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ÍNDICE

CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
SOBRE A AUTORA
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CAPÍTULO 1

Eu tinha pelo menos uma dúzia de motivos para sofrer um tremendo


choque ao me encarar diante do espelho de molduras douradas naquela
manhã de primavera. Um deles era o fato de madame Naná ter feito uma boa
aplicação de máscara de argila em mim, que, pela primeira vez na vida, achei
que tivesse gerado algum resultado sobre minhas sardas, além de esconder o
bronzeado devido às caminhadas na praia. Meu rosto estava branco e pálido
como deveria ser.
Poderia estar tremendo de estarrecimento pelo novo vestido comprado
com os melhores tecidos do reino e feito pelas mãos de Catherine, a melhor
modista de toda ilha de Herlain. Ou pelo fato de estar usando um corpete pela
primeira vez, a contragosto de minha mãe, a rainha Alexandra. Sua
efervescente religiosidade me taxava como uma condenada eterna para
queimar nos mármores do inferno, ao menos era o que podia notar com seu
olhar vidrado às minhas costas.
Os cabelos recém-tingidos com uma fórmula esquisita, e extremamente
fedida, trazida pela Naná — a qual minha irmã Sarah jurava ser feita à base
de sangue de morcego, embora eu nunca tivesse visto um animal como
aquele na ilha — também era uma bela razão para o espanto. Eu não
desgostava de meus cabelos naturalmente castanhos, porém ninguém no reino
parecia admitir a minha ausência de loirice, já que a família real, incluindo os
ancestrais, tinha os fios dourados como raios de sol.
No entanto, por mais apavorada que eu estivesse, nada se comparava ao
sentimento que sacolejou o meu peito quando constatei o quão afortunada eu
era por ter nascido mulher. Não adiantavam as joias, os mimos, a boa vida no
castelo. O respeito, o poder, o reconhecimento pelo meu nome, nada disso
tinha qualquer valor se eu não possuía o direito de ser simplesmente eu
mesma. Meus cabelos estavam errados, meus modos eram inapropriados,
meu corpo era magro em demasia e não passava de uma desajustada que
tentava ser princesa.
A conclusão fez com que lágrimas enchessem meus olhos escuros,
porém me contive porque preferia me atirar do alto daquela torre a
demonstrar sentimentos tão vis na frente de minha mãe. Eu não merecia mais
aquele fracasso. Precisava demonstrar uma força que escapava entre meus
dedos e também uma beleza que infelizmente me fora negada por Deus logo
em meu nascimento. Segundo mamãe, a ausência de graça era uma dádiva;
ser desinteressante aos olhos dos homens espantava o pecado trazido pelos
demônios e deveria ser vista como uma coisa boa, uma benção.
Mas uma parte de mim ficava magoada por minha própria mãe me
achar feia. E também por já ter completado dezoito auroras sem que nenhum
cavalheiro digno se apresentasse para me cortejar. Se eu tivesse nascido
homem, como meu pai, o rei Cedric VI, tanto gostaria, nada daquilo estaria
acontecendo comigo. Ninguém me obrigaria a descolorir os fios e muito
menos a usar um corset tão apertado, a ponto de quase me matar de asfixia.
Sem nenhum exagero.
— Há decote demais — mamãe resmungou, expressando sua cara de
quem parecia que tinha acabado de morder desavisadamente uma fruta
bastante ácida. — Não precisa se apresentar como uma concubina para
chamar a atenção do príncipe Leopoldo. Ele há de perceber que você é uma
princesa muito sábia, minha filha.
Era a primeira vez que a rainha Alexandra me elogiava, ainda que fosse
após deixar claro que, mesmo com tantos esforços, minha beleza jamais seria
percebida, ainda que eu parecesse uma concubina.
Soltei um longo suspiro de exaustão. Fazia horas que madame Naná,
minha dama de companhia particular, não media esforços para me deixar
apresentável. Ela deveria estar tão mais cansada do que eu, porém se
aproximou e tentou ajustar o corpete, que deixava os ombros à mostra, porém
caía em mangas bufantes que ultrapassavam meus braços, como podia. Eu
odiava aquele tom verde-escuro em meu corpo, mas não tive escolha. O
vestido custara uma pequena fortuna e reclamar só pioraria a situação.
— Eu achei maravilhoso — Sarah emendou, entusiasmada. Trajava um
vestido mais simples e não precisou fazer absolutamente nada nem nos
cabelos e nem na pele alva de seu rosto impecável. Ela era uma princesa no
sentido mais literal da palavra, como eu jamais seria. — Você está linda,
Sabine. O príncipe Leopoldo será um tolo se não perceber o quanto é bonita.
Ela era a única que tinha uma ideia completamente diferente de mim.
Não media esforços para elogiar tanto o meu intelecto quanto minha peculiar
aparência, e aquele era um dos motivos por eu amá-la tanto. Contudo,
confesso que o amor diminuiu um pouco quando o último príncipe que me
visitara desistiu de mim tão logo colocou os olhos em Sarah e pediu
permissão aos meus pais para cortejá-la.
Sarah tinha acabado de completar dezesseis anos, idade certa para
encontrar um bom pretendente, e, devido às minhas dificuldades para fazer
uma coisa que deveria ser simples, ao menos para uma princesa de um reino
repleto de riquezas, precisei lidar com a rejeição e ficar feliz por ela.
No fundo, se me perguntassem, eu diria que queria sumir.
— Pronto? — madame Naná questionou, virando o rosto para a minha
mãe, mas não tanto, já que nenhum empregado do castelo encarava algum
membro da realeza. Claro que, quando estávamos sozinhas, eu tratava logo
de deixar que essa regra idiota caísse por terra. — Falta só a coroa.
— Eu mesma ponho — a rainha Alexandra se levantou da poltrona e se
aproximou devagar. Conforme ela ficava mais perto, mais o meu coração se
apertava. Eu não era a única da ilha que a temia.
Mamãe pegou a coroa cravejada com diamantes e esmeraldas, pedras
preciosas que combinavam com o vestido, e a colocou estrategicamente no
topo da minha cabeça. O objeto era pesado e desconfortável, parecia que
cairia a qualquer momento e causaria algum acidente, mas eu já estava
acostumada. Segundo o meu pai, as coroas eram pesadas para que as realezas
lembrassem, o tempo todo, qual era o peso de seu poder.
Eu só tentava me lembrar de que não podia mexer o pescoço.
— Pronto — a rainha sorriu ao me olhar diante do mesmo espelho em
que eu ainda permanecia em choque. — O que achou, Sabine?
Meus olhos desviaram do projeto de princesa à minha frente e
encontraram os seus esverdeados, tão claros que pareciam dois lagos
cristalinos. Eram os olhos da família, que faziam parte de todos os quadros
pintados e emoldurados nas centenas de corredores do castelo. Os mesmos de
Sarah.
— Não sabia que a minha opinião era relevante — rebati em um tom
fraco.
— Não seja impertinente — ralhou. Sua expressão se tornou dura e fria
como o aço de uma armadura. — São seus modos que afastam os cavalheiros
que enfrentam mares revoltosos só para encontrá-la.
— Não seja tão romântica, mamãe. Eles vêm encontrar as riquezas de
Herlain, nada além disso.
— Uma dama também é um tesouro — Sarah comentou em um tom
apaixonado. Estava caidinha pelo príncipe Augusto, ainda que o tivesse
conhecido há poucas semanas e tivessem trocado menos palavras do que a
quantidade de dedos em suas mãos. Ainda assim, o casamento estava
marcado para dali a uns meses e sua saída da ilha era iminente. Ela seguiria
com ele para um reino longínquo no continente.
Mais um fato que me perturbava.
— Por isso toda dama precisa atribuir valor a si mesma — a rainha
prosseguiu, satisfeita com o comentário da filha mais nova. — Agir com
prudência, dignidade e bons modos. Deve ser silenciosa, delicada e confiante.
— Confiança em quê? — perguntei secamente. — Não é necessário
confiança alguma para agir como uma escultura decorativa no canto do salão.
— Já basta desta conversa. Estou cansada de sua petulância, Sabine —
Alexandra se afastou e, emburrada, caminhou até a saída do meu aposento.
Seus trajes era a tradução do que significava perfeição, ainda que não
houvesse qualquer decote por causa da gola alta emoldurada por um colar de
ametistas. Antes de ir embora, porém, mamãe me lançou um olhar
depreciativo. — Esteja no salão na hora exata e trate de agradar ao príncipe
Leopoldo. Suas chances estão findando. Seu pai está impaciente, não
demorará até que eu o convença a enviá-la para um monastério. Talvez a fé a
faça dobrar essa língua inoportuna.
Ela saiu, mas a sua presença angustiante permaneceu cravada em meu
coração. Por mais que estivesse nervosa e irritada, ela tinha razão: minhas
chances estavam acabando e precisava arranjar um pretendente antes que o
rei decidisse que era mais apropriado ter uma filha religiosa a ter uma filha
solteirona. Até eu me atiraria num convento, caso fosse preciso. Era melhor
rezar enfadonhamente, dia e noite, e reproduzir diálogos desconexos, como
uma alucinada, do que enfrentar os olhares críticos de todo o reino e a
sensação de fracasso nutrido pela minha alma.
— Vai dar tudo certo, irmã — Sarah se aproximou e, antes de me
deixar sozinha com a madame Naná, deu-me um beijo na bochecha,
provavelmente sujando seus lábios com os resquícios de argila que ainda
bailavam em meu rosto. — Soube que o príncipe Leopoldo é alto, forte e
bonito.
Respondi-a com um suspiro.
Aquele era exatamente o problema. A maioria dos cavalheiros que
apareciam na tentativa de me cortejar eram, de fato, altos, fortes e bonitos,
porém tinha também uma inteligência questionável, o ego maior que o
castelo inteiro e uma capacidade quase sobrenatural de me enervar com suas
conversas rasas e modos grosseiros.
Eu não tinha qualquer interesse em comentar sobre caças ou quanto
ouro seus reinos possuíam. Logo, não sobrava muita coisa para falar.
Mantinha-me silenciosa, como mamãe tanto pregava, até ser tomada pelo
tédio e fugir para uma caminhada solitária na praia, às escondidas. Era
incrível como nenhum pretendente via com bons olhos uma princesa sair
sozinha de seus aposentos. Nem mesmo uma dama que gostasse de ler e
perdesse horas na vasta biblioteca. Se nada em mim os agradava, a recíproca
era verdadeira, por isso eu ainda aguardava a visita de alguém decente.
— Preciso gostar minimamente deste sujeito, Naná — falei, virando-
me para a dama de companhia. Ela sorriu um pouco. Meu maior alívio era
saber que, como primogênita, era meu dever permanecer no reino mesmo
após o casamento, logo, não ficaria sem ela. — O que sabe sobre ele?
— O mesmo que a menina Sarah. Dizem que é realmente um príncipe
muito bonito. Algumas solteiras do reino o viram saltar de sua embarcação e
não comentam sobre outro assunto.
— Naná... — levantei-me da banqueta acolchoada, percebendo que
aquele vestido era insuportavelmente pesado. Respirei fundo, na tentativa de
não morrer antes de conhecer o meu futuro esposo, e prossegui: — Peça para
o senhor Cristóvão preparar a minha harpa. Hoje irei tocar. — Cristóvão era
um dos responsáveis pelo entretenimento dos membros da corte.
— Tem certeza, Sabine? Da última vez não deu muito certo...
Embora amasse o som da harpa, precisava admitir que eu não era uma
excelente musicista. Da última vez que me apresentei para um possível
pretendente, os fios do instrumento se enroscaram nos meus cabelos e fiquei
presa a ele até que uma enorme mexa fosse cortada com uma navalha. Ainda
bem que se passou tempo suficiente para que meus cabelos crescessem de
novo.
— Tenho certeza. Hoje conquistarei um pretendente. Já que não pode
ser pela beleza, que seja pelo meu único talento.
Confiante, e finalmente o adjetivo proposto pela mamãe fez sentido,
abri um largo sorriso. Aquele seria o meu último dia como uma fracassada.
Pareceria esquisito aos olhos de qualquer habitante de uma cidade que
não fosse Herlain o fato de o salão principal do castelo estar preparado para
uma festa antes mesmo do almoço. Era comum acontecer porque nossos
visitantes geralmente enfrentavam intempéries no mar até alcançarem a ilha,
por isso sempre chegavam cansados, sedentos por uma boa taça de vinho
quente e uma porção exagerada de caldo.
O príncipe Leopoldo, junto com o seu séquito, havia pisado em terras
herlainenses logo nas primeiras horas de sol, portanto era nosso dever recebê-
los com farturas e sorrisos. A notícia de minha solteirice atravessara os
oceanos e chegara a tantos lugares distintos que eu nem sabia que existiam,
sendo assim, não era tão rara a visita de um novo pretendente. Eu me sentia
mal por fazê-los perder tempo. Geralmente, eles desistiam tão logo me
avistavam.
Contudo, estava me sentindo um pouco mais otimista com a mudança
no visual. Pessoalmente, achava que a imagem refletida no espelho não era a
minha, de modo que não conseguia me reconhecer, mas se eu precisava
mudar para conquistar o coração, ou ao menos o mínimo desejo, de um
príncipe, que assim fosse. Já havia aprendido a lidar comigo mesma no
sentido de não me perturbar em ser sempre diferente. Tinha certeza de que eu
seria autêntica em qualquer situação.
Infelizmente, isso, sim, me perturbava.
Passei muito tempo descendo as escadarias e atravessando os longos
corredores, que mais pareciam um labirinto, até chegar ao salão principal.
Tentava adiar a decepção ao máximo e também pensava na música que
tocaria quando tivesse uma oportunidade. Fazia muito tempo que não
treinava. Talvez madame Naná tivesse razão, era cedo demais para mostrar
ao príncipe Leopoldo um talento tão questionável.
O salão estava exatamente igual às minhas melhores, e piores,
lembranças. Havia velas e candelabros espalhados por toda parte, já que ali a
luz do sol quase não alcançava. As sombras eram um espetáculo à parte,
faziam o salão parecer maior e mais impressionante do que era. As paredes,
feitas com rochas pesadas e grossas por todo castelo, ali encontravam
serenidade ao serem recobertas por tecidos finos, nas cores branca, vermelha
e amarela, as cores de Herlain. Pinturas e esculturas também decoravam o
ambiente de modo a sempre me deixar estarrecida.
Com Naná a tiracolo, acompanhando-me como se eu fosse uma velhota
e precisasse de apoio para mexer as pernas, andei a passos leves até o trono
de meu pai. Ele já estava sentado, todo imponente, com um sorriso alargado
ao ver pessoas circulando, dançando e conversando. Naná parou antes que eu
subisse e ocupasse a poltrona que me pertencia, abaixo do rei e da rainha e ao
lado da minha irmã. Em seguida, ela sumiu como sempre fazia, mas eu sabia
que se mantinha por perto para me servir caso fosse necessário.
O rei Cedric VI se endireitou e me encarou com certo ar de autoridade.
— Espero que se comporte hoje, minha filha — segredou em um tom
ameno, para que ninguém o escutasse. Ele estava primoroso em sua túnica
branca e na capa vermelha brilhosa por causa das contas de diamantes. — O
príncipe Leopoldo é um rapaz inteligente e será um rei apto a comandar o
futuro de Herlain.
— Eu me sinto apta a comandar o futuro de Herlain como rainha, meu
querido pai — falei sem pensar direito e logo me arrependi. Eu tinha
consciência de que deveria manter minha boca fechada durante aquele
evento, para que nada desse errado.
— Você não está sendo apta sequer a conquistar um marido —
resmungou, ainda mantendo a paciência. Se eu tivesse sorte, não o tiraria dos
eixos naquele dia. — Acha que o reino poderá ser um dos seus caprichos?
Não há rainha sem um rei.
Estava prestes a rebater o seu argumento, mas, talvez pela primeira vez
na minha vida, preferi o silêncio. Minha mãe me olhou com uma expressão
dura e Sarah apenas sorriu, mantendo-se quieta e com uma postura invejável.
Foi naquele momento que um rapaz alto, esbelto e dono de um largo sorriso
se aproximou, curvando-se perante a realeza. Eu o olhei com atenção e tive
certeza de que nunca o tinha visto antes, logo, presumi que se tratava de
alguém fora de Herlain.
— Rei Cedric, rainha Alexandra, princesa Sarah... — falou
educadamente, tratando de se curvar a cada nome proferido. Então, dirigiu-se
a mim: — Princesa Sabine... — ergueu-se, fixando os olhos de um profundo
azul nos meus. Pisquei, inquieta. Poucas vezes havia tido a chance de
observar um cavalheiro tão belo. — É uma honra conhecê-la. Devo me
apresentar, sou o príncipe Leopoldo e vim do reino de Ganera. Trata-se de
um reinado ao Sul, bastante longínquo e conhecido pelos tesouros de sua
terra abençoada.
Abri a boca, prestes a soltar algum comentário que certamente seria
taxado como inoportuno, mas logo recuperei o controle do meu corpo e tornei
a fechá-la. Em vez de tecer comentários que pudessem afastar o príncipe,
apenas abri um leve e discreto sorriso, um que a minha mãe aprovaria. Ela
sempre reclamava quando eu ou a Sarah sorríamos demais.
— Seja bem-vindo a Herlain, meu rapaz! — a voz de papai soou mais
grossa e alta, chamando a atenção do salão. — Diga-me, o que o traz à nossa
ilha maravilhosa? — ele sempre fazia aquela pergunta, mesmo que soubesse
a resposta.
O príncipe Leopoldo me olhou durante pequenos segundos e voltou a
encarar o rei. Não senti qualquer resquício de arrependimento em seu
semblante, o que já era um bom sinal. Seria demais pedir que um cavalheiro
como ele fosse inteligente também, por isso tentei diminuir as expectativas e
me concentrar em manter seu interesse.
— É de meu conhecimento que a filha de Vossa Majestade, a princesa
Sabine, aguarda um pretendente digno para assumir, futuramente, o reino de
Herlain — ele disse com tranquilidade, como se nada o abalasse e ele tivesse
a certeza de que sua aparência era o bastante para causar uma boa impressão.
— Humildemente atravessei os mares para conhecer a princesa e, quem sabe,
deixar o meu coração ser levado pelo povo de Herlain.
Tentei permanecer calada. Foi um martírio não dizer que o povo nada
tinha a ver com as minhas escolhas. Afinal, não era o povo que se deitaria ao
seu lado até que a morte o levasse. Não era o povo que teria de suportá-lo em
intimidade. Decerto os habitantes necessitavam de um bom rei, mas, ao
contrário do que papai achava, eu poderia suprir as necessidades de Herlain
sem maiores conflitos, usando os conhecimentos obtidos nos tantos livros que
li a respeito de liderança e planejamento.
— A sua estada em nosso reino será comemorada como se deve — o
rei anunciou e, logo em seguida, levantou-se: — Que comecem os sete dias
de glória!
Os membros da corte, o séquito do príncipe e demais convidados
aplaudiram de forma calorosa, fazendo o som de palmas ecoarem pelo salão.
Sete dias.
Aquele era o tempo estipulado por algum covarde da ancestralidade
para que um pretendente decidisse se gostaria ou não de cortejar uma
princesa e para que ela decidisse se aceitaria o cortejo. Infelizmente, eu não
estava em condições de negar absolutamente nada – e confesso que uma parte
escondida de mim havia se interessado por aqueles olhos azuis e pelo sorriso
gentil, por mais fútil que me sentisse ao refletir a respeito. Sendo assim, tratei
de me conformar com fato de que aquele príncipe seria o meu esposo em
breve e tentei lidar com a informação da melhor maneira que consegui, ou
seja, calada.
Eu ainda não sabia se o príncipe havia solicitado os sete dias de
reconhecimento apenas por educação — como muitos já tinham feito —, mas
ele não parecia desconcertado ou decepcionado com a minha presença. Muito
pelo contrário, seus olhos recaíram em minha direção vez ou outra, entre uma
conversa e uma dança.
Mamãe considerava inadequado que nós dançássemos em público,
principalmente na companhia de um cavalheiro que ainda não havia se
decidido quanto ao cortejo, por isso permaneci sentada em meu trono
enquanto observava a festa matinal. Já a Sarah tinha autorização para uma
única dança com o príncipe Augusto e ela não hesitou em chamá-lo,
deixando-me sozinha na incumbência de perecer no tédio.
— Ele gostou de você — papai falou, olhando-me de soslaio, sem
conter um sorriso empolgado. Ele sempre era o mais otimista. — Desta vez
há de dar certo. Amanhã o convidarei para uma caça no bosque. Quero testar
seus conhecimentos.
— Se sou eu que vou casar com ele, não seria correto que fosse eu a
convidá-lo para um passeio?
Seu sorriso morreu de imediato. Ele nada respondeu, apenas olhou para
a minha mãe como se a culpa de minhas perguntas sem cabimento fosse dela.
Em meu âmago, sentia certa pena. Devia ser difícil não ter o poder de se
responsabilizar apenas pelas suas próprias atitudes.
— É completamente inapropriado, Sabine, e você sabe disso — ela se
limitou a resmungar. — Terão por direito duas horas diárias para interagirem,
sob supervisão de sua acompanhante e do acompanhante dele. E em local
público, não na floresta e muito menos na praia — olhou-me como se
soubesse de todas as vezes em que escapei para admirar o mar.
De repente, o rei semicerrou os olhos. Os meus seguiram na direção
que os dele apontavam.
— Por que a harpa está no salão? — questionou e logo se virou para
mim. Meu corpo pareceu congelar e, sem fazer esforço algum, mantive-me
muda. — Sabine... Eu não tenho certeza se é uma ideia ponderada.
Cristóvão se aproximou antes que eu encontrasse as palavras. Estava
em suas vestes coloridas de sempre, proporcionando um espetáculo à parte.
Suas trovas e cantorias eram muito bem recebidas durante as comemorações.
— Majestades... — curvou-me em reverência. — Alteza... — referiu-se
a mim com delicadeza e um sorriso simpático estampado em seu rosto alvo.
— A harpa que solicitou já está pronta. No entanto, aconselho que a dedilhe
somente após a refeição. Com a fome espantada, os nervos dos convidados
estarão prontos para ouvir uma bela canção proporcionada pela Vossa Alteza.
— É uma ideia excelente, Cristóvão. Muito obrigada.
— Sempre ao seu dispor, Alteza. Majestades... — fez uma nova
reverência e se distanciou com tranquilidade.
— Sabine, não é... — mamãe começou, mas a interrompi:
— Vai dar tudo certo, eu sei exatamente o que tocar — menti. No
entanto, havia uma convicção em mim que não conseguia afastar mesmo que
tentasse ser racional. Era como se precisasse provar a todos que eu era capaz
de fazer alguma coisa interessante, qualquer que fosse. No fundo aquilo me
angustiava. — O príncipe Leopoldo vai gostar de saber que tenho um bom
talento.
Sorri na direção deles, o que foi o bastante para que se calassem e não
questionassem mais a minha escolha.
Durante o almoço, realizado em uma longa mesa de cinquenta lugares,
o príncipe Leopoldo infelizmente ficou distante demais de mim, portanto
perdi a oportunidade de conferir se ele possuía pelo menos algum senso de
ridículo. Mamãe abominava que nos sentássemos perto de qualquer homem
que não fosse o nosso pai durante as refeições, por isso precisei guardar a
ansiedade e tive tempo de sobra para arquitetar uma apresentação razoável.
O vinho estava ótimo e nos foram liberadas apenas duas taças —
ordens da rainha Alexandra, que tinha pavor da possibilidade de nos ver
embriagadas —, o suficiente para me sentir mais solta e confiante. Avistei o
Cristóvão depois que a maioria dos pratos se encontrava vazio e acenei
discretamente. Ele entendeu o recado e soltou o seu vozerão para que todos
ouvissem:
— Senhoras e senhores, hoje o dia é mais do que especial! —
cantarolou de um jeito divertido que lhe era inato, tocando levemente em seu
alaúde. — A nossa querida e adorada princesa Sabine irá nos conceder uma
demonstração de seu talento nos doces acordes da harpa! Acompanhem-nos
ao salão!
Ao redor da mesa, os convidados aplaudiram e se levantaram
prontamente. Cristóvão caminhou devagar, tocando e cantando
animadamente, como um prelúdio de minha apresentação. Forcei um sorriso
para os meus pais, que se mantiveram quietos, tratando de caminhar com a
cabeça erguida e a postura correta.
Eu me sentei sobre a banqueta localizada ao lado da imensa harpa.
Retirei as longas luvas de lã como se não houvesse a menor pressa. Madame
Naná me ajudou a situar a cauda do vestido bufante, para que não me
atrapalhasse, e também colocou as mexas de meu cabelo tingido para trás de
minhas orelhas, já prevendo um novo desastre. A minha dama de compainha
pensava em tudo.
Aquele instrumento habitava o castelo havia muitas gerações, mas
vivia abandonado, entregue à sorte como uma escultura com pouca
importância, até que encontrei um livro com lições básicas e comecei a me
arriscar. Mamãe só me deixava tocar porque o som era melodioso e
comedido, nada exagerado, parecia que anjos vinham à terra a cada acorde.

Não falei nada enquanto os convidados se posicionavam ao meu redor.


Achei melhor não me arriscar em uma introdução mal elaborada. Sendo
assim, apenas comecei a movimentar os meus dedos sobre as longas cordas
da harpa. O som saiu um pouco tímido no início, mas logo fui envolvida por
ele. Fechei os olhos e me entreguei ao momento, experienciando a sensação
de liberdade que tanto me era negada.
Toda vez que eu tocava era como se estivesse navegando livremente
por oceanos, sem ninguém para corrigir a minha postura ou para dizer que eu
não era bela o bastante para ter um marido que eu sequer desejava. Sentia que
eu era apenas a Sabine, sem qualquer título me mascarando, e isso bastava.
Ainda que eu não tivesse arriscado uma canção muito difícil, tomei
todo o cuidado possível para não desafinar ou causar um acidente. Por fim,
quando meus dedos se deram por satisfeitos e concluí a última nota, o salão
ecoou com os aplausos da plateia. Abri os olhos e a primeira coisa que
enxerguei foi um sorriso amplo embelezando o rosto do príncipe Leopoldo.
O meu intento fora perfeitamente atingido.
— A minha filha tem um talento sem precedentes — ouvi a voz grave
do rei conversando com pessoas ao redor. A minha mãe também sorria,
satisfeita. — Desde que o meu bisavô ganhou esse instrumento ninguém o
tocara com tanta maestria!
Evidentemente ele intensificava a situação para que os ventos ficassem
ao nosso favor e não sobrassem dúvidas de que eu era muito talentosa e de
que valia a pena me ter como esposa.
Aos poucos, os convidados foram se dispersando, principalmente
depois que Cristóvão voltou a cantarolar. Contudo, uma pessoa permaneceu
diante de mim e da harpa, sem se afastar um centímetro: o príncipe Leopoldo.
— O seu talento é admirável, princesa Sabine — sorriu ao dizer aquilo
e senti o meu coração errando algumas batidas. Finalmente me sentia alvo do
interesse de alguém que poderia ter o meu em retorno. Ele era muito mais
alto do que imaginei, foi o que constatei quando deixei a banqueta e me ergui
para atendê-lo. — Não encontro muitas mulheres com gosto especial para a
música.
Continuei apenas sorrindo timidamente, embora eu tivesse muito para
perguntar. Preferia que um raio caísse na minha cabeça a estragar o momento
com meus comentários fora de tom.
— Você estava maravilhosa. — Seus olhos brilhavam em minha
direção. Eram de um azul que considerei perfeito, uma obra de arte a se
admirar de perto. — No entanto, se me permite um humilde conselho, eu não
deixaria seus cabelos para trás durante as apresentações. Suas orelhas são um
pouco pontudas.
O sorriso escapou dos meus lábios no mesmo instante, porém o dele
permaneceu. Levei uma mão até a orelha esquerda, massageando-a
brevemente, depois tratei de me aprumar. Continuei muda, ainda que por
dentro estivesse prestes a explodir.
De todos os defeitos que já me apontaram, nenhum mencionava as
minhas orelhas.
— Além do que seus cabelos loiros são lindos, parecem fios de ouro em
contato com o sol ardente — prosseguiu sem se abalar, enquanto a minha
vontade era de correr para longe daquele salão e nunca mais sair de meus
aposentos. — Desculpe-me — Leopoldo limpou a garganta —, fui
inapropriado com o meu comentário.
Não havia outra opção, por isso voltei a sorrir, fiz uma mesura e virei as
costas com uma tranquilidade que eu não sentia. Talvez eu nunca fizesse
ideia se ele estava chamando de inapropriado o comentário sobre meus
cabelos ou sobre a minha orelha. De qualquer forma, achei ambos
completamente desfavoráveis.
Fiz o possível para não cair no choro enquanto atravessava o salão
principal. Os convidados pareciam interessados em qualquer coisa, menos em
mim, por isso foi fácil passar despercebida.
Alcancei o primeiro corredor que vi pela frente e tratei de seguir com
mais rapidez rumo a qualquer lugar que fosse longe da opinião das pessoas ao
meu respeito.
CAPÍTULO 2

Situado no extremo norte de Herlain, o castelo era uma construção tão


grandiosa que todos acreditavam que podia ser visto de qualquer ponto da
ilha. Ainda que eu o considerasse realmente belo e imponente, a primeira
palavra a qual me remetia quando pensava a respeito dele era: prisão.
Naquele instante as paredes me sufocavam ainda mais que o corpete, por isso
precisei de ar fresco e não hesitei antes de seguir na direção do amplo jardim.
Aquela era a minha parte favorita no interior da alta muralha porque era
a única capaz de aliviar um pouco a sensação de estar aprisionada, à mercê de
um destino do qual não me agradava. Havia estatuetas dos mais variados
tamanhos e estilos porque a maioria delas se tratava de presentes de visitantes
do reino. A vegetação era composta por arbustos sempre muito bem podados,
roseiras de diferentes cores e plantas raras que vinham do continente, as quais
a família real sempre gostou de colecionar.
A brisa marítima soprava livremente, balançando os galhos e os meus
cabelos longos, trazendo-me certo conforto, embora por dentro eu estivesse à
beira de um colapso. Sentei-me em um banco duplo que nada mais era do que
uma armação de ferro retorcido e, sem suportar as emoções que
transbordavam em meu peito, coloquei-me a chorar. Poucos minutos depois
eu me considerei uma estúpida e tratei de controlar os soluços. Limpei as
lágrimas com as mãos e respirei fundo na medida do possível, já que aquelas
vestes nunca me deixavam inspirar além do estritamente necessário. Tive
vontade de arrancá-la do meu corpo, mas nada pude fazer.
— A senhorita é bela como um botão de rosa — ouvi um sussurro
baixo e, por um segundo, achei que alguém estivesse se referindo a mim.
Cheguei a encenar um sorriso, que logo morreu porque não encontrei de onde
vinha aquele timbre manso. — Tão delicada e perfumada quanto essas
pétalas.
Olhei de um lado para o outro atentamente, nada encontrando.
— Muito obrigada por tão gentil elogio, príncipe Augusto — foi fácil
reconhecer a voz de Sarah. Intrigada, localizei-os entre os galhos de um
arbusto enorme, atrás do banco de ferro. Afastei algumas folhas com os
dedos e continuei os observando, tomada pela curiosidade. Estranhei o fato
de os dois estarem sem seus acompanhantes e com ambas as mãos dadas, de
frente um para o outro. Havia uma rosa vermelha perfeita grudada na lateral
do cabelo da minha irmã.
— Está ansiosa pelo nosso casamento? — ele perguntou com doçura.
— Bastante ansiosa — fez um aceno positivo com a cabeça. Os fios
loiros reluziram como se fossem raios solares. — O enxoval está ficando
lindo, acompanho pessoalmente a confecção. Não vejo a hora de deixar
Herlain.
A última frase que saiu entre os lábios rosados e volumosos me deixou
mais atenta e um tanto quanto abalada. Não sabia que Sarah tinha tanta
vontade de ir embora. Ela sempre foi muito deslumbrada com a vida no
castelo e com as belezas do reino.
— Não se preocupa com o destino da realeza? — o príncipe Augusto
prosseguiu calmamente. Seus cabelos escuros tinham o tom parecido com os
meus fios verdadeiros, porém os dele eram lisos e curtos. — Não creio que a
princesa Sabine será desposada algum dia. Herlain precisa de um rei. Como
primogênito, não posso abandonar o reinado de Merghan, por isso terei de
levá-la. Não posso ficar.
Percebi que o rosto comumente sereno do príncipe ganhou resquícios
de preocupação, quase como se lamentasse o fato de ter que partir. No
entanto, comecei a tremer tanto diante do seu comentário que minhas
percepções deveriam estar comprometidas. Senti meus olhos marejarem,
porém mais uma vez tentei manter o controle. Por que o príncipe Augusto
tinha tanta certeza de que eu jamais me casaria?
— Herlain ficará bem — Sarah disse, mas notei que não manteve tanta
convicção em suas palavras. — A minha irmã pode ser arisca e impertinente
às vezes, mas tem um ótimo coração. Além do que o príncipe Leopoldo
parece gostar dela. Percebi que trocaram olhares.
— Eu gostaria de ter certeza disso — príncipe Augusto largou as mãos
de Sarah e pareceu desconcertado.
— Por que fala dessa maneira? Sabe de alguma coisa que não sabemos?
Naquele momento meus olhos ficaram tão abertos quanto foi possível.
Embora estivesse chateada e profundamente triste, não poderia perder
qualquer chance de obter informações sobre o meu suposto futuro noivo.
— Nada sei, minha princesa. Só não nutro bons sentimentos a respeito
do príncipe de Ganera — ele soltou um breve suspiro e sorriu meio de lado,
de forma galante. — E a sua irmã ficou um pouco estranha com as mudanças
no visual, não acha?
Cada partícula do meu corpo se manteve imóvel. Inclusive, parei de
respirar.
— Um pouco — Sarah não hesitou em responder. Sem que eu
suportasse manter o controle, as lágrimas trataram de escorrer pelo meu rosto.
— Certamente a cor dos cabelos ficou esquisita e não combinou com o
escuro de seus olhos. É uma pena que minha irmã seja tão desprovida de
beleza.
Tentei abafar um soluço com a mão livre sobre os meus lábios
surpresos.
— Não acho que ela seja desprovida de beleza — o príncipe Augusto
comentou e eu entrei em um estranho estado de choque. — Princesa Sabine é
apenas diferente. As mudanças, sim, deixaram-na sem o costumeiro glamour.
— Acha a minha irmã glamurosa? — o rosto de Sarah se tornou
impassível, porém eu a conhecia o suficiente para compreender que ficara
chateada. Desde pequena ela sempre quis ser a mais bela, educada, talentosa
e obediente, embora escondesse com afinco a sua falta de modéstia. —
Pensei que a tivesse rejeitado por considerá-la inapropriada.
As palavras da minha irmã me feriam muito mais do que o comentário
feito pelo príncipe Leopoldo e até mesmo os do príncipe Augusto. A verdade
era que desconhecidos poderiam achar o que quisessem ao meu respeito, mas
uma pessoa que me conhecia e dizia me amar? Não. Não dava para conceber.
Sarah deveria ter, no mínimo, bondade para comigo.
— Minha querida e adorada princesa Sarah, qualquer glamour que sua
irmã possua não pode ser comparado ao seu — alisou-lhe a face com ternura
e ela sorriu, satisfeita. Senti o almoço revirar em meu estômago e acreditei
que o colocaria para fora a qualquer momento. — Eu considerei Sabine
inapropriada porque não pensei que ela fosse a primogênita da família. Se
tivesse conhecimento prévio a respeito dessa situação, jamais teria viajado
para essas terras. Contudo, fico feliz pelo desencontro de informações, pois
pude conhecer alguém apropriada, bela e delicada como a senhorita. Minha
viagem não se tornou vã.
Sarah sorriu um pouco, mas percebi que era um falso sorriso.
— Ainda assim, não pensei que a considerasse bela.
— Esqueça isso — ele murmurou.
Levei um susto quando o príncipe Augusto a puxou em seus braços
fortes e ambos enconstaram os lábios em um beijo. Eu jamais havia visto um
casal se beijar antes, somente havia lido em alguns romances na biblioteca, e
certamente mamãe colocaria o castelo abaixo se soubesse que Sarah tinha
permitido que o seu noivo a beijasse antes do casamento. As emoções se
enroscaram dentro do meu peito a ponto de me deixar enojada, por isso
precisei me afastar do jardim antes que aqueles dois falassem ou fizessem
mais absurdos.
Minha intenção era subir a torre até os meus aposentos, pretendia
pensar no que ouvi e provavelmente chorar em paz, porém madame Naná
veio ao meu encontro assim que adentrei o castelo. Estava com o semblante
desesperado e suor escorria de suas pestanas.
— O que houve, Naná?
Ela respirava de forma ofegante.
— Graças a Deus a encontrei, Alteza — começou, com a voz
embargada. — Um pouco mais e não saberia o que dizer a respeito de seu
sumiço.
— Eu estava tomando ar no jardim. Mas me conte, o que aconteceu?
— O príncipe Leopoldo solicitou as duas horas de encontro diário. Já
montamos a mesa de chá na varanda da ala leste e ele a aguarda
imediatamente.
Olhei para o horizonte de um dos corredores do castelo, o que era
repleto de armaduras enfileiradas. Tudo o que menos queria naquele instante
era me encontrar com o príncipe Leopoldo. Temia me descontrolar caso ele
comentasse novamente sobre as minhas orelhas. Colocaria tudo a perder e
então daria razão ao príncipe Augusto sobre o fato de eu ser incapaz de casar
com alguém.
— Por favor, Naná, avise que me encontro indisposta no momento. O
almoço não me fez muito bem — aquela não era uma completa inverdade,
por isso sequer me senti mal pelo que falei.
— Vossa Alteza está bem? — Madame Naná parecia ser a única
criatura com genuína preocupação para comigo. Como não havia ninguém
por perto, ela se permitiu depositar a mão delicada sobre a minha testa. —
Parece-me um pouco febril. Vou ajudá-la a subir as escadas e...
— Não, Naná, não precisa — cortei-a de uma vez, segurando seus
ombros para que me compreenda. — Seguirei ao meu aposento enquanto
você avisa ao príncipe Leopoldo sobre minha indisposição.
— Depois levarei um chá para Vossa Alteza.
— Perfeito. Obrigada, Naná. — Dei-lhe um beijo, que mamãe acharia
completamente inapropriado, em sua bochecha e caminhei decidida rumo às
escadarias da última torre. — A próposito... — parei de repente e me virei
para encará-la. — Peça para que Inês vá para o jardim ao encontro de minha
irmã.
Inês era a jovem dama de companhia de Sarah. Eu a considerava um
pouco desatenta, mas não a ponto de permitir que minha irmã tivesse um
encontro às escondidas com o seu noivo em plena luz do dia.
— Achei que já estivessem em companhia uma da outra — Naná me
ofereceu uma expressão confusa.
— Acredite em mim, não estão. Por favor, deixe mamãe ignorante
quanto a isso.
— Como quiser, Alteza — ela fez uma pequena reverência e se retirou
de maneira convicta. Eu confiava em Naná como jamais confiei em qualquer
pessoa, sabia que resolveria a situação com a discrição e rapidez necessárias.
Durante o longo percurso até a torre, fiz o possível para evitar o salão
principal e os aposentos mais movimentados. Não queria ser interrompida por
ninguém. Contudo, o caminho mais curto passava pelo corredor onde ficava a
sala de reuniões do rei Cedric VI. Os guardas que sempre circulavam por ali,
para a segurança do meu pai, não fizeram qualquer objeção quanto a minha
presença, portanto adentrei sem maiores complicações.
Ouvi murmúrios vindos da sala estrategicamente escondida e estava
pronta para ignorá-los, porém me deixei ficar ao escutar o meu nome no meio
da conversa. Não me sentia preparada para ouvir palavras duras novamente,
porém a curiosidade foi maior e me esgueirei perto da passagem aberta.
Queria saber quantas pessoas mais falavam sobre mim sem qualquer
consideração.
— Mas é claro que ele gostou dela, não há a menor dúvida — a voz
de papai soou um pouco mais alta, como se estivesse chateado.
— Não sei, Cedric. Não estou convencida — ouvir a mamãe falando
fez com que meu coração começasse a bater mais forte. Eu sabia que dali não
sairia nada favorável, mas me forcei a permanecer atenta.
— Já solicitei a busca dos melhores produtos de beleza e dos
melhores vestidos — papai continuava irritado. Mamãe fingia que não, mas
aqueles dois brigavam o tempo todo. — O que mais é necessário para que me
deixe em paz?
— O senhor parece que não se importa com o futuro da nossa filha.
— Como ousa, Alexandra? — Um barulho estrondoso se fez e me
contive para não pular de susto. Presumi que meu pai tivesse oferecido uma
pancada sobre a mesa de carvalho que compunha a sala, porém não tive
certeza. — O futuro da Sabine está atrelado ao de Herlain. Como ousa sugerir
que um rei não se importa com o seu próprio reino? Ou que um pai não se
importa com a própria filha?
Aquelas palavras firmes fizeram meus olhos marejarem novamente,
porém não por causa da tristeza ou da decepção e sim pelo carinho que pude
sentir vindo do rei Cedric VI.
— Ofereça de uma vez o salão de riquezas para esse tal príncipe
Leopoldo, além de nossas terras na ilha de Ferrah — mamãe falou com um
timbre desdenhoso. Fechei a boca com as mãos para que o meu coração não
escapulisse. A rainha Alexandra queria me barganhar? — Não espere que
esmoreça a vontade dele de cortejá-la.
— Eu lhe oferecerei, mas não neste momento — o rei foi taxativo.
Naquele instante, não pude evitar que novas lágrimas surgissem. — Vamos
dar uma chance à nossa Sabine. Não pretendo entregar a mão de minha filha
a um interesseiro fajuto.
— Não estamos em posição de oferecer chances, Cedric. Ouça o que
digo, se Sabine não desposar desta vez, ninguém mais sentirá o menor
interesse. A notícia de sua rebeldia corre tão rápido quanto a se sua solteirice.
Ouvi o barulho de saltos sobre o piso ficar cada vez mais alto e me dei
conta de que mamãe caminhava de volta para a passagem, pronta para deixar
a sala de reuniões. Ainda que eu estivesse trêmula, decepcionada e com uma
vontade absurda de continuar chorando, precisei me movimentar; logo,
afastei-me e acelerei os passos rumo ao desconhecido, já que havia perdido
qualquer noção de espaço. Não sabia mais o que ficava à direita ou à
esquerda, só queria sumir daquele castelo e também daquela vida.
Eu me sentia um objeto sem qualquer valor ou relevância. Meus
próprios pais me tratavam como item de escambo. Minha irmã mais nova
tinha ciúmes de mim e não passava de uma falsa; todas as palavras positivas
que me oferecera até então eram inverdades medonhas. O príncipe Leopoldo
achava minhas orelhas pontudas e o príncipe Augusto tinha certeza de que eu
jamais me casaria.
Havia tanta coisa errada em mim que não encontrava motivos para
continuar respirando.
A dor de compreender que eu jamais seria o que os outros esperavam
que eu fosse me dominou de tal maneira que não consegui me livrar dela. Saí
pelos corredores a trancos e barrancos, carimbando as paredes com meu
corpo trêmulo, parando vez ou outra para chorar em lamento. Em certo
momento minhas pernas bambearam e perdi a capacidade de ficar de pé, por
isso me deixei cair com as costas grudadas na rocha gélida.
— Eu sou um pedaço insignificante de coisa alguma — sussurrei em
pranto.
Depositei minha cabeça sobre a parede atrás de mim porque não
conseguia suportar nem mesmo o meu próprio peso. Escutei um barulho
esquisito e a rocha se movimentou um pouco, fazendo uma bela quantidade
de poeira recair sobre mim. Achei que estivesse apoiada em alguma porta e
alguém a estivesse abrindo, mas naquele corredor não havia nada além de
pinturas e obras de arte; servia apenas como passagem entre corredores mais
úteis.
Curiosa, eu me levantei devagar, ainda que com certa dificuldade. A
parede naquele ponto estava mesmo em um nível diferente do que a do
restante do corredor, anunciando uma espécie de passagem secreta. Eu sabia
que no castelo havia muitas, mas só tinha conhecimento de algumas delas.
Era certo que eu não conhecia nem mesmo a metade daquela construção
antiga e misteriosa.
A curiosidade me fez espalmar a parede e empurrá-la até que fosse
revelado o que quer que estivesse por detrás dela. Percebi uma saleta escura e
a adentrei porque tive a imediata ideia de ficar sozinha ali, sem ser vista por
ninguém e sem qualquer perigo de ser incomodada. Só queria chorar no
escuro.
Fechei a passagem às minhas costas e soltei um longo e pesado
suspiro. Contudo, logo percebi que ao lado esquerdo, alguns metros depois da
saleta escura, havia uma passagem estranhamente acesa, como se algo
estivesse reluzindo. Achei ser luzes de candelabros e me frustrei por
provavelmente não estar sozinha. Ainda pensei em ir embora de uma vez,
mas de novo a curiosidade que não me largava nem mesmo diante de tantas
intempéries tomou forma em meu peito, impulsionando-me a seguir adiante.
Após ultrapassar a passagem, precisei depositar as duas mãos em
minha boca, tamanho o susto que levei com o que vi. Tratava-se de um salão
tão grande quanto o principal, contudo, aquele estava repleto por ouro, joias,
estátuas, quadros, pedras preciosas e toda a qualidade de itens que pareciam
valiosos em um nível absurdo. Eu nunca soube onde estavam as riquezas da
família, mas elas acabavam de me serem reveladas. Havia tantos objetos
reluzentes que precisei semicerrar os olhos.
Dei um passo à frente, arrastando a longa cauda do vestido junto
comigo. Existia uma pequena trilha, que estava livre do ouro esparramado
pelo chão, e foi por ela que segui alguns passos adiante. Resolvi parar
porque, sobre uma mesa feita de algum material precioso, que brilhava na cor
turquesa, um objeto em especial me chamou a atenção. Parecia uma espécie
de bule de ouro, todo cravejado com joias coloridas. Porém, aquele era menor
e mais estreito. Levei-o para perto do meu rosto e o analisei minuciosamente.
— Verifique o corredor do lado oeste da sala — ouvi alguém dizer em
tom firme, provavelmente um soldado. Mas era claro que aquele salão devia
estar sendo vigiado de forma incansável pela guarda real.
— Entendido! — alguém respondeu enfaticamente.
O ruído de passos se intensificou e a única coisa que pensei foi em
fugir o mais rápido possível. Não seria de bom tom se me vissem
perambulando sozinha entre a riqueza real, ainda que parte dela também me
pertencesse. Se eu quisesse uma joia ou qualquer valiosidade, teria que pedir
ao meu pai e ele se encarregaria de me oferecer ou não, dependendo de sua
vontade.
Sendo assim, girei nos calcanhares, voltei para a saleta escura e
demorei alguns segundos para encontrar a passagem novamente. Só quando
saí para o corredor foi que percebi que ainda segurava o bule esquisito.
CAPÍTULO 3

Eu nunca compreendia o que as pessoas sentiam de verdade quando


diziam que estavam indispostas, mas já usara essa desculpa várias vezes e
todos pareciam respeitar de bom grado, como se fosse algo digno o bastante
para me deixar isenta de assumir determinada responsabilidade. Permaneci
em meu aposento durante horas. Naquele dia, nem mesmo um passeio me
apetecia. Passei muito tempo distraída com o artefato erroneamente adquirido
no salão de riquezas da família.
Um sentimento estranho se apossou de mim e eu não conseguia
identificá-lo; era como se, simultaneamente, nada e tudo importasse. Aquilo
me fez derramar algumas lágrimas e não enxergar nenhuma graça diante da
ideia de fazer o que sempre gostei.
— Sabine? Sabine, minha irmã, está aí? — ouvi batidas na pesada
porta de madeira e também a voz melodiosa de Sarah, que parecia estar aflita.
Pensei em solicitar que fosse embora devido a tal indisposição, porém, antes
que eu pudesse articular qualquer palavra, ela entrou apressada, com o rosto
assustado. Eu me aprumei sobre o leito, tomada pela surpresa. — Preciso
conversar com... — ela parou e se aproximou, articulando uma expressão
confusa. — O que é isso?
Imediatamente, escondi o artefato embaixo de uma das mantas
grossas que cobriam a cama. Meu coração batia depressa com a ideia de ser
tomada por uma ladra.
— Não é nada. O que houve? — Sentei-me e ela também se sentou.
Agradeci mentalmente por minha irmã ser egoísta o suficiente para pensar
somente em si mesma, desta forma se esqueceu do que viu com facilidade.
— Mamãe e eu tivemos uma conversa bastante conflituosa não faz
muito tempo. Não consegui me livrar dessa aflição e resolvi procurá-la
porque... — Sarah abaixou os olhos, parecendo envergonhada. Ela às vezes
me deixava paralisada com sua beleza e bons modos. Seu corpo parecia ficar
em constante estado de flutuação, até mesmo quando estava assustada. —
Porque você lê muitos livros. Imagino que possa ter mais clareza do que a
mamãe e me explicar com mais propriedade sobre esse... assunto.
Pisquei os olhos enquanto ela voltava a me encarar. Seus dedos
contorciam a barra de uma das mangas de seu vestido, em claro sinal de
nervosismo. Eu não estava entendendo nada. Por um segundo achei que
Sarah comentaria a respeito de seu encontro com o Príncipe Augusto.
— Assunto? Qual assunto?
Ela tornou a desviar os olhos azuis.
— O assunto que as mães conversam com as filhas que estão prestes a
se casar.
Foi a minha vez de expressar confusão.
— Não faço ideia de qual seja, Sarah. Nunca estive nem perto de me
casar, portanto desconheço esse tipo de conversa.
A minha irmã soprou o ar, fazendo uma mexa de seu cabelo loiro voar
com suavidade. Continuou inquieta, o que fazia com que eu ficasse a cada
segundo mais curiosa.
— É sobre... Você sabe, sobre a intimidade entre os casados.
Dei de ombros, ainda sem saber o que ela queria de mim. Eu não era
casada, logo, não sabia o que falar sobre a intimidade de um casal, exceto que
o marido e a esposa costumam trocar beijos e alguns dividem o mesmo leito
para repousar.
— O que sei é que beijos só devem ser trocados após o casamento —
respondi, por fim, lembrando-me do que vi mais cedo e controlando minha
postura acusatória. Talvez Sarah tivesse permitido que o Príncipe Augusto a
beijasse por pura ignorância, o que de certa forma faria sentido. Ela realmente
não lia romances ou qualquer outro livro, e duvido que mamãe tivesse
comentado a respeito. — Você sabia disso, Sarah?
— Oh, sim, claro, mas não me refiro a beijos — falou como se jamais
tivesse cometido aquele pecado. — Refiro-me ao ritual de procriação. Mamãe
o descreveu, mas não... posso acreditar. É terrível! Sabine, eu estou com
medo.
Ritual de procriação? Jamais ouvi falar a respeito, mas pelo visto era
realmente medonho, do contrário Sarah não usaria aquele tom de voz
levemente esganiçado. Minha curiosidade se intensificou e me mantive alerta.
— Sarah... O que exatamente mamãe te falou?
— Creio que não conseguirei repetir tamanha barbaridade. Sequer
tenho certeza do que ouvi.
— Tente, por favor. Estou começando a me assustar.
— Tudo bem — ela ajustou o corpo para que ficássemos de frente.
Limpou a garganta, abaixou o olhar e começou a sussurrar como se contasse
o mais secreto dos segredos. — Mamãe disse que o homem possui... um
órgão que é diferente do nosso. Falou que é feio, grosso, comprido e repleto
de pelos, que cresce para que seja depositado entre as pernas da mulher, em
uma pequena abertura que possuímos. É assim que nascem os bebês. Do
órgão imenso do homem saem gotas que entram em nós como sementes e
germinam em nosso ventre. Mamãe disse que esse ritual é extremamente
doloroso e que é normal as mulheres sangrarem. E que eu jamais devo ousar
impedir que meu futuro marido se enfie dentro de mim.
Naquele instante, lágrimas se formaram nos olhos da minha irmã. Eu
estava tão estupefata que me tornei incapaz de reagir. De forma alguma havia
escutado tantas barbaridades.
— Sabine... Por favor, diga-me que mamãe cometeu algum equívoco!
Eu não quero nenhum órgão em mim. Não quero! — Sarah começou a chorar
e a soluçar feito uma criança, mas não era para menos. Eu a abracei com as
mãos trêmulas, sem saber o que dizer para consolá-la. — Não quero sangrar,
Sabine, por favor... — choramingou entre um soluço e outro.
— Shhh... Calma. Mamãe certamente deve ter se equivocado.
Mas eu não tinha nenhuma certeza disso.
— Você sabe de alguma coisa? É verdade que o homem possui este
órgão?
— Infelizmente eu não sei te responder, Sarah. Mas, conhecendo a
mamãe, sei o quanto é fatalista. Não se preocupe, vou descobrir toda a
verdade a respeito desse ritual.
Sempre achei que os bebês surgiam na barriga da mulher como um
presente de Deus para abençoar o casal e permitir que eles constituíssem uma
família. Ao menos havia sido essa a resposta que mamãe me deu há anos,
quando eu ainda era criança e fui tomada pela curiosidade depois que uma de
nossas criadas engravidou.
Jamais imaginei que pudesse haver qualquer coisa espantosa por trás
de uma atitude divina.
— E se a mamãe disse a verdade? — Sarah continuou com seus
choramingos. — Não quero mais ser desposada. Eu amo o Príncipe Augusto,
mas... mas... — voltou a cair em prantos. — Acha que devo perguntar a ele?
Balancei a cabeça.
— De forma alguma. Espere um pouco mais, prometo que elucidarei
essa questão, Sarah.
Deu certo trabalho fazer com que minha irmã se acalmasse. Precisei
fazer promessas que eu não sabia se poderia cumprir e, por fim, fomos
interrompidas pela Madame Naná, que surgiu dizendo que me ajudaria a ficar
apresentável para o jantar, do qual eu não consegui fugir. A Rainha
Alexandra exigiu a minha presença no salão, segundo a dama de companhia.
Mamãe às vezes não respeitava a lei da indisposição.
Sarah foi para os seus aposentos ainda abatida, porém esperançosa.
Ainda pensei em perguntar sobre o delicado assunto para a Naná, já que
possuía experiência e havia dado luz a três crianças, que já se encontravam
adultas e também trabalhavam no castelo, porém me contive. Só recorreria a
qualquer pessoa como última instância. Antes disso, procuraria
incansavelmente por algum livro que pudesse arrancar aquela aflição de
nosso peito.

Eu considerava os jantares no castelo sempre muito festivos,


entretanto, aquele se tornou quase um baile. A ocasião era especial a ponto de
a Rainha Alexandra me observar com ainda mais constância, talvez
procurando por algo que a desagradasse. Permaneci sentada no trono,
encenando meu melhor sorriso enquanto via as pessoas dançarem com classe
e elegância.
Sarah estranhamente ficou sentada ao meu lado, um tanto cabisbaixa,
e alegou a velha e boa indisposição para negar os convites do Príncipe
Augusto para uma dança. Ele devia ter ficado bastante surpreso com a recusa
de minha irmã, já que na terceira tentativa não enviou o seu acompanhante a
fim de realizar o convite, em vez disso, veio pessoalmente tirá-la para dançar.
— Seria uma honra ter a companhia de minha futura esposa — disse
com uma voz melodiosa. Senti que Sarah estremeceu ao meu lado. A coitada
ainda se encontrava apavorada.
— Não me sinto muito bem, Príncipe Augusto. Talvez amanhã
possamos bailar.
Ele assentiu e percebi que não estava tão convencido. Ainda assim,
foi cavalheiresco:
— Desejo melhoras. Se precisar de mim estarei à sua disposição.
— Obrigada — ela disse com a voz trêmula e uma expressão de quem
colocaria o jantar para fora a qualquer momento.
Olhei ao redor para verificar se mais alguém notava a estranheza de
Sarah, contudo papai estava conversando com gente da alta nobreza e mamãe
o acompanhava com um falso interesse que talvez apenas eu identificasse.
— Suponho que então a Princesa Sabine queira me acompanhar em
uma dança — a doce voz do príncipe prosseguiu. Eu o encarei ao ouvir o
meu nome e prendi a respiração. Decerto o Príncipe Augusto era belo,
embora não tanto quando o Príncipe Leopoldo, mas, ainda assim, belo. Senti
o meu rosto esquentando e todo aquele calor foi invadindo o meu corpo como
se eu estivesse diante de uma fogueira.
Senti-me estranha em demasia e, talvez para não cometer um
indecoro, levantei-me do trono e assenti com a cabeça para o príncipe que me
convidara.
Mamãe não iria gostar da ideia, mas todos os presentes perceberiam
que eu não me encontrava rancorosa por não ter sido a escolhida de Augusto,
além de que mostraria que teríamos uma boa relação como cunhados. De
fato, se minha atitude fosse gravemente inapropriada, Naná me impediria de
prosseguir, porém ela nada fez; continuou posicionada abaixo do trono, com
a cabeça levemente voltada para o chão. Era a sua costumeira e respeitosa
posição durante jantares e bailes.
Tão logo senti uma mão grande espalmar as minhas costas, arrependi-
me de cometer tamanha insensatez. Aquele calor se intensificou, de modo
que, quando ele segurou a minha mão e começamos a bailar, o ponto em que
nossas peles se encostavam estava suado. Eu ralhei comigo mesma por não
usar luvas aquela noite.
— A sua irmã está bem? — Príncipe Augusto falou baixo, em um
sussurro que fez o meu coração acelerar.
— Ela acabou de responder a essa pergunta ou os meus ouvidos estão
falhando? — soltei rápido, pensando alto demais.
Eu deveria ser mais amável. No entanto, lembrei-me de que eu não
possuía qualquer motivo para ser gentil com ele, principalmente sem
qualquer ouvinte por perto.
— Achei que soubesse a respeito do estado de Sarah além do que ela
me informou.
— De nada sei.
— Tudo bem — parecendo envergonhado, ele continuou a nos
conduzir com leveza, sem perder o ritmo.
Eu não era considerada uma dançarina, mas podia me movimentar de
maneira aceitável em situações como aquela. Havia treinado muito para isso.
Percebi que o Príncipe Augusto exalava um odor de ervas bastante agradável.
Eu não sabia o que estava acontecendo comigo, porém todo aquele calor
pareceu ter se estabelecido entre as minhas pernas, em uma parte
constrangedora do meu corpo. Teria fugido do salão naquele instante se essa
atitude não fosse tão insensata. Por outro lado, parecia ainda mais insensatez
continuar tão próxima daquele homem.
— Desculpe, Princesa Sabine, fui indelicado em perguntar sobre a sua
irmã e não sobre a senhorita. Ficaria feliz em saber como está.
Eu o olhei de relance, um pouco confusa com sua escolha de palavras,
mas ao mesmo tempo espantada por ele não me parecer tão tolo quando achei
que fosse.
— E-Estou bem.
— Não fique nervosa, por favor.
— Não estou nervosa. O que o faz pensar que estou?
— Suas mãos estão suando.
Imediatamente, separei nossas palmas, o que fez com que parássemos
de dançar. Seria esquisito se encerrássemos antes do fim da música
perfeitamente tocada pela pequena orquestra, talvez por este motivo ele
tivesse voltado a me segurar e erguer nossas mãos para recomeçarmos.
— Eu não me incomodo, Princesa Sabine. Aliás, quero deixar claro
que não tê-la escolhido como minha esposa não foi por não ter apreciado a
sua aparência ou os seus modos. Considero tolice o que dizem ao seu
respeito.
Minha garganta pareceu se fechar, senti-me sufocada. Claro que eu
tinha conhecimento de que as pessoas comentavam negativamente sobre
mim, mas ninguém nunca havia comprovado com tanta facilidade.
— E o que tanto dizem?
Príncipe Augusto levou demasiado tempo para responder:
— Não importa. Só gostaria que soubesse que o problema não é com
a senhorita. Sendo assim, mudar a aparência talvez não seja o caminho
correto a se seguir.
— Está sugerindo que o senhor tem poder sobre o que eu faço ou não
com minha própria aparência? Achei que, qualquer que fosse o caminho, ele
seria apenas meu.
— Exatamente. É o seu caminho, não o das pessoas do reino e nem
mesmo dos seus pais. Longe de mim possuir qualquer poder sobre a
senhorita, contudo tenho certeza de que não está satisfeita com essas
mudanças.
— Diz isso só por que o senhor não está? Pois saiba que estou, sim,
bastante satisfeita — menti sem sequer hesitar. Eu não sabia por que estava
agindo de um modo tão rude, apenas não conseguia evitar. Era difícil pensar
na enorme possibilidade de o príncipe estar certo.
— Que bom, então — ele disse, enfim, depois se afastou
vagarosamente. — Creio que uma música apenas é o apropriado, embora eu
desejasse passar um pouco mais de tempo com a senhorita.
Não consegui respondê-lo. Príncipe Augusto me acompanhou de volta
para o trono e pude reparar na expressão insatisfeita da minha irmã. Ela
permaneceu muda até o instante em que Naná avisou que o Príncipe
Leopoldo exigira novamente um encontro, daquela vez na varanda, e não
pude rejeitá-lo porque não faria sentido alegar indisposição se há pouco
tempo eu dançava saudavelmente com outro homem.
Madame Naná me acompanhou até onde Leopoldo me aguardava.
Sob os olhares atentos dela e do acompanhante do príncipe, coloquei-me à
sua frente um tanto envergonhada, mas disposta a manter o rosto erguido.
Seus olhos extremamente azuis pareciam mais brilhantes do que o normal. O
calor, que havia ido embora com a distância de Augusto, retornou e eu não
soube o que fazer com isso.
Talvez eu realmente estivesse adoentada.
— É uma satisfação encontrá-la, Princesa — ele falou enquanto fazia
uma leve reverência. — Permita-me dizer que está realmente encantadora
esta noite.
Respondi-lhe com um sorriso ameno. Naquele instante percebi que
não podia ser rude ou pensar alto como havia feito com Augusto. Eu tinha
bastante a perder se o homem diante de mim não me quisesse. O pensamento
me fez lembrar do que minha irmã havia dito sobre o ritual e senti o calor se
transformar em puro medo.
Meu olhar recaiu sobre as vestes de Leopoldo, especificamente na
região onde mamãe disse a Sarah que haveria um órgão terrível. Demorei por
tempo demais ali, até finalmente perceber que a Rainha Alexandra pudesse
ter razão; havia mesmo uma protuberância que não era tão evidente para
quem não a estivesse procurando.
Com o corpo trêmulo e os nervos em colapso, perdi a noção da
realidade e os meus sentidos pararam de funcionar. Ainda notei mãos me
agarrando, amparando-me de uma queda proporcionada pelo desmaio.
CAPÍTULO 4

Fui levada para um salão adjacente, muito próximo à varanda, e ainda


lá eu fui reanimada, porém fingi o contrário, permanecendo com os olhos
cerrados e os membros inertes. Não queria dar qualquer explicação, muito
menos para o Príncipe Leopoldo, por isso me mantive falsamente
desacordada até alguém ter a ideia de me levar aos meus aposentos. Sentia
vergonha de mim mesma por ter mentido, porém o desconcerto era maior só
de pensar no que eu havia acabado de ver, e pior, de imaginar uma remota
possibilidade de explicar o real motivo do meu desmaio para alguém.
— Sabine? Já pode abrir os olhos, todos se retiraram — Naná avisou
tão logo ouvi o confortável ruído da porta se fechando, levando consigo as
especulações alheias sobre o meu estado de saúde. — Eu sei que está
acordada.
Fingindo uma tontura, depositando uma mão sobre a testa, sentei-me
sobre o leito. Madame Naná sabia absolutamente tudo ao meu respeito e era
claro que tinha ciência do meu despertar, ainda que todos não fizessem ideia.
— O que se sucedeu, Alteza? Ficou fria e esquisita tão de repente —
ela depositou uma mão sobre a minha testa, do jeito cuidadoso como às vezes
fazia. Sua expressão demonstrava genuína preocupação. — Não está febril.
Devo solicitar a presença de um sábio da medicina? Creio que é o mais
ponderado a ser feito. Logo irão achar que Vossa Alteza é frágil de saúde.
— Seria só mais uma das qualidades que o povo me atribui sem
raciocinar. Estou ficando acostumada — respirando profundamente, ergui-me
da cama e andei lentamente até a banqueta em frente ao espelho, sentando-me
sobre ela.
Peguei a escova cravejada de brilhantes e Madame Naná se
aproximou para cuidar de meus fios longos. Começou a passá-la pelos meus
cabelos, então me deixei levar por aquele gesto que me acalmava desde que
eu era criança.
Só depois de alguns segundos que notei a presença do bule estranho
sobre a pequena mesa à minha frente. Alguém havia mexido nele, colocando-
o ali em cima. Eu me segurei para não fazer qualquer questionamento, pois
percebi que as mantas sobre o leito haviam sido trocadas, como sempre
faziam todas as noites, provavelmente durante o meu jantar. Significava que
alguma criada tinha conhecimento sobre ele e o depositou no local que
considerou mais apropriado.
— Foi presente do Príncipe Leopoldo? — Naná perguntou,
observando o artefato de longe, enquanto me escovava com delicadeza. Antes
que pudesse respondê-la, ela emendou: — É muito bonito. O que é?
— Sinceramente, não sei — dei de ombros.
— Parece-me uma lâmpada antiga.
— Uma lâmpada? — visualizei o meu rosto através do espelho e ele
se encontrava surpreso. Não imaginava que a minha dama de companhia
conhecia um objeto tão primoroso quanto aquele. — O que seria isso?
— Alguns povos mais antigos e muito longínquos usavam esse objeto
em vez de velas ou candelabros. É só colocar algum combustível ou erva
dentro e acendê-lo, assim surge um ponto de luz interessante.
Eu o peguei com cuidado, observando cada detalhe valioso. Sua
utilidade não fazia muito sentido para mim, já que não parecia capaz de
iluminar mais do que uma vela diminuta, mas gostei da ideia de usá-lo como
incenso. Naná conseguia muitas ervas cheirosas para o meu banho e eu
adorava sentir as variadas essências criadas pela mistura de odores.
Devolvi o objeto para a mesa e continuei o encarando com interesse.
Desde que a vi pela primeira vez, aquela tal lâmpada havia instalado em meu
peito uma curiosidade espantosa, diferente de minha natural forma de lidar
com as novidades.
— Naná... — pensei seriamente em lhe perguntar sobre as intimidades
de um casal, mas não sabia como começar. Ela ergueu o olhar em minha
direção, mantendo uma expressão séria, e logo precisei desistir.
Não dava para repetir o que Sarah havia me dito mais cedo.
— Sim?
— Tive uma ideia — desconversei, pensando rápido em uma boa
desculpa. Diante das últimas notícias, era de se esperar que eu não estivesse
nem um pouco tranquila para lidar com elas. Entretanto, havia um modo
eficaz para me acalmar e refletir com propriedade. Desmaiar de desespero
não era uma opção. — Creio que preciso usar a sala de banhos para regenerar
o meu corpo e me sentir melhor. Por favor, prepare as ervas. Levarei esta
lâmpada comigo.
— Já está tarde, Alteza. Tem certeza de que se banhará em um horário
tão avançado? A Rainha Alexandra não...
— Não precisa aborrecê-la com essa informação, Naná. Preciso de
um tempo para pensar, mas antes... — levantei-me de imediato, decidida. —
Recolherei alguns exemplares na biblioteca. Sabe que gosto de ler durante
meus banhos com ervas.
— Como quiser, Alteza — ela fez uma reverência exagerada depois
de deixar a escova sobre a mesa novamente. — Irei providenciar.
Achei que a dama fosse liberar a saída de meus aposentos, mas se
manteve de pé, observando-me com cuidado, esperando por algo que eu não
tinha o menor conhecimento. Antes que eu a questionasse, ela tratou de
informar:
— Espero, sinceramente, que não haja nada de errado com o Príncipe
Leopoldo.
— Por que diz isso? — as palavras ditas de maneira tão intensa fez
com que um arrepio atravessasse a minha pele de cima a baixo.
— Porque a Vossa Alteza está claramente o evitando. Temo que ele
descubra e desista de cortejá-la. Não quero que a levem a um monastério —
assim que Naná terminou de dizer isso, percebi que seus olhos haviam
marejado.
— Ninguém vai me separar de você — murmurei e, contra todas as
ordens de mamãe, abracei-a com ternura, um tipo de carinho que eu não
possuía com ninguém, nem mesmo com a Sarah. — Não se preocupe.
— Menina Sabine, o príncipe já está desconfiando.
Soltei mais um suspiro exausto.
— Amanhã solicitarei um novo encontro logo no primeiro horário.
Prometo.
— Posso informar ao acompanhante do Príncipe Leopoldo? Sugiro
um desjejum no jardim. É uma ideia adequadamente romântica.
— Absolutamente — concordei sem hesitação, mas por dentro
desejava gritar.
Pensar em romantismo ou em ficar um segundo sequer na presença de
qualquer homem fazia com que meus nervos explodissem em polvorosa. No
entanto, eu nada podia fazer. Tinha aquela noite para buscar o máximo de
conhecimento possível. Se tudo desse errado, na pior das hipóteses eu teria
tempo para me acostumar com a ideia absurda de ter um órgão masculino me
fazendo sangrar.
Eu tinha esperança de que nada fosse como mamãe descrevera.
Um criado de confiança levou a cerca de dez exemplares, previamente
separados na biblioteca, para a sala de banhos. Dentre eles, romances mais
adultos, escritos específicos da medicina e outros de curiosidades. Eu
considerava impossível que não houvesse qualquer explicação sobre o ritual
da procriação em nenhum daqueles livros. Confesso que passei tempo demais
distraída com mitologias e histórias antigas, nada que me proporcionasse uma
informação tão fundamental.
A sala de banhos era um pouco estreita, porém comprida, composta
por velas e candelabros devidamente posicionados e uma tina prolongada,
cavada no piso recoberto de uma pedra clara, de onde surgia a nascente do rio
Helix, que cruzava o castelo e se perdia no oceano depois de serpentear por
alguns montes. A água era sempre renovada e proveniente de uma fonte
infinita, já que escorria para uma estreita fenda no fim da imensa tina,
formando uma sala de banhos ideal para a imersão corporal.
Frequentava aquele lugar uma vez a cada quinze dias, tempo
permitido pela rainha, já que ela considerava mais apropriado que os meus
banhos fossem realizados em minha tina pessoal, como de costume a cada
três dias, dentro do meu próprio aposento. Mal fazia dois dias do meu último
banho na sala e eu já retornava, com Madame Naná e mais duas criadas a
tiracolo. As imensas portas que separavam aquele lugar do restante do castelo
eram vigiadas por dois guardas reais, localizados logo depois da escadaria
que dava acesso ao subterrâneo.
Os livros já se encontravam na beirada da tina, bem como a lâmpada
que eu trouxera com bastante cuidado e mantivera longe dos olhos da guarda.
— Pronto, Vossa Alteza — Naná disse com a voz séria. Ela estava
visivelmente insatisfeita com aquele banho, mas não ousou se recusar a
prepará-lo e manteve a palavra de mantê-lo escondido. — Já pode mergulhar.
O meu vestido fora calmamente retirado pelas criadas e elas estavam
prontas para me ajudar a descer os degraus de pedra rumo à água que, pela
minha experiência, deveria estar em uma temperatura agradável. Mantive-me
apenas com a bata íntima de seda branca, que chegava à altura abaixo de
meus joelhos e tinham mangas compridas.
— Necessito de privacidade, Naná — avisei de antemão. Às vezes
gostava de tomar o meu banho sozinha, sem nenhuma ajuda, geralmente
porque sentia a necessidade de me livrar da bata também. Minha dama de
companhia nem desconfiava que eu entrava na água completamente despida.
Mamãe, muito menos. — Darei duas batidas na porta assim que terminar,
porém saibam que demorarei por causa da leitura.
As três criadas assentiram e se retiraram sem qualquer objeção,
deixando-me sozinha. Ainda conferi se a porta estava bem fechada e se não
havia mais alguém por perto. Satisfeita com a ausência de companhia, sorri
em puro entusiasmo. O único ruído na sala era proveniente da água
escorrendo pela fenda.
Enfim, um pouco de quietude e solidão. Eu amava ficar sozinha
porque era capaz de ouvir os meus próprios pensamentos sem ninguém para
interferir. Havia quem temesse a solidão; já eu a considerava uma aliada para
afugentar as dúvidas e dar boas-vindas à clareza.
Retirei a bata com cuidado e a dobrei perto dos livros e da lâmpada,
que já emitia cheiro de ervas queimando. Estava acesa em pleno
funcionamento, conforme as instruções de Naná. Minha admiração pelo
artefato se intensificou, não era apenas bonito, mas também útil ao meu
desejo de permanecer em ambientes perfumados.
Cheguei a me considerar despudorada por me sentir bem estando sem
vestes, mas logo me esqueci deste fato ao deixar a água me cobrir por
completo, aliviando as tensões que ameaçavam permitir que o meu corpo se
enfraquecesse. Eu me deixei levar por algum tempo, imersa no líquido
revitalizante, mas me lembrei de meu intento e me sentei no degrau próximo
aos livros.
O primeiro escolhido foi de algum sábio da medicina, em que na capa
havia um desenho estranho de uma pessoa. Assim que o abri fiquei surpresa
ao perceber que o desenho da frente se tratava do corpo humano visto por
dentro, como se alguém tivesse arrancado toda a pele e se exibisse.
Um pouco desesperada, comecei a folheá-lo até encontrar uma página
que descrevia perfeitamente o tal órgão masculino, que no texto descritivo se
nomeava genital e uma de suas funções era, de fato, a reprodução. Fiquei
apavorada de imediato porque ele se parecia com o que fora descrito pela
Sarah: comprido, grosso e muito feio. Era a coisa mais esquisita que meus
olhos já viram.
— Oh, não... — estremeci, contendo a vontade de gritar. — Mamãe
não pode estar certa. Não pode...
Tomada por um lapso de coragem, continuei folheando os escritos e
desenhos, e a cada página encontrada eu ficava ainda mais surpresa e
assustada. Mal dava para acreditar que eu tinha conseguido aquela valiosa
informação sem precisar procurar em demasia; esteve à minha frente o tempo
todo e me considerei tola por não ter tido acesso a ela antes de recebê-la com
choque. Não havia dúvidas de que o órgão masculino existia e que em algum
momento ele teria de ser enfiado entre as pernas de uma mulher.
Larguei o livro e observei o ponto abaixo do meu umbigo. Conseguia
vê-lo com perfeição porque a água era pura e cristalina, bastante transparente.
Notei que o local descrito como genital feminino no tal livro do sábio parecia
pulsar. Ele queimava e latejava como se tivesse vida própria, como se fosse
um coração a bater e a espalhar vida pelo meu corpo.
Eu nada sabia sobre uma área tão sugestiva de mim porque mamãe
dizia que era pecado tocá-la ou ter qualquer preocupação para com ela. Sendo
assim, eu a ignorei a vida inteira. Naquele momento, contudo, meu genital
parecia necessitar de minha atenção, ainda que eu não soubesse como fazer
para atendê-lo.
— Oh, não... — percebi que algumas lágrimas escorriam sem
controle. Seria trágico informar à minha irmã que não havia opção além de
ser forte e encarar aquela barbaridade como uma espécie de sina. — Não
pode ser.
Com as mãos trêmulas, larguei o livro sobre a pilha depressa demais,
de um jeito descontrolado que remetia à confusão que se instalara em meus
pensamentos. O gesto brusco fez um dos escritos cair sobre a lâmpada, que
logo virou e deixou as ervas escapulirem para dentro da água. O contato do
artefato com o piso provocou um barulho tão alto que pensei que ele tivesse
quebrado, por isso o peguei cautelosamente e o trouxe para mim como se
fosse algo valioso demais, algo que eu não pudesse perder.
Enquanto o massageava como se estivesse ferido, pensei em como era
esquisito sentir aquela necessidade crua de possuir uma lâmpada preciosa, já
que nunca fui materialista. Depois, refleti sobre o quanto desejava que as
coisas fossem diferentes e eu tivesse uma notícia ótima para dar à Sarah.
Foi então que, mais do que de repente, a lâmpada começou a trepidar
em minhas mãos. De forma lenta a princípio, porém logo em seguida se
tornou impossível mantê-la comigo, por isso eu a larguei sobre a beirada da
tina e a encarei como se estivesse viva. Não sabia o que estava acontecendo.
Um objeto como aquele não deveria se mover sozinho.
— O que é...?
Fui interrompida por uma longa rajada de vento, acompanhada por
uma luminosidade na cor azul. Ambas saíram do bocal da lâmpada numa
velocidade incrível. Acompanhei seu percurso com curiosidade e
estupefação, até que uma silhueta foi formada perto dos primeiros degraus.
— Mas o que...? — antes que eu pudesse formular qualquer
questionamento, a silhueta se transformou em um homem absolutamente
incomum.
Primeiro porque ele trajava vestes esquisitas, que nunca vi em parte
alguma do reino, sequer cobrindo algum convidado. Segundo porque seus
cabelos na altura dos ombros exibiam um brilho castanho muito parecido
com os meus antigos. Possuía olhos na exata cor dos meus, além de uma pele
tão bronzeada quanto a minha. Não havia um rapaz que exibisse
características como aquelas em toda Herlain e reinos mais próximos, o que
fazia de nós dois seres igualmente diferenciados.
O homem era grande, forte e tinha traços excepcionais, tanto que não
consegui manter a boca fechada. O Príncipe Leopoldo pareceria
completamente desinteressante se fosse colocado ao lado dele. Ainda assim, a
sua beleza não foi a única coisa que me deixou assoberbada. Eu estava
completamente preocupada com a forma como ele havia aparecido do nada e
ainda mais com o fato de eu estar nua na frente do sujeito.
— Minha nossa, que maravilha! — ele disse em tom divertido,
aproximando-se. — Uma bela dama? Fazia tempo que uma mulher não me
despertava — bocejou com certo exagero, um gesto nada delicado. Mamãe
ficaria enervada. — Essa é uma ótima forma de começar o século, com
certeza. Pois então, minha cara ama — ele se curvou mais do que qualquer
servo já tinha feito. — Estou à sua disposição.
Nada consegui falar, até que ele se aprumou e sorriu.
— Desculpe-me, quase ia esquecendo! — ergueu uma mão e, contra
toda a lógica, um pergaminho rabiscado simplesmente surgiu. Sim, feito
magia. O homem clareou a garganta e começou a ler o que havia escrito nele,
como se declamasse uma poesia: — Três pedidos é o que terás e só então de
mim se afastarás. Serei teu amo até que te decidas, pense bem, não te aflijas.
Sou Jean, o gênio da lâmpada, ao meu lado terás conquistas. Teus desejos
mais profundos se realizarão, porém não esqueça: uses a razão! — A minha
boca continuava aberta diante do tom melodioso que o desconhecido usava.
— Com voz clara faça o teu pedido, mas não posso reviver quem já tenha
morrido. Sei que teu coração é sensível, mas deixar alguém apaixonado por ti
não é possível. Seja bom, use a sensatez, caso contrário, terás... — ele parou
de repente, parecendo empertigado. — Nunca consegui concluir minha
apresentação. Não sei o que poderia rimar com sensatez. Tem alguma ideia?
Talvez eu deva modificar desde o início... — olhou-me com a mão
massageando o queixo.
Ele desceu alguns degraus e se sentou ao meu lado como se eu não
estivesse despida, como se sua presença fosse natural e nada de errado
estivesse acontecendo. Eu me encontrava num estado de choque tão forte que
não conseguia me mexer.
— O que acha... Como é o seu nome mesmo? — perguntou,
levantando uma mexa do meu cabelo e a colocando por trás de minha orelha,
e então não havia mais nada entre seus olhos e o meu seio direito.
Não me restou outra opção além de soltar o mais alto dos gritos.
CAPÍTULO 5

Em resposta ao meu rompante descontrolado, Madame Naná veio


correndo junto com as duas criadas e os dois guardas reais. Eles empunharam
suas espadas e ergueram seus escudos como se estivessem prontos para travar
uma batalha sangrenta. O desconhecido continuou ao meu lado, olhando-me
com certo divertimento estampado na face bem feita. Achei que fosse revidar
ou ao menos correr por causa do porte severo dos guardas, porém ele sequer
se moveu.
Então percebi que me encontrava nua na presença de um homem, o
que não faria que a minha reputação melhorasse, muito pelo contrário.
Naquele instante senti meus pés pisando no chão frio do monastério, embora
eles ainda estivessem sobre a rocha clara, imersos na água.
— O que houve, Alteza? — Naná veio primeiro, empunhando um
longo tecido que sempre usava para secar os meus cabelos após os banhos.
Assim que se aproximou, seu rosto se escureceu numa expressão
decepcionada. Aquele era o meu fim. — Por que removeu a sua bata íntima?
Os guardas pararam no meio do percurso. Seus olhos atentos
percorriam o ambiente à procura de um sinal que estava bem ao lado, mas,
pelo visto, fora completamente ignorado. A própria Naná parecia não vê-lo,
embora estivessem a poucos centímetros de distância. O desconhecido ainda
sorria.
— E-Eu... E-Eu...
— Vossa Alteza gostaria que nós a removêssemos da água? — uma
das criadas questionou, fazendo uma reverência educada e evitando me olhar
diretamente. Os guardas continuaram uma inspeção, porém percebi que não
se direcionavam ao local onde eu ocupava, talvez por terem ciência de que eu
permanecia sem vestes.
— Vocês... — apontei para o homem. Não achava possível que o
estivessem ignorando daquela maneira. Naná já deveria ter soltado um grito
tão alto quanto o meu. — Não... O quê... — Não conseguia organizar os
pensamentos para formular um argumento coerente.
Como explicar uma situação tão medonha?
— Ninguém pode me ver além de você, minha ama — ele falou como
se aquela notícia fosse maravilhosa e me trouxesse muita felicidade. O susto
se intensificou e tive vontade de gritar mais uma vez só de imaginar que
talvez ele fosse uma assombração, ou pior, um demônio cruel que, com sua
beleza, tentaria me seduzir.
— E-Eu... Por favor, tirem-me daqui — informei com clareza, ainda
que o meu corpo inteiro estivesse tremendo de pavor.
Naná solicitou que os guardas deixassem a sala e esperassem do lado
de fora para posterior vistoria. Ela foi atendida imediatamente, já que todos
no castelo a respeitavam. Em seguida, o pano que trazia foi utilizado para
cobrir o meu corpo despido com rapidez, não dando tempo para que ninguém
o visualizasse, nem mesmo a assombração. As criadas agiram com destreza e
precisão ao me colocarem de volta à bata de seda e depois ao vestido. Não
houve um só segundo que eu tivesse removido meus olhos sobre o olhar
atento do desconhecido.
— Não precisa ter medo — ele também saiu da água, mas,
surpreendentemente, suas vestes não estavam molhadas. Abri a boca, porém
o grito não saiu. Os braços enormes se cruzaram na frente de seu corpo largo.
— Bom, não posso ir embora. Terei de acompanhá-la até que faça os seus
três pedidos, são as regras, então receio que deva se acostumar com a minha
presença.
Aquele homem certamente era fruto de minha imaginação, alimentada
pelas imagens terríveis no livro e pela conversa que tive com Sarah. Ainda
que eu estivesse assustada, precisava fazer Naná e as criadas acreditarem que
não havia nada errado comigo além de estar totalmente despida na sala de
banhos. De fato não era tão indecoroso quanto ter um desconhecido
observando partes sugestivas de meu corpo, as quais nem eu mesma ousei
enxergar ao longo da vida, mas que naquele instante, diante das
circunstâncias, enchia-me de curiosidade. E também de certo pavor.
Fui escoltada até os meus aposentos sem qualquer alarde, embora eu
soubesse que o homem imaginário se mantinha por perto, já que sentia um
cheiro peculiar de ervas que emanava dele. Pedi a uma das criadas para que
levasse os livros consigo e enfiei a lâmpada enrolada no pano que Naná usara
para me secar.
Meu leito foi devidamente organizado, apenas duas velas foram
acesas e compreendi que aquela deveria ser a hora de adormecer, porém meu
corpo ainda estava em polvorosa e evitava olhar na direção da assombração.
Eu quis solicitar para que o homem se retirasse do meu quarto, mas
não podia fazê-lo enquanto Naná ainda estivesse presente. Sabia que ela só
partiria quando eu me deitasse, então foi o que fiz prontamente.
— Vossa Alteza não vai retirar o vestido? — ela questionou,
certamente considerando as minhas atitudes, no mínimo, esquisitas.
Direcionei o olhar até alcançar o homem, que no momento se
mantinha curvado diante dos meus objetos pessoais, analisando-os um por
um sobre a mesa em frente ao espelho. Suas vestes eram mesmo estranhas;
trajava uma espécie de ceroula que deveria ser íntima, mas estava exposta e
brilhava nas cores azul e dourada, além de uma túnica muito curta nas
mesmas cores, porém sem mangas e com uma abertura no centro, deixando
visível seu tronco comprido e também os braços. Certamente se tratava de um
demônio. Uma criatura divina jamais estaria com tão poucas vestes.
— Princesa Sabine? — Naná chamou a minha atenção mais uma vez.
Eu teria pulado de susto se não tivesse me controlado a tempo de voltar a
encará-la.
— Eu mesma retiro o vestido, apenas deixe as cordas folgadas atrás.
Vou prosseguir com a leitura ainda.
— Está tarde. Lembre-se de que tem um compromisso com o Príncipe
Leopoldo no primeiro horário da manhã. Não será satisfatório que se atrase.
— Não me atrasarei — assenti, ainda temerosa. Por um instante eu
não soube se era mais desconcertante ter um homem no meu quarto ou passar
duas horas na companhia de Leopoldo. Ambas as situações me pareceram
desfavoráveis. — Fique tranquila, Naná. Agora, se me der licença, prefiro
que se retire. Sabe como levo a sério os meus estudos.
— Não quer que eu a acompanhe até que adormeça?
— Não será necessário.
Madame Naná não se encontrava convencida da normalidade em
minhas ações e eu não poderia culpá-la. Aquele dia havia sido absolutamente
incomum em vários sentidos e eu me encontrava exausta.
Depois de me encarar por alguns segundos, e de eu ter certeza de que
ela me julgava profundamente, a dama de companhia fez uma reverência e se
retirou sem nada mais declarar. Assim que ela se foi eu me levantei do leito
em um salto e o homem que era invisível aos olhos de todos, menos aos
meus, virou-se em minha direção.
— Princesa, hein? — abriu um largo sorriso e eu tive certeza de que
jamais alguém sorrira para mim com tanta veemência, como se não precisasse
medir a curvatura ideal dos lábios, a fim de não soar indelicado. — Estive me
perguntando o que uma moça feito a senhorita poderia querer, quais eram os
seus desejos mais profundos. Devo ter me enganado ao supor que seu
primeiro pedido seriam bens materiais. Ouro, joias, riquezas... Sempre é a
prioridade de meus amos — seu sorriso se transformou em um riso audível.
— Mas dando uma boa olhada a sua volta vejo que nada disso lhe falta.
— Por favor, senhor... — fiz uma pausa para tentar recordar o seu
nome, dito naquele poema cantarolado. Achei que seria mais respeitoso tratá-
lo cordialmente, pois jamais foi meu intento promover a ira de um ser das
trevas.
— Jean.
— Jean — suspirei fundo ao pronunciar aquele nome. Será que era
uma das variações de Lúcifer? — Peço encarecidamente que se retire de
meus aposentos. Não é apropriado tê-lo aqui. Sou uma donzela de respeito.
O sorriso em seus lábios se alargou e tive a impressão de que ele
segurou uma gargalhada. Mantive-me afastada e atenta aos seus movimentos,
pronta para correr caso fosse preciso.
— Sabine, não é? — perguntou e eu assenti com a cabeça. — Sabine,
creio que começamos do jeito errado. A senhorita não entendeu quem eu sou
e o que faço aqui. Pode ter certeza de que não pretendo... cortejá-la.
Aquilo não era nenhuma novidade se tratando de qualquer homem
que cruzou o meu caminho, exceto, talvez, o Príncipe Leopoldo, que ainda
não se decidiu e que parecia cada vez mais distante de uma decisão, já que
sequer lhe dei uma oportunidade de me conhecer com mais propriedade.
— Gostaria de saber então o que faz aqui, embora já tenha os meus
palpites.
— Palpites? Quais? — Jean deu um passo para frente e, ao notar o
meu recuo, também foi para trás um passo, mantendo uma distância que
considerei segura. — Estou curioso.
— Presumo que o senhor seja um demônio e que queira a minha alma.
Talvez por eu ter contado mais de uma mentira no dia de hoje... — dei de
ombros, de repente me sentindo acuada. Mamãe havia me alertado que mentir
era um pecado terrível. — Neste caso, em minha defesa informo que minhas
mentiras não foram vãs.
Voltei a olhar para o senhor Jean e ele expressava confusão em seu
semblante iluminado. Passamos alguns segundos em uma troca de olhares
que me deixou tão confusa quanto ele.
— Minha nossa, Sabine, não — soltou um arquejo e voltou a sorrir. —
Não sou um demônio, sou um gênio. Um gênio da lâmpada. Não tenho nada
a ver com Deus ou com o diabo.
— Um gênio da lâmpada?
Naná havia colocado o artefato sobre a mesa novamente e foi para lá
que olhei com atenção. Jean também o encontrou e andou calmamente até
apanhá-lo para si.
— Exatamente — ergueu o objeto na minha direção. — Esta lâmpada
é o meu lar há muitas eras. Sempre sou convocado quando alguém com
extremas necessidades a segura com bastante fé — ele voltou a me oferecer
aqueles olhos escuros. Eu estava tão perplexa que me mantinha paralisada,
como se vestisse uma pesada armadura. — É o meu dever e maior satisfação
servi-la, minha ama. A senhorita pode fazer três pedidos e eu só posso deixá-
la depois de atendê-los. Não precisa ter pressa, porém se minha presença lhe
causa incômodo, sugiro que faça os pedidos o quanto antes.
— E-Eu... N-Não sei — foi o que consegui deixar passar entre os
meus lábios trêmulos. Era inacreditável o que aquele homem tinha acabado
de dizer. Talvez fosse mais fácil crer que eu estivesse ficado louca.
Jean deu um passo à frente e daquela vez não recuei.
— Não sabe? Não há nada que deseje do fundo do seu coração? —
Ficamos em silêncio, então prosseguiu: — Certamente há. Do contrário eu
não estaria aqui.
— Eu não quero ser indelicada, mas preciso... — olhei de um lado
para o outro, à procura de uma saída, uma desculpa ou qualquer coisa que eu
pudesse oferecer para que fosse embora. — Ficar sozinha. Devo estar sob o
efeito de alguma erva mais intensa.
Jean sorriu e se sentou sobre a banqueta em frente à mesa.
— Posso ficar aqui sem nada dizer durante horas, para não incomodar
seus pensamentos, contudo insisto que não partirei enquanto não cumprir
com o meu dever.
— E se eu fizer um pedido o que acontece? O senhor o realizará em
troca de minha alma? Não quero fazer um pacto.
— Esqueça a sua alma, Sabine — foi enfático. — Ela ficará intacta.
Meu dever é apenas servir sem nada receber em troca.
Quanto mais raciocinava a respeito do que ele me dizia, mais aquilo
tudo soava como uma grande loucura. Não podia ser real. Talvez eu tivesse
dormido na sala de banhos e estivesse no meio de um sonho.
— O senhor não quer nada em troca? Acho impossível. Não me tenha
com tão pouca estima, eu não nasci ontem. — Ainda que estivesse apavorada,
mantive a cabeça erguida e um porte que mamãe dizia que era típico da
realeza. — Se quer ficar aqui, está certo, permito que fique. Porém não se
aproxime e não tente me seduzir com sorrisos e propostas.
Jean não pareceu contente com minhas decisões.
— Não estou tentando seduzi-la — resmungou com certa irritação em
seu tom de voz.
— Não é o que parece, sinto muito.
— O que a faz crer com tanta convicção que estou tentando seduzi-la?
Apontei para ele sem hesitar.
— A sua aparência é a primeira delas.
Jean se virou imediatamente para o espelho e a sua reação foi como se
encarasse a si mesmo pela primeira vez. Suas mãos foram ao rosto e se
observou atentamente, até que abriu mais um sorriso largo. Deu algumas
voltas ao seu entorno, conferindo as vestes e cada detalhe, exibindo-se sem
qualquer pudor.
— A senhorita tem uma imaginação espantosa — comentou de uma
forma divertida e precisei concordar com ele. Se o que eu via era fruto dela,
então, sim, era mesmo muito espantosa. — Fique sabendo que a minha
aparência muda de acordo com a necessidade do meu amo ou ama. Eu sou
um ser inevitavelmente masculino, porém muitas vezes me apresento como
mulher, criança, como um ser místico ou como sombra sem qualquer forma.
Se estou assim — Jean apontou para si mesmo. — É por sua causa. Essa é a
exata aparência que a senhorita necessita que eu mostre.
— Por que eu necessitaria de alguém assim? — cruzei os braços para
frente sem me convencer daquela justificativa ausente de sentido. — O que
menos desejo é a presença de um homem — deixei escapar.
— E eu posso saber por quê?
Abri a boca num impulso, porém me contive a tempo e balancei a
cabeça com lentidão.
— Os motivos pertencem somente a mim.
— Que seja. Talvez a senhorita tenha pensado em algo que queira
profundamente, não? Podemos fazer uma lista. — Um pedaço de pergaminho
e uma pena surgiram em suas mãos feito passe de mágica, assustando-me.
Jean se posicionou como se estivesse pronto para escrever e me olhou
efusivamente. — E então?
— Você... De onde...? — Eu ainda olhava para o pergaminho.
— Magia. É tudo magia — sorriu amplamente. — Pronto, sou todo
ouvidos. — A sua orelha direita cresceu até ficar maior que a cabeça. Quase
não acreditei no que os meus olhos viram naquele instante absurdo. Ao ver
minha expressão de espanto e completo estarrecimento, Jean fez a orelha
voltar ao normal. O pergaminho e a pena sumiram em um piscar de olhos. —
Desculpa, vou tentar não ser tão literal. Até que eu estava me controlando.
— Orelhas — murmurei, de repente me lembrando de uma situação
que eu queria esquecer.
— Não farei nenhuma parte de meu corpo crescer de novo, fique
despreocupada.
— Não, e-eu... Quis dizer que desejo modificar minhas orelhas. Esse
é o meu pedido, já que quer tanto que eu diga um. E, pelo visto, é algo que o
senhor consegue fazer.
— Mas... — Uma de suas sobrancelhas se ergueu. — Orelhas?
— Exatamente.
Jean não falou nada por muito tempo. Passou longos segundos me
observando com tanta intensidade que fui capaz de esquecer até mesmo o que
havia acabado de dizer. Não sobrou nada em meu juízo além da visão
esplendorosa daqueles olhos cravados em mim, era como se me expusesse,
me despisse, arrancasse de mim alguma coisa importante e que eu sequer
sabia que eu poderia oferecer.
Não me restou opção além de prender a respiração e esperar que
gargalhasse do meu estúpido desejo ou que o realizasse de uma vez por
todas.
CAPÍTULO 6

Os segundos se alastraram sem que Jean demonstrasse qualquer reação.

