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1ª edição independente | Criado no Brasil

Copyright © 2022 by Vanessa Secolin

Capa do e-book: L.A Creative


Diagramação: Vanessa Secolin
Revisão profissional: Wânia Araújo

Está é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Todos os direitos reservados. Este e-book ou qualquer parte dele não pode
ser reproduzido ou usado de forma alguma sem autorização expressa, por
escrito, da autora, exceto pelo uso de citações breves em uma resenha do
livro.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/ 98 e
punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Senhor, Virei Pai! – Livro único
Vanessa Secolin
1ª edição – outubro de 2022
Todos os direitos reservados.
Para todos que, independente do sangue,
amam seus filhos mais do que tudo
no mundo.
NOTA DA AUTORA PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
CONHEÇA OUTROS LIVROS DA AUTORA VANESSA
SECOLIN
SOBRE A AUTORA VANESSA SECOLIN
Oi, leitor!
Começo agradecendo a chance que você resolveu dar a Senhor,
Virei Pai!, esse livro é muito especial para mim, conta sobre uma das
experiências mais lindas que já tive na vida, a maternidade. Não é baseado
em fatos reais, já que eu e meu marido nos conhecemos no colégio, mas boa
parte desse livro tem um pedacinho do que eu vivi sendo mamãe, da minha
experiência e das de mamães que convivem comigo, não romantizei o
assunto, contei realmente o que muitas de nós sentimos, principalmente o
amor incondicional que só se existe entre pais e filhos.
Espero que César, Simone, Fernandinha e todos os outros deixem o
seu dia ainda mais feliz durante a leitura. Não se esqueçam de me procurar
no direct do Instagram (@autoravanessasecolin) para contar o que achou do
livro e, se for mamãe, contar se teve uma experiência parecida e como foi.
Preparados para inúmeros risos?
Temos uma vovó coruja cheia de receitinhas, crenças e superstições
(prometo que não é nada tóxico, invasivo ou cansativo). Um vovô que ama
demais a neta. Uma mamãe batalhadora, determinada e leoa, pronta para
defender sua filha. Temos também um papai que descobriu o amor da
paternidade de uma forma única e muito especial.
Confira aqui e corra para papear comigo, vou amar.
Um grande abraço, Vanessa Secolin!
Vinte e dois anos antes...
Algumas pessoas costumavam acreditar que as crianças não
entendiam a maioria dos assuntos que conversavam perto delas. Elas
estavam completamente enganadas. Pelo menos, eu entendia a maioria
deles, principalmente esse que discutiam na minha frente.
— Você precisa encontrar outro lugar para a garota, aqui está lotado,
não consigo encaixar mais uma — falou a mulher de cabelos grisalhos, que
vez ou outra me olhava com uma expressão irritada.
Meu coração doía tanto, tanto, que parecia não caber mais no meu
peito toda aquela dor.
Eu só queria a minha mãe de volta, sentir o seu cheiro gostoso
enquanto ela me abraçava com carinho, cantando para eu dormir. Ela sabia
como me acalmar, sabia como fazer a minha dor passar com beijos.
As lágrimas já tinham se tornado minha companhia, e meu rosto
estava sempre banhado com elas, desde que eu soube que a tinha perdido,
vítima de um AVC; eu nem sabia o que era isso, mas era ruim, muito ruim,
porque levou de mim a única pessoa que mais me amava no mundo, a única
que sabia como me livrar da dor.
Quem me ajudaria a tirar aquele aperto do peito?
Quem me daria um beijo sorrindo e dizendo que era uma dor
passageira, que logo ela iria embora?
Quem?
— Eu quero a minha mãe — falei alto, chorando.
A mulher de cabelos grisalhos me olhou ainda mais brava, enquanto
a outra negou com a cabeça, os olhos cheios de pena.
— Infelizmente, Simone, você não verá mais a sua mãe. Já
conversamos, ela faleceu — falou diretamente, sem muita paciência.
Eu queria correr dali enquanto me guiavam por corredores enormes,
um lugar desconhecido e frio, muito frio.
Mãe, eu tô com medo. Olhei para os meus pés, pedindo para que ela
aparecesse e que tudo ali fosse o pior dos meus pesadelos.
Só que não foi isso o que aconteceu, aquela era a minha realidade.
— Aqui será a sua cama de agora em diante — a mulher de cabelos
brancos disse, firme.
Eu tinha certeza de que ela não gostava de mim, me olhou feio o
tempo todo desde que cheguei aqui.
Olhei para a cama de grades de ferro, o colchão coberto por um
lençol branco e com um travesseiro no mesmo tom.
— Por quanto tempo? — perguntei, meu medo evidente na minha
voz, no aperto das minhas mãos unidas, na minha tremedeira.
— Indefinidamente, garota. Não pense que aqui será mimada,
porque não é bem assim. Eu tenho vinte e quatro crianças para cuidar.
Desviei dos olhos dela e só voltei a respirar quando ela fechou a
porta do quarto ao sair.
Sentei na cama, sentindo fraqueza nas pernas, os meus olhos
ardendo.
Mamãe, por que me deixou?
— Oi, garota nova. — Ouvi a voz atrás de mim.
Olhei e percebi que vinha de uma das camas, acreditei que todos
estavam dormindo, já que era muito tarde.
— Não vai falar seu nome? — o menino perguntou, se livrando do
cobertor cinza e se sentando na cama dele.
Era magrelo, branquinho e, pela pouca luz que entrava da fresta da
cortina, dava para ver que tinha cabelos castanhos.
— Não — respondi, minha voz trêmula.
— Tudo bem, não precisa. Eu entendo a sua dor, o primeiro dia é o
pior deles. Não ligue para a dona Giselda, ela é durona, mas não morde. É
só você não a provocar — ele continuou tagarelando baixinho.
Giselda, então era assim que a bruxa má se chamava.
— Eu me chamo Fernando, mas pode me chamar de Fernandinho, e
você, como se chama? — questionou, os olhos fixos em mim.
Fernando, pelo visto, adorava conversar, já que não tinha calado a
boca um segundo desde que a bruxa deixou o quarto.
Permaneci em silêncio, eu só queria voltar para a minha casa,
abraçar a minha mãe e tudo ficaria bem.
— Eu ainda vou descobrir o seu nome — ele sussurrou um tempo
depois e voltou a deitar.

A minha vida foi marcada de forma trágica.


Nenhuma criança merecia passar pelo que passei com menos de
nove anos.
Perder a minha mãe foi terrível, foi a pior dor que já senti, estar
naquela instituição para menores foi traumatizante, mas ter Fernando na
minha vida amenizou, e muito, a minha dor.
O menino magricela, dois anos mais velho que eu, realmente não
desistiu até me fazer falar com ele.
Fernando e eu erámos opostos, ele adorava conversar e sempre
sorria, jogando os cabelos para o lado, já eu quase nunca sorria.
Ele era amigável, já eu era a briguenta.
Ele era o queridinho de todos, e eu era a que se mantinham longe.
A bruxa Giselda me odiava e com o passar dos anos tudo piorou, só
que Fernando não desistiu de mim, pelo contrário, ele foi o único motivo
dos meus raros sorrisos por anos, ele foi o amigo de que eu mais precisava
naquela época. Ele se tornou o meu alicerce, a minha razão de acordar todos
os dias ao amanhecer. Ele me ensinou que a vida com riso era muito mais
gostosa.
Eu tinha mais uma pessoa no mundo que gostava de mim mesmo
detestando confessar, eu também gostava daquele garoto enxerido e
magricela.
Dias atuais...
A noite passada estava estrelada e bonita, nada que denunciasse a
forte chuva que atingiu, de repente, a grande São Paulo ao alvorecer.
Os planos de montar a barraca de pastéis nessa quarta-feira foram
por água abaixo.
Entrei em um posto de combustível, estacionei o carro e liguei para
os meus pais.
— Bom dia, filho! Hoje não montaremos, está muito forte a chuva,
melhor não arriscar — minha mãe avisou assim que atendeu.
— Bom dia, mãe! Imaginei que não abriríamos, então voltarei para
casa.
— Está dirigindo nesse temporal, menino? E ainda por cima falando
ao telefone? É perigoso. — Ouvi a voz do meu pai do outro lado da linha,
certeza de que estava com a orelha colada no telefone com a minha mãe.
Mexeriqueiro!
— Saí de casa antes do toró cair, fique tranquilo, eu estacionei para
telefonar — falei, sorrindo.
— E estacionou em um local seguro? — minha mãe perguntou
preocupada.
Eu ostentava um sorriso largo no rosto.
Não importava que eu já era adulto, responsável pelo meu próprio
nariz, eles ainda se preocupavam.
— Sim, senhora — disse, jocoso.
— Volte para casa em segurança, filho, mas espere a chuva passar
primeiro — alertou meu pai.
— Pode deixar, amo vocês.
Finalizei a ligação e esperei a chuva acalmar um pouco. Só saí do
posto de combustível quando já estava mais amena.
Dirigi concentrado e em velocidade reduzida para evitar
aquaplanagem[i], faltavam poucos quarteirões para chegar na minha casa,
quando eu a vi.
A mulher estava encostada no poste de luz, seu vestido amarelo todo
encharcado com a chuva, segurando a barriga com os olhos fechados e uma
terrível expressão de dor.
Desacelerei, com a intenção de parar, foi quando ela acenou, vindo
em desespero na direção do meu carro.
Parei o carro e desci correndo para ampará-la.
— Meu Deus, você está bem? — Fiz a mais idiota das perguntas.
Ela me olhou de forma atravessada com aqueles olhos cor de mel,
que, mesmo com o dia nublado por causa da chuva, brilhavam intensos, e se
esforçou para responder com educação.
— Não estou nada bem, estou em trabalho de parto — disse
entredentes, voltando a fechar os olhos com força e gemer de dor, apertando
forte a minha mão que segurava a dela.
— Vou levá-la ao hospital — falei, um pouco nervoso.
Um pouco era eufemismo, eu estava nervoso pra caralho.
Nunca estive em uma situação dessas, ainda mais com uma gestante
me olhando tão assustada, como se a sua vida e a do bebê dependessem
unicamente de mim.
Peguei-a no colo e caminhei até o carro com facilidade, colocando-a
com gentileza no banco do passageiro.
— Posso colocar o cinto em você? — perguntei, preocupado com a
expressão de dor dela.
A mulher assentiu, permitindo. Ela estava tremendo de frio.
Na velocidade da luz, corri para o lado do motorista, também
coloquei o cinto e arranquei com o carro a caminho do hospital mais
próximo.
Deus, que desse tempo, ou ela teria esse bebê aqui, comigo sendo
sua única ajuda.
— Tudo bem? Já estamos quase chegando — falei com calma, mas,
na verdade, eu tremia também e nem era de frio, já que o ar quente do carro
estava ligado. Era puro nervosismo.
Só neste momento me dei conta de que tinha uma grávida no meu
carro.
Uma grávida e ela estava prestes a dar à luz uma criança! Senhor!
— Você quer que eu ligue para alguém? — perguntei, olhando-a
rapidamente.
Ela permaneceu de olhos fechados e deixou de morder o lábio
carnudo para me responder: — Para a ambulância, eles estão a caminho,
mas não aguentei de dor e resolvi sair de dentro de casa.
— Nessa chuva? — questionei nem sei por que, mas era perigoso.
— Eu não queria que o bebê nascesse na minha cama, e se
acontecesse alguma coisa? O que eu faria lá sozinha? — questionou, em um
misto de irritação e preocupação.
— Tudo bem, tudo bem, vou avisar que já estou te levando ao
hospital — recuei, não era um momento para discussão.
Parei no sinal e aproveitei esses poucos segundos para telefonar.
Foi rápido, cancelei a ambulância e voltei a prestar atenção no
trânsito.
— Mais alguém que queira avisar? — voltei a perguntar,
imaginando que o pai do bebê adoraria estar presente nesse momento.
Ela me olhou enraivecida, segurou a barriga e gemeu de dor.
— Ahhh, por que tem que doer tanto? — perguntou de forma
retórica.
Involuntariamente, eu soltei uma mão do volante e segurei a dela,
tentando passar conforto, mesmo que de uma maneira tão boba.
Os olhos cor de mel se abriram para mim, encarando-me, surpresos.
— Está tudo bem, eu ficarei aqui com você até que alguém chegue.
— Ninguém chegará, somos apenas eu e a minha bebê —
respondeu, ainda tentando se recuperar da sensação que eu acreditava ser
terrível de tão dolorosa.
Assenti e permaneci o restante do caminho em silêncio, com receio
de irritá-la.
Só voltei a respirar aliviado quando parei em frente ao hospital.
— Chegamos, venha, eu te carrego — proferi, ao abrir a porta do
carro para ela.
Não posso nem imaginar a dor que ela estava sentindo, o nervoso, o
medo de estar colocando alguém no mundo e, ainda por cima, sozinha neste
momento tão importante e delicado.
— Eu consigo andar — falou, me olhando de lado.
Mesmo com a recusa, permaneci ao seu lado, pronto para pegá-la,
caso escorregasse no chão molhado da chuva, que ainda caía fraca.
Entramos, e ela caminhou com dificuldade até o balcão da recepção,
pronta para fazer sua ficha de atendimento.
Eu estava me sentindo um inútil, eu quem deveria estar lá e ela aqui
sentada, descansando, levantei e caminhei até ela, no segundo em que
respondia seu nome para a recepcionista.
— Eu me chamo Simone de Alcântara Cardoso.
Simone, olhei para o rosto pequeno e delicado, o nome combinava
com ela.
A enfermeira apareceu com uma cadeira de rodas e disse: — Venha,
vamos cuidar de você e do bebê, deixe que o seu marido faça a sua ficha.
Eu e Simone nos olhamos rapidamente e, antes que ela negasse, eu
peguei os documentos das suas mãos trêmulas e falei: — Vá lá, pode ficar
tranquila que eu termino aqui — prometi.
Ela me olhou agradecida e se sentou, sendo empurrada para dentro
do hospital.
Não sei o que a fez confiar tão cegamente em mim, talvez o
momento ou a falta de apoio de alguém.
Deslizei os documentos para a recepcionista, ela pegou a carteira de
gestante e começou a digitar no computador.
Ansioso, comecei a batucar o dedo no balcão.
— Senhor, preciso de um contato de emergência — a recepcionista
falou, encarando-me.
Eu olhei para a porta que levaram Simone, quem seria o contato de
emergência dela?
— Senhor, pode me passar seu número? — A jovem questionou.
Assenti, passando meu telefone a ela.
— Prontinho, se quiser entrar, está liberado. — Me entregou um
crachá com a palavra acompanhante escrita e os documentos de Simone.
— Hum — resmunguei, olhando em dúvida para a porta. — Não sei
se é uma boa ideia...
— Ela precisa de você, senhor. Neste momento mais do que nunca
— a enfermeira teimou.
— Eu não sou o...
— É só seguir até o final do corredor, virar à esquerda e estará na
ala obstétrica. É só pedir a informação no balcão e alguma das meninas te
levará até a sua esposa. — Sorriu, gentil.
Assenti, engolindo em seco.
Esposa. Ala obstétrica. Como o meu dia se transformou
repentinamente nisso?
Com passos cautelosos, fiz o percurso que a moça orientou, pedi a
informação e me passaram o número do quarto dela, 22 B.
Bati para anunciar a minha chegada e ouvi em um tom abafado a
permissão para entrar.
Simone estava apoiada em uma das camas, os cabelos presos em
uma toalha de banho e vestida com uma camisola hospitalar.
— Vim te entregar isso. — Indiquei os documentos.
— Pode colocar aí em cima, por favor? — pediu e novamente a
expressão de dor voltou para o rosto dela.
Eu queria ajudar de alguma forma.
— Quer que eu faça mais alguma coisa por vocês? — perguntei,
solícito, enquanto deixava os papéis no aparador ao lado da cama.
— Obrigada... Eu nem ao menos sei o seu nome.
— É, eu me chamo César — falei com um pequeno sorriso.
— Obrigada, César, mas você já fez demais por mim hoje, eu não
deveria ter pegado chuva.
— Já se aqueceu? — perguntei, realmente preocupado.
— Sim, a primeira coisa que a enfermeira fez foi exigir que eu
tomasse um banho quente e vestisse isso. — Indicou a camisola com uma
careta engraçada.
— Bom... Eu... — Estava prestes a me despedir quando ela voltou a
gemer de dor, se curvando e cerrando os dentes.
— Ahhh! Essa foi forte. Por que dói assim? — falou, tocando a
barriga.
Cocei a nuca em desespero.
O que um homem fazia em uma situação como esta?
Como o pai de um bebê passava por tudo isso?
Eu não fazia ideia. Eu não daria conta. Eu não tinha a menor noção
do que fazer e de como agir.
Neste momento, a mesma enfermeira entrou acompanhando uma
médica, ambas sorridentes e tranquilas.
— Bom dia, mamãe! Sou a doutora Suelen e vou acompanhar vocês
hoje. Você deve ser o papai do bebê. — Olhou para mim ao falar.
— Não, eu sou... — Não soube o que responder.
— Ele apenas me deu carona até aqui, não nos conhecemos — ela
respondeu por mim e novamente gemeu de dor.
— Intervalo de quanto tempo? — a médica perguntou, orientando
que ela se deitasse na cama.
— De cinco em cinco — Simone contou.
— Ótimo, irei fazer o exame de toque em você para verificar a
dilatação.
Tudo estava se tornando cada vez mais constrangedor, e eu, cada
vez mais desesperado.
Quando os olhos de Simone se fixaram nos meus, eu resolvi que iria
embora, nenhuma mulher deveria passar por esse dia com um desconhecido
ao seu lado, te olhando como um pateta, porque era exatamente assim que
me sentia, um idiota, inútil.
— Eu já vou embora — avisei enquanto a médica e a enfermeira se
preparavam para o tal exame.
Simone pareceu se recordar de algo e, com um leve corar nas
bochechas, ela perguntou: — César, sei que já me ajudou muito hoje, mas
você poderia me fazer mais um favor? — Os olhos cor de mel dela
demonstravam todo o seu desamparo.
Eu seria um maldito se negasse e eu não queria negar nada que ela
me pedisse.
— Claro, o que quiser — respondi rápido demais, e a médica riu
com o meu desespero, Simone também deixou um riso pequeno escapar.
Foi impossível não notar o quanto ela era linda, mesmo diante de
uma situação tão dolorosa e embaraçosa para ambos.
— Saí tão rápido de casa que acabei me esquecendo das coisas da
bebê, das minhas também, será que você pode trazer para mim? Não tenho
outra pessoa que possa buscar no momento.
Caminhei para mais perto dela.
— Você nem me conhece e quer que eu entre na sua casa? —
questionei, surpreso.
— Para você ter uma noção do meu nível de desespero... Ahhh! —
gritou, segurando a barriga.
Meu Deus, eu acabaria desmaiando ali e ela era apenas uma
desconhecida, mas a dor dela era tão agonizante que eu parecia sentir.
— Certo, tudo bem, eu pego, trago o que você quiser — falei rápido.
— A chave de casa está dentro da pasta de documentos, aquela que
você trouxe — disse, indicando a pasta no aparador.
Fui até lá e peguei a única chave que tinha.
— Não tem chave do portão? — questionei.
— Minha casa não tem portão, é logo onde você me achou, bem
diante do poste, siga o corredor e a porta estará trancada.
Quem não tem um portão em uma cidade como essa? E a segurança
dela? Delas, já que trazia uma filha ao mundo.
— Irei lá — avisei, mas, antes de sair, ela segurou minha mão com
firmeza.
— Por favor, volte! Você não imagina o quanto eu preciso de ajuda
nesse momento. — A voz dela estava carregada de desespero, angústia, e eu
senti meu coração se partir por ela.
— Eu vou voltar, prometo. Só se preocupe em trazer a sua filha ao
mundo, bem e saudável, do resto eu cuido — garanti, tocando a mão dela,
que segurava a minha.
Eu não sabia o que Simone tinha naqueles olhos claros como mel,
mas eles me fizeram prometer coisas que eu não deveria, me fizeram
desejar cumprir cada uma das minhas palavras.
Porra!
Eu estava ferrado e ainda sorrindo como um besta, sem entender o
motivo.
Eu estava confiando a minha vida a um desconhecido.
Meu Deus!
Como foi que cheguei a esse ponto?
— Ele é um gato, hum? E está todo preocupado com você e a bebê
— a enfermeira disse quando César fechou a porta do quarto, nos deixando
ali dentro.
— Juro que achei que era o seu marido, pela forma carinhosa que te
olhava e pelo jeito preocupado que estava — a médica completou, erguendo
as sobrancelhas, animada.
Me deitei na cama com o apoio da enfermeira, abrindo as pernas ao
responder: — Ele deve estar achando que eu sou uma louca, isso sim,
praticamente me joguei na frente do carro dele, ensopada e parindo.
As duas riram da minha cara, mas essa era a mais pura verdade.
César só podia estar querendo correr para o mais longe possível de mim.
Quem sairia grávida quando o céu estava desabando? Só eu, ou uma
pessoa muito desesperada, que também era o meu caso.
No momento eu nem pensei muito, só queria que a minha bebê
chegasse ao mundo com saúde e que ela ficasse bem. Tudo poderia
acontecer em um trabalho de parto, e eu nunca me perdoaria se pudesse
evitar e não tivesse feito nada, por isso saí na rua em busca de ajuda, a
ambulância estava demorando mais que o normal por causa da chuva e eu
sabia que uma hora ou outra ela nasceria ali mesmo, na minha minúscula
cama.
— Situações como essas merecem uma dose de desespero...
— Mas não a ponto de dar a chave de casa a um desconhecido; se
ele não voltar, eu estarei ferrada... — cortei a enfermeira.
— Neste momento você precisa ficar calma, vamos focar em você e
na bebê; se ele não voltar, o hospital te dará todo o apoio de que precisar,
desde fraldas até roupas. Fique tranquila.
Sorri, mas ainda estava preocupada. O hospital me daria suporte
pelo tempo que eu permanecesse ali, mas e depois? Quem me ajudaria?
César, por favor volte!, supliquei em pensamentos.
Meu medo era que ele sumisse com o pouco que ainda me restava.
Deus, por favor, não permita isso!, voltei a suplicar.
Eu sempre fui muito sensitiva e, desde que o vi, senti uma boa
energia, confiava nele sem entender bem o motivo e, movida por essa
intuição, arrisquei tudo o que tinha.
Com o toque, descobrimos que eu já estava com quase dez dedos
dilatados, pronta para trazer ao mundo o meu pacotinho de luz, o meu
milagre.
Nunca na vida eu precisei ser tão forte como neste momento. Não
era só a minha vida em risco, nós duas dependíamos de mim e todas as
vezes que a médica mandava eu empurrar com força, eu empurrava com o
máximo de força que conseguia.
Forte! Por ela, por mim e pelo meu amor.
Forte por nós três, enquanto sentia as lágrimas rolarem pelo meu
rosto. Não era somente a dor que me fazia chorar, era o momento, era tudo
aquilo que ele estava perdendo por não estar aqui. A mágica que era colocar
no mundo um pedacinho de nós dois que formava um todo.
Uma última vez eu fiz uma força quase desumana e o choro forte
invadiu o quarto, me fazendo chorar ainda mais.
— Nasceu, ela é linda — a doutora Suellen disse, com a minha bebê
nos braços, trazendo-a para mim, enrolada em uma manta branca.
Peguei a minha filha com ansiedade, o maior e mais lindo amor do
mundo sendo descoberto naquele momento, eu nunca, nunca imaginaria que
era tão lindo assim segurar nos braços uma metade minha e do homem que
mais amei.
— Bem-vinda ao mundo, minha luz, eu prometo que te amarei e
protegerei para sempre, nem que a minha vida dependa disso — prometi,
colando meu rosto no dela e depositando um beijo na sua testinha.
O chorinho mais lindo do mundo era o que me fazia chorar também,
só agora deixando que todas as minhas emoções viessem à tona.
Eu passei por tanto sozinha e agora tinha uma pessoinha que
dependia única e exclusivamente de mim.
Por ela, eu lutaria todos os dias, mesmo que as batalhas fossem cada
vez mais difíceis.

E como Simone havia informado, sua casinha ficava bem diante do


poste onde a vi pela primeira vez. O corredor estreito e lamacento estava
bem escorregadio, o que me preocupava muito era isso, ela grávida e na
chuva, atravessando esse terreno íngreme e perigoso.
Meu Deus, e se ela caísse aqui e ninguém a visse? Não gostava nem
de pensar nessa hipótese.
Com a chave na mão, abri a porta da casa, dando de frente com uma
cozinha pequena, mal cabia o fogão e a geladeira ali, além da pia.
Olhei ao redor, procurando pela bolsa que ela falou, foi impossível
não notar as condições precárias do lugar, mesmo limpinho e organizado,
tinha muita infiltração nas paredes e pelo chão molhado, chovia bastante
aqui dentro.
Eu não entendia nada sobre bebês, mas tinha certeza de que esse era
um péssimo local para se criar um.
— Simone, o que será que aconteceu com você? — sussurrei,
adentrando a cozinha para ir até o outro cômodo.
A única outra porta levava ao quartinho, que era ainda menor que a
cozinha. Tinha uma cama de solteiro estendida e, ao lado da cama, apoiado
em uma cadeira de madeira bem surrada tinha um... o que era aquilo?
Cheguei perto e olhei bem, não era um berço, nem um bebê-
conforto, estava mais para um caixote forrado, acredito que era onde ela
colocaria a bebê para dormir.
Deus! Como eu reclamava tanto da minha vida se existiam pessoas
passando por situações ainda piores?
O quarto tinha ainda mais infiltrações que a cozinha, e o minúsculo
banheiro sem janela mal dava para dar dois passos, a porta era sanfonada
porque uma normal não caberia ali e estava toda quebrada e fora dos trilhos.
Peguei as duas bolsas em cima da cama dela e mais uma vez analisei
ao redor, a casa toda era do tamanho da minha sala de estar.
Quando saí da casinha, com as duas malinhas rosa em uma mão e na
outra o celular ligando para os meus pais. Olhei para o céu, que já não
estava mais tão nublado, e falei: — Agora eu sei porque o senhor me
colocou no caminho dela, as duas precisam muito de ajuda, e eu irei ajudá-
las.

