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CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
SOBRE A AUTORA
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CAPÍTULO 1
Percebi que olhava diretamente para as laterais de minha cabeça, porém meus
principalmente para ele. Não faria qualquer sentido lhe mostrar um defeito
que parecia estúpido, mas que poderia significar o meu destino. Àquela altura
de me cortejar.
Permaneci inerte no meio do salão, como uma das tantas estátuas que
enfeitavam o interior do castelo. A reação da Rainha Alexandra diante do fato
de eu ser atraente não me pareceu muito melhor do que quando ela não me
considerava bela. Fiquei me questionando sobre o pedido; talvez o Jean
estivesse com a razão ao constatar que eu teria problemas. No entanto, não
me sobrava opção além de lidar com as consequências do que desejei. Devia
ser por esse motivo que o gênio fizera vários alertas a respeito de tomar
bastante cuidado.
Pensar nele ainda me deixava estarrecida, afinal, até então acreditava
que a magia só existia nos livros, o que também contribuiu para que eu me
demorasse sem esboçar qualquer reação. Madame Naná, por fim, tocou em
meu cotovelo de leve, obrigando-me a sair daquele pequeno transe.
— Venha, Alteza... Vamos voltar para os seus aposentos. Não
podemos nos demorar, o Príncipe Leopoldo já a aguarda e deve estar
impaciente.
Cheguei a dar um passo para trás, recuando instintivamente, porém
logo em seguida travei as pernas diante da nova decisão que acatei de
imediato. Ainda que eu fosse considerada uma rebelde, não ousaria cair nas
loucuras de minha mão com uma obediência cega.
Eu já havia usado aquele vestido algumas vezes e em nenhuma delas
a Rainha questionou o meu bom gosto ou o da Naná. Eu seria tão
intransigente quanto ela se me deixasse levar pela sua ampla necessidade de
me ter como alguém inapropriada.
— Seguiremos para o jardim, Naná — defini, convicta, e a dama de
companhia abriu os olhos em surpresa. Dificilmente as ordens da Rainha
eram descumpridas naquele castelo. — Não creio que eu esteja mal vestida e
nem mesmo vulgar.
— Mas, Sabine, a Rainha...
— A senhora acredita nas palavras dela? — Virei-me para observá-la
de frente. — Com sinceridade, Naná, olhe para mim e me diga o que acha,
por favor.
— O que eu acho não importa, Alteza. Estou aqui para seguir ordens.
Soltei um suspiro audível, enquanto dava de ombros, já sentindo as
minhas forças se esgotarem. Eu devia obediência aos meus pais por vários
motivos, no entanto, ainda possuía certo poder sobre as minhas escolhas e
cabia a mim lutar por elas.
Por este motivo dei as costas para a Naná e tornei a seguir para os
jardins, ainda que sob os seus protestos. Eu não estava exatamente ansiosa
para ver o Príncipe, porém sabia que a minha situação ficaria mais difícil caso
eu não o agradasse ou o presenteasse com um atraso em nossa terceira
tentativa de encontro.
O clima estava agradável na Ilha de Herlain, com o sol brilhando,
esplêndido, ao leste. Uma brisa fresca agitava o arbusto e o cheiro de flores
perfumava o jardim e me fazia recordar a infância. Aquele era o meu lugar
preferido para as brincadeiras com Sarah.
Um criado surgiu com um amplo pára-sol para que os raios solares
não castigassem a minha pele, por mais acostumada que eu fosse em recebê-
lo, já que eu não era branca feito leite como todos da realeza. Ele nos
acompanhou até a sombra de uma árvore antiga, onde a mesa já estava posta
e o Príncipe Leopoldo me esperava em companhia de seu criado e mais duas
criadas que reconheci como sendo da cozinha do castelo. Elas certamente nos
serviriam naquela manhã.
Imediatamente me senti sufocada ao ter os olhos azuis do Príncipe
sobre a minha figura. O medo de ser rejeitada era tão grande quanto o de
ganhar seu apreço definitivo para um futuro casamento. Senti as pernas
vacilarem enquanto me aproximava. Naná ajudava para que a barra do meu
vestido não grudasse na grama verde e perfeitamente aparada pelos criados
responsáveis pelo jardim.
— Bom dia, minha bela Princesa — Leopoldo falou com doçura,
segurando uma mão para beijá-la demoradamente, assim como o Príncipe
Augusto fizera minutos atrás. Eu me senti igualmente perdida.
— Bom dia — limite-me a responder. Estava extremamente
concentrada em não descer o meu olhar para o centro inferior de suas vestes
novamente. Seria desastroso desmaiar mais uma vez. Definitivamente,
precisava espantar qualquer pensamento a respeito do órgão masculino se
quisesse manter o mínimo de sanidade.
— Então é esse o sujeito? — uma voz grave apareceu vinda de lugar
algum e eu soltei um pequeno grito de susto.
Jean se materializou ao lado do Príncipe Leopoldo, que ficou
assustado com o meu rompante, e os criados que vieram conferir se eu estava
bem.
— Princesa? O que houve? — Naná questionou de um jeito nervoso.
Percebi que estava evitando me tocar na frente dos demais, já que seria
inapropriado.
— Vossa Alteza está bem? — o criado do pára-sol também veio ao
meu socorro, parecendo ainda mais desesperado que Naná. Ao que tudo
indicava era ele o responsável pela minha segurança durante aquele desjejum.
— E-Estou... — Olhei para o Jean e ele mantinha um olhar divertido
apontando para mim. Eu ralharia com ele se não estivesse rodeada por gente
que não podia vê-lo. — Por um segundo achei que aquele galho fosse uma
cobra — apontei para cima, pensando depressa em uma saída que não fizesse
com que todos pensassem que eu não passava de uma maluca.
— Não há cobras nos arredores do castelo, Vossa Alteza, não se
preocupe — outro criado visivelmente assustado comentou com suavidade.
— Você tem medo de cobras? — Jean perguntou como se a sua
presença fosse o mais natural dos acontecimentos. — Eu as considero
encantadoras. Um dia criei uma cobra, a Jacinth. Super dócil. Pobre Jacinth...
— fez uma careta triste. Por mais que eu tivesse ficado curiosa, não poderia
perguntar nada sobre a tal cobra de estimação.
— Vamos nos sentar para o desjejum? — sugeriu o Príncipe
Leopoldo e eu, absolutamente confusa, ignorei o Jean e segui na direção da
mesa posta.
Leopoldo foi cavalheiro o suficiente para me ajudar a sentar em uma
cadeira acolchoada bastante confortável. Ele se sentou na que estava
localizada do outro lado da mesa logo em seguida e ficou me encarando de
um jeito fixo que me fez desviar os olhos. Mas então vi que o Jean tinha se
colocado ao meu lado e observava o Príncipe com o cenho franzido.
— Ele é meio esnobe, não é? — Jean comentou e mais uma vez o
ignorei. — Mas devo admitir que é belo. Talvez seja um bom pai para os seus
filhos, Sabine.
Aquele comentário do gênio foi capaz de arrancar o meu fôlego.
Lembrar-me que para ter filhos nós precisávamos passar pelo ritual da
procriação não me fez nada bem. Senti o rosto gelar como se as minhas
energias tivessem sido tragadas de uma só vez.
— Eu estava ansioso em encontrar a senhorita — começou Leopoldo
enquanto as criadas nos serviam com chá e pão temperado com ervas. —
Permita-me elogiar a sua beleza nesta manhã. Estou encantado com a
meiguice e doçura de seus traços.
E então meu rosto, outrora gelado, começou a esquentar de maneira
tal que lamentei não haver uma bacia com água por perto. Ninguém sequer
mencionou a troca na coloração dos meus cabelos, prova de que a magia
fazia efeito.
Dei um gole no chá para disfarçar o constrangimento e respondi:
— Obrigada.
— A senhorita me parece uma moça de poucas palavras — o Príncipe
emendou. — Considero o silêncio bastante elegante, é uma qualidade que
busco em minha futura esposa e fico contente por percebê-la em você.
Prendi a respiração e o Jean soltou sem hesitar:
— Que comentário infeliz! A senhorita não é silenciosa e nem deveria
ser. Ele quer uma esposa ou uma pintura? Diga a ele, Sabine, diga.
Mas eu estava tão nervosa que apenas sorri debilmente. Jean não
estava me ajudando em nada para sobreviver àquele desjejum.
— Gostaria de saber quais são seus interesses além da harpa —
Leopoldo falou entre uma mordida e outra em seu pão.
Naquele instante me lembrei de que Naná comentou a respeito de ser
eu mesma. Precisava tomar uma atitude de uma vez, deixar aquele medo
paralisante ir embora e mostrar quem era a verdadeira Sabine.
— Eu me interesso por livros, música, passeios ao ar livre e também
pela montaria — comentei e percebi a Naná suspirando atrás de mim. Ela
certamente não aprovava as minhas palavras e acredito que quase nenhum
dos meus interesses, assim como a mamãe.
— Interessante... — Leopoldo murmurou enquanto me olhava com
atenção. — Pedirei para que preparem um cavalo forte para que possamos dar
um passeio em Herlain.
— Neste caso seriam dois cavalos fortes — emendei, desviando o
rosto para um prato repleto de frutas. Peguei uma uva e a mordi.
— A senhorita está me dizendo que sabe guiar um cavalo? —
Leopoldo me pareceu chocado. Naná soltou outro suspiro e o Jean riu por um
motivo que eu desconhecia. Sua presença era desconcertante. Eu mal podia
me tranquilizar sentindo o delicioso cheiro que dele emanava.
— Mas é claro que sei. Eu não me interessaria pela montaria caso
fosse uma mera passageira sobre um belo cavalo.
— Hum... — o Príncipe não falou mais nada a respeito, permaneceu
reflexivo enquanto eu me perguntava se havia estragado tudo.
A verdade era que eu poderia ter resolvido a questão da falta de
beleza, porém a minha personalidade se mantinha intacta e ela certamente
continuaria me causando problemas. Eu gostava de fazer coisas que eram
completamente opostas ao que se esperava de uma dama frágil e perfeita.
— Quais livros a senhorita se agrada? Vi que no castelo existe uma
vasta biblioteca. Em meu reino temos um acervo excepcional.
Não contive um sorriso diante da possibilidade de termos um
interesse tão agradável em comum. Quem gosta de ler jamais sofre pela falta
de assunto com alguém que também gosta. Já podia visualizar nós dois
comentando ideias durante nossos passeios diários nos fins de tarde ao redor
do castelo. Um pensamento romântico que sempre me invadia quando eu
refletia sobre possuir um amor.
— Gosto de todos os tipos de livros, porém me encanto mais pelos
romances, os de História e Mitologia — eu disse sem conter a empolgação.
— E o senhor?
— Oh, não, eu não gosto de leitura. Sou um homem mais objetivo.
Meus interesses são mais... masculinos.
Jean bufou depois de uns segundos e, como se não estivesse se
aguentando, soltou uma sonora gargalhada.
— Esse príncipe é uma piada! Sabine, você certamente conhecerá
pretendentes melhores. — Eu me virei para encará-lo com uma expressão
dura, mesmo sabendo que eu poderia soar esquisita aos olhos de quem
estivesse por perto. Jean deu de ombros. — Está certo, vou manter a boca
fechada — e então vários botões surgiram sobre os seus lábios, mantendo-os
fechados como um dos meus tantos vestidos.
Eu virei o rosto para não ter que presenciar aquela cena bizarra. Era
preciso muita imaginação para ter uma ideia assim.
— É uma pena que o senhor não goste de livros — comentei com ar
frustrado, decidida a não deixar minhas vontades esquecidas em nome de
Leopoldo. — Porém garanto que posso encontrar um exemplar que seja de
seu interesse, para que assim o gosto pela leitura se manifeste.
O Príncipe ergueu a cabeça para me oferecer um sorriso educado.
— Se o objetivo for agradá-la garanto que farei o necessário para
gostar de leitura.
— Quero só ver... — Jean sussurrou baixo, mas foi impossível não
escutá-lo.
— Estou particularmente admirado com a culinária de Herlain —
Leopoldo prosseguiu. — A comida é bastante rica em temperos. Este pão
certamente é o mais saboroso que já provei.
Jean roubou um pedaço de pão de meu prato e o colocou na boca para
logo lamber a ponta dos dedos.
— Ele tem razão. Isso é bom mesmo.
Por vários instantes fiquei sem reação. Só esperava que ninguém
tivesse visualizado um pão voador segundos antes de se perder dentro do
gênio invisível. Eu não sabia exatamente se queria que o Jean desaparecesse.
Do mesmo modo que me sentia protegida também me sentia prestes a entrar
em colapso.
— Certamente possuímos um bom cultivo de ervas exóticas, que
utilizamos para fazer remédios e temperos — comentei, um pouco vacilante.
— O cultivo de Herlain me interessa bastante. Assim que houver
oportunidade conversarei com o Rei Cedric a respeito de todo o comércio.
Dei de ombros, frustrada por não ser considerada apta pelo Leopoldo
para ter uma conversa sobre a economia do reino, embora eu me sentisse
preparada por já ter lido as muitas anotações na sala de reuniões de papai —
mesmo às escondidas. De qualquer maneira, enquanto o Príncipe Augusto
sugeria uma discussão a respeito, o homem diante de mim desconsiderava as
possibilidades imediatamente.
Ouvi o Jean soltando um bocejo sonoro, sem a menor cerimônia. Se
eu me comportasse daquele modo na frente de mamãe ela me trancaria no
calabouço.
— Esse Príncipe é entediante. Quando o desjejum terá fim? —
colocou-se entre mim e Leopoldo com apenas metade do seu corpo
aparecendo sobre a mesa. A outra metade eu não tive o menor sinal. —
Precisamos conversar sobre o segundo pedido.
— Eu não sei — falei sem querer, chamando a atenção de Leopoldo.
— O que a senhorita não sabe?
Jean olhou para ele com a cara feia.
— Certamente ela sabe que você é um péssimo partido — Jean
cruzou os braços diante de si e depois sumiu.
— E-Eu... Eu não sei se poderia ser uma boa ideia conversar com o
meu pai sobre a economia de Herlain. O senhor não se decidiu pelo cortejo,
logo, ele não poderá lhe oferecer todas as informações.
— Compreendo — Leopoldo se aprumou sobre a cadeira, clareou a
garganta e emendou, de um jeito sério: — Porém se faz necessário que eu
verifique as vantagens econômicas de herdar o reino. Não seria prudente me
vincular a terras que não me atribuam prosperidade.
Suas sentenças me deixaram boquiaberta. O Príncipe continuou
comendo, focado em seu prato cheio, enquanto a indignação crescia dentro de
mim. O sentimento se tornou tão intenso que simplesmente me pus de pé,
empurrando a cadeira para trás com tanta força que ela pendeu. Leopoldo me
encarou, confuso.
— Eu jamais serei o seu negócio! — a rispidez se atrelou ao meu tom
de voz.
Não esperei que ele reagisse. Dei as costas e saí em uma caminhada
ligeira rumo ao interior do castelo. Ainda que eu tivesse certeza de que
partiria para um monastério até o fim daquele dia, senti-me aliviada por ter
agido exatamente como mandava o meu coração.
Ouvi aplausos calorosos e assobios divertidos. Vi o Jean me
aguardando na entrada do castelo e aos gritos:
— É isso aí, Sabine! Saída triunfal! Que orgulho, minha menina!
Por um momento eu realmente quis que todos pudessem vê-lo e ouvi-
lo, sobretudo o idiota do Príncipe Leopoldo. As minhas atitudes teriam
consequências, mas pelo menos alguém estaria ao meu favor.
CAPÍTULO 9
Aquela semana foi uma clara prova de que eu deveria ter um pouco
mais de fé nas palavras que o Jean me dizia. As minhas expectativas quanto
ao surgimento de novos pretendentes permaneceu baixa até as primeiras
embarcações chegarem à ilha de Herlain, trazendo novos visitantes que
vieram especialmente para conhecer a tal princesa que as boas línguas diziam
ser bela, atraente e interessante.
De alguma forma a notícia de que eu precisava ser desposada o
quanto antes percorreu os sete mares e o castelo nunca esteve tão cheio, nem
mesmo no verão. O Rei Cedric e a Rainha Alexandra estavam exultantes e
igualmente atarefados com o acolhimento das comitivas — o que para mim
foi ótimo, já que mamãe não teve tempo de me julgar como era de seu
costume.
Seis. Este foi o número de pretendentes que apareceram; se somarmos
o Príncipe Leopoldo e o Jean, então aos olhos do povo eu tinha o total de oito
rapazes dispostos a me cortejar. Devido à alta procura, papai prorrogou os
sete dias de reconhecimento do Leopoldo e do Jean, estendendo-os para
trinta, o que fez com que eu ganhasse tempo para decidir melhor quem seria o
meu verdadeiro amor.
O Príncipe Leopoldo ficou visivelmente irritado com a prorrogação
do prazo para o cortejo. Ele certamente não esperava tanta concorrência.