Percebi que olhava diretamente para as laterais de minha cabeça, porém meus

cabelos cobriam as orelhas e eu não me encontrava disposta a me expor,

principalmente para ele. Não faria qualquer sentido lhe mostrar um defeito

que parecia estúpido, mas que poderia significar o meu destino. Àquela altura

qualquer detalhe fora de contexto poderia fazer o Príncipe Leopoldo desistir

de me cortejar.

Entretanto, como ele nada falou e continuou com a sua avaliação,


houve um momento em que eu só quis que aquilo findasse. Foi então que
levei as mãos aos fios dos meus cabelos, prendendo-os para trás. Permaneci
com a cabeça baixa, mas com os olhos erguidos para não perder suas reações.
O gênio continuou incrédulo.
— Quer saber? Esquece esse pedido — voltei a jogar as mechas para
frente, sentindo-me completamente desconcertada. Jamais gostei de ser alvo
da atenção alheia. — Talvez seja mais simples fazer o Príncipe Leopoldo
decidir pelo casamento.
Pensativo, Jean tamborilou os dedos sobre os lábios.
— Sinto muito, Sabine, mas não posso fazer ninguém se apaixonar pela
senhorita. Achei que tivesse prestado atenção ao meu poema — deu de
ombros e soltou uma respiração intensa, como se estivesse cansado da tarefa
de me “servir”, como ele mesmo havia dito. Eu sabia que não estava
cooperando, mas simplesmente não conseguia levar a situação com
normalidade. Afinal, não era uma situação normal. — Bom, de qualquer
forma, achei que veria uma deformação extrema e me preocupei com a
senhorita, mas confesso que não vi nada de errado com as suas orelhas.
— São pontudas — falei com seriedade e de forma objetiva. Não estava
nem um pouco disposta a mostrá-las novamente. — Mas para ser sincera não
é a única coisa em mim que incomoda.
Jean voltou a sorrir e um lado meu ficou aliviada. Eu não estava
gostando de tanta seriedade, ainda que o assunto fosse sério.
— Quase me esqueci da preferência das damas. Que tolo eu fui! — ele
bateu a palma da mão na testa, provocando um ruído estalado. Ainda não
tinha me decidido sobre o que pensar a respeito de seus modos exagerados.
— Decerto seu primeiro pedido será a beleza. Obviamente não é incomum,
porém confesso que estou surpreso.
— Surpreso com o quê?
— Porque não ousei sequer supor que beleza faltasse à senhorita. Foi o
primeiro item que descartei, ainda que inconscientemente! — Jean soltou um
riso.
Assim que disse tais palavras, senti o meu rosto inteiro esquentar e
pude jurar que o calor que me invadiu foi o mesmo que se instalara mais
cedo, diante dos dois príncipes visitantes do castelo. Jean passou a me
observar com atenção, mantendo o sorriso aberto e certo ar interessado.
— Minha mania de dar opiniões não solicitadas e eu, sempre unidos —
falou depois que percebeu que as palavras haviam me escapado diante de um
elogio que parecia genuíno. — Certo, minha ama, vamos ao que interessa. —
Ele estendeu a lâmpada para mim e eu a segurei de prontidão. — É só fazer o
pedido, mas tome muito cuidado. Segure a lâmpada, feche os olhos e fale
com clareza exatamente o que quer. É importante que o seu desejo não seja
mal-interpretado.
Depois das instruções, Jean passou a me encarar de forma ansiosa.
— Isso é possível? — perguntei em um ínfimo de voz, enquanto
carregava a lâmpada com hesitação. — O senhor... Pode me deixar bonita
através da magia?
— Não acho que deva pedir desse modo, do contrário corre perigo de
não sofrer mudanças. — Mais uma vez, fiquei desconcertada por aquele
desconhecido me considerar uma pessoa bela. Será que tentar agradar era
uma de suas funções? — Peça exatamente o que quer que seja modificado em
sua aparência, mas se lembre de que não pode solicitar mais de um desejo em
uma única frase. Por exemplo, em vez de pedir que mude suas orelhas e os
olhos, deseje obter um rosto belo. A senhorita entendeu?
Soltei um ruidoso suspiro e assenti. Ainda me sentia desconcertada,
temerosa e incrédula. Por outro lado, confesso que pensei em algo coerente
para pedir, mesmo que não tivesse muita confiança sobre os resultados.
— Parece meio complicado.
— Por isso que a senhorita deve pensar bem e só fazer o pedido quando
souber exatamente o que dizer — Jean voltou a se sentar na banqueta. —
Aqui é meio desconfortável, não é?
Ele começou a olhar para o meu aposento com uma expressão confusa.
Em seguida, chacoalhou uma de suas mãos e, de repente, mais móveis
surgiram, além de quadros, cortinas e detalhes em cores vibrantes, totalmente
diferentes dos tons sóbrios de antes. Prendi a respiração diante da surpresa
que foi ver o meu quarto todo modificado, muito mais bonito e aconchegante.
Tive a impressão até de que estava mais aquecido, amenizando o frio que
fazia na noite lá fora.
— O que... Você fez? — Dei uma volta ao meu entorno, procurando as
novidades: a tapeçaria foi toda modificada e também as mantas que cobriam
o leito, havia um armário novo, uma poltrona aconchegante, uma grande
penteadeira no canto da parede e demais objetos decorativos. Tudo cintilava
como se tivessem saído da sala de riquezas.
Eu não sabia como explicaria aquela mudança repentina.
— Antes de questionar a sua beleza, talvez a senhorita deva ter certeza
de que não é o seu entorno que não é belo.
Cruzei os braços para frente, um pouco para me aquecer e outro tanto
para tentar me proteger das palavras daquele gênio.
— Eu moro em um castelo situado em uma ilha. Há muita beleza ao
meu redor.
— Sem dúvida, porém seu quarto não tinha vida alguma. — Bem que
Naná me dissera aquilo várias vezes. Os aposentos de Sarah eram muito mais
coloridos e possuía uma decoração mais articulada, com objetos luxuosos, de
um valor raro. Eu sempre fui mais despreocupada com relação ao glamour.
— Tanta sobriedade estava me sufocando, e como passarei um bom tempo
em sua companhia... — ergueu os braços. — Aqui está. Ficou bom, não foi?
— S-Sim, mas... O senhor não vai se demorar. Quem lhe disse isso?
Ele me olhou com desdém.
— Ainda não fez sequer o primeiro pedido, Princesa Sabine.
Geralmente meus amos e amas pedem dinheiro, poder, beleza... Enfim, ao
menos o primeiro desejo costuma ser rápido. — Ele caminhou até a poltrona
nova e, depois de apreciá-la por um tempo, acomodou-se como se estivesse
em seu próprio lar. Tentei não guiar os meus olhos para o seu tronco exposto.
Era a primeira vez que eu via tanta pele que não era a minha. — Mas eu a
compreendo e até aconselho para que se demore pelo tempo necessário. Às
vezes desejamos coisas que sequer imaginamos. E às vezes tudo o que
queremos na verdade não queríamos tanto.
— O senhor fala como se também tivesse desejos — já que eu estava
cansada e o homem não parecia disposto a ir embora, sentei-me na beirada da
cama, de frente para ele. — Achei que possuísse o que quisesse.
— Eu tenho um grande desejo que não posso realizar — confessou em
um tom sério, meio obscuro, mas logo voltou a sorrir. Fiquei me perguntando
o que seria, porém, por educação, decidi não perguntar. — Mas não importa,
estou aqui para servi-la. Ah, e me chame apenas de Jean.
Respondi dando de ombros. A lâmpada ainda estava em minhas mãos e
voltei a olhá-la com atenção. Parecia o mesmo objeto valioso que eu havia
encontrado na sala de riquezas. Jamais imaginaria que dali pudesse sair um
gênio disposto a realizar meus desejos. Observando Jean outra vez, que
brincava de acender e apagar uma das velas usando apenas a magia que saía
de um dedo, percebi que, em meu âmago, mesmo estando nervosa, não sentia
que dele emanava alguma coisa ruim. Não havia mau agouro, muito pelo
contrário. E eu costumava confiar em meus instintos, sendo assim, descartei a
possibilidade de ele ser um demônio e percebi o meu pavor diminuindo.
Respirei profundamente e enunciei com firmeza:
— Eu desejo que todas as pessoas me achem atraente.
Não sei se cometi algum equívoco, mas Jean me encarou com os olhos
esbugalhados no mesmo instante. Percebi que era tarde demais quando da
lâmpada saiu uma luz, que se mesclou com a luminosidade que naquele
momento saía das mãos do gênio. Senti o meu corpo inteiro ser invadido por
uma onda poderosa, uma energia que parecia proveniente de uma fonte
inesgotável. Acabei me levantando por causa da força que me tomava,
movimentava-me para me fazer flutuar.
Tão de repente quanto surgiu, a luz foi embora. Jean, que também havia
se levantado, parou à minha frente e me olhava com espanto. Se houve
qualquer mudança eu não percebi. Tudo parecia igual, inclusive o quarto
recém-decorado.
— Só isso? — questionei em um fio de voz.
Jean não disse nada, porém ergueu uma mão e um espelho com adornos
dourados apareceu diante de mim, deixando possível que eu admirasse o meu
reflexo. Levei um susto com o que vi: meus cabelos voltaram a ficar escuros
sem que precisasse usar qualquer mistura. Levei-os para trás e nada parecia
ter mudado em minhas orelhas, o que me deixou um pouco decepcionada,
porém minha pele estava tão lisa e meus olhos brilhavam tanto que não ousei
me demorar na frustração. Nada pareceu ter mudado muito, mas eu podia
sentir a magia, o toque que me fazia uma mulher encantadora. Ao menos para
mim.
— Isso é... impressionante. Mas não consigo enxergar o que mudou, de
fato.
— Aconteceu o que a senhorita pediu. Todas as pessoas agora a
consideram atraente — Jean usou um tom meio sinistro, tomado por uma
seriedade que me causou arrepios tremendos.
— Fiz algo de errado?
— Não, mas... — balançou a cabeça em negativa. — Talvez.
— Talvez?
Jean fez o espelho sumiu e passou a andar de um lado para o outro do
aposento. Eu ficava a cada instante mais nervosa com o seu comportamento.
— O que houve? Pode me dizer? — perguntei enquanto tentava me
controlar.
— Pense bem, Sabine, todas as pessoas te acham atraente. Todas. Isso
significa que homens, mulheres, crianças, sua família... — ele agitou os
cabelos compridos com as mãos grandes. Imediatamente, meu corpo sofreu
um colapso e permaneci parada feito um monumento. O meu ser havia
petrificado. — Todas as pessoas sentirão atração por você. Acho que, talvez,
isso lhe traga alguns problemas.
— Eu não pedi para todos sentirem atração por mim. Pedi para que me
considerassem atraente. Deve haver uma diferença.
— Bom, vamos torcer para que sim — ele ergueu os ombros. Não pude
deixar de notar que ele ainda estava preocupado, mas eu não me encontrava
diferente. Tentava me recuperar da paralisação súbita recentemente sofrida.
Se Jean estivesse com a razão, então o reinado inteiro me desejaria. Por
outro lado, não foi o que pedi. De modo algum.
— Você não sabe se vai dar certo?
— Não. Meu trabalho é apenas realizar desejos, as consequências deles
não cabem a mim. — Ele voltou a se sentar na poltrona. Já eu tratei de me
acomodar sobre a banqueta, diante do espelho. Reparei um pouco mais na
minha aparência e cheguei à conclusão de que Jean havia feito um trabalho
excelente. Nunca eu tinha gostado tanto de mim. Talvez o meu pedido
também me incluísse. — Alguma ideia sobre o segundo desejo?
— Nenhuma. Eu... Ainda estou tentando assimilar as coisas.
— Tudo bem. — Jean fez um grande relógio aparecer em uma das
paredes. Levei um pequeno susto porque não estava nem um pouco
acostumada com a ideia de ter objetos surgindo de lugar nenhum. — Está
tarde. Vou deixá-la para que a senhorita descanse. Pelo que entendi, amanhã
será um longo dia. O Príncipe... Qual é o nome mesmo do sujeito?
— Leopoldo. Príncipe Leopoldo.
— Isso mesmo. Ele vai ter uma grande surpresa.
Soltei um suspiro, lembrando-me do que vi no livro de medicina. Eu
não estava animada para encontrar Leopoldo, nem mesmo para aceitar seu
cortejo ou para me casar com ele. Na verdade, eu não gostaria de me casar
com ninguém, não se isso significar ser invadida por um órgão. Toda a
conversa com a Sarah surgiu em minha mente, deixando-me cabisbaixa.
— O que houve, Sabine? Alguma preocupação em relação ao príncipe?
Abri a boca, pronta para falar sobre genitais, invasão e o buraco
sugestivo entre as minhas pernas. No entanto, pareceu-me extremamente
absurdo, inapropriado e terrível. Eu não ousaria falar nada daquilo para Jean e
nem para ninguém. Ainda considerava a Sarah uma corajosa por ter repetido
tal fato para mim.
— Não — respondi sem qualquer convicção. — Creio que devo dormir
agora e o senhor comentou que me deixaria descansar, embora tivesse dito
antes que permaneceria em minha companhia até que eu fizesse os três
pedidos.
Jean ergueu as mãos.
— Prefere que eu fique? Só falei aquilo para adiantar as coisas. Na
verdade posso perfeitamente respeitar seus horários de solidão.
— Pois então o faça agora mesmo.
— Está bem, está bem...
Jean começou a sumir aos poucos, feito fumaça ao favor do vento,
porém chamei por ele antes que desaparecesse por completo.
— Sim, minha ama? — riu ao dizer aquilo.
— Por acaso eu... Poderia desejar não precisar me casar nunca mais?
Posso comandar o reinado sozinha.
O gênio voltou a ficar totalmente visível.
— Não compreendo. Pelo que entendi, a senhorita pediu para que todos
a considerem atraente justamente porque deseja se casar. Tenho certeza de
que isso se tornará completamente possível a partir desta noite.
Soltei mais um longo suspiro.
— Eu não sei se quero me casar.
Jean fez uma careta confusa, mas não era para menos. Eu não estava
fazendo muito sentido até para mim mesma. Para ser sincera, queria muito
me casar, sempre quis ter um amor e também formar uma família. O que eu
não queria mesmo era participar do ritual de procriação.
Mas não sabia como pedir aquilo ao gênio sem soar absurda.
— Sabine... — Jean se aproximou até ser possível tocar em meus
ombros. Era a primeira vez que entrávamos em contato e devo confessar que
a minha pele sofreu um misto de arrepios. Suas mãos eram quentes. Sua
proximidade, inquietante. — Amanhã conversaremos. A senhorita está
cansada neste momento.
Balancei a cabeça, concordando. Ainda havia a possibilidade de eu
estar imersa em um sonho esquisito e acordar como se nenhuma loucura
tivesse acontecido. Eu não sabia bem se preferia que Jean não existisse.
— Tenha bons sonhos... — ele sorriu e assoprou uma fumaça colorida e
brilhante na direção do meu rosto.
Ainda deu tempo de ver o seu corpo sumindo até que nada sobrasse.
Em seguida caí em um sono profundo.
CAPÍTULO 7

O meu corpo estava completamente exposto, metade dele sob as


límpidas águas da sala de banhos. Havia centenas de velas ao redor da tina,
enfileiradas com o propósito de atribuir muito mais do que luz; era como se
seu calor fosse absolvido pela minha pele, que ressoava, latejava, vibrava em
vontades que nem eu mesma sabia de que eram. Um ofego escapou entre
meus lábios diante da chama que parecia acender dentro de mim, poderosa,
latente.
Eu me contorci porque, se não o fizesse, sentia que poderia explodir
em milhões de pedaços. Os meus seios ficaram ainda mais visíveis; estavam
rijos, tão sensíveis que me traziam uma espécie de dor estranhamente
prazerosa. Uma força sobrenatural fez minha coluna arquear e percebi minhas
pernas abrindo em uma posição impensável. O pulsar entre elas se
intensificou de tal maneira que mal pude conter um gemido.
Foi então que senti uma mão grande e delicada me tocando com
paixão, quase como se eu fosse um tesouro muito valioso. Ela subia pelos
meus calcanhares... Joelhos... Parte interna das coxas. Sem sequer hesitar,
preencheu minha genital de tal forma que a vibração se intensificou
consideravelmente. Outra mão apertou a ponta de um dos meus seios e aquela
dor prazerosa retornou com ainda mais intensidade. Eu me sentia flutuar.
Apesar de considerar tudo esquisito e completamente absurdo, um sorriso de
contentamento me escapava. Havia uma felicidade genuína.
Um dedo invadiu profundamente a abertura em meu corpo que tanto
me causava pavor, porém, o sentimento de invasão não era horripilante, ao
contrário do que eu imaginava. Passei a me contorcer com ainda mais
veemência, em um chacoalhar de quadril que trazia aquele dedo para ainda
mais fundo. Ele retrocedia em pancadas que acompanhavam o pulsar de meu
ventre, para logo em seguida penetrar com certa cadência. A sensação era tão
profunda que meus gemidos se transformaram em gritos.
— AH! — acordei espantada, logo me sentando e em estado de alerta,
reparando se havia mesmo alguém me tocando com aquela intimidade
impensável. Eu nunca havia tido tamanha ousadia para comigo mesma, era
horrível acreditar que outra pessoa pudesse fazê-lo.
Eu não fazia ideia do que significara aquele sonho cruel, por isso
permaneci espantada por longos segundos, tentando fazer minha respiração
voltar à normalidade. Tudo me pareceu muito mais com um pesadelo,
entretanto, nele não houve sofrimento, angústia ou pesar. Apenas regozijo e
uma sensação diferente de estar viva.
— Meu Deus! — deixei escapar um soluço de susto ao perceber que o
meu aposento ainda se encontrava modificado, sinal de que o gênio tinha
mesmo passado por ali e virado a minha vida pelo avesso.
Eu me levantei vagarosamente, incapaz de retirar meus olhos sobre
cada detalhe dentro do quarto. Pela manhã as cores pareciam ainda mais
vivas, brilhosas, embora um tanto exageradas, deixando uma sensação
diferenciada em meu peito. Era normal que eu despertasse sem qualquer
ânimo, daquela vez um misto de entusiasmo e surpresa se aproximava de
minhas emoções.
— Vossa Alteza? Já despertou? — Madame Naná adentrou utilizando
aquele seu costumeiro modo prático, enchendo a jarra, que ficava ao lado da
bacia de porcelana, com uma farta quantidade de água que trouxe em um
balde mais simples. — Precisa se lavar depressa para não se atrasar.
Ela parou com o tecido que usava para enxugar o meu rosto em todas
as manhãs sobre o seu braço esquerdo, aguardando que eu me movimentasse.
Encarou-me como se não houvesse nada diferente no meu quarto e muito
menos em mim. Obviamente, eu não saberia nem mesmo começar a formular
uma boa explicação para tantas mudanças durante a madrugada, no entanto,
não foi preciso. Ela realmente não fez qualquer questionamento e, por um
instante, achei que estivesse ficando louca. Ou talvez, assim como o gênio, eu
fosse a única a enxergar as novidades.
— Naná... Não está vendo nada diferente? — depois de alguns
segundos, resolvi perguntar. Meus olhos não podiam estar tão enganados por
tanto tempo. Não havia possibilidade de ser um sonho, pois acabara de
acordar, e se fosse efeito de alguma erva já deveria ter passado. — No
quarto? — apontei ao redor.
Ela observou como se procurasse algum item escondido.
— Confesso que não. Há alguma manta nova? As rendeiras do reino
andaram oferecendo presentes à realeza.
— Não vê nada de estranho na tapeçaria? — minha expressão naquele
instante deveria estar além da confusão.
— Vossa Alteza deixou cair algum líquido? — Naná procurou
atentamente, não hesitando antes de se ajoelhar sobre o tapete a fim de
inspecionar uma possível mancha. — Onde? — De uma coisa eu tinha
certeza: Naná certamente perceberia o trabalho do gênio. Sendo assim, dei de
ombros, conformada com o fato de apenas eu ser capaz de ver as cores. —
Está verde e brilhante como ontem.
— Espera... Verde e brilhante? — Eu sabia muito bem que a tapeçaria
antes da noite anterior tinha alguns tons de marrom barroso, que Naná por
acaso detestava.
Abri um sorriso ao concluir que Madame Naná podia ver exatamente
o que eu via, porém para ela soava normal. Era como se sua mente tivesse
registrado as mudanças sem oferecer qualquer surpresa.
Enquanto me lavava, não evitei abrir um leve sorriso diante da ideia
de que o Jean certamente pensara em cada detalhe. O aposento novo fora um
belíssimo presente e eu, embora não tivesse agradecido no momento, sentia-
me muito grata. Não sabia quando o veria de novo, mas precisava me lembrar
de mostrar minha gratidão.
Foi então que me lembrei do primeiro pedido feito e o sorriso
desapareceu.
Quando Naná se aproximou com um dos bufantes vestidos que retirou
do armário, virei-me em sua direção e hesitei um pouco antes de perguntar:
— A senhora não está percebendo nada diferente em mim?
Minha dama de companhia franziu o semblante marcado pelo tempo
de servidão.
— Hm... Não, Sabine, me desculpe. Alguma mistura nova?
— Então a senhora não está me achando mais... atraente?
Não fazia sentido que a magia do meu quarto estivesse funcionando
enquanto o meu primeiro e único pedido até então não tivesse qualquer efeito
sobre ninguém. Decerto o termo “todas as pessoas” incluía perfeitamente a
Naná.
— Vossa Alteza está atraente em todas as auroras — abriu um sorriso
largo e, carinhosamente, ofereceu-me um abraço. — E em todas as noites
também. Sempre a considerei bastante atraente, Sabine. Mas me diga, o que
fez de novo em sua aparência?
Ela sorria e esperava por uma resposta, porém meu estado emocional
permaneceu tão abalado que meus olhos marejaram e precisei me virar para
que Naná não percebesse que eu enxugava algumas lágrimas. O pedido
realizado por Jean dera certo. Todas as pessoas me consideravam atraente.
— Não fiz nada, Naná. Só estava me perguntando se o Príncipe
Leopoldo possui algum interesse especial em minha aparência.
Ela sorriu mais amplamente.
— Certamente possui, minha querida, não se preocupe. Seja você
mesma.
Com mais confiança para o café da manhã com o Príncipe Leopoldo,
procurei me esquecer das informações que me causavam pavor e foquei em
me comportar como uma dama que serviria perfeitamente para ser a sua
companheira de vida. Embora eu ainda estivesse cheia de dúvidas com
relação a me casar, sobretudo ao ritual de procriação, olhar-me no espelho e
perceber que eu estava bonita fez uma diferença absurda. Sabia que, se algo
fosse insatisfatório no encontro de logo mais, em algum momento encontraria
outro cavalheiro disponível.
Eu atravessava um dos salões do castelo em direção ao jardim onde os
criados montaram o café da manhã quando uma pessoa parou em minha
frente, chamando-me a atenção. Ergui a cabeça e me deparei com o Príncipe
Augusto, muito bem vestido e penteado. Um perfume doce emanava dele,
uma fragrância que não considerei ruim, embora um pouco feminina.
— Vossa Alteza, bom dia — fez uma reverência curta e se endireitou
para me observar. Por alguns instantes, ele nada disse. Seus olhos estavam
mais abertos que o normal e parecia com dificuldade de formular sua próxima
frase. — Creio que esteja se direcionando ao jardim para um encontro com
Leopoldo.
— Certamente — abri o vestido com as duas mãos e lhe devolvi a
reverência, um gesto que significava educação e respeito. — E o senhor?
Verá a minha irmã?
Príncipe Augusto ainda me olhava fixamente. Demorou-se a me
responder, com certo ar distraído:
— Nosso desjejum será na varanda, hoje. — Pensei em dispensar sua
presença, pois estava começando a sentir a pele do meu rosto arder de
vergonha por causa de seu olhar incisivo, mas ele se adiantou e,
delicadamente, ergueu minha mão para beijá-la. O calor proveniente de seus
lábios entre os meus dedos foi espalhado por todo meu corpo de forma
imediata e eu ofeguei. — Permita-me dizer, com todo respeito que me cabe,
que a senhorita está absolutamente encantadora nesta manhã. Tenho certeza
de que o Príncipe Leopoldo concordará com minha opinião.
— O-Obrigada — então eu tive certeza de que não havia qualquer
pedaço de minha pele que não estivesse enrubescida. — É muita bondade
sua.
— Não, não é bondade — ele chacoalhou a cabeça com convicção.
Engoli em seco, sentindo como se houvesse um caroço em minha garganta.
Não pude evitar considerar os seus olhos, bem como a face, muito bonitos. —
Pode ter certeza disso, Princesa Sabine.
— Pois bem... Preciso ir ou me atrasarei.
— Certamente. Nós nos vemos no almoço?
— Claro — respondi sem hesitação, porém também sem qualquer
intenção de parecer apressada.
Augusto desistiu de formular uma despedida corporal quando já tinha
começado a fazê-la. Em vez disso, hesitou por uns instantes e soltou:
— Seria ótimo se pudéssemos realizar um passeio a cavalo pela praia
de Herlain. Sarah me falou recentemente que a senhorita é uma das poucas
damas que se arrisca na montaria. — Mantive-me muda por causa do choque
que me acometeu; não era apropriado que eu andasse em companhia de meu
futuro cunhado. Príncipe Augusto deve ter percebido meu desconcerto. —
Claro que seria um passeio para fins comerciais. Como irei me casar com sua
irmã, creio que podemos nos manter em contato para realizarmos
importações e exportações. Eu me interesso bastante pelas tinturas e tecidos
de Herlain.
— Não seria mais apropriado que conversasse com o meu pai?
Ele abriu um meio sorriso envergonhado.
— Hei de demorar alguns anos para ser rei e a senhorita demorará a
ser rainha. Até lá, é bom que estejamos conversados.
Assenti com a cabeça.
Ainda que sua justificativa fosse um pouco rasa, fiquei satisfeita por
ele estar levando em consideração uma conversa de cunho oficial diretamente
comigo, não com um possível futuro esposo. Era óbvio que eu ficaria
encantada por poder representar Herlain do jeito correto, trazendo muitas
riquezas e produtos novos do continente. Quando os mares ficavam mais
revoltosos passávamos por períodos de certa escassez e o meu objetivo como
rainha era poder subsidiar o povo mesmo diante das dificuldades.
Por outro lado, mamãe odiava que eu montasse e não sabia de mais da
metade das vezes em que eu passeava a cavalo pela praia, às escondidas. Eu
confidenciava aquelas informações somente a minha irmã, sendo assim, as
palavras do príncipe também me deixaram inquieta. Jamais receberia a
afirmativa dos meus pais para um passeio com Augusto.
— Claro — arquitetei um sorriso sem graça e voltei a fazer uma
reverência, deixando claro que deveríamos partir depressa rumo aos nossos
compromissos.
Compreendendo o recado, ele também se repetiu no gesto
cavalheiresco e partiu de prontidão, levando consigo aquele cheiro que
parecia ter impregnado em minhas vestimentas. O calor ainda circulava em
meu corpo quando retomei a caminhada, só então percebendo que ele esteve
presente desde que o príncipe encostara a mim. A sensação de seus lábios não
havia deixado de percorrer os meus sentidos como se ainda estivéssemos em
contato.
Naná, que se mantinha ao meu lado, nada comentou sobre o encontro
com Augusto no salão, fato que agradeci, pois já havia ficado desconcertada
o suficiente para desejar que ele não mais me olhasse daquela maneira tão
profunda.
— Não, de modo algum, Sabine! — ouvi a voz de mamãe ao longe e,
olhando para o fim do salão, via-a se aproximando a passos largos, porém
nada indelicados, já que ela não se permitiria um deslize. Eu gelei só de
imaginar o quanto a Rainha Alexandra tinha ouvido da conversa com
Príncipe Augusto. — Naná, leve-a de volta imediatamente.
— O que aconteceu, mamãe? Tenho um encontro na varanda e...
— Quem permitiu que se vestisse assim? — mamãe fez uma
expressão zangada e eu não soube se tinha achado bom ou ruim o fato de não
estar direcionada a mim, mas a Naná, que manteve a cabeça abaixada. —
Exijo que se troque imediatamente.
Olhei para baixo, chegando à conclusão de que não havia nada de
mais no vestido.
— O que tem de errado? — questionei, pois queria compreender,
embora muitas vezes eu preferisse não entender a mente de mamãe.
— Tem muita cor nas mangas, um absurdo! Nem um pouco
apropriado. E essas rendas? — Puxou uma parte delas, balançando a cabeça
negativamente. — E esse decote terrível?
Observei o meu colo, constatando que o pequeno decote não era nada
diferente do que havia no vestido que eu usara na noite anterior. Ainda não
conseguia entender o porquê de minha mãe ter implicado comigo tão cedo.
— Você precisa aprender de uma vez por todas a se vestir
apropriadamente, Sabine, já que falta noção de requinte à sua dama de
companhia! — olhei para baixo, ficando na mesma posição de Naná e das
damas de companhia que sempre se mantinham na retaguarda da rainha. —
Ficar atraente demais é tão vergonhoso quanto não possuir beleza. Agradeça
a Deus por ser bela.
Voltei a encará-la, mas permaneci sem acreditar em suas palavras. A
Rainha Alexandra nunca tinha me elogiado, ainda que daquela maneira
grosseira e nada sutil. Sim, a minha própria mãe, depois do pedido, passou a
me considerar atraente. Só que, pelo visto, eu ainda era considerava
inapropriada aos seus olhos.
Um dia eu seria o suficiente para ela?
Por outro lado, ao que pareceu, a rainha não tinha ouvido a minha
conversa com Augusto e aquilo já podia ser considerada uma boa notícia.
— Use o vestido bordô — mamãe sugeriu com a cabeça erguida.
— Mas o vestido bordô é usado nas missas...
— Não importa, Sabine. Você não pode andar por aí parecendo uma
concubina. Prenda esses cabelos, pelo amor de Deus. Estão enormes, precisa
cortá-los! Ah, eu sabia que o seu pai... — e então começou a andar para
longe, espalhando xingamentos pelos quatro cantos dos castelos.
E então uma intuição muito forte me acometeu e tive certeza absoluta
de que o problema da rainha nunca foi comigo.
CAPÍTULO 8

Permaneci inerte no meio do salão, como uma das tantas estátuas que
enfeitavam o interior do castelo. A reação da Rainha Alexandra diante do fato
de eu ser atraente não me pareceu muito melhor do que quando ela não me
considerava bela. Fiquei me questionando sobre o pedido; talvez o Jean
estivesse com a razão ao constatar que eu teria problemas. No entanto, não
me sobrava opção além de lidar com as consequências do que desejei. Devia
ser por esse motivo que o gênio fizera vários alertas a respeito de tomar
bastante cuidado.
Pensar nele ainda me deixava estarrecida, afinal, até então acreditava
que a magia só existia nos livros, o que também contribuiu para que eu me
demorasse sem esboçar qualquer reação. Madame Naná, por fim, tocou em
meu cotovelo de leve, obrigando-me a sair daquele pequeno transe.
— Venha, Alteza... Vamos voltar para os seus aposentos. Não
podemos nos demorar, o Príncipe Leopoldo já a aguarda e deve estar
impaciente.
Cheguei a dar um passo para trás, recuando instintivamente, porém
logo em seguida travei as pernas diante da nova decisão que acatei de
imediato. Ainda que eu fosse considerada uma rebelde, não ousaria cair nas
loucuras de minha mão com uma obediência cega.
Eu já havia usado aquele vestido algumas vezes e em nenhuma delas
a Rainha questionou o meu bom gosto ou o da Naná. Eu seria tão
intransigente quanto ela se me deixasse levar pela sua ampla necessidade de
me ter como alguém inapropriada.
— Seguiremos para o jardim, Naná — defini, convicta, e a dama de
companhia abriu os olhos em surpresa. Dificilmente as ordens da Rainha
eram descumpridas naquele castelo. — Não creio que eu esteja mal vestida e
nem mesmo vulgar.
— Mas, Sabine, a Rainha...
— A senhora acredita nas palavras dela? — Virei-me para observá-la
de frente. — Com sinceridade, Naná, olhe para mim e me diga o que acha,
por favor.
— O que eu acho não importa, Alteza. Estou aqui para seguir ordens.
Soltei um suspiro audível, enquanto dava de ombros, já sentindo as
minhas forças se esgotarem. Eu devia obediência aos meus pais por vários
motivos, no entanto, ainda possuía certo poder sobre as minhas escolhas e
cabia a mim lutar por elas.
Por este motivo dei as costas para a Naná e tornei a seguir para os
jardins, ainda que sob os seus protestos. Eu não estava exatamente ansiosa
para ver o Príncipe, porém sabia que a minha situação ficaria mais difícil caso
eu não o agradasse ou o presenteasse com um atraso em nossa terceira
tentativa de encontro.
O clima estava agradável na Ilha de Herlain, com o sol brilhando,
esplêndido, ao leste. Uma brisa fresca agitava o arbusto e o cheiro de flores
perfumava o jardim e me fazia recordar a infância. Aquele era o meu lugar
preferido para as brincadeiras com Sarah.
Um criado surgiu com um amplo pára-sol para que os raios solares
não castigassem a minha pele, por mais acostumada que eu fosse em recebê-
lo, já que eu não era branca feito leite como todos da realeza. Ele nos
acompanhou até a sombra de uma árvore antiga, onde a mesa já estava posta
e o Príncipe Leopoldo me esperava em companhia de seu criado e mais duas
criadas que reconheci como sendo da cozinha do castelo. Elas certamente nos
serviriam naquela manhã.
Imediatamente me senti sufocada ao ter os olhos azuis do Príncipe
sobre a minha figura. O medo de ser rejeitada era tão grande quanto o de
ganhar seu apreço definitivo para um futuro casamento. Senti as pernas
vacilarem enquanto me aproximava. Naná ajudava para que a barra do meu
vestido não grudasse na grama verde e perfeitamente aparada pelos criados
responsáveis pelo jardim.
— Bom dia, minha bela Princesa — Leopoldo falou com doçura,
segurando uma mão para beijá-la demoradamente, assim como o Príncipe
Augusto fizera minutos atrás. Eu me senti igualmente perdida.
— Bom dia — limite-me a responder. Estava extremamente
concentrada em não descer o meu olhar para o centro inferior de suas vestes
novamente. Seria desastroso desmaiar mais uma vez. Definitivamente,
precisava espantar qualquer pensamento a respeito do órgão masculino se
quisesse manter o mínimo de sanidade.
— Então é esse o sujeito? — uma voz grave apareceu vinda de lugar
algum e eu soltei um pequeno grito de susto.
Jean se materializou ao lado do Príncipe Leopoldo, que ficou
assustado com o meu rompante, e os criados que vieram conferir se eu estava
bem.
— Princesa? O que houve? — Naná questionou de um jeito nervoso.
Percebi que estava evitando me tocar na frente dos demais, já que seria
inapropriado.
— Vossa Alteza está bem? — o criado do pára-sol também veio ao
meu socorro, parecendo ainda mais desesperado que Naná. Ao que tudo
indicava era ele o responsável pela minha segurança durante aquele desjejum.
— E-Estou... — Olhei para o Jean e ele mantinha um olhar divertido
apontando para mim. Eu ralharia com ele se não estivesse rodeada por gente
que não podia vê-lo. — Por um segundo achei que aquele galho fosse uma
cobra — apontei para cima, pensando depressa em uma saída que não fizesse
com que todos pensassem que eu não passava de uma maluca.
— Não há cobras nos arredores do castelo, Vossa Alteza, não se
preocupe — outro criado visivelmente assustado comentou com suavidade.
— Você tem medo de cobras? — Jean perguntou como se a sua
presença fosse o mais natural dos acontecimentos. — Eu as considero
encantadoras. Um dia criei uma cobra, a Jacinth. Super dócil. Pobre Jacinth...
— fez uma careta triste. Por mais que eu tivesse ficado curiosa, não poderia
perguntar nada sobre a tal cobra de estimação.
— Vamos nos sentar para o desjejum? — sugeriu o Príncipe
Leopoldo e eu, absolutamente confusa, ignorei o Jean e segui na direção da
mesa posta.
Leopoldo foi cavalheiro o suficiente para me ajudar a sentar em uma
cadeira acolchoada bastante confortável. Ele se sentou na que estava
localizada do outro lado da mesa logo em seguida e ficou me encarando de
um jeito fixo que me fez desviar os olhos. Mas então vi que o Jean tinha se
colocado ao meu lado e observava o Príncipe com o cenho franzido.
— Ele é meio esnobe, não é? — Jean comentou e mais uma vez o
ignorei. — Mas devo admitir que é belo. Talvez seja um bom pai para os seus
filhos, Sabine.
Aquele comentário do gênio foi capaz de arrancar o meu fôlego.
Lembrar-me que para ter filhos nós precisávamos passar pelo ritual da
procriação não me fez nada bem. Senti o rosto gelar como se as minhas
energias tivessem sido tragadas de uma só vez.
— Eu estava ansioso em encontrar a senhorita — começou Leopoldo
enquanto as criadas nos serviam com chá e pão temperado com ervas. —
Permita-me elogiar a sua beleza nesta manhã. Estou encantado com a
meiguice e doçura de seus traços.
E então meu rosto, outrora gelado, começou a esquentar de maneira
tal que lamentei não haver uma bacia com água por perto. Ninguém sequer
mencionou a troca na coloração dos meus cabelos, prova de que a magia
fazia efeito.
Dei um gole no chá para disfarçar o constrangimento e respondi:
— Obrigada.
— A senhorita me parece uma moça de poucas palavras — o Príncipe
emendou. — Considero o silêncio bastante elegante, é uma qualidade que
busco em minha futura esposa e fico contente por percebê-la em você.
Prendi a respiração e o Jean soltou sem hesitar:
— Que comentário infeliz! A senhorita não é silenciosa e nem deveria
ser. Ele quer uma esposa ou uma pintura? Diga a ele, Sabine, diga.
Mas eu estava tão nervosa que apenas sorri debilmente. Jean não
estava me ajudando em nada para sobreviver àquele desjejum.
— Gostaria de saber quais são seus interesses além da harpa —
Leopoldo falou entre uma mordida e outra em seu pão.
Naquele instante me lembrei de que Naná comentou a respeito de ser
eu mesma. Precisava tomar uma atitude de uma vez, deixar aquele medo
paralisante ir embora e mostrar quem era a verdadeira Sabine.
— Eu me interesso por livros, música, passeios ao ar livre e também
pela montaria — comentei e percebi a Naná suspirando atrás de mim. Ela
certamente não aprovava as minhas palavras e acredito que quase nenhum
dos meus interesses, assim como a mamãe.
— Interessante... — Leopoldo murmurou enquanto me olhava com
atenção. — Pedirei para que preparem um cavalo forte para que possamos dar
um passeio em Herlain.
— Neste caso seriam dois cavalos fortes — emendei, desviando o
rosto para um prato repleto de frutas. Peguei uma uva e a mordi.
— A senhorita está me dizendo que sabe guiar um cavalo? —
Leopoldo me pareceu chocado. Naná soltou outro suspiro e o Jean riu por um
motivo que eu desconhecia. Sua presença era desconcertante. Eu mal podia
me tranquilizar sentindo o delicioso cheiro que dele emanava.
— Mas é claro que sei. Eu não me interessaria pela montaria caso
fosse uma mera passageira sobre um belo cavalo.
— Hum... — o Príncipe não falou mais nada a respeito, permaneceu
reflexivo enquanto eu me perguntava se havia estragado tudo.
A verdade era que eu poderia ter resolvido a questão da falta de
beleza, porém a minha personalidade se mantinha intacta e ela certamente
continuaria me causando problemas. Eu gostava de fazer coisas que eram
completamente opostas ao que se esperava de uma dama frágil e perfeita.
— Quais livros a senhorita se agrada? Vi que no castelo existe uma
vasta biblioteca. Em meu reino temos um acervo excepcional.
Não contive um sorriso diante da possibilidade de termos um
interesse tão agradável em comum. Quem gosta de ler jamais sofre pela falta
de assunto com alguém que também gosta. Já podia visualizar nós dois
comentando ideias durante nossos passeios diários nos fins de tarde ao redor
do castelo. Um pensamento romântico que sempre me invadia quando eu
refletia sobre possuir um amor.
— Gosto de todos os tipos de livros, porém me encanto mais pelos
romances, os de História e Mitologia — eu disse sem conter a empolgação.
— E o senhor?
— Oh, não, eu não gosto de leitura. Sou um homem mais objetivo.
Meus interesses são mais... masculinos.
Jean bufou depois de uns segundos e, como se não estivesse se
aguentando, soltou uma sonora gargalhada.
— Esse príncipe é uma piada! Sabine, você certamente conhecerá
pretendentes melhores. — Eu me virei para encará-lo com uma expressão
dura, mesmo sabendo que eu poderia soar esquisita aos olhos de quem
estivesse por perto. Jean deu de ombros. — Está certo, vou manter a boca
fechada — e então vários botões surgiram sobre os seus lábios, mantendo-os
fechados como um dos meus tantos vestidos.
Eu virei o rosto para não ter que presenciar aquela cena bizarra. Era
preciso muita imaginação para ter uma ideia assim.
— É uma pena que o senhor não goste de livros — comentei com ar
frustrado, decidida a não deixar minhas vontades esquecidas em nome de
Leopoldo. — Porém garanto que posso encontrar um exemplar que seja de
seu interesse, para que assim o gosto pela leitura se manifeste.
O Príncipe ergueu a cabeça para me oferecer um sorriso educado.
— Se o objetivo for agradá-la garanto que farei o necessário para
gostar de leitura.
— Quero só ver... — Jean sussurrou baixo, mas foi impossível não
escutá-lo.
— Estou particularmente admirado com a culinária de Herlain —
Leopoldo prosseguiu. — A comida é bastante rica em temperos. Este pão
certamente é o mais saboroso que já provei.
Jean roubou um pedaço de pão de meu prato e o colocou na boca para
logo lamber a ponta dos dedos.
— Ele tem razão. Isso é bom mesmo.
Por vários instantes fiquei sem reação. Só esperava que ninguém
tivesse visualizado um pão voador segundos antes de se perder dentro do
gênio invisível. Eu não sabia exatamente se queria que o Jean desaparecesse.
Do mesmo modo que me sentia protegida também me sentia prestes a entrar
em colapso.
— Certamente possuímos um bom cultivo de ervas exóticas, que
utilizamos para fazer remédios e temperos — comentei, um pouco vacilante.
— O cultivo de Herlain me interessa bastante. Assim que houver
oportunidade conversarei com o Rei Cedric a respeito de todo o comércio.
Dei de ombros, frustrada por não ser considerada apta pelo Leopoldo
para ter uma conversa sobre a economia do reino, embora eu me sentisse
preparada por já ter lido as muitas anotações na sala de reuniões de papai —
mesmo às escondidas. De qualquer maneira, enquanto o Príncipe Augusto
sugeria uma discussão a respeito, o homem diante de mim desconsiderava as
possibilidades imediatamente.
Ouvi o Jean soltando um bocejo sonoro, sem a menor cerimônia. Se
eu me comportasse daquele modo na frente de mamãe ela me trancaria no
calabouço.
— Esse Príncipe é entediante. Quando o desjejum terá fim? —
colocou-se entre mim e Leopoldo com apenas metade do seu corpo
aparecendo sobre a mesa. A outra metade eu não tive o menor sinal. —
Precisamos conversar sobre o segundo pedido.
— Eu não sei — falei sem querer, chamando a atenção de Leopoldo.
— O que a senhorita não sabe?
Jean olhou para ele com a cara feia.
— Certamente ela sabe que você é um péssimo partido — Jean
cruzou os braços diante de si e depois sumiu.
— E-Eu... Eu não sei se poderia ser uma boa ideia conversar com o
meu pai sobre a economia de Herlain. O senhor não se decidiu pelo cortejo,
logo, ele não poderá lhe oferecer todas as informações.
— Compreendo — Leopoldo se aprumou sobre a cadeira, clareou a
garganta e emendou, de um jeito sério: — Porém se faz necessário que eu
verifique as vantagens econômicas de herdar o reino. Não seria prudente me
vincular a terras que não me atribuam prosperidade.
Suas sentenças me deixaram boquiaberta. O Príncipe continuou
comendo, focado em seu prato cheio, enquanto a indignação crescia dentro de
mim. O sentimento se tornou tão intenso que simplesmente me pus de pé,
empurrando a cadeira para trás com tanta força que ela pendeu. Leopoldo me
encarou, confuso.
— Eu jamais serei o seu negócio! — a rispidez se atrelou ao meu tom
de voz.
Não esperei que ele reagisse. Dei as costas e saí em uma caminhada
ligeira rumo ao interior do castelo. Ainda que eu tivesse certeza de que
partiria para um monastério até o fim daquele dia, senti-me aliviada por ter
agido exatamente como mandava o meu coração.
Ouvi aplausos calorosos e assobios divertidos. Vi o Jean me
aguardando na entrada do castelo e aos gritos:
— É isso aí, Sabine! Saída triunfal! Que orgulho, minha menina!
Por um momento eu realmente quis que todos pudessem vê-lo e ouvi-
lo, sobretudo o idiota do Príncipe Leopoldo. As minhas atitudes teriam
consequências, mas pelo menos alguém estaria ao meu favor.
CAPÍTULO 9

Naquele momento eu me encontrava bastante irritada com Leopoldo e


sem a menor paciência para escutar os conselhos de Naná, portanto fiz o
possível para despistar tanto ela quanto qualquer criado que por ventura
pudesse me seguir castelo adentro. Enquanto eu praticamente corria para bem
longe, sem saber direito para onde ir, percebi que uma luz brilhosa e azul me
seguia, flutuando ao meu redor, e eu tinha certeza de que se tratava do gênio.
Qualquer dúvida que eu pudesse ter chegou ao fim quando a voz dele
soou, a mesma com a qual estava me acostumando, proveniente da
luminosidade:
— Para onde a senhorita vai? Está fugindo de todo mundo? Eu adoro
uma fuga! — soltou um risinho e, se não fosse a angústia e a estranheza da
situação, eu também teria rido. — Posso ajudá-la, se quiser.
— Eu não gastaria o meu pedido com uma amenidade dessas. Já basta
ter sido tola da primeira vez.
— Não precisa ser um pedido oficial, Sabine. Nem tudo tem a ver
com isso, sabia? — a luz pairou sobre o meu rosto e por um segundo não
consegui enxergar sequer um palmo à minha frente. Precisei parar porque do
contrário poderia tropeçar. — Sou seu amigo também.
Analisei atentamente aquela luz, semicerrando os olhos.
— Essa é a sua forma original? — Fiz uma careta, reparando no
quanto o ponto azulado era estranho; parecia ser feito de algum líquido,
porém sem tanta definição. Ele se movimentava como se mergulhasse em um
lago profundo.
— Em sua dimensão, podemos dizer que sim. — Se eu pudesse vê-lo
certamente ele estaria sorrindo. Ao menos, pelo seu tom de voz, foi assim
como imaginei o Jean: divertindo-se com minha curiosidade e suas
explicações vazias.
— Dimensão? Creio que não entendi.
— Em seu mundo material esta é a versão de mim sem a influência de
suas necessidades — explicou de forma didática. — Achei mais fácil te
seguir deste modo.
— Já falei que não necessito daquela sua versão humana. Uma luz
talvez me baste, embora seja estranho.
— Ei! — Ele pareceu bem ofendido. — Não me insulte. Eu não sou
estranho... Ao menos no meu mundo.
— Tudo isso é uma loucura... — Eu estava disposta a lhe fazer mais
questionamentos a respeito de seu mundo, contudo ouvi ruídos de conversas
atrás de mim e descobri que precisava ser mais ágil se quisesse ter algum
tempo de paz dentro do castelo. Não era a primeira vez que eu “desaparecia”
e retornava só quando estivesse mais calma para enfrentar o que quer que
fosse. Sendo assim, voltei a correr pegando atalho em um corredor mais
estreito.
— E a fuga continua! — o gênio ria em diversão. — Isso está
começando a ficar emocionante.
— Jean, não tenho tempo para conversas e nem sei qual será o meu
segundo pedido, portanto não é necessário que me siga — expliquei enquanto
mantinha o ritmo acelerado. Seguia cada vez mais rápido à medida que
percebia que ainda havia pessoas atrás de mim. — Não pensei a respeito de
nada ainda. Talvez decida por não ir a um monastério... Ou talvez seja a
melhor opção, já que não quero participar do ritual de... — calei-me no susto,
surpreendida com o que estava prestes a dizer.
Seria extremamente inapropriado me referir ao ritual de procriação
diante do Jean. Ele podia ser um gênio repleto de magia desconhecida, mas
para mim não passava de um homem invisível, que muito provavelmente
também possuía um órgão tenebroso. O mesmo pelo qual eu mantinha pavor.
— Ritual? Qual ritual? — a luz ainda me seguia, não importava a
velocidade dos meus passos.
— Desconsidere as minhas últimas palavras, Jean — parei antes de
adentrar um salão de descanso que geralmente estava vazio, porém não queria
correr o risco de ser pega. Eu me equilibrei na superfície fria da parede de
rocha, atenta a qualquer ruído. — Neste minuto só quero paz para pensar —
sussurrei para não ser ouvida por ninguém além dele.
— Tudo bem, então venha comigo!
Assim que o gênio murmurou aquelas palavras, todas as coisas ao
meu redor sumiram: o corredor, a parede, o salão de descanso. No lugar delas
surgiu uma praia completamente vazia, com as ondas bailando em uma
calmaria comovente. O sol iluminava a água de maneira tal que considerei
perfeita. À frente era possível ver os altos e grossos muros do castelo de
Herlain. Tentando conter a surpresa, percebi que já estive ali diversas vezes
em meus passeios, era o meu local favorito para pensar porque havia as
sombras das árvores que faziam parte do princípio da floresta logo após o fim
da faixa de areia.
Retirei os meus sapatos e os segurei junto com a barra do vestido,
usando apenas uma mão. Daquele modo pude caminhar até a sombra com
menos dificuldade. Não havia sinal algum do gênio, mas ainda assim me
senti agradecida por aquele favor. De certa forma ele parecia compreender a
natureza das minhas necessidades e aquilo não podia ser menos do que
fantástico. Era daquela paisagem que eu precisava para recuperar o equilíbrio
da minha vida.
Tão logo me acomodei sobre as raízes de uma árvore, com a visão
estacionada no mar tranquilo adiante, Jean tomou a forma masculina que
tanto mexia com os meus nervos. Não falou nada durante certo tempo, porém
se sentou ao meu lado na raiz e ficou admirando o mar com seus olhos
escuros e brilhantes.
Ele estava tão perto que a sua presença tornou a ser um incômodo.
Jamais havia me colocado em uma situação de intimidade com um homem —
ou com um ser que se parecia com um. O gênio me olhou quando percebeu
que eu o estava encarando.
— Eu gosto de praias. Sinto uma rara sensação de liberdade —
respirou profundamente e fechou os olhos.
Franzi o cenho, um pouco confusa com suas palavras.
— O senhor também se sente preso?
— Não costumo pensar nesta questão com frequência. E pare de me
chamar de senhor, não precisamos de formalidades. Apenas Jean.
— Certo — assenti com a cabeça e finalmente consegui desviar o
rosto.
— Posso fazer uma pergunta? — Jean, por sua vez, continuou me
olhando de perto, deixando-me desconcertada. Podia sentir a minha face
quente e o meu corpo inteiro se manteve rígido.
— Não me lembro de ter precisado lhe dar qualquer autorização para
se meter em meus problemas.
Ele pareceu ofendido, mas depois deu de ombros.
— Eu sou um grande curioso e tenho uma enorme capacidade de
meter o nariz onde não sou chamado, confesso. Mas, em minha defesa, só
quero ajudá-la. — Meu olhar recaiu sobre o seu e nos entreolhamos durante
certo tempo, até que ele prosseguiu: — A senhorita me parece uma pessoa
boa. Não é como meus outros amos e amas que eram gananciosos, maldosos
e só pensavam em si mesmos.
— Até então só venho pensado em mim mesma, Jean.
— Dentro de suas limitações, a senhorita pensa no seu povo, na sua
família e em todos aqueles que ama. Já é um ótimo passo, garanto. — Ele
sorriu para mim e lhe devolvi um sorriso ameno, um pouco tomado pela
vergonha. — No entanto, a senhorita está errada quando diz que só tem
pensado em si. Muito pelo contrário, percebo certa negligência de sua parte
quanto a sua própria felicidade.
Foi a minha vez de dar de ombros.
Talvez Jean estivesse com a razão. Tudo o que eu pensava tinha a ver
com o futuro do reino e da realeza. Eu queria ser perfeita para eles, para que
pudesse corresponder às suas expectativas, não às minhas. Os meus desejos
eram completamente opostos, só que eu estava tão acostumada a não pensar
em absolutamente nada diferente daquilo que simplesmente não sabia o que
de fato queria para mim.
— O que acha que devo fazer, Jean? Sinto-me perdida.
Ele ergueu as mãos e riu.
— Não sou eu que devo definir isso por você, Sabine. Só estou aqui
para realizar os seus desejos. — Fiz uma careta e ele riu mais uma vez. —
Certo, e a ser o seu amigo quando der tempo. Mas isso não é obrigatório. Só
faço porque quero e só continuarei a fazer se a senhorita permitir.
— Não vejo problema, desde que não me coloque em apuros de novo
— fiz cara feia para ele, porém em seguida sorri e ele também.
— Seja sincera, Sabine, eu salvei aquele entediante desjejum. O
Príncipe Leopoldo é um completo imbecil.
— Devo concordar. — Soltei um suspiro e passamos algum tempo
olhando para o mar. O desjejum havia sido desastroso em muitos níveis.
Ainda que o Leopoldo me quisesse, era eu quem não o queria mais. —
Contudo, minhas opções estão se esvaindo, Jean. Agora eu sou atraente aos
olhos dos outros, mas este fato parece não importar para quem se interessar
em ser meu esposo. Fiz um pedido em vão. As riquezas de Herlain são o
principal objetivo desses pretendentes.
— Mas você não precisa se casar.
— Herlain não terá futuro sem um bom rei e sem herdeiros. — Eu o
olhei fixamente e ele continuou atento. — A minha irmã irá embora em breve
com o seu noivo, o Príncipe Augusto. Cabe a mim esta responsabilidade.
Ele assentiu, dando a entender que compreendeu as profundezas da
situação. Diante de seu silêncio, prossegui:
— Faz parte de meu desejo governar Herlain, eu sei disso. Amo essas
terras e o meu povo. — Apontei para o maravilhoso cenário à nossa frente.
— Também gostaria de ter um amor, porém o senhor... Você não pode fazer
ninguém se apaixonar por mim e eu não me vejo apaixonada por alguém
mesquinho como se mostrou o Leopoldo.
— Sabine, você é jovem. Ainda que as pessoas ao seu redor estejam
com pressa, você não precisa ter.
— Já passei da idade de casar e...
— A idade certa para se casar é a mesma que terá quando achar o
verdadeiro amor. Nenhuma primavera a mais ou a menos.
— Certo, vamos esquecer este assunto — balancei a cabeça em
negativa, emocionada com as palavras do gênio. Eu ainda não sabia se ele
estava com a razão, mas com certeza pensaria a respeito quando estivesse
sozinha. — O que você queria me perguntar antes desta conversa?
— Ah... — Jean deu um pequeno soco na própria testa. — Bom,
queria saber por que existia a possibilidade de ir a um monastério. Durante a
fuga, você mencionou que poderia desejar não ir a um e fiquei confuso. Não
é um pedido nada convencional e não me fez sentido.
Soltei mais um suspiro.
— A pressa das pessoas ao meu redor, como você mencionou, fará
com que meu pai me leve a um monastério caso não aparecer um pretendente.
— Pensar em mim mesma recebendo orientações religiosas cheias de rigidez
me enchia de tristeza. Eu frequentava as missas e tinha bastante fé, mas não
considerava aquele o meu lugar. — Poderei governar como uma Rainha
ligada à igreja até um herdeiro da Sarah nascer e se tornar apto ao reinado. De
certa forma é humilhante.
— Mas essa situação te arrancaria a chance de encontrar um amor e
formar uma família — Jean concluiu. — A igreja não permitirá que se case.
— Exatamente — balbuciei, sentindo-me ainda mais perdida. — Por
outro lado, não sei se quero me casar com um homem... — acrescentei, ainda
que envergonhada. Não pretendia ir tão longe com as informações dadas ao
gênio, porém senti a necessidade de deixá-lo a par de ao menos uma pequena
fração.
— Não me diga! A senhorita pensa em tornar uma mulher o seu
verdadeiro amor?
Eu o olhei com espanto.
— Não! Claro que não, Jean!
— Bom, eu pensei que...
— Talvez o monastério seja a melhor opção, de fato — eu o
interrompi de um jeito acelerado, antes que ele fizesse mais suposições sem
sentido. — Depois do fatídico desjejum, o Rei Cedric tomará uma decisão
diante da desistência do Leopoldo pelo cortejo.
Jean ficou em silêncio e eu aproveitei para admirar o mar. Os meus
pensamentos estavam em polvorosa e, além da angústia, sentia também muita
tristeza. Seja qual fosse o meu caminho, sabia que não me sentiria realizada.
O gênio não podia me ajudar a encontrar um amor e eu nem sabia se era o
que queria.
Nada mais fazia sentido.
Uma lágrima me escapuliu contra a vontade e, antes que eu erguesse
os dedos para enxugá-la sem alardes, senti a mão grande do gênio realizar a
tarefa com bastante doçura. Mais uma vez nossos olhos escuros se
encontraram e novamente nos perdemos no silêncio daquele instante.
— Eu tive uma ideia. — Seu rosto se iluminou de um instante para o
outro. —Você só precisa confiar em mim, Sabine.
— Qual ideia?
Ele sorriu.
— Reflita o quanto for necessário e goze de sua própria companhia,
eu a deixarei enquanto organizo tudo. — O gênio estava com um enorme
sorriso aberto. — Depois, retorne ao castelo e se apronte para o almoço. Use
o seu vestido mais especial!
— Jean...
Ele segurou as minhas duas mãos e continuou me encarando.
— Quero me assegurar de que a senhorita realize o segundo pedido
apenas se o desejo for proveniente das profundezas da sua alma — murmurou
com firmeza, uma convicção que fazia os seus olhos se tornarem ainda mais
brilhantes. — Não se preocupe por nenhum segundo com o reino ou a família
real. Reflita sobre a sua felicidade, Sabine. Promete?
Assenti com a cabeça, ainda que estivesse tomada pela confusão.
— Prometo.
— Desconsidere todo o restante. Prometa-me mais uma vez, Princesa.
Dei de ombros e abaixei um pouco o olhar, porém o Jean ergueu o
meu rosto ao tocar em meu queixo. Seu toque estava carregado por uma
suavidade que foi capaz de me deixar calma. Em seus olhos havia uma
resolução que eu desconhecia, mas que, naquele momento, passei a confiar.
A minha vida, o meu destino, dependia de seu discernimento para encontrar
uma solução apropriada.
— Eu prometo, Jean.
Se a magia não fosse capaz de desatar os tantos nós no meu caminho,
então eu realmente não sabia o que seria.
O gênio, como prometido, deixou-me sozinha na beira da praia e
aproveitei para atribuir serenidade aos meus pensamentos. Desanuviei a
mente para que novas ideias surgissem com mais clareza. Depois de longos
minutos em que nada me escapou do raciocínio, entendi que, o que de fato
me travava quanto à realização do meu desejo de possuir um amor era o
maldito ritual da procriação.
Apenas ele e nada mais.
Talvez, se eu pedisse ao Jean para ter filhos sem passar pelo ritual, ou
para manter um marido feliz sem que ele precisasse invadir a minha abertura
íntima, o meu coração se abrisse para as possibilidades e fosse presenteado
com mais calma diante de um pretendente.
Eu não sabia como ofereceria aquelas informações constrangedoras
ao gênio, mas precisava tentar e ele certamente me ajudaria a desenvolver
palavras precisas, uma frase concreta e objetiva para que o meu desejo não
ganhasse outras interpretações, não me colocasse em apuros.
A caminhada de volta para o castelo foi tranquila, revigorante, e eu
me senti alegre por ter chegado a uma boa conclusão. Estava pronta para
encarar o Rei Cedric e, sobretudo, pronta para receber as vantagens do meu
segundo pedido.
CAPÍTULO 10

Os muros do castelo de Herlain eram como uma fortaleza


instransponível, feitos para nenhum forasteiro entrar e nenhum prisioneiro
sair. Havia guardas reais ao longo da grande muralha, que observavam os
navios mercantes partindo do cais e outros se aproximando com notícias e
produtos do continente. Aquela época do ano era especial porque
costumávamos receber várias visitas, inclusive de outras famílias reais em
busca de férias em terras como a nossa, onde se podia ter tranquilidade e paz
para aproveitar as maravilhas oferecidas pela natureza, sobretudo pelo mar.
Por mais seguras que fossem as imediações do castelo, desde pequena
eu havia encontrado uma pequena abertura composta por uma rocha solta,
que dava diretamente para a areia da praia e, por se localizar na retaguarda e
em um lado da ilha completamente desinteressante, recebia bem menos
atenção dos guardas. Um deles, o Efraim, conhecia a minha passagem secreta
e permitia que eu passeasse desde que lhe trouxesse biscoitos, bolos, pães ou
algum item especial que pudesse compor o seu lanche. De qualquer forma
havíamos feito certa amizade, então trazer guloseimas acabou se tornando
atitude natural, bem como me deixar seguir para além da muralha.
— Princesa Sabine? — Efraim falou tão logo cruzei a rocha e a
coloquei em seu lugar. Era importante deixá-la intacta para que ninguém a
encontrasse e resolvesse repará-la, fazendo assim, que eu perdesse qualquer
chance de fuga. — Não a vi seguindo o caminho da praia. — A expressão do
jovem de pele clara, cabelos ruivos e que trajava a imponente armadura da
guarda estava confusa.
— O senhor deveria estar distraído — ainda que ele fosse mais novo
que eu, achava por bem tratá-lo sempre com bastante educação e respeito.
— O castelo se encontra em polvorosa à procura da senhorita — abriu
um sorriso repleto de doçura. — Particularmente, não me preocupei por
nenhum segundo. Sabia que Vossa Alteza estava bem.
— Mesmo? Por quê? — Cruzei os braços para frente, fingindo estar
ofendida.
— Porque Vossa Alteza sabe perfeitamente se cuidar. — Efraim
piscou um olho e sorriu, então coube a mim lhe devolver aquele sorriso
caloroso. Aquele guarda era um dos poucos por quem eu possuía apreço.
Pena que o seu turno era sempre do lado exterior do castelo e na parte
posterior dos muros, sendo assim, só podíamos ter contato quando eu resolvia
fazer os meus passeios às escondidas.
— Após o almoço prometo trazer pão — informei ainda sorrindo e
aprumando a barra do meu vestido. Sentei-me em uma pedra ao lado de um
grande arbusto a fim de calçar os meus sapatos. Efraim já estava acostumado
a me ver tão desorganizada, mas o resto do castelo não e eu jamais poderia
dar motivos para mais comentários ao meu respeito. — Está bem delicioso,
com bastante ervas, assim como o senhor tanto gosta.
— Muito obrigado, Princesa! — o guarda pareceu ainda mais feliz,
haja vista que o sorriso se alargou consideravelmente.
— Tenha um bom restante de dia, Efraim.
— Vossa Alteza também. Creio que será uma tarde agitada. — Efraim
desceu alguns degraus do topo da muralha até alcançar o gramado onde eu
estava. — Acabei de saber que mais visitas chegaram ao castelo. Não sei ao
certo ainda, mas os rumores dizem que se trata de mais uma família real do
continente.
Imediatamente o meu coração passou a bater mais depressa, como se
previsse que, de alguma forma, as novas visitas tinham a ver comigo e com a
ideia do Jean. Não pude evitar pensar na possibilidade de um novo
pretendente, embora a chegada de uma família não fosse incomum e muitas
vezes nada significasse para mim. Na maioria delas se resumia a apenas dois
ou três lugares a mais na mesa de jantar e criados novos circulando pelo
castelo.
Terminei de calçar os meus sapatos e me levantei com um salto,
decidida a tirar aquela história a limpo. Infelizmente as notícias chegavam a
Efraim com bastante tempo de atraso, de modo que não conseguiria arrancar
dele mais nenhuma informação relevante.
— Creio que devo me aprontar para o almoço o mais depressa
possível. Papai ficaria furioso se eu não estivesse presente para receber essa
tal família.
— Com toda certeza, Princesa. Vá, não se demore! — Efraim fez um
gesto exagerado, quase me expulsando dali, porém ainda sorria, o que me
fazia ter certeza de que estava apenas brincando comigo.
Soltei uma gargalhada sonora enquanto corria de volta para a minha
realidade, a que precisei de um tempo para finalmente conseguir suportar. Eu
me sentia revigorada, com os pensamentos ordenados e confiante de que o
gênio daria um jeito de me tirar daquela situação terrível. Segui pela lateral
esquerda do castelo até encontrar os portões de ferro que davam para o
primeiro jardim. Eu os abri pela fechadura sem qualquer dificuldade e me
esgueirei entre árvores, arbustos e esculturas até encontrar Madame Nana
sentada em um banco ornamentado, certamente aguardando o meu retorno.
Assim que me viu a dama de companhia fez uma careta de
descontentamento e se ergueu com a cabeça erguida, pronta para me dar um
sermão que me deixaria arrependida de qualquer coisa que eu tivesse feito e
que não a agradou. Naquele dia, no entanto, eu estava convicta de que havia
fugido por necessidade, não por um mero capricho, portanto Naná poderia
usar de qualquer argumento, eu não sentiria sequer um resquício de
arrependimento.
— Onde esteve, Sabine? — a sua voz sempre suave saiu dura feito as
rochas do castelo. Naná era a única criada que tinha o direito de usar aquele
tom na minha frente sem que para mim soasse inapropriado. — Não percebe
a confusão que arrumou?
— Decerto percebo, Naná. Não estou orgulhosa, porém precisava de
um tempo longe daquele Príncipe idiota.
Ela deixou os ombros caírem e suspirou alto, olhando-me como se eu
fosse um caso perdido.
— Sabine, ele era a única chance que você tinha.
— Olhe para mim, Naná. Não acha que mereço coisa melhor? — Ela
ficou em silêncio enquanto me observava, mas deu para perceber que a minha
pergunta a tocou. — Ainda é primavera, temos alguns meses, não é possível
que outro pretendente não se apresente. Ainda há tempo e haverá outra
chance.
— Não sei se o Rei se convencerá disso.
— Eu mesma me encarregarei de fazê-lo compreender. O objetivo do
meu pai não é prejudicar a mim ou ao futuro do reino, tenho certeza. —
Ainda que eu me mostrasse convicta, sabia que papai costumava ouvir a
Rainha Alexandra mais do que eu considerava aceitável, portanto, era
possível, sim, que eu seguisse para um monastério. Infelizmente a minha
própria mãe não estava ao meu favor.
Naná assentiu em um chacoalhar fraco com a cabeça.
— Chega de conversa. Vossa Alteza precisa se trocar para o almoço,
do contrário irá se atrasar.
Eu a segui para dentro do castelo e acompanhei quando Naná fez um
sinal de positivo para um guarda real que também se mantinha a minha
espera. Ele deve ter espalhado a notícia do meu retorno e encerrado as
buscas, pois, conforme caminhava para os meus aposentos, ninguém nos
importunou ou se mostrou surpreso com a minha presença circulando livre
pelos corredores.
A dama de companhia me ajudou a limpar todo o meu corpo com um
pedaço de tecido úmido, sobretudo as pernas, que estavam cobertas de areia
da praia, em seguida me vestiu com um belo vestido, já que a notícia das
novas visitas corria depressa e sabíamos que o almoço seria mais do que
especial. Era uma pena que Naná não soubesse nada a respeito, portanto
continuei sem saber de quem se tratava e qual era o objetivo da visita. Daria
tudo para que o Jean estivesse presente naquele momento, assim ele poderia
me dar uma resposta usando a sua magia.
Após quase uma hora presa em um processo completamente tedioso
de embelezamento — agradecendo porque poderia durar mais, como era
antes do primeiro pedido —, finalmente pude seguir para o salão principal,
onde era costume recebermos os convidados. O meu vestido amarelo, com
bordados em formato de pétalas brancas, era muito bonito e eu estava
satisfeita comigo mesma, sentindo-me linda. Não faria qualquer desfeita ou
decepcionaria a minha família, não havia dúvidas.
Sob o olhar especulativo da Rainha Alexandra, que me encarava de
cima do seu trono e não desviou o olhar desde que adentrei o salão até me
sentar na poltrona dedicada a mim, e também sob a análise excessiva de
Sarah, que parecia que me via pela primeira vez, aconcheguei-me com a
cabeça erguida e um porte firme que tanto me foi ensinado.
— Minha querida filha... — O Rei começou tão logo me acomodei.
Meus olhos seguiram em sua direção. Papai estava altivo como sempre em
suas vestes brilhantes. A coroa era larga, grossa e parecia bem mais pesada
que a minha. — Você está deslumbrante. Lembra-me uma joia rara, um
tesouro valioso. — E então o seu sorriso se alargou. Os meus olhos se
encheram de lágrimas com aquele elogio tão sincero. O Rei Cedric
costumava sempre me elogiar, diferentemente da Rainha, mas daquela vez eu
me emocionei com a pureza de suas palavras.
— Obrigada, papai.
— Eu acho que esse vestido está chamando muita atenção —
Alexandra comentou em um sussurro que foi devidamente ignorado por mim
e pelo papai. Simplesmente não levamos em consideração o que disse.
Embora me chateasse compreender que ela sempre se oporia a tudo que
viesse de mim, também me confortava compreender que a culpa não era
minha.
— Você está linda, minha irmã — Sarah comentou em um tom baixo
e riu para mim, no entanto, não senti a mesma verdade instalada nos olhos do
Rei. Era uma pena considerá-la uma falsa depois de tantos anos como
melhores amigas. Eu poderia estar enganada, mas eu meu íntimo algo dizia
que não deveria permitir que ela me enganasse com sua beleza e olhar sempre
doce. — Esta cor lhe cai muito bem.
— Obrigada, Sarah. Você também está linda — limitei-me a
responder, porque sabia que não valeria a pena agir sem a mesma
cordialidade que ela me oferecesse. Sem contar que eu ainda estava com
medo por ela. A minha irmã estava prestes a casar e não sabia como se livrar
do ritual da procriação. Eu temia que ela cometesse alguma loucura, fizesse
uma besteira que a deixasse em apuros. — Do que se trata a visita, papai? O
senhor já sabe? — voltei a atenção para o Rei.
— A informação que tenho é que se trata de mais um Príncipe,
possível pretendente — ele me olhou com ternura e piscou um olho de forma
cúmplice. — Parece que o Príncipe Leopoldo terá um concorrente.
— Concorrente? Mas o Príncipe Leopoldo não desistiu de...
— Rei Cedric, Rainha Alexandra... — Por falar nele, o sujeito se
materializou na nossa frente, diante do trono, e fez uma reverência que
considerei exagerada. — Princesa Sarah, Princesa Sabine... — E então
Leopoldo me olhou com intensidade. Naquele instante senti uma vontade
absurda de circular os meus dedos ao redor de seu pescoço e apertar com toda
a força que me fosse possível aplicar.
Achei que ele já estivesse bem longe de Herlain naquela hora, mas,
pelo visto, enganei-me. Talvez papai ainda não soubesse de sua desistência e
poderia tomar ciência naquele momento, sendo assim, prendi a minha
respiração. Eu me sentia tomada pelo nervosismo com a ideia de ser
desmascarada na frente dos meus pais.
— Príncipe Leopoldo! — o Rei Cedric falou com seu vozerão
imponente. — Como vai? Soube que tomou o desjejum com a minha filha.
— Sim, foi um agradável desjejum — ele disse e me olhou de
maneira fixa. Eu não sabia o que havia nas profundezas dos seus
pensamentos, mas, para mim, era muito óbvio que estivesse mentindo.
Aquela porcaria de desjejum havia sido esquisita, entediante e um desastre
completo. — A Princesa Sabine é uma dama encantadora. Gostaria de
solicitar uma reunião com o senhor mais tarde, a fim de conversarmos sobre
economias.
— Claro, claro — papai balançou a cabeça em afirmação. — Creio
que tenho um horário livre no fim de tarde. Mandarei um criado avisá-lo
assim que eu puder recebê-lo.
Eu estava completamente consciente da minha expressão deformada
enquanto ouvia e acompanhava o desenrolar daquela cena medíocre. O
imbecil não havia desistido, pelo contrário, mantinha a ideia de conversar
com o meu pai sobre o comércio e certamente também me negociaria caso
decidisse que se casar comigo lhe daria vantagens econômicas. Os meus
sentimentos e o meu corpo, inclusive a minha abertura íntima, estavam em
jogo: de um dia para o outro poderia ter que pertencer a um homem como ele,
oposto a todos os valores que sempre prezei.
O meu coração batia depressa e eu estava quase me levantando do
trono, disposta a falar olho no olho com aquele sujeito interesseiro, ainda que
os meus pais não aprovassem aquele comportamento. Contudo, não houve
tempo para que eu me manifestasse, logo algumas trombetas soaram e o
Cristóvão, prostrado sobre um pequeno palco de madeira, abriu um
pergaminho diante de si e passou a ler as seguintes palavras:
— Rei Cedric VI, Rainha Alexandra, Princesas Sarah e Sabine e todos
os membros da corte de Herlain: eu vos apresento, com bastante humildade e
contentamento, o nosso visitante: Príncipe Jean, do reino de Serth, no
continente. Abram alas para o príncipe e a sua comitiva!
Eu estava chocada com todo aquele espetáculo, porém fiquei ainda
mais estarrecida diante do nome do tal príncipe visitante. Não era possível
que se tratava de quem eu imaginava — era impossível! No entanto,
contrariando todas as possibilidades e fazendo o meu peito acelerar em um
nível exaustivo, uma figura imponente se colocou no meio do salão enquanto
convidados, membros da corte e criados se remexiam a fim de abrir um
corredor largo onde fosse possível a passagem dos visitantes.
E então ele começou a caminhar na direção do trono. Por mais que
todos a sua volta o olhassem com curiosidade, seu olhar escuro e brilhante
estava direcionado a apenas uma pessoa: a mim. Jean, o meu Jean... Quero
dizer, o meu gênio da lâmpada, estava presente de uma maneira
completamente física, como um ser humano de verdade. Vestia trajes
comportados e de muito bom gosto, porém mantendo o brilho e as cores
variadas que tanto pareciam lhe agradar.
— Oh... — soltei um suspiro e até mesmo a minha irmã suspirou ao
meu lado. Eu a olhei e ela parecia igualmente chocada, colocando a mão
direita sobre o coração.
Eu tinha certeza de que ele era belo, porém jamais me pareceu tão
atraente quanto naquele instante. Talvez porque Jean não me inspirasse medo
ou dúvidas, muito pelo contrário. Aquele gênio me inspirava segurança e eu
via nele um amigo verdadeiro, alguém com quem podia contar, ainda que me
colocasse em apuros em certos momentos. Havia verdade em sua expressão
compenetrada e um divertimento inteligente que me era bastante agradável.
Atrás do Jean surgiu meia dúzia de criados que pareciam dispostos a
servi-lo em qualquer situação. O seu caminhar foi lento, porém ao mesmo
tempo convicto, até se aproximar do primeiro degrau que subia na direção do
trono. Ali o Jean se curvou e, ao erguer-se, abriu um sorriso que eu considerei
encantador. A minha respiração ainda estava suspensa.
— Ouvi falar da educação, beleza e simpatia da realeza de Herlain —
ele disse e aquela voz, tão reconhecível e tão diferente, trouxe-me um arrepio
intenso, que percorreu o meu corpo de cima a baixo. Um calor insuportável
se apossou de mim, inclusive no centro abaixo do meu ventre. Senti os meus
seios se endurecendo, forçando o corpete e provocando-me certo desconforto.
— Mas não supunha que seria tão bem recebido. É uma honra conhecê-los e
me coloco ao dispor — fez uma reverência tão elegante que precisei soltar o
ar para não desmaiar. — Sou Jean, Príncipe do reino de Serth e com bastante
certeza digo que minha visita vem das maravilhosas recomendações que
recebi a respeito da adorável Princesa Sabine.
Ele me olhou com tanto afinco que quase cheguei a imaginar que o
seu desejo por mim era real. Eu sabia que tudo aquilo era uma encenação;
talvez a ideia do Jean girasse em torno de me cortejar para que eu pudesse
ganhar tempo. De fato, ele possuía uma imaginação incrível e eu me
encontrava extremamente grata por ter se dado tanto trabalho sem que fosse a
sua obrigação como gênio da lâmpada. Mesmo sem nada pedir, ele fazia
aquilo por alegar ser o meu amigo.
Ninguém jamais havia feito tanto por mim.
— A honra é nossa, Príncipe Jean! — Papai falou com animação,
parecia muito entusiasmado. — Fico feliz que tenha recebido boas
recomendações. As minhas filhas são os meus tesouros!
— Posso ver que são — Jean falou, convicto, porém seu olhar ainda
estava grudado em mim e ele não dispensou nem um segundo de atenção a
Sarah, o que por um lado me preocupou e por outro me deixou orgulhosa.
O calor aumentou consideravelmente, de forma tal que precisei
começar a me abanar. Logo Naná percebeu a minha necessidade e me
ofereceu um leque, que abri imediatamente, caso contrário poderia entrar em
combustão.
— Seja bem-vindo a Herlain, querido — mamãe disse de um jeito tão
alegre que precisei olhá-la. Seu rosto estava tomado pela vermelhidão e ela
sorria como quase nunca fazia, sobretudo em público e sem ter tomado
sequer uma taça de vinho.
— Obrigado, Rainha Alexandra. Posso ver nitidamente de onde vem
tanta beleza nesta família — Jean a reverenciou mais uma vez e se colocou
diante do meu pai: — Rei Cedric, venho na intenção e decidido a cortejar a
Princesa Sabine, porém creio que Vossa Majestade precisa saber mais ao meu
respeito e Vossa Alteza... — tornou a me olhar. — Precisa de um tempo para
cultivar o verdadeiro amor pela minha pessoa. Será o meu objetivo
primordial durante a minha visita a Herlain. Sendo assim, solicito, antes, os
sete dias de reconhecimento.
— Mas... — Príncipe Leopoldo, que havia sido completamente
esquecido ao lado do trono, começou a dizer, porém não teve chance de
concluir porque o meu pai se adiantou:
— O senhor precisa saber que Sabine está passando pelos sete dias de
reconhecimento com o Príncipe Leopoldo — apontou para o idiota, que deu
de ombros. Ele parecia verdadeiramente irritado, mas eu me mantive
maravilhada diante da situação. — Ainda assim deseja ser um concorrente?
— Mas é claro! — Jean bateu palmas e sorriu. — Assim a Princesa
Sabine terá a chance de escolher o homem que mais lhe agradar como futuro
marido e eu não medirei esforços para ser este sortudo cavalheiro. — Virou-
se na direção de Leopoldo: — Tenho certeza de que o Príncipe Leopoldo
também dará o seu melhor.
— Claro — murmurou, por sua vez.
O meu pai sorria tão largamente que eu me contagiei com aquela
emoção que nos rodeava. Havia lágrimas nos meus olhos e o meu corpo
estava trêmulo, mas ainda assim fui capaz de sentir felicidade. Com dois
pretendes ao meu dispor, certamente os sete dias poderiam ser prolongados
por mais semanas, de acordo com a necessidade e a vontade do Rei. Todas as
partes precisavam estar de acordo e, ao lado do Jean, a minha vida seria ainda
mais interessante.
Além do mais, ter dois pretendentes significava que eu possuía algum
valor e esta notícia certamente correria os sete mares. Mais pretendentes
chegariam. Mais possibilidades de cultivar o amor verdadeiro eu teria. Era
irritante que homens precisassem reconhecer a minha importância para que
de fato eu fosse importante perante o reino, mas as coisas infelizmente
aconteciam daquela maneira.
Sendo assim, só me restava ser grata e aproveitar a chance que me foi
dada por aquele gênio que sabia muito bem ser um grande amigo.
— Se todos estão de acordo... Que comecem os sete dias! — O Rei
Cedric se ergueu e todos no salão ovacionaram aquela boa e saudável disputa.
Eu me encontrava nas nuvens.
CAPÍTULO 11

