reinaldo e Roberto

compareceram ao velório do irmão e foram expulsos do mesmo

segundos depois, eles reapareceram novamente apenas para

entregar seus outros herdeiros como troféus.


Eles ainda permaneciam os mesmos, e Regina entendeu
que não podia mais se iludir de que eles mudariam. Eles não

mudaram. E mesmo que ela se negasse a crer, estavam

interligados àquela dor toda.

Ela viu Yumi ter que se esconder em outro país por medo.

Ela viu Rodinei dizer que ela não o veria mais, mas ele as

protegeria. E ela viu outros quatro netos serem entregues, como

apenas parte de uma mercadoria.

Reinaldo deixara Tadeu e Igor. Roberto deixara Murilo e

Carolina. E por mais que ela não compreendesse como eles

conseguiam tratar pessoas de tal maneira, ela se viu apegando-

se aos netos e tudo a respeito deles, para continuar. Os cinco

eram sua razão. Eles se tornaram a ligação que ela jamais


perderia. O amor que ela precisava para não desistir.

— Eu disse para não correr, Carolina!

A voz brava de Verônica percorreu todo o jardim, enquanto

colocava um curativo na perna da prima. Carolina reclamou, ainda

em seus três anos de idade, completamente brava porque Igor a


empurrou.
— Ele que me empulou — a garotinha de cabelos loiros

disse, e emburrou. Verônica sorriu, em seus quinze anos.

Ela tinha amadurecido naquele tempo. Ela tinha aprendido

muito do que significava estar à frente daquela família e de como


Regina queria que ela o fizesse. Era uma promessa de que no

aniversário de dezesseis, Regina e ela teriam uma conversa


aberta sobre tudo aquilo. Mesmo que Verônica já insistisse. Ela
sabia como os tios tratavam os filhos como troféus, e como

parecia que eles nunca de fato haviam perdido um irmão.

E Verônica olhava para os quatro pequenos emburrados à

sua frente, porque tinham praticamente se atropelado no meio da


corrida de uma ponta do jardim até ela, e agora, estavam todos
meio ralados.

Tadeu se fazendo de durão. Murilo segurando o ralado no


queixo, e a risada dos mais novos. Igor rindo abertamente de

Carolina. E Carolina emburrada, à sua frente.

Por mais que todos fossem primos, Verônica sabia que

eles significavam muito mais. Porque ela os protegia desde o


momento que passaram pela porta da frente da casa. Ela os

protegia como irmãos. Ela os protegia exatamente como Pedro


faria.
Como Pedro fez por ela.

— Tem que parar de brigar. — falou, passando as mãos


levemente pelos cabelos de Igor. — E você, Murilo... Pode rir da

cara deles, porque estão todos errados.

O garotinho de cabelos ruivos gargalhou alto, e Verônica

viu Tadeu com um sorrisinho no canto da boca. Ela os amava


tanto, que jamais deixaria que os pais dos mesmos os
machucassem. Ela sempre os impediu de tirá-los dali e levar para

festas ou para as próprias casas. Ela fazia aquilo desde os doze


anos, e tinha total apoio da avó. O que fazia com que Roberto e

Reinaldo a odiassem.

Ao menos, agora, eles a odiavam com razão.

— Olha só...

Ela então se levantou de prontidão, ao notar Roberto e

Reinaldo ali. Ela respirou fundo algumas vezes, pensando em


como eles teriam passado pelos seguranças. Regina teve que

fazer uma viagem de última hora e não apareceria até a próxima


semana. Contudo, os deixou protegidos. Ao menos, era o que

pensava.
— Acho que está na hora de apresentarmos nossos
filhinhos para a alta sociedade, pensarmos em acordos e...

— Verô. — A mais velha ouviu o medo na voz de Carolina,


e ficou à frente de todos eles, de forma protetiva.

Antes que ela pudesse apenas mandá-los a merda, ela

pensou em como o faria. Ela tinha quinze anos, e sabia quase


nada sobre defesa pessoal e muito menos, como derrubar dois
homens, o dobro do seu tamanho. Era estranha e complexa

aquela dinâmica, mas ela sabia que não poderia deixar seus
irmãos saírem dali.

Não com aqueles homens à sua frente.

Algo dentro de Verônica parecia saber o quão baixo eles

eram. Talvez pelas conversas aos gritos e murros em paredes que


ela escutou de sua avó com cada um deles. Talvez pela forma

nada carinhosa que eles encaravam os filhos ou tentavam tirá-los


dali à força, mesmo sendo eles mesmos que os deixaram. Ou por

nunca terem ligado em qualquer data comemorativa. Ou


simplesmente estado ali.

— Só vou dizer uma vez, para fora.


Ela levantou o olhar e não reconheceu o homem de terno
preto e que deveria ser um dos seguranças deles, que se prostrou
à frente dela.

— Estão invadindo essa propriedade e se não quiserem


ser presos, vão sair de bom grado.

— Rodinei?

Verônica piscou algumas vezes, ao ouvir Roberto fazer tal


pergunta para o segurança, mas a mesma não foi respondida. Ela

viu o homem tirá-los dali facilmente, e ficou com uma incógnita em

sua mente. Rodinei, seu tio, era um segurança deles?

— Quem quer bolo de chocolate?

Ela indagou, fingindo animação e ajudou os irmãos a se

levantarem. Todos eles pareceram menos tensos assim que

ficaram sozinhos. Ela sentia muito por eles, porque eles nunca
saberiam como era ter pais tão maravilhosos. Não como os que

ela teve.

Foi por pouco tempo, mas com toda certeza, Pedro e

Sérgio tornaram Verônica a pessoa que ela era. Uma pessoa que
se importava e que sabia o que era o amor verdadeiro em uma

família.
E ela sentia o mesmo com cada um deles. Esperava que

de alguma forma, os cinco pudessem ser o bastante entre si, junto


à sua avó, para darem continuidade a uma família tão bonita

como a que ela cresceu.


05
“Oh, irmão, nossa conexão é mais profunda que a tinta

Das tatuagens em nossa pele

Embora não compartilhemos o mesmo sangue

Você é meu irmão e eu te amo, essa é a verdade.”[6]

Era Natal.

A data que eles mais adoravam naquela casa.

A Mansão Reis como a própria Regina chamava, era o

lugar em que ela passou a viver assim que Pedro adotou Verônica
e se casou. Ele preferiu deixar os outros filhos, que tanto
desejavam apenas o dinheiro, com a mansão ainda maior na qual

cresceram, que fora escolhida, um dia, pelo seu falecido marido.

Ela se culpava até hoje pela péssima escolha que fez, ao se


casar por contrato com aquele homem. Por aquilo, ela sempre

deixou uma regra clara em sua mente, e para aqueles que amava

– que eles não fariam o mesmo. Que eles se casariam por amor.

Naquele Natal, Verônica estava ansiosa.


Ela já tinha dezessete anos, e tinha feito sua escolha. Ela

sentia ansiedade por ser, algum dia, uma mulher tão forte quanto
sua avó. Ainda que, já tentasse ser forte pela mulher que ela via

sofrer um pouco mais a cada dia. Se Verônica sentia falta dos

pais, Regina sentia falta de uma maneira que não poderia ser
mensurada.

— Todos animados para os presentes? — Regina


perguntou, observando os netos ao redor da grande árvore de

Natal.

Mais um ano e Roberto e Reinaldo não apareceram. E ela

entendeu que apenas deveria aceitar que eles nunca de fato


quiseram estar naquelas datas. Desde a morte de Pedro, eles

simplesmente não apareceram mais. E ela percebeu que Pedro


foi quem fez com que Regina acreditasse na ilusão de que

poderiam ser uma família unida.

Eles nunca foram.

A questão era que mesmo que eles tivessem o seu


sangue, muitas vezes, era como se não fossem seus filhos.

Olhando para os netos à sua frente, ela sentia um amor tão

grande, que entendia que o amor que tanto entregou aos filhos,

nunca foi recíproco.


Rodinei estava fadado ao próprio destino que escolheu, e
talvez, ela conseguisse um abraço dele no dia seguinte. O filho

nunca superou de fato a dor de ver o irmão e cunhado mortos, e

muito menos, Yumi quase sem vida. Rodinei se culpava, e

Regina, por mais que tentasse mostrar que ele não tinha culpa,

parecia impossível. Ele pareceu se agarrar aquela dor.

Como ela o culparia?

Se não fosse pelos netos à sua frente, ela estaria fadada

ao mesmo destino.

— Eu quero o maior! — Carolina deu um gritinho, indicando

o embrulho colorido.

— Eu quero o maior! — Igor rebateu, como sempre,


brigando por tudo com ela, mesmo que fosse pura implicância.

— Eu quero o bolo de chocolate da Verô. — Murilo


resmungou, mas os olhos brilhavam em direção a um presente

que parecia uma bicicleta.

— Eu quero dormir. — Tadeu reclamou, porque os irmãos

não o deixaram dormir na noite anterior.

Fizeram-no ficar com ele, vigiando a árvore, caso o Papai

Noel viesse. Ele já tinha onze anos, e sabia que era apenas uma
historinha de criança, mas concordou, para que seus irmãos

tivessem a mesma experiência fantástica que ele, de acreditar em


algo além da realidade.

No fim, todos dormiram na escada, e nem perceberam


quando Verônica os levou para seus respectivos quartos. Para

ela, o Natal era uma mistura de sentimentos. Ela amava a data,


porque era a favorita da avó. Mas ainda sentia que a avó não
estava de fato tão feliz naquele ano. Na realidade, desde o

momento que as datas especiais todas se modificaram, por não


terem seus pais, nem sua madrinha.

Quando o telefone tocou, Verônica se levantou e se


adiantou, enquanto a avó tentava convencer os netos de
adivinharem qual era o presente de quem. Assim que atendeu,

ela ouviu a voz que tanto sentia saudade, e que agora, ela
passava a compreender um pouco, do porquê não estar ali.

— Oi, pacotinho.

— Oi, madrinha — ela falou, suspirando fundo. — Feliz

Natal, madrinha!

— Aqui já estamos algumas horas a mais, mas você

sabe... — a garota de dezessete anos riu, e sentia a saudade


gritar em seu peito. — Desculpe por não estar aí.

— Eu entendo. — ela falou, porque nunca poderia julgar


sua madrinha pela dor e trauma que passou. Na verdade,

ninguém poderia. — Eu acho que um dia, a senhora vai conseguir


vir me ver de novo.

— Sei que não estou aí em corpo, mas eu te protejo. —


Era tudo o que Yumi poderia de fato falar. A realidade era que se
culpava por não suportar adentrar aquela casa novamente. — Eu

sempre vou te proteger.

— Eu sou grande agora, madrinha. — Riu de lado. — Eu

posso me proteger.

— Essa é a filha dos homens mais incríveis que eu já

conheci...

O silêncio pesou e Verônica segurou as lágrimas.

— Sinto falta deles, todos os dias — admitiu, para uma das


poucas pessoas que poderia lhe entender.

— Eu também, pacotinho. — Ela pôde ouvir a madrinha


fungar do outro lado da linha. — Eu prometo que farei meu melhor

para voltar.

— Eu prometo que vou me cuidar até lá.


Quando a ligação foi desfeita, Verônica tentou fingir que
estava tudo bem, mas a realidade era que ela entendia agora
porque Yumi escolheu se afastar após a morte de quem amava.

Apenas de falar com ela, a saudade lhe batia em cheio.

Como poderia ser para Yumi? Ela estava no mesmo carro.

Ela ficou em coma por meses. Ela perdeu parte da sua sanidade
após aquele acidente. Ela... Ela poderia apenas sofrer mais ao se

ver à frente de Verônica.

A realidade era que Yumi se lembrava do rosto assustado e


com medo de Verônica, quando a viu assim que saiu de coma.

Olhar para Verônica acionou o gatilho de lembranças de tudo que


aconteceu no momento do acidente. Ela conseguiu lembrar-se

das últimas palavras do irmão e do cunhado. E foi quando ela


soube, que por algum tempo, não poderia olhar para a afilhada.

Não que aos dezessete a garota pudesse entender aquela


dor toda, ou soubesse como Yumi se sentia, e exatamente por
aquilo, tentava poupá-la. Porque não se perdoaria, caso sua dor

aumentasse a que estava em sua afilhada. Verônica era o elo que


restou com as pessoas que mais amava, e não poderia deixar ir –

nunca. Mas ainda era dolorido demais.

— O meu é incrível!
— O meu é mais!

— Eu amei a bicicleta, vovó!

— Eu adorei o banco imobiliário.

— E o seu presente, querida. — a voz de Regina soou


baixa, em direção à neta mais velha, que notou o claro

desconforto.

Verônica se parecia muito com ela naquele ponto, e talvez,


fosse a própria Regina que serviu de exemplo para que fosse

assim – esconder-se de si mesma. Mas Verônica poderia se

esconder de qualquer um, mas nunca, da avó. Regina a conhecia

melhor do que ninguém. E sabia que mesmo quando se fosse,


uma parte dela, ficaria com Verônica.

A jovem de dezessete anos abriu a caixinha pequena e

delicada, e passou as mãos pelo delicado medalhão em formato


retangular.

— Um dia, quando você conseguir confiar e amar alguém

fora disso aqui... — Regina falou, indicando a todos eles. — Use-

o, e lembre-se de que além dos seus irmãos, nós ainda


estaremos lá.

— Não fale como se fosse morrer em pouco tempo, vovó.


— Depois do primeiro infarto, querida, a sua avó sempre

tem tudo muito bem preparado para que você sempre saiba que
estarei aqui.

Verônica sentiu o peso de suas palavras, e entendia o lado

da mais velha. Ela nunca se sentiu tão assustada quanto no dia


em que a avó foi levada às pressas da empresa após um infarto.

Ela ainda estava se recuperando, mas existiam restrições claras

até o momento. Não permitir que ela trabalhasse ou se

estressasse demais era o que Verônica tentava, todos os dias.


Mesmo que as vezes falhasse.

Regina colocou o medalhão em seu pescoço e em

seguida, viu a neta abri-lo. Verônica passou a mão pela foto, na


qual ela ainda era uma bebê, mas tinha ao seu lado as quatro

primeiras pessoas que fizeram sua vida ter sentido por completo –

Papai Sérgio, Papai Pedro, Madrinha Yumi e Vovó Regina. Olhou


de relance para as outras quatro pessoas que estavam ali, que

mesmo que não soubessem, no coração de Verônica dividiam o

mesmo espaço – seus irmãos.

— É o melhor presente de todos, vovó.

— O melhor presente sempre é a família, não é?


E Verônica sentiu o abraço quente e acolhedor da mulher

que a conhecia melhor do que si mesma. Regina Reis era seu

pilar, e Verônica temia que em algum momento, perdesse sua


estrutura por completo.
06
“Você e eu somos de carne e osso. Eu sempre vou estar lá para

você, mesmo que seja apenas como um obstáculo para você superar.

Mesmo que você me odeie. Isso é o que os irmãos mais velhos fazem.”[7]

Verônica podia sentir as mãos de Reinaldo sobre seu


corpo.

Ela ouvia os gritos de Roberto ao fundo, e a forma como


ele parecia tentar conter o irmão, mesmo que este tivesse

começado tal situação. O sangue escorria pela boca da mulher de


apenas dezoito anos.

Ela tinha enterrado os pais.

Ela tinha perdido a madrinha.

Ela tinha enterrado a avó.

Enquanto Reinaldo a segurava com força contra a parede,


usando toda a força de um homem que além do dobro da sua

idade, tinha o dobro da sua força, ela sorriu. Os dentes sujos de

sangue, e ela o cuspiu na cara dele. O homem apenas a soltou


com força, batendo-a contra o chão.

— Essa vadiazinha...
— Ficou louco, Reinaldo? Perdeu a porra da cabeça? — o

irmão mais novo indagou, e Verônica apenas riu novamente

Ela não tinha forças para revidar, não fisicamente. Ela não

tinha poder nenhum naquele momento, a não ser, usar aquilo que
ela aprendeu durante aqueles anos – a ser como Regina. A avó

lhe disse que ela precisaria ser forte e em quem ela podia confiar.

E mesmo que não tivesse, mesmo em poucos anos, Verônica


teve o suficiente dos tios.

Ela sabia que Roberto era o covarde que ladrava, mas não

mordia, que Reinaldo era o criminoso em pessoa e Rodinei estava

atormentado demais desde a perda de Pedro e agora, deveria


estar ainda pior...

Já Verônica poderia não se conhecer o suficiente, mas ela

sabia que que queria ser como Regina. E assim como um dia ela

foi a razão para Regina seguir em frente, a jovem mulher de


dezoito anos, mesmo completamente rasgada pela perda da

pessoa que mais amava, e agora com alguns ossos talvez

quebrados e se arrastando até a mesa do escritório, ela tinha

quatro razões para se manter viva.

Quatro razões que as mantiveram quando Pedro e Sérgio

se foram. Quando Yumi se foi, e agora sua avó. Quatro razões


para não aceitar, mesmo totalmente quebrada, a humilhação que
Reinaldo tentaria sobre si. Ela sabia do ódio que seria desferido

nela quando o testamento fosse lido.

Ela sabia do inferno que seria para com Tadeu, Murilo, Igor

e Carolina. Ela sabia que assim que as palavras fossem lidas, os

tios agiriam de tal forma – inconformados. Porque Regina lhes

deixou o mínimo que deveria, e congelou quase todos os bens

para apenas os netos terem direito. Não sabia que qualquer

pessoa pudesse fazer aquilo, mas no caso, Regina Reis podia.

Regina Reis deixou todo o império dos Reis para Verônica.

Deixou-o para os netos. Deixou-o para aqueles que segundo ela,

dariam valor ao sobrenome. Verônica se manteve apenas quieta

durante toda a leitura, e assim que as outras pessoas saíram, ela


apenas sentiu seu corpo ser esmagado por um soco.

Um soco de um homem que praticamente condenou o

irmão mais velho à morte. Um soco de um homem que não


parecia se importar com nada que não fosse o dinheiro e poder

que o sobrenome lhe proporcionava. Roberto não ficava muito

atrás de Reinaldo, já que agiam como cúmplices.

Ela nunca entendeu como as pessoas poderiam ser

apenas ruins. Mas ela sabia que eram. Ao menos, as pessoas à


sua frente. Tão centradas no próprio egoísmo e bem-estar, que

tiveram filhos apenas para aumentar o favorecimento que


acreditavam que teriam com o testamento da mãe. Nem Tadeu,

nem Murilo, nem Igor, nem Carolina tinham ideia de que eram
apenas crianças encomendadas com o DNA desses homens , e
que agora, tiveram o tiro literalmente saindo pela culatra.

Tiveram filhos porque achavam que estariam


resguardados, caso a mãe implantasse alguma pegadinha no

testamento. E agora, estavam fodidos porque o controle estava


todo na mão da única e legítima herdeira do império real da

família.

— Não pode matá-la. — Roberto falou, enquanto Verônica


abria a gaveta, ainda de costas para os dois.

— Não pode me matar como fez com meus pais e sua


mãe? — a voz de Verônica mal saía, enquanto ela sentia o peso a

mais na sua mão direita.

— Do que pensa que está falando, vadia...

O homem a virou, e antes que ele pudesse acertá-la


novamente, Verônica apenas apontou a arma diretamente para o

peito dele, sorrindo em meio ao sangue em seus lábios. A dor do


espancamento era grande, mas nada comparada à dor da perda

de sua avó. Aquela era dilacerante.

— Vocês a mataram — falou, destravando a arma. —

Mataram-na um pouco a cada dia, quando ela descobriu que


foram vocês que modificaram o carro dele naquele dia.

— Nós não queríamos nada além de uma foto e... — ela


mal conseguia respirar pela dor, mas se apegou aos pais. A cada
lembrança deles.

— Por que porra está falando isso, Roberto? Não fizemos


nada!

Mas eles fizeram.

Verônica, Yumi e Regina sabiam.

Elas sabiam que o carro foi modificado para que fossem

tiradas fotos a cada segundo. O que os irmãos realmente


pareciam querer era uma imagem clara e nítida de que na

verdade Pedro tinha um relacionamento com outro homem, e usá-


la como chantagem para terem mais poder na empresa. Para se

tornarem mais poderosos do que o irmão mais velho.


O que eles não pensaram era que quem contrataram para
fazer aquilo, na realidade, fez mais do que instalar câmeras
secretas no carro. Fez o bastante para que o carro em que Pedro,

Sérgio e Yumi estavam, praticamente explodisse após alguns


quilômetros percorridos.

Os Reis tinham inimigos também, mas os dois homens à


sua frente pareciam nunca ter noção de fato de onde mexiam.

Nunca pareceram ter interesse nos riscos em que colocaram a


própria família ao planejar algo tão mesquinho.

— Vovó sabia. — falou, já sem sorriso nenhum. —

Acharam mesmo que ninguém ia descobrir? Que ninguém ia


pagar por aquilo?

Ela riu sem vontade alguma.

— Vou dizer apenas uma vez — continuou, sentindo o

olhar mortal, ao mesmo tempo que assustado dos homens à sua


frente. — Regina era mãe de vocês, e por mais que a culpa a

matasse um pouco por dia, ela nunca de fato os machucou, até


agora... Até lhes deixar tão pouco de tudo que tanto desejavam.
Mas eu... eu não sou Regina.
— Acha mesmo que vamos ter medo de uma garotinha
assustada que sempre corria para a vovó?

— Não fale sobre ela. — Ela deu mais um passo,


colocando a arma bem na testa de Reinaldo. — Se cruzarem
qualquer linha, eu vou destruí-los. E não tenho nenhum

sentimento que me faça arrepender disso.

— Você é o erro que Rodinei não deveria ter cometido.

— Eu sou o erro que deveriam temer.

Batidas leves à porta, no mesmo tempo que foi aberta,

fizeram com que Verônica rapidamente escondesse a arma. Ela

deu passos ainda de costas, e colocou a mesma novamente na


gaveta, notando o olhar assustado de Tadeu, que logo correu até

ela.

Roberto tentou até pará-lo, mas ele veio até ela.

— Verô... O que houve?

Ele tinha apenas doze anos, mas com certeza, conseguiria

notar o quanto a irmã, que ele na realidade, considerava como

uma mãe, estava completamente machucada.

Como se fosse o certo, ele se colocou à frente de Verônica

e abriu os braços.
— Não vão machucá-la, não vão! — ele gritou, e logo

outros três pequenos adentraram o cômodo, correndo na direção


dela.

Verônica assistiu a cena abismada, mas ao mesmo tempo,

ela sentiu a força suficiente para continuar ali, em pé, sem


desabar.

E quando passou na frente deles, e basicamente expulsou

os que deveriam ser seus pais e seus tios dali, apenas com o

olhar, ela soube que fez a escolha correta de continuar naquela


família.

Quando, dois anos atrás, Regina lhe disse que ela merecia

a verdade, mas que nem por isso, ela era um fato. Quando ela lhe
deu a melhor definição do que uma família significava: Uma

família não é apenas o sangue que corre em nossas veias. Uma

família é quem nós amamos e nos ama de volta.

E Verônica encontrou a dela, nos quatro pequenos agora


agarrados a ela, protegendo-a, mesmo que na verdade, ela

devesse protegê-los. E ela o faria, todos os dias, e não se

arrependeria nunca de ter ficado. Por Pedro. Por Sérgio. Por


Yumi. Por Regina. Por seus irmãos mais novos. Eles eram sua

razão para continuar.


Quando Regina Reis faleceu, grande parte dos segredos
dos Reis se foram com ela. Mas não o maior deles, que Verônica

não era biologicamente uma Reis.


GRÁVIDA EM UM CASAMENTO POR CONTRATO
SINOPSE

Se no meio do caminho de algumas pessoas tem uma


pedra, no meio do caminho de Nero, sempre teve Verônica. A
matriarca dos Reis era uma mulher que intimidava a qualquer um,

e ele nunca conseguiu entender uma reação dela. Quando ela


estava à sua frente, ele sabia que tudo o que devia fazer era
correr para a direção oposta.

Verônica Reis é uma mulher que nunca demonstra o que


sente. Sendo assim, é praticamente impossível desvendar o que

se passa em sua cabeça, e muito menos, em seu coração.

Contudo, sempre lhe intrigou o fato de que Alfredo Lopes – ou


apenas Nero para os demais – parecia querer enfrentá-la em uma

simples troca de olhares, e nunca a temer.

No meio das voltas que a vida dá, um contrato de

casamento é o que os une. O que ela, e muito menos ele


esperavam, era que no único momento que deixassem a guarda

baixar, teriam algo maior do que o arrependimento para lidar:

UMA GRAVIDEZ EM UM CASAMENTO POR CONTRATO.


“Ser forte não é tudo isso. Ser forte significa que você se tornará
arrogante e egoísta. Mesmo que você nunca tivesse desejado

isso.”[8]
PRÓLOGO

“Me pegou como, ah, ah, ah, oh

Estou cansada de ser tocada como um violino” [9]

VERÔNICA

Fechei os olhos, tirando o cigarro do maço atrás da minha


calça. Foi naquele instante que me lembrei de que deixei o

isqueiro por algum lugar. Abri os olhos, xingando-me

mentalmente. O drama de quem não fumava regularmente, mas


quando realmente precisava descontar em alguma coisa os

pensamentos que não deveria ter.


— Não pensei que fumasse.

E aquela voz parecia ter escolhido o pior momento para

surgir.

Apenas permaneci parada onde estava, encarando a

extensão da fazenda na qual meu irmão morava atualmente. E


em como a vida de cada um deles mudou nos últimos tempos.

Tinha que focar naquilo. Tinha que focar que meus sobrinhos

mais novos tinham nascido, e por aquilo, eu estava ali.

Por nada mais.

Por ninguém mais.

— Aqui.

E ele insistia.

Como quando nos esbarramos no meio daquela mesma


fazenda no último Natal. Como ele parecia sempre ter algo a

dizer, mas nada de fato saía. Não me virei, e ele parou à minha

frente, estendendo um isqueiro.

Neguei com a cabeça, guardando o maço novamente. Do

que me adiantaria o cigarro se a razão de querer levá-lo à boca

estava bem ali?


— O que faz aqui a essa hora, Alfredo? — perguntei,
tentando não focar na camiseta perfeitamente agarrada ao seu

torso, não deixando muito para a imaginação. As tatuagens, o

ponto fraco que me tinha em alerta, toda vez que ele estava

próximo e a sós comigo.

— Sem sono. — Deu de ombros, e levantou os braços,

como se alongando. — Não sou bom em dormir fora de casa.

Prefiro a minha cama, sempre.

— Entendo.

Cruzei os braços e fechei os olhos novamente, ignorando-

o.

— Por que é tão difícil te ler?

Respirei fundo, sentindo-o dar um passo à frente.

— Por que alguém ia querer me ler? — rebati, abrindo os

olhos e encontrando o azul dos seus. Ele era tão malditamente

bonito, que doía. Doía ele ser tão bonito e eu não poder tocar.

Não há nada que eu odeie mais do que aquilo que eu não

posso ter...

— Você é um enigma ambulante — falou, como se fosse

simples assim. — Como alguém pode não querer te ler?


— Não há nada que valha a pena ser lido, por ninguém —

admiti, e sabia que aquela conversa ia para um lado que eu não


gostaria. — O que realmente faz aqui, Alfredo? Duvido que

tenhamos nos esbarrado aleatoriamente numa fazenda desse


tamanho.

— Você. — Sua resposta me pegou desprevenida, mas


deveria existir algo mais por trás. Sempre existia.

— Sobre o contrato de casamento seu e de Carolina? —

ele piscou algumas vezes, e negou com a cabeça.

— Ela vai quebrar o contrato. — Aquilo não me

surpreendia, ainda mais, pela forma que Carolina tinha


amadurecido nos últimos anos. Ela não se casaria com uma

ilusão, não. Não era o que minha irmã faria. — E eu... Eu...

— O que, Alfredo? — olhei-a com uma sobrancelha

arqueada. — Pensei que tinha vindo pedir minha ajuda para


manter o contrato.

— Eu nunca quis me casar com Carolina.

Sua voz soou tão séria, e seu olhar mudou por completo.

— Então por que assinou um contrato como esse?


Ele respirou fundo, com se pensando sobre algo. Levou a

mão direita aos cabelos negros e as passou ali, bagunçando um


pouco. Se ele soubesse o quão sexy parecia fazendo aquilo, não

o faria na minha frente. Não comigo.

— Pode me dar um cigarro? — fugiu da minha pergunta,

mas acabei apenas lhe entregando o maço. Ele acendeu um,


parecendo perdido em si. Dali, vendo um homem tão alto e

grande como ele, todo construído em músculos, ainda mais


evidenciados pelas tatuagens, e roupas perfeitamente coladas,
busquei o que faltava. Foi quando seu olhar parou no meu, que

eu soube, faltava uma coisa... seus óculos de grau.

— Consegue enxergar bem sem? — não pude evitar


perguntar, indicando com a cabeça para o seu rosto.

— Estou de lentes — admitiu, e assenti levemente. — Às


vezes, só me canso de usar óculos e ver a mesma imagem todo

dia. — Deu de ombros.

Como alguém cansava de se ver sendo bonito daquela


forma?

— E você? — olhei-o sem entender. — Usa algo para


enxergar?
Aquela conversa poderia ser estranha, e até mesmo, tomar
um lado que nenhum de nós sabia o que estava fazendo. Porém,
parecia a primeira conversa que tínhamos em que não estávamos

cortando um ao outro, ou ele debochando sobre algo. Alfredo


Lopes tinha o poder de me fazer falar, e eu o evitava exatamente

por aquilo. Porque sempre que ele tinha uma resposta esperta, eu
queria fazê-lo engoli-la. E não de uma forma boa, ao menos, não
para ele.

— Verônica!

Pisquei algumas vezes, virando-me em direção à voz.

Só duas pessoas me chamavam de tal maneira, e sabia


que naquele lugar, naquela hora, só poderia ser uma delas – Gael

Fontes.

Ele se aproximou rapidamente, e notei Nero apenas ficar

alguns passos mais distante, como se não suportasse o homem


que vinha.

— O que foi? — indaguei, e ele parou à minha frente, com


um sorriso que poderia iluminar toda aquela fazenda. O que

aconteceu para Gael estar tão feliz?


— Te dou os detalhes depois... — deu um leve olhar para
Nero, como se fosse claro que queria silêncio. — Mas se lembra
de Talita?

— Não! — respondi de imediato, e vi seu olhar mudar.

— Eu nem disse sobre...

— Seja o que for, se a envolver, o meu apoio será nulo.

— Ela que me procurou, N... Verô. — Respirei fundo duas


vezes, antes de encará-lo.

— Bom, se for real e ela precisar de algo, ela vai me

procurar.

— Ok, imaginei que sua reação seria essa. — Deu de


ombros, parecendo não surpreso. — Mas depois te conto os

detalhes, ou ela... Vai dormir?

Apenas neguei com a cabeça e ele deu um leve acenar,


antes de se afastar.

— Por que ele me parece um grande folgado? — Alfredo

perguntou, assim que Gael não estava próximo, e levantei meu

olhar para o dele.

— Porque não o conhece.


Foquei então em caminhar em outra direção, não

esperando que ele me seguisse. Contudo, a cada passo que eu


dava, senti-o mais próximo.

— Por que está me acompanhando?

— Está tarde e...

— Essa fazenda é mais segura do que a minha própria

casa, corta essa. — Foi então que parei abruptamente, e quando

me virei, seu corpo bateu contra o meu. Um erro. Aquela

proximidade era um erro.

— Por que não sai pra beber comigo? — pisquei surpresa,

e notei o leve corar em suas orelhas, mesmo que seu rosto

permanecesse intacto. Eu sempre me indagava: por que ele

corava com todo mundo, menos à minha frente?

— Aqui é bem longe de qualquer...

— Eu tenho bebidas no meu carro, se quiser beber comigo

lá.

Eu poderia indagar do porquê ele estava fazendo aquilo e

qual seu interesse por trás. Poderia dissecá-lo, da mesma forma

como fazia com qualquer um, contudo, ele não era. Alfredo nunca

fora.
Vi-me apenas assentindo e o seguindo, sem questionar.

Deixando que o que viesse, me mostrasse as respostas.

— Eu gosto de cachaça — falei, assim que Alfredo me

direcionou a garrafa, que acabou de levar à boca. — Sem copos?

— Muito simples para uma milionária? — revirei os olhos,


levando a garrafa à boca. Se ele soubesse que o que se passava

em minha mente não era o fato de que aquela garrafa estaria na

minha boca, mas sim, que esteve na dele.

O cheiro de café estava em cada lugar daquele carro, que

tinha apenas um pouco das janelas da frente abertas. Bebi um

pouco mais, para tirar meus pensamentos de quaisquer caminhos


que fossem diferentes de mim voltando para minha cama.

— Aqui — ele falou rindo, e logo senti um de seus dedos

próximos a meu pescoço. O líquido escorreu um pouco por ali,

enquanto eu fechava os olhos e bebia, mas sequer tive tempo de


reagir e limpar – ele o fez.

Era a primeira vez que ele me tocava.


Desci a garrafa e seu sorriso cessou, assim que seu olhar

parou no meu.

— Desculpe — falou, mas não afastou os dedos do meu

rosto, e nem eu o afastei. — Desculpe, Verônica.

— Pelo quê?

Meu coração acelerou tão fortemente, e foi como se as


respostas finalmente me acertassem. Eu sabia exatamente o

porquê tinha ido até aquele carro com ele. E ali, notando seu

olhar dilatado e a forma como seu maxilar estava travado, sabia


dos porquês dele também.

— Por isso.

Então eu não sabia quem foi até quem primeiro.

Sua boca estava na minha, e senti os braços fortes me


puxarem para o seu colo. Não conseguia pensar racionalmente.

Não com aquela boca finalmente na minha. Não com aquele

corpo finalmente tão próximo ao meu. Não com a forma que o


toque dele era mais intoxicante do que eu imaginava.

Eu o queria.

Eu o teria.
CAPÍTULO 1

“Você mente tão mal, finge tão mal

Tá na sua cara, você não me esqueceu

Mente tão mal, finge tão mal

Tá na sua cara, você não me esqueceu” [10]

VERÔNICA

Cerca de uma semana depois...

Meu corpo foi puxado sobre o seu, e eu fui de bom grado,


sentindo apenas a necessidade de estar bem ali. Minha calça saiu
facilmente de meu corpo, e não sabia como ele o fizera daquela

forma, mas agradeci imensamente quando me senti quase nua


sobre ele. Sua boca exigindo tudo o que podia em meus seios, e

os gemidos já quase incontroláveis em meu corpo.

— Tia Verô!

Um pulo sobre meu corpo me fez piscar algumas vezes e

engoli em seco. Minha visão embaralhou um pouco com a

luminosidade e então os olhos castanhos de Daniela.

— Oi, pequena — falei, tentando ainda digerir o meu

sonho, que na realidade, era mais uma lembrança do que


aconteceu há alguns dias, a qual, eu não conseguia

simplesmente afastar ou esquecer. Mesmo que tentasse quando

desperta, agora, até mesmo dormindo, eu estava ali – com ele em

minha mente.

— Papai me mandou porque estava preocupada, já que é

meio-dia e ainda não acordou....

— Meio dia? — perguntei quase incrédula, e respirei fundo

algumas vezes.

Joguei os cobertores para o lado e me levantei, sentindo o

olhar de Dani sobre mim. Sorri levemente para ela, caminhei até o
banheiro. Escovei os dentes e joguei água no rosto, tentando de
fato despertar. Como eu tinha dormido tanto?

A última vez que dormi de tal forma foi no dia seguinte


àquele momento com ele. Suspirei fundo, segurando-me contra a

bancada da pia. A questão era que eu sabia que Alfredo estaria

por ali hoje, e talvez o meu próprio corpo tentou evitar o encontro?

Como seria evitar um encontro real já que sonhei com ele?

Nem eu mesma me entendia.

— Está trabalhando demais... — olhei então para Daniela,

enquanto procurava uma roupa na mala. — É o que mamãe diz.

— Eu estou afastada do trabalho, pequena. Mesmo tendo

ligações e tudo mais, não estou focada nisso agora.

— Está trabalhando demais quando cuida da gente —

complementou e só assim entendi a fala de Olívia. — Mamãe

disse que precisamos te deixar mais relaxada.

— Eu estou bem — falei, e fui até ela, apertando seu nariz,

que sorriu. Toquei levemente sua testa com os dedos indicador e

médio. — Também amo você, tia.

Sorri e sabia que Murilo deveria ter contado aquilo a ela.


— Vermelho ou preto? — perguntei, mostrando as opções

de vestido que escolhi, e ela bateu com um dedo na própria


bochecha, parecendo pensar.

— Vermelho — respondeu simplesmente, e assenti,


trocando-me rapidamente, enquanto ela se jogava contra a cama.

— Podemos cantar juntas hoje?

— Sabe que quando quiser, pequena.

Fui até ela e beijei seus cabelos. Ela sorriu abertamente,

ouvi batidas na porta, e soltei um “pode entrar”. O olhar de Murilo


então nos encontrou e ele parecia um tanto preocupado.

— Ela é a única que tem coragem de te acordar assim...

— Como se vocês não tivessem feito isso quando eram


pequenos — rebati, e ele riu de lado, vindo até mim. — Não se
preocupe, e falarei com Olívia para não se preocupar também.

— Ela te vê como uma irmã mais velha, você sabe. É como


se fosse Inácio se doando demais para a família... Ela fez Mabi
interditá-lo por um dia todo, para que dormisse.

Meu peito se aqueceu com aquilo, porque sabia que minha


história com Olívia começou de uma forma não tão bonita. No

entanto, sabia também do quão bem ela fazia para meu irmão
mais novo e para minha sobrinha. Aos poucos, uma conexão que

antes era apenas com meus irmãos, foi se tornando maior com
ela. Era algo que não poderia, nem queria evitar. E era bom saber

que ela sentia o mesmo.

— Não tem como me interditarem, você sabe — ele

assentiu, fazendo uma careta.

— O que é interditar, papai?

Deixei-o responder à pergunta de Daniela, enquanto eu


colocava uma bota que combinava com o vestido que ela mesma
escolheu. Quando os olhei novamente, ela já estava no colo dele

e em direção à porta. Fiz meu caminho e tentei não pensar muito


que deveria ser o horário do almoço de domingo.

Um almoço que geralmente Alfredo participava.

Ele tinha apenas desparecido após aquela noite, e certa

parte de mim, o entendia. Eu o tinha deixado no carro sozinho


enquanto dormia. Talvez ele se sentisse um pouco sem jeito de

falar sobre ou quisesse fingir que nada aconteceu.

De toda forma, não era como se eu pudesse adivinhar o


que se passava na mente dele. Eu nunca consegui entendê-lo
completamente, mesmo quando tentei. E muito menos me entendi
quando cedi tão facilmente ao que sentia.

Surpreendi-me ao encontrar a falta daqueles olhos azuis


na mesa. Abigail – sua melhor amiga – estava ali, com a filha e o
marido, mas nada dele. Nem resquício. Dei um leve aceno para

todos e fui até o meu lugar na grande mesa que estava do lado de
fora da casa.

— Agora que a dona da coisa toda chegou, podemos

comer? — foi Lisa quem indagou, e apenas lhe dei um olhar com
aquele apelido. Ela sorriu, piscando um olho.

— Ainda bem que não disse palavrão — Valéria comentou,


suspirando fundo. — Ou seria mais uma aula de Murilo, Igor e

Tadeu sobre não falar palavrão perto dos bebês.

— Ei! — Igor foi quem pareceu indignado.

— Não vou nem comentar — Murilo respondeu, e pareceu


focar em beber algo.

Tadeu apenas lhe deu um olhar que guardava mais do que


qualquer palavra poderia dizer, e eu segurei um sorriso. Era bom
vê-los todos tão entrosados assim.
— Nada de Nero? — foi Olívia quem perguntou, ao chegar
com uma garrafa de refrigerante. — Pensei que ele ia resolver os
problemas no computador do Murilo hoje.

— Ele disse que vem, mas a mãe dele está deixando-o


maluco, então...

— Os Lopes são conhecidos de vocês, não? — Carolina

quase se engasgou ao meu lado com a pergunta de Bruno, e


sabia que ela pensou no mesmo que eu – no contrato de

casamento que ela tinha com eles. E que pior, ela realmente

pensava que eu não sabia sobre.

Senti os olhares sobre mim, como se a pergunta fosse

apenas para mim.

— Membros da alta sociedade da capital, que eu saiba,

estão no ramo das joias — comentei simplesmente.

— Eles são um porre. — Abigail soltou, e aquela com

certeza seria minha resposta, se o sobrenome não envolvesse

Alfredo. — Acho que por isso Nero nunca dá o sobrenome, mas o

segundo nome em qualquer lugar.

Aquilo estava interessante.

— Por que realmente sabe tudo sobre mim?


Aquela voz...

Só conseguia pensar em como aquela voz ficava rouca


quando ele estava tão perdido no prazer que parecia parar de

raciocinar. Foquei em pegar o copo de água à minha frente e

levei-o à boca. Infelizmente, o lugar vago era do lado de Abigail, o


que coincidia, em estar bem à minha frente.

— Porque você me ama.

Ele revirou os olhos, e notei Bruno soltar uma piadinha

sobre ela apenas poder amá-lo. Era uma amizade que eu não
compreendia por completo, mas há muito tempo, deixara de tentar

fazê-lo. Talvez Alfredo fosse apaixonado por ela e nunca teve

coragem de se declarar, mas era óbvio que ela amava o homem


com quem era casada. Mesmo que ele a amasse, não tinha

chance.

— Boa tarde, gente — ele falou, e era como se seu cheiro

chegasse até mim, o que me fez beber mais um pouco de água, e


quase perder o apetite que mal tinha.

Todos responderam, e dei um leve aceno, ainda sem

encará-lo. Eu poderia fazer e não lembrar? Eu poderia fazer e não

pensar sobre nada?


— Não estava com problemas com seu computador

também, Verô? — a pergunta de Murilo me acertou em cheio e o

encarei, sem entender. — Aqueles softwares todos errados que


instalaram por três vezes e quase demitiram todo mundo... Nero

vai resolver para mim e pode fazer para você.

— Agradeço — falei, e foi possível não levar meu olhar até

Alfredo, que me encarava, o que fez ser a primeira vez que nos
víamos após aquela noite.

Eu recordava bem do seu semblante tão prazeroso quanto

desesperado ao me tomar. Eu recordava bem do seu semblante


calmo e terno ao dormir junto a mim, em seu carro.

— Tudo bem, Nero?

Seus olhos azuis estavam nos meus, mesmo com a

pergunta de Murilo, e parecia preso em detalhes, assim como eu.


Resolvi então que o melhor era apenas tentar comer algo e fingir

que não estava tão impactada de fato. Eu sabia que seria assim.

E no entanto, cometi o erro de entrar naquele carro com ele.

— Nero?

— Sim, claro — ele respondeu de relance, enquanto eu

focava em servir um pouco de salada e tentar não parecer algo


estranho. — Vim para isso, posso fazer dos dois.

Ainda sentia seu olhar em minha pele, queimando-me


como se fosse uma prova de que o que tivemos não era apenas o

suficiente para satisfazer aquele desejo. E não o era. Nunca foi.

— Nunca seria grata pelas ocupações de irmã mais velha.

Elas me mantinham ocupada o bastante para não pensar

em como parei na mesma cama, ou melhor, no banco de trás de

Alfredo Lopes. O seu olhar encontrou o meu algumas vezes,


durante os dias que se passaram, mas o que eu poderia dizer?
CAPÍTULO 2

“Meu bem, te amar tanto não faz bem

Mas não faz diferença, não quero tua presença

Não me troque por ninguém, te farei crença

Disputar ego pra quê? Que você vença” [11]

ALFREDO

Eu tinha o computador dela em mãos.

Talvez aquela fosse uma péssima ideia, afinal. Contudo, eu

queria só fazer o meu trabalho e apenas sair dali. Correr para


longe já que meus instintos apenas gritavam no quão burro fui de

acreditar que poderia dar certo ter uma noite com ela.

Não que o tivesse planejado, nem de perto foi algo de tal

maneira. Contudo, minha mente se revirava sobre o fato de não


ter notado que tomaria alguma atitude de maneira tão

inconsequente quando estivéssemos sozinhos. Não esperava,

não mesmo. Não já que da última vez que o tivemos, uma


discussão foi desencadeada, que até hoje, me fazia sorrir apenas

por lembrar.

Era Natal.

E como sempre, eu estava fugindo da minha família, que

nem deveria ser chamada de tal forma, e ao lado da minha melhor

amiga. O que consistia agora, em estar ao lado dos Torres e pelo

jeito, dos Reis também. As coincidências da vida que eu

simplesmente não conseguia compreender.

Ao olhar para os irmãos Reis, eu só conseguia imaginar,

como depois de tanto tempo eles poderiam estar ao redor.


Comigo tendo um casamento por contrato com a irmã mais nova

deles e torcendo para que ela se apaixonasse e esquecesse

daquilo. Comigo não conseguindo disfarçar que Verônica Reis me

tornava um completo estranho.


Foi quando meu olhar encontrou um vestido vermelho,
destacado dentre a pouca clareza daquela parte da fazenda. Ela

parecia meio agachada, mexendo em algumas flores, mas era

inconfundível para mim, mesmo assim. Os cabelos castanho-

escuros, estavam bem-cortados e um pouco abaixo dos ombros

naquele momento. Mas não era o vermelho do vestido com o qual

a vi ou os cabelos que a entregavam, não... Mas o fato de que


sua presença era a única que me deixava de tal maneira – em

alerta.

— O que faz aqui uma hora dessas?

Sua pergunta soou, antes mesmo de se pôr ereta e me

encarar. Ela conseguiu me perceber mesmo sem me olhar antes?

Talvez eu a deixasse em alerta também?

Pare de pensar tanto, Nero!

— Algo como você, quem sabe. — Dei de ombros. — Não

tenho que te dar explicações, Reis. — Ela arqueou uma

sobrancelha, e não conseguia fugir do desafio que sempre se

implantava em mim quando se tratava dela.

Uma parte minha gostava da forma como ela parecia

finalmente encontrar a própria voz quando lhe dava alguma


resposta que não esperava. Não sabia se Verônica Reis, uma

mulher tão poderosa quanto ela, poderia se surpreender sobre


algo. Mas ela o fazia muito comigo.

— Não o via há alguns anos... Talvez tenha sido num dos


últimos aniversários da sua mãe que apareceu — comentou

levemente. — Está mais arisco que antes.

— Não sou um gato, Verônica.

— Sei que não, porque eu tive e tenho vários — comentou

tão baixo que quase não pude ouvir. — Pode fingir que não me
viu e continuar seu caminho.

— Por que sempre tem que estar tão na defensiva comigo?


— indaguei, sem conseguir evitar.

— Não torne isso especial ou sobre você, eu apenas sou


assim — comentou e tentei fingir que não me abalava. — Já você,

parece estar apenas na defensiva comigo. — Deu alguns passos


à frente, quase tão perto que me assustou sua atitude. — Por

quê?

— Você parece controlar tudo, e isso me incomoda —


admiti, sem querer dar-lhe mais das poucas verdades que poderia

lhe entregar.
— Não o farei com você — assenti, sem saber o que fazer.

— Agora pode continuar seu caminho?

Foi minha vez de arquear a sobrancelha e ficar surpreso

quando notei uma lágrima quase seca próxima à sua boca. Só a


notei ali, porque meu olhar estava compenetrado nela. E segurei-

me para não levar a mão até aquele local.

Foi então que uma certa lembrança me atingiu, de quando


fui pesquisar sobre quem era aquela mulher, já que ficara tão

intrigado sobre ela quando finalmente descobri seu nome.

— Natal não é um dia que goste. — Comecei a dizer. —

Meus parentes nunca tornaram a data importante, para ser


sincero. Mas sei o quão importante ela é para a maioria das

pessoas.

— Por que está me dizendo isso? — indagou, e seu olhar

parou no meu.

— Apenas tentando — admiti. — Não me disse que

sempre estou na defensiva?

— Acho que prefiro você como antes. — Não pude deixar


de rir, e ela me encarou com os olhos semicerrados. — Não vou
dizer minha opinião sobre o Natal e continuar essa conversa. Se
quer conversar, no momento, não sou a pessoa.

— Só queria dizer que é uma boa data, mesmo que ruim...

— O que sabe sobre mim, realmente? — indagou, e notei


seu tom mudar. — Pensei que não era ligado no que as pessoas

dizem sobre a alta sociedade já que mal a frequenta.

Eu estou ligado no que aconteceu e acontece com você,

era o que queria dizer.

— Não sei nada além do que todo mundo sabe. — Respirei

fundo. — Tem uma lágrima quase seca no canto da sua boca, e


não pude deixar de notar e interligar algumas coisas. Não quis
parecer invasivo.

Ela então levou a mão à boca e limpou. Seu olhar parou no


meu, antes de apenas me dar as costas e sair. Suspirei fundo,

sem saber o que dizer ou o que fazer sobre. A questão era que
não sabia nunca o que esperar de Verônica Reis, mesmo que

sempre estivesse esperando por algo.

Uma música me fez dar um pulo na cadeira, e só então


percebi que sem querer, acabei acessando uma pasta que tinha

várias delas. Suspirei fundo e deixei que a faixa continuasse a


tocar, sem poder evitar tentar entender mais sobre o universo
dela. Enquanto terminava meu trabalho, acabei por ouvir quase
um álbum inteiro de artistas que só então descobri se chamarem

BIG BANG, e mesmo que não entendesse absolutamente nada


do que era dito, tirando as partes em inglês, fiquei tentado a

buscar mais.

Por que eu era assim?

Por que tudo sobre ela me interessava tanto?

O barulho do meu celular vibrando, me fez olhar para o

mesmo e bufar ao ver o nome da minha mãe.

— Não vou me casar, mamãe — falei, assim que atendi e


ouvi-a bufar.

— Vai, nem que eu mesma garanta! — sua voz não me

deixava dúvidas. — Estou agora mesmo indo resolver isso,


pessoalmente.

— O quê? — minha voz quase não saiu. — O que pensa

que está fazendo?

— Vou cobrar a dívida de Carolina Reis conosco.

