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— Oi. mamãezinha!
— Oi, Jasmin!
Desde que me lembro, é assim que mamãe me chama, por mais
brega que isso seja, meu segundo nome é Jasmin, por causa da princesa da
Disney, do filme Alladdin. Mamãe havia feito uma promessa a uma antiga
amiga de que, se tivesse uma filha, colocaria este nome na criança, então
meu nome é Samantha Jasmin Diaz Manchester.
Mamãe é hispânica, papai é inglês, e eu acho que sou uma mistura
errada deles dois, algo que deu errado, pois, mamãe apesar de doente agora,
muito antes disso é uma mulher linda, com traços fortes e um corpo magro
de dar inveja a qualquer um, ela tem cabelos compridos e escuros, seios
pequenos, é mais baixa que eu, já papai é loiro, alto, olhos azuis claros, —
lindos — e é branco como uma vela, mas ele também não é gordo... Acho
que sou fruto de uma experiência mal resolvida entre eles.
Paro pra pensar um pouco. Eu realmente sou parecida com mamãe,
nós temos bocas parecidas e o mesmo formato do rosto, o que muda é que
ela tem olhos escuros, e eu olhos azuis como os de papai, meu cabelo está
pra um castanho claro com mel, é liso com pontas onduladas, eu os solto
logo que entro em casa, jogo os sapatinhos pra longe e me sento à mesa,
mamãe me serve café e bolo. Ela fica meio fraca às vezes, depois das
sessões de químio, mas sua força de vontade muitas vezes é maior que a
fraqueza. Acho que foi por isso, eu não sai daquele lugar e chutei o balde...
Preciso do convênio médico pra curar a minha mãe.
— Como foi o primeiro dia, meu amor?
Encontrei o Noah, fui humilhada pela vaca da funcionária do
Noah, dei um soco no Noah, e depois fugi do Noah... É, foi um excelente
primeiro dia!
— Foi... bom!
Recordo-me de quando eu era criança, das vezes que ele apanhava
na escola e eu estava lá defendendo ele, aquele merda, covarde, suja calças,
vivia se escondendo dos garotos da escola. O maior absurdo pra mim foi
ver no colegial, Noah andando com os mesmos garotos dos quais eu o
defendi.
— Gostou da empresa?
— Sim... É legal, trouxe até meu uniforme pra arrumar, mãe.
Provo do bolo, mas não tenho fome, não consegui comer nada
durante o dia todo, estava tentando não morrer de raiva e mágoa, mas
enfim, saí daquele lugar, estou longe daquele idiota, e farei o possível pra
me manter bem longe dele.
— Oi, Jas!
Papai entra na cozinha com os cabelos úmidos, ele me da um beijo
doce na cabeça e suspiro aliviada, ele não foi pro Boo! Fico feliz, porque se
eu tivesse que ir buscar ele lá por conta de mais uma bebedeira depois do
meu dia de cão, não sei o que faria.
Ele não dá trabalho, papai não é violento nem abusivo, diria que ele
é calmo até demais, o único problema dele é que ele acha que a vida é um
playground infinito, e quer beber todos os dias pra aliviar as frustrações da
vida dele. Mamãe fala que ele ficou assim depois que perdeu a grande
chance de ser treinador de um time de baseball, há alguns anos, acho que
ele nunca realmente vai superar isso, por que ele é assim desde que eu tinha
uns cinco anos, ou seja, sempre.
— Como foi o primeiro dia?
Uma droga!
— Foi bom — belisco meu bolo —, e na loja?
— Fraco!
Papai é vendedor de carros há algum tempo, ele não consegue fazer
uma venda a mais de seis meses, vive desmotivado, e desde que
descobrimos o câncer da mamãe, ele anda ainda mais depressivo, ninguém
merece...
— Pai, você consegue!
Ele me dá um sorriso amarelo e se senta de frente pra mim e puxa
mamãe para o colo dele. — Em algumas épocas da minha vida, sentia que
não havia amor entre eles, principalmente por conta das bebedeiras dele,
mas hoje percebo que ainda que papai seja lotado de defeitos e o vício pelo
álcool, mamãe nunca deixou de amá-lo, nem ele a ela, o único problema
dele é que não pode ver um copo de "cachaça" na frente! Só! Fora isso ele é
até um bom pai, com todas as dificuldades que passamos e problemas
financeiros, papai ainda foi ou tentou ser um pai presente. Não me recordo
dele ter faltado em nenhuma festinha da escola ou de não ter comparecido
aos meus aniversários na infância, mesmo que o que ele e mamãe me
oferecessem, na maioria das vezes, fosse um trailer numa área matada e
fogueiras nas noites frias. Somos uma verdadeira família, ou tentamos ser.
— O seu aniversário de vinte e sete anos se aproxima, querida,
pensamos em te levar no asilo pra ver o seu avô e fazer um bolo, chamar
suas amigas...
Não tenho amigas... Tem o Tyller, mas ele é gay, não conta!
Contudo, acho que se chamar ele já tá bom.
— Pode ser.
Mamãe sorri pra mim. Os cabelos dela não começaram a cair ainda,
mas ela está pálida como uma vela branca, os olhos fundos... Começamos a
químio há dois meses, o médico disse que ela reage bem ao tratamento, e eu
só espero que até que ela se cure, se mantenha firme e confiante, o câncer é
no pulmão, a maior ironia é que mamãe nunca fumou na vida, mas esta foi a
horrível doença que levou minha avó Fiance, há dez anos.
