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Contents

Dedication
1
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE
CAPÍTULO QUATORZE
CAPÍTULO QUINZE
CAPÍTULO DEZESSEIS
CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZENOVE
CAPÍTULO VINTE
CAPÍTULO VINTE E UM
CAPÍTULO VINTE E DOIS
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
CAPÍTULO VINTE E CINCO
CAPÍTULO VINTE E SEIS
CAPÍTULO VINTE E SETE
CAPÍTULO VINTE E OITO
CAPÍTULO VINTE E NOVE
CAPÍTULO TRINTA
CAPÍTULO TRINTA E UM
CAPÍTULO TRINTA E DOIS
CAPÍTULO FINAL
AGRADECIMENTOS
Books By This Author
Para Flávia, e à fúria do vento.
1
S. M. Lacey

ESTRELANDO
AMY ADAMS… COMO PATRÍCIA PIMENTA
HENRY CAVILL… COMO FLÁVIO FAGUNDES
CAPÍTULO UM

NAQUELE TEMPO, EU ACHAVA QUE TUDO ERA POSSÍVEL —


COMO O CICLO DO infinito. Eu gostava de me deitar na grama e admirar
as estrelas, e como morava naquela cidadezinha do interior, podia ver a via
láctea inteira à minha frente, com todos seus pontos coloridos de roxo, rosa e
azul brilhando e cantando no céu, enquanto eu dava nomes imaginários às
constelações.
Eu me perdia intensamente ali, no meu lugar proibido, e tinha
somente a solidão como companhia. Eu nunca precisei de outra pessoa.
Somente me bastava, como sempre. Nunca fui alguém de precisar da
presença de outro ser humano, mas às vezes, uma certa pessoa me achava ali,
e silenciosamente, se colocava ao meu lado, e deitava suas costas contra a
mesma grama morta.
— Você não se cansa disso? — minha irmã, Maria, quebrou o
silêncio da noite. Ela era bem mais velha do que eu. Sete anos nos
separavam, e eu, com dezessete, a considerava uma idosa. Mas eu a amava
com um ardor que só reservava aos meus pais.
Naquele tempo, nada poderia interferir naquele mundinho. Só havia a
minha família, e as estrelas. O que poderia dar errado naquilo?
— Você sabe que não, Maria Apimentada. — Eu sorri com a sua
frase, e apoiei meus dois braços atrás da minha cabeça, ficando mais
confortável daquele modo. Poderia dormir no relento, como já fiz várias
vezes.
— Não me chame pelo meu apelido. Você também é uma Pimenta,
Patrícia.
— Ah, estamos nos chamando pelo primeiro nome agora?
— Sabe que se tentar vestibular na cidade grande, não vai ter esta
vista.
Eu sabia que era por isso que ela estava ali. Maria não estava feliz
com a minha decisão de mudar para a capital a estudo. Aliás, ninguém da
minha família estava, apesar de meus pais não se opuserem à decisão. Minha
mãe até ofereceu apoio financeiro.
— Já conversamos sobre isso.
— Pois conversemos de novo. Talvez eu coloque juízo nessa sua
cabeça.
Eu suspirei, e ergui meu tronco, encarando Maria.
— Só porque você tem uma vida aqui. Um namorado, emprego, está
juntando para comprar uma casa… Você tem tudo, Maria. Sua vida está
nessa cidade.
— Você pode ter tudo também. É só escolher ficar.
— Mas eu não quero.
— Você não ama Prado Verde?
Eu olhei para o céu novamente, e então para Maria. Estiquei meu
braço para tocar em sua mão, mas minha irmã me rechaçou.
— Eu amo. Amo de todo o coração; mas meu destino não está aqui.
Eu preciso ir.
Maria se levantou, e me deu as costas. Parou por um instante e disse:
— Pode ir para sua preciosa capital! Espero que nunca volte!
Eu fiquei ali, ainda na grama, vendo minha irmã ir, e com o coração
partido.
Mal sabia eu que seria a última vez que a veria na vida.
CAPÍTULO DOIS

COMO É MESMO AQUELE DITADO…? SE BEBER, NÃO NAMORE


— eu aprendi isso da pior maneira possível. Quando conheci Michel, ele era
apenas sorrisos. Tinha ombros largos, um peitoral vasto, e uma tatuagem no
ombro.
— É o ouroboros — ele disse. — Representa o infinito.
O infinito não durou para nós dois.
Acredite em mim quando digo que ele não era uma má pessoa.
Inconsequente, talvez? Michel era uma daquelas pessoas que queriam ver a
vida queimar de uma vez só, como uma supernova. E, aos meus vinte e dois
anos, recém saída da faculdade, eu o acompanhei naquele caminho de auto-
destruição. ”Carpe diem”, era o que nós dizíamos. Festas eram frequentes.
Eu mudara muito da tímida garota do interior para uma garota de
diversão. Só um aspecto permaneceu: Eu e Michel nunca chegamos aos
“finalmentes”. Ele reclamava, lógico, mas em nenhum momento me senti
confortável com aquilo. E eu estava ocupada com trabalhos da faculdade, que
logo foram substituídos com o emprego dos sonhos: uma vaga em uma
agência de publicidade na capital. Eu estava pronta para enfrentar a vida.
Apenas não com o meu namorado.
A vida, também, estava pronta para dar na minha cara.
— Merda — murmurei, minha voz um fiapo do que era, tornando-se
um crescendo de horror. — Merda, merda, merda, MERDA!
O pequeno aparelho em minhas mãos me contava uma verdade que eu
não queria ouvir. Era uma mensagem da minha antiga vizinha, dizendo que
minha irmã havia desaparecido fazia dois dias e que seu marido estava
foragido da polícia. Eu não sabia o porquê de ninguém ter me alertado antes,
já que eu era seu único contato da família — meus pais haviam falecido
alguns anos antes, devido um acidente… Eu me virei para a mensagem no
celular e meu coração ficou pesado.
Eu não falava com minha irmã Maria faziam alguns… meses? Talvez
alguns anos. Era relapso, eu sabia. E agora ela podia estar morta. Era uma
realidade terrível. Eu sabia que ela havia se separado do antigo namorado e se
juntado com as trouxas com um cara detestável — a quem eu odiava sem
mesmo conhecer o nome.
Ela era minha irmã.
Era.
Como era horrível conjugar aquele verbo no passado.
Senti meus olhos arderem, mas tentei manter-me no controle. Ainda
poderiam haver esperanças.
Decidi ligar para Michel, e falar para ele que iria para a cidadezinha
ver o que poderia ser feito. Talvez ele fosse comigo, não é? Dar algum apoio
moral. Ele era o meu namorado, afinal de contas. E era uma situação muito
complicada. Eu precisava de ajuda.
Liguei para ele, mas ele não atendeu. Meu nervosismo apenas
aumentou. Decidi ir até a sua casa, para que pudéssemos ir de lá para Prado
Verde. Não ficava muito longe, então se fossemos no carro dele, chegaríamos
em uma ou duas horas, dependendo da velocidade. E Michel era conhecido
por sua velocidade no volante.
Arrumei uma mala simples, e peguei um uber. Cheguei na casa dele
uma pilha de nervos, e usei a chave que ele me dera. Não precisei de muito
esforço, já que a porta estava destrancada. Estranhei. Michel não deveria estar
em casa naquela hora. Ele não deveria…
Fiquei em choque, mas eu já deveria saber.
Eu não “dava”, nas palavras dele.
Eu era “puritana”.
“Virgem maldita”.
Fui até a porta do quarto apenas para constatar o óbvio. Apenas me
dignei a olhar com pena o casal que fodia na cama, me virei e dei as costas,
nem fiz escândalo. Eu tinha coisas mais importantes a lidar. Nem me importei
com os gritos de desculpa de Michel, apenas fechei a porta atrás de mim.
Não me importava.
Peguei o primeiro táxi que vi, e fui para a estação de ônibus, rumo a
Prado Verde, e chegando lá, decidiria o que fazer.
Fui para a estação de polícia descobrir o que poderia ser feito.
— Olá — uma moça alta, trajando um terninho bege bem elegante,
me cumprimentou. — Chamo-me Alessandra Mattos. Sou a promotora que
cuida do caso da sua irmã. Você já foi inteirada?
— Mais ou menos. Contaram muito por alto quando cheguei.
Disseram que há uma surpresa.
— Sim. Venha comigo.
E passamos por alguns corredores frios, enquanto eu me abraçava e
tentava disfarçar o nervosismo. Eu não queria pensar no que minha irmã
poderia ter passado. Eu apenas queria encontrá-la bem. Que ela voltasse para
casa.
Chegamos a uma enfermaria e o que parecia ser uma creche. Eu ergui
uma sobrancelha.
— Acredito que a senhorita e sua irmã não estavam em contato há
algum tempo, foi o que me disseram — Alessandra começou. — Bem, neste
meio tempo, ela teve…
— Um filho?
— Uma filha. Natália.
Eu quase caí para trás.
— Como sua única parente, a guarda legal cai para você, mas…
— Onde ela está?
Alessandra apontou para um dos berços, e corri para vê-la. Ela tinha
os cabelos ruivinhos da família, mas tinha os olhos castanhos que deviam ser
do pai. Eu sorri, e ao mesmo tempo, senti meus olhos marejarem. Foi naquele
momento que percebi que faria de tudo por aquela menininha. Eu já a amava
completamente. E caso Maria não estivesse mais entre nós, eu a amaria por
ela, também.
E mais do que tudo, eu cuidaria dela por nós.
— Posso pegá-la?
E com o consentimento de Alessandra, eu peguei minha sobrinha no
colo pela primeira vez. Ela ainda estava sonolenta, mas prometi a ela, e a
mim mesma, que nada no mundo, e nem ninguém, nos separaria de novo.
CAPÍTULO TRÊS

ERA UMA IDEIA COMPLETAMENTE LOUCA, MAS eu queria dar uma


repaginada na minha vida. Começar do zero, sabe? Eu havia juntado dinheiro
o suficiente para dar entrada em um apartamentinho de dois quartos em um
canto afastado do centro da cidade, e eu conseguira mudar minha função no
emprego dos sonhos para home office. Não era o ideal ainda, mas consegui
ficar com a minha bebê a maior parte do dia.
Certos privilégios, no entanto, vinham com seus ônus.
No começo, tudo eram flores. Eu desfiz a mudança com a ajuda de
Alessandra, a única pessoa que sobrara do meu círculo de amizades, porque o
restante ainda eram amigas do meu ex-namorado. Refiz minhas redes sociais
nos intervalos da arrumação do apartamento, excluindo parentes e enxeridos
que pudessem se reportar para o meu ex, e em geral, cuidei para que Natália
ficasse bem na casa nova.
Nat explorou o local com seus pézinhos. Ela ainda estava se ajustando
com as distâncias, mas adorou seu novo quarto, que pintei de roxo. Queria ter
dinheiro para pagar alguém para fazer desenhos legais na sua parede, mas
minha prioridade no momento era que ela tivesse o básico para se entreter.
Brinquedos, bichinhos de pelúcia, um tablet para se divertir. Tudo isso ela
possuía. Minha sobrinha não tinha tudo do melhor, mas ao menos, um pouco
de tudo eu conseguia prover.
Uma das grandes vantagens daquele prédio eram as varandas
gigantes. Eu morria de medo de altura, e estávamos no décimo segundo
andar, mas havia grades de proteções para crianças. Isso não mudava o fato
de que eu queria decorar o lugar para que eu e Natália pudéssemos utilizá-lo.
Seria ótimo tomarmos um solzinho ali, enquanto eu lia um livro para ela, e
ela dormisse no meu colo…
O apartamento também precisava de muitas reformas, mas aos
poucos, ele se transformaria em um lar.
Eu sorri, olhando para ele. Havia encontrado o lugar perfeito para um
recomeço.
Só que…
O problema começou de madrugada.
Eu havia começado a acostumar Natália a dormir as noites inteiras. O
que era um alívio para mim, que precisava de oito horas diárias de sono, e
para ela, mas… o vizinho do lado.
Ah, vizinhos. A bênção ou a maldição de um apartamento. Eu devia
ter imaginado que aquele apartamento estava sendo vendido a preço baixo
demais.
Foi a babá eletrônica que me acordou. Olhei para o relógio, no meio
da noite. Três da manhã. Por que minha sobrinha estaria acordada, àquele
horário? Foi aí que também notei os sons. Baixinho, mas fui até o quarto de
minha filha. Lá, dava para ouvir bem. Era o barulho distinto de alguém
falando… Não. Não era alguém falando. Alguém estava cantando. E não era
uma só pessoa, eram várias pessoas cantando.
Era só o que me faltava. O vizinho estava fazendo uma festa às três da
madrugada. E havia acordado minha bebê.
Eu apenas suspirei, e peguei minha sobrinha no colo. Trouxe ela até
meu quarto, onde não havia tanto barulho, e suspirei ainda mais. Sabia que
seria uma noite insone para nós duas.
O que eu poderia fazer…? Não esperava que meu recomeço seria tão
conturbado assim. Eu só queria dormir.
Quando minha sobrinha finalmente pegou no sono, eu decidi que
falaria com o vizinho na manhã seguinte, assim que ele saísse de casa!
E foi com esses pensamentos que concluí a primeira semana no meu
apartamento novo, e na minha vida nova…
CAPÍTULO QUATRO

SE EU ACHEI QUE IRIA ENCONTRAR O VIZINHO QUANDO ele


saísse de casa, eu estava redondamente enganada. Tudo bem que eu
trabalhava com home office e tinha uma criança pequena para cuidar, mas o
vizinho não parecia estar no apartamento hora alguma. Não fez barulho
durante a manhã, e se fez menção de se mexer durante a tarde, não foi ouvido
de hora alguma. Eu tentei não o perseguir, ou parecer uma louca logo na
primeira semana que cheguei ao prédio, mas não houve nenhum incidente
parecido com o primeiro.
Então decidi relaxar. Talvez o vizinho soubesse que havia
incomodado. Ele não repetira o acontecido, e francamente, talvez tenha sido
uma festa de aniversário tardia. Afinal, fora o fim de semana. Era o direito
dele ter festas em seu apartamento, mesmo que fossem até de madrugada.
Bastava não repetir, e ficaríamos em paz. Ele tinha que ouvir minha bebê
chorar, e não reclamara até agora.
Estavámos quites, não estavámos?
Com paz em meus pensamentos, peguei Natália no colo, fazendo uma
pequena pausa para admirá-la. Como minha bebê era bonita. Seus olhinhos
castanhos me fascinavam, junto com seus cachinhos ruivos que caíam em
ondas que eu arrumara mais cedo em duas maria-chiquinhas. Suas mãozinhas
eram pequenas e com dedinhos tão delicados, mas que serviam para brincar e
pintar, como sua mãe. Eu sabia, ou ao menos desejava, que ela seguisse uma
profissão artística como a minha. Eu era designer de um estúdio de
marketing, e depois que tive Natália, comecei a pegar alguns trabalhos
freelancer, para completar a renda.
Esperava que minha sobrinha, como uma legítima Pimenta,
escolhesse seguir um caminho artístico. Ilustradora, animadora ou designer…
O que quer que escolhesse, eu ficaria muito feliz. Eu já achava que ela se
parecia muito comigo, como o formato de seus olhos amendoados lembravam
os meus, e as covinhas em seus sorrisos eram tão parecidos com as minhas
próprias. Ela era tão parecida comigo… E não com o filho da puta que
engravidou minha irmã.
Isso me animava.
Eu vi os olhinhos dela começarem a se encher de lágrimas, e eu sabia
o mal que acometia minha pequena. Ela começou a pronunciar “Mida,
mida!” que era a maneira dela de dizer que estava com fome, e eu sabia que
um choro logo se daria. Minha sobrinha não era a melhor pessoinha quando
estava faminta, e ela não era muito dada à paciência.
Peguei-a no colo e a coloquei-a na cadeirinha. Um choro longo e
imediato iniciou-se.
— Já vai… — suspirei, indo preparar a super refeição da minha
sobrinha. Eu sabia que não pararia até comer a papinha, e torcia para que os
vizinhos estivessem fora, afinal, era o meio da tarde, horário em que a
maioria das pessoas estava trabalhando nas empresas.
Enquanto eu aquecia a papinha, ouvi alguém bater à porta. Estranhei.
Eu não esperava visita, nem nenhuma encomenda. Aliás, se fosse uma
encomenda, teria sido avisado pelo zelador. Alguém bater à porta significava
que haviam passado pelo porteiro, mas eu não aguardava ninguém…
E realmente, não havia uma viva alma, quando olhei pelo olho
mágico.
Abri a porta, e ainda nada. Quando finalmente achei que havia ouvido
fantasmas, olhei para a minha própria porta, e vi um post-it grudado.
Escrito, em garranchos garrafais que mal conseguia ler:
“Está fazendo barulho e incomodando. Me acordou. Cuide melhor do
seu filho. Apartamento 1203.”
A raiva que me acometeu foi tamanha, mas eu ainda tinha uma
sobrinha para alimentar. Eu amassei o bilhetinho, pronta para me vingar.
Esse “adorável” vizinho teria o dele, era só esperar para ver…
CAPÍTULO CINCO

MAIS UMA TARDE, MAIS UM CHORO… Estava ficando impossível


viver daquela forma. Tudo bem, eu não tinha um dos empregos mais formais
do mundo, portanto meu horário de sono era o mais louco possível, mas… Eu
também tinha o direito de dormir! Eu comprara aquele apartamento com meu
próprio esforço, afastado do centro da cidade, justamente para evitar as
grande rodovias e o tráfego da cidade grande, e pelo grande isolamento
acústico que ele proporcionava.
Eu encarei o teto, cansado. Não conseguira ter uma boa noite de sono.
Aliás, não vira sequer umas boas seis horas de sono. Se dormira quatro, fora
demais. Tudo isso porque eu passei a noite editando o próximo vídeo. Eu
sempre tinha uma deadline se aproximando, e era assim que eu passava meus
dias. Não era uma rotina muito saudável, mas era algo.
Senti meu estômago reclamar, e revirei os olhos. Devia cuidar
daquilo, ao menos. E o choro do bebê da vizinha.
Eu sabia que alguém ocupara o apartamento que a Dona Rosa alugava
na semana passada, e desde então, eu não tive paz. Eu não sabia que as
paredes daquele prédio eram tão finas até aquela fatídica semana, quando o
choro incessante de criança começou a soar. Eu ainda tinha vídeos a gravar, e
lives a fazer.
Aquela vizinha era problema.
Eu só sabia que era uma vizinha porque a vi de relance, da varanda,
enquanto ela saía do caminhão de mudanças, e eu consegui ver uma massa de
cabelos ruivos presos, e um carrinho de bebê sendo levado para cima e para
baixo. Não consegui ver seu rosto, no entanto. Deveria ser uma quarentona
qualquer, recém saída da clínica de fertilização, realizada do seu sonho de ter
um filho.
E agora, viera perturbar a minha paz.
Pensando bem, eu não vi seu marido. Dona Rosa comentara comigo,
em sua própria mudança, que a mulher que iria ocupar seu lugar era uma boa
moça, mas não falara nada sobre marido ou noivo.
Talvez não houvesse um na jogada…
Comecei a preparar meu almoço, que consistia em esquentar comida
congelada. Eu não tinha muito tempo para preparar algo decente, nem
vontade ou habilidade. Poderia pedir comida fora, mas estava com muita
fome para esperar o tempo do restaurante entregar o pedido. Assim, comida
congelada seria. Abri o congelador, e notei-o estranhamente com o estoque
baixo. Eu deveria ir para o mercado em breve. Mas preguiça. Talvez eu
pedisse o mercado em algum aplicativo em breve, também.
Eu tinha muita preguiça de sair de casa, essa era a verdade. Até tinha
comprado alguns aparelhos de academia para fazê-la em casa, evitando
precisar sair e ver pessoas.
Mas isso não significava que precisava ficar em silêncio.
Coloquei a comida no forno, e falei para meu som:
— Toca Linkin Park aí.
O dispositivo, ativado por minha voz, começou a tocar a música em
som alto, e logo minha voz a acompanhou. Aquela era uma das minhas
bandas favoritas, e essa era uma das minhas poucas felicidades. Cantar era
um bálsamo da minha vida. Nada me trazia mais alegria.
Toquei um pouco de guitarra de ar e me perdi na música. Passaram-se
algumas faixas quando ouvi o bater insistente na porta.
Era só o que me faltava…
Fui até a porta, e a abri.
A visão que tive foi uma completa surpresa. De shortinho e uma
camiseta cropped branca, os cabelos ruivos presos em um coque, os olhos
azuis me fitando com uma irritação fofa. Ao menos, eu achava fofa. Ela era
bem mais nova do que eu, ou assim parecia, com sua altura e feições.
Carregava, em seus braços, uma bebê igualmente ruiva, trajando um vestido
vermelho e estampa de morangos selvagens. Seus olhos mel tinham lágrimas
e ela soluçava um pouco, mas ao me notar, imediatamente parou para me
observar.
Eu tinha uns bons trinta centímetros da mãe dela, e ela provavelmente
nunca vira um homem tão alto na vida. Só que eu, também, não imaginara
que a minha vizinha fosse ser uma beldade daquelas. E tão do meu tipo.
— Dá para abaixar o volume?!
E tão mal educada, pelo que parecia.
Eu sorri, galanteador. Uma vontade pareceu se apossar de mim.
Uma vontade de provocá-la.
— Desculpe — respondi. — Não consigo ouvi-la.
— Eu disse — ela aumentou o volume de sua voz, tentando se fazer
ouvir através da música. — Você poderia abaixar a música?!
Encostei-me contra o portal da porta, e a encarei, de cima a baixo.
— Não ouvi a palavra mágica, ruivinha.
Aquilo pareceu inflamá-la. Seu rosto tornou-se a cor de seus cabelos e
ela segurou a filha contra seu corpo com mais força
— Abaixe a porcaria da música, por favor, senhor vizinho maldito.
— Ah, agora estamos indo a algum lugar. — Eu tirei o celular do
bolso, mas ao invés de abaixar o som, apenas aumentei o volume.
O que eu podia fazer?
Eu realmente gostava de dormir. Aquela era apenas uma vingancinha.
— Ora, seu…! — O rosto dela, se possível, estava mais vermelho.
— Não consigo te ouvir! O som está muito alto! — eu gritei, sorrindo
ante a minha travessura.
Ela se virou para sair dali, mas um sorriso maligno surgiu em seu
rosto.
— Acho que você tem um problema, garotão. — E ela apontou para
trás de mim. Eu me virei, e vi meu forno, de onde fumaça preta saía.
— Droga, meu almoço!
— Boa sorte! — ela gritou, voltando para seu próprio apartamento,
enquanto eu lidava com o karma instantâneo de ter mexido com a minha
vizinha na forma do pequeno incêndio do meu forno.
Droga.
Quem era aquela vizinha, e por que eu sabia que ela tiraria minha
paz?
CAPÍTULO SEIS

QUEM ELE PENSAVA QUE ERA, PARA ME tratar daquela maneira?


Para tratar qualquer pessoa daquele jeito! Eu não aguentaria calada aquela
travessura, de forma alguma!
Ao mesmo tempo, não sabia a quem recorrer. Ele não estava
cometendo nenhum crime. Todo mundo podia ouvir o som no volume em que
quisesse, dado o horário que estávamos. Era meio dia. Se fossem depois das
dez da noite, eu teria alguma validade em minha queixa, pela lei do silêncio.
Mas eu era recém chegada no prédio. Não queria ficar conhecida como a
vizinha reclamona, como a “mala sem alça” que queria tudo do seu jeito.
Eu apenas queria um pouco de paz.
Para mim mesma, e minha bebê.
Natália, apesar do barulho imenso, acalmou-se o resto da tarde. Eu
tinha trabalho, é lógico, mas eu gostava muito de pegar minha bebê, que já
não era tão bebê assim, e admirá-la. Ela gostava muito de ficar nesse
momento mimo, em que eu penteava seus cabelos, e eu colocava algum
filminho infantil na televisão, e nos distraímos por horas. Ela falava pelos
cotovelos, em sua linguagem ainda de criança, que eu fazia o máximo para
compreender.
Eu a amava, acima de todas as coisas. Acima de minha própria vida.
Faria de tudo por sua felicidade e bem estar.
O som do vizinho continuava alto. Talvez um assassinato estivesse
em ordem…
Ri comigo mesma, o que fez Natália sorrir. Ela era inocente quanto
aos meus pensamentos malignos, o que era bom. Que minha sobrinha ficasse
inocente para sempre.
Eu sempre poderia aprender a esconder corpos, não era mesmo?
Ai, eu estava tendo pensamentos tolos. Era o que a solidão fazia.
Você acabava divagando demais, pensando em besteiras. Mas era naquela
paz terna que eu passaria meus próximos dias. E eu esperava ter paz, mesmo.
Depois de algum tempo, o vizinho baixou a música. Eu o agradeci
mentalmente por aquilo, apesar de não ser menos que sua obrigação. Não
queria começar minha nova vida naquele apartamento em pé de guerra.
Pensei se não estaríamos começando nossa relação com o pé esquerdo.
Até porque, o homem era um gato.
Alto, forte... Ele abrira a porta apenas com calção boxer e minha visão
plena daquele peitoral másculo, forte por exercícios, fizera minha boca secar.
Se eu não estivesse ali para reclamar do barulho, com certeza apelaria para o
velho truque de pedir uma xícara de açúcar.
A quem queria enganar? Eu não queria cair nas garras de outro
homem tão cedo. Michel fora uma mácula no meu passado. O vizinho podia
ser gato, e possivelmente bom de cama, mas eu já tivera minha cota de caras
gatos e bons de cama.
— O ciclo sempre recomeça — eu suspirei para mim mesma. Era algo
que Michel sempre dizia para mim, e por hábito, eu acabava por repetir. Não
mais. Eu quebraria o círculo.
Uma batida na porta, e uma voz masculina anunciando "Correio!" me
fizeram levantar de onde estava, deixando a pequena Natália em frente à TV,
para ir pegar a correspondência. Abri a porta, e o zelador do prédio, um
senhor sorridente de nome Seu Zé, deixara os pacotes na minha porta. Eu
pude ver sua sombra no final do corredor, já saindo para o próximo andar.
Dei uma olhada para baixo, já estranhando. Haviam contas, é claro, já
que os credores sempre eram os primeiros a lhe acharem, mas eu não havia
anunciado a ninguém onde eu estava morando, e os dois pacotes eram
estranhos para mim.
De todo modo, peguei-os, e trouxe-os ao balcão da cozinha. Coloquei
as cartas de cobrança em uma cestinha para lembrar-me de pagá-las na data
correta, já que eu era muito organizada e atenta às datas, e me virei aos dois
pacotes. O maior, de papelão marrom, era uma encomenda da Amazon. Eu
não me lembrava de ter pedido nada da Amazon, então olhei para o pequeno
destinatário no pacote.

