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Amanda Lopes
Copyright © 2015 Amanda Lopes
CAPA
Arte: Amanda Lopes
Imagens: ©Canstockphoto/ ©Shutterstock
DIAGRAMAÇÃO
Carlie Ferrer
Prólogo
Ali estava à minha frente, sob a violenta
chuva que caia do céu, o motivo de todas as
mudanças em minha vida. Eu achava que
sabia de tudo, e que era dona das minhas
próprias decisões – o que era um erro
terrivelmente grande – até que me vi
obrigada a questionar todas as minhas
vontades, minhas atitudes, meus objetivos e
minhas prioridades. Eu não queria sair da
minha zona de conforto. Poderia não estar
satisfeita, mas eu estava conformada em
permanecer em território conhecido.
Carolina: Agora?
Luísa: Sim!! Já estamos a caminho.
Rafael: Complô?
Marcelo
Eu estava em frente à esteira
esperando minha mala, tentando de todas as
formas não pensar muito no meu desgosto de
pisar naquela cidade. Era assim toda maldita
vez em que eu desembarcava. Eu era nascido
e criado em Curitiba, e costumava amar a
minha cidade. Pois é, costumava.
Assim que peguei minha mala e me
encaminhei às portas da saída, meus olhos
focaram naquela pequena encrenqueira e
rapidamente me apressei para alcançá-la. Eu
gostei de provocá-la, e era engraçado como
ela tinha sempre uma resposta na ponta da
língua. Aprendi isso a vendo brigar com um
homem qualquer no aeroporto do Rio, há
alguns minutos.
Foi muito engraçada toda aquela cena, e
jamais apostaria minhas fichas nela pela
aparência. Ela tinha um jeito todo delicado,
rosto fino, cabelos escuros e compridos.
Sem contar que ela era pequena,
aparentemente inofensiva. A primeira coisa
que me chamou atenção nela foram os olhos.
Eles eram castanhos, porém tão escuros, que
quase se confundia a pupila com a íris. Eu
me perdi naquela escuridão, tentando
descobrir como dois pequenos olhos podiam
prender tanto a minha atenção.
Meus olhos a seguiram por mais algum
tempo, e então a vi parar em frente de um
loiro. Ela logo foi abraçando-o e eu virei
meu rosto para o outro lado, estas
demonstrações de afeto demais me
enjoavam. Aproveitei para vasculhar o lugar
à procura do meu primo, ele era o
responsável de me buscar. Eu sabia que ele
odiava fazer isso todos os meses, mas eu
poderia apostar que era a vovó quem o
obrigava a vir me buscar. Quando o
encontrei, fui caminhando em sua direção.
— E ai, como foi sua viagem? — ele
perguntou quando nós nos cumprimentamos
com um aperto de mãos.
— Por incrível que pareça desta vez não
foi chato. Eu tenho que te contar cara, a
viagem hoje foi movimentada.
— Ah é? E o que aconteceu de tão
engraçado nesta viagem?
— Vou te contar no caminho. Cadê a
Jessica? — Procurei atrás do meu primo
para ver se eu encontrava a namorada dele
em algum lugar.
— Não veio, ela vai passar o final de
semana com as primas dela no litoral. — Ele
deu de ombros como se isso não fosse
grande coisa. Eu sabia que a Jessica não
gostava de mim. Aliás, eu acho que ela não
gosta de ninguém da nossa família com
exceção ao Biel.
— Cara, ela me odeia, não é? —
perguntei rindo.
— Claro que não, mas ela sabe que
quando você está aqui, nós temos nossas
coisas de homens para fazer, então ela só
nos deu um pouco de espaço.
— Aham. — Eu não estava comprando
esta história.
— Vamos logo. E não me enrole, o que
aconteceu na viagem?
— Cara, foi muito engraçado. Deixa-me
ver se a encontro para te mostrar. —
Estiquei meu pescoço para ver se encontrava
a pequena encrenqueira ainda por ali. Logo
que a avistei, pisquei para ela.
— Para quem você está piscando? — ele
perguntou seguindo meu olhar.
— Ali. — Apontei com a cabeça na
direção onde a pequena estava. — Está
vendo aquela mulher, ao lado daquele loiro
de mala azul?
— Aquela morena baixinha?
— Isso — eu confirmei. — Cara, ela
arrumou confusão com um homem lá no
aeroporto, sei lá eu por quê. Ela estava toda
irritadinha com ele, e o cara foi meio grosso
com ela. — Eu continuei a contar enquanto
nos dirigíamos ao estacionamento. — E aí
ela começou a bater boca com ele na fila, e
te juro, eu tive que segurá-la. Eu acho que
ela ia pular na garganta dele. Eu não entendi
nada do que estava rolando, mas eu me
diverti muito com a cena.
— Como assim pular na garganta dele? —
Ele olhava para mim rindo.
— Eu não sei, a menina tinha jeito de ser
barraqueira.
Eu coloquei minha mochila no banco de
trás e entrei no carro ao lado do Gabriel.
Logo que meu primo foi saindo do
estacionamento, o celular dele tocou.
— Alô — ele atendeu pelo viva voz.
— Oi, meu querido. Já está com o
Marcelinho?
— Já, vó — eu respondi, quando
reconheci a voz ao telefone. — Já estou
aqui.
— Que bom que já chegou. Fez uma boa
viagem? Já estão indo para casa? Vocês
poderiam passar aqui — ela começou a falar
sem parar. — Eu fiz lasanha hoje, Marcelo,
aquela que você tanto adora. Lasanha de
frango não é a sua favorita?
Eu soltei um longo suspiro, e meus
ombros caíram para frente. Era triste ver
minha avó daquele jeito. Ela sempre fazia de
tudo para que eu fosse visitá-la. Mas eu não
podia, simplesmente não podia. Aquela casa
continha lembranças demais.
— Desculpa, vovó, mas já temos planos
para hoje. — Do outro lado da linha pude
ouvir seu suspiro de derrota, então tentei
amenizar a situação. — Mas, se quiser pode
nos levar a lasanha para almoçar amanhã, lá
no apartamento. Aposto que ainda estará
deliciosa.
— Tudo bem então, passarei lá amanhã
para dar um beijo em vocês. Tenham uma
boa noite, e divirtam-se.
Não falamos nada no carro por um tempo,
só não estava um completo silêncio por
causa da música ao fundo. Ninguém apoiava
a minha decisão de me desapegar de tudo,
nem mesmo meu primo ao meu lado, embora
ele fosse o mais próximo a mim. Ele
entendia o porquê da minha escolha, e era o
único que não questionava mais isso. Era
bom ter alguém que não me julgasse ou me
fizesse mudar de ideia a todo o momento.
— Bom, você não pode culpá-la por
tentar — ele disse depois de algum tempo
em silêncio.
— É eu sei. Mas e então, para onde
iremos hoje? — perguntei, querendo mudar
o rumo da conversa.
— Vou te levar para conhecer o Nelli’s
club, os piás¹ já estão lá.
— E como estão os preparativos? Eles já
sabem quando vão conseguir inaugurar?
Até onde eu sabia, Luigi e Matteo estavam
abrindo uma nova casa de show no centro da
cidade. Eu havia crescido com o Matteo,
tínhamos estudado juntos desde o jardim e
quando nos formamos fomos trabalhar no
escritório de nossos avôs, que são sócios.
Sempre nos espelhamos neles, que eram os
homens que tínhamos orgulho e víamos como
heróis desde pequenos. Luigi era mais velho,
mas como crescemos todos juntos, isso
nunca foi um problema. Na faculdade isso
foi uma vantagem, inclusive. Se nós nunca
fomos tratados como calouros eram pelos
contatos que o Luigi tinha. Ele fazia
Educação Física e Administração ao mesmo
tempo, e até hoje ninguém entende como ele
conseguia levar duas faculdades juntas e
passar. Ou ele realmente era um gênio,
devido ao fato de que ele festava de segunda
a segunda e nós nunca o vimos por o pé na
biblioteca, ou ele conseguia colar em todas
as provas. Por mais fácil que fosse acreditar
na segunda a opção, eu apostaria na
primeira.
— Então, pelo que o Teo disse, está tudo
certo para inaugurar em março. — Ele se
animou ao contar. — Eu estou ajudando na
documentação para fechar tudo, mas em
geral quem está sendo o cabeça de toda a
operação é o Lui.
— Que bom, aquele diploma de
Administração está servindo para alguma
coisa.
Enquanto tocava Imagine Dragons no
carro, nós discutimos as coisas banais da
semana. Era sempre bom conversar com meu
primo, ele era uma das pessoas que eu mais
senti falta quando fui embora. Ele sempre foi
o mais maduro e responsável do nosso
quarteto, nem mesmo parecia que era o
caçula.
Assim que chegamos ao estacionamento,
ele recebeu outra ligação e eu preferi já sair
do carro e ir para frente do Nelli’s. Logo em
frente viam-se divisórias para as filas sobre
um toldo comprido de vidro, durante todo o
caminho da rua até as portas. Assim que
cheguei próximo à única porta aberta, vi um
segurança todo de preto na lateral,
conferindo uma papelada em suas mãos.
— Olá, com licença — falei, tentando
chamar sua atenção.
— Boa noite. — Sua voz era desconfiada,
e ele me olhava de cima a baixo. — Qual
seu nome?
— Marcelo. — Ele começou a conferir
aquela papelada em suas mãos, que só então
percebi que era uma lista. — Seu nome não
está na lista. O senhor é da equipe de som?
— Ah não, não. — Me aproximei dele
estendendo a mão. — Sou Marcelo Schmidt,
amigo dos proprietários. — Assim que disse
meu nome, a postura do homem já mudou.
Seus ombros em alerta e aquele olhar
inquisitório tinham ido embora.
— Me desculpe, senhor Schmidt, está
movimentado por aqui hoje. — Ele me
cumprimentou.
— Ah, não se preocupe, senhor... —
comecei, deixando a frase no ar.
— Antônio, senhor — informou ele.
— Antônio, ok. — Eu me dirigi a ele,
encostando-me à parede. — E, por favor, me
chame de Marcelo. Normalmente senhor
Schmidt é meu avô.
Ele riu um pouco e concordou com a
cabeça.
— Não vai entrar?
— Vou sim, mas estou esperando o Biel
que foi estacionar. — Virei para trás como
reflexo, procurando por meu primo, mas
ainda nada.
— O senhor Gabriel está aqui todo final
de semana com os meninos acompanhando
tudo. — Antônio chamou minha atenção,
fazendo-me virar novamente para ele. — Ele
é muito educado e está sempre sorrindo para
os funcionários, mesmo quando o senhor
Luigi quer bater em tudo que vê pela frente e
o senhor Matteo sai xingando pelas coisas
que saíram errado.
— Acho que posso imaginar o que você
quer dizer, Antônio.
Eu ri imaginando a cena, porque esta era
exatamente a realidade. Luigi sempre foi o
mais explosivo, o primeiro que tínhamos que
segurar para não sair batendo em alguém por
aí. Matteo não era exatamente calmo, mas
ele raramente apelava para a agressão física
como parecia ser a primeira opção de Luigi.
Normalmente ele conversava, mas era o
primeiro a se exaltar para agredir
verbalmente e sair intimando as pessoas. Em
total contraste deles estava Gabriel, que
apaziguava tudo e conversava calmamente
com as pessoas. Ele podia estar tremendo de
raiva por algo, mas ele jamais deixava
transparecer o quanto a situação o afetava.
Sempre admirei esta qualidade nele, embora
ache que ele devia aproveitar mais a vida e
não ser tão politicamente correto a todo o
momento.
Senti uma mão batendo sobre meu ombro
e então vi Gabriel passando ao meu lado,
esticando a mão para Antônio.
— E Ai, Tonhão. Tudo controlado hoje?
— O de sempre, senhor Gabriel, só um
pouco mais movimentado que o normal
porque estão fazendo o descarregamento do
som hoje — respondeu o segurança
apertando a mão de meu primo.
— Bom, vou lá ver como estão coisas. —
Olhei para Gabriel que já foi se dirigindo às
portas de entrada do club. — Este é meu
primo, mas acho que ele já se identificou.
Assim que passamos pelas portas duplas,
olhei para o palco, onde Luigi estava todo
desesperado falando com uns homens que eu
suspeitava que fossem da equipe de som.
— Eu acho que ainda está abafado o
retorno aqui do palco. Alô, teste. — Olhei
para Luigi que estava batendo no microfone.
— Olha só, quem é vivo sempre aparece.
Sobe aqui.
Caminhei até uma das escadas da lateral
que dava acesso ao palco, e me aproximei
de onde ele estava desviando dos
instrumentos que estavam ao chão.
— E aí, Marcelo. — Ele me
cumprimentou com um aperto de mãos e um
abraço rápido. — Segura aqui e vai
testando, vou ver como está a saída de som
lá no fundo. — Ele empurrou o microfone
em minhas mãos e desceu do palco junto aos
outros, indo para o fundo do salão.
— Testando. Um, dois, som. — Olhei para
ele enquanto brincava com o microfone,
vendo-o se afastar. — Está me ouvindo bem
daí?
Ele apenas fez um sinal com as mãos para
continuar falando enquanto caminhava. Dali
pude analisar o salão por inteiro. Havia
algumas mesas logo abaixo, coladas ao
palco. As outras só se encontravam no fundo
do salão, em frente a um bar. À minha
esquerda eu via uma porta de vidro com um
adesivo de cigarros ao lado de onde entrei,
que suspeitei ser a área dos fumantes, e à
minha direita ao fundo vi as portas dos
banheiros. Nas laterais de onde eu estava
haviam escadas, que até metade delas davam
acesso ao palco, e então ela dobrava e iam
para a parte de cima do club. Dali eu
conseguia enxergar os camarotes da área de
cima, em que as divisões pareciam ser com
sofás, e havia muitas mesas espalhadas.
Quando ainda analisava a parte de cima, vi
Matteo acenando para mim em pé ao
camarote do centro, já com Gabriel ao seu
lado.
— E ai, Mané — falei para ele no
microfone. — Está curtindo o show?
— Está uma porcaria, ainda não vi
nenhum talento — ele gritava em resposta lá
de cima.
Eu ri e continuei testando o microfone
enquanto voltava minha atenção para Luigi,
que agora estava em frente ao bar no fundo
do club. — Está ruim o som daí, ainda?
Ele fez um sinal com as mãos para parar e
se virou para falar com os outros da equipe
que ali estavam com ele. Desliguei o
microfone e subi para o camarote, onde os
outros estavam.
— Quanto tempo, cara — Matteo disse
quando me aproximei. — Chegou hoje?
— Sim, acabei de chegar. Isso aqui ficou
muito bacana, estava informando ao Biel
quando ele me mostrou a parte de baixo, o
quanto está diferente. Realmente, fizeram um
ótimo trabalho.
Ele acenou com a cabeça com um largo
sorriso nos lábios, orgulhoso do seu novo
projeto.
— Realmente ficou muito foda, eu adorei
as reformas e todas as mudanças. Estou
empolgado.
— Todo mundo está empolgado —
interferiu Biel. — Não vejo a hora de
inaugurar.
Luigi se juntou a nós, dando um tapa em
meu ombro.
— Você vai estar aqui, não é?
— Eu vou tentar — informei a ele.
Fomos ao bar, experimentando os drinks
dos bartenders que eles contrataram e
ouvindo todos os planos. Eu estava animado
por eles.
Luísa
Assim que paramos em frente ao bar, eu
me apressei em pegar minha bolsa e sair do
carro, a tensão lá dentro estava ficando
insuportável. Desde o comunicado de que
meu exército estava a caminho,
Vinicius permaneceu em silêncio o restante
do trajeto. Caminhei até a fila, e lá fiquei de
braços cruzados, enquanto ele entregava as
chaves ao manobrista. Eu acabei de chegar
de viagem e ia ver futebol com seus amigos
em um bar, isso não me parecia ser uma
recepção calorosa. Claro que eu não
esperava por um banquete, já que ele mal
sabe fazer um macarrão instantâneo, mas me
levasse para jantar em algum lugar, até uma
pizzaria ou cachorro-quente na rua seria
mais receptivo do que cervejas e amendoins.
Parei meus pensamentos quando senti
suas mãos abraçarem minha cintura, e
fiquei imóvel de braços cruzados olhando
para frente. Permaneci daquele jeito todo o
tempo, movendo apenas minhas
pernas enquanto a fila andava. Não sei por
quanto tempo permanecemos em silêncio.
Talvez cinco minutos, talvez mais, parecia
uma eternidade. Respirei fundo, fechando os
olhos, tentando relaxar para não estragar a
noite.
— Lu. — Meu corpo relaxou no momento
em que ouvi aquela voz, era do meu melhor
amigo, eu poderia reconhecê-la em qualquer
lugar.
Abri os olhos e virei para trás procurando
por ele. Lá estava, o vizinho mais lindo que
alguém poderia ter. Rafael tinha os cabelos
castanhos, curto nas laterais e compridos em
cima, e profundos olhos azuis. A pele mais
bronzeada que a minha, sua barba sempre
perfeitamente cuidada. Mudou-se para o
prédio no mesmo ano que eu, desde então
não nos desgrudamos mais. Exceto por dois
andares.
Ele caminhava em minha direção como se
estivesse desfilando, com uma camisa cinza
com gola v que o deixava irresistível.
Enquanto se aproximava, vi olhares de
várias mulheres da fila em sua
direção e de alguns homens também. Ele
mexia com as pessoas, e pelo sorriso que se
instalava em seu rosto, tinha total noção
disso. Quando ele parou em minha
frente, praticamente pulei em seu pescoço,
apertando-o com força. De repente, percebi
que ele não retribuiu meu gesto, afastei um
pouco meu rosto para entender por que ele
também não me abraçava. Foi então que me
dei conta de que um par de braços à minha
volta ainda me segurava.
— Pode me soltar pra eu poder
cumprimentar meu amigo? — perguntei
segurando as mãos de Vinicius e soltando-
me de seus braços. — Você já esperou até
agora para me ver e me trouxe justamente
aqui, então tenho certeza de que pode
esperar um pouco mais para atenção
exclusiva.
Olhei para ele e esbocei apenas um
sorriso fraco em sua direção. Seu rosto era
sério, eu via nitidamente sua desaprovação
ao meu comportamento. Mas, dessa vez eu
não me importava. Assim que me
desvinculei de seus braços voltei a agarrar o
pescoço de Rafael, ainda mais
apertado do que antes. Ele logo passou os
braços ao meu redor, erguendo-me do chão,
e deu um beijo estralado em minha
bochecha. Em seguida aproximou os lábios
da minha orelha.
— Problemas no paraíso? — Rafael
perguntou baixinho, me fazendo rir. Somente
ele entendia minhas ações e como agir diante
delas. E tenho certeza de que o tom da minha
voz e meu comportamento recente devem ter
me entregado.
— Nem queira saber.
— Boa noite. — Ele cumprimentou
Vinicius estendendo a mão, que um tanto
quanto relutante, retribuiu o gesto. — E a
Carol? Não chegou ainda?
Quando fui responder que não, vi a minha
loira preferida sair do táxi e comecei a
correr até ela. Carol era minha amiga de
infância, nossos avós eram vizinhos. Ela era
mais alta do que eu, cabelos louros, de pele
tão clara quanto a minha. Quando me viu, ela
abriu os braços e correu em minha direção
dando gritinhos, enquanto eu pulava até ela.
Éramos duas ridículas com essas
demonstrações públicas de afeto, mas não
tínhamos vergonha de compartilhar isso.
— Ai que saudade que eu estava de você
— ela disse entre risadas e gritos, enquanto
me abraçava. Algum tempo depois nos
separamos, cruzamos nossos braços e
voltamos animadas até onde os meninos
estavam.
Quando nos aproximamos, Vinicius
apenas acenou com a cabeça.
— Boa noite, Carolina.
— Boa noite, Vini — ela respondeu, se
aproximando e cumprimentando-o com um
beijo. Ela adorava provocá-lo, e sabia
exatamente como. Eu adorava isso, ela não
se intimidava nem um pouco com as atitudes
frias dele.
Rafael a cumprimentou dando um beijo
estralado em sua bochecha, como fez
comigo, e a abraçou rapidamente.
— Oi, de novo, gata. E eu pensando que
hoje me livraria de você.
— Ele não vive sem mim, então foi lá em
casa almoçar — Carol me informou,
piscando os olhos em direção a ele, e nós
três rimos. Rafael era péssimo na cozinha,
ele apenas nos auxiliava. Isso se colocasse
as coisas bem na sua frente e orientasse
exatamente o que fazer.
Assim que chegamos à porta, o segurança
pediu nossos documentos para o registro.
Vinicius segurou a minha mão e me puxou
um pouco para trás, enquanto deixava Rafael
e Carolina irem à frente. Enquanto eles se
cadastravam, apenas ouvi um sussurro na
minha orelha.
— Nós vamos conversar bem sério
quando formos para casa.
— Ah, pode apostar que vamos —
retruquei em resposta. Isso pareceu
surpreendê-lo, e eu apenas me limitei a abrir
o sorriso mais irônico possível.
Assim que entramos, vi nossos amigos
acenarem para nós em uma mesa, fui em
direção a eles puxando Vinicius pelo braço.
Eu não podia ficar brava com eles, mesmo
que não fossem as primeiras pessoas que eu
queria ver hoje.
Alan e Thiago trabalhavam com Vinicius.
Alan era moreno de cabelo curto, o corpo
magro, e Thiago, por sua vez, apesar de
também ser moreno era bem bronzeado, e o
corpo mais definido. Eles sorriram assim
que me viram, e logo se levantaram para me
cumprimentar.
— Oi Lu, que bom que você veio — disse
Alan, dando um beijo leve em meu rosto.
— Ei, Alan. Já pode ir pedindo meus
aperitivos preferidos se quiser me manter de
bom humor. — Ele começou a
rir, levantando a mão chamando pelo
garçom.
— E aí, garota — Thiago me
cumprimentou. — Que bom que já chegou.
Como foi de viagem?
— Foi ótimo, o Rio é maravilhoso. Temos
que combinar uma viagem para todos nós
irmos juntos da próxima vez. Você teria
adorado, vi muita gente surfando lá.
Logo Alan estendeu meu potinho de
amendoim, e rapidamente eu peguei um
punhado na mão e sentei na cadeira ao lado
de Vinicius, que enchia meu copo de
cerveja enquanto os outros se
cumprimentavam. Pouco depois todos
nós estávamos sentados e com copos à nossa
frente, mas assim que o jogo começou toda a
atenção foi para a TV.
Vinicius era alto, loiro, e de olhos claros.
Lembro até hoje quando nos conhecemos, há
mais de três anos, quando ele me chamou
para dançar em uma festa. Ele era um
péssimo dançarino, e continua sendo, só que
agora ao menos sabe se movimentar no ritmo
e não pisa mais em meus pés. Aquela
lembrança me fez rir, e isso chamou a sua
atenção, porque nesse instante seus olhos se
viraram para mim.
— Do que é que você está rindo? —
Vinicius perguntou, pegando um amendoim e
jogando na boca.
— De você.
— E qual a graça?
— Lembrei da primeira vez que nos
vimos, quando me chamou para dançar e
ficou pisando no meu pé.
Ele começou a rir.
— Aquele dia foi engraçado mesmo. Os
meninos apostaram que eu não teria coragem
de te chamar para dançar.
— Ah, então eu fui uma aposta?
— Não, porque eu ia conversar com você
de todo jeito — afirmou ele balançando os
ombros. — Só mudou um pouco porque teve
que ser te chamando para dançar, em vez de
apenas te chamar para conversar.
— De quanto foi essa aposta? Quero
minha parte.
Ele apenas riu, pegou minha mão e levou-
a até sua boca, plantando um beijo nela.
— Sabe que eu não sei? Eles nunca me
pagaram, mas não acho que será necessário.
Porque o maior prêmio da aposta já
está comigo.
Ele se aproximou, buscando meu meus
lábios. Soltei minhas mãos das suas e as
subi por seus braços até sua nuca, puxando-o
para mim. Suas mãos foram para meus
joelhos, e a cada sugada que eu dava em sua
língua, ele subia mais os dedos e apertava
minhas coxas. Quando nos afastamos, ele
manteve o rosto próximo ao meu.
— Eu te amo, Lu. — Sua voz carinhosa
me desarmou. — Desculpa se te desapontei
hoje, te trazendo aqui. Eu senti tanto a sua
falta.
— Não era o que eu esperava, confesso,
mas está tudo bem. — Levei as mãos até seu
rosto e o segurei na minha frente, dando-
lhe um selinho rápido em seguida. — Eu
também te amo, muito. Obrigada pela noite.
— Nossa noite está só começando — ele
informou, pegando outro amendoim na mesa
e jogando na boca, mostrando aquele sorriso
que eu tão bem conhecia. — Me agradeça
depois que eu te levar para casa.
Quando o jogo acabou, os garotos
ficaram lá, e nós demos carona para a
Carolina e o Rafael. O clima no carro era
visivelmente outro. Carol e eu cantávamos
enlouquecidamente Burn da Ellie Goulding,
com todo fôlego de nossos
pulmões, enquanto Rafael e Vinicius
discutiam sobre o jogo. Minha melhor amiga
foi deixada a alguns quarteirões de casa, e
meu melhor amigo no décimo terceiro andar.
Meu aborrecimento foi esquecido já no
elevador quando minha boca foi tomada por
um beijo cheio de luxuria e saudade, o
mau humor dele desapareceu tão rápido
quanto o meu, e voltamos a ser o que sempre
fomos enquanto subíamos para meu
apartamento. Um simples casal apaixonado.
Capítulo 03
Luísa
Eu acordei ouvindo alguns barulhos
ao longe, depois o cheiro de café me
inundou. Desfrutei daquele cheiro por um
segundo, antes de me espreguiçar e abrir os
olhos. Nas primeiras vezes era sempre um
desapontamento tatear ao lado da cama e não
encontrar meu namorado, mas depois de
algumas semanas parei de procurar.
Ouvi de novo um barulho ao longe e senti
uma pequena esperança de que talvez
Vinicius não tivesse ido embora como de
costume e tivesse ficado. Agarrei-me a essa
ponta de esperança e corri pelo corredor em
direção à cozinha o mais rápido que meus
pés atrapalhados poderiam fazer. Assim que
cheguei à porta, minha pequena esperança
foi embora, quando dei de cara com dois
olhos azuis muito familiares. Rafael estava
em pé na minha cozinha, com xícaras nas
mãos e com um sorriso torto nos lábios
enquanto me examinava.
— Bom dia para você também, bela
adormecida. — Ele piscou para mim uma
vez, colocando as xícaras na mesa e se
dirigiu ao fogão. — Fico feliz em ver seu
sorriso radiante quando me viu aqui. Posso
apostar pela corrida no corredor que
imaginava outra pessoa na cozinha.
Aproximei-me do fogão deixando o
sorriso retornar aos meus lábios e abracei-o
por trás, enquanto ele colocava água
fervendo sobre o pó de café.
— Me desculpe pela recepção não tão
calorosa. Você não era quem eu estava
pensando que fosse, mas estou feliz que está
aqui.
O abracei com um pouco mais de força e
fui até a bancada da cozinha, me sentar em
um dos banquinhos. Ele continuou ali
esperando coar o café, e aproveitei para dar
uma boa olhada na mesa. Somente uma
pessoa sabia exatamente o que eu gostava de
comer quando acordava.
— Como passou mais de um mês fora
desse apartamento, sabia que não ia
encontrar nada para comer quando
acordasse. E só eu sei como fica seu humor
quando não come bem quando acorda.
Eu não poderia ser mais feliz, tendo o
melhor vizinho e amigo cuidando de mim
desse jeito. Levantei meu braço pegando o
leite e derramei em metade da minha xícara
com o café.
— Obrigada, Rafa, eu não sei o que seria
da minha vida e do meu humor esta manhã
sem você.
— A sua sorte, é que você nunca precisará
descobrir — afirmou ele, se servindo ao
meu lado. — Eu imaginei mesmo que você
acordaria sozinha, e como fiquei com
saudade de você todas essas semanas pensei
que poderia te mimar um pouco hoje e fui à
panificadora logo cedo. Acertei?
— Claro que acertou. Meu dia sempre
começa ótimo com um café logo cedo.
— Isso eu sei, mas estava me referindo se
acertei sobre você acordar sozinha. Sei que
o Vinicius dormiu aqui, mas isso não é
garantia de nada. — Seu tom acusatório era
implícito, e precisei tomar um longo gole do
meu café com leite. Levantei meu rosto para
encará-lo e ele estava ali, me observando.
— Acertei, não é?
Eu não queria responder, então apenas
acenei com a cabeça, não havia porque
mentir. Ele soltou um longo suspiro antes de
dar outra mordida em seu lanche.
— Por que ele não fica, Lu? Por que seu
namorado tem tanta aversão em dormir com
você? Se eu não te conhecesse, diria que
você peida à noite ou ronca demais para ele
não suportar.
Uma pequena risada escapou de meus
lábios.
— Se fosse qualquer outra pessoa, eu
diria que não é educado me abordar com
assuntos tensos antes de comer, ou falar
essas porcarias durante a refeição. Mas se
tratando de você, eu não poderia esperar
outra coisa.
— E também porque não há assuntos ou
palavras que façam você deixar de comer,
principalmente no café da manhã. Então, já
perguntou por que ele foge de você todas as
noites?
Se eu sabia de algo sobre o Rafael, era
que não adiantava fugir do assunto. Se ele
queria uma resposta, ele não pararia de
perguntar até tê-la.
— Eu não sei, Rafa — admiti, após um
suspiro. — Já perguntei por que ele nunca
fica aqui e dorme comigo, mas a resposta
dele é sempre que ele é espaçoso e não
consegue dormir confortável se não for na
cama dele.
— Mas, ele faz o que? Tipo transa e vai
embora?
— Não, ele fica comigo na cama um
pouco, mas aí eu pego no sono e quando
acordo ele não está mais lá. Sabe, eu
também sou espaçosa e gosto de me esticar e
dormir esparramada, não sou muito disso de
conchinha. Mas poxa, a minha cama box é de
casal, não é como se ele ficasse espremido
para não conseguir dormir. — Dei um longo
gole da minha xícara antes de morder mais
uma vez meu lanche. — Nem me interessa
também, já me acostumei a acordar sozinha.
Depois de um tempo parei de me importar.
— Eu não entendo essas coisas que ele
tem. Às vezes ele age como se tivesse medo
de se comprometer.
— É exatamente isso que minha tia disse
na viagem, quando cheguei lá sozinha, de
novo.
— Isso é uma das coisas — ele anunciou
enquanto montava o segundo lanche para nós
dois. — Ele não gosta de te acompanhar
quando você vai para a casa dos teus pais,
também não te convida para acompanhá-lo
quando ele viaja. Acho até que se não fosse
pela irmã, você nunca teria conhecido a
família dele.
Uma vez, Alice, a irmã de 14 anos de
Vinicius, veio passar o final de semana aqui
para procurar por um vestido. Foi quando eu
a conheci, e nos demos muito bem desde o
começo, ela era uma graça. Depois disso,
quando ela teve sua festa de debutante, me
ligou exigindo que eu fosse com o Vinicius
para lá. Foi a primeira e única vez em que
ele me levou para a casa de seus pais.
— Bom, isso é verdade. Tenho que dar à
Alice esse crédito.
— E isso dos dois lados. Se teus pais não
viessem aqui quase sempre, ele também não
os teria conhecido.
— Eu sei disso, Rafa, mas o que quer que
eu faça? Amarre-o no carro quando eu for à
casa dos meus pais? Entre no carro com as
minhas malas, quando ele for viajar para a
casa da família dele? Não posso obrigá-lo.
— Não estou dizendo para obrigar, esse é
o ponto. Estão juntos há mais de três anos,
mas o cara não gosta de envolver família. Te
apresenta aos amigos dele, te leva para todo
lugar e fica muito possessivo à sua volta,
mas ao mesmo tempo ele age como se o que
vocês têm não é sério. Não dá para entender.
Até eu já cansei de ir à casa dos teus pais.
— É por isso que eu te amo absurdamente.
— Olhei para ele e peguei seu rosto,
beijando sua bochecha. — E é por cuidar de
mim deste jeito, com esse café da manhã
maravilhoso e me suportar todos os dias que
eu e minha família te adotamos. Você é o
irmão mais velho que eu sempre sonhei em
ter e a vida me deu você como melhor
presente.
— É, eu sei. Você tem que me amar muito
mesmo por tudo isso — ele disse, apontando
para a mesa. — Mas, você sabe que você é a
irmã que eu nunca tive também, eu faria
qualquer coisa por você. Eu só estou te
dizendo isso porque me preocupo.
Naquele momento, eu não pude evitar
virar meu banquinho para o lado e abraçar
Rafael com o máximo de força que meus
braços conseguiam. Ele me mimava e
cuidava de mim como nenhum outro amigo
fez. Eu acho que nem se eu tivesse um irmão,
eu me sentiria tão amada e próxima como me
sinto ao redor dele. Isso era mais forte do
que sangue, criação ou família.
Terminamos o café e fomos ao
supermercado abastecer minha cozinha, e
aproveitamos para conversar sobre a minha
viagem e suas férias. Chequei meu celular
pelo menos umas dez vezes naquela manhã, à
procura de alguma resposta à mensagem que
mandei para o Vinicius lá do mercado, mas
não obtive nada. Combinamos de almoçar
com a Carolina em nosso restaurante
favorito, e assim que ela nos viu chegando
veio nos cumprimentar.
Marcelo
No domingo de manhã, assim que tirei
meus fones de ouvido quando cheguei da
corrida no parque, a porta da sala abriu de
repente com uma Hilda muito sorridente. Ela
carregava em suas mãos uma grande travessa
de vidro, e rapidamente corri para ajudá-la.
Vovó tinha o cabelo louro, ondulado até os
ombros, seus olhos tão azuis quanto os meus,
mas em torno deles seu rosto já estava
marcado com rugas da experiência. Assim
que ela me viu, seu sorriso aumentou, e era
inevitável que eu não sorrisse também.
— Oi, vó.
Eu me aproximei pegando a travessa de
vidro de suas mãos e em seguida lhe dando
um beijo na bochecha.
— Oi, meu querido. Como você está?
— Estou bem, e a senhora? — eu
perguntei indo para a cozinha, colocando a
travessa sobre a bancada.
— Estou ótima, mas já estava com
saudade.
— Eu estive aqui há menos de três
semanas, vó.
Ela pegou meu braço e me puxou para a
sala, sentando-se no sofá e me levando com
ela.
— Eu sei, mas me deu saudade do mesmo
jeito. Como você passou o natal e o ano
novo? Eu vi suas fotos naquele Facebook,
você estava tão feliz, sorrindo para as fotos.
— Ela passou sua mão em meu rosto
enquanto me encarava, era muito intimidador
quando ela ficava me analisando desta
forma. — Você está feliz?
— Eu estou, não precisa se preocupar. O
Rio me fez bem, conheci grandes amigos lá.
— Eu sei, querido, eu sei. Mas, eu sempre
vou me preocupar com você. Eu queria que
você voltasse a morar aqui, gosto dos meus
netos sob meus cuidados e meus olhos, e não
lá em outro estado.
— Não vamos começar tudo isso de novo,
ok? Lá também tenho amigos e pessoas para
ficarem de olho em mim. É só que, nesta
cidade... — comecei, olhando para o chão
— eu não posso, vovó, pelo menos não
ainda.
— Tudo bem, não vou insistir. Faça o que
for melhor para você. — Ela pegou meu
rosto e me obrigou a olhá-la. — Mas, você
sabe que não foi sua culpa, não é?
Eu suspirei audivelmente e fechei meus
olhos. Era exatamente por isso que eu
odiava esta cidade. Ninguém ali me deixava
esquecer o que tinha acontecido, e por mais
que eu amasse minha avó, me frustrava
facilmente com ela.
— Vovó, por favor. Eu não quero falar
sobre isso, ok? Não me faça me arrepender
de ter vindo vê-la.
— Ok, ok. Já não está mais aqui quem
falou. — Ela soltou meu rosto se rendendo.
— Cadê o Bielzinho?
— Acho que ainda deve estar dormindo,
ele me levou para conhecer o Nelli’s ontem.
— E o que achou? Você gostou? — ela
perguntou com um enorme sorriso nos
lábios. — Eu fiquei tão orgulhosa pela
iniciativa deles, espero que aquilo dê certo.
Eu estava comentando ainda ontem com a
Ângela o quanto estava feliz por eles, e que
eu tinha adorado o lugar.
— Você foi lá?
— É claro que eu fui, eles são como meus
netos de sangue. Adorei a pista de dança, o
bar, o palco bem espaçoso. Uma pena que já
não consigo mais frequentar estes lugares,
agora são para vocês que estão jovens.
A vovó era uma pessoa extremamente
ativa e jovial para seus sessenta e oito anos.
Estava sempre indo nos bailes da terceira
idade, participando de eventos e ajudando a
várias instituições. Nas festas da família ela
sempre fora a mais animada, todos já
estavam sentados enquanto ela rodava com o
vovô pelo salão.
— Na pista realmente ficaria muito
apertado. É sufocante até mesmo para nós.
— Levantei pegando suas mãos, puxando-a
para o centro da sala comigo e a conduzi por
alguns passos. — Mas, quando a Nelli’s
abrir, a senhora vai comigo e ficaremos no
camarote dando um show. Combinado?
— Absolutamente — ela confirmou
segurando firme minha mão e seguindo meus
passos. Rodei-a enquanto dançávamos pela
sala e caímos na risada quando eu tropecei
no tapete.
— Quase um grande espetáculo a ser visto
— Gabriel nos interrompeu do corredor.
Vovó foi até ele para lhe dar um beijo no
rosto.
— Bom dia, querido.
— Bom dia, vovó, faz tempo que chegou?
— Alguns minutinhos — ela respondeu
indo para a cozinha. — Vamos lá, eu trouxe
a lasanha do Marcelo, mas também seu pão
caseiro, vamos tomar um café da manhã
decente.
Nós montamos a mesa enquanto vovó
fervia água para seu chá, e eles foram me
contando todas as coisas que eu perdi no
natal, como por exemplo, os micos do amigo
da onça.
— Eu sou definitivamente o favorito —
Gabriel anunciou pegando mais uma fatia do
pão caseiro da vovó enquanto estávamos
sentados à mesa. — Você experimentou isso
aqui? É definitivamente o melhor do
universo.
— Cara, você não viu a minha lasanha
sobre o fogão? Ela fez exclusivamente para
mim — rebati em resposta e coloquei uma
fatia de presunto na boca. — Não é, vovó?
— O que? — ela perguntou tentando
segurar o riso enquanto bebia sua xícara de
chá.
— Que eu sou o seu favorito — Informei
piscando para ela.
Gabriel bufou quando deu uma mordida
em sua fatia de pão.
— Claro que não. Olha este pão que ela
fez para mim.
— Vocês dois — ela começou, apontando
o dedo para nós — parem de falar com a
boca cheia.
— Ela está evitando a resposta. — Olhei
para vovó estreitando os olhos. — Mas, ela
sempre me chama de querido, devo ter
algum ponto extra.
