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***
Mordi uma barrinha de proteína e tentei agir como se não
estivesse comendo um pedaço nojento de manteiga de amendoim e
outros sabores naturais. Logo eu iria para casa pegar os
equipamentos para o treino, mas por enquanto estava relaxando no
campus com os caras com quem eu morava e que também eram
meus companheiros de equipe.
Dre estava esparramado ao meu lado na mesa de piquenique
bebendo uma garrafa de Gatorade vermelho. Ele era o goleiro do
time e era cerca de dez centímetros mais alto que eu, com um metro
e oitenta. As mãos dele eram enormes, ótimas para pegar bolas de
futebol. E calouras. Às vezes, muitas ao mesmo tempo. Calouras e
não bolas.
Ele olhou as pessoas ao redor, com certeza em busca da
próxima conquista, e então se virou para mim e sorriu com aqueles
dentes brancos e alinhados, manchados de rosa por causa da
bebida.
— Você acha que o treinador estará de bom humor hoje?
Dei de ombros.
— Provavelmente não, ainda mais agora que o Carson está
fora da temporada.
Carson, um de nossos dois atacantes, rompeu o ligamento do
joelho no último jogo.
— Pelo menos, a gente ganhou — Zac, nosso lateral-esquerdo
e normalmente o último homem na linha de defesa, retrucou.
Ele estava com os olhos semicerrados e mesmo que estivesse
sentado, não me surpreenderia se caísse no sono. Ele dormia em
qualquer lugar. Em campo, ficava alerta e focado. Mas fora dele,
Zac, que tinha cabelos loiros e compridos, era a definição da
preguiça.
— Mas foi sofrido. — Shane, nosso atacante e estrela do time,
bufou.
— Ei, uma vitória é uma vitória. — Zac o cutucou com o
cotovelo.
— Para você é fácil falar — Shane retrucou. — A defesa jogou
muito bem. Eu mal consegui tocar na bola para salvar a minha pele.
Abri a boca para fazer uma piada sobre “tocar na bola”,
principalmente porque Shane preferia bolas a peitos, mas ele me
olhou de canto de olho.
— Nem começa, Saint.
Calei a boca com um estalo.
— Estamos no começo da temporada. O treinador vai ter que
reorganizar algumas coisas, já que o Carson está fora. Mas vai ficar
tudo bem. E, Shane, você anda treinando duro... acho que ele
percebeu.
Shane cutucou a unha do dedão e não falou nada, mas estava
carrancudo. Abaixei a cabeça e passei a mão pelo cabelo. Eu sabia
que tinha jogado bem, então fiquei quieto. Minha posição era de
meio-campo, aquele cara que corre pra caramba, e eu fazia coisas
importantes como passar a bola e armar jogadas. Mas não fazia
nada mais ousado como parar um ataque do oponente ou marcar
gols. Se eu estivesse com sorte, daria uma assistência. Mas quem
prestava atenção a isso?
As garotas, com certeza, não.
Que bom que eu não jogava futebol por causa delas, e nem
pela glória ou qualquer porcaria assim. Eu jogava porque vivia para
isso. A sensação da camiseta molhada de suor, o número nove
plastificado agarrado à minha pele e aquele sonoro tunc quando
meu pé tocava a bola para a jogada perfeita.
Eu amava esse esporte. E amava tanto que sabia que seria
aquele pai maluco na torcida, gritando e vivendo por meio do meu
filho no campo.
Isso se um dia eu me tornasse pai. É óbvio que antes eu teria
que conhecer uma garota. E transar com ela. Conheci algumas, mas
transei com um total de zero. É isso aí, eu me apresentei na
faculdade com o pau limpinho e imaculado.
Por mais que amasse futebol, esse não era o tipo de esporte
que deixava as garotas com tesão. Pelo menos, não nos Estados
Unidos, onde um jogador mediano da primeira divisão ganhava
menos de cem mil dólares por ano. Não tínhamos líderes de torcida
gritando DEFESA. Não... elas desejavam o quarterback do futebol
americano, o arremessador do beisebol ou o armador do basquete.
Elas não se interessavam por um meio-campista da terceira divisão.
No campus, eu não era popular como o rei do home run do time de
beisebol.
Talvez até fosse melhor assim, já que eu não sabia lidar com
garotas. Ou eu me calava como se fosse mudo ou, de repente, era
atingido por uma verborragia e falava coisas muito, muito estúpidas.
Nada engraçado ou descolado, mas coisas que passavam a
impressão de que havia algo clinicamente errado comigo. Por
exemplo, aquilo que aconteceu mais cedo com a novata na sala.
Mas, não. Eu era apenas Lavin Saint, meio-campo do Travers
Badgers e o cara que morreria virgem porque não conseguiu
descobrir, mesmo aos vinte anos, como falar com as garotas. Eu até
poderia chorar por causa disso, mas precisava economizar meus
fluidos para treinar.
Senti o corpo de Dre enrijecer ao meu lado e olhei para cima,
torcendo para que não fosse o time de futebol americano. Eles
amavam zombar do Shane para se sentirem mais homens. Mas,
não. Os anjos estavam cantando mais uma vez, já que Bianca
Santos se dignou a nos abençoar com sua presença.
Posso jurar que a porcaria do pátio inteiro se calou. Eu nem
prestei atenção em suas roupas na sala, porque fiquei apaixonado
demais por seu rosto. Mas posso dizer que seu corpo estava à
altura. Ela usava sapatilhas prateadas e uma calça jeans que
abraçava cada pedacinho delicioso das panturrilhas, das coxas e –
puta merda – daquela bunda redonda. O decote revelava mais que
um palmo de pele.
Ela olhava para frente, e seus cabelos emolduravam um rosto
de matar. Bianca desfilou de forma pomposa pelo campus, como se
fosse sua passarela particular, e todos viraram a cabeça para
assisti-la.
— Puta merda, quem é aquela? — Dre perguntou.
Zac levantou as mãos.
— Espere aí, sem spoilers. Estou assistindo tudo em câmera
lenta, então há um atraso de cinco segundos.
Shane se remexeu.
— Acho que... eu até fiquei duro.
Senti um aperto no peito, mas não conseguia explicar o porquê.
O ciúme disputava lugar com o orgulho, que por sua vez brigava
com o tesão, e nada disso fazia sentido... sério mesmo. Bem, o
tesão sim, porque eu era uma ereção ambulante até mesmo em
dias ruins. Mas por que eu estava com ciúme dos outros caras
olhando para Bianca? Além disso, por que eu estava orgulhoso? Ela
não era minha. E era bem provável que me achasse um moleque
tapado.
E havia grandes chances de ela nem se lembrar de mim.
Sim, ela era gostosa. Porém, conforme chegava mais perto de
nossa mesa, por alguns instantes sua máscara de modelo caiu. Ela
olhou para os lados, mostrando os dentes brancos e mordiscando
um pedacinho daqueles lábios vermelhos enquanto agarrava com
força a alça da mochila. O momento durou cerca de cinco segundos,
e então o manto da confiança a envolveu mais uma vez.
Não gostei da inquietação que me tomou naquele instante. Ela
estava... com medo? Ansiosa?
Ouvimos som de vozes graves vindas da parede de tijolos de
um prédio próximo, e Dre me cutucou. Alguns membros do time de
futebol americano vinham em nossa direção.
Se estivéssemos em um filme, o sujeito na frente – o
quarterback – estaria com a camiseta do time, mesmo que não
fosse dia de jogo, e lançando uma bola ao ar, porque todo
quarterback universitário fazia isso. Sempre. Os amigos atrás dele
seriam os caras da linha de defesa – grandalhões que calçavam
quarenta e seis. E todos seriam ridiculamente bonitões, com
exceção do carinha acima do peso, claro. Haveria um deles que era
o engraçadão, porque Hollywood nunca faria desse cara um herói.
Era assim que eu imaginava o time de futebol americano
sempre que os via, porque tinha vontade de sorrir em vez de querer
jogar dardos envenenados neles.
Mike Delaney e os dois amigos, que eu tinha quase certeza de
que eram wide-receivers, interromperam a caminhada. Quando
percebi o motivo, precisei agarrar a mesa para não saltar do banco.
Eles estavam no caminho de Bianca, então ou ela teria que dar
a volta ou... passar no meio deles. Ela diminuiu o passo, e, da mesa,
pude ouvir sua voz:
— Com licença.
Mike a olhou de cima a baixo, e eu apertei os lábios quando ele
sussurrou:
— Acho que nunca te vi pelo campus. Você é nova?
Ela arqueou uma das sobrancelhas perfeitamente curvadas.
— Sim. Com licença, por favor. — Ela se contorceu para passar
entre o grupo, mas eles se mexeram e fecharam o cerco. Mike,
gentil como um cavalheiro, sorriu para ela.
— Meu nome é Mike.
— Legal. — A voz dela transbordava tédio.
Ah, meu Deus, eu estava apaixonado.
A incerteza tomou conta da expressão de Mike antes que ele
endireitasse os ombros.
— Então... o time de futebol americano vai dar uma festa na
sexta...
Eu comecei a andar. Meu cérebro não registrou muito bem que
meus pés estavam se movendo na direção de Bianca, porém uma
vez que comecei – e que um dos jogadores notou que eu me dirigia
até eles –, não poderia parar.
Continuei até parar ao lado dela. Ouvi o som de passadas e
resmungos e tive a certeza de que meus companheiros de time
estavam atrás de mim, prontos para me apoiar.
Mike apertou os lábios.
— Por acaso eu chamei os babacas?
Isso foi bem diferente de covardes que correm o tempo todo e
fingem se machucar, insulto predileto de Mike. Sim, nós corríamos
muito. Minha média era onze quilômetros por jogo. Mas eu negaria
até a morte que já fingi me machucar. Não estávamos na Premier
League, pelo amor de Deus. Mike estava todo amargurado porque
provavelmente achou que estaria na primeira divisão, mas em vez
disso jogava na terceira em um time cuja pontuação era de dar
pena. Ele que se dane.
— O quê? Você comprou esse pedaço do campus? — Dre
zombou de volta. — Cala a boca.
Eu não tinha a menor ideia do que fazer agora que estava ali.
Mas não podia ficar parado enquanto eles agiam descaradamente
com Bianca, convidando-a para uma festinha ridícula onde serviriam
jungle juice, uma mistura de álcool e suco de frutas, direto de um
cooler de Gatorade. Bianca era mais do tipo... vinho fino. Ou Martini.