Apesar de não saber por qual motivo insistia em permanecer no embate, já
que nos mostrávamos mais incompatíveis a cada novo encontro, em meu
íntimo estava gostando de, pela primeira vez na vida, ser o centro das
atenções.
Eu me sentia ótima de um jeito incomum, embora acreditasse que o
meu constante bom humor estava mais relacionado ao fato de me tocar
intimamente toda vez que estava sozinha do que com a chegada dos demais
príncipes. Para ser sincera virara um hábito delicioso, de maneira que
chegava a alcançar pelo menos cinco êxtases diariamente. Toda vez que
ninguém estava olhando eu podia me aliviar como bem entendesse, então foi
o que fiz sem a menor cerimônia.
Nos primeiros dias achei que a ausência do Jean naquela semana
agitada não fazia muita diferença, já que me tocar estava, de fato, aliviando as
minhas tensões, levando embora o calor insuportável e me presenteando com
mais paciência e leveza para encarar os dias exaustivos, cheios de passeios e
refeições com pretendentes distintos. Porém, conforme o Jean ficava mais
distante e mais eu me tocava, percebia que queria além do que os meus dedos
percorrendo o meu corpo. Queria mais do que dar prazer a mim mesma, mais
do que alguns êxtases solitários.
Necessitava do toque do gênio; de seus beijos, de suas carícias precisas,
de sua voz grave e doce ao mesmo tempo, dizendo-me coisas que qualquer
um consideraria inadequadas, exceto aquele novo eu que surgiu depois que
descobri que o meu corpo era uma fonte infindável de prazer intenso. A
Sabine que surgia por baixo dos vestidos pesados de rendas caras muito me
agradava porque era ela que me fazia realmente feliz como jamais fui. Estava
aprendendo a gostar de mim, a me importar com os meus sentimentos e a
buscar sempre situações que me deixassem confortáveis.
Talvez por esse motivo, após mais um baile pomposo dentro do castelo
e de ter passado a noite inteira dançando, tomei a iniciativa de procurar o
gênio, já que ele não parecia disposto a me encontrar, ainda que tivesse um
desejo meu para realizar e eu não ousasse me esquecer disso.
Jean ficara cada vez mais escondido dentro do castelo, andando pelos
cantos e tentando chamar a mínima atenção. Quase nunca solicitava um
passeio a sós, ao qual tínhamos direito. Talvez todos ao redor imaginassem
que ele estava prestes a desistir por causa da grande concorrência, mas no
fundo eu sabia bem o que pretendia: dar-me espaço e tempo para encontrar o
que tanto procurava.
Havia sido um pouco complicado despistar os guardas reais, e
sobretudo a Madame Naná, para seguir o caminho que levava ao aposento
destinado ao Jean, na ala para visitantes. Mas, enfim, conseguira obter êxito e
me vi na frente da pesada porta de madeira, sem saber o que fazer ou dizer
quando meus olhos se colocassem sobre ele. Sequer sabia se o gênio estava
recolhido, apenas supus pela sua ausência no salão durante boa parte da noite.
Eu sempre me mantinha consciente de seus passos.
Respirei fundo e ergui a mão em punho, prestes a bater. Contudo, a
porta rangeu e se abriu antes que encontrasse a coragem, e então a figura do
gênio se pôs na minha frente como um baque: repentino, chocante,
estarrecedor. Fiquei muda enquanto o encarava, completamente despido da
cintura para cima, com os cabelos longos arrepiados e um olhar fixo que
tanto mexia com o meu desejo.
— E-Eu... — comecei a gaguejar, mas o Jean não esperou que eu
inventasse qualquer justificativa para ter chegado até ali. Ele me puxou pelos
braços, fechou a porta atrás de nós e imprensou o meu corpo na primeira
parede que viu.
O seu tronco grande e másculo se chocou contra o meu e assim
permanecemos grudados. Olhamo-nos por breves instantes, o suficiente para
deixar as palavras tão suspensas quanto nossa respiração. Nada precisou ser
explicado, no fim das contas. Ele sabia bem das minhas necessidades e tratou
de preenchê-las ao deixar sua língua invadir a minha boca com um ar
possessivo que muito me agradou.
Só depois que começamos a manobrar os nossos lábios foi que percebi
o quanto havia sentido saudade dele por inteiro. A falta não era apenas de seu
beijo, nem mesmo de seu toque ou do seu cheiro, mas do Jean
completamente. Aquela nova emoção me trouxe certo desespero, tanto que
envolvi os meus braços em seu pescoço, trazendo-o para perto, querendo
senti-lo o máximo que podia antes que precisássemos nos separar outra vez.
O vestido que eu usava era pesado, com o tecido grosso e muito
bufante, de forma que desejei não estar trajando coisa alguma. Não queria
que nada me impedisse de tocá-lo e de ser tocada naquele momento, porém,
em vez de me ajudar a retirar os trajes, como achei que faria, Jean apenas se
afastou, findando o beijo que eu pretendia que durasse muito mais.
— Como a senhorita está? — perguntou, afastando-se de vez, mas me
puxando pelo braço para que sentássemos numa poltrona comprida e muito
confortável, cabendo nós dois com bastante folga. Eu não me senti bem com
o seu distanciamento. Achei que poderíamos partir para a próxima etapa sem
precisar de qualquer conversa. — Feliz com os novos pretendentes?
Dei de ombros ao me acomodar na poltrona.
— Sim.
— Algum em vista que a tenha atraído especialmente?
Eu não queria ter aquele tipo de assunto com o Jean. Para ser sincera
não estava disposta a ter qualquer assunto. Não havia me arriscado tanto por
uma simples conversa.
— O Príncipe Dionísio parece ser uma pessoa legal — falei de uma
vez, mesmo que a contragosto. Talvez se conversássemos depressa eu teria
logo o que tanto desejava. — Gosta de livros, passeios à praia e odeia caçar.
— O franzino? — Jean ergueu uma sobrancelha. Ele tinha se sentado
de uma maneira muito peculiar na poltrona, meio deitado e parecendo
confortável consigo mesmo. Tentei não encarar o seu peitoral desnudo, mas
falhei em meu intento. — Acha que é um bom pretendente? Ele não me
parece muito... Como posso dizer...
— Talvez lhe faltem atributos físicos, mas não me importo com isso. —
Parecia loucura dizer tais palavras diante de alguém como o Jean. Eu estava
me importando em demasia com cada atributo físico que podia enxergar
naquele instante, e não eram poucos. — Busco alguém que tenha outras
compatibilidades.
— Compreendo — Jean clareou a garganta, parecendo desconcertado,
porém não tive tanta certeza. — E os demais?
— A maioria deles se preocupa em listar as próprias riquezas. — O
gênio soltou um arquejo indignado. — Não me surpreende.
— Então de todos eles apenas o magricelo se destaca?
— Bom, ainda não tive muito tempo para conhecer o Príncipe Stephen
— dei de ombros mais uma vez, perguntando-me quando encerraríamos o
assunto. Eu estava ansiosa para beijá-lo novamente e também para receber
mais carícias. — Sem dúvida entre eles há de existir um bom pretendente.
— Decerto.
Assenti, pensativa, e permanecemos em silêncio por alguns segundos.
Percebia os seus olhos atentos em mim, como se me devorasse, e a tensão
que se formou entre a gente podia ser palpável de tão profunda.
— Estou pronta para o próximo passo — sussurrei, enfim, na tentativa
de deixar claro o que eu queria que acontecesse aquela noite.
— Eu sei.
Jean continuou me olhando.
— O que está esperando? — questionei em um murmúrio fraco, quase
doloroso.
— O que a senhorita está esperando? — ele perguntou de volta e
precisei abrir bem os olhos, surpresa com o questionamento.
O gênio ergueu os braços e gesticulou, apontando para o próprio
corpo, depois voltou a acomodá-los sobre a poltrona.
— E-Eu... O-O que...
— Agora que conhece o próprio corpo, está pronta para conhecer outro
— Jean disse em um timbre doce, mas o seu olhar mostrava claramente o ar
de malícia e sensualidade.
Não ousei me mover e ele permaneceu quieto. Observei-o de cima a
baixo, percebendo que eu queria, sim, tocá-lo, só não sabia como começar e
nem de que jeito deveria ser. Ainda me parecia muito esquisito acariciar outra
pessoa. A sua pele era bastante convidativa, mas ainda assim fui tomada pela
hesitação.
Soltei o ar dos pulmões, tentando encontrar a coragem, porém
simplesmente não me enxergava tomando aquele tipo de iniciativa. Eu não
sabia como tocá-lo sem me sentir uma tola e sem ser invadida por uma
sensação de que erraria muito feio.
— Por que hesita? — Jean perguntou, murmurante. — Não há um
modo certo de fazer isso, Sabine. Há apenas o seu modo. E eu vou gostar
pelo simples fato de ser você.
Com os dedos trêmulos, ergui uma mão em sua direção até ser possível
espalmá-la em seu peito coberto por alguns pelos. A textura macia e a
quentura de sua pele me trouxeram uma sensação tão boa que um calafrio
percorreu o meu corpo. Jean me olhava com insistência. Evitei encará-lo para
não me desconcentrar, estava focada em explorá-lo como ele havia feito
comigo antes.
Devagar e com paciência, fui percorrendo cada pedaço de pele exposta,
usando uma única mão. Senti seus braços fortes, o peito largo e o abdômen,
achando incrível como ele podia ser firme e macio ao mesmo tempo. Prendi
os lábios com força ao perceber o volume proeminente, quase atravessando
as roupas de baixo — as únicas que vestia. Tremendo, prendi também a
respiração e toquei de leve por cima do tecido. Aquela região estava muito
mais quente e rígida do que todo o restante, o que acabou me assustando e me
fazendo recuar em definitivo.
Jean arfou, ainda me olhando.
— Use-me da forma que preferir até alcançar o êxtase — ele disse em
tom de súplica, não de ordem, e imediatamente eu me arrepiei. Jean
conseguiu me espantar com aquele pedido inusitado. — Não me moverei até
que goze para mim.
Passei um minuto completo apenas observando o seu corpo, sem saber
como faria aquilo. Era um pouco frustrante saber que eu não teria a sua ajuda,
estava por conta própria. De certa forma, sabia que, se eu teria que alcançar
um êxtase, precisava me tocar intimamente e com aquele vestido seria
impossível.
Foi por esse motivo que, após encará-lo por um bom tempo sem nada
dizer, levantei-me, ficando à sua frente. Não desgrudei os nossos olhos
porque, de repente, vi-me incapaz de desviar o rosto, ainda que estivesse
tomada pela vergonha.
O que não me fez desistir foi saber o quanto ele me achava atraente e
o quanto se encontrava excitado. Aquele olhar não me deixava negar o desejo
que nutria e era maravilhoso compreender que estava todo voltado para mim.
Sendo assim, eu não precisava ter medo de me exibir.
Respirei profundamente antes de levar as mãos para trás a fim de puxar
o laço que prendia o corpete ao meu tronco. Foi um pouco trabalhoso, e algo
me dizia que tive certa ajuda da magia do gênio, mas consegui afrouxá-lo o
suficiente para fazê-lo sair. Hesitei por alguns minutos e precisei puxar mais
ar para os pulmões antes de deixar o tecido cair no chão, revelando a parte
superior do tecido fino que compunha minha peça íntima.
Estava ciente de que o Jean podia ver um pouco da parte escurecida
dos meus seios.
— Você é tão linda — ele disse após um suspiro, como prometido, sem
se mover um só milímetro. Suas palavras soaram como um incentivo para
que eu continuasse.
A parte de baixo foi mais simples de ser retirada; apenas puxei o longo
cordão que fixava a anágua ao tecido superior e os dois caíram antes que eu
me sentisse preparada para ficar tão vulnerável na frente dele.
Ainda trajava a roupa íntima, apenas ela nos separou naquele
momento, e fechei os olhos para compreender quais eram exatamente aqueles
sentimentos que estavam tirando os meus batimentos cardíacos do ritmo
ameno. Suspirei e, ao reabrir os olhos, vi o Jean me encarando de volta com
seriedade.
Puxei mais ar e umedeci os lábios com a língua. Havia um ponto
extremamente quente entre as minhas pernas e podia jurar que ele também
estava molhado. Expor-me daquela maneira, diante de seus olhos desejosos,
estava me trazendo uma excitação absurda.
Foi a necessidade que me fez erguer o tecido fino da peça íntima,
removendo-o por cima de minha cabeça. Os meus cabelos estavam presos em
um penteado elegante feito pela Naná, por isso de repente fiquei consciente
de que a única coisa que me cobria era aquela coroa brilhante e muito pesada,
depois que removi os sapatos em um movimento com os pés.
Fiquei completamente despida na frente do Jean.
Tive consciência dos meus seios expostos e também de cada pedacinho
da minha pele. Tudo o que me compunha se exibiu diante dele, e por algum
tempo me senti constrangida demais para encará-lo. Permaneci em silêncio,
apenas ouvindo a nossa respiração pesada, além do ruído delicioso da água
que ainda escorria da fonte dentro do seu aposento.
E então eu o olhei.
Jean estava com os olhos brilhantes e compenetrados em meu corpo. Os
lábios se mantiveram presos e a expressão que fazia me arrancou um suspiro
sonoro, repleto de desejo acumulado. Usando as palavras dele, tesão
acumulado. Eu ainda não sabia o que fazer, mas decerto estava mais próxima
de atender à sua súplica.
Levei as mãos aos meus seios, massageando-os como havia aprendido e
como tinha percebido que gostava, deixando-os rígidos e ainda mais
pontudos. Não evitei soltar um pequeno gemido, notando que a região abaixo
do ventre se umedecia ainda mais, já que fui capaz de sentir o líquido
escorrendo vagarosamente.
Continuei guiando as mãos pelo meu corpo; braços, rosto e tronco,
descendo até parar sobre a região íntima. Jean havia deixado claro que ele
próprio deveria ser utilizado para que eu alcançasse o meu prazer, por isso
ousei dar um passo à frente, aproximando-me de onde estava sentado.
Eu não sabia como utilizá-lo. Não compreendia como poderia se
encaixar sem nos trazer desconforto. O gênio, por sua vez, continuou sem se
mover enquanto eu refletia.
— Não me deixe com inveja das suas mãos... — suplicou baixo, a voz
saindo como se fosse um breve arquejo.
Aquela dica me fez puxar suas palmas na direção do meu corpo sem
hesitar. Queria e já me sentia bem com o seu toque, por isso me deixei levar
pela sensação de tê-lo em mim. O desejo estava tão grande, quase me fazendo
explodir, que logo levei os seus longos dedos para o meu ponto mais íntimo.
Embora Jean não se movesse, minhas mãos guiaram as dele para iniciar os
movimentos deliciosos.
Soltei um gemido proveniente das profundezas do meu ser.
— Você é gostosa demais, Sabine — ouvi-o dizendo devagar, enquanto
mantinha os olhos fixos em minha intimidade e no trabalho de nossos dedos
sobre a umidade que nos encharcava.
Eu o queria mais perto. Na verdade precisava beijá-lo e senti-lo
também, por isso me curvei em sua direção, fazendo o meu corpo ser
depositado sobre o dele com cuidado. Não queria que parasse de me tocar ali
embaixo, por isso abri as pernas ao seu redor e deixei um espaço para que
nossas mãos continuassem trabalhando.
Com o braço livre me apoiei na poltrona e preferi não pensar em nada
antes de começar a beijá-lo intensamente, usando aquela dança perfeita de
línguas e lábios que tanto me deixaram saudosa.
Comecei a me contorcer sobre ele, amolecendo aos poucos em seu
corpo, e parando de beijá-lo só para conseguir respirar. Logo em seguida,
voltava a juntar nossas bocas porque era ainda mais gostoso quando sua
língua encontrava a minha.
Eu me sentia flutuar naquele instante, à beira de uma explosão
saborosa. Não me lembrava de ter me sentido tão desejada e ao mesmo tempo
tão dona de mim, proprietária do meu prazer e a única responsável por ele.
Aquela responsabilidade me assustava, deixava-me em choque, mas também
me impulsionava a buscar mais e ir além, sabendo que poderia encontrar
ainda mais prazer se me permitisse seguir em frente.
Comecei a me esfregar em seu corpo à procura de mais contato, de
mais toque e calor. Meus seios bailaram sobre o seu peito, raspando em seus
pelos e me provocando. Era gostoso demais daquela forma nova e tão crua. O
meu rosto tomou o seu pescoço, começando a beijá-lo e mordê-lo, na
pretensão de devorá-lo, enquanto a mão que me apoiava puxava seus cabelos
pela raiz, firmemente, como ele havia feito comigo na primeira vez.
Nossas mãos continuaram unidas abaixo do meu ventre, trabalhando
sem cessar, arrancando-me gemidos e uma sensação que ficava a cada
segundo mais prazerosa. Quando, enfim, explodi, deixei a mão dele sozinha
enquanto me contorcia, arqueava-me, buscava mais do Jean como
participante daquele êxtase, tal como havia pedido. Eu me deixei gemer
muito alto, completamente tomada pelas sensações maravilhosas.