— Você realmente está bem, querida?
— Sim, só cansada mesmo. — Me lembro de algo. — Ei mãe, me
deixa te perguntar uma coisa, você conheceu alguém chamada Donatela?
Ela faz que sim, bem surpresa.
— Ela é a minha chefe no hotel.
— Sério?
— Sim, ela me disse que foram amigas...
Começo a falar sobre Donatela, características físicas, cor dos
olhos, cabelos, estatura, mamãe e papai me ouvem mais que maravilhados,
logo que termino de falar mamãe sorri toda alegre, e tenho absoluta certeza
que a minha mãe é a Lily, a qual Donatela se referia.
Mal termino de falar e escuto o som da campainha.
— Deve ser ela, combinamos de que ela viria aqui pra
conversarmos.
— Mesmo? — Mamãe dá um pulo e toca o cabelo. — Samuel,
vamos nos arrumar!
— Mas ora que...
— Tenho que estar bem, é uma antiga amiga de escola, vamos
Samuel.
Papai levanta e vai se arrastando, fazendo cara feia e reclamando,
sorrio e arrumo a mesa, tinha deixado meu endereço escrito junto com o
telefone para ela, para o caso dela querer me visitar. Acho que devo
explicações a minha nova chefe, ela merece.
Posso tentar explicar o que aconteceu com Noah, o que ele fez e
como tudo aconteceu.
Deixo os cabelos de lado e vou abrir a porta, arrumo a blusa no
corpo, tento sorrir, por mais que eu não queira ou consiga, depois abro a
porta, e lentamente o meu sorriso começa a se desfazer.
Donatela veio, mas ela não está sozinha... Noah Baltimore está
parado ao lado dela na varanda da minha casa.
TAMANHO
— Donatela?
Mamãe se aproxima da porta toda alegre — acho que não vejo um
sorriso assim em seu rosto há dezenas de milhares de anos. — Os lábios de
Donatela se arreganham num sorriso tão espontâneo quanto surpreso.
— Lily!
Dou espaço para que mamãe passe, ela colocou um vestido
estampado comprido e sandálias, ela não se maquiou, os cabelos ela
prendeu num coque no alto da cabeça, foi improvisado, mas ela está linda,
vejo um brilho intenso no olhar de mamãe e é recíproco no de Donatela,
elas duas se abraçam fervorosamente. Papai se aproxima usando uma de
suas camisas sociais, jeans e sapato, sua reação é de pura incredulidade
quando vê o fantasma Noah parado ao lado das duas mulheres que se
abraçam.
— Oi, senhor M.
Não precisa chamar o meu pai assim, seu retardado, não estamos
mais na quinta série.
— Noah!
Papai sempre gostou de Noah, não sei porquê! Deve ser porque era
um fingido que se fazia de coitado pra todo mundo. Papai o abraça com
tanta familiaridade que me dá nojo, mas não o culpo, somos humildes,
somos assim, eu jamais impediria meus pais de serem diferentes do que são
por causa de ninguém, Noah o abraça dando fortes tapas nas costas de
papai, mas está muito sério. Também nem ligo! Ele acha que porque criou
barba, cortou o cabelo, tirou o aparelho e os óculos e ficou rico, pode
aparecer assim do nada na minha vida?
— Você está linda, querida. — Mamãe fala chorosa, toca a face de
sua amiga de colégio com carinho. — Nem criou rugas!
— Nem você!
Acho que mamãe nunca me falou de suas amigas de colégio, esta é
a primeira que eu vejo que ela parece gostar, e Donatela também chora,
ambas estão muito emocionadas, sorriem, choram, papai eu acho que
também não conhece Donatela, eu diria que essa é a segunda maior
coincidência da minha vida, a primeira claro que aconteceu hoje cedo,
reencontrar o meu “ex-amigo de infância” depois de treze anos sem vê-lo.
— Samuel, essa é Donatela.
— Muito prazer! — Papai estende a mão e aperta a mão de
Donatela. — Foi de você que eu roubei a Lily.
— É! Mais ou menos.
Donatela sorri de ponta a ponta secando os cantos da face, mamãe
segura sua mão e a puxa pra dentro de nossa casa, a vontade que eu tenho
ao ver Noah entrando, é de dar uma voadora na cara dele, sinto ódio
pinicando minhas veias, mas guardo, ele ficou um pouco mais alto que o
meu pai, como eu pensei que seria, acho que 1,87 de altura ou mais.
— Quanto tempo, rapaz... Você ficou até bonito.
Pela primeira vez em anos, eu vejo Noah Baltimore sorrindo, e
apenas esse sorriso, sem aparelho, e dentes branquinhos faz o meu coração
disparar.
Mas também me lembra do sorriso do garoto tímido que eu conheci
em algum momento da minha vida, ele realmente ri da afirmação do meu
pai, abaixa a cabeça, tão confiante de si que se distancia novamente da
lembrança que eu tinha dele, o Noah que eu conheci não era assim.
— Que isso, senhor M!