Ou champanhe borbulhante com framboesas. Ela não era do tipo
álcool entornado direto de um cooler da Gatorade.
Bianca se virou em minha direção e pousou o olhar em mim por
alguns instantes até que me reconheceu e um brilho surgiu em seus
olhos. Pensei que ela os reviraria e murmuraria algo sobre estar
cercada de idiotas, mas em vez disso, contorceu a boca de um jeito
estranho e se aproximou de mim.
Ela se aproximou de mim.
E eu paralisei, com medo de que se movesse um músculo, ela
se afastaria.
Ela piscou algumas vezes para Mike com aqueles cílios
compridos enquanto brincava com o próprio cabelo.
— Amanhã tem uma festa, é? Quer dizer que você está me
convidando?
Mike logo assumiu uma expressão presunçosa. Típico dele.
— Com certeza! Começa às dez e meia e vai varar a noite.
Ela soltou um “uhum” e inclinou a cabeça, os olhos escuros
cativantes.
— Será que posso levar alguns amigos?
Parecia que Mike ia explodir de tanta alegria.
— Mas é claro. Quem você quiser. Seus amigos são nossos
amigos.
Caramba, ele era mesmo ardiloso.
— Ah, maravilha! — Bianca se endireitou e girou para
entrelaçar seu braço ao meu. Ela era cerca de dois centímetros
mais baixa, então ficamos cara a cara. Ela recostou o corpo no meu,
e nossos quadris se tocaram. Bianca estava tocando a minha pele,
e eu estava prestes a entrar em combustão. E virar cinzas.
Nada de mais.
E então ela jogou a bomba no meu colo.
— Isso é maravilhoso, Lavin. Agora nós temos uma festa para ir
na sexta! — Ela olhou para os meus amigos por cima do ombro
enquanto meu estômago dava cambalhotas. — Vocês também vão!
— Com um sorriso enorme, ela se virou para Mike e franziu o nariz
de um jeito adorável. — Vai ser tão legal! — E voltou o olhar para
mim. — Não é?
— Eu...
Eu tinha que protestar. Precisava dizer a ela que não daria certo
ir a uma festa do pessoal do futebol americano. Mas, puta merda,
ela era linda e seus olhos estavam fixos em mim, me desafiando a
recusar o convite.
De jeito nenhum eu faria isso.
Engoli em seco.
— Acho que vai ser muito legal.
— Ótimo! — Ela soltou meu braço, deu um aperto no meu
bíceps, se inclinou e... beijou minha bochecha.
Aquela boca. No meu rosto.
Aconteceu mesmo.
Então ela disse baixinho:
— Te vejo na sexta.
Ela piscou para os meus amigos, acenou para Mike e sua turma
e partiu com aquele caminhar de passarela e os cabelos negros
esvoaçando.
Eu estava em um sonho onde aquela boca beijava mais do que
meu rosto quando Mike me trouxe de volta à realidade. Ele se
inclinou e grunhiu bem na minha cara:
— Se você aparecer, vamos quebrar a sua cara.
Ele fez um sinal com o queixo para os amigos e foram embora.
Eu ainda estava paralisado. Bianca... me convidou para uma
festa. Era alguma piada? Eu deveria ir mesmo? Te vejo na sexta.
Shane parou ao meu lado e, com os lábios franzidos, observou
os jogadores de futebol americano se afastarem.
— É... bem, não tem como interpretar essa declaração de outro
modo, tem?
Eu levantei um dedo.
— Ela acabou de...
Dre deu uma palmada nas minhas costas.
— Sim. — Ele ergueu os braços. — Pelo jeito, vamos entrar de
penetras em uma festa, meus amigos!
É... ferrou.
Dois
Assim que pisamos no campo, o treinador Mendoza gritou:
— Andem logo, seus mga batugan!
Ele estava parado com as mãos na cintura e a barriga saliente
por cima do cinto, nos olhando com cara feia e mascando algo.
Ninguém sabia ao certo o que era. Com certeza, não era chiclete.
Os palpites principais eram: carne-seca velha ou a medula óssea de
jogadores que caíram em desgraça.
Reclamávamos dele o tempo todo, já que com frequência nos
xingava de mga batugan em tagalo, idioma falado nas Filipinas.
Como se não soubéssemos usar o Google Tradutor para descobrir
que nos chamava de algo parecido com idiotas preguiçosos e
inúteis. Ainda assim, ele conhecia o esporte melhor que ninguém e
fazia com que seus jogadores alcançassem resultados.
Ele girou os dedos, indicando que deveríamos começar a
correr. O aquecimento era composto por cinco voltas ao redor de
vários campos no lado sul da universidade, um total de três
quilômetros em média. Eu também corria toda manhã, porque
gostava. Se deixasse a resistência baixar, quando chegasse a hora
do jogo seria um inferno. Normalmente, eu jogava os noventa
minutos, o que não era brincadeira quando se tratava de corrida e
explosões de velocidade.
Ao final do aquecimento, nos alongamos antes de partir para os
exercícios. Eu estava treinando passe de bola com Zac, Shane e
outros três jogadores quando alguém que passava pelo campo me
chamou a atenção. Olhei para cima bem no meio da corrida, cruzei
o olhar com Bianca e caí de cara no chão.
Caí de cara no chão.
Tropecei e enfiei o rosto no chão com grama nos dentes, terra
na boca e uma dor generalizada. Senti mãos agarrarem minha
camiseta e me levantarem quando tudo o que eu queria era ficar
deitado ali, sentindo pena de mim mesmo. Shane segurou meu
rosto.
— Você está bem, cara? Porra, você caiu pra valer.
Me esquivei dele e me inclinei para cuspir a grama.
— Vamos fingir que isso não aconteceu.
Zac estava ao lado dele, com as mãos no quadril.
— Você está com... — Ele apontou para o próprio queixo e fez
uma careta.
Olhei para eles.
— Com o quê? O que tem no meu rosto?
Shane suspirou.
— Você ralou o queixo.
Depois que eles mencionaram o fato, percebi que meu queixo
doía. Quando o toquei, percebi que minha mão estava vermelha.
— Filho da mãe. Estou sangrando?
Zac ergueu os dedos e fez uma careta.
— Só um pouco.
Mas eu não estava mais prestando atenção a eles. Estava
observando Bianca parada ao lado do treinador. Eles estavam...
próximos. Como se os dois se conhecessem.
Àquela altura, ninguém do time nem sequer fingia que estava
se exercitando, porque ela estava ali. E não havia outro lugar para o
qual valesse a pena olhar quando Bianca estava por perto.
O treinador sussurrou algo com uma expressão séria e depois
virou a cabeça devagar, apenas para nos flagrar parados, olhando
para eles.
— Mga batugan! — ele gritou, dessa vez com o pulso fechado
balançando no ar, mas isso não nos instigou medo como
normalmente faria, pois havia um anjo ao seu lado. E, sobretudo,
porque ela revirava os olhos de um jeito exagerado e gesticulava as
palavras dele com as mãos, zombando.
Alguém deu risada, e acredito que alguns de nós sorriam,
porque o treinador virou a cabeça em direção a Bianca que, no
mesmo instante, abaixou a mão e lhe deu um olhar inocente. Mas
ele não parecia convencido.
Engoli em seco e já tinha esquecido do queixo ralado, o que
provavelmente me fazia parecer um imbecil. Jogadores de futebol
nunca conseguiam ferimentos descolados como um corte sexy na
sobrancelha ou na bochecha. Só conseguíamos ferimentos
ridículos: queixos ralados, coxas assadas ou joelhos roxos. Alguns
ossos quebrados, mas não havia nada de sexy em um gesso verde
neon.
Bianca me olhou, arqueou uma sobrancelha, se virou fazendo
os cabelos balançarem e foi embora. Eu não conseguia
compreender toda aquela atenção. O que é que ela viu em mim?
Ficamos olhando-a ir embora. Quando ela saiu de vista, o
treinador gritou para que nos reuníssemos em torno dele. Sua voz
vacilou um pouco, e pensei que nunca o ouvi falar daquele jeito,
com outra emoção que não fosse ódio por nós.
— Aquela é Bianca, minha sobrinha. Ela foi transferida para cá,
então talvez vocês a vejam por aí. Mas vou deixar algo muito claro:
ela não é para o bico de vocês. Para o bico de nenhum de vocês,
otários. Vocês me entenderam?
Me senti no século dezenove. Bianca era uma universitária, e
seu tio estava nos ameaçando. Mas ele gritou novamente:
— Vocês me entenderam? Porque eu posso muito bem mantê-
los no banco de reservas ou fazê-los correrem até vomitar. Não
pensem que não farei isso.
Assentimos com veemência, e pensei que meus joelhos fossem
ceder. Eu não poderia ir àquela festa com ela de jeito nenhum. O
treinador me castraria.
— Estou sendo claro? — ele berrou uma última vez.
— Sim, treinador! — respondemos ao mesmo tempo. Deveria
haver algo mais nessa história, certo? Por que ele se importava
tanto? Ela era da realeza ou algo assim? Foi prometida a algum
sheik árabe?
Mas não tive muito tempo para pensar nisso, porque ele bateu
palmas e disse:
— Voltem aos exercícios.
Assim que me virei para sair, ele me chamou, e eu paralisei
antes de encará-lo. Será que ele sabia que eu já conhecia Bianca?
Enquanto me arrastava em sua direção, ele observava o campo
onde meus companheiros de time continuavam o exercício de passe
de bola.
— Saint. — Ele ainda não olhava para mim.
— Pois não, treinador?
— Já que o Carson está fora da temporada, quero tentar algo
diferente com você no treino hoje. Vamos ver como vai se
desenrolar e então poderemos tentar no jogo.
Ele tinha toda a minha atenção agora.
— Tudo bem.
Finalmente, ele olhou para mim.
— Quero tentar posicioná-lo como um falso nove com o Castle.
Demorou um tempo até que eu processasse a informação. O
falso nove era uma posição no futebol onde o atacante, em uma
formação quatro-quatro-dois, devolve a bola para o meio-campo,
bagunçando a marcação homem a homem do oponente. O
argentino Lionel Messi, um dos meus jogadores favoritos, era um
mestre na arte do falso nove.
Eu nunca havia jogado em uma posição de ataque. Mesmo
como meio-campista, sempre fui posicionado para jogar mais na
defesa. Esfreguei o queixo, que estava começando a coçar.
— Mas eu jogo mais na defesa.
Os olhos do treinador pareciam duas bolas de gude pretas me
encurralando enquanto ele mascava... alguma coisa. Resisti ao
impulso de ficar me remexendo.
