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O que impede a era dos carros voadores de decolar

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Era do carro voador parece estar mais próximas, mas existem imensos desafios ainda
sem solução — Foto: Getty Imagens

Está para começar uma nova era da aviação.

No dia 12 de junho de 2023, a Agência Federal de Aviação dos Estados Unidos (FAA)
emitiu um Certificado Especial de Aeronavegabilidade para um modelo de veículo voador
desenvolvido pela empresa Alef Aeronautics. O certificado permite que a aeronave voe
em locais limitados para fins de exibição, pesquisa e desenvolvimento.

O que é o carro voador que Embraer, Gol e Azul querem nos céus do Brasil

Mobilidade Aérea Avançada (AAM, na sigla em inglês) é uma expressão geral para
designar aeronaves de carga ou passageiros com alto nível de automação.
Frequentemente denominados táxis aéreos ou aeronaves de decolagem e aterrissagem
vertical (VTOL), esses veículos teoricamente oferecem transporte porta a porta mais
rápido e seguro.

No Brasil, a Embraer anunciou nesta quinta-feira (20/7), data em que são celebrados os
150 anos do nascimento de Santos Dumont, que fabricará eVTOLs em uma fábrica em
Taubaté (SP), a ser ampliada para atender a nova demanda. A previsão é que os
primeiros modelos sejam entreguem em 2026.

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A vantagem desses veículos voadores é que velocidade deles não é reduzida pela
infraestrutura física da região, nem pelos congestionamentos em terra. E, embora o carro
voador ainda seja algo muito distante, o reconhecimento do veículo da Alef é um marco
na história da mobilidade aérea.

Existem ainda muitos desafios a serem solucionados até que os carros voadores se
tornem realidade nas cidades pelo mundo. Seu ruído constante durante voo, decolagem
e aterrissagem é apenas um deles.

Os fundadores da Alef começaram a trabalhar com este conceito em 2015 e criaram o


primeiro protótipo de carro voador em tamanho natural em 2019. O Modelo A é um carro
de passageiros para dois ocupantes, adequado para circulação em terra, com autonomia
de 322 km no solo e 177 km no ar.

Elegante e compacto, o veículo é projetado para parecer um carro normal. Ele não
precisa de pista para decolar e chega até a caber nas vagas de estacionamento
tradicionais.

E as inovações de operação do projeto do Modelo A são tão importantes quanto a sua


forma. A companhia afirma que a tecnologia patenteada do veículo permite que ele
decole verticalmente e se transforme em um bimotor no meio do voo. Suas portas se
transformam em asas — uma iniciativa para tentar revolucionar o nosso transporte diário.

Mas, até o momento, de fato ver o Modelo A voar foi privilégio de alguns poucos
investidores, em uma demonstração em 2019, segundo o website da empresa. E uma
série de dificuldades tecnológicas permanece sem solução.

"Alguns dos componentes de que precisamos simplesmente ainda não existem no


mercado", explica o executivo-chefe da Alef Aeronautics, Jim Dukhovny. "Por exemplo,
para evitar estresse diferencial, precisamos de sistemas de propulsão motora altamente
especializados."

As restrições de tamanho, peso e preço irão determinar quando esses veículos estarão
disponíveis ao público e se será possível dirigi-los com segurança.

O pioneiroA Alef, sediada na Califórnia (EUA), espera começar a fabricação dos carros
voadores em 2025 ou no início de 2026.

Mas os veículos já estão disponíveis em pré-venda. O preço atual é de US$ 300 mil
(cerca de R$ 1,44 milhão), mas a empresa espera que o custo em escala seja de US$ 35
mil (cerca de R$ 168 mil).

O Modelo A é considerado um "veículo de baixa velocidade" ultraleve — uma


classificação legal originalmente reservada para carrinhos de golfe e pequenos veículos
elétricos. E vem com orientações muito rigorosas emitidas pela Agência de Segurança
do Tráfego Rodoviário dos Estados Unidos.

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"É um pioneiro", afirma Dukhovny. "Quando os carros começaram a substituir os cavalos,
surgiram muitas questões parecidas: sobre segurança, o que iria acontecer com as
cidades... muitos queriam voltar para os cavalos. Se tudo for feito certo, o carro voador
deverá ser mais seguro."

Mas o Modelo A, afinal, pretende ser um carro. E fazer com que um carro seja seguro
para o céu — ou seja, leve e aerodinâmico — pode, de fato, reduzir sua segurança nas
estradas.

"A parte mais difícil ainda é a transição: nós não sabemos o que acontece quando o
veículo é transferido da terra para o ar", explica Dukhovny.

Idealmente, a transferência de autoridade da terra para o ar seria automática, mas


existem obstáculos complexos, tanto legais quanto de segurança.

As operações de mobilidade aérea urbana serão principalmente de responsabilidade da


agência nacional de aviação de cada país, como a FAA, nos Estados Unidos, e a ANAC,
no Brasil.

Agências de aviação têm jurisdição sobre todas as operações no espaço aéreo nacional
e são responsáveis pela certificação de novos tipos de aeronaves, após análises de
segurança.

Já o papel das cidades para garantir a segurança será colocar em ação as normas
estabelecidas pelas agências.

Público ainda aguarda voo de demonstração do carro Modelo A, projetado pela empresa
americana Alef — Foto: Alef Aeronautics

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Um relatório provisório publicado pela FAA afirma que as operações com carros
voadores empregarão, inicialmente, as mesmas normas e estruturas de regulamentação
já existentes (como as regras de voo visual e voo por instrumentos), como plataforma
para o melhor desempenho das aeronaves e maiores níveis de autonomia.