— Ela chama todo mundo de querido, se
for usar esse critério o mundo inteiro é
favorito para ela.
— Então responda, vovó. Quem é seu
favorito? — eu perguntei.
Apoiei meus cotovelos sobre a mesa e
fixei meus olhos nela. Gabriel imitou meu
gesto, cruzando os dedos de suas mãos
enquanto a olhava também.
— Vocês nunca vão saber. — Ela sorriu
antes de tomar mais um gole do seu chá.
Assim que terminamos nosso café, eu fui
tomar um banho e peguei o carro do Gabriel
emprestado para buscar o Lucas. Eu já
estava com saudade daquele garoto. Assim
que estacionei em frente ao prédio, liguei
para o celular da Letícia.
— Oi, Ma — ela atendeu rapidamente.
— Ei, já estou aqui embaixo. Fala para o
Lucas descer?
— Ele já está descendo.
— Obrigado. Como estão os preparativos
para o casamento?
— Está tudo ótimo, estou tão empolgada
por isso. Só estou preocupada com o Lucas,
acho que ele está tendo alguns problemas
para se adaptar a todas estas mudanças.
— Acredito que sim. Bom, eu vou falar
com ele, ok?
— Fico tão aliviada. Obrigada.
— A qualquer hora. — Olhando para a
portaria, vi o Lucas correndo. — Ele já
chegou aqui, vou desligar. Mais tarde eu o
trago de volta.
— Ok. Divirtam-se.
Enquanto eu desligava o telefone, Lucas
rapidamente foi entrando no carro no banco
de trás.
— E aí parceiro, como você está? — eu
perguntei colocando o carro em movimento.
— Ela falou para amiga dela ao telefone
que está grávida.
— A Letícia está grávida? — eu repeti,
virando-me para trás quando parei no
semáforo. Eu olhei para ele, analisando seu
cabelo loiro com franja comprida na frente e
olhos azuis. Ele sempre se pareceu mais com
a Letícia do que comigo.
— Foi o que eu disse — ele afirmou
cruzando os braços.
Eu ainda estava tentando processar aquela
informação. Como que Letícia poderia estar
grávida? Quer dizer, eu sei como ela poderia
estar grávida, mas pensei que ela me ligaria
para contar esta notícia. Ficar sabendo pelo
Lucas não era algo que eu estava preparado,
e principalmente, não desta forma.
Há cinco anos eu havia ido embora dessa
cidade, mas se eu ainda voltava a pisar aqui
mesmo não querendo, era por causa desse
moleque. Eu o vi nascer, e aquela foi a
sensação mais incrível que eu já presenciei.
Eu ajudei a trocar suas fraldas, colocava-o
para dormir sobre meu peito quando ele era
ainda um bebê. E podem me chamar de
maricas, mas eu amava cada segundo que
passava com ele. Eu ajudei a criá-lo até seus
três anos, quando minha vida virou de
cabeça para baixo e eu fui embora, deixando
toda a minha família para trás. Estar longe
de Lucas era horrível. Eu não perdi seus
primeiros passos ou suas primeiras
palavras, mas eu sabia que havia perdido
muito mais desde então.
— E então, vai me contar a história do
carro?
Lucas deu de ombros e mordeu seu lanche.
— Eu não sei se é verdade, mas eu a ouvi
falando ao telefone alguma coisa sobre estar
atrasada e achar que estava grávida. Eu não
sei de que compromisso ela estava atrasada,
mas eu ouvi a palavra grávida.
Eu quase ri da sua inocência, era bom que
ele ainda não estava familiarizado com estes
termos. Embora para uma criança de apenas
oito anos, ele era incrivelmente inteligente.
— E você está bem com isso?
— Eu não sei, eu te falei ontem sobre me
sentir sozinho, lembra? — Eu apenas
balancei a cabeça incentivando-o a
continuar. — Ela está sempre ocupada, o
telefone de casa não para de tocar. É o
namorado dela, é loja não sei de quê,
comida não sei de onde, ela nunca tem tempo
pra mim. Imagina quando esse bebê nascer.
— Se ela ainda não contou nada a
ninguém, pode não ter bebê nenhum. Certo?
— Eu falei pra ela que já tem a lista de
material da escola para comprar, e ela
esqueceu. Semana passada eu falei de novo
com ela, e ela disse ‘Ainda tem tempo’. —
Ele bateu forte o copo de refrigerante na
mesa e fechou os olhos com força. —
Quando aquela amiga dela vai em casa
comentar sobre festa de casamento ela
sempre tem tempo, mas quando é comigo
esse tempo não existe.
— Ei parceiro, respira. Que tal se nós
formos comprar seu material amanhã? —
Ele sorriu. — Eu vou te buscar para
almoçarmos com o Biel, e depois vamos à
livraria, ok?
— Fechado.
— Eu vou falar com ela, mas ela não me
disse nada sobre bebê algum. Talvez ela não
esteja grávida. E mesmo que seja verdade,
você sabe que isso não muda nada, certo?
Ela deve estar assim por causa dos
preparativos, mas ela sempre irá te amar
tendo um bebê a caminho ou não. É isso que
você tem medo? Que ela te deixe de lado?
Ele revirou os olhos antes de pegar batata
frita e encher a boca.
— Ela já está me deixando de lado.
— Ela é a pessoa que mais te ama no
mundo, depois de mim — eu confirmei,
piscando para ele e fazendo-o rir. — Então
vamos ver o que acontece. Até semana
passada você estava bem com todas estas
mudanças, não fique preocupado agora.
Qualquer coisa eu estou aqui, ok?
Ele acenou com a cabeça e voltou ao seu
hambúrguer. Depois de comer, Lucas quis ir
ao cinema. E eu tinha que admitir que por
mais infantil que alguns desenhos fossem,
era engraçado de assistir, e eu adorava
quando fazíamos coisas juntos. Era um
momento só nosso, que ríamos e
aproveitávamos a companhia um do outro,
sem qualquer preocupação externa.
O resto do dia foi tranquilo, ele não
mencionou mais nenhum aborrecimento até
que eu falei que era hora de voltar.
— Alô?
— Você está vindo hoje, né? — Lucas
perguntou. — Você me prometeu que viria no
campeonato, e o jogo é amanhã. Você está
vindo, não está?
A sua voz me confortou, mesmo que ele
estivesse quase gritando comigo.
— Nem um oi ou bom dia?
— Você prometeu! — ele exclamou.
Eu ri e fui até a tenda pegar uma água de
coco.
— Se eu prometi então eu vou, o voo é no
fim da tarde. Eu falei isso para você a
semana toda.
— Você vem. — Sua voz era uma mistura
de surpresa e alívio.
— Sim, eu estou indo hoje e vou te levar
ao jogo amanhã, você não devia estar na
escola?
— Eu estou no banheiro, só queria
confirmar.
Meu coração se apertou que ele parecia
duvidar mesmo que eu tivesse avisado a
semana toda que eu estaria lá para ele.
— Então volta para a sua sala, eu vou te
buscar amanhã para almoçar e te levo no
jogo.
— Ok, tchau — ele disse e desligou, antes
mesmo de eu me despedir.
No fim da tarde, Alice ficou de me levar
ao aeroporto. Nós passamos na escola para
pegar o Pedrinho, já que Pedro estava em
reunião com um cliente quando saímos do
escritório.
— Aproveite o final de semana — disse
Alice
Eu desci do carro e acenei para ela.
— Você também.
Eu estava esperando por Gabriel no
aeroporto, quando vi a Adriana correndo em
minha direção. Seu corpo se chocou com o
meu e soltei minha mochila para abraçá-la.
— Feliz aniversário, Adri.
Eu a apertei em meus braços e beijei sua
bochecha repetidas vezes.
— Eu estava com tanta saudade, eu não te
vi da última vez que você esteve aqui — ela
resmungou e então cheirou meu pescoço. —
Você está cheiroso, senti saudade do seu
cheiro.
Eu ri do seu comentário e peguei minha
mochila do chão quando ela me soltou.
Segurei minhas mãos entrelaçando meus
dedos com os dela enquanto fomos para o
estacionamento.
— Eu pensei que fosse o Biel que viria
me buscar, mas fiquei feliz de te ver. Como
está sendo seu dia, aniversariante?
— Perfeito! — anunciou ela quando
entramos no carro. — Você me ligou de
manhã, os meninos me paparicaram o dia
todo e teve a festa no escritório.
— E nós vamos comemorar nesta noite,
não é? — perguntei.
— Nós vamos comemorar muito esta
noite.
Assim que paramos no semáforo, sua mão
buscou a minha no acento e ela cruzou
nossos dedos novamente.
— Eu senti sua falta, de verdade.
Eu trouxe sua mão até minha boca e beijei.
— Eu também senti sua falta, muita
mesmo.
Capítulo 07
Marcelo
Nós ainda estávamos no carro indo em
direção a Curitiba quando o telefone da Adri
tocou, ela rapidamente desvinculou sua mão
da minha para retirar o celular do bolso.
— Atenda — ela pediu.
Quando o alcançou, jogou o celular no
meu colo.
— Alô?
— Oi, desculpa, achei que fosse o celular
da Adriana.
— É o celular dela sim, é que ela está
dirigindo. Quem é?
— Ah, me desculpe, sou a Luísa.
O nome não era estranho, mas eu não
conseguia identificar de onde o conhecia.
Talvez fosse alguma amiga da Adriana da
faculdade.
— Quer deixar algum recado? —
perguntei.
— Só avisa para ela que eu estou
confirmando o convite de aniversário.
— Você já tem o endereço?
— Já sim, ela mandou na mensagem, mas
pediu para ligar confirmando para anotar o
nome na lista.
— Ok então, eu aviso.
— Obrigada.
Quando desligou a ligação eu comecei a
mexer no telefone.
— Quem era? — Adriana perguntou.
— Uma tal de Luísa, confirmando o
convite.
— Que legal que ela vai, eu convidei ela
hoje à tarde. É amiga do Lui que nós
contratamos esta semana.
Foi ai que eu reconheci o nome.
— Ah, essa Luísa. Estava tentando
adivinhar, mas não me lembrava de nenhuma
amiga sua chamada Luísa.
— Você vai adorar conhecê-la.
Eu estava prestando mais atenção em seu
celular do que na conversa, verificando as
últimas chamadas, quando um número me
chamou a atenção.
— Quem é Alan?
Ela se mexeu no banco, tentando pegar o
celular de minhas mãos.
— Me dá este telefone.
Eu o afastei dela, enquanto continuava
mexendo.
— Presta atenção no trânsito, eu não
quero morrer.
Ela bufou, batendo a mão no volante.
— Argh! Eu odeio quando você fica
mexendo nas minhas coisas.
— Então você devia mudar suas senhas,
se não quer que eu veja suas coisas. E
responda logo, quem é esse?
— Ninguém.
Ela entrou na garagem do prédio e
permaneceu em silêncio. Descemos do carro
e peguei minha mochila, e assim que
entramos no elevador, ela tentou novamente
pegar o celular, mas eu segurei no alto. Este
era um benefício de ter amigas baixinhas.
Ela tentou me bater quando se viu frustrada
por não alcançar. Eu ria do seu desespero,
mas mantive o celular no alto.
— Fala logo, ou então e vou ligar para ele
e falar que sou seu namorado.
Ela desistiu e encostou-se ao elevador,
cruzando os braços.
— Eu odeio você.
— Não, você não odeia — disse
apertando a bochecha dela. — Fala logo.
— Eu já disse que ninguém.
Assim que entramos no apartamento e o
celular deu sinal, eu disquei para o número.
Quando a Adriana percebeu seu telefone na
minha orelha, pulou em cima de mim e
caímos no sofá. Eu ouvia a voz de um
homem falando do outro lado da linha, mas
eu não podia responder. Gabriel e Matteo
apareceram da cozinha e riram quando viram
a Adriana sobre mim, desesperada por seu
telefone. Ela o tomou de minhas mãos e saiu
andando com ele pelo corredor.
— Oi Alan, desculpa. Meu amigo acabou
discando sem querer — Adriana disse.
Gabriel ainda ria quando se aproximou e
sentou no sofá à minha frente.
— Como nos velhos tempos.
Adri era nossa melhor amiga, a única
mulher do bando. Ela entrou na nossa escola
na quinta série, usando aparelho nos dentes,
cabelo rebelde sempre preso em um rabo de
cavalo e o nariz cheio de sardas. As meninas
adoravam tirar sarro dela, e como era
novata, não conseguia se enturmar com
ninguém, pois todas as panelinhas já estavam
formadas. Lembro-me em um dos intervalos
quando uma idiota a empurrou e ela
tropeçou, fazendo seus joelhos e mãos
ralarem no asfalto. Nessa hora estávamos os
quatro em uma mesa perto, e corremos para
ajudá-la. Deste dia em diante, a mantivemos
sob nosso cuidado. Ela poderia até ter
crescido agora e ser capaz de cuidar de si
mesma, mas sob nossos olhos, eu tenho
certeza que ela sempre seria a nossa
protegida.
Matteo se aproximou e me entregou uma
garrafa de cerveja, e poucos minutos depois,
Adri voltou à sala com seus olhos fixos em
mim.
— Eu vou te matar, e eu estou retirando o
que eu disse, eu não senti sua falta.
Eu apenas ri e dei de ombros, encostando-
me ao sofá.
— Eu falei para me contar quem era.
Ela sentou no braço do sofá ao lado do
Matteo e pegou a cerveja dele.
— Não era ninguém importante.
— Você devia ter contado para ele, aliás,
quem é este mesmo? — Matteo perguntou.
— Não é ninguém, eu já disse. Por que
ninguém acredita em mim?
Biel apontou o dedo para ela antes de
levantar uma sobrancelha.
— Talvez porque sempre que você
aparece com um namoradinho novo, nós
somos os últimos a saber.
— Ele não é meu namoradinho.
Matteo tomou a cerveja da mão dela e
colocou sobre a mesa de centro, antes de
puxá-la em seu colo.
— Você já devia ter se acostumado, você
sempre será nossa protegida.
— Se você pode se intrometer em nossas
vidas, por que não podemos fazer o mesmo?
— Gabriel perguntou.
— Eu odeio vocês — ela disse fazendo
bico. — Eu odeio ser a única mulher nesse
grupo. Eu preciso de uma ajuda! Quando é
que vocês vão desencalhar e me deixar em
paz?
— Eu não sou encalhado — Gabriel
anunciou.
Adriana riu.
— Seu namoro é café com leite, não
conta. Ninguém entende por que ainda está
com a Jessica, acho que nem você sabe.
Eu balancei a cabeça concordando.
— Eu estou com ela.
— Todo mundo está — Matteo interveio.
Gabriel não respondeu nada, apenas
engolia sua cerveja olhando para nós
atentamente. Por um segundo a sala ficou em
completo silêncio, então ele deu de ombros
e levantou.
— Eu vou tomar um banho, temos um
aniversário para ir — ele disse ao sair da
sala.
Nós ficamos um olhando para a cara do
outro, antes de começar a rir.
— Vamos admitir, ela é uma bruaca e não
gosta de nós — comentou Adri.
Teo pegou sua cerveja e levantou para
cima.
— E concordamos que o sentimento é
recíproco.
Eu brindei com ele, batendo nossas
garrafas.
— À Jessica, adorada amiga e
companheira.
Pouco depois, eu fui tomar um banho.
Adriana e Matteo haviam ido embora, e
tínhamos combinado de nos encontrar para a
comemoração do aniversário. Duas horas
depois eu cheguei ao pub. Assim que subi no
camarote, avistei a Adriana cercada de
amigos que eu não lembrava mais os nomes,
a maioria amigos da época da escola ou da
faculdade. Alguns eu reconhecia de longe a
fisionomia, mas nenhum que valesse a pena
recordar.
Os amigos que realmente não me
abandonaram quando eu precisei ou quando
eu fui embora, estavam presentes na minha
vida. Estes outros que se afastaram, eu nem
me esforçava para lembrar. Você só sabe
quem são seus amigos de verdade, quando
realmente passa por uma situação difícil.
Mesmo quando você se isola ou muda de
cidade, os verdadeiros permanecem. Amigos
de verdade sobrevivem à distância e ao
tempo.
— Marcelo!
Virei-me para encontrar Luigi e Matteo
sentados à mesa, com um chope em frente a
cada um deles.
— Cadê o Biel? — Luigi perguntou.
— Ele disse que ia buscar a Jessica.
Eu me sentei à mesa e pedi ao garçom que
passava ao lado para me trazer um chope.
Matteo olhou para mim com um olhar
surpreso.
— Ela está vindo?
Eu dei de ombros antes de beber a cerveja
que foi deixada na minha frente.
— Diz ele que vem.
— Ela nem é amiga assim da Adri, foi
chamada por educação.
— Mas o Biel ia vir, então ela viria
também — Luigi comentou. — Ela pode até
não gostar de nós, mas ela beija o chão que
ele pisa, então vai segui-lo para todo lado.
Continuamos conversando por mais um
tempo, e eles me contaram sobre as
novidades da Nelly's. O Luigi era o cara dos
exercícios e a luta, enquanto o Matteo era da
dança. Eles abriram a academia há alguns
anos, quando descobriram sua paixão pelo
esporte e a música. A Nelly's Academy tinha
tanto a função de academia com aparelhos e
personal, como de aulas de dança.
Alguns chopes depois decidimos descer e
aproveitar a pista de dança. Eu e Luigi
estávamos sentados no bar, vendo a Adriana
com o Matteo dançando como loucos, ela
estava mais rindo e tropeçando do que
acompanhando seus passos.
Eu continuei olhando a pista, quando um
rosto entre todos os outros me chamou a
atenção. Era ela. A escandalosa do
aeroporto. Ela estava com um vestido verde,
pequeno, abraçado em sua cintura. Um
decote discreto e sandálias pretas de salto.
Ela poderia ser pequena, mas seu corpo era
distribuído nas proporções exatas para
enlouquecer qualquer homem. Seus cabelos
estavam soltos, selvagens, caídos em
contraste em seu rosto delicado. Ela ficou
parada logo na entrada, olhando para todos
os lados como se procurasse por alguém.
Ela devia estar sozinha, pois não havia
braço a circulando ou alguém conversando
ao seu lado.
Esta era a minha chance. Eu prometi que a
faria sorrir quando a visse novamente, e eu
nunca deixei de cumprir uma promessa. Eu
precisava comprovar de perto, que sua
risada era tão boa de ouvir quanto eu me
lembrava.
— Eu já volto — comuniquei a Luigi ao
meu lado.
Eu dei a volta indo pela lateral da pista,
na intenção de não deixá-la me ver até que
eu estivesse perto. Ela permanecia
procurando por todos os lados na pista, e eu
usei isso ao meu favor até estar atrás dela.
Assim que me aproximei o suficiente,
trombei em seu braço e me apoiei em seus
ombros como se eu fosse cair.
— Opa!
Suas mãos seguraram meus braços, como
se ela pudesse evitar a queda.
— Minha nossa, você está bem?
— Sim, estou bem, só perdi o equilíbrio.
Levantei meu rosto e fixei meus olhos
nela. Desta vez ela estava maquiada, e sua
boca era ainda mais desenhada do que eu me
lembrava. Eu ainda preferia quando a vi de
rabo de cavalo e rosto limpo, mas não vou
negar que a maquiagem a favorecia. Por um
tempo eu não disse nada, apenas a
observava. Ela também parecia estática,
apenas me encarando com aqueles profundos
olhos escuros que tanto me chamaram
atenção da primeira vez que a vi. Meu
celular vibrou no meu bolso, mas eu o
ignorei, eu tinha algo mais interessante para
prestar atenção agora.
— Você está bêbado? — ela me
perguntou, mantendo seu rosto preocupado.
Será que ela havia me reconhecido? Ela
deveria lembrar-se de mim, não era possível
que eu mantivesse seu rosto em minha
memória com tantos detalhes e ela não se
lembraria. Eu aproveitei minhas mãos
apoiadas em seu ombro enquanto ela não se
afastava. Mesmo de salto, ela ainda era
baixinha perto de mim.
— Não estou bêbado — esclareci a ela.
Ela manteve seu rosto fixo no meu, mas não
expressava nada. Eu queria saber se ela se
lembraria de mim, eu precisava saber, e só
havia uma forma de descobrir isso. —
Obrigado por me segurar, pequena.
No momento em que eu disse, seu
semblante mudou. Eu via seus lábios se
enrugarem, tentando não rir. Eu estava a
caminho de cumprir minha promessa.
— Eu já disse para não me chamar de
pequena — ela me advertiu.
Ela se lembrava de mim, seus olhos
negros me olharam com divertimento.
— Você nunca me disse seu nome para
que eu possa te chamar de outro jeito.
— E você vai continuar sem saber.
Eu olhei para ela rindo.
— Isso é injusto, eu preciso saber o nome
da minha namorada.
No momento em que eu disse isso, me
arrependi. A palavra namorada serviu como
um gatilho, pois ela deu um passo para trás
se afastando e meus braços apoiados nela
caíram.
— Eu também já te disse que não sou sua
namorada.
— Então qual é o seu nome?
Neste momento meu celular vibrou
novamente, mas não parava. Puxei de meu
bolso para ver a ligação com o nome da
Letícia na tela.
— Lê, eu não posso falar agora — eu
disse ao telefone.
— O Lucas... Febre... — ela começou
dizendo, mas a ligação começou a cortar —
pedindo para te ver.
Eu não conseguia entender nada.
— O Lucas o que? — perguntei me
afastando da pista.
Assim que virei novamente para a entrada,
a pequena tinha sumido. Droga!
— O Lucas está com febre — ela falou
desta vez com clareza. — Onde você está?
— Eu estou no pub, é aniversário da Adri.
— Você pode vir aqui?
Eu não queria sair daqui agora, eu queria
encontrar a pequena de novo.
— Não, aí não — disse indo para o caixa
pagar a conta. — Leve ele para o Biel, estou
indo para lá.
— Não vou sair com o menino de carro
essas horas.
Assim que paguei a conta sai na avenida
procurando por um táxi, por sorte havia um
ponto logo à frente. Eu queria vê-lo o quanto
antes, queria me certificar de que ele estava
bem.
— Então fique aí, eu não me importo.
Faça uma mala para ele e o agasalhe bem,
que em cinco minutos estou passando para
pegá-lo — comuniquei a ela antes de
desligar o telefone.
Dei o endereço para o taxista e aproveitei
para ler a mensagem que havia recebido da
primeira vez que meu celular vibrou.
Luísa
Eu estava indo para a cozinha
preparar meu café da manhã, quando a porta
da sala abriu. Rafael pegou uma caneca e
colocou água para ferver. Rapidamente
montamos a mesa e eu estranhei quando ele
havia colocado três pratos e três xícaras.
Antes que eu pudesse questioná-lo, a porta
da sala se abriu e a Carol apareceu na
cozinha.
— Bom dia, pessoas lindas — anunciou
ela sentando em um dos banquinhos.
Eu olhei entre ela e Rafael, em busca de
uma resposta da sua aparição repentina.
Rafa se juntou a nós e começou a servir as
xícaras de café.
— Eu a convidei para tomar café, já que
nós três vamos para o mesmo prédio, achei
que podíamos aproveitar e ir juntos.
Foi então que me lembrei da conversa de
sábado, quando ela anunciou que estava indo
hoje ao prédio para buscar as chaves com o
antigo proprietário. Ela havia conseguido
com a irmã, alugar uma sala no mesmo
prédio em que eu e Rafa estaríamos
trabalhando. Ela e a irmã eram arquitetas e
trabalhavam juntas.
— É verdade, eu tinha me esquecido. Nós
vamos trabalhar juntas.
Ela olhou para mim com um largo sorriso
nos lábios.
— Sim, vamos poder almoçar juntas e
vamos nos ver todos os dias. Como nos
tempos de escola.
Terminamos o café e fomos com o carro
do Rafa para o prédio. No caminho nos
atualizamos sobre o final de semana. O Rafa
com seu namorado novo, a Carol cuidando
da sobrinha que havia ficado doente, e eu
focada nos estudos. Só não estava presa ao
meu TCC no domingo, que passei com o
Vini. No elevador combinamos de almoçar
juntos, uma vez que estávamos os três no
mesmo prédio e eu e a Carol não
conhecíamos restaurante por ali. Eu estava
feliz por isso, de ter a companhia deles
todos os dias de agora em diante. Assim que
o elevador abriu, Carla correu ao meu
alcance.
— Por tudo que é mais sagrado, eu não fiz
nada comprometedor na sexta, né? — ela
perguntou. Neguei com a cabeça e ela
rapidamente soltou um suspiro. — Ainda
bem, pensei que já tivesse te assustado. Isso
não acontece com muita frequência, eu juro.
Assim que entramos na sala, eu parei,
olhando para as mesas.
— Onde é que eu vou trabalhar?
— Eu acho que você ficará na mesa vazia
— disse ela, mas isso não ajudou em nada.
Eu me lembrava de três mesas vazias no dia
da entrevista.
Quando pensei em questioná-la, vi
Gabriel entrando.
— Bom dia, meninas — disse ele ao se
aproximar. — Você pode fazer o café,
Carla?
Carla desvinculou seu braço do meu, e
mostrou a língua para ele.
— Acabou de chegar e já está enchendo o
saco.
Assim que ela se afastou, Gabriel se virou
para mim.
— Olá, como da outra vez eu não estava
presente, e não tivemos a oportunidade de
nos conhecermos na sexta, acho que eu
deveria me apresentar. Me chamo Gabriel,
mas ninguém aqui me chama assim se não for
um cliente. Então pode se sentir à vontade
para me chamar de Biel como os outros.
Eu não sabia o que falar então apenas
concordei com a cabeça. Ele aproveitou
para me mostrar todo o escritório, enquanto
os outros ainda não chegavam, e era
impossível deixar de comparar como seu
comportamento estava diferente sem a
Jessica ao seu lado. Ele me mostrou a sala
onde ficavam as pastas de todos os
processos do escritório, onde ficava a
impressora e como funcionava, o banheiro.
Apresentou-me as duas salas de reuniões,
que uma servia para reunião interna e a
segunda era para conferências e clientes.
Mostrou as três salas grandes dos sócios,
uma era de seu avô, uma do avô do Matteo e
do Luigi, e a terceira sala já havia sido
assumida pelo pai da Jessica, que era filho
do terceiro e último sócio. Pelo que havia
entendido o terceiro sócio morreu e o filho
tinha assumido o seu lugar. Por último ele
me apresentou a cozinha, onde a Carla
estava já segurando uma xícara de café nas
mãos.
— E esta é a cozinha — Gabriel disse ao
entrar. Ele pegou uma xícara do balcão e se
serviu da cafeteira. — Servida?
Quando pensei em responder, um par de
mãos apertou minha cintura.
— Bom dia! — Adriana gritou, fazendo
meu coração disparar.
Antes que eu pudesse me recuperar,
Matteo apareceu ao lado rindo.
— Eu sabia que ela estava aprontando
algo, quando começou a andar na ponta dos
pés.
— É segunda de manhã, o dia é chato por
natureza, temos que fazer algo para animar
— Adriana se defendeu.
Depois de todos terem uma xícara de café
nas mãos, retornamos para a sala. Matteo
jogou o braço no meu ombro e me levou
para minha mesa.
— Você vai ficar ao meu lado. As mesas
da parede são do Biel e do Marcelo, que
vive vazia já que ele quase nunca está aqui.
As do centro são da Jessica, e esta do lado
era da antiga advogada, que agora será sua
— Matteo anunciou, puxou a minha cadeira e
sinalizou com a cabeça para eu me sentar. —
E as mesas da ponta são a minha e a da Adri.
Quando liguei o notebook já haviam
criado um e-mail para mim com o nome do
escritório, e logo me encaminharam todas as
listas de prazos que eles precisavam
acompanhar, relatórios de processos para
elaborar e enviar para os clientes. No
começo eram muitas informações, mas eu
conseguia acompanhar facilmente. Eu estava
no meio de um relatório de uma ata de
audiência, quando uma bolinha de papel caiu
sobre meu teclado. Levantei minha cabeça
para ver a Adriana do outro lado sorrindo.
— Está ocupada? — Adriana perguntou.
Eu balancei com a cabeça negando e ela
pegou o telefone. — Carla, liga lá no
escritório do Pedro e pede para falar com
ele, quando ele atender passa para o ramal
da Luísa. — Quando desligou o telefone,
voltou sua atenção para mim. — Nós temos
uma audiência amanhã lá no Rio, e eu
preciso que você confirme se é o Pedro
mesmo que irá nos representar. Eu vou te
mandar um e-mail com todos os dados dele e
da audiência e um Substabelecimento de
exemplo. Você só confirma com ele e
prepara o documento para mim?
Eu confirmei com a cabeça e abri seu e-
mail para verificar os dados do processo e
modificar.
— Alô? — disse ao atender.
— Luísa, o Dr. Pedro está na linha, vou te
passar a ligação — Carla anunciou.
— Bom dia, eu sou a Luísa, falo da SMD
de Curitiba. O senhor pode me atender?
— Claro. Você é a estagiária nova? O
Marcelo comentou sobre a mudança aí, mas
não sabia seu nome.
— Sim, sou eu — confirmei. — É a
respeito da audiência de amanhã, eu queria
verificar se o Dr. que irá nos representar.
— Não, amanhã eu não poderei ir, o
Marcelo que irá. Eu vou te transferir para a
mesa dele.
— Ok, obrigada.
Pouco depois escuto outra voz se
apresentando ao telefone.
— Luísa, certo?
— Isso. Bom dia, Dr. Marcelo.
Ele começou a rir.
— Não me chame de Dr. Marcelo quando
não tiver necessidade, por favor. Apenas
Marcelo está bom. Eu ouvi o Pedro falando
sobre a audiência de amanhã. Aconteceu
alguma coisa?
— Eu acredito que não, estou apenas
ligando para confirmar quem irá à audiência.
— Sim, serei eu, o Pedro tem umas
coisinhas para amanhã. Aliás, você pode nos
ajudar. O que você gostaria de ganhar
quando fizesse 12 anos de casada? — Eu
estava esperando por uma pergunta referente
ao processo, então fiquei um tempo
pensando sobre uma resposta. — Cala a
boca, ela pode ajudar. — Ele respondia ao
resmungo que eu ouvia ao fundo, e
suspeitava que fosse do Pedro.
— Eles têm filhos?
— Tem dois.
A primeira pessoa que lembrei foi
Debora, irmã da Carol, que mesmo adorando
a filha gostava de ter um tempo a sós com o
marido. Mas, eles tinham a Carol para
cuidar da pequena Aninha.
— Ele tem com quem deixar as crianças
por uma noite?
Ele começou a rir do outro lado da linha.
— Onde sua mente está te levando, Luísa?
Eu senti minhas bochechas esquentarem.
— Pergunta para ele se ele tem com quem
deixar as crianças.
— Eles vão ficar comigo, ser padrinho
tem seu preço. Ele queria apenas sair para
jantar, mas isso eles já fazem quase sempre.
Claro que com as crianças, mas mesmo
assim. Esta é uma noite diferente.
— É claro, precisa ser especial. Então
diga para ele levar ela a um jantar, mas
depois ir para um hotel e aproveitar uma
noite sem preocupações com crianças. Você
é a babá, fica cuidando delas.
— Eu me candidatei a um jantar, não a
noite toda.
— Padrinho tem que ajudar, é a noite
deles, se vire.
Ele pareceu pensar sobre isso, quando
ficou um tempo em silêncio.
— Posso fazer isso por uma noite.
— Ótimo. E também, diga para ele dar a
ela um dia de spa. Ela precisa estar relaxada
e bem cuidada, se é que me entende, se ele
quiser ter uma noite satisfatória.
Quando pensei que ele ia negar, ouvi uma
gargalhada do outro lado da linha, e
instantaneamente comecei a rir junto. Eu
estava tão distraída à conversa e sua risada,
que levei um tempo para ver três pares de
olhos em minha direção. Gabriel parecia não
entender a situação, Matteo ao meu lado
estava com um olhar divertido, e Adriana
rapidamente voltou à atenção ao seu
computador, mas o sorriso ainda estava em
seu rosto.
— Desculpe, Dr. Marcelo, mas já que irá
à audiência no lugar do Dr. Pedro, poderia
me fornecer seus dados para que eu possa
preencher o Substabelecimento?
— Claro, vou te mandar por e-mail. E por
favor, sem o doutor.
Assim que passei a ele meu e-mail,
desliguei. Mas, mantive meu rosto focado na
tela. Eu não queria correr o risco de olhar à
minha volta e ver novamente aqueles olhares
me observando.
Que mico, Luísa, já batendo papo com
correspondente em seu primeiro dia.
Pouco tempo depois, chega um e-mail no
meu correio:
De : Marcelo
Para: Luísa
Assunto: Você está me devendo uma.
Obrigado pela dica, já avisei ao Pedro
sobre sua sugestão e ele aprovou.
No anexo está meus dados para o
documento, qualquer coisa que se faça
necessária basta me procurar.
Marcelo Schmidt
Luísa Castelli
De : Marcelo
Para: Luísa
Assunto: RES: Estou te devendo o que?
Quanta formalidade, isso tudo é por causa
do Biel?
Com ele entendo, pois até comigo envia e-
mails assim, mas pode reparar que o Teo e a
Adri se não for com cliente não precisa de
toda essa pose.
Eu recebi o e-mail com o documento,
obrigado.
E a propósito, eu estou te devendo pelo
que? Quem ficará sem secretária amanhã sou
eu, e a culpa é sua.
———————————
De : Luísa
Para: Marcelo
Assunto: RES: Está me devendo pela
ajuda
Eu reparei mesmo na diferença de como
cada um responde e-mail, vou tentar ser
menos formal.
Você disse que eu estava te devendo, mas
quem te ajudou com seu amigo fui eu. Então
é você quem está me devendo pela dica, não
o contrário.
Que culpa eu tenho, pela sua secretária?
—————————
De : Marcelo
Para: Luísa
Assunto: RES: Você deu à minha
secretária um dia de spa
Nossa secretária é a esposa do Pedro, e
amanhã ela ganhará folga. Acha isso justo?
Então sim, você está me devendo uma.
De : Luísa
Para: Marcelo
Assunto: RES: A culpa é sua
Eu não tenho culpa se você esqueceu de
me fornecer esta informação!!
Mas de todo modo, eu acho que ela
merece um dia de descanso, e você como
padrinho das crianças tem que cuidar deles.
Não basta dar presentes, tem que
participar.
Uma noite não vai te matar, ao menos
espero que não. HAHA.
Só consegui te responder agora, fomos
almoçar.
—————————————
De : Marcelo
Para: Luísa
Assunto: RES: Falha minha.
Talvez eu devesse ter mencionado este
pequeno detalhe, então vou te livrar dessa.
Vocês almoçaram no restaurante do prédio?
A comida aí é maravilhosa.
—————————————
De : Luísa
Para: Marcelo
Assunto: RES: Recomendações?
Sim, eles me levaram para comer lá.
Acabamos demorando um pouco mais do que
o previsto, pois acabamos conversando e eles
me apresentaram para o pessoal do
restaurante.
Você sabia que vou comer de graça? Agora
que me conhecem, eu tenho apenas que falar
para marcar na conta do escritório.
No dia da entrevista quando mencionaram
que eu ganharia almoço pensei que eram
tickets de alimentação, mas eu tenho um
restaurante inteiro sem limite a meu favor!!!
Você tem algum prato para me indicar, já
que você conhece o restaurante?
De : Luísa
Para: Marcelo
Assunto: Bom dia.
Eu só vi o seu e-mail hoje de manhã, eu
não levo o notebook para casa.
Você havia me perguntado por que hoje eu
chegaria mais tarde, e é por causa do meu
TCC. Terças e quintas de manhã eu me
encontro com o meu orientador.
EU ACABEI DE CONHECER OS
SÓCIOS!
Quando cheguei, um deles estava na
recepção com a Carla, o Dr. Schmidt.
Ele foi tão educado comigo, tão gentil, e
acabei gostando dele instantaneamente. Dá
pra ver porque o Gabriel é assim.
Pouco depois ele me levou à sala do Dr.
Martinelli.
Ele deu boas-vindas, disse que poderia
procurá-lo para qualquer coisa. Ele foi muito
solícito, deu para ver em quem Matteo e Luigi
se espelham.
Eles foram uns amores de pessoas comigo,
e confesso que estou apaixonada por eles.
Não no sentido pervertido da coisa, eu tenho
namorado. Mas foram tão atenciosos, e eles
tinham um charme com todo aquele cabelo
grisalho. Lembraram-me muito meu avô.
O único mais frio foi o pai da Jessica, o Dr.
Duarte, mal trocou algumas frases comigo.
Foi como você disse ontem, ela é muito
esquisita e na dela. Passei a tarde observando,
e ela realmente não falava com ninguém se
não era necessário, só com o Gabriel.
Você trabalha para eles há muito tempo?
Parece conhecê-los tão bem.
De : Marcelo
Para: Luísa
Assunto: Não fique brava.
Eu quero saber sobre seu TCC. Qual a
tese?
Eu acho que acabei optando novamente
pela omissão, e espero que não fique
chateada. Quando perguntou sobre o
sobrenome ser igual, eu ignorei a pergunta e
não te respondi, fazendo você acreditar que
era apenas uma coincidência. Você estava
muito tagarela ontem, não queria que
mudasse o comportamento por causa disso.
De certo modo foi bom, assim você sabe que
pode contar comigo.
Mas eu quero te dar uma dica:
Não fique babando pelo vovô, dona Hilda é
muito ciumenta.
Luísa
Eu estava terminando de digitar a
mensagem para o Vini, comunicando a ele
como foi meu encontro com o orientador,
quando as portas do elevador se abriram.
Assim que levantei o rosto procurando pela
Carla atrás do balcão, me surpreendi. Ela
conversava animadamente com um homem
de idade, vestido de terno cinza de costas
para a entrada. Assim que me aproximei e
Carla me reconheceu, acenou com as mãos
para que eu me aproximasse.
— Nando, quero te apresentar a nossa
nova ajudante.
Ele olhou para mim e eu estendi as mãos,
para cumprimentá-lo.
— Bom dia, sou Fernando Schmidt.
Ele apertou minha mão e um sorriso se
abriu em seus lábios. Ele era alto, como o
Gabriel e assim como ele, tinha claros olhos
azuis. O cabelo era um pouco comprido e
com muitos fios brancos, mas quase não
havia falhas e nem entradas. Seu rosto tinha
muitas rugas de expressões bem marcadas,
mostrando toda a experiência de uma vida.
— Desculpa não ter estado aqui para
recebê-la ontem, Luísa. Estávamos em uma
viagem.
— Não se preocupe com isso Dr. Schmidt,
fui muito bem recebida.
— Fico feliz em saber disso. Deixe eu te
perguntar uma coisa, por acaso você está
chamando alguém aqui de doutor? —
Fernando perguntou cruzando os braços. Eu
acenei negando com a cabeça. — Então por
que toda esta formalidade comigo?
Porque ele era o meu chefe, ou como a
Carla costumava dizer, era o Boss do
escritório.
— Acho que por respeito.