De alguma forma desconhecida, todo aquele calor que eu estava


sentindo apenas em ver o Jean circulando pelo salão, altivo, fazendo
amizades e permitindo que todos se maravilhassem com a sua presença,
remetia-me ao louco sonho que tive naquela noite. Eu não sabia onde as
peças se encaixavam, mas, em meu interior, pareciam fazer sentido. Talvez
porque o ponto íntimo entre as minhas pernas estivesse quente e, eu sentia,
gotejava de um jeito tão estranho que eu consideraria a possibilidade de um
início dos dias de regra se ela não tivesse ido embora fazia poucos dias.
Inquieta e com o leque trabalhando, já fazendo o meu punho doer,
papai anunciou o almoço que seria realizado no grande salão adjacente, o que
possuía uma mesa ampla onde cabiam todos com bastante folga. Eu queria
sentar perto do gênio, e pelo visto todos por perto, sobretudo as damas,
também queriam, mas mamãe exigiu que ele se sentasse do outro lado, perto
do Príncipe Leopoldo. As regras seriam as mesmas, ainda que a Rainha
Alexandra estivesse realmente gostando do Jean.
Dezenas de criados e criadas passaram a nos servir com assados,
frutas silvestres, legumes frescos, ensopados e toda a qualidade de pão. A
fartura se instalou dentro do castelo de Herlain e pude ver o olhar de
contentamento dos membros da corte e dos visitantes. Eu não conseguia
desviar o meu rosto na direção do Jean. Ele, por sua vez, disfarçava entre
uma mordida e outra, porém seus olhos escuros logo se recaiam sobre os
meus e me sentia ainda mais quente.
Eu queria muito saber de onde vinha tanto calor. O clima estava
agradável, logo, não poderia culpar as horas de sol. O meu vestido possuía
um tecido leve, confortável, ainda que o corpete estivesse um tanto apertado,
então também não poderia justificar utilizando as minhas vestes. Quanto mais
observava o Jean mais me lembrava das sensações esquisitas que eu sentira
no sonho.
Em certo momento ele me olhou tão fixamente que senti o meu rosto
enrubescer e um desespero terrível se apossou de mim, portanto precisei me
erguer e todos ao redor me olharam com atenção. Dezenas de rostos alegres
esperaram que eu me pronunciasse de alguma maneira, porém minha única
vontade era sair correndo.
Clareei a garganta, tentando ganhar tempo. Precisava de alguma ideia
para me tirar daquela situação. Ao ver um criado servir uma taça de vinho a
um membro da corte, lembrei-me de que poderia sugerir um brinde. Ergui a
minha própria taça e sorri, nervosa, ainda sem saber o que dizer.
Os sorrisos se tornaram maiores quando entenderam o que eu faria.
— Gostaria de propor um brinde a todos os visitantes de Herlain —
falei em um tom alto para que todos me ouvissem. Taças foram erguidas e
gritos de “viva” tomaram o salão. Como eu não sabia mais o que dizer,
apenas voltei a me sentar. A ideia de fugir dali se tornou fracassada.
Percebi a mamãe me olhando com uma expressão de
descontentamento; ela não achava certo que damas propusessem brindes, mas
era aquilo ou fazer que se envergonhasse ainda mais das minhas atitudes. O
Rei Cedric VI se levantou logo em seguida, com a taça já erguida e um porte
imponente que era capaz de fazer todos se silenciarem sem que nada
precisasse dizer.
— Hoje faremos um baile de boas-vindas! — ordenou em um vozerão
grave. — Em homenagem à primavera e aos novos visitantes! — encarou o
Jean, que sorria abertamente e mantinha a própria taça erguida.
Mais gritos ressoaram pelo salão e percebi que a quantidade de vinho
ingerida aumentou consideravelmente depois do pronunciamento do Rei. Eu
me limitei a apenas uma taça, como era a recomendação da Rainha, mas pela
primeira vez não lamentei este fato, já que notei que o álcool fazia o meu
calor aumentar.
Após o almoço eu estava livre para descansar e me preparar para o
baile mais tarde, no entanto, precisava dar um jeito de levar o pão para
Efraim, como prometido. Eu gostaria de ir pessoalmente, mas Naná me
garantiu que levaria e que era melhor que eu me recolhesse em meus
aposentos, a fim de não arranjar mais confusão, segundo as suas palavras. Na
verdade ela estava com medo que eu me “desaparecesse” novamente, deu
para notar em seu olhar aflito. Então, resolvida a não deixa-la preocupada,
fiquei sozinha no quarto após prepararmos uma cesta recheada de guloseimas
para o guarda real.
Observava pela janela da torre mais alta quando a luz azul surgiu na
minha frente. Dei um pulo de susto porque não a esperava, mas logo me senti
aliviada com a presença do gênio, o que não fazia o menor sentido, haja vista
que minutos atrás eu tinha tentado fugir de seu olhar marcante.
— Sabia que eu ganhei um aposento? — a luminosidade falou com a
voz do Jean e eu sorri. — Já fiz algumas alterações e, veja só, tenho até uma
pequena sala de banho particular!
— Nossa! Como fez isso? — questionei, mas depois me senti uma
imbecil por ter feito uma pergunta tão óbvia. A magia era capaz de qualquer
coisa, inclusive de torná-lo um Príncipe bem real.
Talvez compreendendo o meu arrependimento, o gênio não me
respondeu, em vez disso adentrou o meu quarto pela passagem da janela e
finalmente se materializou. Contudo, ele não mais estava em suas vestes de
Príncipe; voltara a manter o peito nu naquela vestimenta que mamãe
consideraria um escândalo. Fiz o possível para não observar o largo peitoral
diante de mim, deixando-me constrangida e com o rosto certamente
enrubescido.
— Eu gostaria que o senhor... que você usasse roupas mais adequadas
— falei de uma vez, antes que ele resolvesse se sentar na poltrona criada por
ele mesmo e assim deixar mais pele à mostra.
— Hum... — Jean olhou para si mesmo e estalou os dedos. De um
segundo para o outro as vestimentas de Príncipe retornaram e eu pude
suspirar de alívio. — Assim está melhor?
— Sim, obrigada.
— Não sabia que as vestes de gênio incomodavam a senhorita —
como eu já previa, ele de fato se sentou na poltrona e eu tratei de ocupar a
beirada da cama, permanecendo na sua frente. — Eu gostaria de te ver com as
vestes que eu considero apropriadas.
— E quais seriam?
Jean estalou um dedo e logo o meu vestido simplesmente sumiu,
dando lugar a alguns pedaços de pano que mal cobriam o corpo. Havia um
pequeno tecido luminoso ao redor dos meus seios, com alças delicadas
caindo baixo dos ombros e uma espécie de saia de baixo do mesmo tecido
colorido. Não havia nada cobrindo o meu abdômen.
— Ah! Jean, pare! — soltei um grito espantado e o meu vestido
retornou no mesmo instante. Apavorada, eu o olhei com o coração batendo
depressa e ele mantinha uma expressão repleta de divertimento.
— Como imaginei, você fica deslumbrante.
— Não faça isso novamente — resmunguei, ignorando o elogio.
Ainda tentava acalmar os meus nervos. — Não me deixe quase sem vestes na
frente de um homem de novo, Jean. É extremamente escandaloso.
— A senhorita não precisa se preocupar comigo neste sentido. — O
gênio se levantou da poltrona e se sentou ao meu lado na beirada da cama. —
É sobre este assunto que vim falar com você.
— Q-Qual assunto? — Eu não imaginava ter uma conversa sobre
nudez com o Jean e nem com nenhum ser vivo.
— Gostaria de avisar a senhorita, e preste muita atenção no que eu
disser: tudo o que o Príncipe Jean do reinado se Serth falar ou sugestionar a
senhorita não deve levar em consideração e deve ter ciência de que é apenas
uma representação.
Dei de ombros. Eu não sabia se havia ficado aliviada ou entristecida
com a informação, já que ele soltara alguns bons elogios. Talvez o Jean nem
mesmo me achasse bela ou atraente, como me fez acreditar até então.
— Tenho bastante ciência deste fato — respondi em um tom mais
duro, firme, na intenção de me proteger de suas inverdades. Desviei o rosto e
abracei a mim mesma. A vontade era de me distanciar do gênio, porém não
havia para onde correr; ele sempre me encontraria. — Não se preocupe, pois
não haverá equívocos.
— Olhe para mim, Sabine — pediu em uma voz mansa que fez o meu
coração voltar a se agitar. Eu o observei e precisei suspender a respiração por
causa de seu olhar atento, brilhante, e de seu rosto muito próximo. — É
importante que saiba que eu não posso ser o seu verdadeiro amor.
Soltei um riso nervoso. Se me perguntassem eu não saberia explicar
por que estava me sentindo tão sufocada.
— Não imaginei um absurdo desses, Jean!
Ele assentiu com leveza.
— Pois bem. Ainda assim me vejo na obrigação de alertá-la. Todas as
minhas ações serão apenas para que outros rapazes mantenham o interesse na
senhorita e de fato se esforcem para agradá-la — ele prosseguiu, ainda com o
rosto muito próximo. Os olhos estavam mais escurecidos, um pouco
indiferentes, como se, no fundo, o gênio sofresse por algum motivo que era
de meu desconhecimento. — Por favor, Sabine, peço para que não se
confunda. Eu nada posso ter a ver com a sua vida íntima, sou apenas um
gênio com o dever de te conceder desejos.
Assenti com a cabeça, de repente me calando diante de suas palavras.
Sentia-me sufocada e não sabia o que responder, além do mais, meus olhos
começavam a marejar de uma maneira desconexa. Jamais pensei na
possibilidade do gênio ser o meu verdadeiro amor. Nem mesmo humano ele
era.
— Eu sei — murmurei, fraquejando. — E agradeço pelos seus
esforços. Tenho certeza de que receberemos mais visitas em breve.
— Não tenho a menor dúvida — Jean sorriu e desviei o rosto mais
uma vez. Com receio de que percebesse a lágrima sorrateira que resolvera
cair, eu me ergui e a enxuguei, virada de costas para ele. — A senhorita está
bem?
— Claro, claro. Eu só... Estava pensando em como falar sobre o
segundo desejo para você.
— Já tem um segundo desejo? — Jean falou às minhas costas, em um
timbre empolgado que me comoveu. Ele só queria finalizar o seu trabalho.
Talvez, quando eu fizesse o último pedido, o gênio tivesse que desaparecer e
me deixar por conta própria.
Eu não sabia aquela informação e estava com bastante medo de
perguntar. Sendo assim, escolhi a completa ignorância. Até porque não sabia
ao certo sobre o segundo pedido e muito menos a respeito do terceiro. Talvez
eu o guardasse por mais tempo, a fim de não haver qualquer equívoco.
— Creio que sim — limitei-me a dizer.
— E é um desejo das profundezas de sua alma?
Eu me virei para analisá-lo. Jean estava de pé e, por ser mais alto que
eu, precisava erguer a cabeça.
— Certamente se trata do princípio dos meus problemas — falei com
calma, medindo cada palavra com bastante precisão. — Caso ele for
resolvido, não haverá barreiras entre mim e um possível pretendente.
— Estou curioso. Do que se trata?
Soltei um longo e audível suspiro. Se eu não conseguisse me comunicar
com o Jean, ainda que fosse difícil e constrangedor, jamais teria a chance de
resolver o problema e, em contrapartida, não me permitira encontrar um
verdadeiro amor. Sem contar que o meu desejo ainda salvava a Sarah, de
certo modo. Eu poderia simplesmente pedir para que o ritual de procriação
não existisse ou para que fosse de outra maneira, uma menos terrível. Eu
gostava da ideia dos bebês serem trazidos por um pássaro.
— Eu... Será um pouco inadequado o que irei falar, Jean, e peço
desculpas de antemão. Não quero soar rude, indelicada ou vulgar.
— Vulgar? — Jean fez uma careta de confusão e depois riu. — Você?
— Fiquei calada e dei de ombros. — Estou ainda mais curioso, Sabine. Não
se preocupe com absolutamente nada, muito menos com julgamentos, eu não
estou aqui para te julgar e certamente não julgaria a sua índole. Você é livre
para ser o que quiser.
— Certo... Eu... — fechei os olhos. — Queria pedir para não existir
mais o ritual da procriação — falei depressa, atropelando as palavras. Nem eu
mesma compreendi a sentença.
— O quê? Não entendi.
Soltei outro suspiro e permaneci de olhos fechados. Não queria vê-lo
enquanto dissesse aquilo em voz alta.
— Queria pedir para que o ritual da procriação não mais exista —
daquela vez pronunciei devagar.
Durante um minuto completo não ouvi sequer o Jean respirar. De olhos
fechados, esperei pela gargalhada ou pela repreensão, porém nada aconteceu.
O gênio se demorou tanto para reagir que precisei abrir os olhos novamente
só para conferir se ele ainda estava presente no aposento. Infelizmente,
estava. E me olhava com tanto espanto, com o cenho tão franzido, que me
arrependi de imediato.
— E-Eu... — Pela primeira vez eu o deixei sem palavras. Jamais o vi
tão hesitante. — Não sei se a compreendi.
— Jean, não torne a situação mais difícil. Você deve ter me
compreendido.
— Sabine... Por que raios você quer extinguir o... sexo?
— Sexo? — repeti, com os olhos arregalados.
Jean ficou me olhando enquanto piscava os olhos mais vezes que o
normal. Ainda que sua pele fosse bronzeada, deu para notar que ficava cada
segundo mais avermelhada, deixando óbvio o seu constrangimento. Dei de
ombros mais uma vez e tornei a me virar de costas. Olhei para a janela e
imaginei o que aconteceria se eu simplesmente pulasse do alto da torre.
— Sabine... — Senti sua mão tocar o meu ombro direito e um arrepio
me percorreu a espinha de cima a baixo. — Eu preciso saber o motivo.
Alguém te tocou... — ele fez uma pausa significativa — intimamente sem
permissão?
— Não! — quase berrei, voltando a me virar em sua direção.
Infelizmente, foi uma péssima escolha. Jean estava muito perto, com o olhar
preocupado e nem um pouco disposto a parar de me tocar nos ombros, muito
pelo contrário, ergueu a outra mão também. — Não, de modo algum.
Ninguém jamais me tocou na... intimidade. — Passei a língua nos lábios
secos e os prendi em seguida.
Eu encontrava muita dificuldade para respirar.
— Por que, Sabine? — murmurou a pergunta.
Abaixei o rosto por não mais suportar o peso de seu olhar atento.
— Porque... É um ritual terrível que tortura mulheres — lágrimas se
formaram instantaneamente. — A minha irmã está apavorada diante da
iminência do casamento e... Eu também estou. Não quero ter um membro
masculino invadindo a minha... — comecei a choramingar feito uma criança.
Não conseguia mais controlar o meu corpo: as lágrimas caiam em enxurradas
e a minha voz saía embargada. — A minha abertura íntima. Eu não quero,
Jean, não quero sangrar, não quero!
— Ei, ei... — o gênio me puxou para si sem qualquer hesitação e me
ofereceu um abraço forte, longo, aconchegante, capaz de me deixar calma
como mais uma de suas mágicas.
Senti o seu cheiro e a moldura de seu corpo grande no meu. Senti
também o carinho imenso que ele me dispensava, a preocupação em me
deixar bem, em me consolar. Infelizmente cedo demais o gênio se afastou,
porém só o suficiente para conseguir me olhar de perto.
— Sabine... Preste atenção. Eu não sei o que você sabe a respeito disso
e nem o que te disseram, mas não é bem assim.
— Não? — um resquício de sorriso surgiu em meus lábios, embora os
meus olhos ainda estivessem repletos de lágrimas. — Não há um órgão
masculino que invade a abertura íntima de uma mulher?
— Bom... Sim, isso há, de fato.
— Oh, não! — voltei a chorar e ele a me abraçar.
— Sabine, me escute. Há o que falou, mas também há algo que você
não sabe.
— O quê? O que eu não sei? — Daquela vez fui eu que tomei a
iniciativa para me afastar de seus braços.
Jean me olhou tão profundamente que fiquei paralisada.
— Há o prazer — sua voz soou dura e, ao mesmo tempo doce. Senti
uma espécie estranha de emoção. — Há o gozo. Querida, este tal ritual que
mencionou precisa ser prazeroso para ambas as partes.
— Pra... Prazeroso? Não vejo como pode existir prazer em um ato tão
terrível, Jean.
Ele balançou a cabeça em negativa.
— Não é terrível — sua convicção me tocou, ainda que eu me
mantivesse receosa. Não conseguia encaixar o que ele estava dizendo com o
que mamãe dissera à Sarah. Não parecia se tratar da mesma coisa. — Quando
há amor, consentimento, desejo... Pode ser o ato mais lindo e especial de
todos.
— Mas... Como? Como pode ser, Jean?
Ele sorriu com suavidade e me puxou para que sentássemos na beirada
da cama novamente.
— A senhorita vai entender, porém com o tempo. Prometo que tirarei
todas as dúvidas, mas será por partes para que não se assuste ou tenha uma
ideia errada de como funciona. — Enquanto ele continuava sorrindo eu
prosseguia banhada nas profundezas do estarrecimento. — Suponho que
jamais tenha se tocado, não é?
Meus olhos piscaram em uma grande velocidade.
— Me... tocado? — E o meu rosto estava absolutamente quente.
— Foi o que pensei... Esse século é uma droga. Enfim... — Jean
segurou as minhas mãos. — Sugiro que comece a despertar os seus desejos
sozinha, assim o restante será mais fácil e logo irá compreender o que falo.
— Sozinha? Como assim?
Jean pareceu reflexivo por alguns instantes. Levantou-se da cama e
me olhou de cima, de certo ainda pensando sobre o que diria.
— Comece a se tocar sozinha, com intimidade. Seus seios... —
apontou para o meu corpete. Seu dedo chegou tão próximo que quase pude
sentir a carícia em uma região tão restrita do meu decote. — Entre as pernas...
Faça devagar e tente relaxar.
Imediatamente levei as mãos aos ouvidos.
— Oh, céus, Jean, não fale essas coisas na minha frente! É tão
inadequado!
Ele segurou os meus pulsos e afastou as palmas.
— Deixarei a senhorita a sós com seus pensamentos agora. Creio que
deve estar cansada e são muitas informações para processar. Só te peço para
jamais, Sabine, jamais sentir vergonha de seu corpo. Ele é seu e só você tem
poder sobre ele.
Então o Jean piscou um olho, voltou a sorrir e desapareceu
completamente. Eu continuei perdida, sentindo-me sufocada, com a
respiração veloz e o coração retumbando no peito. Por outro lado, ainda que
não fizesse sentido, encontrava-me mais esperançosa.
Uma parte considerável do pavor desapareceu junto com o gênio.
CAPÍTULO 12

Ainda que eu precisasse descansar após aquela manhã agitada e o


farto almoço, não consegui sequer ficar quieta sobre o meu leito. Naná
apareceu minutos depois de o Jean ir embora, avisando que levou o lanche
para Efraim e me ajudando a retirar o vestido apertado para que eu, enfim,
descansasse. Depois, deixou-me sozinha como eu bem queria naquele
momento de profunda confusão.
As palavras do gênio não paravam de retornar à minha mente; era
como se eu as ouvisse repetidas vezes e em nenhuma delas passei a achar sua
ideia distante de ser absurda. Não estava disposta a tocar a mim mesma e nem
imaginava o que isso tinha a ver com o ritual da procriação e o suposto prazer
que ele deveria oferecer. Quanto mais pensava, mais parecia que o Jean só
dissera aquilo para me tranquilizar, ou talvez para me arrancar o restante do
juízo que sobrara – ele era muito bom nisso.
Enquanto aguardava o sol se pôr e Madame Naná aparecer para me
ajudar com as vestes para o baile, não houve nada que eu pudesse fazer além
de pensar. Infelizmente, todas as reflexões giraram em torno do Jean, do calor
que eu sentira durante o almoço ao ponto de me incomodar com o tecido
sobre a minha pele.
Olhei para a minha roupa íntima com atenção. Eu vestia apenas um
tecido fino que me cobria quase totalmente, deixando o mínimo de pele
exposta. Perguntei-me imediatamente se as recomendações do gênio
mencionavam se o toque deveria ser por sobre as vestes ou sem ela, porém
não me recordava deste detalhe. Como me exibir para iniciar um toque
inadequado me pareceu uma atitude constrangedora além de todos os limites,
somente repousei uma mão por cima da protuberância que demarcava um
seio.
Logo em seguida a retirei, sentindo-me idiota por não fazer ideia do
que deveria ser analisado, sentido ou feito durante aquela carícia dada a mim
mesma. Parecia-me desconexo, algo sem objetivo. No entanto, tornei a
colocar a mão em concha, cobrindo a carne que me era motivo de vergonha
por razões que nem eu mesma conseguia explicar. O meu corpo reagiu ao
movimento com certa repulsa e tirei a mão novamente, já arrependida por ter
caído naquelas armadilhas do gênio. Talvez ele estivesse brincando comigo,
talvez fosse tudo uma verdadeira piada.
Em contrapartida, em meu íntimo algo dizia que eu deveria continuar
para ver o que poderia acontecer. Particularmente, achei esquisito me tocar,
mas também achei interessante; um paradoxo longe de minha compreensão.
Sendo assim, disposta a seguir em frente, parti para o próximo passo: o meio
de minhas pernas.
Rastejei a mesma mão ao longo do meu abdômen, passando pelo
ventre, até estacioná-la naquela região íntima. Os pensamentos vaguearam na
direção do Jean, de seu sorriso largo aberto, do cheiro de ervas e da voz que
eu já era capaz de reconhecer. Mais cedo o calor havia perturbado aquele
ponto sugestivo e eu não soube o que fazer. Naquele instante, tampouco.
Embora tivesse sentido repentinamente uma vontade absurda de ir além,
preferi recuar porque a sensação foi perturbadora demais para que eu
suportasse.
Soltei um longo suspiro e decidi voltar para o seio. Ele me parecia
uma região mais segura para ser explorada.
— O que está fazendo? — Vi a Sarah entrando no meu quarto sem
anunciar a sua chegada. Olhava-me com uma expressão atordoada.
— Nada — eu me sentei na cama depressa, até me sentindo um pouco
tonta com a movimentação rápida. — O que faz aqui?
— Nossa... Não precisa me tratar com grosseria. Só vim conversar.
— Perdoe-me, Sarah — murmurei em tom de lamento, ainda me
sentindo envergonhada por ter sido pega me tocando. A minha irmã deve ter
achado bastante inadequado, mas soube fingir bem, já que apenas se
aproximou e se sentou na beirada da cama sem ser convidada. — Sobre o quê
quer conversar?
Ouvi o seu suspiro e a expressão, que antes achei que fosse por minha
causa, mostrou-se provir de um assunto muito mais sério.
— Esta noite irei conversar com papai solicitando a anulação do
casamento.
— Anulação? — Abri os meus olhos ao máximo. — Como assim,
Sarah? Não pode anular o seu casamento!
Mas ela balançou a cabeça em negativa, os olhos azuis já tomados
pelas lágrimas. Eu não soube o que dizer, já que ela parecia inconsolável,
então me limitei a puxá-la para mim e abraçá-la com força.
— Tem a ver com o ritual? — questionei depois de um tempo,
tomando coragem para entrar naquele assunto perturbador.
— Claro que tem, Sabine. Decidi que não quero participar disto —
Sarah choramingava sem qualquer dignidade, como uma criança indefesa
faria diante de uma injustiça. — Não quero me casar nunca. Vou dizer ao
papai que me conectei com Deus e é somente com Ele que irei casar.
— Oh, não... Não me diga que... — levei uma mão à boca, surpresa.
— Prefiro ir a um monastério — Sarah assentiu com a cabeça, em
seguida enxugou algumas lágrimas usando as pontas de seus dedos delicados.
— Não consigo sequer olhar nos olhos do Príncipe Augusto.
— Minha irmã, eu... — fiz uma pausa com o único objetivo de ganhar
coragem para prosseguir. Arfei de um modo sonoro e finalmente prossegui:
— Tudo indica que mamãe cometeu um equívoco ao falar aquilo para você.
Os olhos de Sarah pareceram se iluminar.
— Mesmo? Então não há ritual?
— Não... Sim. Quero dizer, há o ritual, mas não é como mamãe
descreveu.
Sarah levou uma mão ao peito e suspirou aliviada.
— Oh, meu Deus. E como é? O que dizem nos livros? — Ela soltou
outro longo suspiro. — Sabine, você não faz ideia do quanto estou aliviada.
Eu amo o Augusto das profundezas do meu coração, mas não consigo
conceber que...
— Calma, Sarah, espere. Eu ainda não sei como exatamente é esse
ritual. — Ela fez uma expressão confusa e deve ter ficado em silêncio
esperando que eu me explicasse, porém nada consegui dizer.
— Você não sabe de nada, não é? Só está tentando fazer com que eu
me case de uma vez. Decerto é você que pretende ir a um monastério e está
me jogando para os lobos a fim de termos herdeiros em Herlain — Sarah se
levantou da cama com os punhos cerrados, demonstrando bastante irritação.
— Não sei o que pretende, Sabine, mas não mudarei de ideia.
— Sarah... — Eu me levantei para ficar na sua frente, um pouco
decepcionada com a forma como ela achava que eu agia. Olhei-a com uma
expressão firme, séria, para que assim pudesse compreender que eu não
estava brincando, apenas sendo sincera. — Peço para que espere um pouco
mais. Estou perto de descobrir cada passo do ritual de procriação e
certamente irei repassar todas as informações sem esconder nada. Só espere
um pouco mais, por favor.
— Augusto está impaciente com o meu distanciamento.
— Tente agir normalmente, Sarah — sugestionei, voltando a me
sentar. De repente me senti cansada e arrependida por não ter tirado nem
mesmo um pequeno cochilo. — Prometo que descobrirei tudo em breve.
— Está bem — a minha irmã caminhou de volta para a porta. Já não
havia mais resquícios de choro em sua face sempre corada na medida certa.
— Mas não vou aguardar mais do que uma noite, Sabine. Quanto mais rápido
cancelar o casamento, melhor. Não suporto mais um dia preparando aquela
porcaria de enxoval.
E então Sarah se foi sem esperar qualquer resposta de minha parte.
Percebi que não poderia julgá-la tanto, visto que eu também estava apavorada
e pensando na possibilidade de ir ao monastério, mas, ao contrário do que ela
pensava, eu nunca a obrigaria a se casar por causa da perpetuação da família
real. Acreditava que ninguém deveria se sacrificar, não era justo com
nenhuma de nós.
Sem que eu encontrasse qualquer tempo para pensar com clareza nas
palavras de Sarah, Naná apareceu com um vestido novo e maravilhoso,
enviado por ordens da Rainha Alexandra para que eu o usasse naquela noite.
Assim que o vesti percebi que, embora o tecido fosse muito bom e de uma
cor azul que lembrava a noite, era bastante sóbrio e fechado, sem deixar
nenhum pedaço de pele à mostra, já que cobria também o pescoço e os
punhos, além de ser acompanhado por luvas da mesma cor.
— Eu o achei bem elegante — Naná comentou com pouca animação
enquanto penteava os meus cabelos.
Eu me olhava no espelho com certa tristeza, sentada sobre a banqueta
e considerando o fato de infelizmente não conseguir chamar qualquer atenção
naquele baile, o que fugia completamente de meus objetivos. A ideia era me
mostrar linda e atraente aos olhos dos outros, para que assim um possível
amor verdadeiro surgisse.
— O que é isso? — Jean apareceu de um modo súbito ao meu lado.
— AH! — soltei um grito e Naná também gritou, saltando para trás
tamanho o susto.
— O que houve, Sabine?
— E-Eu... E-Er... — Percebi que o gênio estava em sua versão
invisível, já que a minha dama de companhia certamente repararia em sua
figura se pudesse vê-lo. Era impossível não reparar. — Só me assustei com...
Naná, os meus cabelos já estão ótimos. Vou descer daqui a pouco, poderia
me deixar sozinha agora?
— Mas Vossa Alteza não pode se atrasar e...
— É só uns minutinhos, prometo.
Ela não me pareceu muito feliz com o meu pedido, mas como não era
nada exagerado, fez uma reverência silenciosa e se retirou do aposento sem
olhar para trás. Já eu me virei na direção do Jean com uma expressão bem
menos satisfeita do que a de Naná.
— Você precisa parar de aparecer do nada, Jean! — Levantei-me da
banqueta a fim de me distanciar dele, já que estava tão próximo que me
impedia o pleno raciocínio. — Daqui a pouco todos irão me considerar uma
louca.
— Da próxima vez irei me lembrar — ele sorria abertamente e de
algum modo percebi que ele sempre iria me assustar, de fato. Era o seu
divertimento.
— O que faz aqui?
— A senhorita está atrasada, o baile já começou há alguns minutos.
Vim conferir se estava tudo bem.
— Está tudo bem, acabo de ficar pronta — abri os braços para que
observasse o meu visual para a comemoração.
— Acho que falta um detalhe... — Jean ergueu uma mão e eu já podia
prever o que faria. Como o esperado, estalou um dedo e o vestido sugerido
por mamãe prosseguiu da mesma cor, porém tinha uma nova remodelagem.
De repente as mangas foram embora e o decote se abriu, deixando
bastante pele dos ombros e do colo expostas. As luvas aumentaram de
tamanho e naquele instante cobriam um pouco além dos meus cotovelos. No
lugar do broche de brilhantes encravado no pescoço surgiu uma gargantilha
com o mesmo pingente. A parte de baixo não sofreu qualquer mudança,
continuou armada, bufante, em uma elegância que ninguém do reino ousaria
enxergar defeitos.
No entanto, a parte superior me pareceu ousada demais.
— Não acha que fiquei vulgar? Mamãe vai me olhar feio, sem dúvida.
— De 0 a 10, o quanto você se importa com a opinião da Rainha
Alexandra? — Jean perguntou, aproximando-se por trás de mim. Nós dois
ficamos nos encarando diante do espelho e eu logo me percebi avermelhada.
— 8, talvez.
— E o quanto a senhorita acha que deveria se importar?
Continuei o observando fixamente, reparando em seus olhos
brilhantes que tanto mexiam com as minhas entranhas. Parecia que eu havia
engolido borboletas ou qualquer outro animal que pudesse voar lá dentro,
causando-me profunda agonia.
— Creio que uns 3. Talvez menos.
— Então está tudo dentro dos conformes. Uma nota 3 não é suficiente
para que desfaça essa magia.
— Talvez umas mangas... — apontei para os ombros.
— Sabine... — Jean se aproximou ainda mais do meu ombro, de
forma que a boca ficou a poucos centímetros do pescoço. Consegui sentir o
seu hálito quente e logo aquele calor retornou. — Você está perfeita.
Soltei um arquejo meio esquisito porque suspendi a respiração por um
tempo que não foi calculado corretamente.
— Jean...
— Hum... — Ele continuou me olhando como se estivesse
maravilhado com o que via no espelho, mas eu poderia estar apenas me
enganando.
O gênio era daquela forma naturalmente, parecia sempre empolgado
com tudo o que estava ao redor. Eu não deveria considerar qualquer interesse
por mim, por este motivo tratei de guardar aquelas emoções loucas dentro do
peito e parar de pensar na possibilidade de ele me achar perfeita de fato.
Eu não era e já tinha provado isso mais de uma vez.
— Sarah quer cancelar o casamento por causa do ritual — soltei
depressa, virando-me no intuito de tornar a me manter afastada. — Está
desesperada e eu não sei o que fazer.
— Comentou com ela sobre o que eu te falei mais cedo?
— Claro que não! — quase gritei. — Seria inconcebível. Além do
mais, eu não entendi muita coisa do que falou.
Jean suspirou e voltou a se aproximar. Dei um passo para trás e ele
permaneceu parado diante dessa atitude, provavelmente percebendo que eu
estava me distanciando de propósito e que ele deveria respeitar a minha
vontade.
— O que exatamente não entendeu?
— E-Eu... — Fiquei alguns segundos em silêncio, apenas o
encarando. — O que tocar o meu corpo tem a ver com prazer. Não entendi
essa parte.
— A senhorita tentou? — Jean cruzou os braços na frente do corpo e
apoiou o queixo em um dos punhos.
— T-Tentei — abaixei a cabeça ao dizer aquilo.
— De verdade?
— Tentei, Jean, não me faça repetir esta informação, por obséquio.
Ele soltou uma risada e eu me senti ainda mais perdida. Talvez eu
realmente não passasse de um divertimento para ele. A minha ingenuidade e
ignorância deviam ser engraçadas para o seu ponto de vista.
— E como foi, posso saber? — questionou em um tom baixo, como
se alguém pudesse escutá-lo.
Dei de ombros.
— Não foi. Não entendi nada. Só toquei e me senti esquisita.
— Nenhum prazer?
— Não. Não vejo por que deveria sentir prazer.
— Sabine... — Voltei a olhá-lo porque a sua voz soou séria demais.
Jean estava me olhando de volta de um jeito vidrado e tinha os lábios presos
pelos dentes. O meu corpo estremeceu, tornando-se tarefa difícil me manter
de pé. Esperei que se pronunciasse, porém nada aconteceu por longos
segundos, nos quais prossegui imersa em vergonha e constrangimento. Por
fim, Jean soltou o ar dos pulmões e falou: — Depois conversamos a respeito.
O baile a aguarda e hoje a senhorita brilhará como uma estrela — voltou a
alargar o tão conhecido sorriso bonito. — Não haverá um olhar que não a
admire com cobiça.
Eu o respondi com um sorriso, porém o meu apenas escondia o
nervosismo e a incapacidade de acreditar que ele falava com seriedade. Naná
surgiu quase no mesmo instante em que o gênio desapareceu e prossegui com
as mesmas dúvidas de sempre, com o adicional do calor circulando ao longo
da minha pele e uma vontade absurda, vinda de algum lugar desconhecido, de
ser tocada não por mim mesma, mas pelo Jean.
Era um pensamento absurdo, certamente.
CAPÍTULO 13

Quando Jean mencionou que não haveria um olhar que não me


admirasse com cobiça eu poderia jurar que ele estava exagerando, no entanto,
não estava. Sentia que o salão inteiro observava cada um dos meus passos
enquanto me movimentava na direção do imponente trono, que já me
aguardava.
Magicamente a Rainha Alexandra não percebeu qualquer mudança no
meu vestido, assim como a Naná, então finalmente pude respirar aliviada
diante de uma preocupação a menos. Eu não saberia explicar de que modo o
havia transformado em tão pouco tempo e sem sequer entender sobre costura.
O gênio se manteve altivo, caminhando por entre os convidados como
se estivesse em seu próprio castelo, participando de rodas de conversas que
pareciam importantes e até mesmo convidando damas para dançar, inclusive
a minha mãe. Estranhei o fato do Jean não me fazer um convite e parecer
alheio à minha presença, embora mais ninguém me ignorasse.
Precisei dançar com viscondes, duques e marqueses aleatórios, com
os quais eu não estava nem um pouco a fim de manter uma conversa, mas
que ao contrário do gênio me fizeram convites e não pude simplesmente
negar, sobretudo na frente do papai. O Príncipe Augusto também mostrou o
ar da graça após mais uma negativa de minha irmã. Resolvi dançar com ele
por puro ressentimento, confesso, mas logo reparei que o seu olhar recaído
sobre mim estava esquisito e inventei uma falsa dor nos pés para encerrar a
dança antes do fim da primeira música.
Entretanto, para o meu mais profundo descontentamento, o Príncipe
Leopoldo me encontrou antes que eu conseguisse retornar ao trono e segurou
o meu cotovelo, chamando-me a atenção.
— Alteza... Queira me acompanhar nesta dança — seu porte estava
firme e tão decidido quanto o do Jean, nem parecia que o nosso último
encontro havia sido um tremendo desastre. Para ser sincera percebi um brilho
diferenciado em seus olhos, o mesmo percebido no Príncipe Augusto, e
desconfiei que o gênio tivesse a ver com aquela magia que fazia os homens
do castelo me admirarem de uma hora para outra.
— Claro — murmurei e Leopoldo me puxou para si com delicadeza,
iniciando a dança que parecia saber de cor pelos treinos exaustivos que a sua
família deve tê-lo obrigado a realizar.
Mas nada tirava da minha cabeça que o que eu estava vivenciando
naquela noite não era real. Uma sensação de profunda frustração me
acometeu e simplesmente não consegui me divertir; na verdade passei a me
sentir incomodada com os olhares e desejei não mais ser o centro das
atenções. Eu não servia para tal papel. Sempre julguei a beleza exterior um
detalhe superestimado, já que não dava para manter um segundo de conversa
com alguém que só possuía a aparência como qualidade.
O meu verdadeiro amor com certeza precisava ser inteligente, sincero,
amigo e capaz de me fazer rir. E pelo visto o Príncipe Leopoldo não seria
capaz de ser esse homem, porque além de interesseiro ele permaneceu em
silêncio durante boa parte da dança. Ainda que em meu íntimo eu tivesse
resolvido lhe dar mais uma oportunidade, ou ao menos tornar a nossa
convivência suave, não poderia continuar oferecendo esperanças se ele sequer
era capaz de me pedir desculpas por ter sido um grosseiro.
— Achei que o senhor desistiria do cortejo e a esta hora estaria
navegando de volta ao continente — falei quando não estava mais suportando
tanto silêncio. Ele precisava falar alguma coisa, qualquer que fosse. Nem
mesmo o Visconde de Venceslau, de longe o convidado mais esquisito do
castelo, deixou-me tão desconfortável durante a dança. — Confesso que foi
uma surpresa compreender que permaneceria em Herlain.
— O nosso desjejum não se sucedeu como o planejado, mas não
posso julgá-la — Leopoldo finalmente abriu a boca e deixou as palavras
atravessarem os seus lábios meio rosados e bem desenhados. — Não agi
corretamente e escolhi palavras inapropriadas, de forma que a senhorita me
compreendeu mal.
— Ficarei contente com a tentativa de compreendê-lo.
— Prefiro não retornar ao assunto — disse com convicção, olhando
ao nosso redor como se evitasse me observar. O que era engraçado se levasse
em consideração que até então parecia incapaz de desviar o rosto do meu
decote. — Só gostaria que soubesse que não pretendo tê-la como um negócio.
— E o que pretende, então, Príncipe Leopoldo? — questionei, quase
estacionando a nossa dança. Dificilmente eu conseguia me concentrar em
mais de uma tarefa ao mesmo tempo, sobretudo quando uma delas era difícil.
— O mesmo que pretendia no início de nosso acordo. Quero conhecê-
la e permitir que me conheça — Leopoldo nos girou em um passo
complicado e saí do ritmo momentaneamente, para logo em seguida ele voltar
a me puxar para si. Nossos rostos ficaram tão próximos que não evitei pensar
no beijo que vi minha irmã trocando com Augusto. Como ela conseguira ficar
tão perto dos lábios de um homem? Eu não me percebi capaz, por isso me
afastei o suficiente para não mais sentir seu hálito. — Tivemos poucas
oportunidades até então e seria lastimável desistir agora.
— Tudo bem — a minha resposta saiu ligeira, levemente
desconcertada e nem um pouco firme.
— Claro, se este tal Príncipe Jean não atrapalhar os planos — falou
com um olhar compenetrado na direção do gênio e tomei a decisão de
permanecer calada.
A música teve fim e agradeci mentalmente por não ter desmaiado.
Príncipe Leopoldo sabia que não deveríamos dançar duas músicas
seguidamente, por isso se afastou, fez uma reverência cavalheiresca e ergueu
o braço para me acompanhar até o trono. Não trocamos mais nenhuma
palavra. Suspirei aliviada assim que me sentei e ele se afastou em definitivo.
Percebi que não havia ninguém sentado ao meu lado, nem mesmo a
Sarah ou a Rainha, e tratei de procurá-las pelo salão. Mamãe estava
acompanhada do papai em uma conversa que parecia acalorada com um dos
conselheiros do Rei.
Já a Sarah não encontrei em parte alguma. E nem o Príncipe Augusto.
Como estava cansada e havia dançado com quase todos os cavalheiros
do baile, menos com certo gênio e outros homens que eu não fazia a menor
questão, mantive-me sentada, à espera do retorno da minha irmã. No entanto,
quase meia hora se passou e não tive qualquer sinal dela. Acabei tomando
três taças de vinho por causa da apreensão e aproveitando que a Rainha
incrivelmente não se encontrava interessada em mim.
— Para onde vai? — Jean se colocou à minha frente no instante em
que desci do trono, disposta a procurar Sarah pelo castelo sem fazer qualquer
alarde. Os meus pais odiariam ter conhecimento da ausência dela.
Puxei o gênio para um canto seguro, perto das janelas emolduradas
por cortinas enormes e pesadas. Não queria que fôssemos o centro das
atenções. Eu tinha a suave impressão de que grande parte dos convidados só
aguardava uma oportunidade para comentar sobre algo que não estivesse
adequado naquele baile.
— Tenho que procurar a Sarah — falei baixo para o gênio. Ele estava
especialmente corado naquela noite, parecia ter dançado com várias damas.
Ele olhou na direção do salão.
— Quer ajuda?
— Ela não está aí, acredite, já procurei. A visão do trono é
privilegiada.
— Imagino que sim. Vou procurá-la.
— É melhor nos separarmos. Não quero que nos vejam juntos —
continuei em um timbre sussurrado, sem olhá-lo, atenta a qualquer
movimento a nossa volta.
Como o Jean nada comentou, achei por bem nos dividirmos logo e
parti na direção do salão de jantar. Alguns criados circulavam aqui e ali,
repondo as mesas dispostas com bastante comida, e acabei pegando mais uma
taça de vinho. Estava imersa na angústia, pois no meu íntimo sabia que Sarah
estava em uma situação delicada. Talvez estivesse em uma discussão com o
Príncipe Augusto e temia que resolvesse cancelar o casamento antes de
termos a nossa conversa.
— Oh, céus... — falei para mim mesma, arquejando em seguida e
virando a taça de uma vez a fim de dispensá-la na bandeja de um criado antes
que alguém me avistasse com ela em mãos.
Adentrei um corredor adjacente, lembrando-me das centenas de
aposentos existentes no castelo. Um labirinto infindável. Seria como procurar
uma agulha no palheiro. Levei uma mão ao peito, começando a me
desesperar, até que uma luz azul surgiu à minha frente.
— Encontrei! — Jean berrou e eu gesticulei para que fizesse silêncio.
Entrei ainda mais no corredor escuro, colocando-me em frente à
luminosidade azulada.
— Onde ela está?
— Veja você mesma! — o gênio riu e pude ouvir um ruído que
lembrava um estalar de dedos. De repente, o corredor sumiu ao meu redor e
me vi na beirada de uma das varandas que davam para o jardim.
O gênio havia retornado à sua forma original, só não sabia se era a
real ou a invisível, porém mantinha as roupas de Príncipe que estava usando
no baile.
— Jean, prefiro que me avise quando for me locomover e...
— Olhe — ele me interrompeu, apontando para além do jardim.
Levei uma mão à boca ao perceber a cena diante de nós: Sarah
realmente estava com o Príncipe Augusto, porém não no meio de uma
discussão, como eu imaginava, mas sim aos beijos. As mãos de ambos
tocavam em partes inimagináveis um do outro. Embora estivessem
escondidos atrás de um arbusto, a visão da varanda parecia a única capaz de
flagrá-los com bastante nitidez.
— Oh! — arfei em plena surpresa e logo me virei de costas. Era
incapaz de acompanhar aquilo sem me sentir completamente transtornada. —
Céus, Jean, temos que impedi-los! Se alguém os vir...
— Impedi-los? — Jean, por sua vez, não parecia nem um pouco
assustado. Muito pelo contrário, manteve-se curvado no parapeito e com um
sorriso abobalhado aberto, como se o que via fosse muito divertido. — Por
quê?
— Como assim, por quê? Não é óbvio? Eles não podem se... beijar
e... tocar assim.
— Pelo que soube eles já são noivos — o gênio me olhou por um
instante e logo voltou a analisar a cena terrível atrás de mim. — É bom que se
conheçam, de fato.
— Jean! Eles devem se conhecer com conversas e...
— Sabine... — ele se endireitou e fixou o olhar sobre mim,
finalmente. — Imagine que desgraça seria se casar com alguém que você
sequer consegue beijar ou tocar? Não deseje tanto mal a sua irmã. Sarah só
está aproveitando de um direito que é dela.
— Mas eu não estou desejando o mal, só não é apropriado que...
— Falando assim a senhorita me lembra a sua mãe e suas infindáveis
regras.
Jean conseguiu tragar todas as minhas palavras com apenas uma
mísera frase. Mantive a boca aberta por alguns segundos, mas logo a fechei,
completamente sem argumentos. Ele estava coberto de razão. Tudo o que saía
pela minha boca parecia uma cópia ridícula das regras chatas e desconexas
impostas pela minha mãe. Eu nem sabia a razão pela qual beijar era tão
proibido. Na verdade sequer sabia o que havia de favorável em beijar.
Convicta de que nada poderia fazer para evitar a cena, e nem mesmo
queria, dei alguns passos a fim de sair da varanda, porém o Jean me segurou
pelo cotovelo como fizera Leopoldo minutos atrás. No entanto, aquele toque
me pareceu ainda mais perturbador. Havia uma quentura, uma magia, algo
inacreditável que me fez simplesmente parar para encará-lo.
— Vamos ficar — pediu com doçura. — Embora eu discorde, não
podemos deixar que passem dos limites.
— Passar dos limites? Para mim já passaram há bastante tempo, Jean.
O que mais pode acontecer?
— Sabine... — o gênio me soltou e colocou as mãos nos bolsos de
suas vestes. — Do jeito que eles estão podem acabar fazendo sexo no meio
do jardim.
Arregalei os olhos.
— Você está falando do... do... r-ritual? Oh, meu Deus! — levei as
costas das mãos à testa, sentindo-me tontear. — Como? Como um beijo pode
levar ao ritual?
Jean deu de ombros.
— Se me perguntassem, diria que eles deveriam fazer sexo, mas não
confio nesse Príncipe Augusto. Ele pode se aproveitar da ingenuidade da
Sarah e isso, sim, é preocupante.
— Jean! Não sei se percebeu, mas estou desesperada e sem entender
nada!
— O que a senhorita não está entendendo?
A minha respiração estava tão errática que provocava um ruído
relativamente alto. O meu cérebro não conseguia raciocinar direito e o meu
coração se manteve fora do ritmo. Aquilo só significava que eu estava no
meio de um colapso nervoso.
— Se a Sarah sabe que pode entrar no ritual, por que não para de
beijá-lo? Ela morre de medo!
— Bom... — Jean olhou na direção do jardim. — Talvez ela não
saiba. Este é o ponto preocupante e o motivo pelo qual ainda estamos aqui.
— Aliás, por que beijá-lo? — soltei sem raciocinar, com a voz
esganiçada, naquele momento perdendo qualquer capacidade de sentir
vergonha. Só queria que o Jean tirasse aquelas dúvidas do âmago do meu ser.
— Meu Deus, por que não evitar? Eu...
Levei as mãos aos cabelos e os puxei, no auge do desespero. Jean
permaneceu quieto, mudo, e quando o olhei percebi que estava me encarando
de um jeito vidrado. Os olhos muito escuros brilhavam e a sua expressão
séria alcançava a extrema rigidez.
Por um longo tempo me esqueci da Sarah e do que ela estava fazendo
com o Augusto.
— Sabine, você está simplesmente me enlouquecendo — o gênio
disse como se cada palavra tivesse sido calculada.
— Por quê?
O movimento em seu pescoço me fez perceber que engoliu em seco.
— Há coisas que são inevitáveis e uma delas é o beijo, sobretudo
quando se deseja alguém — explicou devagar, pacientemente. — Não é
possível que a senhorita jamais tenha sentido vontade de beijar ou de ser
tocada, de ser acariciada ou de ao menos permanecer no abraço de alguém.
Fiquei calada, com os olhos piscando mais do que o natural. Em
seguida dei de ombros, vencida.
— Certo, Jean — assenti com a cabeça.
— Certo o quê? Sim?
Aquiesci mais uma vez, sentindo-me envergonhada pela confissão.
— Não de beijar, mas de ser tocada...
— Ótimo — ele pareceu aliviado com o que eu falei. — O beijo e o
toque são como um prelúdio para o ritu... Por sinal, este nome é terrível,
ritual. Vamos apenas chamar de sexo.
— Sexo — continuei balançando a cabeça positivamente. Naquele
instante percebi que as taças de vinho que tomei começavam a fazer um
efeito esquisito sobre o meu corpo.
— Isso. Sexo.
— Então para... acontecer o sexo, precisa haver o beijo? — perguntei
antes que me arrependesse de tanta exposição e jamais obtivesse uma
resposta clara.
— Não necessariamente, mas é um bom passo. Eu não faria sem
beijo.
— E VOCÊ JÁ FEZ? — gritei e ouvimos uma agitação no jardim.
Jean e eu nos viramos no mesmo instante, a tempo de ver os
pombinhos se assustarem com o meu rompante e se desgrudarem para
virarem seus rostos para cima, na direção da varanda. Consegui ser rápida o
suficiente para puxar o gênio comigo para longe do parapeito, mas não fiz um
bom cálculo, já que acabei o usando tanta força que o seu corpo enorme se
chocou contra o meu, que por sua vez se chocou contra uma parede.
O gênio permaneceu grudado a mim enquanto me olhava.
— Todo mundo que quer manter um pouco de lucidez faz sexo — ele
sussurrou de um jeito tão marcante que senti a minha pele sofrer um arrepio
intenso. O calor que já me era tão reconhecível surgiu de novo e se instalou
como se jamais tivesse deixado de fazer parte de mim. — É uma das coisas
mais deliciosas que existe, Sabine.
O seu hálito soprou no meu rosto ao dizer aquelas palavras.
— Mesmo? — suspirei.
— É uma pena o seu desinteresse em provar.
Continuei piscando os olhos.
— Eu não disse que há desinteresse.
— Então há interesse? — ele perguntou depressa demais. Nossos
olhos continuaram incapazes de se desgrudarem um do outro.
Assenti de leve.
Em resposta, Jean aquiesceu devagar e senti suas mãos envolverem a
minha cintura. Eu não compreendia a lógica daquele toque, mas ele existiu e
o calor pareceu se intensificar drasticamente, de maneira que se tornou
insuportável. Se alguém me perguntasse o que deveria fazer com aquelas
sensações, eu não saberia responder, mas os lábios do gênio estavam tão
próximos que, tão logo a ideia louca se apossou de minha mente, também se
apossou uma espécie de necessidade.
Eu precisava daquilo.
No entanto, antes que eu fizesse um pedido ou comentasse a respeito,
os olhos do Jean cintilaram no entendimento e ele não hesitou ao se curvar
sobre mim, presenteando-me com um beijo capaz de arrancar todo o meu
fôlego. Os seus lábios invadiram os meus como uma deliciosa chuva de verão
sobre a terra seca, e então o calor, o desejo e a vontade fizeram sentido.
Foi naquele momento que compreendi porque a Sarah não conseguiria
cessar o beijo, não sozinha, e também porque ela manteve as suas mãos no
corpo de Augusto e o motivo pelo qual permitiu que o Príncipe a tocasse tão
intimamente. Era o que eu queria fazer com o Jean naquele momento. E era o
que eu necessitava que o Jean fizesse comigo. E então percebi que, de fato,
não havia lógica.
O beijo era a prova de que o sentido nem sempre era necessário.
CAPÍTULO 14

Em toda a minha vida jamais imaginei que me colocaria em uma


situação similar àquela; estar com o corpo completamente aninhado nos
braços do Jean e com a sua boca tomando a minha como se eu fosse um
alimento e ele estivesse faminto. Sentia-me devorada em um sentido esquisito
que, de um modo inexplicável, não me causava desconforto. Por mais
estranho que fosse, e de fato era, até porque eu não sabia direito como reagir
ou nem mesmo como movimentar os meus lábios, cada gesto parecia tão
certo que mal podia conter aquela emoção diferenciada em meu peito.
Suas mãos navegaram o meu corpo como pôde, e desconfiei que o
vestido estivesse nos atrapalhando, embora a ideia de removê-lo me
desesperasse. Confesso que não me mantive inerte diante daquele instante,
também o tocava como jamais tive a ousadia de tocar alguém. Senti seus
cabelos longos e macios entre os meus dedos, e também a maciez e quentura
da pele de seu rosto. Não tive coragem de descer mais, como o Jean fazia e
como eu tinha visto minha irmã fazer com o Príncipe Augusto.
A grande impressão de que não nos desgrudaríamos jamais se instalou
em minha mente e nem mesmo fui capaz de refletir sobre ela; apenas me
conformei com a situação, tentando aproveitar o máximo das sensações que
me arrebatavam como ondas gigantescas e poderosas. Contudo, ouvimos
ruídos de passos se aproximando da varanda e o susto fez com que nos
empurrássemos, resfolegantes.
Eu ainda estava tonta e fora de qualquer realidade quando o gênio
segurou a minha mão. Com a sua mágica, nos transportou para um ambiente
que eu não conhecia dentro do castelo, mas que me pareceu um dos tantos
quartos de hóspedes. Aquele, no entanto, era grande, decorado com
tapeçarias coloridas e muito brilhantes, além de ter uma quantidade quase
descomunal de móveis. Adiante havia uma tina bem menor do que a do salão
de banhos, porém com água corrente e cheirosa atribuindo ao ambiente um
clima aconchegante.
— Uau... — olhei para todos os lados, girando o meu corpo a fim de
conferir cada detalhe do ambiente, mas percebendo que não conseguiria
englobar tudo com apenas alguns giros. — Que... Que quarto incrível!
Parei de frente ao Jean, vendo-o sério demais e com as mãos nos
bolsos. Eu não queria pensar no que havíamos acabado de fazer. Temia que,
quando o juízo finalmente me alcançasse, não poderia evitar me sentir
perdida. Era óbvio que não deveríamos ter chegado tão longe, porém algo
que entendi sobre o beijo é que ele pode ser inevitável. Significava que,
quando aquele desejo aparecia, pouca coisa poderia controlá-lo.
Jean clareou a garganta e continuou me observando. Dei de ombros,
passando a enrolar o tecido da luva entre os meus dedos e abaixando a cabeça
na direção do chão. A vergonha completa finalmente surgiu, sufocando-me
tanto a ponto de marejar os meus olhos, deixando a visão embaçada.
— Perdoe-me — murmurei, repleta de ressentimento.
— Sou eu que deveria pedir perdão a senhorita — senti-o se
aproximar até ficar a poucos centímetros de mim, porém continuei com a
cabeça abaixada. A ideia de olhá-lo nos olhos me enervava. — Não consegui
imaginar outro lugar para levá-la quando ouvi que alguém se aproximava.
Não quero que pense que a trouxe aqui com outras intenções. Meu objetivo
foi apenas não permitir que nos vissem.
Mas o meu cérebro só conseguiu se ater a uma palavra do que disse:
— Intenções? Quais seriam essas outras intenções?
Os seus dedos tocaram o meu queixo com uma suavidade tão
impressionante que me fez soltar um suspiro. Contudo, a força necessária
para esvaziar os meus pulmões acabou por fazer algumas lágrimas se
derramarem. Quando Jean ergueu o meu rosto, elas escorreram livremente
sobre a pele.
— Eu preferia arrancar a minha própria cabeça a te fazer chorar,
Sabine — ele murmurou com a voz mais grave que o normal.
— A culpa não é sua por eu estar chorando — achei por bem deixar
claro, embora não soubesse direito o motivo daquelas lágrimas, que ainda
escorriam como as águas da pequena fonte dentro do quarto do Jean.
— Eu a assustei, fui precipitado, inconsequente e não sei o que me fez
achar que possuía o direito de beijá-la daquela maneira — concluiu com
aquele timbre esquisito, que me causava arrepios na espinha.
Definitivamente, não gostava de vê-lo e nem de ouvi-lo daquele jeito.
Jean parou de me tocar e se afastou um passo, desviando o rosto em
profundo constrangimento.
— Foi assustador — sussurrei de volta, como se alguém pudesse
surgir de parte alguma para nos ouvir e julgar. — Mas também foi... — tornei
a abaixar a cabeça — Maravilhoso. Jamais senti coisa igual. E-Eu... E-Eu
realmente gostei do beijo, embora seja estranho e... molhado — arquejei,
rindo um pouco no intuito de abafar o profundo nervosismo e a consistente
vergonha.
Não imaginava que seria tão sincera com o Jean, mas depois de tocá-
lo e de ter os seus lábios nos meus, pareceu-me mais fácil que antes, como se
a nossa conexão tivesse aumentado e eu soubesse que não seria julgada. Não
me sentia ameaçada em nenhum nível, embora o medo ainda existisse: o do
desconhecido.
— Consideremos o beijo uma necessidade sua que foi saciada por
alguém que está aqui para servi-la. Uma curiosidade suplantada — Jean
continuava muito rígido. Observei-o de soslaio, reparando que ainda
mantinha uma pose sisuda, diferente do que ele havia sido até então. — Mas
que ainda assim foi uma falha de minha parte.
— Por que insiste nisto?
— Porque a senhorita não pode, sob nenhuma condição, desejar a
mim. Em contrapartida, eu não posso desejá-la.
— Por quê? — Pisquei os olhos em sua direção. As lágrimas haviam
secado, mas ficara uma profunda vontade de continuar chorando.
— Não é óbvio? — ele abriu os braços como se estivesse exausto de
me dar explicações que para ele pareciam desnecessárias. — Somos gênio e
ama. A senhorita é inocente e deve continuar a sua busca por um homem real,
um amor verdadeiro. Embora o beijo ou o sexo possam não ter qualquer
relação com o amor, não é correto que eu remova de você a oportunidade de
vivenciar momentos reais.
Levei uma mão à boca, surpresa com as suas palavras.
— Então não foi real? — Jean nada respondeu. Dei um passo para
trás, de repente compreendendo o que ele queria dizer com aquilo: o gênio
havia me beijado apenas porque, naquele momento, era uma necessidade
minha e ele se viu na obrigação de aplacá-la, e não porque sentiu o mesmo
desejo. — Oh... Perdoe-me, Jean. Você não é obrigado a me beijar só porque
sinto essa vontade. Na verdade o senhor não é obrigado a nada, nem mesmo a
estar aqui falando comigo. Por favor, devolva-me ao baile e esqueça o que
aconteceu.
Ele permaneceu em silêncio. Passamos tanto tempo apenas com o
peso da culpa nos pairando que precisei voltar a olhá-lo só para perceber o
quanto continuava sério. Prendi os lábios com os dentes, começando a
calcular quanto tempo levaria para correr até a saída e despistá-lo de uma vez,
porém mais uma vez compreendi que seria inútil fugir.
— Eu não me senti nem um pouco obrigado a te beijar — ele disse,
por fim. — Sabine, quando você faz um pedido oficial eu de fato sou
obrigado a realizar. É como uma força poderosa, uma energia inevitável que
me obriga a isto. — Balançou a cabeça em negativa e passou as mãos nos
cabelos compridos. — Não foi o caso. Eu me aproveitei da sua inocência.
Perdoe-me.
Abri bem os olhos e precisei arfar novamente, caso contrário morreria
sem ar ali mesmo, adiante dele.
— Tudo bem, Jean... — Voltei a puxar o ar e a soltá-lo devagar. —
Eu não estou entendendo direito o seu ponto de vista e acho melhor
deixarmos este assunto para depois. Para nunca mais, de preferência.
— Só me prometa que não vai considerar que nos beijemos
novamente.
— Jamais considerarei — falei com uma convicção que não sentia.
Olhando-o daquele jeito, era inegável a vontade de beijá-lo quantas vezes
fossem necessárias para arrancar aquele calor que ainda circulava o meu
corpo. — Embora eu preferisse beijá-lo a fazer isso com um desconhecido.
— Pretende fazer com um desconhecido? — O rosto dele se fechou
em uma expressão tão dura quanto as paredes que nos rodeavam.
— Oh, não, Jean. Nem tão cedo. Se me lembro bem você falou que o
beijo pode levar ao ritual... ao sexo. E eu não quero o sexo porque... Bom, o
senhor prometeu que me explicaria sobre... Céus, eu não sei por que estou
sentindo tanto calor! — de repente, perdi a compostura e comecei a andar de
um lado para o outro, meio desesperada. — Tem uma chama ardente
queimando dentro de mim, fazendo com que eu deseje ser tocada, beijada e...
— Sabine, você está me enlouquecendo — Jean me interrompeu com
um tom de voz mais alto do que os sussurros que estávamos trocando até
então. — Pare, por favor. É normal sentir isso e, quando estiver sozinha,
volte a se tocar que irá passar.
— Vai passar? — Parei para analisá-lo. O gênio estava com os olhos
extremamente abertos na minha direção.
— A senhorita está com tesão acumulado por causa de todos esses
anos aprisionando o próprio corpo.
— T-Tesão acumulado?
— Sim, esse calor que mencionou — disse com certa indiferença,
evitando me encarar. — Tudo isso é desejo de fazer sexo.
Novamente precisei abrir os olhos ao máximo.
— Mas eu não...
— Sim, Sabine. Acredite. — Jean virou as costas e caminhou na
direção de uma poltrona, sentando-se em seguida, porém mantendo aquela
expressão estranha. Soltou um suspiro antes de prosseguir: — É por este
motivo que falei que o ritual não é terrível. O seu corpo vai implorar por ele e
só descansará quando estiver saciado.
Mantive-me calada.
— E eu vou gostar? E as pessoas gostam?
— Exatamente.
— Céus... — Levei uma mão ao peito. — Essa... — engoli em seco
antes de prosseguir: — Essa chama entre as pernas tem a ver com...
Jean me olhou como se eu fosse um fantasma, por isso precisei parar
de falar o que estava em minha mente.
— Sabine. — Continuei o olhando fixamente, quase sem piscar. —
Eu juro que vou te tirar essas dúvidas, mas não hoje e muito menos agora.
Pelo seu próprio bem.
Dei de ombros, sentindo-me frustrada.
— Está certo.
— Vamos voltar ao baile antes que eu não consiga mais responder por
mim.
Eu me limitei a assentir, já que ele parecia bastante chateado comigo.
Devia estar cansado de me encher de explicações. Esperei que ele
simplesmente nos levasse de volta, porém nada aconteceu, então achei que
estivéssemos esperando o meu consentimento para que partíssemos.
— Podemos ir agora.
— Espera só um pouco. Estou tentando... — suspirou — voltar à
normalidade.
Aguardei um minuto completo no mais puro silêncio, sentindo-me
mal por ter feito o Jean sentir tanta chateação. Quando voltamos ao baile
prometi a mim mesma que não mais o importunaria com aquelas dúvidas.
Não era de bom tom que começássemos a falar sobre aquele assunto como se
fosse natural.
As taças de vinho que tomei contribuíram para que palavras
impensáveis atravessassem a minha boca, e duvidava de que tivesse me
permitido um beijo se não estivesse sob efeito do álcool, já que nunca foi a
minha pretensão nos colocar em uma situação constrangedora igual àquela.
O restante da noite seguiu sem maiores novidades. O gênio me evitou
de tal maneira que só me deixou ainda mais triste. Nenhum membro da
realeza me chamou para dançar e, tão logo tive uma oportunidade, solicitei à
Naná que preparasse o meu aposento para que eu pudesse me lavar, tirar
aquele vestido e finalmente descansar.
Estava exausta e com o corpo ainda arrebatado pelas sensações
experimentadas. Tudo o que eu queria era mais um beijo, porém precisava
fingir que tal necessidade não existia. Não havia um só segundo que eu não
temesse aquelas novas emoções, porém, por outro lado, não houve um só
segundo que eu desejasse não senti-las, ainda que fossem extremamente
inquietantes.
CAPÍTULO 15

Aquela havia sido a terceira manhã consecutiva em que amanheci em


meu leito com a pele molhada pela excessiva quantidade de suor e com o
meio de minhas pernas completamente encharcado depois de mais um sonho
perturbador. Não aguentava passar um segundo sequer pensando a respeito
do tal sexo, nem cogitando como ele poderia ser enquanto o meu corpo
respondia daquela maneira insana.
Ainda que toda a situação fosse ruim, pior ainda era admitir que o
Jean estava sempre presente em meus pensamentos e, obviamente, nos
sonhos também. Fui tocada e beijada por ele de tantas formas impensáveis
que, quando acordava, ficava aliviada por tudo não ter acontecido e triste pelo
mesmo motivo. Passava o dia inteiro de mau humor e tentando evitá-lo como
podia, aproveitando que a sua vontade de estar comigo parecia mínima
depois do que acontecera na noite do baile.
Mais uma vez tentei tocar a mim mesma por cima da roupa íntima,
com o objetivo de me livrar daquelas sensações, daquela necessidade que
parecia me esmagar feito um mísero inseto, porém novamente me vi incapaz.
Era um gesto estranho e me deixava envergonhada, além de me trazer um
incômodo e uma ampla sensação de vazio. Embora o Jean me garantisse que
me tocar resolveria o “problema”, eu não compactuava da mesma opinião.
Sentia-me desolada, perdida, sem direcionamento.
Foi por este motivo que, logo após o desjejum, que fiz questão de
tomar sozinha, sem o Príncipe Leopoldo para me arrancar a paciência ou
mesmo o Jean para me arrancar o fôlego, decidi vasculhar a biblioteca em
busca de mais informações sobre o sexo, já que nenhum gênio estava
disposto a conversar comigo a respeito. Não queria mais chateá-lo e muito
menos correr o risco de terminar em seus braços de novo. Se ele dizia que
não era certo, cabia a mim acreditar em sua palavra.
Na vasta biblioteca do castelo havia muitos livros escritos por Sábios
da Medicina a respeito de todo o funcionamento do corpo humano, porém,
depois de empilhar mais de quinze volumes sobre uma enorme mesa de
carvalho, localizada no centro do salão, percebi que seria mais difícil do que
esperava. Eu não queria mais saber sobre os órgãos reprodutores, pois aquela
parte já tinha entendido, embora ainda achasse bizarra. Queria mesmo era
uma explicação minuciosa do ritual, com cada etapa detalhada, inclusive as
reações físicas como suor, o calor intenso ou aquele líquido transparente que
eu não parava de expelir.
A curiosidade era tanta que já não mais cabia em mim.
— O que está procurando? — Jean apareceu como sempre fazia,
vindo de parte alguma e nos momentos menos apropriados. Fechei o livro
que estava folheando e o encarei do outro lado da mesa.
— Nada.
— Então por que tantos livros?
— Estou estudando sobre um assunto — murmurei e tentei puxar os
exemplares para mais perto de mim e longe dos seus olhos, porém o gênio se
curvou para ler os títulos sobre a mesa. — Gostaria que me oferecesse
privacidade — falei antes que ele tirasse as próprias conclusões.
— Sabine, a gente não precisa agir como se fôssemos estranhos — ele
contornou a mesa e subiu sobre ela, mantendo-se próximo o suficiente para
me deixar com o rosto quente. Eu não conseguia reagir naturalmente àquele
cheiro que emanava dele. — Sinto a sua falta... Bom, das nossas conversas.
— Você que se distanciou — murmurei, desviando o rosto para um
livro que eu já tinha conferido e o abrindo como se fosse a primeira vez.
Qualquer coisa era melhor do que encará-lo. — Eu nada fiz.
— A senhorita passou dois longos dias se ocupando de diversas
maneiras. E nas horas vagas resolveu que era extremamente necessário
passear com aquele Príncipe Leôncio.
— Leopoldo.
— Que seja. Ele continua sendo um tolo — Jean cruzou os braços,
emburrado. — Imagina que hoje convidou a mim e ao rei para uma caça
esportiva no bosque ao fim da tarde. Existe atividade mais inútil? Os animais
não têm culpa de tanta ignorância.
— Aposto que o papai gostou da ideia.
Jean deixou os ombros caírem.
— Infelizmente, aos olhos do Rei Cedric esse idiota é um bom
pretendente.
— É a única opção que eu tenho até agora, Jean. Não é como se
houvesse uma fila de pretendentes.
— Eles hão de chegar. Herlain fica muito longe do continente, mas
saiba que estou providenciando um clima favorável para a navegação.
— Talvez eu não tenha tanto tempo.
— Por que está dizendo isso? — Ele se inclinou para me olhar mais
de perto, porém continuei folheando o livro.
— Porque estou cansada de não ter respostas.
Ele ficou calado durante um minuto que considerei longo demais.
Dava para sentir os batimentos cardíacos acelerados em meu peito, tragando
boa parte da minha energia. Eu estava cansada, irritada, constrangida e sem
paciência. Ainda sentia um medo surreal de um possível casamento e evitava
como podia olhar para o meio das pernas dos cavalheiros que circulavam o
castelo diariamente, no entanto, sempre falhava nessa missão e passava
tempo demais os observando e imaginando como seriam os seus devidos
órgãos.
Eu só podia estar ficando louca.
— Respostas sobre... o sexo? É o que está procurando nesses livros
com figuras esquisitas? — Jean revirou alguns exemplares e acabou
derrubando uma das pilhas, provocando um barulho um pouco alto. Eu não
queria chamar a atenção do guarda que vigiava a entrada da biblioteca, por
isso olhei na direção da saída. Nada aconteceu. — Já deixei claro que poderia
me perguntar o que desejasse.
— Não quero perguntar nada ao senhor.
Jean arrancou o livro das minhas mãos e ficou me olhando feio.
— Espero que tenha entendido os motivos do meu afastamento
naquela noite, Sabine. Eu não podia te explicar nada sob aquelas condições
em que me encontrava.
— Não sabia que eu poderia chateá-lo em um nível tão elevado, por
isso peço desculpas — falei de uma vez, embora não estivesse de fato me
sentindo arrependida. O que lhe custava ter me explicado? Eu teria a
benevolência de dizer algo que ele não soubesse caso demonstrasse interesse
em saber.
— Chateado? Sabine... Eu não fiquei chateado.
— Como não? Evitou me olhar e me negou explicações, então...
— Eu estava completamente excitado — Jean disse com os olhos bem
abertos. O divertimento foi removido de suas expressões e ele se tornou
aquela criatura séria que tanto me incomodava. — Temia não controlar os
impulsos e explicar sobre o sexo de uma maneira errada. Obviamente precisei
me afastar.
— Excitado? — Eu estava confusa com a palavra, já que nunca a
havia escutado antes em um contexto que não significasse pleno entusiasmo.
Jean não parecia entusiasmado naquela noite, então presumi ter
compreendido erroneamente.
O gênio, por sua vez, soltou um suspiro.
— É o que se diz de alguém que está... hum... Quase enlouquecendo
de vontade de fazer sexo.
— Oh... — levei uma mão ao peito. — Então... O senhor... E eu... —
apontei para nós dois, já que ambos, na noite do baile, provavelmente
estávamos experienciando as mesmas sensações. Eu não fazia ideia de que
ele pudesse se sentir assim. O que significava que ele... — Oh, Jean, você
queria fazer sexo comigo?
— Shhh... — ele segurou os meus ombros e desceu da mesa quase no
mesmo instante em que fomos tragados pela sua magia.
O guarda real provavelmente havia me ouvido, por isso esperei de
fato que ele nos transportasse para outro ambiente. Não me surpreendi ao
perceber que estávamos em meu aposento. Naná ficaria louca quando
soubesse que consegui despistar um guarda, mas não queria pensar a respeito
naquele momento tão esclarecedor.
— Ainda aguardo uma resposta — falei, mesmo me sentindo
assustada e despreparada para ouvir qualquer palavra que pudesse atravessar
os lábios do Jean, os mesmos que me provocavam uma espécie de saudade
difícil de lidar.
Jean se sentou sobre a poltrona de que tanto gostava e eu tratei de me
acomodar na beirada da cama.
— A senhorita tem noção do quanto é atraente? Eu não sou imune aos
seus encantos — balançou a cabeça em negativa, porém mantendo os seus
olhos distantes de mim. Fiquei em um estado tão sufocante de estarrecimento
que não fui capaz sequer de respirar direito. — Naquela noite eu fiquei tão
excitado que... — arquejou. — Isso não voltará a acontecer. A senhorita pode
ficar tranquila.
Eu me limitei a assentir, embora ainda estivesse chocada.
— Não voltará a acontecer porque... Porque você não quer ou
porque... Por outro motivo que desconheço? — questionei sem qualquer
firmeza na voz.
Jean finalmente me encarou.
— A senhorita não percebe o quanto é errado?
Abaixei a cabeça, reflexiva. As informações pareciam se encaixar de
um jeito distinto em meu cérebro, pois não era possível que eu não
compreendesse o que o Jean tanto falava. Eu não conseguia enxergar como
um erro, mas como um experimento. O gênio mal podia ser considerado real
naquele mundo; ele possuía sua própria forma e com a sua magia podia estar
onde quisesse, até mesmo ser invisível. Sendo assim, eu não via o que podia
existir de errado em provar coisas novas com ele. Era muito mais seguro do
que com qualquer outro pretendente que por ventura surgisse.
— Pelo que compreendi não posso tê-lo como amor verdadeiro,
correto?
— Sim — ele assentiu com bastante veemência. A resposta veio tão
depressa que não pude evitar me sentir um pouco ofendida. No entanto,
busquei a calma necessária para concluir o meu raciocínio:
— Porque você é um gênio e eu, uma mulher real. Este ponto
compreendi. — Ele continuou aquiescendo, olhando-me com muita atenção,
como se não pudesse deixar qualquer palavra minha escapar. — Mas o
senhor informou que amar e fazer sexo são coisas diferentes.
— Mais ou menos... Mas, sim, são.
— São ou não? — insisti.
— São.
— Ótimo. Então eu poderia jamais amá-lo, mas fazer sexo com o
senhor ainda assim.
Os olhos dele, embora já estivessem bem abertos, pareceram se abrir
mais. Eu não sabia o que era aquilo que me fazia de repente falar coisas tão
absurdas para o gênio, frases que me traziam vergonha e constrangimento,
mas era como se uma força inevitável me obrigasse. De alguma forma eu me
encontrava desesperada. Podia simplesmente estar aos gritos, mas me
controlava como podia. Sentia-me por um triz, sendo consumida por aquele
calor intenso.
— Sabine, isso...
— Poderia ou não?
E então o Jean piscou os olhos duzentas vezes antes de responder:
— Sim, mas eu jamais arrancaria a sua inocência.
— Posso decidir por mim mesma se quero continuar inocente —
argumentei, um pouco chateada com sua recusa. Mal podia acreditar que
aquela era eu mesma. Parecia uma mulher desconhecida, alguém que me
deixava assustada, mas sobre quem eu não possuía o menor controle. — A
falta de informação e experiência estão me enlouquecendo. Jean, eu tenho
sede por conhecimento, sempre foi assim e agora eu simplesmente não
consigo parar de pensar nisso e nem de sentir essas... — arfei de um modo
prolongado. Era insuportável habitar o meu próprio corpo.
O gênio se levantou depressa.
— Eu não posso fazer isso — disse com convicção, uma seriedade
que novamente me deixou triste. Eu me levantei também, ficando à sua frente
apenas para não me sentir tão pequena. Não adiantou quase nada, decerto. —
Desculpe, Sabine, mas não posso. Não é porque não quero, mas porque vai de
encontro ao que acredito que é certo para você.
Prendi os lábios com os dentes e permaneci o encarando.
— Pois bem... — Ergui o nariz e tentei relaxar o meu rosto. Precisava
me manter de pé se queria ser levada a sério. — Eu ainda tenho dois pedidos,
não é mesmo?
Jean abriu a sua boca em um formato oval.
— A senhorita não vai...
Mas eu já estava à procura da lâmpada, do objeto que me conectava
com a magia daquele gênio de uma forma completa. Encontrei-a sobre a
penteadeira e rapidamente a tomei entre as minhas mãos. Logo em seguida
me virei na direção do Jean, que ainda me olhava como se estivesse no auge
do pavor.
Eu podia compreendê-lo, também me encontrava apavorada e
decidida na mesma medida.
— Sabine, eu não posso impedi-la de fazer um pedido. — Comecei a
massagear o objeto como se sentisse verdadeiro carinho por ele. Nada me fez
parar para pensar nas consequências. — Sabine. Não — Jean falou com a voz
dura e pausada, mas nada me impediria de prosseguir. Eu estava tomada por
aquela energia que me transformava em alguém completamente sem juízo,
capaz da mais louca atitude.
— Agora que sei que também é o seu desejo, não há qualquer motivo
para não confessar o meu, muito menos para o senhor não realizá-lo —
balbuciei, encarando-o com os olhos aquecidos por aquele calor torturante.
— Desejo que você, Jean, me mostre na prática tudo o que preciso saber
sobre o sexo. Eu quero sentir todas as sensações possíveis e quero que você
faça isso.
Uma luz intensa rodopiou ao nosso redor, de forma que por alguns
segundos foi impossível vê-lo, ainda que estivesse bem na minha frente.
Pouco tempo depois a luminosidade foi embora feito um lampejo, como se
jamais tivesse existido.
Sobramos apenas nós dois no meu quarto.
A minha respiração se manteve suspensa enquanto ele me encarava
com os punhos cerrados e a expressão rígida.
— O que... O que você fez? — sussurrou com nítida dificuldade.
Continuei o olhando, até que o Jean se aproximou mais e mais, lentamente.
Cada passo seu gerou uma espera que para mim soou como um martírio.
Finalmente uma de suas mãos tomou a minha cintura enquanto a outra se
abriu na minha nuca, possibilitando que me puxasse para si. A forma como
me agarrou foi brutal e... fantástica. — O que você fez, Sabine?
— É o desejo da minha alma — murmurei em resposta.
Sua mão pesada apertou os meus cabelos e nossos lábios ficaram a
centímetros de distância. Eu me senti tão envolvida, tão imersa naquele
momento que parecia que estava flutuando. Por mais assustada que estivesse,
não ousei sentir qualquer arrependimento. Sabia que, de fato, estava ouvindo
um desejo proveniente de minha alma, ainda que não soubesse para onde
tanta necessidade me levaria.
Jean me empurrou sobre a cama sem me presentear com o tão
esperado beijo e me vi caindo em um baque. Antes que pudesse entender o
que aconteceu, o seu corpo foi depositado sobre o meu, envolvendo-me
totalmente. Eu me senti repleta e sorri em realização assim que o seu rosto
voltou a se manter muito próximo do meu.
Era estranho, apavorante, novo, surpreendente, emocionante, real...
O gênio segurou uma de minhas mãos e a guiou pelo meu corpo
suavemente, em uma vagareza dolorosa, enquanto os seus olhos não
deixavam os meus em nenhum instante. Eu me encontrei hipnotizada,
inebriada pelo seu cheiro, envolta por ele em um nível profundo. Era como se
apenas o Jean existisse no mundo inteiro.
— Sinta o quanto você é deliciosa — ele murmurou em um timbre
que me fez arrepiar e ofegar alto.
Minhas mãos percorreram os seios por dentro do vestido e pude sentir
as pontas proeminentes, doloridas pela carícia. A quantidade de peças
dificultava o toque, mas nem isso foi capaz de me fazer sentir menos
sensações.
A mão livre do Jean segurava o meu crânio com força medida. A
outra me ajudava na verdadeira viagem que eu fazia pela extensão do meu
corpo. A posição em que nos encontrava fizera o meu vestido escorrer até ser
possível exibir as minhas coxas, porém, por mais louco que fosse, não me
senti envergonhada pela exposição. Estava vulnerável, com ele tão perto, mas
tão disposta a experimentar tudo que só tive vontade de prosseguir.
Ele fez minhas mãos navegarem a pele exposta das coxas e de repente
comecei a encontrar sentido naquele toque que eu oferecia a mim mesma com
a sua ajuda. As suas palmas se mantiveram por sobre os meus dedos com
cautela e sutileza, mas com decisão, uma firmeza própria de quem sabia o
que estava fazendo.
Diferentemente de mim, que pouca coisa sabia e parecia ainda mais
ignorante.
— Oh... — eu ofeguei quando alcançamos o meio das pernas. Senti a
excessiva quantidade de líquido em meus dedos e o formato estranho de
minhas dobras, que eram tão sensíveis que o meu corpo arqueou. O gênio
usou a outra mão para me manter firme sobre a cama. — Oh, Jean.
— Sinta como está excitada... — sussurrou em meu ouvido e eu tremi.
— Sinta o quanto está quente... úmida... pronta.
Eu podia sentir tudo o que descrevia e mais além. Era como se estivesse
em um dos meus sonhos malucos e desejei não despertar até que o calor fosse
embora de uma vez por todas.
O gênio começou a incentivar um movimento mais rápido e mais
preciso em meu centro. Havia uma proeminência sensível em mim, uma parte
de meu corpo que, quando provocada, fazia espasmos percorrerem todo o
meu ser. Foi naquele ponto que mantivemos nossas mãos, a dele sobre a
minha, em um gesto circular enlouquecedor. Eu estava sem fôlego, tomada
pelas sensações novas e espetaculares.
— Oh... Jean...
— Faça do jeito que mais gostar — ele continuou sussurrando, daquela
vez distribuindo beijos em minha orelha. — Não pare. Não importa o que
aconteça... — E então deixou a minha mão sozinha entre as pernas.
Ele tocou o meu rosto após se ver livre, mantendo os olhos nos meus.
Nunca vi sua íris tão escura e, ao mesmo tempo, brilhante.
— Jean...
— Não pare... — informou e finalmente juntou os nossos lábios em um
beijo ainda mais profundo que o primeiro. Senti a sua língua puxando a
minha e passei a fazer movimentos que pareciam aleatórios, mas que em
poucos segundos se assimilaram a uma dança que só foi capaz de aumentar o
meu calor.
Jean e eu bailamos em um ritmo nosso, seguindo uma música única que
nos envolvia como se fosse magia. Aquele gesto me fez entender que, além
de não possuir sentido, o beijo também era melodia.
Eu o obedecia. Continuei me tocando de um jeito acelerado que me
pareceu apropriado e não ousei parar de fazer círculos em mim mesma. O
beijo foi como um adicional para me arrancar ainda mais o juízo. Em certo
instante me senti inchar e endurecer, e a mudança me provocou receio, porém
Jean logo recolocou a mão sobre a minha e pude continuar com a sua
assistência.
— Ah! — gritei entre os seus lábios, sendo levada pelo que acontecia
entre minhas pernas. Sua mão voltou a prender o meu cabelo. Minhas coxas
começaram a tremer e quase as fechei, mas o Jean não permitiu.
— Isso, Sabine... Continue até o fim — ele falou depressa, só para em
seguida voltar a me beijar do jeito molhado que era tão esquisito quanto
maravilhoso.
Em poucos instantes o meu corpo pareceu entrar em colapso. Comecei
a tremer e a suar tanto que precisei transformar tudo aquilo em uma série de
gemidos e ofegos, caso contrário poderia simplesmente morrer. Usei a mão
livre para segurar os cabelos do Jean enquanto a outra trabalhava
incansavelmente, sem cessar.
E foi então que eu explodi.
CAPÍTULO 16

As sensações que me atravessaram foram tão intensas quanto


inexplicáveis, de modo que os meus olhos se encheram de lágrimas e, ao
mesmo tempo, comecei a rir. Pareciam duas atitudes opostas, mas que,
naquele instante sublime, encaixaram-se como se nunca tivessem deixado de
fazer parte uma da outra. Uma espécie diferenciada de alegria, da qual jamais
havia provado, dominou-me profundamente.
Quando a mágica sensação se foi, infelizmente rápido demais,
permaneci com a respiração acelerada, o coração aos tropeços e o corpo
inteiro relaxado. Fiquei tão sonolenta que precisei fechar os olhos por alguns
segundos. Em seguida, percebi que ainda estava com as pernas abertas e com
o Jean muito próximo, além dos dedos sobre o meu ponto íntimo, naquele
momento ainda mais encharcado por aquele líquido. Sendo assim, guiei o
meu olhar ao encontro do dele.
O gênio sorria de uma maneira suave que me fez sorrir de volta.
Perguntei-me que tipo de pessoa eu era por não mais considerar
inadequado ter suas mãos sobre mim com tanta intimidade. Muito pelo
contrário, passei a considerar tanto o seu toque quanto a sua presença algo
fundamental, como o ar que eu tentava respirar, mas que às vezes me faltava,
sobretudo ao reparar o quanto o Jean estava belo, com os cabelos meio
assanhados e o rosto bonito afogueado.
— Sente-se melhor? — murmurou e o seu hálito fez cócegas em minha
bochecha. Daquela vez me questionei sobre a possibilidade de estar imersa
em um dos tantos sonhos que tive com ele nos últimos dias.
— Eu me sinto... — arquejei — feliz.
O seu sorriso se intensificou. Contudo, não durou mais que um pequeno
segundo e logo a sua expressão se tornou séria. Os olhos escureceram e ele
continuou me olhando, porém era como se tudo tivesse mudado. Não havia
mais suavidade ou doçura.
— Arrependida? — perguntou em um timbre grave.
Balancei a cabeça lentamente.
— Não.
Ele soltou um suspiro prolongado e finalmente voltou a sorrir, fazendo-
me sentir, talvez, a mesma sensação de alívio que o fez retornar à expressão
relaxada. E então o Jean moveu a mão que estava sobre a minha, puxando-as
juntas na direção de seus lábios. Foi com curiosidade e um sentimento
sufocante que acompanhei a trajetória de meus próprios dedos dentro de sua
boca. Jean os sugou com avidez, provando do líquido que havia saído de
mim.
Eu não soube o que pensar a respeito daquele gesto. Talvez devesse ter
asco ou repugnância, mas não consegui sentir nada além de entusiasmo. Ele
voltou a me olhar e o sentimento intensificou para algo que não consegui
identificar a priori, porém logo o calor retornou e percebi que havia voltado a
ficar excitada.
Eu queria mais. Queria outra vez.
Prendi os lábios com tanta força que o gênio precisou se inclinar e usar
os dedos para soltá-los. Não tive tempo para completar qualquer raciocínio,
sua boca me invadiu com precisão e trocamos um beijo com um gosto
esquisito, proveniente da minha intimidade. Novamente, achei que deveria
sentir repulsa, mas não aconteceu.
Ele liberou os meus lábios e ficou me encarando.
— O que... O que foi aquilo que aconteceu? — questionei sem ousar
me mover. — Jamais senti uma emoção tão... — arfei. — Mal consigo
explicar. Foi como magia.
— Foi o seu êxtase que aconteceu. Orgasmo, gozo, clímax... Há vários
nomes — disse calmamente, passando a alisar os meus cabelos no topo da
minha cabeça. Eu estava aninhada em seus braços e a sensação era
reconfortante. — Embora seja realmente maravilhoso, não tem a ver com
magia, é uma reação natural de quem alcança o auge do prazer.
— É sensacional. Eu... Eu quero sentir outra vez.
Jean me olhou com um sorriso um tanto quanto malicioso.
— Eu sei. — Fizemos uma longa pausa em silêncio, apenas nos
encarando, até que ele emendou: — É por este motivo que te falei que o sexo
é prazeroso, afinal, trata-se da busca por essa fantástica sensação.
Franzi o cenho, um pouco confusa.
— Então fizemos sexo? Não me lembro de ter visto nenhum órgão... —
olhei para baixo de soslaio, mas logo em seguida ergui o olhar. — Seu.
Jean riu um pouco, tornando o clima mais leve.
— Ainda não fizemos. — O seu rosto voltou a se agravar. O gênio
parecia em dúvida a respeito de seus próprios sentimentos com relação ao
que estava acontecendo. Eu podia compreender, em parte, a sua preocupação,
por isso comecei a alisar o seu rosto com a mão que ainda guardava a sua
saliva fria, a fim de confortá-lo. — Não há nada que eu possa fazer para
evitar que aconteça, Sabine. Mas o seu pedido é um processo e não
pularemos qualquer etapa. A magia que move qualquer desejo é muito sábia.
— O que quer dizer?
— Que o que acabou de acontecer faz parte do que desejou. A senhorita
falou que gostaria de sentir todas as sensações e essa é a primeira, a
fundamental. O primeiro dos prazeres é aquele que somos capazes de
oferecer a nós mesmos — ele explicou com paciência, pausadamente, mas
não de forma mecânica. Havia uma suavidade que me deixava comovida. —
Ninguém deveria conhecer os outros tipos antes de experimentar e
compreender o que o seu corpo pode fazer e sentir.
Aquiesci, finalmente compreendendo tudo.
— Então vamos devagar?
— Certamente. A senhorita terá tempo necessário para se tocar mais e
de outras formas.
O meu rosto ficou instantaneamente quente ao pensar naquela
possibilidade. A vergonha completa me atingiu, por isso fechei as pernas e
tentei fazer o meu vestido cobrir a pele que se encontrava exposta até aquele
instante. Logo em seguida me considerei uma tola. Eu não deveria sentir
qualquer aversão se aqueles gestos eram naturais, apropriados para sentirmos
prazer.
O que podia haver de errado em buscar a satisfação corporal?
— E quando iremos para a próxima etapa? — perguntei, evitando olhá-
lo, mas o Jean ficou em silêncio por tanto tempo que o encarei em busca de
uma resposta. O seus olhos tinham voltado a escurecer.
— Eu não sei. Quando a senhorita estiver pronta.
— E quando eu verei o seu órgão?
Jean arregalou os olhos.
— Sabine!
Dei de ombros.
— Eu estou curiosa e... com bastante medo.
— É por este motivo que a magia do seu pedido só me permitirá
prosseguir vagarosamente — ele balançou a cabeça em negativa. — A
senhorita acredita de fato que possuo tanto autocontrole assim? Se
dependesse de minha vontade eu já estaria dentro de você há muito tempo.
Permanecemos com os nossos olhos grudados em entendimento mútuo.
Por mais assustada que eu estivesse com as suas palavras tão cruas, sem
qualquer hesitação ou escolha para amenizar a profundeza das ideias, também
me senti absolutamente bem por ser considerada um objeto de desejo. Jean
me queria tanto quanto eu o queria. E naquele momento, de fato, desejei que
estivesse dentro de mim se isso significasse atingir o êxtase outra vez.
Ainda que eu precisasse encarar o seu órgão.
— Oh... Jean.
— Perdoe-me, fui indelicado — ele beijou a minha testa docemente. —
Não pretendia assustá-la, só estou apavorado com esse seu segundo desejo.
— Não. Eu quero que você seja sincero e não guarde para si suas
vontades — pedi em tom de súplica. — Por favor.
— Está bem, se é o que deseja.
Continuamos em silêncio, até que um questionamento me encheu de
dúvidas.
— Você ficou excitado? — Jean se limitou a assentir com a cabeça.
Percebi que desviou os olhos um pouco, porém logo voltou a me encarar. Ele
estava desconcertado tanto quanto eu, encarando a situação bravamente. —
Imagino que também precise sentir o êxtase.
— Não se preocupe comigo.
— Por quê? Se estamos fazendo isso juntos... Ou melhor, se os casais
fazem isso juntos, imagino que necessite haver uma troca.
— A senhorita está correta, entretanto, não somos um casal e você não
está preparada para a próxima fase. Posso me aliviar sozinho depois — falou
de forma um pouco brusca.
A sua resposta soou para mim como uma facada no coração. Refleti por
alguns instantes, buscando argumentos que o tirassem daquela ideia tão fria a
respeito de nós.
— E-Eu gostaria de... a-ajudar como você m-me ajudou.
Mas o Jean voltou a sorrir e segurou a lateral do meu rosto.
— Você está literalmente tremendo de medo, Sabine. — O gênio
segurou minha mão, que de fato estava trêmula, e a beijou devagar. Eu estava
adorando a sua maneira de me tocar com tanta gentileza. Não sabia o que
estava acontecendo conosco, mas não queria que cessássemos os toques e
carícias que para mim soavam tão naturais. — Não se preocupe. Vai chegar o
momento em que fará bem mais do que me ajudar.
— Eu me sinto ansiosa para esse momento — confessei em um
sussurro, deixando de lado todas as amarras que me prendiam à vergonha.
Nada daquilo funcionaria se eu prendesse os meus sentimentos como havia,
segundo o Jean, prendido o meu corpo. Era a minha oportunidade de
libertação, talvez a única de toda vida, e eu não podia desperdiçá-la. — E
você?
Foi a vez de o Jean prender os lábios e, em um sussurro, admitir:
— A senhorita não imagina o quanto.
Nós nos entreolhamos por tempo suficiente para que o desejo nos
consumisse. A necessidade de trocar mais um beijo foi tão nítida que me vi
flutuando até encaixar nossos lábios naquela dança ritmada que tanto me
levava a um estado de torpor.
Podia sentir o calor circulando em minhas veias e a vontade de fazer
sexo bastante presente em meu organismo. Naquele instante compreendi, em
parte, o que significava o desejo de tê-lo dentro de mim. Era um sentimento
tão profundo que não bastava que fôssemos dois seres distintos. Eu queria
que fôssemos apenas um, enroscados, encaixados, grudados como se
necessitassem um do outro para sobreviver.
Era um sentimento intrigante com o qual eu não estava sabendo lidar.
— Jean... — murmurei em seus lábios. — Mostre-me, por favor.
— Nunca conheci uma pessoa tão curiosa quanto a senhorita — ele
disse, rindo, e me deu pequenos beijos molhados antes de se afastar um
pouco.
Eu já estava começando a me acostumar com o beijo. Não me soava
mais esquisito.
— Não me deixe imaginando como será. Às vezes tenho pesadelos e o
órgão masculino toma a forma de um monstro.
Então Jean começou a gargalhar e eu lhe dei um tapinha no ombro,
porém rindo junto com ele. Sabia que a minha imaginação era tão espantosa
quanto a curiosidade e me fazia pensar nas mais diversas bizarrices. Eu
queria me livrar de tanta ignorância e passar a considerar a realidade como
uma possibilidade palpável.
— Tudo bem — o gênio disse, parando de rir. Ele se afastou um pouco
mais, apoiando o seu tronco no meu leito, e só me restou aguardar que me
mostrasse o que eu tanto queria conferir.
Jean levou as duas mãos às suas vestes e, devagar, expôs a grande
protuberância entre as suas pernas, deixando-a livre para receber o meu olhar
completamente surpreso e vidrado. Senti vontade de me aproximar mais, a
fim de observar de perto, porém o meu coração se agitou tanto que fiquei
parada como uma escultura. A mão dele segurou o órgão, que estava de pé
como se tivesse vida própria.
— Oh... — arquejei de espanto.
De fato, era um órgão impressionante e muito, muito esquisito. Eu diria
que era mesmo apavorante se não pertencesse ao Jean. Não poderia
considerar nada que fizesse parte dele tão terrível assim, já que ele próprio
era uma criatura adorável. Mas confesso que o medo se intensificou,
principalmente ao perceber que aquela parte tão íntima de seu corpo não
poderia caber em mim. Era impossível, impraticável.
— Jean... E-Eu... S-São todos assim? — soltei a pergunta de uma vez e
ouvi o seu riso. Não ousei desviar o rosto daquele membro teso.
— Mais ou menos — explicou, ainda rindo. — Uns são maiores, outros
menores e possuem formatos um pouco distintos, mas costumam seguir o
mesmo padrão.
— Oh... Não imagino que possa existir maior — ele riu mais enquanto
o meu pavor só se intensificava. Não conseguia encontrar graça em uma
situação tão angustiante. — Para ser sincera não acredito que poderei tê-lo
dentro de mim sem me provocar profunda dor.
— Não se preocupe com este detalhe, Sabine.
— Como não me preocupar?
Jean ficou em silêncio por tanto tempo que a minha mão acabou
seguindo sozinha na direção de seu órgão. No entanto, antes que pudesse
tocá-lo, o gênio me afastou depressa e tratou de se esconder novamente. Mas
não teve jeito, permaneci com aquela visão presa em minha mente, parecia
que ainda a via diante de mim mesmo que já estivesse escondida.
— Faremos devagar, tranquilamente e com muito prazer nos
envolvendo — senti suas mãos voltarem a acariciar os meus cabelos.
— E-Eu acho que não cabe.
— Garanto que cabe. Ei... — ele puxou o meu queixo para que eu o
olhasse, já que ainda mantinha o rosto voltado para baixo. — Fique calma.
Não pense nisso. Jamais te provocarei qualquer dor.
— Confio em você — murmurei.
Aquela verdade me invadiu com tanta força que meus olhos voltaram a
marejar. Jean me passava uma espécie de segurança forte o suficiente para
acreditar em suas palavras, uma confiança que não me lembrava de ter
sentido por mais ninguém. Sabia que não seria julgada, ainda que cometesse
erros, que não seria motivo de escárnio de sua parte e nem que me usaria em
benefício próprio. Ele seria sempre justo e bondoso comigo e era exatamente
do que eu precisava para prosseguir.
— Sabine... — Jean lambeu os próprios lábios e pareceu refletir antes
de dizer, em tom baixo: — É importante que eu a lembre constantemente que
a senhorita não pode considerar a realização do seu desejo como um processo
romântico.
Engoli em seco, assentindo. Apesar de o Jean ser alguém maravilhoso,
ficara claro para mim que eu não poderia me sentir apaixonada e nem mesmo
considerá-lo um pretendente. Eu estava certa de que sentia muito desejo por
ele, mas aquilo era permitido por motivos óbvios, portanto não precisava me
preocupar.
— Não considerarei.
— Promete? Por favor, Sabine. Precisa me prometer novamente.
— Prometo.
— Estou confiando em seu discernimento — ele tomou minhas mãos
novamente e as beijou. — Se qualquer coisa fora dos planos acontecer, por
favor, deixe-me ciente e resolveremos da maneira mais apropriada.
Tornei a balançar a cabeça afirmativamente.
— Sem dúvida.
Eu não nos via subindo em um altar ou formando uma família. Para ser
sincera me parecia um pensamento absurdo. Nem mesmo considerava a ideia
de termos um envolvimento amoroso porque éramos muito diferentes em
vários sentidos. O que nos unia era a realização daqueles três desejos. As
necessidades da carne. A minha intensa curiosidade. O seu dever de realizar
os meus pedidos.
Jean era um bom amigo e deste modo eu pretendia que continuasse,
ainda que fizéssemos sexo exaustivamente.
CAPÍTULO 17

