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Título Original: False 9

Copyright © 2019 por Pamela DuMond


Copyright da tradução © 2022 por Editora Bookmarks.

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ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem
autorização por escrito dos editores.

Tradução: Eduarda Rimi


Copidesque: Clarissa Growoski
Edição: Luizyana Poletto
Capa: Laura Machado
Diagramação digital: Andreia Barboza

Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua


Portuguesa.

Direitos de edição em língua portuguesa, para o Brasil,


adquiridos por
Editora Bookmarks.
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Dedicatória
À glória alcançada.
Um
Eu sabia que se parasse para comprar aquele burrito ia me
ferrar. O único lugar vago seria aquela porcaria de mesa que todos
evitavam na sala 225B do Markel Technology Building. Ela rangia
com qualquer movimento. Caramba, não era possível nem respirar
sem que todos soubessem.
Então eu estava atrasado – por causa de um burrito – e quando
entrei, todo mundo olhou para mim e depois para a porcaria da
mesa no fundo da sala. Havia, inclusive, raios de sol atravessando
as janelas imundas como se fossem holofotes iluminando aquela
droga de lugar.
Me joguei na cadeira, que reclamou, como a filha da mãe que
era.
Já comentei que eu odiava aquela aula? Pois é.
A professora Anderson era bem tranquila, mas entediante pra
caramba. A matéria era Educação Geral, e acabei não cursando
antes porque meu orientador fez besteira, então a turma estava
cheia de calouros e alunos do segundo ano.
Inclinei o corpo para a frente e a cadeira anunciou minha
mudança de posição como se eu estivesse dando à luz um bebê da
realeza. A garota ao meu lado revirou os olhos. Ela me detestava
desde o dia em que criei coragem para pedir o número do seu
telefone ao mesmo tempo em que devolvia um absorvente que tinha
caído de sua bolsa.
Eu não conseguia me relacionar com o sexo feminino de uma
maneira que não fosse bem esquisita. Era a versão masculina da
Bella Swan. Sim, eu conhecia Crepúsculo. Minha prima, que me fez
assistir ao primeiro filme, era #TimeJacob. Já eu era
#TimeMateTodososVampiroscomumaEstaca.
Enfim, aparentemente, produtos de higiene feminina não
deveriam fazer parte do flerte.
Erro meu.
Fiquei girando a caneta entre os dedos, olhando pela janela e
tentando não parecer um esquisitão.
Eu não queria ser esse tipo de cara. Ou o desesperado. Eu só
queria ser... um cara normal.
Conferi as horas discretamente para que a mesa não
reclamasse. A professora Anderson estava atrasada, e isso era
péssimo, porque se ela decidisse seguir com a aula até o fim, eu
teria que correr para almoçar.
A porta rangeu ao se abrir, e mesmo que todos estivessem em
silêncio, não desviei o olhar da janela. Estava pensando no
exercício que o treinador passou no começo da semana e me
perguntando se tinham consertado a máquina de waffle que ficava
no refeitório.
A professora Anderson limpou a garganta e disse:
— Bom dia. Me desculpem pelo atraso.
Ela continuou a falar enquanto eu sonhava com as coberturas
que colocaria nos waffles.
— Temos uma nova aluna na turma, então vamos mudar os
grupos para o projeto final. Por favor, deem as boas-vindas para a
Bianca Santos.
Morangos e uma montanha de chantilly. Eu salivava só de
pensar. Cocei o queixo e suspirei. Então uma sombra cobriu a
mesa, e eu olhei para cima.
Posso jurar que ouvi anjos cantarem, ou talvez fosse apenas o
toque do celular de alguém com alguma música da Adele. A garota
parada na minha frente estava iluminada pelo sol que se infiltrava
em seu cabelo preto, liso e comprido enquanto ela se recostava no
aquecedor ao lado da cadeira.
Ela era... deslumbrante. Linda. Alguém que não pertencia ao
campus da Universidade Travers. De jeito nenhum. Ela deveria estar
em um pedestal, envolta em vestes brancas para que todos se
curvassem, beijassem seus pés, a abanassem com leques de folhas
de palmeira gigantes e a alimentassem com uvas.
Seus olhos eram castanhos, ovais e enormes. A pele era
alguns tons mais escura que a minha. Os lábios eram carnudos e
estavam... se movendo.
Eles estavam se movendo.
Ela estava falando. Merda. Eu não fazia ideia do que ela disse.
Há quanto tempo eu estava olhando para ela?
Então ela olhou de relance para a professora.
— Ele consegue... — ela hesitou — me ouvir?
Caramba, ela achou que eu era surdo.
Limpei a garganta, e a mesa rangeu. Ela olhou na minha
direção e entreabriu os lábios. Uma ruga sutil se formou entre suas
sobrancelhas perfeitas e arqueadas. Eu precisava me recompor e
falar alguma coisa logo.
— Me desculpe... o que você disse?
Ela olhou ao redor da sala mais uma vez, e suas bochechas
coraram. Maravilha, além de me envergonhar, eu também a estava
deixando constrangida. Minha esquisitice não tinha fim.
— Só falei que ia me sentar no aquecedor — ela respondeu. —
Todas as mesas estão ocupadas.
— Ah. — Me desequilibrei ao me levantar, e a mesa pareceu
urrar. — Eu me sento aí. E você pode ficar com o meu lugar. —
Peguei a mochila, mas uma das alças ficou presa no encosto e, em
um piscar de olhos, tudo veio abaixo. Papéis voaram enquanto nós
dois pulamos a fim de escapar do impacto de metal e plástico.
Como uma nuvem tempestuosa anunciando a ruína, o silêncio
tomou conta da sala. Todos me olhavam como se eu fosse um
alienígena. Bianca apertou o livro contra o peito, e eu deveria estar
sonhando... Ela estava sorrindo? Fiquei ali parado, com a mochila
surrada nas mãos e os papéis espalhados por todos os cantos,
desejando que pudesse derreter e escorrer através da porcaria do
aquecedor.
— Ops...
— Lavin, está tudo bem. — A professora Anderson pigarreou.
— Bianca, você pode se sentar à minha mesa.
A garota caminhou até a frente da sala, mas não deixei de notar
o sorrisinho malicioso que me lançou por cima dos ombros. Bianca
se sentou na cadeira da professora e mergulhou nos livros. Quanto
a mim, ajeitei a mesa barulhenta e me sentei com o rangido me
acompanhando.
Pode me chamar de Lavin Saint, o rei das primeiras
impressões.

***
Mordi uma barrinha de proteína e tentei agir como se não
estivesse comendo um pedaço nojento de manteiga de amendoim e
outros sabores naturais. Logo eu iria para casa pegar os
equipamentos para o treino, mas por enquanto estava relaxando no
campus com os caras com quem eu morava e que também eram
meus companheiros de equipe.
Dre estava esparramado ao meu lado na mesa de piquenique
bebendo uma garrafa de Gatorade vermelho. Ele era o goleiro do
time e era cerca de dez centímetros mais alto que eu, com um metro
e oitenta. As mãos dele eram enormes, ótimas para pegar bolas de
futebol. E calouras. Às vezes, muitas ao mesmo tempo. Calouras e
não bolas.
Ele olhou as pessoas ao redor, com certeza em busca da
próxima conquista, e então se virou para mim e sorriu com aqueles
dentes brancos e alinhados, manchados de rosa por causa da
bebida.
— Você acha que o treinador estará de bom humor hoje?
Dei de ombros.
— Provavelmente não, ainda mais agora que o Carson está
fora da temporada.
Carson, um de nossos dois atacantes, rompeu o ligamento do
joelho no último jogo.
— Pelo menos, a gente ganhou — Zac, nosso lateral-esquerdo
e normalmente o último homem na linha de defesa, retrucou.
Ele estava com os olhos semicerrados e mesmo que estivesse
sentado, não me surpreenderia se caísse no sono. Ele dormia em
qualquer lugar. Em campo, ficava alerta e focado. Mas fora dele,
Zac, que tinha cabelos loiros e compridos, era a definição da
preguiça.
— Mas foi sofrido. — Shane, nosso atacante e estrela do time,
bufou.
— Ei, uma vitória é uma vitória. — Zac o cutucou com o
cotovelo.
— Para você é fácil falar — Shane retrucou. — A defesa jogou
muito bem. Eu mal consegui tocar na bola para salvar a minha pele.
Abri a boca para fazer uma piada sobre “tocar na bola”,
principalmente porque Shane preferia bolas a peitos, mas ele me
olhou de canto de olho.
— Nem começa, Saint.
Calei a boca com um estalo.
— Estamos no começo da temporada. O treinador vai ter que
reorganizar algumas coisas, já que o Carson está fora. Mas vai ficar
tudo bem. E, Shane, você anda treinando duro... acho que ele
percebeu.
Shane cutucou a unha do dedão e não falou nada, mas estava
carrancudo. Abaixei a cabeça e passei a mão pelo cabelo. Eu sabia
que tinha jogado bem, então fiquei quieto. Minha posição era de
meio-campo, aquele cara que corre pra caramba, e eu fazia coisas
importantes como passar a bola e armar jogadas. Mas não fazia
nada mais ousado como parar um ataque do oponente ou marcar
gols. Se eu estivesse com sorte, daria uma assistência. Mas quem
prestava atenção a isso?
As garotas, com certeza, não.
Que bom que eu não jogava futebol por causa delas, e nem
pela glória ou qualquer porcaria assim. Eu jogava porque vivia para
isso. A sensação da camiseta molhada de suor, o número nove
plastificado agarrado à minha pele e aquele sonoro tunc quando
meu pé tocava a bola para a jogada perfeita.
Eu amava esse esporte. E amava tanto que sabia que seria
aquele pai maluco na torcida, gritando e vivendo por meio do meu
filho no campo.
Isso se um dia eu me tornasse pai. É óbvio que antes eu teria
que conhecer uma garota. E transar com ela. Conheci algumas, mas
transei com um total de zero. É isso aí, eu me apresentei na
faculdade com o pau limpinho e imaculado.
Por mais que amasse futebol, esse não era o tipo de esporte
que deixava as garotas com tesão. Pelo menos, não nos Estados
Unidos, onde um jogador mediano da primeira divisão ganhava
menos de cem mil dólares por ano. Não tínhamos líderes de torcida
gritando DEFESA. Não... elas desejavam o quarterback do futebol
americano, o arremessador do beisebol ou o armador do basquete.
Elas não se interessavam por um meio-campista da terceira divisão.
No campus, eu não era popular como o rei do home run do time de
beisebol.
Talvez até fosse melhor assim, já que eu não sabia lidar com
garotas. Ou eu me calava como se fosse mudo ou, de repente, era
atingido por uma verborragia e falava coisas muito, muito estúpidas.
Nada engraçado ou descolado, mas coisas que passavam a
impressão de que havia algo clinicamente errado comigo. Por
exemplo, aquilo que aconteceu mais cedo com a novata na sala.
Mas, não. Eu era apenas Lavin Saint, meio-campo do Travers
Badgers e o cara que morreria virgem porque não conseguiu
descobrir, mesmo aos vinte anos, como falar com as garotas. Eu até
poderia chorar por causa disso, mas precisava economizar meus
fluidos para treinar.
Senti o corpo de Dre enrijecer ao meu lado e olhei para cima,
torcendo para que não fosse o time de futebol americano. Eles
amavam zombar do Shane para se sentirem mais homens. Mas,
não. Os anjos estavam cantando mais uma vez, já que Bianca
Santos se dignou a nos abençoar com sua presença.
Posso jurar que a porcaria do pátio inteiro se calou. Eu nem
prestei atenção em suas roupas na sala, porque fiquei apaixonado
demais por seu rosto. Mas posso dizer que seu corpo estava à
altura. Ela usava sapatilhas prateadas e uma calça jeans que
abraçava cada pedacinho delicioso das panturrilhas, das coxas e –
puta merda – daquela bunda redonda. O decote revelava mais que
um palmo de pele.
Ela olhava para frente, e seus cabelos emolduravam um rosto
de matar. Bianca desfilou de forma pomposa pelo campus, como se
fosse sua passarela particular, e todos viraram a cabeça para
assisti-la.
— Puta merda, quem é aquela? — Dre perguntou.
Zac levantou as mãos.
— Espere aí, sem spoilers. Estou assistindo tudo em câmera
lenta, então há um atraso de cinco segundos.
Shane se remexeu.
— Acho que... eu até fiquei duro.
Senti um aperto no peito, mas não conseguia explicar o porquê.
O ciúme disputava lugar com o orgulho, que por sua vez brigava
com o tesão, e nada disso fazia sentido... sério mesmo. Bem, o
tesão sim, porque eu era uma ereção ambulante até mesmo em
dias ruins. Mas por que eu estava com ciúme dos outros caras
olhando para Bianca? Além disso, por que eu estava orgulhoso? Ela
não era minha. E era bem provável que me achasse um moleque
tapado.
E havia grandes chances de ela nem se lembrar de mim.
Sim, ela era gostosa. Porém, conforme chegava mais perto de
nossa mesa, por alguns instantes sua máscara de modelo caiu. Ela
olhou para os lados, mostrando os dentes brancos e mordiscando
um pedacinho daqueles lábios vermelhos enquanto agarrava com
força a alça da mochila. O momento durou cerca de cinco segundos,
e então o manto da confiança a envolveu mais uma vez.
Não gostei da inquietação que me tomou naquele instante. Ela
estava... com medo? Ansiosa?
Ouvimos som de vozes graves vindas da parede de tijolos de
um prédio próximo, e Dre me cutucou. Alguns membros do time de
futebol americano vinham em nossa direção.
Se estivéssemos em um filme, o sujeito na frente – o
quarterback – estaria com a camiseta do time, mesmo que não
fosse dia de jogo, e lançando uma bola ao ar, porque todo
quarterback universitário fazia isso. Sempre. Os amigos atrás dele
seriam os caras da linha de defesa – grandalhões que calçavam
quarenta e seis. E todos seriam ridiculamente bonitões, com
exceção do carinha acima do peso, claro. Haveria um deles que era
o engraçadão, porque Hollywood nunca faria desse cara um herói.
Era assim que eu imaginava o time de futebol americano
sempre que os via, porque tinha vontade de sorrir em vez de querer
jogar dardos envenenados neles.
Mike Delaney e os dois amigos, que eu tinha quase certeza de
que eram wide-receivers, interromperam a caminhada. Quando
percebi o motivo, precisei agarrar a mesa para não saltar do banco.
Eles estavam no caminho de Bianca, então ou ela teria que dar
a volta ou... passar no meio deles. Ela diminuiu o passo, e, da mesa,
pude ouvir sua voz:
— Com licença.
Mike a olhou de cima a baixo, e eu apertei os lábios quando ele
sussurrou:
— Acho que nunca te vi pelo campus. Você é nova?
Ela arqueou uma das sobrancelhas perfeitamente curvadas.
— Sim. Com licença, por favor. — Ela se contorceu para passar
entre o grupo, mas eles se mexeram e fecharam o cerco. Mike,
gentil como um cavalheiro, sorriu para ela.
— Meu nome é Mike.
— Legal. — A voz dela transbordava tédio.
Ah, meu Deus, eu estava apaixonado.
A incerteza tomou conta da expressão de Mike antes que ele
endireitasse os ombros.
— Então... o time de futebol americano vai dar uma festa na
sexta...
Eu comecei a andar. Meu cérebro não registrou muito bem que
meus pés estavam se movendo na direção de Bianca, porém uma
vez que comecei – e que um dos jogadores notou que eu me dirigia
até eles –, não poderia parar.
Continuei até parar ao lado dela. Ouvi o som de passadas e
resmungos e tive a certeza de que meus companheiros de time
estavam atrás de mim, prontos para me apoiar.
Mike apertou os lábios.
— Por acaso eu chamei os babacas?
Isso foi bem diferente de covardes que correm o tempo todo e
fingem se machucar, insulto predileto de Mike. Sim, nós corríamos
muito. Minha média era onze quilômetros por jogo. Mas eu negaria
até a morte que já fingi me machucar. Não estávamos na Premier
League, pelo amor de Deus. Mike estava todo amargurado porque
provavelmente achou que estaria na primeira divisão, mas em vez
disso jogava na terceira em um time cuja pontuação era de dar
pena. Ele que se dane.
— O quê? Você comprou esse pedaço do campus? — Dre
zombou de volta. — Cala a boca.
Eu não tinha a menor ideia do que fazer agora que estava ali.
Mas não podia ficar parado enquanto eles agiam descaradamente
com Bianca, convidando-a para uma festinha ridícula onde serviriam
jungle juice, uma mistura de álcool e suco de frutas, direto de um
cooler de Gatorade. Bianca era mais do tipo... vinho fino. Ou Martini.
Ou champanhe borbulhante com framboesas. Ela não era do tipo
álcool entornado direto de um cooler da Gatorade.
Bianca se virou em minha direção e pousou o olhar em mim por
alguns instantes até que me reconheceu e um brilho surgiu em seus
olhos. Pensei que ela os reviraria e murmuraria algo sobre estar
cercada de idiotas, mas em vez disso, contorceu a boca de um jeito
estranho e se aproximou de mim.
Ela se aproximou de mim.
E eu paralisei, com medo de que se movesse um músculo, ela
se afastaria.
Ela piscou algumas vezes para Mike com aqueles cílios
compridos enquanto brincava com o próprio cabelo.
— Amanhã tem uma festa, é? Quer dizer que você está me
convidando?
Mike logo assumiu uma expressão presunçosa. Típico dele.
— Com certeza! Começa às dez e meia e vai varar a noite.
Ela soltou um “uhum” e inclinou a cabeça, os olhos escuros
cativantes.
— Será que posso levar alguns amigos?
Parecia que Mike ia explodir de tanta alegria.
— Mas é claro. Quem você quiser. Seus amigos são nossos
amigos.
Caramba, ele era mesmo ardiloso.
— Ah, maravilha! — Bianca se endireitou e girou para
entrelaçar seu braço ao meu. Ela era cerca de dois centímetros
mais baixa, então ficamos cara a cara. Ela recostou o corpo no meu,
e nossos quadris se tocaram. Bianca estava tocando a minha pele,
e eu estava prestes a entrar em combustão. E virar cinzas.
Nada de mais.
E então ela jogou a bomba no meu colo.
— Isso é maravilhoso, Lavin. Agora nós temos uma festa para ir
na sexta! — Ela olhou para os meus amigos por cima do ombro
enquanto meu estômago dava cambalhotas. — Vocês também vão!
— Com um sorriso enorme, ela se virou para Mike e franziu o nariz
de um jeito adorável. — Vai ser tão legal! — E voltou o olhar para
mim. — Não é?
— Eu...
Eu tinha que protestar. Precisava dizer a ela que não daria certo
ir a uma festa do pessoal do futebol americano. Mas, puta merda,
ela era linda e seus olhos estavam fixos em mim, me desafiando a
recusar o convite.
De jeito nenhum eu faria isso.
Engoli em seco.
— Acho que vai ser muito legal.
— Ótimo! — Ela soltou meu braço, deu um aperto no meu
bíceps, se inclinou e... beijou minha bochecha.
Aquela boca. No meu rosto.
Aconteceu mesmo.
Então ela disse baixinho:
— Te vejo na sexta.
Ela piscou para os meus amigos, acenou para Mike e sua turma
e partiu com aquele caminhar de passarela e os cabelos negros
esvoaçando.
Eu estava em um sonho onde aquela boca beijava mais do que
meu rosto quando Mike me trouxe de volta à realidade. Ele se
inclinou e grunhiu bem na minha cara:
— Se você aparecer, vamos quebrar a sua cara.
Ele fez um sinal com o queixo para os amigos e foram embora.
Eu ainda estava paralisado. Bianca... me convidou para uma
festa. Era alguma piada? Eu deveria ir mesmo? Te vejo na sexta.
Shane parou ao meu lado e, com os lábios franzidos, observou
os jogadores de futebol americano se afastarem.
— É... bem, não tem como interpretar essa declaração de outro
modo, tem?
Eu levantei um dedo.
— Ela acabou de...
Dre deu uma palmada nas minhas costas.
— Sim. — Ele ergueu os braços. — Pelo jeito, vamos entrar de
penetras em uma festa, meus amigos!
É... ferrou.
Dois
Assim que pisamos no campo, o treinador Mendoza gritou:
— Andem logo, seus mga batugan!
Ele estava parado com as mãos na cintura e a barriga saliente
por cima do cinto, nos olhando com cara feia e mascando algo.
Ninguém sabia ao certo o que era. Com certeza, não era chiclete.
Os palpites principais eram: carne-seca velha ou a medula óssea de
jogadores que caíram em desgraça.
Reclamávamos dele o tempo todo, já que com frequência nos
xingava de mga batugan em tagalo, idioma falado nas Filipinas.
Como se não soubéssemos usar o Google Tradutor para descobrir
que nos chamava de algo parecido com idiotas preguiçosos e
inúteis. Ainda assim, ele conhecia o esporte melhor que ninguém e
fazia com que seus jogadores alcançassem resultados.
Ele girou os dedos, indicando que deveríamos começar a
correr. O aquecimento era composto por cinco voltas ao redor de
vários campos no lado sul da universidade, um total de três
quilômetros em média. Eu também corria toda manhã, porque
gostava. Se deixasse a resistência baixar, quando chegasse a hora
do jogo seria um inferno. Normalmente, eu jogava os noventa
minutos, o que não era brincadeira quando se tratava de corrida e
explosões de velocidade.
Ao final do aquecimento, nos alongamos antes de partir para os
exercícios. Eu estava treinando passe de bola com Zac, Shane e
outros três jogadores quando alguém que passava pelo campo me
chamou a atenção. Olhei para cima bem no meio da corrida, cruzei
o olhar com Bianca e caí de cara no chão.
Caí de cara no chão.
Tropecei e enfiei o rosto no chão com grama nos dentes, terra
na boca e uma dor generalizada. Senti mãos agarrarem minha
camiseta e me levantarem quando tudo o que eu queria era ficar
deitado ali, sentindo pena de mim mesmo. Shane segurou meu
rosto.
— Você está bem, cara? Porra, você caiu pra valer.
Me esquivei dele e me inclinei para cuspir a grama.
— Vamos fingir que isso não aconteceu.
Zac estava ao lado dele, com as mãos no quadril.
— Você está com... — Ele apontou para o próprio queixo e fez
uma careta.
Olhei para eles.
— Com o quê? O que tem no meu rosto?
Shane suspirou.
— Você ralou o queixo.
Depois que eles mencionaram o fato, percebi que meu queixo
doía. Quando o toquei, percebi que minha mão estava vermelha.
— Filho da mãe. Estou sangrando?
Zac ergueu os dedos e fez uma careta.
— Só um pouco.
Mas eu não estava mais prestando atenção a eles. Estava
observando Bianca parada ao lado do treinador. Eles estavam...
próximos. Como se os dois se conhecessem.
Àquela altura, ninguém do time nem sequer fingia que estava
se exercitando, porque ela estava ali. E não havia outro lugar para o
qual valesse a pena olhar quando Bianca estava por perto.
O treinador sussurrou algo com uma expressão séria e depois
virou a cabeça devagar, apenas para nos flagrar parados, olhando
para eles.
— Mga batugan! — ele gritou, dessa vez com o pulso fechado
balançando no ar, mas isso não nos instigou medo como
normalmente faria, pois havia um anjo ao seu lado. E, sobretudo,
porque ela revirava os olhos de um jeito exagerado e gesticulava as
palavras dele com as mãos, zombando.
Alguém deu risada, e acredito que alguns de nós sorriam,
porque o treinador virou a cabeça em direção a Bianca que, no
mesmo instante, abaixou a mão e lhe deu um olhar inocente. Mas
ele não parecia convencido.
Engoli em seco e já tinha esquecido do queixo ralado, o que
provavelmente me fazia parecer um imbecil. Jogadores de futebol
nunca conseguiam ferimentos descolados como um corte sexy na
sobrancelha ou na bochecha. Só conseguíamos ferimentos
ridículos: queixos ralados, coxas assadas ou joelhos roxos. Alguns
ossos quebrados, mas não havia nada de sexy em um gesso verde
neon.
Bianca me olhou, arqueou uma sobrancelha, se virou fazendo
os cabelos balançarem e foi embora. Eu não conseguia
compreender toda aquela atenção. O que é que ela viu em mim?
Ficamos olhando-a ir embora. Quando ela saiu de vista, o
treinador gritou para que nos reuníssemos em torno dele. Sua voz
vacilou um pouco, e pensei que nunca o ouvi falar daquele jeito,
com outra emoção que não fosse ódio por nós.
— Aquela é Bianca, minha sobrinha. Ela foi transferida para cá,
então talvez vocês a vejam por aí. Mas vou deixar algo muito claro:
ela não é para o bico de vocês. Para o bico de nenhum de vocês,
otários. Vocês me entenderam?
Me senti no século dezenove. Bianca era uma universitária, e
seu tio estava nos ameaçando. Mas ele gritou novamente:
— Vocês me entenderam? Porque eu posso muito bem mantê-
los no banco de reservas ou fazê-los correrem até vomitar. Não
pensem que não farei isso.
Assentimos com veemência, e pensei que meus joelhos fossem
ceder. Eu não poderia ir àquela festa com ela de jeito nenhum. O
treinador me castraria.
— Estou sendo claro? — ele berrou uma última vez.
— Sim, treinador! — respondemos ao mesmo tempo. Deveria
haver algo mais nessa história, certo? Por que ele se importava
tanto? Ela era da realeza ou algo assim? Foi prometida a algum
sheik árabe?
Mas não tive muito tempo para pensar nisso, porque ele bateu
palmas e disse:
— Voltem aos exercícios.
Assim que me virei para sair, ele me chamou, e eu paralisei
antes de encará-lo. Será que ele sabia que eu já conhecia Bianca?
Enquanto me arrastava em sua direção, ele observava o campo
onde meus companheiros de time continuavam o exercício de passe
de bola.
— Saint. — Ele ainda não olhava para mim.
— Pois não, treinador?
— Já que o Carson está fora da temporada, quero tentar algo
diferente com você no treino hoje. Vamos ver como vai se
desenrolar e então poderemos tentar no jogo.
Ele tinha toda a minha atenção agora.
— Tudo bem.
Finalmente, ele olhou para mim.
— Quero tentar posicioná-lo como um falso nove com o Castle.
Demorou um tempo até que eu processasse a informação. O
falso nove era uma posição no futebol onde o atacante, em uma
formação quatro-quatro-dois, devolve a bola para o meio-campo,
bagunçando a marcação homem a homem do oponente. O
argentino Lionel Messi, um dos meus jogadores favoritos, era um
mestre na arte do falso nove.
Eu nunca havia jogado em uma posição de ataque. Mesmo
como meio-campista, sempre fui posicionado para jogar mais na
defesa. Esfreguei o queixo, que estava começando a coçar.
— Mas eu jogo mais na defesa.
Os olhos do treinador pareciam duas bolas de gude pretas me
encurralando enquanto ele mascava... alguma coisa. Resisti ao
impulso de ficar me remexendo.
— A pessoa que falou que você era melhor na defesa estava
bem errado. Quero ver o que você é capaz de fazer no ataque, mas
ainda precisaremos de suas habilidades de meio-campo. Você vai
ser o falso nove. — Fim da discussão. E ele não precisava me
avisar, porque o conhecia bem o suficiente. Já fazia dois anos que
estava em seu time. — Castle! — ele gritou, gesticulando para que
Shane viesse até nós.
Ele veio correndo.
— Sim?
O treinador me deu um tapa nas costas tão forte que quase caí.
— Conheça seu novo atacante. Prontos para praticarem um
falso nove?
Shane me olhou e engoliu em seco. Sua ansiedade era
contagiante. Sim, eu também não tinha muita certeza quanto a isso.
Será que teria êxito em uma posição em que nunca havia jogado?

***
Quando o treino acabou, minha garganta estava doendo de
tanto berrar, minhas pernas pareciam gelatina e estavam verdes de
tanta grama. Eu queria um banho, comida e cama. Pena que tinha
uma porcaria de artigo para escrever.
Encostei a cabeça no banco traseiro do carro de Dre enquanto
ele nos levava para casa. Eu, ele, Shane e Zac morávamos juntos.
A Universidade Travers ficava em uma cidadezinha na Pensilvânia
chamada Parksburg. Não havia muita coisa por lá além da
universidade. Só alguns postos de gasolina, restaurantes fast food,
algumas cafeterias e um restaurante vinte e quatro horas que fazia
as melhores asinhas de frango.
O aluguel era barato, então conseguimos pegar uma casa de
dois andares para nós quatro. Mas não era nada chique. O piso da
cozinha estava todo rachado e o porão tinha muita sujeira. Eu ficava
com medo de que se descêssemos as escadas pisando com muita
força, nossos pés atravessariam a madeira, mas cada um tinha um
quarto.
Isso era ótimo, principalmente quando eu queria fazer
videochamadas com o pessoal de casa, porque Shane achava que
meus dois pais eram gostosos e sempre tentava dar uma
espiadinha. Ele dizia que o Pop, que era parrudo e cheio de pelos,
era um urso gostosão. Pervertido.
Assim que chegamos, Dre foi direto para a cozinha preparar
alguns ovos. Ele comia muita proteína, pois achava que era o Apollo
Creed, aquele lutador dos filmes da franquia Rocky. Para ser justo,
ele até que parecia mesmo. Só que Dre também era muito
musculoso, então estava fazendo algo certo.
Shane preparou sanduíches de manteiga de amendoim para
nós, e eu os devorei em três mordidas. Estava lambendo os dedos
quando Shane se reclinou na bancada.
— O que você achou do treino de hoje?
Dei de ombros.
— Sei lá, cara. Nunca joguei como atacante. Não sou... bom no
ataque como você. Tudo que você faz é... — Fiz um gesto de garras
com as mãos — Rawr. Tenham medo de mim.
Shane riu.
— Eu não sou assim.
— Você é durão. E eu sou de Câncer, lembra?
— Ah, meu Deus, lá vamos nós de novo — Dre murmurou.
— Coma seus ovos e cale boca. — Fiz uma careta para ele. —
Como eu estava dizendo, sou de Câncer, um caranguejo. Ando para
lá e para cá e encontro uma solução, mas nunca de maneira direta.
Franzindo a testa, Shane assumiu um ar pensativo.
— Acho que você vai precisar de período de aprendizado, mas
o treinador não te pediria para fazer isso se não visse potencial em
você. Ele poderia ter pedido que o Le ou o Rodriquez fossem para o
ataque ao meu lado, sabe?
Assenti.
— É, você tem razão.
— Não diga para si mesmo que não vai conseguir antes de
tentar.
Dre apontou para mim com o garfo.
— Não sei se isso ajuda, mas você mandou bem hoje.
Zac apareceu se arrastando preguiçosamente na cozinha e
começou a mexer nos armários.
— Onde está meu pacote de Oreo?
Shane revirou os olhos.
— Você o comeu inteiro ontem.
— Claro que não.
— Comeu, sim.
— Droga. — Zac bateu a porta do armário e fez uma careta.
Ele amava todo tipo de doce. Parecia aqueles porcos
farejadores de cogumelo, só que com chocolate. Abri uma gaveta e
entreguei a ele um bombom Hershey que encontrei lá dentro.
Ele sorriu e o abriu.
Havia muitas garotas na faculdade que queriam transar com
Zac Mikelson. Ele parecia um surfista. Mas elas não sabiam que só
precisavam oferecer chocolate, como se estivessem oferecendo
comida a alguém faminto.
— Preciso tomar banho e ligar para casa — eu disse.
— Diga a seus pais que mandei “oi”! — Shane comentou
quando me virei. Mostrei o dedo do meio por cima do ombro.

***
Quando saí do banho, enrolei a toalha na cintura e me tranquei
no quarto. Iniciei o FaceTime para chamar meus pais e passei a
mão pelos cabelos molhados, olhando para a câmera que mostrava
meu rosto. Caramba, o machucado no meu queixo estava bem
visível. De jeito nenhum o Papai não veria...
— Lavin! — Ouvi a voz do Papai primeiro e depois o murmurar
grave do Pop antes que a câmera deles ligasse. Nasci por barriga
de aluguel, e mesmo que nunca tenham confirmado quais
espermatozoides foram usados, era claro para quase todo mundo
que eu era muito parecido com o Pop. Tinha um rosto marcante
como o dele, os olhos grandes e cor de mel, além do cabelo grosso
e castanho. Fora o fato de que eu era branco como o Pop, e não
negro como o Papai. Mas sangue e cor de pele não importavam. Os
dois me criaram. Eram a minha família.
Suspirei assim que a câmera focou nos dois, porque minha
família fazia coisas esquisitas, como atender videochamadas
durante uma massagem.
Pop estava deitado de barriga para baixo, usando apenas calça
de moletom enquanto Papai estava sobre ele e deslizava as mãos
cheias de óleo por suas costas cheias de pelos. Apertei o nariz com
os dedos ao mesmo tempo em que Pop me olhava e acenava.
— Oi, oi, Lav!
— Aí está nosso Pepezinho! — Papai deslizou os nós dos
dedos pela coluna do Pop.
Mesmo que eu não fosse um Pepe, o melhor jogador de futebol
de todos os tempos, meus pais me chamavam assim quando eu era
mais novo e o apelido acabou pegando.
— Oi para vocês também.
— E como vão os treinos? — Pop perguntou. — O treinador
continua um carrasco?
Papai parou com a massagem e se aproximou do iPad, que eu
sabia estar posicionado na mesinha de cabeceira. Ele estreitou os
olhos castanhos.
— Lavin Michael, o que é isso no seu queixo?
Constrangido, cobri o machucado com a mão.
— É...
— Abaixe essa mão e me deixe ver. — Fiz o que ele pediu e
suspirei. — Minha nossa, você lavou isso?
— Claro que sim, acabei de tomar banho...
— Espero que tenha passado antisséptico. — Papai se sentou
na beirada da cama, se esquecendo que momentos antes fazia uma
massagem no marido. — Você recebeu a caixa de óleos essenciais
que te mandei?
Olhei para o guarda-roupa. Abri a caixa e dei uma espiada, mas
depois acabei colocando-a ao lado de um par de chuteiras velhas.
— Sim... recebi.
— Maravilha! Você pode fazer um bálsamo com mel ou aplicar
de três a quatro gotinhas de óleo de lavanda em uma gaze e
pressionar na ferida de duas a três vezes ao dia. — Ele arqueou a
sobrancelha para mim.
Depois do dia que tive, não queria ouvir aquelas besteiras
hippies.
— Pai, eu lavei o machucado. Logo vai formar casquinha e
sarar, está bem?
Ele deu um solavanco para trás e colocou a mão no peito. Por
um instante, ficou em silêncio e então Pop se sentou ao lado dele.
— Lá vamos nós — murmurou.
— Lavin — Papai falou com a voz muito firme —, estou
sentindo certa hostilidade. Vamos focar na respiração relaxante,
tudo bem? Inspire, segure, dois, três. E expire. Ótimo, vamos de
novo.
Fiz o exercício de respiração com meu pai por cerca de quinze
segundos, até ele achar que eu estava pronto para continuar a
conversa. Foi então que reparei em algumas prateleiras a mais no
quarto deles. Aquilo era um fogão elétrico portátil com uma frigideira
em cima?
— O que está acontecendo no quarto de vocês?
Pop olhou ao redor.
— Estamos pensando em nos mudar para uma microcasa.
Depois que você se mudar daqui, claro. Então decidimos viver no
quarto por uma semana, apenas para ver se nos adaptamos!
Eu os encarei.
— Vocês não podem estar falando sério.
— Elas são aconchegantes e ecologicamente corretas. São o
futuro das residências, Lavin — Papai respondeu, muito sério. E
dessa vez, fiz o exercício de respiração sem que ele me pedisse.
Pop, o mais perspicaz, sabia que uma mudança de assunto era
necessária.
— Bem, me conte como vão os treinos.
— Está indo tudo bem. Como o Carson está lesionado, o
treinador quer que eu seja atacante e jogue como falso nove.
Pop apoiou os cotovelos nos joelhos e se aproximou do iPad.
— Ah, é? E como você se sente em relação a isso?
Pensei no que Shane havia dito.
— Acho que sempre pensei que fosse melhor na defesa, mas o
treinador vê algo em mim e acredita que posso fazer isso, então...
— Toda vez que você decide a fazer algo, você consegue. — A
voz de Pop sempre ficava mais grave quando ele queria chegar a
algum ponto. — Você dá duro dentro e fora de campo, e eu sei que
é capaz de se dedicar aos treino e ouvir seu treinador.
— Estamos muito orgulhosos de você, filhão — Papai
acrescentou.
Puta merda, eu amava aqueles dois. Eles me deixavam maluco,
mas eram os melhores pais do mundo.
— Obrigado. Significa demais para mim.
— Nós te amamos, querido — Papai falou. — Vou mandar sorte
extra e energias futebolísticas essa semana.
Ri e balancei a cabeça. Demonstrei interesse pelo futebol muito
cedo e logo depois, por incentivo de Pop, eles me matricularam em
uma turma. Ele amava esse esporte. Papai não era muito do tipo
esportivo, mas quando entrei de cabeça, ele passou a me apoiar
incondicionalmente. Todo ano no Halloween, ele se fantasiava de
algum jogador famoso, com direito a tatuagens e barba. O homem
dava tudo de si, e eu sentia um orgulho enorme de mostrá-lo aos
meus amigos. Minha família não era tradicional, mas emanava
amor.
— Amo vocês — respondi. — Vou mandando notícias, tudo
bem?
Papai mandou um beijo e acenou para a câmera enquanto Pop,
fez seu gesto machão com a cabeça. Acenei de volta e encerrei a
chamada.
Me joguei na cama e esfreguei os olhos. Meu queixo ainda
doía, o que me fez pensar em Bianca. Talvez devesse ter contado
aos meus pais sobre ela e a festa. Os jogadores de futebol
americano pareciam acumular mais testosterona quando havia uma
festa se aproximando. Mas nada que eu não desse conta. Sabia
brigar. Ter sido criado por dois pais me fez passar por várias
gozações, o que, por sua vez, me ensinou a bater primeiro. E me
ensinou a vencer também.
De jeito nenhum eu iria àquela festa. De jeito nenhum.
Definitivamente, não.
Três
A mensagem chegou às dez da noite da sexta-feira enquanto
eu e meus colegas estávamos na sala. Dre usava o bom e velho
jeans, botas e uma camiseta cinza. Shane vestia a mesma coisa,
mas em numeração menor, e Zac prendeu os cabelos loiros em um
coque samurai bem alto e usava uma camiseta sem gola e jeans
rasgados. Na verdade, eram buracos, como se tivesse trabalhado
em uma obra.
Eu estava praticamente nu. Estava apenas de cueca, porque
ainda não havia decidido se iria ou não à festa.
Os caras me disseram que eu estava agindo como uma
mulherzinha, mas eu achava que estava sendo esperto, porque
queria manter meu rosto intacto. Além disso, eu era contra o uso do
termo mulherzinha como algo pejorativo.
A mensagem dizia:

Você está pronto?

— Quem é? — Zac murmurou, como se estivesse prestes a cair


no sono. Era impressionante como a quantidade de açúcar que ele
ingeria não surtia qualquer efeito.
Balancei a cabeça.
— Não tenho certeza. — Não reconheci o número, mas tinha
uma ideia de quem poderia ser. Respondi:

Quem é?

Já se esqueceu de mim? Quantas garotas te convidam para


uma festa? :(

— Droga, é a Bianca — eu disse.


Dre levantou a cabeça no mesmo instante.
— Sério? Mas como ela conseguiu seu número?
— E eu vou saber?
Com dedos trêmulos, digitei:

Bianca, como você conseguiu meu número?

E a resposta foi rápida:

Sei a senha do computador do meu tio e vi nos arquivos dele.

— Ela roubou do treinador.


Dre gargalhou e bateu a mão no braço do sofá.
— Não brinca! A garota tem culhões. Por que é que ela está
usando essa coragem toda para pegar o seu número?
— Valeu pelo complexo de inferioridade, babaca — murmurei
enquanto outra mensagem surgia na tela.

E então, você está pronto?

— As garotas te perseguem, seu idiota. Mais do que você


imagina. Você só é bobão demais para perceber — Dre retrucou. —
Embora nenhuma delas fosse como a Bianca.
— Ninguém é como a Bianca. — Fiquei encarando o celular,
sem saber o que responder. — É provável que ela esteja precisando
de um amigo.
— Verdade, você sempre acaba na friend zone — Shane
contribuiu.
Revirei os olhos. Ele não estava errado. No primeiro ano, tive
uma queda gigantesca por uma garota, e ela acabou tentando me
juntar com uma amiga dela. Foi horrível. Então essa amiga também
me jogou na friend zone, e os caras nunca me deixavam esquecer.
Em minha lápide, poderiam escrever: Lavin Saint, filho amado e
amigo querido por todos (especialmente pelas garotas gostosas).
A campainha tocou enquanto eu digitava uma resposta para
Bianca. Estava prestes a enviar quando Dre abriu a porta e se
engasgou.
— Hã... Saint.
Como eu era lerdo para digitar, apertei “enviar” e olhei para
cima enquanto o celular fazia aquele som típico de envio de
mensagens.
— O que foi?
Bianca estava parada à porta, usando calças jeans skinny, salto
alto e uma regata roxa bem decotada. As roupas eram simples, mas
ela as fazia parecerem valer um milhão de dólares.
Fiquei sem palavras. E sem controle sobre meu corpo. Ela
descobriu meu número e meu endereço, e não hesitou em aparecer
em casa daquele jeito. E eu nem sequer me importava. Se ela
estivesse me perseguindo, entraria no seu jogo.
Eu me levantei e passei as mãos pelos cabelos, ainda
molhados do banho. Bianca baixou o olhar bem devagar, e um
sorrisinho se espalhou por seu rosto ao me encarar de novo. Dre
pigarreou, e Shane tossiu. Bianca entreabriu os lábios vermelhos e
passou a língua pelos dentes superiores.
— Que corpão, Lavin Saint.
Corpão? Olhei para baixo, e meu estômago foi parar nos pés.
Eu estava quase sem roupa. Nadinha. Lembrei, tarde demais, que
não havia me arrumado ainda, em um protesto silencioso contra a
festa.
Ah, e a minha cueca? Com estampas de Terriers escoceses.
Sim. Cachorrinhos com gravatas vermelhas. Pop me deu de
presente porque era meio-escocês.
Puta. Que. Pariu.
Cobri as partes íntimas com as mãos, sabendo que estava
vermelho como um tomate. Atrás de Bianca, Dre arregalava os
olhos para mim. Se aquilo estivesse acontecendo com ele, é bem
provável que estivesse com as mãos no quadril, a pele negra
brilhando com aqueles músculos proeminentes, e teria jogado seu
charme ao dizer algo do tipo “Quer um pedaço, gatinha?”. Eu não
sabia agir assim. Não tinha um pingo de charme, mas ficar parado
ali como um adolescente também não era fofo. Lentamente, deixei
as mãos caírem nas laterais do meu corpo. Então levantei um punho
bem fechado e, no movimento mais estúpido de toda a história da
estupidez, flexionei o bíceps.
— Estou prontinho para mostrar alguns músculos.
Dre deu um tapa na própria testa, Shane suspirou e Zac
acordou da soneca apenas para comentar:
— Está bonitão, Saint. Você deve estar malhando mais.
Bianca riu. E não foi uma risada do tipo “só estou rindo porque
não sei o que fazer”. Nada disso. Era uma risada de verdade e
inesperada, porque ela me achou engraçado. Na realidade, sempre
fui, mas tinha a impressão de que apenas meus amigos entendiam
meu senso de humor. A única coisa que conseguia das mulheres
era revirar de olhos.
Mas não com Bianca. Ela andou em minha direção e deu um
tapa na minha barriga com as costas da mão.
— Por mais que eu esteja gostando de olhar para você, está
um pouco frio para usar apenas cueca. Vá se vestir. — Com
movimentos elegantes, ela afundou no sofá ao lado de Shane.
A rainha ordenou, então corri escada acima para me vestir.
Fiquei como louco pelo quarto procurando alguma calça jeans limpa
e a combinei com botas e uma camiseta de manga comprida.
Penteei o cabelo bem rápido, passei uma porcaria de gel que Shane
sempre me dizia para usar e então voltei para o andar de baixo.
E lá estava a rainha sendo cortejada. Shane estava deitado
com a cabeça em seu colo, Dre estava sentado no braço do sofá e
Zac, no chão a seus pés. Parei e fiquei encarando enquanto a ouvia
falar.
— Não é tão ruim morar com ele.
— Mas e a gata? — Shane perguntou, e eu sabia que estavam
falando do treinador, porque ele tinha uma gata muito esquisita.
Bianca deslizou os dedos pelo cabelo dele. Pelo cabelo dele.
Eu estava morrendo de inveja do cabelo do Shane.
— Ela me odeia e me olha como se quisesse me matar porque
estou tirando a atenção dela, mas não é tão ruim assim.
— Então você está morando com o treinador? — perguntei.
Ela olhou para cima e pareceu surpresa por me ver parado ali.
Hesitou um pouco quando me olhou, mas logo sorriu. Eu estava
começando a não gostar desse sorriso, porque parecia ser falso.
Preferia quando ela ria das minhas piadas idiotas.
— Sim, estou — ela respondeu. — Meus pais moram nas
Filipinas, e meu tio é o único parente que tenho nos Estados Unidos.
Ele pensa que estou estudando na biblioteca nesse instante.
— Ele fica de olho em você? — Dre bateu com o pé na lateral
do sofá. — Você já é bem crescidinha.
Ela deu de ombros.
— É o jeito dele. — Não achei que era só isso, mas também
não quis me intrometer. Bianca se virou para mim e, dessa vez, seu
sorriso parecia menos forçado. — Que pena que você precisou se
vestir. — Resisti ao impulso de cobrir minhas partes íntimas de
novo. — Vocês estão prontos, meninos?
Os caras grunhiram e se levantaram.
— Você sabe que o time de futebol americano não vai ficar feliz
por nos ver lá, certo? — comentei.
— Não vai ficar feliz? — Shane retrucou. — Você está sendo
bem gentil.
— E quem liga para o que eles pensam? — Dre perguntou.
Zac brincava com um fio solto em sua camiseta como se não se
importasse com a conversa.
Bianca segurou a maçaneta e se virou.
— Que história é essa entre vocês e o time de futebol
americano?
— É uma rivalidade que rola no campus e que começou muito
antes da gente — comentei.
— Dizem que houve um ex-jogador de futebol que foi para o
futebol americano na posição de kicker. Ele era bom e atraía muita
atenção, mas ainda era amigo dos caras do time antigo. Mas então
ele fez com que o atual perdesse um jogo importante, e os dois
times entraram em uma briga com direito a socos e tudo mais.
Desde então, é meio que... uma tradição — Dre explicou.
Bianca piscou para ele.
— Você está falando sério?
Dre assentiu.
— Bem... sim.
Ela revirou os olhos e murmurou ao abrir a porta:
— Homens e esse orgulho.
A república do time de futebol americano ficava a cinco
quarteirões do campus, no lado sul, no final daquilo que
chamávamos de Bairro das Repúblicas. A Universidade Travers não
era grande, e a cidade não era rica, então as repúblicas não eram
mansões. Eram casas conjugadas que cheiravam a cerveja.
Quando começamos a caminhar em direção ao bairro, Bianca
deslizou o braço pelo meu e olhou para as residências.
— Essas casas parecem bem mais chiques nos filmes — ela
disse.
Eu ri.
— Claro, porque nos filmes as pessoas vão para universidades
e cidades ricas. Você está na Travers. Em Parksburg, Pensilvânia.
Ela não respondeu, mas quando chegamos à última casa e
cruzamos a calçada rachada até a porta, tentei fazê-la mudar de
ideia.
— Escute, por dentro é muito pior. — Apontei para uma calha
que estava caindo. — Podemos simplesmente dar a meia-volta e...
Bianca virou a cabeça em minha direção, e vi que seus olhos
brilhavam e sua bochecha estava corada.
— Vamos, Lavin — ela sussurrou. — Não vai acontecer nada
de ruim. Vai ser legal.
As famosas últimas palavras, pensei, assim que Dre abriu a
porta.
A festa estava acontecendo no porão, e as escadas ficavam à
direita de quem entrava. Conforme descíamos, o calor dos corpos e
o cheiro de álcool tomavam conta do lugar. Eu detestava festas. E
detestava o time de futebol americano. Mas Bianca continuava
segurando minha mão e seu corpo estava encostado ao meu. Eu e
meus amigos estávamos juntos e por mais que os outros jogadores
nos odiassem, ninguém queria mexer com Dre, cujas mãos
socariam um linebacker com facilidade.
Um grandalhão esbarrou no ombro de Shane e o olhou com
desdém, dizendo algo que não consegui entender, mas sabia que
não era legal.
Fiquei com raiva, mas Shane o ignorou e olhou o ambiente
como se estivesse procurando por alguém. Normalmente, ele
evitava os jogadores de futebol americano como se tivessem uma
doença contagiosa, então fiquei curioso para saber o porquê ele não
se opôs a vir à festa com mais ímpeto. Fiz uma nota mental para
perguntar mais tarde.
Zac surgiu da multidão com bebidas para todos, menos para
Dre, pois ele não bebia. Peguei dois copos de sua mão.
— Você ficou de olho enquanto eles serviam?
— Pegaram direto do barril — ele respondeu.
Entreguei um a Bianca.
— Cerveja?
Ela assentiu e pegou o copo. Achei que ela prestaria mais
atenção às outras pessoas. Aos tímidos que ficavam encostados na
parede ou às pessoas dançando bem no meio do porão. Mas sua
atenção estava em mim. Ela levantou o copo.
— Saúde?
Ri e brindei. Um pouco da cerveja escorreu pela minha mão.
— Saúde.
Tomamos um gole e eu a levei até um local mais vazio perto da
parede. Dre encontrou uma garota para conversar – nada de novo
sob o sol –, mas continuou de olho em nós. Zac conseguiu entrar
em um jogo de beer pong – aquele em que a pessoa precisa acertar
uma bolinha dentro de um copo de cerveja –, e Shane... sumiu.
Peguei o celular e mandei uma mensagem para ele.

Você está bem?

Ele respondeu no mesmo instante.

Estou, sim. Encontrei um amigo, só isso.

Franzi a testa, mas dei de ombros e coloquei o celular de volta


no bolso.
— Para quem você está mandando mensagem? — Bianca
perguntou.
— Queria ver se o Shane está bem. O time de futebol
americano não é legal com ele.
— Por ele ser gay?
Inclinei a cabeça.
— E como você sabe disso?
— Ele me contou. Do contrário, eu não teria deixado que ele
deitasse no meu colo. Ou teria. — Ela piscou.
— Ah. Sim, eles o tratam mal por causa disso.
— Idiotas.
— Com certeza.
— Você é um bom amigo por se preocupar com ele.
Me lembrei de como Shane me incentivava.
— Ele que é um bom amigo. É de Peixes, então nos damos
bem.
Parei de falar antes que parecesse um lunático e começasse a
soar como o Papai. Pensei em mudar de assunto, mas Bianca me
olhava atentamente.
— Espere, o que você falou?
— Hã... nada, só...
— Você gosta de astrologia?
Suspeitei que havia um pouco de esperança em seu tom de
voz, então arrisquei.
— Bem... sim, eu curto. E meu pai também.
Ela ficou boquiaberta e colocou a mão sobre o peito.
— Eu também! Qual é o seu signo?
Eu não acreditava que estava tendo aquela conversa.
— Câncer.
— Sou de Escorpião — ela respondeu, e agora, muitas das
suas atitudes fizeram sentido. Pessoas de Escorpião eram intensas
e dinâmicas. Vasculhei a mente à procura da compatibilidade entre
nossos signos. Como eu era bobo. — E aí, me fale sobre o seu pai
— ela pediu.
Era fácil. Falar sobre meus pais sempre me deixava confortável.
— Certo. Ele gosta muito... bem, do planeta e essas coisas,
sabe? Comida orgânica, roupas de fibras naturais. O Pop fica
maluco, mas deixamos que ele faça o que gosta.
Ela franziu a testa.
— Me desculpe... Pop?
Assenti.
— Ah, sim, tenho dois pais, e eles são casados. Nasci de
barriga de aluguel.
Bianca sorriu.
— Você fica tão feliz quando fala sobre eles.
— Sim, eles são os melhores. Sempre me apoiam, me amam
e... — Deus, eu estava ficando sentimental demais. Seria a cerveja?
— Tenho muita sorte. — Chega de falar sobre mim. — E você? O
treinador é seu tio, mas e seus pais?
— Também são maravilhosos — ela respondeu. — Moram nas
Filipinas, como já disse, então não os vejo tanto quanto gostaria. —
Ela parou de sorrir por um momento, então imaginei que ela sentia
muita falta deles.
— E você foi transferida de onde?
— Hã? — Bianca deu alguns tapas no copo, evitando olhar
para mim.
— O treinador comentou que você foi transferida.
— De Nova York — ela respondeu rápido.
Um barulho eclodiu do outro lado do porão porque,
aparentemente, alguém ganhou o flip cup, um jogo cujo objetivo é
beber e virar o copo sobre a mesa bem rápido. Quando voltei a
olhar para Bianca, ela já havia terminado a bebida e estava girando
o copo vazio entre as mãos.
Fui buscar mais cerveja para nós e entreguei o copo para ela.
— Por que você quis se mudar para cá? — perguntei.
Aquele breve vislumbre de vulnerabilidade passou por seu rosto
mais uma vez, mas ela não tentou escondê-lo como antes. Pude vê-
lo assim que ela me olhou nos olhos.
— Havia muita coisa acontecendo na minha vida, e eu
precisava de novos ares. Nova York não era para mim.
— É uma mudança e tanto. Está tudo bem?
Sua risada sutil me interrompeu.
— Está, sim. Ou... vai ficar. Espero. — ela sorriu para mim de
forma sincera e ergueu o copo. — Mas por enquanto, isso aqui
ajuda.
— Falando nisso... Você pode ir se enturmar. Vou ficar bem.
Bianca se aproximou de mim, ocupando um pouco do meu
espaço pessoal.
— Não, é bom conversar com você.
Eu estava confuso pra caramba.
— Por que você quis vir comigo? Você poderia estar... —
Apontei para um dos jogadores desejado por todas as garotas da
faculdade. — Você poderia estar conversando com aquele cara ali.
Todo mundo quer falar com ele.
Ela nem sequer olhou para onde apontei.
— Acontece que não sou todo mundo.
Não sabia o que responder.
— Mas por que eu?
Bianca deslizou o dedo pelo meu antebraço.
— E por que não você?
— Porquê...
Ela mordiscou o lábio.
— Tenho um fraco por jogadores de futebol.
Só posso ter ouvido errado.
— Me desculpe. O que você disse?
Ela expirou e revirou os olhos.
— Tenho um fraco por jogadores de futebol!
— Como assim? Ninguém tem um fraco por jogadores de
futebol. Quer dizer, a menos que você seja o Cristiano Ronaldo ou o
Olivier Giroud, e eu não sou nem um pouco parecido com eles.
Ela estreitou os olhos.
— Você está dizendo que não posso ter um fraco por jogadores
de futebol?
— Estou dizendo que acho que estou no mundo da
imaginação...
— Você se parece com o James Rodriguéz.
Pisquei para ela. Minha mãe, que foi a barriga de aluguel, era
colombiana. Mesmo assim, eu não me parecia com James
Rodriguéz.
— Não me pareço, não.
— Ah, então eu sou cega?
— Eu...
Bianca se aproximou um pouco mais e ficou tão perto que o
calor de seu corpo queimava meu peito. Ela entreabriu os lábios e
desceu o olhar até chegar à minha boca antes de retornar aos meus
olhos.
— Gosto do fato de poder observar as expressões que os
jogadores fazem. Não há capacetes nem nada que esconda a
emoção, o entusiasmo e a frustração deles quando estão jogando.
Gosto do cheiro da grama na pele. De como os shorts delineiam as
bundas. e o melhor de tudo, amo quando eles sobem um pouquinho
e consigo ver as coxas por inteiro. — Quando terminou de falar, ela
estava tão próxima que cada palavra era uma lufada de ar morno
em meu rosto. Seu cabelo nos envolvia como uma cortina, e eu não
sabia se queria beijá-la ou me ajoelhar a seus pés. — Coxas
grossas são tudo — ela murmurou com um sorriso lascivo. — Bem
grossas.
Minhas coxas adquiram consciência própria e estavam gritando
para escapulir da calça só para provar que eu era aquilo que Bianca
queria. Ela inclinou a cabeça e se aproximou. Pensei que fosse me
beijar, mas em vez disso, levou a boca ao meu ouvido. Meu corpo
desejava agarrá-la e tomá-la para mim, então precisei fechar as
mãos para me impedir. Sua respiração fez meus pelos se
arrepiarem.
— Gosto do jogo. Gosto dos jogadores. E, nesse instante, gosto
de você.
Engoli em seco e o incômodo no meio das minhas pernas só
aumentava. Caramba, se ela se aproximasse mais, era provável que
eu explodisse. Como essa conversa foi de zero a cem tão rápido?
Alguém estava pregando uma peça em mim? Talvez o treinador
estivesse testando minha lealdade ao incitar a sobrinha a flertar
comigo. Onde estavam as câmeras escondidas? Será que ele
pularia de um canto escuro e me expulsaria do time por estar tão
perto dela?
Pigarreei, mas pareceu não adiantar.
— Há outros jogadores de futebol. — Minha voz estava rouca.
Bianca se inclinou para trás e olhou nos meus olhos mais uma
vez.
— Claro que há. Escute, nunca fui de julgar muito bem o caráter
das pessoas, mas nos últimos anos, aprendi a fazer isso bem
rápido. Você parece ser sincero e espontâneo, e eu gosto de estar
com você.
Essa garota era louca.
— Acho que você está bêbada.
Ela riu e balançou a cabeça.
— Não mesmo. Viu? Você me faz rir. E isso me faz gostar de
você.
— Você gosta de mim? — Minha voz acabou de falhar? O. Que.
Estava. Acontecendo?
Bianca umedeceu os lábios.
— E você, gosta de mim? — As palavras saíram de sua boca
sem qualquer preocupação, mas havia algo na forma como foram
ditas que me fez pensar que ela se importava com a resposta.
Assenti.
— Por quê? — perguntou.
Ah, caramba, eu precisaria falar. Abri a boca e umedeci os
lábios, tentando fazer com que as palavras saíssem.
— Gosto de como você é confiante.
Bianca piscou para mim, como se não estivesse esperando por
aquela resposta.
— Como assim?
Suspirei.
— Você é linda, mas penso que é porque você passa a
impressão de estar confortável consigo mesma. Tenho um pouco de
inveja. Eu só me sinto assim quando estou em campo. Fora dele,
sinto como se estivesse fazendo tudo errado.
Seus olhos estavam um pouco úmidos.
— Você está se saindo bem agora — ela disse com gentileza.
Balancei a cabeça.
— Acho que não. Isso é sua influência. — Ela sorriu, e
aproveitei a oportunidade para pegar sua mão e trazê-la para mais
perto, até que nossos corpos se encostassem. — Nesse instante, eu
também gosto de você, Bianca. — Senti como se estivesse na
escola, entregando a ela um papel onde estaria escrito: Você gosta
de mim? Assinale sim ou não.
Ela riu, e pensei em perguntar se era tudo um sonho. Se era
alguma pegadinha em que alguém surgiria das sombras, zombando
de mim e dizendo: você acha mesmo que essa garota gosta de
você?
Certo, então Bianca gostava de mim, mas isso não significava
que ela queria transar comigo. Ela gostava da minha companhia.
Como amigo, o que não foi dito, mas estava muito implícito. Na
minha cabeça. Pensar em algo além era loucura.
Brigas em festas universitárias estouravam de repente. Eu já
tinha visto acontecer antes, e essa não era exceção. Uma gritaria
começou e logo em seguida o lugar era puro caos. Copos de
cerveja voavam e socos eram desferidos. Não consegui ver Zac e
Dre no meio da confusão, mas sabia que tinha que sair dali com
Bianca antes que fôssemos pegos no fogo cruzado ou que a polícia
chegasse.
Eu era menor de idade e tinha bebido. Ser flagrado em festas
era motivo para ser expulso do time. Agarrei a mão de Bianca com
força e procurei por uma saída.
— Venha comigo — pedi a ela, puxando sua mão e abrindo
caminho pela multidão. Levou alguns minutos para que
conseguíssemos cruzar o porão, e entrei em pânico quando ouvi as
sirenes da polícia. — Merda, precisamos ir embora daqui.
— Ali. — Ela apontou para uma portinha que parecia ter saído
de Alice no país das maravilhas. Essas casas antigas tinham cada
esquisitice. Nos esprememos para passar e então disparamos pelo
gramado do quintal de trás.
Olhei por cima do ombro e vi carros da polícia avançando pela
rua, então voltar pelo caminho que viemos estava fora de cogitação.
— Merda! — eu disse.
Bianca corria na minha frente, e a distância entre nós
aumentava com suas passadas largas. Ela me olhou por cima do
ombro, e eu só conseguia ver seus olhos arregalados e um sorriso
enorme.
— Vamos logo, Lavin!
Mesmo com o risco de ser pego, sorri de volta, porque também
havia uma sensação de euforia percorrendo minha coluna – aquela
descarga de adrenalina de quando a gente faz algo proibido.
Posicionei os braços, aumentei a velocidade e nós pegamos um
caminho pelo bosque atrás da casa.
As folhas secas caídas faziam barulho ao serem esmagadas
enquanto corríamos, e a única luz que passava pelas árvores vinha
da lua cheia de outubro. Vez ou outra, um feixe iluminava o cabelo
de Bianca, e me concentrei nisso à medida em que adentrávamos o
bosque.
Parei abruptamente assim que notei a cerca enferrujada e
retorcida do cemitério. Bianca ainda corria.
— Bianca! — gritei o mais alto que podia. Mas ela não parou.
Passou por baixo do velho arco e em direção ao centro do cemitério.
— Droga — sussurrei e corri atrás dela. Havia tantas lendas
urbanas envolvendo o cemitério de Parksburg que ninguém sabia o
que era verdade e o que não era.
Havia aquela dos três universitários que desapareceram em
1972. Os corpos nunca foram encontrados, mas diz a lenda que
eles assombravam o cemitério, apontando os dedos ossudos na
direção de onde foram enterrados. Também havia a que falava
sobre o professor que se matou com um tiro em casa, e seu espírito
vagava pelo lugar para assustar crianças teimosas.
Por ter sido criado por Papai, eu levava lendas urbanas a sério.
Ao entrar no cemitério, senti a coluna congelar e os joelhos
bambearem. Perdi Bianca de vista e fiquei andando em círculos
para encontrá-la. Fiquei de olho nos fantasmas também.
Droga, eu detestava cemitérios.
Alguém tocou minha nuca, e eu levei um susto. Era Bianca. Ela
estava cobrindo a boca em uma tentativa clara de não rir. Apontei
um dedo em sua direção.
— Isso não foi legal, Bianca. Nem um pouco! — Ela se curvou,
sem se preocuparem segurar a risada. Fiquei parado com as mãos
na cintura enquanto olhava para ela. — Há cerca de vinte espíritos
assombrando esse cemitério.
Ela se endireitou e havia lágrimas no canto de seus olhos.
— Me desculpe, mas a sua expressão...
Soltei um suspiro profundo, me virei e ela me seguiu.
— Lavin! Você ficou bravo? Me des...
Fiz garras com as mãos e grunhi para ela. Bianca gritou e saiu
correndo. Comecei a persegui-la, sem dar a mínima para os
fantasmas. Por um instante, nada mais importava, somente a risada
dela, o chão sob meus pés e o ar gelado do outono preenchendo
meus pulmões.
Paramos debaixo de uma árvore quase sem folhas. Bianca se
virou para mim, andando de costas até encostar no tronco.
Continuei em sua direção, e ela cobriu o rosto com as mãos,
gritando:
— Por favor, não me machuque — disse em tom dramático.
Parei em diante dela, que tirou as mãos do rosto e me olhou,
tremendo os lábios de forma exagerada.
— Bianca.
De repente, não estávamos mais encenando, e eu não sabia
dizer se foi meu tom de voz ou qualquer outra coisa, mas seu
semblante ficou sério.
— O quê?
— Só quero que saiba que eu não seguiria ninguém além de
você para a escuridão desse cemitério.
Um sorriso surgiu no canto de sua boca.
— Lavin.
— Sim?
Ela levantou a mão e com a ponta dos dedos tocou minha
bochecha, acariciando o queixo e depois o lábio inferior. Cada toque
deixava uma faísca pelo caminho, e eu tinha certeza que meu rosto
inteiro estava pegando fogo. Queria aqueles dedos por todos os
lugares. Por toda a minha pele. Queria ser consumido por seu calor.
— Bianca... — sussurrei.
Então, ela me olhou.
— Não gostaria que mais ninguém me seguisse.
Seu olhar foi até a minha boca, e eu sentia meu coração bater
como um louco no peito. Ela conseguia ouvi-lo? Porque, puta
merda, parecia um trovão. Uma gota de suor escorreu por minhas
costas. Queria tanto beijá-la, mas ao mesmo tempo estava
aterrorizado. Ela piscou e pude ver seus cílios brilharem sob o luar.
Então ela umedeceu os lábios e se aproximou. Prendi a respiração,
sentindo o ar se perder em meus pulmões. Dessa vez, eu ia com
tudo. Faria de tudo para não ficar somente na amizade.
Mas antes que pudéssemos nos tocar, um feixe de luz
atravessou a entrada do cemitério e vimos lanternas surgindo do
bosque. Era a polícia.
— Merda — sussurrei.
Bianca me empurrou.
— Ande! Pule a cerca!
— Tudo bem, vamos. — Agarrei sua mão, mas ela se
desvencilhou.
— Não, vai você, Lavin. Vou ficar aqui para garantir que eles
não te vejam.
— O quê? Por quê? Vamos logo!
Ela balançou a cabeça.
— Você tem vinte anos, não é?
— Sim, mas...
— Tenho vinte e um, então vou ficar bem. Você não pode ser
pego pela polícia saindo de uma festa. Vai ser expulso do time! —
Sua expressão ficou ainda mais séria quando as vozes se
aproximaram. Ela sussurrou: — Anda logo, Lavin!
E então eu corri. E fiz isso porque ela me disse para fazê-lo.
Porque não podia ser pego. Porque eu não sabia o que fazer além
de ouvir aquela garota que mexeu tanto comigo sem sequer ter me
beijado. Assim que passei pela cerca, me virei e vi Bianca
encostada na árvore. Um feixe de luz fez seu cabelo escuro brilhar,
e ela estava com uma mão erguida e os dedos sobre os lábios.
Quatro
ENGOLI O RESTO DO MACARRÃO e conferi o relógio. Era
segunda-feira, e eu tinha cerca de vinte minutos para chegar à aula
da noite. Levei o prato até a cozinha. Dre estava encostado na
bancada comendo frango com legumes direto de uma tigela que
parecia minúscula naquelas mãos enormes de goleiro.
Com exceção de algumas mensagens trocadas no sábado para
ter certeza de que estava tudo bem, não conversamos durante todo
o fim de semana, porque Dre foi visitar a família.
— O que aconteceu na sexta? — Ele mordeu um pedaço do
rolinho primavera, mastigando bem alto. — Quando cheguei em
casa, você já estava dormindo.
Dre tinha vinte e um anos, então não precisou sair correndo
como eu. Lavei a louça, porque Shane ficava irritado se encontrasse
a pia bagunçada.
— Saí correndo pelos fundos e fui até o cemitério com a
Bianca. Vimos alguns policiais, e então ela me mandou fugir.
Dre mastigou mais devagar antes de engolir.
— Como é?
— Ela disse que já tinha vinte e um e sabia que eu não podia
ser pego. Então ela ficou para trás e se certificou de que eles não
me seguissem.
— Sério? Isso foi legal.
Sequei as mãos em um papel-toalha.
— É, eu sei.
Quando me endireitei, Dre voltou sua atenção ao prato.
— E aconteceu alguma coisa?
Eu queria que tivesse acontecido? Porra, sim. Passei o fim de
semana inteiro com uma ereção só de pensar em Bianca. Mas teria
acontecido algo? Não. Porque eu não era idiota, e não tinha como
aquela garota me ver como alguém merecedor de estar perto dela
por muito tempo. Além disso, eu não queria que o treinador
acabasse comigo e me deixasse no banco de reservas.
Balancei a cabeça.
— Não. Você ouviu o que o treinador disse.
Dre abriu um sorriso.
— Não sei se a fúria dele me manteria longe de uma garota
como ela.
— Bem, não sou você, Dre — murmurei. — Tenho que ir para a
aula.
— Divirta-se.
— Até parece.
Ante de sair da cozinha, perguntei:
— E você? Te vi em ação na festa.
Dre sorriu para mim com aqueles dentes super brancos.
— Estou tentando conquistar uma garota, mas não está
rolando. Vou continuar tentando. — Ele piscou.
Eu ri.
— Boa sorte.
— Não preciso.
Com um aceno de cabeça, sai da cozinha. Peguei a mochila ao
lado da porta, a joguei sobre os ombros, desci os degraus da
varanda pulando e saí em disparada para a faculdade.
O sol estava se pondo, e mesmo que eu detestasse aulas
noturnas, gostava de aproveitar a caminhada até o campus, pois
sabia que nas próximas três horas não poderia esticar muito as
pernas.
Assim que cheguei, já estava exausto por ter que aguentar uma
aula de História da Educação. Mas ainda assim, corri para a sala,
me sentei em uma mesa que não rangia e me preparei para morrer
de tédio.
Ao final das três horas, saí voando dali. Talvez me matricular
nessa matéria tenha sido uma péssima ideia. Pensei que seria
benéfico para a minha grade, mas não fui feito para ficar sentado
por tanto tempo. Senti como se formigas andassem pela minha pele,
mas então percebi que era meu celular vibrando.
Puxei o aparelho do bolso e vi uma mensagem de Bianca. Parei
de andar e me sentei em um banco em frente à biblioteca.