O relatório levanta algumas preocupações, sem abordá-las totalmente. São questões


sobre ruídos, poluição, segurança, sustentabilidade e custo.

Quem irá dirigir os carros voadores, por exemplo? Os passageiros precisarão de


licença? Como os "vertiportos" (os pontos de decolagem e aterrissagem para este tipo de
veículo) e os carros voando em grandes altitudes afetarão a vida da vizinhança? Qual
será a jurisdição responsável por um acidente em pleno ar?

A velocidade desses veículos pode gerar colisões, seja com edifícios ou entre os
próprios carros. Por isso, o planejamento preciso e cientificamente orientado dos trajetos
é essencial.

A FAA imagina que "táxis aéreos" possam operar em corredores específicos entre
aeroportos e vertiportos nas áreas urbanas. Mas, até o momento, não existem
disposições de planejamento de rotas e trajetórias para carros voadores.

Sem barulhoE existe a questão dos ruídos. É difícil projetar carros voadores que sejam
excepcionalmente silenciosos, principalmente se a operação comercial em larga escala
envolver centenas de decolagens e aterrissagens por hora.

Propulsores elétricos e outros elementos de projeto da propulsão dos carros voadores


podem reduzir a poluição sonora. Além disso, os urbanistas certamente precisarão
considerar o nível de ruído em decibéis dos vertiportos ou locais de aterrissagem. Mas
pode ser necessária a criação de normas governamentais rigorosas para controlar os
níveis de ruído.

Para isso, podem ser adotadas as normas sobre infraestrutura aérea existentes nas
regulamentações atuais — que são aplicadas aos aeroportos e heliportos tradicionais.

Em um esforço para ajudar os fabricantes a projetar veículos mais silenciosos, a Nasa


(agência espacial dos EUA) se associou à FAA, a pesquisadores universitários e outros
líderes do setor para desenvolver ferramentas de software que possam elaborar modelos
e prever os ruídos da AAM.

A campanha da Nasa sobre mobilidade aérea avançada irá estudar a reação humana
aos ruídos de baixa frequência, o limite do chamado "ruído de banda larga" (os sons que
o ser humano não consegue relacionar a fontes específicas) e como prever qual será o
som produzido por essa grande quantidade de veículos voando simultaneamente.

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Carro voador não é solução final para resolver congestionamentos de trânsito, como os
de Los Angeles, nos Estados Unidos — Foto: Getty Imagens

A empresa britânica Arup oferece serviços de projeto, engenharia e sustentabilidade


para ambientes urbanos. Ela realizou recentemente uma mesa redonda para discutir as
possibilidades e desvantagens do mercado da mobilidade aérea.

"A forma em que as cidades têm mais oportunidade de impor o controle é por meio dos
alvarás de funcionamento", segundo o diretor responsável da Arup em San Francisco,
Byron Thurber.

"Como ocorre com as companhias aéreas e os aeroportos, os municípios têm autoridade


para regulamentar a operação dos serviços comerciais de mobilidade aérea", prossegue
ele. "Isso pode incluir regras sobre os limites de horários de operação, a densidade
máxima de vertiportos em certos bairros e as tarifas."

Em outras palavras, as cidades podem limitar quando e onde os serviços de táxi aéreo
podem operar.

Será o fim dos congestionamentos?Talvez não seja uma surpresa que Los Angeles
(EUA)s, com seus enormes congestionamentos, costume ser mencionada como uma
das primeiras a adotar a mobilidade aérea. Mas como os carros voadores podem ajudar
a destravar uma cidade tão congestionada como Los Angeles?

"Um ponto a ter em mente é que a mobilidade aérea urbana não irá eliminar os
congestionamentos", afirma Thurber. "Na verdade, provavelmente não iremos ver no céu
um volume de veículos próximo da quantidade de carros no solo. E, se isso acontecesse,

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teríamos congestionamento no céu."

Um cenário mais provável é o uso de táxis aéreos em áreas densamente povoadas,


como o centro de Londres ou Nova York, no horário de pico.

Inicialmente, os únicos a conseguirem voar talvez sejam os passageiros muito ricos,


como ocorreu nos primeiros tempos da aviação comercial. Mas, ao longo do tempo, a
economia de escala pode tornar os carros voadores acessíveis — especialmente se as
cidades puderem incentivar as empresas a fornecer acesso e serviços para os bairros de
baixa renda.

Em 2021, o Departamento de Transporte de Los Angeles (Ladot) contratou a Arup para


elaborar um relatório com observações estruturais sobre a política de mobilidade aérea
urbana, com ênfase específica sobre a isonomia de uso. O relatório destaca que os
carros voadores devem ser considerados um serviço municipal subsidiado e um bem
público.

Depois de estabelecida a validação do conceito, com a realização de testes rigorosos e


redução dos riscos de segurança, os serviços de mobilidade aérea avançada devem
funcionar de forma similar às bibliotecas, escolas, aeroportos e estradas — não como
uma tecnologia preocupante, mas como um bem acessível a toda a comunidade.

‘Carro voador’ que será usado nos Jogos Olímpicos de Paris 2024 faz primeiro voo teste

- Este texto foi publicado em:


https://www.bbc.com/portuguese/articles/ckkx213z623o

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