Aquela semana foi uma clara prova de que eu deveria ter um pouco
mais de fé nas palavras que o Jean me dizia. As minhas expectativas quanto
ao surgimento de novos pretendentes permaneceu baixa até as primeiras
embarcações chegarem à ilha de Herlain, trazendo novos visitantes que
vieram especialmente para conhecer a tal princesa que as boas línguas diziam
ser bela, atraente e interessante.
De alguma forma a notícia de que eu precisava ser desposada o
quanto antes percorreu os sete mares e o castelo nunca esteve tão cheio, nem
mesmo no verão. O Rei Cedric e a Rainha Alexandra estavam exultantes e
igualmente atarefados com o acolhimento das comitivas — o que para mim
foi ótimo, já que mamãe não teve tempo de me julgar como era de seu
costume.
Seis. Este foi o número de pretendentes que apareceram; se somarmos
o Príncipe Leopoldo e o Jean, então aos olhos do povo eu tinha o total de oito
rapazes dispostos a me cortejar. Devido à alta procura, papai prorrogou os
sete dias de reconhecimento do Leopoldo e do Jean, estendendo-os para
trinta, o que fez com que eu ganhasse tempo para decidir melhor quem seria o
meu verdadeiro amor.
O Príncipe Leopoldo ficou visivelmente irritado com a prorrogação
do prazo para o cortejo. Ele certamente não esperava tanta concorrência.
Apesar de não saber por qual motivo insistia em permanecer no embate, já
que nos mostrávamos mais incompatíveis a cada novo encontro, em meu
íntimo estava gostando de, pela primeira vez na vida, ser o centro das
atenções.
Eu me sentia ótima de um jeito incomum, embora acreditasse que o
meu constante bom humor estava mais relacionado ao fato de me tocar
intimamente toda vez que estava sozinha do que com a chegada dos demais
príncipes. Para ser sincera virara um hábito delicioso, de maneira que
chegava a alcançar pelo menos cinco êxtases diariamente. Toda vez que
ninguém estava olhando eu podia me aliviar como bem entendesse, então foi
o que fiz sem a menor cerimônia.
Nos primeiros dias achei que a ausência do Jean naquela semana
agitada não fazia muita diferença, já que me tocar estava, de fato, aliviando as
minhas tensões, levando embora o calor insuportável e me presenteando com
mais paciência e leveza para encarar os dias exaustivos, cheios de passeios e
refeições com pretendentes distintos. Porém, conforme o Jean ficava mais
distante e mais eu me tocava, percebia que queria além do que os meus dedos
percorrendo o meu corpo. Queria mais do que dar prazer a mim mesma, mais
do que alguns êxtases solitários.
Necessitava do toque do gênio; de seus beijos, de suas carícias precisas,
de sua voz grave e doce ao mesmo tempo, dizendo-me coisas que qualquer
um consideraria inadequadas, exceto aquele novo eu que surgiu depois que
descobri que o meu corpo era uma fonte infindável de prazer intenso. A
Sabine que surgia por baixo dos vestidos pesados de rendas caras muito me
agradava porque era ela que me fazia realmente feliz como jamais fui. Estava
aprendendo a gostar de mim, a me importar com os meus sentimentos e a
buscar sempre situações que me deixassem confortáveis.
Talvez por esse motivo, após mais um baile pomposo dentro do castelo
e de ter passado a noite inteira dançando, tomei a iniciativa de procurar o
gênio, já que ele não parecia disposto a me encontrar, ainda que tivesse um
desejo meu para realizar e eu não ousasse me esquecer disso.
Jean ficara cada vez mais escondido dentro do castelo, andando pelos
cantos e tentando chamar a mínima atenção. Quase nunca solicitava um
passeio a sós, ao qual tínhamos direito. Talvez todos ao redor imaginassem
que ele estava prestes a desistir por causa da grande concorrência, mas no
fundo eu sabia bem o que pretendia: dar-me espaço e tempo para encontrar o
que tanto procurava.
Havia sido um pouco complicado despistar os guardas reais, e
sobretudo a Madame Naná, para seguir o caminho que levava ao aposento
destinado ao Jean, na ala para visitantes. Mas, enfim, conseguira obter êxito e
me vi na frente da pesada porta de madeira, sem saber o que fazer ou dizer
quando meus olhos se colocassem sobre ele. Sequer sabia se o gênio estava
recolhido, apenas supus pela sua ausência no salão durante boa parte da noite.
Eu sempre me mantinha consciente de seus passos.
Respirei fundo e ergui a mão em punho, prestes a bater. Contudo, a
porta rangeu e se abriu antes que encontrasse a coragem, e então a figura do
gênio se pôs na minha frente como um baque: repentino, chocante,
estarrecedor. Fiquei muda enquanto o encarava, completamente despido da
cintura para cima, com os cabelos longos arrepiados e um olhar fixo que
tanto mexia com o meu desejo.
— E-Eu... — comecei a gaguejar, mas o Jean não esperou que eu
inventasse qualquer justificativa para ter chegado até ali. Ele me puxou pelos
braços, fechou a porta atrás de nós e imprensou o meu corpo na primeira
parede que viu.
O seu tronco grande e másculo se chocou contra o meu e assim
permanecemos grudados. Olhamo-nos por breves instantes, o suficiente para
deixar as palavras tão suspensas quanto nossa respiração. Nada precisou ser
explicado, no fim das contas. Ele sabia bem das minhas necessidades e tratou
de preenchê-las ao deixar sua língua invadir a minha boca com um ar
possessivo que muito me agradou.
Só depois que começamos a manobrar os nossos lábios foi que percebi
o quanto havia sentido saudade dele por inteiro. A falta não era apenas de seu
beijo, nem mesmo de seu toque ou do seu cheiro, mas do Jean
completamente. Aquela nova emoção me trouxe certo desespero, tanto que
envolvi os meus braços em seu pescoço, trazendo-o para perto, querendo
senti-lo o máximo que podia antes que precisássemos nos separar outra vez.
O vestido que eu usava era pesado, com o tecido grosso e muito
bufante, de forma que desejei não estar trajando coisa alguma. Não queria
que nada me impedisse de tocá-lo e de ser tocada naquele momento, porém,
em vez de me ajudar a retirar os trajes, como achei que faria, Jean apenas se
afastou, findando o beijo que eu pretendia que durasse muito mais.
— Como a senhorita está? — perguntou, afastando-se de vez, mas me
puxando pelo braço para que sentássemos numa poltrona comprida e muito
confortável, cabendo nós dois com bastante folga. Eu não me senti bem com
o seu distanciamento. Achei que poderíamos partir para a próxima etapa sem
precisar de qualquer conversa. — Feliz com os novos pretendentes?
Dei de ombros ao me acomodar na poltrona.
— Sim.
— Algum em vista que a tenha atraído especialmente?
Eu não queria ter aquele tipo de assunto com o Jean. Para ser sincera
não estava disposta a ter qualquer assunto. Não havia me arriscado tanto por
uma simples conversa.
— O Príncipe Dionísio parece ser uma pessoa legal — falei de uma
vez, mesmo que a contragosto. Talvez se conversássemos depressa eu teria
logo o que tanto desejava. — Gosta de livros, passeios à praia e odeia caçar.
— O franzino? — Jean ergueu uma sobrancelha. Ele tinha se sentado
de uma maneira muito peculiar na poltrona, meio deitado e parecendo
confortável consigo mesmo. Tentei não encarar o seu peitoral desnudo, mas
falhei em meu intento. — Acha que é um bom pretendente? Ele não me
parece muito... Como posso dizer...
— Talvez lhe faltem atributos físicos, mas não me importo com isso. —
Parecia loucura dizer tais palavras diante de alguém como o Jean. Eu estava
me importando em demasia com cada atributo físico que podia enxergar
naquele instante, e não eram poucos. — Busco alguém que tenha outras
compatibilidades.
— Compreendo — Jean clareou a garganta, parecendo desconcertado,
porém não tive tanta certeza. — E os demais?
— A maioria deles se preocupa em listar as próprias riquezas. — O
gênio soltou um arquejo indignado. — Não me surpreende.
— Então de todos eles apenas o magricelo se destaca?
— Bom, ainda não tive muito tempo para conhecer o Príncipe Stephen
— dei de ombros mais uma vez, perguntando-me quando encerraríamos o
assunto. Eu estava ansiosa para beijá-lo novamente e também para receber
mais carícias. — Sem dúvida entre eles há de existir um bom pretendente.
— Decerto.
Assenti, pensativa, e permanecemos em silêncio por alguns segundos.
Percebia os seus olhos atentos em mim, como se me devorasse, e a tensão
que se formou entre a gente podia ser palpável de tão profunda.
— Estou pronta para o próximo passo — sussurrei, enfim, na tentativa
de deixar claro o que eu queria que acontecesse aquela noite.
— Eu sei.
Jean continuou me olhando.
— O que está esperando? — questionei em um murmúrio fraco, quase
doloroso.
— O que a senhorita está esperando? — ele perguntou de volta e
precisei abrir bem os olhos, surpresa com o questionamento.
O gênio ergueu os braços e gesticulou, apontando para o próprio
corpo, depois voltou a acomodá-los sobre a poltrona.
— E-Eu... O-O que...
— Agora que conhece o próprio corpo, está pronta para conhecer outro
— Jean disse em um timbre doce, mas o seu olhar mostrava claramente o ar
de malícia e sensualidade.
Não ousei me mover e ele permaneceu quieto. Observei-o de cima a
baixo, percebendo que eu queria, sim, tocá-lo, só não sabia como começar e
nem de que jeito deveria ser. Ainda me parecia muito esquisito acariciar outra
pessoa. A sua pele era bastante convidativa, mas ainda assim fui tomada pela
hesitação.
Soltei o ar dos pulmões, tentando encontrar a coragem, porém
simplesmente não me enxergava tomando aquele tipo de iniciativa. Eu não
sabia como tocá-lo sem me sentir uma tola e sem ser invadida por uma
sensação de que erraria muito feio.
— Por que hesita? — Jean perguntou, murmurante. — Não há um
modo certo de fazer isso, Sabine. Há apenas o seu modo. E eu vou gostar
pelo simples fato de ser você.
Com os dedos trêmulos, ergui uma mão em sua direção até ser possível
espalmá-la em seu peito coberto por alguns pelos. A textura macia e a
quentura de sua pele me trouxeram uma sensação tão boa que um calafrio
percorreu o meu corpo. Jean me olhava com insistência. Evitei encará-lo para
não me desconcentrar, estava focada em explorá-lo como ele havia feito
comigo antes.
Devagar e com paciência, fui percorrendo cada pedaço de pele exposta,
usando uma única mão. Senti seus braços fortes, o peito largo e o abdômen,
achando incrível como ele podia ser firme e macio ao mesmo tempo. Prendi
os lábios com força ao perceber o volume proeminente, quase atravessando
as roupas de baixo — as únicas que vestia. Tremendo, prendi também a
respiração e toquei de leve por cima do tecido. Aquela região estava muito
mais quente e rígida do que todo o restante, o que acabou me assustando e me
fazendo recuar em definitivo.
Jean arfou, ainda me olhando.
— Use-me da forma que preferir até alcançar o êxtase — ele disse em
tom de súplica, não de ordem, e imediatamente eu me arrepiei. Jean
conseguiu me espantar com aquele pedido inusitado. — Não me moverei até
que goze para mim.
Passei um minuto completo apenas observando o seu corpo, sem saber
como faria aquilo. Era um pouco frustrante saber que eu não teria a sua ajuda,
estava por conta própria. De certa forma, sabia que, se eu teria que alcançar
um êxtase, precisava me tocar intimamente e com aquele vestido seria
impossível.
Foi por esse motivo que, após encará-lo por um bom tempo sem nada
dizer, levantei-me, ficando à sua frente. Não desgrudei os nossos olhos
porque, de repente, vi-me incapaz de desviar o rosto, ainda que estivesse
tomada pela vergonha.
O que não me fez desistir foi saber o quanto ele me achava atraente e
o quanto se encontrava excitado. Aquele olhar não me deixava negar o desejo
que nutria e era maravilhoso compreender que estava todo voltado para mim.
Sendo assim, eu não precisava ter medo de me exibir.
Respirei profundamente antes de levar as mãos para trás a fim de puxar
o laço que prendia o corpete ao meu tronco. Foi um pouco trabalhoso, e algo
me dizia que tive certa ajuda da magia do gênio, mas consegui afrouxá-lo o
suficiente para fazê-lo sair. Hesitei por alguns minutos e precisei puxar mais
ar para os pulmões antes de deixar o tecido cair no chão, revelando a parte
superior do tecido fino que compunha minha peça íntima.
Estava ciente de que o Jean podia ver um pouco da parte escurecida
dos meus seios.
— Você é tão linda — ele disse após um suspiro, como prometido, sem
se mover um só milímetro. Suas palavras soaram como um incentivo para
que eu continuasse.
A parte de baixo foi mais simples de ser retirada; apenas puxei o longo
cordão que fixava a anágua ao tecido superior e os dois caíram antes que eu
me sentisse preparada para ficar tão vulnerável na frente dele.
Ainda trajava a roupa íntima, apenas ela nos separou naquele
momento, e fechei os olhos para compreender quais eram exatamente aqueles
sentimentos que estavam tirando os meus batimentos cardíacos do ritmo
ameno. Suspirei e, ao reabrir os olhos, vi o Jean me encarando de volta com
seriedade.
Puxei mais ar e umedeci os lábios com a língua. Havia um ponto
extremamente quente entre as minhas pernas e podia jurar que ele também
estava molhado. Expor-me daquela maneira, diante de seus olhos desejosos,
estava me trazendo uma excitação absurda.
Foi a necessidade que me fez erguer o tecido fino da peça íntima,
removendo-o por cima de minha cabeça. Os meus cabelos estavam presos em
um penteado elegante feito pela Naná, por isso de repente fiquei consciente
de que a única coisa que me cobria era aquela coroa brilhante e muito pesada,
depois que removi os sapatos em um movimento com os pés.
Fiquei completamente despida na frente do Jean.
Tive consciência dos meus seios expostos e também de cada pedacinho
da minha pele. Tudo o que me compunha se exibiu diante dele, e por algum
tempo me senti constrangida demais para encará-lo. Permaneci em silêncio,
apenas ouvindo a nossa respiração pesada, além do ruído delicioso da água
que ainda escorria da fonte dentro do seu aposento.
E então eu o olhei.
Jean estava com os olhos brilhantes e compenetrados em meu corpo. Os
lábios se mantiveram presos e a expressão que fazia me arrancou um suspiro
sonoro, repleto de desejo acumulado. Usando as palavras dele, tesão
acumulado. Eu ainda não sabia o que fazer, mas decerto estava mais próxima
de atender à sua súplica.
Levei as mãos aos meus seios, massageando-os como havia aprendido e
como tinha percebido que gostava, deixando-os rígidos e ainda mais
pontudos. Não evitei soltar um pequeno gemido, notando que a região abaixo
do ventre se umedecia ainda mais, já que fui capaz de sentir o líquido
escorrendo vagarosamente.
Continuei guiando as mãos pelo meu corpo; braços, rosto e tronco,
descendo até parar sobre a região íntima. Jean havia deixado claro que ele
próprio deveria ser utilizado para que eu alcançasse o meu prazer, por isso
ousei dar um passo à frente, aproximando-me de onde estava sentado.
Eu não sabia como utilizá-lo. Não compreendia como poderia se
encaixar sem nos trazer desconforto. O gênio, por sua vez, continuou sem se
mover enquanto eu refletia.
— Não me deixe com inveja das suas mãos... — suplicou baixo, a voz
saindo como se fosse um breve arquejo.
Aquela dica me fez puxar suas palmas na direção do meu corpo sem
hesitar. Queria e já me sentia bem com o seu toque, por isso me deixei levar
pela sensação de tê-lo em mim. O desejo estava tão grande, quase me fazendo
explodir, que logo levei os seus longos dedos para o meu ponto mais íntimo.
Embora Jean não se movesse, minhas mãos guiaram as dele para iniciar os
movimentos deliciosos.
Soltei um gemido proveniente das profundezas do meu ser.
— Você é gostosa demais, Sabine — ouvi-o dizendo devagar, enquanto
mantinha os olhos fixos em minha intimidade e no trabalho de nossos dedos
sobre a umidade que nos encharcava.
Eu o queria mais perto. Na verdade precisava beijá-lo e senti-lo
também, por isso me curvei em sua direção, fazendo o meu corpo ser
depositado sobre o dele com cuidado. Não queria que parasse de me tocar ali
embaixo, por isso abri as pernas ao seu redor e deixei um espaço para que
nossas mãos continuassem trabalhando.
Com o braço livre me apoiei na poltrona e preferi não pensar em nada
antes de começar a beijá-lo intensamente, usando aquela dança perfeita de
línguas e lábios que tanto me deixaram saudosa.
Comecei a me contorcer sobre ele, amolecendo aos poucos em seu
corpo, e parando de beijá-lo só para conseguir respirar. Logo em seguida,
voltava a juntar nossas bocas porque era ainda mais gostoso quando sua
língua encontrava a minha.
Eu me sentia flutuar naquele instante, à beira de uma explosão
saborosa. Não me lembrava de ter me sentido tão desejada e ao mesmo tempo
tão dona de mim, proprietária do meu prazer e a única responsável por ele.
Aquela responsabilidade me assustava, deixava-me em choque, mas também
me impulsionava a buscar mais e ir além, sabendo que poderia encontrar
ainda mais prazer se me permitisse seguir em frente.
Comecei a me esfregar em seu corpo à procura de mais contato, de
mais toque e calor. Meus seios bailaram sobre o seu peito, raspando em seus
pelos e me provocando. Era gostoso demais daquela forma nova e tão crua. O
meu rosto tomou o seu pescoço, começando a beijá-lo e mordê-lo, na
pretensão de devorá-lo, enquanto a mão que me apoiava puxava seus cabelos
pela raiz, firmemente, como ele havia feito comigo na primeira vez.
Nossas mãos continuaram unidas abaixo do meu ventre, trabalhando
sem cessar, arrancando-me gemidos e uma sensação que ficava a cada
segundo mais prazerosa. Quando, enfim, explodi, deixei a mão dele sozinha
enquanto me contorcia, arqueava-me, buscava mais do Jean como
participante daquele êxtase, tal como havia pedido. Eu me deixei gemer
muito alto, completamente tomada pelas sensações maravilhosas.
Em seguida me permiti afundar em seu tórax e ele me envolveu com
seus braços, mantendo-me sobre si. A respiração errante demorou vários
segundos antes de normalizar. Naquela posição, com a cabeça sobre seu
peito, pude ouvir seu coração ainda batendo acelerado.
A minha parte íntima pingou bastante líquido sobre a região
endurecida que ele guardava entre as pernas, que eu podia sentir e que ainda
se mantinha escondida, uma verdadeira incógnita para mim, por mais que já a
tivesse visto.
— Como se sente? — Jean perguntou com a boca grudada em meus
cabelos presos. Ergui a cabeça para encará-lo e fui arrebatada por uma
emoção forte o suficiente para me deixar muda por alguns instantes.
Ele nunca esteve tão lindo aos meus olhos.
— Perfeitamente bem.
— Ótimo — Jean nos fez sentar e se afastou de vez ao se colocar de pé
e me deixar sozinha na poltrona. — Por hoje é apenas isso o que a magia nos
permite fazer.
Abracei a mim mesma, de repente constrangida por ainda estar nua. Era
como se a minha exposição só fizesse sentido diante de sua presença.
— Como assim?
— A magia do seu pedido não nos permite ir além do que acabou de
acontecer esta noite — falou enquanto se aproximava da única janela do
aposento. Jean apoiou um braço no parapeito e levou o outro à cintura,
passando a respirar profundamente como se sentisse verdadeira dor. A luz da
lua o deixava com uma leve luminosidade azulada rodeando o seu corpo, que
parecia esculpido.
Eu me levantei de supetão, sentindo-me indignada com o seu
afastamento tão frio. Não parecia o mesmo Jean que tinha me puxado para
dentro do quarto e me beijado com tanta intensidade. Aquele homem curvado
sobre a janela estava muito sério e evitava até mesmo me olhar.
— Deve estar sendo um suplício para você atender a esse pedido, já que
possui tanta pressa em conclui-lo — eu disse entredentes, irritada, imersa em
um mar de revolta que me trouxe lágrimas aos olhos. — Não precisa me
evitar como se eu fosse um pedaço de carne que você não quer mais.
O gênio se virou na minha direção, com os olhos esbugalhados em
pleno susto. Comecei a procurar ao menos a peça íntima no chão, para que
não me sentisse tão vulnerável e destroçada. Eu a enfiei sobre a cabeça com a
certeza absoluta de que estava com o tecido pelo avesso, mas sem querer
perder tempo ali dentro.
Precisava ir embora o mais depressa possível.
As mãos do Jean tomaram os meus cotovelos e fui obrigada a encará-lo
bem na minha frente. A sua seriedade ainda existia, mas ele me pareceu um
pouco mais doce, o que foi um alívio.
— De fato, está sendo um suplício — admitiu e, depois de um arquejo
desesperado, mais lágrimas escorreram pelo meu rosto. Tentei me
desvencilhar de seu toque, porém foi impossível. — Está sendo um suplício
me controlar quando o meu desejo é te beijar e te ter a noite inteira. Mas não
posso, Sabine. Eu me comprometi a te oferecer apenas o que a magia me
obrigar, nada além. Ela foi embora após o seu êxtase e me deixou aqui, sem
saber o que fazer.
Balancei a cabeça em negativa.
— Eu não sei se estou entendendo.
— Entenda apenas que não posso prosseguir. Que toda vez que me
afastar é porque será necessário e não porque eu quero.
— Não precisa ser assim, Jean — desabafei entre lágrimas,
choramingando. — Combinamos que seria apenas um experimento, mas não
precisa me deixar sozinha e nua como se eu fosse descartável.
— Perdoe-me... — ele tocou a lateral do meu rosto e juntou as nossas
testas. — Por favor, perdoe-me.
— Você não precisa se afastar só porque a magia do pedido foi embora.
— Não posso prosseguir, Sabine.
— Claro que pode, se é o que quer. Se é o que queremos.
— O que eu quero não importa.
— Para mim importa — sussurrei enquanto o encarava de perto, as
lágrimas ainda escorrendo.
— Não deveria importar. A senhorita está começando a confundir as
coisas e isso me assusta. Sabine, eu disse que...
— Não seja um imbecil — resmunguei, desvencilhando-me de vez do
seu toque. — Não estou confundindo nada, só não quero que se afaste por um
motivo tão tolo. Sabe o que eu acho? Que é o senhor que está se confundindo.
— Ele balançou a cabeça em negativa, mas ainda assim não senti a menor
firmeza. — Se acha que eu posso ser o seu verdadeiro amor, então...
— Esqueça isso, Sabine — Jean me interrompeu de forma brusca, em
um timbre grosseiro que muito me desagradou. — Não há a menor
possibilidade de você ser o meu verdadeiro amor.
Pisquei bastante os olhos enquanto ele me encarava com rigidez.
— Tire-me daqui — solicitei, erguendo o rosto para manter a dignidade
que me restava. Mantive-me séria e de nariz empinado para impor o mínimo
de respeito e não me sentir tão diminuída na frente dele.
— Sabine, eu...
— Agora! — soltei um resmungo esbravejante que o chocou, haja vista
os olhos bem abertos e a expressão apavorada.
Jean tocou de leve o meu braço e, instantaneamente, desapareci em seu
quarto para surgir em meu aposento escuro, frio e solitário. Ele não veio junto
comigo, fato que agradeci em silêncio. Não queria olhá-lo sabendo que ele
me excluía de qualquer possibilidade, como se eu fosse somente um ser digno
de sua pena. Não que eu desejasse que ele me incluísse como uma opção
amorosa, mas a forma como falou, brusca e grosseira, deixou-me chateada.
Ainda que estivesse com o corpo aliviado por causa do êxtase, por
dentro me sentia como pequenos cacos de um vaso de vidro quebrado. Eu me
joguei sobre o meu leito e, feito uma criança, simplesmente chorei.
CAPÍTULO 18

Ao despertar naquela manhã, fui imediatamente invadida pela terrível


sensação de vazio assim que compreendi que o sonho que tive não passou de
uma grande ilusão. Não podia imaginar que doeria tanto o fato de o Jean não
estar comigo em mais um dos nossos momentos intensos; havia sido apenas
mais um dos sonhos loucos que surgiam em todas as noites e me faziam
acordar extremamente excitada, pronta para me tocar de novo, e de novo, e
mais uma vez, até que, enfim, pudesse respirar aliviada para começar mais
um dia. No entanto, daquela vez eu me detive.
Em vez de buscar prazer em mim mesma, como já havia me
habituado, simplesmente tornei a afundar em meu leito, permitindo que a
indisposição se fizesse presente a ponto de me isentar de todas as atividades
marcadas com os pretendentes, a começar com o desjejum na companhia do
Príncipe Leopoldo. Não queria ver ninguém e também jamais permitiria que
me vissem daquela maneira. Os meus olhos ainda ardiam pelas lágrimas da
noite anterior e novas se juntaram tão logo percebi o quanto ainda estava
triste.
Passei alguns minutos deitada, aninhada entre as grossas mantas e
tentando fingir a minha inexistência, porém logo Madame Naná apareceu,
andando pé ante pé para manter a discrição, até me chacoalhar com
suavidade. Continuei de olhos fechados para adiar o momento indesejado em
que me veria obrigada a me levantar e fingir que nada tinha acontecido.
— Sabine? — ela murmurou com ternura. — Sabine, acorde.
— Estou doente, Naná — resmunguei sem nem mesmo me mover. —
Avise ao Leopoldo que eu não...
— Oh... Que lindo. Quem foi que a presentou? — Naná me ignorou
completamente para falar sobre alguma coisa longe do meu entendimento.
A curiosidade pela sua admiração me fez abrir os olhos e a primeira
coisa que vi foi um enorme arranjo cheio de flores das mais variadas cores,
dentro de um vaso adornado com brilhantes, depositado sobre a pequena e
estreita mesa de apoio ao lado da minha cama.
— Olha, há um bilhete — Naná segurou um pedaço pequeno de
pergaminho e, antes que pudesse olhá-lo, eu me levantei em um salto e o tirei
de suas mãos. — Aí diz de quem foi? — perguntou com um sorriso
iluminado nos lábios.
Revirei o pergaminho dobrado, porém não havia nada escrito, ao
menos no lado exposto. Encarei a Naná com o coração tão acelerado que
parecia querer sair pela boca. Eu não sabia de quem havia sido aquele
presente, mas tinha um palpite. Se fosse de quem eu estivesse pensando, de
fato não saberia como me sentir. O arranjo era bonito, sem dúvida, mas não
sabia se um presente seria o bastante para arrancar de mim aquela sensação
de estar destroçada. Flores eram capazes de mudar o passado?
Eu duvidava.
— Ora, abra logo o bilhete, menina — Naná prosseguiu, ainda
sorrindo e com o olhar atento para o pergaminho. — Estou curiosa.
Eu não queria abri-lo na frente da dama de companhia, porém não tive
muita escolha, até porque também estava imersa na curiosidade. Desdobrei o
papel e logo visualizei as letras que pareciam desenhadas de tão bonitas.
Havia apenas uma palavra no centro do pergaminho:

Perdoe-me.

Não havia qualquer assinatura, mas não precisava; eu já sabia de


quem se tratava. Por breves segundos o meu coração se manteve aquecido e
pude provar uma emoção diferenciada que me trouxe certa alegria. Contudo,
quanto mais raciocinava, mais percebia o quanto aquele presente não passava
de uma barganha tola. Embora eu não soubesse o que de fato esperava para
que a situação ganhasse um conserto digno, sobretudo por parte do Jean,
certamente aquele vaso enfeitado não era uma opção.
— Não está assinado, Naná. Vamos permanecer na curiosidade.
— O que tem escrito? — ela se curvou para tentar ler, mas eu o levei
ao peito, impedindo-a de visualizá-lo.
— Cabe somente a mim. — Naná deu de ombros, um pouco
cabisbaixa. — Desculpe, Naná.
— Tudo bem, Vossa Alteza — ela se aprumou, mantendo a velha
postura durona e de quem mantinha a praticidade e eficiência acima de tudo.
— Eu que peço perdão pela intromissão. Certamente não é de minha conta.
Como eu não fazia ideia do que dizer, e tinha medo de piorar as coisas
na tentativa de fazê-la se sentir melhor, optei pelo silêncio. Guardei o pedaço
de pergaminho embaixo das cobertas e finalmente me levantei, já que de
repente me vi incapaz de passar um dia inteiro entre aquelas paredes,
pensando e repensando as atitudes e palavras do gênio. Preferia me arriscar
em encontros constrangedores a me manter presa em reflexões que não me
levariam a qualquer conclusão.
— Vossa Alteza dizia que estava adoecida... — Naná começou
enquanto buscava o vestido separado para aquela manhã. Caminhei até a
bacia com água, a fim de lavar o meu rosto que, ao passar pelo espelho, notei
que estava um pouco inchado.
— Foi apenas uma pequena indisposição matinal. Estou bem agora —
menti sem qualquer hesitação. A verdade era que eu ainda estava chateada.
Talvez um pouco menos depois do bilhete, mas ainda assim guardava mágoas
em meu peito.
Eu estava disposta a ignorar completamente aquele pedido de perdão
que deveria ter sido muito simples para o Jean. Com um estalar de dedos ele
certamente materializou o presente e o bilhete. Duvidava até mesmo que a
caligrafia perfeita o pertencia. Eu valorizava demais o meu perdão, ele era um
pouco mais difícil de obter e o gênio não o teria com tanta facilidade,
sobretudo se não fosse arrancado de maneira sincera, genuína.
Vesti-me com um vestido mais leve porque o dia estava bastante
ensolarado e Madame Naná me acompanhou até a varanda, a mesma em que
Jean e eu havíamos nos beijado pela primeira vez. Eu não gostaria de estar
naquele lugar tão cedo, porém foi ali onde os criados montaram uma mesa
farta com o desjejum.
O Príncipe Leopoldo já me aguardava com o seu porte galante, os
olhos azuis cheios de brilho e o sorriso bonito em minha direção, que,
naquele instante, considerei absolutamente falso. Não era possível que
estivesse tão feliz em me ver depois de uma semana em que demonstrei certa
indiferença em relação a sua presença. Ainda assim, deixei que beijasse a
minha mão e me ajudasse a sentar em uma das poltronas à mesa. Só me
restava ser extremamente educada até que decidisse, por fim, ir embora de
Herlain de uma vez por todas.
— A senhorita está especialmente linda esta manhã — soltou após se
sentar à minha frente, sem deixar o sorriso bonito morrer. Os criados
começaram a nos servir com tanta delicadeza e discrição que mal era possível
notar suas presenças. — Gostei bastante de seu vestido com estampas de
flores... e do chapéu combinando.
— Obrigada — soltei um longo suspiro e o olhei com um pouco mais
de atenção.
Leopoldo era belo e possuía atributos físicos visíveis, ainda que um
pouco escondidos pelos trajes sempre elegantes que usava. Por um segundo
me perguntei como seria o seu órgão íntimo e também que gosto teria o seu
beijo. Será que a sua pele branca era macia e quente? Poderíamos ser
compatíveis de maneira física? Porque era óbvio que intelectualmente não
seria possível. Eu poderia ser feliz com um homem que me desse prazer
sempre que eu quisesse, ainda que me oferecesse somente orgasmos. Ou
estaria eu me enganando?
De qualquer forma, passou-me pela cabeça que, talvez, eu não
precisasse amar ninguém ou mesmo me esforçar para considerar alguém
adequado para o amor. Tudo de que eu precisava era de um bom rei para
Herlain e um homem forte com quem pudesse ter prazer e herdeiros. O
Príncipe Leopoldo certamente era competente e ambicioso com as questões
econômicas, logo, não teria dificuldade de fazer o reino crescer na riqueza e
na fartura. Quanto às conversas... Bom, eu poderia conversar com qualquer
pessoa que não precisasse ser ele.
Enquanto Leopoldo falava sobre algum assunto que não me
interessava, entre mordidas e goles, perdi-me nas reflexões sobre lhe
oferecer, ou não, mais uma oportunidade.
—... E então será uma honra conquistar este prêmio para a senhorita
— ele disse de repente, chamando-me a atenção. Os devaneios a respeito dos
nossos corpos nus e entrelaçados se esvaíram tão depressa que cheguei a me
assustar.
— Prêmio? Que prêmio?
Ele me olhou com uma expressão confusa.
— Estávamos falando do torneio de pontaria que haverá dentro de
uma hora, Sabine. É por este motivo que estou me alimentando um pouco
mais esta manhã. Preciso de forças para manter o foco e... — voltou a falar
sobre si e as próprias habilidades, por isso a minha atenção tornou a se
dispersar.
Eu não tinha qualquer conhecimento a respeito de torneio algum,
porém sabia que só podia ser invenção dos rapazes, que todos os dias
tentavam encontrar maneiras de expor seus talentos como se isso fosse capaz
de mudar a minha opinião sobre eles. Ainda naquela semana houve uma
corrida de cavalo em volta do castelo e mais caça esportiva, as quais
Leopoldo sempre se destacava.
Naquele momento percebi que eu não era obrigada a sequer escutá-lo.
Poderia calar a sua boca com beijos e passar horas ao seu lado sem que
precisássemos conversar, portanto, sim, aquele príncipe diante de mim ainda
podia ser uma opção bastante interessante. Ele tampouco parecia disposto a
encontrar um amor; apenas uma boa esposa que também lhe oferecesse
herdeiros e prazer.
Olhei para os dois lados, percebendo que os criados haviam se
distanciado e se mantinham distraídos. Naná conversava com o
acompanhante de Leopoldo há vários metros de onde estávamos e parecia
empolgada demais para prestar atenção em nós. De fato, nossos encontros
não eram interessantes nem mesmo para eles.
— Leopoldo... — falei baixo, curvando-me um pouco na sua direção.
— Encontre-me no terceiro salão de repouso da ala norte esta noite, quando
todos se recolherem — resolvi que seria mais adequado ser sucinta e objetiva.
Eu não sentia que havia absolutamente nada a perder, nem mesmo tempo.
Como era absurdo demais deixá-lo invadir o meu quarto, e impensável seguir
até o dele, achei por bem utilizar o terceiro salão, o mais vazio de todos. —
Vá sozinho e seja discreto.
O Príncipe estacionou com uma xícara em mãos, olhando-me como se
não tivesse compreendido uma só palavra do que eu acabara de dizer.
— Por... quê?... — um sussurro saiu de seus lábios. Ao menos ele
compreendeu que não deveríamos ser ouvidos e se manteve discreto.
— Estou cansada dessas convenções — dei de ombros, explicando-
me ainda com a voz baixa, reparando a cada segundo se alguém se
aproximava. — Precisamos saber se somos compatíveis fisicamente, do
contrário nada disso fará sentido.
Leopoldo começou a piscar os olhos incontáveis vezes. Manteve-se
mudo por tempo suficiente para que um criado notasse que estávamos quietos
demais. O serviçal se aproximou e nos serviu de mais chá sem fazer
perguntas, para logo em seguida, após recolher algumas louças vazias, voltar
a se distanciar.
— Não sei se entendi bem, Princesa — Leopoldo murmurou,
curvando-se para frente. — A senhorita quer que nos encontremos... a sós?
— Exatamente.
— Para... — clareou a garganta, parecendo constrangido. Esperei que
continuasse, porém o Príncipe apenas ficou com o rosto muito vermelho e se
manteve imóvel.
— Precisamos nos beijar e nos tocar — murmurei de uma vez.
O Príncipe Leopoldo entrou em um acesso de tosse tão forte que
todos os criados se aproximaram para socorrê-lo. Precisaram levantar o seu
rosto avermelhado e os braços, e o seu acompanhante chegou a massagear as
suas costas até que finalmente se acalmasse. Eu assisti a tudo aquilo sem me
mover, considerando o seu desconcerto um tanto quanto divertido, mas
procurei não esboçar qualquer reação para que não fosse interpretada de uma
maneira indelicada.
Quando a situação se aquietou, não conseguimos mais manter os
serviçais distantes, já que havíamos concluído o desjejum e chegara a hora de
começar o tal torneio de pontaria do qual eu provavelmente não conseguiria
fugir.
No entanto, quando o Príncipe Leopoldo beijou a minha mão para se
despedir, percebi que piscou um olho e assentiu devagar, mostrando um
sorriso que me pareceu ainda mais bonito pelo simples fato de ser soado
verdadeiro.
— Combinado — sussurrou, tão baixo que apenas eu fui capaz de
escutar.
E então o respondi com um sorriso discreto.

A minha animação para assistir ao torneio poderia ser considerada nula


se eu não preferisse passar horas sentada a passear exaustivamente com os
outros príncipes pelo restante daquela manhã. Sendo assim, achei por bem me
conformar quando Naná avisou que me acompanharia até o palanque de
madeira montado especialmente para abrigar a família real de Herlain.
Tínhamos vista privilegiada para o campo situado dentro da vasta área
externa do castelo, onde aconteceria o torneio e onde haviam colocado discos
pintados em toda parte, que serviriam como alvo.
Ao menos não caçariam nenhum animal indefeso.
Sarah chegou logo depois de mim e se sentou na poltrona ao meu lado.
Um pouco mais afastados para a direita, mamãe e papai pareciam distraídos
em conversas com outros membros da realeza, que haviam ganhado um lugar
para se sentar abaixo do palanque. O clima era de descontração e euforia,
entretanto, minha irmã parecia apreensiva e contorcia o tecido do próprio
vestido entre os dedos.
— Está tudo bem? — perguntei assim que a vi, pois me pareceu
realmente assustada.
— É hoje que o Príncipe Augusto vai anunciar oficialmente o nosso
noivado — ela murmurou como se estivesse anunciando a própria morte. —
O baile está previsto para amanhã.
Segurei a sua mão, obrigando-a a parar de contorcê-la feito uma
alucinada.
— Descobri algumas coisas sobre aquele assunto que... — suspirei
fundo. — Você sabe qual. Não precisa ter medo.
Sarah me olhou com os olhos claros bem abertos, parecendo duas joias
brilhantes e muito valiosas.
— O que você descobriu?
— Podemos ter esta conversa mais tarde.
Ela balançou a cabeça em negativa e segurou a minha mão com tanta
força que chegou a doer.
— Você precisa me dizer agora mesmo, Sabine. Augusto vai fazer o
anúncio antes desta porcaria de torneio! Eu acho que vou desmaiar... — levou
uma mão à testa, visivelmente nervosa e muito trêmula.
Eu me curvei para o lado, a fim de nos aproximarmos mais. Não
podíamos arriscar sermos ouvidas, muito menos pelos nossos pais, os únicos
que, além de nós, permaneciam sobre o palanque.
— O ritual não é terrível — falei depressa, sem pensar em demasia, já
que não tínhamos tempo e eu não encontraria as palavras certas nem mesmo
se refletisse muito antes de dizê-las. — Pelo contrário, é um ato muito
prazeroso. É um momento de intimidade entre o homem e a mulher.
— P-Prazeroso? — Assenti. — M-Mas... E o órgão? E o sangue?
— Bom... — dei de ombros, já que não havia chegado exatamente
naquela parte do ensinamento. Jean estava me devendo a conclusão do meu
pedido, mas aquela não era uma boa hora para pensar nele. Precisava manter
a calma e a concentração para que Sarah não se assustasse ainda mais. — Há
o órgão, mas é um momento intenso em que você também vai sentir prazer e
gostar.
Os olhos de Sarah já estavam marejados.
— Igual ao beijo? — ela me encarou e, logo em seguida, percebeu que
havia se exposto demais. Levou uma mão à boca e ficou me olhando como se
aguardasse retaliação. Em vez de julgá-la, apenas aquiesci.
— Isso, igual ao beijo. Um momento prazeroso, gostoso.
— Oh... Então...
— Não precisa se preocupar. Enquanto o casamento não acontece, tente
conversar com Augusto sobre intimidades. Ele há de aconselhá-la.
Seus olhos se abriram mais.
— Não farei isso, Sabine. É muito inapropriado!
— Ou vá se tocando na intimidade sozinha, a fim de se descobrir.
— Sabine! — ela gritou, chamando a atenção dos nossos pais.
A Rainha Alexandra fez uma expressão desgostosa enquanto o Rei
Cedric não perdeu muito tempo nos olhando, apenas fez uma curta pausa e
voltou a conversar com o Visconde. Mamãe balançou a cabeça em negativa e
voltou a fingir que não estávamos ali. Sarah tornou a me encarar, ainda
assustada.
— Você vai entender o que eu disse quando se tocar... lá embaixo —
apontei discretamente. Sarah continuou com a expressão de choque. —
Permita-se, minha irmã.
Antes que ela pudesse responder com estarrecimento, Cristóvão surgiu
no meio do campo, segurando um pergaminho e vestindo os seus trajes
costumeiramente coloridos. Só então percebi que o torneio havia reunido uma
grande plateia, ainda maior que a corrida de cavalos. Todos os membros da
realeza de Herlain e das comitivas visitantes estavam presentes, fazendo um
meio círculo barulhento.
O criado responsável pelo entretenimento do castelo começou a
esbravejar as regras do torneio para que todos pudessem ouvir. Pelo que eu
tinha entendido, apenas os príncipes participariam e o prêmio era uma joia
muito valiosa, retirada diretamente do salão de riquezas da família real.
Depois da exaustiva explicação, o primeiro príncipe combatente a se
apresentar no meio do campo foi o Augusto. Em meio a aplausos acalorados,
ele empunhou o enorme arco e ajustou a flecha na direção do primeiro alvo,
que estava mais próximo e parecia simples de ser atingido. Eu nada entendia
sobre pontaria, mas de repente me vi nervosa por ele. Ao meu lado, Sarah
parecia ter parado de respirar e eu a compreendia totalmente.
O Príncipe Augusto deixou a flecha escapar e ela atingiu exatamente o
meio do alvo, provocando mais aplausos e assobios. Em seguida ele se
curvou em uma longa reverência e fez o tão aguardado anúncio:
— É com muito orgulho e alegria que convido todos os presentes, com
a permissão do Rei Cedric VI e da Rainha Alexandra, para o baile oficial de
noivado entre mim e a minha amada Princesa Sarah, que acontecerá na noite
de amanhã no castelo de Herlain!
As pessoas começaram a aplaudir com ainda mais euforia, todos se
levantando de suas cadeiras. Sarah e eu também fizemos o mesmo e a olhei
de lado, percebendo que sorria e chorava de emoção. Não parecia mais
assustada, pelo contrário, mostrava-se realmente feliz e eu não pude me sentir
diferente. O único fator que me deixou pensativa naquele momento teve a ver
com uma palavra que o Augusto disse: amada.
Ele realmente amava a minha irmã mais nova. E, olhando para ela,
percebi que o sentimento era correspondido.
Soltei um longo suspiro e me vi incapaz de continuar sorrindo. Aquilo
mexeu comigo de um jeito que não consegui compreender. Os aplausos
foram cessando depois que Augusto se afastou do campo, dando lugar a mais
um príncipe combatente: o Stephen, com quem eu não tive muito tempo de
me encontrar, pois havia chegado no dia anterior e parecia discreto demais
até para me chamar para uma dança.
Ele era alto e forte, possuía os cabelos castanhos muito lisos e olhos
penetrantes de uma coloração amarelada. Eu ainda não o tinha visto de perto
o suficiente para sentir qualquer atração com relação a ele, mas me parecia
um pretendente centrado, silencioso e cheio de mistério. O Príncipe
empunhou o arco com maestria e atingiu o primeiro alvo no centro depois de
poucos segundos de concentração, a sua flecha estacionando exatamente ao
lado da flecha do Augusto. Todos o aplaudiram e pude notar que abriu um
sorriso diante da euforia da plateia.
A minha mais recente lista de pretendentes foi sendo preenchida um a
um: Príncipe Arthemis, Príncipe Sean, Príncipe Miguel, Príncipe John II,
Príncipe Peter, Príncipe Dionísio... Confesso que já estava entediada,
principalmente porque todos pareciam igualmente bons em pontaria, quando
este último apareceu no meio do campo. O coitado realmente não possuía a
mínima desenvoltura nem mesmo para segurar o arco. Como falara o Jean,
ele era, de fato, franzino, porém a sua simpatia e inteligência me eram muito
agradáveis e eu estava torcendo para que não passasse vergonha na frente
daquela gente.
Foi por este motivo que me levantei do trono e me curvei diante da
beirada do palanque, sem querer perder um só segundo de seus movimentos.
O silêncio que foi feito enquanto ele se ajustava foi ensurdecedor. Dionísio
demorava demais para manter a flecha no lugar correto e parecia tremer da
cabeça aos pés. Eu sentia muita pena dele, principalmente porque sabia que
não merecia ser julgado pelas habilidades físicas, haja vista que possuía
outras que eram bem mais úteis do que aquela.
De repente, ele virou o rosto na direção do palanque e os nossos olhares
se cruzaram. Eu assenti com veemência, tentando lhe oferecer um pouco de
coragem, fazendo com que compreendesse que eu estava na torcida. Dionísio
sorriu e, depois de respirar profundamente, voltou a encarar o alvo à sua
frente.
Foi então que eu vi uma luz fraca, porém brilhosa, atravessando a sua
flecha e fazendo com que se movimentasse rapidamente na direção do alvo.
Ela seguiu a exata direção da flecha de Augusto, tanto que a dividiu no meio
antes de atingir o centro. Foi tão emocionante que a plateia se levantou para
aplaudir e os outros príncipes se aproximaram para chacoalhar os cabelos de
Dionísio, parabenizando-o. Eu me mantive tão confusa que nem mesmo
aplaudi. Fiquei encarando a flecha, perguntando-me se mais alguém havia
notado o brilho que pareceu tê-la envolvido antes de ser atirada.
Ainda estava estupefata quando as coisas voltaram a se acalmar e pude
ver na minha frente a possível razão para o sucesso da flecha do Dionísio.
Jean ocupou o campo em silêncio, com seriedade, e deixou que a plateia
voltasse ao silêncio enquanto se ajustava. Sequer sabia que ele também
participaria do torneio.
— Não faço ideia de qual poderia ser a sua escolha, minha irmã, mas a
minha certamente seria esta — Sarah apontou para frente. Até então eu não
tinha percebido que ela havia se colocado de pé ao meu lado, na beirada do
palanque.
— O quê? — ofeguei.
— Esse Príncipe Jean é um absurdo de tão lindo — comentou com
certa malícia, empurrando-me lateralmente. Prendi a respiração
completamente e pisquei na direção dela porque não queria olhar para o gênio
de modo algum. — Eu não teria a menor dúvida.
— Não vou casar com alguém por causa de beleza, Sarah.
— Mas ele também é muito simpático, divertido, inteligente, cheiroso...
— Como sabe de tudo isso? — franzi o cenho, desconcertada e envolta
por um sentimento horrível. Era tão intragável que tive dificuldade até
mesmo para engolir a saliva. Parecia que existia um caroço em minha
garganta, impedindo qualquer coisa de passar.
— Eu sei porque ele também é um bom dançarino — Sarah piscou para
mim, voltando a olhar para frente. — Em todo baile guardamos uma música
para conversarmos.
Eu sabia perfeitamente que o Jean dançava com a Sarah durante os
bailes. Era natural, um comportamento esperado por todos, inclusive, assim
como eu sempre dançava com o Augusto porque era o convencional. Mas
naquele instante eu me encontrei tão aterrorizada que comecei a sentir certa
vertigem.
Virei o rosto para encarar o Jean e vi o exato momento em que ele
relaxou os ombros, olhou para o chão e atirou como se não se importasse nem
um pouco com o resultado daquele torneio. A sua flecha seguiu para uma
direção completamente fora do alvo, atingindo uma árvore adiante.
Parte da plateia riu e a outra metade fez um “oh...” em uníssono.
— Bom, pontaria não é uma de suas habilidades — Sarah completou,
sorrindo. — Mas, caso fosse, o mundo perderia o completo equilíbrio, não é
mesmo? Algum defeito ele precisava ter, caso contrário todos desconfiariam.
Dei de ombros, sem saber o que pensar, mas ciente de que o Jean fez
aquilo totalmente de propósito. Ele não queria que as atenções se voltassem
para ele, ao menos não de forma muito positiva, e nem mesmo cultivar a
esperança de ninguém com relação a um possível noivado entre nós dois.
Sendo assim, quanto mais ele se mostrasse ineficiente, mais teria um motivo
para se manter afastado e mais seria natural que não fosse o escolhido.
O gênio fez duas reverências espalhafatosas, provocando mais risos, e,
quando se ergueu, encarou-me. Eu me senti tão indignada, imersa em um mar
tão torturante de revolta, que deixei o palanque no mesmo momento,
correndo na direção do interior do castelo. Queria que aquele torneio se
explodisse.
CAPÍTULO 19

Antes de conseguir chamar a atenção de todos, sobretudo dos guardas


reais que acompanhavam o evento, desacelerei o passo e caminhei com
tranquilidade ensaiada, aproveitando que as pessoas pareciam ocupadas
demais para repararem a minha ausência. Atravessei alguns salões até
encontrar a primeira saída livre na direção do jardim menor, localizado em
um dos átrios do castelo. Eu precisava de espaço para respirar e tentar
entender os motivos que me levavam a sentir tanta raiva.
Sentei-me em um dos bancos de ferro retorcido, entre duas árvores
maiores, e enfim consegui fazer a minha respiração normalizar. As palavras
de Sarah me trouxeram uma espécie de angústia que me deixou assustada e o
comportamento jocoso do Jean contribuiu para que se instalasse de vez.
Tornou-se tarefa difícil refletir sobre as emoções que me invadiam sem
piedade, portanto tratei de deixá-las vir até que resolvessem ir embora.
Enxuguei algumas lágrimas e olhei para cima, admirando o efeito brilhante
dos raios solares entre as folhas verdinhas.
De início uma luz se diferenciou das demais, destacando-se ao
começar a me envolver por completo, como uma camada de intensa energia.
Eu sorri porque, de repente, fui tomada por um conforto diferenciado, um
aconchego que muito me foi bem-vindo. Depois, a luz foi ficando azulada e
se transformando aos poucos em uma forma concreta: Jean apareceu no lugar
dela. Ele me abraçava com tanto carinho que me deixei afundar em seus
braços, ainda que estivesse longe de perdoá-lo pela frieza da noite anterior e
pela tolice que acabara de fazer no torneio.
— O que houve, Sabine? — murmurou perto do meu ouvido. Suspirei
profundamente, exausta por ainda ter que me explicar. Mas tudo bem, nem eu
mesma me entendia naquele momento, como poderia exigir que Jean me
compreendesse? — Quer conversar?
— Por que fez aquilo? — virei o meu rosto para encará-lo. Jean me
olhou fixamente por uns segundos, até que o seu olhar recaiu sobre os meus
lábios. Talvez na tentativa de se controlar, ele voltou a analisar meus olhos,
porém não teve qualquer remédio, eu já sabia o que ele queria, de fato. A
sensação me trouxe certo alívio, o suficiente para não desejar largar o seu
abraço aconchegante. — Por que deixou que rissem de você? Por que errou a
flecha de propósito, Jean?
— Eu não sou muito bom de pontaria.
— Jean — falei seu nome com firmeza e ele deu de ombros, porém
sem se afastar. Ele estava tão perto que eu me sentia inebriada pelo que
cheiro que, Sarah tinha razão, era delicioso e viciante. — Fale a verdade.
— De fato não sou bom de mira, Sabine. Não sou bom em muitas
coisas sem a magia — falou de um jeito que me inspirou sinceridade. E eu
não pude deixar de me perguntar o que de fato era real naquele gênio, visto
que eu tinha ciência de que nem mesmo aquela aparência o pertencia. —
Achei que seria injusto usá-la quando todos pareciam bem treinados para se
exibirem.
— Mas você a utilizou no Príncipe Dionísio. Eu vi.
Jean deu de ombros mais uma vez, parecendo um pouco
desconcertado.
— A senhorita mencionou que gostou dele. Percebi o quanto estava
aflita e o coitado mal conseguia segurar o arco — desviou o rosto pela
primeira vez, passando a encarar a árvore atrás de mim. — Eu tive pena do
Príncipe Dionísio. Aquela gente o detonaria com muita facilidade.
— Mas deixou que detonassem você.
— Eu não me importo com o que pensam sobre mim, Sabine —
tornou a me encarar e percebi que ainda estava sendo sincero. — Estou aqui
com o objetivo de abrir caminhos e agora você tem mais opções. A minha
presença se tornou desnecessária, mas entendo que preciso prosseguir para
que ninguém questione se você vale a pena.
Balancei a cabeça suavemente, percebendo que a irritação ameaçava
retornar. Eu me desvencilhei de seus braços antes que me sentisse ainda mais
perdida dentro daquela ilusão chamada Jean. Eu não sabia onde a magia
terminava e onde ele começava, por isso me mantive assustada por achar que
talvez absolutamente nada fosse verdadeiro.
― A sensação que tenho é a de que tudo isso está sendo exaustivo
para você ― murmurei e mais lágrimas surgiram em meus olhos, no entanto,
fiz o maior esforço possível para não derramá-las.
― De modo algum, Sabine ― ele começou a enrolar uma mecha do
meu cabelo que havia escapado para fora do chapéu de sol. ― Não estou
sendo obrigado a ajudá-la, eu que tive a ideia e a coloquei em ação porque
quis. Na verdade estou me divertindo como jamais antes.
― Mesmo? ― Fiquei ciente da expressão confusa que o ofereci
naquele momento.
― Mas é claro. Passei muitos anos preso dentro daquela lâmpada... ―
Continuei o olhando, interessada naquela história, porém o Jean
desconversou: ― Por que não voltamos para o torneio?
― Preso? Como assim, Jean? ― insisti, já que a curiosidade que me
despertou se tornou intensa, tanto que não me importei de me aproximar mais
dele.
Porém o gênio apenas sorriu com uma leveza de impressionar.
― Não importa agora, Sabine.
Nós nos encaramos por segundos que me pareceram uma eternidade.
Compreendi que havia muitas informações sobre ele que eu desconhecia e
jamais tinha parado para refletir sobre como funcionava a sua existência
quando não estava por perto. As respostas talvez me chocassem ou me
fizessem entristecer. O fato é que fiquei com tanto receio de insistir e fazer
mais perguntas que decidi voltar ao assunto anterior:
― Não parecia que estava se divertindo.
Ele assentiu.
― Só estou preocupado com o caráter e as verdadeiras intenções desses
príncipes. Prometo que ficarei atento a cada um deles, pois não quero que a
senhorita realize uma escolha que a deixará infeliz.
— Neste momento é o seu comportamento que está me deixando
infeliz ― confessei sem pensar em demasia. Jean me observou com certa
surpresa em seu olhar brilhante. ― Se eu valho a pena, talvez seja mais
prudente agir com boa vontade. Ainda que seja ruim de pontaria, você olhou
para o chão, Jean, não se deu o mínimo trabalho de acertar a flecha.
— Está chateada por causa disso? — o gênio perguntou com uma
expressão que demonstrava a confusão que sentia.
— Não gostei de ver todos rindo de você — desabafei em seguida,
expondo verdades como ele estava fazendo naquele momento. — Não quero
que ninguém te considere um tolo porque não é o que você é.
Ele ficou me analisando durante alguns segundos. Novamente, seus
olhos desceram devagar para depois subirem. Toda vez que ele fazia aquilo
um arrepio teimava em atravessar o meu corpo e deixava rastros de calor em
minha pele.
— A senhorita é a pessoa mais próxima de saber o que sou em todo o
Universo, Sabine, e para mim é o que importa. — Entreabri a boca, surpresa
com as suas palavras. Eu não me sentia como alguém que conhecia o Jean
mais do que todo mundo, afinal, havia muitas coisas ao seu respeito que eu
não fazia a menor ideia. — Mas se é o que deseja, irei me esforçar para ser
um bom pretendente aos olhos de Herlain.
Assenti devagar. Embora tivéssemos acabado de conversar com certa
tranquilidade e civilizadamente, ainda me sentia angustiada e irritada. Eu não
sabia o que mais queria do Jean; ele já estava fazendo mais do que o esperado
e eu já tinha além do que sempre imaginei que teria algum dia.
Passei a me sentir uma verdadeira ingrata por ainda estar confusa e,
no fundo, entristecida.
— Perdoe-me por ontem — ele prosseguiu depois de um tempo,
talvez querendo dispersar o silêncio constrangedor que se formara entre nós.
— Desde que não tente barganhar o meu perdão outra vez — soltei
depressa, antes que me arrependesse de ser rígida demais com alguém que
claramente só estava tentando me ajudar a conquistar tudo o que mais desejei.
Fechei os olhos e resolvi aliviar: — Gostei das flores, de verdade, elas são
lindas. Mas não as queria como troca pelo meu perdão.
— Compreendo ― Jean depositou a mão por cima da minha e
passamos algum tempo olhando para o ponto em que nossas peles se
encostavam. ― Então me perdoe também pela falta de modos. Jamais foi
minha pretensão ofendê-la ou deixá-la triste.
Sorri ao encará-lo.
— Está perdoado. E eu também peço perdão por muitas vezes não
conseguir compreender o seu ponto de vista.
Jean apenas sorriu, sem nada dizer.
— É a vez do Príncipe Dionísio novamente — afastou-se devagar,
mas a mão se manteve entrelaçada à minha. Não perdi o meu tempo
perguntando como ele sabia essa informação, se estávamos do outro lado do
castelo. — Devo ou não devo usar a magia?
— Depende. Ele ainda está tremendo?
— Não há parte alguma do sujeito que não esteja trêmula neste
momento.
Nós dois rimos.
— Pode ajudá-lo, então.
— Certo — Jean sorria, porém logo ficou sério. O sorriso foi
murchando como uma flor que perdia pouco a pouco a vitalidade. — A
senhorita gostou mesmo dele.
— Sim, mas estou tendo algumas ideias novas para a escolha de um
pretendente.
— E posso saber quais são essas ideias? — ele levantou uma
sobrancelha, mostrando toda a curiosidade.
— Ainda estou refletindo a respeito, mas creio que devo utilizar
bastante razão e menos emoção.
Jean assentiu, mas depois soltou um riso.
— Mas se realmente formos racionais, ninguém deveria escolher um
esposo em trinta dias. O amor requer tempo para florescer... — ele me olhou
de soslaio e se calou de imediato, como se estivesse arrependido de ter dito
tais palavras. Jean sabia que eu estava presa àquela escolha, ainda que tudo
lhe parecesse absurdo.
— Concordo — defini, convicta. — É por isso que não devo escolher
alguém na intenção de amar, e sim alguém por quem me sinta genuinamente
atraída, deste modo, ainda que não o ame, poderia sentir e dar prazer pelo
resto dos meus dias.
Jean permaneceu com os olhos esbugalhados em minha direção.
Piscou-os algumas vezes, parecendo chocado, entretanto eu sabia que
concordaria comigo.
Por outro lado, o anúncio do Príncipe Augusto havia mexido comigo
e eu não podia deixar de me perguntar como o mais recente casal de Herlain
podia sentir amor um pelo outro tão rápido. Foi naquele momento que tive
certa clareza: Sarah e Augusto não tiveram muito tempo, mas certamente o
aproveitaram com beijos e carícias. Deveria ser o suficiente para o
nascimento de um sentimento mais profundo.
Seguindo aquela lógica, o Jean era o homem mais próximo de minhas
possibilidades de amor, o que não poderia acontecer, então o meu dever era
me abrir para a intimidade com outros possíveis pretendentes. Daquela forma
também me abriria para as novas emoções e para o amor, realizando uma
escolha sensata.
— Sabine... Sei que falei a senhorita que amor e sexo são coisas
distintas, mas sexo sem amor não é tão bom quanto sexo com amor.
— Mesmo?
— É o que dizem — Jean deu de ombros. — De fato não sei. Jamais
amei.
Aquela informação nova me fez encará-lo sem nada dizer. Estava
muito curiosa para saber mais sobre o Jean, incluindo as suas experiências
românticas e sexuais, porém tive medo de me arrepender amargamente.
Dispersei os pensamentos que me acometeram, fazendo-me chegar à
conclusão precipitada de que ele era incapaz de sentir amor e que por isso
havia falado palavras tão duras na noite anterior.
Não me sentiria pronta para entrar no assunto enquanto ainda
estivesse magoada.
— Eu também não. Só o que tenho são as nossas experiências e
garanto que as considero muito boas — sorri, ainda que estivesse
envergonhada, e ele também sorriu de volta, mesmo que o seu rosto tenha
ficado um pouco avermelhado.
O gênio voltou a encarar os meus lábios e daquela vez tentei provocá-
lo ao passar a minha língua sobre eles. Pareceu funcionar, já que o Jean fez
uma expressão meio desesperada e soltou um arquejo.
— De qualquer forma eu acredito que a senhorita merece ser amada
intensamente. Nada menos do que isso ― falou em um tom baixo, sem me
olhar direito. Pude sentir aquela energia que nos envolvia se intensificando,
fazendo-me entrar em um estado muito avançado de excitação. ― O que
pretende fazer?
— Neste momento? Deixar que você faça o que tanto quer. — Ele
ficou confuso e eu tratei de aproximar os nossos rostos. Embora me sentisse
ousada, não recuei. — Beije-me de uma vez, Jean — murmurei com os lábios
muito perto dos seus.
— Na verdade eu estava me referindo aos pretendentes, mas... —
segurou as laterais do meu rosto, aproximando-se ainda mais e fazendo uma
pausa longa. Piscou algumas vezes e, por fim, murmurou: — Esqueci
completamente o que eu ia dizer.
As nossas bocas se encontraram mais uma vez e já se mostraram
famintas desde o início, arrancando-me o fôlego e me fazendo derreter em
seus braços. Jean apoiou o meu tronco no encosto do banco e praticamente
mergulhou sobre mim, fazendo aqueles movimentos deliciosos com a sua
língua, capazes de me deixar enlouquecida e pronta para ser tocada em todos
os sentidos possíveis.
Ouvi um resmungo proveniente de suas entranhas e ele acabou
desfazendo o beijo delicioso cedo demais. Entretanto, deixou as nossas testas
unidas e manteve as mãos em mim, da maneira que eu me sentia confortável.
— É a minha vez de atirar. A plateia aguarda.
Fiz uma careta.
— Não vai dar tempo de voltar, Jean. Esqueça o torneio e continue...
— Sabine, eu ainda estou no campo fisicamente. Esta aqui é uma
projeção desmaterializada.
— Oh... — levei uma mão ao peito, assustada. — Este... Você está
invisível?
Jean aquiesceu. Aquilo talvez explicasse a sua despreocupação quanto
aos poucos guardas que poderiam estar perto do átrio. Já eu os havia ignorado
completamente.
— Mas lá no torneio estou bem visível e preciso voltar antes que
percebam que não me movi até então.
Assenti com a cabeça porque fiquei sem palavras. Eu estava tão
surpresa com aquela sua capacidade de se dividir em dois que achei por bem
não fazer mais nenhuma pergunta. Diante de meu silêncio, Jean me deu um
beijo rápido e estalado e sumiu de uma maneira muito repentina.
A mim coube apenas voltar para o campo como se nada tivesse
acontecido. Ocupei o trono do palanque sob o olhar curioso de Sarah e me
senti aliviada ao perceber que os meus pais sequer haviam percebido a minha
ausência. Infelizmente não consegui retornar a tempo de ver o Jean lançando
a flecha, mas pelo que compreendi mais tarde, ele havia feito a pontuação
necessária para seguir para a próxima fase.
O gênio manteve a concentração e, como prometido, não usou a
magia ao seu favor. Ele era, de fato, meio ruim de pontaria, mas a sua
tentativa e esforço me deixaram com um sorriso amplo instalado no rosto.
Ninguém mais ousou rir dele, talvez porque tivessem compreendido que ele
passara a levar o torneio a sério.
Jean continuou envolvendo o Dionísio com a sua magia, até que
sobraram apenas ele e o Príncipe Leopoldo, que era de fato bom de mira e se
encontrava muito além da exibição durante aquele torneio. Como já
estávamos todos cansados depois de horas intensas e repletas de fases
complicadas, o próprio Rei Cedric definiu que a decisão entre os dois
aconteceria na manhã seguinte.
Obviamente, o Príncipe Leopoldo se mostrou um pouco irritado com
a decisão adiada, já que não imaginava que teria um concorrente à altura.
Dionísio ainda estava visivelmente sem entender de que forma havia chegado
tão longe, porém recebia as congratulações dos demais com bastante alegria.
A minha irmã e o Príncipe Augusto não pararam de se entreolhar e logo se
encontraram atrás de uma árvore, quando a plateia já havia se dispersado e
ninguém estava olhando.
Já eu permaneci contente o suficiente para desejar um novo encontro
às escondidas com o gênio. Não via a hora de mostrá-lo a forma que imaginei
de agradecê-lo por ter se esforçado.
Estava pronta para pular mais uma etapa.
CAPÍTULO 20

Depois daquele exaustivo torneio não tive vontade de fazer mais nada
além de me acomodar em meus aposentos e descansar durante toda a tarde.
As emoções vivenciadas haviam me deixado cansada e eu queria estar bem
durante a noite, a fim de experienciar mais momentos intensos com o gênio.
No entanto, Madame Naná me interceptou a caminho da torre e avisou que o
almoço seria servido no salão principal em breve, então os meus planos se
esgotaram tanto quanto minhas energias.
Naquele momento desejei que o castelo não estivesse tão cheio e as
pessoas não parecessem tão famintas – eu ainda me sentia satisfeita pelo
desjejum, embora realmente tivesse passado bastante tempo desde que comi.
A vontade de estar rodeada de gente que eu precisava manter algum contato
era mínima, bem como a de continuar me portando com elegância e charme,
para não me tornar assunto desagradável entre as rodas de conversa.
Só queria tirar aquele vestido e me deitar em paz.
Quando eu já estava retornando para o salão, visto que não adiantaria
fingir que estava indisposta, encontrei a Rainha Alexandra em um dos
corredores largos, repletos de armaduras antigas enfileiradas como se fossem
guardas reais.
— Aonde pensa que está indo desse jeito, Sabine? — mamãe
questionou, parando à minha frente com as suas damas de companhia a
tiracolo, e eu não me controlei ao revirar os olhos. Estava cansada demais
para receber mais um de seus costumeiros sermões. — Sabe perfeitamente
que não deve permanecer em locais fechados com chapéu. Troque-o pela
coroa antes de seguir para o almoço, como toda dama consciente está fazendo
neste exato instante. — Ela não esperou por uma resposta, foi passando por
mim e pela Naná com a cabeça e os ombros erguidos. — E seja rápida, não é
adequado que se atrase para se sentar à mesa com seus pretendentes.
Nada comentei porque imaginei que, quanto menos falasse, mais
rápido ela me deixaria em paz. Naná e eu voltamos a ficar sozinhas no
corredor e a dama de companhia se adiantou em avisar:
— Vou buscar a sua coroa — Naná estava visivelmente chateada com
as palavras de mamãe, mas jamais teria a ousadia de desafiá-la, sobretudo
porque, no fundo, a Rainha estava certa: não era apropriado que eu
permanecesse de chapéu durante o almoço. Em minha defesa pretendia retirá-
lo antes de alcançar o salão. — Fique aqui, Alteza. Será mais rápido desta
forma.
— Tudo bem, Naná.
— Por favor, não se mova deste lugar. Demoraremos mais se eu
precisar procurar pela senhorita neste castelo imenso — o seu pedido veio em
forma de súplica e me limitei a aquiescer, sentindo-me um pouco
envergonhada por sempre lhe dar bastante trabalho. Talvez me faltasse
maturidade para lidar melhor com a Naná.
A dama de companhia se afastou, caminhando a passos acelerados até
a torre onde o meu aposento ficava. Havia um imenso espelho ao longo do
corredor, por isso o utilizei de apoio para adiantar a tarefa e começar a
desprender os grampos que fixavam o chapéu aos meus cabelos. Eram tantos
que fiquei surpresa. Não sabia que Naná havia tido tanto trabalho assim para
me deixar com aquele visual.
— Princesa Sabine? — Olhei para o lado, um pouco assustada por ter
sido pega com metade dos cabelos soltos e a outra metade presa ao chapéu,
que naquele instante pendia para o lado. O Príncipe Augusto me olhava com
curiosidade. Fiz o possível para terminar de puxar os grampos, mas não teve
jeito, portanto decidi largar a atividade pela metade. — Que bom encontrá-la
sozinha. Precisava mesmo falar com a senhorita. Precisa de ajuda?
Virei o rosto para os dois lados do corredor, percebendo que o
Augusto também estava desacompanhado. Não soube explicar o motivo, mas
o meu coração se acelerou e fiquei nervosa com aquele encontro casual e
inesperado.
— Não, não... Não precisa se incomodar — sorri, envergonhada e
constrangida. — Madame Naná deve retornar em breve. Ela certamente
saberá o que fazer.
— Bom, eu tenho duas irmãs mais novas — Príncipe Augusto se
aproximou cautelosamente, um passo de cada vez, até que estacionou diante
de mim. Não dei qualquer permissão para que avançasse, mas ainda assim ele
ergueu as mãos para me ajudar a remover o chapéu de uma vez. — Pronto. —
Para a minha surpresa, ele conseguiu libertar os meus cabelos com facilidade
e logo em seguida me devolveu o chapéu e os grampos que retirou.
— Obrigada — eu tinha ciência de que o meu rosto estava aquecido
pela vergonha. Jamais imaginei tê-lo tão próximo; nem mesmo em nossas
danças Augusto ficava perto, de modo que era possível sentir o seu cheiro e a
quentura do hálito.
— Disponha sempre, Princesa.
Tratei de me afastar antes que alguém nos visse ali sozinhos e
imaginasse qualquer coisa que estivesse longe da realidade e fosse
extremamente inapropriada. O Príncipe ficou me olhando daquela maneira
que tanto me incomodava nos bailes. Eu não sabia o que existia por trás das
suas expressões, por isso, tomada pelo constrangimento, resolvi encarar o
chão.
— O senhor dizia que gostaria de falar comigo — passei a entrelaçar
o chapéu entre os dedos.
— Sim, eu... Não sei por onde começar sem que seja interpretado
erroneamente.
Ergui a cabeça para olhá-lo, mas logo voltei a desviar o rosto.
— Ao menos tente.
Ele passou uma mão pelos cabelos escorridos, parecendo refletir a
respeito de cada palavra que proferiria. Eu já me sentia ansiosa e muito
nervosa com o que estava por vir, ainda que não fizesse ideia de qual seria o
rumo daquela conversa.
— A sua irmã... — ele fez uma pausa e eu ergui o rosto de vez, com
os olhos bem abertos. Então aquilo tudo tinha a ver com a Sarah, é claro. Será
que Augusto me falaria que havia desistido do casamento? Não podia ser. O
assunto devia ser outro, decerto. — Contou-me que a senhorita... Hum... Que
a senhorita deu a ela algumas informações um pouco... diferentes.
— Ela contou? — Abri ainda mais os meus olhos, pois não imaginava
que a Sarah fosse dizer ao Augusto que havia sido eu que a tinha oferecido
informações a respeito do ritual de procriação. Achei que ela seria mais
discreta nesse sentido e não me envolveria em seu relacionamento com o
Príncipe. — O que exatamente ela disse?
— Não ouso repetir na frente de uma dama — disse, por fim, depois
colocou as mãos nos bolsos enquanto não desviava o olhar fixo. —
Entretanto, confesso que me preocupei com a senhorita e com... as suas ideias
modernas.
— Ideias modernas? — pisquei os olhos várias vezes, ainda sem
compreender onde ele queria chegar. O que Sarah havia dito, no fim das
contas? Será que foi adequada o suficiente para não espantar Augusto? Será
que me julgou mal e ambos me consideravam alguém vulgar?
Levei uma mão à boca, já com a respiração errante pelo nervosismo.
— Não sei se faz parte de uma armadilha para que verifiquem o meu
caráter e as minhas verdadeiras intenções com a Princesa Sarah... — falou tão
baixo que, ainda que alguém surgisse no corredor naquele momento, não
escutaria as suas palavras aparentemente bem escolhidas. — Mas não
pretendo deflorá-la antes do casamento. Eu sou um homem correto.
Continuei piscando os olhos com veemência.
— Não compreendo aonde quer chegar com esta conversa, Príncipe
Augusto — murmurei, tentando manter o seu mesmo tom baixo e adequado
para a gravidade do que era dito. — Mas posso garantir que não há qualquer
armadilha contra o senhor. A sua relação com a minha irmã diz respeito
apenas a vocês dois.
— Exatamente. Portanto prefiro que não lhe dê ideias — Augusto
agravou o semblante, ficando muito sério repentinamente. — Ela me contou
que a senhorita sabe que... nos beijamos — fez uma pausa para clarear a
garganta, visivelmente constrangido. — Mas vamos concordar que um
simples beijo é inofensivo.
Franzi o cenho, sentindo-me ainda mais confusa.
— E o que vocês poderiam fazer para ofender um ao outro? O senhor
está falando sobre sexo? — Príncipe Augusto ficou me olhando como se
fosse uma daquelas armaduras; imóvel, mudo e sem qualquer reação visível.
Resolvi defender o meu ponto de vista: — Acontece que a Sarah possuía
muito medo a respeito do ritual de procriação. O meu dever nos últimos dias
foi estudar a respeito para que ela tivesse o mínimo de entendimento e não
desistisse de se casar com o senhor.
— Ela estava pensando em desistir? — Augusto parecia ainda mais
apavorado. Não havia um pedaço de pele exposta em seu pescoço e rosto que
não estivesse avermelhado.
— Sarah certamente andou bastante assustada.
— Foi por isso que se distanciou? Eu fiquei sem entender o seu
comportamento repentino. Ela parecia tão animada e depois... — Augusto
soprou o ar dos pulmões. Percebi que, por um lado, sentia-se aliviado, mas
por outro ainda morria de vergonha. Confesso que eu não estava nem um
pouco diferente. Ainda não compreendia por que estávamos imersos em um
assunto tão inapropriado. — Tudo bem, Sabine. Agradeço por ter removido o
medo de Sarah, mas novamente peço que não volte a lhe dar ideias. Não
pretendo me envolver em nenhum escândalo.
— Então o senhor não pretende dar prazer à minha irmã? — a
pergunta passou pelos meus lábios sem que eu tivesse o menor controle. O
medo pela Sarah me fez deixar o constrangimento de lado, fazendo-me não
medir as consequências.
Foi a vez de Augusto piscar os olhos mais do que o normal.
— Não que este assunto a interesse, mas, sim, pretendo, porém no
momento certo, quando já estivermos casados.
Balancei a cabeça em negativa, sem entender como eles poderiam
esperar tanto. Já haviam se beijado e se tocado com intimidade, por que não
oferecer ao outro o êxtase?
— E se não gostarem um do outro? Se não forem fisicamente
compatíveis? E se ela não o agradar ou vice-versa? — perguntei, espantada,
ainda tomada pela ousadia em prosseguir com uma conversa que eu
considerava muito restrita, tanto que demorei dezoito verões para ter qualquer
conhecimento sobre ela, e permaneceria na escuridão se Sarah não tivesse
comentado comigo. — E se...?
— Chega, Sabine — o Príncipe foi taxativo. Havia retornado a ganhar
a coloração vermelha que lembrava algumas flores do jardim. — É muito
incorreto que a senhorita se ache no direito de participar de nossa vida íntima.
— Não foi a minha intenção ser invasiva, isso eu garanto —
permaneci com a cabeça erguida, ainda que ele estivesse fazendo com que eu
sentisse vontade de chorar. — Só quis ajudá-los.
Augusto arquejou, tomado pelo constrangimento. Olhou para os dois
lados do corredor novamente e se inclinou mais na minha direção, talvez
temendo ser ouvido por um bisbilhoteiro:
— Sei que não faz por mal — sussurrou pausadamente. — Mas
aconselho que possua modos de uma verdadeira dama e preserve a sua honra
como se deve. Há oito príncipes neste castelo que certamente a desejam e
alguns podem ter péssimas intenções — completou, mantendo o rosto sério
quase como se eu fosse um caso perdido. — Não confio nem na metade
deles.
O que ele falou, de certa forma, deixou-me chateada e igualmente
triste. Ainda que a sua intenção fosse me proteger dos pretendentes, odiei ser
julgada como alguém sem modos ou discernimento, uma mulher incapaz de
escolher um bom marido. Eu sabia que não podia me abrir na intimidade para
qualquer um; só faria com quem eu considerasse apto para seguir adiante e
por quem sentisse o mínimo de atração.
— Tenho os modos necessários e me considero uma dama bastante
honrada — falei, na defensiva, afastando-me alguns passos. Entretanto, senti
os meus olhos se enchendo de lágrimas. — Se o senhor prefere arriscar um
casamento infeliz, então está certo. Só não ouse entristecer a minha irmã
porque então terá que se ver comigo.
Virei as costas e estava pronta para sair daquele lugar quando a mão
do Príncipe Augusto me impediu de partir. Inclinei-me para olhá-lo com uma
expressão desgostosa e foi naquele momento que alguém apareceu no
princípio do corredor.
— O que está havendo aqui? — O meu coração se encheu de alegria
ao ver o Jean se aproximando, sozinho, longe de seu séquito arranjado pela
magia para acompanhá-lo quando estava fingindo ser um príncipe. Pude notar
em seu semblante que havia sido por acaso que invadira o corredor de
armaduras.
Príncipe Augusto me soltou com cautela e ficou me olhando como se
quisesse dizer mais alguma coisa. Entretanto, eu não estava nem um pouco
disposta a ouvi-lo. Precisava de um tempo para pensar naquela conversa,
porque boa parte eu não havia entendido e a outra muito me chateou.
— Nada — Augusto falou com certa indiferença.
— Princesa Sabine? — Jean se aproximou de nós o suficiente para me
acalmar com o seu cheiro. Mas eu ainda estava com certa raiva enquanto
encarava o Príncipe Augusto. — A senhorita está bem? Este rapaz a está
importunando?
Augusto ofereceu uma careta ofendida para o gênio.
— De modo algum. Não é de meu feitio importunar qualquer dama
que seja, menos ainda a minha futura cunhada — respondeu com o nariz
empinado, aprumando o seu porte elegante e se afastando de vez. — Só
perguntei se ela queria me acompanhar até o salão principal.
A sua mentira me fez intensificar a careta.
— Pois então deixe que eu mesmo faço isso — Jean me ofereceu um
braço, que aceitei prontamente, sem hesitar. — Vamos, Princesa?
— Claro — respondi sem muita emoção, ainda que estivesse contente
por vê-lo novamente e por ter a chance de sair daquela conversa absurda o
mais depressa possível.
Jean ainda olhou intensamente para o Príncipe antes de me levar para
longe. Augusto, por sua vez, deu de ombros, olhou-me por breves instantes e
continuou o percurso que estava fazendo antes de me encontrar. Em poucos
segundos eu me vi sozinha com o gênio. Não resisti e o empurrei na direção
de uma das portas daquele novo corredor que atravessávamos. Eu não sabia
muito bem aonde ela daria, já que o castelo me confundia bastante, mas não
me surpreendi muito quando adentramos uma sala pequena repleta de obras
de arte que foram presentes de visitantes de Herlain.
Fechei a porta atrás de nós e, sob o olhar confuso do Jean, puxei-o
para mim até que fosse possível beijá-lo com toda a intensidade de que eu
tanto precisava naquele momento esquisito. O gênio, embora um pouco
hesitante no início, logo tratou de me envolver em seus braços e me oferecer
a sua língua deliciosa, para que eu pudesse aproveitá-la naquela nossa dança
em que só nós dois sabíamos o ritmo.
Gemi entre os seus lábios quando ele me agarrou pela cintura e me
apoiou em uma parede de rocha fria que, por causa da quentura natural que
do meu corpo emanava, não me causou qualquer desconforto.
Eu queria muito que aquele momento jamais tivesse fim, mas Jean
decidiu se afastar com calma, encerrando o beijo que foi capaz de arrancar o
meu fôlego em poucos segundos.
— O que aconteceu com o Príncipe Augusto? — questionou baixo e
um pouco rouco, creio que devido ao tesão, porém sua expressão estava séria
e mostrava resquícios de chateação. — Não gostei da forma como estava te
segurando.
— Não foi nada, Jean. Coisas da minha irmã — respondi, fechando o
abraço que eu dava em seu pescoço para que voltássemos a nos beijar
depressa, porém ele continuou afastado. Decidi expor de uma vez o que
acontecera, antes que o gênio desistisse de me deixar ficar em seus braços
largos e aconchegantes: — Foi uma conversa esquisita que... Meio
constrangedora. Sarah contou a ele as coisas que falei para ela.
Jean se mostrou surpreso.
— E qual foi a reação dele?
— Um tanto estranha, eu diria. Mas não quero falar no assunto agora.
Vem, beije-me mais um pouco... — segurei o seu rosto com uma mão, já que
a outra ainda segurava o chapéu, e tornei a juntar as nossas bocas. Famintas,
elas voltaram a se movimentar em choques delicados e tão saborosos que
imediatamente fiquei acesa, louca por um toque mais ousado.
Mas Jean se afastou de novo e, chateada, larguei-o de vez. Revirei os
olhos enquanto apoiava a coluna na parede, a fim de me manter de pé até as
minhas pernas voltarem a funcionar normalmente, sem o efeito da extrema
excitação que ele me causava.
— O que exatamente o Príncipe Augusto comentou, Sabine? Estou
preocupado com essa história. — Ele levou as mãos aos bolsos de seus trajes
e eu tive a impressão que fez isso para tentar mantê-las longe de mim, já que
era visível o quanto me desejava. — Um homem distinto jamais deveria
conversar com uma dama sobre essas coisas.
— Por que não? — dei de ombros. — Quer dizer então que você não
é distinto? — cruzei os braços para frente, ainda irritada.
— Sabine... Você vive em um século esquisito. O que nós temos, essa
relação de... intimidade, não é comum à sua época. — Pisquei os olhos,
tentando compreender por que ele falava como se não pertencesse àquele
tempo. Não fazia o menor sentido. — Prefiro que se mantenha longe desse
tipo de confusão e, ainda que aprenda coisas novas comigo, limite-se a agir
cautelosamente com os outros.
— Você também acha que sou uma dama sem modos e
discernimento?
Ele balançou a cabeça veementemente, em negativa.
— Claro que não. Foi o Augusto quem te disse isso? — Jean
resmungou a pergunta de uma maneira muito irritada.
— Mais ou menos, eu acho.
Jean passou as mãos pelos cabelos e suspirou tão audivelmente que
fiquei nervosa.
— O que exatamente a senhorita disse a Sarah?
Dei de ombros.
— Falei o que aprendi nos últimos dias. Quer dizer, não o mencionei
e nem mesmo o que fizemos, só falei que o sexo era prazeroso e ela precisava
se descobrir na intimidade.
Jean assentiu.
— É o bastante. Não diga mais nada a ela, Sabine. Deixe que se
resolva com o Príncipe Augusto e, por favor, mantenha a discrição.
— Está supondo que sou indiscreta? — levei as duas mãos à cintura,
dando alguns passos para longe dele. Jean ficou onde estava, olhando-me
com preocupação nítida. — Falei apenas para ajudar a Sarah, do contrário
jamais tocaria no assunto.
— Eu sei. Só não quero que sofra qualquer consequência por minha
causa.
Parei para encará-lo por alguns instantes.
— Preciso retornar — avisei, por fim, já que não pretendia estender
aquele assunto e me encontrava cansada demais para tentar arrancar outro
beijo de alguém que claramente não estava tão disposto a me beijar. — Não
quero aborrecer a Naná com mais um sumiço.
— Certo... — Jean ficou me olhando, parado, por um tempo que
considerei longo e, ao mesmo tempo, curto. Foi rápido porque eu queria que
me olhasse mais, daquela sua maneira sensual e intimidante, e longo porque
não pude deixar de me sentir um pouco envergonhada. A sua beleza me
arrancava o fôlego e o juízo.
Caminhei até a porta vagarosamente, querendo adiar ao máximo o
momento em que me veria sem a sua presença. No entanto, o gênio se
aproximou com rapidez e me abraçou pelas costas, agarrando-me a cintura e
me empurrando contra a madeira.
Eu me vi encurralada de um jeito que jamais imaginei, com todo o seu
tamanho e quentura em minha retaguarda. Foi reação involuntária me jogar
para trás a fim de senti-lo. O seu corpo se encaixou às minhas costas de
forma que foi possível sentir o seu órgão rígido se esfregando em mim como
se eu fosse uma necessidade especialmente dele. Pela primeira vez não senti
medo algum ao pensar naquela parte misteriosa de seu corpo.
Jean levou a boca ao meu pescoço e distribuiu alguns beijos
molhados, intensos, maravilhosamente demorados.
— Ainda hoje eu vou te chupar todinha — sussurrou com a voz quase
falhando.
E então ele sugou a pele do meu pescoço de leve, talvez me dando
uma pequena demonstração do que pretendia fazer comigo. Em seguida, Jean
se afastou, abriu a porta e, assim que a atravessei, ele simplesmente sumiu
atrás de mim.
Não sobrou mais nada além do meu estarrecimento.
Eu estava tão afogueada com aquela promessa que precisei respirar
incontáveis vezes antes de me sentir preparada para encontrar a Naná. Ainda
que eu não soubesse exatamente o que significava o termo “me chupar
todinha”, já que nunca o havia utilizado sem mencionar uma laranja ou
qualquer outra fruta, não pude deixar de imaginar que o ato envolveria a sua
boca e o meu corpo.
E então eu já tinha certeza de que experimentaria vários êxtases.
CAPÍTULO 21

Eu não conseguia sequer respirar sem imaginar como seria quando o


Jean cumprisse aquela promessa que fez de maneira sussurrada. Ele me
deixou em um estado extremamente avançado de ansiedade, além de ter
plantado uma semente de loucura no meu juízo – apenas isso explicaria o
quanto os meus pensamentos se encontravam enevoados e me removiam cada
vez mais do que acontecia na realidade.
Ainda que o almoço tivesse sido parecido com os demais, embora os
olhares que o gênio me ofereceu estivessem banhados em uma espécie de
selvageria que tanto me trazia calor, era um pouco desconfortável perceber o
quanto me mantinha desatenta. O Príncipe Leopoldo e o Príncipe Dionísio
almoçaram ao meu lado como se a minha companhia fosse um prêmio
conseguido pela final do torneio de pontaria. Eu tinha certeza de que deveria
saber o que ambos tanto conversaram comigo, mas, ao fim da refeição, se
alguém me perguntasse do que se tratava o assunto eu não conseguiria
responder.
Foi em meio a suspiros infindáveis que finalmente alcancei os meus
aposentos para o tão desejado descanso, ainda que naquele momento eu não
quisesse, de fato, descansar, e sim talvez deixar o meu corpo ainda mais
cansado, de preferência com a ajuda de um determinado gênio. Não parava de
imaginar os seus lábios bem desenhados sendo arrastados ao longo da minha
pele, deixando rastros de desejo e excitação.
Assim que Naná me deixou sozinha, esperei que o Jean surgisse para
cumprir a sua promessa. Contudo, após uma hora sem que nada acontecesse,
o cansaço me venceu e estava quase adormecida quando ouvi um ruído baixo
de batidas em minha porta.
Automaticamente abri um largo sorriso.
Em nenhum momento me perguntei por que o Jean estava batendo na
porta se poderia aparecer onde bem quisesse sem pedir qualquer permissão,
por isso me levantei às pressas e puxei a madeira pesada, tomada pela
expectativa que deixava o meu corpo eletrizado.
— Oi... Princesa Sabine — o Príncipe Dionísio estava bem na minha
frente, vendo-me com o meu vestido mais simples de descanso. Ainda que eu
não estivesse exatamente exposta, senti-me como se não usasse qualquer
roupa e fechei a porta sem me preocupar com o rosto dele.
Ouvi alguns gemidos de dor e, suspirando fundo, voltei a abrir a porta.
— Oh... Perdoe-me, Príncipe Dionísio... — Eu o encontrei com as duas
mãos no nariz enquanto resfolegava de um modo audível. — Desculpe-me,
mas não posso permitir que adentre o meu aposento. Além de estar
desacompanhada, não é correto que...
— Tudo bem, tudo bem, Princesa — Dionísio ergueu uma mão em
minha direção. Ao menos não vi qualquer resquício de sangue em seus dedos,
o que já poderia ser considerada uma boa notícia. — Perdoe-me por encontrá-
la sem nenhum aviso, só vim com o intuito de me despedir da senhorita.
Surpresa, eu fiz uma enorme careta e me aproximei mais porque achei
que talvez tivesse ouvido errado.
— Despedir? Para onde vai?
Dionísio removeu as mãos do nariz avermelhado, aprumou a postura
ensaiada e ergueu um pouco a cabeça para me visualizar de cima. Ele era
bastante alto e igualmente magro, e embora fosse um pouco mais velho do
que eu, parecia ser mais novo do que a minha irmã.
Ainda assim considerava Dionísio belo e um bom pretendente, com
seus cabelos dourados e os olhos de um verde-escuro que lembrava o oceano
no fim da tarde. Trazia-me certa calmaria. Saber o quanto era atrapalhado
também me era um alívio. Eu não me sentia obrigada a ser perfeita na frente
dele, o que para mim significava muito.
— Retornarei às minhas terras e pretendo partir antes do anoitecer. —
Percebi que não se encontrava exatamente orgulhoso de sua decisão. Eu o
olhei por bastante tempo enquanto ele se manteve envergonhado, evitando
me encarar.
— Posso saber o motivo? O senhor... — clareei a garganta, de repente
me sentindo derrotada. Se o Dionísio desistiria do cortejo, o que poderia
esperar dos demais? Eu achava que aquele príncipe era o único que eu não
precisaria me esforçar para que mantivesse o interesse em mim. — E-Eu...
Fiz alguma coisa que o senhor não considerou apropriada?
O Príncipe, ainda evitando me olhar, soltou um longo suspiro.
— De modo algum, Princesa. É só que não pude deixar de notar que a
senhorita já fez uma escolha — disse em um tom baixo, quase como se
estivesse triste. — Seria injusto importuná-la por mais tempo. Sei que deve
seguir alguns protocolos estabelecidos pelas leis de Herlain e...
— Escolha? — A minha surpresa se intensificou consideravelmente.
Olhei para os dois lados do corredor, percebendo que estava vazio, e
logo em seguida apontei para o interior do quarto. Dionísio deu de ombros.
Hesitou por alguns segundos, mas, por fim, entrou. Tratei de deixar a porta
entreaberta para que aquele encontro não soasse ainda mais inadequado do
que já era.
— O senhor deve ter se enganado — murmurei, virando-me em sua
direção. — Eu não realizei qualquer escolha.
— Bom... — Dionísio ainda olhava para baixo. — Percebi a maneira
especial como observa o Príncipe Jean. Lamento que não tenho a mínima
condição de participar de uma luta justa.
— Luta? — Abri os meus olhos ao máximo. Além de surpresa, naquele
instante também fiquei temerosa e me sentindo uma estúpida por ter deixado
com que outras pessoas percebessem os meus olhares na direção do gênio. —
Não sei se estou compreendendo. Ninguém precisa lutar para me conquistar.
Ele soltou um riso suave.
— A senhorita certamente não deve fazer ideia do que está acontecendo
longe de seus olhos. Todos os príncipes estão em polvorosa para chamar a
sua atenção de variadas formas, algumas até que considero desleais — soltou
de uma vez, como se fosse um segredo confesso. Dava para notar o quanto
aquilo o perturbava. — Nenhum quer ser deixado para trás, tornou-se uma
competição acirrada em que cada gesto nosso é avaliado minuciosamente.
— Príncipe Dionísio... — balancei a cabeça em negativa, assustada e
confusa. — Avaliado por quem, exatamente? Não é como se eu estivesse
calculando os feitos de vocês. Esses torneios e disputas que estão fazendo não
significam nada para mim.
— Não? — Ele finalmente me encarou. Seus olhos pareciam ainda
mais escuros à luz das poucas velas espalhadas pelo meu aposento.