— Eu admiro isso, já me falaram que
você é muito educada, mas pode me chamar
pelo meu nome. — Ele me estendeu a mão
novamente. Eu fiquei um pouco confusa, mas
correspondi. — É um prazer tê-la em nosso
escritório, Luísa. Eu me chamo Fernando,
mas todos aqui no escritório me chamam de
Nando. Dr. Schmidt é muito formal, e eu
espero que você seja parte da nossa equipe,
portanto, dispenso essas formalidades
quando não é necessário.
Eu gostei dele, seu sorriso era verdadeiro,
e ele parecia querer me deixar à vontade
naquele ambiente e não tão formal, tratando-
o de forma impessoal. Até me lembrei da
forma como Marcelo havia feito no dia
anterior.
— Obrigada, Dr... — comecei e ele
pareceu querer me repreender, e logo
corrigi. — Fernando, me desculpa.
— Já é um começo. Você me acompanha,
Luísa?
Ele começou a andar me conduzindo pelo
corredor, percebi que ele estava indo para a
porta que seria do Dr. Martinelli, como
Gabriel já havia me apresentado. Ele abriu a
porta e fez um gesto para me dar passagem,
eu agradeci e entrei na sala. Sentado atrás da
mesa havia um homem, também grisalho e o
rosto marcado pelas rugas.
— Enzo, quero que conheça a Luísa —
Fernando me apresentou. — Esta é a linda
moça que contrataram na semana passada.
— Seja bem-vinda, Luísa. Eu sou o
Lorenzo Martinelli.
Seus olhos eram de um tom verde escuro.
Ele rapidamente se levantou, abrindo o
botão do seu paletó e dando a volta na mesa
para se juntar a nós.
— Muito obrigada, Senhor Martinelli.
— Senhor? Sinto-me tão velho assim. É
por causa do cabelo? — Lorenzo perguntou
mexendo em seus cabelos grisalhos, tentando
segurar um riso.
Quando fui responder, as mãos de
Fernando se apoiaram em meus ombros.
— Nós o chamamos de Enzo, mas se não
se sentir confortável, Lorenzo está bom.
Lorenzo concordava com a cabeça.
— Sim, não há necessidade de tanta
formalidade, eu pelo menos não me importo
muito com isso.
— Ao menos não veio com essa de Dr.
Martinelli, você já está no lucro, Enzo —
desdenhou Fernando atrás de mim, me
fazendo rir.
— Ela fez isso? Que gafe, Luísa. Desconte
do salário dela da próxima vez.
Fernando estralou os dedos e foi até a
porta.
— É uma ótima ideia, farei isso. Agora vá
trabalhar que vou apresentá-la para o
Carlos.
Lorenzo pegou minhas mãos, chamando
minha atenção para ele.
— Eu espero que você goste de trabalhar
aqui conosco, meus netos falaram
maravilhas de você, então estou torcendo
para que se junte a nós quando se formar. Se
você precisar de qualquer coisa, uma ajuda,
um conselho, ou não se sentir confortável
com alguma situação no escritório, pode
ficar à vontade para me procurar.
No começo eu procurei por palavras para
agradecê-lo, mas não consegui. Ele não
apenas já me ofereceu um emprego, sem ao
menos ver meu trabalho, como também me
fez sentir acolhida.
— Obrigada... Lorenzo... É muita... —
limpei minha garganta para falar com mais
clareza. — Agradeço pela oportunidade, vou
tentar não desapontá-lo. Espero que o senhor
possa manter sua proposta daqui a alguns
meses, quando vir meu trabalho aqui.
Ele deu um tapinha em minhas mãos antes
de me soltar e voltar para sua mesa.
— Eu confio no julgamento de meus netos.
Fernando bufou atrás de nós.
— Que discurso mais lindo, Enzo, mas
não servirá. Se ela tiver que escolher um
time, ela será dos Schmidt, anote isso.
Eu comecei a rir quando o Lorenzo
começou a folhear os papéis sobre a sua
mesa, ignorando Fernando.
— Blá blá, não estou te ouvindo, Nando.
— É a velhice, meu amigo. A idade chega
para todos.
Fernando bateu na segunda porta e
novamente a segurou aberta para mim. O
homem atrás da mesa era mais novo, e então
me lembrei das atualizações de Marcelo, de
que ele era filho do Dr. Duarte, pois o pai já
havia falecido. Sua barba era grisalha, mas
em seus cabelos não havia um único fio
branco. Seus olhos eram em um tom claro de
azul, mas ele não demonstrava qualquer
simpatia.
— Carlos, esta é Luísa, nossa nova
contratada.
Carlos levantou de sua cadeira e me
estendeu a mão sobre a mesa, e eu me
aproximei para que pudesse alcançá-la.
— Olá, Luísa, sou o Dr. Duarte. Bem-
vinda.
Eu não pude deixar de reparar nas
diferenças de tratamento. Enquanto Fernando
e Lorenzo eram descontraídos e me fizeram
sentir acolhida e confortável, a postura e a
forma como Carlos havia se apresentado era
de total profissionalismo.
— Obrigada, Dr. Duarte.
Ele voltou a se sentar. Nada de me chame
pelo primeiro nome, nada de não me chame
de doutor, era nítida a postura fria que ele
exibia. Ou talvez ele só não gostasse de se
misturar com os empregados, não posso
julgar sem saber. Mas, este comportamento
entregava muito de como a sua filha também
era. Eu não sabia o que fazer então me virei
para o — Que horas
Fernando, eles vão
que ainda chegar?
estava —
na porta.
Ele meperguntou
chamou comRafael.
um aceno e eu retornei
para o corredor.
— Vou deixá-lo trabalhar, tenha um bom
dia, Carlos.
Fernando me conduziu pelo corredor, e
começou a sorrir quando ouviu as vozes que
vinham da cozinha. Quando chegamos à
porta, aquela sensação esquisita que eu tinha
sentido na sala do Duarte havia
desaparecido. Matteo estava encostado no
balcão, Gabriel se servindo de café, e as
meninas cantando com adoçantes nas mãos.
— Heeeey brother… Do you still believe
in one anotheer? – Carla começou.
— Heeeey sister... Do you still believe in
love? I wondeer. — Adriana continuou.
Fernando entrou na cozinha, roubando o
adoçante das mãos da Carla.
— Ooooh, if the sky comes falling
dooown, for youuu — ele cantou e inclinou o
adoçante em direção ao Gabriel, que passou
os braços em volta do avô.
— There’s nothing in this world I
wouldn’t dooo — Gabriel finalizou, e então
todo mundo começou a dançar na cozinha,
contagiado pela música, inclusive eu.
Enquanto todos trabalhavam, ficávamos
conversando banalidades, como quais
restaurantes nós queríamos conhecer, nossos
planos para o carnaval e as músicas
chicletes que apareciam nessas épocas. Logo
que recebi um alerta de e-mail do Marcelo,
abri para lê-lo.
Só pelo nome do assunto no e-mail já
fiquei alarmada, mas eu não esperava que
aquele fosse o conteúdo. Eu quase engasguei
com o café. Agora o ‘não fique brava’ fez
sentido. Ele me deixou falar tudo aquilo, e é
neto do Fernando também? Que vergonha. Se
eu achava que ontem tinha ficado estranho,
acabei de bater um recorde. Ele deveria ter
rido tanto de mim, pelo tanto de besteira que
havíamos comentado. Como ele pode ter
mentido para mim? Será que ele estava
esperando que eu fosse falar mal da família
dele? Que ódio. Eu não vou responder a este
e-mail. Aliás, não vou responder mais
nenhum. Isso! Não vou falar com ele nunca
mais. Que tiro no pé, Luísa.
A manhã passou rápido, e eu me
concentrei em meus relatórios. Fernando e
Lorenzo apareceram nos chamando para ir
almoçar, e fomos todos ao restaurante do
térreo. Eles eram tão joviais e animados, e
me peguei muitas vezes rindo de suas
brincadeiras. Todos pareciam muito à
vontade, e em todos os momentos se
certificavam de que eu participava da
conversa e não fosse deixada de lado.
Quando voltamos ao escritório Jessica já
estava em sua mesa. Ela questionou nossa
demora e Lorenzo esclareceu que perdemos
a noção do tempo conversando. Ela me
olhou ao lado deles com reprovação e não
pareceu muito satisfeita com a resposta, mas
eu não iria me sentir intimada por ela.
— Luísa, seu computador está
funcionando? — perguntou Gabriel ao meu
lado. — Está enviando e recebendo e-mail
normalmente?
Eu sentei em minha mesa e liguei o
computador, verificando a conexão da
internet.
— Sim, por quê? Você me mandou algo
que eu não respondi?
Ele foi para sua mesa, apoiando o paletó
na cadeira.
— Não, é que o Marcelo perguntou se
estávamos com internet, pois você não havia
respondido seu e-mail.
E nem responderia.
Ele me olhou por um momento, e então eu
tentei sorrir. Ele balançou a cabeça e sentou
em sua mesa, digitando algo em seu celular.
O telefone de minha mesa tocou alguns
minutos depois.
— Quer dizer que seu e-mail está
funcionando normalmente? — perguntou
Marcelo do outro lado da linha. — Posso
saber por que não me respondeu, então?
Droga.
— Não tive tempo — menti.
Ele riu.
— Entendo, não tem nada a ver com o fato
de descobrir que sou neto do Schmidt,
então?
Minhas bochechas queimaram. Que
situação mais embaraçosa, mas caramba, a
culpa era dele.
— Você deveria ter me falado. Foi muito
errado de sua parte ter mentido para mim.
— Não, eu não menti. Eu apenas omiti.
Você sabe a diferença.
Eu suspirei.
— Foi errado do mesmo jeito.
— Admito, foi errado, mas pudemos nos
conhecer de forma mais descontraída. Foi
divertido no fim das contas, não? — Ele
ficou em silêncio por um tempo esperando
por uma resposta que não veio. E nem viria.
Não foi divertido. — Entendi, você não quer
falar. Me desculpa, ok? Mas não foi uma
coisa tão grave assim, você não precisa me
ignorar. Você nem falou nada demais, e eu
achei divertido. Vamos começar de novo.
A linha ficou muda. Eu esperei por algo
que indicasse que havia caído a ligação, mas
então pude ouvir sua respiração do outro
lado.
— Olá, boa tarde. Eu me chamo Marcelo
Schmidt, sou neto do Fernando Schmidt e
primo do Biel, e fomos criados juntos desde
bebês com o Teo. Sou amigo de infância da
Adri, que é vizinha da Carla e esta é a
conexão com todos. Estou falando com
quem?
Eu queria rir, mas me segurei.
— Luísa? Não irá me responder?
Não.
— Luísa? Fala sério, se você for me
ignorar vou dizer ao meu avô para te
demitir. — Sua voz soou como uma ameaça.
Ele desligou e pouco depois recebi quatro
e-mails, todos dele se desculpando e
pedindo que eu o respondesse, mas ignorei
todos. Fernando apareceu na porta. Minhas
mãos começaram a suar frio quando ele se
aproximou da minha mesa. Eu seria demitida
no segundo dia de trabalho. Isso estava cada
vez melhor.
Ele pegou o telefone da minha mesa e
começou a discar para um número. Todos
estavam olhando para nós, mas apenas
Jessica parecia confusa com a situação.
Gabriel estava com os braços cruzados
olhando para seu avô com um sorriso nos
lábios, Adriana estava apoiando as mãos na
mesa e Matteo verificando algo em seu
celular tentando segurar um riso.
— Alô? É, eu estou na mesa dela. Entendi,
espere um pouco. — Fernand se virou para
mim sorrindo. — Você vai desculpar meu
neto ou eu vou ter que te demitir?
Todos começaram a rir em suas mesas, até
mesmo Carla veio da recepção e se apoiou
na cadeira de Adri. Eu não acredito que ele
fez isso!
— Você é muito idiota, por que não disse
logo que era meu neto? — perguntou
Fernando ao telefone.
Biel ainda gargalhava.
— Concordo, vovô, mas nunca foi um
segredo que ele é idiota.
— Tadinho, não fale assim dele —
Adriana o repreendeu.
— Você sempre o defende, sua opinião
não conta — interveio Matteo. — Mas,
admito que não foi uma atitude inteligente.
— Continue ignorando ele, Luísa —
comunicou Carla. — Estou do seu lado.
Todos ali sabiam o que tinha acontecido?
A situação poderia ser ainda mais
embaraçosa? Fernando me cutucou pelo
braço, estendendo o telefone para mim.
— Eu não vou te demitir, só para que
fique claro. Mas, fale com ele.
Eu peguei o telefone de suas mãos e levei
a orelha.
— Alô.
— Que sacrifício, mulher, tudo isso por
uma brincadeira? — Marcelo perguntou
rindo.
— Isso tudo foi tão desnecessário.
— Talvez, mas admita, causei uma
impressão e tanto, não?
— Tenho que reconhecer seu esforço.
Ouvi um suspiro audível do outro lado da
linha.
— Estou desculpado? Prometo não mentir
ou omitir coisas daqui pra frente.
Levantei meu rosto e todos ainda me
encaravam, inclusive Fernando. Pressão?
Nem um pouco.
— Ok, está desculpado. Agora preciso
desligar, tenho trabalho a fazer.
Quando desliguei o telefone, todos
voltaram a se concentrar em seus
computadores. Fernando deu um tapinha em
meu ombro e voltou para o corredor, com a
Carla ainda rindo e com os braços cruzados
nos dele.
Marcelo Schmidt, quem é você? Agora
fiquei curiosa para saber da pessoa que
mobilizou todo mundo para que não fosse
ignorado por alguém que conheceu há apenas
um dia.
Uma semana havia se passado, e eu já
estava acostumada ao ritmo do escritório. Eu
já estava familiarizada com todos, até
mesmo o Rafael, que começou a almoçar
todos os dias com a gente.
— Luísa, você pode me dar uma carona
hoje? — Adriana perguntou de sua mesa.
Nos dias em que tínhamos as aulas de
muay thai que coincidiam com os dias em
que eu precisava ir à faculdade, eu ia com
meu carro e dava carona para o Rafael. Nos
outros dias, íamos com o carro dele.
— É claro que sim. Você quer que passe
na sua casa para pegar suas coisas?
— Não será necessário, eu já trouxe a
minha mochila de academia, é que deixei
meu carro lavando hoje.
Neste momento um e-mail chegou à minha
caixa de entrada.
De : Marcelo
Para: Luísa
Assunto: música
Por favor, desta vez não me decepcione.
Quais gêneros musicais você escuta?
—————————————
De : Luísa
Para: Marcelo
Assunto: música
Eu não decepcionei, não tenho culpa se sou
medrosa e não gosto de ver filme de terror. Se
for pensar assim você também me
decepciona, todo mundo deveria gostar de
romance. Mas para música eu sou bem
eclética, escuto de tudo. Só não gosto de
funk, e aqueles rock pesado, do resto aceito
tudo. Eu acho, haha. E você?
—————————————
De : Marcelo
Para: Luísa
Assunto: música
Acho que talvez você possa melhorar a sua
reputação comigo com gosto musical, acredito
que tenho os mesmos gostos que você.
Vamos fazer um desafio, então. Faça uma
playlist no spotify de 20 músicas e me envie.
—————————————
De : Luísa
Para: Marcelo
Assunto: música
Aceito o desafio, se você também fizer.
Mas vamos fazer das 20 músicas mais
ouvidas do momento, se eu tiver que fazer
uma lista das minhas músicas preferidas,
precisa ser bem maior. Fechado?
Vá preparando sua lista para amanhã,
estamos de saída.
Tenha uma boa noite. ;)
—————————————
De : Marcelo
Para: Luísa
Assunto: música
Combinado, temos um acordo. Até
amanhã.
Tenha uma boa noite também, aproveite
para dar uns golpes no Lui por mim. ;)
Adriana: Verdade.
Luísa
Estávamos sentados em uma das mesas do
salão de festas, esperando o momento em
que meus pais iriam chegar. Minha mãe tinha
inventado alguma desculpa para trazê-lo
aqui sem que soubesse da festa.
— Minha mãe já está a caminho —
respondi. — Ela vai me enviar uma
mensagem quando chegar.
Neste momento Aninha apareceu
correndo, empurrando a perna de Rafael e
tentando subir no colo da Carolina, que
rapidamente a pegou no colo.
— Chegou a minha gatinha — disse Carol,
enchendo a sobrinha de beijos.
Aninha tinha apenas dois aninhos, mas era
a coisa mais fofa do mundo. Como de
costume, ela estava com duas xuxinhas,
deixando os poucos fios espetados para
todos os lados. Seus olhos azuis eram tão
claros quanto os da mãe, mas os cabelos
eram escuros como o do pai. Era uma
mistura do melhor de cada um.
— Eu juro que tentei segurá-la em meu
colo — disse André quando chegou à mesa.
Debora riu e deitou a cabeça nos ombros
do marido.
— É impossível. Basta ela achar a Carol
que fica se remexendo até poder ir para o
chão e correr, não tem como segurá-la.
Eles eram o típico casal perfeito,
daqueles que você vê em capas de revistas e
parecem até modelos programados de tão
lindos. Debora era ruiva, rosto fino e
delicado como a Carol, mas com os olhos
azuis. André era alto, ombros largos de
músculos bem distribuídos, de rosto bem
marcado e lindos olhos escuros. Quando
eles começaram a namorar, eu e a Carol
babávamos nele. Era impossível não babar,
ele é lindo desde muito jovem, sua irmã
tinha muita sorte.
— Sentem-se — ofereci. — E obrigada
por virem, minha mãe vai gostar de vê-los
aqui.
Assim que eles se acomodaram, levantei a
mão chamando o garçom para que ele
servisse as bebidas. Rafa pediu um suco
para Aninha e mostrou a ela, que muito
agradecida lhe ofereceu um lindo sorriso
mostrando os pequenos dentes que tinha. Ela
rapidamente esticou os braços para ele, se
inclinando para seu colo. Ele a sentou em
sua perna e lhe ofereceu um canudinho.
— Isso é tão injusto, Rafa — reclamou
Carol. — Você compra a menina.
Ele deu de ombros e beijou a cabeça de
Aninha.
— Ela me ama, fica quieta.
Recebi uma mensagem de minha mãe,
avisando que eles tinham chegado. Levantei
da mesa preparando os convidados e
começamos a cantar parabéns quando eles
entraram. Meu pai levou um susto, mas
rapidamente se recuperou e começou a
sorrir, vendo as pessoas que ali estavam.
Quando seus olhos cruzaram com meus,
piscou para mim e sorriu. Ele foi de mesa
em mesa cumprimentando seus convidados
com minha mãe. Aliás, ele a puxava com ela,
sua mão não soltava a dela nem por um
segundo. A cada vez que mudava de mesa,
ele beijava as mãos de minha mãe, em um
claro sinal de agradecimento e carinho.
Quando meus pais finalmente chegaram à
nossa mesa, abraçou a todos agradecendo
pela presença. Minha mãe aproveitou que
ele finalmente havia soltado suas mãos para
me abraçar e foi para a cozinha, pedir para
liberarem o jantar. Eu o abracei e enchi sua
bochecha de beijos.
— Feliz aniversário, pai.
Ele me apertou em seus braços e beijou o
alto da minha cabeça.
— Eu estava até dez minutos atrás falando
mal de você.
— O que eu fiz?
Ele me olhou balançando a cabeça em um
claro sinal de reprovação.
— Você não me ligou o dia todo, só
mandou aquela mensagem de parabéns pela
manhã.
Eu soltei uma risada.
— O que você queria que eu fizesse?
Fiquei ocupada organizando as coisas aqui,
você sabe como a dona Sônia é.
— Você deveria ter me contado — ele me
acusou. — Você sabe que eu odeio isso.
Fiz minha melhor cara de inocente.
— E ter estragado a surpresa da minha
mãe? Ela me mataria.
Ele riu, concordando comigo e me puxou
para um canto, nos afastando da mesa. Eu
não entendi o porquê de se afastar, mas o
acompanhei.
— Como está? — ele perguntou. — Senti
sua falta esta semana. Está gostando do
trabalho?
— É ótimo lá, pai. Estou aprendendo
muito, e só tem duas semanas.
Ele olhou para a mesa e depois para mim.
— Vejo que as coisas estão melhores
entre você e o Vinicius.
Agora eu entendia porque se afastar.
— Nós estamos melhorando. Eu o amo,
amo tudo o que ele fez por mim. Ele foi
muito importante no ano passado, me
consolou e me apoiou o tempo todo. Nunca
me julgou ou me cobrou quando precisei me
afastar — desabafei. Ele concordou abrindo
os braços e eu deitei a cabeça em seu peito.
— Não vou negar que por um tempo me
acomodei com a forma distante que
estávamos, mas agora, vendo ele se esforçar
para recuperar o que tínhamos, não posso
negar que está me fazendo bem. Eu tinha
culpa também, então agora estamos voltando
aos trilhos.
— Não confunda gratidão com amor.
— Não é apenas isso, pai, eu sou grata a
ele sim, mas eu o amo também.
Ele aceitou minha declaração e me beijou
na cabeça. Minha mãe se aproximou,
sorrindo ao nos ver abraçados e nos
comunicou que o jantar estava servido.
Afastei-me deles indo até a mesa avisar aos
outros e puxei Vinicius pelo braço.
Aproximei minha boca da sua e o beijei.
Seus braços me mantinham segura e
confortável, era a este sentimento que eu iria
me apegar.
De : Marcelo
Para: Luísa
Assunto: playlist do spotify.
Bom dia, Luísa.
Como foi o aniversário do seu padrasto?
Você mandou mensagem no grupo que estava
na festa.
Como te avisei, ontem tive uma reunião de
última hora com um cliente então não tive
tempo de mexer com o computador. Mas hoje
vou trabalhar apenas no escritório, então
vamos poder conversar.
Já tem a lista que te pedi? Não esqueça que
mudamos para 10 músicas.
—————————————
De : Luísa
Para: Marcelo
Assunto: RES: playlist do spotify
Bom diaaa.
Eu li o e-mail de manhã que não estaria
com o computador à tarde, não tem
problema. Como foi a reunião? Foi tudo bem?
A festa foi ótima, aproveitamos muito,
você teria gostado. Minha mãe solicitou um
buffet de massas. Tinha todo tipo de
macarrão e de molho, estava uma delicia.
E sim, eu tenho a minha playlist montada,
está com o nome ‘De L para M’ lá na minha
conta. E eu não esqueci, tem as 10 prontinhas
para você. Coloque seus fones de ouvido e vá
trabalhar. ;)
—————————————
De : Marcelo
Para: Luísa
Assunto: RES: playlist do spotify
Foi tudo bem, só deu um problema que
eles estão protestando um de nossos clientes,
então vou conversar com o vovô sobre entrar
com uma Medida Cautelar para não deixar
que o nome da empresa fique manchado.
Que delícia, uma pena que eu não estava
em Curitiba, teria ido de penetra só pelo
jantar. ;)
Gostei do nome da playlist, vou pôr ‘De M
para L’ a minha e você pode acessar. Faça
suas coisas aí escutando as melhores músicas
do mundo, pois posso apostar que meu gosto
é melhor do que o seu.
—————————————
De : Luísa
Para: Marcelo
Assunto: Minha playlist é melhor
Nossa, espero que vocês consigam resolver
isso a tempo. Se precisar de ajuda me avise.
E não, se você tivesse aqui eu teria te
chamado, você teria gostado de conhecer
meus pais.
Vou acessar sua playlist agora e ver que
tanto se gaba do seu gosto musical. Se tiver
música ruim eu vou rir muito de você.
—————————————
De : Marcelo
Para: Luísa
Assunto: Corrigindo: a playlist do Marcelo
é a melhor.
Obrigado, vou conversar com o vovô sobre
que medidas tomar e qualquer coisa eu te
aviso.
Vou cobrar então, da próxima vez que eu
for para Curitiba está me devendo um jantar
para eu conhecer seus pais.
Já estou com medo!
Calvin Harris? Marron5? Taylor Swift?
Não sabia que era playlist pop teen.
—————————————
De : Luísa
Para: Marcelo
Assunto: Escute e depois critique.
Marcado, quando você vier vamos
combinar. ;)
E olha quem fala. Imagine Dragons, Arctics
Monkeys, The Killers, era uma playlist indie
que tínhamos fazer?
Carla: KKK
Luísa
Estávamos sentados à mesa do
restaurante, em uma quarta-feira normal,
dias após o meu retorno do Rio.
Aparentemente, tudo estava igual semana
passada, mas por algum motivo, eu não
conseguia achar mais isso. Quando cheguei
no sábado à noite, Vini estava lá para me
buscar, exatamente como há pouco mais de
um mês, só que desta vez nosso encontro foi
diferente. Eu não corri diretamente para ele,
eu trombei, já que estava mexendo no meu
celular respondendo a mensagem do
Marcelo. Desde a viagem, conversávamos
quase que a todo o momento. Enviávamos
mensagens de bom dia e até mesmo
combinamos de ver juntos a um filme no
Netflix no domingo à noite, quando o Vini
foi embora do meu apartamento. Meu celular
vibrou na mesa com uma mensagem do
WhatsApp, chamando minha atenção.
Luísa
A noite no boliche tinha sido ótima,
eu não me lembrava de me divertir deste
jeito há muito tempo. Tinha sido uma noite
de descobertas, e também de muita risada.
Pela primeira vez eu e o Marcelo nos
encontramos em público, não que nossa
relação fosse um segredo, mas desta vez era
diferente.
Quando estávamos no Rio éramos apenas
Marcelo e Luísa, aqueles amigos que
falavam muito por e-mail e cantavam como
loucos no carro. Mas desta vez, era como se
fôssemos a atração principal, mesmo que
meus amigos soubessem disfarçar. Ou nem
tanto, como a Carolina. Eu sentia que cada
vez que ficávamos à vontade demais,
conversando ou rindo, as pessoas à nossa
volta nos olhavam. Rafa por muitas vezes
tentava disfarçar, mas toda vez que percebia
sua atenção para nós, eu via aquele olhar
interrogatório para mim. Eu não tinha
intenção de esconder que conhecia Marcelo,
eu só tinha a esperança de que meus amigos
não se lembrassem dele. Já foi um sufoco
convencê-los de que não havia acontecido
nada, agora parecia ser impossível encontrar
uma resposta. Eles sabiam do cara do
aeroporto, e sabiam do meu amigo do Rio,
só esqueci de mencionar que eu tinha
descoberto que eram a mesma pessoa. Uma
descoberta que pelos olhares que recebi
hoje, era muito importante.
Na hora de ir embora, Marcelo pegou sua
mala em meu carro e foi com o primo. Biel
queria levar a Carol, mas ela preferiu ir
comigo e o Rafa. Eu gostei que ela recusou a
carona dele, eu amava minha amiga, mas
essa coisa de traição ou se envolver com
homem comprometido sempre foi uma regra
muito implícita para nós duas. Eu queria me
certificar de que ela não tinha mudado isso.
— E então, o que está acontecendo com
você e o Biel? — perguntei quando a Carol
entrou no carro.
Rafa colocou o cinto e ligou o rádio, mas
deixando o volume baixo.
— O que está acontecendo com vocês
duas, aliás — ele comentou. — Eu me senti
fora da vida de vocês, sinceramente. Eu
pensava que não havia segredos entre nós,
estou desapontado.
Carol sentou na ponta do banco de trás e
ficou no nosso meio.
— Pois é, Luísa, eu achei que não
tínhamos segredo. Eu estou com o Rafa
nessa, por que você não contou que o
Marcelo era o carinha do shopping?
Minhas bochechas queimaram com aquele
interrogatório. Eu que o comecei, eu devia
estar perguntando e não respondendo.
— Eu não sei por que eu não contei, eu
achei que vocês iam fazer disso algo maior
do que realmente é. Exatamente como da
outra vez.
Rafa bufou ao meu lado.
— É claro, porque você não contando
essas coisas, deixa tudo bem menos
suspeito, certo? Está tudo errado, então
começa contando tudo desde o início, e sem
esconder coisas.
— A casa da Carol não é tão longe assim.
— Nós temos tempo — Carol informou.
Respirei fundo e contei a eles tudo, desta
vez sem poupar os detalhes. De como nos
encontramos e o jeito como a situação ficou
estranha no começo, mas que depois
relaxamos e aproveitamos a companhia um
do outro. Que ele era realmente uma ótima
pessoa, que aquela pose de intrometido do
começo tinha sido substituída por uma
pessoa educada e engraçada. E que
havíamos nos divertido muito no Rio,
mesmo que só por dois dias. Eles me
ouviram com atenção, e quando percebi,
estávamos já há mais de vinte minutos
parados em frente ao apartamento da Carol,
com o carro desligado.
— E é isso — conclui dando de ombros.
Quando olhei para o lado, eles estavam
com uma mistura de alívio e tensão nos
olhos, e eu odiava aquilo.
— Talvez eu esteja errado, e talvez seja
apenas porque é a primeira vez que eu vi
vocês juntos, mas eu realmente gostei do
Marcelo — comentou Rafa. — Você parecia
tão alegre ao lado dele, Lu. Você não ficava
se controlando, você realmente se divertiu.
— Eu também achei — Carol concordou.
— Você não ficava tensa quando ele te
abraçava, você estava à vontade ali com ele.
Vocês estavam em perfeita sintonia, era tão
estranho. Eu sei que comparar é ridículo,
mas eu sinto que meu dever de melhor amiga
é te alertar para esses sinais.
— Que sinais? — perguntei.
— Não a vejo assim tão solta com o Vini,
demorou muito para vocês terem esse tipo
de intimidade. Eu adoro o Vini, não tenho
dúvida alguma de que ele beija o chão que
você pisa, mas ele é todo certinho o tempo
todo. Vocês combinam por isso, toda
certinha, filhinha da mamãe.
— Eu concordo com ela — disse Rafa.
Ele pegou minhas mãos e segurou nas dele.
— O Vini é o cara perfeito, todos nós
sabemos disso. Mas, eu acho que ao menos
uma vez você deveria aproveitar a vida e ser
mais espontânea. Você está sempre fazendo
as mesmas coisas, ajudando todo mundo.
Você precisa abalar um pouco a sua vida.
— Vocês falam como se eu devesse ir
atrás do Marcelo. Eu namoro, vocês
esqueceram isso?
— É claro que não, você não se lembra de
nossa regra? — perguntou Carol. — Nada
de homens comprometidos, e isso envolve
também nosso caso. Então nada de Marcelo
enquanto está com o Vini.
— Ah, então eu tenho que terminar com
Vini? — explodi. — Por que quando um
cara vem me encoxar e ele está duro, o que
deveria me assustar, fez com que eu
realmente gostasse da situação?
Oh droga.
Carol começou a rir descontroladamente.
— Eu sabia, eu sabia — ela gritava. —
Eu sabia que alguma coisa estava
acontecendo ali, ele ficou sussurrando para
você e ninguém entendia, e do nada ele foi
ao banheiro.
Rafa apertou minha mão.
— Se ele ficou duro só de te abraçar, o
cara realmente está atraído por você — ele
confirmou. — Vai por mim, não é fácil
controlar esse tipo de coisa, e se ele subiu
para você, é definitivamente uma grande
coisa.
— Isso não ajuda em nada, vocês não
estão me ajudando. Eu acho isso tudo tão
errado, em tantos níveis. Eu não fiz nada,
mas eu sinto como se estivesse traindo o
Vini, traindo a sua confiança, e eu odiaria
fazer qualquer coisa para ele.
Eles permaneceram em silêncio por um
tempo. Eles sabiam do meu conflito. Eu não
queria admitir que quando percebi que o
Marcelo estava interessado por mim, foi
uma descoberta que me fez sorrir por dentro.
Eu gostei de saber disso, mas odiei cinco
minutos depois. Eu era a certinha, eu sempre
fui, e queria continuar assim. Talvez isso
passasse depois de um tempo, precisava
passar.
— Eu vou sair com o Thiago amanhã —
O carnaval foi como nos últimos anos,
comentou Carol, quebrando o silêncio.
toda família Schmidt e Martinelli em
—O que? — Camboriú.
Balneário eu e Rafa perguntamos
Carol e Biel ao
mesmoconversavam
tempo. por mensagem, e logo no
— primeiro
Eu não vou diamentir que eu mequesenti
descobrimos o
atraídaapartamento
pelo Biel, mas do é Rafa,
sempreondeassim.eles
Eu
me sinto atraídahospedados,
estavam por alguém,erae então a duas eu
conheço a pessoa e depois passa,
quadras de onde estávamos. Carla e foi assim
com oJessica
Lui. Mas, com com
estavam ele, quanto
a gente,maismasmea
aproximo,
Adri mais
haviaeuviajado
quero estar
com operto.
Alan Só que
para o
ele teminteriornamorada,
de São Paulo,e parabom,conhecer
homensa
comprometidos...
família dele. Ela finalmente havia
— Estão
admitidoforapara
de nossa
nós quelistaeles
— jácompletei.
estavam
— Fico se feliz que vocêhá
envolvendo mantém
algunsnossa regra.
meses, mas
— É que— respondeu ela suspirando.
recentemente — E
resolveram
como realmente
ele não foilevar
para aquele
Recife relacionamento
com o Vini e o
Alan, aporque
sério. ele está com outro projeto
aqui, ele me chamou para sair. Acho que
será uma boa oportunidade para nós.
— Não será como se vocês fossem sair
pela primeira vez — comentou Rafa.
Eles haviam ficado uma vez, logo que se
conheceram, mas depois disso ficaram
amigos. Isso foi no começo do meu namoro
com o Vini, e logo depois Thiago começou a
namorar com alguém lá da empresa deles e
ninguém mais tocou no assunto.
— É, talvez agora dê certo. Não custa
nada dar uma chance ao Thiago, certo?
— Certo — respondemos eu e o Rafa
juntos novamente, e então começamos a rir.
Eu gostava dos amigos que eu tinha, eram
os melhores do mundo, e fiquei feliz de
poder desabafar com eles. Eram as únicas
pessoas no mundo que eu sabia que jamais
me julgariam, com exceção dos meus pais.
Carol entrou pouco depois e eu e o Rafa
fomos para nosso prédio. Nós havíamos
combinado de levar a Aninha para o cinema
no dia seguinte, pois ela queria mais uma
vez ver Frozen antes que saísse do cinema. E
obviamente eu e a Carol nos candidatamos
para esta função. Eu não saberia dizer quem
era mais viciado naquele filme, nós ou a
pequena Aninha.
Carol passou em casa para me pegar, e a
música ‘Você quer brincar na neve’ estava
tocando. Eu e Carol cantávamos e
dançávamos pelo caminho, e a pequena
Aninha nos aplaudia quando a música
acabava. Assim que saímos do cinema,
fomos a uma loja infantil onde Carol havia
visto na vitrine uma jaqueta que era linda
para a sobrinha.
— Tia Lu, qué sovete — pediu Aninha,
segurando minha mão.
Olhei para o lado procurando pela Carol,
que estava no caixa pagando a conta, e
avisei a ela que ia buscar sorvete com a
Aninha. Ela acenou com a cabeça e avisou
que logo nos encontraria na praça de
alimentação.
Nós estávamos a caminho da sorveteria,
quando eu o vi. Marcelo estava saindo de
uma joalheria, junto com o mesmo garotinho
da outra vez e a loira, que agora já
reconhecia como Lucas e Letícia. Eles
definitivamente tinham uma conexão. Talvez
sejam mesmo os pais daquele garoto, e se
fosse esse o caso, eu tinha que concordar
com os comentários. Eles tinham criado um
garoto realmente lindo e muito bem educado.
Peguei Aninha no colo e os segui, mantendo
certa distância. A cada vez que eu percebia
algum movimento deles na minha direção,
usava a Aninha como escudo para me
esconder. Eu sabia que era errado usar uma
criança de dois aninhos, mas era preciso.
— Sovete, tia Lu — pediu Aninha mais
uma vez.
— Já vamos buscar, querida.
Eles desceram a escada rolante, e eu
continuei acompanhando seus passos do piso
de cima.
— O que você está fazendo aqui? —
perguntou Carol me assustando. Aninha
começou a rir do meu susto e a Carol
rapidamente a tomou dos meus braços. —
Está tudo bem?
Coloquei as mãos no peito e respirei
fundo, tentando me acalmar.
— Que merda, Carol. Quase joguei a
Aninha daqui de cima.
— Eu percebi. Estava concentrada com o
que, para se assustar assim?
Eu apontei para o piso inferior, onde o
Marcelo estava com o Lucas, comprando
uma casquinha do quiosque do Mc e ela
concordou com a cabeça. Quando eles
saíram da fila e se juntaram a Letícia, ela
assoviou.
— Ah, agora eu entendi, essa é a Letícia?
— Exatamente — confirmei. — De
acordo com as fotos do Instagram esta é a
Letícia, e aquele é o Lucas, e essa é a foto
da família perfeita.
— Será que é filho deles?
— Eu não sei, ele nunca mencionou, e eu
não tenho coragem de perguntar.
Nós continuamos olhando para eles, mas
não conseguimos identificar nada. Eles
apenas riam e conversavam, então
desistimos e fomos atrás do sorvete da
Aninha. Nós enchemos nossos sorvetes de
cobertura e guloseimas, e quase nos
lambuzamos tanto quanto a Aninha. Eu
gostava desses momentos com ela, em que
eu e a Carol poderíamos assistir a desenhos
da Disney e comer besteiras sem culpa. Para
todas as dúvidas, estávamos apenas
acompanhando uma criança.
No fim da tarde a Carol me levou para
casa, e foi se arrumar para o jantar que teria
com o Thiago. Tentei mandar uma mensagem
para o Rafa passar a noite comigo vendo a
algum filme, mas ele já tinha planos com
uma garota. Eu jamais acompanharia o ritmo
dele. Eu estava indo pegar a panela para
fazer pipoca, quando meu celular tocou, com
o nome do Vini na tela.
— Oi, Vi.
— Oi, amor, como foi sua tarde com as
meninas?
— Nós assistimos Frozen, pela quinta vez
— contei, e ele começou a rir. — Depois
fomos tomar sorvete. E vocês aí, como
estão?
— Nós temos uma reunião agora à noite
para conhecer os sócios da empresa que está
patrocinando o projeto daqui, mas só vamos
conhecer as instalações na segunda.
— E o calor? Está passando protetor?
— Sim, não se preocupe. Aqui o sol
realmente queima, talvez você consiga sua
tão sonhada marquinha de biquíni.
Eu sorri para aquela informação, eu
sempre quis ficar bronzeada.
— Só mais uma semana e eu estarei aí.
— E eu não vejo a hora. Você já
conseguiu ver a data?
— Já sim, eu pedi a sexta-feira e fui
liberada, então pode agendar minhas
passagens.
— Que ótimo, vou pegar o primeiro voo,
quero você aqui o quanto antes.
— É claro, eu preciso aproveitar o sol da
tarde.
— Desta forma vou pensar que só está
vindo aqui por causa do sol, e não para ficar
comigo.
— Você é apenas uma desculpa —
brinquei. — O principal motivo é o sol.
Ele começou a rir de novo e eu o
acompanhei. Com o Vini era sempre assim,
tudo tão tranquilo e fácil.