Ela então desligou o telefone, e eu dei um pulo no lugar,

esquecendo tudo e correndo para fora. Esbarrei em Abi no meio


do caminho, a qual tentou me parar, mas ao falar o nome de

minha mãe, me soltou e me permitiu sair. Abi sabia que quando


falava em Gabriela Lopes, algum problema havia surgido.

Disquei o número de Carolina, assim que adentrei meu

carro e saindo de uma vez da fazenda em que Murilo morava, e


que por algum tempo a família dele estava hospedada.

— O que houve? — Carolina indagou, e parecia saber que

algo estava errado.

— Minha mãe descobriu que está no interior e parece que


foi na fazenda do Franco — falei, em um fôlego só. Sem acreditar

que minha mãe estava prestes a querer estragar tudo, já que

claramente Carolina tinha desistido de um contrato comigo. —


Onde está? Precisamos encontrá-la e dar um jeito nisso, de uma

vez.

— Eu estou no centro...

— Eu posso passar aí agora e te pegar, para irmos para lá.


— Ofereci, já ansioso para dar um fim naquilo.

Minha mãe teria que aceitar que eu não me envolveria, não

novamente. Não era mais o Nero iludido que ela fez assinar
papéis sem ter noção de que era enganado pela própria mãe.
— Ok. Estou na sorveteria bem na rua central, e te espero

aqui.

Desfiz a ligação e tentei entrar em contato com minha mãe,

o que foi recusado de imediato.

— Merda! — bati contra o volante, o que fez o porta-luvas

se abrir pelo impacto, e a calcinha branca rendada cair de dentro

dele. Arregalei os olhos, ao me recordar de que a calcinha de


Verônica ainda estava ali.

Que diabos eu estava fazendo?

Um contrato de casamento com Carolina Reis.

Uma atração inegável e sexo quente com Verônica Reis.

Eu teria que rir para não chorar de estar vivendo o que

parecia ser uma novela colombiana de sucesso.

— Oh, diacho! — soltei indignado, assim como todos no

interior faziam quando se sentiam da mesma forma. Pouco tempo


depois chegou uma mensagem de Carolina de que podia ir direto

para a fazenda de Franco Esteves, que ela me encontraria lá.

Eu o fiz, indo o mais rápido que podia, e torcendo para que


minha mãe não estragasse nada, não além do que já fizera.
Assim que estacionei o carro, notei a mulher que não esperava

ali, descendo de outro. O que Verônica Reis fazia ali?

Não me dei tempo para indagar ou sequer saudá-la. Eu

precisava ir até minha mãe e impedi-la.

— Carolina já correu até ela — comentou, a passos largos,


enquanto eu a seguia para dentro da fazenda. — E eu sei sobre o

contrato.

— Sabe? — minha voz quase não saiu, e ela apenas

assentiu, quando passou por mim, e fiquei embasbacado por


alguns segundos.

Então Verônica sempre soube que eu tinha um contrato de

casamento com a irmã? Ou ela acabou de descobrir?

Não me dei tempo de perguntar aquilo, já que tinha outro


problema imediato para resolver. Foi quando avistei minha mãe

discutindo com Carolina. Respirei fundo algumas vezes e fiquei ao

lado da mulher que pelo menos não deveria me olhar como um

objeto. Mas ela sempre o fez.

Ela trocou poucas palavras com Carolina e Verônica – que

parecia já ter a solução em mãos, mesmo que eu não

compreendesse e não entendesse como lia aquilo – e sabia que


logo ela fingiria um desmaio. Ela o fez. E eu a segurei, como

sempre.

— Pare de fingir, mamãe — pedi, tentando recolocá-la no

lugar, enquanto Verônica conversava com Carolina. — Isso aqui


não é um teatro.

— Pode parar de fingir, senhora Lopes — Verônica falou e

pisquei alguma vezes, ao notar que Carolina se foi. Respirei


fundo, esperando que aquele pesadelo acabasse. — Como pode

ver, Carolina não vai assumir esse compromisso.

Minha mãe já estava na postura ereta como se nada

tivesse acontecido – o que era verdade.

— Isso é inaceitável. — Quase rosnou e eu tapei o rosto,

incrédulo pela vergonha alheia que me tomava. — Os Reis

cumprem sua palavra. Ao menos, é o que todos dizem desde que

você assumiu o lugar de Regina.

Foi então que olhei para Verônica e me recordei daquele

dia, em nós dois sozinhos na fazenda, e a forma como ela parecia

triste durante todo o Natal. Minha mãe tinha tocado em um


assunto sobre o qual não tinha qualquer noção. Não que ela

tivesse muita noção acerca de algo.


— Não fale dela, nunca mais. — Verônica foi incisiva. —

Qual a motivação dele?

Minha mãe ainda fingia seu momento, dizendo que estava

bem, enquanto a pergunta de Verônica me paralisava. Eu mal

sabia como respirar ali.

— Isso é pessoal. — Tomei a frente, sem conseguir evitar.


Jamais deixaria que aquilo viesse à tona, certo? E minha voz saiu

mais hostil do que fato deveria, e a culpa me assolou. Mas como

poderia evitar, já que ela parecia em uma sala de negócios, me


negociando, sem sequer me encarar?

— Ok. — respondeu simplesmente. — Como disse, eu li os

papéis e tomei uma decisão.

— O quê? — indaguei, ao mesmo tempo que minha mãe.

— Uma Reis para um Lopes... — eu conhecia bem aquela

frase. Eu a refiz em minha mente tantas vezes que perdi as

contas. Mas por que ela saía da boca da pessoa que menos

esperava? — Nosso casamento será daqui a um mês.

— O quê?

Minha voz mal saiu, e meu corpo todo tensionou,

completamente incrédulo. Ela estava zombando, não estava?


— Bom, tudo resolvido. — Recolocou os óculos de sol,
como se simplesmente deixasse sua assinatura e estava tudo

certo. — Podem voltar de onde saíram, e entro em contato em

uma semana.

Deu-nos as costas e não pude evitar ir até ela. Apertei seu

braço e então ela parou. Eu não conseguia guardar a

incredulidade, nem a pergunta que me rodeava.

— Por que está fazendo isso? — indaguei, sem conseguir

entender por que ela me escolheria. Por que ela fazia aquilo?

— Isso é pessoal. — Senti o baque de minhas próprias

palavras. — Se tocar em mim, sem a minha permissão


novamente, vai se arrepender.

Soltei-a, dando dois passos para trás, e senti a clara


repulsa que ela tinha sobre meu toque. Era aquilo? Foi uma noite

de deslize e agora ela mal podia suportar estar tão perto?

Mas então por que iríamos nos casar?

E ela apenas saiu, deixando-me tão perdido quanto me


encontrou, desde a primeira vez que a vi.
CAPÍTULO 3

“Eu disse que não sentia nada, amor, mas eu menti (...)

Acho que eu era apenas outro passatempo

Até você se decidir

Você só desperdiçou meu tempo” [12]

VERÔNICA

Respirei fundo pensando no medalhão que sabia estar

dentro da caixinha em meu quarto na capital. Respirei fundo


talvez uma, talvez duas, talvez dezenas de vezes. Nem eu

mesma queria crer no que estava fazendo, mas fazia.


Batidas na porta me fizeram levantar o olhar em direção à

mesma, e me surpreendi por completo quando ela se abriu e


Alfredo adentrou o ambiente. Minha respiração quase travou, por

imaginar que iríamos tocar no assunto recentemente jogado por

mim sobre ele.

— Seu computador está pronto. — Esticou-me o aparelho,

que só agora havia notado a existência em suas mãos. Eu


parecia realmente compenetrada em seus olhos e expressões,

sem conseguir focar em nada mais. — Fiz questão de voltar e te

entregar, porque as coisas não podem simplesmente ser assim.

— Assim como, Alfredo?

Minha indagação pareceu deixá-lo em alerta, assim que

aceitei o notebook, e o coloquei sobre a mesa ao meu lado.

— Vai mesmo seguir com essa ideia? Minha mãe está

contando para todas as pessoas possíveis e...

— Não volto atrás na minha palavra — falei de uma vez. —

E um Reis não volta atrás no que ele faz. — Aquele era um ótimo

argumento para ser usado.

— Se foi por conta do que minha mãe disse, saiba que...


— Não faço nada que não quero, Alfredo — cortei-o,
encarando-o profundamente. — Se não quer esse casamento,

apenas desfaça o contrato.

— Eu não posso — assumiu tão baixo, que jurei que não

queria ser ouvido. — Como isso vai funcionar? — indagou, como

se não pudesse de fato raciocinar sem saber todos os mínimos

detalhes.

Nem eu sabia de todos os mínimos detalhes, o que me

assustava por completo. Porque eu era uma pessoa que sempre

deixava tudo minuciosamente calculado antes de tomar qualquer

decisão. Mas não foi o que ocorreu com aquela.

— Podemos conversar depois, com calma, em outro lugar

sobre isso. — falei, e ele assentiu, como se entendesse que ali,

no quarto de hóspedes do meu irmão mais novo, não era o

melhor local. — Eu te mando uma mensagem.

— Ok.

Ele então estendeu a mão e fiquei sem entender por que o

fazia.

— Seu telefone — falou, e acabei entregando-lhe o

mesmo, atenta à suas feições. Ele pareceu segurar um suspiro,


enquanto digitava algo no meu celular e logo ouvi algo vibrar

próximo a mim. — Pronto, agora tem o meu número e eu tenho o


seu.

— Ok — falei simplesmente, e estiquei a mão para pegar


meu aparelho.

No segundo em que coloquei os dedos nele, senti os seus

encostarem levemente, e um leve arrepio percorreu todo meu


corpo. Eu gostava daquela sensação que ele trazia. Da forma

como nem mesmo tudo o que eu controlava, como meu próprio


corpo, parecia ter vida própria quando se tratava dele.

— É... — ele se afastou, limpando a garganta. — Espero


sua ligação, então.

Apenas assenti, vendo-o sair do quarto e fechar a porta


atrás de si. Soltei o ar que mal sabia que segurava com força, e

encarei o número discado no meu aparelho. Não era como se eu


já não tivesse o telefone dele, mas a questão era que nunca de
fato o tinha salvado – o que foi uma baita sorte naquele instante.

— Meus pais com certeza ririam da minha cara agora —


falei para o nada, sem conseguir evitar um sorriso.
Eu tinha entrado num beco sem saída por escolha, e

aquilo, com toda certeza, seria uma grande alegria para eles.
Ainda mais que sempre me disseram que deveria viver a vida sem

pensar tanto. E eu pensei e repensei tudo nos últimos vinte anos,


mas ali, aos trinta e oito, eu apenas deixei o que menos imperava

me guiar – meu coração.

ALFREDO

Saí às pressas daquela casa e sabia que necessitava de

um tempo sozinho. Minha mãe já tinha apenas deixado o lugar e


partido novamente para Capital, fazendo todas as ligações

possíveis e ignorando por completo o fato de que não tinha ideia


do porquê Verônica entrava naquele casamento. Ela parecia, na
verdade, em um dia de bênção. Enquanto eu parecia estar em

meio a um jogo que não conhecia regra alguma.

— O que houve? — dei quase um grito ao me sentar no


banco do motorista e encontrar Abigail sentada no do carona.
— Puta que pariu, Abi! — reclamei, levando a mão ao
peito.

— Por que parece que está fugindo do diabo em pessoa?


— indagou, analisando-me. — Verônica?

— Por que de todas as coisas que me pergunta, sempre

tem algum momento que toca no nome dela? — rebati, e ela


arqueou uma sobrancelha, como se fosse o momento perfeito
para fazer uma gracinha. — Nem pense em tocar nesse assunto!

— cortei-a.

Abigail era minha melhor amiga desde a adolescência, e a

gente já tinha passado de tudo quanto é coisa juntos. A questão


era que ela me conhecia melhor do que qualquer pessoa, porque

o nosso laço era fraternal. Ela era a minha prova de que família
não tinha que ser aceita, mas você podia sim escolher. Contudo,

ao passo que me conhecia tão bem, ela sabia exatamente onde


acionar cada reação minha.

— Então é sobre Verônica... — deduziu, lendo-me


perfeitamente.

— Não tem um estúdio de tatuagem, uma filha, um marido


e um cachorro para atormentar?
— No momento, prefiro te atormentar. — Piscou um olho.
— O que houve? — seu tom mudou drasticamente. — Se envolve
sua mãe e Verônica, algo tem aí.

— Eu... — respirei fundo duas vezes. — Eu acho que vou


me casar com ela.

— O quê? — sua voz soou como um grito que poderia ser

ouvido há metros dali.

— Vai me deixar surdo — reclamei, batendo na própria

testa. — Lembra que te falei que eu tinha um contrato que assinei

sob pressão e pura chantagem?

— Sim, mas disse que se a pessoa que assinou também

casasse, você estaria livre... Era uma Reis, no fim?

— Carolina, para ser exato. — Abigail abriu a boca

espantada. — Mas ela se apaixonou como todos nós vimos


acontecer, minha mãe veio cobrar e quando dei por mim, Verônica

Reis se tornou minha noiva.

— O plot de milhões. — Seus olhos brilharam e lhe dei um


tapa leve no ombro, que a fez rir. — Não sei por que não está

saltitando por aí.


— Ela vai se casar comigo e eu não sei o porquê... —

respirei fundo. — Você é a única que sabe que eu... Você sabe.
— Levei as mãos ao rosto, sem conseguir admitir. Parecia

simplesmente patético dizer aquilo em voz alta.

— Pode ser a sua chance, não acha?

— De ser humilhado? — rebati, e ela bateu em meu ombro,

fazendo-me olhá-la. — O que foi?

— Para de se lamentar, que não combina com você. —

Revirei os olhos. — Às vezes é só o destino dando seu jeito.

— Ou Verônica controlando tudo como ela quer...

— Você adora isso, admita. — Olhei-a estarrecido. — Nem

vem com esse olhar, que eu sei que nunca esqueceu a mulher do

café.

— E tinha como? — rebati, levando as mãos aos cabelos.

— Só tô piorando tudo ao pensar nisso.

— Quanto tempo é esse contrato?

— Um ano, pelo que lembro. Por quê?

— Então tem um ano para torná-lo real. — Olhei-a como se

fosse estrangulá-la. — Não culpe a fanfiqueira por tentar.


— Não pode só aceitar que seu melhor amigo nasceu para

ser sozinho?

— Ou para sonhar que a mulher do café vai notá-lo e... —

joguei o pano que estava sobre o para-brisa na cara dela, a qual


gargalhou. — Ok, não vamos falar disso, mas... Por que não tenta

conhecê-la um pouco, antes do casamento?

— Vou me casar em um mês.

— Amei que já mudou o “acho” para “vou”. — Provocou e

fui em direção ao pano caído ao seu lado para jogá-lo novamente,

mas ela me impediu. — Ok ok, me rendo! — levantou as mãos em

sinal de rendição. — Por que só não aproveita?

— Como se eu fosse esbarrar com ela do nada e poder

descobrir todos os seus lados em um mês. — Debochei.

— Tem esbarrado com ela há anos... — aquela verdade

era um tapa na cara. — Agora é hora de tentar saber mais.

Era hora?

Eu tinha que acreditar naquilo?

E se no fim fosse apenas uma sucessão de coincidências


que eu deveria ignorar?
Olhei para o meu dedo anelar esquerdo e fiquei me

indagando de como seria ter um anel bem ali. Um anel que teria o
nome dela?

Eu estava mais do que fodido.


CAPÍTULO 4

“Grande reputação, grande reputação

Ooh, você e eu poderíamos ser uma grande fofoca

Ah, e eu já ouvi falar de você

Ooh, você gosta das malvadas também” [13]

VERÔNICA

Olhei para a minha mesa e encarei novamente a vista à

frente dela. Eu tive que voltar para a capital rapidamente, devido a


um problema de projeto que dependia apenas de mim, e teria que

ser visto pessoalmente. Resolvi-o em menos de trinta minutos,


enquanto minha mente repassava sobre o que deveria fazer a

partir dali.

Encarei então os papéis à minha frente e tentei ignorar o

fato de que era um novo contrato. Não que ele precisasse ser
assinado, mas ao menos, deveria ser discutido e acordado com

Alfredo. Precisava de tal segurança para que aquele casamento

ocorresse. E mais uma vez, em dias, a culpa de estar seguindo


um caminho que nenhuma das pessoas que me amavam

aprovaria, me acertou.

Mas o que eu poderia fazer?

Poderia deixar passar e fingir que aquela possibilidade

nunca existiu?

Poderia olhar para Alfredo e tentar crer que algo

espontâneo aconteceria?

Eu não sabia mais onde estava minha mente. Não quando

se tratava dele.

Meu celular tocou e surpreendendo-me o nome de Alfredo


apareceu no visor. Eu o tinha salvo logo após ele pegar meu

celular naquele dia, contudo, ainda estava trabalhando comigo

mesma como resolveria cada detalhe. A única parte realmente


pronta era o contrato à minha frente, mas que faltava uma outra,
que seriam os desejos dele.

Era assim que eu sabia resolver as coisas. Ao menos, com


a maioria das pessoas.

— Eu te esperei ligar, mas já faz quase uma semana. —

Sua fala foi imediata, assim que o atendi. — Precisamos

conversar, Verônica.

— Estou na capital...

— Eu sei. — Cortou-me, o que me deixou surpresa. Existia

algo sobre ele, que sempre trazia tal sensação sobre mim. — Eu

tive que vir terminar um trabalho e estou por aqui hoje, se

pudermos nos encontrar...

— Que horas estará livre? — perguntei, sentindo meu

coração acelerar.

— Estou o resto do dia — respondeu, e acabei encarando

meu relógio, notando que já eram 14 horas.

— Pode vir até a minha empresa? — indaguei, pensando

que aquele era o melhor lugar para tratar algo assim. Que

poderíamos discutir sem que ninguém mais interferisse.


— Como um negócio, então... — pareceu falar consigo

mesmo. — Eu chego em alguns minutos aí.

Girei na cadeira assim que a ligação foi desfeita, e fiquei

encarando o teto. Mexi no computador e deixei uma música soar


baixinho, enquanto tentava compreender como aquilo seria.

Disquei então o número da recepção e autorizei a entrada de


Alfredo.

Quem poderia dizer que um dia ele estaria bem ali?

Os minutos se passavam e pareciam torturantes. Vi-me


levantando e caminhando até o banheiro, encarando meu reflexo,

e voltando, cerca de dez vezes. Algo sobre ele me fazia sentir tão
nervosa, que me deixava daquela maneira.

Joguei-me novamente contra a cadeira e respirei fundo.


Fechei os olhos, tentando me acalmar e lembranças de nós me

vieram à mente.

Seus lábios em meu pescoço, seus gemidos sôfregos

contra minha pele, fazendo-me ter a mesma reação. Sem


conseguir mais aguentar a forma como seu corpo tão maior que o
meu, me envolvia em seu colo. Éramos uma mistura de língua,

dedos, dentes e lábios. Todo e cada toque sem poder deixar.


Desci sobre ele com força, sem conseguir evitar a sensação que

se acumulava em meu baixo ventre.

Batidas na porta me fizeram dar um pulo. Pisquei algumas

vezes para me localizar, e senti o terror de como era me sentir tão


exposta na frente dele. Tudo sobre ele me deixava assim, e

agora, eu estava prestes a colocar uma aliança em seu dedo.

— Senhora Reis, Alfredo Lopes chegou. — Ouvi a voz de


minha assistente, que tinha um semblante leve como sempre, e

abriu espaço para que o outro adentrasse o ambiente.

Fiquei em pé e foi quando o encarei, dando um sorriso para

ela, mas que morreu quando me encarou. Ele estava com uma
camiseta preta que delineava perfeitamente seus músculos bem

formados, e deixava as tatuagens que fechavam os braços


expostas. Tatuagens essas que até aquele momento eu desejava
decorar com a minha língua.

Foco, Verônica!

— Obrigada, Leila.

Ela assentiu, saindo em seguida.

— Alfredo. — Fiz um sinal com a cabeça, indicando-lhe a


cadeira à frente da minha mesa. Ele apenas assentiu e seguiu até
a cadeira, e se sentou. — Feito. — Coloquei os papéis à frente
dele. — Tem alguns termos que acho importante estarem claros.

— Mais papéis para eu assinar? — seu tom era quase


inaudível. — Preciso mesmo ler?

— Eu posso te dizer o que é importante — comecei, e ele

retirou os óculos escuros, finalmente deixando os olhos azuis nos


meus. — Não posso abrir mão de morar na minha casa.

— Terei que mudar para cá? — ele indagou confuso,


parecendo pensar. — Para capital?

— Sim, é algo que não posso abrir mão. — Infelizmente,


era algo que também não poderia explicar para ele. Na realidade,
nunca de fato expliquei para ninguém a importância que aquele

lugar, que era meu lar tinha. — Então pode me dizer o que não
abre, para chegarmos a um acordo.

— Só quero algo simples nessa cerimônia. Não convide


minha família. — Ele respirou fundo. — No caso, minha mãe

estará, mas o resto... Só não os quero lá.

— Pode ser na própria Mansão Reis.

— Sua casa? — assenti e ele pareceu pensar. — Pode


impedir que eles apareçam?
— Eu posso tudo, Alfredo. — Recostei-me contra a
cadeira, e senti seu olhar preso a meu pescoço, logo desviando.
Lembrava-me dos seus dentes na minha pele e como era cada

toque dele sobre mim. — O que está pensando?

— Vamos falar sobre o que fizemos naquele carro? —

perguntou, e sustentou meu olhar perfeitamente. Era incrível


como ele ia de um gatinho assustado para um homem
completamente decidido.

— Acho que pode complicar mais as coisas — respondi,

por mais que quisesse adentrar aquele assunto. — Tem algo a me


perguntar sobre isso?

— Eu só... — respirou fundo e desviou o olhar. — Podemos

falar disso depois, eu acho.

Assenti, sem saber o que dizer, e torci para que ele não
notasse a forma como eu parecia sem ter ideia do que fazer à sua

frente.

— Todos já sabem sobre o casamento? — perguntou, e

seu olhar voltou para o meu. — Digo, seus irmãos, os Torres...

— Ainda não lhes contei, mas o farei essa semana —

assentiu levemente. — Precisava falar com você antes, mas


estava esperando isso estar pronto.

— Tenho mesmo que ler ou posso confiar em você? — sua


pergunta me acertou em cheio, ainda mais, pela forma como ele

parecia realmente tentado a fazer a segunda opção.

— O que acha? — não pude evitar responder com uma


pergunta.

— Acho que é controladora demais para enganar alguém

como eu — comentou simplesmente, seu olhar desviando para os

papéis.

— Alguém como você? — aquilo eu realmente não

entendia.

— Alguém que não é do seu meio — explicou, respirando

fundo. — Fugi disso a vida toda, para parar exatamente aqui.

— Vai me dizer novamente que está nesse casamento por

algo pessoal?

Foi então que seu olhar mudou e ele pareceu preso no


meu. Ele parecia entregar mais do que deveria, e piscou algumas

vezes, fugindo de mim.

— Digamos que eu era apenas burro e iludido. — Respirou

fundo.
— Gostava da minha irmã? — a careta em seu rosto foi

imediata. — Não?

— Nunca teve a ver com Carolina.

Não podia deixar claro, mas aquela resposta era mais do

que agradável para mim. Por anos imaginando que ele se

interessou por ela, e por isso, estava preso àquele contrato. Mas

não... Em Alfredo, nada parecia ser como aparentava.

— Abi já sabe sobre, mas está guardando segredo —

explicou e apenas o observei, cada reação à minha frente. —

Seus irmãos vão reagir bem a isso?

— Talvez não. — Dei de ombros. — Mas eles não vão


tratar como um problema.

— Gosto deles, espero que não perca um dente por isso.

Quase ri de sua piadinha, mas me segurei. Era tão fácil a


forma como ele tratava as coisas, e o inesperado, era o quanto eu

adorava aquilo.

— Após o aniversário de Jasmine, falarei com cada um

deles — expliquei, sem conseguir evitar me abrir, nem que um


pouco, para ele.
— A filha de Franco, certo? — assenti e ele pareceu

pensar sobre. — Eu assino onde? — perguntou de repente,


indicando os papéis.

— Não se assina algo sem ler...

— Não tenho por que não confiar em você.

— Nem um porquê para confiar — rebati, e ele deixou um


sorriso no canto da boca, o que era raro.

— Vou assumir o risco.

E ali estava ele, me pegando para si em cada pequeno

detalhe, que me deixava a ponto de querer jogar tudo na mesa.


Jogar cada palavra que guardei, da Verônica que sucumbiu a si

mesma.

— Não precisa assinar, se me der sua palavra — comentei,


e seu olhar era de surpresa. — Vou assumir o risco também,

Alfredo.

— Espero descobrir até o fim desse casamento porque não

me chama pelo apelido. — Afastou-se da cadeira e se levantou.


— Eu acho que é isso, então... Te vejo?

— Eu vou te atualizando sobre a data e todo os trâmites —

avisei, levantando-me para levá-lo até a porta.


Ele assentiu e seguiu à frente, e não pude evitar ir até ele.

Quando estava já próximo à porta, ele parou tão abruptamente,

que fez com que eu não pudesse controlar meus saltos, e meu

corpo bateu no seu. Seus braços me seguraram, antes que eu


caísse, e senti cada parte do meu corpo gritar pela forma como

ele estava próximo.

— Desculpe — falou, ajudando-me a ficar ereta. Suas


mãos saíram tão rápido de mim, como quando me tocaram. E

senti falta daquele calor, que apenas ele parecia capaz de me

passar. — Só queria dizer que pode me ligar, se ficar mais fácil.

— Ok.

Cruzei os braços, assim que ele abriu a porta, e me deu um

último olhar antes de sair. Assim que ele seguiu até o elevador,

sendo guiado por Leila, não demorou alguns segundos para a


mulher que era apenas alguns anos mais nova que eu, encarar-

me com um claro ponto de interrogação na testa.

— Não tem trabalho não, Leila?

Ela riu, e sabia que era meu jeito de sair de qualquer


situação. Ela era uma das poucas pessoas com quem sentia um

pouco de intimidade, isso claro, fora da minha própria bolha. Ela


trabalhava comigo há muitos anos, o suficiente para saber que

aquele homem na minha sala não veio apenas tratar de negócios.

A realidade era que Alfredo Lopes nunca seria apenas um

negócio para mim.


CAPÍTULO 5

“As coisas que eu fiz

Só para eu poder te chamar de meu

As coisas que você fez

Bem, espero que eu tenha sido seu crime favorito” [14]

ALFREDO

— Isso foi a pior ideia que poderia me dar. — falei para Abi

pela vídeochamada, quando finalmente cheguei no hotel. — Não


fica sorrindo!
Minha melhor amiga estava com a filha no colo, a minha

afilhada, que estava claramente mais interessada no pirulito de


chocolate, do que na chamada de vídeo que eu tinha com sua

mãe.

— Ok, não vou dar mais ideias sobre seu relacionamento

com Verônica.

— Bruno está em casa? — perguntei, ao notá-la falar disso

tão livremente.

— Tá tomando banho e cantando até os pulmões saírem...

Ele não sabe sobre o casamento.

— Nem pode saber, se não toda a região vai descobrir em

segundos.

Ela riu alto, mas não negou.

— Casamento, padinho? — Primavera perguntou, e

finalmente me toquei de que ela poderia soltar algo, já que

sempre estava em torno dos Torres, e consequentemente, dos

Reis. — Com quem?

— Ninguém — respondi, e ela fez uma leve careta. — Vai

precisar de mim amanhã para levar ela para vacina, né?


— Sim, por favor. — Abi praticamente implorou. Desde que
Primavera nasceu, eu era a pessoa que a levava para tomar suas

vacinas, já que na primeira vez em que Abi o fez, ela desmaiou

assim que chegou ao postinho de saúde. Minha melhor amiga

não conseguia controlar seu nervosismo quando se tratava da

filha. E eu não tinha problema algum em ser seu apoio, assim

como de Prim, que também era uma parte do meu coração.

— Eu chego bem cedo e já vou para aí.

— Obrigada, porque se Bruno for com ela, acho que ele

acaba desmaiando como da outra vez. — Acabei rindo e ela fez o

mesmo.

— Vocês são ótimos pais para desmaiar, sério.

— Nem vem. — Semicerrou os olhos. — Quando forem

seus filhos, aí será minha vez de rir dos seus desmaios.

— Nem tem um, e já tá me abençoando com mais de um?

— rebati, e ela piscou um olho.

— Vai que né... Casamento, mesma casa, atração...

— Abi — falei, enquanto terminava de ajeitar minha

pequena mala, ao lado do celular que usava para a chamada. —

Podemos focar em sei lá? Qualquer outra coisa?


— Ah, consegui informações...

— Informações? — indaguei sem entender.

— Ela gosta de mangá e animes, como você. Ela indica

doramas de todos os tipos para as cunhadas, e sempre canta


Taylor Swift para Dani. Aliás, ela gosta muito de kpop, pelo que
consegui pescar.

— Abi! — ela apenas deu de ombros. — Como descobriu


tudo isso?

— Daniela é uma ótima informante... aos poucos, consegui


descobrir algumas coisinhas. — Sorriu vitoriosa. — Ah, ela tem

mais tatuagens do que vemos nos braços e costas.

Segurei uma respiração, porque daquilo eu sabia e muito


bem. Eu vi as tatuagens espalhadas por suas coxas e abdome.
Mesmo que não tivesse tanta luminosidade ou tempo para

reparar, era impossível não ter memorizado cada traço que me


ficou exposto, com ela sobre o meu corpo. Fechei os olhos e

tentei tirar aquilo de minha mente.

— Por que eu sinto que está me escondendo algo?

— Porque você sempre inventa alguma coisa para fanficar

sobre mim — rebati, e ela revirou os olhos.


— Você é bem mais fanfiqueiro que eu, ou devo lembrar de

quando conheceu a moça do café e...

— OK, ok!

— Que moça do café? — ouvi a voz de Bruno e queria


esganar Abi através do computador. — Oi, Nero! — fez um leve oi

com as mãos, indo pegar Primavera do colo de Abi.

— Ninguém importante — respondi, tentando fugir do

assunto.

— É mesmo, nem um pouco importante?

— Abigail. — Ela riu alto e se jogou contra a cadeira.

— Vou fingir que não estão me escondendo uma fofoca —


Bruno comentou, e jogou a filha para o alto, que riu. — Vou pedir

comida pra gente. — Deu um leve beijo no rosto de Abi e se


afastou com Prim em seu colo.

Fiquei encarando-os e me imaginei naquela situação, só


que com ela. Por que eu não conseguia evitar tal sentimento? Por

que eu tinha que me sentir assim, justamente com ela, há tanto


tempo?

— Ei, sabe que eu só quero que seja feliz, certo?


A voz de Abi me fez sair dos meus próprios
questionamentos.

— Talvez ela seja para ser uma parte da sua felicidade,


quem sabe? — continuou, e a encarei. — Não vai saber se não
tentar.

— Eu estou tentando, Abi. Só não sei se ela também está.

— Eu não a conheço tão bem, mas eu nunca imaginei que

uma mulher como ela, faria algo que não queira... Ela quer isso,
mesmo que não seja pelos mesmos motivos que os seus.

— Obrigado, Abi — falei, respirando fundo. — Pareço a


porra de um adolescente perdido.

— Todo mundo se sente assim quando se trata de um


amor, ainda mais, um amor antigo... — ela realmente poderia falar
sobre aquilo. — E seu aniversário está chegando, o que vamos

fazer?

— Faltam dois meses, Abi. — Revirei os olhos, e ela riu

de lado. — Não quero nada demais, como sempre.

— Bom, eu e Prim estaremos lá, com certeza.

— Por que eu não? — Bruno indagou, aproximando-se, e


claramente indignado. — Nero é meu cunhado. — Eu ri, porque
era impossível não o fazer quando se tratava dele.

— Pode aparecer também, cunhado. — Ele sorriu

animado, claramente satisfeito consigo mesmo. — Vou tentar


dormir um pouco antes de pegar o voo.

— Vai lá, e bons sonhos com a moça do café.

Abigail gargalhou da fala de Bruno, e eu queria voar nos

dois. Já não conseguia lidar com ela, os dois unidos então?


Contra mim? Estava completamente lascado.

Apenas desfiz a ligação enquanto minha melhor amiga

gargalhava, e me joguei contra a cama, deixando a mala de lado.

Quando fechei os olhos, infelizmente, a moça do café estava lá,


como a lembrança que eu nunca consegui esquecer. Mas agora,

ela tinha nome e sobrenome, e seria minha esposa.

VERÔNICA

Assim que abri a porta do meu quarto, senti corpinhos

quentes e peludos ao redor dos meus pés. Sorri para Gara e Zuko
que já estavam ali, querendo carinho como sempre.

— Oi, meus bebês. — falei, abaixando-me e passando as


mãos por suas cabecinhas. — Se divertiram? Foram conhecer

mais da casa já que seus tios não estão mais aqui?

Tive o miado de ambos como resposta, e comecei a


procurar Mikasa pelo local, que encontrei se espreguiçando sobre

minha cama. Joguei-me contra o colchão, e ela veio para meu

colo, aconchegando-se perfeitamente. Logo os outros dois se

juntaram a nós e eu sorri pelo carinho que sempre me


entregavam.

Um carinho que eu aprendi a apreciar desde muito nova.

— O que é aquilo, papai? — perguntei, notando uma caixa

se mexer perto da nossa casa. Escondi-me atrás de meu pai


Sérgio, que parecia tentar ver melhor. — Um fantasma?

— Um fantasma não mia, pacotinho.

Pisquei algumas vezes, vendo-o ir até a caixa, e levantá-la.


Logo um corpinho de quatro patas ficou à mostra, bem magro e

com uma patinha parecendo machucada. Corria até onde meu pai

o pegava com cuidado e colocava em seu colo. Ele miou baixo,


parecendo quase não conseguir e meu coração ficou pequeninho.
— Podemos ficar com ele? — perguntei, e tentei levar os

dedos até a cabecinha, sem saber o que fazer.

Eu tinha cinco anos e nunca tinha visto um gatinho daquela

maneira.

— É uma fêmea — meu pai falou, e me fez tocar

levemente na cabeça da gatinha. — Qual nome daremos para

ela?

Lembrei-me do desenho que eu tanto gostava, e não

pensei duas vezes antes de dizer:

— She-ra. — Meu pai sorriu e assentiu.

— Então vamos apresentar o novo membro da nossa


família. — Sorri abertamente, e o segui, enquanto ele

carregava a gatinha que miava vez ou outra.

Abri os olhos e sorri com a lembrança, deixando uma


lágrima descer.

— Ainda bem que tenho vocês — falei, sentindo-os ao meu

redor, o que me lembrava de como era sentir aquilo. — Será que

vão gostar de Alfredo?

A pergunta saiu tão facilmente que eu apenas desisti de

lutar comigo mesma. Não quando estávamos apenas eu e eles.


Onde eu poderia deixar qualquer emoção ou sentimento à solta.

Depois de tanto tempo apenas guardando e deixando cada parte


que poderia ser uma fraqueza, apenas escondida.

Eles se esfregaram ainda mais em mim, enquanto eu sorria

e lhes dava carinho.

— Alexa, tocar Playlist favoritos.

A música começou e fechei os olhos, descansando um

pouco e cantando junto a ela. Precisava de um bom banho de

banheira e pensar melhor em como contaria sobre o casamento


para os meus irmãos. Contudo, em meio a tanta coisa, me via

cantando junto à música e mais uma vez, ali estava ele, em minha

mente

“Por você, eu passaria do limite

Eu desperdiçaria meu tempo

Eu perderia minha cabeça

Eles dizem: Ela foi longe demais dessa vez...” [15]

E não pude deixar de me perguntar se eu estava indo

longe demais?
CAPÍTULO 6

“Porque você não era meu para eu perder

Você não era meu para eu perder, oh” [16]

VERÔNICA

Senti os olhares de Tadeu e Carolina mudarem sobre mim.

Já se haviam passado alguns dias, e eu sabia que as notícias


correriam rápido, pela língua afiada que Gabriela Lopes tinha. Só

não queria que aquilo estourasse antes do aniversário de


Jasmine, para não tirar a atenção de Carolina sobre o evento.
Notei então Igor se aproximar deles, assim como Murilo. O

olhar de cada um mudou drasticamente, e poderia jurar que Igor


ficaria com aquela carranca por alguns dias.

— Eles estão de segredinho ou é impressão? — Olívia


perguntou ao se aproximar, estendendo-me uma garrafa de

cerveja. — Beba por mim, eu imploro.

— Sem problema. — Dei-lhe um leve aceno e ela cruzou

os braços ao meu lado. — Estão assim desde antes de eu


chegar?

— Não — comentou, e notei que ela bebia água. — Foi


logo após Tadeu receber uma chamada.

— Uma chamada que ele não me contou nada e pareceu


perder a cor — Valéria comentou, chegando ao meu lado, com o

filho no colo. — Não tive tempo de perguntar por que ele correu

até Carolina.

Senti o olhar dos quatro sobre mim, como se tentando

juntar um quebra-cabeça.

— Aquela cara de Igor... — Lisa fez um tsc com língua. —

O que será que houve? Algo no trabalho?


— Uma rodinha de mulheres maravilhosas, tô dentro! —
Maria Beatriz chegou, exalando como se o próprio sol a

acompanhasse. — Por que não estão fofocando sobre algo?

— Estamos tentando entender o porquê de todos estarem

ali, olhando para Verônica como se ela fosse o assunto — Oli

comentou, indicando meus irmãos com a cabeça, do outro lado

do salão.

— Eu tenho um palpite. — Abigail se aproximou, junto a

Primavera que pulava ao seu redor. Dei-lhe um breve olhar, que a

fez sorrir. Ela era uma boa melhor amiga para ele, certo? Ela não

jogaria tudo assim? — Mas vou guardar para mim, porque sou

ótima em acertar.

— Isso é injusto! — Mabi falou, batendo em seu braço.

— Tia, não podi batei na mamãe. — Primavera se

intrometeu, enquanto eu levava a bebida à boca, e tentava ignorar

meus irmãos, já que Franco dançava graciosamente com Jasmine

à nossa frente. Era o momento dela, não de meus irmãos

surtarem.

— Desculpe, pequeno arco-íris. — Mabi se agachou à

frente da pequena. — Foi só de brincadeira.


— O que foi que eu perdi? — Babi se aproximou, comendo

o que parecia ser um docinho que roubou de algum lugar que não
deveria. — Eu estava tão ligada na dança que não percebi que

tem facas sendo jogadas para cá...

Ela então indicou meus irmãos e eu quis me enterrar pela

vergonha. Pelo menos Carolina parecia ter se ligado a cena à sua


frente, e ignorava o que fosse que Tadeu lhe disse.

— Vou falar com eles, no fim da festa.

— Então temos mesmo uma fofoca? — Maria Beatriz era


de fato uma pessoa que não parecia medir palavras com

ninguém, nem comigo. E algo sobre aquilo, me fazia gostar dela.


— Sobre você?

— Contarei para vocês, depois de contar a eles...

— Mal posso esperar! — Abigail sussurrou ao meu lado,

como se apenas para eu ouvir, e era como se ela torcesse de fato


para aquele anúncio de casamento. Ela torcia realmente para

aquilo?

Foquei em beber mais um pouco e ficar cercada de minhas


cunhadas e agregadas. Era melhor para evitar que meus irmãos

se desfizessem do foco real da noite. Sabia que eles agiriam


exatamente de tal forma, por aquilo, tentei ao máximo evitar que

eles soubessem antes do aniversário. A sorte de eles descobrirem


ou desconfiarem justamente durante a festa.

As horas passaram, e os olhares suavizaram. Tadeu tinha


um semblante como se tentando entender. Murilo parecia pensar

em como aquilo poderia ser real. Igor parecia querer matar


alguém com as próprias mãos. E Carolina estava focada demais

na filha e no futuro marido, mas sempre me encarava com uma


interrogação.

— Obrigada por vir, titia. — Jasmine pulou em meus braços

e eu sorri para ela. Era tão bom ver uma adolescente como ela
tão alegre e feliz. Algo que me fazia lembrar de mim mesma, um
dia, há muito tempo.

— Espero que tenha gostado do presente. — comentei,


tocando levemente sua testa com os dedos indicador e médio. —

É ótimo para quem gosta de ler.

— Eu sempre quis ler mangá, acho que vou gostar da


coleção de Naruto. Obrigada mesmo! — falou e me abraçou
novamente.
Afastei-me com cuidado dela, e notei o olhar emburrado de
Daniela para comigo. Assim que Jasmine foi se despedir de
outras pessoas, caminhei até minha outra sobrinha, e agachei-me

à frente dela.

— O que foi? — indaguei, sem querer enrolar.

— Você ama a Jas mais do que eu? — perguntou e notei


seus olhinhos marejados. — Fez o sinal que só faz em mim e no
meu pai, e nos titios...

— Esse sinal... — suspirei fundo, fazendo-o nela. — Tem


uma história muito bonita por trás, que quem sabe, eu possa te

contar um dia... — desci os dedos para seu rosto. — Quando o


faço é porque amo alguém, mas não só isso, são dois dedos

porque eles significam amar e proteger.

— Ainda não respondeu minha pergunta. — Cruzou os

bracinhos e bufou.

— Temos uma futura rebelde assim como Murilo foi? —

provoquei, e fiz cosquinha em sua barriga, o que a fez sorrir,


mesmo que não quisesse. — Eu amo na mesma medida, Dani.

Não tem como amar mais ou menos, não comigo. Eu amo e


protejo com tudo que há em mim.
Ela então pulou sobre mim, abraçando-me e eu me levantei
com ela no colo. Começava a pensar que ela cresceu tanto nos
últimos anos, que logo, já não estaria no meu colo daquela forma.

Assim como me senti orgulhosa ao ver meus irmãos crescerem e


se tornarem pessoas maravilhosas, me doeu vê-los encarar o

mundo e não poder controla-lo ao seu redor, por mais que


tentasse.

E agora seria com meus sobrinhos...

— Vem com a mamãe. — A voz de Olívia nos fez afastar, e

a pequena foi de bom grado com ela. — Posso ficar e evitar uma
discussão. — Sugeriu, e indicou com a cabeça, os quatro parados

próximos ao meu carro, como se me esperando sair para me

confrontar.

— Obrigada, mas eu sei lidar com eles — comentei e


toquei levemente em seu ombro. — Vai ser rápido.

Ela assentiu e afastou-se de nós, caminhando na direção

que minhas outras cunhadas estavam, assim como os seus

irmãos. Caminhei então até os meus, que tinham semblantes


diferentes um do outro.
— Antes que me perguntem ou comecem... — suspirei

fundo. — Sim, eu vou me casar em alguns dias com Alfredo


Lopes. E ia contar a vocês antes, mas optei por esperar o

momento certo.

— Puta que pariu! — Igor praguejou, e levou a boca à mão,


claramente incrédulo. — Diz que tá delirando!

Cruzei os braços, encarando-o com um leve arquear de

sobrancelha.

— Algum motivo para isso? — Tadeu indagou, parecendo o


mais sensato.

— Claro que tem, é minha culpa! — Carolina tinha o tom

pesado, como se se culpasse. — É por que um Reis não volta

atrás em sua palavra?

— Carolina... — aproximei-me dela e toquei seus cabelos.

— Não tem nada a ver com isso, e não é sua culpa. Eu apenas

tenho meus próprios motivos.

— Pode nos contar um, pelo menos. — Murilo falou, e virei-

me para ele. — Qualquer coisa que seja.

— Por que estão assim?


— Nervosos? Preocupados? Quase surtando? — Igor

indagou e eu assenti, enquanto ele se aproximava. — Verô, você

é o nosso tudo, como pode achar que a gente não vai estranhar
quando sabemos que vai se casar com Nero do nada?

— Conhecem Alfredo e sabem que ele não faz mal a uma

mosca. — comentei simplesmente.

— Eu não gosto mais dele. — Igor bufou, afastando-se e


eu quase ri.

— Não quero nenhum de vocês presos a isso — falei,

encarando Tadeu, que era o único que parecia tentar me analisar.

— Pare de me olhar como um terapeuta. — Ele desviou o olhar e


respirou fundo. — Para de me olhar com culpa — falei em direção

a Carolina. — Pare de me olhar como se fosse matar Alfredo com

as próprias mãos. — Igor bufou novamente ao me encarar. —


Pare de me olhar com a preocupação clara. — Murilo negou com

a cabeça, como se fosse impossível. — Parem com isso.

— Verô... — Tadeu falou, e o encarei. — Não pode

simplesmente achar que vamos saber disso e não fazer


perguntas.
— Podem perguntar o que quiserem, mas não vão ter

respostas, sabem como é. — Engoli em seco. — Eu não falo dos


motivos por trás dos meus negócios.

— É isso, então? Alfredo é um negócio? — Igor indagou, e

eu apenas assenti, tentando convencer a mim mesma daquilo. —

Ok, posso viver um dia a mais com isso. — Seu olhar foi
levantado para algo atrás de mim, e ele pareceu querer correr até

a pessoa, mas foi impedido por Murilo.

Virei-me sem entender absolutamente nada, e minha ficha


caiu quando encontrei Alfredo vestindo casualmente um conjunto

de moletom e boné. Seu olhar azul parecia apagado e por um

segundo, tudo ao redor ficou silencioso, como se fôssemos


apenas nós.

O que ele teria ouvido?

Por que ele me olhava como se me culpasse por algo?

— Boa noite, família Reis. — falou simplesmente, e apertou

seu boné, antes de se afastar, e vi-o ajudar Bruno que estava


para lá de bêbado e uma Abigail que parecia a ponto de explodir

com o marido, mesmo que rindo das besteiras que ele falava.
Meu olhar estava focado em Alfredo e notei que não me

endereçou nenhum, mesmo quando passou ao nosso lado com o

carro de Abigail. Era como se... Se fôssemos completamente

estranhos. Mesmo depois de tudo, não poderia pedir-lhe ou exigir-


lhe mais do que aquilo. Porque por mais que um passado, uma

noite e um casamento nos unisse, eu sabia que a importância de

cada parte para cada um era diferente.

Era um negócio – eu dizia em voz alta.

Isso nunca será apenas um negócio – eu gritava

silenciosamente em minha mente.


CAPÍTULO 7

“Você sabe o que é se apaixonar estando do lado de fora?

E eu não sei, mas estive tentando por você, por mim

Agora eu sei como é se apaixonar estando do lado de fora” [17]

ALFREDO

Eu queria quebrar alguma coisa.

E não seria a porra do meu coração.

Respirei fundo algumas vezes, sem conseguir me desfazer

daquela confirmação – de que que era apenas um negócio.


Por que aquilo me atingia tão fortemente? Por que eu não

conseguia apenas ignorar? Por que não encarava aquele


casamento do jeito que ela fazia?

— Porque você é um burro que se encantou com ela


quando ainda era um adolescente. — Xinguei a mim mesmo,

jogando-me contra a cama. — Precisa superar isso. Você precisa,

porra!

Eu já tinha trinta anos.

Eu já estava há quantos anos naquela? Quatorze?

Era absurdo pensar que eu nunca esqueci a mulher que

me estendeu lenços de papel e depois a reencontrei tantas vezes

quando pude aguentar estar na alta sociedade. A realidade era


que Verônica Reis sempre esteve a passos tão distantes que

nunca alcançaria. Mas eu a alcancei.

Naquela noite no carro...

Eu a alcancei a ponto de crer que não seria apenas uma

transa. Mas foi, ao menos, para ela. Enquanto eu estava ali,


perdido em minhas lembranças e pensamentos, sem saber como

agir dali por diante. A realidade era que devia encarar a situação

como ela era – como um negócio.


Ri alto da minha situação.

Por que era tão burro e assinei aquele contrato?

O som da minha campainha me fez franzir o cenho e segui

a passos lentos até a porta. Tinha deixado Bruno, Abi e Prim em

casa, então, ninguém mais apareceria àquela hora. Por um

segundo, um flash de esperança me tomou, de que ela apareceria

e me explicaria que não era aquilo que queria dizer. Por que eu lia
mangás de romance e assistia doramas, mesmo?

Eu era um péssimo fanfiqueiro. E me vi relacionando


aquele momento até o mais recente jogo que estive

completamente viciado – Final Fantasy XV. Por que eu pensava

tanto sobre Noctis e Lunafreya? Por que eu não conseguia parar

de pensar sobre aquele romance trágico enquanto caminhava até

a porta?

Assim que abri a porta, mal tive tempo de raciocinar,

quando um soco me veio no rosto, e cambaleei para trás.

— Mas que porra...

— Eu esperava isso de Igor, não de você, ursinho. — Ouvi


a voz de Carolina, e tentei me manter em pé. — Mas gostei disso.
— Eu a vi fazendo um high-five com Murilo e tentei compreender

porque quatro dos cinco irmãos Reis estavam ali.

— Que merda é essa? — indaguei, finalmente me

firmando, e os encarando.

— Um aviso, que se machucar nossa irmã, vai ser a pior


decisão que tomou.

Eu queria rir do que Tadeu falou, porque na realidade, eu


estava com o coração quebrado por ser um iludido e não saber

lidar com aquele sentimento, e agora, teria um hematoma para


cuidar no dia seguinte. Detalhe, ambos por culpa da mesma

mulher.

— Eu não fiz nada — falei, e os encarei, já na defensiva. —

Verônica quis seguir com o contrato, não eu.

— Ok, mas mesmo assim... — Murilo tomou a dianteira. —

Se fizer mal a ela, vai ser pior que um roxo no rosto.

— Seria mais fácil me protegerem dela... — minha voz foi


um sussurro. — Já foi o suficiente para hoje? — indaguei,

jogando-me contra o sofá. — Sei que são protetores e todo o


resto, e não vou machucar a irmã de vocês. Acho que ninguém
consegue, mesmo que tente. — Não pude impedir a frase amarga

em minha boca.

Eles não tinham noção dos meus sentimentos. Já que nem

mesmo eu os entendia.

— Não fale como se a conhecesse. — Igor falou e parecia

como um trovão. Nunca o vi tão nervoso antes. Nem imaginei que


alguém tão alegre e animado como ele, ficaria de tal maneira. —
E espero que não tente conhecê-la.