Em seguida me permiti afundar em seu tórax e ele me envolveu com
seus braços, mantendo-me sobre si. A respiração errante demorou vários
segundos antes de normalizar. Naquela posição, com a cabeça sobre seu
peito, pude ouvir seu coração ainda batendo acelerado.
A minha parte íntima pingou bastante líquido sobre a região
endurecida que ele guardava entre as pernas, que eu podia sentir e que ainda
se mantinha escondida, uma verdadeira incógnita para mim, por mais que já a
tivesse visto.
— Como se sente? — Jean perguntou com a boca grudada em meus
cabelos presos. Ergui a cabeça para encará-lo e fui arrebatada por uma
emoção forte o suficiente para me deixar muda por alguns instantes.
Ele nunca esteve tão lindo aos meus olhos.
— Perfeitamente bem.
— Ótimo — Jean nos fez sentar e se afastou de vez ao se colocar de pé
e me deixar sozinha na poltrona. — Por hoje é apenas isso o que a magia nos
permite fazer.
Abracei a mim mesma, de repente constrangida por ainda estar nua. Era
como se a minha exposição só fizesse sentido diante de sua presença.
— Como assim?
— A magia do seu pedido não nos permite ir além do que acabou de
acontecer esta noite — falou enquanto se aproximava da única janela do
aposento. Jean apoiou um braço no parapeito e levou o outro à cintura,
passando a respirar profundamente como se sentisse verdadeira dor. A luz da
lua o deixava com uma leve luminosidade azulada rodeando o seu corpo, que
parecia esculpido.
Eu me levantei de supetão, sentindo-me indignada com o seu
afastamento tão frio. Não parecia o mesmo Jean que tinha me puxado para
dentro do quarto e me beijado com tanta intensidade. Aquele homem curvado
sobre a janela estava muito sério e evitava até mesmo me olhar.
— Deve estar sendo um suplício para você atender a esse pedido, já que
possui tanta pressa em conclui-lo — eu disse entredentes, irritada, imersa em
um mar de revolta que me trouxe lágrimas aos olhos. — Não precisa me
evitar como se eu fosse um pedaço de carne que você não quer mais.
O gênio se virou na minha direção, com os olhos esbugalhados em
pleno susto. Comecei a procurar ao menos a peça íntima no chão, para que
não me sentisse tão vulnerável e destroçada. Eu a enfiei sobre a cabeça com a
certeza absoluta de que estava com o tecido pelo avesso, mas sem querer
perder tempo ali dentro.
Precisava ir embora o mais depressa possível.
As mãos do Jean tomaram os meus cotovelos e fui obrigada a encará-lo
bem na minha frente. A sua seriedade ainda existia, mas ele me pareceu um
pouco mais doce, o que foi um alívio.
— De fato, está sendo um suplício — admitiu e, depois de um arquejo
desesperado, mais lágrimas escorreram pelo meu rosto. Tentei me
desvencilhar de seu toque, porém foi impossível. — Está sendo um suplício
me controlar quando o meu desejo é te beijar e te ter a noite inteira. Mas não
posso, Sabine. Eu me comprometi a te oferecer apenas o que a magia me
obrigar, nada além. Ela foi embora após o seu êxtase e me deixou aqui, sem
saber o que fazer.
Balancei a cabeça em negativa.
— Eu não sei se estou entendendo.
— Entenda apenas que não posso prosseguir. Que toda vez que me
afastar é porque será necessário e não porque eu quero.
— Não precisa ser assim, Jean — desabafei entre lágrimas,
choramingando. — Combinamos que seria apenas um experimento, mas não
precisa me deixar sozinha e nua como se eu fosse descartável.
— Perdoe-me... — ele tocou a lateral do meu rosto e juntou as nossas
testas. — Por favor, perdoe-me.
— Você não precisa se afastar só porque a magia do pedido foi embora.
— Não posso prosseguir, Sabine.
— Claro que pode, se é o que quer. Se é o que queremos.
— O que eu quero não importa.
— Para mim importa — sussurrei enquanto o encarava de perto, as
lágrimas ainda escorrendo.
— Não deveria importar. A senhorita está começando a confundir as
coisas e isso me assusta. Sabine, eu disse que...
— Não seja um imbecil — resmunguei, desvencilhando-me de vez do
seu toque. — Não estou confundindo nada, só não quero que se afaste por um
motivo tão tolo. Sabe o que eu acho? Que é o senhor que está se confundindo.
— Ele balançou a cabeça em negativa, mas ainda assim não senti a menor
firmeza. — Se acha que eu posso ser o seu verdadeiro amor, então...
— Esqueça isso, Sabine — Jean me interrompeu de forma brusca, em
um timbre grosseiro que muito me desagradou. — Não há a menor
possibilidade de você ser o meu verdadeiro amor.
Pisquei bastante os olhos enquanto ele me encarava com rigidez.
— Tire-me daqui — solicitei, erguendo o rosto para manter a dignidade
que me restava. Mantive-me séria e de nariz empinado para impor o mínimo
de respeito e não me sentir tão diminuída na frente dele.
— Sabine, eu...
— Agora! — soltei um resmungo esbravejante que o chocou, haja vista
os olhos bem abertos e a expressão apavorada.
Jean tocou de leve o meu braço e, instantaneamente, desapareci em seu
quarto para surgir em meu aposento escuro, frio e solitário. Ele não veio junto
comigo, fato que agradeci em silêncio. Não queria olhá-lo sabendo que ele
me excluía de qualquer possibilidade, como se eu fosse somente um ser digno
de sua pena. Não que eu desejasse que ele me incluísse como uma opção
amorosa, mas a forma como falou, brusca e grosseira, deixou-me chateada.
Ainda que estivesse com o corpo aliviado por causa do êxtase, por
dentro me sentia como pequenos cacos de um vaso de vidro quebrado. Eu me
joguei sobre o meu leito e, feito uma criança, simplesmente chorei.
CAPÍTULO 18
Perdoe-me.
Depois daquele exaustivo torneio não tive vontade de fazer mais nada
além de me acomodar em meus aposentos e descansar durante toda a tarde.
As emoções vivenciadas haviam me deixado cansada e eu queria estar bem
durante a noite, a fim de experienciar mais momentos intensos com o gênio.
No entanto, Madame Naná me interceptou a caminho da torre e avisou que o
almoço seria servido no salão principal em breve, então os meus planos se
esgotaram tanto quanto minhas energias.
Naquele momento desejei que o castelo não estivesse tão cheio e as
pessoas não parecessem tão famintas – eu ainda me sentia satisfeita pelo
desjejum, embora realmente tivesse passado bastante tempo desde que comi.
A vontade de estar rodeada de gente que eu precisava manter algum contato
era mínima, bem como a de continuar me portando com elegância e charme,
para não me tornar assunto desagradável entre as rodas de conversa.
Só queria tirar aquele vestido e me deitar em paz.
Quando eu já estava retornando para o salão, visto que não adiantaria
fingir que estava indisposta, encontrei a Rainha Alexandra em um dos
corredores largos, repletos de armaduras antigas enfileiradas como se fossem
guardas reais.
— Aonde pensa que está indo desse jeito, Sabine? — mamãe
questionou, parando à minha frente com as suas damas de companhia a
tiracolo, e eu não me controlei ao revirar os olhos. Estava cansada demais
para receber mais um de seus costumeiros sermões. — Sabe perfeitamente
que não deve permanecer em locais fechados com chapéu. Troque-o pela
coroa antes de seguir para o almoço, como toda dama consciente está fazendo
neste exato instante. — Ela não esperou por uma resposta, foi passando por
mim e pela Naná com a cabeça e os ombros erguidos. — E seja rápida, não é
adequado que se atrase para se sentar à mesa com seus pretendentes.
Nada comentei porque imaginei que, quanto menos falasse, mais
rápido ela me deixaria em paz. Naná e eu voltamos a ficar sozinhas no
corredor e a dama de companhia se adiantou em avisar:
— Vou buscar a sua coroa — Naná estava visivelmente chateada com
as palavras de mamãe, mas jamais teria a ousadia de desafiá-la, sobretudo
porque, no fundo, a Rainha estava certa: não era apropriado que eu
permanecesse de chapéu durante o almoço. Em minha defesa pretendia retirá-
lo antes de alcançar o salão. — Fique aqui, Alteza. Será mais rápido desta
forma.
— Tudo bem, Naná.
— Por favor, não se mova deste lugar. Demoraremos mais se eu
precisar procurar pela senhorita neste castelo imenso — o seu pedido veio em
forma de súplica e me limitei a aquiescer, sentindo-me um pouco
envergonhada por sempre lhe dar bastante trabalho. Talvez me faltasse
maturidade para lidar melhor com a Naná.
A dama de companhia se afastou, caminhando a passos acelerados até
a torre onde o meu aposento ficava. Havia um imenso espelho ao longo do
corredor, por isso o utilizei de apoio para adiantar a tarefa e começar a
desprender os grampos que fixavam o chapéu aos meus cabelos. Eram tantos
que fiquei surpresa. Não sabia que Naná havia tido tanto trabalho assim para
me deixar com aquele visual.
— Princesa Sabine? — Olhei para o lado, um pouco assustada por ter
sido pega com metade dos cabelos soltos e a outra metade presa ao chapéu,
que naquele instante pendia para o lado. O Príncipe Augusto me olhava com
curiosidade. Fiz o possível para terminar de puxar os grampos, mas não teve
jeito, portanto decidi largar a atividade pela metade. — Que bom encontrá-la
sozinha. Precisava mesmo falar com a senhorita. Precisa de ajuda?
Virei o rosto para os dois lados do corredor, percebendo que o
Augusto também estava desacompanhado. Não soube explicar o motivo, mas
o meu coração se acelerou e fiquei nervosa com aquele encontro casual e
inesperado.
— Não, não... Não precisa se incomodar — sorri, envergonhada e
constrangida. — Madame Naná deve retornar em breve. Ela certamente
saberá o que fazer.
— Bom, eu tenho duas irmãs mais novas — Príncipe Augusto se
aproximou cautelosamente, um passo de cada vez, até que estacionou diante
de mim. Não dei qualquer permissão para que avançasse, mas ainda assim ele
ergueu as mãos para me ajudar a remover o chapéu de uma vez. — Pronto. —
Para a minha surpresa, ele conseguiu libertar os meus cabelos com facilidade
e logo em seguida me devolveu o chapéu e os grampos que retirou.
— Obrigada — eu tinha ciência de que o meu rosto estava aquecido
pela vergonha. Jamais imaginei tê-lo tão próximo; nem mesmo em nossas
danças Augusto ficava perto, de modo que era possível sentir o seu cheiro e a
quentura do hálito.
— Disponha sempre, Princesa.
Tratei de me afastar antes que alguém nos visse ali sozinhos e
imaginasse qualquer coisa que estivesse longe da realidade e fosse
extremamente inapropriada. O Príncipe ficou me olhando daquela maneira
que tanto me incomodava nos bailes. Eu não sabia o que existia por trás das
suas expressões, por isso, tomada pelo constrangimento, resolvi encarar o
chão.
— O senhor dizia que gostaria de falar comigo — passei a entrelaçar
o chapéu entre os dedos.
— Sim, eu... Não sei por onde começar sem que seja interpretado
erroneamente.
Ergui a cabeça para olhá-lo, mas logo voltei a desviar o rosto.
— Ao menos tente.
Ele passou uma mão pelos cabelos escorridos, parecendo refletir a
respeito de cada palavra que proferiria. Eu já me sentia ansiosa e muito
nervosa com o que estava por vir, ainda que não fizesse ideia de qual seria o
rumo daquela conversa.
— A sua irmã... — ele fez uma pausa e eu ergui o rosto de vez, com
os olhos bem abertos. Então aquilo tudo tinha a ver com a Sarah, é claro. Será
que Augusto me falaria que havia desistido do casamento? Não podia ser. O
assunto devia ser outro, decerto. — Contou-me que a senhorita... Hum... Que
a senhorita deu a ela algumas informações um pouco... diferentes.
— Ela contou? — Abri ainda mais os meus olhos, pois não imaginava
que a Sarah fosse dizer ao Augusto que havia sido eu que a tinha oferecido
informações a respeito do ritual de procriação. Achei que ela seria mais
discreta nesse sentido e não me envolveria em seu relacionamento com o
Príncipe. — O que exatamente ela disse?
— Não ouso repetir na frente de uma dama — disse, por fim, depois
colocou as mãos nos bolsos enquanto não desviava o olhar fixo. —
Entretanto, confesso que me preocupei com a senhorita e com... as suas ideias
modernas.
— Ideias modernas? — pisquei os olhos várias vezes, ainda sem
compreender onde ele queria chegar. O que Sarah havia dito, no fim das
contas? Será que foi adequada o suficiente para não espantar Augusto? Será
que me julgou mal e ambos me consideravam alguém vulgar?
Levei uma mão à boca, já com a respiração errante pelo nervosismo.
— Não sei se faz parte de uma armadilha para que verifiquem o meu
caráter e as minhas verdadeiras intenções com a Princesa Sarah... — falou tão
baixo que, ainda que alguém surgisse no corredor naquele momento, não
escutaria as suas palavras aparentemente bem escolhidas. — Mas não
pretendo deflorá-la antes do casamento. Eu sou um homem correto.
Continuei piscando os olhos com veemência.
— Não compreendo aonde quer chegar com esta conversa, Príncipe
Augusto — murmurei, tentando manter o seu mesmo tom baixo e adequado
para a gravidade do que era dito. — Mas posso garantir que não há qualquer
armadilha contra o senhor. A sua relação com a minha irmã diz respeito
apenas a vocês dois.
— Exatamente. Portanto prefiro que não lhe dê ideias — Augusto
agravou o semblante, ficando muito sério repentinamente. — Ela me contou
que a senhorita sabe que... nos beijamos — fez uma pausa para clarear a
garganta, visivelmente constrangido. — Mas vamos concordar que um
simples beijo é inofensivo.
Franzi o cenho, sentindo-me ainda mais confusa.
— E o que vocês poderiam fazer para ofender um ao outro? O senhor
está falando sobre sexo? — Príncipe Augusto ficou me olhando como se
fosse uma daquelas armaduras; imóvel, mudo e sem qualquer reação visível.
Resolvi defender o meu ponto de vista: — Acontece que a Sarah possuía
muito medo a respeito do ritual de procriação. O meu dever nos últimos dias
foi estudar a respeito para que ela tivesse o mínimo de entendimento e não
desistisse de se casar com o senhor.
— Ela estava pensando em desistir? — Augusto parecia ainda mais
apavorado. Não havia um pedaço de pele exposta em seu pescoço e rosto que
não estivesse avermelhado.
— Sarah certamente andou bastante assustada.
— Foi por isso que se distanciou? Eu fiquei sem entender o seu
comportamento repentino. Ela parecia tão animada e depois... — Augusto
soprou o ar dos pulmões. Percebi que, por um lado, sentia-se aliviado, mas
por outro ainda morria de vergonha. Confesso que eu não estava nem um
pouco diferente. Ainda não compreendia por que estávamos imersos em um
assunto tão inapropriado. — Tudo bem, Sabine. Agradeço por ter removido o
medo de Sarah, mas novamente peço que não volte a lhe dar ideias. Não
pretendo me envolver em nenhum escândalo.
— Então o senhor não pretende dar prazer à minha irmã? — a
pergunta passou pelos meus lábios sem que eu tivesse o menor controle. O
medo pela Sarah me fez deixar o constrangimento de lado, fazendo-me não
medir as consequências.
Foi a vez de Augusto piscar os olhos mais do que o normal.
— Não que este assunto a interesse, mas, sim, pretendo, porém no
momento certo, quando já estivermos casados.
Balancei a cabeça em negativa, sem entender como eles poderiam
esperar tanto. Já haviam se beijado e se tocado com intimidade, por que não
oferecer ao outro o êxtase?
— E se não gostarem um do outro? Se não forem fisicamente
compatíveis? E se ela não o agradar ou vice-versa? — perguntei, espantada,
ainda tomada pela ousadia em prosseguir com uma conversa que eu
considerava muito restrita, tanto que demorei dezoito verões para ter qualquer
conhecimento sobre ela, e permaneceria na escuridão se Sarah não tivesse
comentado comigo. — E se...?
— Chega, Sabine — o Príncipe foi taxativo. Havia retornado a ganhar
a coloração vermelha que lembrava algumas flores do jardim. — É muito
incorreto que a senhorita se ache no direito de participar de nossa vida íntima.
— Não foi a minha intenção ser invasiva, isso eu garanto —
permaneci com a cabeça erguida, ainda que ele estivesse fazendo com que eu
sentisse vontade de chorar. — Só quis ajudá-los.
