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Basta me escolher

Série Conexão Curitiba


Livro 01

Amanda Lopes
Copyright © 2015 Amanda Lopes

Todos os direitos reservados e protegidos


pela Lei 9.610 de 19/02/19982.
Nenhuma parte deste livro, sem
autorização prévia por escrito da autora,
poderá ser reproduzida ou transmitida sejam
quais forem os meios empregados:
eletrônicos, mecânicos, fotográficos,
gravação ou quaisquer outros.
Esta é uma obra fictícia, qualquer
semelhança com pessoas reais vivas ou
mortas é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova
Ortografia da Língua Portuguesa.
REVISÃO
Bárbara Pinheiro

CAPA
Arte: Amanda Lopes
Imagens: ©Canstockphoto/ ©Shutterstock

DIAGRAMAÇÃO
Carlie Ferrer
Prólogo
Ali estava à minha frente, sob a violenta
chuva que caia do céu, o motivo de todas as
mudanças em minha vida. Eu achava que
sabia de tudo, e que era dona das minhas
próprias decisões – o que era um erro
terrivelmente grande – até que me vi
obrigada a questionar todas as minhas
vontades, minhas atitudes, meus objetivos e
minhas prioridades. Eu não queria sair da
minha zona de conforto. Poderia não estar
satisfeita, mas eu estava conformada em
permanecer em território conhecido.

E ali estava, sob a chuva, uma grande


decisão a ser tomada. Eu escolheria isso?

Ele me olhava profundamente, eu podia


ver pelo brilho de seus olhos azuis a
intensidade daquela proposta. E pela
primeira vez em minha vida, eu pensei na
única pessoa a qual opinião me importava.
Eu.
Luísa
Olhando para meu ipad, fiquei vagando
pelas fotos das últimas semanas. Eu havia
passado as férias na casa da minha tia Ellen,
no Rio de Janeiro, junto com Larissa, minha
priminha de seis anos e meu tio Vagner.
Continuei olhando meu álbum, até que
apareceu uma foto minha com o Vinicius, em
nosso primeiro aniversário de namoro. Eu
estava com saudade dele, havia semanas que
não nos víamos, e mesmo falando quase
todos os dias por telefone não via a hora de
encontrá-lo.
— Atenção passageiros do voo 0598 das
17h45min com destino a Curitiba, por favor,
se encaminhar ao portão F.
Guardei meu ipad na bolsa e fui
caminhando até o portão de embarque
enquanto procurava as passagens. Estava tão
distraída revirando a bolsa, que nem percebi
quando já estava na fila, e sem querer
trombei com uma pessoa à minha frente. No
baque, deixei minha bolsa cair, mas antes de
pegá-la achei melhor me desculpar.
— Eu estava tão distraída que nem olhei
para frente. Foi sem querer, me desculpe.
Quando o senhor virou-se para trás,
limitou-se apenas a me dar um aceno de
cabeça. Tinha a aparência jovem, mas devia
ter uns quarenta e cinco anos. Alguns fios já
grisalhos, mas com uma cara tão séria e mal-
humorada naquele terno, que aquele
comportamento o envelhecia uns dez anos.
— Ok, tanto faz. — Seu tom de voz era
seco. Ele me olhou com desprezo e virou de
costas.
Abri a boca incrédula com a frieza do
sujeito. Tudo bem que eu bati nele, mas para
que tanta hostilidade? Se soubesse que era
um velho carrancudo teria dado uma
cotovelada nele, isso sim. Respirei fundo e
abaixei para recolher minhas coisas,
enquanto reparava que o braço de alguém ao
meu lado recolhia meu celular e minha
carteira.
Quando ergui o rosto para agradecer meu
ajudante, senti que meus pulmões
congelaram por alguns segundos. O sujeito
era alto – bom, devido ao fato de que eu sou
baixinha, todo mundo é alto perto de mim –
mas digamos que minha testa acabava onde
seu pescoço começava. Fiquei paralisada e
um pouco surpreendida com a aproximação,
estávamos tão perto que eu podia sentir a
sua respiração contra minha pele. Ele me
olhava fixamente, com aqueles grandes e
lindos olhos claros, e eu me senti presa a
eles porque não conseguia desviar o meu
olhar.
— Odeio mulher de TPM — ele
comentou, finalmente interrompendo o
momento.
Aquilo me surpreendeu. Pisquei algumas
vezes tentando entender o sentido daquela
frase, até que ele levantou a mão. Assustei
quando vi que havia um absorvente ali com
meu celular e a carteira. Alcancei
rapidamente minhas coisas de sua mão e
coloquei na bolsa. Somente depois de
garantir que estava seguro na bolsa, com o
zíper fechado e nada que me envergonhasse
a vista, é que consegui voltar a encará-lo.
— Ai, minha nossa, me desculpa — eu
disse envergonhada abaixando o rosto e
escondendo-o em minhas mãos. Com tanta
coisa para ele pegar no chão tinha que ser
logo isso?
— Não tem problema, desde que você não
esteja naqueles dias. As mulheres ficam
extremamente chatas em certos períodos.
Fiquei um pouco incomodada com isso,
como pode dizer uma coisa dessas? Ele nem
me conhecia, e de toda forma é algo um tanto
quanto rude para se dizer a uma mulher.
Coloquei a mão na cintura e voltei a encará-
lo, com o pescoço esticado como se isso
fosse me fazer ser mais alta.
— Mas que grosseria.
— Ué, mas por quê? — ele perguntou, me
olhando como se fosse eu quem falasse algo
de outro mundo. — Para isso estar na sua
bolsa deve estar naqueles dias.
— Não que isso seja da sua conta, mas
não estou naqueles dias. Toda mulher deve
andar prevenida.
— Ah, então quer dizer que não está
naqueles dias. Isso é bom. — Ele me olhou
animado. Vi sua boca se formar em um
sorriso de canto, e logo em seguida arqueou
as sobrancelhas.
O que ele quis dizer com isso? Cerrei os
olhos mantendo firmes as mãos em minha
cintura. Não me importava que fosse maior
do que eu, eu o encarava sem medo.
— Sua família nunca te deu educação?
Isso não é assunto para interrogar uma
mulher.
— Que assunto?
— Sobre aqueles dias.
— Não quero saber que dia do mês você
fica chata, quero saber apenas os dias que
está livre. E você está livre agora, não está?
Nós homens precisamos saber disso.
— Não precisam, não. — Como é? Que
tipo de conversa era essa? Estava ficando
um pouco perdida nessa linha de raciocínio.
— Claro que sim, não adianta investir em
uma pessoa que não vai dar em nada.
— Então vá falar sobre isso com a pessoa
que você for investir, não para mim. Não
quero saber sua opinião sobre como nós
mulheres somos chatas.
— Mas eu já estou fazendo isso.
— Fazendo o que?
— Investindo.
O que? Levantei as sobrancelhas por um
momento, espantada com a compreensão da
situação e comecei a rir. Será que ele
pensava que assim conquistaria alguém?
— Sinto te informar, mas suas investidas
não estão dando certo. Aliás, vou até te dar
umas dicas. Regra número um: Nunca
encurrale uma mulher sobre um assunto um
pouco constrangedor. — Ergui o meu
indicador, para gesticular melhor a contagem
com meus dedos. — Regra número dois:
Não seja rude ao investir em uma mulher. E
regra número três: Verifique as mãos dela
antes de tentar alguma coisa. — Quando
terminei, mostrei meu anelar direito
exibindo minha aliança. Esbocei um sorriso
irônico em sua direção, mas sua expressão
não se alterou, como se isso não fosse
incomodá-lo.
— Ok, sabichona, deixe que agora eu que
vou te informar algumas coisas. — Ele
ergueu a mão e começou a gesticular com os
dedos, imitando minhas ações. — Regra
número um: Se tem namorado, não fique
encarando outro homem com esses belos
olhos escuros. Regra número dois: Eu já
tinha reparado em suas mãos desde que
pegava suas coisas no chão. E regra número
três: Sei que é distraída e eu vou te ajudar,
então vá para frente que a fila já andou.
Quando eu fui responder, ele me deu um
empurrão no ombro que me fez ir para trás.
Eu não estava preparada para isso então
cambaleei dois passos e bati nas costas de
alguém. Assim que me equilibrei virei
rapidamente para frente, a fim de me
desculpar na pessoa que bati. Porém, minha
boca se fechou quando me deparei com o
velho carrancudo de novo.
— A senhorita de novo? Não sabe andar?
— Ele me olhava com aquela cara de mal-
humorado e falou com certo tom de
autoridade, mas dessa vez eu não baixei a
guarda para esse sujeito.
— Escute aqui, foi sem querer, ok? Da
primeira vez eu estava distraída e já te pedi
desculpa por isso. Agora foi um idiota atrás
de mim que me empurrou. Eu até teria
pedido desculpa de novo, minha mãe me
ensinou a ser educada com as pessoas, só
que o senhor não merece um pingo de
educação, já que não tem. Então se está tão
incomodado assim, pois que vá para o final
da fila. Garanto que lá não tem ninguém para
te empurrar. — O arrogante me olhava dos
pés à cabeça, me examinando.
— Jovens, se acham os donos da razão.
— Como é? Não sou dona de nada, acho
que ser educado uns com os outros, é o
mínimo que as pessoas deveriam ser. Não
acha?
— Eu sou educado, estudei na melhor
faculdade de Economia de São Paulo,
depois fui para a Inglaterra fazer cursos e...
Eu não aguentei aquela ladainha e levantei
a mão o interrompendo.
— Então o senhor é um velho ignorante,
que teve boas oportunidades, e não soube
aproveitar isso para te fazer uma pessoa
melhor.
— Olha só, a senhorita me respeite.
— Eu respeitaria se o senhor merecesse.
De repente senti um par de mãos em meus
ombros me puxando para trás.
— Fique calma, pequena — sussurrou em
minha orelha esquerda. Aquilo me despertou
do meu momento de fúria, me fazendo piscar
algumas vezes antes de virar para trás e
encarar o moreno intrometido.
— O que é? Não está vendo que estou um
pouco ocupada aqui? Estou tendo uma
conversa civilizada com esse educadíssimo
senhor, que é metido a Milorde inglês.
Ele me olhava sério, mas no fundo eu via
que se esforçava para não rir. Encarava-me,
negando com a cabeça para os lados, e eu
quase ri vendo-o segurar o riso. Mas, minha
fúria voltou, quando o chato atrás de mim
disse:
— Por favor, segure essa sua namorada
bocuda, que de delicada só tem o rosto.
Pessoinha mais grossa. Não sei como
deixam pessoas desse nível embarcar em
aviões com pessoas da minha classe.
Ah não, esse velho conseguiu me tirar do
sério. Enchi os pulmões de ar mais uma vez
e me virei, na intenção de chutar o pau da
barraca se fosse preciso. Quem ele pensava
que era para falar comigo desse jeito?
— Escuta aqui, velhote. — Estava
preparada para falar um monte de
barbaridades àquele senhor ignorante
quando fui interrompida. A mão direita do
moreno atrás de mim tapou a minha boca,
enquanto a mão esquerda abraçou minha
cintura e puxou para trás. Tentei me
desprender dele, mas ele além de mais alto,
era muito mais forte do que eu, então fui
arrastada para perto de seu corpo.
— Pode deixar senhor. Tenha uma boa
viagem. — Ele se desculpava para o velho
ainda me segurando. Quando finalmente
consegui me desvincular de seus braços, o
senhor ignorante embarcou. Ainda bem que
ele já foi, se não, eu ia enforcá-lo com
aquela gravata. Recompus-me, respirando
fundo, e virei de frente ao moreno. — Você é
maluca?
— Eu? Culpa sua que trombei naquele
homem. Por que não me deixou falar umas
poucas e boas para ele? Estava merecendo.
Não viu como ele me tratou?
— Vi só que ele te chamou de indelicada
e bocuda, o que acho justo.
— Ah, cale a boca.
— Está vendo? E barraqueira ainda por
cima. Tem temperamento forte, não é
pequena? Eu gosto assim, das difíceis de
domar. São mais excitantes para conquistar.
Aquilo foi o ápice para estourar a minha
paciência. Fiquei na ponta dos pés, olhei
para ele com a cara mais brava que consegui
fazer, enruguei a testa e ergui um dedo
próximo ao seu rosto.
— Você também não foi nem um pouco
simpático comigo para eu retribuir, nem
mesmo me conhece para falar alguma coisa.
E não me chame de pequena, que você nem
tem intimidade para isso. Não precisava ter
se metido naquilo, eu tinha tudo sob
controle. Devia era ter esclarecido para
aquele homem que eu não era sua namorada,
porque graças a Deus tenho um namorado
maravilhoso, que não se parece nem um
pouco com você. — Respirei fundo para
recuperar o fôlego, e voltei a firmar meus
pés no chão. — E agora se me der licença,
tenho um caminho a seguir. Espero não
trombar mais sua agradabilíssima pessoa na
minha viagem, e esquecer esse momento
desagradável que tive. Passar bem.
Virei de costas e segui a passos firmes até
o balcão, mostrando meus documentos com a
passagem.
— Adorei esse teu temperamento,
namorada. Espero te encontrar em breve. —
Sua voz provocativa surgiu atrás de mim.
Quando virei para trás para encará-lo,
mostrando educadamente o meu dedo do
meio, ele me enviou uma piscada e abriu um
largo sorriso. Argh! Respira Luísa, respira.
Conte até 10 que vai passar.
De repente meu celular vibrou e vasculhei
minha bolsa para pegá-lo. Um sorriso se
instalou em meus lábios ao ver que era uma
mensagem de Vinicius.
Vinicius: Oi minha linda, não vejo à hora de
te abraçar.
Faça uma boa viagem, e não se preocupe que
eu vou te buscar no aeroporto.
Até daqui a pouco.

Corri os dedos pelo celular a fim de


responder a mensagem rapidamente, já que
as portas já estavam sendo fechadas.

Luísa: Oi amor, acredito que em uma hora já


estarei aí, estamos nos preparando para
decolar.
Estou contando os minutos pra te ver.
Eu te amo.

Depois de clicar em enviar, desliguei o


telefone como pediu a aeromoça e coloquei
meu cinto. Fiquei olhando para a janela
enquanto o avião pegava velocidade e íamos
em direção ao céu. Respirei fundo mais uma
vez, mas não para me controlar, e sim, um
suspiro de que em poucos minutos estaria em
casa.
Despertei do meu cochilo em um
sobressalto, sorri quando vi pela janela a
minha linda cidade. Assim que pousamos,
fui pela plataforma até a sala em que eles
expõem as malas e fiquei esperando em
frente à esteira. Peguei o celular da bolsa e
liguei, verificando as mensagens e ligações
perdidas durante o voo. Havia duas
chamadas não atendidas de Vinicius e uma
mensagem da minha tia, para ligar quando
chegasse. Enquanto as malas ainda não
apareciam, decidi ligar para ela.
— Oi querida. Como foi de viagem? —
Ela atendeu já no segundo toque, devia estar
com ele na mão mexendo no Facebook,
provavelmente.
— Oi tia, só liguei para te avisar que
acabei de chegar. Desembarcamos tem uns
10 minutos, e estou esperando minha mala. O
Vini ficou de vir me buscar.
— Hum, então hoje tem um encontro —
ela disse rindo, o que me fez rir também.
— Espero que sim, passamos as férias
separados.
— Porque ele quer. Não se esqueça de
que o convido para vir aqui com você, e ele
nunca me visitou. — Isso era uma bronca, e
eu tinha que dar razão a ela. Vinicius nunca
me acompanhou em viagens de família, tão
pouco me convidava para ir visitar a dele.
— Eu sei. Um dia eu o arrasto comigo. —
Reparei algumas pessoas saindo com suas
malas e me virei para a esteira. — Tia
preciso desligar. Já liberaram as malas e
vou procurar a minha.
— Ok, tenha uma boa noite. E não se
esqueça de que pode vir aqui sempre que
quiser, não apenas nas férias.
— Pode deixar, vou tentar ir mais vezes.
Mande um beijo para a Lari, diga que já
estou com saudade dela e do Tio Vagner
também.
— Pode deixar. Um beijo, querida.
Desliguei o celular colocando-o no bolso
de trás da minha calça jeans. Quando minha
mala passou, peguei-a antes que a esteira a
levasse novamente. Estava arrastando a mala
de rodinhas pela saída, quando alguém me
cutucou no ombro.
— Oi, namorada. Fez uma boa viagem? —
Reconheci sua voz antes mesmo de me virar
para confirmar.
— Ótima. Minha viagem foi excelente, até
você voltar a me aborrecer.
— Que bom, fiz uma boa viagem também,
obrigado por perguntar.
— Eu não perguntei.
— Ouvi hoje de uma garota, que devemos
ser educados uns com os outros.
Virei para o lado para encará-lo, abrindo
um sorriso irônico. — Quando as pessoas
merecerem, não se esqueça disso. — Voltei
a seguir meu caminho para a saída, e depois
de passar pela porta, fiquei procurando por
algum rosto conhecido entre as pessoas que
estavam ali.
— Adoro esse teu temperamento. Qual seu
nome?
— Não te interessa.
— Bom, então vai continuar sendo
pequena ou namorada, qual prefere? — Ele
insistia.
— Nenhum. Já tenho namorado e você não
tem intimidade comigo, para me chamar de
pequena.
— Quem sabe um dia isso vai mudar.
— O que vai mudar? — Virei para ele, um
pouco confusa.
— Intimidade obviamente. Deus me livre
ser seu namorado, você deve ser um porre.
— Provavelmente. Se eu sou tão chata
assim, por que ainda está aqui? — Inclinei
minha cabeça para o lado, esperando por sua
resposta.
— Não sei. Algo em você me atrai. E
gosto de ver que te deixo nervosa.
— Me deixa nervosa porque você é
irritante.
— Não é por isso que fica nervosa, vi
como ficou me olhando quando me viu pela
primeira vez.
— Ai, cale a boca. — Virei de costas
para ele, voltando a procurar pela multidão.
— Quando me disser teu nome.
— Não vou falar, eu não te conheço.
— Estou começando a achar que você não
quer me dizer, porque gosta que te chame de
pequena. — Ele continuava falando, mas
naquele momento não estava mais ouvindo o
que ele dizia, estava mais concentrada no
loiro acenando para mim, com um lindo
sorriso no rosto.
— Chame do que quiser. Até porque, essa
deve ser a última vez que vamos nos ver —
eu disse sem olhar para ele, caminhando em
direção ao loiro que me esperava.
Vinicius é alto, provavelmente da mesma
altura do tal moreno, mas ao menos com ele
eu já estava acostumada. Larguei a mala e
passei meus braços ao redor do seu pescoço,
ficando na ponta dos pés para alcançá-lo.
Ele logo retribuiu meu gesto, passando os
braços ao redor do meu corpo e me
apertando contra ele. Afastei um pouco meu
rosto e aproximei meus lábios aos dele. Sua
boca abriu para me receber, e ele me deu um
beijo rápido enquanto me apertava mais uma
vez em seus braços.
— Sentiu saudade? — eu perguntei. Senti
um sorriso se formar em seus lábios colados
aos meus.
— Claro que senti, sabe que não gosto de
passar tanto tempo longe de você.
Retribui seu sorriso e dei um selinho
rápido em seus lábios, antes de me separar
dele firmando os meus pés no chão. Ele logo
pegou minha mala e estendeu a outra mão
para mim, que agarrei rapidamente. De
relance eu vi aquele moreno, ele acenou com
a cabeça e em seguida piscou. Eu estava
com meu namorado, ele não via?
— Você poderia ter ido comigo, para não
ter sentido saudade. Minha tia ficou brava
porque você recusou o convite dela. De
novo — comentei enquanto caminhávamos
para o estacionamento.
— Lu, sabe que não gosto muito dessa
coisa de viagem de família.
— Eu sei, mas nós aproveitamos bastante
lá. Fomos à praia e em tantos restaurantes,
que tenho certeza que devo ter engordado. O
bom é que pelo menos consegui pegar uma
cor, mas não fiquei com marquinha.
— O que é difícil, de tão transparente que
você é. Mas, pelo menos voltou menos
branca do que foi, certo? Já é um progresso.
– Ele se aproximou um pouco e beijou o alto
da minha cabeça.
— Aposto que teria aproveitado mais lá
comigo, do que aqui sozinho com os
meninos. — Virei um pouco o rosto para vê-
lo e ele estava sério. Definitivamente não
gostava desse assunto. — Está bom, não vou
discutir isso.
Ele passou o mês aqui, com os meninos.
Ficou apenas uma semana em Cascavel por
causa das festas de fim de ano, onde seus
pais moram, mas janeiro todo ele ficou aqui.
Não gostei muito da ideia quando ele me
contou seus planos e me pediu para ficar
aqui com ele. Mas, o que eu poderia fazer?
Eu queria viajar, visitar minha família, então
tive que deixá-lo sozinho.
Esperei que ele guardasse minha mala e
entrei no carro, procurando por uma estação
de rádio que eu gostava.
— E então, para onde estamos indo?
— Os meninos estão nos esperando no
bar. — Como é que é? Eu estava custando a
acreditar nisso.
— Sério? — eu perguntei. Não estava
acreditando nisso. Esperei ele dar a volta e
entrar no carro, se sentando ao meu lado. —
Eu acabei de chegar de viagem e você quer
se encontrar com seus amigos, que passaram
o mês inteiro juntos, em vez de ficar
comigo?
— Mas, eu vou estar com você, por isso
você está indo comigo. — Ele colocou a
mão na minha coxa e apertou, abrindo um
sorriso nos lábios, mas mantendo seu rosto
no trânsito.
— Não era exatamente isso que eu quis
dizer. Estar comigo e só comigo, não comigo
e seus amigos.
— Lu, nós teremos a noite toda para
ficarmos juntos. Só que hoje tem jogo, você
sabe que sempre assistimos no bar.
Não podia acreditar que minha primeira
noite seria dividida entre amigos e futebol.
Mas bom, se eu não tinha escolha, eu
também ia levar meu time para o campo.
Peguei o celular e rapidamente entrei no
WhatsApp, indo no chat com meus dois
melhores amigos e enviando uma mensagem.

Luísa: S.O.S. Cheguei e preciso da


companhia de vocês.

— Ok então. Eu vou chamar a Carol e o


Rafa para ir lá. — Seu sorriso desapareceu
no instante em que eu disse. Ele parecia um
pouco desconfortável com isso, mas eu não
estava nem aí. Afinal, se ele ia passar com
os amigos dele, eu ia passar com os meus.
— Sério?
— Seriíssimo. Você aproveita o jogo com
seus amigos e eu aproveito com os meus.
Ora essa, se ele queria guerra eu também
sabia lutar, e meu exército estava sendo
convocado. Meu celular vibrou no meu colo
com a resposta no WhatsApp e rapidamente
peguei para responder.

Rafael: Gata, por mais que você e seu


namorado sejam lindos, não me agrada um
ménage com vocês.

Carolina: Cruzes Rafa. Kkk Que nojo. Onde


você está Lu?

Luísa: Estou indo naquele bar do centro, onde


o Vini assiste aos jogos com os meninos.

Rafael: Não acredito, ele te trocou por


futebol?

Luísa: Pelo jeito sim. Por favor, vocês podem


ir lá me encontrar?

Carolina: Agora?
Luísa: Sim!! Já estamos a caminho.

Rafael: Ok, eu só vou tomar um banho rápido


e já vou. Você vai pagar minha conta né? Porque
eu tinha muitos compromissos.

Carolina: Claro, tenho certeza de que tinha.

Luísa: Pago, só porque sou boazinha.

Rafael: Boazinha até demais. Não é à toa que


ele te troca por futebol bem no dia que você
chega.

Luísa: O que quer dizer com isso?

Rafael: Você sabe muito bem, mas


conversamos depois. Até daqui a pouco, gatas. E
NÃO SE ENROLE, CAROLINA.

Carolina: Eu acabei de tomar banho. E olha


quem fala, sou mais rápida na maquiagem, que
você com seu cabelo.
Luísa: Tenho que concordar com ela, o
enrolado é você Rafa.

Rafael: Complô?

Luísa: Jamais. Vá logo tomar banho, se não


só vai aparecer no segundo tempo.

Rafael: Ok, ok. Fui.

Carolina: Só vou trocar de roupa amiga, e em


20 minutinhos estarei lá.

Luísa: Obrigada meus amores, o que seria de


mim sem vocês?

Rafa: Uma tragédia.

Luísa: O que ainda faz com o celular? VAI


TOMAR BANHO RAFAEL!!

— Time convocado — eu disse um pouco


mais alto que o rádio. Aumentei o volume e
comecei a cantar acompanhando a música.
— Eu não tô nem aí, eu não quero nem saber,
a vida é minha e é assim que eu quero
viver...
Capítulo 02

Marcelo
Eu estava em frente à esteira
esperando minha mala, tentando de todas as
formas não pensar muito no meu desgosto de
pisar naquela cidade. Era assim toda maldita
vez em que eu desembarcava. Eu era nascido
e criado em Curitiba, e costumava amar a
minha cidade. Pois é, costumava.
Assim que peguei minha mala e me
encaminhei às portas da saída, meus olhos
focaram naquela pequena encrenqueira e
rapidamente me apressei para alcançá-la. Eu
gostei de provocá-la, e era engraçado como
ela tinha sempre uma resposta na ponta da
língua. Aprendi isso a vendo brigar com um
homem qualquer no aeroporto do Rio, há
alguns minutos.
Foi muito engraçada toda aquela cena, e
jamais apostaria minhas fichas nela pela
aparência. Ela tinha um jeito todo delicado,
rosto fino, cabelos escuros e compridos.
Sem contar que ela era pequena,
aparentemente inofensiva. A primeira coisa
que me chamou atenção nela foram os olhos.
Eles eram castanhos, porém tão escuros, que
quase se confundia a pupila com a íris. Eu
me perdi naquela escuridão, tentando
descobrir como dois pequenos olhos podiam
prender tanto a minha atenção.
Meus olhos a seguiram por mais algum
tempo, e então a vi parar em frente de um
loiro. Ela logo foi abraçando-o e eu virei
meu rosto para o outro lado, estas
demonstrações de afeto demais me
enjoavam. Aproveitei para vasculhar o lugar
à procura do meu primo, ele era o
responsável de me buscar. Eu sabia que ele
odiava fazer isso todos os meses, mas eu
poderia apostar que era a vovó quem o
obrigava a vir me buscar. Quando o
encontrei, fui caminhando em sua direção.
— E ai, como foi sua viagem? — ele
perguntou quando nós nos cumprimentamos
com um aperto de mãos.
— Por incrível que pareça desta vez não
foi chato. Eu tenho que te contar cara, a
viagem hoje foi movimentada.
— Ah é? E o que aconteceu de tão
engraçado nesta viagem?
— Vou te contar no caminho. Cadê a
Jessica? — Procurei atrás do meu primo
para ver se eu encontrava a namorada dele
em algum lugar.
— Não veio, ela vai passar o final de
semana com as primas dela no litoral. — Ele
deu de ombros como se isso não fosse
grande coisa. Eu sabia que a Jessica não
gostava de mim. Aliás, eu acho que ela não
gosta de ninguém da nossa família com
exceção ao Biel.
— Cara, ela me odeia, não é? —
perguntei rindo.
— Claro que não, mas ela sabe que
quando você está aqui, nós temos nossas
coisas de homens para fazer, então ela só
nos deu um pouco de espaço.
— Aham. — Eu não estava comprando
esta história.
— Vamos logo. E não me enrole, o que
aconteceu na viagem?
— Cara, foi muito engraçado. Deixa-me
ver se a encontro para te mostrar. —
Estiquei meu pescoço para ver se encontrava
a pequena encrenqueira ainda por ali. Logo
que a avistei, pisquei para ela.
— Para quem você está piscando? — ele
perguntou seguindo meu olhar.
— Ali. — Apontei com a cabeça na
direção onde a pequena estava. — Está
vendo aquela mulher, ao lado daquele loiro
de mala azul?
— Aquela morena baixinha?
— Isso — eu confirmei. — Cara, ela
arrumou confusão com um homem lá no
aeroporto, sei lá eu por quê. Ela estava toda
irritadinha com ele, e o cara foi meio grosso
com ela. — Eu continuei a contar enquanto
nos dirigíamos ao estacionamento. — E aí
ela começou a bater boca com ele na fila, e
te juro, eu tive que segurá-la. Eu acho que
ela ia pular na garganta dele. Eu não entendi
nada do que estava rolando, mas eu me
diverti muito com a cena.
— Como assim pular na garganta dele? —
Ele olhava para mim rindo.
— Eu não sei, a menina tinha jeito de ser
barraqueira.
Eu coloquei minha mochila no banco de
trás e entrei no carro ao lado do Gabriel.
Logo que meu primo foi saindo do
estacionamento, o celular dele tocou.
— Alô — ele atendeu pelo viva voz.
— Oi, meu querido. Já está com o
Marcelinho?
— Já, vó — eu respondi, quando
reconheci a voz ao telefone. — Já estou
aqui.
— Que bom que já chegou. Fez uma boa
viagem? Já estão indo para casa? Vocês
poderiam passar aqui — ela começou a falar
sem parar. — Eu fiz lasanha hoje, Marcelo,
aquela que você tanto adora. Lasanha de
frango não é a sua favorita?
Eu soltei um longo suspiro, e meus
ombros caíram para frente. Era triste ver
minha avó daquele jeito. Ela sempre fazia de
tudo para que eu fosse visitá-la. Mas eu não
podia, simplesmente não podia. Aquela casa
continha lembranças demais.
— Desculpa, vovó, mas já temos planos
para hoje. — Do outro lado da linha pude
ouvir seu suspiro de derrota, então tentei
amenizar a situação. — Mas, se quiser pode
nos levar a lasanha para almoçar amanhã, lá
no apartamento. Aposto que ainda estará
deliciosa.
— Tudo bem então, passarei lá amanhã
para dar um beijo em vocês. Tenham uma
boa noite, e divirtam-se.
Não falamos nada no carro por um tempo,
só não estava um completo silêncio por
causa da música ao fundo. Ninguém apoiava
a minha decisão de me desapegar de tudo,
nem mesmo meu primo ao meu lado, embora
ele fosse o mais próximo a mim. Ele
entendia o porquê da minha escolha, e era o
único que não questionava mais isso. Era
bom ter alguém que não me julgasse ou me
fizesse mudar de ideia a todo o momento.
— Bom, você não pode culpá-la por
tentar — ele disse depois de algum tempo
em silêncio.
— É eu sei. Mas e então, para onde
iremos hoje? — perguntei, querendo mudar
o rumo da conversa.
— Vou te levar para conhecer o Nelli’s
club, os piás¹ já estão lá.
— E como estão os preparativos? Eles já
sabem quando vão conseguir inaugurar?
Até onde eu sabia, Luigi e Matteo estavam
abrindo uma nova casa de show no centro da
cidade. Eu havia crescido com o Matteo,
tínhamos estudado juntos desde o jardim e
quando nos formamos fomos trabalhar no
escritório de nossos avôs, que são sócios.
Sempre nos espelhamos neles, que eram os
homens que tínhamos orgulho e víamos como
heróis desde pequenos. Luigi era mais velho,
mas como crescemos todos juntos, isso
nunca foi um problema. Na faculdade isso
foi uma vantagem, inclusive. Se nós nunca
fomos tratados como calouros eram pelos
contatos que o Luigi tinha. Ele fazia
Educação Física e Administração ao mesmo
tempo, e até hoje ninguém entende como ele
conseguia levar duas faculdades juntas e
passar. Ou ele realmente era um gênio,
devido ao fato de que ele festava de segunda
a segunda e nós nunca o vimos por o pé na
biblioteca, ou ele conseguia colar em todas
as provas. Por mais fácil que fosse acreditar
na segunda a opção, eu apostaria na
primeira.
— Então, pelo que o Teo disse, está tudo
certo para inaugurar em março. — Ele se
animou ao contar. — Eu estou ajudando na
documentação para fechar tudo, mas em
geral quem está sendo o cabeça de toda a
operação é o Lui.
— Que bom, aquele diploma de
Administração está servindo para alguma
coisa.
Enquanto tocava Imagine Dragons no
carro, nós discutimos as coisas banais da
semana. Era sempre bom conversar com meu
primo, ele era uma das pessoas que eu mais
senti falta quando fui embora. Ele sempre foi
o mais maduro e responsável do nosso
quarteto, nem mesmo parecia que era o
caçula.
Assim que chegamos ao estacionamento,
ele recebeu outra ligação e eu preferi já sair
do carro e ir para frente do Nelli’s. Logo em
frente viam-se divisórias para as filas sobre
um toldo comprido de vidro, durante todo o
caminho da rua até as portas. Assim que
cheguei próximo à única porta aberta, vi um
segurança todo de preto na lateral,
conferindo uma papelada em suas mãos.
— Olá, com licença — falei, tentando
chamar sua atenção.
— Boa noite. — Sua voz era desconfiada,
e ele me olhava de cima a baixo. — Qual
seu nome?
— Marcelo. — Ele começou a conferir
aquela papelada em suas mãos, que só então
percebi que era uma lista. — Seu nome não
está na lista. O senhor é da equipe de som?
— Ah não, não. — Me aproximei dele
estendendo a mão. — Sou Marcelo Schmidt,
amigo dos proprietários. — Assim que disse
meu nome, a postura do homem já mudou.
Seus ombros em alerta e aquele olhar
inquisitório tinham ido embora.
— Me desculpe, senhor Schmidt, está
movimentado por aqui hoje. — Ele me
cumprimentou.
— Ah, não se preocupe, senhor... —
comecei, deixando a frase no ar.
— Antônio, senhor — informou ele.
— Antônio, ok. — Eu me dirigi a ele,
encostando-me à parede. — E, por favor, me
chame de Marcelo. Normalmente senhor
Schmidt é meu avô.
Ele riu um pouco e concordou com a
cabeça.
— Não vai entrar?
— Vou sim, mas estou esperando o Biel
que foi estacionar. — Virei para trás como
reflexo, procurando por meu primo, mas
ainda nada.
— O senhor Gabriel está aqui todo final
de semana com os meninos acompanhando
tudo. — Antônio chamou minha atenção,
fazendo-me virar novamente para ele. — Ele
é muito educado e está sempre sorrindo para
os funcionários, mesmo quando o senhor
Luigi quer bater em tudo que vê pela frente e
o senhor Matteo sai xingando pelas coisas
que saíram errado.
— Acho que posso imaginar o que você
quer dizer, Antônio.
Eu ri imaginando a cena, porque esta era
exatamente a realidade. Luigi sempre foi o
mais explosivo, o primeiro que tínhamos que
segurar para não sair batendo em alguém por
aí. Matteo não era exatamente calmo, mas
ele raramente apelava para a agressão física
como parecia ser a primeira opção de Luigi.
Normalmente ele conversava, mas era o
primeiro a se exaltar para agredir
verbalmente e sair intimando as pessoas. Em
total contraste deles estava Gabriel, que
apaziguava tudo e conversava calmamente
com as pessoas. Ele podia estar tremendo de
raiva por algo, mas ele jamais deixava
transparecer o quanto a situação o afetava.
Sempre admirei esta qualidade nele, embora
ache que ele devia aproveitar mais a vida e
não ser tão politicamente correto a todo o
momento.
Senti uma mão batendo sobre meu ombro
e então vi Gabriel passando ao meu lado,
esticando a mão para Antônio.
— E Ai, Tonhão. Tudo controlado hoje?
— O de sempre, senhor Gabriel, só um
pouco mais movimentado que o normal
porque estão fazendo o descarregamento do
som hoje — respondeu o segurança
apertando a mão de meu primo.
— Bom, vou lá ver como estão coisas. —
Olhei para Gabriel que já foi se dirigindo às
portas de entrada do club. — Este é meu
primo, mas acho que ele já se identificou.
Assim que passamos pelas portas duplas,
olhei para o palco, onde Luigi estava todo
desesperado falando com uns homens que eu
suspeitava que fossem da equipe de som.
— Eu acho que ainda está abafado o
retorno aqui do palco. Alô, teste. — Olhei
para Luigi que estava batendo no microfone.
— Olha só, quem é vivo sempre aparece.
Sobe aqui.
Caminhei até uma das escadas da lateral
que dava acesso ao palco, e me aproximei
de onde ele estava desviando dos
instrumentos que estavam ao chão.
— E aí, Marcelo. — Ele me
cumprimentou com um aperto de mãos e um
abraço rápido. — Segura aqui e vai
testando, vou ver como está a saída de som
lá no fundo. — Ele empurrou o microfone
em minhas mãos e desceu do palco junto aos
outros, indo para o fundo do salão.
— Testando. Um, dois, som. — Olhei para
ele enquanto brincava com o microfone,
vendo-o se afastar. — Está me ouvindo bem
daí?
Ele apenas fez um sinal com as mãos para
continuar falando enquanto caminhava. Dali
pude analisar o salão por inteiro. Havia
algumas mesas logo abaixo, coladas ao
palco. As outras só se encontravam no fundo
do salão, em frente a um bar. À minha
esquerda eu via uma porta de vidro com um
adesivo de cigarros ao lado de onde entrei,
que suspeitei ser a área dos fumantes, e à
minha direita ao fundo vi as portas dos
banheiros. Nas laterais de onde eu estava
haviam escadas, que até metade delas davam
acesso ao palco, e então ela dobrava e iam
para a parte de cima do club. Dali eu
conseguia enxergar os camarotes da área de
cima, em que as divisões pareciam ser com
sofás, e havia muitas mesas espalhadas.
Quando ainda analisava a parte de cima, vi
Matteo acenando para mim em pé ao
camarote do centro, já com Gabriel ao seu
lado.
— E ai, Mané — falei para ele no
microfone. — Está curtindo o show?
— Está uma porcaria, ainda não vi
nenhum talento — ele gritava em resposta lá
de cima.
Eu ri e continuei testando o microfone
enquanto voltava minha atenção para Luigi,
que agora estava em frente ao bar no fundo
do club. — Está ruim o som daí, ainda?
Ele fez um sinal com as mãos para parar e
se virou para falar com os outros da equipe
que ali estavam com ele. Desliguei o
microfone e subi para o camarote, onde os
outros estavam.
— Quanto tempo, cara — Matteo disse
quando me aproximei. — Chegou hoje?
— Sim, acabei de chegar. Isso aqui ficou
muito bacana, estava informando ao Biel
quando ele me mostrou a parte de baixo, o
quanto está diferente. Realmente, fizeram um
ótimo trabalho.
Ele acenou com a cabeça com um largo
sorriso nos lábios, orgulhoso do seu novo
projeto.
— Realmente ficou muito foda, eu adorei
as reformas e todas as mudanças. Estou
empolgado.
— Todo mundo está empolgado —
interferiu Biel. — Não vejo a hora de
inaugurar.
Luigi se juntou a nós, dando um tapa em
meu ombro.
— Você vai estar aqui, não é?
— Eu vou tentar — informei a ele.
Fomos ao bar, experimentando os drinks
dos bartenders que eles contrataram e
ouvindo todos os planos. Eu estava animado
por eles.
Luísa
Assim que paramos em frente ao bar, eu
me apressei em pegar minha bolsa e sair do
carro, a tensão lá dentro estava ficando
insuportável. Desde o comunicado de que
meu exército estava a caminho,
Vinicius permaneceu em silêncio o restante
do trajeto. Caminhei até a fila, e lá fiquei de
braços cruzados, enquanto ele entregava as
chaves ao manobrista. Eu acabei de chegar
de viagem e ia ver futebol com seus amigos
em um bar, isso não me parecia ser uma
recepção calorosa. Claro que eu não
esperava por um banquete, já que ele mal
sabe fazer um macarrão instantâneo, mas me
levasse para jantar em algum lugar, até uma
pizzaria ou cachorro-quente na rua seria
mais receptivo do que cervejas e amendoins.
Parei meus pensamentos quando senti
suas mãos abraçarem minha cintura, e
fiquei imóvel de braços cruzados olhando
para frente. Permaneci daquele jeito todo o
tempo, movendo apenas minhas
pernas enquanto a fila andava. Não sei por
quanto tempo permanecemos em silêncio.
Talvez cinco minutos, talvez mais, parecia
uma eternidade. Respirei fundo, fechando os
olhos, tentando relaxar para não estragar a
noite.
— Lu. — Meu corpo relaxou no momento
em que ouvi aquela voz, era do meu melhor
amigo, eu poderia reconhecê-la em qualquer
lugar.
Abri os olhos e virei para trás procurando
por ele. Lá estava, o vizinho mais lindo que
alguém poderia ter. Rafael tinha os cabelos
castanhos, curto nas laterais e compridos em
cima, e profundos olhos azuis. A pele mais
bronzeada que a minha, sua barba sempre
perfeitamente cuidada. Mudou-se para o
prédio no mesmo ano que eu, desde então
não nos desgrudamos mais. Exceto por dois
andares.
Ele caminhava em minha direção como se
estivesse desfilando, com uma camisa cinza
com gola v que o deixava irresistível.
Enquanto se aproximava, vi olhares de
várias mulheres da fila em sua
direção e de alguns homens também. Ele
mexia com as pessoas, e pelo sorriso que se
instalava em seu rosto, tinha total noção
disso. Quando ele parou em minha
frente, praticamente pulei em seu pescoço,
apertando-o com força. De repente, percebi
que ele não retribuiu meu gesto, afastei um
pouco meu rosto para entender por que ele
também não me abraçava. Foi então que me
dei conta de que um par de braços à minha
volta ainda me segurava.
— Pode me soltar pra eu poder
cumprimentar meu amigo? — perguntei
segurando as mãos de Vinicius e soltando-
me de seus braços. — Você já esperou até
agora para me ver e me trouxe justamente
aqui, então tenho certeza de que pode
esperar um pouco mais para atenção
exclusiva.
Olhei para ele e esbocei apenas um
sorriso fraco em sua direção. Seu rosto era
sério, eu via nitidamente sua desaprovação
ao meu comportamento. Mas, dessa vez eu
não me importava. Assim que me
desvinculei de seus braços voltei a agarrar o
pescoço de Rafael, ainda mais
apertado do que antes. Ele logo passou os
braços ao meu redor, erguendo-me do chão,
e deu um beijo estralado em minha
bochecha. Em seguida aproximou os lábios
da minha orelha.
— Problemas no paraíso? — Rafael
perguntou baixinho, me fazendo rir. Somente
ele entendia minhas ações e como agir diante
delas. E tenho certeza de que o tom da minha
voz e meu comportamento recente devem ter
me entregado.
— Nem queira saber.
— Boa noite. — Ele cumprimentou
Vinicius estendendo a mão, que um tanto
quanto relutante, retribuiu o gesto. — E a
Carol? Não chegou ainda?
Quando fui responder que não, vi a minha
loira preferida sair do táxi e comecei a
correr até ela. Carol era minha amiga de
infância, nossos avós eram vizinhos. Ela era
mais alta do que eu, cabelos louros, de pele
tão clara quanto a minha. Quando me viu, ela
abriu os braços e correu em minha direção
dando gritinhos, enquanto eu pulava até ela.
Éramos duas ridículas com essas
demonstrações públicas de afeto, mas não
tínhamos vergonha de compartilhar isso.
— Ai que saudade que eu estava de você
— ela disse entre risadas e gritos, enquanto
me abraçava. Algum tempo depois nos
separamos, cruzamos nossos braços e
voltamos animadas até onde os meninos
estavam.
Quando nos aproximamos, Vinicius
apenas acenou com a cabeça.
— Boa noite, Carolina.
— Boa noite, Vini — ela respondeu, se
aproximando e cumprimentando-o com um
beijo. Ela adorava provocá-lo, e sabia
exatamente como. Eu adorava isso, ela não
se intimidava nem um pouco com as atitudes
frias dele.
Rafael a cumprimentou dando um beijo
estralado em sua bochecha, como fez
comigo, e a abraçou rapidamente.
— Oi, de novo, gata. E eu pensando que
hoje me livraria de você.
— Ele não vive sem mim, então foi lá em
casa almoçar — Carol me informou,
piscando os olhos em direção a ele, e nós
três rimos. Rafael era péssimo na cozinha,
ele apenas nos auxiliava. Isso se colocasse
as coisas bem na sua frente e orientasse
exatamente o que fazer.
Assim que chegamos à porta, o segurança
pediu nossos documentos para o registro.
Vinicius segurou a minha mão e me puxou
um pouco para trás, enquanto deixava Rafael
e Carolina irem à frente. Enquanto eles se
cadastravam, apenas ouvi um sussurro na
minha orelha.
— Nós vamos conversar bem sério
quando formos para casa.
— Ah, pode apostar que vamos —
retruquei em resposta. Isso pareceu
surpreendê-lo, e eu apenas me limitei a abrir
o sorriso mais irônico possível.
Assim que entramos, vi nossos amigos
acenarem para nós em uma mesa, fui em
direção a eles puxando Vinicius pelo braço.
Eu não podia ficar brava com eles, mesmo
que não fossem as primeiras pessoas que eu
queria ver hoje.
Alan e Thiago trabalhavam com Vinicius.
Alan era moreno de cabelo curto, o corpo
magro, e Thiago, por sua vez, apesar de
também ser moreno era bem bronzeado, e o
corpo mais definido. Eles sorriram assim
que me viram, e logo se levantaram para me
cumprimentar.
— Oi Lu, que bom que você veio — disse
Alan, dando um beijo leve em meu rosto.
— Ei, Alan. Já pode ir pedindo meus
aperitivos preferidos se quiser me manter de
bom humor. — Ele começou a
rir, levantando a mão chamando pelo
garçom.
— E aí, garota — Thiago me
cumprimentou. — Que bom que já chegou.
Como foi de viagem?
— Foi ótimo, o Rio é maravilhoso. Temos
que combinar uma viagem para todos nós
irmos juntos da próxima vez. Você teria
adorado, vi muita gente surfando lá.
Logo Alan estendeu meu potinho de
amendoim, e rapidamente eu peguei um
punhado na mão e sentei na cadeira ao lado
de Vinicius, que enchia meu copo de
cerveja enquanto os outros se
cumprimentavam. Pouco depois todos
nós estávamos sentados e com copos à nossa
frente, mas assim que o jogo começou toda a
atenção foi para a TV.
Vinicius era alto, loiro, e de olhos claros.
Lembro até hoje quando nos conhecemos, há
mais de três anos, quando ele me chamou
para dançar em uma festa. Ele era um
péssimo dançarino, e continua sendo, só que
agora ao menos sabe se movimentar no ritmo
e não pisa mais em meus pés. Aquela
lembrança me fez rir, e isso chamou a sua
atenção, porque nesse instante seus olhos se
viraram para mim.
— Do que é que você está rindo? —
Vinicius perguntou, pegando um amendoim e
jogando na boca.
— De você.
— E qual a graça?
— Lembrei da primeira vez que nos
vimos, quando me chamou para dançar e
ficou pisando no meu pé.
Ele começou a rir.
— Aquele dia foi engraçado mesmo. Os
meninos apostaram que eu não teria coragem
de te chamar para dançar.
— Ah, então eu fui uma aposta?
— Não, porque eu ia conversar com você
de todo jeito — afirmou ele balançando os
ombros. — Só mudou um pouco porque teve
que ser te chamando para dançar, em vez de
apenas te chamar para conversar.
— De quanto foi essa aposta? Quero
minha parte.
Ele apenas riu, pegou minha mão e levou-
a até sua boca, plantando um beijo nela.
— Sabe que eu não sei? Eles nunca me
pagaram, mas não acho que será necessário.
Porque o maior prêmio da aposta já
está comigo.
Ele se aproximou, buscando meu meus
lábios. Soltei minhas mãos das suas e as
subi por seus braços até sua nuca, puxando-o
para mim. Suas mãos foram para meus
joelhos, e a cada sugada que eu dava em sua
língua, ele subia mais os dedos e apertava
minhas coxas. Quando nos afastamos, ele
manteve o rosto próximo ao meu.
— Eu te amo, Lu. — Sua voz carinhosa
me desarmou. — Desculpa se te desapontei
hoje, te trazendo aqui. Eu senti tanto a sua
falta.
— Não era o que eu esperava, confesso,
mas está tudo bem. — Levei as mãos até seu
rosto e o segurei na minha frente, dando-
lhe um selinho rápido em seguida. — Eu
também te amo, muito. Obrigada pela noite.
— Nossa noite está só começando — ele
informou, pegando outro amendoim na mesa
e jogando na boca, mostrando aquele sorriso
que eu tão bem conhecia. — Me agradeça
depois que eu te levar para casa.
Quando o jogo acabou, os garotos
ficaram lá, e nós demos carona para a
Carolina e o Rafael. O clima no carro era
visivelmente outro. Carol e eu cantávamos
enlouquecidamente Burn da Ellie Goulding,
com todo fôlego de nossos
pulmões, enquanto Rafael e Vinicius
discutiam sobre o jogo. Minha melhor amiga
foi deixada a alguns quarteirões de casa, e
meu melhor amigo no décimo terceiro andar.
Meu aborrecimento foi esquecido já no
elevador quando minha boca foi tomada por
um beijo cheio de luxuria e saudade, o
mau humor dele desapareceu tão rápido
quanto o meu, e voltamos a ser o que sempre
fomos enquanto subíamos para meu
apartamento. Um simples casal apaixonado.
Capítulo 03
Luísa
Eu acordei ouvindo alguns barulhos
ao longe, depois o cheiro de café me
inundou. Desfrutei daquele cheiro por um
segundo, antes de me espreguiçar e abrir os
olhos. Nas primeiras vezes era sempre um
desapontamento tatear ao lado da cama e não
encontrar meu namorado, mas depois de
algumas semanas parei de procurar.
Ouvi de novo um barulho ao longe e senti
uma pequena esperança de que talvez
Vinicius não tivesse ido embora como de
costume e tivesse ficado. Agarrei-me a essa
ponta de esperança e corri pelo corredor em
direção à cozinha o mais rápido que meus
pés atrapalhados poderiam fazer. Assim que
cheguei à porta, minha pequena esperança
foi embora, quando dei de cara com dois
olhos azuis muito familiares. Rafael estava
em pé na minha cozinha, com xícaras nas
mãos e com um sorriso torto nos lábios
enquanto me examinava.
— Bom dia para você também, bela
adormecida. — Ele piscou para mim uma
vez, colocando as xícaras na mesa e se
dirigiu ao fogão. — Fico feliz em ver seu
sorriso radiante quando me viu aqui. Posso
apostar pela corrida no corredor que
imaginava outra pessoa na cozinha.
Aproximei-me do fogão deixando o
sorriso retornar aos meus lábios e abracei-o
por trás, enquanto ele colocava água
fervendo sobre o pó de café.
— Me desculpe pela recepção não tão
calorosa. Você não era quem eu estava
pensando que fosse, mas estou feliz que está
aqui.
O abracei com um pouco mais de força e
fui até a bancada da cozinha, me sentar em
um dos banquinhos. Ele continuou ali
esperando coar o café, e aproveitei para dar
uma boa olhada na mesa. Somente uma
pessoa sabia exatamente o que eu gostava de
comer quando acordava.
— Como passou mais de um mês fora
desse apartamento, sabia que não ia
encontrar nada para comer quando
acordasse. E só eu sei como fica seu humor
quando não come bem quando acorda.
Eu não poderia ser mais feliz, tendo o
melhor vizinho e amigo cuidando de mim
desse jeito. Levantei meu braço pegando o
leite e derramei em metade da minha xícara
com o café.
— Obrigada, Rafa, eu não sei o que seria
da minha vida e do meu humor esta manhã
sem você.
— A sua sorte, é que você nunca precisará
descobrir — afirmou ele, se servindo ao
meu lado. — Eu imaginei mesmo que você
acordaria sozinha, e como fiquei com
saudade de você todas essas semanas pensei
que poderia te mimar um pouco hoje e fui à
panificadora logo cedo. Acertei?
— Claro que acertou. Meu dia sempre
começa ótimo com um café logo cedo.
— Isso eu sei, mas estava me referindo se
acertei sobre você acordar sozinha. Sei que
o Vinicius dormiu aqui, mas isso não é
garantia de nada. — Seu tom acusatório era
implícito, e precisei tomar um longo gole do
meu café com leite. Levantei meu rosto para
encará-lo e ele estava ali, me observando.
— Acertei, não é?
Eu não queria responder, então apenas
acenei com a cabeça, não havia porque
mentir. Ele soltou um longo suspiro antes de
dar outra mordida em seu lanche.
— Por que ele não fica, Lu? Por que seu
namorado tem tanta aversão em dormir com
você? Se eu não te conhecesse, diria que
você peida à noite ou ronca demais para ele
não suportar.
Uma pequena risada escapou de meus
lábios.
— Se fosse qualquer outra pessoa, eu
diria que não é educado me abordar com
assuntos tensos antes de comer, ou falar
essas porcarias durante a refeição. Mas se
tratando de você, eu não poderia esperar
outra coisa.
— E também porque não há assuntos ou
palavras que façam você deixar de comer,
principalmente no café da manhã. Então, já
perguntou por que ele foge de você todas as
noites?
Se eu sabia de algo sobre o Rafael, era
que não adiantava fugir do assunto. Se ele
queria uma resposta, ele não pararia de
perguntar até tê-la.
— Eu não sei, Rafa — admiti, após um
suspiro. — Já perguntei por que ele nunca
fica aqui e dorme comigo, mas a resposta
dele é sempre que ele é espaçoso e não
consegue dormir confortável se não for na
cama dele.
— Mas, ele faz o que? Tipo transa e vai
embora?
— Não, ele fica comigo na cama um
pouco, mas aí eu pego no sono e quando
acordo ele não está mais lá. Sabe, eu
também sou espaçosa e gosto de me esticar e
dormir esparramada, não sou muito disso de
conchinha. Mas poxa, a minha cama box é de
casal, não é como se ele ficasse espremido
para não conseguir dormir. — Dei um longo
gole da minha xícara antes de morder mais
uma vez meu lanche. — Nem me interessa
também, já me acostumei a acordar sozinha.
Depois de um tempo parei de me importar.
— Eu não entendo essas coisas que ele
tem. Às vezes ele age como se tivesse medo
de se comprometer.
— É exatamente isso que minha tia disse
na viagem, quando cheguei lá sozinha, de
novo.
— Isso é uma das coisas — ele anunciou
enquanto montava o segundo lanche para nós
dois. — Ele não gosta de te acompanhar
quando você vai para a casa dos teus pais,
também não te convida para acompanhá-lo
quando ele viaja. Acho até que se não fosse
pela irmã, você nunca teria conhecido a
família dele.
Uma vez, Alice, a irmã de 14 anos de
Vinicius, veio passar o final de semana aqui
para procurar por um vestido. Foi quando eu
a conheci, e nos demos muito bem desde o
começo, ela era uma graça. Depois disso,
quando ela teve sua festa de debutante, me
ligou exigindo que eu fosse com o Vinicius
para lá. Foi a primeira e única vez em que
ele me levou para a casa de seus pais.
— Bom, isso é verdade. Tenho que dar à
Alice esse crédito.
— E isso dos dois lados. Se teus pais não
viessem aqui quase sempre, ele também não
os teria conhecido.
— Eu sei disso, Rafa, mas o que quer que
eu faça? Amarre-o no carro quando eu for à
casa dos meus pais? Entre no carro com as
minhas malas, quando ele for viajar para a
casa da família dele? Não posso obrigá-lo.
— Não estou dizendo para obrigar, esse é
o ponto. Estão juntos há mais de três anos,
mas o cara não gosta de envolver família. Te
apresenta aos amigos dele, te leva para todo
lugar e fica muito possessivo à sua volta,
mas ao mesmo tempo ele age como se o que
vocês têm não é sério. Não dá para entender.
Até eu já cansei de ir à casa dos teus pais.
— É por isso que eu te amo absurdamente.
— Olhei para ele e peguei seu rosto,
beijando sua bochecha. — E é por cuidar de
mim deste jeito, com esse café da manhã
maravilhoso e me suportar todos os dias que
eu e minha família te adotamos. Você é o
irmão mais velho que eu sempre sonhei em
ter e a vida me deu você como melhor
presente.
— É, eu sei. Você tem que me amar muito
mesmo por tudo isso — ele disse, apontando
para a mesa. — Mas, você sabe que você é a
irmã que eu nunca tive também, eu faria
qualquer coisa por você. Eu só estou te
dizendo isso porque me preocupo.
Naquele momento, eu não pude evitar
virar meu banquinho para o lado e abraçar
Rafael com o máximo de força que meus
braços conseguiam. Ele me mimava e
cuidava de mim como nenhum outro amigo
fez. Eu acho que nem se eu tivesse um irmão,
eu me sentiria tão amada e próxima como me
sinto ao redor dele. Isso era mais forte do
que sangue, criação ou família.
Terminamos o café e fomos ao
supermercado abastecer minha cozinha, e
aproveitamos para conversar sobre a minha
viagem e suas férias. Chequei meu celular
pelo menos umas dez vezes naquela manhã, à
procura de alguma resposta à mensagem que
mandei para o Vinicius lá do mercado, mas
não obtive nada. Combinamos de almoçar
com a Carolina em nosso restaurante
favorito, e assim que ela nos viu chegando
veio nos cumprimentar.
Marcelo
No domingo de manhã, assim que tirei
meus fones de ouvido quando cheguei da
corrida no parque, a porta da sala abriu de
repente com uma Hilda muito sorridente. Ela
carregava em suas mãos uma grande travessa
de vidro, e rapidamente corri para ajudá-la.
Vovó tinha o cabelo louro, ondulado até os
ombros, seus olhos tão azuis quanto os meus,
mas em torno deles seu rosto já estava
marcado com rugas da experiência. Assim
que ela me viu, seu sorriso aumentou, e era
inevitável que eu não sorrisse também.
— Oi, vó.
Eu me aproximei pegando a travessa de
vidro de suas mãos e em seguida lhe dando
um beijo na bochecha.
— Oi, meu querido. Como você está?
— Estou bem, e a senhora? — eu
perguntei indo para a cozinha, colocando a
travessa sobre a bancada.
— Estou ótima, mas já estava com
saudade.
— Eu estive aqui há menos de três
semanas, vó.
Ela pegou meu braço e me puxou para a
sala, sentando-se no sofá e me levando com
ela.
— Eu sei, mas me deu saudade do mesmo
jeito. Como você passou o natal e o ano
novo? Eu vi suas fotos naquele Facebook,
você estava tão feliz, sorrindo para as fotos.
— Ela passou sua mão em meu rosto
enquanto me encarava, era muito intimidador
quando ela ficava me analisando desta
forma. — Você está feliz?
— Eu estou, não precisa se preocupar. O
Rio me fez bem, conheci grandes amigos lá.
— Eu sei, querido, eu sei. Mas, eu sempre
vou me preocupar com você. Eu queria que
você voltasse a morar aqui, gosto dos meus
netos sob meus cuidados e meus olhos, e não
lá em outro estado.
— Não vamos começar tudo isso de novo,
ok? Lá também tenho amigos e pessoas para
ficarem de olho em mim. É só que, nesta
cidade... — comecei, olhando para o chão
— eu não posso, vovó, pelo menos não
ainda.
— Tudo bem, não vou insistir. Faça o que
for melhor para você. — Ela pegou meu
rosto e me obrigou a olhá-la. — Mas, você
sabe que não foi sua culpa, não é?
Eu suspirei audivelmente e fechei meus
olhos. Era exatamente por isso que eu
odiava esta cidade. Ninguém ali me deixava
esquecer o que tinha acontecido, e por mais
que eu amasse minha avó, me frustrava
facilmente com ela.
— Vovó, por favor. Eu não quero falar
sobre isso, ok? Não me faça me arrepender
de ter vindo vê-la.
— Ok, ok. Já não está mais aqui quem
falou. — Ela soltou meu rosto se rendendo.
— Cadê o Bielzinho?
— Acho que ainda deve estar dormindo,
ele me levou para conhecer o Nelli’s ontem.
— E o que achou? Você gostou? — ela
perguntou com um enorme sorriso nos
lábios. — Eu fiquei tão orgulhosa pela
iniciativa deles, espero que aquilo dê certo.
Eu estava comentando ainda ontem com a
Ângela o quanto estava feliz por eles, e que
eu tinha adorado o lugar.
— Você foi lá?
— É claro que eu fui, eles são como meus
netos de sangue. Adorei a pista de dança, o
bar, o palco bem espaçoso. Uma pena que já
não consigo mais frequentar estes lugares,
agora são para vocês que estão jovens.
A vovó era uma pessoa extremamente
ativa e jovial para seus sessenta e oito anos.
Estava sempre indo nos bailes da terceira
idade, participando de eventos e ajudando a
várias instituições. Nas festas da família ela
sempre fora a mais animada, todos já
estavam sentados enquanto ela rodava com o
vovô pelo salão.
— Na pista realmente ficaria muito
apertado. É sufocante até mesmo para nós.
— Levantei pegando suas mãos, puxando-a
para o centro da sala comigo e a conduzi por
alguns passos. — Mas, quando a Nelli’s
abrir, a senhora vai comigo e ficaremos no
camarote dando um show. Combinado?
— Absolutamente — ela confirmou
segurando firme minha mão e seguindo meus
passos. Rodei-a enquanto dançávamos pela
sala e caímos na risada quando eu tropecei
no tapete.
— Quase um grande espetáculo a ser visto
— Gabriel nos interrompeu do corredor.
Vovó foi até ele para lhe dar um beijo no
rosto.
— Bom dia, querido.
— Bom dia, vovó, faz tempo que chegou?
— Alguns minutinhos — ela respondeu
indo para a cozinha. — Vamos lá, eu trouxe
a lasanha do Marcelo, mas também seu pão
caseiro, vamos tomar um café da manhã
decente.
Nós montamos a mesa enquanto vovó
fervia água para seu chá, e eles foram me
contando todas as coisas que eu perdi no
natal, como por exemplo, os micos do amigo
da onça.
— Eu sou definitivamente o favorito —
Gabriel anunciou pegando mais uma fatia do
pão caseiro da vovó enquanto estávamos
sentados à mesa. — Você experimentou isso
aqui? É definitivamente o melhor do
universo.
— Cara, você não viu a minha lasanha
sobre o fogão? Ela fez exclusivamente para
mim — rebati em resposta e coloquei uma
fatia de presunto na boca. — Não é, vovó?
— O que? — ela perguntou tentando
segurar o riso enquanto bebia sua xícara de
chá.
— Que eu sou o seu favorito — Informei
piscando para ela.
Gabriel bufou quando deu uma mordida
em sua fatia de pão.
— Claro que não. Olha este pão que ela
fez para mim.
— Vocês dois — ela começou, apontando
o dedo para nós — parem de falar com a
boca cheia.
— Ela está evitando a resposta. — Olhei
para vovó estreitando os olhos. — Mas, ela
sempre me chama de querido, devo ter
algum ponto extra.
— Ela chama todo mundo de querido, se
for usar esse critério o mundo inteiro é
favorito para ela.
— Então responda, vovó. Quem é seu
favorito? — eu perguntei.
Apoiei meus cotovelos sobre a mesa e
fixei meus olhos nela. Gabriel imitou meu
gesto, cruzando os dedos de suas mãos
enquanto a olhava também.
— Vocês nunca vão saber. — Ela sorriu
antes de tomar mais um gole do seu chá.
Assim que terminamos nosso café, eu fui
tomar um banho e peguei o carro do Gabriel
emprestado para buscar o Lucas. Eu já
estava com saudade daquele garoto. Assim
que estacionei em frente ao prédio, liguei
para o celular da Letícia.
— Oi, Ma — ela atendeu rapidamente.
— Ei, já estou aqui embaixo. Fala para o
Lucas descer?
— Ele já está descendo.
— Obrigado. Como estão os preparativos
para o casamento?
— Está tudo ótimo, estou tão empolgada
por isso. Só estou preocupada com o Lucas,
acho que ele está tendo alguns problemas
para se adaptar a todas estas mudanças.
— Acredito que sim. Bom, eu vou falar
com ele, ok?
— Fico tão aliviada. Obrigada.
— A qualquer hora. — Olhando para a
portaria, vi o Lucas correndo. — Ele já
chegou aqui, vou desligar. Mais tarde eu o
trago de volta.
— Ok. Divirtam-se.
Enquanto eu desligava o telefone, Lucas
rapidamente foi entrando no carro no banco
de trás.
— E aí parceiro, como você está? — eu
perguntei colocando o carro em movimento.
— Ela falou para amiga dela ao telefone
que está grávida.
— A Letícia está grávida? — eu repeti,
virando-me para trás quando parei no
semáforo. Eu olhei para ele, analisando seu
cabelo loiro com franja comprida na frente e
olhos azuis. Ele sempre se pareceu mais com
a Letícia do que comigo.
— Foi o que eu disse — ele afirmou
cruzando os braços.
Eu ainda estava tentando processar aquela
informação. Como que Letícia poderia estar
grávida? Quer dizer, eu sei como ela poderia
estar grávida, mas pensei que ela me ligaria
para contar esta notícia. Ficar sabendo pelo
Lucas não era algo que eu estava preparado,
e principalmente, não desta forma.
Há cinco anos eu havia ido embora dessa
cidade, mas se eu ainda voltava a pisar aqui
mesmo não querendo, era por causa desse
moleque. Eu o vi nascer, e aquela foi a
sensação mais incrível que eu já presenciei.
Eu ajudei a trocar suas fraldas, colocava-o
para dormir sobre meu peito quando ele era
ainda um bebê. E podem me chamar de
maricas, mas eu amava cada segundo que
passava com ele. Eu ajudei a criá-lo até seus
três anos, quando minha vida virou de
cabeça para baixo e eu fui embora, deixando
toda a minha família para trás. Estar longe
de Lucas era horrível. Eu não perdi seus
primeiros passos ou suas primeiras
palavras, mas eu sabia que havia perdido
muito mais desde então.
— E então, vai me contar a história do
carro?
Lucas deu de ombros e mordeu seu lanche.
— Eu não sei se é verdade, mas eu a ouvi
falando ao telefone alguma coisa sobre estar
atrasada e achar que estava grávida. Eu não
sei de que compromisso ela estava atrasada,
mas eu ouvi a palavra grávida.
Eu quase ri da sua inocência, era bom que
ele ainda não estava familiarizado com estes
termos. Embora para uma criança de apenas
oito anos, ele era incrivelmente inteligente.
— E você está bem com isso?
— Eu não sei, eu te falei ontem sobre me
sentir sozinho, lembra? — Eu apenas
balancei a cabeça incentivando-o a
continuar. — Ela está sempre ocupada, o
telefone de casa não para de tocar. É o
namorado dela, é loja não sei de quê,
comida não sei de onde, ela nunca tem tempo
pra mim. Imagina quando esse bebê nascer.
— Se ela ainda não contou nada a
ninguém, pode não ter bebê nenhum. Certo?
— Eu falei pra ela que já tem a lista de
material da escola para comprar, e ela
esqueceu. Semana passada eu falei de novo
com ela, e ela disse ‘Ainda tem tempo’. —
Ele bateu forte o copo de refrigerante na
mesa e fechou os olhos com força. —
Quando aquela amiga dela vai em casa
comentar sobre festa de casamento ela
sempre tem tempo, mas quando é comigo
esse tempo não existe.
— Ei parceiro, respira. Que tal se nós
formos comprar seu material amanhã? —
Ele sorriu. — Eu vou te buscar para
almoçarmos com o Biel, e depois vamos à
livraria, ok?
— Fechado.
— Eu vou falar com ela, mas ela não me
disse nada sobre bebê algum. Talvez ela não
esteja grávida. E mesmo que seja verdade,
você sabe que isso não muda nada, certo?
Ela deve estar assim por causa dos
preparativos, mas ela sempre irá te amar
tendo um bebê a caminho ou não. É isso que
você tem medo? Que ela te deixe de lado?
Ele revirou os olhos antes de pegar batata
frita e encher a boca.
— Ela já está me deixando de lado.
— Ela é a pessoa que mais te ama no
mundo, depois de mim — eu confirmei,
piscando para ele e fazendo-o rir. — Então
vamos ver o que acontece. Até semana
passada você estava bem com todas estas
mudanças, não fique preocupado agora.
Qualquer coisa eu estou aqui, ok?
Ele acenou com a cabeça e voltou ao seu
hambúrguer. Depois de comer, Lucas quis ir
ao cinema. E eu tinha que admitir que por
mais infantil que alguns desenhos fossem,
era engraçado de assistir, e eu adorava
quando fazíamos coisas juntos. Era um
momento só nosso, que ríamos e
aproveitávamos a companhia um do outro,
sem qualquer preocupação externa.
O resto do dia foi tranquilo, ele não
mencionou mais nenhum aborrecimento até
que eu falei que era hora de voltar.