Idiota, pare de sorrir, você acha que pode aparecer assim na minha
vida depois de treze anos chamando meu pai de senhor M?
— Por favor, sentem-se. Jas, querida, pegue um café pro seu
amiguinho.
Ai, pai! Para de agir assim. Como se ele estando aqui fosse algo
muito bom!
Reviro os olhos, vou para a cozinha espumando de raiva — acho
que dá pra alguém ouvir os meus passos a quilômetros de distância! —,
coloco café em xícaras coloridas que mamãe guarda para as visitas, depois
coloco numa bandeja, mas bem antes de sair enxergo o potinho de sal em
cima da geladeira, sorrio.
— Um pouquinho de sal não mata ninguém!
Nem fantasmas.
Pego o sal, jogo meia colher pequena e misturo no café, depois
retorno pra sala e começo a servir a todos, mamãe não para de falar com
Donatela, elas parecem àquelas pessoas que nunca se veem e quando se
encontram querem colocar o papo em dia, papai e Noah estão sentados no
outro sofá, estendo a xícara para papai, e deixo a última para Noah.
— Obrigado, Jas. — Ele fala com muita naturalidade.
Espere até beber esse café seu infeliz...
— Então, eu vou tomar um banho — explico e lhes dou o meu
melhor sorriso. — Estou fedendo.
— A uniforme! — insinua Noah, e bebe um vasto gole de café.
Ele faz careta e começa a tossir, pisco lentamente vendo-o se
engasgar, fica vermelho de tanto tossir, em meus lábios tem um sorriso
maravilhosamente maldoso, e me afasto indo para as escadas.
— Bem vindo de volta, Noah.
Amigos diferentes
— Bom dia, Sammmmm! — E pula em cima de mim.
Escondo o sorriso ao mesmo tempo em que faço cara feia, Noah me
aperta com força e me dá um beijo afetuoso na bochecha, sei que mamãe
entra no quarto porque alguém abre as cortinas da janela.
— Mãe, por que você deixou ele entrar?
— Não deixei, seu pai foi pegar o jornal e ele entrou.
Isso é tão “Noah”, fingir que está tudo bem... — cara de pau.
— Tá precisando passar lustra móveis na cara dele! — resmungo
cheia de falsidade.
— Vim te buscar pra me ajudar com o meu novo apartamento. —
Alega ele indo para o lado, me olha com um sorriso largo — Peguei as
chaves há pouco.
Não gostaria que o Noah me visse assim, estou de pijama, os
cabelos desarrumados... Imagino que esteja parecendo uma bruxa, me ergo
puxando meus cabelos para o lado, mamãe sorri pra nós dois, imagino que
ela queira justamente isso, que sejamos apenas amigos, mas tão pouco ela
sai do quarto e Noah me empurra na cama e me beija ardentemente.
Safado!
Meus pensamentos saem de órbita, ainda não escovei os dentes,
acabei de acordar com o meu ex-atual-melhor-amigo pulando em cima de
mim e me beijando. Ele usa uma camisa de malha de cor preta e jeans, tênis
e está com o mesmo boné de ontem na cabeça, mas logo Noah está tirando
os tênis, se enfiando embaixo dos meus cobertores e vindo pra cima de
mim. Seu peso é confortável e gostoso.
— Noah...
— Vim te buscar, quero que conheça meu apartamento novo. E, que
tal mais tarde levarmos seus pais pra comer uma massa no centro?
Suspiro. É muito difícil resistir a Noah King, ele é cheio de
iniciativas, é carinhoso e um fofo!
— Como amigos! — completa e me dá um selinho leve. — Vem?
— Tá! — respondo reclamando. — Aff! Não me deixa nem dormir
direito.
— Nem deixarei! Amanhã eu trabalho o dia todo e quase não te
verei. Já liguei pra Donatela, ela irá te encaminhar para o RH pra arrumar
seus documentos. A partir da semana que vem você será minha assistente.
Apressadinho.
— Você vai ficar na minha sala e me ajudar com as ligações e e-
mails, que tal?
Parece muito fácil.
— Pode ser.
— Sobre a faculdade, esperaremos passar as festividades do ano,
em fevereiro você tenta uma bolsa na universidade local.
— Como você é teimoso, Noah.
— Eu só quero que você fique bem, Sam.
Ele sorri, e não sei porque coro!
— Vem ao meu apartamento comigo?
— Eu já disse que sim.
Noah me beija com carinho, me sinto flutuando e me vejo sorrindo,
apertando ele, tocando-lhe os cabelos e as costas. Eu sei que ele quer o meu
bem, que quer me ajudar, apenas não sei se estou pronta pra isso, mas
concluo que Noah faz isso muito mais por ser meu amigo do que por querer
me beneficiar com segundas intenções, ele gosta de mim, disso não duvido.
— Vamos?
Faço que sim com a cabeça e ele se afasta, me levanto e pulo pra
fora da cama, pego uma muda de roupas no armário e vou para o banheiro
me sentindo observada por ele, fico sem graça, porque de repente, Noah
cresceu, agora é adulto, e estamos tendo essa coisa que chamo de
"amizade".