— Vou me lembrar disso quando chegar
aqui. Eu preciso desligar agora — avisou
ele. — Vai ficar em casa hoje?
— Sim, são quase oito horas e eu estava
indo fazer pipoca para uma sessão de
cinema sozinha.
— Eu te ligo quando acabar o jantar. Eu te
amo, até depois.
— Eu também te amo — respondi. —
Bom jantar.
Ele desligou o celular e eu fiz minha
pipoca. Meu celular a cada vez que vibrava,
eu olhava para saber de quem era a
mensagem. Eu não tive nenhum sinal o dia
todo do Marcelo, e talvez isso fosse um
sinal de que ele não me queria por perto. Ou
queria ficar com o filho sozinho, e tentar
reconquistar a ex. Estar atraído por mim
poderia não significar nada. Aquele
pensamento me aborreceu, por mais que eu
negasse.
Meu celular vibrou pela terceira vez com
uma mensagem, mas fiquei com preguiça de
me esticar para pegá-lo. Então segundos
depois começou a tocar, devia ser o Vini,
então atendi sem olhar para a tela.
— Oi, amor.
— Oi, pequena, que forma carinhosa de
me atender.
Sentei-me no sofá assim que reconheci sua
voz, era o Marcelo e não o Vini.
— Desculpa, achei que era o Vini.
— Ah, droga, pensei que finalmente
estava aceitando nosso caso.
E lá estava de novo o Marcelo que me
irritava, rindo do outro lado da linha.
— Nós não temos um caso — informei a
ele, séria. Ele deve ter percebido, pois
parou de rir.
— Eu sei, só estou brincando. O que está
fazendo?
— Assistindo a um filme.
— Sozinha?
— Sim.
— Está tudo bem?
— Sim.
— Tem certeza?
Eu não ia admitir que ele tinha conseguido
me irritar com aquela provocação. Era
errado sequer mencionar qualquer ‘caso’
entre nós. E eu não queria que ele pensasse
que eu daria liberdade para isso.
— Sim — respondi.
Ele suspirou audivelmente.
— O que você vai fazer hoje à noite?
— Ver filme.
— A noite toda?
— Rafa e Carol têm planos — contei.
— Eu pensei que... — ele começou, e
então ficou em silêncio, como se pensasse na
pergunta. Eu esperei pacientemente, mas
minhas pernas já começaram a balançar de
ansiedade. — Será que você poderia vir
aqui?
— Aí onde?
— No apê do Biel.
Eu estranhei o pedido.
— Vocês vão fazer alguma coisa aí?
— Não que eu saiba — respondeu ele. —
Não combinamos nada, e o Biel está na casa
da Jessica hoje.
Nós dois sozinhos? Nem pensar.
— Desculpa, mas não acho que seria certo
nós dois sozinhos aí.
— Não estaremos sozinhos — informou
ele. — Eu quero que você conheça uma
pessoa.
— Quem?
— Alguém importante para mim.
Agora ele tinha minha atenção. Ou talvez
ele estivesse me enganando, mas, eu teria
que apostar para descobrir.
— Ok, me passa o endereço por
mensagem que eu vou.
Eu pude ouvi-lo soltar um longo suspiro,
como se tivesse segurando o ar por muito
tempo enquanto eu pensava.
— Obrigado, até daqui a pouco.
Eu desliguei meu celular e corri trocar de
roupa. Isso poderia ser errado, e eu sentia
que era errado, mas eu queria estar lá. Ele
queria me apresentar alguém importante para
ele, talvez fosse sua família. Bem, talvez ele
fosse me apresentar o filho dele, mas então
ia contar que estava tentando reconquistar a
ex. Aqueles pensamentos me acompanharam
por todo o trajeto até o endereço que ele
havia me passado.
O porteiro disse que já estava me
esperando e me mandou subir, avisando por
interfone ao Marcelo que eu tinha chegado.
O elevador parou em seu andar e eu me
direcionei à porta 1402. É só apertar a
campainha Luísa, não é difícil. Por que eu
sentia que estar diante daquela porta
mudaria tudo? Respirei fundo, apertei a
campainha e esperei, ouvindo passos que
ficaram mais altos quando se aproximavam
da porta.
Marcelo apareceu, com um sorriso largo
nos lábios, que me fazia pensar que eu tinha
feito a coisa certa, mesmo quando tudo
apontava para o lado errado. Ele me puxou
pelo braço e me abraçou, e aquele calor do
seu corpo foi mais do que bem-vindo.
— Que bom que você veio — disse ele
fechando a porta.
Eu olhei para a sala, estava com um
colchão de casal no chão a televisão ligada
e alguns copos de refrigerantes sobre a
mesinha de centro. Era um apartamento
grande, diferente do dele no Rio.
Havia dois sofás na sala, e uma TV de
LED na parede. Pouco atrás uma grande
mesa de jantar de vidro, com uma cristaleira
e um balcão cheio de retratos. Aliás, nas
paredes havia várias fotos, tudo muito
sofisticado e organizado, exatamente como a
mesa do Biel. Mas, o que eu percebi que
mais me chamou atenção foi o silêncio da
casa. Ele não teria me convidado para vir
aqui, minutos depois de transar com a ex
nesse colchão. Seria muita cara de pau da
parte dele. Ao menos ele poderia ter
guardado esses copos, ou ter arrumado os
lençóis.
— Você disse que não estaríamos
sozinhos — acusei, me virando para ele.
Ele tinha o mesmo sorriso no rosto de
quando cheguei.
— E não estamos — confirmou ele.
— Bom, eu não estou vendo mais ninguém
aqui.
Encaramo-nos por um tempo e até que
ouvi o barulho de uma descarga. Realmente
tinha alguém em casa, vai ver a ex dele ou
uma nova, e ele queria algo a três naquele
colchão bagunçado. As ideias na minha
cabeça estavam ficando cada vez piores.
— Vem aqui — ele chamou alguém atrás
de mim.
Aquele garotinho loiro se aproximou e
parou na minha frente, olhando para mim
com olhos tão claros e azuis quanto os do
Marcelo.
— Este é o Lucas — Marcelo o
apresentou, mas percebi o nervosismo em
sua voz. Quando levantei meu rosto para vê-
lo, o sorriso em seu rosto já não mostrava
tanta confiança quanto antes.
Eu pensando mil besteiras, e ele queria
me apresentar o filho? Eu queria me bater
agora por tanta ideia absurda.
— Oi, Lucas, eu sou a Luísa — me
apresentei para o garoto, que sorria para
mim.
— Eu já te conheço. Meu irmão fala muito
de você.
Irmão? Eles eram irmãos? Agora sim eu
estava confusa. Marcelo percebeu a
confusão em meu rosto.
— Lucas é meu irmão mais novo —
contou Marcelo. — Somos em três: Letícia,
Lucas e eu.
Eles eram todos irmãos! Então a loira não
era sua ex e nem mãe do menino, e nem
havia alguma história por trás disso. Eles
eram irmãos. Eu nem saberia começar a
dizer o alívio que isso me causou, e o susto
também.
— Ah — consegui dizer, eu ainda estava
tentando absorver toda aquela informação.
— Você nunca me contou que tinha irmãos.
Eu não queria que soasse como uma
acusação, como se ele fosse obrigado a me
contar toda sua árvore genealógica, mas
achei que esta era uma informação
importante a compartilhar.
— Eu sei, eu vou te contar sobre eles
hoje.
Eu acenei com a cabeça e então olhei para
Lucas. Agora que eu sabia todas as
conexões, não pude deixar de comparar. Ele
tinha os olhos claros como os irmãos, mas
ele se parecia com a Letícia. Os cabelos
eram loiros e não pretos como os de
Marcelo.
— Eu me lembro de você, nós já nos
trombamos uma vez no shopping — eu disse.
— Estávamos lá com o Biel comprando
meu material. Eu me lembro de você
também.
Aquilo parecia há tanto tempo.
— E então, o que vocês estavam fazendo?
— perguntei.
Lucas sorriu para mim e se virou para o
irmão.
— Será que ela sabe? — perguntou Lucas
baixinho.
Marcelo deu de ombros e apontou para
mim.
— Pergunta para ela.
Lucas me olhou, mas parecia
envergonhado.
— Eu queria comer brigadeiro, você sabe
fazer?
— Sim, eu sei.
Seus olhos brilharam e um sorriso lindo
surgiu em seus lábios. Eu já estava me
apaixonando por aquele garoto.
— Você pode fazer? — pediu ele.
— Só se você me ajudar.
Ele começou a bater palmas depois
segurou minha mão, me puxando para a
cozinha. Eu comecei a rir da animação dele
e o acompanhei. Todos os móveis da cozinha
eram brancos, com armários para todos os
lados. No centro da cozinha havia um balcão
de mármore, de um lado ficava o fogão e do
outro havia banquinhos coloridos. Marcelo
se sentou em um dos banquinhos, apoiando
as mãos no balcão e ficou sorrindo enquanto
Lucas abria a porta da geladeira.
— O que nós precisamos para fazer
brigadeiro? — Lucas perguntou.
Eu me aproximei dele olhando a geladeira
e procurei pelos ingredientes.
— Não tem uma lata aberta de leite
condensado, você sabe se tem em algum
armário?
— Eu sei onde tem.
Ele correu para abrir a porta de todos os
armários procurando e eu peguei a
margarina na mão olhando para Marcelo.
— Está tudo bem eu fazer?
Era tão estranho que eu me sentisse à
vontade ali, sendo que eu era apenas uma
visita.
— Sem problema, eu não sei fazer e ele
me pediu isso o dia inteiro — Marcelo
contou sorrindo. — Normalmente eu compro
aqueles docinhos prontos de alguma
panificadora.
Lucas apareceu com uma lata de leite
condensado e o achocolatado nas mãos e me
mostrou onde estavam as panelas. Eu
comecei a misturar tudo e mexer o
brigadeiro no fogão enquanto os irmãos
ficaram sentados do outro lado do balcão me
olhando com ansiedade. Marcelo apenas
sorria para mim e Lucas batia suas perninhas
no banquinho alto. Quando dei o ponto e
coloquei o brigadeiro em um prato, rapei a
panela e entreguei a colher para Lucas.
— Assopra bem que está muito quente e
você pode queimar a língua — avisei a ele.
— Daqui a pouco esfria o do prato e você
pode comer.
Ele pegou a colher e começou a assoprar.
Um celular começou a tocar e Lucas correu
para atender. Marcelo ficou sorrindo
olhando para o irmão, antes de se virar para
mim.
— Você acabou de ganhar um fã para a
vida toda.
Eu olhei para a sala, onde Lucas
conversava animadamente com alguém ao
telefone.
— Eu gostei dele, por que você não me
contou sobre seus irmãos?
O sorriso no rosto de Marcelo
enfraqueceu.
— É complicado.
— Você tem vergonha deles ou algo
assim?
Ele negou com a cabeça, mas não disse
nada. Eu andei até o outro lado do balcão e
sentei em um dos banquinhos ao seu lado.
Marcelo deixou as mãos sobre o balcão e
ficava mexendo nos dedos, como se
pensasse em uma resposta. Eu estiquei meu
braço e segurei sua mão.
— Você não precisa contar se acha que eu
estou invadindo sua privacidade, eu só
queria entender por que eu estou aqui.
Ele queria me apresentar para o irmão,
então era um sinal de que ele queria
compartilhar a vida dele comigo. E eu
queria saber sobre a sua vida, eu queria
saber sobre ele cada vez mais. Ele segurou
minha mão entre as dele e ficou brincando
com meus dedos, e nesta hora agradeci que a
aliança do Vini estava na outra mão. Eu não
queria que ele achasse que não podia contar
comigo. Eu não podia negar que eu sentia
algo por ele, talvez se eu o conhecesse
melhor eu poderia decidir o que fazer com
isso.
— Eu te chamei aqui porque eu queria te
apresentar o Lucas, eu já falei de você para
ele, eu nunca escondi nada dele — contou
ele rindo. — É engraçado isso, mas eu
sempre contei tudo ao meu irmão, e pedi
conselhos para ele. Ele é uma criança, mas
às vezes ele dá conselhos muito bons.
— Eu não duvido disso, crianças não
complicam tanto como os adultos.
— Eu não tenho vergonha dos meus
irmãos — afirmou ele, se virando para me
olhar e mantendo os olhos fixos nos meus.
— Eu os amo mais do que tudo nessa vida,
eles são as pessoas mais importantes que eu
tenho, e eu faria qualquer coisa por eles se
fosse preciso.
Havia tanta sinceridade em seu olhar, que
eu não duvidei disso por um segundo.
— A minha irmã você já conheceu, ela me
contou que foi no escritório esta semana e te
viu lá. — Eu apenas confirmei com a cabeça
e esperei que ele continuasse. — Ela é uma
ótima pessoa, tão generosa e tão bondosa.
Nós brigamos muitas vezes, mas ela é a
pessoa que mais me conhece. Acho que
exatamente por me conhecer tão bem que ela
sabe quando eu preciso de um puxão de
orelha. Ela tem o coração mais lindo que eu
já vi, depois da vovó.
Ele abaixou a cabeça, olhando novamente
para minha mão entre as suas e aquilo me
preocupou. O sorriso que estava em seu
rosto quando ele contava da irmã havia
sumido.
— Aconteceu algo, há alguns anos — ele
começou, ficando em silêncio de novo. Eu
apertei sua mão para encorajá-lo. — Eu
ainda não estou pronto para contar sobre
isso, talvez eu nunca esteja. Mas, aconteceu
algo com meus pais anos atrás, e eu fiquei
responsável de cuidar do Lucas.
Eu não pude deixar de notar que ele se
colocou nessa frase sozinho, não foi um nós
ficamos responsáveis. Eu quis questionar
sobre isso, mas fiquei com medo de que ele
não continuasse se eu o interrompesse.
— Quando tudo aconteceu, eu me isolei
da minha família e dos meus amigos. Eu
peguei o Lucas e ficamos morando um mês
em hotel. Eu não tive coragem de voltar para
casa, até hoje eu não tenho. — Ele riu, mas
era uma risada com muito sarcasmo. — Eu
percebi depois que você não pode morar
com uma criança de três anos em um hotel,
ela precisa de casa e de rotina, então eu o
deixei com a Letícia. Deixei a minha
responsabilidade com ela.
Eu não sabia o que falar. Algo muito
trágico deve ter acontecido com os pais
dele, e por algum motivo ele se sentia
responsabilizado por Lucas. Eu não sabia se
ele se sentia culpado pelo que aconteceu, ou
apenas que agora ele deveria ser quem
cuidasse do irmão. Mas, por mais que ele
dividisse essa tarefa com a Letícia, eu
notava que ele deixava claro que o Lucas era
uma responsabilidade dele e não dos dois.
— Eu não queria, eu queria pegar ele e me
mudar daqui. A vovó me fez enxergar que eu
devia pensar nele e não em mim, que eu
deveria fazer o que fosse melhor para ele,
então o deixei com a Letícia e fui embora.
Aqui ele tem a vovó e ela, e toda nossa
família. Lá ele só teria a mim e não seria
certo. Eu sinto falta de todos aqui, mas
principalmente dele. Eu o vi nascer, eu
cuidei dele desde pequeno, eu até mesmo
troquei as suas fraldas. Eu o queria comigo,
onde eu pudesse me certificar o tempo todo
que ele estava bem. Eu sinto tanta falta dele.
Ele apertou minha mão mais uma vez,
fechando os olhos e respirando fundo. Eu me
levantei do banquinho ficando de pé ao seu
lado e o abracei. Ele enterrou o rosto em
minha barriga e senti seus ombros tremerem.
Eu não sabia o que tinha acontecido, mas eu
sentia uma necessidade maior do que apenas
confortá-lo naquele momento. Ainda tinha
muitas dúvidas sobre toda aquela história,
mas ele já havia compartilhado muito
comigo esta noite. Ele se sentia responsável
pelo irmão, sofria por estar longe, mas algo
o impedia de ficar aqui. Eu iria até o fundo
naquela história para trazer o conforto que
seu coração precisava.
Capítulo 15
Marcelo
Eu passei meus braços em volta do
pequeno corpo da Luísa e a abracei. Pela
primeira vez eu não me sentia tão solitário
em compartilhar esta história com alguém.
Eu queria contar tudo a ela, mas eu ainda
não conseguia. Só de me lembrar do que a
minha mente por tanto tempo estava
acostumada a ignorar, eu sentia vontade de
desmoronar. Era uma avalanche de
sentimentos que eu não gostava de sentir.
Tristeza, culpa, arrependimento e o principal
de tudo: saudade.
— Ela quer falar com você — gritou
Lucas, entrando correndo na cozinha.
Eu respirei fundo tentando acalmar aquela
maré de tristeza que me atingiu e me afastei
de Luísa, mas ela manteve as mãos em meus
ombros, e eu agradeci mentalmente por
aquele pequeno gesto de apoio.
— Alô? — disse ao pegar o celular da
mão de Lucas.
— Ei, está tudo bem aí? Eu falei com o
Lucas agora e ele disse que não deu mais
febre, mas você está controlando, né? —
perguntava Letícia do outro lado. — Mesmo
que não dê febre não esquece os remédios
dele às dez.
— Está tudo bem. Eu estou medindo a
temperatura dele de hora em hora, e eu não
esqueci o remédio. Não se preocupe com a
gente, qualquer coisa eu tenho o telefone do
pediatra dele.
Ela riu do outro lado da linha.
— Você cuida dele melhor do que eu, só
estou confirmando.
— Vá aproveitar a noite com seu noivo e
pare de se preocupar com a gente.
— A Luísa tá aí, né? O Lucas contou.
Eu ri daquele pequeno fofoqueiro e
apertei a cintura da Luísa.
— Sim, ela tá aqui. Inclusive fez
brigadeiro.
— Uau, ela ganhou um fã para vida toda
agora.
— Eu falei a mesma coisa para ela.
— Eu a conheci essa semana, e ela é
realmente linda. Você tem bom gosto.
Eu levantei meu rosto para olhar para
Luísa, que ainda tinha aquele olhar
preocupado em seus olhos, mas sorria para
mim.
— Sim, ela é — confirmei.
— Eu espero que ela enxergue o quão
lindo você é também.
Ok, hora de desligar.
— Boa noite, Letícia, só ligue se for
urgente, tá bom? Eu te aviso se alguma coisa
mudar.
— Só estou dizendo, você merece
alguém...
Desliguei o telefone e o coloquei no
balcão, eu não queria aquela conversa com a
Luísa tão perto. Era um pouco estranho. Eu
mantinha um dos meus braços em volta dela,
que ainda estava me abraçando. Aquela
sensação de paz tomou conta do meu peito,
mesmo que minutos atrás ele estava tão
apertado. Era como poder respirar
tranquilamente depois de ter se afogado.
— Já dá para comer agora? — perguntou
Lucas se sentando no banquinho ao meu
lado.
Luísa me soltou e foi até a pia pegar o
prato com o brigadeiro, e o colocou no
balcão à nossa frente.
— Eu acho que já esfriou um pouco, onde
tem colher?
Eu apontei para o armário de gavetas atrás
dela e ela pegou as três colheres para nós.
Estava realmente delicioso, melhor do que
aqueles que eu comprava pronto.
— Este é o melhor brigadeiro que eu já
comi — disse Lucas lambendo sua colher.
— Mas, se a alguém contar para vovó, eu
nego tudo.
Luísa riu para ele e cruzou os dedos.
— Eu prometo que não conto, será nosso
segredo.
Lucas a imitou e eles começaram a
conversar, ignorando totalmente que eu
estava na cozinha também. Ela quis saber
quantos anos ele tinha, o que estava
aprendendo na escola, seu time de futebol e
seus filmes preferidos. Ele estava mais do
que empolgado em poder contar tudo a ela.
Ela não o tratava como uma criança, ela
realmente prestava atenção em tudo o que
ele contava como se tivesse mesmo
interessada em conhecê-lo.
Eu tive medo de apresentá-la para o
Lucas, porque é sempre complicado
apresentar alguém a uma criança. Se ela
realmente gosta de você, ela se apega muito
fácil. E o Lucas é uma criança muito
amorosa e carente, se ele gosta de uma
pessoa ele quer tê-la por perto. Minha
última namorada, Andreia, gostava do
Lucas. Mas, ela não era uma pessoa muito
paciente com crianças, e quando nós
terminamos o Lucas vivia perguntando por
ela e queria vê-la. Ela inclusive usou disso
para se aproximar de mim quando nós
terminamos, sempre tentando usá-lo como
desculpa para me ver.
É por isso que eu penso muito antes de
apresentar qualquer pessoa para meu irmão,
eu não quero que ele se apegue a alguém que
não vai ficar. E por mais que eu tivesse
ainda muitas dúvidas se a Luísa
permaneceria em nossas vidas, eu sabia que
ela não seria como a Andreia. Se nada
acontecesse entre nós, eu a conhecia o
suficiente para saber que ela não faria algo
para magoá-lo. Ela tinha um bom coração,
eu sentia que podia confiar nela.
— Eu não aguento mais doce, nós
podemos ver um filme agora? — Lucas
perguntou, quando largou a colher e deitou a
cabeça no balcão.
Luísa olhou para mim e então tirou o
celular do bolso.
— Já está tarde, e eu acho que já vou para
casa.
Lucas levantou a cabeça do banquinho tão
rápido que ele quase caiu.
— Não — gritou ele. — Você não pode ir
agora, você tem que ver um filme com a
gente. — Ele se virou para me olhar. — Ela
não pode ficar aqui?
Eu ri do seu pedido, ele parecia tão
desesperado para que sua nova amiga não
fosse embora que era até engraçado.
— Por mim, tudo bem, mas você tem que
pedir para ela.
Ele desceu do banquinho e abraçou a
cintura da Luísa.
— Você tem que ficar, assiste a um filme
com a gente. Só um filmezinho — ele pedia
fazendo bico.
Luísa passou as mãos no cabelo dele e
olhou para mim, como se pedisse ajuda. Eu
levantei as mãos e dei de ombros. Ela que se
virasse em falar não a uma criança, eu
estava no time do meu irmão.
— Ok, só um filme, e depois eu vou
embora.
Ele começou a pular e a puxou pela mão
até a sala, pedindo que ela se deitasse com
ele no colchão que tínhamos jogado no chão
para ver TV. Ela deitou ao lado dele e fui
para o sofá, enquanto eles escolhiam a um
filme no Netflix.
— Você vai ficar aí? — perguntou Lucas.
— Cabe você aqui com a gente.
Luísa o puxou para perto dela, dando
espaço para que eu deitasse na outra ponta
do colchão, com Lucas ao nosso meio. Com
a sala escura e o volume baixo, não demorou
muito para que Lucas ficasse sonolento e
começasse a encostar-se a mim. Ele sempre
me abraçava quando o sono chegava. Meu
celular começou a vibrar no sofá do alerta e
levantei.
— Aonde você vai? — Lucas perguntou.
— Tá na hora do seu remédio.
Eu pulei os dois no colchão e fui até a
cozinha.
— Traga uma colher de brigadeiro —
gritou Luísa da sala. — O Lucas disse que o
remédio é ruim.
Quando voltei à sala dei a ele uma colher
do seu remédio, que devia ser realmente
ruim já que era de gotinha, e depois bebeu
quase um copo de água antes de comer o
brigadeiro. Desta vez ele não fez careta e
nem ficou enrolando para engolir, e isso
provavelmente era para tentar impressionar
a nossa visita. Meia hora depois que
voltamos a ver o filme Lucas já estava
dormindo, mas o que mais me surpreendeu
foi que Luísa também dormia. Desta vez ele
estava deitado ao lado dela, que mantinha
um braço sobre a cabeça dele onde ela
estava fazendo cafuné. Pela primeira vez na
vida eu tive inveja do meu irmão.
Eu me levantei e fui até meu quarto pegar
os edredons para jogar por cima deles.
Quando eu estava cobrindo-os a tela do
celular da Luísa, que estava no chão ao lado
dela, iluminou com o nome do Vinicius. Era
errado que eu não a acordasse, mas eu era
egoísta o suficiente para fazer isso. Depois
de cobri-los voltei a me deitar no colchão
junto a eles. Fiquei olhando para o rosto
sereno e tranquilo de Luísa até o sono
finalmente dominar minha mente.
Luísa
Eu ouvia ao fundo alguma coisa vibrando,
e provavelmente deveria ser o meu celular.
Eu odiava acordar cedo, e eu odiava ainda
mais pessoas que me acordavam cedo.
Quando abri os olhos, a claridade que vinha
da janela me cegou por completo, então só
consegui enxergar meu celular no chão e
atendi.
— Alô?
— Bom dia, amor — disse Vinicius do
outro lado da linha. — Desculpa se te
acordei, sei que odeia acordar cedo, mas é
que eu te liguei ontem à noite e você não
atendeu.
Ontem à noite? Abri os olhos e sentei
rapidamente, olhei para o lado para
confirmar que Lucas e Marcelo estavam
dormindo ainda.
— Que merda.
— Luísa?
Como eu iria explicar isso?
— Ahn, oi.
— Você está dormindo ainda, né? —
perguntou ele rindo. — Eu desconfiei que
você tivesse dormido na sala vendo filme
ontem, por isso não me atendeu.
— Foi exatamente isso.
Bom, não é uma mentira, só não mencionei
que não foi na minha sala.
— Você não é uma pessoa da manhã, então
vou deixar você dormir, eu só queria te dar
bom dia e avisar que suas passagens já estão
compradas.
— Ah tá, ok.
— Bom sono, amor, até mais tarde.
Eu desliguei o telefone e o coloquei no
meu colo, esfregando meus olhos para ter
certeza que eu tinha acordado. Que merda
que eu fiz? Eu só me lembro do Marcelo ter
dado o remédio do Lucas, depois eu
comecei a mexer no cabelo dele para ele
dormir e tudo virou um borrão. Eu devia ter
ido embora quando senti meus olhos
pesarem. Sai com todo o cuidado do
edredom que estava sobre mim e procurei
por meus tênis. Quando os encontrei atrás do
sofá, fui na pontinha dos pés até a porta para
que ninguém acordasse.
— Você não quer tomar café? —
perguntou Biel, quando passei em frente à
porta da cozinha. Meu coração deu um salto
com o susto que não sei como consegui não
gritar, mas isso o fez começar a rir ao ver
minha reação. — Desculpa se te assustei,
juro que não foi minha intenção.
Virei para trás para verificar que os
meninos ainda estavam dormindo e entrei na
cozinha. Biel levantou uma xícara para mim.
— Tem certeza que não quer um café? —
Ele fez sinal para o banquinho ao seu lado e
então eu me sentei. — Você prefere café,
leite com achocolatado ou chá?
Isso era tão embaraçoso. Ele deve ter me
visto dormindo no colchão com seus primos,
e eu nem era tão íntima assim para esse tipo
de situação. O que ele pensaria de mim? Ele
era meu chefe, antes de tudo.
— Eu agradeço, mas vou recusar —
respondi me levantando. — Eu deveria ir
embora, me desculpa, eu acabei pegando no
sono, não era pra eu ter dormido aqui.
Eu tinha certeza que minhas bochechas
estavam vermelhas o suficiente, mas ele não
mostrava nenhuma reação, apenas olhava
para mim. Eu tentei ignorar o fato que ele
estava tão à vontade, com uma camisa
branca e um short e não com um terno social
como eu estava acostumada. Mas, depois eu
me lembrei de que aquele era seu
apartamento, e ele deveria ter dormido lá,
então era óbvio que ele estaria à vontade.
— Luísa, senta aqui e toma café comigo.
Você pode aproveitar para me contar como
acabou dormindo na minha sala.
Ele tentou segurar sua risada, mas falhou.
Ah merda, que vergonha. Eu não tinha feito
nada de errado, mas ainda sim era uma
grande merda.
— Vamos, puxa esse banquinho, pega uma
xícara e me acompanha — ele ofereceu mais
uma vez. — Você me conhece, vamos lá, me
dá um voto de confiança e vamos conversar
como amigos. Até melhor ser em um
ambiente que não seja de trabalho.
Sentei no banquinho ao seu lado e peguei
uma xícara de café, eu não conseguiria
comer, mesmo que amasse comer de manhã.
Talvez se eu contasse a ele que foi sem
querer, ele não iria pensar algo ruim a meu
respeito. Contei a ele que tinha vindo aqui,
feito brigadeiro e então acabamos pegando
no sono assistindo a um filme. Ele
concordava com a cabeça enquanto passava
a margarina no seu pão.
— Eu entendi tudo o que aconteceu, na
verdade eu deduzi que algo assim tivesse
acontecido quando cheguei de madrugada e
vocês estavam dormindo na sala — contou
ele. — Até pensei em acordar vocês, mas
pareciam tão confortáveis ali que só
desliguei a TV e fui para o meu quarto.
— Não foi você quem colocou aqueles
edredons?
— Não, quando eu cheguei vocês já
estavam cobertos. — Então devia ter sido o
Marcelo. Deveria ser errado que eu gostasse
que ele tivesse se preocupado em nos
aquecer e não em me acordar. — Tem
certeza que você não quer comer? Ao menos
prova esse pão caseiro, não tem pão mais
gostoso.
Ele cortou uma fatia e colocou no meu
prato, me oferecendo margarina, geleia e
doce de leite. Havia realmente muita opção
na mesa e eu realmente amava comer de
manhã, era quase que loucura recusar, por
fim acabei provando.
— Você tem razão, este pão caseiro é uma
delícia — confirmei quando estava na
segunda fatia.
— Eu falei para você, a vó Hilda arrasa.
— Hilda é a mulher do Fernando, não é?
Ele confirmou com a cabeça colocando
mais café em nossas xícaras.
— Sim, vó Hilda e vô Fernando são
casados há anos, eles vão fazer suas bodas
de ouro este ano.
Nossa, era realmente muito tempo.
— E você tem irmãos também que eu não
sei?
Ele riu.
— Não, eu não tenho irmãos, sou filho
único. Fui criado junto com meus primos,
então tanto a Letícia quanto o Marcelo eu os
vejo como irmãos. Só o Lucas que é mais
novinho então foi criado em outra época,
mas eu amo aquele garoto como se fosse
meu irmão também.
Por que ele não me passou essas
informações antes? Seria tão mais fácil se
tivéssemos essa conversa há algumas
semanas. Poderíamos ter evitado tantos
desentendimentos. Claro que é porque antes
nós não estávamos batendo papo aleatório
fora do trabalho, nunca tivemos exatamente
uma conversa fora do escritório. E da única
vez em que estávamos fora de trabalho sua
agradabilíssima namorada não deixou ele se
aproximar.
— Vocês são primos por parte de quem?
Já que eu estava aqui, eu iria atrás de
descobrir tudo o que eu pudesse.
— Por parte de pai, nossos pais eram
irmãos. Meu tio era mais complicado, muito
exigente, mas a tia era uma pessoa
maravilhosa. Ela sempre foi muito carinhosa
e tinha uma paciência infinita com a gente —
ele contou. Seu rosto estava tranquilo,
olhando para o prato com um sorriso nos
lábios, como se lembrasse de algo bom. —
Ela fazia o melhor bolo prestígio que eu já
provei na minha vida, eu a amava, era como
uma segunda mãe para mim. Eu sinto falta
dela, mas é mil vezes pior para o Marcelo,
ele era muito apegado a mãe.
Mesmo sentindo falta dela, e tendo ela
como alguém tão especial, eu gostaria de um
dia poder ver o Marcelo contando da mãe
dele para mim. Eu queria não ter que ver
aquele olhar tão triste em seus olhos ao se
lembrar dela, como foi na noite passada.
— O que aconteceu com eles?
Eu sabia que era invasão total de
privacidade, mas esta perguntava estava me
corroendo por dentro.
— Ele não te contou?
Biel olhou para mim e eu neguei com a
cabeça.
— Ele só contou que algo aconteceu há
muitos anos, que ele não estava pronto para
contar e que ficou responsável pelo Lucas,
mas não contou nada mais.
Ele balançou a cabeça e suspirou.
— Ninguém sabe exatamente o que
aconteceu, o Marcelo nunca entrou em
detalhes, ele não consegue falar sobre isso.
O que nós sabemos é o depoimento que ele
deu à polícia, de que sofreram um acidente
de carro, e que só ele e o Lucas conseguiram
sobreviver. — Meu coração queria saltar do
peito com aquilo, com aquela informação.
— Pelo que a polícia descobriu na época um
caminhão veio na contramão e bateu neles.
Ninguém sabe como, mas o Marcelo e Lucas
estavam na beira da estrada, e meus tios
estavam no carro quando explodiu.
Eu não consegui segurar a xícara em
minha mão, ela tremia tanto que eu estava
pingando café no balcão. Havia acontecido
um acidente trágico, e ele estava com o
Lucas na hora, mas só os dois conseguiram
sobreviver. Havia muito mais nesta história,
que aparentemente ninguém além de Marcelo
sabia. E o que quer que tenha acontecido ele
se culpava, mesmo que para mim, isso tenha
sido apenas um acidente. Um azar e um
infeliz acidente, mas não parecia ser culpa
deles que alguém estava na contramão.
— Não comente com ele sobre isso —
pediu Biel. — Ele não gosta desse assunto.
— É claro, não se preocupe.
Biel colocou a mão em minha perna e a
apertou.
— Eu fico feliz que ele tenha te contado
sobre o Lucas e sobre isso, ele não é muito
de se abrir para as pessoas. — Ele me
ofereceu um sorriso sincero. — Pode
parecer que ele não te contou nada, já que
você não sabia do acidente. Mas acredite,
ele compartilhou mais com você do que ele
compartilhou com qualquer outra pessoa.
Eu apenas balancei minha cabeça, eu não
conseguia falar agora, eu ainda estava
tentando acalmar o aperto que tinha em meu
coração.
— Vamos mudar de assunto, caso ele
acorde e queira saber sobre o que
conversamos. Como está a Carol? —
perguntou ele levantando as sobrancelhas,
nos fazendo rir.
Terminamos de tomar café e eu o ajudei a
lavar a louça, conversando sobre séries e
assuntos aleatórios. Eu ouvi passos vindo da
sala e pouco depois Marcelo apareceu,
esfregando os olhos e com o rosto inchado
de tanto dormir. Eu tentei ignorar que ele
estava apenas de shorts e que sua barriga era
tão definida quanto seu braço. Eu podia ver
gominhos ali, não que eu estivesse contando.
Tudo ficou ainda pior quando seus olhos
encontraram os meus e um sorriso surgiu em
seus lábios. Meu coração que recentemente
tinha recuperado seu batimento normal,
voltar a palpitar.
— Bom dia — disse ele com aquele
cabelo perfeitamente bagunçado e a voz de
sono.
— Bom dia — respondi.
— Vocês já comeram?
— Sim — confirmou Biel. — Nós
acabamos de comer, mas está tudo aí em
cima ainda.
Marcelo sentou no banquinho e pegou uma
xícara de café. Era difícil ignorar que ele
estava ali sem camisa, quando eu tinha que
ficar olhando para ele. Eu precisava ir
embora.
— Eu já vou indo — eu avisei, calçando
meus tênis. — Obrigada pelo café da manhã
e pela companhia Biel, eu adorei conversar
com você.
Biel se aproximou de mim e beijou meu
rosto.
— Eu adorei conversar com você também,
saiba que para o que precisar pode contar
comigo.
— Obrigada, você também — respondi.
— E por mais que eu não aprove isso, eu
vou dizer à Carol que você mandou um beijo
para ela.
Ele me segurou em seus braços e beijou
meu rosto mais uma vez.
— Eu adoro você, Luísa, e não se
preocupe, eu vou arrumar minha vida.
Eu não sabia a que ele estava se referindo,
mas ele ganhou um ponto comigo naquela
manhã, então eu daria a ele o benefício da
dúvida antes de julgá-lo. Ele saiu da cozinha
e eu me virei para Marcelo, que sorria para
mim.
— O que foi? — perguntei.
— Eu não sei o que você tem, mas meu
avô adora você, o Biel adora você, e depois
de ontem o Lucas muito provavelmente
adora você também. Acho que eu não tenho
muita opção aqui.
Eu não sabia o que responder, apenas
sorri. Falar para ele gostar de mim também
parecia errado, quando nem eu sabia definir
qualquer coisa naquele momento.
— Eu realmente preciso ir.
Ele se levantou e me conduziu até a porta.
— Vamos lá que eu te acompanho.
Ele abriu a porta e chamou o elevador
para mim, esperando comigo no corredor. Eu
não aguentei vê-lo ali só de shorts e
descalço, e ri.
— Do que você está rindo? — ele
perguntou.
— Se algum vizinho seu sair agora, vai
adorar ver você assim.
Ele deu de ombros e abriu a porta para
mim quando o elevador chegou. Aproximei-
me para beijar seu rosto e ele me abraçou.
Eu passei meus braços em volta de suas
costas e o calor do seu abraço trouxe de
volta aquele cheiro, tão dele, que eu já
começava a reconhecer.
— Obrigado — ele sussurrou.
— Eu só fiz brigadeiro, se você quiser um
dia eu te ensino — respondi rindo.
Ele riu comigo e beijou o alto da minha
cabeça antes de me soltar.
— Por isso também, mas por ter vindo
esta noite. Significou muito para mim, então
obrigado.
— É só me chamar — avisei a ele. — E
eu estou falando sério, pode me ligar a hora
que precisar.
Ele acenou com a cabeça e piscou para
mim.
— Obrigado, você também.
Eu acenei para ele e a porta do elevador
se fechou. A caminho de casa meu celular
tocou com o nome da minha mãe, mas eu
deixei ir para a caixa postal. Ontem à noite
eu tinha em minha mente aquela sensação de
que não era apenas tocar a campainha, e
agora eu tinha certeza disso. Eu tinha muito o
que processar.
Capítulo 16
Luisa
— Está pronta? — perguntou minha
mãe quando entrou em meu quarto.
Ela ficou responsável por me levar ao
aeroporto, para embarcar no avião que me
levaria a Recife. Na verdade eu tinha muitas
opções, eu tinha o Rafa ou a Carol, até
mesmo a Adri e o Marcelo se candidataram,
mas eu gostei que minha mãe se ofereceu
para esta função. Eu estava com saudade
dela.
— Sim, acabei de fechar a mala.
Eu estava ansiosa para esta viagem, e
também nervosa. Era errado usar a viagem
para testar meu namorado, mas era isso que
eu faria. Eu queria passar mais tempo com o
Vini, aliás, eu precisava passar mais tempo
com ele. Essa última semana com o Marcelo
me deixou confusa demais, era muita
informação para absorver. Eu ainda estava
processando toda aquela avalanche de
notícias que me foram contadas, tanto por
ele quanto pelo Biel, e passando o resto da
semana conversando com ele diariamente
por telefone também não estava ajudando.
Ele me ligava toda noite para conversar
sobre nossos dias, e ficar horas falando com
um amigo antes de dormir, parecia muito
errado. Mas, eu gostava de passar essas
horas com ele, de conhecer sobre sua vida e
sua família. Saber mais sobre seus irmãos e
a relação que eles tinham.