— A pessoa que falou que você era melhor na defesa estava
bem errado. Quero ver o que você é capaz de fazer no ataque, mas
ainda precisaremos de suas habilidades de meio-campo. Você vai
ser o falso nove. — Fim da discussão. E ele não precisava me
avisar, porque o conhecia bem o suficiente. Já fazia dois anos que
estava em seu time. — Castle! — ele gritou, gesticulando para que
Shane viesse até nós.
Ele veio correndo.
— Sim?
O treinador me deu um tapa nas costas tão forte que quase caí.
— Conheça seu novo atacante. Prontos para praticarem um
falso nove?
Shane me olhou e engoliu em seco. Sua ansiedade era
contagiante. Sim, eu também não tinha muita certeza quanto a isso.
Será que teria êxito em uma posição em que nunca havia jogado?
***
Quando o treino acabou, minha garganta estava doendo de
tanto berrar, minhas pernas pareciam gelatina e estavam verdes de
tanta grama. Eu queria um banho, comida e cama. Pena que tinha
uma porcaria de artigo para escrever.
Encostei a cabeça no banco traseiro do carro de Dre enquanto
ele nos levava para casa. Eu, ele, Shane e Zac morávamos juntos.
A Universidade Travers ficava em uma cidadezinha na Pensilvânia
chamada Parksburg. Não havia muita coisa por lá além da
universidade. Só alguns postos de gasolina, restaurantes fast food,
algumas cafeterias e um restaurante vinte e quatro horas que fazia
as melhores asinhas de frango.
O aluguel era barato, então conseguimos pegar uma casa de
dois andares para nós quatro. Mas não era nada chique. O piso da
cozinha estava todo rachado e o porão tinha muita sujeira. Eu ficava
com medo de que se descêssemos as escadas pisando com muita
força, nossos pés atravessariam a madeira, mas cada um tinha um
quarto.
Isso era ótimo, principalmente quando eu queria fazer
videochamadas com o pessoal de casa, porque Shane achava que
meus dois pais eram gostosos e sempre tentava dar uma
espiadinha. Ele dizia que o Pop, que era parrudo e cheio de pelos,
era um urso gostosão. Pervertido.
Assim que chegamos, Dre foi direto para a cozinha preparar
alguns ovos. Ele comia muita proteína, pois achava que era o Apollo
Creed, aquele lutador dos filmes da franquia Rocky. Para ser justo,
ele até que parecia mesmo. Só que Dre também era muito
musculoso, então estava fazendo algo certo.
Shane preparou sanduíches de manteiga de amendoim para
nós, e eu os devorei em três mordidas. Estava lambendo os dedos
quando Shane se reclinou na bancada.
— O que você achou do treino de hoje?
Dei de ombros.
— Sei lá, cara. Nunca joguei como atacante. Não sou... bom no
ataque como você. Tudo que você faz é... — Fiz um gesto de garras
com as mãos — Rawr. Tenham medo de mim.
Shane riu.
— Eu não sou assim.
— Você é durão. E eu sou de Câncer, lembra?
— Ah, meu Deus, lá vamos nós de novo — Dre murmurou.
— Coma seus ovos e cale boca. — Fiz uma careta para ele. —
Como eu estava dizendo, sou de Câncer, um caranguejo. Ando para
lá e para cá e encontro uma solução, mas nunca de maneira direta.
Franzindo a testa, Shane assumiu um ar pensativo.
— Acho que você vai precisar de período de aprendizado, mas
o treinador não te pediria para fazer isso se não visse potencial em
você. Ele poderia ter pedido que o Le ou o Rodriquez fossem para o
ataque ao meu lado, sabe?
Assenti.
— É, você tem razão.
— Não diga para si mesmo que não vai conseguir antes de
tentar.
Dre apontou para mim com o garfo.
— Não sei se isso ajuda, mas você mandou bem hoje.
Zac apareceu se arrastando preguiçosamente na cozinha e
começou a mexer nos armários.
— Onde está meu pacote de Oreo?
Shane revirou os olhos.
— Você o comeu inteiro ontem.
— Claro que não.
— Comeu, sim.
— Droga. — Zac bateu a porta do armário e fez uma careta.
Ele amava todo tipo de doce. Parecia aqueles porcos
farejadores de cogumelo, só que com chocolate. Abri uma gaveta e
entreguei a ele um bombom Hershey que encontrei lá dentro.
Ele sorriu e o abriu.
Havia muitas garotas na faculdade que queriam transar com
Zac Mikelson. Ele parecia um surfista. Mas elas não sabiam que só
precisavam oferecer chocolate, como se estivessem oferecendo
comida a alguém faminto.
— Preciso tomar banho e ligar para casa — eu disse.
— Diga a seus pais que mandei “oi”! — Shane comentou
quando me virei. Mostrei o dedo do meio por cima do ombro.
***
Quando saí do banho, enrolei a toalha na cintura e me tranquei
no quarto. Iniciei o FaceTime para chamar meus pais e passei a
mão pelos cabelos molhados, olhando para a câmera que mostrava
meu rosto. Caramba, o machucado no meu queixo estava bem
visível. De jeito nenhum o Papai não veria...
— Lavin! — Ouvi a voz do Papai primeiro e depois o murmurar
grave do Pop antes que a câmera deles ligasse. Nasci por barriga
de aluguel, e mesmo que nunca tenham confirmado quais
espermatozoides foram usados, era claro para quase todo mundo
que eu era muito parecido com o Pop. Tinha um rosto marcante
como o dele, os olhos grandes e cor de mel, além do cabelo grosso
e castanho. Fora o fato de que eu era branco como o Pop, e não
negro como o Papai. Mas sangue e cor de pele não importavam. Os
dois me criaram. Eram a minha família.
Suspirei assim que a câmera focou nos dois, porque minha
família fazia coisas esquisitas, como atender videochamadas
durante uma massagem.
Pop estava deitado de barriga para baixo, usando apenas calça
de moletom enquanto Papai estava sobre ele e deslizava as mãos
cheias de óleo por suas costas cheias de pelos. Apertei o nariz com
os dedos ao mesmo tempo em que Pop me olhava e acenava.
— Oi, oi, Lav!
— Aí está nosso Pepezinho! — Papai deslizou os nós dos
dedos pela coluna do Pop.
Mesmo que eu não fosse um Pepe, o melhor jogador de futebol
de todos os tempos, meus pais me chamavam assim quando eu era
mais novo e o apelido acabou pegando.
— Oi para vocês também.
— E como vão os treinos? — Pop perguntou. — O treinador
continua um carrasco?
Papai parou com a massagem e se aproximou do iPad, que eu
sabia estar posicionado na mesinha de cabeceira. Ele estreitou os
olhos castanhos.
— Lavin Michael, o que é isso no seu queixo?
Constrangido, cobri o machucado com a mão.
— É...
— Abaixe essa mão e me deixe ver. — Fiz o que ele pediu e
suspirei. — Minha nossa, você lavou isso?
— Claro que sim, acabei de tomar banho...
— Espero que tenha passado antisséptico. — Papai se sentou
na beirada da cama, se esquecendo que momentos antes fazia uma
massagem no marido. — Você recebeu a caixa de óleos essenciais
que te mandei?
Olhei para o guarda-roupa. Abri a caixa e dei uma espiada, mas
depois acabei colocando-a ao lado de um par de chuteiras velhas.
— Sim... recebi.
— Maravilha! Você pode fazer um bálsamo com mel ou aplicar
de três a quatro gotinhas de óleo de lavanda em uma gaze e
pressionar na ferida de duas a três vezes ao dia. — Ele arqueou a
sobrancelha para mim.
Depois do dia que tive, não queria ouvir aquelas besteiras
hippies.
— Pai, eu lavei o machucado. Logo vai formar casquinha e
sarar, está bem?
Ele deu um solavanco para trás e colocou a mão no peito. Por
um instante, ficou em silêncio e então Pop se sentou ao lado dele.
— Lá vamos nós — murmurou.
— Lavin — Papai falou com a voz muito firme —, estou
sentindo certa hostilidade. Vamos focar na respiração relaxante,
tudo bem? Inspire, segure, dois, três. E expire. Ótimo, vamos de
novo.
Fiz o exercício de respiração com meu pai por cerca de quinze
segundos, até ele achar que eu estava pronto para continuar a
conversa. Foi então que reparei em algumas prateleiras a mais no
quarto deles. Aquilo era um fogão elétrico portátil com uma frigideira
em cima?
— O que está acontecendo no quarto de vocês?
Pop olhou ao redor.
— Estamos pensando em nos mudar para uma microcasa.
Depois que você se mudar daqui, claro. Então decidimos viver no
quarto por uma semana, apenas para ver se nos adaptamos!
Eu os encarei.
— Vocês não podem estar falando sério.
— Elas são aconchegantes e ecologicamente corretas. São o
futuro das residências, Lavin — Papai respondeu, muito sério. E
dessa vez, fiz o exercício de respiração sem que ele me pedisse.
Pop, o mais perspicaz, sabia que uma mudança de assunto era
necessária.
— Bem, me conte como vão os treinos.
— Está indo tudo bem. Como o Carson está lesionado, o
treinador quer que eu seja atacante e jogue como falso nove.
Pop apoiou os cotovelos nos joelhos e se aproximou do iPad.
— Ah, é? E como você se sente em relação a isso?
Pensei no que Shane havia dito.
— Acho que sempre pensei que fosse melhor na defesa, mas o
treinador vê algo em mim e acredita que posso fazer isso, então...
— Toda vez que você decide a fazer algo, você consegue. — A
voz de Pop sempre ficava mais grave quando ele queria chegar a
algum ponto. — Você dá duro dentro e fora de campo, e eu sei que
é capaz de se dedicar aos treino e ouvir seu treinador.
— Estamos muito orgulhosos de você, filhão — Papai
acrescentou.
Puta merda, eu amava aqueles dois. Eles me deixavam maluco,
mas eram os melhores pais do mundo.
— Obrigado. Significa demais para mim.
— Nós te amamos, querido — Papai falou. — Vou mandar sorte
extra e energias futebolísticas essa semana.
Ri e balancei a cabeça. Demonstrei interesse pelo futebol muito
cedo e logo depois, por incentivo de Pop, eles me matricularam em
uma turma. Ele amava esse esporte. Papai não era muito do tipo
esportivo, mas quando entrei de cabeça, ele passou a me apoiar
incondicionalmente. Todo ano no Halloween, ele se fantasiava de
algum jogador famoso, com direito a tatuagens e barba. O homem
dava tudo de si, e eu sentia um orgulho enorme de mostrá-lo aos
meus amigos. Minha família não era tradicional, mas emanava
amor.