Novamente no hospital, entrei de uma vez, já que o crachá de


acompanhante me dava passe livre para a ala obstétrica.
A porta do 22B estava entreaberta, mesmo assim bati antes de entrar
e, como resposta, ouvi um chorinho estridente.
Sorri ao olhar para a pequena bebê chorona dentro do berço móvel,
céus, ela era lindinha, tão pequena que poderia facilmente caber na palma
da minha mão. Estava vestida com um macacão branco, o nome do hospital
bordado nele.
— Ah, graças a Deus você voltou, César — Simone falou aliviada,
quebrando a minha conexão com a sua linda filhinha.
Olhei-a preocupado, seus olhos estavam vermelhos e chorosos.
— Claro que eu voltaria por vocês — falei, deixando as bolsas na
cadeira ao lado da cama em que ela estava deitada. — Nossa, foi bem
rápido o parto... — Mesmo que eu não entendesse nada, para mim foi muito
rápido, já que só levou o tempo de eu ir na casinha buscar as coisas.
— E extremamente doloroso, acredite, nunca mais terei outra
criança, nunca mesmo — garantiu, olhando para a pequena com os olhos
cheios de amor.
— Ela é tão linda — falei, evitando tocar na bebê, já que estava
gelado da chuva que peguei e nem o ar quente do carro foi capaz de me
aquecer.
— Ela é sim, a minha pequena luz — falou emocionada.
Encarei os seus olhos cor de mel, sorrindo.
— Qual nome escolheu? — perguntei, estava curioso desde quando
a minha mãe perguntou o nome delas na ligação que fiz. Eu só sabia o de
Simone.
— Fernanda, minha Fernandinha.
Assenti com um grande sorriso.
— Oi, Fernandinha — sussurrei, balançando o berço móvel, que
também parecia uma banheira, era uma coisa interessante.
A bebê continuava reclamando.
— Será que você pode pegá-la e trazê-la para mim? A enfermeira
disse que eu precisava amamentar o quanto antes.
— Estou gelado e sujo da rua, não faz mal para ela? — questionei,
caminhando até o dispenser de álcool em gel e pegando bastante,
esterilizando as minhas mãos e os meus braços.
— Pegue-a com a mantinha — Simone sugeriu.
Me aproximei do bercinho.
— Céus, eu nunca peguei um bebê antes — avisei, meio
desesperado e rindo de nervoso.
O berço móvel tinha rodinhas e estava o mais perto possível da
cama dela, mas ela realmente precisava de ajuda para pegar a bebê, por isso
tentei com todo o cuidado do mundo.
— Segure bem a cabecinha, mas não precisa apertar muito —
orientou e assim eu fiz.
Ao pegar a pequena Fernanda nos braços, o choro dela cessou, os
olhinhos já estavam abertos e me olhavam. Eu não sabia se ela era capaz de
me distinguir, mas de uma coisa eu tinha certeza: aquela bebê era
apaixonante, eu estava encantado por ela.
— Aqui — falei, me obrigando a entregar a filha para a mãe.
Simone a pegou com maestria, como se fosse mestre na arte de
carregar bebês, eu a conhecia tão pouco, talvez ela realmente fosse.
A enfermeira entrou no quarto no segundo que me afastei das duas.
— Vamos amamentar essa lindinha? — perguntou, caminhando para
o local em que há pouco eu estava.
— Eu vou esperar lá fora, assim vocês têm mais privacidade —
falei, já próximo da porta, mas travei quando Simone disse: — Não precisa
sair, César, a menos que queira.
— Fique aqui, pode ir organizando as coisinhas delas no armário,
ficarão aqui ao menos dois dias — a enfermeira disse, orientando Simone
com a posição da bebê para a amamentação.
— Dois? Fernandinha não está bem? — Simone questionou,
preocupada, e eu olhei para a enfermeira, nervoso também.
— Não, são necessários exames de rotina, tanto para você quanto
para ela — a enfermeira nos tranquilizou. — Agora abaixe a camisola e
vamos ver se você tem bastante leite.
Peguei as bolsas e me virei rápido, de costas para elas, focado
apenas em guardar as coisas das duas no armário.
Deus! Tinha como ficar ainda mais embaraçosa a minha situação?
Eu era um desconhecido, que tinha se apaixonado à primeira vista
pela bebê Fernanda e que agora estava com diversas fraldas, guardando-as
no armário.
— Ai! Precisa apertar meu peito assim? — Ouvi a voz da recente
mamãe.
— Precisa, para ver se está saindo bastante leite e, pela forma que
esguichou, essa bebê aqui vai poder se esbaldar.
Sorri com isso e percebi que tudo poderia ser ainda mais
constrangedor quando abri a segunda bolsa e dei de frente com calcinhas da
Simone.
Céus! Cadê a minha mãe nessas situações? Demorava tanto assim
para arranjar tudo o que eu pedi?
Amamentar sempre foi o meu sonho desde que eu decidi que queria
ter filhos. Com a descoberta da gravidez da Fernanda, essa certeza só
aumentou, eu não perderia esse momento por nada no mundo e eu só
descobri agora o quanto estava certa olhando para a minha pequena luz, que
tentava sugar o leite com toda a força que tinha. Nem a ardência desse
primeiro contato amenizava a satisfação que era alimentar o serzinho que
foi gerado dentro de mim.
A cada segundo que passava eu me apaixonava ainda mais pela
minha filhinha, ela era muito parecida comigo, o tom negro da sua pele foi
herdado de mim, só era um pouco mais clara por causa do pai, os olhos eu
ainda não tinha certeza do tom, mas o formato era idêntico aos do
Fernando.
— No início vai doer um pouco, por isso é importante que preste
atenção se a pega está correta — a enfermeira voltou a orientar. Bárbara,
era esse o nome bordado no seu uniforme.
Eu ainda estava receosa com ela, desde o momento que apertou o
bico do meu peito como se fosse de borracha, tão forte que reclamei com a
dor, nem me importando que César também estava no quarto. Realmente o
leite esguichou longe, mas tinha necessidade disso tudo?
— A pega correta deve ser sempre na aréola, nunca no bico do seio,
ou ele irá machucar e você pode até correr o risco de desistir da
amamentação — ponderou.
— Não, isso nunca. Por mais que doa, eu faço questão de alimentá-
la — falei firme.
Poderia doer e eu venceria essa dor, por ela, pela saúde dela. O
melhor sempre seria para ela.
— Assim que eu gosto, sem contar que a fórmula está muito cara —
Bárbara disse, olhando atentamente a amamentação da bebê.
Sim, realmente doía muito, já que o meu corpo não estava
acostumado com nada daquilo, mas não era intolerável, e ficar olhando para
Fernandinha enchia meu coração de amor.
— Eu nem quero considerar essa ideia, sei o quanto o aleitamento
materno é essencial.
— Sim, é muito importante, principalmente para a bebê, mas para
você também. Ela ficará um bom tempo mamando, é normal, agora eu
preciso ir ajudar outra mamãe, você consegue continuar sem mim? —
perguntou.
— Sim, acho que sim — falei, não tão firme quanto gostaria, pois
estava morrendo de medo.
— Se precisar de alguma coisa, é só apertar esse botão aqui que uma
das enfermeiras da recepção vem te ajudar — disse, colocando o fio do
botão ao meu alcance.
César ainda estava ali comigo, de costas, organizando as minhas
coisas e, mesmo que fosse uma loucura, eu me sentia mais tranquila tendo-o
como companhia.
— Qualquer coisa me chame — ela falou para ele.
— Pode deixar, eu cuidarei delas — ele prometeu e o meu coração
se encheu de alívio e alegria.
Fazia quanto tempo que eu não ouvia que alguém cuidaria de mim?
Eu cheguei na vida do César de uma forma inusitada e percebia o
quanto ele estava constrangido com toda a situação em que acabei nos
metendo. A mais engraçada delas foi quando a enfermeira veio para
amamentarmos Fernanda, o homem parecia querer pular pela janela,
perdido de uma maneira que eu nunca vi ninguém antes.
Tudo isso era medo de me ver amamentando? Ou ele estava apenas
tentando respeitar o meu espaço?
Não o entendia bem o suficiente para desvendar o seu receio, mas
adorei saber que, mesmo diante da nossa cômica situação, ele permaneceu
firme ali comigo; não era sua responsabilidade e ele já tinha feito muito por
mim e pela Fernandinha, mas enquanto ainda tentava pegar o jeito da
mamada e evitar focar na dor que a sucção causava, olhei para ele, abaixado
ali, organizando as minhas coisas.
Meu Deus, ele estava segurando os meus absorventes!
— Deixe que eu organizo isso depois — falei baixo para não
assustar a bebê, mas o suficiente para ele ouvir.
— Está com vergonha de mim, Simone? — perguntou, jocoso. —
Eu acabei de ver e dobrar as suas calcinhas, vai ficar mesmo com vergonha
dos absorventes?
Foi quando ele se virou para trás e encarou meus olhos, um misto de
diversão brilhava no seu rosto e eu não entendi porque sorri também,
sentindo meu rosto esquentar de vergonha.
— Você já fez tanto por mim e pela minha filha, não precisa perder
o restante do seu dia aqui, com certeza tem outras coisas para fazer —
comentei, evitando responder a sua provocação.
Ele colocou o pacote fechado de absorventes no armário e deixou as
bolsas vazias lá também, fechando-o em seguida.
— Não vejo como perda de tempo, e hoje estou de folga — falou,
dando de ombros, como se realmente estivesse gostando de estar ali
comigo.
— Eu não quero ser um incômodo, César — reclamei, fazendo uma
careta quando a amamentação doeu um pouco mais.
Olhei para Fernanda, a pega estava diferente de como a enfermeira
tinha me orientado, ajeitei a cabecinha dela e mais uma vez ela pegou certo,
a dor quase inexistente.
— Vocês não são um incômodo, não pense assim. Eu nunca te
deixaria aqui sozinha, ainda mais no momento em que mais precisa de
ajuda. A menos que você queira que eu vá, posso ir agora mesmo, sei que é
um momento íntimo...
— Não — respondi rápido. — Eu não quero que vá, sei que pode
parecer loucura, já que não nos conhecemos, mas eu realmente não quero
ficar sozinha aqui — desabafei.
Nunca na minha vida eu senti tanta falta da minha mãe como neste
momento, a ajuda e o apoio dela seriam essenciais.
Ele caminhou para perto, os olhos fixos nos meus.
— Prometo que eu ficarei o tempo que desejar, Simone, mas antes
preciso confessar uma coisa — falou, coçando a nuca, nervoso.
Olhei novamente para Fernanda, que continuava com a sua mamada
no mesmo ritmo, uma pequena esfomeada.
— Devo ter medo? — perguntei, já que ele ficou em silêncio,
também olhando para a bebê.
— Não, claro que não. Preciso confessar que nunca estive em uma
situação como essa antes, nunca uma grávida quase deu à luz dentro do meu
carro. Juro, eu estava tão desesperado quanto você, mas tentei manter a
pose de durão para não te assustar — falou, com um sorriso suave no rosto.
— Deu certo, nem percebi que estava nervoso — disse a verdade.
— Mas isso não é tudo o que preciso dizer. — Coçou a sobrancelha.
— Eu acabei pedindo reforço.
Olhei confusa para ele.
— Como assim? — questionei, de cenho franzido.
— Liguei para os meus pais, na verdade, foi para a minha mãe, mas
o meu velho é um fuxiqueiro e acabou ouvindo a conversa — falou,
divertido.
Deu para perceber o amor dele pelos pais e isso me fez ter ainda
mais certeza que César não entrou no meu caminho por acaso, certeza de
que lá do céu alguém deu um empurrãozinho para unir nossos caminhos.
— Ela virá aqui? — perguntei, contendo a vontade de rir da cara
dele.
— Sim, ela entende mais de bebês do que eu, e é a pessoa em que eu
mais confio para te ajudar.
— Ah, César, eu não quero incomodar ninguém, já fui abusada me
metendo na frente do seu carro, mas mandar a sua mãe aqui, não, já é
demais, eu não quero incomodar ninguém. — Neguei com a cabeça.
O que a família dele pensaria de mim? Que eu era louca, sim, isso já
imaginavam, eu tinha certeza, mas não era uma folgada, conseguiria me
virar sozinha.
Ele não respondeu, já que pegou o celular que eu acreditava que
vibrava no bolso dele.
— É ela, acredite, ela é louca por bebês e não vai se incomodar com
nada.
Olhei para Fernanda, dando assim o momento que ele precisava para
falar com a mãe dele.
— Oi, mãe — atendeu. — Sim, estou aqui com elas. Tudo bem, eu
ficarei aqui.
Quando ele finalizou a ligação, voltei a olhá-lo.
— Ela já está lá na recepção, mas o horário de visitas começa daqui
meia hora, disse que vai esperar no carro com o meu pai.
— César... Não tem necessidade de incomodá-los — falei, sem jeito.
— Não é incômodo, eu já disse. Depois que você conhecer a dona
Josefina, eu que terei que me desculpar por colocar ela na sua vida, é
doidinha e se apega tão rápido, conhecendo-a bem, sei que não vai sair do
seu lado e nem do da bebê por nenhum momento.
Sorri com isso, mas não fui capaz de responder, já que a Bárbara
voltou a entrar no quarto.
Ela novamente me orientou com a posição para colocar Fernanda
para arrotar, que era muito importante, e não demorou muito para que a
pequena voltasse a dormir no bercinho móvel.
— Agora vamos levantar para tomar um banho? Eu te ajudo.
Eu estava louca para levantar, tomar banho, pegar Fernanda nos
braços quando bem entendesse; ficar presa em uma cama era horrível.
— Sim, não vejo a hora de poder andar de novo.
— Ainda bem que não precisou de uma cesariana, o pós-parto dela é
bem mais complicado — a enfermeira disse.
— Graças a Deus, eu imagino o quanto deve ser difícil — falei,
segurando firme nas mãos dela para me levantar pela primeira vez após o
parto.
— Talvez hoje você receba uma colega de quarto...
— É mesmo? — perguntei e olhei para a cama vazia ao lado da
minha.
O quarto era pequeno, tinha dois armários, duas camas com
aparadores ao lado, dois berços móveis e duas cadeiras de acompanhantes,
uma pequena televisão no suporte da parede e um banheiro.
— Ela acabou de dar entrada em trabalho de parto, por pouco o bebê
não nasceu no carro — Bárbara contou.
Olhei para César com diversão, a expressão dele era impagável. Eu
tinha realmente traumatizado o homem com a pequena possibilidade da
minha filha nascer no carro, com só ele para me ajudar.
— Pronto, tente caminhar sozinha e devagar — orientou.
Não foi difícil voltar a andar por conta própria, até neguei a ajuda no
banho, mas fui cuidadosa e poucos minutos depois já estava no quarto,
limpa e devidamente vestida.
— Se sente melhor? — ele perguntou, estava sentado na cadeira de
acompanhante, próximo ao berço onde Fernanda dormia sendo
supervisionada por ele.
— Você não faz ideia — falei.
Ainda estava dolorida, cheia de medos e inseguranças, mas disposta
a viver um dia de cada vez e batalhar pela minha filha.
— E você, não disse o que faz da vida — comecei um assunto, me
sentando na cama, olhando-o.
— Eu sou feirante, com a forte chuva de hoje acabou sendo
impossível montar, estava voltando para casa quando a vi com dor, apoiada
no poste de luz.
— Feirante? Que legal, e o que você vende na feira? — perguntei,
eu era uma grande curiosa e César logo se daria conta disso.
— Pastéis, vou te levar para provar um dia, são os melhores da
cidade — falou, carregado de certeza.
— Um convite para comer? Eu aceito porque não sou nada boba. —
Sorri ao dizer.
— E você, Simone, o que faz da vida? — ele questionou, encarando
meus olhos, realmente interessado na minha resposta.
— Eu sou um pouco de tudo, acredite. Mas ganhava mais sendo
diarista, só que com o crescimento da barriga foi impossível continuar
trabalhando — contei.
Minha vida mudou tanto de um ano para cá que nem eu acreditava
às vezes.
— E paga aluguel daquela casinha? — perguntou de cenho franzido.
— Sim, infelizmente é a única que eu consigo pagar no momento,
mas assim que voltar a trabalhar pretendo sair de lá — comentei.
— Sei que acabamos de nos conhecer, que eu não sou ninguém
importante na sua vida e que nem deveria estar falando isso, mas não tem
como criar a Fernandinha lá. Quando busquei a bolsa, foi impossível não
notar o quanto a casa está precária, com mofos e rachaduras.
Encarei o chão, meus olhos marejados e a sensação de que falhei
com a minha filha, mais de uma vez, dominou o meu corpo.
— Não era o que eu tinha planejado, mas nada costuma ser como
nos planos, não é mesmo? — questionei com pesar.
— Não fique assim, não estou falando isso para chamar a sua
atenção, longe disso, ainda somos desconhecidos um para o outro, só nós
sabemos o peso da cruz que carregamos e eu seria um hipócrita se te
criticasse, é que... Eu não vou permitir que vocês voltem para aquele lugar,
ainda mais com as fortes chuvas que caem de repente nessa época.
Olhei para ele, confusa com seu comportamento.
— César, quando pulei na frente do seu carro buscando ajuda, era
apenas para chegar ao hospital e depois foi para buscar a bolsa, mas não se
sinta responsável por mim e pela Fernanda, você foi gentil em nos ajudar,
ainda está sendo, mas eu não vou aceitar nada além disso — comentei,
orgulhosa.
Ele se levantou, prestes a protestar, mas bateram na porta neste
momento, nos interrompendo.
— Oi — uma senhorinha falou, adentrando o quarto, um pouco sem
jeito.
— Mãe, que bom que chegou — César disse, parecendo aliviado.
Então aquela era a dona Josefina. A mulher baixa, de cabelos presos
em um coque e pele clara, segurava nos braços dois cobertores grossos e
mais algumas sacolas.
— Não deixaria de vir por nada — sussurrou, olhando para a bebê,
que ainda dormia tranquila.
César pegou todo o peso das mãos da mãe e deixou que ela se
aproximasse de mim.
— Oi, senhora, eu não queria incomodar, falei para o seu filho que
não precisava te chamar, eu consigo me virar sozinha.
— Ah, minha filha, eu sei que consegue, dá para ver no seu rosto o
quanto é batalhadora, só que às vezes precisamos aceitar ajuda e eu vim
aqui para te ajudar — falou em um tom amoroso.
Minha filha, havia quanto tempo que alguém não me chamava
assim?
Eu não consegui proferir nenhuma outra palavra, meus olhos se
encheram de lágrimas e eu me vi sendo acolhida pelos braços daquela
senhorinha, que ainda era uma desconhecida.
Deixei que todas as emoções de tudo o que vivi nos últimos meses
viessem com força, derrubando as minhas barreiras e colocando de lado
todo o meu orgulho.
Eu realmente precisava de ajuda, só não imaginei que na primeira
oportunidade me veria assim, abraçando-a apertado enquanto chorava.
Eu fiquei encantada com a dona Josefina desde o segundo que ela
colocou os olhos amorosos em mim e na minha filha.
Ela era tagarela, mesmo que aos sussurros. Falava tudo o que sabia
sobre bebês, me orientando em coisas que eu ainda não fazia a menor ideia
e, quando ficamos sozinhas no quarto, ela me perguntou: — Percebeu o
quanto ele está preocupado com vocês duas?
Olhei para a porta que César tinha acabado de fechar.
— Sim, já pedi para ele parar, vocês não precisam se incomodar
tanto...
— Simone, deixe que cuidemos de vocês. Eu me lembro que quando
César nasceu, foi a época da minha vida que eu mais precisei de ajuda, ele
era um bebê comilão, quase não me deixava respirar um pouco, deu um
trabalhão danado e o meu marido estava sempre comigo, segurando a
minha mão nos momentos difíceis, me apoiando e garantindo que tudo
ficaria bem, e ficou, foi uma fase difícil, é para todas as mamães, mas
aceitar ajuda ameniza.
— Eu tenho apenas a Fernanda, e ela tem apenas a mim...
— Por isso digo que, se encontrou pessoas boas, aproveite.
Eu sabia que eles eram boas pessoas, era perceptível, e a minha
intuição me fazia crer nisso.
— Obrigada — falei, os olhos novamente marejados.
— Não precisa agradecer, é um prazer para mim, tem anos que eu
não segurava uma bebê tão linda — falou, olhando para Fernandinha no seu
colo.
Preguiçosa, ela já estava aconchegada enquanto era ninada.
— O que ele foi fazer de tão importante? — perguntei curiosa.
— Não sei, minha filha, mas ele parecia bem ansioso...
Sim, eu tinha notado isso e era exatamente por isso que eu estava
curiosa, César mesmo tinha dito que era seu dia de folga.
Ele se ausentou o restante do dia, deixando dona Josefina ali comigo
o tempo todo.
A minha colega de quarto já estava ali conosco, teve um lindo
menino, a sua mãe estava com ela, ajudando-a.
— Eu insisto que a senhora deve ir para casa descansar — falei com
dona Josefina, pela enésima vez.
Teimosa com ela era, negou novamente.
— Não vou, sua madrugada vai ser longa, a primeira com um bebê é
muito difícil, mesmo que essa gracinha aqui seja tranquila.
— Senhora, eu vou me sentir mal assim.
— Nada de senhora, lembra? — Neste momento o celular dela
vibrou em cima do aparador. — É o César... — falou antes de atender.
Dona Josefina sussurrava para não incomodar, mas dava para ouvi-
la teimando que passaria a noite aqui.
— Irei para casa, mas só porque o César deu a ideia de ele dormir
aqui com vocês — contou, quando finalizou a ligação.
— O quê? Não, não tem necessidade.
Senhor, quando pedi por ajuda, não era exatamente assim que
imaginei, com o homem todo preocupado comigo e com a minha filha.
— Deixa de ser boba e aceite com as duas mãos estendidas — falou,
se levantando para se despedir da Fernandinha e de mim. — Amanhã
cedinho já estarei de volta — prometeu, beijando o meu rosto com carinho.
O que eu fiz para merecer uma família assim me apoiando?
— Obrigada, a senhora está salvando a minha vida — falei,
apertando a mão dela carinhosamente e vendo-a ir embora.
Ela precisava entregar o crachá de acompanhante para o filho, que
esperava na recepção.
Me vi ansiosa, olhando para a porta a cada instante, esperando que
ele entrasse.
Não sei o que estava acontecendo comigo, mas receber toda essa
ajuda estava sendo maravilhoso e eu tinha medo de me apegar e acabar
perdendo-os também.
Quando a porta do quarto abriu e ele entrou, percebi que estava de
banho tomado, os olhos brilhantes se encontraram com os meus e sorrimos
juntos.
— Voltei — sussurrou, aproximando-se e olhando para Fernanda. —
Pelo visto, ela gosta de dormir.
— Acabou de mamar, vai dormir um bom tempo ainda — contei.
— Então aproveite e descanse, eu vou ficar aqui com vocês.
— Não acho necessário, César, eu já estou bem, consigo me virar.
— Eu sei que consegue, mas é inexistente a possibilidade de deixar
vocês aqui. Só irei me ausentar de dia, enquanto minha mãe fica aqui,
preciso terminar o quanto antes uma coisa que comecei — falou
enigmático.
— Está vendo? Estamos atrapalhando a sua rotina.
— Nada disso, agora vá descansar um pouco porque você está
exausta, dá para ver no seu rosto.
Abri a boca de sono, realmente cansada.
Fernandinha acordou duas vezes naquela madrugada, chorando que
queria mamar, meus seios doíam, mas ainda assim continuei firme na
vontade de amamentar.
E como prometido, César passou as noites lá comigo, me ajudando
em tudo, até fraldas aprendeu a trocar, e de dia ia embora, deixando dona
Josefina me acompanhar.
Conheci até mesmo o senhor José, que amou Fernandinha e ficou
com ela nos braços o tempo todo do horário de visitas, também alegando
que fazia anos que não pegava um bebê.
— Eles se apaixonaram por ela, eu não disse? — César cochichou
no meu último dia ali, quando esperávamos o médico assinar a nossa alta.
— Foi mesmo, Fernanda vai ser muito paparicada por aqueles dois,
tenho certeza — sussurrei de volta, olhando para o casal, que brincava com
a bebê.
— Ei, não vai me incluir? — provocou, olhando-me por um
instante. — Ninguém mandou pular na frente do meu carro, agora vai ter
que aguentar essa família na sua vida.
— Seu bobo, eu sou imensamente grata, César, por tudo que vocês
têm feito por nós duas — falei, segurando a mão dele.
— Nem ouse chorar de novo — ele pediu, encarando meus olhos
marejados ao apertar a minha mão.
— Você não entenderia, eu estou lutando contra as injustiças da vida
sozinha tem muito tempo, perdi os que me amavam muito cedo e todas as
emoções da chegada da Fernanda desencadearam tudo que mantive
guardado a sete chaves, eu não consigo mais me fingir de durona.
— Você não precisa mais fingir, Simone, não conosco, não comigo
— ele garantiu.
Assenti, mordendo o lábio inferior com força.

Era quase impossível dizer não a um homem determinado e teimoso


como o César, tanto que bati o pé em relação à casinha onde morava, ele
fazia questão que eu me mudasse de lá, mas a ideia de receber ajuda
financeira deles para me manter era demais, eu nunca aceitaria.
Dona Josefina percebeu que eu não abriria mão dessa decisão, por
isso alegou como quem não queria nada, mas na verdade ela queria tudo,
principalmente que eu aceitasse.
— Então, Simone, tem uma casa que alugamos, é no fundo da
nossa, tudo separadinho, mas está vazia tem um tempo, reformamos e desde
então não achamos alguém de confiança para ser nosso inquilino.
— É difícil confiar em alguém nessa cidade — comentei também,
mas sabia aonde ela queria chegar.
César me olhou pelo espelho interno, eu estava sentada atrás com
Fernandinha no bebê-conforto que ele comprou; enquanto ele dirigia e a
mãe estava no banco do carona, seu José estava dirigindo o carro logo atrás
do nosso. Nós duas tínhamos acabado de receber alta do hospital.
— Sim, está muito difícil, por isso pensei em unir o útil ao
agradável, você e a Fernandinha poderiam se mudar para lá...
— Josefina... — comecei chamando-a pelo nome, como pediu.
— Nada de Josefina, não seria de graça, sei o quanto é orgulhosa,
mas alugo pelo mesmo preço que paga por essa casinha onde mora, o que
acha?
Encarei os olhos do César, que, parado no sinal vermelho, estava
atento a minha resposta.
— Minha mãe está certa, Simone, a casa está em ótimas condições
para receber vocês e eu não ficarei tranquilo sabendo que estão naquela
casinha onde mora.
Encarei Fernandinha, com medo do que poderia resultar na saúde
dela aquele monte de umidade e bolor nas paredes, sem contar o risco de
desmoronamento com as imensas rachaduras.
— Pense nela, minha filha... — Dona Josefina olhou para trás ao
dizer, percebendo que eu estava quase cedendo.
— Mas eu pagarei aluguel — ressaltei com firmeza.
— Você que manda — César falou com um sorriso lindo no rosto.
— Mas vocês nem perguntaram o valor que pago lá.
— Isso é o de menos, minha filha, a casa nem estava alugada e por
mim eu nem cobraria, mas você é o orgulho em pessoa.
Deixei um sorriso de lado escapar.
— Eu cresci em um lugar difícil, Josefina, lá não se podia dever
nada a ninguém, por isso sou assim, gosto das coisas justas — comentei
com pesar.
— Ai, minha filha, é visível o quanto já sofreu e eu fico feliz que
Deus colocou você no caminho do meu menino, as coisas serão diferentes
para vocês duas de agora em diante, eu te prometo isso.