— Por que você não me leva pra morar


com você no Rio de Janeiro? — Lucas
perguntou quando estacionei em frente ao
prédio.
— Você sabe que não dá para ser assim.
Sem contar que tem toda a família aqui, lá só
tem eu. Você não ia gostar.
— Eu ia sim, eu prometo que vou me
comportar lá — ele disse do banco de trás.
— Por favor, eu não quero ficar aqui.
Imagina depois que ela casar e aquele
namorado dela vir morar com a gente de uma
vez e ter um bebê chorando pela casa.
— Eu achei que você gostasse do
Cristiano.
— Ele não é chato, e me trata bem, mas
me leva com você.
— Eu vou conversar com a Letícia — eu
informei. Sai do carro e abri a porta para
ele. — Agora sobe que já está tarde.
Ele desceu do carro e passou seus braços
ao redor da minha cintura.
— Eu sinto sua falta, não demore tanto
pra vir.
— Eu também sinto sua falta, mas nós
ainda vamos nos ver amanhã.
Ele subiu e pouco tempo depois vi
Letícia. Ela estava com o cabelo mais
comprido, cachos loiros caídos sobre seus
ombros. Assim que ela me viu seu rosto se
iluminou, mostrando aquelas covinhas que
só apareciam quando ela sorria. Sem os
óculos seus lindos olhos azuis se
destacavam enquanto ela se aproximava.
— Ei, você demorou desta vez. — Ela me
cumprimentou como se há muito tempo não
me visse.
— Eu sei, mas era final do ano, as festas
ocuparam meu tempo — eu respondi
retribuindo seu abraço. Ela logo se soltou,
parando à minha frente enquanto eu fiquei
encostado no carro.
— Lucas disse que estava aqui embaixo
me esperando, poderia ter subido.
— Você sabe que eu não entro neste
apartamento, não sei por que ainda tenta.
Enfim, eu fiquei sabendo que você está
grávida.
Seu rosto instantaneamente ficou pálido.
— Quem te contou?
— Lucas ouviu alguma conversa sua, mas
não vá comentar nada com o garoto — eu
comuniquei. — Então como eu não gosto de
rodeios, vamos esclarecer isso de uma vez.
É verdade?
Ela ficou parada na minha frente, cruzou
os braços sobre o peito e abriu a boca.
Porém, nada saiu dali, ela abriu a boca mais
duas vezes, mas nenhuma palavra era dita.
— Eu só vou perguntar mais uma vez.
Você está grávida, Letícia?
— Eu não sei. — Sua voz era tão baixa
que parecia um sussurro. — Então é por isso
que ele estava tão estranho essa semana. Ele
estava sempre calado, não queria ir para
lugar algum comigo, vivia trancado no
quarto.
— Não foi isso que ele me contou — eu
informei cruzando meus braços. — Ele me
disse que você está ocupada demais para
ele, que não lhe dá atenção, que sequer
comprou seu material escolar.
— Não é bem assim. O casamento tem me
ocupado, mas nunca o deixei de lado. E
sobre o material da escola eu vou comprar
essa semana.
— Não precisa, já combinei de comprar
com ele amanhã.
— Você não precisa fazer isso, Marcelo, é
minha responsabilidade. Eu faço isso todos
os anos.
— Mas, parece que este ano você está
adiando seus compromissos com ele, e ele
está sentindo isso.
Fui firme em meu anúncio e ergui uma
sobrancelha a questionando.
— É só uma fase, vai passar. Ele deve
estar preocupado que as coisas vão mudar
com o casamento, mas depois ele vai ver
que não terá mudança nenhuma.
— Ele pediu para ir morar comigo no Rio.
Seus ombros caíram em sinal de derrota.
— De novo?
— De novo, nós estamos sempre
conversando, mas acho que está precisando
que você garanta a ele que isso não vai
mudar. Que o fato de você e Cristiano
estarem juntos não o afetará. Eu sei que você
está cheia de planos e compromissos agora,
e acho que essa mudança toda está mexendo
com a cabeça dele. Ele acha que você não
tem tempo para ele. E ele não mencionou
com palavras explícitas, mas acho que ele
está com medo de ser deixado de lado,
principalmente depois que ele ouviu o
telefonema. — Olhei para ela respirando
fundo, tomando coragem para perguntar o
que realmente me interessava. — Você já
confirmou a gravidez? Você estava
planejando isso?
Ela ficou me olhando, ponderando as
palavras que eu disse. Seus olhos
começaram a brilhar ainda mais com o
acúmulo de lágrimas que se formavam ali.
— Eu não sei o que fazer... — ela
começou, respirando fundo antes de
continuar — achei que estava tudo bem. Eu
sabia que ele estava estranho, mas achei que
ia ser apenas uma questão de tempo, e que
ele gostava do Cris. Eles sempre se deram
bem, você sabe que eu não iria apresentar
alguém e colocá-lo em sua vida se eu não
soubesse que poderia dar certo. — Ela
enxugou uma lágrima que desceu por seu
rosto. — Eu não estava planejando
engravidar agora, mas também não estava
evitando. Eu e o Cris conversamos sobre
isso, e achamos que já que vamos nos casar
nós poderíamos tentar, nós queremos filhos
juntos. Só não achei que seria tão rápido.
— Você e o Cris? — eu perguntei
ironicamente. — Vocês namoram há quatro
anos, não moram juntos todos os dias da
semana, e acharam que poderiam tentar
engravidar só por que iam se casar? Você
não pode pensar por si só, você tem o Lucas
para se preocupar também. Olha o que as
decisões que você o seu namorado tomaram
sozinhos estão fazendo com o garoto.
— Ele não é só minha responsabilidade
— ela gritou, empurrando meu ombro para
trás. — Eu mal tinha acabado de me formar
quando você foi embora e fiquei cuidando
dele sozinha. Eu aprendi a ser mãe de uma
criança de três anos, quando eu mal sabia
cuidar de mim mesma. É muito fácil para
você apontar o dedo e me criticar, mas eu
fiquei aqui e enfrentei os problemas. Eu que
o levo para a escola todos os dias, eu que
cuido dele quando fica doente. E você o que
fez? Você fugiu.
Minhas mãos começaram a tremer de
raiva quando suas palavras me atingiram.
— Eu precisei ir embora, você sabe muito
bem disso. Mas, eu nunca deixei de me
preocupar ou dar assistência a vocês.
— Inacreditável. — Ela riu secando suas
lágrimas mais uma vez. — Você acha que vir
aqui uma vez por mês e ajudar a pagar as
contas, é dar assistência? Ele precisa de
mais do que isso.
— Eu estou com ele o tempo todo, Letícia.
Ele sabe que pode me ligar a qualquer
momento.
— E acha que uma ligação vai suprir as
necessidades dele? Quantas vezes ele teve
uma apresentação na escola e ficou me
perguntando se você estaria aqui para vê-lo?
Ou quantas vezes ele chorava falando que
estava com saudade, e queria que você
estivesse lá para ver seu jogo de futebol?
Ele nem gostava de futebol, mas ele quis ir
aprender a jogar por sua causa. Não sou só
eu que faço as coisas sem pensar nele.
Aquelas palavras foram como um soco no
estômago, e por um momento me faltou o ar.
Eu sabia que estava afastado, mas tentava o
máximo possível ser presente. Eu ligava
para ele todos os dias, mas aparentemente
isso não era o suficiente.
— Então ele vai comigo para o Rio — eu
anunciei, decidido.
Ela riu diante da minha informação,
mesmo sobre as lágrimas.
— Ah, mas não vai mesmo. Está louco?
Você não vai tirá-lo daqui.
Ficamos olhando um para o outro por um
longo tempo, mas aparentemente ninguém
tinha uma solução boa a apresentar. Ela se
aproximou cautelosamente e colocou sua
mão sobre meu braço.
— Marcelo, volta. Nós vamos dar um
jeito, você precisa superar as coisas.
— Eu não vou voltar. — Eu retirei sua
mão de meu braço e entrei no carro. — Eu
vou pensar no que fazer sobre o Lucas. E vá
fazer o exame para descobrir se está mesmo
grávida.
— Isso, foge de novo — ela gritou da
calçada, mas sua voz foi sumindo enquanto o
carro ganhava velocidade.
Cada vez que pisava nesta cidade, era
sempre um turbilhão de emoções. E todas as
vezes que eu tentava me afastar, os
problemas apenas iam se acumulando. Uma
hora eu iria explodir, e temia o momento em
que isso fosse acontecer.
Capítulo 04
Luísa
— Mãe! — eu gritei do corredor quando
entrei na casa.
— Na cozinha — ela gritou em resposta.
Assim que cheguei à cozinha, vi minha
mãe mexendo na panela em frente ao fogão,
e meu padrasto estava descascando ovos no
balcão a seu lado. Ela conheceu Luciano há
doze anos. Ele é daqui de Curitiba, mas tem
irmãs lá em Maringá, onde morávamos e
onde conheceu minha mãe. Ele era
divorciado na época, sem filhos, e então
dois anos depois de um relacionamento à
distância, eles se casaram e nós nos
mudamos para cá. Por mais que eu já tivesse
14 anos quando nos mudamos, meu padrasto
e eu criamos um vínculo muito forte. Ele
nunca impôs substituir o lugar de pai em
minha vida, mas ele acabou fazendo isso
sem perceber. Hoje em dia não poderia
imaginar uma figura paterna melhor para
mim.
— Ei, pai.
Ele enxugou as mãos em um guardanapo
de pano e me abraçou.
— Um bom filho a casa torna.
— Quem te ouve pensa que eu abandonei
vocês, né?
— Você passou o mês fora, eu me senti
abandonado — ele comentou dando de
ombros.
— Eu imagino. Te deixar sozinho com a
Dona Sônia não foi fácil?
Ele olhou para mim colocando a mão em
seu coração.
— Ela estava chorando para todo lado, e
toda carente. Eu estava quase implorando
para vir tirá-la da depressão. — Ele
encenou de forma tão dramática que eu não
pude deixar de rir.
— Ei, eu posso ouvir vocês, ok? —
mamãe nos interrompeu do fogão. — E eu
não estava depressiva, só sentia falta do meu
bebê.
Meu pai apertou minhas bochechas com
essa declaração.
— Bebê da mamãe.
Eu bati em seu braço e fui até o fogão.
Mamãe largou sua colher sobre a pia e me
puxou para seus braços.
— Que saudade eu fiquei, está proibida
de passar mais de duas semanas longe de
casa.
— Eu prometo não ficar longe por tanto
tempo — respondi retribuindo seu abraço e
me mantive ali.
Algum tempo depois eu ouvi meu pai
arranhar sua garganta, chamando nossa
atenção.
— Vem garota, me ajuda a descascar os
ovos para a sua maionese.
Quando nos desvinculamos, mamãe voltou
para o fogão e eu fui lavar as mãos para
ajudar meu pai. Era comum para nós pelo
menos uma vez por mês cozinharmos juntos.
Mesmo que eu tivesse meu próprio
apartamento, eu gostava de vir aqui visitá-
los. Antes de me sentar com eles à mesa,
liguei para Vinicius.
— Oi, Lu — ele disse do outro lado da
linha.
— Já está chegando?
Escutei uma respiração profunda do outro
lado da linha, e sabia que tinha algo errado.
— Acabei esquecendo, me desculpa. Faz
tempo que está ai? — ele perguntou, e no
mesmo momento eu já fechei os olhos
respirando fundo. — Já serviram o almoço?
— Eu não acredito que você não vem. Ela
vai servir o almoço agora, eu cheguei quase
uma hora atrás. Eu te mandei mensagem
avisando hoje de manhã. Não viu?
— Eu não vi, acabei me distraindo com os
relatórios dos projetos aqui. — Ouvi ao
fundo uma papelada sendo mexida. —
Temos tantas propostas para estudar, tem
Eólicas que estão abrindo, e tem contas que
estou estudando, parecem bem interessantes.
Lu, tem muito dinheiro envolvido, eles estão
precisando de engenheiros e...
— Então você não vem? — eu o
interrompi.
— Eu vou almoçar por aqui, pede
desculpa para a sua mãe por mim?
— Tá — respondi desligando o telefone.
Não queria ouvir desculpas.
Retornando à mesa, mamãe estava
sorrindo para papai enquanto servia seu
prato. Ela parou com a colher no ar me
olhando. Meu pai segurou minha mão e a
apertou.
— Está tudo bem?
— Está sim pai, não se preocupa — eu
respondi e me virei para minha mãe. — O
Vini não vem, mãe, falou para te pedir
desculpa.
— Eu nem coloquei o prato dele, já estava
suspeitando disso.
Quando terminamos eu e meu pai fomos
lavar a louça, enquanto mamãe atendia ao
telefone.
— Como está seu namoro, jabuticabinha?
— ele perguntou.
— Está tudo bem, pai, ao menos eu acho.
— Dei de ombros enquanto colocava o
último copo lavado para escorrer. — Nada
de diferente, ele se mantém afastado e cheio
de trabalho. Não posso julgá-lo, afinal eu
também estava dedicada aos meus estudos
ano passado para me focar na carreira, mas
às vezes sinto falta dele.
Papai pegou o copo e começou a secar,
guardando-o no armário.
— Eu não sei como vocês ainda estão
juntos. Ele é um bom rapaz, eu vejo isso.
Mas, vocês não parecem combinar. Você não
olha para ele como eu olho para a sua mãe.
— E que olhar é esse? — perguntei ao
secar minhas mãos, encostando-me a pia.
— Cheio de amor e admiração, de
respeito, e até de um pouco de dependência.
— Ele levantou os ombros como se isso não
fosse grande coisa e se encostou ao meu
lado. — Eu não me via sem ela desde o
momento em que a conheci, e toda vez que a
vejo tenho certeza que meus olhos ainda
brilham mesmo depois de uma década.
Eu sorri para ele concordando com a
cabeça. Eu nunca duvidei do seu amor pela
minha mãe, por isso eu a apoiei a se casar e
nos mudarmos para Curitiba. Eu via esse
brilho nos olhos do meu pai a cada vez que
ele olhava para ela, e por mais que odiasse
admitir, nunca vi esse brilho nos olhos de
Vinicius.
— E um dia, seus escuros e lindos olhos
de jabuticaba também vão brilhar por
alguém — ele disse fixando seus olhos nos
meus. — E alguém vai retribuir na mesma
intensidade.
— Você roubou meu apelido, só eu a
chamava de jabuticaba. Este era um apelido
exclusivo, por que não inventa um só pra
você? — mamãe perguntou quando retornou
à cozinha.
— Eu gosto deste apelido — ele
respondeu e deu um beijo rápido em seus
lábios.
Eu queria o que eles têm. O amor, o
respeito, a admiração, e até mesmo esta
dependência. Eu queria este brilho nos
olhos. Eu poderia não admitir, mas eu era
uma romântica incurável, que ainda esperava
um amor de tirar o fôlego.
Depois do almoço com meus pais, Rafael
e Carolina apareceram para o café da tarde.
Meus pais adoravam recebê-los aqui.
Depois do café, fomos ao shopping. Rafael
precisava de nossa opinião para um novo
terno. Normalmente, mulheres iam ao
shopping para comprar roupas, mas nosso
grupo era totalmente disfuncional. Aqui,
quem comprava as roupas na maioria das
vezes era Rafael, Carolina comprava quando
via algo na vitrine que lhe chamasse atenção,
e eu comprava apenas quando meu guarda-
roupa gritava por socorro.
— E então? — Rafael perguntou, saindo
do vestiário vestindo o sétimo terno.
Carolina levantou o rosto do seu celular
por um breve momento e balançou a cabeça
aprovando.
— Eu gostei.
— Você falou isso para todos, estou
descartando sua opinião a partir de agora —
Rafael respondeu e parou em minha frente
— Lu, o que acha? Você que vive cercada de
homens de ternos, deve ter alguma opinião
concreta.
Levantei-me para ajeitar o nó da sua
gravata. Ele esticou o pescoço enquanto eu
terminava de arrumá-la e o puxei até o
espelho. Quando ficamos lado a lado, dei
uma última verificada na altura da calça e
sorri.
— Definitivamente, este é o terno.
— Finalmente! Já estava cansado de
experimentar.
Ele deu mais uma conferida em frente ao
espelho e voltou ao vestiário se trocar.
Quando estava saindo da loja, uma
criança trombou comigo. Um garoto loiro de
olhos claros, o cabelo liso e com uma franja
cobrindo a testa.
— Desculpa, moça — ele disse.
— Tudo bem, garoto, se machucou?
— Não. — Ele sorri. — Mas, obrigada
por perguntar. Tenha uma boa tarde.
E na mesma rapidez que ele veio, ele se
foi.
— Quem era? —Rafael perguntou, quando
ele e Carolina saíram da loja.
— Não sei, ele trombou comigo enquanto
corria. O achei muito fofo e educado.
— Isso é raro — comentou Carolina
enquanto andávamos em direção à escada
rolante. — Essas crianças que ficam
correndo pelo corredor normalmente passam
como furacão sem ver a quem.
Quando subi na escada rolante vi o garoto
entrar na livraria e falar com dois rapazes.
Seus rostos eram familiares, e forcei-me a
lembrar de onde. Um flash veio à minha
mente quando o reconheci. Era o cara do
aeroporto. Será que eles eram um casal de
gay, e aquele menino era filho deles? O
moreno não aparentava ser gay, e eu poderia
ter alguma experiência com isso. Mas, se
este fosse o caso poderia explicar dois
homens em uma livraria, com materiais
infantis em seus braços.
Rapidamente puxei Rafael pelo braço.
—Rafa, eu preciso do teu radar.
Os olhos de Carolina já brilharam de
curiosidade.
— Cadê o boy magia?
— Sim, onde ele está? — perguntou
Rafael já olhando para todos os lados.
Assim que terminamos de subir a escada
rolante, os puxei na lateral, onde podíamos
ter uma visão do interior da livraria no piso
inferior e apontei.
— Ali, estão vendo aqueles dois rapazes
com uns cadernos nas mãos? Conversando
com aquele menininho que trombou comigo?
— Puta merda! — exclamou Carolina. —
Não me diga que eles são gays, eu adorei o
loiro.
— Eu acho que eles são um casal de gay.
Conheci o moreno no aeroporto.
— Como assim conheceu o moreno no
aeroporto? — perguntou Carolina me
interrompendo.
— Não foi exatamente conhecer, ele
ajudou a pegar minhas coisas quando minha
bolsa caiu.
Rafael enrugou os olhos, me interrogando
com o olhar.
— E por que só está contando isso agora?
Qual o nome dele?
— Gente, foco. Não é essa questão, e eu
nem o conheço ou sei o nome dele.
Os dois cruzaram os braços, me
observando com um sorriso nos lábios.
— Então por que está curiosa pra saber se
ele é gay? — Carolina perguntou.
— Aí, eu não quero mais. Era só
curiosidade.
— Eu acho que tem mais coisa aí do que
ela quer nos contar – comentou Carolina.
— Eu também acho — concordou Rafael.
— E aqueles rostos não me eram estranhos,
tenho quase certeza que já vi aquele loiro lá
no prédio. E só para você saber, eles não
pareciam ser gays. Devem ser irmãos,
primos ou até amigos.
Eles logo me alcançaram e fomos ao
estacionamento. Eu não estava realmente
interessada em saber se o cara era gay, ou se
aquele era mesmo seu filho, foi só uma
curiosidade. Eu posso não ser fascinada por
compras, mas ainda sou uma mulher. E
mulher é curiosa, certo? Me processem por
isso!
Marcelo
Logo cedo fui buscar Lucas com o
Gabriel, era meu último dia aqui, então
tínhamos muitas coisas para fazer antes do
meu voo. Quando chegamos ao shopping,
Lucas foi direto para o McDonalds,
enquanto eu e Gabriel optamos por massas.
Eu ainda não sabia o que fazer em relação
ao Lucas. Eu queria estar mais presente, mas
não via como fazer isso. Meu trabalho
estava todo no Rio, e eu não queria voltar a
esta cidade. Mas ao mesmo tempo, sabia que
infelizmente levá-lo comigo não era uma
opção. Ele tinha muito a perder saindo
daqui.
— Ei, o que acha? — Gabriel me
perguntou.
— Desculpa cara, o que?
— Estamos falando de ir à livraria depois
de almoçar. Depois podemos ir ao Park
Barigui jogar futebol.
Concordei com um aceno e me virei para
Lucas, que apenas balançou a cabeça
enquanto devorava seu lanche. Eu e Gabriel
nos olhamos e atacamos suas batatas fritas,
mas ele rapidamente pegou a embalagem e a
escondeu em seus braços.
— Deixa de ser guloso, cara — Gabriel
resmungou rindo.
— Vocês sempre fazem isso. Por que não
compram uma para vocês?
Assim que terminamos de comer, nós
fomos à livraria. Enquanto eu e o Gabriel
conferíamos a lista de material que a
atendente da loja reuniu, Lucas foi jogar a
embalagem do sorvete no lixo. Quando
retornou ao nosso lado estava ofegante.
— O que eu disse sobre correr? —
perguntei. — Vai acabar batendo em alguém
ou se machucando.
— Eu bati em uma mulher — Lucas
contou. — Mas ela era gente boa.
Gabriel levantou as sobrancelhas rindo.
— Gata?
— Eu sei lá, para vocês acho que era.
Eu olhei para ele com curiosidade.
— E para você, não?
— Até era — Lucas respondeu dando de
ombros. — Morena. Eu gosto de morenas.
Mas, era velha pra mim.
— E você nem quis dar uma piscada para
ela? — Gabriel perguntou, bagunçando o
cabelo de Lucas.
Enquanto íamos em direção à vaga no
estacionamento, um carro passou à nossa
frente fazendo a curva. Eu ouvi risos no
interior do veículo e no momento em que vi
o rosto ao lado do banco do motorista, eu a
reconheci. Era a mesma morena do
aeroporto, e ela estava gargalhando junto
com as pessoas do carro, mas eu me foquei
apenas no som que ela transmitia. Eu fiquei
um tempo admirando a cena, e era
incrivelmente lindo de ver. De seus olhos
escorriam lágrimas enquanto suas mãos
abanavam seu rosto, e instantaneamente eu
sorri. O som daquela risada, a forma como
ela secava a lágrima e como ela
transbordava alegria e beleza naquele ato,
me deram uma sensação boa. Foi quase
como um arrepio, ou um aperto no estômago.
Por mais idiota que isso seja, me trouxe uma
grande paz presenciar aquilo. Eu não tinha
visto seu riso da outra vez, mas se eu tivesse
a sorte de encontrá-la de novo, iria me
certificar de fazê-la rir.
— Do que você está rindo? — Lucas
perguntou.
— Nada garoto, vamos para o carro —
respondi.
— Eu vi — Gabriel disse a caminho do
carro. Eu apenas dei de ombros e o ignorei.
Assim que chegamos ao apartamento,
Lucas foi direto ao meu quarto pegar a bola.
Eu dividia o apartamento com meu primo.
Bom, em termos. Eu tinha um quarto aqui,
que eu usava uma vez por mês quando eu
aparecia em Curitiba. Passamos à tarde no
Park jogando futebol, e por sorte tinha sol.
Como era começo de semana não tinha quase
ninguém, então chutamos bola e corremos
para todo lado. Foi uma tarde tranquila, e
adorei ver Lucas tão relaxado e alegre a
todo o momento. Fui buscar três garrafinhas
de água e fiquei observando-o enquanto
jogava com o Gabriel, a risada dele enchia
meu peito. Eu amava aquele garoto, daria
minha vida por ele se fosse preciso.
— Ei parceiro, chega por hoje — eu falei
ao me aproximar e entreguei uma garrafinha
de água para Lucas. — Vá descansar um
pouco na sombra e toma bastante água.
Ele pegou a garrafinha de água da minha
mão e correu para ver os cisnes. Gabriel se
aproximou ao meu lado, e apoiou as mãos
nos joelhos.
— Ele cansa a gente.
— Eu que o diga, não sei como ele
acumula tanta energia — respondi e lhe
entreguei uma água.
— Já pensou no que fazer?
— Ainda não — admiti olhando para
Lucas perto do lago. — Primeiro eu preciso
confirmar essa gravidez da Letícia, e ver se
as coisas melhoram entre eles.
— Eu acho que ela não contou para
ninguém ainda.
— Também acho que não, não comente
com a vovó.
— Não vou. Eu acho que é só uma fase,
ele deve estar com ciúme, mas não quer
admitir. Não dá para você levá-lo, o certo
seria você voltar.
— Me conte uma novidade — respondi
sarcasticamente.
— Eu sei o que essa cidade representa
para você, sei o quanto odeia isso aqui.
Mas, por ele, ok? Pense no Lucas.
— Eu vou tentar.
Nós voltamos ao apartamento para tomar
um banho rápido e pegar minhas malas.
Lucas quis ir junto me levar ao aeroporto, e
assim que fiz o check-in ele me abraçou
apertado.
— E eu vou voltar logo. Não é daqui a
duas semanas seu torneio do futebol?
— Sim! — ele gritou e seus olhos
brilharam de alegria. — Você vai vir?
— É claro que eu vou, não posso perder,
acho bom treinar bastante pra fazer bonito.
Ele concordou com a cabeça e me soltou.
Bati na mão de Gabriel em cumprimento e
lhe dei um abraço rápido.
— Cuida do meu garoto, cara. Mantenha
os olhos nele — pedi antes de me afastar. —
Qualquer coisa que você souber, por favor,
me avisa ok?
— Fica tranquilo, vou te manter
informado.
— Valeu, Biel.
Acenei para eles enquanto me direcionava
a plataforma e embarquei. Deitei minha
cabeça na poltrona e fechei meus olhos
tentando relaxar. Vir aqui sempre me
desgastava, e era cada vez mais difícil ir
embora. Estava na hora de ser responsável,
se não por mim, então por ele. Lucas
precisava de mim, e eu precisava manter
isso em mente.
Luísa
Eu terminei de calçar meus tênis, peguei
minha garrafinha de água e corri para o
corredor, esperando que uns dos elevadores
parassem no meu andar. Assim que a porta
se abriu, eu entrei amarrando meu cabelo em
um rabo de cavalo alto e verificando-o no
reflexo do espelho.
— Por que eu tenho a impressão de que
toda vez que eu interfono avisando que estou
descendo, você sempre aparece como se
tivesse se arrumado correndo? — Rafael
perguntou dentro do elevador.
Apertei mais uma vez meu rabo de cavalo
e abri um largo sorriso em sua direção.
—Talvez porque sempre que você me
interfona, eu me arrumo em cinco minutos.
Saímos do elevador, cumprimentando
nosso porteiro na recepção, e fomos
andando até nossa academia. Assim que
entramos, fomos direto para a esteira. Pouco
depois, enquanto conversávamos sobre seu
trabalho e a nova campanha que ele tinha em
mãos, nosso personal se aproximou. Luigi
era dono da academia, incrivelmente lindo e
bom para os olhos de qualquer mulher da
academia. Ele era alto, moreno, com os
cabelos um pouco compridos na parte de
cima, em que se formava um topete muito
sexy. Um nariz fino e o queixo bem marcado,
com calorosos olhos castanhos escuros. Ele
foi meu personal logo que entrei na
academia, sempre muito gentil e solícito. Ele
acabou se tornando um grande amigo com o
tempo, já que ele ajudava o Rafael em seu
treino e a maioria das vezes eu estava
presente. Ele parou à nossa frente, entre as
duas esteiras, e estendeu uma toalha de rosto
para mim.
— Olha só quem voltou.
Eu sorri para ele quando peguei a
toalhinha.
— Estava viajando, mas já voltei de
férias. Você sabe que por mais que este não
seja meu lugar favorito no mundo, não posso
mais abandonar.
— Que bom, fico feliz em ouvir isso. Nós
sentimos sua falta aqui — ele disse. — Para
onde você foi?
— Para o Rio, você conhece?
— Um amigo mora lá, já fui algumas
vezes, é uma cidade linda. — Ele olhou para
seu relógio antes de voltar seu olhar para
mim. — Você vai se juntar a nós na aula de
Muay Thai?
— Nós? — perguntei espantada e me virei
para Rafael. — Você vai fazer Muay Thai?
Rafael confirmou com a cabeça enquanto
secava sua nuca com uma toalhinha de rosto.
— Ele não falou nada com você? — Luigi
perguntou. — Nós abrimos uma turma nova,
que começa hoje. Faça apenas uma aula
experimental comigo.
Lutar? Luvas? Socos? Chutes? Isso não
me parecia realmente uma boa ideia. Eu não
era exatamente boa com todas essas coisas
juntas. Olhei para eles, querendo recusar o
convite, mas ambos me olhavam com um
olhar divertido nos olhos.
— Vamos Lu, só uma aula — Rafael
incentivou.
— Se não gostar não precisa voltar —
Luigi interveio. — Mas, eu tenho certeza que
será uma excelente aluna.
Diminui a velocidade da minha esteira
depois de meia hora de corrida e sequei meu
rosto.
— E por que acha que serei uma boa
aluna?
— Porque você pode enganar sendo
baixinha e magra, mas vejo sua força nos
exercícios aqui da academia. — Ele piscou.
— Aposto que dará uns bons socos em
alguns grandalhões.
Eu não pude deixar de rir da sua
conclusão.
— Ok, uma aula.
Ele se aproximou estendendo o braço em
minha direção, com o punho fechado.
— Boa garota, já tem um ponto com seu
mestre.
Dei um soquinho em sua mão em resposta
e ele se afastou subindo as escadas. Eu fui
com o Rafa até o bebedouro, encher nossas
garrafinhas e logo o seguimos escada acima.
— Eu ainda não acredito que você vai me
fazer ter aulas de Muay Thai.
Rafael passou seu braço sobre meu
ombro.
— Não se preocupe, eu te defendo se
você começar a apanhar muito. — Eu apenas
dei um soco em seu estômago, o afastando
de mim. — Viu só? Mal começou e você já
pegou o espírito da coisa.
Eu abri um sorriso confiante em sua
direção e fomos para o canto da sala, onde
as pessoas estavam deixando seus sapatos.
Tirei meus tênis e fui para o centro, onde
cerca de umas dez pessoas estavam
reunidas. Não demorou muito Luigi entrou,
ficando à nossa frente e de costas para a
parede de vidro. Ele conversou um pouco
com uma morena que estava na sala,
abraçando-a rapidamente e ela logo se
juntou a nós no centro da sala.
— Boa noite, pessoal — Luigi falou,
chamando nossa atenção. — Esta é uma
turma nova que abrimos, então todos aqui
são iniciantes. Sejam bem-vindos.
Respirei aliviada com a sua declaração,
ou pelo menos usei disso para me acalmar,
mantendo o pensamento de que não seria a
única descoordenada e novata por aqui. Eu
sabia que não era uma pamonha completa,
pois estava mantendo minha rotina de
exercícios três vezes por semana com o
Rafael, mas este mês de férias deixou meu
corpo todo despreparado. Meia hora depois
de exercícios entre corridas, flexões e
agachamentos, eu já estava ofegante. Olhei
para o lado e Rafael estava transpirando,
mas sua respiração não parecida tão pesada
quanto a minha. Em compensação Luigi
estava normal, como se esses exercícios
sequer fizessem cócegas nele. Ele tinha o
corpo magro, não era exatamente grande,
mas seus músculos eram todos definidos e
marcados nos lugares certos. Apoiei as mãos
nos joelhos para recuperar o fôlego, quando
vi uma sombra ao meu lado.
— Esta é sua primeira aula, não é? —
perguntou uma morena. Demorei um pouco
para reconhecer que era a mesma que estava
conversando com o Luigi no começo da aula.
Soltei uma risada quando voltei a ficar
reta.
— Está tão óbvio assim?
— Talvez um pouco — ela admitiu rindo,
e reparei que ela não estava ofegante como
eu. — Não se preocupe, já vi piores. As
primeiras aulas são mais pesadas, até você
se acostumar com o ritmo das coisas, mas
depois você se acostuma.
Ela era morena, provavelmente do meu
tamanho, mas seu corpo era bem mais
curvilíneo. Um corpo magro e definido,
típico de quem frequentava academia há um
bom tempo. Seu rosto era delicado, mas o
que mais chamava atenção eram seus
simpáticos olhos azuis, claros e suaves.
— Você faz aula há muito tempo?
Ela balançou sua cabeça negando.
— Eu fiz algumas aulas ano passado, mas
acabei parando. Espero que agora consiga
manter minha rotina, eu adoro as aulas do
Lui.
— Bom, já tiveram seus dois minutos para
recuperar o fôlego, agora formem duplas
para o alongamento — anunciou Luigi.
A morena puxou meu braço e nos
sentamos no chão para alongar.
— Vamos fazer juntas, eu te ajudo.
Eu dei minhas mãos para ela e olhei para
Rafael e Luigi, imitando-os. Ela apoiou seus
pés em minhas panturrilhas afastando minhas
pernas e puxou minhas mãos, fazendo-me
inclinar para frente. Eu senti todos os meus
músculos serem puxados.
— Puta que pariu, isso realmente alonga.
Não posso ir mais do que isso.
Eu apenas ouvi sua risada acima da minha
cabeça.
— Sim, mas até que você está indo bem,
não faça mais do que seu limite.
— Eu não sei o seu nome.
— Adriana, mas pode me chamar de Adri.
O seu?
— Luísa, mas a maioria me chama de Lu.
— Menos conversa e mais alongamento –
disse Luigi chamando nossa atenção.
Adriana riu e fez uma careta para ele.
— Sim, mestre.
Depois do que pareceu uma eternidade
entre chutes e socos depois do alongamento,
a aula acabou. Estava voltando para a sala
calçar meus tênis depois de encher minha
garrafinha de água, quando Luigi me chamou
com um aceno, ao lado de Rafael e Adriana.
— O Rafa estava me contando que você
está procurando por estágio.
Dei um gole na minha garrafa de água,
parando na frente deles.
— Sim, mas está difícil. Porque não é
exatamente estágio, já que estou no último
semestre, seria mais como assistente de
advogado. Acho que só vou conseguir
trabalho depois de obter minha OAB.
— Nós estamos precisando de uma
mãozinha lá no escritório. Uma advogada
saiu e sobrecarregou nossa equipe —
interveio Adriana, levantando seu celular. —
Qual seu número? Vou te mandar um
WhatsApp com meu e-mail e você
encaminha teu currículo para agendarmos
sua entrevista.
Olhei para ela com um pouco de espanto,
e depois para Luigi.
— É sério?
— A Adri trabalha no escritório do meu
avô. Ele é advogado também, lembra que já
te contei isso ano passado? — ele perguntou
e acenei confirmando. — Então, se você
tivesse me contado antes, já teria te
indicado. Pelo que sei eles estão precisando
de uma ajuda por lá.
Eu abri um largo sorriso em direção a
Adriana, que me olhava com expectativa.
— Ok, anote meu número.
Nós nos despedimos na recepção e voltei
com Rafael para o prédio, quando recebi a
mensagem da Adriana.
— Você não vai acreditar onde é o
endereço do escritório.
— Onde?
Levantei meu celular e mostrei a tela para
ele.
— Não acredito! Que maravilha, Lu, é no
mesmo prédio que eu trabalho. Ela me
pareceu ser bem simpática.
— Ela é, me ajudou nos exercícios e
conversamos bastante.
Como toda noite, fomos direto para meu
apartamento para prepararmos alguma coisa
para jantar, mas assim que saímos do
elevador um cheiro de comida inundou todo
o corredor.
— Você já deixou algo cozinhando? —
perguntou Rafael atrás de mim.
Eu não estava esperando por aquilo, então
foi quase um susto ver minha mesa de jantar
arrumada, com pratos e talheres sobre ela, e
uma travessa do que parecia ser yakisoba no
centro. Eu ainda estava parada na porta do
meu apartamento analisando a mesa, quando
vi Vinicius carregando dois copos em suas
mãos e uma garrafa de refrigerante embaixo
do prato.
Ele olhou para mim e abriu um sorriso.
— Oi — ele disse, colocando o
refrigerante e os copos na mesa. – Vai querer
jantar com a gente, Rafa?
— Não, valeu — Rafael respondeu atrás
de mim e virei para encará-lo.
— Tem certeza? — perguntei. Afinal,
tínhamos combinado de jantar juntos.
Ele sorriu me tranquilizando.
— Sim, aproveite. Eu vou pedir uma
pizza.
Eu o vi se afastando para o corredor, ele
acenou para mim e piscou antes de entrar no
elevador. Eu fechei a porta e tirei meus
tênis, virando para encarar Vinicius.
— Está tudo bem? Eu pensei que tivesse
uma reunião hoje.
Ele confirmou com a cabeça, pegando uma
colher e servindo um dos pratos.
— Sim, eu tinha.
— Então por que está aqui? — perguntei
me aproximando da mesa.
Ele soltou um longo suspiro, antes de
deixar o prato com a comida na minha frente.
— Porque quando eu estava sentado na
minha mesa hoje à tarde, eu fiquei olhando
para a sua foto e senti sua falta. Eu tinha uma
reunião para esta noite, mas era apenas
expor uma proposta de planejamento que
fizemos para novos clientes, não havia
necessidade de estar presente. — Ele
sentou-se à minha frente e ficou me olhando.
— Então eu deixei as orientações para
Thiago e Alan, e pedi que eles fizessem em
meu nome.
— Entendi. Mas, isso ainda não explica
por que você está aqui.
Ele soltou uma risada, mas era uma risada
irônica e sem humor.
— Faz sentido que estar aqui e não em
uma reunião, seja estranho para você.
Alguma coisa tinha acontecido. Ele estar
no meu apartamento com um jantar, enquanto
uma reunião de trabalho acontecia, era um
claro sinal de que algo estava fora dos
trilhos. A expressão de surpresa e desespero
em meu rosto parecia diverti-lo, já que ele
ria enquanto me observava.
— O que aconteceu, Vini? — perguntei,
tentando controlar minha ansiedade.
Ele esticou a mão sobre a mesa,
esperando que eu a alcançasse. Ele ficou
encarando nossas mãos juntas e desenhou
círculos com seu polegar na base de minha
mão, como se estivesse pensando no que
falar.
— Eu queria te fazer uma pergunta, e
quero que seja sincera. — Ele levantou seu
rosto para me encarar, e eu apenas confirmei
com a cabeça, nervosa demais para
responder com palavras. — Você está feliz
comigo?
— Para que esta pergunta? — Tentei
afastar minha mão da sua, mas ele a segurou
firme mantendo-a no centro da mesa. —
Você não está feliz, é isso? Está querendo
terminar?
— Lu, não. — Ele negou rapidamente com
a cabeça. — Não tem nada de término aqui,
ao menos espero que não. Só me responda, e
seja sincera.
— Ok. — Respirei fundo, tentando pensar
em uma resposta sincera. — Até onde sei, eu
sou feliz. Onde está querendo chegar com
isso? Não estou gostando desta conversa.
Ele riu novamente.
— Não tem ninguém morrendo, eu não
estou terminando com você, e não tem nada
para se preocupar. Eu só queria confirmar
isso, está tudo normal.
Soltei uma risada irônica.
— Você está na minha casa com comida,
hoje é uma terça-feira, não foi a uma reunião
quando sei que trabalho é algo importante
para você, e me veio com essa pergunta
idiota se eu estava feliz. Normal é a última
coisa acontecendo nessa casa.
Ele suspirou derrotado e se levantou da
mesa.
— Tudo bem, tudo bem. Vamos conversar
primeiro.
Eu o acompanhei quando ele se levantou e
me puxou pelo braço, nos levando até a sala.
Quando sentamos no sofá, viramos nossos
corpos para ficarmos frente um ao outro.
— Antes de começar a pensar besteira,
deixa eu te esclarecer uma coisa — ele
anunciou, trazendo seu rosto para mim. Seus
lábios macios e delicados tomaram os meus,
exigindo uma resposta. Eu demorei um
pouco para corresponder, mas logo minha
boca se abriu para recebê-lo e o toque de
sua língua brincando com a minha fez todo o
nervosismo se acalmar. Suas mãos subiram
para meu rosto, me segurando ali enquanto
ele mantinha a testa encostada na minha. —
Eu te amo, e eu sou feliz com você. Apenas
me ouça antes de tirar conclusões
precipitadas. Lembra como foi, algum tempo
atrás, quando você voltou da casa dos seus
avós?
Meus olhos começaram a arder, e eu sabia
que isso era por conta da tristeza que me
bateu naquele momento. Minha avó paterna
ficou muito doente, então eu e Michele,
minha prima, nos mudamos para a casa deles
por três meses. Nós tentamos dar toda
assistência e ajuda possível ao vovô, com os
cuidados que ele tinha com a vovó.
Infelizmente ela não aguentou muito tempo, e
o vovô foi logo em seguida. Nós sempre
acreditamos que ele morreu de amor, por
não aguentar viver em um mundo que ela não
estava mais presente.
— O que aquela época tem a ver com o
que está acontecendo?
— Tudo. Ou nada. Depende do ponto de
vista. Nós estamos passando por aquela fase
de novo. Estamos afastados, e eu odeio isso.
E não estou te culpando, porque a culpa é
minha também. Você não sentiu as coisas
estranhas desde que voltou? — Eu apenas
balancei a cabeça concordando, esperando
que ele continuasse. — Então, quando você
voltou da casa dos teus avós, você se
dedicou a faculdade quase que tempo
integral. Adiantou todas as matérias que
conseguia, vivia e respirava livros. Eu era
seu segundo plano naquela época. E vejo
que acabei fazendo isso com você agora.
Naquela época eu também aproveitei aquela
fase para me dedicar ao trabalho, e a
consequência foi à promoção. Só que aquela
fase já passou, e eu acabei mantendo o
trabalho em primeiro lugar. E eu não quero
isso, Lu, não quero nós dois afastados e
estranhos novamente. Me perdoa?
Ok, isso não era o que eu estava
esperando. De fato as coisas estavam
estranhas, mas estava conformada que o
trabalho era sua prioridade de agora em
diante.
— Eu não acho que tenho o que perdoar.
Nós dois fizemos isso, colocando outras
coisas em primeiro lugar. Eu me prendi aos
estudos e você se prendeu ao trabalho, não
acho que exista realmente um culpado aqui.
— Eu te amo. Eu te amo demais. Não são
semanas ou meses, Lu. São anos. E eu não
quero mais isso para nós, eu quero sentir que
somos apenas nós novamente.
Eu sorri. Eu apenas sorri. Eu não sabia o
que responder. Ele estava ali admitindo
nosso problema, e então tudo foi colocado
em uma nova perspectiva.
— Eu acho que podemos trabalhar com
isso — eu disse, enquanto mantinha o
sorriso bobo nos lábios.
Ele logo correspondeu ao meu sorriso
respirando aliviado e buscando meus lábios
novamente. Desta vez havia algo mais no
beijo. Sua boca invadia a minha de uma
forma mais precisa, quase como se buscasse
a certeza de uma nova chance. Minhas mãos
subiram por seus braços buscando sua nuca,
e quando a alcancei o puxei mais para mim,
ansiando mais daquele beijo, procurando
por mais. Eu levantei do sofá sem separar
meus lábios dos dele e sentei em seu colo.
Suas mãos foram para baixo de minha blusa,
e eu senti o quente de seus dedos sob minha
pele, eles apertaram minha cintura uma vez
antes de subirem nas minhas costas. Eu me
inclinei para ele, fazendo seu corpo deitar
no encosto do sofá enquanto descia meus
lábios por sua mandíbula até me aproximar
do seu ouvido.
— Nós devíamos formalizar nosso acordo
lá na cama — sussurrei em seu ouvido.
Ele soltou uma risada e voltou às mãos
para minha cintura, apertando-a mais uma
vez antes de me pegar no colo e atravessar o
corredor, em direção ao meu quarto.
— Nós vamos ter que comer comida
esquentada depois.
Eu afastei meu rosto para olhar para ele e
ergui uma sobrancelha.
— Como se o prato na mesa já não fosse
esquentado.
Ele riu mais uma vez quando entramos no
quarto e me deitou sobre a cama.
— Ok, você tem razão.
Eu acompanhei sua risada e me arrastei na
cama, indo para o centro. Fiquei deitada
enquanto olhava ele tirar a camisa e
intercalar entre um pé e outro para sair de
seus sapatos. Seu cabelo loiro bagunçado
estava perfeito, e eu não poderia deixar de
admirar seu corpo enquanto ele se despia.
Ele não tinha um abdômen cheio de
gominhos, mas era extremamente duro e liso,
deixando marcado suas entradas nas laterais.
E eu achava aquilo absurdamente sexy.
Ele segurou meus tornozelos para retirar
minhas meias e subiu na cama. Seus braços
se apoiaram à minha volta ele alcançou
minha boca. Este beijo era mais intenso,
mais íntimo, sua língua mergulhava de
encontro a minha me explorando com
necessidade.
Nossas bocas se afastaram quando ele se
levantou, deslizando suas mãos pela lateral
do meu corpo até a borda da minha calça.
Ele a segurou e abaixou, junto com a minha
calcinha, deslizando por minhas pernas e
jogando-as ao chão. Eu ergui minhas mãos
até alcançar a braguilha da sua calça e abri o
botão, descendo o zíper rapidamente, e
puxando sua calça para baixo. Ele se livrou
dela junto com a sua cueca quando me
sentei, passando a camisa e meu top por
minha cabeça. Assim que me virei para
olhá-lo, ele estava me observando de cima a
baixo, com um largo sorriso nos lábios.
Enlacei seu pescoço e deitei novamente,
puxando-o comigo. Sua boca logo desceu
pelo meu corpo, até alcançar um dos meus
seios. Enquanto sua língua brincava com um
de meus mamilos, sua mão alcançou o outro
seio e apertou-o com força. Eu arqueei as
costas com aquela sensação de prazer que
me dominava, e deixei que ele fizesse seu
trabalho. Apertei sua nuca com mais força
quando ele foi para o outro seio e deu uma
mordida, deixando-o rígido sobre seu toque.
Sua mão livre desceu pela minha barriga em
direção ao púbis. No momento em que seu
dedo alcançou meu clitóris e ficou ali o
instigando, um gemido fraco saiu de meus
lábios. Eu senti seus lábios se curvarem em
um sorriso quando ele sugou meu seio e
outro gemido involuntário escapou.
Eu puxei seu cabelo, fazendo-o voltar
para mim e o beijei com mais força. Desta
vez era meu corpo que gritava pela
necessidade de senti-lo. Sem soltar os lábios
dos meus, ele nos girou na cama, até que ele
pudesse alcançar a gaveta do meu criado-
mudo e puxar uma camisinha de lá. Ele
virou-se para mim logo depois de pôr a
camisinha e eu separei minhas pernas para
recebê-lo. Passei minhas pernas por sua
cintura e as prendi ali, puxando-o para mim
enquanto ele me penetrava. Sua boca foi
para meu pescoço e eu senti sua respiração
começar a ficar ofegante a cada estocada.
Meu corpo foi entrando no seu ritmo e me
movia contra ele a cada movimento, sentindo
aquele prazer dentro de mim cada vez mais
forte. Meus pés começaram a formigar,
minhas pernas o prendiam ansiando por esse
orgasmo, e minhas mãos apertavam seus
braços com força. Ele levantou seu rosto
para o meu e buscou por minha boca em um
beijo cheio de desejo. Eu podia sentir isso.
A cada estocada, a cada movimento de sua
língua com a minha, a cada respiração
irregular que eu ouvia.
Por um momento eu me deixei levar. Não
me importei com os últimos acontecimentos,
nem com as últimas semanas, ou com o que
tinha de errado. Entreguei-me apenas aquele
momento de êxtase que invadia meu corpo e
deixei que a libertação viesse.
No momento em que atingi meu clímax,
abafando um gemido contra sua boca, meu
corpo todo relaxou. Algumas estocadas
depois eu senti todos os seus músculos
enrijecerem sob minhas mãos e o peso de
seu corpo caiu para o lado. Eu estava
ofegante quando me virei de lado para vê-lo.
— Eu acho... — ele começou, tomando
uma respiração profunda — que esta foi a
melhor formalização de acordo que já
fizemos.
— Estou com fome — eu murmurei. –
Acabei de voltar da academia e tive outro
exercício. Meu corpo está precisando ser
alimentado.
Ele riu.
— Ok, vamos lá que eu esquentar nosso
jantar outra vez.
Ele se levantou vestindo sua calça e foi
até meu guarda-roupa, procurando pela
minha gaveta de camisas, uma larga que eu
amava para ficar em casa. Quando ele a
jogou para mim eu sorri em agradecimento.
Vesti minha calcinha quando me levantei e
fui até ele, que me esperava na porta. Ele
passou seus braços por meus ombros e deu
um beijo no alto da minha testa enquanto
voltávamos para a sala.
Capítulo 06
Luísa
— Está simplesmente perfeito, Luísa —
anunciou meu professor.
Como eu havia adiantado praticamente
todas as matérias do último período, me
restava apenas vir à faculdade para mostrar
meu TCC para o meu orientador. Meu foco
era um acompanhamento de vários processos
começados e não concluídos, de mulheres
que denunciavam seus parceiros por
agressão física e moral dentro de casa, a
famosa e conhecida Lei Maria da Penha.
Muitas demoravam em denunciar, e quando o
faziam não eram todas que continuavam.
Quando acontecia a audiência meses depois,
muitas delas interrompiam a tramitação. Eu
havia entrevistado muitas mulheres e até
alguns maridos, já havia transcrito todas as
conversas, agora eu precisava apenas
alimentar minha tese.
— A forma como as entrevistas foram
descritas está ok? Acha que preciso mudar
algo?
— Não, as dicas que te passei na semana
passada que você modificou já foram
satisfatórias — ele respondeu na minha
frente. — Agora você precisa apenas
apresentar suas conclusões e reforçar sua
tese.
— Obrigada, professor. Vou fazer isso o
mais rápido possível e te trago no nosso
próximo encontro.
Assim que sai da sala, corri para o
estacionamento e liguei o rádio, cantando em
voz alta ‘I Wish’ junto com a Cher Lloyd
pelo caminho. Eu tinha uma entrevista em
meia hora com a Adriana. Apresentei-me na
portaria do prédio e subi. Assim que cheguei
ao andar, caminhei até o balcão de madeira
escura com a parte superior de mármore,
onde encontrei uma mulher sentada atrás
dele falando ao telefone.
— Entendido, às catorze horas, então —
ela confirmou, rabiscando algo na agenda.
— Obrigada, Doutor Lucio, tenha uma boa
tarde.
Assim que desligou o telefone ela
levantou-se para falar comigo. Fiquei feliz
em ver que éramos praticamente da mesma
altura. Seu cabelo loiro estava preso a um
rabo de cavalo no alto, usava óculos
quadrado, mas pude ver claramente seus
olhos cor de mel por trás dele.
— Olá, posso ajudá-la? — perguntou ela
quando deu a volta no balcão, parando ao
meu lado.
— Eu sou Luísa Castelli, tenho uma
entrevista.
Um largo sorriso abriu em seu rosto, e ela
rapidamente enganchou um braço no meu.
— Eu sei quem você é, fui eu que te liguei
agendando a entrevista ontem. Eu sou a
Carla, espero que você goste de trabalhar
aqui também — informava ela enquanto me
carregava pelo corredor. — O Lui comentou
sobre você, e a Adri disse que te adorou.
Você foi o assunto deste escritório ontem.
Como assim, assunto do escritório? Eu
comecei a rir enquanto ela me fornecia as
informações e tentava entender tudo aquilo.
Assim que viramos o corredor entramos em
uma sala com uma grande mesa, separada
por seis divisórias de vidro. Três das
divisórias ao fundo estavam vazias.
Rapidamente reconheci Adriana logo na
primeira mesa, uma morena ao seu lado em
uma das mesas do centro e à sua frente havia
um homem de terno.
— Chegou nossa ajuda — anunciou Carla
ao meu lado quando paramos na porta.
Assim que Adriana me viu, rapidamente
abriu um sorriso e veio ao meu encontro.
Pouco depois o rapaz que estava na mesa à
sua frente se juntou a nós.
— Oi, sou o Matteo — disse ele com o
braço esticado para me cumprimentar. —
Sou irmão do Lui.
Ele tinha um sorriso simpático e
acolhedor, igual ao irmão. Mas, seu rosto
era diferente, não tinha o nariz e o queixo tão
fino quanto o Luigi. Seu cabelo era castanho
e curto, mas os olhos eram claros, parecidos
com a cor de mel dos olhos de Carla. Uma
barba curta e bem feita cobria seu rosto.
— Sou Luísa.
— Vamos para a sala de reunião —
anunciou Adriana.
Eu me desvinculei de Carla, mas não pude
deixar de sorrir quando ela levantou os dois
polegares para cima.
— Boa sorte — sussurrou ela.
— Obrigada — sussurrei em resposta
antes de seguir Adriana.
— Carla, nós estaremos na sala de
reunião – disse Matteo atrás de mim. — Se
for algo importante você transfere a ligação
para lá.
— Ok, chefe.
Eu não me aguentei e ri, ouvindo Matteo
ao meu lado rindo também. Quando entrei na
sala de reuniões, não pude deixar de reparar
na elegância dos móveis. Todos os móveis
que eu via eram de uma madeira escura, em
total contraste com o piso claro. Havia uma
grande mesa oval ao centro, com várias
cadeiras à volta e dois telefones sobre ela.
Na parede ao fundo havia um televisor, e no
teto focos de luzes por toda a lateral. Eu
sentei à frente de Adriana, e Matteo soltou
um botão de seu terno sentando-se ao seu
lado.
— Luísa Castelli — Adriana pronunciou
ao passar um papel para Matteo, que notei
ser meu currículo. — Nós que vamos te
entrevistar. Na verdade, será apenas para
cobrir as formalidades.
Matteo concordou com a cabeça e me
olhou, desviando a atenção do papel à sua
frente.
— Então, Luísa, é o seguinte. Meu irmão,
que você já conhece, disse que você é uma
ótima pessoa. A Adriana também falou muito
bem de você. E pelo seu currículo
impressionante já ganhou o certinho do Biel.
Adriana riu com seu comentário.
— Você vai conhecê-lo em breve.
— Ele está em uma audiência hoje —
esclareceu Matteo. — Eu não sei se a Adri
te explicou, mas uma advogada saiu, e até
que a gente consiga reorganizar e distribuir
as tarefas, vamos precisar de ajuda. Aqui no
escritório são os três sócios, e nós
trabalhamos na equipe deles. Somos eu, a
Adri e o Biel de advogados aqui em
Curitiba, e temos o apoio do Marcelo lá no
Rio.
Adriana olhou meu currículo e fez uns
rabiscos.
— Basicamente vamos precisar do seu
apoio para nos auxiliar em relatórios,
algumas petições, procurar jurisprudências,
organizar e monitorar nossos prazos. São
coisas simples, mas que seria de grande
ajuda no momento. Eu não sei como é seu
horário. — Ela olhou os rabiscos e então
voltou à atenção para mim. — Você estuda
no período matutino, correto? Você estaria
disponível depois do almoço?
— Sim, eu estudo na parte da manhã —
confirmei. — Mas, meus horários são bem
flexíveis. Ano passado eu precisei trancar a
faculdade por um semestre, por problemas
familiares, então quando retornei adiantei as
matérias em contra turno. No momento estou
apenas me encontrando com o meu
orientador de TCC, então poderia auxiliar
de manhã quando estiver livre se vocês
precisarem.
Matteo acenou com a cabeça e abaixou os
papéis, juntando as mãos sobre a mesa.
— Podemos te fazer a seguinte proposta.
Nos dias em que você tiver seus encontros
com seu orientador, estaria dispensada, pois
não queremos atrapalhar seus estudos. Mas,
nas manhãs que estiver livre, e no período
da tarde, gostaríamos de contar com seu
apoio aqui no escritório. O que você acha?
— Posso fazer isso. Eu poderia vir todas
as manhãs, sem problemas, apenas nos dias
de ir à faculdade eu aviso previamente que
chegarei um pouco mais tarde.
Adriana começou a bater palmas e olhou
para Matteo com expectativa.
— Eu acho que podemos fazer funcionar
desta forma. O que acha?
— Eu acredito que dará certo — ele
confirmou. — Vou apenas repassar essa
conversa para os outros e conversar com o
RH para redigir o contrato.
Adriana olhava para mim sorrindo quando
esticou a mão para apertar a minha. No
momento em que a Carla entrou com uma
bandeja com três xícaras de café, ela olhou
para nossas mãos.
— Oh, você já está dentro? — Carla
perguntou batendo suas mãos, exatamente
como Adriana fez.
Era quase que impossível não rir e se
sentir acolhida pela recepção e alegria dela.
Fiquei aliviada em ver que Matteo e Adriana
também riam de seu comportamento.
— Eu não sei, eu ainda estou sendo
entrevistada — comuniquei a ela balançando
os ombros.
— Bom, você foi indicada pelo meu
irmão e a Adri aqui fez uma bela propaganda
sua — Matteo informou. — Seu currículo foi
bem apreciado pelo Biel, e eu adorei seu
comportamento na entrevista e
disponibilidade de tempo. Neste caso... —
ele ficou de pé e estendeu a mão para mim
— seja bem-vinda a SDM Advogados
Associados.
Marcelo
Se havia uma coisa que eu amava em
morar no Rio de Janeiro, era a paisagem.
Correr todas as manhãs na calçada de
Copacabana era sem dúvida a melhor parte
do meu dia. Eu havia adquirido nos últimos
anos o costume de correr todas as manhãs,
me ajudava a limpar a mente e não pensar
sobre mais nada. Era apenas eu, o vento, e a
música em meus fones de ouvido. Não havia
preocupações, não havia outras pessoas, não
havia nada além de mim. E por mais egoísta
que isso seja, era a melhor forma que eu
havia encontrado de não surtar.
Assim que completei meu ciclo, comprei
uma água de coco e me sentei na areia,
admirando as pessoas que logo de manhã
estavam na praia. Meu celular apitou mais
uma vez, havia mais de 20 mensagens no
WhatsApp. Passei o olho por cima para ler
sobre o que estavam falando, e pelo que
tinha entendido havia uma candidata para a
vaga no escritório em Curitiba.

Adriana: Estou falando, eu conversei bastante


com ela ontem, ela me pareceu muito simpática.

Luigi: Eu a conheço faz algum tempo, desde


que ela começou a frequentar a academia.
Sempre foi muito educada e gentil. O Rafa disse
que ela é extremamente responsável.

Adriana: Sim! O amigo dela me disse que ela


é muito organizada e dedicada, vocês sabem que
estamos precisando de uma mãozinha, então o
que custa tentar?

Gabriel: Me enviem o currículo dela.

Matteo: Lá vem o todo politicamente correto.

Adriana: Já enviei o currículo para todos


vocês no e-mail, eu gostei.
Gabriel: Acabei de ver o e-mail, vou analisar.

Matteo: Eu não vou me opor. Podemos


marcar uma entrevista com ela, se ela estiver
disponível, podemos fazer um teste.

Carla: Já analisou, Biel? Passou no seu teste?

Luigi: Ele não confia em nosso julgamento,


Adri.

Adriana: Pois é, nos dê um voto de confiança


Biel.

Gabriel: O que o Lui faz neste grupo, afinal?


Ele nem trabalha no escritório.

Luigi: Eu sou uma peça importante aqui.

Marcelo: Quem é esta garota, afinal?

Matteo: Uma amiga do Lui, a Adri a


conheceu ontem e ela está querendo estagiar,
então estamos pensando em chamá-la para uma
entrevista.

Carla: Biel, posso ligar pra ela agendando ou


não? Você é o único empacando a situação.

Gabriel: Eu estava analisando o currículo


dela! Precisamos de uma boa assistente, não a
miss simpatia.

Adriana: Ok, já deu tempo de ler, pode liberar


a ligação?

Matteo: Por mim ok.

Carla: Eu não tenho o dia todo, chefe.

Gabriel: A Carla está afiada hoje, né? Pode


ligar, eu gostei do currículo dela. Aliás, é até
impressionante todos os seminários que ela fez.

Marcelo: Olha só, alguém impressionando o


Sr. Certinho.

Matteo: Isso é novo, HAHAHA.


Adriana: Eba! Liga logo, Ca.

Luigi: Você está vindo esta semana, Marcelo?

Marcelo: Sim, na sexta estarei aí. Preciso ver


o campeonato do Lucas.

Adriana: E eu pensando que estava vindo


para o meu bday.

Marcelo: Pra isso também. ;)

Depois de passar em casa para um banho


rápido, cheguei ao escritório que eu dividia
com Pedro. Ele e Alice, sua esposa, eram
meus vizinhos. Eu não conhecia ninguém no
Rio, me mudei justamente para escapar de
todas as lembranças e começar uma vida
nova. Quando se casaram eram muito jovens,
recém-formados, sem ajuda dos pais. Tinha
praticamente tudo para dar errado, mas eles
eram perfeitos juntos. Namoravam desde os
14 anos, sem autorização dos pais dela que
além de rígidos eram preconceituosos.
Quando ela ficou grávida, eles decidiram se
mudar e começar uma vida no Rio. Não foi
fácil, eu acompanhei a batalha diária deles
de perto. Mas, posso dizer que aprendi que
quando se ama verdadeiramente uma pessoa,
não importa os problemas que a vida põe em
seu caminho, se você tiver a pessoa certa ao
seu lado, você sempre consegue superar
tudo.
— Bom dia, Alice.
Sentei no balcão e me curvei para
cumprimentá-la, recebendo um beijo na
bochecha.
— Bom dia.
Eu envolvi meus dedos no cabelo dela e
levantei uma sobrancelha.
— E então, já decidiu quando vai
abandonar o Pedro e me assumir?
Ela segurou os lábios com os dentes
tentando não rir.
— Ainda estou decidindo, não me
pressione.
— Você quem está perdendo.
Assim que Pedro entrou na recepção seus
olhos afiados vieram em minha direção.
— Você, mantenha as mãos bem longe.
Eu levantei minhas mãos em sinal de
rendição.
— Foi mal, mas desta vez foi ela quem
começou. Você sabe que não dá para resistir
a ela.
Alice abriu sua boca em claro sinal de
espanto.
— Eu não comecei nada, seu mentiroso.
— Ele está te perturbando de novo,
querida? — Pedro perguntou.
Ele foi para trás do balcão e ela suspirou,
deitando a cabeça sobre seu peito.
— Sempre.
Ele riu quando a abraçou, e segurou o
rosto de Alice em suas mãos.
— Não deixe ele te confundir, ok? Você é
minha, loirão.
Eles eram da mesma altura, mas as
semelhanças paravam por aí. Enquanto ela
tinha longos cabelos loiros, os dele eram
praticamente raspados, ela tinha os olhos
azuis e pele branca, ele era negro.
— Agora vamos trabalhar que o dia já
começou. E por favor, traga meu capuccino,
Alice — Pedro pediu, e retornou à sua sala.
— Está vendo, Alice? — perguntei
apontando para Pedro. — Eu não falaria
com você desta forma.
Ela riu antes de sair de trás do balcão e
caminhar para a cozinha.
— Sim, porque você pediria café preto.
Correto?
Eu segurei seu rosto em minhas mãos e a
beijei na bochecha.
— É por isso que você é a mulher perfeita
pra mim.
Ela riu mais uma vez, balançando a
cabeça enquanto eu entrava em nossa sala.
Fui para minha mesa e olhei para Pedro,
enquanto ligava meu computador.
— Algum caso novo?
— Nada novo, apenas aquela audiência
do cliente do seu avô que será na terça.
— Você vai ou quer que eu vá?
Seu olhar se moveu para a porta e depois
para mim.
— Eu queria te pedir um favor. — Eu
acenei com a cabeça, esperando que ele
continuasse. — Na terça faremos doze anos
de casados, e eu queria levar a Alice para
jantar. Você poderia ir à audiência para eu
comprar o presente dela à tarde?
— Claro, sem problemas, vão comemorar.
Quer deixar a Milena e o Pedrinho lá em
casa?
Ele suspirou de alívio e acenou com a
cabeça.
— Que bom que se ofereceu, eu estava
sem jeito de te pedir isso.
— É para isso que os padrinhos servem.
Alice entrou logo em seguida, deixando o
café na minha mesa.
— Sabe, Alice, este é o melhor café do
mundo — eu informei, depois de um gole. —
Ainda está pensando na minha pergunta?
— Você não desiste? — Pedro perguntou
rindo.
Eu pisquei para ela antes de me virar para
ele.
— Ela ainda vai te largar para ficar
comigo, aguarde.

— Alô?
— Você está vindo hoje, né? — Lucas
perguntou. — Você me prometeu que viria no
campeonato, e o jogo é amanhã. Você está
vindo, não está?
A sua voz me confortou, mesmo que ele
estivesse quase gritando comigo.
— Nem um oi ou bom dia?
— Você prometeu! — ele exclamou.
Eu ri e fui até a tenda pegar uma água de
coco.
— Se eu prometi então eu vou, o voo é no
fim da tarde. Eu falei isso para você a
semana toda.
— Você vem. — Sua voz era uma mistura
de surpresa e alívio.
— Sim, eu estou indo hoje e vou te levar
ao jogo amanhã, você não devia estar na
escola?
— Eu estou no banheiro, só queria
confirmar.
Meu coração se apertou que ele parecia
duvidar mesmo que eu tivesse avisado a
semana toda que eu estaria lá para ele.
— Então volta para a sua sala, eu vou te
buscar amanhã para almoçar e te levo no
jogo.
— Ok, tchau — ele disse e desligou, antes
mesmo de eu me despedir.
No fim da tarde, Alice ficou de me levar
ao aeroporto. Nós passamos na escola para
pegar o Pedrinho, já que Pedro estava em
reunião com um cliente quando saímos do
escritório.
— Aproveite o final de semana — disse
Alice
Eu desci do carro e acenei para ela.
— Você também.
Eu estava esperando por Gabriel no
aeroporto, quando vi a Adriana correndo em
minha direção. Seu corpo se chocou com o
meu e soltei minha mochila para abraçá-la.
— Feliz aniversário, Adri.
Eu a apertei em meus braços e beijei sua
bochecha repetidas vezes.
— Eu estava com tanta saudade, eu não te
vi da última vez que você esteve aqui — ela
resmungou e então cheirou meu pescoço. —
Você está cheiroso, senti saudade do seu
cheiro.
Eu ri do seu comentário e peguei minha
mochila do chão quando ela me soltou.
Segurei minhas mãos entrelaçando meus
dedos com os dela enquanto fomos para o
estacionamento.
— Eu pensei que fosse o Biel que viria
me buscar, mas fiquei feliz de te ver. Como
está sendo seu dia, aniversariante?
— Perfeito! — anunciou ela quando
entramos no carro. — Você me ligou de
manhã, os meninos me paparicaram o dia
todo e teve a festa no escritório.
— E nós vamos comemorar nesta noite,
não é? — perguntei.
— Nós vamos comemorar muito esta
noite.
Assim que paramos no semáforo, sua mão
buscou a minha no acento e ela cruzou
nossos dedos novamente.
— Eu senti sua falta, de verdade.
Eu trouxe sua mão até minha boca e beijei.
— Eu também senti sua falta, muita
mesmo.
Capítulo 07

Marcelo
Nós ainda estávamos no carro indo em
direção a Curitiba quando o telefone da Adri
tocou, ela rapidamente desvinculou sua mão
da minha para retirar o celular do bolso.
— Atenda — ela pediu.
Quando o alcançou, jogou o celular no
meu colo.
— Alô?
— Oi, desculpa, achei que fosse o celular
da Adriana.
— É o celular dela sim, é que ela está
dirigindo. Quem é?
— Ah, me desculpe, sou a Luísa.
O nome não era estranho, mas eu não
conseguia identificar de onde o conhecia.
Talvez fosse alguma amiga da Adriana da
faculdade.
— Quer deixar algum recado? —
perguntei.
— Só avisa para ela que eu estou
confirmando o convite de aniversário.
— Você já tem o endereço?
— Já sim, ela mandou na mensagem, mas
pediu para ligar confirmando para anotar o
nome na lista.
— Ok então, eu aviso.
— Obrigada.
Quando desligou a ligação eu comecei a
mexer no telefone.
— Quem era? — Adriana perguntou.
— Uma tal de Luísa, confirmando o
convite.
— Que legal que ela vai, eu convidei ela
hoje à tarde. É amiga do Lui que nós
contratamos esta semana.
Foi ai que eu reconheci o nome.
— Ah, essa Luísa. Estava tentando
adivinhar, mas não me lembrava de nenhuma
amiga sua chamada Luísa.
— Você vai adorar conhecê-la.
Eu estava prestando mais atenção em seu
celular do que na conversa, verificando as
últimas chamadas, quando um número me
chamou a atenção.
— Quem é Alan?
Ela se mexeu no banco, tentando pegar o
celular de minhas mãos.
— Me dá este telefone.
Eu o afastei dela, enquanto continuava
mexendo.
— Presta atenção no trânsito, eu não
quero morrer.
Ela bufou, batendo a mão no volante.
— Argh! Eu odeio quando você fica
mexendo nas minhas coisas.
— Então você devia mudar suas senhas,
se não quer que eu veja suas coisas. E
responda logo, quem é esse?
— Ninguém.
Ela entrou na garagem do prédio e
permaneceu em silêncio. Descemos do carro
e peguei minha mochila, e assim que
entramos no elevador, ela tentou novamente
pegar o celular, mas eu segurei no alto. Este
era um benefício de ter amigas baixinhas.
Ela tentou me bater quando se viu frustrada
por não alcançar. Eu ria do seu desespero,
mas mantive o celular no alto.
— Fala logo, ou então e vou ligar para ele
e falar que sou seu namorado.
Ela desistiu e encostou-se ao elevador,
cruzando os braços.
— Eu odeio você.
— Não, você não odeia — disse
apertando a bochecha dela. — Fala logo.
— Eu já disse que ninguém.
Assim que entramos no apartamento e o
celular deu sinal, eu disquei para o número.
Quando a Adriana percebeu seu telefone na
minha orelha, pulou em cima de mim e
caímos no sofá. Eu ouvia a voz de um
homem falando do outro lado da linha, mas
eu não podia responder. Gabriel e Matteo
apareceram da cozinha e riram quando viram
a Adriana sobre mim, desesperada por seu
telefone. Ela o tomou de minhas mãos e saiu
andando com ele pelo corredor.
— Oi Alan, desculpa. Meu amigo acabou
discando sem querer — Adriana disse.
Gabriel ainda ria quando se aproximou e
sentou no sofá à minha frente.
— Como nos velhos tempos.
Adri era nossa melhor amiga, a única
mulher do bando. Ela entrou na nossa escola
na quinta série, usando aparelho nos dentes,
cabelo rebelde sempre preso em um rabo de
cavalo e o nariz cheio de sardas. As meninas
adoravam tirar sarro dela, e como era
novata, não conseguia se enturmar com
ninguém, pois todas as panelinhas já estavam
formadas. Lembro-me em um dos intervalos
quando uma idiota a empurrou e ela
tropeçou, fazendo seus joelhos e mãos
ralarem no asfalto. Nessa hora estávamos os
quatro em uma mesa perto, e corremos para
ajudá-la. Deste dia em diante, a mantivemos
sob nosso cuidado. Ela poderia até ter
crescido agora e ser capaz de cuidar de si
mesma, mas sob nossos olhos, eu tenho
certeza que ela sempre seria a nossa
protegida.
Matteo se aproximou e me entregou uma
garrafa de cerveja, e poucos minutos depois,
Adri voltou à sala com seus olhos fixos em
mim.
— Eu vou te matar, e eu estou retirando o
que eu disse, eu não senti sua falta.
Eu apenas ri e dei de ombros, encostando-
me ao sofá.
— Eu falei para me contar quem era.
Ela sentou no braço do sofá ao lado do
Matteo e pegou a cerveja dele.
— Não era ninguém importante.
— Você devia ter contado para ele, aliás,
quem é este mesmo? — Matteo perguntou.
— Não é ninguém, eu já disse. Por que
ninguém acredita em mim?
Biel apontou o dedo para ela antes de
levantar uma sobrancelha.
— Talvez porque sempre que você
aparece com um namoradinho novo, nós
somos os últimos a saber.
— Ele não é meu namoradinho.
Matteo tomou a cerveja da mão dela e
colocou sobre a mesa de centro, antes de
puxá-la em seu colo.
— Você já devia ter se acostumado, você
sempre será nossa protegida.
— Se você pode se intrometer em nossas
vidas, por que não podemos fazer o mesmo?
— Gabriel perguntou.
— Eu odeio vocês — ela disse fazendo
bico. — Eu odeio ser a única mulher nesse
grupo. Eu preciso de uma ajuda! Quando é
que vocês vão desencalhar e me deixar em
paz?
— Eu não sou encalhado — Gabriel
anunciou.
Adriana riu.
— Seu namoro é café com leite, não
conta. Ninguém entende por que ainda está
com a Jessica, acho que nem você sabe.
Eu balancei a cabeça concordando.
— Eu estou com ela.
— Todo mundo está — Matteo interveio.
Gabriel não respondeu nada, apenas
engolia sua cerveja olhando para nós
atentamente. Por um segundo a sala ficou em
completo silêncio, então ele deu de ombros
e levantou.
— Eu vou tomar um banho, temos um
aniversário para ir — ele disse ao sair da
sala.
Nós ficamos um olhando para a cara do
outro, antes de começar a rir.
— Vamos admitir, ela é uma bruaca e não
gosta de nós — comentou Adri.
Teo pegou sua cerveja e levantou para
cima.
— E concordamos que o sentimento é
recíproco.
Eu brindei com ele, batendo nossas
garrafas.
— À Jessica, adorada amiga e
companheira.
Pouco depois, eu fui tomar um banho.
Adriana e Matteo haviam ido embora, e
tínhamos combinado de nos encontrar para a
comemoração do aniversário. Duas horas
depois eu cheguei ao pub. Assim que subi no
camarote, avistei a Adriana cercada de
amigos que eu não lembrava mais os nomes,
a maioria amigos da época da escola ou da
faculdade. Alguns eu reconhecia de longe a
fisionomia, mas nenhum que valesse a pena
recordar.
Os amigos que realmente não me
abandonaram quando eu precisei ou quando
eu fui embora, estavam presentes na minha
vida. Estes outros que se afastaram, eu nem
me esforçava para lembrar. Você só sabe
quem são seus amigos de verdade, quando
realmente passa por uma situação difícil.
Mesmo quando você se isola ou muda de
cidade, os verdadeiros permanecem. Amigos
de verdade sobrevivem à distância e ao
tempo.
— Marcelo!
Virei-me para encontrar Luigi e Matteo
sentados à mesa, com um chope em frente a
cada um deles.
— Cadê o Biel? — Luigi perguntou.
— Ele disse que ia buscar a Jessica.
Eu me sentei à mesa e pedi ao garçom que
passava ao lado para me trazer um chope.
Matteo olhou para mim com um olhar
surpreso.
— Ela está vindo?
Eu dei de ombros antes de beber a cerveja
que foi deixada na minha frente.
— Diz ele que vem.
— Ela nem é amiga assim da Adri, foi
chamada por educação.
— Mas o Biel ia vir, então ela viria
também — Luigi comentou. — Ela pode até
não gostar de nós, mas ela beija o chão que
ele pisa, então vai segui-lo para todo lado.
Continuamos conversando por mais um
tempo, e eles me contaram sobre as
novidades da Nelly's. O Luigi era o cara dos
exercícios e a luta, enquanto o Matteo era da
dança. Eles abriram a academia há alguns
anos, quando descobriram sua paixão pelo
esporte e a música. A Nelly's Academy tinha
tanto a função de academia com aparelhos e
personal, como de aulas de dança.
Alguns chopes depois decidimos descer e
aproveitar a pista de dança. Eu e Luigi
estávamos sentados no bar, vendo a Adriana
com o Matteo dançando como loucos, ela
estava mais rindo e tropeçando do que
acompanhando seus passos.
Eu continuei olhando a pista, quando um
rosto entre todos os outros me chamou a
atenção. Era ela. A escandalosa do
aeroporto. Ela estava com um vestido verde,
pequeno, abraçado em sua cintura. Um
decote discreto e sandálias pretas de salto.
Ela poderia ser pequena, mas seu corpo era
distribuído nas proporções exatas para
enlouquecer qualquer homem. Seus cabelos
estavam soltos, selvagens, caídos em
contraste em seu rosto delicado. Ela ficou
parada logo na entrada, olhando para todos
os lados como se procurasse por alguém.
Ela devia estar sozinha, pois não havia
braço a circulando ou alguém conversando
ao seu lado.
Esta era a minha chance. Eu prometi que a
faria sorrir quando a visse novamente, e eu
nunca deixei de cumprir uma promessa. Eu
precisava comprovar de perto, que sua
risada era tão boa de ouvir quanto eu me
lembrava.
— Eu já volto — comuniquei a Luigi ao
meu lado.
Eu dei a volta indo pela lateral da pista,
na intenção de não deixá-la me ver até que
eu estivesse perto. Ela permanecia
procurando por todos os lados na pista, e eu
usei isso ao meu favor até estar atrás dela.
Assim que me aproximei o suficiente,
trombei em seu braço e me apoiei em seus
ombros como se eu fosse cair.
— Opa!
Suas mãos seguraram meus braços, como
se ela pudesse evitar a queda.
— Minha nossa, você está bem?
— Sim, estou bem, só perdi o equilíbrio.
Levantei meu rosto e fixei meus olhos
nela. Desta vez ela estava maquiada, e sua
boca era ainda mais desenhada do que eu me
lembrava. Eu ainda preferia quando a vi de
rabo de cavalo e rosto limpo, mas não vou
negar que a maquiagem a favorecia. Por um
tempo eu não disse nada, apenas a
observava. Ela também parecia estática,
apenas me encarando com aqueles profundos
olhos escuros que tanto me chamaram
atenção da primeira vez que a vi. Meu
celular vibrou no meu bolso, mas eu o
ignorei, eu tinha algo mais interessante para
prestar atenção agora.
— Você está bêbado? — ela me
perguntou, mantendo seu rosto preocupado.
Será que ela havia me reconhecido? Ela
deveria lembrar-se de mim, não era possível
que eu mantivesse seu rosto em minha
memória com tantos detalhes e ela não se
lembraria. Eu aproveitei minhas mãos
apoiadas em seu ombro enquanto ela não se
afastava. Mesmo de salto, ela ainda era
baixinha perto de mim.
— Não estou bêbado — esclareci a ela.
Ela manteve seu rosto fixo no meu, mas não
expressava nada. Eu queria saber se ela se
lembraria de mim, eu precisava saber, e só
havia uma forma de descobrir isso. —
Obrigado por me segurar, pequena.
No momento em que eu disse, seu
semblante mudou. Eu via seus lábios se
enrugarem, tentando não rir. Eu estava a
caminho de cumprir minha promessa.
— Eu já disse para não me chamar de
pequena — ela me advertiu.
Ela se lembrava de mim, seus olhos
negros me olharam com divertimento.
— Você nunca me disse seu nome para
que eu possa te chamar de outro jeito.
— E você vai continuar sem saber.
Eu olhei para ela rindo.
— Isso é injusto, eu preciso saber o nome
da minha namorada.
No momento em que eu disse isso, me
arrependi. A palavra namorada serviu como
um gatilho, pois ela deu um passo para trás
se afastando e meus braços apoiados nela
caíram.
— Eu também já te disse que não sou sua
namorada.
— Então qual é o seu nome?
Neste momento meu celular vibrou
novamente, mas não parava. Puxei de meu
bolso para ver a ligação com o nome da
Letícia na tela.
— Lê, eu não posso falar agora — eu
disse ao telefone.
— O Lucas... Febre... — ela começou
dizendo, mas a ligação começou a cortar —
pedindo para te ver.
Eu não conseguia entender nada.
— O Lucas o que? — perguntei me
afastando da pista.
Assim que virei novamente para a entrada,
a pequena tinha sumido. Droga!
— O Lucas está com febre — ela falou
desta vez com clareza. — Onde você está?
— Eu estou no pub, é aniversário da Adri.
— Você pode vir aqui?
Eu não queria sair daqui agora, eu queria
encontrar a pequena de novo.
— Não, aí não — disse indo para o caixa
pagar a conta. — Leve ele para o Biel, estou
indo para lá.
— Não vou sair com o menino de carro
essas horas.
Assim que paguei a conta sai na avenida
procurando por um táxi, por sorte havia um
ponto logo à frente. Eu queria vê-lo o quanto
antes, queria me certificar de que ele estava
bem.
— Então fique aí, eu não me importo.
Faça uma mala para ele e o agasalhe bem,
que em cinco minutos estou passando para
pegá-lo — comuniquei a ela antes de
desligar o telefone.
Dei o endereço para o taxista e aproveitei
para ler a mensagem que havia recebido da
primeira vez que meu celular vibrou.

Letícia: O Lucas está com febre, já levei no


hospital e o médico disse que ele não tem
sintomas de nada. Não é garganta e nem
estômago. Eu acho que deve ser de nervosismo
do jogo dele de amanhã. Você pode vir aqui?
Ele está te chamando.