Fecho a porta assim que entro no banheiro e me vejo sorrindo,
tocando meus lábios, tão boba e feliz com seu beijo. Ontem quando Noah
foi embora, fiquei me recordando de cada instante com ele, seus beijos, seus
carinhos, ficamos a tarde toda abraçados na cama fazendo cafuné um no
outro, não sei ser muito carinhosa, mas ele... Ele sabe.
Deixo a preguiça de lado me sentindo mais disposta e vou para o
banho, não me demoro, escovo os dentes e me visto, um jeans comprido e
uma camiseta branca de mangas, calço meu par de botas cano baixo que
deixei num canto aqui do banheiro e logo em seguida penteio meus cabelos,
eu os deixo de lado, passo um pouco do meu perfume, me sinto um pouco
melhor hoje.
A presença de Noah me faz bem.
Noah não sabe o quanto sempre quis que ele voltasse e que ele
estivesse aqui.
Ele sorri logo que saio do banheiro, pego minha bolsa e ele me puxa
me apertando.
— É bom te ter de volta, Noah.
— É bom estar de volta, Bolinhos.
Olhamo-nos por alguns instantes, acabo ficando sem graça e abaixo
o olhar, ele me beija a testa e depois a boca, com carinho. Enlaço-o pelo
pescoço devolvendo o beijo, me sinto novamente flutuando.
— VOCÊS DOIS! — mamãe berra do corredor e me assusto,
empurro Noah pra longe de mim. — NÓS JÁ ESTAMOS PRONTOS!
— Se importa se eles forem?
— Claro que não!
Noah sorri cheio de maldade.
— Ela vai ficar na nossa cola — deduzo, entendendo seu olhar. —
Fique longe, King.
— Ok. — Ele ergue as mãos em redenção.
Sorrio. — Não pensei que mamãe nos daria algum tipo de trégua,
bem, também não me importo muito, não estamos fazendo nada de errado,
contudo, só não quero que ela saiba dos nossos beijos, talvez os outros
amigos não se beijem, mas Noah e eu nos beijamos e não tem nada demais
nisso!
— Vamos no meu carro. — Noah avisa, abrindo a porta para que eu
saia — Comprei na loja de usados, é um modelo bem conservado.
— Bom.
Não consigo imaginar alguém como Noah comprando um carro
velho, não hoje, de qualquer forma, a mãe dele sempre lhe ofereceu uma
vida muito mais confortável do que a que os meus pais me ofereciam, o pai
dele era funcionário do estado, quando morreu deixou uma pensão bem
gorda para ambos, contudo, hoje Noah, sem sombra de dúvidas, deve ter
muito mais dinheiro do que eu posso imaginar.
Não havia parado para pensar, agora ele é rico, tem bastante
dinheiro, é um empresário de sucesso, muito além do que eu sempre achei
que seria.
Descemos em silêncio, mamãe já está pronta, usa um vestido
estampado e sandálias, papai usa uma camisa polo e jeans, sapatos, eu os
vejo e estou me sentindo orgulhosa, boba... — não consigo me imaginar
sem os meus pais, nunca consegui. Por isso, eu não fui pra faculdade, por
isso, eu moro com eles! E agora mais que nunca, eles precisam de mim.
Nunca tivemos muito, mas o que eles sempre me ofereceram me foi
o suficiente. Tive pais presentes em todos os momentos da minha vida.
Mamãe me acompanhou durante todas as reuniões da escola, papai ia às
minhas raras apresentações durante o ensino fundamental, — inclusive, eles
sempre estavam lá quando a mãe do Noah não podia ir — apesar de todos
os defeitos, são excelentes pais, se preocupam comigo sempre.
— Espero que não se importe Noah...
— Tudo bem senhor "M", eu iria chamar vocês! Podemos almoçar
em algum restaurante do centro...
Noah dirige ao mesmo tempo em que conversa com papai, olho
para minha mãe e abaixo a cabeça. Claro que eu estou morrendo de
vergonha do olhar acusador dela! Neste momento, eu sei que ela sabe que
Noah e eu estamos meio que... Burlando o sistema.
— Você ainda é virgem?
— Mãe! — Estou completamente ruborizada.
— Ótimo, espero que continue assim.
Nem respondo, eu tenho certeza de que Noah e eu não passaremos
disso que temos. Guardo o meu coração para o cara certo. Ele perdeu a
chance há muito tempo, e tudo o que temos hoje é uma amizade diferente.
Conforme ele vai falando minha boca vai caindo, não acredito
nisso, não acredito que o Ty ficou com a Dyanna!
— Tentei persuadi-la no elevador, mas ela estava num acesso de
loucura... Então eu a seduzi e transei com ela no elevador.
Tampo a boca engolindo minha incredulidade, Ty está vermelho
feito um pimentão.
— Foi uma rapidinha! — justifica impaciente — Não me olhe
assim, Sam.
— Desculpe, mas é que não acredito que você transou com uma
mulher...
— Foi um momento de loucura, carência... E eu havia bebido muito
depois que você foi dormir, bebi no bar do restaurante do hotel. Eu não sei...
Àquela mulher... Ela tem algo que me deixou louco.
— O que?
— Ela é arrogante e prepotente. Adoro pessoas assim!
— Você está debochando da minha cara, Ty?
— Estou explicando como transei com a noiva do seu melhor
amigo no elevador!