Augusto arquejou, tomado pelo constrangimento. Olhou para os dois
lados do corredor novamente e se inclinou mais na minha direção, talvez
temendo ser ouvido por um bisbilhoteiro:
— Sei que não faz por mal — sussurrou pausadamente. — Mas
aconselho que possua modos de uma verdadeira dama e preserve a sua honra
como se deve. Há oito príncipes neste castelo que certamente a desejam e
alguns podem ter péssimas intenções — completou, mantendo o rosto sério
quase como se eu fosse um caso perdido. — Não confio nem na metade
deles.
O que ele falou, de certa forma, deixou-me chateada e igualmente
triste. Ainda que a sua intenção fosse me proteger dos pretendentes, odiei ser
julgada como alguém sem modos ou discernimento, uma mulher incapaz de
escolher um bom marido. Eu sabia que não podia me abrir na intimidade para
qualquer um; só faria com quem eu considerasse apto para seguir adiante e
por quem sentisse o mínimo de atração.
— Tenho os modos necessários e me considero uma dama bastante
honrada — falei, na defensiva, afastando-me alguns passos. Entretanto, senti
os meus olhos se enchendo de lágrimas. — Se o senhor prefere arriscar um
casamento infeliz, então está certo. Só não ouse entristecer a minha irmã
porque então terá que se ver comigo.
Virei as costas e estava pronta para sair daquele lugar quando a mão
do Príncipe Augusto me impediu de partir. Inclinei-me para olhá-lo com uma
expressão desgostosa e foi naquele momento que alguém apareceu no
princípio do corredor.
— O que está havendo aqui? — O meu coração se encheu de alegria
ao ver o Jean se aproximando, sozinho, longe de seu séquito arranjado pela
magia para acompanhá-lo quando estava fingindo ser um príncipe. Pude notar
em seu semblante que havia sido por acaso que invadira o corredor de
armaduras.
Príncipe Augusto me soltou com cautela e ficou me olhando como se
quisesse dizer mais alguma coisa. Entretanto, eu não estava nem um pouco
disposta a ouvi-lo. Precisava de um tempo para pensar naquela conversa,
porque boa parte eu não havia entendido e a outra muito me chateou.
— Nada — Augusto falou com certa indiferença.
— Princesa Sabine? — Jean se aproximou de nós o suficiente para me
acalmar com o seu cheiro. Mas eu ainda estava com certa raiva enquanto
encarava o Príncipe Augusto. — A senhorita está bem? Este rapaz a está
importunando?
Augusto ofereceu uma careta ofendida para o gênio.
— De modo algum. Não é de meu feitio importunar qualquer dama
que seja, menos ainda a minha futura cunhada — respondeu com o nariz
empinado, aprumando o seu porte elegante e se afastando de vez. — Só
perguntei se ela queria me acompanhar até o salão principal.
A sua mentira me fez intensificar a careta.
— Pois então deixe que eu mesmo faço isso — Jean me ofereceu um
braço, que aceitei prontamente, sem hesitar. — Vamos, Princesa?
— Claro — respondi sem muita emoção, ainda que estivesse contente
por vê-lo novamente e por ter a chance de sair daquela conversa absurda o
mais depressa possível.
Jean ainda olhou intensamente para o Príncipe antes de me levar para
longe. Augusto, por sua vez, deu de ombros, olhou-me por breves instantes e
continuou o percurso que estava fazendo antes de me encontrar. Em poucos
segundos eu me vi sozinha com o gênio. Não resisti e o empurrei na direção
de uma das portas daquele novo corredor que atravessávamos. Eu não sabia
muito bem aonde ela daria, já que o castelo me confundia bastante, mas não
me surpreendi muito quando adentramos uma sala pequena repleta de obras
de arte que foram presentes de visitantes de Herlain.
Fechei a porta atrás de nós e, sob o olhar confuso do Jean, puxei-o
para mim até que fosse possível beijá-lo com toda a intensidade de que eu
tanto precisava naquele momento esquisito. O gênio, embora um pouco
hesitante no início, logo tratou de me envolver em seus braços e me oferecer
a sua língua deliciosa, para que eu pudesse aproveitá-la naquela nossa dança
em que só nós dois sabíamos o ritmo.
Gemi entre os seus lábios quando ele me agarrou pela cintura e me
apoiou em uma parede de rocha fria que, por causa da quentura natural que
do meu corpo emanava, não me causou qualquer desconforto.
Eu queria muito que aquele momento jamais tivesse fim, mas Jean
decidiu se afastar com calma, encerrando o beijo que foi capaz de arrancar o
meu fôlego em poucos segundos.
— O que aconteceu com o Príncipe Augusto? — questionou baixo e
um pouco rouco, creio que devido ao tesão, porém sua expressão estava séria
e mostrava resquícios de chateação. — Não gostei da forma como estava te
segurando.
— Não foi nada, Jean. Coisas da minha irmã — respondi, fechando o
abraço que eu dava em seu pescoço para que voltássemos a nos beijar
depressa, porém ele continuou afastado. Decidi expor de uma vez o que
acontecera, antes que o gênio desistisse de me deixar ficar em seus braços
largos e aconchegantes: — Foi uma conversa esquisita que... Meio
constrangedora. Sarah contou a ele as coisas que falei para ela.
Jean se mostrou surpreso.
— E qual foi a reação dele?
— Um tanto estranha, eu diria. Mas não quero falar no assunto agora.
Vem, beije-me mais um pouco... — segurei o seu rosto com uma mão, já que
a outra ainda segurava o chapéu, e tornei a juntar as nossas bocas. Famintas,
elas voltaram a se movimentar em choques delicados e tão saborosos que
imediatamente fiquei acesa, louca por um toque mais ousado.
Mas Jean se afastou de novo e, chateada, larguei-o de vez. Revirei os
olhos enquanto apoiava a coluna na parede, a fim de me manter de pé até as
minhas pernas voltarem a funcionar normalmente, sem o efeito da extrema
excitação que ele me causava.
— O que exatamente o Príncipe Augusto comentou, Sabine? Estou
preocupado com essa história. — Ele levou as mãos aos bolsos de seus trajes
e eu tive a impressão que fez isso para tentar mantê-las longe de mim, já que
era visível o quanto me desejava. — Um homem distinto jamais deveria
conversar com uma dama sobre essas coisas.
— Por que não? — dei de ombros. — Quer dizer então que você não
é distinto? — cruzei os braços para frente, ainda irritada.
— Sabine... Você vive em um século esquisito. O que nós temos, essa
relação de... intimidade, não é comum à sua época. — Pisquei os olhos,
tentando compreender por que ele falava como se não pertencesse àquele
tempo. Não fazia o menor sentido. — Prefiro que se mantenha longe desse
tipo de confusão e, ainda que aprenda coisas novas comigo, limite-se a agir
cautelosamente com os outros.
— Você também acha que sou uma dama sem modos e
discernimento?
Ele balançou a cabeça veementemente, em negativa.
— Claro que não. Foi o Augusto quem te disse isso? — Jean
resmungou a pergunta de uma maneira muito irritada.
— Mais ou menos, eu acho.
Jean passou as mãos pelos cabelos e suspirou tão audivelmente que
fiquei nervosa.
— O que exatamente a senhorita disse a Sarah?
Dei de ombros.
— Falei o que aprendi nos últimos dias. Quer dizer, não o mencionei
e nem mesmo o que fizemos, só falei que o sexo era prazeroso e ela precisava
se descobrir na intimidade.
Jean assentiu.
— É o bastante. Não diga mais nada a ela, Sabine. Deixe que se
resolva com o Príncipe Augusto e, por favor, mantenha a discrição.
— Está supondo que sou indiscreta? — levei as duas mãos à cintura,
dando alguns passos para longe dele. Jean ficou onde estava, olhando-me
com preocupação nítida. — Falei apenas para ajudar a Sarah, do contrário
jamais tocaria no assunto.
— Eu sei. Só não quero que sofra qualquer consequência por minha
causa.
Parei para encará-lo por alguns instantes.
— Preciso retornar — avisei, por fim, já que não pretendia estender
aquele assunto e me encontrava cansada demais para tentar arrancar outro
beijo de alguém que claramente não estava tão disposto a me beijar. — Não
quero aborrecer a Naná com mais um sumiço.
— Certo... — Jean ficou me olhando, parado, por um tempo que
considerei longo e, ao mesmo tempo, curto. Foi rápido porque eu queria que
me olhasse mais, daquela sua maneira sensual e intimidante, e longo porque
não pude deixar de me sentir um pouco envergonhada. A sua beleza me
arrancava o fôlego e o juízo.
Caminhei até a porta vagarosamente, querendo adiar ao máximo o
momento em que me veria sem a sua presença. No entanto, o gênio se
aproximou com rapidez e me abraçou pelas costas, agarrando-me a cintura e
me empurrando contra a madeira.
Eu me vi encurralada de um jeito que jamais imaginei, com todo o seu
tamanho e quentura em minha retaguarda. Foi reação involuntária me jogar
para trás a fim de senti-lo. O seu corpo se encaixou às minhas costas de
forma que foi possível sentir o seu órgão rígido se esfregando em mim como
se eu fosse uma necessidade especialmente dele. Pela primeira vez não senti
medo algum ao pensar naquela parte misteriosa de seu corpo.
Jean levou a boca ao meu pescoço e distribuiu alguns beijos
molhados, intensos, maravilhosamente demorados.
— Ainda hoje eu vou te chupar todinha — sussurrou com a voz quase
falhando.
E então ele sugou a pele do meu pescoço de leve, talvez me dando
uma pequena demonstração do que pretendia fazer comigo. Em seguida, Jean
se afastou, abriu a porta e, assim que a atravessei, ele simplesmente sumiu
atrás de mim.
Não sobrou mais nada além do meu estarrecimento.
Eu estava tão afogueada com aquela promessa que precisei respirar
incontáveis vezes antes de me sentir preparada para encontrar a Naná. Ainda
que eu não soubesse exatamente o que significava o termo “me chupar
todinha”, já que nunca o havia utilizado sem mencionar uma laranja ou
qualquer outra fruta, não pude deixar de imaginar que o ato envolveria a sua
boca e o meu corpo.
E então eu já tinha certeza de que experimentaria vários êxtases.
CAPÍTULO 21
— Claro que não. O fato de o senhor ser bom em pontaria não diz nada
sobre ser um bom marido e muito menos sobre ser um bom rei.
Dionísio ficou me olhando por um tempo que considerei longo demais,
piscando os olhos várias vezes enquanto parecia refletir profundamente. A
expressão terrível que fez me alertou de que ele se encontrava em um estado
elevado de perturbação.
— Eu não sou bom em pontaria. Nunca fui. Não sei que tipo de sorte
foi a que me atingiu nesta manhã, mas... Princesa, eu não sou bom em nada
que exija esforço físico — admitiu com a voz quase falhando, porém me
olhando de um jeito tão profundo que a verdade se tornou visível dentro de
sua íris.
— Mas o senhor conseguiu. Está na final como um bom combatente e
amanhã há de vencer o Príncipe Leopoldo — falei, tentando animá-lo,
oferecendo-lhe um sorriso encorajador.
— Não tenho certeza disso — admitiu, ainda com uma postura
cabisbaixa. — Mas tenho certeza de que, ainda que vença o Príncipe
Leopoldo na pontaria, jamais serei um bom combatente para vencer o
Príncipe Jean no seu afeto.
Balancei a cabeça em negativa, assustada com as suas palavras. Ele
falava de uma maneira tão crua, sem qualquer rodeio, que fiquei emocionada,
com os meus olhos marejados. Estava visível a sua vontade de me conquistar
e o seu interesse em ser um homem apto a ser o meu marido e digno da
admiração de Herlain. Dionísio estava tentando com bastante honestidade e
aquilo só podia significar que, de fato, era um bom pretendente, como
imaginei desde que o vi.
— Não fale assim — murmurei, aproximando-me dele com cautela. Eu
estava disposta a ser sincera e queria que acreditasse em mim tanto quanto eu
acreditava nele. — Não há nada decidido e garanto que o senhor não está
nem um pouco longe de conquistar o meu genuíno afeto.
— Mesmo...? — Ele deixou os olhos esbugalhados diante daquela
revelação sincera. A minha aproximação fez com que o seu rosto
avermelhasse, o que achei divertido. Era interessante deixá-lo daquele jeito,
como se estivesse intimidado pela minha presença. Sentia-me, de certa forma,
poderosa. — Mas... A senhorita tem certeza? Não pude deixar de notar que os
outros príncipes possuem mais... — Ele parou de falar quando me coloquei
bem à sua frente, tão perto que os corpos quase se encostavam. Gostei do fato
de ele não ter recuado, ainda que estivesse visivelmente desconcertado.
— O Príncipe Jean não é para mim — murmurei e, de repente, senti
uma pontada dolorosa em meu coração. O fôlego me foi arrancado com
aquela sentença e eu mal pude explicar o motivo. Entristecida, abaixei a
cabeça diante do Dionísio. — Ele só está cumprindo os protocolos que o
senhor mencionou, nada além disso — confessei em um sopro de voz. Os
meus olhos marejaram e eu não soube o que fazer para conter as lágrimas. Fiz
o maior esforço possível. — Definitivamente, ele não faz parte de minha
decisão. Mas o senhor, sim, é um pretendente aceitável, honesto e decente. E-
Eu... — soltei um arquejo. — Não queria que desistisse de mim agora.
Ergui a minha cabeça e uma lágrima escorreu sem que eu conseguisse
segurá-la. Praguejei mentalmente, lamentando aquele deslize. Eu não sei
como o Príncipe Dionísio interpretou aquela emoção, mas certamente se
enganou e não pude me dignar a explicar, visto que nem eu sabia o porquê de
estar chorando. Só compreendia que não era por aquele homem diante de
mim, ainda que eu realmente estivesse tocada pelos seus esforços. Precisava
que ele prosseguisse para que, enfim, conquistasse o meu afeto definitivo.
Dionísio era, talvez, a minha única chance de encontrar algo parecido com o
amor verdadeiro.
No fim das contas eu ainda não havia desistido dos sentimentos.
— Tudo bem, Princesa. Se é o que tanto deseja, ficarei feliz em
permanecer em Herlain — o Príncipe Dionísio abriu um sorriso bonito e leve,
que me fez sorrir em resposta, mesmo que ainda estivesse entre lágrimas. De
repente, ele ousou erguer uma mão a fim de enxugar algumas delas com as
pontas dos dedos. O gesto me deixou acalentada, de forma que me senti
especial. — A senhorita é tão bela...
— Pode me chamar apenas de Sabine — murmurei, com o rosto
travado diante de seu toque. Eu não soube o que sentir naquele momento,
mas era visível que Dionísio possuía algum afeto por mim.
— Sabine — pronunciou como se estivesse cantarolando. Sua mão
ainda estava em mim e me vi desejando ir um pouco mais além de um mero
toque.
Estávamos tão próximos e em um momento tão envolvente que
percebi o Dionísio se curvando em minha direção, na clara intenção de me
oferecer um beijo. Antes de grudar nossos lábios, decidi que me permitiria a
nova experiência, porém tão logo eles se juntaram eu me assustei e me
desvencilhei de imediato, afastando-me dele em definitivo.
O meu coração se mostrou agitado e a respiração, ofegante. Poucas
vezes havia me sentindo tão perdida.
— Perdão, Sabine — Dionísio murmurou diante de meu afastamento.
Evitei olhá-lo, tomada por uma emoção que eu não conseguia reconhecer.
Não era vergonha e nem mesmo me senti ofendida com sua ousadia. Era um
sentimento muito parecido com a culpa. — Por favor, perdoe-me, não quis
ser tão indelicado.
— Tudo bem... — balancei a cabeça em negativa. — Acho... A-Acho
melhor o senhor sair dos meus aposentos.
— Ainda quer que eu fique em Herlain? — ele questionou e o timbre
saiu tão sofrido que voltei a observá-lo. O seu rosto estava tomado pela
apreensão.
Ofereci-lhe um sorriso para que compreendesse que nada daquilo
tinha a ver com ele e com a sua tentativa de me beijar, mas comigo e a minha
incapacidade de retribuir. Eu não deveria estar tão apavorada. Já sabia muito
bem como era o beijo e gostaria de ter aquela experiência com ele, porém não
pude. Não consegui ir além.
De qualquer forma, foi o certo a ser feito.
— Claro que sim. Nada mudou — respondi com doçura. Dionísio fez
uma reverência curta e caminhou até a porta. Antes que ele saísse, no entanto,
resolvi dizer: — Prometo que da próxima vez me prepararei melhor para
beijá-lo como se deve.
Eu não queria remover de vez a ideia de nos beijarmos, muito pelo
contrário. Gostaria que o Príncipe Dionísio tentasse novamente em outra
oportunidade, talvez quando eu não estivesse me sentindo tão arrasada.
Precisava colocar os pensamentos e sentimentos em ordem antes de seguir
adiante com aquela, usando a palavra do próprio Dionísio, competição.
— Ansiarei por este momento, Sabine — o Príncipe sorriu de lado e
foi embora de uma vez, deixando-me com o coração ainda agitado em meu
peito.