— Amo vocês — respondi. — Vou mandando notícias, tudo
bem?
Papai mandou um beijo e acenou para a câmera enquanto Pop,
fez seu gesto machão com a cabeça. Acenei de volta e encerrei a
chamada.
Me joguei na cama e esfreguei os olhos. Meu queixo ainda
doía, o que me fez pensar em Bianca. Talvez devesse ter contado
aos meus pais sobre ela e a festa. Os jogadores de futebol
americano pareciam acumular mais testosterona quando havia uma
festa se aproximando. Mas nada que eu não desse conta. Sabia
brigar. Ter sido criado por dois pais me fez passar por várias
gozações, o que, por sua vez, me ensinou a bater primeiro. E me
ensinou a vencer também.
De jeito nenhum eu iria àquela festa. De jeito nenhum.
Definitivamente, não.
Três
A mensagem chegou às dez da noite da sexta-feira enquanto
eu e meus colegas estávamos na sala. Dre usava o bom e velho
jeans, botas e uma camiseta cinza. Shane vestia a mesma coisa,
mas em numeração menor, e Zac prendeu os cabelos loiros em um
coque samurai bem alto e usava uma camiseta sem gola e jeans
rasgados. Na verdade, eram buracos, como se tivesse trabalhado
em uma obra.
Eu estava praticamente nu. Estava apenas de cueca, porque
ainda não havia decidido se iria ou não à festa.
Os caras me disseram que eu estava agindo como uma
mulherzinha, mas eu achava que estava sendo esperto, porque
queria manter meu rosto intacto. Além disso, eu era contra o uso do
termo mulherzinha como algo pejorativo.
A mensagem dizia:
Quem é?
Bianca: Perfeito.
O tempo todo.
Lavin: Por onde você andou? Tive que sentar naquela porcaria
de cadeira de novo.
Lavin: Foi terrível. Você tinha que ficar com pena de mim.
***
***
Pensei que sabia o que era um coração partido. No ensino
médio, namorei uma garota por um ano. Hailey era um amor, filha
única de um casal muito religioso. Era extremamente tímida, mas
bonita, e eu a queria. Chamei-a para sair durante semanas, até que
ela aceitou. Depois disso, não nos desgrudávamos. Ela despertava
em mim algum tipo de instinto protetor, então andar com ela de
mãos dadas pelos corredores da escola me fazia sentir como um
adulto. Em dias de jogo, ela decorava meu armário e deixava
bilhetinhos desejando boa sorte.
Hailey foi carinhosa e confiável. Sincera. Não fazia joguinhos e
não mentia por nada. Minhas bolas viviam doloridas, porque não
passávamos de beijos, e na época eu estava tranquilo quanto a
isso. Tinha dezesseis anos e morria de medo de garotas,
principalmente dela. Não suportava a ideia de machucá-la, fazê-la
chorar ou qualquer coisa que a fizesse parar de sorrir.
Uma noite, no porão de sua casa, onde deveríamos estar vendo
um filme, ela deslizou a mão para dentro da minha calça, mordiscou
o lábio e bateu uma punheta desajeitada da qual eu me lembraria
pelo resto da vida. Hailey deixou que eu a tocasse por cima da
calcinha, e eu nunca me esqueceria de seus olhos enquanto ela
estremecia e gozava.
Na semana seguinte, literalmente, toda a família se mudou para
o outro lado do país. Ela gritava e explicava que o pai havia aceitado
um novo emprego, e que ela não queria me deixar, mas não tinha
escolha. Pude jurar que o babaca sabia que se não a afastasse de
mim, teríamos transado até o fim do ensino médio.
Fiquei arrasado. Ela era minha melhor amiga também, e foi
uma tortura vê-la encaixotar suas coisas, chorando enquanto eu
ficava sentado em sua cama. Depois que ela foi embora, tentamos
manter contato, mas um relacionamento à distância entre dois
adolescentes de dezesseis anos era sinônimo de desastre.
Por muito tempo, me questionei se teria dado certo se eu
tivesse me esforçado mais. Mas agora tenho certeza que não. Não
lutei por Hailey, porque o que sentia por ela não era nada
comparado ao que sinto por Bianca. Eu queria lutar por ela. Só não
sabia como.
— Saint, preste atenção. — Senti um dedo perto do meu olho, e
quase caí para trás. Esfreguei a mão no rosto, olhando ao redor e
percebi meus companheiros de equipe me encararem, confusos.
Ah, sim. Estávamos no intervalo de um jogo cujo placar marcava
dois gols para o adversário, e em vez de ouvir o treinador dando
uma bronca na gente, eu estava no mundo da Lua.
— Desculpe — murmurei. Não estava jogando mal. Não era
meu melhor desempenho, mas não estava sendo terrível. Eu estava
fazendo um jogo mediano, o que não era novidade, já que minha
vida se resumia a mediocridade.
O treinador me encarou da mesma maneira como vinha
fazendo nas últimas duas semanas, um misto de raiva e pena. Eu
conhecia aquele olhar. Ele achava que eu era um babaca patético
por ter me apaixonado por sua sobrinha, que:
1 - de quem eu não era permitido chegar perto e
2 - que se aproveitou de mim até enjoar.
Não vi mais Bianca na faculdade, mas isso não me impedia
de imaginá-la saindo escondida para fazer algo com outro cara.
Deveria ser eu. Era eu quem deveria correr o risco de ser
expulso por conta de alguma peripécia dela. Era eu quem deveria
estar vomitando depois de uma competição de comida. Eu. Mas não
era. E nunca seria.
Senti um tapa na lateral da cabeça e prendi a respiração.
— Foco no jogo — o treinador disse com desdém antes de se
afastar.
Aquilo ajudou a me trazer de volta à realidade. Dei alguns pulos
para aquecer os músculos assim que o árbitro apitou, indicando o
fim do intervalo.
Dre começou a caminhar lado a lado comigo ao entrarmos em
campo.
— Cara, você está bem mesmo?
— Sim, estou.
Ele parecia preocupado.
— Foco, está bem? Se não for por você, por nós.
Droga, ele estava certo. Olhei nos seus olhos.
— Estou focado. Juro.
Meu amigo sorriu e me deu alguns tapas nas costas antes de
correr para o gol.
Assumi minha posição e esperei o árbitro apitar. Nos primeiros
dez minutos, corri como um louco. A única coisa em que eu era
realmente bom era no futebol, então mergulhei na partida.
Marcamos dois gols e empatamos a partida nos últimos cinco
minutos. E fui eu quem deu assistência para meus companheiros.
O árbitro marcou escanteio, e o goleiro do time adversário
gritou:
— Marquem em cima!
Senti alguém se aproximar de mim e ouvi uma voz que vinha
me importunando o jogo inteiro.
— Me empurre mais uma vez, babaca, e eu te tiro do jogo.
Fazia uma hora que eu estava ignorando o cara, mas estava
cansado de suas provocações.
— Você quer que eu pegue mais leve? Desculpa, cara, isso
aqui não é uma escolinha na qual você só entrou porque o papai
pagou uma fortuna.
Shane correu até o canto com a bola debaixo do braço. Mantive
os olhos nele, sabendo que seu chute curvado viria em minha
direção.
— Torça para que o juiz não se vire, ou você vai cuspir sangue.
— Sério? Cai fora. — Nos empurramos na busca da melhor
posição perto da trave assim que a bola disparou em nossa direção.
Pulei, entusiasmado quando a toquei com a cabeça em um golpe
firme. Ajeitei o ângulo do pescoço e mandei a bola para dentro do
gol.
— Filho da mãe — alguém falou. Ouvi gritos e o barulho de
uma bola acertando a rede. Sorri de orelha a orelha, mas então
senti algo afiado se chocar contra minhas costelas. Perdi o fôlego e
ouvi o barulho de algo rígido batendo em metal. Senti uma dor
lancinante na cabeça, e tudo ficou escuro e silencioso. Nem percebi
quando meu corpo atingiu o chão.
Onze
ALGUMA COISA PINICAVA MEUS DEDOS. Era gelada e
molhada. Abri os olhos e percebi tudo estranho ao meu redor, mas
pisquei até conseguir focar. E então pisquei de novo, porque meus
olhos me diziam que Bianca estava sentada ao lado da minha cama,
com o cabelo preso e a língua no canto da boca em total
concentração enquanto pintava minhas unhas. O frasco de esmalte
preto estava sobre a mesa de cabeceira.
Ela se afastou, conferindo o trabalho antes de mergulhar o
pincel no frasco e voltar a pintar meu mindinho.
Dre apareceu no quarto, e desviei o olhar para ele.
— Ei, cara. Vim ver como você está.
Quando recobrei a consciência no campo depois daquele filho
da mãe bater minha cabeça contra a trave, fui examinado pela
equipe médica, diagnosticado com uma concussão e levado para
casa depois de algumas horas em observação. Agora estava
deitado na minha cama e alucinando. Talvez eu devesse ir ao
hospital.
— Estou bem. Ganhei uma cicatriz legal, pelo menos?
Dre fez uma careta.
— Não tenho certeza. Sua cabeça sangrava sem parar. Tiveram
que raspar parte do seu cabelo para dar pontos.
Levantei a mão e toquei a lateral da cabeça. O couro cabeludo
estava exposto e havia uma fila de pontos.
— Você está de brincadeira, não é? — Bati a mão na cama. —
Por que nunca consigo cicatrizes legais? Deveria ter sido jogador de
hóquei. — Para meu tormento, Dre sorriu. Fechei os olhos e
consegui não choramingar. — Concussões são coisas sérias.
— São, sim.
— Não, é sério. Estou vendo coisas.
Dre franziu a testa.
— Como é?
— Sim, estou alucinando e vendo a Bianca aqui, pintando
minhas unhas. Isso é loucura.
Dei risada, mas Dre não me acompanhou. Em vez disso, olhou
para o lado.
— Você não está alucinando, cara.
Congelei, e a risada foi morrendo na minha garganta conforme
eu virava a cabeça. Bianca estava sorrindo para mim, e então
acenou de forma sutil, já que estava segurando o pincel do esmalte.
— Oi para você.