Isso é muito estranho! Conheci o último namorado de Ty, ele era
super bonito e jovem. Nunca imaginei Ty com uma mulher. Simplesmente
não é dele essas coisas, ele é gay... ou era, nunca pensei que ele fosse se
relacionar com Dyanna também... Dyanna!
— Eles terminaram Ty.
— Nossa! — Ty franze a testa super sem graça.
— Não tem nada a ver com você. Eles brigaram e ele terminou com
ela.
— Tem razão, tem a ver com você não é mesmo? — Ele parece
triste.
— Por que está assim?
— Sinto como se eu perdesse algo, foi tão... estranho e bom.
— Não gostava de ter relações com mulheres?
— Já me decepcionei demais com mulheres, Sam.
— Mas gostava?
— São coisas diferentes...
— Mais uma vez Ty, gostava?
Ele suspira infinitamente e depois se rende.
— Sim, gostava.
— Merecia coisa melhor.
— Tem razão, você!
Sorrio e o abraço com força.
— E ai menina, como está sendo com o senhor King?
— Estamos reatando a amizade.
— Se fosse apenas amizade não é mesmo?
Ty me olha com uma cara de malicia.
— Ainda não aconteceu Ty... Nem vai acontecer, Noah e eu
somos... um velho amor de infância, brigamos mais que tudo!
— Mas, você o beijou.
Fico vermelha.
— Como sabe?
— Está nos seus olhos querida. — Ele toca a minha face.
— Sam eu cheguei...
Noah entra em meu quarto segurando uma flor, Ty e eu olhamos em
direção à porta e logo de cara percebo uma fúria intensa tomar a face dele.
Ty se levanta da cama e fica sem jeito, e eu fico paralisada.
— O que ele faz aqui? — Noah pergunta e respira fundo — Não
disse que terminou com ele?
— É. Terminamos! — Ty fala imediatamente — Mas somos
amigos.
— Ela não precisa de mais amigos. — Replica Noah, bastante sério
— Não se aproxime mais dela cara, Sam e eu estamos juntos.
Ty me olha e percebo que está prendendo o riso. Desvio o olhar
para o chão, pois estou morrendo de vergonha! Noah age como quando
tinha doze anos e parecia que ia explodir de raiva, ele sempre fica vermelho
quando o sangue lhe sobe a cabeça, as veias do pescoço latejam e ele fica
trincando o maxilar com força, rangendo os dentes como um cão raivoso.
— Juntos?
— É, estamos namorando, você é surdo?
— Pensei que fossem amigos...
— Somos muito mais que isso, você não tem permissão pra entrar
no quarto da minha mulher assim, Lockwood, entendeu?
Mulher Dele?
— Claro. — Ty concorda e pigarreia — Então, Sam, espero que dê
tudo certo para você. Você merece ser feliz.
— Obrigada, Ty. — Fico vermelha e mal consigo olhar na cara dele.
Tyller se inclina e beija a minha cabeça, escuto a respiração de
Noah mais forte, e logo em seguida Ty sai do meu quarto apressado, antes
de fechar a porta atrás de si, enxergo daqui um sorriso malvado nos lábios
dele.
— Não quero que veja ele. Eu já disse Sam!
Eu o encaro, ele está realmente irritado com a situação.
— Lhe trouxe esta flor. — Ele se aproxima apressado e me estende
a rosa de cor branca, depois se senta ao meu lado e respira fundo. Sei que se
controla... Mas também... Como eu poderia adivinhar que ele viria?
— Ainda gosta dele?
— Já disse que acima de tudo, somos amigos, Noah.
— Não serão mais. — Noah segura a minha mão e entrelaça os
dedos nos meus. — Desculpe, me exaltei! Mas não suporto que ninguém
encoste em você, Sam, ninguém além de mim.
— Não precisa ter ciúmes.
— Eu cuido do que é meu!
— Eu não disse que aceitaria ser sua namorada! Somos amigos!
— Besteira. Somos mais do que isso!
Escondo minha felicidade. Cheiro a rosa, ela é linda e delicada,
Noah me puxa e me beija com cara feia.
— Apenas minha, entendeu? Só minha, minha gordinha!
— Noah...
— Me deixa, Sam, caramba, é apelido carinhoso.
— Já existe um livro com esse nome!
— Então. É. A. Minha. Bolinhos. — A cada palavra, ele me da um
beijo. Sinto-me tão mimada e feliz... Faço bico.
— Bolinhos?
— É. Minha Bolinhos!
— Vou pensar em outro apelido pra você, Noah.
— O que quiser, desde que aceite.
— Aceitar o quê?
— Ser minha namorada.
Abaixo o olhar e suspiro.
— Noah...
— Por favor, só me dá uma chance Sam.
— Ainda é cedo.
— Não quero mais perder tempo, também não posso ficar entrando
e saindo aqui na hora que bem quero, sei que sua mãe já desconfia.
— Ela acha que não devemos ficar juntos, pensa que eu estraguei
seu noivado.
— Converso com ela e seus pais.
— Noah, isso não vai acabar bem!
— Eles precisam entender os meus sentimentos e as minhas
intenções, não quero esse sujeito vindo atrás de você também.
Suspiro.
— Tenho outra saída?
— Não!
Sinto-me contrariada. Que legal... Agora além de amigos, somos
namorados!
NAMORADOS
— Senhor "M"...