Bianca: Onde você está?


Lavin: Oi, Bi, estou bem, tive um ótimo fim de semana, obrigado
por perguntar.

Bianca: Que ótimo, Saint. Quem salvou sua pele na sexta?

Balancei a cabeça e ri ao ler a mensagem.

Lavin: Uma garota esquisita que gosta de cemitérios.

Bianca: Ela parece ser legal.

Lavin: Acho que ela é bacana.

Bianca: Falando sério, onde você está?

Lavin: Do lado de fora da Grainger.

Bianca: Perfeito.

Lavin: Por quê?

Esperei. Não houve resposta. Fiquei encarando o celular,


pronto para receber outra mensagem. Olhei em volta, mas havia
poucas pessoas no campus, já que a última aula havia terminado.
Que besteira. Eu deveria voltar para casa, mas fiquei colado ao
banco como se, em um passe de mágica, Bianca tivesse me
prendido ali.
Bufei e fiquei impaciente, furioso comigo mesmo por não bancar
o difícil assim como Dre fazia. Era sua melhor estratégia, e as
garotas sempre caíam. Mas eu fiquei sentado naquele banco como
se fosse um cachorrinho.
Ouvi passos e olhei para cima. Bianca vinha em minha direção
pelo pátio de concreto, usando All Star branco, calça skinny e uma
jaqueta cropped. Seus cabelos esvoaçavam com o vento conforme
ela se aproximava com um sorriso largo no rosto.
Cheguei mesmo a pensar em ir embora apenas para dar uma
lição nela? Que se dane. Esperaria até a minha bunda ficar
dormente.
Bianca não disse uma palavra, apenas agarrou minha mão e
me puxou, sem sequer parar. Quase tropecei ao tentar acompanhar
seu ritmo enquanto ela descia por um caminho para longe da
biblioteca.
— Hã, oi de novo — eu disse. — Sim, estou bem. O fim de
semana foi ótimo. Comi, fiz alguns trabalhos da faculdade. O quê?
Ah, sim, dormi muito bem. Como foi o seu fim de semana?
Ela olhou para trás e revirou os olhos, ainda com aquele sorriso
enorme.
— Foi bom.
Eu a acompanhava, mas Bianca não soltou minha mão.
Estávamos indo em direção ao ginásio.
— O que estamos fazendo?
— É surpresa.
— Hmm, certo. E eu vou gostar dessa surpresa?
Ela abriu aquele sorriso sexy mais uma vez.
— Talvez.
Minhas mãos estavam transpirando. Ela percebeu? Estava com
nojo?
— Bianca, eu...
— Shhhhh. — Ela colocou o dedo sobre a boca e me puxou
com ainda mais força.
Abaixei a voz para quase um sussurro.
— Por que você está me pedindo para ficar quieto?
Ela parou e se virou tão abruptamente que demos um esbarrão.
Tive que colocar a mão em seu quadril para me equilibrar e nossos
peitos colidiram. Precisei segurar a respiração para não fazer nada
estúpido como gemer. Ela ergueu três dedos e os pressionou contra
minha boca.
— Cinco minutos. Me dê cinco minutos sem uma palavra, e aí
você vai poder me perguntar o que quiser.
Apertei os lábios. Os olhos dela eram grandes e escuros,
cintilando com as luzes amarelas dos postes. Eu disse a Dre que
não era nada, mas ali estava eu, pronto para segui-la como um
fanático.
Concordei, e ela colocou a língua entre os dentes, seus olhos
brilhando de alegria. Então retomamos a caminhada, com Bianca
me puxando pelo braço. Chegamos à porta do ginásio e ela a abriu.
Um estudante que trabalhava ali, estava sentado à mesa e tinha os
olhos grudados na tela do celular. As quadras e academia do
ginásio ficariam abertas por mais meia hora, então o trabalho dele
era escanear carteirinhas e anotar o nome de qualquer um que
quisesse usufruir das instalações. Ele mal nos olhou ao apontar
para o scanner e para o livro de assinaturas.
— O treinador Mendoza pediu que viéssemos — Bianca disse,
mostrando o crachá do tio. — Tenho que pegar algumas coisas no
escritório dele. Não se preocupe com a gente.
O crachá do tio? Ela roubou a porcaria do crachá do treinador?
Tentei puxá-la pelo braço. Aquilo era loucura. Mas ela não se
abalou, apenas me segurou com mais força enquanto me arrastava
pelo saguão. O garoto deu de ombros e voltou ao que estava
fazendo.
Estava prestes a perguntar o que ela havia planejado, mas
Bianca pressentiu que eu ia abrir a boca e, mais uma vez,
pressionou o dedo contra os lábios.
Cerrei o maxilar e não tentei resistir. Ela semicerrava os olhos
ao ler algumas das placas indicativas ao longo dos corredores. Só
quando começamos a descer para outra ala do ginásio entendi para
onde estávamos indo.
E meu palpite foi confirmado quando ela passou o crachá pelo
scanner, abrindo as portas para a área da piscina. A porcaria da
piscina, que fechou horas atrás e que estaria em completa
escuridão se não fossem a lua e algumas luzes ao longe.
Ouvimos o clique da porta se fechando atrás de nós, e foi
quando, enfim, abri a boca.
— Bianca, é melhor que os cinco minutos tenham acabado,
porque eu tenho muitas perguntas.
Ela olhou ao redor, rodopiando como se estivesse patinando no
gelo, e então os cruzou. A área da piscina era incrível. A
universidade fez uma reforma e o novo ambiente estava novinho.
Uma piscina de oito raias cobria quase todo o local, e havia outra,
menor e mais funda, com três trampolins em alturas diferentes. Ouvi
o barulho do chão molhado sob meus pés e respirei aquele ar úmido
e carregado de cloro.
— Bianca — comecei, mas minha voz sumiu no instante em
que a vi tirar os sapatos. O solado reto bateu no azulejo, e ela tirou
a jaqueta para revelar uma regata branca colada ao corpo. E então
ela levou as mãos ao cós da calça, que, em um piscar de olhos, já
estava abaixo de seu quadril, expondo um pedaço da calcinha azul-
bebê.
Senti a boca secar como o deserto do Saara. O sutiã, do
mesmo tom de sua pele, era quase transparente, e era possível ver
o contorno de seus mamilos escuros.
— Hã... — eu disse enquanto ela andava descalça em minha
direção, rebolando os quadris e os seios balançando a cada passo.
— Lavin?
Sua voz era sedutora e, naquele momento, tive certeza de que
teria feito literalmente qualquer coisa que ela me pedisse. Pular de
um penhasco? Claro. Correr uma maratona? Tragam meus tênis.
Matar alguém? Com minhas mãos.
— O que estamos fazendo aqui? — consegui sussurrar.
— Eu queria dar um mergulho.
Olhei para ela, meu corpo inteiro parecia uma fornalha prestes
a explodir. Eu estava duro? O suficiente martelar pregos. Também
estava aterrorizado? Como se um assassino em série estivesse
atrás de mim.
— Vo... você queria dar um mergulho. — Foi tudo o que
consegui verbalizar.
Bianca assentiu, como se não fosse uma loucura ela ter usado
o crachá do tio para nos colocar na área da piscina, fechada há
horas e onde, com certeza, não deveríamos estar.
— Você quer nadar? — ela perguntou, inclinando a cabeça e
mordiscando o lábio inferior.
Ela sabia muito bem o que estava fazendo. Aquela inclinada
sexy com a cabeça, o mordiscar dos lábios. Caramba, eu estava
prestes a gozar na calça. Abri a boca, mas som algum saiu. Nada.
Tudo que consegui fazer foi segui-la com o olhar enquanto ela se
virava, me deixando ver aquela bunda perfeita, que a calcinha mal
conseguia cobrir. Ah, não mesmo, suas nádegas estavam livres e
balançavam conforme ela andava.
Com uma última olhada em minha direção, ela levantou os
braços, juntou as mãos e mergulhou na piscina. Seu corpo arqueou
como uma sereia e seus cabelos pareciam um véu negro.
Então ela emergiu com a elegância de um golfinho, retirando a
água do rosto enquanto se virava para me olhar. Ela batia as pernas
para continuar boiando, e toda essa cena conferiu um novo
significado à definição de sonho molhado.
— Entre — ela disse —, a água está quentinha. E eu estou toda
molhada.
Mas é claro. Só mergulhe. Nada nessa situação seria capaz de
me fazer ser expulso do time. Ou ser suspenso da faculdade. Talvez
até expulso. Mas então ela me chamou, fazendo um gesto com o
dedo indicador, e todo o meu bom senso sumiu. Porque... o que ela
havia dito? Ah, sim. Eu estou toda molhada. Que me processassem,
mas eu seria um tolo se recusasse estar perto daquela garota toda
molhada.
Arranquei a camiseta e a calça, ficando apenas com uma cueca
boxer preta – que ainda bem, não estava furada.
E como um menino babaca e doente de amor, mergulhei. Abri
os olhos embaixo da água e nadei em direção às suas pernas que
se debatiam. Agarrei um de seus tornozelos e a puxei para baixo.
Ouvi um gemido abafado assim que seu corpo esbarrou no meu. Ela
se agarrou a mim, e através do véu de cabelos à nossa volta, pude
vê-la rindo. A boca estava fechada, mas olhos estavam bem abertos
e iluminados e as bochechas salientes por prender a respiração.
Ela me empurrou e bolhas escaparam de sua boca assim que
Bianca rompeu em risadas embaixo da água. Eu a puxei para mim
e, com facilidade dessa vez, a envolvi em meus braços antes de
subir à superfície. Emergimos com a água fazendo barulho ao nosso
redor. Havia cabelos negros em meus olhos, e cegamente tentei
agarrá-la de novo. Rindo, ela se desvencilhou, bateu pernas e, com
destreza, espirrou água em meu rosto. Grunhi e disparei atrás dela,
perseguindo-a enquanto Bianca nadava até o outro lado da piscina.
Eu era um bom nadador, mas ela também não deixava a desejar,
com a cabeça abaixada em um nado crawl.
Quando me aproximei, ela se virou, empurrando água com as
mãos e jogando no meu rosto. Ela deu um gritinho e então disparei
em sua direção mais uma vez. Ela chegou à borda a tempo de sair
da piscina e correr até um dos trampolins, e gotas de água voaram
de seu cabelo quando ela se virou para ver se eu a seguia. Parei e
descansei os braços na beirada da piscina.
— Ei, não corra.
Bianca parou com uma mão na escada do trampolim.
— O quê?
— Não quero que você caia e arrebente a cabeça no azulejo. —
Apertei os lábios no instante em que ela fez um gesto de surpresa
com a boca. Meu Deus, eu era péssimo. Uma garota seminua
queria que eu a perseguisse em volta da piscina, e tudo que fiz foi
virar uma espécie de salva-vidas.
Seu peito subia e descia enquanto ela recuperava o fôlego, e
pude ver quase tudo: a auréola escura em torno dos mamilos, os
seios pesados dentro da regata, a cintura fina que se abria em
quadris largos, como a ampulheta dos meus sonhos.
Bianca sorriu e subiu devagar no trampolim.
— Você está certo — respondeu. — Vou tomar mais cuidado.
— Tudo bem. — Senti o rosto esquentar. Queria ser esse cara
espontâneo que ela parecia desejar, e até poderia ser, mas eu
também era... eu… e não queria ter que ligar para a emergência
porque ela escorregou, caiu e desmaiou.
Ela chegou ao topo do trampolim, e esperei enquanto
caminhava até a beirada antes de mergulhar de volta na piscina.
Então ela emergiu e me lançou um sorriso largo.
— Feche os olhos.
— O quê?
— Feche os olhos.
— Por quê? — Uma torrente de água atingiu meu rosto. — Ei!
— Ande logo!
— Está bem — resmunguei e fechei os olhos.
Prestei atenção ao som da água batendo nas bordas da piscina
e aos respingos que Bianca causava. Então ouvi sua voz ecoar do
outro lado da piscina.
— Polo.
Dei risada, porque eu não brincava de Marco Polo desde que
era criança.
— Marco — respondi.
— Polo! — Bianca estava se movendo, e eu comecei também,
com os olhos ainda fechados enquanto tentava alcançá-la. Abri os
braços no meio da piscina, rodopiando apenas com a cabeça para
fora. Me esforcei para ouvi-la, e lá estava, uma inspiração muito
sutil.
— Marco — falei momentos antes de me virar abruptamente
para a esquerda.
Ela gritou e senti meus dedos roçarem sua regata.
— Polo! — Ela deu um grito agudo e percebi que estávamos
muito próximos. Fim de jogo. Disparei pela superfície da água e a
segurei com ambas as mãos. Dessa vez, consegui pegá-la. Bianca
se debatia, gritava e ria.
Sua resistência nos levou para dentro da água, onde enfim abri
os olhos, mas não a soltei. Emergi novamente, levando Bianca
comigo. Um corpo quente e firme estava pressionado contra o meu,
e antes que eu pudesse retirar seus cabelos dos meus olhos, ela
envolveu minha cintura com as pernas.
Tirei o excesso de água dos olhos, sorrindo para ela.
— Te peguei.
Bianca sorriu, e não da maneira forçada que eu já havia visto
algumas vezes. O sorriso era genuíno, como uma criança em uma
loja de doces.
— Acho que fui eu quem te pegou.
Eu continuava a bater as pernas para boiar, mas naquele
momento não sentia a gravidade. Era como se estivéssemos na
Lua.
— Hmm, eu poderia fugir se quisesse.
Ela ergueu a sobrancelha e cravou as unhas em meus ombros.
— Ah, é? Vá em frente.
Senti o coração bater mais rápido.
— Não quero.
O rosto de Bianca ficou corado. Ela se mexeu e acabou
roçando a bunda no meu pau, que já estava duro. Ela deve ter
percebido, mas não me importei. É claro que estava duro. A garota
dos sonhos estava pendurada em mim, quase nua, toda molhada e
com os mamilos enrijecidos colados ao meu peito. Normalmente, eu
me manteria flutuando na piscina por um bom tempo, mas não
estava pensando direito. Sentia o coração acelerado e as pernas
não funcionavam como deveriam, já que todo o sangue do meu
corpo corria em direção à virilha.
Comecei a bater as pernas e coloquei uma mãe em sua cintura,
usando o outro braço para empurrar a água até alcançarmos a
borda da piscina. Bati as costas na parede e escorei uma mão na
beirada, ainda segurando Bianca com a outra.
Ela não tirou os olhos de mim nem por um segundo.
Respirávamos com dificuldade por causa do esforço físico, e seus
cílios compridos e escuros estavam molhados e grudados um ao
outro. Então seu olhar começou a vagar: dos meus cabelos
castanhos, passando pelo rosto até parar no maxilar. Ela colocou as
mãos no meu peito e deslizou os dedos sobre os ossos salientes da
clavícula. A água estava morna, mas Bianca estava quente.
Incandescente mesmo, e precisei morder os lábios para não gemer.
— Tudo bem? — ela murmurou com os olhos semicerrados, e
foi uma das primeiras vezes em que a vi sem aquela confiança de
quem tem tudo à mão.
Se estava tudo bem? Ela me tocando? Não, não estava tudo
bem, porque eu estava prestes a perder a cabeça, mas ao mesmo
tempo, estava tudo tão bem que eu não queria que acabasse.
Assenti, e Bianca contorceu a boca à medida que um rubor tomou
seu rosto. Ela estava corando?
— Você estava falando sério na festa?
— Sobre o quê? — Ela esperava que eu raciocinasse bem
naquele momento?
— Que você gostava de mim... pela minha confiança.
— Sim, estava.
Então ela rebolou de um jeito que fez com que meu pau ficasse
preso entre seu corpo e minha barriga. Segurei a respiração,
temendo que minhas bolas fossem explodir.
— E você se sente atraído por mim. — Mesmo que não tenha
sido uma pergunta, concordei.
Bianca acariciou meu pescoço e agarrou meu queixo, cravando
os dedos na bochecha.
— Posso te beijar, Lavin Saint?
Meu Deus do céu. Quase chorei de desejo. Nunca, nunca
mesmo, desejei tanto alguma coisa quanto deixar que Bianca
Santos me beijasse. Sentia o sangue pulsar nos ouvidos e minha
respiração estava tão acelerada que pensei que fosse infartar. Mas
ela não desviou o olhar e continuou segurando minha cabeça. Não
ousei me mover, temendo que tudo acabasse. A única coisa que fiz
foi mover os lábios o suficiente para dizer:
— Queria muito que me beijasse.
Ela arregalou os olhos e, por um instante, eles foram tomados
por desejo. Então ela diminuiu o espaço entre nós e colou a boca à
minha.
Não respirei. Nem me movi. A única coisa que importava e que
estava viva em meu corpo, era onde Bianca me tocava. Ela mexia
os lábios, e embora eu fosse virgem, sabia beijar. Ela segurou meu
queixo com mais força, e eu inclinei a cabeça para o lado e abrir a
boca, passando a língua por seus lábios. Ela os abriu, soltando um
gemido sutil. Mantive uma mão no azulejo para nos manter na
beirada e, com a outra, agarrei sua cintura, passando o dedo por
sua pele macia e molhada, bem acima da calcinha.
Eu a beijei. Amei aquela boca. Demonstrei toda minha devoção
com a língua e lábios, porque tinha quase certeza de que não teria
mais do que isso. Caras como eu não conseguiam nem as garotas,
nem a glória, mas eu conseguiria aquele beijo. Ia me lembrar desse
momento proibido e furtivo na piscina da universidade com Bianca.
Ela parou de me beijar e encostou a testa na minha. Só então
soltou meu queixo, repousou a palma da mão na minha bochecha e
acariciou o canto da minha boca. Os olhos sempre fixos nos meus,
bem perto. Então se afastou e deslizou os dedos por meus lábios.
Quando os beijei, ela sorriu, um sorriso lindo e radiante, repleto de
deleite. Eu era o responsável por isso, certo? Eu a fiz sorrir daquele
jeito. Meu Deus, aquele sorriso por si só poderia me fazer aguentar
o resto do curso sem qualquer dificuldade.
— Bianca... — sussurrei. Era arriscado falar qualquer coisa.
Quem saberia dizer o que escaparia da minha boca quando minha
mente estava uma bagunça e meu coração pulava no peito como
um louco? Umedeci os lábios, saboreando Bianca junto ao gosto da
água. — Posso te tocar?
Queria dar tapinhas nas minhas costas. Consegui. Três
palavras. Três palavras que faziam sentido e não me fizeram
parecer um idiota.
Bianca respirou fundo e moveu o quadril contra o meu corpo.
Passou a língua pelo canto da boca e se segurou nos meus ombros.
Isso indicava alguma coisa, mas não o suficiente. Precisava tocá-la.
Precisava saber se ela estava tão envolvida quanto eu, ou se estava
apenas matando o tempo.
Ela não respondeu com palavras, mas agarrou meu pulso e o
levou até o espaço entre nós. Fechou os olhos assim que meus
dedos tocaram aquele pedaço minúsculo de tecido entre suas
pernas.
— Por favor... — Foi tudo o que ela disse.
Não perdi tempo, preocupado que ela fosse desistir se eu
demorasse. Caramba, estava com medo de que fosse tudo um
sonho, e com certeza não queria acordar antes de chegar na parte
realmente boa. Comecei a tocá-la com gentileza por cima da
calcinha, prestando atenção ao seu rosto enquanto ela abria a boca.
Não era o bastante. Eu sabia, e ela também. A porcaria de calcinha
barrava minha entrada ao paraíso.
Veja bem, eu era virgem, mas não era santo. Sabia como
chegar a um clitóris porque treinei muito, já que nunca consegui ir
além para colocar meu pau na jogada.
Puxei a calcinha para o lado e usei o dedo do meio para senti-la
até que... Bianca jogou a cabeça para trás com um gemido.
— Achei — sussurrei e me concentrei naquele ponto enrijecido,
circulando e beliscando com delicadeza. Ela arqueou o quadril e
fincou as mãos em meus cabelos.
Claro que ela estava molhada – estávamos em uma piscina,
porra –, mas eu sabia que aquilo nos meus dedos era dela. Deslizei
mais para baixo até sentir o que tanto procurava. Esfreguei ao redor
de sua entrada ao mesmo tempo em que corria o nariz pela
extensão de seu maxilar.
— Me diga se quiser mais.
— Quero — ela arfou, investindo em minha direção e fazendo
os seios balançarem abaixo do meu queixo. Eu estava em puro
êxtase, e então ela disse uma única palavra que me deixou no
limite. — Dentro.
— Ah, puta merda, sim... — murmurei antes de deslizar dois
dedos para dentro dela.
Bianca gritou, e quase gozei só de senti-la pulsando ao redor
dos meus dedos. A água estava morna, mas não era nada
comparado ao calor intenso de seu corpo. Ela olhava fixamente para
mim, mas sem o sorriso lascivo. E seus dedos agarravam os
cabelos da minha nuca, um gesto tão gentil que eu não sabia como
decifrar.
Eu sabia que precisava me mover. Fazer alguma coisa. Fazê-la
gozar. Mas por um instante, fiquei paralisado. Como cheguei até ali?
O que fiz em uma vida passada que me tornou merecedor de ter
Bianca me olhando como se eu fosse um garanhão? Esperava que
ela estivesse com os olhos fechados, pensando em outro cara ou
em alguma fantasia maliciosa, mas sua atenção estava toda em
mim. Era demais lidar com tudo, sabendo que ela estava envolvida
nisso comigo. Não tinha como desviar o olhar. Estava acontecendo.
Consegui me controlar e comecei a mover os dedos
lentamente. Deslizei o dedão para seu clitóris mais uma vez. Bianca
continuou me encarando, mesmo se esforçando para manter os
olhos abertos, mesmo com a respiração pesada enquanto roçava
em minha mão, mesmo com a água espirrando ao nosso redor
pelos esforços em conjunto.
Eu estava duro como um pedaço de madeira, e a sensação de
sua bunda roçando no meu pau estava me deixando louco. Ele teria
que esperar, já estava acostumado com isso.
— Lavin... — Bianca sussurrou meu nome como se fosse uma
prece.
— Quero te ver gozar, Bi — falei. Eu a masturbava em um ritmo
contínuo enquanto ela cavalgava em meus dedos como se não
houvesse amanhã.
— Estou quase... — gemeu. — Ah, merda, quase.
Pressionei ainda mais seu clitóris e levantei o quadril para que
meus dedos fossem o mais fundo possível. Quando ela jogou a
cabeça para trás, não vi mais seus olhos e só ouvi os gemidos
agudos que faziam minhas bolas pulsarem. Não goze na piscina,
não goze na piscina, dizia para mim mesmo com veemência
enquanto Bianca gozava.
Lentamente, ela relaxou o corpo contra o meu. Retirei os dedos
de dentro dela, não porque queria, mas por estar preocupado em
não conseguir segurá-la. Passei a mão por baixo de sua bunda,
ignorando minha ereção, enquanto ela descansava a cabeça no
meu ombro.
— Foi incrível — ela sussurrou, e pude sentir sua boca roçando
em minha pele.
Foi mesmo. Veria aqueles olhos em meus sonhos por anos.
Caramba, eu estava totalmente envolvido. E estava envolvido com
Bianca, uma pessoa que eu mal conhecia.
Encarei a parede, sem realmente vê-la, e ouvi a voz do Pop em
meus pensamentos: Você é um cara fiel. Vai encontrar a garota
certa e dará tudo de si a ela. Pela vida toda.
Meu coração dizia que Bianca era a garota, mas meu cérebro
era mais sensato. De jeito nenhum ela continuaria saindo comigo.
Eu nem tinha certeza do porquê ela havia me procurado. Talvez
estivesse precisando de óculos.
A dúvida começou a me consumir, arruinando todo o esplendor
daquilo que tinha acabado de acontecer e fazendo minha ereção
sumir. Bianca se afastou, talvez sentindo a mudança do clima. Ela
fez uma careta ao analisar meu rosto.
Tentei sorrir. O que havia de errado comigo, caramba? Queria
ser capaz de não ligar para isso e dizer algo piegas sobre como ela
havia me conquistado. Queria tentar fingir que não era nada de
mais, que eu fazia coisas como masturbar garotas na piscina o
tempo todo.
Mas eu não era assim, e com certeza não era um grande ator.
Bianca deslizou a mão pelo espaço entre nós, mas afastei o quadril
e balancei a cabeça.
— Estou bem.
— Tem certeza? — ela balançou a cabeça, surpresa.
— Absoluta — sorri e engoli aquela sensação estranha. — Fica
para outro dia — falei, mas não de um jeito descontraído. Soou
como uma pergunta esperançosa. Meu Deus, eu era patético.
Ela deslizou os dedos sobre meus lábios, observando meu
rosto, e eu precisei desviar o olhar. Chequei as horas. Droga, eram
quase onze da noite. Tínhamos que sair dali.
— Vamos — eu disse. — Temos que ir antes que nos peguem.
Bianca hesitou por um instante antes de concordar, então a
ajudei a sair da piscina. Tentei evitar olhar para sua bunda, mas
falhei miseravelmente, ainda mais depois de descobrir como era
beijá-la. Será que ela pensava que eu estava arrependido? Não
estava, e nem conseguiria.
Ela vestiu a calça, mesmo com as pernas molhadas e, em
seguida, a jaqueta. Eu estava saindo da piscina quando a porta se
abriu. O garoto da recepção entrou, olhando ao redor e franzindo a
testa. Bianca se virou muito depressa, com olhos arregalados, e
acenou para que eu me abaixasse. Balancei a cabeça, mas ela
movimentou os lábios como se dissesse: se esconda!
Obedeci. Principalmente porque estava surtando. Ser flagrado
me traria muitos problemas. Mas estava preocupado com Bianca,
ela poderia ser expulsa também, apesar de que seu tio, o treinador,
talvez pudesse ajudá-la a sair de situações complicadas. E essa
situação era complicada pra caramba.
Eu me abaixei o suficiente para não ser visto, mas continuei
vendo e ouvindo. Segurei em um canto da piscina e não ousei bater
as pernas ou fazer qualquer coisa que denunciasse minha presença
ali.
Identifiquei o instante em que o garoto a avistou.
— Hã... Ei, você não devia estar aqui.
— Tem algum horário de funcionamento para a piscina? —
Bianca perguntou, completamente inocente.
— Sim, está escrito na porta.
— Poxa. Não acredito que não vi! Desculpe. Tinha que pegar
algumas coisas no escritório do meu tio e decidi pegar um atalho.
Acabei na piscina.
— Certo, mas você não devia ter feito isso.
— Desculpe! — Seu tom de voz era animado. Eu tremia tanto
que precisei cerrar a mandíbula para que meus dentes não
batessem. Já era a segunda vez que Bianca me salvava.
— Bem, preciso te reportar isso à diretoria. — Pude ouvir a
desaprovação na voz do garoto.
— Não precisa, não. — Ela desdenhou como se não fosse nada
de mais, e então ouvi o zíper de sua jaqueta. Senti o ciúme me
percorrer. Tentei espiar e tive um vislumbre de Bianca descalça, a
jaqueta aberta. Ela caminhava até o garoto, cujos olhos estavam
fixos nos seios dela.
— Humm... — ele começou. — Acho que não preciso mesmo.
— Ele pareceu sair do transe e semicerrou os olhos. — Espere aí,
onde está o cara que estava com você?
— Foi embora faz um tempinho — ela respondeu. — Você não
o viu?
— Não... — O garoto balançou a cabeça.
— Bem, ele é silencioso. É faixa-preta ou algo assim, e se
move como um gato.
Quase gargalhei.
— Tudo bem. — Ele olhou por cima dos ombros de Bianca, e
eu mergulhei de novo. — Alguém deixou as roupas aqui. Vou jogá-
las no duto que da lavanderia.
— Ah, não precisa, tenho certeza de que... — ela começou a
dizer quando ouvimos um barulho metálico.
— Essa mochila é sua? — o garoto perguntou.
— Sim, é tudo meu. Preciso escrever um artigo, então é melhor
eu voltar ao trabalho.
— Não venha mais depois do horário, tudo bem?
— Claro. Como você se chama?
— Brad.
— Obrigada, Brad — ela ronronou o nome dele.
— Você precisa que eu te acompanhe?
— Não, está tudo bem. Só vou passar no banheiro rapidinho.
— Tudo bem.
Silêncio, e então:
— Tchau, Brad.
— Ah, sim, claro. Tchau.
A porta se fechou. Levantei a cabeça devagar e vi Bianca
correndo em minha direção e me estendendo a mão. Ela estava
mordendo o lábio.
— Lavin, me perdoe.
Fiquei de pé no chão de azulejo e me balancei como um
cachorro enquanto procurava minhas roupas. A noite foi ótima, mas
a adrenalina já tinha passado. Estava um tanto assustado e queria
chegar em casa logo.
— Está tudo bem. Onde está a minha roupa?
Ela engoliu em seco.
— Hmm... O garoto as jogou no duto, direto para a lavanderia.
— Ela fez uma careta.
Fiquei olhando para ela, tentando processar suas palavras.
— Me desculpe. Como é?
Ela apontou para uma portinha de metal na parede.
— Aquilo ali é... a porta do duto que vai para a lavanderia. Ele
enfiou suas roupas ali.
Olhei para a portinha por um instante antes de correr para ela.
Puxei-a com força e enfiei a mão lá dentro, mas só senti o metal
gelado. Coloquei a cabeça lá dentro, mas só consegui ver um duto
estreito e a escuridão total. Me virei e encarei Bianca, sentindo os
ossos gelarem e um arrepio me percorrer.
— Você está falando sério? Perdi minhas roupas? — Ela foi
mudando a expressão, e percebi o momento em que seus ombros
começaram a tremer. — Meu Deus, você está rindo? — Bianca se
inclinou para a frente e colocou a mão sobre a boca para abafar o
barulho de sua gargalhada. — Estou aqui só de cueca, encharcado,
e você está rindo!
Mas eu também estava, porque aquilo era um absurdo. Esse
tipo de coisa só acontecia comigo, e não podia nem ficar bravo,
porque eu não ligava para as roupas. Valia a pena lidar com um pau
encolhido pelo frio para ver Bianca de olhos marejados, quase
explodindo de rir.
Joguei as mãos para o alto.
— Legal. É quase meia-noite. Vou voltar tranquilo para casa,
passando pela escola primária da cidade. Ninguém vai pensar que
sou um molestador foragido ou algo assim.
Ela riu ainda mais, o cabelo molhado encharcando a jaqueta.
Suspirei e peguei uma toalha de um cesto no canto, enrolando-a na
minha cintura e cobrindo a bunda e uma boa parte das coxas.
Joguei a mochila no ombro, e Bianca finalmente conseguiu se
controlar. Pelo menos o garoto não viu meu tênis jogado em um dos
cantos, então pude calçá-los.
Ela veio ao meu encontro e me puxou pelo braço.
— Vamos, precisamos achar um jeito de sair daqui. Te dou uma
carona. Estacionei perto do ginásio.
— Pelo menos um pequeno milagre — murmurei, o que a fez
gargalhar de novo.
Entrei em casa cinco minutos mais tarde, carregando a mochila
e vestindo o tênis, a toalha e a cueca encharcada. Dre estava no
sofá com uma garrafa de água a caminho da boca enquanto me
seguia pela sala.
— Mas o quê...
— Não me pergunte. — Levantei a mão.
— Você está usando uma toalha.
— Bom trabalho, detetive.
— Saint, mas o quê...
— Finja que não me viu. — Fiz um som fantasmagórico e
balancei os dedos. — Isto é um sooo-nho, Dre Walker. Volte a
dormir.
Ele me encarou e bufou.
— Você é doido. — Ele levou a garrafa até a boca e bebeu a
água.
Subi as escadas dois degraus por vez e bati a porta do quarto
assim que entrei. Eu me encostei nela e soltei o ar que vinha
segurando há uma hora.
Fui deslizando até me sentar. Mesmo com todas as
consequências daquilo que fiz passando pela minha cabeça, eu não
me arrependia de nada. Lembrei da boca de Bianca na minha. Abri
um sorriso e encostei a cabeça na porta. Fechei os olhos, era a
única forma de imaginar que ela ainda estava ali, colada a mim, a
respiração quente na minha pele. Fiquei duro de novo.
Cinco
MASTURBAÇÃO ERA PRÁTICA COMUM PARA MIM. Na
verdade, estava em terceiro lugar na minha lista de coisas favoritas.
Segundo, talvez.
Mas nunca imaginei o rosto de alguém enquanto me
masturbava, e sempre foi assim, desde que eu era um pré-
adolescente. Eu era um cara de gostos simples. Para gozar, bastava
pensar em peitos, mamilos, bunda, boceta e dar algumas
bombeadas mais intensas no meu pau. Às vezes, eu gozava dando
puxões nas bolas ou apertando a cabeça, mas as imagens eram
sempre de corpos gostosos.
Nunca de um rosto. Nem mesmo quando tinha dezesseis anos,
vivia louco de tesão e tinha uma namorada linda. Nunca me toquei
pensando em seu rosto.
Até conhecer Bianca.
Agora, pensava só nela.
Eu estava no banho – e a água estava morna, porque o
aquecedor era do tamanho do meu mindinho –, uma mão
envolvendo meu pau, tão duro que doía, e a outra apoiada na
parede. Pensava no sorriso de Bianca, na sensação quente ao redor
dos meus dedos, no rubor de êxtase que cobriu seu rosto quando
gozou por minha causa.
Em minha fantasia, eu ficava por cima, por baixo, por dentro,
por ela inteira. Podia sentir seu cheiro em minha pele, e ela
pulsando ao meu redor enquanto arqueava as costas e...
O orgasmo me atacou como um ninja, e senti as pernas
bambearem quando gozei na parede. Mantive a boca bem fechada
para não fazer qualquer barulho, porque não sabia quem estava em
casa e não queria que zombassem de mim depois. Ainda mais
quando era o nome de Bianca que eu ia dizer.
Apertando um pouco mais meu pênis, descansei a cabeça na
parede. Droga. O que eu sentia por ela estava ficando fora de
controle. Não era somente atração – já conheci muitas garotas
gostosas –, era algo mais. Claro, queria vê-la nua, mas também
queria vê-la de verdade. Passar tempo com ela. Convidá-la para
sair.
Então, como se fosse um sinal divino de que aquilo nunca
aconteceria, a água ficou gelada. Gritei e desliguei o chuveiro.
Sequei o cabelo e limpei o vapor do espelho do banheiro minúsculo.
Era muito pequeno. Para conseguir usar o vaso, eu precisava ficar
com as pernas abertas, senão os joelhos batiam na parede. Não
sabia como Dre, alto daquele jeito, fazia, mas também não queria
ficar pensando nesse tipo de coisa.
Vi meu reflexo no espelho. Estava corado por causa do
orgasmo e me sentindo culpado por ter pensado nela. Deus, eu
estava enlouquecendo.
Escovei os dentes bem rápido e vesti uma cueca antes de
voltar para o quarto. Procurei uma calça de moletom e me estirei na
cama, fechando os olhos por um momento. O treino foi exaustivo e
o treinador estava com o humor terrível, o que significava que só
havia ódio dentro dele. Já era difícil aprender uma nova posição em
dias bons, e daquele jeito eu não consegui fazer nada direito. Sentia
dores no corpo todo e estava morto de fome. Só me faltava energia
para me levantar da cama e ir atrás de comida. Precisávamos de
uma empregada. O lado bom é que era sexta-feira, ou seja, sem
aula por dois dias.
Ouvi baterem à porta lá embaixo, mas ignorei, pois sabia que
Zac estava na cozinha. Peguei o celular e fiquei navegando pelas
mensagens. Vi Bianca nas aulas de terça e quinta, mas não
conseguimos conversar, porque ela chegou tarde e foi embora mais
cedo, embora tenha sorrido e acenado para mim. A única
mensagem que ela me mandou foi hoje de manhã, mas era apenas
uma selfie em frente ao ginásio com um emoji piscando. E é claro
que fiquei olhando para a foto por tempo demais.
Ouvi uma nova batida, e alguém abriu a porta. Rolei para o
lado, considerando tirar um cochilo antes do jantar quando escutei
uma voz feminina.
Bianca? Me sentei, ouvindo passos nos degraus.
— Lavin? — ela chamou, e engatinhei para fora da cama,
caindo de bunda no chão antes de conseguir ficar de pé. Zac a
deixou subir? Em desespero, olhei ao redor e comecei a enfiar
cuecas sujas e meias embaixo da cama, além de conferir se os
lençóis não cheiravam a gozo, já que não era só no banho que eu
me masturbava pensando nela. Que merda de vida.
E lá estava Bianca, no meu quarto, ocupando o espaço com
uma presença que era muito maior do que ela mesma. E ela não
evitou olhar em volta. Andou pelo quarto como se fosse dona dele,
tocando nas coisas e até mesmo cheirando-as.
Tentei parecer tranquilo, como se não tivesse acabado de gozar
no banho pensando em como seria transar com ela.
— Procurando alguma coisa?
Ela olhou para o meu peito nu e corou.
— Oi para você.
— Oi.
— Como foi o treino?
Dei de ombros.
— O de sempre.
Ela me olhou.
— E o que isso quer dizer?
— Você quer mesmo ouvir os detalhes técnicos do treino?
Ela inclinou a cabeça para o lado e cruzou os braços. Bianca
usava uma calça jeans bem justa, com furos em lugares
estratégicos, um All Star de outra cor – vermelhos desta vez – e
uma camiseta preta também justa.
— E por que eu perguntaria se não quisesse ouvir?
Contorci os lábios. Bom argumento.
— Certo. Bem, o treinador me colocou na posição de falso
nove. — Olhei para avaliar se ela sabia do que eu estava falando.
Ela assentiu.
— Conheço o jogo. Continue.
— Tudo bem. É tudo novo para mim. Pode não parecer uma
grande mudança, mas é uma visão totalmente diferente. Estamos
nos acostumando com a nova formação.
— E você está gostando?
— No momento não, porque não me sinto confortável.
Bianca concordou.
— Faz sentido. Mas tenho certeza de que você vai melhorar.
— Agradeço o voto de confiança, mas posso me dar mal. Não
tem como você saber.
Ela arqueou a sobrancelha.
— Ah, não? Já assisti às gravações do meu tio algumas vezes.
Vi você jogar, Saint. Você vai conseguir.
Bianca falou com tanta convicção que não ousei contra-
argumentar.
— Espero que esteja certa, porque dou o melhor de mim em
cada treino.
— Eu sei disso — ela falou, sorrindo. E então bateu palmas. —
Está com fome?
Naquele exato momento, minha barriga roncou. Bianca ficou na
ponta dos pés e havia um brilho em seus olhos.
— Perfeito. Temos planos.
— Planos?
— Sim. Vista uma camiseta, bonitão. Vamos sair.
— Aonde vamos?
Ela gemeu em desaprovação.
— Quantas perguntas.
— Sim, tenho perguntas, porque da última vez que nos vimos
eu acabei voltando para casa só de toalha. — E com as bolas roxas,
pensei comigo.
Ela se encolheu.
— Sinto muito por isso. Ah! — Ela remexeu na bolsa que
carregava e puxou um saco plástico. — Aqui.
Peguei o saco de suas mãos, o abri e encontrei minha calça e
camiseta dobradas. Minha nossa, nunca pensei que as veria de
novo.
— Você pegou minhas roupas?
Ela balançou as sobrancelhas.
— O crachá do meu tio dá acesso a muitos lugares do ginásio.
Peguei suas roupas do cesto da lavanderia.
Estavam lavadas e tinham o cheiro dela.
— Você as lavou?
— Sim, estavam com dezenas de toalhas fedidas e úmidas. —
Ela deu de ombros.
— Não precisava...
— Precisava, sim. Você vai vestir uma camiseta para podermos
comer? Estou morrendo de fome.
— Preciso trocar a calça?
— Não, não é um lugar chique.
Dei de ombros e vesti uma camiseta e um moletom. Coloquei o
celular e carteira no bolso e disse:
— Vá na frente.
Ela desceu, pulando quase todos os degraus. Quando
chegamos no andar de baixo, não havia ninguém ali, mas ouvi sons
na cozinha.
— Estou saindo para comer! — avisei.
— Tudo bem! — Zac respondeu. Dre e Shane não estavam em
lugar nenhum.
Bianca me arrastou pela rua, direto para a hamburgueria vinte e
quatro horas da cidade. Antes que entrássemos, ela se virou para
mim.
— Você gosta de asinhas de frango, não é?
— Asinhas? Gosto. — Gesticulei para a porta. — A lanchonete
After Dark faz as melhores.
Ela juntou as mãos e as esfregou.
— Maravilha! Porque vamos participar da competição de comer
asinhas.
— Espere, o quê?
Ela apontou para uma placa pendurada na porta que eu não
havia notado.

Sexta-feira, sete da noite.


Batalha das Asinhas.