O dono da casa onde Simone morava não gostou da mudança


repentina, mas não protestou demais porque sabia que estava errando ao
alugar um lugar tão deteriorado. Naquele mesmo dia da alta eu me
encarreguei de organizar a mudança, enquanto Simone e Fernanda
aguardavam na casa dos meus pais.
No início da noite, seus poucos móveis já estavam na nova casa,
tudo organizado e limpo, já que não tinha muitas coisas.
— Fernandinha quer mamar de novo — ela comentou com a minha
mãe, sentando-se com a pequena nos braços para amamentá-la.
A expressão de dor dela, todas as vezes que Fernanda mamava,
acabava comigo.
— A médica disse que poderia rachar e sangrar, que iria doer muito,
mas eu ainda quero continuar tentando, consigo aguentar — falou decidida.
Ela era durona pela filha e isso era o que mais me encantava nesta
mulher.
Peguei as chaves do carro, no bolso da calça jeans, e as duas me
olharam.
— Vai sair? — minha mãe perguntou, como a enxerida que era.
— Sim, preciso ir à farmácia buscar o restante dos remédios que
receitaram para elas e que não tinha no hospital. — Olhei para a expressão
da Simone, pelo pouco que a conhecia, sabia que iria querer pagar. — Vou
pegar na farmácia popular...
— Ótimo, não quero que gaste comigo.
Neguei com um sorriso.
Na farmácia, peguei tudo o que achei necessário para quem tinha
um bebê em casa e, ao passar no caixa para pagar, perguntei a atendente se
tinha alguma coisa que ajudasse com a dor na rachadura dos seios por
amamentar, foi quando ela me indicou uma espécie de concha rígida,
adornada por um silicone.
— E como isso funciona? — perguntei com uma careta,
completamente confuso ao olhar aquela peça.
Eu não entendia nada de bebês, isso era óbvio.
— Essas conchas mantém os mamilos arejados, auxiliando na
cicatrização, porque evita o atrito do seio lesionado com o tecido da roupa.
É muito prática.
Ela explicou, ostentando um sorriso de divertimento, já que eu
olhava para a peça como se fosse um enigma.
Não precisei de muita propaganda, peguei também, junto com uma
pomada cicatrizante que ela garantiu que não faria mal para a Fernandinha.
De volta à casa, Simone fez uma expressão surpresa quando viu o
monte de sacolas que eu carregava.
— Você disse que era na popular — reclamou com um bico,
cruzando os braços.
Era perceptível a beleza dela, ainda mais assim, com os cabelos
cacheados caídos rebeldes pelo rosto negro.
— Eu disse que os remédios sim, mas eu quero presentear essa
pequena aqui, vai negar o meu presente? — perguntei, fazendo uma
expressão chateada.
Minha mãe, que estava com a bebê no colo, ostentava um sorriso
orgulhoso no rosto.
— César...
Peguei os ombros de Simone, tocando-a com carinho.
— Não negue, sei que é difícil, é impossível para mim imaginar o
quanto já sofreu nessa vida, por isso deixe que eu a descomplique um
pouco, só um pouquinho — pedi, encarando seus olhos com firmeza.
Quando um sorriso bonito invadiu seu rosto, suavizando a sua
expressão, senti meu coração acelerar intensamente.
Afastei-me dela com sutileza.
— Eu aceito os presentes — falou, dando-se por vencida.
— Isso aí — minha mãe comemorou.
— Comprei uma coisa para você, mas antes que comece a reclamar,
isso aqui é para te ajudar com os seios rachados — falei rápido, entregando
para ela a sacola com a concha estranha que eu estava colocando fé que
ajudaria.
Tão confusa quanto eu, Simone leu todo o modo de usar e, após
esterilizar o par de conchas, foi ao banheiro para colocá-las; quando saiu de
lá, abriu os braços, perguntando, sem jeito: — Ficou estranho?
Foi impossível não olhar para os seios dela, já que ela mesma estava
perguntando.
As conchas os deixavam ainda mais volumosos.
— Nada estranho — respondi apenas isso, ninando Fernandinha,
que parecia apaixonada pelo meu colo.
— Será que funciona? Na minha época não existia isso, passávamos
banana nos seios e sarava que era uma beleza — minha mãe comentou,
fazendo-me rir, mas as duas me olharam, indignadas.
— Não ria, eu tentei até a banana, esse era o meu nível de desespero
— Simone disse e eu mordi o lábio inferior para segurar o riso alto.
— Eu não entendo nada sobre isso, só estou aqui mesmo querendo
ninar essa bebê. — Tirei o meu da reta, fugindo com Fernandinha para o
quarto, onde a coloquei naquela caixa improvisada para berço que ela não
usaria por muito tempo.
Quando voltei para a cozinha, as duas estavam olhando tudo o que
comprei: fraldas, lenços umedecidos, talco, sabonete, shampoo,
condicionador, pomadas para assaduras, cotonetes e álcool para curar o
umbiguinho dela.
— Só não comprei nenhum tipo de bico, não sabia se daria para ela
— comentei, dando de ombros.
— Não pretendo, Fernanda é bem tranquila, não precisa disso.
E eu concordava totalmente com ela.
— Você vai descansar ou eu posso te mostrar uma coisa que eu fiz?
— perguntei, colocando as mãos no bolso da minha calça jeans, ansioso.
Até mesmo dona Josefina ficou curiosa, mas deixou que apenas
Simone e eu fôssemos até a garagem do meu pai, enquanto ela ficava na
casa, de olho na bebê.
— O que é? — ela perguntou, curiosa, enquanto abríamos o portão
pequeno, que separava uma casa da outra.
— Você vai ver — falei, estava um pouco nervoso.
Conhecia Simone um pouco mais e sabia o quanto ela era orgulhosa,
seria difícil para mim convencê-la a aceitar mais um presente.
Quando abri a porta da garagem e acendi a luz, deixei que ela
entrasse primeiro, e a mulher ficou olhando ao redor, buscando alguma
coisa que chamasse a sua atenção.
Caminhei até o móvel, puxando o pano branco que o cobria.
— É para a Fernandinha — comentei, indicando o berço.
Ela piscou algumas vezes, surpresa.
— Você disse que fez?
— Sim, bom... eu sou amador ainda na arte de carpintaria, mas dei o
meu melhor. — Cocei a nuca, sem jeito.
Os olhos dela novamente se encheram de lágrimas, ela só sabia
chorar quando ela ou a filha eram mimadas ou cuidadas e isso acabava
comigo.
— Meu Deus, então era isso o que fazia todos os dias em que saía
do hospital? — perguntou, admirando o berço.
— Era, passava a maior parte do tempo aqui, confesso que meu
velho me ajudou também.
Sem esperar por isso, me assustei quando ela se jogou nos meus
braços, me apertando em um abraço carinhoso.
— Obrigada, César. Eu nem sei o que seria da minha vida se você
não tivesse me encontrado naquela manhã.
E pela primeira vez ela não recusou um presente, aproveitei isso,
apertando a mulher nos meus braços e inalando o delicioso cheiro dela.
Nunca antes eu quis tanto que um dia passasse voando. A cada
segundo eu olhava o visor do meu celular, buscando alguma mensagem,
qualquer coisa.
— Filho, elas estão bem, fique tranquilo — meu pai falou,
aproximando-se do tacho onde eu fritava dois pastéis de pizza.
— Não sei o que está acontecendo comigo, eu só não gosto da ideia
de deixá-las sozinhas pela primeira vez — contei, retirando os pastéis antes
que os queimasse.
Simone e a bebê tinham acabado de receber alta no dia anterior,
estavam instaladas na nova casa, e ficaram sozinhas para que eu e meus
pais pudéssemos montar a barraca na feira para trabalhar.
— Está apenas preocupado, é normal, em pouco tempo nos
apegamos demais àquelas duas — falou.
— Eu não quero nem imaginá-las indo embora.
— Você se apaixonou, não foi? — o velho perguntou e eu o olhei
como se estivesse louco.
— Claro que não, pai, eu só quero ajudá-las... — respondi rápido.
— Não digo pela Simone, filho, falo que se apaixonou pela bebê, ela
é encantadora, qualquer um passa a amá-la em questão de segundos.
Respirei aliviado, mas tinha quase certeza de que não era isso o que
ele queria dizer.
— Sim, é uma fofinha — concordei com um sorriso.
— Os dois lindos aí vão ficar fuxicando ou vão me ajudar? Tem dois
litros de garapa para você fazer — minha mãe falou, colocando o pedido no
peito do meu pai, que sorriu para ela, indo fazer o pedido.
— Oi, eu quero o de sempre, capriche porque eu estou morrendo de
fome — Iracema[ii] falou, aproximando-se de onde eu estava.
— Ainda bem que namorar com um granfino não mudou nada em
você — zombei, como sempre fazia, e ela revirou os olhos para mim.
— Nunca que eu paro de comer esse pastel divino — respondeu.
— Um milagre ele, a irmã e aquele primo não terem aparecido hoje
— falei, já que eles tinham se tornado clientes fiéis.
Iracema cresceu comigo entre essas barracas, sua mãe era a dona da
de verdura que ficava uns passos à frente da nossa de pastel, era a minha
melhor amiga desde que eu tinha oito anos e ela, seis.
— Não conseguiram vir hoje. Agora me conte, o que foi que
aconteceu para você estar assim todo preocupado? — perguntou, me
conhecia tão bem que eu nem me surpreendia mais.
— Eu conheci uma mulher... — comecei de forma errada e só me
dei conta disso quando ela comemorou alto, chamando a atenção de alguns
clientes.
— A mulher? — perguntou, curiosa como era, querendo saber se era
a mulher especial da minha vida.
— Não, você entendeu errado — acrescentei rapidamente e vi o
brilho dela sumindo.
— Pois explique que agora eu estou curiosa.
— Então sente aqui e vá comendo porque a história é longa — falei,
colocando o pastel de pizza e de frango com catupiry na mesa perto de
mim. — Quarta-feira que não conseguimos montar por causa da chuva,
voltando para casa eu a vi na calçada, estava em trabalho de parto...
— O quê? Você a viu em trabalho de parto no meio da chuva? —
Cortou-me, surpresa.
— Ela estava com dor, apoiada em um poste de luz e pedindo por
ajuda, e eu parei o carro.
— Claro que parou, não seria você se não parasse — falou, com
certo orgulho de mim.
Contei tudo a Cema, desde a primeira vez que coloquei os olhos em
Simone, até hoje de manhã, quando, pela primeira vez em anos, amanheci
na minha pequena cama da adolescência, porque estava passando mais
tempo na casa dos meus pais do que na minha.
Que culpa eu tinha de não sentir a mínima vontade de voltar para
casa?
— Certeza de que ela não é a mulher? — perguntou enfatizando o a,
enquanto eu continuava fazendo os pedidos que minha mãe deixava na
bancada.
— Não, claro que não, eu só sinto que preciso ajudá-la, eu quero
ajudar ela e a filha. Você precisa ver a Nandinha, é o bebê mais lindo que eu
já vi — comentei sorrindo.
— Será que ela se importa se eu for conhecer? Não vou agora, a
bebê é muito novinha ainda, mas quero sim.
— Simone é bem tranquila, sei que serão amigas — garanti.
— E quando ela souber que nós dois já...
— Não tem porque saber, entre mim e ela não existe nada — eu a
interrompi.
— Eu e o Octávio éramos assim, lembra? Nós nos detestávamos no
início, para no fim ser amor verdadeiro.
— Se lembro? O homem tinha um ciúme de mim, sei que sou gato e
bom partido — zombei.
— Seu besta, falando sério, acho que deveria contar para ela, assim
como fiz. Octávio detestou a ideia no início, mas a nossa amizade é maior
que qualquer relação e ele teve que aceitar.
— Se o seu medo é de que ela me afaste de você, esqueça, somos
unha e carne, mulher. Não vejo necessidade de contar a minha intimidade
para ela.
Cema bebeu da garapa, me olhando de forma estranha.
— Você não percebe o quanto seus olhos brilham quando fala das
duas. Pode prometer uma coisa para mim? — perguntou.
— O quê? Sabe que eu só prometo o que sou capaz de cumprir.
— Sei, sim, isso que te torna tão especial. Promete que se ela
perguntar, você vai contar a verdade? Espero sinceramente que seja depois
que ela já me conhecer e de nos tornarmos amigas, senão a chance de ela
gostar de mim será bem pequena.
— Prometo que conto se ela me perguntar. — Fui claro.
— Ótimo, não vai se arrepender de começar as coisas direito com
ela.
— Cema, eu e ela somos apenas amigos, eu só a vejo assim —
ressaltei.
— Hum-rum, e eu sou a rainha da Inglaterra — ela falou rindo e me
deixou ali, enquanto pagava a conta e voltava a trabalhar.
O que estava acontecendo com todos, que achavam que existia algo
mais nisso tudo? Eu só queria ajudar a Simone, sem receber nada em troca,
ainda mais sabendo o quanto ela sofreu na vida, possivelmente ainda era
apaixonada pelo pai da sua filha, tantas coisas que um não sabia sobre o
outro.
Por isso eu estava decidido a ser seu amigo, conquistar a sua
confiança para pelo mesmo conseguir estar na vida da Fernandinha
enquanto ela crescesse.

O medo do desconhecido era uma coisa até engraçada, eu


costumava temer muito as coisas antes de realmente vivê-las e a primeira
noite sozinha com a minha filha parecia um bicho de sete cabeças, todas as
minhas inseguranças e receios de não ser capaz vieram à tona, causando um
reboliço de emoções em mim, mas Fernandinha me provou mais uma vez
que eu nasci para ser a mãe dela.
— Tivemos uma noite tranquila, não é, minha pequena luz? —
perguntei, trocando a fraldinha dela naquela manhã, cuidando do
umbiguinho com dedicação.
Olhei para o berço, com um lindo colchão forrado com lençóis
brancos e sorri. César pensou em tudo antes mesmo de a bebê e eu
deixarmos o hospital.
Ainda não sabia porque eu era merecedora de tanto amor vindo
dessa família, logo eu, a Simone briguenta do lar, aquela que não abaixava a
cabeça para a bruxa e que lutava pelos menores a ponto de ser castigada no
lugar deles.
Eu nunca entenderia porque o meu caminho e o do César se
cruzaram naquela manhã, mas gostava de imaginar que era ajuda dos que
me amavam e moravam no céu, de onde cuidavam de mim e agora da
Fernandinha.

Já tinha passado do horário do almoço quando finalizei o banho da


bebê e comecei a amamentá-la, meu celular, um bem surrado com a tela
quebrada, que tinha desde antes do caos se apossar da minha vida, estava ao
meu lado na cama, olhei para ele pensando se deveria ou não enviar uma
mensagem.
Talvez fosse invasivo demais.
Céus, Simone, eles estão trabalhando, deixe-os em paz!
Mas, antes mesmo de me decidir, a tela acendeu, notificando-me de
uma mensagem do César.
“Boa tarde, Simone! Tudo tranquilo por aí?”
Objetivo como só ele sabia ser e mesmo assim eu sorri.
“Boa tarde! Tudo certo, Fernandinha está mamando como sempre.”
Respondi junto de um emoji rindo. Acreditei que o assunto morreria
ali, mas ele mandou: “Doeu para amamentar ou aquela concha estranha
ajudou de alguma forma?”
Sorri, imaginando a careta dele, a que ele sempre fazia ao falar da
concha estranha.
Eu ainda estava usando uma delas, no seio que Fernanda não
mamaria dessa vez. Tirei apenas para higienizar algumas vezes.
“Foram ótimas, as feridas já estão bem melhores, acho que em uns
dois dias não sentirei nem mesmo incômodo ao alimentá-la.”
Olhei para Nanda, que, de olhinhos fechados, bebia tudo que
conseguia, mais experiente na arte de encher a barriguinha.
A dor ainda existia, mas estava bem amena graças àquela concha e
ao uso da pomada cicatrizante, que, mesmo sendo própria para lactantes, eu
ainda assim higienizava bem os seios antes de dar para ela.
“Fico mais aliviado. Você comeu? Precisa se alimentar bem e beber
bastante líquido, ordens médicas, lembra?”
Apertei a tela do celular, mordendo o lábio inferior ao sorrir.
O que eu fiz para merecer uma pessoa como ele na minha vida?
“Comi, sim, a canjiquinha de frango que a sua mãe fez estava uma
delícia. Segundo ela, aumenta o leite materno[iii].”
“E você acredita nisso?”
“Não desacredito e, como gostei, vou comer sem reclamar.”
Respondi com um emoji sorridente.
“Dê um beijo na Nandinha por mim, preciso voltar a trabalhar ou a
velha vai me matar. Até mais tarde!”
Apenas visualizei, ostentando um sorriso no rosto. A velha, como
ele se referia a dona Josefina, era por pura provocação, ela fingia não
gostar, mas adorava, era perceptível.
No meu ponto de vista, sabíamos muito sobre a índole de um
homem pelo modo que ele tratava os pais, César era brincalhão,
carismático, educado, e o amor que sentia pelos seus genitores era notável a
milhas de distância, o respeito também e isso o tornava ainda mais
admirável diante dos meus olhos.
Suspirei, bloqueando a tela do meu telefone.
Eu não queria me empolgar demais e crer que aqui poderia ser o
meu lar por anos, a vida era rasteira comigo, sempre fora, costumava me
nocautear quando eu baixava a guarda e por isso estava disposta a manter os
pés no chão e a mente no lugar. Já perdi a conta de quantas vezes fui
pisoteada sem pena, isso me fez ser o que sou hoje, dura e orgulhosa.
O domingo amanheceu lindo, ou era eu que estava contente demais?
Essa pequena família de três pessoas acolheu a mim e a minha filha
de uma forma única. Faltava algumas horas para o almoço quando César
bateu na porta de casa, eu estava descabelada, com os seios vazando e
manchando o pijama e com a bebê nos braços, um desastre comparado a
ele, todo arrumado, penteado, mas notei que não usava perfume forte,
acredito que com a intenção de não prejudicar Fernandinha.
— Oi! — falei, evitando olhar demais para ele. Estava lindo logo
cedo.
— Bom dia! Desculpe aparecer assim, mas minha mãe convocou
você e essa fofinha para o almoço.
— Convocou, é? — perguntei, deixando que ele pegasse a bebê do
meu colo.
— Sim, convocou. Se eu fosse você, obedeceria, aquela velha fica
furiosa quando a irritamos — disse com um sorriso no rosto.
— É mesmo? Não consigo imaginar a sua mãe furiosa.
— Nem queira... — falou, jocoso.
— Posso aproveitar que você está aqui para tomar um banho? Morro
de medo de deixá-la sozinha.
Ele me olhou dos pés à cabeça, analisando o estado lastimável em
que eu me encontrava.
Sim, eu era uma humana comum, que acabou de parir, não espere
que eu esteja linda o tempo todo.
— Vá lá, eu vou ficar aqui te esperando e cuido dessa pequena.
Corri para o banheiro, meus banhos nunca mais seriam longos como
antes, eu tinha certeza disso, por isso fiz tudo o mais rápido que consegui.
Optei por um vestido longo, na cor verde-claro, uma faixa nos
cabelos os mantinha presos para o alto. Nos lábios, passei um brilho
clarinho, e pronto, nada mais. Não quis usar as conchas nessa manhã, não
estava mais sentindo dor nos seios e, se caso voltasse a machucar, as usaria
novamente. Passei apenas desodorante, nada de cheiro forte demais.
Quando pisei na cozinha, César estava próximo à janela, ninando
Fernandinha, que estava dormindo novamente, enrolada no cobertorzinho
que eu fiz.
— Acabei de trocar a fralda dela... — ele falou, virando-se de frente
para mim — e ela apagou em um sono profundo.
— Não quero deixá-la aqui no berço, não me sentiria tranquila.
— Vamos levá-la, claro.
— Então eu a carrego, você vai cansar — falei, caminhando para
perto dele e estendendo os braços.
— Nunca vou me cansar de segurá-la, fique tranquila e apenas
vamos.
Encostei a porta e o segui, sem levar nada além do paninho de boca
da bebê, qualquer coisa voltaria para buscar o que precisasse.
— Tem uma coisa que quero te falar antes de você entrar. — César
parou, na frente da porta.
— O quê? — perguntei curiosa.
— Meus pais querem dar um presente para a Fernanda e sei que será
muito útil, então nada de bancar a orgulhosa, ouviu? — pediu em um
sussurro, mesmo que seu tom fosse baixo, ainda era firme, de uma forma
que quase me obrigou a concordar.
Quase...
Cruzei os braços com um bico.
— César, sabe como sou em relação a gastarem comigo.
— Não é com você, linda, é para a bebê, e eles estão tão
empolgados que, se recusar, vão ficar chateados — comentou, usando a
mão livre para tocar a ponta do meu nariz.
Encarei o chão, eu ainda precisava trabalhar, e muito, a arte de
aceitar presentes assim, eu não era acostumada a isso.
— Não faça esse bico, tenho certeza de que quando vir o que é, vai
aceitar porque precisa muito de um.
Entramos na casa lado a lado, eu já tinha estado ali antes, era
grande, arejada e bem organizada, tinha inúmeras fotos da infância do
César, percebi que em algumas ele estava com uma garotinha linda ao seu
lado, ambos sorridentes entre as barracas de feira, minha curiosidade atiçou,
mas optei por não ser intrometida.
— Que bom que vieram. Nossa, só passou uma noite e eu já estava
morrendo de saudades dessa bonequinha — Josefina falou baixinho,
caminhando para perto da bebê dorminhoca nos braços do César.
— Ela adora os braços do seu filho, apaga tão rápido quando ele a
pega — falei, olhando para os braços dele, que estavam descobertos com a
camisa de manga curta.
Era impossível não notar que ele era um homem atraente, ainda
mais com aquela tatuagem no braço esquerdo. César tinha o corpo em
forma, não aqueles definidos por academia, mas com trabalho braçal.
Subi os olhos por ele e encontrei seu olhar fixo em mim, atento a
cada um dos meus gestos.
Engoli em seco, desviando a minha atenção.
— César leva jeito com crianças, pelo visto, e Fernandinha é a
primeira com quem ele tem contato, não é, filho?
— Sim, é sim, mãe. — A voz dele estava um pouco rouca, mesmo
que baixa.
— E o senhor José, cadê? — perguntei, caminhando alguns bons
passos de distância deles.
O que estava acontecendo comigo? Por que eu estava olhando assim
para ele? Deus, eu precisava me controlar.
Será que o pós-parto nos deixava assim mesmo? Com hormônios à
flor da pele?
— Estou aqui, quase terminando de colocar a comida na mesa — ele
mesmo respondeu, adentrando a sala de jantar onde estávamos.
— Vou ajudar — falei, querendo fugir dali, mas Josefina me
impediu.
— Não vai não, você é visita — negou, caminhando para a cozinha.
— Mas... — Nem deu tempo de protestar.
E quando ela nos deixou sozinhos, senti que César se aproximou, a
respiração dele beijou a minha pele quando ele sussurrou a pergunta: —
Você vai aceitar o presente, não é?
Virei para olhá-lo, ele estava tão perto que ao me virar, quase toquei
meus lábios nos dele.
Deus!
— Vou sim — falei, abaixando o olhar para a minha filha. — Ainda
é difícil para mim aceitar tanto carinho, presentes, afeto, minha vida foi
rodeada de perdas e caos.
Ele tocou meu rosto com a mão livre.
— Não será mais assim, eu te prometo isso, farei o que estiver ao
meu alcance para proteger e cuidar de vocês duas.
Não sei se foi o que ele disse, ou o peso da sinceridade que a voz
dele carregava, ou o carinho que ele fazia no meu rosto com seu polegar, ou
simplesmente se era por ele estar tão próximo, mas senti meu coração
acelerar forte, como há muito tempo não fazia.
Respirei fundo, meus olhos fixos nos dele, meu coração querendo se
encher de esperanças, mas a minha razão sendo a dona do controle nesse
momento.
— Não prometa o que você pode não conseguir cumprir... — pedi,
afastando dois passos.
Eu precisava de distância, não aguentaria perder mais pessoas.
Desde que meu mundo virou caos, eu evitava amizades, evitava me
aproximar de pessoas porque sabia que, se as perdesse, talvez nunca mais
conseguisse sair do abismo ao qual a perda me levava.
Após Fernando, eu quase morri, quase me afundei em um limbo sem
fim e sem vida, Fernandinha foi a minha luz, foi a razão que me fez
sobreviver a tudo, agora, se eu os perdesse também, eu não resistiria.
Fernanda se tornou o meu tudo, e a família de César estava se
tornando especial também, morria de medo de novamente a vida me
golpear forte e sem pena.
— Você ainda não me conhece bem, Simone, eu não prometo o que
não irei cumprir. — A voz grave dele, carregada de certezas, puxou-me das
suposições que quase acabavam com a minha paz.
Respirei fundo, pronta para responder, mas nos chamaram para o
almoço.
Antes de comermos, seu José apareceu com um imenso embrulho.
— Compramos um presente para a Fernandinha. — Vi que dona
Josefina apertou o pano de prato, me olhando um pouco nervosa ao falar.
Olhei para César e ele arqueou a sobrancelha na minha direção, me
desafiando a negar o tal presente.
— Ah, não precisava gastar com ela — falei apenas isso.
— Não foi nada demais, minha filha, ainda não demos nada para ela
e queríamos presenteá-la.
— Como nada? Vocês deram um excelente teto para morarmos e
ainda a preço de banana, nunca na vida fizeram tanto por mim quanto vocês
estão fazendo — falei com os olhos marejados.
— Não vá me fazer chorar agora — dona Josefina falou,
emocionada.
— O que é? — perguntei, olhando o presente.
— Abra, filha, veja se gosta — José disse, indicando a caixa.
Rasguei o embrulho e vi que era um carrinho de bebê, bem moderno
e nitidamente caríssimo.
— Meu Deus, eu não... — Olhei para César, que mais uma vez
arqueou a sobrancelha para mim.
— Não recuse, vai ser tão útil, Simone — Josefina protestou.
— É um presente muito caro... — comecei a dizer, mas fui cortada.
— Pense comigo, filha, como vai levá-la ao pediatra no sol? Para
vacinar? Para passear? Nos braços com um guarda-sol ficaria cansativo. —
Seu José mostrou seus pontos.
Eu adorava quando os dois me chamavam de filha, meu coração
palpitava e eu me sentia novamente parte de uma família, mesmo que o
lado assombrado pela dor fosse mais forte e me fizesse recuar.
Suspirei.
— Tudo bem, eu aceito, muito obrigada! — agradeci com um
sorriso, não conseguiria comprar um tão cedo, muito menos um novo.
Precisava poupar cada centavo que me sobrou até arrumar um emprego.
— Maravilha, vamos abrir, assim já usamos — Josefina bateu
palminhas, animada, e eu me juntei a ela.
Fernandinha pareceu gostar do seu novo presente, durante todo o
almoço permaneceu lá, dormindo tranquila.
Durante a sobremesa, depois de um almoço delicioso acompanhado
de conversas amenas, dona Josefina soltou uma dessas: — E você, filho, a
sua cama de solteiro não está pequena para um homem do seu tamanho?
— O quê? — César perguntou, um pouco sem jeito.
Franzi o cenho, confusa com o rumo da conversa, mas continuei
comendo o meu brigadeiro de colher, especialidade do senhor José.
— Sabe, Simone, tem anos que ele não dorme tanto aqui, desde que
comprou a casa dele, se refugia lá, só aparece aqui para comer e logo vai
embora, nunca foi de dormir aqui, mas, de repente, isso mudou — ela
contou, jocosa, e eu mordi o lábio inferior para evitar rir junto.
— Meu bem, não deixe o menino sem jeito. — José foi defender
César, que bebeu seu suco sem me olhar por nem um momento.
— Mãe, eu só... eu...
— O quê? Está nítido que quer ficar perto da Simone e da bebê, eu
entendo.
Arregalei um pouco os olhos, essa senhorinha não tinha freio na
língua e eu amava isso.
— Eu não sabia que você morava em outro lugar, achei que morasse
aqui — comentei, tentando soar casual.
— Não, eu tenho a minha casa a poucos quarteirões daqui, só dormi
aqui poucos dias, essa noite mesmo volto para casa — falou firme.
Vi o sorriso da dona Josefina sumir.
— Não era essa a minha intenção, filho, quero que fique aqui o
tempo todo.
— Eu sei bem qual era a sua intenção mãe, e sim, eu queria ter
certeza de que as duas se adaptaram bem, agora já tenho.
Molhei os lábios, sentindo um pouco de tensão no ar.
— Obrigada, César, por fazer tanto por mim.
— Não precisa agradecer, Simone. Sabe que não precisa.
— Eu nunca vou ser capaz de retribuir tudo o que vocês todos estão
fazendo por nós duas — falei, novamente emocionada.
Queria também me livrar da tensão que ficou.
— Não queremos retribuição, queremos vocês bem e felizes — dona
Josefina afirmou.
Abracei-a bem apertado, chorando mesmo, porque eu estava sendo
uma manteiga derretida nesses últimos dias.
— Tudo bem ser cuidada e paparicada às vezes, filha, você precisa
aprender isso e nós estamos aqui para te ensinar que existe um mundo além
do que viveu e que te fez sofrer tanto. — Essas palavras sussurradas pela
senhora, que estava ajudando muito na minha vida, tocaram meu coração.
Eu faria de tudo para me manter aqui com eles, queria e precisava
aprender sobre esse mundo bondoso que essa família me propusera tantas
vezes.
Eu, novamente, queria me sentir completa, queria ter um lar para
onde voltar nos dias difíceis, queria ter uma base para me apoiar quando
tudo parecesse ruir.
Deus, eu queria lutar contra meu medo e permitir que mais uma vez
me amassem, que mais uma vez eu fosse capaz de amar outras pessoas sem
o medo da morte bater na minha porta e destruir a minha vida
completamente.
A questão era se eu conseguiria passar por tudo isso, se eu
conseguiria superar o trauma que tantas perdas me deixaram, mas de uma
coisa eu tinha certeza: eu estava disposta a tentar, e a principal razão disso
tudo estava tirando uma soneca no seu novo carrinho de bebê cor de rosa.
Eu estava começando a acreditar no que tanto diziam: que uma das
funções dos pais era fazer os filhos ficarem constrangidos. Minha mãe
quebrou a minha cara no nosso almoço de domingo; eu, pateticamente, não
soube o que responder diante da afirmação dela de que eu estava passando
muito tempo na casa deles por causa de Simone e da bebê, afinal essa era a
verdade.
Desde então, eu não dormia mais na casa dos meus pais, mas
sempre me mantinha por perto, o máximo possível. Eu detestava a ideia de
me afastar das duas, mesmo que no início não fosse capaz de entender o
motivo exato, agora eu já estava começando a perceber.
Além do encantamento que senti pela Fernandinha desde o nosso
primeiro encontro, eu comecei a perceber que Simone me atraía mais do
que eu gostaria de admitir. As implicâncias da Iracema e dos meus pais,
alegando que eu estava começando a gostar dela, cada vez faziam mais
sentido.
Ela era linda, percebi isso no dia em que a vi naquela chuva, só que
com o passar dos dias, com toda a nossa convivência e início de amizade,
eu passei a ver além da beleza externa dela.
Simone não era uma mulher de riso fácil, mas, quando o fazia, seu
sorriso era verdadeiro, brilhante, chegava aos olhos, deixando-os mais
claros e expressivos. Ela era dedicada, cuidava da filha com tanta dedicação
e amor, isso sempre prendia a minha atenção. E, acima de tudo, ela estava
mudando, a profunda tristeza que existia no seu olhar no início estava
começando a se esvair, e ela parecia cada vez mais à vontade aqui com
todos, eu adorava a nova versão dela que estava nascendo, e isso estava
ficando evidente demais, já que eu não conseguia afastar meus olhos dela.
Em dois meses, as duas se tornaram muito importantes para mim, eu
queria e pretendia estar em cada momento importante da vida da bebê,
desde que permitissem, eu nunca me afastaria das duas.
No dia da vacinação da Fernandinha, eu fiz questão de levá-las,
prestei atenção em cada orientação e, assim que chegamos na casa da
Simone, corri para fazer o tal gelinho de camomila[iv].
— Acha que será necessário? — ela perguntou, encostando no
batente da porta e soltando os cabelos, que caíram revoltos nos seus
ombros.
Ela era linda, mesmo com essa expressão tão preocupada.
— Por via das dúvidas — falei, dando de ombros ao colocar o chá
de camomila dentro da forminha de gelo.
O mais incrível de tudo isso era que eu sabia onde ficava cada coisa
na casa dela, como se estivesse em casa.
— E eu que achei que o exame do pezinho era a pior parte — falou
com um suspiro, olhando a bebê no carrinho. — Estou com receio de pegá-
la no colo até mesmo para amamentar.
Caminhei para perto dela, tocando-a no ombro.
— Sei que está preocupada, eu também estou, mas vamos ver como
vai ser primeiro. Na próxima vacina estaremos preparados — garanti.
— Estou morrendo de medo de ela ter reação. — Simone tapou o
rosto com as mãos.
— Ei, fique calma — falei, puxando-a para mim.
Ela aceitou meu abraço, acomodando sua cabeça no meu ombro.
Percebi que ela gostava da nossa aproximação, não se esquivava dos
meus toques, não desviava o olhar quando nos encarávamos e isso estava
começando a me deixar com expectativas, mas eu sabia que no passado ela
se feriu muito, ainda não sabia tudo o que aconteceu e tampouco seria capaz
de perguntar, mas e se o passado voltasse a sua porta?
— César, posso te pedir uma coisa? — falou baixinho, parecia temer
o que iria dizer.
Meu corpo se arrepiou com o sopro da sua voz no meu pescoço.
— Claro, qualquer coisa... — sussurrei, ainda com ela em meus
braços, acariciando os fios cacheados do seu cabelo.
— Tem como você ficar essa noite? Estou com medo de precisar
correr com ela para o hospital...
Eu me afastei do abraço, fazendo-a me encarar, mas ainda
mantendo-a em meus braços.
— Não quero incomodar seus pais de madrugada, sei que amanhã
farão feira, não queria nem mesmo te incomodar, mas e se acontecer algo?
O hospital mais próximo é longe se eu for a pé.
— Você não precisava nem pedir, eu já avisei aos meus pais que
dormiria na casa deles, mas, já que pediu, eu fico aqui com vocês. — Sorri
para tranquilizá-la.
— Não se importa de dormir naquele sofá minúsculo? — perguntou,
olhando para o móvel que minha mãe deu para ela.
— Nem um pouco, já dormi lá inúmeras vezes.
Simone assentiu, mordendo o lábio inferior.
— E nada de ficar com vergonha, amigos são para essas coisas e
você sabe o quanto vocês duas são importantes para mim.
Nesse tempo que se passou foi como se as duas se impregnassem no
meu coração, em um caminho sem volta, eu estava encantado pela bebê e,
claramente, pela mãe dela também.