— Claro que não. O fato de o senhor ser bom em pontaria não diz nada
sobre ser um bom marido e muito menos sobre ser um bom rei.
Dionísio ficou me olhando por um tempo que considerei longo demais,
piscando os olhos várias vezes enquanto parecia refletir profundamente. A
expressão terrível que fez me alertou de que ele se encontrava em um estado
elevado de perturbação.
— Eu não sou bom em pontaria. Nunca fui. Não sei que tipo de sorte
foi a que me atingiu nesta manhã, mas... Princesa, eu não sou bom em nada
que exija esforço físico — admitiu com a voz quase falhando, porém me
olhando de um jeito tão profundo que a verdade se tornou visível dentro de
sua íris.
— Mas o senhor conseguiu. Está na final como um bom combatente e
amanhã há de vencer o Príncipe Leopoldo — falei, tentando animá-lo,
oferecendo-lhe um sorriso encorajador.
— Não tenho certeza disso — admitiu, ainda com uma postura
cabisbaixa. — Mas tenho certeza de que, ainda que vença o Príncipe
Leopoldo na pontaria, jamais serei um bom combatente para vencer o
Príncipe Jean no seu afeto.
Balancei a cabeça em negativa, assustada com as suas palavras. Ele
falava de uma maneira tão crua, sem qualquer rodeio, que fiquei emocionada,
com os meus olhos marejados. Estava visível a sua vontade de me conquistar
e o seu interesse em ser um homem apto a ser o meu marido e digno da
admiração de Herlain. Dionísio estava tentando com bastante honestidade e
aquilo só podia significar que, de fato, era um bom pretendente, como
imaginei desde que o vi.
— Não fale assim — murmurei, aproximando-me dele com cautela. Eu
estava disposta a ser sincera e queria que acreditasse em mim tanto quanto eu
acreditava nele. — Não há nada decidido e garanto que o senhor não está
nem um pouco longe de conquistar o meu genuíno afeto.
— Mesmo...? — Ele deixou os olhos esbugalhados diante daquela
revelação sincera. A minha aproximação fez com que o seu rosto
avermelhasse, o que achei divertido. Era interessante deixá-lo daquele jeito,
como se estivesse intimidado pela minha presença. Sentia-me, de certa forma,
poderosa. — Mas... A senhorita tem certeza? Não pude deixar de notar que os
outros príncipes possuem mais... — Ele parou de falar quando me coloquei
bem à sua frente, tão perto que os corpos quase se encostavam. Gostei do fato
de ele não ter recuado, ainda que estivesse visivelmente desconcertado.
— O Príncipe Jean não é para mim — murmurei e, de repente, senti
uma pontada dolorosa em meu coração. O fôlego me foi arrancado com
aquela sentença e eu mal pude explicar o motivo. Entristecida, abaixei a
cabeça diante do Dionísio. — Ele só está cumprindo os protocolos que o
senhor mencionou, nada além disso — confessei em um sopro de voz. Os
meus olhos marejaram e eu não soube o que fazer para conter as lágrimas. Fiz
o maior esforço possível. — Definitivamente, ele não faz parte de minha
decisão. Mas o senhor, sim, é um pretendente aceitável, honesto e decente. E-
Eu... — soltei um arquejo. — Não queria que desistisse de mim agora.
Ergui a minha cabeça e uma lágrima escorreu sem que eu conseguisse
segurá-la. Praguejei mentalmente, lamentando aquele deslize. Eu não sei
como o Príncipe Dionísio interpretou aquela emoção, mas certamente se
enganou e não pude me dignar a explicar, visto que nem eu sabia o porquê de
estar chorando. Só compreendia que não era por aquele homem diante de
mim, ainda que eu realmente estivesse tocada pelos seus esforços. Precisava
que ele prosseguisse para que, enfim, conquistasse o meu afeto definitivo.
Dionísio era, talvez, a minha única chance de encontrar algo parecido com o
amor verdadeiro.
No fim das contas eu ainda não havia desistido dos sentimentos.
— Tudo bem, Princesa. Se é o que tanto deseja, ficarei feliz em
permanecer em Herlain — o Príncipe Dionísio abriu um sorriso bonito e leve,
que me fez sorrir em resposta, mesmo que ainda estivesse entre lágrimas. De
repente, ele ousou erguer uma mão a fim de enxugar algumas delas com as
pontas dos dedos. O gesto me deixou acalentada, de forma que me senti
especial. — A senhorita é tão bela...
— Pode me chamar apenas de Sabine — murmurei, com o rosto
travado diante de seu toque. Eu não soube o que sentir naquele momento,
mas era visível que Dionísio possuía algum afeto por mim.
— Sabine — pronunciou como se estivesse cantarolando. Sua mão
ainda estava em mim e me vi desejando ir um pouco mais além de um mero
toque.
Estávamos tão próximos e em um momento tão envolvente que
percebi o Dionísio se curvando em minha direção, na clara intenção de me
oferecer um beijo. Antes de grudar nossos lábios, decidi que me permitiria a
nova experiência, porém tão logo eles se juntaram eu me assustei e me
desvencilhei de imediato, afastando-me dele em definitivo.
O meu coração se mostrou agitado e a respiração, ofegante. Poucas
vezes havia me sentindo tão perdida.
— Perdão, Sabine — Dionísio murmurou diante de meu afastamento.
Evitei olhá-lo, tomada por uma emoção que eu não conseguia reconhecer.
Não era vergonha e nem mesmo me senti ofendida com sua ousadia. Era um
sentimento muito parecido com a culpa. — Por favor, perdoe-me, não quis
ser tão indelicado.
— Tudo bem... — balancei a cabeça em negativa. — Acho... A-Acho
melhor o senhor sair dos meus aposentos.
— Ainda quer que eu fique em Herlain? — ele questionou e o timbre
saiu tão sofrido que voltei a observá-lo. O seu rosto estava tomado pela
apreensão.
Ofereci-lhe um sorriso para que compreendesse que nada daquilo
tinha a ver com ele e com a sua tentativa de me beijar, mas comigo e a minha
incapacidade de retribuir. Eu não deveria estar tão apavorada. Já sabia muito
bem como era o beijo e gostaria de ter aquela experiência com ele, porém não
pude. Não consegui ir além.
De qualquer forma, foi o certo a ser feito.
— Claro que sim. Nada mudou — respondi com doçura. Dionísio fez
uma reverência curta e caminhou até a porta. Antes que ele saísse, no entanto,
resolvi dizer: — Prometo que da próxima vez me prepararei melhor para
beijá-lo como se deve.
Eu não queria remover de vez a ideia de nos beijarmos, muito pelo
contrário. Gostaria que o Príncipe Dionísio tentasse novamente em outra
oportunidade, talvez quando eu não estivesse me sentindo tão arrasada.
Precisava colocar os pensamentos e sentimentos em ordem antes de seguir
adiante com aquela, usando a palavra do próprio Dionísio, competição.
— Ansiarei por este momento, Sabine — o Príncipe sorriu de lado e
foi embora de uma vez, deixando-me com o coração ainda agitado em meu
peito.
Corri para fechar a porta e, assim que fiz, virei-me na intenção de
apoiar minha coluna na madeira. Sentia muita vontade de chorar, mas me
controlei e, em vez disso, soltei um longo e audível suspiro.
— Por que não o beijou? — a voz dele surgiu primeiro e o meu corpo
pulou de susto. Quase gritei quando o Jean apareceu sobre a minha cama,
deitado como se estivesse bastante à vontade.
— O que faz aqui?
— Achei que a senhorita fosse provar outros beijos — Jean falou e
percebi que a sua expressão se mantinha descontente, como se eu o tivesse
decepcionado por ter negado uma porcaria de beijo ao Dionísio. — Ainda
bem que não o fez. Tenho algumas dúvidas quanto ao franzino.
— Não o chame assim — caminhei até a banqueta em frente à
penteadeira e peguei uma escova só para ter alguma atividade que me fizesse
não olhar para o gênio. Comecei a passá-la tranquilamente em meus cabelos.
— Se realmente gosta dele, precisa agir com mais cautela — Jean
prosseguiu. Ele não imaginava o quanto me deixava irritada o fato de estar
em minha cama sem mim. — Não acho que deixá-lo entrar em seus
aposentos seja uma atitude inteligente. Sabine, precisa se precaver. Sou
totalmente a favor do beijo, se é o que desejam, mas não aqui, assim, e...
— Deixe-me em paz — resmunguei com certa grosseria.
Jean ficou em silêncio por alguns instantes, tanto que cheguei a achar
que desaparecera de vez. Antes de suspirar aliviada, senti-o por trás de mim
e, sem que eu pudesse me afastar, a escova cravejada de joias já estava em
sua mão. Ele começou a escorrê-la em meus cabelos e me mantive ereta,
observando-o atentamente através do enorme espelho.
O gênio se manteve compenetrado no que fazia, como se os meus fios
o deixassem fascinado. Em poucos instantes o calor me invadiu e me percebi
perdida sob o seu toque leve. Como ele fazia aquilo? Como mexia comigo
com tanta facilidade? Só estava escovando os meus cabelos, não era nada
demais, nada intenso ou excitante.
— A senhorita pode me dizer o que quiser — Jean disse enquanto não
desviava os olhos de sua tarefa, que realizava como se fosse a coisa mais
importante do mundo. — Por que se encontra tão irritada?
— Eu não sei, Jean — sussurrei. Desviei o rosto porque, de repente,
percebi que era demais acompanhá-lo. Já estava absolutamente excitada, com
um líquido quente escorrendo entre as minhas pernas. Não havia nada que eu
pudesse fazer para evitar desejá-lo com aquela intensidade. — Estou um
pouco cansada.
— Descanse. Ainda temos tempo até o jantar. — Assenti com leveza.
Senti o seu cheiro ficando mais forte e levei o segundo susto ao perceber que
se aproximou por trás, dando um jeito de enfiar o seu rosto em meu ombro.
Soltei um arquejo enquanto voltava a nos observar pelo espelho. Jean
usou uma mão para afastar os fios e voltar a me beijar naquele ponto que
considerei tão íntimo quanto o meu baixo-ventre. Novamente, arquejei.
— O que você falou mais cedo... — tomei coragem para começar,
porém não para concluir a ideia. O gênio virou o rosto na direção do espelho
e eu fiquei maravilhada com tanta beleza. O seu toque ainda era leve e me
trazia um calor insuportável. — Sobre... Chupar.
— Mais tarde — ele definiu em um murmúrio que demonstrava o seu
desejo. — Assim teremos bastante tempo.
Um calafrio intenso percorreu o meu corpo diante da ideia de
ficarmos juntos por tempo indeterminado, sem nada que nos impedisse ou
atrapalhasse. Exceto, talvez, a magia do meu desejo, que teimava em me
deixar solitária depois que o Jean me satisfazia. Precisava dar um jeito de
fazer o nosso momento demorar o máximo que pudesse.
— C-Como...? O que significa essa expressão?
— Qual?
— “Vou chupar você inteirinha” — repeti com a voz falha, sem ousar
desviar o rosto.
Um grunhido escapou entre os seus lábios e a expressão de Jean se
transformou em algo selvagem, similar aos seus olhares na hora do almoço.
— Repete isso como se fosse para mim — pediu, segurando a raiz de
meus cabelos com uma mão livre. Fechei os olhos e ofeguei de desejo.
Quando os reabri, Jean ainda me olhava, esperando que eu fizesse o que
pediu.
As palavras saíram de uma forma lenta e, ao mesmo tempo, profunda:
— Vou chupar você inteirinho — sibilei. A força de sua mão se
intensificou e ele empurrou a minha cabeça para o lado só para que o meu
pescoço ficasse mais exposto. Jean estava ofegante, soube por causa da
quentura do seu hálito que surgia e desaparecia com rapidez. — C-Como
seria isso? Estou enlouquecendo de curiosidade.
— Hum... — Ele distribuía beijos vagarosos em meu ombro. Depois,
beijou-me na dobra do pescoço, subindo para a orelha e concluindo: —
Imagine a minha boca em todas as partes do seu corpo. Todas, sem qualquer
exceção — e voltou a me beijar lentamente na orelha.
Não havia parte alguma de mim que não estivesse imersa no tesão
absoluto e igualmente ansiosa para receber os seus lábios, como prometido.
E, como eu acabara de dizer, também desejava explorar o seu corpo com a
minha boca.
— Todas? — soltei um ofego ainda mais forte. A imaginação que ele
incitava com suas palavras sussurradas estava me perturbando em um nível
muito elevado.
— Todas — confirmou e, após mais um beijo lento, molhado e
extremamente perturbador em meu pescoço, Jean ergueu a cabeça e piscou
um olho. — Descanse, Sabine, a senhorita vai precisar de energia. Vejo-a no
jantar.
E então ele desapareceu. A sua presença era como uma das tantas
tempestades comuns na ilha de Herlain; chegavam com força intensa e
detonavam casas, árvores e vegetação em um curto espaço de tempo, depois
iam embora como se nada tivesse acontecido e deixavam a ilha devastada,
imersa no caos.
Jean era o meu caos particular.
CAPÍTULO 22

Se a intenção do gênio era me deixar à beira de um colapso


certamente o seu intento foi muito bem alcançado. A ansiedade para o fim da
noite se instalou em meu estômago e lá permaneceu, de modo que se tornou
impossível descansar ou pensar em outro assunto que não envolvesse os seus
lábios percorrendo o meu corpo. Ainda assim, fiz o possível para estar bonita
e bem-vestida naquele jantar, por isso Madame Naná teve um trabalho
redobrado na escolha dos trajes e na confecção do penteado.
Com um vestido bufante adornado por um corpete vermelho e de
mangas compridas, mescladas a uma renda clássica da cor branca, e os
cabelos trançados lateralmente, adentrei o salão principal em silêncio e com a
elegância que mamãe elogiaria se não me tratasse com tanta repulsa sempre
que era presentada com uma oportunidade. Ciente de que todos os olhares
estavam fixos em minha direção, mantive os ombros eretos e a cabeça
erguida, evitando devolver qualquer olhar que fosse, como se nada me
importasse realmente.
Sentei-me no trono sabendo que a minha família também me
observava. A coroa parecia mais pesada do que o comum e estava me
incomodando de um jeito surreal, porém não ousei deixar transparecer. Ao
me sentar, tive uma visão completa do salão que ficava cada vez mais cheio
conforme os visitantes se agrupavam. Tudo parecia igual a todas as outras
noites; os candelabros enfileirados estavam todos acesos e uma música mais
alegre era tocada pelos instrumentalistas liderados pelo Cristóvão.
Mais uma noite em que eu deveria sobreviver, agir como uma
respeitosa princesa, reunir as minhas forças para suportar as adversidades e
não cometer nenhuma tolice, pois Herlain precisava de uma herdeira à altura
e aquela era a minha responsabilidade. Fazia algum tempo que eu não era
invadida por aquela sensação firme que me impulsionava a seguir adiante.
Por um instante, as palavras do Augusto fizeram certo sentido e finalmente
compreendi a sua preocupação.
Decerto, era ponderado que eu me resguardasse como uma dama. Mas
por debaixo daquele vestido pomposo e por detrás do poder daquela coroa
havia uma mulher curiosa que ansiava por liberdade, prazer e amor. Existia
uma pessoa com ânsia de viver a própria vida da maneira que lhe for
conveniente. E era um absurdo que me fizesse de tola, ou que impedisse a
mim mesma de conquistar o que queria, em nome de uma espécie de honra
que não fazia o menor sentido. Às vezes a honra só traz a uma mulher o
medo, a falta de conhecimento e a revolta.
Eu não queria me afundar na amargura, como a Rainha Alexandra
parecia ter feito. Olhando de soslaio para ela, que se mantinha elegante e com
um sorriso aberto estampado na face alva, percebia o quanto as regras e
convenções lhe impediam de ser genuinamente feliz. Será que, de fato, estava
onde queria? Que fazia o que desejava? Quais eram os seus planos? Suas
ambições? Será que ao menos amava o meu pai?
Eu possuía algumas dúvidas. Eles não eram do tipo que trocavam
carícias, ao menos não em público, o que de fato era o esperado, embora eu
achasse que ambos agissem de forma visivelmente mecânica. No fim das
contas, mamãe sabia que o ritual da procriação era prazeroso ou fazia do ato
um verdadeiro inferno, como fez Sarah acreditar? O meu pai seria capaz de
machucá-la toda vez que estavam juntos na intimidade? Seria a Rainha
incapaz de sentir desejos carnais por acreditar que fosse errado ou sujo?
O pensamento apavorante me fez suspender a respiração. Eu não me
considerava suja, nem mesmo me encontrava envergonhada, ofendida ou
qualquer outra palavra de cunho negativo. Apenas me sentia viva, feliz,
radiante. Sentia-me poderosa sem precisar de títulos, riquezas ou reverências.
Sentia-me uma mulher de verdade e a sensação era tão deliciosa quanto a
própria excitação que Jean me causava.
— Você parece feliz, filha — o Rei Cedric comentou, então virei o
rosto e percebi o seu olhar animado recaído sobre mim. Observava-me de
maneira tão doce que fiquei emocionada. — Fico contente que esteja se
divertindo. Não a via sorrir assim fazia muito tempo.
— De fato, estou feliz — respondi com um sorriso.
De repente, papai ficou um pouco mais sério.
— Lamento lhe dar uma notícia que pode chateá-la, mas prefiro dizer
antes que descubra através de más línguas — o Rei continuou e a sua
seriedade repentina me fez permanecer em alerta, já com o coração aos pulos.
Eu não estava pronta para lidar com nenhum ocorrido desconcertante.
Naquela noite só queria paz e prazer. — O Príncipe Arthemis partiu no fim
da tarde. — Abri bem os olhos em sua direção, incapaz de formular qualquer
frase para traduzir o meu profundo estarrecimento. — Deixou-me uma carta
simples, com o selo de sua família, avisando que preferiu se abster da
disputa. Agradeceu pelo acolhimento e pediu desculpas pela maneira como se
despediu.
Mamãe clareou a garganta ao lado do papai e se dirigiu a mim:
— O que fez para que o Príncipe Arthemis desistisse desta forma tão
indiferente? — a sua pergunta soou como uma de suas reclamações e dei de
ombros por causa do cansaço. — É um absurdo que tenha ido embora sem
qualquer consideração, após dias de festividades.
— A culpa não é minha se ele preferiu partir — falei, ainda que sem
muita convicção. A verdade era que eu não fazia ideia, não possuía uma
resposta clara e definitiva. — Não fiz nada inapropriado.
— Essas pessoas não podem duvidar do seu valor — a Rainha
apontou para frente de um jeito breve, logo repousando as mãos entrelaçadas
sobre o colo. — Não permita que mais um Príncipe se vá ou começarão a
fazer suposições.
— Quais suposições? — Fiz uma expressão que, confesso, não
deveria estar muito bonita, mesmo que mamãe já tivesse me repreendido
diversas vezes por não saber controlar a minha face.
— Não sei, Sabine. Que você não é honrada, que há algo errado com
os seus modos, não sei... Há muitas suposições e...
— Não há nenhuma suposição — o Rei Cedric falou com a voz grave,
firme e decidida, interrompendo a esposa prontamente. — Sabine é uma
princesa honrada, inteligente, bonita e doce. Qualquer sujeito que discordar
deste fato será considerado um tolo em minha opinião — ele disse com tanta
certeza que passei a olhá-lo com admiração. Papai muitas vezes vinha em
minha defesa, mas jamais fora tão incisivo e elogioso. — Particularmente
estou cansado de receber tantas visitas. Na verdade estava pronto para sugerir
que você, minha filha — olhou-me significativamente — começasse a
eliminar os candidatos que não a interessam.
— Seria muito indelicado que... — mamãe começou, porém o Rei a
interrompeu novamente:
— Claro que eu, oficialmente, estou disposto a realizar estas
eliminações, porém considero as decisões da Sabine e não correrei o risco de
mandar embora alguém por quem ela tenha obtido algum apreço. —
Continuei olhando, quase sem piscar, para o meu pai. — E não finja que
essas pessoas não a estão enlouquecendo, Alexandra.
Mamãe ficou calada por causa da falta de argumentos. Eu já
desconfiava de que ela na verdade estava em pleno surto com tantas visitas
no castelo e naquele momento obtive uma comprovação.
— É mais inteligente eliminarmos os maus pretendentes do que
esperarmos que a covardia os encontre — Sarah falou pela primeira vez, por
isso passei a observá-la. Estava linda e meiga em um vestido cor-de-rosa, em
um tom escuro que lhe caía bem. Sequer parecia que havia me dedurado para
o Augusto naquela manhã.
— Exatamente, filha — concluiu o Rei, que logo em seguida voltou a
me encarar. — O que acha desta ideia, Sabine?
Visualizei o salão repleto diante de mim, percebendo que papai e
Sarah tinham razão. Havia alguns príncipes que eu sabia que jamais fariam
parte de minha escolha, portanto não fazia sentido mantê-los em Herlain,
alimentando-se de nossa comida e ocupando espaços que poderiam ser
preenchidos por pretendentes de verdade.
— É uma boa ideia — murmurei, imaginando que deveria pensar com
calma a respeito dos nomes escolhidos.
— Amanhã nos reuniremos após a final do torneio de pontaria —
papai definiu e, antes que eu pudesse respondê-lo, avisou a um de seus
acompanhantes oficiais a respeito daquele nosso encontro, para que o serviçal
ficasse ciente e o relembrasse na hora marcada. Após isso o Rei se levantou e
bradou: — Que seja servido o jantar!
Eu achava incrível como todos o respeitavam; o que ele dizia se
transformava em lei assim que era proferido. Papai era considerado um
homem prático, de pulso firme, mas que em contrapartida também possuía a
compaixão e empatia necessárias para ocupar o topo da realeza de Herlain.
Um Rei justo, honesto e bondoso: eram qualidades que eu buscava também
no meu futuro marido.
Enquanto me locomovia até o salão de jantar, reparei nos modos e
trejeitos de cada um dos príncipes. A única coisa em que consegui pensar foi
que, para ser sincera, nenhum deles possuía todos os atributos que eu
considerava importantes. Seria perfeito se eu pudesse reunir a popularidade,
ambição e beleza do Leopoldo com a educação refinada do Stephen e a
inteligência e bondade do Dionísio.
Naquele instante de profunda reflexão percebi que os demais não me
apeteciam de nenhuma forma. O Príncipe Miguel me parecia o mais
arrogante, enquanto Sean e Peter eram brincalhões de uma maneira infantil
que me enervava, pareciam não levar nada a sério, ao menos quando estavam
em minha companhia. O Príncipe John II era calado e centrado, porém a sua
ausência de beleza, charme e graça faziam com que eu não sentisse nem um
pouco de atração – fator que descobri tardiamente ser fundamental em minha
decisão.
Já o Jean foi completamente desconsiderado, como deveria ser. Não
ousei sequer imaginar se ele estaria dentro dos meus próprios padrões, pois
estava longe de mim sonhar acordada com uma situação impossível – jamais
me permitiria sucumbir a este tipo de ilusão. Sendo assim, aquela resposta
não me era útil, só me atrapalharia em todos os sentidos.
Ainda que eu estivesse com um pouco de fome, não consegui
aproveitar a farta refeição disposta na ampla mesa. Decidi que não seria
correto trocar olhares com o Jean, mesmo ciente de que ele me observava de
longe. Ocorreu-me que o Príncipe Arthemis, assim como o Dionísio,
percebeu o meu comportamento inadequado à mesa na hora do almoço. Não
queria correr o risco de espantar nenhum pretendente, muito menos por causa
do gênio, que não representava qualquer perigo a eles.
Mantive a elegância e a mais refinada etiqueta ao revirar a comida,
mal a ingerindo, de fato. Por fora certamente agi como uma princesa
ponderada, porém por dentro estava aos berros. O principal deles, o grito
mais alto, clamava pelo fim da noite para que pudesse encontrar o Jean a sós.
Estava nervosa, apreensiva, com receio de cometer algum erro, no entanto,
caso me perguntassem se eu gostaria de desistir eu responderia que de modo
algum. Queria aquela experiência que eu sabia que seria intensa e prazerosa.
Aleguei cansaço assim que o Rei Cedric se ergueu, findando não
apenas a sua refeição, mas a de todos os presentes. Mamãe apenas sacudiu a
cabeça em afirmativa diante de meu pedido, permitindo a minha ausência dali
em diante, já que era de costume que houvesse música, dança, bebidas e
conversas até mais tarde. Naquele momento eu não possuía a mínima
paciência para nada e nem ninguém além do gênio. Sendo assim, antes de me
retirar, procurei o seu olhar no meio dos visitantes e o encontrei sorrindo
maliciosamente em minha direção.
Não ousei sorrir ou fazer qualquer sinal em resposta, em respeito aos
demais pretendentes, mas ele deve ter compreendido exatamente quais eram
as minhas mais profundas necessidades. Eu as queria saciadas, uma a uma.

Madame Naná parecia tão exausta que não questionou a minha vontade
de me recolher mais cedo. Ajudou-me a retirar o vestido, desfez o penteado,
aguardou que eu me deitasse e, depois de apagar todas as velas, deixando
apenas uma acesa, retirou-se com um sussurrado desejo de boa-noite.
Imediatamente removi todas as mantas que me cobriam e corri até o espelho.
Tornou-se importante que eu estivesse bela naquele momento; gostaria de
atrair o Jean tanto quanto ele me atraía.
Deixei os cabelos soltos após penteá-los com cautela. As minhas vestes
íntimas não me pareceram nem um pouco sensuais, por isso, ainda que me
sentisse envergonhada, tomei a decisão de removê-la, permanecendo
completamente despida para recebê-lo. Não era meu desejo que nada nos
atrapalhasse, nem mesmo um pedaço de tecido sem importância.
Olhei-me novamente no espelho e suspirei de frustração. Queria me
sentir mais atraente, porém não havia nada dentro daquele quarto que pudesse
me ajudar.
Foi então que ouvi um estalo e, em um piscar de olhos, um tecido
brilhante, leve e vermelho preencheu o meu corpo. Ele possuía apenas uma
alça fina e seguia levemente até o chão, acompanhando todas as minhas
curvas com uma perfeição que me emocionou. Sorri ao me observar. Aquela
peça não era igual a nada que eu já tinha visto antes, mas foi capaz de fazer
com que eu me sentisse poderosa, atraente, sensual, interessante.
Encarei uma Sabine que a priori era desconhecida, mas que depois de
alguns segundos passou a fazer todo o sentido. Talvez aquela fosse eu em
minha essência mais verdadeira e o Jean, obviamente, sabia daquilo.
Virei-me quando senti a sua presença e pude visualizá-lo do outro lado
do quarto, trajando apenas uma peça na parte inferior de seu corpo. Os
ombros, peito e abdômen estavam despidos do modo que tanto me arrancava
o ar. Eu me senti estremecer dos pés a cabeça enquanto ele se aproximava
devagar, analisando-me com atenção e um deslumbre que era traduzido pelo
brilho intenso de seus olhos escuros.
O gênio parou à minha frente e lamentei o fato de ter mantido as mãos
nas laterais de seu corpo extremamente másculo. Queria-as sobre mim,
explorando-me, envolvendo-me, atiçando todos os meus desejos e vontades
até me deixar entregue por completo.
Prendi a respiração enquanto o olhava, sentindo as chamas abrasarem
os meus olhos, como se refletisse o calor que dele eu sentia emanar e me
atingir sem qualquer pudor. Ouvia a sua respiração forte, o único ruído que
pude notar durante os longos segundos em que ele nada fez.
— A senhorita tem algo a dizer? — perguntou em um timbre rouco,
mais grave do que o normal, e então cheguei à conclusão de que aquela era a
sua voz tomada pelo mais puro tesão. Eu a adorava.
— Tenha a bondade de não permitir que eu fique ansiosa por mais
tempo — respondi baixo, sentindo-me vacilar diante de tanta beleza e
sedução. O ar ao nosso redor parecia carregado de algo inidentificável. —
Toque-me, Jean. Beije-me. Tome-me, chupe-me, só não me deixe sem você
esta noite.
O gênio ergueu uma mão e tocou o meu rosto com suavidade. Fechei os
olhos na intenção de senti-lo ao máximo. Os pontos de calor intenso em meu
corpo se ampliaram com aquele simples e significante gesto.
— Você é inacreditável, Sabine... — murmurou e, logo em seguida,
aproximou-se mais um passo, o último que nos afastava. Nossos corpos se
grudaram de tal forma que pude senti-lo rígido em minha barriga. — É uma
tortura me conter diante de sua entrega.
— Não se contenha — reabri os meus olhos, encarando-o tão de perto
que dava para contar cada reentrância de sua face. — Por favor.
Jean respondeu à minha solicitação com um beijo tão poderoso que tive
a sensação de estar levando choques frenéticos ao longo do meu corpo. O
calor que nos envolvia, de repente, passou a ser compartilhado diante
daqueles movimentos enlouquecedores, profundos, instigantes. Jamais me
senti tão envolvida, tão conectada a alguém. Abracei o seu pescoço e o puxei
com toda a força que me foi permitida utilizar.
Sentir as suas texturas, o seu cheiro, o seu gosto em minha boca... Ele
era impressionante em todos os sentidos possíveis e imagináveis. Jean
envolveu a minha cintura com os seus braços fortes e, aos poucos, foi me
empurrando na direção do leito. Eu já me encontrava tão fora de mim que me
deixei ser levada sem qualquer objeção. Naquele momento não havia
vergonha, constrangimento ou pudor, só existia uma Sabine disposta a
qualquer coisa que a oferecesse mais doses daquele prazer enlouquecedor.
O gênio me fez inclinar para trás até me deitar cautelosamente na cama.
O seu corpo foi devidamente colocado sobre o meu, porém antes ele afastou
as minhas coxas, de maneira tal que minhas pernas o abraçaram também. O
fino tecido que me cobria escorreu até me deixar exposta da cintura para
baixo, e então foi possível sentir as suas vestes de baixo se encostando à
minha intimidade, bem como o seu órgão que parecia cada vez mais rígido,
firme e maior.
Confesso que, naquele instante, senti certo medo. Eu sabia que aquilo
tudo não poderia caber em mim, mesmo que o Jean tivesse dito o contrário. O
que me fez mais calma foi o fato de saber que ele provavelmente não se
enfiaria em mim antes de fazer o que havia prometido, ou seja, chupar-me
inteirinha. A sua boca eu sabia que era deliciosa e não me causaria nenhuma
dor, por isso suspirei aliviada entre os seus lábios e me permiti cada toque,
cada beijo, cada carícia.
Jean arquejava ora com força ora com suavidade. Soltava resmungos,
grunhia e continuava provocando ruídos que eu passei a considerar
excitantes. As suas mãos envolveram os meus seios, meus braços, barriga,
coxas e pernas como se nenhuma parte de mim fosse o bastante para aplacar
tanta necessidade.
— Sabine... — murmurou em meu ouvido antes de distribuir beijos e
mordidas no pescoço. A boca então, avidamente, passou a me sugar como
prometera. Jean escorreu a sua língua quente e áspera, depois beijou, como se
preparasse a minha pele, para logo em seguida chupar com certa força.
Eu gemia e arfava mais alto a cada vez que acontecia.
O gênio começou fazendo aquilo em meu pescoço e ombros, porém
quanto mais descia, mais prazer eu sentia. Ele passou a língua entre os meus
seios, na abertura do decote, e então ergueu a cabeça para me observar com
aquele semblante desejoso, selvagem, intenso. Sem nada dizer, Jean se
colocou de joelhos entre as minhas pernas e procurou pela barra do tecido
que me cobria. Novamente, prendi a respiração.
Seus dedos estavam muito decididos; enrolaram-se no vestido incomum
e o puxaram para cima, a fim de me despir. Ergui as mãos e contorci o corpo
para facilitar o seu intento. Quando me vi longe da peça, ele continuou me
olhando de cima a baixo, analisando-me minuciosamente. Estar nua na sua
frente me pareceu mais fácil do que antes. De novo, a vergonha não foi capaz
de me atingir, e ainda que eu estivesse despida na frente de um homem, não
me considerei vulgar.
Estava disposta a muito mais.
Jean resvalou as pontas dos dedos entre os meus seios, abaixando-a na
direção da minha barriga até atingir o meu ponto mais íntimo. Diante de seu
toque, soltei um pequeno gemido e me contorci de leve, reações que
considerei involuntárias. Aquele gênio impressionante levou os dedos à boca,
sugando-os como se o meu líquido íntimo fosse o sumo de uma fruta
suculenta.
— Preciso perguntar se ainda é isto o que deseja — ele sussurrou, sem
desviar aquele olhar intenso de mim. A sua voz foi capaz de fazer o meu
coração bater ainda mais acelerado. — Eu não sei se vou conseguir parar,
quando começar.
— Não pare — respondi com uma espécie de choramingo.
— A senhorita, definitivamente, precisa tomar mais cuidado com o que
deseja.
A sua frase saiu em um tom de ameaça que, em vez de me assustar,
deixou-me descontrolada de excitação. Jean não me deixou responder de
outra forma, por isso apenas correspondi ao beijo que me ofereceu. Aquele
parecia incrivelmente mais intenso, talvez pelo fato de eu estar despida e
poder senti-lo por inteiro.
A sua boca não hesitou ao se afastar dos meus lábios e se encaixar em
um seio, lambendo-o, beijando-o, sugando-o com uma vontade que me
emocionou. Jamais imaginei que aquela parte de meu corpo pudesse me
atribuir tanto prazer.
Quando agarrei os seus cabelos, enlouquecida, ele aproveitou para
sugar os meus dedos e as mãos, uma a uma, com uma vontade que me
pareceu absurda e ao mesmo tempo coerente. Era maravilhoso encontrar
sentidos quando nada parecia fazer, porque de repente me mostrava
consciente do quanto o Jean me desejava e do quanto me deixava desejosa.
Ele, de fato, fez o que prometeu: chupou-me de cima a baixo, em cada
reentrância, por mais improvável que fosse. Até que, por fim, parou com o
rosto entre as minhas pernas, a poucos centímetros de minha intimidade.
Ainda que aquela região estivesse molhada, quente e um tanto desesperada,
não achei que ele fosse fazer aquilo. Observei-o com surpresa, cheia de
expectativa e certo desconcerto. O meu peito subia e descia em alta
velocidade.
Jean colocou a própria língua para fora e foi devagar que diminuiu a
distância entre o seu rosto e o ponto mais sensível do meu corpo. A sensação
que me ocorreu chegou a me deixar entorpecida. Precisei me contorcer e me
controlar para manter as pernas abertas, tanto que o gênio segurou minhas
coxas com força. Nada, em toda minha vida, preparou-me para o momento
em que ele passou a me sugar devagar, sem desunir os seus lábios de mim.
As novas sensações terminaram de findar os últimos resquícios de juízo
que me sobraram. As emoções vinham em ondas, preenchendo-me tanto
quanto aquela língua em meu centro, ávida, decidida, cheia de sutilezas que
só me faziam gemer mais. Prendi as minhas mãos nas mantas abaixo do meu
corpo, puxando-as com força. Aquele estado de transe prazeroso parecia se
acumular como uma tempestade iminente, que eu tinha certeza de que
surgiria com bastante força, o suficiente para me fazer entrar em um êxtase
diferente de todos os outros.
Aquele forte sentimento de antecipação não se enganou; de fato explodi
como jamais antes, contorcendo-me involuntariamente e quase gritando em
pleno gozo. Jean mal esperou que o furacão em que me transformei por
alguns segundos cessasse, virou-me de barriga para baixo como se eu tivesse
o peso de uma pena e se colocou sobre mim, só que por trás.
— Fique tranquila... — murmurou calmamente, o oposto de como eu
me encontrava naquele momento. — Eu ainda não terminei.
Continuei gemendo, arfando, sentindo o suor escapando de minhas
têmporas pelo esforço que acabara de fazer, imaginando que eu certamente
não sobreviveria a tantas emoções. Senti, novamente, o seu órgão se
encostando como se estivesse à minha procura. Fiquei um pouco nervosa e
tentei me mover, porém o Jean segurou os meus braços e passou a me beijar e
chupar, só que, daquela vez, em toda a minha retaguarda.
Novamente, achei que ele não fosse explorar as partes mais baixas e
desconcertantes, porém me enganei completamente ao perceber o seu rosto
infiltrado entre as minhas nádegas, lambendo-me, beijando-me como se, de
fato, nenhuma parte de mim pudesse permanecer sem o toque de seus lábios.
E de novo me senti estarrecida ao perceber que aquela região também
era uma fonte prazerosa.
De repente Jean se ergueu e puxou a minha cintura para cima. Fiquei de
joelhos, com os seios, rosto e braços sobre o leito. Apenas a região mais
impensável do meu corpo ficou evidente, exposto, de maneira que nunca
imaginei que fosse me deixar tão excitada.
Logo a sua boca me invadiu em cheio e eu voltei a gritar, misturando
desejo, vergonha, surpresa e uma vontade incontida de atingir mais um
êxtase. A sua boca se movia como se soubesse exatamente o que buscar e o
meu corpo respondia antes mesmo de eu perceber que tudo aquilo me faria
explodir.
Mordi um pedaço de manta para conter um grito e então passei a me
contorcer e bambear. Tremi dos pés a cabeça, sendo arrastada com força para
aquele paraíso incomum em que me colocava toda vez que um orgasmo se
estabelecia.
— Oh... — ofeguei, ainda mais suada do que antes. Não ousava sair
daquela posição porque nem saberia como começar a me recompor. — Jean...
Ele segurou as minhas nádegas com as palmas, separando-as para logo
depois largá-las de vez. Por fim, o gênio me puxou com certo cuidado, até
que ficamos frente a frente, ambos de joelhos sobre a cama.
Eu não queria vê-lo porque estava desconcertada. Precisava pensar a
respeito do que acabara de acontecer. Estava arrasada, mas não em um
sentido ruim, e aquilo era uma novidade tão grande que eu mal conseguia
respirar.
— Jean... — segurei seus ombros para mantê-lo afastado, já que
percebi que estava prestes a me beijar novamente. — E-Eu...
— Eu sei — ele murmurou como se sofresse. O seu timbre saiu tão
dolorido que doeu até em mim. Não pude deixar de encará-lo. O gênio estava
despenteado, suado e avermelhado, com uma expressão que mesclava
desespero e vontade. — A magia já se foi. — Segurou os meus ombros com
força, depois amansou o toque, controlando-se. — É melhor eu partir agora.
— Não! — agarrei seu rosto desesperadamente. — Não, não vá. Fique.
Ele engoliu em seco, olhando-me de um jeito vidrado.
— Sabine, eu não aguento mais. Deixe-me ir. Pelo seu bem.
Vi quando ele engoliu em seco novamente e comecei a entender o
motivo de parecer tão alucinado. Eu já havia me aliviado duas vezes, de uma
maneira muito intensa, mas ele não havia recebido nada em troca. Sendo
assim, olhei para baixo brevemente antes de descer uma mão na direção de
seu órgão. Precisei reunir muita coragem para fingir que sabia o que estava
fazendo.
Jean se afastou em um movimento assustado, segurando o meu pulso.
— Deixe que eu faça isso — pedi baixinho, quase como se fosse um
segredo. — Por favor. Quero que exploda também.
Ele balançou a cabeça em negativa, parecendo ainda mais desesperado.
— A magia... foi embora — umedeceu os lábios com a língua, ainda
bastante ofegante. — Não posso...
Fiz uma expressão mais séria e, decidida, voltei a tocá-lo naquela
região que eu ainda considerava esquisita. Daquela vez o gênio compreendeu
que não se tratava mais de magia ou do meu pedido, mas da sua necessidade
de ter um êxtase e do meu desejo de agradá-lo em retorno.
De conhecer o seu corpo tanto quanto ele acabara de conhecer o meu.
— Não importa — falei, convicta, enquanto ainda o tocava por cima do
tecido, embora não soubesse como. Envolvi a mão em sua grossura e lá
permaneci, sem saber o que fazer, mas disposta a aprender. — Essa magia
não importa. Agora somos só nós dois e nada nos impedirá.
— Sabine... — ele arquejou e finalmente soltou o meu pulso, agarrando
os meus cabelos para me puxar para si com certa sofreguidão. — Tem
certeza? Eu não estou conseguindo negar... Sequer consigo pensar. Ajude-me
a fazer o que é certo.
— Não há a menor dúvida, Jean. Vou ajudá-lo a agir corretamente, que
é atingindo o êxtase e ficando comigo até o fim — sussurrei, já entre seus
lábios, pronta para prosseguir. Lentamente, concluí, passando a língua sobre
a sua boca deliciosa: — Também quero cumprir a minha promessa.
O gênio soltou uma espécie de rosnado e finalmente segurou a minha
mão por cima do seu órgão, fazendo-a se movimentar do jeito que o
agradava: subindo, descendo, subindo e descendo rapidamente, seguindo o
balançar de seu quadril.
Eu estava pronta para aprender tudo com ele, a conhecê-lo e a trazer
muito prazer para que se regozije ao estar em minha companhia. Mesmo que
Jean pensasse que aquela atitude fosse irresponsável, não era desta forma que
eu considerava, muito pelo contrário. Se havíamos começado, precisávamos
terminar. E um momento como aquele não podia ter fim enquanto um de nós
estivesse sedento.
CAPÍTULO 23

Definitivamente, eu gostava muito dos ruídos que o gênio deixava


escapar entre os lábios, inclusive daqueles que eram quase inaudíveis. Jean
me observava com a expressão selvagem, a mesma que também passei a
gostar, enquanto movimentava as nossas mãos em um ritmo de vai e vem que
considerei um pouco complicado. Pela anatomia de seu órgão, talvez fizesse
mais sentido do que os movimentos circulares tão deliciosos para mim,
portanto tentei me abstrair das estranhezas para seguir adiante como se
possuísse alguma experiência.
Confesso que fiquei ainda mais nervosa ao tocá-lo, muito mais do que
já estava antes, ao ser tocada. No instante em que ele removeu a mão por
sobre a minha foi quando percebi que acabara de conquistar uma louca
responsabilidade. Olhei para baixo porque o constrangimento me invadiu e
não suportei olhá-lo de volta. Notei que o tecido que o cobria ainda nos
atrapalhava, por este motivo usei a outra mão para tentar removê-lo, no
entanto, novamente o gênio se afastou.
Ergui a cabeça em sua direção, sem conseguir deixar de demonstrar que
havia ficado decepcionada com aquela atitude. Eu não queria ter que me
explicar de novo, muito menos ouvir os motivos que ele tinha para não
prosseguir. Talvez percebendo a minha irritação, Jean suspirou
profundamente e fez o favor de se curvar para terminar de retirar a única peça
que separava os nossos corpos em plena ardência.
Continuou me analisando depois que se despiu e eu, tomada pela
curiosidade, tratei de observá-lo de cima a baixo. Tornei-me incapaz de
respirar normalmente diante de tanta excitação que o seu corpo nu me
ofereceu. Ainda que fosse de fato esquisito e constrangedor, e que eu
estivesse apreensiva até o último fio de cabelo, senti o calor me envolver
mais uma vez e percebi que havia voltado a ficar muito excitada.
— Você é belo, Jean... — murmurei, talvez para tentar retribuir um
pouco da maneira especial como ele me fizera sentir ao exaltar a minha
beleza no instante em que eu tanto necessitei de segurança. — Quero dizer,
eu... — de repente, senti-me envergonhada pelo que falei. Seria algo
ponderado a expor? — E-Eu o considero belo.
Os seus dedos tocaram a lateral do meu rosto com extrema suavidade.
Voltei a encará-lo timidamente, percebendo que sorria. E, como se não
bastasse tanta beleza, ele me pareceu ainda mais encantador com aquele meio
sorriso aberto, oferecido com uma pureza que pude sentir no âmago de meu
ser.
— Não faça absolutamente nada que não queira, Sabine — ele disse,
mudando de assunto e de expressão. Daquela vez ficou imerso na seriedade,
demonstrando o quanto suas palavras eram importantes. — Por favor.
Assenti devagar.
Jean esperou a minha afirmativa para finalmente se deitar sobre a cama,
esticando todo o seu corpo como se estivesse oferecendo a si mesmo para
mim. Ainda de joelhos, virei-me um pouco para continuar o observando com
bastante atenção. Não havia a menor dúvida de que eu o queria. De que o
desejava ardentemente. A minha inexperiência, naquele momento de pura
emoção, pareceu um fator irrelevante. Nada me faria recuar em meu intento,
porque a vontade de beijá-lo, tocá-lo e chupá-lo se estabeleceu em definitivo.
Eu possuía demasiado medo de cometer algum equívoco, sendo assim,
foi devagar que me movimentei por sobre a cama até alcançá-lo e,
finalmente, colocar-me sobre o seu corpanzil. Jean estava quente e a textura
da sua pele não parava de me deixar surpreendida, admirada. Os seus olhos
permaneceram sobre os meus durante algum tempo, sem que nada
disséssemos. Pude sentir o seu órgão estremecer ao se encostar a mim, como
se exigisse atenção. Eu podia compreender este sentimento.
Prendi os lábios, sem saber por onde começar. Achei mais ponderado
beijá-lo, porque era um ato que eu já havia aprendido e considerava seguro.
Jean movimentou os lábios com leveza, mas logo em seguida prendeu as
mãos em meu corpo e percebi, pela forte pressão exercida, que não estava
querendo agir com tanta suavidade. Ele tinha certa pressa e eu podia entendê-
lo, pois considerava um martírio quando se demorava a me tocar na
intimidade.
Decidi escorrer uma mão na direção de seu órgão masculino. Utilizando
o balançar de meu próprio corpo, comecei a subir e descer como ele havia me
ensinado, embora ainda possuísse dúvidas sobre estar, ou não, agindo
corretamente. Jean deixou um arquejo mais audível escapar e, parando um
pouco para observá-lo, reparei que tinha fechado os olhos e voltava a
expressar desejo. Eu só poderia estar seguindo um caminho correto, a tirar
pelo seu semblante.
Enquanto seguia com os movimentos, comecei a beijá-lo porque de um
segundo para o outro se tornou uma necessidade senti-lo de todas as formas
possíveis. Ocorreu-me a ideia de repetir os gestos que o Jean havia produzido
comigo e, tentando não pensar ou me acovardar, comecei a distribuir beijos e
lambidas ao longo da sua pele.
No primeiro instante percebi o quanto aquilo era bom, o quanto era
gostoso arrancar dele mais gemidos e o quanto me sentia maravilhosa ao
deixar a selvageria invadir o meu corpo. Os meus pensamentos foram
simplesmente tragados para o fundo de algum precipício desconhecido.
Tornei-me só instintos.
A ânsia que me invadiu como uma poderosa onda em um mar
tempestuoso fez com que eu não cessasse. Segui adiante, beijando-o em cada
reentrância, explorando aquela pele tão diferente da minha, escorregando
língua e lábios em pontos que nunca imaginei que chegaria perto em alguém.
Foi enquanto chupava e lambia o ponto abaixo de seu umbigo que se
tornou evidente que eu deveria, sim, explorar o seu órgão com a boca, como
Jean tinha feito comigo. Eu não sabia o que acharia daquela situação, por isso
parei por alguns instantes, chocada e temerosa, sentindo-me perdida diante de
tantas emoções que iam e vinham em uma velocidade alucinante.
Segurei aquele órgão tão próximo e soltei um suspiro. O gênio agarrou
os meus cabelos com uma mão, obrigando-me a encará-lo daquele jeito
louco. O seu corpo permanecera reto sobre o leito enquanto o meu havia se
desdobrado em centenas de formas distintas para prosseguir na exploração.
Jean me encarava seriamente.
— Vem, Sabine... Não precisa fazer isso — então ele me puxou um
pouco para cima, depositando a minha cabeça em sua barriga. Aquela visão
me deixou com os olhos e a boca abertos. Tive o vislumbre inteiro do seu
órgão muito próximo, a poucos centímetros do meu rosto. — Apenas
observe... — ouvi a sua voz rouca sussurrando.
Com a outra mão o gênio segurou aquele mastro rígido que parecia
pulsar, primeiro o movimentando vagarosamente, subindo e descendo. Passei
a considerar aquela parte de seu corpo interessante. Não era exatamente
bonita, naquele ponto mamãe tinha razão, porém me trazia curiosidade e eu
desejava profundamente aprender a manipulá-la da maneira correta.
Ousei repousar a minha mão por cima da dele. Jean parou por alguns
segundos, soltando mais um de seus arquejos, mas não fez qualquer objeção.
Continuei reconhecendo aquele movimento do princípio ao fim e reparando a
maneira como o seu órgão parecia reagir a cada instante. Eu não estava
exatamente o sentindo, mas ainda assim percebi quando ficou mais inchado,
mais firme, como se aumentasse de tamanho.
— Oh... — ofeguei, chocada, quando Jean passou a acelerar
gradativamente. Os seus ruídos de desejo se tornaram mais audíveis
conforme acelerava e o órgão parecia, de fato, pulsar de modo ávido sob
nossas mãos.
Em uma nova onda de coragem e instintos, espantei a sua mão, que no
momento me pareceu uma intrusa, e prossegui com o vai e vem sozinha,
tomando para mim aquela responsabilidade. Senti-me poderosa. Amei
quando ele começou a agarrar os meus cabelos e a ofegar como se estivesse
perto da explosão. Eu não sabia o que poderia acontecer quando explodisse,
mas não ousei parar porque não me pareceu nem um pouco correto.
A curiosidade e a loucura que o seu visível tesão me causava fez com
que direcionasse o topo de seu órgão para a minha boca, que já o esperava
aberta, receptiva. Pareceu-me muito certo retribuir o seu gesto anterior, mas,
assim que o provei, considerei tudo tão esquisito que não tive mais certeza de
absolutamente nada.
Senti-me um pouco fora de contexto ao tê-lo em meus lábios. O gosto
era diferente de tudo o que já provei, o cheio era bem particular e, ainda que
não fosse terrível, eu não sabia mais se tinha feito a coisa certa. Por outro
lado, Jean passou a se contorcer e grunhiu tão alto que me assustei.
— Sabine! — rosnou com severidade, então puxou o meu cabelo sem
jeito, erguendo a minha cabeça até fazer a boca o largar de uma vez.
Em um instante pensei que o estava machucando e por este motivo
havia me retirado dali, porém não demorou muito até que o seu órgão, com a
ajuda da mão intrusa, que voltara a surgir, começou a expelir um líquido
viscoso. Para ser sincera, foram verdadeiros jatos que seguiram em diversas
direções, enquanto Jean soltava resmungos indecifráveis.
Permaneci completamente estarrecida, piscando os olhos várias vezes
diante da cena que se desenrolara. O líquido foi capaz de sujar parte de seu
abdômen e teria me sujado inteira se o gênio não tivesse me afastado o
suficiente. Ergui a cabeça para olhá-lo, com o cotovelo apoiado sobre o leito.
Jean ainda respirava de forma embargada.
— Isso... I-Isso foi... — balbuciei, porém não consegui concluir o
pensamento.
— Sim, Sabine. Eu acabei de ter um orgasmo — suspirou de um jeito
profundo e percebi que evitava me olhar.
— O que foi esse... líquido? — Eu me desvencilhei para sentar sobre
as mantas. Encarei-o com curiosidade e atentamente. — Eu também fico
bastante úmida entre as pernas, mas não sai assim, deste modo. Pareceu
bastante.
— Bom... — Jean continuou deitado, mas puxou para si algumas
mantas grossas, de forma que lhe sustentassem melhor a cabeça. Soltou um
suspiro mais curto e prosseguiu: — Este líquido que sai do corpo do homem
contém as sementes para germinar dentro da mulher. Desta forma um bebê
pode ser gerado.
— Oh... O ritual da procriação — deixei os olhos muito abertos,
analisando aquele líquido um pouco esbranquiçado sobre a pele do gênio. Por
um instante havia esquecido que o sexo era o ritual da procriação e não havia
apenas prazer, havia também um objetivo enorme: reproduzir. — Agora tudo
faz sentido. Este líquido deveria... Oh... É desta maneira que... Oh...
Jean riu um pouco, mas logo voltou a ficar sério.
— Exatamente — estalou um dedo e então toda a sujeira
simplesmente desapareceu. O gênio se ergueu logo em seguida, ficando de pé
e me deixando, chocada, sobre a cama.
— É o que vai fazer quando... — ofeguei. — Quando este líquido,
fruto do seu êxtase, entrar em mim? Fará com que desapareça? — Pisquei os
olhos. Não conseguia deixar de sentir aquela profunda surpresa. Ao mesmo
tempo, sentia-me uma tola por não ter interligado as informações antes. —
Caso contrário poderíamos gerar uma criança?
Muito sério, Jean aquiesceu. Os seus olhos estavam escuros,
enevoados, do modo que eu havia aprendido a detestar. Sabia que ele estava
pensando no quanto tudo aquilo parecia errado, pois, para mim, também
pareceu um absurdo. Até então eu estava simplesmente ignorando a seriedade
daquela atitude; não era apenas uma questão de prazer mútuo, era um
momento particular de um casal disposto a ter herdeiros.
— Oh... Então... Então eu não posso fazer sexo com um possível
pretendente — balancei a cabeça em negativa, ponderando em voz alta.
Encarei o Jean e ele estava me olhando com uma expressão esquisita. — Não
posso experimentar, não antes do casamento, pois... Não vai haver magia que
desapareça com as sementes.
— Preciso ir, Sabine — ele falou simplesmente, como se eu não
estivesse à beira de um surto. — A magia do seu pedido foi embora faz
bastante tempo e você precisa descansar. Não há nada mais que eu possa
fazer.
Com as emoções descontroladas em meu coração, balancei a cabeça e
vislumbrei o seu órgão, percebendo que ele havia mudado drasticamente.
Estava menor e havia amolecido. Não consegui deixar o meu semblante
expressar outro sentimento além da mais completa confusão.
— É assim que fica normalmente — Jean explicou, ainda muito sério,
apontando para baixo. — Quando um homem não está excitado. O órgão só
cresce ao ser provocado, como uma preparação para o ritual.
— Oh...
— Agora, descanse, Sabine.
— Não — eu me levantei, ficando de pé na sua frente. — Não, Jean,
eu... Eu estou confusa e preciso de respostas. — Repentinamente, senti-me
muito exposta por estar nua, portanto me virei depressa para me cobrir com
uma das mantas, enrolando-a em meu corpo. Os meus braços e pernas
estavam trêmulos. A vontade de chorar me dominou, porém tentei manter o
controle. — Compreendi que ainda não concluímos, de fato, este ritual.
— Não — ele foi bastante taxativo, diria até firme demais, chegando
a quase alcançar a grosseria.
— Mas iremos em breve.
— Foi o seu desejo.
A sua irritação parecia ainda maior, porém eu não deixaria as
perguntas me consumirem. Precisava de respostas e aquele gênio aborrecido
era o único que poderia oferecê-las.
— Oh... E não geraremos nenhuma criança?
— Não. Jamais permitira isso.
— Mas com os pretendentes corro este risco — defini em uma
afirmativa que me encheu de um sentimento esquisito.
— Sim.
— Eu... A-Acho que percebi agora o... O fato de você considerar o
meu pedido um absurdo.
Jean permaneceu em um profundo silêncio, com os seus olhos
voltados para o chão. Foi seguindo aquele trajeto que reparei que ele já estava
vestido novamente, porém mantinha o peitoral exposto.
— Você ainda possui o terceiro desejo, Sabine — murmurou com
tanta gravidade que cheguei a levar um susto. Balancei a cabeça em negativa
quando comecei a compreender o que ele estava sugerindo. — Ainda pode
desejar desfazer este pedido e então nada mais precisará acontecer.
Continuei chacoalhando a minha cabeça. As lágrimas finalmente
rolaram sobre o meu rosto sem qualquer controle. Aquela emoção me deixou
tão confusa quanto todas as demais; sentia-me arrasada, perdida, sem um
direcionamento.
Nada ousei comentar, por isso Jean prosseguiu:
— Será definitivo caso permitir que aconteça. Uma vez que fizermos
sexo, que concluirmos o ritual, perderá a sua virgindade e poderá se
arrepender quando fizer a escolha de um verdadeiro amor.
— O meu objetivo sempre foi obter conhecimento — choraminguei.
A minha voz saiu tão ridícula que lamentei. — Fiz este pedido para
compreender que o ritual não é terrível.
— A senhorita já sabe — Jean murmurou. — Não há por que seguir
adiante.
— Eu ainda não sei, na verdade — argumentei, talvez na tentativa de
enganar a mim mesma. A verdade era que não podia ser tão diferente daquilo
que já havíamos realizado. O próximo passo seria fazer o Jean caber dentro
de mim e nos movimentarmos loucamente até que ele alcance o êxtase. Eu
não sabia qual seria a sensação, mas poderia imaginar. O medo, meu
principal motivo para fazer aquele pedido, não existia mais.
— Sabe — ele definiu.
— E se eu quiser que seja com você? — perguntei de uma vez, em
um rompante ousado e um tanto descontrolado, irracional. Jean abriu os olhos
em minha direção, parecendo tão chocado quanto eu. — É insanidade gastar
um desejo valioso, o único que possuo, para me privar de fazer algo que
quero profundamente.
— Foi insanidade fazer este pedido e é insanidade prosseguir! — Jean
proferiu com firmeza, aproximando-se para me encarar de perto. — Tudo
isso é uma enorme loucura, Sabine, eu não creio que a senhorita seja tão
inconsequente a ponto de me oferecer um momento que deveria ser dividido
com alguém especial para você.
— Mas você é especial para mim! — berrei, entre lágrimas.
— Pare — ele passou a balançar a cabeça em negativa. Pela primeira
vez percebi os seus olhos brilhando de um jeito diferente, anunciando a
presença de lágrimas. Aquilo me deixou tão assustada que recuei alguns
passos. — Pare.
— Jean... — soprei o seu nome, sentindo que estava prestes a atingir
um limite insuportável de lidar.
— A senhorita pensa que tem tudo sob controle, mas não tem — Jean
começou a falar baixo, em um timbre embargado e ao mesmo tempo rígido.
— Nem eu que possuo o dom da magia me encontro no direito de sequer
imaginar que tenho algum controle. Onde acha que vamos parar?
— Eu não sei — resmunguei.
— Então reflita e seja ponderada — ele se aproximou e, ao chegar
muito próximo, ergueu as mãos para segurar os meus ombros. — Vou lhe
oferecer um ótimo conselho não solicitado: desfaça este pedido. Após o
último desejo realizado, poderei ir embora e deixá-la para tomar uma decisão
adequada. E se quer saber, O Príncipe Dionísio é um bom rapaz.
— Mas o senhor falou que...
— Sei perfeitamente o que eu disse. Às vezes a senhorita precisa
apenas me ignorar — Jean me presenteou com um beijo tenro em minha
testa. O gesto demorou mais do que o aceitável e precisei fechar os olhos para
não começar a gritar. Havia uma emoção contida em meu peito que adoraria
ganhar liberdade, mas eu a deixava ali porque tinha muito medo de tirá-la de
lá. — Descanse.
Segurei a sua mão, com certa força, antes que ele partisse de vez. Não
consegui arranjar qualquer palavra, então o Jean sorriu, ainda que um sorriso
triste, e foi desaparecendo devagar, pouco a pouco. A situação me pareceu
tão dilacerante que me pus a chorar feito uma criança.
Eu não sabia o que fazer, nem mesmo o que pensar ou sentir. Apenas
compreendia que o Jean precisaria ir embora em algum momento e eu não
saberia como lidar com a minha própria vida quando ele se fosse. O gênio, no
fim das contas, não era um amigo ou um amante, mas sim uma criatura
mágica que fazia o seu trabalho, plantava a sua magia onde era necessário e
depois seguia em frente, a fim de atender outros desejos.
Naquele momento eu gostaria apenas de voltar ao passado para poder
beijá-lo outra vez.
CAPÍTULO 24

Preferi fingir que não estava vendo a cena que se desenrolava diante
da plateia barulhenta e admirada com os feitos dos dois finalistas do torneio
de pontaria. De um lado o Príncipe Leopoldo, com o nariz empinado e o
porte galante costumeiro, era capaz de acertar cada flecha onde bem quisesse,
não importando a distância ou a dificuldade. Do outro, o Príncipe Dionísio
visivelmente não sabia o que estava fazendo, mas ainda assim acertava as
flechas por causa da magia do gênio.
Eu estava sobre o palanque, trajando um vestido simples de verão por
causa de mais um dia de calor intenso e porque a Naná estava ocupada
demais com os preparativos do noivado, bem como a maioria dos serviçais,
portanto precisei me vestir sem quase nenhuma ajuda. Ao meu lado havia
uma cadeira vazia que deveria ser da Sarah, porém soube mais tarde que ela
estava recolhida e assim permaneceria, recebendo cuidados de beleza e
descansando para a grande noite.
Eu queria muito ter o prazer de passar o dia inteiro em meus
aposentos também, longe de responsabilidades e curiosidade alheia.
Encontrava-me tão entristecida que às vezes sentia a pele doer ao encontro do
tecido florido. Não existia qualquer ânimo em mim, por isso nem mesmo
quando uma flecha seguia a direção perfeita até o centro do alvo eu não me
sentia capaz de demonstrar empolgação.
Estava cansada de concluir mais uma noite, que deveria ser prazerosa
e agradável, aos prantos. Também sentia certa culpa e arrependimento, em
parte, não totalmente, por ter feito aquele pedido. Encontrava-me arrasada em
tantos sentidos que sequer conseguia olhar o Jean de longe, assistindo ao
torneio na companhia dos outros príncipes e jogando a sua magia sobre o
Dionísio sempre que chegava a vez dele de atirar. Pelo que percebi, apenas eu
era capaz de visualizar o brilho colorido que envolvia o arco e a flecha que
carregava.
Mais uma vez do Leopoldo chegou e, desatenta e entediada,
acompanhei quando este se posicionou com certo ar de arrogância diante do
ponto estipulado para aquela fase. Soltei um longo e profundo suspiro de
irritação, contudo, algo novo aconteceu; o brilho da magia do Jean envolveu
o príncipe e, pela primeira vez desde o princípio do torneio, Leopoldo errou a
mira. A flecha voou para tão longe que a plateia fez um “ooh...” em uníssono,
surpresa com o resultado. Certamente fiquei ainda mais estarrecida do que os
outros, pois não imaginava que o gênio fosse não somente ajudar o Dionísio,
como também atrapalhar o Leopoldo.
— Príncipe Dionísio é o vencedor do torneio de pontaria! —
Cristóvão gritou, correndo na direção do campo para erguer o braço do
vencedor. A plateia explodiu em assobios e aplausos acalorados e o nome do
Dionísio foi repetido dezenas de vezes.
Todos pareceram alheios ao semblante fechado do Leopoldo, que se
manteve no mesmo lugar, olhando para o próprio arco como se não
acreditasse no que acabara de acontecer. O meu pai desceu do palanque para
entregar o prêmio ao Dionísio; tratava-se de um cálice cravejado com
diamantes e pedras preciosas de variadas cores. Em meio a mais aplausos, o
Príncipe ergueu aquele troféu com um sorriso genuíno no rosto, parecendo
verdadeiramente emocionado por ter ganhado um torneio, talvez o primeiro e
único de toda sua vida.
As pessoas fizeram um círculo desordenado ao redor do Dionísio para
lhe parabenizar pelo grande feito. Percebi que o Leopoldo permaneceu
imóvel, quieto e bastante esquisito, o que me fez sentir compaixão. Não
considerei justa a atitude do gênio, mas o que estava esperando, afinal? Em
algum momento Leopoldo erraria, nem que fosse por alguns centímetros,
enquanto o Dionísio sempre acertaria porque a magia era uma força que
jamais cometia falhas.
Enfim, percebi o quanto a situação inteira havia sido injusta. Eu não
deveria ter permitido que o Jean ajudasse o Dionísio desde o princípio, até
porque aquele torneio pouco me interessava, de um modo geral.
Caminhei entre as pessoas e atravessei parte do campo até ser possível
encontrá-lo. Ao perceber minha aproximação, ele finalmente saiu daquela
espécie de transe e me encarou por breves instantes, para logo em seguida
desviar o rosto, parecendo constrangido e muito, muito irritado. Percebi que a
minha presença não era bem-vinda naquele momento.
— Eu sinto muito — falei baixo, sem saber direito o que dizer. Nunca
imaginei que um dia eu sentiria tanta compaixão por aquele príncipe, mas era
o que estava acontecendo e eu realmente sentia muito por tudo. — Você foi
um ótimo combatente, fiquei admirada com...
— Já chega, Sabine — ele me interrompeu prontamente, encarando-
me como se soubesse que a culpa daquilo tudo era minha. O seu olhar
azulado havia perdido o costumeiro brilho. — O que pretendia ao vir aqui?
Humilhar-me ainda mais?
— De modo algum, eu...
— Não basta ter me humilhado me deixando sozinho no salão de
descanso? — resmungou de uma maneira enraivecida, então percebi que eu
havia me esquecido completamente de que havia marcado um encontro com
ele. — Não sei qual foi o objetivo dessa armadilha tola, mas aviso de
antemão que não farei parte disto.
Ele jogou o arco no chão e começou a se afastar, porém segurei a sua
mão por um breve instante, impedindo-o de ir. Ao perceber que aquele gesto
poderia ser visto por outra pessoa, que certamente o interpretaria errado,
larguei-o depressa. O Príncipe parou para me olhar, mas ainda exalava
decepção.
— E-Eu... — Precisava encontrar algum argumento com urgência, do
contrário perderia mais um pretendente em menos de vinte e quatro horas, o
que não poderia significar algo bom. — Não foi uma armadilha, eu juro.
Acontece que... Que não consegui despistar os guardas. Encontrá-lo se tornou
uma tarefa arriscada.
Conforme eu me explicava, o Príncipe soltava o ar dos pulmões e
tirava o peso dos ombros, parecendo mais aliviado e menos chateado. Ele
passou as mãos pelos cabelos escuros, olhando para além de mim, certamente
conferindo se alguém nos observava. Tentei não me sentir ainda mais culpada
por ter mentido, mas falhei e acabei ficando duplamente arrasada. De repente
tive a angustiante sensação de estar vivendo uma vida que não era a minha.
— Durante o baile de hoje todos estarão bastante ocupados — o
Príncipe falou, por fim, fixando o seu olhar no meu. — Encontre-me no
mesmo salão logo após a dança dos noivos.
— Leopoldo... Eu... — prendi os lábios, nervosa com a possibilidade
de marcar um novo encontro. Não podia seguir adiante com a ideia de
experimentar. Ou podia? Se fossem apenas alguns beijos... O próprio
Príncipe Augusto havia mencionado que um simples beijo era inofensivo. —
Não sei se é uma ideia apropriada.
— Quer desistir do encontro? — ele me olhou com desconfiança. —
Sabine, eu gostaria muito que não brincasse com os meus sentimentos.
— Não estou brin... — precisei interromper minha própria fala
quando o que ele disse começou a fazer sentido. Entreabri a boca, surpresa,
enquanto Leopoldo me observava de uma maneira esquisita. — Sentimentos?
Quais sentimentos? — Pisquei incontáveis vezes na sua direção.
Ele desviou o olhar mais uma vez.
— Eu não estaria aqui caso não nutrisse sentimentos pela senhorita —
admitiu, por fim, e o seu rosto começou a avermelhar gradativamente, até que
a vergonha completa o atingiu. Continuei chocada com aquela informação.
Não imaginei que aquele homem fosse tão suscetível às emoções, pois
sempre demonstrou possuir mais praticidade e objetividade. — Não me
colocaria nesta competição implacável e exaustiva para chamar a sua mínima
atenção.
Sempre achei que aquelas disputas fossem encabeçadas pelo próprio
Leopoldo, que gostava de se exibir sempre que ganhava uma oportunidade.
Entretanto, era o terceiro Príncipe que mencionava a hostilidade da
competição pelo meu apreço, fazendo-me entender que as coisas não eram
como eu imaginava. Eles estavam levando aquilo muito mais a sério e eu não
me sentia no mesmo clima. Talvez não tivesse entendido a importância do
processo porque, no fundo, ainda não havia parado para refletir a respeito do
que cada atitude implicava.
— Então o senhor... — engoli em seco — possui um afeto especial
por mim?
Leopoldo me encarou fixamente, de forma que a minha respiração foi
tragada pela beleza de seus olhos.
— Mas é claro, princesa. E não é novidade que desejo desposá-la.
Estava prestes a solicitar o cortejo quando esses... — apontou para frente —
príncipes chegaram.
— Mesmo? — Eu não conseguia sentir nada diferente do mais
profundo choque. Enquanto me preocupava em estar nos braços do gênio,
alguém que claramente não nutria qualquer sentimento por mim, ignorava
completamente o fato de o Leopoldo estar me considerando apta para ser o
seu verdadeiro amor. — Eu não sabia, até porque somos muito diferentes em
pensamento. Por que nunca me contou?
— Porque... — suspirou veementemente. — Não estou acostumado a
falar sobre essas coisas. A senhorita está me vendo em uma situação
vulnerável, pois aquele arco resolveu me trair quando mais precisei —
apontou para o objeto que jazia sobre a grama e então estreitou os olhos. —
Creio que é a sua dama de companhia que está se aproximando.
— Combinado — falei no impulso, antes de sermos interrompidos.
O Príncipe me olhou com surpresa.
— Refere-se ao encontro?
— Sim — afirmei a tempo de Madame Naná inventar uma desculpa
educada e insignificante para me tirar de perto do Leopoldo, já que era
inadequado que estivéssemos conversando sozinhos, em um local afastado
dos demais.
Ainda consegui visualizar o imenso sorriso que se abriu em seu rosto
belo, antes de me virar de costas e perceber que eu não fazia ideia do que
sentir a respeito da situação. Encontrava-me triste, era um fato que não havia
mudado nem mesmo ao saber dos sentimentos de Leopoldo. Também não
estava exatamente empolgada com a ideia de beijá-lo, por mais que me
sentisse atraída pela sua beleza.
Por outro lado, o meu tempo estava acabando e eu deveria ao menos
saber se suportaria beijar o meu futuro esposo, caso o escolhesse.

Mal tive uma oportunidade para parabenizar o Príncipe Dionísio, já que


ele passou o restante da manhã ocupado em rodas de conversas sobre os
detalhes do torneio. Confesso que não fiz a questão devida de manter
qualquer contato com ele, pois sabia que não havia ganhado a competição por
seu mérito próprio e já estava me sentindo uma verdadeira fraude, de modo
que não me via disposta a piorar a situação.
No horário combinado, Madame Naná me levou à sala de reuniões
onde o Rei me encontraria a fim de discutirmos quais seriam os príncipes
eliminados. Ela me deixou em frente à sala, depois avisou que precisaria
continuar as suas tarefas com relação ao noivado e, novamente, voltei a ficar
desacompanhada. No fundo estava gostando bastante daquela liberdade
provisória.
Levemente, bati a porta da sala de reuniões e não obtive qualquer
resposta, porém, após alguns segundos, a madeira rangeu suavemente e se
abriu em uma fresta. Papai conversava com dois guardas reais em um tom
manso, como se não quisesse que nem mesmo as paredes o ouvissem.
Entretanto, ainda assim consegui escutar um pequeno trecho:
—... Redobrem os cuidados e encontrem o objeto. Alguém certamente
invadiu o salão de riquezas e... — começou a balbuciar em um tom mais
baixo, ininteligível, até que consegui ouvir também: —... Confio essa tarefa a
vocês, por serem meus guardas mais leais. Agora podem se retirar e, por
favor, avisem a Princesa Sabine que eu a aguardo.
Antes que os dois homens saíssem pela porta e me encontrassem
ouvindo uma conversa que certamente não deveria, voltei alguns passos pelo
corredor, fingindo que estava acabando de chegar. Foi o tempo perfeito para
que eles me cumprimentassem com uma reverência e avisassem que o Rei
Cedric VI já estava me aguardando dentro da sala. Sorri em resposta,
fingindo que não estava imersa num mar de nervosismo e angústia.
De que objeto o meu pai falava? Será que se tratava da lâmpada
mágica?
Adentrei o recinto com bastante apreensão, pensando que deveria dar
um jeito de devolvê-la ou ao menos de escondê-la melhor até que soubesse
qual seria o meu último pedido. Refletir sobre a lâmpada me fez compreender
que o seu paradeiro estava totalmente ligado ao do Jean. Talvez eu devesse
dar adeus a ambos com urgência, caso contrário poderia ser descoberta pelo
papai.
— Sabine! — o Rei abriu os braços para me abraçar calorosamente,
do jeito carinhoso que só fazia quando estávamos a sós. Eu me deixei ficar
naquele abraço, sentindo o meu corpo doer junto com o coração machucado,
percebendo que estava com saudades do meu pai. — E então, filha? Já
decidiu quais príncipes mandar embora? Confesso que estou ansioso para
reduzir a população do castelo. No entanto, creio que não será de bom tom
dispensarmos ninguém no dia de hoje, com a iminência do noivado.
Ele se afastou e me olhou com atenção. O seu semblante se tornou
preocupado de um instante para o outro, talvez porque a expressão que eu
fazia não era exatamente feliz. Muito pelo contrário, meus olhos marejaram
sem que eu fizesse esforço.
— O que aconteceu, Sabine? Está triste? — segurou os meus ombros,
encarando-me de perto. Eu gostaria muito de ser sincera com o meu pai.
Queria poder dizer cada coisa que se passava em meus pensamentos e
sentimentos, uma a uma, mas não podia porque isso o chocaria e com certeza
reagiria mal. — Não quer dar adeus a nenhum príncipe, é isto?
— Não, papai... — suspirei. Ainda pensei em mencionar a lâmpada,
mas desconsiderei a ideia tão logo ela me acometeu. Se o Rei precisasse
recolher o objeto de que modo eu faria o terceiro pedido? Tentei me acalmar
e prossegui: — Para ser sincera, o senhor pode perfeitamente dispensar os
príncipes John II, Miguel, Peter e Sean.
Ele suspirou aliviado, afastando-se de vez.
— Tantos assim? Não creio que será adequado dispensá-los de uma só
vez. Anotarei esses nomes e farei pouco a pouco... — ele pegou um pedaço
de pergaminho e depois se sentou numa enorme poltrona que ficava perto da
mesa de reuniões oficiais. Afundou uma pena no tinteiro delicadamente. —
Somente estes?
— Sim. Por enquanto, sim.
Papai voltou a me encarar.
— Não parece feliz, minha filha. Essa decisão a incomoda?
— Não, de modo algum — balancei a cabeça, tentando controlar as
lágrimas não derramadas que insistiam em pinicar a região dos olhos e nariz.
— Já tomou uma decisão? Há um pretendente escolhido? — O meu pai
parecia realmente interessado no que eu sentia, o que para mim significava
uma fonte de calor confortável no meio da frieza que invadia a minha alma.
— Sabine, eu posso cancelar esses dias de reconhecimento no momento em
que considerar viável. Só preciso de um nome e, claro, de um tempo para
verificar se o sujeito realmente merece você e o povo de Herlain.
Deixei os meus olhos fixos no piso de rochas, metade coberto por uma
tapeçaria valiosa. Os candelabros enfileirados atribuíam uma iluminação
perfeita para o ambiente, mas ainda assim os meus pensamentos se
mantiveram enevoados, como se eu nada conseguisse enxergar diante de
mim.
— Não há um nome, papai — soltei mais um suspiro resignado. —
Ainda não. Mas sou grata pela gentileza de levar em consideração a minha
opinião.
— Não me agradeça por permitir que escolha um marido que a agrade,
filha. Diga-me, nenhum a interessa? — ele entreabriu a boca, surpreso com a
própria conclusão. — Você sempre foi exigente e isso é bom, Sabine, mas...
— Eu me interesso pelos que irão permanecer, só não estou decidida
ainda — interrompi-o antes que pudesse falar qualquer coisa que fizesse com
que eu me sentisse culpada ou que anulasse a alegria que senti ao perceber
que o Rei estava ao meu favor. — Preciso de um tempo.
— Pois bem — ele se levantou novamente, deixando o pergaminho e a
pena sobre a mesa como se não pretendesse voltar a lhes dar alguma atenção.
O Rei se aproximou até ser possível beijar a minha testa e de novo a vontade
de chorar me envolveu. Eu estava estranhamente sensível naquele dia. —
Não tenha pressa. Após dispensarmos estes quatro, o castelo ficará mais
agradável e você terá mais tempo disponível para estar com os que
interessam.
Assenti lentamente, então papai prosseguiu:
— Vamos torcer para que nenhum deles desista antes do tempo.
Tornei a assentir, então ele dispensou a minha presença com mais um
beijo na testa e eu saí daquela breve reunião com a mente ainda mais
perturbada do que antes. Agradeci o fato de estar sozinha, com apenas dois
guardas no final de ambos os lados do corredor, longe o suficiente para não
perceberem que algumas lágrimas escorreram ao longo de meu rosto.
Enxuguei-as com as costas das mãos e, percebendo que Naná não me
importunaria para fazer nada em específico e nem para ir a qualquer lugar
que fosse mais adequado, vi-me livre para circular pelo castelo como bem
entendesse.
Caminhei a passos apressados na direção do jardim na parte de trás do
castelo, que estava sempre vazia, exceto pela presença do Efraim, e eu
poderia colocar os meus pensamentos em ordem sem que ninguém me
julgasse ou exigisse que me portasse como uma princesa. Depois de alguns
minutos despistando guardas e visitantes, olhei ao meu redor antes de
atravessar os portões de ferro e me perder entre árvores, arbustos e esculturas.
Não havia nenhum banco nas partes mais escondidas do jardim,
portanto me sentei sobre a relva verdinha entre dois arbustos, em um local
perfeito onde o sol batia com exatidão e oferecia um calor que me foi
bastante bem-vindo. Mamãe reclamaria se me visse com a pele exposta aos
raios solares, porém não me importei com aquele pensamento. Havia coisas
muito mais importantes para refletir.
Como, por exemplo, o que fazer com relação ao Jean.
Não pude deixar de relembrar os momentos intensos em que estive
em seus braços, sentindo aquele prazer inigualável, aquela vontade louca de
nunca mais me distanciar dele, de nos tornarmos um só. Havia tanto desejo
percorrendo o meu corpo que me percebi completamente excitada apenas ao
revisitar as memórias. A minha nudez, a sua nudez, a nossa troca de carícias e
experiências... Tudo nele me agradava num nível que alcançava o absurdo.
Eu me deitei sobre a relva após um suspiro audível, como se me
jogasse sobre aquelas sensações prazerosas, emocionantes, intensas. Abri os
meus braços e senti como se os raios solares fossem o toque gentil e aquecido
do gênio, que era sempre preciso e me fazia enlouquecer com facilidade.
— Eu gosto de tomar sol — ouvi a voz daquele que mexia com meus
pensamentos e, após soltar um pequeno grito de susto, percebi-o sentado ao
meu lado. Eu me ergui também, com a plena certeza de que havia grama
grudada em meus cabelos. — É acolhedor e traz ótimas energias. Mas me
preocupo com a exposição da senhorita neste horário. Temo que a sua pele...
— O que faz aqui, Jean? — perguntei com certa grosseria, irritada por
ter sido vista em um momento constrangedor, que deveria ser vivenciado na
mais completa solidão.
— Gostaria de saber se a senhorita está bem — ele deu de ombros,
desviando o rosto para observar uma escultura disforme que jazia perto de
nós. Eu nunca a compreendi. Parecia uma massa bizarra de cerâmica, sem um
formato coerente. — O que é aquilo? Ou ao menos o que deveria ser? — riu
com suavidade, provocando-me um arrepio fora de tom.
Fiquei frustrada com a minha capacidade de estar tão suscetível a ele.
— Não sei. Eu estou bem e quero ficar sozinha.
O gênio me encarou e acredito que nunca observei nada mais belo do
que a visão que me proporcionou. Jean estava com os cotovelos apoiados
sobre os joelhos e seus cabelos esvoaçavam ao sabor do vento, além de que o
sol o iluminava de uma maneira peculiar. As suas íris estavam com uma
transparência interessante e muito brilhosa. Só me dei conta de que havia
suspendido a respiração quando precisei soltar um arquejo.
— Pensou sobre o que conversamos?
— Não — adiantei-me com indiferença. — Não tive tempo.
— A senhorita precisa entender que...
— Chega, Jean. Não quero falar a respeito disso, só preciso de um
tempo de paz e solidão. Você deveria se ocupar em encantar as flechas
alheias e me esquecer um pouco — eu tentei me levantar, mas o meu vestido
me atrapalhou e acabei voltando a me sentar de vez. O impacto fez o meu
traseiro doer, mas fingi que não foi nada.
— Por que está tão agressiva? Fiz exatamente o que pediu. Não queria
que o Dionísio vencesse o torneio?
— Decerto não pedi para fazer o Leopoldo errar o alvo.
Jean deu de ombros.
— Ele estava quase se perdendo em meio a tanta arrogância. Achei
por bem...
— Achou errado, Jean, não deveria tê-lo prejudicado desta forma.
— Por que o está defendendo? Você nem gosta dele — o gênio fez
uma expressão confusa e decepcionada. Só permaneci ali porque não
adiantaria tentar me levantar de novo, principalmente porque o meu corpo
inteiro tremia.
— Talvez eu goste — soltei sem raciocinar. — Ao menos ele gosta de
mim.
Jean balançou a cabeça em negativa.
— O sujeito que vê o casamento como um negócio? Duvido muito.
— É tão impensável para você que alguém goste de mim de verdade?
— questionei em plena irritação. Naquele instante não pensei muito, a raiva
me dominava e sentia vontade de gritar bem alto até que todo o mundo me
escutasse.
— Se ele gostar de alguém, certamente não é de você. Não há nada
em comum entre os dois e ele ainda acha que a senhorita é silenciosa. Ele
nem te conhece, Sabine — Jean resmungou, parecendo tão chateado quanto
eu. Para ser sincera, jamais o tinha visto daquele modo tão ranzinza, com a
voz completamente alterada pela irritação. — Aquele homem jamais poderia
oferecer o que você merece.
— Sabe o que eu não mereço? Que você diga o que devo fazer. Que
dite todas as regras, até mesmo quem vai ganhar um torneio idiota.
— Não pode me julgar por isso, Sabine, não é justo.
— Que seja. Só pare de tomar conta da minha vida. Estou cansada!
— Então está mesmo decidida sobre o Príncipe Leôncio? — ele
perguntou com um ar frustrado, como se tentasse controlar a ferocidade.
— Não há nada decidido, porém ouvi dos lábios do próprio Leopoldo
— enfatizei o nome correto — que ele possui sentimentos por mim e creio
que é uma chance para evoluirmos.
— Evoluir? — a careta do gênio se ampliou. — Como?
— Eu mesma decidirei um modo adequado — falei, por fim,
desviando o rosto porque não aguentava mais estar naquela discussão
infundada.
Eu sabia que havia falado mais do que devia e também que, em parte,
havia sido injusta, mas tudo o que menos desejava era a presença do Jean e
ele não foi capaz de respeitar este fato. Sendo assim, o gênio que suportasse
as consequências.
— Sabine... — Senti a sua mão por sobre a minha, porém a afastei
antes que aquele pequeno gesto fosse capaz de me remover a sanidade. —
Por que está tão chateada comigo se estou aqui com o único intuito de ajudá-
la?
— Porque eu não sei o que fazer, Jean! — confessei em um timbre
alto e claro, repleto de tanta emoção que precisei de muita força de vontade
para não cair no choro. Ele ficou me observando com os olhos bem abertos.
— Sinto-me perdida e não sei o que pensar a respeito de absolutamente nada!
O gênio pareceu engolir em seco após o meu rompante.
— Prefere que eu a deixe sozinha?
Olhei-o, irritada.
— Será que não deixei isso claro antes que chegássemos a esta
discussão?
Jean se calou por breves instantes.
— Seja qual for a sua decisão, Sabine, conte comigo. Eu não desejo
nada menos do que a sua felicidade — murmurou com doçura. O seu timbre
me fez abaixar a guarda imediatamente, tanto que suavizei as expressões e
soltei o ar que estava prendendo. — E se quer saber, você merece alguém que
te conheça profundamente a ponto de ter certeza de que a senhorita é a
mulher mais incrível que existe e te tratar de acordo com este fato. Aceitar
menos do que isso é tolice.
Pisquei os olhos em sua direção, espantada, enquanto ele me encarava
quase sem piscar.
— Vossa Alteza — levamos um enorme susto quando o Efraim surgiu
na nossa frente, fazendo uma reverência exagerada. — Precisa dos meus
serviços, Princesa Sabine? Este... rapaz a está importunando?
Naquele instante compreendi que o Jean tinha me encontrado de
verdade, ficando visível a todos, o que foi uma grande surpresa.
— Não, Efraim, ele... — olhei o gênio de soslaio — já estava
partindo.
— Sim, estou partindo — o gênio plantou um beijo em minha testa,
bem onde meu pai beijou não fazia muito tempo, assim, na frente de um
guarda real, como se não fosse absolutamente impróprio. Agradeci
mentalmente o fato de o Efraim ser meu amigo. — Cuide-se, Princesa —
murmurou e se levantou sem qualquer dificuldade.
Efraim o reverenciou por puro respeito, recebendo de volta um aceno
educado e adequado para aquele tipo de situação.
— Vossa Alteza deseja que eu a ajude a levantar? — o guarda
perguntou, sorrindo, depois que o Jean sumiu de vista. — Juro que não conto
a ninguém.
— Oh, por favor, Efraim.
Após aquele encontro maluco, o guarda me deixou sozinha para que
eu finalizasse o meu passeio em paz. No entanto, não bastou muito tempo
para que percebesse que não queria, realmente, ficar longe do Jean.
Os meus sentimentos entraram em um verdadeiro paradoxo.
CAPÍTULO 25