— Bianca, não podemos ir entrando assim. Você tem que se


inscrever antes.
— Eu me inscrevi — ela respondeu, abrindo a porta.
— Tudo bem, mas eu não.
Ela me olhou como se eu fosse burro.
— Você não se inscreveu. Mas eu te inscrevi.
Ela soltou a bomba no meu colo e entrou na lanchonete
dançando.
Fiquei parado ali, observando-a. Ela me inscreveu em uma
competição e presumiu que eu aceitaria participar? Eu quis me dar
um soco. Mas é claro que aceitaria. Até parece que diria não.
E, caramba, uma competição era irresistível. Eu amava
participar.
Segui Bianca para dentro e vi que já havia algumas pessoas
reunidas. A After Dark era bem pequena e tinha quatro conjuntos de
mesa com sofá de um lado, um balcão com bancos na parede dos
fundos, perto da cozinha e algumas mesas no centro. Uma escadas
bamba levava ao andar de cima, que era ainda menor. Eu sabia que
tinha cerca de cinco mesas lá.
O lugar estava lotado, mas era bem óbvio quem eram os
competidores, já que estavam lado a lado no balcão e havia pratos
de asinhas na frente de cada um. Ativei o modo competidor e
encarei os adversários. Mike Delaney estava lá com a própria
torcida. Havia também uma jogadora de softbol que se chamava
Maggie, Mindy ou algo assim e dois caras que reconheci da
faculdade, mas não sabia quem eram. E então havia Bianca, que
estava agindo como uma criança no Natal. Pulava com as mãos
unidas e erguidas à sua frente.
— Vocês vão perder feio! — ela urrava como uma maníaca. —
Mal posso esperar para sair daqui cem dólares mais rica enquanto
todos vocês sofrem.
De verdade? Não havia muita coisa que Bianca fizesse que não
me excitasse, mas ouvi-la xingar daquele jeito... Se segure, coração.
Fiquei ao seu lado depois que o gerente confirmou nossos
nomes para, enfim, explicar as regras. Mas eu já as conhecia. Uma
vez ao ano, a After Dark realizava essas competições. Nunca
participei, porque não me lembrava de fazer a inscrição a tempo.
— Vocês têm que comer quantas asinhas conseguirem em
vinte minutos — explicou. — Se vomitarem, estão fora. É isso. Cada
prato tem vinte asinhas. A cada prato que terminarem, entregamos
outro. Há também um assistente ao lado de cada um para conferir
se as regras estão sendo seguidas. Vocês têm que comer direto do
osso, sem arrancar pedaços com as mãos. E o osso tem que ficar
limpo. O ganhador levará cem dólares, sua foto ficará na parede da
lanchonete e ganhará o direito de se gabar. Entendido?
— Qual é o recorde? — Bianca perguntou.
— Setenta e nove asinhas — ele respondeu.
Ela arregalou os olhos e se virou para mim. Setenta e nove?
Falou, sem emitir som.
Eu me inclinei em sua direção.
— Você está tentando me intimidar? Me distrair?
— O quê? — Ela piscou.
Girei os ombros, balancei os braços e alonguei o pescoço.
— Você é minha adversária agora. Se concentre nas suas
asinhas que eu me concentro nas minhas.
Bianca ficou sem palavras por um instante e então estreitou os
olhos e deixou um sorriso perverso se espalhar em seu rosto.
— Aaah, estou entendendo.
— Exato. — Tirei o moletom e o coloquei no balcão.
— Você vai perder feio, Saint.
Dei palmadas na barriga. Ela não fazia ideia. Seria como tirar
doce de uma criança.
Mike Delaney esmurrou o próprio peito como um animal.
— Atual campeão aqui. Desistam agora mesmo, seus
perdedores.
— Ah, vá se ferrar — Maggie/Mindy retrucou.
— Todos prontos? — o gerente gritou. — Sinalizem positivo se
estiverem. — Conferiu se todos estavam com o dedo levantado e
bateu palmas. — Começando agora! Já!
Por mais que quisesse ver Bianca, eu tinha cem dólares para
ganhar. Enfiei uma asinha inteira na boca, mordi e puxei,
arrancando toda a carne de uma só vez. Larguei o osso no prato e
senti os olhos dela em mim.
— Meu Deus — ela murmurou.
Não me atrevi a olhar para o lado. Eu parecia um aspirador,
comendo as asinhas e limpando o prato em minutos enquanto
formava uma pilha de ossos. A garota que anotava o quanto eu já
havia comido rabiscava o papel como louca. Tomei um gole de água
enquanto colocavam outro prato na minha frente. Quando acabei o
segundo, sentia a mandíbula doer. Olhei quanto tempo faltava. Dez
minutos já haviam se passado, e eu estava em quarenta asinhas.
Arrotei, e o som ecoou pelas paredes e arrancou alguns “vivas” do
público.
Arrisquei dar uma olhada para Bianca, que havia comido um
prato e meio. Nada mal. Mas estava bem atrás de mim. Não pude
conferir como os outros estavam, mas consegui ver a pilha de ossos
do Mike. Quase do tamanho da minha. Engatei no terceiro prato e
estabeleci um ritmo. Morder, sugar, mastigar, engolir. Morder, sugar,
mastigar, engolir. Senti a mandíbula reclamar, a garganta raspar e
minha barriga já estava saliente. Mas levaria aqueles cem dólares e
convidaria Bianca para sair. Um encontro de verdade. Um que fosse
legalmente permitido e que eu ficaria sem roupa por opção.
Três pratos. Quatro pratos. Quando comecei o quinto, senti meu
corpo protestar. Podia jurar que havia carne até o esôfago.
Engasguei algumas vezes, cerrando o punho sobre a boca e
fechando-a para que não voasse comida por toda parte. Quando a
sensação passou, continuei. Enfiei outra asinha na boca, sem sentir
o gosto e ficando mais perto da vitória.
— Tempo! Mãos para cima! Língua para fora! — o gerente
gritou, e eu larguei o último osso e joguei as mãos para o alto
enquanto engolia um pedaço com certa dificuldade. Engasguei mais
uma vez antes de abrir a boca e colocar a língua para fora. A garota
que anotou a minha quantidade era garçonete ali, e eu já a havia
visto algumas vezes na faculdade. Ela conferiu minha boca e então
corou, me lançando um olhar furtivo. Ela era bonitinha, mas eu tinha
olhos apenas para a garota ao meu lado.
Não percebi que Bianca tinha prendido o cabelo, que agora
estava em um coque bagunçado bem no topo da cabeça. Ela olhava
meu prato com olhos arregalados.
— Puta merda, Lavin. — Ela me olhou nos olhos, e sei que
minha aparência não devia estar boa. Umedeci os lábios e senti o
gosto do molho. Minha camiseta estava coberta por pedaços de
frango e gotas de molho, como se eu tivesse ido à guerra. Limpei o
rosto na manga da camiseta. — Quantas você comeu? — ela
perguntou.
Fiz as contas em silêncio.
— Mais de oitenta.
— Lavin! — ela gritou.
Mike se inclinou e esticou o pescoço para conferir minha pilha
de ossos.
— Merda. — Consegui ouvi-lo murmurar.
Levei a mão ao rosto de Bianca e limpei uma gota de molho de
sua bochecha. Seus olhos ainda brilhavam, e ela estava corada.
— Acho que você ganhou! — ela gritou, sem se preocupar em
falar baixo. — Foi incrível! Nunca tinha visto alguém comer asinhas
tão rápido assim.
Ela me olhava como se eu fosse um herói, sendo que tudo que
fiz foi comer uma tonelada de frango.
— Não foi minha primeira vez — respondi. — O pessoal do time
faz esse tipo de coisa, e sempre ganho.
— Quem diria que você era um saco sem fundo? — Arrotei de
novo, e ela torceu o nariz. — Nojento.
— Acredite, tem um fundo. — Senti o estômago revirar. — Eu o
estou sentindo agora mesmo.
— Certo, certo. — O gerente desfez a pequena roda de juízes.
— Temos um vencedor e um novo recorde! Com oitenta e oito
asinhas, o vencedor da competição anual da After Dark é Lavin
Saint, que leva o prêmio de cem dólares!
Bianca gritou tão alto que meus ouvidos doeram. Ela pulava
como se eu tivesse ganhado na loteria, e então começou a fazer
uma dancinha, girando.
— Espere — ela disse e parou, como se tivesse pensado em
algo de repente. — Quem ficou em segundo lugar?
O gerente conferiu as anotações.
— Você. Bianca Santos, com sessenta e cinco asinhas.
Ela começou a gritar de novo, e Mike atirou as mãos para o
alto.
— Não foi meu melhor desempenho — comentou em alto e
bom som enquanto seus colegas de time o vaiavam.
Tudo o que eu queria era me deitar. Minha barriga estava
estufada e doía, como se eu estivesse prestes a dar à luz um bebê
de três quilos. Depois de tirar minha foto, o gerente me entregou
uma nota de cem dólares toda amassada, que enfiei no bolso
enquanto pegava meu moletom. Tínhamos que ir antes que meu
corpo decidisse por qual buraco expulsaria a comida. Nem eu ia
querer estar ali quando isso acontecesse. Passei o braço pelos
ombros de Bianca.
— Vamos?
Ela assentiu, ainda sorrindo de orelha a orelha.
— Vamos pegar um caminho mais demorado. Preciso fazer a
comida baixar.
— Eu também — respondi. — Podemos fazer isso. — Por mais
que quisesse me deitar, sabia que provavelmente não conseguiria
respirar se o fizesse.
Saímos da lanchonete e começamos a caminhar a passos
lentos pela calçada já que nenhum conseguia andar muito rápido.
— Por que você quis participar de uma competição de comida?
Ela deu de ombros.
— Sempre quis. Passei tantos anos me preocupando com o
que comia que fazer algo assim estava fora de questão. Então
queria saber como seria.
— Por que você se preocupava com o que comia? — perguntei,
mas Bianca mordeu o lábio e franziu a testa. Eu não era burro. Sua
expressão me dizia que ela estava procurando um jeito de contornar
a pergunta ou de mentir. — Na verdade, não tem problema, não
precisa responder. Estou contente por você ter conseguido. Você se
divertiu?
Ela se alegrou no mesmo instante e relaxou os ombros.
— Foi incrível. E ainda fiquei em segundo lugar!
— E por que me arrastou junto?
Ela sorriu para mim e me apertou no quadril.
— Porque sabia que seria mais divertido se você fosse. —
Ouvir isso me fez querer estufar o peito de orgulho. — Só não
imaginei que você fosse arrasar desse jeito. Você é uma máquina.
Não me sentia uma máquina. Sentia que ia vomitar. E assim
que pensei nisso, senti o estômago embrulhar. Merda.
— Ah, não — sussurrei, aterrorizado tentando ao máximo
engolir enquanto minha boca se enchia de saliva e minha garganta
se contraía. — Não, não, não — resmunguei.
Eu era o herói de Bianca! Seu Cavaleiro de Armadura de
Asinhas de Frango. E lá estava, prestes a vomitar por toda a
calçada. Senti a garganta se contrair uma última vez e soube que
não havia como impedir o inevitável. Corri até o gramado e comecei
a esvaziar o estômago, com uma golfada poderosa. Eu não tinha
mais controle sobre meu corpo, e meu estômago reclamava. Tudo
que pude fazer foi ficar ali, curvado enquanto sentia os músculos se
contraírem.
Senti sua mão em minhas costas, me acariciando. Como se
meu desgosto por vomitar na frente dela já não fosse o bastante.
Não, ela tinha que estar ali, bem ao meu lado. Tentei afastá-la com
uma das mãos, mas meu estômago se retorceu de novo, e coloquei
para fora o resto das asinhas.
Apoiei as mãos nos joelhos e baixei a cabeça, me perguntando
se haveria alguma vez, uma única vez, em que eu estaria com
Bianca sem que algo insano acontecesse. Primeiro, corremos da
polícia, depois roubaram minhas roupas, e agora eu estava
vomitando como uma criança que comeu chocolate demais.
Gemi. Minha cabeça doía, o estômago reclamava e meu
pescoço estava tenso de tanto vomitar. Ela colocou uma garrafa de
água debaixo do meu nariz, e eu a peguei. Quando tive certeza de
que conseguiria ficar de pé, me endireitei e entornei um grande gole,
fazendo bochecho antes de cuspir a água. Repeti o processo mais
uma vez e bebi o restante, torcendo para que acalmasse meu
estômago.
Foi somente então que olhei para Bianca, que apertava os
lábios e tentava não rir. Apontei um dedo em sua direção.
— Não conte a ninguém que vomitei. Só por cima do meu
cadáver vão pegar o dinheiro de volta.
Ela riu.
— Não vou contar.
Sorri de orelha a orelha.
— O gosto é o mesmo.
— Eca! — Ela torceu o nariz e deu um tapa no meu ombro. —
Que nojo.
Balancei a sobrancelha.
— Que tal um beijo?
Bianca se afastou, dando risada e erguendo as mãos para me
manter distante.
— Não, fique longe de mim!
Fiz beicinho e simulei um beijo.
— Vamos, só um beijinho.
Ela riu ainda mais.
— Não ouse encostar em mim. — Mas ela mordiscava a língua
e se posicionava para correr. Queria que eu a perseguisse? Porra,
eu faria isso. Me sentia dez quilos mais leve.
Corri em sua direção, e ela gritou, disparando a passos rápidos
pela calçada, comigo em seu encalço. Consegui alcançá-la sem
demora e abracei sua cintura, levantando-a do chão enquanto ela
gritava e se debatia. Enterrei o rosto em seu pescoço, beijando a
pele com estalidos altos. Bianca dava risada e gritava meu nome.
Como eu amava isso. Amava tê-la em meus braços, ouvi-la
dizer meu nome enquanto a fazia rir a ponto de perder o ar. Quando
finalmente a coloquei no chão, ela segurou minhas mãos, que
estavam em sua cintura, mas não me afastou. Pelo contrário, as
manteve ali.
— Obrigada por me acompanhar. — Bianca não estava mais
rindo, então estiquei o pescoço e vi que ela olhava para nossas
mãos sobre sua barriga.
— Não perderia por nada. E ainda levei cem dólares e saí com
você.
Ela queria saborear a vida mais do que qualquer pessoa que eu
conhecia. O mundo era seu parque de diversões, e era bom brincar
com Bianca. Quando ela estava por perto, tudo ficava mais bonito...
a comida tinha mais sabor... Caramba, até o ar ficava mais fresco.
Notei o enorme sorriso se espalhando por seu rosto. Bianca
saiu do meu abraço, e eu a soltei. Ela se virou, andando para trás
com uma mão erguida.
— Eu disse ao Michael que voltaria antes de escurecer, e estou
ficando sem tempo.
Era verdade, pois o sol estava quase se pondo.
— Quer uma carona? Não tenho carro, mas posso pegar a lata
velha do Shane emprestada. Estamos mais perto da minha casa do
que da do treinador.
— Você não tem carro?
Balancei a cabeça.
— Tinha, mas ele quebrou no semestre passado. Ainda não
consegui comprar outro, então o Shane me empresta o dele sempre
que preciso.
Ela sorriu.
— Não precisa, estacionei aqui perto. Desculpe, preciso mesmo
ir.
— Sem problemas. Só me prometa que vou poder gastar esse
dinheiro com você.
Bianca parou de andar e ficou imóvel.
— O quê?
Será que deduzi errado? Claro, nos beijamos, mas talvez...
talvez ela beijasse os amigos. Não teria como ela saber que eu era
menos preocupado com essas coisas do que ela. Tive que me
esforçar para não voltar atrás ou balbuciar alguma coisa estúpida.
— Quer sair comigo? — Ela estava ofegante e começou a
mexer as mãos ao lado do corpo, olhando sobre meus ombros para
lugar nenhum. Droga. Estraguei tudo. — Quer dizer, não quero te
pressionar, ou algo assim. Eu poderia chamar meus amigos em vez
disso, mas você é mais bonita que o Dre, então pensei...
O que eu pensei? O que eu ia fazer? Levá-la em um encontro e
pedi-la em namoro? Caia na real, Lavin.
Razão número um para ser uma péssima ideia: o treinador me
mataria.
Razão número dois: o treinador me mataria.
Número três: ela era muita areia para o meu caminhão.
Número quatro: o treinador me mataria.
Acenei, sentindo a nota em meu bolso pesando alguns quilos.
— Esqueça. Você precisa chegar na sua casa antes que o
treinador saia te procurando, me encontre e eu acabe virando
comida de gato.
Bianca ainda não havia falado nada. Ficou ali imóvel, como se
tivesse visto um fantasma.
— Bi, você está bem para ir andando?
Ela balançou a cabeça, finalmente focando em mim e sorrindo.
Mas era aquele sorriso do qual eu não gostava, aquele forçado que
a vi usar com Mike e outras pessoas. Gente que não era eu. Meu
estômago embrulhou de novo.
— S-sim. Estou bem — ela gaguejou.
Franzi a testa, e mais uma vez me ocorreu que talvez eu fosse
apenas um entre os caras com quem ela havia feito amizade no
campus. Talvez houvesse alguém que a levava para jantar, outro
que a acompanhava às aulas, e ainda outro que lhe dava uvas na
boca enquanto a abanava com um leque de folhas de palmeira.
Só de pensar nisso fiquei com raiva e quis chorar ao mesmo
tempo.
— Certo. Dirija com cuidado.
Eu me virei para ir embora por um caminho que não era o da
minha casa, tudo para não passar ao lado dela. Não queria sentir o
cheiro de seu cabelo ou olhar para sua expressão de espanto.
Queria fingir que estava tudo bem, que conseguiria lidar com aquela
relação casual que tínhamos.
Não a ouvi chamar por mim, mas também não escutei seus
passos. Quando cheguei na esquina, olhei por cima do ombro, mas
Bianca já havia sumido.
Seis
UMA CIDADE UNIVERSITÁRIA EM UM SÁBADO, às sete e
meia da manhã, era praticamente um lugar deserto. Os jovens
dormiam para se recuperar da ressaca, e os moradores
compensavam o sono perdido por terem passado a noite
denunciando a algazarra.
Eu? Estava correndo pelas ruas. Depois de ter vomitado as
tripas e feito papel de palhaço na frente da Bianca, preferi ficar em
casa. Dre foi a uma festa com Zac, Shane estava com alguns de
seus amigos da comunidade LGBTQIA+ do campus, e eu fiquei
colocando alguns trabalhos em dia. Não queria estar perto de
ninguém.
Então acabei acordando cedo demais e fiz o que normalmente
fazia quando lidar com meus pensamentos ficava complicado: fui
correr.
Sentia os braços pulsarem e ouvia meu tênis ressoar no chão
em um ritmo constante e estável. Entrei na Courtney Road, que
levava para a parte mais calma da cidade e ia para algumas ruas
secundárias. Os arredores da cidade eram, em sua maioria,
fazendas e isso significava lugares com pouco trânsito. Eram ideais
para corridas, se o cheiro de esterco não fosse um problema.
Normalmente, eu fazia a mesma rota, porque rotina era algo
que me deixava confortável. Por esse motivo, toda a história com
Bianca e com a nova posição no time estava me fazendo sentir bem
incomodado. Ao passar por outra curva na estrada, me forcei a ir
mais rápido. Meus pensamentos sumiram, como sempre acontecia
quando estava correndo. E depois era puro êxtase: o som da
respiração pesada e do coração batendo em meus ouvidos, a lufada
de ar fresco sobre os braços molhados de suor.
Cerca de cinco quilômetros depois, ouvi um carro se
aproximando pela esquerda. Fui para mais perto do acostamento
para que a pessoa pudesse passar sem problemas. Eu estava
correndo do lado errado, mas como o lugar costumava ser deserto,
não me importei.
Mas o carro não me ultrapassou, pelo contrário, desacelerou
até ficar no meu ritmo. Olhei para trás e quase caí de cara no chão
quando vi Bianca sorrindo para mim do banco do motorista em seu
MINI Cooper azul. Pensei em acenar e continuar a corrida, mas eu
era um idiota e queria vê-la, principalmente porque nos despedimos
com um clima esquisito na noite anterior. Diminui o passo até
pararmos. Com as mãos na cintura, puxei o ar.
Bianca abaixou a janela do passageiro, e eu apoiei a mão na
porta. O carro era impecável e havia um cristal roxo pendurado no
retrovisor.
— Ei. Chegou bem em casa?
Ela assentiu.
— Como você está?
— Bem.
Ela deu um sorriso forçado.
— Que bom.
Ficamos em silêncio. Eu não sabia o que dizer. Não era um
daqueles caras que se faziam de difícil, até porque eu era péssimo
em fingir. Também não queria seguir cada uma das ordens de
Bianca e depois ficar me culpando por perceber que tudo aquilo não
era recíproco.
— Eu vou... — Me afastei da porta e apontei para a estrada.
Ela mordeu o lábio enquanto olhava pelo para-brisa.
— Quer dar uma volta?
— Uma volta?
Bianca se virou para mim, mas não sorria. Na verdade, pude
jurar que vi sua boca tremer.
— Só uma volta. Prometo que não vou tentar te convencer a
escalar a torre do relógio do campus todo coberto de azeite ou algo
assim. — Dei risada, mesmo que uma voz interior gritasse que eu
faria isso se ela pedisse. Eu estava tão ferrado. — Só uma voltinha.
Por favor.
O pedido era sincero, ela não fazia charme. Era simples.
Apesar de me lembrar da rejeição do dia anterior, abri a porta do
carro e me sentei no banco do passageiro.
— Só um aviso: corri quase cinco quilômetros, então talvez não
esteja muito cheiroso.
Agora ela sorria de orelha a orelha enquanto eu colocava o
cinto de segurança.
— Não ligo — respondeu. — Pronto?
Assim que o clique do cinto ecoou, ela arrancou como se fosse
um foguete. Como os vidros estavam abertos, o vento fazia seu
cabelo rodopiar na cabeça. Ela parecia ter saído de um filme, com
seus óculos de sol enormes – um filme no qual moleques como eu
não pertenciam. No meu lugar deveria estar alguém charmoso e
experiente, que saberia dizer a coisa certa e que não tivesse uma
ereção só de ver o sol brilhar em seus cabelos. Eu era um desastre.
Bianca apertou um botão no console, e uma canção da Halsey
começou a sair dos alto-falantes. Como Shane amava essa cantora,
fazia meses que o álbum Bandlands tocava sem parar em casa. Ela
começou a cantar, e foi apenas no refrão que me juntei a ela a
plenos pulmões. Ela jogou a cabeça para trás e riu quando cantei a
parte sobre ficar de boca fechada.
Em determinado momento, ela abaixou o som.
— Que curso você faz?
— Pedagogia.
Ela demonstrou surpresa.
— Você quer ser professor?
— Tiramos férias no verão! — respondi empolgado, e Bianca
arqueou a sobrancelha. — Mas também gosto de crianças. Meu
primo tem filhos que são como sobrinhos para mim. Prefiro muito
mais me enfurnar com eles no porão e deixá-los colarem tatuagens
temporárias na minha testa a me sentar à mesa e falar de coisas de
adulto.
Ela concordou com veemência.
— Também odeio assuntos de adulto. — Então levantou um
dedo. — A não ser pelo fato de que amo comer bolo no café da
manhã sem que ninguém me proíba.
— Sim! Gosto demais de poder maratonar a série Breaking Bad
no final de semana sem que alguém fique me cobrando com coisas
do tipo “levante do sofá” ou “Vá tomar banho”.
Bianca riu.
— Ou: “Por que está sem calça?”.
— Ou: “Por que seu computador tem tanto pornô?”.
Sim, eu disse isso. Em voz alta.
Puta que pariu.
Bianca quase saiu da estrada quando caiu na gargalhada,
dando tapas no volante. Era bem provável que eu estivesse
vermelho, mas o que poderia fazer?
Depois de quase arrancar uma caixa de correio, ela parou o
carro no acostamento e arfou algumas vezes enquanto lágrimas
rolavam por seu rosto. Mordi o lábio e esperei até que ela se
acalmasse.
— Preciso achar um rímel à prova de Lavin — ela disse,
conferindo a maquiagem no espelho. — Será que existe?
Ela me olhou com aqueles olhos grandes e castanhos, e eu
nunca me senti tão orgulhoso por fazer alguém rir. Claro, esse era
meu papel. Eu era o cara engraçado, o alívio cômico da friend zone.
Minha vida era um filme, e eu era o comediante Seth Rogen antes
de emagrecer.
Mas Bianca não me olhava como a maioria das garotas, o que
era insano. Ela suspirou e sua expressão suavizou. Então encostou
a cabeça no apoio do banco. Olhei ao redor. Estava tão entretido
ouvindo Halsey e cantando desafinado que não havia percebido que
estávamos fora da cidade. À nossa volta, havia um campo com
grama bem alta e uma brisa suave ondulava a água de uma lagoa
próxima. Não havia casas à vista, a não ser por uma estrutura que
passava a impressão de ter sido um abrigo para um ou dois cavalos
no passado.
Bianca falou, me fazendo voltar minha atenção para ela.
— E eu gosto disso, de poder pegar o carro e dirigir com quem
eu quiser para onde quiser. — Ela virou a cabeça em minha direção.
— Você não concorda?
Estava perdido em seu olhar.
— Sim. Acho que ser adulto é bom às vezes.
Ela sorriu de uma forma gentil. Algo me dizia que poucas
pessoas viam esse sorriso.
— O que você está cursando? — perguntei.
Ela bateu com os dedos no volante.
— Hotelaria.
— Sério? E o que te fez escolher esse curso?
— Amo organizar eventos. Adoraria ser coordenadora em um
hotel.
Conseguia imaginá-la nesse cargo, andando de um lado a outro
em uma saia-lápis, segurando uma prancheta, óculos na ponta do
nariz e o cabelo preso em um coque. Todos comeriam em sua mão.
— Aposto que vai se dar bem organizando e delegando funções
— eu disse. — Você tem um jeito que faz as pessoas quererem
seguir sua liderança para te deixar feliz.
Ela me olhou com o canto do olho.
— Acha mesmo?
Dei de ombros.
— Acho. Mas também pode ser só impressão minha. De
qualquer forma, acho legal que você queira fazer isso.
— Obrigada — ela respondeu com gentileza, e tive a impressão
de que ela realmente ficou feliz por eu ter aprovado. Ou talvez fosse
apenas um desejo meu.
Seu celular tocou, e ela jogou a cabeça para a frente, ficando
tensa no mesmo instante. Procurou pelo aparelho no console, mas
não pude ver sua expressão, porque o cabelo a escondia.
Ela deslizou o dedo pela tela e parou. Bianca tremeu de forma
tão sutil que pensei ter imaginado, mas então ela jogou o celular no
banco de trás e saiu do carro aos tropeços.
Alarmado, saí em disparada atrás dela, sentindo o cinto de
segurança me estrangular antes que eu me lembrasse de tirá-lo.
Quando consegui sair do carro, Bianca já estava na metade do
campo e corria em direção à lagoa.
Fui atrás dela, mas minhas pernas estavam bambas da corrida
e pelo nervoso. A ansiedade emanava de seu corpo como uma
onda e penetrava por meus poros. Eu queria ajudá-la a se livrar
disso. Queria que voltasse a ser a Bianca despreocupada e feliz que
ria de pornôs. Desde que a conheci, eu vinha fazendo vista grossa
para uma nuvem pesada que pairava sobre ela às vezes. Metade do
tempo, estava mais concentrado em como ela me fazia sentir e no
que fazer para impressioná-la.
Quando a alcancei, ela estava na beira da lagoa, segurando o
All Star azul-celeste nas mãos e mergulhando os dedos do pé com
esmalte rosa na água. Bianca usava uma calça jeans enrolada até
metade da canela e uma camiseta justa azul-marinho.
Ela virou a cabeça quando me aproximei e uma sombra passou
por seu rosto antes que ela conseguisse afastá-la.
— Ei, me desculpe...
— Não se desculpe — respondi, parando ao seu lado. — O que
aconteceu? Você está bem?
Ela acenou e mais uma vez sua expressão vacilou antes que
ela conseguisse disfarçar. Eu detestava o fato de que ela pensasse
que deveria agir assim perto de mim.
— Estou bem.
— Bianca, escute. Você não precisa me contar nada, mas não
quero que pense que precisa fingir estar feliz se tem alguma coisa te
incomodando. Se quiser ficar sentada aqui fazendo cara feia para a
lagoa ou qualquer outra coisa por uma hora, vou me sentar também
e te fazer companhia.
À medida que eu falava, o vazio começava a desaparecer de
seu rosto. Ela abriu a boca, mas não disse nada.
— Só estou dizendo... — Remexi a lama da margem com a
ponta dos pés. — Que você não precisa fingir nada comigo.
Ela se curvou, dobrou as pernas e se sentou no chão. Então
apoiou a cabeça nos joelhos.
Devagar, fui me sentando ao seu lado, ouvindo choramingos
abafados. Queria tocá-la, mas não tinha certeza de que seria legal.
Meus pais me ensinaram sobre consentimento desde muito novo, e
até faziam algumas encenações esquisitas, com o Papai usando
batom e peruca.
Delicadamente, toquei as pontas de seu cabelo e deslizei os
dedos por elas. Quando Bianca se inclinou em direção ao meu
toque, comecei a massagear sua nuca. Ela soltou um gemido sutil,
se virou e deitou a cabeça em meu colo, passando a encarar a água
à medida em que eu continuava a melhor massagem da minha vida.
Papai havia me ensinado como fazer, porque ele estava de olho em
trabalho infantil.
O ar ainda cheirava a orvalho da manhã, e um pássaro piou
acima de nós. Há tempos não experienciava isso, então apenas...
parei. Fiquei em silêncio. Estar sentado na grama com as mãos no
cabelo macio de Bianca era quase como o Paraíso.
Finalmente, ela falou.
— Faz tempo que não fico perto de pessoas sem precisar fingir.
Parei a massagem. Não me importava mais com a ilusão
estúpida de um encontro e de gastar cem dólares para impressioná-
la.
— Durante muito tempo — ela continuou — senti que era mais
velha. Agora, sou uma universitária, algo que nunca pensei que
conseguiria ser, e quero viver tudo o que tenho direito. Quero me
achar invencível e fazer o que não deveria.
— Como nadar na piscina da faculdade tarde da noite?
Ela soltou uma risada leve.
— Isso mesmo. Quero comer asinhas até vomitar e passar
tempo com um cara que me faz rir como nunca na vida.
Senti meu coração disparar dentro do peito.
— Espero que você o encontre.
Ela olhou para mim e me encarou.
— Já encontrei.
Tentei manter a respiração estável para não demonstrar que eu
estava perdendo o controle. Era assim que ela queria se desculpar
pela noite anterior? Porque aquilo era apenas uma memória
distante.
— O que eu disse na festa era verdade, Lavin. Gosto de você.
Só queria ter te conhecido... em outro momento da minha vida.
Agora, estou um caco.
— Se você está um caco, não sei o que pensar de setenta e
cinco por cento dos universitários.
Ela riu.
— Me desculpe por não te contar tudo, mas obrigada por trazer
autenticidade para minha vida. Quem me dera conseguir te
prometer mais e... — Ela parou de falar e soltou um suspiro de
frustração.
Retirei as mãos de seu cabelo e as apoiei atrás de mim.
— Ei, está tudo bem. Gosto de sair com você, e o que estamos
fazendo é ótimo. O treinador não vai descobrir mesmo.
Bianca apertou minha coxa com a mão, deitou de barriga para
cima e esticou as mãos, roçando os dedos na grama. Sua camiseta
subiu um pouco e mostrou um pedacinho de pele. Eu não tive
sucesso em desviar o olhar.
Mas e a última meia hora em sua companhia? Não havia
pensado em sexo. Não se tratava de mim. Estive pensando nela.
Isso também era ser adulto?
Cutuquei a grama, puxei algumas folhas e as rasguei.
— Posso te fazer uma pergunta?
— Claro.
— Isso que... você está... — murmurei. Não sabia como
perguntar sem parecer presunçoso. — O que está rolando entre
nós... você tem com mais alguém?
A primeira resposta foi silêncio, então arrisquei olhar para ela.
Seu sorriso teria feito meus joelhos bambearem se eu já não
estivesse sentado.
— Sei que não estou oferecendo muito, e lamento precisar
manter algumas coisas em segredo — ela respondeu. Prendi a
respiração e me preparei para o impacto. — Mas não tem ninguém
na faculdade, ou em outro lugar, com quem eu queira passar o
tempo como fazemos. Só você, Lavin.
Meu coração ia sair pela boca. Mal conseguia ouvir a voz dela
com todo o barulho em meus ouvidos.
— Certo. Isso é... isso é bom.
— Por quê? Existem muitas garotas com quem você se
encontra quando não estou por perto? — Era provocação, o brilho
em seus olhos entregava.
— Muitas? É uma tropa, Bi. Sou muito requisitado.
Ela riu e seus olhos enrugaram. Depois soltou um suspiro de
satisfação e fechou os olhos, o rosto virado para o Sol. Olhei para
ela por tempo demais, fascinado por seus cílios compridos e lábios
carnudos, pela pele macia das bochechas que estava corada de
tanto rir. Voltei a arrancar a grama, me sentindo mais leve, já que
agora sabia que lugar ocupava na vida de Bianca.
Depois de um tempo, o toque de dedos macios em minha mão
me chamou a atenção. Devagar, Bianca ergueu a camiseta e
colocou minha mão em sua barriga nua. Fiquei olhando para os
meus dedos em sua pele, sem saber o que fazer e como agir. Tudo
o que eu sabia era que a tocava. Eu. Lavin. Tocando a pele que
normalmente estava coberta.
Trocamos olhares, e percebi que ela me observava e mordia o
lábio inferior. Sorriu com os cantos da boca e arqueou de leve as
costas, o que me fez prestar atenção aos seus mamilos que
endureciam por baixo do tecido fino da camiseta.
Engoli com dificuldade.
— Bianca. — Puta merda, minha voz estava bem mais grave.
Ela soltou o lábio.
— Sim?
— Posso mexer a mão?
— Para onde?
Sua voz estava ofegante, e eu fiquei duro. Dolorosamente duro.
— Hã... para o norte.
Ela arqueou as sobrancelhas perfeitas e bem-modeladas.
— E onde fica o Norte? Você tem uma bússola?
— Quis dizer para cima.
— Até o céu? — Ela tocou o canto da boca com a língua
enquanto dava um sorrisinho. Estava se divertindo.
Soltei um murmúrio rouco, e um arrepio percorreu o corpo dela.
— Quero te ver.
— E o que você quer ver?
Eu nunca havia agido de maneira tão direta assim, mas tudo
que dizia respeito a Bianca me fazia querer amadurecer e me tornar
o homem que ela merecia.
— O que tem debaixo da sua blusa.
Ela percorreu o pescoço com toques sutis e desceu até o peito,
mergulhando o dedo indicador no decote.
— Você quer me tocar também?
Eu ia explodir.
— Sim.
— E sentir o gosto?
— Porra, sim, quero sentir seu gosto.
Em um instante, ela estava sentada no meu colo, e no seguinte
eu estava deitado de costas, Bianca em cima de mim com uma
perna de cada lado de meu quadril enquanto tirava a blusa com
movimentos rápidos. Ela jogou a peça para o lado, e seu cabelo
caiu em um dos ombros. Nunca... nunca havia visto ninguém como
ela.
Bianca usava um sutiã preto simples, mas ainda assim era a
coisa mais erótica que eu já havia contemplado. E isso era difícil,
porque se lembra da minha menção à coleção de pornô?
— Você é linda — sussurrei. — Tenho certeza de que você
escuta isso o tempo todo, então quem me dera existisse uma
palavra que descrevesse melhor, tipo... beleza e circunstância. —
Droga, eu estava divagando. — Porque não é apenas sua
aparência, é sua essência e sua presença também.
Ela deslizou os dedos pelo meu maxilar e por cima do
machucado que estava cicatrizando no queixo. Pelo visto, eu não
havia acabado com a divagação:
— Belessência. Pronto, inventei uma palavra.
Ela passou a língua pelos dentes superiores.
— Faça uma frase com ela.
Limpei a garganta e agravei a voz.
— Belessência. Origem: Parksburg, Pensilvânia. Classificação:
substantivo. Bianca Santos tem uma belessência única que me faz
querer estar perto dela e vê-la feliz. Belessência. — Sorri. —
Gostou?
Ela respirou de forma sutil, fazendo o peito subir e descer. Por
um segundo de desespero, pude jurar que ela me chamaria de
idiota. Minhas habilidades de sedução precisariam ser lapidadas se
eu transformasse os encontros com a garota mais linda que já havia
conhecido em um campeonato de soletração.
Ela umedeceu os lábios e sorriu.
— Outra frase: Lavin Saint não percebe que também tem
belessência. — Bianca pegou meu pulso e colocou minha mão em
seu quadril. Ela que me observava bem de perto enquanto eu corria
o dedão por sua pele macia. — Então... para onde você vai?
— Para o norte. — Minha voz era um grunhido.
Bianca riu discretamente e colocou uma mecha de cabelo atrás
da orelha.
Deslizei as costas da mão por sua barriga, o que a fez tremer
sob meu toque. Ela mexeu o quadril, e eu me lembrei de que estava
duro e a centímetros do Santo Graal, separados apenas por
algumas camadas de roupa.
Tentei abafar o gemido, mas não consegui. Ela jogou a cabeça
para trás, fazendo com que as pontas de seu cabelo roçassem
minhas coxas assim que ela começou a rebolar.
— Puta merda. — Não cheguei ao meu destino. Tentei ao
máximo, mas ela me provocava a cada movimento de quadril. Perdi
o controle do meu corpo conforme agarrava suas coxas e ela
rebolava em cima de mim. Aquele corpo espetacular ondulando, os
seios fartos pulando para fora do sutiã. Ela se inclinou para a frente
e roçou a boca na minha, e eu soube que precisava saboreá-la.
Precisava sentir sua língua na minha de novo. Mas dessa vez não
em um cemitério assustador ou em uma piscina tarde da noite.
Ela abriu a boca e deslizei a língua para dentro, gemendo.
Ainda bem que essa parte do meu corpo ainda funcionava, porque
eu precisava mostrar para ela como era bom, como era importante
para mim.
Bianca ergueu a barra da minha camiseta e murmurou colada à
minha boca.
— E se eu fosse para o Sul?
Onde ficava isso? Minha bússola interna estava estragada, já
que meu cérebro havia parado de funcionar. Mas quando ela puxou
de leve o cós da minha calça, as sinapses voltaram ao trabalho.
— Sim... — sussurrei, e minha voz soou um tanto aguda para o
meu gosto. — Parece uma boa ideia.
Ela deslizou a mão para dentro do meu short e com os dedos
finos envolveu meu pau, que tinha se transformado no epicentro do
corpo inteiro. Não sentia cheiro algum além de seu cabelo, sabor
algum além de sua pele na minha língua, sensação alguma além de
sua mão me apalpando.
Abri a boca, mas nenhum som saiu. Meu pau pulsava e eu
gozava com tanta intensidade que minha visão desfocou. Voltei à
realidade devagar, mas logo arregalei os olhos, encontrando o olhar
sedutor de Bianca.
Gozei. Em dez segundos. No meu short.
Fiquei olhando para ela, que pairava acima de mim. Eu mal
piscava, mal respirava, porque, por mais que não fosse experiente,
tinha quase certeza de que aquilo não era nada bom. Umedeci os
lábios e tentei decifrar a expressão no rosto dela.
— Isso, bem... não era para acontecer.
Ao ouvir o que eu disse, seu rosto se iluminou, e ela deu um
sorriso lindo que ostentava uma pontinha de orgulho.
— Era exatamente isso que deveria acontecer.
Balancei a cabeça em negação.
— Não, não. Tenho quase certeza de que eu deveria fazer você
gozar primeiro, e depois te impressionar com o meu vigor, me
afundando em você com minhas coxas de jogador de futebol. E
você deveria gritar meu nome e falar que eu era o melhor de todos.
— Respirei fundo, e sua expressão não se alterou. — Acho que era
isso que tinha que acontecer, e não eu gozar nas calças assim que
você encostasse no meu pau.
Bianca tirou a mão de dentro do short e se apoiou em meu
quadril para se ajeitar em cima de mim. Com a outra mão, ela
afastou o cabelo dos meus olhos e então sorriu. Pude sentir meu
pau se esforçando para ficar duro de novo. Puta merda, teria como
eu ser mais virgem que isso?
Mas, naquele instante, seus dedos acariciavam meu rosto,
testa, sobrancelha e maçã do rosto. Ela estava com os olhos bem
abertos, dilatados e um pouco marejados. Nunca alguém havia me
olhado dessa forma.
— O que deveria acontecer é o de menos — ela disse com
delicadeza. — O que aconteceu foi bom, não foi?
— Bem, não me lembro sequer do meu nome. — Eu batia as
mãos nas costelas, sem saber direito o que fazer. — Mas quero te
fazer se sentir assim.
Ela abriu um sorriso.
— E eu me senti bem fazendo você se sentir assim.
— Não acho que funcione dessa forma.
Ela deu de ombros e se sentou.
— Quem disse?
Não sabia como responder, então apenas a observei. Bianca
piscou e, em uma das poucas vezes desde que nos conhecemos,
percebi a vulnerabilidade tomar sua expressão por um momento.
— Com você, sinto que não preciso ser alguém diferente. E
tenho consciência de que você sabe pouco a meu respeito, mas por
favor, quero que saiba que isso é muito importante para mim. Você
não está tentando descobrir uma maneira de arrancar algo de mim
ou de me convencer a fazer qualquer coisa. Não está saindo por aí
fazendo coisas para se exibir e me impressionar só para que eu
esteja em seus braços e todo mundo veja.
Suas palavras me fizeram sentir de duas maneiras: feliz, por
fazê-la se sentir assim, e revoltado porque outras pessoas a
trataram como um objeto.
— Bianca, eu...
— Cansei de tudo precisar ser uma troca. De sempre pensar
ótimo, e o que devo dar agora? em cada relação que tive e por cada
coisa legal que já fizeram por mim. — Ela arrancou um punhado de
grama. — Então, sim, você gozou, e eu decidi assim. — Deu de
ombros. — Talvez tenha sido uma troca, mas pelo menos sinto que
pude decidir por mim.
Não sabia direito o que dizer.
— Então eu fico feliz.
— Sinto que você não está fingindo ser quem não é só para me
impressionar.
Eu me encolhi.
— Bem, eu tentei te impressionar e fingir ser um cara legal,
daqueles que mandam muito bem no sexo, mas pelo jeito não deu
certo.
Bianca jogou a cabeça para trás e riu. O sol brilhou em seu
cabelo. Deus, ela era linda. E a voz... eu poderia ouvi-la falar e rir o
dia todo.
Ela bateu de leve em seus lábios.
— Deu certo, sim. Você beija bem.
— Sério?
— Seu beijo tem... belessência. — Ela vestiu a blusa e me
lançou um sorriso daqueles luminosos.
— Acho que seria bom se mandássemos essa afirmação para o
júri — eu disse, muito sério.
Ela se levantou, e eu estava prestes a fazer o mesmo quando
me lembrei que, bem, havia um probleminha. Sem ter outra opção,
tirei a camiseta, me limpei e a enrolei na mão. Quando fiquei ao lado
de Bianca, estava apenas de short e tênis, e ela observou meu
corpo com olhos arregalados.
— Ora, então acho que seria bom se eu te fizesse gozar no
short mais vezes.
— Me dê dez minutos, e estarei pronto.
Ela me abraçou e me beijou, rindo ao fazê-lo.
Enquanto caminhávamos de volta para o carro, eu me
perguntava o que havia acabado de acontecer. E quando teria a
chance de retribuir o favor.
Droga, teria que pedir algumas dicas para o Dre, e isso ia ser
esquisito pra caramba.
Sete
BIANCA: ESTÁ COM SAUDADE DE MIM?

O tempo todo.

Lavin: Perdão, quem é?

Bianca: Há-há. Engraçadinho.

Lavin: Por onde você andou? Tive que sentar naquela porcaria
de cadeira de novo.

Bianca: Me desculpe, tive um imprevisto. Buááá, que mesa


malvada. Coitadinho do bebê.

Lavin: Foi terrível. Você tinha que ficar com pena de mim.

Bianca: Mas eu estou. Vou fazer algo para compensar ;)

Sentei na cama e fiquei encarando o celular por um bom tempo.


O que, exatamente, ela quis dizer com fazer algo para compensar?
E ainda mais, com um emoji piscando.
Não a encontrava desde o dia no campo, e ela faltou às duas
aulas que tínhamos juntos essa semana. Era sábado, e eu deveria
estar com a cabeça no jogo que teria mais tarde. Em vez disso,
estava pensando em Bianca.
Eu não sabia absolutamente nada sobre ela. Talvez ela tivesse
zilhões de Lavins pela faculdade e estivesse beijando todos eles. Só
de pensar nessa hipótese, senti vontade de socar alguma coisa.
— E aí?
Olhei para cima e vi Dre parado com as mãos no batente da
porta do meu quarto. Caramba, que bíceps enormes.
— O quê?
— Daqui a pouco, temos um jogo.
Dei uma olhada para o celular e enviei uma mensagem bem
rápida para Bianca.

Não vejo a hora.

Soltei o aparelho na escrivaninha e me virei para Dre, que


examinava um amassado na parede.
— O que aconteceu aqui? Não quero perder a caução nessa
casa.
— Shane e eu agimos como idiotas. Bati o cotovelo aí. Vou
arrumar, cara.
— Acho bom.
Ouvi o celular tocar.

Bianca: Quero ver o seu melhor.

Meu melhor? Porra, nunca consegui dar o meu melhor. Só


aquele beijo quase me fez gozar nas calças. Claro, já havia dado
alguns amassos com outras garotas. Já havia rolado punhetas,
boquetes e outras coisas que não envolvessem... bem, penetração.
Mas o foco aqui era Bianca, uma garota que me deixava louco só
com um olhar. E se ela estivesse esperando que eu fosse uma
espécie de deus do sexo? Seria mesmo uma grande decepção, isso
sim.
Desesperado, olhei para Dre, que flexionava os músculos em
frente ao espelho que ficava no guarda-roupa. Observei-o,
pensando em todas as garotas que já haviam saído do seu quarto
pela manhã, felizes pra caramba.
— Hã... Dre?
— O que foi? — Ele não se virou.
Merda, como eu ia puxar esse assunto? Claro, homens
conversavam sobre as transas que tiveram, mas sempre
mencionando coisas como os peitos dela eram perfeitos e ela ficou
de quatro. Eu precisava de conselhos de verdade.
— É... então... o que faz um cara ser bom de cama?
Dre se virou tão rápido que pensei que fosse torcer o pescoço.
— O quê?
Senti o rosto esquentar. Nem queria ver minha expressão.
— Preciso ler alguma revista ou algo assim? Não quero transar
por transar. Quero ser bom de cama.
Ele me olhava como se eu tivesse enlouquecido, mas de
repente começou a agir.
— Castle! — ele berrou.
Acenei como um louco e balancei a cabeça.
— Não — murmurei.
— O quê? — Shane gritou do andar de baixo.
— Venha até aqui. Reunião no quarto do Saint!
— Dre! — eu disse, cerrando os dentes. — Mas que porra?
— Preciso de toda ajuda possível — ele respondeu, e eu nunca
o vi falar tão sério em toda a minha vida. — Não quero ser o único
responsável por isso.
— Deus do Céu.
Shane se arrastou até o quarto. Estava sem camisa e comia
uma maçã.
— O que foi?
Eu queria sumir. Se tivesse um alarme de incêndio em qualquer
lugar, eu o teria acionado só para sair correndo. Mas estava preso
no meu quarto com Dre, o Especialista em Sexo e Shane, o Pica
das Galáxias.
Puta que pariu.
— O Saint quer saber como ser bom de cama.
Shane engasgou com a maçã.
— É sério?
— Expliquei que precisava de reforços.
— Fez bem.
— Tenho quase certeza que você entende disso.
— Entendo mesmo.
Sério? Que ótimo que os dois estavam conversando como se
eu não estivesse ali, porque, naquele momento, não queria mesmo
estar. Me arrependia de muitas decisões tomadas ali.
— Então... — Dre se virou para mim. — Muitos caras da
faculdade transam mal. Quase sempre estão bêbados ou com tesão
demais para satisfazer a garota. — Ele parou de falar. — É uma
garota?
— Sim — confirmei.
— Veja bem — Dre continuou —, se você quer que seja bom
para ela, a primeira coisa é ir com calma. Então, tente não estar
bêbado.
— Mas e se... bem, eu não tiver muito tempo para ir com
calma?
Shane inclinou a cabeça para o lado.
— Como assim?
Dre abriu um sorriso.
— Ah, se o trem partir cedo demais?
Shane arregalou os olhos quando entendeu.
— Se o cheque cair antes da hora.
— Meteu, gozou.
— Ejetar o dispositivo sem removê-lo com segurança.
Joguei o travesseiro neles.
— Odeio vocês dois agora.
Dre arremessou o travesseiro de volta, mas consegui me
abaixar, e ele acertou a prateleira atrás de mim e alguns livros
caíram no chão. Ainda com raiva das brincadeiras, peguei um livro e
me preparei para arremessá-lo, mas fui derrubado por um corpo
enorme
— Calma, Saint. Só estávamos brincando.
As risadas só me deixaram ainda mais irritado. Ativei o modo
brigão, porque mesmo que não fosse mais forte que Dre ainda
consegui enfrentá-lo. Eu me esquivei e dei uma cotovelada em suas
costelas para depois montar em suas costas, dando um mata-leão
nele.
— Porra, Saint! — ele berrou o mais alto que pôde enquanto eu
apertava sua garganta. — Agora você está me deixando com raiva.
Está me machucando.
— Ótimo! — gritei, apertando ainda mais.
Dre conseguiu me alcançar, me agarrando pelo cabelo. Fiquei
realmente preocupado que ele fosse me escalpelar ou me jogar
longe. Mas algo gelado me atingiu.
Nós dois ficamos imóveis, e percebi Shane parado ao nosso
lado, segurando uma garrafa de água vazia. Ele a virou mais uma
vez, e algumas gotinhas pingaram na minha cabeça.
— Acabaram?
— Você só queria a um concurso de camisas molhadas, seu
pervertido — murmurei enquanto saía de cima de Dre e rolava de
barriga para cima.
— Isso foi um bônus. — Shane piscou, se sentando na cadeira
da escrivaninha.
Dre se sentou com as costas apoiadas na cama e colocou os
pulsos nos joelhos dobrados.
— Me desculpe, cara. De verdade, estávamos só brincando.
Fiz uma cara feia para ele, ainda sem um pingo de vontade de
fazer as pazes.
— Escute — Shane falou enquanto se inclinava para a frente e
me olhava nos olhos —, se sua preocupação é gozar muito rápido,
se concentre na garota. A questão é: se você gostar mesmo dela,
vai ficar menos ansioso para chegar ao final. Vai querer que dure
mais. Isso já aconteceu? Tudo bem, agora você já sabe como ela te
faz gozar antes da hora. Da próxima vez, assuma o controle.
— É provável que você esteja pensando demais nisso, cara —
Dre comentou. — Quando você está gostando mesmo de alguém,
não vai ficar preocupado com o que deve fazer, onde tocar ou como
dar prazer a ela.
— E é aí que a química entra. — Shane complementou. — Às
vezes... vocês dois simplesmente dão certo. As partes do corpo e
gozar se tornam menos importantes, e você passa a focar na
sensação e em como ele se sente. — Sorriu. — Bem, no seu caso,
ela.
Peguei o travesseiro do chão para deitar a cabeça.
— Certo, estou entendendo.
— Deixe as coisa fluírem, cara. — Dre deu um tapa na minha
cabeça. — E todos aqui sabem que você tem pique.
— Tenho pique quando jogo. Mas em todo o resto, sinto que
estou falhando.
— E você acha que somos confiantes em tudo? — Shane
perguntou. — Quero dizer, porra. Estou preocupado em manter a
média exigida para continuar no time.
— Todo mundo tem alguma coisa em que precisa melhorar —
Dre falou.
— Essa é a conversa mais gay que já tive, e vindo de mim
vocês devem imaginar o que isso quer dizer — Shane murmurou.
Soltei uma gargalhada.
— Vá se ferrar.
— Vocês querem brigar mais um pouco? — Shane pegou a
garrafa. — Posso encher isso aqui de novo.
— Saia do meu quarto, seu pervertido.
Ele riu, pegou o resto da maçã e saiu.
— Gritem se mudarem de ideia.
Rolei para me apoiar nas mãos e me levantar.
— Droga, agora o tapete está todo molhado.
— Saint?
Olhei para Dre.
— O que foi?
— Me desculpe. De verdade. Se precisar, é só me chamar.
— Veremos, porque tenho quase certeza de que já atingi minha
cota anual de situações embaraçosas.
Dre riu e ficou de pé.
— Você é quem sabe, cara.
— Obrigado. De verdade.
— Imagina. Agora, se prepare para o jogo, irmão. Você vai
jogar como falso nove e precisa se concentrar, tudo bem?
Droga. O jogo. Eu estava tão ferrado.
— Sim, estou focado.
Dre pareceu não acreditar em mim quando me lançou um
último olhar antes de sair do quarto.
Eu também não tinha muita fé em mim mesmo.

***

Mantive o foco a caminho do campo e durante os


aquecimentos. Continuei focado enquanto vestia as caneleiras, as
meias vermelhas e enrolava a bandagem nos tornozelos e abaixo
dos joelhos.
E então coloquei em prática meu ritual pré-jogo, feito desde os
primeiros anos escolares: dar dois tapas nas caneleiras e depois
cinco pulos enquanto balançava os braços.
Logo em seguida entrava em campo e naquele momento
deixava o Lavin piadista para trás para me tornar o Lavin atleta. Ali,
eu me sentia em casa. Eu vivia para isso.
Zac estava relaxando no banco com as pernas abertas. Ele
estava tirando um cochilo?
Shane parou na minha frente, alongando os braços.
— Você está pronto?
Treinamos a nova formação a semana toda. Aprender outra
posição não era fácil, mas o treinador disse que eu estava pegando
o jeito.
— Estou.
— Vou ajudar o Dre no aquecimento. Se quiser, posso te ajudar
também.
— Claro.
Shane fazia embaixadinhas na grande área com a bola nos
joelhos e Dre vestia as luvas e esguichava água na boca. Colocou a
garrafa atrás de uma das traves e então bateu as mãos. Se
posicionando com os joelhos dobrados, levantou o short e abriu os
braços.
— Vai.
Shane lançou a bola bem alto, com um toque de joelho e a
pegou na descida, arremessando-a em direção a Dre com um chute
perfeito.
Dre fez um movimento igualmente perfeito ao pular para o
canto direito, com as mãos bem abertas. A bola acertou as luvas, e
ele mais do que depressa a abraçou e rolou até parar.
Com um balanço do ombro, jogou a bola de volta para Shane.
Poderia ficar assistindo aos dois o dia todo. Eles praticavam
daquela maneira desde que jogaram juntos em um time no ensino
médio. Shane nasceu para ser jogador de futebol. Não era muito
alto, mas era rápido, tinha pernas fortes e ótimo equilíbrio. E Dre
tinha o físico perfeito para ser goleiro, um tanto parecido com Tim
Howard, sua fonte de inspiração.
Shane e eu alternamos os chutes ao gol e Dre, que se atirava
em todas as direções, nem parecia ofegar.
No momento em que o treinador gritou para que nos
reuníssemos, eu estava imerso e focado no jogo. Zac foi ao nosso
encontro, parando ao lado do treinador e sorrindo para mim, seus
olhos azuis muito alertas. Cumprimentou Dre e acenou com o
queixo para Shane.
Eu adorava o treinador, mas seus discursos motivacionais antes
das partidas normalmente eram bem esquisitos, porque ele
despendia muito tempo recitando frases que, em teoria, deveriam
nos inspirar, mas a verdade é que muitas vezes não faziam sentido.
Talvez porque ele citava trechos de livros infantis. Hoje, era Ursinho
Pooh.
E somente o treinador Mendoza era capaz de deixar esse livro
aterrorizante. Ele fazia isso com maestria, disparando cada palavra
cheia de raiva para cada um.
— Vocês são mais corajosos do que acreditam, mais fortes do
que aparentam e mais espertos do que pensam!
Era como se alguém tivesse dito que ele deveria nos ameaçar
com pensamentos positivos. E eu estava assustado o suficiente
para acreditar que era corajoso, forte e esperto. Talvez ele estivesse
fazendo a coisa certa.
— Juntem as mãos! — ele gritou para nós enquanto
empilhávamos as mãos bem no meio do círculo. — “Time” no três.
Um. Dois. Três!
— Time! — gritamos. E foi para valer, porque, caso contrário,
ele faria um rebuliço sobre falta de energia. Corri para o campo,
dando tapas em alguns traseiros conforme ia passando por meus
colegas.
Eu estava totalmente concentrado, até o momento em que olhei
para as laterais do campo. A razão pela qual meu cérebro decidiu
falar que se dane o futebol estava de pé bem ali, com o rosto rosado
e olhos vermelhos, com uma jaqueta larga.
Ouvi o apito soar.
E então, tudo desandou.
Por trinta e cinco minutos, consegui evitar que tomássemos um
gol, mas foi só isso. Shane me fuzilava com os olhos, e Dre gritava
comigo de sua zona de conforto em frente à rede sempre que eu
chegava perto da bola.
Mas eu não era o único distraído. Bianca estava sentada no
banco, logo atrás do treinador, e na maioria das vezes em que olhei
para lá, ele estava curvado sussurrando algo para ela.
Eu era o fracasso em pessoa porque não podia falar com
Bianca, nem fazer meus pés funcionarem direito. O placar ainda
estava zero a zero, e até eu estava cansado do jogo.
Cobrei um escanteio e mandei a bola por cima da rede sem que
uma alma a tocasse. Shane jogou as mãos para cima, e até Zac me
olhava como se eu fosse outra pessoa.
Manny Rodriquez nunca foi de ficar quieto. Ele caminhou até
mim e me deu um tapa na lateral da cabeça.
— O que está acontecendo com você?
Tomei o tapa sem desviar, na esperança de que me trouxesse
um pouco de juízo.
— Não sei. Não estou no meu melhor dia, tudo bem?
— Sério? Espero que o treinador coloque algum juízo na sua
cabeça no intervalo. — Ele cuspiu no chão e saiu andando.
— Saint! — Vi o treinador sinalizando para mim da lateral, e Le
alongava o pescoço ao lado do árbitro.
Puta merda. Eu seria substituído. Droga, droga, droga. Sempre
joguei a partida inteira. Saí do campo com o máximo de dignidade
que conseguia, e logo que alcancei o treinador, ele agarrou minha
nuca. Eu me retraí quando ele inclinou a cabeça em direção ao meu
ouvido.
— Vai me dizer o que está acontecendo com você? Está
jogando como um novato por quê?
Nem ousei olhar para Bianca. Não ousei, porque o treinador
poderia perceber, e então eu estaria morto e enterrado em seu
jardim.
— Não sei. Acho que ainda estou me acostumando com a nova
posição.
— Nada disso. — Ele balançou a cabeça. — É mentira. Vi você
treinando. O problema está aqui. — O treinador cutucou minha
têmpora com o dedo. — Sente na ponta do banco, cale a boca e se
recomponha. Você vai voltar no segundo tempo, e espero que volte
ao que era ou eu mesmo farei por você.
Ele me empurrou para longe, e eu caminhei em direção ao
banco, cabisbaixo e envergonhado. Sentei, ignorando os olhares de
alguns novatos do banco de reservas. Provavelmente estavam
alegres, sentindo o cheiro de vitória, na esperança de que aquilo
significasse que jogariam por mais tempo.
Babacas.
Mantive um olhar vazio para o campo, me perguntando qual era
o problema. Se eu não era bom o bastante no jogo da sedução,
podia lidar com isso. Mas no futebol, jogar mal significava
desapontar meu time. Depois que Carson se machucou, nossa
moral estava baixa. Então minha atuação não ajudava em nada.
— Ei.
Olhei ao longo do banco, mas todos assistiam ao final do
primeiro tempo. Franzi a testa e encarei o campo mais uma vez.
— Psiu.
O som estava mais alto e vinha... de trás de mim? Girei o corpo
e vi Bianca de cócoras atrás do banco, olhando para mim com
aqueles olhos grandes e escuros.
— Olhe para a frente antes que ele perceba! — ela falou em um
tom mais ríspido.
Virei no mesmo instante, piscando algumas vezes enquanto
olhava a partida.
— O que você está fazendo? — sussurrei de volta.
— Um discurso motivacional.
Que vergonha. Na primeira vez que ela me viu treinar, fui de
cara no chão. No primeiro jogo, eu estava agindo como um amador.
— Percebeu que eu estava precisando, é?
— O que está acontecendo?
— O que está acontecendo com você? — Virei para encará-la.
— Você aparece chateada enquanto estou jogando e não posso te
fazer sorrir.
Ela arregalou os olhos e ficou boquiaberta.
— O quê? E-eu estou te distraindo?
— Você está bem?
Seus lábios tremeram, e eu levei a mão em sua direção, mas
Bianca me impediu com um aceno frenético.
— Olhe para a frente!
— Meu Deus. — Segui suas ordens e bufei.
Houve um momento de silêncio.
— Me desculpe. Não achei que... escute, vim porque queria te
ver jogar. E não quero que pense que precisa me impressionar. Só
quero ver você fazendo o que ama. Consegue fazer isso? Aproveite
o jogo e me mostre o que você sabe fazer.
Raspei uma mancha verde de grama do meu antebraço
enquanto pensava em suas palavras. Eu amava o futebol, mas não
era bom o suficiente para me tornar profissional. Nem mesmo para
jogar na primeira divisão dos times universitários. Era um fato, e
tudo bem por mim. Mas não queria deixar de jogar. Era um milagre
ter a chance de fazer parte do time da Travers.
Respirei fundo.
— Sim, consigo, Bi.
Levou um tempo para ela responder.
— Ótimo, volte para o campo e arrase, gatinho.
Eu me virei para ela uma última vez e enfiei a mão entre o
assento e o encosto do banco.
— Se eu fizer um gol, você vai me deixar terminar aquela
viagem para o norte?
Bianca escondeu o rosto no braço para abafar a risada. Quando
apertou minha mão, sua expressão havia se iluminado de novo.
— Fechado.
Bati nas caneleiras e fiquei de pé.
— Estou de volta.
Oito
EM QUALQUER ESPORTE COLETIVO, há um momento em
que é preciso sacrificar o ganho pessoal pelo bem do time. Para ser
sincero, essa era a história da minha vida. Mais do mesmo era a
expressão em que pensava quando corri pelo campo com toda
velocidade. Com o canto dos olhos, vi Shane correr na direção
oposta.
O último zagueiro do time adversário vinha em minha direção
enquanto Shane havia ultrapassado a marcação dele. Eu poderia ir
para cima do o zagueiro e correr o risco de perder a bola ou poderia
passá-la para Shane, que estava livre e tinha a chance de fazer um
gol.
Já que restavam apenas dois minutos para o fim daquela
partida, precisávamos marcar um gol. Trabalhei bem no segundo
tempo, dei meu melhor como falso nove e confundi ao extremo o
time adversário. A jogada atual era um exemplo disso.
Segui meu instinto, que dizia para ganhar esse jogo. Chutei a
bola e ela deslizou pelo meio de campo diretamente para Shane.
Ele a levou até grande área e a chutou por cima do goleiro,
marcando o gol.
Comemorei enquanto gritava “Isso aí!” e corria até Shane, que
me encontrou no meio do caminho e me agarrou em um abraço.
Seu sorriso era enorme.
— Que passe fenomenal, Saint!
Enquanto corríamos de volta para o meio de campo, me lembrei
do que abri mão para ter a certeza de que faríamos um gol. Mas
então olhei para a lateral e vi Bianca pulando e batendo palmas.
Fiz sinal de positivo para ela, que me mandou um beijo.
Um beijo.
Decidi não agir feito um idiota pegando o beijo com a mão.
Quando me dirigi à linha lateral, o treinador espalmou minha
nuca e me amassou contra seu peito por alguns segundos.
— Muito bem, Saint.
Muito bem. Vindo do treinador Mendoza, era um tremendo
elogio.
Não conseguia tirar o sorriso do rosto enquanto
cumprimentávamos o time adversário.
***