"Flávio F. Fagundes"

Onde eu havia ouvido aquele nome...?


Por alguma razão, era muito familiar. Era uma coincidência enorme.
Eu era uma daquelas pessoas com nomes múltiplos. Patrícia Pereira Pimenta.
Sempre detestei meu nome no colégio, porque as crianças faziam joça dele.
Mas aprendi a gostar depois, na faculdade de design. Aprendi que era uma
identidade única e singular.
Quem seria aquele Flávio F. Fagundes, e por que seu pacote estava na
minha porta?
O mistério foi revelado logo no endereço. Era o mesmo do meu, mas
o apartamento era o 1203. O vizinho.
Esse era o nome do meu vizinho maldito.
— Era só o que me faltava, vou ter que devolver o pacote a ele...
Seria muito trabalhoso devolver o pacote à portaria, e fazer com que
Seu Zé entregasse o pacote ao vizinho. Sem falar que talvez Seu Zé fosse
punido por isso. Não queria que isso acontecesse. O zelador foi muito gentil
durante a mudança e me ajudou com os pacotes mais pesados de livros que
eu não conseguira carregar até meu apartamento, quando viu que eu tinha
uma sobrinha pequena. Se fosse apenas uma questão de deixar o pacote na
porta do vizinho, eu o faria sem problemas.
Ah, mas ainda tinha o segundo pacote. Eu o abriria antes de ir. O tal
Flávio podia esperar mais alguns minutos.
Este estava endereçado a mim. Não tinha remetente.
Estranho... Muito estranho.
Seria seguro abrir?
De qualquer forma, usando a tesoura da cozinha, abri o pacote. Ele
era branco, e leve. Não parecia conter muitas coisas. E não tinha, mesmo. De
início, achei que ele estivesse vazio. Mas ao balançá-lo, uma folha branca
caiu no chão.
Um símbolo de cobra impresso nela.
— Ouroboros — eu disse. Não era uma cobra.
Era só o que me faltava.
A raiva começou a subir em minha cabeça. Quem quer que fosse que
estivesse pregando aquela peça em mim, e eu estava começando a ter uma
boa ideia de quem seria, que fosse para o inferno. Eu não me intimidaria com
aquilo.
Garantindo que Natália ficaria segura por cinco minutos e não fosse
enfiar o dedo em uma das tomadas, eu peguei o pacote da Amazon e marchei
em direção ao apartamento do vizinho. Minha intenção era colocar o pacote
no chão e simplesmente tocar a campainha, para que ele atendesse e pegasse,
sem termos nenhum contato. Mas minha consciência pesou. E se a
encomenda fosse roubada? Fora sorte que parara no meu apartamento, mas e
se contesse algo valioso? Eu não sabia o que tinha dentro do pacote, mas
sabia que poderia ser algo que custasse mais que meu salário. O pacote era
pesadinho.
Revirando os olhos, eu apertei a campainha de Flávio e esperei.
Ele demorou alguns minutos, então apertei de novo a campainha. Não
é como se eu tivesse o dia todo para esperar!
— Já vai... — Ele finalmente apareceu na porta. — Ah, ruivinha. Não
é uma visão que eu esperava agora. Não estou fazendo barulho.
— Aqui. — Empurrei a caixa para ele. — Veio errado na minha
correspondência.
E comecei a fazer meu caminho de volta para o meu apartamento. Ele
segurou o pacote, e eu achei que seria apenas aquilo, quando ele pegou em
meu braço.
— Espera, ruivinha... Acho que começamos de um mau jeito.
— Você acha?
— Olha, eu peço desculpas pelo negócio da música. Não foi uma boa
maneira de dar boas vindas ao prédio.
Eu cruzei os braços, esperando.
— Sei que errei, mas eu também não esperava ficar acordado a noite
toda por choro de bebê.
— Olha, Flávio, eu não posso controlar o choro de Natália. Peço
desculpas se o incomodei, mas ela tem um ano e meio. Ela chora. Acontece.
Está se acostumando com o mundo. Foi uma mudança muito grande para ela.
— Eu sei. Peço desculpas por isso, também.
O garotão pedindo desculpas? Um ato muito grande de maturidade
vindo dele!
— Vou fazer o máximo para que o choro dela não o atrapalhe muito
— concedi. — Eu trabalho em casa, e sei como pode ser difícil.
— Eu também trabalho em casa — ele respondeu. — Entendo... Acho
que a solução pode ser instalar algumas espumas abafadoras de som no
quarto da bebê. Podemos chegar a algum acordo sobre isso. Não agora, é
claro. Primeiro, a ruivinha poderia me dar seu nome, para que possamos
conversar direito?
Foi quando notei que, apesar de saber seu nome, eu ainda não havia
dado o meu. Corei um pouco, olhando em seus olhos, tentando não encarar
seus bíceps malhados.
— Patrícia Pimenta. Minhas amigas me chamam de Patty — falei.
— Patrícia — ele disse. A voz dele era um rico barítono, e profunda.
Era o tipo que eu gostava de ouvir ao pé do meu ouvido, e me derreter.
Patrícia! Controle-se!
— Bem, Patrícia, prometo que não ouvirei música tão alto de
madrugada. E farei o possível para que os barulhos do meu apartamento não
incomodem sua filha.
— E prometo que tentarei não incomodar sua rotina, senhor Flávio.
Ele deu uma sonora risada.
— Por favor, não me chame de senhor. Não devo ser mais velho que
você por mais que alguns anos. Estamos todos na merda, Patrícia.
— Então por que não me chama de Patty?
Ele colocou um dedo sobre os lábios, fazendo segredos.
— Bem, chegamos a um acordo. Tenho que voltar ao que estava
fazendo, e você tem outro compromisso, acredito.
— Tenho? — falei, sem compreender.
Ele apontou para o corredor, onde a minha bebê estava correndo em
direção ao desconhecido. Eu apenas suspirei, e acenei para o vizinho.
— Até mais, Flávio. Preciso cuidar de Nat Furacão.
— Até mais, Patrícia Pimenta.
E com um último olhar para o corpo sarado, corri em direção à minha
sobrinha, que queria ver novos horizontes, enquanto meus próprios
pensamentos estavam a mil.
Quem seria Flávio Fagundes?
E quem me enviara aquela carta misteriosa?
Eu não sabia.
Naquela época, eu não sabia de nada.
CAPÍTULO SETE

Coloquei a comidinha de Natália naquela noite com um ar pesado pairando


na casa. Eu sabia o que era, apesar de não querer admitir. Era a carta. Eu
havia me desfeito do pacote, mas o papel com a carta — o ouroboros —
ainda permanecia em cima do balcão, na cestinha de cartas de cobrança. Eu
não sabia o que fazer com ela. Guardar como evidência? Evidência de quê?
Era uma ameaça? E se fosse uma peça, uma travessura? As crianças
gostavam de fazer aquilo, não é? E se fosse uma aventura das crianças do
prédio, que queriam bagunçar com a nova vizinha?
Era apenas o que eu poderia imaginar. A verdade, talvez, fosse mais
bruta. A cada hora da noite, eu ficava mais tensa. Era o problema de morar
sozinha com uma sobrinha pequena. Não haviam olhos o suficiente para
olhar por nós.
Eu suspirei. Não havia motivo, ainda, para se preocupar demais.
Apenas aquele peso no meu peito que não ia embora. Eu decidi que aquele
seria um bom dia para cuidar de mim mesma. Tomaria um banho de banheira
com Natália, colocaria algumas velas e incensos e meditaria um pouco. Era o
que eu fazia para relaxar, e desde a mudança, não tive a oportunidade de fazê-
lo. Não era nada religioso, era apenas uma oportunidade de me conectar com
meu próprio eu interior. Assim, eu conseguiria colocar meus pensamentos em
ordem.
E não pensar no tanquinho do vizinho.
(Que, infelizmente, estava se tornando um pensamento recorrente).
Levei Natália para a banheira e lá nos divertimos à beça, fazendo a
maior bagunça. Eu sabia que minha sobrinha adorava água, e eu fiz a nota
mental de levá-la para um parquinho aquático assim que a oportunidade
surgisse. Ela se divertia espalhando água e espumas de sabão por todo nosso
boxe, e com seu companheiro jacarezinho de plástico, ela se entretia por
horas. Bem, ficamos algum tempo na banheira, até que eu relaxasse por
completo, e a água esfriasse. Quando nossos dedos começaram a se confundir
com uvas passas, eu tirei minha sobrinha e sequei seu cabelo no secador, e
assim fiz com o meu. Fiz um mini salão daquele banheiro, e logo estávamos
prontas para dormir.
Alimentei-a uma última vez, e a coloquei para dormir no quarto dela.
Natália já estava bocejando de sono quando a coloquei na cama, então só foi
preciso mais umas duas músicas para que ela caísse em um sono profundo.
Pronto. Esta era uma das noites fáceis. Olhei para a parede que dividia com o
apartamento 1203. Sem barulhos. Flávio estava cumprindo seu acordo
comigo.
Lembrar de Flávio me fazia recordar do seu corpo... Droga. Eu
realmente estava necessitada, não era mesmo? Eu podia estar jurada de não
homens, mas não significava que eu não poderia me divertir. Com uma
última olhada, garantindo que minha sobrinha estivesse realmente dormindo
segura em sua cama, fechei a porta de seu quarto, e fui até o meu.
Fechei a porta, para garantir a segurança do som, e coloquei a babá
eletrônica e o meu celular na mesinha ao lado da cama. Tirei meu robe, e
deitei-me na cama, completamente nua. Minha pele ainda estava um pouco
úmida do banho, e macia dos meus cremes. Completamente deliciosa, e
pronta para receber...
Receber quem?
Minhas fantasias preencheram o vazio. Minha mão seguiu para o
espaço vazio entre minhas pernas, enquanto a outra agarrou um mamilo,
aplicando a força que eu sempre gostei. Só que eu imaginava as mãos fortes
que agarraram meu braço mais cedo. Se Flávio tinha tanta força assim, eu
queria saber como seria sua pegada...
Movi meus dedos sobre meu clitóris, e os espasmos de energia
percorreram minha espinha. Aquela deliciosa sensação foi se espalhando
sobre meu interior, e se acumulando, mas não era o suficiente. Eu queria
mais, e então, comecei a introduzir meus dedos em minha fenda...
Quando o telefone tocou.
— Puta que pariu — abafei o som, para que Natália não ouvisse.
Quem poderia estar ligando, àquela hora? Quem quer que fosse, ouviria uns
xingamentos. Eu peguei meu celular, e olhei o número.
Desconhecido.
Meu coração se acelerou mais ainda. Eu deveria atender? Estava
tarde, não seria telemarketing.
Mas e eu era mulher de levar desaforo?
Atendi.
— Alô?
Primeiro, só ouvi o silêncio. Achei que fosse telemarketing, e que a
ligação cairia imediatamente, mas ela perdurou. Então ouvi o som. Uma
respiração pesada, um arfar, algo que gelou meus ossos. Eu não soube o que
fazer. Apenas desliguei a ligação, assustada.
O que fora aquilo?
Uma ligação de um tarado?
Mas combinada com a carta de mais cedo… o símbolo de
ouroboros…
— Ah não… — Eu só queria que fosse um pesadelo. Não tinha clima
para mais nada. Levantei-me, vesti-me de uma camisola e do meu robe
novamente, e fui até a porta principal do apartamento, verificando se estava
realmente trancada.
Estava.
Não importava.
Não dormi o resto da noite, mesmo. Peguei Natália do berço, e a levei
para a minha cama, para velar seu sono.
O símbolo do ouroboros continuava no mesmo lugar, uma lembrança
do que estava por vir.
CAPÍTULO OITO

PARECIA SER MEU INFERNO ASTRAL.


Uma vizinha ruivinha irritante? Checado. Uma encomenda presa no
triângulo das bermudas que era Curitiba, e que era vital para o meu trabalho?
Checado. O vizinho de cima começou uma obra interminável, fazendo com
que eu só pudesse gravar meus vídeos de madrugada? Checado.
Eu estava quase que literalmente fodido.
Só não estava fodido por completo porque me faltava fodas a dar.
Talvez fosse a hora de mudar aquilo…
Só que antes, precisava resolver problemas mais urgentes. Como meu
estômago que roncava loucamente. Eu nem notara, da mesa de edição, por
estar tão concentrado no vídeo que eu editava. Metade das minhas tardes
eram como aquela: com os fones de ouvido abafadores de ruído e vendo
minha própria imagem em um programa de edição, cortando e ouvindo
minha própria voz várias e várias vezes, até que o som soasse perfeito.
E é claro, toda a parte de mídia social. Mas isso, às vezes, eu deixava
para o meu coordenador de mídias sociais, editor e amigo, Júlio. Era uma
amizade virtual, porque eu e ele não nos conhecíamos pessoalmente e só nos
vimos pela primeira vez em um meet-and-greet que realizei no ano passado, e
foi como sempre estivéssemos juntos, como se tivéssemos crescidos no
mesmo condomínio e ralado os mesmos joelhos brincando de skate. Nossos
pensamentos se confundiam às vezes, e era como se ele fosse a extensão da
minha própria mão. Eu não podia esperar uma pessoa tão leal do meu lado.
Claro, e um amigo igualmente sacana.
— É óbvio que seu forno se foi — ele constatava como um
especialista, na chamada de vídeo improvisada que armei na mesa da sala, e
eu apenas suspirei. A fumaça negra que saíra dele mais cedo era um sinal,
mas eu ainda tinha esperanças. E acima dele, escurecido pela mesma fumaça,
estava meu microondas, completamente queimado.
Eu tava fodido.
De novo, nem um pouco literalmente.
— Cara, você vai gastar uma grana — Júlio constatou, novamente.
— Esse nem é o problema — eu disse, colocando uma mão na testa e
me sentando na frente do tripé do celular. Não adiantava chorar o leite
derramado, ou o forno e o microondas queimado. — Vou esperar um tempão
encomendando novos.
— Não é como se você não pudesse ir em uma loja encomendar agora
e comprar logo, né?
Eu fiquei em silêncio, tentando fugir daquela questão. Tinha meus
motivos para não querer sair, e Júlio sabia muito bem deles. Ele fez uma
expressão estranha, e desconversou.
— Bem, de qualquer forma, é bom que as coisas estejam em
promoção agora. Você vai conseguir um bom preço por elas.
— É. A questão vai ser sobreviver de delivery até lá.
— Ah, mas com esses aplicativos...
— Não ganho tão bem no Youtube assim, Júlio, você sabe disso.
— Se você fizesse outros meet-and-greet... Se interagisse mais com
seu público, quem sabe...
— Não — minha resposta foi derradeira. Eu não queria tocar mais
naquele assunto. Era doloroso, fora difícil demais.
Por que a vida simplesmente não podia ser divertida sempre?
Curtir uma música alta, uma boa comida...
Irritar uma certa vizinha ruivinha...
Eu sorri de canto de boca, e me virei para encarar Júlio.
— Aliás, eu não comentei da Patrícia...
— Ah não, Flávio.
— Não o quê?
— O que você não fez foi parar de comentar sobre essa tal de Patrícia.
Eu sei quase a senha do banco e o CPF dessa moça, de tanto que você fala
dela.
— Ah, cara.
— Cê tá gamadão, meu caro.
— Como pode afirmar isso? Eu mal a vi.
— Mas eu posso afirmar isso com total certeza. Você está
apaixonado.
— Não pira, Júlio.
Ele riu, e eu pude ver que o assunto fora colocado de lado.
Conversamos mais algumas coisas de trabalho, e terminamos a chamada.
Logo, eu estava faminto.
E a comida ainda demoraria a chegar com o delivery.
Abri o aplicativo e comecei a vasculhar os restaurantes em que eu
costumava pedir. Nada me apetecia, era como se meu estômago estivesse se
embrulhando de estar tão vazio. Eu deveria pedir a primeira coisa que tivesse
o menor tempo de entrega.
Foi quando percebi o cheiro. Empestava o meu apartamento. Não era
de fumaça, nem queimado. Era um cheiro gostoso de comida de… bem,
lembrava a comida da minha mãe. Era o odor quentinho de comida caseira
sendo preparada, com alhos e temperos sendo refogados em fogo baixo e
espalhando seu perfume por toda a casa.
Alecrim, pensei. E tomilho.
Era um prato com frango. Um cozido, talvez? O que quer que fosse,
estava vindo do apartamento vizinho. Essa certeza que eu tinha era porque os
nossos apartamentos eram os últimos daquele canto do prédio, e pelo meu
estar na direita, eu fazia uma barreira para a minha querida ruivinha. Não era
a primeira vez que eu sentia cheiros deliciosos vindo da casa dela. Ela devia
ser uma cozinheira de mão cheia.
Uma ideia, mais maliciosa do que razoável, se apossou de mim. Pô,
eu fazia aquilo o tempo todo com Dona Rosa. Eu podia filar um pouco do
almoço da ruivinha, não é? Claro, eu pagaria a minha parte. Eu sabia que ela
era uma mãe solteira. Até podia apreciar a companhia…
Com aquele pensamento em mente, eu me levantei, peguei a primeira
camisa que vi, e parti em direção ao apartamento 1204.
Dei duas batidas na porta.
Ela atendeu na terceira.
— Ah, Flávio. O que está fazendo aqui? Estou ocupada…
— Eu percebi. — Sorri para ela. — Sei que posso estar sendo
inconveniente, mas você está cozinhando agora?
Ela me olhou estranho, com aqueles olhos azuis abertos, e eu pude
notar algumas manchas de comida em sua roupa, o cabelo desalinhado e
preso em um coque, além do suor em sua testa. E apesar de tudo aquilo, ela
ainda parecia completamente adorável.
Adorável? A ruivinha?
Eu tinha que admitir para mim mesmo que ela mexia comigo. De uma
forma que eu nunca esperava que outra pessoa fosse mexer. Como se meu
interior fosse o conteúdo daquela panela: quente, misturado e temperado por
ela.
Eu tentei meu sorriso mais sedutor.
Patrícia suspirou.
— Entre, vai. — Bem, se ela estava chamando… Quem seria eu para
reclamar? Eu entrei, e vi sua filha sentada na cadeirinha, com um garfinho em
uma das mãos, pronta para atacar o que quer que fosse o que sua mãe
estivesse preparando. Eu me sentei no banquinho ao lado dela, e Patrícia
pegou um prato limpo e colocou em minha frente.
Eu já entrara naquele apartamento quando ele pertencia à Dona Rosa,
mas agora, quando ele pertencia à Patrícia, ele tinha uma aparência mais
clean, mas não deixava de parecer que uma criança morava ali. Brinquedos
estavam espalhados pelo chão, um forte com algumas caixas de papelão e
cobertores infantis espalhados pelo sofá.
Sorri. Era uma cena tão… caseira.
Era uma paz que eu nunca pensei alcançar. Não estava em meus
planos futuros casar, ter filhos; eu nem cogitava aquilo. Claro, era o desejo
para a maioria das pessoas, mas eu acumulava dinheiro para outras causas.
Uma bem mais importante.
— Então, Flávio… — Patrícia começou. Ela estava de costas para
mim, enquanto mexia em algo no fogo. — Você foi atraído pelo cheiro do
meu cozido de frango?
Não foi a única coisa que cheirei aqui, foi o meu pensamento.
— Sim — confessei. — Eu costumo sentir o cheiro vindo do seu
apartamento, e devido ao estado lastimável do meu forno…
Ela se virou rapidamente.
— O que aconteceu com o seu forno?
— Você viu naquele dia. Já era. Assim como meu microondas.
— Ah, é uma pena. — Ela deu de ombros. Não parecia se apiedar
tanto assim da minha condição, apesar de estar disposta a me alimentar de
qualquer forma. — Tem uma boa loja aqui nas redondezas, ela entrega em
sete dias úteis…
— Eu sei — retruquei, um pouco de mau humor. — Eu moro aqui há
algum tempo.
— É? Há quanto tempo vive aqui?
Ela terminou de colocar o prato de comida na ilha que nos separava, e
eu me mexi desconfortável enquanto tentava pensar em como não revelar
meu passado trágico para Patrícia. Ela era apenas a minha vizinha. Não
precisava sair fofocando tudo o que eu fazia ou deixava de fazer para ela.
Principalmente, com a minha fama.
Ela não precisava saber que eu era famoso na internet.
Ao menos, ela não comentou nada do tipo até agora.
— Há uns três anos, acho.
— Então já deve conhecer toda a vizinhança. Eu ainda me perco um
pouco, confesso.
E ela me ofereceu um lindo sorriso, colocando um pouco de carne e
arroz no meu prato.
Ai, droga.
Eu havia sido fisgado pelo estômago, não havia?
CAPÍTULO NOVE