Ele me contou do irmão, do casamento da
irmã, dos avós e os pais do Biel. Contou até
mesmo muitas histórias engraçadas que eles
aprontaram quando criança, e por mais que
eu amasse todas as horas por telefone, eu
sempre senti um peso na consciência quando
desligava. Eu sabia que não estava fazendo
nada de errado, mas também não me parecia
certo. Eu só queria provar a mim mesma que
estava fazendo a escolha certa estando com
o Vini.
— Você está agitada — comentou minha
mãe ao colocar a mão na minha perna. —
Para de balançar essa perna que está me
dando agonia.
Eu nem mesmo percebia que estava
fazendo isso, era tão automático.
— Desculpa, mãe, é que eu estou ansiosa
com a viagem.
— É só com a viagem, ou tem algo mais
bagunçando essa cabecinha?
Eu havia comentado com ela sobre o
Marcelo, não a história de seus pais, isso
parecia algo muito particular para
compartilhar, mas todo o resto ela sabia. Eu
sempre vi minha mãe como minha melhor
amiga antes de tudo.
— Você acha que eu estou fazendo
errado? — perguntei. — E seja sincera.
— Alguma vez eu não fui?
— Eu sei, mãe, mas estou pedindo que
não seja delicada só porque sou sua filha,
quero que realmente me fale o que você acha
de tudo isso.
Ela balançou a cabeça e voltou a pôr a
mão no volante.
— Eu acho que este rapaz está mexendo
com a sua cabeça. Se eu acho isso certo?
Não, eu não acho. Mas, também não posso
dizer que o que vocês estão fazendo seja
algo errado, vocês só estão criando um laço
de amizade, embora eu tenha quase certeza
que se você não tivesse um namorado ele já
teria feito alguma coisa.
Ela riu e eu a acompanhei.
— O que você acha que eu devo fazer?
— Eu não sei, querida, esta é uma coisa
que você precisa fazer sozinha. Mas,
converse com o Vini — aconselhou ela. —
Se achar que deve contar a ele sobre tudo,
então conte, embora eu ache que isso só irá
deixá-lo inseguro. Você precisa decidir se
você é feliz com ele, se este é o
relacionamento que você quer. Vocês já
estão juntos há três anos, você já deveria
saber se ele é o cara para você.
Eu odiava quando ela era sincera demais,
às vezes eu só queria que ela dissesse uma
mentirinha ou algo que eu pudesse usar como
desculpa. Mas, se ela fizesse isso, não seria
minha mãe. Eu sabia o que ela queria me
dizer, eu precisava descobrir o que eu
queria, ou melhor, quem eu queria. Era o
Vini? Talvez. Eu usaria esta viagem para
descobrir.
Desembarquei em Recife e Vini estava lá
me esperando com um buquê de flores
coloridas nas mãos. Ele me entregou as
flores e me abraçou, e eu passei meus braços
em volta do seu pescoço, sentindo o calor do
seu corpo e a paz que aqueles braços sempre
me trouxeram.
— Eu senti tanto a sua falta — ele
sussurrou em minha orelha.
Eu apertei meus braços ao seu redor.
— Eu também senti.
Nós permanecemos por algum tempo
assim, apenas nos abraçando, e ele segurou
meu rosto em suas mãos colando os lábios
nos meus. Eu sentia falta do seu gosto em
minha boca, do carinho dos seus lábios. Sua
língua invadia minha boca com delicadeza e
tranquilidade, como se quisesse aproveitar
cada segundo do nosso beijo. Ele foi calmo
e me trouxe aquela sensação de paz que eu
sempre senti em seus braços. Quando nos
afastamos ele manteve o rosto próximo ao
meu, apenas deslizando suas mãos em meu
rosto e colocando meu cabelo atrás da
orelha. Ele não falou nada, apenas me
olhava.
— Eu realmente senti sua falta — disse
ele mais uma vez, me fazendo sorrir também.
Nós fomos ao hotel em que ele estava
hospedado, e eu não pude conter a animação
quando vi que ficaríamos os quatro dias
juntos, dormindo e acordando lado a lado.
Nós sempre ficávamos juntos quando
viajávamos, mas agora mais do que nunca eu
precisava dele o dia todo.
— Uma cama inteira para nós — eu disse,
me jogando no colchão. — Uau, você vai ter
que aprender a dividir o espaço.
Ele riu e se deitou ao meu lado.
— Como se você não soubesse que eu sei
dividir o espaço na cama.
Eu me virei pra ele.
— Eu não sei, ultimamente tenho minhas
dúvidas quando acordo sozinha na cama.
— É, eu mereço essa, mas eu acho que
será bom, vamos passar quatro dias
dormindo e acordando nesta cama — ele
disse, rolando para o lado e me puxando
com ele. — Serão dias que poderemos
passar como um casal de verdade, e desta
vez não teremos a Carol, Rafa, Alan ou
Thiago para nos perturbar. Seremos apenas
eu e você.
Ele distribuiu beijos por toda extensão do
meu pescoço enquanto deslizava a mão pela
minha cintura. Seus dedos deslizaram pela
lateral do meu corpo até retirar minha blusa.
Ele se levantou e retirou a camiseta e eu não
pude deixar de sorrir, eu sentia falta daquele
corpo. Ele voltou a beijar meu pescoço até a
parte de cima dos meus seios, dando uma
atenção extra neles antes de descer até minha
barriga. Ele conhecia meu corpo mais do
que qualquer pessoa, e sabia o que fazer. E
ele fez.
Nós saímos do quarto duas horas depois,
com nossas roupas de banho. A calçada nas
ruas era tão movimentada, as pessoas já
estavam empolgadas com o carnaval e
muitas vestindo seus abadás. Mas, o que
mais me impressionava eram os coqueiros,
nós não víamos muito disso no Sul, mesmo
no litoral. Embora ainda estivéssemos
apenas andando pela rua, eu já podia
enxergar o mar. A água tão azul e tão limpa,
que quase me fez chorar.
— Oh Deus, eu poderia viver aqui para
sempre.
Vini me abraçou por trás enquanto eu
ainda admirava o mar.
— É bem diferente, né?
— É lindo, é a praia mais linda que eu já
vi.
Ele beijou meu pescoço e ficamos ali,
admirando a vista. Era realmente
impressionante.
— Onde você quer almoçar, Lu? Nós
podemos ir lá ao hotel, ou um restaurante
aqui à beira mar.
Eu virei de frente a ele e fiquei na ponta
dos pés.
— Aqui na beira da praia, por favor, eu
preciso ficar babando com esta vista.
Ele riu e me beijou, um beijo rápido e
carinhoso. Almoçamos um prato com
camarão ao molho, que acompanhava muitos
legumes e mandioca. Embora o tempero
fosse um pouco mais forte do que estava
acostumado, eu adorei. Saímos de lá fomos
até uma buffet de sorvete, o calor de lá
também não era algo que eu estava
acostumada, então precisava me refrescar a
todo o momento.
— Nós podemos ir à praia agora? Eu
preciso entrar naquela água, por favor.
Vini passou os braços em volta do meu
corpo e me deu um beijo rápido nos lábios.
— Ainda são duas e meia, e por mais que
você passe muito protetor, você é
branquinha demais. Vamos esperar pelo
menos até às quatro pra ir lá.
— Você é tão ruim comigo, eu estou vendo
essa água azul há horas e ainda não pude ir
nadar.
Ele ria, mas eu não via graça na situação.
— Você vai nadar muito, a vantagem
daqui é que demora a anoitecer. Eu só não
quero que você pareça um pimentão e se
queime no seu primeiro dia, ok? Vamos à
feirinha para passar o tempo.
Nós continuamos andando e conhecendo
as feirinhas e lojinhas, e eu comprei cangas
para mim, para minha mãe e para a Carol.
Eram coisas realmente lindas, e muitas feitas
à mão, era impossível não se apaixonar.
Quando finalmente pudemos ir às praias e
senti aquela areia branca e fina nos pés, foi
quase como chegar ao paraíso.
— Vi, nós temos que alugar cadeiras e um
guarda sol.
— Não precisa, amor, aquelas tendas ali
na frente são do hotel, só temos que escolher
uma.
À nossa frente haviam várias tendas
cobertas com cadeiras de sol, e realmente
muitas delas estavam com a mesma
logomarca do nosso hotel. Assim que deixei
minha bolsa em uma das mesas, rapidamente
tirei minha canga e os chinelos.
— Vamos à água, vamos à água — eu
chamei.
Vinicius rapidamente tirou sua camisa,
deixando sobre a sua cadeira e esticou as
mãos para mim.
— Vamos logo, antes que você entre em
desespero.
Ele segurou em minha mão e nós corremos
para o mar. Aquela sensação de água fria em
meu corpo quente foi mais do que bem-
vinda. Ele passou as mãos em volta da
minha cintura me segurando perto dele e me
beijou. Ele estava o dia todo agindo como se
realmente precisasse de mim, de nós. Seu
beijo por mais que fosse lento e carinhoso,
transbordava de uma necessidade que eu não
entendia. Era diferente. Talvez porque desta
vez eu reparava em cada movimento dele
para dizer ao meu coração o que a minha
mente já sabia. Ele era o cara para mim. Não
era?
Eu estava amando Pernambuco, a
atmosfera aqui era outra. As pessoas sempre
sorrindo e festejando, música alta era ouvida
de qualquer lugar. Eu sempre amei esta
época do ano, mas o carnaval aqui era
definitivamente outro nível.
— Vamos subir? — perguntou Vini
quando retirou o livro de minhas mãos. Ele
colocou meu marcador na página que havia
parado e deixou meu livro sobre a mesa, se
deitando ao meu lado na esteira. — Já está
anoitecendo, precisamos jantar para ir às
ruas do centro.
Parecia uma boa proposta, mas eu queria
aproveitar aquela praia mais um pouco. Eu
deixei que ele me abraçasse e deitei minha
cabeça sobre seu peito, enquanto via o sol se
pôr. Ele abriu os olhos ainda sorrindo para
mim. Eu sempre me senti adorada e
protegida quando ele me olhava, aqueles
olhos azuis com pontinhos verdes em volta
da sua pupila sempre me trouxeram a
sensação de calmaria, como o céu. Como eu
poderia abrir mão disso? Como eu poderia
deixar que alguém me confundisse quando eu
tinha tudo o que havia sonhado bem diante
de meus olhos? Eu mentiria se não admitisse
que meu corpo e meu coração agiam de
forma estranha quando estava com o
Marcelo, mas era algo que me assustava e
me deixava nervosa, o contrário do que eu
sentia com o Vinicius. Com ele eu sabia que
estava segura, com o Marcelo eu não tinha
tanta certeza.
— Está tudo bem? — ele perguntou
tocando meu rosto. — Senti que você saiu
do ar por um tempo.
— Eu preciso te contar uma coisa, e eu
espero que você não fique bravo comigo.
Seus olhos me analisaram quando contei a
ele sobre a noite de sábado, quando eu
conheci o Lucas e acabei dormindo com ele
e o Marcelo na sala. Não contei o teor das
conversas que tive, assim como não contei à
minha mãe, mas tentei não esconder mais
nenhuma informação. Eu não gostava de
mentir para ele.
— Aconteceu mais alguma coisa? —
perguntou ele. — Eu preciso me preocupar
com isso?
— Não, não precisa se preocupar e nada
mais aconteceu. Quando atendi estava um
pouco confusa e depois eu não soube como
te contar isso por telefone, mas não
aconteceu nada.
— Se você diz, eu acredito, confio em
você, Luísa.
Eu acenei e deitei minha cabeça em seu
peito de novo, e deixei que seus braços
tirassem todas as dúvidas da minha mente.
Eu não queria mais pensar nisso, e ficar
fazendo comparações parecia ainda mais
errado do que estar com o Marcelo.
Nós subimos ao hotel para nos arrumar, e
depois do jantar fomos para o centro da
cidade. Eu segurei suas mãos firmes com as
minhas, como se tivesse com medo de que
ele me soltasse. Havia pessoas de abadás,
outras com roupas de banho e alguns homens
já estavam sem camiseta. As pessoas
pulavam e dançavam com tanta alegria, que
era impossível não se contagiar. Nós
seguimos os carros alegóricos e trombamos
em todas as pessoas pelo caminho. O dia
todo eu o senti ansioso, mas aqui dançando
comigo e se divertindo, eu o percebi mais
relaxado. Era quase três da manhã quando
finalmente cansamos e voltamos para o
hotel. Nós tomamos banho e então ele me
amou novamente, mas desta vez parecia mais
relaxado. A primeira vez estava com uma
pitada de urgência e saudade, agora era
como ele sempre fazia, lento e carinhoso. Eu
virei para o lado e ele estava ofegante, mas
com um sorriso enorme nos lábios.
— Eu te amo tanto, Lu, obrigado por ter
vindo passar esses dias comigo.
Eu não pude deixar de sorrir ao ouvir.
Deitei minha cabeça sobre seu peito,
deixando que o movimento da sua respiração
me levasse ao sono. Eu estava tão cansada,
que tenho certeza que não demorei muito
para dormir.
Vinicius
Eu havia acordado há pouco tempo, mas
não tive coragem de levantar para não
despertá-la, apenas sentei encostado na
cabeceira e permaneci parado. Luísa dormia
tranquilamente ao meu lado, abraçada em
seu travesseiro e com muitos fios de cabelo
sobre o rosto. Eu os afastei e fiquei olhando
para ela, tão linda em seu sono profundo.
A primeira vez que eu a vi, aquela
pequena mulher pulando e dançando com os
amigos como se não se importasse com as
pessoas à sua volta, fez com que eu me
apaixonasse por ela. E isso só foi
aumentando com o tempo. Ela tinha um
coração de ouro, era a pessoa mais sincera,
generosa e carinhosa que eu havia
conhecido. Eu confiava nela cegamente e
sabia que ela jamais mentiria, ela nunca me
deu motivos para pensar o contrário, nem
mesmo contando aquela história de dormir
fora de casa. Ela nunca julgou minhas
manias ou meus hábitos estranhos, mesmo
que eu soubesse que ela não gostava deles.
Eu sempre fui acostumado a ser sozinho,
mas aos poucos ela foi quebrando este muro
e invadindo meu espaço. Eu sabia que ela
ficava triste ao acordar e não me ver ao seu
lado, mas eu sempre gostei de dormir na
minha cama e acordar na minha casa para
que eu não me atrasasse. Eu sempre foquei
tanto na minha independência que isso era
um hábito difícil de quebrar. Queria ser bem
sucedido no trabalho, ter uma estabilidade
financeira, cresci com o pensamento de que
o homem deveria ser o responsável pela
casa. Por muito tempo eu priorizei o
trabalho em vez desta linda mulher deitada
ao meu lado, mas esta era a forma como eu
funcionava. Se eu queria dar uma vida boa
para ela, eu precisava me esforçar. E eu
queria que ela tivesse o melhor, ela não
merecia menos que o melhor.
Eu a vi se espreguiçar e abrir os olhos.
Ela sorriu aquele sorriso lindo e preguiçoso
que eu vi poucas vezes, e um arrependimento
tomou conta de mim. Eu deveria ter visto
mais vezes ela sorrir daquele jeito, deveria
ter visto mais vezes ela acordar com a cara
amassada do travesseiro, mas eu tinha a
esperança que isso seria recompensado na
hora certa.
— Bom dia — disse ela, fechando os
olhos de novo. — Faz tempo que acordou?
— Não muito.
Eu deitei na cama e a puxei para meus
braços, não demorou muito para que sua
respiração ficasse regular. Ela era tão
preguiçosa de manhã, eu sabia disso, mas
vê-la ali lutando para tentar não dormir de
novo era algo que me fez sorrir. Eu comecei
a passar a mão pelo seu cabelo e ela dormiu
novamente, mas desta vez estava em meus
braços, e isso era algo que aquecia meu
coração.
Nós aproveitamos cada segundo desta
viagem, e eu queria que ela gostasse da
cidade e mais ainda de estar comigo o dia
todo. Isso era algo que eu sempre havia
sonhado para nós, e esta ideia estava me
corroendo por dentro. Dormir e acordar com
ela todos os dias era algo que eu sempre
quis, e passar estes quatro dias juntos apenas
confirmou isso.
Na noite de terça eu quis levá-la para
jantar fora, em um restaurante que me
recomendaram. Eu precisava contar a ela
sobre meu trabalho e os planos que eu havia
feito para nós.
— Este restaurante é muito lindo — disse
ela quando eu puxei a cadeira para que se
sentasse.
— Espero que a comida seja tão boa
quanto a vista.
Nós jantamos e rimos, lembrando de tudo
o que havíamos visto no carnaval. As
músicas que ficaram em nossas cabeças, as
cenas engraçadas que presenciamos. Quando
a sobremesa veio, eu tomei uma respiração
funda.
— Você vai me dizer o que está te
incomodando tanto? — perguntou ela.
— Como você sabe que tem algo me
incomodando?
Ela deu de ombros e deu mais uma
colherada do seu Petit Gateau.
— Você parece ansioso, eu percebi isso
desde o primeiro dia, mas achei que você
me contaria quando achasse que devia — ela
comentou. — Só que desde que chegamos
aqui, você parece mais nervoso que o
normal, então esta é apenas uma teoria.
Ela havia percebido, então eu não tinha
mais o que esconder. Bom, apenas a aliança
que eu mantinha em minha mala, mas isso
era planos futuros.
— Na semana passada quando chegamos
aqui, eu e o Alan ficamos responsáveis de
ver como eles iriam implantar os projetos
que criamos — eu disse. Ela apenas
concordou com a cabeça e continuou
comendo sua sobremesa. — Só que no
decorrer da semana, eles pediram para gente
ficar aqui e acompanhar toda a construção.
Ofereceram-nos um cargo de confiança e
com maior salário na empresa, para que
pudéssemos ficar aqui e dar assistência a
eles.
Eu fiquei um pouco nervoso de contar isso
a ela, porque isso significava que eu moraria
aqui pelos próximos meses, e eu sabia que
este seria um grande passo para nós dois.
Ela parou de comer, mas não disse nada.
— Este projeto está previsto para ser
concluído no final do ano, então eu teria que
me mudar para cá pelos próximos meses —
eu contei. Ela continuou em silêncio e eu
peguei suas mãos nas minhas. — Nós
comentamos ano passado sobre a hipótese
de morarmos juntos, mas você viajou para a
casa dos seus avós e nós nunca mais
tocamos no assunto. Eu quero que você
pense sobre isso, Lu. Daqui a três meses
você se forma, e eu gostaria que você viesse
morar comigo. Se não gostarmos daqui
podemos voltar para Curitiba.
Sua mão ficou gelada sobre a minha então
eu a segurei firme para aquecê-la.
— Eu sei o quanto você se esforça no
trabalho, e tenho certeza de que este deve
ser um grande passo para você. Então
parabéns, amor, toda sua dedicação está
sendo recompensada — ela comentou com
um sorriso, mas não era um sorriso
completo. Eu sabia que ela realmente estava
feliz por mim, seus olhos me diziam isso,
mas eles não brilharam como eu sabia que
eles eram capazes de brilhar. — E quanto a
morar aqui, uau, eu ainda não sei o que dizer
sobre isso.
Eu não vou negar que isso me deixou
desapontado, mas eu esperava que fosse
apenas por ter sido pega desprevenida.
— Eu sei que é muito para absorver, mas
eu gostaria que você pensasse na minha
proposta. É apenas por alguns meses, Lu.
Lembre-se de nossos últimos dias juntos, do
quanto amou esta cidade e os lugares que
visitamos, e principalmente de nós dois
finalmente vivendo como um casal. Seria
isso em tempo integral, e eu gostaria muito
de poder dividir meus dias com você.
Seu sorriso aumentou de um jeito
carinhoso e ela apertou minhas mãos, e
pensei que isso fosse significar algo bom.
Era sinal de que ela realmente havia gostado
dos dias que passamos juntos tanto quanto eu
gostei. Apostaria todas as minhas fichas que
ela pensaria na minha proposta, e daqui a
três meses, viria morar comigo para enfim
começarmos a viver nossa vida juntos.
Luísa
— Bom dia, amor — disse Vinicius ao
sair do banho.
Eu me levantei e fui até ele, beijando-o
rapidamente.
— Bom dia. Vou tomar um banho
rapidinho e nós já descemos para comer.
Aproveitei meu momento sozinha no
banho, para deixar que a água me acalmasse
e assim pudesse organizar meus
pensamentos. Eu estava me acostumando a
acordar os últimos dias ao lado de Vinicius,
descer para tomar café da manhã juntos,
passar o dia ao seu lado e conhecer a
cidade. Era a primeira vez que fazíamos uma
viagem apenas nós dois, sempre que
viajávamos era com nossos amigos. Agora
eu entendia um pouco mais do motivo que
ele queria tanto que eu conhecesse a cidade
e me apaixonasse por ela. Sua proposta
havia me surpreendido, eu sabia o quanto ele
era esforçado no trabalho e que isso um dia
seria recompensado. Eu só não sabia que
seria desta forma. Não pude deixar de ficar
feliz por ele, e ele mais do que ninguém
merecia esse reconhecimento, mas me mudar
de Curitiba era algo que eu não havia
planejado. Minha família, meus amigos,
minha vida parecia estar lá, mudar era algo
que me assustava.
Estávamos descendo para o café da manhã
quando meu celular tocou, com o nome do
Fernando na tela.
— Alô.
— Bom dia, querida. Espero que não
tenha te acordado.
— Não, eu já estava acordada. Aconteceu
alguma coisa?
— Sim, mas eu não quero estragar seu dia,
então quando você chegar amanhã o pessoal
irá te contar tudo o que aconteceu. Eu só
queria saber se você poderia faltar à
faculdade na próxima semana para uma
viagem, nós precisamos que alguém viaje
com o Marcelo para visitar alguns de nossos
clientes.
Aquilo me deixou preocupada e eu queria
perguntar o que havia acontecido, mas eu
ligaria para o Marcelo à noite para que ele
me esclarecesse tudo.
— Eu posso conversar com meu
orientador, acredito que não terá nenhum
problema.
Ele soltou um suspiro aliviado do outro
lado da linha.
— Que maravilha — exclamou ele. — Eu
já vou pedir para a Carla deixar todas as
passagens e hospedagens de vocês prontas.
Alguém daqui de Curitiba teria que
acompanhá-lo, e você é a pessoa ideal. Não
se preocupe que vou reajustar seu salário
com todas estas viagens e tudo o que está
fazendo por nós ultimamente. Eu preciso
desligar, querida, faça uma boa viagem.
Eu desliguei o telefone e fiquei olhando
para ele, ainda confusa com aquela ligação.
Algo havia acontecido e fiquei chateada que
ninguém havia me ligado para avisar. Eu
percebia meus amigos ausentes nos últimos
dias, mas eu pensava que era porque
estavam aproveitando o carnaval.
— O que aconteceu? — perguntou
Vinicius ao meu lado. — Está tudo bem?
— Sim, era Fernando perguntando se eu
poderia faltar à faculdade na semana que
vem, parece que surgiu um problema no
escritório e ele precisa que eu viaje.
Ele sorriu para mim antes de me oferecer
um prato.
— Estou feliz por você, está lá há pouco
mais de um mês e eles já confiam muito no
seu trabalho. Está vendo? Você é capaz,
tenho certeza que encontrará algo aqui
também.
Eu sorri, mas não com tanta confiança.
Claro que não havia garantias de que eu
permaneceria como advogada na SMD
depois que me formasse, mas seria muito
mais difícil começar do zero em outra
cidade. Ao menos uma coisa ainda me
reconfortava em toda aquela decisão, nada
era definitivo, como ele havia mencionado, e
se não nos habituássemos, poderíamos
voltar. E era a essa ideia que eu iria me
apegar.
O meu voo estava marcado para às três
horas da tarde, nós havíamos combinado de
aproveitar nosso último almoço juntos em
um restaurante de frutos do mar, e ele me
levaria ao aeroporto. Eu havia enviado
várias mensagens no grupo do escritório,
mas ninguém me respondeu. As únicas
pessoas que me responderam foram o Rafa e
a Carol, no nosso próprio grupo, e eles
apenas mencionaram que tinham descoberto
alguma coisa da Jessica e que os meninos
haviam voltado antes para Curitiba para
resolver problemas no escritório. As
pessoas me mantiveram no limbo, e aquilo
estava começando a me incomodar. Na saída
do restaurante, Vinicius acenou para um
grupo de homens.
— São os sócios da empresa, vou te
apresentar para eles — sussurrou ele quando
nos aproximamos. — Olá senhores, boa
tarde.
Dois deles eram mais velhos, já com
alguns fios grisalhos. O terceiro era mais
novo, mas eu via muita semelhança dele com
um dos homens mais velhos, ele
provavelmente era filho de um deles.
Quando Vinicius me apresentou, um chamava
Mendes, o outro Moura, e o mais novo foi
apresentado como Moura Júnior,
confirmando minhas teorias.
— Que adorável, sua namorada —
comentou o senhor Moura. — Você já
conhecia Pernambuco, querida?
— Não, primeira vez.
— E o que achou?
— Eu me apaixonei pela praia, nunca vi
água tão linda e clara antes. Mas, confesso
que o calor é algo que estranhei muito.
Todos eles riram e o senhor Mendes
acenou.
— Posso entender, eu também estranhei
muito quando fui para o Sul, principalmente
à noite.
Eles começaram alguma conversa sobre
os projetos deles e fiquei olhando meu
celular algumas vezes na esperança de que
alguém me respondesse ou retornasse minhas
ligações.
— Precisamos ir, se não vou me atrasar
para o voo — disse para Vinicius e olhei
para os homens à minha frente. — Foi um
prazer conhecê-los, mas eu realmente
preciso ir, meu voo é daqui à uma hora e
preciso passar no hotel pegar minhas malas.
Os Moura assentiram e o senhor Mendes
pegou na minha mão.
— Faça uma boa viagem, querida, e
espero que se acostume ao calor e se junte a
nós o quanto antes. Vinicius já nos contou
que você irá se mudar quando se formar.
Como assim, já contou que eu vou me
mudar? Eu nem confirmei nada ainda. Olhei
para meu namorado em busca de alguma
resposta, mas ele fingia estar se despedindo
do Júnior.
— Muito obrigada, senhor Mendes. E
quanto a me mudar ainda estou pensando,
tenho três meses para me decidir.
Desta vez foi ele que me olhou estranho.
— Pensei que já estivesse certo, Vinicius
até chegou a ver algumas casas que estão à
venda com a minha corretora esta semana —
contou ele antes de bater na minha mão mais
uma vez. — Então pense com carinho e
venha acompanhar seu namorado, vocês vão
amar morar aqui.
Eles se despediram e seguimos para o
hotel. Quando estávamos a uma distância
segura, soltei a mão de Vinicius e o encarei.
— Então quer dizer que eu vou me mudar?
Eu pensei que era algo que eu deveria
pensar.
Vinicius tentou segurar minha mão de
novo e eu me afastei, cruzando os braços.
— Ele deve ter entendido errado, eu disse
que iria falar para você vir, ele pode ter
pensado que você já tinha aceitado.
— Sei, e que história é essa de ver casa
para comprar? Sei que não vai ficar em hotel
durante os meses que ficar aqui, mas você
vai comprar uma casa? E se a gente não vier
pra cá? Vai vender no final do ano?
— Era para alugar, eu não vou comprar
uma casa. Estava apenas vendo, para então
quem sabe ano que vem nós comprarmos
uma.
— Eu não sei nem o que vou fazer
amanhã, Vinicius, que dirá no ano que vem.
Você não pode sair falando que vou me
mudar, se eu soube disso ontem. Não pode
comprar uma casa se não sabemos nem se
vamos morar aqui.
Ele tentou se aproximar mais uma vez.
— Luísa, aqui não é lugar para conversar,
você está chamando atenção.
— E daí? As pessoas não veem
namorados brigando? Eu nem estou te
batendo ou gritando com você.
Ele riu, uma risada irônica, e começou a
me conduzir pela calçada.
— Vamos para o hotel, você vai se atrasar
— disse ele ao meu lado. — E seu
comportamento agora não foi nada bonito,
aliás, foi muito rude da sua parte ficar vendo
o celular.
— Ah, e você queria que eu falasse algo
que eu não entendia? Sobre construções e
pedreiros? A única coisa que eu sei sobre
pedreiros são cantadas. Queria que eu
começasse a falar cantadas de pedreiros
para interagir?
Ele balançou a cabeça reprovando minha
resposta e eu dei de ombros. Eu não estava
nem aí, estava brava e azar o dele se não
gostava.
Capítulo 17
Marcelo
— Para quem você está acenando? —
perguntou Luigi ao me ver acenar.
Eu saí da água com Lucas e logo vi Carol
e Rafa se aproximarem.
— Eles finalmente chegaram.
Quase como se tivessem combinado, os
quatro viraram para trás para ver a quem eu
me referia. Carla foi a primeira a se
manifestar, correndo de encontro a eles e
pulando em Rafael. Luigi sorriu e pegou
outra cerveja no cooler enquanto Matteo
continuou sentado na cadeira. Biel
rapidamente se levantou, e eu percebi o
sorriso que ele tentava segurar ao ver Carol.
Eu queria ver como a Jessica reagiria se ela
estivesse aqui agora para vê-lo babando por
outra mulher.
— Olá — disse Carol nos
cumprimentando quando se aproximou.
Ela e Rafa cumprimentaram todos nós e
então a Carol se aproximou de Biel, que a
abraçou por um pouco mais de tempo do que
nós fizemos. Pela primeira vez na vida eu
desejei a companhia da Jessica, aquilo seria
uma cena e tanto.
— Que bom que você veio — Biel disse
enquanto a abraçava.
Ela rapidamente se desvinculou dele, um
pouco corada, e se aproximou do rapaz que
veio com eles. Ele estendeu a mão e eu o
cumprimentei, mas sua postura mudou
quando ele se virou para meu primo.
— Olá, sou Thiago, namorado da Carol
— ele se apresentou.
Carol ficou mais corada do que já estava,
e quando olhei para Luigi e Matteo, eles
estavam tentando segurar o riso como eu.
Meu primo ficou estático e não pude deixar
de notar aquele olhar curioso que ele lançou
para a Carol. Aposto que ela não havia
mencionado este detalhe para ele nas
mensagens.
— Bom, não somos namorados ainda —
esclareceu Carol, mas rapidamente foi
interrompida quando Thiago passou as mãos
sobre sua cintura e a beijou nos lábios.
— Isso é apenas questão de tempo —
Thiago retrucou e se manteve ao lado dela,
sorrindo para meu primo.
Eu não pude deixar de rir desta vez, o
homem estava claramente marcando
território. Por mais que talvez ele nem
soubesse, não havia muito com o que se
preocupar já que a Jessica ainda estava em
campo. Ele havia notado o olhar do meu
primo para a Carol, e esta foi a sua melhor
forma de dizer que ela estava acompanhada.
O que para nós era ruim, já que estávamos
torcendo para que a Carol fosse aquela que
nos livrasse da Jessica. Biel pareceu
desconfortável diante da cena. Seu maxilar
estava tenso, pela primeira vez na vida eu
acho que vi meu primo fechar as mãos em
punho, como se estivesse tentando se
controlar. Ele então tentou disfarçar e se
virou para olhar para Lucas, que estava
sentado em sua cadeira tomando
refrigerante.
— Vamos lá comprar seu milho?
Lucas rapidamente se levantou e eles se
afastaram. O clima ficou desconfortável, e
ninguém soube muito bem o que dizer. Luigi
se aproximou de Carol e Thiago com uma
lata de cerveja na mão.
— Querem? — ele ofereceu. — Nós
temos vodca e energético também, fiquem à
vontade.
Eles aceitaram a cerveja, conversando
sobre as aulas de muay thai e academia.
Rafa e Carla foram jogar frescobol e eu me
aproximei de Matteo.
— Que merda você acha que vai
acontecer neste carnaval? — ele perguntou
quando me sentei na esteira ao seu lado.
— Não sei, mas estava torcendo para que
a Carol nos ajudasse, agora não tenho tanta
certeza.
— Você sabia que ela namorava?
— Não, mas pela resposta dela acho que
eles não estão namorando, mas o cara foi
esperto. Ele se apresentou para todo mundo
como Thiago, e no Biel fala namorado da
Carol? Ele percebeu.
Ele concordou com a cabeça, tomando sua
cerveja.
— Sabe o que seria engraçado? Se a
Jessica estivesse aqui. Ela foi almoçar com
o Carlos, mas a tarde ela volta, quero ver a
cara dela quando perceber o namoradinho
perfeito olhando para outra.
Biel retornou com o Lucas e foram brincar
na areia, afastados da tenda onde estávamos.
Fiquei preocupado com meu primo, ele
realmente pareceu chateado com o fato da
Carol estar nos braços de outro. Talvez a
situação já estivesse mais avançada do que
havíamos previsto. Carol e Thiago se
aproximaram com o Luigi então começamos
a conversar. Ele contou que trabalhava junto
com Vinicius e Alan, mas que estava em
outro projeto e por isso não iria para Recife
com os outros. Quando fomos almoçar e os
convidamos, apenas Rafa aceitou o convite
por insistência da Carla, mas Carol e o
Thiago foram a um restaurante.
— Esta é a casa de quem? — perguntou
Rafa.
— É meio que uma sociedade também, é
metade do Nando e metade do Nonno —
respondeu Luigi.
— Isso é muito legal.
Eu não pude deixar de concordar, vovô e
Enzo realmente fizeram um bom trabalho.
Eles eram vizinhos há muitos anos, então
quando os netos começaram a crescer e
passar as férias aqui, eles resolveram juntar
os terrenos. Quebraram o muro que dividia e
reformaram tudo. Agora restava uma grande
casa na parte da frente, com uma sala de TV
e jantar, e cada lado da casa era de uma das
famílias, com as suítes dos nossos avós e
alguns para visitas. A cozinha ao fundo era
na varanda aberta com paredes de vidro,
uma grande mesa onde caberiam todos e uma
churrasqueira ao lado. Uma piscina separava
a casa deles da nossa. Ao fundo do terreno
havia um salão de jogos, com outra
churrasqueira e frigobar, onde ficavam o
pebolim e sinuca. Na lateral havia uma
escada, que levava para a sacada das suítes
acima. Havia cinco, uma para cada neto, mas
nos últimos anos a Letícia ficava dentro da
casa com o namorado já que fazíamos
barulho e dormíamos tarde, então a Adri e a
Carla tomaram posse.
Chegamos à varanda, vovô e Enzo
rapidamente vieram cumprimentar o Rafa.
Eles o apresentaram para a vó Hilda e para
Ângela, a esposa de Enzo. Ângela tinha o
cabelo curto, loiro e claros olhos azuis. Ela
sempre foi como uma vó para todos nós,
mesmo que Matteo e o Luigi nem fossem
seus netos biológicos. Ela amava a todos nós
como dela, assim como a vó Hilda, e isso
era o que importava. Jessica chegou e
rapidamente se sentou ao lado de Biel, sem
se dar ao trabalho de cumprimentar os
outros.
— Desculpa a demora, precisei resolver
umas coisas com o meu pai — comunicou
ela antes de pegar um prato e se servir.
Carlos também tinha casa aqui, mas ficava
a algumas quadras. Antes do Duarte se
aposentar, nossas famílias eram mais unidas,
e eles sempre vinham almoçar com a gente.
Mas desde o ano passado quando ele
faleceu, as famílias se afastaram de vez. Se
não fosse por Carlos e Jessica ainda no
escritório, tenho certeza que não nos
veríamos mais.
— Vamos jogar sinuca? — perguntou
Luigi quando terminamos o almoço. —
Podemos ficar lá até o sol baixar para
voltarmos à praia.
Todos rapidamente concordaram e fomos
para o salão de festas. Eu estava jogando
com Biel, Matteo e Luigi sinuca, Carla e
Rafa estavam no truco esperando a vez
deles, mas a Jessica ficou sentada no balcão
do bar teclando em seu notebook o tempo
todo. Eu estava há dias de olhos nela, desde
que Luísa comentou sobre uma reunião que
ninguém estava sabendo. E a Jessica em
reunião e ajudando o pai toda hora, era algo
realmente muito suspeito. Ela nunca se
envolveu muito com o escritório, então
aquele papo de que ela estava trabalhando e
estudando era algo difícil de engolir. No fim
da tarde resolvemos voltar para a praia, e
Jessica subiu para a suíte do Biel para se
trocar.
— Há quanto tempo a Carol está
namorando o Thiago? — Biel perguntou ao
Rafa.
Todos nós começamos a rir, e Luigi
estendeu as mãos para o Mattteo.
— Você está me devendo cinquenta reais,
Teo. Eu te disse que ele não ia aguentar ficar
sem saber.
Biel deu de ombros, tentando não rir como
nós.
— E então? — insistiu ele.
— Eles não estão namorando, na verdade
— esclareceu Rafael. — Faz apenas uma
semana.
— Quer dizer que é recente.
— Sim, eu acho que ele falou daquele
jeito para te provocar.
— Ah, você acha? — debochou Carla
rindo. — Todo mundo percebeu isso
também. Ele deve ter visto como o Biel
olhava para ela.
Lucas veio correndo com sua prancha ao
meu encontro e foi quando vi Jessica se
aproximando.
— Ela está vindo, calem a boca.
Todo mundo olhou para Jessica rindo, mas
ninguém se atreveu a falar nada. Biel apenas
balançou a cabeça e esticou a mão para ela.
Carla e Rafa, que estavam jogando frescobol
com Matteo e Luigi, retornaram para a tenda
quando viram Carol e Thiago se
aproximando. Todos ficaram em silêncio por
um tempo, o que chamou a atenção de
Jessica, que abaixou sua revista e nos
encarou. Ela percebeu a presença de Thiago
e Carol, olhando-os de cima a baixo, mas
permaneceu calada.
— Carol, esta é a Jessica, namorada do
Biel — Luigi apresentou, pegando uma água
do cooler. — E estes são Carolina, minha
aluna de muay thai e seu namorado, Thiago.
Ele então bebeu sua água para disfarçar o
riso, o que estava começando a ficar difícil
para o resto de nós. Carla foi a primeira a
rir, seguido de Rafa.
— Desculpa, foi uma piada idiota que o
Rafa me contou — Carla disse e puxou Rafa
pelo braço. — Nós vamos nadar.
Jessica acenou e voltou sua atenção para a
revista. Teo e Luigi também se afastaram,
indo para o mar.
— Vocês vão para a água também? — eu
perguntei.
Jessica e Biel negaram com a cabeça,
enquanto Thiago e Carol concordaram.
Deixei Lucas com meu primo e fomos todos
para o mar. Passamos o final de semana
juntos, aproveitando a praia e os trios
elétricos. Jessica percebeu o comportamento
de Biel, mesmo que ele se esforçasse para
ignorar Carol. Thiago percebeu também, já
que a todo o momento olhava desconfiado
para meu primo. Na segunda de manhã,
havia mais de cinco ligações da Adri e uma
mensagem para que ligasse para ela mais
rápido possível.
— Que bom que você me ligou, eu liguei
no celular de todo mundo, mas ninguém me
atendeu então torci para que você acordasse
cedo — ela falava do outro lado da linha.