Bufê self-service de pizza arruinava qualquer abdômen definido,


mas ainda assim, íamos à Pizzaz Pizza depois de partidas
disputadas em casa. O treinador pagava, então não reclamávamos
e comíamos pizza gordurosa e alface murcho tirado da mesa de
saladas.
Consegui encontrar um tomate-cereja que não estivesse
enrugado e o enfiei de uma vez na boca. Zac comia um pedaço de
bolo de chocolate que encontrou no balcão de sobremesas, e Dre
se acabava em toda comida que não fosse legume. Na frente do
Shane, havia uma pizza inteira de pepperoni, e eu tentava manter o
equilíbrio com pizza e salada.
Os caras estavam conversando sobre o jogo, mas eu alternava
a atenção entre eles e Bianca, sentada ao lado do treinador e
bebendo Coca-Cola de um copo gigante com canudo. Ainda estava
um pouco pálida, os olhos sem brilho, mas quando trocamos
olhares, ela deu um sorriso sutil e piscou.
Voltei a atenção aos meus amigos antes que o treinador me
flagrasse olhando para ela.
— O passe foi perfeito — Dre falou com a boca cheia
— Pensei que você fosse tentar fazer o gol. — Manny se
apoiou na mesa alguns assentos de distância.
— Não mesmo — Dre respondeu. — O Saint joga em equipe.
E perdi a aposta com Bianca sobre poder explorar seu corpo.
Parabéns para mim.
Shane me deu uma cotovelada.
— Sério, cara. Ótima jogada.
Dei uma mordida na borda da pizza.
— Ótimo chute.
— O primeiro tempo foi um pouco difícil — Marcus Timmons,
zagueiro reserva, comentou.
Shane tentou começar a falar, mas fui mais rápido.
— Foi difícil, não vou mentir. Precisei me acostumar com a
posição nova.
Coloquei mais comida na boca e encarei o prato, na esperança
de que todos entendessem aquilo como um sinal para falar sobre
outra coisa. Estava cansado de ser o tópico da discussão.
Por sorte, passaram a falar sobre a construção do dormitório
Hawkins no campus, então pude comer em paz.
Ouvi o sino da porta soar e vi as pontas do cabelo de Bianca no
momento que ela saía da pizzaria. O treinador continuava sentado
no mesmo lugar e estava envolvido em um debate com Le.
— Preciso ir ao banheiro — murmurei, mas ninguém prestou
atenção em mim enquanto me dirigia à entrada.
Assim que pisei lá fora, percorri a calçada com os olhos em
busca de Bianca. Ela estava de pé, encolhida no canto mais distante
do prédio digitando algo no celular. Talvez eu devesse voltar para
dentro. Ela precisava mesmo que eu a seguisse como um
cachorrinho? Mas então ela olhou para cima e um sorriso preencheu
seu rosto. Fez sinal para que eu me aproximasse e, como um
cachorrinho, obedeci.
Ela colocou o celular no bolso enquanto me aproximava.
Quando me encostei na parede, ela me imitou e virou o rosto para
mim.
— Oi — eu disse.
— Belo gol.
— Bom, não fui eu quem o marcou.
— Mas ajudou.
— Verdade.
Ela sorriu ainda mais.
— Você jogou o segundo tempo como quem ama o esporte. Foi
lindo de ver e me deixou bem contente.
— Fico feliz que tenha te alegrado.
— Me conte por que começou a jogar futebol.
Cutuquei um pedaço de lama ressecada no meu braço.
— Eu estou nojento. Enfim... hã, o Pop ama futebol. Jogou
quando era criança e na faculdade. Sempre torceu para o
Tottenham. Então, quando eu era criança, eles me matricularam em
uma escolinha. Gostei e só... continuei jogando. — Dei de ombros.
— A história é chata. Amo futebol, é isso.
— Não é chata. É incrível que tenha achado algo que ama.
— Mas e você? Do que gosta? — perguntei, e vi seu sorriso
começar a desaparecer. Meu coração gelou. — Droga, me
desculpe...
— Encontrei algo que amava, mas o amor acabou. — Ela
mordiscou o lábio inferior e não olhava para mim. — Agora estou em
busca de algo novo que ame. — Sua voz se tornou um sussurro. —
Mas estou morrendo de medo de não encontrar.
Droga, eu não era bom em confortar alguém.
— Tenho certeza de que vai, sim. Não sei o que você amava
antes, mas sei que vai encontrar algo tão bom quanto. Muitas
pessoas são bem-sucedidas em carreiras que não são a primeira
escolha.
Quando ela arqueou a sobrancelha, não parecia mais que iria
chorar.
— Ah, é?
— Sim! Julia Child era espiã antes de virar uma cozinheira
famosa. Uma espiã! Ela deixou de fazer coisas legais para cozinhar
coisas gostosas. — Com as mãos, fingi usar um batedor de arame.
— O que foi isso? — Ela apontou para a minha mão.
— Hã, batidas.
— Para imitar o cozinhar coisas gostosas?
Estiquei o braço e belisquei sua cintura.
— Pare de ficar rindo de mim. Eu falo com as mãos.
Bianca se desvencilhou de mim com um gritinho.
— Foi engraçado! — Ela imitou meu movimento com um gesto
circular exagerado do braço.
— Não foi assim que eu fiz!
Eu a agarrei e a puxei para mim, deslizando a mão por baixo da
sua camiseta para fazer mais cócegas. Porque, pelo jeito, eu tinha
nove anos e demonstrava meus sentimentos por uma garota
fazendo cócegas. Mas o que queria mesmo era beijá-la. Então
quando ela arqueou o corpo contra o meu, rindo e repousou as
mãos em meu peito, me encarando com os olhos grandes e
escuros, tomei coragem para beijá-la.
Estava prestes a fazê-lo quando ouvi a voz do treinador ecoar
pelo estacionamento.
— Mas que merda é essa?
Larguei a cintura de Bianca como se ela estivesse pegando
fogo e me virei, testemunhando o treinador vindo em nossa direção
com cara de assassino. Sanguinário. Com certeza, ele ia arrancar
meu braço, me bater e então me estrangular com minha mão
decepada.
Joguei as mãos para o alto e dei um passo para trás, com
Bianca atrás de mim.
— Treinador...
— Com você eu lido depois. — Olhou para Bianca e a agarrou
pelo braço, puxou-a em sua direção e apontou um dedo para o seu
rosto. E então disse palavras raivosas em tagalo. Bianca respondeu,
mudando para o inglês no meio da discussão. — ... estou sendo
discreta.
— Ah, é mesmo? — O treinador apontou para mim. — Transar
com o meio-campo do meu time não é o que chamo de discrição.
Queria dizer a ele que não fizemos sexo. De nenhum tipo. Mas
fiquei de boca fechada, porque aquilo cheirava a assunto familiar.
Adoraria poder sair de fininho, mas apoiar Bianca era a coisa certa a
fazer. Fiquei onde estava, com o uniforme do time, chinelos Adidas
e meias encardidas enroladas no tornozelo, pensando que aquela
era uma situação típica de Lavin Saint.
Bianca grunhiu para o tio, e não vou mentir, foi sexy pra
caramba.
— Não simplifique as coisas. Ele é meu amigo. Mesmo depois
de tudo pelo que passei, você não pode me deixar viver isso? A vida
toda estive cercada de homens com segundas intenções e, para
variar, quero poder escolher com quem passar o tempo.
— E você acha que ele não tem segundas intenções? É um
rapaz de vinte anos que quer te ver nua.
Certo, isso não foi legal. Claro, eu queria ver Bianca nua, mas
também queria ver seu sorriso e ouvir sua risada. Tentei argumentar,
mas Bianca entrou na minha frente. E, honestamente, achei que ela
ia socar alguma coisa. Sua expressão era pura fúria e as mãos
estavam cerradas.
— Talvez eu queira ficar nua com ele!
Ela estava gritando. Ah, droga, estava gritando sobre ficarmos
nus. Eu ia morrer ali mesmo, no estacionamento. O treinador
arregalou os olhos e ficou muito vermelho. Eu não sabia como
amenizar a situação.
— Bianca...
Fui ignorado.
— Por que nunca posso ter nada para mim? Ele me faz rir e é
legal comigo. Não é triste que aos vinte e um anos eu esteja
sedenta por alguém que me trata bem sem ser de maneira
suspeita?
Caramba, ela estava partindo meu coração. O que tinha
acontecido com ela? Bianca tremia, então entrelacei nossas mãos.
Ela deu um passo para trás até roçar meu short com o quadril.
Respirou fundo algumas vezes até que conseguisse falar com mais
calma.
— Me desculpe por não ter contado, mas aconteceu de
repente. Nos conhecemos na faculdade antes que eu soubesse que
você era treinador dele. — Ela olhou para mim e depois para o tio
mais uma vez. — Gosto dele.
O treinador me fuzilava com os olhos. Engoli em seco.
— Também gosto dela. Me desculpe, treinador.
Ele não gaguejou, mas começou a falar em tagalo, baixo e com
convicção. Disse algo que fez com que Bianca soltasse minha mão
como se estivesse envenenada. O treinador envolveu o rosto da
sobrinha, fazendo com que os olhos dela marejassem antes que
conseguisse espantar as lágrimas. Ela sussurrou alguma resposta,
e com apenas um olhar, eu soube que as palavras dele foram como
navalhas afiadas, decepando o que quer que tenha acontecido entre
nós.
Com um suspiro profundo e um aceno triste de cabeça, o
treinador deu leves palmadas nas costas de Bianca e beijou sua
cabeça.
— Te dou alguns minutos. — Ele se virou e saiu andando de
volta para a Pizzaria.
Encarei Bianca sem saber o que dizer, uma vez que ela estava
se afastando de mim.
— Me perdoe, Lavin.
— Tu-tudo bem, mas... — Droga, eu estava tão confuso. — Foi
alguma coisa que eu fiz? O que o treinador falou?
Ela balançou a cabeça.
— Não, você não fez nada. Não mesmo. Sou eu e... apenas eu.
Me desculpe, mas não podemos mais nos ver.
Eu esperei por esse momento desde quando ela falou comigo
pela primeira vez, mas, meu Deus, isso não fazia ser menos
doloroso. Eu me perguntei se doeria menos se soubesse que
Bianca estava se afastando com um sorriso no rosto, feliz com outra
pessoa. Acreditava, de todo coração, que talvez fosse melhor do
que vê-la prestes a chorar e tremendo sem que eu pudesse fazer
coisa alguma a respeito.
— Você vai encontrar alguém — ela disse. — Alguém que
tenha mais belessência que eu. — Ela tentou sorrir, mas não
conseguiu.
Bianca estava escapando de mim como areia escorrendo pelos
dedos.
— Bianca, só quero que você seja feliz. Quem me dera
conseguir te fazer sentir assim.
— Você já conseguiu. — Ela pressionou os lábios com o dedo
uma vez antes de deixar a mão cair ao seu lado. — Se cuide, Lavin.
Ela se virou e voltou andando devagar para a pizzaria. E eu...
bem, eu queria socar alguma coisa. Com força. Conseguiria jogar
futebol com uma mão engessada se eu esmurrasse a parede,
certo?
Me sentir impotente era frustrante demais. Não podia resolver o
problema de Bianca, e agora ela estava me cortando de sua vida
por completo. Ela não parecia estar feliz, mas isso não mudava o
fato de que ela havia tomado essa decisão.
Eu não estava mais afim daquela pizza horrorosa. Não queria
ter que encarar meus colegas e fingir que estava tudo bem. A
caminhada até nossa casa era de aproximadamente três
quilômetros. Que se dane. Precisava colocar a cabeça no lugar.
E sofrer por algo que nunca tive.
Nove
COM OS OLHOS SEMICERRADOS, Papai se aproximou da
câmera.
— Querido, não estou gostando da sua cara. Você está usando
o difusor de essências que te mandei?
Não, Dre o roubou.
— Sim, Papai.
— Vou te mandar a lista dos ingredientes para a mistura contra
estresse que estou usando.
Não queria a porcaria de uma receita de óleo essencial, mas
ignorar Papai nesse assunto não era a coisa mais inteligente a se
fazer.
— Tudo bem, Papai.
Então ele fez uma pausa.
— Quer dizer que agora você só me responde com frases
curtas? — Dramático, colocou uma mão sobre o peito e se virou
para Pop. — Você está prestando atenção às respostas do seu filho,
como se eu não soubesse que ele está me ignorando? — Ele se
virou para câmera. — Não gosto desse tom complacente quando
estou tentando te ajudar a canalizar suas energias.
Me joguei contra a cabeceira da cama e segurei o celular em
frente ao rosto.
— Me desculpe. Estou ouvindo e vou experimentar a mistura
que vai me mandar. De verdade. — Mas eu não estava falando
sério. Dre amava aquele difusor.
Pop expulsou Papai da frente da câmera com uma cotovelada e
um rolar de olhos discreto.
— Lav.
— Oi.
— Você está bem?
Dei de ombros.
— Você contou que o primeiro jogo como falso nove correu
bem. E quanto aos treinos?
Depois de tudo que aconteceu com Bianca, eu mergulhei nos
treinos como se estivesse em uma missão. Corria mais, jogava com
mais ímpeto e tentava esquecê-la. Já fazia duas semanas, e não
estava conseguindo.
— O treino vai bem.
Pop suspirou.
— Aconteceu alguma coisa? Não me faça chamar seus amigos.
Deslizei os dedos pelo cabelo.
— Conheci uma garota.
Consegui a atenção de Papai mais uma vez. Toda a atenção.
— Conte mais.
— Não há muito o que falar.
Na verdade, havia. Eu já tinha saído com garotas. Dado alguns
amassos. Já tive namoradas, mas Bianca era um divisor de águas
nas minhas histórias de amor. Tudo antes dela foi apenas paixonite
de adolescente. O pouco tempo que passei com ela foi... real. Não
havia como voltar atrás, mas ali estava eu, vivendo as
consequências de sua belessência.
Durante todo o tempo que passamos juntos, eu dizia a mim
mesmo que seria temporário. Sabia disso. Ela não me prometeu
nada, e eu também não. Ainda assim, agora que havia acabado,
sentia que uma grande parte de mim estava torcendo para que, de
alguma forma, eu conseguisse resolver tudo e ficar com Bianca. E
não era apenas sobre tocar algo tão lindo. Sentia falta de fazê-la rir,
das loucuras em que ela me metia e de como ela aparecia do nada
e me arrastava para uma nova aventura. Ela era tão cheia de vida.
Bianca era como uma cor que ainda não havia sido criada: alegre e
linda, e eu queria pintar uma casa inteira com ela.
Ansiosos, meus pais esperavam que eu continuasse a falar.
— Saímos por um tempo e foi incrível, mas ela tinha problemas
para resolver e terminou tudo. É isso.
Pop queria dizer algo, mas Papai deu um tapa em seu peito
para mantê-lo calado. Então cobriu a boca e deixou escapar um
suspiro trêmulo.
— Ah, Lavin.
Ah, meu Deus, eu não queria ninguém chorando.
— Papai...
— Sei que tem algo a mais nessa garota. — Ele acenou um
dedo para mim. — Eu sabia que isso ia acontecer. Você demorou
mais para amadurecer, mas eu disse ao Michael que você só
precisava encontrar a pessoa certa, que ela estava em algum lugar
te esperando...
— Papai, por favor. Acabou, então prefiro não ficar remoendo.
Ele fechou os lábios, mas resmungou alguma coisa.
— O que foi?
— Não acho que tenha acabado.
— Acabou, sim.
— Você guardou as camisinhas que te mandei?
Ai, meu Deus.
— Papai.
— Theo — Pop disse. — Vá com calma.
Papai cruzou os braços, mas parou de me pressionar.
— Aguente firme, Pepe — Papai comentou. — Sei que não é
fácil.
— É só que... — Droga, lá estava eu, desabafando. — O
primeiro amor é difícil, mas ninguém explica que há uma diferença
entre ele e o primeiro amor. Do tipo de adulto, real, e não aquela
paixão adolescente cheia de hormônios. — E aqui estava eu,
falando sobre amor depois de ter saído com Bianca por uma
semana. Qual era o meu problema?
Papai deu um sorriso triste.
— Não, acho que ninguém fala sobre isso.
— Essa história foi diferente. Ela era diferente, e a maneira
como eu... a maneira como éramos juntos era diferente. Eu queria
protegê-la e fazê-la feliz.
— Seu pai foi meu primeiro amor de adulto — Papai disse. —
Quando pensei que o tivesse perdido... — Olhou para Pop. — Ainda
me lembro da sensação.
Dei alguns puxões no cabelo.
— Obrigado, Papai.
— Você vai ficar bem.
— Acho que sim.
— Te amo.
— Amo vocês também.
Quando encerrei a chamada, soltei o celular entre as pernas,
deitei na cama e fiquei encarando o teto.
O treinador vinha exigindo mais de mim, mas eu aguentava. O
que me incomodava era o fato de que ele não mencionou Bianca.
Queria que o fizesse para que eu pudesse perguntar se ela estava
bem. Ela não apareceu mais nas aulas, mas continuei a anotar o
conteúdo caso ela precisasse. Eu era louco. Bianca tomou uma
decisão, e eu precisava respeitá-la, por mais que quisesse muito
entrar em contato com ela.
Rolei para o lado, ouvindo o burburinho vindo do andar de
baixo, onde meus amigos assistiam à televisão. Precisava me
levantar e parar de me lamentar. Era ridículo.
Com um gemido, saí da cama e alonguei os braços. Estava
indo muito bem nos treinos. Mais que o normal, então meus
músculos demonstravam que eu estava me exercitando pra
caramba.
Dei uma olhada no celular: nenhuma mensagem, claro. Desci
as escadas. Zac estava na aula, Dre fazia flexões em uma barra
instalada na porta da cozinha e Shane fazia anotações de um livro
que estava sobre a mesinha de centro.
Deu uma olhada rápida para mim.
— E aí?
— Ei. — Peguei uma batatinha chips do seu prato. — O que
você está estudando?
— Genética.
Fiz cara feia. A quantidade de trabalho que Shane tinha era
insana. Ele estava estudando biologia, porque queria fazer pós-
graduação em fisioterapia.
— Que divertido.
— Quero incendiar essa porcaria de livro.
— Isso pode prejudicar o preço de revenda.
Ele bufou e voltou a atenção aos estudos.
Olhei para a televisão.
— O que você está assistindo?
— Estava vendo o noticiário local, mas agora está passando
algum programa de entretenimento.
— Ah. — Peguei o controle e me sentei no sofá. Estava prestes
a mudar de canal quando as Kardashians apareceram na tela,
sentadas em volta de uma passarela onde mulheres desfilavam
somente de lingerie. Ao fundo, um letreiro iluminado trazia os
dizeres Angelo Vara Intimates. — Desde quando você gosta dessas
coisas, Castle?
Shane nem sequer olhou.
Certo, eu estava falando sozinho. Dre desapareceu na cozinha.
Suspirei e quando olhei para a televisão de novo, uma garota
usando sutiã e calcinha verde-petróleo me chamou a atenção.
Seu cabelo escuro chegava quase na cintura, e ela usava muita
maquiagem, mas aquela garota... de lingerie na passarela...
parecia... Bianca.
Parei de respirar, e meu ouvido começou a apitar quando me
ajoelhei no chão e rastejei em direção à TV. De algum lugar, Shane
perguntou o que eu estava fazendo, mas eu não conseguia
raciocinar. Com o rosto a centímetros da tela, pisquei para a garota
que desfilava de volta para o fundo da passarela e para longe das
Kardashians.
Eu só podia estar enganado. Era apenas uma garota linda,
certo? Outra supermodelo filipina.
Mas então ela se virou e olhou por cima do ombro. Naquele
momento, eu soube.
Puta merda, eu soube.
— Puta que pariu. — Meus membros não funcionavam, e meus
músculos se derreteram quando me dei conta de que havia saído
com uma modelo de lingeries. Caí sentado no chão e apontei para a
tela. — Puta merda.
— Cara... — Shane falou. — Sei que você é um heterozinho
ingênuo, mas são só mulheres, e elas têm peitos. Você precisa se
controlar.
Eu me endireitei e bati as mãos na mesa de centro.
— Cale a boca e me deixe falar!
Shane se recostou no sofá, boquiaberto.
— Dre! — ele chamou. — Você pode vir aqui, por favor? O
Saint está pirando porque viu alguns peitos.
Dre apareceu na sala de estar.
— O que está acontecendo?
Acenei freneticamente para a televisão, que naquele instante
exibia alguma coisa sobre o próximo filme da franquia Missão
Impossível.
— Aquela garota. De lingerie verde... Você viu aquela garota?
— Não — Shane respondeu.
Pisquei para ele e depois para Dre. Ambos me olhavam como
se eu estivesse louco, e tudo bem, porque eu estava mesmo.
— Era a Bianca! — gritei. Estava à beira da histeria. — Aquela.
Era. A. Bianca. Santos. De lingerie. No desfile Angelo Vara. Com as
Kardashians.
Ninguém mexeu um músculo. Nem sequer respirou. E então
entramos em modo de ação.
— Pegue um notebook — Dre gritou.
— Aqui! — Shane respondeu e pegou o laptop ao lado do sofá
como um ninja.
— YouTube. — Dre se sentou ao lado de Shane, esfregou as
mãos e depois sinalizou com a cabeça para mim. — No sofá, Saint.
Agradecido pelas ordens sobre o que fazer com meu corpo
entorpecido, me joguei ao lado de Shane enquanto ele digitava. Em
pouco tempo, ele abriu um vídeo de um desfile de um ano atrás.
Droga, eu estava suando e sentia minha nuca se arrepiar. Não tinha
a menor ideia de como lidar com isso.
Shane apertou o play, e não precisamos esperar muito. Depois
de quarenta e cinco segundos de desfile, uma morena usando
peças verde-petróleo começou a andar pela passarela. Quando a
câmera a enquadrou, Shane pausou o vídeo.
Ficamos encarando a tela.
Os olhos, o jeito de caminhar... caramba, até mesmo o
movimento do cabelo... era Bianca Santos.
— Puta merda — Dre comentou. — A sobrinha do treinador é
uma supermodelo.
Engoli em seco. Sempre soube que ela estava fora do meu
alcance, mas aquilo atingia um nível totalmente diferente.
Os caras estavam falando, mas eu não era capaz de me
concentrar neles. Eu relembrava todas as conversas com Bianca.
Ela comentou sobre pessoas a usarem, então algumas peças do
quebra-cabeça começaram a se encaixar. Encarei o vídeo pausado,
e ela mostrava um sorriso frio e indiferente. Era sorriso bom, claro,
mas eu sabia como Bianca sorria de verdade.
Eu me levantei e calcei os tênis ao lado da porta.
— Vou correr.
Quando me virei, ambos franziam a testa para mim.
— Onde é o incêndio, Saint? — Dre perguntou.
Balancei as chaves na mão, sem saber o que dizer.
— Há algumas coisas que não contei para vocês.
— Tipo? — Shane indagou.
— Tipo o fato de que eu e Bianca nos beijamos? E demos
alguns amassos? Que o treinador nos pegou no flagra?
Dre arregalou os olhos, e Shane caiu para trás no sofá,
gritando.
Continuei explicando.
— Bianca me defendeu para que o treinador não me matasse,
mas então disse que não poderíamos mais nos ver.
— Então você não fazia ideia de que ela era modelo? — Shane
arqueou as sobrancelhas.
Balancei a cabeça.
— Claro que não. Quero dizer, ela se parece com uma modelo,
mas eu não fazia ideia de que realmente era uma.
— Merda — Dre disse. — Não acredito que você não nos
contou.
— Mas não tinha muito o que contar. — Dre me encarou. —
Certo, é mentira — eu me justifiquei. — Mas acabou antes mesmo
de começar, e o tempo todo eu achei que era um sonho.
— Sei como é.
— Então preciso... esfriar a cabeça. Ou algo assim.
Shane jogou meu celular para mim.
— Leve isso.
Enfiei o aparelho no bolso de trás e acenei para eles.
— Até mais tarde, pessoal.
Não fazia ideia de onde estava indo. A única coisa certa era a
sensação claustrofóbica naquela casa. Sentia o estômago
embrulhar a cada passo. O que estava acontecendo na vida de
Bianca? Como ela passou de modelo para uma estudante na
Travers? Minhas inseguranças também estavam fervilhando. Era
impossível que Bianca tivesse mesmo gostado de mim, certo? Era
provável que tivesse namorado estrelas do esporte. Estrelas de
verdade, não um meio-campo da terceira divisão de uma
universidade.
Meus pés me levavam em direção à casa do treinador. Não
sabia o que ia falar quando chegasse lá, não pensava em como o
treinador ia acabar comigo. Também não pensava na rejeição de
Bianca. Tudo que me importava era conferir se ela estava bem e,
sendo bem egoísta, perguntar se ela sentiu mesmo algo por mim.
Eu me sentia perdido. E tudo piorou assim que cheguei à rua do
treinador e as nuvens que pairavam no céu despejaram uma chuva
torrencial. Estava usando calça jeans e uma camiseta branca,
então, assim que parei nos degraus da casa dele, estava
completamente encharcado. O treinador morava perto da faculdade,
em um belo bairro residencial onde muitos dos funcionários da
Travers viviam.
Toquei a campainha, mesmo sabendo que estava louco e que
deveria ir para casa.
Ouvi passos lá dentro e depois uma pausa. Encarei a maçaneta
quando ela começou a girar devagar, pensando em possíveis frases
para dizer ao treinador quando ele abrisse a porta. “Queria saber
como a Bianca está” era bem melhor do que “Acabei de ver a
Bianca de lingerie na TV”.
Quando a porta abriu, não era o treinador. Era Bianca. Vestindo
uma calça de pijama rosa de bolinha branca e uma camiseta velha
com um dos ombros à mostra. Estava sem maquiagem e com o
cabelo preso em um coque bagunçado.
Estava descalça, um pé em cima do outro, mostrando as unhas
pintadas de rosa. Ela me encarou, franzindo a testa em um gesto de
preocupação. Olhou por cima dos meus ombros, para o céu e
depois para mim.
Havia acabado de vê-la na TV usando lingerie, maquiagem e
salto alto, mas ali estava ela, como se tivesse acabado de acordar
de um cochilo. Talvez tenha sido a água gelada escorrendo pelas
minhas costas, ou talvez meu estado mental exaurido, mas disse a
primeira coisa que me veio à mente.
— Você é tão linda assim quanto no desfile de Angelo Vara.
Bianca arregalou os olhos e sua expressão se fechou antes de
bater a porta na minha cara.
Pode me chamar de Lavin Saint, o rei das infinitas más
impressões.
Dez
— BIANCA! — CHAMEI ATRAVÉS DA PORTA de madeira
grossa. — Por favor, só quero conversar com você.
— Vá embora! — Ouvi sua voz do outro lado. Estava abafada, e
eu não conseguia vê-la, então não sabia como estava se sentindo.
Estava zangada? Triste?
— Não posso.
— Pode, sim!
— Bi, por favor.
— Você quer que eu confirme? Era eu naquela passarela.
Pronto, aí está. Agora vá contar para os seus amigos que você saiu
com uma modelo e me deixe em paz.
Dei um passo para trás, e senti suas palavras arderem como
um tapa no meu rosto.
— Você está falando sério? Acha que eu faria algo assim? Você
acha que vim até aqui para isso?
Ela não respondeu, e eu esperei, minha respiração formava
pequenas lufadas brancas no ar gelado. Pelo menos, eu estava
abrigado sob a varanda, embora estivesse encharcando o chão de
madeira.
Foi então que a ouvi fungar.
— Vá embora, Lavin. — Bianca parecia exausta e havia se
afastado da porta.
Mais uma vez, bati com a mão cerrada.
— Bianca!
Ela ficou em silêncio novamente, e eu me inclinei para a frente,
olhando através do vidro da porta. Uma silhueta escura caminhava
pelo corredor e para longe de mim. Não raciocinei direito, apenas
pulei o corrimão lateral da varanda e comecei a andar pela lateral da
casa, espiando de janela em janela, seguindo Bianca pelo interior.
Tropecei em um arbusto e senti os galhos duros espetarem minha
barriga. Caí de joelhos no chão molhado e sujo e ao me levantar, vi
que ela havia saído da sala de estar. Corri até a próxima janela,
espiei e a encontrei entrando na cozinha.
Bati na janela, e Bianca se assustou. Ela me olhou feio e
sussurrou.
— Eu disse para ir embora! Qual é o seu problema?
Ela estava chorando. Os olhos estavam vermelhos, e ela os
enxugou com bastante raiva. Uma silhueta escura apareceu atrás
dela, e eu me abaixei assim que percebi que era o treinador.
Permaneci agachado embaixo da janela porque embora pensasse
que ele não tinha me visto, não sabia ao certo. Prendi a respiração e
fiquei esperando até que a janela se abrisse e sua mão enorme
aparecesse para me estrangular.
Mas tudo o que ouvi foram vozes abafadas acompanhadas do
barulho contínuo da chuva, que estava diminuindo.
— Quem era? — o treinador murmurou com a voz grave.
— Um vendedor de revistas.
— Ah, você parecia estar brava.
— Porque ele não queria aceitar “não” como resposta.
Revirei os olhos. Quando pareceu que as vozes diminuíram,
levantei a cabeça devagar. Minhas coxas queimavam por eu ter
ficado tanto tempo agachado. Arrisquei olhar pela janela, mas a
cozinha estava vazia. Merda, foi por pouco, mas eu continuava sem
respostas. Pouco me importava que Bianca era modelo. O que
importava era o fato de ela ter segredos, de ter sido modelo e
depois ter se tornado uma universitária de personalidade
espontânea e olhares tristes. Eu sabia que ela tinha segredos, mas
acabei me envolvendo muito e queria saber mais. Queria ajudar.
Talvez fosse egoísmo da minha parte pressioná-la, mas eu não ia
desistir.
Porém, com o treinador em casa, aquela era uma batalha
perdida. Soltei o ar bruscamente, passei as mãos pelo cabelo
molhado e me afastei da janela para esticar as pernas. Coloquei um
pé para fora do canteiro e paralisei.
Um par de olhos furta-cor cruzaram com os meus, e o brilho
proveniente da janela da cozinha fez o pelo multicolorido cintilar. Era
Callie, a gata do treinador. Já a havia visto uma vez, quando ele nos
convidou para um evento em sua casa. Ela só não atacou o Dre
porque o treinador a pegou e a levou para dentro, como se
estivesse conversando com um bebê. Era um animalzinho malhado
e pesava cerca de cinco quilos, mas isso pouco importava quando
ela estava me encarando de um jeito assassino.
Dei mais um passo em sua direção, e ela se preparou,
balançando o rabo e prestes a atacar.
Estiquei a mão.
— Oi, Callie. Oi, gatinha. Gatinha boazinha, linda. Estou indo
para casa, então você pode ficar com o seu... território.
O guiso em sua coleira nem sequer soou quando ela se moveu
em minha direção com aquelas patinhas silenciosas.
— Gatinha boazinha. — Tentei mais uma vez.
Dei um passo em direção à frente da casa, mas Callie
ronronou, e o som se tornou um miado grave. Ah, merda, ela estava
brava.
Gatos fogem de predadores, certo? E eu era um predador,
então mudei de estratégia.
— Xô. — Balancei a mão para ela, falando o mais alto que
podia. — Vá embora.
O miado soou momentos antes de ela saltar. Em um instante,
estava no chão e, logo depois, pulando e arqueando o corpinho
como um tigre em miniatura. Garras afiadas como navalha brilharam
sob a luz, e seus olhos cintilaram como os de um demônio. E então
ela estava em cima de mim, cravando aquelas armas de destruição
em massa no meu ombro.
Engoli um grito de dor, porque não queria chamar atenção, mas
aquilo doeu. A gata não me soltava e afundou os dentes no meu
pescoço. Comecei a entrar em pânico. Ela mirava na minha jugular
como uma pantera.
— Filha da puta! — Não queria matar a gata do treinador. Ele
enfiaria minha cabeça em uma estaca, mas estava começando a
ficar com medo de que ela fosse me degolar.
O animal miava e cravava as unhas em mim como se fossem
tesouras. Agarrei seu corpo e a arranquei de mim, sentindo as
garras deslizarem pela minha pele como ferro em brasa. Eu a joguei
longe, e a filha da mãe caiu de pé antes de sair correndo, com o
guiso tilintando.
— Callie! — o treinador chamou da frente da casa, e a gata
passou por mim bem devagar e se balançando, como se não tivesse
quase me matado. Curvei o corpo e apoiei as mãos nos joelhos
enquanto recuperava o fôlego. Parecia que meu ombro estava
pegando fogo. Arrisquei dar uma olhada e vi a camiseta em
frangalhos e manchada de sangue. Porcaria de gato.
Poucos minutos depois, vi o carro do treinador saindo da
garagem e depois acelerando pela rua. Estreitei os olhos, mas só
consegui ver a silhueta dele dentro do carro, o que significava que
Bianca estava em casa. Sozinha.
Fui burro o suficiente para voltar até a entrada e bater
novamente. Sabia que estava me transformando em um stalker.
Beirava à psicopatia. Mas eu não conseguia me convencer a dar
meia-volta. Eu a ouvi chorar. E isso estava me matando. Dre teria
me aconselhado a ir embora. Droga, antes de mais nada ele teria
me dito para não vir de jeito nenhum, mas quando se tratava de
Bianca, eu não raciocinava.
Ninguém atendeu, então espiei de novo pelo vidro na porta. Vi
uma silhueta em pé no final do corredor.
— Bianca! — Bati os nós dos dedos no vidro. — Por favor, abra
a porta. Não precisa me deixar entrar. Só quero saber se você está
bem.
A silhueta se mexeu, e Bianca escancarou a porta, fazendo a
bainha de sua camiseta ondular com a força do movimento. No
mesmo instante, ela colocou a mão na boca e arregalou os olhos.
— O que aconteceu com você?
— Comigo? — Desviei o olhar para o vidro. Havia um borrão
vermelho ali. Abri bem as mãos e vi traços de sangue nos dedos. —
Ah, merda.
Bianca agarrou minha mão, me puxou para dentro e bateu a
porta com força.
— Lavin, que merda é essa?
Ela se virou e apertou alguns botões em um painel ao lado da
porta. Presumi que era um alarme, então virei a cabeça para o outro
lado para que ela não pensasse que eu estava tentando roubar a
senha. Olhei ao redor. Tudo tinha tons escuros: o chão de madeira,
o tapete, a mobília e até mesmo as paredes. Sobre o aparador da
entrada, havia uma estátua preta e esquisita que parecia um gorila,
mas tinha certeza. Os olhos daquela coisa me encaravam como se
vissem minha alma, por isso me virei e olhei para a parede.
Bianca me arrastou pelo corredor e chutou uma porta para abri-
la. Ela me empurrou para dentro, e perdi o equilíbrio ao me sentar
em um vaso sanitário. Então ela vasculhou os armários até
encontrar o kit de primeiros socorros. Jogou a maleta em cima da
bancada, e só então percebi que suas mãos tremiam. Eu a alcancei
e segurei seu pulso, acalmando seus movimentos frenéticos.
— Ei, está tudo bem. Só briguei com o gato.
Ela recuou.
— Callie?
Paralisei. Espere aí. Estava prestes a admitir que fui dilacerado
por um gato? De jeito nenhum. Não me justificaria assim. Limpei a
garganta.
— Quero dizer, não. Era um gato grande. Um puma. — Estufei
o peito. — Estava indo em direção a um grupo de crianças. Acho
que estavam em uma excursão.
Bianca piscou algumas vezes.
— Crianças em uma excursão às oito da noite?
— Sim, bem estranho, não é? Enfim, salvei a vida delas e
briguei com o... hã... gato grande. Eu o contive com um mata-leão,
então ele se rendeu.
— Você lutou com um puma até que ele se rendesse — ela
falou de um jeito seco, e eu não gostei do ceticismo.
Mordi o lábio.
— Isso mesmo.
Ela me encarou por um instante, contorcendo a boca como se
não soubesse se ria ou gritava. Enfim, bufou e tirou minha camiseta.
— Tudo bem, Tarzan. Vamos limpar os ferimentos. Não posso
imaginar quais doenças um puma transmite, e ele detonou o seu
ombro.
Eu me atrevi a dar uma olhada para minha pele assim que
Bianca começou a limpá-la. Ardia, o que significava que estava
surtindo efeito, então ignorei a dor. Os cortes eram profundos, mas
não muito grandes, e talvez fossem deixar cicatrizes. Filha da mãe.
Era disso que estava falando. Queria cicatrizes descoladas, mas em
vez disso, era como se tivesse perdido doze rounds para uma lixa
de unha.
Bianca apertava os lábios enquanto limpava os ferimentos e
colocava uma gaze no pior deles. Ela apontou para o meu pescoço
e arqueou as sobrancelhas.
— E essas mordidas?
— Foi um vampiro — respondi bem rápido.
E então ela não resistiu. Explodiu em risadas, batendo a mão
na bancada e quase derrubando o álcool.
— Ei! — eu disse. — Você não liga se eu me transformar? Vai
ser como a série True Blood. Espere e verá.
— Cale a boca — ela respondeu, secando os olhos antes de
continuar limpando e colocando gaze nos outros machucados. Não
olhou para mim enquanto lavava as mãos. — Eu te acompanho até
a porta.
Fiquei imóvel. De jeito nenhum. Não depois de ter sobrevivido
ao ataque de um puma e de um vampiro. Ela não ia me expulsar.
Estiquei a mão para tocá-la.
— Bianca.
Ela se desvencilhou do meu toque e saiu do banheiro. Cerrei o
punho e o bati em minha coxa, guardando um xingamento para
mim. Joguei a camiseta destruída no lixo e segui Bianca pelo
corredor, embora olhasse ao redor, me perguntando se aquela gata
estava escondida esperando para acabar o serviço.
— Bianca, por favor, não me faça ir embora.
Ela estava de pé diante da porta, com os ombros caídos e as
mãos na cintura. Então se virou, e pude perceber que estava
tentando ao máximo manter a compostura para não perder o
controle.
— Você me disse que podia ser você mesma quando estivava
comigo — falei. — Por que está tentando se esconder agora?
— Não estou tentando me esconder. — Havia um brilho em seu
olhar, o que era melhor que aquele vazio de antes. — Sou eu
mesma quando estou com você. Estou sendo eu mesma agora. Mas
isso não significa que preciso te contar tudo. Há coisas sobre mim...
— Ela respirou fundo e fechou os olhos por um instante antes de
fixá-los nos meus. — Estou tentando não ser egoísta. Gosto de
você, Lavin. Mais do que... mais do que gostaria de admitir para
mim mesma. E para você. Mas continuar com isso é perigoso para
nós dois. Você precisa entender que estou te afastando por uma
razão. Muito boa, por sinal. Mas toda vez que você aparece e me
olha desse jeito, é bem mais difícil me manter firme nessa decisão.
— Bianca endireitou os ombros, e seu semblante era de convicção.
— Preciso me manter firme.
A razão gritava para que eu fosse embora, mas essa garota me
atraía como se fosse um ímã.
— Isso nem faz sentido. Perigoso para mim?
Ela bateu os pés, cerrou os punhos ao lado do corpo e seus
olhos estavam marejados.
— Por que você não pode fazer isso por mim, Lavin? — Seu
corpo balançou com um soluço. — Por que não facilita as coisas e
me deixa em paz?
Senti o sangue ferver e as palavras saíram da minha boca de
uma vez.
— Porque eu me apaixonei por você!
Bianca deu um passo para trás como se eu a tivesse atingido.
Balançou as mãos e se apoiou na parede. Dei um passo à frente na
intenção de ajudá-la, mas ela me impediu. Seu olhar era assustado
e a pele estava pálida como nunca vi. Ela cobriu a boca com a outra
mão, e pude jurar que vi sua garganta contrair como se fosse
vomitar.
Mas que merda de sorte a minha, não é? A primeira vez que
me declaro para uma garota, ela responde com um engasgo. Lindo.
Excelente, Lavin. Mas era óbvio que uma modelo lindíssima de
lingeries não iria se jogar nos meus braços e viver feliz para sempre
com um sujeito imaturo de vinte anos como eu. Eu nem sequer tinha
como pagar uma cerveja. Naquele momento, ela me via como um
moleque apaixonado, e nem meu orgulho eu tinha mais.
Senti toda a dor. As pernas doíam da corrida até lá e o ombro
ardia. E meu coração... bem, era o mais destroçado.
Não esperei que Bianca respondesse. Não conseguia nem
olhar para ela. Passei ao seu lado, abri a porta e fui embora.

***
Pensei que sabia o que era um coração partido. No ensino
médio, namorei uma garota por um ano. Hailey era um amor, filha
única de um casal muito religioso. Era extremamente tímida, mas
bonita, e eu a queria. Chamei-a para sair durante semanas, até que
ela aceitou. Depois disso, não nos desgrudávamos. Ela despertava
em mim algum tipo de instinto protetor, então andar com ela de
mãos dadas pelos corredores da escola me fazia sentir como um
adulto. Em dias de jogo, ela decorava meu armário e deixava
bilhetinhos desejando boa sorte.
Hailey foi carinhosa e confiável. Sincera. Não fazia joguinhos e
não mentia por nada. Minhas bolas viviam doloridas, porque não
passávamos de beijos, e na época eu estava tranquilo quanto a
isso. Tinha dezesseis anos e morria de medo de garotas,
principalmente dela. Não suportava a ideia de machucá-la, fazê-la
chorar ou qualquer coisa que a fizesse parar de sorrir.
Uma noite, no porão de sua casa, onde deveríamos estar vendo
um filme, ela deslizou a mão para dentro da minha calça, mordiscou
o lábio e bateu uma punheta desajeitada da qual eu me lembraria
pelo resto da vida. Hailey deixou que eu a tocasse por cima da
calcinha, e eu nunca me esqueceria de seus olhos enquanto ela
estremecia e gozava.
Na semana seguinte, literalmente, toda a família se mudou para
o outro lado do país. Ela gritava e explicava que o pai havia aceitado
um novo emprego, e que ela não queria me deixar, mas não tinha
escolha. Pude jurar que o babaca sabia que se não a afastasse de
mim, teríamos transado até o fim do ensino médio.
Fiquei arrasado. Ela era minha melhor amiga também, e foi
uma tortura vê-la encaixotar suas coisas, chorando enquanto eu
ficava sentado em sua cama. Depois que ela foi embora, tentamos
manter contato, mas um relacionamento à distância entre dois
adolescentes de dezesseis anos era sinônimo de desastre.
Por muito tempo, me questionei se teria dado certo se eu
tivesse me esforçado mais. Mas agora tenho certeza que não. Não
lutei por Hailey, porque o que sentia por ela não era nada
comparado ao que sinto por Bianca. Eu queria lutar por ela. Só não
sabia como.
— Saint, preste atenção. — Senti um dedo perto do meu olho, e
quase caí para trás. Esfreguei a mão no rosto, olhando ao redor e
percebi meus companheiros de equipe me encararem, confusos.
Ah, sim. Estávamos no intervalo de um jogo cujo placar marcava
dois gols para o adversário, e em vez de ouvir o treinador dando
uma bronca na gente, eu estava no mundo da Lua.
— Desculpe — murmurei. Não estava jogando mal. Não era
meu melhor desempenho, mas não estava sendo terrível. Eu estava
fazendo um jogo mediano, o que não era novidade, já que minha
vida se resumia a mediocridade.
O treinador me encarou da mesma maneira como vinha
fazendo nas últimas duas semanas, um misto de raiva e pena. Eu
conhecia aquele olhar. Ele achava que eu era um babaca patético
por ter me apaixonado por sua sobrinha, que:
1 - de quem eu não era permitido chegar perto e
2 - que se aproveitou de mim até enjoar.
Não vi mais Bianca na faculdade, mas isso não me impedia
de imaginá-la saindo escondida para fazer algo com outro cara.
Deveria ser eu. Era eu quem deveria correr o risco de ser
expulso por conta de alguma peripécia dela. Era eu quem deveria
estar vomitando depois de uma competição de comida. Eu. Mas não
era. E nunca seria.
Senti um tapa na lateral da cabeça e prendi a respiração.
— Foco no jogo — o treinador disse com desdém antes de se
afastar.
Aquilo ajudou a me trazer de volta à realidade. Dei alguns pulos
para aquecer os músculos assim que o árbitro apitou, indicando o
fim do intervalo.
Dre começou a caminhar lado a lado comigo ao entrarmos em
campo.
— Cara, você está bem mesmo?
— Sim, estou.
Ele parecia preocupado.
— Foco, está bem? Se não for por você, por nós.
Droga, ele estava certo. Olhei nos seus olhos.
— Estou focado. Juro.
Meu amigo sorriu e me deu alguns tapas nas costas antes de
correr para o gol.
Assumi minha posição e esperei o árbitro apitar. Nos primeiros
dez minutos, corri como um louco. A única coisa em que eu era
realmente bom era no futebol, então mergulhei na partida.
Marcamos dois gols e empatamos a partida nos últimos cinco
minutos. E fui eu quem deu assistência para meus companheiros.
O árbitro marcou escanteio, e o goleiro do time adversário
gritou:
— Marquem em cima!
Senti alguém se aproximar de mim e ouvi uma voz que vinha
me importunando o jogo inteiro.
— Me empurre mais uma vez, babaca, e eu te tiro do jogo.
Fazia uma hora que eu estava ignorando o cara, mas estava
cansado de suas provocações.
— Você quer que eu pegue mais leve? Desculpa, cara, isso
aqui não é uma escolinha na qual você só entrou porque o papai
pagou uma fortuna.
Shane correu até o canto com a bola debaixo do braço. Mantive
os olhos nele, sabendo que seu chute curvado viria em minha
direção.
— Torça para que o juiz não se vire, ou você vai cuspir sangue.
— Sério? Cai fora. — Nos empurramos na busca da melhor
posição perto da trave assim que a bola disparou em nossa direção.
Pulei, entusiasmado quando a toquei com a cabeça em um golpe
firme. Ajeitei o ângulo do pescoço e mandei a bola para dentro do
gol.
— Filho da mãe — alguém falou. Ouvi gritos e o barulho de
uma bola acertando a rede. Sorri de orelha a orelha, mas então
senti algo afiado se chocar contra minhas costelas. Perdi o fôlego e
ouvi o barulho de algo rígido batendo em metal. Senti uma dor
lancinante na cabeça, e tudo ficou escuro e silencioso. Nem percebi
quando meu corpo atingiu o chão.
Onze
ALGUMA COISA PINICAVA MEUS DEDOS. Era gelada e
molhada. Abri os olhos e percebi tudo estranho ao meu redor, mas
pisquei até conseguir focar. E então pisquei de novo, porque meus
olhos me diziam que Bianca estava sentada ao lado da minha cama,
com o cabelo preso e a língua no canto da boca em total
concentração enquanto pintava minhas unhas. O frasco de esmalte
preto estava sobre a mesa de cabeceira.
Ela se afastou, conferindo o trabalho antes de mergulhar o
pincel no frasco e voltar a pintar meu mindinho.
Dre apareceu no quarto, e desviei o olhar para ele.
— Ei, cara. Vim ver como você está.
Quando recobrei a consciência no campo depois daquele filho
da mãe bater minha cabeça contra a trave, fui examinado pela
equipe médica, diagnosticado com uma concussão e levado para
casa depois de algumas horas em observação. Agora estava
deitado na minha cama e alucinando. Talvez eu devesse ir ao
hospital.
— Estou bem. Ganhei uma cicatriz legal, pelo menos?
Dre fez uma careta.
— Não tenho certeza. Sua cabeça sangrava sem parar. Tiveram
que raspar parte do seu cabelo para dar pontos.
Levantei a mão e toquei a lateral da cabeça. O couro cabeludo
estava exposto e havia uma fila de pontos.
— Você está de brincadeira, não é? — Bati a mão na cama. —
Por que nunca consigo cicatrizes legais? Deveria ter sido jogador de
hóquei. — Para meu tormento, Dre sorriu. Fechei os olhos e
consegui não choramingar. — Concussões são coisas sérias.
— São, sim.
— Não, é sério. Estou vendo coisas.
Dre franziu a testa.
— Como é?
— Sim, estou alucinando e vendo a Bianca aqui, pintando
minhas unhas. Isso é loucura.
Dei risada, mas Dre não me acompanhou. Em vez disso, olhou
para o lado.
— Você não está alucinando, cara.
Congelei, e a risada foi morrendo na minha garganta conforme
eu virava a cabeça. Bianca estava sorrindo para mim, e então
acenou de forma sutil, já que estava segurando o pincel do esmalte.
— Oi para você.
Ela se aproximou e assoprou minhas unhas. Apesar do
ferimento, senti meu pau reagir. Ela usava uma legging lisa e um
moletom enorme, cujas mangas se avolumavam em torno dos
pulsos. Naquele momento, ela me lembrava um pouco da Ariana
Grande, com aquele rabo de cavalo bem alto. Estava descalça e
apoiava os pés na beirada da cama. Engoli em seco.
— Oi.
Então ela fechou o frasco de esmalte e me entregou um copo
de água com um canudo.
— Beba.
Fiz o que ela pediu, fechando a boca ao redor do canudo. Eu
não estava em posição de discutir. Ainda tentava convencer meu
cérebro de que aquilo não era uma alucinação. Ela estava ali. No
meu quarto. Como se uma semana atrás eu não tivesse me
declarado só para vê-la se engasgar.
— Bem, vou deixar vocês à vontade. Precisa de alguma coisa?
— Dre já estava saindo do quarto.
— Não, obrigado — respondi.
Descansei a cabeça no travesseiro e ergui a mão, analisando o
esmalte preto nas unhas.
— Por que você as pintou?
Bianca deu de ombros.
— Fiquei entediada enquanto você estava dormindo, então
mexi nas suas coisas e encontrei o esmalte.
— Foi um trote quando eu era calouro. — Não entendi por que
sentia a necessidade de me explicar. — Bem, próxima pergunta. Por
que você está aqui?
— O treinador disse que você estava machucado.
E foi isso. Ela não disse mais nada.
Resmunguei.
— E você se importa porquê...? — Ela abriu a boca, espantada,
e no mesmo instante me arrependi do que falei, pois seus lábios
tremeram. — Bianca...
Ela bufou.
— Está tudo bem. Eu mereci.
— Não, eu não deveria ter dito isso.
— Deveria, sim — ela retrucou, ríspida. — Reconheça, Lavin.
Eu te magoei, e você tem todo o direito de se sentir assim e estar
bravo comigo.
— Certo, se você quer que eu seja sincero e reconheça meus
sentimentos, aqui está a verdade: fiquei zangado por alguns dias,
mas não estou mais. Estou triste. — Passei a língua pelos dentes.
— E com saudade.
— Lavin... — ela sussurrou e rastejou na cama de casal para se
deitar entre mim e a parede. Repousou a bochecha quente no meu
ombro e passou um braço por cima do meu peito nu, Seus joelhos
cutucaram minha coxa.
Fiquei imóvel, sem saber o que fazer e o que aquilo significava.
Ela estava ali, mas até onde eu sabia, poderia ser por pena. Só que
eu estava cansado demais e minha cabeça doía muito para me
fazer de difícil. Senti saudades dela.
— Como está a cabeça?
— Está bem. Só latejando um pouco.
— Vou atrás daquele babaca que te agrediu, riscar o carro dele,
furar os pneus e encher as garrafas de Gatorade dele com laxante
— Bianca disse com raiva, e senti sua respiração sobre meu peito.
Dei risada, mas logo se transformou em um gemido, porque
minha cabeça doeu. Meu único prêmio de consolação era aquela
enxurrada de carinho e proteção vindo de Bianca.
— Me lembre de nunca te tirar do sério.
— Eu estava lá. — Sua voz perdeu o tom de ameaça. — Estava
fora de vista, e quando vi sua cabeça batendo na trave, quase
vomitei.
Eu me contraí.
— Foi tão ruim assim?
Ela estremeceu.
— Aquele som oco e metálico vai me assombrar por muito
tempo.
Esfreguei seu ombro.
— Ei, estou bem. Minha cabeça é dura.
— Ele poderia ter te machucado de verdade. — Bianca não
queria esquecer o que houve.
— Bem, ele até que me machucou bastante, mas estou vivo.
Provavelmente já foi expulso do time. Nenhum lugar vai aceitar o
que ele fez.
Bianca bufou.
— Talvez eu ainda risque o carro dele.
— Tudo bem, sua vândala.
Ela ficou em silêncio por um tempo e manteve o braço bem
apertado ao redor da minha cintura. Quando falou novamente, sua
voz era suave.
— Como você descobriu?
Tive um palpite sobre o que estava falando.
— Shane estava assistindo a um programa em que as
Kardashians estavam na plateia de um desfile. E você apareceu.
Ela suspirou.
— Tenho sido bem egoísta — disse, mas eu não retruquei,
porque não sabia o que dizer. — Preciso confessar uma coisa.
Encarei o teto, me concentrando em uma mancha de água que
parecia o Groot.
— Tudo bem.
— Não me odeie até que eu termine de contar, está bem?
Tentei não deixar a voz falhar.
— Tudo bem.
— Quando aqueles jogadores de futebol americano me
abordaram na faculdade e vi você se aproximar, a primeira coisa em
que pensei foi que você parecia o tipo de cara que ia... entrar na
onda do que eu dissesse. Não queria ir àquela festa sozinha, não
com aqueles caras, que obviamente só se interessavam em me
mostrar seus paus enormes. Mas, ao mesmo tempo, queria ir a uma
festa universitária para ver como era. Enquanto isso, você me
olhava como se fosse se deitar em uma poça para que eu não
molhasse os pés. Aos meus olhos, você parecia ser inofensivo.
Engoli em seco, querendo negar, mas também reconhecendo
que ela não estava errada. Bianca levantou a cabeça para me olhar,
e ao menos uma vez na vida mantive a boca fechada. Apenas
assenti, e por algum motivo, isso a fez se encolher e deitar a cabeça
em meu ombro de novo.
— Pode parecer cruel, mas eu não planejava falar com você
depois da festa. Só que tudo mudou quando te conheci. Gosto da
sua companhia. Você é engraçado, gostoso pra caramba... muito
mais do que imagina... e não fica de joguinhos. Você não tem
vergonha de... ser o Lavin. Me sinto segura ao seu lado, e é
impossível não ressaltar o quanto significa para mim me sentir
assim.
— Mas por que eu? Você tem inúmeras opções, mas escolheu
sair comigo?
— Opções? — Não sabia muito bem qual reação esperar, mas
sua voz indignada quando retrucou estava entre meus palpites.
— Sim, opções...
Ela me lançou um olhar tão mortal que fiquei quieto.
— Não tem nada a ver com opções. Não preciso de um
homem, Lavin. Estou por minha conta há muito, muito tempo. A
última coisa que tinha em mente quando me mudei para cá era
encontrar alguém de quem gostasse. Na verdade, é a última coisa
de que preciso.
— Então por que...
— Estou com você porque quero. Você. Não porque é uma
opção que escolhi em uma fila de candidatos. — Meu Deus, ela
estava furiosa, e me fuzilava com os olhos. — Sério mesmo? É isso
que você pensa de você? De nós?
Estreitei os olhos para ela.
— Existe o que eu penso, e o que quero pensar. Às vezes, tudo
se confunde. Não sei de mais nada.
Bianca segurou meu rosto com carinho, porque eu estava
machucado.
— Não tenho por que mentir para você. A verdade é que não
namoro ninguém. Tive um namorado, um homem mais velho. Durou
um ano e meio, até ele me trocar por uma modelo mais nova.
— Mais nova? Bi, você tem vinte e um anos.
Ela apertou os lábios.
— Ela tinha dezoito. Ele gosta das novinhas.
Franzi o nariz.
— Nojento.
— É por isso que me sinto egoísta pra caramba. Não te deixei ir
e continuei te procurando, porque não consegui ficar longe. Mesmo
sabendo que poderia te colocar em perigo. Não te dei escolha
quando você descobriu tudo. É culpa minha.
Me lembrei de que ela já havia dito isso na casa do treinador.
— Perigo? — perguntei, incrédulo. — Você tem um ex-
namorado mafioso que vai colocar uma cabeça de cavalo decepada
na minha cama? — Ela não respondeu, e senti minha coluna
arrepiar. — Espere aí. Você tem? Porra, um mafioso vai estourar
meus joelhos? Vai me dar um tiro? Vão me matar?
— Meu Deus, Lavin, ele não é um mafioso! — ela falou.
— Então o que...?
— Estou me escondendo, Lavin. — Sua voz estava mais calma,
mas seu olhar era tão triste que me partia o coração. — Vim me
esconder aqui, porque um fã está me perseguindo e ameaçou me
matar.
Sentei tão rápido que minha cabeça girou. Gemi, e Bianca
arfou.
— Deite-se — ela ordenou. — O que você está fazendo?
— Você acabou de me dizer que tem alguém querendo te
matar!
— Shhhhh! — Ela olhou para a porta e para mim novamente.
Seu olhar era de súplica. — Você não pode contar para ninguém.
Enfiei um travesseiro embaixo da cabeça, e Bianca se sentou
de pernas cruzadas ao meu lado com a mão em minha coxa.
— Me explique — eu pedi. — Por favor.
Estava claro que ela não gostava de falar sobre o assunto. Ela
apertava o joelho com a outra mão, fazendo os nós dos dedos
saltarem e as unhas cravarem na calça.
— No começo, os e-mails eram como os de outros fãs. Nada de
mais. Mas então começaram a aparecer mensagens no Instagram,
a única rede social que tenho. Meu nome artístico é Bianca Marie. A
coisa começou a ficar mais agressiva. Mais exigente. A pessoa
queria me encontrar, e era sempre o mesmo usuário. Ele escrevia
com uma intimidade que me deixava desconfortável. Então...
começaram os presentes.
— Presentes? — Senti a garganta seca. Peguei o copo de água
da mesa de cabeceira e enfiei o canudo antes de beber o resto.
Bianca assentiu.
— Primeiro, eram entregues no trabalho. Coisas inofensivas,
como flores. Depois vieram os ursinhos de pelúcia com as peças
que eu havia usado em sessões de fotos ou nos desfiles... roupas
com as quais modelei.
Senti um buraco em meu estômago.
— Puta merda, isso é assustador.
— Nem me fale — ela riu, mas de um jeito estranho. —
Denunciei para a polícia, mas não conseguimos rastrear de onde
vinham as mensagens e nem como os presentes eram entregues.
Estava com muito medo. O stalker continuava pedindo para me
encontrar, dizia ter certeza de que nos apaixonaríamos e de que eu
me entregaria a ele. Eu não conseguia dormir, estava emagrecendo
e não aparecia para os trabalhos. Meu agente me disse que aquilo
era parte da profissão, mas não era essa a vida que eu queria. —
Bianca olhou para baixo e enxugou os olhos. — Mas então, um
ursinho vestido de noiva apareceu no meu apartamento. Havia um
bilhete fincado nele com uma faca, me pedindo em casamento. Foi
nesse momento em que fugi. Deixei tudo para trás e corri para cá.
Meu tio é meu único parente nos Estados Unidos, mas legalmente
não estou vinculada a ele.
Estiquei as mãos em sua direção e a puxei para meu peito.
Senti seus ombros tremerem enquanto ela chorava em silêncio e as
lágrimas me molhavam conforme se agarrava a mim. Por mais que
eu amasse tê-la ali comigo, odiava toda aquela história. Bianca
deveria ser feliz e viver a vida na universidade enquanto planejava
um futuro como organizadora de eventos, e não passar os dias
morrendo de medo de que algum psicopata a pegasse em um beco
escuro e a ameaçasse. Um ursinho com uma faca? Porra.
— Eu sinto muito, Bianca. Não consigo nem imaginar como
você se sente, porque só de ouvir a história quero vomitar.
— Contratamos um investigador particular. Não há muito o que
fazer além de esperar e torcer para que os profissionais encontrem
essa pessoa.
Ela ficou em silêncio por um longo período, mas havia parado
de tremer e seu coração não estava mais disparado. Então senti seu
corpo cada vez menos tenso, e ela se curvou em minha direção.
— A pessoa ainda não me achou aqui, mas meu agente disse
que os pacotes não pararam de chegar ao meu apartamento. Ele
está com raiva e, se me encontrar e vir você, não quero pensar no
que a pessoa pode fazer. Não é justo te colocar nessa confusão, e
meu tio já me alertou várias vezes. — Ela levantou a cabeça. — Me
desculpe por não ficar longe. Eu não deveria ter me aproximado.
Não foi certo não contar logo no início em que você estava se
metendo.
Não sabia o que dizer, porque me sentia impotente. Não
poderia resolver o problema para ela, já que não era algo do tipo
preciso melhorar minha média ou o proprietário não quer consertar o
aquecedor. Era... um problema do mundo real. Algo que eu queria
resolver, mas sabia que era impossível. Agarrei o cobertor, com
vontade de esmurrar alguma coisa.
— Quem me dera poder brigar por você com essa pessoa.
Ela segurou minha mão e um sorriso gentil apareceu em seus
lábios.
— Não acho que você seja de briga, Lavin.
— O que quer dizer com isso? Meus punhos poderiam ser
classificados como armas de destruição em massa em alguns
países.
Bianca tremeu, e fiquei com medo de que ela fosse chorar de
novo, mas seu sorriso se alargou.
— Ah, é? Me conte sobre a última briga em que se meteu.
— Oitava série. Kevin Burns.
— E o que foi que Kevin Burns fez?
— Roubou a barrinha de cereal da minha lancheira.
Ela suspirou de forma dramática.
— E como você o fez pagar por isso?
Comprimi os lábios antes de falar:
— Dei um chute no saco dele.
Ela jogou a cabeça para trás gargalhando e depois se deitou
em meu colo. Então me com olhos marejados.
— Obrigada.
— Por chutar o saco do Kevin Burns? Ele mereceu, aquele
ladrão.
Bianca balançou a cabeça e sorriu.
— Por me fazer rir.
Coloquei uma mecha de cabelo que havia se soltado do rabo
de cavalo atrás de sua orelha.
— Gosto de te fazer rir. Você sabia que nem todo mundo me
acha engraçado?
— Não diga.
— Alguns até me acham... — Diminuí o tom de voz para um
sussurro estarrecido. — Irritante.
— Monstros. Todos eles. Não têm senso de humor.
— É isso mesmo.
Mas seu sorriso morreu assim que a realidade apareceu em
seus olhos castanhos mais uma vez.
— Sou um desastre. Você deveria encontrar uma garota legal
que queira ser professora e que tenha pais bacanas que te
convidem para churrascos.
Apertei seu ombro e disse:
— Essa namorada hipotética parece ser muito legal, mas só
tem um problema.
— Qual?
— Ela não tem um pingo de belessência.
Bianca mordeu o lábio, e pensei que ela estivesse segurando o
riso, mas uma lágrima caiu do canto de seu olho.
— Ei — sussurrei.
— Não posso — ela respondeu. — Vim até aqui porque vi que
você se machucou e fiquei apavorada. Depois que você veio para
casa, eu não consegui pensar em mais nada além do que
aconteceu. Você tinha o direito de saber o motivo pelo qual não
vamos dar certo.
Ela se sentou, e eu estiquei a mão para tocá-la.
— Espere, o quê?
Bianca se desvencilhou do meu toque, saiu da cama e
começou a arrumar o cabelo.
— Vim me explicar e dizer... adeus. — Sua voz vacilou.
— Bianca, não quero dizer adeus.
Ela fechou bem os olhos.
— Lavin, por favor.
— Não, não é isso que eu quero. Você falou que não tive
escolha no começo. Tem razão, mas agora posso escolher, certo?
Seus movimentos eram apressados enquanto prendia o cabelo.
— Não é assim que funciona. Fiquei com você e deixei que se
importasse comigo sem que soubesse das consequências.
— Você deixou que eu me importasse? Que porra é essa? Você
acha que só porque é linda todo cara vai se apaixonar?
Ela se virou rapidamente, cheia de raiva nos olhos.
— Não foi o que eu quis dizer.
— Bem, mas pareceu. Um rostinho lindo não esconde uma
personalidade ruim. Você poderia uma garota perversa e sem
coração, e eu não iria querer nada com você. Mas você não é
assim. Você é engraçada, espontânea e me faz sentir como se eu
pudesse conquistar o mundo. É isso que vejo quando te olho e é
com essa pessoa que me importo. Posso ser virgem, mas não sou
um moleque tonto que se apaixona pela primeira garota que o deixa
de pau duro.
Sentia o rosto queimando e os olhos ardendo. Caramba. Estava
prestes a chorar? Cerrei o maxilar, tentando ao máximo demonstrar
força e não como se estivesse a ponto de desmoronar. Bianca
estava boquiaberta e me olhava como se eu fosse uma aberração.
— Lavin... — ela sussurrou.
— Agora eu quero escolher. — Bati os punhos na cama. — Se
você está procurando um jeito mais fácil de me dispensar porque
não gosta de mim, me diga agora. Mas se você se importa comigo
como diz, me deixe escolher. Por favor.
— Não te quero envolvido nisso. — Ela estava chorando.
— Não estou com medo, Bianca.
— Mas deveria. — Sua voz falhou. — Eu estou.
Dei um passo à frente, porque aquela fragilidade estava me
matando. Daria qualquer coisa para ter aquela Bianca confiante, que
me arrastou para a piscina do ginásio, de volta.
Ela ergueu a mão, me fazendo parar.
— Você não tem ideia de onde está se metendo. Podemos
esperar até encontrarmos o stalker, porque eu nunca me perdoaria
se algo te acontecesse. Você precisa entender isso. Te afastei uma
vez, e isso acabou comigo.
Meu coração vacilou.
— Então não me afaste de novo. Você disse que foi egoísta. Se
quiser mesmo fazer algo para compensar, esse é o jeito certo.
Estávamos em um impasse. Bianca não cedia, e eu também
não. Quantas vezes eu havia desistido de coisas que queria? Tantas
que não podia nem contar nos dedos. Mas naquele momento, de pé
em meu quarto e vendo Bianca travar uma guerra dentro de si,
percebi que não lutava pelas coisas, porque nunca desejei nada
com tanta intensidade quanto a desejava.
— Por favor — ela sussurrou, e pude sentir o quão perto ela
estava de desmoronar e como eu estava prestes a puxá-la para
mim. — Não faça isso. Não quero ceder, mas você não está
facilitando. — Ela mordeu o lábio. — Preciso que entenda que
durante muito tempo, eu nunca quis tanto alguma coisa quanto
quero estar com você.
Prendi a respiração, e suas palavras me atingiram como um
nocaute.
— Bianca...
Dei um passo em sua direção exatamente no momento em que
a voz de Shane ecoou pela escada, sua risada rouca chamando
nossa atenção. Ele entrou no quarto com meu celular na mão
enquanto conversava com a tela. Então olhou para mim e virou o
celular para que eu visse Pop no FaceTime.
— Seus pais.
Arranquei o celular de suas mãos e semicerrei os olhos.
— Você usou meu acidente como uma desculpa para ligar para
eles?
Shane ergueu as mãos, dando um sorriso enorme’.
— Claro que não. Seu celular estava lá embaixo quando eles
ligaram. — Ele olhou para o aparelho e disse. — Tchau, Papai Urso!
— Dê o fora daqui. — Apontei para a porta, e ele saiu
saltitando.
Sabia que havia cometido um erro assim que olhei para baixo e
vi que o celular estava virado o suficiente para mostrar Bianca.
Meus pais olhavam pela câmera, e Papai tinha os olhos
arregalados.
— Tem uma garota no seu quarto?
Passei a mão pelo rosto, grunhindo e desejando que nunca
tivesse acordado da concussão. Em segundos, Bianca havia se
recomposto. Seus olhos ainda estavam um pouco vermelhos, mas
não tinha mais lágrimas rolando por seu rosto e ela estava sorrindo
para o celular. Mas não era aquele sorriso verdadeiro.
— Oi — ela disse, acenando para os dois. — Meu nome é
Bianca.
— Bianca... — Papai sussurrou o nome como se estivesse se
encontrando com a rainha da Inglaterra.
Virei a câmera para mim.
— Oi. Estou ótimo, obrigado por perguntar. Estou me sentindo
amado.
— Quem é essa garota? — Papai perguntou.
Pop pousou a mão no braço dele em um gesto silencioso para
que pegasse leve, mas àquela altura, Papai já havia passado do
limite da calmaria.
— Lavin, por que ela está no seu quarto?
— Ela é minha amiga.
Ele fez uma cara de velório.
— Amiga?
— Tenho que ir — Bianca falou baixinho enquanto procurava
pelas chaves.
— Espere — pedi.
— Ela está indo embora? — Papai perguntou. — Ela pode ficar!
— Muito obrigado pela permissão — grunhi para o celular.
— Olhe como fala — Pop me repreendeu.
— Bianca... — gritei, mas ela já estava no corredor, disparando
escada abaixo. Por um instante, pensei em desligar a chamada e
correr atrás dela, pois estava cansado de nos afastarmos quando
tínhamos tantos assuntos pendentes.
Mas ela estava chateada, e minha cabeça doía demais. Afundei
na cama.
— Me desculpem — murmurei. — Está sendo um dia difícil.
Papai colocou as mãos sobre o peito, e Pop o abraçou.
— Nos conte o que houve — Papai pediu.
Então contei.

***

Naquela noite, encarava o celular, mordendo os lábios ao


relembrar a conversa com meus pais. Contei tudo a eles. Cada
pequeno detalhe. Porque era assim que eu sempre fazia e porque,
no fim das contas, os dois eram os homens da minha vida, os
melhores seres humanos que conhecia.
Como um casal gay inter-racial que tiveram um bebê, a vida
também não foi fácil para eles. Não que a minha situação fosse tão
difícil quanto o que eles passaram para conseguir a família que
queriam, mas os dois sabiam como o coração podia nos arrastar na
direção das pessoas.
Eles não me disseram o que fazer. Estavam preocupados com
a minha segurança, mas também compreendiam meus sentimentos
por Bianca. Papai disse que precisávamos ser transparentes. Sem
nenhum segredo.
Soltei um suspiro profundo e mandei uma mensagem para ela.

Lavin: E então? Vai me deixar escolher ou não?

Era quase meia-noite quando ela respondeu.

Bianca: Por favor, fique uma semana sem falar comigo e pense
no assunto. Se ainda quiser me ver, me encontre no Corn Festival
no sábado, dia 4.

Lavin: Combinado.

***
Por uma semana inteira, não tive notícias de Bianca, nem
sequer a vi ou conversei com ela. Estava respeitando seu pedido.
Livre de sua influência, de sua voz, do seu perfume e do aconchego
de seus olhos, pude pensar com mais clareza. Na quinta-feira, eu
sabia que se aparecesse no sábado, teria que ter certeza. Tinha que
pensar seriamente naquilo em que estaria me metendo.
Na sexta-feira, voltei da aula e fui direto para o quarto, fechei a
porta e me sentei na cama com um caderno aberto em uma página
em branco. Na primeira linha escrevi: Prós e Contras de namorar
Bianca. Risquei uma linha dividindo a página e em uma coluna
escrevi Prós e, na outra, Contras.
Comecei pelos Contras, porque coisa ruim sempre vem em
primeiro lugar.

1. Potencial risco de morte/ferimento pelas mãos de um


stalker.
2. Potencial risco de morte/mutilação/banco de reservas
pelas mãos do treinador.

Bati com a caneta na folha. A situação com o treinador era


péssima, mas eu não achava que ele me colocaria no banco por
namorar sua sobrinha. Claro, eu previa muita gritaria, mas
conseguiria lidar com isso se estivesse com Bianca.
Analisei o que havia escrito e fiquei olhando para a folha. Não
conseguia pensar em mais nenhum contra, então passei para os
Prós. E esses eram fáceis.

1. Fazê-la rir.
2. Ver seu sorriso.
3. Beijá-la.
4. Aventuras.
5. Belessência.
6. Ter alguém que me apoia.

Mastiguei a ponta da caneta e finalizei a lista com um bônus.