O aperto que sentia em meu peito


amenizou quando li esta mensagem,
aparentemente não era nada grave. Qualquer
coisa que acontecia com ele me deixava
preocupado, por menor que fosse. Meia hora
depois estávamos no apartamento do
Gabriel, ele estava deitado de pijama
procurando por algo no Netflix para assistir.
Eu havia verificado sua temperatura e não
havia mais febre, e suspeitava que fosse tudo
psicológico, pois não aparecia nenhum
sintoma de virose, dor ou mal-estar.
— E então? Já escolheu qual filme vamos
assistir? — eu perguntei quando deitei na
cama ao seu lado.
— Ainda não.
Eu sabia que ele não ia assistir nada, no
final das contas. Suas pálpebras estavam
pesadas e ele já havia bocejado umas cinco
vezes no último minuto, mas eu o deixaria
escolher o que fosse. Aproveitei para enviar
uma mensagem aos outros avisando que eu
estava com o Lucas. Eu poderia ter
aproveitado a noite, ter encontrado a
pequena outra vez e quem sabe ter
descoberto seu nome, se Lucas não tivesse
atrapalhado. Não, eu não conseguia ver
assim. Ele era tudo de mais importante que
eu tinha, ele jamais atrapalharia nada. O
destino parecia estar ao meu favor, então
casualmente eu iria encontrá-la de novo.
Luísa
Então ali estava eu, de saltos em um
vestido verde, parada em frente à pista
quando aquele intrometido do aeroporto
trombou em mim. Era muita coincidência
que novamente nós havíamos nos
encontrado. Apesar da luz, seus olhos azuis
pareciam brilhar ainda mais. Eu tentei
segurar um riso que queria se formar em
meus lábios, quando ouvi o nome que ele me
chamou. Era sinal de que ele se lembrava de
mim. Pequena.
Eu não gostava de como eu reagia
facilmente a sua provocação, ou a forma que
seus olhos conseguiam me intimidar. Eu me
distraia facilmente olhando para ele.
Eu usei o momento em que ele foi atender
o celular a meu favor e sai dali o mais
rápido possível. Corri para o banheiro, onde
achei que seria um lugar seguro caso ele
resolvesse me seguir. Rapidamente apoiei as
mãos no balcão e tomei uma respiração
profunda, me encarando no espelho. Minhas
bochechas estavam vermelhas, e isso não era
do blush que eu havia passado.
— Luísa? Você está bem?
Reconheci Adriana quando me virei de
lado. Ela estava com o rosto preocupado,
mesmo que seus olhos pareciam turvos.
Acenei com a cabeça, antes de virar para
abraçá-la.
— Sim, não se preocupe. Feliz
aniversário.
Ela me abraçou e parecia mais aliviada.
— Obrigada. Faz tempo que você chegou?
— Eu acabei de chegar.
Seus braços estavam enganchados aos
meus, e nós subimos pela escada da lateral
para um dos camarotes. Ela tagarelava sobre
eu adorar seus amigos, que estava feliz que
eu tivesse ido lá para gente se conhecer em
outro ambiente que não fosse o trabalho, que
ela tinha muitas pessoas para me apresentar.
Eram muitas informações para que eu
prestasse atenção nos detalhes, eu estava
mais preocupada em olhar para os lados e
não trombar de novo com aquele par de
olhos azuis.
Quando chegamos à mesa eu rapidamente
reconheci Luigi, ao lado do seu irmão
Matteo, que havia conhecido aquela semana.
Junto com eles na mesa havia um casal, e eu
estava tentando me lembrar de onde eu os
conhecia. Luigi rapidamente se levantou e
veio me cumprimentar com um beijo no
rosto. E seu irmão ao lado veio logo em
seguida. Eu não sabia se era porque estava
sem o terno e a gravata, ou porque não me
cumprimentou com um aperto de mão formal
como na entrevista, mas ele parecia muito
mais descontraído hoje.
— Esta é a Jessica — informou Matteo.
— Ela estava aquele dia no escritório, mas
acho que vocês não foram apresentadas.
Logo de cara, ela sorriu para mim, mas eu
não consegui acreditar naquele sorriso. Por
algum motivo, ela não parecia tão
empolgada como os outros estavam. Ela
acenou com a cabeça, mantendo distância e
segurando firme os braços do homem ao seu
lado. Este era visivelmente aquele
comportamento de mulher insegura, que não
deixava seu namorado se aproximar de
qualquer pessoa.
O loiro ao seu lado deu um passo para
frente, acho que para me cumprimentar com
um beijo no rosto como os outros, mas ela o
segurava firme impedindo-o de se
aproximar. Eu ria por dentro, do quão
ridículo aquele comportamento era. Eu
precisava avisar a ela que eu tinha
namorado, não iria atacá-lo. Por um
momento ele pareceu constrangido, trocando
um rápido olhar com ela, e então estendeu a
mão para mim.
— Olá, eu sou o Biel. Eu não estava
presente no dia da sua entrevista, mas espero
que eles tenham te tratado bem. — Ele
continuou falando algo que no dia tinha
compromisso, mas eu estava mais
concentrada em seu rosto. Sua fisionomia
era familiar, eu só não conseguia identificar
de onde. — Seja bem-vinda à nossa equipe.
– Obrigada – sorri para ele.
Um par de braços estava a minha volta,
me abraçando apertado, e eu demorei um
pouco para reconhecer os cabelos loiros de
Carla.
— Você veio. — Sua voz estava
arrastada, e os olhos turvos como os de
Adriana.
— Sim, eu vim. Mas, pelo jeito cheguei
um pouco atrasada né?
Ela e Adriana se entreolharam e
começaram a rir. Pouco depois a Carla me
empurrou um pouco para o lado abraçando a
Adriana apertado e as duas começaram a
pular, me fazendo trombar para o lado.
Rapidamente os braços de Matteo me
seguraram e me puxaram para perto.
— Quando elas estiverem assim em alta,
eu recomendo manter um pouco de distância.
Eu levantei meu rosto para encará-lo e ele
sorria para mim. Aquele mesmo sorriso
gentil e simpático que seu irmão tinha.
— Obrigada pela dica, eu gosto de gente
animada. Elas me lembram muito a Carol,
minha amiga de infância. Ela é tão divertida
e cheia de vida, eu queria ser mais
espontânea também.
Lui levantou a cerveja dele, e então
piscou para mim.
— Nada que um pouco de álcool não
resolva.
Nós continuamos conversando pelo resto
da noite, e eu pude perceber o quão rápido
ficamos amigos e descobrimos muitas
afinidades. Embora eu já conhecesse Luigi, e
ele continuava sempre muito gentil, fora da
academia ele era bem mais solto. Matteo se
mostrou totalmente diferente sem aquela
pose profissional, era muito brincalhão e
fazia piada a todo o momento.
A única coisa estranha durante toda a
noite era o casal em nossa mesa. A tal
garota, Jessica, ficava entre seu namorado e
Matteo, mas toda vez que ele tentava
participar da nossa conversa, ela o distraia
com alguma conversa em seu ouvido. Era tão
ridícula aquela cena, que por muitas vezes
eu me segurei para não rolar os olhos.
Na hora de ir embora, fomos todas no
carro de Luigi. Ele e Matteo na frente, e eu
tentando segurar as meninas no banco de
trás, já que ambas queriam sentar na janela
no caminho de casa. Eu ria mais do que
conseguia segurá-las, até que Luigi bloqueou
os vidros para que elas não abrissem.
Quando elas finalmente ficaram quietas,
ambas deitaram as cabeças em meus ombros.
— Sabe, Luísa, eu gostei de você, mas
você não foi uma boa amiga hoje — Carla
lamentou.
Adriana concordava com a cabeça do
outro lado.
— Pois é, você chegou atrasada, perdeu o
melhor da festa. Você nem participou das
doses de tequila.
— EXATAMENTE — Carla gritou,
fazendo com que eu pulasse de susto. —
Como você quer entrar para turma, se você
não foi batizada? — Ela levantou de repente,
se inclinando para frente entre os meninos.
— Lui, quero voltar. A Luísa não tomou a
tequila dela, ela ainda não faz parte da
turma.
Eu comecei a rir e puxá-la de volta para
trás.
— Da próxima vez eu tomo a tequila com
vocês.
— Promete?
— Sim, prometo.
Ela deu de ombros e deitou a cabeça no
banco de olhos fechados.
— Ok, então.
Quando virei para o lado para conferir
Adriana, ela já estava na mesma posição em
um sono pesado. Meus olhos encontraram o
de Luigi no retrovisor e ele apenas ria.
— É sempre assim? — perguntei.
— Às vezes é pior, hoje elas apagaram
cedo.
Matteo virou para trás e piscou para mim.
— Bem-vinda ao time.
Capítulo 08

Luísa
Eu estava indo para a cozinha
preparar meu café da manhã, quando a porta
da sala abriu. Rafael pegou uma caneca e
colocou água para ferver. Rapidamente
montamos a mesa e eu estranhei quando ele
havia colocado três pratos e três xícaras.
Antes que eu pudesse questioná-lo, a porta
da sala se abriu e a Carol apareceu na
cozinha.
— Bom dia, pessoas lindas — anunciou
ela sentando em um dos banquinhos.
Eu olhei entre ela e Rafael, em busca de
uma resposta da sua aparição repentina.
Rafa se juntou a nós e começou a servir as
xícaras de café.
— Eu a convidei para tomar café, já que
nós três vamos para o mesmo prédio, achei
que podíamos aproveitar e ir juntos.
Foi então que me lembrei da conversa de
sábado, quando ela anunciou que estava indo
hoje ao prédio para buscar as chaves com o
antigo proprietário. Ela havia conseguido
com a irmã, alugar uma sala no mesmo
prédio em que eu e Rafa estaríamos
trabalhando. Ela e a irmã eram arquitetas e
trabalhavam juntas.
— É verdade, eu tinha me esquecido. Nós
vamos trabalhar juntas.
Ela olhou para mim com um largo sorriso
nos lábios.
— Sim, vamos poder almoçar juntas e
vamos nos ver todos os dias. Como nos
tempos de escola.
Terminamos o café e fomos com o carro
do Rafa para o prédio. No caminho nos
atualizamos sobre o final de semana. O Rafa
com seu namorado novo, a Carol cuidando
da sobrinha que havia ficado doente, e eu
focada nos estudos. Só não estava presa ao
meu TCC no domingo, que passei com o
Vini. No elevador combinamos de almoçar
juntos, uma vez que estávamos os três no
mesmo prédio e eu e a Carol não
conhecíamos restaurante por ali. Eu estava
feliz por isso, de ter a companhia deles
todos os dias de agora em diante. Assim que
o elevador abriu, Carla correu ao meu
alcance.
— Por tudo que é mais sagrado, eu não fiz
nada comprometedor na sexta, né? — ela
perguntou. Neguei com a cabeça e ela
rapidamente soltou um suspiro. — Ainda
bem, pensei que já tivesse te assustado. Isso
não acontece com muita frequência, eu juro.
Assim que entramos na sala, eu parei,
olhando para as mesas.
— Onde é que eu vou trabalhar?
— Eu acho que você ficará na mesa vazia
— disse ela, mas isso não ajudou em nada.
Eu me lembrava de três mesas vazias no dia
da entrevista.
Quando pensei em questioná-la, vi
Gabriel entrando.
— Bom dia, meninas — disse ele ao se
aproximar. — Você pode fazer o café,
Carla?
Carla desvinculou seu braço do meu, e
mostrou a língua para ele.
— Acabou de chegar e já está enchendo o
saco.
Assim que ela se afastou, Gabriel se virou
para mim.
— Olá, como da outra vez eu não estava
presente, e não tivemos a oportunidade de
nos conhecermos na sexta, acho que eu
deveria me apresentar. Me chamo Gabriel,
mas ninguém aqui me chama assim se não for
um cliente. Então pode se sentir à vontade
para me chamar de Biel como os outros.
Eu não sabia o que falar então apenas
concordei com a cabeça. Ele aproveitou
para me mostrar todo o escritório, enquanto
os outros ainda não chegavam, e era
impossível deixar de comparar como seu
comportamento estava diferente sem a
Jessica ao seu lado. Ele me mostrou a sala
onde ficavam as pastas de todos os
processos do escritório, onde ficava a
impressora e como funcionava, o banheiro.
Apresentou-me as duas salas de reuniões,
que uma servia para reunião interna e a
segunda era para conferências e clientes.
Mostrou as três salas grandes dos sócios,
uma era de seu avô, uma do avô do Matteo e
do Luigi, e a terceira sala já havia sido
assumida pelo pai da Jessica, que era filho
do terceiro e último sócio. Pelo que havia
entendido o terceiro sócio morreu e o filho
tinha assumido o seu lugar. Por último ele
me apresentou a cozinha, onde a Carla
estava já segurando uma xícara de café nas
mãos.
— E esta é a cozinha — Gabriel disse ao
entrar. Ele pegou uma xícara do balcão e se
serviu da cafeteira. — Servida?
Quando pensei em responder, um par de
mãos apertou minha cintura.
— Bom dia! — Adriana gritou, fazendo
meu coração disparar.
Antes que eu pudesse me recuperar,
Matteo apareceu ao lado rindo.
— Eu sabia que ela estava aprontando
algo, quando começou a andar na ponta dos
pés.
— É segunda de manhã, o dia é chato por
natureza, temos que fazer algo para animar
— Adriana se defendeu.
Depois de todos terem uma xícara de café
nas mãos, retornamos para a sala. Matteo
jogou o braço no meu ombro e me levou
para minha mesa.
— Você vai ficar ao meu lado. As mesas
da parede são do Biel e do Marcelo, que
vive vazia já que ele quase nunca está aqui.
As do centro são da Jessica, e esta do lado
era da antiga advogada, que agora será sua
— Matteo anunciou, puxou a minha cadeira e
sinalizou com a cabeça para eu me sentar. —
E as mesas da ponta são a minha e a da Adri.
Quando liguei o notebook já haviam
criado um e-mail para mim com o nome do
escritório, e logo me encaminharam todas as
listas de prazos que eles precisavam
acompanhar, relatórios de processos para
elaborar e enviar para os clientes. No
começo eram muitas informações, mas eu
conseguia acompanhar facilmente. Eu estava
no meio de um relatório de uma ata de
audiência, quando uma bolinha de papel caiu
sobre meu teclado. Levantei minha cabeça
para ver a Adriana do outro lado sorrindo.
— Está ocupada? — Adriana perguntou.
Eu balancei com a cabeça negando e ela
pegou o telefone. — Carla, liga lá no
escritório do Pedro e pede para falar com
ele, quando ele atender passa para o ramal
da Luísa. — Quando desligou o telefone,
voltou sua atenção para mim. — Nós temos
uma audiência amanhã lá no Rio, e eu
preciso que você confirme se é o Pedro
mesmo que irá nos representar. Eu vou te
mandar um e-mail com todos os dados dele e
da audiência e um Substabelecimento de
exemplo. Você só confirma com ele e
prepara o documento para mim?
Eu confirmei com a cabeça e abri seu e-
mail para verificar os dados do processo e
modificar.
— Alô? — disse ao atender.
— Luísa, o Dr. Pedro está na linha, vou te
passar a ligação — Carla anunciou.
— Bom dia, eu sou a Luísa, falo da SMD
de Curitiba. O senhor pode me atender?
— Claro. Você é a estagiária nova? O
Marcelo comentou sobre a mudança aí, mas
não sabia seu nome.
— Sim, sou eu — confirmei. — É a
respeito da audiência de amanhã, eu queria
verificar se o Dr. que irá nos representar.
— Não, amanhã eu não poderei ir, o
Marcelo que irá. Eu vou te transferir para a
mesa dele.
— Ok, obrigada.
Pouco depois escuto outra voz se
apresentando ao telefone.
— Luísa, certo?
— Isso. Bom dia, Dr. Marcelo.
Ele começou a rir.
— Não me chame de Dr. Marcelo quando
não tiver necessidade, por favor. Apenas
Marcelo está bom. Eu ouvi o Pedro falando
sobre a audiência de amanhã. Aconteceu
alguma coisa?
— Eu acredito que não, estou apenas
ligando para confirmar quem irá à audiência.
— Sim, serei eu, o Pedro tem umas
coisinhas para amanhã. Aliás, você pode nos
ajudar. O que você gostaria de ganhar
quando fizesse 12 anos de casada? — Eu
estava esperando por uma pergunta referente
ao processo, então fiquei um tempo
pensando sobre uma resposta. — Cala a
boca, ela pode ajudar. — Ele respondia ao
resmungo que eu ouvia ao fundo, e
suspeitava que fosse do Pedro.
— Eles têm filhos?
— Tem dois.
A primeira pessoa que lembrei foi
Debora, irmã da Carol, que mesmo adorando
a filha gostava de ter um tempo a sós com o
marido. Mas, eles tinham a Carol para
cuidar da pequena Aninha.
— Ele tem com quem deixar as crianças
por uma noite?
Ele começou a rir do outro lado da linha.
— Onde sua mente está te levando, Luísa?
Eu senti minhas bochechas esquentarem.
— Pergunta para ele se ele tem com quem
deixar as crianças.
— Eles vão ficar comigo, ser padrinho
tem seu preço. Ele queria apenas sair para
jantar, mas isso eles já fazem quase sempre.
Claro que com as crianças, mas mesmo
assim. Esta é uma noite diferente.
— É claro, precisa ser especial. Então
diga para ele levar ela a um jantar, mas
depois ir para um hotel e aproveitar uma
noite sem preocupações com crianças. Você
é a babá, fica cuidando delas.
— Eu me candidatei a um jantar, não a
noite toda.
— Padrinho tem que ajudar, é a noite
deles, se vire.
Ele pareceu pensar sobre isso, quando
ficou um tempo em silêncio.
— Posso fazer isso por uma noite.
— Ótimo. E também, diga para ele dar a
ela um dia de spa. Ela precisa estar relaxada
e bem cuidada, se é que me entende, se ele
quiser ter uma noite satisfatória.
Quando pensei que ele ia negar, ouvi uma
gargalhada do outro lado da linha, e
instantaneamente comecei a rir junto. Eu
estava tão distraída à conversa e sua risada,
que levei um tempo para ver três pares de
olhos em minha direção. Gabriel parecia não
entender a situação, Matteo ao meu lado
estava com um olhar divertido, e Adriana
rapidamente voltou à atenção ao seu
computador, mas o sorriso ainda estava em
seu rosto.
— Desculpe, Dr. Marcelo, mas já que irá
à audiência no lugar do Dr. Pedro, poderia
me fornecer seus dados para que eu possa
preencher o Substabelecimento?
— Claro, vou te mandar por e-mail. E por
favor, sem o doutor.
Assim que passei a ele meu e-mail,
desliguei. Mas, mantive meu rosto focado na
tela. Eu não queria correr o risco de olhar à
minha volta e ver novamente aqueles olhares
me observando.
Que mico, Luísa, já batendo papo com
correspondente em seu primeiro dia.
Pouco tempo depois, chega um e-mail no
meu correio:

De : Marcelo
Para: Luísa
Assunto: Você está me devendo uma.
Obrigado pela dica, já avisei ao Pedro
sobre sua sugestão e ele aprovou.
No anexo está meus dados para o
documento, qualquer coisa que se faça
necessária basta me procurar.

Marcelo Schmidt

Eu estava devendo o que? Até onde eu


sabia, eu que tinha lhe ajudado. Se alguém
devia algo aqui era ele.
De : Luísa
Para: Marcelo
Assunto: RES: Você que está me
devendo
Bom dia, Dr Marcelo.
Obrigada por me enviar os dados, farei o
documento e logo envio.
Fico feliz que seu amigo tenha gostado da
sugestão.
Para o que precisar estarei à disposição,

Luísa Castelli

Depois de preencher o documento enviei


para o e-mail da Adriana e do Marcelo. Eu
havia terminado a Ata de audiência e
enviado para o Gabriel, que fez algumas
correções de como ele gostava da
formatação das coisas, mas que havia ficado
muito bom meu relatório. Eu estava
terminando de organizar a lista de prazos em
uma planilha do excel, quando a janela do e-
mail apareceu na lateral.

De : Marcelo
Para: Luísa
Assunto: RES: Estou te devendo o que?
Quanta formalidade, isso tudo é por causa
do Biel?
Com ele entendo, pois até comigo envia e-
mails assim, mas pode reparar que o Teo e a
Adri se não for com cliente não precisa de
toda essa pose.
Eu recebi o e-mail com o documento,
obrigado.
E a propósito, eu estou te devendo pelo
que? Quem ficará sem secretária amanhã sou
eu, e a culpa é sua.

———————————

De : Luísa
Para: Marcelo
Assunto: RES: Está me devendo pela
ajuda
Eu reparei mesmo na diferença de como
cada um responde e-mail, vou tentar ser
menos formal.
Você disse que eu estava te devendo, mas
quem te ajudou com seu amigo fui eu. Então
é você quem está me devendo pela dica, não
o contrário.
Que culpa eu tenho, pela sua secretária?

—————————

De : Marcelo
Para: Luísa
Assunto: RES: Você deu à minha
secretária um dia de spa
Nossa secretária é a esposa do Pedro, e
amanhã ela ganhará folga. Acha isso justo?
Então sim, você está me devendo uma.

Eu queria rir, que culpa eu tenho por isso?


Não sabia deste detalhe. Mas poxa, era o dia
dela, ela merecia. Quando pensei em
responder, vi que faltava apenas quinze
minutos para o meio dia, e eu havia
combinado com a Carol e o Rafa no saguão
de entrada do prédio em dez minutos.
— Luísa — Gabriel chamou minha
atenção. — Eles já te explicaram como
funciona o almoço?
— Nós não avisamos sobre isso —
Matteo interveio. – Mas em todo o caso,
acho que ela deve ir com a gente no primeiro
dia, até mesmo para apresenta-la ao pessoal
do restaurante.
Biel concordou com a cabeça e fechou seu
notebook.
— Então neste caso, vamos todos
almoçar, e explicar para ela o
funcionamento. Você tinha planos para o
almoço?
— Eu havia combinado com uns amigos
de almoçar, já que eu não conhecia nada
aqui por perto e um deles também trabalha
no prédio.
— Convide-os — Adriana disse.
— Isso — concordou Gabriel. — A não
ser que vocês já tinham um lugar para ir,
neste caso mostramos a você o restaurante
outro dia. Mas se quiser diga a eles que
iremos ao restaurante do térreo.
Rapidamente mandei uma mensagem para
Rafael e Carolina, que já estavam descendo
para o saguão. Carol disse que por ela não
tinha problema, já que não conhecia nada ali
perto, e o Rafael também concordou, pois
disse que era o mesmo restaurante que iria
nos levar.
Eu desliguei meu notebook e me juntei a
eles na recepção, enquanto esperávamos
pela Carla. Assim que o elevador chegou ao
térreo e as portas se abriram, rapidamente
localizei o Rafael e a Carolina conversando
e acenei para eles e se aproximaram. Eu os
apresentei para meus novos colegas de
trabalho, e rapidamente Matteo e o Rafael se
reconheceram das aulas de dança.
Estávamos em direção ao restaurante do
térreo quando senti um braço me puxando,
fazendo com que eu ficasse mais para trás.
— O bonitão do aeroporto trabalha lá
também? — Carolina perguntou em um
sussurro. Eu não havia entendido sua
pergunta, o que ele tinha a ver? Olhei para
ela esperando por algo que fizesse sentido.
— Ué, aquele loiro não era o do shopping?
Foi então que aquela sensação de
familiaridade que sentia toda vez que eu o
olhava fez sentido.
Marcelo
Nós fomos ao restaurante perto do
escritório, almoçávamos nós três todos os
dias, jogando conversa fora ou sobre os
assuntos de trabalho. Anunciamos à Alice
que ela tiraria o dia de folga, graças a
sugestão da Luísa, para poder ir a um spa.
No início ela começou a protestar, avisando
que não precisava, mas então eu disse a ela
que era o meu presente de aniversário de
casamento. Assim que retornamos ao
escritório, meu correio já estava com mais
de 10 e-mails, mas eu abri o primeiro que
me chamou atenção.

De : Luísa
Para: Marcelo
Assunto: RES: A culpa é sua
Eu não tenho culpa se você esqueceu de
me fornecer esta informação!!
Mas de todo modo, eu acho que ela
merece um dia de descanso, e você como
padrinho das crianças tem que cuidar deles.
Não basta dar presentes, tem que
participar.
Uma noite não vai te matar, ao menos
espero que não. HAHA.
Só consegui te responder agora, fomos
almoçar.

—————————————

De : Marcelo
Para: Luísa
Assunto: RES: Falha minha.
Talvez eu devesse ter mencionado este
pequeno detalhe, então vou te livrar dessa.
Vocês almoçaram no restaurante do prédio?
A comida aí é maravilhosa.

—————————————

De : Luísa
Para: Marcelo
Assunto: RES: Recomendações?
Sim, eles me levaram para comer lá.
Acabamos demorando um pouco mais do que
o previsto, pois acabamos conversando e eles
me apresentaram para o pessoal do
restaurante.
Você sabia que vou comer de graça? Agora
que me conhecem, eu tenho apenas que falar
para marcar na conta do escritório.
No dia da entrevista quando mencionaram
que eu ganharia almoço pensei que eram
tickets de alimentação, mas eu tenho um
restaurante inteiro sem limite a meu favor!!!
Você tem algum prato para me indicar, já
que você conhece o restaurante?

Eu comecei a rir lendo seu e-mail.


— O que você está vendo de tão
engraçado? — perguntou Pedro.
— A nova estagiária, ela é louca. Para as
coisas que ela está falando, eu acho que ela
não deve saber quem eu sou.
Pedro ria comigo.
— Por quê? Ela está falando mal do
escritório já no primeiro dia?
— Não, mas ela está contando que vai
comer de graça. Ela descobriu que é o
escritório que paga a conta do restaurante.
— Ela realmente não deve saber quem
você é. Será engraçado quando descobrir.
Eu não ia esclarecer isso, e esperava que
ninguém mencionasse que eu era neto do Dr.
Schmidt. Queria ver até onde ela iria.
No fim do expediente nos despedimos e
eu fui para a casa. Assim que entrei no meu
apartamento, me joguei no sofá, tirando os
sapatos com os pés. Antes de ligar a tv, meu
celular começou a tocar. O nome de Lucas
apareceu na tela, junto com a nossa foto
tirada no último sábado.
— E ai, campeão.
— Eu tirei nove! — Lucas gritou do outro
lado da linha. Eu afastei um pouco o celular
da orelha e então voltei para ouvi-lo. — A
professora já corrigiu hoje as provas e eu
tirei nove.
O sorriso em meu rosto fazia minhas
bochechas doerem, mas o orgulho e a
felicidade ao ouvi-lo me contar sua nota, era
impossível de conter.
— Parabéns, parceiro. Eu sabia que você
iria arrasar na prova, eu disse isso para
você quando estudamos no domingo, você
sabia tudo.
— Eu sei, mas fiquei com medo de ir mal
e você se chatear comigo.
— Eu jamais ficaria chateado com você.
— Você passou o dia inteiro me ajudando
nas tarefas, eu não queria tirar nota baixa e
você pensar que era burro.
Eu odiava saber que ele precisava ter a
minha aprovação. Ele tinha meu amor e
admiração incondicional, independente de
qualquer coisa.
— Você é inteligente, você já provou isso
tirando um notão na prova. Você não tinha
obrigação de ir bem só porque estudamos
domingo. Eu só tomei a lição, você já tinha
tudo na ponta da língua. Você fez todo o
trabalho sozinho — garanti a ele. Eu queria
que ele soubesse que não precisava ter medo
de me desapontar. Eu já estive neste lugar,
em que fazia tudo para tentar agradar
alguém, no caso meu pai. Eu não queria que
ele passasse por isso também. — Mesmo
que tivesse tirado zero, eu jamais pensaria
que você é burro. Você não é, e nunca será.
Jamais pense isso de você mesmo,
entendido?
— Eu fiquei com medo de tirar zero e
você brigar comigo — ele desabafou entre
choros e soluços.
Meu coração doeu por ele. Eu odiava que
ele pensasse isso. Eu já suspeitava que ele
havia ficado doente pela pressão do jogo já
que eu estaria lá para assistir. Mas ouvi-lo
admitir que estava com medo da minha
reação, por causa de uma merda de prova da
terceira série, era mais do que eu podia
suportar. Ele tinha apenas oito anos, não
precisava viver nessa pressão.
— Lucas, presta bastante atenção no que
eu vou te falar. Eu nunca vou pensar que
você é burro, mesmo se tirar nota baixa. E
nunca vou ficar chateado se você não jogar
bem — disse pausadamente, na esperança de
que ele me entendesse. — Você não precisa
fazer nada pensando em mim, pense apenas
em você. Eu nunca vou pensar menos de
você, ou me decepcionar. Tá bom? Lucas,
por favor. Eu preciso saber que você
entendeu. Eu jamais ficaria chateado com
você. Ok?
Aos poucos seu choro diminuiu e ele
pareceu se acalmar.
— Tá — ele sussurrou quase inaudível.
— Que bom. Agora para de chorar, você é
muito novo para se estressar e viver com as
preocupações do mundo adulto. Vai jogar
vídeo game, ou chamar um amiguinho ai do
prédio para ir brincar, assistir a um filme.
Vai fazer alguma coisa legal.
— Eu vou ver o filme dos carros —
anunciou ele com a voz mais animada.
— Isso, vá ver o filme. Qualquer coisa me
manda uma mensagem, vou estar no celular.
— Tá, até depois.
— Até depois, parceiro.
Quando desliguei o celular, voltei a
desmoronar no sofá. Parecia que um
caminhão havia me atropelado, pois todo
meu corpo estava tenso com a conversa.
Na manhã seguinte eu estava distraído
lendo os relatórios para a audiência daquela
tarde, então quando finalmente fui conferir
meu e-mail, havia mais de 30. Depois que li
os marcados com urgência, abri o e-mail da
Luísa.

De : Luísa
Para: Marcelo
Assunto: Bom dia.
Eu só vi o seu e-mail hoje de manhã, eu
não levo o notebook para casa.
Você havia me perguntado por que hoje eu
chegaria mais tarde, e é por causa do meu
TCC. Terças e quintas de manhã eu me
encontro com o meu orientador.
EU ACABEI DE CONHECER OS
SÓCIOS!
Quando cheguei, um deles estava na
recepção com a Carla, o Dr. Schmidt.
Ele foi tão educado comigo, tão gentil, e
acabei gostando dele instantaneamente. Dá
pra ver porque o Gabriel é assim.
Pouco depois ele me levou à sala do Dr.
Martinelli.
Ele deu boas-vindas, disse que poderia
procurá-lo para qualquer coisa. Ele foi muito
solícito, deu para ver em quem Matteo e Luigi
se espelham.
Eles foram uns amores de pessoas comigo,
e confesso que estou apaixonada por eles.
Não no sentido pervertido da coisa, eu tenho
namorado. Mas foram tão atenciosos, e eles
tinham um charme com todo aquele cabelo
grisalho. Lembraram-me muito meu avô.
O único mais frio foi o pai da Jessica, o Dr.
Duarte, mal trocou algumas frases comigo.
Foi como você disse ontem, ela é muito
esquisita e na dela. Passei a tarde observando,
e ela realmente não falava com ninguém se
não era necessário, só com o Gabriel.
Você trabalha para eles há muito tempo?
Parece conhecê-los tão bem.

Eu fiquei com peso na consciência.


Conversamos muito ontem, e ela me pedia
dicas de tudo. De como se comportar, do
gosto de cada um, de como o Gabriel era
formal nos e-mails e gostava de tudo
organizado. De como Matteo sentado na sua
mesa era sério, mas bastava conversar com
ele para que ele se soltasse. De como a
Adriana e a Carla eram loucas e faziam
bagunça a tarde toda. Mas, principalmente
que ela havia adorado que eles a faziam se
sentir bem-vinda.
Ela iria me odiar quando descobrisse que
falava para mim, das pessoas mais próximas
que eu tinha na vida. Ela pensava que eu os
conhecia de longe, não fazia a mínima ideia
de que era minha família. Mas, eu não podia
negar que eu a fiz pensar desta forma,
escondendo uma ou outra informação.

De : Marcelo
Para: Luísa
Assunto: Não fique brava.
Eu quero saber sobre seu TCC. Qual a
tese?
Eu acho que acabei optando novamente
pela omissão, e espero que não fique
chateada. Quando perguntou sobre o
sobrenome ser igual, eu ignorei a pergunta e
não te respondi, fazendo você acreditar que
era apenas uma coincidência. Você estava
muito tagarela ontem, não queria que
mudasse o comportamento por causa disso.
De certo modo foi bom, assim você sabe que
pode contar comigo.
Mas eu quero te dar uma dica:
Não fique babando pelo vovô, dona Hilda é
muito ciumenta.

Apertei o enter e esperei por uma


resposta. Ou ela iria me xingar por esconder
esta informação importante, ou me ignorar
de agora em diante.
Capítulo 09

Luísa
Eu estava terminando de digitar a
mensagem para o Vini, comunicando a ele
como foi meu encontro com o orientador,
quando as portas do elevador se abriram.
Assim que levantei o rosto procurando pela
Carla atrás do balcão, me surpreendi. Ela
conversava animadamente com um homem
de idade, vestido de terno cinza de costas
para a entrada. Assim que me aproximei e
Carla me reconheceu, acenou com as mãos
para que eu me aproximasse.
— Nando, quero te apresentar a nossa
nova ajudante.
Ele olhou para mim e eu estendi as mãos,
para cumprimentá-lo.
— Bom dia, sou Fernando Schmidt.
Ele apertou minha mão e um sorriso se
abriu em seus lábios. Ele era alto, como o
Gabriel e assim como ele, tinha claros olhos
azuis. O cabelo era um pouco comprido e
com muitos fios brancos, mas quase não
havia falhas e nem entradas. Seu rosto tinha
muitas rugas de expressões bem marcadas,
mostrando toda a experiência de uma vida.
— Desculpa não ter estado aqui para
recebê-la ontem, Luísa. Estávamos em uma
viagem.
— Não se preocupe com isso Dr. Schmidt,
fui muito bem recebida.
— Fico feliz em saber disso. Deixe eu te
perguntar uma coisa, por acaso você está
chamando alguém aqui de doutor? —
Fernando perguntou cruzando os braços. Eu
acenei negando com a cabeça. — Então por
que toda esta formalidade comigo?
Porque ele era o meu chefe, ou como a
Carla costumava dizer, era o Boss do
escritório.
— Acho que por respeito.
— Eu admiro isso, já me falaram que
você é muito educada, mas pode me chamar
pelo meu nome. — Ele me estendeu a mão
novamente. Eu fiquei um pouco confusa, mas
correspondi. — É um prazer tê-la em nosso
escritório, Luísa. Eu me chamo Fernando,
mas todos aqui no escritório me chamam de
Nando. Dr. Schmidt é muito formal, e eu
espero que você seja parte da nossa equipe,
portanto, dispenso essas formalidades
quando não é necessário.
Eu gostei dele, seu sorriso era verdadeiro,
e ele parecia querer me deixar à vontade
naquele ambiente e não tão formal, tratando-
o de forma impessoal. Até me lembrei da
forma como Marcelo havia feito no dia
anterior.
— Obrigada, Dr... — comecei e ele
pareceu querer me repreender, e logo
corrigi. — Fernando, me desculpa.
— Já é um começo. Você me acompanha,
Luísa?
Ele começou a andar me conduzindo pelo
corredor, percebi que ele estava indo para a
porta que seria do Dr. Martinelli, como
Gabriel já havia me apresentado. Ele abriu a
porta e fez um gesto para me dar passagem,
eu agradeci e entrei na sala. Sentado atrás da
mesa havia um homem, também grisalho e o
rosto marcado pelas rugas.
— Enzo, quero que conheça a Luísa —
Fernando me apresentou. — Esta é a linda
moça que contrataram na semana passada.
— Seja bem-vinda, Luísa. Eu sou o
Lorenzo Martinelli.
Seus olhos eram de um tom verde escuro.
Ele rapidamente se levantou, abrindo o
botão do seu paletó e dando a volta na mesa
para se juntar a nós.
— Muito obrigada, Senhor Martinelli.
— Senhor? Sinto-me tão velho assim. É
por causa do cabelo? — Lorenzo perguntou
mexendo em seus cabelos grisalhos, tentando
segurar um riso.
Quando fui responder, as mãos de
Fernando se apoiaram em meus ombros.
— Nós o chamamos de Enzo, mas se não
se sentir confortável, Lorenzo está bom.
Lorenzo concordava com a cabeça.
— Sim, não há necessidade de tanta
formalidade, eu pelo menos não me importo
muito com isso.
— Ao menos não veio com essa de Dr.
Martinelli, você já está no lucro, Enzo —
desdenhou Fernando atrás de mim, me
fazendo rir.
— Ela fez isso? Que gafe, Luísa. Desconte
do salário dela da próxima vez.
Fernando estralou os dedos e foi até a
porta.
— É uma ótima ideia, farei isso. Agora vá
trabalhar que vou apresentá-la para o
Carlos.
Lorenzo pegou minhas mãos, chamando
minha atenção para ele.
— Eu espero que você goste de trabalhar
aqui conosco, meus netos falaram
maravilhas de você, então estou torcendo
para que se junte a nós quando se formar. Se
você precisar de qualquer coisa, uma ajuda,
um conselho, ou não se sentir confortável
com alguma situação no escritório, pode
ficar à vontade para me procurar.
No começo eu procurei por palavras para
agradecê-lo, mas não consegui. Ele não
apenas já me ofereceu um emprego, sem ao
menos ver meu trabalho, como também me
fez sentir acolhida.
— Obrigada... Lorenzo... É muita... —
limpei minha garganta para falar com mais
clareza. — Agradeço pela oportunidade, vou
tentar não desapontá-lo. Espero que o senhor
possa manter sua proposta daqui a alguns
meses, quando vir meu trabalho aqui.
Ele deu um tapinha em minhas mãos antes
de me soltar e voltar para sua mesa.
— Eu confio no julgamento de meus netos.
Fernando bufou atrás de nós.
— Que discurso mais lindo, Enzo, mas
não servirá. Se ela tiver que escolher um
time, ela será dos Schmidt, anote isso.
Eu comecei a rir quando o Lorenzo
começou a folhear os papéis sobre a sua
mesa, ignorando Fernando.
— Blá blá, não estou te ouvindo, Nando.
— É a velhice, meu amigo. A idade chega
para todos.
Fernando bateu na segunda porta e
novamente a segurou aberta para mim. O
homem atrás da mesa era mais novo, e então
me lembrei das atualizações de Marcelo, de
que ele era filho do Dr. Duarte, pois o pai já
havia falecido. Sua barba era grisalha, mas
em seus cabelos não havia um único fio
branco. Seus olhos eram em um tom claro de
azul, mas ele não demonstrava qualquer
simpatia.
— Carlos, esta é Luísa, nossa nova
contratada.
Carlos levantou de sua cadeira e me
estendeu a mão sobre a mesa, e eu me
aproximei para que pudesse alcançá-la.
— Olá, Luísa, sou o Dr. Duarte. Bem-
vinda.
Eu não pude deixar de reparar nas
diferenças de tratamento. Enquanto Fernando
e Lorenzo eram descontraídos e me fizeram
sentir acolhida e confortável, a postura e a
forma como Carlos havia se apresentado era
de total profissionalismo.
— Obrigada, Dr. Duarte.
Ele voltou a se sentar. Nada de me chame
pelo primeiro nome, nada de não me chame
de doutor, era nítida a postura fria que ele
exibia. Ou talvez ele só não gostasse de se
misturar com os empregados, não posso
julgar sem saber. Mas, este comportamento
entregava muito de como a sua filha também
era. Eu não sabia o que fazer então me virei
para o — Que horas
Fernando, eles vão
que ainda chegar?
estava —
na porta.
Ele meperguntou
chamou comRafael.
um aceno e eu retornei
para o corredor.
— Vou deixá-lo trabalhar, tenha um bom
dia, Carlos.
Fernando me conduziu pelo corredor, e
começou a sorrir quando ouviu as vozes que
vinham da cozinha. Quando chegamos à
porta, aquela sensação esquisita que eu tinha
sentido na sala do Duarte havia
desaparecido. Matteo estava encostado no
balcão, Gabriel se servindo de café, e as
meninas cantando com adoçantes nas mãos.
— Heeeey brother… Do you still believe
in one anotheer? – Carla começou.
— Heeeey sister... Do you still believe in
love? I wondeer. — Adriana continuou.
Fernando entrou na cozinha, roubando o
adoçante das mãos da Carla.
— Ooooh, if the sky comes falling
dooown, for youuu — ele cantou e inclinou o
adoçante em direção ao Gabriel, que passou
os braços em volta do avô.
— There’s nothing in this world I
wouldn’t dooo — Gabriel finalizou, e então
todo mundo começou a dançar na cozinha,
contagiado pela música, inclusive eu.
Enquanto todos trabalhavam, ficávamos
conversando banalidades, como quais
restaurantes nós queríamos conhecer, nossos
planos para o carnaval e as músicas
chicletes que apareciam nessas épocas. Logo
que recebi um alerta de e-mail do Marcelo,
abri para lê-lo.
Só pelo nome do assunto no e-mail já
fiquei alarmada, mas eu não esperava que
aquele fosse o conteúdo. Eu quase engasguei
com o café. Agora o ‘não fique brava’ fez
sentido. Ele me deixou falar tudo aquilo, e é
neto do Fernando também? Que vergonha. Se
eu achava que ontem tinha ficado estranho,
acabei de bater um recorde. Ele deveria ter
rido tanto de mim, pelo tanto de besteira que
havíamos comentado. Como ele pode ter
mentido para mim? Será que ele estava
esperando que eu fosse falar mal da família
dele? Que ódio. Eu não vou responder a este
e-mail. Aliás, não vou responder mais
nenhum. Isso! Não vou falar com ele nunca
mais. Que tiro no pé, Luísa.
A manhã passou rápido, e eu me
concentrei em meus relatórios. Fernando e
Lorenzo apareceram nos chamando para ir
almoçar, e fomos todos ao restaurante do
térreo. Eles eram tão joviais e animados, e
me peguei muitas vezes rindo de suas
brincadeiras. Todos pareciam muito à
vontade, e em todos os momentos se
certificavam de que eu participava da
conversa e não fosse deixada de lado.
Quando voltamos ao escritório Jessica já
estava em sua mesa. Ela questionou nossa
demora e Lorenzo esclareceu que perdemos
a noção do tempo conversando. Ela me
olhou ao lado deles com reprovação e não
pareceu muito satisfeita com a resposta, mas
eu não iria me sentir intimada por ela.
— Luísa, seu computador está
funcionando? — perguntou Gabriel ao meu
lado. — Está enviando e recebendo e-mail
normalmente?
Eu sentei em minha mesa e liguei o
computador, verificando a conexão da
internet.
— Sim, por quê? Você me mandou algo
que eu não respondi?
Ele foi para sua mesa, apoiando o paletó
na cadeira.
— Não, é que o Marcelo perguntou se
estávamos com internet, pois você não havia
respondido seu e-mail.
E nem responderia.
Ele me olhou por um momento, e então eu
tentei sorrir. Ele balançou a cabeça e sentou
em sua mesa, digitando algo em seu celular.
O telefone de minha mesa tocou alguns
minutos depois.
— Quer dizer que seu e-mail está
funcionando normalmente? — perguntou
Marcelo do outro lado da linha. — Posso
saber por que não me respondeu, então?
Droga.
— Não tive tempo — menti.
Ele riu.
— Entendo, não tem nada a ver com o fato
de descobrir que sou neto do Schmidt,
então?
Minhas bochechas queimaram. Que
situação mais embaraçosa, mas caramba, a
culpa era dele.
— Você deveria ter me falado. Foi muito
errado de sua parte ter mentido para mim.
— Não, eu não menti. Eu apenas omiti.
Você sabe a diferença.
Eu suspirei.
— Foi errado do mesmo jeito.
— Admito, foi errado, mas pudemos nos
conhecer de forma mais descontraída. Foi
divertido no fim das contas, não? — Ele
ficou em silêncio por um tempo esperando
por uma resposta que não veio. E nem viria.
Não foi divertido. — Entendi, você não quer
falar. Me desculpa, ok? Mas não foi uma
coisa tão grave assim, você não precisa me
ignorar. Você nem falou nada demais, e eu
achei divertido. Vamos começar de novo.
A linha ficou muda. Eu esperei por algo
que indicasse que havia caído a ligação, mas
então pude ouvir sua respiração do outro
lado.
— Olá, boa tarde. Eu me chamo Marcelo
Schmidt, sou neto do Fernando Schmidt e
primo do Biel, e fomos criados juntos desde
bebês com o Teo. Sou amigo de infância da
Adri, que é vizinha da Carla e esta é a
conexão com todos. Estou falando com
quem?
Eu queria rir, mas me segurei.
— Luísa? Não irá me responder?
Não.
— Luísa? Fala sério, se você for me
ignorar vou dizer ao meu avô para te
demitir. — Sua voz soou como uma ameaça.
Ele desligou e pouco depois recebi quatro
e-mails, todos dele se desculpando e
pedindo que eu o respondesse, mas ignorei
todos. Fernando apareceu na porta. Minhas
mãos começaram a suar frio quando ele se
aproximou da minha mesa. Eu seria demitida
no segundo dia de trabalho. Isso estava cada
vez melhor.
Ele pegou o telefone da minha mesa e
começou a discar para um número. Todos
estavam olhando para nós, mas apenas
Jessica parecia confusa com a situação.
Gabriel estava com os braços cruzados
olhando para seu avô com um sorriso nos
lábios, Adriana estava apoiando as mãos na
mesa e Matteo verificando algo em seu
celular tentando segurar um riso.
— Alô? É, eu estou na mesa dela. Entendi,
espere um pouco. — Fernand se virou para
mim sorrindo. — Você vai desculpar meu
neto ou eu vou ter que te demitir?
Todos começaram a rir em suas mesas, até
mesmo Carla veio da recepção e se apoiou
na cadeira de Adri. Eu não acredito que ele
fez isso!
— Você é muito idiota, por que não disse
logo que era meu neto? — perguntou
Fernando ao telefone.
Biel ainda gargalhava.
— Concordo, vovô, mas nunca foi um
segredo que ele é idiota.
— Tadinho, não fale assim dele —
Adriana o repreendeu.
— Você sempre o defende, sua opinião
não conta — interveio Matteo. — Mas,
admito que não foi uma atitude inteligente.
— Continue ignorando ele, Luísa —
comunicou Carla. — Estou do seu lado.
Todos ali sabiam o que tinha acontecido?
A situação poderia ser ainda mais
embaraçosa? Fernando me cutucou pelo
braço, estendendo o telefone para mim.
— Eu não vou te demitir, só para que
fique claro. Mas, fale com ele.
Eu peguei o telefone de suas mãos e levei
a orelha.
— Alô.
— Que sacrifício, mulher, tudo isso por
uma brincadeira? — Marcelo perguntou
rindo.
— Isso tudo foi tão desnecessário.
— Talvez, mas admita, causei uma
impressão e tanto, não?
— Tenho que reconhecer seu esforço.
Ouvi um suspiro audível do outro lado da
linha.
— Estou desculpado? Prometo não mentir
ou omitir coisas daqui pra frente.
Levantei meu rosto e todos ainda me
encaravam, inclusive Fernando. Pressão?
Nem um pouco.
— Ok, está desculpado. Agora preciso
desligar, tenho trabalho a fazer.
Quando desliguei o telefone, todos
voltaram a se concentrar em seus
computadores. Fernando deu um tapinha em
meu ombro e voltou para o corredor, com a
Carla ainda rindo e com os braços cruzados
nos dele.
Marcelo Schmidt, quem é você? Agora
fiquei curiosa para saber da pessoa que
mobilizou todo mundo para que não fosse
ignorado por alguém que conheceu há apenas
um dia.
Uma semana havia se passado, e eu já
estava acostumada ao ritmo do escritório. Eu
já estava familiarizada com todos, até
mesmo o Rafael, que começou a almoçar
todos os dias com a gente.
— Luísa, você pode me dar uma carona
hoje? — Adriana perguntou de sua mesa.
Nos dias em que tínhamos as aulas de
muay thai que coincidiam com os dias em
que eu precisava ir à faculdade, eu ia com
meu carro e dava carona para o Rafael. Nos
outros dias, íamos com o carro dele.
— É claro que sim. Você quer que passe
na sua casa para pegar suas coisas?
— Não será necessário, eu já trouxe a
minha mochila de academia, é que deixei
meu carro lavando hoje.
Neste momento um e-mail chegou à minha
caixa de entrada.
De : Marcelo
Para: Luísa
Assunto: música
Por favor, desta vez não me decepcione.
Quais gêneros musicais você escuta?

—————————————

De : Luísa
Para: Marcelo
Assunto: música
Eu não decepcionei, não tenho culpa se sou
medrosa e não gosto de ver filme de terror. Se
for pensar assim você também me
decepciona, todo mundo deveria gostar de
romance. Mas para música eu sou bem
eclética, escuto de tudo. Só não gosto de
funk, e aqueles rock pesado, do resto aceito
tudo. Eu acho, haha. E você?

—————————————

De : Marcelo
Para: Luísa
Assunto: música
Acho que talvez você possa melhorar a sua
reputação comigo com gosto musical, acredito
que tenho os mesmos gostos que você.
Vamos fazer um desafio, então. Faça uma
playlist no spotify de 20 músicas e me envie.

—————————————

De : Luísa
Para: Marcelo
Assunto: música
Aceito o desafio, se você também fizer.
Mas vamos fazer das 20 músicas mais
ouvidas do momento, se eu tiver que fazer
uma lista das minhas músicas preferidas,
precisa ser bem maior. Fechado?
Vá preparando sua lista para amanhã,
estamos de saída.
Tenha uma boa noite. ;)

—————————————
De : Marcelo
Para: Luísa
Assunto: música
Combinado, temos um acordo. Até
amanhã.
Tenha uma boa noite também, aproveite
para dar uns golpes no Lui por mim. ;)

Sorri fechando aquele e-mail e desligando


meu notebook. Eram assim quase todas as
tardes. Conversávamos o tempo todo quando
estávamos disponíveis, ele me ajudava
quando eu tinha dúvidas, eu o ajudava a
formular algumas teorias que poderiam ser
usadas em sua petição, e assim formávamos
uma boa dupla. Depois de toda aquela
vergonha que me fez passar, ele se mostrou
uma ótima pessoa.
Nós conversávamos apenas por e-mail ou
telefone quando era necessário, e eu me
sentia naqueles tempos em que entrava em
bate-papo de internet, ou ficava em MSN
conversando com amigos virtuais. Era
engraçada aquela situação, mas parecia
funcionar para nós.
Fomos direto para o prédio apenas para
trocar de roupa e caminhamos até a
academia. Lá encontramos Carolina, que
conseguimos recrutar para começar a aula
hoje. Estávamos na esteira fazendo nosso
aquecimento e conversando sobre os tipos
esquisitos que tinham na academia até que
um em especial chamou a atenção da
Carolina.
Ele tinha o corpo magro, mas estava todo
definido em todos os lugares. Dava para ver
cada músculo saltando de seus braços
quando ele levantava peso. De onde eu
estava não pude ver seus olhos, mas tinha
cabelo curto e pele bronzeada, era sem
dúvida alguma um corpo muito bom de ser
analisado.
— Acho que todo mundo gosta daquele ali
— Adriana concordou. — Até a Luísa que
namora está babando no cara.
Eu dei de ombros mantendo meu ritmo na
esteira.
— Eu namoro, mas não sou cega. Posso
admitir quando vejo alguém bonito.
Rafael ao nosso lado começou a
gargalhar, chamando nossa atenção. Nós três
nos olhamos, tentando encontrar uma
explicação, mas aparentemente ninguém
entendia aquela reação dele.
— Qual o problema, Rafa? — Adriana
perguntou. — Por favor, não me diga que
você já pegou ele também.
Carolina e eu olhamos para ele com
espanto, procurando por esta confirmação.
Na semana passada quando a Adriana havia
se interessado por um homem da academia,
o Rafael quebrou o encanto dizendo que já
havia ficado com ele e que era totalmente
gay.
— Nunca peguei o Murilo, e ele não é gay
e nem bi como eu — Rafael respondeu. —
Mas, este está bem inalcançável. Vocês
apenas não se encaixam nas preferências
dele.
— Impossível isso — interveio Carolina.
— Por que eu não me encaixaria?
— Porque você não tem um osso submisso
em seu corpo — Rafael esclareceu. —
Talvez a mais adepta para o cargo fosse a
Luísa, mas ela não aceitaria a coisa toda.
Como falcão, nós três olhamos novamente
para o tal do Murilo. Um dominador? Uau.
Continuamos conversando e o Rafa nos
contou tudo o que sabia sobre o dominador
da academia. Havia conhecido ele quando
foi a uma casa de strip-tease, onde foram
apresentados por amigos em comum. Estes
amigos em comum eram os gêmeos que
trabalhavam com ele, que participavam de
um Club BDSM da qual o Murilo fazia
parte. Eu jamais admitiria isso, mas uma
pitada de curiosidade foi aguçada neste
momento.
Assim que terminamos nosso aquecimento
e entramos na sala, Luigi veio nos
cumprimentar.
— Boa noite, vejo que temos uma aluna
nova hoje.
— Então você que é o gostoso da
academia — Carolina disse o analisando de
cima a baixo. — Este é o motivo da Luísa e
o Rafa gostarem tanto daqui.
Se havia uma coisa que eu gostava da
Carolina era sua coragem. Ela nunca teve
papas na língua e nunca freou um flerte,
sempre foi muito confiante e não me lembro
de algum momento alguém tê-la deixado sem
palavras.
– Eu espero que eu seja o motivo para
você frequentar aqui também — Luigi
respondeu, olhando para ela com um sorriso
torto estampado no rosto.
Se fosse comigo, já ficaria vermelha e
sem saber o que responder, sempre fui
tímida nessa coisa de paquerar. Mas, era de
Carolina que estávamos falando. Ela estava
se mostrando interessada, e ele de forma
bem explícita estava correspondendo. Eu
comecei a rir e quando olhei para o lado,
Rafael também ria, afinal, ele estava
acostumado com estas abordagens diretas da
Carolina tanto quanto eu. Os outros alunos
começaram a reparar no nosso pequeno
clubinho na porta e senti que devia intervir.
Eu já estava desconfortável naquele meio.
— Vamos, Carolina — chamei, puxando-a
pelo braço para onde deixávamos nossos
sapatos.
— Carolina, eu gostei — Luigi disse.
Ela piscou para ele enquanto me seguia.
— Carol para você, mas estou em
desvantagem, eu não sei o seu nome.
Ele nos seguiu até o canto da sala, onde
deixamos nossos sapatos.
— É Luigi, mas pode me chamar de Lui.
— Luigi? Eu gostei, bonito como você.
Adriana parecia segurar o riso, ela olhava
para nós tentando entender o que acontecia,
e nós apenas demos de ombros. A aula
começou pouco depois e a Carolina recebeu
uma atenção extra. Claro que a explicação
dele era de que ela era iniciante, mas nós
tínhamos nossas dúvidas. Eu já estava
começando a me acostumar com os
exercícios com a ajuda da Adriana, então os
exercícios estavam ficando cada vez mais
fáceis. No fim da aula fomos para a
recepção para que a Carolina pudesse se
matricular. Ela nunca foi de fazer exercícios
ou frequentar academia, eu tinha quase
certeza que desistiria antes de fazer um mês,
ou até que ela conseguisse algo com o Luigi.
Não dava para saber se ela realmente estava
interessada nele, afinal, ela flertava com
todo mundo que achava bonito.
Quando estávamos saindo da academia,
fiquei na porta esperando por Vinicius, que
ficou de nos encontrar lá. Apresentei meu
namorado a eles, e então a Adriana disse
que já o conhecia, já que um de nossos
clientes no escritório era a empresa que o
Vinicius trabalhava. Eu não pude deixar de
notar que ela havia ficado nervosa quando o
apresentei, mas ignorei. Olhei para o lado e
Carol me olhava com cumplicidade,
deixando claro que ela também tinha notado
o comportamento estranho.
— Todos vocês vão amanhã, né? — eu
perguntei — Dona Sônia ligou verificando.
Minha mãe havia nos convidado para o
aniversário surpresa do meu pai, e ligou
pelo menos umas três vezes hoje para
confirmar que todos estariam lá. Rafa e
Carol confirmaram e eu me virei para olhar
para o Vini.
— Estaremos todos lá amor, não se
preocupe — Vinicius garantiu.
Eu sorri para ele.
— Vini, de onde é que você conhece a
Adri? — Carolina perguntou com
naturalidade.
— Ela já foi algumas vezes lá na empresa,
para conversar com o departamento jurídico.
— E só?
Eu tentei segurar o riso, minha amiga não
aceitaria só isso como resposta, e eu estava
agradecendo a ela mentalmente por
perguntar o que eu também queria saber.
— Sim, só.
— Ah, fala sério. Ela ficou toda nervosa
quando te viu — eu comentei rindo.
Rafa concordou com a cabeça.
— Ela estava toda soltinha até você
aparecer.
Levantei meu rosto mais uma vez e
Vinicius estava rindo, tinha alguma coisa por
trás disso.
— É que uma vez eu e o Thiago a
pegamos com o Alan na sala. — Vinicius
contou. — Digamos que em condições não
tão inocentes.
Assim que chegamos ao apartamento
pedimos pizza. Aproveitamos a noite e
conversamos sobre as organizações para as
mudanças da Carolina e sua irmã para o
prédio. Estava ansiosa para tê-la também lá
almoçando com a gente, eu gostava de ver
todos os meus amigos juntos. Eu já estava
indo para a cama dormir, depois que eles
foram embora, quando meu celular começou
a apitar a todo o momento com alerta de
mensagem no WhatsApp.

Adriana: Pronto, já a coloquei.


Carla: Finalmente. BEM-VINDA AMIGA!!

Gabriel: Agora que vocês não vão deixar este


chat quieto.

Matteo: E quando é que alguma vez ele foi


quieto?

Luigi: Não reclame, Biel, você adora ficar


conversando com a gente.

Gabriel: Alguém me explica por que ele está


neste grupo mesmo?

Marcelo: Eu não entendo o nome do grupo,


não é do escritório, mas seria muito gay colocar
os amigos.

Carla: Podia por club da Ca, eu aprovo.

Luísa: Boa noiteee.

Marcelo: Chegou quem faltava.


Matteo: Agora nosso time está completo.

Gabriel: Bem-vinda, Luisa. Mas eu vou


dormir agora, porque preciso acordar cedo. Boa
noite pessoal.

Luigi: Sempre o primeiro a se ausentar, mas


tenho que ir também. Bem-vinda, Lu, e boa
noite gente.

Luísa: Obrigada!!! Mas também já estou me


preparando para ir dormir, só vim pôr no
silencioso porque estava apitando como louco.
Haha. Boa noite para vocês.

Marcelo: Olha ela, mal entrou e já está


reclamando.

Matteo: Mas pelo tanto que a Ca e a Adri


falam, precisa estar no silencioso mesmo, se não
apita a todo segundo.

Adriana: Que calúnia!


Carla: Reclamam, mas depois ficam chorando
por atenção quando não falamos aqui.

Adriana: Verdade.

Marcelo: VAMOS DORMIR TODO


MUNDO. Boa noite galera, e não esqueça da
minha playlist, Luísa.

Luísa: Combinado. ;) Até amanhã, durmam


bem.

Eu só tinha o celular da Adriana e do


Luigi, os outros eu precisaria pôr na agenda
depois, mas não havia o número da Jessica
naquele grupo. Mais um sinal claro de que
ela não fazia parte do ‘grupo’ em todos os
sentidos.
Capítulo 10

Luísa
Estávamos sentados em uma das mesas do
salão de festas, esperando o momento em
que meus pais iriam chegar. Minha mãe tinha
inventado alguma desculpa para trazê-lo
aqui sem que soubesse da festa.
— Minha mãe já está a caminho —
respondi. — Ela vai me enviar uma
mensagem quando chegar.
Neste momento Aninha apareceu
correndo, empurrando a perna de Rafael e
tentando subir no colo da Carolina, que
rapidamente a pegou no colo.
— Chegou a minha gatinha — disse Carol,
enchendo a sobrinha de beijos.
Aninha tinha apenas dois aninhos, mas era
a coisa mais fofa do mundo. Como de
costume, ela estava com duas xuxinhas,
deixando os poucos fios espetados para
todos os lados. Seus olhos azuis eram tão
claros quanto os da mãe, mas os cabelos
eram escuros como o do pai. Era uma
mistura do melhor de cada um.
— Eu juro que tentei segurá-la em meu
colo — disse André quando chegou à mesa.
Debora riu e deitou a cabeça nos ombros
do marido.
— É impossível. Basta ela achar a Carol
que fica se remexendo até poder ir para o
chão e correr, não tem como segurá-la.
Eles eram o típico casal perfeito,
daqueles que você vê em capas de revistas e
parecem até modelos programados de tão
lindos. Debora era ruiva, rosto fino e
delicado como a Carol, mas com os olhos
azuis. André era alto, ombros largos de
músculos bem distribuídos, de rosto bem
marcado e lindos olhos escuros. Quando
eles começaram a namorar, eu e a Carol
babávamos nele. Era impossível não babar,
ele é lindo desde muito jovem, sua irmã
tinha muita sorte.
— Sentem-se — ofereci. — E obrigada
por virem, minha mãe vai gostar de vê-los
aqui.
Assim que eles se acomodaram, levantei a
mão chamando o garçom para que ele
servisse as bebidas. Rafa pediu um suco
para Aninha e mostrou a ela, que muito
agradecida lhe ofereceu um lindo sorriso
mostrando os pequenos dentes que tinha. Ela
rapidamente esticou os braços para ele, se
inclinando para seu colo. Ele a sentou em
sua perna e lhe ofereceu um canudinho.
— Isso é tão injusto, Rafa — reclamou
Carol. — Você compra a menina.
Ele deu de ombros e beijou a cabeça de
Aninha.
— Ela me ama, fica quieta.
Recebi uma mensagem de minha mãe,
avisando que eles tinham chegado. Levantei
da mesa preparando os convidados e
começamos a cantar parabéns quando eles
entraram. Meu pai levou um susto, mas
rapidamente se recuperou e começou a
sorrir, vendo as pessoas que ali estavam.
Quando seus olhos cruzaram com meus,
piscou para mim e sorriu. Ele foi de mesa
em mesa cumprimentando seus convidados
com minha mãe. Aliás, ele a puxava com ela,
sua mão não soltava a dela nem por um
segundo. A cada vez que mudava de mesa,
ele beijava as mãos de minha mãe, em um
claro sinal de agradecimento e carinho.
Quando meus pais finalmente chegaram à
nossa mesa, abraçou a todos agradecendo
pela presença. Minha mãe aproveitou que
ele finalmente havia soltado suas mãos para
me abraçar e foi para a cozinha, pedir para
liberarem o jantar. Eu o abracei e enchi sua
bochecha de beijos.
— Feliz aniversário, pai.
Ele me apertou em seus braços e beijou o
alto da minha cabeça.
— Eu estava até dez minutos atrás falando
mal de você.
— O que eu fiz?
Ele me olhou balançando a cabeça em um
claro sinal de reprovação.
— Você não me ligou o dia todo, só
mandou aquela mensagem de parabéns pela
manhã.
Eu soltei uma risada.
— O que você queria que eu fizesse?
Fiquei ocupada organizando as coisas aqui,
você sabe como a dona Sônia é.
— Você deveria ter me contado — ele me
acusou. — Você sabe que eu odeio isso.
Fiz minha melhor cara de inocente.
— E ter estragado a surpresa da minha
mãe? Ela me mataria.
Ele riu, concordando comigo e me puxou
para um canto, nos afastando da mesa. Eu
não entendi o porquê de se afastar, mas o
acompanhei.
— Como está? — ele perguntou. — Senti
sua falta esta semana. Está gostando do
trabalho?
— É ótimo lá, pai. Estou aprendendo
muito, e só tem duas semanas.
Ele olhou para a mesa e depois para mim.
— Vejo que as coisas estão melhores
entre você e o Vinicius.
Agora eu entendia porque se afastar.
— Nós estamos melhorando. Eu o amo,
amo tudo o que ele fez por mim. Ele foi
muito importante no ano passado, me
consolou e me apoiou o tempo todo. Nunca
me julgou ou me cobrou quando precisei me
afastar — desabafei. Ele concordou abrindo
os braços e eu deitei a cabeça em seu peito.
— Não vou negar que por um tempo me
acomodei com a forma distante que
estávamos, mas agora, vendo ele se esforçar
para recuperar o que tínhamos, não posso
negar que está me fazendo bem. Eu tinha
culpa também, então agora estamos voltando
aos trilhos.
— Não confunda gratidão com amor.
— Não é apenas isso, pai, eu sou grata a
ele sim, mas eu o amo também.
Ele aceitou minha declaração e me beijou
na cabeça. Minha mãe se aproximou,
sorrindo ao nos ver abraçados e nos
comunicou que o jantar estava servido.
Afastei-me deles indo até a mesa avisar aos
outros e puxei Vinicius pelo braço.
Aproximei minha boca da sua e o beijei.
Seus braços me mantinham segura e
confortável, era a este sentimento que eu iria
me apegar.

Eu estava sentada em minha mesa, fazendo


o relatório do acompanhamento processual
de uma das ações, quando meu e-mail
alertou sobre uma nova mensagem.

De : Marcelo
Para: Luísa
Assunto: playlist do spotify.
Bom dia, Luísa.
Como foi o aniversário do seu padrasto?
Você mandou mensagem no grupo que estava
na festa.
Como te avisei, ontem tive uma reunião de
última hora com um cliente então não tive
tempo de mexer com o computador. Mas hoje
vou trabalhar apenas no escritório, então
vamos poder conversar.
Já tem a lista que te pedi? Não esqueça que
mudamos para 10 músicas.

—————————————

De : Luísa
Para: Marcelo
Assunto: RES: playlist do spotify
Bom diaaa.
Eu li o e-mail de manhã que não estaria
com o computador à tarde, não tem
problema. Como foi a reunião? Foi tudo bem?
A festa foi ótima, aproveitamos muito,
você teria gostado. Minha mãe solicitou um
buffet de massas. Tinha todo tipo de
macarrão e de molho, estava uma delicia.
E sim, eu tenho a minha playlist montada,
está com o nome ‘De L para M’ lá na minha
conta. E eu não esqueci, tem as 10 prontinhas
para você. Coloque seus fones de ouvido e vá
trabalhar. ;)
—————————————

De : Marcelo
Para: Luísa
Assunto: RES: playlist do spotify
Foi tudo bem, só deu um problema que
eles estão protestando um de nossos clientes,
então vou conversar com o vovô sobre entrar
com uma Medida Cautelar para não deixar
que o nome da empresa fique manchado.
Que delícia, uma pena que eu não estava
em Curitiba, teria ido de penetra só pelo
jantar. ;)
Gostei do nome da playlist, vou pôr ‘De M
para L’ a minha e você pode acessar. Faça
suas coisas aí escutando as melhores músicas
do mundo, pois posso apostar que meu gosto
é melhor do que o seu.

—————————————

De : Luísa
Para: Marcelo
Assunto: Minha playlist é melhor
Nossa, espero que vocês consigam resolver
isso a tempo. Se precisar de ajuda me avise.
E não, se você tivesse aqui eu teria te
chamado, você teria gostado de conhecer
meus pais.
Vou acessar sua playlist agora e ver que
tanto se gaba do seu gosto musical. Se tiver
música ruim eu vou rir muito de você.

—————————————
De : Marcelo
Para: Luísa
Assunto: Corrigindo: a playlist do Marcelo
é a melhor.
Obrigado, vou conversar com o vovô sobre
que medidas tomar e qualquer coisa eu te
aviso.
Vou cobrar então, da próxima vez que eu
for para Curitiba está me devendo um jantar
para eu conhecer seus pais.
Já estou com medo!
Calvin Harris? Marron5? Taylor Swift?
Não sabia que era playlist pop teen.

—————————————

De : Luísa
Para: Marcelo
Assunto: Escute e depois critique.
Marcado, quando você vier vamos
combinar. ;)
E olha quem fala. Imagine Dragons, Arctics
Monkeys, The Killers, era uma playlist indie
que tínhamos fazer?

Colquei meus fones de ouvido e voltei ao


trabalho. Na hora do almoço, como sempre,
descemos todos para o restaurante junto com
o Rafael. Biel e ele conversavam muito
sobre o jogo de futebol que aconteceu ontem,
já que ele havia perdido por estar no
aniversário. Eu gostava de vê-lo ali com
todo mundo, e fiquei feliz de terem o
aceitado tão bem.
— Então quer dizer que a Carol e o Lui
ficaram se encarando? — perguntou Matteo,
chamando minha atenção.
— Eu não sei bem o que aconteceu na
terça, e não tive tempo de perguntar —
respondi. — A Carol se mostrou bastante
interessada, e ele também.
Carla se apoiou na mesa, querendo entrar
na conversa.
— Eu acho que deveríamos marcar de ir
ao pub neste final de semana, e convidar
todo mundo — ofereceu ela. — Não seria
legal?
Adriana concordava com a cabeça.
— Realmente, e ela é uma querida, seria
uma ótima oportunidade para o Lui. Até
porque, em breve ela estará aqui almoçando
com a gente.
Biel se virou para nosso lado, também
interessado na conversa.
— Quando ela virá? — ele perguntou,
com um largo sorriso no rosto.
— Semana que vem já começam as
mudanças, acredito que até final do mês
estarão instaladas — contei a ele.
— Se ela precisar de ajuda, nos avise.
— Vou avisar, obrigada por se oferecer.
— O Lui que irá se oferecer para ajudar,
não se preocupe — comentou Matteo.
Biel pareceu incomodado com o
comentário, seu sorriso vacilou por alguns
segundos antes de ele se recuperar. Se eu
não tivesse prestando atenção nele naquele
momento, eu não teria percebido.
— Vamos subir? Preciso terminar uma
petição — Biel anunciou, já se levantando
da mesa.
Todos nós o acompanhamos e voltamos às
nossas mesas. Eu continuei ouvindo as
músicas do Marcelo enquanto fazia uma
petição rápida de juntada de custas
processuais que o Fernando havia me
solicitado.
— Como assim os correios estão em
greve? — gritou Fernando nos assustando ao
entrar em nossa sala. Ele estava segurando o
telefone, visivelmente furioso. — Que
porcaria, e como que vamos fazer agora? —
Ele olhou para todos nós e suspirou,
deixando os braços cair. — Eu não posso ir,
neste final de semana tem um evento
importante da Hilda que preciso acompanhá-
la.
Todo mundo se entreolhava, mas ninguém
falava nada.
— O que está acontecendo, Biel? —
Adriana perguntou.
— Não tenho a mínima ideia —
respondeu ele olhando atentamente para o
avô.
Fernando desligou o telefone e olhou para
todos nós.
— Os correios estão em greve, e não dá
para scannear os documentos, pois eles
pedem as cópias originais e autenticadas e
precisamos urgentemente dar entrada em
uma Ação lá no Rio de Janeiro. Quem está
livre para ir lá neste final de semana levar
os documentos para o Marcelo?
Matteo voltou da cozinha com uma xícara
de café em suas mãos e se posicionou ao
lado do Fernando.
— Eu não poderei ir, nós também temos
um prazo para cumprir até segunda, não
posso perder o foco.
Fernando concordou com a cabeça e olhou
para o neto.
— Eu adoraria ir para o Rio, mas a vovó
vai me matar se eu faltar no evento — Biel
justificou.
Fernando então mudou sua atenção para a
Adriana. Ela não parecia confortável com a
situação, mas deu de ombros.
— Eu até posso ir, é só levar os
documentos?
Fernando suspirou aliviado.
— Seria de grande ajuda. Obrigado, Adri.
— Por que a Luisa não vai? — Biel
perguntou. — Ela já está copiada nos e-
mails, sabe tudo o que estamos organizando,
já é ela quem está vendo as custas e fazendo
as petições iniciais para distribuir a ação.
Ela já vai poder ajudar o Marcelo se
precisar de alguma coisa de última hora.
Fernando olhou para mim, me analisando
por um tempo. Minhas bochechas
queimaram, tenho certeza. Era muito
desconfortante ter todos os pares de olhos
naquela sala em cima de mim.
— Você pode ir, Luísa? — perguntou
Fernando. — Realmente você seria a melhor
pessoa neste momento. Eu não pediria se
tivéssemos alternativa, mas com os correios
em greve não tem outra forma dele receber
os documentos. E como você está nos
acompanhando, ele precisa dar entrada nesse
processo amanhã.
Carla apareceu com o Ipad nas mãos.
— Já estou vendo as passagens de avião
— ela avisou.
Eu dei de ombros olhando para Fernando.
— Eu vou então, não tem problema.
Ele suspirou aliviado e veio até a minha
mesa, me puxando para um abraço.
— Espero que não te atrapalhe, querida.
Mas não se preocupe, a Carla verá um hotel
para você se hospedar, e você pode passar o
final de semana lá passeando e conhecendo a
cidade.
— Não será necessário, eu tenho uma tia
que mora lá, posso ficar na casa dela.
— É claro que não, você está indo a
trabalho. Ficará hospedada por nossa conta,
e pagaremos suas passagens, não se
preocupe com nada. Você não se importa,
não é? Não tem nenhum compromisso este
final de semana? Não quero te impor nada,
se você não puder ir, eu dou um jeito ou
então a Adri irá.
Desviei meus olhos para Adriana, que
praticamente me suplicava para aceitar. Eu
não teria nada de importante para fazer no
final de semana, então o que me custava?
— Não se preocupe, eu vou — confirmei.
— E obrigada por todas as providências na
minha hospedagem lá.
Fernando acenou e logo saiu andando com
a Carla pelo corredor, passando a ela
instruções do que fazer. Sentei de novo na
minha cadeira, afundando nela.
— Não se preocupe, o Marcelo estará lá
— disse Biel.
Concordei com a cabeça e peguei meu
celular, avisando a todo mundo que eu
estaria indo ao Rio no final de semana.
Capítulo 11
Luísa
Eu conferia meu celular mais uma vez,
enquanto estava a caminho do aeroporto.
Vini passou logo cedo para me buscar, pois
disse que queria que tomássemos o café da
manhã juntos para ele me levar ao aeroporto
antes de ir trabalhar. O grupo da SMD no
WhatsApp não parava de acumular
mensagens.

Luísa: Não vou ler todas estas mensagens,


vocês falam demais, e ainda não são nem 08h da
manhã.

Carla: Bom dia, Lu. Já está feito seu check-in


de volta para amanhã.

Luísa: Obrigada, Carlinha.

Marcelo: Mas o dia já começou e o sol já está


brilhando desde ás 06h.
Luísa: Você corre de manhã, está acostumado
a acordar com o sol, eu não.

Marcelo: Vou te fazer correr com o nascer do


sol amanhã também, vai gostar.

Luísa: Nem inventa, estarei hibernando no


hotel.

Matteo: Coitada, não vá assustar a menina e a


fazer ir embora.

Gabriel: Exatamente, ela está indo por causa


do vovô, não vá traumatizá-la.

Marcelo: Que isso, não confiam em mim? A


Lu virou minha amiguinha virtual, ela já me
adora, não vai reclamar.

Adriana: Amiguinha virtual?

Luísa: É que ele me perturba o dia todo por e-


mail.
Marcelo: Que mentira! Você adora conversar
comigo.

Luísa: Eu fui coagida a conversar com você, é


diferente.

Gabriel: Essa doeu.

Matteo: Bem feito.

Carla: KKK

Marcelo: É assim? Magoou meu coração.

Luísa: Cheguei ao aeroporto, até depois.

Marcelo: Faça boa viagem, e não esqueça de


anotar meu celular na sua agenda e me ligar
quando chegar. Estarei lá para te buscar.