O dia nem tinha amanhecido quando despertei; sem fazer qualquer


barulho, levantei e caminhei para a cozinha, que ficava ao lado da sala onde
dormi. Para a minha surpresa, Simone já estava de pé, fazia café usando
uma camisola azul-bebê com inúmeras flores rosa, era um charme, mesmo
não sendo nada sexy.
— Bom dia! Acordou tão cedo assim? — perguntei, sussurrando e
coçando os olhos.
Ela se virou e me olhou sorrindo, os cabelos presos no alto da
cabeça, com apenas uma mecha rebelde solta em seu rosto.
Porra! Ela não fazia ideia do quanto era linda.
— Bom dia! Acordei para fazer o seu café da manhã, nada mais
justo depois de passar a noite praticamente em claro.
— Eu dormi um pouco...
— Um pouco quase nada, não é? Percebi que me deixou dormir
mais — falou.
— Culpado, você estava exausta.
Ela sorriu, servindo café puro para mim, em pouco tempo já sabia
como eu gostava da bebida.
— Sei que vai brigar comigo, mas sinto que estou te devendo muito,
César, muito mesmo...
— Não me deve nada, já disse isso.
— Eu sei, mas quero de alguma maneira te recompensar por tudo —
começou a falar, de forma enigmática.
— É mesmo? E como seria? — perguntei, bebendo meu café com os
olhos atentos a cada reação dela.
Simone era fascinante, eu poderia passar horas olhando-a sem me
cansar.
— Sei que o que vou sugerir é uma grande responsabilidade, algo
que nos manterá unidos para sempre, mas você pode negar se não quiser,
não ficarei magoada, prometo.
Algo que nos manteria unidos para sempre? Por que essa pequena
frase fez um reboliço ansioso se formar no meu estômago? Eu queria, e
muito, uma razão para tê-las ao meu lado sempre.
— O que quer sugerir? — indaguei com um sorriso no rosto,
adorando o tom cobre que suas bochechas ganharam.
Simone bebeu seu café, que, ao contrário de mim, ela adorava
misturar com leite.
— Pensei que você seria um excelente padrinho para a Fernandinha,
você tem sido tão bom conosco, eu ficaria tranquila se algo me acontecesse
e ela tivesse você e sua família... — disse, encarando as mãos.
Meu peito apertou com a hipótese de ela não estar mais aqui.
— Mulher, vire essa boca para lá, você tem uma vida toda pela
frente — falei rápido, detestava falar sobre perdas; mesmo que planejar o
futuro de um filho fosse necessário, a ideia de perdê-la era terrível.
— Eu também pensava assim, até que a vida me golpeou e tomou de
mim pessoas que eu amava.
Pela primeira vez, ela falou tão abertamente do passado, minha
curiosidade cada vez maior, mas não seria eu a perguntar, Simone um dia
me contaria se quisesse, se abriria comigo por vontade própria, nunca por
eu bisbilhotar suas feridas mais profundas.
Segurei a mão dela por cima da mesa, querendo que ela olhasse nos
meus olhos e, quando Simone o fez, seu olhar cor de mel estava opaco,
perdido em um limbo que eu passei a detestar e fazia de tudo para que ele
se esvaísse a ponto de ser quase imperceptível.
Ainda não sabia muito sobre ela, quase nada sobre seu passado
traumático, mas queria ser capaz de tirar sua dor com as mãos, queria
aliviar seu coração e manter seu lindo rosto sempre feliz, longe dessa
tristeza que parecia sem fim.
— Claro que eu quero ser o padrinho da Fernandinha, vou amar vê-
la crescer — aceitei, e Simone secou o rosto.
Eu morria por dentro todas as vezes que ela chorava e mantinha sua
dor trancafiada, sem desabafar com qualquer pessoa. Eu queria que ela se
abrisse comigo, que ela despejasse toda a sua dor para que eu a ajudasse a
carregar, mas esse não era o momento, não ainda, queria que ela falasse por
conta própria, sem pressão.
— Vai mesmo? — perguntou.
— Claro que sim, eu amo a sua filhinha, Simone, praticamente a vi
nascer. — Sorri ao dizer isso.
— Ainda bem que não foi no seu carro, mas foi quase. — Um
lampejo de sorriso brilhou no seu rosto.
— Deus, eu não sei o que faria, acho que carregaria você e a bebê
hospital a dentro.
— Em desespero — ela completou.
Olhei o horário no meu celular.
— Já precisa ir? — perguntou, olhando a tela também.
— Sim, mais tarde passo aqui para ver como estão, mas qualquer
coisa me ligue e eu virei correndo — falei, levantando-me, e ela fez o
mesmo.
Puxei Simone para mim, beijando a sua testa ao me despedir.
— Certo, bom trabalho! — Ela me olhou nos olhos.
Impossível que só eu sentisse a nossa conexão, improvável que ela
também não estivesse atraída, seus olhos denunciavam tudo o que sua boca
mantinha preso.
— Obrigado. — Novamente a apertei em um abraço, adorando a
forma perfeita como seu corpo pequeno se encaixava no meu.
Eu estava ferrado, sabia que ela estava com o coração quebrado e
ainda assim estava disposto a permanecer por perto; se ela me desse uma
oportunidade, eu seria o homem que juntaria cada parte do seu coração,
tornando-o um todo novamente. Eu seria o homem que protegeria as duas e
que as amaria.
Para alguns, esse domingo poderia ser fácil, mas para mim estava
sendo uma missão quase impossível.
Era aniversário do César, e eu fui incumbida a mantê-lo longe de
casa por algumas horas, mas o homem já estava desconfiando de algo,
desde que me buscou de manhã, parecia pensativo, observador.
Eu estava me detestando por fingir não saber de nada, até mesmo
dona Josefina e seu José se policiaram para não mencionar nada, todos
fingindo que esqueceram.
— O que foi? Você parece chateado com alguma coisa — comentei,
encarando os olhos dele pelo reflexo do espelho interno do carro, eu estava
sentada atrás, junto de Fernanda, que estava no bebê-conforto.
— Não é nada...
— Você não sugeriu de sairmos? Hoje não é um bom dia? —
questionei, a desculpa que inventei foi unindo o útil ao agradável.
César já tinha me convidado para sair, um piquenique sendo mais
exata, mas acabei adiando porque Fernanda ainda era muito pequena e claro
que nós a levaríamos, mas com a incumbência da dona Josefina, acabei
sugerindo de passearmos justamente hoje, isso o manteria fora de casa por
algumas horas, tempo o bastante para a organização da festa surpresa.
— Não é isso, é que hoje é meu...
— Tá um belo dia para um piquenique. Não vai chover e está fresco
— cortei-o propositalmente, se ele falasse do aniversário, eu abriria a minha
boca grande sobre a festa e arruinaria tudo.
Não me culpem, eu não sou a melhor mentirosa do mundo.
César estacionou o carro em silêncio e eu me odiei por chateá-lo.
Empurrando o carrinho da Fernanda, ele parecia perdido em
pensamentos.
Adentramos o parque e andamos por longos minutos ainda em
completo silêncio, eu olhando tudo ao redor, já que era a minha primeira
vez ali; e ele, calado, quase distante.
— Tem uma coisa que eu gostaria de saber sobre você, Simone —
falou de supetão.
Mordi o lábio inferior, ficando tensa de repente, falar do meu
passado não era confortável para mim.
— O quê? — perguntei com receio.
— Quando é o seu aniversário? — Olhou-me com o cenho franzido,
querendo realmente saber.
— Vinte de agosto — respondi rápido.
— Não quer saber o meu? — Arqueou a sobrancelha de uma forma
linda.
Eu já sabia que era hoje, nove de maio, por isso mudei de assunto.
— Se eu tenho uma pergunta, gostaria de usá-la com mais ousadia,
quero saber outra coisa sobre você — falei, ponderando o que perguntar.
— E o que seria? — Ele parou de andar e me deu toda a sua
atenção.
Nervosa, olhei ao redor do parque, era um lugar lindo, estávamos
embaixo de uma árvore, em frente ao grande lago, o dia estava ótimo, nem
quente e nem frio demais.
— Quem é a garotinha nas fotos com você? — indaguei, ainda sem
olhá-lo.
Eu sabia que se não queríamos uma resposta, era melhor não
perguntar, mas a minha curiosidade estava me matando.
— Nos retratos na casa dos meus pais? — perguntou de cenho
franzido.
— Sim, a de cabelos cacheados e olhos verdes — concordei.
— Os olhos dela não são verdes, são castanho-esverdeados...
Assenti com um bico, detestando o rumo da nossa conversa sem
nem saber o motivo.
— Ela se chama Iracema, é a minha melhor amiga. Nos conhecemos
na infância, nossos pais faziam feira juntos e se tornaram bons amigos.
Por que parecia que eu tinha levado um soco no estômago? Talvez
fosse o carinho na voz dele ao falar dela, ou o sorriso bonito que ostentava
ou o maldito brilho no olhar.
Senti quando ele tocou meu queixo, fazendo com que eu o
encarasse.
— Por que essa carinha chateada? — perguntou, próximo o bastante
para fazer com que eu encarasse seus olhos.
— Impressão sua — respondi, sem pensar demais.
— Eu te conheço há quase três meses, sei algumas das suas manias,
a maioria dos seus gostos e sei identificar muito bem quando fica chateada.
— Arqueou a sobrancelha, novamente daquela forma linda, compenetrada e
malditamente sedutora.
— Eu só não deveria ter perguntado sobre ela — comentei, foi
perceptível o meu tom amargo.
— Ei, você não pode julgar sem conhecer, Iracema é maravilhosa,
tenho certeza de que serão amigas...
— Será mesmo? — perguntei, desviando meu rosto do toque dele.
O que estava acontecendo comigo?
Eu nunca fui de julgar sem conhecer.
César voltou a me tocar, dessa vez com a mão grande na minha
cintura, um sorriso convencido brincando no seu rosto bonito.
Fernandinha dormia no carrinho, alheia ao clima que estava entre
nós dois.
— Isso é ciúme? — ele perguntou, atento a cada reação minha.
E eu ousei revirar os olhos.
— Ciúme? Ah, até parece... Por que eu estaria com ciúme de você?
Ele travou a rodinha do carrinho da Fernanda e me segurou com as
duas mãos, puxando-me para perto, pouco se importando com as dezenas de
pessoas que nos faziam companhia no parque.
— É ciúme, sim, você está na defensiva — ele afirmou.
Molhei o lábio inferior com a língua, atraindo a atenção dele nesse
gesto.
Ciúme... Poderia ser, mas eu morreria e não confessaria.
Ele tocou meu rosto, acariciando de uma ponta a outra, seus olhos
fixos nos meus, sua boca tão perto da minha que eu era capaz de sentir sua
respiração.
— Simone? — Foi como um pedido.
— Sim... — sussurrei, selando seus lábios nos meus.
Um leve roçar, um toque gentil carregado de sentimentos.
Subi minhas mãos por seus braços, tocando-o com mais intimidade,
repousei uma em seus ombros e, com a outra, acariciei o cabelo curto
enquanto ele aprofundava o beijo, apreciando cada parte que eu estava
disposta a dar.
Deus! Beijá-lo era tão bom...
César se afastou, sua testa colada na minha, nossas respirações
aceleradas.
— Desculpe — sussurrei, ainda tentando normalizar a minha
respiração, recuperar o controle do meu corpo, que não recebia um toque
mais íntimo havia meses.
— Não é bem isso o que um homem quer ouvir após beijar a mulher
de que ele está gostando — César sussurrou também, parecia tão ou mais
envolvido que eu.
— Que o quê? — perguntei, abrindo meus olhos para encará-lo.
— Você não percebeu, Simone? Não notou que entre nós nasceu
algo? — Os olhos dele brilhavam tanto que era impossível deixar de
encará-los.
Sim, eu tinha percebido a nossa troca de olhares, a nossa conexão
maravilhosa, a linda amizade que nasceu, o carinho que ele sentia pela
minha filha, mas eu sempre me mantive distante, tentando fugir da vontade
que sentia de me aproximar para tocá-lo e beijá-lo. César despertava em
mim sentimentos assustadores, sentimentos que eu só senti por um homem
na vida.
— César...
Deus, o que estava acontecendo comigo?
Em momento algum ele avançou o passo, eu o beijei, eu quis.
— Eu sei que seu passado doloroso ainda mexe com você, sei que
existe um abismo enorme entre nós dois, mas eu não consigo me manter
longe — ele confessou, afastando seu toque de mim.
— Acabamos de nos conhecer — sussurrei, pateticamente.
— Então é isso? O tempo que nos conhecemos? Porque para mim
isso é o de menos, temos uma vida inteira para nos conhecermos, só
precisamos querer.
E eu queria, Deus, como eu queria, só tinha medo do termo: vida
inteira, eu sabia que a vida poderia ser curta, bem curta.
— César, eu amei um homem antes e perdê-lo quase me arruinou,
você merece uma mulher inteira, não uma que ainda está colhendo os
caquinhos do seu coração. — Respirei fundo ao falar, sentindo meus olhos
marejados.
Eu não iria chorar.
— Se, estou dizendo se, você sente ao menos um pouco do que eu
sinto, isso significa que seu coração já está se curando, Simone, significa
que você está disposta a tentar outra vez, e eu estou disposto a colher cada
caquinho com você Engoli em seco.
Como o meu dia se transformou nisso?
Não estava reclamando, longe disso, eu amei o beijo, amei o toque,
amei a nossa conexão, mas eu temia bem mais, temia arruinar essa coisa
linda que estava nascendo dentro de mim.
— Tudo bem, podemos fingir que isso nunca aconteceu,
esquecemos o beijo e a conversa — comentou, abrindo mão do que sentia
para respeitar o meu espaço.
— Não, eu não quero esquecer nada, eu só preciso pensar, preciso
encontrar uma maneira de me curar, de deixar de temer, mas isso não
significa que eu queira esquecer, César, não quando a única coisa que eu
quero no momento é beijá-lo de novo. — Cada palavra dita carregava a
mais pura sinceridade.
Eu já estava cansada de viver com medo.
Ele voltou a se aproximar, segurou meu rosto com ambas as mãos,
acariciando com o polegar.
— Te darei o tempo de que precisar, só não me afaste de vocês.
Vocês...
Ele, além de me querer, queria a minha filhinha também, queria nós
duas em sua vida.
— Nunca, eu nunca irei te afastar — garanti.
Aquele beijo foi tudo o que rolou entre nós; ao comermos, ainda
trocávamos olhares, toques sutis, mas nada além.
Só voltamos para casa quando Josefina mandou a mensagem que
tudo estava pronto, apenas esperando o nosso retorno.
— Surpresa!!! — vozes diferentes gritaram ao mesmo tempo
quando adentramos a casa dos pais do César.
— Como se eu não tivesse percebido os carros na rua — ele
sussurrou para que apenas eu escutasse, ao passar Fernandinha para os
meus braços.
Sorri para ele.
— Apenas finja. — Beijei-o no rosto, dando dois passos para o lado,
deixando que todos fizessem o que mais desejei hoje: felicitassem-no.
Olhei ao redor, eles tinham caprichado na decoração, tudo estava
lindo, mesclando azul-marinho com dourado; olhei o bolo com as velinhas,
trinta e um anos ele estava fazendo.
Quando voltei meus olhos para o aniversariante, ele estava
abraçando a amiga de infância, ela era linda, era nítido o quando se davam
bem, o quanto se gostavam.
— Isso aí na sua testa é uma ruginha de preocupação? — Ouvi a voz
masculina ao meu lado.
O homem alto, usando uma camisa social preta, olhava os dois
também.
— Por que seria? Eu nem a conheço — respondi.
— Por isso está preocupada, porque não a conhece.
— É nítido que se amam — comentei, nem sabendo o motivo de
falar com um desconhecido.
— Se amam, sim, no começo eu me importava muito com isso
também, mas isso mudou. Você vai perceber que o amor que existe entre
César e Iracema é diferente do que existe entre você e ele. Confie em mim.
— Ele parecia ter total certeza do que dizia.
— E quem é você? — perguntei, olhando-o confusa ao arrumar
Fernandinha no colo.
Os olhos castanhos do homem bonito se fixaram na minha filha e
ele sorriu ao dizer: — Eu sou Octávio Villacente, noivo da Iracema, quase
marido, mas ela é uma mulher difícil.
Noivo? Então ela era comprometida, só então reparei no anel no
dedo dela.
— Viu só? Não tem com o que se preocupar.
Olhei novamente para César, ele estava abrindo o presente de
Iracema, era um perfume. Nossos olhares se encontraram e ele sorriu para
mim.
— Se me der licença, eu preciso trocar a fralda dela — falei para o
tal Octávio.
— Toda. — Ele assentiu e caminhou para perto da noiva.
Uma aliança de noivado não tranquilizou o meu coração.

— Você deixou a festa. — Ouvi a voz dele e me virei, vendo-o


encostado no batente da porta do meu quarto.
— Ela estava molhada, acabei de trocá-la — falei, fechando bem a
fraldinha para descartá-la no lixo.
— Voltará? — perguntou.
— Sim, só irei amamentá-la antes. Aqui ficarei mais confortável.
Ele caminhou para mais perto da cama, onde eu estava, e pegou a
fralda da minha mão, descartando-a para mim enquanto eu amamentava a
bebê.
— A presença da Iracema está te incomodando? — perguntou, de
cenho franzido.
— Ela é sua melhor amiga, César, tem que estar na sua festa —
falei, olhando para Fernanda, a minha pequena luz era nitidamente uma
esfomeada.
— Eu quero que você a conheça, tenho certeza de que serão amigas.
— Você e o Octávio são amigos? — perguntei, olhando-o.
Ele deixou um riso de lado escapar.
— Agora posso dizer que sim, somos, mas no início foi complicado.
Eu não perguntei o motivo da complicação, já estava evidente e eu
não fazia questão de detalhes.
— Logo voltarei para sua festa, pode ir receber seus convidados. Só
irei terminar de amamentá-la.
Ele assentiu e, mesmo relutante, nos deixou.
O que estava acontecendo comigo? Era aniversário dele, e eu estava
sendo tão fria, não podia culpar somente o meu ciúme, mas meu peito
pesava todas as vezes que eu pensava na amizade dos dois.
Iracema era amada por todos daquela casa, era a melhor amiga do
homem pelo qual eu estava interessada, me julguem, mas eu estava me
sentindo insegura.
Fernandinha terminou de mamar, dormiu e eu ainda não tinha
conseguido colocar meus pensamentos em ordem, mesmo assim voltei para
a festa.
No segundo em que entrei na casa, fui abordada por ela, que olhou
minha bebê no carrinho.
— Que linda que ela é, e dorme tão bem com o barulho — falou,
admirada.
— Sim, o sono dela é pesado — concordei.
Senhor José, dona Josefina, César e até mesmo Octávio olhavam na
nossa direção.
— Eu sou Iracema, amiga do César, e você é a Simone, a mulher
que está roubando o coração dele — sussurrou essa última parte, sorrindo
para mim.
Assenti, meio em dúvida.
— Sim, sou Simone, só não tenho certeza da parte de roubar o
coração dele.
— Ah, mas eu tenho. Ele falou muito de vocês, faz um tempo que
eu queria conhecê-las, mas esperei a bebê crescer um pouco. Ela já está
com quase três meses, não é? César me contou como se conheceram, parece
uma novela.
— É, foi apavorante. Foi um dia especial, mas ainda assim me
assustei demais.
— Eu imagino, sozinha, em trabalho de parto na chuva, era de se
assustar mesmo, ainda bem que César apareceu no seu caminho.
Iracema nitidamente adorava falar, ela não parou mais desde o
segundo que abriu a boca e o mais estranho ainda era que eu sentia vontade
de respondê-la e continuar conversando.
— Gosto de pensar que ele foi enviado por alguém lá de cima,
alguém que me ama muito — falei.
— Vejo que se conheceram. — César apareceu do meu lado,
segurando a minha cintura.
Olhei para o toque dele, depois para os seus olhos.
— Sim, Iracema veio me cumprimentar — disse, com um sorriso
para tranquilizá-lo.
— Logo você se acostuma com ela, é tagarela e doidinha, mas é
gente boa — ele garantiu.
— Ei, eu ainda estou aqui — ela reclamou. — Fico feliz em
finalmente ter te conhecido, Simone, espero que possamos ser amigas. E se
me permitir, eu quero muito segurar essa coisinha gostosa quando ela
acordar, posso? — pediu, olhando para Fernanda com uma careta entre fofa
e engraçada.
— Pode sim, ela só vai demorar um pouquinho para despertar —
concordei, ainda não tendo certeza do que sentia em relação a ela.
Quando Iracema se afastou de nós dois, César analisou meu rosto
com mais atenção.
— E então, o que achou dela?
— Não é bem o que eu imaginei, parece ser legal — falei, mas ainda
não tinha uma opinião formada.
— Viu só? Não foi tão ruim quanto pensou, linda. — Ele tocou meu
nariz, deixando uma carícia no meu rosto.
Ouvi um suspiro, era dona Josefina, olhando-nos.
Para mim, ainda era cedo para demonstrar qualquer aproximação em
público, e ele parecia concordar com isso quando se afastou.
A festa ocorreu bem, Iracema conseguiu segurar Fernanda e não a
soltou mais, nitidamente gostava de bebês, mas quando José perguntou se
ela queria ter, ela negou, disse que acreditava não levar jeito para a
maternidade, mas todos discordavam, apenas ela não via.
A festa terminou, todos foram embora e eu fiquei para ajudar com a
limpeza.
— Irei para casa também — César avisou, pouco tempo depois que
acabamos de organizar tudo.
— Ainda está cedo, filho — Josefina protestou.
— Todos nós precisamos descansar, o dia foi delicioso, mas
exaustivo.
— César tem razão, minhas costas estão me matando — José
concordou.
Deixamos a casa dos pais dele e fomos até a minha. Coloquei
Fernandinha no berço e aproveitei para pegar o presente dele.
— Aqui, é para você, não me lembro de ter te felicitado ainda.
Ele olhou o embrulho e sorriu.
— Não mesmo, foi a única.
— Estava esperando ficarmos sozinhos.
Ele aceitou o presente e, quando começou a abri-lo, falei: — Não é
nada muito caro, nada comparado com tudo o que ganhou hoje, mas eu fiz
com muito carinho.
Ele pegou a necessaire masculina e olhou admirado.
— Você disse que fez?
— Sim, eu amo artesanato.
— Você tem talento, é tão linda.
Senti meu rosto esquentar, certeza que corando.
— Eu não tinha dinheiro para comprar algo, então fiz uma das
coisas em que sou melhor.
— Eu amei, Simone, muito obrigado.
Era uma necessaire preta, própria para guardar produtos de higiene
em viagens, e ele, pelo visto, gostou mesmo.
— Feliz aniversário, César! — Aproximei-me dele, abraçando-o
apertado.
Quando nos afastamos, foi impossível não encarar seus lábios e
lembrar o beijo de mais cedo; voltei minha atenção para os seus olhos e
mais uma vez para a sua boca.
— Não irei beijá-la, te darei o tempo de que precisa, mas assim que
me permitir, eu nunca mais me afastarei.
— Não irá mais me beijar? — questionei, surpresa.
— A iniciativa dependerá de você e só assim saberei que está pronta
para mim.
Ele pegou a minha mão e depositou um beijo nela.
— Boa noite, Simone!
— Boa noite!
Eu o vi ir embora e fechei a porta, mordendo o lábio inferior,
tentando segurar a vontade de segui-lo e finalmente beijá-lo, mas era
melhor assim, eu precisava ir com calma.
Assim que cheguei em casa, enquanto tomava banho, tive uma ideia
brilhante. Ainda de toalha, sentado na minha cama, peguei o celular e liguei
para Simone, tocou três vezes antes de ela atender.
— Oi, linda, já estava deitada? — perguntei.
— Oi, ainda não. Acabei de tomar banho — respondeu em tom
baixinho.
— Nandinha ainda está dormindo? — indaguei.
— Sim, apagada desde o final da festa, mas logo irá acordar para
mamar e eu aproveito para trocar a fralda dela.
— Liguei porque tive uma ideia aqui, não sei se vai gostar, mas não
custa compartilhá-la.
— Qual ideia? — Notei a curiosidade no seu tom de voz.
— Estava olhando a necessaire que me deu, já pensou em vendê-
las? — questionei.
— Já vendi algumas, para uns colegas de trabalho do meu ma... —
Ela deixou a frase morrer, era sempre assim quando o assunto era o seu
passado.
— Certo, e pensa em vender novamente? — indaguei, tentando
trazê-la de volta para mim.
— Não sei, César. Fernandinha ainda é muito pequena, está sendo
difícil fazer as faxinas para as conhecidas da sua mãe nas sextas-feiras, não
gosto de incomodar seus pais deixando-a aos cuidados deles.
— Eles amam cuidar dela, Simone, não tem ideia do quanto os
coroas adoram vocês duas — comentei, essa era a mais pura verdade.
— Mesmo assim me sinto uma folgada pedindo para cuidarem
enquanto eu trabalho — desabafou.
— É apenas um dia da semana, e só meio período. Foi ideia da
minha mãe, lembra? Não precisa ter receio.
— Eu sou muito grata por ela ter arrumado esses bicos para mim,
vocês me ajudam demais, mas ainda assim me sinto estranha, como se
estivesse folgando nas suas costas.
Sorri com isso.
— Que besteira, já conheci muita gente folgada e você não é uma
delas. Eu ainda sou contra você se esforçar tanto, seu parto ainda é recente,
mas entendo que precisa de dinheiro, por isso a ideia de vender o que você
sabe fazer é genial.
— Estou me sentindo muito bem, minha dieta pós-parto já acabou
faz tempo.
— Mas está perdendo muito peso — rebati.
— Por causa da amamentação, a doutora disse que é normal, eu só
preciso continuar me alimentando bem.
— Certo, eu estou cuidando disso. Agora vou te contar o que pensei
em fazermos... — comecei a dizer.
— Fazermos? Não era apenas uma ideia? — ela me cortou.
— Detalhe, tenho certeza de que você vai topar. Primeiro,
precisamos abrir uma loja online, assim consegue trabalhar em casa e
cuidar da Fernanda, o que acha? — Quanto mais eu falava sobre isso, mais
adorava a ideia.
— Isso custaria caro? — perguntou com certa preocupação.
— Não tenho certeza, mas posso te ajudar no início — comentei
com cautela.
— César... — reclamou, como eu imaginei que faria.
— Não disse que seria financeiramente, mulher, não precisa ficar
brava — falei jocoso, tentando amenizar o clima.
— Então como me ajudaria? — indagou.
— Podemos vender na feira até você conseguir a verba para iniciar
no mercado digital, enquanto isso pesquisamos opções de lojas online mais
baratas, até gratuita, se for possível — expliquei.
— Estou gostando da ideia, tenho alguns materiais aqui parados,
daria para iniciar o trabalho com algumas coisas.
— Ótimo, podemos conversar com a Cema, ela é designer, pode te
ajudar com a parte visual da loja.
Simone respirou fundo e eu fechei os olhos, temendo o que veria.
— Tudo bem, eu topo iniciar essa ideia e, quando tiver com tudo
pronto para a loja, falo com a Iracema pessoalmente.
— Isso! — comemorei, alegre por ela.
— César... O que eu tenho de tão especial para você fazer tanto por
mim? — ela perguntou, após ficar alguns instantes em silêncio.
— Preciso mesmo responder? — questionei de volta.
Notei quando ela ficou tempo demais calada, o clima mudando.
— Eu gosto de você, gosto de uma forma que nunca gostei de uma
mulher antes. É tudo novo para mim, linda, a única certeza que eu tenho é
de que não quero me afastar de você e da sua filha. — Fui sincero.
— Sobre a nossa conversa no parque... eu também sinto que está
nascendo algo dentro de mim, sinto vontade de estar perto de você, sinto
que estou começando a me curar.
Deitado na minha cama, de olhos fechados, eu sorri como há um
bom tempo eu não fazia.
— Essa é a sua permissão para me deixar tentar? — perguntei em
um fio de voz, com meu coração acelerado.
— É, sim. Tem muitas coisas do meu passado que você não sabe
ainda, muitas coisas entre nós dois que precisamos conversar, eu ainda irei
te contar tudo.
— Não se sinta pressionada, mas tem uma coisa que eu preciso
saber antes de começarmos... — falei, receoso agora.
— O quê? — ela questionou de forma curiosa e ao mesmo tempo
temerosa.
Eu sabia o quanto era difícil para ela se abrir, mas isso era algo que
eu precisava saber para me manter preparado.
— Existe alguma possibilidade do pai da Fernanda bater na sua
porta querendo-as de volta? — Isso era tudo o que eu mais temia.
— Não, ele não aparecerá — comentou, com a voz embargada. —
Eu sou viúva, César.
Viúva? Eu não fiquei feliz com essa resposta, Fernandinha nunca
conheceria o pai biológico.
— Muitas coisas passaram pela minha cabeça, menos essa. Achei
que ele não tinha assumido a bebê... — comentei.
— Fernando nunca me abandonaria grávida, ele era um homem
honrado, cheio de luz e uma pessoa maravilhosa, a vida que o tomou de
mim cedo demais — ela comentou com a voz chorosa.
— Quer que eu vá até aí? — perguntei preocupado.
— Não precisa, já está tarde. Essa é uma conversa que eu quero ter
pessoalmente, deixamos ela para outro momento — falou, firme.
— Tudo bem, nos vemos amanhã? — perguntei com esperança na
voz.
— Claro, o que tem em mente?
— Gostaria de conhecer a minha casa? Você e a Fernandinha podem
passar o dia aqui, colocamos a ideia da loja em andamento, e eu posso fazer
o almoço — sugeri.
— Você cozinha? — ela perguntou surpresa.
— Claro, mulher, sou um homem prendado — comentei com um
riso.
— Amei o plano — ela comentou risonha também.
— Pego vocês um pouco antes do almoço.
— Combinado, boa noite, César!
— Boa noite, linda!
Finalizei a ligação com um sorriso no rosto.
Simone era viúva e estava começando a abrir seu coração para mim.
Eu era um filho da mãe sortudo.