Estou tirando a mesa.
Nosso jantar foi silencioso e quieto. Estou morrendo de vergonha
por tudo! Primeiro por ele basicamente ter expulsado o Ty daqui, segundo
por estar morrendo de medo dele começar a falar e querer me pedir em
namoro para os meus pais. Eu sei que ele quer muito isso, mas sei que a
ideia é absurdamente rápida — isso é tão antiquado! — e terceiro: Porque
não sei se devo aceitar.
— Eu quero conversar com o senhor... Acho que já percebeu que eu
gosto muito da Sam.
— Claro rapaz. Sei que vocês ficaram afastados este tempo, mas
também sei que são grandes amigos.
— Eu gostaria que o senhor me permitisse namorar a Sam.
Coloco os pratos na pia e mamãe os lava completamente irritada.
Gostaria que ela não reagisse assim, mas sei que ela, como em todas as
fases da minha vida, só quer me proteger. Ela sabe que eu fiquei arrasada
quando ele foi embora.
Papai fica em silêncio, percebo que as minhas mãos tremem
enquanto guardo as sobras do jantar em vasilhas.
— Noah...
— Somos livres, Sam e eu nos gostamos... Gostaria muito que
respeitassem isso! Ela e eu queremos ficar juntos.
— Samantha não é qualquer uma Noah — mamãe fala com firmeza
— você não pode chegar aqui e fazer este pedido a ela, assim do nada.
— Acho que já perdi muito tempo para que alguém me impeça de
ficar com ela. — Noah responde e me olha — Eu não quero mais ficar
longe dela, de nenhuma forma.
— Sam é adulta e sabe o que faz, não vejo problema nisso. — Papai
fala com um pequeno sorriso — Desde que vocês dois não se magoem, por
mim tudo bem.
— Acho que estão se precipitando! Ainda ontem, Sam estava
namorando Ty. — argumenta mamãe e me olha — Você tem certeza de que
quer isso, Sam?
Eu Não sei.
— Acima de tudo somos amigos. O Noah está falando isso por que
ele tem vergonha de ficar entrando e saindo do meu quarto, e parecer
desrespeitoso. — respondo sincera — Só queremos ficar juntos, mamãe...
Com ou sem namoro! Só não queremos esconder nada de vocês.
Mamãe tem um olhar menos preocupado agora, ela sabe que sou
sincera.
— Esse namoro é sério?
— Sim senhora "M".
Noah levanta e vem pro meu lado, passa o braço em volta da minha
cinturam e eu fico ainda mais vermelha. Eu mal acredito que depois de
tantos anos, Noah está me pedindo em namoro formalmente pros meus
pais!
— Gosto da Sam. Nós temos nossos desentendimentos, mas
queremos reatar além de nossa antiga amizade... Queremos algo mais sério.
— Fico feliz rapaz — papai diz todo orgulhoso. — Sam merece um
namorado mais sério, alguém que lhe dê atenção.
Mamãe ainda parece ter receio, já papai, parece feliz e admirado.
Acho que ele nunca pensou que viveria pra me ver namorando alguém,
muito menos o Noah.
— Isso merece um brinde...
— De refrigerante! — corto e papai para de rir sem graça. — E
suco pra mamãe!
— Você está pegando pesado, Jas — reclama papai. — Um
momento assim deve ser comemorado com alegria!
Eu não vou deixar papai estragar esse momento por nada! Fecho a
cara, ele vê que eu não gosto e fica acuado, mamãe sorri satisfeita e vai até
a geladeira — ela não encara o alcoolismo do meu pai como uma doença.
Acho que se acostumou muito cedo com o fato de que ele bebe, ou de que
isso é normal pra eles, mas não pra mim. Posso não ser a pessoa mais
controlada do mundo em muitos sentidos, mas eu com certeza não peco
pelo excesso, ainda que esteja acima do peso, eu tenho me esforçado muito
pra não engordar mais, tenho comido tudo certinho na hora certinha...
Apenas não sei o que acontece, só não consigo perder peso...
— Vão lá pra sala, eu sirvo vocês!
— Não mãe, eu sirvo vocês, sente ai.
— Essa casa ainda é minha, mocinha. Vai! Eu faço o café.
Mamãe gosta de se sentir útil, apesar de tudo ela não gosta de se
vitimizar. Vou pra sala com Noah a contra gosto, sei que ela vai aproveitar
pra fofocar com papai, falar que não aceita e ele vai fingir que escuta e ficar
imensamente entediado com as paranoias dela, é sempre assim!
— Você acha que eu fui bem? — Noah pergunta logo que sentamos
no sofá. Ele passa o braço em volta da minha cintura.
— Foi — respondo, mas ainda estou bem constrangida com a
situação.
— Sam, eu... Eu...
Eu reconheço esse nervosismo de longe! Sempre que ele quer muito
falar algo, ele começar com esse “eu... eu” e trava. Viro-me pro Noah e
enxergo em seus olhos algo intenso, algo que nunca vi: a íris está mais
densa e cheia de sentimentos fortes...
— Fale.
— Sempre quis fazer isso.
Eu realmente fico surpresa com a afirmação.
— Eu tentei uma vez, quando tínhamos doze anos, mas acabei
desistindo. Seu pai começou a falar sobre basebol e eu fiquei sem graça.