Corri para fechar a porta e, assim que fiz, virei-me na intenção de
apoiar minha coluna na madeira. Sentia muita vontade de chorar, mas me
controlei e, em vez disso, soltei um longo e audível suspiro.
— Por que não o beijou? — a voz dele surgiu primeiro e o meu corpo
pulou de susto. Quase gritei quando o Jean apareceu sobre a minha cama,
deitado como se estivesse bastante à vontade.
— O que faz aqui?
— Achei que a senhorita fosse provar outros beijos — Jean falou e
percebi que a sua expressão se mantinha descontente, como se eu o tivesse
decepcionado por ter negado uma porcaria de beijo ao Dionísio. — Ainda
bem que não o fez. Tenho algumas dúvidas quanto ao franzino.
— Não o chame assim — caminhei até a banqueta em frente à
penteadeira e peguei uma escova só para ter alguma atividade que me fizesse
não olhar para o gênio. Comecei a passá-la tranquilamente em meus cabelos.
— Se realmente gosta dele, precisa agir com mais cautela — Jean
prosseguiu. Ele não imaginava o quanto me deixava irritada o fato de estar
em minha cama sem mim. — Não acho que deixá-lo entrar em seus
aposentos seja uma atitude inteligente. Sabine, precisa se precaver. Sou
totalmente a favor do beijo, se é o que desejam, mas não aqui, assim, e...
— Deixe-me em paz — resmunguei com certa grosseria.
Jean ficou em silêncio por alguns instantes, tanto que cheguei a achar
que desaparecera de vez. Antes de suspirar aliviada, senti-o por trás de mim
e, sem que eu pudesse me afastar, a escova cravejada de joias já estava em
sua mão. Ele começou a escorrê-la em meus cabelos e me mantive ereta,
observando-o atentamente através do enorme espelho.
O gênio se manteve compenetrado no que fazia, como se os meus fios
o deixassem fascinado. Em poucos instantes o calor me invadiu e me percebi
perdida sob o seu toque leve. Como ele fazia aquilo? Como mexia comigo
com tanta facilidade? Só estava escovando os meus cabelos, não era nada
demais, nada intenso ou excitante.
— A senhorita pode me dizer o que quiser — Jean disse enquanto não
desviava os olhos de sua tarefa, que realizava como se fosse a coisa mais
importante do mundo. — Por que se encontra tão irritada?
— Eu não sei, Jean — sussurrei. Desviei o rosto porque, de repente,
percebi que era demais acompanhá-lo. Já estava absolutamente excitada, com
um líquido quente escorrendo entre as minhas pernas. Não havia nada que eu
pudesse fazer para evitar desejá-lo com aquela intensidade. — Estou um
pouco cansada.
— Descanse. Ainda temos tempo até o jantar. — Assenti com leveza.
Senti o seu cheiro ficando mais forte e levei o segundo susto ao perceber que
se aproximou por trás, dando um jeito de enfiar o seu rosto em meu ombro.
Soltei um arquejo enquanto voltava a nos observar pelo espelho. Jean
usou uma mão para afastar os fios e voltar a me beijar naquele ponto que
considerei tão íntimo quanto o meu baixo-ventre. Novamente, arquejei.
— O que você falou mais cedo... — tomei coragem para começar,
porém não para concluir a ideia. O gênio virou o rosto na direção do espelho
e eu fiquei maravilhada com tanta beleza. O seu toque ainda era leve e me
trazia um calor insuportável. — Sobre... Chupar.
— Mais tarde — ele definiu em um murmúrio que demonstrava o seu
desejo. — Assim teremos bastante tempo.
Um calafrio intenso percorreu o meu corpo diante da ideia de
ficarmos juntos por tempo indeterminado, sem nada que nos impedisse ou
atrapalhasse. Exceto, talvez, a magia do meu desejo, que teimava em me
deixar solitária depois que o Jean me satisfazia. Precisava dar um jeito de
fazer o nosso momento demorar o máximo que pudesse.
— C-Como...? O que significa essa expressão?
— Qual?
— “Vou chupar você inteirinha” — repeti com a voz falha, sem ousar
desviar o rosto.
Um grunhido escapou entre os seus lábios e a expressão de Jean se
transformou em algo selvagem, similar aos seus olhares na hora do almoço.
— Repete isso como se fosse para mim — pediu, segurando a raiz de
meus cabelos com uma mão livre. Fechei os olhos e ofeguei de desejo.
Quando os reabri, Jean ainda me olhava, esperando que eu fizesse o que
pediu.
As palavras saíram de uma forma lenta e, ao mesmo tempo, profunda:
— Vou chupar você inteirinho — sibilei. A força de sua mão se
intensificou e ele empurrou a minha cabeça para o lado só para que o meu
pescoço ficasse mais exposto. Jean estava ofegante, soube por causa da
quentura do seu hálito que surgia e desaparecia com rapidez. — C-Como
seria isso? Estou enlouquecendo de curiosidade.
— Hum... — Ele distribuía beijos vagarosos em meu ombro. Depois,
beijou-me na dobra do pescoço, subindo para a orelha e concluindo: —
Imagine a minha boca em todas as partes do seu corpo. Todas, sem qualquer
exceção — e voltou a me beijar lentamente na orelha.
Não havia parte alguma de mim que não estivesse imersa no tesão
absoluto e igualmente ansiosa para receber os seus lábios, como prometido.
E, como eu acabara de dizer, também desejava explorar o seu corpo com a
minha boca.
— Todas? — soltei um ofego ainda mais forte. A imaginação que ele
incitava com suas palavras sussurradas estava me perturbando em um nível
muito elevado.
— Todas — confirmou e, após mais um beijo lento, molhado e
extremamente perturbador em meu pescoço, Jean ergueu a cabeça e piscou
um olho. — Descanse, Sabine, a senhorita vai precisar de energia. Vejo-a no
jantar.
E então ele desapareceu. A sua presença era como uma das tantas
tempestades comuns na ilha de Herlain; chegavam com força intensa e
detonavam casas, árvores e vegetação em um curto espaço de tempo, depois
iam embora como se nada tivesse acontecido e deixavam a ilha devastada,
imersa no caos.
Jean era o meu caos particular.
CAPÍTULO 22
Madame Naná parecia tão exausta que não questionou a minha vontade
de me recolher mais cedo. Ajudou-me a retirar o vestido, desfez o penteado,
aguardou que eu me deitasse e, depois de apagar todas as velas, deixando
apenas uma acesa, retirou-se com um sussurrado desejo de boa-noite.
Imediatamente removi todas as mantas que me cobriam e corri até o espelho.
Tornou-se importante que eu estivesse bela naquele momento; gostaria de
atrair o Jean tanto quanto ele me atraía.
Deixei os cabelos soltos após penteá-los com cautela. As minhas vestes
íntimas não me pareceram nem um pouco sensuais, por isso, ainda que me
sentisse envergonhada, tomei a decisão de removê-la, permanecendo
completamente despida para recebê-lo. Não era meu desejo que nada nos
atrapalhasse, nem mesmo um pedaço de tecido sem importância.
Olhei-me novamente no espelho e suspirei de frustração. Queria me
sentir mais atraente, porém não havia nada dentro daquele quarto que pudesse
me ajudar.
Foi então que ouvi um estalo e, em um piscar de olhos, um tecido
brilhante, leve e vermelho preencheu o meu corpo. Ele possuía apenas uma
alça fina e seguia levemente até o chão, acompanhando todas as minhas
curvas com uma perfeição que me emocionou. Sorri ao me observar. Aquela
peça não era igual a nada que eu já tinha visto antes, mas foi capaz de fazer
com que eu me sentisse poderosa, atraente, sensual, interessante.
Encarei uma Sabine que a priori era desconhecida, mas que depois de
alguns segundos passou a fazer todo o sentido. Talvez aquela fosse eu em
minha essência mais verdadeira e o Jean, obviamente, sabia daquilo.
Virei-me quando senti a sua presença e pude visualizá-lo do outro lado
do quarto, trajando apenas uma peça na parte inferior de seu corpo. Os
ombros, peito e abdômen estavam despidos do modo que tanto me arrancava
o ar. Eu me senti estremecer dos pés a cabeça enquanto ele se aproximava
devagar, analisando-me com atenção e um deslumbre que era traduzido pelo
brilho intenso de seus olhos escuros.
O gênio parou à minha frente e lamentei o fato de ter mantido as mãos
nas laterais de seu corpo extremamente másculo. Queria-as sobre mim,
explorando-me, envolvendo-me, atiçando todos os meus desejos e vontades
até me deixar entregue por completo.
Prendi a respiração enquanto o olhava, sentindo as chamas abrasarem
os meus olhos, como se refletisse o calor que dele eu sentia emanar e me
atingir sem qualquer pudor. Ouvia a sua respiração forte, o único ruído que
pude notar durante os longos segundos em que ele nada fez.
— A senhorita tem algo a dizer? — perguntou em um timbre rouco,
mais grave do que o normal, e então cheguei à conclusão de que aquela era a
sua voz tomada pelo mais puro tesão. Eu a adorava.
— Tenha a bondade de não permitir que eu fique ansiosa por mais
tempo — respondi baixo, sentindo-me vacilar diante de tanta beleza e
sedução. O ar ao nosso redor parecia carregado de algo inidentificável. —
Toque-me, Jean. Beije-me. Tome-me, chupe-me, só não me deixe sem você
esta noite.
O gênio ergueu uma mão e tocou o meu rosto com suavidade. Fechei os
olhos na intenção de senti-lo ao máximo. Os pontos de calor intenso em meu
corpo se ampliaram com aquele simples e significante gesto.
— Você é inacreditável, Sabine... — murmurou e, logo em seguida,
aproximou-se mais um passo, o último que nos afastava. Nossos corpos se
grudaram de tal forma que pude senti-lo rígido em minha barriga. — É uma
tortura me conter diante de sua entrega.
— Não se contenha — reabri os meus olhos, encarando-o tão de perto
que dava para contar cada reentrância de sua face. — Por favor.
Jean respondeu à minha solicitação com um beijo tão poderoso que tive
a sensação de estar levando choques frenéticos ao longo do meu corpo. O
calor que nos envolvia, de repente, passou a ser compartilhado diante
daqueles movimentos enlouquecedores, profundos, instigantes. Jamais me
senti tão envolvida, tão conectada a alguém. Abracei o seu pescoço e o puxei
com toda a força que me foi permitida utilizar.
Sentir as suas texturas, o seu cheiro, o seu gosto em minha boca... Ele
era impressionante em todos os sentidos possíveis e imagináveis. Jean
envolveu a minha cintura com os seus braços fortes e, aos poucos, foi me
empurrando na direção do leito. Eu já me encontrava tão fora de mim que me
deixei ser levada sem qualquer objeção. Naquele momento não havia
vergonha, constrangimento ou pudor, só existia uma Sabine disposta a
qualquer coisa que a oferecesse mais doses daquele prazer enlouquecedor.
O gênio me fez inclinar para trás até me deitar cautelosamente na cama.
O seu corpo foi devidamente colocado sobre o meu, porém antes ele afastou
as minhas coxas, de maneira tal que minhas pernas o abraçaram também. O
fino tecido que me cobria escorreu até me deixar exposta da cintura para
baixo, e então foi possível sentir as suas vestes de baixo se encostando à
minha intimidade, bem como o seu órgão que parecia cada vez mais rígido,
firme e maior.
Confesso que, naquele instante, senti certo medo. Eu sabia que aquilo
tudo não poderia caber em mim, mesmo que o Jean tivesse dito o contrário. O
que me fez mais calma foi o fato de saber que ele provavelmente não se
enfiaria em mim antes de fazer o que havia prometido, ou seja, chupar-me
inteirinha. A sua boca eu sabia que era deliciosa e não me causaria nenhuma
dor, por isso suspirei aliviada entre os seus lábios e me permiti cada toque,
cada beijo, cada carícia.
Jean arquejava ora com força ora com suavidade. Soltava resmungos,
grunhia e continuava provocando ruídos que eu passei a considerar
excitantes. As suas mãos envolveram os meus seios, meus braços, barriga,
coxas e pernas como se nenhuma parte de mim fosse o bastante para aplacar
tanta necessidade.
— Sabine... — murmurou em meu ouvido antes de distribuir beijos e
mordidas no pescoço. A boca então, avidamente, passou a me sugar como
prometera. Jean escorreu a sua língua quente e áspera, depois beijou, como se
preparasse a minha pele, para logo em seguida chupar com certa força.
Eu gemia e arfava mais alto a cada vez que acontecia.
O gênio começou fazendo aquilo em meu pescoço e ombros, porém
quanto mais descia, mais prazer eu sentia. Ele passou a língua entre os meus
seios, na abertura do decote, e então ergueu a cabeça para me observar com
aquele semblante desejoso, selvagem, intenso. Sem nada dizer, Jean se
colocou de joelhos entre as minhas pernas e procurou pela barra do tecido
que me cobria. Novamente, prendi a respiração.
Seus dedos estavam muito decididos; enrolaram-se no vestido incomum
e o puxaram para cima, a fim de me despir. Ergui as mãos e contorci o corpo
para facilitar o seu intento. Quando me vi longe da peça, ele continuou me
olhando de cima a baixo, analisando-me minuciosamente. Estar nua na sua
frente me pareceu mais fácil do que antes. De novo, a vergonha não foi capaz
de me atingir, e ainda que eu estivesse despida na frente de um homem, não
me considerei vulgar.
Estava disposta a muito mais.
Jean resvalou as pontas dos dedos entre os meus seios, abaixando-a na
direção da minha barriga até atingir o meu ponto mais íntimo. Diante de seu
toque, soltei um pequeno gemido e me contorci de leve, reações que
considerei involuntárias. Aquele gênio impressionante levou os dedos à boca,
sugando-os como se o meu líquido íntimo fosse o sumo de uma fruta
suculenta.
— Preciso perguntar se ainda é isto o que deseja — ele sussurrou, sem
desviar aquele olhar intenso de mim. A sua voz foi capaz de fazer o meu
coração bater ainda mais acelerado. — Eu não sei se vou conseguir parar,
quando começar.
— Não pare — respondi com uma espécie de choramingo.
— A senhorita, definitivamente, precisa tomar mais cuidado com o que
deseja.
A sua frase saiu em um tom de ameaça que, em vez de me assustar,
deixou-me descontrolada de excitação. Jean não me deixou responder de
outra forma, por isso apenas correspondi ao beijo que me ofereceu. Aquele
parecia incrivelmente mais intenso, talvez pelo fato de eu estar despida e
poder senti-lo por inteiro.
A sua boca não hesitou ao se afastar dos meus lábios e se encaixar em
um seio, lambendo-o, beijando-o, sugando-o com uma vontade que me
emocionou. Jamais imaginei que aquela parte de meu corpo pudesse me
atribuir tanto prazer.
Quando agarrei os seus cabelos, enlouquecida, ele aproveitou para
sugar os meus dedos e as mãos, uma a uma, com uma vontade que me
pareceu absurda e ao mesmo tempo coerente. Era maravilhoso encontrar
sentidos quando nada parecia fazer, porque de repente me mostrava
consciente do quanto o Jean me desejava e do quanto me deixava desejosa.
Ele, de fato, fez o que prometeu: chupou-me de cima a baixo, em cada
reentrância, por mais improvável que fosse. Até que, por fim, parou com o
rosto entre as minhas pernas, a poucos centímetros de minha intimidade.
Ainda que aquela região estivesse molhada, quente e um tanto desesperada,
não achei que ele fosse fazer aquilo. Observei-o com surpresa, cheia de
expectativa e certo desconcerto. O meu peito subia e descia em alta
velocidade.
Jean colocou a própria língua para fora e foi devagar que diminuiu a
distância entre o seu rosto e o ponto mais sensível do meu corpo. A sensação
que me ocorreu chegou a me deixar entorpecida. Precisei me contorcer e me
controlar para manter as pernas abertas, tanto que o gênio segurou minhas
coxas com força. Nada, em toda minha vida, preparou-me para o momento
em que ele passou a me sugar devagar, sem desunir os seus lábios de mim.
As novas sensações terminaram de findar os últimos resquícios de juízo
que me sobraram. As emoções vinham em ondas, preenchendo-me tanto
quanto aquela língua em meu centro, ávida, decidida, cheia de sutilezas que
só me faziam gemer mais. Prendi as minhas mãos nas mantas abaixo do meu
corpo, puxando-as com força. Aquele estado de transe prazeroso parecia se
acumular como uma tempestade iminente, que eu tinha certeza de que
surgiria com bastante força, o suficiente para me fazer entrar em um êxtase
diferente de todos os outros.
Aquele forte sentimento de antecipação não se enganou; de fato explodi
como jamais antes, contorcendo-me involuntariamente e quase gritando em
pleno gozo. Jean mal esperou que o furacão em que me transformei por
alguns segundos cessasse, virou-me de barriga para baixo como se eu tivesse
o peso de uma pena e se colocou sobre mim, só que por trás.
— Fique tranquila... — murmurou calmamente, o oposto de como eu
me encontrava naquele momento. — Eu ainda não terminei.