— É só um negócio — falei firme e os encarei, Carolina me


olhava como se estivesse pensando em algo longe dali. — Não

passa de um negócio, podem perguntar à sua irmã se quiserem.

— É apenas um aviso, Nero. — Carolina falou, respirando

fundo, e se aproximou. — Sei que tem mais, porque eu a conheço


bem, mas... Cuide dela, eu imploro.

Sua última frase foi apenas um sopro e se não estivesse


tão próxima, jamais conseguiria ouvir.

— Vai ficar tudo bem. — Soltei e encarei todos ao redor. —

Já terminou a sessão de acabar comigo? — indaguei, e ouvi-os


bufar. — Eu tenho um projeto terrível para terminar nessa

madruga, então... Boa noite, família Reis.


Levantei-me e lhes indiquei a porta, notando os olhares
incrédulos de alguns deles. Segundos depois apenas senti
minhas costas contra a parede e notei o olhar matador de Murilo.

Mais uma novidade – Murilo Reis também poderia ser assustador.

— Não é uma brincadeira, é uma promessa que vamos te

destruir caso faça algo com ela.

— Sim, eu entendi. — Suspirei fundo. — Se tivesse uma


irmã e a amasse, com certeza, faria o mesmo. — Afastei-me dele

com cuidado. — Agora posso ficar à vontade na minha casa? —


dei-lhes um leve aceno e segui para o meu quarto, sem esperar

por qualquer adeus.

Eu apenas queria paz, e ficar olhando para rostos que me

remetiam a ela, e falavam sobre ela, não estava ajudando em


nada. Absolutamente nada. Ouvi a porta da frente ser batida e

levei as mãos aos céus. Paz, finalmente algum tipo de paz.

Mesmo que minha mente estivesse borbulhando em torno

daquele assunto. Liguei meu computador e peguei meu headset,


já pronto para me isolar do mundo. O lado bom de ser um
engenheiro de programação era poder esquecer tudo o que não

fossem os códigos que estava trabalhando há dias.


Ao menos, por algumas horas, eu poderia me esquecer do
quanto Verônica Reis ocupou e ainda ocupava minha mente.

Quando pensei em começar a trabalhar, meu celular tocou


e foi quando vi o nome dela no visor. Ótimo! Era tudo o que eu
precisava.

— Não é uma boa hora. — falei, mesmo que devesse de

fato não ter atendido. — O que precisa, senhora Reis?

— Só para avisar que vou te enviar o calendário de

algumas coisas importantes, como o seu terno...

— Sério mesmo que temos que falar disso agora? Essa

hora? — indaguei, levando as mãos ao rosto e não podendo


evitar um gemido de dor.

— O que houve?

Sua voz estava em outro tom e eu quase ri da sua reação.

— Nada com que tenha que se preocupar. — As palavras

saíram como ácido e me sentia um completo imbecil. Por que eu

não conseguia apenas ser indiferente? Não que eu tivesse

conseguido, algum dia. — Apenas me mande o que é necessário


e o farei.

— Não me trate como sua chefe, Alfredo.


— Não me trate como um negócio, então.

Eu deveria ter ficado quieto, mas não consegui. A minha


língua parecia apenas maior do que minha boca. O silêncio dela

do outro lado da linha me atormentou ainda mais, e sabia que

deveria desligar e apenas esquecer aquilo, e engolir meus


sentimentos.

— Esqueça isso e faça como quiser. — Mudei meu tom e

tentei parecer indiferente. — Tenha uma boa noite, Verônica.

— Boa noite, Alfredo.

Ela desfez a ligação e fiquei alguns segundos apenas

encarando seu nome. Olhei então para o meu computador e sabia

que seria difícil me concentrar e terminar aquele trabalho, por

mais que quisesse. Minha mente não estava ali, e era algo que
sabia que tinha que evitar. Por isso a evitava. Porque ela tinha

todo aquele poder sobre mim e agora ele ficava ainda mais

aparente.
CAPÍTULO 8

“Tempo, tempo místico

Me rasgando, depois me curando bem

Havia pistas que eu não vi?” [18]

VERÔNICA

O que ela pensaria sobre isso?

Aos trinta e oito anos, aquela pergunta se passava por


minha mente todos os dias. E todos eles, eu tentava chegar em

uma resposta que não fosse ruim.

Ela teria orgulho disso?


Olhei para o meu reflexo e suspirei fundo, passando o

batom de um vermelho fechado. Ela, com toda certeza, adoraria


aquela cor. Era até mesmo parecido com o que ela usava.

Caminhei até o velho porta-joias, que sempre permanecia

intocado, mas eu prometi que o usaria no dia do meu casamento.

Se ela estivesse ali, com toda certeza, faria questão de

colocá-lo em mim.

Abri a tampa e encarei o medalhão que tinha o nome da


nossa família e o brasão que apenas Regina Reis poderia ter

definido – o de um dragão. Sorri, porque ela me ensinou a

acreditar no que não existia, para poder suportar o que de fato


existia. Abri-o e encontrei ali a foto rara de nós cinco.

Eu, meus pais, minha madrinha e minha avó... Regina. A

que fez de tudo o que podia e não podia para que eu estivesse

exatamente ali. Coloquei-os em torno do meu pescoço, que ficaria


sobre o conjunto branco. Fechei meu terno e me encarei

levemente no espelho. Eu sabia das perguntas e questões que

rondavam a mente de todos. Sabia ainda mais que aquele passo

não era algo que algum deles poderia entender. Não da minha

percepção.
Ouvi leves batidas na porta, e disse um simples “entre”.
Notei Tadeu adentrar o ambiente, claramente pisando em ovos.

Odiava vê-lo de tal forma, como se buscasse alguma rachadura

em mim. Por mais que soubesse que ele gostaria de poder cuidar.

Eu não sabia permitir tal coisa. Eu aprendi que não podia.

Não com eles.

Mas sempre por eles.

— Eu sei que todos nós perguntamos e tivemos a mesma

resposta — falou, e aproximou-se, até sua mão parar em meu


colar, ajeitando-o levemente. Olhei para os olhos tão parecidos

com os meus, que às vezes, pareciam um leve reflexo E me

machucava não o ter protegido o tanto quanto poderia. — Eu

pensei nesse pouco tempo que tivemos, desde que soubemos

que assinou o contrato e Verô... Se for o que eu realmente penso,

o que eu sinto que é, eu quero que seja feliz. Estou grato por

pensar em você, apenas em você, pela primeira vez.

Suspirei fundo, e não tinha uma resposta para aquilo. Na

verdade, não esperava que Tadeu se abrisse daquela forma.

Apenas toquei levemente sua testa, e notei o quão mais

alto ele já era, mesmo eu estando em meus saltos mais altos. Ele
cresceu tanto... Todos eles. Ouvi o leve barulho da porta e quando

toquei levemente com os dedos indicador e médio contra sua


testa, ouvi os resmungos dos outros.

Meus irmãos.

Meus...

— Ele disse que ia ser rapidinho e eu já estou infartando.


— Carolina dramatizou, agarrada ao ombro de Murilo, que sorria
da cena.

— Ela está com ciúmes, você sabe — ele falou, e logo


todos se aproximaram.

— Quem aqui não está? — Igor indagou, com uma

carranca enorme no rosto. — Um estranho vai se tornar o esposo


da Verô, e que... Merda!

— Pelo menos já demos os socos e ameaças suficientes.

Olhei de relance para Murilo e depois para Tadeu, que


apenas manteve sua expressão neutra.

— Realmente ameaçaram e bateram em Alfredo? —


indaguei, não surpresa por aquilo.

— Se ele te machucar, pode ser pior — Carolina falou


séria, e olhei todos. — Não estamos brincando, se ele...
— É um casamento de contrato, quantas vezes tenho que

lembrar? — perguntei, e era como se o olhar de cada um ali, me


mostrasse que eles não comprariam aquilo. — Não há como

alguém me machucar, e vocês sabem.

— Você é nossa super-heroína, você sabe. — Murilo se

adiantou. — Mas ainda é humana, Verô.

— Não corro riscos nesse casamento e é exatamente por


isso que estou nele.

E não era a primeira vez que mentia para eles. Contudo


era a primeira vez que o fazia, não para o bem deles, mas para o

meu próprio bem. Eu precisava acreditar naquela mentira, para


que tudo desse certo. Até o fim daquele contrato, que tudo

corresse como deveria ser.


CAPÍTULO 9

“E agora está riscado em vermelho

Mas ainda não consigo esquecer, mesmo se eu quisesse

E isso me deixa louco

Acho que estou ouvindo seu nome, onde quer que eu vá” [19]

ALFREDO

— Não é como se estivesse indo para forca. — Abi falou,

claramente tirando com a minha cara, enquanto ajeitava minha


gravata. — Aliás, ela escolheu um terno sob medida, sem você ter
que experimentar? — indagou, sugestivamente, e me fez revirar

os olhos.

Por que eu não podia simplesmente fechar a boca da

minha melhor amiga com superbonder?

— Ela me fez ir experimentar o bendito terno. — falei,


dando um tapinha na mão de Abi que começou a tremer enquanto

ria.

— Então temos uma pessoa que consegue mandar em

você? — debochou, e eu queria esganá-la. Intimidade realmente

era um problema.

— Quem tá mandando em quem?

— Nero que está... — levei minha mão à boca de Abi, que

gargalhou alto, e seu marido nos encarou como se tentando juntar


os pontos. Abigail deu uma mordida na minha mão e me afastei.

— Será que tem a ver com a Reis mor no final do corredor

que parece pisar na cabeça de quem queira? — meu cunhado

tinha tirado intimidade e eu não sabia de onde, mas queria


esganá-lo também.

— Vocês não têm uma filha para cuidar? — indaguei,


enquanto ela ria indo até ele. — Preciso só achar meus óculos e
estou indo.

— Parece até que você é a noiva. — Abi provocou e eu fui

empurrando-os para fora. Ouvi Bruno reclamar, querendo saber


mais, e os ignorei, batendo a porta de um quarto até então

desconhecido para mim, mas que ficava na Mansão Reis.

Quem diria que algum dia eu colocaria meus pés ali?

E mais do que aquilo, eu estava ali para me casar com ela.

Com Verônica Reis.

— Isso nem é tão bom! — reclamei para meus primos, que

pareciam ensandecidos pelo café à sua frente. — Prefiro do

interior.

— Tudo do interior é melhor... — Lucas debochou, e eu

revirei os olhos.

Dei de ombros, sem discordar. Aos dezesseis anos, tudo o

que queria era meu quarto, meu computador e música ao redor.

Não estar ali na capital com primos que claramente apenas me

suportavam, ou não tinham nada melhor para fazer em um

sábado, em um café que com certeza não tinha nada que eu


gostava de fato de comer.

Abi ia gargalhar da minha cara, com certeza.


— Eu duvido ter algo assim no seu interior... — bateu o

copo de café na minha frente, e eu me neguei a experimentar. —


Vamos lá, Nero!

Se havia algum momento em que eu detestava o meu


apelido, era quando eles o usavam, como se tivessem algum tipo

de intimidade. Eu não os detestava, não como o restante da


família, mas era muito longe de amor ou algo fraternal.

— Bebe logo, porra!

Tomás bateu com a mão no copo, que apenas se espatifou


sobre minha camiseta preta. Felicitações a mim mesmo por ter

optado por ela e não a branca. E mesmo lançando um olhar de


ódio para os dois adolescentes iguais a mim, que pareciam querer

correr, felizmente, o café era gelado.

— Me deixem em paz. — falei, levantando-me e bufando.

Rumei em direção ao banheiro em que estive mais cedo, e


meu olhar parou um segundo, quando notei que a porta agora

tinha um aviso.

— Droga! — reclamei baixinho, e no exato segundo ouvi a


porta do banheiro ao lado ser aberta.
Meu olhar percorreu de saltos altos que quase a faziam

estar na minha altura, e ela não parecia baixa, até os cabelos


castanho-escuros curtos. Ela falava com alguém ao telefone, e

quando se virou um pouco, pude ter vislumbre do olhar castanho-


escuro tão profundo, que fiquei estático.

Senti minhas bochechas pegarem fogo, e queria poder


evitar tal reação do meu corpo a uma mulher. Mas não, não com

aquela. Ela era tão linda, que me deixou completamente sem


fôlego.

Ela me olhou rapidamente, franzindo o cenho, e logo

mexeu em algo na bolsa, estendendo-me uma caixinha.

— Vai ajudar.

Falou simplesmente, e nem sequer me esperou agradecer.


Seus saltos bateram contra o piso de madeira, e sabia que ela se

afastava. Foi quando a realidade me atingiu. Não importava que


eu fosse mais alto, as tatuagens ou a barba, ela nunca

consideraria me olhar, ainda mais com a roupa toda suja de café.


Vi-me seguindo com o olhar, e logo ela apareceu do lado de fora
da vitrine transparente, falando ao telefone.
Ela, com toda certeza, era uma mulher que deixaria
qualquer um de joelhos. E me via torcendo, para que pudesse vê-
la outra vez, e quem sabe, passar uma impressão melhor.

— Está pronto?

Sua voz me tirou das lembranças, e pisquei algumas

vezes, antes de encará-la em um conjunto branco que a deixava


ainda mais imponente do que quando a vi pela primeira vez, há
tantos anos. Que eu tinha certeza, ela não tinha ideia de que era

eu naquela cafeteria. Mas eu sabia que era ela, pela tatuagem


exposta de borboleta no ombro.

Sempre soube quem era ela, antes mesmo de ter noção do


que Verônica Reis significava.
CAPÍTULO 10

“Dizendo: É um erro

Bebendo e jogando os meus problemas fora

Mais uma taça de champanhe

E você sabe” [20]

VERÔNICA

Talvez nenhum de nós de fato estivesse pronto.

— Verônica Regina Reis, aceita esse homem como seu

legítimo esposo? Para amá...


Dei um leve olhar para o juiz de paz, que sorriu amarelo e

apenas se calou. Assenti simplesmente, e então encarei Alfredo,


que parecia estar sufocando dentro do terno que escolhi. Se não

o escolhesse, não me surpreenderia se o usasse como desculpa

para não estar ali.

Uma coisa que ele pareceu finalmente aprender sobre

mim, era que eu tinha controle daquilo que me interessava.


Mesmo sendo apenas um acordo, eu tinha os olhos e ouvidos em

cada detalhe daquele dia. E em cada escolha que teríamos que

partilhar a partir daquele “sim”.

— Alfredo Nunes Lopes, aceita essa mulher como sua


legítima esposa?

Notei o leve avermelhado em suas orelhas, mas o seu

rosto permanecia intacto. Ele apenas respirou fundo e assentiu,

deixando um “sim” quase inexistente sair de sua boca. Sentia o


olhar e tensão de todos à nossa volta, e queria não ter que estar

em tal cerimônia, contudo, sabia das consequências de uma Reis

não estar se casando à frente de muitas testemunhas.

Apenas fomos assinar o que era necessário, e as

testemunhas escolhidas pela gente, fizeram o mesmo. Não

esperava por parabenizações ou algo parecido, a não ser da mãe


de Alfredo, que parecia estar no céu. Contudo, quando estava
apenas descendo do altar improvisado, ali mesmo no jardim de

casa, senti um leve toque em meu braço.

Virei-me, para encontrar Abigail Alencar Torres – a melhor

amiga de Alfredo.

Nunca consegui compreender como eles não se

envolveram. No caso, não acreditava realmente que aquilo nunca


havia acontecido. Eles pareciam ser o conjunto perfeito de dois.

— Eu só queria um minuto — pediu, e assenti, enquanto


ela já se encaminhava para perto da parte da entrada de trás da

Mansão Reis. — Não tive tempo para falar com você antes, e...

Eu só queria pedir para que cuidasse bem dele. — Olhei-a

surpresa, e ela permanecia com a mão sobre meu braço. — Ele é

precioso, Verônica. Ele dá tudo de si por quem ama e... Sabe o

quanto isso é raro, não é?

— Sabemos que é um casamento por contrato, Abigail.

— Abi. — Corrigiu-me, e ela não tinha um sorriso, mas seu

rosto era leve. — Eu sei que é por contrato, mas quem disse que

a gente controla quem ama?


— Se eu prometer que vou cuidar dele, podemos não falar

mais sobre isso?

Ela riu levemente e assentiu.

— Gosto do seu jeito direto e honesto. — Afastou seu


toque e pareceu pensar. — Aliás, tem alguém que aprendeu a
chamar por você.

Não entendi o que ela dizia, até Bruno Torres se aproximar,


com a filha deles nos braços – Primavera. A garotinha deveria já

ter quase três anos, e era uma mistura de cores nas roupas, com
os cabelos negros e bochechas redondas.

— Velô! — falou, e abriu os braços em minha direção,


fazendo o pai lhe firmar no colo.

— Velô e Nelo são as palavras que ela mais disse nos


últimos minutos — Bruno comentou, no seu jeito casual e leve de

sempre. — Parabéns pelo casamento, rainha Mor.

— Rainha Mor? — indaguei, e ele pareceu ser pego sem


querer.

— Quer segurá-la? — perguntou, parecendo disfarçar por


completo, e apenas abri os braços, recebendo Primavera neles.
— Oi, Prim. — sussurrei para a pequena, que pareceu

vidrada no medalhão. — Bonito, não é?

— Biito, tia Velô.

— Por que todo mundo quer a tia Verô para si? — ouvi o
resmungo de Daniela, que vinha com Jasmine ao lado, que já ria

da cara dela. — Eu era a única sobrinha esses dias mesmo... — ri


do seu ciúme, e levei a mão livre até seus cabelos, fazendo um
leve carinho.

— Sabe como é, né: Verô só para baixinhos.

— Nossa, Igor! — Lisa rebateu meu irmão, que parecia


estar menos tenso, finalmente, após a cerimônia. — Essa é ruim
até para você!

— Esse mundo não me merece, essa é a realidade... —


piscou, com o filho no colo que também fazia sinal de querer vir

comigo. — Vai dizer que estou errado?

— Vou ter que concordar com o Reis. — Bruno se


manifestou, e por um milagre, eles pareciam estar de acordo em

algo.

Meu olhar varreu para além dali, e encontrei Alfredo ainda


parado perto dos papéis que assinamos, falando algo com a mãe.
Logo ele se afastou, e vi-o caminhar para o lado oposto de todos
nós. Uma das mãos na gravata, já a tirando, e não tinha ideia
para onde ele iria.

— Vou ver o que houve — falei, e beijei a cabeça de


Primavera, entregando-a para Abigail, que pareceu ter notado o

mesmo que eu.

Ela assentiu, como se entendesse que aquela era eu


cumprindo parte da promessa que fiz. Mal sabia ela da realidade.

Segui na direção em que vi Alfredo desaparecer minutos


antes, e quando cheguei à frente de casa, encontrei-o parado há

alguns passos dali, conversando com a pessoa que eu sabia que


não poderia faltar à cerimônia – Roberto Reis.

— Eu realmente não sei a localiza...

— Viu com os próprios olhos e não ficou satisfeito,

Roberto?

O homem mais velho mudou a expressão assim que me

escutou, e caminhei para perto de Alfredo, levando uma das mãos


até seu ombro, para afastá-lo delicadamente do homem à nossa
frente.
— Uma cerimônia pior que a de Rodinei, que nem existiu
— comentou, e dei de ombros, sem paciência para o que fosse.
— Quando Reinaldo me contou, fiquei surpreso. Não imaginei que

a herdeira de Regina teria alguma chance de encontrar alguém,


ainda mais, por contrato... Contra tudo o que a minha mãe

ensinou, não é?

— Não fale o nome deles. — Entrei na frente de Alfredo por


completo.

— Não tenho medo de você como Reinaldo. — Deu um

passo à frente, ficando bem perto. — Eu posso te destruir, se


quiser.

— Eu sei que quer, por que nunca o fez?

Ele levantou a mão para tentar me alcançar, como se eu

ainda fosse a mesma Verônica criança, que poderia ser atingida.


A questão era que Roberto não tinha ideia do quanto tudo se

modificou, nos anos que ficou fora dali. Sabia que estava pela

Europa e com certeza, o dinheiro que ainda lhe restava acabou, e

agora, ele apareceria novamente.

Era o time perfeito para ir ao casamento da sobrinha que

detestava e sempre quis tomar o lugar.


Antes que eu pudesse evitar o toque de Roberto e derrubá-

lo, senti outro corpo, bem maior, passar à minha frente, e


empurrar o homem. Fiquei por alguns segundos tentando

entender a reação de Alfredo.

— Ficou louco, porra?!

A voz um tom maior, e mais grossa que o normal. Roberto

se desequilibrou e cairia se não fosse pelo próprio Alfredo o

segurar.

— Se insinuar algo assim novamente, te deixo desmanchar


no chão.

— Quem você pensa que é? O garoto da vez dela? — ele

indagou e notei o aperto de Alfredo aumentar contra o braço dele.

— Ela só usa quem quer, e depois descarta. Devia ter ao menos


um neurônio, Lopes.

Vi-me levando a mão até a de Alfredo, que segurava

Roberto. Apertei levemente e lhe entreguei um olhar que ele leria


facilmente: apenas deixe. Ele soltou o homem mais velho do

aperto e então, esperei dois segundos para que o outro se

estabilizasse, e o encarei.
— Tenha piedade de si e vá embora — falei, e notei meus

seguranças que estavam a postos ali perto, como sempre. — Só

está aqui, porque eu permiti que estivesse. Não se esqueça quem


realmente sabe das coisas.

— Ainda vai cair do seu pedestal e levar a sua corja junto.

— Se eu for pro inferno, te levo comigo, não se preocupe

— sussurrei e lhe dei as costas. Levei minha mão até a de Alfredo


e o trouxe comigo até a frente de casa novamente. De canto de

olho, vi os seguranças praticamente escoltarem Roberto para fora

dali. — Nunca mais faça isso! — falei, assim que encarei o


homem mais novo à minha frente, e agora, meu marido. — Nunca

mais se aproxime assim de Roberto!

— Ele ia te machucar, eu...

— Não preciso ser protegida, Alfredo — falei, e senti seu


olhar pesar sobre o meu, como se tivesse mais a dizer.

— Não precisa de nada, não é, Verônica?

Foi então que senti sua mão tocando a minha e notei que

ainda o segurava, e então ele se afastou. E na minha mente,


guardava que era melhor assim, mesmo que estivesse tudo

completamente errado.
CAPÍTULO 11

“E talvez eu não saiba exatamente o que dizer

Mas eu estou aqui na sua porta

Eu só queria que você soubesse que essa sou eu tentando...” [21]

VERÔNICA

— Por que mesmo Nero tem que morar aqui? — Igor


indagou, com um bico nos lábios, que quase me fez rir.

— Você não tem sua própria casa? — rebati, e ele cruzou

os braços, como se fosse ficar ali a noite toda.


— Deixa sua irmã em paz, garoto. — Lisa adentrou meu

escritório, com Theo no colo. — Já está na hora de a gente ir, ou


esqueceu que prometemos dormir na casa da vó do Theo?

Ele pareceu cair em si, e resmungou baixinho.

— Para de se preocupar. — Murilo quem falou, levantando-


se do sofá e encarando-me. — Verônica, melhor do que ninguém,

sabe o que está fazendo.

— Ela ia fazer o que também? Se mudar para a casa do

Nero no interior, sendo que a gente sabe que Verô ama essa

casa. — Carolina se manifestou, e eles discutiam entre si, como


se eu não estivesse ali.

Apenas fiquei sentada, deixando-os divagar.

— Eles não precisavam morar...

— Igor, chega! — Tadeu foi quem falou, respirando fundo,

e levantando-se do sofá, no qual estava jogado com o filho em

seu colo. — Estamos na cabeça da Verô há semanas, e isso não

mudou nada. Será que podemos só deixar ela?

— E ela está os ignorando como boa dona da porra toda

que é. — Valéria comentou, ao adentrar o escritório,


acompanhada do irmão mais novo, que tinha um leve sorriso no
rosto. — Será que podem aceitar que sua irmã se casou, por
favor?

— Se fosse de verdade, eu acho que não estaríamos


assim.

Virei meu olhar para Igor, que era claramente o mais

ciumento de todos em relação a mim. Sabia que ele não fazia por

mal, e sabia também o quanto era cauteloso comigo.

— Ei! — chamei-o, ele se aproximou, contornando minha

mesa. Levantei-me e toquei sua testa com carinho, o dedo médio


e indicador. Ele abriu um sorriso, claramente a contragosto. —

Sabe que não aceito a preocupação de nenhum de vocês.

— Não os faz menos preocupados. — Oli comentou,


desviando o olhar do livro que parecia compenetrada até

segundos atrás. Nunca imaginei que ter um escritório grande

como aquele, serviria para a minha família de cinco que se

tornara de muito mais. — Mas eu vou rebocar o que posso, para a

sua paz. — Piscou um olho, e vi-a puxar Murilo consigo, que

apenas deu um leve sorriso antes de saírem.

Leves batidas na porta me fizeram levantar o olhar, e foi

quando vi Jasmine adentrar o ambiente em rápidos passos,


enquanto o seu pai parecia completamente deslocado, parado do

lado de fora.

— A gente já vai indo, tia — falou, abraçando-me e fiz um

leve carinho nos seus cabelos. — Papai disse que vai levar a tia
Barbie para te deixar livre.

— Você disse o que, Franco?

A pergunta quase gritada de Carolina me fez quase


gargalhar, enquanto via o homem adentrar um ambiente com um

claro pedido de desculpas no olhar.

— Pode levá-las nas costas, se precisar.

— Verônica! — ela falou inconformada, mas veio até mim,

dando-me um forte abraço, antes de se virar para sair. — Me liga,


sério!

— Vocês todos... — olhei para cada um dos meus irmãos

que ainda estavam ali. — Fora, antes que eu expulse vocês.

— Já está nos expulsando! — Igor reclamou, mas aceitou

quando Tadeu o puxou para fora.

Acompanhei-os até a sala principal, e notei as discussões

baixinhas e reclamações. Não era como se seu não os quisesse


ali, mas honestamente, sabia que eles apenas queriam ficar ali
por estarem preocupados. O que eles pensavam que Alfredo

poderia fazer?

— Agora está em boas mãos. — Ouvi a voz de Abigail,

parada na porta de entrada. Ela apenas esbarrou em Alfredo, que


tinha um semblante neutro. — Podemos nos ver amanhã, certo?

Claro se tiver alguma disposição...

— Eu vou fingir que não ouvi isso. — Igor falou, saindo


pela porta, e apenas assisti a cena, sem querer me intrometer.

— Espero te ver em breve, Verônica. — comentou, com


Primavera em seu colo, e a pequena sorriu para mim. — Fala

tchau para a tia Verô, pequena.

— Tchau, tia Velô! — falou, mexendo as mãozinhas e

virando para Alfredo. — Tchau, padinho!

Se eu tinha um ponto fraco, com toda certeza, era a

inocência e fofura de crianças. Eu queria pegar Primavera e


enchê-la de beijos ali mesmo.

— Tchau, pequeninha. — A voz de Alfredo finalmente

voltou a aparecer, desde aquele momento em que nos


desentendemos à frente da casa. A realidade era que se ele me
deixasse tempo para responder, com toda certeza, não gostaria
da resposta.

Eu me criei de tal forma – para nunca precisar de nada de


ninguém, a não ser que fosse um acordo.

Em poucos minutos, vi todos saírem e quando fechei a

porta atrás de mim, encontrei Alfredo parado no mesmo lugar,


como se não soubesse o que fazer. A aliança brilhava em seu
dedo anelar esquerdo e sabia que o peso dela, poderia ser muito

maior do que a realidade.

Eu ainda queria entender o porquê de ele estar naquele

casamento. Era uma pergunta para a qual não encontrara


respostas.

— A casa é sua. — Quebrei o silêncio, e ele sequer me


encarou. — Acho que preciso te apresentar aos outros

moradores.

Fui em direção às escadas e caminhei até o meu quarto.

Com toda certeza, eles todos estariam ali. Pareciam detestar ficar
nas outras alas da mansão, mesmo que fossem muito grandes.

Desde que meus irmãos se mudaram, eles pareceram começar a


explorar mais, contudo, ficar dormindo na minha cama parecia
bem mais interessante para os três.

Senti passos às minhas costas, e foi quando abri a porta.

Dei de cara já com uma bolinha de pelos pretos.

— Tenho alguém para conhecerem — comentei e chamei

os outros dois, que deveriam ou estar sobre algo, ou na cama

apagados. — Esse é o Gara.

Acendi as luzes, e tentei encontrar os outros dois, mas com

toda certeza, deveriam ter partido do corredor que tinha do meu

quarto para o meu escritório, e ficado por lá. E realmente, estava

exausta para procurá-los.

— Deve conhecer os outros dois amanhã — comentei, ao

sentir Gara em minhas pernas.

Sentei-me na beira da cama e tirei os saltos. Gara pulou na


cama, e veio até meu colo, carinhoso como sempre era.

— Eles estranham meus irmãos desde sempre — avisei, e

notei Alfredo parado próximo à porta.

— Por isso perguntou se tenho problema com gatos,


aquele dia...

Assenti levemente.
— Se eu tivesse? — indagou, parecendo mais corajoso do

que minutos antes.

— Te colocaria para dormir do outro lado da casa e bem

longe deles — afirmei, e ele pareceu ligeiramente surpreendido.

— Depois vamos achar seus irmãos — falei para Gara,


acariciando sua cabeça.

Coloquei meus pés descalços no chão e agradeci aos céus

pela madeira sob meus pés. Levantei-me e fui até onde Alfredo

ainda estava parado, já sem a gravata e o terno de cor clara.


Ainda assim, parecia um cara que acabou de se casar. No caso,

com a mulher que não amava.

— Vou te mostrar o seu quarto.

Passei por ele, esbarrando levemente em seu corpo, por


ele ser muito grande. Senti aquela mesma sensação de semanas

atrás, e a enterrei. Ainda precisava colocar a cabeça no lugar e

descobrir o que fazer sobre. Não poderia simplesmente agir por


impulso. Não como fiz antes.

Andei até o quarto que ficava à frente do meu, e o abri.

Por muito tempo ele apenas serviu de mais um quarto de


hóspedes, e era um dos poucos que ficavam na divisão que eu
tinha criado para a ala da casa que era apenas minha. Quanto

mais velha eu ficava, mais eu prezava pelo meu espaço pessoal.

Ao menos, dentro daquele canto que era meu.

— Mandei colocarem tudo novo — falei, cruzando os


braços após acender as luzes. — Se não gostar de algo, só me

dizer.

— Eu acho que... obrigado — comentou simplesmente,


após adentrar o ambiente.

— Sua mãe me mandou algumas coisas suas, mas deixei

nas malas que chegaram.

Ele franziu o cenho, como se não estivesse entendendo.

— Imaginei que não seriam de fato suas, e caso queira que

sejam doadas, só me dizer — assentiu levemente.

— Como te disse, vou trazer minhas coisas, aos poucos...


— assenti, lembrando-me de nossa conversa. — E também, só o

necessário por esse tempo... Um ano, certo?

— Um ano e vai poder voltar para onde quiser, tenha

certeza.

Ele abriu a boca para dizer algo, mas se calou em seguida.


— Vou te deixar à vontade, para fazer o que quiser — falei

e dei um leve acenar de cabeça. — Qualquer coisa, estarei no


meu quarto ou pode me ligar.

— Certo.

Apenas me vi saindo dali, e era pesada a tensão que


carregava junto a distância que se formava entre nós. Em meio a

tudo aquilo, que acontecera, tinha certeza de que aquele não era

o cenário que nenhum de nós imaginou ao se casar.

Não o todo.
CAPÍTULO 12

“Eu quero que você saiba

Eu sou um globo espelhado

Eu posso mudar tudo em mim para me encaixar

Você não é como os outros

Os brincalhões de máscaras

Bêbados enquanto observam

minhas bordas estilhaçadas brilharem...” [22]

VERÔNICA
Meu olhar varreu toda a extensão daquela festa e parou

exatamente em uns óculos de grau pretos e de armação grossa.


Olhos azuis sob eles, que não escondiam o descontentamento

claro de estar ali. Levei a taça de champanhe à boca e caminhei

na direção, notando-o corar por completo assim que uma mulher


parou à sua frente. Reconheci-a, mas não ele.

Se passava por minha mente, por que eu estava tão


intrigada em saber quem era ele?

Senti vários corpinhos quentes ao meu redor, despertando-

me aos poucos. Lambidas em meu cabelo, que só poderia ser

Zuko, e outras duas bolas de pelo brigando pela minha barriga –


Mikasa e Gara. Abri os olhos, sem acreditar que apaguei de fato,

e que ainda, lembranças foram parte dos meus sonhos. Levantei-


me com cuidado, enquanto os gatos se espalhavam pela cama, e

me espreguicei.

Já estava em meu pijama e realmente cansada.

Olhei de relance para a aliança dourada em meu dedo


anelar esquerdo, e suspirei fundo. Levantei-me porque estava

com fome, e rumei em direção ao quarto de Alfredo. Bati

levemente na porta, esperando uma resposta, mas nada. Ou ele

estava dormindo ou estava em alguma outra parte da casa. Segui


então para o andar debaixo, pisando leve com meus pés dentro
de uma pantufa, e da forma silenciosa que era acostumada a

estar devido a ter dividido tantos anos uma casa com várias

pessoas.

Assim que cheguei próxima à cozinha, notei uma luz

acesa, e me indaguei como Alfredo chegou ali em toda aquela

escuridão. No segundo que adentrei o ambiente, não o encontrei,

e foi quando vi a porta de trás aberta, que dava para os jardins,

onde nos casamos naquela tarde.

Encontrei-o encostado contra um pilar, olhando para o

nada, e usando apenas uma calça de moletom. Olhei-o dali, e ele

continuava tão bonito quanto nas minhas lembranças. Suspirei

fundo e arranhei a garganta, vendo-o dar um pulo no lugar e levar


a mão ao peito.

De repente, Alfredo parecia apenas um garotinho

assustado.

— Puta merda! — bradou baixo, respirando fundo, como se

tentando se recuperar.

— Desculpe pelo susto — falei, e fechei o robe que até

então estava aberto sobre o meu corpo.


— Eu quase morri do coração, Jesus! — suspirou fundo e

se escorou melhor no pilar. — Eu odeio levar sustos, não tem


ideia.

— Eu odeio surpresas também, de todos os tipos, o que


inclui, sustos — comentei e seu olhar desviou do meu. — O que

foi?

— Uma hora me trata como se fosse seu inimigo, e na


outra... — suspirou fundo. — Eu não consigo entender nada sobre

você, Verônica. Para ser honesto, não entendi até agora porque
seguiu esse contrato.

— Nem eu sei os seus motivos, e mesmo assim, não te


indaguei uma terceira vez sobre.

Ele então encarava o chão, como se sem saber o que


dizer, ou completamente perdido ali. E por um segundo, me

atingiu a sensação que ele tinha. Ele estava num lugar estranho,
com uma quase completa estranha, e casado com ela.

— Eu tenho muitos inimigos, Alfredo — falei, e finalmente


seu olhar voltou para o meu. — Sei muito bem que pode me
detestar, mas não é um deles.
— Por que sempre é tão boa com as palavras? — indagou,

e pareceu preso em seus pensamentos por alguns segundos. O


olhar tão profundo no meu, que era como se ele realmente

pudesse me ler. Contudo, sabia que não o fazia. Ninguém o fazia.

— Eu leio muito — comentei simplesmente, e ele piscou

algumas vezes, como que surpreso. — Não tenho cara de quem


lê?

— Na verdade... — seu olhar percorreu todo meu rosto,

passando pelo robe de seda preta fechado, e por um segundo foi


como se ele estivesse fazendo o mesmo que eu, relembrando o

corpo do outro ao me encarar.

Não pense sobre isso!

Não pense sobre o homem que foi a melhor transa da sua


vida.

Porque ao menos, em pensamento, eu poderia admitir tal


coisa.

— Tem cara de que lê muito. — Sua voz me fez sair dos

pensamentos, e do meu olhar preso ao seu torso nu todo tatuado,


e voltei para o seu olhar. — Só não consigo apostar o quê.
— Mangás. — comentei casualmente, notei seu olhar se
arregalar e segurei uma risada, pois ele parecia genuinamente
surpreso e empolgado. — Reconheço a sua tatuagem... —

apontei com a cabeça em direção ao lado do seu peito esquerdo


que tinha o símbolo da Tropa de Exploração. — É o meu anime

favorito nos últimos anos.

— Tirando o final? — perguntou cauteloso, e notei parte da

sua armadura descer, como se estivesse à vontade comigo.


Aquela era a segunda vez que o via de tal forma comigo. A outra,
era bom não lembrar naquele instante.

— Tirando parte do final — respondi e notei o brilho nos


seus olhos. Queria ficar ali e falar com ele. Queria ficar ali e

escutar suas teorias, e poder compartilhar as minhas. Contudo,


ainda me travava. Bem ali, no lugar que cresci e que fui criada.
Bem ali, tão exposta a alguém. Bem ali, eu não sabia como deixar

a minha armadura descer. — Tenho que acordar cedo amanhã. —


Respirei fundo e acenei com a cabeça para ele. — Tenha uma

boa noite, e se sinta em casa, Alfredo.

Ele assentiu levemente, e diferente do que esperei, não

parecia chateado por ter interrompido o começo de uma real


conversa entre nós. Se ele soubesse...
Dei-lhe as costas e segui para dentro de casa. Assim que
dei o terceiro passo, senti-o me chamar. Parei e apenas o encarei
sobre o ombro.

— Durma bem.

Não pude evitar um leve sorriso em meu rosto, quando

voltei a andar e até chegar ao meu quarto. Ele estava ali. Ele

estava na minha casa. Ele estava há algumas portas de mim.

Mas meu sorriso morreu quando recordei que eu não

conseguia. Não naquele momento. Não com o meu coração em

jogo. A questão era: quando eu conseguiria?


CAPÍTULO 13

“Isso não é para o melhor

Minha reputação nunca esteve pior, então

Você deve gostar de mim por quem eu sou

Não podemos fazer

nenhuma promessa agora, podemos, querido?

Mas você pode me preparar uma bebida...” [23]

ALFREDO
Segundo o que a própria Verônica me dissera, ela tinha

alguns empregados. Eram pontuais e em dias específicos, e pelo


que sabia, não estariam no final de semana. No caso, a gente se

casou em uma sexta à tarde, o que bateu com o prazo que ela

dera. Era sempre assim? Ela decidia e tudo acontecia?

Aquela mulher não sabia, mas aquilo me atraía por

completo nela. Até mesmo, pelo fato de querer quebrar seu poder,
em um momento específico.

— Chupa — ordenei, colocando três dedos em seus lábios,

e ela o fez, sem sequer hesitar. Seus olhos castanhos presos aos

meus, tão rendida sob o meu corpo, de costas para mim, que eu
poderia me ajoelhar para aquela mulher e fazer dela o meu altar.

— Bom dia.

— Puta merda!

Senti apenas o líquido frio cair sobre mim mesmo, e odiei

que por alguns segundos, me esqueci de que estava com a

geladeira aberta, e uma garrafa de água na mão.

Minha camiseta branca estava completamente arruinada, e

praguejei por ser tão assustado daquela forma. Senti parte do

meu corpo queimar, e sabia que seu olhar estava sobre mim.
— Isso me lembra de quando te conheci.

Arregalei os olhos, e ela estava confortavelmente andando

até um dos armários e me entregando um pano. Já vestida


perfeitamente em um vestido e blazer, e botas de salto nos pés.

Ela parecia tão perfeita naquela pose de CEO intocável, que

fiquei tentando entender, como diabos ela se lembrava de mim?

Como ela lembraria de um garoto todo sujo de café à frente


da porta do banheiro, para quem ela estendeu uma caixa de

lenços, sem sequer encarar?

— Quer um chá? — indagou simplesmente, e eu neguei,

pensando se tirava aquela camiseta ou não.

No caso, o que eu teria a perder? Ela já tinha visto muito


mais do que o meu torso, e segundo ela, eu poderia ficar à

vontade. Retirei a camiseta molhada, e notei por um segundo seu

olhar pousar sobre meu peito exposto.

Talvez ela ainda pensasse na nossa noite?

— Prefiro apenas água — falei simplesmente, encarando

com uma careta a garrafa de água que quase virou inteira sobre
mim. — O que te lembrou de quando nos conhecemos?
— Isso. — Apontou para a camiseta em minhas mãos,

enquanto pegava uma caneca, e depositava sobre a bancada. —


Atropelou um dos garçons na festa e virou todo o champanhe em

si, basicamente. Uma ótima estratégia para fugir de uma festa de


negócios, admito. A não ser que foi apenas algo como hoje.

Sorri amarelo, tendo a certeza de que ela não se lembrava


mesmo de quando nos vimos pela primeira vez. Como ela
poderia, certo?

— Vou pegar outra camiseta, pra começar o dia...

Um miado alto me fez pausar e então encontrei duas bolas

de pelos felinas, diferentes da noite anterior.

— Eles estão desbravando a casa, finalmente. — Verônica

falou, enquanto eu me abaixava, e cautelosamente tentava


passar as mãos na rajada de três cores. — Essa é Mikasa.

Ri abertamente pelo nome, e não pude evitar trocar um


leve olhar com Verônica, que parecia completamente leve.

Diferente do habitual. Ela parecia apenas ela, ali, me


apresentando seus gatos.

— E o que está tentando roubar sua camiseta... — apontou

para o cinza, que já mordia o tecido. — Esse é o Zuko.


— Vou encontrar Hange ou Levi por aqui também?

— Talvez um dia. — Deu de ombros. — Já tive Itachi e


Sasuke, mas os adotei já bem velhinhos, e não poderá conhecê-

los.

— Sinto muito — falei, ainda fazendo carinhos em Mikasa.

— Eu já tive uma gatinha, ela também levava um nome de um dos


mangás favoritos.

Dei uma breve atenção aos gatos, ainda tendo todo o


ambiente em silêncio. Ouvi Verônica falar algo com a Alexa, e
logo uma música começar a tocar.

Surpreendido era como me sentia, ao ouvir a voz de PSY


tocar ao redor, uma música que recentemente ele lançou. Dei um

breve olhar para Verônica, que agora estava encostada contra um


dos armários, bebendo calmamente seu chá. Aquela mulher não

era só um enigma, ela era uma caixinha de surpresas.

— Assim que terminar meu chá, se estiver livre, vou te

mostrar um dos quartos que temos, que pode ser seu escritório...

— Essa casa é realmente grande, né?

Assentiu levemente, focada no chá.


Os gatos foram até ela, Zuko subindo sobre a bancada, e
Mikasa passando em suas pernas. Eles claramente, a adoravam.
E por um segundo, me peguei pensando, se eu, agachado ali,

sem camisa e observando-a apenas tomar chá, não fazia o


mesmo que eles.

— Eu só preciso de um cômodo que tenha alguma vista


qualquer, e está ótimo. Essa semana vou trazer o meu pc e outros

detalhes, mas por enquanto, meu notebook vai servir.

— Te disse para trazer tudo antes, eu poderia ter


providenciado isso.

— Eu só... — suspirei fundo, e levantei-me, tentando


encontrar alguma vergonha na cara. Eu conseguia não corar com

ela, contudo, quem diria que eu conseguia me manter são? — Só


estava tentando me acostumar com a ideia.

— Não vou fazer desse casamento um inferno, pode ficar


tranquilo — falou, e depositou a caneca sobre a bancada. —

Cada um de nós tem seus próprios motivos e somos adultos, não


tem por que achar que é o fim da sua vida. Ainda é bem jovem,
Alfredo.
— Me sinto um velho como me chama pelo meu nome —
admiti, e foi quando, surpreendentemente, um sorriso se abriu em
sua face.

Verônica Reis estava sorrindo.

Verônica Reis estava sorrindo sobre algo que eu disse.

— É um nome bonito. — falou, logo voltando a sua

expressão costumeira.

— Parece que tinha cinquenta anos desde que nasci —

resmunguei, seguindo-a para fora da cozinha, e poderia jurar que

ela estava sorrindo enquanto estava de costas para mim. Ela

estava?

— Algo contra pessoas mais velhas? — perguntou,

parando de repente, e meu corpo bateu contra o seu.

Lembranças daquela noite em minha mente...

— Sou apenas oito anos mais novo, qual é. — Revirei os

olhos, e ela apenas me afastou com um toque leve do dedo

indicador na testa. — Um ótimo jeito de afastar as pessoas,

gostei.

— Nunca te vi tão falante quanto agora.


— Nunca vamos falar sobre o que aconteceu naquela

noite?

Minha pergunta saiu antes mesmo que eu pudesse

processar, e notei a forma como piscou, talvez tentando entender

se eu realmente estava falando sobre aquilo.

— Não temos o que falar, ou temos?

— Não pode agir como sonsa, não você — respondi, e a

nossa proximidade, só tornava tudo ainda pior. — A gente não se

bate, aí a gente transa, aí a gente se casa... Estamos um ano


presos um ao outro, Verônica!

— Me diga o que quer, Alfredo — falou, parecendo a

Verônica que eu conhecia. Direta e sem rodeios. — Não tenho

tempo para joguinhos.

— Eu odeio joguinhos — pontuei, mas poderia

complementar que adoraria qualquer joguinho com ela... Foco,

Nero! — Eu...

Batidas na porta me fizeram fechar a boca e passar as

mãos nervosamente pelos cabelos. Que cacete!

— Eu preciso ver o que é, mas vai me dizer exatamente o

que quer depois que resolver isso.


— Por que parece controlar tudo? Inclusive eu?

— Não posso perder o controle. — Sua admissão me

pegou de surpresa. Pensei que ela me ignoraria e apenas iria até

a porta. — Se eu perco o controle, tenho que lidar com surpresas.


E como te disse, eu odeio surpresas.

— Uma caixinha de surpresas que odeia surpresas... — ri

sem vontade alguma.

— No segundo andar, ala esquerda, as portas da direita,

pode escolher as portas de cores brancas. Fique à vontade.

— Ok.

Foi tudo o que consegui dizer, ao vê-la caminhar até a


porta de entrada. Queria ser uma mosquinha e bisbilhotar o que

acontecia. Poderia até ouvir Abigail me dizendo: para de ser

enxerido!

Mas quem conseguia?

Ao menos, não eu. Não quando se tratava de Verônica.


CAPÍTULO 14

“Longe de casa e dos meus

Só tem você minha paz

Mas eu não sei confiar

Em ninguém, até sei que você me quer bem...” [24]

VERÔNICA

Abri a porta e não me surpreendi ao encontrar Gael ali do

outro lado da porta. Ele tinha me deixado uma mensagem de


madrugada e sabia que precisava da minha ajuda. Ele era um

velho amigo, que tentou se tornar um caso, mas honestamente,


Gael e eu éramos incompatíveis. Dois problemas com P

maiúsculo. Existiam certas semelhanças entre nós,


principalmente, pela nossa origem.

— Bom dia, Noona[25]. — falou, e ajeitou a camisa social

no corpo. — Estou completamente desacostumado a usar isso.

— Bom, bem-vindo de volta ao jogo.

Abri a porta e ele adentrou o ambiente. Surpreendi-me ao

encontrar Alfredo parado no alto da escada, agachado em um

degrau, com Gara ao seu lado. Seu olhar parou no de Gael, e eu


me vi apenas fechando a porta, e ignorando aquilo.

— Meu escritório — falei, e ele me seguiu, e sequer sabia


se deu um leve aceno ou não para Alfredo.

— Isso é ter um casamento por contrato? — perguntou,

assim que fechou a porta atrás de si. Apenas me sentei na minha

cadeira, e abri o notebook, ignorando sua pergunta. — Eu te disse


para casar comigo.

— Eu te disse que isso nunca daria certo.

— Casamentos por contrato têm que dar certo? —

indagou, e eu já era acostumada com sua prepotência, e a forma


como ele parecia realmente não ligar para o sentimento de quase
ninguém. Não daqueles que ele não amava.

— Tentei falar com Talita durante essa semana. — Fiz um


sinal com a cabeça, para que ele viesse até meu lado da mesa, e

ele o fez. — Ela tem seus motivos, Gael.

— Ela não vai me contar. — comentou, lendo o arquivo que

deixei aberto no notebook. — Conseguiu descobrir?

— Sim, mas não vou te falar sobre. — Seu olhar parou no

meu, como se incrédulo.

— Ela se tornou sua protegida? — indagou com claro

cinismo, e vi-me apenas fechando a tela do notebook. — Nunca

entendi a relação forte que tem com os Castilho.

— Vamos mesmo falar sobre o que não entendemos? —

ele pareceu pensar e se calou, respirando fundo. — Esse arquivo


foi ela quem me passou, com detalhes de como a empresa da

família que ela gera está.

— Por que ela simplesmente não me passou isso?

Pareceu indagar para o nada, passando as mãos pelos

cabelos pretos lisos, claramente sem entender.

— Quer que eu responda isso?


— Vai me dar uma resposta sincera? — rebateu, e eu dei

de ombros, encostando-me contra a cadeira. — Eu já sei que ela


me odeia, mas isso é infantil.

— Infantil é humilhar alguém que não tem culpa dos


problemas da sua família.

— Noona...

— Não vou compactuar com isso e disse para ela. Só te


passei isso porque ela pediu essa ponte, apenas isso. — Fui

honesta. — Para mim, quanto mais longe de Talita você ficar,


melhor.

— Eu sou tão ruim assim, Noona? — indagou, e mesmo


sendo um homem feito, às vezes, Gael apenas voltava a parecer

o mesmo garoto tão assustado quanto eu. Nossa diferença de


três anos de idade, não parecia tanta, quando o via de tal

maneira.

— Está perdido até hoje, Gael. — Novamente fui honesta.

— Não sei o que fez durante os anos fora, mas minha intuição
aposta em coisas não boas. Ainda mais, por ter conseguido
desenterrar o testamento original da sua mãe.

— Todos nós temos coisas das quais nos arrependemos.


— Eu não me arrependo — admiti, e ele me encarou com

um sorriso. — Fiz o que era necessário e você devia começar a


pensar no que realmente foi.

— É apenas três anos mais velha, mas sempre age como


uma irmã muito mais velha.