Acreditava que em anos eu nunca tive tantas expectativas com a


minha vida.
A ideia da loja virtual começou a crescer e crescer na minha cabeça,
quando percebi, estava sonhando acordada e torcendo para que tudo desse
certo.
César bateu na minha porta no horário combinado. Pontual como
sempre.
— Nossa, está todo lindo — comentei, olhando-o dos pés à cabeça.
A camisa polo preta estava um pouco justa no corpo bonito, era impossível
não notar a beleza do homem.
A nossa conversa da noite anterior não saía dos meus pensamentos.
Eu, finalmente, estava tentando seguir em frente.
Ele deixou um riso lindo ocupar seu rosto, dando vida às covinhas
discretas que ele tinha.
— Eu posso dizer o mesmo de você. — Ele me olhou dos pés à
cabeça também.
Tudo bem, eu poderia ter exagerado um pouco, mas era a nossa
primeira vez juntos depois de eu finalmente deixar de temer tanto, queria
estar mais bonita.
Coloquei um vestido rosa claro simples e casual, mas que fazia eu
me sentir mais bonita; no rosto, ousei passar um pouquinho de maquiagem,
nada extravagante. Meus cabelos hidratados, deixei soltos, sem faixa para
detê-los. Estava me sentindo linda.
Eu me aproximei alguns passos, sabendo que ele ficaria ali, parado
no batente da porta, cumprindo a sua palavra e esperando por mim, pelo
meu tempo, pela minha vontade. Enlacei seus ombros com meus braços e
fiz o que nós dois queríamos, o beijei.
César segurou minha cintura com as duas mãos, suspirou, ainda com
seus lábios colados nos meus, e me correspondeu.
— Isso está mesmo acontecendo? — ele perguntou quando
cessamos o beijo.
Abri os olhos, encontrando os dele nos meus, fixos e brilhantes.
— Sim, está — concordei, sentindo meu rosto corar.
— Eu posso esperar mais, Simone, não há pressa aqui — sussurrou,
tocando meu lábio inferior com o polegar.
Ele era um fofo e a cada atitude dessa ganhava um pouquinho mais
do meu coração.
— Eu sei que pode, sei que respeita o meu tempo, mas a questão
aqui é que eu também não consigo mais me manter distante, não depois de
ter te beijado pela primeira vez — falei com sinceridade.
Ele mordeu o lábio inferior, sorrindo logo em seguida.
— Eu sou um sortudo por ter achado vocês — falou, olhando
Fernandinha, que já estava no bebê-conforto, pronta para irmos.
Eu sabia que a sortuda era eu, por ter sido colocada na vida dele
naquela manhã chuvosa, por ter achado uma pessoa boa e gentil, com uma
família disposta a me acolher.
— Prontas para irmos? — questionou.
Assenti.
Ele pegou a cadeirinha com a bebê e as bolsas, não deixando que eu
carregasse peso algum.
Tranquei a casa e o segui empurrando o carrinho de bebê vazio.
Quando estávamos para entrar no carro dele, dona Josefina apareceu com
um sorriso gigante no rosto.
— Não ia cumprimentar sua mãe, menino? — ela perguntou,
tocando no pezinho da Fernandinha, que já estava começando a sorrir para
todos, uma lindinha.
— Achei que não estavam, vim buscá-las para almoçar em casa —
comentou, abraçando-a meio torto por causa das coisas que segurava
sozinho.
— É mesmo? E querem que eu cuide da Fernandinha? Seria um
prazer.
Ah, essa senhorinha sempre com maus pensamentos!
Sorrimos juntos, um olhando para o outro.
— Não, mãe. Iremos apenas almoçar e a Fernandinha é muito bem-
vinda.
— Sei, mas sabem que eu estou aqui, a qualquer hora, posso tomar
conta dela enquanto vocês fazem coisas de jovens, coisas de casal. —
Ergueu as sobrancelhas, provocativa.
Mordi o lábio inferior, segurando o riso. Eu adorava essa mulher.
— Mãe, não é isso o que a senhora está pensando... — César
começou a dizer, meio constrangido.
Eu sabia que o medo dele era por mim, por isso me meti.
— Estamos nos conhecendo melhor, Josefina, mas estamos indo
com calma — contei.
O sorriso no rosto dela poderia iluminar o mundo.
— Ah, Deus ouviu minhas preces! Não sabem o quanto eu fico
feliz. José perdeu a aposta comigo...
— O quê? Vocês apostaram? — César perguntou surpreso.
— Parece que nem conhece os seus pais, menino, claro que sim. Eu
apostei que já estavam juntos, porque percebi como se olhavam ontem, era
diferente.
— E ele apostou o quê? — perguntei curiosa.
— Que estavam se gostando, mas que demorariam para perceber.
Enfim, ele vai ter que me pagar os bombons.
— Meus pais apostando bombons ao se intrometerem na minha
vida, é o cúmulo — César reclamou, enquanto colocava a bebê atrás e
prendia a cadeirinha com o cinto de segurança.
— Nem precisamos nos meter, vocês dois já estão apaixonados —
ela garantiu. — Ah, minha filha, você já era da família, mas sinta-se ainda
mais bem-vinda — ela falou amorosamente, puxando-me para um abraço.
Apertei-a de volta, retribuindo todo o amor dela.
— Obrigada, Josefina, por tudo! — falei.
— Se o César te magoar, me conte que eu resolvo as coisas com ele
— sussurrou e eu não consegui evitar sorrir.
— Pode deixar.
— Já estamos indo, não é, Simone? — ele perguntou, olhando-me.
— Sim, claro.
Entrei no carro, mas fui capaz de ouvi-la dizendo para o filho: —
Finalmente, hein, menino? Juro que se você a magoar, te dou uns cascudos.
— Mãe, a senhora nunca me bateu — ele comentou.
— Apronte para ver.
César entrou no carro sorrindo e, assim que nos afastamos dela, ele
disse: — Ela gosta mais de você do que de mim — brincou.
— Eu sou encantadora mesmo — falei.
Os olhos dele se encontraram com os meus pelo retrovisor, nós dois
sorrindo.
— Achei que iria esperar um pouco mais para contar sobre nós.
— Não é como se conseguíssemos esconder, estava ficando evidente
— comentei.
— Claro que estava, eu sou irresistível e você fica me olhando cheia
de luxúria, qualquer um notaria.
— Seu bobo.
— Eu sei que eu sou um bom partido — ele voltou a brincar,
piscando galante.
Realmente era, mas eu nunca engrandeceria seu ego.
Quando ele estacionou em frente à casa, olhei com atenção, não era
grande como a dos pais dele, mas era linda também.
— Você não quis morar nos fundos da casa dos seus pais? —
perguntei quando descemos do carro, que ele guardou na garagem.
— Morei lá por um tempo, mas bem pouco. Eu sempre gostei da
minha liberdade e juntei dinheiro desde cedo para comprar o meu cantinho
— respondeu, abrindo a porta da casa.
Enquanto ele buscava o carrinho da bebê no carro, eu andei pela sala
de estar, olhando cada detalhe.
Nos porta-retratos, tinha ele quando criança. Em um, estava junto
com Iracema, mesmo a pontinha do ciúme existindo no meu coração,
ignorei e passei a olhar tudo.
À primeira vista, a casa dele era bem organizada, limpinha e com
cada coisa em seu devido lugar.
— Por que essa cara surpresa? Esperava outra coisa? — ele
questionou, deixando o carrinho no canto perto da porta.
— Você é bem organizado — falei.
— Não sei se me alegro ou fico triste, achou que eu era bagunceiro?
— Não, mas aqui é tudo muito organizado para a casa de um
homem solteiro — esclareci. — Você é maníaco por limpeza ou algo assim?
— Não, não sou, eu só gosto de organização e sei que você também
é assim.
— Combinamos, mas já fique alerta que terá brinquedos pela casa,
essa é uma das partes de ter criança — falei, olhando para Fernandinha, que
já estava nos braços dele.
— Eu vou amar ter brinquedos por toda parte, acredite.
Sem perceber, eu o tinha incluído no nosso futuro e tinha adorado
isso. Eu realmente queria tentar com ele.
Sabe aquele tipo de pessoa que te conquista cada vez mais nos
pequenos detalhes? Eu estava me sentindo exatamente assim com relação
ao César.
Ele, ao cozinhar, dominando a cozinha com um sorriso no rosto e
me proibindo de ajudá-lo, alegando que eu era convidada e merecia uma
folga.
Ele brincando com Fernandinha enquanto o almoço estava no forno.
Nossas trocas de olhares constantes.
Nossa conexão se tornando cada vez mais forte.
— E então, o que achou? — ele perguntou, olhando atento para o
meu rosto enquanto eu provava da lasanha que ele tinha feito.
— Perfeita — comentei, sentindo a delícia do queijo derretido na
minha boca.
— Confesso que estou praticando muito, essa não é a minha
especialidade — falou, começando a comer também.
— E qual é a sua especialidade, senhor? — perguntei, jocosa.
— Strogonoff de frango, foi o primeiro prato que fiz questão de
aprender, já que é o que eu mais gosto. Só que, por fazer com frequência,
estava começando a me enjoar.
— E em qual você tem mais dificuldade no preparo? — questionei.
— Carne assada, com certeza, sempre fica seca e estranha —
comentou, com uma careta engraçada.
Foi impossível não rir.
— Isso, pode rir bastante, mulher, mas é verdade.
— Achei que era bom com carne assada...
— Em churrasco? Com certeza. Em casa, no forno, sou um desastre
— falou e pela primeira vez o vi revirando os olhos.
— Vou te ensinar, sei um truque que deixa a carne suculenta e
deliciosa — contei, me gabando.
— É mesmo? E quem te ensinou a cozinhar? — ele perguntou,
deixando seu almoço de lado e me olhando com atenção.
Era sobre o meu passado que começaríamos a falar e, pela primeira
vez, me vi respondendo sem receio.
— Infelizmente minha mãe faleceu antes de conseguir me ensinar,
mas eu sempre fui uma criança muito curiosa, louca para mexer no fogão e
ficava atenta sempre que ela cozinhava, olhava cada detalhe só esperando a
minha vez chegar, quando cresci, o básico eu já sabia fazer e o que não
sabia Fernando procurava receitas na internet, aprendemos juntos —
comentei, nostálgica.
— Sinto muito pela sua mãe — ele falou com pesar.
— Ela sofreu um AVC mesmo sendo muito jovem, eu nem tinha
completado nove anos ainda. Lembro que eu odiei essa doença por muito
tempo, só passei a entender melhor quando cresci, não sei se foi por ela
fumar demais, ou pelo estresse que era ter três empregos e ser mãe solteira,
não faço ideia, mas de uma coisa tenho certeza: ela foi a melhor mãe do
mundo para mim. Se eu for para a Fernandinha um terço do que ela foi para
mim, ficarei feliz — confessei, olhando minha bebê no carrinho.
— Você já é uma excelente mãe, Simone, e só por pensar assim já
prova que será ainda melhor — César falou, com bastante certeza na voz.
— Eu realmente espero que sim, quero ser o melhor exemplo para
ela. Fernandinha só terá a mim, antes mesmo de nascer já tinha perdido o
pai e eu não quero que a vida dela seja difícil como a minha foi. Viver em
uma instituição, ser órfã... Eu não quero isso para ela.
Meu coração se apertava só de pensar no meu pedacinho de luz
crescendo em um lugar como o que eu cresci.
— E não será assim, além de você, Fernandinha tem a mim, tem
meus pais e todos nós a amamos, amamos vocês duas — ele falou,
segurando minha mão com carinho.
Eu o encarei com os olhos carregados de lágrimas.
— Obrigada por ser tão maravilhoso — agradeci.
— Eu que agradeço por você estar me dando uma chance, por estar
deixando que eu entre na vida de vocês duas, por estar se abrindo em
relação ao seu passado. Agora entendo um pouco mais do quanto a sua vida
foi difícil, compreendo porque é tão arredia.
— Cresci em um lugar rigoroso, César. Giselda, a responsável, era
um monstro, eu a chamava de bruxa e ainda era um eufemismo para o que
ela era.
— Batiam nas crianças? — ele perguntou, o cenho franzido em
raiva e preocupação.
— Não, mas a violência não é só física, só não apanhávamos porque
isso deixaria marcas e íamos à escola. Mas Giselda gritava, adorava gritar.
Fernando se meteu em muitas enrascadas para tentar me ajudar.
— Ele também era órfão? Isso significa que a Fernandinha não tem
avós...
— Sim, claro que ela tem avós, afinal seus pais a amam como neta
— comentei, mas essa não era toda a verdade.
— Amam mesmo — ele falou, um sorriso bonito no seu rosto ao
olhar minha filha.
Finalizamos o almoço e limpamos a cozinha; antes que eu pudesse
contar qualquer coisa a mais sobre meu passado, Fernanda quis mamar.
Passamos o dia com ele, durante o sono da tarde da bebê, nos
sentamos na sala e começamos a planejar cada detalhe da loja virtual.
— Agora você precisa começar a produzir, inicie com as
necessaires, depois expanda — ele falou.
— Começarei hoje mesmo. Estou tão empolgada — disse, olhando-
o com um grande sorriso em meu rosto.
César deixou seu notebook na mesinha de centro, se virou, ficando
de frente para mim, pegou uma mecha do meu cabelo que caía nos meus
olhos e a colocou atrás da minha orelha, fazendo um carinho no meu rosto.
— Aqui está, o sorriso que eu sempre quero ver no seu rosto,
Simone — falou, tocando meu lábio com o polegar.
Aproximei-me um pouco mais, selando seus lábios nos meus.
Meu coração acelerado e essa vontade louca de ficar perto dele, em
seus braços, sentindo seu carinho, seu calor, eram sinais de que eu estava
ferrada, completamente.
O beijo, que começou tranquilo, se tornou quente, carregado de
luxúria.
Quando gemi nos seus lábios, senti seu aperto na minha coxa,
puxando-me mais para ele. Ainda com nossos lábios se tocando, subi no seu
colo, minhas mãos nos seus ombros, acariciando-o e puxando-o mais para
mim também.
— Simone, espere... — ele pediu, quase em súplica.
Abri os olhos, encarando-o, confusa.
— O que foi? — perguntei, não entendendo o porquê de ele querer
parar algo tão bom.
— É melhor pararmos, ou vai ser difícil para mim se continuarmos
— falou e eu entendia bem, estava sentada em cima do seu desejo, que
latejava por mim.
— E se eu não quiser parar? — indaguei, encarando seus olhos,
tentando demonstrar toda a minha certeza nessa troca de olhares.
— Linda, eu quero você, quero muito e você sabe disso, mas não
quero que se arrependa, não quero que pense que nos precipitamos — falou,
arrumando meus cabelos, que estavam uma bagunça causada por suas
mãos.
— Você ainda acha que eu não estou pronta, entendi. — Desci do
colo dele e me sentei no sofá ao seu lado, ajeitando meu vestido nas coxas.
César respirou fundo e negou com a cabeça.
— Não é isso, só quero ir com calma, fazer as coisas do jeito certo
com você. Não se trata só de nós dois, se trata da Fernandinha também, eu
tenho medo de nos apressarmos e as coisas darem errado. Conheço você,
sei que se mudaria da casa dos meus pais e o futuro da Fernanda é algo que
eu não quero arriscar, não quero ver vocês voltando a morar em um local
como o que morava.
Encarei minhas unhas, sem jeito.
Eu o adorava ainda mais por colocar Fernandinha acima do nosso
desejo.
— Você tem razão, me desculpe.
Perdida na luxúria, eu me esqueci completamente disso, me esqueci
que morava nos fundos da casa dos pais dele e que se algo desse errado, eu
me mudaria, sim, para não ficar aquele clima estranho.
— Não precisa se desculpar e muito menos se fechar assim, é como
eu disse, eu quero você, está perceptível...
— Só vamos com calma — completei a frase dele, me levantando
do sofá para beber água.
César me seguiu até a cozinha, eu estava de costas quando ele
enlaçou minha cintura com suas mãos, colando nossos corpos.
— Não pense que não a quero, não é isso — sussurrou no meu
ouvido.
Eu sentia sua ereção e sabia que não era falta de desejo que nos
afastou.
— Eu também tenho medo, César, mas quando estou com você, nos
seus braços, é como se o peso do mundo saísse dos meus ombros e eu amo
essa paz, essa sensação de que encontrei o meu lugar — contei, virando-me
de frente para ele.
César sorriu, finalmente a tensão começando a deixar seu rosto.
— Eu me sinto assim também, é por isso que não quero perder o que
estamos começando — disse, sua mão no meu rosto, acariciando-me.
— Sexo não vai mudar o que sinto, César. Estou insegura no
momento, mas ainda assim quero estar com você...
— Insegura? — perguntou, confuso, suas mãos descendo do meu
rosto para a minha cintura, não se afastando do meu corpo por nem um
segundo.
— Sim. — Mordi o lábio inferior ao dizer. — Acabei de passar por
uma gestação e por um parto, estou acima do peso, com os peitos enormes e
cheios de leite, com estrias, enquanto você é todo lindo, perfeito...
— Ei, pode parar. Eu não sou perfeito, nunca fui e tampouco me
importo com cada coisa que falou. Estrias? Quem não tem? Sobre o peso,
ainda acho que você está perdendo demais e muito rápido.
— Amamentação faz isso. — Sorri com cautela.
— Mas em uma coisa você tem razão — ele comentou, tocando o
meu decote. — Os peitos realmente estão enormes, só não entendo como vê
isso como um problema, para mim é justamente o contrário.
Sorri, enlaçando uma de suas mãos na minha.
— Não quero que se sinta insegura comigo, Simone, nunca, pelo
contrário, eu quero ser sua âncora, sua base quando você precisar de alguém
para te segurar — falou, segurando meu queixo com a mão livre, fazendo-
me olhá-lo.
Meus olhos se encheram de água novamente. Ultimamente, eu
estava parecendo uma manteiga derretida, tudo me fazia chorar, tanto afeto
estava mexendo comigo.
— Nada de luzes apagadas quando ficarmos pela primeira vez? —
zombei, mas a minha insegurança era real.
— Não, nada de luzes apagadas na nossa primeira vez. Eu quero ver
cada parte sua, cada expressão de prazer causada por mim. Quero absorver
tudo de você — falou com a voz rouca, pesada com o seu desejo.
César não imaginava, mas ele já tinha conseguido absorver o mais
importante, o meu coração, que estava se tornando todo dele, a cada dia que
passava, a cada dia que convivíamos, a cada dia que ele mostrava o quanto
adorava a mim e a minha pequena bebê, ele roubava um espacinho a mais
do meu coração só para ele.
Meus dedos doíam, mas eu estava satisfeita com o resultado final.
Em duas semanas, consegui fazer um total de trinta e quatro
necessaires, só não fiz mais porque meus tecidos tinham acabado e eu
precisava comprar.
A loja virtual já tinha sido criada, César e eu tínhamos encontrado
uma opção totalmente gratuita e embarcamos nela. Eu só precisava das
artes para começar a divulgar e, claro, de mais produtos prontos.
Como eu não tinha um computador, ele mais uma vez me ajudou
emprestando um notebook antigo dele, um que estava aposentado havia
muito tempo.
O acesso à internet veio da casa dos pais dele, mas eu bati o pé que
seria compartilhado o pagamento, não gostava de me sentir como uma
parasita, sugando e sugando sem dar nada em troca.
Muitos diálogos depois, entramos em acordo, dividiríamos os gastos
da internet mensalmente, ou até eu conseguir colocar em casa.
A ideia de tentar vender na feira veio do César, e eu, mesmo
envergonhada, topei. Precisava começar de alguma maneira e eles estavam
dispostos a me estender a mão, eu seria uma tola se negasse.
A principal razão de eu estar tentando tanto estava agora nos meus
braços, Fernandinha merecia um futuro e eu tinha força de vontade para
batalhar por nós duas.
No final da tarde de quarta-feira, olhei a tela do meu celular, que
acendeu, e vi que tinha chegado uma mensagem dele.
“Foi um sucesso de vendas, não sobrou nenhuma.”
E eu comemorei tanto, com Fernandinha nos braços, pulando pela
casa.
Para alguns poderia ser pouco, uma bobagem, mas para mim, que
estava em um nível de desespero altíssimo, desempregada e com uma filha
pequena, precisando de uma verba extra, era uma benção.
Todas foram vendidas em um único dia na feira, todas.
Meu Deus, era inacreditável.
“Você não está brincando, né?”, perguntei, ainda existia uma grande
insegurança dentro de mim, mas a cada dia que passava eu trabalhava mais
e mais para me livrar dela.
“Não, linda, não é brincadeira, quer que eu faça um vídeo para você
ver que é verdade?”, sugeriu e eu tratei de negar rápido.
“Não precisa. Estou tão feliz, César, você não tem ideia.”
“Eu também estou por você. Foi muito merecido. Além de vender
todas, recebemos algumas encomendas.”
“É sério? Preciso produzir mais e finalizar os detalhes da loja
virtual.”
“Sim, realmente precisa e com urgência. Vou mandar o número do
celular da Cema, converse com ela sobre as artes da loja, você precisa
começar isso o quanto antes.”
Mordi o lábio inferior com receio, fazia semanas que eu a conheci,
desde o aniversário do César não vi mais Iracema.
“Certo, mande para mim.”
“Nada de ficar receosa, quero você confiante para seguir com o seu
negócio com o pé direito.”
Apertei o celular com um sorriso no rosto.
“Eu amo o fato de você me conhecer tão bem, mesmo sendo tão
pouco tempo que nos conhecemos.”
“Você é transparente, e é uma das coisas que mais amo em você.”
Estávamos falando de amor, juntando nossos nomes e esse lindo
sentimento na mesma frase e parecia tão certo para mim.
“Passará aqui em casa essa noite?” perguntei, sentindo-me ansiosa
para vê-lo.
Nesse tempo que se passou, estávamos cada vez mais próximos, nos
víamos com muita frequência.
“Com certeza, estou ficando mal-acostumado, vê-las todos os dias
se tornou um vício.”
Sorri com isso.
“Então vou te esperar para jantar.”
“Isso é um convite, Simone?”
“Desde quando precisa ser convidado? Você já é de casa.”
“Estou ansioso para vê-las.”
Não respondi essa última mensagem, deixei que ele finalizasse o dia
de trabalho e voltei para o preparo do jantar, a carne já estava no forno, eu
sabia que sairia perfeita, tinha seguido cada passo necessário para ficar
suculenta e deliciosa.
Enquanto assava, dei banho na Fernandinha, que, com seus três
meses completos, estava cada vez mais esperta e sorridente.
Após amamentá-la, ela adormeceu, era uma dorminhoca, vivia
dormindo e só acordava para mamar, nem ligava se a fralda estivesse
molhada, apenas a fome a despertava.
Aproveitei que a carne ainda ficaria um tempo no forno, coloquei a
pequena para dormir no carrinho e a deixei na porta do banheiro, enquanto
tomava banho e me arrumava, mantendo-a sempre na minha vista, ainda
tinha medo de deixá-la no berço e me ausentar para o banho.
Quando César chegou, eu estava na pia, lavando as verduras para a
salada.
— Oi, linda, o cheiro está ótimo — ele falou, cumprimentando-me
com um beijo no pescoço, enquanto enlaçava-me por trás e inalava meu
cheiro.
Eu adorava isso, tanto que até inclinava a cabeça, deixando o
caminho acessível para ele.
— Oi, lindo, o cheiro do jantar? — perguntei, virando de frente para
olhá-lo.
Eu sabia que não era sobre isso.
— O seu cheiro mesmo. — Sorriu ao dizer. — Mas o do jantar está
ótimo também. Cadê a bebê mais linda do mundo?
— No quarto, dormindo no carrinho, ela adora dormir lá.
— Ela adora dormir em qualquer lugar, isso sim — ele zombou,
caminhando até lá para vê-la.
— Fiz carne assada — avisei, abrindo o forno e retirando a travessa,
deixando-a em cima do fogão.
— Quer que eu corte ou que eu finalize a salada? — ele perguntou,
quando retornou para a cozinha.
— Nem um, nem outro, você é convidado.
— Nada disso, eu sou de casa, lembra? — disse, pegando a faca da
minha mão.
— Tudo bem, aceito a ajuda, preciso terminar a salada, você deve
estar faminto.
Ele me olhou dos pés à cabeça, dando uma melhor atenção às
minhas coxas, que o vestido curto não cobria muito.
— Você não faz ideia.
Molhei o lábio inferior, olhando-o também, era o pecado em forma
de homem, lindo demais.
— Certo, vamos finalizar esse jantar ou ele vai esfriar. — Voltei
minha atenção para a salada, deixando meu desejo de lado.
— A carne está bem suculenta e nada seca, você vai me ensinar a
fazer.
— Isso foi uma afirmação ou uma pergunta? — questionei.
— Uma afirmação, com certeza.
Sorri, César tirava sempre o melhor de mim.
— Você vai precisar pedir com jeitinho, homem.
Com um passo, ele estava colado a mim, sua respiração beijando
meu pescoço, causando arrepios por todo o meu corpo.
— Tenho algumas ideias em mente, em todas você vai estar tão
relaxada que me contará o segredo — ronronou no meu ouvido.
Deus, eu iria morrer se esse homem continuasse me seduzindo
assim, ainda mais quando ele estava disposto a ir com calma.
— Você não pode provocar uma mulher que está com os desejos à
flor da pele, parecendo uma adolescente cheia de hormônios, isso é como
brincar com fogo.
— Eu estou disposto a me queimar — sussurrou, mordendo o lóbulo
da minha orelha.
Virei de frente para ele.
— Quem se importa com o jantar, quando o que eu mais quero está
bem na minha frente? — perguntei, puxando-o para um beijo.
Ao contrário das outras vezes, César não parou, ele deixou as coisas
rolarem.
Comigo em seus braços, ele me colocou sentada na mesa, de pernas
abertas para se encaixar no meio delas.
— Hoje eu quero fazer uma coisa que há dias estou desejando
loucamente, se trata apenas de você e do seu prazer — confidenciou,
deitando meu corpo no mármore frio e descendo os beijos pela minha
barriga, por cima da roupa, enquanto subia a mão grande pela minha perna,
levantando o vestido junto.
Quando achei que ele tiraria a calcinha, me surpreendi com o puxão
para o lado e a língua experiente me invadindo, fazendo meu corpo se
curvar sobre a mesa com o contato delicioso.
Nunca antes fomos tão longe, mas hoje ele parecia não resistir
também, parecia querer tudo de mim e cada parte do meu corpo também
gritava pelo dele.
A mistura de beijos, lambidas, mordidas, cada carícia me deixando
embriagada de prazer.
— Oh! — Deixei o gemido alto escapar quando atingi o ápice do
prazer e tapei a boca para evitar acordar a bebê.
— Tão deliciosa — ressaltou, voltando a me provar com seus lábios.
Sugando e tomando para si cada gota do meu prazer.
Eu o queria tanto, queria prová-lo, tê-lo de todas as maneiras
possíveis, por isso me sentei na mesa, disposta a não deixar as coisas
pararem.
César me olhava com os olhos castanho-escuros brilhantes e lindos,
deixando-me cada vez mais entregue, cada vez mais perdida por ele.
— Eu quero você — sussurrei, agora com as mãos no seu rosto,
acarinhando.
— Eu também a quero, linda, e muito, você não faz ideia, mas não
aqui, e a Fernandinha está no quarto e não queremos acordá-la —
respondeu, beijando cada centímetro do meu rosto e pescoço.
— Tem razão... — falei, de olhos fechados, aproveitando ao
máximo suas carícias.
— Eu te amo, Simone, e quero que a nossa primeira vez seja
especial, quero amar cada parte sua durante a noite toda — falou com a voz
rouca, nossos lábios bem perto, nossas respirações se misturando e os
nossos olhos fixos um no outro.
Pisquei, emocionada com a declaração dele, não esperando por essas
palavras tão sinceras.
Céus!
Bem nesse momento Fernandinha acordou, seu chorinho alto me
chamando, não consegui dizer o mesmo para ele, mas sabia que já o amava
também, que estava perdidamente entregue a esse homem.
Meu coração já não pertencia mais a mim mesma.
O despertar da minha filha me impossibilitou de confessar que
também já o amava, mas isso não pareceu incomodá-lo, pelo contrário, ao
ouvir o som do choro da bebê, ele sorriu para mim e disse, após me dar um
selinho: — Pode deixar que eu a pego, estou com saudades da nossa
pequena.
Mordi o lábio inferior, sorrindo; enquanto o olhava se afastar, desci
da mesa, minhas pernas ainda um pouco bambas.
Quando ele retornou para a cozinha com Fernandinha nos braços,
ela estava tranquila, sem vestígios do choro. Era incrível como ela se
acalmava nos braços dele, o adorava também, isso era nítido.
— Quer amamentá-la enquanto eu finalizo o jantar? — perguntou,
com a bebê aconchegada em seus braços.
Ele, assim como eu, sabia que só a fome a despertava e que ela
ficava nervosa se demorasse muito para amamentar.
— Só falta a salada, você não se importa? — perguntei.
— Nem um pouco, essa pequena só não deve ficar com fome —
disse, com riso na voz.
Peguei-a nos braços e me sentei para amamentá-la, ainda na
cozinha, olhando-o na pia, terminando de lavar as verduras.
Parecia uma rotina em família, uma deliciosa rotina.
César ficava tão à vontade, sabia onde cada tempero estava, cada
coisa necessária, ultimamente ele estava passando mais tempo aqui do que
na própria casa, só ia embora para dormir, o que eu achava uma pena.
Nosso jantar foi delicioso, Fernandinha ficou acordada o tempo
todo, olhando tudo ao redor com curiosidade, enquanto nós dois trocávamos
olhares cúmplices, sorrisos gentis e carinhos.
Eu estava apaixonada por ele também, só precisaria encontrar um
momento melhor para confessar.