— Bom dia. Também estou morrendo de
saudade de você, Adri.
— Eu também estou com saudade, mas
não há tempo para isso agora, o papo é
sério. Eu preciso que você verifique uma
suspeita que eu tenho.
Eu me sentei rapidamente na cama.
— O que aconteceu?
— O Alan me perguntou ontem o que o
escritório estava fazendo, que alguém da
SMD ligou lá para conversar com o
departamento jurídico sobre mudanças das
procurações nos processos, que queriam
uma reunião e etc. Você está sabendo de
alguma coisa?
— É claro que não, e que procurações são
essas?
— Eu estava pensando que só eu não
sabia, mas pelo jeito alguma merda está
acontecendo. Ele não sabe quem foi só disse
que era uma mulher. A Carla não avisou
nada, e como o Alan conhece a Luísa e sabe
que não é ela, estou suspeitando que seja a
Jessica.
Foi então que as coisas começaram a fazer
sentido.
— Eu estou desconfiando da Jessica
desde quando a Luísa disse que ela fez uma
reunião com o pai com um cliente do
escritório.
— Ela em reunião? Ela nunca se envolveu
com nada.
— Exatamente. E desde que estamos aqui,
ela passa a manhã com o pai e a tarde toda
no notebook, dizendo que está estudando.
— Que mentirosa! — ela gritou. — Se ela
estudasse já tinha passado no exame da
Ordem. Ela está fazendo tudo naquele
notebook, menos estudando.
Eu ri e Adri me acompanhou.
— Obrigado por avisar, eu vou ver se
descubro alguma coisa e te aviso. Você está
se divertindo aí?
Ela soltou um suspiro do outro lado da
linha.
— Sim, tudo ótimo aqui. Só não está
perfeito porque estou longe de vocês. Mas
os pais do Alan são uns amores, e nós
estamos nos dando muito bem.
— Que bom, fico feliz por você. Estamos
sentindo sua falta aqui também.
— É bom que sinta mesmo. Agora eu vou
desligar, assim que souber de algo me avisa.
Eu te amo, manda um beijo para todo mundo
aí.
Eu desliguei o celular e fui correr na
praia, tentando pensar em tudo o que a Adri
havia me contado e os acontecimentos que
estavam me incomodando. Eu precisava
descobrir o que a Jessica tanto se envolvia
com o pai, e tinha certeza que o que ela
estava fazendo naquele notebook, poderia
me dar respostas que eu precisava. No café
da manhã eu contei na mesa sobre a ligação
da Adri e nossas suspeitas.
— Você não ligou para lá, não é? —
perguntei à Carla. Eu queria confirmar antes
de realmente fazer acusações.
— É claro que não, normalmente quem
liga são eles, e eles sempre pedem para falar
com a Adri.
— Então foi realmente a Jessica, não tem
outra pessoa.
— Se perguntarmos diretamente para ela,
ela vai saber que descobrimos alguma coisa
e não vai nos contar — alertou Matteo.
— Além de ser capaz de tentar esconder
as coisas — completou Carla.
— Eu percebi mesmo ela afastada mais do
que o normal nesses dias, não que eu esteja
reclamando — disse Luigi rindo. — Ela está
estranha, não sai daquele computador, e
parece tão distraída que ainda não deu
nenhum chilique com a Carol.
Biel se mexeu desconfortável em sua
cadeira, mas permaneceu calado.
— E isso realmente não é o padrão dela
— Matteo comentou. — Ela não se envolve
com clientes, nunca foi de estudar, e em
qualquer outra época ela já teria fincado as
garras em volta do Biel e não o soltaria por
vinte e quatro horas por dia. E
definitivamente já teria falado alguma merda
para a Carol.
Todos concordaram até mesmo nossos
avós. Olhamos para Biel, que permanecia
calado apenas nos observando.
— Eu sei o que todo mundo está
perguntando, se eu sei de alguma coisa? Eu
não sei. A Jessica realmente anda agitada
nas últimas semanas, principalmente nos
últimos dias. Fala com o pai por telefone o
tempo todo, não solta aquele computador, é
realmente suspeito para ela, mas daí a estar
tramando algo nas nossas costas já acho
demais — ele desabafou. — Ela é minha
namorada, e por mais que muitos de vocês
não gostem, acho que acusá-la apenas por
suspeitas não é algo justo.
Biel saiu da mesa e foi para seu quarto.
Nós olhamos uns para os outros sem saber o
que falar. Era complicado para ele, sendo o
namorado e não saber de nada, mas nós
precisávamos descobrir se as suspeitas
estavam certas. Luigi, Carla e Matteo
queriam ajudar, mas ninguém sabia como.
Nosso melhor aliado era o Biel, mas ele
avisou que não iria investigar a própria
namorada. Na segunda-feira, Rafa, Carol e
Thiago vieram almoçar. Os meninos ficaram
jogando no salão de jogos e as meninas
estavam tomando sol.
— Mulheres, lindas e inteligentes, preciso
da ajuda de vocês — eu disse ao me
aproximar de Carla e Carol, que estavam
sentadas na beira da piscina. — Mulheres
sempre foram boas em arquitetar estratégias,
vocês poderiam me ajudar.
Contamos a história para a Carol. Carla
mencionou que pediu o notebook da Jessica
emprestado, mas que ela não deixava
ninguém se aproximar, o que significava que
nós teríamos que pensar em outra estratégia
para ter acesso.
— Quando ela se afasta dele? —
perguntou Carol.
— Ela não solta, esse é o problema —
contou Carla. — Ela fica mexendo nele o
tempo todo, sobe para o quarto deles com o
notebook, pega suas coisas e vamos para a
praia. E de manhã quando ela se encontra
com o pai, ela o leva.
Carol olhou para o salão de festas
enquanto batia seu pé na água.
— E se alguém ficasse aqui quando ela
fosse à praia?
Eu concordei com a cabeça.
— É uma ideia, nós podemos tentar. Eu
fico, falo que vou ver algo com o vovô e
encontro vocês depois.
Jessica deixou o notebook no quarto
deles, como previsto, foram para a praia.
Eles estranharam quando fiquei para trás, em
especial o meu primo, mas eu esperava que
ele entendesse a situação se nossa suspeita
estivesse certa. Quando entrei no quarto
deles, demorei a encontrar onde ela havia
escondido o notebook. O encontrei no meio
das cobertas na parte de cima do guarda-
roupa, mas não consegui ver nada. O
notebook pedia senha e por mais que
tentasse todas as datas como aniversário
dela, do pai até do Biel, não consegui
desbloquear.
— E então? — Carol perguntou quando
cheguei à praia.
— Eu até achei o notebook, mas pede
senha e eu não sei qual é, e duvido que o
Biel contaria.
Ela então olhou para a Carla, que acenava
com a cabeça e não conseguia conter o riso.
— O que vocês estão tramando? —
perguntei desconfiado.
— Você confia em mim? — perguntou
Carol. — Porque eu tive uma ideia, eu
desconfiei que algo como isso pudesse
acontecer e montamos um plano B.
— E esse não tem como falhar — Carla
confirmou.
Quanto mais elas contavam o plano, mais
eu ria. Era realmente algo que não falharia,
mas era também arriscado demais. Se
estivéssemos errados, teríamos muito a
perder. Teríamos problema com a Jessica, a
Carol com o Thiago, mas principalmente a
confiança de Biel em todos nós. Era um tiro
só, se estivéssemos certos tudo seria
justificado, caso contrário, bom, eu estava
evitando pensar sobre nisso.
Aproveitamos o nosso último dia de
carnaval o máximo que pudemos, já que
sabíamos que o dia seguinte seria uma
catástrofe. Como costume, Carol, Thiago e
Rafael foram almoçar com a gente no dia
seguinte, e depois fomos para o salão de
jogos. Nós estávamos na sinuca quando as
meninas voltaram da piscina.
— Nós também queremos jogar —
anunciou Carla. — Eu e a Carol seremos a
próxima dupla.
Todos eles estranharam, já que elas
sempre que jogavam algo, era pebolim. Eu
havia instruído o Luigi para perdermos para
o Biel e o Matteo, para que eles jogassem
com as meninas. Ele não pareceu muito
satisfeito, mas entendeu que era algo
necessário naquele momento. Quando
perdemos o jogo nos sentamos nos
banquinhos junto com o Rafa e o Thiago. As
meninas não tentaram jogada nenhuma, elas
apenas acertavam na bola branca na
esperança de alguma colorida ser
encaçapada.
— Por que a Carol tá tão mal? —
perguntou Rafael. — Eu a ensinei, ela sabe
jogar muito bem.
— Acho que ela não aprendeu, então,
você não deve ser um professor muito bom
— comentou Thiago rindo.
Quando percebi que ele iria responder e
pensei em intervir, Luigi deu uma cotovelada
nele. Rafa olhou desconfiado para Luigi, que
então apontou para mim. Eu balancei a
cabeça e ele rapidamente entendeu que era
algo combinado, então voltou a olhar para o
jogo com um sorriso nos lábios, como o
Luigi estava. Jessica olhava uma vez ou
outra para a mesa de sinuca, mas
rapidamente voltava sua atenção para o
notebook.
— Que porcaria, eu não consigo acertar
uma — reclamou Carla. — Vocês poderiam
me ensinar.
— Aqui, deixa eu te ajudar — ofereceu
Matteo, se colocando ao lado dela. —
Segura o taco desse jeito, então tenta mirar
bem no meio da bola branca.
Ele percebeu rápido nosso jogo, já
havíamos ensinado ela e a Adri a jogar
sinuca. Biel olhou estranho para a cena, mas
não disse nada. Carol então se aproximou do
meu primo e inclinou a cabeça para o lado.
— E você, vai me ensinar também? —
perguntou ela.
Todos os sorrisos cessaram, e os meninos
rapidamente olharam para mim em busca de
respostas. Eu dei ombros, não teria como
contar agora. Era apenas esperar. Thiago se
mexeu desconfortável na cadeira e quase
fiquei com dó dele. Era uma boa pessoa, não
podia negar. Tinha esperança que a Carol
conseguisse se resolver com ele depois.
Biel olhou desconfiado para ela e desviou
os olhos para a Jessica, que olhava a
situação por trás da tela do seu notebook em
silêncio. Ele fez como Matteo, ficando ao
lado dela e mostrando como faria. Carol
entregou o taco dela para a Carla e entrou na
frente do Biel, se inclinando na mesa.
— E agora? — perguntou ela
inocentemente. — Eu quero acertar a azul.
Meu primo ficou sem reação por um
tempo. Carol era realmente corajosa, eu
daria a ela este crédito. Biel então se
inclinou da forma mais afastada que
conseguia e a ajudou a mirar na bola. Thiago
estava quase levantando do seu banquinho,
mas eu precisava que Jessica intervisse. Eu
estava contando que ele se seguraria ao
máximo, levando em consideração que ele
era o convidado e deixasse que a Jessica
tomasse frente à situação. Carol então
levantou o rosto para meu primo e sorriu,
balançando o quadril para os lados.
— Que baixaria é essa? — gritou Jessica
do outro lado do balcão. — Por que está se
esfregando no meu namorado?
— Eu não estou me esfregando no seu
namorado, ele estava apenas me ensinando
— respondeu Carol. Meu primo havia se
afastado com as mãos erguidas, Mas, Carol
foi até ele e o beijou no rosto. — Obrigada,
Biel.
Jessica se levantou indo em direção à
mesa de sinuca, e todo mundo se levantou
ficando atento às ações dela. Eu permaneci
no meu banco, e a Carla aos poucos foi se
afastando da mesa.
— O seu namorado está sentado ali, os
nossos amigos estão aqui, e eu que sou a
namorada estou presente. Você não tem
vergonha nessa cara? — Jessica perguntou
empurrando Carol nos ombros, que se
escondia atrás do Biel. — Sai de trás do
meu namorado, quando estava dando em
cima dele estava corajosa, agora se
esconde?
Rafa se aproximou, ficando ao lado da
amiga e o Matteo tentou puxar Jessica pelo
braço.
— Não aconteceu nada demais, fica calma
— pediu Matteo.
— Ficar calma, Teo? Essa oferecida está
o final de semana todo se insinuando para o
meu namorado, ela pensa que eu não
percebi, mas estou de olho nela desde o
primeiro dia.
Carol ficava atrás de Biel rindo, Thiago
estava de pé estático, apenas observando a
cena. Meu primo olhava para a namorada em
silêncio. Carla aproveitou a distração de
todos na confusão e foi para trás do balcão,
alcançando o notebook da Jessica. Esta era a
hora de agir, não poderíamos deixar tudo se
acalmar. Carol percebeu quando Carla havia
conseguido, e foi para frente do Biel,
encarando a Jessica.
— Você quer saber? Olhei para ele sim, e
se você quer saber, ele também olhava para
mim. Aliás, foi ele quem começou tudo isso.
E agora? — perguntou Carol colocando a
mão na cintura. — Vai fazer o que?
— Que merda é essa, Carolina? — Rafa
perguntou espantado.
— Vai, fala agora que eu não sou corajosa
— acusava Carol empurrando Jessica para
fora do salão de festas. — Você que não
sabe segurar homem, isso sim. Não dá
atenção, então ele vai olhar para o jardim do
vizinho. E você é tão chata que ninguém aqui
te suporta, você sabia? Ninguém. O único
que ainda te aguenta é o coitado do Biel,
mas isso será por pouco tempo.
Jessica não aguentou as provocações e foi
para cima da Carol, que a puxou para dentro
da piscina. Rafa e Biel pularam na água para
separá-las, Matteo e Luigi olhavam para
mim procurando por explicações. Thiago
olhava para tudo assustado, se segurando
muitas vezes para não reagir. Ninguém ali
estava esperando por isso, e esta era a nossa
vantagem. Olhei para Carla que estava ainda
mexendo no notebook da Jessica e pouco
depois ela correu para meu lado.
— E então? — perguntei a ela. —
Conseguiu descobrir alguma coisa?
— Eu não li nada, mas enviei todos os
documentos da pasta que estava aberta e
encaminhei todos os últimos e-mails dela
para nós. Agora é esperar para ver.
— Mas você apagou a caixa de saída? Ela
pode ver.
— Você deveria me dar mais
credibilidade, eu não sou a Jessica.
Rafa e Carol saíram da piscina por um
lado e Biel com Jessica do outro. Carol
olhou para nós e Carla fez um sinal de
positivo. Jessica voltou para o salão de
festas, fechando seu notebook e subindo para
o quarto deles com o Biel logo atrás. Thiago
andava de um lado para o outro, e Matteo e
Luigi se aproximaram quando Carol e Rafa
nos encontraram.
— Eu me senti no FBI, ou então o Tom
Cruise em Missão Impossível. — Carol
disse rindo e virou para Carla. — Deu
certo?
— É claro. Nós podemos lançar As
Branquelas 2, fazemos uma equipe e tanto —
Carla respondeu.
Nós começamos a rir e todos nos olhavam
sem entender. Eu tinha que admitir, quando
eu ouvi o plano delas, achei tudo ridículo,
mas elas conseguiram no final das contas.
Thiago passou por nós em direção à saída.
— Merda, preciso corrigir isso — disse
Carol correndo atrás de Thiago. — Me
liguem se descobrirem algo.
Rafa os alcançou e eles foram embora. Eu
e Carla subimos correndo para meu quarto
pegar meu notebook.
— Agora vocês vão explicar o que foi
tudo isso? — perguntou Luigi quando ele e
Matteo entraram no quarto.
Deixei que Carla contasse o plano que
elas traçaram ontem e o que ela havia feito.
No começo eles também acharam que era
tudo muito idiota, mas no fim riram se
lembrando das encenações da Carol. Abri
meus e-mails e os três estavam atrás de mim
lendo tudo. Quando terminamos olhamos um
para o outro sem saber o que falar. O
problema era ainda pior do que havíamos
previsto. Biel entrou batendo a porta,
assustando a todos nós.
— Mas que confusão! O que vocês
fizeram? O que falaram para a Carol? —
perguntava ele desesperado. — A Jessica
está fazendo nossas malas e vamos voltar
hoje para Curitiba, mas alguma coisa
aconteceu, a Carol não iria agir daquele
jeito.
Eu me levantei da cadeira e apontei para
meu notebook.
— Senta aqui, você vai querer ler isso. —
Ele sentou na minha cadeira e quando viu a
tela do notebook tentou levantar, mas eu
segurei seus ombros. — Leia antes de brigar
com a gente.
Sua reação lendo foi ainda pior do que a
nossa. Embora o golpe de Carlos fosse com
a nossa família e todos nós havíamos sido
afetados, os autores eram sua namorada e
seu sogro, e isso deveria ser bem pior.
— Como vocês conseguiram isso? — ele
perguntou.
— A Carla conseguiu acessar o
computador da Jessica enquanto ela brigava
com a Carol.
Ele se levantou em um rompante, andando
no quarto de um lado para o outro.
— Então todo aquele escândalo foi para
isso? Todos vocês participaram?
— Não, apenas eu e as meninas — contei.
— Você tem que admitir Biel, nós estávamos
certos.
Ele concordava com a cabeça, mas não
conseguia parar de andar.
— O que nós vamos fazer? — perguntou
Luigi.
— Isso é grave, nós temos que denunciá-
los — Matteo disse.
— Coitada da Ângela e da Hilda, elas vão
ficar tão chateadas — comentou Carla com
pesar.
Olhamos para o Biel esperando por
alguma reação. Ele permanecia andando de
um lado para o outro, agitando as mãos em
um claro sinal de nervosismo que não era
algo comum para ele.
— Aquela ladra, me enganou todos estes
anos com aquela pose de menina certinha,
mas olha o que ela foi capaz de pactuar com
o pai. Ela mentiu na minha cara ontem
quando perguntei o que tanto ela fazia
naquela porcaria de notebook. Ela não
presta, ela não presta!
Ele saiu correndo do quarto e nós o
seguimos. Ele entrou em sua suíte jogando as
malas no chão. Jessica olhou assustada para
ele, assim como todos nós.
— Sua mentirosa, como você teve
coragem de me enganar, Jessica? Por todos
estes anos? De trair nossa família, que
sempre te acolheu e te tratou tão bem? Como
você pôde fazer isso com a gente?
— Eu não fiz nada, do que você está
falando? — ela perguntou tentando se
aproximar. — O que foi que eles falaram
para você agora?
— Eles não falaram nada, eu li. Todos
aqueles e-mails conversando com vários de
nossos sócios para que eles fossem para o
escritório do seu pai, um que ele está
abrindo sozinho, e com o dinheiro desviado
das doações que nossas avós faziam para
ONG’s e Instituições de caridade. Como
você teve coragem de participar de toda
essa sujeira?
Ela então se afastou, olhando para o
notebook no colchão.
— Vocês mexeram nas minhas coisas —
ela acusou, vindo para nossa direção. —
Vocês não tinham o direito de mexer nas
minhas coisas.
Biel entrou na frente dela e ela recuou.
— Por que não, Jessica? Responda. Não
tínhamos o direito de descobrir a verdade?
Ela chorou e abraçou Biel, que dessa vez
não se afastou, mas ficou imóvel.
— Me desculpa, mas eu posso explicar.
Eu não queria participar, o meu pai me
obrigou. Eu quis te contar tantas vezes, mas
ele me chantageou — ela contava aos
prantos. — Ele ia tomar meu apartamento e
meu carro, eu não podia contar.
— E o que acha que iria acontecer quando
descobríssemos que estávamos sem clientes
e que seu pai havia desfeito a sociedade? —
perguntou Biel. — Você ia fingir não saber
do golpe do seu pai? Mentiria para nós?
Ela segurou o rosto dele nas mãos,
negando com a cabeça.
— Eu não queria me envolver com isso,
me perdoa. Por favor, Biel, eu te amo. Por
favor, me perdoa.
— Vai embora — ele disse segurando os
pulsos dela e a empurrando. — Saia desta
casa, é o melhor que você tem a fazer.
— Não, não, por favor — ela pedia
tentando mais uma vez abraçá-lo. — Eu te
amo, você sabe que eu não seria capaz de
algo assim. Eu peço pra ele devolver o
dinheiro, mas não me manda embora.
Ele a empurrou mais uma vez, se
afastando.
— Acabou, Jessica, saia.
Ela caiu no chão de joelhos, chorando
incontrolavelmente. Nós continuamos
olhando a cena da sacada, mas ninguém se
atreveu a falar alguma coisa ou intervir. Biel
passou por nós, indo em direção ao meu
quarto e voltando com meu notebook nos
braços.
— Alguém precisa contar a eles.
— Eu vou com você — Luigi se ofereceu.
Jessica enfim se levantou do chão,
olhando para nós.
— Era o que vocês queriam, não era?
Parabéns, vocês conseguiram, me separaram
do amor da minha vida. Ele me odeia agora
e a culpa é de vocês.
Eu ri com ironia.
— Nossa culpa? Quem fez a merda foi
você e seu pai.
— Vocês estão felizes agora? Vocês nunca
gostaram de mim, eu sei disso, vocês sempre
quiseram me separar dele.
— Nós realmente não gostamos de você,
Jessica, mas nunca fizemos nada.
Ela pegou o notebook e saiu do quarto.
— Isso não vai ficar assim, ele ainda vai
ficar comigo. Vocês não venceram.
Ela desceu as escadas e saiu pela lateral
da casa.
— O que você acha que ela vai fazer? —
perguntou Matteo.
— Não sei, ela não dá à mínima para nós,
mas ela é louca pelo Biel e não vai desistir
fácil. Se ela precisar rastejar pelo perdão
dele, ela vai.
Nossos avós olhavam chocados para Biel
e Luigi, que contavam e mostravam todas as
provas do golpe de Carlos.
— Nós precisamos voltar a Curitiba —
disse Enzo. — Nós temos muito o que fazer.
Capítulo 18
Luísa
— Eu ainda não acredito que você fez
isso — eu disse ao abraçar Carol. — Eu
queria ter visto.
— Eu não podia perder a chance.
Carol ria com Carla ao seu lado.
— É claro que ela não perderia —
retrucou Carla ao me abraçar. — E não se
preocupe que não vão faltar oportunidades
para que a gente apronte mais vezes, agora
que descobrimos que somos uma ótima
equipe, teremos muitos outros planos pela
frente.
Luigi se aproximou e me abraçou também.
— Não deixe mais elas sozinhas, Luísa,
precisamos de alguém responsável aqui.
Matteo apareceu ao lado do irmão e me
deu um beijo rápido na bochecha.
— Exatamente, depois dessa eu tenho
medo do que elas podem aprontar.
— Ok, mas enquanto estiver fora, vocês
fiquem de olho nelas.
Luigi passou o braço em torno de Carol a
abraçando.
— Vou ver o que posso fazer.
Carol riu e então mostrou a língua para
ele.
— Você não é capaz de me segurar, Lui,
mas eu deixo você tentar.
Lorenzo e Fernando se aproximaram, e
embora eles estivessem abatidos, o sorriso
permanecia intacto em seus rostos. Isso era
algo que nenhum golpe seria capaz de tirar
deles, a positividade e a confiança de que
tudo se resolveria.
— Luísa, podemos conversar com você
por um momento? — pediu Fernando.
Eu os acompanhei até a sala de reunião
novamente, onde estávamos há poucos
minutos quando eles contaram o que tinham
descoberto, e mostraram todos os
documentos e e-mails do computador da
Jessica. Estavam todos os sócios lá,
inclusive conheci Hilda e Ângela, e não
pude deixar de me comover com a perda
delas. Elas tinham projetos que faziam
doações para Instituições e algumas ONG’s,
e era nítida a tristeza delas ao saber que o
dinheiro que poderia estar sendo usado para
ajudar pessoas tinha sido desviado para a
conta de Carlos. Acho que isso foi um golpe
maior, do que de tentar roubar os clientes do
escritório.
— Nós não queríamos avisar isso aos
outros, eles já ficaram tristes o suficiente,
principalmente o Biel — disse Fernando ao
puxar uma cadeira para mim. — Nós
queremos que você saiba tudo o que está
realmente acontecendo antes de começar
essa viagem.
Lorenzo sentou na minha frente e
empurrou os papéis que Marcelo estava
folheando.
— Esta é a lista dos nossos principais
clientes, Marcelo ligou para todos eles
ontem, e muitos deles acreditaram nas
histórias de Carlos. Ele irá te atualizar e
contar tudo na viagem, mas o que queremos
te pedir, é que seja a pessoa mais sincera
que possa ser — pediu Lorenzo segurando
minha mão. — Eu estou dando a você e ao
Marcelo carta branca para tudo, eu confio na
experiência dele e no seu profissionalismo,
e acredito que juntos vão conseguir ajustar
esta confusão.
Fernando então se aproximou da minha
cadeira e apoiou as mãos em meus ombros.
— Se você conversar com estes sócios e
ver que não compensa continuar com a
parceria, ou que eles são pessoas como o
Carlos, não se preocupe em perder clientes.
O que nós estamos pedindo é que siga seus
instintos. Em apenas um mês aqui eu já vi
você ligar para relator, conversar
diretamente com juiz, e por passar tanta
confiança em sua palavra eles nem
perguntavam se você era advogada.
Lorenzo concordou com a cabeça e
apertou minha mão mais uma vez.
— O que ele está dizendo é que confiamos
em você, para qualquer dúvida o Marcelo
estará lá para te orientar. Você está
representando a S&M Advogados
Associados, e enquanto vocês resolvem
estes problemas, estaremos tentando
amenizar o estrago daqui. Somos uma equipe
agora, você é integrante, e estamos contando
com sua colaboração.
Eu não sabia o que falar, as palavras
estavam presas a minha garganta. Sequer
podia acreditar na confiança e na
credibilidade que eles estavam depositando
em mim, na mais complicada fase que o
escritório se encontrava. A primeira
mudança começou com o nome, quando o
Duarte saiu e ficaram apenas Schmidt e
Martinelli Associados. E em segundo foi
essa viagem, em que eles confiaram a mim
para representá-los, pois acreditavam no
meu trabalho. Eles sempre me trataram como
membro da equipe e já me sentia parte deles
no primeiro dia, mas agora que eu estava
incluída em tudo, eu não podia evitar estar
orgulhosa. Agora mais do que nunca, eu me
sentia um deles.
— Não se preocupem, eu vou mantê-los
informados de tudo e espero não
decepcioná-los — eu disse, quando minha
voz finalmente saiu.
— Nós não temos dúvida disso, querida,
você não irá nos decepcionar — Fernando
afirmou.
Eu não tinha certeza quanto a isso, mas
esperava que ele estivesse certo. Quando sai
da sala de reunião, Biel estava olhando para
a mesa da Jessica.
— Está tudo bem? — perguntei ao me
aproximar.
Ele olhou para mim com profundas
olheiras, parecia tão cansado. Ele esticou
para mim o porta-retratos que estava sobre a
mesa.
— Estes somos nós, quando tínhamos
treze anos, no aniversário do seu avô. Foi
nesta festa que eu a beijei pela primeira vez.
Na foto havia duas crianças claramente
constrangidas de estarem tendo que posar
para a foto. Ele estava com o braço sobre o
ombro dela, sorrindo, e ela com as mãos
encolhidas no colo.
— Isso vai soar solitário, mas ela foi a
primeira garota que eu beijei, que namorei, a
primeira de tudo, aliás, a única — disse ele
com um suspiro. Eu não pude evitar desviar
minha atenção da foto e olhar espantada para
ele. — É, eu sei, patético, não? Mas, eu
sempre fui apaixonado por ela, e eu nunca a
traí, então eu nunca estive com qualquer
outra mulher na vida que não fosse ela. A
Jessica mudou muito nos últimos anos,
começou a ficar ciumenta, mais possessiva,
e se afastou de todos. Apesar de eu não
aprovar o comportamento dela, quando
estava comigo éramos os mesmos de
sempre. Ela me conhecia tão bem, esteve
sempre ao meu lado, e eu me acostumei com
ela.
— Eu acho que entendo o que você quer
dizer.
— Sabe, Luísa, eles não entendem por que
estava com ela ainda, e para ser bem
sincero, eu também não sabia. Mas, eu fui
tão apaixonado por ela desde a infância, que
acho que me apeguei a isso e esqueci que ela
havia crescido e mudado. É fácil para todo
mundo apontar o dedo e falar que a pessoa
não serve para você, mas eu estava
acostumado com ela e nunca tivemos brigas
ou dramas, sabe? Este ano faríamos dez anos
juntos, quantos casais você pode dizer que
sobrevivem a isso?
Eu não sabia se era para responder ou se
era uma pergunta retórica. Eu podia não
entender o que ele estava sentindo, mas não
pude deixar de me comover pela cena. Ele
parecia tão triste, e cada suspiro era como
se ele estivesse lutando para fazer o ar
entrar em seus pulmões. Eu me aproximei
dele com cautela e o abracei. Ele não
retribuiu, mas ao menos não me afastou, ele
se deixou abraçar e deitou a cabeça no meu
ombro. Estávamos tão distraídos pelo
momento que não ouvimos Carol se
aproximar, apenas a notamos quando ela
parou ao meu lado e o abraçou também.
— Eu sinto muito — ela sussurrou. — Eu
não pensei na hora o que isso iria causar, e
eu realmente sinto muito por te ver assim.
Biel se afastou de nós e me deu um beijo
no rosto.
— Obrigado por me ouvir.
— A qualquer hora.
Ele sorriu, mas seu sorriso era fraco e
sem alegria. Ele se aproximou de Carol e
beijou-a no rosto também.
— A culpa não é sua, eu realmente fiquei
bravo com você no dia, mas eu entendi
porque fez aquilo. Não tem que me pedir
desculpa, se você não fizesse isso, quem
sabe até quando eu faria papel de idiota?
— Não diga isso — ela o cortou. — Você
não é idiota, você apenas confiava nela. Nós
nos enganamos com as pessoas, infelizmente.
Eu não sei que tipo de acordo você tem com
a Lu, mas se você é amigo dela, então você é
meu amigo também. Se precisar, estarei
aqui.
Ele sorriu para ela, desta vez seu sorriso
pareceu mais alegre, mas ainda não era o
mesmo sorriso de sempre.
— Obrigado.
Ele se afastou e saiu da sala.
— Ele está uma merda, eu sinto tanto por
isso. Eu sei que não é culpa minha pelas
coisas que ela fez, mas de certo modo eu fui
o pivô da situação, eu me sinto mal por ele
— desabafou Carol.
Nós chamamos o elevador e descemos
para o saguão, onde encontraríamos os
outros para almoçar.
— Eu sei, eu me sinto mal por ele
também. Deve ser complicado estar com
alguém há quase dez anos e ter uma
decepção desta.
— Eles estavam juntos há dez anos?
Caramba, isso é muito tempo. E ele é todo
certinho, quer dizer, a não ser que ele engane
a todos nós, quer dizer que ele só esteve
com ela todos estes anos?
— Sim, ela foi a única.
— Então ele é praticamente um virgem —
ela exclamou.
Eu não pude deixar de rir de seu
pensamento.
— Quem é virgem? — perguntou Marcelo
quando saímos do elevador, com Matteo ao
seu lado.
— Eu — disse Carol. — Eu sou virgem.
Luigi riu passando os braços em volta de
Carol.
— Só se for seu signo.
Ela então deu um soco no seu estômago e
o empurrou.
— Que maldoso, eu não gosto mais de
você.
— É claro que você gosta, ele é
praticamente sua versão masculina —
respondeu Matteo piscando para Carol.
— Eu acho que ele está certo — disse
Rafa ao nos encontrar no saguão com Carla
ao seu lado. — Estamos todos aqui? Cadê o
Biel?
— Eu acho que ele não vai descer para
almoçar — eu respondi. — Somos apenas
nós.
Carla então puxou Rafa pelo braço e
tomou a frente.
— Vamos almoçar que temos muito que
fazer.
Eu os estava seguindo quando Marcelo
segurou meu braço, deixando que os outros
fossem à frente.
— O que você vai fazer hoje à noite? —
perguntou ele.
— Jantar com meus pais, e então fazer
minhas malas. Por quê?
— Eu iria te convidar para jantar comigo
e o Lucas, mas fica para a próxima.
Uma ideia surgiu na minha cabeça.
— Você quer ir comigo? — perguntei.
— Na casa dos seus pais?
— Sim, eu estou te devendo um jantar com
eles, lembra? Leve o Lucas, eles vão adorar
conhecê-lo.
Ele segurou meu rosto em suas mãos e
pressionou um beijo na minha bochecha.
— Está marcado, combinamos depois o
horário e você me passa seu endereço que eu
vou te buscar.
Nós almoçamos e logo voltamos a
trabalhar. Marcelo estava sentado na sua
mesa, que ficava ao lado da minha. A mesa à
minha frente, que era de Jessica, estava
vazia, e a de Biel em frente ao Marcelo,
também. Quando subimos do almoço ele já
não estava no escritório e não apareceu o
resto da tarde. Ele só mandou uma
mensagem que tinha ido para casa. Ninguém
ali se importava com a Jessica, isso era
claro, mas todo mundo se sentia mal pelo
Biel, principalmente Marcelo, que olhava
para a mesa do primo a todo o momento.
Eu desci do elevador com o Marcelo,
explicando a ele meu endereço para que ele
fosse me buscar e me encontrei com Rafa e
Carol no estacionamento.
— Como ele estava? — Carol perguntou,
assim que entrou no carro.
Eu não precisava nem perguntar a quem
ela estava se referindo, estava em seus olhos
a preocupação.
— Eu não sei, quando retornamos ao
escritório ele já havia saído.
Ela se encolheu no banco de trás e não
falou durante todo o caminho. Eu via pelo
retrovisor seu olhar perdido pela janela,
olhando as ruas passarem e sem focar em
nada. Por duas vezes o Rafa chamou por ela,
mas estava tão dispersa em seus próprios
pensamentos que nem o respondeu. Ela só
percebeu o mundo à sua volta quando
paramos o carro.
— Obrigada pela carona, eu falo com
vocês depois — ela disse se despedindo e
descendo do carro.
— Eu estou preocupado com ela também
— comentou Rafa ao meu lado. — Está tão
distante e quieta, nem se parece com ela.
— Ela está preocupada com ele, só isso.
— É uma pena que o Thiago tenha
aparecido logo agora, que ironia da vida.
Eu não poderia concordar mais. Talvez se
Thiago não estivesse finalmente agido agora,
a Carol poderia ser aquela a tirar o Biel de
toda essa tristeza.
Marcelo
Eu estava no carro com Lucas, a caminho
do prédio onde Luísa morava. Eu estava
empolgado em conhecê-los. Se eu queria ser
alguém na vida dela, conhecer os pais
poderia ser um bom começo. Este era um
grande passo, eu sabia disso, principalmente
envolver o Lucas em toda esta história. Eu
nunca escondi nada do meu irmão, e ele
havia gostado da Luísa e queria vê-la de
novo. Eu não podia negar isso a ele. Luísa
caminhou para o carro usando um vestido
florido que balançava com o vento junto com
seu cabelo, e tenho certeza que eu estava
sorrindo apenas de vê-la.
— Olá, meninos — ela disse ao entrar no
carro, se virando para trás. — Ei, estou feliz
que você veio.
— Eu também — respondeu Lucas. —
Você tem irmãos?
— Não, sou filha única, não tenho a sorte
como você. Mas, você vai se divertir muito
lá com a gente, tenho certeza.
Eu não pude deixar de sorrir ao vê-la
conversando com Lucas tão tranquilamente,
como se ele fosse um adulto, e eu tenho
certeza que Lucas a adorava exatamente por
isso. Tudo o que ele perguntava ela
respondia pacientemente, enquanto me
explicava o endereço da casa de seus pais.
Assim que estacionamos, ela desceu do
carro e abriu a porta de trás, segurando as
mãos de Lucas e o puxando com ela. Eu
deixei que eles fossem à frente e fiquei
apenas apreciando a cena. A casa não era
grande, mas muito confortável e organizada.
Tapetes, cortinas e almofadas combinando, e
muitos quadros na parede com as
fotografias.
— Mãe, já chegamos — Luísa gritou da
entrada.
Atravessamos o corredor e chegamos à
cozinha. Seus pais eram como ela havia
descrito para mim, um casal acima dos
quarenta, mas muito jovens. Seu padrasto era
um homem já com rugas nos olhos e alguns
fios brancos, mas sua mãe era muito
parecida com ela. Eu poderia dizer que elas
eram irmãs, ambas morenas de olhos escuros
e rosto delicado.
— Mãe, pai, este é Lucas — ela
apresentou meu irmão, que ainda segurava
em sua mão. — Ele é o irmão mais novo do
Marcelo.
Meu irmão se apresentou para a Sônia e
depois para Luciano, que sorriram para ele.
Eu me aproximei e estiquei a mão para o
padrasto de Luísa.
— Olá, eu sou o Marcelo, prazer em
conhecê-lo.
— Seja bem-vindo à nossa casa.
— Muito obrigado — respondi antes de
me virar para Sônia. — Estas são para você,
para agradecê-la por nos receber hoje.
Entreguei a ela um pequeno buquê de
flores que havia comprado com Lucas antes
de buscar Luísa. Ela sorriu cheirando as
flores.
— Elas são lindas, não precisava ter se
incomodado. Obrigada.
Ela me abraçou rapidamente e foi encher
um vaso com água para guardar as flores.
Eles nos serviram vinho, e refrigerante para
Lucas e nos convidaram para mesa, onde
tinha uma grande travessa de lasanha.
— E então, para onde vocês vão amanhã?
— perguntou Luciano ao meu lado.
— Amanhã é para Belo Horizonte, não é?
— perguntou Luísa, me olhando para
confirmar. — Eu sei que este final de
semana é em Minas Gerais, mas semana que
vem eu já não lembro.
— Amanhã vamos para BH, e ficaremos
lá o final de semana. Na segunda vamos ao
Espírito Santo, depois Pernambuco e
fechamos no Ceará onde vamos encontrar
com o Teo e a Adri.
— Então eles também vão viajar? —
perguntou Sònia. — Pensei que seriam
apenas vocês.
— Não, o Biel ficará no escritório com
meu avô e Enzo, resolvendo as coisas do
Paraná e região. Eu e Luísa vamos para um
lado, e o Teo e a Adri vão para outros
estados.
Conversamos durante o jantar e Sônia
trouxe um pote de sorvete de sobremesa, o
que deixou Lucas nas alturas. Quando
terminamos a sobremesa, eu os ajudei a
levar os pratos para a cozinha, mas por mais
que eu insistisse não me deixaram aproximar
da pia. Luciano estava sentado em um banco
perto do balcão no centro da cozinha e eu me
juntei a ele. Sônia lavava a louça e a filha
enxugava e guardava. Lucas pediu ao lado
delas para ajudar e Luísa lhe entregou um
pano de prato e os talheres. Ele ficou todo
sorridente em participar e tendo a atenção
delas.
— Luísa, você vai ao meu jogo, não é? —
perguntou Lucas guardando as colheres que
havia secado.
Luísa bagunçou o cabelo dele depois de
guardar o copo.
— É claro que eu vou, eu te prometi, você
só tem que me mandar uma mensagem
avisando o dia e o horário.
— Você pode levar a sua mãe.