Luísa: Ok, obrigada. ;)

Entramos no aeroporto e fui despachar


minha mala e Vinicius me acompanhou até o
portão de embarque. Ele parou e então me
virou para ele, me apertando em seus
braços.
— Me manda uma mensagem quando
chegar lá, Lu.
— Eu mando, pode deixar. E não se
preocupe, é só por um dia, amanhã já estarei
de volta.
Dentro do voo aproveitei para anotar o
número do Marcelo na minha agenda, afinal,
eu precisaria ligar para ele quando estivesse
lá. Apesar de não ser programado e de
última hora, o que eu odiava, eu estava feliz
com a viagem. Poderia conhecer o Marcelo,
que acabou se tornando um bom amigo
nessas últimas semanas. Depois de toda
aquela bagunça no meu segundo dia,
passamos todas as tardes conversando. Eu
poderia dizer que eu conversava mais com
ele do que qualquer outra pessoa
ultimamente, mesmo que só por e-mail.
Desembarquei e fui até a esteira procurar
por minha mala e me dirigi à saída. Estava
distraída procurando o nome do Marcelo na
minha agenda, quando meu corpo se chocou
em outra pessoa.
— Droga — disse ao ver meu celular cair
no chão.
A pessoa que eu trombei pegou-o do chão
e me estendeu. Quando eu o reconheci, meu
corpo todo tremeu. Eu não sabia se era azar
ou sorte, destino ou apenas ironia da vida,
mas lá estava, o mesmo chato de olhos azuis
do aeroporto.
— Olha só, se não é minha namorada.
Sentiu saudade, querida?
Ele estava diferente das outras vezes que
nos encontramos. Desta vez vestia um terno
e uma gravata preta, com uma camisa branca
por baixo. Seus olhos claros estavam
escondidos por trás de alguns fios de seu
cabelo que caiam sobre sua testa, mas o
olhar estava tão intimidador quanto
lembrava.
— É muito azar pra uma pessoa só —
desabafei, pegando meu celular de suas
mãos.
— Eu não acho, o destino deve estar
mexendo seus pauzinhos, eu sabia que te
encontraria de novo.
Encarei-o por alguns minutos, tentando
manter a pose séria, mas era quase
impossível vendo-o sorrir de forma tão
arrogante e confiante.
— Vê se me erra, ok?
Virei de costas andando para longe dele, e
para meu azar ele me seguiu.
— Você não pode negar, namorada, sendo
azar ou destino, nos encontramos novamente.
Por que não aproveitamos esta chance e
tomamos um café? — ele perguntou,
esticando a mão para mim. — Muito prazer,
eu sou...
— Eu não sou sua namorada, que inferno
— o interrompi. — Por que não me deixa em
paz? Eu tenho namorado ainda, acho que já
te falei isso uma vez.
Peguei meu celular mais uma vez
buscando o número do Marcelo na minha
agenda.
— Ligando para o namorado vir te
socorrer? Não consegue se virar sozinha?
Meu sangue fervia por dentro, mas eu
apenas respirava fundo levando o celular a
orelha e escutando-o chamar. Marcelo iria
me ajudar a me livrar desse chato. Segundos
depois um celular ao meu lado começou a
tocar, e então o idiota na minha frente o
retirou do bolso e atendeu.
— Luísa? — ele perguntou, atendendo ao
telefone, e eu pude ouvir também na ligação
do meu celular. Droga. Não era possível.
Definitivamente era muito azar para uma
pessoa só. Ele ergueu as sobrancelhas,
ostentando um sorriso torto nos lábios, e
manteve seus olhos fixos nos meus. — Então
você realmente ligou para o seu namorado
vir te socorrer.
Ai que ódio.
— Não, não... não... não... — eu falava
repetidas vezes ainda olhando para ele.
Ele não aguentou e começou a gargalhar,
guardando o celular no bolso. Aproximou-se
de mim e jogou os braços sobre meus
ombros.
— Como eu estava dizendo, antes de você
me interromper, eu sou o Marcelo. Agora eu
sei o nome da minha namorada.
Eu o empurrei e tirei seus braços de mim.
— Eu não sou sua namorada, agora que
sabe quem eu sou não precisa me chamar
assim.
— Pois é, agora a barraqueira do
aeroporto que por muito tempo invadia meus
pensamentos, finalmente tem um nome.
Como assim, invadia seus pensamentos?
Virei meu rosto e ele me olhava com um
brilho diferente nos olhos, mais do que
intimidadores, me olhavam com curiosidade.
Ficamos duelando por um tempo, e então ele
começou a se aproximar. Eu não podia
deixar que chegasse mais perto, esta
situação já estava ficando desconfortante.
— Aqui — disse empurrando o envelope
com os documentos em seu peito. — Os
documentos do seu avô.
Droga! Duas vezes droga. E agora como
seria? Eu trabalhava para a família dele,
para ele, aliás, e esta atitude não era
favorável a mim. Mas, eu não poderia ceder,
não poderia tratá-lo diferente sabendo como
ele se comportava, mesmo que por e-mail
éramos totalmente diferentes. Ele tomou o
envelope de minhas mãos, como se tivesse
saído de um transe e balançou a cabeça.
— Obrigado. Vamos indo?
Ele se virou de costas e saiu andando, e
eu o acompanhei ao seu lado, puxando minha
mala.
— Aonde vamos?
— Preciso levar estes documentos para o
escritório, para saber com o Pedro como
estão os tramites da Ação que distribuímos
esta manhã.
Eu apenas concordei com a cabeça e o
acompanhei ao estacionamento. Ele pegou
minha mala, guardando-a no banco de trás e
foi para o lado do motorista. Entrei no carro
ao seu lado e sentei em silêncio.
Permanecemos alguns minutos em silêncio
pelo trânsito do Rio, quando seu celular
tocou e ele atendeu no viva-voz.
— Fala Biel, tá no viva-voz.
— Só liguei para saber se você já
encontrou a Luísa.
Marcelo olhou para mim por um tempo,
mas eu permaneci calada.
— Sim, eu a encontrei, ela está aqui
comigo.
— Oi, Lu, foi tudo bem na viagem? —
perguntou Biel do outro lado da linha.
— Aham — me limitei a responder.
— Oh-oh, aconteceu alguma coisa?
Marcelo ela é a nova favorita do vovô, não
vá fazer cagada.
Marcelo se mexeu no banco, claramente
desconfortável.
— Eu não fiz nada, está tudo certo.
— Por que será que eu não acredito
nisso? — retrucou Biel.
Marcelo soltou um suspiro pesado, e
aquilo me preocupou. Ele não contaria para
o primo que tínhamos pequenas desavenças,
não é?
— Lembra-se da barraqueira do
aeroporto? Que eu encontrei depois na festa
da Adri?
Barraqueira do aeroporto? A festa da
Adri? Ele havia contado aquilo para o Biel?
Agora eu me lembrei da festa, claro. Ele
estava lá, agora podia ver a coincidência.
Mas, como eu iria adivinhar?
— Sim, eu me lembro dela — confirmou
Biel. — A tal morena que você vivia
comentando, mas o que tem a ver?
Ele comentava de mim?
— Então, é ela.
— Puta que pariu.
— Pois é.
Agora tudo fez sentido. O Biel estava com
ele no shopping, mas eu achava que deveria
ser um amigo dele de lá de Curitiba quando
me lembrei de onde o conhecia, não que era
o Marcelo, seu primo que eu falava todos os
dias por e-mail. Minha cabeça estava tão
bagunçada.
— Luísa? — Marcelo chamou minha
atenção
— Que? Oi, desculpa, me perdi. Falou
alguma coisa?
— Chegamos.
Há quanto tempo eu havia ficado fora do
ar? Biel não estava mais ao telefone, será
que eles falaram mais alguma coisa? Ele
desceu do carro e me esperou na calçada, e
logo estava ao seu lado caminhando para o
prédio. Entramos no elevador em silêncio.
Ele apertou um botão do seu andar e
esperamos. Às vezes eu olhava de relance
para ele, e quando via que ele estava me
olhando também eu desviava os olhos. Não
sabia como agir, aquela situação era tão
esquisita. Quando o elevador se abriu uma
loira veio ao nosso encontro. Alta e de olhos
azuis, com um sorriso muito gentil nos
lábios.
— Você deve ser a Luísa, muito prazer. Eu
sou a Alice — ela se apresentou.
— Ela te conhece, Alice, é a culpada pelo
seu dia de spa — contou Marcelo.
Ela correu para me abraçar.
— Muito obrigada pela dica do meu
presente, eu adorei.
Eu balancei os ombros.
— De nada, eu acho.
— Alice, veja se a Luísa quer alguma
coisa, eu vou levar estes documentos para o
Pedro — comunicou Marcelo se afastando.
— E, por favor, cancele todos os
compromissos que eu tinha hoje, não
voltarei à tarde.
Ele parecia bravo. Durante todo o
percurso não houve uma piadinha sequer, ou
mostrou aquele sorriso que eu pensava que
não abandonava seus lábios. Será que ele
também se sentia confuso com tudo isso? Era
tão estranho agora. Conhecemo-nos em
situações perturbadoras, depois viramos
amigos sem saber quem éramos, e agora
estávamos aqui. Como seria daqui para
frente?
Marcelo
— Merda, merda, merda — repeti várias
vezes entrando na sala que eu dividia com
Pedro.
Ele desviou os olhos de seu notebook e
me olhou espantado.
— O que aconteceu? Você está me
assustando, Marcelo. Algum processo deu
errado? Você não encontrou a tal garota do
escritório do seu avô?
Uma risada escapou de meus lábios. A
princípio eu achei graça da situação, quão
irônico era isso? A garota que me chamou
minha atenção desde o primeiro momento,
que ficou marcada em minha memória por
mais de meses e que eu torcia para ter a
sorte de encontrá-la novamente, já estava na
minha vida e eu não fazia a menor ideia.
— Encontrei, e este é o problema.
Ele me olhava ainda curioso pedindo por
uma explicação. Eu não conseguia ficar
parado, então tirei meu paletó e apoiei na
cadeira, soltando a gravata em seguida.
— Você vai explicar?
— A garota, a novata e queridinha do
vovô — comecei dizendo. Ele concordou
com a cabeça, encostando-se a sua cadeira e
cruzando os braços sobre a mesa. — É a tal
morena que eu falei que tinha encontrado
novamente em Curitiba. A do aeroporto, a
pequena.
Ele me olhou com espanto quando
finalmente entendeu a quem eu me referia.
Eu me sentia tão idiota naquela situação.
Quem aos 26 anos de idade fica tão
intrigado sobre uma garota que você
encontra casualmente por aí?
— Assim que entrei no aeroporto eu a vi,
era quase como se eu estivesse programado
para reconhecê-la na multidão. E então eu
agi por impulso. Eu não poderia deixar de
aproveitar a chance e falar com ela, certo?
— eu perguntei, mas nem esperei por Pedro
para responder. — E então eu estava lá
brincando com ela, e ela liga para alguém e
meu celular toca. Eu havia anotado o número
dela na minha agenda esta manhã, para o
caso de não conseguir encontrá-la no
aeroporto. E eu até cheguei a mandar uma
mensagem para ela no privado do
WhatsApp, mas sua imagem era um pôr do
sol. Então como é que eu ia adivinhar?
Um sorriso apareceu em meus lábios
quando me lembrei da cena. No momento em
que eu atendi ao telefone fiquei animado,
nem pensei muito sobre isso, mas a
realidade veio quando ela empurrou um
envelope para mim. Ela não era apenas a
barraqueira que eu não sabia o nome, era a
Luísa. Eu não podia simplesmente continuar
irritando-a ou agir como bem entendia.
Agora era diferente. No elevador eu senti
tudo o que eu não podia. Agora que o rosto
que por muitas vezes frequentava meus
pensamentos tinham um nome, eu estava
travando uma batalha interna muito difícil.
De um lado, eu queria aproveitar a chance
que vida estava me dando, quando colocou
novamente a minha pequena no meu
caminho. Do outro lado eu sabia que não
podia mais agir por impulso, pois agora a
minha pequena não era mais a minha
pequena, era a Luísa. E a Luísa não é a
minha, é de outra pessoa. Agora ela é apenas
a pessoa que por ironia da vida eu trocava
e-mails há duas semanas. Eu percebi que
Pedro não falava nada, e então abri meus
olhos para vê-lo, o que não foi de grande
ajuda, pois seu rosto não me dizia nada
também.
— E então? — perguntei.
— Cara, isso é uma grande merda. Quer
dizer, nós fazíamos piada sobre isso, que
você jamais a encontraria de novo, e agora
ela é a pessoa que você estava conversando
nas últimas semanas.
— Eu estou pedindo por ajuda, eu não
preciso que você fique relatando fatos que
eu já sei.
Ele se levantou e apoiou em sua mesa,
assim como eu.
— O que você vai fazer? — ele me
perguntou, mas eu não sabia esta resposta.
Eu acenei com a cabeça e dei de ombros,
isso era o que eu estava tentando encontrar,
algum sinal do que fazer. — Ela namora, não
é? Então agora não tem muito que você
possa fazer, vai ter que continuar sendo o
amigo dela.
— É, eu sei. Mas, isso é tão idiota, a
primeira garota que finalmente me atrai,
depois de um longo tempo, é inacessível —
eu disse, suspirando frustrado. — Parece até
praga da Andreia.
— Você pode tentar torná-la acessível —
Pedro disse rindo. — Vocês estavam se
dando bem ultimamente, pelo que me
lembro. Seja o melhor amigo que ela já teve
e então arrisque.
— Você está insinuando que eu deveria
ser amigo dela, para que ela termine o
namoro e fique comigo? — Ele deu de
ombros, como se fosse uma ideia normal. —
Ela namora há sei lá quantos anos, ela já me
contou por e-mail sobre o carinha. Você ia
gostar que alguém se aproximasse da Alice
para que ela se separasse de você?
— Eu confio no meu taco, Marcelo, e
confio na Alice ainda mais — afirmou ele e
deu de ombros novamente. — Quando um
casal realmente está destinado a ficar junto,
podem aparecer mil outros que não fará
diferença. Se a Alice realmente quer ficar
comigo, ela não vai deixar que algo ou
alguém nos separe. Não estou falando para
fazê-la trair o namorado, apenas para você
tirar essa obsessão que criou na sua mente,
porque isso sim seria sacanagem, estou
falando para aproveitar a chance e se
aproximar. O que você tem a perder com
isso?
— Vendo por este lado talvez você tenha
razão.
— Eu sempre tenho, então vá.
— O que?
— Vá arriscar.
Eu levantei pegando meu terno e
apoiando-o no braço. Retirei um documento
do envelope e deixei na mesa de Pedro.
— Protocola o Substabelecimento, junta
nos autos com a petição que fizemos ontem,
que estou indo agora lá no cartório com a
Luísa.
Ele concordou com a cabeça e sorriu.
Assim que abri a porta dei de cara com
Luísa sentada no balcão conversando
animadamente com a Alice, como se fossem
amigas próximas. Eu sorria com a cena, ela
estava tão à vontade ali que percebi que eu
não conhecia realmente a Luísa. O pouco
que eu sabia sobre ela era pelas trocas de e-
mails, mas eu não sabia como ela se
comportava realmente, se ela era mesmo
barraqueira ou a situação no aeroporto foi
uma exceção. Eu iria aproveitar o final de
semana para conhecê-la, talvez assim toda
atração que sentia por ela passasse.
Caminhei até o balcão, mas ela continuou ali
sentada, talvez com medo de alguma reação
minha. Eu sabia que tinha deixado o clima
tenso na nossa vinda do aeroporto, eu
precisava consertar isso.
— Está tudo bem? Podemos ir? —
perguntei chamando o elevador.
Ela se despediu de Alice e pegou a bolsa.
Quando entramos no elevador eu ouvi um
barulho estranho.
— Isso foi o seu estômago? — perguntei
rindo. Ela tentou ignorar mais uma vez, mas
desta vez o barulho foi mais alto. — Foi
realmente seu estômago.
Ela se virou para o meu lado, um pouco
corada, e depois riu comigo dando de
ombros.
— Já são mais de onze e meia, e eu tomei
café da manhã muito cedo por causa do voo.
— Que tal então se a gente for almoçar?
— perguntei quando as portas do elevador
se abriram. Ela sorriu concordando. Fomos
até meu carro e abri a porta para ela. — E
então o que vai ser? Massas ou restaurante
japonês? Eu conheço uns ótimos por aqui.
Ela pareceu pensar por um tempo
enquanto entrava no carro.
— Surpreenda-me, mostre a vida carioca.
Liguei o carro e peguei o trânsito.
— Você já não tem uma tia que mora aqui?
Não conhece a vida carioca?
Assim que perguntei me arrependi. E se
ela quisesse ir ver a tia? Eu só tinha um dia
com ela, não poderia desperdiçar.
— Sim, tem a tia Ellen, mas é diferente.
Ela mora em outra região, lá na Barra da
Tijuca, e eu só vim aqui duas vezes a
passeio, conheci os pontos turísticos e só.
Eu sorri com a informação. Eu poderia
trabalhar com isso, mostrar a ela a cidade do
meu ponto de vista.
— Ok, vamos almoçar e ir ao cartório.
Depois eu, Marcelo, serei seu guia turístico.
Assim que entramos no restaurante, seus
olhos brilharam. Levei-a no meu restaurante
japonês favorito, onde tinha rodízio de
sushis e temakis, e aproveitei para conhecê-
la melhor. Ela já estava bem mais à vontade
comigo, contando o que havia acontecido
ontem no escritório, sobre as aulas com o
Lui e que aparentemente ele havia se
interessado pela amiga dela. Eu podia ver o
brilho em seus olhos quando me contava
sobre tudo, como se realmente quisesse
compartilhar todas as informações comigo.
Descobri que ela comia muito mais sushis de
califórnia e camarão do que de kani e
salmão. Que ela só comeu os sushis doces
no final, como se fossem a sobremesa. E na
saída descobri que ela gostava de beber café
após a refeição, mesmo que um copinho
pequeno. Eram pequenos detalhes, mas eu
queria absorver ao máximo.
Capítulo 12
Luísa
Nós estávamos a caminho do cartório
e agora seu humor era visivelmente outro.
Desde o escritório o clima estava mais leve,
e conversávamos como se fossemos amigos
há tempos, e não há apenas duas semanas.
Ele se lembrava da minha comida favorita,
dos meus pais, da minha tia que morava
aqui.
Quando entramos no cartório indo para a
9ª Vara cível, sua postura mudou enquanto
ele falava com a Juíza responsável pelos
despachos. Eu pensava que ele era sempre
descontraído, inconveniente e intrometido,
como foi das duas vezes que nos
encontramos. E agora o vendo ali tão sério e
responsável, era realmente impressionante.
Imagina ele em uma audiência? Em uma
reunião importante? Não tinha dúvidas de
que ele realmente intimidaria, ele parecia
muito firme e sabia se impor àquelas
situações. Na saída do cartório, ele abriu a
porta para mim novamente, mais um sinal de
suas mudanças. Da primeira vez ele no
máximo colocou minhas malas no banco de
trás, e agora estava sempre abrindo a porta.
Mas, vindo da família que sei que veio, era
o mínimo que poderia esperar de um
Schmidt.
— E então, aonde vamos agora? —
perguntei quando ele entrou no carro.
Ele tirou o paletó, jogando-o no banco de
trás, afrouxou a gravata e desabotoou o
primeiro botão de sua camisa.
— Agora nós vamos para o meu
apartamento. Eu preciso tirar essa roupa,
está muito ensolarada a tarde de hoje.
Preciso de uma roupa mais fresca.
— Ah, claro. Você pode me deixar no
hotel? Eu também preciso trocar de roupa.
Ele se virou para me olhar quando
colocou seu cinto.
— Sua mala não está aqui? Você pode
trocar de roupa lá no apartamento e a noite
eu te levo para o hotel.
— Ok, então.
Cruzei as pernas no banco e encostei-me à
porta, observando enquanto ele dirigia. Ele
ficou quieto de novo, então eu liguei o rádio
para quebrar o clima, eu sabia que estava
sendo intrometida, mas era melhor do que
ficar em silêncio. Quando coloquei a opção
de tocar o usb conectado, ‘Best day of my
life’ de American Authors começou a tocar.
— I had a dream so big and loud, I jumped
so high I touched the clouds — eu cantava
baixinho, amava aquela música. — I
stretched my hands out to the sky, we danced
with monsters through the night. — Eu ouvi a
voz de Marcelo me acompanhando, então
resolvi improvisar. Peguei meu celular como
se fosse um microfone, e cantei alto a parte
seguinte acompanhando a música. — I'm
never gonna look back, Woah, never gonna
give it up, no.
Levei meu celular até a boca dele,
obrigando-o a cantar em voz alta comigo.
— Please, don't wake me now… This is
gonna be the best day of my li-fe.
Nós cantamos juntos e rimos enquanto
fazíamos os coros da música. Mesmo que
desafinados nós estávamos nos divertindo.
Quando a música acabou, o sorriso voltou
para seu rosto, e eu percebi que eu gostava
de vê-lo assim, sorrindo. Nós entramos em
um prédio pelo estacionamento, e quando
abri a porta para pegar minha mala ele foi
mais rápido e a pegou. Assim que entramos
no elevador, ele se virou para mim.
— Não sabia que conhecia American
Authors, achei que só gostava de popzinho
de menininha.
Sorri para ele, feliz pelo fato de ele
lembrar as músicas que eu tinha em minha
playlist.
— Eu gosto de tudo um pouco, nós
mudamos para as listas das 10 mais ouvidas
do momento, não todas as minhas preferidas.
Eu gosto de muitas músicas, e ‘The best day
of my life’ só não estava na lista porque eu
não estava ouvindo ela essa semana.
Quando a porta do elevador se abriu, o
segui pelo corredor.
— Eu vou ter muito o que descobrir do
seu gosto musical, então — disse ele
apontando para uma porta ao nosso lado,
enquanto ele destrancava a da frente. — O
Pedro e a Alice moram aqui ao lado, eles
são meus vizinhos.
— Faz tempo que você os conhece? Você
me contou pouco no e-mail, apenas que
trabalhavam com você e que era padrinho
dos filhos deles.
— Sim, a Milena e o Pedrinho, talvez
você os conheça. — Ele abriu a porta para
mim e eu entrei em seu apartamento. — Eu
os conheço desde que me mudei de Curitiba
para o Rio, há cinco anos. Foi uma parceria
que deu certo.
Ele continuava contando, mas eu prestava
mais atenção no seu apartamento. Era um
nítido apartamento de solteiro. Um sofá
grande em frente à TV de LED na parede,
pouco atrás do sofá havia uma mesa de
quatro lugares, e então uma bancada que
separava a sala da cozinha. Na cozinha tinha
uma geladeira, fogão, micro-ondas, alguns
copos e pratos sujos na pia, mas tirando
isso, o apartamento estava impecavelmente
limpo e organizado. Havia tapetes, cortinas,
as almofadas no lugar, nada de roupas
jogadas por aí ou sapatos no corredor.
— O apartamento é pequeno, mas é
apenas para mim, então serve – ele falou
chamando minha atenção. De fato era
pequeno, mas tão organizado e aconchegante
que eu gostei. — Tem um quarto de visitas
na segunda porta à direita, se você quiser se
trocar.
Ele estendeu a mala e eu a peguei, o
acompanhando pelo corredor, ele entrou na
porta esquerda e eu na porta da direita.
Havia janelas grandes que iluminava todo o
quarto. Ele era simples, uma cama de casal,
uma TV na parede, uma mesinha embaixo da
TV e um guarda-roupa de três portas.
Procurei na minha mala um short, uma regata
e uma rasteirinha, para que eu pudesse
aguentar o calor que estava lá fora, e me
troquei. Peguei minha escova de dente e fui
até o banheiro na primeira porta da direita
que vi quando passamos pelo corredor. Eu
estava enxaguando a boca quando Marcelo
saiu sorrindo de seu quarto.
— Bem melhor agora, eu adoro o Rio,
mas este calor às vezes me faz sentir vontade
de voltar a Curitiba — ele contou
encostando-se à porta do corredor.
— E por que você não volta? — eu
perguntei passando por ele e guardando
minhas coisas na minha mala. — Aliás, por
que só você veio pra cá? Sua família está
toda lá, não está? — Quando me virei para
ele, ele estava olhando para o chão, perdido
em pensamentos. O sorriso em seus lábios
havia ido embora, e seus ombros estavam
caídos para frente, como se tivesse com um
grande peso nas costas. Percebi nesta hora
que este deveria ser um assunto pessoal. Eu
precisava tirar esses pensamentos de sua
cabeça, não gostei de como seus olhos
estavam sem foco e aquela expressão
corporal me deixou angustiada. Peguei
minha mala e passei por ele no corredor,
como se não tivesse reparado como ele
havia ficado. — Aonde nós vamos primeiro,
guia turístico particular?
Ele respirou fundo, como se estivesse se
recuperando, e me acompanhou pelo
corredor. Seu sorriso ao abrir a porta tinha
voltado para seu rosto, mas não parecia mais
tão feliz quanto antes. Minha mala foi
guardada novamente no banco de trás, e
quando estávamos saindo do seu prédio ele
fez uma ligação.
— E aí, Lipe, como está aí? Tudo ao
nosso favor? — Desta vez seu celular não
estava no viva-voz. Ele esperou alguém
responder do outro lado da linha e se virou
para me olhar, com expectativa. — Ótimo,
em quarenta minutos chegarei aí, estou indo
com uma amiga.
Ele desligou o telefone e caminhou para
as ruas do Rio, sem me dar qualquer
informação.
— Para onde estamos indo? — perguntei
depois de me segurar por uns dez minutos,
mas a curiosidade estava me matando.
— Você vai gostar.
— Isso não é uma resposta.
Ele deu de ombros e não falou mais nada
pelo resto do trajeto. Quando ligou o rádio e
começou a cantar, me cutucava no braço
para que eu pudesse acompanhá-lo. No
começo fiquei de braços cruzados, como se
estivesse esperando ainda pela minha
resposta, mas então desisti e comecei a
cantar com ele. Imagine Dragons invadia o
carro, e cantávamos Radioactive quase mais
alto que os alto-falantes. Eu sempre gostei
de cantar enquanto dirigia, o Rafa e a Carol
sempre me acompanhavam, eu gostei de
saber que ele também se divertia.
Ele entrou em uma estradinha de chão,
com árvores e plantas para todos os lados e
estacionou. Com um sorriso nos lábios,
pegou o celular da minha mão e jogou na
minha bolsa, antes de jogá-la no banco de
trás.
— Você não vai precisar dela, aliás, vai te
atrapalhar.
Eu observei um carro chegar naquele
estacionamento, com várias pessoas em
cima, como se fosse uma excursão. Seja lá o
que tivesse subindo por este caminho, muitas
pessoas estavam querendo também.
Descemos do carro e caminhamos, assim
que terminamos de subir a pé na trilha e as
árvores me deixaram ver o céu acima de
minha cabeça, eu sorri para as imagens que
apareciam. Havia pessoas passando sobre
nossa cabeça de asa-delta, outras de
parapente ou paraquedas. Eu adorava essas
coisas e sempre quis ir. Acredito que lá em
cima deve ser um morro alto, que a gente
pode ver melhor todo o Rio e as pessoas
saltando. A expectativa de ver logo aquilo,
fez com que eu acelerasse o passo e subisse
o caminho mais rápido. Marcelo ao meu
lado apenas ria, olhando para mim, mas toda
vez que eu perguntava o que tinha lá em
cima, ele se negava a responder.
Quando chegamos ao topo do morro, me
arrependi. Eu vi várias pessoas ali,
instrutores, alunos, e no mesmo instante uma
mulher corria com seu instrutor e se jogava
no ar. Minhas pernas travaram. Ele tinha me
levado para saltar? Comecei a recuar,
andando para trás, até que bati contra seu
peito.
— Vamos lá, quero te apresentar para meu
instrutor — falou Marcelo atrás de mim,
segurando em meus braços e me empurrando
para frente.
— Você está doido? Eu não vou saltar.
— Você me disse que tinha vontade.
— Eu comentei que achava divertido, e
que um dia eu saltaria.
— Então, esta é a chance.
Virei-me para ele, apoiando as mãos
sobre seu peito e parando-o. Eu percebia
agora que ele estava apenas de shorts e
camisa, que ele tinha o corpo definido. Os
músculos bem firmes sobre minhas mãos era
algo que havia chamado minha atenção, e
tentei não deixar isso me distrair. Talvez um
pouco.
— Isso não é uma coisa que a gente
simplesmente decide de uma hora para outra,
eu não estou preparada psicologicamente pra
isso. — Minha voz saia tremula. — Essas
coisas a gente tem que pensar com calma,
tomar coragem, não é só por a roupa e se
jogar.
Ele olhava pra mim, ainda com aquele
sorriso no rosto. Agora eu odiava aquele
sorriso confiante.
— Quanto mais você pensa menos você
tem coragem. Eu demorei meses pensando
até finalmente vir aqui saltar a primeira vez.
— Há quanto tempo você salta?
— Já tem quatro anos. — Eu acenei com a
cabeça concordando, mas minha boca de
repente ficou seca, quando percebi a
realidade da situação. Ele esfregava as mãos
pelo braço, um gesto simples e ao mesmo
tempo íntimo, mas que me acalmou naquele
momento. — Fique tranquila, eu jamais te
colocaria nesta situação se não confiasse no
Lipe.
Mais uma vez eu concordei com a cabeça
e deixei que sua mão nas minhas costas me
orientasse o caminho. Na verdade, sua mão
estava me empurrando para frente, a cada
vez que meus pés travavam e queriam ir para
trás. Nós nos aproximamos de um grupo de
pessoas e rapidamente um homem veio ao
nosso alcance, estendendo a mão para
Marcelo. Ele tirou a mão de minhas costas
para cumprimentar o homem, e
instantaneamente senti falta daquele calor em
minha pele me dando força, então eu
comecei a ir para trás.
— E aí cara, já faz quase duas semanas
que não te vejo — falou o homem cheio de
equipamento pelo corpo. Ele era alto,
moreno, devia ter uns quarenta anos, pois o
rosto já tinha algumas rugas e a cabeça
alguns fios grisalhos.
— Pois é, semana corrida. Mas, nós
viemos saltar, não é Luísa? — perguntou
Marcelo, procurando por mim ao seu lado,
mas eu já estava a uns cinco passos para
trás. Quando me encontrou ele riu,
balançando a cabeça, e então deu um passo
em minha direção, esticando a mão. — Volta
aqui, deixa eu te apresentar meu instrutor.
— Estou bem aqui, obrigada — respondi
dando mais alguns passos para trás. — Você
deve ser o Lipe, né? Prazer em te conhecer.
— Sim, eu sou — Lipe respondeu um
pouco mais alto para que eu pudesse ouvi-
lo. — É a primeira vez que vai saltar?
Eu travei. Minhas mãos suaram frias e
olhei para o Marcelo, que ainda sorria.
Maldito sorriso. Ele deu mais um passo em
minha direção, mas antes que pudesse me
alcançar eu virei de costas e sai correndo.
Eu não saltaria, ele não iria me obrigar.
Quando finalmente pensei que tinha
conseguido minha liberdade, ele me
alcançou, passando os braços sobre minha
cintura e me levantando.
— Não, não, não — eu repetia enquanto
tentava me desvincular de seu aperto. —
Você não pode me obrigar, eu não vou saltar,
acho isso tudo muito lindo, mas é para
pessoas corajosas, e eu não sou. Eu sou
medrosa, Marcelo. Eu não sou corajosa...
Ele me colocou no chão e me virou para
ele, segurando meu rosto em suas mãos.
— Respira, e se acalma — ele pediu.
Suas mãos continuaram em meu rosto quando
ele começou a respirar fundo para que eu o
acompanhasse, e aos poucos fui me
acalmando. — Melhorou? — Eu confirmei
com a cabeça, mas não consegui responder,
minha boca ainda estava seca. — Vamos
fazer o seguinte, eu te apresento para o Lipe,
ele te explica como funciona, você vê como
é daqui de cima e assiste algumas pessoas
saltarem. Sem compromisso nenhum. Se
depois disso você ainda não quiser, ao
menos saberá como é, e poderemos voltar
outro dia. Pode ser?
Eu concordei com a cabeça aliviada. Ele
riu e passou o braço sobre meu ombro,
voltando ao encontro de seu instrutor. Lipe
era realmente uma pessoa muito paciente e
engraçada. Brincou com o fato de eu ter
saído correndo e parecer mais branca que
um papel, mas depois me explicou que
muitas pessoas chegam aqui em cima e
desistem de pular. Ele me mostrou todos os
equipamentos, me levou para ver um casal
que estava saltando, e a vista lá de cima. Era
realmente impressionante, e seria ainda mais
lá do ar, eu sabia disso. O tempo todo
Marcelo manteve seu braço sobre meus
ombros, e eu me senti um pouco mais
confortável.
— E então? — Marcelo perguntou.
Eu soltei um suspiro pesado e apoiei a
cabeça em seu peito.
— É tudo muito legal, e dá para ver que é
seguro, na medida do possível, mas eu não
tenho coragem de ir. Eu não sou tão corajosa
assim, desculpa.
Ele beijou o alto da minha cabeça e se
virou para Lipe.
— Nós não vamos saltar hoje, desculpa
cara.
Lipe concordou e descemos novamente a
trilha em direção ao seu carro.
— Só para constar, eu não acho que você
seja medrosa, Luísa, só acho que precisa ser
um pouco mais espontânea.
Nós passeamos pela praia, ele me mostrou
onde gostava de correr todas as manhãs, me
apresentou à senhora da barraca que ele
comprava água de coco depois da corrida,
que mesmo sendo de idade babava por ele e
elogiava seu cliente fiel de todos os dias.
Quando finalmente escureceu ele me levou
para jantar em uma lanchonete à beira mar, e
era lindo ver a praia apenas pelas luzes da
noite. Quando pensei que daríamos outro
passeio, ele parou em frente a um hotel. O
dia passou tão rápido que eu não havia
reparado que já passavam das dez horas da
noite. Ele desceu pegando minhas malas e eu
o acompanhei até o balcão.
— A reserva feita no nome de Luísa
Castelli, por favor — ele informava ao
moço atrás do balcão.
— Quarto 402, senhor.
Marcelo me acompanhou até a porta do
quarto e deixou minha mala ao chão.
— Bom, esta é minha deixa — Marcelo
disse, se aproximando e beijando meu rosto.
— Boa noite, Luísa, qualquer coisa que
precisar é só me ligar.
Ele piscou para mim e se afastou, indo
para o elevador.
— Marcelo? — chamei quando as portas
do elevador abriram. Ele se virou para me
ver, com um brilho nos olhos. — Eu adorei o
dia de hoje, obrigada. E desculpa não ter
tido coragem de saltar.
— Fica para a próxima — respondeu ele
entrando no elevador. Seus olhos ficaram
presos aos meus até que as portas se
fecharam.
Tomei um banho e coloquei pijamas, e só
quando me deitei que peguei meu celular.
Havia quatro ligações perdidas do Vini, uma
da minha mãe, e meu WhatsApp estava cheio
de mensagens. O grupo SMD tinha mais de
200, e eu fiquei com preguiça de ler todas
elas. Eu mandei mensagem para a minha
mãe, e quando liguei para o Vini, ele não
atendeu, então também mandei uma
mensagem. Uma janelinha em particular no
WhatsApp chamou minha atenção.
Enviada às 09h36.
Marcelo: Oi, Luísa, Já estou no aeroporto
te esperando. Quando aterrissar me ligue que
vou te encontrar.
Enviada às 23h45
Marcelo: Eu concordo com você, o dia de
hoje foi realmente bom, obrigado pela
companhia. E eu acredito que você é muito
corajosa, só não sabe disso ainda. Então
quando descobrir me avise, que quero ser eu
a te levar para saltar. Tenha lindos sonhos,
até amanhã.
E foi o que eu fiz, dormi sonhando com o
dia maravilhoso que eu tive.
Marcelo
Eu estava entrando no hotel de Luísa,
quando a Carla finalmente me atendeu.
— Eu espero que você tenha um ótimo
motivo para me acordar essa hora.
— Bom dia, loira mais linda da minha
vida.
Ela começou a rir e então soltou um
gemido abafado, como se tivesse enfiado o
rosto em um travesseiro.
— O que foi que você aprontou? —
perguntou ela. — Você está me ligando antes
das dez da manhã, de um sábado, e você está
tentando me comprar com palavras bonitas.
Vamos, fale.
Ela me conhecia tão bem. Eu tinha sorte
de ter ela e Adriana como amigas.
— Eu não aprontei nada, não se preocupe.
Mas, me responda uma coisa, você pode
mudar as passagens da Luísa pra amanhã,
não pode?
Eu passei mais tempo do que devia antes
de dormir, pensando no dia que tivemos. Eu
não queria que acabasse tão cedo. Eu
gostaria de ter mais um dia com ela, só mais
um dia. Carla ficou em silêncio por um
tempo, depois ouvi barulho de lençóis se
mexendo, eu devo ter acordado ela neste
momento. Ela faria perguntas,
provavelmente contaria para a Adriana.
Droga, péssima ideia.
— Deixa eu ver se eu entendi — ela
começou depois de um longo tempo. — Você
quer que eu mude as passagens da Luísa?
Por qual motivo?
Porque eu quero passar mais um dia com
ela. Não, eu não poderia responder isso.
Surgiria um interrogatório sem fim, dela e de
todos lá em Curitiba. Sem contar que isso
era errado de muitas maneiras. Ela namora.
Aceite isso, Marcelo.
— Por nada — respondi derrotado. —
Era só para o caso de precisar ver uma coisa
aqui daquele processo, mas acabei de
receber um e-mail do Pedro que ele já
resolveu, não será necessário.
— Você tem certeza? Por que será que eu
não estou convencida disso? — perguntou
ela. Droga! Definitivamente péssima ideia
envolvê-la. — Marcelo, o que você está
tramando com a Luísa aí?
— Não estou tramando, já te falei.
— Então deixo as passagens dela pra esta
tarde mesmo?
— Sim, deixa como está.
— Tudo bem, então, agora vou voltar a
dormir.
— Desculpa te acordar, vá dormir, Ca.
Eu desliguei o telefone e me aproximei do
balcão. Se eu só tinha esta manhã, eu iria
aproveitá-la.
— Por favor, poderia avisar a Luísa do
quarto 402 que eu estou aqui?
— Ela está no restaurante, senhor —
respondeu a moça atrás do balcão. — Ela
desceu há pouco tempo perguntando onde
estavam servindo o café da manhã.
Agradeci e fui até o restaurante. Eu
conhecia o hotel, tínhamos várias reuniões
importantes aqui, e era onde nossos clientes
sempre ficavam hospedados quando
precisavam vir ao Rio. Sem contar que tinha
passe-livre aqui dentro, eu e os advogados
da SMD, já que trabalhávamos para os
donos desta franquia de hotelaria. Os sócios
da V.D.A. eram um dos nossos melhores
clientes. Eu entrei no restaurante e a
encontrei, ela estava sentada em uma mesa,
sozinha, colocando os frios dentro de seu
lanche. Deu atenção ao celular que estava na
mesa, digitou alguma coisa com seu dedinho,
e voltou a montar seu lanche. Ela sequer se
dava ao trabalho de olhar para qualquer
coisa que não fosse seu lanche e seu celular,
razão pelo qual eu estava praticamente na
sua frente e ela ainda não tinha me visto. Fui
até as mesas do centro e me servi de café
preto, puxei a cadeira à sua frente e sentei
em sua mesa. Quando ela percebeu a
movimentação na mesa levantou o rosto e
sorriu ao me reconhecer. Aquele sorriso, tão
doce e encantador.
— Bom dia — eu disse pegando um
saquinho de açúcar.
— Bom dia. Eu não sabia que viria, se
tivesse me avisado eu teria te esperado.
— Imagina, não precisava. Até porque eu
já tomei café da manhã, acordo cedo para
correr, lembra? A não ser que você quisesse
ir correr comigo de manhã.
Ela negou com a cabeça rindo.
— Não, obrigada, por esta eu passo.
Percebi que ela havia parado de comer
seu lanche, então roubei uma bolacha que
havia em seu prato.
— Vamos, coma, eu te acompanho. — Ela
voltou a sorrir e deu um gole em sua xícara.
— Você poderia ter pedido serviço de
quarto, sabe disso né?
— Não gosto de comer sozinha, então
achei que seria melhor se viesse aqui, ao
menos tem pessoas nas outras mesas.
— É verdade, você toma café da manhã
com seu vizinho, como é o nome dele
mesmo? Rafael, né?
Adocei um pouco meu café e então dei um
gole, experimentando, eu gostava dele forte.
— Isso, e você, como é seu café da
manhã? — perguntou ela mordendo seu
lanche.
— Nada de especial, eu vou de manhã à
panificadora, pois não resisto a um pão
quentinho logo cedo, vou correr e depois
para o escritório.
Ela continuou mastigando e deu um gole
da sua xícara, mas parecia pensativa, olhava
para mim como se tentasse entender alguma
coisa.
— O que foi? — perguntei.
— Hã? Nada.
Ela desviou o olhar para a tela do seu
celular que iluminou sobre a mesa.
— Pode responder se quiser, eu não ligo.
Ela rapidamente bloqueou o celular e
virou a tela para baixo.
— Não, é rude mexer no celular quando
está acompanhada. — Eu ri e roubei mais
uma bolacha de seu prato. — Assim como é
rude roubar comida dos outros, sabe? Luísa
doesn't share food — ela me repreendeu,
mas quando levantei da mesa ela se
assustou. — Eu estava brincando, volta aqui.
Quando retornei à mesa, meu prato estava
cheio das bolachinhas dela, cueca virada e
enroladinhos de coco com massa folhada.
— Pronto, Luísa Tribbiani, tenho um
estoque só para mim — eu informei me
sentando.
Ela olhou para meu prato e depois para
mim.
— Você reconheceu a referência.
— É claro que eu iria reconhecer, Friends
é o melhor seriado de todos os tempos.
Seus olhos brilharam com esta
informação.
— Mais uma coisa que temos em comum.
Continuamos sentados no restaurante por
quase uma hora, meu café ficou até frio, pois
mais conversávamos do que nos
lembrávamos de comer. Ela roubou os
enroladinhos do meu prato e pouco depois
estávamos um experimentando a comida do
prato do outro, indicando o que mais gostava
de manhã e o que deveríamos provar.
— Você sabe quanto tempo demora pra ir
de táxi daqui até o aeroporto? Eu não sei se
estou perto ou estou longe.
— Para que você quer táxi? — perguntei
confuso. — Eu vou te levar ao aeroporto.
— Você não está ocupado? Eu posso me
virar, não se preocupe, você já ficou o dia
todo à minha disposição ontem, deve ter
suas coisas para fazer hoje.
Coloquei a mão no coração e fiz cara de
ofendido.
— Você está me dispensando?
— É claro que não, eu só não quero
atrapalhar seu final de semana, você poderia
ter feito planos.
— Nada importante. — Mesmo se eu
tivesse planos, eu teria cancelado. Segurei
este pensamento e dei de ombros.
— Então, o que faremos até a hora do
voo? — perguntou ela animada. Eu sorri.
Ela pareceu ter ficado feliz que não ficaria
sozinha pelas próximas horas.
— Nós podemos ir às feirinhas, passear
pela praia, até que dê a hora de você ir, o
que acha? Você pode deixar sua mala no meu
carro já, assim não precisamos voltar aqui.
Ela concordou e se levantou da mesa
rapidamente, me puxando pelo braço até o
elevador, e eu me segurei para não rir. Ela
pegou umas roupas na mala e foi tomar um
banho. Quando saiu, eu estava deitado em
sua cama, folheando o livro de sua
cabeceira.
— Este livro é bom? — perguntei
enquanto fingia lê-lo, mas estava prestando
mais atenção nela guardando suas coisas em
sua mala, do que nas folhas do livro.
— Eu o adoro, o casal é aquele típico tipo
que você odeia e ama ao mesmo tempo —
ela contava. Pouco depois ela fechou a mala
e subiu na cama, se ajoelhando ao meu lado,
com um sorriso largo nos lábios. — A
história começa com ela indo a uma luta dele
porque ele é todo bad boy, e a faculdade tem
essas apostas de lutas clandestinas, e aí ele
fica instantaneamente encantado por ela. Daí
ela acaba tendo que passar um tempo na casa
dele, porque o alojamento da faculdade dela
fica sem água quente, mas aí ele consegue
fazer uma aposta com ela para ela passar um
mês na casa dele, e eles começam a se
apaixonar. — Seus olhos brilharam enquanto
ela me contava, e ela falava cada vez mais
empolgada. Eu deitei o livro na minha
barriga e apoiei uma mão atrás da minha
cabeça, prestando atenção em cada palavra.
— Mas, o começo é conturbado, porque ela
sai com outro cara e ele começa a perceber
que está se apaixonando por ela. Ele faz
muita cagada por conta de ciúme, mas ao
mesmo tempo ele é muito lindo com ela. O
amor deles vai nascendo aos poucos e eles
são loucos e fofos ao mesmo tempo, eu
simplesmente amo. E ele é todo cheio de
tatuagens, e tem uma moto, e todo marrento e
dono de si, daqueles que você tem vontade
de bater de raiva e beijar depois. Eu amo
estas histórias em que eles são apaixonados,
e uma hora estão se odiando e brigando, e
depois estão se amando e se declarando.
Ela soltou um suspiro pesado e pegou o
livro o abraçando. Eu achei graça da
situação, mas de um jeito fofo, ela era
realmente apaixonada por aquela história.
— Quantas vezes você já leu este livro?
— Pelo menos umas cinco vezes —
admitiu ela.
— Este é seu tipo? Os bad boys
motoqueiros, tatuados, marrentos e cheios de
si?
— Definitivamente.
— E só nos livros?
— O que você quer dizer? — ela
perguntou confusa.
— Este é o tipo de coisa que gosta de ler,
ou seu namorado é cheio de tatuagens?
Ela começou a rir e se levantou da cama.
— O Vini está mais para aqueles
certinhos. Ele seria o cara que a mocinha
conheceria na biblioteca e ensinaria ela a
estudar, não o bad boy que ela trombaria em
um bar.
Eu gostei de saber daquilo. Talvez isso
não significasse nada, mas gostava de saber
que ele não era como os caras que ela
gostava de ler. Talvez eu também não fosse,
mas eu poderia. Talvez ela só precisasse
disso, um pouco de tumulto e confusão na
sua vida certinha. Talvez isso seja
exatamente o que ela está procurando,
alguém que transforme sua vida em drama
como o dos livros, em que ela tenha esse
conflito de amor e ódio. Eu poderia fazer
isso.
Quando saímos do hotel, eu a levei para
as feirinhas de artesanato. Ela adorou todas
as coisas, queria comprar quase todos os
quadros pintados que via, e deixava dinheiro
para quase todas as pessoas que tocavam
por ali. Almoçamos naquelas barraquinhas
de comida que havia na feira, e depois
fomos a um buffet de sorvete à beira mar. Eu
adorava como ela estava, nada de
maquiagem, o cabelo preso em um rabo de
cavalo e alguns fios soltos, tão natural e tão
linda. Mas principalmente, adorava o
sorriso dela quando me contava algo que ela
era apaixonada.
— E então, onde irá passar o carnaval? —
perguntei a ela quando nos sentamos à mesa
da sorveteria.
— Provavelmente vamos para Balneário
Camboriú, os pais do Rafa tem casa lá e nós
vamos todos os anos.
— Nós quem?
Vai que em uma dessas o tal namorado não
ia. Se bem que carnaval era normalmente
uma época perigosa para se passar
separado, eu bem sabia disso por
experiência própria.
— Eu, o Rafa e a Carol. Mas nos últimos
três anos o Vini foi com a gente, e os amigos
dele também. E você?
— Ainda estou decidindo, eu passo
normalmente aqui ou em Balneário, o vovô
tem casa lá, então acabamos indo todo
mundo também.
Ela levantou o rosto para me olhar,
desviando a atenção de seu sorvete.
— Sério? — ela perguntou empolgada.
— Sim, o vovô e o Enzo compraram casa
lá, éramos vizinhos. Depois acabaram
juntando os dois terrenos, e mudaram toda a
construção. Eu, o Biel, o Lui e o Teo
passávamos todas as nossas férias lá,
aprendemos a nadar e a surfar naquela praia
— contei a ela. Eu amava as lembranças
boas que tinha naquela cidade. — Foram
bons tempos.
Quando levei a colher à boca e voltei
minha atenção a ela, seus olhos estavam me
estudando. Ela parecia pensativa, como se
tivesse tentando adivinhar alguma coisa. Era
a segunda vez que ela me olhava assim, e era
meio intimidante que ela me analisasse desta
forma.
— O que foi? — perguntei.
— Eu fico imaginando como devem ter
sido terríveis na adolescência — ela disse
rindo, e então encheu a boca com uma colher
de sorvete. — Quer dizer, vamos ser
honestos, vocês são todos lindos e...
— Você me acha lindo? — eu a
interrompi.
Ela me olhou com os olhos semicerrados,
tentando segurar o riso.
— Digamos que você não é mau para os
olhos — respondeu ela dando de ombros,
desviando a atenção para seu sorvete. —
Vocês são lindos, educados e simpáticos,
devem ter aprontado muito.
E ela não imaginava o quanto. Meu celular
tocou, e pedi a ela um minuto para atender
quando no nome do Lucas apareceu na tela.
— E aí, parceiro.
— Você me deixa ir ao cinema com o
Igor? — perguntou Lucas.
— Igor o seu vizinho?
— É.
Ele estava me ligando para pedir
permissão pra ir ao cinema? Alguma coisa
estava errada.
— O que a Letícia disse, Lucas?
— Que ela não podia me levar, mas o
irmão do Igor vai levar a gente.
— Quantos anos tem o irmão do Igor?
— Quinze.
— Lucas, o irmão do Igor é outra criança,
ele não pode levar vocês ao cinema. Se
nenhum adulto irá, então você não vai.
— Mas, eu não tenho culpa que eu não
tenho quem me leve ao cinema, o Igor vai
com o irmão dele e eu não tenho ninguém
para me levar. Vocês são um saco, um longe
e uma que não liga pra mim. Eu quero ir!
Era difícil ignorar algumas coisas. Por
mais que eu estivesse longe, e sabia que ele
era uma criança e que não sabia o peso das
palavras, isso machucava.
— Lucas, a Letícia disse que não e eu
concordo com ela.
— Eu odeio vocês — ele gritou e
desligou na minha cara.
Joguei a colher dentro do meu pote de
sorvete e fechei os olhos respirando fundo.
Senti um calor sobre minha pele quando
Luísa apertou minhas mãos.
— Marcelo, está tudo bem? Aconteceu
alguma coisa?
Abri meus olhos para ver seu rosto
preocupado, uma ruga no meio da testa não
era algo que eu queria ver nela. Respirei
fundo mais uma vez me acalmando e acenei
com a cabeça.
— Está tudo bem. Já está na hora de irmos
para o aeroporto desembarcar suas malas, já
terminou o seu sorvete?
Ela acenou com a cabeça e se levantou da
mesa indo para o carro. Eu queria poder
contar tudo a ela, sobre minha família e
principalmente sobre o Lucas. Mas, este
ainda era um assunto que eu não me sentia
confortável para conversar. Não que eu
tivesse vergonha dele, ele era motivo de
orgulho, eu só não queria que pensasse que
eu era um monstro por abandoná-lo, justo
quando fiz uma promessa de cuidar dele.
Despachamos sua mala e fomos até o portão
de desembarque. Nós andávamos devagar,
como se tivéssemos prolongando sua ida.
Era estranho me despedir dela.
— Esta é minha deixa, de novo — eu
disse quando paramos.
Ela concordou com a cabeça e olhou para
sua bolsa.
— Documentos nas mãos e bolsa fechada,
se eu não encontrar nenhum velho idiota lá
dentro acho que estarei salva.
Eu ri de seu comentário, por ela se
lembrar do nosso primeiro encontro, neste
mesmo aeroporto.
— Exatamente, senhorita encrenqueira,
não vá arrumar confusão lá dentro que eu
não estarei lá para te proteger.
Ela piscou os olhos para mim com um
sorriso inocente. Se eu não a conhecesse
melhor agora, acreditaria naqueles doces
olhos escuros.
— Eu sou um anjo, jamais brigaria.
Ao fundo ouvimos a última chamada para
o seu voo, e ela fixou os olhos nos meus, seu
sorriso murchando aos poucos.
Provavelmente o meu também se desfez. Ela
me surpreendeu, se aproximando e jogando
os braços em volta do meu pescoço. Ela
ficou na ponta dos pés para me alcançar, e
eu passei meus braços em volta do seu corpo
pequeno e a levantei, apertando-a contra
mim. Seus lábios me beijaram na bochecha
por um breve momento antes de eu abaixá-la
no chão. Mantive meus olhos nela por todo o
trajeto, e depois de passar pelos detectores
de metal ela se virou para me olhar e acenou
com as mãos. Eu retribui e a perdi de vista.
Entrando no carro meu celular apitou.
Luísa: Obrigada pela companhia nesta
viagem, significou muito para mim.
— É, para mim também — confessei em
um sussurro quando liguei o carro.
O vento que vinha do lado direito do
carro não trazia mais seu cheiro, e era
estranho como com apenas um dia eu já
estava acostumado a ele. Droga. O que
aconteceu comigo?
Capítulo 13

Luísa
Estávamos sentados à mesa do
restaurante, em uma quarta-feira normal,
dias após o meu retorno do Rio.
Aparentemente, tudo estava igual semana
passada, mas por algum motivo, eu não
conseguia achar mais isso. Quando cheguei
no sábado à noite, Vini estava lá para me
buscar, exatamente como há pouco mais de
um mês, só que desta vez nosso encontro foi
diferente. Eu não corri diretamente para ele,
eu trombei, já que estava mexendo no meu
celular respondendo a mensagem do
Marcelo. Desde a viagem, conversávamos
quase que a todo o momento. Enviávamos
mensagens de bom dia e até mesmo
combinamos de ver juntos a um filme no
Netflix no domingo à noite, quando o Vini
foi embora do meu apartamento. Meu celular
vibrou na mesa com uma mensagem do
WhatsApp, chamando minha atenção.

Vinicius: Lu, posso te buscar hoje no


trabalho? Quero te levar a um lugar.

Luísa: Claro, eu vou sair às 18h, eu aviso o


Rafa. Aonde vamos?

Vinicius: O.k., estarei te esperando. É uma


surpresa.

Luísa: Até mais tarde, então.

Quando estava me preparando para


bloquear a tela do meu celular, outra
mensagem chegou.

Marcelo: Ei pequena estou indo para a


audiência e escuta só o que estava tocando no
rádio agora.

Apertei o play do áudio que ele me


enviou, e aproximei o celular da minha
orelha. Best day of my life começou a tocar,
e um sorriso se abriu em meus lábios. Ele se
lembrava.

Luísa: A primeira música que cantamos no


seu carro, adorei. Boa sorte lá na audiência. (:

Marcelo: Sim, a primeira música da nossa


playlist, vamos montando aos poucos. Obrigado.
(;

Eu gostei de saber que tínhamos uma


playlist própria.
— Do que você está rindo? — perguntou
Carol ao meu lado.
Bloqueei a tela do meu celular e coloquei
no colo, voltando minha atenção para a
mesa. Todos estavam sentados saboreando
as sobremesas antes de voltarmos para o
escritório. Carol estava com Biel ao seu
lado. Adriana estava na outra ponta
conversando animadamente com o Fernando.
Matteo estava ao telefone anotando alguma
coisa em sua agenda e mostrando para seu
avô. Rafa estava na minha frente com Carla
ao seu lado, e ambos mantinham o mesmo
olhar interrogatório que Carol.
— Era só uma mensagem do Marcelo, me
mostrando uma música.
Carla abriu um largo sorriso para mim,
que eu não entendi.
— Você ainda não me contou da sua
viagem, poderíamos jantar hoje lá na sua
casa — ofereceu Rafa.
— Não vou poder hoje, o Vini virá me
buscar para gente ir a algum lugar, então
você vai pra casa sozinho hoje, tá?
Ele virou para o lado e olhou para Carla.
— Ela acabou de me dispensar, então o
que acha de irmos assistir aquele filme no
cinema que você comentou na semana
passada?
Carla confirmou com a cabeça enquanto
terminava sua sobremesa.
— Vamos assistir, e podemos aproveitar e
comer pizza que estou morrendo de vontade.
— Posso ir também? — perguntou Carol.
— Claro, vamos todos. O que vocês
acham? — perguntou Carla um pouco mais
alto para que todos na mesa a ouvissem. —
Vamos comer pizza e depois ao cinema.
Adriana e Matteo foram os primeiros a
confirmarem, Biel concordou quando viu
que a Carol também ia.
— Poxa, só porque hoje eu não posso ir
vocês decidiram sair — reclamei.
Biel passou ao meu lado quando
levantamos da mesa e piscou.
— Quem mandou você namorar.
— Olha só quem fala.
Ele deu de ombros e voltamos ao
escritório. Era quase fim da tarde, e eu já
havia feito relatório de quase todos os
processos da minha mesa, quando meu
celular apitou. Era uma mensagem de
printscream do Instagram do Marcelo, com
uma foto de alguém descendo na praia de
parapente. Aproveitei para ver o nome do
seu usuário e comecei a segui-lo, vendo
todas as suas fotos. A maioria era dele
sozinho, apareceram algumas com o pessoal
do escritório, umas com seu avô e o Biel,
mas o que mais me surpreendeu era que
havia muitas fotos dele com um garotinho
loiro. Eu me lembrava do seu jeito fofo e
educado quando trombou comigo lá no
shopping. Abri uma imagem que ele estava
segurando o garotinho no colo com um troféu
nas mãos, e li a legenda.
Marcelo: Eu e meu campeão.
Abaixei para ler os comentários.
@Neiva: O Lucas está cada dia mais lindo.
@Lucia: Que lindos juntos.
@Carla: #golucas
O que será que eles eram? Abri a próxima
imagem, do mesmo dia. O Lucas estava no
colo de uma mulher, parecida com ele, loira
de olhos claros, e o Marcelo a abraçava.

Marcelo: No campeonato do Lucas com a


Letícia.
Os comentários nas imagens me deixaram
ainda mais confusa.
@Maria: Como o Lucas está grande.
@Lucia: Família linda.
@William: Parabéns pela família cara.
@Marta: O Lucas está cada vez mais parecido
com a Lê, parabéns a vocês.
@Tatiana: Que saudade de vocês, manda um
beijo pra Lê.
@Sofia: Adoro ver vocês juntos, sua família é
tão linda Marcelo.
@Carina: Eu vi o Lucas essa semana, sempre
muito educado, vocês estão criando ele muito
bem.

Família? Ele era pai? E quem era aquela?


Eles tinham um filho juntos? Eu ainda estava
com muitas perguntas na minha cabeça,
quando uma movimentação na sala me
chamou atenção. Quase como se fosse um
pedido para as respostas, Letícia entrou no
escritório. Ela foi até a mesa do Biel, que
rapidamente levantou para cumprimentá-la.
Eles se abraçaram, e ela acenou para os
outros.
— Oi, gente, não vou poder ficar aqui
conversando muito que tenho hora marcada
com o médico do Lucas — anunciou ela. —
Só passei rapidinho que tenho que assinar
uns documentos para agilizar a papelada do
meu casamento para o Enzo e já estou
saindo.
Ela acenou andando para trás, até que seus
olhos me encontraram e ela sorriu.
— Você é nova, deve ser a Luísa.
Pensei no que responder, mas nenhuma
frase parecia certa. “Sim, muito prazer,
Letícia.” e ai como explicaria que estava
descobrindo sobre ela há cinco minutos
stalkeando o Instagram do Marcelo? Ou
então já poderia ser cara de pau e perguntar
“Sim, sou a Luísa. E você quem é? A mãe do
filho do Marcelo?”. Fiquei em silêncio, sem
saber o que falar e apenas concordei com a
cabeça.
— Ouvi falar muito de você, eu sou a
Letícia — ela se apresentou. — Seja bem-
vinda aqui no escritório.
— Obrigada — consegui responder.
— Os Ilustríssimos Dr. Schmidt e Dr.
Martinelli são só elogios para a assistente
nova deles. — Ela se afastou, indo para o
corredor às salas dos chefes. — Até depois,
gente, beijo.
Eu disse que era um pedido para
respostas? Não tive resposta nenhuma,
apenas que tinha mesmo uma conexão dela
com Marcelo e Lucas, que eu não sabia
identificar. E o Marcelo nunca a mencionou,
nem mesmo o garoto. Será que ele tinha
vergonha de admitir que tinha um filho tão
novo? Será que ele e a Letícia ainda tinham
alguma relação? Pelo que entendi o garoto
vivia aqui com ela, e ele lá. Ela veio assinar
documentos para o casamento, talvez este
fosse o motivo que o Marcelo foi embora,
ela se casaria com outro agora. Eu me
coçava para perguntar a eles qual a conexão
de tudo isso, mas me segurei. Assim que sai
do prédio, Vinicius me esperava encostado
ao seu carro. Ele sorriu ao me ver e veio ao
meu encontro.
— Preparada para hoje?
— Preparada para o que, exatamente?
Ele abriu a porta do passageiro para mim
e eu entrei, esperando que ele se instalasse
no banco do motorista.
— Hoje nós estamos comemorando —
disse ele colocando o carro em movimento.
— Mas, vou te contar todos os detalhes lá no
restaurante.
Apenas concordei e liguei o rádio. It's
Time de Imagine Dragons começou a tocar, e
me lembrei da viagem ao Rio, onde eu e
Marcelo cantávamos todas as músicas deles
no carro. Eu comecei a cantar em voz alta,
como sempre fazia quando ouvia uma
música que eu gostava. Virei para o lado e
Vinicius ria para mim, mas ele não cantava,
por mais que eu o incentivasse. Quando
chegamos ao restaurante, um garçom nos
conduziu a uma mesa reservada em um dos
cantos. Vinicius puxou a cadeira e eu me
sentei, ele fez o pedido de um vinho e se
sentou à minha frente.
— Nossa, agora estou realmente curiosa.
Ele esticou as mãos sobre a mesa,
buscando pelas minhas. Seus olhos me
analisaram por um momento, e um largo
sorriso se abriu em seus lábios. Seja o que
for, esperava que aquele sorriso em seus
lábios fosse uma notícia boa.
— Lembra quando você disse que tinha
vontade de passar o carnaval em algum lugar
do Nordeste? — perguntou ele. Estranhei a
pergunta, mas confirmei. — O que acha de
irmos passar o carnaval em Pernambuco?
— Eu adoraria. Mas o que exatamente
você está propondo? Faltam apenas duas
semanas, não dá pra programar uma viagem
dessas de última hora.
— Não temos que programar nada. Eu fui
convidado a ir a Recife uma semana antes
carnaval, para que pudéssemos conhecer as
instalações de um projeto da empresa lá, e
achei que seria uma boa oportunidade para
que você fosse comigo. Assim, poderíamos
estender a viagem e aproveitar o carnaval lá.
O que você acha?
— É claro que eu quero — respondi
animada. — Mas eu preciso ver quando
serei liberada lá no escritório. Não acho que
consigo ir uma semana antes, mas posso ir
na sexta, e nós aproveitaríamos o carnaval.
— Claro, eu estarei lá te esperando.
Confirme quando poderá ir e eu já vou
reservar suas passagens. Vamos começar a
realizar nossos planos este ano.
Seus olhos brilharam com esta
informação, e eu não soube identificar a que
ele se referia. Estávamos melhorando a cada
dia, e eu estava feliz com as mudanças.
Sejam quais fossem os planos que ele traçou
para este ano, eu torcia por ele. Eu sempre
torceria por ele. A paz e a tranquilidade que
Vinicius me transmitia, sempre me faria
desejar o melhor para ele. Ele merecia.
Marcelo
Sexta-feira já tinha chegado mais rápido
do que eu previa, e pela primeira vez eu
estava empolgado em chegar a Curitiba.
Letícia tinha me ligado na quarta-feira
avisando que o Lucas estava doente e que ia
levá-lo ao pediatra. Eu já estava com
saudade do meu garoto, então aproveitei
para vir vê-lo. Meu celular apitou com uma
mensagem assim que desembarquei.
Biel: As meninas estão aí no aeroporto te
esperando, te vejo daqui a pouco.
Eu não entendi aquela mensagem, de que
meninas ele estaria se referindo? Era para
ele me buscar. Eu estava respondendo a
mensagem do meu primo quando Adriana
pulou no meu pescoço.
— Você chegou! — ela gritou.
— O que você está fazendo aqui?
— É que o Alan e o Vinicius foram para
Recife, então eu e a Luísa viemos para trazê-
los e nos despedir.
— Quem são Alan e Vinicius? —
perguntei. Eu não estava entendendo mais
nada.
As bochechas da Adri coraram, ela se
desprendeu do meu abraço e cruzou os
braços sobre o peito.
— Vinicius é o namorado da Luísa, e o
Alan... — ela começou, com a voz estava
trêmula. — Bom, o Alan é alguém que você
precisa conhecer.
Eu ia questioná-la sobre o envolvimento
de tudo aquilo, quando a Luísa apareceu na
minha frente. Seu sorriso ao me ver se abriu
ainda mais, e eu tenho certeza que o meu
também.
— Você chegou — disse ela, se
aproximando. Eu a abracei e inalei aquele
perfume, tão doce e tão dela, que eu já
estava quase esquecendo. — Estávamos te
esperando.
— Pois é, eu recebi uma mensagem agora
do Biel falando que “as meninas estão te
esperando” e eu não entendi. Vocês
poderiam ter me avisado.
— É que foi por acaso — Adriana
comentou. — A Luísa estava nos avisando
que ia precisar sair mais cedo pra trazer o
namorado ao aeroporto, então me candidatei
pra vir junto, pois sou uma ótima amiga.
Luísa riu e me soltou.
— Na verdade não foi bem assim —
discordou Luísa. — Eu disse que ia trazer
meu namorado e um amigo dele para o
aeroporto, e quando ela soube quem era o
amigo quis vir junto para se despedir do
namoradinho.
— Eu ainda nem conheço o cara, e já está
assim, Adriana? — perguntei, batendo meu
braço no dela.
Adriana deu de ombros.
— Não se preocupe, você vai conhecê-lo
quando ele retornar de viagem.
No carro eu descobri que o namorado da
Luísa não estava na cidade, o que poderia
ser uma coisa boa para mim. Mas, também
descobri que ele trabalhava em uma empresa
cliente do escritório do vovô, e que
coincidentemente era amigo do Alan, o cara
que a Adriana queria que eu conhecesse.
Adriana falava o quanto o tal Vinicius era
um cara legal, que ela já o conhecia, e eu
odiei saber disso. Ela tinha a tendência de
acertar sobre as impressões que tinha das
pessoas. E se ela havia gostado dele, ele
provavelmente era um cara bacana. E a
Luísa merecia o melhor.
— Onde nós estamos indo, afinal? —
perguntei.
— Nós estamos indo jogar boliche —
contou Luísa.
Virei para o lado e vi que ela sorria
empolgada, mesmo tão concentrada no
trânsito. Eu aumentei o volume do rádio, que
tocava Am I Wrong de Nico e Vinz, e não
precisou de muito para que a Luísa me
acompanhasse.
— Vocês são tão escandalosos —
comentou Adriana. — Até as pessoas na rua
devem estar ouvindo.
Luísa olhou para mim quando parou em
um semáforo. Quase como se estivéssemos
em sintonia cantamos ainda mais alto. O sol
do fim da tarde batendo em seu rosto, o
cheiro do seu perfume dentro do carro, e
aquelas dancinhas dela no pequeno espaço
do banco me trouxeram as lembranças da
nossa viagem. Assustei-me ao perceber o
quanto eu gostava de ver aquela cena. Há
muito tempo eu não me sentia atraído por
uma mulher, e estava cada vez mais difícil
de negar que ela me atraia. Quando
chegamos ao boliche avistei Carla, Biel e
Teo conversando com um casal, que logo
reconheci sendo o vizinho e a melhor amiga
da Luísa. Fiquei feliz de ver que eles
estariam ali, talvez eu pudesse criar aliados.
Esta seria a minha oportunidade de entrar em
seu mundo.
— Nós chegamos! — gritou Adriana.
Carla correu na minha direção.
— Que saudade que eu estava de você —
disse ela me abraçando. — Vem, eu preciso
te apresentar para todo mundo.
Acenei para Teo e Biel enquanto Carla me
puxava pelo braço.
— Estes são Carol e Rafa — apresentou
Carla. — Eles eram os amigos da Luísa e
agora são nossos. E este é o Marcelo.
Cumprimentei Rafael com um aperto de
mãos e quando fui cumprimentar a Carol
com um beijo no rosto, ela começou a rir.
Percebi que ela piscou para a Luísa, que deu
de ombros e desviou os olhos dos meus.
— Então você é o cara do aeroporto —
acusou Carol, falando alto para que a amiga
ouvisse. — Você não me disse que já tinha
encontrado ele, Luísa. Por que será que eu
não sabia disso? — Ela virou para o lado,
olhando para o Rafael. — Ela comentou
alguma coisa com você, Rafa?
Olhei para a Luísa, segurando o riso que
se formou em meus lábios com esta
informação. Ela havia comentado com os
amigos sobre mim, então eu não era o único
que havia ficado intrigado com o nosso
encontro. Biel e Teo olhavam a cena rindo e
balançando a cabeça, e aos poucos eu podia
ver o brilho nos olhos da Adri e da Carla
quando entenderam. Elas sabiam que eu
havia encontrado uma garota, e que
ultimamente eu estava muito interessado
nela, mas nunca havia entregado o nome da
Luísa.
— Pois é, eu também não sabia que o cara
“intrometido da festa” — disse Rafael
fazendo aspas com os dedos — tinha um
nome e que já tinha conhecido. Estou
achando que tem muitas informações
faltando nessa história.
Todos começaram a rir, inclusive eu.
Luísa ficou com as bochechas vermelhas de
tão envergonhada, e eu tive vontade de ir
abraçá-la.
— Tá bom, agora todo mundo já sabe
sobre tudo. Vamos logo jogar esse negócio.
Já formaram as duplas?
— Eu vou com o Rafa — informou Carla,
puxando Rafael pelo braço.
Adriana foi para o lado do Matteo.
— E eu não abro mão do Teo.
Eu olhei para a Luísa e a Carol, eu queria
poder ser o parceiro da minha pequena, mas
ela já estava envergonhada o suficiente.
— E você, Carol? — perguntei.
Ela acenou com a cabeça e veio para o
meu lado, mas meu primo a segurou pelo
braço e a puxou.
— A Carol vai jogar comigo — ele
avisou. — Nós já estávamos jogando antes
de vocês chegarem e ela é boa, então eu a
quero no meu time.
Eu olhei para ele e não pude evitar a
surpresa. Por mais que eu gostasse que ele
me deixasse com a Luísa, havia alguma
coisa naquela escolha além de apenas me
ajudar. A rapidez que ele a reivindicou não
passou despercebido por mim. Carol foi
saltitando até seu lado, mais do que feliz
pela mudança de time. Alguma coisa estava
acontecendo ali.
— Então seremos eu e você, pequena —
informei passando os braços pelos ombros
da Luísa e levando-a até nossa pista.
Anotamos os nomes das duplas no telão, e
começamos a jogar. O primeiro strike só
saiu na terceira rodada, quando o Rafael
acertou todos os pinos. Todos jogavam bem
e a pontuação estava acirrada. As meninas
brigavam pelas bolas rosa e laranja,
alegando serem mais leves, e os meninos
tentavam ajudar suas duplas a arremessar
com mais força.
— O que está acontecendo ali? —
perguntei para Luísa ao meu lado, apontando
para o Biel, que tentava ajudar a Carolina.
— Ele não disse que ela era boa?
Luísa concordou e se virou para olhar a
cena. Biel falava alguma coisa para a
Carolina, que mirava para frente segurando a
bola e acenando com a cabeça.
— A Carol é boa, mas por algum motivo o
Biel acha que precisa ficar ali incentivando
ela.
— Desde quando isso vem acontecendo?
Acho que o meu primo esqueceu-se de
mencionar a Carolina para mim.
— Já faz algum tempo. Eu achava que ia
acontecer alguma coisa entre ela e o Lui, já
que eles estavam flertando na maior cara de
pau lá na academia.
— Flertando? Quem fala isso?
— Eu falo. Fica quieto que eu estou te
pondo a par das fofocas. — Eu levantei as
mãos em sinal rendição. — Continuando, o
Lui e a Carol pareciam bem interessados,
mas aí ela se matriculou na aula e eles
viraram super amigos. Nada aconteceu. Ela
disse depois que eles conversaram e viram
que poderiam ser amigos, que não passou de
uma brincadeira entre eles. Mas, com o Biel
ela está toda diferente, e por mais que eu
odeie a situação, já que ele namora a
Jessica, ele também está diferente.
— E cadê a Jessica, aliás?
— Disse que ia numa reunião com um
cliente importante do escritório, junto com o
pai dela.
— Essa hora? — perguntei me virando
para ela. Não tínhamos reuniões com cliente
fora do horário, quando algo desse tipo
acontecia, todos eram avisados.
— Foi o que ela disse.
Aquilo me deixou intrigado, Carlos nunca
ia a reuniões com clientes. Eu teria que
perguntar ao vovô depois. Eu não me
lembrava de terem mencionado uma reunião,
então talvez fosse algo pessoal dele, mas
nesse caso ela não falaria que era um cliente
importante do escritório, teria falado um
cliente dele.
Uma gritaria chamou minha atenção.
Carolina fez um strike e correu para Biel.
Ele a segurou em seus braços e eu podia
jurar que há muito tempo eu não o via rir
com tanta facilidade. Olhei para o lado e
Teo também analisava a cena, olhando
desconfiado. Ele também estava percebendo.
— Eles são fofos juntos — disse Carla.
— Prefiro a Carol que a Jessica.
Adriana concordou com a cabeça e se
levantou.
— Eu estou com você, Ca. Quem sabe a
Carol seja a pessoa que o fará abrir os olhos
e ver que há muito mais peixes no oceano.
Aparentemente todo mundo já torcia para
eles, e eu era o único que não sabia de nada.
— Como vocês são más — Luísa
interveio. — Eu adoro a minha amiga, mas
ele namora. Isso não parece certo.
É claro que ela defenderia a Jessica. Mas,
ela era o Biel da nossa relação, ela só não
sabia disso ainda. Teo e Adri foram jogar e
Carolina e Biel se sentaram no banco. Eu
olhei para meu primo, que ainda sorria e
conversava alegremente com Carolina ao
seu lado. Eu gostei de vê-lo se divertir, ele
nunca foi assim com a Jessica, ela era
ciumenta demais então ele sempre se
controlava perto dela. Teo e Adri voltaram
para os bancos e puxei Luísa pelo braço.
— Vamos lá pequena, vou te ensinar.
— Eu sei jogar — retrucou ela. — Já fiz
um strike umas duas rodadas atrás.
— E agora fará outro. — Eu peguei a bola
rosa e fui até a pista, ela esticou os braços
pequenos para mim, mas eu afastei a bola
dela. — Vem aqui.
— Não.
Ela cruzou os braços e ficou batendo o pé
no chão. Era tão engraçada aquela cena, uma
pequena mulher querendo teimar comigo.
— Anda logo, se eu fizer você errar você
pode jogar na minha vez.
— Não tem nada disso, cada um joga na
sua vez — interveio Carla.
— Fica quieta, sua dupla está em primeiro
— gritei em resposta.
Luísa aos poucos foi se aproximando de
mim, até ficar na minha frente. Entreguei a
bola para ela, que encaixou os dedos e a
segurou perto do peito. Eu encostei meu
corpo em suas costas e segurei sua mão.
— Não importa a velocidade nem a força,
você tem que saber mirar e fazer a bola
chegar lá — sussurrei para ela.
Eu vi os pelos de seus braços arrepiaram,
e fiquei feliz de ver que eu mexia com ela
também. Aproximei meu rosto do seu
pescoço passando o nariz pela sua clavícula,
e ela encolheu os ombros para meu gesto. Eu
pensei que ela iria se afastar, mas foi o
contrário, eu sentia que ela se encolhia ainda
mais perto de mim. Minha mão livre foi para
sua cintura e segurei seu corpo mais próximo
ao meu. Ela provocou empinando a bunda
para mim e aquele foi meu limite. Eu já
estava começando a ficar excitado.
— É para hoje — gritou Teo nos
interrompendo.
Ela pareceu perceber o volume em minhas
calças, pois tentou levantar o rosto para me
olhar, mordendo os lábios para não rir. Se
ela não sabia que eu me sentia atraído por
ela antes, agora deve ter percebido.
— Você está...
— É da cerveja, só preciso ir ao banheiro
— respondi a interrompendo. — Olha para
frente.
Ela começou a rir e a bola quase caiu de
suas mãos. Eu rapidamente consegui segurar
entre suas mãos pequenas, mas comecei rir
com ela. Eu deitei minha testa no seu ombro
e pude senti-lo tremer enquanto ela ria.
Aquilo era tão constrangedor.
— Eu não acredito que você está...
— Foco, Luísa — a interrompi mais uma
vez. — Vamos acabar com isso logo.
Ela respirou fundo mais uma vez, tentando
conter as lágrimas que escorriam dos seus
olhos. Eu me lembrei da cena do shopping,
onde eu prometi que a faria rir. Mesmo que
fossem nestas condições ridículas, eu estava
feliz de pôr um sorriso naqueles lábios. Nós
voltamos à posição e a ajudei a mirar. Ela
correu com a bola na mão e lançou para os
pinos, fazendo um strike. Quando se virou
para mim, batendo palmas e pulando, corri
ao seu encontro. Eu a tomei em meus braços,
tirando-a do chão e a rodei. Aquele corpo
pequeno se encaixava perfeitamente em
meus braços, agora eu tinha certeza.
— Parabéns, pequena.
Ela sorria triunfante vendo nossa dupla
ficar em primeiro lugar no placar. Quando
correu para a Carol, que batia palmas junto
com ela, parecia tão leve e feliz. Aproveitei
o momento de sua distração e fui para o
banheiro. Lavei meu rosto com água gelada e
molhei minha nuca, tentando avisar meu
corpo que ele precisava se esfriar. Biel saiu
de uma das cabines do banheiro, que eu nem
sabia que ele estava.
— Está tudo bem? — perguntou ele
lavando as mãos.
— Está, só precisava me acalmar um
pouco.
— O que é isso? — perguntou Teo
entrando no banheiro. — É o clube do
bolinha? Achei que só as mulheres faziam
fofoca no banheiro.
Eu ri pegando o papel toalha para secar
meu rosto.
— Não estamos fofocando — respondi a
ele.
— O que está acontecendo com vocês? Eu
estou vendo você todo bobo com a Luísa, e
você — ele acusou, apontando o dedo para
Biel — tem sorte que a Jessica não veio,
tenho certeza que ela adoraria ver você
cheio de risinhos e abraços com a Carol.
Eu sabia que nada disso ia passar
despercebido, e isso era uma merda.
— Eu não sei do que você está falando —
disse Biel. — Não tem nada acontecendo.
— Ninguém aqui é cego, cara, todo mundo
percebeu. Mas, eu gosto da Carol, então se
você quiser embarcar nessa, tem meu apoio.
— Mas, tem que terminar com a Jessica
antes — avisei. — Aliás, você já deveria ter
feito isso.
Biel sorriu, como se tivesse ficado
aliviado pela nossa aprovação. Ele
concordou com a cabeça e então saiu do
banheiro.
— Você vem? — perguntei para o Teo.
— Eu já vou, ao contrário dos maricas aí
que vem fofocar no banheiro, eu realmente
preciso mijar.
Quando voltei para a pista, Luísa estava
com um beicinho.
— Ei, pequena, o que aconteceu?
— Eles nos passaram de novo — contou
ela apontando para o telão quando me sentei
ao seu lado. Rafa e Carla haviam tomado à
liderança. Eu queria rir da sua atitude, era
tão engraçado vê-la de braços cruzados e
emburrada.
— Nós vamos recuperar.
Eu passei os braços sobre seu corpo e a
puxei para o meu lado. Aos poucos ela
desfez do bico e começou a rir. Eu amava o
som da sua risada, aquela era a melhor
maldita promessa que eu já havia feito.
Capítulo 14