ERA ESTRANHA A PRESENÇA DE FLÁVIO ALI, NO MEU


apartamento, mas não era como se ele não fosse bem vindo. “Estranho” não
no mau sentido. Não mesmo. Era apenas… diferente.
Ele comia vorazmente, como se nunca tivesse visto comida na vida,
no entanto.
— É muito boa! — ele falou entre garfadas. Eu também me
alimentava, e dava de comer à Natália, que parecia ficar muito bem com a
presença daquele “estranho”. Como se ele viesse ali todos os dias, e comesse
ao meu lado sempre.
Era incomum.
E era estranho.
— Meu rosto vai cair de tanto você encará-lo, Patrícia — ele brincou,
ao terminar.
Senti minhas bochechas se aquecerem com o comentário. Oras, mas
era verdade. Eu não conseguia parar de olhá-lo por sentir que o conhecia de
algum lugar. Era curioso, porque estava na ponta da minha língua. Eu não
pesquisei seu nome no Google, por mera falta de vontade, mas talvez
devesse. Não que eu tivesse o hábito de pesquisar o nome dos meus vizinhos
na internet, era só que…
Flávio atiçava meus sentidos.
Eu queria saber mais sobre ele.
E se fosse por métodos escusos, que fosse assim.
Ah, gente, quem nunca olhou o perfil de alguém no Facebook?
Eu só queria saber se ele era comprometido.
— Desculpe — murmurei, olhando em seguida para Natália, que, dito
e certo, já fechava os olhinhos longamente. Ela sempre tirava uma soneca
depois do almoço, o que era uma benção para mim, já que tirava a
oportunidade para limpar a sala e a cozinha da bagunça criada pela refeição.
— Espero que tenha gostado da comida.
— Se gostei? Eu amei! Acho que vou bater aqui todo dia na hora do
almoço.
Eu ri. Não esperava que ele realmente viesse. Seria apenas mais
trabalho, apesar de que eu já cozinhava para mais de uma pessoa mesmo,
para que houvesse sobras para depois… Pensando bem, não seria mais
trabalho. E a companhia seria bem vinda. E ele já me falara que trabalhava
em casa, certo?
O que eu estava pensando?
Eu não queria mais um homem no meu caminho, não é?
Era apenas eu, e Natália. Não mais.
— Acho que posso mandar uma quentinha de vez em quando para sua
casa — concedi, sorrindo. Droga, aquele homem me desestabilizava. Eram os
bíceps, decidi. Ele estava com uma camisa do Capitão América, mas ainda
dava para ver as curvas de seus músculos definidos por debaixo dela. Onde
ele arranjava tempo para malhar, quando eu não o via sair de casa em
momento algum? Teria ele uma academia dentro de casa?
— Eu amaria, Patrícia. Claro, eu pagaria por isso. Quero ajudar nos
custos.
— Não, não precisa…
— Faço questão. Você não pode aguentar todo o peso sozinha, você
já tem uma criança pequena para cuidar.
Fiquei tocada pelo gesto, e decidi que, realmente, mandaria comida
para ele. Era difícil morar sozinho, e eu sabia que podíamos nos apoiar um no
outro. Além do mais, eu agora estava começando a ver Flávio não somente
como um vizinho, e sim, como um possível amigo.
Ele se levantou, e perguntou:
— Posso tirar Natália da cadeirinha?
— Por quê?
— Para colocá-la para dormir. Você ainda não terminou de comer,
mas ela está caindo de sono.
Eu olhei para meu prato inacabado e, pela primeira vez, confiei em
alguém que não fosse eu à minha sobrinha. Flávio suspendeu Natália e ela
permitiu, no seu sono, pegando com suas mãozinhas rechonchudas em sua
camisa, e ele sorriu.
— Vamos, Nat. A Viúva-Negra precisa confiar no Capitão América
para ir dormir.
Meu sorriso se alargou mais ainda. Minha sobrinha adorava heróis da
Marvel, e em especial, a Viúva Negra, que compartilhava seu apelido.
Talvez não fosse ruim confiar em um estranho.
Mesmo que Natália não fosse minha, eu a amava de todo o coração. E
era nisso que eu pensava, quando meu celular vibrou mais uma vez.
Foi com terror que eu vi de novo aquele número desconhecido, e não
hesitei. A respiração pesada soprou em meu ouvido, e foi como se a pessoa
estivesse atrás de mim, com suas mãos em meus quadris.
— ME DEIXE EM PAZ — eu gritei para o nada, e desliguei o
telefone com força. Estava visivelmente alterada, e com o fôlego atravessado.
Eu só queria que isso acabasse.
Encarei com vergonha Flávio, que vinha com passos rápidos, ainda
segurando Natália nos braços. Eu sabia que tinha agido errado, assustando a
ambos, mas eu não consegui me controlar. Era demais para qualquer pessoa
aguentar. Eu estava arrasada.
Flávio olhou para mim, com aqueles olhos claros, e apenas me deu
Natália para segurar. Ele parecia compreender que eu apenas me acalmaria
segurando minha criança, e não perguntou nada. Apenas sentou-se no mesmo
banquinho que ocupara, e permitiu que eu me recompusesse.
Passaram-se alguns minutos, comigo respirando o odorzinho de nenê
de Nat, para que eu pudesse pronunciar alguma coisa.
— Não é nada — eu menti. — Cobrança de dívida. Sabe como é…
— Não parece “nada” — ele falou. — Parece algo muito grande.
— Como você pode saber?
— Digamos que eu tenha um instinto para isso. E além do mais, eu
moro na parede ao lado. Eu ouço coisas à noite.
Senti meus olhos marejarem, e apertei Natália mais forte. Senti a mão
de Flávio alcançar a minha e acariciar-me, e fraquejei.
— Eu vou ficar bem — garanti.
— Eu sei. Só quero que saiba que pode contar comigo para o que der
e vier, Patrícia. Especialmente, — ele sorriu, e meu coração falhou uma
batida. Eu sabia que estava fraca emocionalmente, mas era a maldita beleza
dele, também. — Se continuar cozinhando tão bem desse jeito. Onde
aprendeu a cozinhar assim?
— Ah, com a minha irmã. Ela era uma cozinheira de mão cheia.
— Gostaria de comer a comida dela um dia.
— Você pode…
As memórias do caso voltaram para mim, e pensar que minha irmã
continuava desaparecida me machucaram mais ainda. Olhei para Natália, que
por causa da pouca idade, não fazia ideia de que a mãe não poderia voltar
para ela.
— Vamos marcar um dia. Ela está em uma viagem.
— Ah, vamos sim. — Ele sorriu, e o mundo pareceu se ajustar um
pouco. Mas apenas um pouquinho. E ele se aproximou de mim, dando a volta
no balcão, e me abraçou junto à Natália, dando um beijo no topo da minha
cabeça. — Fique bem, Patrícia. Qualquer coisa, é só bater na porta do lado.
Não vai bater na porta do seu Pedro, ok?
Eu ri. E me senti mais leve.
Era Flávio que me deixava assim?
Eu não sabia.
Mas já estava preparando o cardápio de amanhã...
CAPÍTULO DEZ

PATRÍCIA PIMENTA GUARDAVA SEGREDOS. Todo mundo guardava,


na verdade. Eu tinha minha montanha. E sabia o quão difícil era arcar com
todos eles, como era carregá-los sobre os ombros como pedras empilhadas, e
equilibrá-los para que não caíssem sobre si, e desmontassem a máscara que
você tão cuidadosamente apresentava para o público.
Tudo começou quando eu estava em um emprego medíocre, e queria
mudar de vida. Eu fazia programas de computador para uma empresa que me
explorava e era miserável a cada dia da minha vida. Ganhava uma merreca e
pagava meus boletos com o coração na mão, para não usar outros termos
mais chulos. E foi juntando dinheiro aos poucos que criei coragem para
comprar a minha primeira câmera, quando o Youtube estava começando a ser
algo grande na internet.
Eu não sabia muito o que fazer, a princípio. No começo, era apenas
um desvio, um escape da minha realidade. Logo foi se tornando um hobbie,
algo costumeiro. Eu comecei a postar um vídeo por semana, e era o alto do
meu dia. Ler os comentários de desconhecidos — porque, francamente,
ninguém na minha vida pessoal sabia que eu fazia aquele tipo de coisa —,
animava e me dava forças para continuar.
E alimentava a minha verdadeira paixão: cantar.
Eu amava cantar, sempre amei. Participei de um coral de igreja
quando pequeno, e meus pais sempre me incentivaram àquilo. Agora,
dedicava parte do meu tempo aos covers de músicas estrangeiras de filmes e
bandas famosas, utilizando do meu rico tom barítono, e angariara um grande
público. Eu estava com quase um milhão de seguidores no YouTube, e queria
comemorar aquela marca de alguma forma. O problema era que a última vez
que fiz algo para o público aconteceu algo…
Algo de que eu ainda me arrependia muito.
Suspirei, dedilhando com meus dedos calejados as cordas do meu
violão, deixando meus pensamentos voarem. Eu tinha de gravar o próximo
cover, mas a vontade me escapava. Minha mente ia exatamente para o
apartamento 1204, onde moravam duas ruivinhas que dominavam meus
pensamentos. Era ridículo. Eu só almoçara lá uma vez. Ela era minha vizinha
e era casada, divorciada, enrolada, o que fosse.
Talvez eu devesse fuxicar a vida dela no Instagram…
Não, não faria isso. Eu não gostaria que ela fizesse isso comigo, então
não faria isso com ela. Ela era uma das poucas relações normais que eu ainda
possuía, e não queria estragar aquilo. Patrícia também não mencionou nada
sobre minha fama, então eu devia assumir que ela era a única mulher acima
de 20 anos a não fazer parte do meu público alvo. O que era bem raro, já que
eu tinha uma grande parcela daquele público no Youtube.
Bem, ela não deveria ter muito tempo para assistir vídeos de covers,
tendo uma filha pequena. Devia conhecer canais infantis de cabo a rabo, além
do Baby Shark de cor e salteado.
Meu forno continuava queimado, mas a previsão de chegada do novo
era para aquela semana. Uma pena eu não poder continuar abusando da boa
vontade de Patrícia. Tinha ganas de bater na porta dela e implorar por sua boa
comida, pedir que cozinhasse apenas para mim. Mas era pedir demais.
Éramos apenas vizinhos.
Não éramos?
Então por que ela não saía da minha cabeça?
— Você está ficando maluco, Flávio… — falei para mim mesmo,
tendo apenas a solidão como companheira. Falar sozinho e se fixar em um só
pensamento eram sinal de maluquice, não eram?
Eu devia ver um psicólogo.
Ou psiquiatra?
Foi aí que ouvi um pequeno bater na porta.
Pronto, estava ouvindo coisas. Já podia ser mandado para o hospital
psiquiátrico.
Ouvi novamente o bater na minha porta. Era baixinho, tímido, mas
estava lá. Eu fui até minha porta, fazendo questão de olhar no olho mágico, e
vi uma cabeça ruivinha adorável.
Adorável?
Que pensamentos eram aqueles?
Endireitei os ombros, tentando olhar no espelho se parecia o mínimo
apresentável possível. Ao menos, não estava de pijamas. Estava com um
shorts e um moletom do meu próprio merchandising, e tinha tomado banho e
me arrumado, já que eu tivera a pretensão de gravar um vídeo mais cedo. E
estava até cheiroso.
Era muito diferente do estado anterior que me encontrava, não é
mesmo?
— Flávio — foi o que ela pronunciou assim que me viu. Seu rosto
estava adoravelmente corado, e em suas mãos, estava uma pequena marmita.
Só que eu não foquei em suas mãos por muito tempo. Eu estava mais
interessado em…
Droga, eu não conseguia parar de pensar o quão adorável ela era.
— Fiz comida a mais, e pensei que talvez você gostaria. Você já
curtiu minha comida antes, e pensei… não, imaginei que… talvez seu forno
novo não tivesse chegado. E foi meio minha culpa essa tragédia, não é? Eu
não te avisei da fumaça. Se bem que qualquer pessoa sã notaria um fumaceiro
daquele tamanho, mas você não é assim tão são… — ela começou a divagar,
e tudo que eu conseguia pensar em minha cabeça eram duas coisas.
Uma: ela havia feito comida para mim.
Segundo: ela havia deixado sua bebê para me entregar a comida.
Tá, havia uma terceira. Ela era ridiculamente adorável. Eu podia
beijá-la bem ali.
Opa, beijá-la? Estava dando um passo grande demais, Flávio
Fagundes.
Podíamos começar com cordialidades primeiro.
Mas eu não conseguia esconder o sorriso no meu rosto, isto é.
— É claro que aceito, Patrícia Pimenta — peguei a marmita de suas
mãos, fazendo questão de tocar pele com pele. Havia uma eletricidade, quase
como uma faísca, quando a toquei. Seria o tempo frio?
— Bem, sr. Fagundes…
— Flávio, insisto. Não sou muito mais velho que você. Acho que já
tivemos essa conversa antes.
— Flávio. — Ela sorriu. — Fiz uma moqueca de arraia, dessa vez. Já
comeu isso?
— Não, nunca experimentei. Vai ser a primeira vez.
— Tive cuidado com as espinhas, mas nunca é demais… — Ela deu
um passo para trás, e notei que pisou em algo. Estava entre nossos dois
apartamentos, mas era obviamente correspondência. Ela não se movimentou
para pegá-la, então eu o fiz.
— Ah, deve ser para mim — eu comecei a pegar a carta, mas ela a
arrancou de minha mão, então encarei seu rosto. Patrícia estava pálida, como
se tivesse visto um fantasma. E meu apartamento definitivamente não era
assombrado (eu já fizera uma série de vídeos sobre o assunto, em colaboração
com uma youtuber gringa). Então obviamente ela sabia quem era a carta.
E para quem.
— Patrícia?
— Não abra — ela implorou. Agarrou-se contra a carta e ficou ali, no
meio do corredor. Ficamos em silêncio e devo admitir, foi um pouco
constrangedor. Eu não sabia direito o que dizer, afinal, era estranho aquilo,
não era? Primeiro o telefonema esquisito, agora uma carta.
Teria Patrícia se metido em problemas?
— Escuta, Patrícia, sei que não é da minha conta… Mas se você tiver
problemas com um agiota, eu posso ajudar — falei sério, querendo
tranquilizá-la. Sabia que problemas financeiros podiam ser vergonhosos para
a maior parte das pessoas, e que nem todo mundo conseguia pegar a mão que
lhe era estendida. — Eu prefiro que você faça dívidas comigo, que mora ao
seu lado, do que um cara que fica lhe ameaçando ao telefone e mandando
cartas de cobrança.
Patrícia parecia hipnotizada pelo envelope.
— Patrícia?
— Ah? Isto não é uma carta de cobrança.
— E o que é?
— É… — Ela suspirou, cruzando os braços. A cor havia voltado às
suas bochechas, que junto às suas sardas, pareciam fazer um conjunto
delicioso. Eu tinha vontade de agarrá-la, mas mais do que tudo, de protegê-la
de qualquer ameaça que estivesse sofrendo. Era como se estivesse treinado
tanto justamente para esse dia. — Como dizer? Eu não quero atrapalhar seu
dia, Flávio. Não é nada demais.
— “Não é nada demais” se te deixa desse jeito, Patrícia.
— É que… — Ela mordeu o lábio inferior. O nervosismo fazia seus
dedos tremerem. — Eu venho recebendo ligações de números desconhecidos.
E estas cartas misteriosas, também. — Ela rasgou o envelope e mostrou o
conteúdo, como se já o conhecesse.
— Uma cobra?
— O ouroboros. O símbolo do infinito.
E foi naquele momento em que entendi.
Que você pode fugir do passado, mas o passado sempre te alcança.
CAPÍTULO ONZE

FLÁVIO PARECIA DECIDIDO.


— Eu vou te proteger, Patrícia.
— E eu preciso de proteção, Flávio? — eu ri, tentando disfarçar meu
nervosismo. Era óbvio que a carta me afetara. Só que eu não queria dar
aquele gostinho a quem quer que fosse que estivesse me ameaçando, e não
queria atrapalhar a vida de mais uma pessoa. Minhas mãos tremiam um
pouco ao segurar o garfinho de Natália, mas eu deveria alimentar minha
sobrinha com todas as minhas forças. Eu deveria ser o pilar daquela casa. Eu
iria protegê-la. De quê, nem eu mesma sabia.
Mas eu o faria sozinha.
— Não precisa se preocupar, Flávio — assegurei, usando um lencinho
para limpar Nat. — Prometo que não estou metida em nada perigoso.
— Por que estou achando difícil acreditar nisso? — Flávio era um
fofo. Mesmo. Mas pessoas fofas costumavam se meter em enrascadas por
pessoas como eu. E na verdade, aquilo era um problema da família Pimenta.
Eu lidaria com aquilo com Alessandra. Que, aliás, deveria ser alertada
daquelas pegadinhas. Estavam chegando longe demais…
— Vamos, Flávio, são apenas cartas.
— E telefonemas no meio da noite. Pelo que me consta.
— Não devem ser nada demais.
— Mas são o suficiente para lhe perturbar assim. E eu não gosto de
vê-la preocupada, Patrícia.
Eu queria lhe dizer que não éramos íntimos o suficiente para que ele
interferisse na minha vida daquele modo. Só que Flávio era um homem
intrometido. Sem falar que ele tinha dois metros de altura. Ele podia muito
bem se intrometer em minha vida. Ele viera arrebatador, e aparentemente,
estava ali para ficar.
Eu fiz um beicinho.
— Você tem que resolver seus problemas, Patrícia. Não pode
simplesmente ignorá-los.
— Eu sei disso, Flávio. Só que tem coisas mais importantes do que
uma brincadeira de crianças com a vizinha nova.
Ele pegou o envelope, que estava jogado em cima do balcão, junto
com os outros que eu recebera anteriormente. Eu os guardara por pura
preguiça de jogá-los fora, mas as evidências se acumulavam. Eram vários
papéis com o símbolo do ouroboros desenhado de diversas maneiras e em
vários materiais, com várias cores diferentes, mas com o mesmo motivo: a
cobra que engolia seu próprio rabo, o símbolo do nascimento e renascimento,
o próprio ciclo da vida.
— Não acho que as crianças deste prédio saibam o que é o ouroboros
— ele disse, e eu suspirei.
— As crianças de hoje em dia tem o Google em suas mãos. A
informação está a um clique de distância.
— Mas você reconheceu este símbolo de imediato. Não tem nenhum
significado especial…?
Eu movi minha mão inconscientemente para minha clavícula, como
se sentisse a própria tatuagem em minha pele. Ela queimava. Como um
símbolo de posse.
— Eu conheci alguém que tinha essa tatuagem. Por isso conheço esse
símbolo — confessei, baixinho. Flávio pareceu entender, porque apertou os
punhos firmemente e seus ombros se tencionaram.
— E não poderia ser essa pessoa que está atrás de você?
— Não poderia. Eu cortei todas as relações com ela. Ele nem sabe
onde moro, quanto mais meu telefone atual.
— Como você mesma disse, a informação está a um clique de
distância.
Naquele momento, fui eu que fiquei tensa. Seria mesmo que Michel
estivesse por detrás das ligações desconhecidas, dos envelopes deixados com
meu endereço na porta da minha casa? Mas aquilo significaria que ele sabia
onde eu morava, e que estivera visitando meu apartamento, principalmente
quando eu estava dormindo.
E que, provavelmente, estava procurando um modo de entrar.
Um calafrio percorreu a minha espinha.
O medo se alastrou da mesma forma.
— Você acha… que ele foi pego pelas câmeras? — perguntei
esperançosa. Eu reparara no sistema de câmeras de vigilância do prédio assim
que me mudei, e aquilo me trouxera uma sensação de segurança.
Flávio assentiu.
— É bem possível. Podemos pedir ao síndico para checarmos as
imagens. É um primeiro passo. Não tem câmeras aqui no corredor, mas na
entrada do prédio, sim. Se ele entrou no prédio, com certeza, foi gravado
pelas câmeras.
Não pude deixar de notar algo.
— “Podemos pedir”? Está se juntando à investigação?
Ele sorriu para mim, e eu soube, naquele momento, que estava
perdida.
— Acredite, Patrícia, nada nesse mundo me impedirá de ajudá-la. Eu
estou nessa para o que der e vier. Por você, e por Natália.
Meu coração se aqueceu de imediato. Ele era um completo estranho,
mas estava ali, em minha cozinha, se apiedando de uma situação que era
completamente alheia a ele, apenas porque eu precisava.
Quando não havia mais ninguém para fazer o mesmo por mim, ou por
minha irmã.
Eu senti os meus olhos marejaram.
— Claro, tudo por sua comida maravilhosa, Patrícia — ele brincou,
mas eu sabia que ele o fazia apenas para aliviar a situação. Eu sabia que ele
também estava tocado pelo nosso laço, que apesar de recente, era muito forte.
Era como se fôssemos almas muito velhas, que haviam se
reencontrado.
E, eu decidi, não deixaria ele escapar de novo.
CAPÍTULO DOZE

A INVESTIGAÇÃO PROPRIAMENTE DITA ENCONTROU seu primeiro


percalço. O síndico não permitiu que víssemos as filmagens sem um
mandado policial. Ele falou que não houvera ninguém suspeito por aí, mas
falou que iria "ficar de olho" se houvesse alguém com a descrição que
Patrícia deu do homem. "Michel". Eu gravei a foto que Patrícia tinha no
celular em meu cérebro. Confesso que a imagem trouxe um ardor ao meu
estômago. Lá havia uma Patrícia que eu não conhecia. Ela estava segurando
uma bebida, sorridente, abraçada a um homem moreno que devia ser o pai de
Natália, agora eu me dava conta.
Era uma outra Patrícia.
O passado cobrava suas dívidas, eu imaginava.
Queria perguntar a ela como foi seu relacionamento. Como ela pudera
cair nas garras daquele homem, como ele fazia amor com ela. Se era gentil,
ou se ela gostava das coisas mais intensas. Eu sabia que aqueles pensamentos
eram terrivelmente mais sombrios, mas eles me assombravam, e eram
paranóicos. Eu não conseguia deixar de pensar em Patrícia transando com
aquele homem, e não comigo.
Porque eu sabia.
Eu estava apaixonado por Patrícia.
Começou bem devagar, e então, tudo de vez. Eu queria protegê-la de
tudo, de todos, e principalmente, de mim mesmo. Dos meus sentimentos
possessivos e superprotetores. Dos meus demônios interiores. E do que meu
próprio passado poderia causar a ela. Como a minha fama poderia prejudicá-
la.
E naquele momento, me vi inspirado.
Eu havia deixado-a em casa, com a promessa de que a ajudaria a
conseguir acesso às filmagens, e entraria em contato com meu próprio time
jurídico para obtermos permissão. Nós conseguiríamos descobrir o que
aconteceu.
Mas no meio tempo...
Peguei meu violão, e dedilhei um pouco as cordas. Eu ainda usava
meu visual de gravar, e estava com o set montado, só que me tentava a fazer
algo que não usualmente fazia — improvisar. Eu tinha um vídeo cover que
estava pronto para gravar, só que...
Eu tinha uma outra música em mente.
E eu sabia muito bem o motivo de estar com essa música na cabeça.
Eu não costumava gravar muitos números acústicos, porque esses não
costumavam dar muitas visualizações no meu canal. Mas por que não? Às
vezes, você tinha que dar uma chance ao acaso. E não fazer seu serviço só
pela grana.
Embora ganhar em dólares era bem tentador.
As palavras que saíram de minha boca eram melodiosas e
acompanharam em ritmo enquanto meus dedos dedilhavam as cordas do
violão.
— Homens sábios dizem que apenas tolos se apressam, mas eu não
posso evitar… estou me apaixonando por você...
Era uma música antiga, de um repertório que não era o meu, mas... Eu
achei que combinava com Patrícia. E que ela gostaria, se ouvisse. Contudo,
ela ainda não sabia que eu era famoso, e por alguma razão, eu gostaria que
isso continuasse assim.
— Devo ficar? Seria um pecado se eu estivesse me apaixonando por
você?
Ao menos, por enquanto. Ela tinha tantas coisas para pensar, e isso
seria apenas uma preocupação a mais. Queria que nossa relação fosse
orgânica. Natural. Normal.
— Como um rio que flui para o mar, querida, eu também, algumas
coisas são feitas para ser...
Céus, há quanto tempo eu não me sentia assim? Não desde...
Suspirei, terminando a música. Sentia-me culpado pelos meus
sentimentos, mas o tumulto interno era sobreposto pela vontade de ver o
sorriso de Patrícia.
— Pegue na minha mão, tome minha vida inteira, porque eu não
posso evitar de me apaixonar por você...
Droga.
Eu havia caído direitinho em sua armadilha, não era mesmo? Isca,
linha e sido pescado. Talvez porque fazia tempo que não via gente.
Ao menos, era o que eu fervorosamente tentava pensar...
— Ai, Aline — suspirei. — Estou perdido por Patrícia. Será que você
me perdoaria por isso?
E, falando para o nada, eu continuei a dedilhar o meu violão, até que a
noite me cobriu com seu véu.
CAPÍTULO TREZE

ALESSANDRA FOI CATEGÓRICA.