— Quatro irmãos mais novos. — Dei de ombros, e ele


sorriu de lado. — Quero o seu bem, você sabe. Mas quero o bem
de Talita também.

— Não vou machucá-la.

— Não é sobre isso — falei, e senti um leve coçar em


meus olhos.

— Um cílio, espera! — comentou, e senti seus dedos


tocarem meus olhos, e logo o incômodo passar. — Calma, deixa
eu soprar...

— Gael...

Ele então se afastou, e o sorriso que estava no seu rosto

morreu ao encarar o outro lado da sala, e não entendi nada, ainda


tentando voltar a piscar normalmente. Levantei o olhar, e foi

quanto encontrei apenas a cabeça de Alfredo para dentro da


casa.
— O que houve? — perguntei, já me levantando.

— Eu bati na porta. — falou, e abriu-a um pouco mais,

como se explicando. Seu maxilar cerrado e seu olhar que parecia


capaz de matar alguém, ou no caso, ele poderia tentar. Eu
apenas o achava ainda mais gostoso quando parecia bravo

daquela forma. — Os gatos começaram a miar muito alto, e eu


não sei onde fica a ração deles ou...

— Manhosos. — Revirei os olhos, e fiz um sinal com a

cabeça para Gael. — Algo mais?

— Almoço? — indagou de repente, e neguei com a

cabeça.

— Tenho um compromisso nesse horário.

— É o seu primeiro dia de casada e está trabalhando,


sério?

— O que tem a ver com isso?

A voz cortante de Alfredo me deixou surpresa, e eu

conhecia Gael o suficiente para entender o que ele estava


fazendo. Gael adorava uma boa briga. Por aquilo, todo mundo na

alta classe sabia que era bom evitar até um começo mal de
conversa com o mais velho dos Fontes.
— Sou um velho amigo, e você? — vi-o ir até perto de
Alfredo, e segurei-me para não revirar os olhos com a cena.

A única coisa que eu gostava era da pose autoritária que


Alfredo carregava, como se fosse capaz de desmontar Gael a
qualquer momento. Eu não duvidava, ainda mais pelos músculos

e tamanho dele.

— O marido.

Vi-me apenas saindo de trás da minha mesa e caminhando

para perto deles. Empurrei Gael com um dedo quase na costela,

afastando-o, e empurrei Nero, o outro dedo indicador na testa.

— Você vá se resolver e sem envolvê-la. — pontuei para


Gael, que com toda certeza, não obedeceria àquilo.

Onde ela estava com a cabeça de entrar em um

casamento por contrato com ele?

— E você... — virei-me para Alfredo, que agora já dava uns

passos para trás, afastando meu dedo. — Vou te mostrar onde

fica a ração dos gatos.

— Também gostei de te ver, Noona.

Gael falou, assim que o levei até a porta.


— Agradeça por eu te atender após uma mensagem de

madrugada. — Ele levou uma das mãos ao peito, como se


dramatizando. — Assumindo o posto de Igor, interessante.

— Acho que seu marido não gosta muito de mim. —

Caçoou e eu cruzei os braços, já querendo bater a porta na cara


dele. Gael sabia ser inconveniente.

— Eu acho que quase ninguém gosta de você.

Dei um falso sorriso e fechei a porta em sua cara. Ainda

não era horário para conseguir lidar com as provocações e


gracinhas de Gael.

Virei-me e então subi as escadas atrás de Alfredo. Não

tardei a encontrá-lo, no que parecia ter sido o cômodo que

escolheu como seu escritório.

— Esse não... — falou para Zuko, que parecia querer

morder algum cabo. — Ainda bem que tem vocês para me distrair

e tirar a raiva...

— Raiva do quê?

Perguntei e ele deu um pulo no lugar, mas quando se virou,

não parecia a ponto de morrer de susto, mas sim, com o

semblante fechado de antes.


— De gente inconveniente.

Olhei-o dali, e parecia apenas ter se ajeitado na mesa que

tinha ali, que agora parecia uma pequena estação de trabalho,

com um notebook que tinha muitas cores no teclado.

— Está à vontade?

— Não com gente inconveniente. — Rebateu, e parecia um

garoto mimado, o que quase me fez rir.

— Gael não mora aqui.

— Mas praticamente amanheceu aqui. — Olhei-o curiosa e

caminhei para dentro do cômodo, encontrando alguns livros

depositados sobre uma das prateleiras do outro lado.

— Isso é um problema? — indaguei, e me aproximei,

notando sua feição apenas piorar. — Qual o problema, Alfredo?

— Não vai querer que eu pergunte isso, sério?

Negou com a cabeça e apenas me ignorou, tirando Zuko


de perto dos fios que ainda arrumava.

— Eles estão com fome, eu acho. — comentou

simplesmente, e tentou se virar, mas aproveitei a proximidade da

parede, para passar meu braço e impedi-lo. — O quê?

— Qual o problema, Alfredo?


— Você — respondeu sem ainda me encarar. — Ele —

continuou, e então seu olhar azul parou no meu. — Vocês têm


algum caso?

Eu esperava qualquer coisa, menos aquilo.

E de repente, apenas me vi gargalhando.


CAPÍTULO 15

“Eu, eu te amei em segredo

Foi à primeira vista, sim

Nós amamos sem razão (...)

Oh, como você sabia?” [26]

ALFREDO

E eu tive que segurar as batidas do meu coração.

Assim como o queimar que quase tomou conta de todo


meu rosto. Eu nunca odiava tanto aquela característica minha,

quanto quando quase acontecia na frente de Verônica.


Uma mulher como essa nunca vai olhar para um garotinho

bobo que cora em qualquer palavra trocada...

Fiquei um pouco boquiaberto, e ela ria ainda com a mão

contra a parede, me prendendo naquele canto.

— O que é tão engraçado? — vi-me perguntando, tentando


não parecer tão mexido com o som da gargalhada dela.

Porra, como ela ficava ainda mais atraente?

— Eu não me casaria com alguém, se estivesse tendo um

caso.

Bom, ela não negava que teve um caso com ele em algum

momento... Por que eu ficava apegado àqueles detalhes? Por que


eu deveria me importar? Por que eu parecia um adolescente

perdido quando se tratava dela?

Porque você era exatamente um adolescente perdido

quando a conheceu, minha mente rebateu.

— Não vou te trair, Alfredo — falou, sua expressão

voltando ao normal, e negando com a cabeça. — Isso tudo são

ciúmes?

— Ciúmes? — olhei-a incrédulo.

— Não são ciúmes?


— Não tenho por que ter ciúmes de você — falei, senti-a se
aproximar mais, e logo meu corpo estava contra a parede. Merda

de mulher que sabia exatamente como me desarmar! — Se afasta

— pedi, e ela me encarou profundamente.

— Você tem uma grande dualidade.

Afastou-se e caminhou até Zuko, tirando-o de perto dos

meus fios novamente. Como aquele gato fazia aquilo tão rápido?

— Uma hora parece capaz de destroçar um corpo, e na

outra não sabe o que dizer — comentou, e me senti sendo


analisado. Eu odiava o fato de que ela estava certa.

— Não me conhece, Verônica.

— Conheço o suficiente. — Então voltou seu olhar para o

meu.

A tensão que se formou, me fez perceber que permanecia

parado contra a parede. Eu não tinha um pingo de autocontrole,

porra?

Um miado mais alto quebrou nossos olhares e encontrei

Gara e Mikasa na cama, claramente reclamando.

— Eles fazem manha antes de comer — Verônica falou, e

pegou Zuko no colo. — Vou te mostrar onde fica o cantinho deles.


Segui-a para fora do corredor e senti duas bolinhas

peludas passarem por minha perna e irem até ela. Respirei fundo
e segui também, e logo adentrei seu quarto, mas notei que tinha

dois corredores diferentes, dentro do próprio cômodo, e ela


seguiu um deles.

— Como disse, eles odiavam sair daqui — comentou, e


então cheguei a um lugar que parecia um playground criado para
os gatos. Talvez agora eu entendesse o porquê de eles não

quererem sair dali. — A comida deles fica aqui. — Apontou para


três potes de ração, que nada pareciam com potes de ração que

eu conhecia. — Quando dá o horário, a comida desce — explicou


e odiei o fato de estar sem meus óculos naquele instante, porque

não via claramente como funcionava.

— E onde você deixa a ração para repor?

— Naquele armário ali. — Mostrou, e notei o que parecia

um armário mais ao fundo. No caso, a miopia não me ajudava


muito. — Está enxergando?

— O pouco que consigo sem óculos ou lentes.

— E onde seus óculos estão?


— Em algum lugar da minha mochila... — respondi

simplesmente, dando de ombros. — Acho que então, não tenho


que me preocupar com a comida deles?

— Bom, a não ser que acabe e saiba que acabou...

— Ok.

Apenas me vi dando meia-volta e caminhando para fora


daquele cômodo. Por um segundo, vi-me encarando a imensa

cama que ficava no seu quarto. Não me passou despercebido os


tons de preto e branco espalhados pelo local, mas não consegui
me atentar tanto, justamente pela minha visão.

O que ficava em minha mente, era o porquê de tamanha


proximidade do tal Gael com ela? Péssima ideia não ter colocado

os óculos e visto com clareza. Contudo, não era possível que


estivesse tão enganado. A mão dele estava sobre o rosto dela...

Por que eu detestava tanto aquela cena?

Cheguei até o cômodo que agora seria meu local de


trabalho, e encarei as prateleiras vazias. Talvez o melhor fosse

trazer tudo o que poderia da minha real casa, e preencher aquele


local, assim como o quarto, para tentar me sentir à vontade. Para

poder me trancar e trabalhar, esquecendo que estava muito longe


de onde chamava de lar, e com a cabeça presa à mulher a
poucos metros dali.

Uma batida na porta me fez girar e encontrei-a, com seu


semblante neutro.

— Estarei trabalhando no meu escritório, no quarto — falou

simplesmente. — Se precisar de algo, só me chamar.

— Certo.

— E ainda não terminamos aquela conversa de mais


cedo...

Desviei meu olhar, sem querer relembrar aquilo. Talvez a


interrupção de Gael fosse um sinal do destino para que eu não

fosse tão sincero assim. Algumas pessoas, geralmente, se


assustavam com a minha sinceridade. Seria possível assustar
Verônica Reis?
CAPÍTULO 16

“Eu tenho partido corações há um bom tempo

E brincando com caras mais velhos

Apenas brinquedos para eu usar

Algo aconteceu pela primeira vez” [27]

VERÔNICA

— Eu não pensei que teríamos essa reunião tão cedo,

querida.

— Como está?
— Direta ao ponto, como sempre — comentou, e eu

assenti, encarando-o pela chamada de vídeo. Ele parecia ter se


acostumado melhor com ela desde a última vez. — Soube que

Roberto apareceu no seu casamento.

— Ele e Reinaldo, pelo que meus seguranças viram e

reconheci, Ricardo estava com eles.

— O mal da família é o R. — repetiu aquela frase, e eu

pude lembrar do exato momento que a ouvi pela primeira vez. —


Ricardo não é um garoto ruim.

— Ele nunca se interessou em fazer parte, o senhor sabe


— ele assentiu, suspirando fundo. — Tenho o acompanhado

tempo suficiente para saber que ele é mais esperto que Reinaldo.

— Ele se sente em dívida, por Reinaldo ter pagado o

tratamento da mãe — assenti, mexendo na caneta em minha

mão. — Ele não sabe que foi você.

— Não quero mais alguém que se sinta com dívida, mas

não o quero tendo perigo ao redor deles — suspirei fundo. —

Preciso encontrar um jeito de afastá-los.

— Acho que não vai demorar muito para Ricardo acordar.

— Olhei-o atentamente. — Ele tem acessado a conta de banco de


Reinaldo e acredito que não encontrou nenhum pagamento para
hospital.

— O descobrimos tarde demais — comentei, e o homem


mais velho do outro lado da linha, negou com a cabeça.

— Nunca é tarde demais para a família, querida.

— Sei que não me ligou para contar o que já sabia. — falei,

piscando algumas vezes. Conversar com ele sempre me trazia

uma nostalgia que eu gostaria de deixar guardada. A saudade

que eu tentava segurar, todo dia. Porque todo dia, era um dia
para me lembrar que era um dia sem ela... sem eles.

— Yumi vai aparecer.

— O quê? — indaguei incrédula.

— Ela está melhor, querida. — Levei as mãos aos cabelos,

tentando respirar fundo. — Vincenzo e Jeon a tem ajudado, você

sabe.

— Eu não os vejo há muito tempo — comentei, e suspirei

fundo novamente. — Mas o que ela pensa em fazer sobre

Reinaldo e Roberto?

— Eles têm mais a temer do que tomar. — Parecia tentar

me tranquilizar. — Reinaldo e Roberto sabem que perderam, no


momento em que fizeram aquilo com seus pais. Eles sabem

disso, querida.

— Onde Yumi unnie[28] está, oppa[29]?

— Deve chegar na próxima semana, ela não foi exata. —


Mordi o lábio inferior com força. — Ela queria fazer surpresa, mas

eu sei que você não reagiria bem.

— Eu odeio surpresas, e ela sabe...

— Ela te ama muito, você sabe, não é?

Eu assenti, porque eu sabia. Sabia do papel imprescindível

que Yumi tinha em minha vida – minha madrinha. Assim como o


homem à minha frente, que era seu primo e agiu como um irmão

mais velho, quando ela perdeu tudo – Cha Kang.

— Ela parecia tão bem... — falei inconformada. — Ela


parecia ter superado o medo de sair à noite, de andar de carro e...

Por que agora?

— Ela soube que você se casou.

— Não...

— Sabe que o que você faz, veio antes de você, certo? —


assenti. — A gente sempre tenta saber de tudo, para te proteger.

— Não precisam se preocupar.


— Sei que não, mas ainda assim, o faço. Assim como

Yumi.

— Meus irmãos não sabem de nada, Kang. — Respirei

fundo. — É um segredo que não posso simplesmente abrir e fazer


sentido. Eles sabem apenas do que é necessário.

— Eles sempre respeitaram seus segredos, querida.

— Eles também cresceram — comentei, sem poder evitar

um sorriso. — Eles têm suas próprias famílias e o sobrenome


Reis nunca pareceu tão duradouro.

— Regina ficaria feliz, eu tenho certeza.

Baixei meu olhar, e encarei o piso daquele andar, o mesmo

que ela me fez ajudá-la a escolher. Porque ela o reformaria, e


faria daquela ala, um lugar só meu. Ela os escolheu. Os detalhes,
cada um deles. Regina Reis me segurou, quando nem mesmo

deveria fazê-lo.

E eu sentia falta dela.

Todo dia.

— Olhar para Yumi vai me fazer lembrar deles — suspirei

fundo.
— Não vai ser fácil para nenhuma de vocês, encarar uma à
outra, depois de tanto tempo... Ainda mais para ela. Mesmo que
ela tenha tentado ao decorrer dos anos, e você tenha vindo vê-la

algumas vezes.

— Toda vez é como uma dose de saudade e dor, mesmo

que eu a ame — suspirei fundo. — Obrigada por me ligar e me


contar.

— Eu queria poder te ver também, querida. Mas sabe

como é...

— Um fim de vida em paz e calmo? — ele assentiu,

levantando sua cerveja. — Não são sete da manhã aí?

— Quero morrer feliz, querida. Me permita.

— Se cuide, por favor.

— Quando eu não o faço? — sorriu amplamente, o mesmo

que ele me deu, quando passou a me ajudar no exato dia em que


vovó se foi. — E eu pesquisei sobre o seu marido...

— Kang...

— Eu gostei do histórico dele, confesso. — Olhei-o sem

entender. — Não parece alguém com dramas maiores que uma


mãe que apenas queria um casamento de sucesso na alta classe
— falou com desprezo, e eu sorri, — Sei que tem mais do que me
diz, mas... cuide de seu coração.

— Não tem por que se preocupar, ok?

— Se me diz. — Bateu com a garrafa contra a tela. —


Tenha um bom dia, querida.

— Tenha um bom dia, Kang.

Joguei minha cabeça para trás, e girei com a cadeira. Yumi


estava voltando. Yumi estava disposta a encarar aquele mesmo

lugar, que a fez fugir tantos anos atrás. Para o qual vovó a

mandou para protegê-la.

— Eu vou sentir saudade, madrinha — falei, agarrando-me


à sua cintura, e notava os machucados profundos em seu corpo.

— Mas eu vou te ver.

— Com certeza, eu venho te ver... um dia, querida.

Foi a última conversa que tivemos quando eu tinha seis

anos. Ao decorrer dos anos, ela aparecia ou eu ia até ela.

Geralmente a segunda opção, já que era dolorido demais para

Yumi vir ao Brasil, porque ela queria ir a Mansão Reis, o lugar que
um dia foi seu lar – o nosso lar. E ainda não estava pronta, não

para a enxurrada que poderia surgir dentro dela ao estar ali.


Apenas ela sabia sobre sua própria dor. Se eu perdi muito

naquela noite, ela perdeu tudo. Se não fosse Cha, talvez ela
perdesse a esperança.

Meu celular vibrou e notei ser minha assistente, já com a

reunião que aconteceria na hora do almoço. O melhor que eu


podia fazer era focar de manter aquela empresa viva e próspera,

do jeito que Regina fez. Do jeito que tentaram destruir, mas que

não conseguiram. Porque para derrubar o império dos Reis,

mesmo tendo o sobrenome, eles teriam que derrubar Regina no


passado. Tentaram, não conseguiram. E agora, tinham que

passar por cima de mim, mas era algo que nenhum deles

conseguiria.

Eu aprendi como era estar sempre três passos à frente.

E existia uma diferença entre mim e vovó, que se não fosse

pela promessa que fiz já teria findado. Eu teria acabado com a

vida de Reinaldo e Roberto, assim como fizeram com a de meus


pais.
Desci as escadas, com meu pescoço doendo e a tensão

por todo meu corpo. Não conseguia parar de pensar em onde

Yumi estaria e quando chegaria. Caminhei até a cozinha, para


encontrar alguma das comidas prontas que estariam lotando o

freezer apenas com elas, e pelo menos, tentaria me distrair com a

comida.

Prendi meus cabelos no alto, enquanto a música ainda

tocava em meus airpods, e fui me alongando pelo caminho. Assim

que abri o freezer, fiquei encarando qual seria a escolha da vez.


Mas antes daquilo, acabei optando por abrir um vinho. Era em

torno de duas da tarde, com a reunião de negócios tomando mais

tempo que deveria. Talvez o álcool me fizesse relaxar um pouco e

parar de pensar em problemas.

Deixei a escolha da comida de lado, e fui até a adega.

Escolhi um vinho e já separei minha taça, sem me importar em

enchê-la. No mesmo instante, deixei meu celular sobre a grande

ilha da cozinha e vi uma notificação de Carol.

Está vestida? Podemos aparecer amanhã para o almoço?

Convidem todos que estão na cidade ou não, para virem.


Vi que ignorou a minha primeira pergunta... Use camisinha,

irmã.

Revirei os olhos da mensagem de Carolina e bloqueei a

tela. Levei o vinho à boca e sorvi um pouco do líquido, pensando

em como o meu dia pós-casamento parecia mais uma bagunça

do que realmente um início de um ciclo. Regina me repreenderia


por aquilo, com certeza.

Ainda mais, por eu não estar tentando.

— Verônica?

Virei-me em direção à voz, e encontrei Alfredo parecendo

pronto para sair. Foi impossível não o olhar de cima abaixo.

Contudo, tentei focar que não era o momento para ficar babando

sobre ele.

— Precisa de algo? — indaguei, e ele abriu a boca, mas

logo a fechou. Tirei um dos fones e fiquei esperando sua

resposta.

— Vai comer só agora? — perguntou, como se soubesse

exatamente o que eu vim fazer. — Já é tarde.

— Bom, foi a hora que deu. — Não me importava muito

com aquilo, mas claramente Alfredo não estava tão animado. — O


que houve?

— Vou te levar para comer algo além de comida congelada

— falou, estendendo-me a mão. — O quê? Foi você que disse

que não somos inimigos, estou tentando ser seu amigo.

Olhei-o desconfiada porque não esperava tal atitude. Não

depois da tensão que claramente emanava entre nós e do fato

que tínhamos que conversar sobre o que aconteceu.

— Amigos lembram amigos de comer — complementou,

ainda com a mão em minha direção.

Levei minha mão a dele, sem acreditar em mim mesma

que estava mesmo concordando com aquilo, mas fiz. Ao menos


agora, eu sabia que estava tentando. Era o que realmente

importava.

O calor da pele de Alfredo contra a minha, me fez quase

me separar do toque, devido à necessidade que vinha junto a ele.


Porém, não o fiz. Caminhei com ele até o carro, o qual sabia ser

dele, e só nos separamos quando ele abriu a porta para que eu

entrasse, e em seguida, deu a volta para adentrar o banco do


motorista.

Eu não sabia nem mais como se respirava.


Ele conseguia ver que me tirava completamente da zona

de conforto?

Ele conseguia ver que qualquer atitude dele nunca me era

esperada?

Como ele conseguia me surpreender todas as vezes em

que trocava, nem que poucas palavras?

Suspirei fundo, tentando não pensar demais sobre ou

deixaria claro o quanto ele me afetava. E ainda era difícil deixar

qualquer pessoa entrar, mesmo que eu desejasse muito aquilo.


Era difícil porque tudo que eu amei, um dia, foi tirado de mim. E

ter Alfredo na lista de pessoas que eu temia perder não era algo

que eu gostaria de fazer. Mesmo que talvez, no meu

subconsciente, ele já estivesse.


CAPÍTULO 17

“É legal que tenha dito tudo isso?

É bacana que você esteja na minha cabeça?

Porque eu sei que é delicado” [30]

VERÔNICA

Assim que desci do carro, olhei ao redor e sabia que meus


seguranças estavam a postos. Era uma vida diferente do que a

maioria das pessoas estava habituada. Mas depois do que houve


com meus pais, eu sabia que qualquer cuidado era pouco. Nunca

imaginei de fato que viveria com medo, por mais que


aparentemente, eu não sentisse nada. O meu maior medo era

que algo acontecesse e eu não pudesse estar mais presente para


aqueles que amava.

Encarei a fachada do local e não me era estranha. Ao


menos, não a localização.

— Onde conheceu esse lugar? — indaguei, assim que

Alfredo passou ao meu lado, e segui-o em direção à entrada. A

mão dele estava na minha novamente, e nenhum de nós parecia


desconfortável com tal coisa, mesmo que fosse algo

completamente novo.

— Venho aqui há muito tempo — comentou, assim que

fomos guiados até uma mesa, em uma parte que dava visão para

o que acontecia do lado de fora do que parecia ser um

restaurante. Mas as minhas lembranças remetiam que ali era um

café´. Eu estaria certa?

— Esse lugar já foi um café antes de ser um restaurante?

— indaguei, e ele assentiu, enquanto puxava a cadeira para mim


e agradeci o cavalheirismo que não tinha morrido, ao menos, não

com ele. Quando se sentou à minha frente, tinha um sorriso de

canto que poderia derreter qualquer mulher. Ele tinha noção do

quão bonito era quando fazia aquilo?


— Quando comecei a vir, ainda era um café... Eu ainda era
um adolescente.

— Ah, claro, então faz o que? Uns dois anos? — não pude
evitar a provocação e ele fechou a expressão, mas claramente,

estava entrando na brincadeira junto a mim.

— Não sou tão novo assim. — Piscou um olho e eu quase

caí para trás na cadeira. — Ok, temos uma diferença de oito anos,
certo? — assenti, e ele continuou, mexendo em algo no celular,

como se estivesse pronto para abrir o cardápio. — Não é grande

coisa, se pararmos para pensar.

— É muito comum, quando o homem é oito anos mais

velho — comentei, achando aquilo tão ridículo quanto quem

julgava sobre. — Mas o fato de eu ser mulher e mais velha que

você, com certeza gerou burburinhos por aí.

— Nunca liguei para esse bando de gente rica e esnobe.

— Revirou os olhos azuis, mas pareceu cair em si segundos

depois. — Sem ofensa, claro. — Eu quase ri da forma como ele

falava, como se aquilo de fato pudesse me magoar.

— Nunca neguei que sou rica ou esnobe... — dei de

ombros. — Só não participo das fofocas da alta sociedade.


— Não tem interesse em saber do que acontece? —

perguntou, claramente interessado, mesmo que fosse apenas


uma conversa comum.

A realidade era que eu não tinha tal experiência com


alguém, fora meus irmãos, ou que não sentisse medo de indagar

ou perguntar sobre qualquer coisa, há muito tempo. Não era


como se eu fosse Verônica Reis à sua frente. Não, Alfredo não
me tratava de tal forma. Ele apenas me tratava como uma mulher,

em um restaurante, que estava conversando casualmente sobre


coisas aleatórias.

E eu gostei disso.

Eu gostava da forma que ele me via, não apenas como um

nome e sobrenome.

— Eu sempre sei, porque tenho meus contatos, mas mais

por segurança e necessidade... Não me importo se fulano ou


ciclano foram pegos no banheiro da festa x, se isso não for algo
que vai impactar na minha vida ou dos meus irmãos.

— Seus irmãos parecem sua vida. — Encarei-o, mais uma


vez, completamente surpresa. — Desculpe ser direto, mas... É

como se vivesse para eles, e não sei se isso é bom ou ruim


porque eu não tenho irmãos, mas... acho uma atitude louvável. Se

entregar de tal forma à família.

— Qual o problema com a sua família, Alfredo?

De repente, eu estava preocupada e não podia evitar.

— Nada — suspirou fundo. — E quando digo nada, é

literalmente nada. Meu pai largou minha mãe e eu quando eu


tinha apenas dois anos, então é só um fantasma na minha

lembrança. Minha mãe me criou para ter um casamento que


pudesse calar a boca da família toda, sobre nós sermos os
rejeitados. E o resto, digo, os parentes... Eles são os clássicos

ricos, metidos a besta e sem qualquer educação. Eles acham um


absurdo por exemplo eu ter tantas tatuagens... — revirou os

olhos, indicando os braços e parecia realmente com raiva. —


Sendo que fiz as tatuagens com o meu dinheiro, mas ok. E pior,
com o passar dos anos, o fato de eu não apresentar ninguém

para eles, começou o burburinho de eu ser gay... — ele então riu,


como se lembrasse de algo. — E teve uma festa de família, há

uns dois anos, que levantaram isso novamente, e eu disse que se


fosse, com toda certeza não tinha a ver com o cu deles.

Eu quase cuspi pela risada que veio forte, e Alfredo riu à


minha frente, como se adorasse contar aquilo.
— Não tem como ser educado com eles, então eu só soltei
essa e eles calaram a boca. Pelo menos, não me convidaram
mais para festas. — Eu ri de lado, e neguei com a cabeça. — É

um porre, eu sei... Minha “família”... — fez aspas com as mãos. —


Eles não são de fato uma família.

— Não vai chamá-los para o seu aniversário, então? — ele


piscou algumas vezes, como que surpreso. — O quê?

— Sabe quando é meu aniversário?

— Eu sei tudo o que preciso saber, Alfredo. — Ele pareceu


digerir tal fala, e logo assentiu.

— Geralmente somos apenas eu, Abi e Prim... — deu de


ombros. — Por muitos anos fomos apenas nós, até Bruno

aparecer na vida dela, e os Torres virarem parte da nossa vida. —


Ele sorriu levemente. — Não sei o que ela tá aprontando para

esse ano, mas é sempre ela que encomenda o bolo.

— Vou falar com ela.

— Não — falou, como se sem crer naquilo. — Não precisa


pensar sobre o meu aniversário.

— Não estamos tentando ser amigos? — ele pareceu levar


um soco na cara junto as suas palavras voltando. — Amigos
preparam festas de aniversário, Alfredo.

Ele apenas se calou, assentindo em seguida.

— Você tem alguma sugestão? — perguntei, ao abrir o

cardápio em meu celular.

— Eu geralmente pego o prato do dia porque sempre me

surpreendo... — comentou, e virou o próprio celular em minha

direção. — O que acha do de hoje?

— Podemos pedir o mesmo, acredito.

Ele assentiu e em seguida fez nossos pedidos. Pensei que

o silêncio entre nós seria constrangedor ou terrível, mas a

realidade era que Alfredo parecia não permitir que se formasse.

— Você sempre perde a hora para comer?

— Geralmente, eu tenho despertadores para me lembrar,

mas andei me irritando com eles, e os tirei — comentei, pegando


a água que nos foi servida há alguns segundos. — E hoje não foi

um dia habitual, já que geralmente estou na empresa. Então, aos

fins de semana que eu perco o hábito de comer nos horários

comuns, digamos. Quando estou na empresa, minha assistente


sempre traz algo que já ficou pré-combinado.
— Você gosta disso? — perguntou e o encarei

atentamente. — De ser CEO do próprio negócio e tudo mais?

— Eu gosto de estar à frente das empresas da família —

admiti. — Fiz algumas coisas, ao longo dos anos, para testar se

existia algo que gostaria além disso.

— Sério? — indagou, tão interessado que me fez quase

suspirar.

Era estranho não me sentir estranha por estar abrindo algo

dessa maneira para alguém. Contudo, não era qualquer alguém,


era Alfredo. O Alfredo que vivia em minha mente há muito tempo.

Eu estou tentando...

— Eu fiz Administração e em seguida o mestrado na área,

e foi quando meus irmãos começaram a ir à faculdade também.


Quando percebi que estava fazendo tudo isso para estar perto

deles, já que eu sempre fui muito cautelosa, acabei me

inscrevendo para o curso de Enfermagem.

— Você é formada em enfermagem?

— Sou. — Ele piscou algumas vezes, como se incrédulo.

— Foi como algo diferente de tudo que já tinha feito e que me

ajudou a entender que eu realmente gostava do que fazia antes.


Mas todo conhecimento que adquiri, em algum momento, ajudou

muito.

— Eu não sei se digo que estou chocado ou não... — ele

riu de lado, como se percebesse que já deixou aquilo livre.

— Sua expressão entregou seu choque.

— Eu só... Sério, não esperava — admitiu. — Como você

pode ser boa em tudo que faz?

— Simples, eu não sou. — Fui franca, mesmo que sua


pergunta não fosse esperada. — As pessoas acham que eu sou,

por conta da minha postura diante de tudo.

— Quando te vi pela primeira vez, em uma dessas festas


aleatórias de ricos, eu só pensei que era a pessoa mais

imponente do lugar.

Algo sobre aquela frase dele, me fez perceber que Alfredo


ainda parecia me esconder algo. O que eu não entendia o que

poderia ser, já que ao mesmo tempo que algumas vezes seu

rosto entregava tudo sobre ele, em outros, entregava-me

absolutamente nada.

— Espero ter passado uma boa primeira impressão.


Vi seu olhar ir em direção ao que parecia ser o corredor

dos banheiros, há uns quinze passos dali, e logo seu olhar voltou
para o meu. Ele sorriu abertamente, do jeito que eu nunca o vi

fazendo para mim, e acabou tirando o resto do meu senso.

Não tínhamos falado sobre aquela noite, nem sabia se o

faríamos.

Mas ainda assim, era um bom momento. Era um almoço

com alguém que eu gostaria de confiar e que parecia

genuinamente interessado. Nem que fosse como amigos, nem


que fosse apenas com colegas de mesma casa por algum

tempo... Era bom. Era boa a sensação de ser apenas eu na frente

dele.
CAPÍTULO 18

“Você me deixa tão feliz que vira tristeza

Não há nada que eu odeie mais do que o que não posso ter

Acho que vou voltar para casa, pros meus gatos

Sozinha

A menos que você queira me acompanhar?” [31]

ALFREDO

— Você quer mesmo ver isso? — indaguei, empurrando a


porta entreaberta do quarto que agora era o meu, e era seguido

por saltos batendo no chão.


Foi quando notei Gara deitado em minha cama, como se

fosse o lugar mais confortável de todos. Acabei rindo, e indo até


ele, fazendo um leve carinho.

— Eles gostaram de você. — A frase de Verônica era


simples, mas era como se existisse algo muito maior sobre ela. —

E eles não gostam de muita gente, nem de meus irmãos eles

chegavam perto.

— Gosto deles também — falei, fazendo um último carinho


na cabeça de Gara. — Mas no caso, só temos um aqui.

— É que não olhou para a parede oposta.

Foi quando o fiz e dei cara com os outros dois, dormindo

sobre as roupas que joguei bem ali, quando estava me trocando


de manhã. Não sabia se ficava feliz por eles estarem ali ou

envergonhado por entregarem a bagunça em pessoa que eu era.

— Bem... — limpei a garganta. — Ainda estão nas malas.

— Fui até a mala maior e a abri, mostrando a grande coleção de

mangás que eu tinha, de Shingeki no Kyojin[32] e Naruto[33], ao

menos, foram as duas que couberam naquele espaço. Ainda tinha

muitos mais em casa.

— Quando começou a ler Shingeki?


Verônica perguntou, ajoelhando-se e passando as mãos
pelos exemplares ainda plastificados. Eu tinha lido todos e

novamente os embalados, pelo medo de estragarem ou algo

parecido.

— Uns três anos após a primeira publicação — comentei,

sentando-me na cama e notando o leve sorriso no seu rosto para

as coisas. — E você?

— Descobri meio sem querer quando estava no Japão, foi

quando tinha acabado de lançar. — Olhei-a surpreso. — Comprei

em japonês e pedi para que um amigo traduzisse, o que fosse

possível.

— Tem muitos amigos? — não pude evitar a pergunta, e

mordi a língua em seguida.

— Não, acho que não dá uma mão. — Seu olhar parou no

meu. — Apenas Abigail?

— Abigail vale por uns dez amigos, então... — levantei as

mãos aos céus. — Estou ótimo, obrigado.

— Bom, agora tem a mim.

Ela então se levantou e veio para mais perto. A cada passo

que ela dava até mim, minha respiração se perdia. Eu estava


sentado na beira da cama, com os pés plantados no chão. A

ousadia da mulher de se aproximar, quase adentrando a abertura


das minhas pernas, com um sorriso que era diferente de todos

que ela já tinha me entregado.

— Não tem?

— Se a gente puder ignorar essa atração, sim. — Fui

honesto, e ela então veio para ainda mais perto, as mãos em meu
pescoço, fazendo-me encará-la. — Verônica...

— Por que foge de mim?

— Você fugiu de mim primeiro. — Rebati, e seu olhar

estava preso no meu. Segurei-me com tudo de mim para não


levar as mãos até sua cintura e trazê-la para meu colo. — Tenho

medo de estragar, seja lá o que seja isso que estamos fazendo.

— Vamos ser amigos e se for insuportável, isso aqui... —

segurei um gemido quando suas unhas esbarraram em meu


pescoço, e minhas mãos formigavam para tocá-la. — Vamos falar

abertamente, ok?

— Ok.

Ela então me deu um leve beijo na bochecha, e se afastou,

deixando-me ainda mais perdido do que quando me encontrou.


— Quer ver o meu quarto nerd, kpop e otaku? —

perguntou, como se fosse simples assim e eu tive que rir. Eu


nunca sabia o que esperar daquela mulher, mas mesmo assim,

era bom demais para eu me negar ou proibir de sentir.

Mesmo que meu coração fosse quebrado, valeria a pena.

Por ela, valeria cada pedacinho que pudesse ser espalhado.

Segui-a pelo corredor, e assim que adentramos seu quarto,


senti bolinhas de pelo passando por minhas pernas, como se

precisassem ficar perto dela. E não os culpava por aquilo, já que


Verônica era bonita e incrível demais para seu próprio bem.

Então ela abriu uma das portas adjacentes a seu quarto


em si, onde a cama estava ligeiramente bagunçada, e eu não

podia deixar de pensar em como seria dormir ao lado daquela


mulher. Foco, Nero! Segui-a até a porta que abriu, e minha boca
quase caiu.

— Puta merda, Verônica!

Era uma sala gigante, com várias estantes que só


poderiam ser vidro, que guardavam dentro variadas séries

diferentes de mangás e actions figures. Além de uma parte que


tinha jogos de videogame, que deveriam ser edições de
colecionador. Paralisei diante de alguns, sem saber o que dizer.

VERÔNICA

Vamos, Verônica!

Fale para ele!

Conte a ele!

Minha mente ficava me relembrando, já que agora eu lhe


tinha lhe mostrado uma das partes mais bem guardadas de mim
mesma – minhas coleções. Não era sobre o fato das coleções em

si e do meu gosto pessoal para as coisas, mas de como isso


começou.

— Eu ganhei meu primeiro mangá quando tinha quatro

anos — falei, e tentei controlar minha própria respiração. — Um


dos meus pais tinha origem sul-coreana, e ele tinha um ótimo

gosto, se posso dizer. E ambos adoravam coleções, então...


Cheguei aqui, assim.
O olhar de Alfredo parou no meu, como se tentando
entender, mas não sei se entendeu que eu não estava pronta
para me abrir mais do que aquilo, contudo agradeci quando ele

apenas sorriu e seus olhos estavam vidrados novamente nas


portas de vidro.

— Isso é incrível — falou, e parecia uma criança em um


playground.

Não o julgaria, porque era exatamente assim que me sentia

quando entrava ali. Lembrava-me do exato momento em que

coloquei meu primeiro mangá em uma das estantes, com a ajuda


de meus pais e como eles estavam animados a fazer aquilo

comigo. Tentei apenas afastar os pensamentos e não ficar presa

neles, mas era impossível.

Eu estava abrindo mais do que um dia abri para qualquer


outra pessoa. Além de meus irmãos, ninguém mais, sabia através

de mim, quem eram meus pais e o quanto eles eram importantes.

Mas ali estava eu, segurando as lágrimas dentro de meu corpo,


porque as lembranças eram fortes demais, e Alfredo estava bem

à minha frente.

— Eu descobri sem querer que gosta disso. — Sua voz me

tirou do autocontrole que tentava construir. Levei meu olhar pra


onde ele estava encarando, e notei que era a parte dos meus

álbuns de kpop e pop favoritos. — Quando arrumei seu


computador, descobri o Big Bang.

— Eles são incríveis — falei, sem conseguir lhe entregar

mais do que aquilo, por mais que tentasse. Partes seriam o

suficiente? — Meu bias é o T.O.P.[34]

Ok, eu consegui dizer algo além. E por um segundo, quase

dei um pulinho da vitória.

— Bias? — Alfredo me encarou parecendo não entender.

— Há muito o que entender quando se entra no universo

sul-coreano, e principalmente, no kpop — falei, e cruzei os

braços, tentando ainda segurar minhas lembranças. — Posso te

explicar melhor, quando quiser.

— Vou precisar, já que ainda me sinto um completo perdido

nisso — assumiu.

— Está ouvindo kpop ou vendo dorama? — indaguei, e ele


piscou algumas vezes, encarando-me. Notei que ele parecia sem

saber o que dizer, como se tivesse sido pego.

— Ouvindo kpop — respondeu, e parecia querer correr

dali. Tentei entender, mas não consegui uma resposta que


parecesse convincente.

Ouvi algo vibrar e então, Alfredo levou as mãos aos bolsos,

como se procurando o aparelho. Vi-o encarar o visor, e pareceu

que foi o time perfeito para ele sair dali. Algo naquilo tudo me
deixou ainda mais curiosa. Ele fez apenas um movimento

indicando o aparelho e eu assenti.

Mas antes que ele pudesse passar ao meu lado e sair dali,
parei-o, segurando levemente contra seu peito.

— Se precisar de algo, só me chamar.

Seu olhar parou na minha boca e voltou, como se ele

quisesse muito mais do que estava entregando.

— Obrigado, Verônica — assenti, e o deixei passar, e ele

deixou o rastro de si, ali dentro daquele ambiente.

Seu cheiro em todo lugar, e cada parte de mim, sem saber


o que estava de fato fazendo. Mas eu gostava daquilo, talvez

mais do que deveria.


CAPÍTULO 19

“Amigos se separam, amigos se casam

Estranhos nascem, estranhos são enterrados

Tendências mudam, boatos voam por novos céus

Mas eu estou exatamente onde você me deixou” [35]

VERÔNICA

Eu estava pronta pra ir a empresa e voltar o mais rápido

possível para o almoço em que minha família estaria. Desci as


escadas e olhei novamente se não tinha esquecido nada. Não

tinha falado diretamente com Alfredo no resto da noite anterior.


Pelo que pude ver, ele parecia realmente ocupado organizando

várias coisas em seu escritório, então apenas lhe dei o espaço


que necessitava.

Não que eu pudesse fazer muito além de observá-lo.

Você está casada com ele! Minha mente não cansava de


me cobrar.

Assim que abri a porta, suspirei fundo, tentando espantar


tais pensamentos. Quando meu olhar deu de cara com saltos

altos pretos, e levantei-o calmamente. Só uma pessoa poderia ter

passado pela segurança sem ninguém me avisar...

— Madrinha?

— Surpresa para quem odeia surpresa! — ela gritou, e eu

me segurei contra o batente da porta.

— Eu sei — falou, segurando minhas mãos e me trazendo

para perto. Sem nem mesmo se importar, puxou-me para os seus

braços e me agarrei a ela. — Eu sei que prometi avisar quando

aparecesse de novo, mas... Não pude resistir.

— Madrinha...

— Senti saudade, pacotinho. — O apelido quase me

desmontou e senti seus carinhos em meus cabelos, como o afago


que eu tanto precisava.

Yumi tinha reaparecido no Brasil em momentos

específicos. O trauma que ela passou foi tamanho, que eu sabia


que cada vez que ela aparecia ali, tinha que ser algo que

realmente a fizesse voltar. Se não, ela mandaria seu primo, que

foi praticamente meu tutor por longos anos. Eu não a culpava,

porque só de tê-la ali comigo, eu quase desabei.

Quando a encarei, ela não parecia diferente. Éramos a

lembrança uma da outra de um passado que não voltaria. Sua

mão veio para o meu rosto e ela o tocou com cuidado.

— Tão bonita — falou e notei uma lágrima descer por seu

rosto. — Seus pais diriam que puxou a eles, mas eu tenho certeza

de que foi a mim.

— Madrinha...

Suspirei fundo e ela segurou minha mão com carinho.

— Desculpe ter demorado tanto... — senti a culpa em cada

palavra. — Sei que falhei com você, em todas as vezes que não

consegui chegar aqui. Mas eu já estou velha demais para viver


com medo, querida. E acho que todos os seus aniversários que
eu consegui vir e os Natais que passamos juntas... Me fizeram ser

mais forte para estar aqui agora.

— Não tem nenhuma data especial, então...

— Direta como Sérgio. — Ri, porque ela era a única


pessoa que falava tão abertamente sobre ele, e ainda mais, com
propriedade. — Eu tentei chegar para o casamento, mas tive

problemas com meu passaporte, foi uma correria... Cheguei


atrasada, mas eu quero muito conhecer o cara que fez seu

coração bater mais forte. — Pisquei algumas vezes, sem reação.


— Eu sei que é um contrato, sabe que nada passa por mim ou

por Kenny, mas... Eu conheço você muito bem pra saber que não
iria contra um pedido de Regina.

— É mais complicado do que parece.

— O amor pode ser complicado.

Pensei em desmenti-la e dizer-lhe que aquilo realmente


não passava de um contrato, mas eu travei. Ali estava minha

madrinha, que pouco conseguia vir me ver, e entregar-lhe um


casamento de total mentira, me mataria por dentro. Porque ela
era pessoa que melhor me conhecia em todo aquele tempo.
Meu celular vibrou e notei ser uma mensagem de Tadeu,

mas acabei indo rapidamente para o contato de Nero e digitando


uma mensagem: se prepare e finja ser o marido mais apaixonado

do universo.

— Quem é? Seus irmãos?

— Tadeu, como sempre tentando descobrir como estou.

— Ai, ele está tão lindo... — comentou sonhadora, e tentei

crer que ela não desconfiou da mentira. — Murilo? Carol? Igor?

— Os dois primeiros no interior e Igor tá na capital, mas na

casa dele.

— Então a casa é toda sua e de Alfredo? — indagou e

respirei fundo. — Sei que chamam ele de Nero também, como ele
prefere?

— Acredito que Nero — respondi um pouco atordoada com

tudo.

— Posso conhecê-lo? — indagou e eu engoli em seco,

assentindo. — Por que parece tão nervosa?

— É a primeira vez que apresento alguém. — Fui honesta.

— Ele deve estar no quarto, vou chamá-lo...

— Eu vou esperar aqui, querida.


— Tem certeza, madrinha? — indaguei, e ela assentiu.

Sabia que ela estava dando tudo de si ao estar ali, na

frente da casa. Talvez estar lá dentro, ainda fosse demais.

— Quem sabe, um dia, eu consiga entrar e ficar alguns


dias aqui... — comentou, parecendo mais decepcionada consigo.

— Tá tudo bem não estar bem, lembra? — ela assentiu,


porque era o que ela sempre me dissera.

— Obrigada por entender, pacotinho.

Fiz uma leve careta, que sempre estivera ali, quando me

chamavam por tal apelido. Fui em direção às escadas e tentei não


parecer desesperada, apenas aproveitei para correr quando

estava no corredor e bati forte na porta de Alfredo.

— O que houve? — ele parecia ter acabado de acordar,


com o torso todo exposto e apenas uma bermuda preta. Foco,

Verônica!

— Preciso que coloque uma roupa, desça comigo e finja

ser apaixonado por mim, loucamente. — Ele pareceu então


acordar de fato e seus olhos azuis estavam quase saltando das

órbitas. — Eu prometo que te explico o que puder depois.


— Ok... — falou, e o empurrei para dentro, para apressá-lo.
— Vai ficar aí enquanto me troco?

— Não é como se eu nunca tivesse te visto nu. — Ele


passou as mãos pelos cabelos, como se não pudesse crer. —
Rápido.

Ele então correu até o banheiro, e escovou os dentes.

Logo voltou, jogando a bermuda longe e ficando apenas numa


boxer branca que me fez quase babar e esquecer o que estava

fazendo ali.

— Para sua sorte, hoje eu não dormi pelado.

— Minha sorte? — indaguei, sem poder evitar, e notei-o


morder o lábio inferior.

— Você ainda vai ser a minha morte. — Sua voz foi quase

um sopro e se não fosse tão atenta e tivesse uma ótima audição,


jamais ouviria.

— Ok, precisa saber de duas coisas: ela é Yumi Kang,

minha madrinha e tia, basicamente. Segundo: ela vai me chamar

de pacotinho e você vai agir como se já soubesse de tudo isso há


tempos.
Alfredo franziu o cenho, mas assentiu em seguida. Então

ele veio para perto de mim, e segurou minha mão. Olhei-o sem
entender por completo, mas assenti, quando a ficha caiu. Eu

precisava parecer em um casamento... Ok, por Yumi.

Não era tão estranho porque ficamos mais próximos depois


daquele almoço, mas ainda assim, o calor que emanava dele, me

acertava em cheio. Assim que descemos as escadas, consegui

vislumbrar minha madrinha com os olhos brilhando em direção a

Alfredo.

— Ela não vai entrar na casa, então não a convide —

sussurrei para ele, antes que nos aproximássemos e torci para

que fosse o suficiente.

Por ora. Nunca imaginei que minha madrinha apareceria

naquela porta. Ao mesmo tempo que estava um caos porque não

queria que ela soubesse que era um contrato, estava feliz por vê-

la superar mais uma parte de seu trauma.

— Então esse é o cara lindo e gostoso que fisgou o

coração do nosso pacotinho — falou e eu quis abrir um buraco e

me enfiar. Alfredo deu passos para fora da casa, ficando à frente


dela, que o puxou para um abraço. Ele me encarou sobre o
ombro e eu apenas fiz um joinha, como se estivesse tudo bem. —

É ainda mais bonito que nas fotos — falou, ao se afastar.

— É um prazer, senhora Kang.

— Yumi ou madrinha ou Noona, apenas — falou, e

segurou a mão dele, suspirando fundo. — Eles iam amar te

conhecer, tenho certeza. — Seu olhar parou no meu e eu me

calei, sem saber o que dizer. — Eu estou amando, confesso. Não


sei por que, mas desde que soube do casamento, senti que foi

uma ótima escolha.

— Obrigado pela confiança — Alfredo falou de forma tão

sincera, que até me tocou. — Só quero que Verônica seja feliz, na


verdade.

Seu olhar azul parou brevemente no meu e era como se

não fosse algo que ele inventasse apenas para convencê-la.

— Eu quero saber de tudo sobre vocês, sério — falou e


respirou fundo. — Mas acabei de chegar de um voo de quase

vinte e quatro horas entre mil aviões então... Preciso ir para o

hotel dar uma descansada. Podemos marcar um jantar amanhã?

— Meus irmãos e alguns amigos vão aparecer para o

almoço hoje, se quiser... — sugeri e ela me encarou com carinho,


logo vindo segurar minha mão. — Eu sei, eu sei!

— Eu posso tentar, quem sabe? — indagou, e eu assenti,


sentindo sua mão segurar a minha com força. — Mais motivação,

de poder ver e conhecer todos que estão na sua vida atualmente.

— O que conseguir, madrinha.

Ela então tocou minha testa com os dedos médio e


indicador e segurei tudo de mim para não desabar.

— Senti saudade — admitiu, e me puxou novamente para

seus braços. — Prometo que vou dar meu melhor.

— Você sempre deu — falei, pois era a mais pura verdade.

Eu não estaria ali se não fosse pela força, que mesmo a distância,

ela sempre me dera. Yumi Kang era uma parte de mim e sempre
seria. Um das que me mantinha de pé.

— Aliás, Rodinei está ainda à frente da segurança? —

indagou, e eu assenti. — Preciso encontrá-lo, aliás.

— Ele deve estar na casa no final da rua, ele comprou há


alguns anos. — Ela pareceu pensar, e foi quando levantei meu

olhar e soube que ela não precisava procurar tanto. — Ou pode

virar e encontrá-lo.
Ela o fez, e foi como assistir a um dorama na vida real. Os

dois se olharam, e aquele sentimento que pareciam tanto

esconder, e que parecia impossível, praticamente explodiu. Senti

braços fortes ao meu redor, puxando-me para perto, e tentei


ignorar, que talvez, só talvez, eu me sentisse da mesma forma,

que o olhar das pessoas à minha frente revelava, para com o

homem que agora estava em torno de mim.