Continuei gemendo, arfando, sentindo o suor escapando de minhas
têmporas pelo esforço que acabara de fazer, imaginando que eu certamente
não sobreviveria a tantas emoções. Senti, novamente, o seu órgão se
encostando como se estivesse à minha procura. Fiquei um pouco nervosa e
tentei me mover, porém o Jean segurou os meus braços e passou a me beijar e
chupar, só que, daquela vez, em toda a minha retaguarda.
Novamente, achei que ele não fosse explorar as partes mais baixas e
desconcertantes, porém me enganei completamente ao perceber o seu rosto
infiltrado entre as minhas nádegas, lambendo-me, beijando-me como se, de
fato, nenhuma parte de mim pudesse permanecer sem o toque de seus lábios.
E de novo me senti estarrecida ao perceber que aquela região também
era uma fonte prazerosa.
De repente Jean se ergueu e puxou a minha cintura para cima. Fiquei de
joelhos, com os seios, rosto e braços sobre o leito. Apenas a região mais
impensável do meu corpo ficou evidente, exposto, de maneira que nunca
imaginei que fosse me deixar tão excitada.
Logo a sua boca me invadiu em cheio e eu voltei a gritar, misturando
desejo, vergonha, surpresa e uma vontade incontida de atingir mais um
êxtase. A sua boca se movia como se soubesse exatamente o que buscar e o
meu corpo respondia antes mesmo de eu perceber que tudo aquilo me faria
explodir.
Mordi um pedaço de manta para conter um grito e então passei a me
contorcer e bambear. Tremi dos pés a cabeça, sendo arrastada com força para
aquele paraíso incomum em que me colocava toda vez que um orgasmo se
estabelecia.
— Oh... — ofeguei, ainda mais suada do que antes. Não ousava sair
daquela posição porque nem saberia como começar a me recompor. — Jean...
Ele segurou as minhas nádegas com as palmas, separando-as para logo
depois largá-las de vez. Por fim, o gênio me puxou com certo cuidado, até
que ficamos frente a frente, ambos de joelhos sobre a cama.
Eu não queria vê-lo porque estava desconcertada. Precisava pensar a
respeito do que acabara de acontecer. Estava arrasada, mas não em um
sentido ruim, e aquilo era uma novidade tão grande que eu mal conseguia
respirar.
— Jean... — segurei seus ombros para mantê-lo afastado, já que
percebi que estava prestes a me beijar novamente. — E-Eu...
— Eu sei — ele murmurou como se sofresse. O seu timbre saiu tão
dolorido que doeu até em mim. Não pude deixar de encará-lo. O gênio estava
despenteado, suado e avermelhado, com uma expressão que mesclava
desespero e vontade. — A magia já se foi. — Segurou os meus ombros com
força, depois amansou o toque, controlando-se. — É melhor eu partir agora.
— Não! — agarrei seu rosto desesperadamente. — Não, não vá. Fique.
Ele engoliu em seco, olhando-me de um jeito vidrado.
— Sabine, eu não aguento mais. Deixe-me ir. Pelo seu bem.
Vi quando ele engoliu em seco novamente e comecei a entender o
motivo de parecer tão alucinado. Eu já havia me aliviado duas vezes, de uma
maneira muito intensa, mas ele não havia recebido nada em troca. Sendo
assim, olhei para baixo brevemente antes de descer uma mão na direção de
seu órgão. Precisei reunir muita coragem para fingir que sabia o que estava
fazendo.
Jean se afastou em um movimento assustado, segurando o meu pulso.
— Deixe que eu faça isso — pedi baixinho, quase como se fosse um
segredo. — Por favor. Quero que exploda também.
Ele balançou a cabeça em negativa, parecendo ainda mais desesperado.
— A magia... foi embora — umedeceu os lábios com a língua, ainda
bastante ofegante. — Não posso...
Fiz uma expressão mais séria e, decidida, voltei a tocá-lo naquela
região que eu ainda considerava esquisita. Daquela vez o gênio compreendeu
que não se tratava mais de magia ou do meu pedido, mas da sua necessidade
de ter um êxtase e do meu desejo de agradá-lo em retorno.
De conhecer o seu corpo tanto quanto ele acabara de conhecer o meu.
— Não importa — falei, convicta, enquanto ainda o tocava por cima do
tecido, embora não soubesse como. Envolvi a mão em sua grossura e lá
permaneci, sem saber o que fazer, mas disposta a aprender. — Essa magia
não importa. Agora somos só nós dois e nada nos impedirá.
— Sabine... — ele arquejou e finalmente soltou o meu pulso, agarrando
os meus cabelos para me puxar para si com certa sofreguidão. — Tem
certeza? Eu não estou conseguindo negar... Sequer consigo pensar. Ajude-me
a fazer o que é certo.
— Não há a menor dúvida, Jean. Vou ajudá-lo a agir corretamente, que
é atingindo o êxtase e ficando comigo até o fim — sussurrei, já entre seus
lábios, pronta para prosseguir. Lentamente, concluí, passando a língua sobre
a sua boca deliciosa: — Também quero cumprir a minha promessa.
O gênio soltou uma espécie de rosnado e finalmente segurou a minha
mão por cima do seu órgão, fazendo-a se movimentar do jeito que o
agradava: subindo, descendo, subindo e descendo rapidamente, seguindo o
balançar de seu quadril.
Eu estava pronta para aprender tudo com ele, a conhecê-lo e a trazer
muito prazer para que se regozije ao estar em minha companhia. Mesmo que
Jean pensasse que aquela atitude fosse irresponsável, não era desta forma que
eu considerava, muito pelo contrário. Se havíamos começado, precisávamos
terminar. E um momento como aquele não podia ter fim enquanto um de nós
estivesse sedento.
CAPÍTULO 23
Preferi fingir que não estava vendo a cena que se desenrolava diante
da plateia barulhenta e admirada com os feitos dos dois finalistas do torneio
de pontaria. De um lado o Príncipe Leopoldo, com o nariz empinado e o
porte galante costumeiro, era capaz de acertar cada flecha onde bem quisesse,
não importando a distância ou a dificuldade. Do outro, o Príncipe Dionísio
visivelmente não sabia o que estava fazendo, mas ainda assim acertava as
flechas por causa da magia do gênio.
Eu estava sobre o palanque, trajando um vestido simples de verão por
causa de mais um dia de calor intenso e porque a Naná estava ocupada
demais com os preparativos do noivado, bem como a maioria dos serviçais,
portanto precisei me vestir sem quase nenhuma ajuda. Ao meu lado havia
uma cadeira vazia que deveria ser da Sarah, porém soube mais tarde que ela
estava recolhida e assim permaneceria, recebendo cuidados de beleza e
descansando para a grande noite.
Eu queria muito ter o prazer de passar o dia inteiro em meus
aposentos também, longe de responsabilidades e curiosidade alheia.
Encontrava-me tão entristecida que às vezes sentia a pele doer ao encontro do
tecido florido. Não existia qualquer ânimo em mim, por isso nem mesmo
quando uma flecha seguia a direção perfeita até o centro do alvo eu não me
sentia capaz de demonstrar empolgação.
Estava cansada de concluir mais uma noite, que deveria ser prazerosa
e agradável, aos prantos. Também sentia certa culpa e arrependimento, em
parte, não totalmente, por ter feito aquele pedido. Encontrava-me arrasada em
tantos sentidos que sequer conseguia olhar o Jean de longe, assistindo ao
torneio na companhia dos outros príncipes e jogando a sua magia sobre o
Dionísio sempre que chegava a vez dele de atirar. Pelo que percebi, apenas eu
era capaz de visualizar o brilho colorido que envolvia o arco e a flecha que
carregava.
Mais uma vez do Leopoldo chegou e, desatenta e entediada,
acompanhei quando este se posicionou com certo ar de arrogância diante do
ponto estipulado para aquela fase. Soltei um longo e profundo suspiro de
irritação, contudo, algo novo aconteceu; o brilho da magia do Jean envolveu
o príncipe e, pela primeira vez desde o princípio do torneio, Leopoldo errou a
mira. A flecha voou para tão longe que a plateia fez um “ooh...” em uníssono,
surpresa com o resultado. Certamente fiquei ainda mais estarrecida do que os
outros, pois não imaginava que o gênio fosse não somente ajudar o Dionísio,
como também atrapalhar o Leopoldo.
— Príncipe Dionísio é o vencedor do torneio de pontaria! —
Cristóvão gritou, correndo na direção do campo para erguer o braço do
vencedor. A plateia explodiu em assobios e aplausos acalorados e o nome do
Dionísio foi repetido dezenas de vezes.
Todos pareceram alheios ao semblante fechado do Leopoldo, que se
manteve no mesmo lugar, olhando para o próprio arco como se não
acreditasse no que acabara de acontecer. O meu pai desceu do palanque para
entregar o prêmio ao Dionísio; tratava-se de um cálice cravejado com
diamantes e pedras preciosas de variadas cores. Em meio a mais aplausos, o
Príncipe ergueu aquele troféu com um sorriso genuíno no rosto, parecendo
verdadeiramente emocionado por ter ganhado um torneio, talvez o primeiro e
único de toda sua vida.
As pessoas fizeram um círculo desordenado ao redor do Dionísio para
lhe parabenizar pelo grande feito. Percebi que o Leopoldo permaneceu
imóvel, quieto e bastante esquisito, o que me fez sentir compaixão. Não
considerei justa a atitude do gênio, mas o que estava esperando, afinal? Em
algum momento Leopoldo erraria, nem que fosse por alguns centímetros,
enquanto o Dionísio sempre acertaria porque a magia era uma força que
jamais cometia falhas.
Enfim, percebi o quanto a situação inteira havia sido injusta. Eu não
deveria ter permitido que o Jean ajudasse o Dionísio desde o princípio, até
porque aquele torneio pouco me interessava, de um modo geral.
Caminhei entre as pessoas e atravessei parte do campo até ser possível
encontrá-lo. Ao perceber minha aproximação, ele finalmente saiu daquela
espécie de transe e me encarou por breves instantes, para logo em seguida
desviar o rosto, parecendo constrangido e muito, muito irritado. Percebi que a
minha presença não era bem-vinda naquele momento.
— Eu sinto muito — falei baixo, sem saber direito o que dizer. Nunca
imaginei que um dia eu sentiria tanta compaixão por aquele príncipe, mas era
o que estava acontecendo e eu realmente sentia muito por tudo. — Você foi
um ótimo combatente, fiquei admirada com...
— Já chega, Sabine — ele me interrompeu prontamente, encarando-
me como se soubesse que a culpa daquilo tudo era minha. O seu olhar
azulado havia perdido o costumeiro brilho. — O que pretendia ao vir aqui?
Humilhar-me ainda mais?
— De modo algum, eu...
— Não basta ter me humilhado me deixando sozinho no salão de
descanso? — resmungou de uma maneira enraivecida, então percebi que eu
havia me esquecido completamente de que havia marcado um encontro com
ele. — Não sei qual foi o objetivo dessa armadilha tola, mas aviso de
antemão que não farei parte disto.
Ele jogou o arco no chão e começou a se afastar, porém segurei a sua
mão por um breve instante, impedindo-o de ir. Ao perceber que aquele gesto
poderia ser visto por outra pessoa, que certamente o interpretaria errado,
larguei-o depressa. O Príncipe parou para me olhar, mas ainda exalava
decepção.
— E-Eu... — Precisava encontrar algum argumento com urgência, do
contrário perderia mais um pretendente em menos de vinte e quatro horas, o
que não poderia significar algo bom. — Não foi uma armadilha, eu juro.
Acontece que... Que não consegui despistar os guardas. Encontrá-lo se tornou
uma tarefa arriscada.
Conforme eu me explicava, o Príncipe soltava o ar dos pulmões e
tirava o peso dos ombros, parecendo mais aliviado e menos chateado. Ele
passou as mãos pelos cabelos escuros, olhando para além de mim, certamente
conferindo se alguém nos observava. Tentei não me sentir ainda mais culpada
por ter mentido, mas falhei e acabei ficando duplamente arrasada. De repente
tive a angustiante sensação de estar vivendo uma vida que não era a minha.
— Durante o baile de hoje todos estarão bastante ocupados — o
Príncipe falou, por fim, fixando o seu olhar no meu. — Encontre-me no
mesmo salão logo após a dança dos noivos.
— Leopoldo... Eu... — prendi os lábios, nervosa com a possibilidade
de marcar um novo encontro. Não podia seguir adiante com a ideia de
experimentar. Ou podia? Se fossem apenas alguns beijos... O próprio
Príncipe Augusto havia mencionado que um simples beijo era inofensivo. —
Não sei se é uma ideia apropriada.
— Quer desistir do encontro? — ele me olhou com desconfiança. —
Sabine, eu gostaria muito que não brincasse com os meus sentimentos.
— Não estou brin... — precisei interromper minha própria fala
quando o que ele disse começou a fazer sentido. Entreabri a boca, surpresa,
enquanto Leopoldo me observava de uma maneira esquisita. — Sentimentos?
Quais sentimentos? — Pisquei incontáveis vezes na sua direção.
Ele desviou o olhar mais uma vez.
— Eu não estaria aqui caso não nutrisse sentimentos pela senhorita —
admitiu, por fim, e o seu rosto começou a avermelhar gradativamente, até que
a vergonha completa o atingiu. Continuei chocada com aquela informação.
Não imaginei que aquele homem fosse tão suscetível às emoções, pois
sempre demonstrou possuir mais praticidade e objetividade. — Não me
colocaria nesta competição implacável e exaustiva para chamar a sua mínima
atenção.
Sempre achei que aquelas disputas fossem encabeçadas pelo próprio
Leopoldo, que gostava de se exibir sempre que ganhava uma oportunidade.
Entretanto, era o terceiro Príncipe que mencionava a hostilidade da
competição pelo meu apreço, fazendo-me entender que as coisas não eram
como eu imaginava. Eles estavam levando aquilo muito mais a sério e eu não
me sentia no mesmo clima. Talvez não tivesse entendido a importância do
processo porque, no fundo, ainda não havia parado para refletir a respeito do
que cada atitude implicava.
— Então o senhor... — engoli em seco — possui um afeto especial
por mim?
Leopoldo me encarou fixamente, de forma que a minha respiração foi
tragada pela beleza de seus olhos.
— Mas é claro, princesa. E não é novidade que desejo desposá-la.
Estava prestes a solicitar o cortejo quando esses... — apontou para frente —
príncipes chegaram.
— Mesmo? — Eu não conseguia sentir nada diferente do mais
profundo choque. Enquanto me preocupava em estar nos braços do gênio,
alguém que claramente não nutria qualquer sentimento por mim, ignorava
completamente o fato de o Leopoldo estar me considerando apta para ser o
seu verdadeiro amor. — Eu não sabia, até porque somos muito diferentes em
pensamento. Por que nunca me contou?
— Porque... — suspirou veementemente. — Não estou acostumado a
falar sobre essas coisas. A senhorita está me vendo em uma situação
vulnerável, pois aquele arco resolveu me trair quando mais precisei —
apontou para o objeto que jazia sobre a grama e então estreitou os olhos. —
Creio que é a sua dama de companhia que está se aproximando.
— Combinado — falei no impulso, antes de sermos interrompidos.
O Príncipe me olhou com surpresa.
— Refere-se ao encontro?
— Sim — afirmei a tempo de Madame Naná inventar uma desculpa
educada e insignificante para me tirar de perto do Leopoldo, já que era
inadequado que estivéssemos conversando sozinhos, em um local afastado
dos demais.
Ainda consegui visualizar o imenso sorriso que se abriu em seu rosto
belo, antes de me virar de costas e perceber que eu não fazia ideia do que
sentir a respeito da situação. Encontrava-me triste, era um fato que não havia
mudado nem mesmo ao saber dos sentimentos de Leopoldo. Também não
estava exatamente empolgada com a ideia de beijá-lo, por mais que me
sentisse atraída pela sua beleza.
Por outro lado, o meu tempo estava acabando e eu deveria ao menos
saber se suportaria beijar o meu futuro esposo, caso o escolhesse.
Fui empurrada para frente com tanta força que não compreendi de que
maneira consegui permanecer de pé. Mal tive tempo de me recompor e a
Sarah me puxou pelos cabelos como se eu fosse um pedaço de algo
insignificante. A raiva que senti naquele instante finalmente sobressaiu o
medo e o espanto, então consegui empurrá-la para longe de mim. O seu corpo
caiu sem cuidado sobre uma poltrona, que virou para trás com o forte
impacto, deixando-a com as pernas para cima, à mostra de um jeito
desconcertante.
Eu me aproximei enquanto ela tentava se levantar de uma posição
vergonhosa, sem sucesso. Não tenho orgulho de dizer que gostei de vê-la
daquele jeito tão vulnerável e praguejando alto, xingando a mim de um jeito
tão nojento que não ousava repetir. Imaginei que ser odiada pela Rainha
Alexandra, ao longo da vida, me foi uma dádiva. Eu não queria ter recebido
aquela mesma educação terrível que ela ofereceu à filha mimada, oportunista
e sem caráter. Era uma pena que alguém tão jovem fosse tão estragada. E era
uma pena que, apesar de tudo, ela ainda fosse a minha irmã, filha legítima do
meu pai.