— Você esteve sendo ameaçada por semanas e não pensou em contar
isso antes por qual motivo mesmo?
— Eu não estive sendo ameaçada, Ale...
— Receber ligações e cartas é motivo de ameaça, Patrícia. Você acha
que é algo simples assim, investigar sua irmã desaparecida e você ao mesmo
tempo poder estar seguindo os mesmo passos que ela?
Eu estranhei a conexão.
— Por acaso minha irmã também recebeu cartas?
Houve um silêncio do outro lado da linha.
— Alessandra...
— Não posso comentar detalhes da investigação...
— Alê, era a minha irmã. Eu não vou sair expondo para os jornais. Eu
só quero saber o que aconteceu com ela. Se ela ainda está viva, se ela está
bem...
Estática saiu do aparelho do meu microfone, e sabia que Alessandra
estava derrotada. Eu não a via desde que me ajudara na mudança para aquele
apartamento, e eu sabia que ela estava trabalhando com afinco para descobrir
o que acontecera com a minha irmã. A possibilidade de que ela estivesse viva
era ínfima a essa altura, mas eu ainda tinha esperanças de reencontrá-la. Não
podia desistir. Ainda queria que Natália crescesse com a mãe.
— Sim, sua irmã recebia cartas. Não posso revelar o conteúdo delas,
no entanto, por mais que peça.
Fiquei em silêncio.
— Posso mandar uma foto das minhas cartas para você?
— Pode sim — Alessandra cedeu. — Ainda insisto que faça um
boletim de ocorrência na delegacia para que fique registrado as ameaças, e
assim possamos fazer algo a respeito disso. Prometo que nada acontecerá à
você, ou à Natália. Talvez seja mais seguro que você se mude, no entanto...
Eu neguei com a cabeça.
— Eu acabei de comprar este apartamento, Alê. Quero fazer daqui um
lar, e não quero fugir. Não quero ser uma covarde.
— Não é questão de ser covarde. É questão de se auto-preservar.
Você não sabe com o quê está lidando.
— Eu não vou fugir de nada.
Alessandra suspirou novamente.
— Que seja. Eu farei o possível para te proteger. Tentarei conseguir
um mandado para vocês terem acesso às filmagens e garantir que não seja o
seu ex que esteja te perseguindo. De novo, não acho que seja ele, mas vamos
cobrir todas as bases. Se for, vamos conseguir uma ordem de restrição contra
ele, e tudo se resolverá.
— Eu ficaria muito agradecida.
— E quanto ao seu vizinho...
Eu corei.
— O que tem ele?
— Flávio, não é? Flávio Fagundes?
— Sim, é o nome dele.
— Ele é o tal Flávio Fagundes?
— Quem?
— Não acredito que não conheça. O cantor?
— Ele canta?
— Menina, você mora ao lado dele. Nunca ouviu ele cantar?
— Confesso que não fico ouvindo muito os barulhos que vêm do
apartamento dele... Ele ouve muita música.
— Claro que ouve. — Alessandra deu uma risadinha. — Eu vou te
mandar um link depois. Ouça quando terminarmos nossa ligação. Tenho que
ir, preciso adiantar algumas coisas. Fique bem, querida. Qualquer coisa, me
ligue.
— Certo, Alê. Muito obrigada.
E dito e certo, ela terminou a ligação, e eu voltei minha atenção à
Natália. Minha sobrinha estava completamente absorta em um desenho
infantil, e brincava com alguns blocos tentando imitar o apresentador do
desenho, e eu aproveitei o momento de paz para ver o link que Alessandra
mandou.
O quão surpresa fiquei quando vi que era um link do YouTube?
Com o senhor Flávio Fagundes?
Aparentemente alguém era muito famoso. Eu não visitava muito as
mídias sociais desde que terminara com Michel, e mesmo quando era ativa, a
rede dos videozinhos nunca fora a minha preferida. Agora, vendo a imagem
dos cabelos displicentes caindo sobre a testa, as mãos sobre um violão, a
voz...
Confesso que fiquei muito emocionada.
E molhada.
Enquanto Natália ficava ali vendo vídeos infantis, eu passei a tarde
vendo vídeos do canal "Flávio Fagundes Covers", e eu não sei quanto tempo
perdi até que eu vi o vídeo mais recente ser posto.
Era um cover acústico. Como agora eu era uma connoisseur do canal,
eu sabia que Flávio não fazia muitos covers acústicos. Esse era especial.
Porque, no título, estava assim.
"Can’t Help Falling In Love (Elvis Presley Cover) - Para P."
Eu não sabia quem era P., mas tinha esperanças. Ele não nomeara
mais nenhuma música daquela forma, e nenhum outro cover tinha
dedicatória. Aquela música era especial.
Não era?
Eu podia ter esperanças?
Eu já podia ver nos comentários as menininhas que se derretiam por
comentarem coisas do tipo "como eu queria que meu nome começasse com
P.", "aí, é para mim, meu nome é Priscilla", e coisas do tipo. Mas era como
um segredo só meu. Assim que eu ouvi a música, eu soube.
Eu soube que a música era para mim.
E meu coração começou a bater acelerado.
Eu não sabia o que fazer com aquelas informações todas. Flávio tinha
quase um milhão de seguidores na internet. Ele era famoso. Fazia covers. E
tinha feito uma para mim.
O que aquilo significava?
E mais ainda.
O que eu queria que aquilo significasse?
CAPÍTULO QUATORZE

O APARTAMENTO DE PATRÍCIA FICOU EM SILÊNCIO POR três


dias. Eu esperei sinal da parte dela, mas por não termos trocado telefone, eu
esperei pacientemente para bater lá. No meio tempo, meu forno e microondas
chegaram, e eu vivi de delivery até que chegassem. Isso era o usual, mas
agora que provara da comida da Patrícia, eu queria mais.
Também queria provar outras coisas dela…
Mas era pedir demais, não era?
Fiquei naquele meio tempo lidando com o trabalho. Tive relativo
sucesso com a postagem do vídeo acústico, e consegui encabeçar o trending
dos vídeos do Youtube, o que eu não esperava que fosse acontecer. Fiquei
muito feliz, mas ao mesmo tempo, um temor apareceu em meu coração. Eu
esperava que Patrícia não visse o vídeo, mas com ele disseminado por aí, era
uma questão de tempo. A mídia foi passada pelas redes sociais, e logo caiu na
boca do povo. Eu estava curtindo o sucesso, e Júlio falava que eu deveria
contratar uma assistente para cuidar dessa parte de marketing social, que eu
não poderia lidar com aquela fama toda sozinho, só que eu não sabia o que
fazer. Eu tinha estourado muito da noite para o dia. Não estava acostumado
com tanta fama, não depois de Aline.
Aline saberia o que fazer.
E eu dependia de Aline, mesmo depois de tudo o que aconteceu.
Sorri diante da memória de seus cabelos compridos, seus dedos
esguios, seus olhos esverdeados. Eu conseguia lembrar dela, e não sofrer uma
dor dilacerante.
Isso era bom. Era um passo em direção à superação.
Seria graças à ruivinha? Eu sorri pensando nela, e deixei minha
imaginação voar. Eu estava começando a desejá-la cada vez mais. Queria-a
em minha cama, mas também tinha vontade de filmá-la e fotografá-la em
diversas poses. Com ou sem roupa. Desejava-a em minha vida. E Natália
também. A neném estava crescendo em meu coração. Não me importava o
crápula que fosse seu pai. Eu não ligava para sua origem, e sim para proteger
seu sorriso. E eu garantiria que isso acontecesse todos os dias.
E por isso que o silêncio no apartamento de Patrícia me assustava
tanto. Porque eu não ouvia risadas infantis, nem desenhos animados, nem
sentia o cheiro caloroso de sua comida. Teria ela saído em viagem? Mas ela
não me avisara... Não que ela fosse obrigada a tal coisa, mas achei que
estávamos juntos nessa. Ao menos, era o que eu pensava. Ela, claro, podia
considerar que eu era um tamanho inconveniente e estava apenas se
aproveitando da sua boa vontade para filar uma marmita diariamente.
Só que a sensação na boca do meu estômago me dizia o contrário, e
eu queria, mais do que tudo, verificar se algo não tinha acontecido com a
minha dupla preferida.
Foi assim que levantei, coloquei meu violão em cima do sofá, e fui
em direção ao apartamento 1204. De novo, o corredor estava num silêncio
sepulcral. Não havia nada de errado ali. Eu conhecia mais ou menos os outros
vizinhos dos apartamentos 1201 e 1202. Ao todo, eram quatro apartamentos
naquele andar. O 1201 era alugado desde que eu começara a morar naquele
complexo, e eu vira o locatário pouquíssimas vezes desde que começara a
morar ali. Se eu saía de casa poucas vezes, o cara era um verdadeiro
hikikomori. Só que eu tinha motivos para evitar sair. Pelas fofocas, o cara do
1201 era louco. Maníaco conspiratório, pirado. Tudo o que você podia
imaginar. Chapéuzinho de lata, pacote completo. Ele não saía porque o ar era
contaminado pelo governo.
Vai entender.
O 1202 era de uma família, e eu sabia que eles estavam de férias no
Caribe. Senão, podia muito bem jurar que o menininho deles tinha
encabeçado os truques para receber a Patrícia. Ele era um pirralho esperto
daquele tipo. Armara algo assim quando eu me mudara. Só que, em sua
ausência, eu não achava que sua gangue seria esperta o suficiente para
organizar algo nesse nível. Eles eram do tipo de que precisavam de um líder.
O que restava o apartamento 1204.
O silêncio era de um cemitério. Eu tinha certeza que Patrícia não
deveria estar em casa, mas era mais um motivo para tentar. Apenas para
garantir que ela estava bem.
Droga, eu realmente deveria ter perguntado seu telefone. Tomei por
garantido o fato de ela ser minha vizinha, e estar sempre ao meu alcance. E
agora que ela sumira, eu não sabia o que fazer.
Bati na porta dela, e me surpreendi com algo. A porta rangeu e abriu-
se ao meu comando, facilmente, como se me convidasse a entrar. Eu hesitei.
Como assim, Patrícia não trancara a porta ao sair? Meu coração começou a
bater mais forte. E se...
Eu corri para dentro, e a sensação de algo estar errado ficou apenas
pior. Tudo fora revirado. O sofá, os banquinhos da ilha da cozinha, as
gavetas. Tudo estava do avesso. Era como se quisessem garantir que nada
ficasse no lugar.
— Patrícia! – gritei, querendo ouvi-la, querendo saber se ela estava
bem. Meu coração batia descompassado, e fui em direção ao quarto, que eu
sabia onde era por já ter estado lá uma vez, e porque seu apartamento era uma
versão espelhada do meu.
Graças, ela não estava ali. Nem Natália.
Mas meu coração não se acalmou, especialmente ao ver a mensagem
escrita no espelho em cima da cama.
Eu resumi a minha busca, mas o apartamento estava vazio.
Estava pronto para voltar ao meu apartamento e chamar a polícia
quando ouvi um grito vindo da porta.
— Patrícia! — gritei.
— Flávio! — vinha Patrícia, com um carrinho de compras, e
segurando Natália nos braços, e ela parecia visivelmente abalada. — O que
significa isso?
Eu não consegui segurar as minhas emoções. Vê-las, vivas e bem, me
fez reagir como um animal. Eu as abracei, apertado, e apenas quando as senti
remexerem-se e reclamar do aperto foi que consegui respirar em paz.
— Pensei... — inspirei para me controlar. — Pensei que tinha perdido
você.
— Eu só fui ao mercado, acalme-se. — Patrícia, no entanto, não
parecia calma. — O que aconteceu aqui?
— Eu não sei. Eu vim aqui falar com você, e encontrei o apartamento
neste estado.
— Mas eu só fiquei fora por algumas horas... — O rosto de Patrícia se
empalideceu. — Você acha...
— Acho que não estamos lidando com crianças. Venha.
Puxei-a pela mão, não me importando com seu carrinho de compras.
Patrícia ainda segurava Natália, mas ela precisava ver que a ameaça era mais
séria do que ela pensava.
E que ela precisava agir.
Trouxe-a até o quarto, e mostrei o espelho.
Lá, escrito, imagino, com seu próprio batom, estava:
"Sua vez vai chegar, Patrícia."
CAPÍTULO QUINZE

Voltei da delegacia completamente abalada. Flávio foi como uma rocha, me


levando e me trazendo, respondendo às perguntas dos policiais o tempo todo,
tirando todas as dúvidas. E quando os policiais perguntaram de um lugar em
que eu poderia ficar, já que a investigação poderia demorar mais de um dia,
ele ofereceu prontamente seu apartamento e quarto de visitas. Eu sorri, em
meio àquele caos completo. Era um turbilhão. Um vórtex. Muitas coisas
acontecendo ao mesmo tempo.
Era a primeira vez que eu tinha alguém com a mente sã me apoiando
ao meu lado. Flávio se manteve firme, como se já tivesse passado por uma
situação semelhante. E, na verdade, eu começava a desconfiar que ele não era
tão desconhecido assim da passagem pela polícia. Não que ele fosse um
meliante, ou um devasso. Mas ele certamente já sabia como funcionava. Não
parecia muito alheio. Algumas pessoas paravam para falar com ele, como se
o conhecessem. Uma até parou para que ele assinasse seu bloco de notas.
Era curioso. Flávio ficou visivelmente encabulado, e parecia estar
muito nervoso com tudo aquilo. Ficava olhando sobre o ombro enquanto
andávamos pela rua, e segurava em meu braço o tempo todo, como se me
quisesse ter por perto, como se aconteceria algo horrível se eu desaparecesse
de suas vistas.
Eu não sabia o que fazer com aquela sensação de proteção. Apenas
Maria me protegia tanto, e era porque ela era a minha irmã. Era como se ele
soubesse de algo, um segredo, ou algo do tipo. Queria perguntar a ele,
questioná-lo, gritar… Mas ao mesmo tempo, estava impassível a tudo aquilo.
Era o vórtex. O ciclo. Era tudo.
E não era nada.
Eu apenas abracei Natália mais forte. Como eu queria ser mais
poderosa para protegê-la de tudo aquilo. Minha sobrinha apenas sorria,
encantada de conhecer tantas pessoas novas, alheia ao que ocorria com tudo
ao seu redor. Ou talvez, ela soubesse que algo estava errado, e dava forças
para mim, e para Flávio. Ela era a pessoa mais forte dali. Não sabia o que
acontecera com a sua mãe, e mesmo assim, era capaz de sorrir de novo.
Eu não tinha as mesmas forças, por isso a agarrei mais forte, e escondi
minhas lágrimas em seu torso.
Flávio, se notou meu choro, não disse nada.
Voltamos para seu carro, depois da viagem à delegacia, e ficou
acertado que eu passaria alguns dias em sua casa, para que a investigação na
minha fosse concluída. Eu me perguntei o porquê de tanta demora, mas ao
mesmo tempo, agradeci. Eu não sei se conseguiria voltar logo ao meu
apartamento dos sonhos. E se conseguiria voltar. Ele fora violado de uma
maneira tal, que eu já considerava uma nova mudança. Mas eu estava com a
cabeça cheia de pensamentos ruins, e no momento, eu só queria dormir um
pouco.
Flávio ofereceu seu quarto de visitas, e eu fiquei muito grata. Ele não
merecia passar por aquilo, mas ele, de novo, era uma rocha no meio da
tempestade. Não disse nada. Apenas passou por uma loja de departamento,
onde compramos algumas roupas para mim e para Natália, assim como um
bercinho. Eu tive um novo ataque de choro quando percebi que teríamos que
montar o berço nós mesmos, mas Flávio se moveu e disse que o faria
sozinho. Ele pegou os pacotes sobre os ombros, e foi como se carregasse todo
o fardo sobre si.
— Desculpa — eu disse no carro. — Eu não queria fazer um
escândalo. Eu só… — Segurei Natália com força. Minha sobrinha continuava
a olhar para mim, confusa. Natália nunca me vira assim, mas também, eu
nunca tive meu apartamento invadido.
Eu me sentia completamente perdida.
A mão de Flávio, que estava no câmbio, veio sobre a minha, que
apertava o cinto do conforto de Natália, e ele acariciou-me. O toque foi bem
vindo, e eu não sabia o quanto precisava dele.
— Não se desculpe. Você passou por um choque. Você tem todo o
direito de estar mal. Eu estou aqui. Pode chorar.
E com aquela pequena permissão, foi como se uma válvula dentro de
mim se afrouxasse. As lágrimas vieram, e copiosamente, eu chorei no carro
de Flávio, segurando a mão dele, enquanto ele dirigia em direção ao nosso
prédio. Natália logo me acompanhou no choro, e em coro, eu senti que
estávamos chorando não só a invasão de nosso apartamento, mas sim, o luto
por Maria. Porque, a essa altura, ela com certeza, não estaria mais viva.
E aquela realização foi pior do que um funeral. Porque não haveria
um corpo para enterrar. Passariam-se anos com aquela esperança fátua de que
ela ainda poderia estar viva, mas talvez nunca soubéssemos realmente o que
aconteceu com ela.
Isso me fez chorar mais um pouco.
Quando chegamos ao nosso prédio, eu tinha parado de chorar. Natália
havia dormido em meu colo, e Flávio tirou o cinto, saindo do carro para
descarregar as compras. Também havíamos ido ao mercado para comprarmos
mais algumas coisas, já que a dispensa de Flávio vivia vazia.
— Desculpe… — murmurei de novo, baixinho, e Flávio apenas
balançou a cabeça.
— Não por isso. Está se sentindo melhor?
E, pela primeira vez em dias, eu podia dizer que sim.
Eu estava me sentindo melhor, sim.
CAPÍTULO DEZESSEIS

QUEM FIZERA AS INSTRUÇÕES PARA MONTAR AQUELE BERÇO


ESTAVA BÊBADO, eu tinha total certeza daquilo.
— Esta perna não se encaixa aqui — Patrícia olhou por cima do meu
ombro, enquanto eu suava para entender os diagramas e desenhos que
estavam naquele minúsculo papel que fora introduzido de qualquer jeito no
berço. Eu sabia que era algo simples, mas estava me batendo para conseguir
completar aquela tarefa.
— Você quer ajuda..? — Patrícia estava sentada na cama de visitas.
Ela acabara de dar banho em Natália e trocara sua roupinha para uma de
dormir, e a menina estava com sua tablet em cima da cama, completamente
entretida. Patrícia mesma havia tomado um banho enquanto eu prometera
armar o berço na sua ausência, só que eu me provara uma falha naquele
quesito. Eu já deveria ter terminado naquela altura, e começado a preparar o
jantar para elas.
Estava me provando uma falha como um suporte emocional. Eu só
queria que elas ficassem bem… Não que tivessem seu apartamento invadido
daquela forma, que a segurança fossem lhes arrancada de maneira tão vil. Eu
queria protegê-las.
Não. Eu iria protegê-las. Com todas as minhas forças
Fosse o que fosse necessário.
— Flávio… — a voz doce de Patrícia preencheu meus ouvidos. —
Está tudo bem?
— Está sim — tentei tranquilizá-la. Eu suspirei e flexionei meus
músculos para livrá-los da tensão. Estava quase acabando. Logo, logo,
Natália teria um lugar para dormir direitinho.
O berço, em si, era adorável. Era azul turquesa com alguns babados e
uma pequena rede. Era o que dava para fazer em pouco tempo, e eu não
dispensara custos para o conforto de Nat. Mesmo que não fosse da cor
tradicional para uma menina, eu sabia que ela não chiaria por isso. Afinal,
menininhas de dois anos não costumavam opinar muito sobre a cor de seus
berços ou trajes.
Patrícia, no entanto, não parecia estar bem. Era o peso daquilo tudo.
Eu queria tranquilizá-la, portanto, movi minha mão sobre a dela e apertei um
pouco. O pequeno toque foi o suficiente para trazer novas emoções de volta
ao seus olhos, mas ela não chorou.
Eu sabia que ela era mais forte do que aparentava. Ela era um farol no
meio de uma tempestade. Ela saberia seguir em frente, eu notei. Não
importava o que a atingisse. Ela seguiria, com Natália em seu colo a apoiá-la.
Muito diferente da minha própria reação com o que ocorreu com
Aline. Eu demorei meses para conseguir me restabelecer, e só o fiz com a
ajuda dos meus próprios fãs. Se eles não existissem, eu não saberia o que
seria de mim. Provavelmente estaria perdido...
— E o que é essa quantidade de equipamento? — Finalmente, Patrícia
parecia ter mencionado o elefante na sala. No caso, no quarto. O meu quarto
de visitas também servia como estúdio de gravações, e lá ficava todo meu
equipamento, incluindo o microfone profissional e o computador, onde editou
os vídeos e minhas músicas, além de alguns dos meus instrumentos, como a
guitarra e o violão. Claro, eu empurrara algumas daquelas coisas para caber o
berço no momento, mas tudo ainda era bem funcional.
E me delatava horrivelmente.
— Bem, é meu trabalho — tentei desconversar. Não é que eu não
quisesse que ela soubesse que eu era famoso na internet, ou que tivesse
vergonha disso, era só que... não era o momento. — Sou produtor musical.
— E YouTuber.
Droga.
— Você sabe?
— Todo mundo sabe. "Can’t Help Falling In Love, Para P.", não é?
Meu segredo, revelado. Pela primeira vez, olhei para Patrícia, e a
notei muito emocionada. Fiquei tocado por aquilo, e pensei se a tinha perdido
por causa da fama. Era por isso que não queria revelar a ela meu status como
YouTuber. Era como se tivesse estragado algo bacana entre nós apenas por
ser quem eu era.
— Desculpe por não ter contado. Não é que eu não esperasse que
soubesse, apenas...
— Apenas?
— Eu apenas queria ser "eu". Flávio. Sem ser "Flávio Fagundes". É só
um hobbie.
— Um milhão de seguidores não é um hobbie, Flávio. É uma
profissão digna.
Eu sorri. Eram poucas as pessoas que pensavam como Patrícia.
— Ainda não são um milhão. Estou chegando a esse número, no
entanto. Vou ganhar a plaquinha dourada.
Continuamos a discussão sobre os pormenores do site, enquanto
Patrícia brincava com os pézinhos de Natália.
— Eu gostei muito dos vídeos, não parei de ouvi-los um minuto.
— Ué — eu parei um pouco da minha tarefa e ergui minha cabeça em
sua direção. — E por que não ouvi nada disso?
— Fones de ouvido existem, sr. Fagundes.
Meu sorriso aumentou mais ainda.
— E quanto à música para P.?
Dei mais uns tapinhas para o berço, e virei-o do avesso, finalmente o
terminando.
— É para uma pessoa especial.
— É mesmo?
— Sim. A pessoa mais especial que existe.
Foi adorável o modo como a minha ruivinha corou dos pés à cabeça, e
até mesmo suas orelhas ficaram avermelhadas . Completamente adorável. Ela
olhou para os lados, e sem jeito, anunciou:
— Vou ao lavabo!
E saiu de qualquer jeito, deixando-me ali, com o bebê e o berço.
Aiaiai, essa Patrícia...
CAPÍTULO DEZESSETE

QUEM AQUELE HOMEM PENSAVA QUE ERA?


Um famoso Youtuber, claro, mas também... Ele tinha um jeito de
mexer comigo de uma forma que não sabia o que fazer comigo mesma! Eu
fui ao lavabo e cuidei das minhas necessidades, para então me encarar no
espelho da pia, molhar o rosto a fim de resfriá-lo e encarar a mim mesma.
Tome juízo, Patrícia Pimenta! Juízo! Você tem mais coisas a se
preocupar do que macho!
O que era infinitamente verdade, porém...
Flávio saiu do quarto sem camisa, ao mesmo tempo que saía do
lavabo.
— Coloquei Natália no bercinho. Está tudo certo com ele. Depois de
dar uma olhada nela, eu vou tomar um banho e começar o jantar.
Olha, deveria ser um crime aquele homem andar com camisa. Deveria
ser um crime EXISTIREM camisas. Porque eu fiquei um tempão
considerando quais foram as palavras ditas por aquela boca, porque toda
minha atenção estava naquele tanque de abdômen no qual eu queria esfregar
a minha cara.
Foco, Patrícia, foco.
— Patrícia?
— Hm?
Ele riu sonoramente.
— Eu vou tomar banho. Quer vir comigo?
— O quê? — Meu rosto corou novamente. Eu mal tinha me
restabelecido do baque que era aquele homem, e lá vinha ele me atacando de
novo. Meu coração não aguentaria daquela forma. Eu iria ter um ataque e
morreria.
A resposta de Flávio foi apenas rir e ir em direção ao seu próprio
quarto, como se estivesse aproveitando uma piada particular. Eu me irritei.
Como ele ousava me provocar daquela forma? Ele estava muito convencido,
aquele Flávio Fagundes. Só porque tinha quase um milhão de seguidores,
achava que podia fazer o que quisesse?
Só que ele tinha razão em algo. Olhei para Natália no berço e meu
anjinho dormia a sono solto, depois de um dia atribulado. Eu sabia que ela
acordaria em breve com fome, portanto decidi começar eu mesma o jantar.
Sabia que Flávio queria nos alimentar, mas eu nunca o vira cozinhar, e eu
sabia que de nós dois, eu era a melhor chef.
Sem falar que eu precisava de algo para fazer. Mente vazia era a
oficina do diabo...
Fui em direção à geladeira e me deparei com um pequeno painel de
cacarecos e apetrechos magnéticos. Vários recados, provavelmente deixados
por fãs, assim como fotos e outras lembranças de uma vida inteira cobriam
aquela geladeira. Será que era algo que fazia parte do seu "fandom"? Algo
que era parte de sua cultura da internet? E eu estava ali, como uma intrusa em
seu cenário?
Observei as fotos um pouco. Tinham várias moças, claro, mas uma
era recorrente. Ela aparecia em várias fotos abraçada com Flávio, e em uma
delas, ele beijava sua bochecha. Deveria ser a namorada dele. Claro que ele
teria uma namorada. Ele era famoso, rico e bonito. Nunca seria solteiro.
Aquela realização partiu meu coração de tal forma que senti novas
lágrimas se formarem em meus olhos. Eu não entendia nada. Não estava
interessada em Flávio. Éramos apenas amigos, não éramos? Então porquê...
ver esta mulher, que eu mal conhecia o nome, que eu não sabia quem era, me
machucava tanto?
Em um impulso, peguei a foto, e olhei seu verso. Estava ali uma data,
de três anos atrás, e dois nomes: Aline e Flávio. Com um coração no meio. A
obviedade era óbvia.
Repus a fotografia no lugar e minha respiração ficou ainda mais
pesada. Eu realmente não sabia o que fazer, e entendia, mais do que tudo, que
chorar não adiantava de nada.
Foi quando eu ouvi um bater na porta. Meu coração acelerou. Eu não
estava esperando nenhuma pessoa, e Flávio também não me avisaram de
nada. Um pensamento cruzou minha mente, rápido como uma flecha. Seria
mais uma carta? Teria o criminoso voltado tão cedo à cena do crime?
Corri para a porta, e a abri tão rápido que o entregador quase teve um
ataque cardíaco.
— Entre... Entrega para o sr. Fagundes — ele anunciou, me
entregando dois pacotes de papelão.
— Desculpe — eu disse, assinando seus papéis e o liberando. Eu não
sabia exatamente o que havia dentro dos pacotes, e não queria abri-los sem a
permissão de Flávio, então os deixei em cima da mesa até que ele saísse do
banho e me concentrei na tarefa pretendida desde o início, antes que visse a
foto, que era preparar o jantar.
— Ah, minhas encomendas chegaram — Flávio anunciou quando viu
os pacotes sobre a mesa e correu para pegar uma tesoura para abri-los. — São
para você.
— Para mim?
— Bem, na verdade, para Natália. Eu pedi alguns brinquedos, roupas
e livros para ela. Queria que ela fosse bem cuidada enquanto estivesse aqui.
Senti meus olhos marejarem pelo que fosse a milésima vez naquela
noite. Flávio estava sendo tão gentil, tão cuidadoso… Era a primeira vez que
eu tinha um homem sendo tão protetor comigo, e eu não estava acostumada
com aquilo. Michel não era um centésimo do homem que Flávio era, e eu não
sabia como agir, como me portar. E agora, descobrir que Flávio era o homem
de outra mulher, me fazia querer ser muito egoísta e roubá-lo para mim. Eu
devia ser uma mulher muito, muito ruim. Talvez eu merecesse ter o meu
apartamento invadido e ter minhas coisas roubadas, porque eu mesma
cobiçava o namorado alheio.
Me desculpe, Aline, seja você quem for. Mas esse homem há de ser
meu.
Era um pensamento muito mesquinho da minha parte, mas eu o queria
muito. Era como se eu necessitasse dele, como se o quisesse ao meu lado
para sempre. Ele acendia algo dentro de mim que Michel nunca tocou, e era
uma chama tão trêmula e vagante que precisava ser alimentada de seus
toques, de seus olhares e de seu sorriso… Eu precisava dele.
— Isto é maravilhoso — eu falei, emocionada. — Você é perfeito,
Flávio.
— Não é para tanto... — ele coçou a cabeça, encabulado. Pegou uma
tesoura de um vasinho e abriu a caixa. Dela saíram alguns brinquedos de
várias idades.
Eu tive que rir ao analisá-los.
— Eu acho que vai demorar alguns anos para ela brincar com este.
Ela ainda não sabe ler, Flávio.
— Ah. — Ele se moveu para a cozinha, passando por mim com
aquele cheiro maravilhoso de banho tomado. Droga, todo aquele homem me
atiçava. — Desculpe, eu só fui acrescentando os itens recomendados no
carrinho. Eu não fazia muita ideia do que estava ou não na idade apropriada
para ela... Só saí comprando.
Eu parei o que estava fazendo, que era tirar os ingredientes da
geladeira. Estupefata, eu virei para Flávio, e simplesmente o encarei, sem
saber o que dizer.
— Por que está fazendo tudo isso, para pessoas que você nem
conhece?
— Não fale assim... Eu só queria que vocês se sentissem em casa.
Eu me emocionei novamente.
Em casa.
Fazia algum tempo que eu não me sentia assim.
Eu me aproximei de Flávio, e respirando profundamente seu odor de
limpeza, me permiti uma última ousadia. Algo que somente o meu eu do
passado faria. E que era egoísta, mas eu precisava de um pouco de egoísmo
no momento.
— Posso... te abraçar, Flávio?
Ele pareceu surpreso com meu pedido, mas apenas assentiu, e largou
o brinquedo de Natália que segurava, e me envolveu com aqueles braços
enormes. Eu finalmente senti seu calor, e era como se eu me encaixasse
naquele espaço perfeitamente, como se fosse feito para aquilo. Como um
molde perfeito para meu corpo.
Ficamos ali por um tempo, até que a temperatura de nossos corpos se
igualassem.
O silêncio nos cobria, e não era necessário dizer mais nada.
E meu coração estava em paz, finalmente.
CAPÍTULO DEZOITO