Luísa
A noite no boliche tinha sido ótima,
eu não me lembrava de me divertir deste
jeito há muito tempo. Tinha sido uma noite
de descobertas, e também de muita risada.
Pela primeira vez eu e o Marcelo nos
encontramos em público, não que nossa
relação fosse um segredo, mas desta vez era
diferente.
Quando estávamos no Rio éramos apenas
Marcelo e Luísa, aqueles amigos que
falavam muito por e-mail e cantavam como
loucos no carro. Mas desta vez, era como se
fôssemos a atração principal, mesmo que
meus amigos soubessem disfarçar. Ou nem
tanto, como a Carolina. Eu sentia que cada
vez que ficávamos à vontade demais,
conversando ou rindo, as pessoas à nossa
volta nos olhavam. Rafa por muitas vezes
tentava disfarçar, mas toda vez que percebia
sua atenção para nós, eu via aquele olhar
interrogatório para mim. Eu não tinha
intenção de esconder que conhecia Marcelo,
eu só tinha a esperança de que meus amigos
não se lembrassem dele. Já foi um sufoco
convencê-los de que não havia acontecido
nada, agora parecia ser impossível encontrar
uma resposta. Eles sabiam do cara do
aeroporto, e sabiam do meu amigo do Rio,
só esqueci de mencionar que eu tinha
descoberto que eram a mesma pessoa. Uma
descoberta que pelos olhares que recebi
hoje, era muito importante.
Na hora de ir embora, Marcelo pegou sua
mala em meu carro e foi com o primo. Biel
queria levar a Carol, mas ela preferiu ir
comigo e o Rafa. Eu gostei que ela recusou a
carona dele, eu amava minha amiga, mas
essa coisa de traição ou se envolver com
homem comprometido sempre foi uma regra
muito implícita para nós duas. Eu queria me
certificar de que ela não tinha mudado isso.
— E então, o que está acontecendo com
você e o Biel? — perguntei quando a Carol
entrou no carro.
Rafa colocou o cinto e ligou o rádio, mas
deixando o volume baixo.
— O que está acontecendo com vocês
duas, aliás — ele comentou. — Eu me senti
fora da vida de vocês, sinceramente. Eu
pensava que não havia segredos entre nós,
estou desapontado.
Carol sentou na ponta do banco de trás e
ficou no nosso meio.
— Pois é, Luísa, eu achei que não
tínhamos segredo. Eu estou com o Rafa
nessa, por que você não contou que o
Marcelo era o carinha do shopping?
Minhas bochechas queimaram com aquele
interrogatório. Eu que o comecei, eu devia
estar perguntando e não respondendo.
— Eu não sei por que eu não contei, eu
achei que vocês iam fazer disso algo maior
do que realmente é. Exatamente como da
outra vez.
Rafa bufou ao meu lado.
— É claro, porque você não contando
essas coisas, deixa tudo bem menos
suspeito, certo? Está tudo errado, então
começa contando tudo desde o início, e sem
esconder coisas.
— A casa da Carol não é tão longe assim.
— Nós temos tempo — Carol informou.
Respirei fundo e contei a eles tudo, desta
vez sem poupar os detalhes. De como nos
encontramos e o jeito como a situação ficou
estranha no começo, mas que depois
relaxamos e aproveitamos a companhia um
do outro. Que ele era realmente uma ótima
pessoa, que aquela pose de intrometido do
começo tinha sido substituída por uma
pessoa educada e engraçada. E que
havíamos nos divertido muito no Rio,
mesmo que só por dois dias. Eles me
ouviram com atenção, e quando percebi,
estávamos já há mais de vinte minutos
parados em frente ao apartamento da Carol,
com o carro desligado.
— E é isso — conclui dando de ombros.
Quando olhei para o lado, eles estavam
com uma mistura de alívio e tensão nos
olhos, e eu odiava aquilo.
— Talvez eu esteja errado, e talvez seja
apenas porque é a primeira vez que eu vi
vocês juntos, mas eu realmente gostei do
Marcelo — comentou Rafa. — Você parecia
tão alegre ao lado dele, Lu. Você não ficava
se controlando, você realmente se divertiu.
— Eu também achei — Carol concordou.
— Você não ficava tensa quando ele te
abraçava, você estava à vontade ali com ele.
Vocês estavam em perfeita sintonia, era tão
estranho. Eu sei que comparar é ridículo,
mas eu sinto que meu dever de melhor amiga
é te alertar para esses sinais.
— Que sinais? — perguntei.
— Não a vejo assim tão solta com o Vini,
demorou muito para vocês terem esse tipo
de intimidade. Eu adoro o Vini, não tenho
dúvida alguma de que ele beija o chão que
você pisa, mas ele é todo certinho o tempo
todo. Vocês combinam por isso, toda
certinha, filhinha da mamãe.
— Eu concordo com ela — disse Rafa.
Ele pegou minhas mãos e segurou nas dele.
— O Vini é o cara perfeito, todos nós
sabemos disso. Mas, eu acho que ao menos
uma vez você deveria aproveitar a vida e ser
mais espontânea. Você está sempre fazendo
as mesmas coisas, ajudando todo mundo.
Você precisa abalar um pouco a sua vida.
— Vocês falam como se eu devesse ir
atrás do Marcelo. Eu namoro, vocês
esqueceram isso?
— É claro que não, você não se lembra de
nossa regra? — perguntou Carol. — Nada
de homens comprometidos, e isso envolve
também nosso caso. Então nada de Marcelo
enquanto está com o Vini.
— Ah, então eu tenho que terminar com
Vini? — explodi. — Por que quando um
cara vem me encoxar e ele está duro, o que
deveria me assustar, fez com que eu
realmente gostasse da situação?
Oh droga.
Carol começou a rir descontroladamente.
— Eu sabia, eu sabia — ela gritava. —
Eu sabia que alguma coisa estava
acontecendo ali, ele ficou sussurrando para
você e ninguém entendia, e do nada ele foi
ao banheiro.
Rafa apertou minha mão.
— Se ele ficou duro só de te abraçar, o
cara realmente está atraído por você — ele
confirmou. — Vai por mim, não é fácil
controlar esse tipo de coisa, e se ele subiu
para você, é definitivamente uma grande
coisa.
— Isso não ajuda em nada, vocês não
estão me ajudando. Eu acho isso tudo tão
errado, em tantos níveis. Eu não fiz nada,
mas eu sinto como se estivesse traindo o
Vini, traindo a sua confiança, e eu odiaria
fazer qualquer coisa para ele.
Eles permaneceram em silêncio por um
tempo. Eles sabiam do meu conflito. Eu não
queria admitir que quando percebi que o
Marcelo estava interessado por mim, foi
uma descoberta que me fez sorrir por dentro.
Eu gostei de saber disso, mas odiei cinco
minutos depois. Eu era a certinha, eu sempre
fui, e queria continuar assim. Talvez isso
passasse depois de um tempo, precisava
passar.
— Eu vou sair com o Thiago amanhã —
O carnaval foi como nos últimos anos,
comentou Carol, quebrando o silêncio.
toda família Schmidt e Martinelli em
—O que? — Camboriú.
Balneário eu e Rafa perguntamos
Carol e Biel ao
mesmoconversavam
tempo. por mensagem, e logo no
— primeiro
Eu não vou diamentir que eu mequesenti
descobrimos o
atraídaapartamento
pelo Biel, mas do é Rafa,
sempreondeassim.eles
Eu
me sinto atraídahospedados,
estavam por alguém,erae então a duas eu
conheço a pessoa e depois passa,
quadras de onde estávamos. Carla e foi assim
com oJessica
Lui. Mas, com com
estavam ele, quanto
a gente,maismasmea
aproximo,
Adri mais
haviaeuviajado
quero estar
com operto.
Alan Só que
para o
ele teminteriornamorada,
de São Paulo,e parabom,conhecer
homensa
comprometidos...
família dele. Ela finalmente havia
— Estão
admitidoforapara
de nossa
nós quelistaeles
— jácompletei.
estavam
— Fico se feliz que vocêhá
envolvendo mantém
algunsnossa regra.
meses, mas
— É que— respondeu ela suspirando.
recentemente — E
resolveram
como realmente
ele não foilevar
para aquele
Recife relacionamento
com o Vini e o
Alan, aporque
sério. ele está com outro projeto
aqui, ele me chamou para sair. Acho que
será uma boa oportunidade para nós.
— Não será como se vocês fossem sair
pela primeira vez — comentou Rafa.
Eles haviam ficado uma vez, logo que se
conheceram, mas depois disso ficaram
amigos. Isso foi no começo do meu namoro
com o Vini, e logo depois Thiago começou a
namorar com alguém lá da empresa deles e
ninguém mais tocou no assunto.
— É, talvez agora dê certo. Não custa
nada dar uma chance ao Thiago, certo?
— Certo — respondemos eu e o Rafa
juntos novamente, e então começamos a rir.
Eu gostava dos amigos que eu tinha, eram
os melhores do mundo, e fiquei feliz de
poder desabafar com eles. Eram as únicas
pessoas no mundo que eu sabia que jamais
me julgariam, com exceção dos meus pais.
Carol entrou pouco depois e eu e o Rafa
fomos para nosso prédio. Nós havíamos
combinado de levar a Aninha para o cinema
no dia seguinte, pois ela queria mais uma
vez ver Frozen antes que saísse do cinema. E
obviamente eu e a Carol nos candidatamos
para esta função. Eu não saberia dizer quem
era mais viciado naquele filme, nós ou a
pequena Aninha.
Carol passou em casa para me pegar, e a
música ‘Você quer brincar na neve’ estava
tocando. Eu e Carol cantávamos e
dançávamos pelo caminho, e a pequena
Aninha nos aplaudia quando a música
acabava. Assim que saímos do cinema,
fomos a uma loja infantil onde Carol havia
visto na vitrine uma jaqueta que era linda
para a sobrinha.
— Tia Lu, qué sovete — pediu Aninha,
segurando minha mão.
Olhei para o lado procurando pela Carol,
que estava no caixa pagando a conta, e
avisei a ela que ia buscar sorvete com a
Aninha. Ela acenou com a cabeça e avisou
que logo nos encontraria na praça de
alimentação.
Nós estávamos a caminho da sorveteria,
quando eu o vi. Marcelo estava saindo de
uma joalheria, junto com o mesmo garotinho
da outra vez e a loira, que agora já
reconhecia como Lucas e Letícia. Eles
definitivamente tinham uma conexão. Talvez
sejam mesmo os pais daquele garoto, e se
fosse esse o caso, eu tinha que concordar
com os comentários. Eles tinham criado um
garoto realmente lindo e muito bem educado.
Peguei Aninha no colo e os segui, mantendo
certa distância. A cada vez que eu percebia
algum movimento deles na minha direção,
usava a Aninha como escudo para me
esconder. Eu sabia que era errado usar uma
criança de dois aninhos, mas era preciso.
— Sovete, tia Lu — pediu Aninha mais
uma vez.
— Já vamos buscar, querida.
Eles desceram a escada rolante, e eu
continuei acompanhando seus passos do piso
de cima.
— O que você está fazendo aqui? —
perguntou Carol me assustando. Aninha
começou a rir do meu susto e a Carol
rapidamente a tomou dos meus braços. —
Está tudo bem?
Coloquei as mãos no peito e respirei
fundo, tentando me acalmar.
— Que merda, Carol. Quase joguei a
Aninha daqui de cima.
— Eu percebi. Estava concentrada com o
que, para se assustar assim?
Eu apontei para o piso inferior, onde o
Marcelo estava com o Lucas, comprando
uma casquinha do quiosque do Mc e ela
concordou com a cabeça. Quando eles
saíram da fila e se juntaram a Letícia, ela
assoviou.
— Ah, agora eu entendi, essa é a Letícia?
— Exatamente — confirmei. — De
acordo com as fotos do Instagram esta é a
Letícia, e aquele é o Lucas, e essa é a foto
da família perfeita.
— Será que é filho deles?
— Eu não sei, ele nunca mencionou, e eu
não tenho coragem de perguntar.
Nós continuamos olhando para eles, mas
não conseguimos identificar nada. Eles
apenas riam e conversavam, então
desistimos e fomos atrás do sorvete da
Aninha. Nós enchemos nossos sorvetes de
cobertura e guloseimas, e quase nos
lambuzamos tanto quanto a Aninha. Eu
gostava desses momentos com ela, em que
eu e a Carol poderíamos assistir a desenhos
da Disney e comer besteiras sem culpa. Para
todas as dúvidas, estávamos apenas
acompanhando uma criança.
No fim da tarde a Carol me levou para
casa, e foi se arrumar para o jantar que teria
com o Thiago. Tentei mandar uma mensagem
para o Rafa passar a noite comigo vendo a
algum filme, mas ele já tinha planos com
uma garota. Eu jamais acompanharia o ritmo
dele. Eu estava indo pegar a panela para
fazer pipoca, quando meu celular tocou, com
o nome do Vini na tela.
— Oi, Vi.
— Oi, amor, como foi sua tarde com as
meninas?
— Nós assistimos Frozen, pela quinta vez
— contei, e ele começou a rir. — Depois
fomos tomar sorvete. E vocês aí, como
estão?
— Nós temos uma reunião agora à noite
para conhecer os sócios da empresa que está
patrocinando o projeto daqui, mas só vamos
conhecer as instalações na segunda.
— E o calor? Está passando protetor?
— Sim, não se preocupe. Aqui o sol
realmente queima, talvez você consiga sua
tão sonhada marquinha de biquíni.
Eu sorri para aquela informação, eu
sempre quis ficar bronzeada.
— Só mais uma semana e eu estarei aí.
— E eu não vejo a hora. Você já
conseguiu ver a data?
— Já sim, eu pedi a sexta-feira e fui
liberada, então pode agendar minhas
passagens.
— Que ótimo, vou pegar o primeiro voo,
quero você aqui o quanto antes.
— É claro, eu preciso aproveitar o sol da
tarde.
— Desta forma vou pensar que só está
vindo aqui por causa do sol, e não para ficar
comigo.
— Você é apenas uma desculpa —
brinquei. — O principal motivo é o sol.
Ele começou a rir de novo e eu o
acompanhei. Com o Vini era sempre assim,
tudo tão tranquilo e fácil.
— Vou me lembrar disso quando chegar
aqui. Eu preciso desligar agora — avisou
ele. — Vai ficar em casa hoje?
— Sim, são quase oito horas e eu estava
indo fazer pipoca para uma sessão de
cinema sozinha.
— Eu te ligo quando acabar o jantar. Eu te
amo, até depois.
— Eu também te amo — respondi. —
Bom jantar.
Ele desligou o celular e eu fiz minha
pipoca. Meu celular a cada vez que vibrava,
eu olhava para saber de quem era a
mensagem. Eu não tive nenhum sinal o dia
todo do Marcelo, e talvez isso fosse um
sinal de que ele não me queria por perto. Ou
queria ficar com o filho sozinho, e tentar
reconquistar a ex. Estar atraído por mim
poderia não significar nada. Aquele
pensamento me aborreceu, por mais que eu
negasse.
Meu celular vibrou pela terceira vez com
uma mensagem, mas fiquei com preguiça de
me esticar para pegá-lo. Então segundos
depois começou a tocar, devia ser o Vini,
então atendi sem olhar para a tela.
— Oi, amor.
— Oi, pequena, que forma carinhosa de
me atender.
Sentei-me no sofá assim que reconheci sua
voz, era o Marcelo e não o Vini.
— Desculpa, achei que era o Vini.
— Ah, droga, pensei que finalmente
estava aceitando nosso caso.
E lá estava de novo o Marcelo que me
irritava, rindo do outro lado da linha.
— Nós não temos um caso — informei a
ele, séria. Ele deve ter percebido, pois
parou de rir.
— Eu sei, só estou brincando. O que está
fazendo?
— Assistindo a um filme.
— Sozinha?
— Sim.
— Está tudo bem?
— Sim.
— Tem certeza?
Eu não ia admitir que ele tinha conseguido
me irritar com aquela provocação. Era
errado sequer mencionar qualquer ‘caso’
entre nós. E eu não queria que ele pensasse
que eu daria liberdade para isso.
— Sim — respondi.
Ele suspirou audivelmente.
— O que você vai fazer hoje à noite?
— Ver filme.
— A noite toda?
— Rafa e Carol têm planos — contei.
— Eu pensei que... — ele começou, e
então ficou em silêncio, como se pensasse na
pergunta. Eu esperei pacientemente, mas
minhas pernas já começaram a balançar de
ansiedade. — Será que você poderia vir
aqui?
— Aí onde?
— No apê do Biel.
Eu estranhei o pedido.
— Vocês vão fazer alguma coisa aí?
— Não que eu saiba — respondeu ele. —
Não combinamos nada, e o Biel está na casa
da Jessica hoje.
Nós dois sozinhos? Nem pensar.
— Desculpa, mas não acho que seria certo
nós dois sozinhos aí.
— Não estaremos sozinhos — informou
ele. — Eu quero que você conheça uma
pessoa.
— Quem?
— Alguém importante para mim.
Agora ele tinha minha atenção. Ou talvez
ele estivesse me enganando, mas, eu teria
que apostar para descobrir.
— Ok, me passa o endereço por
mensagem que eu vou.
Eu pude ouvi-lo soltar um longo suspiro,
como se tivesse segurando o ar por muito
tempo enquanto eu pensava.
— Obrigado, até daqui a pouco.
Eu desliguei meu celular e corri trocar de
roupa. Isso poderia ser errado, e eu sentia
que era errado, mas eu queria estar lá. Ele
queria me apresentar alguém importante para
ele, talvez fosse sua família. Bem, talvez ele
fosse me apresentar o filho dele, mas então
ia contar que estava tentando reconquistar a
ex. Aqueles pensamentos me acompanharam
por todo o trajeto até o endereço que ele
havia me passado.
O porteiro disse que já estava me
esperando e me mandou subir, avisando por
interfone ao Marcelo que eu tinha chegado.
O elevador parou em seu andar e eu me
direcionei à porta 1402. É só apertar a
campainha Luísa, não é difícil. Por que eu
sentia que estar diante daquela porta
mudaria tudo? Respirei fundo, apertei a
campainha e esperei, ouvindo passos que
ficaram mais altos quando se aproximavam
da porta.
Marcelo apareceu, com um sorriso largo
nos lábios, que me fazia pensar que eu tinha
feito a coisa certa, mesmo quando tudo
apontava para o lado errado. Ele me puxou
pelo braço e me abraçou, e aquele calor do
seu corpo foi mais do que bem-vindo.
— Que bom que você veio — disse ele
fechando a porta.
Eu olhei para a sala, estava com um
colchão de casal no chão a televisão ligada
e alguns copos de refrigerantes sobre a
mesinha de centro. Era um apartamento
grande, diferente do dele no Rio.
Havia dois sofás na sala, e uma TV de
LED na parede. Pouco atrás uma grande
mesa de jantar de vidro, com uma cristaleira
e um balcão cheio de retratos. Aliás, nas
paredes havia várias fotos, tudo muito
sofisticado e organizado, exatamente como a
mesa do Biel. Mas, o que eu percebi que
mais me chamou atenção foi o silêncio da
casa. Ele não teria me convidado para vir
aqui, minutos depois de transar com a ex
nesse colchão. Seria muita cara de pau da
parte dele. Ao menos ele poderia ter
guardado esses copos, ou ter arrumado os
lençóis.
— Você disse que não estaríamos
sozinhos — acusei, me virando para ele.
Ele tinha o mesmo sorriso no rosto de
quando cheguei.
— E não estamos — confirmou ele.
— Bom, eu não estou vendo mais ninguém
aqui.
Encaramo-nos por um tempo e até que
ouvi o barulho de uma descarga. Realmente
tinha alguém em casa, vai ver a ex dele ou
uma nova, e ele queria algo a três naquele
colchão bagunçado. As ideias na minha
cabeça estavam ficando cada vez piores.
— Vem aqui — ele chamou alguém atrás
de mim.
Aquele garotinho loiro se aproximou e
parou na minha frente, olhando para mim
com olhos tão claros e azuis quanto os do
Marcelo.
— Este é o Lucas — Marcelo o
apresentou, mas percebi o nervosismo em
sua voz. Quando levantei meu rosto para vê-
lo, o sorriso em seu rosto já não mostrava
tanta confiança quanto antes.
Eu pensando mil besteiras, e ele queria
me apresentar o filho? Eu queria me bater
agora por tanta ideia absurda.
— Oi, Lucas, eu sou a Luísa — me
apresentei para o garoto, que sorria para
mim.
— Eu já te conheço. Meu irmão fala muito
de você.
Irmão? Eles eram irmãos? Agora sim eu
estava confusa. Marcelo percebeu a
confusão em meu rosto.
— Lucas é meu irmão mais novo —
contou Marcelo. — Somos em três: Letícia,
Lucas e eu.
Eles eram todos irmãos! Então a loira não
era sua ex e nem mãe do menino, e nem
havia alguma história por trás disso. Eles
eram irmãos. Eu nem saberia começar a
dizer o alívio que isso me causou, e o susto
também.
— Ah — consegui dizer, eu ainda estava
tentando absorver toda aquela informação.
— Você nunca me contou que tinha irmãos.
Eu não queria que soasse como uma
acusação, como se ele fosse obrigado a me
contar toda sua árvore genealógica, mas
achei que esta era uma informação
importante a compartilhar.
— Eu sei, eu vou te contar sobre eles
hoje.
Eu acenei com a cabeça e então olhei para
Lucas. Agora que eu sabia todas as
conexões, não pude deixar de comparar. Ele
tinha os olhos claros como os irmãos, mas
ele se parecia com a Letícia. Os cabelos
eram loiros e não pretos como os de
Marcelo.
— Eu me lembro de você, nós já nos
trombamos uma vez no shopping — eu disse.
— Estávamos lá com o Biel comprando
meu material. Eu me lembro de você
também.
Aquilo parecia há tanto tempo.
— E então, o que vocês estavam fazendo?
— perguntei.
Lucas sorriu para mim e se virou para o
irmão.
— Será que ela sabe? — perguntou Lucas
baixinho.
Marcelo deu de ombros e apontou para
mim.
— Pergunta para ela.
Lucas me olhou, mas parecia
envergonhado.
— Eu queria comer brigadeiro, você sabe
fazer?
— Sim, eu sei.
Seus olhos brilharam e um sorriso lindo
surgiu em seus lábios. Eu já estava me
apaixonando por aquele garoto.
— Você pode fazer? — pediu ele.
— Só se você me ajudar.
Ele começou a bater palmas depois
segurou minha mão, me puxando para a
cozinha. Eu comecei a rir da animação dele
e o acompanhei. Todos os móveis da cozinha
eram brancos, com armários para todos os
lados. No centro da cozinha havia um balcão
de mármore, de um lado ficava o fogão e do
outro havia banquinhos coloridos. Marcelo
se sentou em um dos banquinhos, apoiando
as mãos no balcão e ficou sorrindo enquanto
Lucas abria a porta da geladeira.
— O que nós precisamos para fazer
brigadeiro? — Lucas perguntou.
Eu me aproximei dele olhando a geladeira
e procurei pelos ingredientes.
— Não tem uma lata aberta de leite
condensado, você sabe se tem em algum
armário?
— Eu sei onde tem.
Ele correu para abrir a porta de todos os
armários procurando e eu peguei a
margarina na mão olhando para Marcelo.
— Está tudo bem eu fazer?
Era tão estranho que eu me sentisse à
vontade ali, sendo que eu era apenas uma
visita.
— Sem problema, eu não sei fazer e ele
me pediu isso o dia inteiro — Marcelo
contou sorrindo. — Normalmente eu compro
aqueles docinhos prontos de alguma
panificadora.
Lucas apareceu com uma lata de leite
condensado e o achocolatado nas mãos e me
mostrou onde estavam as panelas. Eu
comecei a misturar tudo e mexer o
brigadeiro no fogão enquanto os irmãos
ficaram sentados do outro lado do balcão me
olhando com ansiedade. Marcelo apenas
sorria para mim e Lucas batia suas perninhas
no banquinho alto. Quando dei o ponto e
coloquei o brigadeiro em um prato, rapei a
panela e entreguei a colher para Lucas.
— Assopra bem que está muito quente e
você pode queimar a língua — avisei a ele.
— Daqui a pouco esfria o do prato e você
pode comer.
Ele pegou a colher e começou a assoprar.
Um celular começou a tocar e Lucas correu
para atender. Marcelo ficou sorrindo
olhando para o irmão, antes de se virar para
mim.
— Você acabou de ganhar um fã para a
vida toda.
Eu olhei para a sala, onde Lucas
conversava animadamente com alguém ao
telefone.
— Eu gostei dele, por que você não me
contou sobre seus irmãos?
O sorriso no rosto de Marcelo
enfraqueceu.
— É complicado.
— Você tem vergonha deles ou algo
assim?
Ele negou com a cabeça, mas não disse
nada. Eu andei até o outro lado do balcão e
sentei em um dos banquinhos ao seu lado.
Marcelo deixou as mãos sobre o balcão e
ficava mexendo nos dedos, como se
pensasse em uma resposta. Eu estiquei meu
braço e segurei sua mão.
— Você não precisa contar se acha que eu
estou invadindo sua privacidade, eu só
queria entender por que eu estou aqui.
Ele queria me apresentar para o irmão,
então era um sinal de que ele queria
compartilhar a vida dele comigo. E eu
queria saber sobre a sua vida, eu queria
saber sobre ele cada vez mais. Ele segurou
minha mão entre as dele e ficou brincando
com meus dedos, e nesta hora agradeci que a
aliança do Vini estava na outra mão. Eu não
queria que ele achasse que não podia contar
comigo. Eu não podia negar que eu sentia
algo por ele, talvez se eu o conhecesse
melhor eu poderia decidir o que fazer com
isso.
— Eu te chamei aqui porque eu queria te
apresentar o Lucas, eu já falei de você para
ele, eu nunca escondi nada dele — contou
ele rindo. — É engraçado isso, mas eu
sempre contei tudo ao meu irmão, e pedi
conselhos para ele. Ele é uma criança, mas
às vezes ele dá conselhos muito bons.
— Eu não duvido disso, crianças não
complicam tanto como os adultos.
— Eu não tenho vergonha dos meus
irmãos — afirmou ele, se virando para me
olhar e mantendo os olhos fixos nos meus.
— Eu os amo mais do que tudo nessa vida,
eles são as pessoas mais importantes que eu
tenho, e eu faria qualquer coisa por eles se
fosse preciso.
Havia tanta sinceridade em seu olhar, que
eu não duvidei disso por um segundo.
— A minha irmã você já conheceu, ela me
contou que foi no escritório esta semana e te
viu lá. — Eu apenas confirmei com a cabeça
e esperei que ele continuasse. — Ela é uma
ótima pessoa, tão generosa e tão bondosa.
Nós brigamos muitas vezes, mas ela é a
pessoa que mais me conhece. Acho que
exatamente por me conhecer tão bem que ela
sabe quando eu preciso de um puxão de
orelha. Ela tem o coração mais lindo que eu
já vi, depois da vovó.
Ele abaixou a cabeça, olhando novamente
para minha mão entre as suas e aquilo me
preocupou. O sorriso que estava em seu
rosto quando ele contava da irmã havia
sumido.
— Aconteceu algo, há alguns anos — ele
começou, ficando em silêncio de novo. Eu
apertei sua mão para encorajá-lo. — Eu
ainda não estou pronto para contar sobre
isso, talvez eu nunca esteja. Mas, aconteceu
algo com meus pais anos atrás, e eu fiquei
responsável de cuidar do Lucas.
Eu não pude deixar de notar que ele se
colocou nessa frase sozinho, não foi um nós
ficamos responsáveis. Eu quis questionar
sobre isso, mas fiquei com medo de que ele
não continuasse se eu o interrompesse.
— Quando tudo aconteceu, eu me isolei
da minha família e dos meus amigos. Eu
peguei o Lucas e ficamos morando um mês
em hotel. Eu não tive coragem de voltar para
casa, até hoje eu não tenho. — Ele riu, mas
era uma risada com muito sarcasmo. — Eu
percebi depois que você não pode morar
com uma criança de três anos em um hotel,
ela precisa de casa e de rotina, então eu o
deixei com a Letícia. Deixei a minha
responsabilidade com ela.
Eu não sabia o que falar. Algo muito
trágico deve ter acontecido com os pais
dele, e por algum motivo ele se sentia
responsabilizado por Lucas. Eu não sabia se
ele se sentia culpado pelo que aconteceu, ou
apenas que agora ele deveria ser quem
cuidasse do irmão. Mas, por mais que ele
dividisse essa tarefa com a Letícia, eu
notava que ele deixava claro que o Lucas era
uma responsabilidade dele e não dos dois.
— Eu não queria, eu queria pegar ele e me
mudar daqui. A vovó me fez enxergar que eu
devia pensar nele e não em mim, que eu
deveria fazer o que fosse melhor para ele,
então o deixei com a Letícia e fui embora.
Aqui ele tem a vovó e ela, e toda nossa
família. Lá ele só teria a mim e não seria
certo. Eu sinto falta de todos aqui, mas
principalmente dele. Eu o vi nascer, eu
cuidei dele desde pequeno, eu até mesmo
troquei as suas fraldas. Eu o queria comigo,
onde eu pudesse me certificar o tempo todo
que ele estava bem. Eu sinto tanta falta dele.
Ele apertou minha mão mais uma vez,
fechando os olhos e respirando fundo. Eu me
levantei do banquinho ficando de pé ao seu
lado e o abracei. Ele enterrou o rosto em
minha barriga e senti seus ombros tremerem.
Eu não sabia o que tinha acontecido, mas eu
sentia uma necessidade maior do que apenas
confortá-lo naquele momento. Ainda tinha
muitas dúvidas sobre toda aquela história,
mas ele já havia compartilhado muito
comigo esta noite. Ele se sentia responsável
pelo irmão, sofria por estar longe, mas algo
o impedia de ficar aqui. Eu iria até o fundo
naquela história para trazer o conforto que
seu coração precisava.
Capítulo 15

Marcelo
Eu passei meus braços em volta do
pequeno corpo da Luísa e a abracei. Pela
primeira vez eu não me sentia tão solitário
em compartilhar esta história com alguém.
Eu queria contar tudo a ela, mas eu ainda
não conseguia. Só de me lembrar do que a
minha mente por tanto tempo estava
acostumada a ignorar, eu sentia vontade de
desmoronar. Era uma avalanche de
sentimentos que eu não gostava de sentir.
Tristeza, culpa, arrependimento e o principal
de tudo: saudade.
— Ela quer falar com você — gritou
Lucas, entrando correndo na cozinha.
Eu respirei fundo tentando acalmar aquela
maré de tristeza que me atingiu e me afastei
de Luísa, mas ela manteve as mãos em meus
ombros, e eu agradeci mentalmente por
aquele pequeno gesto de apoio.
— Alô? — disse ao pegar o celular da
mão de Lucas.
— Ei, está tudo bem aí? Eu falei com o
Lucas agora e ele disse que não deu mais
febre, mas você está controlando, né? —
perguntava Letícia do outro lado. — Mesmo
que não dê febre não esquece os remédios
dele às dez.
— Está tudo bem. Eu estou medindo a
temperatura dele de hora em hora, e eu não
esqueci o remédio. Não se preocupe com a
gente, qualquer coisa eu tenho o telefone do
pediatra dele.
Ela riu do outro lado da linha.
— Você cuida dele melhor do que eu, só
estou confirmando.
— Vá aproveitar a noite com seu noivo e
pare de se preocupar com a gente.
— A Luísa tá aí, né? O Lucas contou.
Eu ri daquele pequeno fofoqueiro e
apertei a cintura da Luísa.
— Sim, ela tá aqui. Inclusive fez
brigadeiro.
— Uau, ela ganhou um fã para vida toda
agora.
— Eu falei a mesma coisa para ela.
— Eu a conheci essa semana, e ela é
realmente linda. Você tem bom gosto.
Eu levantei meu rosto para olhar para
Luísa, que ainda tinha aquele olhar
preocupado em seus olhos, mas sorria para
mim.
— Sim, ela é — confirmei.
— Eu espero que ela enxergue o quão
lindo você é também.
Ok, hora de desligar.
— Boa noite, Letícia, só ligue se for
urgente, tá bom? Eu te aviso se alguma coisa
mudar.
— Só estou dizendo, você merece
alguém...
Desliguei o telefone e o coloquei no
balcão, eu não queria aquela conversa com a
Luísa tão perto. Era um pouco estranho. Eu
mantinha um dos meus braços em volta dela,
que ainda estava me abraçando. Aquela
sensação de paz tomou conta do meu peito,
mesmo que minutos atrás ele estava tão
apertado. Era como poder respirar
tranquilamente depois de ter se afogado.
— Já dá para comer agora? — perguntou
Lucas se sentando no banquinho ao meu
lado.
Luísa me soltou e foi até a pia pegar o
prato com o brigadeiro, e o colocou no
balcão à nossa frente.
— Eu acho que já esfriou um pouco, onde
tem colher?
Eu apontei para o armário de gavetas atrás
dela e ela pegou as três colheres para nós.
Estava realmente delicioso, melhor do que
aqueles que eu comprava pronto.
— Este é o melhor brigadeiro que eu já
comi — disse Lucas lambendo sua colher.
— Mas, se a alguém contar para vovó, eu
nego tudo.
Luísa riu para ele e cruzou os dedos.
— Eu prometo que não conto, será nosso
segredo.
Lucas a imitou e eles começaram a
conversar, ignorando totalmente que eu
estava na cozinha também. Ela quis saber
quantos anos ele tinha, o que estava
aprendendo na escola, seu time de futebol e
seus filmes preferidos. Ele estava mais do
que empolgado em poder contar tudo a ela.
Ela não o tratava como uma criança, ela
realmente prestava atenção em tudo o que
ele contava como se tivesse mesmo
interessada em conhecê-lo.
Eu tive medo de apresentá-la para o
Lucas, porque é sempre complicado
apresentar alguém a uma criança. Se ela
realmente gosta de você, ela se apega muito
fácil. E o Lucas é uma criança muito
amorosa e carente, se ele gosta de uma
pessoa ele quer tê-la por perto. Minha
última namorada, Andreia, gostava do
Lucas. Mas, ela não era uma pessoa muito
paciente com crianças, e quando nós
terminamos o Lucas vivia perguntando por
ela e queria vê-la. Ela inclusive usou disso
para se aproximar de mim quando nós
terminamos, sempre tentando usá-lo como
desculpa para me ver.
É por isso que eu penso muito antes de
apresentar qualquer pessoa para meu irmão,
eu não quero que ele se apegue a alguém que
não vai ficar. E por mais que eu tivesse
ainda muitas dúvidas se a Luísa
permaneceria em nossas vidas, eu sabia que
ela não seria como a Andreia. Se nada
acontecesse entre nós, eu a conhecia o
suficiente para saber que ela não faria algo
para magoá-lo. Ela tinha um bom coração,
eu sentia que podia confiar nela.
— Eu não aguento mais doce, nós
podemos ver um filme agora? — Lucas
perguntou, quando largou a colher e deitou a
cabeça no balcão.
Luísa olhou para mim e então tirou o
celular do bolso.
— Já está tarde, e eu acho que já vou para
casa.
Lucas levantou a cabeça do banquinho tão
rápido que ele quase caiu.
— Não — gritou ele. — Você não pode ir
agora, você tem que ver um filme com a
gente. — Ele se virou para me olhar. — Ela
não pode ficar aqui?
Eu ri do seu pedido, ele parecia tão
desesperado para que sua nova amiga não
fosse embora que era até engraçado.
— Por mim, tudo bem, mas você tem que
pedir para ela.
Ele desceu do banquinho e abraçou a
cintura da Luísa.
— Você tem que ficar, assiste a um filme
com a gente. Só um filmezinho — ele pedia
fazendo bico.
Luísa passou as mãos no cabelo dele e
olhou para mim, como se pedisse ajuda. Eu
levantei as mãos e dei de ombros. Ela que se
virasse em falar não a uma criança, eu
estava no time do meu irmão.
— Ok, só um filme, e depois eu vou
embora.
Ele começou a pular e a puxou pela mão
até a sala, pedindo que ela se deitasse com
ele no colchão que tínhamos jogado no chão
para ver TV. Ela deitou ao lado dele e fui
para o sofá, enquanto eles escolhiam a um
filme no Netflix.
— Você vai ficar aí? — perguntou Lucas.
— Cabe você aqui com a gente.
Luísa o puxou para perto dela, dando
espaço para que eu deitasse na outra ponta
do colchão, com Lucas ao nosso meio. Com
a sala escura e o volume baixo, não demorou
muito para que Lucas ficasse sonolento e
começasse a encostar-se a mim. Ele sempre
me abraçava quando o sono chegava. Meu
celular começou a vibrar no sofá do alerta e
levantei.
— Aonde você vai? — Lucas perguntou.
— Tá na hora do seu remédio.
Eu pulei os dois no colchão e fui até a
cozinha.
— Traga uma colher de brigadeiro —
gritou Luísa da sala. — O Lucas disse que o
remédio é ruim.
Quando voltei à sala dei a ele uma colher
do seu remédio, que devia ser realmente
ruim já que era de gotinha, e depois bebeu
quase um copo de água antes de comer o
brigadeiro. Desta vez ele não fez careta e
nem ficou enrolando para engolir, e isso
provavelmente era para tentar impressionar
a nossa visita. Meia hora depois que
voltamos a ver o filme Lucas já estava
dormindo, mas o que mais me surpreendeu
foi que Luísa também dormia. Desta vez ele
estava deitado ao lado dela, que mantinha
um braço sobre a cabeça dele onde ela
estava fazendo cafuné. Pela primeira vez na
vida eu tive inveja do meu irmão.
Eu me levantei e fui até meu quarto pegar
os edredons para jogar por cima deles.
Quando eu estava cobrindo-os a tela do
celular da Luísa, que estava no chão ao lado
dela, iluminou com o nome do Vinicius. Era
errado que eu não a acordasse, mas eu era
egoísta o suficiente para fazer isso. Depois
de cobri-los voltei a me deitar no colchão
junto a eles. Fiquei olhando para o rosto
sereno e tranquilo de Luísa até o sono
finalmente dominar minha mente.
Luísa
Eu ouvia ao fundo alguma coisa vibrando,
e provavelmente deveria ser o meu celular.
Eu odiava acordar cedo, e eu odiava ainda
mais pessoas que me acordavam cedo.
Quando abri os olhos, a claridade que vinha
da janela me cegou por completo, então só
consegui enxergar meu celular no chão e
atendi.
— Alô?
— Bom dia, amor — disse Vinicius do
outro lado da linha. — Desculpa se te
acordei, sei que odeia acordar cedo, mas é
que eu te liguei ontem à noite e você não
atendeu.
Ontem à noite? Abri os olhos e sentei
rapidamente, olhei para o lado para
confirmar que Lucas e Marcelo estavam
dormindo ainda.
— Que merda.
— Luísa?
Como eu iria explicar isso?
— Ahn, oi.
— Você está dormindo ainda, né? —
perguntou ele rindo. — Eu desconfiei que
você tivesse dormido na sala vendo filme
ontem, por isso não me atendeu.
— Foi exatamente isso.
Bom, não é uma mentira, só não mencionei
que não foi na minha sala.
— Você não é uma pessoa da manhã, então
vou deixar você dormir, eu só queria te dar
bom dia e avisar que suas passagens já estão
compradas.
— Ah tá, ok.
— Bom sono, amor, até mais tarde.
Eu desliguei o telefone e o coloquei no
meu colo, esfregando meus olhos para ter
certeza que eu tinha acordado. Que merda
que eu fiz? Eu só me lembro do Marcelo ter
dado o remédio do Lucas, depois eu
comecei a mexer no cabelo dele para ele
dormir e tudo virou um borrão. Eu devia ter
ido embora quando senti meus olhos
pesarem. Sai com todo o cuidado do
edredom que estava sobre mim e procurei
por meus tênis. Quando os encontrei atrás do
sofá, fui na pontinha dos pés até a porta para
que ninguém acordasse.
— Você não quer tomar café? —
perguntou Biel, quando passei em frente à
porta da cozinha. Meu coração deu um salto
com o susto que não sei como consegui não
gritar, mas isso o fez começar a rir ao ver
minha reação. — Desculpa se te assustei,
juro que não foi minha intenção.
Virei para trás para verificar que os
meninos ainda estavam dormindo e entrei na
cozinha. Biel levantou uma xícara para mim.
— Tem certeza que não quer um café? —
Ele fez sinal para o banquinho ao seu lado e
então eu me sentei. — Você prefere café,
leite com achocolatado ou chá?
Isso era tão embaraçoso. Ele deve ter me
visto dormindo no colchão com seus primos,
e eu nem era tão íntima assim para esse tipo
de situação. O que ele pensaria de mim? Ele
era meu chefe, antes de tudo.
— Eu agradeço, mas vou recusar —
respondi me levantando. — Eu deveria ir
embora, me desculpa, eu acabei pegando no
sono, não era pra eu ter dormido aqui.
Eu tinha certeza que minhas bochechas
estavam vermelhas o suficiente, mas ele não
mostrava nenhuma reação, apenas olhava
para mim. Eu tentei ignorar o fato que ele
estava tão à vontade, com uma camisa
branca e um short e não com um terno social
como eu estava acostumada. Mas, depois eu
me lembrei de que aquele era seu
apartamento, e ele deveria ter dormido lá,
então era óbvio que ele estaria à vontade.
— Luísa, senta aqui e toma café comigo.
Você pode aproveitar para me contar como
acabou dormindo na minha sala.
Ele tentou segurar sua risada, mas falhou.
Ah merda, que vergonha. Eu não tinha feito
nada de errado, mas ainda sim era uma
grande merda.
— Vamos, puxa esse banquinho, pega uma
xícara e me acompanha — ele ofereceu mais
uma vez. — Você me conhece, vamos lá, me
dá um voto de confiança e vamos conversar
como amigos. Até melhor ser em um
ambiente que não seja de trabalho.
Sentei no banquinho ao seu lado e peguei
uma xícara de café, eu não conseguiria
comer, mesmo que amasse comer de manhã.
Talvez se eu contasse a ele que foi sem
querer, ele não iria pensar algo ruim a meu
respeito. Contei a ele que tinha vindo aqui,
feito brigadeiro e então acabamos pegando
no sono assistindo a um filme. Ele
concordava com a cabeça enquanto passava
a margarina no seu pão.
— Eu entendi tudo o que aconteceu, na
verdade eu deduzi que algo assim tivesse
acontecido quando cheguei de madrugada e
vocês estavam dormindo na sala — contou
ele. — Até pensei em acordar vocês, mas
pareciam tão confortáveis ali que só
desliguei a TV e fui para o meu quarto.
— Não foi você quem colocou aqueles
edredons?
— Não, quando eu cheguei vocês já
estavam cobertos. — Então devia ter sido o
Marcelo. Deveria ser errado que eu gostasse
que ele tivesse se preocupado em nos
aquecer e não em me acordar. — Tem
certeza que você não quer comer? Ao menos
prova esse pão caseiro, não tem pão mais
gostoso.
Ele cortou uma fatia e colocou no meu
prato, me oferecendo margarina, geleia e
doce de leite. Havia realmente muita opção
na mesa e eu realmente amava comer de
manhã, era quase que loucura recusar, por
fim acabei provando.
— Você tem razão, este pão caseiro é uma
delícia — confirmei quando estava na
segunda fatia.
— Eu falei para você, a vó Hilda arrasa.
— Hilda é a mulher do Fernando, não é?
Ele confirmou com a cabeça colocando
mais café em nossas xícaras.
— Sim, vó Hilda e vô Fernando são
casados há anos, eles vão fazer suas bodas
de ouro este ano.
Nossa, era realmente muito tempo.
— E você tem irmãos também que eu não
sei?
Ele riu.
— Não, eu não tenho irmãos, sou filho
único. Fui criado junto com meus primos,
então tanto a Letícia quanto o Marcelo eu os
vejo como irmãos. Só o Lucas que é mais
novinho então foi criado em outra época,
mas eu amo aquele garoto como se fosse
meu irmão também.
Por que ele não me passou essas
informações antes? Seria tão mais fácil se
tivéssemos essa conversa há algumas
semanas. Poderíamos ter evitado tantos
desentendimentos. Claro que é porque antes
nós não estávamos batendo papo aleatório
fora do trabalho, nunca tivemos exatamente
uma conversa fora do escritório. E da única
vez em que estávamos fora de trabalho sua
agradabilíssima namorada não deixou ele se
aproximar.
— Vocês são primos por parte de quem?
Já que eu estava aqui, eu iria atrás de
descobrir tudo o que eu pudesse.
— Por parte de pai, nossos pais eram
irmãos. Meu tio era mais complicado, muito
exigente, mas a tia era uma pessoa
maravilhosa. Ela sempre foi muito carinhosa
e tinha uma paciência infinita com a gente —
ele contou. Seu rosto estava tranquilo,
olhando para o prato com um sorriso nos
lábios, como se lembrasse de algo bom. —
Ela fazia o melhor bolo prestígio que eu já
provei na minha vida, eu a amava, era como
uma segunda mãe para mim. Eu sinto falta
dela, mas é mil vezes pior para o Marcelo,
ele era muito apegado a mãe.
Mesmo sentindo falta dela, e tendo ela
como alguém tão especial, eu gostaria de um
dia poder ver o Marcelo contando da mãe
dele para mim. Eu queria não ter que ver
aquele olhar tão triste em seus olhos ao se
lembrar dela, como foi na noite passada.
— O que aconteceu com eles?
Eu sabia que era invasão total de
privacidade, mas esta perguntava estava me
corroendo por dentro.
— Ele não te contou?
Biel olhou para mim e eu neguei com a
cabeça.
— Ele só contou que algo aconteceu há
muitos anos, que ele não estava pronto para
contar e que ficou responsável pelo Lucas,
mas não contou nada mais.
Ele balançou a cabeça e suspirou.
— Ninguém sabe exatamente o que
aconteceu, o Marcelo nunca entrou em
detalhes, ele não consegue falar sobre isso.
O que nós sabemos é o depoimento que ele
deu à polícia, de que sofreram um acidente
de carro, e que só ele e o Lucas conseguiram
sobreviver. — Meu coração queria saltar do
peito com aquilo, com aquela informação.
— Pelo que a polícia descobriu na época um
caminhão veio na contramão e bateu neles.
Ninguém sabe como, mas o Marcelo e Lucas
estavam na beira da estrada, e meus tios
estavam no carro quando explodiu.
Eu não consegui segurar a xícara em
minha mão, ela tremia tanto que eu estava
pingando café no balcão. Havia acontecido
um acidente trágico, e ele estava com o
Lucas na hora, mas só os dois conseguiram
sobreviver. Havia muito mais nesta história,
que aparentemente ninguém além de Marcelo
sabia. E o que quer que tenha acontecido ele
se culpava, mesmo que para mim, isso tenha
sido apenas um acidente. Um azar e um
infeliz acidente, mas não parecia ser culpa
deles que alguém estava na contramão.
— Não comente com ele sobre isso —
pediu Biel. — Ele não gosta desse assunto.
— É claro, não se preocupe.
Biel colocou a mão em minha perna e a
apertou.
— Eu fico feliz que ele tenha te contado
sobre o Lucas e sobre isso, ele não é muito
de se abrir para as pessoas. — Ele me
ofereceu um sorriso sincero. — Pode
parecer que ele não te contou nada, já que
você não sabia do acidente. Mas acredite,
ele compartilhou mais com você do que ele
compartilhou com qualquer outra pessoa.
Eu apenas balancei minha cabeça, eu não
conseguia falar agora, eu ainda estava
tentando acalmar o aperto que tinha em meu
coração.
— Vamos mudar de assunto, caso ele
acorde e queira saber sobre o que
conversamos. Como está a Carol? —
perguntou ele levantando as sobrancelhas,
nos fazendo rir.
Terminamos de tomar café e eu o ajudei a
lavar a louça, conversando sobre séries e
assuntos aleatórios. Eu ouvi passos vindo da
sala e pouco depois Marcelo apareceu,
esfregando os olhos e com o rosto inchado
de tanto dormir. Eu tentei ignorar que ele
estava apenas de shorts e que sua barriga era
tão definida quanto seu braço. Eu podia ver
gominhos ali, não que eu estivesse contando.
Tudo ficou ainda pior quando seus olhos
encontraram os meus e um sorriso surgiu em
seus lábios. Meu coração que recentemente
tinha recuperado seu batimento normal,
voltar a palpitar.
— Bom dia — disse ele com aquele
cabelo perfeitamente bagunçado e a voz de
sono.
— Bom dia — respondi.
— Vocês já comeram?
— Sim — confirmou Biel. — Nós
acabamos de comer, mas está tudo aí em
cima ainda.
Marcelo sentou no banquinho e pegou uma
xícara de café. Era difícil ignorar que ele
estava ali sem camisa, quando eu tinha que
ficar olhando para ele. Eu precisava ir
embora.
— Eu já vou indo — eu avisei, calçando
meus tênis. — Obrigada pelo café da manhã
e pela companhia Biel, eu adorei conversar
com você.
Biel se aproximou de mim e beijou meu
rosto.
— Eu adorei conversar com você também,
saiba que para o que precisar pode contar
comigo.
— Obrigada, você também — respondi.
— E por mais que eu não aprove isso, eu
vou dizer à Carol que você mandou um beijo
para ela.
Ele me segurou em seus braços e beijou
meu rosto mais uma vez.
— Eu adoro você, Luísa, e não se
preocupe, eu vou arrumar minha vida.
Eu não sabia a que ele estava se referindo,
mas ele ganhou um ponto comigo naquela
manhã, então eu daria a ele o benefício da
dúvida antes de julgá-lo. Ele saiu da cozinha
e eu me virei para Marcelo, que sorria para
mim.
— O que foi? — perguntei.
— Eu não sei o que você tem, mas meu
avô adora você, o Biel adora você, e depois
de ontem o Lucas muito provavelmente
adora você também. Acho que eu não tenho
muita opção aqui.
Eu não sabia o que responder, apenas
sorri. Falar para ele gostar de mim também
parecia errado, quando nem eu sabia definir
qualquer coisa naquele momento.
— Eu realmente preciso ir.
Ele se levantou e me conduziu até a porta.
— Vamos lá que eu te acompanho.
Ele abriu a porta e chamou o elevador
para mim, esperando comigo no corredor. Eu
não aguentei vê-lo ali só de shorts e
descalço, e ri.
— Do que você está rindo? — ele
perguntou.
— Se algum vizinho seu sair agora, vai
adorar ver você assim.
Ele deu de ombros e abriu a porta para
mim quando o elevador chegou. Aproximei-
me para beijar seu rosto e ele me abraçou.
Eu passei meus braços em volta de suas
costas e o calor do seu abraço trouxe de
volta aquele cheiro, tão dele, que eu já
começava a reconhecer.
— Obrigado — ele sussurrou.
— Eu só fiz brigadeiro, se você quiser um
dia eu te ensino — respondi rindo.
Ele riu comigo e beijou o alto da minha
cabeça antes de me soltar.
— Por isso também, mas por ter vindo
esta noite. Significou muito para mim, então
obrigado.
— É só me chamar — avisei a ele. — E
eu estou falando sério, pode me ligar a hora
que precisar.
Ele acenou com a cabeça e piscou para
mim.
— Obrigado, você também.
Eu acenei para ele e a porta do elevador
se fechou. A caminho de casa meu celular
tocou com o nome da minha mãe, mas eu
deixei ir para a caixa postal. Ontem à noite
eu tinha em minha mente aquela sensação de
que não era apenas tocar a campainha, e
agora eu tinha certeza disso. Eu tinha muito o
que processar.
Capítulo 16
Luisa
— Está pronta? — perguntou minha
mãe quando entrou em meu quarto.
Ela ficou responsável por me levar ao
aeroporto, para embarcar no avião que me
levaria a Recife. Na verdade eu tinha muitas
opções, eu tinha o Rafa ou a Carol, até
mesmo a Adri e o Marcelo se candidataram,
mas eu gostei que minha mãe se ofereceu
para esta função. Eu estava com saudade
dela.
— Sim, acabei de fechar a mala.
Eu estava ansiosa para esta viagem, e
também nervosa. Era errado usar a viagem
para testar meu namorado, mas era isso que
eu faria. Eu queria passar mais tempo com o
Vini, aliás, eu precisava passar mais tempo
com ele. Essa última semana com o Marcelo
me deixou confusa demais, era muita
informação para absorver. Eu ainda estava
processando toda aquela avalanche de
notícias que me foram contadas, tanto por
ele quanto pelo Biel, e passando o resto da
semana conversando com ele diariamente
por telefone também não estava ajudando.
Ele me ligava toda noite para conversar
sobre nossos dias, e ficar horas falando com
um amigo antes de dormir, parecia muito
errado. Mas, eu gostava de passar essas
horas com ele, de conhecer sobre sua vida e
sua família. Saber mais sobre seus irmãos e
a relação que eles tinham.
Ele me contou do irmão, do casamento da
irmã, dos avós e os pais do Biel. Contou até
mesmo muitas histórias engraçadas que eles
aprontaram quando criança, e por mais que
eu amasse todas as horas por telefone, eu
sempre senti um peso na consciência quando
desligava. Eu sabia que não estava fazendo
nada de errado, mas também não me parecia
certo. Eu só queria provar a mim mesma que
estava fazendo a escolha certa estando com
o Vini.
— Você está agitada — comentou minha
mãe ao colocar a mão na minha perna. —
Para de balançar essa perna que está me
dando agonia.
Eu nem mesmo percebia que estava
fazendo isso, era tão automático.
— Desculpa, mãe, é que eu estou ansiosa
com a viagem.
— É só com a viagem, ou tem algo mais
bagunçando essa cabecinha?
Eu havia comentado com ela sobre o
Marcelo, não a história de seus pais, isso
parecia algo muito particular para
compartilhar, mas todo o resto ela sabia. Eu
sempre vi minha mãe como minha melhor
amiga antes de tudo.
— Você acha que eu estou fazendo
errado? — perguntei. — E seja sincera.
— Alguma vez eu não fui?
— Eu sei, mãe, mas estou pedindo que
não seja delicada só porque sou sua filha,
quero que realmente me fale o que você acha
de tudo isso.
Ela balançou a cabeça e voltou a pôr a
mão no volante.
— Eu acho que este rapaz está mexendo
com a sua cabeça. Se eu acho isso certo?
Não, eu não acho. Mas, também não posso
dizer que o que vocês estão fazendo seja
algo errado, vocês só estão criando um laço
de amizade, embora eu tenha quase certeza
que se você não tivesse um namorado ele já
teria feito alguma coisa.
Ela riu e eu a acompanhei.
— O que você acha que eu devo fazer?
— Eu não sei, querida, esta é uma coisa
que você precisa fazer sozinha. Mas,
converse com o Vini — aconselhou ela. —
Se achar que deve contar a ele sobre tudo,
então conte, embora eu ache que isso só irá
deixá-lo inseguro. Você precisa decidir se
você é feliz com ele, se este é o
relacionamento que você quer. Vocês já
estão juntos há três anos, você já deveria
saber se ele é o cara para você.
Eu odiava quando ela era sincera demais,
às vezes eu só queria que ela dissesse uma
mentirinha ou algo que eu pudesse usar como
desculpa. Mas, se ela fizesse isso, não seria
minha mãe. Eu sabia o que ela queria me
dizer, eu precisava descobrir o que eu
queria, ou melhor, quem eu queria. Era o
Vini? Talvez. Eu usaria esta viagem para
descobrir.
Desembarquei em Recife e Vini estava lá
me esperando com um buquê de flores
coloridas nas mãos. Ele me entregou as
flores e me abraçou, e eu passei meus braços
em volta do seu pescoço, sentindo o calor do
seu corpo e a paz que aqueles braços sempre
me trouxeram.
— Eu senti tanto a sua falta — ele
sussurrou em minha orelha.
Eu apertei meus braços ao seu redor.
— Eu também senti.
Nós permanecemos por algum tempo
assim, apenas nos abraçando, e ele segurou
meu rosto em suas mãos colando os lábios
nos meus. Eu sentia falta do seu gosto em
minha boca, do carinho dos seus lábios. Sua
língua invadia minha boca com delicadeza e
tranquilidade, como se quisesse aproveitar
cada segundo do nosso beijo. Ele foi calmo
e me trouxe aquela sensação de paz que eu
sempre senti em seus braços. Quando nos
afastamos ele manteve o rosto próximo ao
meu, apenas deslizando suas mãos em meu
rosto e colocando meu cabelo atrás da
orelha. Ele não falou nada, apenas me
olhava.
— Eu realmente senti sua falta — disse
ele mais uma vez, me fazendo sorrir também.
Nós fomos ao hotel em que ele estava
hospedado, e eu não pude conter a animação
quando vi que ficaríamos os quatro dias
juntos, dormindo e acordando lado a lado.
Nós sempre ficávamos juntos quando
viajávamos, mas agora mais do que nunca eu
precisava dele o dia todo.
— Uma cama inteira para nós — eu disse,
me jogando no colchão. — Uau, você vai ter
que aprender a dividir o espaço.
Ele riu e se deitou ao meu lado.
— Como se você não soubesse que eu sei
dividir o espaço na cama.
Eu me virei pra ele.
— Eu não sei, ultimamente tenho minhas
dúvidas quando acordo sozinha na cama.
— É, eu mereço essa, mas eu acho que
será bom, vamos passar quatro dias
dormindo e acordando nesta cama — ele
disse, rolando para o lado e me puxando
com ele. — Serão dias que poderemos
passar como um casal de verdade, e desta
vez não teremos a Carol, Rafa, Alan ou
Thiago para nos perturbar. Seremos apenas
eu e você.
Ele distribuiu beijos por toda extensão do
meu pescoço enquanto deslizava a mão pela
minha cintura. Seus dedos deslizaram pela
lateral do meu corpo até retirar minha blusa.
Ele se levantou e retirou a camiseta e eu não
pude deixar de sorrir, eu sentia falta daquele
corpo. Ele voltou a beijar meu pescoço até a
parte de cima dos meus seios, dando uma
atenção extra neles antes de descer até minha
barriga. Ele conhecia meu corpo mais do
que qualquer pessoa, e sabia o que fazer. E
ele fez.
Nós saímos do quarto duas horas depois,
com nossas roupas de banho. A calçada nas
ruas era tão movimentada, as pessoas já
estavam empolgadas com o carnaval e
muitas vestindo seus abadás. Mas, o que
mais me impressionava eram os coqueiros,
nós não víamos muito disso no Sul, mesmo
no litoral. Embora ainda estivéssemos
apenas andando pela rua, eu já podia
enxergar o mar. A água tão azul e tão limpa,
que quase me fez chorar.
— Oh Deus, eu poderia viver aqui para
sempre.
Vini me abraçou por trás enquanto eu
ainda admirava o mar.
— É bem diferente, né?
— É lindo, é a praia mais linda que eu já
vi.
Ele beijou meu pescoço e ficamos ali,
admirando a vista. Era realmente
impressionante.
— Onde você quer almoçar, Lu? Nós
podemos ir lá ao hotel, ou um restaurante
aqui à beira mar.
Eu virei de frente a ele e fiquei na ponta
dos pés.
— Aqui na beira da praia, por favor, eu
preciso ficar babando com esta vista.
Ele riu e me beijou, um beijo rápido e
carinhoso. Almoçamos um prato com
camarão ao molho, que acompanhava muitos
legumes e mandioca. Embora o tempero
fosse um pouco mais forte do que estava
acostumado, eu adorei. Saímos de lá fomos
até uma buffet de sorvete, o calor de lá
também não era algo que eu estava
acostumada, então precisava me refrescar a
todo o momento.
— Nós podemos ir à praia agora? Eu
preciso entrar naquela água, por favor.
Vini passou os braços em volta do meu
corpo e me deu um beijo rápido nos lábios.
— Ainda são duas e meia, e por mais que
você passe muito protetor, você é
branquinha demais. Vamos esperar pelo
menos até às quatro pra ir lá.
— Você é tão ruim comigo, eu estou vendo
essa água azul há horas e ainda não pude ir
nadar.
Ele ria, mas eu não via graça na situação.
— Você vai nadar muito, a vantagem
daqui é que demora a anoitecer. Eu só não
quero que você pareça um pimentão e se
queime no seu primeiro dia, ok? Vamos à
feirinha para passar o tempo.
Nós continuamos andando e conhecendo
as feirinhas e lojinhas, e eu comprei cangas
para mim, para minha mãe e para a Carol.
Eram coisas realmente lindas, e muitas feitas
à mão, era impossível não se apaixonar.
Quando finalmente pudemos ir às praias e
senti aquela areia branca e fina nos pés, foi
quase como chegar ao paraíso.
— Vi, nós temos que alugar cadeiras e um
guarda sol.
— Não precisa, amor, aquelas tendas ali
na frente são do hotel, só temos que escolher
uma.
À nossa frente haviam várias tendas
cobertas com cadeiras de sol, e realmente
muitas delas estavam com a mesma
logomarca do nosso hotel. Assim que deixei
minha bolsa em uma das mesas, rapidamente
tirei minha canga e os chinelos.
— Vamos à água, vamos à água — eu
chamei.
Vinicius rapidamente tirou sua camisa,
deixando sobre a sua cadeira e esticou as
mãos para mim.
— Vamos logo, antes que você entre em
desespero.
Ele segurou em minha mão e nós corremos
para o mar. Aquela sensação de água fria em
meu corpo quente foi mais do que bem-
vinda. Ele passou as mãos em volta da
minha cintura me segurando perto dele e me
beijou. Ele estava o dia todo agindo como se
realmente precisasse de mim, de nós. Seu
beijo por mais que fosse lento e carinhoso,
transbordava de uma necessidade que eu não
entendia. Era diferente. Talvez porque desta
vez eu reparava em cada movimento dele
para dizer ao meu coração o que a minha
mente já sabia. Ele era o cara para mim. Não
era?
Eu estava amando Pernambuco, a
atmosfera aqui era outra. As pessoas sempre
sorrindo e festejando, música alta era ouvida
de qualquer lugar. Eu sempre amei esta
época do ano, mas o carnaval aqui era
definitivamente outro nível.
— Vamos subir? — perguntou Vini
quando retirou o livro de minhas mãos. Ele
colocou meu marcador na página que havia
parado e deixou meu livro sobre a mesa, se
deitando ao meu lado na esteira. — Já está
anoitecendo, precisamos jantar para ir às
ruas do centro.
Parecia uma boa proposta, mas eu queria
aproveitar aquela praia mais um pouco. Eu
deixei que ele me abraçasse e deitei minha
cabeça sobre seu peito, enquanto via o sol se
pôr. Ele abriu os olhos ainda sorrindo para
mim. Eu sempre me senti adorada e
protegida quando ele me olhava, aqueles
olhos azuis com pontinhos verdes em volta
da sua pupila sempre me trouxeram a
sensação de calmaria, como o céu. Como eu
poderia abrir mão disso? Como eu poderia
deixar que alguém me confundisse quando eu
tinha tudo o que havia sonhado bem diante
de meus olhos? Eu mentiria se não admitisse
que meu corpo e meu coração agiam de
forma estranha quando estava com o
Marcelo, mas era algo que me assustava e
me deixava nervosa, o contrário do que eu
sentia com o Vinicius. Com ele eu sabia que
estava segura, com o Marcelo eu não tinha
tanta certeza.
— Está tudo bem? — ele perguntou
tocando meu rosto. — Senti que você saiu
do ar por um tempo.
— Eu preciso te contar uma coisa, e eu
espero que você não fique bravo comigo.
Seus olhos me analisaram quando contei a
ele sobre a noite de sábado, quando eu
conheci o Lucas e acabei dormindo com ele
e o Marcelo na sala. Não contei o teor das
conversas que tive, assim como não contei à
minha mãe, mas tentei não esconder mais
nenhuma informação. Eu não gostava de
mentir para ele.
— Aconteceu mais alguma coisa? —
perguntou ele. — Eu preciso me preocupar
com isso?
— Não, não precisa se preocupar e nada
mais aconteceu. Quando atendi estava um
pouco confusa e depois eu não soube como
te contar isso por telefone, mas não
aconteceu nada.
— Se você diz, eu acredito, confio em
você, Luísa.
Eu acenei e deitei minha cabeça em seu
peito de novo, e deixei que seus braços
tirassem todas as dúvidas da minha mente.
Eu não queria mais pensar nisso, e ficar
fazendo comparações parecia ainda mais
errado do que estar com o Marcelo.
Nós subimos ao hotel para nos arrumar, e
depois do jantar fomos para o centro da
cidade. Eu segurei suas mãos firmes com as
minhas, como se tivesse com medo de que
ele me soltasse. Havia pessoas de abadás,
outras com roupas de banho e alguns homens
já estavam sem camiseta. As pessoas
pulavam e dançavam com tanta alegria, que
era impossível não se contagiar. Nós
seguimos os carros alegóricos e trombamos
em todas as pessoas pelo caminho. O dia
todo eu o senti ansioso, mas aqui dançando
comigo e se divertindo, eu o percebi mais
relaxado. Era quase três da manhã quando
finalmente cansamos e voltamos para o
hotel. Nós tomamos banho e então ele me
amou novamente, mas desta vez parecia mais
relaxado. A primeira vez estava com uma
pitada de urgência e saudade, agora era
como ele sempre fazia, lento e carinhoso. Eu
virei para o lado e ele estava ofegante, mas
com um sorriso enorme nos lábios.
— Eu te amo tanto, Lu, obrigado por ter
vindo passar esses dias comigo.
Eu não pude deixar de sorrir ao ouvir.
Deitei minha cabeça sobre seu peito,
deixando que o movimento da sua respiração
me levasse ao sono. Eu estava tão cansada,
que tenho certeza que não demorei muito
para dormir.
Vinicius
Eu havia acordado há pouco tempo, mas
não tive coragem de levantar para não
despertá-la, apenas sentei encostado na
cabeceira e permaneci parado. Luísa dormia
tranquilamente ao meu lado, abraçada em
seu travesseiro e com muitos fios de cabelo
sobre o rosto. Eu os afastei e fiquei olhando
para ela, tão linda em seu sono profundo.
A primeira vez que eu a vi, aquela
pequena mulher pulando e dançando com os
amigos como se não se importasse com as
pessoas à sua volta, fez com que eu me
apaixonasse por ela. E isso só foi
aumentando com o tempo. Ela tinha um
coração de ouro, era a pessoa mais sincera,
generosa e carinhosa que eu havia
conhecido. Eu confiava nela cegamente e
sabia que ela jamais mentiria, ela nunca me
deu motivos para pensar o contrário, nem
mesmo contando aquela história de dormir
fora de casa. Ela nunca julgou minhas
manias ou meus hábitos estranhos, mesmo
que eu soubesse que ela não gostava deles.
Eu sempre fui acostumado a ser sozinho,
mas aos poucos ela foi quebrando este muro
e invadindo meu espaço. Eu sabia que ela
ficava triste ao acordar e não me ver ao seu
lado, mas eu sempre gostei de dormir na
minha cama e acordar na minha casa para
que eu não me atrasasse. Eu sempre foquei
tanto na minha independência que isso era
um hábito difícil de quebrar. Queria ser bem
sucedido no trabalho, ter uma estabilidade
financeira, cresci com o pensamento de que
o homem deveria ser o responsável pela
casa. Por muito tempo eu priorizei o
trabalho em vez desta linda mulher deitada
ao meu lado, mas esta era a forma como eu
funcionava. Se eu queria dar uma vida boa
para ela, eu precisava me esforçar. E eu
queria que ela tivesse o melhor, ela não
merecia menos que o melhor.
Eu a vi se espreguiçar e abrir os olhos.
Ela sorriu aquele sorriso lindo e preguiçoso
que eu vi poucas vezes, e um arrependimento
tomou conta de mim. Eu deveria ter visto
mais vezes ela sorrir daquele jeito, deveria
ter visto mais vezes ela acordar com a cara
amassada do travesseiro, mas eu tinha a
esperança que isso seria recompensado na
hora certa.
— Bom dia — disse ela, fechando os
olhos de novo. — Faz tempo que acordou?
— Não muito.
Eu deitei na cama e a puxei para meus
braços, não demorou muito para que sua
respiração ficasse regular. Ela era tão
preguiçosa de manhã, eu sabia disso, mas
vê-la ali lutando para tentar não dormir de
novo era algo que me fez sorrir. Eu comecei
a passar a mão pelo seu cabelo e ela dormiu
novamente, mas desta vez estava em meus
braços, e isso era algo que aquecia meu
coração.
Nós aproveitamos cada segundo desta
viagem, e eu queria que ela gostasse da
cidade e mais ainda de estar comigo o dia
todo. Isso era algo que eu sempre havia
sonhado para nós, e esta ideia estava me
corroendo por dentro. Dormir e acordar com
ela todos os dias era algo que eu sempre
quis, e passar estes quatro dias juntos apenas
confirmou isso.
Na noite de terça eu quis levá-la para
jantar fora, em um restaurante que me
recomendaram. Eu precisava contar a ela
sobre meu trabalho e os planos que eu havia
feito para nós.
— Este restaurante é muito lindo — disse
ela quando eu puxei a cadeira para que se
sentasse.
— Espero que a comida seja tão boa
quanto a vista.
Nós jantamos e rimos, lembrando de tudo
o que havíamos visto no carnaval. As
músicas que ficaram em nossas cabeças, as
cenas engraçadas que presenciamos. Quando
a sobremesa veio, eu tomei uma respiração
funda.
— Você vai me dizer o que está te
incomodando tanto? — perguntou ela.
— Como você sabe que tem algo me
incomodando?
Ela deu de ombros e deu mais uma
colherada do seu Petit Gateau.
— Você parece ansioso, eu percebi isso
desde o primeiro dia, mas achei que você
me contaria quando achasse que devia — ela
comentou. — Só que desde que chegamos
aqui, você parece mais nervoso que o
normal, então esta é apenas uma teoria.
Ela havia percebido, então eu não tinha
mais o que esconder. Bom, apenas a aliança
que eu mantinha em minha mala, mas isso
era planos futuros.
— Na semana passada quando chegamos
aqui, eu e o Alan ficamos responsáveis de
ver como eles iriam implantar os projetos
que criamos — eu disse. Ela apenas
concordou com a cabeça e continuou
comendo sua sobremesa. — Só que no
decorrer da semana, eles pediram para gente
ficar aqui e acompanhar toda a construção.
Ofereceram-nos um cargo de confiança e
com maior salário na empresa, para que
pudéssemos ficar aqui e dar assistência a
eles.
Eu fiquei um pouco nervoso de contar isso
a ela, porque isso significava que eu moraria
aqui pelos próximos meses, e eu sabia que
este seria um grande passo para nós dois.
Ela parou de comer, mas não disse nada.
— Este projeto está previsto para ser
concluído no final do ano, então eu teria que
me mudar para cá pelos próximos meses —
eu contei. Ela continuou em silêncio e eu
peguei suas mãos nas minhas. — Nós
comentamos ano passado sobre a hipótese
de morarmos juntos, mas você viajou para a
casa dos seus avós e nós nunca mais
tocamos no assunto. Eu quero que você
pense sobre isso, Lu. Daqui a três meses
você se forma, e eu gostaria que você viesse
morar comigo. Se não gostarmos daqui
podemos voltar para Curitiba.
Sua mão ficou gelada sobre a minha então
eu a segurei firme para aquecê-la.
— Eu sei o quanto você se esforça no
trabalho, e tenho certeza de que este deve
ser um grande passo para você. Então
parabéns, amor, toda sua dedicação está
sendo recompensada — ela comentou com
um sorriso, mas não era um sorriso
completo. Eu sabia que ela realmente estava
feliz por mim, seus olhos me diziam isso,
mas eles não brilharam como eu sabia que
eles eram capazes de brilhar. — E quanto a
morar aqui, uau, eu ainda não sei o que dizer
sobre isso.
Eu não vou negar que isso me deixou
desapontado, mas eu esperava que fosse
apenas por ter sido pega desprevenida.
— Eu sei que é muito para absorver, mas
eu gostaria que você pensasse na minha
proposta. É apenas por alguns meses, Lu.
Lembre-se de nossos últimos dias juntos, do
quanto amou esta cidade e os lugares que
visitamos, e principalmente de nós dois
finalmente vivendo como um casal. Seria
isso em tempo integral, e eu gostaria muito
de poder dividir meus dias com você.
Seu sorriso aumentou de um jeito
carinhoso e ela apertou minhas mãos, e
pensei que isso fosse significar algo bom.
Era sinal de que ela realmente havia gostado
dos dias que passamos juntos tanto quanto eu
gostei. Apostaria todas as minhas fichas que
ela pensaria na minha proposta, e daqui a
três meses, viria morar comigo para enfim
começarmos a viver nossa vida juntos.
Luísa
— Bom dia, amor — disse Vinicius ao
sair do banho.
Eu me levantei e fui até ele, beijando-o
rapidamente.
— Bom dia. Vou tomar um banho
rapidinho e nós já descemos para comer.
Aproveitei meu momento sozinha no
banho, para deixar que a água me acalmasse
e assim pudesse organizar meus
pensamentos. Eu estava me acostumando a
acordar os últimos dias ao lado de Vinicius,
descer para tomar café da manhã juntos,
passar o dia ao seu lado e conhecer a
cidade. Era a primeira vez que fazíamos uma
viagem apenas nós dois, sempre que
viajávamos era com nossos amigos. Agora
eu entendia um pouco mais do motivo que
ele queria tanto que eu conhecesse a cidade
e me apaixonasse por ela. Sua proposta
havia me surpreendido, eu sabia o quanto ele
era esforçado no trabalho e que isso um dia
seria recompensado. Eu só não sabia que
seria desta forma. Não pude deixar de ficar
feliz por ele, e ele mais do que ninguém
merecia esse reconhecimento, mas me mudar
de Curitiba era algo que eu não havia
planejado. Minha família, meus amigos,
minha vida parecia estar lá, mudar era algo
que me assustava.
Estávamos descendo para o café da manhã
quando meu celular tocou, com o nome do
Fernando na tela.
— Alô.
— Bom dia, querida. Espero que não
tenha te acordado.
— Não, eu já estava acordada. Aconteceu
alguma coisa?
— Sim, mas eu não quero estragar seu dia,
então quando você chegar amanhã o pessoal
irá te contar tudo o que aconteceu. Eu só
queria saber se você poderia faltar à
faculdade na próxima semana para uma
viagem, nós precisamos que alguém viaje
com o Marcelo para visitar alguns de nossos
clientes.
Aquilo me deixou preocupada e eu queria
perguntar o que havia acontecido, mas eu
ligaria para o Marcelo à noite para que ele
me esclarecesse tudo.
— Eu posso conversar com meu
orientador, acredito que não terá nenhum
problema.
Ele soltou um suspiro aliviado do outro
lado da linha.
— Que maravilha — exclamou ele. — Eu
já vou pedir para a Carla deixar todas as
passagens e hospedagens de vocês prontas.
Alguém daqui de Curitiba teria que
acompanhá-lo, e você é a pessoa ideal. Não
se preocupe que vou reajustar seu salário
com todas estas viagens e tudo o que está
fazendo por nós ultimamente. Eu preciso
desligar, querida, faça uma boa viagem.
Eu desliguei o telefone e fiquei olhando
para ele, ainda confusa com aquela ligação.
Algo havia acontecido e fiquei chateada que
ninguém havia me ligado para avisar. Eu
percebia meus amigos ausentes nos últimos
dias, mas eu pensava que era porque
estavam aproveitando o carnaval.
— O que aconteceu? — perguntou
Vinicius ao meu lado. — Está tudo bem?
— Sim, era Fernando perguntando se eu
poderia faltar à faculdade na semana que
vem, parece que surgiu um problema no
escritório e ele precisa que eu viaje.
Ele sorriu para mim antes de me oferecer
um prato.
— Estou feliz por você, está lá há pouco
mais de um mês e eles já confiam muito no
seu trabalho. Está vendo? Você é capaz,
tenho certeza que encontrará algo aqui
também.
Eu sorri, mas não com tanta confiança.
Claro que não havia garantias de que eu
permaneceria como advogada na SMD
depois que me formasse, mas seria muito
mais difícil começar do zero em outra
cidade. Ao menos uma coisa ainda me
reconfortava em toda aquela decisão, nada
era definitivo, como ele havia mencionado, e
se não nos habituássemos, poderíamos
voltar. E era a essa ideia que eu iria me
apegar.
O meu voo estava marcado para às três
horas da tarde, nós havíamos combinado de
aproveitar nosso último almoço juntos em
um restaurante de frutos do mar, e ele me
levaria ao aeroporto. Eu havia enviado
várias mensagens no grupo do escritório,
mas ninguém me respondeu. As únicas
pessoas que me responderam foram o Rafa e
a Carol, no nosso próprio grupo, e eles
apenas mencionaram que tinham descoberto
alguma coisa da Jessica e que os meninos
haviam voltado antes para Curitiba para
resolver problemas no escritório. As
pessoas me mantiveram no limbo, e aquilo
estava começando a me incomodar. Na saída
do restaurante, Vinicius acenou para um
grupo de homens.
— São os sócios da empresa, vou te
apresentar para eles — sussurrou ele quando
nos aproximamos. — Olá senhores, boa
tarde.
Dois deles eram mais velhos, já com
alguns fios grisalhos. O terceiro era mais
novo, mas eu via muita semelhança dele com
um dos homens mais velhos, ele
provavelmente era filho de um deles.
Quando Vinicius me apresentou, um chamava
Mendes, o outro Moura, e o mais novo foi
apresentado como Moura Júnior,
confirmando minhas teorias.
— Que adorável, sua namorada —
comentou o senhor Moura. — Você já
conhecia Pernambuco, querida?
— Não, primeira vez.
— E o que achou?
— Eu me apaixonei pela praia, nunca vi
água tão linda e clara antes. Mas, confesso
que o calor é algo que estranhei muito.
Todos eles riram e o senhor Mendes
acenou.
— Posso entender, eu também estranhei
muito quando fui para o Sul, principalmente
à noite.
Eles começaram alguma conversa sobre
os projetos deles e fiquei olhando meu
celular algumas vezes na esperança de que
alguém me respondesse ou retornasse minhas
ligações.
— Precisamos ir, se não vou me atrasar
para o voo — disse para Vinicius e olhei
para os homens à minha frente. — Foi um
prazer conhecê-los, mas eu realmente
preciso ir, meu voo é daqui à uma hora e
preciso passar no hotel pegar minhas malas.
Os Moura assentiram e o senhor Mendes
pegou na minha mão.
— Faça uma boa viagem, querida, e
espero que se acostume ao calor e se junte a
nós o quanto antes. Vinicius já nos contou
que você irá se mudar quando se formar.
Como assim, já contou que eu vou me
mudar? Eu nem confirmei nada ainda. Olhei
para meu namorado em busca de alguma
resposta, mas ele fingia estar se despedindo
do Júnior.
— Muito obrigada, senhor Mendes. E
quanto a me mudar ainda estou pensando,
tenho três meses para me decidir.
Desta vez foi ele que me olhou estranho.
— Pensei que já estivesse certo, Vinicius
até chegou a ver algumas casas que estão à
venda com a minha corretora esta semana —
contou ele antes de bater na minha mão mais
uma vez. — Então pense com carinho e
venha acompanhar seu namorado, vocês vão
amar morar aqui.
Eles se despediram e seguimos para o
hotel. Quando estávamos a uma distância
segura, soltei a mão de Vinicius e o encarei.
— Então quer dizer que eu vou me mudar?
Eu pensei que era algo que eu deveria
pensar.
Vinicius tentou segurar minha mão de
novo e eu me afastei, cruzando os braços.
— Ele deve ter entendido errado, eu disse
que iria falar para você vir, ele pode ter
pensado que você já tinha aceitado.
— Sei, e que história é essa de ver casa
para comprar? Sei que não vai ficar em hotel
durante os meses que ficar aqui, mas você
vai comprar uma casa? E se a gente não vier
pra cá? Vai vender no final do ano?
— Era para alugar, eu não vou comprar
uma casa. Estava apenas vendo, para então
quem sabe ano que vem nós comprarmos
uma.
— Eu não sei nem o que vou fazer
amanhã, Vinicius, que dirá no ano que vem.
Você não pode sair falando que vou me
mudar, se eu soube disso ontem. Não pode
comprar uma casa se não sabemos nem se
vamos morar aqui.
Ele tentou se aproximar mais uma vez.
— Luísa, aqui não é lugar para conversar,
você está chamando atenção.
— E daí? As pessoas não veem
namorados brigando? Eu nem estou te
batendo ou gritando com você.
Ele riu, uma risada irônica, e começou a
me conduzir pela calçada.
— Vamos para o hotel, você vai se atrasar
— disse ele ao meu lado. — E seu
comportamento agora não foi nada bonito,
aliás, foi muito rude da sua parte ficar vendo
o celular.
— Ah, e você queria que eu falasse algo
que eu não entendia? Sobre construções e
pedreiros? A única coisa que eu sei sobre
pedreiros são cantadas. Queria que eu
começasse a falar cantadas de pedreiros
para interagir?
Ele balançou a cabeça reprovando minha
resposta e eu dei de ombros. Eu não estava
nem aí, estava brava e azar o dele se não
gostava.
Capítulo 17
Marcelo
— Para quem você está acenando? —
perguntou Luigi ao me ver acenar.
Eu saí da água com Lucas e logo vi Carol
e Rafa se aproximarem.
— Eles finalmente chegaram.
Quase como se tivessem combinado, os
quatro viraram para trás para ver a quem eu
me referia. Carla foi a primeira a se
manifestar, correndo de encontro a eles e
pulando em Rafael. Luigi sorriu e pegou
outra cerveja no cooler enquanto Matteo
continuou sentado na cadeira. Biel
rapidamente se levantou, e eu percebi o
sorriso que ele tentava segurar ao ver Carol.
Eu queria ver como a Jessica reagiria se ela
estivesse aqui agora para vê-lo babando por
outra mulher.
— Olá — disse Carol nos
cumprimentando quando se aproximou.
Ela e Rafa cumprimentaram todos nós e
então a Carol se aproximou de Biel, que a
abraçou por um pouco mais de tempo do que
nós fizemos. Pela primeira vez na vida eu
desejei a companhia da Jessica, aquilo seria
uma cena e tanto.
— Que bom que você veio — Biel disse
enquanto a abraçava.
Ela rapidamente se desvinculou dele, um
pouco corada, e se aproximou do rapaz que
veio com eles. Ele estendeu a mão e eu o
cumprimentei, mas sua postura mudou
quando ele se virou para meu primo.
— Olá, sou Thiago, namorado da Carol
— ele se apresentou.
Carol ficou mais corada do que já estava,
e quando olhei para Luigi e Matteo, eles
estavam tentando segurar o riso como eu.
Meu primo ficou estático e não pude deixar
de notar aquele olhar curioso que ele lançou
para a Carol. Aposto que ela não havia
mencionado este detalhe para ele nas
mensagens.
— Bom, não somos namorados ainda —
esclareceu Carol, mas rapidamente foi
interrompida quando Thiago passou as mãos
sobre sua cintura e a beijou nos lábios.
— Isso é apenas questão de tempo —
Thiago retrucou e se manteve ao lado dela,
sorrindo para meu primo.
Eu não pude deixar de rir desta vez, o
homem estava claramente marcando
território. Por mais que talvez ele nem
soubesse, não havia muito com o que se
preocupar já que a Jessica ainda estava em
campo. Ele havia notado o olhar do meu
primo para a Carol, e esta foi a sua melhor
forma de dizer que ela estava acompanhada.
O que para nós era ruim, já que estávamos
torcendo para que a Carol fosse aquela que
nos livrasse da Jessica. Biel pareceu
desconfortável diante da cena. Seu maxilar
estava tenso, pela primeira vez na vida eu
acho que vi meu primo fechar as mãos em
punho, como se estivesse tentando se
controlar. Ele então tentou disfarçar e se
virou para olhar para Lucas, que estava
sentado em sua cadeira tomando
refrigerante.
— Vamos lá comprar seu milho?
Lucas rapidamente se levantou e eles se
afastaram. O clima ficou desconfortável, e
ninguém soube muito bem o que dizer. Luigi
se aproximou de Carol e Thiago com uma
lata de cerveja na mão.
— Querem? — ele ofereceu. — Nós
temos vodca e energético também, fiquem à
vontade.
Eles aceitaram a cerveja, conversando
sobre as aulas de muay thai e academia.
Rafa e Carla foram jogar frescobol e eu me
aproximei de Matteo.
— Que merda você acha que vai
acontecer neste carnaval? — ele perguntou
quando me sentei na esteira ao seu lado.
— Não sei, mas estava torcendo para que
a Carol nos ajudasse, agora não tenho tanta
certeza.
— Você sabia que ela namorava?
— Não, mas pela resposta dela acho que
eles não estão namorando, mas o cara foi
esperto. Ele se apresentou para todo mundo
como Thiago, e no Biel fala namorado da
Carol? Ele percebeu.
Ele concordou com a cabeça, tomando sua
cerveja.
— Sabe o que seria engraçado? Se a
Jessica estivesse aqui. Ela foi almoçar com
o Carlos, mas a tarde ela volta, quero ver a
cara dela quando perceber o namoradinho
perfeito olhando para outra.
Biel retornou com o Lucas e foram brincar
na areia, afastados da tenda onde estávamos.
Fiquei preocupado com meu primo, ele
realmente pareceu chateado com o fato da
Carol estar nos braços de outro. Talvez a
situação já estivesse mais avançada do que
havíamos previsto. Carol e Thiago se
aproximaram com o Luigi então começamos
a conversar. Ele contou que trabalhava junto
com Vinicius e Alan, mas que estava em
outro projeto e por isso não iria para Recife
com os outros. Quando fomos almoçar e os
convidamos, apenas Rafa aceitou o convite
por insistência da Carla, mas Carol e o
Thiago foram a um restaurante.
— Esta é a casa de quem? — perguntou
Rafa.
— É meio que uma sociedade também, é
metade do Nando e metade do Nonno —
respondeu Luigi.
— Isso é muito legal.
Eu não pude deixar de concordar, vovô e
Enzo realmente fizeram um bom trabalho.
Eles eram vizinhos há muitos anos, então
quando os netos começaram a crescer e
passar as férias aqui, eles resolveram juntar
os terrenos. Quebraram o muro que dividia e
reformaram tudo. Agora restava uma grande
casa na parte da frente, com uma sala de TV
e jantar, e cada lado da casa era de uma das
famílias, com as suítes dos nossos avós e
alguns para visitas. A cozinha ao fundo era
na varanda aberta com paredes de vidro,
uma grande mesa onde caberiam todos e uma
churrasqueira ao lado. Uma piscina separava
a casa deles da nossa. Ao fundo do terreno
havia um salão de jogos, com outra
churrasqueira e frigobar, onde ficavam o
pebolim e sinuca. Na lateral havia uma
escada, que levava para a sacada das suítes
acima. Havia cinco, uma para cada neto, mas
nos últimos anos a Letícia ficava dentro da
casa com o namorado já que fazíamos
barulho e dormíamos tarde, então a Adri e a
Carla tomaram posse.
Chegamos à varanda, vovô e Enzo
rapidamente vieram cumprimentar o Rafa.
Eles o apresentaram para a vó Hilda e para
Ângela, a esposa de Enzo. Ângela tinha o
cabelo curto, loiro e claros olhos azuis. Ela
sempre foi como uma vó para todos nós,
mesmo que Matteo e o Luigi nem fossem
seus netos biológicos. Ela amava a todos nós
como dela, assim como a vó Hilda, e isso
era o que importava. Jessica chegou e
rapidamente se sentou ao lado de Biel, sem
se dar ao trabalho de cumprimentar os
outros.
— Desculpa a demora, precisei resolver
umas coisas com o meu pai — comunicou
ela antes de pegar um prato e se servir.
Carlos também tinha casa aqui, mas ficava
a algumas quadras. Antes do Duarte se
aposentar, nossas famílias eram mais unidas,
e eles sempre vinham almoçar com a gente.
Mas desde o ano passado quando ele
faleceu, as famílias se afastaram de vez. Se
não fosse por Carlos e Jessica ainda no
escritório, tenho certeza que não nos
veríamos mais.
— Vamos jogar sinuca? — perguntou
Luigi quando terminamos o almoço. —
Podemos ficar lá até o sol baixar para
voltarmos à praia.
Todos rapidamente concordaram e fomos
para o salão de festas. Eu estava jogando
com Biel, Matteo e Luigi sinuca, Carla e
Rafa estavam no truco esperando a vez
deles, mas a Jessica ficou sentada no balcão
do bar teclando em seu notebook o tempo
todo. Eu estava há dias de olhos nela, desde
que Luísa comentou sobre uma reunião que
ninguém estava sabendo. E a Jessica em
reunião e ajudando o pai toda hora, era algo
realmente muito suspeito. Ela nunca se
envolveu muito com o escritório, então
aquele papo de que ela estava trabalhando e
estudando era algo difícil de engolir. No fim
da tarde resolvemos voltar para a praia, e
Jessica subiu para a suíte do Biel para se
trocar.
— Há quanto tempo a Carol está
namorando o Thiago? — Biel perguntou ao
Rafa.
Todos nós começamos a rir, e Luigi
estendeu as mãos para o Mattteo.
— Você está me devendo cinquenta reais,
Teo. Eu te disse que ele não ia aguentar ficar
sem saber.
Biel deu de ombros, tentando não rir como
nós.
— E então? — insistiu ele.
— Eles não estão namorando, na verdade
— esclareceu Rafael. — Faz apenas uma
semana.
— Quer dizer que é recente.
— Sim, eu acho que ele falou daquele
jeito para te provocar.
— Ah, você acha? — debochou Carla
rindo. — Todo mundo percebeu isso
também. Ele deve ter visto como o Biel
olhava para ela.
Lucas veio correndo com sua prancha ao
meu encontro e foi quando vi Jessica se
aproximando.
— Ela está vindo, calem a boca.
Todo mundo olhou para Jessica rindo, mas
ninguém se atreveu a falar nada. Biel apenas
balançou a cabeça e esticou a mão para ela.
Carla e Rafa, que estavam jogando frescobol
com Matteo e Luigi, retornaram para a tenda
quando viram Carol e Thiago se
aproximando. Todos ficaram em silêncio por
um tempo, o que chamou a atenção de
Jessica, que abaixou sua revista e nos
encarou. Ela percebeu a presença de Thiago
e Carol, olhando-os de cima a baixo, mas
permaneceu calada.
— Carol, esta é a Jessica, namorada do
Biel — Luigi apresentou, pegando uma água
do cooler. — E estes são Carolina, minha
aluna de muay thai e seu namorado, Thiago.
Ele então bebeu sua água para disfarçar o
riso, o que estava começando a ficar difícil
para o resto de nós. Carla foi a primeira a
rir, seguido de Rafa.
— Desculpa, foi uma piada idiota que o
Rafa me contou — Carla disse e puxou Rafa
pelo braço. — Nós vamos nadar.
Jessica acenou e voltou sua atenção para a
revista. Teo e Luigi também se afastaram,
indo para o mar.
— Vocês vão para a água também? — eu
perguntei.
Jessica e Biel negaram com a cabeça,
enquanto Thiago e Carol concordaram.
Deixei Lucas com meu primo e fomos todos
para o mar. Passamos o final de semana
juntos, aproveitando a praia e os trios
elétricos. Jessica percebeu o comportamento
de Biel, mesmo que ele se esforçasse para
ignorar Carol. Thiago percebeu também, já
que a todo o momento olhava desconfiado
para meu primo. Na segunda de manhã,
havia mais de cinco ligações da Adri e uma
mensagem para que ligasse para ela mais
rápido possível.
— Que bom que você me ligou, eu liguei
no celular de todo mundo, mas ninguém me
atendeu então torci para que você acordasse
cedo — ela falava do outro lado da linha.
— Bom dia. Também estou morrendo de
saudade de você, Adri.
— Eu também estou com saudade, mas
não há tempo para isso agora, o papo é
sério. Eu preciso que você verifique uma
suspeita que eu tenho.
Eu me sentei rapidamente na cama.
— O que aconteceu?
— O Alan me perguntou ontem o que o
escritório estava fazendo, que alguém da
SMD ligou lá para conversar com o
departamento jurídico sobre mudanças das
procurações nos processos, que queriam
uma reunião e etc. Você está sabendo de
alguma coisa?
— É claro que não, e que procurações são
essas?
— Eu estava pensando que só eu não
sabia, mas pelo jeito alguma merda está
acontecendo. Ele não sabe quem foi só disse
que era uma mulher. A Carla não avisou
nada, e como o Alan conhece a Luísa e sabe
que não é ela, estou suspeitando que seja a
Jessica.
Foi então que as coisas começaram a fazer
sentido.
— Eu estou desconfiando da Jessica
desde quando a Luísa disse que ela fez uma
reunião com o pai com um cliente do
escritório.
— Ela em reunião? Ela nunca se envolveu
com nada.
— Exatamente. E desde que estamos aqui,
ela passa a manhã com o pai e a tarde toda
no notebook, dizendo que está estudando.
— Que mentirosa! — ela gritou. — Se ela
estudasse já tinha passado no exame da
Ordem. Ela está fazendo tudo naquele
notebook, menos estudando.
Eu ri e Adri me acompanhou.
— Obrigado por avisar, eu vou ver se
descubro alguma coisa e te aviso. Você está
se divertindo aí?
Ela soltou um suspiro do outro lado da
linha.
— Sim, tudo ótimo aqui. Só não está
perfeito porque estou longe de vocês. Mas
os pais do Alan são uns amores, e nós
estamos nos dando muito bem.
— Que bom, fico feliz por você. Estamos
sentindo sua falta aqui também.
— É bom que sinta mesmo. Agora eu vou
desligar, assim que souber de algo me avisa.
Eu te amo, manda um beijo para todo mundo
aí.
Eu desliguei o celular e fui correr na
praia, tentando pensar em tudo o que a Adri
havia me contado e os acontecimentos que
estavam me incomodando. Eu precisava
descobrir o que a Jessica tanto se envolvia
com o pai, e tinha certeza que o que ela
estava fazendo naquele notebook, poderia
me dar respostas que eu precisava. No café
da manhã eu contei na mesa sobre a ligação
da Adri e nossas suspeitas.
— Você não ligou para lá, não é? —
perguntei à Carla. Eu queria confirmar antes
de realmente fazer acusações.
— É claro que não, normalmente quem
liga são eles, e eles sempre pedem para falar
com a Adri.
— Então foi realmente a Jessica, não tem
outra pessoa.
— Se perguntarmos diretamente para ela,
ela vai saber que descobrimos alguma coisa
e não vai nos contar — alertou Matteo.
— Além de ser capaz de tentar esconder
as coisas — completou Carla.
— Eu percebi mesmo ela afastada mais do
que o normal nesses dias, não que eu esteja
reclamando — disse Luigi rindo. — Ela está
estranha, não sai daquele computador, e
parece tão distraída que ainda não deu
nenhum chilique com a Carol.
Biel se mexeu desconfortável em sua
cadeira, mas permaneceu calado.
— E isso realmente não é o padrão dela
— Matteo comentou. — Ela não se envolve
com clientes, nunca foi de estudar, e em
qualquer outra época ela já teria fincado as
garras em volta do Biel e não o soltaria por
vinte e quatro horas por dia. E
definitivamente já teria falado alguma merda
para a Carol.
Todos concordaram até mesmo nossos
avós. Olhamos para Biel, que permanecia
calado apenas nos observando.
— Eu sei o que todo mundo está
perguntando, se eu sei de alguma coisa? Eu
não sei. A Jessica realmente anda agitada
nas últimas semanas, principalmente nos
últimos dias. Fala com o pai por telefone o
tempo todo, não solta aquele computador, é
realmente suspeito para ela, mas daí a estar
tramando algo nas nossas costas já acho
demais — ele desabafou. — Ela é minha
namorada, e por mais que muitos de vocês
não gostem, acho que acusá-la apenas por
suspeitas não é algo justo.
Biel saiu da mesa e foi para seu quarto.
Nós olhamos uns para os outros sem saber o
que falar. Era complicado para ele, sendo o
namorado e não saber de nada, mas nós
precisávamos descobrir se as suspeitas
estavam certas. Luigi, Carla e Matteo
queriam ajudar, mas ninguém sabia como.
Nosso melhor aliado era o Biel, mas ele
avisou que não iria investigar a própria
namorada. Na segunda-feira, Rafa, Carol e
Thiago vieram almoçar. Os meninos ficaram
jogando no salão de jogos e as meninas
estavam tomando sol.
— Mulheres, lindas e inteligentes, preciso
da ajuda de vocês — eu disse ao me
aproximar de Carla e Carol, que estavam
sentadas na beira da piscina. — Mulheres
sempre foram boas em arquitetar estratégias,
vocês poderiam me ajudar.
Contamos a história para a Carol. Carla
mencionou que pediu o notebook da Jessica
emprestado, mas que ela não deixava
ninguém se aproximar, o que significava que
nós teríamos que pensar em outra estratégia
para ter acesso.
— Quando ela se afasta dele? —
perguntou Carol.
— Ela não solta, esse é o problema —
contou Carla. — Ela fica mexendo nele o
tempo todo, sobe para o quarto deles com o
notebook, pega suas coisas e vamos para a
praia. E de manhã quando ela se encontra
com o pai, ela o leva.
Carol olhou para o salão de festas
enquanto batia seu pé na água.
— E se alguém ficasse aqui quando ela
fosse à praia?
Eu concordei com a cabeça.
— É uma ideia, nós podemos tentar. Eu
fico, falo que vou ver algo com o vovô e
encontro vocês depois.
Jessica deixou o notebook no quarto
deles, como previsto, foram para a praia.
Eles estranharam quando fiquei para trás, em
especial o meu primo, mas eu esperava que
ele entendesse a situação se nossa suspeita
estivesse certa. Quando entrei no quarto
deles, demorei a encontrar onde ela havia
escondido o notebook. O encontrei no meio
das cobertas na parte de cima do guarda-
roupa, mas não consegui ver nada. O
notebook pedia senha e por mais que
tentasse todas as datas como aniversário
dela, do pai até do Biel, não consegui
desbloquear.
— E então? — Carol perguntou quando
cheguei à praia.
— Eu até achei o notebook, mas pede
senha e eu não sei qual é, e duvido que o
Biel contaria.
Ela então olhou para a Carla, que acenava
com a cabeça e não conseguia conter o riso.
— O que vocês estão tramando? —
perguntei desconfiado.
— Você confia em mim? — perguntou
Carol. — Porque eu tive uma ideia, eu
desconfiei que algo como isso pudesse
acontecer e montamos um plano B.
— E esse não tem como falhar — Carla
confirmou.
Quanto mais elas contavam o plano, mais
eu ria. Era realmente algo que não falharia,
mas era também arriscado demais. Se
estivéssemos errados, teríamos muito a
perder. Teríamos problema com a Jessica, a
Carol com o Thiago, mas principalmente a
confiança de Biel em todos nós. Era um tiro
só, se estivéssemos certos tudo seria
justificado, caso contrário, bom, eu estava
evitando pensar sobre nisso.
Aproveitamos o nosso último dia de
carnaval o máximo que pudemos, já que
sabíamos que o dia seguinte seria uma
catástrofe. Como costume, Carol, Thiago e
Rafael foram almoçar com a gente no dia
seguinte, e depois fomos para o salão de
jogos. Nós estávamos na sinuca quando as
meninas voltaram da piscina.
— Nós também queremos jogar —
anunciou Carla. — Eu e a Carol seremos a
próxima dupla.
Todos eles estranharam, já que elas
sempre que jogavam algo, era pebolim. Eu
havia instruído o Luigi para perdermos para
o Biel e o Matteo, para que eles jogassem
com as meninas. Ele não pareceu muito
satisfeito, mas entendeu que era algo
necessário naquele momento. Quando
perdemos o jogo nos sentamos nos
banquinhos junto com o Rafa e o Thiago. As
meninas não tentaram jogada nenhuma, elas
apenas acertavam na bola branca na
esperança de alguma colorida ser
encaçapada.
— Por que a Carol tá tão mal? —
perguntou Rafael. — Eu a ensinei, ela sabe
jogar muito bem.
— Acho que ela não aprendeu, então,
você não deve ser um professor muito bom
— comentou Thiago rindo.
Quando percebi que ele iria responder e
pensei em intervir, Luigi deu uma cotovelada
nele. Rafa olhou desconfiado para Luigi, que
então apontou para mim. Eu balancei a
cabeça e ele rapidamente entendeu que era
algo combinado, então voltou a olhar para o
jogo com um sorriso nos lábios, como o
Luigi estava. Jessica olhava uma vez ou
outra para a mesa de sinuca, mas
rapidamente voltava sua atenção para o
notebook.
— Que porcaria, eu não consigo acertar
uma — reclamou Carla. — Vocês poderiam
me ensinar.
— Aqui, deixa eu te ajudar — ofereceu
Matteo, se colocando ao lado dela. —
Segura o taco desse jeito, então tenta mirar
bem no meio da bola branca.
Ele percebeu rápido nosso jogo, já
havíamos ensinado ela e a Adri a jogar
sinuca. Biel olhou estranho para a cena, mas
não disse nada. Carol então se aproximou do
meu primo e inclinou a cabeça para o lado.
— E você, vai me ensinar também? —
perguntou ela.
Todos os sorrisos cessaram, e os meninos
rapidamente olharam para mim em busca de
respostas. Eu dei ombros, não teria como
contar agora. Era apenas esperar. Thiago se
mexeu desconfortável na cadeira e quase
fiquei com dó dele. Era uma boa pessoa, não
podia negar. Tinha esperança que a Carol
conseguisse se resolver com ele depois.
Biel olhou desconfiado para ela e desviou
os olhos para a Jessica, que olhava a
situação por trás da tela do seu notebook em
silêncio. Ele fez como Matteo, ficando ao
lado dela e mostrando como faria. Carol
entregou o taco dela para a Carla e entrou na
frente do Biel, se inclinando na mesa.
— E agora? — perguntou ela
inocentemente. — Eu quero acertar a azul.
Meu primo ficou sem reação por um
tempo. Carol era realmente corajosa, eu
daria a ela este crédito. Biel então se
inclinou da forma mais afastada que
conseguia e a ajudou a mirar na bola. Thiago
estava quase levantando do seu banquinho,
mas eu precisava que Jessica intervisse. Eu
estava contando que ele se seguraria ao
máximo, levando em consideração que ele
era o convidado e deixasse que a Jessica
tomasse frente à situação. Carol então
levantou o rosto para meu primo e sorriu,
balançando o quadril para os lados.
— Que baixaria é essa? — gritou Jessica
do outro lado do balcão. — Por que está se
esfregando no meu namorado?
— Eu não estou me esfregando no seu
namorado, ele estava apenas me ensinando
— respondeu Carol. Meu primo havia se
afastado com as mãos erguidas, Mas, Carol
foi até ele e o beijou no rosto. — Obrigada,
Biel.
Jessica se levantou indo em direção à
mesa de sinuca, e todo mundo se levantou
ficando atento às ações dela. Eu permaneci
no meu banco, e a Carla aos poucos foi se
afastando da mesa.
— O seu namorado está sentado ali, os
nossos amigos estão aqui, e eu que sou a
namorada estou presente. Você não tem
vergonha nessa cara? — Jessica perguntou
empurrando Carol nos ombros, que se
escondia atrás do Biel. — Sai de trás do
meu namorado, quando estava dando em
cima dele estava corajosa, agora se
esconde?
Rafa se aproximou, ficando ao lado da
amiga e o Matteo tentou puxar Jessica pelo
braço.
— Não aconteceu nada demais, fica calma
— pediu Matteo.
— Ficar calma, Teo? Essa oferecida está
o final de semana todo se insinuando para o
meu namorado, ela pensa que eu não
percebi, mas estou de olho nela desde o
primeiro dia.
Carol ficava atrás de Biel rindo, Thiago
estava de pé estático, apenas observando a
cena. Meu primo olhava para a namorada em
silêncio. Carla aproveitou a distração de
todos na confusão e foi para trás do balcão,
alcançando o notebook da Jessica. Esta era a
hora de agir, não poderíamos deixar tudo se
acalmar. Carol percebeu quando Carla havia
conseguido, e foi para frente do Biel,
encarando a Jessica.
— Você quer saber? Olhei para ele sim, e
se você quer saber, ele também olhava para
mim. Aliás, foi ele quem começou tudo isso.
E agora? — perguntou Carol colocando a
mão na cintura. — Vai fazer o que?
— Que merda é essa, Carolina? — Rafa
perguntou espantado.
— Vai, fala agora que eu não sou corajosa
— acusava Carol empurrando Jessica para
fora do salão de festas. — Você que não
sabe segurar homem, isso sim. Não dá
atenção, então ele vai olhar para o jardim do
vizinho. E você é tão chata que ninguém aqui
te suporta, você sabia? Ninguém. O único
que ainda te aguenta é o coitado do Biel,
mas isso será por pouco tempo.
Jessica não aguentou as provocações e foi
para cima da Carol, que a puxou para dentro
da piscina. Rafa e Biel pularam na água para
separá-las, Matteo e Luigi olhavam para
mim procurando por explicações. Thiago
olhava para tudo assustado, se segurando
muitas vezes para não reagir. Ninguém ali
estava esperando por isso, e esta era a nossa
vantagem. Olhei para Carla que estava ainda
mexendo no notebook da Jessica e pouco
depois ela correu para meu lado.
— E então? — perguntei a ela. —
Conseguiu descobrir alguma coisa?
— Eu não li nada, mas enviei todos os
documentos da pasta que estava aberta e
encaminhei todos os últimos e-mails dela
para nós. Agora é esperar para ver.
— Mas você apagou a caixa de saída? Ela
pode ver.
— Você deveria me dar mais
credibilidade, eu não sou a Jessica.
Rafa e Carol saíram da piscina por um
lado e Biel com Jessica do outro. Carol
olhou para nós e Carla fez um sinal de
positivo. Jessica voltou para o salão de
festas, fechando seu notebook e subindo para
o quarto deles com o Biel logo atrás. Thiago
andava de um lado para o outro, e Matteo e
Luigi se aproximaram quando Carol e Rafa
nos encontraram.
— Eu me senti no FBI, ou então o Tom
Cruise em Missão Impossível. — Carol
disse rindo e virou para Carla. — Deu
certo?
— É claro. Nós podemos lançar As
Branquelas 2, fazemos uma equipe e tanto —
Carla respondeu.
Nós começamos a rir e todos nos olhavam
sem entender. Eu tinha que admitir, quando
eu ouvi o plano delas, achei tudo ridículo,
mas elas conseguiram no final das contas.
Thiago passou por nós em direção à saída.
— Merda, preciso corrigir isso — disse
Carol correndo atrás de Thiago. — Me
liguem se descobrirem algo.
Rafa os alcançou e eles foram embora. Eu
e Carla subimos correndo para meu quarto
pegar meu notebook.
— Agora vocês vão explicar o que foi
tudo isso? — perguntou Luigi quando ele e
Matteo entraram no quarto.
Deixei que Carla contasse o plano que
elas traçaram ontem e o que ela havia feito.
No começo eles também acharam que era
tudo muito idiota, mas no fim riram se
lembrando das encenações da Carol. Abri
meus e-mails e os três estavam atrás de mim
lendo tudo. Quando terminamos olhamos um
para o outro sem saber o que falar. O
problema era ainda pior do que havíamos
previsto. Biel entrou batendo a porta,
assustando a todos nós.
— Mas que confusão! O que vocês
fizeram? O que falaram para a Carol? —
perguntava ele desesperado. — A Jessica
está fazendo nossas malas e vamos voltar
hoje para Curitiba, mas alguma coisa
aconteceu, a Carol não iria agir daquele
jeito.
Eu me levantei da cadeira e apontei para
meu notebook.
— Senta aqui, você vai querer ler isso. —
Ele sentou na minha cadeira e quando viu a
tela do notebook tentou levantar, mas eu
segurei seus ombros. — Leia antes de brigar
com a gente.
Sua reação lendo foi ainda pior do que a
nossa. Embora o golpe de Carlos fosse com
a nossa família e todos nós havíamos sido
afetados, os autores eram sua namorada e
seu sogro, e isso deveria ser bem pior.
— Como vocês conseguiram isso? — ele
perguntou.
— A Carla conseguiu acessar o
computador da Jessica enquanto ela brigava
com a Carol.
Ele se levantou em um rompante, andando
no quarto de um lado para o outro.
— Então todo aquele escândalo foi para
isso? Todos vocês participaram?
— Não, apenas eu e as meninas — contei.
— Você tem que admitir Biel, nós estávamos
certos.
Ele concordava com a cabeça, mas não
conseguia parar de andar.
— O que nós vamos fazer? — perguntou
Luigi.
— Isso é grave, nós temos que denunciá-
los — Matteo disse.
— Coitada da Ângela e da Hilda, elas vão
ficar tão chateadas — comentou Carla com
pesar.
Olhamos para o Biel esperando por
alguma reação. Ele permanecia andando de
um lado para o outro, agitando as mãos em
um claro sinal de nervosismo que não era
algo comum para ele.
— Aquela ladra, me enganou todos estes
anos com aquela pose de menina certinha,
mas olha o que ela foi capaz de pactuar com
o pai. Ela mentiu na minha cara ontem
quando perguntei o que tanto ela fazia
naquela porcaria de notebook. Ela não
presta, ela não presta!
Ele saiu correndo do quarto e nós o
seguimos. Ele entrou em sua suíte jogando as
malas no chão. Jessica olhou assustada para
ele, assim como todos nós.
— Sua mentirosa, como você teve
coragem de me enganar, Jessica? Por todos
estes anos? De trair nossa família, que
sempre te acolheu e te tratou tão bem? Como
você pôde fazer isso com a gente?
— Eu não fiz nada, do que você está
falando? — ela perguntou tentando se
aproximar. — O que foi que eles falaram
para você agora?
— Eles não falaram nada, eu li. Todos
aqueles e-mails conversando com vários de
nossos sócios para que eles fossem para o
escritório do seu pai, um que ele está
abrindo sozinho, e com o dinheiro desviado
das doações que nossas avós faziam para
ONG’s e Instituições de caridade. Como
você teve coragem de participar de toda
essa sujeira?
Ela então se afastou, olhando para o
notebook no colchão.
— Vocês mexeram nas minhas coisas —
ela acusou, vindo para nossa direção. —
Vocês não tinham o direito de mexer nas
minhas coisas.
Biel entrou na frente dela e ela recuou.
— Por que não, Jessica? Responda. Não
tínhamos o direito de descobrir a verdade?
Ela chorou e abraçou Biel, que dessa vez
não se afastou, mas ficou imóvel.
— Me desculpa, mas eu posso explicar.
Eu não queria participar, o meu pai me
obrigou. Eu quis te contar tantas vezes, mas
ele me chantageou — ela contava aos
prantos. — Ele ia tomar meu apartamento e
meu carro, eu não podia contar.
— E o que acha que iria acontecer quando
descobríssemos que estávamos sem clientes
e que seu pai havia desfeito a sociedade? —
perguntou Biel. — Você ia fingir não saber
do golpe do seu pai? Mentiria para nós?
Ela segurou o rosto dele nas mãos,
negando com a cabeça.
— Eu não queria me envolver com isso,
me perdoa. Por favor, Biel, eu te amo. Por
favor, me perdoa.
— Vai embora — ele disse segurando os
pulsos dela e a empurrando. — Saia desta
casa, é o melhor que você tem a fazer.
— Não, não, por favor — ela pedia
tentando mais uma vez abraçá-lo. — Eu te
amo, você sabe que eu não seria capaz de
algo assim. Eu peço pra ele devolver o
dinheiro, mas não me manda embora.
Ele a empurrou mais uma vez, se
afastando.
— Acabou, Jessica, saia.
Ela caiu no chão de joelhos, chorando
incontrolavelmente. Nós continuamos
olhando a cena da sacada, mas ninguém se
atreveu a falar alguma coisa ou intervir. Biel
passou por nós, indo em direção ao meu
quarto e voltando com meu notebook nos
braços.
— Alguém precisa contar a eles.
— Eu vou com você — Luigi se ofereceu.
Jessica enfim se levantou do chão,
olhando para nós.
— Era o que vocês queriam, não era?
Parabéns, vocês conseguiram, me separaram
do amor da minha vida. Ele me odeia agora
e a culpa é de vocês.
Eu ri com ironia.
— Nossa culpa? Quem fez a merda foi
você e seu pai.
— Vocês estão felizes agora? Vocês nunca
gostaram de mim, eu sei disso, vocês sempre
quiseram me separar dele.
— Nós realmente não gostamos de você,
Jessica, mas nunca fizemos nada.
Ela pegou o notebook e saiu do quarto.
— Isso não vai ficar assim, ele ainda vai
ficar comigo. Vocês não venceram.
Ela desceu as escadas e saiu pela lateral
da casa.
— O que você acha que ela vai fazer? —
perguntou Matteo.
— Não sei, ela não dá à mínima para nós,
mas ela é louca pelo Biel e não vai desistir
fácil. Se ela precisar rastejar pelo perdão
dele, ela vai.
Nossos avós olhavam chocados para Biel
e Luigi, que contavam e mostravam todas as
provas do golpe de Carlos.
— Nós precisamos voltar a Curitiba —
disse Enzo. — Nós temos muito o que fazer.
Capítulo 18