Antes de o gênio aparecer naquela lâmpada eu não me considerava uma


pessoa exatamente corajosa. As decisões que precisei tomar, ao longo dos
anos, foram poucas devido à necessidade de estar sempre de acordo com a
opinião e julgamento dos meus pais e de todos ao meu redor.
Daquela vez eu não teria como fugir das forças do destino e muito
menos do poder que possuía sobre as escolhas que moldariam o restante de
meus dias. Não podia contar com a sorte ou com o conselho de alguém, já
que, se eu falasse em voz alta o que estava acontecendo, seria intitulada uma
grande louca. Também não gostaria de ser comandada, de ter alguém ditando
as regras da minha jornada. Apenas eu era responsável por mim.
A verdade com a qual precisava lidar era o imenso desejo que nutria
pelo Jean e o fato de não querer dar adeus à possibilidade de seguirmos
adiante com o meu pedido. Gostava de tudo o que vinha dele e os nossos
momentos de intimidade eram maravilhosos, extremamente prazerosos e
faziam com que me sentisse viva como jamais antes. Sendo assim, enquanto
retornava de um passeio esclarecedor, compreendi que desfazer o desejo seria
estupidez.
Não havia chegado tão longe para recuar feito uma medrosa imbecil.
Não me importava que fizéssemos sexo. Eu não conseguia enxergar
nenhum fator negativo em permitir que o gênio removesse a minha
virgindade. Além de um momento especial, sabia que só me traria mais
experiência e liberdade para vivenciar outros momentos com um futuro
esposo. Eu estaria tranquila, menos nervosa e mais relaxada, sem qualquer
apreensão. De qualquer forma, não iríamos procriar, já que o Jean tinha a
capacidade de desaparecer com as suas sementes.
Pensar no ritual me fez compreender que, ainda que fizesse sexo com o
gênio, não podia permitir que nenhum outro príncipe passasse dos limites.
Não podia arriscar ter nenhuma semente alheia dentro de mim, pois seria um
verdadeiro escândalo caso engravidasse sem qualquer casamento iminente. Já
o beijo... Este, de fato, não me causaria qualquer problema, visto que até o
Augusto e a Sarah haviam feito, além do que o próprio Jean me beijara antes
do pedido.
Estava decidida a fazer sexo com Jean. E decidida a provar outros
beijos.
Com aquelas decisões tomadas, senti-me mais leve e disposta a
prosseguir. O mau-humor anterior foi amenizado com novas expectativas
percorrendo o meu corpo. Estava ansiosa de uma maneira saudável.
Compreender o ritual da procriação em sua totalidade me causou um espanto
inicial, porém com bastante reflexão foi possível não temê-lo, mas ainda
assim manter o respeito para lidar com todas as suas implicações.
— Vossa Alteza! — ouvi a Madame Naná chamar perto da saída do
jardim. Com a respiração ofegante, ela dobrou o próprio corpo na tentativa de
fazê-la voltar ao normal. Não precisei pensar muito para compreender que ela
havia me procurado por todo o castelo.
— O que houve, Naná? Ainda é cedo, há tempo suficiente para me
arrumar — tratei de me explicar, achando certa graça de sua postura sempre
exagerada diante de um evento importante. Precaução era um fator essencial
para a minha dama de companhia.
— Decerto está cedo, porém a sala de banhos está bastante requisitada
no dia de hoje, Sabine — ela comentou depois de aprumar o corpo, voltando
ao porte de extrema dedicação e cuidado. — Consegui um horário para a
senhorita, mas precisa ser agora, do contrário será impossível que se banhe
devidamente para o noivado.
Apesar de ter ficado um pouco surpresa com a indisponibilidade da sala
de banhos, já que nenhum membro da corte de Herlain costumava se banhar
com muita frequência sem ser em seus próprios aposentos, utilizando uma
toalha com água morna, não fiz qualquer objeção. Deixei que Naná me
acompanhasse até a sala de banhos, tomando ciência, durante o percurso, de
que ela já havia solicitado toda a preparação para me receber.
Tão logo adentramos o recinto percebi duas serviçais terminando de
acender as longas fileiras de velas aromáticas, que exalavam um odor
maravilhoso de ervas, do jeito que eu tanto gostava. Os guardas responsáveis
pela segurança do local fecharam as portas atrás de nós, dando-nos
privacidade. A nascente do rio Helix parecia igual ao meu último banho;
jorrando suas águas puras e límpidas inexoravelmente por dentro da mesma
fenda estreita.
Naná e as duas jovens que a acompanhavam se reuniram para me despir
e oferecer todo o suporte de que eu precisava para adentrar a tina.
Infelizmente, permaneci com as minhas vestes íntimas, pensando na
possibilidade de um banho mais completo, porém com receio de deixar a
Naná perturbada com isso.
Assim que imergi o meu corpo soltei um grunhido, pois a água estava
muito fria, oferecendo um toque nada confortável para a minha pele sensível.
Ainda que as velas oferecessem algum calor, não era o necessário para me
aquecer.
— Naná... — choraminguei enquanto afundava lentamente, sofrendo
com a invasão gélida. — Prefiro me banhar sozinha.
— Tem certeza, Alteza? — a voz da Naná exalava certa irritação,
porém só quem a conhecia a fundo notaria a sutileza de seu
descontentamento. Ela queria que aquele banho fosse rápido para que
pudesse prosseguir com suas tarefas e para que eu ficasse pronta sem nenhum
alarde, no horário correto.
Eu podia compreendê-la, mas ainda assim não recuei:
— Claro. Será depressa, porém preciso de privacidade para que assim
seja.
— Por favor, não demore, Vossa Alteza — Naná murmurou e, após
com uma curta reverência para mim, fez um sinal para que as outras serviçais
se juntassem a ela no lado de fora da sala de banhos.
Tão logo me percebi sozinha, a água que me rodeava começou a
esquentar. A princípio estranhei, porém imaginei o que estava acontecendo e
abri um sorriso repleto de regozijo. Claro que ele apareceria. Era o meu
desejo para aquele banho e ele estaria presente sempre onde os meus desejos
fizerem morada.
Relaxei a cabeça sobre uma rocha e inspirei profundamente,
aconchegada pela ótima temperatura. Sentindo um lapso de coragem,
esgueirei-me até ser possível retirar a peça íntima, que havia se encharcado e
grudado na minha pele de um jeito terrível. Despida, joguei o tecido para fora
da tina e apenas esperei, reunindo uma paciência que eu considerava cada
instante mais longe de mim.
Quando um brilho surgiu à minha frente o meu sorriso se intensificou.
Estava me sentindo ousada, porém nem um pouco constrangida. Era aquilo o
que eu queria, não havia por que continuar me questionando ou me
repreendendo por desejá-lo tanto. O meu corpo clamava por um alívio.
Precisava ser rápido, mas a minha necessidade era que fosse com ele.
Jean.
Não demorou muito para que ele surgisse, imerso no centro da tina,
com os olhos compenetrados recaídos sobre mim e um semblante desejoso
que tanto me agradava. Uma intuição bastante forte me dizia que eu causava
nele o mesmo efeito que sua figura causava em mim.
— Você se decidiu — ele murmurou em um timbre mais grave que o
normal. Não foi um questionamento, mas uma afirmação cheia de uma
convicção que me tocou profundamente. De alguma forma a minha escolha
pareceu ainda mais firme.
Assenti com suavidade, erguendo-me para me colocar sentada na
beirada da tina. Jean passou muito tempo observando todo o meu corpo nu. O
seu olhar atento era como uma carícia reconfortante, capaz de me deixar em
brasas, prestes a explodir. Num gesto de extrema ousadia, abri as pernas
lentamente em um convite que, em parte, fez o meu rosto esquentar de
vergonha, mas em outra me fez gargalhar por dentro, principalmente depois
que a sua expressão se tornou desesperada.
No entanto, o gênio não se moveu. Ficou me olhando por tempo
suficiente para me deixar impaciente e nervosa.
— Você disse que, às vezes, eu precisava apenas te ignorar —
murmurei, levando uma mão ao meu centro e, lentamente, esfregando os
meus dedos em uma região muito sensível do meu corpo. Aquele toque me
fez arrepiar da cabeça aos pés, e então precisei soltar um pequeno arquejo. —
Esta sou eu te ignorando, Jean.
— Fiz o que era preciso — ele comentou, aproximando-se tão devagar
que quase perdi o juízo. A água morna parecia dançar ao redor do seu corpo.
Quando mais próximo ele ficava, mais acelerado o meu coração batia. — Fiz
o que alguém respeitoso faria. No entanto, confesso, Sabine, não podia estar
mais grato por você ter me ignorado.
Não pude deixar de sorrir. Jean acabava de comprovar o seu genuíno
desejo de me possuir. Eu me sentia confusa, desnorteada e abalada, porém
fiquei imóvel, esperando que se aproximasse porque sabia que tudo faria
sentido quando ele finalmente me envolvesse em seus braços e fizesse
comigo o que tanto queria.
— Não irei me arrepender — balbuciei quando ele se ajoelhou dentro
da tina, à minha frente, parando a alguns centímetros do meu rosto. Minhas
pernas ainda estavam abertas, esperando por sua atenção. — Eu sei disso,
Jean. Agora tenho certeza.
O gênio não fez qualquer comentário a respeito. Sem nada dizer,
puxou-me pelos cabelos até ser possível me beijar com toda a intensidade que
ele sempre utilizara comigo até aquele momento. Eu me perdi entre os seus
lábios, sentindo-me esquentar, ferver como aquelas águas fizeram diante de
sua magia.
Sua outra mão seguiu um trajeto preciso até a minha sensibilidade,
oferecendo a ela a atenção que tanto necessitava. Começou a movimentar os
dedos sem qualquer hesitação, mesclando suavidade e veemência enquanto
não largava a minha boca. Só o fez quando a necessidade o levou a cessar o
beijo para, enfim, sugar as pontas de meus seios. Eu considerava aqueles
momentos com o Jean tão crus, tão selvagens e, ao mesmo tempo, tão gentis
e intimistas, que a certeza da ausência de arrependimentos me invadiu de uma
vez por todas.
Eu o queria de todas as formas. Desejava que fosse o meu primeiro
homem e sabia que seria fantástico, fosse por causa da magia ou dele próprio,
não importava de onde vinha aquela fonte. E eu jurei, naquele instante,
jamais aceitar menos do que aquela intensidade e extremo cuidado, portanto
teria a obrigação de fazer uma escolha coerente, de acordo com minhas
necessidades.
— Quando eu estiver aqui... — Jean murmurou, introduzindo a ponta
de seu dedo na abertura que certamente deveria ser invadida durante o ritual.
Soltei um ofego, sem saber discernir aquelas sensações diferentes. — Serei a
criatura mais sortuda do mundo.
Respondi com um pequeno gemido. Apesar de não saber se concordava
com ele, acreditei em suas palavras e me senti uma mulher de verdade,
atraente e poderosa. De olhos fechados, tentava senti-lo ao máximo, pois
queria absorver cada sensação da maneira correta, para depois definir o quê e
como eu gostava mais.
Os seus dedos começaram a se aprofundar lentamente e tentei não ficar
apreensiva com o resultado. Não houve dor, apenas um leve desconforto,
talvez porque era uma parte inabitada de mim mesma. Com o polegar ele
começou a movimentar a parte sensível e saliente, arrancando-me ofegos,
fazendo-me abraçá-lo para tentar conter o impulso que levava o meu corpo a
se contorcer.
— Jean... — murmurei em forma de gemido, perto de seu ouvido. Deu
para sentir quando a sua pele se eriçou diante da minha voz. Gostei tanto
daquele efeito que sorri, regozijada.
Aquele instante muito me lembrou do sonho que tive há algumas
semanas, naquele mesmo local e na mesma situação, porém as emoções me
pareceram muito maiores e mais profundas, certamente porque se tratava de
um momento real, verdadeiro. Eu me contorci em seu abraço, sendo
fortemente amparada pelo Jean.
Quando ele juntou um segundo dedo ao primeiro, para me penetrar em
uma largura mais ampla, soltei outro arquejo sonoro. O desconforto se
intensificou, mas me propus a não parar e não tecer qualquer reclamação a
respeito, até porque o prazer que eu sentia era maior do que qualquer outra
coisa.
— Você está quase pronta... — ele sussurrou, rouco, com resquícios de
desespero em seu timbre desejoso.
Segurei o seu rosto, obrigando-o a me encarar de muito perto.
— Eu estou pronta, Jean.
Um grunhido escapou entre os seus lábios e ele voltou a me beijar com
ardência, inclinando-se até ser possível me fazer deitar sobre a beirada da
tina. Não estávamos em uma situação exatamente confortável, já que a
superfície rochosa era um pouco fria em contato com a minha pele, porém o
calor que emanava de seu corpo era suficiente para me deixar bem
aconchegada.
Chegou inclinou o seu corpanzil sobre mim e foi naquele momento que
percebi que estava nu, com o seu órgão masculino rígido, engrandecido,
como mencionou que ficava toda vez que estava excitado, pronto para se
enfiar em mim. Não havia tempo ou conforto, porém não me importei. Sentia
que, se não fosse naquele momento, nenhum outro seria tão ideal, tão perfeito
para aquilo.
Jean sabia o que eu tanto queria, mas hesitou um pouco antes de tocar o
seu mastro perto de minha entrada. Ele se apoiava com os joelhos e as mãos
ao meu redor, e nossos corpos úmidos pela água se tornou uma adicional
fonte para o meu desejo. Sua respiração alta me atiçava, seu cheiro sempre
bem-vindo me envolvia, tudo dele parecia propicio para o sexo, para a
intensidade, para a mais pura emoção.
— Não hesite — pedi em um sussurro, tocando-o no rosto novamente.
— Oh, Sabine... — ele, então, encostou o seu órgão em mim e fechei os
olhos, um pouco aflita. Prendi a respiração como se aquele fosse um longo
mergulho, mas tão logo ele começou a me invadir, precisei soltar o ar dos
meus pulmões.
Aos poucos, Jean foi me preenchendo, milímetro a milímetro, com
tanta calma que eu já não sabia mais o que pensar. Todo o meu juízo era
removido conforme me sentia preenchida por todo o seu tamanho e grossura.
Abracei-o com força para conter as pontadas de dor que senti, e logo ele
continuou com as carícias e beijos em meu ombro e orelhas. Senti que aquela
atitude me deixava mais tranquila e mais relaxada, permitindo a sua invasão
com uma facilidade cada vez maior.
— Sabine... — o gênio resmungou o meu nome e procurou pelos meus
lábios como se precisasse deles para prosseguir. Voltamos a nos beijar e
percebi o quanto o beijo era importante e fazia todo o sentido em um instante
como aquele.
Fiquei tão disposta a recebê-lo por completo que o abracei com as
pernas e o puxei para mim de uma vez. Foi naquele momento que senti
alguma coisa se rompendo dentro de mim, como um estalo, e senti tanta dor
que quase o mordi. Precisei afastar a sua boca e mordi a parte interior de
minhas bochechas na intenção de conter as lágrimas que se formaram.
Jean parou e me encarou com espanto.
— Você está bem? — questionou, um tanto exasperado, com os olhos
abertos pelo susto. Ele não se moveu, permaneceu quieto e ainda dentro de
mim. A dor se tornou suportável com aquela quietude. — E-Eu... Céus,
Sabine, não me puxe assim novamente, entrei em você todo de uma só vez.
Soltei um longo suspiro, mantendo-me tão imóvel quanto ele.
— Não pare — choraminguei, em uma onda de coragem. Eu estava
com medo, mas também me sentia repleta. Dor não foi a única coisa que senti
e, no fundo, foi bom tê-la sentido. Na minha cabeça não fazia sentido, mas
aquele não era o momento de buscar explicações coerentes.
— Tem certeza? — falou suavemente, plantando um beijo curto em
meus lábios.
— Continue... Por favor — pedi em um tom suave, voltando a manter
a calma para prosseguir.
Jean fez um movimento curto para trás e fui envolvida por uma
sensação diferente. Depois que se enterrou mais uma vez dentro mim, soltei
um gemido e me contorci, imersa tanto na dor quanto no prazer. Eram
opostos tão grotescos que jamais imaginei que pudessem estar juntos em uma
única situação.
O gênio seguiu em um movimento lento, suave, e também invasivo,
intenso, cadente. Eu não sabia se chorava, se gemia ou gargalhava conforme
mais sensações diferentes me invadiam sem piedade. Apesar de ter
diminuído, a dor me acompanhou em cada segundo, como se fizesse parte do
ritual. Por um momento acreditei que mamãe tivesse razão, no fim das
contas. Sexo doía, sim. Mas toda vez que o Jean começava a me beijar eu
percebia que ela estava completamente enganada.
Doía, sim, não havia dúvidas. Mas era delicioso. Eu quase não
conseguia lidar com os gestos do gênio; com seus gemidos, suspiros, toques,
cheiros, com seu gosto, tudo. Absolutamente tudo.
Eu me mantive encantada com o simples fato de ele estar dentro de
mim.
— A sua dama de companhia está prestes a entrar na sala de banho —
o gênio murmurou de um jeito sofrido, encarando-me com uma expressão
atordoada. Sua voz quase não saiu devido à respiração entrecortada.
— Oh, não... — ofeguei, decepcionada com aquela informação tão
cruel.
Seus braços me envolveram mais e ele saiu completamente de mim, e
logo um vazio terrível se tornou presente entre as minhas pernas. Jean me
puxou para si, deixando-me sentada, de frente para ele, sobre o seu colo.
Ficou me olhando atentamente, como se admirasse a visão. Tocou em meus
braços com calma, subiu pelo pescoço e segurou o meu rosto entre suas
palmas aquecidas.
Ouvimos pequenas batidas na porta. Fiz uma careta, que foi
reproduzida pelo gênio. Não era a nossa intenção encerrar a entrega tão cedo.
— Não terminamos — afirmei, aquiescendo e juntando a nossa testa.
Ele soltou um riso capaz de me deixar completamente arrepiada.
— Sequer começamos, Sabine.
— Ao menos agora sei que você cabe em mim — tentei me manter
positiva, ainda que não soubesse exatamente o que achar do que acabamos de
vivenciar.
Nós dois rimos juntos por causa de minhas palavras.
— A dor vai passar com o costume — explicou, separando um pouco
os nossos rostos para continuar me observando. — Restará apenas prazer, não
se preocupe.
— Não estou preocupada — admiti, sem saber se era uma mentira.
Naquele momento não me pareceu. — Quero novamente. Quero muito
mais...
Ouvimos mais batidas na porta.
— Vossa Alteza? — a voz da Naná chamou, abafada pela madeira.
Jean me deu um beijo rápido, curto e molhado.
— Você terá absolutamente tudo o que deseja, Sabine — assim que
falou aquelas palavras de um jeito que me deixou muda, estarrecida, ele nos
girou e então me percebi sentada sobre a beirada da tina. Antes de
desaparecer, o gênio ainda murmurou, de um jeito quase inaudível: — E eu
também.
Quando o último resquício brilhoso sumiu por completo, abri um
largo sorriso de contentamento. Aquele foi o instante mais louco da minha
vida, porém, ainda que tivesse sido curto demais, não o teria trocado por nada
no mundo.
Curiosa, olhei para baixo a fim de conferir se alguma coisa havia
mudado em meu órgão feminino. Confesso que levei um susto ao perceber
um pouco de sangue entre as minhas pernas. Mais um ponto em que mamãe
tinha razão: havia mesmo a presença de sangue. Porém, jamais me senti tão
contente com aquele líquido escarlate contrastado com a minha pele.
Enfiei-me de volta à tina, com o intuito de me limpar, e permiti a
entrada da Naná, que já havia me chamado e batido na porta pela terceira
vez.
CAPÍTULO 26

Ao longo do caminho entre a sala de banhos e os meus aposentos tenho


absoluta ciência de que não consegui conter um largo sorriso. Madame Naná
estranhou a minha alegria tão nítida, porém não fez qualquer comentário,
provavelmente porque ainda estava com pressa. Fui deixava em meu quarto
com a recomendação de que deveria descansar até chegar a hora apropriada
para começar a me arrumar; a dama de companhia retornaria para me ajudar a
ficar bem apresentada para aquela noite especial.
Deitei-me no leito sem disfarçar o contentamento, mal acreditando no
que havia acabado de acontecer. Claro que estava um pouco apreensiva, por
isso conferi por baixo do vestido se eu ainda sangrava, logo constatando que
não. Era difícil compreender como aquilo funcionava, mas devia ser diferente
das regras mensais. Ainda assim, achei por bem usar uma ceroula feita com
um tecido mais grosso, para que qualquer resquício de sangue fosse contido e
não manchasse as demais vestes.
Foi quando repousei a cabeça sobre o amontoado de mantas que me
lembrei da lâmpada mágica. Costumava escondê-la embaixo dos tantos
tecidos nas horas de sol, por este motivo os removi na intenção de pegá-la.
Suspirei de alívio ao notar que o artefato ainda estava ali, intacto e radiante
como sempre. Uma forte intuição me dizia que papai estava à sua procura, o
que me fez pensar que talvez ele soubesse da existência do gênio. Precisava
me lembrar de ter aquela conversa com o Jean, pois, se existia alguém que
poderia me trazer respostas essa pessoa era ele.
Devolvi a lâmpada ao seu esconderijo e, após relembrar os bons
momentos vivenciados, plena de felicidade, o cansaço finalmente me venceu.
Consegui dormir por algumas horas até ser acordada pela Naná, que
questionava ao vento quem poderia ter me presenteado com tanto bom gosto.
Sua observação me fez abrir os olhos de vez e me levantar em expectativa, já
com um sorriso imenso aberto.
Vi a Naná segurando um longo vestido vermelho-vivo e acredito que
jamais havia colocado os meus olhos sobre uma peça tão bonita, elegante e,
ao mesmo tempo, sensual. Apesar de possuir as mangas longas, deixava os
ombros à mostra e parecia que caberia perfeitamente em meu corpo. O meu
sorriso se alargou enquanto me aproximava de uma eufórica dama de
companhia.
— Não há qualquer bilhete. A senhorita imagina de quem foi? —
perguntou, tão entusiasmada quanto eu, enquanto manejava o tecido de
aparência pesada.
Embora imaginasse perfeitamente de quem havia sido aquele presente,
não queria chamar a atenção da Naná, portanto acabei balbuciando:
— Não faço a menor ideia.
— Certamente foi de um dos príncipes. De qualquer forma nem mesmo
o vestido que encomendei com a Catherine seria páreo para este —
prosseguiu Naná, mencionando a melhor modista de Herlain. — A senhorita
precisa usá-lo.
— Claro que irei usá-lo, Naná! Sequer quero ver o que a Catherine
preparou — apontei para o reconhecível embrulho sobre um dos móveis do
quarto, recém-trazido pela Naná, enquanto ríamos de minhas palavras. Ali
dentro com certeza estava o vestido que encomendara.
Foi com muita alegria e entusiasmo que me troquei, daquela vez sem
fazer qualquer reclamação a respeito do peso da coroa ou das joias. Fiz
questão de evidenciar o colo exposto com um colar de rubis que combinava
com o vestido, além de um par de brincos mais ousados. Não me importei de
parecer exagerada; naquela noite eu queria brilhar porque era assim que me
sentia por dentro. Sentia-me incandescer.
Quando fiquei pronta mal pude acreditar na imagem que eu via no
espelho. Pela expressão da Naná, ela também tinha ficado contente e
orgulhosa com o seu serviço. Jamais havia me sentindo tão bonita, por isso
ganhei doses de segurança, firmeza e coragem para ter uma noite
maravilhosa. Fiquei animada até mesmo para as exaustivas danças as quais
seria submetida.
Percebi todo e qualquer olhar que se dirigiu em minha direção até
alcançar o salão principal do castelo. Nem mesmo os guardas reais
conseguiram disfarçar a admiração, cheguei até a receber um piscar de olhos
e um sorriso cúmplice do Efraim, que naquela noite provavelmente tinha sido
remanejado por causa do noivado.
Sentia-me tão esplendorosa que adentrei o salão com a cabeça erguida,
tratando de cumprimentar os membros da realeza com um leve acenar, por
um instante me sentindo tão majestosa quanto a mamãe. Ao me sentar no
trono, percebi que ela vinha logo atrás com a sua pequena comitiva de
serviçais. Percebi a sua expressão fechada em minha direção e já me preparei
para ser rechaçada. Eu não sabia o que havia de errado em mim, mas ela
certamente encontraria algo e faria questão de me diminuir.
— Sabine, você perdeu o juízo? — ela falou em um tom mais baixo
enquanto subia os quatro degraus que terminariam na área do trono. Colocou-
se na minha frente e precisei erguer a cabeça para vê-la.
Estava deslumbrante, como sempre, embora eu considerasse o seu
visual muito fechado, nada ousado e demasiadamente sóbrio. Claro que a
rainha precisava demonstrar seriedade e requinte, mas me perguntei se tudo
aquilo não era um exagero ou até mesmo certa falta de emoção.
— Quem te autorizou a usar um vestido desses? Sua pele está toda
exposta! Que horror! — a sua expressão denunciava uma decepção tão
grotesca que, em vez de dar de ombros e recuar, mantive-me ereta. Não era
possível que ela estivesse falando sério. — Vá trocar este vestido antes que
mais pessoas a vejam assim. Imagine se o seu pai...
— O meu pai certamente irá gostar do meu vestido — interrompia-a,
convicta, sem deixar de encará-la. A verdade era que eu já estava farta de
seus sermões e de tanta implicância. — Assim como todos que me viram.
Os seus olhos se estreitaram, trazendo mais terror à sua expressão.
— Não ouse me desobedecer, Sabine — mamãe resmungou em um tom
que eu sabia que significava um grande alerta vermelho. Talvez isso tenha me
feito erguer do trono, pronta para ir embora e fazer o que ela tanto queria,
completamente vencida pelo cansaço. — E seja rápida, é deselegante que se
atrase.
Contudo, ao olhar pelo salão e reparar a presença do Jean do outro lado,
interagindo graciosamente com os membros da corte, estacionei. Toda a
coragem de antes me invadiu com tamanha força que precisei respirar fundo.
— Eu não vou — defini, voltando a encarar a Rainha Alexandra. Ela
piscou algumas vezes, incrédula. Jamais enfrentei a fúria da minha mãe
daquela maneira tão clara e definitiva. — Se Vossa Majestade não gosta do
vestido, sinto muito. Mas eu gosto e sou eu que estou usando.
— Seus maus modos são inacreditáveis, Sabine. Não tire a minha
paciência em uma noite tão especial para a sua irmã. Remova já este vestido
de concubina e retorne o quanto antes — ela falou de uma maneira rígida e
com ainda mais firmeza, depois se virou na intenção de se afastar, como se o
assunto estivesse dado por encerrado.
Não hesitei em avisá-la.
— Não vou retirá-lo. — Mamãe tornou a me encarar, daquela vez ainda
mais incrédula. — Se me recordo bem a própria Sarah usou um modelo
parecido há algumas noites. Para ser sincera creio que havia ainda mais pele
exposta e a senhora nada falou — aproximei-me dela porque percebi que
alguns serviçais estavam acompanhando aquela pequena discussão.
Completei, em um tom baixo, porém seguro: — Se me odeia tanto assim é
melhor apenas que me ignore. Estou farta de ter sempre o seu dedo apontado
para os meus defeitos. Antes de me julgar a senhora deveria procurar saber o
motivo para tanta amargura.
— Como ousa...? — resmungou quase como um pequeno rosnado.
— Se me der licença, Majestade — fiz uma reverência educada e sorri
para que ninguém mais percebesse o péssimo clima instalado sobre o trono.
— Irei socializar com pessoas mais alegres e que sabem ver o lado belo das
coisas.
Assim que desci os degraus, sem esperar por qualquer resposta da
Rainha, senti-me tão sufocada que decidi me retirar do salão. Embora o
espaço estivesse muito bonito e organizado, com arranjos de flores e voais
por toda parte, havia muitas velas e candelabros acesos, causando-me certa
vertigem.
Caminhei a passos rápidos até o jardim mais próximo e me apoiei em
uma enorme pilastra rochosa. Respirei fundo, contendo a vontade de chorar.
Encarar a mamãe demandava sempre um enorme esforço emocional e me vi
fragilizada, porém não o suficiente para ceder aos seus caprichos.
— Você foi muito corajosa — ouvi a voz do Jean saindo por trás da
pilastra e em um segundo ele se colocou na minha frente. — Por um instante
achei que ela fosse esbravejar na frente de todos.
Nós dois rimos de leve. Eu continuei um pouco nauseada, sem ar.
— Se não estivéssemos em público ela certamente esbravejaria.
— Não duvido. A sua mãe é como as paredes deste castelo — daquela
vez ele riu sozinho, pois a sua comparação não foi capaz de me fazer sentir
graça, muito pelo contrário, fui acometida por uma pontada de tristeza. —
Mas se quer um conselho... Não acho que deva ser tão severa com ela.
— Acha que fui? — encarei-o com certa irritação, mas logo minhas
expressões suavizaram. Jean estava tão lindo naquelas vestes de baile que foi
impossível não melhorar o humor. Ainda não conseguia acreditar no que
havíamos feito na sala de banhos. — Talvez considere assim porque não
vivenciou anos de julgamentos.
— Talvez — ele se limitou a dizer, depois passou a me olhar com
bastante atenção. — A senhorita está bem?
— Estou, sim — sorri para ele, amenizando o clima. De repente passei
até a respirar melhor. — Estava ótima antes de mamãe ter aparecido, mas
estou bem de novo agora. Ela queria que eu trocasse o vestido... A propósito,
muito obrigada. Ele é lindo e cabe perfeitamente em mim!
O gênio fez uma careta imersa na confusão.
— Alguém lhe presenteou com este vestido? — ele apontou para mim.
— Achei que tivesse sido você... — olhei para baixo, sem acreditar que
não havia sido o Jean. De que maneira ele me caberia tão bem? Se não foi ele
o presenteador, quem haveria de ser? — Tem certeza de que não foi você?
— Claro que tenho, Sabine — ele riu um pouco, mas percebi resquícios
de chateação em seu semblante. — De toda maneira quem o fez tem bom
gosto. A senhorita ficou tão linda que a minha única vontade é de removê-lo.
Olhei-o, um tanto assustada com a forma crua como usou as palavras.
Jean estava cada vez mais ousado comigo e, por dentro, eu estava realmente
adorando, embora por fora ainda precisasse manter a pose de princesa
respeitável.
— Isto é algo que você pode fazer com um estalar de dedos —
murmurei em retorno, sentindo as minhas bochechas esquentarem. Ainda
considerava esquisito trocarmos aquele tipo de insinuações, embora,
confesso, elas me deixassem completamente excitada.
O calor já tomava o meu corpo quando ele se aproximou um passo e
sussurrou:
— A senhorita não imagina o esforço que estou fazendo para não
estalar os dedos agora mesmo.
— Jean... — arquejei o seu nome de um jeito sôfrego, tomada pelo
desejo que a sua presença sempre me incitava.
— Mais tarde — ele disse apenas, afastando-se completamente em vez
de me tomar em seus braços, conforme a minha vontade naquele momento.
O gênio piscou um olho, depositou as mãos dentro dos bolsos e saiu
caminhando disfarçadamente ao longo do jardim, como se nada demais
tivesse acontecido. Foi o tempo exato para que Madame Naná surgisse de
dentro do castelo, pedindo milhões de desculpas pela sua ausência
momentânea e perguntando se eu me sentia bem. Sinceramente eu sequer
havia percebido que ela não estava em meu encalço, mas fiquei agradecida
quando percebi que Naná não havia presenciado a triste situação com a
Rainha Alexandra.
Voltei para o interior do castelo, percebendo que muitos já dançavam,
bebiam e se confraternizavam. Foi enquanto passava pelas pessoas que senti
uma mão segurando a minha. Quando me virei dei de cara com o Príncipe
Leopoldo, que logo abriu um sorriso que considerei bonito. Os seus olhos
azuis estavam mais brilhantes que o normal, por isso passei algum tempo os
admirando, período suficiente para que ele ganhasse liberdade de me tirar
para uma dança.
— Você está linda, Princesa — ele disse logo que nos unimos para
iniciarmos os primeiros passos. Alguns músicos tocavam divinamente em
seus instrumentos uma canção alegre e dançante. — E muito cheirosa
também.
Príncipe Leopoldo certamente era o mais cheiroso dos príncipes, com
exceção, talvez, do Jean, porque eu adorava o odor que exalava do gênio em
um nível tão forte que até o cheiro natural de sua pele me atraía. Eu não
possuía a intimidade necessária com o Leopoldo para saber se ele cheirava
bem sem aquela água de banho que deveria ter sido bastante cara.
— Obrigada, o senhor também.
— A senhorita deveria usar maquilagem mais vezes. Sua pele está
ótima com a ausência das sardas — comentou logo em seguida, girando-me
no meio do salão.
No mesmo instante tive vontade de encerrar a dança, porém me forcei a
continuar porque não sabia bem como fugir sem ser indelicada, por mais que
ele merecesse. Leopoldo se manteve sorrindo, certamente porque não
compreendia o quanto o seu comentário havia sido infeliz.
Ele achava que tinha me elogiado, mas na verdade só julgara minha
aparência verdadeira como se apenas ela não fosse o bastante. Eu estava
cansada de me considerar insuficiente para os outros. O trabalho da Naná fora
fantástico, sem dúvidas, e em dias de festa achava ótimo usar maquilagem,
mas não gostaria de ser julgada por aquele homem de novo. Nem por
ninguém mais. Eu ainda não esqueci o seu comentário a respeito de minhas
orelhas.
— Que bom que o resultado o satisfez — comentei, pensando em uma
nova estratégia para lidar com o Príncipe Leopoldo. Estava na hora de revidar
as emoções controversas que ele me causava. — Posso emprestá-la, se
desejar. Vejo que há algumas imperfeições em sua pele facial.
Como esperado, ele fez uma enorme careta.
— Imperfeições? Onde?
— É indelicado que eu as aponte, não acha? — questionei com um
sorriso de satisfação. O meu comentário o deixou atordoado do jeito que eu
queria. Leopoldo era do tipo vaidoso e orgulhoso de si. — Não é um bom
momento.
— Decerto. Talvez queira apontá-las quando estivermos a sós, mais
tarde — ele balbuciou depois de se inclinar perto do meu ouvido.
Abri bem os olhos, pois já estava esquecida, pela segunda vez, que
havíamos marcado um encontro após a dança dos noivos. Fiquei tão
assustada que permaneci muda por vários instantes.
Precisei de muita coragem para prosseguir com o meu intento:
— O senhor não me traz muito desejo de encontrá-lo. Temo que
julgue mais imperfeições na minha pele.
Leopoldo se afastou para me encarar. A sua expressão podia ser
pintada, emoldurada e exibida em um dos salões de arte do castelo. Eu a veria
algumas vezes por dia com bastante entusiasmo.
— Oh, Sabine, perdoe-me. A senhorita me julgou errado, não foi
minha intenção apontar imperfeições — falou de um jeito atribulado, quase
atropelando as palavras. O seu rosto ficou tão vermelho que ele me pareceu
realmente sincero. De repente, abaixei a guarda. — Eu a considero perfeita.
— Não foi o que pareceu — ainda assim, insisti. Precisava me impor
se quisesse realizar uma escolha adequada. — O senhor parece gostar de me
diminuir, começando pelas orelhas que, sinceramente, não são pontudas —
desabafar aquilo me fez perceber o quanto suas palavras haviam pesado em
meu discernimento a respeito de mim mesma.
— Sabine, eu...
— Se quiser permanecer na jogada, Príncipe Leopoldo, aconselho que
aprenda a me tratar melhor — conforme as palavras saíam de minha boca,
mais me sentia aliviada e chateada, de forma que percebi que era impossível
continuar dançando com ele. Paramos no meio do salão, face a face. —
Nunca mais se ache no direito de me julgar ou diminuir.
Mal acreditei naquela capacidade que adquiri de não desviar o rosto
enquanto soltava verdades entaladas em minha garganta. Eu poderia me
acostumar com aquilo. Havia muitas pessoas ao meu redor que estavam
precisando de boas doses de realidade.
— Não foi a intenção, Sabine — ele disse novamente, segurando os
meus ombros. — Eu juro. — Voltei a me afastar, porém ele insistiu em
segurar a minha mão e me puxar para si com leveza, retomando a dança.
Deixei-me ir porque não soube como reagir tão depressa. — Vamos esquecer
este incidente, por favor. O que importa é que a senhorita é linda e ficou
ainda mais com esse vestido. Eu sabia que seria uma boa escolha.
Os meus olhos se abriram automaticamente ao me dar conta do que
Leopoldo acabara de dizer.
— Foi... Você quem me presenteou?
O Príncipe abriu um daqueles sorrisos que arrancavam qualquer
fôlego. Infelizmente, eu não estava imune aos seus encantos aparentes.
— Claro. O meu modista particular o confeccionou depois que
consegui as suas medidas com as serviçais de costura — continuou sorrindo,
galante, visivelmente orgulhoso de seu feito. — Ficou como imaginei.
Trouxe este tecido das minhas terras — tocou ao longo de uma das mangas e
não pude deixar de sentir um calor diferenciado percorrer o meu corpo. —
Você gostou?
— S-Sim. C-Claro, é lindo — murmurei, sem deixar de olhá-lo. Eu
não podia permitir que um presente dedicado como aquele me fizesse
esquecer os julgamentos de Leopoldo, porém confesso que fiquei balançada
com a sua atenção para comigo. — Muito obrigada. É a peça mais bonita que
já vesti.
Ele me respondeu com um enorme sorriso, puxando-me ainda mais
para si.
— Não vejo a hora de encontrá-la mais tarde. Eu a beijaria aqui
mesmo se fosse permitido — ele murmurou perto do meu ouvido. Ainda que
eu não quisesse, o meu corpo reagiu e os pelos se eriçaram em um calafrio
eletrizante.
Sentir o seu cheiro tão de perto me deixou confusa, como se alguma
coisa estivesse fora de tom. Ao mesmo tempo em que ele me atraía, também
me sentia esquisita por me sentir daquela forma; era como se fosse muito
errado. Leopoldo era um homem complicado de entender. Eu ainda não sabia
que tipo de pessoa ele era, fato que me incomodava com certeza. Por outro
lado, ele também era capaz de me deixar excitada e poucos príncipes tiveram
essa chance comigo.
— As minhas expectativas estão altas — falei com sinceridade,
aproveitando aquela nova onda de coragem e ousadia que começava a fazer
parte de mim. — Não me decepcione.
— Garanto que não a decepcionarei — ele disse, afastando-se um
pouco, talvez por ter percebido que estava passando dos limites no contato
físico. Do trono, mamãe já deveria ter percebido este fato, se a conheço bem.
Não que naquela noite a opinião dela me importasse.
A música encerrou e finalmente pude me afastar sem sermos julgados
pelas pessoas que por ventura estivessem acompanhando os nossos passos.
Fiz uma curta reverência e Príncipe Leopoldo correspondeu com
outra.
— Mais uma vez, perdoe-me, Princesa Sabine.
— Está certo.
Caminhei na direção do trono porque não sabia para onde seguir sem
parecer uma tola. Estava um pouco atordoada e fiquei ainda mais quando os
meus olhos encontraram os do Jean no meio do salão. Senti-me tão fora de
contexto, tão envergonhada e errada que precisei arquejar.
Eu não sabia se teria coragem de encontrar o Príncipe Leopoldo. Nem
mesmo se possuía alguma vontade. Mas, se não fosse daquela forma, de que
outra poderia fazer uma escolha? Se eu não gostasse do beijo ele seria
descartado sem qualquer remorso. Mas se me fizesse sentir alguma coisa...
Talvez houvesse uma chance. Eu precisava me permitir sentir emoções por
um príncipe possível, um que realmente estivesse ali porque queria me
desposar.
Fazer do Jean a minha prioridade emocional e corporal não era um
caminho inteligente.
CAPÍTULO 27

A minha irmã estava radiante enquanto circulava pelo salão junto ao


Príncipe Augusto, cumprimentando os convidados. O seu vestido era bufante,
branco e com detalhes rendados em dourado, bastante virginal. Como eu, ela
também resolvera abusar das joias e estava brilhando como deveria. O seu
sorriso resplandecia de felicidade ao vivenciar aquele momento único. Tentei
não me sentir mal por ser a irmã mais velha que vê a mais nova se casar
antes, porque, no fim das contas, estava realmente contente por ela e ninguém
mais ousava questionar a minha falta de dotes na arte da conquista.
Como previsto, fui requisitada a dançar com praticamente todos os
homens do salão, o que só me fez ter certeza quanto a minha escolha a
respeito dos príncipes que seriam mandados embora. Todos os que estavam
na lista dada ao papai eram chatos, entediantes ou simplesmente não
conseguiam manter uma conversa atraente. Já o Stephen, de quem mantinha
certa dúvida, mostrou-se de fato ser um homem inteligente e agradável. Mal
acreditei quando entramos em uma conversa sobre livros, que ele mencionou
sentir bastante apreço.
— Os meus favoritos são os que falam sobre guerras e histórias antigas
— disse em um tom educado que lhe era inerente. Stephen era alto, robusto e
seus olhos tinham uma coloração cinza muito interessante. O seu reino era
um dos mais promissores do Continente, logo, eu sabia que ele não viera a
Herlain à procura de riquezas. — E os da senhorita?
— Tenho um gosto especial pela Mitologia — murmurei, sendo
rodopiada em um passo que me fez rir. Stephen, talvez pela primeira vez
desde que nos conhecemos, abriu um sorriso. Eu o achava tão sério, às vezes.
Não sabia que conseguiria estar com alguém sem senso de humor, por isso
achei ótimo vê-lo tão alegre. — Há uma biblioteca em seu castelo?
— Talvez a maior do Continente. Ficaria feliz em mostrá-la à senhorita.
— E eu, de conhecê-la — a possibilidade de fazer uma viagem ao
Continente me deixou ainda mais animada, ainda que parte daquela animação
fosse proveniente das taças de vinho que ingeri entre uma dança e outra.
De repente, a música parou completamente, antes de ser concluída, e
paramos também de dançar, sem saber o que havia acontecido. Olhamos para
todos os lados à procura de uma explicação e encontrei o Príncipe Augusto ao
lado da minha irmã e do papai, dispostos lado a lado na área do trono. Os
convidados pararam o que estavam fazendo e fizeram silêncio antes mesmo
que o Rei Cedric solicitasse.
— Senhoras e senhores, é com bastante alegria que declaro que a minha
filha mais nova, a princesa Sarah, será desposada no próximo dia quinze — o
meu pai bradou em pleno contentamento. A data do casamento finalmente foi
escolhida para dali a duas semanas e todos aplaudiram em uníssono.
A minha irmã sorria como se fosse explodir de alegria. Já o Príncipe
Augusto parecia sério demais, o que para mim soou estranho. Será que não
gostou da escolha da data? Continuei olhando para ele enquanto o meu pai
falava sobre o tamanho de sua felicidade e das maravilhas de Herlain. O
Príncipe continuou bastante sério, não relaxando o semblante nem mesmo
quando foi convocado para uma dança especial com a Sarah, a se realizar no
centro do salão.
— Tem alguma coisa errada — balbuciei para mim mesma, porém o
Príncipe Stephen se inclinou na minha direção.
— O que disse?
— Nada — abri um sorriso tímido e ele voltou a prestar atenção no que
acontecia.
As expressões esquisitas de Augusto não passaram despercebidas por
mim, ainda que em alguns momentos ele tivesse ensaiado um sorriso, talvez
para não chamar mais atenção sobre si e causar nos outros as mesmas dúvidas
que em mim causava. Eu não fazia ideia do que poderia ter acontecido, mas a
certeza de que algo estava fora do lugar prevaleceu em meu peito, causando-
me bastante desconforto.
A dança foi realizada com muita desenvoltura porque, eu sabia, ambos
haviam ensaiado exaustivamente. Assim que os últimos acordes ressoaram, a
plateia aplaudiu com entusiasmo e os noivos se voltaram para todos mais
uma vez. Achei que falariam alguma coisa, mas o Rei se adiantou e bradou:
— Que se inicie a comemoração!
Gritos e aplausos ressoaram. Não havia um só convidado que já não
estivesse comemorando o noivado naquele momento, mas certamente o
consumo de vinho seria triplicado, bem como o de alimentos. O salão de
jantar estava em fervorosa, com mesas e mais mesas exibindo o melhor da
culinária herlainense.
Eu me lembrei do compromisso marcado para aquele momento e o meu
corpo inteiro retraiu. Ainda não havia tomado uma decisão quanto ao
Príncipe Leopoldo. A sua beleza não podia ser o único motivo para me levar
àquela sala, do contrário eu estaria seguindo um caminho completamente
oposto aos meus princípios. Sendo assim, em vez de me direcionar para o
local combinado, despedi-me do Stephen e me dirigi para uma varanda mais
distante do salão. Precisava de privacidade e de um pouco de ar fresco para
pensar melhor em como agir.
Esgueirei-me no parapeito rochoso e logo visualizei o jardim abaixo,
recordando-me que aquela varanda era a mesma em que Jean e eu nos
beijamos pela primeira vez. Parecia que haviam se passado séculos. Desde
então, sofri uma mudança tão brusca em minha maneira de ser que aquela
Sabine de antes nem parecia que era eu.
Sorri ao me lembrar dos lábios macios e saborosos do gênio, embora eu
devesse estar refletindo sobre Leopoldo. Senti alguém se aproximar e me
virei, achando que se tratava do Jean, mas me enganei totalmente. O próprio
Príncipe Leopoldo se aproximava com uma expressão séria.
— Não me lembro de termos marcado aqui — ele apontou para a
varanda e deu alguns passos até ser possível usar o parapeito como apoio. —
Desta vez resolvi segui-la com discrição para não correr o risco de ser
deixado para trás novamente. — Continuei o olhando, sem saber o que dizer.
Estava com receio e um pouco envergonhada por ter sido descoberta. — A
senhorita pretendia, de fato, não me encontrar, estou certo?
Encarei o chão, sentindo o meu rosto esquentar de constrangimento.
— Não queria fazer nada que pudesse me deixar arrependida depois —
confessei em um murmúrio sincero, evitando encará-lo.
— Por que acha que se arrependeria? Já admiti os meus sentimentos
pela senhorita e não creio que beije mal — ele riu um pouco, talvez para
amenizar o clima tenso ou para, sabe-se lá, exibir-se. Claro que ele já deveria
ter beijado outras mulheres antes. Pelo que compreendi, as regras se
aplicavam de maneira diferenciada para os homens.
— A verdade é que não sei se o senhor está mais interessado no reino,
ou em sua própria vaidade, do que em mim — soltei a realidade, tentando
não hesitar diante dele. Se eu queria fazer uma escolha deveria ser racional,
verdadeira e justa. — Não me esqueci das palavras trocadas em nosso
primeiro desjejum. Não pretendo mesmo ser o seu negócio, Leopoldo.
— Antes de qualquer coisa, eu gostaria de saber o que a senhorita
pretende — ele disse e, olhando-o de soslaio, percebi que me encarava com
atenção. Soltei um longo suspiro e, para não começar a me considerar uma
covarde, tomei coragem para ter aquela conversa cara a cara. Assim que
coloquei os meus olhos sobre os seus azuis senti o coração acelerar. — Qual
é o seu ideal de marido? Estou disposto a preencher os seus requisitos.
— Está disposto por causa das riquezas de Herlain — completei.
— Sabine, ninguém aqui sabe que o meu reino está, neste momento,
passando por apuros — daquela vez foi Leopoldo quem desviou o olhar,
parecendo genuinamente envergonhado. — Vim para tão longe com o intuito
de salvar as minhas terras, isto é verdade, porém encontrei uma mulher
interessante, por quem possuo boas intenções. — Abri a boca, chocada com
aquela confissão. Ninguém mesmo poderia imaginar que Leopoldo seguiu em
busca de uma saída para o seu povo. — Não quero enganá-la, meu objetivo
nunca foi mascarar o meu jeito de ser para deixá-la encantada. Eu sou um
pouco grosseiro e não tenho muito modos com mulheres. E, pelo que percebi,
falei coisas que a desagradaram.
— Sim. O senhor falou. E me tratar bem certamente é um importante
requisito.
— Prometo que não falharei mais neste sentido.
Dei de ombros. Uma brisa refrescante invadiu a varanda, trazendo-me
um pouco mais de calma e discernimento. Continuei o encarando e Leopoldo
finalmente voltou a grudar seus olhos brilhantes em mim. Ele era tão belo
que me deixava sufocada. Eu preferia não sentir aquelas coisas por ele,
sinceramente. Naquele caso, desejava ser a antiga Sabine, que sequer sabia de
onde provinha tanto calor. Seria mais fácil recuar se eu ainda fosse ignorante
a respeito de minhas vontades íntimas.
— Então o senhor não nutre sentimentos por mim, estou correta? —
questionei, tentando arrancar algum motivo para simplesmente sair correndo
daquela varanda.
— A senhorita me encanta — Leopoldo sussurrou em um tom tão baixo
que, ciente disto, resolveu se aproximar, colocando-se perigosamente perto.
— Eu sou fascinado pelo seu sorriso e pela forma como observa as coisas.
Gosto principalmente da sua forma de se impor. Tenho certeza de que o
tempo ficará ao nosso favor com relação aos sentimentos mais profundos.
Assenti, cada vez mais convicta de que deveria lhe dar uma chance.
Mas aquilo tudo poderia fazer parte de seus planos e eu ainda me mantive
atenta. Não podia me deixar levar por qualquer combinação de palavras. De
qualquer forma, Leopoldo tinha razão ao falar sobre o tempo. Ele era capaz
de revelar as verdadeiras faces.
Puxei todo o ar nos meus pulmões antes de falar:
— Não desejo que ultrapassemos os limites de um simples beijo. —
Leopoldo pareceu um pouco assustado, por isso ficou apenas me olhando,
sem nada dizer. Certamente ele não esperava que eu fosse tão sincera e
decidida. — Não me toque em partes íntimas e não se ache no direito de...
— Tudo bem, Sabine — ele disse, demonstrando certo
constrangimento. Ainda parecia assombrado com minha atitude. — Serei
respeitoso.
— Ótimo.
Ficamos nos olhando por alguns segundos.
— Posso? — questionou, confuso.
Assenti com a cabeça, já sentindo a minha respiração ser suspensa e o
coração bater de maneira descompassada. Leopoldo se esgueirou em meu
entorno e fechei os olhos para não ter que encarar aquela situação de frente,
por mais que tivesse prometido a mim mesma ser mais corajosa.
Quando os seus lábios se encostaram aos meus, delicadamente, pude
sentir aquele reconhecível calor invadir o meu corpo. Achei que ele fosse ser
um pouco mais eloquente, mas Leopoldo se afastou depois daquele breve
encostar e eu abri os olhos, piscando-os em confusão. Só? Como assim?
— E então, o que achou? — ele perguntou com um sorriso bonito.
Continuei piscando, atônita.
— Pode me beijar de verdade agora — as palavras saíram da minha
boca sem que eu raciocinasse muito. Soei um pouco irônica sem querer,
porém foi mais forte do que eu. Leopoldo fez uma careta cheia de malícia e
me puxou pela cintura, fazendo-me sentir ainda mais do seu cheiro e calor.
— Ótimo — murmurou antes de se debruçar novamente, invadindo a
minha boca com muito mais vontade e desejo.
Confesso que estranhei bastante aquele novo ritmo, o novo cheiro, a
nova dança que nossos lábios começaram a bailar. Achei tudo tão diferente,
ainda que não fosse ruim, que segurei a minha língua para que ela não
participasse. No entanto, Leopoldo usou a própria língua para fazer um
convite e não tive outra opção além de me permitir ao máximo. Suas mãos
me seguraram com mais força, então foi naquele instante que comecei a
realmente aproveitar.
Envolvi os braços ao redor de seu pescoço, trazendo-o para mais perto.
Leopoldo soltou um leve suspiro entre os meus lábios antes de retomar o
beijo, aprofundando-o a um nível intenso, repleto de sutilezas que me
deixaram confusa.
Um sentimento esquisito me invadiu e eu recuei imediatamente, sem
fôlego e sem saber o que pensar. Eu me senti mal por ter me deixado levar
daquela maneira e por ter, no fundo, gostado. Leopoldo não levou em conta o
meu afastamento, voltou a me tomar em seus braços e o que já estava confuso
se complicou. Eu não sabia o que teria feito se não tivéssemos ouvido uma
voz se aproximando da varanda:
— O senhor só pode ter enlouquecido! — ouvi a voz da Sarah e
petrifiquei. Se não fosse o Leopoldo, que nos empurrou para um canto
escondido e escuro da varanda, certamente para não sermos vistos sozinhos,
eu teria ficado no mesmo lugar. — Retire essas ideias de sua cabeça!
— Não sei se são apenas ideias — ouvi a voz séria do Augusto e fiquei
ainda mais rígida. Eles não haviam nos percebido ali, mas poderiam
facilmente se olhassem ao redor. Leopoldo me espremeu em uma parede
gélida e fez um sinal para que eu ficasse calada. — Aquele sujeito está
brincando com a sorte.
— Augusto... Meu querido... — Sarah se aproximou do seu noivo e
ergueu uma mão para tocá-lo na face. — Não existe nada. Ele está aqui atrás
da minha irmã e não de mim. — Arregalei os olhos, surpresa por ter sido
mencionada, e fiquei o mais quieta possível. Leopoldo respirava tão próximo
que o seu hálito atiçava a pele do meu pescoço. — Mesmo se existisse, é de
você que estou noiva, não dele.
Augusto decidiu, por fim, tocá-la de volta, porém se manteve mudo. Eu
continuei apreensiva, sem saber de quem eles estavam falando. Como se
tivesse lido os meus pensamentos, o meu futuro cunhado finalmente
comentou:
— Quero que fique longe deste Príncipe Jean. Não confio nele.
A menção daquele nome quase me fez gritar e eu poderia ter feito isso
se não tivesse levado uma mão à boca a tempo. Então toda aquela expressão
desgostosa do Augusto se devia ao fato de ele achar que o Jean, o meu Jean...
Ou melhor, o meu gênio, estava interessado na minha irmã? Aquilo era um
absurdo sem igual!
— Se o senhor assim deseja, tudo bem — Sarah falou, assentindo. —
Agora vamos voltar à festa antes que percebam que os anfitriões não estão
presentes. E, por favor, Augusto, pare de fazer essa expressão emburrada. As
pessoas daqui a pouco desconfiarão que o senhor está descontente com a
iminência do casamento.
— De modo algum — ele respondeu, sério, e então ambos se foram
sem sequer perceber a nossa presença, o que foi um grande alívio.
Leopoldo soltou um assobio estarrecido.
— Eu sabia que aquele Jean não era confiável. Muito misterioso e
sorridente — aprumou as próprias vestes, fazendo uma pose refinada.
Afastei-me com cautela para não provocar alardes, sentindo-me sufocada
com as informações recebidas. — Gostaria que a senhorita aproveitasse o
ensejo e também permanecesse distante dele. — Continuei me afastando,
atordoada. Eu não podia imaginar o Jean falando ou fazendo qualquer coisa
que indicasse qualquer interesse pela minha irmã mais nova. Só podia haver
um grande engano. — Sabine? A senhorita está bem?
— Vamos retornar ao salão — sugeri em um sopro de voz. — Já nos
arriscamos demais.
Leopoldo segurou a minha mão, obrigando-me a ficar de frente para
ele. Eu o encarei e tive sinceras vontades de colocar todo o vinho ingerido
para fora. Sabia bem que o problema não era aquele príncipe. O problema
sempre fui eu. Aquele maldito beijo havia sido bom e eu não estava sabendo
lidar comigo mesma.
— Quando nos encontraremos desta forma novamente?
— Eu não sei.
— Amanhã?
— Depois combinamos, Leopoldo — dei alguns passos para trás.
Balancei a cabeça em negativa, tentando fazer com que os meus olhos
parassem de ameaçar derrubar algumas lágrimas. — Vamos voltar antes que
alguém nos veja.
— Tudo bem.
Sem nada dizer, adiantei-me alguns passos para dentro do castelo e, ao
tomar uma distância segura do Leopoldo, comecei a acelerar gradativamente.
Passei pelas beiradas do salão principal, disposta a ignorar qualquer um que
se dispusesse na minha frente, até que me livrei de qualquer indício de
comemoração.
A festa, para mim, havia acabado.
CAPÍTULO 28

Mais cedo do que o previsto, Naná organizou o meu leito e me ajudou a


retirar o vestido para que, enfim, eu pudesse descansar. Já era tarde o
suficiente para que a minha ausência passasse despercebida e, caso ocorresse
o contrário, eu não pareceria indelicada por ter me recolhido.
O beijo trocado com Leopoldo, apesar de gostoso, confesso, não foi
memorável. O que eu não conseguia remover da mente, de fato, eram as
palavras trocadas entre a Sarah e o Augusto. Um lado consciente e ponderado
de mim não podia acreditar que o Jean em algum momento teve olhos para a
minha irmã. Mas havia outro lado, inseguro e desconfiado, que estava
tomado pela mais pura frustração. O simples pensamento de que poderia
existir algo entre os dois me deixava tão irritada quanto poucas vezes fiquei.
Revirei a lâmpada entre os dedos durante longos minutos, deitada em
minha cama e pensando, refletindo minuciosamente. Eu tinha certeza de que
alguma coisa estava fora do lugar, mas não sabia exatamente o quê e apenas o
próprio Jean poderia me dar uma resposta coerente.
Foi enquanto pensava nele que ouvi batidas na porta e, em um gesto
instintivo, guardei a lâmpada embaixo das cobertas. O meu coração acelerou
de imediato e foi o susto foi tanto que o meu corpo deu um pequeno pulo.
Não fazia ideia de quem se tratava e também não estava disposta a conferir.
Eu usava apenas a minha peça íntima e seria inadequado receber quem quer
que fosse dentro do meu quarto, ainda mais àquela hora e naquelas
condições.
— Não vai atender? — um segundo susto me acometeu quando o Jean
surgiu ao meu lado, deitado na cama e com os braços erguidos apoiando a
cabeça.
Levei uma mão ao peito.
— Lembra-se do que falei sobre aparecer de repente? — olhei-o, com
a respiração entrecortada e uma expressão chateada.
— Perdoe-me — ele se sentou e ficou me olhando. A nossa pequena
troca de olhares foi interrompida por mais batidas na porta. — Esse sujeito é
insistente — Jean revirou os olhos com impaciência e soprou, bufando. —
Não sei o que quer vindo aqui, mas certamente não é boa coisa.
— E posso saber de quem se trata?
— Princesa Sabine? — uma voz masculina, porém abafada, soou do
outro lado e infelizmente não consegui identificá-la. — Está acordada?
Jean e eu permanecemos mudos por alguns instantes, ambos
observando a madeira que compunha a porta se agitar um pouco a cada
batida, que iam sendo ignoradas uma a uma. Quem quer que fosse, desistiu
de me incomodar após um tempo. Eu não me dignei a atender pelo simples
fato de não estar disposta a diálogos complicados.
E isso incluía o gênio.
— De quem se tratava? Não reconheci a voz.
— Príncipe Augusto — Jean revirou os olhos mais uma vez.
O meu coração pareceu congelar com aquela informação, tudo
porque, novamente, lembrei-me da conversa na varanda. Ainda assim era
demasiadamente esquisito que o Augusto abandonasse a comemoração do
noivado para me procurar em meus aposentos na calada da noite. Será
possível que não poderia esperar até o dia seguinte?
— O que ele queria? — perguntei em um sussurro, com certo receio
da resposta.
Porém Jean apenas deu de ombros.
— Eu não sei.
O silêncio que se formou entre nós foi constrangedor. Havia uma
tensão, uma força sufocante que nos convidava a uma calorosa discussão ou,
talvez, ao sexo. O meu corpo se manteve em posição de defesa e ataque ao
mesmo tempo, de forma que não soube como agir ou o que dizer.
Era verdade que eu não desejava discutir com ele, já a segunda
opção...
— A senhorita está bem? — Jean questionou em um tom baixo e
melodioso, como se tudo aquilo o divertisse, embora me apavorasse.
Assenti de maneira que não deixou ninguém convencido.
— E o senhor? — joguei o questionamento de volta, já que ainda me
sentia incapaz de sair daquela inércia.
A verdade era que eu estava sendo tragada por aquele olhar marcante,
pelo seu cheiro e pela minha vontade de gritar com ele até que entendesse o
quando havia me magoado. O que não fazia o menor sentido, claro, porque
ele não me pertencia e porque eu duvidava de que seria capaz de seduzir a
Sarah. O gênio era naturalmente bom.
Ou isso ou eu tinha me enganado da pior forma possível.
Levantei-me da cama em um impulso, uma tentativa frustrada de me
afastar dele, visto que, caso continuássemos nos encarando daquela maneira
eu já sabia aonde chegaríamos e não tinha certeza se era um bom caminho.
— O que houve? — Jean se ajoelhou sobre o leito, encarando-me com
ar confuso e sério. — Parece chateada.
Soltei um suspiro, sentindo-me exausta. Eu não queria tocar no
assunto porque não me sentia pronta para ouvir qualquer resposta. O medo
me travava e eu estava tentando usar a raiva para mantê-lo afastado.
Virei-me para encará-lo, percebendo que o gênio mantinha uma
seriedade diferente, como se também estivesse irritado com alguma coisa.
— Tudo bem, Sabine... — ergueu-se rápido, colocando-se de pé à
minha frente. — Eu já compreendi.
— O que o senhor compreendeu? — Fiquei confusa porque nem eu
mesma era capaz de me entender, como ele poderia ter essa capacidade?
— Que a senhorita precisa de espaço depois do que aconteceu nesta
noite com o Príncipe Leopoldo — prendeu os lábios, fazendo uma curta
pausa enquanto a surpresa me invadia. — Imagino que...
— Você está me vigiando? — interrompi-o, sentindo a raiva se
intensificar.
— Não, Sabine. Apenas notei que estava ausente na festa e fui
conferir se estava tudo bem... Encontrei-a na companhia do Leopoldo e
prontamente os deixei a sós — enquanto dizia aquilo, Jean não me encarava.
Levei uma mão ao peito, tomada pelo choque.
— E o que você viu?
Ele não respondeu, mas o fato de não me olhar cara a cara disse tudo
de que eu precisava. Era óbvio que o gênio tinha visto o bastante para preferir
ir embora, deixar-nos em paz.
— Você está confusa — ele disse, por fim, daquela vez sem esconder
a chateação. Tentei não me sentir uma traidora porque não faria sentido; do
mesmo modo que o Jean não me pertencia, eu não pertencia a ele. — A
magia do seu pedido está implorando para ser concretizada, mas a senhorita
está se afastando de mim como se negasse o próprio desejo. Ele a
confundiu... — Jean completou, referindo-se ao Leopoldo, talvez. Fez uma
curta pausa e prosseguiu: — Eu não posso ir embora sem atender ao seu
pedido, mas não tenho o poder de te fazer aceitar a realidade.
Engoli em seco, enquanto o gênio se aproximava até ficar muito
perto. Dei alguns passos para trás, porém precisei parar porque a minha
retaguarda encontrou a superfície fria de uma parede.
— Q-Que... realidade? — arquejei quando uma de suas mãos grandes
tocou o meu rosto, depois foi escorrendo pelos meus cabelos soltos,
suavemente.
— Que apesar de tudo você me quer. Agora.
Tentei me afastar mais, estarrecida com as suas palavras tão
sufocantes e verdadeiras. Fechei os olhos e ele juntou o seu corpo imenso no
meu, espremendo-me contra a parede, deixando-me sem saídas. Pude sentir o
seu órgão endurecido por sobre as suas roupas e a minha veste íntima.
Jean usou a outra mão para tocar carinhosamente um seio, que logo se
enrijeceu, mostrando a ponta proeminente. Soltei um arquejo e finalmente
ergui a cabeça para olhá-lo. Ele tinha plena razão, eu o queria. Não havia o
menor engano quanto a isso. Ter consciência da realidade só me deixou ainda
mais chateada, com raiva de mim mesma por não desejá-lo menos mesmo
depois de ter beijado outro homem ou de ter ouvido coisas ruins ao seu
respeito.
Tomada por aquele sentimento cruel e destrutivo, envolvi os braços
ao redor de seu pescoço e o puxei para mim com sede daqueles lábios
saborosos. Quando começamos a nos beijar loucamente eu me senti em casa.
E aquele conforto todo só me trouxe mais indignação. Beijá-lo me parecia tão
certo que só poderia haver algo muito errado.
Comecei a puxar os seus cabelos enquanto o agarrava com força,
usando uma selvageria que jamais imaginei ser capaz. Todos os maus
sentimentos estavam misturados e explodindo em um beijo ensandecido.
Mesmo que me roubasse todo o ar, não ousei me afastar. Jean também
agarrava os meus cabelos sem delicadeza, vez ou outra os largando apenas
para apertar alguma saliência do meu corpo, provocando-me uma espécie de
dor muito bem-vinda.
Parecíamos dois selvagens famintos, e a sensação desconexa se
intensificou quando ele ergueu uma de minhas pernas na altura de sua
cintura, em seguida me apertou a coxa e se colocou em meu centro de
maneira invasiva.
Tentei retirar as vestes complicadas de príncipe que ele estava usando,
mas elas eram repletas de botões e possuíam tantas camadas que me perdi. O
gênio estalou os dedos e, então, eu o tinha completamente nu em meus
braços. Compreender este fato me fez puxá-lo com mais força, como se
desejasse nos unir de uma vez por todas, sem rodeios e daquela forma crua.
Jean puxou a minha peça íntima até a cintura e pude sentir o seu
membro pele a pele. Voltou a me segurar a coxa erguida, movimentando-se
de modo a tornar possível aquela tão aguardada união. E quando ele me
penetrou de novo eu tive que parar de beijá-lo para gemer alto, tanto que mais
pareceu um grito. O meu corpo, diferentemente da tarde na sala de banhos,
recebeu-o sem dificuldade, embora eu ainda pudesse sentir certo desconforto.
Não o impedi se prosseguir e nem mesmo parei de me movimentar contra ele,
pois a dor era suportável e o meu prazer só crescia a cada segundo.
O gênio terminou de remover o único tecido que me cobria, passando-
o por cima dos meus braços e jogando-o para longe. Suas mãos apertaram os
meus seios e fui empurrada contra a parede no mesmo instante em que ele
começou a entrar e sair dentro de mim em uma velocidade inacreditável.
— Deliciosa! — ele resmungou entre os dentes enquanto eu me
mantinha tão assustada e repleta que só conseguia gemer sem pausas. Aquela
intensidade brutal tanto me chocava quanto me preenchia de uma alegria
insana. — Gostosa demais... Você está tão molhada, tão entregue.
A voz do Jean fazia o efeito de umas cinco taças do melhor vinho de
Herlain. Eu me encontrava embriagada e sedenta, querendo sempre mais e
mais daquela loucura.
— Quero te devorar! — ele rosnou mais uma vez e se afastou em um
gesto tão brusco que quase capenguei para frente. No entanto, ele me
amparou em seus braços a tempo e me fez girar, por isso terminei com a face
grudada na parede.
Soltei diversos gemidos enquanto sentia seus lábios ávidos
distribuírem beijos de toda qualidade ao longo da minha coluna. Com as
mãos espalmadas na parede, fui obrigada a empinar o meu corpo depois que
suas mãos nada suaves pressionaram os meus quadris.
Quando entendi que o seu rosto havia descido o suficiente para se
enfiar entre as minhas pernas, todos os meus nervos pareceram entrar em
colapso. Jean começou a me beijar, lamber e chupar naquela região que me
proporcionava um prazer que alcançava o limite do absurdo.
Em poucos minutos eu me vi à beira da explosão, pronta para entrar
em um êxtase que prometia ser o mais intenso da minha vida. Contudo, Jean
se retirou alguns segundos antes do meu próprio auge e, por trás, voltou a se
enfiar em mim. a sensação foi tão insana e profunda que eu gritei o seu nome.
Como se tanta emoção não bastasse, enquanto eu decidia
definitivamente que amava aquela nova posição, embora ela fosse
extremamente crua, o gênio ergueu uma de minhas pernas, apoiando o meu
pé sobre o leito ao nosso lado. Ainda pela retaguarda, com uma mão agarrou
um seio e a outra deslizou firmemente até o meu centro.
Ele passou a movimentar os dedos em minha proeminência mais
sensível, de forma que as pernas voltaram a tremer e o meu corpo, a se
convulsionar. A sensação foi tão maravilhosa que bastou apenas alguns
segundos para que eu explodisse, tremendo e gemendo, em seus dedos e no
membro que não parou um só instante de me invadir.
Jean parou dentro de mim depois que voltei do paraíso, sentindo-me
amolecer, mas tão feliz que não contive uma risada suave. Ele envolveu os
braços ao meu redor e plantou os lábios em minha orelha. Ergui os meus
próprios braços para lhe agarrar os cabelos, e tê-lo daquela forma era
fantástico.
— Você quase me mata e ainda ri... — sussurrou, rouco e trêmulo, em
meu ouvido. O meu corpo respondeu com um arrepio delicioso, que me fez
rebolar de encontro a ele. Jean, entretanto, me conteve. — Não ouse me fazer
gozar tão depressa. Percebe o quanto você é safada?
Ser xingada daquela maneira, em vez de me ofender, só me fez abrir
outro sorriso.
— Isso é ruim? — questionei em um sopro de voz.
— De modo algum.
— Em minha defesa, se eu quase te matei, você definitivamente já me
matou.
Ele agarrou os meus seios com as duas mãos.
— Oh, não, Sabine. Ainda não cheguei nem perto.
Depois que pronunciou aquelas palavras cheias de promessas
implícitas, Jean me curvou de encontro à cama e eu mergulhei, sem entender
direito o que ele queria. Só tive alguma noção quando suas mãos ajudaram a
apoiar os meus joelhos na beirada do leito e eu me vi exposta, vulnerável e,
de repente, adorando tudo aquilo.
Jean me penetrou lentamente, agarrando a minha cintura e me
puxando para si. Fechei os olhos e tratei de senti-lo ao máximo, até que se
colocou por inteiro. A minha respiração já estava errante e o meu coração
batia acelerado, mas piorou quando ele começou a se mover, entrando e
saindo, naquela velocidade alucinada de antes.
A movimentação se tornou tão rápida que os nossos órgãos
começaram a se chocar um no outro, provocando um barulho intenso, que só
foi parcialmente abafado quando voltamos a gemer. Eu o sentia tão profundo
e gostoso que relaxei, então toda e qualquer dor foi embora enquanto o meu
corpo inteiro chacoalhava.
Jean me puxou pelos cabelos e fui obrigada a manter uma posição
restrita; cabeça erguida, quadris arqueados e o traseiro empinado, recebendo
todo o impacto de seu corpanzil. Mal pude acreditar que aquela mulher,
despida e sendo invadida, tratava-se de mim mesma. Era inacreditável que
estivesse vivenciando tal momento.
Passei a suar ainda mais do que antes e a tremer tanto que, se o Jean
me largasse, eu desmoronaria sem hesitar. Contra todas as regras do
constrangimento ou da vergonha, eu me vi prestes a explodir e, antes que
pudesse refletir sobre a minha capacidade de entrega sem receios, já estava
totalmente entregue, aos gritos, com a cabeça girando e a intimidade
pulsando ao redor do Jean.
— Sabine! — ele rosnou, parecendo impressionando, e se retirou de
dentro de mim rapidamente, deixando uma sensação de vazio em meu centro.
O seu afastamento me fez, enfim, desmoronar. Deitei sobre as mantas
e criei forças somente para me virar e poder olhá-lo. Jean respirava forte,
balançava a cabeça em negativa e passava as mãos nos cabelos. O seu corpo
estava tomado pelo suor e o mastro úmido ainda se mantinha erguido,
pulsante.
— O que houve? — perguntei em um murmúrio.
— Não esperava que você fosse gozar assim — confessou,
exasperado, e se deitou sobre a cama ao meu lado.
Ele me puxou para cima de si, fazendo com que as minhas pernas
terminassem apertas ao seu redor. O gênio me inclinou para frente e, sem
hesitar, fez com que nos encaixássemos de novo. Eu arfei, sem saber se ainda
tinha fôlego para prosseguir.
Um pouco chocada, eu o encarei. Ele sorriu.
— Faça no seu ritmo, minha princesa.
A forma carinhosa como murmurou aquelas palavras me encheu de
uma sensação diferente de todas as sentidas até então. O poder que ele me
ofereceu também me fez sentir certo orgulho, por isso, sem nada dizer,
comecei a me movimentar devagar, erguendo-me e me afundando sobre ele.
Era delicioso.
Senti-lo assim era sem igual, e então eu já não sabia mais qual
posição era a minha favorita.
Jean prendeu os lábios e em seguida os soltou para arquejar.
— Eu não durarei muito tempo — confessou em um sussurro, um
pouco desanimado. — A senhorita não imagina o quanto está linda assim.
Acho que estou vendo uma bela miragem.
Eu o analisei com cuidado e o que ele falou me pareceu ironia, já que
vê-lo daquela forma o fazia ainda mais incrível aos meus olhos. Não soube o
que dizer, por isso me inclinei e comecei a beijá-lo enquanto movia o meu
centro, atiçando-o, ditando o meu próprio ritmo, sentindo-o pulsar, tremer e
se contorcer.
Saber que ele não era imune aos meus gestos fez com que me sentisse
bem. Aquele desejo era fantasticamente recíproco.
Depois de alguns minutos ele avisou, quase sem voz, agarrando-me os
cabelos:
— Vou gozar dentro de você... Agora.
Jean começou a soltar arquejos enquanto me encarava em pleno gozo,
e pela primeira vez pude ver como o seu rosto ficava durante o êxtase.
Fantástico. Incrível. Eu mal podia conter a emoção enquanto suas sementes
se espalhavam dentro de mim, quentes em meu âmago.
Em seguida o meu corpo caiu sobre o seu, exausto, saciado, completo.
O gênio me abraçou com tanto cuidado que eu me senti uma mulher amada
de verdade. Poderia ser apenas uma ilusão, mas foi assim que me senti e
tentei não pensar nisso por muito tempo. Por outro lado compreendi que o
que fizemos na sala de banhos, por melhor que tivesse sido, não foi nada
comparado ao que acabamos de fazer.
Aquilo, sim, me pareceu o sexo de verdade. E eu finalmente havia
feito. Naquele momento soube que não havia nada a temer.
Apenas um detalhe.
— Jean... Você sumiu com as sementes? — perguntei, preocupada.
O gênio estalou os dedos e eu não soube responder o que mudou até
ele dizer:
— Agora, sim.
— Obrigada.
— Espero que a sua segunda primeira vez tenha sido satisfatória.
Um pouco zonza de sono, ergui a cabeça para vê-lo. Eu ainda estava
sobre ele, cansada demais até para me mover e embriagada pelo seu cheiro.
Também não queria que ele se afastasse ou fosse embora, por isso o mantive
preso em meus domínios.
— Foi incrível, Jean.
Ele sorriu e murmurou:
— Você é incrível.
Não me lembro de mais nada depois que o beijei devagar, de maneira
preguiçosa. O meu corpo saciado e feliz simplesmente apagou. Claro, sonhei
com ele, porém não teve sexo no sonho. Houve apenas nós dois deitados
sobre uma relva verdinha, com o canto dos pássaros e o calor do sol em
nossas peles. Nada falávamos, apenas ríamos um para o outro em plena
felicidade.
CAPÍTULO 29

Que maravilha seria se eu pudesse despertar para uma nova manhã e a


minha primeira visão fosse do rosto do Jean sorrindo para mim. Em meu
íntimo, ainda que estivesse imersa em ideias românticas pouco prováveis,
torcia para que tal cenário acontecesse. Talvez por este motivo, ao acordar e
não vê-lo o meu lado, fiquei observando as mantas desalinhadas com os olhos
fixos, quase sem piscar, porque sentia que, se o fizesse, poderia derrubar
lágrimas que eu não conseguiria explicar depois.
Ainda assim não fui capaz de conter a tristeza, a sensação de estar
nadando contra uma correnteza que arrastava as minhas emoções para um
caminho tortuoso. Eu não poderia esperar nada do Jean além da realização
daquele desejo. Ele deixara bem claro e eu havia entendido perfeitamente que
o gênio jamais poderia ocupar outro papel senão aquele. Embora eu não
soubesse direito por que, já que, naquele cruel instante, o fato de ele ser um
gênio da lâmpada se mostrou insuficiente para me aquietar, visto que nada
parecia impossível quando o Jean estava por perto.
Nem mesmo ser o meu verdadeiro amor.
A verdade era que eu não sabia o real motivo, o mais prático e direto,
sem qualquer rodeio ou uma justificativa tão vaga quanto a que me deu. E
aquilo havia passado despercebido por mim até então. Talvez eu estivesse
fragilizada, necessitando de carinhos e cuidados que nada tinham a ver com o
ritual da procriação. Talvez eu preferisse apenas ter alguém com quem
conversar, dividir os anseios, as dúvidas, os sorrisos e as lágrimas também.
Para ser sincera, não percebia aquela figura confidente em nenhum
príncipe e o meu tempo estava cada vez mais escasso. A minha missão era
tentar ser mais aberta e receptiva com eles. E, definitivamente, ter uma
conversa séria com o gênio. Havia tantas pendências a serem resolvidas. A
primeira delas era compreender o que tinha acontecido para que o Augusto
tivesse tantos ciúmes assim da Sarah.
Disposta a não lamentar por mais nenhum segundo, não esperei
Madame Naná surgir e comecei a me aprontar para o desjejum que, agradeci
internamente, não estava marcado para acontecer com nenhuma companhia
específica. Eu sabia que o Príncipe Leopoldo me cercaria naquele dia,
certamente em busca de mais oportunidades para me beijar, porém estava
disposta a manter distância até descobrir o que fazer com ele.
As comemorações deveriam ter se prolongado madrugada adentro,
pois o castelo estava silencioso e habitado apenas por alguns guardas que se
reversavam para que ninguém jamais ficasse desprotegido. Não havia sinal da
Naná, por isso constatei que era cedo demais. Entretanto, aproveitei a
ausência de pessoas para circular conforme a minha vontade e acabei
adentrando o meu recinto favorito: a biblioteca. Peguei um livro de História
na intenção de me distrair com outras realidades que não fossem a minha,
mas me encontrei tão dispersa que não consegui me concentrar.
Joguei o livro de lado e me sentei em uma enorme poltrona, a favorita
do papai, e observei todos aqueles exemplares enfileirados em centenas de
compartimentos. Soltei um longo e profundo suspiro. A minha realidade se
encontrava desagradável. Eu não gostava dos rumos dos meus pensamentos e
nem das vontades que me invadiram naquele momento tão triste. Enxuguei
uma lágrima sorrateira.
— A senhorita está chorando? — Jean surgiu na poltrona à minha
frente, disposta sobre o outro lado de um tapete valioso, herança da família
real. Eu me encontrava em um estado tão inerte que sequer me assustei com
sua presença repentina. Começava a me acostumar com aquelas surpresas. —
Por quê? Ainda está cedo, não conseguiu dormir mais?
Balancei a cabeça em negativa.
— Precisamos conversar, Jean — falei com um timbre tão firme que o
gênio compreendeu a seriedade dos fatos e se aproximou de minha poltrona,
sentando-se aos meus pés. Não soube o que dizer da posição em que nos
encontramos, mas não consegui remover os meus olhos dos seus durante
muito tempo.
— A senhorita já pensou no terceiro pedido? — murmurou a
pergunta, e então percebi que estava assustado.
Novamente, balancei a cabeça, negando. Ouvi quando um suspiro
aliviado atravessou os seus lábios quase imperceptivelmente e ele engoliu em
seco. Eu não soube o que pensar de suas reações. Jean imaginava que eu
desfaria o pedido e me livraria dele de vez? Pelo visto aquela ideia também o
desagradava.
O que só me fez ter coragem para prosseguir com a conversa:
— Preciso saber... Eu... — fechei os olhos por um momento. Percebi
que seria melhor começar por assuntos mais fáceis, até que, enfim,
chegássemos aos mais difíceis. Reabri os olhos, voltando a encará-lo. Jean se
mantinha atento, quase sem piscar. — O meu pai está à procura de um objeto
que aparentemente desapareceu do salão de riquezas da família — soltei de
uma vez. — O senhor sabe de alguma coisa? Trata-se da lâmpada mágica?
O gênio fez uma careta confusa.
— Não, não sei, mas posso tentar descobrir do que se trata.
— Pois bem. Gostaria que descobrisse antes que eles encontrem a
lâmpada em minhas coisas. Ainda tenho o terceiro pedido a fazer e... — a
minha voz foi falhando até sumir completamente.
E se eu nunca fizesse aquele pedido? E se escondesse a lâmpada para
sempre? Daquela forma jamais precisaria me despedir do Jean. Enquanto ele
me analisava com bastante atenção, minhas ideias seguiam aquele rumo
maluco.
— Não se preocupe, Sabine, descobrirei se o Rei está em busca da
lâmpada.
Assenti com leveza.
— O que aconteceu ontem entre você e a Sarah? — perguntei de uma
vez, sem perder tempo com a escolha de palavras e antes mesmo de me sentir
pronta para uma resposta. Aquela situação estava me incomodando tanto que,
só o fato de ser capaz de soltar uma pergunta já me deixou aliviada, em parte.
O gênio, por sua vez, fez uma careta.
— Bom... — deu de ombros. — Eu... — aquela foi uma das poucas
vezes em que o Jean ficou sem palavras, portanto imaginei o que diria a
seguir e os meus olhos marejaram com o mero pensamento.
Então era real? Não podia ser.
— O senhor gosta da Sarah?
— Não! — Jean soltou, segurando minhas mãos por cima do vestido.
— Sabine, eu jamais... Não.
— Por que tanta hesitação? Eu preciso saber o que está acontecendo,
Jean. Se está apaixonado pela Sarah, eu...
— Sabine, não é nada disso — apertou ainda mais as minhas mãos.
Fiquei tentada a me afastar dele, mas aquela carícia, aquela quentura era tão
confortável que me deixei ficar, ainda que também me machucasse permitir o
seu toque. — Eu só não queria expor a sua irmã. Prefiro que Augusto acredite
que no que ele quiser acreditar do que na realidade.
— Como assim? — foi a minha vez de fazer uma careta.
— Sabine... — Jean desviou o rosto por uns instantes, depois voltou a
me olhar. — Antes do noivado, ontem, fui surpreendido com a presença da
Sarah em uma das varandas. Ela... Bom, ela tentou me seduzir e disse que, se
eu desejasse, poderia cancelar o casamento com Augusto e se casar comigo.
— O QUÊ? — berrei, curvando-me para ele em pleno estarrecimento.
Levei as duas mãos ao peito, sem acreditar no que Jean dizia.
— Tentei fazê-la entender que isso não seria possível de acontecer,
mas ela insistiu e... o Príncipe Augusto nos encontrou na varanda em uma
situação um tanto desconfortável. Creio que imaginou que eu a estava
seduzindo.
Comecei a balançar a cabeça freneticamente. Não fui capaz de fazer
qualquer comentário, pois era tudo tão absurdo que só me deu vontade de sair
correndo sem direcionamento. Jean continuou segurando as minhas mãos.
— Lamento se ele está espalhando coisas ruins ao meu respeito. Não
imaginei que ele...
— Não sei se está espalhando. Eu o ouvi conversando com a Sarah.
Quer que ela mantenha distância de você.
Jean arquejou, sorrindo, porém sem sentir qualquer graça.
— Não fui eu que a procurei. Jamais a procuraria, Sabine.
Olhei para baixo, para o ponto em que nossas mãos se encontravam.
— Eu sei. Só queria saber o que havia acontecido.
— De qualquer forma o Príncipe Augusto pode ser um problema para
a minha permanência em Herlain. Ele pode convencer o Rei a me dispensar.
Assenti, compreendendo o quanto era importante que o Augusto nada
falasse. Aquela história sem sentido não deveria virar fofoca dentro do
castelo. Ninguém deveria desconfiar da integridade do Jean, do contrário...
Do contrário as minhas pequenas esperanças de tê-lo por mais tempo cairiam
por terra.
— Isso não vai ficar assim — eu me levantei, obrigando o gênio a se
afastar. A minha raiva aumentava na medida em que percebia o quanto a
Sarah era uma inimiga. Jean era o meu pretendente. Tudo bem que havia
outros, mas era meu e ele queria roubá-lo de mim. Como conseguia ser tão
fingida? Como se casaria com alguém que não amava? Como fazia todos
acreditarem que estava apaixonada? — Não vai!
— O que pretende fazer, Sabine? — Jean se levantou de prontidão,
colocando-se à minha frente. — Prefiro que não se envolva nesta situação.
Tentarei arranjar uma maneira de...
— Não, Jean, já chega! — dei alguns passos para longe dele. Não
sabia por onde começar, mas não deixaria as coisas como estavam, correndo
o risco de o Jean ser prejudicado. — Eu estou cansada dos caprichos da
Sarah! Esse casamento não pode acontecer, não há modo de haver felicidade
para nenhuma das partes.
— Eles que precisam resolver seus próprios problemas, não a
senhorita.
— Você é um problema meu, Jean. Ela queria te roubar de mim! —
balancei a cabeça, sentindo os meus olhos marejarem.
Jean se aproximou até ser possível tocar os meus braços. Eu o encarei,
trêmula e de certo modo desesperada.
— Ninguém vai me roubar de você — sussurrou e finalmente uma
lágrima me escapou. O gênio sorriu com suavidade. — É mais preocupante
que o seu pai encontre a lâmpada do que toda essa situação com a sua irmã.
— Preciso escondê-la — choraminguei. O peso da ausência dele me
atingiu de um jeito que removeu todo e qualquer bom senso, de forma que me
vi aos prantos diante dele. — Em um lugar ainda mais eficaz.
— Sabine...
— E não vou deixar que ninguém te tire de mim.
— Sabine... Ninguém vai me tirar de você — Jean me puxou para si e
me deixei ficar em seus braços, trêmula, desesperada. — A senhorita vai
precisar me tirar de sua vida por conta própria — beijou o topo de minha
cabeça e, em um rompante, tornei a me afastar.
Encarei-o com o coração despedaçado. O gênio apenas deu de
ombros.
— E se eu não quiser? — murmurei a pergunta. Jean abriu os olhos ao
máximo, parecendo assustado com o questionamento. Pela segunda vez
percebi que engoliu em seco. — Responda-me, Jean, e se eu não quiser?
— Avisei que não daria certo — ele murmurou com ar sofrido, o
timbre grave tão trêmulo e impactado quanto jamais imaginei que pudesse
ficar. — Alertei que a senhorita em um momento se confundiria.
Soltei um riso desesperado.
— A quem está enganando, Jean? Olhe bem para mim e diga que não
se confundiu. Você não quer ir embora tanto quanto eu não quero que vá.
— Não siga por este caminho, Sabine.
— Diga! — resmunguei, aproximando-me na tentativa de arrancar a
verdade. Jean apenas prendeu os lábios, evitando as palavras como um
covarde. Eu não poderia culpá-lo tanto, mas a sua falta de clareza em um
momento como aquele era cruel demais para lidar. — Eu não estou louca ou
compreendendo tudo errado... — murmurei, por fim. — Se por acaso eu
estiver, por favor, diga.
Jean passou uma mão pelos cabelos antes de dizer:
— A senhorita não está louca.
— Então fale de uma vez.
— Não posso — o gênio desviou o rosto por alguns instantes, depois
voltou a me olhar de um jeito angustiado. — Nada mudará o fato de que não
posso ficar.
— Por quê?
— O meu lugar não é aqui. — Tentei controlar um soluço, mas não
consegui. Aquelas eram palavras demasiadamente duras para serem ouvidas
sem qualquer preparação. — A minha existência está ligada àquela lâmpada
— Jean continuou, falando em um tom muito baixo, como se lamentasse. —
No fundo, jamais poderei dar o que a senhorita deseja.
Bufei, atônita.
— Isto é uma enorme ironia.
— Não poderei envelhecer contigo porque não envelheço. Nem te
deixar dormir em meus braços porque não durmo. Não posso te dar uma
família ou uma vida comum — Aquelas novas informações me fizeram
entreabrir a boca. Eu nunca teria imaginado nada daquilo. — Estou preso,
Sabine. O que a senhorita vê é um sopro de magia com o formato que você
escolheu. Não sou uma pessoa e não posso ser o seu amor.
Àquela altura eu já chorava ainda mais.
— Jean...
— Sou um ser com sentimentos, é bem verdade, e por este motivo não
sou imune aos seus encantos — confessou, olhando-me quase sem piscar. —
Mas de que adianta viver numa ilusão? Jamais posso tê-la de verdade. Então,
por favor, não torne as coisas mais difíceis. Também sou capaz de sentir
profunda dor.
— Eu... Não imaginei... Perdoe-me, Jean — encarei o chão, tomada
pela tristeza e amargura. Ele também sofria. Enquanto eu pensava em mim
em nenhum momento pensei que o Jean pudesse estar sofrendo daquela
forma. — O que... O que posso fazer para que não sofra mais?
— Seja feliz — ele disse, murmurante. — É só o que desejo. Não
desperdice nenhum segundo de sua existência com a infelicidade.
O gênio se curvou diante de mim e plantou um beijo demorado em
minha testa. Passei aqueles eternos segundos sentindo o seu cheiro e o doce
conforto de sua presença. Era tudo tão triste e vazio que eu só queria cair no
pranto, mas, em respeito à sua vontade, não desabaria novamente. Não queria
que sofresse ao me ver sofrer. Estava mais do que na hora de parar de pensar
apenas em mim e compreender as necessidades do Jean.
Antes que pudesse se afastar, puxei o seu rosto para beijar os seus
lábios. O gesto foi mais forte do que eu; uma última atitude desesperada.
Achei que ele não fosse corresponder, mas me enganei, Jean não apenas me
beijou de volta como também me tomou em seus braços e aprofundou aquele
momento a um nível ainda mais intenso.
Foi então que ouvimos um raspar de garganta muito próximo e nos
afastamos completamente. Olhei para a direção de onde veio aquele sutil
ruído e encontrei os olhos azuis do Príncipe Leopoldo. Ele não parecia nada
satisfeito com o que viu.
— Devo supor que a senhorita fica aos beijos com todos os outros
príncipes ou que este é especial? — perguntou com arrogância, aproximando-
se de nós como se fosse uma fera. Jean me colocou atrás de si, em posição de
defesa. — Imagino que faça parte da competição se atirar nos braços de
qualquer um.
— Não ouse julgá-la desta maneira — o gênio resmungou, mantendo
a cabeça erguida e um porte ameaçador que nunca vi nele.
Leopoldo se aproximou do Jean até quase encostarem os rostos.
Encararam-se fixamente, ferozes, de um jeito que me roubou o fôlego. Fiquei
olhando para os dois, espantada, paralisada.
— Pois bem, resolveremos isto de uma forma mais honrosa —
Leopoldo rosnou feito um bicho selvagem prestes a dar um bote. — Ao pôr
do sol, na praia em frente ao castelo. Leve a sua espada e que vença o melhor.
O meu coração só faltou sair pela boca.
— Não! — tentei me desvencilhar do Jean, porém ele não deixou. —
Nem pensar, isso não vai acontecer! Vá embora, Leopoldo!
— Espero que o Príncipe Jean compareça ao duelo — ele disse,
afastando-se com ar carregado de desdém. — Caso contrário farei questão de
alertar a todos que a Princesa Sabine não é o que imaginam.
— Você não faria isso! — falei, quase gritando, de repente com
vontade de esganá-lo.
— Não vejo motivo para não fazê-lo — a sua resposta veio seguida de
um sorrisinho carregado de ódio e decepção. — Agradeça-me por estar te
dando uma oportunidade, Princesa. Caso eu morra, levarei a sua sujeira para
o túmulo.
Sem esperar qualquer resposta, o Príncipe Leopoldo virou as costas e
saiu da biblioteca como se não tivesse acabado de marcar um duelo que
poderia lhe custar a vida, tudo em nome de uma honra que não passava de
uma grande imbecilidade.
Jean e eu nos entreolhamos e tenho certeza de que ele estava
apavorado. Creio que não pela possibilidade de morrer, já que tinha a magia
ao seu favor e provavelmente era uma criatura imortal, mas pela de matar
uma pessoa a troco de nada.
De qualquer forma, havíamos acabado de entrar em uma confusão
imensa, aparentemente irremediável.
CAPÍTULO 30

Passamos cerca de meia hora discutindo como dois loucos dentro da


biblioteca. Eu não conseguia entender como o Jean não havia notado a
aproximação do Leopoldo, sendo que em várias situações ele teve essa
capacidade. Também não dava para compreender por que ele estava
materializado se a qualquer momento alguém poderia entrar e nos ver juntos.
Achei que estivesse usando a sua invisibilidade ao nosso favor naquele
instante tão comprometedor.
Já ele se explicava como podia, visto que eu estava à beira do
desespero e nem um pouco suscetível à compreensão. Depois que falou que
boa parte da situação em que nos metemos se deveu ao fato de eu ter marcado
encontros às escondidas com Leopoldo, e o beijado no último, aumentando
ainda mais o lado obscuro do caráter do príncipe, a discussão se tornou mais
intensa.
— Como ousa me culpar pelo que acabou de acontecer, Jean? —
resmunguei, indignada, pois estava sendo injusto comigo e nem mesmo ele
tinha esse direito. Não mais. — Entre nós dois é você que tem magia. Você
que deveria ter evitado! — apontei na sua direção, enraivecida.
— Já falei que eu estava distraído! — o gênio parecia tão chateado
quanto eu, mas algo naquele olhar me fez compreender que o seu rosto não
ficou vermelho por causa da raiva, mas pelo constrangimento de admitir que
me beijar o fazia esquecer tudo ao nosso redor. Eu não poderia culpá-lo. —
Perdoe-me pela parte que me cabe, Sabine, foi uma enorme fatalidade. Eu
ainda não sei por que estamos discutindo em vez de buscar soluções.
Cruzei os braços na frente do corpo só para parecer forte, mas a
verdade era que a minha guarda fora baixada com êxito.
— Foi tão difícil assim pedir desculpas? — soltei, ainda um pouco
ofendida. De forma alguma eu pediria desculpas por ter tentado dar certo com
o Príncipe Leopoldo. Jean sabia que o que fiz teve um objetivo maior,
portanto não deveria me culpar.
— A senhorita precisa admitir que não fez uma boa escolha ao
permitir ser beijada por aquele homem.
— Decerto não fiz, porém não sou responsável por nenhuma atitude
alheia.
Jean finalmente se sentou em uma poltrona e começou a passar os
dedos pelas têmporas, como se tivesse muita dificuldade para refletir. Seu
nervosismo evidente não ajudou a me acalmar, muito pelo contrário. Senti-
me ainda mais perdida enquanto o observava e tentava compreender que, na
verdade, a sua careta emburrada nada mais era do que ciúmes por ter me visto
em companhia do Leopoldo.
— Eu não disse isso, Sabine — ele resmungou, por fim, enquanto eu
me mantive com a boca aberta conforme os meus pensamentos ganhavam
aquele rumo. Jean tinha ciúmes de mim? — Só falei que aquele beijo o fez
acreditar que possuía algum direito sobre a senhorita. Um homem com o ego
ferido é capaz da mais completa estupidez.
— Eu não sabia que um beijo poderia acabar em um duelo — soprei
as palavras, sentando-me na outra poltrona, perto o suficiente para continuar
sentindo o seu cheiro. — E em nenhum momento dei esperanças a ele a
respeito de obter algum direito sobre mim. Não posso crer que seus ciúmes
tentaram fazer com que eu me sentisse culpada... — acrescentei, observando
a sua reação diante do que falei. Embora desconfiasse, queria ter certeza de
minha teoria sobre os sentimentos do gênio.
— Ciúmes? — ele ergueu o rosto em minha direção, chocado. —
Novamente, eu não quis que se sentisse culpada, apenas que não voltasse a
marcar encontros, e não, não estou com ciúmes, muito menos de um imbecil
feito ele.
Arquejei, soltando um riso desconfortável e balançando a cabeça em
negativa. Era evidente que o Jean escondia o fato de não ter gostado nem um
pouco de ter me visto aos beijos com o Leopoldo, porém arrancar mais
informação dele me parecia impossível naquele momento, além de que eu
não me encontrava disposta a magoá-lo ainda mais. Precisava arrancar da
minha cabeça certas ideias perigosas.
Eu devia isso ao Jean e a mim mesma.
Sendo assim, soltei todo o ar dos pulmões e decidi permanecer calada.
Nós dois estávamos deixando aquele problema nos controlar.
Ficamos em silêncio por longos minutos, até que uma ideia que
parecia ótima me atingiu:
— Você tem a magia, Jean, pode fazer qualquer coisa, inclusive
remover as memórias de Leopoldo. Ele podia se esquecer de ter nos visto! —
ri de mim mesma, feliz com aquela resolução tão fácil e rápida. — Fim do
problema. Ninguém precisa duelar.
— Não é assim tão simples, Sabine, a magia do esquecimento é
poderosa e mexe com as profundezas da alma — ele disse em um tom sério,
sem me olhar, como se ainda deliberasse. — Não tenho permissão para um
procedimento tão profundo na mente de alguém. Eu poderia fazê-lo se... —
ele finalmente me olhou, fazendo uma pausa que me deixou impaciente.
— Se...
— Se a senhorita fizesse um pedido oficialmente, assim a magia
ganharia a força necessária.
Pisquei para ele por breves instantes.
— De forma alguma! — arquejei, estarrecida. Ainda que não
soubesse o que fazer, a ideia do Leopoldo me pareceu mais absurda do que a
de um duelo. — Não vou gastar o meu último pedido com isso. Ele se
esqueceria de tudo, você iria embora e eu ficaria aqui, sozinha, sem
direcionamento e com esses príncipes atrás de mim — apontei para a
passagem da biblioteca. — Não, Jean, Leopoldo não merece tanto sacrifício e
certamente há outro modo de resolver esta situação.
O gênio, por sua vez, deu de ombros e pareceu aliviado com a minha
decisão firme. Eu queria poder compreender o que se passava em sua mente.
Ele não parecia querer ir embora, como supus e não obtive sua negativa ou
afirmativa. Eu só sabia que precisava pensar com bastante cautela sobre o
terceiro pedido e que, definitivamente, não estava pronta para usá-lo.
O que, no mundo inteiro, valeria a pena a perda do Jean na minha
vida?
— E se ele receber uma carta urgente de suas terras, exigindo seu
retorno imediato por algum motivo bastante forte? — Jean sugeriu,
esquecendo-se de vez da ideia anterior. — Posso criar uma carta com um selo
autêntico em um estalar de dedos.
Apoiei o queixo sobre uma mão, refletindo melhor.
— Ainda que seja uma carta convincente, talvez ele só decida partir
após o duelo — falei depois de pensar por alguns instantes. — O que
sabemos do Leopoldo é que se trata de um homem orgulhoso, que adora
provar que é melhor do que os outros.
— Tem razão. De qualquer maneira ele já deve estar providenciando
sua partida. Não acho que vá permanecer em Herlain, ainda que
supostamente vença este duelo... — Jean se levantou de repente, exasperado,
apontando para mim. — É isto! Nós temos dois problemas e tudo se
resolveria se o Leôncio me vencesse... — começou a andar de um lado para o
outro, nervosamente. Sua voz saiu baixa como se falasse consigo mesmo,
porém eu o escutei muito bem.
Desisti de corrigir o nome do Leopoldo, ainda mais quando o que
Jean disse me soou tão absurdo. Ergui-me da poltrona em um pulo assustado.
— Não! Não pode se deixar vencer, Jean, como pode pensar em algo
assim? Eu... Sequer sabia que o senhor poderia morrer e... — considerando o
fato de que o duelista só vence quando derrota por completo o oponente, mal
pude acreditar que o gênio estava mesmo pensando em perder.
— É claro que eu não morrerei de verdade, Sabine, de fato sou uma
criatura que pretende existir por muitas eras — ele disse, sorrindo, tocando-
me os ombros e me encarando de perto. Senti que o seu objetivo era me
acalmar, porém não conseguiu, só fiquei ainda mais desesperada com o que
disse. Jean me pareceu ainda mais intocável, mais distante de minha
realidade. — Mas ele não sabe disso. Posso fingir que fui derrotado pela sua
espada e então não teremos que nos preocupar nem com ele e nem com o
Augusto.
— Oh, meu Deus, ainda tem o Augusto... — murmurei, atônita pela
ideia e ainda estarrecida com as novas informações sobre ele. — Mas... Você
não pode fazer todos acharem que morreu.
— Pense bem, Sabine, é a saída mais viável. Em algum momento eu
teria que ir embora de Herlain... — ele deu de ombros. Prendi os lábios, já
entrando em desespero. Remover o gênio da minha vida, ao menos daquela
parte real e palpável, significava acabar de vez com qualquer possibilidade de
tê-lo em meu mundo. Eu ainda não sabia como, mas pretendia encontrar uma
maneira de... Era loucura. Óbvio que era loucura de minha parte. — Não se
preocupe, Sabine, você sequer irá notar a minha ausência porque eu
continuarei aqui. Ao menos até que faça o terceiro pedido e...
— Eu prefiro que você tente a carta — falei de antemão, com a voz
abafada pelo espanto. Senti uma vontade enorme de chorar, mas precisava ser
forte para encarar os fatos e o principal deles. — Até lá pensamos em outra
resolução e eu conversarei pessoalmente com o Príncipe Augusto.
Jean voltou a me segurar.
— O que vai dizer a ele? Não creio que seja prudente se envolver
nessa questão. É um problema dele com a Sarah.
— Mas envolve você — murmurei, olhando-o fixamente. Eu não
conseguia mais fingir desinteresse ou esconder que me importava com ele
mais do que deveria. Não me encontrava disposta a continuar enganando a
mim mesma. — E se envolve você também me envolve.
Diante do nosso silêncio, tomei a liberdade de tocar o seu rosto com
cautela, incapaz de desviar o meu olhar e até de respirar. Jean fechou os olhos
ao receber a minha carícia. Um simples toque me deixou absorta em uma
existência em que nada mais era importante além de nós dois, juntos. Eu não
conseguia explicar aquela emoção, mas me tornei ciente de sua profundidade
e do quanto doía em meu peito e se espalhava para todas as partes do meu
corpo.
Quando ele abriu os olhos tive certeza de que a minha escolha já tinha
sido feita há algum tempo, eu que não queria ou não podia lidar com ela,
porque era simplesmente impossível realizá-la. Foi como se o Jean tivesse
acabado de me oferecer um grande ensinamento sem precisar de qualquer
palavra: não posso ter tudo o que quero. Há coisas que nem mesmo uma
lâmpada mágica consegue resolver.
— É melhor eu ir — murmurei, afastando-me de vez, porém sabia
que aquela melancolia não se afastaria de mim tão cedo. — Avise-me caso a
ideia da carta dê certo.
Virei as costas e tentei calcular o tempo que levaria até os meus
aposentos. Era importante que eu não desabasse até que alcançasse um lugar
seguro, longe de tudo e de todos. Onde eu estava com a cabeça em ter
pensado em uma possibilidade, ainda que mínima, de fazer com que o gênio
ficasse para sempre?
— Não se envolva em mais nenhuma confusão, por favor — ouvi-o
murmurar atrás de mim.
Não virei para olhá-lo e nem mesmo o respondi, apenas fingi que não
escutei porque, no fim das contas, eu já havia me envolvido na maior de
todas as confusões e não fazia ideia de como sair dela, ao menos não sem
arrancar o meu coração para fora do corpo. Mas a culpa era realmente toda
minha. Tantas vezes o Jean tinha me alertado... Em tantos momentos se
recusou, tentou se impor e eu não dei ouvidos.
Achei que a vida era mais simples e descomplicada. Ingênua,
acreditei que eu fosse mais forte, mas não passava de uma bobalhona que,
além de ter me envolvido, permitiu que o Jean se envolvesse e também
sofresse. Em algum lugar li que o verdadeiro amor era lindo. Naquele
instante apenas me pareceu um sentimento cruel.