— Espero que você tenha oportunidades para ser uma pessoa mais
agradável — eu disse com firmeza, tentando não deixar que os seus
xingamentos me afetassem. Sabia que mais tarte choraria por causa deles,
mas faria o que fosse preciso para que a minha irmã jamais soubesse disso.
— Sentirei a sua falta.
Eu não sabia se a última frase era verdade, porém não me julgaria por
soar falsa com alguém que não me oferecera nada diferente. Nós tínhamos
uma vida de brincadeiras e cumplicidade juntas, isso é um fato, e passamos
vários momentos agradáveis. Entretanto, compreender que tudo havia sido
uma mentira faria com que eu me consolasse com a sua ausência. Não
gostaria de ter mais ninguém ao meu redor me causando mal. Nunca mais me
permitia vivenciar este tipo de martírio.
— Vá para o inferno! — Sarah gritou a plenos pulmões, conseguindo
se levantar apenas para voltar a me atacar.
Não sabia onde o Jean estava; se presenciava aquela briga horrível ou
se havia me dado privacidade, o que eu duvidava, mas não tive tempo para
conferir. Sarah me empurrou na direção de um dos móveis repletos de livros
e, sinceramente, aquilo doeu muito. Alguns exemplares caíram por sobre o
meu corpo. Assustada, projetei o meu corpo para frente e perdi o equilíbrio,
caindo ajoelhada na tapeçaria.
Sarah estava tão fora de si que encontrou, sobre a mesa no canto
esquerdo, um removedor de selos metálico e longo, de aparência afiada.
Empunhou-o como se fosse uma arma, sem sequer hesitar. Fiquei
desesperada imediatamente e me ergui depressa, correndo até a saída da sala.
Eu não esperaria nem um segundo para saber o que ela pretendia com aquilo
e se teria coragem de me atingir.
Estava bastante claro que preferia me ver morta.
— Desprezível! — ela gritou enquanto eu escapava para o corredor.
Achei que não fosse me seguir, mas percebi que me enganei quando olhei
para trás, e acabei acelerando o passo na direção de uma varanda próxima. —
Eu vou matá-la, Sabine!
Nunca imaginei que viveria para sentir medo real de que a Sarah,
minha irmã mais nova, a pessoa que tentei ensinar a ler, sem sucesso, e a
quem tentei ensinar a tocar harpa, igualmente sem sucesso, fosse me matar.
Soltei um berro angustiado quando alcancei a varanda e percebi que havia
sido uma ideia muito estúpida. Eu não tinha mais para onde fugir e me
perguntava para quê tantos guardas se nenhum deles aparecia quando eu mais
precisava.
— Pare, Sarah! — virei-me na direção dela, com a retaguarda apoiada
no parapeito. Ergui as mãos em sua direção. — Você ficou louca?
Ela abriu a boca para me responder, mas não chegou a falar
absolutamente nada porque uma mão enorme segurou a dela e em poucos
segundos conseguiu puxar para si o removedor de selos. Era o Príncipe
Augusto, em companhia de mais dois guardas, que se aproximaram de nós,
exasperados, com pura confusão estampada em seus semblantes.
Depois vi quando o Jean invadiu a varanda e me tomou em seus
braços sem nem mesmo hesitar. Eu me deixei amolecer com bastante
facilidade, o coração ainda acelerado pelo susto.
— O que está havendo aqui? — o imbecil do Augusto questionou.
Sarah parecia tão recomposta que nem dava para acreditar que era a mesma
pessoa que estava me perseguindo para me matar.
— Essa bastarda me provocou até que eu chegasse a um limite — ela
apontou para mim e não pude controlar a expressão terrível que lhe ofereci. A
sua falsidade chegava a ser doentia. — Quase me fez cometer uma loucura!
— A culpa é minha pela sua má índole? — berrei, morrendo de raiva,
e tentei me desvencilhar do Jean para atacá-la, porque não suportei olhá-la e
perceber tanto cinismo em uma só pessoa. No entanto, o gênio me segurou
com bastante força.
— Viu só? Ela não passa de um animal selvagem! — Sarah apontou
em minha direção. — Está descontrolada!
Fiquei tão irritada por vê-la aparentemente sã, com os cabelos tão
bonitos quanto sempre foram, jogando a culpa em mim como se entre nós
duas eu que fosse a pessoa ruim, que soltei um grito feroz.
— Eu espero nunca mais ter o desprazer de vê-la novamente —
resmunguei, mas logo em seguida não consegui manter o tom ameno: —
Você e esse seu esposo falso, saiam da minha vida. SAIAM DA MINHA
VIDA!
Sarah soltou uma risada delicada, quase como se fosse um anjo.
Muito diferente das gargalhas insanas que soltou dentro da sala de reuniões.
Mal pude acreditar em tanto cinismo, em tanto fingimento. Augusto, embora
desconfiado, certamente não fazia ideia de quem aquela garota era. Ou sabia
perfeitamente e mancomunava com tudo.
Eu não duvidava de mais nada.
— Com muito prazer, querida — ela disse com desdém e deu de
ombros, certamente se fazendo de vítima, depois virou as costas e deixou a
varanda sem dizer mais nada.
Acompanhei enquanto ela se afastava. Por mais que tentasse, não
conseguia me livrar da raiva que me fez sentir, porém não pude deixar de
suspirar aliviada quando todo e qualquer resquício de sua presença
desapareceu. Augusto continuou encarando a mim e ao Jean. Esperei que
falasse alguma coisa porque não encontrava forças nem para me mexer. Eu
não tinha nenhum assunto com ele, nem mesmo gostaria de olhar para a sua
cara, por isso me mantive quieta, observando o horizonte da varanda.
— Preciso conversar com a senhorita a sós — a voz de Augusto
preencheu o ambiente e eu me encolhi nos braços de Jean.
Percebi quando Augusto acenou para os guardas e eles deixaram a
varanda, mantendo-se a postos na entrada, certamente para o caso de
acontecer mais uma confusão. O gênio começou a se afastar do nosso abraço,
mas o mantive preso a mim como se fosse a base que me mantinha inteira.
— Pode falar o que quiser na frente do Jean — avisei, a voz saindo
dura, fria como o mais rigoroso inverno de Herlain. — Não ficarei a sós com
o senhor.
— Vejo que fez a sua escolha.
Finalmente o encarei. Príncipe Augusto parecia cansado, bem como
todos os homens daquele castelo, mas não me afetava em nada. O fato de ter
se casado com a Sarah já dizia tudo sobre ele: aproveitador.
— Vejo que o senhor também fez a sua — retruquei, impaciente.
— Sabine, eu não tinha muitas esperanças de encontrá-la, ao menos
não com vida. Não havia o menor sinal de seu paradeiro e...
— E então decidiu se casar com a minha irmã, a pessoa que o senhor,
recentemente, pediu-me ajuda para maquinar uma armadilha. Tudo isto para
ficar com o controle de Herlain, aproveitando-se da fragilidade do Rei.
— Não foi desta forma — Augusto começou, mas eu o interrompi
prontamente:
— Poupe-me de seu cinismo. Já cheguei ao meu limite por hoje.
Jean me abraçou com um pouco mais de força, talvez como um
pedido para que eu mantivesse a calma, para que não me alterasse
indevidamente. De qualquer maneira eu me senti mais confiante e tranquila
para encarar aquela conversa insuportável.
— Herlain estava com muitos problemas burocráticos e a ausência do
Rei começou a prejudicar toda a estrutura do reino — Augusto prosseguiu.
Eu queria não ter que olhá-lo, mas me forcei a escutar tudo sem desviar o
rosto de sua figura elegante. — O Conselho Real exigiu um posicionamento
imediato. Com o seu sumiço, a esperança de Herlain era a de que Sarah e eu
adiantássemos a cerimônia. Não tive escolha.
— Claro que teve. Sempre há uma escolha — resmunguei.
— A senhorita pode jamais acreditar em mim, mas esta é a verdade
— ele deu de ombros, relaxando-os para demonstrar a exaustão. — Eu não
quis grandes comemorações e foi uma cerimônia simples, apenas com um
padre e a Rainha.
— Não importa — balancei a cabeça em negativa. Inspirei
profundamente e voltei ao porte rígido e que impunha respeito. Jean até se
afastou um pouco, percebendo que de repente me sentia pronta para encarar a
situação. — Não quero ter qualquer conhecimento de suas intenções. Suas
verdades ou mentiras são indiferentes para mim. Não mudarão o fato de que
quero o senhor longe de Herlain, e como esposo de minha irmã, deverá levá-
la consigo.
— Sou um homem honrado e que cumpre com a própria palavra —
Príncipe Augusto também endireitou a postura, tornando-se o mesmo homem
altivo que chegou ao reino. Tive sérias vontades de desdenhar de sua frase
eloquente, mas me contive porque sabia que não adiantaria perder tempo com
tolices. — Nada faltará a sua irmã. Serei um bom companheiro e certamente
teremos herdeiros que poderão dar suporte a ambas as terras. Herlain não será
esquecida e, como familiar, faremos visitas anuais, como exige a boa
etiqueta.
Estava prestes a dizer que gostaria muito que a boa etiqueta
simplesmente explodisse, mas a raiva acumulada não me levaria a lugar
algum, por isso apenas assenti. Até porque eu não podia impossibilitar o meu
pai de ver a própria filha. Aquela era uma conjuntura aceitável para o destino
de minha irmã e do Príncipe Augusto.
— Pois bem. Cumpra com a sua palavra — defini como se estivesse
lhe oferecendo uma ordem.
Augusto assentiu devagar. Observou a mim, depois ao Jean. Achei
que fosse tecer algum comentário, que certamente seria impertinente, mas
permaneceu mudo. Gesticulou uma pequena reverência e deixou a varanda
sem olhar para trás. Eu só esperava vê-lo de novo quando a minha raiva
tivesse desaparecido, o que de fato demoraria algum tempo.
Puxei o Jean na minha direção, sem me importar de estar sendo vista.
Eu não sentia que havia mais nada a esconder. Afinal, não existia mais
ninguém que apontasse o dedo e me julgasse sem nenhuma consideração.
Beijei-o com tanta vontade que o meu fôlego foi tragado em poucos
segundos. Infelizmente, precisei me afastar para respirar, do contrário
sucumbiria em seus braços.
— Encontre-me em meus aposentos — murmurei.
O gênio umedeceu os lábios, mantendo as nossas testas unidas. Suas
mãos estavam emoldurando, respeitosamente, a minha cintura.
— Não tenha pressa para se ver livre de mim.
Empurrei-o de leve, na tentativa de encarar os seus olhos.
— Não é pressa, é necessidade. Não suporto mais levar essa situação
desta forma...
— Sabine... Posso saber qual será o seu último desejo?
Balancei a cabeça em negativa. Se eu dissesse, Jean com certeza
levantaria vários argumentos para me fazer desistir. E eu não desistiria.
— Eu não sei se estou pronto para te deixar, eu... — ele suspirou de
uma forma prolongada. — Não sei se um dia estarei. Eu a amo com todas as
minhas forças. Mesmo sabendo que é o certo a ser feito, não posso evitar me
sentir destroçado. Perdoe-me a sinceridade, mas... — Jean parou de se
expressar e eu continuei o encarando, surpresa porque ele nunca havia sido
tão claro e sincero ao confessar o que de fato sentia. — Foi doloroso te ouvir
escolhendo o Dionísio. Ele é um bom rapaz, e se mostrou um homem
honrado, mas... Eu não sei, não deveria tocar neste assunto. Perdoe-me.
Perdoe-me por ser tão egoísta.
Uma lágrima sorrateira escorreu pelo meu rosto, mas ele a beijou,
tomando-a entre os seus lábios. Depois, compartilhou comigo, brevemente, o
salgado sabor da sublimidade.
— Não suporto te ver sofrer, Jean — murmurei na sua boca, sentindo-
me afundar em uma dor terrível. — E é por não suportar que darei um fim
nisto.
— Sabine, o que vai pedir?
Balancei a cabeça.
— Não. Agora, não. Encontre-me em meus aposentos daqui a pouco.
Demorei alguns segundos para criar forças e finalmente deixá-lo na
varanda. Jean não insistiu mais e eu agradeci por isso. Antes de nossa
dolorosa despedida, ainda precisava resolver uma última questão: Naná.
Precisava reencontrá-la, abraçá-la e livrá-la do trabalho na cozinha. Para dizer
a verdade, pretendia liberá-la de qualquer serviço pesado e nomeá-la a minha
conselheira oficial, cargo que acabara de inventar e que só lhe traria regalias,
nada além.
Eu já não sentia mais nenhuma decepção com relação a ela. Se não
fosse a Naná certamente eu teria enlouquecido. E, se ela precisou omitir a
existência da minha mãe, não foi para me provocar nenhum mal. Eu a amava
muito e sabia que era recíproco. No final das contas, se havia uma figura
materna para admirar e respeitar, esta figura era a da minha antiga dama de
companhia.
E eu viveria a minha vida inteira para agradecê-la por tudo.
CAPÍTULO 40
Tão logo abri a porta do meu aposento, sem saber se estava pronta para
resolver o último item de minha lista interna, fui tragada para o mundo
mágico. Encontrei o Jean de pé no meio do jardim que havíamos construído,
trajando suas vestes de gênio e sorrindo com suavidade. O leito em que tantas
vezes fizemos amor estava da mesma forma como o deixamos, entre as flores
coloridas e sendo iluminado pelos raios solares. A emoção que me tocou
diante de tanta beleza fez com que os meus olhos marejassem.
Eu precisava ter coragem.
Aproximei-me sem nada dizer, caminhando com uma lentidão que
significava que eu ainda não queria abrir mão de tudo aquilo. Da magia. E,
principalmente, dele. Mas a realidade precisava ser vivenciada e mascará-la
seria inútil. Demorei a entender o que de fato significavam as
responsabilidades e qual era o sentido de minha existência. Eu precisava de
muita gente e muita gente precisava de mim. Inclusive o amor da minha vida,
que sorria mais amplamente a cada passo que eu dava.
— Nenhuma magia seria capaz de reproduzir ser tão belo... — ele
murmurou, mas consegui escutá-lo com perfeição. Parei à sua frente e ele não
hesitou em juntar as nossas testas. Não queria que aquele momento tivesse
gosto de saudade, mas já podia senti-la entre os meus lábios e no meu
coração. — Tão iluminado... Tão incrivelmente especial. Jamais a esquecerei,
Sabine.
— Pare de falar essas coisas... Não quero me despedir.
— Eu irei até os confins do Universo para tê-la de volta — ele disse,
enfim, com tanta convicção que as lágrimas não derramadas finalmente
ganharam liberdade. — Não importa o que deseje, não importa o que
aconteça, eu retornarei. Voltarei para os braços do meu verdadeiro amor.
Eu não esperava por aquilo. Dentro de todo o meu planejamento, não
podia imaginar que o Jean fosse pronunciar tais palavras. Achei que seria
definitivo, que não nos veríamos mais ou... Eu não sabia o que pensar porque
não tinha conhecimento do que... Talvez eu não tivesse raciocinado direito.
Havia uma chance. Eu estava tão conectada com um fim drástico que
simplesmente ignorei a possibilidade de não precisar perdê-lo.
Sim, havia uma chance.
— Então eu o esperarei até o fim de meus dias — murmurei, sabendo
que era a mais pura verdade. A partir do momento em que ele expôs o seu
sentimento com relação a um iminente fim, percebi que havia sido tolice
fazer qualquer escolha diferente. — Porque confio em nosso amor.
— Isso é tão egoísta... Eu não quero que espere, porque não sei quanto
tempo levará, mas por outro lado quero — murmurou perto de meu ouvido.
— Prometa que viverá intensamente em minha ausência, Sabine. Não se
preocupe comigo.
Soltei um riso um pouco desdenhoso. Era óbvio que eu iria me
preocupar e que sofreria, mas... Ele não sabia qual seria o meu desejo e talvez
não precisássemos esperar tempo algum. Com muita sorte, seria como um
passe de mágica.
— Chega de conversas... — agarrei o seu pescoço usando ambas as
mãos e, num impulso, circulei as pernas ao seu redor. O vestido atrapalhou o
processo e tratei de trocá-lo por uma das peças carregadas de luxúria que eu
costumava vestir ali. Aquela era composta por um tecido fino, um tanto
transparente e dourado, deixando boa parte de meu corpo à mostra. — Quero
você agora.
Jean me levou, enquanto me beijava, em direção ao leito. O desejo de
tê-lo em mim poderia ser palpável de tão intenso que se manifestava.
Depositou-me sobre o conforto da cama com bastante cuidado e se colocou
sobre mim em seguida, não deixando de me beijar nem por um instante.