Sônia olhou para meu irmão com carinho
e sorrio.
— Estarei lá.
Lucas terminou de secar seus talheres e
correu para onde estávamos, se sentando no
meu colo.
— Você gosta de futebol? — ele
perguntou, olhando para Luciano. — Você
pode ir também.
Eu segurei meu riso vendo meu irmão
convidando todos a irem assisti-lo jogar. Ele
conversou a noite toda com eles, que o
tratavam como a Luísa, de igual para igual.
Ele rapidamente começou a interagir na
mesa e se sentir à vontade na presença deles.
Eles gostaram do meu irmão, e eu pude ver o
quanto Lucas ficou feliz com aquela noite.
Nossa família sempre foi muito unida, mas
Lucas nunca teve isso em casa, pais que
cozinhassem para ele. Nossos avós faziam o
possível para que isso não o prejudicasse, e
os pais do Biel sempre lhe deram atenção e
carinho. Eu sabia que tinha sorte em tê-los,
principalmente com todo o suporte a nós
quanto tudo aconteceu, mas era diferente ele
receber atenção de alguém que não fosse a
sua família.
Depois de toda a cozinha limpa, e de
Lucas garantir que eles iriam assisti-lo no
torneio de futebol, nós voltamos para a sala.
Luísa espalhou um jogo de dominó no tapete
e Sônia se juntou a nós com colheres e um
prato de brigadeiro. Os olhos de Lucas
brilharam quando ele viu, e rapidamente se
sentou ao lado dela, para ter um acesso mais
rápido ao doce.
— Eu espero que você goste do meu
brigadeiro — Sônia disse, entregando uma
colher para Lucas. — A Luísa disse que
você gostava, então fiz especialmente para
você.
Eu pisquei para Sônia, agradecendo-a em
silêncio.
— Vamos lá, espalha bem as pedrinhas.
Se bem me lembro, você era bem espertinha,
Luísa, sempre deixando os carretões perto
de você — comentou Sônia. — Então não
vale trapacear.
Luísa segurou o riso e abriu a boca,
fingindo espanto.
— Eu nunca roubei, não é pai?
Luciano começou a rir e fechou os olhos.
— O que os olhos não veem o coração
não sente. Eu nunca vi nada.
— Tá vendo? Eu sou honesta.
Sônia bufou e se aproximou de Lucas.
— Fica de olho nela, garoto.
Meu irmão ria e monitorava todas as
pedras que Luísa tinha nas mãos, como se
estivesse querendo pegá-la roubando o jogo.
Há muito tempo eu não via o Lucas tão
descontraído assim com alguém que não
fosse nossa família. Ele sempre foi quieto e
muito carente, e não pude deixar de admirar
ainda mais Luísa, com toda a atenção que ela
teve com o ele naquela noite. Depois de
comer muito brigadeiro e jogar, Lucas
começou a bocejar, e se sentou no colo de
Luísa, jogando com ela.
— Vocês sempre jogam dominó? —
perguntei.
— Começou quando nos mudamos pra cá
— contou Luciano. — Eu queria que a Luísa
conversasse comigo e pudesse ver em mim
alguém com quem contar, e não apenas o
marido da mãe dela. Foi a forma como eu
encontrei de me aproximar dela.
Luísa riu de forma doce para o pai.
— E toda noite ele me chamava para jogar
alguma coisa, acabou dando certo. Ele que
me ensinou a jogar baralho depois.
— Acabou se transformando em uma
coisa deles — comentou Sônia. — Isso é um
habito adquirido que nós não perdemos.
Sempre que estamos juntos, jogamos alguma
coisa. Nem que seja apenas para conversar e
distrair da correria do dia a dia. É a forma
que encontramos de permanecer unidos.
Luciano beijou a cabeça de Sônia e a
apertou em seus braços.
— Nós sempre jogamos, o Rafa e a Carol
preferem os de charadas — contou ele rindo.
— Eles sempre preferem os que envolvem
pagar micos e dar risadas, principalmente
quando trazem a Aninha, que sempre ri
deles.
— E o Vinicius? — perguntei curioso. Eu
não podia ficar quieto, eu queria saber como
era a interação dele com a família de Luísa.
Se eu queria entrar nessa disputa, eu
precisava do máximo de informação do meu
adversário.
Sônia e Luciano sorriram. Luísa
acomodou Lucas em seu colo antes de me
olhar.
— O Vini não gosta muito de jogar, ele até
jogou algumas vezes as varetas, mas ele
prefere ficar de fora apenas observando —
contou Luísa.
Eu notei os olhares que Luísa dava para
os pais, o amor que transbordava dela era
quase palpável. Eu sempre fui próximo da
minha mãe, do meu pai eu já não poderia
dizer o mesmo, mas da minha mãe, se ela
ainda estivesse viva, eu tenho certeza de que
eu teria com ela esta mesma relação de
cumplicidade que eu via nesta sala.
— O jantar estava delicioso e não posso
nem começar a dizer o quanto estou
agradecido por ter feito brigadeiro para o
Lucas, Sônia, mas eu acho que já está tarde e
eu preciso levar meu irmão.
Quase como se soubesse que estávamos
falando dele, Lucas se mexeu no colo de
Luísa, onde estava cochilando. Ele havia
dormido logo na terceira rodada, quando
seus olhos começaram a pesar. Eu esperava
que ele fosse ficar no meu colo e dormir em
meus braços, mas não pude negar que fiquei
feliz por isso. O garoto era esperto, o colo
dela deveria ser muito mais confortável que
o meu. Luísa se levantou com Lucas, e
quando eu tentei pegá-lo, ele passou os
braços em volta do pescoço dela e
resmungou.
— Deixa que eu o levo, não tem problema
— disse Luísa.
— Tem certeza? Ele é pesado.
— Eu aguento.
Luísa se despediu dos pais e foi para o
carro com Lucas nos braços. Eu me despedi
de Sônia com um abraço e estendi a mão
para Luciano.
— Obrigado por toda a atenção com o
Lucas hoje.
Luciano deu de ombros e puxou Sônia
para seu lado.
— Não têm que agradecer, os amigos da
Luísa são sempre bem-vindos nesta casa, e
você e seu irmão podem vir quando
quiserem. A casa estará sempre aberta para
você, cuida da minha filha nessa viagem.
— Pode deixar, Luciano, eu vou cuidar
dela.
— Eu não tenho dúvidas disso — ele
comentou rindo. — Eu percebi como olhou
para ela a noite toda, espero que você tenha
juízo.
Eu olhei para o carro, para me certificar
de que Luísa ainda estava lá e voltei a olhar
para seus pais. Sônia estava abraçada ao
marido, me olhando com um sorriso nos
lábios. Luciano também ria, mas seu olhar
não era tão doce quanto os de Sônia.
— Ela já me contou de você, e eu não vou
falar que aprovo isso, porque eu acho
Vinicius um homem muito bom para ela —
alertou Sônia. — Mas, não posso negar que
eu via a troca de olhares de vocês durante
toda a noite, com certeza tem algo
acontecendo aí. Talvez ela nunca vá admitir
isso, mas é perceptível. Só espero que você
não estrague tudo, ela realmente gosta de
você.
Eu não pude negar que aquilo me pegou de
surpresa. Eu tentei de todos os jeitos não
ficar sempre olhando para a Luísa, mas
aparentemente eu havia fracassado na frente
de seus pais. Ao mesmo tempo, isso me
deixou aliviado. Eles não estavam me
julgando, mesmo que não estivessem
apoiando. Eles apenas me deixaram saber
que notaram a situação, e me pediram para
não estragar isso. Este era um conselho que
nem precisariam me dar, magoá-la nunca
esteve em minha lista, mas foi bom saber
que eu tinha o aval deles. Eles perceberam
isso, eu só precisava fazer a Luísa perceber
também.
— Obrigado pelo conselho, Sônia, vou me
lembrar disso na viagem.
Eu virei de costas e acenei mais uma vez
para eles, antes de entrar no carro.
— O que meus pais falaram para você? —
perguntou Luísa.
— Apenas agradeci pela noite, e eles
pediram para cuidar de você na viagem,
nada mais.
Eu olhei para ela, com Lucas ainda em seu
colo. Ela estava sorrindo para mim, aquele
sorriso doce que agora eu sabia que era algo
de sua mãe, e aquele sorriso fazia meu
coração disparar e acalmar quase que ao
mesmo tempo. Quanto mais eu a conhecia,
mais eu a queria para mim. E saber que se eu
a roubasse do namorado não seria algo que
iriam me julgar depois, me incentivou ainda
mais. Todos já haviam percebido que eu só
tinha olhos para ela ultimamente, só ela não
via isso, ou se recusava a admitir. Eu usaria
esta viagem para fazê-la enxergar que eu
poderia ser o cara certo para ela. Que eu
poderia ser quem a fizesse sorrir e ter mais
noites como esta. Eu queria ser quem ela
escolhesse para estar ao seu lado.
Capítulo 19
Luísa
— Me mande mensagens todos os dias
contando tudo o que acontecer por lá —
pediu Carol ao me abraçar.
— Como se fossem acontecer coisas
muito interessantes nessa viagem.
— Nunca se sabe, suas viagens
ultimamente estão sendo bem movimentadas.
Eu apenas sorri e me virei para Rafa, o
abraçando em seguida.
— Faça uma boa viagem, e qualquer coisa
que precisar pode me ligar também, não
apenas a Carol.
— Vou me lembrar disso.
Meus amigos me levaram ao aeroporto de
manhã. Eu disse a eles que poderia ir de
táxi, mas eles insistiram em me acompanhar.
Na verdade eu acho que eles queriam um
relatório do jantar de ontem, já que foi a
primeira coisa que me questionaram quando
não estávamos nem há dois minutos dentro
do carro. Era tão estranho que eles fizessem
tanto caso por conta de um jantar, não é
como se eu não levasse meus amigos à casa
de meus pais. Eles mesmos já foram lá
inúmeras vezes, mas o interrogatório foi
mais para saber como o Marcelo se
comportou, e o que aconteceu depois. A
noite havia sido ótima e meus pais adoraram
os dois, principalmente Lucas. O namorado
de Letícia desceu com ela para carregar o
Lucas para dentro do apartamento, já que ele
foi dormindo em meu colo, depois Marcelo
me levou e foi embora. Carol e Rafa
pareciam estar sempre esperando que eu
contasse algo empolgante a eles, e não pude
deixar de rir das caras desapontadas deles
quando cheguei ao fim da noite. Às vezes
eles pareciam não me conhecer, por esperar
um comportamento diferente.
Olhei para o lado à procura de Marcelo,
que estava no balcão despachando nossas
malas e esperei que ele se juntasse a nós.
Biel seria quem o levaria ao aeroporto, mas
ele não saia do quarto, então ofereci a ele
carona com meus amigos.
— Tudo pronto, hora de embarcar.
Obrigado pela carona — Marcelo disse à
Carol e Rafa. — Estaremos de volta dentro
de uma semana.
Eu acenei para meus amigos e acompanhei
Marcelo até nosso portão de embarque. Nós
nos sentamos em nossas poltronas, e
esperamos pela decolagem.
— É a primeira vez que viajamos juntos
— Marcelo comentou.
— Nós já viajamos juntos da outra vez.
— Não assim, embarcando e
desembarcando, nós sempre nos trombamos
nos aeroportos, é diferente.
Eu ri, me lembrando da primeira vez que
nos conhecemos.
— Eu tinha te achado tão intrometido.
— E eu havia te achado barraqueira, eu
jurava que você era aquelas pessoas
escandalosas. Agora que te conheço, sei que
você não gritaria nem com uma formiga.
— Eu não sou barraqueira, a culpa foi
daquele cara nojento da minha frente. Aliás,
a culpa foi sua que me empurrou — eu disse
batendo em seu braço. — Eu ainda me
lembro, ok? Você falando que odiava mulher
de TPM.
Ele gargalhou, chamando a atenção das
pessoas nas poltronas ao lado.
— É verdade, e depois eu tive que te
segurar para não saltar no cara. Você me
enganou muito com aquele rostinho de
menina indefesa.
Eu me virei para ele, levantando uma
sobrancelha.
— Eu tenho rostinho de menina indefesa?
Ele se virou de lado também para me
encarar, com um sorriso brincalhão nos
lábios.
— Minha primeira impressão foi esta,
mas depois que te conheci, esse rostinho não
me engana mais.
— E qual foi à primeira impressão que
você teve de mim? — perguntei curiosa.
— Quando te vi eu achei graça. Você
estava toda nervosa pegando as coisas da
sua bolsa que caíram no chão, mas a
primeira coisa que me lembro com nitidez
foram seus olhos. — Ele pegou uma mecha
de meu cabelo e tirou da frente do meu rosto,
colocando atrás da orelha. — Quando se
levantou e eu pude ver seu rosto pela
primeira vez, eu me lembro de você me
olhando com esses lindos olhos. Eles foram
à primeira coisa que eu reparei em você, tão
escuros e ao mesmo tempo tão delicados.
Depois suas bochechas coraram, e você
pareceu ainda mais inofensiva. Eu pensei
que era calma, delicada, tímida. Bastou
apenas dois minutos para eu perceber que
você não era nada disso. Você era uma
mulher cheia de atitude, que não deixou o
velho te rebaixar. Você se impôs mesmo nem
tendo tamanho, e tinha todo o controle da
situação, não aceitou o que te impuseram e
se fosse necessário iria brigar para provar
que estava certa. Você me surpreendeu,
sendo uma pequena baixinha extremamente
corajosa. Esta foi à primeira impressão que
eu tive de você, não aceitando que ninguém
te dissesse como deveria agir.
Eu pude sentir minhas bochechas
queimando, e estava torcendo para que elas
não corassem também. Ele me olhava com
tanta intensidade, analisando cada traço do
meu rosto enquanto seu dedo descia pelo
meu maxilar, que era impossível controlar.
Seu toque, mesmo que mínimo contra minha
pele, deixou quente todo o rastro de seus
dedos. Ele realmente se lembrava de tudo,
mas o que me surpreendeu foi a sua análise
de mim. Eu queria ser quem ele estava
visualizando, mas eu não era.
— Por que esta cara? — perguntou ele
tocando minha bochecha de leve. — Falei
algo errado?
— Não, não foi isso. É só que, esta
pessoa que você vê, não sou eu.
— Eu tenho certeza que é.
Eu balancei a cabeça e segurei sua mão,
deixando-a no meu colo.
— Eu não sou assim, eu queria ser, mas
não sou.
— O que você não é?
— Corajosa, ou saber se impor —
confessei. — Eu sempre fiz tudo o que
esperavam que eu fizesse, nunca desobedeci
meus pais, nunca fiz nada rebelde em toda
minha adolescência. Eu sou bem sem graça,
na verdade.
Ele apertou minha mão e sorriu.
— Você pode ser tudo, menos sem graça.
— Você não me conhece muito bem então.
— Talvez, mas tenho certeza que o pouco
que convivi com você, já foi o suficiente
para eu saber que você não é sem graça.
Você talvez seja reservada, mas só precisa
de um empurrãozinho para mostrar a todos
aquela garota divertida e cheia de atitude
que eu conheci no aeroporto.
Eu queria que ele estivesse certo, mas era
difícil acreditar nisso.
— E você? — ele perguntou. — Qual é a
primeira coisa que se lembra de mim?
Se eu respondesse que eram aqueles olhos
azuis que me hipnotizaram, ele pensaria que
copiei sua resposta.
— Sua altura, eu estava de tênis então
você era uma cabeça maior do que eu.
— Só minha altura? — Eu preferi não
responder, então dei de ombros. — Nem
mesmo estes olhos lindos?
Por algum motivo era difícil mentir
quando eu olhava para ele, me deixava
nervosa quando ele estava me observando.
Era mais fácil esconder a verdade quando
não via seus olhos. Desviei minha atenção
para nossas mãos e Marcelo entendeu meu
silêncio, deixando que eu brincasse com sua
mão no meu colo.
— Como foi sua viagem? — ele
perguntou. — Você não me contou como foi
seu carnaval.
Quando voltei a olhar para seu rosto, ele
estava me observando. Aqueles olhos azuis
me interrogavam mais do que as perguntas
que saiam de sua boca.
— Foi bom, Recife é lindo e o carnaval lá
é bem movimentado.
— E quando ele volta?
— Ele não volta, ao menos até final do
ano. Ele vai ficar lá até finalizar o projeto.
— E você está bem com isso?
Era estranho que ele fosse a primeira
pessoa que eu abriria o jogo. Eu não havia
contado sobre as propostas de Vinicius nem
para minha mãe ou meus amigos, mas ali
estava ele querendo saber, e por mais
estranho que fosse eu queria contar a ele. Eu
queria poder contar tudo a ele.
— Eu ainda não sei — confessei. — Ano
passado minha avó ficou doente, eu tranquei
a faculdade e fui morar com ela e meu avô,
junto com minha prima. Nós ficamos lá
cuidando deles, mas infelizmente eles não
sobreviveram. Quando eu soube que minha
avó estava doente, não pensei duas vezes em
fazer as malas e ir, não perguntei a ninguém.
Então não acho que seja justo da minha parte
ficar brava com o Vini por ele fazer a mala e
ir, também.
— Mas, você foi para cuidar da sua avó,
era uma situação diferente.
— Será? Eu fui porque achei que era o
certo a fazer, assim como ele acha que esta é
a decisão certa a tomar. Ele pensa que esta é
uma grande oportunidade de trabalho para
ele, então eu acho que só posso aceitar e
torcer para que ele esteja certo.
— Mas e você? Vai ficar sozinha em
Curitiba esperando por ele?
— Ele me convidou para ir morar com ele
quando eu me formar.
Ele se moveu no banco, se aproximando e
apertando minhas mãos. Seus olhos estavam
cheios de preocupação, eu podia ver.
— Você vai embora? — Eu não consegui
responder, então apenas neguei com a
cabeça. — Mas, você está pensando nisso?
— insistiu ele.
Não pude continuar olhando para ele,
então fechei meus olhos e abaixei a cabeça.
Eu ainda não havia decidido, mas não queria
ir embora e me afastar da minha família e
dos meus amigos. Marcelo segurou meu
queixo com uma mão e levantou meu rosto.
Eu ainda estava de olhos fechados e não
queria abri-los. Ele iria me olhar com
aqueles olhos, e iria derramar todas as
minhas dúvidas. Não parecia certo que eu
conversasse com ele sobre isso,
principalmente se ele era o motivo pelo qual
eu andava tão confusa sobre o Vinicius
ultimamente. Ele havia se tornado um grande
amigo, e eu gostava cada vez mais de passar
meu tempo com ele. Parecia tão bobo
segurar nas mãos de alguém, mas minha pele
esquentava quando suas mãos estavam sobre
as minhas. Assim como parecia ser normal
olhar alguém nos olhos, mas os dele me
deixavam nervosa. Eu queria poder
controlar todas estas reações, mas parecia
ser cada vez mais difícil.
— Por favor, abra os olhos — pediu ele,
tocando meu queixo. — Eu só queria
entender.
Eu esperei por um tempo e abri meus
olhos. Ele estava tão perto, que respirar
parecia difícil, e tenho certeza de que
minhas mãos começaram a transpirar.
— O que você quer entender? —
perguntei em um sussurro, quando forcei a
voz em minha garganta a sair.
— O que você está fazendo com ele?
— Eu o amo e ele me ama — respondi
rapidamente. Esta era uma pergunta fácil.
— Ele te faz feliz? — Eu não estava
gostando daquele interrogatório, então
apenas confirmei com a cabeça. — É ele o
cara certo para você?
Mais uma vez a voz ficou presa na minha
garganta. Eu queria que o Vini fosse o cara
certo para mim, e por ora ele era. Ele
sempre foi tudo o que eu busquei em um
homem. Estabilidade, companheirismo, uma
pessoa sensata. Eu não gostava quando meus
pais me faziam este tipo de pergunta, nem
quando meus amigos insinuavam este tipo de
coisa. Nem tudo se resumia a paixão e
loucura, eu gostava da calmaria.
— Eu te fiz uma pergunta, Luísa — ele
insistiu. Eu respirei fundo, buscando a voz
presa na minha garganta. — Se ele te faz
feliz, se você o ama, e acha que ele é o cara
certo pra você, então por que ainda não sabe
se vai embora com ele?
Meus olhos começaram a arder, mas lutei
contra as lágrimas. Eu não queria chorar, não
queria mostrar a ele que este era um assunto
delicado para mim. Esta era uma conversa
que eu teria com meus pais, ou com a Carol
e o Rafa. E olhando para ele, com o rosto
tão perto do meu, não me ajudava a pensar
com clareza.
— Você não quer isso para você, Luísa, se
você tivesse certeza sobre ele, você não
estaria confusa.
— Eu não estou confusa.
Ele sorriu, contornando meus lábios com a
ponta dos dedos.
— Está, eu estou vendo em seus olhos.
Como você disse, eu posso não te conhecer
muito, mas o que conheço é o suficiente para
saber que você não pode me dar certeza de
nada. E eu vou te mostrar como viver, Luísa.
Eu vou fazer você ser mais espontânea, mais
corajosa, mais cheia de vida. Eu só preciso
de uma chance, e vou te mostrar que a Luísa
que eu vejo está aí dentro esperando para
sair.
Milhões de borboletas começaram a voar
no meu estômago neste momento, e posso
afirmar que não era pelo fato de estarmos
nas alturas dentro de um avião. Ele me
afetava cada vez mais, e eu não sabia como
lutar contra isso.
Marcelo
Eu sabia que estaria me expondo, mas eu
não poderia voltar agora. Eu arriscaria tudo
ou abriria mão dela, e esta última alternativa
não parecia ser uma opção para mim. Tentei
ser apenas o amigo, e a distância estava
funcionando bem, mas bastava olhar para
aqueles olhos escuros que eu mudava de
ideia. Quanto mais a conhecia, mais sabia
que ela não tinha a vida que merecia. Ela é
uma mulher que merece alguém que lhe faça
sorrir mais, que a faça se arriscar, cometer
erros e ser impulsiva. Eu preciso mostrar a
ela que não precisamos agir com precaução
e cautela em tempo integral.
Eu traçava seus lábios com as pontas dos
dedos, usando toda minha força de vontade
para não beijá-la. Esta vontade era cada vez
mais difícil de segurar.
— Por favor, não faz isso — ela pediu. —
Eu sou comprometida, e isso não é justo nem
comigo e nem com o Vinicius.
Eu sabia que não era justo, ao mesmo
tempo em que sabia que ela merecia muito
mais do que ela tinha, e eu não lutaria de
forma justa, mas desta vez eu esperaria pelo
momento certo.
— Tudo bem, Luísa, eu entendi. Desculpa.
Relutante, retirei minha mão de seu rosto e
virei para frente. Coloquei meus fones de
ouvido e fechei os olhos, I want you to want
me de Gary Jules tocava, me concentrei na
música para distrair minha mente. Eu sabia
que seus olhos estavam me observando, eu
sabia que era só virar para o lado e veria
aqueles olhos escuros próximos a mim. Eu
sabia que bastava um movimento e sua boca
estaria na minha, mas eu não queria começar
da forma errada. Era como o Pedro havia me
avisado, se ela tivesse certeza sobre o
namorado não me daria uma chance. Mas, se
ela tivesse qualquer sombra de dúvida,
então eu faria com que ela corresse para
meus braços.
— Nós chegamos — ela disse retirando
um dos fones do meu ouvido. — Já vamos
pousar em BH.
— Ótimo — respondi ainda de olhos
fechados.
Eu escutei um gemido frustrado e ela se
mexendo a todo o momento ao meu lado. Eu
sabia que ignorá-la iria frustrá-la. Eu já
percebi que era na hora da raiva que ela
falava o que sentia, então, eu só precisava
tirá-la de sua zona de conforto para que ela
admitisse alguma coisa por mim.
Nós desembarcamos e fomos para o hotel
de táxi. Eu permaneci calado o resto do
trajeto, falando apenas o necessário, o que a
deixava ainda mais incomodada. Na
recepção peguei a chave do quarto, esta
seria a primeira surpresa dela em nossa
viagem. Quando chegamos ao décimo oitavo
andar, e abri a porta do quarto, ela se virou
para mim.
— Por favor, Marcelo, não vamos deixar
as coisas ficarem confusas entre nós, tudo
bem? Vamos passar uma semana juntos, e eu
não quero que fique um clima estranho.
— Não se preocupe com isso, você tem
namorado e eu tenho que respeitar isso. Eu
entendi, e não será um clima estranho, eu te
prometo. Nós somos amigos, esta viagem
será tranquila.
Ela suspirou aliviada e ficou na ponta dos
pés, beijando minha bochecha. Eu tive
vontade de virar o rosto e beijá-la, mas ela
seria a responsável pelo nosso primeiro
beijo, eu iria levá-la ao limite.
— Obrigada por entender — ela disse
voltando para a porta. — Foi muita gentileza
sua me acompanhar até aqui, eu vou tomar
um banho e então te encontro para nossa
reunião às onze.
Eu segurei o riso e concordei com a
cabeça. Ela puxou sua mala para dentro do
quarto e fechou a porta. Esperei exatos dez
segundos e bati na porta.
— Esqueceu alguma coisa? — perguntou
ela com um sorriso doce nos lábios.
Ah, esse sorriso logo sairá daí. Por mais
que eu goste de vê-la sorrir, e tenha feito
uma promessa de manter esse sorriso em seu
rosto, não era o seu sorriso que eu queria
agora.
— Não, é só que você me deixou para
fora — anunciei ao passar por ela.
Ela ficou alguns segundos olhando o
corredor na porta, e se virou para mim. A
mala dela ainda estava na entrada, sinal
claro de que ela não deve ter visto as duas
camas no quarto. Um dos acordos que fiz
com a Carla foi esse: quartos duplos, nada
de dois quartos. Luísa passaria uma semana
comigo, poderia não dormir na mesma cama,
mas não teria nenhuma parede nos
separando.
— Espera aí, o que? — ela perguntou me
seguindo. Seus olhos demoraram um pouco
para visualizar o quarto e perceber as duas
camas. — Não, nada disso. Nós vamos
dormir juntos?
— Juntos não, apenas no mesmo quarto.
Você tem uma cama de casal inteira para
você, e eu tenho uma para mim. Qual você
prefere, a da esquerda ou a da direita? —
Ela permanecia parada no meio do quarto,
olhando para as camas. — Anda logo, Luísa,
se você não escolher então eu vou entender
que para você tanto faz. — Esperei por mais
alguns segundos, seus olhos confusos
olhando para mim, e eu tentei não rir da sua
cara de desespero. — Bom, você já teve o
seu tempo, então vai ficar com a cama da
direita.
Cai de costas na minha cama e peguei meu
celular, colocando o despertador para três
horas depois. Arrumei meu travesseiro e
fechei os olhos, esperando por alguma
reclamação, mas o quarto ficou em silêncio.
Por um momento pensei que ela havia saído
dali, meus olhos estavam fechados, mas
meus ouvidos prestavam atenção em cada
movimento. Se uma agulha caísse, eu tenho
certeza que escutaria. Poucos minutos depois
eu ouvi um barulho de zíper, abri meus olhos
lentamente e a vi agachada ao lado da mala
mexendo em suas roupas. Quando ela se
levantou eu fechei os olhos, e segundos
depois ouvi a porta do banheiro se fechar e
o chuveiro ligar. Imaginá-la no chuveiro a
uma porta de distância era pior do que eu
imaginava.
Eu poderia imaginá-la nua agora. A água
caindo sobre seu corpo e deslizando sobre
sua pele clara. Conseguia visualizar aquelas
mãos pequenas lavando o cabelo escuro, e o
sabonete passeando sobre cada centímetro
que minhas mãos queriam tocar. Aqueles
pensamentos começaram a me deixar duro,
visualizá-la em minha mente não foi uma boa
ideia, e ouvir o barulho da água caindo só
piorava. Eu me virei de barriga para baixo e
apoiei o travesseiro em minha cabeça,
tentando pensar em mil coisas diferentes que
pudessem me distrair. Pensei nos clientes, no
vovô, no Lucas. Eu estava me acalmando,
quando a porta do banheiro abriu e aquele
cheiro de shampoo invadiu o quarto. Eu
queria levantar o travesseiro e vê-la, mas
tinha certeza de que se ela estivesse apenas
de toalha eu não iria suportar. Forcei meus
olhos o máximo que pude e me obriguei a
pensar em tudo que não fosse ela.
Meu despertador tocou e eu tateei minha
cama a procura dele, enquanto meus olhos
pesados ainda não me deixavam enxergar.
— Está embaixo do seu travesseiro, não
vai encontrá-lo assim — avisou Luísa.
Eu tateei embaixo do meu travesseiro e
apertei o botão para desligar. Parecia ter
passado segundos e não horas. Rolei para o
lado e procurei por Luísa, que estava
sentada no chão. Ela estava com as pernas
cruzadas em frente ao guarda-roupa,
passando alguma coisa nos olhos com o
rosto colado ao espelho da porta.
— O que você está fazendo aí? —
perguntei rindo.
— Só tem este espelho ou então o do
banheiro, e como pensei que você poderia
querer usar lá, estou usando esse daqui.
Eu ri chamando sua atenção.
— Você pode usar o espelho do banheiro
se quiser, não tem problema.
— Não será necessário — ela avisou,
voltando sua atenção para alguma coisa nos
olhos. — Você já está atrasado, nós
marcamos a reunião para ás onze da manhã
na V.D.A. e já são dez horas.
— Você não dormiu?
— Não consegui.
— Por quê?
Ela deu de ombros e pegou o celular,
digitando alguma coisa. Fui para o banheiro
e demorei um pouco mais do que previsto
embaixo do chuveiro. Quando sai apenas
com a toalha em volta da minha cintura, fui
até a mala procurar por uma cueca. Eu sabia
que ela estaria olhando, mas evitei verificar.
Não queria que ela ficasse constrangida por
pegá-la observando. Quando soltei a toalha
para colocar minha cueca eu ouvi alguma
coisa caindo.
— Quebrou alguma coisa aí? —
perguntei, espirrando meu desodorante e
olhando para ela.
Ela negou com a cabeça fingindo procurar
algo no chão, evitando olhar diretamente
para mim. Segurei minha risada e lentamente
coloquei minhas roupas, enrolando o
máximo que podia. Calcei meus sapatos e
parei atrás dela, que ainda estava sentada no
chão passando batom.
— Você ainda está nisso, Luísa? Já fiquei
pronto, e você disse que eu estava atrasado.
Ela me olhou através do espelho e
mostrou a língua. Estava com uma blusinha
sem decote, mas suas pernas mostravam tudo
o que a blusa escondia. Tentei não pensar
muito no vento batendo e levantando aquele
pedaço de tecido de saia tão curto. Quando
ela finalmente ficou pronta nós descemos
para o saguão, esperamos pelo nosso carro
alugado, e nos dirigimos ao prédio da
V.D.A.
— Eu não vi você passar perfume — eu
disse a ela quando parei em um semáforo.
Eu sabia que ela estava com ele, eu sentia
seu cheiro dentro do carro, mas eu precisava
de uma desculpa para me aproximar. —
Ficou tanto tempo se arrumando e vai fedida.
— Eu passei sim — ela anunciou
cheirando os pulsos. — Você estava no
banho.
— Me deixa confirmar.
Aproximei meu rosto do pescoço dela,
inalando seu cheiro. Eu sabia que isso
afetava mais a mim do que a ela, mas eu
usaria todas as armas que podia. Passei a
ponta do meu nariz por seu pescoço e deixei
um beijo atrás de sua orelha. Seus ombros
encolheram e ela respirou fundo, eu sabia
que ela não seria imune a mim. Ela me
empurrou para meu banco e cruzou os
braços.
— Você disse que se comportaria,
Marcelo. Mas, esse negócio de mesmo
quarto e aparecer de toalha não é nada
comportado.
Segurei minha risada e voltei a dirigir
quando o sinal do semáforo abriu.
— Você não dorme com a Carol e o Rafa?
— É claro que sim, mas é diferente.
Olhei rapidamente para ela, que estava
concentrada na janela.
— Diferente como, não somos amigos?
— Sim, mas não é a mesma coisa.
Eu procurei por sua mão e a levei até
minha boca, depositando um beijo.
— Luísa, não se preocupe. Você já traçou
uma linha e eu não vou cruzá-la. Esta será
uma viagem de amigos, apenas isso.
— Você não joga limpo.
Eu não jogaria limpo, pelo contrário. Eu
usaria todas as cartas nesse jogo.
Luísa
Estávamos subindo o elevador em
silêncio, eu não conseguia olhar para o
Marcelo e não sentir minhas bochechas
queimarem. Quando estava me maquiando
ele saiu do banheiro enrolado em uma
toalha, e eu via a água escorrendo por suas
costas e braços. Eu pensei que tinha
esquecido a roupa e iria se trocar no
banheiro, nunca me passou pela mente que
ele se trocaria ali. Não vou dizer que não
olhei, mas quando percebi a toalha caindo
no chão eu desviei a atenção. Ele havia feito
uma promessa de não invadir meu território,
mas depois de hoje, eu estava custando a
acreditar em suas palavras.
— Este é o escritório da V.D.A., certo? —
perguntei folheando os papéis em minhas
mãos, com o nome dos três.
Marcelo segurou a porta do elevador
quando chegamos ao andar.
— Exatamente, aqui vamos conversar com
os sócios da rede de hotelaria que estamos
hospedados.
Suas mãos circularam minha cintura para
me conduzir pelo ambiente, mas eu
rapidamente puxei suas mãos para o lado e
me afastei. Eu já tive contato o suficiente
com ele, precisava de distância. Ele olhou
para mim questionando meu comportamento,
e antes que eu pudesse falar qualquer coisa,
uma mulher se aproximou.
— Bom dia, eu sou Bárbara — ela se
apresentou. — Eu irei conduzi-los até a sala
de reunião.
Bárbara era uma morena de cabelos e
olhos escuros, praticamente da minha altura,
mas seu corpo era mais curvilíneo e seios
mais avantajados. Ela sorria para nós
enquanto atravessávamos o corredor.
— Vocês querem alguma coisa? Um café,
uma água — ela ofereceu.
Eu neguei com a cabeça.
— Eu aceito um café, se possível —
Marcelo respondeu.
Bárbara sorriu para ele e piscou, antes de
sair. Entrei na sala e olhei para tudo em
volta. Era muito parecida com a nossa sala
de reunião, com uma grande tela plana na
parede e uma mesa redonda no centro com
dez cadeiras. Antes mesmo que pudéssemos
sentar, três homens engravatados entraram na
sala. Um deles se aproximou e estendeu a
mão para mim.
— Bom dia, eu sou Sebastian Vaughn.
Sebastian tinha o cabelo curto em um tom
escuro de loiro e claros olhos verdes. Ele
sorria para mim, e era impossível não sorrir
de volta. Era um homem muito bonito, que
provavelmente chamava a atenção de todas
as mulheres quando entrava em algum lugar.
— Bom dia, Senhor Sebastian. Eu sou
Luísa Castelli.
— Estes são meus sócios, senhorita Luísa,
Matheus Amorin e Cleber Dantas.
Matheus acenou com a cabeça de onde
estava, e se sentou em uma cadeira do outro
lado da mesa. Ele também tinha os olhos
claros como os de Sebastian, mas o cabelo
era mais claro e o corpo mais magro.
— Espero que sua hospedagem esteja
sendo boa, Luísa — disse Cleber ao me
cumprimentar com as mãos.
Cleber tinha o cabelo mais curto dos três,
quase raspado e muito escuro, mas seus
olhos também eram claros. Não em tons de
azul como os de Matheus, seus olhos eram
verdes e seu corpo era tão grande quanto o
de Sebastian. Aqueles homens deveriam
criar um problema e tanto por aqui.
— Seus hotéis têm um excelente
atendimento, obrigada, senhor Cleber.
Sebastian e Cleber cumprimentaram
Marcelo e foram para o outro lado da mesa,
ao lado de Matheus. Eu percebi que ele foi o
único que não havia cumprimentado a nós, e
suspeitei que ele fosse o mais reservado dos
sócios.
— Os senhores Schmidt e Martinelli
entraram em contato — comentou Matheus.
— É uma lástima o que aconteceu com
vocês, espero que isso se resolva o mais
rápido possível.
Marcelo respirou aliviado acenando com
a cabeça.
— Muito obrigado pela compreensão,
senhor.
Bárbara entrou na sala mantendo seus
olhos fixos em Marcelo, ignorando
completamente a confusão de seus chefes.
— Aqui está seu café — ela ofereceu,
colocando uma bandeja em sua frente. — Se
quiser açúcar ou adoçante os sachês estão na
bandeja. Qualquer coisa que precisar é só
me dizer.
Marcelo tomou um gole e sorriu para ela.
— Muito obrigada, Bárbara, está perfeito.
Fez exatamente como eu gosto, forte.
— E o nosso café, cadê Bah? —
perguntou Matheus.
— A sua xícara está suja na pia, a
Gilcelle ainda não foi lavá-la e nem jogou
água fervida — ela comunicou, em direção à
porta. — E eu sou paga para servir café e
não lavar a louça. Então se quiser que eu
traga em um corpo descartável eu posso
trazer, você quer? — Ela olhou para ele,
assim como todos nós esperando por uma
resposta, Matheus negou com cabeça. — Foi
o que pensei.
Ela piscou para Marcelo mais uma vez e
saiu da sala. Eu tentei segurar o riso que se
formou em minha boca, ela se parecia muito
com a Carla.
— Ela está andando muito com a Gilcelle
— Cleber comentou rindo.
Passados alguns minutos, quando
estabelecemos a nova sociedade dos
advogados e confirmamos todas as
procurações dos processos em nome da
V.D.A., uma ruiva entrou na sala em um
rompante. Ela tinha o cabelo ondulado e
vermelho como fogo, e grandes olhos
castanhos.
— Mas, que diabos é que ninguém
consegue entender que estamos tendo uma
reunião séria aqui? — Sebastian perguntou,
batendo a mão na mesa. — Primeiro foi a
Bah, agora você, Gilcelle?
— Eu não acredito que vocês fizeram a
reunião sem nos avisar — ela gritou, ligando
a TV. — Sorte minha e azar de vocês que
temos a Bah. Nossa sociedade é meio
esquisita, mas às vezes dá certo.
Ela ligou a TV e começou a digitar algo
no notebook à sua frente, conectando a uma
tela de Skype. No começo eu não consegui
entender muito bem, mas quando a tela ficou
nítida eu vi uma mulher ao fundo, sentada na
cama e amamentando uma criança em seu
colo. Ela era linda, cabelos longos e
cacheados. A ruiva se afastou e foi para a
cadeira ao fundo da sala, se sentando e
ficando de frente à tela de TV. As duas se
olhavam com largos sorrisos nos lábios, uma
em cada ponta da mesa, como se fossem
nossas chefes em uma reunião importante. E
pelo que eu podia notar, elas eram quem
comandavam este lugar. Cleber segurava o
riso olhando para os amigos ao seu lado,
Matheus fixou os olhos em Gilcelle
balançando a cabeça como se reprovasse
seu comportamento, e Sebastian se levantou,
batendo as mãos mais uma vez na mesa.