As últimas escadas que davam para o meu aposento foram subidas em


alta velocidade, ainda que os saltos fizessem os meus pés doerem, pois não
aguentava mais ter que fingir ser forte e queria um instante de paz para
colocar todos os conflitos, tantos os internos quanto os externos, em ordem
na minha cabeça.
No entanto, assim que fechei a porta do quarto atrás de mim e
arquejei, aliviada, percebi que não teria a paz que eu tanto necessitava. E de
certa forma nunca imaginei que ela me seria roubada por uma presença
inusitada diante de mim.
— O que faz aqui? — praticamente gritei, calculando se aquele era o
momento em que eu poderia sair correndo em busca de algum guarda real.
Para ser sincera não sabia como algum deles tinha permitido a entrada de um
intruso em meu quarto. — O que faz aqui? — repeti porque a impaciência
não me deixou esperar pelo tempo que ele permaneceu mudo, apenas me
olhando.
Príncipe Augusto estava com as roupas desalinhadas como eu nunca o
vi ficar e fedia a vinho. Os olhos vermelhos anunciavam o consumo
excessivo de álcool e, talvez, a noite insone que levou em plena
comemoração. Ao menos ele mantinha as mãos nos bolsos e não parecia
agressivo, mas ainda assim me preparei para correr.
— Preciso conversar com a senhorita — ele disse com seriedade, não
desviando o olhar do meu por nem um só segundo. Mantive-me atenta, ainda
que estivesse em choque. — É um assunto importante.
Engoli em seco e fiz o que pude para tentar acalmar os batimentos
cardíacos.
— Pois diga — mantive-me encostada à porta, não queria me distanciar
da única saída que eu possuía. — O que é tão importante para que invada o
meu aposento desta maneira inadequada?
Ele fez uma careta.
— Perdoe-me. É que se trata de um assunto particular e não achei outro
modo de encontrá-la em solidão.
— Fale de uma vez, Augusto — ergui a cabeça, mantendo a pose
consciente e um porte que deveria intimidá-lo, caso estivesse com intenções
controversas. Eu não sabia do que aquele homem era capaz. Na verdade, não
sabia o que nenhum ser do gênero masculino era capaz, não depois do que
houve com o Leopoldo, e isso me incomodava o suficiente para não desejar
ver nenhum outro além do Jean. — O que tanto quer?
— Vim avisá-la sobre os seus pretendentes... — ele falou em um tom
mais baixo, ainda que tivesse mantido a seriedade. — O Príncipe Jean, na
noite de ontem, tentou seduzir e desonrar a Sarah.
Fiz uma careta de puro asco. Seduzir e desonrar? Pelo amor de Deus.
— Há algo mais que precise dizer? — resmunguei, irritada com ele.
Aquele assunto poderia ser tratado em qualquer lugar ou situação que não
fosse ali, daquela forma extremamente inapropriada. — Não compreendo por
que o senhor precisou vir aqui parecendo um maltrapilho para me dizer uma
coisa dessas.
Augusto pareceu olhar para si mesmo pela primeira vez. Passou as
mãos pelos cabelos e deu um passo à frente, mas parou de tentar se aproximar
quando percebeu que fiquei assustada com seus movimentos.
— Perdoe-me, Princesa Sabine... E-Eu... — chacoalhou a cabeça,
parecendo profundamente perturbado. Novamente considerei a ideia de sair
correndo. — A sua irmã... Temo que ela não seja quem pensei que fosse.
Prendi os lábios e fiquei o encarando por alguns instantes antes de
resolver perguntar:
— O que o faz achar isso?
— Eu não sei — ele murmurou, mas logo clareou a garganta e se
endireitou, voltando à seriedade. — Há algo de errado. E, quando eu
descobrir o que é, lamento ter de cancelar este casamento.
Mantive-me silenciosa. Não sabia o que dizer diante daquela
informação e tinha medo de dar qualquer indício que pudesse prejudicar a
Sarah. Eu estava completamente irritada com ela e, assim como o Augusto,
também temia que ela não fosse quem sempre imaginei, porém aquele
casamento significava o futuro de Herlain. Se depender de minha vontade de
escolher um príncipe certamente não teríamos um Rei, logo, não haveria
herdeiros.
— E por que está me contando isso? — soltei o questionamento
devagar, como se qualquer palavra errada custasse uma vida.
— Porque... — ele riu, demonstrando que, sim, estava bêbado, apesar
de consciente o bastante para manter um olhar sério. — Percebi as trocas de
olhares entre a senhorita e o Príncipe Jean. Certamente ele é o seu escolhido,
porém não passa de um canalha e temo que a senhorita... Bom, sei que em
algum momento pensou na possibilidade de nos casarmos, já que quando
cheguei à Herlain estava à procura da senhorita.
Eu não estava compreendendo onde aquele homem estava querendo
chegar, mas de qualquer forma me mantive assustada com o rumo da
conversa. Ele estava muito confuso, atropelando os assuntos. Certo, foi bem
verdade que o Augusto, a priori, seria o meu primeiro pretendente, mas ele
logo me trocou pela Sarah e não tive muito tempo de refletir a respeito. Só
consegui me sentir terrivelmente substituída e insuficiente para manter o
interesse de qualquer pessoa.
Mas eu já não pensava daquela forma. Superei tantas inseguranças...

— Prossiga — solicitei, engolindo em seco e tentando me preparar


para a sua conclusão que, eu sabia, só poderia ser espantosa.
— Peço para que me ajude a desmascarar a Sarah — soltou
rapidamente e eu abri bem os olhos. Ainda que esperasse algo chocante,
jamais imaginei que fosse isto. — Sei que ela é sua irmã, mas sei também que
a senhorita é uma pessoa boa e muito justa. É injusto que me case com
alguém que... não seja confiável.
— Príncipe Augusto, eu...
— Deixe-me concluir — solicitou, estendendo a palma na minha
direção. Calei-me e apenas esperei pelo restante. — Caso me ajude neste
sentido, dou a minha palavra de que removerei todos esses canalhas que a
cercam neste momento e a desposarei como deveria ser desde o início.
E então ele se ajoelhou na minha frente, sem que o seu rosto
demonstrasse qualquer sinal de humilhação ou desconforto. Houve apenas
um homem disposto a seguir até o fim para manter uma palavra que eu não
sabia exatamente se era honrosa ou não. Passamos um longo minuto nos
encarando naquela mesma posição: ele ajoelhado e eu com as costas grudadas
na porta.
— Mas... Augusto, levante-se — revirei os olhos e ele se ergueu
como o solicitado. Consegui respirar somente depois que ele voltou ao
“normal”. — O que o senhor está me pedindo não faz o menor sentido. De
que forma quer desmascarar a Sarah? Do que desconfia?
— Desconfio que ela não me ama e que é capaz de se insinuar para
qualquer príncipe mais bonito ou rico que aparecer em seu caminho —
Augusto soltou de uma vez, e então percebi que o seu estado desarrumado se
devia ao sofrimento causado por aquela ideia fixa em sua cabeça. Que,
infelizmente, eu já sabia que possuía bastante fundamento.
— Certo... — assenti devagar. — Mas... O que tem a ver o fato de me
desposar? Possuo sete pretendentes aptos, não considero prudente...
— Ora, Sabine, nós dois sabemos que nenhum deles lhe chamou a
atenção além do calhorda do Príncipe Jean. Eu a observo a mais tempo do
que todos eles juntos e o Rei comentou que metade deles partirá em poucos
dias. Sei do que a senhorita gosta e o que espera de um futuro marido —
quando disse aquilo eu senti o meu rosto inteiro se esquentar de
constrangimento. — Não posso voltar às minhas terras sem uma esposa. A
senhorita não pode deixar Herlain sem um rei.
Eu estava tão admirada com o que ele dizia que me percebi incapaz de
fazer algum comentário. Apenas me limitei a balançar a cabeça em negativa e
a pensar, em uma velocidade enorme, em toda a situação que se apresentava
diante de mim.
— Foi o senhor que falou que... Que é primogênito e não pode ficar
em Herlain. Que foi por este motivo que não me escolheu.
Augusto aquiesceu.
— Sim, decerto — ele resolveu tentar se aproximar novamente e
daquela vez não mostrei nenhuma reação. — Foi uma decisão precipitada e,
embora eu... goste de verdade de sua irmã, sempre admirei a senhorita.
Podemos juntar nossos reinos e nos dividir entre as duas terras com uma
ótima equipe de conselheiros e membros da corte.
Arquejei de um jeito sonoro.
— Olha, Augusto, eu... — pisquei muitas vezes. — Não sei o que
pensar. E certamente não sujarei a honra da minha irmã por sua causa.
— Não precisamos sujar a honra dela para o povo de Herlain. Eu só
preciso saber, Sabine, apenas eu, que dediquei o último mês inteiro a tentar
amá-la — sua sinceridade, naquele momento, deixou-me tocada. O Príncipe
Augusto realmente tentou gostar da Sarah e provavelmente conseguiu, mas se
magoou por causa da desconfiança. — Preciso ter certeza de que ela... não
vale nada.
— E de que maneira quer fazer isso? — perguntei sem pensar. Não
que a minha consciência estivesse satisfeita em prejudicar a Sarah, mas... Ela
merecia. Talvez assim deixasse de ser tão prepotente.
— Da maneira que a senhorita achar melhor. Temos o nosso trato?
— Mas e se tudo isso for apenas coisa da sua cabeça e o senhor
descobrir que ela o ama de verdade? — Eu sabia que não era loucura da parte
dele, mas Augusto não sabia disso, certo?
O Príncipe ficou em silêncio por um instante, até que sussurrou:
— Quando perdemos a confiança qualquer amor também se perde,
Princesa Sabine. Eu não confio mais na Sarah. — Depois de uma pausa, ele
colocou uma mão para frente: — Temos o nosso trato?
Fiquei olhando aquela mão esticada por um tempo que me pareceu
longo e curto ao mesmo tempo. Era óbvio que eu não queria me casar com o
Augusto, porque eu não o amava e sequer sabia se poderia amá-lo estando
com o coração tão ocupado, mas por outro lado compreendia que o futuro de
Herlain dependia de meu discernimento.
— Preciso refletir — defini, por fim, porque realizar uma escolha
daquele porte demandava tempo e muita ponderação. Não cairia de novo no
erro de cometer erros e me enganar feito uma menina ingênua. — Dê-me um
tempo.
— Pois bem — Augusto finalmente recolheu a mão. — Mais uma
vez, perdoe-me pela invasão em seu aposento. Aguardo uma resposta e
espero que a senhorita não se demore.
Assenti e, percebendo que ele se aproximava com o intuito de sair, e
não de se encostar a mim indevidamente, como por um segundo imaginei,
afastei-me e lhe dei passagem. O Príncipe Augusto me ofereceu um leve
aceno de cabeça e partiu sem mais nada dizer, deixando-me sozinha com a
maior de todas as decisões para tomar e uma sensação de vazio que era tão
dolorosa quanto todas as outras emoções que se misturavam em meu peito.
Eu, sinceramente, só queria não ter que me sentir tão perdida.
CAPÍTULO 31

Ao longo do dia eu tive a impressão de que o tempo estava contra nós,


ou melhor, contra mim, que mal podia resolver uma situação complicada sem
que me colocasse em outra. Evitei a companhia de todos os príncipes, mas na
hora do almoço precisei encontrá-los no salão e, para o meu desespero,
Leopoldo ainda estava em Herlain, com um olhar de quem não pensava em ir
embora tão cedo.
Parecia que a minha vida dependeria daquele duelo. De certa forma
muita coisa mudaria com uma suposta morte do Jean, embora ele alegasse o
contrário. No fundo eu estava torcendo para que um milagre acontecesse;
qualquer acontecimento que fizesse o Leopoldo partir e o gênio permanecer
“vivo” em meu mundo. Eu não estava conseguindo lidar com a iminência do
fim de todas as minhas esperanças.
Quanto mais eu raciocinava, menos absurda a proposta do Príncipe
Augusto me parecia. Não que eu possuísse qualquer vontade de me casar com
ele, mas era o meu reino que estava em jogo e a Sarah me incitava, também, a
desconfiança.
Fiquei enclausurada em meu quarto durante toda a tarde, aguardando
o tal milagre, porém nada aconteceu até que percebi que o sol já ameaçava se
pôr. O gênio não apareceu com qualquer notícia, fosse ela boa ou ruim, então
só pude supor que a sua ausência significava que o duelo iria, sim, ocorrer, e
que ele não me queria por perto quando fingisse a sua morte.
Só que eu jamais esperaria sem nada fazer.
Vesti uma capa preta com capuz por cima do vestido, removi os
sapatos e tratei de andar pelo castelo como se fosse uma mera sombra, já que
não queria ter que dar explicações a ninguém. Utilizei o mesmo caminho de
sempre, o mais discreto possível, para alcançar os muros que davam
diretamente para a praia. Não percebi a presença do Efraim ou de qualquer
outro guarda, o que foi bastante esquisito e me fez seguir com ainda mais
rapidez em direção ao local combinado para o duelo.
Fazia um pouco de frio; aquele não era um bom dia para um passeio à
beira do mar. Ainda assim ele estava calmo e reconfortante naquele fim de
tarde aparentemente tranquilo. Entretanto, todo resquício de paz se extinguiu
quando vi algumas pessoas agrupadas adiante.
Corri o mais depressa que pude até alcançá-los. Jean foi o primeiro
que percebeu a minha aproximação e se afastou dos demais para me impedir
de prosseguir.
— Princesa! — ele veio ao meu encontro e segurou os meus ombros.
— Por favor, afaste-se para longe daqui. O duelo já vai começar.
Avistei mais três homens atrás do Jean. Um deles era o Efraim, que
me observava com curiosidade, e dois deles eu não sabia quem eram, mas já
os tinha visto circulando pelo castelo. Não havia nenhum sinal de Leopoldo.
— Onde ele está? — questionei, um tanto desesperada. Aquele duelo
não ocorreria antes de meu apelo, antes que eu fizesse com que ele sentisse a
máxima culpa por estar agindo feito um imbecil. — Onde está Leopoldo?
Jean me segurou com suavidade, mas percebi que também estava
nervoso.
— Calma, Sabine. Ele está a caminho, deve chegar a qualquer
instante.
— E quem são esses? — Àquela altura os três homens me analisavam
sem nada dizer.
— O juiz do duelo — o gênio apontou para um senhor elegante, que
estava sofrendo com o vento que assanhava os seus cabelos grisalhos. — A
testemunha do Príncipe Leopoldo, escolhida por ele — apontou para um
homem mais jovem e com trajes de serviçal. Finalmente o reconheci: era o
acompanhante pessoal do Leopoldo.
— E o Efraim? — apontei em seguida.
Jean deu de ombros.
— Eu o convidei para ser a minha testemunha — inclinou-se em
minha direção e segredou: — Para ser sincero eu não sabia que precisava de
uma e ele era o único que estava por perto. Mas ao menos parece ser de
confiança.
Balancei a cabeça em negativa, olhando feio para o guarda, porém ele
apenas deu de ombros, como se explicasse que não teve muita escolha,
embora pudesse, sim, ter rejeitado o convite.
— E a carta? — perguntei com a voz baixa, aproveitando que o juiz e
a testemunha de Leopoldo iniciaram uma conversa que também parecia
particular. — Não resolveu o problema?
— Não. Ele a leu, depois a amassou e jogou fora. Sequer solicitou que
preparassem o seu navio para a partida — Jean, naquele momento, deixou
aparente o quanto estava bravo. — Ele não pretende ir embora, Sabine.
Percebi quando o gênio prendeu os lábios bem desenhados e fechou o
punho sobre a espada embainhada em sua cintura. Só então notei a presença
dela. O gênio viera preparado para o combate. Passei algum tempo
observando aquela arma com os olhos bem abertos e o coração aos
solavancos. Não era possível que apenas eu estivesse considerando tudo
aquilo um absurdo.
— Vossa Alteza — o acompanhante clareou a garganta,
aproximando-se de nós com bastante educação. — O sol não tarda a se pôr e
temo que o Príncipe Leopoldo se atrase mais devido a algum problema. Não
sei o que pode ter acontecido, mas creio que seja adequado procurá-lo.
— Muito bem — Jean assentiu, permitindo que o homem voltasse
para o castelo. Percebi que usou uma pequena e estreita abertura, que ficava
bem longe da minha passagem secreta e costumava ser vigiada pelo Efraim o
tempo inteiro.
— Acho que ele desistiu — abri um sorriso ao perceber que talvez
aquele duelo não fosse acontecer. A covardia, enfim, pareceu ter atingido um
dos combatentes. — Leopoldo não se atrasaria para uma luta que ele próprio
marcou. Certamente não comparecerá e ficaremos em paz.
— Considero improvável que tenha desistido — Jean murmurou e só
então voltou a me olhar. Talvez porque eu fiquei em silêncio e, de repente,
muito chateada. A minha expressão não era das melhores. — O que houve?
— Como assim o que houve? Você não me chamou e nem me avisou
sobre nada. Se eu não tivesse...
— Sabine, aqui não é lugar para você. Não quero que assista a isso.
Preciso que vá embora antes que o Leôncio apareça.
— Pois eu ficarei aqui e o senhor não me impedirá — desvencilhei-
me de suas mãos, que ameaçaram me segurar, e andei até onde Efraim estava
sentado.
Não fiz a menor cerimônia de me sentar ao seu lado, sobre um
elevado de areia. O guarda real sorriu, meio sem jeito, e percebi que o Jean
permaneceu onde estávamos, passando a andar de um lado para o outro, sem
esconder a impaciência. Nada, muito menos a sua opinião, faria com que eu
fosse embora dali. Creio que o gênio entendeu a minha escolha, pois não
voltou a insistir.
— Vossa Alteza tem conhecimento dos motivos desse duelo? —
Efraim perguntou, puxando assunto para amenizar o clima sombrio em que
nos colocamos. Até a praia começava a inspirar um cenário fúnebre diante de
tanta tensão.
Eu o olhei, admirada, porém aliviada por ele não estar sabendo de
nada.
— Certamente tem a ver com o frágil ego masculino — murmurei em
resposta.
— Disso não há a menor dúvida — ele completou e nós dois rimos.
Em seguida eu não soube mais o que dizer e o guarda também não,
visto que a quietude retornou e eu tratei de buscar algum entendimento
enquanto observava as ondas beijando a praia. Aconcheguei-me na quentura
do tecido da minha capa e soltei um suspiro de exaustão.
As palavras de Augusto ainda reverberavam na minha mente e tudo o
que eu queria era que todos os problemas desaparecessem, de preferência que
eu não precisasse realizar nenhuma escolha. Foi olhando o mar que me dei
conta do quanto eu realmente havia mudado em tantos sentidos.
A antiga Sabine jamais aceitaria prejudicar a própria irmã, de
qualquer forma que fosse, ainda que Sarah merecesse um castigo. Mas lá
estava eu, cada vez mais certa de que ela precisava aprender uma lição. Eu
não deveria ter pena de alguém que não demonstrava a mesma consideração
pelas pessoas.
Augusto me pareceu sincero em tudo o que falou, embora eu ainda
não entendesse direito por qual motivo desejava me desposar. Ele poderia
encontrar uma mulher apta a se casar com ele em qualquer lugar do mundo,
longe de Herlain e de Sarah, que visivelmente o machucou. Por que eu? Por
que só então abriu essa solução, buscou possibilidades para um casamento
entre a gente?
Teria a ver com o meu primeiro pedido e o fato de me considerar
atraente? Mas a Sarah também era muito bonita. Não pude parar de pensar
nos olhares que ele já tinha me oferecido, chegando ao ponto até de me
deixar desconcertada e me fazer querer o seu afastamento. Será que o
Augusto era mais um que fingia ser alguém decente? Eu não podia confiar,
sem qualquer questionamento, em alguém que pretendia trocar de esposa
como quem troca de roupas.
— Está tarde — o tal juiz, que deveria ser algum membro da corte de
Herlain, disse, tirando-me daqueles pensamentos malucos. — Acredito que
não haverá nenhum duelo com o sol tão baixo. Eu vou embora, se me
permitem... — fez uma reverência e sequer esperou por uma confirmação. O
senhor virou as costas e partiu prontamente.
Efraim se ergueu ao meu lado, tratando de remover a areia que grudou
em suas vestes de soldado.
— E eu preciso retornar ao meu posto.
Assenti com a cabeça e ele, após uma reverência para nós dois,
também se foi.
Jean deu de ombros e me olhou. Embora parecesse preocupado, abriu
um sorriso de lado, capaz de tragar o meu fôlego com uma rapidez de
impressionar. Senti-me ainda mais perdida, porém encontrada na mesma
medida. Aquela forte emoção que ele me provocava não me deixava a menor
dúvida do que eu, de fato, queria e necessitava.
Só depois de um tempo foi que percebi que tínhamos sido deixados a
sós. O gênio também deve ter demorado a se dar conta disso, pois só se
aproximou quando sobrava menos da metade do sol para ser mergulhado
dentro do mar.
Assim que se sentou, encostando os nossos corpos propositalmente, o
seu cheiro me invadiu e eu me senti tão bem que parecia que realmente os
problemas haviam desaparecido. Não existia duelos, traições ou
desconfiança, apenas os seus olhos trazendo conforto ao meu espírito.
— No fim das contas ele desistiu — murmurei, tão baixo que o ruído
lento das ondas quase abafou as palavras.
— Estou preocupado — Jean se virou para o mar, admirando a
imensidão à nossa frente. — Isso significa que ele vai manter a discrição ou
que pretende contar a todos o que viu? Alguma coisa está errada, Sabine.
— Não vamos pensar nisso agora — falei, sem parar de olhá-lo com
bastante interesse. Ainda que eu concordasse com ele em relação ao
Leopoldo, os meus pensamentos seguiam por outro caminho.
Jean virou o rosto para mim, um pouco surpreso.
— E no que vamos pensar?
Continuei o encarando.
— Em nós — sussurrei mansamente. — Nas chances que temos.
O gênio fez uma expressão confusa e pude notar resquícios de
desconcerto.
— Do que está falando, Sabine?
— Preciso que você seja honesto — completei, usando o mesmo tom
baixo porque aquele assunto me parecia tão sério e ao mesmo tempo tão
louco que eu sequer sabia se conseguiria lidar com as minhas próprias
palavras. — Há algum modo de... Não sei, libertá-lo dessa lâmpada? Há
como torná-lo humano? Há como... — pausei, lambendo os lábios enquanto
Jean me olhava de um jeito perplexo. — Há como fazê-lo meu?
— Sabine.
Nós dois permanecemos em silêncio. Jean não disse nada além do
meu nome, e em um tom que não significou desaprovação, tampouco
aprovação. Continuei sem saber o que esperar e essa demora passou a me
enlouquecer.
— É claro, se for isso o que você deseja... — completei, dando de
ombros e, enfim, percebendo o quanto eu estava soando patética.
Em nenhum momento Jean deixou aparente qualquer interesse em não
ser mais quem ele é. E por que escolheria uma vida sem magia e mortal, com
todas as limitações que cabem à vida humana? Por minha culpa?
Eu não estava sendo justa. Não podia roubar a sua essência por causa
de uma paixão.
— Perdoe-me, eu... — levantei-me de prontidão, antes que pudesse
me responder. E pelo seu olhar estarrecido, com certeza não tinha encontrado
uma forma de me chamar de patética sem me ofender. — Esqueça o que falei.
O gênio também se levantou, colocando toda a sua altura imponente
diante de mim. Ergueu uma mão espalmada na minha frente e começou a
aproximá-la devagar. Eu não sabia o que ele pretendia, mas juntei a minha
palma à dele e senti como se estivesse flutuando, mesmo que meus pés
continuassem no chão.
Tornei a olhá-lo e vi quando o seu corpo começou a se transformar
em uma luminosidade azulada resplandecente. Prendi a respiração. A
pequena luz que ele já havia me mostrado antes não podia ser comparada
àquela nova. Era maior, mais brilhosa e emanava uma paz absoluta.
Lágrimas brotaram de meus olhos quando eu entendi que aquele era o
Jean em sua forma original. Os brilhos que o compunham se moviam
aleatoriamente, fazendo dele uma criatura viva, pulsante, em pleno
movimento de ser. Não havia rosto ou corpo, apenas luz.
— Princesa Sabine, eu já vivi muitas eras e posso garantir que em
nenhuma delas alguém foi capaz de se importar comigo, sequer de saber o
que realmente desejo — sua voz, ainda que fosse a mesma que eu conhecia,
soava mais melodiosa e impactante, de maneira tal que fiquei hipnotizada ao
ouvi-lo. — Eu agradeço por isso. Mas... — Jean pausou.
Eu sabia que existia uma controvérsia. Era aquele o momento que eu
esperava que ele me colocasse em meu lugar no sentido de me fazer
compreender que aquela ideia era absurda. Continuei esperando, entre
lágrimas, enquanto observava cada minúcia do seu verdadeiro eu.
— Lamento dizer que não é a mim quem você ama — o seu tom saiu
mais grave e sério. — Eu não sei quem sou sem magia. E com ela eu sou
exatamente quem você precisa. — Àquela altura fui capaz apenas de chorar.
Não sabia o que sentir diante de tanta sinceridade. — As pessoas costumam
amar aquilo que acham que precisam. Apegam-se quase como se fosse o ar
que respiram. Lutam por algo que lhes faltam e não percebem que só
precisam de si mesmas para seguir adiante. Não se engane, minha princesa,
eu sou uma ilusão.
E então ele novamente foi se transformando no homem que a minha
mente imaginou. Naquele que eu consideraria perfeito. No meu desejo de
alma.
Balançando a cabeça, negando a ele e a mim mesma, simplesmente
não queria aceitar o que Jean tinha acabado de dizer, embora fizesse todo
sentido.
— Mas você... — solucei. — Eu sei que se envolveu e que também...
corresponde. Mesmo um pouco, sei que...
Suas mãos seguraram o meu rosto. Jean estava tão perto quanto só ele
podia estar.
— É verdade, Sabine. Eu a amo intensamente — murmurou e a
emoção atingiu um nível impensado. O gênio sequer piscou ao dizer aquilo.
— Mas eu sei quem você é. Sei o quanto é meiga e gentil, o quanto é bondosa
e possui um coração grandioso — seus dedos acariciaram os meus lábios com
infinita ternura. — Eu amo cada detalhe seu, desde a inteligência até a maciez
dos cabelos, do modo de olhar à forma como sempre se importa. Louco eu
seria se não tivesse percebido o quanto você é incrível.
Ele enxugou boa parte das lágrimas que escorriam pelo meu rosto e,
devagar, quase como se não soubesse se era correto, tomou os meus lábios
nos seus. Nós nos beijamos com ânsia, como se estivéssemos famintos e
aquela atitude fosse capaz de nos saciar. Eu já não sabia mais se ele tinha me
rejeitado ou me levado de vez para dentro de sua longa história.
Só sei que me senti amada e finalmente compreendi que realmente se
tratava disso.
Amor.
— Princesa Sabine! — ouvi alguém gritando ao longe e precisei
deixar o Jean. O momento se quebrou em milhões de pedacinhos e
infelizmente nos afastamos, porém as suas palavras jamais seriam esquecidas.
— Princesa!
Estava um pouco escuro ao nosso redor, mas os poucos raios solares
permitiram que visualizássemos o Efraim. Ele percorria a faixa de areia
depressa, a fim de nos encontrar. Quando, enfim, se aproximou, estava
ofegante e com o olhar apavorado.
— O que houve, Efraim? — questionei, confusa. — Por que veio
correndo?
O guarda real aprumou o corpo e, um pouco recuperado, soltou:
— O Príncipe Leopoldo está morto.
Bambeei para trás, tonteando, com a mão segurando o coração e a
sensação de ter sido tragada para a irrealidade. Não podia ser possível. Não
era verdade. Se fosse, então... Como? Por quê?
A minha visão começou a escurecer e o Jean precisou me segurar,
caso contrário eu teria mergulhado na areia da praia, completamente sem
forças.
CAPÍTULO 32

O Rei Cedric IV ordenou que o castelo de Herlain fosse


completamente fechado. Vi, pela primeira vez, os grandes portões de entrada
serem trancados, bem como todas as saídas que davam para os jardins e áreas
adjacentes. Ninguém mais poderia sair. Não era permitida a entrada de
qualquer pessoa, ainda que fosse membro da corte ou visitante. O Rei foi
extremamente taxativo ao dar essa ordem e também ao solicitar que todos
ocupassem o salão principal.
Jean e eu nos mantivemos próximos, mesmo que não tanto quanto eu
queria naquele momento tão sombrio. As pessoas se entreolhavam, muitas
sem saber o que estava acontecendo e outras cochichando as mais variadas
indagações Meus dedos enroscavam o tecido da minha capa. Eu não
conseguia controlar o nervosismo, mas as coisas ficaram piores quando a
Rainha Alexandra finalmente notou a minha presença em um canto do salão e
me analisou de cima a baixo. Claro que percebeu que eu estava despenteada,
sem sapatos, vestida inapropriadamente e com a barra das vestes suja de areia
da praia.
Sem que eu pudesse recuar, vi quando se aproximou, tentando ao
máximo ser discreta para não chamar a atenção. No entanto, ela era a rainha e
alguns olhares a acompanharam, ainda que de modo furtivo.
— Onde estava, Sabine? — mamãe cochichou, mantendo um timbre
baixo, porém quase ofensivo. O seu descontentamento era visível e me
deixou perturbada porque... Aquele tom era acusatório. Olhei-a,
desconfortável, sem acreditar que ela pudesse desconfiar da própria filha.
Afinal, um homem acabou de morrer e, a tirar pela sua boa saúde, certamente
alguém o matou. — Não ouse me fazer repetir a pergunta.
— Passeando na praia — respondi, estarrecida, sem saber mais o que
dizer. Eu não encontrava qualquer forma para lidar com mamãe àquela altura.
Parecia que estava em um pesadelo horripilante.
Alexandra não mudou a expressão diante de minha resposta.
— Retire esta capa imunda e peça a Naná para que organize os seus
cabelos — completou, sem me olhar, como se estivesse no auge da vergonha.
— Está parecendo uma plebeia.
Quando ela se virou, a fim de se distanciar, seus olhos pararam em
algum ponto no salão e eu não compreendi por que mamãe ficou tão
espantada de repente. Guiei meus olhos na mesma direção dos dela e acabei
encontrando o Jean. Mamãe olhava especificamente para as botas dele, que,
por sinal, também estavam sujas de areia. O meu coração acelerou tanto que
eu achei que fosse desmaiar.
A Rainha Alexandra se virou para mim novamente e mais uma vez
reparou na barra do meu vestido. Quando ela estava prestes a dizer alguma
coisa, o Rei irrompeu pelo salão principal, sendo seguido por um punhado de
guardas e serviçais. Todos observaram atentamente enquanto papai seguia,
com a cabeça erguida e a expressão séria, para o topo do trono.
Mamãe me olhou, com raiva, antes de seguir para o trono também.
Eu não sabia mais o que pensar e não encontrava qualquer argumento
para me defender das acusações implícitas em seu olhar sempre atento. Foi
com o coração agitado e uma terrível sensação de sufocamento que
acompanhei os passos do meu pai, que certamente daria as informações
necessárias a todos e tomaria alguma medida diante do assombroso fato que
assolara Herlain.
Papai era um homem extremamente justo e preocupado com o bem de
todos ao seu redor, por isso eu sabia que não deixaria uma morte passar
despercebida.
— Senhoras e senhores... — o Rei bradou assim que se posicionou de
pé, no centro do trono. As pessoas já estavam quietas antes mesmo de
ouvirem sua voz, mas ainda assim o silêncio se intensificou. — É com muito
pesar que informo que o Príncipe Leopoldo foi encontrado sem vida em seus
aposentos, neste final de tarde.
Não houve um semblante que não tivesse sido tomado pelo
estarrecimento naquele instante. Alguns mais sensíveis levaram a mão à boca,
chocados, outros retomaram os cochichos e ainda houve os que ficaram
muito quietos, como eu. Por uns segundos a única coisa que consegui ouvir
foi o retumbar acelerado do meu coração.
Não dava para acreditar que o Príncipe Leopoldo estava morto, por
isso os meus olhos marejaram. Nas últimas horas eu quase enlouqueci de
ódio do sujeito, é bem verdade, mas não significava que eu o queria sem vida.
Somente gostaria que me deixasse em paz. Sem contar que eu o havia beijado
na noite anterior, então me sentia profundamente estranha com tudo aquilo.
Parecia uma grande mentira.
— Peço a compreensão de todos quanto as novas regras do castelo —
papai continuou, com a costumeira voz grave e o porte respeitoso. — Até que
descubramos o que aconteceu com o Príncipe, não será permitida a saída de
ninguém, seja membro da corte ou da realeza, seja guarda, serviçal ou
visitantes.
Os cochichos retornaram, daquela vez com mais intensidade.
Algumas perguntas foram jogadas ao ar, mas o rei, por sua vez, apenas
completou:
— O jantar será servido e, logo em seguida, todos deverão se recolher
aos seus aposentos por medida de segurança!
Claro que ele não diria que o Príncipe foi assassinado em pleno salão,
pois essa atitude com certeza geraria o caos, mas nada me tirava isso da
cabeça, já que não haveria necessidade de trancar o castelo se a morte tivesse
sido natural. Eu estava desconfiada até da minha própria sombra e sentindo o
pavor crescendo gradativamente. Olhando entre a multidão, procurava algum
olhar suspeito, alguém que, por ventura, pudesse ter qualquer desavença com
o Leopoldo.
Mas os únicos que poderiam desejar o sumiço dele era o Jean e eu. A
notícia não era boa.
Papai se retirou do salão tão logo deu os avisos. Tentei acompanhá-lo,
em busca de mais informações preciosas, porém fui impedida pela mão do
Jean, que segurou a minha no último instante. Quando nossos olhares se
encontraram, ele nada disse, mas fui capaz de entender que gostaria que eu
me mantivesse discreta, caso contrário poderia colocar tudo a perder. Sem
saída, não pude fazer nada além de seguir as pessoas que se direcionavam
para o salão de jantar.
Como mamãe solicitou, retirei o capuz e o entreguei a Madame Naná,
que parecia muito aflita com o que estava acontecendo, tanto que mal olhou
para mim. Fiz o possível para me manter apresentável durante aquela refeição
silenciosa, feita sem a presença do Rei e, por este motivo, sob o comando da
Rainha.
Mal consegui ingerir a comida, embora ela estivesse realmente
saborosa. Não conseguia disfarçar a minha angústia. Em algum momento
tentei novamente encontrar um olhar suspeito e me deparei com o Príncipe
Dionísio, sentado à minha frente, do outro lado da longa mesa. Ele sorriu
para mim, no entanto, o sorriso não chegou aos olhos e acredito que não fiz a
melhor das expressões, já que ele desviou o rosto prontamente. Eu não estava
no clima para pretendentes. Na verdade gostaria que todos fossem embora
naquele instante e jamais retornassem.
Sentia que estava perdendo o tempo deles e o meu também.
Quando mamãe deu por encerrado o jantar, todos se retiraram em um
silêncio esquisito. Eu só queria descansar um pouco, mas pelo visto aquele
dia maluco não havia terminado, reservava-me muito mais emoções
controversas. Uma delas surgiu quando o Príncipe Augusto aproveitou a
distração de todos a nossa volta e veio ter comigo na saída do corredor que
me levaria para a próxima torre.
Naná nem percebeu que estacionei, continuou andando distraidamente
corredor adentro.
— Já pensou na proposta? — ele falou baixo, quase sem me olhar,
disfarçando como pôde.
— Este não é um bom momento, Príncipe Augusto.
— Temo que não demorarei muitos dias mais em Herlain.
Eu o encarei com surpresa, sem saber o que aquela notícia significava.
— Por qual motivo?
— Não é óbvio? Há um assassino entre nós, com toda certeza. Não
ficarei aqui para ser o próximo.
— E por que o senhor acha que seria o próximo?
Augusto deu de ombros. Olhava para os lados como se a qualquer
momento alguém fosse nos descobrir ali.
— Não sei. Preciso de uma resposta o quanto antes, Sabine.
— A minha resposta neste momento é um grande e tremendo não —
soltei sem raciocinar, tomada pela raiva, angústia e confusão. Sinceramente,
não me importava com ele. Depois da confissão do Jean e da consciência de
que todos nós um dia morreremos, importava-me menos ainda do que antes.
O Príncipe finalmente virou o rosto para mim, chocado com minhas
duras palavras. Não fui capaz de sentir qualquer arrependimento.
— Por quê? O que fiz para deixar a senhorita desta maneira?
— Não gosto da ideia de montar uma armadilha para Sarah, eu não
sou este tipo de pessoa — falei depressa, antes que me arrependesse. Mas
medidas drásticas necessitavam de atitudes drásticas e eu precisava me impor
no momento certo, do contrário permitiria que os outros decidissem os rumos
da minha vida por mim. — Também não considero correto que rompa um
casamento iminente para mudar de noiva. Se não quer se casar com ela então
resolva isso sem me envolver.
Augusto assentiu, por fim, libertando-me. Por um segundo achei que
ele fosse me ameaçar ou agir de alguma forma absurda, mas não foi o que
fez, muito pelo contrário. Aparentemente triste, apenas soltou, em um
sussurro:
— A senhorita só provou, mais uma vez, que fiz uma escolha
incorreta — seus olhos vagaram pelo salão e logo em seguida estacionaram
sobre mim, fixos e intensos. — Eu ficaria extremamente desconfiado se
aceitasse a proposta. A senhorita é bondosa, incapaz de uma atitude negativa.
Agora sei e me arrependo amargamente pelo que fiz.
Só que eu estava em alerta e não deixei passar o que poderia haver
por trás do que falou.
— Isso foi uma armadilha? — ergui uma sobrancelha. A raiva se
intensificou ao perceber que Augusto estava apenas me testando aquele
tempo todo.
E eu passei o dia inteiro pensando em suas palavras, em vão!
— Eu realmente gostaria de desposá-la e...
— Saia do meu caminho — resmunguei, decidida e bastante chateada.
Estava cansada das pessoas ao meu redor. Mamãe, Sarah, Príncipe
Leopoldo... Havia muita gente de caráter questionável perto de mim, o que só
me irritava. — Se possível, deixe Herlain o quanto antes. Está claro que não
se importa com a minha irmã e muito menos com o nosso povo. Apenas vá
embora, Príncipe Augusto. Seu lugar não é aqui.
— Sabine... — ele segurou a minha mão, aproximando-se, porém me
desvencilhei. — Perdoe-me, não queria deixá-la chateada desta forma. É
verdade que a quero em minha vida.
— E é bem verdade que eu o quero longe da minha — completei,
impaciente, depois virei as costas e segui rumo aos meus aposentos às
pressas. Precisava alcançar a Naná antes que ela percebesse o meu sumiço e
se preocupasse.
No entanto, antes que encontrasse a minha dama de companhia, dois
guardas reais se aproximaram, interceptando-me.
— Princesa Sabine, o Rei Cedric gostaria de vê-la na sala de reuniões
— um deles disse com seriedade, quase como se fosse incapaz de sentir
qualquer emoção. — Queira nos acompanhar, por favor.
Eu não fazia ideia do que o papai queria comigo, mas fiquei nervosa e
logo me acometeu a sensação de que alguma coisa estava muito errada. Sem
qualquer alternativa, segui os dois guardas em silêncio, apreensiva. Um deles
abriu a porta da sala e apontou para dentro, pedindo para que eu entrasse.
Fiquei ainda mais assustada quando encontrei não somente o meu pai, mas a
minha mãe, outros dois guardas e, para o meu total estarrecimento, o Jean.
A porta se fechou atrás de mim e só então os meus pais me olharam.
Mamãe parecia revoltada, o que não era tão incomum, e o meu pai tinha a
aparência de quem não dormia há várias noites. Observei o Jean; ele estava
um pouco acuado no canto da sala, como se evitasse chamar a atenção para
si.
— O que está acontecendo?
— Minha filha... — papai se aproximou e quanto mais eu o olhava
mais compreendia que algo muito sério ocorrera. Ele repousou as mãos em
meus ombros, encarando-me seriamente. — Você esteve na praia antes...
Antes de tomarmos conhecimento da morte do Príncipe Leopoldo?
Olhei para minha mãe por trás dele. Fiz o possível para não fazer uma
careta ao observá-la, porque certamente a informação foi repassada através
dela e aquele seria o momento em que ambos descobririam que eu estive com
o Jean o tempo todo. Sentia o meu rosto congelar como se estivéssemos em
pleno inverno, mas não ousaria negar nenhum fato.
— S-Sim, papai.
O Rei soltou o ar dos pulmões, porém não se afastou.
— Em companhia do Príncipe Jean?
Daquela vez precisei olhar para o gênio. Ele me encarava de volta e,
por um momento, quis ter o dom de adivinhar os seus pensamentos.
— Sim — afirmei com a cabeça erguida, porque era o que me restava.
— É verdade que o Príncipe Jean e o Príncipe Leopoldo tinham um
duelo marcado para... — papai engoliu em seco — a defesa de sua honra,
minha filha?
Os meus olhos estavam quase escapulindo pelas órbitas de tão abertos
que se encontravam. Eu não sabia exatamente onde o papai queria chegar, no
entanto, supus que aquele caminho era bastante perigoso a ser seguido.
— Não há honra alguma para ser defendida — murmurei, temerosa,
fazendo o possível para me manter segura. — Leopoldo apenas se indignou
ao perceber que estava perdendo o meu apreço e marcou um duelo sem
sentido com o Príncipe Jean.
Papai passou longos segundos me olhando. Até que, enfim,
questionou:
— Quem mais estava na praia?
— O juiz, de quem desconheço o nome, e o acompanhante particular
do Príncipe Leopoldo. Ah, e o... — olhei para um dos guardas, que
mantinham as cabeças voltadas para o chão, e paralisei. Não queria envolver
o Efraim naquilo. Papai certamente o castigaria se soubesse que deixou o seu
posto para testemunhar um duelo. — E o Jean — desconversei rapidamente.
— Leopoldo não compareceu e minutos depois soubemos de sua morte. O
que aconteceu, papai?
— Além de um assassinato debaixo do meu nariz e um duelo
completamente clandestino? — ele pareceu chateado pela primeira vez desde
que entrei no recinto. Mamãe continuou calada, mas nos olhava com atenção.
— Não consigo imaginar. Talvez você saiba muito mais do que eu.
— Não sei mais do que já falei.
— Talvez saiba que o Príncipe Leopoldo, na verdade, foi encontrado
a caminho da praia, no último jardim, não em seus aposentos. Havia areia por
toda parte, a mesma que manchou o seu vestido e as botas do Príncipe Jean
— o Rei virou para trás a fim de apontar o gênio. — Golpe de espada,
atravessando o peito. — Aquela nova informação me fez arquejar e os meus
olhos marejaram instantaneamente. Que morte terrível a do Leopoldo! —
Pelo que sei apenas um cavalheiro empunhava uma espada sem permissão
dentro do castelo hoje — ele ainda encarava o Jean.
— O-O que... está supondo, meu pai?
— Estou supondo que este homem — afastou-se de mim para se
aproximar do Jean — tinha um grande motivo para cometer um assassinato
covarde, visto que o golpe veio pela retaguarda.
Oh, meu Deus. Leopoldo sequer teve conhecimento de quem o
apunhalou?
— Com todo respeito, Vossa Majestade, mas não fui eu — Jean falou,
visivelmente apreensivo. Eu o olhei, apavorada. — Estava aguardando o
Príncipe Leopoldo para uma luta justa e tenho testemunhas.
— Justa? O senhor sabe que é proibido duelar nas terras de Herlain
sem a autorização do Rei?
— Confesso que não.
— Assim como não é permitido um homem andar armado pelo
castelo sem minha permissão. Não me recordo de receber nenhuma
solicitação de sua parte desde que chegou.
— Eu não sabia que...
— E tenho fontes confiáveis que dizem que o senhor, de maneira
inescrupulosa, tenta seduzir as minhas duas filhas simultaneamente.
Naquele momento um quase desmaio me fez tontear. Minhas pernas
enfraqueceram e só não fui ao chão porque me apoiei na enorme mesa da sala
de reuniões.
— Isso é um absurdo! — falei mais alto, tomando para mim todas as
atenções. O Rei me olhou como se não pudesse conter tanta decepção. Por
um segundo me senti tão terrivelmente sozinha que comecei a chorar. — Essa
fonte não é confiável, trata-se apenas de um imbecil que está prestes a largar
a Sarah no altar.
— O que disse? — mamãe perguntou, levando as duas mãos ao peito.
— Oh... Cedric, isso não... Oh...
— O que o Príncipe Augusto tem a ver com isso? — papai
questionou, coçando os cabelos grisalhos por entre a coroa de aparência
pesada. Parecia atônito, como se tivesse sido golpeado sem aviso. — O que...
Quem lhe deu essa informação, Sabine?
— O-O... S-Senhor não se referia ao Príncipe Augusto?
— Não — ele se manteve atento a mim.
— Então a quem?
Não poderia imaginar quem estava por trás daquilo sem que fosse o
próprio Augusto. Quem mais saberia dos seus ciúmes na noite anterior além
de mim ou do próprio Leopoldo, que fora fatalmente morto?
A não ser que ele contou antes de morrer.
Mas quem poderia tê-lo matado?
— Augusto pretende abandonar a sua irmã no altar e você diz isso
aqui, assim, agora? Como soube deste disparate? — a Rainha ainda estava
chocada, até que parou e me olhou com ferocidade. — É mentira, não é? Eu
sabia! Sabia que você não passava de uma fingida e invejosa. Está tentando o
que pode para destruir a felicidade da Sarah, derramando sobre nós o seu
veneno.
Eu fiquei tão surpresa com as palavras de mamãe que não consegui
sequer abrir a boca. Balancei a cabeça em negativa, alucinadamente,
começando a andar para trás porque queria tomar muita distância de uma
pessoa que deveria me dar apoio e amor, mas que só me oferecia ofensas,
desconfiança e ódio.
— É verdade, Sabine? — papai me olhava com profunda tristeza.
Continuei balançando a cabeça, aos prantos.
— Se não acreditam em mim, o que estou fazendo aqui? — soltei a
pergunta em meio a soluços. Com as mãos trêmulas, retirei a minha própria
coroa, grudada ao cabelo de uma maneira desleixada, pois foi o que consegui
fazer sozinha. — Direi apenas mais uma vez: passei o dia inteiro com o Jean,
ele não fez nada contra Leopoldo — menti, afinal, havia passado boa parte da
tarde longe dele, mas colocava a minha mão no fogo pelo gênio e por este
motivo não me senti culpada. Tomei fôlego para prosseguir: — A partir deste
momento, a Sarah é a única filha de vocês e única herdeira de Herlain —
completei, sentindo-me derrotada. — Eu não quero ter nada a ver com este
ultraje.
— Sabine, não é desta forma que as coisas se resolvem! — papai
bradou naquele tom de ordem que costumava usar toda vez que exigia ser
respeitado. — Não seja infantil. Coloque esta coroa de volta imediatamente.
Mas eu apenas a deixei cair no chão. Estava trêmula, no limite dos
meus nervos, e sequer sabia se as minhas atitudes eram corretas, mas não
permaneceria naquele lugar por mais nenhum segundo enquanto eles me
apontassem o dedo daquele jeito sujo. Os meus próprios pais estavam contra
mim e eles eram a mais pura representação de Herlain, sendo assim, ali não
era o meu lugar.
— Estou cansada de tentar fazer o melhor para Herlain. Façam o que
desejarem, pensem o que quiserem ao meu respeito — murmurei de uma
maneira tão sofrida que quase pude sentir o meu coração partindo. — Só me
deixem em paz.
Caminhei a passos largos até a porta, certa de que o Rei ordenaria
para que algum guarda me acompanhasse, porém isso não aconteceu.
Consegui sair da mesma maneira como entrei, em silêncio e com a cabeça
erguida. Não sabia o que aconteceria com o Jean, mas ele era capaz de se
cuidar e, pelo visto, minha presença só piorou as coisas para ele. Eu queria
sumir enquanto atravessava o corredor da sala de reuniões, ainda sem que
nenhum soldado me acompanhasse.
Sabia exatamente o que fazer quando chegasse ao meu quarto. Pegaria
a lâmpada mágica e faria, de uma vez, o meu último pedido: desaparecer de
Herlain para sempre, sem deixar qualquer vestígio de minha existência.
Era o meu mais novo desejo de alma.
CAPÍTULO 33

Eu não possuía muito senso de direção naquele momento, só estava


envolta a enorme necessidade de sair daquele castelo o quanto antes, porque
no fim das contas nada mais me importava. Tantos anos da minha vida gastos
apenas para agradar os outros e só receber ofensas e desconfiança em retorno.
Não queria mais ter que lidar com o peso da coroa, nem com nenhum
membro da realeza, nem com absolutamente nada que tivesse a ver com
Herlain. Chegara ao meu limite.
Eu adorava aquelas terras e amava o meu povo, não havia a menor
dúvida de que seria capaz de tudo, como fui até aquele momento, para
garantir um futuro glorioso para toda ilha, mas admiti a mim mesma que não
era capaz de prosseguir se não havia ninguém que estivesse ao meu favor,
nem mesmo as pessoas que deveriam estar ao meu lado. Portanto, não tinha o
que ser feito além de recuar.
Assim que alcancei o meu aposento segui diretamente para o leito, a
fim de pegar a lâmpada mágica e resolver a situação de uma vez por todas.
As lágrimas tomavam o meu rosto, um desespero insuportável fazia com que
eu pouco raciocinasse. Pensar no gênio só me angustiava mais; apesar de
dizer com todas as letras que me amava, deixou claro que um envolvimento
entre nós seria impossível. Então para quê nutrir qualquer esperança? Para
quê adiar o fim?
Talvez só estivesse me enganando, como fiz durante todo o tempo em
que tentei ser uma princesa adequada. A minha vida não passava de uma
mentira que eu contava para mim mesma.
Retirei todas as mantas de cima da cama, mas não encontrei o objeto
mágico em parte alguma, então comecei a me desesperar ainda mais. Eu o
tinha deixado ali, com certeza. Sem querer acreditar que alguém estava por
trás do sumiço da lâmpada, passei a revirar o quarto sem o menor cuidado,
tirando todas as coisas do lugar. Procurei feito uma alucinada, aos prantos,
desesperadamente.
Por fim, caí de joelhos no chão. Estava vencida. Nem mesmo tinha
direito a um último pedido. Não duvidava de que o Jean também fosse
retirado de mim sem sequer uma despedida decente. Eu estava tão
desesperançosa que demorei a notar quando o gênio surgiu perto de mim e
ficou calado, talvez esperando que o choro fosse controlado ou que do nada
encontrasse forças. Eu não tinha tanta certeza se seria capaz de superar tudo.
O que havia conseguido até então?
Nada.
Nada por mim ao menos.
A não ser ele.
Encarei-o e devo ter demonstrado tanta tristeza que o Jean fez uma
expressão pesarosa. Imediatamente, ajoelhou-se à minha frente e me abraçou
com bastante força. Deixei-me levar por aquele abraço, chorando
copiosamente porque não sabia o que faria sem a sua presença, seu o seu
cheiro, sem ele todo na minha vida. O que me restaria?
— Acabou, Jean... — choraminguei, com a voz falhando de tão
embargada. — Não há nada para mim em Herlain. Nada!
— Acalme-se, Sabine — ele se afastou apenas para me olhar de perto.
— Tudo vai ficar bem. Você vai ver.
— Não vejo como poderia ficar... — prossigo, ainda muito abalada,
mesmo que suas palavras, de alguma forma, fossem capazes de me acalmar
um pouco. — Meus pais me detestam e... Perdi a lâmpada mágica!
— A senhorita não perdeu.
Jean dá de ombros e, devagar, mostra o objeto em sua mão. Eu o
encaro, sem entender. Por que a pegou sem avisar? O que estava fazendo? As
dúvidas certamente ficaram visíveis em meus olhos, pois ele se adiantou em
respondê-las:
— Não posso permitir que faça o último pedido sem raciocinar,
tomada pela raiva e tristeza.
Continuo o encarando, sem nada dizer. Um lado meu sabia que ele
tinha razão, porém o outro se mantinha desesperado e não encontrava saídas
sem ser através daquele objeto tão valioso. Jean se levantou devagar e
estendeu a mão para mim. Fiquei olhando para ela por alguns instantes, mas
em seguida decidi receber a sua ajuda para me levantar também.
Soltei um longo e audível suspiro quando nos colocamos frente a
frente. Eu não sabia o que fazer. Era certo que papai daria um jeito de mandar
soldados, ou até mesmo vir pessoalmente, para conferir a minha situação.
Além de tudo, não havia muito tempo. Precisava fugir o quanto antes.
— Confia em mim? — Jean perguntou em um sussurro.
Assenti e novas lágrimas escorreram pelo meu rosto.
— Confio.
— Então vem comigo — começou a andar para trás, puxando-me
junto com ele.
— Para onde?
— Para o meu mundo.
Não tive muito tempo para pensar ou reagir. Quando demos o
próximo passo, já não existia mais os meus aposentos e nem nada que me
fosse reconhecível. Tudo ao nosso redor desapareceu e de repente me vi em
um jardim infinito, com muitas flores coloridas e uma vegetação
impressionante. O sol aquecia de um jeito surreal e não soube explicar como,
já que em Herlain já era noite.
Tudo brilhava. Tudo emanava paz.
Jean já não estava mais com seus trajes de príncipe. Naquele
momento, diante de mim, trajava as vestes coloridas que exibiam o seu corpo
másculo em partes impensáveis, as mesmas que usava quando o conheci.
Percebi que os meus trajes também não eram os de antes; haviam se
transformado naqueles tecidos brilhantes e finos que o gênio me mostrara
uma vez, mas que fiquei morta de vergonha na ocasião.
Muita coisa tinha mudado dentro de mim desde aquela época. Sequer
cheguei perto de me sentir exposta ou vulnerável. Jean fazia com que me
sentisse à vontade, talvez pela intimidade que já compartilhamos. O meu
corpo seminu não me deixava constrangida.
— Que... Fantástico, Jean! É tudo tão... brilhante! — comecei a
caminhar por todos os lados quando o gênio soltou as minhas mãos.
Adiante havia uma espécie de leito, no meio do jardim mesmo,
coberto por tecidos diferentes que pareciam bailar ao sabor do vento.
Aproximei-me do local e me deitei com despreocupação. A cama me abraçou
como se sentisse verdadeiro carinho por mim. Era muito confortável! Ao
lado, surgiu uma mesa de tamanho médio, que magicamente começou a se
preencher com frutas e toda variedade de comida.
— Nossa! Como...?
Jean sorriu.
— A senhorita deve estar cansada e com fome — falou de um jeito
divertido, pegando uma maçã sobre a tal mesa e a mordendo com vontade,
provocando um ruído que me deu água na boca. Peguei uma maçã também,
impressionada, e ao mordê-la jurei que nunca tinha comido uma fruta tão
saborosa.
— Que delícia!
O gênio apontou para o vasto jardim diante de nós.
— Gostou?
— É incrível, Jean. Este é o seu mundo?
Ele aquiesceu devagar, mas logo percebi que havia um pouco de
receio em sua expressão. Uma espécie de tristeza que consegui detectar.
— O que houve? Algo errado?
Voltou a sorrir, mas não soou convincente. Mordi a maçã mais uma
vez, porque realmente estava faminta. Quase não comi nada no almoço e as
fortes emoções daquele dia ainda me traziam muitas consequências.
— No meu mundo qualquer coisa é possível. Desta forma consigo
passar tantas eras preso à lâmpada sem enlouquecer... Quer dizer, pela maior
parte do tempo.
— Então você... Tem tudo o que quer aqui? — Era impressionante.
Eu não sabia como seria viver daquela forma, com todas as coisas ao dispor.
— O que eu desejar se materializa instantaneamente. Pessoas,
comida, objetos... Cenários... — Instantaneamente, o jardim deu lugar a uma
construção na cor branca, coberta por uma tapeçaria dourada. Parecia um tipo
de quarto, já que a cama permanecera intacta, bem como a mesa farta, mas
feito de um material que eu desconhecia e que brilhava como todo o resto.
Nada semelhante às rochas escurecidas e gélidas do castelo de
Herlain.
— Minha nossa! É... — eu estava prestes a soltar mais um elogio
quando reparei, de novo, a expressão entristecida do Jean. Larguei a maçã de
volta na mesa e me virei em sua direção, encarando-o fixamente. — Fale-me
por que está assim... Por favor. Diante de tantas coisas incríveis...
— O seu mundo me parece muito mais especial, Sabine — ele
murmurou, tocando-me o rosto.
— Não vejo modo algum de isso ser possível, Jean. Este lugar é
mágico! — eu me afastei um pouco, mas puxei sua mão como ele tinha feito
comigo, como se o convidasse a me mostrar mais. — Agora entendo a sua
pressa em retornar.
— Não tenho pressa em retornar — a sua voz se tornou ainda mais
grave. Jean estava tão sério que não pude deixar de me preocupar. — Como
falei, o seu mundo é mais atraente.
— Por quê?
— Porque é real. Nada disso aqui é real, Sabine, é apenas magia. Não
há vida, não há verdade... E eu faço parte dessa ilusão.
— Pare com isso, Jean. Você não é uma ilusão. Para mim você é...
tudo — arquejei, um pouco constrangida, mas nada me faria deixar de ser
sincera naquele momento. O gênio precisava me compreender. — De alguma
forma você existe, não importa onde ou como. E, ao contrário do que pensa,
eu o amo, sim.
Achei que fosse questionar ou me contradizer, mas o gênio apenas
abriu um leve sorriso. Continuei o puxando, mas ele estacionou e me puxou
para si. O gesto foi um tanto brusco e me vi em seus braços em um segundo.
Nossos corpos se encostaram em vários pontos ao mesmo tempo. Precisei
suspender a respiração ao observar os seus olhos escuros tão de perto. Jean
estava ainda mais lindo naquele lugar, como se fizesse parte dali, um encaixe
perfeito.
— Repete... — murmurou com os lábios quase nos meus.
— Eu o amo. Profundamente.
Suas mãos grandes envolveram as laterais da minha cabeça, como se
uma nova necessidade acabasse de surgir em seu âmago.
— A senhorita está cansada e precisa descansar... — sussurrou com
tanta lentidão que senti o meu corpo relaxando gradativamente. — Farei com
que viva um sonho bom, que obtenha tudo o que desejar aqui, mas depois a
realidade a alcançará e precisa estar pronta, Sabine. O futuro de Herlain
depende de você.
— Mas...
— Não abra mão do que é real.
— Desde que não precise abrir mão de você — completei, agarrando-
o também. — Afinal, o meu amor é real. É tudo o que possuo agora, Jean.
Você é o que eu quero, tenho certeza.
O gênio, então, abriu um sorriso.
— Eu sei... — encostou a sua testa na minha e fechou os olhos.
Suspirou quase como se sofresse. — Agora que nada mais se materializou, eu
acredito.
— Não me diga que não acreditava antes, por favor. Não aguento
mais ser desacreditada por mais ninguém.
— Sabine... Não é isso, é que... É complicado para mim. Passei muito
tempo sozinho, sem que ninguém se importasse, prisioneiro da magia.
— Você não está mais sozinho... — murmurei perto de seu ouvido e
senti quando se arrepiou. — Eu me importo.
Jean inclinou o rosto e finalmente nos beijamos. Pode parecer loucura
que atingíssemos outro patamar, um que ia muito além de tudo o que já
passamos, mas os nossos beijos trocados se tornavam ainda mais intensos,
ganhavam uma profundidade difícil de compreender e o meu desejo só se
intensificava. Eu só era capaz de sentir uma grande paz e o amor brilhando
em meu peito como uma chama viva.
— Eu a amo... Com toda complexidade do meu ser — Jean murmurou
em meus lábios antes de tomar fôlego e me erguer em seus braços. Abri as
pernas ao seu redor enquanto ele me guiava na direção da cama brilhante.
Naquele instante estava tão emocionada que não evitei que as lágrimas se
derramassem.
Daquela vez, chorava pelo motivo extremo oposto ao anterior.
Chorava por ser tão profundamente amada por aquela criatura.
Jean me depositou sobre o leito com a maior delicadeza e logo em
seguida o seu corpo enorme foi prostrado sobre mim. As suas carícias e os
seus beijos me deixaram alheia a qualquer maldade que já me atingiu na vida.
Esqueci-me de todos os problemas, de todas as dores e dos motivos que eu
possuía para sumir.
Não queria sumir. Só queria ser dele. E, mais uma vez, eu fui.
CAPÍTULO 34

Incrível como eu sempre estava disposta a receber as suas carícias


intensas; a facilidade com que eu me entregava a ele, de corpo e alma, era um
choque até mesmo para mim. Achei que em algum momento nos cansaríamos
de ter nossos corpos grudados, buscando o prazer mútuo, arrancando do outro
suspiros e gemidos como se nada mais nos importasse, como se problemas
sequer existissem. Mas não foi o que aconteceu mesmo uma semana depois
de estar reclusa no mundo mágico do Jean.
Aquele descanso estava sendo muito bem-vindo, um verdadeiro
presente para alguém que não aguentava mais a vida que levava em Herlain.
Não que estivesse de fato descansando; o gênio era ótimo em me fazer
alcançar vários limites corporais. Quando achava que já sabia tudo sobre o
sexo, ele surgia com uma novidade que só me deixava ainda mais louca. Em
pouco tempo me tornei viciada e todo e qualquer receio referente ao ritual da
procriação simplesmente parou de fazer sentido.
Queria sempre mais o tempo inteiro.
Fazia alguns dias que desisti de usar as minhas vestes. Caminhava
totalmente despida dentro do mundo mágico, saboreando a liberdade plena
como nunca me foi permitido. Era gratificante estar tão à vontade com minha
própria companhia e, claro, com a companhia do Jean. A cada instante eu
percebia que não poderia haver volta: eu estava apaixonada e o tinha como o
meu verdadeiro amor, aquele que eu queria até o fim dos meus dias, ainda
que fosse um desejo complicado.
Sobre o seu corpo suado, enquanto movimentava os meus quadris em
todas as direções, era quando a certeza me invadia em um nível absurdo e a
emoção explodia em forma de orgasmo. Portanto eu adorava repetir esse feito
e era o que fazia em mais um de nossos momentos; montava em seu corpo e
me chacoalhava até me libertar de toda consciência. Eu atingia o ápice do
prazer, da vulnerabilidade e do amor.
— Sabine... — Jean começou a se movimentar abaixo de mim,
enquanto segurava a minha cintura. Os choques dos nossos corpos eram tão
intensos que faziam um barulho delicioso. Eu estava exausta, principalmente
após atingir o clímax, mas aquele gênio perfeito não me largou um só
segundo e não permitiu o afastamento. — Continue... Continue!
Ele havia materializado um cenário perfeito de uma das praias
desertas de Herlain. Estávamos sobre uma rocha grande, sendo iluminados
pelos raios de sol muito bem-vindos, que magicamente não castigavam a
minha pele. A brisa era fresca na medida certa, como se estivéssemos em
pleno verão, e o ruído do mar nos embalava com suas ondas tranquilas. Os
meus cabelos se remexiam ao sabor do vento e dos meus próprios
movimentos, libidinosos, ousados. Os meus seios subiam e desciam com
desenvoltura, como se fizessem parte de todo o cenário.
Jean os agarrou com certa força e se inclinou para frente, sentando-se
apenas para ter acesso à minha boca. Os nossos beijos mudaram nos últimos
dias. Tornaram-se mais intensos e saborosos, mais especiais, revelando uma
intimidade que chegava a me emocionar em muitos momentos. Apenas uma
certeza circulava em minha mente: eu não queria voltar à realidade.
— Gostosa... — ele murmurou perto do meu ouvido, depois
mordiscou a minha orelha, causando-me um arrepio. Eu também amava a
maneira com a qual ele se entregava a mim. Éramos pertencentes um ao
outro, como se fôssemos apenas um ser. — Não pare...
Atendi ao seu desejo e, de fato, não parei, ainda que estivesse
cansada. O recém-orgasmo, aos poucos, foi se transformando em mais um,
que se avizinhava velozmente. O gênio agarrou o meu traseiro com uma mão
e, com a outra, encaminhou-se até o centro de minha retaguarda,
aprofundando um de seus dedos em minha segunda abertura. Eu me senti
ainda mais repleta e soltei um grito que poderia ter sido exagerado se
houvesse qualquer possibilidade de alguém nos escutar. Mas não existia, por
isso eu me dava sempre o direito de agir como uma escandalosa agiria.
Eu sabia que o Jean gostava quando eu me deixava reagir sem
controle.
Foi ele quem se moveu abaixo de mim, retirando seu mastro firme
para encaixá-lo na outra entrada. Aprendi tudo sobre aquele novo tipo de
sexo e já estava em uma fase que não sentia a menor dor, até porque, depois
que tentamos pela primeira vez, e de ter doído muito, eu desejei que nada me
machucasse ali dentro do mundo mágico, pedi para que tudo só me causasse
conforto e deleite, de forma que fui atendida prontamente.
Jean penetrou dois dedos na parte anterior e eu precisei resfolegar
diversas vezes antes de continuar com os movimentos. Quando eu era
preenchida daquela maneira tão crua nada era capaz de vir à minha mente
além da vontade de prosseguir mais e mais, de ir além, de alcançar todos os
limites possíveis.
— Quer tentar algo novo? — ouvi a sua voz murmurante em meu
ouvido. Era um timbre manso e que eu sabia que estava tomado pela
excitação.
— Sempre — respondi, quase sem ar, envolta nos estímulos que ele
me proporcionava.
— Não se assuste.
Parei e o olhei com certo divertimento. Àquela altura eu sabia que
pouca coisa me assustaria, ou então o sexo era muito mais amplo do que tudo
o que fizemos e eu não fazia ideia de como seria possível. Entretanto, como
sempre, eu estava enganada. Senti mãos me tocando por trás, palmas que eu
sabia que não eram do Jean porque uma delas estava em meu centro e a outra,
apoiando-me a cintura.
O meu coração acelerou de súbito e me virei para trás, sentindo pavor,
e quando meus olhos encontraram os do próprio Jean, soltei um grito. Não
era possível que... Virei-me para frente de novo e encarei o dono dos mesmos
olhos que encontrei na pessoa atrás de mim.
— O que... O que...
— Calma, Sabine. Ainda sou eu.
— Tem... — Olhei para trás de novo. As mãos do segundo gênio
ainda estavam em mim, quentes e afoitas. — Dois de você?
— Tem quantos eu quiser — o segundo Jean respondeu, sorrindo. Eu
estava tão chocada que fiz os nossos corpos desencaixarem de uma vez. —
Mas vamos fazer isso aos poucos.
— Meu... Deus!
O primeiro Jean segurou a lateral do meu rosto, obrigando-me a
encará-lo. Juntou nossas testas com ternura, do jeito que eu amava sempre.
Ainda estava com a respiração errante, mas começava a me acalmar. Não
tinha pensado na possibilidade de sermos duplicados ou triplicados, porém,
pensando melhor, tudo no mundo mágico era possível e eu não deveria estar
tão assustada.
— Eu quero você em dobro... E quero que me sinta em dobro também
— Jean disse com a voz repleta de tesão e certa malícia, uma mistura que
sempre me deixava à mercê dele. Fechei os olhos e aspirei o ar de forma
ruidosa. — Você aceita?
— Claro — fui ligeira em responder. — Eu só... Fiquei meio confusa.
O segundo par de mãos começou a acariciar as minhas costas com mais
intensidade, descendo para o meu traseiro. Apalpou-me como se quisesse
arrancar um pedaço de mim e eu soltei o ar com força. A minha pele inteira
foi capaz de se arrepiar. Senti toda a quentura de um segundo corpo grande
atrás do meu. Minha nossa... Dois Jeans! Como eu poderia lidar com aquilo?
— Eu não sabia que era... possível... fazer com mais de uma pessoa —
confessei em um murmúrio desejoso.
— O prazer não tem limites, Sabine. Preocupe-se em sentir... — Jean
encarou para além de mim e imaginei o quão louco poderia ser observar a si
mesmo como se fosse outra pessoa. — Deixe que cuidamos de você.
— Mas... — engoli em seco. — Esse... Ele é você, certo?
Jean sorriu amplamente.
— Claro que sou eu, meu bem — o segundo Jean falou por trás, com a
boca encostada em meu ouvido, enquanto o que estava na minha frente
apenas sorria. Eu me arrepiei da cabeça aos pés. Em um segundo me deixei
entregue aos dois, porque ambos possuíam tudo o que eu mais amava na
figura do gênio. — Estou louco para me colocar dentro de você... — Soltei
um pequeno gemido e fechei os olhos.
Era demais ter quatro mãos me tocando naquele momento.
Subitamente, a praia em que estávamos deu lugar a uma espécie de
quarto todo recoberto por cortinas com estampas vermelhas, assim como a
tapeçaria, e iluminação repleta por velas de todos os tamanhos. Em vez da
rocha no meio da praia, naquele instante surgimos sobre um leito enorme e
muito confortável, tomado por mantas macias de uma coloração escarlate.
Acredito que jamais estive em um ambiente tão sensual, que inspirasse tanta
luxúria, ainda que Jean e eu tenhamos compartilhado inúmeros cenários
diferentes nos últimos dias.
Havia uma fragrância atrativa invadindo as minhas narinas,
conduzindo-me a uma sensação extasiada. O Jean número um fez o meu
corpo girar ao encontro do outro Jean, que sem demora me tomou em seus
braços e me beijou do jeito prolongado que sempre fazíamos. Daquela forma
eu o reconheci como o meu amor, o único por quem seria capaz de fazer
qualquer coisa. Saber que era ele ali, ainda que duplicado, deixou-me mais
calma para prosseguir.
Comecei a ser tocada pelas quatro mãos e em partes impensáveis do
meu corpo. Como o gênio solicitou, preocupei-me apenas em sentir cada uma
das sensações que me dominava conforme o toque de ambos se tornava mais
brutal, mais cheiro de excitação. Em um instante eu me senti um mero pedaço
de carne feito para o prazer, mas em seguida me senti ótima dessa forma e o
sentimento não fez muito sentido. Eu arquejava entre os dois lábios que se
revezavam para me beijar com a mesma dose de ardência.
— Jean... — implorei em um gemido indefinido, enquanto um deles, eu
não sabia mais qual, acariciava o meu centro mais sensível. Havia duas
palmas envolvendo os meus seios e tive a impressão de que cada uma
pertencia a um Jean diferente. — Oh... — Com os olhos ainda fechados,
comecei a escutar uma música profunda e diferente de tudo o que já ouvi. A
melodia embalava os nossos corpos muito grudados, enlaçados e ardentes.
Havia uma chama crescente dentro de mim, que se intensificava a cada toque,
a cada beijo recebido.
O primeiro Jean me empurrou para trás, deitando-me sobre o leito
confortável. Tive medo de abrir os olhos e me assustar, mas tomei coragem e
vi quando ambos, com igual formosura e habilidade, abriram as minhas
pernas ao máximo e se curvaram diante de mim. Senti duas línguas,
simultaneamente, circularem em meu ponto mais íntimo e quase enlouqueci
com aquelas novas sensações. Não foi necessário quase tempo algum para
que o meu êxtase fosse atingido, ainda assim eles não pararam.
Enquanto as minhas pernas tremiam e eu retornava pouco a pouco,
começava a compreender que talvez eu não conseguisse prosseguir, não com
os dois Jeans me atiçando fortemente. Mas parecia loucura pedir para que não
continuassem. Decerto não era o que eu queria. O meu desejo era ir além de
todos os limites e alcançar o máximo de prazer que fosse possível o meu
corpo sentir.
O segundo Jean deixou o meu centro e se esgueirou sobre o meu corpo
para me beijar. Eu o sentia em toda parte, quente e pulsante como eu adorava.
O seu cheiro impregnado em minha pele era um júbilo. Enquanto eu o
beijava e também o sentia em meu órgão, percebi que eu só queria mais e
mais, o tempo inteiro. Encontraria tantos êxtases quanto pudesse.
— Eu o quero... — murmurei entre os lábios do Jean que eu sequer
sabia qual era. Numerá-los se tornou uma tarefa complexa demais. — Quero
os dois... Agora.
Ele sorriu sem se afastar, depois se deitou ao meu lado e me puxou para
cima de si. Novamente, percebi-me montada sobre o gênio, na posição que eu
tanto adorava porque podia ter controle. Aquele Jean me preencheu devagar,
penetrando-me pouco a pouco até estar completamente dentro de mim.
— Tão maravilhosa... — ele arquejou, com o semblante tomado pelo
instinto de me possuir. — Minha delícia. Minha princesa.
Fui tomada pela sensação perfeita de tê-lo em mim e me concentrei
nela enquanto gemia e arquejava. Eu não sabia o que o outro gênio faria, se
esperaria a sua vez ou se continuaria me beijando e tocando, mas nada me
preparou para aquele momento tão desajuizado. O segundo Jean
simplesmente se colocou em minha retaguarda e, sem que eu esperasse,
inclinou um pouco o meu corpo apenas para começar a me invadir por trás.
Soltei um grito quando os dois Jeans se colocaram dentro mim e
acredito que nunca senti uma sensação tão intensa quanto aquela. Eles
começaram a se movimentar como se fizessem parte da música que ainda
tocava dentro do mundo mágico, que havia se tornado nosso. Eu me senti
parte de um organismo vivo que se mantinha através do prazer, em que tudo
se conectava com tamanha perfeição.
Ambos os gênios começaram a suar em plena agitação, mantendo um
ritmo que considerei incrível e que foi capaz de me arrancar orgasmos quase
sem pausas. Quando achava que não suportava mais, outro clímax se
avizinhava e eu me contorcia e gritava alucinadamente. Em algum momento
os dois se afastaram e achei que o Jean teria sua própria liberação, mas só
fizeram isso para me girar e trocarem de lugar.
Mais uma vez, senti-me um pedaço de carne, porém, de novo, senti-
me ótima com essa constatação.
O Jean que estava deitado me penetrou por trás enquanto o outro se
inclinou para me invadir na frente. Meu corpo pendeu entre os dois, inclinado
de um jeito desconexo, e quando os dois voltaram a se movimentar eu voltei
a gritar. Só parei quando o Jean que estava na frente tomou a minha boca e
me obrigou a abafar os gemidos. A sensação sublime de preenchimento
retornou junto com todo o tesão guardado para aquela criatura que eu amava.
Novamente, alcancei o meu limite e me deixei amolecer, com a
respiração errática o desespero por não saber se conseguiria continuar. Para o
meu deleite, os dois gênios aceleraram o movimento até se liberarem, ao
mesmo tempo, dentro de mim, derramando-se em jatos aquecidos de suas
sementes, lambuzando-me e preenchendo-me por toda parte. Eu nunca me
senti tão de alguém quanto me sentia do Jean.
— Oh... — arquejei quando os três corpos penderam, exaustos. —
Isso foi... Oh... — Eu não encontrava palavras para definir aquele momento.
O primeiro Jean – ou seria o segundo? – guiou-me para cima das
mantas aconchegantes e se colocou sobre o meu corpo. Olhei ao redor e
percebi que o outro havia sumido por completo. O gênio voltou a ser apenas
um. Embora que por um lado eu lamentasse o fato, fiquei aliviada porque
estava realmente cansada. Sentia a minha intimidade latejar pelo uso intenso
e, se eu fosse capaz de sentir dor naquele mundo, certamente estaria sentindo.
Era melhor que fôssemos com calma.
— Você gostou? — ele perguntou em uma voz fraca e um pouco
rouca.
— Eu... Jean... Não sei o que dizer — pisquei os olhos mais rápido do
que o normal. — Foi surpreendente, como todas as coisas que você faz.
O gênio me deu um breve e estalado beijo. Só percebi que estava
sorrindo, parecendo muito contente, quando se afastou para me observar.
Ficamos em silêncio por longos instantes, apenas nos olhando com
admiração, até que decidi perguntar:
— E o que você achou deste momento tão... — arfei — maluco?
— Eu achei perfeito, Sabine. Você é perfeita. Quero te mostrar tudo e
ser tudo para você.
— E eu quero ficar aqui contigo para sempre — deixei escapar, mas
logo me arrependi porque o Jean fechou o semblante em uma expressão séria.
Afastou-se um pouco e eu o puxei de volta antes que as partes difíceis de
nossa estada naquele lugar voltassem a ficar evidentes. — Sei que não posso.
Mas eu gostaria, apenas isso.
— Lembre-se de que não é real — ele disse, alisando os meus cabelos
com ambas as mãos. Ele ainda estava com o corpo grande e quente sobre o
meu e não fiz nenhuma questão de afastá-lo. — Em breve terá que retornar,
minha princesa.
— Eu sei. Por favor, não vamos conversar sobre este assunto agora.
Estou feliz demais e bastante cansada.
Jean sorriu com suavidade e me deu outro beijo curto.
— Eu a amo — murmurou enquanto perpassava os lábios pelo meu
rosto.
— E eu o amo ainda mais — respondi, com os olhos fechados e
pronta para recompor as energias em seus braços. Precisava de um descanso
com urgência.
O gênio se colocou atrás de mim e me virou lateralmente para que eu
me aconchegasse em sua quentura. Cobriu-nos com uma manta que exalava
um cheiro agradável e era bastante macia. Tratei de não pensar em nada; nem
na realidade que sempre batia à minha porta com severidade e muito menos
na ideia de que um dia teria que viver sem o Jean.
Preferia viver plenamente no mundo mágico, onde tudo era possível,
sobretudo uma vida de completo gozo e contentamento ao lado do meu amor
verdadeiro.
CAPÍTULO 35