Na quinta-feira logo cedo, mandei mensagem para Iracema


perguntando se topava me encontrar, assim falaríamos sobre o que tinha em
mente para a loja, e ela veio até a minha casa no horário marcado, dizendo
que já tinha algumas ideias em mente também.
Dava para ver no brilho dos olhos dela o quanto amava a profissão
que tinha escolhido.
— Qual cor você quer que predomine na sua loja virtual? —
perguntou para mim, desviando o olhar do notebook.
— Eu gosto de azul-claro — falei, era uma das minhas cores
preferidas.
Ela tinha me explicado muitas coisas, que eu precisaria de arte
visual, uma logo, fotos dos meus produtos, tantas coisas que quase fiquei
zonza, mas ela garantiu me auxiliar.
A melhor amiga do cara que eu amava estava se tornando alguém de
quem eu também gostava, conseguia ver nela uma pessoa que se esforçava
para me incluir e me manter por perto, alguém que também desejava a
minha amizade. E isso era muito bom, as palavras de Octávio, o noivo dela,
começaram a fazer sentido e eu estava começando a entender.
Quanto mais Iracema falava e fazia algumas coisas para me mostrar,
mais empolgada eu ficava, só que ainda temendo o preço que seria tudo
isso.
Infelizmente, eu não tinha um bom investimento inicial, ainda
precisava trabalhar duro para que tudo desse certo.
— Dá para trabalhar de uma forma legal colocando em prática todas
as suas ideias, só vou precisar de alguns dias. César me disse que você tem
pressa, por isso farei o mais rápido que conseguir — explicou.
— Obrigada, Iracema, eu amei tudo, cada detalhe e sei que ficaria
perfeito, mas e quanto ao valor? Eu preciso ter certeza disso para me
organizar — indaguei, isso era um dos pontos que eu mais queria saber.
— Primeiro — ela levantou um dedo —, me chame de Cema,
porque eu irei te chamar de Si...
Não foi um pedido, foi uma afirmação, e eu acabei rindo com isso.
— Certo — comentei, assentindo.
— Segundo, não vamos discutir sobre preços; assim como todos, eu
também quero te ajudar, Si. — Sorriu de forma gentil para mim.
— Eu não posso aceitar, Cema, sou orgulhosa demais para isso. —
Fui sincera.
Ela negou com a cabeça.
— César também é orgulhoso, como vocês se entendem? —
perguntou de forma jocosa.
— Ele é bom para mim e para a minha bebê — falei, olhando para
Fernandinha nos meus braços.
Iracema também olhou para a minha filha, seu sorriso chegando aos
olhos.
— Sim, ele é. Eu fico tão feliz em saber que ele encontrou a mulher
da vida dele, porque é nítido que ele te ama e muito — falou, sincera.
Mordi o lábio inferior, muito feliz com o que ela disse.
— Eu também o amo, mas ainda não consegui dizer a ele, porque,
bem no momento que diria, Fernandinha acordou e não deu — contei.
— Tenho certeza de que ele já sabe, ou sente.
— O que eu mais quero é que dê certo, sabe? O que sinto por ele é
tão bom, me faz tão bem. Eu gosto da pessoa que sou ao lado dele —
confidenciei a verdade.
Iracema estendeu o braço, pedindo para pegar a Fernandinha.
— O dar certo só cabe a vocês dois, e sei que o César nunca faria
nada para estragar o que estão sentindo — garantiu com total certeza.
Caramba, eu estava começando a gostar da ideia de ser amiga da
Iracema.
— Mudando de assunto, Si, você acha que eu seria uma boa mãe?
— perguntou de repente, para o meu completo espanto.
— Sim, claro que sim, dá para ver que adora crianças, mas lembro
que disse na festa que não pretendia ter filhos — respondi, de cenho
franzido.
— É, eu disse, mas não porque era algo que eu não queria, eu só
tenho medo de uma vida, um ser pequeno deste, depender unicamente de
mim, só imaginar já é apavorante — desabafou e vi que seus olhos se
encheram de lágrimas.
— Eu entendo, acredite. E não vou dizer que esse medo vai embora,
porque não vai, nunca vai, mas para mim foi a melhor coisa que me
aconteceu...
— Você ainda tem medo? — ela me cortou, perguntando surpresa e
com certo interesse.
— Muito, antes de conhecer o César, a Josefina e o José, eu tinha
ainda mais, porque, além de mim, ela não teria ninguém e eu morria de
medo de deixar a minha filha à mercê desse mundo.
— Eu sou tão boba, tenho a minha mãe, tenho o Octávio, toda a
família dele e muitos amigos, nada se compara ao o que você viveu. — Vi
que algumas lágrimas escorreram dos olhos dela quando disse isso, só neste
momento percebi o que estava acontecendo realmente.
Ela estava com suspeita de gravidez, por isso estava tão mexida e
assustada.
— Quantos dias faz que você está atrasada? — perguntei de uma
vez e ela me olhou, secando os olhos com a mão que não segurava a bebê.
— Oito dias...
— Ainda não fez nenhum exame? — questionei, empática.
Lembrava-me bem de como foi assustador o início da gravidez da
Fernanda, ela foi planejada, a queríamos muito, mas o medo também
existia.
Medo de não ser boa o bastante.
Medo de assumir essa grande responsabilidade por uma vida toda.
Medo de não dar conta e falhar como mãe.
Tantos receios, e logo após a descoberta perdi Fernando e tudo
desmoronou.
— Ainda não — Iracema respondeu, tirando-me dos meus
desvaneios.
— Não contou para ninguém? — perguntei, surpresa, não éramos
amigas tão próximas para esse momento tão importante ser justamente
comigo.
— Tive receio de contar, deixar todos com expectativas e no fim ser
só um atraso — explicou.
— Então você costuma atrasar?
— Nunca, é sempre regular, por isso que dessa vez estou assustada.
Mas quero ter certeza antes de contar para todos.
— Por que contou para mim? — indaguei, curiosa.
— Não sei se é a bebê, se é porque quero a nossa aproximação, não
sei, mas me sinto confortável com você.
Segurei a mão dela com afeto.
— Certo, vamos tirar essa dúvida, se você não estiver, tudo bem,
ninguém precisa saber...
— E se eu estiver, esse bebê será muito amado, por mim, pelo pai
dele, por todos — cortou-me, completando a minha frase.
— Sim, com certeza será.
Eu fui a farmácia perto de casa comprar os testes, peguei dois por
garantia. Quando retornei, Cema tinha feito Fernandinha dormir e eu
brinquei: — Viu, já leva jeito, agora vai fazer porque até eu estou ansiosa.
— Estendi a sacola para ela.
— Ai, meu Deus — disse, pegando com as mãos trêmulas.
Antes de ela se afastar para o banheiro, a abracei, querendo
tranquilizá-la.
— Você vai ver que tememos o desconhecido, mas nem tudo é tão
difícil quanto pensamos.
Ela assentiu e se trancou no meu banheiro por alguns instantes,
quando saiu, nós duas ficamos olhando para os testes nas mãos dela, sem
piscar.
— É... Você vai ser mamãe, Cema — falei, vendo as duas linhas
vermelhas nos dois testes.
Ela sorriu, um sorriso que iluminou todo o seu rosto e logo depois
chorou, emocionada.
— Meu Deus, tem uma vida dentro de mim — comentou entre
alegre e assustada.
— E o pedido de casamento, vai aceitar agora?
— Como sabe sobre isso? — questionou, curiosa.
— Octávio comentou algo no dia do aniversário do César, ele me
viu olhando vocês dois e tentou me tranquilizar.
— Você nem deveria ter se preocupado com isso, César e eu somos
amigos, e o cara está caído por você.
— Agora eu sei disso.
— Sobre o casamento, com certeza Octávio ficará no meu pé ainda
mais, mas o sim já estava garantido antes mesmo da minha gravidez —
comentou, com um riso na voz.
— É, e agora ele tem um aliado bem forte — falei, olhando para a
barriga dela.
— Muito forte, sem contar o quanto a família dele e a minha mãe
vão ajudá-lo.
— Mas por que você não aceita de uma vez e se casa? — questionei,
confusa, era nítido que eles se amavam muito.
— É só um papel para mim, já estamos morando juntos. Mas tem
um tempo que eu decidi aceitar, porque se é importante para ele, é
importante para mim também.
— Sei que mal nos conhecemos, Cema, mas adorei ser parte desse
momento da sua vida e estou imensamente feliz por vocês — falei a
verdade.
Ela me abraçou apertado.
— Obrigada pelo apoio, por entender meu receio, não sei se minha
mãe ou minha cunhada me entenderiam, elas são as que mais me cobram
um bebê, seria triste desapontá-las.
— E agora, o que vai fazer? — perguntei curiosa.
— Farei um exame de sangue, e depois uma surpresa na qual
contarei a todos sobre o novo integrante das famílias Oliveira e Villacente
— disse, os olhos brilhantes de alegria.
Percebi que, mesmo diante de todos os receios, Iracema em
momento algum rejeitou o bebê, ela só estava assustada, e eu a entendia,
carregar uma vida dentro de nós era assustador, eram dois corações batendo
dentro de uma única pessoa, sentir medo era completamente normal.
Naquela mesma quinta-feira no início da noite, eu me assustei com
as batidas na porta, calcei os chinelos e fui ver quem era, segurando minha
filha nos braços.
— Oi, Josefina, aconteceu alguma coisa? — questionei, preocupada,
já que ela nunca batia na minha porta dessa maneira tão eufórica, temendo
acordar Fernandinha.
— Oi, filha, ainda bem que essa bebê lindinha está acordada —
falou, entrando em casa assim que dei passagem.
— Eu acabei de banhá-la e amamentá-la. A senhora está bem?
Parece um pouco agitada — comentei.
— Eu estou ótima. Só vim te avisar que você precisa tomar um
banho, ficar bem cheirosa e ainda mais linda, César vem te buscar para
jantar — disse tudo de uma vez, pegando minha filha nos braços com um
carinho tão grande que me comovia, era nítido o amor dela pela
Fernandinha.
— Como assim? Ele acabou de ligar e não me disse nada — aleguei,
confusa.
— É que ele ainda não sabe desse jantar. — Josefina fez um gesto
de pouco caso com a mão, rindo.
Como eu apenas a olhava confusa, ela prosseguiu: — Resolvi te
avisar primeiro, assim você tem um tempinho a mais para se produzir. —
Piscou para mim.
— Não tínhamos planos para essa noite... — comecei a dizer, mas
ela me cortou.
— É, eu sei, vocês são tão tranquilos. É exatamente por isso que eu
planejei cada detalhe, um jantar gostoso, um tempo só para os dois
enquanto eu e o José cuidamos da nossa Fernandinha, não é, minha
lindinha? — perguntou, olhando para a minha filha com muito amor.
— Mas é quinta-feira...
— Não trabalhamos amanhã, querida, só sábado, por isso que
planejei tudo hoje.
Essa senhorinha esperta.
— Vá, tome seu banho, fique ainda mais linda. Eu irei ligar para o
meu filho.
— Mas a senhora não acha que ele...
— Já vou levar a Fernandinha lá para casa, tá? — Deixou-me sem
opção para recusa, saindo com a pequena nos braços. — E não esqueça de
tirar leite, filha, assim você pode ficar o tempo que quiser. — Ela ousou
abrir com um sorrisinho safado para mim.
Meu Deus, dona Josefina era um barato. Um ser pequeno que não
sabia ouvir não como resposta.
Eu, como havia dias que estava desejando um momento a sós com
César, fiz o que ela decretou, corri para o banho.

Era a primeira vez que ficaria um bom tempo longe da minha bebê,
estava um pouco nervosa.
— Tudo bem? Você já olhou as mamadeiras com leite umas três
vezes — dona Josefina questionou.
Fernandinha já estava pronta, no carrinho e bem sonolenta, só
estavam esperando-me terminar de organizar a bolsinha dela.
— Não quero atrapalhar a senhora — disse a verdade.
— Meu plano, lembra? Não está atrapalhando coisa alguma —
falou, caminhando para perto de mim e segurando minhas mãos. — Você
não faz ideia do quanto estou feliz por vocês entrarem nas nossas vidas,
muito mais feliz ao saber que você e César estão juntos. Meu sonho era ser
avó e eu ganhei a mais linda das netas e uma nora e filha maravilhosa, estou
tão feliz que isso é o mínimo que eu posso fazer.
Meus olhos se encheram de lágrimas, e eu chorei, olhando-a.
— Eu sou uma sortuda por ter vocês — falei, abraçando-a bem
apertado.
— Não chore, filha, nunca mais vai precisar passar por tudo
sozinha, somos a sua família agora, aqui é o seu lar e sempre será —
garantiu.
— Obrigada — falei, me afastando do abraço ao ouvir o som da
buzina.
— Não precisa agradecer. Agora vá que ele está te esperando, eu
vou cuidar dessa pequena aqui, pode ficar tranquila.
Beijei a testa da Fernandinha, prometendo voltar logo, e o rosto da
minha sogra.
Sogra, mesmo sendo a minha segunda relação, Josefina era a minha
primeira sogra e eu tive uma sorte tão grande.
Quando abri o portão, vi César em uma moto e arregalei os olhos,
surpresa.
Eu sabia que ele tinha uma, mas nunca andei com ele, já que sempre
estávamos com a bebê.
— Jantar, hum? — brinquei, com um sorriso, vendo-o descer e se
aproximar de mim.
— Ah, confesso que amei a ideia da velha. — Beijou-me. — Você
está linda — falou, olhando-me dos pés à cabeça com um sorriso safado
brincando no seu rosto bonito.
Sorri, contente.
Eu escolhi um vestido noturno, que não usava havia um bom tempo,
era no tom verde escuro, nada vulgar, mas ousado a ponto de me sentir
atraente e elegante.
— Você também está — falei, olhando-o com atenção, estava muito
bem-vestido em tons neutros. — Vamos para algum lugar específico?
— Acredita que ela fez até a reserva em um restaurante aqui perto?
— perguntou, colocando o capacete em mim.
— Estava tudo milimetricamente pensado, pelo visto.
— Ela não tem freio e dificilmente aceita um não, você já deve ter
percebido — comentou.
— Sim, ela é única.
— Ela é a melhor mãe do mundo, sabe do que preciso antes mesmo
de mim — garantiu, com um brilho orgulhoso no olhar.
Ele subiu na moto e indicou que era a minha vez.
— Tem medo? — questionou.
— Não, na verdade, eu adoro — respondi, subindo atrás dele e
segurando-o na cintura.
— Vou querer saber mais sobre isso no jantar — falou, guiando-nos.
O restaurante era muito bem decorado e bonito. Um ambiente
acolhedor e romântico, percebi muitos casais enquanto andávamos até a
nossa mesa.
Deixei que César pedisse os nossos pratos e, quando ficamos
sozinhos, ele perguntou sobre o meu gosto por motos.
— Não que eu entenda muito, mas Fernando adorava e tinha uma,
por isso não tenho medo — contei. Com César, eu já não sentia mais receio
em falar sobre o meu passado, pelo contrário, sentia mais e mais vontade de
me abrir, queria que ele soubesse de tudo.
— Eu adoro também, comprei uma antes mesmo de comprar um
carro, meus pais odiaram por causa do perigo.
— Compreensível.
— Não quis ficar com a do Fernando para você? — questionou,
curioso.
— Eu precisei vender, não tínhamos carro e ela era o bem de maior
valor. Usei o dinheiro para deixar a cidade natal dele.
César ergueu as sobrancelhas, surpreso.
— Vocês não eram daqui? — questionou, seus olhos fixos nos meus.
— Eu, sim, por isso voltei. Ele não nasceu aqui, mas ficou em um
dos lares dessa cidade por anos, até que a...
O garçom chegou com os nossos pratos, cortando a nossa conversa.
Agradecemos quando ele nos serviu.
Percebi que César optou por manter um assunto mais tranquilo
durante o jantar. Focando na minha reunião de mais cedo com a Iracema,
contei cada detalhe, exceto a parte da gravidez, já que isso era ela quem
deveria contar.
Mesmo querendo muito falar sobre meu passado, explicar o que me
trouxe de volta na cidade e por que tinha tanto medo, eu também optei por
apenas curtir o nosso primeiro jantar juntos.
Ao deixarmos o restaurante, ele questionou: — Quer ir para a sua
casa?
— Não ainda, acabei de falar com a sua mãe, e a Fernandinha está
dormindo como um anjinho, palavras dela — sorri ao dizer.
— Minha casa então? Ou quer ir a algum outro lugar?
Eu me aproximei dele, enlaçando seu pescoço com os meus braços.
— Quero ficar sozinha com você, não sei quando teremos outra
oportunidade. — Beijei-o nos lábios e fui correspondida com anseio.
— Não faz ideia do quanto eu queria ouvir isso.
— E por que não sugeriu? — questionei.
— Porque queria que partisse de você, só assim saberia que estava
completamente à vontade e entregue para mim.
Arqueei a sobrancelha.
— Achei que isso já estava evidente depois da nossa noite na minha
cozinha.
Ele coçou a nuca, me olhando com um sorriso.
— Você me enlouquece, Simone, muito, meu desejo venceu naquele
dia, e depois de sentir seu gosto, de ver o quanto estava entregue, eu não
consigo mais pensar na ideia de ir com calma, só quero você.
— Então vamos para a sua casa, porque eu também o quero.
Não prestei atenção no caminho e assim que César fechou a porta da
casa dele, eu o beijei com tudo o que estava retido dentro de mim.
Luxúria. Pressa. Paixão. Ansiedade. Amor. Tudo de mim para ele e
fui correspondida à altura.
Eu senti meus pés deixarem o chão e enlacei sua cintura com as
minhas pernas, sentindo o membro rijo se esfregar na minha calcinha
molhada.
— Desejo fazer amor com você, Simone — falou, mordendo meu
pescoço. — Quero saborear cada parte do seu corpo, sem pressa...
Começou a caminhar comigo em seus braços, nossos lábios unidos,
minhas mãos explorando cada parte do seu delicioso corpo.
César não me colocou na cama, ao contrário, ele me deixou em pé,
enquanto me despia do vestido que se tornou uma poça de tecido aos meus
pés, revelando a lingerie branca. Olhei com receio para a luz do seu abajur
acessa.
— Nada disso, quero ver tudo, cada parte — falou, tocando meu
queixo com carinho, fazendo-me voltar a olhá-lo.
— César, eu estou me sentindo insegura com meu corpo após a
gravidez.
— Eu sei das suas inseguranças, mas comigo não precisa ser assim,
eu amo cada parte sua, cada... parte... — ressaltou, olhando-me por inteira,
desejo e amor brilhavam nos seus olhos.
Mordi o lábio inferior e me despi do meu sutiã, revelando meus
seios enormes graças ao leite materno. Os olhos dele foram diretos para lá,
logo depois suas mãos os acariciaram, apertando levemente o bico de forma
prazerosa.
— Céus! — gemi, eu iria desmoronar ali, de tão bambas que as
minhas pernas estavam.
Ele retirou a camisa, revelando a tatuagem no braço esquerdo, linda,
incrivelmente ela o deixava ainda mais atraente para mim. Passei meu dedo
por cada desenho, seguindo com o olhar e notando que acabava antes de
alcançar o meio das costas.
— É linda — sussurrei.
— A única linda aqui é você — ele proferiu, puxando-me pelo
pescoço e novamente selando nossos lábios enquanto nos deitava na cama.
Oh, finalmente eu o teria inteiro para mim.
— Quero você sem calma, sem receio. Eu quero tudo de você —
pedi, quase que suplicando.
— Eu sou seu, desde o dia em que coloquei os olhos em você, sou
seu — jurou.
Desci a mão pela sua barriga, até alcançar a ponta da calça jeans e a
desabotoei, livrando-o dela.
Naquela boxer vermelha, César era ainda mais perfeito aos meus
olhos.
Sem se despir totalmente, ele tirou a minha calcinha, mantendo-me
ainda deitada enquanto distribuía beijos por todo o meu corpo, descendo e
descendo cada vez mais.
Sua calmaria era torturante e deliciosamente viciante.
Sua língua experiente rolou em volta do meu umbigo e desceu mais,
alcançando o meu ponto mais sensível, que ele chupou, dessa vez com
anseio, como se estivesse louco por isso.
— Simone, Simone, Simone, o que foi que você fez comigo? —
perguntou, alternando entre manter seus lábios em mim, chupando-me, e
falar.
Joguei o corpo para trás, dessa vez gemendo sem receio, já que
estávamos sozinhos.
Fui dominada por um clímax ainda mais forte que o primeiro que
tive nos braços dele, que me fez curvar o corpo sobre a cama, entregue,
maleável, perdida na eletricidade que só ele sabia despertar em mim.
César voltou a me beijar, dessa vez com mais pressa, parecia
perdido em seu próprio desejo. Com sua ajuda, o libertei da cueca boxer,
vendo seu membro rijo e grande pela primeira vez.
Minha boca salivou para prová-lo, mas o homem tinha outra ideia
em mente quando se preveniu e me possuiu de uma vez só, unificando
nossos gemidos de prazer, conectando nossos corpos com algo além do
sexo, era amor, sempre foi amor.
O sentimento estava presente em cada investida, ora lento, ora
rápido, acompanhando-me ao prazer intenso com suas estocadas e beijos
carinhosos.
Eu o amava com todo o meu coração.
Porra! Fazer amor com a Simone foi melhor do que eu imaginei que
seria, e eu imaginei diversas vezes.
Tê-la ali, completamente entregue a mim, era uma das coisas que eu
queria ter sempre na minha vida.
— O que está pensando? — ela perguntou, deitada nos meus braços,
olhando-me. — Você está sorrindo.
— Isso aqui — apontei para os nossos corpos nus deitados lado a
lado, apenas os lençóis nos cobrindo — é o motivo do meu sorriso. Quero
tê-la para sempre aqui.
Ela também sorriu.
— É o que eu mais quero também, amo você, César, você me
conquistou aos poucos, começou curando meu coração ferido para, logo
depois, usurpá-lo apenas para si, e desde então eu não consigo imaginar a
minha vida sem você.
Virei meu corpo de lado, ficando meio erguido em cima dela.
— Eu quero você e a Fernandinha comigo porque eu as amo, se me
permitir, eu irei criá-la e amá-la como se fosse minha filha — falei, sendo o
mais sincero possível.
Eu já amava aquela bebê como uma filha, ela roubou meu coração
desde que a vi tão pequenina naquele berço hospitalar.
Simone mordeu o lábio inferior carnudo com força, tentando segurar
o choro, mas as lágrimas desceram dos seus olhos mesmo assim.
— Prometo ser um pai para ela, ser o homem que irá protegê-la,
amá-la e aconselhá-la. Quero uma vida ao lado de vocês duas, sei que ainda
é cedo, ainda é tudo novo, mas eu não ligo e acredito que você também não.
Ela secou os olhos e segurou meu rosto, dos dois lados.
— Eu, mais do que ninguém, sei o quanto a vida é curta para
perdermos tempo, e sim, eu quero tudo isso com você, mas antes preciso ser
completamente sincera sobre o meu passado, quero começar certo e para
isso preciso contar tudo.
— Eu estou aqui, sempre estarei. Só me conte quando estiver
preparada, eu não me importo com seu passado. — Fui sincero.
Simone se sentou, ainda com o lençol cobrindo seus seios e corpo.
— Não somos apenas eu e ela no mundo... — contou, cautelosa.
Franzi o cenho confuso, também me sentando na minha cama.
— Como assim? Achei que você e o Fernando fossem órfãos.
— Eu sou, meu pai morreu quando eu ainda era um bebê e a minha
mãe um pouco depois, como você já sabe. Mas o Fernando tinha uma avó
materna, Rita, e é por culpa dela que eu voltei para cá.
Percebi que as mãos dela estavam trêmulas, os olhos perdidos em
um ponto qualquer da parede do meu quarto.
— Ele era dois anos mais velho que eu, estava com dezesseis
quando ela o encontrou no lar. Rita o levou embora, mas nunca aceitou bem
que ele esperou a minha saída, ela nunca aceitou a nossa relação, fingia na
frente dele, às vezes tão bem que até eu acreditava que ela poderia ser uma
família para mim também, mas era tudo mentira, quando ele morreu, eu a
conheci de verdade, é uma mulher manipuladora, gananciosa, não descansa
até alcançar o que tanto deseja — comentou.
— Ela sabe sobre a Fernandinha? — questionei, temendo também.
Simone assentiu, me olhando com os olhos carregados de lágrimas.
— Sabe, por isso eu fugi, ela deve estar nos procurando, mas sei que
não tem dinheiro o bastante para nos encontrar, mesmo assim tenho medo
de ela conseguir e tentar tomar a minha bebê — contou.
Puxei-a para mim, abraçando-a apertado, tentando transmitir
confiança e proteção.
— Comentei com Fernando algumas vezes que sentia como ela me
olhava e desprezava, falei que acreditava que era por causa da minha cor,
mas ele nunca enxergou nada. E quando nos casamos, até eu deixei de
reparar nas atitudes dela, me sentia em casa, feliz, finalmente tinha uma
família de novo, uma casa, um emprego e planejávamos um bebê...
Ela fechou os olhos, perdida nas dores que essas lembranças
desencadeavam.
— Amor, você não precisa me contar mais nada, chega por hoje —
falei, mas ela negou com a cabeça.
— Falar ajuda e eu quero que você saiba, César... Tinha dias que eu
e Fernando estávamos desconfiando da gravidez, ele falava com a minha
barriga mesmo sem termos certeza, dizia que já amava o bebê mais que
tudo, no dia que eu confirmei a gestação, esperei ansiosa a chegada dele do
trabalho, queria contar e comemorar, mas ele nunca voltou, naquele mesmo
dia ele sofreu um acidente, caiu do terceiro andar da construção em que
trabalhava, nunca teve certeza da existência da Fernandinha.
Ela fungou, e a mim só restava apertá-la nos meus braços, sofrendo
junto da mulher que eu amava.
— Eu sinto tanto por você, pela Fernandinha e por ele também. —
Eu sabia que essas palavras não mudavam nada, não ajudavam em nada,
mas eu queria me pronunciar de alguma maneira.
— Rita surtou com a perda do neto, ela disse que não aguentaria
passar por tudo de novo, ela desmoronou, nós duas nos quebramos, nós
duas não tínhamos mais ninguém, além da bebê que eu carregava no ventre.
Fiquei com ela um tempo, mas percebi que ela estava mudada, obcecada,
por isso fugi com medo.
— Vendeu tudo e alugou aquela casinha... — completei, supondo.
— Sim, depois de tudo o que passei, comecei a entender os motivos
da Ana Maria, a mãe do Fernando, ter fugido de casa cedo, só que ela se
perdeu nas drogas, faleceu e deixou o filho sozinho em uma cidade grande
como essa, já eu lutei e lutarei até o meu último dia para não fazer isso com
a minha filha...
— E eu estarei ao seu lado para garantir que Fernanda cresça feliz e
saudável, em um lar carregado de amor, como deveria ser com todas as
crianças do mundo — prometi.
— Eu amo ainda mais você a cada minuto que se passa. — Ela me
deu um selinho.
— Rita procurava a filha quando encontrou o neto? — perguntei,
tentando entender melhor.
— Sim, não era fácil como hoje em dia, anos depois ela encontrou o
Fernando e o pegou para criar, alegava que não sabia da existência dele, que
nunca soube que a filha estava grávida, mas se é verdade, isso eu nunca
saberei.
Agora tudo estava mais claro para mim, Simone era rígida,
orgulhosa, quase impenetrável, por medo de se aproximar de alguém, já que
todos que a amavam se foram e os outros próximos fingiam a amar.
— Minha linda, você já sofreu tanto, se eu soubesse... se eu pudesse
evitar...
— Você já evitou, César. — Ela me olhou com os olhos brilhantes.
— Evitou que eu e Fernandinha ficássemos desamparadas, me ensinou a
amar de novo, me mostrou que pessoas boas ainda existem nesse mundo
cruel, e eu sou muito feliz por isso, sou muito grata por ter praticamente
pulado na frente do seu carro naquela manhã chuvosa.
Apertei-a nos meus braços, buscando, com isso, confortar o meu
coração preocupado também.
E se a tal Rita as encontrasse? E se resolvesse tentar tomar a nossa
filha? E se aparecesse na nossa porta de repente, nos pegando
desprevenidos?
Rita não era mais um problema apenas da Simone, era meu também
e eu não dormiria em paz enquanto não colocasse toda essa história em
pratos limpos.