Luísa
— Eu ainda não acredito que você fez
isso — eu disse ao abraçar Carol. — Eu
queria ter visto.
— Eu não podia perder a chance.
Carol ria com Carla ao seu lado.
— É claro que ela não perderia —
retrucou Carla ao me abraçar. — E não se
preocupe que não vão faltar oportunidades
para que a gente apronte mais vezes, agora
que descobrimos que somos uma ótima
equipe, teremos muitos outros planos pela
frente.
Luigi se aproximou e me abraçou também.
— Não deixe mais elas sozinhas, Luísa,
precisamos de alguém responsável aqui.
Matteo apareceu ao lado do irmão e me
deu um beijo rápido na bochecha.
— Exatamente, depois dessa eu tenho
medo do que elas podem aprontar.
— Ok, mas enquanto estiver fora, vocês
fiquem de olho nelas.
Luigi passou o braço em torno de Carol a
abraçando.
— Vou ver o que posso fazer.
Carol riu e então mostrou a língua para
ele.
— Você não é capaz de me segurar, Lui,
mas eu deixo você tentar.
Lorenzo e Fernando se aproximaram, e
embora eles estivessem abatidos, o sorriso
permanecia intacto em seus rostos. Isso era
algo que nenhum golpe seria capaz de tirar
deles, a positividade e a confiança de que
tudo se resolveria.
— Luísa, podemos conversar com você
por um momento? — pediu Fernando.
Eu os acompanhei até a sala de reunião
novamente, onde estávamos há poucos
minutos quando eles contaram o que tinham
descoberto, e mostraram todos os
documentos e e-mails do computador da
Jessica. Estavam todos os sócios lá,
inclusive conheci Hilda e Ângela, e não
pude deixar de me comover com a perda
delas. Elas tinham projetos que faziam
doações para Instituições e algumas ONG’s,
e era nítida a tristeza delas ao saber que o
dinheiro que poderia estar sendo usado para
ajudar pessoas tinha sido desviado para a
conta de Carlos. Acho que isso foi um golpe
maior, do que de tentar roubar os clientes do
escritório.
— Nós não queríamos avisar isso aos
outros, eles já ficaram tristes o suficiente,
principalmente o Biel — disse Fernando ao
puxar uma cadeira para mim. — Nós
queremos que você saiba tudo o que está
realmente acontecendo antes de começar
essa viagem.
Lorenzo sentou na minha frente e
empurrou os papéis que Marcelo estava
folheando.
— Esta é a lista dos nossos principais
clientes, Marcelo ligou para todos eles
ontem, e muitos deles acreditaram nas
histórias de Carlos. Ele irá te atualizar e
contar tudo na viagem, mas o que queremos
te pedir, é que seja a pessoa mais sincera
que possa ser — pediu Lorenzo segurando
minha mão. — Eu estou dando a você e ao
Marcelo carta branca para tudo, eu confio na
experiência dele e no seu profissionalismo,
e acredito que juntos vão conseguir ajustar
esta confusão.
Fernando então se aproximou da minha
cadeira e apoiou as mãos em meus ombros.
— Se você conversar com estes sócios e
ver que não compensa continuar com a
parceria, ou que eles são pessoas como o
Carlos, não se preocupe em perder clientes.
O que nós estamos pedindo é que siga seus
instintos. Em apenas um mês aqui eu já vi
você ligar para relator, conversar
diretamente com juiz, e por passar tanta
confiança em sua palavra eles nem
perguntavam se você era advogada.
Lorenzo concordou com a cabeça e
apertou minha mão mais uma vez.
— O que ele está dizendo é que confiamos
em você, para qualquer dúvida o Marcelo
estará lá para te orientar. Você está
representando a S&M Advogados
Associados, e enquanto vocês resolvem
estes problemas, estaremos tentando
amenizar o estrago daqui. Somos uma equipe
agora, você é integrante, e estamos contando
com sua colaboração.
Eu não sabia o que falar, as palavras
estavam presas a minha garganta. Sequer
podia acreditar na confiança e na
credibilidade que eles estavam depositando
em mim, na mais complicada fase que o
escritório se encontrava. A primeira
mudança começou com o nome, quando o
Duarte saiu e ficaram apenas Schmidt e
Martinelli Associados. E em segundo foi
essa viagem, em que eles confiaram a mim
para representá-los, pois acreditavam no
meu trabalho. Eles sempre me trataram como
membro da equipe e já me sentia parte deles
no primeiro dia, mas agora que eu estava
incluída em tudo, eu não podia evitar estar
orgulhosa. Agora mais do que nunca, eu me
sentia um deles.
— Não se preocupem, eu vou mantê-los
informados de tudo e espero não
decepcioná-los — eu disse, quando minha
voz finalmente saiu.
— Nós não temos dúvida disso, querida,
você não irá nos decepcionar — Fernando
afirmou.
Eu não tinha certeza quanto a isso, mas
esperava que ele estivesse certo. Quando sai
da sala de reunião, Biel estava olhando para
a mesa da Jessica.
— Está tudo bem? — perguntei ao me
aproximar.
Ele olhou para mim com profundas
olheiras, parecia tão cansado. Ele esticou
para mim o porta-retratos que estava sobre a
mesa.
— Estes somos nós, quando tínhamos
treze anos, no aniversário do seu avô. Foi
nesta festa que eu a beijei pela primeira vez.
Na foto havia duas crianças claramente
constrangidas de estarem tendo que posar
para a foto. Ele estava com o braço sobre o
ombro dela, sorrindo, e ela com as mãos
encolhidas no colo.
— Isso vai soar solitário, mas ela foi a
primeira garota que eu beijei, que namorei, a
primeira de tudo, aliás, a única — disse ele
com um suspiro. Eu não pude evitar desviar
minha atenção da foto e olhar espantada para
ele. — É, eu sei, patético, não? Mas, eu
sempre fui apaixonado por ela, e eu nunca a
traí, então eu nunca estive com qualquer
outra mulher na vida que não fosse ela. A
Jessica mudou muito nos últimos anos,
começou a ficar ciumenta, mais possessiva,
e se afastou de todos. Apesar de eu não
aprovar o comportamento dela, quando
estava comigo éramos os mesmos de
sempre. Ela me conhecia tão bem, esteve
sempre ao meu lado, e eu me acostumei com
ela.
— Eu acho que entendo o que você quer
dizer.
— Sabe, Luísa, eles não entendem por que
estava com ela ainda, e para ser bem
sincero, eu também não sabia. Mas, eu fui
tão apaixonado por ela desde a infância, que
acho que me apeguei a isso e esqueci que ela
havia crescido e mudado. É fácil para todo
mundo apontar o dedo e falar que a pessoa
não serve para você, mas eu estava
acostumado com ela e nunca tivemos brigas
ou dramas, sabe? Este ano faríamos dez anos
juntos, quantos casais você pode dizer que
sobrevivem a isso?
Eu não sabia se era para responder ou se
era uma pergunta retórica. Eu podia não
entender o que ele estava sentindo, mas não
pude deixar de me comover pela cena. Ele
parecia tão triste, e cada suspiro era como
se ele estivesse lutando para fazer o ar
entrar em seus pulmões. Eu me aproximei
dele com cautela e o abracei. Ele não
retribuiu, mas ao menos não me afastou, ele
se deixou abraçar e deitou a cabeça no meu
ombro. Estávamos tão distraídos pelo
momento que não ouvimos Carol se
aproximar, apenas a notamos quando ela
parou ao meu lado e o abraçou também.
— Eu sinto muito — ela sussurrou. — Eu
não pensei na hora o que isso iria causar, e
eu realmente sinto muito por te ver assim.
Biel se afastou de nós e me deu um beijo
no rosto.
— Obrigado por me ouvir.
— A qualquer hora.
Ele sorriu, mas seu sorriso era fraco e
sem alegria. Ele se aproximou de Carol e
beijou-a no rosto também.
— A culpa não é sua, eu realmente fiquei
bravo com você no dia, mas eu entendi
porque fez aquilo. Não tem que me pedir
desculpa, se você não fizesse isso, quem
sabe até quando eu faria papel de idiota?
— Não diga isso — ela o cortou. — Você
não é idiota, você apenas confiava nela. Nós
nos enganamos com as pessoas, infelizmente.
Eu não sei que tipo de acordo você tem com
a Lu, mas se você é amigo dela, então você é
meu amigo também. Se precisar, estarei
aqui.
Ele sorriu para ela, desta vez seu sorriso
pareceu mais alegre, mas ainda não era o
mesmo sorriso de sempre.
— Obrigado.
Ele se afastou e saiu da sala.
— Ele está uma merda, eu sinto tanto por
isso. Eu sei que não é culpa minha pelas
coisas que ela fez, mas de certo modo eu fui
o pivô da situação, eu me sinto mal por ele
— desabafou Carol.
Nós chamamos o elevador e descemos
para o saguão, onde encontraríamos os
outros para almoçar.
— Eu sei, eu me sinto mal por ele
também. Deve ser complicado estar com
alguém há quase dez anos e ter uma
decepção desta.
— Eles estavam juntos há dez anos?
Caramba, isso é muito tempo. E ele é todo
certinho, quer dizer, a não ser que ele engane
a todos nós, quer dizer que ele só esteve
com ela todos estes anos?
— Sim, ela foi a única.
— Então ele é praticamente um virgem —
ela exclamou.
Eu não pude deixar de rir de seu
pensamento.
— Quem é virgem? — perguntou Marcelo
quando saímos do elevador, com Matteo ao
seu lado.
— Eu — disse Carol. — Eu sou virgem.
Luigi riu passando os braços em volta de
Carol.
— Só se for seu signo.
Ela então deu um soco no seu estômago e
o empurrou.
— Que maldoso, eu não gosto mais de
você.
— É claro que você gosta, ele é
praticamente sua versão masculina —
respondeu Matteo piscando para Carol.
— Eu acho que ele está certo — disse
Rafa ao nos encontrar no saguão com Carla
ao seu lado. — Estamos todos aqui? Cadê o
Biel?
— Eu acho que ele não vai descer para
almoçar — eu respondi. — Somos apenas
nós.
Carla então puxou Rafa pelo braço e
tomou a frente.
— Vamos almoçar que temos muito que
fazer.
Eu os estava seguindo quando Marcelo
segurou meu braço, deixando que os outros
fossem à frente.
— O que você vai fazer hoje à noite? —
perguntou ele.
— Jantar com meus pais, e então fazer
minhas malas. Por quê?
— Eu iria te convidar para jantar comigo
e o Lucas, mas fica para a próxima.
Uma ideia surgiu na minha cabeça.
— Você quer ir comigo? — perguntei.
— Na casa dos seus pais?
— Sim, eu estou te devendo um jantar com
eles, lembra? Leve o Lucas, eles vão adorar
conhecê-lo.
Ele segurou meu rosto em suas mãos e
pressionou um beijo na minha bochecha.
— Está marcado, combinamos depois o
horário e você me passa seu endereço que eu
vou te buscar.
Nós almoçamos e logo voltamos a
trabalhar. Marcelo estava sentado na sua
mesa, que ficava ao lado da minha. A mesa à
minha frente, que era de Jessica, estava
vazia, e a de Biel em frente ao Marcelo,
também. Quando subimos do almoço ele já
não estava no escritório e não apareceu o
resto da tarde. Ele só mandou uma
mensagem que tinha ido para casa. Ninguém
ali se importava com a Jessica, isso era
claro, mas todo mundo se sentia mal pelo
Biel, principalmente Marcelo, que olhava
para a mesa do primo a todo o momento.
Eu desci do elevador com o Marcelo,
explicando a ele meu endereço para que ele
fosse me buscar e me encontrei com Rafa e
Carol no estacionamento.
— Como ele estava? — Carol perguntou,
assim que entrou no carro.
Eu não precisava nem perguntar a quem
ela estava se referindo, estava em seus olhos
a preocupação.
— Eu não sei, quando retornamos ao
escritório ele já havia saído.
Ela se encolheu no banco de trás e não
falou durante todo o caminho. Eu via pelo
retrovisor seu olhar perdido pela janela,
olhando as ruas passarem e sem focar em
nada. Por duas vezes o Rafa chamou por ela,
mas estava tão dispersa em seus próprios
pensamentos que nem o respondeu. Ela só
percebeu o mundo à sua volta quando
paramos o carro.
— Obrigada pela carona, eu falo com
vocês depois — ela disse se despedindo e
descendo do carro.
— Eu estou preocupado com ela também
— comentou Rafa ao meu lado. — Está tão
distante e quieta, nem se parece com ela.
— Ela está preocupada com ele, só isso.
— É uma pena que o Thiago tenha
aparecido logo agora, que ironia da vida.
Eu não poderia concordar mais. Talvez se
Thiago não estivesse finalmente agido agora,
a Carol poderia ser aquela a tirar o Biel de
toda essa tristeza.
Marcelo
Eu estava no carro com Lucas, a caminho
do prédio onde Luísa morava. Eu estava
empolgado em conhecê-los. Se eu queria ser
alguém na vida dela, conhecer os pais
poderia ser um bom começo. Este era um
grande passo, eu sabia disso, principalmente
envolver o Lucas em toda esta história. Eu
nunca escondi nada do meu irmão, e ele
havia gostado da Luísa e queria vê-la de
novo. Eu não podia negar isso a ele. Luísa
caminhou para o carro usando um vestido
florido que balançava com o vento junto com
seu cabelo, e tenho certeza que eu estava
sorrindo apenas de vê-la.
— Olá, meninos — ela disse ao entrar no
carro, se virando para trás. — Ei, estou feliz
que você veio.
— Eu também — respondeu Lucas. —
Você tem irmãos?
— Não, sou filha única, não tenho a sorte
como você. Mas, você vai se divertir muito
lá com a gente, tenho certeza.
Eu não pude deixar de sorrir ao vê-la
conversando com Lucas tão tranquilamente,
como se ele fosse um adulto, e eu tenho
certeza que Lucas a adorava exatamente por
isso. Tudo o que ele perguntava ela
respondia pacientemente, enquanto me
explicava o endereço da casa de seus pais.
Assim que estacionamos, ela desceu do
carro e abriu a porta de trás, segurando as
mãos de Lucas e o puxando com ela. Eu
deixei que eles fossem à frente e fiquei
apenas apreciando a cena. A casa não era
grande, mas muito confortável e organizada.
Tapetes, cortinas e almofadas combinando, e
muitos quadros na parede com as
fotografias.
— Mãe, já chegamos — Luísa gritou da
entrada.
Atravessamos o corredor e chegamos à
cozinha. Seus pais eram como ela havia
descrito para mim, um casal acima dos
quarenta, mas muito jovens. Seu padrasto era
um homem já com rugas nos olhos e alguns
fios brancos, mas sua mãe era muito
parecida com ela. Eu poderia dizer que elas
eram irmãs, ambas morenas de olhos escuros
e rosto delicado.
— Mãe, pai, este é Lucas — ela
apresentou meu irmão, que ainda segurava
em sua mão. — Ele é o irmão mais novo do
Marcelo.
Meu irmão se apresentou para a Sônia e
depois para Luciano, que sorriram para ele.
Eu me aproximei e estiquei a mão para o
padrasto de Luísa.
— Olá, eu sou o Marcelo, prazer em
conhecê-lo.
— Seja bem-vindo à nossa casa.
— Muito obrigado — respondi antes de
me virar para Sônia. — Estas são para você,
para agradecê-la por nos receber hoje.
Entreguei a ela um pequeno buquê de
flores que havia comprado com Lucas antes
de buscar Luísa. Ela sorriu cheirando as
flores.
— Elas são lindas, não precisava ter se
incomodado. Obrigada.
Ela me abraçou rapidamente e foi encher
um vaso com água para guardar as flores.
Eles nos serviram vinho, e refrigerante para
Lucas e nos convidaram para mesa, onde
tinha uma grande travessa de lasanha.
— E então, para onde vocês vão amanhã?
— perguntou Luciano ao meu lado.
— Amanhã é para Belo Horizonte, não é?
— perguntou Luísa, me olhando para
confirmar. — Eu sei que este final de
semana é em Minas Gerais, mas semana que
vem eu já não lembro.
— Amanhã vamos para BH, e ficaremos
lá o final de semana. Na segunda vamos ao
Espírito Santo, depois Pernambuco e
fechamos no Ceará onde vamos encontrar
com o Teo e a Adri.
— Então eles também vão viajar? —
perguntou Sònia. — Pensei que seriam
apenas vocês.
— Não, o Biel ficará no escritório com
meu avô e Enzo, resolvendo as coisas do
Paraná e região. Eu e Luísa vamos para um
lado, e o Teo e a Adri vão para outros
estados.
Conversamos durante o jantar e Sônia
trouxe um pote de sorvete de sobremesa, o
que deixou Lucas nas alturas. Quando
terminamos a sobremesa, eu os ajudei a
levar os pratos para a cozinha, mas por mais
que eu insistisse não me deixaram aproximar
da pia. Luciano estava sentado em um banco
perto do balcão no centro da cozinha e eu me
juntei a ele. Sônia lavava a louça e a filha
enxugava e guardava. Lucas pediu ao lado
delas para ajudar e Luísa lhe entregou um
pano de prato e os talheres. Ele ficou todo
sorridente em participar e tendo a atenção
delas.
— Luísa, você vai ao meu jogo, não é? —
perguntou Lucas guardando as colheres que
havia secado.
Luísa bagunçou o cabelo dele depois de
guardar o copo.
— É claro que eu vou, eu te prometi, você
só tem que me mandar uma mensagem
avisando o dia e o horário.
— Você pode levar a sua mãe.
Sônia olhou para meu irmão com carinho
e sorrio.
— Estarei lá.
Lucas terminou de secar seus talheres e
correu para onde estávamos, se sentando no
meu colo.
— Você gosta de futebol? — ele
perguntou, olhando para Luciano. — Você
pode ir também.
Eu segurei meu riso vendo meu irmão
convidando todos a irem assisti-lo jogar. Ele
conversou a noite toda com eles, que o
tratavam como a Luísa, de igual para igual.
Ele rapidamente começou a interagir na
mesa e se sentir à vontade na presença deles.
Eles gostaram do meu irmão, e eu pude ver o
quanto Lucas ficou feliz com aquela noite.
Nossa família sempre foi muito unida, mas
Lucas nunca teve isso em casa, pais que
cozinhassem para ele. Nossos avós faziam o
possível para que isso não o prejudicasse, e
os pais do Biel sempre lhe deram atenção e
carinho. Eu sabia que tinha sorte em tê-los,
principalmente com todo o suporte a nós
quanto tudo aconteceu, mas era diferente ele
receber atenção de alguém que não fosse a
sua família.
Depois de toda a cozinha limpa, e de
Lucas garantir que eles iriam assisti-lo no
torneio de futebol, nós voltamos para a sala.
Luísa espalhou um jogo de dominó no tapete
e Sônia se juntou a nós com colheres e um
prato de brigadeiro. Os olhos de Lucas
brilharam quando ele viu, e rapidamente se
sentou ao lado dela, para ter um acesso mais
rápido ao doce.
— Eu espero que você goste do meu
brigadeiro — Sônia disse, entregando uma
colher para Lucas. — A Luísa disse que
você gostava, então fiz especialmente para
você.
Eu pisquei para Sônia, agradecendo-a em
silêncio.
— Vamos lá, espalha bem as pedrinhas.
Se bem me lembro, você era bem espertinha,
Luísa, sempre deixando os carretões perto
de você — comentou Sônia. — Então não
vale trapacear.
Luísa segurou o riso e abriu a boca,
fingindo espanto.
— Eu nunca roubei, não é pai?
Luciano começou a rir e fechou os olhos.
— O que os olhos não veem o coração
não sente. Eu nunca vi nada.
— Tá vendo? Eu sou honesta.
Sônia bufou e se aproximou de Lucas.
— Fica de olho nela, garoto.
Meu irmão ria e monitorava todas as
pedras que Luísa tinha nas mãos, como se
estivesse querendo pegá-la roubando o jogo.
Há muito tempo eu não via o Lucas tão
descontraído assim com alguém que não
fosse nossa família. Ele sempre foi quieto e
muito carente, e não pude deixar de admirar
ainda mais Luísa, com toda a atenção que ela
teve com o ele naquela noite. Depois de
comer muito brigadeiro e jogar, Lucas
começou a bocejar, e se sentou no colo de
Luísa, jogando com ela.
— Vocês sempre jogam dominó? —
perguntei.
— Começou quando nos mudamos pra cá
— contou Luciano. — Eu queria que a Luísa
conversasse comigo e pudesse ver em mim
alguém com quem contar, e não apenas o
marido da mãe dela. Foi a forma como eu
encontrei de me aproximar dela.
Luísa riu de forma doce para o pai.
— E toda noite ele me chamava para jogar
alguma coisa, acabou dando certo. Ele que
me ensinou a jogar baralho depois.
— Acabou se transformando em uma
coisa deles — comentou Sônia. — Isso é um
habito adquirido que nós não perdemos.
Sempre que estamos juntos, jogamos alguma
coisa. Nem que seja apenas para conversar e
distrair da correria do dia a dia. É a forma
que encontramos de permanecer unidos.
Luciano beijou a cabeça de Sônia e a
apertou em seus braços.
— Nós sempre jogamos, o Rafa e a Carol
preferem os de charadas — contou ele rindo.
— Eles sempre preferem os que envolvem
pagar micos e dar risadas, principalmente
quando trazem a Aninha, que sempre ri
deles.
— E o Vinicius? — perguntei curioso. Eu
não podia ficar quieto, eu queria saber como
era a interação dele com a família de Luísa.
Se eu queria entrar nessa disputa, eu
precisava do máximo de informação do meu
adversário.
Sônia e Luciano sorriram. Luísa
acomodou Lucas em seu colo antes de me
olhar.
— O Vini não gosta muito de jogar, ele até
jogou algumas vezes as varetas, mas ele
prefere ficar de fora apenas observando —
contou Luísa.
Eu notei os olhares que Luísa dava para
os pais, o amor que transbordava dela era
quase palpável. Eu sempre fui próximo da
minha mãe, do meu pai eu já não poderia
dizer o mesmo, mas da minha mãe, se ela
ainda estivesse viva, eu tenho certeza de que
eu teria com ela esta mesma relação de
cumplicidade que eu via nesta sala.
— O jantar estava delicioso e não posso
nem começar a dizer o quanto estou
agradecido por ter feito brigadeiro para o
Lucas, Sônia, mas eu acho que já está tarde e
eu preciso levar meu irmão.
Quase como se soubesse que estávamos
falando dele, Lucas se mexeu no colo de
Luísa, onde estava cochilando. Ele havia
dormido logo na terceira rodada, quando
seus olhos começaram a pesar. Eu esperava
que ele fosse ficar no meu colo e dormir em
meus braços, mas não pude negar que fiquei
feliz por isso. O garoto era esperto, o colo
dela deveria ser muito mais confortável que
o meu. Luísa se levantou com Lucas, e
quando eu tentei pegá-lo, ele passou os
braços em volta do pescoço dela e
resmungou.
— Deixa que eu o levo, não tem problema
— disse Luísa.
— Tem certeza? Ele é pesado.
— Eu aguento.
Luísa se despediu dos pais e foi para o
carro com Lucas nos braços. Eu me despedi
de Sônia com um abraço e estendi a mão
para Luciano.
— Obrigado por toda a atenção com o
Lucas hoje.
Luciano deu de ombros e puxou Sônia
para seu lado.
— Não têm que agradecer, os amigos da
Luísa são sempre bem-vindos nesta casa, e
você e seu irmão podem vir quando
quiserem. A casa estará sempre aberta para
você, cuida da minha filha nessa viagem.
— Pode deixar, Luciano, eu vou cuidar
dela.
— Eu não tenho dúvidas disso — ele
comentou rindo. — Eu percebi como olhou
para ela a noite toda, espero que você tenha
juízo.
Eu olhei para o carro, para me certificar
de que Luísa ainda estava lá e voltei a olhar
para seus pais. Sônia estava abraçada ao
marido, me olhando com um sorriso nos
lábios. Luciano também ria, mas seu olhar
não era tão doce quanto os de Sônia.
— Ela já me contou de você, e eu não vou
falar que aprovo isso, porque eu acho
Vinicius um homem muito bom para ela —
alertou Sônia. — Mas, não posso negar que
eu via a troca de olhares de vocês durante
toda a noite, com certeza tem algo
acontecendo aí. Talvez ela nunca vá admitir
isso, mas é perceptível. Só espero que você
não estrague tudo, ela realmente gosta de
você.
Eu não pude negar que aquilo me pegou de
surpresa. Eu tentei de todos os jeitos não
ficar sempre olhando para a Luísa, mas
aparentemente eu havia fracassado na frente
de seus pais. Ao mesmo tempo, isso me
deixou aliviado. Eles não estavam me
julgando, mesmo que não estivessem
apoiando. Eles apenas me deixaram saber
que notaram a situação, e me pediram para
não estragar isso. Este era um conselho que
nem precisariam me dar, magoá-la nunca
esteve em minha lista, mas foi bom saber
que eu tinha o aval deles. Eles perceberam
isso, eu só precisava fazer a Luísa perceber
também.
— Obrigado pelo conselho, Sônia, vou me
lembrar disso na viagem.
Eu virei de costas e acenei mais uma vez
para eles, antes de entrar no carro.
— O que meus pais falaram para você? —
perguntou Luísa.
— Apenas agradeci pela noite, e eles
pediram para cuidar de você na viagem,
nada mais.
Eu olhei para ela, com Lucas ainda em seu
colo. Ela estava sorrindo para mim, aquele
sorriso doce que agora eu sabia que era algo
de sua mãe, e aquele sorriso fazia meu
coração disparar e acalmar quase que ao
mesmo tempo. Quanto mais eu a conhecia,
mais eu a queria para mim. E saber que se eu
a roubasse do namorado não seria algo que
iriam me julgar depois, me incentivou ainda
mais. Todos já haviam percebido que eu só
tinha olhos para ela ultimamente, só ela não
via isso, ou se recusava a admitir. Eu usaria
esta viagem para fazê-la enxergar que eu
poderia ser o cara certo para ela. Que eu
poderia ser quem a fizesse sorrir e ter mais
noites como esta. Eu queria ser quem ela
escolhesse para estar ao seu lado.
Capítulo 19
Luísa
— Me mande mensagens todos os dias
contando tudo o que acontecer por lá —
pediu Carol ao me abraçar.
— Como se fossem acontecer coisas
muito interessantes nessa viagem.
— Nunca se sabe, suas viagens
ultimamente estão sendo bem movimentadas.
Eu apenas sorri e me virei para Rafa, o
abraçando em seguida.
— Faça uma boa viagem, e qualquer coisa
que precisar pode me ligar também, não
apenas a Carol.
— Vou me lembrar disso.
Meus amigos me levaram ao aeroporto de
manhã. Eu disse a eles que poderia ir de
táxi, mas eles insistiram em me acompanhar.
Na verdade eu acho que eles queriam um
relatório do jantar de ontem, já que foi a
primeira coisa que me questionaram quando
não estávamos nem há dois minutos dentro
do carro. Era tão estranho que eles fizessem
tanto caso por conta de um jantar, não é
como se eu não levasse meus amigos à casa
de meus pais. Eles mesmos já foram lá
inúmeras vezes, mas o interrogatório foi
mais para saber como o Marcelo se
comportou, e o que aconteceu depois. A
noite havia sido ótima e meus pais adoraram
os dois, principalmente Lucas. O namorado
de Letícia desceu com ela para carregar o
Lucas para dentro do apartamento, já que ele
foi dormindo em meu colo, depois Marcelo
me levou e foi embora. Carol e Rafa
pareciam estar sempre esperando que eu
contasse algo empolgante a eles, e não pude
deixar de rir das caras desapontadas deles
quando cheguei ao fim da noite. Às vezes
eles pareciam não me conhecer, por esperar
um comportamento diferente.
Olhei para o lado à procura de Marcelo,
que estava no balcão despachando nossas
malas e esperei que ele se juntasse a nós.
Biel seria quem o levaria ao aeroporto, mas
ele não saia do quarto, então ofereci a ele
carona com meus amigos.
— Tudo pronto, hora de embarcar.
Obrigado pela carona — Marcelo disse à
Carol e Rafa. — Estaremos de volta dentro
de uma semana.
Eu acenei para meus amigos e acompanhei
Marcelo até nosso portão de embarque. Nós
nos sentamos em nossas poltronas, e
esperamos pela decolagem.
— É a primeira vez que viajamos juntos
— Marcelo comentou.
— Nós já viajamos juntos da outra vez.
— Não assim, embarcando e
desembarcando, nós sempre nos trombamos
nos aeroportos, é diferente.
Eu ri, me lembrando da primeira vez que
nos conhecemos.
— Eu tinha te achado tão intrometido.
— E eu havia te achado barraqueira, eu
jurava que você era aquelas pessoas
escandalosas. Agora que te conheço, sei que
você não gritaria nem com uma formiga.
— Eu não sou barraqueira, a culpa foi
daquele cara nojento da minha frente. Aliás,
a culpa foi sua que me empurrou — eu disse
batendo em seu braço. — Eu ainda me
lembro, ok? Você falando que odiava mulher
de TPM.
Ele gargalhou, chamando a atenção das
pessoas nas poltronas ao lado.
— É verdade, e depois eu tive que te
segurar para não saltar no cara. Você me
enganou muito com aquele rostinho de
menina indefesa.
Eu me virei para ele, levantando uma
sobrancelha.
— Eu tenho rostinho de menina indefesa?
Ele se virou de lado também para me
encarar, com um sorriso brincalhão nos
lábios.
— Minha primeira impressão foi esta,
mas depois que te conheci, esse rostinho não
me engana mais.
— E qual foi à primeira impressão que
você teve de mim? — perguntei curiosa.
— Quando te vi eu achei graça. Você
estava toda nervosa pegando as coisas da
sua bolsa que caíram no chão, mas a
primeira coisa que me lembro com nitidez
foram seus olhos. — Ele pegou uma mecha
de meu cabelo e tirou da frente do meu rosto,
colocando atrás da orelha. — Quando se
levantou e eu pude ver seu rosto pela
primeira vez, eu me lembro de você me
olhando com esses lindos olhos. Eles foram
à primeira coisa que eu reparei em você, tão
escuros e ao mesmo tempo tão delicados.
Depois suas bochechas coraram, e você
pareceu ainda mais inofensiva. Eu pensei
que era calma, delicada, tímida. Bastou
apenas dois minutos para eu perceber que
você não era nada disso. Você era uma
mulher cheia de atitude, que não deixou o
velho te rebaixar. Você se impôs mesmo nem
tendo tamanho, e tinha todo o controle da
situação, não aceitou o que te impuseram e
se fosse necessário iria brigar para provar
que estava certa. Você me surpreendeu,
sendo uma pequena baixinha extremamente
corajosa. Esta foi à primeira impressão que
eu tive de você, não aceitando que ninguém
te dissesse como deveria agir.
Eu pude sentir minhas bochechas
queimando, e estava torcendo para que elas
não corassem também. Ele me olhava com
tanta intensidade, analisando cada traço do
meu rosto enquanto seu dedo descia pelo
meu maxilar, que era impossível controlar.
Seu toque, mesmo que mínimo contra minha
pele, deixou quente todo o rastro de seus
dedos. Ele realmente se lembrava de tudo,
mas o que me surpreendeu foi a sua análise
de mim. Eu queria ser quem ele estava
visualizando, mas eu não era.
— Por que esta cara? — perguntou ele
tocando minha bochecha de leve. — Falei
algo errado?
— Não, não foi isso. É só que, esta
pessoa que você vê, não sou eu.
— Eu tenho certeza que é.
Eu balancei a cabeça e segurei sua mão,
deixando-a no meu colo.
— Eu não sou assim, eu queria ser, mas
não sou.
— O que você não é?
— Corajosa, ou saber se impor —
confessei. — Eu sempre fiz tudo o que
esperavam que eu fizesse, nunca desobedeci
meus pais, nunca fiz nada rebelde em toda
minha adolescência. Eu sou bem sem graça,
na verdade.
Ele apertou minha mão e sorriu.
— Você pode ser tudo, menos sem graça.
— Você não me conhece muito bem então.
— Talvez, mas tenho certeza que o pouco
que convivi com você, já foi o suficiente
para eu saber que você não é sem graça.
Você talvez seja reservada, mas só precisa
de um empurrãozinho para mostrar a todos
aquela garota divertida e cheia de atitude
que eu conheci no aeroporto.
Eu queria que ele estivesse certo, mas era
difícil acreditar nisso.
— E você? — ele perguntou. — Qual é a
primeira coisa que se lembra de mim?
Se eu respondesse que eram aqueles olhos
azuis que me hipnotizaram, ele pensaria que
copiei sua resposta.
— Sua altura, eu estava de tênis então
você era uma cabeça maior do que eu.
— Só minha altura? — Eu preferi não
responder, então dei de ombros. — Nem
mesmo estes olhos lindos?
Por algum motivo era difícil mentir
quando eu olhava para ele, me deixava
nervosa quando ele estava me observando.
Era mais fácil esconder a verdade quando
não via seus olhos. Desviei minha atenção
para nossas mãos e Marcelo entendeu meu
silêncio, deixando que eu brincasse com sua
mão no meu colo.
— Como foi sua viagem? — ele
perguntou. — Você não me contou como foi
seu carnaval.
Quando voltei a olhar para seu rosto, ele
estava me observando. Aqueles olhos azuis
me interrogavam mais do que as perguntas
que saiam de sua boca.
— Foi bom, Recife é lindo e o carnaval lá
é bem movimentado.
— E quando ele volta?
— Ele não volta, ao menos até final do
ano. Ele vai ficar lá até finalizar o projeto.
— E você está bem com isso?
Era estranho que ele fosse a primeira
pessoa que eu abriria o jogo. Eu não havia
contado sobre as propostas de Vinicius nem
para minha mãe ou meus amigos, mas ali
estava ele querendo saber, e por mais
estranho que fosse eu queria contar a ele. Eu
queria poder contar tudo a ele.
— Eu ainda não sei — confessei. — Ano
passado minha avó ficou doente, eu tranquei
a faculdade e fui morar com ela e meu avô,
junto com minha prima. Nós ficamos lá
cuidando deles, mas infelizmente eles não
sobreviveram. Quando eu soube que minha
avó estava doente, não pensei duas vezes em
fazer as malas e ir, não perguntei a ninguém.
Então não acho que seja justo da minha parte
ficar brava com o Vini por ele fazer a mala e
ir, também.
— Mas, você foi para cuidar da sua avó,
era uma situação diferente.
— Será? Eu fui porque achei que era o
certo a fazer, assim como ele acha que esta é
a decisão certa a tomar. Ele pensa que esta é
uma grande oportunidade de trabalho para
ele, então eu acho que só posso aceitar e
torcer para que ele esteja certo.
— Mas e você? Vai ficar sozinha em
Curitiba esperando por ele?
— Ele me convidou para ir morar com ele
quando eu me formar.
Ele se moveu no banco, se aproximando e
apertando minhas mãos. Seus olhos estavam
cheios de preocupação, eu podia ver.
— Você vai embora? — Eu não consegui
responder, então apenas neguei com a
cabeça. — Mas, você está pensando nisso?
— insistiu ele.
Não pude continuar olhando para ele,
então fechei meus olhos e abaixei a cabeça.
Eu ainda não havia decidido, mas não queria
ir embora e me afastar da minha família e
dos meus amigos. Marcelo segurou meu
queixo com uma mão e levantou meu rosto.
Eu ainda estava de olhos fechados e não
queria abri-los. Ele iria me olhar com
aqueles olhos, e iria derramar todas as
minhas dúvidas. Não parecia certo que eu
conversasse com ele sobre isso,
principalmente se ele era o motivo pelo qual
eu andava tão confusa sobre o Vinicius
ultimamente. Ele havia se tornado um grande
amigo, e eu gostava cada vez mais de passar
meu tempo com ele. Parecia tão bobo
segurar nas mãos de alguém, mas minha pele
esquentava quando suas mãos estavam sobre
as minhas. Assim como parecia ser normal
olhar alguém nos olhos, mas os dele me
deixavam nervosa. Eu queria poder
controlar todas estas reações, mas parecia
ser cada vez mais difícil.
— Por favor, abra os olhos — pediu ele,
tocando meu queixo. — Eu só queria
entender.
Eu esperei por um tempo e abri meus
olhos. Ele estava tão perto, que respirar
parecia difícil, e tenho certeza de que
minhas mãos começaram a transpirar.
— O que você quer entender? —
perguntei em um sussurro, quando forcei a
voz em minha garganta a sair.
— O que você está fazendo com ele?
— Eu o amo e ele me ama — respondi
rapidamente. Esta era uma pergunta fácil.
— Ele te faz feliz? — Eu não estava
gostando daquele interrogatório, então
apenas confirmei com a cabeça. — É ele o
cara certo para você?
Mais uma vez a voz ficou presa na minha
garganta. Eu queria que o Vini fosse o cara
certo para mim, e por ora ele era. Ele
sempre foi tudo o que eu busquei em um
homem. Estabilidade, companheirismo, uma
pessoa sensata. Eu não gostava quando meus
pais me faziam este tipo de pergunta, nem
quando meus amigos insinuavam este tipo de
coisa. Nem tudo se resumia a paixão e
loucura, eu gostava da calmaria.
— Eu te fiz uma pergunta, Luísa — ele
insistiu. Eu respirei fundo, buscando a voz
presa na minha garganta. — Se ele te faz
feliz, se você o ama, e acha que ele é o cara
certo pra você, então por que ainda não sabe
se vai embora com ele?
Meus olhos começaram a arder, mas lutei
contra as lágrimas. Eu não queria chorar, não
queria mostrar a ele que este era um assunto
delicado para mim. Esta era uma conversa
que eu teria com meus pais, ou com a Carol
e o Rafa. E olhando para ele, com o rosto
tão perto do meu, não me ajudava a pensar
com clareza.
— Você não quer isso para você, Luísa, se
você tivesse certeza sobre ele, você não
estaria confusa.
— Eu não estou confusa.
Ele sorriu, contornando meus lábios com a
ponta dos dedos.
— Está, eu estou vendo em seus olhos.
Como você disse, eu posso não te conhecer
muito, mas o que conheço é o suficiente para
saber que você não pode me dar certeza de
nada. E eu vou te mostrar como viver, Luísa.
Eu vou fazer você ser mais espontânea, mais
corajosa, mais cheia de vida. Eu só preciso
de uma chance, e vou te mostrar que a Luísa
que eu vejo está aí dentro esperando para
sair.
Milhões de borboletas começaram a voar
no meu estômago neste momento, e posso
afirmar que não era pelo fato de estarmos
nas alturas dentro de um avião. Ele me
afetava cada vez mais, e eu não sabia como
lutar contra isso.
Marcelo
Eu sabia que estaria me expondo, mas eu
não poderia voltar agora. Eu arriscaria tudo
ou abriria mão dela, e esta última alternativa
não parecia ser uma opção para mim. Tentei
ser apenas o amigo, e a distância estava
funcionando bem, mas bastava olhar para
aqueles olhos escuros que eu mudava de
ideia. Quanto mais a conhecia, mais sabia
que ela não tinha a vida que merecia. Ela é
uma mulher que merece alguém que lhe faça
sorrir mais, que a faça se arriscar, cometer
erros e ser impulsiva. Eu preciso mostrar a
ela que não precisamos agir com precaução
e cautela em tempo integral.
Eu traçava seus lábios com as pontas dos
dedos, usando toda minha força de vontade
para não beijá-la. Esta vontade era cada vez
mais difícil de segurar.
— Por favor, não faz isso — ela pediu. —
Eu sou comprometida, e isso não é justo nem
comigo e nem com o Vinicius.
Eu sabia que não era justo, ao mesmo
tempo em que sabia que ela merecia muito
mais do que ela tinha, e eu não lutaria de
forma justa, mas desta vez eu esperaria pelo
momento certo.
— Tudo bem, Luísa, eu entendi. Desculpa.
Relutante, retirei minha mão de seu rosto e
virei para frente. Coloquei meus fones de
ouvido e fechei os olhos, I want you to want
me de Gary Jules tocava, me concentrei na
música para distrair minha mente. Eu sabia
que seus olhos estavam me observando, eu
sabia que era só virar para o lado e veria
aqueles olhos escuros próximos a mim. Eu
sabia que bastava um movimento e sua boca
estaria na minha, mas eu não queria começar
da forma errada. Era como o Pedro havia me
avisado, se ela tivesse certeza sobre o
namorado não me daria uma chance. Mas, se
ela tivesse qualquer sombra de dúvida,
então eu faria com que ela corresse para
meus braços.
— Nós chegamos — ela disse retirando
um dos fones do meu ouvido. — Já vamos
pousar em BH.
— Ótimo — respondi ainda de olhos
fechados.
Eu escutei um gemido frustrado e ela se
mexendo a todo o momento ao meu lado. Eu
sabia que ignorá-la iria frustrá-la. Eu já
percebi que era na hora da raiva que ela
falava o que sentia, então, eu só precisava
tirá-la de sua zona de conforto para que ela
admitisse alguma coisa por mim.
Nós desembarcamos e fomos para o hotel
de táxi. Eu permaneci calado o resto do
trajeto, falando apenas o necessário, o que a
deixava ainda mais incomodada. Na
recepção peguei a chave do quarto, esta
seria a primeira surpresa dela em nossa
viagem. Quando chegamos ao décimo oitavo
andar, e abri a porta do quarto, ela se virou
para mim.
— Por favor, Marcelo, não vamos deixar
as coisas ficarem confusas entre nós, tudo
bem? Vamos passar uma semana juntos, e eu
não quero que fique um clima estranho.
— Não se preocupe com isso, você tem
namorado e eu tenho que respeitar isso. Eu
entendi, e não será um clima estranho, eu te
prometo. Nós somos amigos, esta viagem
será tranquila.
Ela suspirou aliviada e ficou na ponta dos
pés, beijando minha bochecha. Eu tive
vontade de virar o rosto e beijá-la, mas ela
seria a responsável pelo nosso primeiro
beijo, eu iria levá-la ao limite.
— Obrigada por entender — ela disse
voltando para a porta. — Foi muita gentileza
sua me acompanhar até aqui, eu vou tomar
um banho e então te encontro para nossa
reunião às onze.
Eu segurei o riso e concordei com a
cabeça. Ela puxou sua mala para dentro do
quarto e fechou a porta. Esperei exatos dez
segundos e bati na porta.
— Esqueceu alguma coisa? — perguntou
ela com um sorriso doce nos lábios.
Ah, esse sorriso logo sairá daí. Por mais
que eu goste de vê-la sorrir, e tenha feito
uma promessa de manter esse sorriso em seu
rosto, não era o seu sorriso que eu queria
agora.
— Não, é só que você me deixou para
fora — anunciei ao passar por ela.
Ela ficou alguns segundos olhando o
corredor na porta, e se virou para mim. A
mala dela ainda estava na entrada, sinal
claro de que ela não deve ter visto as duas
camas no quarto. Um dos acordos que fiz
com a Carla foi esse: quartos duplos, nada
de dois quartos. Luísa passaria uma semana
comigo, poderia não dormir na mesma cama,
mas não teria nenhuma parede nos
separando.
— Espera aí, o que? — ela perguntou me
seguindo. Seus olhos demoraram um pouco
para visualizar o quarto e perceber as duas
camas. — Não, nada disso. Nós vamos
dormir juntos?
— Juntos não, apenas no mesmo quarto.
Você tem uma cama de casal inteira para
você, e eu tenho uma para mim. Qual você
prefere, a da esquerda ou a da direita? —
Ela permanecia parada no meio do quarto,
olhando para as camas. — Anda logo, Luísa,
se você não escolher então eu vou entender
que para você tanto faz. — Esperei por mais
alguns segundos, seus olhos confusos
olhando para mim, e eu tentei não rir da sua
cara de desespero. — Bom, você já teve o
seu tempo, então vai ficar com a cama da
direita.
Cai de costas na minha cama e peguei meu
celular, colocando o despertador para três
horas depois. Arrumei meu travesseiro e
fechei os olhos, esperando por alguma
reclamação, mas o quarto ficou em silêncio.
Por um momento pensei que ela havia saído
dali, meus olhos estavam fechados, mas
meus ouvidos prestavam atenção em cada
movimento. Se uma agulha caísse, eu tenho
certeza que escutaria. Poucos minutos depois
eu ouvi um barulho de zíper, abri meus olhos
lentamente e a vi agachada ao lado da mala
mexendo em suas roupas. Quando ela se
levantou eu fechei os olhos, e segundos
depois ouvi a porta do banheiro se fechar e
o chuveiro ligar. Imaginá-la no chuveiro a
uma porta de distância era pior do que eu
imaginava.
Eu poderia imaginá-la nua agora. A água
caindo sobre seu corpo e deslizando sobre
sua pele clara. Conseguia visualizar aquelas
mãos pequenas lavando o cabelo escuro, e o
sabonete passeando sobre cada centímetro
que minhas mãos queriam tocar. Aqueles
pensamentos começaram a me deixar duro,
visualizá-la em minha mente não foi uma boa
ideia, e ouvir o barulho da água caindo só
piorava. Eu me virei de barriga para baixo e
apoiei o travesseiro em minha cabeça,
tentando pensar em mil coisas diferentes que
pudessem me distrair. Pensei nos clientes, no
vovô, no Lucas. Eu estava me acalmando,
quando a porta do banheiro abriu e aquele
cheiro de shampoo invadiu o quarto. Eu
queria levantar o travesseiro e vê-la, mas
tinha certeza de que se ela estivesse apenas
de toalha eu não iria suportar. Forcei meus
olhos o máximo que pude e me obriguei a
pensar em tudo que não fosse ela.
Meu despertador tocou e eu tateei minha
cama a procura dele, enquanto meus olhos
pesados ainda não me deixavam enxergar.
— Está embaixo do seu travesseiro, não
vai encontrá-lo assim — avisou Luísa.
Eu tateei embaixo do meu travesseiro e
apertei o botão para desligar. Parecia ter
passado segundos e não horas. Rolei para o
lado e procurei por Luísa, que estava
sentada no chão. Ela estava com as pernas
cruzadas em frente ao guarda-roupa,
passando alguma coisa nos olhos com o
rosto colado ao espelho da porta.
— O que você está fazendo aí? —
perguntei rindo.
— Só tem este espelho ou então o do
banheiro, e como pensei que você poderia
querer usar lá, estou usando esse daqui.
Eu ri chamando sua atenção.
— Você pode usar o espelho do banheiro
se quiser, não tem problema.
— Não será necessário — ela avisou,
voltando sua atenção para alguma coisa nos
olhos. — Você já está atrasado, nós
marcamos a reunião para ás onze da manhã
na V.D.A. e já são dez horas.
— Você não dormiu?
— Não consegui.
— Por quê?
Ela deu de ombros e pegou o celular,
digitando alguma coisa. Fui para o banheiro
e demorei um pouco mais do que previsto
embaixo do chuveiro. Quando sai apenas
com a toalha em volta da minha cintura, fui
até a mala procurar por uma cueca. Eu sabia
que ela estaria olhando, mas evitei verificar.
Não queria que ela ficasse constrangida por
pegá-la observando. Quando soltei a toalha
para colocar minha cueca eu ouvi alguma
coisa caindo.
— Quebrou alguma coisa aí? —
perguntei, espirrando meu desodorante e
olhando para ela.
Ela negou com a cabeça fingindo procurar
algo no chão, evitando olhar diretamente
para mim. Segurei minha risada e lentamente
coloquei minhas roupas, enrolando o
máximo que podia. Calcei meus sapatos e
parei atrás dela, que ainda estava sentada no
chão passando batom.
— Você ainda está nisso, Luísa? Já fiquei
pronto, e você disse que eu estava atrasado.
Ela me olhou através do espelho e
mostrou a língua. Estava com uma blusinha
sem decote, mas suas pernas mostravam tudo
o que a blusa escondia. Tentei não pensar
muito no vento batendo e levantando aquele
pedaço de tecido de saia tão curto. Quando
ela finalmente ficou pronta nós descemos
para o saguão, esperamos pelo nosso carro
alugado, e nos dirigimos ao prédio da
V.D.A.
— Eu não vi você passar perfume — eu
disse a ela quando parei em um semáforo.
Eu sabia que ela estava com ele, eu sentia
seu cheiro dentro do carro, mas eu precisava
de uma desculpa para me aproximar. —
Ficou tanto tempo se arrumando e vai fedida.
— Eu passei sim — ela anunciou
cheirando os pulsos. — Você estava no
banho.
— Me deixa confirmar.
Aproximei meu rosto do pescoço dela,
inalando seu cheiro. Eu sabia que isso
afetava mais a mim do que a ela, mas eu
usaria todas as armas que podia. Passei a
ponta do meu nariz por seu pescoço e deixei
um beijo atrás de sua orelha. Seus ombros
encolheram e ela respirou fundo, eu sabia
que ela não seria imune a mim. Ela me
empurrou para meu banco e cruzou os
braços.
— Você disse que se comportaria,
Marcelo. Mas, esse negócio de mesmo
quarto e aparecer de toalha não é nada
comportado.
Segurei minha risada e voltei a dirigir
quando o sinal do semáforo abriu.
— Você não dorme com a Carol e o Rafa?
— É claro que sim, mas é diferente.
Olhei rapidamente para ela, que estava
concentrada na janela.
— Diferente como, não somos amigos?
— Sim, mas não é a mesma coisa.
Eu procurei por sua mão e a levei até
minha boca, depositando um beijo.
— Luísa, não se preocupe. Você já traçou
uma linha e eu não vou cruzá-la. Esta será
uma viagem de amigos, apenas isso.
— Você não joga limpo.
Eu não jogaria limpo, pelo contrário. Eu
usaria todas as cartas nesse jogo.
Luísa
Estávamos subindo o elevador em
silêncio, eu não conseguia olhar para o
Marcelo e não sentir minhas bochechas
queimarem. Quando estava me maquiando
ele saiu do banheiro enrolado em uma
toalha, e eu via a água escorrendo por suas
costas e braços. Eu pensei que tinha
esquecido a roupa e iria se trocar no
banheiro, nunca me passou pela mente que
ele se trocaria ali. Não vou dizer que não
olhei, mas quando percebi a toalha caindo
no chão eu desviei a atenção. Ele havia feito
uma promessa de não invadir meu território,
mas depois de hoje, eu estava custando a
acreditar em suas palavras.
— Este é o escritório da V.D.A., certo? —
perguntei folheando os papéis em minhas
mãos, com o nome dos três.
Marcelo segurou a porta do elevador
quando chegamos ao andar.
— Exatamente, aqui vamos conversar com
os sócios da rede de hotelaria que estamos
hospedados.
Suas mãos circularam minha cintura para
me conduzir pelo ambiente, mas eu
rapidamente puxei suas mãos para o lado e
me afastei. Eu já tive contato o suficiente
com ele, precisava de distância. Ele olhou
para mim questionando meu comportamento,
e antes que eu pudesse falar qualquer coisa,
uma mulher se aproximou.
— Bom dia, eu sou Bárbara — ela se
apresentou. — Eu irei conduzi-los até a sala
de reunião.
Bárbara era uma morena de cabelos e
olhos escuros, praticamente da minha altura,
mas seu corpo era mais curvilíneo e seios
mais avantajados. Ela sorria para nós
enquanto atravessávamos o corredor.
— Vocês querem alguma coisa? Um café,
uma água — ela ofereceu.
Eu neguei com a cabeça.
— Eu aceito um café, se possível —
Marcelo respondeu.
Bárbara sorriu para ele e piscou, antes de
sair. Entrei na sala e olhei para tudo em
volta. Era muito parecida com a nossa sala
de reunião, com uma grande tela plana na
parede e uma mesa redonda no centro com
dez cadeiras. Antes mesmo que pudéssemos
sentar, três homens engravatados entraram na
sala. Um deles se aproximou e estendeu a
mão para mim.
— Bom dia, eu sou Sebastian Vaughn.
Sebastian tinha o cabelo curto em um tom
escuro de loiro e claros olhos verdes. Ele
sorria para mim, e era impossível não sorrir
de volta. Era um homem muito bonito, que
provavelmente chamava a atenção de todas
as mulheres quando entrava em algum lugar.
— Bom dia, Senhor Sebastian. Eu sou
Luísa Castelli.
— Estes são meus sócios, senhorita Luísa,
Matheus Amorin e Cleber Dantas.
Matheus acenou com a cabeça de onde
estava, e se sentou em uma cadeira do outro
lado da mesa. Ele também tinha os olhos
claros como os de Sebastian, mas o cabelo
era mais claro e o corpo mais magro.
— Espero que sua hospedagem esteja
sendo boa, Luísa — disse Cleber ao me
cumprimentar com as mãos.
Cleber tinha o cabelo mais curto dos três,
quase raspado e muito escuro, mas seus
olhos também eram claros. Não em tons de
azul como os de Matheus, seus olhos eram
verdes e seu corpo era tão grande quanto o
de Sebastian. Aqueles homens deveriam
criar um problema e tanto por aqui.
— Seus hotéis têm um excelente
atendimento, obrigada, senhor Cleber.
Sebastian e Cleber cumprimentaram
Marcelo e foram para o outro lado da mesa,
ao lado de Matheus. Eu percebi que ele foi o
único que não havia cumprimentado a nós, e
suspeitei que ele fosse o mais reservado dos
sócios.
— Os senhores Schmidt e Martinelli
entraram em contato — comentou Matheus.
— É uma lástima o que aconteceu com
vocês, espero que isso se resolva o mais
rápido possível.
Marcelo respirou aliviado acenando com
a cabeça.
— Muito obrigado pela compreensão,
senhor.
Bárbara entrou na sala mantendo seus
olhos fixos em Marcelo, ignorando
completamente a confusão de seus chefes.
— Aqui está seu café — ela ofereceu,
colocando uma bandeja em sua frente. — Se
quiser açúcar ou adoçante os sachês estão na
bandeja. Qualquer coisa que precisar é só
me dizer.
Marcelo tomou um gole e sorriu para ela.
— Muito obrigada, Bárbara, está perfeito.
Fez exatamente como eu gosto, forte.
— E o nosso café, cadê Bah? —
perguntou Matheus.
— A sua xícara está suja na pia, a
Gilcelle ainda não foi lavá-la e nem jogou
água fervida — ela comunicou, em direção à
porta. — E eu sou paga para servir café e
não lavar a louça. Então se quiser que eu
traga em um corpo descartável eu posso
trazer, você quer? — Ela olhou para ele,
assim como todos nós esperando por uma
resposta, Matheus negou com cabeça. — Foi
o que pensei.
Ela piscou para Marcelo mais uma vez e
saiu da sala. Eu tentei segurar o riso que se
formou em minha boca, ela se parecia muito
com a Carla.
— Ela está andando muito com a Gilcelle
— Cleber comentou rindo.
Passados alguns minutos, quando
estabelecemos a nova sociedade dos
advogados e confirmamos todas as
procurações dos processos em nome da
V.D.A., uma ruiva entrou na sala em um
rompante. Ela tinha o cabelo ondulado e
vermelho como fogo, e grandes olhos
castanhos.
— Mas, que diabos é que ninguém
consegue entender que estamos tendo uma
reunião séria aqui? — Sebastian perguntou,
batendo a mão na mesa. — Primeiro foi a
Bah, agora você, Gilcelle?
— Eu não acredito que vocês fizeram a
reunião sem nos avisar — ela gritou, ligando
a TV. — Sorte minha e azar de vocês que
temos a Bah. Nossa sociedade é meio
esquisita, mas às vezes dá certo.
Ela ligou a TV e começou a digitar algo
no notebook à sua frente, conectando a uma
tela de Skype. No começo eu não consegui
entender muito bem, mas quando a tela ficou
nítida eu vi uma mulher ao fundo, sentada na
cama e amamentando uma criança em seu
colo. Ela era linda, cabelos longos e
cacheados. A ruiva se afastou e foi para a
cadeira ao fundo da sala, se sentando e
ficando de frente à tela de TV. As duas se
olhavam com largos sorrisos nos lábios, uma
em cada ponta da mesa, como se fossem
nossas chefes em uma reunião importante. E
pelo que eu podia notar, elas eram quem
comandavam este lugar. Cleber segurava o
riso olhando para os amigos ao seu lado,
Matheus fixou os olhos em Gilcelle
balançando a cabeça como se reprovasse
seu comportamento, e Sebastian se levantou,
batendo as mãos mais uma vez na mesa.
— O que é isso, Celina? — ele perguntou
aos gritos. — Você prometeu que ficaria em
casa descansando, o médico disse para ficar
de resguardo.
— Não grite comigo deste jeito, eu estou
em casa, como prometi.
— Mas, devia estar repousando.
Celina sorriu para ele na webcam e
apontou para a criança colo.
— Eu estou na cama, não está vendo?
Mais repouso que isso eu não posso fazer.
Ele suspirou derrotado e sentou
novamente em sua cadeira.
— Desculpem por este transtorno, esta é
minha mulher, Celina, nossa filha nasceu há
poucos dias.
Eu senti pena daquele pobre homem,
Celina mesmo em casa e com um bebê de
colo, conseguia passar a perna no marido.
Eu tinha a leve sensação de que ele jamais
conseguia controlá-la.
— Não se preocupe com isso, nós
entendemos — respondi para ele e me virei
para a TV. — Parabéns pela filha de vocês,
Celina, eu sou a Luísa.
— Obrigada, Luísa, Nath é linda, veja.
Ela levantou a filha que estava de olhos
fechados, mas ainda fazia bico de quem
estava mamando. Eu notei o rosto dos três
sócios, e não poderia dizer quem babava
mais, se era a criança ou eles. Sebastian que
antes parecia explodir de raiva, olhava para
a filha suspirando. Cleber estava com as
mãos apoiadas no queixo e sorrindo para a
menina, até mesmo Matheus que eu pensava
ser o mais reservado, tinha um rosto
apaixonado.
— Ela é realmente linda, Celina —
comentou Marcelo. — Fico feliz por você.
Celina voltou a deitar a filha, que
rapidamente voltou a amamentar.
— Obrigada, Marcelo, você que me
ajudou quando tive aqueles problemas com
meu livro na época do Sebastian, sabe o
tanto de estresse que passei.
— Sim, eu sei, e foi um prazer ajudá-la.
Por isso fico feliz que tudo deu certo pra
você.
— Ok, agora que todo mundo já se
apresentou e nós vimos a adorável Nath,
vamos seguir com a reunião — interrompeu
Gilcelle. — Onde estávamos?
— Já está tudo acertado, antes mesmo de
vocês entrarem aqui — respondeu Cleber.
— E o que é que foi decidido? —
perguntou Celina.
Cleber suspirou balançando a cabeça.
— Nós vamos manter nosso contrato com
eles, eles continuam sendo nossos
advogados.
Celina sorriu triunfante, como se tivesse
ganhando uma batalha.
— Que bom que vocês não foram
estúpidos desta vez e fizeram a coisa certa.
Eu jamais aceitaria que vocês rompessem o
contrato com eles depois de toda a ajuda que
tive do Marcelo.
Ela pegou um bracinho da Nath dando
tchau, fazendo com que todos olhassem para
tela.
— E quando foi que nós agimos como
estúpidos? — comentou Matheus.
Celina fez um movimento com a Nath com
os braços, como se tivesse arremessando
algo e uma bola de papel acertou a cabeça
de Matheus. Todos eles olharam assustados
para o amigo, que coçava a cabeça e olhava
para Celina.
— Como foi que você fez isso? — ele
perguntou confuso.
Eu ri para Gilcelle, que piscou para mim.
Eu a vi arremessando, mas tinha entendido
que isso era quase como uma arma secreta
delas, e eu não podia contar. Celina deu de
ombros e sorriu para a Nath.
— Muito bem filha, jamais deixe o Tio
Matt mentir. Sempre que ele fizer alguma
coisa de errado, mire na cabeça dele.
Cleber riu chamando a atenção de todos.
— Ela é uma bruxinha, exatamente como a
mãe. E esta veio evoluída, ela arremessa
coisas de outro ambiente, não tem outra
explicação — ele comentou se virando para
Sebastian e batendo no ombro do amigo. —
Você está com sérios problemas.
Sebastian engoliu em seco e continuou
olhando assustado para a filha.
— Eu estou preocupado, ela não tem nem
tamanho ainda e já está arremessando
coisas, ela é uma miniatura da Celina, aliás,
de todas as mulheres daqui.
Gilcelle levantou foi para o lado da TV.
— Não fale besteiras, Sebastian, se a
Nath for como nós você terá sorte.
Ela bateu a mão na tela como se tivesse
comemorando com a Celina, que segurou o
bracinho de Nath e bateu na webcam. Elas
eram realmente amigas, e elas
definitivamente eram quem comandavam
estes homens.
— Agora eu vou pôr a Nath para dormir,
adorei esta reunião. Quando quiserem passar
aqui em casa estão convidados — disse
Celina se despedindo.
Gilcelle desligou o computador e parou
em frente ao Marcelo, esticando as mãos.
— Foi um prazer fazer negócios com você
— ela o cumprimentou e depois se virou
para mim, apertando minhas mãos. —
Aposto que o estúpido do Matheus não te
cumprimentou decentemente, então eu o faço.
— Controle sua mulher, homem —
comentou Cleber. — Já não bastava Celina,
agora teremos a Gilcelle se intrometendo em
tudo?
Gilcelle andou até a porta e parou,
olhando para os três.
— Até depois, estúpidos. E você está me
devendo 50 mil, Matheus, por não ter
avisado desta reunião — comunicou ela
piscando para ele. — Você já sabe o número
da minha conta.
Os três pareciam não saber como agir, ou
o que falar. Mesmo que já tivéssemos
combinado tudo antes de Gilcelle e Celina
interferir, eu tinha a sensação de que o
acordo foi fechado com a palavra final
delas. Esta foi a reunião mais esquisita e
divertida que eu participei.
— Bah, os acompanhe até a saída, por
favor — disse Cleber ao meu lado. —
Obrigado por toda a ajuda até o momento, e
qualquer coisa que precisarem nos avisem.
Ele saiu junto com os outros sócios e nos
deixaram na recepção com a Bárbara, que
rapidamente se aproximou de Marcelo,
parando ao lado dele. Marcelo a olhou nos
olhos, como se estivesse tentando se lembrar
de algo.
— Eu tenho quase certeza de que te
conheço de algum lugar — ele comentou.
Bárbara riu e colocou a mão no rosto de
Marcelo, acariciando sua bochecha.
— Dos seus sonhos.
Eu estava rindo quando a porta do
elevador se abriu e uma morena entrou. Ela
era muito curvilínea, mais do que a Bah, e
também tinha cabelos e olhos escuros.
— Suzana, finalmente — gritou Gilcelle
parando ao nosso lado. — Mas, a reunião já
acabou.
— Eu vim assim que recebi sua
mensagem, então neste caso vamos almoçar,
você precisa me contar o que aconteceu na
viagem.
Bárbara voltou para sua mesa e pegou
uma bolsa.
— Neste caso vamos nós três, eu também
quero saber.
Marcelo segurou a porta do elevador para
que todas nós entrássemos.
— Obrigada — disse Gilcelle ao apertar
o botão da portaria. — E antes que eu
esqueça, estes são Luísa e Marcelo, os
advogados da reunião que te avisei. Esta é
Suzana, ela é a namorada do Cleber.
Marcelo acenou com a cabeça e cruzou os
braços.
— Entendi. A Celina é a mulher do
Sebastian, a Suzana do Cleber, e você do
Matheus? — ele perguntou.
Eu, Bárbara e Suzana rimos. Gilcelle
negava com a cabeça.
— É claro que eu não sou daquele
estúpido, eu não sou de ninguém.
— Eu estou tendo minhas dúvidas, basta
vocês viajarem com os chefes que voltam
todas apaixonadas — comentou Bárbara.
Suzana concordou com a cabeça e se
virou para mim.
— Exatamente, veja o exemplo da Celina
e do Sebastian, e agora vocês dois, eu fui a
única que fugiu do padrão — Suzana
comunicou com um sorriso. Ela se virou
para nós. — Vocês namoram?
Marcelo cruzou os braços e sorriu,
esperando pela minha resposta. Eu de
repente odiei o rumo daquela conversa. Isso
de viajar com chefe e voltar apaixonado era
algo que eu não estava gostando.
— Não, eu já namoro — contei a elas. —
Nós só estamos viajando a negócios.
Gilcelle bateu no meu ombro e sorriu com
compaixão.
— Pobre garota.
Bárbara imitou Gilcelle, batendo em meu
ombro e acompanhou a amiga.
— Boa sorte — disse Suzana para
Marcelo, e então saiu do elevador, mas não
sem antes bater no meu ombro.
Esta definitivamente tinha sido a manhã
mais estranha de todas.
— Eu gostei delas — comentou Marcelo
ao entrar no carro. — Viu como essa coisa
de viajar com o chefe pode ser perigosa?
— Cale a boca e dirige.
— Não passou nem uma hora neste prédio
e já está agindo como elas? Isso pode ser
contagioso.
Eu peguei minha bolsa e joguei nele, o que
o fez rir ainda mais.
— Vamos logo.
— Eu disse, isso é contagioso, vou tomar
cuidado com a sua mira de hoje em diante.
Capítulo 20