TER PATRÍCIA EM MEUS BRAÇOS FOI…


Uma experiência libertadora. Quase divina.
Mas ainda assim, o que aquilo significava? Eu poderia avançar o
sinal? Céus, o que eu mais queria era saber se meus sentimentos eram
correspondidos, se Patrícia sentia no peito o mesmo coração acelerado que
batia no meu, só que a situação toda era errada. Ela tivera o apartamento
invadido, estava sofrendo ameaças. Era óbvio que só precisava de um ombro
amigo, que queria sentir- se sentir segura. E eu era um cara grandão, que
conseguia protegê-la.
Só que o jeito que ela me olhava... será que eu poderia interpretar o
jeito que apartava os lábios e os mordiscava como uma oportunidade?
Ah, dane-se o mundo. Eu queria beijá-la.
Eu iria beijá-la.
Abaixei-me o suficiente para que nossos lábios se tocassem, e quando
estávamos a centímetros um do outro, quando nossos hálitos se misturavam...
O telefone dela tocou.
Quebrando toda a magia do momento, e ela se afastou de mim, e me
deixou com uma porra de uma ereção, como se eu fosse um adolescente
maldito. Droga, eu estava prestes a tê-la! Quem quer que fosse no outro lado
da linha, era melhor que tivesse um bom motivo para ligar àquela hora, senão
eu corria o risco de ir até a casa da pessoa para socá-la no rosto.
— É Alessandra — Patrícia anunciou, e eu tentei acalmar meus
nervos. Eu conheci a advogada amiga de Patrícia na delegacia, e sabia que a
ligação era importante, mas poxa, olha o timing dela. Poderia ser melhor.
Parei ao lado do balcão para que Patrícia pudesse me informar melhor
da ligação. Ela parecia atenta ao pé do ouvido.
— Entendi... Ah, isso são ótimas notícias. Digo, apesar das
circunstâncias. E... Ah.... Sim, eu poderia sim. Estou pronta sim, Alê. Eu
quero saber quem foi. E quero que ele vá parar atrás das grades. Fico feliz.
Não, está tudo bem aqui. Obrigada.
Ela desligou o telefone e o colocou sobre a mesa, e então olhou para
mim, os olhos cansados repentinamente.
— Quais as novidades?
— Parece que vou poder voltar ao apartamento daqui a dois dias. As
investigações estão ocorrendo bem. Ao que parece, nada foi levado. Eu tenho
que verificar uma lista de bens, mas aparentemente, tudo foi apenas revirado
e algumas coisas de vidro foram quebradas, além da óbvia ameaça no
espelho, mas... Não entendo. Quem faria uma coisa dessas, Flávio?
Eu dei de ombros, porque também não entendia. Era uma coisa
ameaçar pelo telefone, ou mandar cartas, mas invadir o apartamento e apenas
revirá-lo, e não roubar nada, não parecia coisa que um criminoso comum
faria.
— Alessandra disse que eles conseguiram um mandado para as
câmeras de vigilância, e que um especialista passará a noite analisando a
filmagem. Estou com medo do que acharão, mas me pediram para ficar alerta
para identificar o sujeito. Estão suspeitando de... de algum ex-namorado. —
Ela se tremeu.
— Você acha que ele seria capaz disso?
Ela deu de ombros.
— Acho que não conhecemos as pessoas tão bem quanto achamos
que conhecemos.
— É o pai de Natália?
Droga, eu não queria ter feito aquela pergunta, mas as palavras
escaparam de minha boca por puro ciúmes. Eu devia tê-las evitado, porque eu
vi o semblante de Patrícia diminuir.
— Não. Ele era um bom homem, o pai dela. Já é falecido.
Eu fiquei em silêncio, daquela vez. Não sabia o que dizer. Era por
isso que Patrícia era solteira — na realidade, ela era viúva. Era tão jovem, e já
passara por tantos percalços. E eu a prejudicando tanto no recomeço de sua
vida aqui no prédio. Por um momento, ao perceber o quanto eu e Patrícia
éramos similares, um sentimento estranho me acometeu.
E eu lembrei dela.
Eu me aproximei de Patrícia, e beijei sua testa. Foi muito cálido, e
intenso, mais intenso do que teria sido se tivesse beijado seus lábios. Eu
queria dizer mais, mas apenas disse:
— Vou preparar o jantar. Pode ver Natália para mim?
— Está tudo bem, Flávio?
— Está sim. Não se preocupe.
E segui em direção à cozinha. Eu tinha meus próprios demônios para
silenciar.
CAPÍTULO DEZENOVE

"VERIFIQUE NATÁLIA," ele disse. "Vou cozinhar algo para nós," ele
disse.
Quem era aquele homem, que eu não reconhecia?
Peguei Natália no colo um pouco, sentindo seu pesinho de nenê, e
perguntei baixinho para ela, mesmo sabendo que ofereceria poucas respostas,
por duas razões: ela ainda não compreendia e segundo, ela ainda dormia a
sono solto.
— Por que será que ele se afetou tanto quando disse que seu papai se
foi, Nat? — minha voz não era nada mais que um sussurro, para não acordá-
la. Era um fato triste da natureza, mas a verdade. Eu ainda não compreendia
Flávio por inteiro. Na realidade, eu mal o conhecia por mais que um mês
inteiro. E já me impusera daquela forma.
Era demais.
E eu o queria mais do que tudo.
— É ser egoísta que chamam, não é, Nat?
A bebêzinha balançou a cabeça, em seu sono, e eu acreditei que ela
me respondia afirmativamente. Ou ao menos, era o que eu achava.
— Olha para mim. Sem amigas, e acreditando em respostas de nenês.
Eu preciso falar com alguém sobre isto.
Mas com quem? Eu não tinha nenhuma amiga depois de Michel;
nenhuma delas ficou depois que eu descobri da traição. Todas me culparam, e
eu não duvidava que ele me traía com elas. De Prado Verde, não existia
ninguém, a não ser a minha irmã. E ela nunca fora muito boa naqueles
conselhos, e era por isso que eu permanecia virgem até os dias atuais.
O que fazer? Flávio não tomava uma atitude, será que eu deveria
tomar? Mas como eu tomaria? Eu nunca fiz isso antes... Ou ao menos, eu
nunca quis fazer isso antes. Agora, com Flávio, é outra história. Só fico
imaginando o que ele pode fazer e desfazer com aquela boca.
E com aqueles braços fortes...
— Céus, não posso pensar besteira com um bebê nos braços —
decidi. Coloquei Natália de volta no berço e peguei meu celular de novo.
Precisava confabular com alguém. Alguém deveria saber melhor do que eu.
Mas quem?
O último número em minha lista de contatos.
Oras, era uma mulher. Ela deveria saber o que fazer.
Mandei uma mensagem.
"Alessandra, estou com problemas."
Ela ligou na mesma hora.
— Patrícia? O que houve? Achei que estava tudo bem?
— Shhh! Fala baixo!
— O que foi? Preciso chamar a polícia?
— Não! É só para Flávio não te ouvir!
— E por que Flávio não pode me ouvir? Você não está fazendo
sentido!
— É que eu tenho um problema com ele... mas é de ordem feminina!
Achei que você poderia me dar um conselho. Sendo uma mulher experiente,
sabe.
Pela vídeo chamada, eu a vi erguer uma sobrancelha.
— Olha, meu problema é de origem mais... mundana.
— Ainda não entendo, Patrícia. Seja mais direta.
— Eu tô gostando do Flávio.
Alessandra deu uma risada sonora.
— Ai, vocês jovens. E qual é o problema? Ele parece gostar muito de
você também. É só agarrar a oportunidade.
Eu encolhi os ombros.
— Eu... eu nunca...
— Ah, você nunca teve um relacionamento?
— Eu nunca dei, Alessandra.
Outra risada.
— Oras, vá dar, então. Problema resolvido. Use proteção.
— É simples assim?
— É sim. Ou pode ser tão complicado quanto. Depende de vocês. Eu
diria pra você sair do seu esconderijo e encará-lo propriamente, acho que é o
que o homem está esperando. Homens são burros, Patrícia. Eles só pensam
uma coisa por vez, e embolam o pensamento no meio de campo. Facilite as
coisas para ele, e facilitará a coisa para você.
Dei uma espiada para a porta.
— Vai, aproveita. Você ainda é jovem. E não pode ficar só sendo a
guardiã de Natália. Ela aguenta uma hora ou duas sem você.
— Você tem razão. Eu vou.
— Isso aí. Vai dar. E depois me conta como foi. Eu quero saber dos
detalhes sórdidos. — Alessandra riu mais ainda. — Está aí um homem que
sabe mexer com a libido de uma mulher...
E desligamos a ligação. Mas estava resoluta.
Naquela noite, eu iria ter Flávio.
CAPÍTULO VINTE

NATÁLIA RONCAVA, O QUE SIGNIFICAVA que não acordaria por seis


horas ou mais. Isso era bom para o meu plano. Eu não tinha uma lingerie
sexy, só tinha o que pude comprar na pressa na loja de departamento, mas ao
menos, combinava. Estava limpa e de banho tomado, e meu cheiro era
agradável.
Ao menos, era o que eu achava.
Troquei para a roupa mais bonita que tinha, e fui até a cozinha.
Quando cheguei lá, quase tive um ataque cardíaco.
Flávio tinha colocado música alta, e estava cantando e dançando ao
ritmo da música, mas tirara a camisa que estava usando anteriormente e
estava somente de avental e shorts. Era uma tentação a olhos vistos, e eu
conseguia admirar perfeitamente os músculos que ele cultivava de uma forma
diária.
Droga, eu já estava sentindo a umidade nas minhas partes íntimas.
Mas precisava seguir o plano à risca. Teria aquele homem na minha
cama. Ou melhor, na cama dele. Assim, não correríamos risco de acordar
minha sobrinha. E eu poderia aproveitar cada segundo.
Aproximei-me dele devagar, tentando não fazer um som. Flávio mal
percebeu minha chegada, tão entretido na cozinha e na música como estava.
E nossa, como a voz dele era bonita. Eu gostara do timbre dele quando ouvira
os covers em seu canal de vídeo, mas nada se comparava com a versão ao
vivo. Era mil vezes melhor. Não, um milhão de vezes.
E, apesar de eu ser uma melhor chef, o cheiro da comida estava uma
delícia. Mesmo que ele estivesse fazendo uma simples macarronada.
— Você deveria fazer um show ao vivo. Cozinha e Canta — eu
disse, tentando elogiá-lo. Ele riu sonoramente, e mexeu mais do molho de
tomate. Estava tentando conquistá-lo, mas ele se provava difícil. Toquei em
seu braço, e ele olhou para mim.
— Não sou muito de shows ao vivo.
— Você não fez uma tour anos atrás?
Ele parou o que estava fazendo e me encarou.
— Como sabe disso?
— Quando fui ver seus vídeos, apareceu nos relacionados alguns
vídeos da tour.
Ele tirou minha mão de seu braço, e continuou a cozinhar.
— Fiz sim. Mas aconteceu um acidente, e tive que parar com ela. Por
isso que não faço mais shows ao vivo.
— Ah — droga, bola fora minha. Eu deveria ter pesquisado mais
sobre isso... Farei uma nota mental para descobrir mais sobre isso. Parece ser
algo que afetou demais Flávio. — Peço perdão por falar sobre isso.
Ele suspirou.
— Não sinta. Você não sabia. Vamos, prove isso.
Ele me ofereceu uma colher com uma parte do molho e eu sorri.
Provei e senti o gosto.
— Hmm... Falta um pouco de sal.
— Acreditarei na chef suprema. Que tal você ser a co-host do meu
programa de Canta e Cozinha?
Foi a minha vez de rir.
— Mas eu não sei cantar, Flávio.
— Ah, mas todo mundo sabe cantar.
— Isso você diz porque nunca me ouviu cantar. Eu sou realmente
uma negação.
— Vamos, me dê uma palhinha.
Eu me senti corar.
— Não, jamais diante de um profissional.
— Vamos, Patrícia. Senão não te darei minha comida "profissional".
Eu ri.
— Vai me matar de fome?
— Se for preciso.
O sorriso dele era perverso, e eu cedi. Sabia que era apenas uma
brincadeira, por isso... Eu iria jogar o jogo dele. Apenas por um momento.
Flávio baixou a música no celular e esperou, enquanto ainda mexia o
molho. Eu apenas respirei fundo, e cantei.
— Wise men say only fools rush in… but I can’t help falling in love
with you.
Ele parou, surpreso.
Eu havia dado minha cartada final.
— Querido, — eu disse, me aproximando dele. — O molho.
— Ah, claro. — Ele se moveu para salvar o molho de queimar. Quem
diria que uma balada romântica poderia soar tão sexy? Acho que era ponto
para mim.
Eu me afastei para banhar-me em minha glória quando Flávio
repentinamente desligou o fogo do molho, e se aproximou de mim. Ele tirou
o avental, e avançou em passos rápidos, me prendendo entre ele e o balcão.
— Flávio...?
— Sabe, Patrícia, acho que você precisa aprender uma coisa.
Eu coloquei minhas duas mãos contra o peito dele, que estava quente
de estar perto do fogo, e eu mesma me senti incendiar. Ele pôs uma perna
entre as minhas, e eu ofeguei. Flávio pôs uma das mãos no balcão, me
cercando, e uma em meu queixo, e nunca estivemos tão próximos.
Eu achei que ele fosse me beijar.
Eu esperava que ele fosse me beijar.
Ao invés disso, ele se moveu para a minha orelha, e a mordiscou. Isso
provocou um choque que foi da minha espinha ao centro do meu corpo, e eu
tremi por inteira.
— Você precisa aprender a flertar, Patrícia — ele sussurrou em meu
ouvido, depositou um pequeno beijo no começo do meu pescoço, e se
afastou.
Eu não reparei que tinha fechado os olhos, mas só reparei que ele
tinha se afastado e ido embora quando não senti mais o seu calor. Abri os
olhos e de repente lá estava ele, de volta ao fogão, tirando o macarrão da
água, como se nada tivesse acontecido.
Como se não tivesse acabado de balançar meu mundo.
— Pode ir pondo os pratos.
— Nós vamos comer?
— Acredite, Patrícia. Você vai precisar de energias.
— Para quê?
— Porque, quando eu terminar de te foder, você mal conseguirá se
levantar da cama.
Eu nem acreditei em suas palavras. Era assim que seria o jogo?
Bem.
Era um ponto para ele, só que eu ainda tinha cartas na manga.
Minha respiração estava entrecortada, mas fiz como pediu. Coloquei a
mesa, sem dizer nada, apenas seguindo o que me fora ordenado.
Estava interessadíssima na parte que me deixaria de pernas bambas...
Flávio colocou a comida na mesa, e nós sentamos, lado a lado. Eu me
percebi subitamente sem fome. Na realidade, minha fome era de outra coisa.
— Não seja má educada, Patrícia. Se alimente.
— Não estou sendo má educada, é só que...
Uma ideia maligna, talvez do próprio demônio, se apossou de mim.
Deixando minha sandália no chão, eu cruzei meu tornozelo com o dele. O
contato de pele com pele foi eletrizante. Subi e desci por sua perna,
provocando-o. Ele fez esforço para manter-se calmo, notei por sua respiração
entrecortada.
— Patrícia...
— Estou comendo, Flávio. — Coloquei uma garfada na boca e
mastiguei.
— Está brincando com fogo, isso sim.
Engoli e disse:
— Estou cansada desses joguinhos.
Ele virou-se para mim e replicou:
— Eu também.
E puxou-me de supetão, trazendo-me para seu colo.
— Acho que a comida pode ficar para mais tarde, né? — eu disse,
sentindo-me nervosa ao sentir a ereção dele através de seu shorts. Ele com
certeza parecia sério sobre tudo aquilo.
— Eu guardo as sobras na geladeira.
E me beijou.
Foi avassalador, intenso, e tudo que eu sempre quis ao mesmo tempo,
como uma enorme vulcão que finalmente explodia. Eu percebi que era ali que
eu devia estar, nos braços de Flávio, explorando sua boca, segurando em seu
corpo, enquanto suas mãos me agarravam e faziam um belo trabalho de
explorar meu corpo. Logo pediam permissão para adentrar debaixo do tecido,
e senti seus dedos pressionarem os meus mamilos e nunca pensei que tal ato
pudesse me dar tanto prazer.
Rebolei contra a ereção dele, ansiosa para ter tamanho prazer. Estava
me sentindo descontrolada, e ainda assim, nunca tive tanto poder comigo
mesma.
Eu mordi o lábio inferior dele, e ele gemeu.
Ora, ponto para mim, sr. Fagundes.
— Patrícia... — ele ofegou, encaixando sua cabeça contra a curva do
meu pescoço e achando seu caminho em minha pele, alternando entre
pequenos beijos e chupões nela. Eu suspirei profundamente a cada um deles,
e o arranhei nas costas para segurar-me melhor
— Flávio...
— Eu te quero tanto...
— Eu também...
— Vamos para o quarto?
Eu o encarei por um momento. Eu o desejava intensamente, apesar de
nunca ter feito aquilo. Mas eu estava pronta. Eu o queria. Muito. Tanto
quanto nunca quis alguém antes.
Estava pronta para entregar a minha virgindade a ele.
— Vamos.
CAPÍTULO VINTE E UM

VER PATRÍCIA NO MEU QUARTO, NAQUELAS CONDIÇÕES, era ver


o quarto de uma maneira completamente diferente.
Agora, eu percebia o quão indigno era meu apartamento para ela. Eu
queria um chão de rosas, um apartamento cheirando a perfume e champanhe
e morangos para a nossa primeira transa. Podiam me chamar de romântico,
sim, mas era o que eu era. Eu queria o melhor para ela, e queria que ela
ficasse o mais confortável possível. Ela merecia isso. Ela merecia o mundo.
Levei-a pela mão até meu quarto, depois de guardar a janta na
geladeira (sem desperdícios!). Nossos corações batiam descompassados, e ao
pegar em sua mão, eu sentia o calor de sua pele, tornando a coisa ainda mais
real.
Eu a queria.
Céus, como eu a desejava.
Eu nunca quis ninguém tão intensamente como quis Patrícia antes.
Era louco pensar isso, porque eu já tive tantos outros relacionamentos, mas
estar ali, com ela, encarando seus olhos azuis que faíscavam no escuro
enquanto nossas respirações se misturavam pela proximidade de nossos
rostos, eu sentia que não queria estar em nenhum outro lugar na Terra.
Era louco imaginar que apenas uma pessoa poderia me deixar desse
jeito.
E era Patrícia Pimenta...
Ah, céus, como eu a queria.
— Patrícia... — murmurei ao pé de seu ouvido, sentindo sua pele
eriçar-se ao som de minha voz. Parecia que minha ruivinha gostava (e
muito!) daquilo. — Você não imagina as coisas que eu quero fazer com você.
Ela se estremeceu por inteiro. Eu conseguia ver que estava ansiosa, e
eu gostava daquilo. Queria vê-la tão disposta quanto eu mesmo me sentia.
Delicadamente, passei a mão por seu ombro, deslizando a manga de
sua camisa regata. Com sua pele exposta, eu me abaixei e depositei beijos por
sua tez, que logo se avermelhou e eriçou ao meu comando. Fiz meu caminho
enquanto Patrícia agarrava-se a mim, um caminho perigoso até o seu
pescoço, onde deixei uma marca bem exposta. Queria marcá-la, provar que
ela era minha.
Porque sim, depois de hoje, Patrícia não escaparia. Eu faria de tudo
para convencê-la a ficar comigo. Eu não tinha problema em admitir que
estava mais do que apaixonado, e que precisava dela como precisava de ar.
E de seus doces lábios, os quais provei novamente, enquanto ela
gemia ante ao meu toque.
— Flávio — ela apartou o beijo, chamando por mim. — Eu quero
você..
— E terá. Mas antes...
De supetão, eu a peguei pelas pernas, erguendo-a no ar, e seu gritinho
foi tudo para mim. Ela era toda perfeita.
— Flávio!
— Acalme-se, pimentinha. Está muito apressada.
Ela agarrou-se ao meu pescoço, e parecia muito fofa estando
contrariada, com aquele bico imenso. Eu mordi sua bochecha, e ela teve de
rir.
— Minha família me chamava assim.
— Claro, e eu aposto que você aprontava muito.
Ela sorriu, e eu conseguia sentir a malícia em seu olhar. Patrícia
estava excitada.
— Não tanto quanto vou aprontar hoje...
Coloquei-a sobre a cama, e ela pareceu se encaixar muito bem sobre
meus lençóis de linho. Parei um pouco para admirá-la. Era uma visão e tanto.
Meus lençóis claros contrastando com os cabelos fogosos de Patrícia.
Seus olhos azuis se abriram e eu só podia pensar no quanto eu a
desejava.
— Droga, Patrícia — minha ereção latejava em meus shorts. Parecia
um adolescente apressado. Precisava de calma e concentração. Poderia ter
passado muito tempo desde a última vez que tive uma garota bonita na minha
cama, mas eu ainda sabia como satisfazer uma.
E como sabia.
Eu abaixei as calças de Patrícia, que pareceu ficar muito feliz em ser
libertada daquela prisão. Ela estava tão afobada quanto eu. Parecia até ser sua
primeira vez... O que era impossível. Patrícia já era mãe. E já fora casada.
Já devia ter aprontado e muito com o falecido marido...
Mas eu não queria pensar nisso agora.
— Patrícia, prepare-se para o orgasmo de sua vida.
E eu comecei a depositar beijos no interior de sua coxa, assim como
mordidas perto do centro do seu interesse, enquanto ela gemia alto. Se eu
soubesse que Patrícia era tão vocal assim na cama, teria feito isso mais cedo...
Movi-me para retirar sua calcinha, que impedia de me aprofundar em
meu trabalho. Era um empecilho, na verdade. E eu queria cumprir a minha
promessa. Afinal, trabalho dado era trabalho cumprido. Patrícia apenas
ergueu os quadris e me permitiu retirar o tecido profano, e eu o joguei com
força para o outro lado do quarto, sem nem olhar para qual direção.
E ali estava meu prêmio. Eu usei minha língua para circular o clitóris,
e ela gritou. Usei minhas mãos para agarrar suas coxas, enquanto a fazia
delirar apenas com a minha boca. Logo usei os dedos da minha mão direita
para provocar sua entrada, enquanto ela se contorcia sob mim. Senti as mãos
delicadas de Patrícia agarrarem e puxarem o meu cabelo.
— Flávio… — ela gemeu. Eu não tive misericórdia. Continuei meus
movimentos, dessa vez a penetrando com dois dedos, pressionando um ponto
dentro dela como se já a conhecesse, e ela gritou tão alto que achei que fosse
acordar Natália, e caiu lânguida na cama.
Oras, não era que eu ainda era bom assim?
— Patrícia… — ofeguei, ficando sobre ela. Eu estava cego de desejo,
e precisava tê-la. Mesmo que fosse de modo mais bruto. — Espero que você
esteja preparada.
— Preparada…? — ela gemeu, e então olhou para baixo, enquanto eu
me livrava dos meus shorts. Vi-a corar-se por inteiro, e então, erguer o torso
o suficiente para retirar ela mesma a camisa e o sutiã apressadamente,
jogando-os por cima da cabeça.
Aquilo era confirmação suficiente para mim. Eu a abracei novamente,
sentindo seu calor, seu fogo, tudo em seu ser que me cativava e me chamava.
Passei abrasivo, marcando-a por onde meus dedos passavam, minha boca
agarrando sua carne em um rompante de paixão. Eu a queria, e eu a teria.
Posicionei-me na sua entrada, e o fiz de uma vez só, para que ela me
sentisse por inteiro. Patrícia arfou e me envolveu, agarrando-se a mim com
suas unhas de felina, deixando suas próprias marcas. Eu conseguia sentir seu
interior úmido e suculento, mas tive de me forçar a esperar, para que ela se
acostumasse com as sensações, com toda a minha virilidade... Quando ela
abriu os olhos e me encarou com aquele fogo azul, eu soube que ela estava
pronta, e iniciei os movimentos. A dança frenética era de nós amantes, onde
não sabíamos onde um começava e onde o outro terminava... Quando me vi
próximo do clímax e ela também, eu a mordi no ombro, deixando uma marca
dos meus dentes na pele alva, e Patrícia uivou, gozando. Eu saí dela, e
derramei minha semente em seu estômago. Tínhamos que ter cuidado, já que
em meu afã, não havíamos usado proteção.
Foi aí que notei algo curioso...
Nos meus lençóis, e em meu pau, havia rastros de sangue.
Eu sabia que não havia sido exatamente gentil, mas havia preparado
Patrícia antes. A preocupação subiu em meu coração.
— Céus, eu machuquei você? Peço perdão...
Ela ainda estava lânguida na cama, e demorou alguns segundos para
se recuperar da sensação pós-orgasmo para entender o que eu estava falando.
Foi aí que levantou a cabeça e olhou para baixo. Sua reação foi pegar um
lençol e se cobrir, envergonhada.
— Não, eu não...
— Está tudo bem, Patrícia, foi culpa minha...
— Não, eu...
— Prometo ser mais gentil da próxima vez.
— Não, fui eu. Eu sou virgem.
Meu olhar se arregalou bem ali.
Patrícia era virgem?!
CAPÍTULO VINTE E DOIS

EU NÃO PODIA PEDIR POR UMA PRIMEIRA VEZ MAIS INCRÍVEL.