— Sério?
— Sério, eu tinha muita vergonha.
— De quê?
— Talvez, de que me rejeitasse, risse de mim!
Eu sempre fui muito dura com o Noah, mandona, até meio chata,
bem, na verdade muito chata. Eu também tinha o dom de ser invasiva e
agressiva demais quando se tratava dele. Acho que o assustava muito, no
fundo, no fundo, muitas vezes ele me suportava. Bem, acho que mudei
algumas coisas, outras não, da pra entender porque ele tinha receio... Eu
jamais desconfiei que ele sentisse algo por mim.
— Abre a janela do quarto pra mim hoje? — Pergunta ele baixinho.
Minhas bochechas queimam.
— Quero dormir abraçadinho com você, Bolinhos!
— Ai, Noah...
— Aí vêm eles — Noah se endireita—, às onze e meia eu volto.
Desvio o olhar para o lado, tentando acalmar meu coração — ele
pula feito louco! — Noah King, a cada dia que passa me surpreende mais, e
a partir de hoje ele é o meu novo namorado!
— Acho que temos que dar um jeito nessa janela.
— Nunca te disse, mas acho que nunca superei a morte do meu pai.
Estamos novamente na cama.
Nosso almoço foi rápido no centro, escolhi um restaurante qualquer,
mas não tínhamos muito apetite, comemos pouco, Noah também não puxou
assunto, se fechou em seu mundo triste. Eu não soube como agir, estava
diante de um homem crescido e adulto com um problema à qual ele não
sabia lidar, e eu não sabia o que fazer para que ele não percebesse que eu
não estava bem em vê-lo naquele estado de espírito.
Ele não me deixou pagar a conta, logo depois do almoço viemos pra
casa, subimos pro meu quarto e ele começou a se despir, se jogou na minha
cama apenas de cueca, seu olhar pedia algo além de atenção... carinho,
então, também tirei o jeans, os sapatos e a blusa e me deitei com ele na
cama. — Estou de calcinha e ele de cueca, ainda é constrangedor ficar
seminua diante dele, mas estou tentando ao máximo não ligar pra isso.
Ele está deitado em cima de mim, e eu acaricio seus cabelos e Noah
meu seio, nossa pequena convivência começamos a estabelecer hoje, e não
poderia ser melhor, ainda que um pouco incomodada com meu corpo.
— Sempre chorava no dia dos pais, na verdade, até uns três anos
atrás eu ainda sofria muito com isso.
— Imagino — digo e penso por alguns momentos — Minha mãe e
o meu pai são tudo o que eu mais amo Noah, eles são tudo o que eu sempre
tive. Quero que eles vivão muitos anos até a velhice; seu pai morreu quando
éramos muito pequenos.
— Eles viverão. — Noah entrelaça os dedos nos meus e me olha, o
queixo apoiado no meu peito — Tecnicamente, eles também serão meus
pais, ou sempre foram.
— Meu pai te adora!
— O senhor "M" é legal, ele é um bom sogro.
— Pode chamá-lo de Samuel!
— Não teria graça, perderia a emoção total.
Sorrio, Noah vai para o lado e aperta o meu seio com suavidade,
depois fica olhando-os enquanto os acaricia com lentidão, as pontas dos
dedos nos biquinho... me arrepio toda.
— Quando tivermos bebês quero que seus pais sempre fiquem com
eles! Não tive avós sabe, é ruim.
— Meu avô mora no asilo.
— O papa Man?
Reviro os olhos, Noah sorri surpreso, ele sempre chamou meu avô
de papa Man, por causa do sobrenome Manchester. Ele é o pai do meu pai,
meus outros avós morreram há um tempo. Foram perdas distantes, mas
tristes, mamãe não pode ir ao enterro de minha avó em Madri, meu avô
materno também morreu quando eu ainda era um bebê lá e minha avó
paterna morreu há cinco anos. Como não tínhamos dinheiro usamos a
previdência do meu avô para lhe pagar um asilo, antes da morte dela, eles
moravam num bairro distante daqui e a casa era hipotecada, então foi o
único jeito de manter ele seguro e bem, depois da morte da vó o vovô ficou
depressivo demais.
— E a sua avó também?
— Ela morreu há cinco anos. Foi um AVC, papai também sofreu
bastante com isso.
— Sinto muito Sam.
— Eu sei que sente.
— Eu saio pra surfar às vezes, é uma ótima terapia.
“Isso explica a marquinha nos quadris dele e a bunda
esbranquiçada.”
— E você Sam?
Noah não quer falar do pai.
— Eu leio às vezes, gosto de ouvir música.
— Ainda Nirvana?
— Deixa o Kurt, ele é só meu!
Ele também sabe do meu amor platônico pelo Kurt Cobain, apesar
de ouvir de tudo e gostar muito de pop, eu amo rock! Sempre ouvíamos
depois da aula pra matar a tarde.
— A menina do metal!
— Ao menos eu não ficava ouvindo ABBA escondido da minha
mãe e dançando feito o John Travolta...
— É, você dançava feito aquela gordinha do HairSpray!
— Você tinha inveja do meu rebolado Noah, admita.
— Você aprendeu a dançar tango com quem?