Marcelo
Estávamos de volta ao hotel depois de
um dia cheio de reuniões e encontros de
negócios. Visitamos três clientes, mas
nenhum dos dois encontros da tarde superou
a reunião na V.D.A., aquela foi de longe a
mais engraçada e estranha que tivemos.
Eu tomei banho primeiro e deitei na cama
para ver TV, esperando por Luísa. Ela saiu
enrolada em um roupão do hotel e deitou em
sua cama, como se tivesse prestando atenção
na TV também.
— Tem algum canal que quer assistir? —
perguntei quando percebi que ela fazia
careta para cada cena de sangue que
aparecia na tela.
— Não, pode deixar aí se quiser.
Mudei os canais até achar a Warner
passando Friends.
— Ah, bem melhor — ela disse com um
sorriso nos lábios. — Eu posso ver mil
vezes esse seriado que nunca vou enjoar.
Ela cruzou as pernas olhando para a TV,
mas ficou massageando os pés com as mãos
enquanto repetia as falas com a Phoebe.
Seus pés deviam estar doendo, já que ficou
de salto o dia todo e só descansou agora,
mais de onze horas da noite. Aproveitei que
ela estava distraída vendo o seriado e puxei
sua bolsa de mão que estava no criado-mudo
entre as camas e procurei por um creme.
— O que você está fazendo? — ela
perguntou quando percebeu que eu me sentei
em sua cama.
— Estica os pés.
Ela puxou o roupão e me olhou por um
longo momento. Quando percebeu que eu
não fiz nenhum movimento sobre ela,
encostou-se à cabeceira e esticou as pernas
no meu colo. Eu coloquei um pouco dos
cremes em minhas mãos e apertei a sola de
seu pé com meus dedos. Um gemido baixo
escapou de seus lábios quando meus dedos
alcançaram um ponto sensível em seus pés, e
tentei ignorar o fato de que minha cueca
começou a ficar apertada ao ouvi-la. Era
difícil vê-la tão relaxada, de olhos fechados
e gemendo em minha frente. Havia partes em
meu corpo que acordavam por conta própria
quando eu estava com ela. Quando percebi
que já estava duro o suficiente, e que não
conseguia mais suportar ouvir aqueles
gemidos sair de seus lábios corri para o
banheiro tomar um banho de água fria. Eu
precisava esfriar a cabeça e outras partes do
meu corpo antes de voltar para o quarto.
Quando voltei para o quarto enrolado na
toalha ela já estava de pijama, lendo um
livro e ignorando totalmente minha presença.
Desta vez ela não olhou uma vez sequer para
mim, como se soubesse que eu estava apenas
de toalha novamente. Peguei uma cueca da
minha mala e fui para debaixo do edredom.
— Você quer que eu apague as luzes? —
ela perguntou quando eu fechei meus olhos.
— Eu posso ler com a luz do abajur.
— Não precisa, pode continuar sua
leitura. Aliás, qual o livro de hoje?
— Ironia do dia de hoje ou não, mas é a
história de uma secretária que viaja com o
chefe, só que ela descobre que ele tem uns
gostos bem peculiares com relação à forma
como ele gosta de sexo. Bom, neste caso é
mais em relação a quem ele gosta de fazer
sexo.
Eu abri os olhos segurando a risada que se
formou em meus lábios.
— Como assim? O cara é gay?
— Não, ele gosta de sexo com mais de
uma pessoa, e ele a leva a clubes e coisas
assim, e divide ela com um amigo dele, o
que é realmente sexy. Mas, o que me deixa
mais apaixonada pela história são as
músicas que a autora cita no livro, eu acho
que já decorei todas elas, principalmente a
do casal.
— Canta para mim — eu pedi.
Ela me olhou rindo, fechou o livro e
apagou as luzes.
— Não vou cantar, não sei espanhol.
— Você disse que decorou, então sabe a
letra.
Ela permaneceu em silêncio, e percebi
que ela não iria cantar, mas eu queria deixar
o sono me levar ao som da voz dela.
— Você já pensou em algo assim? — eu
perguntei, depois de um tempo em silêncio.
— Está falando do que?
— Sexo com várias pessoas, sabe,
ménage ou swing, essas coisas.
Ela riu e ficou em silêncio por um longo
tempo, até mesmo pensei que ela havia
dormido, mas então escutei o lençol de sua
cama se mexer.
— Eu acho que se eu confiasse muito na
pessoa, poderia arriscar algumas coisas,
mas sou ciumenta e monogâmica demais
para dividir.
Não vou negar que a parte do monogâmico
foi algo que ela deixou bem claro para mim
nesta frase, mas eu não esperaria algo
diferente dela. Até porque, eu não queria que
ela traísse o Vinicius, eu queria que ela
percebesse que merecia mais do que ele e
terminasse para ficar comigo. Eu a faria me
escolher.
Eu senti uma movimentação na cama, mas
tinha quase certeza de que ainda estava
dormindo. Um barulho ao fundo estava
tocando, mas eu não conseguia identificar o
que era.
— Marcelo, acorda.
Eu ouvia uma voz distante, mas este
provavelmente deveria ser aqueles sonhos
estranhos que tinha com a Luísa. Virei para o
lado e tentei voltar a dormir.
— Marcelo, que merda, acorda. Atende a
porcaria do telefone.
Eu abri meus olhos aos poucos com o
susto de alguém gritando tão perto da minha
orelha. Luísa estava quase deitada sobre
mim, procurando por algo no meu
travesseiro. Ela o puxou debaixo da minha
cabeça e praticamente deitou sobre mim,
para alcançar algo do outro lado da cama.
Eu sentia seus seios encostando-se ao meu
peito, e aquele fino pedaço de tecido do seu
pijama não conseguiu disfarçar o fato de ela
estar sem sutiã. Eu forcei meus olhos a se
fecharem e respirei fundo, tentando ignorar o
fato de ela estar em cima de mim.
— Alô? — ela disse quando um barulho
que eu ouvia ao fundo do meu sono parou de
tocar. — Oi, Biel, bom dia. Desculpa ter
atendido, mas seu primo estava hibernando
aqui e não ouvia a porcaria do telefone. Eu
vou passar para ele.
Eu senti algo sendo jogado sobre meu
peito e abri meus olhos. Luísa havia voltado
para a sua cama e não pude deixar de notar o
minúsculo shorts de seu pijama. Esta viagem
não parecia uma ideia tão boa agora, quando
meu pau me avisava a cada segundo do que
eu não podia tocar. Respirei fundo, me
acalmando novamente e peguei meu celular.
— Fala, Biel.
— Por que é que a Luísa atendeu o seu
telefone? — ele gritou do outro lado da
linha. — Por favor, não me diga que vocês
estão dormindo juntos. Que merda você fez?
Eu pedi para a Carla providenciar nossos
quartos e pedi discrição por este pedido,
fiquei feliz que ela não havia contado nada.
Mas agora, explicar isso para meu primo
seria um problema.
— Estamos em um quarto duplo, ela está
dormindo na sua própria cama, não se
preocupe.
— O vovô sabe disso? Cara, toma
cuidado. Ela namora, você esqueceu?
— É claro que não, e não precisa fazer
disso uma grande coisa, depois eu te
explico. Por que ligou?
— Só queria saber como foi nas reuniões
de ontem, você ficou de me enviar um
relatório à noite e não recebi nada.
— Eu me esqueci de enviar, mas fechamos
acordo com todos eles, continuam sendo
nossos clientes.
Biel respirou aliviado do outro lado da
linha, e eu entendia aquilo. Ele se sentia
culpado pelo que havia acontecido, e a cada
cliente que conseguíamos manter, ele sentia
um peso a menos nas costas.
— Está tudo indo bem, nós vamos
conseguir nos reerguer. Como você está? —
eu perguntei.
— Já estive melhor.
— Vai passar, é só uma fase ruim.
— Espero que sim — ele disse, depois de
um longo suspiro. — Eu vou desligar, estou
indo para o escritório e vou avisar os outros
sobre suas reuniões. Se comporte aí, e não
faça nenhuma merda com a Luísa.
Virei para o lado, apenas para vê-la de
olhos fechados como se tivesse voltado a
dormir.
— Eu vou tentar.
— Estou falando sério, Marcelo. Juízo.
Eu desliguei o telefone e virei de lado,
aproveitando que a Luísa ainda estava com
os olhos fechados. Ela pegou no sono logo
em seguida, e deixei que ela aproveitasse
mais alguns minutinhos de soneca. Depois
do meu banho pedi pelo café da manhã no
quarto. Ajoelhei ao seu lado na cama e
deixei a bandeja de lado. Estiquei-me para
pegar uma flor de plástico que havia em um
vaso do criado-mudo e passei pelo rosto de
Luísa. No começo ela fez careta, depois riu
protegendo o rosto com as mãos.
— Para com essa porcaria, por que está
passando isso no meu rosto? — ela
perguntou.
— Bom dia para você também, sempre
acorda bem-humorada de manhã?
— Cale a boca.
Eu joguei a flor de plástico sobre a
bandeja e peguei uma bolacha.
— Bom, neste caso, eu vou ter que comer
sozinho e você pode descer no buffet se
quiser tomar o seu café da manhã.
Ela olhou para as xícaras, lanches e frutas
sobre a bandeja e um largo sorriso se abriu
em seu rosto.
— Você pediu isso para nós?
— Eu pedi, mas acho que você não está
merecendo.
Eu me levantei da cama dela e fui para a
minha, levando a bandeja comigo. Ela
rapidamente se levantou de sua cama e pulou
na minha, alcançando uma torrada e
passando geleia.
— Quem deixou você roubar minha
comida? — eu perguntei, tirando a torrada
de suas mãos.
Ela olhou para mim com os olhos
semicerrados e pegou outra torrada, que
novamente foi roubada.
— Deixa de ser chato, Marcelo. Você não
vai comer tudo isso sozinho.
— Você que pensa.
Ela pegou outra torrada e passou geleia,
mas quando eu fui tirar de suas mãos ela
rapidamente se levantou e correu pelo
quarto. Quando ela me viu se aproximando
colocou todo o pedaço da torrada na boca e
pulou sobre sua cama, fugindo de mim. Eu
alcancei os pés dela e a puxei, caindo sobre
seu corpo. Ela colocava as mãos na boca
rindo, tentando não cuspir a torrada. Ela
estava presa embaixo de mim, com a boca
cheia, o cabelo bagunçado e ainda assim eu
achava aquela cena ridiculamente linda. Eu
não vou negar que vê-la maquiada era algo
bonito, mas vê-la assim ao natural, era algo
que realmente me impressionava. Quando
ela finalmente engoliu a torrada, usou as
mãos para fugir, mas eu segurei seus braços
ao lado da cabeça e deixei que ela se
debatesse.
— Me solta — ela pedia ainda tentando
me chutar.
— Não sei, você roubou minha comida, eu
acho que merece ficar aqui presa.
— O que eu tenho que fazer para você me
soltar e me deixar comer em paz?
Eu abaixei meu rosto e me aproximei dela,
e pude notar aos poucos sua expressão
mudar. Aquele sorriso leve e descontraído
foi substituído por um sorriso nervoso, e
seus olhos divertidos deram lugar a um olhar
curioso e atento. Eu afundei meu rosto em
seu pescoço e passei o nariz por sua
clavícula. O cheiro dela era algo que me
deixava inebriado, mas este cheiro de quem
havia acabado de acordar era melhor ainda.
Aos poucos ela foi parando de se debater
sobre mim, suas mãos não faziam mais força
e seus pés pararam de chutar. Distribui
beijos por todo seu pescoço até seu ombro,
mordendo de leve sua pele, e percebia sua
respiração ficando mais pesada a cada
segundo.
— Marcelo, não — ela sussurrou quase
inaudível. — Por favor, não.
Eu fechei meus olhos e deixei minha
cabeça cair sobre seu colo, tentando resistir
à vontade que eu tinha de ir adiante. Eu
estava querendo empurrá-la ao limite, mas
este teste estava sendo o inverso. Eu era
quem estava sempre no limite de tudo. Rolei
para o lado e deixei que ela saísse de meu
domínio.
— Eu vou tomar banho — ela avisou ao
entrar no banheiro.
Eu precisava aprender a me controlar
perto dela, eu precisava mostrar que o corpo
dela reagia instantaneamente ao meu toque.
Eu só tinha que tomar cuidado para que eu
não explodisse nesse processo.
Luísa
Nós estávamos no carro, a caminho de
algum lugar que eu ainda não sabia onde era.
Marcelo apenas pediu que eu vestisse tênis e
roupas confortáveis, que iríamos conhecer
um pouco mais da região. Da outra vez em
que ele fez isso eu quase saltei no ar, eu
tinha até medo de querer a resposta quando
eu perguntava, mas a curiosidade sempre era
maior.
— Onde é que nós vamos mesmo? —
perguntei finalmente, depois de quase vinte
minutos olhando para a estrada.
— Apenas caminhar e desfrutar da
natureza, não vou fazer você pular de nada,
não se preocupe.
— Que bom, porque você teria que me
jogar lá de cima, eu jamais saltaria de algum
lugar de boa vontade.
Ele riu e continuou dirigindo. Nós
pegamos uma estrada para alguma cidade
vizinha, eu não tinha a mínima noção de
onde estávamos. Marcelo parou o carro em
uma beira de estrada, em um estacionamento
com outros carros, e aquilo me apavorava
ainda mais.
— Por favor, não diga que eles têm asa-
delta e essas coisas aqui em Minas também.
— É claro que não, já falei que não farei
você saltar de nenhum lugar hoje — ele
afirmou. Eu permaneci parada ao lado da
porta, com medo de dar um passo para longe
dali. Eu achava que era corajosa, mas
odiava pensar que Marcelo queria me testar
a todo o momento. — Para de ser medrosa,
nós só vamos caminhar. Anda logo.
Ele esticou a mão esperando por mim,
mas eu passei ao lado dele com as mãos no
bolso. Nenhum toque. Eu sentia que cada vez
que passava mais tempo próxima a ele, era
como uma traição ao Vinicius. Eu não
conseguia ver nada de inocente em suas
atitudes, nem na forma como ele me
conduzia aos lugares, ou como segurava
minhas mãos, nem mesmo como se
aproximava. Ele exalava tudo, menos
inocência. Eu sabia que ele estava me
testando, e eu odiava que meu corpo
correspondesse.
— E então, quem te indicou este lugar? —
perguntei.
— O pessoal lá do hotel, eles falaram que
aqui era o lugar mais próximo de onde
estávamos, e que tem uma cachoeira por
aqui. Pensei que seria uma coisa divertida
caminhar e explorar a natureza.
Olhei para ele, que estava carregando uma
mochila nas costas e sorrindo de tudo à sua
volta.
— Você precisa pensar melhor no que é
divertido, andar no meio do mato não é
exatamente divertido. E se tiver bichos?
Tipo cobras ou macacos loucos?
Ele riu.
— Você anda assistindo muito as meninas
super poderosas se está esperando por um
macaco louco por aqui.
Eu mostrei a língua para ele e
continuamos nossa caminhada. Andamos por
horas, ou ao menos foi o que pareceu para
mim. Teve subida, descida, escalar partes
complicadas, até mesmo pular alguns
obstáculos.
— Espera, eu preciso parar um pouco —
pedi pela segunda vez.
Marcelo esticou a garrafinha de água que
ele tinha na mochila e eu rapidamente a
alcancei.
— Até que demorou mais tempo dessa vez
para você cansar.
— Eu realmente preciso entender o que
significa o termo divertido para você.
Ele riu mais uma vez de mim e voltou a
caminhar. Eu fui atrás dele, mas sentia meus
pés sendo arrastados contra minha vontade.
A mãe natureza que me desculpe, mas eu não
nasci para ser aventureira. Quando fui pedir
para voltarmos ao carro e ir embora, eu vi a
paisagem mais linda de toda minha vida.
Havia uma grande cachoeira à nossa
frente, com as águas escorrendo pelas
pedras e um grande lago embaixo. Em nossa
volta não havia nada além de árvores, e
aquele lugar estava escondido no meio de
todo esse mato, como se realmente fosse um
lugar secreto. A água era tão cristalina, que
parecia até uma miragem.
— Uau, este lugar é lindo — sussurrei,
quase com medo de que se eu falasse alto
aquela linda paisagem iria embora.
— Me falaram que tinha uma cachoeira
linda neste lugar, mas isso é realmente
impressionante.
Marcelo tirou os óculos do rosto e sentou
sobre uma pedra à beira do lago, deixando a
mochila ao seu lado e olhando para tudo
maravilhado, quase tanto quanto eu.
Aproximei-me e sentei ao seu lado com as
pernas cruzadas, vendo toda aquela água
cair. Fechei os olhos e respirei fundo,
absorvendo o máximo que podia. O barulho
da água batendo nas pedras, os passarinhos
cantando à nossa volta, até mesmo o barulho
dos galhos das árvores.
— Eu te falei que no final a caminhada
iria recompensar — Marcelo comentou ao
meu lado. — Você precisa confiar em mim
mais vezes.
— Realmente, vou te dar este crédito, o
lugar é maravilhoso.
— Então vamos aproveitar.
Eu abri meus olhos apenas para vê-lo
ficar de pé e retirar a regata.
— O que você está fazendo? — Ele deu
de ombros, ao invés de me responder e tirou
o tênis e as meias. — Você não vai pular,
né? Marcelo, esta água deve estar muito fria.
— E daí? Está calor, tem sol, na pior das
hipóteses eu saio da água e fico aqui me
secando.
— Você é louco, mas se quer ir, boa sorte.
Ele se virou para mim e esticou os braços.
— Vamos comigo.
Eu ri dele e apoiei as mãos para trás, me
inclinando e fechando os olhos,
aproveitando o sol no meu rosto.
— Nem pensar.
— Qual é, você veio até aqui para ver
isso e não vai aproveitar?
Dei de ombros e mantive meus olhos
fechados.
— Nós temos cinco sentidos, eu acho que
posso aproveitar o lugar sem usar o tato.
— Você é quem sabe.
Ele ficou em silêncio por um tempo,
depois ouvi um barulho de algo caindo na
água. Levantei meu rosto e o vi mergulhar
naquele lago.
— Você é louco, esta água deve estar um
gelo.
— Não é exatamente uma piscina térmica,
mas não posso reclamar.
Ele acenou com a mão e voltou a
mergulhar, permanecendo embaixo da água
até voltar a aparecer na superfície com um
largo sorriso no rosto, como se fosse a
maior aventura de sua vida.
— Você deveria nadar, isso aqui é o
paraíso — ele disse ao se aproximar da
pedra onde eu estava sentada.
— Não, estou bem aqui.
— Deixa de ser medrosa, não tem jacaré
aqui para te pegar e se quiser eu posso te
manter aquecida aqui dentro.
Eu revirei os olhos para ele e deitei na
pedra.
— É por isso que eu não consigo confiar
em você.
— Eu estava brincando, você sabe disso,
eu não vou fazer nada.
— Continua.
— Com o que?
— A frase clichê, eu não vou fazer nada
que você não queira.
Eu ouvi sua risada mais próxima e sabia
que ele estava perto.
— Eu não vou fazer nada com você, e
apenas essa frase, eu prometo. Agora vem
para água, você vai se arrepender de não ter
aproveitado.
Eu senti meus tornozelos molhados e me
sentei rapidamente. Marcelo tirou meus tênis
mais rápido do que eu poderia ter imaginado
e puxou minhas pernas.
— Marcelo, me solta. Não faz isso.
— Tem cinco segundos para deixar os
óculos aí em cima e tirar a camisa.
Eu tentei puxar minhas pernas, mas ele as
segurava com força. Minhas mãos
procuravam por algo para me segurar, mas a
pedra era escorregadia e não me ajudava em
nada. Quando senti meus pés gelados da
água joguei meus óculos sobre a mochila
dele e prendi a respiração. Em questão de
segundos eu estava submersa.
— Seu idiota — gritei voltando a
superfície. — Esta água está um gelo.
Ele riu e piscou antes de se afastar.
— É só você se mexer que esquenta.
Eu estava tentada a sair da água e voltar
para a pedra, onde o sol batia e poderia
esquentar meu corpo, mas a sensação agora
já não era tão ruim assim. A água realmente
estava gelada, mas a visão ali era muito
mais bonita. Eu boiei olhando para o céu,
vendo os pássaros voarem, as árvores do
alto se mexerem com o vento, era tudo
realmente relaxante ali. Marcelo se
aproximou, eu podia ouvir suas braçadas na
água e ver alguns respingos.
— Ainda está brava? — ele perguntou ao
meu lado.
— Você é um idiota, mas realmente é
lindo aqui.
— Eu sei, e não podia deixar você ir
embora sem aproveitar isso.
Eu sorri, mas não respondi nada. Era
complicado que ele me fizesse odiá-lo por
algo e minutos depois amá-lo pelo mesmo
motivo.
— Vem comigo, Luísa.
Eu não sabia bem aonde ele queria ir, mas
nadei ao seu lado. Nós fomos em direção à
cachoeira e ele me ajudou a subir nas
pedras, onde ficamos embaixo da água que
caía. Era como tomar banho, mas em uma
água gelada e que realmente pesava no
corpo. Poucos segundos ali sobre as pedras
nós começamos a dançar como loucos, como
se realmente estivéssemos ouvindo nossa
música favorita. Ele segurou em minhas
mãos e começou a me rodar enquanto
fazíamos a coreografia de uma dança
imaginária. Não demorou muito estávamos
rindo de nós mesmo, e ainda sim, não
parávamos de dançar.
Meu pé deu um passo em falso e eu quase
escorreguei, mas os braços fortes de
Marcelo me seguraram. Na mesma rapidez
que começamos a rir, a nossa risada cessou.
Ele manteve um braço forte me segurando
contra ele, e a mão livre subiu para meu
rosto, afastando os cabelos molhados.
Aquela sensação de queimação em minha
pele piorou ainda mais quando olhei para
seus olhos. Ele tinha os olhos tão claros
quanto aquela água da cachoeira, mas eles
tinham um magnetismo me puxando para ele,
que era difícil de ignorar. Nós ficamos por
um longo tempo nos olhando, mas nenhum
dos dois se mexeu. Eu tinha medo de fazer
qualquer coisa, eu queria correr dali e ao
mesmo tempo eu não queria que seus braços
me soltassem.
— Eu odeio esse olhar — sussurrei. —
Eu realmente odeio a forma como você está
me olhando agora.
— Você não deveria odiar, este é um olhar
de alguém que te quer. Você deveria estar
acostumada a ser olhada assim.
Ele desceu a mão pelo meu braço e se
aproximou. Meu coração saltou no peito com
medo de seu próximo movimento.
— Eu prometi que não faria nada a você,
e não vou — ele sussurrou contra minha
pele. — Mas, isso não quer dizer que eu não
esteja esperando você agir.
Quando pensei em responder, ele pulou na
água novamente me levando com ele.
Voltamos à superfície buscando por ar, e ele
me abraçou por baixo da água. Suas mãos
seguraram minhas coxas e eu circulei sua
cintura com minhas pernas. Ele se manteve
ali, apenas com os braços nas minhas costas,
e era uma sensação que há muito eu não
sentia. De nervosismo, de mesmo fazendo a
coisa errada não conseguir se sentir culpada.
Como você pode odiar algo que te faz tão
bem? Eu deixei que ele segurasse e o
abracei também, passando meus braços em
volta do seu pescoço. Ficamos por um longo
tempo daquele jeito, guardando este
momento para nós.
— Eu acho que devemos sair, seus dedos
já estão enrugados iguais os da minha vó.
Um sorriso escapou de meus lábios ao
ouvi-lo. Ele permanecia me olhando daquela
forma que fazia meu corpo todo virar uma
bagunça, mas por mais que eu tentasse odiar,
eu amava aquele olhar. Nós voltamos para a
pedra onde estavam nossas coisas e
deitamos esperando o sol nos aquecer e nos
secar. Voltamos para o carro e nos
enrolamos nas toalhas que Marcelo trouxe.
— Eu quase morri congelada hoje, meus
dedos ainda estão enrugados, e perdi a conta
de quantos pernilongos morderam minha
perna — contei rindo. — Mas, foi uma tarde
maravilhosa. Obrigada por nos levar lá.
— Mesmo sendo lerda para caminhar
você foi uma boa companhia.
Eu bati em seu braço.
— Eu fui ótima.
Era fim de tarde e o sol já estava se
pondo, os carros já estavam com os faróis
ligados. Na pista ao lado alguns dos
motoristas começaram a passar por nós,
fazendo sinal com as luzes.
— O que será que é? — eu perguntei.
— Talvez seja alguma blitz logo à frente.
— Vai devagar então.
Quando fizemos a curva foi que eu entendi
porque os motoristas estavam nos avisando
de algo na estrada. Havia um caminhão
tombado e um carro logo à frente todo
amassado, com destroços na pista. Nós
deveríamos ir devagar e com cuidado, mas,
ao contrário do esperado, Marcelo acelerou.
Ele desviou de um pneu que havia na nossa
pista e fez a curva mais rápida do que o
normal. Olhei para o lado apenas para vê-lo
segurar o volante tão forte que seus dedos
estavam brancos.
— Marcelo, diminui — eu pedi.
Seus olhos não desviavam do para-brisa,
mas não parecia enxergar um palmo à sua
frente, ele estava muito longe dali. Eu me
agarrei à porta na segunda curva e todo meu
corpo foi jogado para o lado.
— Marcelo, por favor, encosta esse carro.
Quanto mais eu pedia, mais ele acelerava.
O marcador já estava passando de 180 km
por hora, e eu senti meu corpo colado ao
banco.
— Nós vamos bater — eu gritei. — Você
quer morrer? Marcelo, por favor, encosta a
porcaria desse carro.
Ele piscou, como se finalmente tivesse
saído do transe e jogou o carro no
encostamento. Ele freou tão bruscamente que
eu pude sentir o cheiro de borracha
queimada. O carro parou, mas ele continuou
segurando o volante e olhando para frente,
como se fechar os olhos ou até mesmo piscar
fosse algo difícil. Sua respiração estava
pesada, eu podia ver seu peito subindo e
descendo de forma irregular. Aos poucos,
tudo começou a fazer sentido.
— Marcelo, fala comigo — pedi ao
colocar minha mão sobre a sua, que estava
mais gelada do que quando saímos da água.
— Ei, fala comigo, por favor.
— Eu não — ele começou com sussurro
— eu não consigo, me desculpa.
Seus olhos fecharam e ele encostou a
cabeça no banco. Seu rosto estava
contorcido, como se realmente estivesse
sendo ferido, e a dor era demais para
suportar. Eu não aguentei vê-lo daquela
forma e soltei meu cinto. Eu lutei com suas
mãos, que não queriam soltar do volante e
finalmente sentei em seu colo e o abracei.
Ele demorou a reagir, mas me abraçou com
força logo em seguida, chorando no meu
pescoço. Eu respirei fundo tentando me
controlar, pois minha vontade era de chorar
junto com ele.
— Shh, eu estou aqui — sussurrei
tentando acalmá-lo enquanto passava as
mãos por seu cabelo. — Fica calmo, por
favor. Eu estou aqui.
Seu corpo tremia embaixo do meu, e eu
sentia dificuldade em respirar com tanta
força que ele me abraçava, mas eu sabia que
naquele momento ele precisava disso. Ele
precisava se prender à realidade. Meu peito
doía por ele. Eu sentia vontade de confortá-
lo, de fazer qualquer coisa para tirar aquela
lembrança. Eu permaneci em seu colo e o
deixei me abraçar, eu seria o que ele
precisasse agora.
— Meus pais. Eles morreram em um
acidente envolvendo um caminhão.
— Eu sinto muito.
— Ao ver aquela cena lá atrás me
lembrou deles, e eu não sei o que aconteceu,
eu só queria sair dali. Mas, eu não conseguia
correr o suficiente, as lembranças vieram e
não consegui parar.
Eu beijei sua bochecha com força,
repetidas vezes, tentando confortá-lo.
— Eu entendo, está tudo bem. Eu estou
aqui com você.
Ele balançou a cabeça e me apertou mais
uma vez em seus braços.
— Me desculpa por quase nos matar.
— Nós estamos bem, não se preocupe.
Ele afastou meu corpo e segurou meu
rosto com as mãos, olhando em meus olhos.
Desta vez seu olhar era triste, desolado, e eu
odiei a dor por trás do brilho de seus olhos.
— Obrigado por estar aqui.
Eu concordei com a cabeça e encostei a
testa na sua. Nós ficamos em silêncio por um
tempo e aos poucos ele foi se acalmando.
Minhas mãos estavam apoiadas em seu
peito, e o coração que antes saltava foi
recuperando seu ritmo. À noite enfim
chegou, eu vi toda a escuridão à nossa volta
e minhas pernas doíam de estar naquela
posição, mas eu não queria sair de seu colo.
Eu não queria vê-lo desmoronar em meus
braços novamente. Ele estava imóvel, eu só
sabia que ele não estava dormindo porque
sentia seus dedos subindo e descendo por
minhas costas. Minha barriga fez um ronco
que foi impossível de ser ignorado, o que o
fez rir. O som da sua risada depois de todo
este momento fez meu coração acalmar.
— Eu acho que devemos voltar para o
hotel — ele disse rindo. — Somente aquelas
frutas durante a caminhada não sustenta
ninguém.
Eu levantei de seu colo e voltei para o
meu banco, rindo com ele.
— Quer que eu dirija? Já estamos
praticamente chegando.
Ele saiu, dando a volta no carro enquanto
eu pulava o banco. Coloquei meu cinto e
esperei que ele também colocasse o seu
antes de enfim voltar à estrada. Ele apoiou a
mão na minha coxa e apertou.
— Obrigado.
Eu dei de ombros, como se não fosse
grande coisa, mas eu sabia que era. Ele
havia revivido algo hoje que sua mente
provavelmente bloqueava por muito tempo,
e eu fiquei feliz de estar lá por ele. Nós
jantamos no hotel e enfim subimos para o
quarto. Tomei meu banho mais demorado
que o normal, deixando que a água quente
relaxasse meu corpo de toda a tensão que
absorvi daquele dia e liguei para minha mãe
quando Marcelo entrou no chuveiro. Havia
cinco chamadas não atendidas do Vinicius, e
uma mensagem de meia hora atrás.

Vinicius: Eu tentei te ligar o dia todo, mas


estava fora de área, espero que esteja tudo
bem. Eu te amo.

Tentei retornar a ligação, mas tocou até


cair na caixa postal, então respondi sua
mensagem.

Luísa: Passamos o dia no meio do mato e


nadando em cachoeiras, um lugar
maravilhoso. Está tudo bem, amanhã
conversamos. Eu te amo também.

Acordei em um susto e abri os olhos. A


Luz estava acesa e Marcelo sentado,
encostado na cabeceira da sua cama.
— Perdeu o sono? — perguntei ao me
sentar.
Marcelo me olhou e balançou a cabeça.
— Não consigo dormir, na verdade. Eu te
acordei?
— Não, acordei sem querer e estranhei a
luz ligada. Quer conversar?
Ele negou mais uma vez com a cabeça e
deitou, se virando de lado e olhando para
mim. Eu me deitei também e me virei para
ele, olhando seus olhos, que mesmo
cansados resistiam a fechar.
— Canta pra mim — ele pediu. — A
música do livro.
Eu sorri para ele.
— Isso é tão injusto.
— Por favor, eu só preciso me distrair.
Eu sabia que eu iria me arrepender disso
depois, mas naquele momento eu só queria
que ele descansasse e parasse de pensar
naquele acidente. Se ele não queria falar
sobre isso, eu queria ao menos que ele não
ficasse com as memórias presas em sua
mente. Arrastei-me na cama e levantei meu
edredom, ele rapidamente entendeu o
convite e em segundos estava em minha
cama.
— Nada de me abraçar, se mantenha do
seu lado da cama — avisei a ele. —
Qualquer coisa inadequada eu te chuto
daqui.
Ele acenou com a cabeça e fechou os
olhos.
— Se que faltaron razones, se que
sobraron motivos, contigo porque me matas,
y ahora sin tí ya no vivo — eu cantei
baixinho, levando minha mão para sua
cabeça e passando meus dedos por seus
cabelos.
Ele abriu os olhos rindo.
— É realmente uma música espanhola?
Isso deve ser daquelas novelas mexicanas.
— Cala a boca e dorme, ou então eu vou
parar de cantar.
Ele rapidamente fechou os olhos e eu
continuei cantando até que ele finalmente
dormisse. Seu rosto ficou sereno, o franzido
tenso de sua testa havia sumido. Eu continuei
fazendo carinho em sua cabeça por um bom
tempo até me garantir que ele não iria
acordar. Estava quase cochilando também,
quando senti meu celular vibrando.

“Carla: Mudança de planos, o voo de


vocês foi agendado para esta tarde, estão
indo para Fortaleza. O Teo e a Adri estão
indo também.”

Que grande merda.