Flávio foi carinhoso, gentil, atencioso. Me deu literalmente o orgasmo mais
intenso que já tive na vida como primeiro orgasmo, e logo o segundo... Se
transar fosse assim todas as vezes, eu entendia o motivo das pessoas fazerem
feito coelhos.
O sangue me assustou um pouco, confesso. Mas imaginei que fosse
por ser a minha primeira vez, e a próxima seria mais confortável. Ao menos,
eu esperava. Era tudo tão curioso... Mas era essa curiosidade que eu desejava.
Eu queria experimentar muito mais coisas com Flávio.
Só que ele parecia muito mais preocupado e desesperado por ter me
machucado.
E com o fato de que eu era virgem.
— Você é virgem?
Eu corei novamente. Era um questionamento muito direto. Mais
direto do que estar completamente nua na frente dele. Era como se ele
pudesse ver minha alma e todos os meus segredos. Eu queria
desesperadamente colocar uma barreira entre nós, por isso peguei um lençol
(que não estava manchado de sangue) e me cobri parcialmente.
— Qual o problema de eu ser virgem?
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Bem, perdoe de eu duvidar disso, mas… Você não fez nada com
seu ex?
Eu senti minha pele queimar mais ainda.
— O que eu fiz ou deixei de fazer com meu ex não é da sua conta.
— Bem, e quanto à Natália?
— O que tem ela?
— Ela foi imaculada concepção?
Foi aí que entendi tudo. Deixei uma risada longa escapar dos meus
lábios e Flávio pareceu ainda mais confuso. Eu toquei em suas mãos e apenas
levei elas até meu rosto.
— Natália é minha sobrinha, Flávio. Não sou mãe dela.
— Ah… Aaaaaah! — Ele pareceu pensar por um momento. — Eu
pensei que...
— Que eu fosse a mãe dela. Não sou. Minha irmã é. Era. —
Entristeci-me ao lembrar de Maria. — É uma história e tanto.
— Vamos tomar banho, e aí você me conta. Que tal? — Ele se
levantou e me ofereceu a mão. — Também precisamos lavar os lençóis.
Eu corei de novo.
— Não se preocupe com nada. Vamos. Eu acho que você nunca
transou no chuveiro...
A perspectiva daquilo me animou de novo, e por fim, eu tomei a mão
dele.
Acho que não importava para onde fosse, eu tomaria aquela mão para
onde ela me levasse.

QUANDO SAÍMOS DO BANHO, eu me vesti com uma camisa larga de


Flávio e com os shorts que havia comprado, e ficamos na lavanderia ouvindo
os sons das máquinas revirando os lençóis manchados com meu próprio
sangue enquanto eu contava para Flávio a triste história da minha família.
— Putz — ele disse, agachado ao lado da máquina de lavar. Eu estava
sentada em cima do balcão, olhando para os meus pés balançarem no ar sem
rumo certo.
Como eu própria me sentia.
— E não há pistas do que aconteceu com sua irmã?
— A polícia não encontrou nenhuma. O caso está em aberto.
— Já pensou em você mesma pesquisar? Você não tem nenhum
pertence dela?
— Bem, eu tenho Natália...
— Mas você não tem acesso às coisas dela? À casa dela?
Eu olhei para Flávio, um plano se formando em minha mente.
— Você acha que eu deveria?
— Acho que está perdendo tempo precioso em que poderia encontrar
sua irmã. Eu sei que confia nessa Alessandra, mas só você conhece sua irmã.
Talvez seja um sinal para saber de seu paradeiro.
— Eu não acho que haja nada no mundo que possa ter feito minha
irmã desistir de Natália.
Flávio colocou a mão no queixo, parecendo ponderar.
— Então algo a impediu de chegar até Natália.
— É isso que penso… E isso me angustia de uma forma que você não
pode compreender.
O olhar dele se tornou sombrio.
— Acredite, eu entendo uma coisa ou outra sobre perder pessoas
queridas.
— Você… Também perdeu alguém, não foi?
Eu queria falar mais. Queria desvendar os mistérios que era Flávio
Fagundes, mas eu havia despejado meus próprios demônios nele, e estava
cansada, tanto física quanto emocionalmente. Além disso, era muito tarde.
Flávio se levantou e veio em minha direção, beijando-me nos lábios
passionalmente mais uma vez. Ele me pegou pelas pernas e mais uma vez fui
erguida no ar feito uma boneca.
— Está tarde, Patrícia. Vamos dormir.
— Eu peso nada em seus braços, não é? — eu ri para ele, agarrando-
me ao seu pescoço. Ele era muito forte e viril. Eu me sentia confortável e
segura em seus braços. Encostei-me em seu pescoço e era como se todos os
meus problemas desaparecessem por um tempo apenas por sentir seu cheiro
agradável, naquele meu pedaço de mundo.
Era como se o tempo parasse enquanto eu estava em seus braços.
— Você é perfeita, Patrícia. — Ele beijou a minha testa. — Vamos
pensar no restante do mundo amanhã. Hoje, você é minha.
Ele me levou até a cama, e não fizemos seu uso costumeiro. Não vi de
fato um pingo de sono a noite inteira.
CAPÍTULO VINTE E TRÊS

A MANHÃ SEGUINTE VEIO, E AO INVÉS DE ME SENTIR cansada por


não ter dormido a noite inteira, eu me senti completamente rejuvenescida. Era
como se toda a tensão tivesse abandonado meus ombros, e eu finalmente
estivesse em paz.
Acordei nos braços musculosos de Flávio, e ele não havia me largado
em momento algum durante a noite. O calor de nossos corpos era sufocante,
mas ao mesmo tempo, muito reconfortante. Eu queria ter permanecido lá por
muito mais horas.
Dormimos no quarto de visitas, mesmo eu insistindo que Flávio
poderia ter dormido no quarto dele. Só que ele disse que não queria ficar sem
mim, e eu queria ficar com Natália. Então, nas primeiras horas da manhã,
voltamos para o quarto e deitamos para repousar por algum momento. Virei a
cabeça para o lado, e vi que Natália já estava desperta, com seus olhinhos
voltados para mim. Ela ainda estava acordando, mas eu sabia que logo ela
precisaria comer e trocar de fralda.
Virei-me para Flávio.
— Preciso levantar.
Ele resmungou em seu sono.
— Não se vá... Fica mais um pouco.
Eu ri baixinho, depositando um beijo em seus lábios rapidamente.
— Preciso ir. Natália precisa de mim.
— Eu preciso de você também.
Eu conseguia sentir o quanto ele precisava de mim, mas eu apenas dei
outro beijo em seus lábios e me levantei de qualquer forma.
— Depois, Flávio... Depois.
— Promete?
— Sim. Pode voltar a dormir.
E com aquelas palavras mágicas, seus olhos se fecharam com pesar e
ele voltou a dormir. Eu apenas suspirei. Era bem cedo. O sol havia acabado
de sair na janela.
Eu me levantei de qualquer forma e fui em direção ao berço. Tirei
Natália de lá, e reparei o quão pesada ela estava ficando. Fui em direção ao
banheiro e lá troquei sua fralda e tomei banho com ela na banheira de Flávio,
e logo estávamos prontas para o dia. Recoloquei minha camisa regata e um
shortinho que roubei do guarda roupa de Flávio que balançava largo nos
meus quadris. Era uma roupa muito caseira. Na realidade, eu me sentia muito
à vontade no apartamento de Flávio, e estava pronta para ficar ali por mais
tempo, mas eu queria muito retornar à minha própria casa, às minhas próprias
coisas.
Eu demorara muito a conquistar meu próprio cantinho no mundo, e
apesar de estar curtindo aquele momento hot com Flávio, eu não sabia aonde
esse caso iria levar. Ele era meu primeiro, sim, mas ainda não tínhamos
conversado sobre tudo aquilo. O que aquilo significava. Sobre a possível
namorada dele. Eu gostava muito dele, e de sua companhia, mas isso queira
dizer que eu também queria algo mais sério?
Dei uma nova olhada no corpo adormecido na cama e minhas partes
de baixo se acenderam.
Sim, eu queria ao menos continuar o que nós estávamos fazendo ali.
Por muito, muito mais tempo. Mas queria ir com calma. Havia tantas mais
coisas com que se preocupar, como o desaparecimento da minha irmã,
Natália… Eu não queria deixar um relacionamento com Flávio em segundo
lugar. Se fosse para me envolver com ele, eu queria fazê-lo por inteiro. Me
entregar completamente a ele, e ser somente sua. Sem nenhuma ressalva, sem
nenhum arrombamento de apartamento para lidar.
Eu queria que aquela paz que construímos durasse para sempre.
Coloquei Natália no chão para que assistisse os desenhos matinais na
televisão e brincasse em sua tablet com o volume baixo, afinal, Flávio ainda
dormia, e me ocupei de preparar um café da manhã reforçado para nós três.
Eu queria surpreendê-lo com algo gostoso, e fazer as vontades da minha
sobrinha, só que enquanto eu estava na metade do preparo, ouvi gritos e
batidas fortes vindas do corredor.
Elas não pareciam vir da porta de Flávio, então não me preocupei a
princípio, mas quando o volume chegou aos meus ouvidos, a preocupação
preencheu meu coração. Seria uma briga entre alguma família que residia no
condomínio? Se sim, será que eu deveria interferir? Estava tão cedo, a
maioria das pessoas ainda dormia… Mas pelo volume deles, era quase caso
de polícia.
Foi quando ouvi.
— PATRÍCIA! PATRÍCIA, EU SEI QUE VOCÊ ESTÁ AÍ, ME
RESPONDA.
Meu coração gelou.
Parei o que estava fazendo e desliguei o fogão. Meu corpo suava, e eu
percebi que reconhecia a voz que clamava por meu nome. Era como se meu
pior pesadelo estivesse ali, tomando forma. Como se eu tivesse despertado
dos braços do meu paraíso para a entrada do próprio inferno.
Mas eu não iria desistir sem lutar.
Eu coloquei meu pano em cima do balcão, e mesmo sozinha, abri a
porta de entrada que dava para o corredor.
— Michel...? — eu chamei, incrédula.
A visão que eu tive foi completamente aterradora. O rapaz que um dia
eu amara tanto, que me levara para tantas festas e diversões na faculdade,
agora era apenas uma sombra de si mesmo, com olheiras profundas debaixo
dos olhos castanhos e os cabelos descoloridos, secos e quebradiços. Ele usava
um moletom amassado e sujo que já vira dias melhores, como se não fosse
lavado há algum tempo.
— Patrícia! — gritou ao me ver. Ele estava parado na porta do meu
apartamento, batendo com força, procurando por mim. Respirei fundo,
enchendo-me de coragem, e assenti.
— O que você quer, Michel?
— Eu estive te procurando esse tempo todo! Onde você estava? Eu
não te vi...
— Onde eu estava não é da sua conta, Michel — eu declarei,
percebendo como ele estava alterado. Seus olhos estavam vermelhos. Seria
de choro, ou de bebida? Ao se aproximar de mim, pude sentir o cheiro de
álcool saindo de sua boca. — Não estamos mais namorando.
— Você sumiu... Você sumiu... — ele repetiu em sua loucura e
colocou as mãos em seus cabelos, puxando-os para cima. — Onde você
esteve esse tempo todo? Eu queria falar com você, tentar conversar...
Eu suspirei, ainda com medo do que ele representava, enquanto via a
carcaça do que um dia já fora um grande amigo. Ele só estava com
problemas, e precisava de ajuda. Me aproximei com cuidado, tentando tocar
em seus ombros.
— Acalme-se, Michel. Acho que você precisa de ajuda. Vamos,
venha. — Tentei puxá-lo para dentro do apartamento de Flávio, assim,
conseguiria tirá-lo do escândalo que estava fazendo no meio do corredor e
quem sabe, do prédio, para conseguir ajuda psicológica. Quem sabe, interná-
lo em algum hospital. Eu não tivera contato com Michel desde que
terminamos, mas aparentemente ele não conseguira seguir bem com a vida.
Talvez uma terapia o beneficiasse.
— Não entendo — ele disse. — Você não mora aqui.
Antes que eu pudesse perguntar como ele sabia onde eu morava, a
atitude dele mudou duzentos por cento.
— Sua puta! — Ele avançou sobre mim, esticando suas mãos e
agarrando meu pescoço, me fazendo levitar vários centímetros no ar. — Dá
pra ver que se divertiu muito... Por que você deixou ele te tocar...? Você é
minha!
— Urgh... — eu sufocava, tentando com todas as minhas forças me
livrar de seu agarre. Nunca antes Michel fora violento comigo, ainda que já
fora sacana antes. Mas violento, daquela forma? Alguma coisa mudara nele.
E para pior. Tentei murmurar um "me solte", mas minhas palavras estavam
mudas. Eu só conseguia gemer.
— Você conseguiu se aproveitar muito bem, não é, putinha? Aposto
que gemeu bastante... E era tão puritana quando estava comigo. Tão cheia de
"não me toques". Agora que está com um bebê, quer fazer outro? É assim que
age? Você é minha, Patrícia, não vou deixar passar em branco! Você...
Eu nunca soube o final da frase, porque me sentia prestes a desmaiar,
mas a porta atrás de mim abriu de supetão, e um vulto passou por mim e
socou Michel diretamente no rosto.
Eu caí para trás, vacilando em direção à porta, apoiando-me na
madeira. Minha respiração estava ríspida, mas eu conseguia ao menos
respirar. Volvi os olhos para a cena à minha frente, onde as costas largas de
Flávio me protegiam.
Ele avançava sem piedade contra Michel, pronto para golpeá-lo
novamente. Sua presença era intimidante. Era como se tivesse uma aura
sombria que eu nunca presenciei, mas que esteve sempre lá.
— Cai fora, cara — Flávio disse, em uma voz profunda e rouca. Eu
mal a reconhecia, mas me apoiei nele. — Não dá pra ver que ela não tá
curtindo seu assédio?
— Foi você...! Você que maculou a minha flor!
Flávio soltou uma risada macabra e sombria, que eu nunca ouvira
antes. Os calafrios que percorreram o meu corpo eriçaram todos os pelos da
minha pele.
— Flor? De que século você está falando? A Patrícia é uma mulher
moderna. Ela faz o que quiser com o corpo dela. Ela é dona de si mesma.
Ninguém manda ou desmanda nela.
— Ela é minha...!
— Se formos falar de posse... — Flávio olhou para mim. — A
Patrícia é a minha namorada. E eu não quero um ralé como você tocando ou
sequer olhando para ela novamente. Cai fora, mané. Não sei como você
entrou aqui, mas da próxima vez, eu vou dar uma surra em você.
Michel olhou amedrontado para Flávio, que ameaçou avançar
novamente, mas ainda conseguiu lançar uma ameaça para mim:
— Volte para sua vida, Patrícia... Estou te esperando. Sua irmã está te
esperando.
E saiu, ainda segurando o queixo machucado, sob o olhar atento de
Flávio.
Quando ele desapareceu pelas escadas, eu puxei Flávio para dentro do
apartamento.
— Que história é essa?
— Você está bem? — ele se virou imediatamente para mim,
examinando meu pescoço e o dano. — Droga, eu deveria tê-lo machucado
muito mais pelo o que ele fez a você.
— Não, estou bem... Não precisa se preocupar.
— Quem ele era?
— Um ex. Não sei como ele entrou... — tentei me explicar, e a cada
palavra, me sentia mais burra. Mas havia algo que queria tirar a limpo
primeiro.
— Flávio, que história é essa de que você é meu namorado?
CAPÍTULO VINTE E QUATRO

ORA, ERA SIMPLES.


— Bem, eu achei que... Dada a nossa situação...
Eu não dissera bem as minhas intenções? Era mais do que óbvio que
eu estava apaixonado por Patrícia, e que queria um futuro com ela. E que
queria e, mais do que tudo, poderia protegê-la. Se ela tinha um ex-namorado
ou ex-marido abusivo, era óbvio que ela não ficaria bem sozinha.
— Acho que você pulou vários passos. Não foi você mesmo quem
disse que eu era uma mulher moderna, que decidia o que fazer eu mesma com
o meu corpo?
— Sim, claro, mas depois de ontem à noite, eu achei que você
sentisse algo por mim?
Isso pareceu desarmá-la. Seus ombros se afundaram, e ela levou uma
mão para os cabelos. Ela foi em direção à estação da cozinha, onde seus
preparativos para o café da manhã jaziam, ainda na metade, restos de uma
manhã que seria muito proveitosa para nós dois, mas agora, era amarga.
Eu sentia como se tivesse estragado uma coisa muito boa entre nós ao
me precipitar.
— Olhe, Patrícia, eu não queria ofender.
— Não, Flávio, eu entendo, mesmo. É só que... — Ela pegou a colher
de pau e bateu três vezes contra o balcão, espalhando um pouco da massa.
Xingou baixinho ao perceber a sujeira que fez, e pegou uma toalha para
limpar. — Eu sou uma pessoa complicada. Muito complicada. Eu não sou
capaz de dar a você o que você deseja, o que quer que seja.
Eu fui em direção à Patrícia, desesperado. Ela estava me afastando
por motivos que eu desconhecia, mas eu não desistia de uma briga sem lutar.
Não mais.
— Não faça isso comigo, Patrícia. Não mais.
— Não, Flávio.
Eu a peguei pelos braços e arranquei um beijo de seus lábios,
pedindo, implorando que ela não me abandonasse. Eu a desejava tanto,
queria-a por perto, queria-a mais do que minha própria vida. Ela invadira meu
condomínio e a minha existência na minha hora mais escura, e eu não saberia
o que fazer sem ela.
— Flávio... — ela suspirou entre beijos.
Eu não a deixaria ir. Minhas mãos encontram seus mamilos e foram
hábeis em deixá-los intumescidos e quentes sob meus dígitos. Patrícia gemeu
quando eu abaixei minha cabeça e abocanhei um deles sobre a camisa,
mordendo-o com força. Queria deixá-la marcada. Queria que ela se lembrasse
que somente eu dava prazer para ela daquela maneira, que ela dependia de
mim para gozar daquela maneira. Era algo completamente egoísta e
mesquinho, mas eu estava desesperado.
Meus dedos buscaram o cós de seu shorts e então acharam o seu
tesouro. Fiz movimentos circulares em seu clitóris ereto, trazendo a umidade
de sua fenda para frente, e ela soltou um gemido longo e alto. Eu não podia
deixar ela escapar.
Com um único movimento súbito, eu a ergui no balcão e tirei seu
shorts, expondo sua intimidade, e cai de boca naquela refeição. Eu a devorei
por inteiro.
— Flávio! Puta merda… — Ela agarrou-se aos meus cabelos,
enquanto eu a desfazia até o pó. Eu não queria que ela não reclamasse mais
ou tentasse sair de casa. Queria que aquelas ideias loucas fossem embora de
sua cabeça e tudo que pensasse fosse somente em mim.
Assim como era para mim.
Eu só tinha ela em minha cabeça.
Talvez eu não fosse melhor do que seu ex…
Quando ela gozou, eu ainda avancei mais, continuando com os
movimentos, mas Patrícia agarrou-me pelos cabelos, forçando-me a olhar
para ela. Os olhos dela brilhavam com lágrimas e seu rosto corado e sem
fôlego provavam que ela estava prestes a chorar. Droga.
— Patricia… desculpe-me. — Eu a abracei apertado, sentindo meus
próprios olhos marejarem. — Eu não queria magoá-la. Eu queria…
— Eu sei. Eu sei. Eu preciso de você, Flávio.
E a mão dela escorregou para meu próprio shorts e trouxe meu
membro solto para dentro de si, e nos unimos. Ficamos em silêncio por mais
alguns minutos, apenas sentindo o calor um do outro. Abraçados daquela
forma, magoados um com o outro, sem saber como jogar aquele xadrez de
relações.
Eu comecei os movimentos quando ela engatou seus quadris contra os
meus, e deixei o monstro dentro de mim se apossar da minha mente. Eu
devoraria ela, meus sentimentos, e toda a situação. Apenas para possuí-la
mais uma vez, mesmo que fosse a última.
Ela apertou-se contra minha virilidade quando chegou ao clímax mais
uma vez, e eu deixei as lágrimas caírem, porque eu sabia que era a última
vez. Patrícia chorou contra mim, também.
— Por que não quer ficar comigo, Patrícia?
— Eu não sei o que sinto… Eu tenho tanta coisa a resolver, Flávio. —
Ela pegou em meu rosto, forçando-me a encará-la. — E você também.
— Eu não tenho nada me impedindo. Eu te amo, Patrícia.
— É? — O olhar dela estava ferido. — E quem é a mulher da foto,
para quem são as ligações misteriosas que você faz?
Aquilo me machucou muito.
Aline.
— Não é nada demais…
— Ainda é algo que você precisa resolver. E eu acho que até que nós
resolvamos nossos problemas, não podemos ficar juntos. Não pode existir um
“nós”, Flávio.
Eu bati com força no balcão, para liberar a minha frustração.
— Viu? É a mesma coisa… Eu não quero outro Michel na minha vida
— as palavras dela cortaram meu coração. — Vou pegar Natália e ir para o
meu apartamento. Muito obrigada por ter nos abrigado. Muito obrigada por
tudo. Mesmo.
E depositando um último beijo em meus lábios, ela saiu do balcão e
saiu correndo em direção ao quarto onde estava Natália, quebrando meu
coração.
Eu ouvi quando ela fechou a porta atrás de si, e começou a chorar.
Meu próprio coração se tornou negro, e as lágrimas de dor
começaram a surgir.
Eu havia estragado tudo.
CAPÍTULO VINTE E CINCO

EU NÃO SÓ FECHEI A PORTA DO QUARTO DE HÓSPEDES ATRÁS


DE MIM, EU FECHEI a porta da possibilidade de qualquer relacionamento
entre mim e Flávio. Minhas lágrimas eram de uma saudade que já se abatia
em meu coração. Eu não sabia o que fazer. Mal o conhecia, mas ele já fazia
grande parte da minha vida. Ele me ajudara tanto, fizera tanto por mim... Me
acolhera dentro de sua casa, de seu apartamento, comprara um berço para
Natália...
Natália!
Olhei para o bercinho, onde minha sobrinha olhava para mim com
seus olhos expressivos. Ela já despertara, mas não fizera nenhum sonzinho ao
se encontrar sozinha. Estava calma, serena, enquanto meu coração estava
revoltoso. Ela, e eu, encontravámos paz naquele apartamento.
Mas precisávamos ir embora.
— Me perdoe... — murmurei para minha sobrinha, e quem sabe, para
Flávio também. Eu não sabia o que sentir, mas buscando conforto, fui até seu
berço, e a tirei de lá, sabendo que seu calor e seu cheirinho me acalentariam.
— Me perdoe... — repeti.
Minhas lágrimas eram silenciosas, mas Natália era grande o suficiente
para perceber que eu estava chateada com algo. Ela puxou uma mecha dos
meus cabelos ruivos e perguntou:
— Baba?
— Não, não estou braba... — murmurei de volta, apenas a abraçando.
Passou-me pela cabeça o quanto ela era pesada, e que ela apenas
cresceria mais e mais, e o quanto ela não merecia aquela situação. Ela
merecia crescer em um lar responsável, perfeito e saudável. Com a mãe dela
vendo-a arranjar o primeiro namorado, o primeiro beijo, a primeira decepção
amorosa. Eu era meramente uma parca substituta, uma falsa cópia do que ela
poderia ter. E estava ali desabando por causa de um homem que não sabia
exatamente se me queria ou se estava livre para me amar.
Eu ainda tinha meus demônios. Eu também não era livre para amá-lo
como ele devia e merecia ser amado.
E mais do que tudo...
— Eu preciso ser forte — murmurei para Natália. — Por nós duas. Eu
vou achar a minha irmã.
Só precisava parar de me lamentar por algo que nunca poderia ser.
Bem, o que eram algumas lágrimas?
Eu despejaria meu coração naquele pequeno quarto de hóspedes e
quando saísse daquele apartamento, deixaria todo meu amor e minha mágoa
para trás.
Renasceria outra mulher.
Outra Patrícia.
— Ah, Flávio... — suspirei, deixando, por fim, meus lamentos.