— Não precisa me explicar nada que não esteja pronta. —

A voz de Alfredo foi apenas um sussurro. — Estou aqui para te

ajudar, no que precisar.

Desviei da cena de reencontro à minha frente e olhei para


o homem ao meu lado. E era tão diferente de tudo, aquele toque

que me deixava em combustão, também acalmava todos os

furacões que se formavam dentro de mim. Não consegui dizer


nada, apenas fiquei ali, em seus braços por alguns instantes.

Poderia ser uma atuação, mas a sua sinceridade e o que

eu sentia, não eram.


CAPÍTULO 20

“E diga, diga que conseguimos

Eu sou uma bagunça

Mas sou a bagunça que você queria

Oh, porque isso é a gravidade

Oh, mantendo você comigo” [36]

VERÔNICA

Isso aqui está lotado de crianças, seus irmãos, irmãos


Torres... Se Carolina soltar outra piada de duplo sentido, acho que

Igor vai esganá-la.


A mensagem de Alfredo me fez gargalhar, enquanto já

estacionava na frente de casa. Tinha ido à empresa e resolvido o


que precisava rapidamente. Era domingo e eu nem deveria estar

fora de casa, contudo, eram ossos do ofício. E estava

acostumada a ter um ou dois domingos no mês tomados pelo


trabalho, fosse fora ou dentro de casa. Desci do carro e encontrei

Rodinei encostado próximo à entrada.

Caminhei até ele, porque sabia que ele nunca se mostrava

assim, se não fosse por um motivo maior. Ele não era meu pai,

não biologicamente, nem sentimentalmente. Mas foi graças a ele


que eu tinha chegado até os Reis. Até Pedro Reis. E de certa

forma, sua rejeição me trouxe a família que era destinada a ser

minha.

— Bom dia — falou, e eu assenti, encarando-o. — Eu sei

que sou só mais um velho, e que já tivemos algumas conversas

antes sobre meu irmão e Sérgio... — suspirou fundo, e sabia que

era difícil para ele. — Nunca falei sobre Yumi com você, Verônica.

— Ela gosta de você — falei, sem querer fingir algo que

nem mesmo ela o fazia. — Sei que você dois têm uma história,

não tão bonita, mas é de vocês.


— Ela vai ficar na minha casa, no tempo que estiver aqui
— informou e parte de mim ficou mais calma e feliz, por saber que

ela estaria tão perto. — Só queria te avisar, e te prometer que eu

jamais faria algo para machucá-la.

— Você não é Reinaldo ou Roberto, tio — soltei, e notei os

olhos marejados do homem à minha frente. Sabia que demorou

para Rodinei entender a importância que sua família tinha e quem

era de fato, mas estava claro que ele sentia a culpa pelo que os

irmãos fizeram, mesmo que não propositalmente. — Você não

tem dívida alguma comigo ou com meus irmãos. Só quero que


fique bem, e Yumi faz isso.

— Obrigado, pequena.

Ele sorriu e fiz o mesmo, vendo-o se afastar.

Mudei minha direção para dentro de casa, e não me

surpreendi ao ouvir gritos, ainda sem nem mesmo ter aberto a

porta. Quando o fiz, quase fui atacada por uma bagunça de

crianças pequenas, e me firmei para não cair.

Aquele era o tipo de almoço de domingo que eu passei a

adorar. Amava quando éramos apenas nós cinco quando era

criança. Amava quando se tornaram outros cinco quando fiquei


maior, até cada um seguir seu caminho. Contudo, agora éramos

muito além de cinco, e eu amava aquilo.

— Olá a todos — falei e passei as mãos pelos cabelos de

alguma das crianças que correu em direção à outra, e nem me


deu tempo de ver com clareza.

Notei que estavam todos que vieram ao nosso casamento

bem ali. Ou seja, a família Reis e Torres estava completa, uma


mistura que eu jamais pensei que gostaria. Ainda mais pelo mau

começo que tive com Olívia.

Foi quando vi Carolina se escondendo atrás de Tadeu, que

parecia apenas apreciar a cena, e Murilo segurando Igor.

— Preciso me intrometer nisso? — perguntei ao me

aproximar, e vi Igor bufar baixinho.

— Eu sou inocente — Carolina falou, e a encarei como se

soubesse que tinha mais nisso.

— Ela provocou Igor falando que você estava na cama com


Nero, por isso estava demorando — Lisa falou, chegando ao meu

lado, com Theo em seu colo. Desviei dos meus irmãos, para fazer
um carinho nos cabelos dele e sorri para meu sobrinho. — Igor

tem sido esse brucutu aí.


— E eu achando que Inácio era o bruto — Mabi soltou,

sentada no sofá com o filho no colo e o marido próximo, que a


encarava inconformado. — O quê, velho?

— Vou fingir que não ouvi isso, criança.

Desviei do casal número um dos Torres e foquei nos meus

irmãos.

— Dou dez segundos para pararem com isso e irem se

sentar na mesa. — Minha voz saiu em tom de ordem e Tadeu


segurou uma risada. — Dez...

— Odeio quando ela me faz sentir um adolescente.

— Não aja como um, então — Valéria comentou,

aproximando-se e puxando Tadeu. Igor a encarou embasbacado


e ela piscou. — Ia trazer Gael, mas ele tava enrolado com alguma
coisa com Rique e Paola.

Dei uma breve olhada ao redor e notei Alfredo em um dos


sofás com Primavera no seu colo, brincando com a afilhada e
parecia genuinamente o seu lugar. E só conseguia pensar que

talvez fosse melhor Gael não aparecer. Ele sabia provocar, e com
certeza, saberia que botões apertar para deixar Alfredo sem jeito.
— Devo encontrá-lo na festa que tem essa semana, dos
Lima — comentei, e Murilo fez uma careta.

— A sorte de não ter que ir mais nessas coisas. —


Levantou as mãos aos céus.

— Posso conseguir convites, não quer? — provoquei e ele

arregalou os olhos. — É o aniversário do senhor Lima, e bom, vai


ser um bom momento para Gael voltar a aparecer.

— Tomara que ele não quebre a cara de alguém — Valéria


comentou e pareceu pensar sobre. — Talvez eu devesse ir...

— Nem pensar — Tadeu comentou e ela o encarou como


se fosse possível pulverizá-lo. — Você acabou de ter um bebê, vai
se estressar com essas coisas?

— Nisso, eu tenho que concordar — intrometi-me, tentando


salvar a pele do meu irmão. — Foque em Vitor por agora, depois

que ele estiver maior, aí sim, você pode voltar a aparecer, porque
lidar com tudo isso agora, pode ser cedo demais.

— Só porque você me convenceu, Verô. — Tadeu fez uma

carranca, e eu quase ri dele. — Aliás, eu ajudei a escolher a


comida, mas não tenho ideia se acertei.
— Eu acho que não tem como errar com lasanhas de
vários sabores. — Abigail se aproximou, com Alfredo em seu
encalço, que trazia Primavera consigo. — Podemos comer?

— Vou só deixar minha bolsa no escritório aqui debaixo —


comentei e me virei para meus irmãos. — Os ajude com a mesa

— eles assentiram e segui em direção ao escritório que tinha ali,


mas que raramente usava, só quando alguém me visitava, como
Gael fez.

Joguei minha bolsa sobre a mesa e ouvi batidas na porta,

que me fizeram levantar a cabeça. Surpreendi-me ao encontrar


Alfredo ali.

— Aconteceu algo? — indaguei, afastando-me da mesa e

indo em sua direção.

— Só queria saber se está bem.

Sua fala tinha uma amplitude de sentimentos que eu não

conseguia compreender de fato, mas fiquei presa na mesma.

— Sempre estou bem — respondi, sem querer falar da

bagunça que me sentia, desde o segundo em que Yumi apareceu.


Tinha usado o trabalho fora para tentar ignorar tal sensação e não
pensar demais na saudade que sentia. No passado que nunca

pôde se tornar um futuro.

— Realmente?

— Pensei que não queria explicações — comentei,

notando seu olhar azul preocupado.

— Não é que eu não queira, eu respeito que não possa se

abrir. — Olhou-me profundamente. — Mas isso não me impede de

ficar preocupado.

— Onde mais vai me surpreender, Alfredo? — indaguei,


levando uma das mãos ao seu peito e pude sentir seu coração

disparado. — Sempre na defensiva, sendo diferente comigo do

que é com qualquer outra mulher, e agora parecendo protetor e

preocupado... O que mais pretende fazer para continuar sendo


uma incógnita?

— Sou mais óbvio do que imagina. — Ele deu uma leve

risada, mas levou a mão até a minha. — Quem sabe um dia


possa te falar abertamente.

— Estarei esperando por isso.

Ele então se afastou e segui para fora do cômodo, em

direção à grande mesa, onde todos já estavam sentados. Notei


que Carolina batia em Igor com um pano de prato, que reclamava

de o lugar ao meu lado estar vazio, e que ela tinha deixado

justamente para ser o de Alfredo.

Alfredo pareceu não pensar quando puxou a cadeira para


que eu sentasse e senti os olhares de todos sobre nós. Olhei em

direção a Inácio, que parecia o único não muito ligado a fanficar

sobre o que acontecia à sua frente. Ao menos, alguém.

— Eles também agem como adolescente às vezes? —

perguntei em direção ao mais velho dos Torres, que quase me

entregou o vislumbre de sorriso.

— Quase sempre, devo dizer.

— Como assim, Ná? — Olívia foi a primeira a refutar.

Vi então Júlio jogar o pano de prato no irmão e Bruno

começar a listar todas as vezes que agiu como um adulto. A

bagunça se instalou e senti o olhar de meus irmãos sobre mim,


como se soubessem exatamente o que eu estava fazendo, mas

os ignorei.

Uma ótima saída para que todos focassem em nós e não


na atitude de Alfredo, o qual sentia os olhos azuis em cada parte
de mim, e parecia não conseguir fugir. E quando o encarei, eu

também não queria.


CAPÍTULO 21

“Eu me lembro do dia

Até anotei a data

Que me apaixonei por você” [37]

ALFREDO

— Yumi disse que precisa de um tempo a mais para


podermos ir jantar com ela. — Verônica falou, focada em seu

telefone, enquanto descia as escadas. Eu estava jogado no


enorme sofá daquela sala e agradecendo aos céus pelo silêncio,

já que todos tinham ido embora na segunda de manhã. Não que


eu não gostasse de barulho, mas para um cara introvertido, era

difícil se acostumar com uma casa cheia. Aos poucos, eu ia


tentando.

— Quando ela quiser, eu estarei lá — falei, mudando as


séries e tentando encontrar alguma que gostasse.

Parei na parte de doramas e vi o exato segundo em que

Verônica se sentou em uma poltrona, que tinha uma visão

privilegiada da televisão, parecia que aquele lugar gritava por ela,


por aquilo, nem cogitei me sentar ali. Quanto mais longe melhor,

mesmo estando na mesma casa.

— Nunca assistiu dorama? — perguntou e se não

estivesse digitando algo no celular, juraria que ela estava

prestando atenção. No caso, ela poderia ser multitarefas. —

Posso recomendar algum?

— Um que me prenda, por favor — pedi e respirei fundo. —

Estou quase reassistindo Shingeki antes de sair a última

temporada.

— Por que não vê Spy x Family?[38] — indagou e

finalmente seu olhar parou no meu. — A tevê tem acesso a todo


tipo de conteúdo oriental, é só me pedir, que posso te ensinar a
achar.

— Eu já ouvi falar nesse. — Tentei buscar na minha


memória. — Era um mangá, certo?

— Sim, baseado no mangá que também foi um sucesso —

argumentou e se ajeitou melhor na poltrona. — Se quiser, aí estão

disponíveis alguns episódios.

— Ok, vou tentar.

Ela assentiu e voltou a mexer no celular. Não saberia dizer

como consegui achar o canal em que tinha o anime e em poucos

minutos, já estava compenetrado nele. Era fofo, precisava dizer, e

ao mesmo tempo, me instigou por completo. Não tão trágico e


enérgico como Shingeki, mas eu sabia que ia atrás do mangá se

ele não estivesse todo adaptado.

Quando acabou o primeiro episódio, me assustei ao sentir

algo sendo colocado no meu colo. Pisquei algumas vezes, até me

acostumar que era um balde cheio de pipoca, e vi Verônica seguir

para a poltrona e se sentar, com um balde apenas dela.

— Obrigado — falei, e ela assentiu.


— Tem refrigerantes na geladeira, energético, suco...

Trouxe esse daí. — Apontou para a Coca-Cola que só agora


havia notado em cima da mesa de centro. — Achei que seria mais

fácil de acertar seu gosto.

— Sou bem básico... — admiti e meu olhar se prendeu no

seu. — Quer dizer, para comida. — Limpei a garganta e ela ainda


me encarava. — Vai assistir também?

— Eu estou assistindo, na verdade. — Levantei as mãos

em sinal de rendição e recoloquei o episódio.

De repente, dividir com ela momentos tão rotineiros quanto

aquele me deixaram realmente ainda mais sonhador. Como eu


podia me iludir tão facilmente? A questão era, quando eu não me

iludia quando se tratava dela?

Os minutos se tornaram horas, e quando vi, já tínhamos

terminado a primeira temporada toda. Mesmo que fossem tão


poucos episódios, eu queria mais, e como já imaginava, assim
que procurei, ainda não tinha sido toda lançada.

— Eu tenho o mangá — Verônica falou, enrolando-se em


uma manta e carregando o balde de pipoca que estava consigo já

vazio até o meu.


— Eu tiro as coisas e lavo — avisei e não deixei que

continuasse, pegando o balde de sua mão, mas não deixando de


notar o arrepio que percorreu meu corpo pelo breve encostar das

mãos.

Levei tudo até a cozinha, jogando fora as latinhas de Coca-

Cola e lavando os baldes de pipoca em seguida. Senti que


alguém me seguia com o olhar. Não qualquer alguém – ela. Assim

que terminei, tentando não derrubar ou estragar nada, me virei e


tentei fingir surpresa ao vê-la encostada contra a entrada da
cozinha.

— Se quiser, pode ler — comentou e eu não podia


disfarçar minha animação diante daquilo.

— Eu posso comprar e ler também.

Ela arqueou uma sobrancelha como se aquilo fosse um

desafio.

— Vai mesmo negar quando alguém tenta te emprestar

algo precioso assim? — indagou, aproximando-se e eu quase


perdi o fôlego.

Se eu a achava linda em outros momentos, ali, enrolada

em uma manta, com o rosto já sem maquiagem após um dia de


trabalho, jurava que ela ficara ainda mais linda. Existia algo nas
partes dela que eu encontrava e que nunca vi antes, que me fazia
ansiar por mais.

— E se eu estragar? — indaguei, quando se aproximou


muito e segurei minhas próprias mãos para não a tocar.

— Você me compra outro — falou simplesmente e não


tinha mais argumentos. — Ou será que quer fazer outra coisa que
não seja ler?

— Verônica...

— O quê? — fez-se de inocente, passando a língua pelo


lábio inferior, e eu quase caí por completo.

Levei minha mão até seu pescoço e pressionei levemente,


sem conseguir me conter.

— Como pode ser tão provocadora? — indaguei, trazendo-

a para ainda mais perto e notei sua respiração mudar. — O que


quer de mim? — perguntei e ela então teve que ficar na ponta dos

pés e mordeu meu lábio inferior, fazendo-me apertar ainda mais


seu pescoço e quase gemer.

Aquela tensão explodindo por cada canto.


Quando estava prestes a devorar sua boca o barulho do
que agora sabia ser o toque do celular dela, fê-la sorrir
diabolicamente e se afastar. Soltei-a, completamente perdido.

— Eu tenho uma reunião de última hora...

— Sabia disso. — Arrisquei e ela apenas deu de ombros,

saindo em seguida.

— Puta merda! — reclamei para o silêncio da cozinha e


fiquei incrédulo. Aquela mulher queria tirar minha mente, só podia

ser. Como seria se todo dia debaixo do mesmo teto fosse assim?
CAPÍTULO 22

“E você levou cinco minutos inteiros

Para arrumar nossas malas e me deixar com isso

Segurando todo esse amor aqui fora no corredor” [39]

VERÔNICA

— Por que realmente estou aqui?

Alfredo parecia mais querer morrer do que estar usando a


gravata em seu pescoço. Não pude evitar meu olhar percorrendo

cada centímetro dele, perfeito em um terno sob medida. As

tatuagens evidenciadas no pescoço e parte das mãos, e eu me


perguntava se teria alguma outra nova desde a vez em que as vi

por completo. Queria poder ter decorado e descoberto a história


de cada uma delas.

— Porque é meu marido — falei, parando à sua frente, e


levando minha mão até a gravata, fazendo-o cambalear

levemente para a frente e refazendo de forma correta o design da

peça. — Porque Yumi está nos observando.

Subi meu olhar e encontrei o azul do seu. Ele parecia preso


aos meus olhos por alguns segundos, e tinha certeza de que

nossos pensamentos eram os mesmos.

— Não devíamos...

Falamos praticamente juntos, quando sua boca tomou a


minha novamente e agarrei-me a ele como se minha vida

dependesse daquilo.

Por alguns segundos até mesmo pareceu que dependia.

Mas eu não podia me apegar àquilo, não agora. Estávamos em

um aniversário de um grande empresário, que na verdade, era o

disfarce perfeito para conseguirem contratos e contatos.

Eu estava acostumada a frequentar aquele tipo de festa

desde os dezesseis anos. Minha avó tinha me mostrado como


seria aquilo, caso um dia, eu precisasse estar ali. Já fazia tanto
tempo, que muitas vezes, eu apenas estava em modo automático.

O lado bom das pessoas te respeitarem, ao mesmo tempo


que temem, é que não tem que se esforçar para agradá-las. Era

sempre o oposto. Passei levemente as mãos no terno de Alfredo,

sem tocá-lo de fato, e o ajeitei.

— Odeio esse tipo de coisa.

— Percebi no dia em que nos conhecemos — comentei

casualmente, e aceitei o champanhe que estava sendo servido. A


expressão de Alfredo mudou e vi-o levar a taça que acabou de

pegar à boca e quase virar. — O que foi?

Ele apenas negou com a cabeça e continuou a beber.

— Não se lembra de nos conhecermos aqui ou do

champanhe que caiu sobre você?

Ele quase engasgou e vi-me olhá-lo sem entender

absolutamente nada. Muitas vezes, Alfredo era uma completa

incógnita, e aquele era um dos momentos. Por que ele aprecia

estar tão ligado a tal informação?

Vi-o respirar fundo e apenas segurar a taça vazia e resolvi

não indagar novamente. Não naquele instante.


— Ótimo!

Sua voz era apenas um sopro e foi quando meu olhar

seguiu o seu, e encontrei Gael dentre algumas pessoas. Ele

conversava com o dono da festa, e parecia estar voltando aos


poucos ao lugar de herdeiro dos Fontes. Há coisas, que por mais

que você negue, apenas são para você. Ele parecia estar
redescobrindo seu lugar.

— Ele é um bom garoto — comentei, por não poder evitar

tentar notar a expressão modificada de Alfredo. Seus olhos azuis


ficaram semicerrados e notei a forma como segurava com força a

taça.

— Eu vou encontrar o banheiro. — falou por fim, apenas se

afastando levemente, e sem me dar chance para dizer algo.

Um quase sorriso surgiu em meu rosto, enquanto

caminhava calmamente atrás dele, porque tinha certeza de que


não saberia como encontrar o banheiro. Aquele salão era enorme
e quem nunca o frequentava, geralmente, precisava ser guiado.

Quando finalmente o alcancei e voltou a minha visão, a


expressão leve que tinha no rosto se foi. Ele tinha o rosto um

pouco corado, e um sorriso aberto, antes de se afastar de uma


das convidadas que eu conhecia bem o nome e sobrenome. A

mulher da idade dele, e com um olhar que o perseguia a cada


passo que ele dava para longe, como se o avaliando.

Apenas fiquei parada, esperando que ela voltasse à


realidade e notasse que eu estava ali.

— Um puto gostoso...

Ela então se virou e seu olhar parou no meu. Sua

expressão foi de arregalar os olhos e sorrir abertamente.

— Senhora Reis. — Fez um leve aceno com a cabeça e eu

tentei descontar o que realmente sentia na taça ainda cheia com


o champanhe. — Procurando o banheiro também?

— Frequento esse lugar antes mesmo de você nascer,


Carina. — Notei o sorriso sem graça em seu rosto e ela parecia
completamente sem jeito. — Gostou do que viu?

— Como assim? Seu vestido maravilhoso que deve ser um


Prada ou Dior...

— O puto gostoso — respondi, cortando-a, e ela arregalou


os olhos, mudando levemente seu semblante. — Gostou?

— Nunca o vi antes e parecia tão perdido... Sabe quem ele


é?
Foi então que notei o real interesse dela em Alfredo e
apenas levei a taça à boca, sorvendo um pouco da bebida.

— Meu marido — respondi, ao descer a taça e notei-a


quase perder o equilíbrio. — E posso te dizer com certeza, ele é
puto de um gostoso.

— Eu sinto muito, senhora Reis... Eu... Eu realmente não


sabia.

— Agora sabe — ela assentiu, e parecia querer fugir dali.

— Reis!

— Acho que é meu momento — falou, e praticamente


correu em seus saltos de perto de mim. O time de Gael a

salvando por completo.

Terminei minha bebida e tentei controlar a raiva que estava


em todo meu interior. Ele corou... Ele sorria para ela... Por que ele

não era assim comigo? Por quê?

— Por que assustou a garota? — Gael indagou, e eu

apenas mantive meu semblante neutro. — Ok, vou entender que


é mais um dos seus charmes adoráveis que todos adoram.

— O que houve?
— Só queria te ver, Noona — comentou e sorriu levemente.
— Estou me adaptando novamente, e graças a você.

— Você tem uma causa e está dando seu melhor... — dei


de ombros. — Sempre soube que tinha potencial.

— Obrigado, mesmo assim.

Ele então ficou muito próximo, e suas mãos vieram para

minha cintura. Olhei-o sem entender absolutamente, e estava


prestes a afastá-lo se não fosse por sua boca estar próxima à

minha orelha e um sussurro.

— Ele não gosta de mim, mas com certeza, gosta de

você... — sorriu em meu pescoço e se afastou. — Pode se


esconder muito bem, mas o fato de estar com ele aqui me diz que

pode ser recíproco, então...

Puxou-me para um abraço e meu corpo todo tensionou,


quando sussurrou novamente.

— Se ele socar a minha cara, vou socar a dele de volta, aí

é bom que pode cuidar dele... — comentou e o afastei

delicadamente com as mãos. — Ele está vendo tudo no fim do


corredor, cinco, quatro, três...
ALFREDO

Eu sabia que aquele filho da puta ia tentar alguma coisa.

Que a mãe dele me perdoasse, mas eu não conseguia


deixar de xingá-lo mentalmente do nome mais horrível que fosse.

Eu fui ao banheiro para controlar a raiva que sentia apenas por

vê-lo no mesmo ambiente. Como explicar o ódio por saber que ele
era tão próximo de Verônica?

E agora, dava de cara com ele, com as mãos sobre ela no

meio do corredor, como se ela fosse toda dele. E o pior, ela não o

afastou. Verônica sentia algo por ele? Verônica teria se casado


para jogar com ele? As perguntas se embaralharam em minha

mente, enquanto cada canto de mim se corroía, e eu caminhava

até ela.

Sem pensar duas vezes, a puxei levemente pela cintura, e

a afastei do mesmo. Ele tinha um sorrisinho no rosto, que se eu

não quisesse parecer ainda mais idiota, tiraria com um soco. E se


ele tentasse mais alguma coisa, com certeza, eu não me

controlaria.

— Nero, não é?

— Alfredo Lopes para você — respondi simplesmente,

sentindo o quão fino o vestido de Verônica era, a ponto de eu

sentir sua pele quente sobre o mesmo. Ou era o fato de ela estar

tão perto?

— Sou ruim com nomes, sabe... Mas o de No... Verônica é

inesquecível.

Respirei fundo e estava pronto para apenas socar a cara

dele.

— Acho que deveria dar uma volta, Gael.

— Eu acho que seria bom ficar mais...

Dei um passo à frente, e apenas senti uma mão em meu

peito, parando-me.

— Boa noite, então. — Ele ainda piscou para ela, e eu

fiquei boquiaberto com tamanha intimidade e audácia.

Ninguém parecia ser tão íntimo daquela forma... ninguém.

Por que ele era?

— O que ele é para você?


— Por que se importa com o que Gael faz ou não? —

indagou, ficando à minha frente, sua mão ainda em meu peito.

— Não me importo porra nenhuma. — Fui honesto. — Me

importo porque sempre parece tão íntima dele.

— Então se importa comigo?

— Sem joguinhos, Verônica — falei por fim, e levei minha


mão até a sua, sobre o meu peito. — O que ele é para você?

Meu coração estava descontrolado e ela podia sentir

perfeitamente, porém, eu não me importava mais. Não me


importava tanto que ela soubesse que consumia minha mente,

mesmo que não pudesse deixar que o fizesse com meu coração.

— Sem joguinhos? — indagou e eu assenti, seu olhar

preso no meu. — Um amigo tentando te provocar, porque acha


que nos gostamos.

Meu coração quase parou.

— Não nos gostamos. — Ao menos, eu sabia que não da

parte dela.

— Mas nos queremos? — não sabia se era uma pergunta

ou afirmação, mas senti suas unhas sobre o terno, batucando

levemente ali. — Ou não?


Não soube o que responder, quando deu mais um passo e

ficou tão próxima, que se eu me mexesse qualquer milímetro,

seus lábios estariam nos meus.

— Vamos para casa.

— Mas não tinha que estar nessa festa e...

— Tenho que estar com você — falou simplesmente, e

afastou-se de mim, e sua mão entrelaçou a minha.

Eu apenas a segui, sem conseguir argumentar ou negar, e


senti como se todas as borboletas em meu estômago quase

voassem para fora. Porra, eu também tinha que estar com ela.
CAPÍTULO 23

“No meio da noite, em meus sonhos

Você devia ver as coisas que fazemos, amor, hm

No meio da noite, em meus sonhos

Eu sei que vou ficar com você, então vou no meu tempo

Você está pronto para isso?” [40]

ALFREDO

— Eu não sei por que está me olhando assim — falei, sem


conseguir admitir a mim mesmo o papelão ao qual tinha me

prestado. Onde eu estava com a cabeça?


— Gael não é um perigo. — Sua voz soou baixa, enquanto

apenas a luz de fora da casa, iluminava levemente seu rosto. Vi-a


tirar os saltos altos e jogá-los para o lado, e seus passos então se

tornaram próximos. — Por que não admite?

— Admitir o que, Verônica? — indaguei, e felizmente,

estávamos no escuro e ela não poderia ver que meu corpo todo

deveria estar vermelho. Não sabia se por vergonha pelo que fiz,
ou pela raiva que ainda sentia.

— Que me quer só para você.

Ri baixo, sem conseguir me impedir, mesmo que engolisse


em seco em seguida.

— Não vamos tornar isso real — falei, e foi tão da boca


para fora, que foi quando seus olhos castanhos pararam nos

meus. — Não podemos.

— Queremos a mesma coisa, querido.

Por que eu gostava tanto do meu nome quando era dito

por ela?

Por que eu gostava daquele bendito apelido?

— Não me chame assim — pedi, e dei um passo para trás,

tentando não me recordar daquela noite. Da noite que parecia


rondar minha mente e me fazia querer esquecer que não éramos
uma verdade. — Sabe que isso é perigoso, Verônica.

— Vai se apaixonar por mim? — perguntou, e senti uma de


suas mãos sobre meu peito, e ela podia sentir meu coração

acelerado ali. — Vai me deixar quebrar seu coração?

— Não para a primeira pergunta — falei, pois era a

realidade.

Como eu poderia me apaixonar novamente pela mesma

pessoa?

— Então me deixe quebrar seu coração, o tanto quanto

quero que quebre o meu — assumiu e suas unhas passaram

levemente pelo meu pescoço, puxando-me levemente para si. —


Sei que quer o mesmo...

— Verônica...

— Que quer estar sobre mim e me exigir como sua. — Sua

voz era tão baixa, que se não fosse o completo silêncio do local,

não a ouviria. — Que quer me domar.

Suspirei fundo diante do seu toque e minhas mãos

coçaram para tocá-la, e trazê-la. Eu a queria tão perto quanto

naquela noite. Queria poder exigir novamente que era minha.


Queria poder acreditar por alguns segundos que ela era toda

minha.

— Me beija — falei, meu tom mudando por completo, e

cedendo tanto a ela, quanto a mim mesmo o que eu queria.

Ela não hesitou e seus lábios vieram para os meus.


Apenas sua boca na minha, e senti cada parte do meu corpo

gritar por mais. E eu queria tê-la com paciência, diferente de


antes. Não queria apenas parecer sedento por ela, o que

novamente, parecia impossível.

O ar faltou e ela se afastou, respirando fundo.

— Eu te disse para parar? — indaguei, e desci minhas


mãos levemente pelas laterais do seu corpo, e senti como ela era

quente, mesmo sob o fino tecido do vestido. Parei as mãos bem


na cintura onde ele segurou, como se tivesse algum direito.

Apertei o local a ponto de fazê-la quase gemer, e podia sentir


seus olhos atentos aos meus.

— Eu te disse que ia deixar me domar?

— Não — falei, e puxei-a de forma que a coloquei contra a


parede, sobrando quase nada entre nossos corpos. — Mas eu sei

que você quer isso... — sussurrei perto de seu pescoço. — Eu sei


que é o meu toque que quer bem aqui... — apertei-a com ainda

mais força, e com certeza, a marca de minhas mãos ficariam ali.


— E não o dele.

— Quem te garante?

Olhei-a de imediato, ainda pressionado contra seu corpo.

— Quem não me garante, bebê? — notei seu olhar mudar


rapidamente, e eu sabia que ela gostou daquele apelido. E me

enlouquecia ela corresponder tão perfeitamente a cada


insinuação, escolha ou toque que lhe entregava. — Sua boca ou
seu corpo?

Assim que ela abriu a boca para dizer algo, minhas mãos
entraram sob seu vestido e sentia-a nua ali. Fechei os olhos por

alguns segundos, tanto para recuperar meu controle pelo quão


molhada ela estava, quanto para não pensar que ela esteve

daquela maneira a noite toda.

— Eu tirei no carro. — Sua voz me fez acordar, e encará-la,

enquanto sua cabeça estava jogada para trás. — Eu sabia que ia


gostar.

— Gosta de me ver te querendo, não é?

— Gosto de toda merda que vem com você.


Sua mão fechou levemente no meu pescoço, puxando-me
para si, e nossos lábios tão próximos que eu morreria por aquele
beijo.

— O que estamos fazendo, Verônica? — perguntei, no


lapso de lucidez que me atingiu, sentindo-a tão quente em minha

mão, e meu corpo tão entregue ao dela, que a teria contra aquela
parede na sala de estar.

— Não ligando para nada.

Ataquei sua boca, enquanto a levantava até minha cintura


e ela entrelaçou as pernas perfeitamente. Uma de minhas mãos a

segurando pela bunda, que eu marquei da outra vez e queria de


novo. Enquanto ela me segurava pelo pescoço com uma e abria a

minha calça social que já parecia tão incômoda a ponto que eu


não suportava.

— Me diga para parar. — Praticamente implorei, quando se


encaixou perfeitamente em mim, e minha testa encontrou a sua.

— Nunca.

Sua resposta veio junto a um gemido quando a tomei de


uma vez, fazendo ambos perdermos a respiração por alguns

segundos. E ali estava eu, no inferno e paraíso pessoal, sem


acreditar que aquela mulher era minha – mesmo que por alguns
segundos.
CAPÍTULO 24

“Não tenho muita certeza de como me sentir quanto a isso

Algo no modo como você se mexe

Me faz sentir como se não pudesse viver sem você

Isso me leva do começo ao fim

Eu quero que você fique” [41]

VERÔNICA

Se em algum momento pensei que o beijo dele se tornaria


menos viciante após o primeiro, eu estava errada. Quanto mais a

boca de Alfredo se encontrava com a minha, mais eu gostava de


me perder por completo nela. Suas mãos me prenderam contra o

tapete, uma em meu pescoço a outra descendo perigosamente


pelo centro do meu vestido já quase arruinado.

Seus lábios vieram novamente para os meus e eu estava a


ponto de implorar para que tomasse novamente. O ar me faltou

quando senti sua boca descer para os meus seios, e sequer tinha

ideia de como saímos da parede e fomos parar ali.

— Para de me torturar, Alfredo. — Não sabia dizer se era


uma ordem ou uma súplica.

— Eu não estou mais dentro de um carro, sem muito


espaço... Sabe o que eu sempre quis, todo esse tempo? —

indagou, sua boca perigosamente pairando em minhas coxas,

enquanto o vestido já estava apenas o resto de um tecido sobre

mim.

— O quê? — minha voz quase não saiu quando senti seus

dentes em minha coxa.

— Sentir o seu gosto. — Sua língua encontrou o lugar que

eu mais necessitava e senti o aperto de sua mão em meu

pescoço se soltar, descendo até minhas pernas, abrindo-me para


ele. — Como seria te ver desmanchar na minha língua.
Antes que eu pudesse reclamar de que ele deveria parar
de falar e fazer, sua boca me tomou. Minha cabeça que estava

levantada um pouco, apenas para olhá-lo, caiu para trás de

imediato. Minhas unhas se arrastavam pelo tapete, procurando

algo em que descontar o prazer que ele me fazia sentir.

Como ele poderia saber exatamente como me deixar à sua

mercê?

— Vira. — Exigi, encarando os olhos azuis que estavam

dilatados e claramente obstinados a me dar prazer, e quase não

resisti ao gemer mais alto. — Alfredo...

— Terá todo o tempo do mundo para me fazer gozar, bebê.

— Sua voz soou baixa e perigosa, e senti um leve sopro contra a

pele, fazendo-me arrepiar. — Hoje é tudo sobre você, apenas

você. Uma punição por ter me provocado desse jeito...

— Então vou ter que te provocar mais. — Senti seus

dentes contra a pele sensível e fechei os olhos pela forma como

meu corpo todo parecia já perto do orgasmo. — Porra!

— Sou apenas eu, bebê — falou contra mim, e logo sua

língua me tomou novamente.


Tentei ficar presa em seus olhos, mas a cada segundo,

ficava mais difícil de focar. Eu só sentia milhares de pontos do


meu corpo querendo se desintegrarem. Quando estava pronta

para cair, senti-o se afastar e minha ira ficou presa na garganta, já


que o senti me tomar por completo. Meu corpo explodiu ao seu
redor, apertando-o e senti o seu gemido próximo ao meu ouvido.

— Caralho — gemeu, levantando minha perna, a ponto de


castigar minha bunda com dois tapas, como se para me punir pela

forma que o fazia sentir. Eu sequer raciocinei por alguns


segundos, enquanto meu corpo voltava do céu e sentia o

orgasmo ser prologado por cada encontro do seu corpo no meu.


— Você me aperta tão bem, bebê.

Minhas mãos foram até seu pescoço e o puxei para mim,

sentindo meu gosto nos seus lábios, e gemendo pela forma


possessiva como cada parte daquele corpo tatuado me tomava

para si. Tudo dele me tomando e eu aceitando de bom grado.

— Gostosa. — Sua boca se afastou da minha, e senti-o

castigar minha bunda novamente, fazendo-me quase gritar. Ele se


afastou, fazendo-me olhá-lo incrédula, mas senti o exato segundo

que tentou virar meu corpo e queria me apoiar no sofá.


— Peça por favor — falei, e senti-o usar toda sua força

para me deixar de costas para si, e beijos foram depositados por


toda minha coluna.

— Eu faço tudo o que desejar, bebê — sussurrou, suas


mãos chegando até minha bunda, e me fazendo gemer pelos

beijos que ainda colocava por toda minha pele. — Se for para ter
você nua, bagunçada e molhada para mim... eu peço por favor

todos os dias.

— Me fode, Alfredo — exigi, fazendo-o se colocar atrás de


mim, e senti uma de suas mãos passar por meus seios, que

estavam carentes por sua atenção. Tudo de mim queria que cada
parte dele estivesse presente.

Ele não falou mais nada, mas senti sua respiração mudar,
assim que entrou em mim novamente, e me puxou para perto de
si. Estava de costas, quase gritando pela forma que tudo nele me

tomava naquela posição. Sua mão que estava em meus seios


subiu até meu pescoço, arqueando-me como bem entendia, e eu

tive minha cabeça caindo para trás contra seu ombro, castigando-
o como podia. Minhas unhas em cada parte de sua pele que

podia encontrar, apertando-o até sentir sua respiração mudar e


ele aumentar os movimentos.
Senti sua mão subir até minha boca, e chupei seus dedos
como o faria na próxima vez que tivesse a chance de tê-lo. Como
eu também tanto desejava. Lamber cada bendita tatuagem que

eu não tive oportunidade por estarmos dentro de um carro,


mesmo que grande, na primeira vez.

Ele se afastou levemente, para sua mão que estava na


minha cintura, encontrar minha bunda e apertar. Gemi e meu

corpo todo foi de encontro ao dele, que gemeu baixo contra meu
pescoço, e sabia que estava quase perdido.

— Será que eu tenho que te marcar, bem aqui... — sua

língua lambeu meu pescoço e quase me desfiz ali mesmo. Tão


perto do segundo orgasmo que eu não conseguia mais pensar. —

Alguém vai perceber que é minha?

— Mas eu sou. — A resposta saiu nublada pelo prazer e

pela parte minha que tanto desejava aquilo. Ser dele. Pertencer a
ele. — Assim como você é meu. — Minha voz até mudou, porque
era exatamente aquela troca que eu buscava. Ele ser meu. Ele

me pertencer.

Sua boca encontrou a minha, e senti-o gemer em meio ao

beijo, e cada parte de mim queimava pela maneira como ele me


tomava. Cada vez mais forte. Cada vez mais certeira. E eu estava
quase perto do orgasmo, que não consegui beijá-lo e apenas caí
com a cabeça para trás e gemi.

— Isso, bebê. — Sua voz grossa, parecendo treinada para


me fazer desfazer. — Goza pra mim. — O tom de ordem,
acompanhado dos toques certeiros e ele procurando o próprio

prazer, me fez chegar ao mais alto prazer, e chamar pelo seu


nome.

Não demorou mais que segundos para Alfredo também

chegar ao orgasmo, e senti a bagunça que éramos perdidos nos

braços um do outro. E a forma como os olhos azuis permaneciam


dilatados, mas um sorriso se abriu em seu rosto, me mostrava a

dualidade que eu adorava nele. E eu o queria. Não apenas aquela

versão que me fazia explodir por cada poro. Mas ele todo, cada

pedacinho.
CAPÍTULO 25

“Isso não é para o melhor

Minha reputação nunca esteve pior, então

Você deve gostar de mim por quem eu sou

Sim, eu quero você” [42]

VERÔNICA

Ouvi meu celular tocar.

Parecia tão distante que pensei ser um sonho. Ou eu

estava presa em um sonho em que o trabalho me visitava.


Senti algo quente ao meu redor, e me aconcheguei, sem

conseguir evitar de notar o quanto era duro e macio ao mesmo


tempo. Pisquei algumas vezes, quando o barulho continuou e

forcei meus olhos a se abrirem. Mesmo se fosse um sonho, eu

deveria estar dormindo nele.

Quando o fiz, vi que estava totalmente enrolada contra o

corpo de Alfredo. Olhei-o por inteiro, o semblante claramente


incomodado enquanto dormia, mas que parecia se negar a

realmente despertar. Desvencilhei-me do grande corpo a

contragosto, e quando pensei que sairia sem acordá-lo, senti


braços me puxarem de volta.

— É domingo.

Quase ri do seu resmungo, e notei que ainda estava de

olhos fechados.

— Exatamente por isso, deve ser extremamente

importante.

— Odeio seu trabalho. — Olhei-o surpresa, quando seu

olhar finalmente se abriu, encarando-me. — Ser CEO de uma

empresa grande só te tira mais tempo de estar comigo.


— Temos um ano pela frente, Alfredo. — Notei seu olhar
mudar por um segundo e quase me arrependi de dizer tal coisa.

Mas eu precisava, porque era a realidade.

— Ainda assim, é domingo e está frio — insistiu, como se

ignorando minha fala. — Fica aqui, que eu trago o bendito celular.

Puxou-me para perto, dando um leve beijo e vi-o se

levantar no segundo seguinte. Segurei um suspiro diante do corpo


todo tatuado e nu, que caminhou primeiramente até a cueca,

como se enrolando, e logo rumou em direção à minha bolsa,

jogada na porta da frente de casa.

A casa que agora era nossa.

A casa que nunca pensei que dividiria com alguém além


dos meus irmãos e gatos. Mas dividia com ele.

— Pietro. — Leu o nome no visor, antes de voltar até mim,


e me entregar o celular. Ele tinha uma carranca, e eu revirei os

olhos. — Por que sempre tem tantos homens ao seu redor?

— Tem muito mais mulheres — falei, atendendo a ligação.

— Verônica Reis

— Lauren Ferreira está na frente do condomínio,

claramente desesperada e com os olhos inchados. — Franzi o


cenho, sem entender nada. — Deixo-a entrar, senhora?

Pensei sobre e uma questão me veio em mente – Bianca.

Por que a mãe da ex-esposa do meu irmão estaria ali? Depois de

tantos anos da morte da filha?

— Pode deixar, Pietro — suspirei fundo. — Obrigada.

Desfiz a ligação e notei o olhar de Nero ao meu redor, que


já se aconchegava sob os cobertores que eu nem sabia como
tinham chegado à sala.

— Problemas sérios?

— Ainda não sei — admiti, e era estranho ter alguém tão


atento ao que me acontecia. Alfredo Lopes tinha o poder de fazer

minha guarda descer, mesmo que eu não permitisse. — Vai ter


que ir para o quarto.

— Para o seu quarto?

— Estamos mesmo fazendo isso? — indaguei, e ele fez um


leve bico. — Você parecia bem receoso ontem à noite.

— Não estou ligando para nada que não seja isso aqui
agora. — Fez um sinal entre nós dois e sua mão parou em meu

rosto. — Foda-se o contrato, Verônica.


— Foi ele que te prendeu aqui, você sabe, eu sei... — falei,

e ele negou com a cabeça. — Não estou entendendo, Alfredo.

— Podemos conversar melhor depois?

— Acho que não vai demorar, então sim — ele assentiu, e


me ajudou a levantar, surpreendendo-me ao enrolar os cobertores

ao meu redor, e me puxar pra o seu corpo. — O que...

— Precisa colocar alguma coisa que não seja o vestido

rasgado na sala — comentou, assim que senti meus pés


novamente no chão. — Vou te esperar aqui e enquanto isso,
apreciar a vista.

Eu poderia negar, mas vi o exato instante em que ele pulou


na cama, e meus gatos sequer se importaram com a presença de

um homem de um metro e noventa todo tatuado que até dias


atrás, nunca estiveram perto. Gara para piorar, foi até ele, que

estava enrolado sobre os outros cobertores, e pediu carinho.

Soltei os meus cobertores e notei o olhar de Alfredo sobre

meu corpo, enquanto eu caminhava até o closet. Optei por um


macacão comprido de material mais grosso, e saltos mais baixos.

Encarei meu reflexo no espelho e minha pele gritava que eu tinha


transado a noite inteira. Um sorriso se abriu e queria poder evitá-
lo, mas era um fato. Ele estava ali. Com meus gatos. Com o
sorriso de menino que eu tanto gostava. Suspirei fundo, e passei
pelo quarto para vê-lo já rodeado dos outros dois gatos e

caminhei até o banheiro.

Meu sorriso foi ainda maior para aquele outro reflexo. E eu

sabia, que estava muito fodida.

Quando voltei para a sala de estar, joguei tudo o que

restava da noite anterior para trás de um dos sofás, e esperei pela


chegada de Lauren. A mulher mais velha, assim que adentrou o
ambiente, parecia a ponto de desabar e me senti completamente

estranha diante da situação.

— Precisa de uma água ou café?

Ela negou de imediato, segurando levemente em meu


braço, enquanto a encaminhava até o meu escritório daquela

parte da casa. Sentei-a no sofá dali, que era mais confortável e


algo parecia muito errado para ela estar quase se desfazendo à
minha frente.
— Eu só queria te entregar isso — ela suspirou
profundamente. — Tem sido um longo tempo até conseguir mexer
nas coisas de Bianca, mas quando encontro algo que seja

importante e que seja para outra pessoa... Eu encontrei algo para


Tadeu.

— Tadeu? — de repente, aquilo não fazia sentido algum.


Não deveria ser sobre Murilo?

— Descobri recentemente um fundo falso onde ela

escondia cartas que gostaria de entregar. Tinha várias, algumas

eu consegui porque tinha o destinatário, como Murilo e Valéria.


Mas essa aqui, acho que o tempo acabou apagando o

destinatário e quando fui ler... Eu não tive coragem de encarar

seu irmão.

— Pode me entregar isso? — perguntei, e ela me destinou


o papel, que claramente já estava amarelado.

— Eu só espero que isso não tenha sido um problema para

ele e... Sinto muito por ter lido, até perceber que era algo tão sério

— comentou e a encarei perdida. — Eu só queria deixar isso aqui


porque já estou velha para tomar decisões dessa maneira. Como

sei que protege seus irmãos, talvez, possa tomar uma melhor do

que eu.
— Obrigada, Lauren.

Foi tudo o que consegui dizer, enquanto ela se levantou e


parecia querer sair dali.

— Tem certeza de que quer ir embora? — perguntei, ao

acompanhá-la até a saída.

— Eu só queria minha filha aqui, para conversar sobre

tudo... Bianca tomou tantas decisões ruins baseadas no seu

medo da doença. — Eu vi as lágrimas descerem pelo seu rosto.

— Minha filha queria ter mais chances de viver, e tentou de tudo


enquanto pôde, mas me dói saber, e agora sei que doeu nela,

machucar pessoas no caminho.

— Eu ainda não entendo, mas... — respirei fundo. — Eu

realmente sinto muito por sua perda, Lauren. Não tenho ideia do
que é a dor da perda de um filho, mas... Eu sinto muito.

— Eu sou das antigas, sei das histórias... — olhou-me

profundamente. — Você perdeu em massa, Verônica. Talvez seja


uma das poucas pessoas que consiga me entender, e talvez

entenda Bianca.

— Eu vou tentar, prometo.


Ela apenas me deu um leve sorriso, antes de abrir a porta.

Pietro já estava a postos, como pedi que ficasse, esperando-a.

— Pietro levará a senhora em casa, em segurança. E não

aceito uma negativa — falei, e a velha mulher apenas acenou


com a cabeça e seguiu em direção ao homem de roupa social à

sua frente.

Pietro assentiu e voltei para dentro, ainda com aquele


papel em mãos. O que poderia ser tão sério, que até mesmo

envolvia Tadeu? Quando finalmente me sentei, ainda no sofá e

comecei a ler, o chão sumiu dos meus pés e foi como se os céus
desabassem. Aquilo tinha que ser mentira... Tinha que ser.
CAPÍTULO 26

“Nossa maturidade chegou e se foi

De repente, neste verão, está claro

Eu nunca tive a coragem das minhas convicções

Enquanto o perigo estiver próximo

E está ali esquina, querido

Porque ele vive em mim

Não, eu nunca conseguiria te dar paz” [43]

VERÔNICA

“Não sei para quem destinar essa carta, na verdade.


Talvez seja para mim mesma, tentando me perdoar. Talvez

seja para Tadeu, que foi apenas um fantoche nessa história.


Talvez seja para não permitir que ela seja esquecida ou usada

para machucar alguém.

Eu não sabia o que estava fazendo. Nem mesmo quando

me casei com Murilo. Eu o amava, profundamente, mas sabia que

aquele amor romântico nunca seria de fato meu. Murilo era meu
melhor amigo, meu confidente, uma parte de mim. Ele me via

como uma irmã, por mais que tudo que desejasse fosse que me

visse como uma mulher.

A questão era que quando Tadeu bateu à minha porta e se


declarou, algo fez sentido. Foi como se o universo me mostrasse

que eu ainda tinha alguma chance de viver um amor. Nunca tinha


pensado que o irmão mais velho do cara que eu amava, poderia

realmente gostar de mim. Mas se eu nunca de fato reparei em

Tadeu, como teria feito?

Naquela noite, eu fiz.

E demorou alguns segundos para entender que não teria

nada dele, a não ser aquelas três palavras declaradas. Contudo,

eu imaginei que as ouviria no dia seguinte, eu clamava por aquilo.

Eu não o amava, mas talvez fosse a chance de encontrar o amor


verdadeiro. Viver um verdadeiro amor antes de tudo acabar. Meu
tempo era pouco, mas minha vontade de viver era maior.

Foi por isso que quando Tadeu pareceu não entender nada
do que fez e claramente perdido, acabei optando por deixá-lo

entender que tivemos uma noite inteira juntos. Eu senti medo de

ele voltar atrás. Eu senti medo de aquele amor que ele disse

sentir não fosse real. Eu o prendi a mim, esperando que em

algum momento, as três palavras voltassem a ser minhas. Como

se eu tivesse direito de usar alguém e exigir que fosse como eu

queria.

Eu o fizera com Murilo e não obtive o que queria.

Eu o fiz com Tadeu e acredito que apenas o machuquei.

Não sei para quem eram aquelas três palavras, mas não

eram para mim. Demorei um tempo, quando voltei a ser internada,

a entender que não passou de um devaneio meu, no qual o

prendi, e acreditei que seria real. Tadeu Reis não era o meu

príncipe encantado. Murilo Reis não era o meu príncipe

encantado. Na verdade, eu nunca encontrei o que era meu de


fato.

E talvez nunca encontre.


Faltam-me poucos dias de vida e não é como se eu

pudesse fazer muito para poder reparar o que fiz. A vergonha me


assola, só de pensar em encarar Tadeu novamente. Mas eu

espero que essa carta chegue até ele, caso seja necessário. E
bom, que as palavras que finalmente coloquei para fora, me
ajudem a ter paz.