Depois que deixei Simone na sua casa, a primeira coisa que fiz foi
procurar mais a fundo sobre o passado dela. Sabia tão pouco e não queria
perguntar para não a deixar mais assustada.
Pesquisei por acidentes no trabalho, aproximando as datas com o
início da gravidez da Fernandinha e encontrei uma pequena matéria sobre
um operário que caiu do terceiro andar de um prédio onde trabalhava como
auxiliar de construção.
Fernando Cardoso. Lembrei de quando ela disse o nome completo
no hospital, então o Cardoso era sobrenome de casada.
Depois disso, não foi difícil encontrar a tal bisavó da Fernandinha.
Tirei a sexta-feira apenas para resolver isso e viajei para o interior de São
Paulo, buscando a pessoa que poderia tentar arruinar a felicidade da minha
família.
O bom de cidade interiorana era que todos te davam informações,
bastou eu perguntar por ela a um frentista de posto de combustível e ele me
orientou o caminho.
Estacionei o carro em frente à casa que ele disse que era dela e
fiquei olhando a entrada por alguns minutos, Simone me mataria se
soubesse que eu estava aqui.
Prestes a descer, eu vi a senhorinha sair e descer a rua, seu andar era
lento, parecia debilitada e nem um pouco perigosa.
Eu a segui a pé e parei no mesmo mercado que ela, ficando sempre
alguns passos de distância.
Foi na fila do caixa que eu percebi o quanto ela era carrancuda e
mal-educada, alguém de péssimo humor.
Quando uma outra senhora que estava na frente dela a viu, as duas
começaram a conversar, não faziam questão de serem discretas.
— Como está, Rita? — perguntou, olhando-a com interesse.
— Estou levando um dia de cada vez, Lurdes, e você?
— Eu estou bem, só meu esporão que anda me matando. Alguma
novidade sobre a sua cirurgia? — a tal Lurdes questionou a amiga.
— Ligaram para confirmar, mas eu neguei, não quero operar o
coração, sei dos riscos, ainda mais na minha idade e não quero morrer antes
de conhecer a minha bisneta.
A simples menção à Fernandinha fez todo meu corpo tensionar em
alerta.
— Continua procurando por elas? — Lurdes perguntou, começando
a passar a sua compra.
— Não tenho mais idade e nem recursos para isso, ir embora foi
decisão da Simone, lembro que da última vez que discutimos, eu gritei que
pegaria a guarda da bebê, ela se assustou, na manhã seguinte já não estava
mais na minha casa, foi embora carregando a minha última família no
ventre.
— Sinto muito...
— Não sinta, não por mim, dizem que colhemos o que plantamos,
não é? Só estou colhendo tudo o que já fiz de ruim — falou com firmeza,
como se já tivesse se conformado com isso.
— Amiga, você precisa se perdoar, se dar uma segunda chance.
— Como, Lurdes? Perdi todos que eu amava. Primeiro a minha
filha, a protegi demais, sufoquei alguém que só desejava ser livre. Depois
meu neto, para logo em seguida perder também a mãe da minha bisneta,
que foi embora com ela ainda no ventre, desaparecendo do mapa. Foi tudo
culpa minha.
Foi nesse momento que Rita deixou uma lágrima solitária rolar por
seu rosto. Já era a vez dela no caixa e eu ainda não estava satisfeito com o
que ouvi.
— Estou velha, doente, quase não consigo caminhar dois quarteirões
para vir ao mercado, e uma das últimas coisas que eu queria era ao menos
conhecer a minha bisneta, mas acabei afastando a todos.
— Sou sua amiga há anos, e nunca entendi por que os afastou... —
Lurdes comentou, confusa.
— Eu poderia culpar a minha criação rigorosa, cruel e violenta, mas
não, na verdade, foi o meu egoísmo, minha autofobia, o pavor que eu tenho
de ficar só, enfim, não tem mais o que eu possa fazer a não ser esperar
minha hora chegar — falou, pegando as sacolas no caixa, deixando o
mercado ao lado da amiga, que a aguardava.
Perdi a chance de conversar com ela, por isso fiz toda a viagem de
volta para casa sem muita certeza do que foi tudo aquilo.
Por que ela mentiria para a própria amiga?
Eu não fazia ideia, mas sentia que não era mentira, talvez o medo da
Simone fosse apenas isso, um medo sem fundamento, porque a única coisa
que vi foi uma senhora debilitada, cansada apenas por caminhar até o
mercado, que queria muito conhecer a bisneta.
O que me restava era contar para a Simone sobre tudo isso e ver
qual seria a decisão dela, porque isso não cabia a mim, era decisão dela,
somente dela.
Quando César chegou em casa naquela noite, assim que abri a porta
e meus olhos se encontraram com os dele, foi impossível não recordar a
noite linda que tivemos, as declarações e promessas que fizemos.
Cumprimentei-o com um beijo nos lábios e foi aí que eu percebi que
ele estava estranho, calado demais, e isso começou a me incomodar.
— Consegui comprar uns tecidos hoje e fiz seis necessaires —
contei, puxando um assunto.
— Você quer ajuda na confecção delas? — ele perguntou, olhando
para Fernandinha, que dormia no seu carrinho.
César parecia perdido em pensamentos, preocupado até.
— Não precisa. Iracema me ligou hoje, disse para nos encontrarmos
na segunda-feira, ela tem algumas coisas para me mostrar sobre a loja. —
Eu estava tão empolgada com tudo isso, mas a expressão preocupada dele
estava me deixando preocupada também.
O que será que tinha acontecido?
— Que bom, o quanto antes você começar com a loja é melhor —
aconselhou.
Eu dependia da renda que a loja me traria e depositaria todo o meu
esforço nela. Ainda estava trabalhando na questão de aceitar presentes com
facilidade, mas decidi que não negaria a ajuda dos meus amigos nesse início
tão difícil.
— Estou gostando cada vez mais da Cema, ela faz as coisas serem
naturais, ser amiga dela é tão fácil. — Reconheci a verdade, depois do
nosso momento juntas, eu passei a vê-la como amiga sim, assim como ela
me via.
Ele assentiu com um sorriso alegre no rosto.
— Viu só? Eu disse que você não precisava ter ciúme da Cema, ela
é gente boa, e somos só amigos agora — falou, mas eu foquei em apenas
uma coisa que ele disse.
Agora, apenas uma palavra que me causou infinitas emoções,
algumas inéditas para mim.
Franzi o cenho, confusa e ainda mais incomodada.
— Agora? Chegaram a ser mais que amigos no passado? —
questionei, sentindo o peso na minha voz.
A mistura de ciúmes, incertezas, medo e insegurança era horrível, eu
sabia que ainda não estava pronta para essa conversa, mas a vontade de
saber era ainda maior.
César me olhou fixamente ao falar com uma sinceridade crua: —
Sim, nunca foi um relacionamento, mas já nos envolvemos. — Foi como
receber um soco no estômago.
— Já foram mais que amigos, mas nunca foi um relacionamento?
Como isso? Tipo amigos coloridos? Amigos que se pegam? — questionei
baixinho, olhando as minhas unhas, pois estava nervosa.
Deus, se eu já tinha ciúmes da Iracema antes mesmo de saber sobre
isso, agora as coisas ficaram ainda piores.
— Exatamente isso —ele concordou, deixando a sua xícara de chá
de lado e dando toda a sua atenção para nossa conversa.
— Se envolveram por muito tempo? — questionei, se era para saber,
que fosse descobrindo tudo de uma vez.
— Por anos.
Anos...
Oh, Deus, tinha como piorar?
— E você não me contou por quê? — questionei, com o olhar baixo.
De repente, meu chá perdeu o sabor e eu não queria mais ter essa
conversa, mesmo sabendo que agora era necessário a ter.
Ele segurou meu queixo, fazendo-me encará-lo.
— Você não perguntou e eu não achei necessário contar —
respondeu tranquilamente.
A calma dele era o oposto do meu nervosismo.
— Não achou necessário me contar, César? Jura? Que coisa, eu me
abri completamente em relação ao meu passado contigo e só descubro da
sua relação com a Iracema graças a um deslize seu? — indaguei, meu tom
baixo, mas ainda assim chateado.
— Não foi um deslize meu, e você não tem que ficar assim, Simone,
nós nem nos conhecíamos quando tudo aconteceu — disse mais firme dessa
vez.
Neguei com a cabeça, o tom de voz dele me incomodando ainda
mais.
— Você sabe muito bem que não é por isso que estou chateada com
você, achei que começaríamos com tudo às claras, que falaríamos sobre
tudo...
— Eu não me importo com quantos caras você já transou antes de
mim, isso sempre será o seu passado, assim como o meu passado não
importa também. O que me importa é o agora, a nossa relação — ele me
cortou.
— Você sabe que antes de você eu só tive o pai da Fernandinha. —
Olhei-o fixamente. — O que não é importante para você, para mim é, ainda
mais se eu for amiga dela e se for alguém que eu vou conviver sempre. —
Respirei fundo, detestando o rumo dessa nossa discussão.
— Eu só queria que você a conhecesse bem antes de saber sobre o
meu passado com ela. Meu início com Octávio foi tenso justamente por
isso, ele me via como um rival e eu não queria que você a visse assim,
Iracema é importante na minha vida, assim como você também é.
— É, eu sei, ela também é minha amiga agora, eu só queria que
você tivesse me contado antes — falei, levantando-me e indo para a
cozinha.
Precisava colocar uma distância entre nós dois, odiava discutir com
qualquer pessoa e a minha saída era sempre a fuga. Foi assim inúmeras
vezes com o Fernando, que me deixava ter um tempo sozinha porque sabia
dessa minha necessidade de pensar; foi assim com a dona Rita, quando ela
ameaçou tomar a guarda da minha bebê e eu fugi, e agora estava sendo
assim com César.
Mas César parecia não querer essa distância, ele me seguiu até a
cozinha e me segurou pelos ombros, colando minhas costas no corpo dele.
— Amor, não quero brigar, não por isso e nem por nada. Hoje o meu
dia foi difícil, eu tenho assuntos mais importantes para falar com você e não
quero que o meu passado com a Iracema atrapalhe isso — falou, aspirando
o cheiro do meu pescoço e deixando um beijo em seguida.
Fechei os olhos, para ele tudo parecia simples, preto no branco, mas
não era assim para mim, por isso me afastei, mesmo querendo estar cada
vez mais perto dele.
— Simone, deixe de besteira, foi sexo casual e eu ainda nem te
conhecia — disse, ficando na minha frente, mas sem me tocar.
Se ele acreditava que dizer isso mudaria alguma coisa, estava
completamente enganado, apenas piorou.
— Por isso não via necessidade de me contar quando sugeriu que eu
e ela fôssemos amigas? — Olhei-o, chateada.
— Você se arrepende disso? — ele questionou de volta.
— Não, César, não me arrependo de ter me aproximado da Cema,
ela é legal e eu gosto dela. O que está me incomodando é o fato de você não
ter me contado antes — falei com sinceridade.
Iracema era realmente legal, se esforçava para me incluir em tudo e
tentava fazer com que uma amizade nascesse entre nós, não era nada
forçada ou falsa.
— Me culpe por querer que a mulher que eu amo seja próxima da
minha amiga de infância. Assim como eu e Octávio nos aproximamos por
ela, eu queria o mesmo, queria que as duas se conhecessem — falou,
respirando fundo.
Nós dois estávamos chateados, ele não entendendo o meu lado e
nem eu o dele. Essa discussão não chegaria a lugar algum.
— Tudo bem — respondi, dando-me por vencida.
— Tudo bem? — ele questionou, em dúvida.
— Sim, já está tarde, você deveria ir para a sua casa descansar,
amanhã acordará cedo para trabalhar — sugeri, tentando ser gentil.
— Você quer que eu vá? — perguntou e eu assenti, concordando.
— É melhor, ficar aqui batendo na mesma tecla não nos levará a
lugar algum, conversaremos sobre isso quando estivermos mais calmos.
— Certo. Só vou me despedir da Fernandinha — falou e eu o
acompanhei com o olhar.
Meu coração batia forte, detestando tudo isso.
— Boa noite, Simone! — ele desejou quando voltou a cozinha.
— Boa noite! — respondi, sentindo o peso no meu peito.
Ele me olhou uma última vez, chateado também, parecia não querer
ir, mas virou as costas e se foi, deixando-me ali, estática.
César acabou indo embora sem me contar o que tanto o preocupava.
Eu nunca fui boa em lidar com discussões, ainda mais quando
estava tão envolvida como estava com ele, por isso era melhor assim, ou
acabaríamos nos magoando ainda mais.
Nem eu estava aguentando o meu péssimo humor e meus pais já
tinham percebido, por isso me deixaram trabalhar sem fazer perguntas
demais. Incrível como dona Josefina estava se comportando, ela era o tipo
de mãe que queria me ajudar em tudo e de uma forma ou de outra descobria
o que estava me incomodando para ajudar-me com aquilo, a vida toda foi
assim, mas dessa vez estava calada, atendendo os clientes com um sorriso
no rosto e vez ou outra trocava olhares com meu pai, mas nem o velho quis
se meter na minha vida.
Ao contrário deles, Iracema não se importou em chegar
perguntando: — O que você tem que tá com essa cara péssima?
— Nada, estou de boa — respondi, virando o pastel de queijo que eu
fritava.
Ela cruzou os braços e arqueou a sobrancelha na minha direção.
— Sei, e desde quando mentimos um para o outro? — questionou,
me conhecia tão bem.
— Não quero levar um sermão, ou ouvir um “eu te avisei” —
respondi.
Bem no início, quando eu tinha acabado de conhecer a Simone,
Iracema me fez prometer que contaria para ela que já nos envolvemos, eu
prometi que faria isso se ela me perguntasse e foi o que aconteceu, mas não
imaginei que resultaria no nosso primeiro desentendimento, que eu iria
embora sem me despedir adequadamente e que ficaríamos chateados.
Merda, eu estava me sentindo péssimo, a única coisa que eu queria
fazer era ir até a minha garota, puxá-la para mim e, entre beijos, pedir
desculpas por ter demorado tanto a contar.
— Você e a Simone brigaram? — ela perguntou baixinho, sabia que
meus pais estavam prestando atenção em nós dois.
Assenti, começando a preparar o pedido dela.
— Errei demorando demais para contar sobre o nosso envolvimento
no passado — confessei.
— Putz, César, que mancada. Você me prometeu que contaria...
— Sim, Cema, prometi contar se ela me perguntasse e justamente
ontem ela me perguntou — cortei-a, tentando me defender.
— Quer que eu fale com ela? — indagou, pelo visto Iracema ficou
preocupada.
— Não, se você falar com ela, pode piorar tudo. Saindo daqui, eu
vou direto lá, já trouxe até uma mochila com roupas. — Não perderia mais
nenhum segundo sem falar com a Simone.
— Eu gosto da Si, ela é perfeita para você, é o amor da sua vida e,
se eu puder fazer algo para ajudar, não hesite em me ligar — falou.
— Eu a amo, Cema, com todo o meu coração. Estou péssimo e nem
chegou a ser uma briga, apenas nos desentendemos e ainda assim a minha
vontade é correr para lá e consertar tudo.
— Faça isso, seja sincero, apenas seja você. Tenho certeza de que
ela vai te desculpar e que as coisas vão melhorar entre os dois — garantiu.
Eu estava inseguro, pela primeira vez com medo de ser rejeitado por
uma mulher, mas não era só isso, Simone era a mulher da minha vida, com
a qual eu queria envelhecer junto.
Ela chegou de repente, roubando o meu coração com cada gesto,
atitude carinhosa e sorriso meigo, acabou comigo para qualquer outra
pessoa, eu só a queria.

Quando o fim do expediente chegou, a primeira coisa que eu fiz foi


correr para a casa dela.
Quando Simone abriu a porta para mim e meus olhos se conectaram
com os cor de mel, perguntei de imediato, sem dar tempo para ela fugir: —
Só me responde uma coisa, você se aproximaria da Cema se soubesse?
Respirei fundo, temendo a reação dela, dificilmente as duas se
tornariam amigas, ainda mais com todo o ciúme que Simone sentia no
início.
— Não, eu acho que não — respondeu com sinceridade, seu tom de
voz estava tranquilo.
— Viu? Vocês duas não teriam a oportunidade de se conhecerem e
de se tornarem amigas, eu só adiei a nossa conversa, falaria sobre isso em
algum momento, mas você acabou descobrindo da forma errada e eu me
arrependo muito por isso.
— César, eu estive pensando...
— Eu vim me desculpar com você, me desculpa por não ter contado
antes e me desculpa por não ter me desculpado ontem? — pedi, cortando-a
antes que chutasse a minha bunda daqui.
Ela franziu o cenho intrigada, mas logo um sorriso surgiu nos seus
lábios carnudos e isso foi como um bálsamo para mim.
— Como eu estava dizendo, eu estive pensando, estava para te ligar
assim que finalizasse o expediente, não quero que seu passado com a Cema
atrapalhe no nosso romance, e nem a minha amizade com ela. Eu nunca
seria egoísta de tentar separar vocês dois, nunca faria isso sabendo o quanto
um é especial para o outro, e eu não quero perder você — falou sincera.
— Eu juro que te pegaria agora nos braços, mas devido à minha
ansiedade em consertar as coisas, eu vim direto da feira, estou cheirando a
pastéis e preciso tomar um banho antes.
Simone negou com a cabeça e pulou nos meus braços.
— Quem se importa com isso? Desde quando sou fresca? — ela
falou, selando seus lábios nos meus com carinho.
Deus, como eu desejei ter seu corpo pequeno aconchegado ao meu.
— Amo você — sussurramos juntos e eu sorri, sentindo que estava
em casa novamente.
Quando César bateu na minha porta pedindo desculpas, todo o
desentendimento do dia anterior já não parecia ter mais importância para
mim.
Passei a maior parte da noite pensando sobre tudo o que
conversamos. Sim, eu fiquei chateada por não saber antes, mas ele tinha
razão, se eu soubesse talvez não teria estreitado laços com Iracema, e seria
desagradável detestar a melhor amiga do homem que eu amava, ainda mais
ela sendo uma pessoa tão gentil comigo.
Eu também percebi que o meu ciúme em relação a Cema tinha
diminuído a ponto de não me incomodar mais, eu estava aprendendo a
trabalhar a minha autoestima, elevando-a a um nível no qual eu me achava
linda também.
Não se tratava de uma competição, cada uma era importante na vida
dele de maneiras diferentes, e eu era a sortuda que ele amava e desejava
como mulher.
— Eu estou reconsiderando o seu pedido de desculpas — falei,
quando ele entrou na cozinha após o banho que tomou.
O sorriso bonito dele era algo que sempre prendia a minha atenção.
— É mesmo? E por quê? — perguntou, dois passos para me
alcançar.
— Existem maneiras mais deliciosas de se reconciliar, eu perdoei
você muito fácil. — Mordi o lábio inferior, olhando-o por inteiro.
Tinha como ser mais lindo? Ele estava bem casual, usando só uma
bermuda de seda que caía no seu quadril, o peito exposto e a bendita
tatuagem chamando a minha atenção.
— Eu sou todo seu, posso pedir perdão quantas vezes você quiser —
garantiu, o sorriso safado dele me cativando.
— Quantas eu quiser? — perguntei, fechando a distância que tinha
entre nós.
O homem estava cheiroso e, para mim, era como estar viciada em
um narcótico, só que de uma maneira boa, quanto mais eu tinha dele, mais
eu queria.
— Sim, isso aqui — apontou para si mesmo — é todo seu.
— Eu quero você, aqui — falei e olhei para a mesa da cozinha, o
lugar onde ele me enlouqueceu daquela vez.
Queria mais do que isso, queria prová-lo de todas as maneiras, e foi
isso que eu fiz, o livrei da pouca roupa que usava, cada gesto sendo
acompanhado pelo olhar atento e luxurioso dele.
— Porra — gemeu, quando peguei o membro, provando-o com
carinho.
Senti-lo assim, todo entregue para mim, era uma delícia. Ver o
quanto o ato mexia com as estruturas dele deixava-me poderosa. Eu era a
razão dos seus lábios serem mordidos com força, eu era a razão da luxúria
que crepitava no lindo olhar. Antes que ele fosse atingido pelo clímax,
César me puxou para cima, pegando-me nos seus braços e colocou-me
sentada na mesa de pernas abertas, com ele entre elas, sua boca possuindo a
minha com volúpia.
Sua mão grande agarrou meus cabelos da nuca, puxando um pouco
para trás, deixando meu pescoço exposto para os seus beijos e mordidas,
enquanto eu o tocava em toda parte, querendo cada vez mais dele.
— Você quer me matar? — perguntou, com a voz fraca.
Estava ansiosa por ele.
— Só se for de desejo, lindo — provoquei.
Ele deitou meu corpo na mesa, livrando-me das roupas também,
seus dedos castigando meu clitóris com maestria, fazendo-me tremer.
As carícias, os beijos, as mordidas, César sabia muito bem como
fazer para me enlouquecer.
Seus lábios sugavam meu prazer, suas mãos tocavam meu corpo,
mas era o seu carinho que me arrebatava, era saber que com ele tudo ia
além do sexo gostoso.
— Eu amo cada parte de você — ele falou, penetrando-me após se
proteger.
— Eu amo mais — respondi com a voz falha, completamente
maleável nas suas mãos.
Estar com ele era cada vez mais gostoso, cada vez mais viciante,
cada vez mais quente.
Era amor, do mais puro e sincero que existia.
César era a minha segunda chance para ser feliz e, se ele quisesse
ficar, eu nunca o faria partir, nunca.
O caminho que percorríamos era mais do que familiar, foi minha
casa por anos.
— Estou nervosa, amor — falei, cruzando meu olhar com o dele
pelo espelho interno do carro.
— Eu sei, minha linda, também estou, mas saiba que estarei ao seu
lado a cada instante — jurou, aquecendo meu coração intranquilo com isso.
Olhei para Fernandinha, dormindo no bebê-conforto, e pedi aos céus
para que ela nunca fosse afastada de mim.
Quando César me contou que tinha visitado a cidade natal do
Fernando, a primeira reação que tive foi de medo, raiva e gratidão.
Medo dessa visita trazer Rita novamente para a minha vida e ela
tentar roubar a minha filha.
Raiva por César ter feito isso sem me consultar.
Gratidão por ele nos amar tanto a ponto de nos proteger assim,
porque sozinha eu não voltaria a enfrentar o meu passado, não quando fugir
era mais fácil.
Ele me explicou seus motivos, disse que desde que soube sobre a
bisavó da Fernandinha, não teve paz, precisava colocar as coisas em ordem,
ter certeza de que nunca receberíamos o aviso de que estávamos na justiça,
com Rita tentando a guarda compartilhada da nossa bebê.
Ele me contou cada detalhe, desde como foi sua viagem até toda a
conversa que ouviu na fila do supermercado. Eu me lembrava bem da dona
Lurdes, era uma das poucas pessoas que aguentava o humor da Rita, eram
amigas desde pequenas.
Quando César estacionou em frente à casa de portão de grade preto,
respirei fundo, minhas mãos suavam e meu coração batia descompassado.
— Quer saber o que ela me disse da última vez que eu estive aqui?
— perguntei a ele, olhando-o pelo espelho do carro.
— O quê? — questionou com curiosidade.
— Pegarei ela para criar, quem negaria isso a uma bisavó como eu?
Tenho casa, renda comprovada, já você o que tem além desses artesanatos?
Nem ao menos receberá por causa do acidente do Fernando, não tem um
tostão, você depende de mim... — relembrei as palavras cruéis dela,
contando ao César.
— Ela pegou pesado, e é compreensível se você não quiser descer
para vê-la. — Ele se virou para me olhar enquanto falava.
Estendi a mão, pegando a dele na minha, acalmando meu coração
aflito.
— Você estava certo quando disse que eu deveria fazer isso pelo
Fernando e pela Fernandinha, ele iria adorar vê-las juntas — falei.
Faria pelos dois, não por Rita, porque para mim ela nunca foi nada,
além de a avó do Fernando, nunca teve carinho entre nós, apenas
convivência.
— De onde ele estiver, ele verá o que está fazendo — César
garantiu.
Assenti, respirando fundo ao descer do carro pegando o bebê-
conforto onde Fernandinha ainda dormia. Carro era como um calmante para
ela, sempre apagava quando estava em um.
César acionou o alarme e pegou minha filha, deixando-me com os
braços livres para apertar a campainha. Enquanto esperava uma resposta,
olhei para ele.
— Depois daqui eu quero ir visitá-lo, fugir não deixou apenas a Rita
para trás, o deixou também — comentei com pesar.
— Iremos, mas não pense assim, Fernando sempre estará presente,
porque ele sempre estará aqui — disse, tocando meu coração.
Deus, ele tinha toda razão.
— Não quero comprar nada, pode ir embora. — A voz da Rita nos
fez encarar o interfone.
— Tem certeza disso? — César questionou baixinho e eu assenti.
— Rita, sou eu, a Simone. — Aproximei-me para falar com ela.
O silêncio pesou por alguns instantes, minhas mãos suaram ainda
mais e meu coração parecia querer sair pela minha boca.
— Simone, é você mesma? — ela falou, dessa vez olhando-me
através do portão.
Desceu tão rápido que não parecia tão debilitada como César disse
que ela estava.
— Sim — respondi, mas sabia que era uma pergunta retórica.
Ela tratou de abrir o portão, olhando-me com seus olhos castanhos
arregalados, claramente não esperava mais me ver.
Seus olhos foram ao redor, vendo César e logo depois pousaram em
Fernanda, que ainda dormia.
— É ela? Essa é a minha bisnetinha? — perguntou, lágrimas
descendo por todo o seu rosto enrugado.
— Sim, ela se chama Fernanda — contei, notando o quanto ela
estava emocionada.
— Venham, entrem, lá dentro poderemos conversar com mais
tranquilidade, sem esses olhares enxeridos na nossa direção — falou,
dando-nos passagem, só então percebi alguns vizinhos nos olhando.
Típico do interior.
Entrei, caminhando praticamente colada ao César e à minha bebê.
Estava ali sim, por vontade própria, mas isso não amenizava o meu medo.
— Sentem-se, vocês querem um café? Acabei de passar —
ofereceu, indicando o sofá assim que entramos na sala de estar, a mesma
onde antes eu fazia meus artesanatos na mesa de canto, que já não estava
mais ali.
— Não, obrigada, eu estou bem — respondi e César também negou,
seus olhos agora estavam em uma foto do Fernando, uma grande que tinha
na parede.
Olhei para o retrato também, sentindo automaticamente uma calma
que contradizia o meu nervosismo ao chegar ali. Sorri, lembrando o poder
que ele sempre teve de me acalmar, era mestre nisso.
— Eu também sinto falta dele, todos os dias — ela falou, olhando
para o mesmo local.
— Rita, esse é o César, meu namorado — apresentei, e ela o olhou
dos pés à cabeça com atenção.
— É bom conhecê-la, Rita. — César foi gentil, estendendo a mão
livre para ela.
— Você me é familiar, já nos vimos antes? — questionou, aceitando
o cumprimento dele.
— Não, acredito que não, César é da minha cidade, nunca esteve
aqui antes — respondi por ele, porque queria ter certeza do que ela disse a
Lurdes no mercado.
— É, minha idade não me ajuda a lembrar de qualquer forma.
Sentem-se — ofereceu novamente e nos sentamos lado a lado no sofá,
enquanto ela estava de frente, olhando Fernandinha no chão, aconchegada
no bebê-conforto próximo aos pés do César.
— Ela é tão linda, eu procurei tanto por vocês depois que você
sumiu. — Essa simples frase me causou inúmeros desconfortos.
— Eu tive os meus motivos — respondi na defensiva.
— Sim, eu sei, Simone, nós duas estávamos magoadas com a perda
do Fernando, destruídas, e eu fui egoísta não entendendo o seu medo e
colocando o meu à frente, você estava grávida dele, nem teve a chance de
contar...
— E a senhora me ameaçou, disse que a tomaria de mim, eu nunca
irei permitir isso. — Fui clara, de cabeça erguida, olhando-a fixamente
dessa vez.
O medo existia, mas agora eu sabia que tinha uma família que me
amava de verdade, que seria capaz de tudo pela minha filha, tinha amigos
também. Eu já não era mais sozinha no mundo.
— Vou ser sincera, talvez se você não tivesse ido embora, eu ainda
teria te feito muito mal, o que me fez enxergar onde estava errando foi
justamente ser abandonada mais uma vez, eu era tóxica, ainda sou, sei
disso. Mas posso jurar que nunca faria mal a essa pequena, sangue do meu
sangue.
— Isso não justifica nada, Rita, não sou sangue do seu sangue, mas
sou a mãe da Fernanda, não um mero brinquedo que você pode jogar fora
quando quiser — falei, sentindo a raiva brotar dentro de mim.
César capturou a minha mão na dele, atraindo o olhar da Rita para
nós.
— Fique tranquila — ele pediu, sussurrando, e eu sorri para
tranquilizá-lo.
— Você acha que algum juiz em sã consciência daria a guarda de
um bebê a mim? Estou velha, Simone, nem sei como consegui chegar tão
rápido ao portão quando ouvi sua voz hoje, mal consigo andar, que dirá
correr atrás de bebê, trocar fraldas. Não consigo cuidar nem de mim, como
cuidaria dela? O que eu disse naquele dia foram palavras estúpidas, mas não
vou mentir dizendo que não eram verdadeiras, porque eram, mesmo
sabendo da minha chance escassa, talvez eu teria lutado pela menina.
— Está dizendo que eu fiz certo ao fugir? — questionei, duvidosa.
— Estou, e agora vejo que você não é nada parecida com a minha
filha, Ana Maria nunca lutaria assim pelo Fernando, ela desistia fácil das
coisas. Já você é feroz para defender a sua filha.
Apertei meus dedos, Rita poderia falar o que fosse, mas ela nunca
teria o meu afeto ou a minha aproximação, sim, eu trouxe a bebê para ela
conhecer porque o Fernando e a nossa filha mereciam isso, mas não
significava que eu me mudaria para cá, que eu sempre estaria aqui, não, no
máximo a visitaria às vezes.
— Veja, ela acordou, será que eu posso carregá-la um pouco? —
pediu e eu concordei.
César soltou Fernandinha e a pegou nos braços, entregando-a a Rita,
que estava sentada na nossa frente.
Fiquei em alerta, olhando cada gesto dela.
— Pode tirar uma foto nossa? Meu celular está logo ali, na estante.
— Apontou para o local, estava ao lado da televisão.
César que o pegou e tirou várias, eu permaneci estática, pronta para
pegar a bebê se fosse necessário.
— Ela é tão linda, o formato dos olhos é parecido com os do meu
neto, mas a cor de mel é idêntica à sua — falou.
— Sim, ela também é tranquila igual a ele — contei, sorrindo dessa
vez.
— Sorte sua, porque se puxasse ao seu gênio forte, você estaria
ferrada — disse em tom jocoso.
Rita estava tão alegre com a bisneta no colo, não parecia a senhora
rancorosa que deixei para trás.
— Obrigada por vir, Simone, dizem que sentimos quando a nossa
hora está prestes a chegar, e a única coisa que eu desejava antes de deixar
esse mundo era conhecer a minha bisneta, você realizou esse sonho e agora
eu poderei ir em paz — falou, cheia de certeza.
— Não diga isso, a senhora tem muitos anos pela frente. — Tentei
ser gentil.
— Não tenho, menina, meu coração não é um dos melhores.
Olhei na mesinha de centro, era um folder sobre lar para idosos.
— A senhora está pensando em se mudar? — questionei curiosa.
Ela olhou para o impresso e assentiu.
— Sim, acho melhor, usarei minha aposentadoria para alguma coisa,
afinal, lá serei bem cuidada e terei companhia.
Assenti, imaginando como a nossa vida seria se Fernando não
tivesse morrido. Eu estaria aqui, morando com ela, com meu marido e com
a bebê, não era ruim morar aqui, mas Rita nunca se esforçou para fazer com
que fosse meu lar.
— Tem uma coisa que eu preciso discutir com você, Simone.
— O quê? — questionei, vendo-a segurar a mãozinha da Fernanda
com carinho.
— Minha bisneta é a minha única herdeira, quando eu morrer, ela
ficará com essa casa, com as minhas economias, não é muito, mas serão
dela.
— Sabe que não queremos o seu dinheiro. — Fui clara.
— É, eu sei bem, tanto que você fugiu sem nada, mas é o direito da
Fernanda — falou firme.
Olhei para César, querendo um conselho, e por incrível que pareça
entendi o que ele também pensava, isso era uma decisão da Fernandinha,
ela iria decidir quando crescesse, eu não tinha o direito de negar algo dela.
— Tudo bem, ela saberá o que fazer quando for adulta — aceitei,
olhando para a pequena nos braços da bisavó.
Um pouco antes do horário do almoço, nos despedimos da Rita. Ela
colocou Fernandinha no bebê-conforto e secou algumas lágrimas.
— Venham me visitar no lar — falou, olhando para o folder. —
Vocês serão bem-vindos.
Mesmo com o nosso passado, eu senti pena do final dela, ela nunca
foi um monstro como a Giselda, a responsável do lugar onde cresci. Rita só
tinha uma maneira diferente de ver o mundo, achava que ele girava em
torno do umbigo dela, queria ter todos por perto, vinte e quatro horas, com
medo da solidão, mas isso acabou afastando a todos, menos ao Fernando,
que assim que descobriu a existência da avó, passou a amá-la.
— Voltaremos sim — respondi.
Faria isso pelo meu falecido marido e pela minha filha, afinal, eles
eram sangue do sangue dela e eu nunca afastaria Fernandinha da bisavó, no
passado o fiz por medo, mas agora esse mal-entendido já não existia entre
nós.
E antes de deixarmos a cidade, eu levei a nossa bebê para conhecer
o lugar onde o pai descansaria para sempre, chorei vendo a foto bonita dele
na lápide, tão novo, tinha uma vida toda pela frente, nós dois tínhamos
muito o que viver ainda, mas infelizmente acidentes existiam e ele foi
vítima de um.
— Prometo que cuidarei delas com a minha vida se for preciso —
César jurou, olhando para a lápide também.
Não era necessário ele prometer isso, mas parecia importante para
ele, e para mim foi mais que isso, foi especial e fez com que o nosso elo se
fortalecesse ainda mais.
Eu estava recebendo uma segunda chance no amor e tinha certeza de
que não foi coincidência César passar naquele horário na minha rua e me
encontrar, alguém lá em cima estava olhando por mim e me mandou um
anjo na forma de um homem gentil, respeitoso, sorridente e que acima de
tudo não amava só a mim, amava a minha filha como se fosse dele também.
Uma única vida e eu já tinha recomeçado muitas e muitas vezes.
Meu primeiro recomeço foi o mais difícil, foi o qual eu precisei
aprender a viver sem o carinho diário da minha mãe e, no lugar dele, ganhei
os gritos e irritações da Giselda. Esse foi o mais difícil dos meus
recomeços, mas a existência de Fernando nele amenizou muito as coisas.
Meu segundo recomeço foi me mudar da instituição para a casa da
Rita, recém-casada com o neto dela, tendo que aturar suas manipulações
para nunca ser deixada sozinha, não era tão ruim quanto Giselda, mas eu
ainda não me sentia em um lar. Seria mil vezes melhor se fossemos só meu
falecido marido e eu, mas ele nunca considerou deixar a casa da avó.
Meu terceiro recomeço foi quando Fernando morreu e eu fugi
grávida, sem muito dinheiro, sem casa, mas com uma força de vontade
imensa que me fez vencer e até hoje continuava me dando bençãos.
O meu quarto recomeço, ao qual peço todos os dias para ser o
último, foi quando conheci César e minha vida deu um giro para melhor,
tudo começou com uma carona e comigo em trabalho de parto, depois
disso, sem ter necessidade de me ajudar, ele me arrumou uma boa casa,
trouxe família, amigos e amor junto no pacote, amenizando as cicatrizes
que aquela Simone de quase nove anos de idade começou a colecionar após
a morte da mãe.
Mas, aquilo não era tudo, não para ele, não o César que só prometia
o que seria capaz de cumprir. Ele jurou dar a vida por mim e pela minha
filha diante do túmulo do meu primeiro marido e daquele dia em diante ele
honrou essa promessa, honrava até hoje.
Depois disso, não demorou muito para que Fernandinha e eu
passássemos mais tempo na casa dele do que em casa, uma gaveta se tornou
minha e ele comprou uma banheira para a bebê, minha escova de dente
junto com a dele, e Fernandinha ganhou um outro berço, tinha brinquedos
pela sala de estar, e na cozinha eu já sabia onde ficava cada coisa. Quando
percebemos, morávamos juntos. Foi acontecendo de forma natural, sem
contar com o muito incentivo da Josefina e do José, que eram dois cupidos
de mão cheia.
Além do amor do César, eu fui acolhida pelos meus sogros, que me
consideram mais filha do que nora, eles distribuíam amor sincero para mim
e para Fernandinha sem querer nada em troca, eram pessoas boas.
O que começou com apenas uma ideia, virou realidade, a minha loja
virtual nasceu e a cada dia que passava ela crescia e crescia muito mais, até
que chegou o momento que eu precisei contratar uma ajudante porque já
não estava mais dando conta sozinha.
Conseguia ter a minha independência financeira trabalhando em
casa e cuidando da minha filha, era maravilhoso. Tudo isso aconteceu
graças ao meu amor por artesanato, a ideia genuína que César teve de
vender online e junto de Iracema, que se dedicou a todo o trabalho visual da
loja, tornamos realidade.
Já não eram mais apenas necessaires, o negócio cresceu e
produzíamos de tudo um pouco, até crochê, que era uma das coisas que eu
mais amava fazer. Tudo que eu sabia ou aprendia a fabricar virava parte do
estoque da lojinha.
Outra coisa em que César me ajudou no decorrer desse tempo foi
em relação ao acidente do Fernando, a empresa para qual ele trabalhava
nunca chegou a pagar as verbas rescisórias dele e tampouco entrou em
contato após o acidente, se tivessem cumprido com a lei, eu não teria
passado por tanto aperto no início da minha gestação, só não passei fome
porque tinha forças o bastante para ser diarista. Ganhamos a causa na
justiça e, como eu já não precisava mais do dinheiro, o deixei guardado para
uma possível emergência, ou usaria nos estudos da Nandinha.
Pela primeira vez na minha vida, eu estava tranquila financeira e
emocionalmente.
Sentia que estava em um lar de novo, aprendi a amar e ser amada,
passei a dar e a aceitar presentes sem relutância, vendo a vida de uma
maneira mais leve e tranquila.
No aniversário de um ano da Fernandinha, com o tema da Galinha
Pintadinha, que era o que ela mais adorava na época, Rita não pode vir, mas
ela viu cada detalhe pela chamada de vídeo que fizemos. Eu sabia que
aquela senhora ainda viveria muito tempo, todo aquele mal estar era solidão
e amargura, depois que conheceu a bisneta, se mudou para o lar privado de
idosos e passou a ter companhia todos os dias, ela melhorou muito, nós nos
falávamos ao menos uma vez por mês ao telefone e era bom ter esse
contato, Fernando merecia isso e eu estava feliz por realizar.
Agora, com Nandinha completando dois anos, as coisas por aqui
estavam uma loucura, eu era o tipo de mãe que queria acompanhar tudo,
mesmo não podendo carregar peso excessivo neste momento.
— Coloque aqui, por favor — pedi para a decoradora de festas que
contratamos.
O tema da vez era a Peppa Pig, sim, os gostos de Fernanda
mudavam rápido e ela já era uma bebê com opinião.
— Estou ferrada com seus pais, olha — falei, indicando-os no canto,
paparicando a neta.
Eles a presentearam com uma bicicleta nesse aniversário, ainda com
rodinhas, mas nem isso me deixaria tranquila.
— Em dobro agora — César tocou a minha barriga de seis meses de
gestação.
— Ela ainda não é pequena para a bicicleta? — questionei a ele.
— Tente convencer os velhos disso, são teimosos e fazem todas as
vontades dela — falou.
Era verdade, mas eles também eram maravilhosos e não passavam a
mão na cabeça ou mimavam quando eu tentava educá-la.
— Papa — Fernanda balbuciou, vindo com seus passinhos rápidos
na direção do César, com os braços erguidos, pedindo colo.
— Oi, princesa do pai, o que você quer? — perguntou, ficava
sempre encantado quando ela o chamava de pai, a primeira vez foi
recentemente, quando ela começou a balbuciar.
César amava a nossa filha com todo o seu coração, nossa sim,
porque foi Fernandinha que o escolheu.
Ela apontou para a mesa de doces, onde uma das decoradoras
terminava de organizar as guloseimas.
— Vamos lá pegar uma jujuba? — ele perguntou para ela, que
entendeu e assentiu animada.
— Certeza de que só os seus pais fazem as vontades dela? —
perguntei em tom jocoso.
E Fernandinha bateu palminhas balbuciando vovó e vovô, ela os
adorava e eles se encantavam todas as vezes que ela os chamavam assim.
— Faço mesmo, mas sou firme quando necessário e com a Eduarda
serei idêntico — falou, tocando a minha barriga de novo.
Tínhamos escolhido o nome dos bebês antes de saber o sexo,
Eduarda para menina, porque era o nome da minha mãe, ou José Henrique
para menino, que era a junção dos nomes dos nossos pais. O meu
infelizmente se foi antes de eu ter idade para me lembrar dele, mas minha
mãe sempre dizia coisas boas sobre ele, assim como eu faço com
Fernandinha, todas as noites antes de dormir, ela dá um beijo no retrato de
Fernando, que ficava ao lado da caminha dela.
César seria seu pai aqui na terra enquanto a vida permitisse, mas ela
saberia que no céu também existia um, cuidando dela a cada instante.
Olhando-os rindo enquanto comiam as guloseimas antes da festa
começar, eu me sentia ainda mais feliz.
A festa foi bem íntima, convidamos apenas os amigos próximos e
familiares. Cema e Octávio vieram com o pequeno Samuca, o menino era a
versão mirim do pai, mas os olhos eram castanho-esverdeados como de
Iracema, era uma fofura.
Estar ali, com nossos amigos e familiares, me provava que
realmente havia males que vinham para o bem, eu perdi muito antes de
encontrar essa felicidade.
— Sou uma mulher de sorte, não sou, Duda? — perguntei para a
minha bebê, que chutou em resposta, certeza de que concordando.
Muitos anos depois...
Eu costumava brincar que os dias chuvosos eram os que sempre
traziam coisas boas nas nossas vidas, Simone e eu nos conhecemos em um
dia de chuva, o mesmo dia em que Nanda nasceu. Outro dia chuvoso foi
quando a pedi em casamento, estávamos em casa curtindo um dia de
preguiça, com filmes e guloseimas para beliscar, nada muito pensado, eu só
senti vontade de oficializar tudo e ela topou, aceitando logo de cara. Nós
nos casamos oficialmente em uma cerimônia íntima, poucos meses após ela
dar à luz Dudinha. Também estava chovendo no nascimento do José
Henrique e no dia do batizado da Duda, era como se alguém lá no céu se
emocionasse com a nossa felicidade.
Saí dos meus pensamentos quando ouvi o grito irritado da Eduarda e
o riso do José Henrique, deixei a garagem, onde tentava conservar o
vazamento de combustível da minha moto, e fui ver o que estava
acontecendo, pisei na cozinha no momento em que o caçula ameaçava: —
Se não me deixar jogar, eu vou contar para o papai do beijo que vi. —
Pronto, ouvir aquilo quase me causou um colapso.
Eu ficaria com todos os meus cabelos brancos ou teria um ataque do
coração se fosse verdade o que o José Henrique estava gritando pela casa.
Se já não bastasse a Fernanda namorando na faculdade, agora era a
vez da Eduarda? Não, eu não aguentaria tudo de novo.
— O quê? Pode me contar essa história direito, rapazinho —
mandei, com as mãos na cintura, olhando para o meu filho caçula, que ria,
sapeca.
Ele olhou de mim para a irmã, decidindo qual dos dois traria mais
vantagem, contar ou guardar segredo.
Semicerrei os olhos para ele, meio que recordando-lhe o nosso
acordo.
— É que eu vi a Duda beijando um menino, pai, e era na boca —
falou o pequeno, apontando para a boca dele.
Coloquei a mão no peito, quase desmaiando.
— Não, a minha menininha não faria isso, eu não irei passar por
tudo isso de novo — disse, dramático, virando-me e dando de frente com
Simone e o bendito sorriso tranquilo que ela ostentava.
— Amor, a sua menininha cresceu e já tem dezesseis anos, beijar na
boca é o que os jovens fazem — ela falou, toda calma.
— Não a minha pequena. Eduarda, pode esclarecer essa história —
falei, mas antes mesmo de dar um passo, Duda veio correndo na minha
direção.
— Não adianta ser fofoqueiro, Rick, não vou deixar você jogar
mesmo assim — falou para o irmão e se virou para mim, com um sorriso
idêntico ao da mãe. — E papai, pode ficar tranquilo, foi só um beijinho,
nada demais aconteceu — garantiu, dando um beijo no meu rosto e saiu
caminhando pelo corredor até o quarto, fechando a porta atrás dela.
— O que seria o nada demais para ela? — perguntei à minha esposa,
de olhos arregalados.
Agora sim que eu acabaria morrendo.
— Amor, hoje em dia ensinam sobre sexo nas escolas — ela
sussurrou essa parte, evitando que José Henrique ouvisse, já que ele ainda
estava no ensino fundamental, onde não falavam sobre isso, ou eu
acreditava que não.
— Um absurdo ela estar beijando por aí, e ela ousou revirar os olhos
ainda, você viu? — comentei com Simone, que tapou a boca para evitar rir
alto.
— José Henrique, nada de ficar zanzando por aí, sei que ainda não
fez a lição de casa. — De repente o sorriso dela já não existia e ela estava
toda séria com ele.
— Mas, mamãe, eu quero ver a treta... — teimou o pequeno
fogueteiro.
José Henrique era o típico irmão mais novo de duas garotas, amava
fazer elas passarem vergonha ou entrarem em apuros, mas era nítido que os
três se amavam muito, apesar das brigas entre irmãos.
— Não tem treta nenhuma aqui, seu pequeno linguarudo, vá fazer a
tarefa — mandou, mas antes que ele se virasse e fosse embora, o peguei no
colo.
— Fez certo em contar, garotão, somos nós dois contra esse bando
de marmanjos de olho nas suas irmãs. — Reforcei nosso esquema e ele
assentiu, todo homenzinho protetor.
— Você sabe que ele tem sete anos, não é? Não é seu ajudante nessa
missão louca — Simone lembrou.
— Eu preciso de um aliado, minha linda, você viu o quanto as
nossas meninas são lindas? E moças de família são justamente nas que os
caras ficam de olho e eu estou aqui para evitar isso, com a ajuda do José
Henrique, já que você não quer se aliar a mim. — Fiz drama.
Na verdade, eu me preocupava com as minhas meninas, sim, como
qualquer outro pai, mas acima de tudo eu confiava nelas.
— Precisamos de equilíbrio aqui e enquanto elas continuarem sendo
como são, não vejo problemas em namorarem, prefiro que seja aos meus
olhos que escondido — falou o que sempre dizia.
— Concordo, eu só não quero que elas se magoem — desabafei.
— Eu também não, mas faz parte da vida, não é? Quem nunca teve
o coração partido? Só precisamos estar aqui para aconselhá-las e dar colo
quando precisarem, será assim com o Rick também.
Puxei-a para mim, selando seus lábios nos meus.
— Já disse que te amo hoje? — perguntei e ela fingiu pensar.
— Umas três vezes...
— Pois é, eu amo você, por ser essa esposa maravilhosa e, acima de
tudo, por ser essa mãe incrível.
Simone mordeu o lábio inferior, emocionada com as minhas
palavras.
— Não sou incrível, só tento ser melhor a cada dia, assim como
você.
— E consegue perfeitamente. — Beijei-a nos lábios e foi quando
ouvimos um resmungo baixinho.
— Eca! — Era o José Henrique.
— Vá fazer a tarefa de casa, rapaz, e deixe de ser fuxiqueiro como o
seu avô — comentei, firme, mas ostentando um sorriso no rosto.
Batendo o pé forte, ele foi para o quarto, me deixando ali, com a
mulher da minha vida nos meus braços. Poderia passar décadas com
Simone, que o que eu sentia por ela nunca mudaria, isso sim era o
significado de amor verdadeiro; independentemente das indiferenças,
sempre estávamos ali um pelo outro e os dois pela nossa família.
Antes de qualquer coisa, quero agradecer a Deus por toda a
inspiração que tenho para criar livros, pode parecer fácil, mas, ao menos
para mim, nunca foi, requer carinho e um trabalho com bastante atenção.
Agradeço aos leitores, que desde que me conheceram, nunca mais
soltaram as minhas mãos; independentemente de em qual livro tenha
conhecido a minha escrita, obrigada por ficar e por acompanhar cada
lançamento. Sem vocês, eu não sou uma escritora.
Obrigada às betas mais incríveis que existem, as quatro que
abraçaram o rascunho do livro comigo, ajudando a dar vida e personalidade
aos personagens, Karina, Sarah, Simone e Susi, vocês são as melhores e eu
nunca cansarei de dizer isso.
Obrigada às profissionais que me ajudaram nessa caminhada até
aqui. Wânia, que se adapta a cada capítulo que mando, revisando em tempo
recorde para me ajudar, a Lari, que arrasou na capa, e as parceiras que me
ajudam com divulgações lindas.
Sem cada um citado aqui, esse livro não teria nascido.
Obrigada, um grande abraço, Vanessa Secolin!
TRILOGIA SENHOR
Senhor Granfino – Livro 1
(Leia aqui)
De um lado um homem que sempre teve de tudo, do outro, uma
mulher que desde cedo luta para ter o que quer.
Duas pessoas de mundos diferentes unidas por um acidente do
destino.
A vida na maioria das vezes pode ser injusta e Iracema Oliveira
sempre soube disso. Como se estar em uma sinuca de bico não fosse o
suficiente, ela ainda tinha que bater na traseira do carro de um granfino
arrogante e incrivelmente lindo que tinha uma habilidade incrível de tirar
ela do sério.
Octávio e Iracema são o exemplo perfeito de que o destino gosta de
unir os opostos.
O que começou com uma batida na traseira de um Porsche, vai
terminar em um acidente muito mais desastroso que deixará não somente o
carro de Octávio danificado, mas também o seu coração.
Poderá uma pessoa passar por cima do seu orgulho para salvar o que
ela mais ama?