AFINAL, PARECIA QUE NADA HAVIA MUDADO.


Pedi licença na agência para adiantar as minhas férias, e eles foram
bastante compreensivos — o que me surpreendeu bastante, eu estava pronta
para ser mandada embora —, mas quando expliquei a situação toda, minha
chefe fora bastante solícita em me dar duas semanas para resolver toda a
situação. Ela ainda quisera me dar mais tempo, mas eu mesma não sabia
quanto tempo levaria para resolver tudo aquilo, e eu sabia o quanto de
trabalho se acumularia na minha ausência. A agência não poderia ficar
parada. Era de se esperar que eu não tivesse mais meu emprego quando eu
retornasse daquelas duas semanas. Ou pior, que eu não pudesse dar mais
atenção à Natália, ou a atenção que ela merecia, por causa do trabalho
acumulado.
Era algo a se pensar. Só que aquilo era um problema para o meu "eu
do futuro". A Patrícia do presente, no momento, estava indo em direção à
antiga casa dos pais, em Prado Verde, a última morada da minha irmã, e onde
ela fora vista pela última vez. Eu só fora lá para conhecer minha sobrinha e
pegar suas coisas, mas agora, eu tinha um objetivo muito maior.
Natália não fez o menor barulho o trajeto inteiro. Era como se ela
soubesse a importância daquela missão. A solenidade de entrar na casa em
que ela morava não lhe foi perdida. Seus olhinhos pareceram brilhar e ela
esticou seus bracinhos, falando:
— Mama, mama!
Meu coração pareceu se quebrar. Eu sabia que minha irmã não estaria
ali. Talvez fora um erro trazer Natália, mas eu não tinha com quem deixá-la.
Eu só queria fazer as coisas de maneira certa, mas sempre acabava fodendo
com tudo, não era mesmo?
Parei em frente à porta da casa, procurando as chaves, enquanto
Natália começava a se agitar em meus braços. Era um alvoroço ao qual eu
ainda não estava plenamente acostumada. Comecei a atrair os olhares e uma
mulher, vinda da casa vizinha, e ela se aproximou de mim.
— Maria? Meu Deus...
— Não, não, eu sou...
— Ah, é Patrícia Pimentinha. Lembra de mim?
Olhei para a mulher, um pouco em desespero, para reconhecer a
senhora Joana, que me vira crescer e que morava na casa vizinha desde a
época que meus pais eram vivos, e provavelmente enterraria a minha família
inteira. Fiquei muito surpresa com sua chegada, mas ela me ajudou segurando
Natália, que se acalmou em seus braços.
— Menina, achei que nunca mais veria esse rostinho. Ela está
enorme! Parece que dobram de tamanho a cada vez que somem das nossas
vistas, menina. Ela está tão linda…
— Dona Jô… — eu suspirei, finalmente achando as chaves.
— Uma pena o que aconteceu com sua irmã, menina. Ainda não
acharam ela, né?
— Pois é. A polícia não tem nenhuma pista.
Ela olhou para mim com olhos ternos, como se tivesse pena de mim.
Eu sabia muito como era aquele olhar. Os mais velhos sempre me davam
aquele olhar, quando eu andava com Natália. Será que era assim que olhavam
minha irmã também?
— Sabe, Pimentinha, eu não queria falar mal da sua irmã, mas... Cê
sabe que eu observo bastante, vivendo sozinha, só com minha sombra de
companhia, né?
Eu sabia muito bem que a dona Jô era bastante fofoqueira. Ela
gostava de observar a vida alheia, sentando-se em sua cadeirinha na varanda
da frente e observando a vida dos vizinhos. Afinal, poucas coisas aconteciam
ali, em Prado Verde. Mas agora, talvez ela pudesse saber mais do que a
polícia no caso da minha irmã...
— Não quer entrar, dona Jô? Posso ver se posso fazer um cafezinho
para você.
— Ah, não quero atrapalhar você, menina.
— Imagina, vamos entrar.
Tirei os sapatos e peguei Natália dos braços de dona Jô enquanto ela
fazia o mesmo e me seguia para dentro da casa. A casa de meus pais não era
habitada por ninguém fazia alguns meses, mas eu sabia que Alessandra
enviara alguém para fazer uma limpeza após os investigadores coletarem as
principais pistas e tirarem fotos. Fora uma cortesia que ela fizera à mim,
sabendo que eu estaria ocupada demais com a minha própria mudança e
lidando com a bebê. Eu achei muito gentil da parte dela, e só que eu esperava
que alguns itens não estivessem estragados, como a cafeteira da minha irmã.
Fui em direção à cozinha, surpresa por encontrar tudo no mesmo
lugar. Meu coração ficou angustiado, e por tudo no mundo, eu queria gritar
os nomes de minha família para que eles viessem me cumprimentar assim
que entrei na casa, como eu fazia antes. Era muito nostálgico, mas ao mesmo
tempo, a casa estava morta. Não tinha o mesmo brilho. Ela não mudara em
nada, e ainda assim, não era mais o meu lar. Eu não pertencia mais àquele
local, porque o que fazia aquilo tão especial eram as pessoas a quem eu
amava.
E eu perdera todas.
Deixei Natália com Dona Jô de novo, e passei água em uma panela
para começar a ferver água para nós, a fim de preparar o café. Ficamos em
silêncio, porque ela conseguia sentir a minha dor.
— Ah, menina... É uma tragédia que só. Seus pais, e então, sua irmã...
— Você disse que tinha algo pra falar sobre a minha irmã? Sabe de
algo, dona Jô?
— Sim, sim... — Ela me olhou com os olhos pesados, e colocou
Natália sobre a ilha oposta ao fogão. — Sabe, o ex-marido de sua irmã...
— O Danilo? — eu perguntei, me referindo ao pai de Natália. Eu não
gostava muito daquele homem, porque ele machucara muito a minha irmã.
Quase a destruíra por completo quando eles terminaram a relação.
— Sim, ele... Cê sabe que eu vejo tudo, né? Não que eu seja enxerida,
é claro, mas... Quando se tem gritos, eu corro pra ver. — Ela corou um
pouco. — Sua irmã pediu pra eu não chamar a polícia, mas...
— Para não chamar a polícia? O que ele estava fazendo com ela?
— Ela disse para eu não me intrometer, mas ele estava sendo muito
bruto com a pobre Maria, Patty. Jogando ela para os cantos. Empurrando ela.
Não sei o que ele fazia quando a pobre Nat chorava. Ele era muito grosso,
vivia aparecendo bêbado ou chapado na porta da sua irmã, implorando para
ela o deixar entrar. E ela deixava. Eu não sabia o que sua irmã tinha na
cabeça. — Dona Jô balançou a cabeça, cética. — Ela estava se destruindo
também. Cada dia mais magra. Quase um palito.
Eu senti vontade de chorar. Minha irmã não merecia passar por um
relacionamento abusivo. Era isso que tinha acontecido com ela? Fora meu ex-
cunhado que acabara com sua vida? Eu precisava descobrir...
Entreguei uma xícara de café para Dona Jô e ficamos conversando
mais algum tempo, até que a senhorinha decidiu retornar para casa pois
estava ficando mais tarde e ela precisava rezar seu terço. Eu adorei a sua
companhia, especialmente porque ela se ofereceu para olhar Natália a
qualquer hora que eu precisasse. Era uma amiga que eu não sabia que tinha, e
eu realmente me senti grata. Ter meus pilares de suporte sendo retirados por
Michel foi um golpe duro na minha auto-estima, mas eu sabia que podia
contar com uma velha amiga da família Pimenta.
Agora, sozinha na casa, com Natália perambulando os cantos
conhecidos da sua velha moradia, eu decidi me por a postos na investigação
solo. A polícia havia devolvido o computador de minha irmã, mas não seu
celular, o que me colocava em desvantagem, mas ao menos eu podia acessar
parte das suas mensagens pessoais pelo dispositivo eletrônico.
Conectei-me pelo roteador da internet móvel e acessei seu
computador, certa que minha irmã nunca trocou sua senha desde que tinha
treze anos de idade. Era uma criatura de hábitos muito comuns, Maria. A
senha era um ídolo de kpop que popular na época, mais a data de seu
aniversário. Acertei sem nem mesmo precisar olhar para o teclado para
digitar.
Quando o computador se iniciou, a imagem de tela cortou meu
coração de novo. Era uma foto de Maria segurando Natália e abraçada à
Danilo, como se fossem uma família feliz. Família essa que estava quebrada
porque Maria estava desaparecida, e Danilo também estava sumido. Natália
era a única restante da casa Pimenta.
Admito, aquilo me abalou bastante. Mas eu precisava ser forte. Pela
minha sobrinha, e pela minha irmã.
Subitamente, meu pensamento voou para Flávio... O que ele estaria
fazendo agora? Provavelmente gravando mais um vídeo pro YouTube e
sendo famoso. Ele devia estar seguindo com sua vida. Eu apenas fora uma
mácula em seu currículo.
Como eu queria ligar para ele...
Foco, Patrícia, foco.
Comecei a fuçar o computador de Maria, e vi que ela tinha alguns
arquivos na nuvem. Iniciei o download, mas percebi que iria demorar alguns
séculos daquela forma. Revirei os olhos, e fui atrás de Natália. A minha
menina dos olhos castanhos estava se divertindo com seus próprios
brinquedos, muito feliz em ter retornado à casa para sua coleção de bonecas.
Eu sabia que teria trabalho em levar aquilo tudo para meu próprio
apartamento quando acabasse minha investigação. Mas era muito fofo ver
como ela criava mundos próprios com sua imaginação e descrevia com
palavras inventadas o que as bonecas faziam. Mesmo em seu luto, Natália
não parava de lutar contra sua própria desgraça.
Ela sabia o que fazer. Ela não pararia.
E nem eu.
Foi quando meu celular começou a tocar, e eu chequei no
identificador de chamada antes de atender...
CAPÍTULO VINTE E SEIS

FLÁVIO.
Ligando-me. Não fazia muitas horas que eu deixara o apartamento
dele, mas céus, parecia que fazia anos. Era o início da noite, agora em Prado
Verde, e ele devia estar sozinho no próprio apartamento. Não sabia o que ele
queria, mas estava louca para ouvir sua voz. Eu estava morrendo de
saudades...
Mas estaria pronta para ouvir a voz dele?
Meus dedos responderam a essa questão mais rápido que minha razão
— antes que eu visse, já estava com o celular no ouvido, com sua voz em
minha cabeça.
— Patrícia?
— Flávio... — suspirei contra o microfone, deixando o quarto de
Natália, sentando-me no sofá da sala de novo. — Você não devia ter me
ligado.
— Você não devia ter atendido então. Estava preocupado. Você não
voltou para o seu apartamento?
— Como sabe?
— Posso ou não ter ficado atento ao movimento.
Eu sorri, com o coração disparado. Uma coisa era sentir a falta dele,
outra coisa era saber que ele também sentia a minha.
— Ai, Flávio... vim para Prado Verde. Para a casa da minha irmã. Eu
disse que precisava de espaço.
— E vou dar todo o espaço que você precisar. Só que... eu precisava
ouvir a sua voz. Saber que você estava bem. Agora que sei, posso dormir
tranquilo.
Ele ficou preocupado o dia todo? Como era fofo.
— Estou bem sim. E você, como está?
— Estou bem melhor depois de ouvir sua voz... Não consigo te
esquecer, Patrícia. Não consigo esquecer da sua boca...
Ele falou aquilo no tom barítono que encharcava a minha calcinha. Eu
encarei o celular, e meu coração acelerou. Estava pronta para cometer mais
aquela loucura? Tudo em meu ser dizia não, mas minha mão correu para a
borda da minha calça, e desafivelou meu cinto, expondo minha intimidade.
— O que mais você não consegue esquecer, Flávio?
— Seu pescoço delgado, o qual quero enfiar minhas adagas de
marfim...
Eu ri um pouco, deitando-me no sofá para me posicionar melhor,
colocando o celular entre meu ombro e meu ouvido. Passei minha mão pelo
meu pescoço, lembrando do toque da boca de Flávio por ele.
— Você fala como se vivesse no século passado.
— É que eu estive à procura de uma musa, e acabei de encontrá-la.
Mas não posso deixá-la escapar tão facilmente... Se eu estivesse aí, Patrícia,
pode apostar que eu não deixaria você ficar livre de mim.
— E o que você faria se estivesse aqui, huh? — eu aticei, e pelo meu
tom, ele pareceu captar a ideia.
— Eu primeiro levantaria a sua blusa devagar, roçando meus dedos
contra a sua barriga como se fosse um erro, mas de propósito ao mesmo
tempo. — Minha respiração falhou, mas fiz o que ele pediu. — Então eu
subiria seu sutiã apenas para expor seus seios e os molharia com a minha
língua, e os apertaria com os meus dedos, e seria cruel. Muito cruel.
— Cruel quanto? — eu ofeguei, com os seios expostos ao ar, e
nenhuma língua ou dedos para torturá-los.
— Porque eu veria o quanto de alívio você quer, Patrícia. Você está se
tocando?
— Não — minha voz era um fiapo.
— Eu quero ver você se dar prazer, Patrícia — a dele, um rompante
rouco.
Bem, aquilo era mais fácil falar do que fazer. Eu me movi no sofá, e
tirei minhas calças, ficando apenas de calcinha. Com a mão esquerda, iniciei
o FaceTime, vendo o rosto de Flávio e corando imediatamente, e ele
claramente estava tão excitado quanto eu. Dava pra ver na respiração
alterada, no rubor de sua pele. Eu o manipulava tanto quanto ele me atingia.
— Está vendo, Flávio? — eu falei em voz alta, de comando. — Como
você me deixa?
— Eu vejo sim, Patrícia — eu conseguia ver que ele acariciava o
próprio membro por cima das roupas. — Eu vejo tudo. Eu quero ver tudo de
você.
Minha mão foi parar dentro da minha calcinha, tocando a minha
intimidade. Eu não sabia exatamente como me dar prazer, porque eu não era
desses costumes, mas eu fiz como Flávio fizera da primeira vez, tocando-me
em círculos, penetrando a minha fenda. Eu não conseguia ir tão fundo quanto
ele, não conseguia me dar prazer tanto quanto ele. Senti-me frustrada, e não
consegui me dar o alívio esperado.
— Patrícia, você quer que eu lhe comande?
— Flávio...
— Toque-se da maneira como eu lhe toquei. Assim... Lembre-se de
meus gestos.
Foi como se a mão gentil de Flávio guiasse a minha. Com sua voz em
meu ouvido, dando-me comandos certeiros, eu gozei como nunca tinha
gozado sozinha antes. Derramei-me sobre o sofá, e ele apenas riu
estaticamente pelo telefone, eu sabendo que ele não tinha feito o mesmo.
— Você está ainda excitado, bonitão.
— Mas eu tive uma bela visão. Estou satisfeito.
— Podíamos continuar esta bela visão...
Ele ergueu uma sobrancelha e deu um sorriso largo.
— É só me passar o endereço, Patrícia.
Eu sorri, porque, mesmo sem pensar muito, eu o queria ao meu lado.
Sentia a falta dele, e olhando para o notebook que terminava de baixar os
arquivos, talvez ele pudesse me ajudar a investigar...
CAPÍTULO VINTE E SETE

FLÁVIO CHEGOU EM TEMPO RECORDE.


— O que a perspectiva de uma foda não faz, não é mesmo, senhor
Flávio? Acho que não vi ninguém chegar em Prado Verde em menos de duas
horas.
— Eu nunca corri tanto pela Interestadual — ele confessou. — Foi a
adrenalina.
— Foi o sangue no pau — dona Jô bufou, enquanto ela nos observava
de sua cadeirinha na frente de sua casa. — Ô hômi bonito que você arranjou,
Pimentinha! Ele não tem um irmão, não? — ela riu.
— Dona Joana...
— Infelizmente não possuo irmãos, senhora Joana, mas se um dia
Patrícia me dispensar, sei onde bater à porta. — Ele piscou para ela, que se
derreteu toda. Mas Flávio F. Fagundes era um maldito galanteador mesmo!
Puxei ele para dentro da casa, para que me beijasse em privacidade.
— E Natália? — ele perguntou entre os beijos.
— Coloquei-a para dormir. Está tudo bem. — Mostrei a babá
eletrônica.
— Ótimo. — E ele me ergueu em seus braços, jogando-me contra a
parede e me desfazendo por inteira. Eu sentia sua virilidade contra a minha
intimidade, e por Deus, eu o queria. Não conseguia ficar afastada dele nem
por um meio dia, quanto mais um dia inteiro. Não era espaço que eu queria
dele, era tempo. Tempo para ficarmos juntos, para aproveitar o que estava
acontecendo entre nós.
Tempo para entender meus próprios sentimentos.
A cada beijo, a cada toque... Eu me afundava mais naquele abismo
que era Flávio Fagundes. E eu o queria. Queria seu toque em meus ombros,
em meu pescoço, em meus seios e mamilos intumescidos... Dentro de mim,
preenchendo-me por inteira e completando-me.
Ele iniciou os movimentos e eu tive que me conter para não gritar e
alertar o bairro inteiro de que eu era dele, completamente dele. Era algo tão
visceral, tão intrínseco ao momento que eu apenas me deixei levar, uni
minhas mãos para agarrar-me ao seu pescoço e costas, deixando mais marcas
novas em sua pele. Eu e ele estávamos marcados um do outro. Eu, de dentes.
Ele, das minhas unhas. Nossas marcas de posse.
Chegamos ao clímax com um beijo possessivo e cheio de dentes e
língua. Foi agressivo, passional e puramente cheio de saudades. Quase como
se tivéssemos nos reencontrado depois de uma viagem muito longa.
Unimos nossas testas enquanto recuperamos nossas respirações.
— Olá — ele finalmente disse, com um sorriso.
— Olá — eu repeti.
— Eu queria pedir desculpas... — ele começou, mas eu apenas
coloquei minhas mãos em seu rosto e balancei o meu.
— Eu que deveria pedir. Não fui embora em bons termos. Temos
muito a conversar.
— Eu sei. Mas eu queria te mostrar algo. Posso?
— Vamos tomar um banho primeiro, e que você se hospede na casa
direito. Estamos indo com muita pressa. Mas você pode me mostrar, sim.
Ele assentiu, e de mãos dadas, demos um primeiro passo em direção à
resolução.

UMA HORA DEPOIS, após uma segunda rodada no banheiro e um bom


banho, estavámos alinhados com Natália no meu colo e com o notebook de
minha irmã ligado em cima da mesinha de centro, e o celular de Flávio em
suas mãos.
— O que você queria me mostrar?
— Isto.
"Isto" se referia a um vídeo, que ele botou para tocar. A música
preencheu a sala com seus sons, e eu logo reconheci os acordes acústicos da
música. Era "Perdoa, Meu Amor" da Marisa Montes, uma música em que o
artista pedia desculpas ao parceiro. Era uma das minhas músicas preferidas, e
eu sempre ouvia no meu apartamento.
Uma coisa que Flávio deveria saber.
Eu me emocionei, sentindo as lágrimas caírem por meus olhos.
— Eu fiz este vídeo para você — ele sussurrou contra meu ouvido. —
Para mais ninguém, nem postei no meu canal. Corri para prepará-lo. No
minuto em que você saiu do meu apartamento, eu sabia que estava perdendo
algo muito importante, e não podia deixar. Eu sei que tenho muitas coisas no
meu passado que ainda me limitam para que nós possamos ficar juntos, mas
Patrícia, saiba que quando for a hora, eu vou escolher você. Eu sempre vou
escolher você, Patrícia.
Ele me abraçou por trás, e eu encostei o rosto contra seu ombro,
deixando seu carinho e amor se derramarem sobre mim. Eu, verdadeiramente,
me sentia amada, mesmo ele não dizendo as palavras exatas. Era a primeira
vez que sentia amor romântico daquela forma. Mesmo com Michel, eu nunca
me sentira assim. E foi naquele momento que eu soube que eu o amava
também, que era aquele o sentimento que eu tinha por Flávio. E fora por
aquilo que me aconcheguei em seus braços, aquecida e protegida. Eu não
estava pronta ainda para dizer que o amava, mas guardaria aquele sentimento,
o alimentaria. Ainda tínhamos tempo.
Todo o tempo do mundo.
— O ciclo do ouroboros... — falei em voz alta. Lembrei dos arquivos
que havia salvado da nuvem no computador da minha irmã, e com muito
custo, ergui meu corpo do calor reconfortante de Flávio, e acendi a tela do
notebook. O download dos documentos havia sido concluído.
— O que você achou? — ele perguntou.
— Não sei ainda. Mas acredito que juntos, possamos descobrir o que
aconteceu com a minha irmã.
— Sim. Vamos fazer tudo juntos.
Ele pegou a minha mão, e depositou um cálido beijo nela.
Eu soube, naquele momento, que ele jamais largaria-a.
CAPÍTULO VINTE E OITO

ERAM MUITOS DOCUMENTOS DIGITAIS, A MAIORIA, notas fiscais.