Não tive amor, não romântico, mas gostaria de ter paz. De


não ter deixado nada de fora ou esquecido algum detalhe. Não

sei se sou a vítima ou vilã de qualquer história, mas me sinto


apenas uma mulher comum tentando encontrar algo maior na

minha própria.

Talvez, um dia, em outra vida, eu encontre.

E espero que Tadeu consiga se declarar para a pessoa que


realmente amava. Ou quem sabe, ainda ama.

Espero que todos encontrem a paz e felicidade que


buscam, e dizer que aprendi a lição de que mesmo no desespero
há coisas que simplesmente não me pertencem. E o amor e corpo

de Tadeu Reis, nunca me pertenceram.”

Talvez eu já estivesse quase decorando aquela carta, a

ponto de que juntei fatos e épocas em minha mente, e só


consegui imaginar que foi quando Tadeu resolveu morar por um

tempo em seu apartamento no centro, o qual sabia que era


próximo do de Valéria. Eu sabia que ele gostava dela desde muito

novo...

Quase amassei a carta, mas a deixei sobre o sofá. Eu

precisava racionalizar aquilo, mas ainda assim, parecia


impossível. Só conseguia pensar em como Tadeu se sentiu. Se

ele acordou e acreditou que passou a noite com a esposa do


irmão... Ele deveria ter se culpado. Ele ainda se culpava?

E de repente, a realidade despencou sobre mim. E eu me

encolhi contra o sofá, abraçando as pernas e sem conseguir


conter um soluço. Eu não o tinha protegido. Eu o tinha deixado
preso naquilo e se não fosse aquela carta que Lauren encontrou

ao acaso, talvez eu nunca soubesse.

Eu não o tinha protegido...

Como sei que protege seus irmãos, talvez, possa tomar

uma melhor do que eu.

Eu não o tinha protegido...

Você protege seus primos como seus irmãos, foi o que

meus pais disseram.


Eu não o tinha protegido...

Eles te veem como exemplo de proteção, foi o que vovó

um dia disse, quando separei a primeira briga deles.

Eu não o tinha protegido...

As lágrimas desceram com força e eu não consegui evitar.

Senti-me mais sensível que o normal, e só poderia ser pelo fato


de que envolvia meus irmãos. Poderia ser sobre qualquer coisa,

qualquer pessoa, mas não sobre eles. Só consegui imaginar onde


eu estava para não ter notado o que Tadeu passou. O que eu
estava fazendo que não percebi que tinha algo errado? Como eu

permiti que algo assim acontecesse?

De repente, tudo o que lutei e tentei a vida inteira,

escorrendo pelas minhas mãos. Eu tinha uma função clara em


minha mente, de protegê-los a todo custo, e de repente, descobri

que tinha falhado. Falhado e sequer sabia que o fizera.

Levei as mãos ao rosto e me senti desabar.

ALFREDO
— Onde será que a dona de vocês se enfiou? — perguntei

para o trio de gatos que estava ao meu redor e desci as escadas.

Foi quando ouvi o barulho de algo baixinho, como um


soluço interrompido e meu corpo todo entrou em urgência. Dei

passos leves até o sofá mais próximo e foi quando encontrei

Verônica praticamente em posição fetal, com o que deveria ser a


manta jogada sobre o sofá, só que daquela vez, sobre ela.

Os gatos chegaram antes de mim, ficando em torno dela,

mas era como se ela sequer os visse. Ela parecia em completo


choque e eu não soube fazer outra coisa que não fosse me

aproximar com cuidado.

— Verônica... — chamei baixo, colocando-me de joelhos à

frente do sofá. Seu olhar estava perdido e era claro o rastro de


lágrimas em sua face, assim como, a vermelhidão em seus olhos.

Ela estava tão bem antes daquela visita... Por que ela

estaria assim?

— Me deixe sozinha, por favor.

Sua voz mal saía, e mesmo com o pedido no final, soou

mais como uma ordem.


— Não vou deixá-la sozinha — falei, e seu olhar parou no

meu, tão machucado que eu jamais imaginei que a veria assim. —


Não está sozinha.

— Alfredo...

— Não precisa me contar nada, apenas me deixa te


abraçar.

Ela não disse nada.

Ela não negou e notei-a tentar se acomodar melhor contra

o estofado. Tomei aquilo como uma resposta positiva, e me


posicionei ao seu lado no sofá, trazendo-a para meu corpo. Ela

não veio de tão bom grado, mas agarrou-se ao meu peito

segundos depois. Ela não chorava alarmada ou se permitia

aquilo, era um choro silencioso, de uma dor que eu nunca saberia


que ela carregava, se não fosse por estar exatamente ali.

Deixei-a desabar em meus braços.

Permiti-me estar ao seu redor, como se os meus braços


fossem o bastante para protegê-la, mesmo que não fossem. Eu

queria dizer tantas coisas. Eu queria explicar-lhe tantas coisas.

Mas ainda era tão cedo para tudo aquilo. Parecia tão errado
pensar no que sentia, enquanto ela desmoronava.
Mas me doía profundamente, porque não podia fazer nada

para tirá-la daquele momento. Por mais que quisesse. Não era

como se Verônica fosse me deixar entrar de tal maneira. E eu


fiquei ali, com ela em meus braços, até que adormecesse neles.
CAPÍTULO 27

“O diabo está nos detalhes, mas você tem uma amiga em mim

Seria o suficiente se eu nunca conseguisse te dar paz?” [44]

VERÔNICA

Pisquei algumas vezes, enquanto meu corpo se sentia

envolto e quente. Quando finalmente notei onde estava, tentei


recapitular o que tinha acontecido. Uma inundação de

informações me acertou, enquanto encarava Alfredo adormecido,


com as mãos me trazendo para si, como se para me proteger.
Eu queria dizer-lhe obrigada. Eu queria dizer-lhe que foi a

pessoa que eu sempre quis que estivesse exatamente ali. No


entanto, como eu poderia deixá-lo entrar em meio a toda bagunça

que era, se não conseguia proteger ninguém de fato. Levei as

mãos ao seu rosto, e o analisei com carinho. Encostei nossas


testas e respirei fundo. Por alguns segundos, eu queria acreditar

que poderíamos entrar naquela bolha e nunca mais sair. Mas não

era possível, não sendo quem eu era.

— Alfredo... — chamei-o baixo, e toquei sua barba bem-

feita. — Alfredo...

— Estou num sonho tão bom... — reclamou, e notei a


careta no belo rosto. — Só mais cinco minutos, tô com a moça do

café dizendo que me ama.

— Moça do café? — indaguei, e apertei levemente seu

rosto, tentando chamar sua atenção.

Ele piscou algumas vezes, antes de me encarar e parecer

cair na realidade.

— Quem é a moça do café? — perguntei, sem conseguir

fingir que não ouvi nada.


— Quem é o quê? — rebateu, suas mãos subindo
levemente para meus braços. — A gente dormiu? — indagou,

como se perdido, e talvez, querendo mudar de assunto.

Suas mãos então vieram para o meu rosto e o seguraram.

Sua expressão mudou por completo, como se ele lembrasse do

porquê paramos exatamente ali.

— Como se sente? — perguntou, e de repente, eu não


podia focar nos devaneios dele ou nos meus ciúmes. Eu sabia

aonde deveria ir.

— Preciso ir encontrar Tadeu — suspirei fundo, e levei

minhas mãos às dele, afastando-as de mim. — E não podemos

continuar com isso.

— O quê?

Tentei sair de seu aperto, mas suas mãos me impediram,


prendendo-me pela cintura.

— Alfredo... Isso vai acabar te machucando.

— Ficar longe de você me machuca — assumiu, pegando-

me completamente desprevenida. — Eu não sei como dizer isso,

mas... Mas eu gosto de você. Não me lembro de uma vez que não

o tenho feito. Desde quando te vi pela primeira vez e não esqueci


seus olhos. E depois, em todos os reencontros. Tenho vivido de

chances do acaso, para apenas te deixar ir assim.

— Não está falando sério...

Eu não podia acreditar naquilo.

Ele não podia sentir o mesmo que eu.

Ele não podia acreditar no mesmo que eu.

— Eu nunca pensei que amor à primeira vista fosse real,

até nunca conseguir tirar você da minha cabeça. — Pegou-me


completamente desprevenida. — Sei que tem algo errado e

claramente quer resolver, mas não me afaste... Eu só quero que


essa chance seja real.

— Não posso te dar mais do que esse contrato — falei,

mesmo que na realidade, fosse o completo contrário. Forcei-me a


me afastar do seu contato e segurei-me ao que restava de mim

para sair dali. — Não posso, Alfredo.

— Mas você quer?

Ele então se levantou e tentou vir até mim. Levantei minha


mão e não pude encará-lo. Nunca me senti tão exposta de tal

maneira que não soubesse o que dizer ou como agir. Ele viu
lados meus que ninguém mais tinha conseguido, e aquilo me

assustava para cacete.

Ainda mais, porque agora tinha certeza de que não podia

protegê-lo totalmente. E se alguém sabotasse o carro que ele


usava? E se alguém tentasse contra a vida dele por minha causa,

pelo que sentíamos?

— Me diga que não quer e te deixo ir — falou, e levantou


meu queixo, fazendo-me encará-lo.

— Não quero.

Porém, se ele conseguisse ler o mínimo de mim, ele


saberia que não era aquela a resposta. E como se entendesse,
ele me deu um leve beijo na testa, e me fez quase voltar atrás.

— Onde precisa ir? — indagou e eu neguei de imediato.

— Preciso ver Tadeu, mas você fica. — Praticamente

ordenei, tentando voltar a mim mesma. — Não é um pedido,


Alfredo.

— Esqueceu que não é minha chefe e não sou o seu


negócio — rebateu, com um sorriso no canto da boca, como se

pudesse quebrar qualquer clima ruim. — Pode não gostar de mim,


mas por enquanto, vai ter que me aturar.
Abri a boca para dizer algo, mas desisti. Apenas me vi indo
em direção ao meu quarto e tentando racionalizar o que faria.
Precisava encontrar Tadeu e saber mais daquela história, e só

então, descobrir como poderia fazer mais por eles. Parar de


permitir que algo assim escapasse por minhas mãos. Para

protegê-los.

Horas depois e finalmente o carro parou à frente da casa


do meu irmão. Alfredo fez o que disse que faria, não me deixaria
sozinha. Assustava-me tal promessa que nem era para ser uma

promessa mais cedo, sendo cumprida. Não me lembrava de um


momento, fora minha família, que alguém quisesse fazer aquilo

por mim.

Mas era o comum, certo?

Quando se gosta de alguém, você fica ao lado dela?

Eu não sabia ao certo, porque nunca de fato permiti que a

maioria das pessoas ficasse ao meu redor. Não sabia confiar, e


me era completamente confuso, o fato de que o fazia, mesmo
sem querer, para com ele.

— Vou ficar no carro, para não atrapalhar.

Assenti, e desci, encontrando meu irmão já na porta, com o


filho em seu colo. Seu olhar me analisou e ele pareceu desconfiar

de que tinha algo errado.

— Tá tudo bem?

— Valéria está em casa? — perguntei, cruzando os braços

e ele assentiu. — Preciso de um momento a sós com você, se

possível.

Ele assentiu e vi-o adentrar a casa e logo voltar sem o filho


em mãos. Fiz um leve aceno de cabeça para que me seguisse, e

ele o fez. Quando senti que estávamos longe o suficiente para

que ninguém pudesse ouvir, vi-me puxando-o para os meus


braços. A sua surpresa foi tamanha, porque eu não demonstrava

afeto de tal maneira, não com eles. Sempre foi em outros tipos de

toques, mas ali, eu precisava daquilo.

Eu precisava abraçá-lo e pedir-lhe perdão.

— Verô...
— Por quanto tempo sofreu achando que traiu seu próprio

irmão? — perguntei ao me afastar, a culpa me corroendo. — Por


quanto tempo achou que tinha feito isso?

— Como... Como soube disso? — ele parecia ligeiramente

confuso e surpreso. — Não era para saber.

— Apenas me responda, Tadeu.

— Na verdade, só melhorou quando conversei com Murilo,

ano passado. — Fechei os olhos com força e mal conseguia

encará-lo. — Verô, por favor, eu... Eu não queria te contar porque


ficaria assim. Eu te conheço para saber que sofreria junto comigo.

— Eu poderia ter sido mais atenta e você não teria que

passar por isso. — Fui incisiva. — Eu... Eu sinto muito, Tadeu.

— Verô...

— Lauren achou uma carta de Bianca, está aqui comigo...

— entreguei-lhe o papel. — Você nunca a tocou, irmão. — Notei

seu olhar mudar, e como se ele raciocinasse novamente. —


Carregou essa culpa por todos esses anos...

— Não é sua culpa, que eu me sinta assim — falou, e me

fez encará-lo, segurando levemente em minha mão. — Você

sempre deu mais do que podia para gente, e não tinha como
saber que Bianca mentiria sobre ou faria algo assim... Eu não

culpo nem ela, Verô. Por que seria sua culpa?

— Porque eu sou a irmã mais velha de vocês — soltei,

sentindo toda a dor me percorrer. O papel que de fato não era


meu e o abracei com todas as forças, e eles me aceitaram. —

Porque eu os escolhi e vocês me escolheram. Mesmo quando

souberam da verdade, vocês ainda me escolheram. Eu lembro


que você foi quem entendeu primeiro quando contei que não

tínhamos o mesmo sangue, e mesmo assim... Você veio e me

disse que confiava em mim, que se sentia protegido por mim... E

onde eu estava quando isso ocorreu?

— Cuidando para que Igor e Carolina não fossem fodidos

da cabeça pelos nossos pais imbecis — rebateu e senti suas

palavras como cortes. — Você estava dando atenção ao fato de


que tinham pessoas tentando roubar nossa família, nossa... Que

a gente escolheu. Um caso ou não com Bianca, não muda o fato

de que você sempre me protegeu.

— Tadeu...

— Eu te amo, você sabe disso — falou e apertou minha

mão novamente. — Por mim, não se culpe. Eu nunca te contei


não porque tinha vergonha do que houve ou não sabia o que

fazer, mas porque eu sabia que seria mais um peso para você.

— Você nunca foi um peso. — Cada palavra saiu

determinada e notei o brilho em seu olhar. — Você foi minha

escolha.

— E você também foi a minha.

Deixei uma lágrima descer e limpei-a rapidamente, levando

meus dedos médio e indicador da mão direita à sua testa. Eu não

sabia o que fiz para merecer aquilo, todo aquele amor e carinho,
toda a sua escolha, mas eu sempre seria grata.

Tadeu sorriu e não soltou minha mão esquerda.

— Mas estou feliz que não dormi com ela — admitiu,

fazendo-me rir de lado. — Aliás, vi que Alfredo está no carro com


você, dirigindo...

— O que isso tem a ver?

— Quer dizer, acho que nós dois sabemos que nunca se

casaria apenas por contrato, sei que é uma promessa que fez à
vovó. Eu era novo, mas lembro de ela falando isso. — Olhei-o

surpresa. — Então... tem algo a me dizer?

— Sem mais declarações por hoje, irmão.


Ele riu de lado, e sabia que entendia.

— Ok, talvez... — ele então passou a mão pela minha

cintura, levando-me novamente em direção à sua casa. — Talvez

em breve?

— Sem chance de falarmos sobre isso.

Ele riu novamente, e me senti mais leve, porque por mais

que eu me culpasse e aquilo nunca fosse passar, Tadeu era um


grande homem. Eu o olhava dali e ficava pensando: quando foi

que ele deixou de ser um bebê tão pequeno, para se tornar um

irmão e agora, um homem casado e com um filho?

A sensação que sempre tive com eles, nunca foi apenas


fraternal, em alguns momentos, chegava a ser maternal, e talvez

por aquilo, eu me sentisse ligada demais. Sentisse-me culpada

demais. Como já ouvi por aí: nasce uma mãe, nasce uma culpa.

Poderia ser algo que me atingia também, e nunca admiti a mim


mesma.
CAPÍTULO 28

“E quando eu senti que era um cardigã velho

Debaixo da cama de alguém

Você me vestiu e disse que eu era o seu favorito” [45]

VERÔNICA

Não sabia dizer como Alfredo tinha me convencido, mas ali


estava eu, pronta para passar uma noite na antiga casa dele. No

caso, ainda tinha jeito e cara de casa, já que ele pareceu apenas
levar coisas pessoais para a Mansão Reis. Era um duplex, a parte
de cima sendo a parte de sua casa, e a debaixo pelo que entendi

o estúdio de tatuagem de Abigail e o seu escritório.

— Eu ainda posso ficar na casa do meu irmão — falei,

vendo-o colocar um lençol novo na grande cama do seu quarto.


— Ou na fazenda de Carolina ou na casa de Murilo.

— Eu sei que não é um palácio, mas tem lençóis limpos —

comentou com um sorriso leve no rosto. — A cama é toda sua. —

Bateu contra a mesma, e o encarei sem entender. — Acho que


precisa de um tempo descansando de verdade, e logo voltamos

para a capital.

— Por que tem sido tão legal comigo? — indaguei e ele me

encarou. — E não diga que é por gostar de mim.

— Não acredita que goste de você? — rebateu, e deu

alguns passos mais para perto.

— Ainda não sei o que pensar sobre isso — admiti, e ele

parou, quase tão próximo, que poderia sentir sua respiração. — O

que quer que eu pense?

— Que eu sou um cara legal que vai deixar você dormir na

cama dele e vai dormir no sofá. — Piscou um olho e se afastou,

deixando um leve rastro quente de sua distância.


— Eu te disse que isso... — fiz um sinal entre nós dois. —
Não vai acontecer, não da forma que parece querer.

— Um homem pode sonhar, Verônica — falou, e parou no


batente da porta, encarando-me. — Tenho sonhado com você há

muito tempo.

— Quando vai sentar e me contar isso a fundo?

— Quando eu senti que quer ouvir e não estiver tão

sensível quanto agora.

— Já me chamaram de muita coisa, mas não me lembro de

sensível ser uma delas — não pude deixar de comentar.

— Deve ser porque eu te enxergo... quero te enxergar —

falou, e deu um sorriso sem dentes. — Qualquer coisa, estarei na

sala. Sinta-se em casa.

— Obrigada, Alfredo.

Virei-me em direção ao quarto e por mais que tivéssemos

dividido muitos momentos nos últimos dias, e que todos eles

fossem íntimos em níveis diferentes de tudo que já experimentei,

estar ali no seu quarto me fez sentir novamente outro sentimento.

Olhei ao redor, e me vi agindo como uma adolescente quando me


deitei na sua cama e inalei seu cheiro no travesseiro. Ainda tão

presente, como se ele estivesse ali.

ALFREDO

Não surte!

Não posso surtar!

Não posso surtar já que a mulher dos meus sonhos estava


no meu quarto, na minha casa. Abri a porta da geladeira e fechei,

sem saber o que fazer de fato. Girei na pequena cozinha e levei a


mão à boca, tentando abafar um grito.

— O que eu faço? — minha voz saiu quase como um


sussurro.

Olhei em direção ao corredor que dava para o meu quarto

e me vi parando à frente da porta, pensando se deveria bater e


perguntar se ela precisava de algo. Porém, parei com a mão no

ar, sem saber o que de fato fazer. Baixei a mão e voltei para o
sofá, esticando-o de forma que eu pudesse caber no mesmo.
Lembrei que Abi me falou que deveria ter comprado um

sofá que eu coubesse, mas eu nunca fui de usá-lo. Nem de ficar


muito na sala. Ajeitei-me como pude e tentei fechar os olhos para

me acalmar.

Não pense tanto nisso!

Não pense que a mulher que você sempre sonhou está no


seu quarto!

Não pense que a qualquer momento ela pode


simplesmente aparecer na sua frente!

Respirei fundo e tentei pensar em qualquer outra coisa que


não fosse Verônica. Mas e se eu tivesse sido sincero demais? E
se ela apenas dissesse que não poderia me dar uma chance? E

se eu estivesse sendo uma merda insistente?

— Vem.

Apenas ouvi a voz e meus olhos se abriram ao comando.


Verônica estava à minha frente, vestindo o que deveria ser a
camiseta que deixei sobre a cama, caso ela quisesse se sentir

mais à vontade. O ar quase me faltou.

— Eu notei que esse sofá era minúsculo, quando passei


por aqui... — olhou-me profundamente. — Não vai dormir aqui se
tem uma cama daquele tamanho.

— Mas...

— Sem “mas”, Alfredo. — Esticou-me sua mão, e aquela

foi a primeira vez que ela o fizera. — Já esteve mais perto de mim
do que numa mesma cama, qual o problema?

— Não queria parecer mais íntimo do que sou ou


apressado...

Ela apenas agarrou minha mão e eu fui, sem conseguir me


negar àquilo. Quando me fez deitar na cama, e o fez em seguida,

colocando-se sobre meu peito, o ar quase me faltou.

— Só fica quieto e finge que eu não sou uma bagunça —

sussurrou, posicionando sua mão sobre meu peito.

— Gosto da sua bagunça.

Sua mão parou na minha boca e eu sorri sob seus dedos.

— Boa noite, Alfredo.

— Boa noite, Verônica.

E aquela entrava para a lista dos meus momentos favoritos


e completamente inesperados, onde ela estava em cada linha

imaginária escrita em minha mente.


CAPÍTULO 29

“O tempo todo isso foi uma febre

Uma pessoa crédula, nervosa e impulsiva

Eu joguei minhas mãos para o alto e disse: Mostre-me alguma coisa

Ele disse: Se você se atreve, chegue mais perto” [46]

VERÔNICA

Senti meu corpo quente.

Pisquei algumas vezes e respirei profundamente. Aquele

cheiro me era inconfundível e não demorei para entender onde

estava. Levantei meu rosto e encarei-o ainda em seu sono,


ressonando baixinho. Os cabelos negros um pouco bagunçados

contra o travesseiro, a barba começando a crescer... Eu gostava


de memorizar pedaços dele, mesmo que nunca tivesse admitido.

Foram aqueles pequenos pedaços que tive, desde quando


o vi pela primeira vez em uma festa, que me perseguiram. Foram

eles que me fizeram tentar tirá-lo de minha mente quando soube

do contrato com Carolina. Foram eles que me trouxeram até ali.

Não os físicos, eles eram apenas um bônus. Mas a forma


como ele corava e um sorriso tímido surgia em seu rosto. A forma

como tinha uma postura perfeita à frente de qualquer um, mas

claramente odiava estar em um terno. A forma como parecia


ligeiramente destrambelhado, e mesmo bagunçado, ainda era

algo tão bom de se olhar. A forma como ele me enfrentava,


queixo com queixo, todas as vezes que nos encontrávamos.

Mesmo que eu adorasse ser uma mulher que o fazia corar, eu

admirava sua bravura.

Porque a realidade era que Alfredo era das únicas

surpresas que eu tive e não me machucaram. Ao menos, não até

agora. Ele poderia sempre me trazer uma dose de surpresa, mas

sempre era boa. Era uma experiência que me fazia sentir viva e

como um ser humano. Talvez fosse pelo fato de que ele parecia
pouco se importar com o meu nome ou sobrenome. Ele sempre
esteve lá, me provocando, instigando, enfrentando... Sem falhar.

Surpreendendo-me, e talvez eu soubesse que ele ficaria em

minha mente, desde o primeiro momento que meus olhos

chegaram nele.

— Estou sentindo olhos em mim. — Sua voz saiu baixa, e

logo seus olhos azuis encontraram o castanho dos meus. — Bom

dia, bebê.

Sua fala me pegou completamente desprevenida, e senti

minhas bochechas esquentarem. Não... Eu não podia estar

corando? Eu estava?

— Pensei que só me chamaria assim na hora do sexo? —

indaguei, tentando disfarçar a queimação em minhas bochechas,

e logo senti uma de suas mãos bem ali.

— Acho que você gostou de quando te chamei assim, no

carro... — comentou e eu me fingi de burra. — Devo te lembrar?

— Pode parar de ser tão fofo só por alguns segundos? —

indaguei, agradecendo o fato de que uma de suas mãos tampava

minha bochecha que deveria estar vermelha, e o outro lado não

lhe era tão visível.


— Eu te deixo envergonhada quando sou fofo? —

perguntou, afastando a mão e descendo para meu queixo,


puxando-me para perto.

— Eu nunca sei com que versão de você eu estou lidando


— assumi, e parei as mãos sobre seu rosto. — Me diga, qual é

essa?

— A de um homem assustado para caralho porque quer


confessar seus sentimentos mais profundos e não sabe o que

esperar. — Sua admissão me pegou desprevenida. — Acho que


preciso me explicar, sobre o que disse em casa.

Em casa... Não minha casa. Talvez Alfredo começasse a


ver a Mansão Reis como um possível lar? Foco, Verônica!

— Lembra quando disse que me conheceu numa festa? —


assenti, e ele continuou. — Eu te conheci antes disso.

— O quê?

— Sabe o restaurante em que te levei, no nosso primeiro


encontro?

— Aquilo foi um primeiro encontro? — indaguei, e vi-o levar


as duas mãos ao rosto, como se escondendo. — O que foi? —

insistindo, rindo levemente. — Alfredo...


— Deixa eu continuar, sem que me veja queimar de

vergonha...

— Por minha causa? — perguntei, sem conseguir disfarçar

minha animação.

— Eu nunca fiquei tão sem jeito na minha vida, como fico

perto de você...

— Não me parece. — Fui honesta. — Acho que ouvi por aí

que sou a única mulher que você não cora e não corre.

— Nunca se perguntou do porquê disso?

— Algumas vezes — admiti. — Mas nunca cheguei a uma


conclusão.

— Tem a ver com quando te conheci... — olhei-o

interessada. — Foi naquele restaurante, que antes era um café.


Meu primo idiota me fez derrubar café em mim mesmo, então eu

fui ao banheiro... Perto da porta uma mulher pareceu me notar,


mas de relance, e entregou-me uma caixa de lenços. Essa mulher
tinha olhos castanhos que eu nunca esqueci, e uma postura de

rainha que quase me deixou de joelhos.

Arregalei os olhos, sem acreditar, e tentando me lembrar


daquilo.
— Eu tinha dezesseis anos e acho que todo meu sangue
se concentrou nas bochechas. — Eu não conseguia acreditar em
cada palavra. — Mas claramente você estava resolvendo algo e

mal me notou, então eu... Meus primos me disseram algo que


ficou na minha mente: que nunca, uma mulher mais velha, e como

ela me olharia, se eu continuasse a não saber dizer nada e


corasse fortemente.

— Eu sou a moça do café? — a pergunta saiu e foi quando


ele me mostrou novamente seu rosto, completamente vermelho
nas duas bochechas, e ia até suas orelhas. — Eu... Como assim?

— Eu só fui te rever numa festa, dois anos depois... Eu


corria desse tipo de coisa, assim como faço hoje em dia, mas foi

quando te reencontrei. Foi nessa festa que tomei um banho de


champanhe de alguns garçons, e mais uma vez, passei vergonha
na sua frente. Mas foi a primeira vez que não corei.

— Eu... — eu estava incrédula. — Eu tinha te notado antes


do champanhe virar sobre você.

— Sério? — olhou-me atentamente e eu assenti. — Por


que não disse nada?
— Você tinha dezoito anos e eu estava intrigada, pensei
que fosse apenas algo aleatório... — fui sincera. — Até você
continuar a aparecer no meu caminho. Até que eu descobrir sobre

o contrato seu com Carolina, e pensei que talvez fosse por isso
que tenha ficado tão conectada ao garoto de óculos de grau

pretos.

— Minha mãe fingiu que estava doente e que precisava


que o único filho dela ficasse em boas mãos quando ela

falecesse. Eu era ingênuo demais, e caí na dela... Foi a última vez

que ela conseguiu me usar assim, e acho que era exatamente o


que precisava de mim. Já que só reapareceu na minha vida de

fato quando Carolina disse que quebraria o contrato.

— Por que não quebrar antes de Carolina o fazer?

— Eu só queria menos dor de cabeça — admitiu. — Uma


Reis tem mais poder que eu para isso, então, deixei que fosse

resolvido assim. Até que...

— Até que eu tomei a dianteira — falei, e ele entrelaçou

nossas mãos. — Não pareceu muito feliz com a ideia.

— Na verdade, eu estava em choque. — Riu de lado. — Eu

estava quase caindo de joelhos e agradecendo aos céus, ao


mesmo tempo que surtando porque você poderia me odiar para

sempre quando me conhecesse melhor nesse um ano de


contrato... Abi me disse que eu não ia saber se não tentasse, e

caí na fanfic dela. Na verdade, a fanfic que eu criei, de que a

moça do café ainda me olharia.

— Eu sempre olhei para você — falei, tentando me abrir,

mesmo que fosse realmente difícil. — Nunca pude parar e pensar

em algo que eu realmente quero, até que você ficou na minha

cabeça. Foi um tempo de culpa porque sabia que Carolina tinha


algo sobre você, por mais que a conhecesse e sabia que era o eu

romântico dela falando, não algo real... Tem sido um tempo de me

entender, porque quando eu anunciei que nos casaríamos, não foi


algo que planejei. Eu só fiz o que queria.

— Você me queria?

Assenti, sem saber como admitir mais do que aquilo.

— Não sou boa nisso, Alfredo. — Fui sincera. — Todos os


casos que tive foram apenas casos e nada mais... A questão é

que nunca te vi como um. Eu sempre te vi e quis, e não sei

explicar. Não sei dizer o que eu sinto, mas sinto.


— Eu também — ele falou, e me puxou até que nossas

testas se encontraram. — Uma vez vi um filme que eles falavam

que uma das protagonistas é como uma cebola, você tem que
tirar uma camada por vez...

— Está me chamando de cebola?

Ele gargalhou e eu não pude deixar de sorrir.

— O que quero dizer é que vale a pena, por você, tirar uma
camada por vez... Não quero declarações de amor e festas, nem

que finja ser quem não é. Não precisa me explicar todo seu

passado e seus medos, ou me entregar mais do que pode. Eu

apenas quero você. Quero seu tempo, seu respeito, seu corpo,
seu amor, seu futuro... Tudo que seja você. E cada camada que

puder retirar.

Sorri, sem conseguir me conter, e levei minha boca à dele.


Em um beijo terno que me fez saber que era a resposta que ele

tanto precisava. Alfredo me queria, e eu o queria. E eu sabia, que

por mais difícil que pudesse ser, aquilo poderia bastar.

— Eu vi você corar — falou contra minha boca e bati contra


seu peito, o que o fez rir. — Não pode bater em quem você cora.
— Diz isso para minha bunda que você arruinou, e não te

impediu de corar hoje...

— Verônica! — me afastei para rir do seu semblante, que

claramente se tornava desejoso. — Você é a minha morte, sabia

disso?

— Assim como você é a minha.

Então sua boca veio faminta para a minha, e eu sabia que

não tínhamos como evitar aquilo. A conexão de dois corpos que

sempre imploraram para estar juntos. E que finalmente, podiam


ser livres um com o outro.
CAPÍTULO 30

“Ninguém gosta de uma mulher louca

Você a fez ficar assim

E você cutucará aquela ursa até as garras dela atacarem

E você encontra um motivo para colocá-la em sua forca

E não há nada como uma mulher louca” [47]

VERÔNICA

Olhei para Leila que corria ao meu lado, já que tínhamos


uma reunião em alguns minutos e devido aos acontecimentos

recentes, tivemos que remarcar e reavaliar vários dados. Por mais


que eu me dedicasse a empresa, ela sempre veio em segundo

lugar. O primeiro lugar sempre seria da minha família.

— Senhora Reis.

Paralisei diante do meu nome sendo chamado, e me virei

levemente. Não pude deixar de reparar no homem que tinha


praticamente a idade de Igor e que descobri em um mau

momento. No caso, quando sua mãe estava doente. Aquele era

Ricardo Reis, um irmão que nunca de fato quis fazer parte da


nossa família, mesmo que depois da mesma formada.

Ele tinha a ideia do que os Reis eram, fora da bolha que


construímos. Foi como se Reinaldo pensasse exatamente sobre

como fazer para ter um filho que não levasse o legado de Regina

adiante, ou seja, não acreditasse em mim. Eu já tinha tentado me

aproximar de Ricardo, mas ele deixou claro que não queria fazer

parte.

Eu o respeitei. E fiz o que pude, mesmo a distância.

— Temos vinte minutos, senhora — Leila falou ao meu

lado, e deu uma olhada no homem de olhos verdes à nossa

frente.
— Vou precisar de cinco, e te aviso se for demorar mais —
ela assentiu, indo em direção ao elevador privativo.

Aproximei-me cautelosamente até Ricardo, que tinha as


mãos nos bolsos e parecia levemente envergonhado. Era fácil ler

algumas pessoas, e ele, mesmo que confiasse na pior pessoa

possível – que era seu próprio pai – nunca me pareceu uma

pessoa ruim.

Era um garoto esforçado e que sustentava a família desde

os dezesseis anos. Foi um garoto que sofreu uma das piores

perdas que alguém pode ter e me enxergava na sua dor.

— Ricardo — falei, cruzando os braços. — O que o traz

aqui?

Meu celular tocou e o atendi de imediato, ao ver que era

Rodinei.

— Reinaldo está na frente da empresa... Ele quer alguma

coisa.

— Acho que estou vendo exatamente o que ele quer —

comentei e encarei Ricardo, que parecia muito nervoso. —


Apenas chute a bunda dele, por gentileza.

— Pode deixar.
Desfiz a ligação e encarei o homem à minha frente.

— Reinaldo parece atrás de você, mas ele não é permitido

de entrar nesse prédio... — ele pareceu olhar ao redor, como se

desconfiado. — Está aqui por ele?

— Estou aqui porque descobri a verdade. — Olhou-me e


sabia de imediato que tinha a ver com o tratamento de sua mãe.

— Eu achei que fosse ele... Ele me enganou, na verdade. Quanto


mais pesquisei, mais descobri que esteve envolvida com a minha

vida. Os estágios e bolsas que consegui, os empregos e


indicações... O tratamento que minha mãe precisava e

infelizmente não foi o suficiente... Tudo foi você.

— Seus outros irmãos também estão nessa — comentei,

lembrando-me de que todos estavam bem cientes de que Ricardo


existia, e que sempre tentavam ajudá-lo, mesmo que
anonimamente. — Eu te disse que era uma parte de nós, se

quisesse.

— Eu queria pedir desculpas por não ter lhe dado atenção

— confessou. — Reinaldo deve estar atrás de mim porque cortei


relações com ele. Ele queria que eu fizesse um escândalo e

trouxesse à tona que sou um Reis. Ele queria que eu tomasse


meu lugar por direito. — Fez aspas com as mãos. — Eu nunca

quis nada disso, eu só... Só queria uma família. E me neguei a ter.

— Nunca é tarde para família — falei e senti no mesmo

momento uma leve tensão na cabeça. — Se estiver sendo


sincero...

Estiquei a mão para ele, tentando me manter em pé, mas


parecia impossível. Escutei uma outra voz conhecida ao redor, e
tentei responder, mas parecia impossível. Minhas pálpebras

pesaram, mesmo contra minha vontade. E tudo o que ouvi por


último foi Noona, e simplesmente, apaguei.

ALFREDO

— Meu Deus, isso é muito difícil — falei, tentando aprender

alguma coisa em coreano. — Tem certeza de que pode me


ajudar?

— E por que não o faria? — Yumi indagou, sorrindo


abertamente. — Estou feliz que consegui seu número e te
convidar para um almoço. Ainda não conseguimos acertar aquele
jantar.

— Tá tudo bem. — Sorri, olhando novamente para as


anotações que ela me mostrou. — Com quantos anos aprendeu
coreano?

— Na verdade, desde muito pequena... Meus pais falavam


português e coreano, então nunca foi algo que me indaguei ou vi
como duas línguas a aprender.

— Dizem que crianças aprendem com mais facilidade.

— Você ainda é jovem. — Bateu em meu braço e sorriu. —


Estou feliz por ver Verônica com você, de verdade.

— Eu fico feliz que esteja feliz — falei, sem saber muito o


que dizer.

Não que minha experiência em namoros fosse longa, mas

eu tinha conhecido uma ou duas famílias em meus trinta anos, e


com Verônica, era claro que Yumi era um dos seus pilares. Ao

menos, eu imaginava que sim.

Ela tinha me convidado para almoçar, e disse que não

aceitava um não como resposta. E ali estava eu, no fim da rua de


onde a Mansão Reis ficava, almoçando com a madrinha da
mulher que era minha esposa. Minha esposa que agora estava
nos dando uma chance. Aquelas palavras tinham um novo gosto
na boca.

Ouvi uma música e logo Yumi se afastou.

— Um segundo — falou e eu continuei a encarar os

cadernos que ela colocou à minha frente. Yumi comentou que

Verônica sabia um pouco de coreano e de repente, só conseguia


me imaginar como seria a voz dela em outra língua. Era normal

querer saber tanto da pessoa que se gosta? — O quê? Como

assim? Ela está bem?

Levantei meu olhar de imediato, encarando a mulher mais

velha à minha frente.

— Estou indo para aí. — Eu a vi pegar a bolsa e jogar no

ombro. — Precisamos ir.

— O que houve? — indaguei, seguindo-a na mesma hora.

— Rodinei acabou de me ligar e disse que Verônica

desmaiou do nada, no meio do hall da empresa...

— O quê? Onde ela está? Está no hospital?

De repente, eu estava desesperado.


— Calma. — Yumi parou à minha frente, e vi-a fazer um

sinal para alguém ao nosso redor, que deveria ser um dos


seguranças que ela também tinha. Eu tinha, ligeiramente, me

acostumado com eles, já que Verônica sempre tinha algum ao

seu redor. — Ela deve estar bem, Gael está com ela.

— O que Gael faz com ela?

Yumi riu em meio a cara de preocupação.

— Você me lembra o irmão ciumento que eu tinha. — Eu

não sabia o que responder, e apenas segui seus passos até o


carro.

E a preocupação me assolou: o que diabos fez com que

ela desmaiasse?

Minutos depois chegamos à frente da empresa, e assim


que Yumi desceu, vi-a caminhar até um homem que parecia da

sua idade, só que vestido como segurança. Talvez aquele fosse

Rodinei Reis. Olhei de relance para ver um outro, que estava


preso por três seguranças.

— O que ele faz aqui? — vi Yumi perguntar e o ódio era

claro em sua voz. — Acha que vai matá-la? — sua pergunta me


fez ficar na defensiva de imediato, e notei o homem à sua frente
segurá-la e dizer que não valia a pena. — Nunca mais vai tocar

nela, nem sobre o meu cadáver.

— Vai. — Foi o que o homem à sua frente disse, e eu me vi

apenas correndo em direção à entrada do prédio. Felizmente, eu


já estava autorizado e em segundos cheguei ao andar que sabia

ser a sala dela. Encontrei Leila do lado de fora, e a porta da sala

de Verônica aberta.

— Eu estou bem, Gael.

— Mas Noona...

Foi então que uma das expressões que Yumi me ensinou

durante o almoço me acertaram. Noona era a forma que homens


chamavam mulheres mais velhas que eles consideravam talvez

como irmãs mais velhas. Ou outras coisas.

Notei Verônica sentada no sofá do canto, e Gael ao seu

lado, segurando sua mão. Ele era realmente uma pedra no meu
sapato. Não conseguia digerir a forma como ele parecia admirá-

la, e por mais que pudesse ser fraternal, eu adoraria quebrar a

cara dele.

— Será que pode nos dar licença? — perguntei, sem

querer parecer grosseiro, mas sem poder evitar o desgosto em


minha voz.

O olhar do homem à frente dela parou no meu, e ele


parecia pronto a me dar uma negativa.

— Pode ir, Gael — ela falou, e ele a olhou. — Obrigada.

— Qualquer coisa, só me chamar.

Ele então se levantou e não me destinou o olhar ao sair.


Assim que a porta foi fechada atrás dele, praticamente corri até

Verônica e levei minhas mãos até seu rosto.

— Como está se sentindo? Chamou um médico?

— Minha pressão deve ter baixado e apenas isso... —

comentou e semicerrei os olhos.

— Quantas vezes desmaiou por pressão baixa?

Ela abriu a boca para responder, mas nada saiu.

— Vamos ao hospital ou vamos chamar um médico, você


escolhe. — Aquela era a primeira vez que exigia algo à sua frente

e notei o sorriso que se abriu em seu rosto. — O quê?

— Nada.

Ela apenas se recostou melhor em mim e suspirou.

— Estou falando sério — sussurrei, e logo ela deu uma

risadinha.
— Prometo fazer meus exames de rotina... — ela então

parou e se afastou de mim, indo em direção à sua mesa.

— O que foi?

— Rotina me lembrou de uma coisa... — ela então digitou


algo no celular e tentei enxergar, mas demorei a estar do seu

lado.

— Não deveria estar levantando assim — falei, puxando-a


para colocá-la na cadeira. — E do que lembrou?

— Vou fazer alguns exames de rotina, apenas.

Olhei-a curioso, como se soubesse que era mais do que

aquilo.

Antes que pudesse insistir, a porta se abriu e Yumi

adentrou o ambiente.

— Madrinha?

— Eu convidei Nero para um almoço, aí Rodinei me ligou,


aí quase mandei Reinaldo pro inferno aqui na frente... — ela

soltou o ar com força — Tô velha e você pare de me preocupar!

— bateu levemente com força em Verônica, que sorriu. — O que

houve? Por que desmaiou?

— Ainda não sei, mas não deve ser grave.


O olhar de Yumi então mudou de mim para Verônica, como

se pensasse em algo.

— Pode nos dar um tempinho, Nero?

— Claro — respondi, fazendo um leve carinho no rosto de

Verônica antes de me afastar. — Vou estar ali fora, com Leila.

— Ok.

Verônica parecia tão bem, que nem diria que tinha

desmaiado. Assim que fechei a porta atrás de mim, vi-me

indagando porque eu parecia o único que não entendia o que de

fato havia acontecido. Ainda mais pelo olhar interrogativo de Leila


sobre mim. Seria um sexto sentido de mulheres?

Só queria que nada grave tivesse feito Verônica desmaiar.

Era pelo que torcia.


CAPÍTULO 31

“E você sabe que eu faria tudo por você

Sentaria com você nas trincheiras

Te daria minha vida selvagem, te daria um filho” [48]

VERÔNICA

— Qual a chance? — Yumi perguntou, encostada contra


minha mesa.

— Alguma — respondi, aguardando que o meu pedido

para Leila fosse concretizado o mais rápido possível.

Yumi então pegou minha mão e a segurou.


— O que pensa sobre ser mãe? No caso, mais uma vez. —

Olhou-me profundamente.

— Acho que já pensei nisso algumas vezes e no quanto

gostaria de ter a experiência de gerar uma vida, mas... — respirei


fundo, quase levando minha mão livre até a barriga ainda plana.

— A probabilidade de ser real é assustadora.

— Nada planejado? — indagou, e eu neguei com a

cabeça.

Aquela noite no carro dele. Nada daquilo foi de fato

planejado. E se alguém me contasse que aconteceria, eu


duvidaria. Alfredo sempre esteve longe do meu alcance, e agora...

E agora, eu poderia estar esperando um filho dele.

— O quanto você sente que é real?

— Não vou nem chutar, madrinha. — Respirei fundo,

apertando levemente sua mão. — Leila já deve ter marcado o

exame de sangue e vou ao laboratório fazer a coleta.

— Você é uma das pessoas mais cautelosas que eu já


conheci e o fato de estar talvez grávida, sem qualquer

planejamento disso, me faz pensar no quanto Nero te deixa à

vontade, a ponto de não pensar tanto...


— Ele deixa — respondi, sem poder esconder mais aquilo.
— Mas também não sei como as coisas vão ficar, se eu confirmar

que estou grávida.

— Eu aposto que ele desmaia.

— Madrinha... — ela riu de lado e pareceu certa daquilo.

— Pelo que pudemos conversar durante o almoço, ele é o

completo oposto da versão física. Um homem grandão, de

tatuagens e voz grossa, mas que tem um coração de menino. Eu

acho que consigo entender por que se casou com ele, mesmo
que por um contrato...

Arregalei os olhos e ela continuou: — Eu nunca disse que

não sabia nada sobre. Planejei chegar e conversar com você a


respeito, mas quando vi a forma que se olhavam, só pensei que o

contrato foi uma desculpa. Tem algo na maneira que se olham,

que os entrega.

E era exatamente o que eu pensava, toda vez que a via à

frente de Rodinei.

— Não sei se o amor é complicado ou se a gente que


complica.. — Só sei que ele está em minha cabeça desde que

posso lembrar, de quando o vi pela primeira vez.


— Pedro sempre disse que o sonho dele era um amor à

primeira vista, mas que Sérgio o arruinou para isso — comentou


tão leve, que nem parecia que estávamos falando de pessoas que

tanto nos faziam falta. Antigamente, entrar naquele tópico era


algo que ela jamais faria. — Mas eu acho que foi à primeira vista,
mesmo que eles fossem muito pequenos. Talvez fossem muito

pequenos para entender.

— Papai gostava do romance... — suspirei fundo. — Mas

ele não apoiaria o que eu fiz para tentar o meu.

— Não pense assim. — Ela apertou minha mão, fazendo-

me olhá-la. — Eles jamais te julgariam, principalmente, Pedro. Ele


é a pessoa mais entendedora que já conheci.

Meu celular vibrou e notei ser Leila, que avisou que tinha
conseguido um horário na clínica mais próxima e confiável, dali a
vinte minutos.

— Quer que eu vá com você? — minha madrinha


perguntou, assim que me levantei e me afastei dela.

— Como quiser, eu só... — suspirei fundo. — Só quero


descobrir logo.

— Então vamos lá.


Ela então passou ao meu lado, puxando meu braço para o

seu, e nos levando para fora da sala. Encontrei Alfredo sentado


nas poltronas do lado de fora, com o olhar um pouco perdido e

parecendo pensar em muitas coisas.

— Exames? — ele perguntou, e se levantou de imediato.

— Vou com vocês, tudo bem?

— Claro que sim. — Foi Yumi quem respondeu, já que eu


só conseguia olhar para ele. Imaginando como seria ter uma

miniversão dele, com olhos azuis e aquele nariz empinado.

Por que a ideia de ter um filho com ele não me assustava

como de fato imaginei que assustaria?

Eu não era uma pessoa que sabia lidar com surpresas. Na

realidade, a maioria que tivera na vida foram ruins, por isso,


nunca soube lidar com o que viria sem eu ter a plena consciência.

Por que eu não me sentia assim apenas pela probabilidade?

Senti um braço ser colocado em minha cintura, puxando-

me para perto, e levantei meu olhar para Alfredo, que me


encarava, como se dizendo que estava tudo bem, que tudo ficaria

bem. Ele parecia tão inocente e correto, que me perguntava se eu


merecia alguém assim ao meu lado. Se eu merecia que ele se
sentisse de tal maneira comigo desde quando me viu.

Ele me viu, e ele me quis. Era o que eu sabia após sua


confissão, em seu quarto, que resultou em nós dois corados e
corações entregues.

Eu o vi, e o quis da mesma maneira. Era o que eu ainda


escondia, por mais que acreditasse que ele podia ler partes de
mim, que ninguém mais podia.

Pela nossa diferença de altura, mesmo em meus saltos,


era fácil para ele me dar um beijo nos cabelos e no top da

cabeça, como se me assegurando que estaria ali. Fechei os olhos


por alguns segundos e só os reabri quando chegamos ao hall.

Os minutos se passaram rapidamente.

Agora eu estava apenas sentada em uma sala separada,

esperando pelo resultado. Pelo que ouvi, não demoraria mais que
quinze minutos. E eu me vi contando cada um, encarando meu

relógio e tentando me acalmar no processo. Sabia que Alfredo e


Yumi estavam na sala de espera, e foi o melhor.

Queria receber aquele resultado sozinha. Era como se eu

já soubesse e sentisse que era uma realidade. Contudo, a quem


poderia culpar? A mim mesma e a um senso de maternidade que
não sabia que tinha?

De repente, eu não sabia se esperava mais pelo resultado


ou por um positivo.

— Senhora Reis. — Levantei meu olhar, encontrando uma

das colegas que fiz durante a faculdade de enfermagem, e que

sabia ser uma das responsáveis por aquele laboratório.

Eu já estive em laboratórios como aquele por várias vezes.

Na realidade, em sua maioria, em testes de paternidade que eram

exigidos por Reinaldo e Roberto, até que Rodinei se cansou que


fossem feitos. No final, minha avó tinha deixado tudo

encaminhado e eles poderiam buscar onde fosse, e nunca

descobririam a verdade. O poder de um Reis manipular um

resultado era simples, mas faltava muita capacidade para aqueles


dois.

Eu nunca me neguei por conta da questão de não ter nada

a esconder, mesmo que eu tivesse. No final, a minha postura

intocável e correta, os enfurecia ainda mais, e no fim, os


convencia. Era um jogo que eu aprendi a jogar muito melhor que

eles.
Contudo, agora não estava ali por conta de um jogo.

Era bem longe de qualquer outra coisa que já fizera.

— Então?

— Eu trouxe o resultado, por questão de que sabemos que

não gostaria que vazasse. — Estendeu-me o papel. — Não há


cópias ou alguém abriu. Eu vou esperar do lado de fora, e

qualquer coisa, é só me chamar.

— Obrigada — falei e ela sorriu levemente.

Minhas mãos tremiam e apenas naquele momento as notei


de tal maneira. Tentei me focar enquanto deslacrava o envelope e

puxava de dentro o papel. Fechei os olhos por alguns segundos e

então tive coragem de abri-los. Pisquei algumas vezes, lendo e

relendo, tentando entender se eu não estava entendendo algo


errado. Contudo, a resposta estava na minha frente, estampando

um positivo que eu nunca imaginei ver.

Eu estava grávida.
CAPÍTULO 32

“Oh, eu só quero te amar, te amar de graça

Todo mundo quer algo de mim

Você só quer a mim” [49]

VERÔNICA

Assim que consegui encontrar força nas minhas pernas,


caminhei até a saída da clínica, onde Alfredo e Yumi estavam.

Encontrei-os na sala de espera e fiz um sinal para irmos. Assim


que ia abrir a porta, levei um susto quando Tadeu passou por ela.
Logo Murilo, Igor e Carolina. Olhei para eles sem entender

o que faziam ali ou como tinham chegado.