7. Peitos.

Parecia que não seria sincero se não ressaltasse seus seios


lindos na coluna dos prós.
As colunas desiguais me encaravam. Havia apenas um ponto
que eu não conseguia adicionar em nenhuma delas: meu enorme
medo de me arrepender. E se eu decidisse não aparecer no
sábado? Eu só tinha vinte anos de idade, mas o que eu disse era
verdade: o que me atraía em Bianca era sua essência. Não seu
corpo. O fato de ela conseguir me fazer falar sobre meus
sentimentos, me divertir e ser menos inseguro. O fato de ela rir
comigo e não de mim. Bianca era um pacote completo.
Não podia desistir no primeiro obstáculo. Que tipo de homem
eu seria? Ela estava perdida naquela cidade. Sozinha e assustada.
E eu nunca me perdoaria se virasse as costas para ela.
Doze
ESTÁVAMOS ATRASADOS, E A CULPA era do Shane, porque
o filho da mãe precisava tomar banho e trocar de roupa depois do
treino se fosse sair. Uma diva.
Eu estava de pé na porta de entrada, segurando a maçaneta
com Dre e Zac por perto evitando olhar para mim.
— Juro por Deus, Castle — gritei —, se você não descer em
trinta segundos, vou te matar.
Contei até quinze e então ele apareceu nos degraus, sorrindo e
com aqueles olhos azuis.
— Calminha, Ramsay Bolton — ele disse, me comparando com
o personagem perverso de Game of Thrones. Colocou um gorro e
continuou: — Foi você quem me acordou hoje pedindo ajuda para
essa porcaria de festival.
— É pela Bianca — respondi ao abrir a porta.
Ele apontou para o meu rosto, e vi seu raro mau humor
aparecer.
— E é só por causa disso que estou relevando sua atitude hoje,
Saint. Então é melhor ir com calma.
Apertei os lábios enquanto os caras me seguiam. Shane tinha
razão. Eu estava agindo feito um babaca, mas estava nervoso pra
caramba. E se ela mudasse de ideia e não aparecesse no festival?
E se estivesse certa e aquela fosse uma decisão ruim?
Acordar com o galo cantando não era o que eu chamava de um
bom sábado, mas assim que o primeiro raio de sol surgiu, não
consegui mais pregar os olhos. Então decidi correr. Depois fui para
o treino, tomei banho, tentei escrever um artigo e gastei um tempo
decidindo qual roupa usar. Depois disso, tentei ajeitar meu cabelo e
quase soquei o espelho até que Shane teve pena de mim e me
ajudou. Nunca me senti tão bonito. Vesti minha melhor calça jeans,
botas e uma camiseta de flanela por baixo de uma jaqueta
caramelo. Quase troquei de roupa, porque não tinha certeza se o
visual lenhador ainda estava na moda, mas Dre me assegurou de
que eu estava ótimo. E eu confiava nele, porque o cara pegava mais
garotas que o time de futebol inteiro.
Dre, Zac e Shane eram meus reforços e caminhavam atrás de
mim pela calçada. Que Bianca ficasse brava depois, mas eu contei
a verdade para eles. Não todos os detalhes, apenas que havia
alguém a perseguindo e que ela estava assustada. Quando pedi
que me acompanhassem, eles não reclamaram. Shane era o único
dando trabalho, mas não merecia minha bronca. Naquele momento,
era até provável que os três se arrependessem de ser meus amigos.
Soltei um suspiro e me virei. Quando os notei me olhando com
cautela, ficou muito claro que fui um babaca o dia todo.
— Me desculpem, gente. Shane, você tem razão, sou um
escroto, e vocês poderiam estar fazendo milhares de coisas mais
divertidas hoje, mas estão aqui, prestes a supervisionar meu
encontro.
— Já dissemos que é pela Bianca. — Shane parecia se sentir
culpado ao olhar para baixo. Ele era um cara bacana.
— Me perdoe por ter ameaçado te matar.
— Tudo bem, mas na semana que vem você só está autorizado
a usar facas sem ponta — ele disse, sorrindo para mim.
Ri e o empurrei.
— Fechado.
Dre conferiu a hora.
— Fico feliz que tenham se resolvido, mas precisamos ir.
Sim, estávamos atrasados. Droga, droga, droga.
Eu me virei e comecei a andar mais rápido, me sentindo grato
por ouvir aqueles passos ritmados junto ao o meu. Pude ouvir Zac
murmurar:
— Espero ganhar bolinhos de Oreo como recompensa.
— Juro por Deus, Zac, se vocês ficarem por perto e ajudarem a
Bianca a se sentir segura, te compro um food truck de bolinhos.
— Cuidado. Posso te pedir em casamento se fizer isso.
Estufei o peito.
— Já estou comprometido.
— Você já disse. O dia inteiro. Ad nauseam. — Shane revirou
os olhos, mas percebi um sorriso sutil no canto de sua boca.
Uma das vantagens de Parksburg era que a cidade era tão
pequena que caminhar para qualquer lugar era fácil. Chegamos na
entrada do festival às quatro e vinte da tarde e compramos os
ingressos. O Corn Festival acontecia todo ano e vinha se
expandindo desde que eu era calouro. Havia carrinhos de comida
por toda parte, barracas de jogos operadas por monitores animados,
que gritavam com qualquer um que passasse para que tentassem
ganhar algum prêmio. Vi alguns brinquedos funcionando. Havia uma
roda-gigante pequena, carrinhos de bate-bate e uma coisa giratória
espiralava nas proximidades. Eu sabia que no celeiro ocorreriam
competições entre grupos de jovens. Pelo que ouvi, eles exibiam
animais e organizavam provas de rodeio.
E, claro, havia milho por toda parte: no espeto, sopa de milho,
salada de milho e pipocas de diversos tipos. Passamos por uma
barraca onde uma mulher mexia um tipo de pipoca agridoce em
uma panela enorme.
Minha barriga roncou apenas com o cheiro, então vi uma
barraca de espetinhos de frango, mas já estávamos atrasados. Além
disso, estava à procura de uma garota linda de cabelos negros.
Quando olhei para meus amigos, estavam todos sérios, analisando
o lugar como se fossem meus guarda-costas. Sabia que estava
exigindo demais deles, mas eram legais. E, mais ainda: amavam
Bianca. Não tanto quanto eu, mas quase.
— Onde ela está? — Shane perguntou.
Coloquei as mãos nos bolsos, pois não sabia o que fazer com
elas.
— Não sei. Ela só disse para encontrá-la aqui.
Dre arqueou a sobrancelha.
— Bem atencioso aos detalhes, Saint.
— Cale a boca — murmurei.
Passamos mais dez minutos procurando por Bianca, e quando
o relógio marcou quatro e meia, comecei a transpirar, mesmo no
clima fresco de outono. Passei a manga da jaqueta pela testa e ela
saiu molhada.
— Merda — resmunguei. — Será que ela desistiu de mim?
— Mande uma mensagem — Dre sugeriu.
— Sim. Porque, se tivermos que passar mais uma vez pela
barraca de bolinhos de Oreo sem comprar nenhum, vou fazer um
escândalo.
Peguei o celular, mas antes que pudesse olhar para a tela, a
multidão à minha frente se dispersou. Notei aqueles cabelos
compridos e escuros, então paralisei.
Lá estava ela, curvada sobre uma cerca de madeira,
acariciando o focinho de um pônei malhado. Havia mais um pônei,
um porco, cabras e galinhas. O cavalinho colocou a língua para fora
e lambeu o dedo de Bianca. Pude ouvi-la rindo e meu coração
disparou.
— Ali está ela — arfei.
— Porra, finalmente.
Ignorei o murmúrio de Shane.
Andei a passos largos em sua direção. Quando me aproximei,
ela levantou a cabeça, e eu me preparei para sua fúria. No entanto,
ela deu um sorriso enorme.
— Lavin — ela disse tranquila, e depois olhou por cima do meu
ombro, franzindo a testa em confusão. — Hã... Oi, gente.
— Espero que não se importe que eles estejam aqui. — Apontei
para os caras atrás de mim. — Pensei que se sentiria mais segura
se não estivéssemos sozinhos. — Eu me aproximei e abaixei a voz
para que somente ela me ouvisse. — Contei para eles. Não tudo,
mas como eles também viram o vídeo do desfile, sabem com o que
você trabalhava. Eu disse que havia um fã exagerado que te fazia
se sentir insegura às vezes. E eles ficaram mais do que felizes em
ajudar. — Acenei para eles. — Bem, o Zac só está feliz porque o
subornei com Oreos.
— E aí, Bi? — A voz grave de Dre soou de trás de mim.
— Quanto tempo, Bianca. — Pude perceber o sorriso na voz de
Shane.
Ela arregalou os olhos e os encarou, e eu congelei. Droga,
talvez eu tenha errado. Deveria tê-la avisado.
— Eu...
— Você os convidou para que eu me sentisse mais segura? —
ela perguntou, e eu ainda não conseguia decifrar sua expressão e o
tom desprovido de qualquer emoção.
Assenti, desejando que meu coração desacelerasse.
Seus olhos brilharam, e senti o chão afundar.
— Ai, droga, Bianca...
Ela me abraçou e deu um beijo na minha bochecha.
— Obrigada — ela sussurrou antes de se afastar. Então
deslizou a mão pelo meu braço e entrelaçou os dedos nos meus. —
Obrigada, meninos — ela disse para os rapazes.
— De nada. Você é uma de nós — Shane respondeu.
— Sempre que precisar — Dre acrescentou. — A família do
treinador é nossa família.
— Oreos.
Revirei os olhos ao ouvir a última voz.
— Senhorita. — Ouvi uma voz vinda do outro lado do celeiro.
Uma mulher mais velha estava sentada em um banquinho e vestia
um macacão e camisa de flanela. Ela apontou para um balde em
que havia fatias de maçã. — Se quiser alimentar o Brownie, vá até
lá dentro e dê algumas para ele.
Os olhos de Bianca se iluminaram, então ela me puxou pela
jaqueta e me arrastou para a entrada do celeiro. Era óbvio que eu a
seguiria.
Chamei os caras, mas eles não me acompanharam. Dre cruzou
os braços.
— Acho que não, cara. Esses tênis Jordan custaram cento e
setenta e cinco dólares. Se você acha que vou me aproximar de
cocô de cavalo, pode esquecer.
— São pôneis — Shane o corrigiu.
— Pôneis não cagam? — Dre retrucou. — Todo mundo caga,
Castle.
Shane revirou os olhos e gesticulou para mim.
— Vão vocês. O celeiro é pequeno, vai ficar muito apertado
com a gente junto.
Eu já estava sendo puxado para dentro, porque Bianca me
segurava com uma das mãos enquanto com a outra pegava
algumas maçãs. Ela foi direto na direção de Brownie, que relinchou
quando nos aproximamos. Sério, era fofo pra caramba vê-la
alimentar o pônei, que projetava os lábios para a frente, fazendo-a
rir quando seus pelos provocavam cócegas em suas mãos. Ele
mastigava a maçã, piscando para Bianca.
Havia algumas crianças no celeiro, alimentando outros animais.
Bianca ainda falava com Brownie como se ele fosse um bebê, e eu
tentava ignorar o bode ao meu lado, me olhando com cara de
poucos amigos.
— Ei, amigão — eu disse, analisando o tamanho dos chifres
dele. — Está tudo bem? O tempo está ótimo, não está?
O bode expandiu as narinas e jogou as orelhas para trás, o que
talvez mostrasse que não estava gostando da minha companhia.
Balançou a cabeça e bateu com os cascos no chão. Ah, droga. Ele
estava bravo? Caramba, a última coisa de que precisava era ser
atacado por seus chifres.
Eu me inclinei para a frente, abaixando o tom da voz.
— Certo, precisamos conversar. De homem para... bode. Você
precisa me ajudar. Aquela garota ali... — Apontei para Bianca, que
ainda alimentava Brownie. — Gosto dela. E muito. Estou tentando
provar que sou um cara bacana, com o qual ela pode contar. Se
você não se comportar e me der uma chifrada, vai ficar feio para
mim. Tenho certeza de que na sua casa você tem uma namoradinha
que tenta impressionar, certo?
Olhei bem dentro de seus olhos para mostrar quem era o
macho alfa ali. Não achava que isso ia funcionar com bodes, mas eu
estava desesperado.
Ouvi alguém pigarrear. Ainda estava curvado, então apenas
virei a cabeça e vi Bianca ao meu lado com os braços cruzados e
um sorriso engraçadinho.
— De homem para bode? — Sua voz abafava uma risada.
Eu me endireitei.
— Olhe só, enquanto você estava ali fazendo um novo amigo,
esse cara aqui tentou me intimidar.
— Te intimidar? — Havia zero empatia em sua voz.
— Sim. Estava pedindo para ele manter a calma.
Ela riu, mas teve piedade de mim. Depois de nos despedirmos
de Brownie — Bianca o beijou na testa, e eu percebi que era
possível sentir ciúme de pôneis—, saímos do celeiro. Os caras
ainda esperavam no mesmo lugar. Então Zac esfregou as mãos.
— Podemos comprar meus bolinhos de Oreo agora?
— Vá na frente, cara — respondi.
Depois de calar a boca de Zac com um balde de bolinhos,
passeamos pelo lugar, comprando comida em diversos carrinhos e
gastando muito dinheiro em gordura saturada. Àquela altura, já
estava anoitecendo, mas as luzes da feira e das barracas eram
fortes e claras. Um grupo de crianças, provavelmente do ensino
fundamental, saiu correndo de dentro de uma Casa de Espelhos
rindo, e uma quase esbarrou em Dre.
Passamos das barracas de comida para as de jogos, todos
fraudulentos. Eu já tinha ido a feiras assim antes, mas meus pais
sempre relutaram em gastar dinheiro só para me ver frustrado.
Porque era assim que eu ficava... não era legal perder, e isso me
tirava do sério.
Mas, apesar de tudo, queria ganhar alguma coisa para Bianca e
impressioná-la. Ainda não tinha gastado os cem dólares da
competição de asinhas, então por que não usar tudo ali e tentar
pegar um bicho de pelúcia enorme para ela? Além disso, teríamos
algo para fazer. Olhei ao redor, na esperança de encontrar um jogo
que eu pudesse ganhar.
Minha precisão para lançar objetos não era das melhores, mas
fazer uma bola de softbol pousar na boca de uma garrafa de leite
parecia ser minha melhor chance. Além do mais, era o jogo com os
melhores prêmios: os bichos de pelúcia pareciam fofinhos e macios,
e Bianca olhava para eles.
Peguei uma nota de vinte dólares e fui até a barraca. Shane
grunhiu atrás de mim, e Dre murmurou algo sobre eu passar
vergonha.
— O que preciso fazer para ganhar aquilo? — Apontei para os
bichos enormes pendurados no teto.
O atendente, um homem mais velho de dentes amarelados e
cabelo ralo, sorriu.
— Você tem direito a cinco bolas, mas só precisa acertar uma
na boca da garrafa. É fácil, amigo.
— Cinco bolas por vinte pratas? — Deus, que roubo. — Que tal
dez bolas?
Ele pareceu considerar a oferta.
— Sete.
— Está bem.
O homem arrancou a nota da minha mão antes que eu
mudasse de ideia. Senti mãos agarrarem o cós da minha calça.
— Por mais que eu queira te ver tentar, é jogar dinheiro fora —
Bianca advertiu.
— Quero ganhar alguma coisa para você — murmurei enquanto
o atendente vinha em minha direção com uma cesta cheia de bolas.
— Não preciso de um bicho de pelúcia gigante. — Ela se
inclinou sobre a estrutura da barraca, de olho nas garrafas.
— Mas parecem ser tão macios — murmurei.
Ela revirou os olhos.
— Sério, não precisa.
— Mas eu quero. — Fiz charme.
— Certo, está bem. Vamos ver o que você consegue fazer. Vou
ficar realmente impressionada se conseguir. Todos os jogos são
fraudulentos.
O atendente posicionou a cesta na minha frente.
— Dê o seu melhor, garoto.
Fiquei indignado por ser chamado de garoto, mas o sujeito tinha
idade suficiente para ser meu pai, então deixei passar.
Depois de arremessar quatro bolas, soube que talvez tivesse
jogado vinte dólares fora. Era impossível. Um arremesso alto fez a
bola quicar na beirada da garrafa, outro, mais baixo, a fez passar
reto, e Dre tirou sarro de mim ao gritar:
— Fooora!
Errei mais uma, e sobraram apenas dois arremessos. Bianca
parecia estar com pena por me ver jogando dinheiro fora, e eu
estava enfurecido por ter pensado que seria uma boa ideia. Zac
parou ao meu lado.
— Jogue baixo e a faça girar.
— O quê?
Ele pegou a bola por cima, com os dedos voltados para o chão
e balançou o braço, imitando um arremesso baixo. Devolveu a bola
para mim.
— Desse jeito.
Tentei seguir as dicas dele, mas a bola quicou na frente da
garrafa. Foi o mais perto que cheguei, mas ainda não era bom o
bastante.
— Merda. — Havia apenas um arremesso, então peguei a bola
e pratiquei um pouco.
— Ei, olhem ali — Zac disse por trás de Bianca e apontou para
o lado. Ela se virou para procurar pela multidão.
— O quê? — ela perguntou.
Olhei por cima de seus ombros, mas não vi nada. E foi nesse
momento que a bola foi arrancada da minha mão. Eu me virei e vi
Zac balançando o braço e a bola voando em um arco perfeito antes
de atingir a beirada da garrafa e se encaixar. Fiquei ali olhando, e
Zac gritou.
— Você conseguiu, cara! Viu? Eu disse que era só fazê-la girar
um pouco.
Bianca virou a cabeça em um movimento rápido, pousando o
olhar no topo da garrafa.
— Lavin! Você conseguiu!
Estava prestes a negar e explicar que foi Zac, mas ele me deu
um tapa nas costas, um pouco mais forte que o necessário.
Tossi.
— Consegui, não é?
Percebi Zac fazendo cara feia para o atendente, como se o
desafiasse a dizer algo. O homem não parecia muito feliz, mas deu
de ombros. Gesticulou para os bichos acima da cabeça.
— Escolha seu prêmio.
Olhei para Bianca, que estava com as mãos unidas e olhava
fixamente todos os bichinhos. Apontou para um pônei marrom.
— Aquele ali. — Seus olhos se iluminaram quando o homem
entregou a pelúcia para ela. — Vou chamá-lo de Brownie — ela
comentou enquanto ficava na ponta dos pés e me dava um beijo na
bochecha. — Obrigada, Lavin — murmurou.
Achei que meu coração fosse sair pela boca.
— Não foi nada, Bi.
Ela abriu um sorriso largo, se virou e começou a caminhar pelas
barracas de jogos. Nós a seguimos e Zac estava ao meu lado.
— Obrigado, cara — sussurrei.
— De nada.
— Como você fez aquilo?
— Quando estava no colegial, trabalhei em um festival durante
as férias de verão. Era comum praticarmos todos os jogos.
Se não estivéssemos em público e tivesse certeza de que Zac
não me empurraria, teria lhe dado um abraço. Talvez até um beijo.
— Você é incrível.
Ele sorriu de orelha a orelha.
— Eu sei. Eu estou de olho naquela barraca de Snickers frito
perto da entrada.
Dei risada.
— Vou comprar quantos você quiser.
— Mas é claro que vai.
Passamos mais algum tempo percorrendo as barracas de
artesanato, que vendiam vários tipos de coisa, desde placas de
carro customizadas até filtros dos sonhos. Zac ganhou o chocolate
frito, enquanto Shane e Dre passaram a maior parte do tempo
apostando quem conseguiria ir mais vezes no martelo – um
brinquedo que girava – sem vomitar.
Eu não era muito fã desses brinquedos. Papai nunca me deixou
experimentar quando visitávamos essas feiras, pois tinha certeza de
que eu cairia e sofreria uma morte horrorosa. Shane, Dre e Zac não
tinham o mesmo medo, porque compraram entradas e
desapareceram na multidão para tentar a sorte naquelas armadilhas
mortais.
— Você quer ir em algum brinquedo? — perguntei para Bianca.
Por favor, diga que não. Por favor, diga que não. Por favor, diga que
não.
— Aquele ali parece ser legal e relaxante. — Ela apontou para
a pequena roda-gigante, e eu analisei a estrutura. Luzes piscavam
do centro do brinquedo até os aros da roda, e um luminoso trazia as
palavras Sky Ride. As cadeiras comportavam apenas duas pessoas,
o que significava que eu ficaria colado à Bianca, razão pela qual
balbuciei:
— Pode ser.
Ela arqueou uma sobrancelha para mim.
— Você não parece empolgado.
— Estou, sim. Vamos ficar presos em uma cabine e você não
vai poder escapar se eu falar alguma merda.
Ela riu e revirou os olhos antes de entrelaçar a mão na minha e
me puxar. Depois de comprar as entradas, nem foi preciso esperar
na fila. O atendente nos colocou na cabine, explicando que seriam
cinco voltas, e então ligou a roda-gigante. Bianca me deu a mão de
novo, e eu cheguei à conclusão de que iria com ela para a Lua se
me pedisse.
Quando chegamos ao topo, a roda foi desacelerando e a cabine
balançou. Estávamos suspensos a alguns metros do chão. Olhei
para as luzes brilhantes da cidade. Senti a mão quente de Bianca na
minha. Apertei de leve, e ela respondeu da mesma maneira antes
de cruzarmos olhares. A luz da lua fazia seus olhos brilharem, e eles
estavam úmidos demais para o meu gosto.
— Ei, está tudo bem?
Ela respirou fundo.
— Obrigada por hoje.
— De nada. — Esperei, sentindo um frio na barriga, porque
parecia que algo inevitável estava prestes a acontecer.
Bianca não soltou minha mão.
— Sei que pareço um pouco doida por continuar aparecendo do
nada e te obrigando a fazer coisas aleatórias comigo.
— Não te acho doida.
— Não? — Ela inclinou a cabeça para o lado.
— Não, porque eu entendo que você quer ter experiências
novas. E agradeço por ter me tirado da minha vidinha pacata. Faz
três anos que estudo aqui e nunca fui ao cemitério, porque ouvi
histórias de fantasma e sou um covarde. — Comecei a beliscar os
dedos. — Nunca nadei naquela piscina e nem participei da
competição de asinhas, mesmo sabendo que era um evento anual.
A mesma coisa vale para esse festival. Você está aqui há menos de
dois meses, e eu acabei fazendo tudo isso. Graças a você.
— Amo o fato de que você gosta de viver coisas novas comigo
— ela disse, ofegante.
— Gosto mesmo, Bianca.
— Trabalho desde a adolescência — ela murmurou. — Vim das
Filipinas sozinha quando ainda estava no ensino médio, e meu
agente era meu tutor. Tinha um professor particular e fui educada
em casa, então, fora as aulas, eu só trabalhava. Sessão de fotos,
desfiles, teste para comerciais, tudo o que você imaginar. Meu
agente me passou uma dieta rigorosa e um roteiro de exercícios. Eu
não ia a encontros nem a festas, não bebia... Não me divertia, Lavin.
Ela apertava minha mão com tanta força que fiquei com medo
de que alguns ossos se quebrassem. Mas só ouvi-la falar estava me
matando, ainda mais porque sabia o quanto ela estava feliz por se
ver livre. Bianca deu uma risada amarga.
— Provavelmente, você está pensando “pobrezinha dessa
modelo que precisava usar roupas caras e ganhar muito bem”.
— Não estou pensando nada disso, então não coloque palavras
na minha boca. — Mantive o tom gentil, mas fui sincero. — Trabalho
é trabalho. E o que você tinha... não consigo nem imaginar. Era
rigoroso pra caramba. Você precisava mesmo amar o que fazia para
aguentar essas coisas.
— E amava, mas o sentimento acabou. A história do
perseguidor foi a gota d’água.
— Você tem tantas opções para o futuro. Caramba, talvez até
saia em revistas de novo, mas dessa vez porque organizou um
casamento fenomenal de alguma celebridade.
Deu uma risada sutil.
— Seria um sonho.
O brinquedo começou a andar de novo, descendo para
completar a primeira volta.
— Estou feliz por fazermos essas coisas, como ir a festivais e
comer asinhas até vomitar. Aceito fazer tudo isso com você — eu
disse.
— E eu não gostaria de ninguém além de você me
acompanhando. Essa era outra questão... eu não tinha muitos
amigos. Não sobrava muito tempo para conhecer pessoas de fora
da área e parecia que eu não me encaixava. Era difícil me dar bem
com as outras garotas, e muitos homens me amedrontavam, então
ganhei a reputação de ser solitária.
Passei um braço por seu ombro, puxei-a para mim e beijei sua
testa.
— Isso me mata. Você é tão encantadora.
— Sou uma ótima atriz.
— Talvez só não conseguisse ser você mesma no meio
daquelas pessoas cruéis.
Ela suspirou.
— Acho que faz mais sentido. Quando estou com você, sinto
que posso ser eu mesma. Às vezes, isso significa invadir piscinas
ou fazer carinho em pôneis.
— Gosto de todas essas versões. Aquelas pessoas não
mereciam ver esse seu lado. Sua presença é eletrizante, Bi. Algo
magnífico que perderam a chance de contemplar.
— Odeio quem está me perseguindo — ela sussurrou,
colocando a mão em minha coxa. — Odeio muito, mas se não fosse
por isso, eu não teria te conhecido.
— Me desculpe, mas se encontrarmos a pessoa, não vou
agradecê-la.
Senti seu corpo balançar à medida que ria.
— Nem eu.
Chegamos ao topo mais uma vez, e a roda-gigante parou.
Apesar da brisa, que soprava mechas do cabelo de Bianca em meu
rosto, eu não estava com frio. Ela estava tão quente e próxima a
mim... sua respiração também era quente em meu pescoço. Uma de
suas mãos estava em minha coxa, onde cravou os dedos antes de
afundar ainda mais o rosto no meu corpo. Ela roçou os lábios na
minha pele, e eu senti um arrepio na coluna.
— Bi... — murmurei.
Ela entreabriu os lábios e passou a língua em mim.
— Lavin... — Bianca sussurrou.
Sua voz estava rouca, e ela esfregava uma coxa na outra. Senti
meu pau endurecer e pressionar o zíper da calça. Gotículas de suor
se formaram na minha testa e minha visão ficou borrada. As luzes
da cidade perderam o foco quando me concentrei na mão de Bianca
subindo pela minha coxa e na carícia úmida de sua língua em meu
pescoço.
Ela chegou mais perto, e um gemido sutil ressoou do fundo de
sua garganta. O som foi direto para o meu pau. Tentei respirar pelo
nariz e soltar o ar pela boca, mas ela estava me torturando. Quando
ela apertou minha virilha, dei um sobressalto, fazendo a cabine
balançar.
— Caramba — grunhi.
Bianca se afastou do meu pescoço e sorriu, torcendo os lábios
de um jeito lascivo. Olhei bem dentro daqueles olhos escuros, e ela
apertou meu pau, que estava quase implorando para sair da calça.
— O que você está fazendo? — Minha voz estava rouca.
— Te tocando. — Nossa, aquela voz ofegante me fez querer
arrancar suas roupas e beijá-la até que não conseguisse mais falar.
E outras coisas. Muito mais. Nenhuma delas envolvia roupas.
— Sim, meu pau está duro como uma pedra, mas a última coisa
que quero é andar até minha casa com uma ereção.
Ela piscou para mim. Fiquei nervoso ao perceber seu olhar
travesso. Mais que depressa, ela abriu o botão e o zíper da minha
calça, e meu pau já estava escapando da cueca. Prendi a
respiração quando senti a brisa fresca na pele sensível.
Minhas mãos tremeram quando ela segurou meu pau, e
precisei agarrar a barra de proteção da cabine. Bianca o acariciou
uma vez e quase me fez gemer.
— Bianca, isso é uma péssima ideia. Os caras vão perceber se
eu voltar para casa todo curvado.
— Você não vai para casa com uma ereção. — Ela não tirou os
olhos de mim quando começou a me masturbar em um ritmo
contínuo.
Suas palavras penetraram meu cérebro entorpecido de desejo.
— Mas também não posso ir embora com a calça suja. —
Minha voz era um sussurro silencioso enquanto ela me apertava e
girava o pulso para chegar na cabeça.
— Deixe comigo — ela sussurrou. — Amo como você fica
quando está excitado. — Ela me olhava com fascínio, como se eu
fosse algum tipo de deus e não um universitário cheio de tesão que
estava sendo masturbado pela garota dos seus sonhos em público.
— Também quero te tocar.
Eu estava choramingando? Talvez sim, mas estava morto de
vontade de ver e tocar Bianca. Não conseguia pensar direito, não
com aquela enxurrada de sensações percorrendo minha pele. A
brisa refrescava o líquido pré-ejaculatório que escapava, mas a mão
quente de Bianca fazia meu cérebro derreter. Movi o quadril
involuntariamente e me arqueei para o inevitável, mas o brinquedo
começou a descer mais uma vez. Senti a respiração acelerar e o
coração disparar.
— Shhh... — ela sussurrou, cobrindo a mão com a minha
camiseta. Parou os movimentos e só me acariciava de leve. Não
doía, mas evitava o orgasmo que estava fervilhando. — Espere até
voltarmos ao topo.
— O quê? — Estava vivenciando uma experiência surreal,
então tudo que podia fazer era agarrar a barra de proteção com
força. Estava tão duro que não enxergava nada, e só conseguia
pensar na mão de Bianca e na necessidade urgente de gozar. — Eu
vou morrer — murmurei. Deixei a cabeça cair para trás com um
baque.
Ela riu.
— Não é engraçado, Bianca. Você tem sorte que mal consigo
me mexer nessa cabine, ou eu... — Fui interrompido quando ela me
apertou uma vez, como se fosse um aviso.
— O que você faria?
— Não sei. Não consigo pensar com clareza para ser criativo.
Mas alguma coisa eu faria.
A cabine voltou a subir.
— Você colocaria a mão por dentro da minha calça? — ela
perguntou com uma voz irritante de tão inocente. — Pegaria esses
seus dedos longos e...
— Ah, merda, pare com isso — grunhi. — Tem crianças nesse
brinquedo? Você vai me fazer ser preso? Não quero ser fichado
como um molestador, Bi.
Ela voltou a mexer a mão, e eu fechei os olhos com força,
dilatando as narinas e tentando pensar em qualquer coisa,
literalmente qualquer coisa que segurasse meu orgasmo. Pensei em
meus pais massageando um ao outro, em Zac mastigando bolinhos
de Oreo com a boca aberta e naquele bode me atacando.
A cabine parou, e pensei que não sobreviveria a outra volta.
Bianca me beijou, e abri os olhos no momento em que ela se
afastava. A garota fazia movimentos extraordinários com a mão, e
minhas bolas estavam desesperadas para se aliviarem.
— Bianca... — falei.
— Eu sei — Ela sorriu para mim.
Ela então abaixou a cabeça em direção ao meu colo e envolveu
meu pau com aquela boca molhada, quente e perfeita. Precisei
morder o punho para reprimir um grito. Ela sugou três vezes, e nem
consegui avisá-la antes de gozar dentro de sua boca, como se fosse
um chafariz de frustração sexual acumulada.
Meu peito subia e descia e a cabeça rodava. Estava zonzo e
parecia escorregar para fora da cabine quando senti Bianca
guardando meu pau de volta na cueca. Depois segurou meu rosto
com as mãos e roçou o nariz no meu.
— Oi — ela disse com delicadeza.
— Isso é real? — Minha voz estava arrastada. Não foi meu
primeiro boquete, mas àquela altura, não conseguia me lembrar de
mais nada antes de Bianca. Nada mais importava.
Sua risada era tranquila, e seus cabelos rodopiavam ao nosso
redor com a brisa. Deslizei as mãos pelos fios, jogando-os para trás,
a fim de ver ver aqueles olhos castanhos bonitos.
— Estou te devendo uma — sussurrei.
— Está mesmo. — Ela sorriu de orelha a orelha.
— Quando vou poder pagar minha dívida?
Estiquei a mão até o cós de sua calça, mas ela balançou a
cabeça.
— O passeio está quase acabando. Fica para mais tarde.
Então a beijei. Não ligava que ela tivesse acabado de me
chupar. Não queria desperdiçar um minuto que fosse em sua
companhia, nem um minuto sequer. Não quando ela estava tão feliz,
corada e com os lábios molhados e inchados por minha causa. Por
minha causa. Queria estufar o peito e me gabar, mas não se tratava
de mim. Bianca não era um troféu a ser exibido. Ali, naquela cabine
minúscula, ela era minha.
Passamos o restante das voltas em silêncio. Despreocupada,
ela descansava a mão em meu abdômen por baixo da camiseta, e
eu acariciava seu cabelo e sua nuca.
Treze
BIANCA ESTAVA COM OS BRAÇOS em volta do meu pescoço
e soltava o peso do corpo em minhas costas. Suas pernas estavam
encaixadas na curva dos meus cotovelos enquanto eu a carregava
de cavalinho para fora da feira. Ela estava cansada e quase torceu o
pé em algum desnível do chão quando estávamos de saída, mas eu
estava tranquilo.
Shane carregava Brownie, o bicho de pelúcia, ao redor do
pescoço, segurando-o pelas patas, pois o bicho caía para trás a
cada passo. E, como um esquisitão que era, Shane conversava com
o pônei.
— Pode ficar com ele se você gostou tanto assim. — Bianca riu,
e senti seu hálito na lateral do meu rosto. Seu queixo estava
apoiado em meu ombro.
— Qual tal guarda compartilhada? — Shane piscou para ela.
— Fechado.
— Espere aí. Por que o Saint está de esmalte preto? — Zac
perguntou enquanto comia um algodão-doce enorme e azul.
— Você percebeu só agora? — Dre perguntou.
— Sim.
— Zac, às vezes acho que você vive em outro mundo — Shane
murmurou.
— Pintei as unhas dele enquanto ele dormia — Bianca
respondeu por mim.
— Já tirei boa parte, mas tenho preguiça de passar removedor.
— Olhei para as unhas. Eu parecia um adolescente gótico com
aquele esmalte preto descascado.
— Era o esmalte do primeiro ano? — Shane perguntou.
— Sim. Nem me lembrava que ainda estava no guarda-roupas.
— Você disse que foi um trote, não é? — Bianca perguntou. —
O que mais você teve que fazer? É tudo muito novo para mim.
— Cada time faz uma coisa diferente — Shane respondeu. —
No ensino médio, tivemos que escorregar por uma colina coberta
com lona enquanto os veteranos derramavam catchup, mostarda e
coisas assim na gente. — Ele sentiu um arrepio. — Ainda não
suporto o cheiro de chili enlatado.
— Nós tivemos que correr pelados — Zac comentou.
— E as escolas e os treinadores aceitam tudo isso? — Bianca
perguntou.
Eu e os caras nos entreolhamos.
— Não — respondi. — É tudo feito... hã... em segredo, por
assim dizer.
— Hmm. — Ela parecia refletir sobre o assunto. — E o que
vocês tiveram que fazer quando entraram para o time de futebol?
— Bem, o esmalte não foi bem o trote, foi mais para entrar no
clima. — Dei um pequeno pulo quando senti Bianca escorregando
das minhas costas. Ela me abraçou mais forte, e eu me retraí um
pouco ao senti-la puxar meu pescoço. — A casa da fazenda é o
trote do time de futebol pelos últimos oito anos.
— Me explique — ela pediu.
— Você não... — comecei.
— Ah, meu Deus, não vou contar para ninguém. — Pelo tom
que ela usou, senti que revirava os olhos.
— Tem uma casa antiga saindo do campus, atrás do centro
médico — eu disse. — Está abandonada e não sabemos quem é o
proprietário, nem da casa, nem do terreno. Há avisos de “não
ultrapasse”, mas todo mundo entra lá há bastante tempo.
— E ninguém atirou na gente ainda — Dre acrescentou.
— Quando você é calouro, precisa entrar na casa sozinho, à
noite, quando tudo ao redor está na escuridão. Você tem que passar
pela sala de estar, subir as escadas ao fundo e chegar ao quarto da
frente no segundo andar. Há uma lanterna que você precisa acender
uma vez...
— Para provar que chegou — Zac interrompeu.
— E então sair — eu o ignorei. — Parece fácil, mas o lugar é
idêntico se parece com uma casa de filme de terror, e o chão está
todo desnivelado e podre. Subir aquelas escadas é quase uma
sentença de morte.
— Posso tentar? — Bianca perguntou.
— Não — respondemos ao mesmo tempo.
— Sério, Bi — falei. — Não é seguro. Somos idiotas. Este ano,
um calouro atravessou o chão da sala e caiu no porão, porque pisou
em uma tábua podre.
— Ficamos em volta do buraco, olhando para ele e
perguntando se precisava de ajuda até ele começar a chorar — Dre
comentou.
— Ele disse que era alergia à poeira — falei.
— Claaaro — Dre respondeu.
— Ele ficou bem? — Bianca perguntou.
— Ótimo. — Dei um beijo em seu braço. — Bem, só o orgulho
ficou ferido.
Chegamos à rua da casa do treinador. Gesticulei para Shane e
Brownie.
— A Bianca é quem deve começar a guarda compartilhada. Vou
levá-la até sua casa. Bem, carregá-la.
Shane deu um beijão no focinho peludo de Brownie antes de
entregá-lo para mim.
— Te vejo em casa mais tarde — ele disse, batendo
continência.
— Certo.
— Quer que a gente vá junto? — Dre perguntou.
Balancei a cabeça.
— Não precisa, é apenas a um quarteirão de distância.
Dre assentiu.
— Ligue se precisar de alguma coisa.
— Pode deixar.
Virei na esquina da rua do treinador, e os rapazes seguiram em
direção à nossa casa. Uma lufada de ar fez o cabelo de Bianca voar
em meu rosto, eu o soprei para tirá-lo do meu campo de visão. Ela
deu risadinhas em meu ouvido, com um braço em volta do meu
ombro e o outro segurando Brownie. Tropecei quando a senti beijar
meu pescoço, o que a fez dar um gritinho antes que eu me
endireitasse. Apertei sua coxa.
— Culpa sua.
— Por quê? — Sua voz carregava uma falsa inocência.
— Você está me distraindo — resmunguei.
— Te distraindo de andar? — Pelo seu tom, sabia que estava
sorrindo.
— Você me distrai até de respirar — respondi.
Ela ficou imóvel e apertou ainda mais os braços ao meu redor.
Continuei andando, sem saber se havia dito algo errado. Quando
chegamos mais perto da casa, ela disse com gentileza:
— Me coloque no chão, por favor.
Tomando bastante cuidado, dobrei os joelhos para que ela
pudesse descer com segurança das minhas costas. Eu me virei,
prestes a dizer que ficaria ali e a esperaria entrar para que o
treinador não nos visse, mas não tive chance. Bianca esticou a mão
e agarrou meu rosto, puxando-o para perto do seu. Estava com os
olhos bem abertos.
— Você falou sério?
— Sobre o quê?
— Sobre eu te distrair de respirar. — Havia certa
vulnerabilidade em seu tom de voz, e senti um aperto no coração.
Passei a mão por sua cintura e a puxei ainda mais para perto.
— Sim. Qualquer dia desses, vou desmaiar e você vai ter que
fazer respiração boca a boca. Por horas.
Bianca riu, e um brilho apareceu em seus olhos antes que
pegasse minha mão e me arrastasse até a casa do treinador.
— Vamos.
Resisti.
— Ei, ei. Por mais que eu goste da ideia de te deixar na porta e
talvez dar uns amassos na varanda, o treinador vai me castrar.
Ela continuou a andar, me puxando junto. Colocou a língua no
canto da boca, onde surgiu um sorriso malicioso.
— Ele não está. Vai ficar fora a noite toda.
Finquei os pés no chão.
— O quê?
Ela me puxou, mas não me movi.
— Isso mesmo. A namorada dele mora em Grantley.
Essa cidade ficava a uma hora de distância.
— O treinador tem namorada?
Bianca assentiu.
— Ela é enfermeira. Ele só vai voltar amanhã à tarde.
Comecei a suar. Ficar sozinho? Com Bianca? Por mais que a
desejasse – porque, meu Deus, eu desejava –, também estava com
medo de ser uma tremenda decepção.
— Hã...
— Vamos — ela disse suavemente, como se soubesse do meu
nervosismo. — Podemos ver um filme ou algo assim. Eu... ainda
não quero que a noite termine.
Porra, e eu queria que durasse para sempre.
— Tudo bem — minha voz saiu fraca, porque todo o sangue do
meu corpo estava descendo para meu pau. De novo.
Quando Bianca me puxou novamente, eu a segui. Mantive a
cabeça abaixada, me certificando de focar em nossos pés e não na
sensação latejante entre as pernas. Por isso, não percebi quando
ela parou e demos uma trombada. Ela olhava em direção à casa,
bastante tensa.
— O que foi? — perguntei. — O treinador está aí? — Ela
começou a tremer e apertou minha mão com tanta força que me
contraí. — Bianca?
Estávamos parados em frente à casa do vizinho. Estreitei os
olhos na direção em que ela olhava: a casa do treinador. Em frente
à porta da varanda iluminada havia uma caixa com um vaso de
flores.
— Puta merda — murmurei.
Bianca tremia da cabeça aos pés.
— Lavin — ela sussurrou e sua voz vacilava. — É ele. Ou ela.
Ou eles. Tenho certeza. A pessoa sempre me manda rosas, e aquilo
ali são rosas. Ai, merda. Merda. Me acharam.
Seus joelhos bambearam, e eu precisei segurá-la. Olhei ao
redor, me sentindo exposto ali na calçada. A rua estava bem
iluminada. E se a pessoa estivesse por perto? Nos observando?
— Não posso... — Ela estava gaguejando. — Não posso entrar
ali. Não posso.
— Você não vai. — Minha mente estava a todo vapor,
pensando no que fazer em seguida. A cidade era cheia de becos
escuros e ruas não pavimentadas. Só precisávamos chegar à minha
casa.
Eu a puxei para um lugar mais escuro entre duas casas, e a
peguei pelos ombros, balançando-os de leve.
— Olhe para mim.
Ela obedeceu, mas seu olhar estava desfocado e a boca,
aberta. Bianca estava em choque. Chamei sua atenção mais uma
vez, fazendo com que ela despertasse.
— Tive uma ideia, mas você precisa me ouvir. Faça o que eu
disser pela próxima meia hora. Você confia em mim?
Ela assentiu e esticou as mãos, apertando meu bíceps.
— Claro que sim — ela falou com delicadeza.
— Certo, venha comigo. — Coloquei Brownie debaixo do braço
e peguei a mão de Bianca. — Vamos.
Não tinha ideia se estávamos sendo seguidos ou observados. A
caminhada de cinco minutos até minha casa levou vinte, porque
desviei por diversas ruas estranhas. Ouvia com atenção, mas não
havia outros passos além dos nossos. Minha esperança era de que
as flores fossem um aviso e não uma maneira de anunciar a
presença da pessoa.
Liguei para Shane no caminho, que atendeu com um bocejo.
— E aí?
— Preciso do seu carro. Devolvo amanhã.
— Meu carro?
— Sim, por favor. Fico te devendo uma. De verdade.
— Sem problema.
— Obrigado. Daqui a pouco chego em casa. Vou pegar uma
mala. Depois, Bianca e eu vamos embora.
— O quê?
Desliguei. Estava sendo paranoico, mas e se alguém estivesse
ouvindo? Dei uma olhada para trás e vi Bianca andando rápido, de
cabeça baixa. Estava mancando um pouco, o que me fez cerrar os
dentes. Parei e me curvei.
— Suba aqui.
— Lav, estou bem...
— Você está mancando. Suba, vamos.
Ela não se opôs dessa vez, e isso mostrou o quanto seu
tornozelo estava doendo. Quando chegamos em casa, ignorei as
perguntas de Shane e Dre. Arrumei uma mala bem rápido enquanto
Bianca se trancou no banheiro. Em cinco minutos, estávamos na
estrada interestadual no pequeno Honda de Shane enquanto eu
bebericava café de uma caneca térmica.
— Para onde estamos indo? — Bianca perguntou, segurando
Brownie no colo. Ela se recusou a deixá-lo com Shane.
— Para a casa dos meus pais — respondi. — Quando
chegarmos lá, ligamos para o treinador para explicar o que está
acontecendo e voltamos no domingo. Imagino que ele vai ligar para
polícia, certo?
— Vai, sim.
Estiquei a mão e entrelacei nossos dedos, mas ainda com os
olhos na estrada.
— Vai ficar tudo bem. Vamos sair da cidade por um tempinho,
ficar longe de tudo isso.
— Obrigada — ela murmurou.
— Imagina. A viagem dura pouco mais de uma hora. Talvez
menos, a essa hora. Tente dormir.
— Não trouxe roupa. — Ela parecia estar nervosa com isso. —
Vou conhecer seus pais nesse estado...
— Bianca, se acalme. Primeiro, você pode usar as minhas.
Segundo, sua aparência não importa. Eles não vão ligar. De
qualquer forma, meu quarto fica no porão e tem entrada separada.
Eles nem vão notar que estamos lá até amanhã de manhã.
Ela fungou e depois assentiu.
— Não sei o que faria sem você.
Queria esmurrar o peito como um homem das cavernas.
— Tenho certeza de que saberia.
Ela deu uma risada irônica.
— Não saberia, não.
— Descanse, durma um pouco. Vai ficar tudo bem.
Ela assentiu, apoiando Brownie na porta e usando-o como
travesseiro. Dormiu em minutos.

***

Desliguei os faróis assim que virei na esquina de casa e


estacionei na garagem. Não queria acordar meus pais, porque já
estava tarde pra caramba. Também porque Pop ficava muito irritado
se fosse acordado. E outra coisa: ainda não sabia como explicar a
situação. Contaria a verdade do porquê fomos para lá. Nunca
mentiria sobre coisas importantes. Mas, naquele momento, Bianca
estava se sentindo... fragilizada. Quando nos conhecemos, nunca
pensaria nela assim. Mas hoje, ela parecia à beira de um colapso.
Desliguei o carro, mas Bianca não se moveu. Dormia feito um
anjo, o rosto apoiado em Brownie e o cabelo todo bagunçado.
Relutei em acordá-la. Mordi o lábio, analisando os arredores
escuros da casa. A porta do meu quarto ficava nos fundos e tinha
um alarme próprio, mas percorrer o quintal arborizado no meio da
noite com ela nos braços era sinônimo de desastre. Conseguia até
imaginar a cena: ela caindo e gritando, meus pais acordando e
ligando para a polícia, o que terminaria com alguém sendo baleado.
Provavelmente eu.
Mas então ela se mexeu e tirou o cabelo do rosto.
— Lav? — ela murmurou, ainda de olhos fechados.
Apertei sua coxa.
— Sou eu. Chegamos.
Então ela acordou, piscando enquanto olhava para a casa
através do para-brisa.
— Caramba — ela disse. — É linda.
O sobrado era de madeira e tinha um ar de cabana. A entrada
era contornada por uma varanda, onde havia um balanço e cadeiras
de repouso em madeira.
— Meu tio é construtor — expliquei. — O Pop comprou o
terreno. Tem cerca de dois hectares, na maior parte arborizados, e
construiu a casa antes mesmo de eu nascer.
— Que legal — ela sussurrou, sonolenta. E apesar daquele dia
esquisito, meu pau deu sinal de vida. Mas que droga, eu era
patético.
— Vamos dar a volta pela lateral até os fundos. A porta do meu
quarto fica embaixo do deck, tudo bem? Falamos com meus pais de
manhã.
Ela conferiu as horas.
— Tem certeza de que não vão se importar que eu esteja aqui?
Balancei a cabeça.
— Sim.
Bianca me olhou desconfiada.
— Eles vão ficar tranquilos ao acordar e perceber que tem uma
garota estranha em casa com o filho deles?
— Defina “tranquilos”.
— Lavin!
Não expliquei que meus pais já sabiam muito sobre ela.
— Eles vão ficar surpresos, é claro. Mas vou explicar e tudo vai
se ajeitar. O Papai ama conhecer pessoas novas e vai ficar
animado. E eles já te viram, lembra? Na videochamada depois da
minha concussão.
Ela suspirou.
— Tudo bem. Só não quero atrapalhar... — Ela virou a cabeça
para o outro lado e olhou através da janela. — Droga, estou um
caco.
— Ei...
— A Bianca aventureira e divertida já foi embora, não é? Você
tem certeza...
Peguei sua mão, tentando parar o colapso mental no qual ela
parecia determinada a mergulhar.
— Ei, o que é isso? — Ela não queria olhar para mim. — Já
falamos a esse respeito. Tomei minha decisão.
— Mas você a tomou antes de tudo voltar a acontecer.
— E você acha que vou simplesmente sumir agora? — Ela não
respondeu. — Se você me afastar de novo, juro por Deus...
Ela se atirou em mim, jogando os braços em volta do meu
pescoço e me puxando para si até nossas bocas colidirem. Não tive
tempo para raciocinar, e a conversa que tivemos desapareceu da
minha mente, porque a única coisa que importava era saborear
Bianca de novo. Deslizei a língua por seus lábios e gemi quando
senti seus seios no meu peito.
Ela se afastou e apoiou a testa na minha. Nossa respiração
ofegante preenchia o silêncio, e comecei a sentir um vento gelado
entrando pelas portas que mal isolavam o frio dentro da lata-velha
de Shane. Olhei para o lado e vi as janelas embaçadas.
— Caramba. Está ficando tudo embaçado.
Bianca se virou também, e sua risada ressoou, animada e feliz.
Ela colocou a palma da mão na janela e a arrastou sobre o vidro,
deixando uma marca borrada. Um sorriso sexy apareceu em seus
lábios.
— Sempre quis imitar aquela cena de Titanic.
Tentei adivinhar.
— Aquela em que eles dão alguns amassos no carro?
Ela assentiu e me deu um sorriso largo.
— Acho que eles vão além dos amassos.
— Sim, mas não vou colocar o pau para fora no carro do Shane
estacionado na garagem dos meus pais à meia-noite.
Bianca jogou a cabeça para trás e riu, o que não ajudou a
suavizar todo o vapor ali dentro. Amava fazê-la feliz, ainda mais
depois do susto de hoje. Acariciei suas costas.
— Venha, vamos entrar antes que eu me esqueça de tudo e
profane o carro do Shane.
Peguei a mala, ajudei Bianca a sair do carro e a guiei pela casa,
usando a lanterna do celular para nos manter no caminho de
pedregulhos. Na porta dos fundos, digitei a senha, entramos acionei
o alarme novamente antes que o bipe acordasse meus pais.
Acendi as luzes, coloquei a mala perto da cama e Bianca
permaneceu de pé no meio do quarto, puxando a barra da camiseta
enquanto analisava o local. Ela apontou para uma porta na parede
mais distante.
— O banheiro é ali?
— Sim, fique à vontade.
— Você pode me emprestar uma camiseta para eu dormir?
— Claro.
Procurei nas gavetas até encontrar uma camiseta antiga de um
torneio do ensino médio e a joguei para Bianca.
— Deve ter uma escova de dentes nova no armário.
Ela assentiu e foi até o banheiro, fechando a porta logo em
seguida.
Peguei duas garrafas de água que o Papai mantinha no frigobar
e afundei na beirada da cama. Virei uma delas enquanto ouvia
Bianca andar pelo banheiro.
Minha perna tremia de nervoso ao me perguntar o que ela
achava de estar ali. No meu espaço. Comigo. Levantei a cabeça
quando ouvi a porta se abrir. Ela ficou parada lá, com as luzes do
banheiro iluminando suas costas, usando apenas minha camiseta e
o cabelo caindo por seus ombros. Não se mexeu, e eu não
conseguia falar, uma vez que todo meu sangue corria para uma
única direção. Caramba, ela era linda, e eu era um babaca por olhá-
la dessa maneira naquele momento. Mas eu era humano, e Bianca
era um sonho.
Ela piscou para mim e depois sorriu, mas não de um jeito
sedutor. Dessa vez, era quase tímido.
Estendi o braço com uma das garrafas de água, sem saber
direito o que fazer com as mãos.
— Está com sede? — Minha voz estava rouca. Talvez eu
precisasse beber mais água.
Ela se sentou na cama ao meu lado e roçou as pernas nuas na
minha coxa.
— Sim, obrigada.
Enquanto ela bebia, perguntei:
— Quer mais alguma coisa? Está com fome?
Bianca balançou a cabeça e colocou a garrafa no chão.
— Não, estou bem.
Antes que tentasse agarrá-la como um animal, me levantei.
— Eu vou... hã... me arrumar para dormir.
— Tudo bem — ela respondeu com a voz suave.
Fiz o que precisava no banheiro e tentei manter o controle.
Quando saí, Bianca já estava debaixo das cobertas, me encarando
enquanto eu andava em sua direção usando apenas uma cueca
boxer. Segurei a camiseta em frente à virilha para que ela não
reparasse naquela porcaria de ereção que não sumia por nada, nem
imaginando Dre espremendo uma espinha nas costas do Shane.
Atirei a camiseta no cesto de roupas e subi na cama ao lado de
Bianca. Por cima da coberta. Ela se virou e me encarou.
— O que você está fazendo?
— Você prefere que eu durma no chão?
Bianca me olhou como se eu fosse uma aberração.
— Por que você está deitado em cima da coberta?
A situação toda parecia aquela série de TV Os pioneiros, cujos
personagens moravam em uma cabana. O que eu estava fazendo?
— Hã...
— Lavin?
Nunca me senti tão virgem na vida.
— Porque você está vulnerável depois de tudo o que
aconteceu, e eu não quero que pense que estou tentando me
aproveitar... — Ela não respondeu, então continuei divagando. —
Não sei, parece ser o certo. Mas está tudo bem. O Papai deixa meu
quarto bem gelado, porque o termostato é separado do resto da
casa. Se eu sentir com frio, posso pegar um cobertor...
— Lavin.
Mordi os lábios antes de soltá-los com um estalido.
— Sim?
— Cale a boca.
— Tudo bem.
Com um movimento rápido, ela rolou para longe de mim,
levantou a coberta e então ficou por cima dela ao meu lado.
— Pronto, agora estamos os dois por cima.
A camiseta dela – minha – havia subido, expondo a calcinha cor
de pêssego e um pedacinho de pele logo acima do elástico. Não
consegui me controlar e, com cuidado, estiquei a mão e deslizei o
dedão por seu quadril nu.
Bianca respirou fundo, encolheu a barriga e contorceu as
pernas. Seus lábios estavam entreabertos e as bochechas, coradas.
O cabelo escapava do rabo de cavalo e se derramava em cachos ao
seu redor.
— Eu deveria sair daqui — eu disse, mas continuei subindo a
mão por dentro da camiseta, descansando-a em sua barriga. — Tem
um quarto de hóspedes lá em cima.
— Por favor, fique — ela pediu com voz baixa e ofegante. O
som foi direto para o meu pau.
— Foi um longo dia, Bi. Você deve estar cansada, e não quero
que pense... que me deve alguma coisa ou algo assim.
Ela arqueou as sobrancelhas.
— Te dever alguma coisa? Não penso isso. Acho que é você
quem me deve. — Ela deu um sorriso de tirar o fôlego e se
aproximou de mim até que seu hálito refrescante cobrisse meu
rosto. — Lembra?
Engoli em seco, cerrando os punhos para me impedir de puxá-
la para mim.
— Ah, sim, eu me lembro. De tudo. De cada segundo.
— Então... — Ela deslizou o nariz pelo meu. — O que você vai
fazer em relação a isso?
O sangue pulsava em meus ouvidos. No passado, sempre
assumi uma postura mais passiva, pois tinha medo de fazer algo
errado. Mas com Bianca deitada ali, me encarando com os olhos
escuros e cintilantes, tive a impressão de que ela queria que eu
tomasse a dianteira. Droga, não era bom nisso. Havia um motivo
para jogar na defesa, mas Bianca era um tipo diferente de jogo.
Rocei os lábios nos dela.
— É a única dívida que estou morrendo de vontade de pagar.
Levantei um pouco mais sua camiseta, até ter um vislumbre de
seus seios perfeitos. Passei os dedos por suas costelas e contornei
seu umbigo. Ela tinha cheiro de flores e de perfeição... Eu não
queria sair dali nunca.
Por nenhum dinheiro no mundo.
Quando um gemido sutil escapou de seus lábios, eu me apoiei
em um braço, estiquei o outro e me inclinei para beijá-la. Não queria
saber de mais nada além de explorar sua boca e mostrar que o
único lugar que queria estar era ali.
Ao me afastar, percebi seus lábios úmidos e inchados, e Bianca
os lambeu, como se quisesse mais de mim. Levantei ainda mais sua
camiseta, tirando-a e jogando-a no chão.
Ela estava embaixo de mim, só de calcinha e a visão de seus
seios me fez perder o fôlego. Envolvi um deles, perfeito e redondo,
com a mão, esfregando o dedão sobre o mamilo escuro e enrijecido.
Bianca arqueou as costas como se quisesse mais.
Me aproximei, deslizando a língua pela lateral antes de passá-la
sobre o mamilo.
— Lavin... — ela arfou.
E então... fiquei um pouco embriagado por seus seios. Em
minha defesa, fazia um tempo desde a última vez, e Bianca era uma
obra de arte. Nunca havia me sentido tão à vontade ou... tão
sedento. Eu a desejava. Corri o nariz no vão entre eles e mordisquei
os mamilos de leve enquanto os segurava. Chupei, mordi e lambi.
Quando parei para respirar, ela estava se contorcendo na cama e
remexendo o quadril.
Droga, como pude me esquecer? Fiquei muito tempo na parte
de cima, agora precisava descer. Intoxicado pelo cheiro dela, passei
os dedos por sua barriga e os deslizei pelo do elástico da calcinha.
Ela sussurrou um sim, me dizendo que estava no caminho certo.
Então eu a despi por completo, pois meus dedos não seriam os
únicos sortudos essa noite.
Caramba, ela era quase toda depilada, apenas um pouco de
pelo a cobria. Repousei a mão no topo de sua coxa e olhei para
cima. Bianca me observava e agarrava o cabelo. Sorrindo para mim,
ela abriu as pernas, afundou os calcanhares no colchão e ergueu o
corpo, se apoiando nos cotovelos.
— Me toque.
Eu estava tão duro que doía. Queria que ela sentisse meu pau
em sua coxa, sedento para sair da cueca. Mas mais do que
qualquer coisa, queria tocá-la. Queria vê-la perdendo o controle,
arfando e tremendo enquanto desmoronava por minha causa.
Eu podia ser virgem, mas já tinha ficado com garotas. Já fiz
aquilo muitas vezes. Para ser sincero, como nunca tive pressa para
usar meu pau, sempre tive tempo para fazer outras coisas. Com
outras partes do meu corpo. Mãos, dedos, língua... Se havia
interpretado bem os sinais das garotas com as quais fiquei, eu era
bom pra caramba. E toda a prática nunca pareceu ser tão valiosa
quanto naquele momento. Mesmo assim, estava uma pilha de
nervos. Aquilo era muito sério.
Afundei um dedo em sua boceta, fazendo círculos até encontrar
o clitóris. Bianca estremeceu quando o toquei, abrindo a boca e
jogando a cabeça para trás. Porra, ela estava muito molhada, então
os deslizei por sua lubrificação e desci. Ela começou a mexer o
quadril enquanto sussurrava: “isso, isso” assim que coloquei dois
dedos dentro dela. Um grito rouco saiu de sua garganta.
Pensei que eu fosse morrer ali. Exaurido pelo prazer e pela dor
de observar Bianca enquanto ela remexia o quadril para tentar
gozar.
Eu me movi mais para cima na cama, mas continuei com os
dedos dentro dela, entrando e saindo, ao mesmo tempo em que
agarrava seu cabelo com a outra mão e virava seu rosto para mim.
Seus olhos brilhavam, as bochechas estavam coradas, e Bianca me
olhou com uma veneração que eu nunca vi antes.
Os sons no quarto eram obscenos, o que me deixou ainda mais
excitado. Comecei a me esfregar em sua coxa.
— Você é uma delícia — eu disse, acariciando sua testa com
um dos dedos. — Está tão gostosa, Bi. Queria que conseguisse se
ver.
— Não pare — ela arfou e sua voz estava aguda e cansada. —
Estou... quase lá. Quase lá.
Posicionei o dedão em seu clitóris e o massageei. Foi então
que ela parou de mexer o quadril, jogou a cabeça para trás e
gemeu. Um som sexy pra caramba. Senti sua boceta apertar meus
dedos enquanto ela gozava em minha mão. Quando desabou na
cama, ouvi meu nome escapar de seus lábios em um sussurro.
Tirei os dedos e a abracei. Ela virou a cabeça em minha direção
e eu me curvei, tocando seus lábios com os meus, venerando sua
boca e seu rosto. Beijei suas pálpebras, sua testa e qualquer lugar
que alcançasse.
Assim que me afastei, seus olhos estavam mais atentos e os
lábios contorcidos em um sorriso. Quando dei por mim, estava
deitado de costas e Bianca estava ajoelhada ao meu lado. Ela tirou
minha cueca e abocanhou meu pau.
— Puta merda!
Gritei, abrindo os braços e procurando alguma coisa em que
pudesse me agarrar, porque sentia que ia sair de mim. Alguma coisa
caiu no chão quando a senti me chupar e me soltar, apenas para dar
um beijo na cabeça do meu pau.
Mordi a mão, querendo gritar enquanto Bianca brincava com
minhas bolas com uma mão e subia e descia a cabeça ao me
chupar. Tentei segurar o máximo possível, e consegui por um bom
tempo para ser sincero. Aquela garota poderia ganhar uma medalha
de ouro por aquele boquete. Dei um tapinha em seu ombro.
— Bianca, vou gozar. Puta merda... agora. Vou gozar. — Ela
parou de me chupar e me masturbou com as mãos enquanto eu
gozava. Quando se jogou na cama ao meu lado, ambos dissemos
ao mesmo tempo:
— Minhas pernas estão bambas.
Ela riu e se virou para morder meu queixo de brincadeira.
Peguei alguns lenços na mesinha de cabeceira – foi o celular dela
que caiu no chão – e me limpei antes de vestir a cueca.
Quando a névoa do prazer começou a diminuir, comecei a me
questionar quem eu era. Nunca me senti tão à vontade. Lembrei o
que Dre e Shane disseram: se eu estivesse com alguém de quem
realmente gostasse, daria total atenção à pessoa. Eles estavam
certos. Eu sabia o que estava fazendo, não era como se nunca
tivesse feito certas coisas antes, mas estava menos focado no que
fazer e mais atento em como Bianca se sentia. Pelo menos, eu
esperava que tivesse conseguido satisfazê-la.
Ela se sentou de pernas cruzadas e arrumou o cabelo em um
coque alto.
— Bianca?
Seu sorriso mostrou cautela.
— Oi?
Fiz uma pausa.
— Por que você está me olhando assim?
Sua expressão suavizou.
— Assim como?
Sentei ao seu lado.
— Ei, não faça isso. Você disse que poderia ser você mesma
quando estivesse comigo, então por que está me olhando como se
estivesse esperando uma notícia ruim?
Ela mordeu o interior da bochecha e me olhou.
— Não sei o que você vai dizer agora.
— E o que você quer que eu diga?
— É mais o que não quero.
— E o que é?
— Certo, não quero que fale “mal posso esperar para contar
para os caras que uma supermodelo me chupou”.
Eu a encarei.
— Você acha que eu diria uma coisa dessa?
— Não! — Bianca tocou minha perna. — Mas já ouvi algo assim
antes. Então acho que tenho algum trauma.
Eu me perguntei com quantos caras ela já havia ficado, mas
decidi que não queria saber. Já era inseguro o suficiente por conta
da minha falta de experiência.
— Certo, mas eu ia perguntar se foi bom, se eu te satisfiz. —
Pelo amor de Deus, eu parecia um idiota.
Bianca arqueou as sobrancelhas.
— Você quer saber se me satisfez?
— Hã, sim.
— Você não esteve aqui o tempo todo?
— Estive, mas...
Seus olhos faiscaram.
— Pareceu que eu não estava gostando? Ou que eu estava
fingindo?
Balancei a cabeça.
— Não.
— Que nome eu disse quando gozei?
Fiquei excitado de novo com aquela fúria.
— O meu.
— Exatamente. Foi incrível. Isso responde à sua pergunta?
Assenti.
— Responde, e foi incrível para mim também.
Bianca deu uma piscadinha.
— Eu sei. Aliás, você fica um tesão quando goza.
— Você também. Deite aqui de novo.
— Por quê?
— Porque ainda tenho dívidas a pagar, Bianca. Eu acho. Estou
perdendo a conta.
— Você pode me pagar amanhã.
Balancei a cabeça.
— Nada disso. Não vou conseguir dormir quando estou no
buraco com dívidas. — Franzi a testa. — Nossa, isso soou estranho.
Ela riu enquanto se deitava, esticando as mãos.
— Não vai conseguir dormir, é?
Acariciei sua coxa lentamente.
— Não.
— Não quero que tenha uma noite de sono ruim. Não sou um
monstro.
— Sabia que ia te convencer. — Escorreguei por seu corpo,
correndo os dedos bem de leve sobre suas costelas, sentindo sua
pele se arrepiar e sua respiração se tornar ofegante.
— Lavin... — ela sussurrou.
Bianca não tinha se vestido, havia apenas um lençol cobrindo-
a. Eu o puxei e me posicionei com os ombros entre suas pernas.
Porra, ela era linda, e ainda estava muito molhada. Deslizei um
dedo por sua boceta, e ela soltou um gemido sutil. Até então, eu
havia experimentado um pouco dela, mas agora não teria pressa.
Expirei contra sua pele, o que a fez fechar as pernas ao redor
da minha cabeça e bater as mãos na cama. Sorri e agradeci ao Dre
em silêncio, porque depois que tivemos aquela conversinha sobre
sexo, ele passou a me mandar links de matérias da Men’s Health
que focavam em sexo oral. E eu as li como se estivesse estudando
para ingressar na universidade.
Chegou o momento de colocar todo o estudo à prova. Com a
língua bem solta, eu a lambi lentamente. Bianca ergueu o quadril,
mas eu a segurei enquanto mexia a ponta da língua em círculos em
seu clitóris.
— Ah, puta merda, assim... — ela sussurrou. Seu corpo inteiro
tremia, e eu entendi como um bom sinal.
Então parti para a ação. Alternava entre lambidas rápidas e
lentas. Dava batidinhas em seu clitóris. Chupava, gemia e
assoprava. Meu rosto estava coberto por seus líquidos, que também
escorriam pelo interior de suas coxas, e Bianca agarrava meu
cabelo com tanta força que eu me perguntava se ficaria com falhas.
Não que eu me preocupasse com isso. Continuei chupando,
delirando com seu sabor, até que ouvi sua voz ficar mais aguda.
Então ela gemeu meu nome e tensionou o corpo. Arqueou contra
minha boca, jogando a cabeça para a frente e para trás na cama e
me deixando chupá-la o quanto conseguisse. Não a soltei até que
estivesse estirada na cama e soltasse meu cabelo.
Escorreguei para o seu lado, me sentindo vitorioso. Bianca
estava de olhos fechados, os cabelos espalhados nos travesseiros e
os mamilos duros e arrepiados. Porra, ela era uma deusa.
— Hmmm... — ela gemeu e roçou os nós dos dedos na minha
bochecha. — Acho que você merece uma nova medalha para sua
coleção.
Cheirei seu pescoço.
— Ah, é?
— Campeão de sexo oral.
Joguei a cabeça para trás e ri.
— É uma honra receber esse prêmio. Gostaria de agradecer à
minha língua e às matérias sobre sexo oral da Men’s Health.
Foi a vez de Bianca rir antes de me beijar.
Um tempo depois, ainda estávamos acordados. Sua mão
estava em meu peito, e ela deslizava os dedos no meu abdômen.
— Você disse que era virgem, não é? — ela perguntou na
escuridão e no silêncio do quarto.
Bocejei.
— Com penetração, sim.
Ela sorriu, e eu gostei do som. Às vezes, Bianca parecia ter
mais de vinte e um anos. Mas daquele jeito, deitada na minha cama
e rindo, estava tranquila e parecia ela mesma.
— Por quê?
— Por que eu sou virgem?
— Sim. Você decidiu esperar até o casamento ou algo assim?
— Não, nada disso.
— Então...?
Suspirei.
— Bem, o Papai sempre conversou muito comigo sobre sexo e
consentimento. Ele me deixou com muito medo de pressionar uma
garota a transar comigo. No ensino médio, namorei uma garota
cujos pais eram muito religiosos. Ela era tímida e doce. Não
transaria comigo de jeito nenhum e, de qualquer forma, acho que
não estava pronto. Terminamos quando ela se mudou.
— E depois?
— Na faculdade... — Dei de ombros. — Se alguma garota
chegasse em mim, eu ficava aterrorizado pensando que ela podia
estar muito bêbada para consentir.
— Uau, seu pai deveria ser orientador no ensino médio.
— Deveria. Nossas conversas surtiram efeito comigo. Enfim,
acabei esperando tanto que o sexo casual parecia estranho. Se eu
fosse sincero comigo mesmo, coisa que acho que nunca fui... —
Respirei fundo. — Acho que nunca confiei o bastante em alguém.
Sempre pensei coisas como “e se eu for ruim? E se eu a machucar?
E se...?”.
— Lav...
— É, eu sei. Eu penso demais. Sobre tudo.
— Você é muito bom com a língua e com os dedos, e tenho
certeza de que é bom com outras coisas também. — Bianca me
provocou com um beliscão no mamilo.
— Ei — grunhi. — Cuidado com meus mamilos.
Ela roçou a mão de leve sobre meu peito.
— Bem, todas essas razões são boas. Não precisa ter pressa.
Detectei algum sentimento escondido sob sua voz.
— Ah, é? E você?
— O que tem eu? Você quer um número? — ela perguntou com
um ar de insolência, mas havia incerteza ali.
— Ei. — Franzi a testa e acariciei seu ombro. — Eu não ligo
para isso, só pensei que estivéssemos dividindo experiências. Não
quero falar só sobre mim. Mas se você não quiser falar, tudo bem.
Me conte sobre algum bichinho de estimação da infância ou algo
assim.
Bianca riu, e toda a tensão sumiu de seu rosto.
— Me desculpe. Fui grosseira.
— Tudo bem.
Ela se aconchegou a mim e encaixou a cabeça embaixo do
meu queixo.
— Sabe o namorado que tive por um ano e meio?
— Sim.
— Foi com ele. O primeiro e único, na verdade.
— Ah... — sussurrei.
— Achava que estava preparada. Quero dizer, para transar com
ele. Hoje em dia, entendo que ele me pressionou, mas naquela
época pensei que era só... o jeito dele.
— Como ele te pressionou?
— Fazia comentários sobre as outras mulheres com quem tinha
ficado. Sobre suas... habilidades. E sobre como ele valorizava isso
em uma namorada.
— Caramba, que babaca.
Bianca riu baixinho e seus ombros balançaram.
— Ele era, e isso me fez querer provar que eu o merecia. Mas
hoje vejo que ele me manipulava.
— Posso te garantir que quem não te merece é ele.
Ela deu tapinhas no meu peito.
— Você é um fofo quando fica nervoso. — Beijei o topo de sua
cabeça. — Enfim, transamos. Não foi tudo aquilo, e um tempo
depois ele terminou comigo.
— E ele ficou com a garota de dezoito anos?
— Sim.
— Caramba, esse cara é um otário. Você sabe disso, não é?
Ela suspirou e me abraçou apertado.
— Sei. Depois disso não namorei mais. E então o stalker
surgiu, e eu vim para cá. A última coisa de que precisava ou queria
era me apaixonar. Você precisa acreditar em mim, Lavin. Eu... gosto
da sua companhia. Você me faz feliz.
— Idem, Bi.
— Você não me pressiona para fazer nada além do que quero,
e eu amo isso. Me sinto segura.
Me senti muito bem.
— É incrível ouvir isso. Todos os anos que passei com as bolas
doloridas valeram a pena.
Ela me deu um tapa, e eu ri. Bianca ergueu a cabeça e
envolveu meu rosto nas mãos.
— Mas quero te fazer uma pergunta.
Olhei bem dentro de seus olhos castanhos carinhosos.
— Pode perguntar.
— Você confia em mim? Você quer... comigo?
Não pensei duas vezes.
— Com certeza. E isso vale para as duas perguntas.
Bianca sorriu, e então o sol brilhou, os anjos cantaram, as
coisas mais loucas aconteceram e nada seria capaz de me tirar
daquela cama.
— Eu também — ela sussurrou. — Eu também.
Coloquei uma mecha de cabelo atrás de sua orelha.
— Ouvir você dizer isso pode até ser melhor que o ato em si.
Sua testa bateu no meu peito quando ela gargalhou. Sorrindo,
puxei seu cabelo. Bianca levantou a cabeça.
— Só se não fizermos direito.
— Que tal irmos dormir e pararmos de falar sobre esse tema,
pelo amor de Deus?
Bianca desabou em mim e mais uma vez colocou o braço ao
redor da minha cintura. Deslizei a mão por seus cabelos enquanto
sua respiração se acalmava, assim como a minha, um tempo
depois.
Catorze
— MEU DEUS!
— O que é isso?
O som de vozes me acordou, então vi meus pais parados ao pé
da cama. Pop parecia estar muito bravo. Os olhos de Papai
pareciam estar saltando, e ele estava com as mãos na boca.
Esfreguei os olhos.
— Bom dia. O que foi?
Algo fez cócegas em meu ombro. Olhei para o lado e vi cabelos
compridos e pretos espalhados no travesseiro. Paralisei ao me
lembrar de que havia trazido Bianca sem avisá-los. Ah, merda.
Levantei a cabeça bem devagar, fazendo uma careta.
— Hã...
— Lavin Michael Saint, o que está acontecendo? — A voz de
Pop era estrondosa, e ele ainda falou meu nome completo. — Por
que tem uma garota na sua cama? — Ele era assim, como se
precisasse proteger a virtude de todas as mulheres, mesmo que
fosse do próprio filho.
— Pop...
De repente, Bianca deu um gritinho. Ela olhava para eles,
aterrorizada. Então pulou da cama, mas suas pernas ficaram presas
no lençol, o que a fez pisar em falso e cair no chão.
— Bi! — Eu me arrastei até a beirada da cama e estendi a mão
para ela. Mas eu estava só de cueca.
Ela gemeu e, com as mãos na cabeça, estendeu os braços
para mim como uma criança.
— Bati a cabeça.
Eu a puxei para cima e a trouxe de volta para a cama,
abraçando-a.
— Eu sei. Mas por que você saiu correndo?
— Não quero que seus pais me julguem — ela murmurou
contra o meu pescoço.
— Eles não vão te julgar. Vão me julgar.
Falando nos meus pais, eles ainda estavam parados ali, em
silêncio. Não planejei as coisas direito, mas pensei que acordaria
antes deles. Bianca e eu nos viramos e olhamos para eles. Graças a
Deus ela estava usando minha camiseta.
Papai mudou a expressão no mesmo instante.
— Espere. Ela é a Bianca?
— Sim. Bianca, esses são meus pais. Papai e Pop. — Eu a
abracei. — Essa é a Bianca.
Nenhum dos dois se mexeu por um bom tempo, mas então
Papai abaixou as mãos e amarrou o roupão de seda com um pouco
mais de força enquanto sorria. Ele ativou o modo anfitrião, como eu
sabia que faria.
— Bom dia, querida. O que você quer para o café da manhã?
Você toma café preto? — Lancei um sorriso agradecido para ele,
que sorriu de volta como se dissesse que conversaríamos depois.
Ótimo.
— Hã... — Bianca mexia no elástico da minha cueca. Não tinha
certeza se ela percebeu isso. — Tomo com um pouco de leite, mas
não estou com fome...
— Vou fazer waffles, bacon e ovos mexidos — Papai anunciou.
Ninguém passava fome em sua casa.
Bianca arregalou os olhos.
— Tudo bem, está ótimo. Muito obrigada.
— Vamos deixar vocês à vontade para que... bem... se vistam
— Papai disse enquanto puxava Pop pela manga do pijama. —
Vamos. — Tive a impressão de que Pop estava prestes a dizer
alguma coisa, mas Papai estalou a língua: — Você sabe que não te
faz bem quando sua pressão sobe. Que tal meditar um pouco e
depois conversamos?
Pop detestava meditar e só fazia isso porque Papai pedia.
Tenho quase certeza de que ele só fingia. Ele me olhou com cara
feia, como se dissesse que aquilo era minha culpa, antes de virar as
costas e se arrastar escada acima. Quando fecharam a porta, soltei
o ar.
— Caramba, eles me odeiam — Bianca disse com tristeza.
— Não odeiam — respondi. — É uma combinação de fatores.
Você é a primeira garota da faculdade que trago para casa, e eles
descobrem assim. De qualquer forma, o Papai faria um belo café da
manhã, então provavelmente ele está lá em cima surtando para que
tudo fique perfeito. — Dei um beijo em sua bochecha. — A culpa é
minha, não sua. Vou conversar com eles e vai ficar tudo bem. Eles
me amam e vão te amar também. — Sorri.
Bianca deu um sorriso discreto antes de sair da cama e para
tomar um banho rápido. Eu me sentia péssimo, já que era minha
culpa. Ela não merecia acordar daquele jeito. Depois de deixar
algumas roupas – uma calça de moletom, uma camiseta de manga
comprida e meias grossas –, corri até o andar de cima. Papai
andava frenético pela cozinha, murmurando sozinho enquanto
preparava o café, e Pop estava sentado à mesa lendo jornal.
— Certo — eu disse, e os dois se viraram em minha direção. —
Me desculpem. De verdade. A Bianca significa muito para mim, e
vocês não deveriam conhecê-la dessa forma. Ela está morrendo de
vergonha, mas não merece isso. Por favor, fiquem bravos comigo,
mas sejam legais com ela, tudo bem?
Papai piscou para mim.
— Mas é claro que seremos legais com ela.
Pop continuou em silêncio.
— Chegamos tarde ontem — expliquei —, e aconteceu uma
coisa lá na cidade que deixou Bianca assustada. Ela não queria
dormir sozinha em uma casa estranha.
De repente Pop entrou em alerta, pois quando queria, sabia ser
muito protetor. Porra, ele era dono de uma empresa de sistemas de
segurança, então estava em seu sangue. Além disso, também sabia
do caso do perseguidor, pois contei por telefone.
— Assustada? Ela está bem?
— Quando estivermos tomando café eu explico. Ela está
tomando banho, mas não quero que termine e não me encontre lá.
Pop colocou o jornal sobre a mesa e o alisou.
— Me desculpe por ter gritado, mas você sabe que não gosto
de surpresas. Principalmente como uma garota na sua cama.
— Eu sei.
Ele limpou a garganta.
— Certo. Estou ansioso para conhecer a sua Bianca.
Voltei correndo para o quarto, pensando que gostei muito de
como minha Bianca soava. Quando cheguei ao pé da escada,
Bianca estava de costas para mim. Estava com a calça de moletom
dobrada na cintura e deslizava os dedos pela prateleira onde eu
guardava os troféus e medalhas de futebol. Tentei olhar para o
quarto através do seu ponto de vista. Quando chegamos na noite
anterior, eu não pensei muito nisso. Estava escuro e nós ficamos...
ocupados. Mas com a luz do dia, me perguntei o que ela estava
achando daquele lugar. Ainda havia pôsteres dos meus jogadores
favoritos na parede: Messi e Neymar. Eu os coloquei quando estava
no ensino médio. Também havia uma escrivaninha vazia no canto.
Graças a Pops, aquelas prateleiras de troféus existiam. Ele
fazia um trabalho manual incrível e muitos dos móveis da casa foi
ele quem fez. Ele insistiu, dizendo que todos os meus prêmios
deviam ser exibidos, então havia uma fileira de ganchos pregados à
parede para pendurar todas as medalhas.
Bianca não se virou enquanto eu colocava uma calça de
moletom e uma camiseta. Precisava me desculpar. Estava prestes a
fazer isso quando ela se virou com um sorriso lindo no rosto.
— Deve ser bem legal olhar para isso e ver tudo o que você
conquistou.
— Acho que sim. Mas foi trabalho em equipe, não ganhei nada
sozinho.
— Achei mesmo que fosse falar algo assim — ela respondeu,
jogando o cabelo molhado para trás.
Percebi que havia irritação em seu tom, o que me fez franzir a
testa.
— E o que isso quer dizer?
Ela se virou e cruzou os braços.
— Que você nunca reconhece o que conquistou.
Espere um pouco, estávamos brigando?
— Não sei se entendi o que está dizendo.
Ela balançou as mãos, agitada.
— Gosto muito do fato de que você não é arrogante e
convencido, mas fico preocupada quando age no extremo oposto.
Pensei que sua mania de se autodepreciar era apenas senso de
humor, mas às vezes me pergunto se é assim que você se sente
mesmo.
Pisquei para ela, me sentindo mais exposto do que quando
estava apenas de cueca. Teria sido menos doloroso se tivesse
enfiado uma faca no meu peito.
— Porra, me diga como você se sente de verdade — murmurei.
Sua expressão ficou séria, e ela correu até mim.
— Não, não é isso. — Bianca colocou as mãos no meu peito e
me olhou com atenção. — Não estou me expressando direito.
Dei de ombros, pensando que era cedo demais para aquilo.
Precisava de café, de um banho e talvez chorar um pouco. Era
agora que Bianca me diria que eu era imaturo demais para ela?
— Lavin — ela disse com um tom carinhoso, atraindo minha
atenção —, meus sentimentos não mudaram. Só fico frustrada,
porque penso que você não se enxerga como eu te enxergo. Como
seus amigos e colegas de time te enxergam.
Abri a boca e falei a primeira coisa que me veio à mente.
— Não acho que eles me enxerguem.
— Ah, Lavin... — Ela parecia ofegante e empática, e senti um
aperto no peito.
Eu detestava isso. Não queria que as pessoas sentissem pena
de mim. Tinha uma vida boa. Comum, mas boa.
— Quero dizer, talvez Shane e Dre, mas eles têm os próprios
problemas, as próprias vidas.
Meu instinto de fuga estava em alerta total. Só queria encerrar
aquela conversa. Eu nem sequer havia tocado Bianca, mesmo que
estivesse colada em mim. Não tinha certeza se minhas mãos
tremeriam e não queria que ela notasse.
— Bianca, eu sou assim. Se você quiser alguém mais intenso,
imponente, não sei... — Corri as mãos pelo cabelo. — Não consigo
ser alguém diferente.
— Não quero que seja diferente. — Seu tom era mais agressivo
e os olhos estavam semicerrados. Ela balançou a cabeça, fazendo
os cabelos roçarem meus braços nus e arrepios percorreram minha
pele. — Só quero que tenha orgulho de quem é. Amo o jeito como
você me olha. Qualquer mulher daria tudo para que um homem a
olhasse assim. Mas a impressão que tenho é que você pensa que
não me merece, e isso é uma besteira.
Eu a encarei.
— Bianca, você é... você.
Ela se afastou com raiva, colocou as mãos na cintura enquanto
se curvava para a frente com o rosto vermelho.
— Certo, se é assim que vai ser, tudo bem. Você está dizendo
que não tenho bom gosto para homem? Que não vejo como você é
gostoso? Que não percebo que você me provoca só com um toque?
Meu coração bateu forte e respirei fundo, tão fundo que meu
peito se expandiu. Suas palavras me atingiram em cheio. Bianca
lutava para que eu conseguisse enxergar em mim aquilo que ela via,
e isso virou uma chave em minha mente. Também fiquei duro. Claro.
— Se meus pais não estivessem em casa, eu te jogaria na
cama agora mesmo.
Ela deu um passo para trás, como se não estivesse esperando
por essa resposta. Seus lábios se contraíram, mas ela continuava
brava.
— Ah, é?
— É. — Dei um passo em sua direção, e ela suavizou a
expressão. Quando a agarrei pela cintura e a puxei para mim,
Bianca não resistiu. — Eu te mereço — sussurrei. — É isso que
você quer que eu diga?
Ela pousou o olhar em algum ponto do meu peito.
— Quero que você acredite nisso.
Eu ri.
— Tudo bem. Já é um começo, então vai ser divertido me
convencer a chegar até o fim. Que tal?
Ela ergueu os olhos até encontrar os meus e sorriu de um jeito
sexy.
— Fechado.
Dei um beijo em seu nariz.
— Fico feliz que tenha gostado dos troféus, Bi. Também gosto
muito deles.
— E se depois do café você me contar a história de alguns?
— Claro.
Ouvimos uma batida na porta.
— Vocês estão vindo? — A voz de Pop estava abafada. — O
café está pronto.
— Estamos indo! — gritei, agarrando a mão de Bianca e
arrastando-a escada acima.