Ela se aproximou e assoprou minhas unhas. Apesar do
ferimento, senti meu pau reagir. Ela usava uma legging lisa e um
moletom enorme, cujas mangas se avolumavam em torno dos
pulsos. Naquele momento, ela me lembrava um pouco da Ariana
Grande, com aquele rabo de cavalo bem alto. Estava descalça e
apoiava os pés na beirada da cama. Engoli em seco.
— Oi.
Então ela fechou o frasco de esmalte e me entregou um copo
de água com um canudo.
— Beba.
Fiz o que ela pediu, fechando a boca ao redor do canudo. Eu
não estava em posição de discutir. Ainda tentava convencer meu
cérebro de que aquilo não era uma alucinação. Ela estava ali. No
meu quarto. Como se uma semana atrás eu não tivesse me
declarado só para vê-la se engasgar.
— Bem, vou deixar vocês à vontade. Precisa de alguma coisa?
— Dre já estava saindo do quarto.
— Não, obrigado — respondi.
Descansei a cabeça no travesseiro e ergui a mão, analisando o
esmalte preto nas unhas.
— Por que você as pintou?
Bianca deu de ombros.
— Fiquei entediada enquanto você estava dormindo, então
mexi nas suas coisas e encontrei o esmalte.
— Foi um trote quando eu era calouro. — Não entendi por que
sentia a necessidade de me explicar. — Bem, próxima pergunta. Por
que você está aqui?
— O treinador disse que você estava machucado.
E foi isso. Ela não disse mais nada.
Resmunguei.
— E você se importa porquê...? — Ela abriu a boca, espantada,
e no mesmo instante me arrependi do que falei, pois seus lábios
tremeram. — Bianca...
Ela bufou.
— Está tudo bem. Eu mereci.
— Não, eu não deveria ter dito isso.
— Deveria, sim — ela retrucou, ríspida. — Reconheça, Lavin.
Eu te magoei, e você tem todo o direito de se sentir assim e estar
bravo comigo.
— Certo, se você quer que eu seja sincero e reconheça meus
sentimentos, aqui está a verdade: fiquei zangado por alguns dias,
mas não estou mais. Estou triste. — Passei a língua pelos dentes.
— E com saudade.
— Lavin... — ela sussurrou e rastejou na cama de casal para se
deitar entre mim e a parede. Repousou a bochecha quente no meu
ombro e passou um braço por cima do meu peito nu, Seus joelhos
cutucaram minha coxa.
Fiquei imóvel, sem saber o que fazer e o que aquilo significava.
Ela estava ali, mas até onde eu sabia, poderia ser por pena. Só que
eu estava cansado demais e minha cabeça doía muito para me
fazer de difícil. Senti saudades dela.
— Como está a cabeça?
— Está bem. Só latejando um pouco.
— Vou atrás daquele babaca que te agrediu, riscar o carro dele,
furar os pneus e encher as garrafas de Gatorade dele com laxante
— Bianca disse com raiva, e senti sua respiração sobre meu peito.
Dei risada, mas logo se transformou em um gemido, porque
minha cabeça doeu. Meu único prêmio de consolação era aquela
enxurrada de carinho e proteção vindo de Bianca.
— Me lembre de nunca te tirar do sério.
— Eu estava lá. — Sua voz perdeu o tom de ameaça. — Estava
fora de vista, e quando vi sua cabeça batendo na trave, quase
vomitei.
Eu me contraí.
— Foi tão ruim assim?
Ela estremeceu.
— Aquele som oco e metálico vai me assombrar por muito
tempo.
Esfreguei seu ombro.
— Ei, estou bem. Minha cabeça é dura.
— Ele poderia ter te machucado de verdade. — Bianca não
queria esquecer o que houve.
— Bem, ele até que me machucou bastante, mas estou vivo.
Provavelmente já foi expulso do time. Nenhum lugar vai aceitar o
que ele fez.
Bianca bufou.
— Talvez eu ainda risque o carro dele.
— Tudo bem, sua vândala.
Ela ficou em silêncio por um tempo e manteve o braço bem
apertado ao redor da minha cintura. Quando falou novamente, sua
voz era suave.
— Como você descobriu?
Tive um palpite sobre o que estava falando.
— Shane estava assistindo a um programa em que as
Kardashians estavam na plateia de um desfile. E você apareceu.
Ela suspirou.
— Tenho sido bem egoísta — disse, mas eu não retruquei,
porque não sabia o que dizer. — Preciso confessar uma coisa.
Encarei o teto, me concentrando em uma mancha de água que
parecia o Groot.
— Tudo bem.
— Não me odeie até que eu termine de contar, está bem?
Tentei não deixar a voz falhar.
— Tudo bem.
— Quando aqueles jogadores de futebol americano me
abordaram na faculdade e vi você se aproximar, a primeira coisa em
que pensei foi que você parecia o tipo de cara que ia... entrar na
onda do que eu dissesse. Não queria ir àquela festa sozinha, não
com aqueles caras, que obviamente só se interessavam em me
mostrar seus paus enormes. Mas, ao mesmo tempo, queria ir a uma
festa universitária para ver como era. Enquanto isso, você me
olhava como se fosse se deitar em uma poça para que eu não
molhasse os pés. Aos meus olhos, você parecia ser inofensivo.
Engoli em seco, querendo negar, mas também reconhecendo
que ela não estava errada. Bianca levantou a cabeça para me olhar,
e ao menos uma vez na vida mantive a boca fechada. Apenas
assenti, e por algum motivo, isso a fez se encolher e deitar a cabeça
em meu ombro de novo.
— Pode parecer cruel, mas eu não planejava falar com você
depois da festa. Só que tudo mudou quando te conheci. Gosto da
sua companhia. Você é engraçado, gostoso pra caramba... muito
mais do que imagina... e não fica de joguinhos. Você não tem
vergonha de... ser o Lavin. Me sinto segura ao seu lado, e é
impossível não ressaltar o quanto significa para mim me sentir
assim.
— Mas por que eu? Você tem inúmeras opções, mas escolheu
sair comigo?
— Opções? — Não sabia muito bem qual reação esperar, mas
sua voz indignada quando retrucou estava entre meus palpites.
— Sim, opções...
Ela me lançou um olhar tão mortal que fiquei quieto.
— Não tem nada a ver com opções. Não preciso de um
homem, Lavin. Estou por minha conta há muito, muito tempo. A
última coisa que tinha em mente quando me mudei para cá era
encontrar alguém de quem gostasse. Na verdade, é a última coisa
de que preciso.
— Então por que...
— Estou com você porque quero. Você. Não porque é uma
opção que escolhi em uma fila de candidatos. — Meu Deus, ela
estava furiosa, e me fuzilava com os olhos. — Sério mesmo? É isso
que você pensa de você? De nós?
Estreitei os olhos para ela.
— Existe o que eu penso, e o que quero pensar. Às vezes, tudo
se confunde. Não sei de mais nada.
Bianca segurou meu rosto com carinho, porque eu estava
machucado.
— Não tenho por que mentir para você. A verdade é que não
namoro ninguém. Tive um namorado, um homem mais velho. Durou
um ano e meio, até ele me trocar por uma modelo mais nova.
— Mais nova? Bi, você tem vinte e um anos.
Ela apertou os lábios.
— Ela tinha dezoito. Ele gosta das novinhas.
Franzi o nariz.
— Nojento.
— É por isso que me sinto egoísta pra caramba. Não te deixei ir
e continuei te procurando, porque não consegui ficar longe. Mesmo
sabendo que poderia te colocar em perigo. Não te dei escolha
quando você descobriu tudo. É culpa minha.
Me lembrei de que ela já havia dito isso na casa do treinador.
— Perigo? — perguntei, incrédulo. — Você tem um ex-
namorado mafioso que vai colocar uma cabeça de cavalo decepada
na minha cama? — Ela não respondeu, e senti minha coluna
arrepiar. — Espere aí. Você tem? Porra, um mafioso vai estourar
meus joelhos? Vai me dar um tiro? Vão me matar?
— Meu Deus, Lavin, ele não é um mafioso! — ela falou.
— Então o que...?
— Estou me escondendo, Lavin. — Sua voz estava mais calma,
mas seu olhar era tão triste que me partia o coração. — Vim me
esconder aqui, porque um fã está me perseguindo e ameaçou me
matar.
Sentei tão rápido que minha cabeça girou. Gemi, e Bianca
arfou.
— Deite-se — ela ordenou. — O que você está fazendo?
— Você acabou de me dizer que tem alguém querendo te
matar!
— Shhhhh! — Ela olhou para a porta e para mim novamente.
Seu olhar era de súplica. — Você não pode contar para ninguém.
Enfiei um travesseiro embaixo da cabeça, e Bianca se sentou
de pernas cruzadas ao meu lado com a mão em minha coxa.
— Me explique — eu pedi. — Por favor.
Estava claro que ela não gostava de falar sobre o assunto. Ela
apertava o joelho com a outra mão, fazendo os nós dos dedos
saltarem e as unhas cravarem na calça.
— No começo, os e-mails eram como os de outros fãs. Nada de
mais. Mas então começaram a aparecer mensagens no Instagram,
a única rede social que tenho. Meu nome artístico é Bianca Marie. A
coisa começou a ficar mais agressiva. Mais exigente. A pessoa
queria me encontrar, e era sempre o mesmo usuário. Ele escrevia
com uma intimidade que me deixava desconfortável. Então...
começaram os presentes.
— Presentes? — Senti a garganta seca. Peguei o copo de água
da mesa de cabeceira e enfiei o canudo antes de beber o resto.
Bianca assentiu.
— Primeiro, eram entregues no trabalho. Coisas inofensivas,
como flores. Depois vieram os ursinhos de pelúcia com as peças
que eu havia usado em sessões de fotos ou nos desfiles... roupas
com as quais modelei.
Senti um buraco em meu estômago.
— Puta merda, isso é assustador.
— Nem me fale — ela riu, mas de um jeito estranho. —
Denunciei para a polícia, mas não conseguimos rastrear de onde
vinham as mensagens e nem como os presentes eram entregues.
Estava com muito medo. O stalker continuava pedindo para me
encontrar, dizia ter certeza de que nos apaixonaríamos e de que eu
me entregaria a ele. Eu não conseguia dormir, estava emagrecendo
e não aparecia para os trabalhos. Meu agente me disse que aquilo
era parte da profissão, mas não era essa a vida que eu queria. —
Bianca olhou para baixo e enxugou os olhos. — Mas então, um
ursinho vestido de noiva apareceu no meu apartamento. Havia um
bilhete fincado nele com uma faca, me pedindo em casamento. Foi
nesse momento em que fugi. Deixei tudo para trás e corri para cá.