— Eu fiquei nervoso e falei com Abi, acho que ela estava

no viva-voz, e eles estavam todos juntos — Alfredo sussurrou ao


meu lado, e então as coisas começaram a fazer sentido. Eu

nunca comunicava aos meus irmãos o que acontecia,

principalmente se fosse algo que eu tinha que pensar para poder


falar com eles.

— Na verdade, Gael falou com Valéria assim que

desmaiou, e por isso chegamos só agora...

Levei a mão ao rosto e apertei a têmpora. Eu não podia me

estressar, repeti a mim mesma.

— Eu estou bem, não tem nada de errado comigo — falei,

e segui para fora da clínica, esticando minha mão para Alfredo,

que veio logo atrás. — Quantas vezes eu disse para não se

preocuparem comigo?

— Como se a gente ouvisse isso. — Igor rebateu,

revirando os olhos. Encarei os quatro à minha frente e sabia que

seria um interrogatório do qual não queria participar.


— Seja o que for, Verônica tem que descansar... — Alfredo
tomou a dianteira e o encarei sem entender. — Em paz, sozinha...

— complementou e notei o olhar duro dos meus quatro irmãos

para com ele. — Não vão me matar só olhando.

Eu adorava o lado debochado dele.

Adorava?

Respirei fundo, porque sabia que o sentimento era maior

do que eu esperava, mas não podia evitá-lo. Ao mesmo tempo

que, queria conseguir lhe contar o que de fato estava


acontecendo, sem envolver nossos sentimentos. Era algo maior

do que nós dois.

— Vamos para casa — falei, e encarei os quatro


emburrados. — Aliás, se não notaram, Yumi está atrás de vocês.

— Estou aqui esperando meu momento...

— Yumi! — Carolina gritou, e Igor praticamente correu até

ela.

Vi Tadeu ficar emocionado de imediato e ser amparado por

Murilo. A relação que eles tiveram com ela, era diferente da que

eu tinha, mas ainda assim, todos eles sabiam do quão importante

ela era. Do quanto ela nos protegeu. Principalmente Tadeu.


— Estamos indo na frente — avisei e encarei-os. — Tudo

bem, madrinha?

— Mais do que bem — falou, sendo agarrada por vários

braços e eu sorri da cena.

Família.

Era a minha família.

Assim como, a família que agora eu formava com Alfredo.

— Jeon e Vincenzo vão morrer de ciúmes. — Ouvi-a dizer


por último, enquanto eu caminhava com Alfredo até o carro.

Assim que nos sentamos no banco de trás, pedi para o

motorista nos deixar em casa. Era claro que Alfredo queria


perguntar algo, mas ele não dizia, então me vi apenas aceitando

seu abraço e permanecendo ali, até chegarmos. No segundo em


que chegamos, assim que retirei meus saltos, encontrei-o

fechando a porta da frente com cuidado.

— Fala — pedi, e ele respirou fundo, virando-se.

— Sabe, eu estive com Abi toda a gravidez da Prim. Eu


sou um pouco lerdo às vezes, mas quando comecei a pensar

mais sobre isso, assim que saí da sua sala... Qual a chance de
estarmos prestes a ter um filho?
Seu olhar era apreensivo, mas eu não consegui identificar

o que de fato significava.

— Se eu disser, que talvez uns oito meses... — seu olhar

azul se arregalou e notei o quanto ele brilhava. — Eu me cuido,


Alfredo. Mas eu não sei, naquela noite nem me lembro de

falarmos sobre camisinha ou...

Antes que eu pudesse continuar, e ser a pior pessoa a dar


uma notícia de gravidez, vi-o vir até mim e cair de joelhos à minha

frente. Fiquei paralisada por alguns segundos, e só pareci voltar a


mim, quando senti suas mãos sobre minha barriga.

Seu olhar azul estava no meu, como se pedisse permissão,


e me vi assentindo.

— É o papai — falou, e notei algumas lágrimas por seu


rosto. — É o meu sonho... — então seu olhar parou no meu. —

Eu sempre quis ser pai, sempre... sempre desejei uma família.


Acho que por nunca ter tido uma, eu só queria construir a minha e

me sentir parte. Ser o bom pai que eu não fui.

— Alfredo... — levei minha mão ao seu rosto e o acariciei.

— Não está com medo?


— Para caralho. — Fez uma careta. — Acho que vou ter
que parar com os palavrões — assumiu, e levou sua cabeça até
minha barriga, logo seu olhar se voltando para o meu. — Como

você está se sentindo? — levantou-se, e segurou meu queixo,


como se não me deixasse fugir.

— Não gosto de surpresas, como já te disse. — Respirei


fundo. — Eu nunca pensei que seria mãe dessa forma, quer dizer,

eu tenho meus irmãos que praticamente me fazem sentir assim,


mas... É diferente. Tem um ser humano aqui... — indiquei minha
barriga. — E eu não sei o que fazer. — Estou pensando em todos

os perigos que existem e como vou fazer para que...

— Vamos pensar nisso juntos. — Cortou-me, dando-me um

leve sorriso, e senti sua mão sobre a minha, que estava na


barriga ainda plana. — É o nosso filho, bebê.

— Duas coisas que eu nunca esperei, gostar de um apelido


brega. — Ele riu como um menino e eu estava sem saber o que
dizer. — Não planejamos nada disso, mas... Eu quero fazer isso

— falei, respirando fundo e encarando. — Eu quero você. Eu


quero nosso filho. Eu quero essa família também.

Notei outra lágrima descer e sua boca veio para a minha.


Lento, calmo e apenas um encontrar que me dava a resposta de
que ele queria o mesmo.

— Que diabos...

Foi quando ambos nos viramos em direção à porta, e notei

quatro pares de olhos desviarem diretamente para onde minha


mão e de Alfredo se uniam.

— Não! — Carolina quase gritou. — A gente vai ter um

irmãozinho? Quer dizer, a gente vai ser tio? De um bebê Venero?

— Venero? — Alfredo indagou, e eu apenas neguei com a

cabeça, porque não tinha ideia do que era aquilo.

— Entendemos certo? — Tadeu foi quem se aproximou

primeiro, encarando-me. — Está grávida?

Não soube o que dizer, e era a primeira vez em muito

tempo, acreditava que desde quando eles me protegeram de

Reinaldo, que me sentia completamente exposta à frente dos


quatro.

— Estou.

Senti Alfredo se afastar, mas logo fui cercada pelas quatro

razões que me trouxeram até ali. E agora eu tinha mais uma. Na


verdade, mais duas. O homem que me fazia cair por ali a cada dia
mais. E o fruto de um sentimento que nenhum de nós ainda sabia

nomear, mas explodia em cada um.


CAPÍTULO 33

“Um brinde aos meus amigos de verdade

Eles não ligam para o disse-me-disse

E outro para o meu amor

Ele não está lendo do que estão me chamando ultimamente” [50]

VERÔNICA

Um dia nunca me pareceu tão imprevisível quanto aquele.

Começou com Ricardo aparecendo, logo após um

desmaio, um teste positivo para gravidez, meu marido


emocionado pela descoberta, e meus quatro irmãos agora ali, ao

meu redor, na cama.

— Estou me sentindo uma adolescente — falei, ao encarar

os corpos espalhados pela minha cama, que felizmente, era


enorme.

— A gente fazia muito isso quando éramos pequenos, né?

— a pergunta veio de um Tadeu sonolento, e me virei para vê-lo

de costas para mim, agarrado ao travesseiro do lado esquerdo.

Carolina estava grudada em minha barriga, como se

tentando sentir algum chute, o que eu sabia não ser possível, já


que eu não sentira nada, e nem imaginei que seria tempo para

isso.

— Todas as noites, até que começamos a ficar grandes e

cada um finalmente dormir no próprio quarto — Murilo respondeu,

e ele estava de costas para Carolina, agarrado em um outro

grande travesseiro.

Enquanto isso, Igor já estava apagado, no final da cama,

praticamente dormindo nos pés de todos. Ele sempre era o

primeiro a dormir, e me recordava bem daquilo.


— Quando vai ao médico? — a pergunta veio de Tadeu,
que estava torcendo para que dormisse logo, porque ele tinha

ativado o modo superprotetor, mesmo sabendo que não o

permitiria agir assim.

— Pedi a Leila para marcar um médico para amanhã cedo

— comentei, e respirei fundo. — E nenhum de vocês está

convidado.

— Mas nós somos família. — Igor rebateu, o que jurei que

deveria estar dormindo. — Nero que devia ficar.

— Ele é o pai da criança. — Vi Murilo dar um chute leve em

Igor, que bufou. — Qual o seu problema, afinal?

— Não gosto de nenhum homem perto da Verô, não é


exclusivo dele.

— Ele é meu marido, Igor — falei, e senti-o se virar de


imediato, como se me olhando. — Por que não está dormindo?

— Porque eu fico imaginando seu filho, correndo com os

nossos filhos... Tô me sentindo tão velho — admitiu, e eu quase ri

da sua fala.

— Preciso dizer que sou a única perto dos quarenta aqui?

— rebati, e levantei um pouco, para ter visão completa da minha


cama repleta de irmãos.

— Aliás, não foi aqui que conceberam o bebê, né? — Igor

perguntou de repente, quase pulando da cama. — Apenas o

pensamento disso...

— Não, e sossegue! — falei, e dei um leve chute em sua


barriga, fazendo-o virar.

— Quanto tempo está mesmo? — Murilo perguntou, senti


que ele me encarava também, e olhei-o de volta.

— Pelas minhas contas, um mês e meio.

— Ufa, pelo menos não falou em semanas e... Espera aí!


— Carolina levantou sua cabeça da minha barriga. — Você ainda

vai fazer um mês de casada... Verônica Reis!

— O quê? — fingi-me de burra. — Aliás, eu estou com


sono e não podem estragar o sono de uma grávida.

Tadeu gargalhou alto e senti um leve beijo em meus


cabelos.

— Boa noite, Verô.

— Eu não vou dormir depois disso. — Carolina e Igor

falaram ao mesmo tempo.


— Ah, calem a boca. — Murilo reclamou e eu quase ri,

enquanto tentava me concentrar.

Eles sabiam que nunca teriam as explicações que tanto

desejavam, a não ser que conseguissem tirar de Alfredo. O que


eu duvidava ser possível, já que o mesmo não era tão aberto

assim com as pessoas. Mas o que eu poderia dizer? Que fodi até
revirar os olhos dentro de um carro com um cara que nunca

pareceu gostar de mim, e que agora era meu marido e eu


adorava?

Bom, aquele era apenas um resumo do resumo, e eu

acreditava que a nossa história tinha detalhes demais para ser


apenas isso.

ALFREDO

— Eu vou ser pai — falei pela décima vez e Abigail gritava

do outro lado da linha. Minha sorte era estar escondido no jardim


e com fones de ouvido. — Eu só não tô gritando porque tô
fingindo plenitude, mas Abi do céu... Puta que pariu!

— A família de milhões com a crush de milhões! — ela


berrou, jogando Primavera para cima, que estava claramente sem
entender nada. — Filha, você vai ganhar um primo ou prima!

Aí veio o grito fino de Prim, que parecia finalmente


raciocinar toda aquela situação.

— Eu tô quase pedindo Verônica em casamento... é sério


— falei, e levei as mãos ao rosto, equilibrando o celular nas
pernas, para que Abi conseguisse me ver.

— Espera aí! — ela parou de jogar a filha, e sentou-se


novamente. — Eu entendi a parte das declarações e tal e amei,

mas não acha que é cedo para pedir sua esposa por contrato em
casamento?

— Posso esperar mais, né?

— Eu sei que você a ama — falou, respirando fundo. — Sei

que ela é o seu primeiro amor e fico feliz de ser mais incrível do
que imaginou, mas... Verônica ainda é Verônica. Ela é uma
pessoa que você vai demorar para desvendar.
— Eu sou emocionado, Abi — confessei e ri. — Eu me
casaria com ela amanhã.

— Tecnicamente, já são casados.

— Você entendeu. — Ela riu e acenou positivamente com a


cabeça. — Aliás, eu já disse que vou ser pai?

— Nero... — então notei que ela estava tão empolgada a

ponto de chorar. — Parece que foi ontem que você salvou a mim
e a Prim...

— Salvou? Padinho salvou?

Meu coração acelerou e eu nunca me esqueceria do

momento em que Abigail voltou à vida.

— Eu sempre desejei que tivesse isso, sabe? —

perguntou, suspirando fundo. — Nós dois sempre fomos uma

família, até viramos três com a Prim, mas eu sei que sempre quis
mais... Sempre quis que fosse maior.

— Vocês são parte de mim, Abi — confessei. — A melhor

parte. E agora é até maluco pensar que Verônica e... — lembrei-


me do apelido que sua madrinha usava, e só consegui me ligar a

ele. — O nosso pacotinho de gente, vem para somar.


— Pacotinho? Nero!!!! — praticamente gritou, e notei uma

lágrima descer. — Não é hora pra me deixar emocionada.

— Eu agoia tenho uma madinha? — Primavera perguntou,

pegando-nos de surpresa.

— Claro que sim, pequena.

O celular quase caiu, e ouvi Abigail gargalhar do outro

lado.

— Puta merda! — falei, odiando-me no segundo seguinte

ao lembrar que tanto Primavera quanto o meu filho estavam


ouvindo aquilo.

— Boa noite, moça do café. — Abi gritou. — Boa noite,

Nero.

— Boa noite, madinha e padinho!

Eu ainda tentava pegar meu celular, e foi então que me

virei, para encontrar Verônica e um violão em mãos. Olhei-a sem

entender nada, e pensei se não estava frio ali fora, para ela
simplesmente sair com um robe tão fino.

— Acho melhor entrarmos — falei, assim que consegui

colocar meu celular no bolso da calça de moletom. — Essa brisa

meio fria pode ser ruim para o bebê.


— Para o nosso pacotinho?

Senti minhas bochechas pegarem fogo diante de sua

pergunta, e um sorriso se abriu no rosto sério que eu tanto

adorava.

— É sério, Verônica!

— Não está frio — falou, e me estendeu a mão, para me

ajudar a levantar, mas neguei, sem querer lhe dar qualquer peso.
— E eu gostei que usou o apelido.

— Quanto tempo da conversa ouviu?

— Cheguei agora, e peguei a parte do pacotinho —

comentou e sorriu lentamente. — Não consegui dormir e como


pensei que estava dormindo, resolvi fazer o que me acalma em

algumas noites... — indicou o violão e eu a encarei curioso. —

Uma camada a menos?

— Gostou mesmo do lance da cebola? — ela bateu contra

meu peito, enquanto a seguia para parte de trás do jardim, onde

tinham redes e várias cadeiras espalhadas, assim como puffs.

Uma bela piscina ao fundo, que eu me perguntava se eles


usavam para alguma coisa.
— Meus pais gostavam dessa música... — falou e notei a

fragilidade no olhar que fugiu do meu. — Minha avó também


cantava ela... — continuou, e então me encarou. — Toda vez que

tenho dificuldade para dormir, cantar as músicas que eles

cantavam, me traz paz.

Sentei-me à sua frente, de pernas cruzadas no chão e vi-a


posicionar o violão.

“Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte

Porque apesar de muito moço, me sinto são e salvo e forte

E tenho comigo pensado, Deus é brasileiro e anda do meu lado

E assim já não posso sofrer no ano passado

Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro

Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro

Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro

Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro

Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro

Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro...”[51]


Sua voz era tão linda, que senti falta no segundo em que

ela parou, encarando-me.

— Tenho cantado na frente apenas da minha família, acho

que... desde sempre — suspirou profundamente. — Como posso


olhar para você e me sentir em casa, Alfredo? Como isso não

pode ser uma coisa que inventei?

Levantei-me, sentando-me ao seu lado enquanto ela


deixava o violão no chão.

— Não sei as respostas certas, acho que... — trouxe suas

mãos até meus lábios e as beijei. — Acho que só vivendo juntos,

vamos descobrir isso.

— Gosto dessa ideia.

Tocou meu rosto e aproximou nossas cabeças, encostando

sua testa na minha. Percebi no exato segundo em que se afastou

e colocou um dedo sobre minha testa, como se a delineando. Eu


sabia que poderia ficar ali, para sempre, apenas vivendo aquele

momento com ela.


CAPÍTULO 34

“Estamos vivendo vidas diferentes, só Deus sabe

Se retornaremos com todos os nossos dedos das mãos e pés

5 anos, 20 anos, de volta

Será sempre do mesmo jeito” [52]

VERÔNICA

— Bom dia, pacotinho.

Sorri para minha madrinha, saindo de dentro de casa e

encontrando-a perto da calçada. Ela tinha me mandado uma

mensagem na noite anterior avisando que já sabia da resposta no


segundo em que apareci na sala de espera e que decidiu me dar

o espaço para pensar sobre o que fazer. Ainda mais, com meus
irmãos ao redor.

— Bom dia, madrinha.

— Demorei um pouco para me adaptar com essa volta,


mas... Fico feliz de poder caminhar por aqui com você —

comentou, entrelaçando nossos braços e começamos a andar. —

Sabe, eu pensei muitas coisas quando entrei no avião e vim pra


cá. Sabia que meu primo ia te avisar que eu estava vindo, por

isso apenas deixei Jeon ou Vincenzo contarem quando tivesse

chegado.

— Foi uma surpresa te encontrar do outro lado da porta,

tão rápido...

— Bom, fico feliz. — Ela me apertou ainda mais junto a si.

— Cha oppa cuidou de mim por muito tempo. Ele, Vincenzo e

Jeon me fizeram encontrar algum propósito depois que perdi

Sérgio e Pedro. — Parou, quando estávamos próximas à esquina.


Segurou minhas mãos e encarou-me. — Queria ter conseguido

passar por esse trauma antes, e ter estado aqui com você.

— Madrinha...
— É sério, pequena. — Olhou-me profundamente. — Eu
não entrei em um carro por quase uma década, e vivi presa a mim

mesma... Se não fossem as suas ligações ou Cha, eu não sei o

que teria acontecido. E você era uma criança. Não tinha que ter

responsabilidade por tanto. Sei que ama seus irmãos e ama estar

no lugar de Regina, que parece ter sido feito para você, mas...

Querida, você merecia viver. Merecia a infância e adolescência


que seus pais tanto desejaram. Eu desejei — suspirou fundo,

desviando o olhar. — Eu sei que não me culpa, mas eu só queria

dizer que por mais tarde que possa ser agora, eu estou aqui. Eu

vou te proteger e o seu pacotinho de gente... — falou, levando

uma das mãos à minha barriga, e eu deixei uma lágrima descer.

— Não quero que se estresse ou se preocupe, por mais que seja

impossível. Quero que curta esse momento.

— Toda vez que te olho, eu me lembro da criança feliz que

eu era — admiti. — Lembro-me de como foi crescer em um lar


com tanto amor e carinho, mesmo com os fantasmas de Reinaldo

e Roberto. Eles não conseguiram quebrar nossa conexão, mesmo

quando nos tiraram tudo — suspirei fundo, tentando não desabar.

— Papai Pedro, papai Sérgio, vovó Regina... Mas eu sempre tive

você, por mim, pelos meus irmãos... Rodinei, você e Cha nos
protegeram, quando eu ainda tentava entender como seria me

tornar a responsável por tudo isso. Vocês fizeram os reais


culpados pagarem pela morte deles, eu sei.

Ela abriu a boca para dizer algo, mas se calou. Eu sabia


que era delicado aquilo. Sabia que vovó demorou a descobrir

quem foram os responsáveis por trás da sabotagem do carro em


que meus pais e minha madrinha estavam. Mas ela descobriu,
mesmo não tendo tempo para se vingar. Mas sabia que eles

tinham pagado.

— Sangue por Sangue é um lema dos Kang — ela

comentou e me encarou. — Sérgio nunca foi tão ligado nessa


parte, na verdade, ele nunca teve capacidade de machucar
alguém, mesmo que fosse alguém ruim... Não queria que

soubesse desse lado nosso.

— Eu sou uma Kang também, madrinha. — Notei seus

olhos se encheram de lágrimas. — Não teve tempo de papai


colocar esse sobrenome na minha certidão, mas eu entrei com os

papéis há alguns anos e Cha me ajudou. Sou Verônica Regina


Kang Reis. Eu tenho orgulho de quem eu sou.

— Obrigada por não me julgar.


— Como o faria? — ri de lado, sem poder evitar. — Sei que

Reinaldo e Roberto só estão vivos porque fez uma promessa à


minha avó. Eu sempre me perguntei por que eles não pagaram

caro pelo que houve, mas sabia que por mais que doesse, seria
difícil demais para vovó saber de outros filhos morrendo da

mesma forma...

— Eu quase os matei — admitiu, e segurei fortemente sua

mão. — Das poucas vezes que vim te ver, em todas, me vi no


meio da noite, na casa deles, quase acabando com sua vida...
Mas a promessa com Regina me segurou. Ainda mais porque

Rodinei é irmão deles, mesmo que não o mereçam. — Ela


respirou fundo. — Mas quando revi Reinaldo ontem, mesmo com

todo ódio que nunca vai sair, eu senti pena. Senti pena pela
pessoa que ele é.

— Eu acho que eles não valem a pena... — dei de ombros.

— Eu nunca os perdoarei ou deixarei que estejam na vida dos


meus irmãos, mas não valem nem mesmo o sangue.

— Eu sempre me assusto no quão é uma perfeita mistura


das personalidades de Pedro e Sérgio. — Ri baixinho e ela tocou

meu rosto, e a outra mão estava em minha barriga. — É uma


mulher incrível, mas sempre será o nosso pacotinho. Não abro
mão de poder te proteger.

Ela então levou a mão até minha testa, tocando com os


dedos indicador e médio, e logo me puxou para um abraço. Eu
sabia que não era uma história simples assim e muito menos fácil

de se digerir, mas Yumi Kang era um lar para mim. A lembrança


viva de que um lar me criou, e era o que eu desejava ter. E

mesmo que todo o drama nos perseguisse, nós éramos ainda


mais fortes juntas. Todos nós.

— Meu Deus! — ela se afastou, com uma animação que

me pegou desprevenida. — Eu me esqueci que hoje era o dia de


buscar Vincenzo e Jeon no aeroporto.

— Jeon me mandou uma mensagem, dizendo que estaria


no Brasil e queria me ver...

— Você sabe, ele é encantado por você... Vai ter um treco


quando descobrir que está casada e grávida.

— Quem está grávida e casada, Yumi Noona?

Virei-me e vi Yumi dar um grito e correr na direção dos dois


homens que acabavam de descer de um carro preto, que deveria

ser blindado. O brasão da família Kang marcado em uma parte


baixa da lataria. Aqueles pequenos momentos em que Yumi se
animava, me relembravam de como ela sempre foi assim. Há
coisas que nunca mudam.

Vincenzo foi o primeiro a conseguir desviar-se dela, como


se fugindo do abraço de leão e Jeon ficou preso a ela.

— Há quanto tempo, prima. — Vincenzo falou, o sotaque

carregado em seu português, e eu assenti. — Temos negócios e


claro, Yumi Noona não parou de nos instigar a vir.

— Vincenzo... — falei, e ele franziu a sobrancelha, mas eu

não pude evitar. — Cassano?

Ele levou as mãos ao nariz, e ouvi a gargalhada de Jeon,


que se aproximava.

— Preferia quando me chamava de Oppa. — Soltou, mas

notei que sua expressão era leve. Se existia alguém mais


enigmático do que eu, poderia nomear a pessoa como Vincenzo

Kang.

— Verônia Noona — Jeon falou animado, e me encarou de

cima a baixo. — Linda — falou em coreano, e o encarei com uma


sobrancelha arqueada. — Vou fingir que não sei do casamento e

muito menos que ouvi sobre gravidez.


— Já perdeu antes mesmo de tentar, irmão.

— Você não ajuda, hyung[53] — ele rebateu Vincenzo, que


ajeitava sua gravata e sequer parecia que passou horas em um

voo até ali. — Mas enfim, temos negócios com os Fontes, e pelo

que entendi, os conhece...

— Sem negócios uma hora dessas. — Yumi entrou no

meio. — Verônica está indo fazer o primeiro ultrassom, tenham

um pouco de vergonha na cara.

— Jeon é um péssimo primo — Vincenzo falou, e colocou


seus óculos escuros. — Vamos ficar mesmo na casa no outro final

da rua?

— Podem ficar na minha, se quiserem. — Ofereci, e Jeon

estava prestes a responder, antes que Yumi se intrometesse.

— Vão sim e perto de mim, porque eu os conheço... Sei

que Cha lhes mandou para coisas ilícitas e eu odeio isso.

— Somos anjos, Noona — Jeon respondeu sorrindo, mas


eu sabia que estava bem longe daquilo. — Eu preciso dormir

bem!

— Devia ter dormido no voo.


Yumi segurou em meu braço, enganchando-se nele,

enquanto caminhávamos ao lado dos seus sobrinhos, que

estavam claramente discutindo algo entre si. No caso, Jeon


falando e Vincenzo apenas ouvindo. Quando cheguei próxima à

minha casa, surpreendi-me ao encontrar Alfredo saindo dela,

vestido como um pecado em um conjunto todo preto de jeans e

camiseta. Poderia ser simples em qualquer outra pessoa, mas


nele, com todas aquelas tatuagens que chamavam para serem

descobertas, os olhos azuis e cabelos negros despontando, eram

a definição do pecado.

— Quem é esse? — Jeon perguntou, olhando de cima a


baixo.

— Se lesse o que Cha hyung nos passa.... — Vincenzo

retrucou e estendeu uma mão para Alfredo. — Vincenzo Kang,


primo de Verônica.

Alfredo o cumprimentou, olhando levemente para mim.

— Eu sou Jeon Kang, o favorito da Verônica. — Semicerrei

o olhar, e poderia jurar que na briga entre ser mais irritante, Jeon
e Gael poderiam ser páreos. Alfredo o cumprimentou e logo veio

para meu lado, parando para dar um leve beijo no rosto de Yumi e

logo se virando para mim.


— Seus irmãos estão loucos atrás de você... — revirei os

olhos, porque eles eram realmente previsíveis quando estavam


preocupados. — Disse que tinha saído com Yumi.

— Eles vão viver. — Bati levemente contra seu peito, e

senti Yumi se afastar. — Tudo bem se for conosco, madrinha?

— Será uma honra, querida.

— E eu pensando que o metidinho dos Fontes fosse o meu

problema... — ouvi Jeon reclamando, enquanto Vincenzo o fazia

caminhar na outra direção, no caso, até a casa de Rodinei, na


qual Yumi estava, e que agora, eles estariam.

— Então todo mundo achava que você ficaria com Gael?

— Alfredo perguntou e o encarei interessada. — O quê?

— Ciúmes? Numa hora dessas, Alfredo?

— Como diria a indústria musical: Caramba, são sete da

manhã! — a voz sonolenta de Carolina nos encontrou, e notei que

ela bebia algo. — Aliás, eu vou conter os outros três, mas quero ir
à próxima consulta.

— Feito, Carolina!

Ela pulou no lugar e voltou para dentro, já xingando.


— Eu adoro essa bagunça — Yumi falou, e eu a encarei,

com um olhar que refletia o mesmo – eu também.


CAPÍTULO 35

“Por favor, nunca se torne um estranho

Cuja risada eu poderia reconhecer em qualquer lugar

Por favor, nunca se torne um estranho

Cuja risada eu poderia reconhecer em qualquer lugar” [54]

ALFREDO

— Olhei todos os exames que já ficaram prontos e está

tudo bem — a médica falou, sentando-se ao lado da maca em


que Verônica já estava sentada. Eu entendia um pouco sobre

gravidez, pelo que experienciei junto a Abi e Primavera, mas


ainda assim, o nervosismo que me invadia era completamente

diferente.

— Como são cerca de seis semanas... — a médica

começou e deu um leve sorriso. — Ainda não teremos muito para


ver, mas... Mas essa será a primeira imagem que terão do filho de

vocês.

Ela então mexeu em algo e se posicionou, pedindo

permissão a Verônica, que estava atenta a cada ação da médica,


e notei seus dedos, da mão esquerda quase fechados em punho,

como se ela estivesse descontando, talvez a ansiedade que

sentia, neles. Vi-me tocando minha mão com a sua, e me


colocando mais perto. Como se fosse um costume, seus dedos se

abriram e entrelaçaram-se aos meus, e seu olhar pousou


rapidamente no meu.

— Esse risquinho, aqui... — a médica falou, após alguns


minutos e indicou algo preto e branco na tela. Eu não sabia o que

pensar, mas era tão novo que de repente, senti a emoção me

tomar. — Esse é o bebê de vocês, que está no tamanho esperado

para esse tempo.

Pisquei algumas vezes, reajeitando meus óculos de grau e

fiquei tentando colocar as coisas em ordem em minha mente.


Como poderia, uma imagem tão simples me fazer tão bem? Era
estranho pensar que ali, naquela imagem, uma parte tanto minha

quanto de Verônica crescia. Mas não era ruim, não, em momento

algum.

— Podemos ter essa imagem? — perguntei, sentindo os

dedos de Verônica mais fortes contra os meus. A médica disse

que sim, e foquei na mulher deitada na maca, que parecia

maravilhada com o que via. — Eu posso dizer que se parece com

você? — brinquei ao sussurrar perto de seu rosto e dei-lhe um

leve beijo na testa.

— Vou fingir que não ouvi essa pergunta. — Seu tom de

ordem era algo que me mantinha cativo nela. Mesmo em um

momento tão especial era tão bom saber que nada entre nós
mudou. Talvez mais emocionados que o comum, mas ainda

éramos nós.

— Nosso pacotinho tá mais para risquinho...

— Alfredo — ela falou, e eu me fiz de inocente.

— Estou mentindo? — rebati, e ela apenas desviou o olhar

para a médica que terminava de mandar imprimir as imagens.


Minutos se passaram, e Verônica finalmente pôde se trocar

e voltou vestindo sua roupa de CEO que mandava e desmandava


em qualquer um que passasse à sua frente, e me deixava

derretido por ela, e se sentou ao meu lado. Foi apenas a primeira


consulta dela, e a maioria das questões foi respondida por
resultados de exames laboratoriais. Eu não me recordava muito

do que vinha a seguir, e já comecei a pensar em que livros ler


para entender melhor sobre maternidade.

— Aqui, madrinha. — Vi Verônica entregar as imagens


para Yumi, que parecia estar prestes a chorar novamente.

Ela puxou Verônica para perto e sussurrou algo, e só


consegui pensar no quão era importante sempre escolher as
pessoas certas para estarem ao redor do seu filho. Algo como o

que Yumi e Verônica tinham era lindo.

— Já pensou que temos que escolher uma madrinha e um

padrinho? — indaguei, caminhando ao lado das duas, e o olhar


de Verônica mudou por completo. — Como vamos escolher um de

cada com o bando de gente que vai querer apadrinhar esse


bebê?

— Não é como se todo mundo tivesse interessado... — ela


começou a falar, mas parou. — Ok, eu tenho quatro irmãos.
— Fora suas cunhadas e cunhado — comentei e pensei

sobre mim. — Pelo menos, do meu lado, tem apenas Abi. —


Levantei as mãos aos céus.

— Aliás, não pense que esquecemos do seu aniversário...

— Aniversário? — Yumi comentou e eu tentei fingir que

não era comigo, quando abri a porta do carro para que as duas
entrassem. — Quando?

— Alfredo faz aniversário daqui a uma semana — falou,


assim que me sentei do lado do carona, e cumprimentei Pietro,
que entendi ser o principal segurança de confiança de Verônica.

— Não é como se fosse algo importante...

— Aniversários são importantes. — Senti um leve tapa no


meu ombro e olhei assustado para Yumi.

— Não os meus... — minha voz mal saiu, e era como uma

verdade que eu dizia apenas para mim mesmo. Nunca me


importei de fato com aquela data, já que nunca me mostraram o
que ela realmente era. Se não fosse por Abi, eu já teria parado de

comemorar há muito tempo.

— Já está tudo organizado e ele vai estar lá. — Ouvi


Verônica comentar, e olhei para as duas mulheres que
conversavam entre si. A mão de Yumi estava na barriga de
Verônica, o que quase me fez perder a pose de decidido a não ter
uma festa. — Ou vai mesmo me fazer passar vontade?

— Como assim? — indaguei, a encarando sem entender.

— Minha vontade é que você curta o seu aniversário —

falou e continuei sem entender nada. — Acho que sabe que


grávidas não podem passar vontade.

— Isso é golpe baixo. — Semicerrei os olhos e ela deu de


ombros.

— Cada um usa as armas que tem. — Piscou um olho e


me virei novamente para encarar o caminho.

A cada momento perto daquela mulher, mais eu me sentia


caído por ela. Se achava que eu não poderia me apaixonar
novamente pela mesma pessoa estava completamente errado.

Apaixonei-me à primeira vista, e agora, me apaixonava a cada


momento novo ao seu lado.

VERÔNICA
— Vem cá...

Alfredo bateu contra suas pernas, agora sentando-se na

ponta da minha cama. Tinha sido uma luta chegar até aquele
momento, apenas com nós dois. Felizmente, meus irmãos tinham

suas famílias e estavam presos em chamadas de vídeo naquele

momento. Eu sabia que a qualquer momento poderia surgir uma


enxurrada dos que faltavam, porque todo mundo estava

realmente curioso sobre a gravidez.

Assim que me aproximei, ele me puxou para seu colo,


fazendo-me sentar de lado, e sua mão foi para minha barriga. Um

leve carinho, os olhos azuis presos ali, enquanto uma de minhas

mãos estava em seus cabelos. Notei-o abrir a boca para dizer

algo, mas logo a fechar. Contei que ele o fez quatro vezes, e me
vi levantando seu queixo e fazendo-o me encarar.

— O que foi?

— Tenho medo de te assustar — assumiu. — Eu não quero

que se sinta pressionada ou...

— Me fala — pedi, subindo minha mão para sua bochecha,

e logo delineando os óculos que ele ainda usava. Ele era tão lindo
daquela maneira, que me tinha entregado a ele.

— Eu te amo. — As três palavras me acertaram em cheio.


— Eu sei que é meio que do nada, mas... Eu acho que te amei

desde que te vi. E agora, me vi apaixonado por você de novo...

Eu realmente te amo, Verônica.

Sorri para ele, e fechei os olhos, assim que levou meu

rosto para perto do seu.

— Não preciso que me diga o mesmo ou se sinta

pressionada, é que eu não sei guardar essas coisas — admitiu. —


Eu escondi por tanto tempo que te teria, que agora que eu te

tenho, não quero mais esconder nada.

— Obrigada por ser sincero — falei, e senti sua testa na

minha. Já se tornando o que parecia um ritual entre nós dois. —


Obrigada por ser você.

Quando abri os olhos, temi por encontrar algum

arrependimento ou tristeza em seu semblante, por eu não poder


lhe entregar o mesmo. Contudo, os olhos de Alfredo brilhavam,

como se aquele momento fosse precioso, mesmo que eu não lhe

desse o mesmo. E foi naquele instante que eu entendi que ele

talvez fosse uma das poucas pessoas capazes de me entender,


mesmo sendo completamente diferente de mim. Ele não me

julgava, ele me esperava.

Levei um dedo até sua testa e tracei levemente por ali, e foi

quando percebi que não era mais o suficiente para demonstrar o


carinho que sentia. Não era apenas proteção. Foi naquele

segundo que eu entendi, que todos os sentimentos que ele me

causava, convergiam apenas em um: amor.


CAPÍTULO 36

“Minha reputação me precede, eles te disseram que sou louca

Eu juro que não amo o drama, ele que me ama

E não consigo te largar, suas digitais estão em minha alma

É como se seus olhos fossem licor, e seu corpo, ouro

Você vê a farsa de todos os meus truques usuais

Então aqui está a verdade vinda dos meus lábios vermelhos” [55]

VERÔNICA

— Não pode me pedir para parar de trabalhar — falei,

terminando de fechar meu blazer e Alfredo bufou, indo até os


meus sapatos e vi-o escolher os de salto mais baixo e colocá-los

à minha frente.

— Eu li algumas coisas e pode ser que...

— Por isso as olheiras? — cortei-o, ficando na ponta dos

pés para tocar seu rosto. — A médica disse que tudo bem eu usar
salto, trabalhar como qualquer ser humano e transar até cansar.

— Saltos mais baixos? Você trabalha muito mais do que


oito horas diárias, sem contar os finais de semana! E sobre

transar... — suas mãos vieram para minha cintura, puxando-me

para perto.

Ele estava perigosamente vestido apenas em uma calça de

moletom, e meu olhar percorreu cada tatuagem e músculos


aparentes.

— Por que não fica em casa e gastamos o tempo...

Um miado alto me fez conseguir do homem gostoso que

era meu marido e sabia que Gara merecia o sachê mais caro que

eu encontrasse. Vi então os outros dois gatos virem em minha


direção e correrem até Alfredo. Eles tinham se escondido em seu

canto quando notaram mais pessoas, além de Alfredo por ali, mas

parecia apenas o certo, quando notavam que só tinha nós dois.


— Bom dia, bolinhas de pelos — falei, passando a mão na
cabecinha de Mikasa e em seguida em Zuko.

— Nunca pensei que um gato seria empata-foda. —


Alfredo reclamou, e vi-o com Gara nos braços, fazendo carinho no

gato que parecia mais do que confortável ali.

— Preciso dizer que você também tem trabalho?

— Eu sou ótimo em usar as madrugadas em que estiver

dormindo.

— E isso é saudável em que planeta, Alfredo? — rebati, e

ele abriu a boca, mas pareceu se perder nos argumentos. — Eu

gosto de trabalhar e pode ficar tranquilo que diminuí minha carga

horária.

— Jura? — perguntou animado e eu assenti.

Por mais que eu adorasse focar todo meu tempo no

império que minha avó construiu, eu sabia que minha família

vinha em primeiro lugar. Assim como também sabia que

trabalhava mais do que deveria, e estando grávida, era um

cuidado que eu tomaria. Não me estressaria ou me forçaria mais


do que o necessário.
— Eu não sou uma workaholic. — Ele semicerrou os olhos,

se aproximando.

— Quando atendeu Gael depois do nosso casamento...

— Será que vamos superar o tópico de Gael em algum


momento? — perguntei, aproximando-me dele e tocando seu
peito. — Mesmo que eu ame te ver com ciúmes.

— Não é ciúmes, ele apenas é... irritante — complementou


e eu quase ri. — Vai me dizer que não o acha irritante?

— Eu não caio nos joguinhos dele — falei, e ele pareceu


pensar. — Aliás, hoje eu tenho uma reunião com ele e minha

prima mais distante.

— Uma Kang também? — indagou, e eu neguei com a


cabeça.

— Os pais de Talita faleceram muito cedo e ela ficou a

cuidados dos Kang, mas ela não usa esse sobrenome. —


comentei, enquanto me virava e ia até a penteadeira, colocar
meus brincos. — Então, é como se ela tivesse ficado sob meus

cuidados.

— Você sabe que parece uma dessas protagonistas

fodonas de novelas e filmes? Até dos mangás que a gente lê.


— Eu sou só uma mulher normal. — Dei de ombros.

— Só não se esforce demais, por favor — ele falou, e o


encarei pelo reflexo da penteadeira. Virei-me assim que terminei

de colocar o último brinco.

— Prometo não me doar cem por cento, satisfeito? —

indaguei e um sorriso lindo emoldurou seu rosto. — Essa carinha


de destruidor de corações mas que consegue me amolecer...
Honestamente, Alfredo.

Ele riu e colocou Gara no chão.

Logo seus braços me puxaram para ele, e me agarrei ao


seu abraço. Ele se afastou, tocando meu rosto com as duas mãos
e olhando-me profundamente.

— Não sei se eu disse antes, mas... Você é linda — falou,


e quase me derreti por completo.

— É a base da Dior...

— Verônica. — cortou-me e eu ri de lado. — E quando

sorri, eu acho que perco quase todo meu fôlego.

— O que falamos sobre ser um fofo e gostoso, ao mesmo

tempo? — rebati, apertando os gominhos de sua barriga, e senti-o


estremecer sob minha palma.
— Você gosta que eu seja um fofo gostoso, eu sei.

— Convencido. — Revirei os olhos, e ele me fez levantar a

mão até seu pescoço, para me alinhar com seu rosto.

— Linda. — Sua boca estava bem próxima à minha.

Foi ali que soube que se o beijasse, eu não sairia daquele

quarto tão cedo. O calor e prazer que vinham junto com ele,
seriam facilmente a minha escolha se encostasse nele.

Encostei rapidamente os nossos lábios e me afastei,


vendo-o me encarar como se o tivesse abandonado.

— Não me olhe assim — falei, indo até os saltos que ele


escolheu, e que surpreendentemente combinavam com minha

roupa. — Traga suas coisas para cá hoje, certo?

Sua expressão mudou, como se iluminando tudo ao redor.

— Vou pedir ajuda a Igor — comentou, assim que peguei

minha bolsa e bati contra seu peito. — Que foi?

— Sem provocar Igor — alertei e ele me deu um sorriso de

lado, que me desmontava inteira. — Estou falando sério, Alfredo.

— Ele me adora.

— Não quero ter que cuidar do roxo da cara de ninguém —


avisei.
— Nem me lembra, porque a direita de Tadeu é pesada —
assumiu e recordei-me do que meus irmãos contaram que fizeram
antes do casamento. — Sorte que não deixou um hematoma feio.

— A minha sorte é de que você não tem irmãos.

— E que Abigail te adora de graça — rebateu, e eu apenas

fiz minha melhor pose. — E eu jurando que ela me defenderia da

malvada Verônica Reis.

— Fez minha caveira por muito tempo?

— Só o suficiente para ela perceber que eu gostava de

você, aí foi só ladeira... — eu ri alto, e ele me puxou novamente

para si. — Me mande mensagem, qualquer coisa.

— Ok.

— E caso queira me dizer que hora será sua reunião com

Gael, eu posso aparecer, sabe...

Bati contra seu braço e ele me puxou novamente.

— Eu te amo — falou, e me deu um leve beijo na boca,

antes de abaixar e beijar minha barriga. — Eu te amo, pacotinho.

Assim que ele se afastou, vi-me tocando quase

imperceptivelmente sua testa com os dedos indicador e médio.


Ele poderia conhecer o significado que aquele gesto tinha no
mundo dos mangás, mas ainda assim, não tinha ideia do quanto

era importante para a minha família. O quanto era importante para


mim.

E esperava um dia conseguir lhe contar sobre isso.

ALFREDO

— Gente, que climão! — Carolina falou, assim que se

sentou na mesa, e eu tentei fingir que não era comigo.

Sentia os olhares de todos sobre mim, mas principalmente

o de Igor. E de repente, aquilo parecia mesmo sério, não apenas


implicância.

— Vão quebrar as minhas pernas? — perguntei, deixando

o copo de suco sobre a mesa. Tadeu largou a fruta que ia colocar

na boca, Murilo quase cuspiu a água e Igor me encarou friamente.


Apenas Carolina parecia realmente empolgada com o rumo da

conversa. — Até quando vai ficar esse climão? Carolina tá certa!


— Eu sempre estou — rebateu, e eu sabia que ela estava

tentando amenizar o clima. — Parecem três patetas.

— Eu só to tentando entender qual a resposta para

Verônica estar grávida de mais tempo do que o casamento de


vocês... Um casamento que era por contrato. — A voz de Igor era

ácida, e eu bufei.

— A gente transou antes — falei o óbvio e fiz um sinal com


as mãos, como se fosse realmente simples assim. — A gente se

casou por contrato, sim. Mas eu a amo, acho que sempre amei...

Será que podemos só ser uma boa família?

— Eu sabia! — Tadeu falou, levantando a mão para Murilo,


que bateu em um high five. Vi Igor abrir a carteira e passar

dinheiro para os outros três irmãos.

— O que diabos apostaram?

— Eu disse que você já gostava dela e ela de você —


Tadeu comentou e apontou Murilo.

— Eu fui na ideia dele.

— Eu também! — Carolina parecia animada, rica mais cem


reais que estavam à sua frente.
— Eu achei um absurdo e fui contra... Nada contra você,

Nero, mas Verônica... Verônica é tudo para gente. Eu só to


tentando entender a dinâmica sem sentido de vocês. — falou e

olhou para a carteira, fazendo uma careta. — E agora é torcer

para Verô não ter gostado de você antes ou nunca falar nada
sobre, ou eu vou ficar 400 reais mais pobre.

— Por que 400, se são só mais três irmãos no meio?

— Abigail que deu a ideia — bufei, sabendo que era típico

dela.

— Sabem que ela nunca aposta se não tiver certeza, e ela

sabia sobre mim. — Igor fez uma careta ainda pior. — Ok, boa

sorte com a parte de Verônica.

— Mas agora sério... — encarei Tadeu, que parecia de fato


daquela maneira. — Fico feliz por vocês, e não vou pedir

desculpas pelo soco, mesmo que me arrependa.

— Eu devia ter pensado nisso, de socar a cara do Bruno

antes de ele se casar com Abi, mas perdi a chance. — Tadeu


assentiu com um quase sorriso, como se soubesse que eu o

entendia. E de fato, o fazia. — Não vou machucá-la.


— Se sonhar fazer isso, está fodido — Murilo que falou e

engoli em seco. Era surpreendente a mudança dele, quando se

tratava da irmã mais velha.

— Nero é um golden, por favor. — Carolina debochou e


todos a encaramos sem entender. — Explicando... Tem os

mocinhos de cabelo preto e passado duvidoso, que são quase

vilões e que todo mundo adora. E tem os golden, por conta da


raça de cachorro, enfim... que são os mocinhos loiros bonzinhos

que fazem de tudo pela mocinha. O Nero tem a cara de um, mas

o jeito é de golden.

— Obrigado, eu acho.

Ela riu abertamente, enquanto seus irmãos pareciam ter

entendido menos do que eu. Contudo, o clima que se instaurou

era bem mais leve e pela primeira vez, eu tinha uma refeição com
eles, ou um momento, após o casamento que não fosse de fato

como pisar em ovos. Era como se eu pudesse olhar para eles

como parte da minha família, e eu realmente gostaria daquilo.


CAPÍTULO 37

“Mas eu fiquei mais inteligente, fiquei mais forte com o passar do

tempo

Querido, eu me levantei dos mortos, faço isto o tempo todo

Tenho uma lista de nomes e o seu está em vermelho, sublinhado

Eu o marco uma vez, e aí marco duas, oh!” [56]

VERÔNICA

— Senhora... — levantei o olhar dos papéis que lia, e

encarei Leila, que adentrou meu escritório. — Não sei se deveria


dizer, mas isso ficou na minha cabeça.
Fiz um sinal para que ela se aproximasse e se sentasse.

— Depois que desmaiou, tive que encaminhar o homem

que conversava para a enfermaria... — olhei-a atenta. — Tive que

deixá-lo em casa, pelo nervoso que ele estava. Ele estava


repetindo a todo momento que a culpa foi dele.

— Lembra quando te falei sobre deixar liberada a entrada

de Ricardo Reis e até me indagou se era algum parente...

Ela abriu a boca e pareceu interligar os pontos.

— É ele. — Desviei dos papéis que mexia. — Eu só tenho


uma reunião com Gael e Talita, e estou livre, não é?

— Sim — comentou e me encarou. — Quer o endereço de

onde o deixei?

— Você sempre me ajudando, Leila.

Ela sorriu e anotou rapidamente em um dos bloquinhos

que sempre carregava o endereço, estendendo-me o papel. Ela


era da idade de Carolina, talvez menos, mas tinha começado a

estagiar na empresa desde muito nova, por isso, ela chegou a ser

minha assistente.

Ela era boa e confiável, e parecia realmente gostar de estar

ali. Era alguém que não tomava mais intimidade do que deveria, e
parecia respeitar meu jeito. De todas as pessoas que já estiveram
ali para serem minha assistente, ela era a única que era

espontânea e nunca forçada, e eu a admirava por aquilo.

— Mas a senhora está bem, certo? — perguntou e eu

assenti. — Desculpe se me intrometi demais ao contar isso, mas

fiquei realmente preocupada. Não sabia se tinha ligação, mas...

Resolvi dizer.

— Obrigada, mesmo.

Ouvi seu telefone tocar e ela se levantou em um pulo,


dando um leve aceno antes de ir para sua mesa. Virei-me na

cadeira e sabia onde exatamente eu deveria ir após o trabalho.

Deixar Ricardo se culpar sobre algo que não tinha nada a ver com

ele, não era justo. Ainda mais agora que ele queria ser parte de

nós. E ele era.

Batidas na porta me fizeram virar, e foi quando ela se abriu.

— Talita Park, senhora Reis — assenti, e logo me levantei

para ir até ela.

A porta foi fechada por Leila, e me concentrei em olhar o


quanto Talita parecia bem em suas roupas grandes e o cabelo

que deveria ter cortado e pintado.


— Novo visual? — indaguei e ela riu, passando as mãos

por eles.

— Eu deixo crescer, deixo curto, às vezes mudo pra

aplique... — deu de ombros. — Chegou até mim que passou mal


ontem, como está? — perguntou, e veio para mais perto.

— Jeon? — indaguei, e ela arregalou os olhos.

— Não falo com ele faz um bom tempo — admitiu. —


Como ele sabe que passou mal?

— Ele e Vincenzo estão no Brasil. — Ela arregalou os


olhos e pareceu animada. — Devem te procurar em breve.

— Eles não vão apoiar o que quero fazer, e espero que

Cha consiga convencê-los.

— Não! — falei, e ela suspirou fundo.

— É só um casamento por contrato — anunciou e eu cruzei

os braços, indicando com a cabeça para que se sentasse na


cadeira à frente da minha mesa. Andei e me encostei contra a

mesa, ainda a encarando. — Você está em um, sabe como


funciona...

Na realidade, eu não sabia. Porque Alfredo e eu não


tínhamos uma relação de contrato, nem mesmo se parecia com
algo assim, já que mesmo quando ele veio até aquela sala falar

sobre isso, não parecia realmente um negócio. Nunca foi.

— É diferente, Talita. — Ela me encarou atentamente. — A

sua relação com Gael não começou boa, e sabemos do quanto foi
difícil o que houve.