***

Entramos na cozinha de mãos dadas. Bianca estava tensa, e


eu detestava o fato de que ela havia conhecido meus pais da
maneira errada. Mas eu também sabia que eles a deixariam mais
animada.
Papai operou um milagre em pouco tempo. Ele havia colocado
um vaso de flores frescas sobre a mesa, uma tigela enorme de
frutas, uma pilha gigantesca de waffles e ovos mexidos. Pop
carregava um prato de bacon para a mesa enquanto comia uma
fatia.
Os dois haviam se trocado: Pop estava de calça jeans e uma
camisa de flanela, e Papai, de moletom e uma camiseta larga de
manga comprida.
No mesmo instante, Papai correu até Bianca e entregou uma
caneca de café fumegante para ela.
— Bem-vinda, querida!
Ah, meu Deus, ele estava exagerando. Olhei para Pop, que me
encarou muito sério como se dissesse “deixe ele”. Revirei os olhos,
mas fiquei em silêncio enquanto Papai fazia um escarcéu.
— Coloquei um pouco de leite no café, mas me esqueci de
perguntar se você é alérgica a alguma coisa. Os waffles não têm
glúten, porque o Michael não o digere bem, e as frutas estão
misturadas, então espero que goste de morango. Para os waffles
temos xarope de bordo, mel e chantilly sem derivados do leite.
Bianca me olhava impressionada, e eu apenas sorri. Ela bebeu
um gole do café.
— A única alergia que tenho é a hera venenosa. Não queria dar
tanto trabalho, ficaria feliz com uma torrada.
— Só torrada? — Papai estava horrorizado. — Não debaixo do
meu teto.
Ele a conduziu até a mesa e puxou uma cadeira. Bianca se
sentou, e eu a acompanhei.
— Papai, você está me deixando sem graça. Era eu quem
deveria ser o cavalheiro aqui.
Ele balançou as mãos, envergonhado.
— Ah, pare com isso.
Pop sabia com quem estava lidando, então permaneceu calado,
se sentou e começou a se servir. Percebi que o prato de Bianca
estava bem cheio: dois waffles, uma montanha de ovos mexidos,
uma pilha de frutas e quatro fatias de bacon.
Papai levava o garfo até a boca quando, de repente, deu um
pulo da cadeira.
— Esqueci o suco de laranja!
Ele estava aflito, mas antes que conseguisse correr até a
cozinha, Pop agarrou seu braço, fez com que ele voltasse a se
sentar e ordenou:
— Meu amor, se acalme ou vai ter um derrame. Se alguém
quiser suco de laranja, é só pegar.
Papai se endireitou.
— Não vou deixar que os convidados se sirvam.
— Temos uma convidada — Pop respondeu. — Se ela quiser
suco, o Lavin pode pegar. — Ele se virou para Bianca. — Querida,
você quer suco de laranja?
Bianca sorriu para os dois daquele jeito contagiante.
— Não precisa, estou satisfeita. Está tudo muito gostoso. Não
sei como agradecê-los. Fazia tempo que não comia tão bem assim.
Caramba, minha garota sabia ler as pessoas. Papai relaxou no
mesmo instante e passou a mão pela camiseta, em uma clara
tentativa de se arrumar. Pop abriu um sorriso orgulhoso para Bianca
e depois para mim. Piscou e voltou a comer.
— Então, como vocês dois se conheceram? — Papai
perguntou.
Bianca abriu a boca para responder, mas fui mais rápido.
— Comi um burrito.
Ela virou a cabeça bem rápido, fazendo os cabelos
esvoaçarem.
— O quê?
— Um burrito? — Foi a vez de Papai.
Abri um sorriso e expliquei que havia parado para comprar um
burrito e acabei me atrasando para a aula.
— Tenho certeza de que ela nem me notaria se eu não tivesse
levantado da cadeira e derrubado tudo.
— Foi muito fofo — Bianca comentou. — Você foi adorável.
— Fui um bobão.
— Sim, mas um bobão fofo.
— E se eu quiser ser um bobão bonitão?
Ela deu tapinhas na minha bochecha.
— Tudo bem, paspalho bonitão.
Estávamos quase acabando de comer. Só Pop resolveu repetir,
mesmo com os olhares de reprovação de Papai. Ele engoliu
algumas frutas e girou o garfo em nossa direção.
— Nos digam por que vocês vieram correndo para cá ontem à
noite.
Troquei olhares com Bianca e esperei. Então ela assentiu,
engolindo em seco. Estava nervosa. Assim que tive sua permissão,
coloquei Pop a par do que ainda não sabia, focando nas flores na
varanda do treinador.
À medida que eu contava, a expressão de Pop ficava ainda
mais séria. Quando contei sobre o pacote na varanda, ele soltou
alguns palavrões.
— Você já avisou seu tio? — ele perguntou para Bianca.
Bi balançou a cabeça, negando.
— Vou ligar para ele depois do café. Acho que ainda não
chegou em casa. — Ela brincava com o resto de comida no prato.
— Contratamos um investigador particular, mas o tio Angelo disse
que se mais algum incidente acontecesse, chamaríamos a polícia.
Pop assentiu e se levantou.
— Já volto.
— Sinto muito, querida — Papai falou, se esticando para
apertar sua mão. — O que seus pais disseram?
Bianca deu de ombros.
— Não muito. Eles moram nas Filipinas. Não há muito o que
possam fazer de lá. Os dois até se ofereceram para vir, mas não
querem que eu pague as passagens. E eles não têm muito dinheiro.
Então falei para ficarem lá.
Pop voltou com duas caixas brancas e entregou uma para mim
e a outra para Bianca.
— Seria presente de Natal para você e para o Theo, mas é uma
emergência que requer medidas desesperadas. São relógios da
Apple. Um para você e outro para Bianca. Fico mais tranquilo se
estiverem usando algo em caso de emergência. Além disso, consigo
rastreá-los. Não me importo se é invasivo, mas quero os dois
usando até que a polícia descubra quem é essa pessoa.
— Sr. Saint, não posso...
— Michael. Ou Pop — ele respondeu com firmeza. — Pode,
sim. E vai. Outra coisa: não quero um pio sobre pagar pelo relógio.
— Caramba, Pop. — Tirei o relógio preto da caixa. — Que
demais. Obrigado.
— Obrigada, muito obrigada. — Bianca estava com a cabeça
baixa, seu cabelo emoldurava o rosto, mas pela voz trêmula tive
certeza de que estava prestes a chorar.
Falei um eu te amo sem som para Pop, e ele piscou para mim.
— Bi... — eu falei, na esperança de animá-la. Tudo aquilo era
sinistro demais para um domingo de manhã. Ela ergueu a cabeça,
mas o medo ainda estava ali à espreita. — Já acabou de comer?
Ela assentiu.
— Precisamos ir embora?
— Ainda não. — Levantei e levei o prato para a pia. — Quero te
mostrar uma coisa antes.
Ela piscou, e a expectativa substituiu o medo em seu
semblante. Carregou seu prato até a pia também.
— Ah, é? Vai ser divertido?
— Pode apostar que sim. — Agarrei sua mão e a arrastei para
fora da cozinha. — Ligue para o seu tio e depois te mostro.
Combinado?
— Combinado.
Descemos até o porão. Enquanto eu tomava banho, ela ligou
para o treinador. Quando saí, ela estava sentada na beirada da
cama com o celular entre as pernas. Dei um beijo em sua testa
antes de ir até a cômoda.
— Como foi a conversa? — Sem tirar a toalha, vesti uma cueca.
— Ele está zangado. Não comigo. Disse que vai ligar para o
investigador e para a polícia. Vou ter que falar com eles assim que
voltar.
— Você contou que está comigo? — Uma parte de mim já não
ligava mais se o treinador soubesse. O que ele poderia fazer? Me
deixar no banco de reservas no próximo campeonato? Bem, sim.
Ele poderia.
Mas Bianca balançou a cabeça.
— Não. Acho que já temos problemas o suficiente. Falei que
estava na casa de uma amiga da faculdade e que saímos da cidade
de manhã.
Mordi o lábio algumas vezes.
— Você podia ter falado a verdade.
— Não, a última coisa que quero é te trazer mais problemas.
Está tudo bem.
— Certo. — Coloquei uma calça jeans, uma camisa e joguei a
toalha no cesto. — Vamos voltar logo.
— Não queria voltar, mesmo sabendo que preciso — ela
suspirou. Odiava vê-la com os ombros caídos daquele jeito,
principalmente porque ela sempre estava com a postura altiva e
orgulhosa.
Peguei sua mão e a ajudei a se levantar.
— Ei, vai ficar tudo bem.
— Fico feliz que pense assim, mas não tenho certeza.
— Bem, pelo menos temos um tempinho para esquecer disso
tudo, não é?
Ela abriu um sorriso ao ouvir isso.
— Verdade.
Procurei um par de botas no guarda-roupas e pedi que Bianca
as calçasse. Pegamos casacos e subimos.
— Papai! Pop! Vamos dar uma volta — avisei aos dois, que
estavam na sala tomando café.
— Dirija com cuidado! — Pop gritou, e depois os ouvi
murmurando alguma coisa.
Comecei a andar em direção à porta, mas parei quando Bianca
me puxou.
— O carro está lá na frente — ela comentou.
Sorri para ela por cima do ombro.
— Não vamos de carro.
Só precisei dizer isso para que a empolgação iluminasse seu
rosto, e ela me seguisse até o lado de fora, ansiosa. Não deixei de
notar o quanto Bianca confiava em mim.
Tínhamos um barracão enorme nos fundos do terreno, bem
próximo ao limite do bosque. Pedi que Bianca esperasse do lado de
fora e então entrei. Logo depois, saí empurrando um quadriciclo por
uma pequena rampa até chegar aos cascalhos.
— Vamos andar nessa coisa? — ela falou e levou as mãos ao
peito enquanto encarava o veículo com olhos arregalados. Nem
esperou que eu respondesse, já foi pulando para dentro, se sentou
e acomodou os pés nos apoios.
Coloquei um capacete na sua cabeça e apertei o fecho no
queixo.
— Não se preocupe, não vou correr. Não vamos muito longe.
Bianca assentiu, sorrindo.
— Estou tão empolgada! — Seus olhos brilhavam, e eu estava
muito orgulho por ter a Bianca aventureira de volta. Ela pulava no
assento, esperando que eu colocasse o capacete. — Depressa, sua
lesma. Ou eu vou sem você — ela disse.
— E você sabe como dar partida nessa coisa?
Ela mordeu o lábio, analisando o painel.
— Tenho certeza de que consigo descobrir.
Bufei.
— Claro, Jason Bourne. — Passei a perna por cima do assento
e dei partida. — Se segure em mim — gritei mais alto que o barulho
do motor.
— Tudo bem — ela gritou em resposta enquanto abraçava
minha cintura.
Balancei a cabeça, rindo e então arrancamos. Ela deu um
gritinho no meu ouvido conforme acelerávamos na trilha:
— Mais rápido!
Mas eu a ignorei. Por mais que estivesse contente por Bianca
estar se divertindo, não seria muito legal se batêssemos em uma
árvore. Fazia tempo que não pilotava o quadriciclo, mas ainda
assim, fiz algumas curvas acentuadas, derrapando, gostando de
seus gritos empolgados e me sentindo encorajado. Bianca me
abraçou com mais força.
Chegamos em uma clareira, então freei, fazendo o quadriciclo
derrapar. Senti a respiração de Bianca em meu pescoço assim que
ela tirou o capacete e desceu.
— Ai, meu Deus! — Um enorme sorriso tomou seu rosto. Os
olhos cintilavam, e seu cabelo estava todo bagunçado. Ela deu
alguns passos e suas botas estavam grandes demais. — Foi tão
divertido! — Ela pulava e batia palmas como uma criança. — Quero
um desse!
— Você quer um quadriciclo?
— Sim!
— Certo, Bi. Que tal algo mais simples como um carrinho de
golfe? Você pode andar pelo campus com ele.
Ela cruzou os braços e fez beicinho.
— Carrinho de golfe é coisa de criança.
Revirei os olhos para provocá-la e coloquei os capacetes no
guidão. Então eu a abracei e a guiei por um caminho estreito.
— Vamos, Ayrton Senna.
Ela passou os braços pela minha cintura, e então caminhamos
pela trilha tomada de grama. Fiquei com medo de que ela
escorregasse em um tronco ou pedra com aquelas botas, mas tudo
correu bem. Minha preocupação devia ser aparente, porque Bianca
me olhou de relance.
— Já precisei desfilar em uma passarela de paralelepípedos
com um salto-agulha de dez centímetros. Isso aqui não é nada.
— Sério?
— Sim, e uma garota caiu e torceu o tornozelo.
— Me surpreende que não tenha sido algo pior.
— Pois é.
— Por que escolheu ser modelo?
Bianca ficou pensativa.
— Minha mãe me inscrevia em concursos de beleza quando eu
era criança. Nas Filipinas, chamamos de campeonatos de beleza, e
são muito populares. Foi em um deles que alguns caça-talentos me
notaram, e como meus pais nunca tiveram muito dinheiro, vimos
essa oportunidade como um meio para que eu conseguisse ser
alguém na vida. Por um bom tempo, eu amei ser modelo. Ganhei
muito bem e agora posso pagar a faculdade. Não trocaria essa
experiência por nada.
— Preciso te contar que o Pop também me inscrevia em
concursos de beleza quando eu era criança.
Bianca arregalou os olhos.
— Mentira.
— Não. Eu era uma criança muito fofa, com bochechas
gordinhas e olhos enormes. Ganhei o prêmio de criança mais
carismática algumas vezes.
Bianca riu, e o som ecoou pelas árvores.
— Acho que essa é a melhor história que já ouvi.
— Vamos fazer um concurso de beleza qualquer dia desses
para ver se ainda levo jeito.
— Combinado!
Caminhamos mais alguns minutos em silêncio enquanto Bianca
observava o bosque. Avistamos um riacho que corria na direção
oposta da qual estávamos indo. O som da água corrente preenchia
o ar e se misturava com nossos passos.
— Que paz. — Bianca respirou fundo. — Esse terreno é seu?
— Não. É um parque público. Há lugares para acampar,
caminhar, fazer trilha e esse tipo de coisa. Existem trilhas para
bicicleta também.
— Você vinha muito aqui quando era criança?
— Com certeza. O tempo todo. No ensino médio, eu e meus
amigos saíamos escondidos e vínhamos aqui para fumar e beber
uma coisa horrível que meu amigo Garret roubava da avó. — Dei
risada ao me lembrar da sensação. — Era terrível. Um destilado da
Escandinávia chamado Aquavit que, com certeza, nos deixou com
úlceras. Pensávamos que éramos os maiorais.
— Espere aí. O Lavin que corre uma maratona todos os dias
fumava?
— Fumei uma vez. Traguei com tanta força e tossi tanto que
vomitei. Nunca mais. — Olhei de relance para Bianca. — Não conte
para ninguém. Tenho uma reputação intimidadora a zelar.
Ela riu fechou um zíper imaginário na boca.
— Minha boca é um túmulo.
O barulho da água corrente estava mais próximo, e eu parei no
meu lugar predileto no mundo: uma cachoeira de seis metros de
altura se derramava e formava uma pequena piscina cercada por
pedras enormes. Guiei Bianca até a pedra que eu mais gostava.
Sentei e deixei as pernas penduradas na beirada, e Bianca fez a
mesma coisa. Nos encaixamos perfeitamente ali, mas como nunca
havia dividido aquele espaço com ninguém, era uma sensação
estranha. A vista era tão familiar que eu conseguia delinear cada
detalhe em minha mente, mas ainda era um pouco diferente com
Bianca ao meu lado. Tudo havia ficado mais nítido, mais barulhento
e mais radiante.
Ficamos em silêncio por um bom tempo. Pela primeira vez,
consegui não balbuciar coisas sem sentido como sempre fazia.
Bianca não me deixava mais nervoso. Talvez pelas coisas que me
disse naquela manhã, mas eu estava começando a nos enxergar
como iguais no relacionamento em vez de presumir que ela estava
descendo de seu pedestal para conversar comigo por algumas
semanas.
Ela estava sentada com os joelhos no peito e os braços ao
redor das canelas. Eu a abracei, e ela encostou a cabeça no meu
ombro, deixando escapar um suspiro satisfeito.
— Amo esse lugar — ela comentou.
Talvez, inconscientemente, eu a estivesse testando. Porque
assim que ela disse essas palavras, relaxei. Queria que ela amasse
aquele lugar, pois significava muito para mim.
— Sempre que eu tinha algum problema, vinha para cá.
— Com quem?
— Comigo mesmo. Com a cachoeira. Todas as decisões mais
importantes da minha vida foram tomadas aqui.
— Você tem alguma decisão importante para tomar agora?
— Não. — Deitei na pedra, apoiei a cabeça nas mãos e fiquei
encarando o céu. Bianca se acomodou ao meu lado e repousando a
mão embaixo da cabeça. — Já tomei minha decisão quanto a você.
Fui até a feira, não fui?
— Mas isso foi antes de as flores aparecerem na varanda.
— Isso não muda o fato de que eu quero ficar com você, Bi.
Ela ficou em silêncio por um tempo, apenas fazendo carinho na
pele sensível do meu bíceps. Me arrepiei quando ela tocou em um
ponto que me provocava cócegas, e ela sorriu.
— Você é um cara legal, Lavin Saint.
— Um cara legal? É o fim da linha então. Sempre pensei que os
mocinhos fossem os primeiros a morrer — provoquei, mas Bianca
ficou tensa e parou de me acariciar. Franzi a testa. — O que foi?
Não consegui decifrar sua expressão.
— Odeio a palavra “mocinho”. Mark, meu ex, era assim. Ele
dizia o tempo todo como era legal, e por isso eu tinha uma dívida
com ele. Tudo em nosso relacionamento era uma troca, a ponto de
me fazer desejar que ele não fizesse coisas boas para mim, pois
sabia que eu precisaria dar algo em troca.
— Mas o quê? Bi, como assim?
Ela afundou o rosto nas mãos e balançou a cabeça.
— Eu detesto falar sobre isso.
— Não precisa falar, mas é bizarro demais.
— Sei disso. Agora, mas naquela época... ele foi meu primeiro
em vários assuntos. Eu era ingênua e não tinha noção das coisas.
Às vezes, os caras legais são os piores, porque se escondem atrás
dessa gentileza e a usam como uma arma. Ou como moeda de
troca. São gentis, e temos que agir da mesma forma.
Fiquei olhando para ela, pois estava sem palavras pela primeira
vez na vida. Talvez eu fosse o ingênuo, mas nunca imaginei que as
mulheres tinham que lidar com aquele tipo de situação. Fiquei
paranoico.
— Eu já... agi assim alguma vez com você?
Bianca reagiu de forma inesperada, rolando de costas e rindo.
— Você sabe a resposta, Lavin.
— Talvez, mas queria ter certeza.
Ela pegou na minha mão.
— Nunca, e é por isso que gosto tanto da sua companhia. Você
é sincero demais, o cara mais verdadeiro que já conheci. Não
esconde quem é, e eu amo tudo em você.
Tive dificuldade de respirar com meu coração disparado no
peito. Então... meu Deus... então se apaixonar era assim? Porque
eu me sentia como se estivesse pulando de um penhasco. Engoli
em seco e respondi com a voz rouca:
— Gosto de tudo em você também.
Bianca abriu um sorriso radiante, e meu lugar favorito se
iluminou ainda mais.
Ela deitou a cabeça no meu peito, e eu deslizei os dedos pelas
pontas de seu cabelo enquanto escutávamos o barulho relaxante da
água. Droga, lá estava eu, usando palavras como relaxante. Deus,
aquela garota estava me transformando em um bobo. Sorri para o
céu, pois estava em paz com isso.
— Queria que pudéssemos ficar aqui para sempre — ela
comentou, tranquila.
Bocejei. Apesar da brisa fresca, eu estava bem aquecido com o
sol em meu rosto e o corpo de Bianca colado ao meu.
— Eu também queria, mas preciso voltar para o treino. Seu tio
nos deu o final de semana de folga, mas o campeonato já é no
próximo sábado.
Ela se sentou de repente, parecendo horrorizada.
— Caramba, sou uma egoísta mesmo.
Eu me apoiei nas mãos.
— Como assim? Você pode parar de falar isso?
Ela levou o dedo até a boca, roendo a unha.
— Porque você está perdendo seu tempo se preocupando
comigo quando deveria estar concentrado no jogo. — Bianca franziu
as sobrancelhas como se estivesse zangada consigo mesma. —
Mas que droga.
— Bi, se acalme — respondi.
— Mas o futebol...
— Amo o futebol. — Peguei uma pedra que estava cutucando a
palma da minha mão e a lancei para a água. — Mas não vou ser
profissional. Não sou bom o bastante e, mesmo que fosse, não é o
que quero fazer da vida. Jogo pela faculdade porque posso, porque
amo o esporte e o time. — Dei de ombros. — Mas não é minha vida
ou meu futuro. Não posso beijar o futebol, nem me casar com ele, e
com certeza ele não me masturba em rodas-gigantes. — Abri um
sorriso largo para ela.
Bianca jogou a cabeça para trás ao gargalhar e olhou para o
céu. Em algum lugar atrás de nós, um bicho escalou uma árvore ao
ouvi-la rir. Bianca secou os olhos.
— É incrível, você sempre sabe o que dizer para me fazer rir
e... esquecer de tudo. As preocupações, os medos. Tudo.
Eu a alcancei e a puxei de volta para meu peito. Nos deitamos
na pedra mais uma vez, com as pernas ainda penduradas. Ficamos
assim, um momento de tranquilidade perfeito, até que fomos
obrigados a nos levantar e encarar a realidade que não queríamos.
Quinze
SENDO BEM SINCERO, A SEMANA foi péssima. Depois de
deixar Bianca em casa (a uma distância segura para que o treinador
não me visse), ela esteve trancafiada, com patrulhas policiais vinte e
quatro horas por dia ao redor da residência. Trocamos mensagens,
falamos por videochamada, mas não era a mesma coisa. Queria
abraçá-la, beijá-la... caramba, sentir seu cheiro. Como eu era
esquisito.
Mergulhei de cabeça nos treinos e nas aulas. Precisava estar
focado, já que o campeonato era no sábado. Era visível que o
treinador estava com a cabeça no mundo da lua por causa do que
estava acontecendo com Bianca. Estava mais irritadiço que o
normal, o que significava tortura para nós. Nunca corri tanto durante
os treinos.
Na sexta-feira, tivemos a impressão de que ele estava com
pena da gente, então o treino foi mais curto. Ou talvez tivesse
entendido que se nos matasse antes da partida não ganharia
medalha nenhuma.
— Saint! — ele gritou enquanto eu tirava as chuteiras e jogava
água na boca direto da garrafa. — Preciso falar com você.
Alonguei as panturrilhas, e Dre deu tapas em minhas costas.
Pude ver o suor escorrendo de seu queixo.
— Te vejo em casa? Vamos nos empanturrar de carboidratos
do Moretti.
Ah, sim. Espaguete com almôndegas. Já conseguia até sentir o
gosto.
— Peça o de sempre para mim.
— Pode deixar. Boa sorte com o treinador.
— Obrigado — murmurei.
Calcei meus chinelos Adidas e fui a passos lentos até o
treinador, que estava franzindo a testa ao olhar para o caderno
surrado. Ele agia como se escrevesse jogadas e coisas assim ali,
mas eu tinha certeza de que eram apenas páginas e mais páginas
preenchidas com maneiras de nos matar nos treinos.
— Me chamou, treinador?
Ele me olhou de relance e, por um instante, pude ver o peso do
mundo em seus ombros. A típica cara feia desapareceu e deu lugar
à exaustão. Parecia descontente e tinha olheiras bem fundas.
Descobrir que ele tinha uma namorada me fez vê-lo como um ser
humano. Além disso, Bianca comentou que ele estava muito
preocupado com ela. Pensei que ele fosse disfarçar e começar a me
olhar feio e gritar, mas em vez disso. ele se sentou no banco e deu
palmadas no espaço ao seu lado.
— Sente-se.
Sentei devagar, pois uma parte de mim desconfiava que tudo
aquilo era um plano para me pegar desprevenido e me enforcar.
Mas, não. Em vez disso, o treinador suspirou e fechou os olhos
rapidamente antes de abri-los e fixá-los no campo à frente.
— Como você está se sentindo com relação ao jogo de
amanhã?
— Hã, bem.
— E com a nova posição?
— Estou mais à vontade, com certeza. Castle e eu nos
comunicamos bem.
Ele cruzou os braços e assentiu.
— Você precisa manipular os adversários, confundi-los e tirá-los
de suas posições. Quando você e o Castle ganham campo, são
mortais.
Quase caí do banco. Ele... acabou de me elogiar? Era o
escândalo do século. Limpei a garganta.
— Sim, treinador.
Ele não respondeu, mas também não me dispensou, então
fiquei sentado ali, bebendo água e olhando para o nada. O que ele
disse em seguida me fez quase cair do banco de verdade.
— Sei que você e a Bianca estão se encontrando.
Consegui evitar a queda e me arrastei de volta para o banco.
— Hã...
Ele acenou com a mão.
— Relaxe, Saint. Não vou te matar.
— Isso é ótimo, mas não exclui mutilação — murmurei.
Ele riu. De verdade, coisa que não pensei que fosse capaz de
fazer. Sua risada estava um tanto enferrujada e acabou em uma
tossida, mas ainda assim era uma risada.
— Bem que ela disse que você era engraçado. — Esfreguei as
mãos e me mantive em silêncio. — Também não vou te mutilar.
— Legal. — Respirei aliviado.
— Mas você precisa ser racional. Ela é modelo, e o trabalho
dela é em Nova York. Quando o perseguidor for pego, ela vai voltar.
Minha cabeça girou, e minha voz vacilou quando eu disse:
— Mas ela me disse que não queria mais ser modelo.
— É o que ela diz agora, mas quando o perigo passar, vai
perceber que lá é seu lugar. Sempre esteve destinada a coisas
melhores. — Ele virou a cabeça e me encarou com aqueles olhos
escuros como se fossem lasers. — Você entendeu.
Não era uma pergunta, nem mesmo uma afirmação. Era uma
ameaça: Não atrapalhe a vida de Bianca. Senti os pulmões arderem
e cerrei os punhos com tanta força que as unhas cravaram em
minhas palmas. Só consegui assentir.
Ele bateu com as mãos no banco, e o barulho me fez saltar.
— Bom falar com você. Te vejo amanhã. — E saiu andando.
Por um bom tempo, mantive os olhos fixos nele até que o sol
começou a se pôr. Tive certeza de que a comida que Dre pediu para
mim já havia esfriado.
Eu assenti. Apenas... deixei que o treinador desse a última
palavra. Deixei que ditasse como seria meu futuro com Bianca. E o
pior de tudo era não saber se eu era um covarde por não lutar por
ela ou se estava sendo altruísta ao concordar que Bianca merecia
coisas melhores que eu.

***

O jogo foi horrível.


O cara que me marcava era um Hulk, e eu estava pronto para
arrancar sua cabeça se continuasse me empurrando quando o
árbitro não estava olhando.
Os gritos ecoando das laterais eram apenas um burburinho, a
não ser que viessem do treinador, do Papai ou do Pop. E este sabia
que eu estava prestes a explodir, porque continuava berrando:
— Tenha calma, Lavin!
Tenha calma. Iria manter a calma e degolar o Hulk se ele não
parasse de encostar em mim. O desgraçado havia até zombado de
meu último lance, que foi ruim.
— Pode vir, seu babaca — ele disse assim que Dre pegou a
bola de um chute errado e a lançou em minha direção com um
arremesso violento.
O Hulk era grande, mas não era ágil, o que era meu ponto forte.
Entrei na frente dele, ajeitei a bola nos pés e o bloqueei enquanto
ele grudava nas minhas costas. Estava se esforçando para impedir
que eu me desvencilhasse e corresse pelo campo.
Escutei Shane gritar atrás de mim.
— Saint!
Era uma jogada que praticávamos, e se o Hulk entrasse na
minha, poderia funcionar. Até então, tinha entrado. Respirei fundo,
berrei “Castle!” e chutei a bola com o calcanhar. Girei o corpo e abri
um sorriso quando a bola deslizou pela grama por entre as pernas
do Hulk.
E lá estava Shane, onde deveria. Ele deu um toque rápido para
mudar a direção e correu direto para o meio do campo. Passei
correndo pelo Hulk e acelerei pela lateral direita, sempre mantendo
um olho no último zagueiro para não sofrer impedimento.
Não precisei falar nada, porque Shane sabia que eu estaria
posicionado. Assim que o último zagueiro correu atrás da bola,
Shane a chutou para mim, com a precisão de sempre. Conseguia
ouvir os passos de Hulk vindo em minha direção. Parei a bola com a
lateral interna do pé direito e a chutei para frente, correndo com
passadas mais largas. Eu era mais veloz do que Hulk, mas talvez
ficasse no mesmo nível quando precisei fazer um drible.
Shane estava correndo. Lancei a bola na grande área, e Manny,
que estava na ala oposta, disparou até ela, girou o pescoço e a
arremessou no canto superior esquerdo do gol com a cabeça.
A torcida vibrou, Hulk me xingou de babaca mais uma vez e eu
comemorei com Manny e Shane.
— Você precisa fazer um gol — Shane disse enquanto
voltávamos juntos ao meio do campo.
Balancei a cabeça.
— Sou melhor nas assistências. Você e o Manny podem ficar
com toda a glória.
Ele revirou os olhos e voltamos às nossas posições.

***

Adivinhem? Não fiz nenhum gol. Tentei algumas vezes, mas era
como se meu corpo não quisesse. Ou a bola passava por cima da
trave, ou caia direto nas mãos do goleiro. Não era meu destino ter o
nome na súmula.
No fim, vencemos por quatro a dois. Dre estava enfurecido por
ter tomado dois gols, mas ele sempre ficava assim quando isso
acontecia. Ele se isolava depois de todos os jogos. As expectativas
altas do treinador em relação ao time não eram nada em
comparação à pressão que Dre colocava sobre si mesmo.
— Pepe — Pop disse enquanto andávamos abraçados em
direção ao Pizzaz —, estou orgulhoso de você. Estava ótimo em
campo.
— Obrigado por estarem lá — respondi para ele e Papai.
— Até parece que perderíamos o campeonato — Papai brincou,
olhando para o bufê self-service de pizza como se fosse um
banquete de venenos. — Eu poderia não comer aqui. Não entendo
por que o Angelo gosta tanto desse lugar.
— É barato — Shane grunhiu, passando por nós para se servir.
Os pais de Dre e os de Zac também estavam lá. Por isso,
pegamos a mesma mesa. Shane se juntou a nós, mas ele não
falava muito sobre os pais. Eu sabia que o pai era ausente e só vi
sua mãe uma vez quando ela apareceu em nosso banquete anual
de fim de temporada.
Uma vez, alguém perguntou por que ela não ia aos jogos, e
isso fez Shane se fechar mais rápido que um piscar de olhos. Então
não perguntávamos nada quando ele ia para casa. Sempre
dávamos a entender que ele poderia passar os feriados conosco, e
mais de uma vez ele aceitou o convite para o Dia de Ação de
Graças na minha casa. Claro, passou a maior parte do tempo
paquerando meus pais.
— Algum plano para hoje à noite? — Papai perguntou, tomando
um gole de água e comendo vegetais crus. Ele pediu ao gerente um
pouco de recheio de pizza, e foi assim que conseguiu alguns
cogumelos, brócolis, espinafre e tomates.
— Tem uma festa de Halloween — respondi, colocando comida
na boca.
Papai se inclinou em minha direção.
— Não se esqueça do relógio.
— Pode deixar.
— Como a Bianca está?
Cutuquei a borda da pizza.
— Praticamente trancada dentro de casa. Aposto que está
enlouquecendo.
O olhar de Papai era de pena e tristeza.
— Logo, logo isso tudo vai acabar.
Quem me dera.
Dezesseis
FESTAS DE HALLOWEEN EM UNIVERSIDADES eram apenas
uma desculpa para vestir pouca roupa. E isso não servia apenas
para as garotas, mas para os caras também. Já vi muita gente
querendo ser o Khal Drogo, o que me fez desenvolver uma aversão
saudável a Game of Thrones.
Dre estava fantasiado de Michael B. Jordan no filme Creed:
nascido para lutar. Ele vestia sapatos e calção de lutador de boxe,
mas sem as luvas, porque ele dizia que precisava dos dedos livres
para peitos e bundas. Sério mesmo. E eu fui o azarado escolhido
para passar óleo em suas costas porque ele precisava “ser
autêntico e parecer suado”. Nojento. Mas Dre era mesmo muito
parecido com Michael B. Jordan (de acordo com Bianca, que disse
que ambos tinham o mesmo, e aqui cito, “sorriso de deixar a
calcinha molhada”). Apostamos quanto tempo levaria para que
alguma garota estivesse se oferecendo para tirar aquele calção.
Zac se fantasiou de surfista mordido por tubarão, o que
significava usar shorts de tactel, chinelo de dedo e sangue falso
respingado na coxa. E Shane... bem, o filho da mãe estava usando
um macacão de luta greco-romana que não deixava espaço para a
imaginação. Aliás, era um pouco curvado para a esquerda. Planejei
beber bastante para me esquecer desse detalhe.
Saímos e fomos direto para a república do futebol, onde seis
dos jogadores veteranos do time moravam. Eles não davam muitas
festas, mas a de Halloween era lendária, principalmente por causa
do Vince. Era um dos zagueiros e ostentava um bico de viúva, que é
quando a linha do cabelo forma um “v” na testa. Seu cabelo era
preto e tinha dentes compridos e esquisitos. Ele parecia o Drácula
em dias comuns. No Halloween, o cara tirava o maior proveito disso.
Me fantasiei de Clark Kent, o que era bem fácil. Só precisava
vestir um blazer e camisa desabotoada, com uma camiseta do
Superman bem colada por baixo. Encontrei um óculos de armação
preta na farmácia e tirei as lentes para que pudesse enxergar. Até
que estava bonitão, mas também estava completamente vestido,
porque tinha dignidade. Na verdade, só estava com preguiça e
sentia saudades de Bianca. Além disso, estávamos na Pensilvânia
em outubro, e eu não queria congelar quando precisasse fazer xixi.
Detestava o fato de que Bianca não poderia ir, e eu sabia que
ela estava inconsolável. Festa de Halloween na universidade era
uma aventura que ela amaria, mas não era seguro naquele
momento. Prometi que tudo se resolveria para que, no próximo ano,
conseguíssemos comemorar a data da maneira correta, mas isso só
a tranquilizou um pouco.
Minha respiração formava fumaça no ar enquanto
caminhávamos até a festa.
— Estão vendo? — eu disse quando notei Zac esfregando os
braços para espantar o frio. — O esperto sou eu. Estou usando
roupas como uma pessoa normal enquanto vocês estão aí, com as
bolas congeladas.
— Sim, mas somos nós quem vamos nos dar bem, porque você
está parecendo um professor — Dre retrucou.
Estreitei os olhos para ele.
— Eu poderia me dar muito bem se deixasse vocês e me
encontrasse com a Bi.
Alguma coisa me atingiu nas costas, e eu tentei me soltar,
pronto para lutar (com Dre, provavelmente), até que percebi que os
braços ao meu redor eram grandes e peludos.
— Mas o que...? — Eu me virei e dei de cara com uma Hello
Kitty gigantesca me encarando. — Hã...
A pessoa levantou as mãos peludas e ergueu, por um breve
segundo, a cabeça enorme para que eu pudesse ter um vislumbre
do pescoço magro, sorriso e nariz familiares.
Pisquei para os olhos enormes de redinha.
— Bi? Como assim?
Suas mãos caírem na lateral do corpo e ela ficou se balançando
nas patas grandes e brancas.
— Agora posso ir à festa! — Sua voz estava abafada. —
Ninguém vai me reconhecer. Não sou um gênio?
Meu Deus, ela estava eufórica. E ainda por cima pensava que
era uma boa ideia.
— Não, não é — respondi. — Não é seguro. A polícia sabe que
você está aqui?
Ela se esquivou da pergunta.
— Bem, eu acho que é uma ótima ideia. Eu não queria ficar
trancada em casa enquanto vocês se divertem. Estou com MPCL
real, e não estou gostando. — Seu tom transbordava teimosia.
— MPCL? — Zac indagou.
— Medo de perder coisas legais — Bianca e eu respondemos
juntos.
— Escute, não vou a essa festa e vou ficar com você. — Já
havia oferecido inúmeras vezes, mas a resposta era sempre a
mesma. E dessa vez, não mudou.
— Nada disso — ela respondeu e me deu um tapa no peito com
a mão peluda. — Você não vai perder a festa só para ficar em casa
comigo. É burrice.
— Mas...
— Eu vou, Lavin. Com ou sem você. — Bianca cruzou os
braços, e eu ri, porque ela estava ridícula.
Shane pegou o celular e tirou uma foto nossa.
— O que foi isso?
— Você está discutindo com a Hello Kitty. — ele deu de ombros
e sorriu. — É hilário.
Grunhi para ele e comecei a andar. Bianca arrastava os pés
atrás de mim. Os rapazes nos seguiram enquanto eu bufava em
silêncio.
— Tive tantas ideias legais de fantasias que não posso usar
agora — Bianca dizia. — Cleópatra, ou talvez uma enfermeira sexy.
— Enfermeira sexy? — Shane perguntou.
— É bem comum — ela respondeu, e ninguém discordou. —
Mas Hello Kitty é melhor que nada. — Ela me cutucou com o ombro.
— Você está uma gracinha.
— Gracinha? Era para eu ser um super-herói sexy.
— Você está de meia-calça por baixo? — Seu tom era bem
sugestivo.
— Não. Você acha que tenho meias-calças?
— Você tem esmalte.
Suspirei, e os caras riram. Por mais que quisesse Bianca
conosco, estava nervoso. Ela não deveria sair de casa, ainda mais
em uma noite daquelas, quando tudo poderia virar um caos. Havia
muitas pessoas fantasiadas, o que facilitava para um estranho se
aproximar sem que percebêssemos. Merda. Mas eu não ia dizer
para ela voltar para casa.
— Você está com seu relógio?
— Sim, e você? — Dobrei a manga da camisa para mostrar o
meu. A cabeça da Hello Kitty balançou. — Você está bravo comigo?
— Não, não estou. Quero você aqui, mas também estou
preocupado.
— Eu sei — ela disse em um tom mais gentil. — Mas estava
ficando claustrofóbica.
Logo avistamos a casa, um sobrado estilo campestre que ficava
perto do bairro das repúblicas. O lugar estava iluminado por luzes
alaranjadas, e um esqueleto bem estranho dava uma risada
horripilante na varanda. Lápides falsas decoravam o jardim, e
morcegos de plásticos e membros humanos ensanguentados
estavam pendurados nas árvores.
— O Vince mergulha de cabeça no Halloween — Zac
murmurou quando uma cabeça de palhaço surgiu do chão e gralhou
para nós.
Bianca estava amando tudo. Eu não esperava outra reação. Ela
bateu a mão peluda em um pé de plástico ensanguentado que
pendia de um arbusto ao lado da casa. Também fez carinho na
cabeça do palhaço, como se fosse um bicho de estimação.
A festa já havia começado, mesmo que ainda fossem nove da
noite. Vince colocou uma fileira de shots no balcão, no canto do bar
decorado com tampinhas de garrafa de cerveja. Carson também
estava lá, mancando de um lado para o outro por causa dos
ligamentos rompidos. Assim como Dre, ele era bem popular entre as
garotas, fato evidenciado pelas três fantasiadas de enfermeira ao
redor dele. Eu as reconheci. Aquelas garotas viviam atrás dele. Não
pude deixar de perceber os olhares mortais que trocavam entre si.
Dei uma cotovelada em Shane.
— Olhe só, o Grandy e suas enfermeiras.
Shane bufou, falando mais alto e em tom mais agudo:
— Ah, Carson, eu sou o remédio de que você precisa.
Havia gente seminua por todos os cantos. Peitos, bundas...
caramba, vi até alguns mamilos. Halloween bizarro. No ano anterior,
eu estava no paraíso, mas, esse agora estava na merda, porque a
única pele que queria ver estava coberta por uma fantasia de Hello
Kitty.
— Lavin! — O grito agudo fez meu estômago se contorcer.
Shane arregalou os olhos e se virou para a Hello Kitty assim que um
corpo seminu disparou através das pessoas em minha direção.
Hayley, a melhor amiga da irmã caçula de Vince, esbarrou em
mim, envolvendo os braços na minha cintura enquanto eu
permanecia imóvel.
— Senti saudades! — Ela deu um sorriso radiante.
Foi então que consegui notar sua fantasia. Ou falta dela. Era
um biquíni listrado em preto e branco, como o de uma Barbie antiga,
acompanhado do cabelo loiro preso em um rabo de cavalo muito
alto e bastante delineador nos olhos. Ela era bonita. No semestre
passado, quando ela estava aqui, a gente se pegou. Se seu olhar
era algum indício, diria que Hayley tinha esperança de uma reprise.
Puta merda. Eu estava bastante ciente do braço peludo da Hello
Kitty ao meu lado, roçando a manga do meu blazer.
Não queria magoar Hayley. Ela era uma garota bacana, mas
seus olhos já estavam turvos por conta do famoso jungle juice de
Vince. Sem saber direito o que fazer, eu a afastei e dei palmadinhas
em sua cabeça. Isso mesmo. Foi esquisito. Shane balançou a
cabeça e revirou os olhos.
— Oi, Hayley.
Olhei para Bianca com o canto do olho, mas a porcaria da
fantasia me impedia de ver sua reação. Droga. Eu não saia muito,
então as chances de esbarrar em alguma garota que peguei eram
escassas. Hayley estudava em faculdade particular em outro
estado, mas ali estava ela, e eu não podia abraçar minha garota
para deixar claro que estava comprometido. Fiquei me perguntando
como me sentiria se fosse o contrário, se eu estivesse fantasiado de
Hello Kitty, vendo um cara se agarrando à Bianca. Minha vontade
seria de destruir qualquer coisa.
Hayley se aproximou e deslizou as mãos no meu peito.
— Superman. Gostei.
— Na verdade, sou o Clark Kent.
Ela piscou para mim.
— Hã?
Caramba, sentia seus seios me tocarem e podia ver os mamilos
através do tecido fino do biquíni. Mas não estava excitado. Estava
aterrorizado.
— Deixa pra lá. Escute... foi muito bom te reencontrar, gostei da
fantasia. Mas estou saindo com uma pessoa. Ela não pôde vir, mas
vou me comportar hoje.
Torcia para que minha resposta atravessasse a embriaguez de
jungle juice. Hayley contorceu o rosto e, por um momento terrível,
pensei que fosse chorar. Mas então se endireitou e disse:
— Tudo bem. Quem perde é você.
E então ela saiu saltitando como um coelhinho em seu salto-
alto preto.
Expirei e me atrevi a olhar para a Hello Kitty, que não havia
movido um músculo. Shane me deu tapas nas costas.
— Se saiu bem, Saint.
Dre mostrou que também aprovava ao levantar o queixo para
mim, e Zac murmurou “Maravilha, obrigado”, se esgueirando pela
multidão atrás da Barbie. Certo. Podem me chamar de cupido.
Passei os próximos dez minutos conversando com o pessoal do
time e apresentando a Hello Kitty como um amigo do ensino médio.
Honestamente? Era péssimo. Teria amado exibir Bianca em meus
braços? Porra, sim. Mas odiava ainda mais saber que ela não
estava se divertindo. Não podia conversar, beber ou dançar. Estava
presa naquela fantasia ridícula como uma mera observadora muda.
Quando ficamos sozinhos, ela agarrou meu braço com a pata
peluda e me puxou por um corredor.
— Aonde você está indo, Saint? — Ouvi alguém perguntar atrás
de nós.
— Banheiro! Ele precisa de ajuda com a fantasia.
Sumimos de vista e entramos em um quarto. Quando me virei,
depois de fechar e trancar a porta, Bianca já havia tirado a cabeça
da fantasia. Ela se se jogou em mim e sua boca estava quente e
ávida sobre a minha. Agarrei seu rosto e a guiei até esbarrarmos em
uma cama.
Eu me afastei para tomar fôlego e tirei seus cabelos da testa.
— Não estou reclamando, mas o que exatamente eu fiz para
merecer isso? Preciso saber para poder fazer de novo. Tipo, todos
os dias.
Bianca deu uma risada rouca.
— Então... A Barbie?
Pressionei os lábios ao pensar que aquela conversa acabaria
mal.
— O que tem ela?
— Suponho que vocês...
— No semestre passado.
— Bem, esse beijo foi por você dizer que tinha namorada e por
fazer isso de uma forma que não a deixou constrangida. Você não
foi um babaca, e eu gostei. — Ela mordeu o lábio. — Quero dizer,
claro que tive vontade de arrancar os braços dela e usá-los para
atacá-la quando te abraçou, mas meu lado racional sabe que isso
não é legal. E odeio quando os caras agem como babacas de
propósito.
— Fico contente que por ter conseguido contornar a situação e
te deixar feliz. — Ela é a melhor amiga da irmã caçula do Dracula.
Nunca seria babaca com ela, ou o Vince me castraria.
Ela me apalpou por cima da calça.
— Seu equipamento está ótimo onde está.
Eu me desvencilhei de seu toque.
— Bi, por favor, não faça isso agora. Não posso sair daqui e
deixar todo mundo pensar que a Hello Kitty me deixa de pau duro.
Ela riu alto e se afastou de mim.
— Ei — eu disse. — Tem certeza de que está tudo bem? Me
sinto mal por você não estar aproveitando a festa.
Bianca suspirou, mexendo os pés peludos.
— Não, não está tudo bem, mas prefiro estar aqui com você a
estar em casa. É divertido te ver com seus colegas do time, e você
sabe que adoro os caras que moram com você.
— Você viu o Zac correr atrás da Barbie?
Ela colocou as mãos na cabeça e seus olhos cintilavam.
— Vi. Espero que ele consiga. Ela é bonitinha. Você tem bom
gosto, Lavin. — Ela me deu um soco no braço, e eu a ataquei,
tentando fazer cócegas, mas a porcaria da fantasia não me deixava
muito espaço.
Bianca me empurrou, rindo. Estávamos deitados e ofegantes.
Peguei sua mão por cima da fantasia.
— Ano que vem — comecei —, vamos planejar nossas
fantasias com antecedência e festejar o Halloween como deve ser.
Juntos. O que me diz?
Virei a cabeça para encará-la e quase derreti quando vi o
sorriso em seu rosto.
— Digo que está perfeito para mim — ela sussurrou.