O gênio retirou as minhas vestes devagar, como se quisesse estacionar
o decorrer do tempo, e fiz o mesmo com igual paciência. Cada gesto nosso
foi preciso, calculado pelo tesão e pelo amor que nutríamos. Um momento
carregado de uma perfeição incomparável. Nada mais foi preciso dizer. Os
nossos gemidos e arquejos falaram por nós enquanto nos amávamos daquele
jeito único, que nos levava a um ápice fantástico.
Senti a sua boca, a sua língua, as suas mãos... Experimentei partes de
seu corpo que eu já reconhecia como se pertencessem a mim. Aproveitei as
suas carícias, os seus beijos e cada instante em que me atiçou para chegar ao
êxtase. E eu me deixei levar como um pequeno grão de areia ao sabor do
vento, sabendo que qualquer lugar para onde me levasse não poderia ser
menos do que extasiante.
Por fim, quando nossos corpos suados e exaustos encontraram o último
alívio, com a certeza de que seria fisicamente impossível prosseguir,
sobraram apenas as respirações ofegantes. Achei que seria mais sofrido
quando chegássemos ao momento derradeiro, mas me enganei, pois não
havia dor em meu peito. O que me restava era a certeza de que aquele estava
longe de ser o nosso fim.
Eu encontrei o objeto entre os lençóis quando desejei que o mundo
mágico desaparecesse. Surgimos, totalmente despidos, sobre a minha cama,
de volta à Herlain. Assim que empunhei a lâmpada o Jean se sentou ao meu
lado, puxando-me para si como se quisesse me impedir de seguir adiante.
— Não tema, Jean. Está tudo bem — murmurei e o beijei novamente.
Ele retribuiu o beijo por tanto tempo que senti vontade de rir. Tornei a
me afastar e me endireitei, nua em pelo, à sua frente. Chegara a hora.
— Tem certeza? — Jean murmurou a pergunta.
Assenti.
— Assim como tenho certeza de que o amo.
— Lembre-se de tudo o que falei.
— Eu me lembrarei.
— Sabine... — o gênio me puxou novamente e trocamos mais um
último beijo. Eu me perguntava qual, de fato, seria o último de verdade até
que eu finalmente fizesse aquele pedido.
De novo, afastei-me de seus braços e me aprumei, segurando a lâmpada
com intensa firmeza. Não queria que nada desse errado, por isso repassei as
exatas palavras que eu proferiria em minha mente diversas vezes.
Suspirei. Ouvi quando o Jean também suspirou. Podia sentir o medo
nos pairando.
— Lâmpada mágica... — enunciei com clareza, usando o meu melhor
tom de voz para não correr o risco de ser mal-interpretada. — Quero que o
maior desejo de alma do gênio Jean seja realizado agora!
Depois que falei, concentrei-me apenas em acompanhar o que
aconteceria. Eu não fazia ideia, só sabia que era o pedido mais correto de
todos os três. Jean me encarava com os olhos arregalados, como se estivesse
diante de uma assombração. Abriu a boca, mas nada falou, e eu também não
sabia o que dizer.
Por um tempo nada aconteceu e eu estava prestes a perguntar se algo
havia se transformado diante do que pedi, mas então uma luz intensa saiu da
lâmpada. Foi tão de repente e absoluta que o susto me fez largá-la sobre o
leito. Aquela luz intensa, capaz de clarear todo o aposento, envolveu o Jean
da cabeça aos pés, fazendo-o flutuar na minha frente como se fosse uma
pena.
O seu corpo grande girou e girou ao sabor da força da magia. O pior era
não saber o que aconteceria porque não fazia a menor ideia de qual seria o
maior desejo de alma do Jean. Não ousei dividir com ele a minha vontade de
fazer esse pedido porque ele tinha um altruísmo aguçado e jamais permitiria
que eu prosseguisse.
Contudo, aquela era uma atitude que eu precisava tomar e, no fundo,
uma forte intuição apontava para a sua liberdade. Jean não aguentava mais
viver na lâmpada e deixava isso claro toda vez que falava sobre ela. Era um
fato. Eu poderia até pedir diretamente a sua liberdade, porém não sabia quais
seriam as consequências em sua existência e achei mais justo desejar o que
ele desejaria se tivesse um gênio para si.
Naquele momento eu fui para ele o que ele tinha sido para mim.
Esperei que a luz desaparecesse, e de fato aconteceu, porém, junto
com a luminosidade tamanha, o corpo do Jean foi sumindo pouco a pouco,
até que nada sobrasse. Enfim, restou-me apenas um enorme silêncio.
— O... que... Jean? — ergui-me, desesperada, começando a procurá-
lo pelo aposento como se ele fosse uma pequena agulha. Voltei a segurar a
lâmpada e até a massageei, na intenção de fazê-lo retornar, mas nada
aconteceu.
Jean sumiu de vez.
Cheguei a essa constatação definitiva uma semana depois, quando já o
havia procurado por toda Herlain, e após acender a lâmpada com todas as
combinações de ervas que a Naná tinha a me oferecer. Nada saiu dela, nem
mesmo uma faísca.
O meu pior pesadelo se tornou real.
EPÍLOGO
O dia da coroação foi uma invenção do meu pai para oficializar o que
já estava acontecendo dentro do castelo de Herlain. Eu já fazia parte ativa da
equipe de conselheiros do Rei Cedric e ele sempre pedia a minha opinião
particular antes de tomar qualquer decisão importante. Fui inteirada de cada
questão do reino, desde as econômicas até as sociais, e com o apoio de papai
consegui modificar algumas leis e regimentos ultrapassados.
Juntos, passamos a governar Herlain e a ilha nunca esteve tão
próspera. Fizemos o possível para nos certificar de que todo o povo tinha
acesso a um trabalho decente e uma mesa farta a cada refeição. Criamos
sistemas que educavam os mais jovens e até me propus a oferecer aulas de
leitura às meninas camponesas, por mais que tivesse sido um pouco julgada
por isso. No entanto, o povo me respeitava tanto que as mudanças acabaram
sendo, em sua maioria, proveitosas.
No fim das contas eu já me sentia uma Rainha; possuía todo o poder e
responsabilidade que o cargo exigia e, para a minha surpresa, descobri que
conseguia dar conta de cada demanda com bastante estudo e tranquilidade.
Debrucei-me em livros e pergaminhos durante as noites insones, troquei
cartas longas com estudiosos da economia e política de todo o mundo,
busquei apoio de cada herlainense, fossem ricos ou pobres. Dei o meu
máximo e naquela noite só colhia um fruto resultado de tanto esforço.
— Eu a declaro... — o meu pai começou a se movimentar, descendo a
coroa enorme, de aparência pesada, na direção da minha cabeça. O salão
principal estava cheio e eu podia visualizar cada rosto, que sorria em alegria.
— Rainha Sabine de Herlain! — Os aplausos ressoaram de forma
ensurdecedora e a sensação que tive foi a de que aquele barulho alcançaria
todas as extremidades do reino.
Soltei uma gargalhada um pouco descontrolada diante da emoção que
me invadiu. O meu pai fez questão de, pessoalmente, modificar algumas
regras para me tornar uma espécie de rainha-filha. Ele não queria que mais
ninguém ocupasse este lugar e o povo concordou em unanimidade que eu
deveria ocupá-lo não apenas de forma representativa, mas de uma maneira
oficial.
Depois que Alexandra partiu com a Sarah e o Augusto, sem sequer se
despedir de mim, deixou claro que nunca mais retornaria às nossas terras,
mesmo que a filha viesse nos visitar anualmente. Abriu mão do título como
se arrancasse um membro de seu corpo, até deixando a coroa e todos os
objetos que passavam de geração em geração em nossa família. Ela não levou
nada além da indignação, segundo o meu pai. Embora ele tivesse me
garantido que fornecia ao Augusto todo o suporte para que nenhuma das duas
passasse por qualquer necessidade, Alexandra sequer tinha conhecimento
deste fato, caso contrário podia negar tais benefícios também.
Achei que o meu pai fosse ficar muito solitário e triste com a ausência
de Alexandra, mas o que vi foi uma mudança incrível em seu humor e na
forma de se comportar. Tornou-se um Rei mais flexível, agradável e
acolhedor. Começou a praticar atividades que antes não praticava, como o
mergulho matinal na praia, e mandou anular um monte de lei sem sentido que
exigia coisas que não o interessavam.
Toda vez que eu perguntava ao Rei se ele desejava conquistar outra
mulher, dizia-me que nunca mais. Que poderia até buscar algum
divertimento, mas que não pretendia se casar. Alegava que o seu coração já
teve dona e ela sempre o seria, portanto só o restava viver intensamente cada
segundo, esperando o dia do juízo final, quando, enfim, juntar-se-ia a ela no
paraíso. As suas palavras com relação a isso me deixavam mais tranquila e
paciente.
Eu precisava esperar com calma. Necessitava ter a certeza em meu
peito, assim como o meu pai. Ele era um exemplo para mim em vários
sentidos, principalmente no quesito resiliência. Com o tempo, foi me
contando detalhes sobre a minha mãe e eu ia me apaixonando gradativamente
por aquela história de amor que, infelizmente, encerrou de uma maneira tão
trágica.
Não queria ter um fim igual, por isso só me restou manter a fé.
— Parabéns, minha filha... — o Rei me puxou para si em um abraço
carinhoso, mais uma atitude sua que foi modificada. Ele estava muito mais
despreocupado em demonstrar os próprios sentimentos, sobretudo em
público. — Tenho certeza que será uma Rainha maravilhosa, como já vem
sendo. Posso morrer em paz, pois Herlain está em boas mãos.
— Obrigada, papai... — Ele se afastou e eu o encarei com os olhos
tomados de emoção. As novas regras estabelecidas garantiam que qualquer
pessoa que ele viesse a desposar, ou que viesse a me desposar, seria
considerada apenas rainha ou rei consorte. Eu estava satisfeita com aquela
decisão porque, apesar de ainda estar preocupada com a questão dos
herdeiros, não precisava ter pressa para me casar.
Enquanto o público ainda aplaudia, tratei de cumprimentar alguns
membros da corte e, entre eles, o Príncipe Dionísio, que estava presente em
Herlain na figura de meu noivo. Nenhum cortejo da história havia durado
tanto, porém eu fazia o que podia para não levantar suspeitas. As pessoas,
inclusive o meu pai, precisavam acalmar os ânimos com relação à chegada de
um herdeiro.
Aquele era o meu novo dever. Procriar. E eu sabia que com o
Dionísio seria impossível, embora ele tivesse dito que poderia fazê-lo caso eu
precisasse muito. Achei aquilo tudo uma loucura enorme, obviamente. De
qualquer forma ele não estava com pressa de partir, pois mantinha um
relacionamento muito fofo com o Efraim e ainda precisava reunir coragem
para retornar às suas terras. Eu o ofereci o tempo que precisasse, enquanto ele
teve a bondade de me oferecer o mesmo.
— Parabéns, Vossa Majestade... — Dionísio murmurou,
reverenciando-me. Eu sabia que nos bastidores nós nos abraçaríamos como
os grandes amigos que nos tornamos. — A senhorita merece este título.
— Obrigada, Dionísio.
Foi quando me virei para cumprimentar mais um membro da corte
que me deparei com uma figura que mais me pareceu proveniente de um
devaneio. Ele estava ali, entre a multidão, aplaudindo-me com um sorriso
imenso estampado em seu rosto perfeito. Pisquei os olhos e até cheguei a
coçá-los, estarrecida com o que via, sem encontrar forças para reagir.
— Aquele não é o... — ouvi o Dionísio dizer e apontar, então
finalmente percebi que eu não era a única que estava diante de uma miragem.
Não pensei duas vezes antes de correr até ele feito uma alucinada.
Quase não acreditei quando me coloquei em seus braços e senti o cheiro do
qual tanto senti saudade. Suas mãos foram parar no meu rosto e juntamos as
nossas testas. Por um segundo quis me livrar daquela porcaria de coroa
pesada, porque não queria que nada nos atrapalhasse.
— Oh... Meu Deus... — ofeguei, já entre lágrimas. Elas escapavam de
meus olhos em alta velocidade, completamente descontroladas.
Percebi que a multidão se calou, embora algumas pessoas ainda
aplaudissem, por isso acabei me afastando um pouco. O meu sorriso se
manteve tão aberto que o meu rosto começou a doer, mas ele também não
estava diferente: ria e chorava.
— Que comece a comemoração! — papai bradou sobre o trono e uma
música divertida começou a ressoar. Diante de uma nova onda de aplausos,
não fui capaz de fazer mais nada além de puxá-lo para longe do salão
principal.
Não me interessava o que qualquer um achava daquela atitude, da
minha primeira como Rainha oficialmente, só precisa de um momento a sós
com aquela criatura que surgira em uma das noites mais memoráveis da
minha vida.
Assim que nos coloquei dentro de uma das saletas adjacentes, a mais
próxima que encontrei, e exigi que os guardas não entrassem, apenas me
assegurassem do lado de fora, fechei a porta atrás de mim e me joguei
naqueles braços que pareciam ainda mais quentes.
— Oh, meu Deus, Jean! — choraminguei, não fazendo o menor
esforço para buscar qualquer controle. — Você me encontrou!
— Eu disse... — ele também estava chorando, tanto que precisou
fazer uma pausa para soluçar. — Disse que te encontraria nos confins do
Universo.
— Oh... — eu me esgueirei e juntei os nossos lábios com vontade.
Estava com tanta saudade daquele beijo, e de tudo o que tivesse a ver com
ele, que parecia uma maluca enquanto o puxava e o agarrava em várias partes
de seu corpo enorme. — Meu Deus... — parei um pouco só para encará-lo.
— É você mesmo.
— Desta vez em carne e osso. Sem qualquer magia — sorriu
amplamente.
Enxuguei as suas lágrimas com os meus dedos, mas me pareceu tarefa
impossível, porque mais se acumulavam e escorriam.
— Mesmo?
— Sim... Eu despertei da maldição em minha terra natal.
— Maldição? — fiz uma careta, porém me sentindo meio aérea.
Ainda não conseguia acreditar naquele reencontro.
— Eu estava amaldiçoado, Sabine, mas não podia falar nada sobre
isso, do contrário as consequências se agravariam — explicou de uma forma
meio apressada, enquanto eu ainda lhe enxugava as lágrimas e chorava
também. — Eu só poderia ser libertado se o meu amo ou ama não tivesse
qualquer conhecimento sobre isso e ainda assim escolhesse me libertar.
Obrigado. Obrigado por me devolver a vida.
Mais tarde eu entenderia que o Jean, na verdade, havia sido humano
durante uma parte de sua existência, mas encontrou uma lâmpada mágica e
agiu de má fé para com ela, encontrando um modo de ludibriá-la para lhe
oferecer mais pedidos. A magia percebeu as suas intenções ruins e o
trancafiou dentro do objeto, fazendo-o saborear a maldição de ter tudo o que
desejar, mas de, ainda assim, ser um prisioneiro e não possuir nada, de fato.
Os longos anos trancafiado significou um processo de amadurecimento que,
enfim, acabou com o meu último desejo.
— Oh, Jean... Sabia que viria! — agarrei-o mais uma vez. — Eu
sabia. Sentia no fundo do meu coração que aquele não tinha sido o nosso fim.
— Perdoe-me a demora — ele juntou nossas testas mais uma vez. —
Precisei encontrar um serviço em um navio comerciante com destino a
Herlain e todo o processo demorou mais do que imaginei. A viagem foi um
tanto turbulenta, senti sérias saudades da magia — ele riu com suavidade.
Ouvir aquele som novamente me fez gargalhar. Por fim, parei e o
encarei.
— E eu senti sérias saudades de você.
— Foi a saudade que me fez suportar cada segundo. Valeu a pena.
— Oh, meu amor...
Nós nos beijamos mais uma vez, porém daquela eu o arrastei na
direção de uma larga e aconchegante poltrona. Derrubei-nos de propósito,
mantendo o seu corpo quente sobre o meu, enquanto o acariciava com gana,
querendo mais contato, mais beijos, mais tudo do que ele pudesse me
oferecer. Eu o queria para sempre, até o fim dos meus dias, não havia a
menor dúvida.
E sabia que o meu maior desejo de alma se realizaria.
— Também senti saudades disto... — murmurei entre seus lábios,
depois soltei um gemido quando ele afundou o rosto em meu pescoço.
— Cuidado, Sabine. Agora sou humano, posso cometer muitos erros e
te frustrar. Nem sei se consigo fazer isso sem... — agarrei o seu membro
firme em cheio, percebendo que já estava engrandecido. — Esqueça, eu sei
fazer isto perfeitamente.
Nós dois rimos.
— E faça o favor de deixar as sementes em mim — sussurrei de uma
forma inconsequente, sem pensar em mais nada. Era uma certeza que vibrava
em meu ser: os herdeiros de Herlain precisavam ser frutos daquele amor.
Jamais conceberia se fosse de outra maneira.
— Como quiser, Vossa Majestade.
FIM
AGRADECIMENTOS