— Senhorita Penautt, do asilo, eu vou ver o meu avô e sou
voluntária.
— Quero um tango com você Bolinhos... outro tango!
— Você está tentando achar uma forma de pegar na minha bunda,
isso sim!
— Amor, eu pego na sua bunda quando eu quiser! Você é minha,
Sam, só minha!
— E eu sou possessiva?
— É!
Fecho a cara, mas Noah me cutuca fazendo-me cócegas, gargalho e
ele me puxa, vou pra cima dele, Noah aperta a minha bunda, enfiando as
mãos dentro da minha calcinha, me beija, minha boca é apenas dele nesse
momento.
— Então, você será a minha esposa em quatro semanas, Sam?
Quero sorrir, estou tão feliz.
— Sim, eu aceito.
Noah ri e meus lábios abafam sua risada, simplesmente o amo e não
quero pensar no amanhã, o agora é interessante! Casados ou não, isso não
mudará o fato de que nos amamos, o passado fica pra trás, temos nosso
presente, um ao outro e isso é o que realmente importa.
GORDA
Acabo de acordar.
Noah deixou um bilhete no lado dele da cama, leio.
“Bom dia, amor! O corretor me ligou e pediu que eu fosse ver
uma sala comercial no centro. Voltarei antes do almoço!”
PS: Eu te amo.
Noah.
Beijo o bilhete, estou tão, tão... feliz!
Não sei descrever as sensações em meu corpo depois de ontem,
depois que consegui arrastar o Noah pra fora do quarto, preparei sopa pra
nóms dois e ele foi buscar pão, ele voltou ao mesmo tempo em que meus
pais; mamãe estava carregando sacolas e papai com cara de sono, ela
arrastou ele por toda cidade pra comprar dois vestidos e um sapato novo,
isso é muito a minha mãe.
Papai e Noah falaram sobre a bolsa — como se papai entendesse
muito! — e mamãe ficou me contando o quanto estava feliz por ter ido ao
cinema, ela estava sorridente e eu me sentia feliz em ver minha família
reunida, — completamente reunida — faz tempo que eu não tenho
companhia à mesa. Eu sempre sentia um vazio quando, às vezes, olhava
para a minha direito e notava que faltava alguém, mas engolia aquilo.
Conforme os anos passaram, fui deixando de lado, mas ter o Noah de volta
é... maravilhoso!
Depois do Jantar lavei a louça e fiz café, Noah secou a louça,
guardou, mamãe e papai tomaram café e se recolheram e depois eu e Noah
fomos ver TV na sala, juntinhos. Acho que eram onze horas quando
subimos e fomos dormir.
Olho o despertador e me espanto. Faz um tempinho que não me dou
ao luxo de acordar tarde, já passa das sete e meia, saio da cama e desço, de
longe escuto as batidas de papai na cerca, a cozinha cheira a café e
manteiga, mamãe está com um lenço colorido na cabeça e usa um vestido
azul comprido. Faz tempo que não a vejo de vestido, sorrio e a abraço.
— Bom dia filha.
— Bom dia mamãe.
Ganho um beijo na cabeça, mamãe me sorri toda feliz, olho pela
janela da cozinha e vejo papai todo sorridente batendo os pregos, ele está de
calção e sem camisa, olho pra mamãe e ela cantarola toda sorridente... —
Hum... ontem teve!
— Então... — Falo indo pra mesa.
— Querida, poderia pegar o jornal do seu pai?
— Aham.
Papai deve ter esquecido, enfio um biscoito na boca e vou até o
correio, quero rir, meus pais sempre foram muito bons nessa coisa de
"sexo", apesar de o meu pai beber, ele na maioria das vezes "compareceu"
muito nesse quesito, mamãe e eu nunca falamos de sexo, nem ele falou
comigo, mas tinha dia que ficava realmente complicado dormir com tanto
barulho! Há algum tempo mamãe anda meio que isolando o papai,
principalmente depois da doença, acho que agora ela está começando a se
acostumar com isso e prosseguindo, não que antes fosse diferente, mas eu
percebi que eles meio que se afastaram nesse sentido depois que
descobrimos o câncer.
Pego o jornal e volto abrindo, papai gosta de ler o jornal desde que
me lembro, quando não tínhamos dinheiro pra pagar a assinatura ele sempre
pegava o do dia anterior na casa dos pais do Noah, nunca fomos desses
orgulhosos, se teve algo que papai sempre foi é humilde.
Abro na página de notícias assim que me sento à mesa do café e
enfio mais um biscoito na boca, mamãe foi para o quintal levar café pra
papai, observo pelo janelão ela parada ao lado dele, ele sorri com uma cara
de quem nem nega e aperta a bunda dela, preciso de um café, ergo o jornal
pra que eu não veja o resto e lentamente vou parando de sorrir ao ver uma
foto imensa estampada na coluna social.
Empalideço.
E aos poucos meus olhos vão se enchendo de lágrimas com a foto
que vejo, engulo a seco, e leio o título da matéria do Jornal, a coluna social
é escrita por uma blogueira famosa em Nova York.
Fico dura e meu coração vai doendo conforme vou lendo o começo
da matéria.
Fim
[1]
BV é abreviação de “boca virgem”.
[2]
A. A é a abreviação para “Alcóolatras Anônimos”.