***

Duas horas mais tarde, tomei os últimos goles de cerveja e


joguei o copo em um lixo que já transbordava. Não perdi tempo
olhando para o banheiro, pois já sabia que haveria uma fila enorme
de garotas para usá-lo.
— Preciso fazer xixi — falei para os olhos da Hello Kitty. — Vou
lá fora. Você vai ficar bem aqui? — Ela assentiu, e a mão peluda
apertou a minha. Dei um sorriso antes de seguir para os fundos.
Encontrei Dre pelo caminho e gesticulei em direção a Bianca. Ele
assentiu e foi até ela, deixando uma garota espantada para trás. Ele
era um bom amigo.
Empurrei a porta e perdi um pouco o equilíbrio ao descer a
escada. Droga. Beer pong sempre me fazia beber mais do que eu
queria, e talvez este fosse o objetivo de todo o jogo: se esquecer de
que estava bebendo cerveja quente e barata.
Um casal estava encostado no muro da casa, se beijando. Fiz
uma cara de nojo ao ouvir os gemidos embriagados. Outras
pessoas estavam ali conversando, mas não eram muitas. Mais
tarde, quando mais gente estivesse bêbada o suficiente para não
sentir frio, o quintal ficaria lotado. Mesmo ás onze da noite, ainda
estava cedo para isso.
Segui para o quintal, onde alguns arbustos não aparados
haviam subido pela cerca de arame farpado. Abri o zíper e respirei
aliviado ao esvaziar a bexiga cheia. Quando fechei a calça e me
virei, pronto para voltar para dentro da casa, ouvi alguém uma voz
feminina murmurando algumas palavras e fungando.
Paralisei, e ouvi de novo. Droga, havia alguma garota chorando
por ali. Segui o barulho, passando pelo portão da cerca que levava a
um terreno menor. A única luz vinha de uma lâmpada fraca e
alaranjada pendurada na garagem do vizinho, mas consegui
distinguir a silhueta de uma garota agachada no chão, perto da
divisa entre o terreno e a casa vizinha.
— Ei, você está bem? — perguntei, andando até ela e
mantendo as mãos à vista para que não se sentisse ameaçada.
Tentei andar em linha reta o máximo que pude, o frio me
deixando mais sóbrio. Quando me aproximei, percebi que a garota
estava agachada sobre um ralo de esgoto. Sua maquiagem estava
borrada, e lágrimas escorriam por seu rosto. Ela se levantou e
limpou o nariz com a manga da fantasia de pirata sexy.
— Derrubei as chaves nessa porcaria de ralo.
Olhei ao redor.
— O que você está fazendo aqui fora?
Ela fungou.
— Estava indo para casa.
— No escuro? Sozinha?
A garota deu de ombros e se endireitou.
— Sei me cuidar.
Não respondi. Acendi a lanterna do celular e olhei dentro do
ralo. Consegui ter só um vislumbre de um chaveiro.
— Vá até lá dentro e pergunte se alguém têm um cabide. —
Talvez a gente consiga pegar suas chaves.
Ela arregalou os olhos.
— Ah, não pensei nisso. — Ela começou a andar, mas perdeu o
equilíbrio. Olhou para mim e disse: — Estou... hã... bem.
— Claro que está. Só me traga um cabide.
Ela saiu aos tropeços e passou pelo portão na cerca. Mantive a
lanterna acesa para enxergar.
Um minuto depois, ouvi passos nos cascalhos.
— Que rápida.
Olhei para cima, mas a pessoa que se aproximava não era a
pirata sexy. Era alguém forte, e assim que abri a boca para
perguntar quem era, levei um soco no maxilar. Tentei me manter
consciente enquanto um rosto oscilava em meu campo de visão,
porém os contornos estavam borrados e escuros, e essa escuridão
se espalhou até que tudo virasse um breu.
Dezessete
EU RECOBRAVA A CONSCIÊNCIA em intervalos de tempo. O
som de pneus derrapando. Uma janela de carro. O clique de uma
fechadura.
Quando finalmente abri os olhos e consegui manter a
consciência por mais tempo, só consegui ver uma parede de tijolos
amarelados e sujos cujo rejunte estava cinza de tanto mofo. A dor
me atingiu segundos depois, e precisei morder a língua para não
emitir qualquer som. Eu estava em um banheiro minúsculo e minhas
mãos estavam amarradas por abraçadeiras de plástico a um cano
embaixo da pia. Sentia o chão gelado e úmido, e um cheiro terrível
de urina e mofo. Era nojento pra caramba.
Lembrei do soco que levei no terreno de cascalhos. Filho da
mãe. Mexi o maxilar, tentando não pensar na dor de cabeça que
sentia. Tinha certeza de que tinha outra concussão. Droga, mais
algumas e eu teria que doar meu cérebro para pesquisas científicas.
Merda. Serpa que Bianca está bem? Mais alguém se machucou? E
onde é que eu estava? Olhei para meu pulso, e meu relógio havia
desaparecido. Droga, droga, droga. Ainda estava de camiseta, calça
e sapatos, mas o blazer também sumiu.
Ouvi vozes através da porta de compensado do banheiro, então
me concentrei para prestar atenção.
— ...fazer? Você acha mesmo que ela se importa com ele a
ponto de pagar tanto? — uma voz masculina perguntou, grave e
rouca.
— Não, precisamos dela — outro homem respondeu, mas sua
voz não era tão grave. — Precisa ser ela.
— Mentira. Então por que você me disse para pegá-lo?
— Para chegarmos até ela! Vi o jeito que aquela vagabunda se
esfrega nele.
Eu me encolhi. Devia ser o perseguidor de Bianca, e ele parecia
ser maluco. Mas dinheiro? De que dinheiro falavam? Ela nunca
disse nada sobre isso.
— Não estou nem aí para aquela garota. Quero a grana! —
Houve uma pausa. — Você não quer?
— É óbvio que eu quero a grana. — O homem com a voz
aguda bufou enquanto tomava fôlego.
Meu corpo inteiro doía. Não queria entrar em pânico, mas
estava respirando com dificuldade e a visão estava turva. Fechei os
olhos e comecei a contar para tentar me acalmar. Nunca pensei que
as técnicas de respiração de Papai seriam úteis, mas lá estava eu.
Se houvesse um difusor com óleos essenciais, estaria perfeito.
Pensar em meus pais abriu um buraco em meu estômago. Eles
ficariam extremamente preocupados. Pop entraria em modo de
batalha, e Bianca... se culparia.
Certo, tinha que manter a calma. Prós: estava vivo, e eles não
haviam capturado Bianca. Contras: estava amarrado a uma pia de
banheiro na companhia de dois psicopatas.
Expirei devagar e mexi todos os dedos dos pés e das mãos
para ter certeza de que ainda funcionavam. Tudo certo. Tentei focar
em algum plano em meio a toda aquela dor, mas era difícil. As
abraçadeiras cortavam meu pulso, e podia sentir o cheiro metálico
de sangue. Mas que droga. Isso era ruim. Muito ruim. Talvez eu
devesse ter passado menos tempo pensando em quais armas usar
em um apocalipse zumbi e mais em como sair de situações da vida
real. Se conseguisse escapar daquela, estava resolvido: menos The
Walking Dead e mais documentários sobre crimes verídicos.
Ouvi passos se aproximando do banheiro, e fiquei tenso
quando a porta se abriu. Uma silhueta enorme surgiu, e então o
homem anunciou com voz grave:
— O merdinha acordou.
Antes de mais nada, eu não era nada “inha”. Tinha um metro e
oitenta e era bem esbelto, então vá se danar. Pisquei para as luzes
brilhantes do banheiro e para aquele homem forte que pairava sobre
mim. Forte demais. Era enorme mesmo. Parecia o lutador Brock
Lesnar. O sujeito era branco, careca e tinha muitas rugas ao redor
dos olhos fundos. Suas sobrancelhas quase se fundiam e o rosto
era marcado por cicatrizes de acne. Então entendi por que me
chamou de merdinha. Para ele, eu era um anão.
Ele franziu a testa e me olhou como se eu fosse um nada.
Então apontou o dedo gorducho e gritou por cima dos ombros:
— Isso foi um erro!
Olhei para além dele, na tentativa de descobrir onde estava. O
lugar parecia um quarto de hotel barato. A TV era muito antiga, e a
cama estava muito desgastada. Tremi.
Perto da beirada da cama, coberta por um lençol sujo, havia um
homem mais baixo apertando as mãos. Seu rosto era esquelético e
pequeno. Ele me encarava como se me odiasse. Poderia apostar
que aquele sujeitinho era o perseguidor de Bianca e que me odiava
por eu estar onde ele queria. A situação só piorava. Mas que droga.
Já havia assistido a muitos filmes de máfia. Só conseguia pensar
naquela cena do filme Cães de aluguel, em que toca a música Stuck
in the Middle with You, na versão de Stealers Wheel, enquanto
decepavam minha orelha com uma navalha.
Perseguidor deu um passo em direção ao banheiro e me
encarou com os olhos arredondados e pequenos. Tinha a pele
pálida, como se não saísse muito, e os cabelos eram oleosos, ralos
e com entradas, além da boca fina e sem cor. Conforme se
aproximava, tentei mover o corpo, endireitando a postura.
Abri a boca para gritar, mas o Falso Brock se se aproximou do
meu rosto.
— Se gritar, te quebro uma costela antes de te apagar de novo.
Seu hálito cheirava a café e cigarros. Segurei a vontade de
vomitar e o encarei. Como não queria morrer, fiquei em silêncio.
Pelo menos uma vez na vida.
Já havia falhado em uma das regras de sobrevivência, que era
não ser pego. Mas era bem difícil evitar que me carregassem
desacordado quando o Falso Brock tinha um gancho de esquerda
espetacular e meu maxilar parecia ser fraco.
Tinha que pensar em algo. Não escaparia dali em um passe de
mágica. O Falso Brock tinha uma arma enfiada no cós da calça
jeans encardida e o que parecia ser um taser preso ao cinto. Eles
não se preocuparam em esconder o rosto ou disfarçar a voz. Eu
estava completamente ferrado.
Mas não podia deixar que pegassem Bianca. E essa era a
única coisa boa no momento: se estavam comigo, é porque não
conseguiram pegá-la. Só de pensar no Perseguidor colocando as
mãos nela, tinha vontade de vomitar. Não conseguia imaginar o
quanto ela ficaria aterrorizada se tivesse que encará-lo.
— Não acredito que deixei você me convencer a fazer isso —
Falso Brock falou.
— Ela não estava em casa! — Perseguidor retrucou, puxando
os cabelos. — Ela deveria estar lá. Sozinha.
Merda, eles tinham invadido a casa do treinador? Me senti
profundamente agradecido pela Hello Kitty ter aparecido.
Falso Brock jogou as mãos para cima e saiu do banheiro, mas
não fechou a porta.
— Você é quem vai lidar com ele. Faça-o dizer onde ela está,
ou faremos as coisas do meu jeito.
Ele me lançou um olhar ameaçador quando falou do meu jeito,
então a música Stuck in the Middle with You começou a tocar em
minha cabeça sem parar.
Ele afundou na beirada da cama enquanto Perseguidor se
aproximava de mim. Tive a impressão de que eu o deixava nervoso,
porque ele desviava o olhar o tempo todo, como se eu pudesse
revidar de algum jeito. Permaneceu fora do meu alcance, o que foi
inteligente, pois tudo o que eu queria era chutá-lo.
— Onde ela está? — Perseguidor sibilou.
— É você quem fica mandando presentes para ela? —
perguntei.
Ele arregalou os olhos no momento em que o Falso Brock
gritou do quarto:
— Que presentes?
Com o rosto tomado pela raiva, Perseguidor avançou em minha
direção com o punho cerrado e me atingiu na têmpora. Senti uma
dor irradiar atrás dos olhos quando minha cabeça bateu na parede.
— Porra — grunhi, e minha visão periférica começou a ficar
turva. Eu tentava de tudo para manter a consciência. Senti algo
molhado escorrer pela lateral do rosto.
— Onde. Ela. Está? — Perseguidor estava fervilhando de raiva,
seu rosto ostentava tons avermelhados e arroxeados nada
saudáveis. Uma veia saltava em sua testa, e eu queria espremê-la
como uma espinha. — Não seja burro, garoto. Não banque o herói.
Ela está apenas te usando como um passatempo. Ela me pertence.
Jesus, o sujeito era descompensado. Então essa era a razão de
eu estar ali: queriam pegar Bianca. Havia algo de errado na
comunicação entre os dois. Mas minha cabeça doía demais para
tentar descobrir o que era.
— Você tem futuro, não é, garoto? Pesquisei sobre você. Vem
de uma boa família, quer ser professor — ele disse com desdém. —
Então seja esperto e diga onde ela está, assim vamos todos para
casa.
— O que vocês vão fazer com ela? — Tive uma ideia, mas
estava tentando ganhar tempo.
Perseguidor sorriu e a visão foi assustadora.
— Não se preocupe. Não vamos machucá-la.
A única coisa que sabia é que precisava ser esperto. As
palavras do treinador quando me colocou na posição de falso nove
ecoavam em minha mente. Mordi o lábio enquanto alongava o
pescoço na tentativa de ganhar tempo.
Os dois precisavam pensar que eu estava me defendendo e
salvando minha própria pele quando, na realidade, estava atacando.
Tinha que afastá-los de Bianca sem que me matassem.
Queria rir. Era fácil pra caramba, não? Sim, mamão com açúcar.
Eu não tinha como escapar lutando com aqueles desgraçados,
ainda mais com Falso Brock carregando uma arma e um taser de
oitenta mil volts.
Para onde eu poderia levá-los? E como escapar sem que me
matassem?
— Vou perguntar só mais uma vez. — Perseguidor levantou o
punho de novo. — Onde ela está?
Eu odiava esse cara. Se não estivesse amarrado à pia,
conseguiria dominá-lo com facilidade. Ele parecia ser cerca de
quinze anos mais velho e pesava o mesmo que uma bola de futebol.
Seu pulso também era bem pequeno, mas na posição em que me
encontrava, não faria piadas a esse respeito.
A ideia me atingiu como um trem. Pisquei enquanto um plano
se formava na minha cabeça. Talvez eu ferrasse com tudo, mas
precisava sair daquele banheiro. Umedeci os lábios e senti gosto de
sangue.
— Sim, você tem razão. É só mais uma garota. Até parece que
vou ferrar com a minha vida por causa dela. Vou dizer onde ela está.
Falso Brock espreitou pela porta.
— Onde?
— Em uma casa de campo antiga nos arredores da
universidade, atrás do centro médico. — Os olhos de Perseguidor
brilharam. — Mas vocês precisam me levar junto se quiserem
encontrar o local. Vai ser mais fácil tirá-la de lá se eu chamar.
— Ela está lá agora? — Perseguidor perguntou.
Assenti.
— Estava me esperando, porque eu ia para lá depois da festa.
No mesmo instante, eles cortaram as amarras que me
prendiam à pia e prenderam minhas mãos. Falso Brock me deu um
soco na barriga e me fez guiá-los até a casa. Eles me arrastaram
para fora do quarto, e então consegui ter um vislumbre do letreiro
luminoso do motel brilhando na escuridão antes que me jogassem
no porta-malas do carro. Fecharam a porta, e mergulhei no breu.
Meu coração batia tão forte que fiquei com medo de ter um
derrame ou um infarto ali, sozinho na escuridão de um porta-malas.
Engoli em seco e usei técnicas de respiração novamente. Precisava
fazer alguma coisa antes que chegassem ao local. Sabia qual era
aquele motel. Eles alugavam quartos por hora e estava localizado
perto de uma parada de caminhões na saída interestadual de
Parksburg. Se tivesse que adivinhar, diria que restavam dez minutos
até que chegássemos à casa abandonada. Não era muito.
Tinha que tirar aquelas porcarias de abraçadeiras dos pulsos ou
não conseguiria fazer nada. Lembrei de um vídeo que assisti com
Shane sobre como usar cadarços para cortar esse tipo de amarra.
Só precisava achá-los na escuridão do porta-malas e cerrar as
abraçadeiras até que rompessem. Fácil. Sem problemas. A questão
era que o carro era uma lata-velha minúscula e quase não havia
espaço para que eu me movimentasse.
Deram partida e começaram a se movimentar, o que só piorou
a situação. Eu ficava balançando de um lado a outro.
— Filhos da mãe! — gritei, mas só porque fazia me sentir
melhor e amenizava a ansiedade que tentava tomar conta de mim.
— Foco, Lavin — sussurrei para mim mesmo. — Foco, porra.
Agradeci ao Papai por me obrigar a praticar yoga. Por causa
disso, eu era flexível o bastante e consegui estender as pernas até
que meus joelhos encostassem nas orelhas. Tateei no escuro à
procura dos cadarços, me sentindo como Beatrix Kiddo, do filme Kill
Bill, enterrada viva naquele caixão. Assim que enrosquei os dedos
nos cadarços, respirei aliviado, mas então o motorista fez uma curva
e eu bati o ombro na lateral do porta-malas. Resmunguei um
palavrão antes de alcançar os pés de novo. Demorou uma
eternidade, mas consegui desamarrá-los. Como eles eram curtos,
puxei-os para que saíssem somente do primeiro buraco.
— Obrigado por usar sapato social, Clark Kent — murmurei.
Minhas mãos estavam pegajosas de suor no momento em que
terminei e eu arfava por causa de todo o esforço. Minhas pernas
latejavam por ficar naquela posição estranha.
Desajeitado, tentei passar um dos cadarços pelo pequeno
espaço entre as amarras e os pulsos e uni-los com um nó. Movi as
pernas como se estivesse pedalando para que o atrito rompesse as
abraçadeiras.
Antes que conseguisse, o carro parou e as portas se abriram e
fecharam.
— Droga, droga, droga — falei, abaixando as pernas no minuto
em que o porta-malas se abriu e Falso Brock me olhou com cara
feia.
Ele não disse nada, só me arrancou do carro como se eu não
pesasse nada. Uma escuridão foi substituída por outra, porque
ainda não tinha amanhecido. Não fazia ideia de que horas eram. Por
quanto tempo fiquei desmaiado no chão do banheiro? Deveria
amanhecer logo, certo? A não ser que... porra, torci para que não
tivesse sido sequestrado há muito tempo.
Analisei os arredores e tentei engolir o nó na garganta. A casa
de campo estava bem à nossa frente, silenciosa, escura e
horripilante como sempre. O terreno na frente da casa era uma
mistura de ervas daninhas, pedras e cascalhos. Falso Brock estava
na minha frente e Perseguidor estava ao seu lado. Nenhum deles
reparou que meus cadarços estavam desamarrados... ainda.
— Você só pode estar de brincadeira — Falso Brock grunhiu
assim que olhou para a casa.
Mordi o lábio, me perguntando até onde chegaria se saísse
correndo naquele momento, mas a arma no cós do Falso Brock me
fez parar. E antes que pudesse pensar no próximo passo,
Perseguidor mudou o jogo por completo. Em um gesto rápido, que
nunca pensei que ele fosse capaz de executar, esticou a mão,
puxou a arma com silenciador da calça do Falso Brock e deu um tiro
na nuca dele.
Um buraco se abriu no crânio do sujeito, e ele caiu no chão
como uma árvore na floresta. Não gritei. Não reagi. Não fiz nada
além de olhar para o homem morto com horror. Estava em choque
enquanto olhava para a carnificina.
E foi nesse momento que soube que Perseguidor me mataria.
Fim de jogo, não sairia dali vivo. Ele me daria um tiro, assim como
havia acabado de fazer com o ex-companheiro de crime. Comecei a
tremer, e minha mente me deixou processar o fato de que talvez
nunca mais visse meus pais, ou meus amigos, ou... Bianca.
Porra, estava prestes a surtar. Respirava rápido e lufadas
quentes e esbranquiçadas se formavam em frente ao meu rosto.
Senti um puxão em meu braço. Perseguidor não perdeu tempo e me
arrastou em direção à casa, segurando aquela porcaria de arma.
Passamos por cima do corpo do Falso Brock, e eu tropecei por
conta dos cadarços desamarrados. Quando caí em cima do morto,
toquei em um retângulo de metal que reconheci.
— Levante-se — Perseguidor grunhiu para mim, e eu consegui
puxar o taser do cinto do Falso Brock e a escondi nas mãos quando
ele me puxou e me arrastou até a casa.
— Ele pensou que sequestraríamos a Bianca para pedir resgate
aos supostos pais ricos dela. — O idiota contorceu o lábio. — Mas
eu só o usei pela para conseguir o que quero pela força física. Não
vou desistir de Bianca por dinheiro nenhum.
— Quem é você? — perguntei.
— O futuro dela — ele respondeu ríspido.
Quase retruquei com “só por cima do meu cadáver”, mas
pensei melhor, porque era exatamente esse o plano dele.
— Fui gentil — ele chiou e cravou os dedos no meu braço à
medida em que nos aproximávamos da casa. — Mandei flores e
bilhetes de amor. Não havia motivos para ela me ignorar. Nenhum!
— Ele me olhou. — Ela me deve. Cada flor. Cada centavo. E vai me
pagar.
Aquilo que Bianca falou a respeito dos mocinhos inundou minha
mente como em um sonho. Droga, ela tinha razão. Esses caras que
se danem.
Agarrei a arma de choque com ainda mais força, sem saber se
precisaria dela, mas o peso em minhas mãos fazia o pânico diminuir
um pouco. Perseguidor me empurrou para dentro, me segurando
pelo braço. Paramos assim que entramos, e eu pisquei até me
adaptar à escuridão. As janelas sujas não permitiam que a luz da
lua entrasse.
Perseguidor ajeitou o aperto em meu braço, me agarrando com
ainda mais força. Mas que droga. Tinha esperanças de conduzi-lo
até o buraco no chão, mas me segurando daquele jeito, ele ia me
levar junto. Sem contar a arma, que com certeza estaria apontada
para a minha cabeça. Não queria que ele me matasse como fez
com Falso Brock. O sujeito era um babaca, sequestrador e
chantagista, mas eu não achava que merecia morrer.
— Onde ela está? — Sua voz tremia, e eu me perguntei se era
empolgação por estar chegando perto de Bianca ou por medo. A
casa parecia um cenário de filme de terror.
Engoli em seco, pois sabia que era minha única chance de
escapar. Se não fizesse tudo certo, estaria ferrado. Gesticulei com a
cabeça para os fundos da casa sombria.
— Lá em cima, no final da escada.
— Grite para que ela desça.
Droga, eu precisava que ele fosse mais para dentro.
— Certo, mas talvez ela não ouça, porque dorme com fones de
ouvido.
Ele pressionou a arma nas minhas costelas. Prendi a
respiração enquanto sentia uma gota de suor escorrer pelo pescoço.
— Chame-a. Agora.
— Bianca! — Minha voz estava rouca pra caramba. Se ela
estivesse ali, saberia que algo estava errado. — Voltei. Por que você
não vem até aqui?
Esperamos, e é claro que ela não respondeu. Nem desceu as
escadas. Porque ela não estava lá, porra.
Perseguidor me sacudiu com tanta força que meus dentes
bateram uns nos outros.
— Não estou gostando disso. Se estiver mentindo para mim, o
que fiz com o Stan vai parecer carinho perto do que vai acontecer
com você.
Maravilha. Legal. Ótimo.
— Podemos ir buscá-la — respondi. — É só subirmos a
escada.
Ele me cutucou com a arma.
— Você primeiro.
Soltei a respiração. Ótimo, eu tinha que guiá-lo, ou nunca
chegaríamos aonde precisávamos. Comecei a caminhar devagar,
contando os passos conforme me aproximava do centro da sala.
Olhei ao redor, reconhecendo o tapete trançado e o sofá perto da
parede dos fundos. Só mais alguns passos e estaríamos no local
exato.
Mas no mesmo instante, ele puxou meu braço. Cambaleei, mas
consegui me manter de pé e senti seu hálito quente sussurrar em
meu ouvido:
— Não acredito em você. Não acho que ela esteja aqui. Não
tem energia. Está querendo me dizer que ela está dormindo aqui no
frio?
Meu coração disparou, e um ruído agudo percorreu meus
ouvidos. Era agora ou nunca. Não estava onde queria, mas teria
que ser suficiente, ou o sujeito abriria um buraco na minha cabeça.
Tateei o taser, agradecendo ao Pop em silêncio por ter me ensinado
a me defender. Posicionei o dedo sobre o botão.
Era isso. Não tinha outra escolha. Estaria morto se não fizesse
nada. Respirei fundo e, com um movimento brusco, girei o corpo
para me desvencilhar do contato da arma. Virei a mão, encostei o
taser na pele macia da cintura de Perseguidor e apertei o botão.
Ele deu um berro e disparou a arma. O tiro acertou o chão, mas
estava tão perto do meu pé que por pouco não arrancou um dedo.
Perseguidor ficou rígido antes de cair. Não sabia por quanto tempo o
desgraçado ficaria desmaiado, então chutei a arma de sua mão e a
ouvi quebrar uma janela e cair em algum lugar do quintal. Com toda
a força que pude, levantei a perna e finquei o pé na madeira ao lado
da cabeça dele.
A madeira apodrecida cedeu, afundando como gelo
craquelando no meio de um lago. O corpo do homem escorregou
direto para o buraco, então dei um salto para trás e caí de costas,
provocando um estrondo. Como ainda estava com as mãos
amarradas na frente do corpo, usei as pernas e me arrastei para
longe do buraco que se abria, assim não cairia no porão ao lado
daquele psicopata.
Pude ouvi-lo atingir o chão sujo com um baque e um grito. Não
perdi tempo nem tentei bancar o herói. Precisava sair dali antes que
ele recobrasse o comando sobre seu corpo. Sentei, amarrei os
cadarços com mãos trêmulas e serrei as abraçadeiras até que
estourassem. Com um pulo, me levantei e tirei os sapatos, pois só
me atrapalhariam. Notei movimentação e gritos confusos dentro do
buraco à medida que os efeitos do choque iam passando.
Saí correndo de dentro da casa como um foguete, disparei pelo
campo até a estrada enquanto sentia os cascalhos perfurarem
minhas meias e cravarem nas solas dos meus pés. Não parei,
mesmo tendo a impressão de que inalava fogo a cada respiração.
Precisava buscar ajuda, tinha que avisar Bianca e depois, precisava
ter certeza de que meu cérebro não havia virado purê após tantos
socos.
Meus pés estavam me matando quando fiz uma curva e uma
SUV apareceu cantando pneus, com certeza, bem acima do limite
de velocidade permitido. Balancei as mãos assim que o veículo
parou na minha frente. Os faróis me cegarem por um instante. Tinha
certeza de que estava um trapo. Meus pulsos estavam sangrando,
eu estava descalço e nem conseguia imaginar a situação do meu
rosto, mas sabia que estava ensanguentado.
Olhei para o motorista na esperança de que não se assustasse
e desse meia-volta. Reconheci aqueles olhos castanhos, e então
meus joelhos cederam.
— Pop — murmurei.
A porta do passageiro foi escancarada, e um corpo disparou em
minha direção. Só consegui ver cabelos pretos e braços compridos.
— Lavin! — O grito de Bianca veio do fundo da alma. Parecia o
de um pássaro ferido.
Ela passou os braços pela minha cintura, me levantou e
segurou minha cabeça delicadamente entre as mãos.
— Ai, meu Deus. — Ela tremia enquanto lágrimas vertiam de
seus olhos como uma cachoeira. — Ai, meu Deus. Ai, meu Deus!
A voz de Pop chegou aos meus ouvidos.
— Estou aqui, filho. Você está bem. — Ele me levou até o carro,
passando um braço ao redor da minha cintura no momento em que
uma viatura virou a esquina em disparada, com a sirene e luzes
ligadas. Aquilo não ajudou em nada a amenizar minha dor de
cabeça.
— A casa — eu disse. — A casa abandonada. Tem um cara
morto e outro no porão. Não sei por quanto tempo ele vai ficar lá.
Eles queriam a Bianca. Droga, minha cabeça está doendo.
Sirenes de ambulância soavam à distância. Senti alguém me
levantar e me colocar deitado em um lugar macio e branco.
Apertaram minha mão, e a voz de Pop murmurou coisas para outra
pessoa.
O rosto de Bianca pairou sobre mim e foi a última coisa que vi
antes de sentir uma picada no meu braço e de fechar os olhos.
Dezoito
QUANDO ACORDEI, ESTAVA EM uma cama de hospital com
uma intravenosa na mão esquerda e Bianca sentada em uma
cadeira ao lado da cama. Ela estava com a cabeça abaixada,
escrevendo nas costas da minha mão com uma caneta preta. Eu me
encolhi e me senti confuso, mas agradeci a iluminação fraca no
quarto e as cortinas fechadas.
Mexi os dedos, o que fez Bianca levantar a cabeça bem rápido
e arregalar os olhos. Colocou as mãos sobre a boca, deitou o rosto
na minha barriga e me abraçou na cintura.
— Ai, meu Deus — ela murmurou contra o lençol que me
cobria. — Ai, meu Deus.
Passei a mão em sua cabeça.
— Oi para você.
Ela levantou a cabeça e seus olhos estavam marejados.
— Como você está se sentindo?
Dei de ombros e senti uma fisgada nos músculos da região.
Porcaria de porta-malas.
— Estou dolorido e minha cabeça dói um pouco.
— Seus pais estão aqui — ela respondeu. — Foram buscar
algo para comer.
— Você comeu?
— Não se preocupe comigo. — Ela apertou um botão ao lado
da cama. — Preciso avisar a enfermeira que você acordou. — Ela
se afastou e apertou minha mão. — Quando te vi do lado de fora do
carro do seu pai... — Bianca balançou a cabeça e um tremor
percorreu seu corpo. — Não conseguia respirar.
— O que aconteceu depois que desmaiei?
— A polícia foi até a casa e encontrou um cara morto no
gramado e outro saindo do porão. Eles o prenderam, e isso é tudo
que sei. Como eles te pegaram? Depois de dez minutos que você
saiu para ir ao banheiro na festa, eu soube que algo estava errado.
Liguei para o seu pai e para a polícia. — Ela colocou as mãos sobre
a barriga. — Tive uma sensação estranha. Eu sabia. Sabia.
— Você estava certa. — Contei uma versão resumida dos fatos,
tentando poupá-la dos piores detalhes, mas não tive como omitir
que presenciei um homem ser morto.
Quando terminei, seus ombros tremiam e ela apertava minha
mão com bastante força.
— Não acredito no que você fez. — Seu humor mudou em um
piscar de olhos, e ela me deu um soco no braço, muito séria. —
Você podia ter morrido.
— Eles iam me matar de qualquer jeito.
— Mas levá-los até aquela casa? Em que estava pensando?
— Não sei bem. Mas a polícia os pegou, Bi. O cara no porão
era seu perseguidor. Ele é esquisito pra caramba.
Bianca apertou os lábios.
— Sabia que eu estava sendo egoísta. — Droga, agora ela
chorava tanto que as lágrimas escorriam por suas bochechas.
Limpou com raiva as que pingavam do queixo e caíam na cama. —
Veja o que aconteceu! Tudo culpa minha. — Ela prendeu a
respiração e olhou para o chão. — Egoísta demais, Bi — murmurou
para si.
— Ei. — Toquei sua bochecha. — Acabou, está bem? Acabou.
Você só precisa cuidar de mim até que eu fique bem.
Eu ia sorrir, mas Bianca não parecia mais calma. Uma pontada
de desespero invadiu meu coração. Será que ela voltaria a ser
modelo agora que não corria mais perigo? As palavras do treinador
passaram pela minha cabeça: ela merece coisa melhor.
— Você vai...?
— Lavin! — A voz de Papai me interrompeu e ele correu até a
cama.
Pop estava logo atrás dele, seguido pela enfermeira. Antes que
eu pudesse terminar minha pergunta, Bianca saiu do quarto
murmurando algo sobre café.
Os momentos seguintes foram um borrão. Pop explicou que
descobriu onde eu estava porque Falso Brock, apesar de ter
roubado meu relógio, o manteve em seu bolso. Assim foi possível
me rastrear, até que me encontraram no meio da estrada parecendo
um animal atropelado. Foi o que imaginei: os dois não eram
criminosos experientes. Era um esquisitão obcecado e seu ajudante
musculoso.
De Papai, houve muita bajulação, confusão e lágrimas. Depois
de passar por uma ressonância magnética, que não mostrou
qualquer complicação, voltei para o quarto. Os médicos queriam que
eu ficasse mais uma noite só para terem certeza de que não haveria
efeitos colaterais das pancadas que tomei.
Após um interrogatório da polícia e uma conversa rápida com o
investigador particular de Bianca, eu estava exaurido. Meus pais
foram embora, mas antes pediram que eu descansasse. Foi o que
fiz por um tempo, até acordar com um barulho.
Pisquei na escuridão e finalmente notei Bianca ali, encolhida no
sofá que ficava no canto.
— Bi? — sussurrei.
Ela sentou, tentando sorrir.
— Oi.
— O que você está fazendo aqui?
— Convenci a enfermeira de que eu era sua irmã e ela me
deixou passar a noite.
Dei risada e mas gemi, porque tudo doía.
— Ela acreditou?
— Sou muito persuasiva. — Ela se levantou e veio até a cama
somente de meias. Afundou na cadeira ao meu lado. — Você
deveria estar dormindo.
— Onde está a fantasia de enfermeira? — perguntei.
Ela revirou os olhos.
— Você é tão bobo.
Estiquei a mão e entrelacei nossos dedos.
— Ia te perguntar uma coisa, mas fui interrompido pelos meus
pais e pelos funcionários do hospital. — Bianca pressionou os
lábios. — Você vai voltar para Nova York para retomar a carreira de
modelo?
Ela arqueou as sobrancelhas e ficou boquiaberta.
— O quê?
— O que você não entendeu?
Ela soltou minha mão como se estivesse pegando fogo.
— Você acha que vou voltar?
Fiquei remexendo no cobertor que estava no meu colo.
— O perigo passou. Você pode voltar se quiser.
Ela ficou me encarando.
— Mas eu não quero.
— Seu tio...
— Sei que ele deve ter dito muita coisa, mas não significa que
esteja certo. Estava sendo sincera quando te disse que estava
cansada, Lavin. Para mim, chega. Quero um diploma para poder
organizar eventos e viver uma vida que não envolva perseguidores.
Meu coração disparou.
— Acho que podemos dar um jeito nisso.
Ela segurou minha mão, e foi então que li o que ela estava
escrevendo quando acordei: Estava escrito B ama L dentro de um
coração com uma flecha.
— É o que mais quero.
Engoli em seco, torcendo para que não fosse um sonho.
— Também quero, Bi. Mais do que qualquer coisa. Estou
sonhando?
Ela me deu um soco. De novo. Assim como fez mais cedo.
— Não acredito que você achou que eu voltaria para Nova
York. Já falamos sobre isso, Lavin. Sou apaixonada por você e te
mereço, assim como você é apaixonado por mim e me merece. —
Ela abriu bem as mãos. — Viu? Tudo resolvido.
Abri um sorriso tão largo que minhas bochechas doeram.
— Tem razão. Tudo resolvido.
Bianca esticou a mão e passou os dedos por minha
sobrancelha.
— Ei, pelo menos você conseguiu uma cicatriz legal.
— O quê? Sério?
— Talvez até fique uma falha.
— Você está brincando. — Ergui a mão e toquei os pontos na
sobrancelha. — Legal. Sempre quis uma dessas.
Ela balançou a cabeça, rindo.
— Você é tão bobo.
— Para que um cérebro quando se tem uma cicatriz? —
Balancei as sobrancelhas, e Bianca revirou os olhos. — Você vai
precisar afastar as garotas de mim com um bastão.
Ela se recostou na cadeira, cruzou os braços e semicerrou os
olhos. Mas percebi o esforço que fazia para não rir.
— Ah, é? Talvez eu deixe que elas fiquem com você.
— Não vai deixar, não.
— Está todo seguro de si agora, é?
Eu a puxei para mim. Bianca deu um gritinho, mas não resistiu.
Então dei um selinho rápido em seus lábios.
— Sim. Pela primeira vez, estou seguro. Estou certo de que
estou apaixonado por você, Bianca Santos.
Ela respirava depressa, e suas bochechas estavam coradas.
Umedeceu os lábios e perguntou com um sussurro:
— Quando?
— Quando me apaixonei? — Ela assentiu, ansiosa e com um
brilho nos olhos. Eu a abracei. — Na faculdade, quando você me
deu um beijo na bochecha. Eu não queria lavar o rosto.
Bianca ergueu a mão e acariciou meus cabelos.
— No cemitério — ela disse com gentileza a centímetros da
minha boca.
Meu cérebro não funcionava direito com Bianca colada a mim.
— O quê?
— Me apaixonei por você lá no cemitério.
— Você é tão esquisita.
Ela sorriu.
— Amo ser esquisita com você — murmurou antes de me
beijar.

***

— Tenho uma surpresa.


Bianca sussurrou essas três palavras logo no começo do jantar
do time, e por conta disso eu não consegui focar em mais nada. Ela
estava tão ofegante e me lançou aquele sorriso sexy cheio de
promessas que sempre significava coisas boas para o meu pau. E
mais: estava usando salto alto e um vestido azul tomara que caia
bastante rodado que ia até o meio da coxa. Seu cabelo balançava
toda vez que ela se mexia, e eu ficava sem fôlego a cada olhar que
ela me dava. Eu não conseguia respirar. Teria um infarto antes de
poder tocá-la novamente.
Nunca levei uma garota para o jantar. Era uma regra implícita
entre os jogadores de que apenas namoradas sérias poderiam ir, o
que significava que eu, Dre, Shane e Zac fomos aos dois últimos
jantares sozinhos. Dessa vez, convidei Bianca, que me informou
que já iria com o tio, mas que planejava se sentar ao meu lado como
minha namorada, eu querendo ou não.
Isso significava que fiquei a cerimônia de premiação e
homenagens toda com o punho cerrado e dizendo ao meu pau que
esperasse sua vez. Mas aquilo era um teste de força de vontade. A
risada de Bianca era linda, e a cada respiração, seu peito subia,
chamando minha atenção para aqueles seios magníficos.
Às vezes, ela roçava a perna na minha. De propósito. Com um
sorrisinho travesso. E sabe de uma coisa? Tortura por afogamento
não é nada. Coloque Bianca e um espião russo em uma sala por
dez minutos e o sujeito daria todas as informações apenas para
colocar as mãos nela.
O jantar estava quase no fim. O treinador anunciava as últimas
premiações, e eu não parava quieto, ansioso para descobrir o que
significavam aquelas três palavras. Shane me olhava com cara feia,
e Dre perguntou se eu tinha começado a usar crack, porque estava
suando e tremendo. Filhos da mãe.
Papai e Pop também estavam lá. Todos os anos, os pais eram
convidados, mas se sentavam em mesas separadas, no fundo do
restaurante que o treinador reservava. Papai percebeu minha falta
de concentração e tentou me convencer a passar óleo essencial
calmante nos pulsos.
— Último prêmio da noite — o treinador anunciou. Ele estava
de pé, segurando um microfone em um palco providenciado pelo
restaurante.
Ele sempre pareceu ficar bastante desconfortável naquelas
situações, mas dessa vez passava a impressão de estar mais
relaxado. Eu poderia apostar que era por causa da moça loira que
chegou com ele. Ela era baixinha, e Bianca me disse que era aquela
enfermeira, a que o tio estava namorando. A moça o encarava como
se o Sol brilhasse sobre ele, e percebi que ele a olhava com
intensidade e muito carinho. Nunca pensei que o treinador pudesse
ser carinhoso, mas acho que estava enganado.
— Esse prêmio vai para o jogador mais valioso do ano, e tenho
algumas coisas a dizer sobre esse rapaz.
Comecei a roer a unha de tão nervoso, quase gritando o nome
do Shane para que terminássemos logo com aquilo. Quem mais
poderia levar aquele prêmio? Shane era nosso melhor artilheiro.
O treinador limpou a garganta e mudou de posição, sem tirar os
olhos da folha de papel em suas mãos.
— Esse jogador é o sinônimo de que não se joga sozinho em
um time. Sei que sou conhecido por exigir muito de vocês, mas exijo
mais ainda daqueles em que vejo potencial. Sou realista. Estamos
na terceira divisão e, embora eu realmente acredite que alguns aqui
possam acabar em times profissionais, sei que essa não é a
ambição de todos vocês. E esse jovem... o potencial que vi nele tem
menos a ver com o futebol e muito mais com o tipo de homem que
ele está se tornando. Ele se dedica, se importa com os colegas de
time, se dá bem com as pessoas e não foge dos desafios.
Foi um belo discurso. Caramba, Shane deve ter se dedicado
mais do que percebi.
— O vencedor do prêmio de Jogador Mais Valioso vai para
Lavin Saint!
Gritos de comemoração ecoaram por todo o salão. Dre
assobiou com os mindinhos na boca, e Shane ficou de pé, gritando
e batendo palmas como uma foca. Bianca gritava como se eu
tivesse ganhado na loteria, e só consegui ficar sentado e encarar o
treinador. Ele levantou a cabeça e manteve os olhos fixos nos meus.
Como não me movi, ele apertou os lábios e gesticulou para que eu
fosse até lá.
Eu? Jogador mais valioso? Mas que porra era aquela?
Bianca deu um puxão no meu braço, e eu me levantei, ainda
sem saber o que estava acontecendo. Olhei para Papai e Pop por
cima dos ombros. Papai estava chorando, coisa que sempre fazia
quando vivenciava emoções fortes, e Pop estufava o peito, como se
disse esse é meu garoto.
Caminhei até a frente do salão, onde o treinador me entregou
um troféu. E então ele fez algo inimaginável. Algo mais insano do
que Bianca falando que me amava. Mais louco do que ser
sequestrado por dois otários. Mais bizarro do que ganhar aquele
prêmio.
Ele me abraçou. Simplesmente me envolveu com aqueles
braços musculosos e me apertou. Um abraço de verdade.
Aconteceu mesmo. Comigo.
Não sabia o que fazer a não ser ficar parado ali... sendo
abraçado. O treinador nunca encostou em mim, a não ser para me
dar um tapa na cabeça. Ele já sabia sobre meu relacionamento com
Bianca. Ela contou quando eu estava no hospital, mas a temporada
já havia acabado, e ele não me disse nada.
Eu ainda estava em seus braços. Foi então que ele se
aproximou e falou palavras sinceras no meu ouvido.
— Sei que te disse que a Bianca merecia coisas melhores...
mas percebi que essas coisas incluem você.
Então ele me soltou e deu um tapa tão forte nas minhas costas
que quase caí. Depois me empurrou para cima do palco. Não
conseguia processar o que ele havia acabado de dizer, porque eu
ainda estava preso ao momento em que me anunciou como
vencedor do prêmio. Deus, eu precisava de silêncio para fazer meu
cérebro funcionar.
— Discurso! Discurso! Discurso! — meus colegas entoavam
para implicar comigo. Babacas.
Bem, não havia como me esconder em um canto silencioso
com todos olhando para mim. Limpei a garganta e agarrei o troféu
com as mãos suadas.
— Hã, oi — falei no microfone. Minha voz saiu alta demais,
então me afastei. Cocei a cabeça, bem onde tinha levado os pontos
depois do acidente naquele jogo. — Não sei bem o que dizer,
porque estou bastante surpreso. Pensei que o Castle ganharia,
talvez possamos dividir o troféu.
— É todo seu! — Shane gritou, com as mãos sobre a boca.
— Que seja — murmurei. — Enfim, preciso agradecer ao
treinador pelo discurso. Nunca consegui enxergar o que você viu em
mim, mas significa muito vindo de você. Então... obrigado. E
obrigado aos meus colegas de time. Amo jogar com vocês. As
últimas três temporadas foram a melhor coisa da minha vida, então
sei que vou me lembrar disso para sempre. Acho que...
Olhei para o troféu e para a placa dourada onde meu nome
estava entalhado. Senti o estômago revirar, e algo me disse para
levar tudo aquilo a sério em vez de encerrar com uma piada.
Respirei fundo e soltei o ar lentamente antes de me aprumar.
— Nunca pensei que fosse alcançar a glória. Nunca tentei. Mas
segurar esse troféu e ter aprendido tudo que aprendi nos últimos
três meses... — Encontrei o olhar de Bianca, que estava sentada
com as mãos sobre o peito. — Acho que entendi que está tudo bem
em desejar a glória e batalhar por isso, porque não há nada no
mundo que se compare à sensação de chegar lá. — Levantei o
troféu antes de me aproximar do microfone: — Vamos, Badgers!
O salão explodiu com gritos e assobios, e eu voltei para o meu
lugar. No mesmo instante, me virei para Bianca.
— Fiz papel de ridículo?
Ela balançou a cabeça. Seus olhos estavam marejados e as
bochechas, coradas.
— Foi incrível.
— Legal — respondi, me recostando na cadeira com um sorriso
enorme. — Incrível.

***

Depois do jantar, e de ter sido sufocado pelos meus pais,


receber mais tapinhas nas costas do treinador e todos terem
arranjado carona para casa, Bianca me pegou pela mão e me puxou
para a calçada em frente ao restaurante. Havia uma limusine preta à
espera. Vestindo terno e um quepe, o motorista abriu a porta e
gesticulou com a mão coberta por uma luva branca.
— Depois de vocês.
Bianca deslizou para dentro do carro, e eu fui logo atrás,
ajudando-a ajeitar o vestido. O motorista fechou a porta e mais que
depressa se acomodou em seu lugar.
— Tudo certo? — ele perguntou.
— Sim, obrigada — Bianca respondeu.
— Aonde vamos? — indaguei. — Por que a limusine?
O motorista não respondeu, apenas subiu o painel que nos
separava dele e ligou o carro.
Estávamos acomodados no fundo do carro, em um dos
assentos que mais parecia um sofá. Havia luzes difusas no teto e no
chão. Eu estava amando aquilo.
— Então, sr. Jogador Mais Valioso — Bianca começou, me
passando uma garrafa de água. De vidro. Sério, de vidro. — Já
andou de limusine?
— Sim, para um baile de formatura. Mas era bem simples em
comparação a essa. — Tomei um gole da água, que estava muito
gelada e, juro por Deus, era a melhor que já tomei. — Eu poderia
morar aqui.
Bianca tirou a garrafa da minha mão e a colocou sobre o balcão
do bar.
— Fico feliz que tenha gostado. É nossa por uma hora. Aluguei
para passearmos.
— Até agora, as surpresas estão sensacionais. — Olhei para o
teto e notei que havia uma janela. Queria colocar a cabeça para fora
e sabia que Bianca me acompanharia.
— Bem, ainda não acabou. — Ela se aproximou de mim
enquanto eu analisava a janela e tentava calcular se caberíamos ali.
— O quê? — Estava mesmo distraído com a janela. — O que
mais tem aí?
Bianca se sentou no meu colo, me dando um susto enorme. Eu
me recostei no banco assim que ela pousou as mãos em meus
ombros. Senti o coração acelerar. Espere aí...
— Só eu e você, sr. Jogador Mais Valioso... — ela disse com
aquela voz ofegante. Meu pau acordou para a vida. — Sozinhos.
Por uma hora.
Minha mente tinha muitas coisas para processar e estava
prestes a entrar em curto-circuito. Pisquei para Bianca.
— Espere aí... Vamos transar em uma limusine? Ai, meu Deus,
nós vamos. Sempre quis transar em uma limusine. Claro, queria
transar em qualquer lugar, mas uma limusine está na minha lista. —
Algo do lado de fora chamou minha atenção. — Aquilo é um
cachorro em um patinete? — Caramba, eu estava mesmo perdendo
a cabeça. Talvez até estivesse tendo um derrame. Muitas pancadas
na cabeça. Morreria virgem.
Bianca puxou minha cabeça para que eu a olhasse, e então
consegui me concentrar, percebendo que seus ombros tremiam com
sua risada. E era um riso delicado que escapava de seus lábios.
Encostou a testa na minha. Acariciou minha boca como em uma
súplica silenciosa para que eu calasse a boca e começou a rebolar
devagar em meu colo. A risadinha se transformou em um gemido, e
eu fiquei calado, já que todo o sangue foi sugado por um único
lugar.
O corpo dela era tão macio. Quente e... todo em cima de mim.
Eu estava desnorteado. O perfume de seu cabelo impregnava
minhas narinas, e minhas mãos formigavam à medida que
passeavam por sua pele aveludada. Não sabia para onde olhar
primeiro. Aqueles olhos hipnotizantes, os seios fartos, a veia
pulsando em seu pescoço ou o calor entre suas pernas que roçava
em meu pau por cima da calça.
— Bi... — consegui falar com a voz rouca. Parecia que eu
fumava um maço de cigarro por dia, e meus pulmões sentiam isso
também.
— Shhh... — ela sussurrou. — Quero cuidar de você.
— Eu quero cuidar de você. — Deslizei e subi as mãos por
suas coxas.
— Você cuidou de mim por semanas. — Ela passou os lábios
pelo meu pescoço, me provando com a língua. Mexi o quadril, pois
meu pau estava à procura de um lugar bem quente para invadir,
como um míssil guiado pelo calor.
— Cacete — murmurei.
— É isso que eu quero.
Ela arrancou minha gravata e desabotoou a camisa. Então
passou as mãos por meu abdômen e peito, beliscando meus
mamilos com as unhas. Puta merda, eram muitas sensações ao
mesmo tempo.
Eu me aproximei e a beijei, querendo saboreá-la e mostrar o
quanto aquilo significava para mim. Queria que ela soubesse que
não era só uma transa na limusine.
Entrelacei as mãos em seus cabelos para posicionar sua
cabeça de um jeito que pudesse beijá-la com mais vontade. Ela
rebolava os quadris em sintonia comigo, em um ritmo único. Era
como poesia, como uma música só nossa, e eu mal podia acreditar
que estava pensando nessas coisas, mas isso demonstrava como
Bianca era perfeita. Éramos perfeitos juntos.
Me afastei dela, sentindo meu pau latejar dentro da cueca.
Puxei seu vestido, deixando os seios à mostra. Seus mamilos
enrijeceram quando os torci com delicadeza. Coloquei a palma da
mão em suas costas arqueadas e a trouxe para perto. Chupei um
mamilo, brincando com a língua sobre ele antes de mordiscar a
ponta. Ela arfou e tremeu contra o meu corpo, cravando os dedos
na minha cabeça.
— Lavin...
— Você é tão linda, Bi — murmurei em sua pele enquanto
deslizava os lábios por seu peito até chegar ao outro mamilo.
Deslizei a mão livre por baixo de seu vestido e de todas as
camadas da saia. Paralisei quando descobri que ela não estava
usando calcinha. Levantei a cabeça.
— Você só pode estar brincando.
Bianca deu um sorrisinho malicioso.
— Eu disse que tinha uma surpresa.
— Certo, e tem mais alguma? Porque vou surtar se você me
surpreender com algo mais.
Ela riu, apertando meu quadril entre as coxas.
— Acho que acabou.
— Você está me matando — sussurrei, beijando-a mais uma
vez. Toquei seu clitóris.
Ela gemeu contra meus lábios enquanto rebolava com mais
vontade em minha mão. Movi o dedo em círculos no ponto
enrijecido antes de deslizar dois deles para dentro dela. Bianca
soltou um gemido e se afastou para respirar.
— Isso, assim... — ela sussurrou.
Enquanto mantinha os dedos dentro dela, pressionei o clitóris
com o dedão, o que a fez se contorcer. Sua respiração estava
pesada, e eu sentia os mamilos enrijecidos roçarem meu peito nu.
— Você está tão molhada.
— Por sua causa — ela sussurrou com a cabeça para trás e
olhos semicerrados. — Nunca fiquei assim.
— Quero te ver gozar. Preciso disso antes de entrar em você.
— Sim... — Bianca cavalgou meus dedos, e eu os curvei ao
mesmo tempo em que fazia mais pressão sobre o clitóris,
espalhando a umidade acumulada ali.
Bianca era uma mulher sedutora. Um sonho, sentada em meu
colo com os cabelos sedosos espalhados por todo lugar, com seu
salto alto e as pernas compridas tensionadas enquanto tentava
chegar ao orgasmo. Em contrapartida, eu me esforçava para não
gozar na cueca. Cerrei a mandíbula.
— Bi... — falei entre dentes.
— Lavin! — ela gritou. — Estou quase lá — Ela rebolou um
pouco mais. — Vou gozar.
Foi um orgasmo intenso, que a fez mexer os quadris com mais
força e cravar os dedos no meu peito. Seus seios balançavam e a
boca estava aberta enquanto ela soltava gemidos agudos que
fizeram minhas bolas se contorcerem.
À medida em que seus movimentos foram diminuindo, ela me
beijou e rapidamente abriu minha calça. Eu não tinha mais forças
para pedir que fosse mais devagar, ou que fizesse durar. Afastei
suas mãos assim que alcançou meu pau, porque tinha certeza de
que explodiria no minuto em que ela me tocasse. Bianca me olhou,
confusa.
— Estou por um fio. Juro que vou gozar se você respirar perto
do meu pau.
Ela mordeu os lábios, e eu soube que tentava não rir.
— Você acha engraçado, Bi? — Abaixei a calça até que meu
pau estivesse livre. Apontei para ele. — Fiquei duro a noite toda. E
essa limusine com o cheiro da sua boceta... Vou enlouquecer.
Bianca balançou a cabeça, e riu silenciosamente ao mesmo
tempo em que mordia o lábio. Grunhi, e ela se solidarizou com a
minha situação. Pegou uma camisinha da bolsa e me entregou.
— Acho que faço isso da próxima vez.
— Seria ótimo — murmurei. Mas que droga, minhas mãos
tremiam. Rasguei a embalagem, mas fiquei remexendo a camisinha,
estreitando os olhos na tentativa de achar o lado certo no escuro.
— Mas que merda... — resmunguei depois da terceira tentativa
de desenrolar o preservativo.
Bianca o tirou da minha mão e o desenrolou sobre meu pau em
dois segundos. Então se levantou e se encaixou em mim.
— Puta merda!
Joguei a cabeça para trás, abri a boca e agarrei suas coxas
com tanta força que parecia irreal. Aquele calor úmido envolveu meu
pau como uma luva. Eu sentia Bianca em todos os lugares. Cada
célula do meu corpo sabia que eu estava dentro dela, e parecia o
paraíso. Isso mesmo. Êxtase puro. E nenhum de nós havia se
mexido ainda. Minha respiração estava pesada, como se me
faltasse oxigênio. Então recuperei o fôlego para que não gozasse
antes de dar pelo menos algumas estocadas.
— Lavin... — Bianca sussurrou.
Abri os olhos e vi que os dela estavam marejados. Ela contraiu
a garganta e mordeu o lábio inferior. Droga. Estendi a mão e a
coloquei em sua bochecha.
— Bi?
— Estou tão feliz. — Uma lágrima escapou por seus cílios
inferiores no momento em que ela começou a rebolar. Para a frente,
para trás. Para a frente, para trás. Só um pouquinho de cada vez.
Peguei sua mão e a coloquei sobre meu coração.
— “Feliz” não chega perto de descrever tudo isso.
Ela pareceu engastar, mas entendi rindo em meio as lágrimas.
— Tem razão. Precisamos inventar uma palavra. — Bianca
secou os olhos e se levantou um pouco. Fiquei observando
enquanto ela se erguia, mostrando a base do meu pau e então se
afundava de novo. Era lindo demais.
— Vou pensar em algo. Mais tarde. Agora meu cérebro se
esqueceu do próprio idioma.
Sua risada morreu em um gemido quando ela aumentou o ritmo
da cavalgada. Passei as mãos de suas coxas até o quadril para que
as estocadas estivessem em sintonia com as dela. Não dissemos
uma palavra. Eu só conseguia observá-la me recebendo. De novo, e
de novo, e de novo. Pensei que ficar olhando para onde nossos
corpos se conectavam seria um tesão, mas nada se comparava à
nossa troca de olhares. Talvez fosse ali que nos conectávamos.
Gritei seu nome quando gozei. Não vi estrelas. Minha visão não
escureceu. Mas um calor se espalhou por cada centímetro do meu
corpo e um sentimento de satisfação me preencheu até a alma.
Quando finalmente parei de tremer, beijei Bianca e depois a deitei
em meu peito.
Ela fungou algumas vezes, e talvez eu tenha sentido meu rosto
úmido, mas fingi que era suor. Fechei os olhos ao segurar Bianca
bem perto de mim. Passei muito tempo pensando no dia em que
perderia a virgindade, sempre focando no meu prazer. Como me
sentiria. Como seria meu desempenho. Sempre encarei o ato com
uma visão unilateral, me colocando no centro de tudo, como um
babaca egoísta.
O que Bianca e eu fizemos não teve a ver com perda da
virgindade, e sim com criar uma conexão. Algo pelo que nós dois
ansiávamos, e não teria importância se eu não tivesse esperado, ou
se esperasse mais vinte anos. Aquela seria a única primeira vez que
significava alguma coisa, porque foi com ela. Tinha a ver com nós
dois.
Meu terceiro ano de faculdade foi aquele em que eu, Lavin
Saint, conquistei a glória e a garota. A glória não duraria para
sempre, mas a garota? Um sorriso se espalhou por meu rosto
enquanto abraçava Bianca. Eu ia ficar com ela.
Dezenove
Bianca
Naquele verão

— BIANCA, BIANCA, CARA DE CARRANCA. Bianca, banana.


Bi, Bi, Biancaaa! — Lavin jogou as mãos para o alto, se
desequilibrando e trombando em um carro estacionado. — Ops... —
ele disse e se afastou do sedan cor de chumbo. — Carro malvado.
É meu aniversário. Seja bonzinho.
Tentei não rir, mas ele estava tão bêbado e tão bonitinho...
estava vermelho depois de tantos drinks de cerveja irlandesa com
whisky. Seu cabelo castanho escuro era uma bagunça, e os olhos
cor de mel brilhavam. Estava surpresa por ele ainda não ter
vomitado. Quando comentei meu pensamento, ele deu tapas na
barriga e disse:
— Estômago de aço.
Eu o puxei para mim e para longe do carro, tentando fazê-lo
continuar a caminhada. Estávamos quase em sua casa.
— Tem certeza de que não é melhor que eu o carregue? — Dre
murmurou atrás de nós, junto com Shane e Zac.
— Me carregar não preciso! — Lavin estufou o peito e
conseguiu se manter de pé e caminhar em linha reta por alguns
momentos.
Então colocou o braço em volta dos meus ombros e me puxou
para si. Tentou dar um beijo em minha têmpora, mas seus lábios
erraram o alvo e pousaram em meus olhos.
— Bianca bonita — murmurou contra minha bochecha. — Tão
bonita.
Meu pai costumava dizer que quando um homem ficava
bêbado, ou ele se transformava em um apaixonado, ou em um
encrenqueiro. Lavin era um apaixonado. Quanto mais bebia, mais
queria abraçar todo mundo. Dre, Shane, Zac, eu, o bartender e até
mesmo um cara mais velho na saída do banheiro.
Continuou me dizendo o quanto eu era bonita e que me amava.
Era super fofo, mesmo que mal conseguisse manter os olhos
abertos. Nunca o vi tão embriagado, mas era seu aniversário de
vinte e um anos, e todo o time de futebol apareceu para a
comemoração.
Finalmente chegamos à república, e eu o segurei pela cintura
quando nos aproximamos da escada.
— Certo — ofeguei enquanto olhava os degraus. — Vamos dar
um passo bem grandão.
— Para cima? — Lavin perguntou.
— Para cima, meu amor.
— Hmmm... — Ele se distraiu e tentou me beijar de novo. —
Amo quando você me chama assim.
— Se acalme, garotão — eu ri. — Vamos entrar.
— E eu vou ver seus peitos lá dentro? — ele perguntou, mas
estava bêbado demais para isso falar baixo. Os garotos morreram
de rir.
— Sim, Lav, você vai ver meus peitos lá dentro. — Tudo bem,
era um suborno para fazê-lo cooperar.
— Isso! — Comemorou enquanto colocava o pé no primeiro
degrau.
Com a ajuda de Dre, Shane e Zac, conseguimos fazê-lo entrar
em casa e subir as escadas até o quarto. Ele cambaleou até a
cama, onde caiu de cara com um gemido. Ficamos olhando para ele
quando começou a roncar.
— Se ele vomitar, não me chame — Zac comentou, esfregando
as mãos e saindo do quarto.
Dre passou a mão pelo rosto.
— Por um segundo, achei que ele ia vomitar na escada. Vamos
torcer para que ele durma até ficar sóbrio.
— Ele bebeu tanto que o álcool vai demorar três dias para sair
do seu organismo — Shane disse.
Lavin bufou e resmungou alguma coisa antes de voltar a roncar.
Sorri em sua direção.
— Até que ele fica bonitinho assim.
Shane me encarou antes de sair andando.
— Vocês dois se merecem.
— Tem certeza de que vai ficar bem aqui com ele? — Dre
perguntou.
Assenti.
— Vou dormir no futon. Não acho que seja uma boa ideia me
espremer na cama com ele assim.
— Caso ele vomite?
Fiz uma careta.
— Exato.
Dre riu.
— Vou me deitar. Se precisar de alguma coisa, é só me chamar.
— Obrigada, Dre.
— Às ordens, Bi.
Quando ele saiu, tirei os sapatos de Lavin, depois a calça e a
camiseta para que ficasse mais confortável só de cueca. Ele não
acordou enquanto eu balançava seu corpo, embora tenha
balbuciado alguma coisa sobre peitos. Então coloquei uma lixeira ao
lado da cama – por precaução –, uma garrafa de água, Gatorade e
uma cartela de Advil na mesa de cabeceira.
Lavei o rosto, prendi o cabelo, vesti um short e camiseta dele e
então me acomodei no futon enquanto o observava dormir. Mesmo
que estivéssemos nas férias de verão, todos permaneceram na
república. Zac estava fazendo alguns cursos de férias, e tanto Dre
quanto Shane arranjaram emprego por aqui. Lavin também
conseguiu um trabalho temporário. Era comum que voltasse para a
casa dos pais nas férias, e eu me sentia um pouco mal por ele não
ter feito isso. Sabia que eu era o motivo, pois morava ali. Além
disso, estava matriculada em cursos para ficar em dia com a
faculdade.
Mas estava com medo das férias ao imaginar que ele iria para
casa, embora ficasse a apenas uma hora de distância. A questão é
que me acostumei com o fato de nos vermos e dormirmos juntos
todos os dias. Foi por causa dele que comecei a fincar raízes, algo
que nada, nem ninguém havia conseguido – nem as passarelas e
nem minha família. A vida toda, senti que corria atrás de alguma
coisa fora do meu alcance. Tinha que continuar, precisava correr.
Mas com Lavin encontrei sossego e conforto. Parei de correr. E só
fiquei. Com ele.
Meu perseguidor se declarou culpado, o que surpreendeu a
todos. Foi um milagre não precisarmos enfrentar um julgamento. Ele
nunca mais veria a luz do dia. Escapou da pena de morte, mas foi
condenado à prisão perpétua.
Quando vi Lavin pela primeira vez, senti certa atração, mas
nunca me passou pela cabeça que ele seria o meu “felizes para
sempre”. Sorri enquanto afundava no futon Me cobri com o lençol e
fechei os olhos. Dormi em questão de minutos.
Acordei com um sobressalto um tempo depois. O quarto ainda
estava escuro, e um baque seguido por um palavrão me fez ter
certeza do que me acordou. Uma silhueta se movia pelo quarto.
— Lav? — sussurrei.
Outro baque, e a silhueta caiu no chão.
— Ai... — ele disse com um gemido. — Vai ficar roxo.
Joguei o lençol para o lado e acendi a luminária. Lavin estava
deitado no chão, segurando a canela. Piscou por causa da luz.
Então conseguiu focar os olhos sonolentos em mim e soltou a
perna. Um sorriso se espalhou por seu rosto.
— Bi.
— O que você está fazendo? — Eu me agachei ao seu lado.
— Te procurando. — Ele fez beicinho. — Você não estava na
cama.
— Estou dormindo no futon.
Ele se virou para olhar o lençol e o travesseiro no futon.
— Mas você sempre dorme comigo. — Lavin arregalou os
olhos. — Ai, não. Fiz alguma coisa que te deixou brava? O que foi?
— Fez careta. — Me desculpe, por qualquer coisa. — Ele levantou a
mão e puxou o cabelo. — Droga, estou zonzo. Por que o quarto está
girando?
— Meu amor, você não fez nada que me deixou brava. Só quis
evitar que vomitasse em mim. Você está bêbado. É seu aniversário
de vinte e um anos, se lembra?
O olhar aterrorizado sumiu.
— Ah, verdade! Droga, bebi demais. O pessoal do time me
paga.
Estendi as mãos.
— Vamos te colocar na cama de novo.
Ele balançou a cabeça.
— Preciso fazer xixi.
Ah, que ótimo. Pensei na distância até o banheiro, e achei que
não precisaríamos da ajuda de Dre.
— Tudo bem. Consegue andar?
Ele mordeu o lábio e desviou o olhar.
— Lógico.
Fechei a boca para conter uma risada.
— Você não parece tão certo disso.
— Talvez eu devesse engatinhar.
— Ai, meu Deus, Lavin. Você não vai engatinhar. — Agarrei sua
mão e o puxei. — Vamos.
Ele fez um gesto com a mão para que eu me afastasse e com
um resmungo ficou de quatro. Seu corpo oscilou até que conseguiu
se levantar. Ele perdeu o equilíbrio e esticou o braço a tempo de se
apoiar no batente da porta. Lav se virou e deu uma piscadinha para
mim.
— Foi por pouco.
— A última coisa de que precisamos é você sofrer mais uma
concussão — resmunguei, agarrando sua cintura à medida em que
nos arrastávamos pelo corredor até o banheiro. Amava sentir
aqueles músculos definidos sob a pele macia, mas não era hora de
admirar meu namorado seminu.
Abri a porta e o apoiei na parede perto do vaso sanitário.
Gesticulei para ele enquanto me recostava na pia.
— Faça o que precisa.
Ele sorriu para mim.
— Talvez seja melhor se você segurar meu pau. Minha mira
não está das melhores.
Fiz cara feia.
— Não vou segurar seu pau enquanto você faz xixi, Lav. — Ele
fez beicinho de novo, e eu apontei o dedo para ele. — Nada de
fazer cara de coitadinho. Vamos, faça xixi.
Lavin suspirou, e eu me virei, apenas esperando ouvir o
barulho. Quando terminou, cambaleou até a pia e conseguiu lavar
as mãos antes de sair tropeçando até o quarto, comigo em seu
encalço.
Caiu de cara na cama, mas se virou e abriu os braços.
— Deite aqui comigo.
— Lavin, você está cheirando a álcool — comentei, mas mesmo
assim me deitei ao seu lado.
Ele sempre estava quente, como se o corpo fosse uma
fornalha, mais ainda quando dormia. Eu me aconcheguei nele,
afundando o nariz em seu peito até que conseguisse sentir seu
cheiro, e não o da cerveja que derrubou durante o karaokê.
Estremeci ao me lembrar. Ele cantava mal pra caramba, e
quando eu mostrasse o vídeo dele cantando My Chemical
Romance, ele morreria de vergonha. Mal podia esperar.
— Você se divertiu? — ele perguntou, bocejando.
Apertei sua cintura.
— Muito. Você nos deu uma serenata de música emo.
— Sou maior de idade agora — murmurou.
— Lavin, você é maior de idade desde os dezoito.
— Chega de namorar os novinhos! — Ele disse, se gabando.
Revirei os olhos.
— Meu Deus, eu não namoro novinhos.
— Sua papa-anjo gostosa. — Fez um barulho que presumi ser
um rugido.
— Você precisa dormir para ficar sóbrio, meu amor.
— Não consigo. Despertei, e você está aqui, toda quente e
macia.
— Ah, é mesmo?
Levantei a cabeça para olhar em seus olhos. Ele aparentava
estar um pouco menos bêbado. Baixei a mão devagar e o apalpei
por cima da cueca. É claro que estava duro. Um ventinho deixava
Lavin duro. Não que eu estivesse reclamando. Ele me fazia sentir
tão desejada... mais do que já havia me sentido na vida. Desejada,
valorizada e muito, muito sexy. Poderia estar usando uma calça
enorme de moletom e uma camiseta furada e ainda assim ele me
olharia como se estivesse coberta por diamantes.
— Acho que posso te deixar cansado — comentei com a voz
mansa, deixando um beijo em seu peito e empurrando seus ombros
para que se deitasse de costas.
— Acho que sei onde isso vai acabar. Papa-anjo. — Ele
colocou as mãos no meu cabelo e curvou os cantos da boca em um
sorriso.
— Então cale a boca e me deixe fazer meu trabalho.
Ele me obedeceu, e eu cumpri minha promessa. E então ele
adormeceu.