Foi na terceira semana dentro do mundo mágico que eu comecei a


sentir saudades de Herlain. Não somente da ilha em si, mas do povo, da
Naná, da minha antiga rotina e dos meus pais, principalmente do papai. Não
era uma saudade no sentido positivo, em que a pessoa relembra os bons
momentos e sorri, mas um tipo que me fazia chorar e deixava o meu coração
dilacerado. Sentia-me uma verdadeira covarde por ter abandonado tudo como
se nada significasse. Comecei a questionar a minha atitude e a tirar
conclusões nada agradáveis.
Entre aquele misto de reflexões, aproveitava a presença do Jean como
podia. Não foi difícil começar a me multiplicar também, e então muitas vezes
fazíamos um sexo louco com a presença de várias versões de nós, todas
dispostas a alcançar limites impensáveis. Eu amava aqueles momentos de
pura luxúria, assim como amava, do fundo de minha alma, o gênio, porém
suas palavras sobre a realidade e a incapacidade de fugir dela começavam a
fazer sentido. O meu peito se afundava em sensações complicadas de
compreender, difíceis de lidar.
— Está pensativa... — Jean se aproximou de mim e me ofereceu uma
caneca de chá feito com as ervas que tínhamos recolhido mais cedo, no
amplo jardim que materializamos juntos e que se tornou o nosso espaço
sagrado. Ele plantou um beijo sobre a minha cabeça depois que bebi o
primeiro gole. — Você sabe que pode me dizer, sem qualquer receio, caso
houver qualquer problema.
Soltei um longo suspiro, evitando olhá-lo. Eu não sabia como contar
que estava com saudades de casa sem ofendê-lo. Não queria que ficasse
chateado comigo ou que achasse que eu estava entediada. Tédio era a última
coisa que eu sentia naquele lugar. Era só que... Eu precisava ao menos saber
como estavam o papai e a Naná.
— Está tudo bem, Jean. Não é nada — menti, ainda que me sentisse
pior por isso. Observei pela janela da casa que construímos a lua brilhar
altiva no céu estrelado. Tudo ao nosso redor foi pensado e colocado conforme
a nossa vontade e, naquele instante, percebi o quanto o gênio tinha razão.
Nada era real, por mais bonito e interessante que fosse. — Acho que estou
apenas cansada.
— Deste lugar? — ele perguntou, puxando-me pelo queixo para vê-lo
de perto. Não consegui conter a emoção e os meus olhos marejaram
automaticamente. — Meu amor, eu sabia que se cansaria de estar aqui. Não
há nada de errado com este sentimento. Só preciso que me avise quando
estiver realmente pronta para voltar.
Uma lágrima escorreu lentamente e ele a enxugou com as pontas dos
dedos. Todos os seus gestos com relação a mim eram especiais e cheios de
uma ternura inexplicável, com a qual eu sabia que não conseguiria viver sem.
Eu me sentia absolutamente amada apenas com um pequeno olhar que me
oferecia de forma furtiva.
— Não sei se estou pronta, Jean... Eu... E-Eu tenho muito medo.
— Do que tem medo?
— De como as coisas estão sem mim — abaixei a cabeça na direção
do chão, constrangida pelos meus próprios sentimentos. — Acredito que
melhores. Não sei se quero descobrir que não fiz a menor falta para
ninguém... Que estão bem sem mim.
O gênio voltou a segurar o meu queixo.
— Quer saber como estão sem você? — Dei de ombros. — Na noite
passada, durante as suas horas de sono, eu fui ao seu mundo por alguns
instantes, para conferir... E o que vi me deixou um tanto surpreso.
Os meus olhos se abriram ao máximo diante daquela informação.
— Você...
— Sim, Sabine, eu fui. Eu não soube como te oferecer essas
informações antes, pois queria dá-las apenas quando se sentisse preparada
para elas. — Mais lágrimas rolaram pelo meu rosto e, mesmo sabendo que o
Jean teve a melhor dar intenções, senti-me um pouco chateada. Entretanto,
decidi guardar esse sentimento controverso somente para mim. — Acho que
está na hora de encarar a realidade, minha princesa.
Assenti devagar a princípio, mas depois passei a chacoalhar a cabeça
com ainda mais convicção. Aquele era o momento de parar de fugir. Eu
precisava ter coragem para retornar e lidar com todas as consequências do
meu desaparecimento.
— Conte-me tudo o que sabe, Jean — solicitei, erguendo o rosto
como se, depois de algum tempo, retomasse o porte de princesa que tanto me
foi ensinado. Eu não usava a coroa desde que cheguei ao mundo mágico, mas
naquele momento podia sentir o seu peso sobre mim; a carga das
responsabilidades. — Preciso saber antes de voltar, assim saberei exatamente
com o quê lidar.
Jean ergueu uma mão e fez um gesto simples, que gerou uma neblina
esquisita. Aos poucos, a fumaça esbranquiçada foi dando lugar a algumas
imagens, cada segundo mais definidas. A primeira coisa que vi foi o meu pai
deitado sobre o seu leito majestoso. Estava com os olhos fechados e
imediatamente me desesperei, mas em seguida ele os abriu e suspirei de
alívio. Ainda assim percebi que o Rei não estava bem e aquilo estraçalhou o
meu coração.
— O que... O que há com o papai? — questionei, temendo a resposta.
— Ele não poupou esforços para encontrá-la, porém depois de um
tempo suas esperanças foram diminuindo — Jean disse com a voz grave,
traduzindo a importância da situação. — E, ainda que haja uma vasta equipe
de guardas reais procurando pela senhorita por toda parte, o Rei adoeceu de
remorso. Ele teme que alguma coisa ruim tenha acontecido com você... Que
não consiga reencontrá-la nunca mais. Ele está acamado faz quatro dias.
— Oh... Meu Deus... — tentei segurar a imagem diante de nós, porém
meus dedos apenas ultrapassaram a neblina. Recolhi a mão, levando-a para o
meu peito, que batia acelerado e machucado. — Papai... — retomei o choro
no mesmo instante.
A imagem começou a se modificar e o cenário diante de nós se tornou
escuro, sombrio, então percebi que seguia para o local que eu considerava o
pior do castelo: os calabouços. Só havia passeado por ali duas vezes em toda
minha vida, apenas por curiosidade, porém não retornava há anos. Papai não
costumava usá-lo tanto, já que a ilha vivia em paz, sem a presença de
bandidos, desertores ou saqueadores.
No entanto, daquela vez havia duas celas ocupadas; uma pelo próprio
Jean, provavelmente em sua versão real, e a outra por ninguém menos que o
Príncipe Dionísio. Ambos estavam maltrapilhos, pareciam famintos e
vivendo sob péssimas condições. Soltei um arquejo de puro choque.
— Oh... Meu Deus! O que vocês fazem nos calabouços?
— Nós dois somos suspeitos da morte do Príncipe Leopoldo. O Rei
ainda não se decidiu sobre quem é o culpado, mas acredita piamente que foi
um de nós.
Soltei mais um arquejo.
— Como? Que participação teria o Príncipe Dionísio na morte do
Leopoldo? Não entendo!
— Bom, infelizmente eu também não.
— Você está sofrendo esse tempo todo? A sua versão real?
— Não se preocupe, Sabine, na verdade sempre estive aqui — ele me
olhou com compaixão e me puxou para um abraço lateral. Eu me deixei
afundar em seus braços, ainda tomada pelas lágrimas. — Essa versão de mim
está inutilizada, apenas ocupando espaço em seu mundo. Por outro lado, o
Príncipe Dionísio está em pleno sofrimento, há quase duas semanas vivendo
a pão e água, aguardando o seu juízo.
— Meu Deus, mas... Ele é inocente? É culpado?
— Eu não sei, Sabine, mas podemos descobrir quando retornarmos.
— Preciso voltar agora! — bati um pé no chão, firme naquela nova
escolha, e me afastei do Jean ao mesmo tempo em que as antigas vestes de
princesa preencheram o meu corpo. Estava na hora de ocupar o meu lugar de
direito.
— Calma, Sabine... Ainda tem mais.
A imagem diante de nós se modificou mais uma vez, mostrando o
Príncipe Augusto e a Sarah juntos no altar da capela que havia dentro do
castelo. A minha irmã usava o seu tão bem-elaborado vestido de noiva e,
além do único padre de Herlain, havia apenas a mamãe por perto, parecendo
satisfeita com a cerimônia.
Levei uma mão à boca imediatamente.
— Eles se casaram?
— Como o Rei passou semanas preocupado apenas em encontrá-la, o
comércio de Herlain começou a mostrar sinais de prejuízos e, agora com o
seu pai acamado, alguém precisava ter... — o gênio parecia desconcertado —
Alguma iniciativa para que...
— O Príncipe Augusto está controlando Herlain? — gritei aquela
pergunta, encarando o Jean como se ele fosse um fantasma.
— Ele se casou com sua irmã há pouco menos de uma semana e, sim,
está no comando de todas as partes burocráticas do reino. Sem a sua
presença, ele e a Sarah serão os próximos rei e rainha na hierarquia real.
— Isso é... Um ultraje! — berrei, começando a andar de um lado para
o outro. — É um absurdo, Jean! O Príncipe Augusto queria... Ele... —
lembrei-me de que não havia contado nada com relação ao Augusto para o
Jean, porque para mim aquela conversa já estava finalizada. Eu não queria
fazer parte de nada que tivesse a ver com ele, ainda que suas intenções
fossem boas, o que eu duvidava e, naquele momento, tive certeza. — Está
tudo errado. Decerto Augusto está usando a minha irmã e ela é outra pessoa
que não tem um resquício sequer de minha confiança. Como Herlain pode
ficar nas mãos de duas pessoas com caráter tão duvidoso?
— É por isto que a senhorita vai retornar. Para pôr um fim nos planos
deles.
— Mas, como, Jean? Não sei se serei capaz de trazer o meu pai de
volta à saúde! — falei alto demais, um tanto desesperada, entregue às
lágrimas. — E não tenho um pretendente até então.
— Uma coisa de cada vez, Sabine. Primeiro você volta e convence o
seu pai a retomar o controle de Herlain. Depois, preocupa-se com um
pretendente para tirar, de uma vez, o controle das mãos de sua irmã e do
Augusto. Aliás, todos eles partiram para as suas terras por ordem do Rei
Cedric VI — comentou com seriedade e eu o encarei, achando que não
poderia ficar mais chocada, mas me enganando completamente. — Apenas o
Dionísio ficou.
— Meu Deus... — balancei a cabeça em negativa. Comecei a chorar
copiosamente e o Jean fez questão de me dar um abraço muito apertado. Eu
sentia muito mais do que tristeza. Sentia medo, culpa, raiva e também uma
vontade absurda de lutar por Herlain. — E a Naná? — questionei aos
choramingos.
Jean se afastou e sorriu.
— Ela está bem — falou com suavidade e eu suspirei de alívio. —
Embora muito triste com o seu desaparecimento. Bom, na verdade ela está
usando o trabalho excessivo na cozinha do castelo para não ter que lidar com
a tristeza.
— Oh, Naná... — voltei a envolver os meus braços ao redor do Jean,
que me abraçou de volta com bastante força.
Fiquei envolvida pelo seu cheiro até me acalmar um pouco e
finalmente criar forças para me afastar. Eu o olhei por longos instantes. Jean
estava visivelmente preocupado, mas parecia disposto a me ajudar até o fim,
o que de certa forma me trouxe ainda mais tranquilidade.
— Nada vai retirar de mim o que vivemos aqui nesses últimos dias,
minha princesa — ele murmurou, encostando a testa na minha. Suas mãos
quentes envolveram as laterais do meu rosto. — Não se preocupe comigo, eu
estou mais feliz do que nunca fui. No entanto, nada mudou. Não faço parte de
sua realidade. Eu a ajudarei até que consiga tudo o que pretende, mas... Em
algum momento terei de partir.
— Eu já sei qual será o meu último pedido, Jean — informei,
engolindo em seco e umedecendo os meus lábios. — Na hora certa eu o farei
e você terá que aceitá-lo.
— O que vai pedir? — ele se afastou para me encarar.
— Não direi antes do instante ideal para fazê-lo.
O gênio balançou a cabeça em negativa, visivelmente preocupado.
Mas o meu coração se manteve leve, suave como uma pluma. Passei muito
tempo refletindo sobre esse assunto e chegado a uma conclusão perfeita. Não
importava o que acontecesse, o meu terceiro pedido estava decidido e o fato
de o Jean ter de acatá-lo me fazia feliz. Creio que eu não ousaria desejar nada
diferente e que nenhuma outra escolha seria tão justa quanto aquela.
— Não cometa nenhuma loucura, Sabine. Pense bem.
Assenti.
— Não se preocupe — eu o beijei de uma forma longa e sem a menor
pressa. Não queria que soasse como uma despedida, mas não deixei de sentir
aquela sensação ruim de passarmos nossos últimos instantes no mundo
mágico.
O gênio deve ter percebido o teor assombroso do beijo, pois me
tomou com ainda mais intensidade e fez daquele momento tão especial
quanto todos os outros. Infelizmente, precisamos nos afastar e eu suspirei de
um jeito audível.
— Eu sempre o amarei — murmurei a verdade que vibrava em meu
peito. A única que me dava forças para prosseguir. — Sempre.
— Não importa o que aconteça — Jean sussurrou de volta.
— Não importa o que aconteça — defini e, de um segundo para o
outro, encontrei a coragem necessária para retornar à Herlain.
Não foi preciso mais nada além daquela pura vontade, do desejo real
de estar de volta. No minuto seguinte já estávamos, os dois, dentro do meu
antigo quarto, com todas as coisas intocadas, da mesma maneira bagunçada
que deixei antes de partir.
Puxei todo o ar para os meus pulmões e ergui a cabeça. Aquela era a
hora certa para encaixar todas as peças em seus devidos lugares.
CAPÍTULO 36

Achei que eu ficaria perdida quando retornasse ao castelo, porém,


naquele momento tão sufocante, estava muito claro em minha mente por
onde eu deveria começar a agir: pelo meu pai. Segundo o Jean, ele estava
acamado por causa da minha ausência e era óbvio que eu não podia deixar
que passasse mais um segundo de sua vida preocupado comigo. Sendo assim,
vesti a velha capa preta com capuz, disposta a passar despercebida porque
não sabia como todas as outras pessoas em Herlain reagiriam ao meu retorno.
Não queria esbarrar na Sarah ou no Augusto antes de rever o papai.
O gênio se transformou em uma pequena luz azul e me acompanhou
com desenvoltura, iluminando o caminho escurecido, pois era noite em
Herlain e havia muitas tochas e velas apagadas, como se a ilha estivesse
enlutada. O mero pensamento me fez arrepiar da cabeça aos pés e seguir com
ainda mais pressa na direção do aposento do rei, que era fortemente guardado
pelos soldados reais.
Conseguimos despistar vários deles ao longo do percurso, no entanto,
ao alcançarmos o corredor que levava diretamente a uma única porta, que
poucos sabiam que conduziria ao quarto de Cedric VI, tornou-se tarefa
impossível continuarmos escondidos. Eu não teria como entrar sem chamar a
atenção. Os guardas reais estavam enfileirados, todos com a mão sobre o
cabo de suas espadas, prontos para revidarem qualquer tipo de ataque. Contei
pelo menos dez deles.
Esgueirando-me na parede rochosa e fria, aprumei o meu corpo e
observei a pequena luz que se formava na minha frente. Jean nada comentou
durante algum tempo e eu estava com medo de ser ouvida caso falasse,
portanto entramos em um silêncio que durou longos segundos. No entanto, os
meus pensamentos não pararam e de repente eu tive uma ideia.
Segurei um dos castiçais, pendurados ao longo do corredor, e me
agachei com ele em mãos. Antes que o Jean fizesse perguntas ou que o medo
que travasse, joguei-o adiante, para um dos corredores adjacentes, usando a
maior força que pude. Como previsto, o objeto revirou ao longo do piso,
provocando um barulho ensurdecedor, sobretudo porque aquela parte do
castelo era estrategicamente fechada.
Os guardas não hesitaram em correr na direção de onde escutaram o
ruído – que era oposta a onde estávamos – e mais uma vez precisei reunir
uma coragem absurda para utilizar os poucos segundos disponíveis. Corri o
mais depressa e o mais silenciosamente possível até alcançar a ampla porta de
madeira. Sabia que ela estava aberta por medida de segurança, a equipe de
segurança não permitia que o Rei, e nem ninguém no castelo, se trancasse
sozinho em nenhum cômodo.
Com o coração batendo descompassado e a respiração errante,
adentrei o cômodo e fechei a porta atrás de mim antes mesmo que a luz do
Jean entrasse. Mas ele, tomado pela magia, apenas atravessou a madeira
como se fosse transparente. Por um segundo me perguntei se não teria sido
mais fácil pedir para que ele facilitasse a minha entrada no quarto de papai,
mas depois percebi que aquilo era uma atitude que eu tinha que tomar sem
intervenção alguma da magia.
Precisava me acostumar a viver sem ela também e, principalmente, a
agir com coragem sem ter que depender de nada sobrenatural.
— Alexandra? — ouvi a voz falha de papai e o meu peito se afundou
em culpa e tristeza. Ele era jovem e saudável, então por que aquele timbre de
pleno desgaste? — É você?
Aproximei-me com cautela e, na metade do caminho, enquanto
observava suas sombras sobre o leito imenso, joguei o capuz para trás,
revelando-me. A princípio o Rei sequer virou o rosto, porém depois de um
tempo de puro silêncio ele finalmente me viu. Papai se sentou na cama
imediatamente, com os olhos bem abertos como se estivesse diante de um
fantasma.
— Sabine! — a voz outrora errante se tornou mais firme e eu sorri
com a pequena possibilidade de tê-lo de volta. — Filha... É você mesmo? Oh,
devo estar em meio a um devaneio.
Sentei-me na cama ao seu lado, enquanto ele ainda me observava com
os olhos esbugalhados.
— Não é um devaneio, papai. Sou eu — falei, um pouco nervosa com
a sua reação, mas sentindo tanta saudade que só queria que ele me abraçasse
de uma vez. — Estou de volta à Herlain.
Ele soltou o ar dos pulmões, ainda me encarando. Primeiro tocou as
minhas mãos, repousada sobre o meu vestido. Depois, creio que percebendo
que eu era mesmo real, o Rei me puxou em seus braços em um aperto muito
bem-vindo, que me arrancou lágrimas instantaneamente. Senti o exato
instante em que ele suspirou aliviado, como se toda a dor deixasse o seu
corpo de uma só vez. Ainda que me sentisse muito culpada por deixá-lo
daquela forma, sentia-me também feliz por ter a capacidade de trazê-lo de
volta. Não imaginava que o meu pai tivesse tanto apreço por mim.
O que só significava que eu havia sido injusta demais com ele.
— Filha... É você! E-Eu... — tocou-me os cabelos, meio sem jeito,
logo em seguida se afastou para me observar de perto. O seu semblante
estava tomado pela emoção. Eu nunca, em toda minha vida, tinha visto o meu
pai chorar. — Onde esteve? Você está bem? Oh, minha filha, eu sinto
muito... Perdoe-me! — ele voltou a me abraçar e me deixei ficar em seu
aconchego paternal. Nós dois estávamos aos prantos. — Perdoe-me, Sabine,
fui tão severo com você. Não foi minha intenção culpá-la... E-Eu... Procurei
tanto por você, procurei em toda parte, mas achei que tivesse te perdido para
sempre.
— Estou aqui, meu querido pai — choraminguei. Busquei o maior
controle possível para dizer: — Nunca mais irei deixá-lo. Eu prometo.
Ele voltou a se afastar, apenas para prender suas mãos em meu rosto.
— Falhei com você. Deixei que pensasse que eu não me importava...
Deixei a... Alexandra ser cruel em sua educação. — Comecei a balançar a
cabeça em negativa, pois, sinceramente, naquele instante nada mais me
interessava. Sequer queria pensar na Rainha e em suas maldades. Eu o tinha e
sabia que se importava comigo, que me amava. — Não fui sincero contigo,
Sabine. Eu deveria ter... contado... tudo.
— Contado? O quê, papai?
Ele estava fazendo uma expressão sofrida, porém ela se transformou
em uma mais grave, embora ainda me parecesse dolorosa. Papai estava com
os lábios tão trêmulos quanto as mãos que não me largaram desde que me
viu.
O Rei suspirou profundamente. Não me lembro de tê-lo visto tão
vulnerável. Ele era uma força da natureza, o meu herói, alguém em quem eu
me espelhava e admirava. Contudo, depois do que falou, mantive-me nervosa
para saber o que tanto me escondeu. Será que eu saberia lidar com as
informações?
Foi a minha vez de suspirar.
— A... Rainha Alexandra... ela não... — ele parou, olhando-me como
se me temesse.
— Não é minha mãe? — murmurei a pergunta. O impulso me fez
soltar aquelas palavras antes que refletisse sobre elas. Jamais questionei esse
fato antes, mas uma intuição muito profunda se avizinhou e apenas deixei que
fluísse.
O Rei fez uma careta que eu teria considerado engraçada se não
estivesse tão apavorada.
— Como sabe?
Aquele questionamento me fez ter um enorme susto. Levei as duas
mãos ao coração, atônita, percebendo que uma grande parte de mim estava
desmoronando. Por outro lado, parecia ser uma parte podre, que precisava ser
reconstruída com urgência, então, embora estivesse triste, também me sentia
aliviada.
— Eu não sei, só... supus — sussurrei num sopro de voz. Mais
lágrimas tomaram o meu rosto e precisei de muita coragem para permanecer
imóvel, a fim de escutar tudo o que o meu pai precisava dizer. — Ela nunca
demonstrou o menor amor por mim.
— Oh, Sabine... Certamente Alexandra a ama, só é difícil para ela
lidar com a situação, mesmo depois de tantos anos — ele disse, mas não se
mostrou convencido, logo, eu também não me convenci. — Nós éramos
praticamente noivos quando conheci a sua mãe. Uma princesa muito bonita
que veio visitar Herlain, vinda de um dos reinos mais longínquos de que se
teve notícia. Eu me apaixonei imediatamente.
Balancei a cabeça em negativa, sem saber o que pensar a respeito do
passado. O meu pai continuou me segurando e foi o seu toque tão preciso que
me fez ficar até o fim. Eu deveria conhecer a minha própria história se
quisesse me reconstruir da maneira correta.
— Eu não fui justo, Sabine. Não... Tenho ciência de que errei, de que
fui irresponsável. Estava cortejando a Alexandra, mas não pude prosseguir e
desmanchei o cortejo para viver um grande amor.
Papai fez uma pausa tão longa que me deixou impaciente.
— E o que aconteceu?
— O meu pai, o seu avô, nunca aceitou a presença da sua mãe porque
ela era mestiça — continuou, parecendo triste de verdade. Prendi os lábios,
absorvendo toda a dor que papai carregava. — Nós nos encontrávamos às
escondidas e nunca tive a chance de oficializar nada. Nove meses depois você
nasceu, porém sua mãe não resistiu e veio a falecer no mesmo dia.
— Oh... Sinto muito, papai.
Ele ainda estava chorando enquanto narrava. O seu sofrimento era
visível. Mesmo depois de tantos anos, o meu pai ainda lamentava a perda de
um grande amor.
— No mesmo ano o meu pai também se foi... — ele prosseguiu,
naquele momento parecendo em choque. — E na primavera seguinte a sua
avó também partiu. Eu me encontrei sozinho, com uma criança muito
pequena para educar e um reino inteiro para governar.
— E-Eu... Todos sabem desta história? — Não era possível que em
nenhum momento qualquer informação sobre o ocorrido não tivesse chegado
aos meus ouvidos. As pessoas de Herlain não eram conhecidas por esconder
segredos tão impactantes.
— Ninguém sabe sobre você. Papai fez questão de escondê-la,
deixando-a aos cuidados de Naná.
— Naná sabia? — quase berrei a pergunta. A decepção tomou conta
de mim como se fosse um golpe fatal. Madame Naná não poderia ter me
escondido algo tão importante quanto aquilo. Ela acompanhou todo o meu
sofrimento, todo o ódio gratuito que vinha de Alexandra... Como pôde
permitir? Por que me deixou sofrer tanto?
Mas papai apenas aquiesceu devagar.
— Só pude mostrá-la ao povo anos depois, quando já estava casado
com Alexandra. Eu precisava de uma esposa, Sabine, e ela gostava de mim...
— ele não estava nem um pouco satisfeito, o que me fez compreender que, na
verdade, ele jamais chegou a amar a Rainha. Essa informação justificava
muitas coisas. — Eu sinto muito, Sabine, mas na verdade você tem vinte anos
e não dezoito. Fizemos tanto esforço para esconder a sua idade que acabamos
acreditando nessa mentira.
Tornei a balançar a cabeça, negando.
— Pai... Isso... Por que escondeu tantas coisas de mim e por tanto
tempo? — tentei não soar magoada, mas foi impossível não me decepcionar
com aquilo. O meu pai tinha sofrido bastante e pude compreender por que
agiu daquela forma, mas me sentia profundamente enganada. Ao menos para
mim a verdade poderia ter sido dita.
— Eu tive medo... Muito medo. Não queria que se sentisse menos
merecedora do trono. Não queria que ninguém no reino te tratasse diferente.
— Passei a vida inteira me desmerecendo e sendo tratada diferente!
Sentindo-me rejeitada por todos... Sentindo-me um monte de porcaria.
— Eu sinto muito, Sabine — o Rei engoliu em seco e apertou as mãos
entre as minhas. Tive verdadeira vontade de me desprender dele e ir embora
dali, mas no que isso me ajudaria? Estava na hora de agir com maturidade.
De encarar os fatos, perdoar e ser perdoada. Eu não tinha voltado para
discutir ou julgar o meu pai. — Realmente sinto muito por tudo.
Voltei para salvar Herlain e a mim mesma. Sendo assim, em vez de
me desvencilhar ou de julgá-lo, apenas dei de ombros e perguntei:
— Qual era o nome dela?
O meu pai abriu um sorriso tão bonito quanto triste.
— Ela também se chamava Sabine — murmurou, acariciando minhas
mãos. Uma chama reconfortante se espalhou pelo meu coração naquele
instante. O meu pai realmente tinha amado a minha mãe. — Fiz questão de te
nomear da mesma maneira. Você tem os olhos dela. E os cabelos — tocou os
meus fios com intensa ternura. — E toda a forma de se comportar também.
Não tenho nem mesmo uma pintura de seu rosto para te mostrar, mas... Ela
gostava muito de uma lâmpada de brilhantes onde acendia suas ervas. Fiquei
com o relicário após a sua morte e o guardei no salão de riquezas, na intenção
de te presentear quando se casasse, mas infelizmente a perdi. A sua mãe
brincava, alegando que o objeto era mágico e que havia sido ele que a
trouxera para mim — papai riu, saudoso, enquanto me mantive séria,
encarando-o.
Então aquela lâmpada, na verdade, pertencera a minha verdadeira
mãe. E ela tinha conhecimento que ele era mágico, logo, também o utilizara!
Será que o Jean...
— Oh... Meu Deus — murmurei, petrificada. Eu ainda não sabia se a
decepção pela Naná tinha passado tão facilmente. Se o gênio havia conhecido
a minha mãe, por que não me contou? O que será que ela desejou? Será que
também tinham uma relação como a nossa? — Oh, meu Deus.
Finalmente me desvencilhei das mãos de papai, tomada por um pavor
crescente.
— Sabine... — ele murmurou, sem entender.
— Papai, o senhor precisa se levantar deste leito — falei, com o
queixo e o nariz erguidos. Não era o momento de lamentar ou fazer milhões
de especulações. Precisava resolver o que deveria ser resolvido, só depois
tiraria cada detalhe a limpo. — Não pode permitir que o Príncipe Augusto
governe Herlain.
— Príncipe Augusto? — ele fez uma terrível expressão.
— O senhor não sabe que ele se casou com Sarah?
Seus olhos pareceram saltar das órbitas.
— Mas é claro que não! — o Rei se levantou imediatamente e então
percebi que as coisas eram mais complicadas do que aparentavam. No
entanto, resolvi apenas ficar contente porque o meu pai estava disposto e não
parecia nem um pouco doente. — Que insolente! Como se atreve? Depois do
que você falou eu solicitei pessoalmente para que se retirasse de Herlain.
— O senhor... Acreditou em minha palavra? — pisquei os olhos
várias vezes. Aquela noite carregada de emoções pelo visto me traria ainda
mais surpresas.
— Sim, minha filha. Nunca mais duvidarei de você.
Abri um sorriso, mas fiquei consciente dos meus olhos marejados de
alegria.
— Não sei como resolverá a situação deles, mas confio no senhor —
murmurei, ainda muito emocionada. — Agora preciso salvar duas vidas que
estão no calabouço. — Papai abriu a boca em surpresa. — Tenho certeza de
que ambos são inocentes, meu pai.
— Então você sabe quem matou o Príncipe Leopoldo, Sabine? — o
Rei se manteve impassível diante do que proferi. Não estava muito contente,
mas ao menos não parecia que me impediria.
— Não, mas seja quem for, me fez um enorme favor.
Dei as costas, pronta para me afastar de vez, porém papai segurou o
meu ombro e fez o meu corpo girar para voltar a encará-lo.
— Então pedirei aos guardas para que soltem os prisioneiros. Não
quero filha minha se arriscando nos calabouços. Não é lugar para você.
— Preciso falar com Príncipe Dionísio. A sós — pedi, murmurante,
rezando internamente para ter a permissão do meu pai, ainda que de uma
forma ou de outra fosse encontrá-lo, nem que precisasse cometer mais
loucuras.
O Rei assentiu mais uma vez.
— Espere na sala de reuniões da ala Sul.
— Obrigada, papai.
— E o Príncipe Jean?
Passei algum tempo o encarando, sem saber direito o que responder.
Eu não sabia que faria com o corpo físico do gênio. Para ele não parecia
importar. E, definitivamente, eu ainda não estava pronta para a conversa que
teríamos. Por hora precisava me encontrar com o Dionísio e resolver mais
uma questão pendente.
— Depois converso com ele — murmurei em resposta, desviando o
rosto para o chão.
O meu pai me puxou para os seus braços mais uma vez. Apertou-me
com tanta força que não tive como duvidar de sua felicidade por ter me
reencontrado.
— Minha filha... Não deixe que o verdadeiro amor escape entre seus
dedos — sussurrou perto de meu ouvido. — Seja ele quem for, eu a apoiarei.
Não permitirei que uma triste história se repita dentro deste castelo.
— Obrigada — repeti, daquela vez ciente de que ganhara um
importante aliado. Embora confusa, decepcionada e arrasada em alguns
sentidos, em outros estava me sentindo ótima. Aliviada, para ser sincera.
No entanto, mantive-me ciente de que nem mesmo o poderoso Rei
Cedric VI poderia resolver a minha situação amorosa. A sua aceitação,
infelizmente, era o menor dos meus problemas.
CAPÍTULO 37

Os guardas reais pareceram estarrecidos quando saí do quarto do Rei


em sua companhia; ele, já vestido, prometeu-me que conversaria com o
Príncipe Augusto e com a Sarah para saber o que de fato tinha acontecido
enquanto estava ausente. Nos olhos do meu pai percebi que ele não
desconfiava de sua filha mais jovem, e eu não teci qualquer comentário a
respeito, embora uma intuição amarga me invadisse toda vez que pensava
nela. De qualquer forma eu não queria estar presente naquele encontro, por
isso em certo momento nos separamos e segui diretamente para a sala de
reuniões da ala Sul.
Papai exigiu que um soldado me acompanhasse no processo, e
embora a princípio eu não quisesse qualquer companhia, falei que aceitaria
desde que fosse o Efraim, o único em quem eu ainda guardava alguma
confiança. O Rei acatou o meu pedido e mandou que o chamassem. Enquanto
isso, fui guiada por um desconhecido até a sala extremamente organizada e
aconchegante. Não me lembrava de já ter entrado nela algum dia. Sentei-me
em uma poltrona larga, soltando um suspiro exausto, e apenas esperei que
trouxessem o Dionísio.
— Princesa Sabine? — ouvi uma voz conhecida e, depois de um leve
susto, já que estava inerte diante de meus pensamentos, ergui-me para receber
o Efraim. Ele parecia muito preocupado e cansado, como se tivesse passado
várias noites insone, mas sorriu quando me viu. — Vossa Alteza me chamou
para a sua segurança e já estou a postos — continuou sorrindo. Demorou-se
um pouco mais, apenas me observando, até que soltou: — Estou muito feliz
em vê-la.
— Também estou muito feliz em vê-lo, Efraim. Há alguma notícia
sobre Herlain que possa me oferecer?
— Bom... Eu... — ele soltou o ar com força, meio desconcertado. —
Solicitei uma troca para fazer a guarda dos calabouços e me certifiquei de o
Príncipe Jean ficasse bem, assim como o Príncipe Dionísio...
— Mesmo? — fiquei um tanto chocada, mas, por outro lado, contente
com a atitude daquele guarda. Ele sabia o quanto eu gostava do Jean e fez
questão de cuidar dele em minha ausência, mesmo que não soubesse que o
gênio não precisava de ajuda. Ao menos o Dionísio também ficou bem
assistido. — Não tenho palavras para agradecê-lo, Efraim. O senhor é um
ótimo amigo.
— Não me agradeça, Princesa. Eu... — ele estava prestes a dizer
alguma coisa importante, mas parou e desviou o rosto para o chão. Os
cabelos ruivos refletiam as luzes das tochas enfileiradas nas paredes, gerando
um efeito engraçado. — Não fiz apenas por você ou pelo Príncipe Jean.
Tenho certeza de que... o Príncipe Dionísio é inocente.
— Eu também acredito que ele é, Efraim. Por isso que mandei buscá-
lo.
O guarda real abriu um sorriso imenso e os olhos brilharam de um
modo diferenciado, como se não pudesse conter tanta alegria. Obviamente,
estranhei esse fato. Estava muito atenta a qualquer sinal que me fizesse
compreender o que tinha acontecido ao Leopoldo e o que estava acontecendo
no castelo de Herlain. Sendo assim, cada expressão deveria ser considerada e
naquele momento não foi diferente.
— Eu sei — o guarda apenas murmurou, entusiasmado.
Com uma sobrancelha erguida, decidi questionar de uma vez:
— Há alguma coisa que queira me dizer?
Efraim deixou o pequeno sorriso desaparecer de seu rosto. Percebi
que foi ficando cada segundo mais avermelhado, com a face muito corada,
como se estivesse no auge da vergonha. Foi impossível não sentir ainda mais
desconfiança.
Quando ele começou a abrir a boca, o Príncipe Dionísio surgiu na sala
de reuniões na companhia de mais dois guardas reais. Estava com os trajes,
outrora elegantes, sujos e rasgados em algumas partes. O seu estado físico
não era nada agradável. Dionísio cheirava muito mal, tinha os cabelos
despenteados e uma expressão exausta que só amenizou quando cruzamos os
nossos olhares.
— Eu prossigo com a segurança agora, conforme as ordens do Rei e
da Princesa Sabine — Efraim disse, em tom baixo, para os outros soldados,
que assentiram e se retiraram imediatamente.
Voltei a observar o Dionísio, mas ele não estava mais me olhando;
daquela vez, encarava o Efraim e permaneceu assim até que eu finalmente
compreendesse que aqueles dois sabiam alguma coisa que eu não sabia. Não
era possível um Príncipe e um guarda se encarassem por tanto tempo sem que
não houvesse nada anormal.
— Sente-se, Dionísio... O senhor deve estar cansado. Efraim, peça
para que alguém traga comida e água para o Príncipe... — precisei parar de
falar porque ambos me ignoraram completamente. Continuaram se olhando,
até que, enfim, caminharam na direção um do outro e se abraçaram.
Confesso que fiquei em choque. Nada fazia sentido diante daquela
cena absurda. A surpresa foi tanta que permaneci calada, apenas os
observando com muita atenção e curiosidade, quem sabe assim pudesse
compreender ao menos um pouco do que estava se desenrolando bem diante
do meu nariz.
— Eu falei para você que tudo daria certo... Que você sairia daquele
lugar horrível — Efraim disse em um timbre suave, segurando o rosto de
Dionísio com uma intimidade impressionante.
Certamente uma careta muito confusa estampou o meu rosto. E a
surpresa e choque se intensificaram quando Dionísio balançou a cabeça em
consentimento e puxou o Efraim para mais um abraço caloroso. Até então eu
não fazia ideia de que eram amigos. Na verdade sequer sabia que se
conheciam.
— Vocês... O que está havendo? — questionei, aproximando-me dos
dois.
Eles se afastaram como se tivessem levado um susto, finalmente
voltando a prestar atenção em mim. Dionísio parecia o mais envergonhado,
pois conseguiu ficar ainda mais vermelho que o Efraim. Pisquei os olhos
várias vezes, de maneira mecânica, enquanto esperava que se pronunciassem.
— Princesa, eu... — Efraim começou, gaguejante, mas foi Dionísio o
mais firme e direto em suas palavras:
— Sabine, fui eu que matei o Príncipe Augusto — ele deu um passo à
frente e, surpreendida, acabei dando um para trás.
— O quê?
Não era possível que eu tivesse me enganado tanto com relação ao
Dionísio, mas pelo visto tinha me enganado com relação a todo mundo
mesmo. Não havia um ser sequer naquela ilha que possuísse qualquer noção
de caráter e honra. Desconsolada, comecei a balançar a cabeça em negativa e
a me afastar gradativamente.
— Escute... Precisei fazê-lo. Não me orgulho do que fiz, eu juro! —
Dionísio continuou, balançando as mãos para frente no intuito de me manter
calma. Eu ainda não sabia o que pensar, mas ao menos parei de tentar me
afastar depois do que ele falou. — Vi quando o Leopoldo alcançou o jardim
de trás do castelo, empunhando uma espada e com uma expressão terrível em
seu rosto. Sabia que faria algo cruel e o segui. Vi quando se escondeu em
alguns arbustos. Esperei para saber o que ele faria e...
Dionísio parou e eu, com os olhos bem abertos, não ousei falar
absolutamente nada. Não sabia como reagir àquelas notícias. O que o
Leopoldo pretendia se escondendo em arbustos? Era para ter seguido
diretamente para o duelo.
— O Príncipe Dionísio fez isso para me proteger — Efraim se
adiantou. Achei que não fosse possível me deixar mais confusa, porém foi o
que aconteceu.
— Sim, eu... Acompanhei quando a senhorita atravessou o jardim e
continuei esperando — Dionísio prosseguiu, com o olhar assustado de quem
revivia aquela tarde assustadora. — Logo em seguida o acompanhante do
Leopoldo e um senhor, que depois soube que era o juiz do duelo, voltaram da
praia e entraram no castelo. Foi então que o Leopoldo saiu dos arbustos.
— Lembra-se de quando deixei a praia para procurar pelo Príncipe
Leopoldo? — Efraim se adiantou, aproximando-se de nós com o mesmo
semblante apavorado que emoldurava a face de Dionísio. — Foi desta forma
que fui surpreendido no jardim. Eu estava despreparado e o Leopoldo
apareceu com sua espada em mãos, pronto para me atacar. Achei que
estivesse me confundindo com alguém e até tentei uma conversa, mas ele
disse que o seu objetivo era encontrar o Jean sozinho na praia e matá-lo de
uma vez.
— Eu ouvi toda a breve conversa — Dionísio se adiantou. Eu estava
tão estupefata que mantive a respiração suspensa e a atenção naqueles dois
jovens, que narravam o inacreditável. — Leopoldo parecia dominado por um
ser das trevas. Obviamente, não poderia permitir que matasse um guarda e
depois que encontrasse o Jean para matá-lo covardemente.
Efraim passou a olhá-lo com certa ternura e a minha confusão
aumentou.
— Dionísio salvou a minha vida.
O Príncipe deu de ombros, mas sorriu com suavidade. Havia alguma
coisa naqueles dois que eu não estava conseguindo compreender, algum
detalhe que me escapava.
— Precisei abatê-lo antes que prosseguisse com seus planos malignos
— Dionísio me encarou com uma convicção emocionante em seu olhar. —
Eu não me arrependo, Princesa Sabine. Ele não era uma pessoa boa e o
desastre sobre Herlain poderia ser maior.
— Depois que ele deu o golpe fatal ficamos alguns minutos sem saber
o que fazer com o Leopoldo, até que decidimos que seria melhor fingirmos
que não sabíamos de nada — Efraim emendou, atento. — Estávamos
nervosos. Porém, infelizmente, um guarda e dois membros da corte viram
quando Dionísio voltou do jardim e ele foi considerado suspeito.
O silêncio recaiu sobre a sala de reuniões e eu o utilizei para refletir.
Claro que não julgaria o Dionísio pelo que fez, porque tinha certeza de que,
se fosse eu, faria igual, mas ainda assim foi tudo muito espantoso. Leopoldo
realmente era um sujeito cruel e, internamente, agradeci por ter me livrado
dele antes de cometer alguma loucura. Apenas o ego ferido não poderia
justificar as suas últimas atitudes. Pode parecer muito frio de minha parte,
mas o meu único arrependimento era de tê-lo beijado.
— Tudo bem, Dionísio. Precisamos contar ao papai e...
— Não, por favor, não envolva o Rei nisto — ele suplicou, de repente
muito assustado. — Efraim pode ser castigado por ter deixado o seu posto e
por ter negado o seu testemunho.
— Garanto que ninguém será castigado — falei com firmeza, sabendo
que o meu pai era um aliado e eu faria o possível para que compreendesse
toda a situação. Os dois se entreolharam e só então percebi que estavam
abraçados lateralmente. — O que está... havendo entre vocês? Eu...
Mais uma vez eles se afastaram como se seus corpos pegassem fogo.
— E-Eu...
— Não...
Continuei os observando com curiosidade.
— Gostaria de saber por que me chamou até aqui, Princesa Sabine —
Dionísio desconversou, trocando de assunto com nervosismo evidente. —
Disseram-me que a senhorita gostaria de conversar comigo um assunto muito
importante.
— Eu... — O assunto. As revelações foram tão malucas e
inimagináveis que havia me esquecido do principal motivo de termos aquele
encontro. — Sente-se — apontei para uma poltrona e o Dionísio fez o
solicitado. — Sente-se também, Efraim, parece cansado.
— Não é apropriado que eu...
— Por favor, não há ninguém para julgá-lo aqui. Sente-se de uma vez
— fui mais convicta e ele, ainda que hesitante, sentou-se em outra poltrona,
um pouco mais afastada de nós e com visibilidade para a passagem. — Eu o
chamei aqui porque... — engoli em seco, começando a ficar nervosa. Passei a
contorcer os dedos em minha capa. — Fiz uma escolha, finalmente.
— Uma escolha?
— Sim... — desviei o rosto para o chão, mas logo em seguida percebi
que, se fosse para fazer aquilo, seria com a cabeça erguida e não parecendo
uma tola. Sendo assim, tornei a encará-lo com seriedade. — Antes de realizá-
la oficialmente, gostaria de saber a sua opinião e quem sabe oferecer ao
senhor um período de tempo para que pense a respeito...
— De qual escolha estamos falando, Princesa?
Soltei o ar e o puxei com força para os meus pulmões. Precisava ter
coragem para fazer o que era certo. Por mim, pelo papai, por Herlain. Ainda
que sentisse uma vontade absurda de chorar e de sair correndo, aquela era a
minha responsabilidade e eu não fugiria dela. As coisas são como são.
De certa forma sabia que era a melhor saída que eu possuía e as novas
informações só vieram reafirmar minhas expectativas. Dionísio havia se
mostrado uma pessoa decente, um homem de princípios e caráter. Era do tipo
capaz de cometer um assassinato para defender as pessoas com as quais se
importa.
Portanto, pronunciei cada palavra com extrema calma:
— Quero que o senhor seja o meu marido e o futuro Rei de Herlain.
A frase ecoou pela sala de reuniões, depois um silêncio sufocante se
apossou de todo o ambiente, sendo interrompido apenas pelas tosses de
Efraim.
CAPÍTULO 38

— Seu... marido e... futuro Rei de... Herlain — os gaguejos do Príncipe


Dionísio me deixaram ainda mais desconcertada. Tão logo falei aquela frase
imaginei que eu estivesse agindo precipitadamente. — Sabine, eu... Perdoe-
me, mas não posso fazer isto. Não posso aceitar a sua escolha.
Passei algum tempo apenas olhando para Dionísio, pensando em todas
as coisas que estavam erradas em mim e nos motivos para ninguém decente
me querer. Se eu não podia ter o Jean, ao menos que ficasse com alguém que
tivesse o meu apreço. Mas não... Parecia que o meu destino era ficar sozinha.
Criando teias de aranha feito escultura em um monastério, talvez. Eu não
sabia mais o que fazer para salvar o meu destino e o de Herlain. Dionísio era
a minha última opção.
— Está certo... — murmurei, um tanto descrente e muito
envergonhada. — Eu... É melhor me retirar. O senhor deve estar necessitando
de uma boa noite de sono e um bom prato de alimento.
Eu me levantei, pronta para ir embora sem olhar para trás, porém
Dionísio me segurou pela mão e me obrigou a parar para encará-lo. Ele tinha
um semblante nervoso, talvez tão desconcertado quanto o meu, e os olhos
piscaram mais que o comum.
— Não me tenha com desconsideração, Princesa Sabine. Claro que
aceitaria a sua escolha de bom grado se... Se... — ele parou e o Efraim voltou
a tossir.
Olhei para o guarda real, que também havia se levantado e parecia
ainda mais avermelhado do que o Dionísio e eu juntos. Seu desconcerto se
manteve visível. Foi então que a última peça se encaixou e finalmente me dei
conta do que estava acontecendo ali.
— Oh... Oh, meu Deus — arquejei, chocada, desvencilhando-me do
Príncipe. Levei a mesma mão à boca, descrente das ideias que me
acometeram, mas que pareciam cada segundo mais coerentes. — Você e o
Efraim... — apontei para ambos. — Vocês dois estão... Oh, meu Deus.
Como eu não tinha chegado àquela conclusão antes?
Tive a impressão de que o guarda poderia desmaiar a qualquer
momento, pois de vermelha a sua pele começou a ficar muito pálida. Já
Dionísio deu de ombros e evitou me encarar, em visível constrangimento.
Não esperei que nenhum deles me contradissesse. Eu ficaria muito triste se
mentissem para mim depois de vivenciarmos um momento de muita
confiança mútua.
— Perdoem-me, eu... — olhei para cima, a fim de evitar que lágrimas
se derramassem. Não conseguia avaliar quais sentimentos me faziam ter
vontade de chorar, mas não consegui não me manter emocionada. —
Como...? Não, não, perdoem-me, nada disto é da minha conta — chacoalhei a
cabeça em negativa.
— Depois que Dionísio me salvou precisei encontrar uma forma de
agradecê-lo. Não achei justo que o trancafiassem. Troquei o meu posto com
um guarda do calabouço, que ficou imensamente feliz pela troca... — ele
sorriu, mas percebi que não alcançou os seus olhos claros. Efraim também
estava emocionado, pois a voz saía um pouco embargada. — Assim pude
ficar responsável por lhe entregar água, comida e oferecer algum conforto em
sua cela. Também ajudei o Príncipe Jean, embora este estivesse um pouco
recluso.
— Conversamos durante horas... — Dionísio prosseguiu, parecendo
emocionado também. — E as horas viraram dias, até que viraram semanas e
percebi que... Que eu realmente estava gostando da companhia do Efraim.
Não era tão impossível. Os dois eram pessoas muito agradáveis e
prestativas. Só que era... diferente. Ainda assim não significava que não era
uma história válida, bem como qualquer outra história de amor. Eu podia
compreendê-los, até porque em seus olhos estava nítido o quanto realmente
se gostavam. E o quanto estavam apavorados com isso. Naquele instante
compreendi de uma vez que o amor se tratava de um grande risco. Tinha mais
a ver com o medo do que com qualquer outro assunto.
— Mas... — comecei a dizer, mas parei porque me faltaram palavras.
Depois de um tempo, perguntei em um sussurro: — O que pretendem fazer?
— Eu não sei — Dionísio se adiantou. — Os meus pais certamente me
enforcarão se eu não me casar até a próxima primavera. Com uma mulher,
obviamente. Poderia levar o Efraim comigo para as minhas terras, mas não
sei onde é seguro para nós dois. Nunca nos aceitarão. Parece-me que não há
um local definido para este tipo de... relacionamento.
Aquiesci, finalmente deixando as lágrimas caírem. Eu não era a única
que possuía problemas amorosos e esse fato por um lado foi um alívio. No
entanto, pelo menos o Efraim era real, assim como o Dionísio, e eles podiam
ficar juntos mesmo que todos estivessem contra aquele amor. Ambos
superariam as opiniões alheias em algum momento. Ou talvez nunca
superassem, porém tinham uma vida inteira pela frente para descobrir.
— Neste momento só posso demonstrar o meu apoio — falei, sorrindo
com leveza. Se eles se gostavam, então tudo bem. O mal das pessoas era o
desamor. — Não sei o que farão, mas contem comigo. Podem ficar em
Herlain o quanto precisarem. Não direi nada a ninguém e, até onde sei,
Dionísio ainda é um possível pretendente.
— Muito obrigado, Princesa. A senhorita tem um coração grandioso —
o Príncipe juntou as minhas mãos e as beijou com doçura. Lembrei-me da
noite em que nos beijamos e no quanto ele parecia gostar de mim. Eu devia
ter me enganado. Ou talvez o próprio Dionísio estivesse tentando se enganar.
— O que puder fazer pela senhorita eu farei.
— Descanse bastante e leve o Efraim com você — sugeri, acenando
para o guarda, que também sorria. — A partir de hoje ele é o seu segurança
oficial. Inventarei uma desculpa para dar ao papai.
— Muito obrigado, Princesa — o guarda também tomou as minhas
mãos para beijá-las. Depois, retiraram-se lentamente e me vi sozinha na sala
de reuniões.
A primeira atitude que tomei depois que fui deixada para trás foi
afundar na poltrona e começar a chorar como uma criança. Não foi um choro
pelo Dionísio em si, mas por tudo o que aconteceu e, sobretudo, pela história
que papai contou.
Na frente dele eu me fingi de forte, mas me encontrava fragilizada, no
auge da vulnerabilidade. Além de não saber o que fazer, ainda contava com
milhões de questionamentos circulando dentro de minha mente, deixando-me
ensandecida. Eu não sabia se conseguiria lidar com tantas informações.
— Dionísio e Efraim... Quem diria? — a voz do Jean surgiu de lugar
algum, mas quando ergui a cabeça, encontrei-o sentado na poltrona outrora
ocupada por Dionísio, exatamente à minha frente. Ele soltou um silvo que eu
consideraria engraçado se não estivesse tão arrasada. — Eu não poderia
imaginar de maneira alguma. Ainda bem que sequer estava presente em
minha cela... Os pombinhos devem ter feito alguns barulhos esquisitos e...
— Não estou a fim de conversar — cortei-o antes que ele se
prolongasse. Levantei-me em seguida, pronta para resolver mais uma questão
de minha lista mental, mas Jean também se ergueu, aproximando-se.
— A senhorita está bem?
— Como acha que estou? Deve ter acompanhado tudo. Diga-me,
Jean, como acredita que estou?
— Imagino que deva estar triste e...
— Triste? Eu estou em pedaços!
— E-Eu não sabia que... Se importava t-tanto com o Dionísio, achei
que realizou esta e-escolha porque... — Jean começou a ficar muito nervoso e
a gaguejar debilmente, o que só intensificou a minha ira.
— Não estou falando do Dionísio. Refiro-me à conversa com o papai.
O gênio fez uma careta tomada pela confusão.
— Desculpe-me, Sabine, mas esta eu não acompanhei. Achei que vocês
deveriam ter um momento de privacidade.
Revirei os olhos porque privacidade e Jean não combinavam na mesma
frase.
— A lâmpada! — eu me adiantei, sentindo-me muito brava. — A
lâmpada mágica pertencia à minha mãe biológica, que morreu tão logo eu
nasci. Rainha Alexandra não é a minha mãe de verdade, o que explica muita
coisa, mas o que importa neste momento é que você — apontei em sua
direção — conheceu a minha mãe. — Como...? — passei a balançar a cabeça
nervosamente, erguendo as mãos para puxar os cabelos. — Que tipo de
relação vocês tinham? O que ela desejou? Por que não me contou sobre a
existência dela, Jean? — mal terminei de fazer aquelas perguntas e as
lágrimas retornaram com força total. — Eu não acredito que você omitiu uma
coisa tão importante durante tanto tempo!
Jean segurou os meus braços e se aproximou. Ficou tão perto que os
nossos rostos quase se encostaram.
— Sabine, eu não faço ideia do que está falando. Não conheci a sua
mãe — Jean sequer piscou ao dizer aquelas palavras. — Estava trancado
naquela porcaria de lâmpada há cento e cinquenta e sete anos, até que você
me despertou.
— E-Eu... — segurei os braços que estavam sobre mim. — Como a
minha mãe verdadeira sabia que a lâmpada era mágica? Como chegou às
mãos dela?
— Eu não sei — o gênio negou com um gesto lento e pesaroso. — A
lâmpada passa por muitas mãos ao longo dos tempos. Às vezes é roubada...
Herdada... Fica desaparecida e depois reaparece nas mãos de um curioso. Há
muitas lendas com relação a esse objeto. Sua mãe deve ter ouvido falar em
uma delas. Eu não saberia te informar, Sabine, mas não a enganei um só
momento.
— Promete? — murmurei, já sentindo o meu corpo amolecer.
— Prometo.
Eu me atirei contra os braços dele e decidi que ali era o melhor lugar
para terminar de afogar todas as mágoas que teimavam em amargurar o meu
coração. Foi enquanto chorava que uma dúvida se instaurou e precisei
questioná-lo:
— Como a minha mãe não o despertou, então?
Jean apenas me abraçou mais forte.
— Não é tão fácil assim me despertar — sussurrou perto do meu
ouvido, docemente, começando a acariciar os meus cabelos. — A lâmpada
precisa estar acesa com uma combinação específica de ervas... Além do que a
pessoa que a utiliza precisa ter grandes desejos de alma, caso contrário se
torna apenas um simples objeto. Já cheguei a passar mais de trezentos anos
preso entre um amo e outro.
— Isso... Deve ser muito exaustivo — falei, afastando-me para olhá-lo.
Se tudo saísse dentro dos conformes o sofrimento do Jean teria fim em breve.
Eu só precisava criar coragem. — Seguirei para os meus aposentos agora...
— defini, percebendo que toda aquela dor precisava ter um fim. — Gostaria
que me acompanhasse, pois farei o último pedido.
— O quê? Não... Eu... Sabine, eu... — a sua hesitação me fez sorrir,
embora fosse um sorriso triste. Era claro para mim que ele me amava, mas o
certo precisava ser feito e eu seria uma estúpida se o prendesse por mais
tempo. Já havia demorado demais. — Deixe-me... Apenas me despedir. Eu
preciso de mais um momento... com você. Por favor, minha princesa.
— Hum... — sorri, tentando não fazer daquele instante uma situação
ainda mais triste. A verdade era que eu não sabia se conseguiria lidar com
uma despedida, mas claro que jamais negaria uma oportunidade de estar em
seus braços mais uma vez. — O seu desejo é uma ordem, gênio.
Ele riu e tomou os meus lábios com precisão, até que alguém irrompeu
pela passagem da sala de reuniões, afastando-nos totalmente. Eu vi os olhos
agressivos da minha irmã e tive certeza de que ela me desprezava
profundamente.
— Encontrei você! — ela proferiu quase aos gritos. Logo percebi que
não olhou na direção do Jean por um só instante, o que significava que o
gênio talvez estivesse em seu modo invisível. — Está satisfeita com o que
fez? Por que voltou, Sabine? Para destruir a minha vida?
Embora eu estivesse apavorada, tentei manter a pose firme. Tinha
consciência dos meus cabelos assanhados e do rosto choroso, mas Sarah não
me veria abaixar a cabeça como me viu ao longo de nossa vida. Como irmã
mais velha e futura Rainha de Herlain, ela precisava me respeitar.
— Não sei do que está falando — retruquei.
— Você vai nos obrigar a ir embora de Herlain! Acabou com a nossa
família. Eu sabia que um dia você, uma bastarda desprezível, daria um jeito
de nos destruir — gritou a plenos pulmões e fui tomada por aquele ódio como
se fosse uma flecha diretamente em meu peito.
Sarah sabia.
Ela sabia que Rainha Alexandra não era a minha mãe.
Desde quando? Sempre? O tempo todo?
— Não me culpe pelas suas péssimas escolhas — pronunciei cada
palavra devagar, pois me recusava a desabar na frente dela. Precisava ser
forte. Era uma necessidade encará-la, impor a minha presença. — Não sei do
que está falando, mas o Príncipe Augusto não passa de um falso. Você
certamente deve compreender todos os detalhes sobre a falsidade.
— Compreendo que vai ser melhor me manter longe de alguém tão
cretina — ela falou com a voz mais mansa, porém não menos odiosa. Nunca
a tinha visto sem a sua máscara pomposa e inocente antes, por isso me
mantive estarrecida enquanto a ouvia com atenção. — Partiremos amanhã no
primeiro horário. Não tem sentido Augusto e eu permanecermos aqui, já que
a bastarda retornou.
— Seja feliz com o seu marido — retruquei com bastante desdém.
— Mamãe vem conosco — Sarah emendou e o meu choque se tornou
maior. Rainha Alexandra deixaria Herlain? Isso era impossível. Uma Rainha
não pode simplesmente abandonar o seu reino. — Satisfeita? A nossa família
está destruída. O destino de Herlain se manterá incerto. Se depender de você
— soltou uma risada curta — esta terra cairá em ruínas — Sarah fez uma
pequena pausa, mas logo continuou com sua nova forma de se expressar: —
Papai sequer fez questão para que ela ficasse, quando mamãe informou que
me acompanharia na viagem rumo às valiosas terras do meu esposo.
Eu engoli em seco. A impressão que tive era de que a situação só
piorava e as perguntas apenas se amontoavam em minha mente. Eu estava
prestes a desabar de vez, entretanto, precisei de só mais um segundo para
caminhar até a passagem e falar:
— Que ela seja feliz com alguém que a ame de verdade e que saiba
lhe oferecer prazer — dei as costas para a Sarah e prossegui: — Quem sabe
assim se cure da amargura? Aliás, desejo que vocês duas simplesmente
gozem. Quando, enfim, forem felizes, permitirão que as outras pessoas
também o sejam.
Todavia, devo ter escolhido as palavras erradas, porque a Sarah,
depois de um rosnado indignado, quase ensurdecedor, voou em minha
direção, atacando-me pela retaguarda como a covarde que era.
CAPÍTULO 39

Fui empurrada para frente com tanta força que não compreendi de que
maneira consegui permanecer de pé. Mal tive tempo de me recompor e a
Sarah me puxou pelos cabelos como se eu fosse um pedaço de algo
insignificante. A raiva que senti naquele instante finalmente sobressaiu o
medo e o espanto, então consegui empurrá-la para longe de mim. O seu corpo
caiu sem cuidado sobre uma poltrona, que virou para trás com o forte
impacto, deixando-a com as pernas para cima, à mostra de um jeito
desconcertante.
Eu me aproximei enquanto ela tentava se levantar de uma posição
vergonhosa, sem sucesso. Não tenho orgulho de dizer que gostei de vê-la
daquele jeito tão vulnerável e praguejando alto, xingando a mim de um jeito
tão nojento que não ousava repetir. Imaginei que ser odiada pela Rainha
Alexandra, ao longo da vida, me foi uma dádiva. Eu não queria ter recebido
aquela mesma educação terrível que ela ofereceu à filha mimada, oportunista
e sem caráter. Era uma pena que alguém tão jovem fosse tão estragada. E era
uma pena que, apesar de tudo, ela ainda fosse a minha irmã, filha legítima do
meu pai.
— Espero que você tenha oportunidades para ser uma pessoa mais
agradável — eu disse com firmeza, tentando não deixar que os seus
xingamentos me afetassem. Sabia que mais tarte choraria por causa deles,
mas faria o que fosse preciso para que a minha irmã jamais soubesse disso.
— Sentirei a sua falta.
Eu não sabia se a última frase era verdade, porém não me julgaria por
soar falsa com alguém que não me oferecera nada diferente. Nós tínhamos
uma vida de brincadeiras e cumplicidade juntas, isso é um fato, e passamos
vários momentos agradáveis. Entretanto, compreender que tudo havia sido
uma mentira faria com que eu me consolasse com a sua ausência. Não
gostaria de ter mais ninguém ao meu redor me causando mal. Nunca mais me
permitia vivenciar este tipo de martírio.
— Vá para o inferno! — Sarah gritou a plenos pulmões, conseguindo
se levantar apenas para voltar a me atacar.
Não sabia onde o Jean estava; se presenciava aquela briga horrível ou
se havia me dado privacidade, o que eu duvidava, mas não tive tempo para
conferir. Sarah me empurrou na direção de um dos móveis repletos de livros
e, sinceramente, aquilo doeu muito. Alguns exemplares caíram por sobre o
meu corpo. Assustada, projetei o meu corpo para frente e perdi o equilíbrio,
caindo ajoelhada na tapeçaria.
Sarah estava tão fora de si que encontrou, sobre a mesa no canto
esquerdo, um removedor de selos metálico e longo, de aparência afiada.
Empunhou-o como se fosse uma arma, sem sequer hesitar. Fiquei
desesperada imediatamente e me ergui depressa, correndo até a saída da sala.
Eu não esperaria nem um segundo para saber o que ela pretendia com aquilo
e se teria coragem de me atingir.
Estava bastante claro que preferia me ver morta.
— Desprezível! — ela gritou enquanto eu escapava para o corredor.
Achei que não fosse me seguir, mas percebi que me enganei quando olhei
para trás, e acabei acelerando o passo na direção de uma varanda próxima. —
Eu vou matá-la, Sabine!
Nunca imaginei que viveria para sentir medo real de que a Sarah,
minha irmã mais nova, a pessoa que tentei ensinar a ler, sem sucesso, e a
quem tentei ensinar a tocar harpa, igualmente sem sucesso, fosse me matar.
Soltei um berro angustiado quando alcancei a varanda e percebi que havia
sido uma ideia muito estúpida. Eu não tinha mais para onde fugir e me
perguntava para quê tantos guardas se nenhum deles aparecia quando eu mais
precisava.
— Pare, Sarah! — virei-me na direção dela, com a retaguarda apoiada
no parapeito. Ergui as mãos em sua direção. — Você ficou louca?
Ela abriu a boca para me responder, mas não chegou a falar
absolutamente nada porque uma mão enorme segurou a dela e em poucos
segundos conseguiu puxar para si o removedor de selos. Era o Príncipe
Augusto, em companhia de mais dois guardas, que se aproximaram de nós,
exasperados, com pura confusão estampada em seus semblantes.
Depois vi quando o Jean invadiu a varanda e me tomou em seus
braços sem nem mesmo hesitar. Eu me deixei amolecer com bastante
facilidade, o coração ainda acelerado pelo susto.
— O que está havendo aqui? — o imbecil do Augusto questionou.
Sarah parecia tão recomposta que nem dava para acreditar que era a mesma
pessoa que estava me perseguindo para me matar.
— Essa bastarda me provocou até que eu chegasse a um limite — ela
apontou para mim e não pude controlar a expressão terrível que lhe ofereci. A
sua falsidade chegava a ser doentia. — Quase me fez cometer uma loucura!
— A culpa é minha pela sua má índole? — berrei, morrendo de raiva,
e tentei me desvencilhar do Jean para atacá-la, porque não suportei olhá-la e
perceber tanto cinismo em uma só pessoa. No entanto, o gênio me segurou
com bastante força.
— Viu só? Ela não passa de um animal selvagem! — Sarah apontou
em minha direção. — Está descontrolada!
Fiquei tão irritada por vê-la aparentemente sã, com os cabelos tão
bonitos quanto sempre foram, jogando a culpa em mim como se entre nós
duas eu que fosse a pessoa ruim, que soltei um grito feroz.
— Eu espero nunca mais ter o desprazer de vê-la novamente —
resmunguei, mas logo em seguida não consegui manter o tom ameno: —
Você e esse seu esposo falso, saiam da minha vida. SAIAM DA MINHA
VIDA!
Sarah soltou uma risada delicada, quase como se fosse um anjo.
Muito diferente das gargalhas insanas que soltou dentro da sala de reuniões.
Mal pude acreditar em tanto cinismo, em tanto fingimento. Augusto, embora
desconfiado, certamente não fazia ideia de quem aquela garota era. Ou sabia
perfeitamente e mancomunava com tudo.
Eu não duvidava de mais nada.
— Com muito prazer, querida — ela disse com desdém e deu de
ombros, certamente se fazendo de vítima, depois virou as costas e deixou a
varanda sem dizer mais nada.
Acompanhei enquanto ela se afastava. Por mais que tentasse, não
conseguia me livrar da raiva que me fez sentir, porém não pude deixar de
suspirar aliviada quando todo e qualquer resquício de sua presença
desapareceu. Augusto continuou encarando a mim e ao Jean. Esperei que
falasse alguma coisa porque não encontrava forças nem para me mexer. Eu
não tinha nenhum assunto com ele, nem mesmo gostaria de olhar para a sua
cara, por isso me mantive quieta, observando o horizonte da varanda.
— Preciso conversar com a senhorita a sós — a voz de Augusto
preencheu o ambiente e eu me encolhi nos braços de Jean.
Percebi quando Augusto acenou para os guardas e eles deixaram a
varanda, mantendo-se a postos na entrada, certamente para o caso de
acontecer mais uma confusão. O gênio começou a se afastar do nosso abraço,
mas o mantive preso a mim como se fosse a base que me mantinha inteira.
— Pode falar o que quiser na frente do Jean — avisei, a voz saindo
dura, fria como o mais rigoroso inverno de Herlain. — Não ficarei a sós com
o senhor.
— Vejo que fez a sua escolha.
Finalmente o encarei. Príncipe Augusto parecia cansado, bem como
todos os homens daquele castelo, mas não me afetava em nada. O fato de ter
se casado com a Sarah já dizia tudo sobre ele: aproveitador.
— Vejo que o senhor também fez a sua — retruquei, impaciente.
— Sabine, eu não tinha muitas esperanças de encontrá-la, ao menos
não com vida. Não havia o menor sinal de seu paradeiro e...
— E então decidiu se casar com a minha irmã, a pessoa que o senhor,
recentemente, pediu-me ajuda para maquinar uma armadilha. Tudo isto para
ficar com o controle de Herlain, aproveitando-se da fragilidade do Rei.
— Não foi desta forma — Augusto começou, mas eu o interrompi
prontamente:
— Poupe-me de seu cinismo. Já cheguei ao meu limite por hoje.
Jean me abraçou com um pouco mais de força, talvez como um
pedido para que eu mantivesse a calma, para que não me alterasse
indevidamente. De qualquer maneira eu me senti mais confiante e tranquila
para encarar aquela conversa insuportável.
— Herlain estava com muitos problemas burocráticos e a ausência do
Rei começou a prejudicar toda a estrutura do reino — Augusto prosseguiu.
Eu queria não ter que olhá-lo, mas me forcei a escutar tudo sem desviar o
rosto de sua figura elegante. — O Conselho Real exigiu um posicionamento
imediato. Com o seu sumiço, a esperança de Herlain era a de que Sarah e eu
adiantássemos a cerimônia. Não tive escolha.
— Claro que teve. Sempre há uma escolha — resmunguei.
— A senhorita pode jamais acreditar em mim, mas esta é a verdade
— ele deu de ombros, relaxando-os para demonstrar a exaustão. — Eu não
quis grandes comemorações e foi uma cerimônia simples, apenas com um
padre e a Rainha.
— Não importa — balancei a cabeça em negativa. Inspirei
profundamente e voltei ao porte rígido e que impunha respeito. Jean até se
afastou um pouco, percebendo que de repente me sentia pronta para encarar a
situação. — Não quero ter qualquer conhecimento de suas intenções. Suas
verdades ou mentiras são indiferentes para mim. Não mudarão o fato de que
quero o senhor longe de Herlain, e como esposo de minha irmã, deverá levá-
la consigo.
— Sou um homem honrado e que cumpre com a própria palavra —
Príncipe Augusto também endireitou a postura, tornando-se o mesmo homem
altivo que chegou ao reino. Tive sérias vontades de desdenhar de sua frase
eloquente, mas me contive porque sabia que não adiantaria perder tempo com
tolices. — Nada faltará a sua irmã. Serei um bom companheiro e certamente
teremos herdeiros que poderão dar suporte a ambas as terras. Herlain não será
esquecida e, como familiar, faremos visitas anuais, como exige a boa
etiqueta.
Estava prestes a dizer que gostaria muito que a boa etiqueta
simplesmente explodisse, mas a raiva acumulada não me levaria a lugar
algum, por isso apenas assenti. Até porque eu não podia impossibilitar o meu
pai de ver a própria filha. Aquela era uma conjuntura aceitável para o destino
de minha irmã e do Príncipe Augusto.
— Pois bem. Cumpra com a sua palavra — defini como se estivesse
lhe oferecendo uma ordem.
Augusto assentiu devagar. Observou a mim, depois ao Jean. Achei
que fosse tecer algum comentário, que certamente seria impertinente, mas
permaneceu mudo. Gesticulou uma pequena reverência e deixou a varanda
sem olhar para trás. Eu só esperava vê-lo de novo quando a minha raiva
tivesse desaparecido, o que de fato demoraria algum tempo.
Puxei o Jean na minha direção, sem me importar de estar sendo vista.
Eu não sentia que havia mais nada a esconder. Afinal, não existia mais
ninguém que apontasse o dedo e me julgasse sem nenhuma consideração.
Beijei-o com tanta vontade que o meu fôlego foi tragado em poucos
segundos. Infelizmente, precisei me afastar para respirar, do contrário
sucumbiria em seus braços.
— Encontre-me em meus aposentos — murmurei.
O gênio umedeceu os lábios, mantendo as nossas testas unidas. Suas
mãos estavam emoldurando, respeitosamente, a minha cintura.
— Não tenha pressa para se ver livre de mim.
Empurrei-o de leve, na tentativa de encarar os seus olhos.
— Não é pressa, é necessidade. Não suporto mais levar essa situação
desta forma...
— Sabine... Posso saber qual será o seu último desejo?
Balancei a cabeça em negativa. Se eu dissesse, Jean com certeza
levantaria vários argumentos para me fazer desistir. E eu não desistiria.
— Eu não sei se estou pronto para te deixar, eu... — ele suspirou de
uma forma prolongada. — Não sei se um dia estarei. Eu a amo com todas as
minhas forças. Mesmo sabendo que é o certo a ser feito, não posso evitar me
sentir destroçado. Perdoe-me a sinceridade, mas... — Jean parou de se
expressar e eu continuei o encarando, surpresa porque ele nunca havia sido
tão claro e sincero ao confessar o que de fato sentia. — Foi doloroso te ouvir
escolhendo o Dionísio. Ele é um bom rapaz, e se mostrou um homem
honrado, mas... Eu não sei, não deveria tocar neste assunto. Perdoe-me.
Perdoe-me por ser tão egoísta.
Uma lágrima sorrateira escorreu pelo meu rosto, mas ele a beijou,
tomando-a entre os seus lábios. Depois, compartilhou comigo, brevemente, o
salgado sabor da sublimidade.
— Não suporto te ver sofrer, Jean — murmurei na sua boca, sentindo-
me afundar em uma dor terrível. — E é por não suportar que darei um fim
nisto.
— Sabine, o que vai pedir?
Balancei a cabeça.
— Não. Agora, não. Encontre-me em meus aposentos daqui a pouco.
Demorei alguns segundos para criar forças e finalmente deixá-lo na
varanda. Jean não insistiu mais e eu agradeci por isso. Antes de nossa
dolorosa despedida, ainda precisava resolver uma última questão: Naná.
Precisava reencontrá-la, abraçá-la e livrá-la do trabalho na cozinha. Para dizer
a verdade, pretendia liberá-la de qualquer serviço pesado e nomeá-la a minha
conselheira oficial, cargo que acabara de inventar e que só lhe traria regalias,
nada além.
Eu já não sentia mais nenhuma decepção com relação a ela. Se não
fosse a Naná certamente eu teria enlouquecido. E, se ela precisou omitir a
existência da minha mãe, não foi para me provocar nenhum mal. Eu a amava
muito e sabia que era recíproco. No final das contas, se havia uma figura
materna para admirar e respeitar, esta figura era a da minha antiga dama de
companhia.
E eu viveria a minha vida inteira para agradecê-la por tudo.
CAPÍTULO 40

Foi emocionante rever a Naná e lhe oferecer as novas notícias sobre


minhas mais recentes decisões. Como eu esperava, ela me deu muitos abraços
e chorou tanto quando me viu que o nosso encontro acabou durando horas,
pois precisei que se acalmasse antes de qualquer outra coisa. Pedi que
preparassem o aposento mais próximo do meu para que ela ocupasse,
mantendo-se sempre por perto. Eu queria garantir que a sua vida fosse boa,
agradável e de descanso.
— Oh, minha menina... Não precisava de tudo isto — Naná apontou
para o quarto recém-limpo. Era simples, com poucos móveis, mas bastante
aconchegante. Aos poucos eu providenciaria mais itens para o seu conforto.
— Eu nunca ouvi falar neste cargo de conselho. Sequer sei se sou boa
conselheira. Tem certeza de que...
— Não se preocupe, Naná — cortei-a antes que começasse a se
preocupar em demasia. Conhecia-a há anos e sabia o quanto aquela mulher
gostava de realizar os seus afazeres da melhor maneira possível. — A
senhora sempre foi uma ótima conselheira. Na verdade, este cargo tem mais a
ver com uma influência maternal.
Ela me olhou por um período de tempo prolongado.
— É verdade o que dizem os boatos? A Rainha Alexandra partirá pela
manhã?
Assenti, embora não soubesse nenhum detalhe sobre aquilo. O meu
conhecimento se resumia ao que a Sarah havia dito em um instante de
completa fúria.
— Não me importa se ela irá embora ou não, Naná — falei com muita
sinceridade, dando de ombros. — Se ficar, continuará sendo a Rainha de
Herlain e eu lhe deverei respeito, mas não mudará o fato de que não sou
obrigada a amar quem nunca me considerou. Isto é um alívio — soprei o ar
com força. — A minha mãe sempre foi a senhora.
— Oh, Sabine...
Segurei os seus ombros, olhando-a de frente. Naná tinha lágrimas nos
olhos, assim como eu.
— Papai me contou sobre a minha verdadeira mãe. — Ela abriu bem
os olhos, assustada, e até tentou se afastar, porém eu tratei de acalmá-la de
uma vez: — Está tudo bem, Naná. A história inteira é triste e complexa, mas
o fato é que foi a senhora quem me criou, quem me deu amor e educação.
Jamais poderei agradecer o suficiente por tudo o que representa em minha
vida, portanto desejo que fique despreocupada.
— Oh... E-Eu... Bem que quis contar, mas... Não era de minha boca
que a verdade precisava ser proferida — ela manteve a voz embargada e
levou as mãos ao coração. Encarava-me com tanto brilho nos olhos que a
minha emoção só se intensificou. — Desde a primeira vez em que te vi, bem
pequenina, sem mãe, e que lhe ofereci o meu seio porque na época acabara de
dar luz ao meu filho mais novo... Eu a amei tanto, Sabine. Tive três filhos
homens e a senhorita sempre foi minha menina.
— Eu a amo muito, Naná — murmurei e a abracei com todo carinho e
gratidão que consegui reunir em meu âmago. — Agora, descanse. Pedirei a
alguém para trazer todos os seus pertences.
— E-Eu... N-Não estou acostumada com...
— Acostume-se! — sorri, piscando um olho. — A partir de hoje não a
quero envolvida em nenhum serviço pesado.
Madame Naná voltou a me abraçar e ficamos desta forma durante um
bom tempo. Eu não sentia como se tivesse perdido duas mães, a biológica e a
que ganhara esse título sem saber aproveitá-lo, muito pelo contrário. Sentia
como se tivesse finalmente entendido que eu possuía alguém muito valioso e
que me oferecia um amor genuíno. Toda a dor com relação a isso não doía
mais.

Tão logo abri a porta do meu aposento, sem saber se estava pronta para
resolver o último item de minha lista interna, fui tragada para o mundo
mágico. Encontrei o Jean de pé no meio do jardim que havíamos construído,
trajando suas vestes de gênio e sorrindo com suavidade. O leito em que tantas
vezes fizemos amor estava da mesma forma como o deixamos, entre as flores
coloridas e sendo iluminado pelos raios solares. A emoção que me tocou
diante de tanta beleza fez com que os meus olhos marejassem.
Eu precisava ter coragem.
Aproximei-me sem nada dizer, caminhando com uma lentidão que
significava que eu ainda não queria abrir mão de tudo aquilo. Da magia. E,
principalmente, dele. Mas a realidade precisava ser vivenciada e mascará-la
seria inútil. Demorei a entender o que de fato significavam as
responsabilidades e qual era o sentido de minha existência. Eu precisava de
muita gente e muita gente precisava de mim. Inclusive o amor da minha vida,
que sorria mais amplamente a cada passo que eu dava.
— Nenhuma magia seria capaz de reproduzir ser tão belo... — ele
murmurou, mas consegui escutá-lo com perfeição. Parei à sua frente e ele não
hesitou em juntar as nossas testas. Não queria que aquele momento tivesse
gosto de saudade, mas já podia senti-la entre os meus lábios e no meu
coração. — Tão iluminado... Tão incrivelmente especial. Jamais a esquecerei,
Sabine.
— Pare de falar essas coisas... Não quero me despedir.
— Eu irei até os confins do Universo para tê-la de volta — ele disse,
enfim, com tanta convicção que as lágrimas não derramadas finalmente
ganharam liberdade. — Não importa o que deseje, não importa o que
aconteça, eu retornarei. Voltarei para os braços do meu verdadeiro amor.
Eu não esperava por aquilo. Dentro de todo o meu planejamento, não
podia imaginar que o Jean fosse pronunciar tais palavras. Achei que seria
definitivo, que não nos veríamos mais ou... Eu não sabia o que pensar porque
não tinha conhecimento do que... Talvez eu não tivesse raciocinado direito.
Havia uma chance. Eu estava tão conectada com um fim drástico que
simplesmente ignorei a possibilidade de não precisar perdê-lo.
Sim, havia uma chance.
— Então eu o esperarei até o fim de meus dias — murmurei, sabendo
que era a mais pura verdade. A partir do momento em que ele expôs o seu
sentimento com relação a um iminente fim, percebi que havia sido tolice
fazer qualquer escolha diferente. — Porque confio em nosso amor.
— Isso é tão egoísta... Eu não quero que espere, porque não sei quanto
tempo levará, mas por outro lado quero — murmurou perto de meu ouvido.
— Prometa que viverá intensamente em minha ausência, Sabine. Não se
preocupe comigo.
Soltei um riso um pouco desdenhoso. Era óbvio que eu iria me
preocupar e que sofreria, mas... Ele não sabia qual seria o meu desejo e talvez
não precisássemos esperar tempo algum. Com muita sorte, seria como um
passe de mágica.
— Chega de conversas... — agarrei o seu pescoço usando ambas as
mãos e, num impulso, circulei as pernas ao seu redor. O vestido atrapalhou o
processo e tratei de trocá-lo por uma das peças carregadas de luxúria que eu
costumava vestir ali. Aquela era composta por um tecido fino, um tanto
transparente e dourado, deixando boa parte de meu corpo à mostra. — Quero
você agora.
Jean me levou, enquanto me beijava, em direção ao leito. O desejo de
tê-lo em mim poderia ser palpável de tão intenso que se manifestava.
Depositou-me sobre o conforto da cama com bastante cuidado e se colocou
sobre mim em seguida, não deixando de me beijar nem por um instante.
O gênio retirou as minhas vestes devagar, como se quisesse estacionar
o decorrer do tempo, e fiz o mesmo com igual paciência. Cada gesto nosso
foi preciso, calculado pelo tesão e pelo amor que nutríamos. Um momento
carregado de uma perfeição incomparável. Nada mais foi preciso dizer. Os
nossos gemidos e arquejos falaram por nós enquanto nos amávamos daquele
jeito único, que nos levava a um ápice fantástico.
Senti a sua boca, a sua língua, as suas mãos... Experimentei partes de
seu corpo que eu já reconhecia como se pertencessem a mim. Aproveitei as
suas carícias, os seus beijos e cada instante em que me atiçou para chegar ao
êxtase. E eu me deixei levar como um pequeno grão de areia ao sabor do
vento, sabendo que qualquer lugar para onde me levasse não poderia ser
menos do que extasiante.
Por fim, quando nossos corpos suados e exaustos encontraram o último
alívio, com a certeza de que seria fisicamente impossível prosseguir,
sobraram apenas as respirações ofegantes. Achei que seria mais sofrido
quando chegássemos ao momento derradeiro, mas me enganei, pois não
havia dor em meu peito. O que me restava era a certeza de que aquele estava
longe de ser o nosso fim.
Eu encontrei o objeto entre os lençóis quando desejei que o mundo
mágico desaparecesse. Surgimos, totalmente despidos, sobre a minha cama,
de volta à Herlain. Assim que empunhei a lâmpada o Jean se sentou ao meu
lado, puxando-me para si como se quisesse me impedir de seguir adiante.
— Não tema, Jean. Está tudo bem — murmurei e o beijei novamente.
Ele retribuiu o beijo por tanto tempo que senti vontade de rir. Tornei a
me afastar e me endireitei, nua em pelo, à sua frente. Chegara a hora.
— Tem certeza? — Jean murmurou a pergunta.
Assenti.
— Assim como tenho certeza de que o amo.
— Lembre-se de tudo o que falei.
— Eu me lembrarei.
— Sabine... — o gênio me puxou novamente e trocamos mais um
último beijo. Eu me perguntava qual, de fato, seria o último de verdade até
que eu finalmente fizesse aquele pedido.
De novo, afastei-me de seus braços e me aprumei, segurando a lâmpada
com intensa firmeza. Não queria que nada desse errado, por isso repassei as
exatas palavras que eu proferiria em minha mente diversas vezes.
Suspirei. Ouvi quando o Jean também suspirou. Podia sentir o medo
nos pairando.
— Lâmpada mágica... — enunciei com clareza, usando o meu melhor
tom de voz para não correr o risco de ser mal-interpretada. — Quero que o
maior desejo de alma do gênio Jean seja realizado agora!
Depois que falei, concentrei-me apenas em acompanhar o que
aconteceria. Eu não fazia ideia, só sabia que era o pedido mais correto de
todos os três. Jean me encarava com os olhos arregalados, como se estivesse
diante de uma assombração. Abriu a boca, mas nada falou, e eu também não
sabia o que dizer.
Por um tempo nada aconteceu e eu estava prestes a perguntar se algo
havia se transformado diante do que pedi, mas então uma luz intensa saiu da
lâmpada. Foi tão de repente e absoluta que o susto me fez largá-la sobre o
leito. Aquela luz intensa, capaz de clarear todo o aposento, envolveu o Jean
da cabeça aos pés, fazendo-o flutuar na minha frente como se fosse uma
pena.
O seu corpo grande girou e girou ao sabor da força da magia. O pior era
não saber o que aconteceria porque não fazia a menor ideia de qual seria o
maior desejo de alma do Jean. Não ousei dividir com ele a minha vontade de
fazer esse pedido porque ele tinha um altruísmo aguçado e jamais permitiria
que eu prosseguisse.
Contudo, aquela era uma atitude que eu precisava tomar e, no fundo,
uma forte intuição apontava para a sua liberdade. Jean não aguentava mais
viver na lâmpada e deixava isso claro toda vez que falava sobre ela. Era um
fato. Eu poderia até pedir diretamente a sua liberdade, porém não sabia quais
seriam as consequências em sua existência e achei mais justo desejar o que
ele desejaria se tivesse um gênio para si.
Naquele momento eu fui para ele o que ele tinha sido para mim.
Esperei que a luz desaparecesse, e de fato aconteceu, porém, junto
com a luminosidade tamanha, o corpo do Jean foi sumindo pouco a pouco,
até que nada sobrasse. Enfim, restou-me apenas um enorme silêncio.
— O... que... Jean? — ergui-me, desesperada, começando a procurá-
lo pelo aposento como se ele fosse uma pequena agulha. Voltei a segurar a
lâmpada e até a massageei, na intenção de fazê-lo retornar, mas nada
aconteceu.
Jean sumiu de vez.
Cheguei a essa constatação definitiva uma semana depois, quando já o
havia procurado por toda Herlain, e após acender a lâmpada com todas as
combinações de ervas que a Naná tinha a me oferecer. Nada saiu dela, nem
mesmo uma faísca.
O meu pior pesadelo se tornou real.
EPÍLOGO

Quatro meses depois...

O dia da coroação foi uma invenção do meu pai para oficializar o que
já estava acontecendo dentro do castelo de Herlain. Eu já fazia parte ativa da
equipe de conselheiros do Rei Cedric e ele sempre pedia a minha opinião
particular antes de tomar qualquer decisão importante. Fui inteirada de cada
questão do reino, desde as econômicas até as sociais, e com o apoio de papai
consegui modificar algumas leis e regimentos ultrapassados.
Juntos, passamos a governar Herlain e a ilha nunca esteve tão
próspera. Fizemos o possível para nos certificar de que todo o povo tinha
acesso a um trabalho decente e uma mesa farta a cada refeição. Criamos
sistemas que educavam os mais jovens e até me propus a oferecer aulas de
leitura às meninas camponesas, por mais que tivesse sido um pouco julgada
por isso. No entanto, o povo me respeitava tanto que as mudanças acabaram
sendo, em sua maioria, proveitosas.
No fim das contas eu já me sentia uma Rainha; possuía todo o poder e
responsabilidade que o cargo exigia e, para a minha surpresa, descobri que
conseguia dar conta de cada demanda com bastante estudo e tranquilidade.
Debrucei-me em livros e pergaminhos durante as noites insones, troquei
cartas longas com estudiosos da economia e política de todo o mundo,
busquei apoio de cada herlainense, fossem ricos ou pobres. Dei o meu
máximo e naquela noite só colhia um fruto resultado de tanto esforço.
— Eu a declaro... — o meu pai começou a se movimentar, descendo a
coroa enorme, de aparência pesada, na direção da minha cabeça. O salão
principal estava cheio e eu podia visualizar cada rosto, que sorria em alegria.
— Rainha Sabine de Herlain! — Os aplausos ressoaram de forma
ensurdecedora e a sensação que tive foi a de que aquele barulho alcançaria
todas as extremidades do reino.
Soltei uma gargalhada um pouco descontrolada diante da emoção que
me invadiu. O meu pai fez questão de, pessoalmente, modificar algumas
regras para me tornar uma espécie de rainha-filha. Ele não queria que mais
ninguém ocupasse este lugar e o povo concordou em unanimidade que eu
deveria ocupá-lo não apenas de forma representativa, mas de uma maneira
oficial.
Depois que Alexandra partiu com a Sarah e o Augusto, sem sequer se
despedir de mim, deixou claro que nunca mais retornaria às nossas terras,
mesmo que a filha viesse nos visitar anualmente. Abriu mão do título como
se arrancasse um membro de seu corpo, até deixando a coroa e todos os
objetos que passavam de geração em geração em nossa família. Ela não levou
nada além da indignação, segundo o meu pai. Embora ele tivesse me
garantido que fornecia ao Augusto todo o suporte para que nenhuma das duas
passasse por qualquer necessidade, Alexandra sequer tinha conhecimento
deste fato, caso contrário podia negar tais benefícios também.
Achei que o meu pai fosse ficar muito solitário e triste com a ausência
de Alexandra, mas o que vi foi uma mudança incrível em seu humor e na
forma de se comportar. Tornou-se um Rei mais flexível, agradável e
acolhedor. Começou a praticar atividades que antes não praticava, como o
mergulho matinal na praia, e mandou anular um monte de lei sem sentido que
exigia coisas que não o interessavam.
Toda vez que eu perguntava ao Rei se ele desejava conquistar outra
mulher, dizia-me que nunca mais. Que poderia até buscar algum
divertimento, mas que não pretendia se casar. Alegava que o seu coração já
teve dona e ela sempre o seria, portanto só o restava viver intensamente cada
segundo, esperando o dia do juízo final, quando, enfim, juntar-se-ia a ela no
paraíso. As suas palavras com relação a isso me deixavam mais tranquila e
paciente.
Eu precisava esperar com calma. Necessitava ter a certeza em meu
peito, assim como o meu pai. Ele era um exemplo para mim em vários
sentidos, principalmente no quesito resiliência. Com o tempo, foi me
contando detalhes sobre a minha mãe e eu ia me apaixonando gradativamente
por aquela história de amor que, infelizmente, encerrou de uma maneira tão
trágica.
Não queria ter um fim igual, por isso só me restou manter a fé.
— Parabéns, minha filha... — o Rei me puxou para si em um abraço
carinhoso, mais uma atitude sua que foi modificada. Ele estava muito mais
despreocupado em demonstrar os próprios sentimentos, sobretudo em
público. — Tenho certeza que será uma Rainha maravilhosa, como já vem
sendo. Posso morrer em paz, pois Herlain está em boas mãos.
— Obrigada, papai... — Ele se afastou e eu o encarei com os olhos
tomados de emoção. As novas regras estabelecidas garantiam que qualquer
pessoa que ele viesse a desposar, ou que viesse a me desposar, seria
considerada apenas rainha ou rei consorte. Eu estava satisfeita com aquela
decisão porque, apesar de ainda estar preocupada com a questão dos
herdeiros, não precisava ter pressa para me casar.
Enquanto o público ainda aplaudia, tratei de cumprimentar alguns
membros da corte e, entre eles, o Príncipe Dionísio, que estava presente em
Herlain na figura de meu noivo. Nenhum cortejo da história havia durado
tanto, porém eu fazia o que podia para não levantar suspeitas. As pessoas,
inclusive o meu pai, precisavam acalmar os ânimos com relação à chegada de
um herdeiro.
Aquele era o meu novo dever. Procriar. E eu sabia que com o
Dionísio seria impossível, embora ele tivesse dito que poderia fazê-lo caso eu
precisasse muito. Achei aquilo tudo uma loucura enorme, obviamente. De
qualquer forma ele não estava com pressa de partir, pois mantinha um
relacionamento muito fofo com o Efraim e ainda precisava reunir coragem
para retornar às suas terras. Eu o ofereci o tempo que precisasse, enquanto ele
teve a bondade de me oferecer o mesmo.
— Parabéns, Vossa Majestade... — Dionísio murmurou,
reverenciando-me. Eu sabia que nos bastidores nós nos abraçaríamos como
os grandes amigos que nos tornamos. — A senhorita merece este título.
— Obrigada, Dionísio.
Foi quando me virei para cumprimentar mais um membro da corte
que me deparei com uma figura que mais me pareceu proveniente de um
devaneio. Ele estava ali, entre a multidão, aplaudindo-me com um sorriso
imenso estampado em seu rosto perfeito. Pisquei os olhos e até cheguei a
coçá-los, estarrecida com o que via, sem encontrar forças para reagir.
— Aquele não é o... — ouvi o Dionísio dizer e apontar, então
finalmente percebi que eu não era a única que estava diante de uma miragem.
Não pensei duas vezes antes de correr até ele feito uma alucinada.
Quase não acreditei quando me coloquei em seus braços e senti o cheiro do
qual tanto senti saudade. Suas mãos foram parar no meu rosto e juntamos as
nossas testas. Por um segundo quis me livrar daquela porcaria de coroa
pesada, porque não queria que nada nos atrapalhasse.
— Oh... Meu Deus... — ofeguei, já entre lágrimas. Elas escapavam de
meus olhos em alta velocidade, completamente descontroladas.
Percebi que a multidão se calou, embora algumas pessoas ainda
aplaudissem, por isso acabei me afastando um pouco. O meu sorriso se
manteve tão aberto que o meu rosto começou a doer, mas ele também não
estava diferente: ria e chorava.
— Que comece a comemoração! — papai bradou sobre o trono e uma
música divertida começou a ressoar. Diante de uma nova onda de aplausos,
não fui capaz de fazer mais nada além de puxá-lo para longe do salão
principal.
Não me interessava o que qualquer um achava daquela atitude, da
minha primeira como Rainha oficialmente, só precisa de um momento a sós
com aquela criatura que surgira em uma das noites mais memoráveis da
minha vida.
Assim que nos coloquei dentro de uma das saletas adjacentes, a mais
próxima que encontrei, e exigi que os guardas não entrassem, apenas me
assegurassem do lado de fora, fechei a porta atrás de mim e me joguei
naqueles braços que pareciam ainda mais quentes.
— Oh, meu Deus, Jean! — choraminguei, não fazendo o menor
esforço para buscar qualquer controle. — Você me encontrou!
— Eu disse... — ele também estava chorando, tanto que precisou
fazer uma pausa para soluçar. — Disse que te encontraria nos confins do
Universo.
— Oh... — eu me esgueirei e juntei os nossos lábios com vontade.
Estava com tanta saudade daquele beijo, e de tudo o que tivesse a ver com
ele, que parecia uma maluca enquanto o puxava e o agarrava em várias partes
de seu corpo enorme. — Meu Deus... — parei um pouco só para encará-lo.
— É você mesmo.
— Desta vez em carne e osso. Sem qualquer magia — sorriu
amplamente.
Enxuguei as suas lágrimas com os meus dedos, mas me pareceu tarefa
impossível, porque mais se acumulavam e escorriam.
— Mesmo?
— Sim... Eu despertei da maldição em minha terra natal.
— Maldição? — fiz uma careta, porém me sentindo meio aérea.
Ainda não conseguia acreditar naquele reencontro.
— Eu estava amaldiçoado, Sabine, mas não podia falar nada sobre
isso, do contrário as consequências se agravariam — explicou de uma forma
meio apressada, enquanto eu ainda lhe enxugava as lágrimas e chorava
também. — Eu só poderia ser libertado se o meu amo ou ama não tivesse
qualquer conhecimento sobre isso e ainda assim escolhesse me libertar.
Obrigado. Obrigado por me devolver a vida.
Mais tarde eu entenderia que o Jean, na verdade, havia sido humano
durante uma parte de sua existência, mas encontrou uma lâmpada mágica e
agiu de má fé para com ela, encontrando um modo de ludibriá-la para lhe
oferecer mais pedidos. A magia percebeu as suas intenções ruins e o
trancafiou dentro do objeto, fazendo-o saborear a maldição de ter tudo o que
desejar, mas de, ainda assim, ser um prisioneiro e não possuir nada, de fato.
Os longos anos trancafiado significou um processo de amadurecimento que,
enfim, acabou com o meu último desejo.
— Oh, Jean... Sabia que viria! — agarrei-o mais uma vez. — Eu
sabia. Sentia no fundo do meu coração que aquele não tinha sido o nosso fim.
— Perdoe-me a demora — ele juntou nossas testas mais uma vez. —
Precisei encontrar um serviço em um navio comerciante com destino a
Herlain e todo o processo demorou mais do que imaginei. A viagem foi um
tanto turbulenta, senti sérias saudades da magia — ele riu com suavidade.
Ouvir aquele som novamente me fez gargalhar. Por fim, parei e o
encarei.
— E eu senti sérias saudades de você.
— Foi a saudade que me fez suportar cada segundo. Valeu a pena.
— Oh, meu amor...
Nós nos beijamos mais uma vez, porém daquela eu o arrastei na
direção de uma larga e aconchegante poltrona. Derrubei-nos de propósito,
mantendo o seu corpo quente sobre o meu, enquanto o acariciava com gana,
querendo mais contato, mais beijos, mais tudo do que ele pudesse me
oferecer. Eu o queria para sempre, até o fim dos meus dias, não havia a
menor dúvida.
E sabia que o meu maior desejo de alma se realizaria.
— Também senti saudades disto... — murmurei entre seus lábios,
depois soltei um gemido quando ele afundou o rosto em meu pescoço.
— Cuidado, Sabine. Agora sou humano, posso cometer muitos erros e
te frustrar. Nem sei se consigo fazer isso sem... — agarrei o seu membro
firme em cheio, percebendo que já estava engrandecido. — Esqueça, eu sei
fazer isto perfeitamente.
Nós dois rimos.
— E faça o favor de deixar as sementes em mim — sussurrei de uma
forma inconsequente, sem pensar em mais nada. Era uma certeza que vibrava
em meu ser: os herdeiros de Herlain precisavam ser frutos daquele amor.
Jamais conceberia se fosse de outra maneira.
— Como quiser, Vossa Majestade.

FIM
AGRADECIMENTOS

Agradeço imensamente todo o apoio, confiança e carinho dos leitores


queridos que acompanharam essa história ainda no Wattpad. Graças a vocês
encontrei forças para manter uma rotina de escrita e recebi muita empolgação
em retorno, que me fez acreditar ainda mais no amor da Sabine e do Jean.
Obrigada!
Agradeço também às minhas queridas leitoras betas (ou bestas, para
alguns), que sofrem, xingam, ameaçam e quase me fazem pirar, mas que são
grandes incentivadoras. Não tenho como agradecer o apoio de vocês desde
sempre. Muito, muito obrigada!
Agradeço também ao Universo por me possibilitar escrever mais um
livro. Foram muitas meditações, muitas orações, muitos pedidos feitos. Fui
atendida. Acho até que eu tenho um Jean lá em cima olhando por mim.
Obrigada sempre!
Espero que tenham gostado de cada linha, pois as escrevi com
profundo amor e dedicação.
Beijos,
Mila
SOBRE A AUTORA

Mila Wander nasceu e mora no Recife, onde se dedica integralmente ao


mundo dos livros. Formada em Pedagogia e estudante de Psicologia, é
apaixonada por criar romances diferentes, mesclando-os a outros gêneros.
Dentre mais de vinte títulos publicados, Mila é autora da duologia de sucesso
O Safado do 105 e O Canalha do 610, além da trilogia Despedida de Solteira,
Dominados e Meu Maior Presente.
Instagram: @milawander
E-mail: autoramilawander@gmail.com
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