Meu tio é meu único parente nos Estados Unidos, mas legalmente
não estou vinculada a ele.
Estiquei as mãos em sua direção e a puxei para meu peito.
Senti seus ombros tremerem enquanto ela chorava em silêncio e as
lágrimas me molhavam conforme se agarrava a mim. Por mais que
eu amasse tê-la ali comigo, odiava toda aquela história. Bianca
deveria ser feliz e viver a vida na universidade enquanto planejava
um futuro como organizadora de eventos, e não passar os dias
morrendo de medo de que algum psicopata a pegasse em um beco
escuro e a ameaçasse. Um ursinho com uma faca? Porra.
— Eu sinto muito, Bianca. Não consigo nem imaginar como
você se sente, porque só de ouvir a história quero vomitar.
— Contratamos um investigador particular. Não há muito o que
fazer além de esperar e torcer para que os profissionais encontrem
essa pessoa.
Ela ficou em silêncio por um longo período, mas havia parado
de tremer e seu coração não estava mais disparado. Então senti seu
corpo cada vez menos tenso, e ela se curvou em minha direção.
— A pessoa ainda não me achou aqui, mas meu agente disse
que os pacotes não pararam de chegar ao meu apartamento. Ele
está com raiva e, se me encontrar e vir você, não quero pensar no
que a pessoa pode fazer. Não é justo te colocar nessa confusão, e
meu tio já me alertou várias vezes. — Ela levantou a cabeça. — Me
desculpe por não ficar longe. Eu não deveria ter me aproximado.
Não foi certo não contar logo no início em que você estava se
metendo.
Não sabia o que dizer, porque me sentia impotente. Não
poderia resolver o problema para ela, já que não era algo do tipo
preciso melhorar minha média ou o proprietário não quer consertar o
aquecedor. Era... um problema do mundo real. Algo que eu queria
resolver, mas sabia que era impossível. Agarrei o cobertor, com
vontade de esmurrar alguma coisa.
— Quem me dera poder brigar por você com essa pessoa.
Ela segurou minha mão e um sorriso gentil apareceu em seus
lábios.
— Não acho que você seja de briga, Lavin.
— O que quer dizer com isso? Meus punhos poderiam ser
classificados como armas de destruição em massa em alguns
países.
Bianca tremeu, e fiquei com medo de que ela fosse chorar de
novo, mas seu sorriso se alargou.
— Ah, é? Me conte sobre a última briga em que se meteu.
— Oitava série. Kevin Burns.
— E o que foi que Kevin Burns fez?
— Roubou a barrinha de cereal da minha lancheira.
Ela suspirou de forma dramática.
— E como você o fez pagar por isso?
Comprimi os lábios antes de falar:
— Dei um chute no saco dele.
Ela jogou a cabeça para trás gargalhando e depois se deitou
em meu colo. Então me com olhos marejados.
— Obrigada.
— Por chutar o saco do Kevin Burns? Ele mereceu, aquele
ladrão.
Bianca balançou a cabeça e sorriu.
— Por me fazer rir.
Coloquei uma mecha de cabelo que havia se soltado do rabo
de cavalo atrás de sua orelha.
— Gosto de te fazer rir. Você sabia que nem todo mundo me
acha engraçado?
— Não diga.
— Alguns até me acham... — Diminuí o tom de voz para um
sussurro estarrecido. — Irritante.
— Monstros. Todos eles. Não têm senso de humor.
— É isso mesmo.
Mas seu sorriso morreu assim que a realidade apareceu em
seus olhos castanhos mais uma vez.
— Sou um desastre. Você deveria encontrar uma garota legal
que queira ser professora e que tenha pais bacanas que te
convidem para churrascos.
Apertei seu ombro e disse:
— Essa namorada hipotética parece ser muito legal, mas só
tem um problema.
— Qual?
— Ela não tem um pingo de belessência.
Bianca mordeu o lábio, e pensei que ela estivesse segurando o
riso, mas uma lágrima caiu do canto de seu olho.
— Ei — sussurrei.
— Não posso — ela respondeu. — Vim até aqui porque vi que
você se machucou e fiquei apavorada. Depois que você veio para
casa, eu não consegui pensar em mais nada além do que
aconteceu. Você tinha o direito de saber o motivo pelo qual não
vamos dar certo.
Ela se sentou, e eu estiquei a mão para tocá-la.
— Espere, o quê?
Bianca se desvencilhou do meu toque, saiu da cama e
começou a arrumar o cabelo.
— Vim me explicar e dizer... adeus. — Sua voz vacilou.
— Bianca, não quero dizer adeus.
Ela fechou bem os olhos.
— Lavin, por favor.
— Não, não é isso que eu quero. Você falou que não tive
escolha no começo. Tem razão, mas agora posso escolher, certo?
Seus movimentos eram apressados enquanto prendia o cabelo.
— Não é assim que funciona. Fiquei com você e deixei que se
importasse comigo sem que soubesse das consequências.
— Você deixou que eu me importasse? Que porra é essa? Você
acha que só porque é linda todo cara vai se apaixonar?
Ela se virou rapidamente, cheia de raiva nos olhos.
— Não foi o que eu quis dizer.
— Bem, mas pareceu. Um rostinho lindo não esconde uma
personalidade ruim. Você poderia uma garota perversa e sem
coração, e eu não iria querer nada com você. Mas você não é
assim. Você é engraçada, espontânea e me faz sentir como se eu
pudesse conquistar o mundo. É isso que vejo quando te olho e é
com essa pessoa que me importo. Posso ser virgem, mas não sou
um moleque tonto que se apaixona pela primeira garota que o deixa
de pau duro.
Sentia o rosto queimando e os olhos ardendo. Caramba. Estava
prestes a chorar? Cerrei o maxilar, tentando ao máximo demonstrar
força e não como se estivesse a ponto de desmoronar. Bianca
estava boquiaberta e me olhava como se eu fosse uma aberração.
— Lavin... — ela sussurrou.
— Agora eu quero escolher. — Bati os punhos na cama. — Se
você está procurando um jeito mais fácil de me dispensar porque
não gosta de mim, me diga agora. Mas se você se importa comigo
como diz, me deixe escolher. Por favor.
— Não te quero envolvido nisso. — Ela estava chorando.
— Não estou com medo, Bianca.
— Mas deveria. — Sua voz falhou. — Eu estou.
Dei um passo à frente, porque aquela fragilidade estava me
matando. Daria qualquer coisa para ter aquela Bianca confiante, que
me arrastou para a piscina do ginásio, de volta.
Ela ergueu a mão, me fazendo parar.
— Você não tem ideia de onde está se metendo. Podemos
esperar até encontrarmos o stalker, porque eu nunca me perdoaria
se algo te acontecesse. Você precisa entender isso. Te afastei uma
vez, e isso acabou comigo.
Meu coração vacilou.
— Então não me afaste de novo. Você disse que foi egoísta. Se
quiser mesmo fazer algo para compensar, esse é o jeito certo.
Estávamos em um impasse. Bianca não cedia, e eu também
não. Quantas vezes eu havia desistido de coisas que queria? Tantas
que não podia nem contar nos dedos. Mas naquele momento, de pé
em meu quarto e vendo Bianca travar uma guerra dentro de si,
percebi que não lutava pelas coisas, porque nunca desejei nada
com tanta intensidade quanto a desejava.
— Por favor — ela sussurrou, e pude sentir o quão perto ela
estava de desmoronar e como eu estava prestes a puxá-la para
mim. — Não faça isso. Não quero ceder, mas você não está
facilitando. — Ela mordeu o lábio. — Preciso que entenda que
durante muito tempo, eu nunca quis tanto alguma coisa quanto
quero estar com você.
Prendi a respiração, e suas palavras me atingiram como um
nocaute.
— Bianca...
Dei um passo em sua direção exatamente no momento em que
a voz de Shane ecoou pela escada, sua risada rouca chamando
nossa atenção. Ele entrou no quarto com meu celular na mão
enquanto conversava com a tela. Então olhou para mim e virou o
celular para que eu visse Pop no FaceTime.
— Seus pais.
Arranquei o celular de suas mãos e semicerrei os olhos.
— Você usou meu acidente como uma desculpa para ligar para
eles?
Shane ergueu as mãos, dando um sorriso enorme’.
— Claro que não. Seu celular estava lá embaixo quando eles
ligaram. — Ele olhou para o aparelho e disse. — Tchau, Papai Urso!
— Dê o fora daqui. — Apontei para a porta, e ele saiu
saltitando.
Sabia que havia cometido um erro assim que olhei para baixo e
vi que o celular estava virado o suficiente para mostrar Bianca.
Meus pais olhavam pela câmera, e Papai tinha os olhos
arregalados.
— Tem uma garota no seu quarto?
Passei a mão pelo rosto, grunhindo e desejando que nunca
tivesse acordado da concussão. Em segundos, Bianca havia se
recomposto. Seus olhos ainda estavam um pouco vermelhos, mas
não tinha mais lágrimas rolando por seu rosto e ela estava sorrindo
para o celular. Mas não era aquele sorriso verdadeiro.
— Oi — ela disse, acenando para os dois. — Meu nome é
Bianca.
— Bianca... — Papai sussurrou o nome como se estivesse se
encontrando com a rainha da Inglaterra.
Virei a câmera para mim.
— Oi. Estou ótimo, obrigado por perguntar. Estou me sentindo
amado.
— Quem é essa garota? — Papai perguntou.
Pop pousou a mão no braço dele em um gesto silencioso para
que pegasse leve, mas àquela altura, Papai já havia passado do
limite da calmaria.
— Lavin, por que ela está no seu quarto?
— Ela é minha amiga.
Ele fez uma cara de velório.
— Amiga?
— Tenho que ir — Bianca falou baixinho enquanto procurava
pelas chaves.
— Espere — pedi.
— Ela está indo embora? — Papai perguntou. — Ela pode ficar!
— Muito obrigado pela permissão — grunhi para o celular.
— Olhe como fala — Pop me repreendeu.
— Bianca... — gritei, mas ela já estava no corredor, disparando
escada abaixo. Por um instante, pensei em desligar a chamada e
correr atrás dela, pois estava cansado de nos afastarmos quando
tínhamos tantos assuntos pendentes.
Mas ela estava chateada, e minha cabeça doía demais. Afundei
na cama.
— Me desculpem — murmurei. — Está sendo um dia difícil.
Papai colocou as mãos sobre o peito, e Pop o abraçou.