***

Um ano depois
Bianca

— James Roberts.
A voz monótona repercutiu no público agitado enquanto eu
deslizava os dedos pela programação da formatura.
— Mais dois! — dei um gritinho, balançando os pés e ficando
na ponta do assento na arquibancada. — Por que ele tinha que ter
um sobrenome com uma das últimas letras do alfabeto?
O pai de Lavin riu. Bem, eu também o chamava de Papai,
porque não tinha como chamá-lo de sr. Saint uma vez que havia
dois. Além disso, eles insistiam para que fossem chamados de
Papai e Pop. Eu amava isso.
— Valerie Rodriquez.
Pop ficou responsável pela filmagem, já que tinha as mãos mais
firmes. E graças a ele, pegamos excelentes lugares, pois os
reservou com antecedência. Papai estava prestes a surtar, assim
como eu. Estava sentado junto a mim, com as mãos unidas e os
olhos brilhando.
— Estou tão orgulhoso do nosso menino.
— Bailey Sabine.
— Ele é o próximo. Ele é o próximo! — Meu coração estava
disparado. Preparei a corneta que havia escondido de Lavin, porque
se ele a visse, teria me dito para não usá-la. Ele ainda odiava ser o
centro das atenções, mas eu amava jogar toda a luz sobre ele só
para vê-lo morrer de vergonha.
— Lavin Saint.
Papai e eu ficamos de pé. Pop assobiou enquanto eu soprava a
corneta.
— É isso aí, Lavinnnnnnn!!! — berrei.
Papai colocou as mãos na boca.
— Vai com tudo, filho!
Por estarmos em assentos privilegiados, foi fácil ver quando
Lavin se virou e trocou olhares comigo antes de balançar a cabeça e
um sorriso largo tomar seu rosto. Soprei a corneta de novo, e ele se
encolheu. Sim, eu sabia o quanto estava sofrendo com a ressaca,
mas problema não era meu.
Nós três demos as mãos enquanto observávamos Lavin
caminhar pelo palco para pegar o diploma. Estava tão bonito com
aquele capelo na cabeça. Seu cabelo esvoaçava pela testa. Quando
desceu do palco, acenou de forma preguiçosa, e eu soprei a corneta
mais uma vez.

***

— Acorde! — Pulei na cama de Lavin. Estávamos na casa de


seus pais, e eu saltitava sobre os joelhos enquanto ele gemia e
cobria o rosto com o travesseiro.
— Sai daqui — ele bufou.
Pulei ainda mais.
— Nada disso. Seu pai já está doido lá em cima, se arrumando
para a festa de formatura. Disse a ele que parasse de se preocupar
e que eu viria te chamar.
Lavin tirou o travesseiro do rosto e me olhou desconfiado.
— Por que você está acordada?
— Sinto certa desconfiança.
Ele semicerrou os olhos.
— Hã, sim. O que está acontecendo?
— Troque de roupa.
— Preciso de café.
— Vamos cuidar disso depois que você se trocar.
Ele resmungou enquanto saía da cama, e eu lancei um olhar de
cobiça para ele quando se espreguiçou e coçou a barriga antes de
se trocar.
Puxei seu braço, arrastando-o para o andar de cima, mas Lavin
fincou os pés no chão. Foram-se os dias em que ele me seguia em
qualquer empreitada sem questionar. Estava mais esperto. E sabia
que eu era perdidamente apaixonada por ele, então podia ser mais
firme e nem sempre ceder. Às vezes, eu sentia falta do tempo em
que me seguia como um cachorrinho.
— Bi, o que foi?
— Seus pais sabem que vamos sair um pouco. — Eu o puxei
de novo.
Mas ele não se mexeu.
— Sabem o quê?
— Que eu tenho uma surpresa para você.
Ele me olhou desconfiado e estreitou os olhos castanhos. Como
eu amava seus olhos. Amava profundamente. Tinham tons marrons
e, dependendo da luz, ficavam quase verdes. Às vezes, exibiam um
castanho muito escuro.
— Você e suas surpresas — ele resmungou.
Mas sorriu, aquele sorriso que mostrava a covinha do lado
esquerdo. Eu sabia que o havia convencido, então o arrastei pela
porta dos fundos direto para o barracão. Ele entendeu na mesma
hora, balançando a cabeça para mim enquanto eu destrancava a
porta e caminhava até o quadriciclo. Àquela altura, já o conduzia
muito bem. Sempre que visitávamos seus pais e o tempo estava
bom, íamos até a cachoeira.
Em poucos minutos, estávamos acelerando pelo caminho.
Estava grudada nele. Às vezes, Lavin até me deixava pilotar, mas
sempre chegávamos com ele quase infartado por causa de um
ataque de pânico. Ele dizia que eu dirigia “como se quisesse
morrer”. Então deixei que ele pilotasse.
Quando chegamos à cachoeira, dei o primeiro passo em
direção à pedra, gritando “Tcharam!” enquanto balançava as mãos
para o cobertor que estendi ali mais cedo. Lavin parou
abruptamente ao vislumbrar a toalha e a cestinha de piquenique,
assim como o champanhe dentro de um balde com gelo já derretido.
Não disse nada por um bom tempo, o que era incomum, já que
sempre dizia o que lhe viesse à cabeça.
Então soltou um suspiro bem longo e feliz, e seus olhos
cintilaram.
— Uau, Bi.
— Café da manhã. No seu lugar preferido. No dia em que
celebramos você, sr. Summa Cum Laude.
Ele deu risada.
— Tanto faz.
— Não é tanto faz. — Coloquei as mãos na cintura. — Já
falamos sobre isso. Repita comigo.
— Bi...
— Eu, Lavin Saint.
— Pelo amor de Deus — ele murmurou antes de soltar um
suspiro profundo. — Eu, Lavin Saint.
— Ficarei orgulhoso das minhas conquistas.
— Ficarei orgulhoso das minhas conquistas.
— E agora vou tomar café da manhã com a minha namorada
maravilhosa.
— E agora vou comer minha namorada maravilhosa.
Joguei as mãos para cima.
— Lavin!
— O quê? — Ele arregalou os olhos, fingindo inocência.
— Tarado.
— Você criou um monstro, Bi.
Apertei os lábios enquanto me sentava sobre a toalha. Ele não
estava errado, já que passou a amar sexo – ou melhor, amar sexo
comigo – como se tivesse nascido para isso. E Lavin era bom pra
caramba na cama. Ou talvez fosse apenas o fato de que não
tínhamos pressa para conhecer o corpo um do outro. Eu não era
virgem, mas isso não significava que era experiente. Juntos, não
sentíamos a pressão para ser algo que não éramos, brincando e
testando o que cada um gostava. E fazíamos com frequência.
— Sente-se — eu disse, precisando pensar em outra coisa
antes que desistisse da comida que preparei e partisse para algo
mais.
Ele se jogou ao meu lado, alcançou a cesta e pegou uma tigela
de frutas de dentro. Abriu a tampa, arremessou jogou uma uva para
cima e a pegou na boca com um movimento rápido do pescoço.
— Certo, então temos frutas, bolinhos e burritos. Ainda estão
quentes. — Abri uma sacola térmica e passei um pacote
embrulhado em alumínio para ele.
— Que horas você acordou para fazer tudo isso? — Ele parecia
uma criança se cercando de comida enquanto cheirava um dos
bolinhos. — Você é a melhor — disse com a boca cheia e farelos
caindo em sua camiseta.
Acordei nas primeiras horas do dia, enquanto Lavin ainda
estava dormindo pesado.
— Eu sou a melhor — repeti e abri o champanhe para preparar
uma mimosa.
Ele olhou para a taça e arqueou a sobrancelha antes de dar de
ombros e beber em um só gole. Engasgou, e seus olhos
lacrimejaram.
— Droga. Tem bolhas no meu nariz — arfou. — Isso queima.
E assim era a vida com Lavin.
— Você precisa beber devagar.
— Você deveria ter avisado. Era só um copinho com quase
nada dentro. O que foi? Você acha que que faço um brunch todos
os dias?
Preparei outro drink.
— Tome em pequenos goles dessa vez, Lav. — Ele ergueu o
mindinho e deu um gole exageradamente delicado. Dei um soco em
seu ombro, rindo. — Coma logo, seu esquisito.
Quando chegou na metade do burrito, Lavin se virou para a
cachoeira.
— Que horas temos que voltar?
Dei uma olhada no relógio.
— Daqui uma hora.
— Nem queria uma festa. Esse é o melhor presente de
formatura.
Mordi o lábio.
— Não comprei nada para você. Não sabia o que...
— Bi — ele me interrompeu e me encarou com intensidade. —
Isso aqui. É tudo incrível. Você fez o café da manhã para mim e me
trouxe ao meu lugar preferido. E ainda por cima, estou sozinho com
você. É perfeito. — Ele se aproximou e deu um beijo em minha
bochecha. — E vou te mostrar o quanto foi perfeito assim que
acabar esse burrito, porque, você sabe... peitos.
Tomei meu drink, comi um bolinho e espetei algumas de frutas
com o garfo. Lavin sempre comia como se estivesse faminto. Eu
presumia que queimava muitas calorias nas corridas, que ainda
fazia todos os dias. Já havia se inscrito para jogar em uma liga
recreacional de futebol para adultos durante o verão.
Quando ele terminou, juntei todas as sobras e o lixo. Íamos
muito àquele lugar, então ficava subentendido que deveríamos
deixar o local o mais intocado possível. Lavin se deitou de costas,
colocando um braço embaixo da cabeça e mantendo o outro aberto,
um convite silencioso para que eu me aninhasse ao seu lado. Mas
eu tinha outros planos. Eu me sentei em cima dele, uma perna de
cada lado de seu quadril, e repousei as mãos em sua barriga,
fazendo seus olhos dilatarem no mesmo instante. Nada me dava
mais tesão do que aquele olhar sedento e o efeito instantâneo que
eu tinha sobre ele.
— Porra, Bi.
Rebolei, sentindo seu pau ficar duro entre minhas pernas.
— Nunca transamos aqui.
Lavin umedeceu o lábio inferior enquanto deslizava as mãos
por minhas coxas.
— Nunca.
— Não acha que deveríamos batizar esse lugar?
— Acho que deveríamos batizar o máximo de lugares possível.
Eu me aproximei devagar, mas ele tinha outra coisa em mente.
Com uma mão na minha nuca, me beijou. Lavin sempre beijou muito
bem, mas eu podia jurar que melhorava a cada dia.
Ele rebolava sob meu corpo, um movimento sutil que fazia com
que o zíper da sua calça roçasse em meu clitóris, me arrepiando
inteira. Cravei os dedos em seu peito e me deleitei com o grunhido
que irrompeu de sua garganta.
De repente, eu já não estava mais por cima. Vi o mundo girar e
fiquei com as costas no chão, mas a toalha era grossa e macia o
suficiente para me proteger das pedras. Lavin arrancou minha calça
e, antes que pudesse impedi-lo, colocou minhas pernas sobre seus
ombros e sua boca em mim.
Gritei, agarrando seu cabelo. Não era esse o plano.
— Lavin, eu é que deveria te agradar desse jeito —
choraminguei.
Ele se afastou um pouco, apenas para me olhar de onde
estava.
— E desde quando isso não me agrada?
Não fui capaz de responder, porque logo em seguida, sua boca
já estava em mim de novo, circulando meu clitóris com a ponta da
língua. Então ele me penetrou com os dedos, e, um instante depois,
me chupou. Arqueei as costas com o orgasmo me atingindo como
uma onda.
Antes que o efeito passasse, Lavin estava em cima de mim, me
penetrando. Eu o envolvi com braços e pernas, arfando com a
sensação dele dentro de mim. Toda vez, toda bendita vez, era
delicioso. Deixamos de usar camisinha há algum tempo, então tinha
a sensação de que era muito mais intenso.
Conseguia sentir cada saliência do seu pau, cada tremor ao me
penetrar, salpicando meu rosto com beijos, dizendo que me amava,
que eu era perfeita e linda. Eu sabia que era tudo sincero. E quando
eu dizia as mesmas coisas, também era.
Ele parou as investidas e fez movimentos circulares com o
quadril, algo que havia começado a fazer recentemente e que me
deixava de pernas bambas.
— Assim... isso... assim — gemi. — Por favor.
Ele repetiu o movimento e quando pressionou meu clitóris com
o dedo, tensionei os músculos internos e gozei. Lav me
acompanhou, enterrando o rosto no meu pescoço e dizendo meu
nome com reverência.
Alisei seu cabelo enquanto suas mãos desciam pelas laterais
do meu corpo. Quando comecei a sentir as pernas desconfortáveis,
ele as soltou. Depois de um selinho delicado, nos vestimos. Dessa
vez, ao se deitar de costas com os braços abertos, me aconcheguei
a ele.
— Isso sim é um presente — ele disse, o que me fez afundar o
rosto em seu peito e rir. — Eu te amo, Bi.
— Também te amo. Vou sentir saudades.
— Saudades? Não vai, não.
Levantei, usando o cotovelo como apoio.
— Como assim? Claro que vou! Tenho que ir para a faculdade,
e você vai trabalhar em tempo integral.
Lavin recebeu uma proposta de emprego em sua cidade natal
para atuar como professor do quinto ano na mesma escola em que
estudou. Ficava a uma hora de Parksburg. Eu me matriculei em
muitas disciplinas para me formar antes, mas ainda assim teria mais
um ano.
— Como vai sentir saudades se você vai morar comigo? — ele
retrucou.
Fiquei olhando para ele sem entender nada.
— Do que você está falando? De jeito nenhum vou deixar você
fazer esse trajeto todo dia. É ridículo. E você sabe que não posso
morar tão longe da faculdade.
Ele balançou a cabeça.
— Vou continuar em Parksburg.
— O que...
Seu sorriso se iluminou.
— Recebi uma proposta da escola Tollgate Elementary.
Eu o encarei, boquiaberta. Tollgate era nos arredores de
Parksburg, a cinco minutos da faculdade.
— Como assim?
— É isso. Vou aceitar. Vamos alugar um apartamento e vou
deixar você me convencer a adotarmos um animal de estimação.
Mas não cobras. Acho que aceito um passarinho.
Continuei olhando para ele.
— Mas e o…
— Bi, seria muito estranho trabalhar com meus antigos
professores. Não tem jeito, é esquisito. Ainda mais quando sei que a
sra. Grant, que ainda leciona lá, limpou minha bunda quando eu
estava no jardim de infância.
— Ah, meu Deus, Lavin.
— Entendeu? Você espera que eu seja colega dela? Não dá.
— Mas...
— O salário não é tão bom na Tollgate, mas vou ficar com o
segundo ano, e eu prefiro, porque o quinto é assustador. Você já viu
a criançada de dez anos? Garotos com peito peludo e meninas
menstruando. — Ele tremeu.
— Não acho que os meninos já tenham pelo nessa idade...
— Eu vi! Quando fiz a entrevista. Juro por Deus. O menino tinha
o peito peludo e uma voz grossa. Ele poderia me bater.
Revirei os olhos, mas mesmo assim estava ficando empolgada.
— Espere aí. Então você está falando sério?
— Tão sério quanto um infarto. Está na hora de tomar minhas
decisões, e já está decidido. Segunda-feira vou avisar que aceitei.
Eu me joguei em cima dele, oscilando entre chorar de felicidade
e gritar de alegria.
— Estou tão feliz!
Lavin me abraçou bem forte.
— Eu sei.
— Tem certeza de que é isso mesmo que você quer?
Ele colocou meu cabelo atrás da orelha, e seus olhos
castanhos me encaravam intensamente.
— Nunca tive tanta certeza na vida.
Notas da autora e agradecimentos
Cresci cercada por futebol. Meu irmão jogava e era muito bom,
o que significava muitos fins de semanas em campeonatos e noites
frias adentro, segurando um copo descartável de chocolate quente e
torcendo por ele até que ficasse rouca. Tive uma queda por alguns
jogadores do time dele. Quando fiquei mais velha, comecei a jogar,
mesmo que não fosse muito boa, mas isso não importava. Eu
amava o futebol.
Meu primeiro namorado era jogador, e claro que me casei com
um. E agora, sou mãe de um. Então, sim, está no sangue. Sempre
quis escrever um romance que girasse em torno do futebol, mas
precisava encontrar o herói perfeito. Perfeito. Então esperei e
esperei, e quando Lavin Saint começou a falar comigo, eu soube
que havia encontrado um. Não sei se um dia criarei outro herói que
eu ame tanto quanto amo meu Lavin.
Um dos meus filmes favoritos é Show de vizinha, cujo
personagem principal é um estudante virgem do ensino médio que
se vê apaixonado por sua vizinha, uma atriz pornô. Essa foi minha
inspiração para escrever este livro, e estou tremendamente feliz
com o resultado.
Amei escrevê-lo. Na verdade, essa obra fez com que eu me
apaixonasse de novo pela escrita. Nunca poderei agradecer o
suficiente aos meus leitores e leitoras por me apoiarem durante o
período em que fiquei sem escrever. Ao grupo do Facebook, Meg’s
Mob, não teria conseguido sem vocês! Serei eternamente grata.
Às minhas leitoras beta, Natalie Blitt e Krista Davis. Vocês me
encorajaram a colocar Lavin no mundo.
Muito obrigada Melinda Utendorf pela revisão primorosa.
Aos meus leitores e leitoras, obrigada de coração. Espero que
se apaixonem por Lavin assim como eu.
Leia também:
Prólogo
Tristan
Dez anos atrás

— TRISTAN, POR QUE VOCÊ está tão mal-humorado hoje?


Você ouviu o que eu disse?
O clima sombrio de hoje corresponde ao meu humor. Se pelo
menos a chuva começasse a cair, eu teria uma desculpa para ir
para a aula mais cedo e me afastar de Adam. Ele está começando a
fazer perguntas que não posso responder.
— Acho que só estou cansado. Me deixa ver se entendi: a
Debbie apareceu na sua casa ontem à noite, implorou para que
você a aceitasse de volta e te beijou... do nada? — Jogo meu
almoço no lixo. Não adianta remexer nele quando não tenho apetite.
Adam termina de mastigar uma batata enquanto assente.
— Sim, disse que soube que eu estava namorando e percebeu
o quanto sentia a minha falta.
Me pergunto se alguém vai sentir a minha falta.
— O que você disse?
— Depois que ela enfiou a língua na minha garganta, eu disse
que estava saindo com outra pessoa e não estava interessado.
Antes que eu tenha a chance de perguntar se ele contou a
Bexley o que aconteceu, nós a vemos cruzar o pátio de forma
tempestuosa. A garota com quem Adam está saindo é baixinha,
mas poderosa. O cabelo escuro e encaracolado cai em cascata
pelas costas e os seios empinados saltam enquanto ela caminha.
Preciso reconhecer: Adam tem sorte de estar saindo com ela, e
como eu ando tão preocupado ultimamente, é bom que ele tenha
alguém para lhe fazer companhia.
— Oi, Bex — Adam se levanta e se aproxima dela, mas a
garota estica uma mão, impedindo-o.
— Não me toque. É verdade?
Com a testa franzida, Adam tropeça em suas palavras.
— Que... o que é verdade?
Ela semicerra os olhos, e até eu fico desconfortável com sua
lenta avaliação. Nunca conheci uma garota de quinze anos que
pudesse evocar aquele “poder” que as mães têm. É como se ela
pudesse ver a verdade, mas Adam não fez nada de errado. Ele
apenas usa a culpa como armadura.
— Entendo... — Bexley olha para mim e revira os olhos antes
de olhar de volta para ele. — Se queria voltar com sua ex, deveria
ter dito. Contando o café da manhã, só saímos sete vezes. Eu não
ficaria magoada.
Com os olhos arregalados, Adam estende a mão para ela, que
o evita.
— Bexley, não é assim.
— É mesmo? Se não é assim, por que você não me disse que
enfiou a língua na garganta da Debbie na noite passada?
Adam dá um passo para trás, com os olhos vidrados de fúria.
— Eu disse que tinha uma coisa para te contar, e você
perguntou se podia esperar porque queria estudar antes da aula.
Bex joga os braços para o alto e suspira.
— Você sempre tem uma desculpa. Deixa pra lá. Estou feliz por
não perder mais tempo com você. Volte para a Debbie. Não estou
interessada.
Adam pega seu almoço meio comido e o joga no lixo.
— É? Bem, isso é recíproco! Te vejo mais tarde, Tris. — Ele sai
furioso em direção ao ginásio, me deixando com sua não-namorada.
— Seu amigo é alguém difícil de lidar — ela murmura enquanto
o vê desaparecer entre a multidão de alunos na lanchonete.
— Na verdade, o Adam é um cara legal. A Debbie que é uma
babaca que apareceu na casa dele e forçou a barra antes que ele
pudesse dizer a ela para ir embora... o que ele fez assim que
escapou de suas garras.
Bexley ri e juro que o sinto irradiar até a boca do estômago.
Nunca conversamos cara a cara, mas ela é ainda mais bonita de
perto. Pena que namorou Adam, porque agora está fora dos limites.
— Garras? Isso é ótimo.
Dou de ombros, mas sorrio para ela. É bom sorrir para variar.
— Eu não era muito fã dela. Você foi um upgrade. Ainda pode
ser, se falar com ele e der uma chance.
— Você é o Tristan, certo? — ela pergunta baixinho.
— O próprio.
Ela franze o nariz e, por algum motivo, quero beijá-lo.
— Você é sempre engraçadinho assim?
— Não tenho certeza se sou engraçado, mas na maioria das
vezes, sou bom com respostas.
Bexley me observa da cabeça aos pés.
— Você é alto.
— E você não é.
— Caramba, obrigada pela parte que me toca.
— Só pensei que estávamos apontando o óbvio.
Ela abre um sorriso.
— Bem, nesse caso, você também é muito fofo.
— Obrigado — respondo, e ela dá um tapinha no meu ombro.
— Você precisa aprimorar suas habilidades, Romeu.
Isso não é exatamente verdade, mas ela não tem como saber,
então eu a acompanho.
— Certo. Você me lembra a Rapunzel.
Ela franze o cenho e uma ruguinha aparece entre as
sobrancelhas. É fofo, mas provavelmente eu não deveria comentar.
— Não sou loira.
Sem pensar duas vezes, estendo a mão e puxo um de seus
cachos entre meus dedos.
— Não, mas tem um cabelo incrível.
Ela olha para os seus pés e então encontra meus olhos.
— Deveríamos ser amigos. Quer dizer, eu deveria tirar algo de
bom desse namoro desastroso.
Essa é a coisa mais legal que alguém me disse ultimamente.
Caramba, além de Adam, essa é a conversa mais longa que tive em
um mês.
— Você acha que sou algo de bom?
Ela fica vermelha.
— Bem, ri mais com você nos últimos cinco minutos do que
com o Adam durante os nossos sete encontros. Eu nem tenho
certeza do porquê continuei saindo com ele. Eu sabia, desde o
terceiro encontro, que seria um desastre.
O sinal toca, e eu pego minha mochila.
— Como você sabia?
Ela coloca a mochila no ombro e começamos a andar. Estou
seguindo seu exemplo, embora ela esteja indo na direção oposta à
minha aula. Vou chegar atrasado, mas não me importo. Nada disso
importa agora.
— Se um cara não te faz rir, é um grande indicador de que você
não deveria estar com ele. Pelo menos, é o que a minha mãe diz, e
ela é muito inteligente quando se trata de relacionamentos.
Não acho que gostaria de namorar alguém que não me fizesse
rir também. Além disso, ela pode estar certa. Nos últimos cinco
minutos com ela, sorri mais do que nas últimas semanas.
— Tudo bem, podemos ser amigos, mas não podemos
namorar. Código de amizade e tudo mais.
Bexley para no meio do caminho e segura meu braço.
— Primeira regra para ser meu amigo: aprender que uma
garota pode apenas querer a amizade de um cara e não querer ou
achar que vai namorar com ele. — Ela puxa uma caneta do bolso e
segura minha mão, fazendo uma anotação. — Segunda regra: gosto
de falar ao telefone. Vozes são muito melhores que mensagens de
texto. Te vejo mais tarde, Tris.
Ela faz uma pausa e morde o lábio antes de encontrar meu
olhar.
— Sei que posso parecer mandona, mas é apenas o meu
humor hoje. Eu realmente preciso de um amigo. Não desapareça,
tá?
Suas palavras são como um soco no estômago. Ela não
poderia saber no que estive pensando – ninguém poderia.
Engolindo o nó recém-formado na minha garganta, eu assinto.
— Prometo. Seria bom ter uma amiga também.
E essa é uma grande verdade.
Ela me dá um sorriso imenso e acena antes de ir embora. Fico
na quadra, que esvazia rapidamente, até que o sinal toque de novo.
Nunca experimentei tantas emoções ao mesmo tempo. Não sobre a
vida e, certamente, não sobre uma garota. Pego o telefone e digito o
número dela antes que saia da minha mão durante o treino de
basquete. Adam estragou tudo. A Bexley é o tipo de garota que
qualquer cara gostaria de namorar.
O sol aparece por trás das nuvens enquanto vou em direção ao
ginásio. Percebo que tenho a oportunidade de fazer amizade com
uma das garotas mais legais que já conheci. Nenhum sentimento
estranho vai ficar entre nós, uma vez que ela já namorou Adam.
Conhecê-la hoje foi o sinal de que eu precisava. É como se um
Anjo da Guarda a entregasse diretamente a mim quando mais
precisei. E quem sabe o que pode acontecer? Ela pode até acabar
se tornando uma das minhas melhores amigas, e tudo porque Adam
tem um histórico horrível com garotas. Sermos amigos pode deixá-lo
chateado no início, mas ele vai superar – ele é legal assim. A única
coisa que sei com certeza é que Bexley me faz feliz, e fazia muito
tempo que não era feliz.

***

Seis anos depois

— Tris! Conseguimos! — Bexley corre para os meus braços, e


eu a giro.
— Graduados universitários. O que vamos fazer pelo resto da
vida?
Ela desliza pelo meu corpo lentamente até que seus pés
encontrem apoio no chão. O sorriso que sempre me dá foi o ponto
alto do meu dia pelos últimos seis anos.
— Você vai ganhar milhões com seus videogames, e eu vou me
tornar uma das melhores analistas financeiras do país. Até lá,
vamos nos mudar para o nosso novo apartamento. Você e o Adam
vão carregar tudo, e eu vou apontar onde cada coisa vai ficar
enquanto me preparo para o meu encontro.
Quando a liberto de meus braços, dou um passo para trás.
— Você tem um encontro na primeira noite em nosso novo
apartamento? Que droga, Bex.
Ela abaixa a cabeça e olha para mim com olhos de cachorrinho.
— Não fique bravo. Estamos no quinto encontro e não acho que
vai demorar muito.
Gemendo, passo o braço ao redor do seu ombro.
— O que há de errado com ele?
O olhar envergonhado em seu rosto me diz que provavelmente
não quero saber.
— Não ria.
— Ah, isso vai ser bom.
— Vamos, Tris. Por favor. — Bex pede e pisca os cílios para
mim.
— Vou tentar não rir. Me deixe adivinhar... ele coloca ketchup
nos ovos?
Ela franze o cenho e estremece.
— Não, isso faria com que ele não passasse do primeiro
encontro. Tudo estava ótimo até que ele me chamou para nadar na
casa de um amigo. Ele estava usando meias com sandálias.
Solto um suspiro de surpresa.
— Não me diga!
Ela cruza os braços e me encara.
— Você disse que não ia rir. — Ela faz beicinho, e se fosse
qualquer outra garota, eu a beijaria. Mas é a minha Bex.
— Eu disse que tentaria. Estou curioso. Ele cometeu um
pecado capital do jogo do namoro. Por que ele vai ter mais um
encontro?
— Pare de falar assim. Estou namorando, não jogando. Não
posso evitar se tenho padrões que nenhum homem consegue
alcançar. — Ela se abaixa e tira os sapatos de salto enquanto
caminhamos pela grama para encontrar nossos pais. — Mas para
responder à sua pergunta... era o aniversário dele e, por mais que
eu valorize a honestidade, não consegui estragar tudo.
— Talvez tenha sido uma única vez. — Estou sempre
defendendo esses homens como se tivesse uma aliança com eles,
mas na verdade, é o oposto: só quero vê-la feliz.
— Também pensei isso, e até achei que poderia deixar passar
como presente de aniversário – contrariando minhas convicções.
Então, um de seus amigos de longa data apareceu, riu e brincou
com ele sobre o péssimo hábito de usar meias e sandálias.
Seguro seu pulso e paro nossa caminhada.
— Bex, eu te adoro, mas você não acha que alguns dos
motivos pelos quais você termina com esses caras são muito
superficiais? Quer dizer, o que você vai dizer a ele? Desculpe, mas
na semana passada você usou o calçado errado e isso ainda está
me incomodando?
Seu lábio estremece, e ela pisca para conter as lágrimas.
— Tris, não posso evitar ser quem sou. Sei o que estou
procurando e sei quando não está lá.
— Bexley, pelo que sei, você nunca saiu com a mesma pessoa
por mais de sete encontros. Normalmente, é menos de cinco. Eu
sou homem. Nem deveria notar essas coisas.
— Você percebe porque se preocupa comigo.
— Exatamente, e porque quero que você seja feliz.
— Eu sou feliz. — Sua resposta enfática não me engana.
— Posso estar enganado, mas não acho que pessoas felizes se
fecham para conexões emocionais. Você transa com estranhos
aleatórios, o que seria bom se incluísse um namorado na mistura de
vez em quando, mas você não faz isso. — Respiro fundo. Brigar
com Bex hoje não estava na minha lista de tarefas.
— Não posso acreditar que você, de todas as pessoas, está me
julgando.
— Você está brincando comigo? Não estou te julgando. Estou
preocupado com você. Querer mais para você não é suficiente, você
tem que querer mais para si mesma.
Seus olhos cor de chocolate encontram os meus enquanto as
lágrimas começam a escorrer pelo seu rosto. Merda. A última coisa
que eu queria era fazê-la chorar. Quando a puxo para o meu abraço,
ela soluça.
— Você não acha que eu quero mais para mim? Por que você
acha que faço essas coisas? Não vou me contentar com qualquer
um, Tristan. Não posso.
Enquanto beijo o topo de sua cabeça, murmuro:
— O que você está tentando encontrar?
Ela não olha para mim, mas me aperta com mais força.
— O cara certo. Não sei explicar, mas vou encontrá-lo e não
vou levar mais que sete encontros para conhecê-lo. Ele será o cara
que vai me fazer sentir um frio na barriga, será a razão de eu sorrir...
Deus, Tris, ele vai me fazer rir como nenhum outro. À noite, ele vai
me envolver em seus braços e me dizer o quanto eu significo para
ele, e vai fazer amor comigo e transar intensamente na mesma
medida. Sei que parece besteira para você, mas damos muitas
primeiras vezes para pessoas aleatórias. Quero que o resto das
minhas primeiras vezes seja com ele. Quero que o homem com
quem vou me casar seja o único que eu ame. O único com quem eu
faça amor, diga “eu aceito” e construa uma vida.
Eu me afasto e inclino seu queixo até que nossos olhos se
encontrem.
— Não é besteira. Na verdade, eu gostaria que mais mulheres
fossem como você: confiantes, determinadas e motivadas. Você vai
encontrar esse cara um dia e, quando acontecer, posso ficar
arrasado por perder minha melhor amiga para ele, mas vai valer a
pena saber que você está feliz.
Um sorriso brilhante ilumina seu rosto.
— Essa é uma questão do sétimo encontro e o teste final.
— O que?
— Quem quer que seja, tem que lidar com você sendo meu
melhor amigo. Porque, Tris, você não é negociável. Nunca vou te
perder. Nós somos uma venda casada. E, honestamente, você
precisa adicionar essa ressalva às suas especificações de namoro
também. Não vou deixar você me abandonar por qualquer garota.
— Eu nunca te abandonaria, Bexley — sussurro as palavras, e
ela me recompensa com um sorrisinho.
Ela segura minha mão e caminhamos em silêncio em direção
ao local onde nossos pais deveriam nos encontrar. Um dia, ela vai
perceber que há um motivo mais profundo para que ela não se
conecte com seus encontros. Até lá, estou feliz em viver o presente
e observar enquanto ela encontra as falhas mais aleatórias nesses
caras perfeitamente normais. Bexley é um enigma, mas por
enquanto, ela é o meu enigma.
Um
Bexley
Dias atuais

— QUE HORAS É o seu encontro? — Tristan olha para mim


rapidamente, e em seguida de volta para seu jogo.
— Ele vai chegar em dez minutos. Gostaria de saber para onde
vamos. “Vista-se bem, é surpresa”. Foi tudo o que consegui dele.
Depois de borrifar um pouco do meu perfume favorito, me junto
a ele no sofá.
Ele dá de ombros, sem desviar o olhar do jogo.
— Talvez ele esteja tentando fazer algo especial.
— Provavelmente. Só estou cansada de não saber nada sobre
os meus encontros. Todo mundo quer assumir a liderança, mas
ninguém se preocupa em perguntar do que eu gosto.
— Parece que é um sinal de que você está escolhendo os
homens errados. Esse é o encontro número três, certo? — Ele joga
o controle para o lado e me dá sua total atenção. Tris se esforça
para conter um sorriso, mas posso ver a tensão em sua bochecha,
onde fica a covinha.
— Você está certo. E considerando que ainda preciso arrumar
encontros, mesmo depois de todos esses anos, é óbvio que tenho
escolhido os homens errados.
Com uma risadinha, ele se recosta no sofá e levanta os braços.
Sua camiseta sobe, me dando uma visão mínima de seu abdômen
perfeito.
Tristan adora ficar pelado. Se ele morasse sozinho, seria uma
daquelas pessoas que se sentam sem roupa nos móveis. O
pensamento faz com que eu me encolha de vergonha, pois suas
partes íntimas não deveriam tocar o lugar onde os convidados se
sentam. Eu já o flagrei mais vezes do que gostaria, e é por isso que
o encaro abertamente agora. Examiná-lo como uma obra de arte o
faz colocar roupas e me impede de corar da cabeça aos pés. Ele é
como Davi, de Michelangelo, mas com um pênis muito maior.
— O terceiro encontro... Significa que hoje é a noite em que
você começa sua contagem regressiva.
— Não necessariamente.
Ele semicerra os olhos com a minha resposta sem convicção.
— Vamos, Bex. Sou seu melhor amigo e te conheço melhor do
que ninguém. Nos dois primeiros encontros, ele aprendeu sobre
você e você assimilou todos os detalhes superficiais dele. Hoje você
começa a julgá-lo.
— Eu não julgo.
Tristan dá uma risadinha.
— Vossa senhoria protesta demais. Você julga, Bex, mas vou te
dar crédito onde é devido: você se livra deles rapidamente. — Ele
leva os dedos às minhas sobrancelhas franzidas. — Relaxe. Vai
precisar de Botox para antes dos trinta, se não parar com isso.
— Ótima maneira de atacar minhas inseguranças. Que amigo
você é.
Tris se inclina para frente e beija minha pele com
envelhecimento precoce.
— Qualquer homem que se preze vai adorar você e suas rugas.
Se você der uma chance a ele.
— Não é minha culpa — murmuro, encostando a cabeça em
seu ombro.
Ele se afasta de mim, tirando meu espaço de conforto.
— De quem é a culpa então?
Adoraria dar a ele uma resposta diferente da verdade, mas não
posso. Até meus pais amorosos acham que sou louca, assim como
meus amigos.
— Minha... Mas em minha defesa, meus pais estabeleceram
um padrão incrivelmente alto. O amor deles é atemporal, o
casamento é perfeito e não posso evitar de encontrar um cara e
descobrir, antes que a maioria das outras pessoas, que ele não vai
poder me dar o que quero.
A expressão de Tristan suaviza. Em vez dos sorrisos
provocadores, encontro um olhar de adoração.
— Você está tentando namorar ou procurando um marido?
A campainha toca, e eu pulo para atendê-la, mas Tristan segura
minha mão.
— Me responda.
Nunca fui capaz de evitá-lo quando ele usa esse tom de
comando. Sua natureza protetora é uma das coisas que mais gosto
nele. Aposto que quando ele usa essa voz no quarto, as namoradas
gozam na hora.
Balanço a cabeça. Não vou me permitir pensar nele assim.
— Seria errado se eu quisesse fazer as duas coisas? Namorar
meu futuro marido?
Seus olhos azuis claros anuviam quando uma expressão
indecifrável cruza seu rosto. Quando ele abre a boca para
responder, a campainha toca novamente.
— Seu terceiro encontro está aqui, é melhor não o deixar
esperando. Se ele tiver sorte, pode conseguir o número sete da
sorte.
— Você é um idiota. — Estou rindo enquanto abro a porta.
— Mas você ainda me ama.
Os olhos de Bradley se arregalam com a declaração de Tristan,
e eu lanço a ele um sorriso que espero que pareça genuíno.
— Bradley, este é meu melhor amigo e colega de apartamento,
Tristan. Tristan, esse é o Bradley.
Tristan já está com o controle de volta nas mãos e dá a Bradley
um clássico aceno de cabeça.
— E aí?
— Ah, prazer em conhecê-lo. Bexley, você está pronta? O carro
está esperando.
Tristan disfarça um suspiro com uma tosse, e eu lanço um olhar
gélido a ele. Há muito tempo, ele decidiu que não seria legal com os
caras com quem saio, já que eles não ficam por muito tempo. Eu
sempre digo que um dia, um deles vai ficar. Pelo menos, espero que
seja o caso.
— Claro. Estava ansiosa para sair com você. Te vejo mais
tarde, Tristan.
Sua voz suaviza.
— Boa noite, Bexley. Divirta-se.
Enquanto coloco o braço no de Bradley, disfarço um suspiro.
Tristan pode ser tão instável. Eu gostaria que ele tivesse respondido
à minha pergunta antes de Bradley chegar aqui. Mas haverá tempo
para perguntar a ele sobre o assunto novamente. Agora, preciso me
concentrar em Bradley.
Nós nos conhecemos no saguão do prédio em que
trabalhamos. Estávamos esperando o elevador. Eu estava a
caminho do meu escritório, que fica no décimo terceiro andar, e ele
para o décimo. Antes do elevador parar, ele pediu meu telefone.
Adorei sua confiança, e então passei meu número. Dentro de uma
hora, ele me ligou e me convidou para jantar. A maioria dos caras
costuma enviar mensagens de texto, o que pode ser divertido, mas
sou uma garota vocal. Adoro ouvir um homem falar comigo.
Especialmente caras como Tristan, que podem ser engraçados e
doces, mas dominantes quando é importante. Ao examinar Bradley,
me pergunto se sua confiança também ganha vida no quarto.
Mesmo que seja verdade, a grande questão é: chegaremos longe o
suficiente para que eu descubra?
Hoje, ele está com o cabelo loiro impecavelmente penteado e
usa óculos sensuais e estilosos. Ele tem praticamente a minha
altura, um pouco mais baixo que os caras que normalmente procuro.
Está usando terno, como nos nossos encontros anteriores. Bradley
é advogado e temos usado um serviço de motorista em todos os
nossos encontros. Ele me faz entrar primeiro. Quando ele me
acompanha, noto sua falha fatal. E eu ainda me perguntei se
chegaríamos ao quarto.
Pisco, esperando estar vendo coisas, mas não estou. Droga.
Ele está usando mocassins e meias listradas que combinam com a
gravata. E não é qualquer tipo de mocassim. É daqueles com borlas
penduradas. São caros, sem dúvida, mas meu avô usava mocassins
com borlas. Para mim, não são sapatos másculos. São sapatos de
vovô. ainda por cima combinando com meias listradas. Argh. Esse é
o segundo golpe que recebo, e ainda nem saímos da minha casa.
O motorista nos deixa em um hotel em Hollywood. Sinos de
alerta disparam em minha cabeça, e Bradley parece notar.
— Bexley, relaxe. Não estou esperando que você durma
comigo, embora eu não seja contra. O bar daqui faz bebidas
icônicas e o restaurante tem uma lista de espera de um ano. Resolvi
um caso para o chef recentemente, e ele me ofereceu uma mesa
sempre que eu quiser.
Dou um sorrisinho enquanto ele me ajuda a sair do carro.
— O jantar eu posso aceitar. Bebidas também. Sexo não está
em negociação.
Ele assente, leva minha mão aos lábios e a beija.
— Jantar e bebidas então. — O gesto é doce, mas juro que há
uma centelha de decepção em seus olhos. Bem-feito pra você, sr.
Combino Meias de Listras com Mocassins de Borla.
Conseguimos um lugar em um canto tranquilo do restaurante
com duas de suas bebidas especiais. O dele é algo com gin e o meu
é uma mistura de frutas que me faz desejar estar em uma ilha
tropical e não nesse encontro. Isso não deve ser um bom sinal.
Pedimos surf e turf, uma combinação de proteínas do mar e da
terra que mescla sabores e texturas, acompanhado de salada.
Rimos dos nossos pedidos idênticos.
— Como foi o seu dia? — ele pergunta antes de beber seu
coquetel.
— Cheio, mas foi bom. E o seu?
— Idem. Fui para o tribunal e voltei ao meu escritório pelo
menos cinco vezes. Eu deveria ter escolhido um lugar mais perto,
mas as instalações do prédio onde estamos são boas demais para
deixar passar.
Ele tem razão. Nosso prédio tem um restaurante de primeira
linha, uma Starbucks, serviço de lavagem de carros e lavagem a
seco no local. E eles vão buscar e entregar na sua sala
gratuitamente. A maior vantagem é um escritório de concierge no
local. Eles ajudam qualquer empresa ou funcionário no prédio com
praticamente qualquer coisa.
Tomo outro gole da minha fuga tropical antes de responder.
— Você deve pagar um dinheirão de estacionamento com todas
essas idas e vindas.
Bradley levanta uma sobrancelha que parece ter sido depilada.
— Meu motorista está de plantão vinte e quatro horas por dia,
sete dias na semana. Meu tempo é valioso demais para ser gasto
dirigindo quando eu poderia estar trabalhando.
Estou tentando não o julgar, mas ele parece um idiota
pretensioso.
— É compreensível. É impossível fazer muitas coisas enquanto
se está dirigindo. Uma das minhas coisas favoritas nos fins de
semana é viajar até a costa. Em algum momento, paro, pego
comida e como na praia. Você já fez algo assim?
Bradley levanta o copo e indica ao garçom que gostaria de
outro.
— Bexley — ele diz com um sorriso —, eu não tenho
habilitação. Não preciso. Trabalho constantemente e quando não
estou trabalhando, estou participando de eventos, conferências ou
socializando. É melhor gastar meu tempo mantendo o foco.
Esse cara é um idiota completo e o que mais me irrita é que
Tristan vai adorar o fato de que não consegui nem passar do
terceiro encontro. De novo.
— Como você encontra tempo para namorar? — pergunto
enquanto pego meu copo. Se eu ficar tonta, talvez ele não pareça
tão desagradável.
Ele leva o copo à boca e me olha com cuidado, como se eu
fosse uma gatinha nervosa e ele precisasse ter cautela com o que
diz. Tomo um grande gole da minha bebida tropical e me pego
desejando que ele me excite tanto quanto ela.
— Namorar para mim é uma coisa casual. Não estou
procurando por amor. Procuro alguém para socializar e satisfazer
minhas necessidades, se é que você me entende. — Bradley
umedece os lábios e antes que eu possa dizer o que penso dele, a
comida chega. Ele sequer faz uma pausa antes de começar a comer
e, como estou morrendo de fome, fico contente em seguir seu
exemplo. Não faz sentido perder uma refeição incrível.
— Nenhum comentário sobre o que eu disse? — ele pergunta
entre garfadas. Pelo menos, o cara não fala com a boca cheia. E
ganha alguns pontos por isso.
— Tenho muitos comentários, mas no final das contas, não
parece que temos o mesmo objetivo. Você é um cara ótimo, Bradley,
mas estou procurando um marido e você está procurando um
rostinho bonito.
Sua boca se abre um pouco, e então ele ri.
— Gostei, Bexley. Talvez não tenhamos uma conexão amorosa,
mas você é corajosa, e seria bom ter uma amiga sincera.
— É mesmo?
— Com certeza. Sou uma pessoa verdadeira. A vida é muito
curta para jogos e mentiras. Eu sou rico, Bexley, e sempre fui.
Cresci em meio à riqueza e, além disso, desenvolvi minha fortuna
pessoal. Não quero e nem preciso de uma esposa. Tenho a
tendência de atrair um tipo específico de mulher e, geralmente, elas
procuram ter filhos e um acordo de divórcio. Sou um homem
ocupado, e gosto de viver comigo mesmo. Me dê um charuto, uma
garrafa cara de uísque e um bom livro em qualquer noite e fico bem.
Eu o vejo com clareza agora.
— Uau. Pelo menos, você sabe o que quer.
Ele coloca o guardanapo ao lado do prato e se inclina para trás.
— Agora me diga a verdade: você está realmente procurando
um marido ou sou muito pomposo para você?
O calor queima minhas bochechas e o álcool some com
algumas das minhas inibições.
— Você é um pouco demais para mim, mas também não gosto
de namoro casual, a menos que eu veja um futuro. E sou muito boa
em descobrir logo de cara quem não é compatível comigo.
— Justo. Termine seu jantar e vou te levar para casa. Falei
sério: quero que sejamos amigos, Bexley. Você é exatamente do
que preciso.
De alguma forma, estou bem com isso. Acho que posso ajudar
Bradley a se soltar um pouco, e ele poderia aproveitar, mesmo que
ainda não saiba. Há algo nele que é cativante, e eu aposto que sob
toda a sua pompa e circunstância, pode estar mais aberto a se
apaixonar do que está disposto a admitir.
Dois
Tristan
— ONDE ESTÁ A BEX? — Adam pergunta enquanto se joga
no sofá e pega o segundo controle.
— Terceiro encontro.
Adam ri.
— Pobre coitado. Ele não tem ideia de que é o começo do fim,
não é?
Não consigo me concentrar no jogo.
— Cerveja?
Adam assente, e eu pego as bebidas na cozinha antes de me
sentar de novo.
— Cara, esse jogo é incrível. Vai te deixar famoso.
— Não preciso ser famoso. Só preciso que o jogo funcione e
pare de dar problema no nível cinco. — Minha frustração ganha
enquanto jogo o controle de lado. Sabendo que toda uma equipe de
testadores beta está trabalhando em tempo integral no jogo, eu
deveria estar no escritório, mas fiquei muito tempo lá e precisava de
uma pausa. Achei que Bex e eu poderíamos comer uma pizza e
assistir a um filme. Esqueci que ela estava no meio de outra rodada
do jogo do namoro.
— Você ainda tem meses antes de precisar finalizá-lo.
Abro a boca para falar sobre todas as estatísticas, mas ele se
adianta.
— Eu sei, uma falha pode acabar com um jogo. Uma falha pode
ser impossível de arrumar. Respire, Tris. Você é ótimo nisso, mas
precisa de tempo. Sua cabeça vai funcionar melhor se estiver
descansada. Quando lançou seu último jogo, você disse que não
faria isso consigo mesmo novamente.
Ele está certo, mas não é fácil se dissociar do trabalho quando
você é o chefe. O sustento de todos depende de mim.
Passo os dedos pelo cabelo, que ficam presos em uma mecha
com nós. Isso me faz lembrar de que já passou da época de cortá-
lo.
— Eu sei. Talvez eu só precise transar.
Adam ri.
— Agora você está falando a minha língua. Quer ir ao bar?
— Hoje, não. Quero ficar por aqui para me certificar de que
aquele cara desprezível não vai tentar nada quando deixar a Bex.
Adam me olha desconfiado e termina sua cerveja.
— O que a minha ex-namorada anda fazendo?
— Pare com isso. Ela não é sua ex. Não é a ex de ninguém.
Esse é o problema. Ela não mudou desde que a conhecemos. Você
ainda é um dos poucos campeões de encontro: sete, caso esteja
curioso. E isso requer habilidades incríveis. Garanto a você, esse
cara com quem ela está não vai chegar ao próximo.
Adam se levanta e coloca as chaves e o telefone no bolso.
— Por mais que eu queira ficar para ver com quem ela está,
tenho uma reunião amanhã bem cedo. Não posso te dizer o quanto
sinto falta dos dias de festas loucas nas fraternidades e bebedeira.
— Não sinto pena de você. Tenho certeza de que seu trabalho
para um dos maiores provedores de pornografia da Internet é
extremamente desgastante.
— É mais difícil do que você imagina. Quase destruiu a
pornografia para mim, se você quer a verdade. Vejo mais clitóris e
paus em um dia do que jamais pensei ser possível.
Balanço a cabeça.
— Ainda não sinto pena de você.
Adam coloca a mão sobre o coração e cambaleia para trás.
— Você me magoa assim. Sou um amigo melhor que você.
— Concordo em discordar sobre isso.
Pego o controle que joguei de lado, e ele bate na minha
cabeça.
— Vim para ajudar com o seu jogo e para tentar te animar. Você
pode jogar videogame o dia todo. Tem ideia de como é difícil
trabalhar durante uma reunião de marketing com gemidos e tapas
como trilha sonora? Quer dizer, mesmo que não seja uma constante
excitação, às vezes meu pau sobe. Gemidos são difíceis de ignorar.
Sim, gemidos são difíceis de ignorar. Às vezes, ouço Bexley
quando ela está gozando. Caramba... eu não deveria ficar duro,
porque ela é minha melhor amiga, mas eu fico.
— Como você contorna a situação? — pergunto.
— Me tornei um mestre em fazer apresentações sentado devido
à hérnia de disco.
Eu rio.
— Você não tem nem trinta anos. Eles realmente acreditam
nisso?
— Meu chefe é velho pra caramba, e tenho certeza de que ele
está escondendo a ereção dele debaixo da mesma mesa. As
mulheres preferem que a gente fique sentado para que não tenham
que desviar o olhar. Funciona para todos, e não sou o único que faz
isso. Só tenho a melhor desculpa.
Eu me levanto e dou um rápido abraço de despedida nele.
— Você não é chato, Adam. Obrigado por me animar.
— Estou aqui sempre que quiser. Me mande uma mensagem
amanhã e me diga quando quer ir ao bar. Sério, você precisa
transar. Eu banco o cupido para você.
— Pode deixar.
Depois de trancar a porta, decido tomar um banho rápido. Bex
não saiu há muito tempo, e sei que ela vai me questionar sobre o
assunto do marido. Ela é assim: não se esquece de nada.
Talvez seja por isso que ela é tão exigente em seus encontros.
Estou surpreso que ela consiga transar, mas de vez em quando, ela
sai desse ciclo de encontros e arranja uma transa casual. É seu
método preferido de sexo. Ela diz que assim não há muito tempo
para descobrir os hábitos ruins do cara, sua história triste ou que ele
não é muito animado. A menos que ele seja preguiçoso na cama.
Nesse caso, ela o considera completamente desmotivado.
É difícil imaginar alguém tendo a chance de transar com Bex e
sendo preguiçoso. Enquanto me dispo e ligo o chuveiro, penso
sobre o que está acontecendo com ela ultimamente. Desde que nos
conhecemos, ou ela se entedia facilmente com os homens ou se
irrita com seus hábitos. No colégio, era engraçado... quase um jogo.
Até parte da faculdade, porque ainda éramos jovens, mas agora...
estamos nos aproximando dos trinta, e ela está perdendo muito
tempo.
Ela nunca é ruim quando termina com o cara que está saindo.
Mas é direta se perguntam o motivo pelo qual não quer mais vê-los.
Isso é o que mais me preocupa. Felizmente para Bex, acho que a
regra dos sete encontros funciona a seu favor. Os caras acabam
não desenvolvendo um apego emocional antes de transarem. Nós
nos esforçamos pelo sexo, mas se a garota ceder até o sétimo
encontro, a maioria dos homens vai minimizar as perdas.
Bex é uma das melhores pessoas que conheço, mas estou
preocupado. Não sei de nenhuma outra mulher com processos de
namoro tão estranhos. E se no futuro, quando for uma senhora
cheia de gatos, ela olhar para trás e perceber que desperdiçou sua
vida? Ela jura que isso não vai acontecer, mas até agora, as
probabilidades não estão a seu favor.
Tiro-a dos meus pensamentos e me apresso com o banho. Me
seco rapidamente antes de enrolar a toalha na cintura e ir em
direção à cozinha. Estou faminto. Examino a geladeira e pego outra
cerveja. Sabia que deveria ter ido fazer compras hoje, mas
geralmente vou junto com a Bex. Acho que vou pedir uma pizza.
Faço o pedido, e meu jogo chama. Vou jogar por apenas alguns
minutos e depois vou me vestir. É o que digo a mim mesmo, mas
quando a campainha toca, me trazendo de volta à realidade, pego a
carteira e espero que o entregador já tenha visto coisa pior que um
cara de toalha.
O problema é que quando abro a porta, vejo que o entregador
não é homem. Eu não posso ter essa sorte. É uma mulher, e não é
qualquer uma também.
— Oi! Você pediu uma... — Suas palavras morrem quando ela
me olha. Este é o pior momento para estar sem roupa. — Tristan —
Kelly diz de forma seca, mesmo que seus olhos demonstrem outra
coisa. Ela observa cada centímetro da minha pele antes de
encontrar meus olhos. Este é o exemplo perfeito do porquê
encontros casuais são péssima ideia. — Se eu soubesse que a
pizza era sua, teria cuspido nela.
— Alguém parece estar zangada — Bexley fala, se
aproximando da porta.
Kelly empurra a pizza para mim e quase perco a toalha. Ela
arranca o dinheiro da minha mão com os olhos brilhando de raiva.
— Não pense que vai receber o troco. É o mínimo que eu
mereço. E você — ela volta sua atenção para Bex —, não acredite
em nada do que ele diz. Você não significa nada, e ele não vai ligar
no dia seguinte. Ou em qualquer outro dia.
Bex levanta uma sobrancelha para mim, mas passa por Kelly
antes de ficar na ponta dos pés e me beijar. Seus lábios são macios
e têm gosto de frutas tropicais. Quando entreabro os lábios para
provar mais, ela se afasta. Droga. O beijo foi curto, mas cheio de
paixão e me arrepiou até os dedos dos pés. Nunca nos beijamos
assim antes, mas agora estou me perguntando por que não.
— Querido, o que vou fazer com você? — Sua mão desliza de
forma sedutora pelo meu peito e meu coração acelera. Não sei o
que deu nela essa noite, mas estou curioso para ver aonde ela quer
chegar.
— Desculpe, o Tris era um pouco bruto, mas eu o dominei.
Obrigada pela pizza. — Bex coloca a mão no meu peito e me
empurra até que eu esteja andando para trás. Ela fecha a porta e a
tranca antes de cair na gargalhada.
Isso foi sexy e errado ao mesmo tempo.
— O que deu em você, Bexley Marie Scott?
— Tomei alguns coquetéis bem fortes no jantar. Qual sabor de
pizza você pediu? — É uma pergunta retórica, pois ela já está
espiando dentro da caixa que estou segurando. — Ah, Tris, você
pediu a minha favorita!
Ela caminha em direção à cozinha para pegar os pratos, e eu
coloco a pizza na mesa e vou vestir um moletom e uma camiseta.
Quando volto, ela está sentada no sofá com os pés enfiados
debaixo do corpo e um pedaço de pizza no prato.
— Ele não te levou para jantar?
— Acalme sua raiva, He-Man. Ele me proporcionou um jantar
incrível, mas você me conhece. Eu bebi e agora preciso de um
lanche. Por que você se vestiu?
Seu olhar questionador me confunde. Ela deve estar bêbada.
Por que aquele idiota não a acompanhou até a porta se ela estava
tonta?
— Você é um ET? Tenho certeza de que a minha Bex não ia
querer meu pau encostado no sofá, mesmo que estivesse coberto
por uma toalha.
— É verdade, não ia querer mesmo, mas se eu fosse deixar
alguém encostar o pau no sofá, seria você.
Ela joga um cogumelo assado na boca e geme em apreciação.
Não tenho certeza se já a vi assim antes, mas gosto dessa versão.
Bexley raramente se permite beber uma quantidade suficiente para
perder as inibições. Eu preferia que ela fizesse isso com as amigas,
e não com um possível namorado que mal conhece.
— Parece que vai haver um quarto encontro. Você está de
ótimo humor. — Eu me inclino para trás com meu prato de pizza e a
encaro.
— Não, o terceiro foi o fim. Mas ele é um cara legal e gostou
tanto da minha honestidade que ainda quer ser meu amigo.
— Sinto muito. Qual foi o último prego no caixão dele? Muito
gel? — Não lamento, mas fico triste por ela do mesmo jeito.
Ela ri.
— Ele estava usando borlas de vovô, meias listradas
combinando com a gravata e foi um idiota pomposo, mas essa parte
eu posso superar. Acho que é um mecanismo de defesa.
Ele não é o primeiro cara em que ela deu fora por causa das
borlas do sapato.
— Juro, Bex, por mais que eu te adore, ter você na minha vida
me fez ter sérios problemas de confiança.
Ela coloca o prato na mesa antes de responder.
— Você é o cara perfeito, Tris. E não tem ideia do quanto me
arrependo de ter saído com o Adam, porque agora não posso me
casar com você.
Estou sem palavras, mas uma coisa eu sei com certeza: ela vai
ficar de ressaca amanhã. Bex nunca é tão sincera, a menos que
tenha bebido mais do que seu corpo pode suportar.
— Você também não me respondeu mais cedo. Seria tão
errado querer namorar meu futuro marido?
Eu sabia que ela voltaria a essa pergunta, mas nunca pensei
que doeria tanto respondê-la.
— De jeito nenhum, mas lembre-se, ainda somos jovens. Você
tem muito tempo para encontrar seu marido. E quando isso
acontecer, com certeza deve sair com ele. Se você está tentando
conhecê-lo em sete encontros, acho que precisa namorar por pelo
menos sete anos antes de se casar.
Seus olhos castanhos brilham.
— Isso não pode acontecer. Quero ter filhos antes dos trinta e
dois.
Filhos... é claro que ela quer ter filhos logo. Bexley odeia ser
filha única. Coloco meu prato na mesa e a puxo para o meu lado.
— Todos os seus sonhos vão se tornar realidade quando
chegar a hora certa. Talvez você precise parar de procurar e deixar
seu marido vir até você.
Ela fecha os olhos e murmura.
— Talvez você tenha razão. Toda essa coisa de namoro está se
tornando exaustiva. Eu só não quero mais ficar sozinha.
— Você nunca vai ficar sozinha. Sempre estarei bem aqui.
Ela se aproxima de mim e segura a minha camiseta.
— Até você encontrar outra namorada e ficar todo mandão com
ela no quarto. Droga, deve ser muito sexy.
Estou mordendo o lábio para conter minha risada.
— É algo que você gosta, Bex? Que te deem ordens?
— Acho que é sexy pra caramba, mas nunca experimentei para
ter certeza.
Droga. Quantas coisas ela está perdendo? Seu desejo de ter
todas as primeiras vezes com o cara certo eu até entendo. O fato de
ela estar convencida de que vai saber quem ele é em um encontro
me preocupa demais. Bex não vê o quadro geral. Ela poderia
chegar ao encontro número oito ou oitenta e oito, e mesmo assim
esse cara poderia magoá-la. Me mata pensar que ela está se
pressionando dessa forma, mas ela não parece preocupada. Com
todas as separações dos amigos que ela testemunhou,
especialmente as minhas, era de se imaginar que ela seria um
pouco mais cautelosa.
— Pode me prometer uma coisa, Bex?
— Qualquer coisa... — ela diz com um bocejo.
— Dê uma chance de ter os sete encontros com o próximo cara
com quem sair, não importa o que aconteça.
— Essa é uma promessa difícil.
— Por favor? Por mim?
Ela geme enquanto passo os dedos por seu cabelo.
— Tudo bem. Por você.
Bexley adormece em meus braços rapidamente e começo a
formular um plano. Há muito tempo, Adam me deu permissão para
sair com ela se eu quisesse, mas eu nunca quis arriscar cruzar
esses limites antes. Só que depois desta noite... não tenho certeza
se exista algo que quero mais do que namorar minha melhor amiga.

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