O que era comum para uma pessoa da época moderna, mas eu e Flávio
demoramos a ver algum sentido naquilo. O que minha irmã comprava e
administrava tanto? Muitas daquelas notas não faziam sentido, e o dinheiro
de caixa não fazia sentido. As notas não estavam no nome de Maria, também,
apenas em um nome de um misterioso “D”. Eu não sabia quem era, mas
podia fazer alguns chutes…
— O nome do ex- marido da minha irmã era Danilo — comecei,
explicando para Flávio, que me observava atento. — Ele não era uma boa
pessoa.
— Era o pai de Natália?
— Sim. Ao menos, acho que sim. Eu não falava com minha irmã na
época.
— Vocês brigaram?
— Ela nunca concordou com a decisão de me mudar para a capital.
Eu meio que abandonei a família, e nem consegui voltar para o enterro de
nossos pais, porque eles morreram em viagem e não recuperaram os corpos.
— Eu suspirei. — Ela nunca me perdoou por não ter ido ao velório.
— E por que você não foi?
— Eu… não consegui. Eu culpei as tarefas da faculdade e o emprego
fixo, mas a verdade era que estava tão presa na minha própria dor que não
consegui dar apoio à minha única irmã. — Encarei-o com olhos baixos. —
Eu fui muito egoísta, Flávio.
— Você estava deprimida, Patrícia, todo mundo processa o luto de
uma forma diferente.
— Eu abandonei a minha irmã! Como fui cruel… E agora, ela está
desaparecida…
— Não é sua culpa, Patrícia. Vamos descobrir onde o ex-marido da
sua irmã está, ele pode nos dar mais pistas.
— Eu não sei, ele sumiu há tanto tempo… Foi embora sem dar
nenhum aviso.
— Como você sabe disso?
— É o que todos dizem.
— Será que sua vizinha não saberia mais algo?
— Dona Jô? Seria válido perguntar algo a ela, talvez ela tenha
escutado mais alguma coisa. Mas está tarde, ela deve estar descansando.
— Vamos ver esses documentos. Eles devem ter mais informações.
Ou ao menos, mensagens que ela possa ter mandado…
— Mas o celular dela está com a polícia, como vamos ver as
mensagens que ela mandou? — eu perguntei abobadamente. Flávio deu um
sorriso e esfregou meus cabelos afetuosamente.
— Eu tenho os meus meios de ver os SMS dela. Agora, podemos ver
se ela não mandou algo pelo Facebook ou qualquer outra rede social. Você
sabe a senha dela?
— Ah, isso eu posso adivinhar. — Eu sorri. — Minha irmã não troca
a senha desde que tinha treze anos.
— É? — ele me acompanhou na risada. — Deve ser uma senha ótima,
para que ela tenha a mantido todo esse tempo e nunca tenha vazado.
— Ah, com certeza.
Eu acessei as mídias sociais da minha irmã, mas para meu azar, ela
não tinha Facebook, ou este fora deletado. Contudo, tive sorte com o Twitter
dela, e com as mensagens diretas. Ela falava com uma conta privativa, que já
fora deletada, mas as mensagens permaneciam. A conversa era sobre a
entrega de um pacote, e tinha um endereço.
— Acho que sei onde é — Flávio falou. — Ao menos, conheço a
região geral. Não é um bom lugar para ir.
— Mas olhe a data… acho que é o último lugar onde minha irmã foi.
Será que…?
— Você acha que sua irmã está lá?
— Talvez. Ou ao menos, é o último local em que ela esteve. Seja o
que for, é uma pista. A primeira que temos! — falei animada.
— Você não vai lá — Flávio soou, categórico.
— Por que não? — eu indaguei contrariada. Nada naquele mundo me
impediria de ir até a minha irmã, ou o seu último paradeiro.
— Tudo bem, srta. Detetive. Vamos pensar que este endereço é
sequer seguro. Você vai levar Natália com você?
— Ah. — Eu não havia pensado naquele detalhe. Ainda era uma mãe
de primeira viagem, não havia me acostumado com o fato de que a minha
sobrinha era uma constante na minha vida agora, apesar de ela estar no meu
colo naquele exato momento, me olhando com seus olhinhos castanhos
vividos, como se implorasse para que eu resolvesse o mistério do que
aconteceu com sua mãe. E vou, prometi a mim mesma. — Por que você não
pode ficar com Natália?
— Porque eu jamais deixaria você ir sozinha, e jamais cogitaria em ir
em seu lugar. Este é um problema que você tem que resolver por si só, mas
temos que ser lógicos, e por mais que eu acredite que você deveria dar essa
pista para a polícia e para a advogada que cuida do caso, eu também acho que
você precisa de algum fechamento emocional. Eu vou com você, aonde for.
Mas acho que precisamos de alguém de confiança para cuidar de Natália. Ela
não pode ir conosco…
Eu o beijei no mesmo instante. O cuidado que ele tinha conosco,
comigo e Nat, era incrível. Ele era mesmo o homem perfeito. E eu o havia
encontrado.
— Ainda assim, devo deixar minha objeção de você querer ir, em
primeiro lugar.
— Eu preciso ir — falei.
— Eu sei. Ainda não gosto muito dessa ideia, mas eu sei que é
necessário. Por isso iremos juntos.
— Acho que Dona Jô pode ficar com Natália… — falei, olhando para
a parede que fazia a divisa com a casa do lado. Flávio pegou em minha mão e
a beijou, e eu corei um pouco.
— Então façamos assim. Ela fica com Natália amanhã, e logo cedo,
iremos nesse endereço. Desse jeito, podemos descobrir o que aconteceu com
a sua irmã, e darmos fim a este mistério.
— Sim. É o que eu mais quero.
Encostei a cabeça em seu ombro, e segurando Natália, me deixei ficar
naquele conforto, sabendo que o dia que me esperava no amanhã traria o
sonhado fim para minha angústia..
CAPÍTULO VINTE E NOVE

DEIXAMOS NATÁLIA COM DONA JÔ, QUE FICOU ENCANTADA


com a nossa menina. Lógico, aquela ruivinha dos olhos castanhos tinha um
sorriso que encantava qualquer um que a conhecia. Ela aceitou cuidar da bebê
pelo tempo que ficássemos fora, e assim conseguimos sair em direção ao
endereço que estava nas mensagens da irmã de Patrícia.
Mais cedo na naquela manhã, eu havia conseguido baixar as SMS de
Maria por meio de Júlio, que além de editor, era muito bom com tecnologia.
Claro que tive que resumir a história para ele, mas ele me ajudou muito com
o que precisávamos.
Descobrimos que ela trocava mensagens sensuais com um número
desconhecido, e foi com muito pesar Patrícia viu este outro lado da sua irmã,
mas ela apenas agarrou minha mão e disse que estava preparada para o que
viesse.
Voltamos para a capital no meu carro, e chegamos no endereço
desconhecido em menos de quarenta minutos. Em todo o caminho, eu pude
senti-la tensa e nervosa, como se seguisse a estradapara o próprio inferno.
— É aqui — eu declarei, quando chegamos a um terreno baldio e
alguns prédios abandonados, onde eu sabia ser uma parte ruim da cidade. Era
o lugar certo, mas não era uma parte que uma pessoa da família de Patrícia
aprovaria qualquer uma das irmãs indo.
— Eu conheço este lugar — Patrícia disse. — É...
Ela não teve chance de dizer, porque um dos moradores de rua se
aproximou de nós, com os olhos esbugalhados. Ele correu para Patrícia, e eu
me posicionei para defendê-la, mas ele não pareceu querer feri-la. De fato,
ele pareceu um pouco fora de si, mas suas palavras...
— É um fantasma... o fantasma de Maria...
— Maria? — Patrícia perguntou, tentando se aproximar da pessoa. Eu
ainda o olhava de cima a baixo, tentando ver se ele apresentava perigo.
— Patrícia, ele está...
— Você viu minha irmã?
— Foi Maria que voltou para nos assombrar... Aaaaah...
E ele saiu correndo, em pânico, em direção a um prédio abandonado.
A experiência me deixou com o coração acelerado, mas eu não consegui
impedir Patrícia de sair correndo atrás do cara e tudo que pude fazer foi
segui-la, nervoso.
Ah, a minha ruivinha era destemida, mas eu não podia deixá-la ir
sozinha para um prédio abandonado cheio de perigos em potencial.
— Patrícia! — gritei. Ela não me respondeu, apenas correu prédio
adentro, gritando o nome da irmã. Eu comecei a me desesperar. O prédio
estava com a alvenaria à mostra, com a construção ruindo, e eu sabia que ela
estava indo para o abate. Ela estava sendo ingênua, e eu sabia que eu
precisava ser forte para protegê-la. Me arrependi de não ter trazido meu
bastão de beisebol para afastar os predadores...
Quando chegamos no primeiro andar do prédio pelas escadas de
concreto, deu pra ver que ali era um ninho de viciados. Eu a alcancei em
meio aos degraus, e segurei-a com força para que não avançasse mais. Era
muito triste ver que as pessoas se reuniam ali para terminar suas vidas em
vícios em drogas, tentando escapar de suas realidades, e era algo que eu não
gostaria que minha ruivinha visse. Ela não precisava presenciar aquilo. Eu
gostaria de a esconder do mundo, mas ela era uma adulta. Eu já desconfiava,
quando vi os recibos no computador da irmã dela, que era isso com que
Maria estava metida.
— Você acha que minha irmã está aqui?
Eu suspirei.
— Não. Eu não acho, não. Ela devia ser parte da operação que deixou
essas pessoas assim.
Patrícia não se deu por convencida.
— Maria! — ela começou a gritar. — Maria, onde você está?
Deixei-a andar pelas pessoas, ainda a acompanhando de perto, mas eu
sabia que era inútil. Eu não acreditava que a irmã dela estava viva.
O que era um pouco mórbido de se pensar, mas eu já não tinha
esperanças.
Um movimento na lateral do meu campo de visão chamou a minha
atenção. Um vulto saiu correndo enquanto Patrícia chamava pela irmã e eu
gritei:
— Patrícia, ali!
Minha ruivinha virou a cabeça comigo, e vimos um homem de
moletom e capuz correndo em direção às escadas de concreto, em busca da
saída. Notei o olhar de Patrícia e não pensei duas vezes. Corri.
Ouvia os passos de Patrícia atrás de mim, pisando na alvenaria, e
meus olhos estavam focados apenas no homem de moletom, mas eu não era
rápido para alcançá-lo. Apenas consegui chegar perto o suficiente para
agarrar sua mão e conseguir discernir uma tatuagem com o símbolo do
ouroboros nela, mas ele se livrou do agarre e disparou pela rua.
Eu caí no asfalto, sem fôlego, e Patrícia chegou momentos depois.
Ambos estávamos sem pistas.
— Eu vi — disse, momentos depois. — Uma tatuagem no pulso dele.
— A do ouroboros?
— Como sabe?
— Posso fazer uma ideia — Patrícia afirmou, dando-me uma mão
para que eu levantasse. — Vamos dar uma volta pela região.
— Por quê?
— Eu posso saber para onde ele está indo.
— Ah, ruivinha, você é uma gênia.
Ela sorriu.
— Vamos lá descobrir o que aconteceu com a minha irmã.
CAPÍTULO TRINTA

EU NÃO ESPERAVA IR PARA O APARTAMENTO DE MICHEL depois


da traição, mas eu ainda tinha as chaves. Bem, eu nunca devolvi. E não
esperava precisar delas.
— E esse Michel? — Flávio perguntou. — Como você conheceu ele?
— Ciúmes? — perguntei, no caminho até o prédio do maldito. Eu
estava focada, mas achava fofo aquele lado de Flávio.
— Nem um pouco. Sei que sou a sua escolha.
Eu dei uma risada alta, apertando sua mão.
— Conheci-o numa festa de faculdade. Eu fiquei impressionada por
encontrar outra pessoa de Prado Verde. Sei lá, ele me cativou, parecia saber
tantas coisas sobre mim, era como se fossemos perfeitos um para o outro...
— Eu entendo. Quando você namora por tanto tempo, você acaba
conhecendo tudo um do outro.
— Nem namoramos tanto tempo assim. Era como se ele adivinhasse
meus próprios pensamentos. — Dei de ombros. — Era tudo tão fácil com
ele... Menos a parte do sexo. Eu nunca me senti confortável com ele, nessa
questão. Por isso quando você veio, foi...
— Foi o quê?
— Avassalador.
Foi a vez dele rir.
— Você é incrível, Patrícia.
Arranquei um beijo dele, esticando-me na ponta dos pés para alcançar
sua boca.
— Juntos somos invencíveis. Vamos lá.
E adentramos o elevador para enfrentar o Destino.

ENTRAMOS NO APARTAMENTO, e o silêncio imperava. A sala estava


como eu me lembrava, com os mesmos móveis, mas tudo estava uma
bagunça; caixas de restaurantes delivery , latas de refrigerante e jornais
estavam espalhados por aí, diversas manchas cobriam o chão, e uma única
novidade: grandes monitores presos à parede, como se fossem uma torre de
vigilância...
— Meu Deus — exclamei. Flávio foi mais rápido e se aproximou dos
monitores acesos, examinando as imagens.
— Patrícia… eu vejo a Dona Jô. Com Natália.
— E Alessandra… no meu apartamento. Como pode…?
Não hesitei, e peguei meu celular para discar o número da advogada.
Ela me atendeu ao segundo toque, e o silêncio entre as discagens foi quase
ensurdecedor.
— Patrícia? Desculpe, estou ocupada.
— Eu vejo. Você está no meu apartamento.
— Como sabe? Ah, claro, você está no apartamento do Flávio…
— Você descobriu algo?
Alessandra ficou em silêncio por alguns momentos.
— Olha, eu não queria te alertar ou te aborrecer, mas não dá pra
esconder. Descobrimos câmeras por todo o seu apartamento, e estivemos
tentando descobrir para onde ela estavam transmitindo, porque desconfiamos
da participação de um clube secreto no sumiço da sua irmã, o chamado
“Ciclo do Infinito”... Você já ouviu falar disso?
— O Ouroboros… — eu repeti.
— Sim.
— Eu acho que posso adivinhar quem pode estar por trás disso. Estou
bem aonde as câmeras estão transmitindo.
— Você o quê?! Patrícia! — Alessandra se exaltou. — Patrícia, me
mande sua localização imediatamente, e saía daí! Não é seguro!
— Devíamos fazer isso, Patrícia — Flávio pegou em minha mão, e eu
concordei, mas eu estava lívida. Eu queria confrontar Michel, porque ele
deveria saber onde minha irmã estava.
Foi então que a porta rangeu novamente...
CAPÍTULO TRINTA E UM

EU SÓ VIRA AQUELE ROSTO ATRAVÉS DE FOTOS, mas eu


reconhecia-o muito bem, ao lado do de Michel. Os dois eram muito
parecidos. Como eu nunca o percebi antes?
Aquele era o ex-marido da minha irmã.
— Danilo…
— Patrícia! — Michel abriu um sorriso ao me ver, saindo de trás do
irmão e indo em minha direção. Flávio se colocou entre nós, uma barreira de
quase dois metros de altura, mas Michel não vacilou no sorriso.
— Ué, Patrícia, não vai cumprimentar um velho amigo? Assim que
arranja alguém que a foda, não quer mais saber das amizades antigas?
— Olhe como fala com ela…
— Falo com ela como a puta que é.
Flávio avançou para cima de Michel, pronto para deixá-lo tão roxo
quanto da primeira vez, e eu tive que gritar para impedi-lo quando vi o olhar
maligno de Danilo e suas mãos irem até um objeto metálico em sua cintura e
apontá-lo na direção de Flávio.
— Flávio! Ele tem uma arma! — Flávio parou no lugar, com os
ombros tensos, pronto para agir, mas a ameaça assombrando sua cabeça.
— Não tá tão corajoso agora, né? — Michel deu um soco na barriga
de Flávio, aproveitando-se da situação. Eu gritei, colocando minhas mãos em
Flávio, tentando protegê-lo. — Patty, vê que você está namorando um
covarde! Ele é um nada! Nada! Nem se compara a mim!
— Michel, este não é você! O que aconteceu com a minha irmã? Por
que você estava me vigiando?
— Você é minha, Patty… — Ele colocou as mãos em mim,
segurando-me pelo queixo e pela cintura, o que me embrulhou o estômago..
— Eu sempre te observei. Desde a primeira vez que te vi, eu sabia que você
seria minha. Eu não sabia o que fazer para te conquistar, mas meu irmão me
ensinou. Foi assim que ele conseguiu a sua irmã.
A perspectiva de saber que aqueles dois irmãos estiveram
observando-nos a vida inteira apenas para seus desejos escusos me enojou
completamente. Era horrível pensar como ele me manipulara, abusando da
minha vontade e a da minha irmã, se aproximando como amigo e então
namorado, apenas para obter favores sexuais. Eu não esperava cair como um
patinho em seus planos, mas fiquei feliz em saber que saí de sua teia. E não
importava no que acabasse ali, eu faria de tudo para que Michel terminasse
atrás das grades.
— Você não vai sair dessa — rosnei. — Você vai preso!
— Preso? — ele riu. — Se eu for preso, sua irmã também vai. Ela
está até o talo nessa operação!
— Maria está viva, então? — perguntei?
— Não — foi a voz grossa de Danilo que respondeu. — Eu a matei e
joguei o corpo dela no mar. Depois de drogá-la durante anos para que fosse
submissa a mim. Ela adorava meu pau. Sua irmã era uma puta vagabunda,
que nem você é.
Eu comecei a chorar, não conseguindo impedir que as lágrimas
escorressem livremente. Ter a confirmação, finalmente, de que minha irmã
estava morta, era um peso em meu coração, ao mesmo tempo em que era um
alívio saber o que realmente acontecera com ela. Agora, eu só me faltava
justiça. Eu não deixaria que aqueles homens saíssem impunes.
E por isso, eu agi.
Foi loucura, é claro. Somente pela dor do luto eu conseguiria tais
forças. Mas foi com uma imprudência momentânea que eu avancei sobre
meu ex-cunhado com um rugido e pulei sobre ele, e tamanha foi sua surpresa
que ele acabou atirando para o teto, enquanto lutávamos pela arma. Ouvi ao
longe Flávio e Michel se engalfinharem, enquanto eu brigava pela arma nas
mãos de Danilo.
O segundo disparo foi ensurdecedor. O terceiro foi maior ainda, e
pude sentir o sangue em minhas mãos.
Eu me levantei, checando meu corpo, esperando por uma dor que
nunca veio.
Danilo não se levantou.
Nem Flávio.
Michel gritou.
— Sua assassina! Assassina igual a irmã! — Ele me afastou do corpo
do irmão, gritando enquanto a vida se esvaía dele. Ele começou a chorar pelo
corpo sem vida, e eu apenas fui em direção à Flávio.
Flávio não poderia estar…?
Fui engatinhando em direção à Flávio, e tudo que vi foi uma rosa
vermelha nascendo em seu ombro. Comecei a chorar, mas ele ainda estava
acordado, e parecia estar com muita dor.
— Não se preocupe, ruivinha. Eu vou ficar bem.
— Flávio…
— Você tem que escapar daqui…
— Eu não posso deixar você aqui…
— Chame a polícia.
Enquanto eu sentia a presença ameaçadora de Michel se aproximar de
mim, eu só queria me afundar nos braços de Flávio e me deixar levar pela
Morte assim como ele. Mas eu não podia. Não por minha irmã, não por
Natália. Eu tinha que ser forte. Eu peguei a arma e apontei para ele, e ordenei:
— Liga para a merda da polícia e da ambulância, Michel.
CAPÍTULO TRINTA E DOIS

AS ÚLTIMAS HORAS FORAM UMA CONFUSÃO TOTAL. Eu não me


recordo da maioria delas, mas entre o depoimento para a polícia, a coleta de
provas e a espera do hospital para descobrir mais notícias de Flávio, eu não
tive nenhum tempinho para descansar ou fechar os olhos. Tomei muito café,
mas Alessandra me garantiu que se eu não morri daquilo, não eram algumas
xícaras de café que iriam me matar. Ela disse que iria me ajudar com todos os
processos legais da investigação, e que eu era uma louca, mas que ela gostava
de loucos, e que eu havia ajudado e muito no caso.
Bem, acho que eu não tinha muito futuro na polícia de qualquer jeito.
Eu só queria um pouco de paz e sossego, a essa altura. E descobrir
como Flávio estava. Ninguém me informava, porque eu não era família, ou
namorada.
Ao menos ainda…
Aquelas horas de espera me fizeram repensar um monte de coisas.
Sobre Natália, sobre Flávio, sobre meu apartamento… Agora que eu estava
naquela sala de espera, eu só queria estar com as coisas que me importavam.
De verdade.
Eu mal conseguia digerir o que havia acontecido.
Eu queria Flávio.
— Srta. Pimenta?
Um médico veio em minha direção. Eu não sabia quem era, mas
estava atenta para qualquer alteração.
— Venha comigo, o sr. Fagundes quer vê-la.
— Ele está bem?
— Está sim. Já está estável. Um pouco dopado da anestesia, mas não
corre nenhum perigo. Terá de fazer fisioterapia por alguns meses por causa
do tiro no ombro, mas fora isso, não tem nenhum dano permanente.
Meus ombros relaxaram, tamanho foi meu alívio.
Eu corri atrás do médico, e ele nunca deve ter visto uma pessoa tão
animada.
— Patrícia — a voz grogue e rouca de Flávio me recebeu, e eu quase
chorei ao ver meu amor daquele jeito, todo enfaixado, metido em uma cama
de hospital. — Você está bem?
— Eu só tive ferimentos leves — disse.
— Venha cá — ele disse, e eu me sentei na beirada da cama,
abraçando-o sem jeito. — Quero lhe explicar algo. O motivo de manter
aquela foto na geladeira.
Eu parei atentamente para ouvi-lo, porque estava interessadíssima em
saber quem era a mulher da foto. Eu não era ciumenta, mas eu sabia que ela
era uma mulher muito importante no passado de Flávio.
— O nome dela é Aline Fontes. Ela era a minha agente, a primeira
que arranjei assim que o negócio do YouTube ficou grande demais. Eu fiquei
muito popular, e fiquei muito popular rápido demais. Não consegui manejar
meu negócio sozinho. Eram patrocínios, marcas, press kits… Eu nunca soube
o que fazer com tudo isso. Eu só queria cantar. Aline me ajudou com tudo. E
uma coisa que eu queria também era ter contato com os meus fãs. Por isso
tive a ideia de fazer um tour, fazer meet and greets pelo país para conhecer as
pessoas.
— O que aconteceu?
— Eu não esperava o tamanho do amor das minhas fãs. Bem, de uma
fã em específico. Ela levou uma arma para o encontro. Atirou em Aline, por
acreditar que ela era a minha namorada.
Eu respirei fundo.
— Aline não morreu, mas está em coma até hoje. O marido dela ainda
acredita que ela possa acordar. Fazem dois anos que isso aconteceu, e desde
então, eu tenho postado poucas coisas no meu canal, o suficiente para mantê-
lo, mas meio que dei uma pausa da internet e mídias sociais.
— Entendo… Você foi afetado profundamente pelo que aconteceu.
— Sim. Eu era apaixonado por Aline… — ele confessou. — Mas ela
só tinha olhos para o marido. Nunca correspondeu aos meus sentimentos. Só
que agora eu percebo que o que eu tinha por ela era uma admiração
profissional. O que eu sinto por você que é amor. Eu nunca senti por alguém
o que sinto agora. Eu quero viver por você, quero amar você como você é.
Por favor, Patrícia, me escolha.
Aquelas palavras me emocionaram. Eu podia não saber qual seria o
meu destino desde o desaparecimento da minha irmã, mas agora eu tinha
certeza de alguma coisa.
— Eu venho com alguma bagagem… Você aceita a mim e Natália na
sua vida?
— Eu não desejaria de outro modo, Pimentinha.
Meu sorriso aumentou, e ele me puxou para um beijo apaixonado e
verdadeiro.
O primeiro daquela nova vida.
CAPÍTULO FINAL

A MERDA DO TRIPÉ NÃO FICAVA RETO.


— Flávio! Não xingue na frente de Natália e Rafael!
Eu revirei os olhos teatralmente para a câmera.
— Estão vendo, pessoas? Quando vocês se casam, a patroa comanda.
Meu conselho? Evitem esta amarra historicamente construída da sociedade…
— Esta amarra historicamente construída da sociedade está mandando
você parar de gravar para me ajudar com a reforma!
— É conteúdo para o canal! — Eu sorri para ela, e a coloquei em
foco. A barriga de Patrícia estava enorme, e ela estava cansada e iluminada,
mas ela também sorria para a câmera. Ela era natural, como se tivesse
nascido para ser uma estrela.
— Tudo é conteúdo para o canal para você… — Ela revirou os olhos,
olhando o correio, enquanto a menininha ruiva corria atrás dela, com um
pincel em mãos, e o vestido já coberto de tinta branca. — Vamos ser
expulsos pelos vizinhos dessa forma.
— Eles não podem nos expulsar. Nós somos donos do apartamento.
— Eles podem escrever cartas…
— Bem, hora de começar a reforma! — eu anunciei, pegando a
furadeira, pronto para furar a parede e pendurar as novas prateleiras.
Assim que a liguei, no entanto, já ouvi o vizinho de baixo bater na
parede e começar a gritar.
— Ei, é o final de semana, seus devassos! Não pode reformar no final
de semana! Vocês não tem mais respeito pelos seus vizinhos?!
Eu e Patrícia nos olhamos, e apenas demos risadas gostosas, enquanto
eu colocava a mão sobre a barriga de Patrícia, sentindo o chutar animado do
nosso filho não nascido, Rafael, que ainda tinha alguns meses para aparecer.
A vida era boa.

— Ai, ai — Patrícia suspirou, olhando para a parede ainda não


pintada. — Vamos tentar terminar isso… — Quando ela pisou em cima de
uma carta enfiada debaixo da porta, e tirou-a.
Ela olhou para mim, aterrorizada. Rasgou o envelope, e de lá tirou um
papel.
O símbolo do Ouroboros, e uma inicial.
“M.”
O ciclo continuava, enfim.
FIM.
AGRADECIMENTOS

Este livro não poderia ser o que é sem a ajuda das minhas amigas
maravilhosas ♥ Furiosas e Ventas, vocês fazem meu mundo girar e se
movimentar, e muito obrigada por mais este lançamento bombástico. Eu não
seria nada sem vocês ♥
Claro que eu também não seria nada sem minhas leitoras, então este livro é
dedicado completamente à você que chegou até aqui. Divirta-se, e espero que
curta o próximo lançamento. À mais uma aventura, e mais uma vitória. Hoje
e sempre.

-smlacey
Books By This Author
Meu Inesquecível CEO
Marília Carvalho é uma jornalista decadente a procura de seu próximo furo.
Com seu emprego na revista em risco, ela se aproxima do próximo candidato
às eleições presidenciais: Eduardo Albuquerque. Marília não medirá esforços
para arrancar os podres que poderão manchar sua reputação. O único
problema? Ao se aproximar dele, ela descobre um homem carismático e
envolvente, e Marília não demora em cair em seus braços e em sua cama. No
entanto, ao perscrutar seu passado, ela descobre um segredo: que de uma
relação do passado, Eduardo teve uma filha, que ele esconde de todos.
E agora? Marília escolherá o emprego, e possivelmente o furo do século, ou
talvez um futuro como primeira dama?

Babá Por Acidente


Essa entrevista de emprego era minha última esperança. Meu namorado fugiu
do país, roubando minhas economias, e com isso o depósito para o
apartamento onde eu morava, cujo pagamento já estava atrasado fazia alguns
meses… Eu estava dignamente ferrada. Então, quando fui contratada para o
cargo de secretária do CEO Matheus Marinho achei uma benção… mal sabia
eu que ele não precisava de uma secretária, e sim de uma babá para sua filha.
Só havia um problema: eu era péssima com crianças. Nunca soube muito bem
lidar com elas e minha infância fora péssima. Como lidar com aquele
problema e com meu ex que não saía do meu pé, além da minha crescente
atração proibida pelo meu chefe?

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