— O que é isso, Celina? — ele perguntou
aos gritos. — Você prometeu que ficaria em
casa descansando, o médico disse para ficar
de resguardo.
— Não grite comigo deste jeito, eu estou
em casa, como prometi.
— Mas, devia estar repousando.
Celina sorriu para ele na webcam e
apontou para a criança colo.
— Eu estou na cama, não está vendo?
Mais repouso que isso eu não posso fazer.
Ele suspirou derrotado e sentou
novamente em sua cadeira.
— Desculpem por este transtorno, esta é
minha mulher, Celina, nossa filha nasceu há
poucos dias.
Eu senti pena daquele pobre homem,
Celina mesmo em casa e com um bebê de
colo, conseguia passar a perna no marido.
Eu tinha a leve sensação de que ele jamais
conseguia controlá-la.
— Não se preocupe com isso, nós
entendemos — respondi para ele e me virei
para a TV. — Parabéns pela filha de vocês,
Celina, eu sou a Luísa.
— Obrigada, Luísa, Nath é linda, veja.
Ela levantou a filha que estava de olhos
fechados, mas ainda fazia bico de quem
estava mamando. Eu notei o rosto dos três
sócios, e não poderia dizer quem babava
mais, se era a criança ou eles. Sebastian que
antes parecia explodir de raiva, olhava para
a filha suspirando. Cleber estava com as
mãos apoiadas no queixo e sorrindo para a
menina, até mesmo Matheus que eu pensava
ser o mais reservado, tinha um rosto
apaixonado.
— Ela é realmente linda, Celina —
comentou Marcelo. — Fico feliz por você.
Celina voltou a deitar a filha, que
rapidamente voltou a amamentar.
— Obrigada, Marcelo, você que me
ajudou quando tive aqueles problemas com
meu livro na época do Sebastian, sabe o
tanto de estresse que passei.
— Sim, eu sei, e foi um prazer ajudá-la.
Por isso fico feliz que tudo deu certo pra
você.
— Ok, agora que todo mundo já se
apresentou e nós vimos a adorável Nath,
vamos seguir com a reunião — interrompeu
Gilcelle. — Onde estávamos?
— Já está tudo acertado, antes mesmo de
vocês entrarem aqui — respondeu Cleber.
— E o que é que foi decidido? —
perguntou Celina.
Cleber suspirou balançando a cabeça.
— Nós vamos manter nosso contrato com
eles, eles continuam sendo nossos
advogados.
Celina sorriu triunfante, como se tivesse
ganhando uma batalha.
— Que bom que vocês não foram
estúpidos desta vez e fizeram a coisa certa.
Eu jamais aceitaria que vocês rompessem o
contrato com eles depois de toda a ajuda que
tive do Marcelo.
Ela pegou um bracinho da Nath dando
tchau, fazendo com que todos olhassem para
tela.
— E quando foi que nós agimos como
estúpidos? — comentou Matheus.
Celina fez um movimento com a Nath com
os braços, como se tivesse arremessando
algo e uma bola de papel acertou a cabeça
de Matheus. Todos eles olharam assustados
para o amigo, que coçava a cabeça e olhava
para Celina.
— Como foi que você fez isso? — ele
perguntou confuso.
Eu ri para Gilcelle, que piscou para mim.
Eu a vi arremessando, mas tinha entendido
que isso era quase como uma arma secreta
delas, e eu não podia contar. Celina deu de
ombros e sorriu para a Nath.
— Muito bem filha, jamais deixe o Tio
Matt mentir. Sempre que ele fizer alguma
coisa de errado, mire na cabeça dele.
Cleber riu chamando a atenção de todos.
— Ela é uma bruxinha, exatamente como a
mãe. E esta veio evoluída, ela arremessa
coisas de outro ambiente, não tem outra
explicação — ele comentou se virando para
Sebastian e batendo no ombro do amigo. —
Você está com sérios problemas.
Sebastian engoliu em seco e continuou
olhando assustado para a filha.
— Eu estou preocupado, ela não tem nem
tamanho ainda e já está arremessando
coisas, ela é uma miniatura da Celina, aliás,
de todas as mulheres daqui.
Gilcelle levantou foi para o lado da TV.
— Não fale besteiras, Sebastian, se a
Nath for como nós você terá sorte.
Ela bateu a mão na tela como se tivesse
comemorando com a Celina, que segurou o
bracinho de Nath e bateu na webcam. Elas
eram realmente amigas, e elas
definitivamente eram quem comandavam
estes homens.
— Agora eu vou pôr a Nath para dormir,
adorei esta reunião. Quando quiserem passar
aqui em casa estão convidados — disse
Celina se despedindo.
Gilcelle desligou o computador e parou
em frente ao Marcelo, esticando as mãos.
— Foi um prazer fazer negócios com você
— ela o cumprimentou e depois se virou
para mim, apertando minhas mãos. —
Aposto que o estúpido do Matheus não te
cumprimentou decentemente, então eu o faço.
— Controle sua mulher, homem —
comentou Cleber. — Já não bastava Celina,
agora teremos a Gilcelle se intrometendo em
tudo?
Gilcelle andou até a porta e parou,
olhando para os três.
— Até depois, estúpidos. E você está me
devendo 50 mil, Matheus, por não ter
avisado desta reunião — comunicou ela
piscando para ele. — Você já sabe o número
da minha conta.
Os três pareciam não saber como agir, ou
o que falar. Mesmo que já tivéssemos
combinado tudo antes de Gilcelle e Celina
interferir, eu tinha a sensação de que o
acordo foi fechado com a palavra final
delas. Esta foi a reunião mais esquisita e
divertida que eu participei.
— Bah, os acompanhe até a saída, por
favor — disse Cleber ao meu lado. —
Obrigado por toda a ajuda até o momento, e
qualquer coisa que precisarem nos avisem.
Ele saiu junto com os outros sócios e nos
deixaram na recepção com a Bárbara, que
rapidamente se aproximou de Marcelo,
parando ao lado dele. Marcelo a olhou nos
olhos, como se estivesse tentando se lembrar
de algo.
— Eu tenho quase certeza de que te
conheço de algum lugar — ele comentou.
Bárbara riu e colocou a mão no rosto de
Marcelo, acariciando sua bochecha.
— Dos seus sonhos.
Eu estava rindo quando a porta do
elevador se abriu e uma morena entrou. Ela
era muito curvilínea, mais do que a Bah, e
também tinha cabelos e olhos escuros.
— Suzana, finalmente — gritou Gilcelle
parando ao nosso lado. — Mas, a reunião já
acabou.
— Eu vim assim que recebi sua
mensagem, então neste caso vamos almoçar,
você precisa me contar o que aconteceu na
viagem.
Bárbara voltou para sua mesa e pegou
uma bolsa.
— Neste caso vamos nós três, eu também
quero saber.
Marcelo segurou a porta do elevador para
que todas nós entrássemos.
— Obrigada — disse Gilcelle ao apertar
o botão da portaria. — E antes que eu
esqueça, estes são Luísa e Marcelo, os
advogados da reunião que te avisei. Esta é
Suzana, ela é a namorada do Cleber.
Marcelo acenou com a cabeça e cruzou os
braços.
— Entendi. A Celina é a mulher do
Sebastian, a Suzana do Cleber, e você do
Matheus? — ele perguntou.
Eu, Bárbara e Suzana rimos. Gilcelle
negava com a cabeça.
— É claro que eu não sou daquele
estúpido, eu não sou de ninguém.
— Eu estou tendo minhas dúvidas, basta
vocês viajarem com os chefes que voltam
todas apaixonadas — comentou Bárbara.
Suzana concordou com a cabeça e se
virou para mim.
— Exatamente, veja o exemplo da Celina
e do Sebastian, e agora vocês dois, eu fui a
única que fugiu do padrão — Suzana
comunicou com um sorriso. Ela se virou
para nós. — Vocês namoram?
Marcelo cruzou os braços e sorriu,
esperando pela minha resposta. Eu de
repente odiei o rumo daquela conversa. Isso
de viajar com chefe e voltar apaixonado era
algo que eu não estava gostando.
— Não, eu já namoro — contei a elas. —
Nós só estamos viajando a negócios.
Gilcelle bateu no meu ombro e sorriu com
compaixão.
— Pobre garota.
Bárbara imitou Gilcelle, batendo em meu
ombro e acompanhou a amiga.
— Boa sorte — disse Suzana para
Marcelo, e então saiu do elevador, mas não
sem antes bater no meu ombro.
Esta definitivamente tinha sido a manhã
mais estranha de todas.
— Eu gostei delas — comentou Marcelo
ao entrar no carro. — Viu como essa coisa
de viajar com o chefe pode ser perigosa?
— Cale a boca e dirige.
— Não passou nem uma hora neste prédio
e já está agindo como elas? Isso pode ser
contagioso.
Eu peguei minha bolsa e joguei nele, o que
o fez rir ainda mais.
— Vamos logo.
— Eu disse, isso é contagioso, vou tomar
cuidado com a sua mira de hoje em diante.
Capítulo 20
Marcelo
Estávamos de volta ao hotel depois de
um dia cheio de reuniões e encontros de
negócios. Visitamos três clientes, mas
nenhum dos dois encontros da tarde superou
a reunião na V.D.A., aquela foi de longe a
mais engraçada e estranha que tivemos.
Eu tomei banho primeiro e deitei na cama
para ver TV, esperando por Luísa. Ela saiu
enrolada em um roupão do hotel e deitou em
sua cama, como se tivesse prestando atenção
na TV também.
— Tem algum canal que quer assistir? —
perguntei quando percebi que ela fazia
careta para cada cena de sangue que
aparecia na tela.
— Não, pode deixar aí se quiser.
Mudei os canais até achar a Warner
passando Friends.
— Ah, bem melhor — ela disse com um
sorriso nos lábios. — Eu posso ver mil
vezes esse seriado que nunca vou enjoar.
Ela cruzou as pernas olhando para a TV,
mas ficou massageando os pés com as mãos
enquanto repetia as falas com a Phoebe.
Seus pés deviam estar doendo, já que ficou
de salto o dia todo e só descansou agora,
mais de onze horas da noite. Aproveitei que
ela estava distraída vendo o seriado e puxei
sua bolsa de mão que estava no criado-mudo
entre as camas e procurei por um creme.
— O que você está fazendo? — ela
perguntou quando percebeu que eu me sentei
em sua cama.
— Estica os pés.
Ela puxou o roupão e me olhou por um
longo momento. Quando percebeu que eu
não fiz nenhum movimento sobre ela,
encostou-se à cabeceira e esticou as pernas
no meu colo. Eu coloquei um pouco dos
cremes em minhas mãos e apertei a sola de
seu pé com meus dedos. Um gemido baixo
escapou de seus lábios quando meus dedos
alcançaram um ponto sensível em seus pés, e
tentei ignorar o fato de que minha cueca
começou a ficar apertada ao ouvi-la. Era
difícil vê-la tão relaxada, de olhos fechados
e gemendo em minha frente. Havia partes em
meu corpo que acordavam por conta própria
quando eu estava com ela. Quando percebi
que já estava duro o suficiente, e que não
conseguia mais suportar ouvir aqueles
gemidos sair de seus lábios corri para o
banheiro tomar um banho de água fria. Eu
precisava esfriar a cabeça e outras partes do
meu corpo antes de voltar para o quarto.
Quando voltei para o quarto enrolado na
toalha ela já estava de pijama, lendo um
livro e ignorando totalmente minha presença.
Desta vez ela não olhou uma vez sequer para
mim, como se soubesse que eu estava apenas
de toalha novamente. Peguei uma cueca da
minha mala e fui para debaixo do edredom.
— Você quer que eu apague as luzes? —
ela perguntou quando eu fechei meus olhos.
— Eu posso ler com a luz do abajur.
— Não precisa, pode continuar sua
leitura. Aliás, qual o livro de hoje?
— Ironia do dia de hoje ou não, mas é a
história de uma secretária que viaja com o
chefe, só que ela descobre que ele tem uns
gostos bem peculiares com relação à forma
como ele gosta de sexo. Bom, neste caso é
mais em relação a quem ele gosta de fazer
sexo.
Eu abri os olhos segurando a risada que se
formou em meus lábios.
— Como assim? O cara é gay?
— Não, ele gosta de sexo com mais de
uma pessoa, e ele a leva a clubes e coisas
assim, e divide ela com um amigo dele, o
que é realmente sexy. Mas, o que me deixa
mais apaixonada pela história são as
músicas que a autora cita no livro, eu acho
que já decorei todas elas, principalmente a
do casal.
— Canta para mim — eu pedi.
Ela me olhou rindo, fechou o livro e
apagou as luzes.
— Não vou cantar, não sei espanhol.
— Você disse que decorou, então sabe a
letra.
Ela permaneceu em silêncio, e percebi
que ela não iria cantar, mas eu queria deixar
o sono me levar ao som da voz dela.
— Você já pensou em algo assim? — eu
perguntei, depois de um tempo em silêncio.
— Está falando do que?
— Sexo com várias pessoas, sabe,
ménage ou swing, essas coisas.
Ela riu e ficou em silêncio por um longo
tempo, até mesmo pensei que ela havia
dormido, mas então escutei o lençol de sua
cama se mexer.
— Eu acho que se eu confiasse muito na
pessoa, poderia arriscar algumas coisas,
mas sou ciumenta e monogâmica demais
para dividir.
Não vou negar que a parte do monogâmico
foi algo que ela deixou bem claro para mim
nesta frase, mas eu não esperaria algo
diferente dela. Até porque, eu não queria que
ela traísse o Vinicius, eu queria que ela
percebesse que merecia mais do que ele e
terminasse para ficar comigo. Eu a faria me
escolher.
Eu senti uma movimentação na cama, mas
tinha quase certeza de que ainda estava
dormindo. Um barulho ao fundo estava
tocando, mas eu não conseguia identificar o
que era.
— Marcelo, acorda.
Eu ouvia uma voz distante, mas este
provavelmente deveria ser aqueles sonhos
estranhos que tinha com a Luísa. Virei para o
lado e tentei voltar a dormir.
— Marcelo, que merda, acorda. Atende a
porcaria do telefone.
Eu abri meus olhos aos poucos com o
susto de alguém gritando tão perto da minha
orelha. Luísa estava quase deitada sobre
mim, procurando por algo no meu
travesseiro. Ela o puxou debaixo da minha
cabeça e praticamente deitou sobre mim,
para alcançar algo do outro lado da cama.
Eu sentia seus seios encostando-se ao meu
peito, e aquele fino pedaço de tecido do seu
pijama não conseguiu disfarçar o fato de ela
estar sem sutiã. Eu forcei meus olhos a se
fecharem e respirei fundo, tentando ignorar o
fato de ela estar em cima de mim.
— Alô? — ela disse quando um barulho
que eu ouvia ao fundo do meu sono parou de
tocar. — Oi, Biel, bom dia. Desculpa ter
atendido, mas seu primo estava hibernando
aqui e não ouvia a porcaria do telefone. Eu
vou passar para ele.
Eu senti algo sendo jogado sobre meu
peito e abri meus olhos. Luísa havia voltado
para a sua cama e não pude deixar de notar o
minúsculo shorts de seu pijama. Esta viagem
não parecia uma ideia tão boa agora, quando
meu pau me avisava a cada segundo do que
eu não podia tocar. Respirei fundo, me
acalmando novamente e peguei meu celular.
— Fala, Biel.
— Por que é que a Luísa atendeu o seu
telefone? — ele gritou do outro lado da
linha. — Por favor, não me diga que vocês
estão dormindo juntos. Que merda você fez?
Eu pedi para a Carla providenciar nossos
quartos e pedi discrição por este pedido,
fiquei feliz que ela não havia contado nada.
Mas agora, explicar isso para meu primo
seria um problema.
— Estamos em um quarto duplo, ela está
dormindo na sua própria cama, não se
preocupe.
— O vovô sabe disso? Cara, toma
cuidado. Ela namora, você esqueceu?
— É claro que não, e não precisa fazer
disso uma grande coisa, depois eu te
explico. Por que ligou?
— Só queria saber como foi nas reuniões
de ontem, você ficou de me enviar um
relatório à noite e não recebi nada.
— Eu me esqueci de enviar, mas fechamos
acordo com todos eles, continuam sendo
nossos clientes.
Biel respirou aliviado do outro lado da
linha, e eu entendia aquilo. Ele se sentia
culpado pelo que havia acontecido, e a cada
cliente que conseguíamos manter, ele sentia
um peso a menos nas costas.
— Está tudo indo bem, nós vamos
conseguir nos reerguer. Como você está? —
eu perguntei.
— Já estive melhor.
— Vai passar, é só uma fase ruim.
— Espero que sim — ele disse, depois de
um longo suspiro. — Eu vou desligar, estou
indo para o escritório e vou avisar os outros
sobre suas reuniões. Se comporte aí, e não
faça nenhuma merda com a Luísa.
Virei para o lado, apenas para vê-la de
olhos fechados como se tivesse voltado a
dormir.
— Eu vou tentar.
— Estou falando sério, Marcelo. Juízo.
Eu desliguei o telefone e virei de lado,
aproveitando que a Luísa ainda estava com
os olhos fechados. Ela pegou no sono logo
em seguida, e deixei que ela aproveitasse
mais alguns minutinhos de soneca. Depois
do meu banho pedi pelo café da manhã no
quarto. Ajoelhei ao seu lado na cama e
deixei a bandeja de lado. Estiquei-me para
pegar uma flor de plástico que havia em um
vaso do criado-mudo e passei pelo rosto de
Luísa. No começo ela fez careta, depois riu
protegendo o rosto com as mãos.
— Para com essa porcaria, por que está
passando isso no meu rosto? — ela
perguntou.
— Bom dia para você também, sempre
acorda bem-humorada de manhã?
— Cale a boca.
Eu joguei a flor de plástico sobre a
bandeja e peguei uma bolacha.
— Bom, neste caso, eu vou ter que comer
sozinho e você pode descer no buffet se
quiser tomar o seu café da manhã.
Ela olhou para as xícaras, lanches e frutas
sobre a bandeja e um largo sorriso se abriu
em seu rosto.
— Você pediu isso para nós?
— Eu pedi, mas acho que você não está
merecendo.
Eu me levantei da cama dela e fui para a
minha, levando a bandeja comigo. Ela
rapidamente se levantou de sua cama e pulou
na minha, alcançando uma torrada e
passando geleia.
— Quem deixou você roubar minha
comida? — eu perguntei, tirando a torrada
de suas mãos.
Ela olhou para mim com os olhos
semicerrados e pegou outra torrada, que
novamente foi roubada.
— Deixa de ser chato, Marcelo. Você não
vai comer tudo isso sozinho.
— Você que pensa.
Ela pegou outra torrada e passou geleia,
mas quando eu fui tirar de suas mãos ela
rapidamente se levantou e correu pelo
quarto. Quando ela me viu se aproximando
colocou todo o pedaço da torrada na boca e
pulou sobre sua cama, fugindo de mim. Eu
alcancei os pés dela e a puxei, caindo sobre
seu corpo. Ela colocava as mãos na boca
rindo, tentando não cuspir a torrada. Ela
estava presa embaixo de mim, com a boca
cheia, o cabelo bagunçado e ainda assim eu
achava aquela cena ridiculamente linda. Eu
não vou negar que vê-la maquiada era algo
bonito, mas vê-la assim ao natural, era algo
que realmente me impressionava. Quando
ela finalmente engoliu a torrada, usou as
mãos para fugir, mas eu segurei seus braços
ao lado da cabeça e deixei que ela se
debatesse.
— Me solta — ela pedia ainda tentando
me chutar.
— Não sei, você roubou minha comida, eu
acho que merece ficar aqui presa.
— O que eu tenho que fazer para você me
soltar e me deixar comer em paz?
Eu abaixei meu rosto e me aproximei dela,
e pude notar aos poucos sua expressão
mudar. Aquele sorriso leve e descontraído
foi substituído por um sorriso nervoso, e
seus olhos divertidos deram lugar a um olhar
curioso e atento. Eu afundei meu rosto em
seu pescoço e passei o nariz por sua
clavícula. O cheiro dela era algo que me
deixava inebriado, mas este cheiro de quem
havia acabado de acordar era melhor ainda.
Aos poucos ela foi parando de se debater
sobre mim, suas mãos não faziam mais força
e seus pés pararam de chutar. Distribui
beijos por todo seu pescoço até seu ombro,
mordendo de leve sua pele, e percebia sua
respiração ficando mais pesada a cada
segundo.
— Marcelo, não — ela sussurrou quase
inaudível. — Por favor, não.
Eu fechei meus olhos e deixei minha
cabeça cair sobre seu colo, tentando resistir
à vontade que eu tinha de ir adiante. Eu
estava querendo empurrá-la ao limite, mas
este teste estava sendo o inverso. Eu era
quem estava sempre no limite de tudo. Rolei
para o lado e deixei que ela saísse de meu
domínio.
— Eu vou tomar banho — ela avisou ao
entrar no banheiro.
Eu precisava aprender a me controlar
perto dela, eu precisava mostrar que o corpo
dela reagia instantaneamente ao meu toque.
Eu só tinha que tomar cuidado para que eu
não explodisse nesse processo.
Luísa
Nós estávamos no carro, a caminho de
algum lugar que eu ainda não sabia onde era.
Marcelo apenas pediu que eu vestisse tênis e
roupas confortáveis, que iríamos conhecer
um pouco mais da região. Da outra vez em
que ele fez isso eu quase saltei no ar, eu
tinha até medo de querer a resposta quando
eu perguntava, mas a curiosidade sempre era
maior.
— Onde é que nós vamos mesmo? —
perguntei finalmente, depois de quase vinte
minutos olhando para a estrada.
— Apenas caminhar e desfrutar da
natureza, não vou fazer você pular de nada,
não se preocupe.
— Que bom, porque você teria que me
jogar lá de cima, eu jamais saltaria de algum
lugar de boa vontade.
Ele riu e continuou dirigindo. Nós
pegamos uma estrada para alguma cidade
vizinha, eu não tinha a mínima noção de
onde estávamos. Marcelo parou o carro em
uma beira de estrada, em um estacionamento
com outros carros, e aquilo me apavorava
ainda mais.
— Por favor, não diga que eles têm asa-
delta e essas coisas aqui em Minas também.
— É claro que não, já falei que não farei
você saltar de nenhum lugar hoje — ele
afirmou. Eu permaneci parada ao lado da
porta, com medo de dar um passo para longe
dali. Eu achava que era corajosa, mas
odiava pensar que Marcelo queria me testar
a todo o momento. — Para de ser medrosa,
nós só vamos caminhar. Anda logo.
Ele esticou a mão esperando por mim,
mas eu passei ao lado dele com as mãos no
bolso. Nenhum toque. Eu sentia que cada vez
que passava mais tempo próxima a ele, era
como uma traição ao Vinicius. Eu não
conseguia ver nada de inocente em suas
atitudes, nem na forma como ele me
conduzia aos lugares, ou como segurava
minhas mãos, nem mesmo como se
aproximava. Ele exalava tudo, menos
inocência. Eu sabia que ele estava me
testando, e eu odiava que meu corpo
correspondesse.
— E então, quem te indicou este lugar? —
perguntei.
— O pessoal lá do hotel, eles falaram que
aqui era o lugar mais próximo de onde
estávamos, e que tem uma cachoeira por
aqui. Pensei que seria uma coisa divertida
caminhar e explorar a natureza.
Olhei para ele, que estava carregando uma
mochila nas costas e sorrindo de tudo à sua
volta.
— Você precisa pensar melhor no que é
divertido, andar no meio do mato não é
exatamente divertido. E se tiver bichos?
Tipo cobras ou macacos loucos?
Ele riu.
— Você anda assistindo muito as meninas
super poderosas se está esperando por um
macaco louco por aqui.
Eu mostrei a língua para ele e
continuamos nossa caminhada. Andamos por
horas, ou ao menos foi o que pareceu para
mim. Teve subida, descida, escalar partes
complicadas, até mesmo pular alguns
obstáculos.
— Espera, eu preciso parar um pouco —
pedi pela segunda vez.
Marcelo esticou a garrafinha de água que
ele tinha na mochila e eu rapidamente a
alcancei.
— Até que demorou mais tempo dessa vez
para você cansar.
— Eu realmente preciso entender o que
significa o termo divertido para você.
Ele riu mais uma vez de mim e voltou a
caminhar. Eu fui atrás dele, mas sentia meus
pés sendo arrastados contra minha vontade.
A mãe natureza que me desculpe, mas eu não
nasci para ser aventureira. Quando fui pedir
para voltarmos ao carro e ir embora, eu vi a
paisagem mais linda de toda minha vida.
Havia uma grande cachoeira à nossa
frente, com as águas escorrendo pelas
pedras e um grande lago embaixo. Em nossa
volta não havia nada além de árvores, e
aquele lugar estava escondido no meio de
todo esse mato, como se realmente fosse um
lugar secreto. A água era tão cristalina, que
parecia até uma miragem.
— Uau, este lugar é lindo — sussurrei,
quase com medo de que se eu falasse alto
aquela linda paisagem iria embora.
— Me falaram que tinha uma cachoeira
linda neste lugar, mas isso é realmente
impressionante.
Marcelo tirou os óculos do rosto e sentou
sobre uma pedra à beira do lago, deixando a
mochila ao seu lado e olhando para tudo
maravilhado, quase tanto quanto eu.
Aproximei-me e sentei ao seu lado com as
pernas cruzadas, vendo toda aquela água
cair. Fechei os olhos e respirei fundo,
absorvendo o máximo que podia. O barulho
da água batendo nas pedras, os passarinhos
cantando à nossa volta, até mesmo o barulho
dos galhos das árvores.
— Eu te falei que no final a caminhada
iria recompensar — Marcelo comentou ao
meu lado. — Você precisa confiar em mim
mais vezes.
— Realmente, vou te dar este crédito, o
lugar é maravilhoso.
— Então vamos aproveitar.
Eu abri meus olhos apenas para vê-lo
ficar de pé e retirar a regata.
— O que você está fazendo? — Ele deu
de ombros, ao invés de me responder e tirou
o tênis e as meias. — Você não vai pular,
né? Marcelo, esta água deve estar muito fria.
— E daí? Está calor, tem sol, na pior das
hipóteses eu saio da água e fico aqui me
secando.
— Você é louco, mas se quer ir, boa sorte.
Ele se virou para mim e esticou os braços.
— Vamos comigo.
Eu ri dele e apoiei as mãos para trás, me
inclinando e fechando os olhos,
aproveitando o sol no meu rosto.
— Nem pensar.
— Qual é, você veio até aqui para ver
isso e não vai aproveitar?
Dei de ombros e mantive meus olhos
fechados.
— Nós temos cinco sentidos, eu acho que
posso aproveitar o lugar sem usar o tato.
— Você é quem sabe.
Ele ficou em silêncio por um tempo,
depois ouvi um barulho de algo caindo na
água. Levantei meu rosto e o vi mergulhar
naquele lago.
— Você é louco, esta água deve estar um
gelo.
— Não é exatamente uma piscina térmica,
mas não posso reclamar.
Ele acenou com a mão e voltou a
mergulhar, permanecendo embaixo da água
até voltar a aparecer na superfície com um
largo sorriso no rosto, como se fosse a
maior aventura de sua vida.
— Você deveria nadar, isso aqui é o
paraíso — ele disse ao se aproximar da
pedra onde eu estava sentada.
— Não, estou bem aqui.
— Deixa de ser medrosa, não tem jacaré
aqui para te pegar e se quiser eu posso te
manter aquecida aqui dentro.
Eu revirei os olhos para ele e deitei na
pedra.
— É por isso que eu não consigo confiar
em você.
— Eu estava brincando, você sabe disso,
eu não vou fazer nada.
— Continua.
— Com o que?
— A frase clichê, eu não vou fazer nada
que você não queira.
Eu ouvi sua risada mais próxima e sabia
que ele estava perto.
— Eu não vou fazer nada com você, e
apenas essa frase, eu prometo. Agora vem
para água, você vai se arrepender de não ter
aproveitado.
Eu senti meus tornozelos molhados e me
sentei rapidamente. Marcelo tirou meus tênis
mais rápido do que eu poderia ter imaginado
e puxou minhas pernas.
— Marcelo, me solta. Não faz isso.
— Tem cinco segundos para deixar os
óculos aí em cima e tirar a camisa.
Eu tentei puxar minhas pernas, mas ele as
segurava com força. Minhas mãos
procuravam por algo para me segurar, mas a
pedra era escorregadia e não me ajudava em
nada. Quando senti meus pés gelados da
água joguei meus óculos sobre a mochila
dele e prendi a respiração. Em questão de
segundos eu estava submersa.
— Seu idiota — gritei voltando a
superfície. — Esta água está um gelo.
Ele riu e piscou antes de se afastar.
— É só você se mexer que esquenta.
Eu estava tentada a sair da água e voltar
para a pedra, onde o sol batia e poderia
esquentar meu corpo, mas a sensação agora
já não era tão ruim assim. A água realmente
estava gelada, mas a visão ali era muito
mais bonita. Eu boiei olhando para o céu,
vendo os pássaros voarem, as árvores do
alto se mexerem com o vento, era tudo
realmente relaxante ali. Marcelo se
aproximou, eu podia ouvir suas braçadas na
água e ver alguns respingos.
— Ainda está brava? — ele perguntou ao
meu lado.
— Você é um idiota, mas realmente é
lindo aqui.
— Eu sei, e não podia deixar você ir
embora sem aproveitar isso.
Eu sorri, mas não respondi nada. Era
complicado que ele me fizesse odiá-lo por
algo e minutos depois amá-lo pelo mesmo
motivo.
— Vem comigo, Luísa.
Eu não sabia bem aonde ele queria ir, mas
nadei ao seu lado. Nós fomos em direção à
cachoeira e ele me ajudou a subir nas
pedras, onde ficamos embaixo da água que
caía. Era como tomar banho, mas em uma
água gelada e que realmente pesava no
corpo. Poucos segundos ali sobre as pedras
nós começamos a dançar como loucos, como
se realmente estivéssemos ouvindo nossa
música favorita. Ele segurou em minhas
mãos e começou a me rodar enquanto
fazíamos a coreografia de uma dança
imaginária. Não demorou muito estávamos
rindo de nós mesmo, e ainda sim, não
parávamos de dançar.
Meu pé deu um passo em falso e eu quase
escorreguei, mas os braços fortes de
Marcelo me seguraram. Na mesma rapidez
que começamos a rir, a nossa risada cessou.
Ele manteve um braço forte me segurando
contra ele, e a mão livre subiu para meu
rosto, afastando os cabelos molhados.
Aquela sensação de queimação em minha
pele piorou ainda mais quando olhei para
seus olhos. Ele tinha os olhos tão claros
quanto aquela água da cachoeira, mas eles
tinham um magnetismo me puxando para ele,
que era difícil de ignorar. Nós ficamos por
um longo tempo nos olhando, mas nenhum
dos dois se mexeu. Eu tinha medo de fazer
qualquer coisa, eu queria correr dali e ao
mesmo tempo eu não queria que seus braços
me soltassem.
— Eu odeio esse olhar — sussurrei. —
Eu realmente odeio a forma como você está
me olhando agora.
— Você não deveria odiar, este é um olhar
de alguém que te quer. Você deveria estar
acostumada a ser olhada assim.
Ele desceu a mão pelo meu braço e se
aproximou. Meu coração saltou no peito com
medo de seu próximo movimento.
— Eu prometi que não faria nada a você,
e não vou — ele sussurrou contra minha
pele. — Mas, isso não quer dizer que eu não
esteja esperando você agir.
Quando pensei em responder, ele pulou na
água novamente me levando com ele.
Voltamos à superfície buscando por ar, e ele
me abraçou por baixo da água. Suas mãos
seguraram minhas coxas e eu circulei sua
cintura com minhas pernas. Ele se manteve
ali, apenas com os braços nas minhas costas,
e era uma sensação que há muito eu não
sentia. De nervosismo, de mesmo fazendo a
coisa errada não conseguir se sentir culpada.
Como você pode odiar algo que te faz tão
bem? Eu deixei que ele segurasse e o
abracei também, passando meus braços em
volta do seu pescoço. Ficamos por um longo
tempo daquele jeito, guardando este
momento para nós.
— Eu acho que devemos sair, seus dedos
já estão enrugados iguais os da minha vó.
Um sorriso escapou de meus lábios ao
ouvi-lo. Ele permanecia me olhando daquela
forma que fazia meu corpo todo virar uma
bagunça, mas por mais que eu tentasse odiar,
eu amava aquele olhar. Nós voltamos para a
pedra onde estavam nossas coisas e
deitamos esperando o sol nos aquecer e nos
secar. Voltamos para o carro e nos
enrolamos nas toalhas que Marcelo trouxe.
— Eu quase morri congelada hoje, meus
dedos ainda estão enrugados, e perdi a conta
de quantos pernilongos morderam minha
perna — contei rindo. — Mas, foi uma tarde
maravilhosa. Obrigada por nos levar lá.
— Mesmo sendo lerda para caminhar
você foi uma boa companhia.
Eu bati em seu braço.
— Eu fui ótima.
Era fim de tarde e o sol já estava se
pondo, os carros já estavam com os faróis
ligados. Na pista ao lado alguns dos
motoristas começaram a passar por nós,
fazendo sinal com as luzes.
— O que será que é? — eu perguntei.
— Talvez seja alguma blitz logo à frente.
— Vai devagar então.
Quando fizemos a curva foi que eu entendi
porque os motoristas estavam nos avisando
de algo na estrada. Havia um caminhão
tombado e um carro logo à frente todo
amassado, com destroços na pista. Nós
deveríamos ir devagar e com cuidado, mas,
ao contrário do esperado, Marcelo acelerou.
Ele desviou de um pneu que havia na nossa
pista e fez a curva mais rápida do que o
normal. Olhei para o lado apenas para vê-lo
segurar o volante tão forte que seus dedos
estavam brancos.
— Marcelo, diminui — eu pedi.
Seus olhos não desviavam do para-brisa,
mas não parecia enxergar um palmo à sua
frente, ele estava muito longe dali. Eu me
agarrei à porta na segunda curva e todo meu
corpo foi jogado para o lado.
— Marcelo, por favor, encosta esse carro.
Quanto mais eu pedia, mais ele acelerava.
O marcador já estava passando de 180 km
por hora, e eu senti meu corpo colado ao
banco.
— Nós vamos bater — eu gritei. — Você
quer morrer? Marcelo, por favor, encosta a
porcaria desse carro.
Ele piscou, como se finalmente tivesse
saído do transe e jogou o carro no
encostamento. Ele freou tão bruscamente que
eu pude sentir o cheiro de borracha
queimada. O carro parou, mas ele continuou
segurando o volante e olhando para frente,
como se fechar os olhos ou até mesmo piscar
fosse algo difícil. Sua respiração estava
pesada, eu podia ver seu peito subindo e
descendo de forma irregular. Aos poucos,
tudo começou a fazer sentido.
— Marcelo, fala comigo — pedi ao
colocar minha mão sobre a sua, que estava
mais gelada do que quando saímos da água.
— Ei, fala comigo, por favor.
— Eu não — ele começou com sussurro
— eu não consigo, me desculpa.
Seus olhos fecharam e ele encostou a
cabeça no banco. Seu rosto estava
contorcido, como se realmente estivesse
sendo ferido, e a dor era demais para
suportar. Eu não aguentei vê-lo daquela
forma e soltei meu cinto. Eu lutei com suas
mãos, que não queriam soltar do volante e
finalmente sentei em seu colo e o abracei.
Ele demorou a reagir, mas me abraçou com
força logo em seguida, chorando no meu
pescoço. Eu respirei fundo tentando me
controlar, pois minha vontade era de chorar
junto com ele.
— Shh, eu estou aqui — sussurrei
tentando acalmá-lo enquanto passava as
mãos por seu cabelo. — Fica calmo, por
favor. Eu estou aqui.
Seu corpo tremia embaixo do meu, e eu
sentia dificuldade em respirar com tanta
força que ele me abraçava, mas eu sabia que
naquele momento ele precisava disso. Ele
precisava se prender à realidade. Meu peito
doía por ele. Eu sentia vontade de confortá-
lo, de fazer qualquer coisa para tirar aquela
lembrança. Eu permaneci em seu colo e o
deixei me abraçar, eu seria o que ele
precisasse agora.
— Meus pais. Eles morreram em um
acidente envolvendo um caminhão.
— Eu sinto muito.
— Ao ver aquela cena lá atrás me
lembrou deles, e eu não sei o que aconteceu,
eu só queria sair dali. Mas, eu não conseguia
correr o suficiente, as lembranças vieram e
não consegui parar.
Eu beijei sua bochecha com força,
repetidas vezes, tentando confortá-lo.
— Eu entendo, está tudo bem. Eu estou
aqui com você.
Ele balançou a cabeça e me apertou mais
uma vez em seus braços.
— Me desculpa por quase nos matar.
— Nós estamos bem, não se preocupe.
Ele afastou meu corpo e segurou meu
rosto com as mãos, olhando em meus olhos.
Desta vez seu olhar era triste, desolado, e eu
odiei a dor por trás do brilho de seus olhos.
— Obrigado por estar aqui.
Eu concordei com a cabeça e encostei a
testa na sua. Nós ficamos em silêncio por um
tempo e aos poucos ele foi se acalmando.
Minhas mãos estavam apoiadas em seu
peito, e o coração que antes saltava foi
recuperando seu ritmo. À noite enfim
chegou, eu vi toda a escuridão à nossa volta
e minhas pernas doíam de estar naquela
posição, mas eu não queria sair de seu colo.
Eu não queria vê-lo desmoronar em meus
braços novamente. Ele estava imóvel, eu só
sabia que ele não estava dormindo porque
sentia seus dedos subindo e descendo por
minhas costas. Minha barriga fez um ronco
que foi impossível de ser ignorado, o que o
fez rir. O som da sua risada depois de todo
este momento fez meu coração acalmar.
— Eu acho que devemos voltar para o
hotel — ele disse rindo. — Somente aquelas
frutas durante a caminhada não sustenta
ninguém.
Eu levantei de seu colo e voltei para o
meu banco, rindo com ele.
— Quer que eu dirija? Já estamos
praticamente chegando.
Ele saiu, dando a volta no carro enquanto
eu pulava o banco. Coloquei meu cinto e
esperei que ele também colocasse o seu
antes de enfim voltar à estrada. Ele apoiou a
mão na minha coxa e apertou.
— Obrigado.
Eu dei de ombros, como se não fosse
grande coisa, mas eu sabia que era. Ele
havia revivido algo hoje que sua mente
provavelmente bloqueava por muito tempo,
e eu fiquei feliz de estar lá por ele. Nós
jantamos no hotel e enfim subimos para o
quarto. Tomei meu banho mais demorado
que o normal, deixando que a água quente
relaxasse meu corpo de toda a tensão que
absorvi daquele dia e liguei para minha mãe
quando Marcelo entrou no chuveiro. Havia
cinco chamadas não atendidas do Vinicius, e
uma mensagem de meia hora atrás.
Fim.
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