Senhor Mulherengo – Livro 2


(Leia aqui)
O que você faria se a pessoa que amasse fosse justamente a única
proibida para você?
Bernardo Villacente optou por fugir.
Fugir do sentimento que sua prima, Milena Villacente, desperta
nele.
Por anos ele conseguiu sufocar essa atração forte que sempre os
uniu, mas depois que ela pareceu superá-lo, ele percebeu que estava
perdendo-a de verdade.
Estava perdendo-a por medo de arriscar, por medo do preconceito
que uma relação entre os dois poderia causar.
Ela é a tentação dele...
Ele é o objetivo inalcançável dela...
Será que uma ideia, dada no calor do momento, poderá unir esse
casal?

PLEASURE CLUB
(em andamento) Pleasure Club é uma série de livros que pode ser lida
separadamente, embora contenha spoilers dos livros anteriores.
Jogando com Prazer – Livro 1
(Leia aqui)
Juliana Salomão trintou estando no auge da sua vida profissional,
dona do seu próprio negócio e fazendo o que sempre amou, mas sua vida
pessoal estava uma lástima, perdeu a mãe muito cedo, só tinha a doida da
melhor amiga para apoiá-la em suas decisões mais insanas e no amor,
estava frustrada.
Ao assoprar as pequenas velinhas do seu bolo de aniversário, ela fez
um pedido inusitado, mas Pleasure Club não era exatamente o que ela tinha
em mente, só que ao clicar em um anúncio inesperado tudo mudou.
Sua vida que antes era muito previsível se transformou em puro
fogo e diversão, mas todos sabemos que quanto maior o fogo, maior a
queimadura.
Relacionamentos secretos...
Encontro às escuras...
Sentir, nunca ver...
Será que Juliana está preparada para receber tudo o que o Pleasure
Club tem a oferecer para os seus associados?
Descubra em Jogando com Prazer e se divirta com essa comédia
romântica.

Não recomendado para menores de 18 anos.

Descobrindo o Prazer – Livro 2


(Leia aqui)

Após lidar com a pior de todas as perdas e passar por um momento


traumático, Melissa fugiu para uma cidade totalmente desconhecida.
Sem ninguém no mundo, apenas uma prima distante que ela nunca
soube da existência, Mel acabou se tornando babá do filho de um dos
solteiros ricos mais cobiçados da cidade.
Danilo Gomes Ribeiro não era apenas o dono do Pleasure Club, ele
também era um homem sexy e misterioso, que dominava os pensamentos
da Melissa.
Eles eram opostos: Ela era luz, e ele a escuridão; Ela era pura, e ele
um sádico controlador; Ela era um anjo, e ele um demônio criado pelo
próprio diabo.
Mas nem isso foi capaz de afastá-los.
Uma babá virgem; Um dominador experiente; Uma noite no clube
de sexo; Venha conhecer esse romance BDSM apaixonante.
Pode conter gatilhos emocionais.
Não recomendo para menores de 18 anos.

SÉRIE BITTENCOURT
(completa) O Primogênito – Livro 1
(Leia aqui)
Tayla não imaginava que no seu aniversário de 18 anos, a sua vida
mudaria completamente.
Casamento não estava em seus planos naquele momento, mas
quando se deparou com os olhos azuis do seu futuro marido, foi amor à
primeira vista.
Christopher Bittencourt não queria se casar, muito menos, com uma
garota 10 anos mais nova que ele, mas quando viu Tayla pela primeira vez,
viu-se preso àquela menina inocente.
Uma aposta…
Um casamento…
Duas vidas unidas por um mesmo segredo…
Poderá nascer um amor entre ambos ou somente cumprirão com as
ordens que lhe foram dadas?

O Acaso – Livro 2
(Leia aqui)
Quando o coração de Melanie se quebrou de uma forma incurável
no passado, a jovem deixou Nova Iorque e se aventurou pelo mundo, a
procura de um novo lar e um novo recomeço, mas quase um ano depois, a
presença de Mel em Nova Iorque é novamente necessária, afinal é o
casamento dos seus dois melhores amigos, mesmo sentindo a angústia de
tudo o que viveu ali voltar, Melanie seguiu em frente e passou esse dia
especial ao lado dos dois, e como consequência, ao lado de Elliot, melhor
amigo do noivo.
Disposta a ignorar os olhares constantes dele, Mel se dedicou a ser a
madrinha ideal e a organizar a despedida de solteira mais top para
Elisabeth, com tudo em mente, o plano era partir novamente dali depois do
casamento e assim ela fez, voltou para a sua vida normal no Brasil, ao lado
da sua segunda melhor amiga, uma ruiva sorridente e amorosa, mas o que
Melanie não esperava era que dois anos depois, teria que voltar novamente
para lá, só que dessa vez sem data prevista para se livrar da dor que Nova
Iorque lhe traz.
Um acidente...
Uma tragédia...
Uma guarda compartilhada...
E talvez um novo recomeço...
Ele disposto a tê-la em seus braços...
Ela fugindo como nunca antes...
A Escolha – Livro 3
(Leia aqui)
Depois de terminar um relacionamento complicado, Ethan
Bittencourt se tornará Alex Stewart o oficial infiltrado no caso Herrera, sua
função será proteger a única herdeira de um mafioso mexicano.
Sua promoção depende do sucesso desse trabalho, mas ele não
imaginou que o seu principal problema seria aquela menina.
Antes mesmo de conhecê-lo, Tayane Herrera já detestava Alex.
Disposta a se livrar dele o quanto antes, ela se rebela contra o pai.
Porém, ela não imaginou que esse segurança era um homem
atraente, com um sorriso debochado que o tornava deliciosamente sexy.
Um trabalho os uniu...
Ela disposta a fazer da vida dele um inferno...
Ele disposto a se manter afastado...
Duas vidas unidas por um objetivo...
Poderá nascer um amor no meio de tantas mentiras?

O Destino – Livro 4
(Leia aqui)
Quando seu pai a presenteou com sua primeira câmera fotográfica
profissional, Allana Sulatte soube que nasceu para fotografar, não só
pessoas, ela adora capturar paisagens, momentos aleatórios, tudo que para
muitos parece normal, para ela se torna extraordinário visto através da lente
da sua câmera.
Agora, já formada e com um emprego estável, ela é premiada para
expor suas artes em uma conceituada galeria de Nova Iorque, disposta a
honrar a promessa que fez para o pai, pela primeira vez ela deixou a sua
cidade natal e atravessou o Oceano Atlântico em busca do seu maior sonho.
Revelar o seu talento para centenas de pessoas não foi a única razão
daquele dia ser o mais importante da sua vida, mas sim ele, o misterioso
homem de olhos azuis cobaltos, ele a fez descobrir algo novo, algo que até
aquele dia ela nunca acreditou existir.
Mas o que Allana não sabia era que Matthew Bittencourt criou cinco
regras básicas para afastar mulheres da sua vida, tudo isso com a intenção
de se proteger depois de se entregar a um amor que não era recíproco.
Agora, para ter Matthew por mais de uma noite, a mulher deverá passar por
essas cinco barreiras de proteção.
Um oceano de distância...
Um esbarrão...
Um evento...
E tudo começou a mudar...
Ela uma fotógrafa sendo descoberta...
Ele um homem fechado em suas regras...
Será que Allana é a mulher que vai invadir e curar o coração desse
Bittencourt?

Meu Pequeno Milagre – Livro 5


(Leia aqui)
Um grande erro do passado destruiu o mundo cor de rosa que
Megan Bittencourt vivia.
Ela acreditava que nada era capaz de feri-la tão profundamente, até
que Theodoro provou o contrário e com isso, deixou marcas tão profundas
que nem mesmo o tempo foi capaz de apagar.
Ela não imaginou que seria capaz de amá-lo e odiá-lo na mesma
intensidade.
Ferida, Meg apenas desejava reencontrar um motivo para ser feliz
novamente, mas o que a loira não imaginava era que essa felicidade viesse
em um pequeno pacote de olhos azuis cintilantes, com um sorrisinho
banguela de retirar suspiros.
Um filho, fruto do amor que sentiu pelo homem que mais a
machucou.
Ela nunca se imaginou mãe e muito menos uma mãe solteira...
Ele nunca soube da existência do filho, até que tudo mudou...
Poderá anos distantes ajudar na cicatrização de feridas tão
profundas?
Será que um filho é capaz de curar dois corações completamente
destruídos?

Meu Melhor Amigo


(Leia aqui)
July Stef se tornou órfã quando ainda era um bebê, mas foi acolhida
e amada pelos Bittencourt.
Andrew é seu primo de coração e também seu melhor amigo, mas
uma viagem nas férias de verão mudou toda a relação dos dois.
Ela estava decidida a ficar com ele, mas com medo de acabar com a
união da família Andrew se afastou, só não esperava que fosse doer tanto
quando outro homem entrou na vida dela, ganhando cada vez mais espaço
em seu coração, afastando os melhores amigos cada vez mais.
Uma promessa no passado mudou tudo. Será que o amor é forte o
bastante para superar tantas mágoas?
Meu Melhor Amigo é um spin-off da série Bittencourt e pode ser
lido separadamente.

LIVROS ÚNICOS
Dono dos Meus Desejos
(Leia aqui)
Em Dono dos Meus Desejos, Vanessa Secolin nos traz uma
mistura de Age Gap, Slow Burn e amor proibido.
Criada em uma família regrada e superprotetora, Alice sempre teve
uma forte atração pelo proibido.
Ao completar dezoito anos e ganhar uma bolsa de estudos em uma
das melhores universidades do país, a garota larga sua família para trás e vai
em busca da sua tão sonhada liberdade.
Mas o sonho dura pouco, porque, mesmo fora da cidadezinha
gaúcha, descobre que ainda está sob o controle de seus pais.
E esse controle é malditamente sedutor.
Cláudio era o oposto do que Alice achou que seria e logo de cara
passa a ser o dono dos seus desejos, mas o homem teimoso não se rende a
menina.
Gostando de um bom desafio, Alice coloca na cabeça que ele seria o
homem que tiraria sua virgindade. Com ela usando todas as armas de
sedução que possuí, o que resta para Cláudio é tentar lutar contra o fogo que
sente pela menina endiabrada, que mora sob o mesmo teto que ele.

Divorciados
(Leia aqui)
Antony se apaixonou por Liliana na faculdade, no instante em que a
viu toda linda no corredor, os olhos verdes, os cabelos cacheados
esparramados pelas costas delicada e o tom chocolate de sua pele, tudo nela
chamou a atenção do jovem estudante de Ciência da Computação.
Ela parecia perdida e ele se aproximou para ajudá-la, dali nasceu
uma forte atração física, mas Lily estava decidida a focar apenas no curso
de pedagogia, por longos dois anos ela e Antony foram apenas melhores
amigos, mas a atração acabou sendo mais forte e ela enfim se rendeu.
Agora já casados e há 10 anos juntos, ambos têm um filho, Thomas,
o fruto do amor que acreditavam sentir, mas a vida para Liliana nunca foi
fácil e ela percebeu que isso ainda não havia mudado quando acordou de
manhã e seu marido tinha simplesmente partido, sem dar nenhuma razão,
ele apenas foi embora e levou seu coração junto...
Só que Antony não contava com a chegada de um pretendente na
vida de Liliana, um homem também divorciado, um restaurador carinhoso,
de sorriso fácil e totalmente decidido a conquistar a famosa tia Lily,
professora da sua filha.
Vanessa Gandolpho Secolin nasceu em fevereiro de 1996, no
interior de São Paulo, onde atualmente reside com o marido e os dois filhos.
É uma mulher sonhadora, viciada em chocolate, café, livros e séries, não
necessariamente nessa ordem.
Descobriu a paixão pela escrita em 2016, por meio de uma
plataforma online, já o amor pela leitura nasceu anos antes, quando leu “O
Morro dos Ventos Uivantes” para um trabalho escolar, desde então, se
aventura em diversos gêneros, mas o seu preferido é o romance.
Hoje com vários livros publicados na Amazon e Kindle Unlimited,
totalizando milhões de leituras.
Venha contar como foi a sua leitura:
REDES SOCIAIS
Instagram: autoravanessasecolin
E-mail: vanessasecolin@hotmail.com
Gostou de conhecer Senhor, Virei Pai!? Se sim, vamos levar esse
livro para mais leitores.
Indique a leitura, compartilhe com os amigos e publique nas suas
redes sociais. Se possível, deixe sua avaliação na Amazon, as avaliações
são muito importantes.
Desde já eu agradeço imensamente.
[i] Aquaplanagem: É um fenômeno físico no qual um veículo, ao passar

sobre uma camada de água (ou qualquer fluído), perde o atrito com o asfalto.
[ii] Iracema: É a personagem principal do meu livro Senhor Granfino, no qual

César tem passagem como melhor amigo dela (conheça o livro da Iracema e do
Octávio clicando aqui).
[iii] Canjiquinha de frango realmente aumenta o leite materno? De acordo

com Helena Hachul, médica ginecologista e endocrinologista, não passa de crendice.


"Não há comprovação científica por meio de estudos que comprovem a eficácia. É um
mito popular, baseado no fato de que o milho da canjica — o amido —, forneça
calorias e, com isso, aumente o leite.”
[iv] Gelinho de camomila: São cubos de gelo feitos com o chá de camomila,

dica médica para aliviar a dor das primeiras vacinas.

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