— Nos conte o que houve — Papai pediu.
Então contei.
***
Bianca: Por favor, fique uma semana sem falar comigo e pense
no assunto. Se ainda quiser me ver, me encontre no Corn Festival
no sábado, dia 4.
Lavin: Combinado.
***
Por uma semana inteira, não tive notícias de Bianca, nem
sequer a vi ou conversei com ela. Estava respeitando seu pedido.
Livre de sua influência, de sua voz, do seu perfume e do aconchego
de seus olhos, pude pensar com mais clareza. Na quinta-feira, eu
sabia que se aparecesse no sábado, teria que ter certeza. Tinha que
pensar seriamente naquilo em que estaria me metendo.
Na sexta-feira, voltei da aula e fui direto para o quarto, fechei a
porta e me sentei na cama com um caderno aberto em uma página
em branco. Na primeira linha escrevi: Prós e Contras de namorar
Bianca. Risquei uma linha dividindo a página e em uma coluna
escrevi Prós e, na outra, Contras.
Comecei pelos Contras, porque coisa ruim sempre vem em
primeiro lugar.
1. Fazê-la rir.
2. Ver seu sorriso.
3. Beijá-la.
4. Aventuras.
5. Belessência.
6. Ter alguém que me apoia.
***
***
***
***
Adivinhem? Não fiz nenhum gol. Tentei algumas vezes, mas era
como se meu corpo não quisesse. Ou a bola passava por cima da
trave, ou caia direto nas mãos do goleiro. Não era meu destino ter o
nome na súmula.
No fim, vencemos por quatro a dois. Dre estava enfurecido por
ter tomado dois gols, mas ele sempre ficava assim quando isso
acontecia. Ele se isolava depois de todos os jogos. As expectativas
altas do treinador em relação ao time não eram nada em
comparação à pressão que Dre colocava sobre si mesmo.
— Pepe — Pop disse enquanto andávamos abraçados em
direção ao Pizzaz —, estou orgulhoso de você. Estava ótimo em
campo.
— Obrigado por estarem lá — respondi para ele e Papai.
— Até parece que perderíamos o campeonato — Papai brincou,
olhando para o bufê self-service de pizza como se fosse um
banquete de venenos. — Eu poderia não comer aqui. Não entendo
por que o Angelo gosta tanto desse lugar.
— É barato — Shane grunhiu, passando por nós para se servir.
Os pais de Dre e os de Zac também estavam lá. Por isso,
pegamos a mesma mesa. Shane se juntou a nós, mas ele não
falava muito sobre os pais. Eu sabia que o pai era ausente e só vi
sua mãe uma vez quando ela apareceu em nosso banquete anual
de fim de temporada.
Uma vez, alguém perguntou por que ela não ia aos jogos, e
isso fez Shane se fechar mais rápido que um piscar de olhos. Então
não perguntávamos nada quando ele ia para casa. Sempre
dávamos a entender que ele poderia passar os feriados conosco, e
mais de uma vez ele aceitou o convite para o Dia de Ação de
Graças na minha casa. Claro, passou a maior parte do tempo
paquerando meus pais.
— Algum plano para hoje à noite? — Papai perguntou, tomando
um gole de água e comendo vegetais crus. Ele pediu ao gerente um
pouco de recheio de pizza, e foi assim que conseguiu alguns
cogumelos, brócolis, espinafre e tomates.
— Tem uma festa de Halloween — respondi, colocando comida
na boca.
Papai se inclinou em minha direção.
— Não se esqueça do relógio.
— Pode deixar.
— Como a Bianca está?
Cutuquei a borda da pizza.
— Praticamente trancada dentro de casa. Aposto que está
enlouquecendo.
O olhar de Papai era de pena e tristeza.
— Logo, logo isso tudo vai acabar.
Quem me dera.
Dezesseis
FESTAS DE HALLOWEEN EM UNIVERSIDADES eram apenas
uma desculpa para vestir pouca roupa. E isso não servia apenas
para as garotas, mas para os caras também. Já vi muita gente
querendo ser o Khal Drogo, o que me fez desenvolver uma aversão
saudável a Game of Thrones.
Dre estava fantasiado de Michael B. Jordan no filme Creed:
nascido para lutar. Ele vestia sapatos e calção de lutador de boxe,
mas sem as luvas, porque ele dizia que precisava dos dedos livres
para peitos e bundas. Sério mesmo. E eu fui o azarado escolhido
para passar óleo em suas costas porque ele precisava “ser
autêntico e parecer suado”. Nojento. Mas Dre era mesmo muito
parecido com Michael B. Jordan (de acordo com Bianca, que disse
que ambos tinham o mesmo, e aqui cito, “sorriso de deixar a
calcinha molhada”). Apostamos quanto tempo levaria para que
alguma garota estivesse se oferecendo para tirar aquele calção.
Zac se fantasiou de surfista mordido por tubarão, o que
significava usar shorts de tactel, chinelo de dedo e sangue falso
respingado na coxa. E Shane... bem, o filho da mãe estava usando
um macacão de luta greco-romana que não deixava espaço para a
imaginação. Aliás, era um pouco curvado para a esquerda. Planejei
beber bastante para me esquecer desse detalhe.
Saímos e fomos direto para a república do futebol, onde seis
dos jogadores veteranos do time moravam. Eles não davam muitas
festas, mas a de Halloween era lendária, principalmente por causa
do Vince. Era um dos zagueiros e ostentava um bico de viúva, que é
quando a linha do cabelo forma um “v” na testa. Seu cabelo era
preto e tinha dentes compridos e esquisitos. Ele parecia o Drácula
em dias comuns. No Halloween, o cara tirava o maior proveito disso.
Me fantasiei de Clark Kent, o que era bem fácil. Só precisava
vestir um blazer e camisa desabotoada, com uma camiseta do
Superman bem colada por baixo. Encontrei um óculos de armação
preta na farmácia e tirei as lentes para que pudesse enxergar. Até
que estava bonitão, mas também estava completamente vestido,
porque tinha dignidade. Na verdade, só estava com preguiça e
sentia saudades de Bianca. Além disso, estávamos na Pensilvânia
em outubro, e eu não queria congelar quando precisasse fazer xixi.
Detestava o fato de que Bianca não poderia ir, e eu sabia que
ela estava inconsolável. Festa de Halloween na universidade era
uma aventura que ela amaria, mas não era seguro naquele
momento. Prometi que tudo se resolveria para que, no próximo ano,
conseguíssemos comemorar a data da maneira correta, mas isso só
a tranquilizou um pouco.
Minha respiração formava fumaça no ar enquanto
caminhávamos até a festa.
— Estão vendo? — eu disse quando notei Zac esfregando os
braços para espantar o frio. — O esperto sou eu. Estou usando
roupas como uma pessoa normal enquanto vocês estão aí, com as
bolas congeladas.
— Sim, mas somos nós quem vamos nos dar bem, porque você
está parecendo um professor — Dre retrucou.
Estreitei os olhos para ele.
— Eu poderia me dar muito bem se deixasse vocês e me
encontrasse com a Bi.
Alguma coisa me atingiu nas costas, e eu tentei me soltar,
pronto para lutar (com Dre, provavelmente), até que percebi que os
braços ao meu redor eram grandes e peludos.
— Mas o que...? — Eu me virei e dei de cara com uma Hello
Kitty gigantesca me encarando. — Hã...
A pessoa levantou as mãos peludas e ergueu, por um breve
segundo, a cabeça enorme para que eu pudesse ter um vislumbre
do pescoço magro, sorriso e nariz familiares.
Pisquei para os olhos enormes de redinha.
— Bi? Como assim?
Suas mãos caírem na lateral do corpo e ela ficou se balançando
nas patas grandes e brancas.
— Agora posso ir à festa! — Sua voz estava abafada. —
Ninguém vai me reconhecer. Não sou um gênio?
Meu Deus, ela estava eufórica. E ainda por cima pensava que
era uma boa ideia.
— Não, não é — respondi. — Não é seguro. A polícia sabe que
você está aqui?
Ela se esquivou da pergunta.
— Bem, eu acho que é uma ótima ideia. Eu não queria ficar
trancada em casa enquanto vocês se divertem. Estou com MPCL
real, e não estou gostando. — Seu tom transbordava teimosia.
— MPCL? — Zac indagou.
— Medo de perder coisas legais — Bianca e eu respondemos
juntos.
— Escute, não vou a essa festa e vou ficar com você. — Já
havia oferecido inúmeras vezes, mas a resposta era sempre a
mesma. E dessa vez, não mudou.
— Nada disso — ela respondeu e me deu um tapa no peito com
a mão peluda. — Você não vai perder a festa só para ficar em casa
comigo. É burrice.
— Mas...
— Eu vou, Lavin. Com ou sem você. — Bianca cruzou os
braços, e eu ri, porque ela estava ridícula.
Shane pegou o celular e tirou uma foto nossa.
— O que foi isso?
— Você está discutindo com a Hello Kitty. — ele deu de ombros
e sorriu. — É hilário.
Grunhi para ele e comecei a andar. Bianca arrastava os pés
atrás de mim. Os rapazes nos seguiram enquanto eu bufava em
silêncio.
— Tive tantas ideias legais de fantasias que não posso usar
agora — Bianca dizia. — Cleópatra, ou talvez uma enfermeira sexy.
— Enfermeira sexy? — Shane perguntou.
— É bem comum — ela respondeu, e ninguém discordou. —
Mas Hello Kitty é melhor que nada. — Ela me cutucou com o ombro.
— Você está uma gracinha.
— Gracinha? Era para eu ser um super-herói sexy.
— Você está de meia-calça por baixo? — Seu tom era bem
sugestivo.
— Não. Você acha que tenho meias-calças?
— Você tem esmalte.
Suspirei, e os caras riram. Por mais que quisesse Bianca
conosco, estava nervoso. Ela não deveria sair de casa, ainda mais
em uma noite daquelas, quando tudo poderia virar um caos. Havia
muitas pessoas fantasiadas, o que facilitava para um estranho se
aproximar sem que percebêssemos. Merda. Mas eu não ia dizer
para ela voltar para casa.
— Você está com seu relógio?
— Sim, e você? — Dobrei a manga da camisa para mostrar o
meu. A cabeça da Hello Kitty balançou. — Você está bravo comigo?
— Não, não estou. Quero você aqui, mas também estou
preocupado.
— Eu sei — ela disse em um tom mais gentil. — Mas estava
ficando claustrofóbica.