— Mas eu preciso de um casamento para herdar tudo que


me pertence... Por que não ele?

Notei seu olhar mudar e fiquei curiosa. Talita era mais


esperta do que aquilo.

— Por que ele, Talita? — indaguei, e lhe encarei de forma


que não pudesse mentir ou se o fizesse, eu saberia.

— Não posso dizer isso a alguém que gosta dele. — ao


menos, ela foi honesta. — Só é um negócio, Verônica!

— Você é maior de idade e nenhum de nós... — referia-me

aos Kang. — Vamos poder pará-la, mas saiba que se a qualquer


momento quiser desistir disso, eu te ajudo.

— Obrigada. — Sorriu levemente. — Obrigada mesmo.

— Só tome cuidado, por favor — pedi, e ela assentiu.

Batidas na porta, me fizeram levantar o olhar e Leila a


abriu.
— Gael Fontes, senhora Reis.

E assim que o homem adentrou aquela sala, notei a

postura de Talita mudar por completo, e sabia que as coisas


poderiam ser mais complicadas do que pareciam. Pela minha
visão Talita queria aquele casamento por dois motivos: reaver a

herança e se vingar de Gael.

E não sabia se aquilo teria um final feliz.

Pouco tempo depois e de algumas discussões à parte, que


praticamente Gael falou sozinho, eu estava à frente do endereço
que Leila me passou. Eu mantinha todos os dados de Ricardo,

mas a informação dada por ela foi ainda mais rápida. Toquei a
campainha e esperei. Rodinei e Pietro estavam comigo e sabia

que logo meus irmãos chegariam.

Não era algo que eu poderia fazer sozinha, não mais.

Porque Ricardo não era apenas parte de mim, era deles.


— Já não bastou ter roubado os outros quatro, quer mais
um? — a voz me fez quase revirar os olhos. Pietro já estava à
frente de Reinaldo e notei Roberto em seu encalço. — O que quer

com o meu filho?

— Seu filho? — rebati, retirando meus óculos de sol. —

Onde você estava em toda a vida do seu filho? Ou só apareceu


quando ele fez dezoito e pediu para que tentasse tomar o lugar
dele por direito em alguma das empresas da família?

— Sua vadia... — eu ri, e logo ouvi o barulho de um portão

sendo aberto. Assim que me virei, encontrei Ricardo com um


semblante surpreso, que logo notou a cena patética do pai e do

tio ao seu lado. — Não pense em ficar do lado dessa vadia! —

praticamente ordenou e eu me vi dando espaço para Ricardo

passar. — Dois homens velhos desses, que parecem presos em


uma novela mexicana de quinta categoria, por favor. — Foi

quanto notei que meus irmãos chegaram e Carolina tomou a

frente. — Vão se foder!

— Carolina — falei, e ela abriu um sorriso enorme, como

se fosse um anjo.

— Não sei o que fazem aqui, mas já está na hora de deixar

Ricardo em paz — Murilo falou, chegando mais próximo deles. —


Vão embora! — a voz de Tadeu foi como um trovão, e notei de

relance a movimentação atrás dos homens.

O que Vincenzo fazia ali?

— Como sempre, estão estragando nossa vida... Então

podem fazer o favor de se foderem longe daqui? — Igor indagou,


e parou ao lado de Ricardo, que pareceu surpreso com a

proximidade.

— Ricardo, você vem comigo — Reinaldo ordenou e vi o

exato segundo em que se virou para o irmão e pegou algo de sua


cintura. — Por bem ou por mal... — foi quando ele apontou uma

arma em direção a quem deveria chamar de filho.

Eu poderia tirar a arma que estava na minha bolsa, mas foi

quando vi Rodinei apontar uma para os próprios irmãos e


Vincenzo se mostrar, com uma arma para cada um. Roberto e

Reinaldo pareciam completamente surpresos.

— Cha hyung soube o exato momento em que arranjaram


essa arma. — Vincenzo falou, e encostou o cano na testa de

Reinaldo. — Se eu pudesse, eu já teria atirado. Mas se disparar,

eu não preciso pensar duas vezes antes de fazer o mesmo.


— A família filha da puta de Sérgio... — reclamou e eu

quase ri de quão patético ele era. — E ainda tivera isso... —

apontou a arma em minha direção. Antes que ele pudesse


continuar vi Jeon aparecer e o desarmar em segundos.

— Brigar com velho vai nos levar para o inferno — falou em

coreano e sabendo que apenas eu, Vincenzo e Rodinei

entenderíamos. — Seu marido está no...

— Mulher, você disse que ia trabalhar menos e agora te

vejo à frente de uma arma! — Alfredo apareceu à minha frente e

segurou meu rosto, e pareceu analisar todo meu corpo, como se


procurando algum machucado. — É tarde para dizer que sou

cardíaco?

— Pode me dizer se for demais — falei baixo e ele negou

com a cabeça. — Estou falando sério, Alfredo.

— Eu também. — Deu-me um leve beijo na testa. — Por

que eles ainda estão aqui?

— A rua é pública — falei, ainda vendo Vincenzo apontar a

arma para Reinaldo e Roberto, com certeza, torcendo para eles


fazerem algo de errado. — Ricardo... — chamei a razão real de
eu estar ali, e ele se virou, claramente assustado. — Tudo bem se

for até a Mansão Reis?

— Eu...

— Nem pense ni... — a voz de Reinaldo sumiu e foi

quando notei que Rodinei o desmaiou. Agora ele estava caído


sobre Roberto, que poderia não dizer ou agir, mas era tão ruim

quanto o outro. Talvez a real mente por trás de cada ação, e da

pior delas.

— Não foi sua culpa que eu tenha desmaiado — falei e seu


olhar mudou. — Posso te contar com calma, em casa.

— Eu não quero atrapalhar, Verônica.

— Família de verdade nunca atrapalha. — Foi Tadeu quem

disse, chegando próximo a ele. — Todos nós queremos que vá


até lá. — apontou para os outros, que sorriram para ele.

— Eu vou precisar de me acostumar com as reviravoltas

dos Reis, pai amado! — Alfredo sussurrou, dando-me um beijo no


rosto. Eu ri, sem poder evitar.

— Bem-vindo à grande bagunça que somos.


CAPÍTULO 38

“Não leia a última página

Mas eu fico quando está difícil ou errado

Ou nós estamos cometendo erros

Eu quero suas meia-noites” [57]

ALFREDO

Estava compenetrado nos códigos enquanto uma música

estourava ao meu redor. Ajeitei-me melhor na cadeira, e foi


quando senti uma mão sobre meu ombro. Não precisava me virar
para saber quem era, já que meu corpo sempre parecia saber que

ela estava por perto.

Desliguei o som e a encarei, dando espaço para que se

sentasse em meu colo. E ela veio, como se fosse o seu lugar. No


caso, era. Apenas dela.

— Ocupado? — perguntou, e eu neguei de imediato.

— Não para você — respondi e seus lábios vieram para os


meus.

— Brega — sussurrou, antes de me dar um leve beijo.

— Como foi com seu irmão? — indaguei, sem saber como

deveria chamar o tal Ricardo.

— Fui bem, eu acho. — Respirou fundo. — É algo novo


para ele, aceitar que somos sua família... E família se constrói.

Acho que ele vai ficar mais por perto, mas ainda assim, sei que

Reinaldo vai continuar atrás dele.

— Esse velho não cansa? — perguntei e ela quase

gargalhou. — É sério, eu não sei muito sobre isso, mas é claro

que ele já tá velho pra ficar brigando pelo que quer que seja.

— Que ele viva muito para continuar sendo humilhado. —

Sua fala foi cortante, e me vi acariciando seu rosto, sem querer


adentrar um assunto que parecia ser delicado. — Já está tarde,
por isso vim ver se está muito ocupado.

— Sério? — indaguei, e só então encarei as horas no


computador e fiquei surpreso. — Já é uma da manhã... Você

deveria estar dormindo! — falei preocupado, já largando o

headset e desligando o computador. Ela ainda permanecia em

meu colo, então quando me virei para sair, peguei-a com cuidado

em meus braços. — Por que não está dormindo?

— Porque fiquei presa nos meus próprios pensamentos...

— Não tentou cantar algo para te ajudar a acalmar? —

perguntei, levando-a em direção ao seu quarto, que agora

também era meu. Não que eu tivesse muita coisa, mas com toda

certeza, era um passo de quilômetros, ter um lugar nosso.

— Queria isso — assumiu, me surpreendendo, e se

agarrando ao meu peito. — É estranho me sentir tão aberta

assim, mas... senti sua falta na cama.

— Uma das frases que eu nunca pensei que sairia da sua

boca — admiti e a deitei com cuidado contra o colchão. Fiz o meu

caminho sobre si, pairando sobre seu corpo. — Mas eu gosto de

todas suas versões.


— Versões? — perguntou, parecendo bem relaxada e

claramente com sono.

— A versão dona da porra toda. — Depositei um beijo em

sua perna. — A versão CEO fria e intocável. — Um beijo


próximo à sua coxa. — A versão irmã/mãe superprotetora. —

Um beijo em sua barriga coberta pela camisola. — A versão


gostosa que me faz esquecer meu nome. — Um beijo no vão
de seus seios. — A versão exposta e frágil. — Encostei

nossos narizes e dei um leve beijo na ponta do seu. — A


versão mãe do meu filho ou filha... — Beijei seu rosto e senti

seu sorriso. — A versão minha esposa... só minha. — Beijei


seus lábios e a encarei.

— Fofo gostoso — reclamou e apertou minha barriga,

fazendo-me rir. — Sei que deve ter bastante coisa pra fazer do
trabalho e gosta das madrugada, mas fica comigo, até eu dormir...

— Sempre, bebê.

Bateu contra meu peito, mas me puxou para o seu lado, e

me aconcheguei ao seu corpo.

— Boa noite, querido.


Um sorriso enorme se abriu em meu rosto e me vi

colocando a mão sobre a sua, que estava prostrada em sua


barriga.

— Boa noite, pacotinho — falei, fazendo um leve carinho


em sua barriga. — Boa noite, bebê — sussurrei e beijei seus

cabelos.

Pude ouvir sua risada e levei um cutucão.

Porra, eu amava todas as versões que eu conhecia e as


que eu ainda conheceria daquela mulher.

VERÔNICA

Acordei por volta das cinco da manhã, e ainda tinha um

bom tempo até ir trabalhar, mas o sono havia ido embora. Alfredo
ainda dormia profundamente e me vi acariciando seu rosto, e o
admirando. Ele era tão bonito e bom... até para o próprio bem. E

me doía saber que ele nunca soube o que era ter uma família, e
seria eternamente grata a Abigail por lhe entregar algo assim.
Levantei-me com cuidado e fui até a minha coleção. Parei
na porta para admirar Alfredo dormindo e o que agora pareciam
ser nossos três gatos ao seu redor. Pequenos e velhos traidores

que tinham gostado dele de cara. Adentrei a outra sala e me vi


indo até o primeiro mangá que ganhei, escondido no vidro. Abri ali

e o retirei, procurando pela parte em que tinha um recadinho de


meus pais.

— Sabe, pacotinho... — falei, agora para o meu filho ou


filha que crescia dentro de mim. — Seus avós iam amar te mimar,
do jeito que fizeram comigo. — Passei a mão pela minha barriga e

achei a página que tinha a caligrafia dos dois. — Eles iam te


desejar uma imaginação que te tirasse desse mundo, mas que te

desse coragem para ser o que quiser... — li parte do que estava


escrito e suspirei fundo. — Eles iam saber exatamente o que

fazer. — Segurei o mangá que significava muito mais que apenas


páginas em preto e branco. Significava eles. — E sabe quem mais
adoraria te conhecer... sua bisa. — Respirei fundo e parecia tão

recente aquela perda, que me matava por dentro. — Ela me fez


ser a pessoa forte que eu sou, que seus avós não puderam me

ensinar pelo tempo que gostariam... — encostei-me contra a


parede e deixei o mangá no chão, levando as duas mãos à
barriga. — Não durmo direito desde o dia em que descobri sobre
você, e você sabe disso... — fechei os olhos, tentando me
acalmar. — Tenho medo de não ser tão boa como eles. De errar

com você, assim como errei com meus irmãos... Por mais que eu
saiba que não posso te proteger do mundo, eu queria poder —

confessei. — Queria tanto que eles estivessem aqui... — segurei


um soluço e senti uma lágrima descer. Sabia que eu precisava
colocar aquilo para fora e felizmente, aquela cômodo tinha

isolamento de som. — Eles te fariam sentir em casa... Eles me

fariam sentir em casa. — Abri os olhos e soltei o ar com força. —


Você e seu pai me fazem sentir assim, sabe? Mas eu queria ter a

chance, nem que por um segundo, de tê-los todos pertinho...

Continuei acariciando minha barriga e tentando encontrar

as palavras certas, mas elas fugiram. Tentei me acalmar porque


não queria que nenhuma tristeza fosse passada para o meu bebê,

mas ainda assim, era como se não pudesse mentir para ela. Por

que eu tinha o sentimento de que era uma menina?

— Se você for menina, já tenho o seu nome... — confessei.

— E se for menino, também tenho. Nome duplo, como o meu... —

olhei para onde minhas mãos estavam, e tentei imaginar como


seria a barriga maior e sentir outro ser ali dentro. Parecia-me
mágico e assustador. — Talvez você ache sua mãe brega, mas eu

sou velha... Não posso defender seu pai, no entanto. Ele é bem
mais novo.

— Um complô de madrugada?

Foi só assim que notei Alfredo ali, tentando colocar os


óculos e de cara amassada.

Antes que eu levantasse, ele veio até mim e me ajudou.

— Por que acordou? Eu te acordei? — indaguei,

estranhando porque não era para ele escutar nada.

— Senti sua falta na cama — falou, com um leve bico nos

lábios. — Aí vim te procurar.

— Quem é o bebê agora, querido? — perguntei, apertando

seu bico e me virando para guardar o mangá com todo cuidado.


Senti suas mãos em minha barriga, em um leve carinho, e assim

que me virei, ele sorria.

— Você é o meu bebê, sem chance de mudar. — Revirei


os olhos, e ele me puxou para si, fazendo-me ficar deitada em

seu colo. — Agora vai deitar nessa cama e eu vou te contar uma

história para dormir.

— Alfredo...
— São cinco da manhã e você tá com cara de quem não

descansou direito, vai que uma história ajuda — falou, e me deu

um leve beijo na testa, puxando-me para seu peito, no qual me


deitei confortavelmente. — Estraguei o momento mãe e bebê? —

perguntou do nada e vi sua expressão mudar. — Merda, talvez

você precisasse desse momento sozinha e...

— Eu gostei que foi até lá e me tirou... — admiti. — Não


pode conter quem é perto de mim, não aceito isso de você.

— Vai me xingar quando for mais intrometido que o

normal... — deu uma risadinha e eu me aconcheguei ao seu


peito. — Era uma vez, um fofo gostoso...

— Alfredo... — reclamei e ele apenas me apertou mais ao

seu redor.

— Vai ser a melhor história para se ouvir, só dar uma


chance.

— Até duas... — minha voz quase não saiu, mas ouvi sua

risada, e tinha certeza de que ele ouviu.

Até quantas fossem necessárias, para estar bem ali. Talvez


aquela fosse a resposta que eu tinha, ao pedir por todos perto.
Talvez Alfredo fosse o futuro que eu não esperava, mas que me

fazia sentir em casa, assim como o meu passado.


CAPÍTULO 39

“Você pode deixar pra lá

Você pode dar uma festa cheia de todo mundo que você conhece

E não convidar a sua família, porque eles nunca te mostraram amor

Você não precisa se desculpar por ir embora e crescer” [58]

ALFREDO

— Isso aqui não é uma festa de aniversário, isso aqui é...

Antes que eu pudesse continuar, Abigail usou uma língua

de sogra na minha cara. Semicerrei os olhos e apenas não

destruí o seu apetrecho porque senti meu celular vibrar. Assim


que vi o nome da minha mãe no visor, imaginei que talvez ela

tivesse se lembrado do meu aniversário. Quem sabe, depois de


tantos anos?

— Alfredo. — Era incrível o quanto eu detestava meu


próprio nome por serem eles falando. Uma coisa que até Verônica

conseguiu mudar para mim. — Que dia vou ser convidada para

almoçar na Mansão Reis?

— Sério? — indaguei incrédulo, e só conseguia imaginar


que quando vazasse a gravidez de Verônica ela apareceria na

porta do condomínio. — Sério que ligou para isso? De novo?

— Até agora não pude almoçar com a minha nora...

— Então quer almoçar com a sua nora... — as palavras


saíram como ácido e notei um olhar atento sobre meu corpo e o

sorriso de Abi se desfez. — Espero que nunca esteja na mesma

mesa que Verônica.

— Não se esqueça de que fui eu quem fez você se casar

com ela... — eu tive que rir, e ouvi o barulho de saltos se

aproximando. — Se não continuaria sozinho.

— Ela que quis se casar comigo. — Revirei os olhos. —

Apenas me deixe em paz, Gabriela.


— Eu sou sua mãe, me respeite.

— A partir do dia em que você passar a me tratar como

filho — falei e desfiz a ligação, cansado daquele tipo de situação.


Ela sequer se lembrava de que aquele dia era meu aniversário.

Senti mãos em minhas costas, como se para me acalmar e

encontrei os olhos castanhos da mulher que eu amava.

— Gabriela não perde a chance de ficar calada, não é? —

Abi indagou e eu apenas me vi guardando o celular no bolso, para

esquecer. — Para sua sorte, tem uma família de milhões por


aqui... — apontou ao redor, enquanto eu sentia Verônica apoiar a

cabeça em meu ombro. — Vocês são realmente fofos, sério!

— Uma coisa que nunca me chamaram... — Verônica


soltou e vi minha melhor amiga querer rir.

— Nero sempre te teceu elogios, claro que às vezes ele se


irritava um pouco e dizia que você era inacessível, mas... Ele até

imitou a sua tatuagem, então podemos dizer que ele já era

cadelinha há tempos?

— Você não disse isso, Abigail — falei, e ela engoliu em


seco.
— Acho que ouvi Prim me chamar... — ela então apenas

piscou um olho e correu.

Logo senti Verônica se posicionar à minha frente e me

encarar.

— Como assim, que tatuagem? — ela estava realmente


curiosa, e segurei tudo de mim para não corar diante daquela

revelação. — Se não quiser falar, tudo bem — falou, talvez por ver
minha preocupação.

— É vergonhoso. — Mostrei-lhe minha mão direita e


mostrei a tatuagem no dedo indicador. — Eu vi que a mulher do

café tinha uma tatuagem de borboleta no ombro e como não


conseguia tirá-la da minha cabeça, pensei em marcar isso na

minha pele, como uma lembrança, caso um dia a esquecesse...


— engoli em seco e acompanhei as leves mudanças em seu
rosto. — Eu trabalho digitando, então... sempre consegui ver bem

ali, no meu dedo, a lembrança da mulher que ficou presa na


minha cabeça. Não que eu a tivesse esquecido em algum deles.

Ela então tocou meu rosto e subiu os dedos médio e


indicador até minha testa, a tocando. Eu puxei sua mão até meus

lábios e depositei um leve beijo. Não que eu soubesse o que de


fato aquilo significava, mas eu gostava da forma como parecia

dizer tanto sobre ela, mesmo que em silêncio.

— Verô! — o grito de Igor a fez olhar em direção dos

irmãos, que falavam animados com o mais novo membro deles –


Ricardo, que estava ali. Além de Vincenzo e Jeon que estavam ao

redor. Verônica fez questão de que todos aqueles que eram sua
família estivessem no meu aniversário, para deixar claro que eles

eram parte de mim também.

— A titia Verô te ama, tio Nero. — Olhei em direção a


Daniela que saía do escritório do primeiro andar, com Jasmine ao

seu lado.

— Por que tá me dizendo isso, pequena? — ajoelhei-me e

ela apenas fez o mesmo movimento com os dedos, que Verônica


fez segundos antes. — Não entendi.

— É o jeito da titia Verô dizer que ama alguém. — Jasmine


complementou e Daniela assentiu, como se fosse algo que elas

tinham completa ciência.

— Que ela ama e protege... — Daniela continuou e sorriu.

Abri a boca, mas nada saiu. Fiquei alguns segundos

tentando entender, mas demorei para cair em mim. Quando me


levantei, procurei Verônica próxima aos irmãos, e seu olhar, como
se soubesse que eu a buscava, encontrou o meu. Ela não sorriu,
mas a forma como me encarava, entregava a profundidade dos

seus sentimentos – de que ela estava feliz.

Feliz comigo.

E Verônica Reis me surpreendia mais uma vez, ao ter dito


que me amava muito antes do que eu esperei e sem usar
qualquer palavra para aquilo. Mesmo à frente de todos que ela

amava e que conheciam aquele gesto, ela não se escondeu. Ela


se mostrava para mim, nos detalhes de si mesma. Mais uma

versão dela, que eu descobri amar.

VERÔNICA

Todos já estavam praticamente cansados demais após


uma festa cheia de balões, crianças, boa comida e muita falação.

Yumi não tinha conseguido entrar, mas tinha nos encontrado à


frente da casa mais cedo, para dar parabéns a Alfredo. Eu via que
ela se esforçava tanto que gostaria de que não tivesse que o
fazer. Não com a gente. Mas ela me disse que não me perdoaria
se a festa não fosse na Mansão Reis, que era exatamente aquilo

que eu deveria fazer. Fazer Alfredo se sentir em casa. Que ele


estava em casa.

— Eu também te amo.

A voz chegou até mim, que estava sentada na cama, com


meus gatos ao redor e apenas levantei o olhar. Alfredo tinha ido

tomar um banho, claramente cansado mas com um sorriso no

rosto. Só não esperava que ele sairia de tal forma do banheiro.

— Você tem sobrinhas fofoqueiras — falou, parando à

minha frente e sorrindo. — Elas me explicaram o que esse sinal...

— ele então colocou o dedo médio e indicador em minha testa. —

Significa quando vem de você.

Olhei-o não tão surpresa porque eu o tinha feito à frente de

muitas pessoas que conheciam aquele significado.

— Eu pensei que entenderia como algo do Itachi —

provoquei e ele deu de ombros.

— Pensei sobre, mas parecia mais profundo ainda... —

sentou-se no tapete à minha frente e puxou meus pés para suas


pernas. — Nada é tão simples quando se trata de você.

— Os nomes deles era Sérgio e Pedro... — comecei, sem


pensar muito e nunca pensei que me sentiria tão confortável para

falar deles. Não que não doesse, mas era como se fosse certo

fazer aquilo. — Eles eram melhores amigos e se apaixonaram,


mas não podiam declarar seu amor, não na frente de tantas

pessoas, então... — fiz novamente o sinal em sua testa e uma

lágrima quase desceu. Lembrava-me de quando Yumi me

explicou cada detalhe daquele sinal e de como meus pais o


inventaram. — Era uma forma de dizer eu te amo, te protejo e

volto logo... — era triste pensar que ele nunca mais voltou, mas

tentei me manter presa ao significado bonito daquele gesto. — Foi


uma das heranças que Pedro Reis e Sérgio Kang me deixaram.

— Eu ainda não entendo as relações, mas não é como se

precisasse disso para perceber o quanto eles te criaram com


amor. — Suas mãos passaram para minhas pernas em um leve

carinho. — Você pode ser qualquer versão de si, mas sabe o que

todas elas têm em comum?

— O quê? — perguntei e ele me deu um leve sorriso de


lado, tão simples, mas que tocava minha alma.
— Amor. — Olhei-o surpresa, porque ele sempre parecia

saber o que dizer ou como me fazer não conseguir desviar a

atenção de si. — Você é movida a amor, Verônica.

Ele então apenas me puxou com cuidado para o seu colo,


e me vi indo, sabendo que era um dos lugares onde me sentia

segura.

— Me sinto honrado por ter o seu amor — falou, passando


as mãos por meus rostos e limpando as lágrimas. — Me sinto

honrado de estar aqui. — ele me tirava as palavras, ele me tirava

o fôlego. Era como se Alfredo viesse com um manual de


instruções de como me desarmar. — É o meu melhor aniversário,

com o melhor presente que eu podia imaginar... Você e a nossa

família.

E ele tirava as palavras não apenas da minha boca, mas


da minha alma. E eu entendia o porquê de sentir que deveria

colocar aquele medalhão que vovó me entregou quando fui até

ele no altar – era como se eu sentisse, antes mesmo de

realmente entender, que era ele. Sempre foi ele.

Meu futuro. Meu corpo. Minha alma. Meu amor. Minha

família.
CHAME DO QUE QUISER...

“Porque o meu amor é lindo como um sonho

Andando com a cabeça baixa

É na minha direção que ele está caminhando

Então chame do que quiser, é

Chame do que quiser chamar

Meu amor é elegante como um jatinho

Muito acima de qualquer confusão

Me ama como se eu fosse novinha em folha

Então chame do que quiser, é

Chame do que quiser chamar” [59]

Não que ela não quisesse se casar com ele novamente,

mas Verônica gostava de torturar Alfredo. Ao menos, daquela


maneira. Uma barriga enorme e dores nas costas era como ela se

encontrava naquele instante, sentada na poltrona na sala, vendo-

o praticamente fazer uma apresentação dos motivos óbvios de


eles se casarem novamente antes da filha nascer.
— Por que eu acho que não está prestando atenção? —

Alfredo indagou, passando as mãos pelo rosto e quase


derrubando os óculos de grau, enquanto se encaminhava até a

mulher que o tinha preso em seu dedo mindinho.

— Porque estou com vontade de melancia. — A boca de

Verônica salivou. Ela não teve nenhum desejo antes, mas talvez

fossem as novidades de ter entrado na vigésima semana de


gravidez. Nem ela acreditaria se lhe dissessem que conseguia se

guiar por semanas, mas parecia que quando se torna a grávida,

aquilo era apenas fácil.

— Sério? — Alfredo correu em direção à cozinha e ela


gritou uma resposta positiva. — Acho que eu previ porque fui à

feira com Yumi ontem e achei linda a melancia pequena, por isso
eu comprei.

— Pensei que fosse porque se parecia com o tamanho da


minha barriga. — Verônica rebateu, lembrando-se do que sua

madrinha lhe contou.

— Nunca pensei que Yumi fosse fofoqueira. — Ele cortou

rapidamente um pedaço de melancia, colocou em um prato e

correu de volta para sala para entregar a ela. — Se quiser mais,

eu pego.
— Obrigada, querido.

Assim que Verônica mordeu a fruta, ela soltou um gemido

tão satisfatório que poderia jurar que aquele era o céu na terra.

— Acho que acabei de perder para a melancia. — A voz de

Alfredo soou baixa, e debochada, fazendo com que Verônica

levantasse o olhar e o encarasse. — Não perdi?

— Vai perder se insistir em nos casarmos antes do nosso

pacotinho nascer — falou, comendo mais um pouco dos pedaços

que ele trouxe. — Aliás, já não pensou como vai ser lindo se ela
ou ele entrar com as alianças?

— Eu já, mas isso pode ser uma renovação...

— Teoricamente, o que vamos fazer é uma renovação —

ela argumentou e Alfredo sabia que estava perdido. Ele não tinha

qualquer coisa para refutar. — Por que não me diz exatamente a


razão de querer se casar de novo comigo? — Verônica indagou,

terminando de comer a melancia que estava ali e se sentindo

mais feliz pela fruta.

Alfredo apenas foi para perto dela, ajudando-a a levantar, e


se sentando na poltrona em seguida, trazendo-a para o seu colo,

onde poderia ficar confortavelmente.


— Porque eu te amo — respondeu, passando as mãos por

sua barriga. — Eu não sei explicar, eu só sinto que quero isso.

— Está parecendo comigo, quando aceitei esse contrato

com você.

Alfredo riu baixinho porque nunca se cansaria de saber que


a mulher com quem ele ficou intrigado à primeira vista, se sentiu

da mesma forma que ele. A ponto de ela se casar com ele, para
tentar e querer mais. Era tão bom saber daquilo, que quando

Verônica contou, ele ficou alguns bons dias digerindo, sem


conseguir acreditar.

— Fazer o que, se a gente é cafona.

— Meus pais diriam que somos sortudos — ela rebateu e

era algo novo em sua vida, poder falar abertamente sobre os pais
com alguém que não se feriria e não a questionaria.

Claro que com o tempo ao lado de Alfredo ela conseguiu


mostrar-lhe muito mais sobre isso. Ele sabia agora como eles

eram, principalmente pelo medalhão que ela passou a usar e


tinha as fotos de cada um e pelo fato de que Verônica se sentiu à
vontade para falar com ele, acerca de tudo.
Aos poucos, cada camada dela era tirada, e Alfredo estava

ali para apoiá-la no que fosse. Dos melhores dias às piores


noites, ele estava lá. Assim como ela estava lá por ele. A ponto de

que Verônica lhe contou o segredo mais profundo dos Reis, de


que ela não tinha aquele sangue.

A reação de Alfredo, como sempre, a surpreendeu. Ele


praticamente deu de ombros e disse que não mudava nada. Não

era como se um exame positivo fosse mudar quem ela era, e ela
era uma Reis. Verônica se sentia exatamente assim, mas nunca
imaginou que alguém lhe entenderia tão bem. Tão bem quanto

seus irmãos, escolhidos, o fizeram quando lhes contou.

Alfredo era realmente fora da curva. Ali agora, em seu colo,


ela só pensava em como tinha sorte. Mesmo que nunca tivesse

pensado que conseguiria um amor como aquele, lá estava ele. Ou


melhor, lá estava ela, em seu colo, sentindo leves carinhos sobre

sua barriga.

— Acho que a gente deveria perguntar ao pacotinho —

Alfredo tirou argumento de onde mais não sabia. Verônica o


encarou como se ele tivesse perdido a mente, mas queria

entender. — Se ela não mexer, a gente se casa antes dela


nascer. Se ela mexer, a gente se casa depois.
— Devo lembrar que isso é injusto e que apenas eu sinto
ela se mexendo e bem pouco? — indagou e ele abriu um sorriso
sacana, como se fosse exatamente por aquilo. — Ok, fale com o

pacotinho! — Verônica decidiu testar a própria sorte.

— Pacotinho...

As mãos de Alfredo passaram pela barriga de Verônica, e


ele nem precisou continuar antes de sentir uma leve ondulação
debaixo de sua palma. Verônica nunca tinha sentido tão forte, e

ela mesma levou as mãos à barriga.

Naquele segundo, eles se esqueceram por completo do

que de fato Alfredo estava tramando. Eles ficaram maravilhados


pelo fato de que era a primeira vez que sentiam o bebê mexer, e a

barriga de Verônica nunca pareceu tão agitada quanto naquele


instante.

Não que Verônica não fosse jogar na cara dele que ele
perdeu, mas isso poderia esperar. No caso, eles ficaram ali, por

minutos talvez horas sentindo a filha mexer e sem ter a mínima


noção de que na próxima consulta, ela finalmente lhes deixaria
saber que era uma menina.
Uma menina, que Verônica já tinha o nome há muito
tempo: Regina Yumi Lopes Kang Reis. Nome grande, duplo e um
pouco cafona, para que ela fosse a mãe babona e amorosa,

assim como foi criada. E se havia algo que Alfredo acertou sobre
ela, era que Verônica Reis poderia parecer intocável e fria para

muita gente, mas na realidade, o que a movia e sempre moveu,


foi o sentimento que aprendeu com Pedro, Sérgio, Regina e Yumi
– amor.

Verônica Reis era movida a amor. E por aquilo, ela merecia

sua história de amor romântico também.


EPÍLOGO

“Essa é a minha família

Eu achei. Sozinho. Eu achei.

É pequena e incompleta.

Mas é boa. É, é boa.

Ohana quer dizer família,

família quer dizer NUNCA mais abandonar. ou esquecer.”[60]

Uma casa cheia.

Verônica olhou para o seu jardim, e viu o exato segundo

em que Yumi se sentou próxima a Rodinei, em um canto mais


reservado. Ela estava ali, na casa que um dia também foi dela, no
que um dia foi seu lar. O coração de Verônica se aquecia a cada

vez que ela lhe via adentrar aquele ambiente. Da vez que ela
apareceu de manhã na cozinha, fazendo o café da manhã logo

após o nascimento de Regina, e apenas deu de ombros, como se

fosse normal, mesmo que o rastro de lágrimas no rosto da mulher


mais velha fosse claro. Foram muitos anos para ela estar

exatamente ali, ao seu lado.

Ela sentiu o exato segundo em que mãos pequenas

circundaram suas pernas e a apertaram. Os olhos azuis bateram

nos seus, idênticos aos do pai, mas ela tinha os cabelos


castanhos de Verônica. Uma mistura perfeita dos dois e que a

cada dia parecia crescer mais. Segundo o que o próprio Alfredo

reclamava, sua filha estava crescendo rápido demais. Tanto que

já não maratonava Lilo & Stitch todos os dias, o seu filme favorito.

— O que foi? — perguntou à filha, se abaixando e tocando

seus cabelos. Ela tinha apenas cinco anos, toda cheia de protetor

que Verônica sabia ser Alfredo e sua preocupação e uma boia em

cada braço.

— Já poso entrar na piscina de novo? — perguntou

animada, apontando para onde os primos estavam. Todos

espalhados e se jogando contra a água. Regina apenas tinha


saído de lá porque o pai a obrigou e passou protetor novamente.
— Por favor, mamãe.

Verônica apenas assentiu e tocou sua testa, e a pequena


gritou animada, correndo na direção da piscina.

— Não... — a voz de Alfredo morreu e ele respirou fundo,

vendo a filha de jogar na piscina. — Corre — complementou em

vão, lançando um olhar para Verônica, que sabia que a faria


pagar mais tarde, do jeito que ambos gostavam.

Ele estava próximo à churrasqueira, que parecia estar


sendo ensinado pela milésima vez por Júlio Torres como deveria

fazer aquilo. Verônica olhava para cada canto do jardim e se via

em paz. Os domingos em família nunca mais foram os mesmos,

não desde que a família passou a crescer. Não desde que

Daniela apareceu em suas vidas e parecia ser a luz que

precisavam.

Ela olhou em direção a cada irmão, espalhados pelas

cadeiras e com suas próprias famílias, que em momentos como

aqueles se tornavam uma só. Sorriu ao ver Murilo quase brilhar


por estar perto dos filhos e das pessoas, e que agora carregava o

sobrenome Torres tão feliz.


Sorriu ao ver Tadeu puxar Valéria para seu colo e ajudá-la

a passar o protetor solar, do jeito que apenas ele sabia e de não a


permitir ficar descalça para não se gripar. Sorriu ao ver Igor sendo

perseguido por Lisa, que estava grávida e fazendo-o experimentar


junto a ela toda a comida esquisita que ela desejava, em sua
maioria, frutas que ele já detestava. Sorriu ao ver Carolina

colocando o chapéu de Franco e dançando em seu próprio


mundinho, como se os dois fossem o centro um do outro. Sorriu

ao ver Ricardo quase cair sobre Leila que estava lhe chamando
de intrometido.

— Eles crescem rápido.

Virou-se para a voz de Inácio Torres, que era o mais velho


da outra família e que já encontrou similaridades em vários

momentos. Ele era quieto, contido e cuidadoso, e mais claro do


que aquilo, a forma como ele a enfrentou pela irmã, quando se

conheceram, mostrou o quanto protetor ele era. Ela o respeitava e


no decorrer dos anos, eles foram se tornando próximos. Duas
famílias que ela jamais diria que se misturaria, ainda mais, pela

dela ser tão fechada e a dele, tão aberta.

Talvez fosse o complemento perfeito. Porque Alfredo vinha,


de certa forma, dos Torres. E ela era grata por cada encontro que
teve com ele, pela relação que a melhor amiga dele tinha com o

mais novo daquela família. Eles acabaram por recolocar Alfredo


em seu caminho, e ela adorava chamar aquilo de destino. O

grande destino do amor que seus pais falavam, e que era muito
jovem para entender, mas que agora, ela compreendia.

— Todos eles — concordou e ele encostou contra a pilastra


do seu lado oposto. — É cedo para dizer que estou me sentindo

mais velha do que nunca?

— Acho que não mais — ele falou e apertou o chapéu


branco em sua cabeça. — Mas pode dizer que fez um bom

trabalho, Reis.

— Você também, Torres.

Ela então voltou a olhar para todas aquelas pessoas e se


viu segurando o medalhão que estava em seu pescoço, que

complementava aquele momento. Verônica não podia negar que


torcia muito para que seus pais e avó, de onde estivessem,

sentissem o orgulho que ela tinha de cada um à sua frente. Que o


sentimento os tomasse, de alguma maneira. Ela então se lembrou
da frase que Regina sempre repetia quando assistiam ao seu

desenho favorito e que ela tatuou, assim como Alfredo: OHANA. E


se ela poderia concordar com algo que a filha repetia do filme, era
que família realmente significava nunca abandonar ou esquecer.
E ainda complementaria: sempre proteger e voltar para casa.

Ela sentiu a leve brisa em seu rosto e sabia que eles


estavam ali, da forma que podiam. Eles sempre estiveram.

FIM
EXTRA

“Meninos só querem amor se tiver tortura

Não diga que eu não disse, que eu não te avisei

Meninos só querem amor se tiver tortura

Não diga que eu não disse, que eu não te avisei"[61]

TALITA

Eu me lembrava como se fosse ontem. Ou até mesmo, há


poucos minutos.
Um salão bonito. Um combinado de centenas. Uma festa

lotada. Um par perfeito. E eu esperei, pela noite toda até que ele
chegasse. Mas quando ele chegou, foi como se esquecesse de

que ainda era jovem demais e quisesse relembrar. Como se

precisasse esfregar o quão ingênua eu era.

— Eu não vou me casar. — Lembrava-me de cada palavra.

— Eu não vou me casar com ninguém, muito menos com você,


Talita Park. — Lembrava-me das lágrimas que eu não sabia

segurar e desceram fortemente. — Isso aqui é o auge da

palhaçada. — Lembrava-me de olhar para o presente que


comprei para ele, mas que agora, eu deixava cair e se quebrar

por inteiro.

Foi naquele momento que os olhos de Gael Fontes


chegaram nos meus. Eu deixei seu presente se quebrar, assim

como permiti que ele quebrasse o meu coração. Algo que nunca

mais eu lhe permitiria. Nem ele, nem ninguém. Algo que eu

cobraria. Pelos pedaços que eu nunca pude colar. E eu o faria

pagar, da forma que seu ego e sobrenome não suportariam. E

ele, com toda certeza, pensaria duas vezes antes de humilhar


outra pessoa.
Continua?
NOTA

E depois desse EXTRA eu só imagino você assim: o que

vem por aí?

Tenho que dizer que Verônica é o final e fechamento da

série Torres-Reis, mas a gente sabe que os Torres tiveram o seu


conto de Natal, e com ela, não será diferente. Um conto de Natal
na Mansão Reis depois de tudo seria algo bonito a ser contado,

né? Espero que sim, em dezembro.

Imagina só um mini VeNero no Natal? Eu voto sim, e você?

Rs

E o Ricardo Reis, hein, minha gente? Será que ele merece


uma história e a gente contar o fim que de Roberto e Reinaldo?
Deixo na mão de vocês rs

Posso dizer que tenho planos para outras séries de família


sim, os Fontes, os Esteves, os Kang... O lado bom é que sempre

vamos rever alguns personagens que são partes desse meio. Eu

tento dizer adeus, mas é difícil rs

Eu não sei de fato como se sentiu ao ler a história de

Verônica, mas acho que tiramos todas as camadas necessárias,


até mesmo para nós, conseguirmos entendê-la. De alguma forma,

espero que toda a expectativa que esse livro gerou tenha sido
alcançada. Foi feito com muito amor, carinho e dedicação, e

espero que tenha passado cada um deles em cada linha.

Não sei dizer adeus, e tô aqui tentando encontrar as

palavras certas rs Talvez em algum momento, eu consiga. Mas eu

me vejo apenas pronta para usar os dedos médio e indicador e


dizer até logo aos Reis. Porque eles se tornaram uma parte de

mim, principalmente Verônica. Ela é a personagem que me fez

cair de cabeça e deixar com que tudo aquilo que eu desejava


fosse real. E espero que ela tenha sido.

Obrigada pela chance e espero que tenha sido uma boa

leitura.

Com amor,

Aline
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Meus outros livros: aqui


[1] “Ofereçam! Ofereçam!/Ofereçam seus corações!/Todos os

sacrifícios/Foram por este momento!” Trecho da canção intitulada Shinzou

wo Sasageyo! pela banda japonesa Linked Horizon liderada pelo

compositor REVO.

[2] Trecho da canção intitulada "BB's Theme”, composta por Ludvig

Forssell e interpretada por Jenny Plant , e a décima oitava faixa da trilha

original de Death Stranding .. <Fonte:

https://deathstranding.fandom.com/wiki/BB%27s_Theme>.

[3] Trecho da canção intitulada Matilda de Harry Styles.

[4] Trecho da canção intitulada Os Bons Morrem Jovens de Legião

Urbana.

[5] Trecho da canção intitulada All I Want de Kodaline.

[6] Trecho da canção intitulada Brother de Kodaline.

[7] Trecho da fala do personagem fictício Itachi Uchiha do Clã Uchiha

da série de anime e mangá Naruto criada por Masashi Kishimoto. Fonte:

Wikipédia.
[8] Trecho da fala do personagem fictício Itachi Uchiha do Clã Uchiha da série

de anime e mangá Naruto criada por Masashi Kishimoto. Fonte: Wikipédia.


[9] Trecho da canção intitulada Love On The Brain da artista

barbadense Rihanna – álbum: ANTI, data de lançamento: 2016.


[10] Trecho da canção intitulada Hotel Carol da artista brasileira Luisa

Sonza part. BACO Exu do Blues, data de lançamento: 2022.

[11] Trecho da canção intitulada Hotel Carol da artista brasileira Luisa

Sonza part. BACO Exu do Blues, data de lançamento: 2022.

[12] Trecho da canção intitulada Call Out My Name do artista

canadense The Weeknd – álbum: My Dear Melancholy, data de

lançamento: 2018.

[13] Trecho da canção intitulada End Game da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[14] Trecho da canção intitulada Favorite Crime da artista norte-

americana Olivia Rodrigo – álbum: Sour, data de lançamento: 2021.

[15] Trecho da canção intitulada Don’t Blame Me da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[16] Trecho da canção intitulada august da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[17] Trecho da canção intitulada Him do artista britânico Harry Styles

– não lançado.

[18] Trecho da canção intitulada invisible string da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[19] Trecho da canção intitulada Here’s Your Perfect do artista galês

Jamie Miller – álbum: Here’s Your Perfect (with salem ilese), data de
lançamento: 2021.

[20] Trecho da canção intitulada Here’s Your Perfect do artista galês

Jamie Miller – álbum: Here’s Your Perfect (with salem ilese), data de
lançamento: 2021.

[21] Trecho da canção intitulada this is me trying da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[22] Trecho da canção intitulada mirrorball da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[23] Trecho da canção intitulada Delicate da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[24] Trecho da canção intitulada melhor sozinha :-)-: da artista

brasileira Luisa Sonza – álbum: DOCE 22, data de lançamento: 2021.

[25] " Noona" nada mais é do que "irmã mais velha". Apesar de ter

uma tradução aparentemente simples no português, o termo carrega


algumas particularidades por trás de seu uso. Em primeiro lugar, a palavra

é utilizada apenas pelos homens para se dirigir às suas irmãs ou pessoas


mais velhas da família. Além disso, essa palavra também pode ser utilizada

pelos garotos para se referir a amigas próximas que também são mais
velhas. Fonte: < https://educacao.umcomo.com.br/artigo/o-que-significa-

noona-em-coreano-30196.html>

[26] Trecho da canção intitulada King of My Heart da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.


[27] Trecho da canção intitulada Don’t Blame Me da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[28] " Unnie" nada mais é do que "irmã mais velha". Apesar de ter

uma tradução aparentemente simples no português, o termo carrega


algumas particularidades por trás de seu uso. Em primeiro lugar, a palavra
é utilizada apenas pelos mulheres para se dirigir às suas irmãs ou pessoas
mais velhas da família. Além disso, essa palavra também pode ser utilizada

pelas garotas para se referir a amigas próximas que também são mais
velhas. Oppa ( 오빠 ) e Hyung ( 형 ) significam algo como “irmão mais
velho”, e Noona ( 누나 ) e Unnie ( 언니 ) significam “irmã mais velha”. Fonte:
https://www.koreapost.com.br/conheca-a-coreia/comportamento/o-

significado-de-oppa-hyung-noona-unnie/>

[29] Essa é uma palavra que os fãs de cultura coreana com certeza

já ouviram em k-dramas, músicas, filmes e reality shows. A tradução de


"oppa" para o português é "irmão mais velho". O termo deve ser utilizado
pelas mulheres para falar com e/ou se referir aos seus próprios irmãos,
namorado e/ou amigos homens muito próximos. Além disso, a palavra

costuma ser usada em ambientes mais íntimos, como círculo de amigos e


festas. Já no mercado de trabalho e na escola ou universidade,
normalmente as mulheres utilizam outros termos para se referir aos
homens mais velhos. Fonte: <https://educacao.umcomo.com.br/artigo/o-

que-significa-oppa-em-coreano-30202.html> Oppa ( 오빠 ) e Hyung ( 형 )


significam algo como “irmão mais velho”, e Noona ( 누나 ) e Unnie ( 언니 )
significam “irmã mais velha”. Fonte: https://www.koreapost.com.br/conheca-
a-coreia/comportamento/o-significado-de-oppa-hyung-noona-unnie/>

[30] Trecho da canção intitulada Delicate da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[31] Trecho da canção intitulada Gorgeous da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[32] Shingeki no Kyojin também conhecido pelo título em inglês

Attack on Titan, é uma série de mangá escrita e ilustrada por Hajime


Isayama. Fonte: Wikipédia.

[33] Naruto é uma série de mangá escrita e ilustrada por Masashi

Kishimoto, que conta a história de Naruto Uzumaki, um jovem ninja que


constantemente procura por reconhecimento e sonha em se tornar Hokage,

o ninja líder de sua vila. Fonte: Wikipédia.

[34] Choi Seung-hyun, mais conhecido pelo nome artístico T.O.P, é

um rapper, compositor, produtor musical, ator e modelo sul-coreano. Fonte.

Wikipédia.

[35] Trecho da canção intitulada right when you left me da artista

norte-americana Taylor Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[36] Trecho da canção intitulada Dancing With Our Hands Tied da

artista norte-americana Taylor Swift – álbum: Reputation, data de


lançamento: 2017.

[37] Trecho da canção intitulada Here’s Your Perfect do artista galês

Jamie Miller – álbum: Here’s Your Perfect (with salem ilese), data de
lançamento: 2021.

[38] Spy × Family é uma série japonesa de mangá shōnen escrita e

ilustrada por Tatsuya Endo. A história segue a vida de Twilight, um espião


que precisa "formar uma família" de forma repentina para executar uma

missão. E foi adaptada para anime em 2022. Fonte: Wikipédia.

[39] Trecho da canção intitulada exile da artista norte-americana

Taylor Swift part. Bon Iver– álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[40] Trecho da canção intitulada Ready For It? da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[41] Trecho da canção intitulada Stay da artista barbadense Rihanna

part. Mikky Ekko– álbum: Unapologetic, data de lançamento: 2012.

[42] Trecho da canção intitulada Delicate da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[43] Trecho da canção intitulada peace da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[44] Trecho da canção intitulada peace da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.


[45] Trecho da canção intitulada cardigan da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[46] Trecho da canção intitulada Stay da artista barbadense Rihanna

part. Mikky Ekko– álbum: Unapologetic, data de lançamento: 2012.

[47] Trecho da canção intitulada mad woman da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[48] Trecho da canção intitulada peace da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[49] Trecho da canção intitulada I Drink Wine da artista britânica

Adele – álbum: 30, data de lançamento: 2021.

[50] Trecho da canção intitulada This Is Why We Can't Have Nice

Things da artista norte-americana Taylor Swift – álbum: Reputation, data de

lançamento: 2017.

[51] Trecho da canção intitulada Sujeito de Sorte do artista brasileiro

Belchior – álbum: Alucinação, data de lançamento: 1976.

[52] Trecho da canção intitulada Brother da banda irlandesa Kodaline

– álbum: Politics of Living, data de lançamento: 2018.


[53] " Hyung" nada mais é do que "irmão mais velho". Apesar de ter uma

tradução aparentemente simples no português, o termo carrega algumas


particularidades por trás de seu uso. Em primeiro lugar, a palavra é utilizada
apenas pelos homens para se dirigir às seus irmãos ou pessoas mais velhas
da família. Além disso, essa palavra também pode ser utilizada pelos garotos
para se referir a amigos próximas que também são mais velhos. Oppa ( 오빠 )
e Hyung ( 형 ) significam algo como “irmão mais velho”, e Noona ( 누나 ) e
Unnie ( 언니 ) significam “irmã mais velha”. Fonte:
https://www.koreapost.com.br/conheca-a-coreia/comportamento/o-significado-
de-oppa-hyung-noona-unnie/>
[54] Trecho da canção intitulada New Year’s Day da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[55] Trecho da canção intitulada End Game da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[56] Trecho da canção intitulada Look What You Made Me Do da

artista norte-americana Taylor Swift – álbum: Reputation, data de

lançamento: 2017.

[57] Trecho da canção intitulada New Year’s Day da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[58] Trecho da canção intitulada Matilda do artista britânico Harry

Styles – álbum: Harry's House, data de lançamento: 2022.

[59] Trecho da canção intitulada Call It What You Want da artista

norte-americana Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento:


2017.

[60] Trecho da fala do personagem Stitch, de Lilo & Stitch um filme

de animação de longa-metragem dos estúdios Disney, realizado em 2002,

dirigido por Dean DeBlois e Chris Sanders, e apontado como um dos novos

clássicos da Disney, sendo a 42ª longa-metragem de animação produzida


pelo estúdio. Fonte: Wikipédia.
[61] Trecho da canção intitulada Blank Space da artista norte-

americana Taylor Swift – álbum: 1989, data de lançamento: 2014.

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