Logo avistamos a casa, um sobrado estilo campestre que ficava
perto do bairro das repúblicas. O lugar estava iluminado por luzes
alaranjadas, e um esqueleto bem estranho dava uma risada
horripilante na varanda. Lápides falsas decoravam o jardim, e
morcegos de plásticos e membros humanos ensanguentados
estavam pendurados nas árvores.
— O Vince mergulha de cabeça no Halloween — Zac
murmurou quando uma cabeça de palhaço surgiu do chão e gralhou
para nós.
Bianca estava amando tudo. Eu não esperava outra reação. Ela
bateu a mão peluda em um pé de plástico ensanguentado que
pendia de um arbusto ao lado da casa. Também fez carinho na
cabeça do palhaço, como se fosse um bicho de estimação.
A festa já havia começado, mesmo que ainda fossem nove da
noite. Vince colocou uma fileira de shots no balcão, no canto do bar
decorado com tampinhas de garrafa de cerveja. Carson também
estava lá, mancando de um lado para o outro por causa dos
ligamentos rompidos. Assim como Dre, ele era bem popular entre as
garotas, fato evidenciado pelas três fantasiadas de enfermeira ao
redor dele. Eu as reconheci. Aquelas garotas viviam atrás dele. Não
pude deixar de perceber os olhares mortais que trocavam entre si.
Dei uma cotovelada em Shane.
— Olhe só, o Grandy e suas enfermeiras.
Shane bufou, falando mais alto e em tom mais agudo:
— Ah, Carson, eu sou o remédio de que você precisa.
Havia gente seminua por todos os cantos. Peitos, bundas...
caramba, vi até alguns mamilos. Halloween bizarro. No ano anterior,
eu estava no paraíso, mas, esse agora estava na merda, porque a
única pele que queria ver estava coberta por uma fantasia de Hello
Kitty.
— Lavin! — O grito agudo fez meu estômago se contorcer.
Shane arregalou os olhos e se virou para a Hello Kitty assim que um
corpo seminu disparou através das pessoas em minha direção.
Hayley, a melhor amiga da irmã caçula de Vince, esbarrou em
mim, envolvendo os braços na minha cintura enquanto eu
permanecia imóvel.
— Senti saudades! — Ela deu um sorriso radiante.
Foi então que consegui notar sua fantasia. Ou falta dela. Era
um biquíni listrado em preto e branco, como o de uma Barbie antiga,
acompanhado do cabelo loiro preso em um rabo de cavalo muito
alto e bastante delineador nos olhos. Ela era bonita. No semestre
passado, quando ela estava aqui, a gente se pegou. Se seu olhar
era algum indício, diria que Hayley tinha esperança de uma reprise.
Puta merda. Eu estava bastante ciente do braço peludo da Hello
Kitty ao meu lado, roçando a manga do meu blazer.
Não queria magoar Hayley. Ela era uma garota bacana, mas
seus olhos já estavam turvos por conta do famoso jungle juice de
Vince. Sem saber direito o que fazer, eu a afastei e dei palmadinhas
em sua cabeça. Isso mesmo. Foi esquisito. Shane balançou a
cabeça e revirou os olhos.
— Oi, Hayley.
Olhei para Bianca com o canto do olho, mas a porcaria da
fantasia me impedia de ver sua reação. Droga. Eu não saia muito,
então as chances de esbarrar em alguma garota que peguei eram
escassas. Hayley estudava em faculdade particular em outro
estado, mas ali estava ela, e eu não podia abraçar minha garota
para deixar claro que estava comprometido. Fiquei me perguntando
como me sentiria se fosse o contrário, se eu estivesse fantasiado de
Hello Kitty, vendo um cara se agarrando à Bianca. Minha vontade
seria de destruir qualquer coisa.
Hayley se aproximou e deslizou as mãos no meu peito.
— Superman. Gostei.
— Na verdade, sou o Clark Kent.
Ela piscou para mim.
— Hã?
Caramba, sentia seus seios me tocarem e podia ver os mamilos
através do tecido fino do biquíni. Mas não estava excitado. Estava
aterrorizado.
— Deixa pra lá. Escute... foi muito bom te reencontrar, gostei da
fantasia. Mas estou saindo com uma pessoa. Ela não pôde vir, mas
vou me comportar hoje.
Torcia para que minha resposta atravessasse a embriaguez de
jungle juice. Hayley contorceu o rosto e, por um momento terrível,
pensei que fosse chorar. Mas então se endireitou e disse:
— Tudo bem. Quem perde é você.
E então ela saiu saltitando como um coelhinho em seu salto-
alto preto.
Expirei e me atrevi a olhar para a Hello Kitty, que não havia
movido um músculo. Shane me deu tapas nas costas.
— Se saiu bem, Saint.
Dre mostrou que também aprovava ao levantar o queixo para
mim, e Zac murmurou “Maravilha, obrigado”, se esgueirando pela
multidão atrás da Barbie. Certo. Podem me chamar de cupido.
Passei os próximos dez minutos conversando com o pessoal do
time e apresentando a Hello Kitty como um amigo do ensino médio.
Honestamente? Era péssimo. Teria amado exibir Bianca em meus
braços? Porra, sim. Mas odiava ainda mais saber que ela não
estava se divertindo. Não podia conversar, beber ou dançar. Estava
presa naquela fantasia ridícula como uma mera observadora muda.
Quando ficamos sozinhos, ela agarrou meu braço com a pata
peluda e me puxou por um corredor.
— Aonde você está indo, Saint? — Ouvi alguém perguntar atrás
de nós.
— Banheiro! Ele precisa de ajuda com a fantasia.
Sumimos de vista e entramos em um quarto. Quando me virei,
depois de fechar e trancar a porta, Bianca já havia tirado a cabeça
da fantasia. Ela se se jogou em mim e sua boca estava quente e
ávida sobre a minha. Agarrei seu rosto e a guiei até esbarrarmos em
uma cama.
Eu me afastei para tomar fôlego e tirei seus cabelos da testa.
— Não estou reclamando, mas o que exatamente eu fiz para
merecer isso? Preciso saber para poder fazer de novo. Tipo, todos
os dias.
Bianca deu uma risada rouca.
— Então... A Barbie?
Pressionei os lábios ao pensar que aquela conversa acabaria
mal.
— O que tem ela?
— Suponho que vocês...
— No semestre passado.
— Bem, esse beijo foi por você dizer que tinha namorada e por
fazer isso de uma forma que não a deixou constrangida. Você não
foi um babaca, e eu gostei. — Ela mordeu o lábio. — Quero dizer,
claro que tive vontade de arrancar os braços dela e usá-los para
atacá-la quando te abraçou, mas meu lado racional sabe que isso
não é legal. E odeio quando os caras agem como babacas de
propósito.
— Fico contente que por ter conseguido contornar a situação e
te deixar feliz. — Ela é a melhor amiga da irmã caçula do Dracula.
Nunca seria babaca com ela, ou o Vince me castraria.
Ela me apalpou por cima da calça.
— Seu equipamento está ótimo onde está.
Eu me desvencilhei de seu toque.
— Bi, por favor, não faça isso agora. Não posso sair daqui e
deixar todo mundo pensar que a Hello Kitty me deixa de pau duro.
Ela riu alto e se afastou de mim.
— Ei — eu disse. — Tem certeza de que está tudo bem? Me
sinto mal por você não estar aproveitando a festa.
Bianca suspirou, mexendo os pés peludos.
— Não, não está tudo bem, mas prefiro estar aqui com você a
estar em casa. É divertido te ver com seus colegas do time, e você
sabe que adoro os caras que moram com você.
— Você viu o Zac correr atrás da Barbie?
Ela colocou as mãos na cabeça e seus olhos cintilavam.
— Vi. Espero que ele consiga. Ela é bonitinha. Você tem bom
gosto, Lavin. — Ela me deu um soco no braço, e eu a ataquei,
tentando fazer cócegas, mas a porcaria da fantasia não me deixava
muito espaço.
Bianca me empurrou, rindo. Estávamos deitados e ofegantes.
Peguei sua mão por cima da fantasia.
— Ano que vem — comecei —, vamos planejar nossas
fantasias com antecedência e festejar o Halloween como deve ser.
Juntos. O que me diz?
Virei a cabeça para encará-la e quase derreti quando vi o
sorriso em seu rosto.
— Digo que está perfeito para mim — ela sussurrou.
***
***
***
***
Um ano depois
Bianca
— James Roberts.
A voz monótona repercutiu no público agitado enquanto eu
deslizava os dedos pela programação da formatura.
— Mais dois! — dei um gritinho, balançando os pés e ficando
na ponta do assento na arquibancada. — Por que ele tinha que ter
um sobrenome com uma das últimas letras do alfabeto?
O pai de Lavin riu. Bem, eu também o chamava de Papai,
porque não tinha como chamá-lo de sr. Saint uma vez que havia
dois. Além disso, eles insistiam para que fossem chamados de
Papai e Pop. Eu amava isso.
— Valerie Rodriquez.
Pop ficou responsável pela filmagem, já que tinha as mãos mais
firmes. E graças a ele, pegamos excelentes lugares, pois os
reservou com antecedência. Papai estava prestes a surtar, assim
como eu. Estava sentado junto a mim, com as mãos unidas e os
olhos brilhando.
— Estou tão orgulhoso do nosso menino.
— Bailey Sabine.
— Ele é o próximo. Ele é o próximo! — Meu coração estava
disparado. Preparei a corneta que havia escondido de Lavin, porque
se ele a visse, teria me dito para não usá-la. Ele ainda odiava ser o
centro das atenções, mas eu amava jogar toda a luz sobre ele só
para vê-lo morrer de vergonha.
— Lavin Saint.
Papai e eu ficamos de pé. Pop assobiou enquanto eu soprava a
corneta.
— É isso aí, Lavinnnnnnn!!! — berrei.
Papai colocou as mãos na boca.
— Vai com tudo, filho!
Por estarmos em assentos privilegiados, foi fácil ver quando
Lavin se virou e trocou olhares comigo antes de balançar a cabeça e
um sorriso largo tomar seu rosto. Soprei a corneta de novo, e ele se
encolheu. Sim, eu sabia o quanto estava sofrendo com a ressaca,
mas problema não era meu.
Nós três demos as mãos enquanto observávamos Lavin
caminhar pelo palco para pegar o diploma. Estava tão bonito com
aquele capelo na cabeça. Seu cabelo esvoaçava pela testa. Quando
desceu do palco, acenou de forma preguiçosa, e eu soprei a corneta
mais uma vez.
***
***