Capítulo 21
Luísa
Eu odiava quando os planos não eram
seguidos, odiava ter que começar a planejar
tudo de novo. Eu tinha minhas roupas
contadas, sabia os lugares que ia e tudo
organizado. Eu tinha roupas de calor na
mala, mas ainda sim odiava essas mudanças
de última hora.
— Para com essa cara Luísa, eu já sei que
você odiou essa mudança repentina de
itinerário, mas nós precisamos acompanhar
um dos nossos clientes para um contrato
aqui, então foi necessário vir — Marcelo
comentou, entrando no nosso quarto. — A
Adri e o Teo estão chegando daqui a pouco
para nos explicar tudo, então relaxa e vamos
aproveitar a cidade.
Nós estávamos hospedados agora em um
hotel em Fortaleza, capital do estado do
Ceará, onde ficaríamos até terça. Eu deitei
na minha cama e fechei os olhos, estava
cansada da viagem e precisava de um
cochilo. Pouco depois senti minha cama
balançando, e sabia que era Marcelo se
deitando ao meu lado.
— Você tem sua própria cama, sabia? —
perguntei ainda de olhos fechados.
— Eu sei, mas você disse que se eu não te
tocasse não teria problema.
Eu tirei meus tênis com os pés e me
encolhi, procurando uma posição
confortável.
— Isso foi ontem, hoje é outro dia, você
pode ir para sua cama.
Eu ouvi sua risada, e me obriguei a não
abrir os olhos para ver seu sorriso.
— Cala a boca e vá dormir, já coloquei o
despertador para daqui a duas horas.
— Não me mande calar a boca, só eu
posso isso.
— Direitos iguais.
O sono já estava chegando e eu queria o
quanto antes esquecer que ele estava ali.
Naquela noite demorou um pouco para
dormir ao meu lado, mas assim que o
cansaço o venceu ele dormiu como uma
pedra, nem mesmo o despertador o acordou
depois. Ele estava na mesma posição, não
havia se movido nem um centímetro na
cama. Eu não sabia se era porque ele
realmente não se mexia na cama ou se ele
tinha tomado o cuidado de não invadir meu
espaço.
— Luísa. — Sua voz era um sussurro
próximo a minha orelha. — Acorda, Bela
adormecida.
— Olha quem fala, você hoje de manhã
não ouviu nem o despertador — retruquei
ainda de olhos fechados e enterrando meu
rosto no travesseiro.
— Eu não tenho culpa se você me fez
dormir, acho que peguei sua preguiça por
osmose.
Eu ouvi a risada dele, e mais uma vez
lutei para não abrir os olhos e ver o sorriso
em seu rosto. Eu estava gostando mais do
que o normal de ver seus olhos brilhando e
seus lábios curvados em um sorriso lindo.
Tentei voltar no sono, mas senti suas mãos
segurarem um de meus pés e fazer cócegas.
Quando eu pensava coisas fofas sobre o
Marcelo, ele sempre fazia algo para eu odiá-
lo.
— Mas que merda — eu gritei puxando
minha perna. — Eu odeio quando você faz
isso.
— Não, você não odeia, e eu amo quando
você acorda rindo.
E agora eu odiava aquele sorriso
confiante em seus lábios. Por que é que eu
falei que ele tinha um sorriso bonito mesmo?
— Eu vou te acordar com um balde de
água fria um dia, espere só.
Ele deu de ombros. Alguém começou a
bater na porta e Marcelo foi abri-la. Matteo
e Adriana entraram em nosso quarto, e antes
mesmo que eu pensasse em me levantar para
cumprimentá-los, ambos deitaram na minha
cama.
— Que bom te encontrar aqui, eu não
estava mais aguentando a Adri sozinha —
resmungou Matteo pulando sobre mim e me
abraçando. Eu comecei a rir enquanto ele
apertava minhas bochechas.
Adriana o chutou e ele pulou por cima do
meu corpo, me deixando no meio deles.
— Isso mesmo, use-a de escudo, seu
fracote.
Era engraçado esse tipo de relação com
eles, mas isso era o que se ganhava por ficar
em um grupo do WhatsApp com eles todos
os dias. Marcelo pegou um pacote de
amendoim e caiu na cama com a gente. Não
durou muito e aquele pacote de amendoim
começou a circular de mão em mão,
enquanto eles contaram sobre a viagem. A
conversa ganhou um tom melancólico
quando o Biel foi citado, estávamos
preocupados com ele, mas o Luigi nos
mantinha informado de toda a situação por
lá. Foi bom que ele não estivesse sozinho,
principalmente com tudo o que estava
acontecendo.
— E então, vamos andar? — perguntou
Matteo se levantando. — O sol está lindo lá
fora, e a cidade é maravilhosa.
Marcelo se levantou junto com ele e
calçou os sapatos.
— Vamos lá, só teremos a festa a noite,
não podemos ficar trancados no hotel até lá.
Eu e Adriana estávamos relutantes em
andar por aí, mas eles puxaram nossas
pernas e fomos obrigadas a levantar. Matteo
alugou um carro e fomos os quatro conhecer
a cidade. Se eu tinha achado Recife linda
quando a conheci com Vinicius, estava ainda
mais encantada com Fortaleza. As águas
claras e toda a alegria e colorido da cidade
me conquistaram nos primeiros cinco
minutos. Eu amava o mar, se não fosse pelo
calor do Nordeste que eu não estava
acostumada e ser tão longe da minha mãe, eu
moraria aqui tranquilamente.
— Nós deveríamos ir às dunas, amanhã
— comentou Marcelo empolgado. — Alugar
um buggy e aproveitar, o que acham?
— Que horas é a reunião amanhã? —
perguntou Matteo.
Adriana pegou seu celular, verificando
sua agenda.
— Às dez da manhã. Dará tempo de ir à
reunião, almoçar e podemos ir ao final da
tarde. — Adriana me olhou com expectativa
e eu concordei com a cabeça. —
Combinado, a Luísa também gostou da ideia,
vamos todos.
Nós passamos por várias construções
coloridas, prédios iguais um ao lado do
outro, com sacadas em arquitetura antiga.
Vimos pela janela a Estátua de Iracema, e
era simplesmente linda. Nosso segundo
ponto de visita foi o centro cultural Dragão
do Mar, lembrava muito o Museu do Olho
em Curitiba. Nós fazíamos diversas poses e
caretas nas fotos que tirávamos. Tomávamos
sorvete a cada meia hora e rimos de todas as
bagunças que os meninos faziam. Eles
pularam e invadiam lugares que não podiam
ir, às vezes nos obrigando a segui-los.
Adriana não precisava ser muito
convencida, já que ela estava acostumada
com o jeito deles, mas eu adorei quebrar as
regras e me divertir ao menos uma vez.
Nossa última parada foi na Ponte dos
Ingleses, e eu tenho certeza que parei de
respirar por alguns segundos quando a vi. O
sol já estava se pondo e ele deu um toque
especial ao lugar, era simplesmente lindo.
Havia poucas pessoas, e caminhávamos pela
ponte olhando todo o mar à nossa volta. Os
quiosques no meio eram pequenos, mas
encantadores em cada mínimo detalhe, desde
as estruturas das paredes ou pilares que as
sustentavam, até os telhados pontudos.
— Este lugar é de tirar o fôlego — eu
comentei ainda maravilhada.
Adriana acenou com a cabeça ao meu
lado, concordando, e até mesmo os meninos
pareciam apreciar a vista. Matteo e Adriana
foram à frente correndo, como se tivessem
apostando corrida.
— Este lugar é mesmo lindo — Marcelo
disse, jogando o braço sobre meus ombros.
— Este é o meu lugar preferido na viagem
até agora, a vista daqui é surpreendente.
— Eu acho que posso concordar que a
vista daqui é surpreendente.
Ele me olhou com tanta intensidade que
meu coração aqueceu com sua declaração,
eu não gostava quando ele me afetava assim.
Marcelo me puxou pela cintura, jogando-me
em seu ombro e correu comigo. Matteo o
imitou, carregando a Adriana em suas costas
e chegamos juntos ao final da ponte, rindo
como loucos. Nós vimos o sol se pôr em
silêncio, apenas apreciando os pássaros e a
maresia.
— Última foto — anunciou Adri. Ela
caminhou à frente com sua câmera
fotográfica e a colocou no chão, depois
voltou ao nosso lado. — E nada de poses
estranhas dessa vez, quero ter ao menos uma
foto decente nossa.
Sua ideia não deu muito certo no começo,
Matteo colocou a língua para fora e Marcelo
tapou os olhos de Adriana com suas mãos.
Na segunda foto nós começamos a rir, tenho
certeza de que não foi nada maravilhoso,
apenas espontânea. Na terceira tentativa
Marcelo me abraçou por trás, Matteo beijou
Adriana na bochecha, e ela finalmente
pareceu convencida de que tínhamos ao
menos uma foto boa. Voltamos ao hotel nos
arrumar para a festa da noite e enquanto
Marcelo estava no banho, o telefone do
quarto tocou.
— Alô? — eu disse ao atender.
— Você está sabendo que eles estão aqui?
— perguntou Adriana do outro lado da linha.
— Como assim, estão aí? O Marcelo
ainda está no banho.
— Não estou falando dele e do Teo, estou
falando do Alan e do Vinicius.
Eu não sabia o que fazer com aquela
informação.
— Repete que eu não entendi, eles estão
aqui? Como é que você sabe?
— Eu liguei para o Alan e ele avisou que
estava aqui em Fortaleza, ai eu disse que
também, e quando perguntei o nome do hotel
ele disse que estavam hospedados aqui. Eu
só não sei que andar, mas o convidei para
jantar com a gente lá embaixo.
Aquilo estava ainda mais estranho. Eu
tinha enviado uma mensagem para Vinicius
naquela manhã, avisando que iria viajar e
que esperaria ele retornar a ligação. Mas,
ele não havia ligado.
— Ok então, em vinte minutos nós
descemos, obrigada por avisar Adri.
— Nos encontramos no saguão. Até daqui
a pouco.
Corri para a mesa pegar meu celular, e de
fato Vinicius não havia me retornado. Liguei
no celular dele e foi direto para a caixa
postal. Calcei meus sapatos esperando por
Marcelo. Ele ainda ficava andando de toalha
pelo quarto, o que me perturbava
significantemente, mas eu fazia o meu melhor
para ignorá-lo.
— Você está nervosa pelo que? —
Marcelo perguntou quando saímos do
elevador.
— Não estou.
Ele riu ao meu lado e colocou as mãos no
bolso
— Eu te conheço, pequena. O que
aconteceu?
— É o que eu quero descobrir.
Seu sorriso se desfez e ele parou, eu não
me importei de esperá-lo, continuei a passos
rápidos até o restaurante do hotel. Estava na
porta quando o vi, Vinicius, batendo na mesa
e conversando com o Alan, que gesticulava
com as mãos sem sentido. Adriana e Matteo
apareceram em seguida, com Marcelo logo
atrás deles, e caminhamos até a mesa.
Vinicius se levantou procurando por todos
os lados, e seu rosto ficou branco quando me
viu. Acenei para ele a distância, com o
melhor sorriso irônico que eu podia.
— Por que diabos é que você não me
contou que estava aqui? — eu perguntei
colocando a mão no peito de Vinicius,
quando ele tentou se aproximar. — Eu
pensei que você estivesse em Recife.
— Eu poderia fazer a mesma pergunta —
retrucou ele com aquele olhar de
reprovação.
— Bom, se tivesse me atendido hoje de
manhã eu teria te contado. Até porque, eu te
mandei mensagem avisando que íamos para
outra cidade hoje.
Ele olhou para os meus amigos atrás de
mim, claramente constrangido. Eu sabia que
ele odiava chamar atenção, principalmente
quando eu gritava ou agia daquela forma.
Mas, eu não iria me desculpar, eu precisava
ouvir uma explicação.
— Por favor, vem comigo — Vinicius
pediu, alcançando meu pulso. — Eu vou te
explicar.
Eu me soltei do seu braço e caminhei para
o jardim, sem qualquer cumprimento para
Alan ou explicação para os outros. Sentei
em um dos bancos e me virei para Vinicius.
— Muito bem, pode começar.
— Quem são aqueles? — ele perguntou,
se sentando ao meu lado.
— Pergunta errada.
Ele novamente olhou para mim,
reprovando minha reação e eu cruzei meus
braços. Ele não iria me enrolar.
— Nós tínhamos uma reunião, uma das
empresas aqui quer instalar nosso projeto
das eólicas no Ceará também. Eu não sabia
que iríamos vir, soube de última hora.
Olhei para ele com os olhos
semicerrados.
— Sei, e por que não retornou minhas
ligações hoje? Aliás, por que a porcaria do
celular está desligado?
— Eu não retornei por causa da viagem,
meu celular está no quarto, deve ter
descarregado a bateria. Luísa, por favor, não
precisa de tanto escândalo por causa disso,
assim como você fez as coisas de última
hora, eu também. Foram apenas
desencontros.
Ele olhava para mim com algo no olhar.
Não era mais aquele olhar de reprovação,
era um olhar nervoso, eu conhecia aquele
olhar. A forma como ele apertava a coxa,
como ele não tentava se aproximar porque
sabia que eu o empurraria, ele estava sendo
cauteloso. E eu sabia, que sempre que ele
era cauteloso, era porque escondia algo.
Ele pegou minha mão e eu deixei, ele
aproveitou que eu havia desarmado e se
levantou, me puxando contra ele. Sua boca
invadiu a minha, como se ele realmente
estivesse há muito tempo sem me ver e me
deixei levar pelo calor de seus lábios.
— Eu te amo tanto — ele sussurrou contra
minha boca. — Não faz nem uma semana e
eu já estava com saudade.
Nós voltamos para a mesa onde os outros
estavam. Marcelo soltou uma risada irônica
quando nos viu de mãos dadas e virou sua
taça. Eu apresentei Vinicius a ele e Matteo, e
finalmente cumprimentei Alan. Depois do
jantar fomos à festa, convidados por um dos
clientes que o escritório tinha na cidade.
Adriana e Alan dançavam o tempo todo,
mesmo que ele não fosse o melhor dançarino
da festa, ele ao menos tinha ritmo e sabia
conduzir. Eles riam e se beijavam a todo o
momento, era realmente fofo de ver. Matteo
me chamou para dançar e eu fui. Eu sempre
dançava com o Rafael, e juntos fazíamos
vários passos elaborados, mas com Matteo o
nível era maior. Ele me conduziu à dança
toda, me girando e nos levando para todos
os lados.
— Eu não sabia que você dançava assim
— eu comentei, quando voltamos à nossa
mesa. — Me falaram que você tinha
academia de dança, mas uau, você é
realmente ótimo. Desde quando você dança
assim?
— Eu não gostava de dançar, admito. Eu
arriscava uns passos, mas nada assim.
— E o que mudou?
— Eu tinha dezoito anos quando conheci o
amor da minha vida. — Ele olhou para seu
copo e riu, um riso fraco e irônico. Eu podia
ver que sua atenção estava bem além
daquele copo. — Ela era dançarina. Era a
mulher mais linda que eu já vi, e ela me
ensinou a dançar e me apaixonar por música.
Eu abri a academia para ela, eu queria que
ela tivesse tudo o que sonhou.
— O que aconteceu com ela? — eu
perguntei.
Ele soltou um suspiro e virou o copo de
tequila.
— Ela se foi.
Ele se afastou e foi para a pista, puxando
Adriana para dançar. Ele a rodava para todo
o lado, mas seu olhar perdeu o brilho. Eu
queria perguntar sobre ela. Percebi que ele
se referia a ela como algo do passado. Ele
poderia ter falado uma garota qualquer, mas
ele falou o amor da minha vida, e isso me
deixou curiosa. Seja ela quem for, ou tenha
sido, o marcou para sempre.
Vinicius retornou à mesa com nossas
cervejas e Alan ao seu lado. Eu procurei por
Marcelo, que estava me ignorando a noite
toda. Cada vez que eu me aproximava, ele se
esquivava. Desde que chegamos à boate ele
não saiu da pista, sempre dançando com
alguém. Eu via as mulheres se aproximando
e eu não podia culpá-las, ele era algo bom
de olhar. Quando nossos olhos se
encontraram ele me chamou com as mãos,
esta foi a primeira vez que eu o via sorrindo
para mim. Eu queria saber o que estava
acontecendo, embora imaginasse e tivesse
medo da resposta.
— Eu já volto — eu anunciei ao Vinicius
e Alan.
Caminhei para a pista de dança, em
direção ao Marcelo. Ele começou a rodar os
braços, como se tivesse se preparando para
me laçar e ri quando ele fingia puxar a
corda. Quando a dança começou ele passou
um braço sobre minha cintura, me puxando
contra ele e me conduzindo pela pista. Ele
realmente sabia dançar, quase tão bem
quanto o Matteo. Nós começamos a rir nos
divertindo no ritmo da dança, e às vezes ele
me soltava e fazia uns passos ridículos,
cantando a música junto com o cantor e
dramatizando a letra. Uma das vezes em que
ele me puxou novamente contra ele, colou
meu rosto ao dele.
— Seu cheiro é ainda melhor quando você
está suando — ele sussurrou em meu ouvido.
Eu o ignorei e continuei dançando. Sua
mão apertou minha cintura e ele passou o
nariz pelo meu pescoço, o que fez todos os
pelos do meu corpo arrepiarem. Seu rosto se
aproximou novamente da minha orelha, e
quando pensei que ele fosse sussurrar
novamente ele mordeu meu lóbulo. Eu olhei
preocupada para a mesa onde Vinicius
estava, mas por sorte estava tão distraído
conversando com Alan que não via nada.
— Se está preocupada com seu namorado,
não fique. Eu estou de olho.
Eu tentei empurrá-lo, mas ele me puxou
novamente contra seu corpo, me prendendo a
ele com as mãos.
— Marcelo, por favor, para com isso.
Qual seu problema?
Matteo e Adriana nos olharam espantados.
Marcelo se aproximou mais uma vez do meu
pescoço e mordeu meu ombro. Eu tentava me
desvincular de seus braços sem chamar a
atenção, mas não conseguia. Procurei por
Matteo e sussurrei um pedido de ajuda. Ele e
Adriana se soltaram e vieram até nós, nos
puxando para o fundo da pista. Marcelo
resmungou algo que eu não entendi,
empurrando Matteo.
— Para com isso cara — Matteo o
repreendeu.
Adriana se aproximou de Marcelo também
e o segurou no rosto.
— Quanto você bebeu? Você não é de
ficar bêbado. — Ela ficou olhando para ele
por um tempo e então se virou para mim. —
Que merda está acontecendo entre vocês?
Eu senti minhas bochechas queimarem,
envergonhada pela situação.
— Não tem nada acontecendo, eu não
sabia que ele iria agir assim — respondi
olhando para a pista, para confirmar que
Vinicius não estaria ali. — Ele é louco? O
meu namorado está aqui. Desta vez ele
passou do limite.
Marcelo riu e bateu palmas, chamando
nossa atenção.
— Realmente Luísa, me desculpa por agir
desta forma. Me desculpa por ter me sentido
atraído por você, e me desculpa por achar
que você merece alguém melhor — ele
falava olhando para mim com os olhos
turvos, que agora sem as luzes eu conseguia
perceber. — Eu peço desculpas, sério, eu
não devia ter me apaixonado por você, mas
me apaixonei. E isso é uma bosta, porque
você tem o senhor perfeitinho ali, com topete
perfeito e segurando na sua mão. Mas, o cara
nem fez você sorrir hoje, uma única vez.
Matteo assoviou e Adriana fechou os
olhos.
— Você não sabe nada sobre meu namoro
e menos ainda sobre o Vinicius, você não
sabe de nada, Marcelo.
— O que eu sei é que você reage a mim,
você não iria se arrepiar se eu te tocasse se
você não sentisse nada por mim.
Eu sentia minhas mãos tremerem e a raiva
me dominar. Eu odiei que estávamos tendo
aquela conversa. Mas, o que eu podia fazer?
Eu sabia que essa hora iria chegar, eu apenas
a ignorei, e uma hora tinha que arcar com as
consequências.
— Quer saber? Eu não vou ouvir nada
disso, você está bêbado e eu vou ignorar
tudo isso. Amanhã nós vamos conversar, mas
eu vou pedir demissão e avisar ao seu avô
que infelizmente eu não posso ajudá-lo — eu
disse levantando as mãos e andando para
trás. Marcelo se aproximou e eu apontei o
dedo para ele, temendo não conseguir me
segurar se ele se aproximasse. Minhas mãos
queriam acertá-lo no meio da cara. — Fica
aí onde você está não dê mais um passo.
Você estragou tudo, Marcelo.
— Nada de amanhã, nós vamos conversar
hoje. Eu cansei dessa merda de situação, e
quando a gente chegar ao hotel vamos nos
resolver de uma vez por todas.
Eu ri com ironia.
— Eu não vou dormir no mesmo quarto
que você, eu vou dormir no quarto do meu
namorado — eu comuniquei levantando meu
anelar. — Você pode ter se esquecido disso,
Marcelo, mas eu não.
Ele pareceu ferido e abaixou a cabeça
derrotado, passando as mãos pelo cabelo.
— Você tem certeza? — ele perguntou. —
Vai dormir com o Vinicius hoje?
Eu apenas acenei com cabeça, segurando
as lágrimas que começaram a acumular em
meus olhos. Ele tentou se aproximar, mas
Matteo o segurou pelo ombro.
— Está tudo bem cara, não se preocupe,
eu estou bem — Marcelo o assegurou.
Uma mulher passou ao nosso lado e
Marcelo a puxou pelo braço, beijando-a. Ela
estranhou no começo, mas o correspondeu
com todo o fervor. Meu coração deu um
salto ao vê-lo, e minha raiva cresceu ainda
mais. Eu queria apagar aquela cena da minha
mente, e ao mesmo tempo não conseguia
desviar o olhar. Adriana veio para o meu
lado e tentou me afastar dali, mas eu
permaneci. Eu queria me lembrar daquela
cena para que eu conseguisse apagar tudo de
bom que minha mente tinha criado sobre ele.
— Agora sim, Luísa, pode falar que eu
estraguei tudo — Marcelo anunciou. Ele
sorriu puxando a mulher pelo braço. —
Bom, neste caso, peço que não volte para o
quarto tão cedo para pegar suas malas,
estará ocupado.
Ele se afastou depois de piscar para mim
e sumir na pista, com a mulher ao seu lado.
Eu me apoiei em Adriana para não cair.
Minhas pernas ficaram bambas, e tudo girou
ao meu redor. Eu não sabia se pela cena que
eu presenciei, ou se pelo álcool, mas eu não
conseguia me concentrar em nada.
— Eu sinto muito por ele, eu não sabia o
que estava acontecendo — comentou Matteo
ao me pegar pelos braços e me levar para a
área dos fumantes. Ele me colocou sentada
em um banquinho antes de virar para
Adriana. — Você sabia de alguma coisa?
— É claro que não, quer dizer, ele
comentou aquela vez, mas eu não sabia que
tinha chegado a esse ponto. — Olhei para
ela que parecia nervosa, andando de um lado
para o outro. — Quer dizer, uau, isso é tão
estranho. Mas, ao mesmo tempo faz sentido,
não faz? Toda aquela coisa dos dois, o
boliche, tudo está se encaixando agora.
Eu fechei os olhos ignorando a discussão
dos dois sobre todas as situações, e respirei
para acalmar o embrulho do meu estômago.
Eu senti que alguém segurou minha mão e
perguntou se eu ia vomitar ou desmaiar, mas
eu não conseguia responder, apenas negar
com a cabeça. Eu tentava ignorar a raiva que
sentia de Marcelo agora, o nojo de vê-lo
beijar uma estranha, e principalmente a
vontade que tinha de ir até ela e arrastá-la
pelos cabelos para longe dele.
— Eu preciso achar o Vinicius e ir
embora daqui — comuniquei me levantando.
Eu olhei para eles, sem saber se pedia
desculpas pelo que presenciaram ou se eu
apenas saia dali. — Eu não sei nem por onde
começar, isso é tão confuso para vocês
quanto para mim, só peço que, por favor, não
comentem com ninguém.
Eles concordaram com a cabeça e me
olharam com compaixão. Sim, compaixão.
Eu já vi esse olhar antes, e eu sabia o que
significava. Afastei-me deles e procurei por
Vinicius, que ainda estava na mesa com
Alan.
— Vamos embora? — eu o chamei.
Vinicius olhou para mim com a testa
franzida.
— Está tudo bem? O que aconteceu? Você
está pálida.
Eu não queria ter que contar a ele nada
disso, e estava contando com a discrição da
Adriana para que o Alan não ficasse
sabendo.
— Eu acho que é o álcool, estou me
sentindo mal, podemos ir embora?
Vinicius se levantou e veio para meu lado.
— Você vem? — Vinicius perguntou.
Alan me olhou estranho, depois se virou
para o amigo.
— Eu vou procurar a Adri e os outros,
depois eu vou.
Eu acenei e puxei Vinicius, queria sair
dali o mais rápido possível. Nós voltamos
para o hotel de táxi, e quando ele questionou
qual era meu quarto eu pedi que fossemos
para o dele. Eu não quis contar que eu estava
dividindo um quarto com o Marcelo. Tomei
um banho demorado e deitei na cama,
deixando que o cansaço apagasse toda a
confusão de hoje.
Marcelo
Eu ouvia um barulho de celular tocando,
mas aquilo me causou mais dor de cabeça do
que preocupação. Virei para o lado
ignorando o barulho e cobri meu rosto com o
travesseiro. Minha cabeça doía, meu
estômago estava estranho, e a última coisa
que eu queria era abrir os olhos. A noite
passada ainda era em um borrão, e os
pequenos flashes na minha mente não
fizeram o menor sentido. Quando pensei que
finalmente voltaria ao sono, ouvi a porta se
abrir. No começo pensei que fosse coisa da
minha cabeça, mas senti o edredom sobre
meu corpo ser puxado.
— Levanta, saia já daí.
O grito de Luísa me assustou e eu me
sentei na cama. Minha cabeça deu um giro e
todo o quarto rodou, deixando tudo preto e
pequenas estrelinhas.
— Você é louca? — outra pessoa gritou.
Esta voz eu não reconheci, era de uma
mulher deitada na minha cama de calcinha e
sutiã.
— Você vai ver a louca se você não por
uma roupa e sair daqui em cinco segundos
— Luísa gritou novamente jogando um
pedaço de pano na cama. — Um, dois, três.
A mulher olhou para mim buscando
alguma explicação, mas eu não tinha.
Olhando para ela e Luísa, me fez querer rir.
E eu ri. Ela me olhou incrédula e se vestiu.
Quando se sentou para calçar os sapatos,
Luísa os pegou e os jogou no corredor. A
mulher começou a gritar novamente, mas
Luísa fechou a porta na cara dela e se virou
para mim. Eu não tinha muita certeza, mas eu
acho que ela estava brava. Seus olhos
faiscavam, e ao invés de me amedrontar eu
só conseguia rir. Ela era realmente louca, eu
tinha que concordar com a mulher que estava
aqui, seja ela quem for.
— Você — ela começou apontando o dedo
para mim — eu duvidei que realmente fosse
trazer alguém para dormir aqui, e vim tentar
resolver essa situação com você, mas vejo
que não tem o que resolver. Você é um
idiota, o mais idiota de todos.
Eu a ignorei e deitei.
— Cala a boca, Luísa, sua voz está me
dando dor de cabeça.
Os flashes em minha cabeça voltaram aos
poucos. Nossa dança, seu cheiro, a briga
depois disso. A última coisa que me lembrei
com nitidez foi de virar muitas tequilas e vir
para o hotel acompanhado. Eu não consegui
me controlar, vê-la ao lado do namorado me
levou ao limite. Vê-lo tocando e beijando-a
quando eu queria fazer isso, era mais do que
minha paciência podia suportar. Por um
segundo eu pensei que ela realmente tivesse
me ouvido e saído do quarto, até que senti
água fria cair sobre meu corpo. Levantei em
um rompante apenas para confirmar Luísa
segurando um pote vazio.
— Eu tenho que concordar com a mulher
que estava aqui, você é louca — eu comentei
indo para o banheiro procurar uma toalha.
— Louco é você que transou com uma
estranha. Você nem a conhecia, Marcelo.
Você usou camisinha pelo menos?
Eu sabia que tinha usado, esta era uma
regra que eu nunca quebrava, por mais
bêbado que pudesse estar. Sequei-me e fui
para a outra cama, que estava seca. Luísa me
seguia ainda me insultando e fazendo várias
perguntas sobre a mulher. Eu não devia
satisfação de nada para ela.
— Eu estou falando com você, Marcelo.
Eu senti a cama se mexendo e sabia que
ela tinha subido, pois segundos depois eu
estava sendo espancado com um travesseiro.
Eu me sentei, tirando o travesseiro de suas
mãos e encarando-a. Ela começou a me bater
nos braços, nos ombros, em qualquer parte
que ela alcançava. Ela gritou coisas sem
sentido, e continuou me batendo, mas isso
era mais para aliviar a frustração dela do
que me atingir. Cansado de seus escândalos
eu a derrubei na cama, segurando seus
pulsos ao lado da cabeça. Sentei sobre seu
corpo, tomando o cuidado de não soltar o
meu peso sobre ela e a deixei se debatendo
até que finalmente ela se acalmou. Por mais
que toda aquela tensão não era algo que eu
apreciava no momento, uma parte de mim
ficou feliz em vê-la finalmente reagindo. Era
como se eu tivesse vendo a garota corajosa
do aeroporto mais uma vez.
— O que você quer, Luísa? — Ela olhou
para mim por um longo tempo, como se
tivesse pensando na pergunta. — O que está
fazendo aqui?
— Eu vim pegar minhas malas. — Eu ri
de sua resposta, mas ainda não tive coragem
de soltar seus pulsos. Por mais que eu
soubesse que talvez agora ela não me
atacasse novamente, eu estava gostando de
tê-la presa embaixo de mim. — Mas, agora
estou pensando que eu deveria ter pedido
para a Adri pegá-las para mim.
— Eu te falei para não vir tão cedo, você
me ignorou.
Seu corpo ficou tenso sobre mim e
mantive meu aperto em seus pulsos. Talvez
eu tivesse que mantê-la assim até o final
desta conversa.
— Por que você a trouxe aqui? — ela
perguntou com a voz baixa. Eu não sabia se
ela queria mesmo saber a resposta, na
verdade, nem eu sabia.
— Não importa o motivo, faz alguma
diferença? O que eu fiz está feito. Para que
você quer saber? — Ela deu de ombros, mas
permaneceu em silêncio. Seus olhos me
olhavam com atenção, como se quisesse me
estudar. — Você ainda não me respondeu, o
que está fazendo aqui?
— Eu já disse, pegar minha mala.
— Besteira.
— É verdade, eu preciso tomar banho.
Eu a estudei por um momento, e ela estava
com a mesma roupa de ontem, com diferença
nesse rabo de cavalo bagunçado e o rosto
lavado. Seus olhos estavam inchados, mas
ainda sim, ela estava linda.
— Então por que você não pegou a sua
mala e foi embora? Por que teve que fazer
todo esse escândalo? — Ela piscou algumas
vezes. — Você poderia ter entrado em
silêncio, pegado suas malas e saído. Mas,
você simplesmente surtou e expulsou a
mulher que estava aqui, por que fez isso?
Eu soltei um suspiro frustrado e enterrei
meu rosto no pescoço dela. Eu estava
cansado de tudo aquilo. Cansado de
esconder o que eu sentia por ela, cansado de
lutar para mostrar a ela o que eu tinha a
oferecer, mas principalmente, cansado de
lutar por algo que talvez fosse em vão.
Quando Pedro me propôs essa ideia
ridícula, ela pareceu fazer sentido na época.
Agora já não tenho tanta certeza.
— Eu não sei. — Sua voz saiu tão
baixinho que quase não ouvi. Ela respirou
mais algumas vezes, eu sentia sua respiração
embaixo de mim, como se tivesse buscando
pelo ar. — Quando eu a vi deitada na sua
cama, algo dentro de mim explodiu. Eu não
queria ver o rosto dela, não queria imaginar
o que ela fez com você naquela cama, eu só
queria que ela fosse embora.
Ela finalmente havia admitido alguma
coisa, eu sabia que precisaria tirá-la de sua
zona de conforto, mas infelizmente tínhamos
passado dos limites. Eu levantei meu corpo
e olhei para ela, ainda deitada sob mim.
— O que você vai fazer? Porque eu estou
cansado dessa merda. Eu não vou fingir que
não sinto nada por você, Luísa, porque eu
tenho certeza de que você deve se lembrar
do que eu disse ontem à noite. E eu não vou
retirar nenhuma palavra.
Soltei seus braços e ela se arrastou pela
cama até se sentar e encostar-se à cabeceira.
Minha vontade era de ir até ela, mas sentei
na sua frente e esperei que ela pensasse a
respeito.
— Esta conversa deveria ter acontecido
há muito tempo — comentei, quando vi que
ela permaneceria em silêncio. — Você não
pode negar que tem algo acontecendo aqui.
— Eu tenho namorado, Marcelo. Por que
é tão difícil para você aceitar isso?
— Pelo mesmo motivo que foi difícil
você simplesmente pegar suas malas e sair.
Ela balançou a cabeça e seus olhos
começaram a brilhar de lágrimas não
derramadas, era como se fosse algo que ela
temesse ouvir. Mas, não cheguei até ali para
desistir, não tinha mais nada a perder. Eu me
aproximei e fiquei de joelhos na frente dela,
mantendo meu rosto o mais próximo que
conseguia, obrigando-a a prestar atenção em
mim.
— É ruim ter que ouvir isso ou
simplesmente é algo que sua mente tenta
ignorar? Ele faz você se sentir assim? Ele
faz sua pele arrepiar? Porque eu sei que eu
faço. — Ela permaneceu em silêncio, então
aproximei meu rosto de seu pescoço,
plantando um beijo em sua pele. Quando
voltei a ficar de frente para ela sua boca
estava entreaberta, respirando fundo. —
Você não me deixa te beijar, por mais que eu
deseje fazer isso a cada vez que olho para
sua boca. E eu tenho certeza de que se eu te
beijasse agora, você iria ceder. E sabe por
quê? Porque seu corpo corresponde ao meu
toque, e você não suporta isso. Você não
suporta que tenha vontades que não parecem
certas para você.
— Para com isso — ela pediu em um
sussurro. — Por favor, não faça isso com a
gente. Eu tenho um namoro estável, o
Vinicius me ama, e eu não quero deixar tudo
isso bagunçado.
— Mais do que já está? — perguntei
ironicamente.
— Nós apenas gostamos da companhia um
do outro, é apenas isso. Não tente achar
motivos e explicações onde não tem.
— Você disse que ele te ama, mas você o
ama?
— Nós já estamos juntos há três anos.
— Não foi isso que eu perguntei.
— Ele me faz feliz, nós temos alguns
problemas, acho que todo casal tem, mas eu
o amo. Ele me dá estabilidade e confiança, é
algo que eu sempre quis em um
relacionamento.
— Você merece mais do que isso, Luísa.
Deveria saber disso. Você merece mais do
que estabilidade, você merece se sentir nas
nuvens, merece se sentir única. Você deveria
procurar alguém que te ofereça o que você
merece.
— Ele me ofereceu três anos de
companheirismo e amor, o que você poderia
me oferecer? Brigas, provocações e
gritarias?
Eu a analisei por um tempo e suspirei
frustrado, passei a mão no cabelo para tentar
não fazer algo estúpido. Talvez tenha sido
idiota ter tratado ela daquela forma no
começo, mas este é quem eu sou, e eu não
mudaria.
— Esse é o seu problema, Luísa, eu não
tenho nada para te oferecer, talvez eu nunca
tenha. Mas, o que você quer de mim, de nós?
Como você sempre deixa claro, você tem um
namorado. Então para que eu vou pensar em
te oferecer algo? Eu não estou te pedindo em
namoro, e definitivamente não vou te
garantir um relacionamento se você terminar
com o Vinicius. Este sou eu sendo sincero,
porque eu sei o que eu quero da vida, e neste
momento, eu quero você. — Ela me olhava
em pânico. — Você não escolhe, Luísa, você
sempre deixa que as pessoas escolham para
você. Você começou fazendo Fisioterapia e
mudou a faculdade porque sua avó te disse
que queria uma neta advogada. Não estou
dizendo que você não gosta de Direito,
talvez você tenha aprendido a gostar, mas
não foi uma escolha sua. Você faz tudo o que
esperam que você faça, a típica garota
perfeita, que morre de medo de errar, e isso
é exatamente o que você precisa. Errar.
— Então você está dizendo que eu devo
cometer erros? Como por exemplo, trair meu
namorado?
— Isso seria falta de caráter. Eu não
quero que fique comigo estando
comprometida, eu poderia ter ido muito mais
longe, mas sempre me segurei perto de você,
porque sabia que este não era o jeito certo
de começar algo. Eu te empurrei até o limite,
confesso. Provoquei, joguei pesado, mas
nunca atravessei uma linha que nos
arrependeríamos. Eu não estou pedindo para
você trai-lo, nunca quis isso, estou pedindo
para que faça o que você quer. Você quer
ficar com ele? Tem certeza absoluta disso?
Então ótimo, fique com ele.
As lágrimas que ela segurava agora caiam
por seu rosto e seu queixo tremia. Eu queria
apertá-la em meus braços e dizer que eu não
tinha vontade de magoá-la ou deixá-la triste,
que minha promessa sempre foi fazê-la
sorrir, mas talvez eu não pudesse ser o cara
certo para ela e cumprir essa promessa.
Talvez essa tenha sido a promessa mais
estúpida que eu fiz.
Eu me levantei da cama e fui até o
telefone, pedindo na recepção algum quarto
para ela. Minutos depois vieram buscar suas
malas. Eu sentia seu olhar em cada passo
que eu dava, mesmo que eu estivesse
tentando ignorá-la.
— Suas malas estão no último quarto à
esquerda, eu acho que você deveria ir e
pensar no que você quer. — Eu segurei a
porta aberta e respirei fundo. Ela secava o
rosto com as mãos e ignorei a tristeza que
aquilo me causou. — Se ele realmente é o
cara certo para você, não se preocupe que eu
não vou mais te incomodar. Mas, se tem
qualquer dúvida, qualquer mínima chance de
ele não ser, então faça as coisas certas e me
procure depois.
Ela parou na minha frente com os lábios
tremendo, e tudo o que eu mais queria era
beijá-la para saber quão macios eles eram.
— Eu sinto muito — ela sussurrou. Suas
mãos tocaram meu cabelo e eu segurei a
respiração por um tempo.
— É, eu também.
Ela se manteve na porta, olhando entre eu
e o corredor, como se tivesse tomando uma
decisão importante. Com os braços cruzados
ela se virou e foi embora. Essa era sua
escolha e eu iria respeitar, pelo próprio bem
da minha sanidade.
Luísa
Eu andei de um lado para o outro no
quarto, tentando organizar minha cabeça e
pensar em uma solução. Nada parecia fazer
sentido, e ao mesmo tempo, tudo parecia
óbvio demais. Eu deixei a situação chegar
onde não devia, deixei as coisas passarem
do limite. Sempre quis fazer tudo certo,
evitei problemas, nunca quis ser o centro das
atenções. Esta era eu, com meu jeito simples
e calmo, e isso era tudo o que eu estava
acostumada e tudo o que o Vinicius me
oferecia. Mas, agora, isso não me parecia o
bastante. Agora, eu queria mais. Uma batida
na porta chamou minha atenção.
— Oi — eu disse, abrindo a porta.
Vinicius entrou com um sorriso no rosto,
como se estivesse feliz em me ver, mas
quando se aproximou para me beijar e eu
virei o rosto, seu sorriso sumiu. — Eu acho
que precisamos conversar antes.
Ele respirou fundo entrando no quarto.
— O.k., vamos lá. O que aconteceu?
— Eu estou te traindo.
Eu não sei se o choque foi maior para ele
ou para mim. Trair nesta situação era algo
muito subjetivo. Eu sentia como se tivesse
traindo o Vinicius com o Marcelo, mesmo
que não tivéssemos feito nada físico.
— Calma, eu não entendi. — Ele se
sentou na cama, apoiou as mãos nos joelhos
e olhou para mim. Desta vez eu fiquei
imóvel, esperando por alguma reação. —
Com aquele neto do seu chefe? Quando foi
que isso aconteceu? Vocês transaram?
Eram tantas perguntas que eu não sabia
nem por onde começar, mas eu já estava
esperando por todas elas.
— Nós não fizemos sexo, nem sequer nos
beijamos, mas isso não quer dizer que eu
não fiz nada errado — confessei. Ele me
olhou confuso. — O Marcelo sabia que eu
namorava e eu falava isso para ele, mas
parecia ser da boca para fora. Nós
dormimos juntos, não fizemos nada, mas
ainda sim isso foi errado. Eu deixava ele me
abraçar de forma que não devia, eu poderia
ter impedido, mas eu não quis. Eu não sei o
que está acontecendo comigo, mas eu não
vou mentir, Vinicius. Por mais que eu achava
errado muita coisa, eu não conseguia evitar.
Uma parte de mim gritava que não devia
deixar acontecer àquela aproximação, e a
outra parte de mim gritava que queria aquilo.
Era bom finalmente colocar isso para
fora, era como tirar um peso das costas. Eu
havia ligado para minha mãe assim que sai
do quarto do Marcelo e contei tudo a ela, e
seu melhor conselho foi abrir o jogo com o
Vinicius e ver o que poderíamos resolver.
Isso era algo que eu deveria ter feito desde o
começo, mas eu adiei, como se ignorar a
situação fizesse ela não existir. Vinicius
levantou e andou pelo quarto. Eu não sabia
mais o que dizer, tudo o que eu podia
compartilhar foi dito.
— Eu não sei o que dizer, Luísa. Eu
confiei tanto no seu julgamento e na sua
honestidade, que jamais cogitei a hipótese
de que isso um dia pudesse acontecer.
Eu entendia o que ele queria dizer, e eu
aceitava. Este não era um comportamento
comum vindo de mim.
— Eu menos ainda, tento encontrar uma
explicação para isso, mas não consigo.
Ele andou até mim e parou, me olhando
nos olhos.
— O que você sente por ele? — ele
perguntou cauteloso.
Esta era uma pergunta que eu também não
tinha resposta exata, mas pela forma como
ele me olhava, eu sentia que devia uma
explicação.
— Para ser sincera, eu não sei. Eu não
vou falar que estou apaixonada por ele,
porque não acho que seja isso, mas eu
admito que estou atraída por ele. Eu não sei
até que ponto isso é apenas uma coisa boba,
até que ponto isso é uma curiosidade, ou até
que ponto isso é algo que eu realmente
quero.
— E você quer descobrir? É isso que
você está me contando?
— Eu não sei — admiti com um suspiro.
Ao mesmo tempo em que eu queria, eu
odiava mudanças, então talvez eu não fosse
corajosa como o Marcelo achava e nunca
conseguisse tomar uma decisão por conta
própria. Talvez esta fosse a minha vida, nada
de emocionante ou fora do controle. Eu me
sentia bem no conforto, para que bagunçá-
la? O difícil era negar a vontade que eu tinha
de tomar decisões que eu normalmente não
tomaria, ou agir por impulso e descobrir
como é sair da zona de conforto.
— Isso muda muita coisa, mas eu acho
que te entendo — Vinicius disse. Suas mãos
tocaram meu rosto, e ao mesmo tempo em
que eu sentia o carinho que elas sempre
transmitiram, isso não me bastou naquele
momento. — Nós passamos muito tempo
afastados e acabamos nos distanciando, isso
deu uma margem para outras situações em
nossas vidas. Eu ainda estou tentando
trabalhar com o fato de você se sentir
atraída por outro homem, e isso não é algo
fácil de engolir, mas eu preciso que você
seja sincera comigo agora. Você me ama? Ou
você acha que isso mudou também?
— Não — respondi rapidamente. Esta era
uma pergunta fácil, eu nunca duvidei do meu
amor por ele, eu só tinha dúvida se esse
amor era o suficiente. — Não mudou nada
do que eu sinto por você, e é por isso que
estou confusa. Nós passamos por muita coisa
juntos, e eu não quero perder isso.
Ele soltou um suspiro que parecia preso,
como se tivesse esperando por esta resposta
para enfim poder respirar. Seus braços me
puxaram para mais perto e seus lábios
tomaram os meus em um beijo lento.
— Eu só precisava saber disso, porque eu
não vou desistir de nós, Luísa. Eu quero me
casar com você, eu quero morar com você,
ter filhos, construir uma vida juntos. Nós não
falamos muito sobre esses planos de futuro,
mas eu quero começar a planejar minha vida
com você.
Era impossível não me sentir tocada por
suas palavras. Vinicius nunca escondeu que
me queria ao seu lado, e ouvir esta
confirmação agora depois de tudo o que eu
havia contado, me fez acreditar que eu
poderia estar tomando a decisão errada. Eu
era boa em planejar, viver nessa calmaria e
estar cercada por alguém tão compreensivo.
Isso era algo que eu conhecia e sabia lidar.
— Tem algo mais que você queira me
contar? — ele perguntou.
— Não, o que eu tinha para dizer já foi
dito, eu só achei que eu não deveria mais
esconder esta situação, eu não queria
continuar escondendo as coisas para você,
eu nunca gostei de mentiras. — O sorriso em
seus lábios vacilou. — E você, tem algo que
queira me contar?
— Não, estou bem, está tudo bem, eu só
queria confirmar.
Eu não consegui me convencer daquilo,
sentia que tinha algo estranho, mas eu
esperava que Vinicius me contasse quando
chegasse a hora.
— E como nós ficamos agora? — Ele quis
saber. — Quer dizer, você disse que nada do
que sente por mim mudou, então nós ainda
estamos juntos, não é?
Eu precisava pensar, de um tempo só pra
mim. Eu queria ter minha mente livre para
tomar a decisão certa.
— Eu sei que isso é patético, e vai
parecer como adolescentes de quinze anos,
mas eu queria um tempo — eu pedi. Ele
pareceu nervoso e seus olhos me olhavam
com desespero, segurei seu rosto em minhas
mãos e fiz seus olhos se encontrarem com os
meus. — Eu não estou colocando um fim em
nada, pelo menos, não ainda. E também não
estou pedindo para me esperar ou o que for,
eu só acho que preciso de um tempo sozinha
para me organizar.
— Você está pedindo um tempo para ir lá
ficar com ele e fazer um teste? — Eu podia
ver a mágoa em seus olhos e entender
porque me atacou, mas esta pergunta me
afetou mais do que pensei que faria.
— Não, eu não quero ir lá brincar de
namorinho novo e voltar para você depois
de me divertir — avisei a ele. — Eu só
quero um tempo para pensar nisso tudo,
como quer que eu pense na possibilidade de
viver com você, se eu me deixei atrair por
outro homem? Eu quero ter certeza do que
quero para mim, antes de começar a planejar
minha vida com você. Consegue entender?
— Mas, você disse que nada mudou, e
agora você me fala que não tem certeza? —
Sua voz estava trêmula. Ele respirava fundo
como se quisesse se acalmar, mas seus olhos
me olhavam em uma mistura de decepção e
necessidade. — Eu não estou entendendo. O
que você está dizendo, afinal?
— Eu não sei como falar isso de forma
que não vá te magoar, mas eu acho que
deveríamos terminar. Você está focado no
seu trabalho, eu tenho a faculdade para
terminar e toda essa confusão para
administrar. Eu acho que este não é o
momento de levar esse relacionamento
adiante, me desculpa.
— Eu pensei que nós estivéssemos bem
— ele disse derrotado. — Como foi que eu
não vi isso acontecer?
— Nós estávamos. Você é perfeito,
Vinicius, sempre foi. Eu não tenho palavras
para medir o quanto te amo e sou agradecida
por todos estes anos. Eu realmente sinto
muito por tudo isso, e espero que você possa
me entender.
Ele me olhou incrédulo e caminhou até a
porta.
— Ok, tenha sua liberdade, vá descobrir o
que quer da sua vida e me avise quando a
minha Luísa estiver de volta. Porque esta
não é você.
Ele bateu a porta com força ao sair. As
lágrimas escorriam por meu rosto com o
aperto que sentia no peito. Nos últimos anos
eu sempre pensei que estivesse com a
pessoa certa, que o Vinicius era perfeito
para mim. Agora eu não tinha mais essa
certeza. Eu queria aquele olhar que minha
mãe recebia do meu pai. Eu queria não ter
que me controlar e agir da forma correta a
todo o momento. E eu tinha quase certeza de
que este era um daqueles erros, mas eu
queria arriscar. Tirei a aliança de Vinicius
do meu dedo e guardei na minha bolsa, eu
precisava descobrir o que o destino estava
traçando para mim.
Capítulo 22
Marcelo
— Você tem certeza de que não quer falar
sobre isso? — Matteo perguntou.
— Eu não tenho nada para falar.
Nós saímos da reunião com um de nossos
clientes, depois de analisar um contrato e
rever a parceria. Não prestei muita atenção
na conversa deles com o Matteo, eu apenas
li os documentos e fiz meu trabalho. Eu não
conseguia focar em nada desde o momento
em que a Luísa saiu do meu quarto com
lágrimas nos olhos. Eu só queria esquecer
aquela cena e apagar o dia anterior. Eu
pensava que a ressaca iria me derrubar hoje,
mas a sensação de derrota era mil vezes
pior.
— Vamos lá beber, você está precisando
— ele ofereceu.
Eu sorri para Matteo e afrouxei minha
gravata. Eu só queria tirar este terno e
esquecer tudo, se a bebida me daria isso,
então eu beberia.
— Preciso mesmo, vou trocar de roupa e
te encontro no bar.
A porta do elevador no meu andar se
abriu, e uma imagem chamou minha atenção.
Luísa estava sentada, encostada na minha
porta e abraçando os joelhos, com os olhos
focados na parede. Ela não percebeu minha
aproximação até que me sentei ao seu lado.
— Oi — ela disse. — Eu não sabia para
onde ir, eu queria conversar com alguém.
— Faz tempo que está aqui?
— Não muito, acho que uns vinte minutos.
— Por que você não esperou dentro do
quarto?
Ela deu de ombros e me olhou, com os
olhos inchados.
— Não achei que fosse certo depois de
tudo, e para ser sincera, esse quarto não está
me trazendo boas lembranças.
Eu respirei fundo e me levantei.
— Você se importa de esperar eu trocar
de roupa? Nós podemos dar uma volta.
— Não, eu espero aqui.
Eu entrei no quarto e me troquei, tirei
aquela roupa quente e coloquei uma mais
fresca. Enviei uma mensagem para Matteo,
avisei que eu estava com a Luísa e a
convidei para um passeio. Eu não quis
correr o risco de encontrar seu namorado
enquanto conversávamos. Ela quis ir para a
Ponte dos Ingleses, que segundo ela, era o
lugar mais lindo e calmo que havia para
conversar. Fizemos todo o trajeto em
silêncio, mesmo com o rádio ligado, nenhum
de nós ousou cantar ou comentar alguma
coisa. Há menos de vinte e quatro horas
estávamos naquela ponte e tudo pareceu
estar bem entre nós, mas as coisas tinham
mudado. O que escondíamos foi revelado e
todas as cartas estavam sobre a mesa.
— Eu falei com o Vini, eu contei a ele
sobre nós — ela confessou. Eu não pude
esconder o espanto que tive, e ao mesmo
tempo orgulho por ela finalmente ter tomado
uma atitude sobre esta situação. — Nós dois
erramos, Marcelo. Eu não devia ter deixado
você se aproximar, e você não deveria ter se
aproveitado da situação.
Eu ri e ela me olhou espantada.
— Você está esperando que eu me
desculpe? — eu perguntei. — Porque se for,
você vai esperar à toa. Eu já me desculpei
uma vez, e este será o meu máximo. Eu não
me arrependo de nada. Eu não me arrependo
do que eu falei, nem do que eu fiz, e se eu
tivesse a oportunidade faria tudo de novo.
— Então você acha que o que fez foi
certo?
Balancei meus ombros e olhei para o mar.
— Certo não foi, mas como eu disse, não
me arrependo. Eu te quis, e eu fiz o que
achei que devia para ter você. Se você se
rendeu tão fácil não é culpa minha.
— Eu não acredito que estou ouvindo
isso. Foi apenas uma meta que você traçou
para sua vida monótona? Ah, vou lá
bagunçar a vida dela, não tenho mais nada
interessante para fazer.
— Eu não tracei meta nenhuma, Luísa, e
eu não quis bagunçar sua vida. E você pode
brigar comigo e jogar a culpa em mim, eu
aceito, mas você está fugindo da principal
questão aqui. Você também me quer, não é?
Eu me virei para ela, que me olhou com os
braços cruzados. Seus olhos mesmo tão
escuros brilhavam contra a luz do sol, e seu
rosto com o mar de plano de fundo, deixou
aquela imagem perfeita na minha mente. Eu
me aproximei, toquei seu rosto com as mãos
e senti sua pele sob meus dedos. Ela
manteve os braços cruzados, como se ainda
estivesse lutando para se entregar. Eu
segurei suas mãos e as levei para minha
nuca, mantendo seus olhos presos nos meus.
Quando me aproximei da sua boca, seus
lábios se afastaram involuntariamente. Eu
sentia sua respiração quente contra meu
rosto e vi seus olhos fecharem.
— Você pode negar o quanto quiser,
Luísa, mas você me quer tanto quanto eu —
eu sussurrei contra sua boca. — Eu ainda
nem fiz nada, e você já está à minha mercê.
Ela abriu os olhos por um breve momento,
mas eu passei meus braços em volta de suas
costas e a puxei para mim, colando meus
lábios nos dela. Ela resistiu e me empurrou,
tentando se afastar, mas eu a ergui em meus
braços.
— Você é tão idiota, como foi que eu
consegui sentir qualquer coisa por você? —
ela gritou, se esquivando para que eu não
alcançasse seus lábios. Eu enterrei meu
rosto em seu pescoço e mordi sua pele
exposta. — Quando eu penso que finalmente
vamos nos entender, você consegue estragar
tudo.
Eu ri com ela se debatendo, mas era uma
vantagem que fosse baixinha e seus pés não
alcançavam o chão. Eu deixei que ela
reclamasse e me batesse, até que finalmente
cansou e encostou a testa na minha.
— Parou? Vai finalmente admitir que me
quer também? — eu perguntei.
Ela riu.
— Você é tão idiota.
— E mesmo assim você me deseja. Eu
não vou deixar você descer até admitir isso.
Ela afastou o rosto, olhou para minha boca
por um momento e voltou sua atenção para
os meus olhos. Desta vez eu não hesitei e
tomei sua boca com a minha mais uma vez.
Suas mãos que estavam apoiadas em meus
ombros foram novamente para a minha nuca,
puxando meu rosto para ela. Suas pernas
circularam minha cintura e eu desci minhas
mãos para suas coxas, segurando-a em meu
colo. Seus lábios não resistiram desta vez, e
eles se abriram para me receber. Começou
com um beijo lento de reconhecimento, e se
tornou algo mais quando sua língua deslizou
para dentro da minha boca. Minha
respiração acelerou, e eu senti seu peito
subindo e descendo tão rápido quando o
meu. Quando finalmente nossos lábios se
afastaram, eu não pude esconder a satisfação
em meu rosto.
— Eu posso ir para o chão agora? — ela
perguntou, quebrando o silêncio.
Eu sorri e roubei um beijo rápido de seus
lábios.
— Não tem ninguém te segurando —
respondi, abrindo meus braços. Ela se
manteve pendurada sobre meu corpo, com as
mãos nos meus ombros e as pernas na minha
cintura. — Mas para ser sincero eu estou
gostando de ter você presa aqui.
Ela me apertou mais em suas pernas e
voltei a segurar suas coxas. Andei com Luísa
em meu colo até sentá-la sobre o muro da
ponte. Ela segurou meu rosto em suas mãos,
macias e delicadas, e ficou brincando com a
minha barba com aqueles dedos pequenos.
— Como será agora? — ela perguntou em
um sussurro.
— Eu não tenho a mínima ideia, mas eu
quero descobrir. E você?
Ela sorriu e alcançou meus lábios. Seu
beijo acalmou uma parte de mim que ainda
estava nervoso, esperando que ela fosse
negar tudo de novo e não querer um nós.
— Eu quero te pedir um favor — ela
sussurrou contra meus lábios.
— Agora? Tem certeza? Dependendo do
que for eu posso simplesmente te deixar cair
lá embaixo. Então cuidado com o que for
pedir.
— Você não é louco.
Ela me desafiou com um olhar e eu a
inclinei para trás, deixando que seu corpo
caísse. Ela abraçou meu pescoço em um ato
de desespero e prendeu as pernas novamente
em minha cintura.
— Se você me jogar daqui de cima, eu te
levo junto para o mar — ela gritou, me
fazendo rir.
— O que você quer pedir? Vamos ver se
você merece descobrir se esta água está fria
ou não.
— Me levanta daqui.
Eu a puxei para mim e ela bateu em meus
braços, e por mais que suas mãos fossem
pequenas, seu tapa era ardido.
— Estou ouvindo.
Ela tomou uma respiração profunda e me
olhou nos olhos.
— Eu não queria que tudo fosse rápido
demais, eu ainda não sei o que está
acontecendo aqui, mas eu quero descobrir.
Eu só quero pedir para ir devagar, há pouco
tempo você estava com outra pessoa e eu
com o Vinicius, e eu terminei com ele
falando que não correria para você, e aqui
estou eu — ela disse, dando de ombros. Eu
tentei segurar o sorriso presunçoso que se
formou em meus lábios. Ela podia negar,
mas ela me queria tanto quanto eu, e prova
disso era estar aqui em meus braços. Ela
cobriu minha boca com suas mãos, tentando
não rir. — Eu odeio ver esse sorriso
convencido, mas eu tenho que admitir, talvez
você estivesse certo todo esse tempo. Eu me
sinto atraída por você, e eu acho que preciso
descobrir como nós vamos funcionar juntos.
Eu estou cansada de negar isso.
Eu tentei falar, mas ela manteve as mãos
em minha boca, me fazendo rir ainda mais.
Eu a inclinei para trás mais uma vez e ela se
segurou em meus ombros, rindo comigo.
— Eu vou devagar, até porque, eu não
quero estragar o que quer que isso possa ser
— eu admiti.
O sorriso em seus lábios confirmou que
ela também queria que isso desse certo, seja
lá o que isso significasse. Eu a puxei
novamente para meus braços e a desci, ela
virou de costas olhando para o mar e eu
passei meus braços em torno do seu corpo
pequeno. Nós ficamos em silêncio, apenas
aproveitando a paisagem e a tranquilidade
daquele momento. Ela deitou a cabeça em
meu peito e eu beijei sua cabeça, sentindo
aquele cheiro que eu tanto estava
acostumado a sentir ultimamente.
— Aí estão vocês — alguém gritou atrás
de nós.
Adriana segurava o celular em suas mãos
e apontava para nossa direção, com Matteo
ao lado dela. Eles se aproximaram sorrindo,
rapidamente entendendo a situação. Luísa
corou, mas não saiu de meus braços, ela
apenas virou de frente para mim enterrando
o rosto no meu peito. Eu ri de sua reação, e
Matteo veio em nossa direção, abraçando-a
de lado.
— Não adianta se esconder, bancar a
tímida agora não vai adiantar — ele
comentou entre nós.
Adriana riu e nos abraçou também.
— Não vou dizer que não me surpreendi,
mas é algo que eu já estava esperando. —
Luísa levantou o rosto e Adriana piscou. —
Eu não vou te julgar, ninguém vai, não se
preocupe. Se precisar de alguém para
conversar estarei aqui.
— Obrigada — Luísa respondeu
apertando os braços em volta do meu corpo.
— Como vocês nos acharam? —
perguntei olhando para Matteo. — Eu não
disse onde estávamos.
— Eu conheço vocês e usei o poder da
adivinhação — Adriana respondeu. —
Vamos às dunas? Ou vocês ainda têm coisas
para resolver?
Eu olhei para Luísa, esperando por uma
resposta, e ela concordou com a cabeça. Eu
beijei sua bochecha rapidamente antes de me
virar para Adriana.
— Nós vamos, temos ainda um dia aqui,
acho que deveríamos aproveitar.
Matteo e Adriana correram para o banco
de trás, quando retornamos ao carro.
— Como foi que vocês chegaram aqui? —
Luísa perguntou ligando o rádio. — De táxi?
— Nós procuramos pelo GPS do carro
alugado, depois pedimos um táxi para chegar
a vocês. Ou vocês teriam se matado ou
teriam se acertado, achei que valeria a pena
conferir — confessou Matteo.
— E lá se vai meu poder de vidente —
resmungou Adriana.
Matteo e Adriana a aceitariam de braços
abertos, mas eu sabia que esta era uma
situação nova para ela. Busquei suas mãos e
levei até minha boca, deixando um beijo lá.
Talvez com o tempo ela se acostumasse a
isso. Era algo novo para mim também.
No passeio às dunas eu fui dirigindo o
nosso buggy e Matteo foi com a Adriana em
outro. Eu pensava que a Luísa não gostaria
que eu dirigisse rápido ou que apostasse
corrida, mas ela ria e me incentivava a
correr ainda mais. No caminho de volta ela e
Adriana foram para a direção, apostando
entre si. Ela era ainda mais louca do que eu,
e por algumas vezes eu achei que iríamos
sair rolando pela areia com a forma como
ela dirigia. Quando voltamos para nosso
carro depois do passeio, passei meus braços
em torno do corpo dela e a puxei para mim,
andando com ela à minha frente.
— Você é a pessoa mais louca do mundo
no volante, você dirigiu tão certinho na
estrada que pensei que fosse calma no
volante — eu comentei.
Ela riu andando abraçada comigo.
— Eu sou uma ótima motorista, não se
preocupe.
Eu beijei seu cabelo e esperamos por
Matteo e Adriana. Com o passar do tempo
ela se acostumou comigo, beijando-a e
abraçando-a o tempo todo. No começo ela
resistiu, virou o rosto e fugiu de meus
braços, mas quando ela percebeu que nossos
amigos não se importavam com isso, ela se
soltou. Eu não conseguia ficar muito tempo
longe dela, eu a queria o tempo todo colada
em mim. Provar o gosto de seus lábios nos
meus, sentir seu cheiro de perto, era algo
viciante. Eu sabia que no momento em que
eu a tivesse, isso seria um grande problema
para mim. Mas, quando finalmente eu a tive,
pude confirmar. Era simplesmente
impossível estar tão perto dela e conseguir
me controlar.
Nós voltamos para o hotel, Matteo e
Adriana pararam no andar deles e nós
continuamos subindo. As portas do elevador
se abriram e atravessamos o corredor. Eu
parei na porta do meu quarto e me virei para
ela.
— Você vai voltar para este quarto? — eu
perguntei, segurando sua mão.
— Eu prefiro não entrar aí, não quero me
lembrar da manhã de hoje.
Eu via a acusação em seu tom de voz. Foi
um ato idiota e talvez infantil, mas eu não
iria me desculpar. Eu segurei seu rosto em
minhas mãos e a beijei, tentando puxá-la
comigo para dentro do quarto. Ela
correspondeu o beijo, mas quando percebeu
minha intenção riu com os lábios ainda
colados aos meus. Suas mãos me
empurraram e ela andou para trás.
— Espertinho, sei o que tentou fazer —
ela comentou rindo. — Mas, eu vou para o
meu quarto, eu prefiro assim por enquanto.
— Não pode culpar um homem por tentar.
Ela mostrou a língua e se afastou, indo
para seu quarto. Fechei minha porta e liguei
para o celular dela.
— Eu não posso acreditar que você já
está com saudade — ela disse ao atender. —
O que aconteceu?
— Eu vou tomar banho agora, porque
devo ter areia em toda parte do meu corpo.
Você poderia se juntar a mim.
Ela riu outro lado da linha, uma risada que
eu já amava ouvir.
— Tentador, mas nós vamos levar isso
devagar, lembra?
— Nós vamos nos ver amanhã para o café
da manhã?
— Pode ser. Que horas é nosso voo?
— Só às dez horas, dá tempo de comer
antes de ir ao aeroporto.
— Te encontro lá. Boa noite, Marcelo.
— Boa noite, Luísa.
Depois do banho eu liguei a TV e tentei
assistir a um filme, esperando que o sono
viesse, mas ele não veio. Sentia-me aqueles
adolescentes que ficavam empolgados para
ver a namorada da escola no dia seguinte.
Rolei para todos os lados da cama e parecia
impossível dormir. Levantei mesmo de
shorts e descalço e bati na porta de Luísa.
Ela apareceu sonolenta, com aquele pijama
curto que eu por muitas vezes sonhei em tirar
nos últimos dias. Invadi seu quarto e a tomei
em meus braços, erguendo-a em meu colo e
fechando a porta com os pés. Eu tomei sua
boca com rapidez, antes que ela pudesse
falar qualquer coisa para me impedir e a
derrubei na cama.
— Você não aceita não como resposta? —
ela perguntou rindo enquanto eu beijava seu
pescoço.
Eu levantei meu rosto e aproximei meus
lábios dela, puxando seu lábio inferior com
meus dentes.
— Você disse que não queria dormir lá
comigo, mas não disse nada sobre eu dormir
aqui.
— Eu achei que a parte do ir devagar
tivesse ficado claro.
Eu sentei e ergui as mãos em sinal de
rendição.
— Eu não vou fazer nada, eu só quero
poder dormir aqui.
Ela me olhava como se estivesse
pensando em minha proposta. Eu abaixei
meu rosto beijando sua clavícula e subi por
seu pescoço, até finalmente puxar o lóbulo
de sua orelha com a boca.
— Eu prometo me comportar — eu
sussurrei. — Eu só quero acordar ao seu
lado hoje.
Ela suspirou em derrota e um largo
sorriso se abriu em meus lábios antes de eu
encontrar sua boca novamente. Ela nos rolou
na cama, ficando sentada sobre mim e
correspondeu ao meu beijo com a mesma
ansiedade. Eu suguei seus lábios para dentro
de minha boca, e a cada vez que eu fazia
isso, um gemido escapava de sua garganta.
Ela passou as mãos quentes sobre meus
braços, pressionando seus seios contra meu
peito. Minhas mãos foram para baixo da sua
blusa e apertaram sua cintura. Sua bunda
roçava contra minha cueca e todas as partes
viris do meu corpo deram sinal de vida.
— Você não pode ao menos disfarçar? —
ela perguntou rindo na minha boca.
— O que você quer que eu faça? Fica
difícil com você rebolando em cima de mim.
Ela rolou para o lado rindo. Eu olhei para
o teto e me concentrei na minha respiração.
— Você disse que ia se comportar — ela
me acusou.
Eu me virei para o lado.
— Talvez você devesse fazer o mesmo —
eu rebati. Ela ergueu as mãos rindo, e eu
voltei a olhar para o teto suspirando
frustrado. — Argh! Talvez isso seja mais
difícil do que eu pensei, deveria ter ficado
no meu quarto.
Ela rolou para o meu lado, deitando a
cabeça no meu peito e abraçando meu corpo.
— Você quer voltar para seu quarto ou ir
tomar um banho? — ela sussurrou, beijando
meu pescoço.
— Eu só preciso de um tempo para me
acalmar, colabora e fica quieta.
Deixei que seu cheiro e o calor de seu
corpo ao meu lado me acalmassem. Deslizei
minha mão por suas costas e aos poucos
minha respiração voltou ao normal. Ela
queria ir devagar, e eu devia isso a ela.
Ainda ontem estávamos em outra cama com
outras pessoas, eu não queria correr o risco
de estragar tudo antes mesmo de começar.
Me controlar e dar a ela o tempo que
precisasse para absorver todas estas
mudanças, era o mínimo que eu poderia
fazer.
Luísa
Eu acordei com um movimento de sobe e
desce nas minhas costas. Espreguicei-me
abrindo os braços, mas minhas mãos
baterem em algo. Ouvi um gemido e abri os
olhos assustada. Marcelo ao meu lado
segurava o queixo.
— Eu suspeitei que talvez você se
arrependesse de dormir comigo hoje, mas
não que me acordaria com um soco na cara
— ele resmungou.
Eu me sentei rindo e toquei seu rosto.
— Me desculpa, foi sem querer. Onde eu
bati? — perguntei. Ele riu e apontou para o
queixo. Distribui beijos por todo seu rosto e
me afastei, olhando para ele. — Melhorou?
— Levar um soco não foi legal, mas
gostei dos beijos depois. — Ele tirou o
cabelo do meu rosto e sorriu, aquele sorriso
lindo, que fazia coisas esquisitas com meu
estômago. — Bom dia.
— Bom dia — eu sussurrei sorrindo para
ele também. — Dormiu bem?
Ele acenou com a cabeça e me derrubou
na cama. Seu peito quente em minhas costas
e suas mãos me mantiveram presa. Ele
deitou o rosto no meu ombro e beijou meu
pescoço. Fechei os olhos e deixei que as
lembranças de ontem me invadissem.
Eu ainda não sabia o que estava fazendo,
nunca fui de trocar o certo pelo duvidoso,
mas estar nos braços do Marcelo não
parecia errado. Quando eu o procurei ontem
eu ainda não sabia o que fazer, mas bastou
que ele me olhasse e me tocasse para que
toda a bagunça em minha mente fosse para
os ares. Ele tinha este poder sobre mim, eu
quisesse ou não. Eu queria descobrir como
era estar em seus braços, assim como agora.
Eu queria sentir o gosto de seu beijo, assim
como ontem. Eu só queria saber como era
finalmente aceitar o que meu coração pedia.
— Faz tempo que você está acordado? —
eu perguntei, passando minha mão sobre os
braços dele em volta da minha cintura.
— Acordei apenas há alguns minutos, mas
você estava tão linda deitada sobre mim que
não quis te acordar.
Eu me virei para ele sorrindo, foi
impossível não sorrir depois de ouvir sua
declaração. Afundei meu rosto em seu
pescoço e respirei fundo. Eu senti uma
mistura de shampoo e desodorante. Um
cheiro tão dele, tão bom, tão viciante.
— Ainda dá tempo de descer para tomar
café? — eu perguntei.
— Eu pedi serviço de quarto, deve estar
subindo daqui a pouco.
Eu beijei seu pescoço em agradecimento.
— Muito inteligente da sua parte.
Ele riu e me abraçou. Era tão estranho que
eu me sentisse tão confortável ali, como se
aqueles braços fossem o lugar que eu
deveria estar acostumada, como se eu
pertencesse a eles. Era tão surreal pensar
desta forma, mas era como eu me sentia. Até
ontem eu tinha vergonha e medo de tudo que
se referia a ele, e agora eu queria tudo que
ele podia me oferecer.
Alguém bateu na porta e Marcelo se
levantou, puxando o carrinho com nosso café
da manhã para dentro do quarto. Meu
estômago roncou e me sentei rapidamente na
cama. Nós tomamos nosso café, comemos
nossos lanches, e roubamos as bolachas um
do outro. Não foi muito diferente de algumas
semanas atrás, a implicância estava ali,
como sempre, mas desta vez não tinha
nenhuma culpa. Ele continuou me roubando
beijos quando eu estava distraída, assim
como ontem, mas agora eu estava
acostumada e esperando por eles. No
começo eu não queria aquela aproximação
toda na frente da Adriana e do Matteo,
embora eles parecessem não se importar
com a situação, como se já estivessem
acostumados com aquilo. Foi estranho
mostrar intimidade com Marcelo, mas ele
sempre fazia isso de forma tão espontânea,
como se me abraçar ou me beijar na frente
dos outros fosse uma coisa habitual que
fazíamos sempre. Isso foi o que mais me
assustou, apesar de ser tudo novo, era como
se as coisas estivessem como deveriam ser.
— Você tem certeza de que não quer tomar
banho comigo? — ele perguntou andando
para trás, em direção à porta. — Você já
recusou meu convite ontem, eu acho que
poderíamos fazer um bem ao mundo e
economizar água.
Eu me levantei rindo e passei por ele, a
caminho do banheiro.
— Eu deixo esta passar, estamos indo
devagar, lembra?
Ele me abraçou por trás e beijou minha
nuca antes de bater na minha bunda e me
empurrar para o banheiro.
— Você não vai conseguir se fazer de
difícil por muito tempo, só para você saber
— ele avisou atrás de mim. — Te encontro
em meia hora lá embaixo.
Ele saiu do meu quarto me deixando com
um largo sorriso nos lábios. Eu tomei meu
banho rapidamente, fechei minha mala e
corri para o saguão onde nos encontraríamos
para ir ao aeroporto. Matteo e Adriana
estavam lá também, mas no aeroporto nós
embarcamos para Vitória, Espírito Santo, e
eles foram para Porto Alegre, Rio Grande
do Sul.
Eu peguei meu fone de ouvido e coloquei
no meu celular, ouvindo minha playlist
enquanto Marcelo lia os relatórios que seu
avô havia mandado. Quando Just a Kiss
começou a tocar, um sorriso se abriu em
meus lábios.

“Just a kiss on your lips in the


moonlight
Just a touch in the fire burning so
bright
And I don't want to mess this thing
up
I don't want to push too far
Just a shot in the dark that you
just might
Be the one I've been waiting for
my whole life
So baby I'm alright, with just a
kiss goodnight”

Eu estava tão concentrada na música em


meus ouvidos que levei um susto ao sentir a
boca de Marcelo na minha. Ele me beijou de
forma carinhosa, brincando com meus lábios
antes de tomar meu rosto em suas mãos e me
puxar para ele. Ele já havia me beijado
muitas vezes nas últimas horas, mas seu
gosto era sempre bom em minha boca.
Nossas línguas se misturavam e eu me
segurei para não levantar de meu banco e me
sentar em seu colo. Quando abri os olhos ele
estava ali, o rosto próximo ao meu com
aqueles olhos azuis me analisando. Eu não
sabia se antes eu ignorava ou se eu tentava
não pensar nisso, mas era impossível negar a
adoração que eu via a cada vez que nossos
olhares se cruzavam.
Ele pegou um dos meus fones de ouvido e
colocou nele. Ouvindo a música comigo, ele
voltou a trabalhar. Talvez a música estivesse
certa. Talvez com o tempo ele fosse ser
quem eu sempre procurei para mim.
— E como será nosso itinerário agora? —
eu perguntei.
— Na quinta temos uma reunião em
Vitória e depois estaremos livres. A outra
viagem foi cancelada, estaremos de férias
até domingo.
— Férias nada, se me dispensarem eu vou
voltar para Curitiba.
Esta foi a primeira vez que eu pensei
sobre isso. Eu estaria em Curitiba e ele
estaria no Rio de Janeiro. Eu amei estar com
ele e viajar juntos, mas a realidade é que
morávamos em cidades diferentes.
— Sobre isso — ele começou — o que
você acha de passar o resto da semana
comigo no Rio? Você já não estava contando
com estes dias mesmo, e nós poderíamos
ficar um pouco juntos antes de voltar à
realidade.
Era como se ele tivesse ouvido meus
pensamentos. Seu sorriso também tinha
diminuído. A verdade era que eu não queria
me afastar dele, eu queria estar com ele mais
um tempo. Não estava preparada para
descobrir como seria a distância. Eu não
consegui responder, apenas balançar a
cabeça. Ele segurou meu rosto em suas mãos
novamente, passeando com os dedos sobre
minha bochecha como se quisesse me
confortar. E ele realmente estava.
— Não vamos pensar na semana que vem,
até que seja necessário ok? — ele disse,
passando o nariz no meu. — Depois nós
pensamos como será, por enquanto estamos
juntos.
Eu me prendi a suas palavras e deixei
todos os pensamentos tristes engavetados.
Ele me mostrou os documentos que estava
analisando, trabalhamos juntos em uma
petição e nos distraímos pelo resto do voo
ouvindo minha playlist. Quando
desembarcamos liguei meu celular, ele
apitou com diversas mensagens e ligações
perdidas, a maioria de Vinicius. Havia
mensagem perguntando se eu já tinha ido
embora, se eu não iria me despedir, se
teríamos a chance de conversar antes de
viajar. Eu agradecia mentalmente ter ido
embora de Fortaleza, eu não teria coragem
de enfrentá-lo.
Eu entrei no quarto onde ficaríamos
hospedados e ri.
— Uma cama? Cadê a sua? Vai dormir no
sofá?
Marcelo riu ao meu lado e beijou minha
bochecha, depois entrou no quarto com
nossas malas.
— Muito engraçado da sua parte. Eu achei
que já que estávamos dormindo juntos,
poderia economizar e pedir um quarto com
uma cama só. Para que duas se eu vou
dormir com você?
— E se eu não quiser dormir com você?
Eu cruzei os braços e esperei. Ele se
aproximou, me abraçando e me levantando
do chão, beijando meus lábios rapidamente.
— Neste caso o sofá é todo seu.
Eu abri a boca incrédula e antes que eu
pudesse responder o celular em seu bolso
tocou.
— É melhor você me soltar e atender.
— Pega pra mim, está no meu bolso da
frente.
Eu procurei por seu celular no bolso da
sua calça e atendi, colocando na orelha dele.
Ele andou comigo até a cama e se sentou. Eu
passei uma perna de cada lado do seu corpo
e continuei segurando enquanto ele
conversava com o Lucas, sem soltar os
braços ao meu redor. Eu não entendi bem o
contexto da conversa, mas o Lucas estava
chateado com alguma coisa. O sorriso nos
lábios de Marcelo sumiu, e ele me olhou de
forma estranha, como se buscasse algum
conforto. Quando ele desligou se deitou na
cama me puxando com ele. Ele olhava para
o teto perdido em pensamentos, e isso me
preocupou.
— Está tudo bem? — perguntei em um
sussurro. — Quer conversar?
Ele me apertou em seus braços e eu deitei
a cabeça sobre seu peito.
— Eu só quero te abraçar e ficar assim
por um tempo — ele respondeu.
Ele passava a mão sobre o meu cabelo de
forma tão carinhosa, como se fosse eu quem
precisasse de conforto naquele momento.
Nossas respirações se misturarem em um
ritmo lento e fechei os olhos.
Capítulo 23
Marcelo
Ter Luísa finalmente em meus braços
ainda era diferente, embora eu nunca tivesse
me sentido tão à vontade em toda minha vida
com alguém. Seus olhos sempre me
transmitiram compreensão e conforto, e
agora eu podia comprovar isso. Desde a
ligação do Lucas ontem, ela percebeu a
mudança do meu comportamento, e em
momento algum me pressionou para que eu
contasse o que aconteceu, apenas me
abraçou e esteve ali para mim. Eu sabia que
eu podia contar a ela tudo sobre mim, cada
vez mais eu sentia essa necessidade de
compartilhar tudo com ela, eu só queria
esperar mais um tempo para ter certeza. Eu
não costumava me abrir às pessoas, falar
sobre meu passado sempre foi algo difícil
para mim. Eu esperava que quando ela
soubesse de tudo, tornasse mais fácil.
— E então, aonde nós vamos? — ela
perguntou saindo do banheiro.
Ela ainda não aceitava tomar banho
comigo, mas isso não era algo que eu iria
desistir fácil, era apenas algo que eu seria
paciente. Por enquanto.
— Nós temos o dia livre hoje, pensei que
poderíamos conhecer um pouco a cidade.
Aluguei algo para a gente andar.
Ela me olhou rindo, ainda secando o
cabelo molhado com a toalha.
— Algo? Não é um carro?
Eu neguei com a cabeça e não disse nada.
Depois da tarde no buggy eu vi que ela
gostava de velocidade, pensei que hoje
poderíamos andar de moto para ela conhecer
a adrenalina sobre duas rodas nas estradas.
Descemos no hotel e uma Yamaha preta
estava na porta. Ela ficou olhando para a
moto por um tempo e seus olhos brilharam,
talvez a minha pequena fosse uma amante de
duas rodas também.
— Por favor, por favor, diga que esta
moto é nossa — ela pedia juntando as mãos
e me olhando com expectativa.
— Se eu disser que é, o que eu ganho em
troca?
Mais rápido do que eu pensei ela pulou no
meu colo, circulando minha cintura com suas
pernas pequenas e puxando meu rosto em
suas mãos. Ela distribuiu beijos por todo
meu rosto, exatamente como fez esta manhã,
mas de um jeito mais louco. Um jeito mais
Luísa.
— Se eu soubesse que receberia tudo isso
por te levar na garupa de uma moto, não
teria alugado os carros — comentei rindo,
enquanto ela ainda me beijava.
Eu a levei em meu colo e a sentei na moto.
Achei engraçado quando coloquei o
capacete nela, e observei que mesmo com
aquela coisa enorme na cabeça ela
continuava linda. Sentei-me colocando meu
capacete, e antes de ligar a moto suas mãos
circularam meu corpo para se segurar. Não
sabia para onde íamos, eu só queria poder
acelerar e não me preocupar com carros. Eu
amo moto desde que tive tamanho suficiente
para ficar sobre uma e não deixá-la cair.
Sentir a velocidade sobre minhas mãos, a
inclinação do meu corpo a cada curva, o
vento batendo em meu rosto, este era o tipo
de adrenalina que sempre me deu a sensação
de liberdade. Viver sobre duas rodas sempre
me acalmou quando tudo parecia difícil.
Depois de alguns minutos eu parei na beira
de estrada, próximo a uma ponte onde
poderíamos ver ao longe o horizonte e o pôr
do sol.
Luísa desceu da moto e foi para o meu
lado. Eu retirei o capacete dela e seu sorriso
era ainda maior do que quando ela subiu.
Minha pequena definitivamente
compartilhava amor sobre duas rodas
comigo.
— Você corre muito — ela comentou.
Eu desci da moto também e retirei meu
capacete, parando em frente a ela. Quase
como se estivessem em sintonia, seus braços
circularam meu pescoço no momento em que
eu a ergui em meu colo. Eu a sentei sobre a
moto e tirei os cabelos bagunçados de seu
rosto.
— E você ficou com medo? — eu
perguntei. — Pensei que gostava de
velocidade.
Ela negou com a cabeça, beijando meus
lábios rapidamente.
— Não estou reclamando, eu gosto.
Sempre gostei de motos, mas nunca aprendi
a dirigir.
— Quer que eu te ensine?
— Você tem uma moto para me ensinar?
— Havia algo em sua voz, uma mistura de
excitação e medo.
— Lá no Rio, sim, se você tivesse
reparado na minha garagem, ia ver que no
fundo tem uma moto, encostada na parede.
— Eu não reparei, mas que bom que
estamos indo para lá este final de semana.
Quanto mais eu a conhecia, mais eu queria
a conhecer. Eu percebi que ela estava bem
mais leve e descontraída comigo. Esta era a
Luísa que eu sempre soube que estava
escondida dentro dela, curiosa e cheia de
vida.
— E então, como você está? — eu
perguntei. — Está tudo bem com tudo o que
está acontecendo? Não desistiu ainda?
— Às vezes você é idiota, mas eu acho
que vou me acostumar com isso.
Eu segurei suas bochechas em minhas
mãos e juntei seus lábios antes de beijá-la.
Nós voltamos para a estrada de volta ao
hotel, mas desta vez eu não corri. Eu queria
aproveitar seus braços à minha volta e
aquela sensação de tranquilidade que
tomava meu peito. Há muito tempo eu não
me sentia assim, e iria prorrogar o máximo
que podia.
Pedimos pizza para jantar e comemos no
quarto mesmo. Eu não queria dividi-la com
o resto do mundo ainda, e para minha sorte,
ela partilhou da mesma opinião. Suas pernas
e braços tomavam vida própria, era só eu
deitar na cama que eles me cercavam. Era
tão engraçado que há poucos dias tínhamos
tanto cuidado de não tocar um ao outro de
forma errada, e agora sempre que podíamos
estávamos nos tocando.
— Boa noite — ela sussurrou. — Tenha
bons sonhos.
Eu a apertei em meus braços e beijei sua
cabeça.
— Você também, pequena.
Luísa
Acordar com alguém me abraçando não
era exatamente uma novidade, mas acordar
ao lado do Marcelo era. Assim que respirei
fundo senti seu cheiro quando eu acordei, e
isso me fez sorrir sozinha na cama. Levantei
meu rosto para vê-lo e ele estava dormindo.
Seu rosto estava tão sereno, como se ele
estivesse tendo realmente bons sonhos. Com
cuidado eu me desvinculei de seu braço e
me levantei. Entrei no banheiro para minha
higiene pessoal, e quando sai amarrando o
cabelo ele ainda estava lá, na mesma
posição. Liguei pedindo o serviço de quarto,
para acordá-lo com café da manhã na cama,
assim como no dia anterior. Era triste pensar
que não seria assim na semana seguinte, eu
havia me acostumado com isso.
Eu peguei uma maçã da bandeja e dei uma
mordida, olhando para Marcelo ainda
dormindo e pensando em como eu iria
acordá-lo. Eu segurei uma xícara de café
próximo ao seu nariz, esperando que o
cheiro o fizesse abrir os olhos, mas ele
permanecia quieto. Nem mesmo eu batendo a
colher na xícara o acordou. Talvez se eu
gritasse ou derrubasse café em seu rosto ele
acordaria. Então teria um ataque cardíaco de
susto e eu teria que ir para o hospital. Eu não
sabia que era tão complicado acordar
alguém. A maioria das vezes eu acordava
sozinha, ou Vinicius já estava acordado na
cama, então nunca tive muito que pensar
sobre isso.
Peguei um morango que tinha na bandeja e
prendi em meus dentes. Engatinhei até o lado
do Marcelo e passei o morango por seus
lábios. Ele permaneceu imóvel por um longo
tempo, e quando me preocupei que talvez
estivesse desmaiado ele começou a rir.
— Você estava acordado esse tempo todo
— eu acusei me levantando da cama.
Seus braços me puxaram e ele beijou
minha bochecha.
— Eu estava em uma luta muito difícil
aqui segurando o riso pelas suas tentativas
para me acordar, eu queria saber o que você
faria.
Eu bati em seus braços para tentar me
livrar de seu aperto, mas quanto mais eu
batia mais ele mordia meu ombro.
— Que mulher mais violenta, eu já perdi a
conta de quantos tapas eu levei nos últimos
três dias.
— Eu não tenho culpa se você merece.
Ele continuou rindo e aos poucos meu
corpo relaxou. Eu me virei na cama e ele se
sentou sobre mim, me olhando.
— Bom dia, pequena — ele sussurrou,
com aquela voz ainda grogue de sono que eu
adorava.
A barba por fazer dos últimos dias era
algo que eu estava gostando nele, tão macia
e máscula. Deixava seu rosto ainda mais
lindo, se isso fosse possível.
— Não vai fazer a barba, não?
Ele riu e passou as mãos pelo rosto.
— Por quê? Está tão feio assim?
— Não, eu gosto.
Ele se abaixou passando o queixo pelo
meu pescoço e sua barba me fez cócegas.
— Então eu deixo assim por mais um
tempo — ele disse se levantando. Antes de
entrar no banheiro ele me olhou da porta. —
Quando enjoar você faz minha barba.
Eu ri e me esperneei na cama enquanto ele
não voltava. Eu me sentia aquelas
adolescentes que acabaram de ganhar uma
piscada do gatinho da balada. E isso era
ridículo para uma mulher de vinte e quatro
anos.
Nós comemos na cama nosso café da
manhã e fomos para a reunião. Nenhum
encontro foi tão animado e divertido como
na V.D.A., mas acho que nunca
encontraríamos clientes como eles.
Passamos a tarde aproveitando a praia e a
noite andamos de moto.
Eu não sabia se era porque agora eu
estava apaixonada pelo mundo, mas cada
lugar que eu visitava, eu me encantava.
Quando passamos pela Terceira Ponte, com
água embaixo e apenas as luzes dos postes
iluminando a estrada, eu me senti a pessoa
mais sortuda do mundo. Era como se fosse
um lugar mágico, me animando para todas as
mudanças da minha vida.
A manhã seguinte foi como estávamos
acostumados. Acordando junto e tomando
café na cama no meio de nossa bagunça
particular. Eu amava dormir, mas estava
amando ainda mais acordar, e eu sempre fui
uma pessoa preguiçosa de manhã. A caminho
do Rio, Marcelo pareceu nervoso, agitado.
Beijava-me mais do que o normal, não que
eu estivesse reclamando, mas era engraçado
que ele a todo o momento se certificava de
que eu me sentisse à vontade.
— Tudo isso é pelo que? — eu perguntei
quando paramos em frente à sua porta. — O
que é que está te incomodando?
Ele riu me olhando.
— Você não deixa passar nada,
né?
— Fala logo.
Ele abriu a porta de seu apartamento e
gesticulou para que eu entrasse. Eu já
conhecia seu apartamento, mas era diferente
desta vez. Quando você conhece o dono,
você o identifica com o lugar. E agora
aquele apartamento era definitivamente a
cara do Marcelo. Cheio de informações,
parecendo bagunçado com tantos objetos, e
ainda sim, tudo perfeito exatamente onde
estava.
— Quer alguma coisa? — ele perguntou
da cozinha, abrindo a geladeira. — Retiro o
que eu disse, precisamos ir ao mercado.
Eu ri e apoiei a bancada.
— Não tem nada? Você não cozinha na sua
casa?
Ele pareceu envergonhado.
— Eu moro sozinho, lembra? Cozinhar
para uma pessoa é ruim, acabo comendo
fora.
Eu entrei em sua cozinha e abri todas as
portas de seus armários para conferir. Tinha
bolacha, leite, pão de forma, muitas coisas
enlatadas, mas nada de frutas, frios, arroz e
macarrão.
— Ok, acho que posso te ajudar — eu
anunciei, me virando para ele. — Vamos ao
mercado.
Para nossa sorte o mercado era próximo.
Fomos a pé, de mãos dadas, conversando
sobre todas as receitas fáceis que ele
poderia fazer sozinho. Fizemos a compra
dos itens da lista que fiz na minha cabeça
quando averiguei seus armários, e derreti
por dentro quando estávamos na parte dos
frios. Eu tremi com o ar gelado dos
congeladores e ele me abraçou, andando
atrás de mim por todo o caminho, para que
eu não passasse frio. Guardamos as compras
e o ensinei a fazer uma macarronada simples
de molho vermelho, que ele poderia fazer
em pequena quantidade para comer sozinho.
— Quem te ensinou a cozinhar? — ele
perguntou.
Eu estava lavando a louça e ele me
ajudava secando e guardando
— Minha mãe. Você provou a lasanha
dela, ela é uma excelente cozinheira.
Ele beijou minha bochecha e guardou o
copo que secou em um armário, em cima da
minha cabeça.
— Se você puxou os dotes culinários
dela, eu estou feito.
Terminamos a louça e ele me puxou para
seus braços, me levando para o sofá.
Assistimos The Walking Dead, que segundo
ele, estava atrasado nos episódios, e eu me
escondia em seu pescoço a cada vez que
algo assustador aparecia na tela. Quando ele
passou para o segundo episódio, meu celular
tocou sobre a bancada da cozinha, e eu corri
para alcançá-lo.
— Oi, Carol — eu disse ao atender.
Voltei para o sofá e Marcelo me puxou
para seu colo.
— Onde é que você está? Teo e Adri já
chegaram.
Droga, esqueci de avisar.
— Estou no Rio.
— O que você está fazendo aí? — ela
gritou do outro lado da linha.
Marcelo riu, deve ter escutado a pergunta
delicada dela. Ele tomou o celular de minhas
mãos, colocou no viva-voz e segurou o
celular à nossa frente, para que ambos
escutássemos.
— Ela veio passar uns dias comigo — ele
informou.
Por um momento a linha ficou muda.
— Eu falei para você, as viagens dela são
sempre emocionantes — Carol comentou.
— Ainda bem que não apostamos, então
— Rafa interveio. — O que aconteceu?
Eu ri quando percebi que meus amigos
também estavam no viva-voz.
— Para resumir, eu levei uma mulher para
cama e a Luísa deu um ataque expulsando a
mulher de lá — Marcelo contou. — Depois
ela terminou com o Vinicius e desde então
não consegue sair de perto de mim. Deve ser
o meu charme.
Eu bati no ombro dele enquanto os outros
riam do outro lado da linha.
— Por essa eu não esperava, mas fico
feliz que se resolveram — Rafa disse. — Eu
vou querer saber de todos os detalhes
sórdidos quando chegar. Venha direto para o
meu apartamento.
— Eu vou te contar, pode deixar —
confirmei. — O que eu perdi por aí?
— Não tenho muita certeza, mas acho que
rolou algumas bagunças por aqui também.
Não é, Carol?
— Eu não sei do que você está falando —
Carol disse.
— Tem certeza? — Rafa perguntou. — Eu
acho que se eles ligassem para o Biel agora,
ele também teria novidades.
Eu e Marcelo nos entreolhamos
assustados.
— O que você fez, Carol? — Marcelo
perguntou curioso. — Você não estava com o
Thiago?
— Tá vendo? Olha o que dá abrir a boca
— Carol gritava. — Eu só fui ao
apartamento ver como ele estava, nada
demais.
Rafa ria do outro lado da linha.
— A Carol está piscando e corando aqui,
você sabe o que isso significa, Luísa?
— Que ela está mentindo! — eu
confirmei. — Eu vou querer saber de todos
os detalhes sórdidos também.
Eu ouvi um gemido frustrado da Carol do
outro lado.
— Eu vou desligar agora, que preciso
ligar para o meu primo — Marcelo
comunicou. — Devolvo a Luísa para vocês
no domingo. Boa noite.
Eu não consegui nem me despedir antes de
Marcelo desligar. Ele procurou pelo telefone
do primo na minha agenda e ligou.
— Alô — Biel atendeu.
— Seu merdinha, o que você fez? —
Marcelo perguntou rindo.
A linha ficou muda.
— Marcelo? — Biel perguntou confuso.
— O que você tá fazendo com o telefone da
Luísa? Aconteceu alguma coisa?
— Eu não vou repetir a história, depois
você pergunta para Carol. Responde minha
pergunta primeiro.
Eu ria da empolgação de Marcelo ao
telefone.
— E eu pensando que as mulheres que
eram fofoqueiras — eu comentei.
Marcelo beijou meus lábios rapidamente.
— Fica quieta, pequena. Deixe-o falar.
— O que vocês estão fazendo juntos? —
Biel perguntou. — Aliás, onde vocês estão?
— No Rio — eu respondi. — E você? O
que está fazendo com a minha amiga?
— Eu não fiz nada com a Carol, o que ela
te contou?
— Ainda nada, mas eu vou descobrir
quando chegar a Curitiba. Quer nos contar
antes?
— Ela veio aqui e conversamos, o que
estão esperando saber?
— Ela contou essa história e o Rafa já
confirmou que ela mentiu. Quer tentar de
novo? — Marcelo interveio.
— Ela acabou dormindo aqui, só isso —
Biel respondeu em um sussurro.
— Vocês transaram? — eu gritei
empolgada.
Marcelo riu ao meu lado e beijou minha
bochecha.
— Exatamente o que eu queria saber, que
esperta essa minha pequena.
Biel suspirou audivelmente.
— Eu vou desligar, não estou com cabeça
para esse interrogatório.
— Vocês transaram — eu comentei
cantando. — Vocês fizeram coisinhas de
adultos. Aposto que se divertiu, a Carol é
bem criativa.
— Não teve nada de criativo, foi bem
básico.
Eu bati nos ombros do Marcelo, pulando
em seu colo.
— Ele confirmou, ele confirmou. Eu
sabia!
Marcelo gargalhou ao meu lado deixando
o celular cair no sofá. Quando eu o encontrei
a ligação havia caído, ou seu primo desligou
na nossa cara.
— Você encurralou o Biel, pequena. Acho
que ele nunca foi interrogado tão diretamente
assim.
— Eu acho que ele ficou com vergonha de
mim, tadinho.
Nós levantamos do sofá ainda rindo e
andamos até o quarto. Marcelo pegou uma
cueca e uma camisa de sua gaveta e foi para
o banheiro. Ele não me chamava mais para ir
ao banheiro junto com ele, e por mais que eu
esperava que ele continuasse insistindo,
gostei que estivesse respeitando minha
decisão.
Seu quarto era amplo, uma cama de casal
ao centro, guarda-roupa e TV na parede.
Mas, ao contrário do resto da casa, nas
paredes havia muitos porta-retratos. Muitas
dele com Letícia e Lucas, algumas com seus
avós e o pessoal do escritório. Uma foto em
particular chamou minha atenção. Uma
mulher estava sentada em uma cadeira
segurando uma criança pequena em seus
braços, Marcelo estava ao lado dela,
sorrindo para a câmera, a Letícia atrás dele,
o abraçando.
— É a minha mãe — Marcelo contou. Ele
aproximou e me abraçou por trás. — Esta
foto foi tirada no aniversário de dois anos
do Lucas.
— Ela era linda.
Nós ficamos em silêncio olhando a foto.
Eu podia ver agora todas as semelhanças
que Marcelo tinha com a mãe. Ela tinha o
cabelo escuro e olhos azuis como os dele.
Seu sorriso era lindo.
— Ela era sempre alegre e animada, muito
carinhosa. Quando Lucas nasceu ela vivia
apenas para nós, se tornou dona de casa em
período integral. Ela aproveitava cada
segundo que tinha para passar com a gente.
— Como ela se chamava?
— Julia.
— Eu queria ter conhecido ela.
Ele suspirou e apoiou o rosto no meu
ombro.
— Eu queria que você tivesse conhecido
ela também, tenho certeza que ela iria te
adorar.
Eu sorri para sua declaração. Ele não
comentou sobre o pai, e não vi nenhuma foto
de alguém que pudesse ser ele. Eu me
lembrava do Biel contando que o tio era
mais rigoroso. Talvez o Marcelo não tivesse
uma relação boa com o pai.
Algum tempo depois Marcelo me virou
para a porta do banheiro e bateu na minha
bunda.
— O banheiro é todo seu.
— Eu preciso de uma toalha.
— Eu te levo.
No meio do meu banho Marcelo entrou no
banheiro. Fiquei com medo de que ele
entrasse no box comigo, mas ele apenas
deixou a toalha pendurada para mim e saiu.
— Cadê minha mala? — eu perguntei
quando sai do banheiro.
Marcelo já estava na cama deitado.
— Está lá na sala ainda. O que você
precisa?
Apontei para meu corpo.
— Para começar, roupas. Meu pijama está
lá dentro.
Ele tirou a camisa e jogou para mim.
— Pode dormir com essa.
— E pelada por baixo?
— Eu não me importo — ele respondeu
rindo. — Mas se te incomoda tem cuecas na
segunda gaveta.
Eu balancei a cabeça e abri a segunda
gaveta. Achei uma cueca boxer azul e a vesti
por baixo da toalha. Virei de costas e
coloquei a camisa que ele havia me jogado.
— Eu até posso dormir com suas roupas,
mas eu ainda preciso da minha escova de
dente. E só para te alertar, eu não vou usar a
sua.
Ele riu.
— Eu acho que tem uma nova no armário
do banheiro, pode pegar pra você.
Fui para o banheiro e escovei o dente.
Voltei para o quarto e Marcelo estava
sorrindo. Eu ignorei o fato de que eu podia
ver todos os gominhos de sua barriga, já que
ele estava sem a camisa, e me deitei na cama
de costas para ele. Seus braços circularam
meu corpo e me aqueceu até que o sono
finalmente me invadiu.
Capítulo 24
Marcelo
— Entendeu tudo? — eu perguntei.
Luísa esticou os braços e segurou no
guidão.
— Acho que sim.
— Acha?
— Eu entendi, vamos logo com isso.
Eu via suas mãos transpirarem de
ansiedade. Eu ensinei a ela o que precisava
fazer para por uma moto para frente, onde
acelerava, onde freava e onde mudava a
marcha. Em tese, ela sabia de tudo.
— Ok então, espertona, vai lá.
Coloquei as mãos nas coxas de Luísa e
bati. Ela ligou a moto e girou a manopla
direita para seu corpo, fazendo com que a
moto acelerasse. Ela riu se divertindo pelo
barulho e foi impossível não rir também.
— Faça como eu te ensinei — comecei —
solta a embreagem devagar quando acelerar.
Não esqueça que o manete da esquerda é
embreagem e não freio, o freio é no manete
da direta. Para mudar a marcha usa o pedal
esquerdo, o direito é o freio das rodas de
trás.
— Cala a boca, Marcelo. Já decorei de
tanto que você repetiu isso.
Eu belisquei sua coxa a repreendendo,
mas eu gostava dela assim. Sempre com uma
resposta afiada e pronta na ponta da língua.
Eu havia levado Luísa para uma estrada sem
movimento, para que pudesse ensiná-la sem
correr o risco de atropelar alguém por
acidente. E para minha surpresa, a minha
pequena era uma excelente aluna. No
começo ela estava nervosa, as mãos tremiam
e ela passou da segunda marcha. Cada vez
que eu pensei que iria desistir, ela ficou
ainda mais determinada. Depois de duas
tentativas ela já estava indo até a quarta
marcha, fazendo curvas e perdendo o medo
da velocidade. Havia decorado todas as
funções, não confundiu nenhuma vez os
freios ou a embreagem, e só afogou a moto
duas vezes.
Voltamos para casa e passamos o resto do
dia conversando banalidades. Ela me contou
sua infância, com a prima e a Carol. De
como quase não se lembrava do pai e de
como ela se sentia acolhida pelo padrasto.
Aos poucos eu partilhei com ela também
sobre a minha vida. Como minha mãe era,
tão amorosa e perfeita. As confusões que
passamos quando Matteo se apaixonou por
uma garota do cursinho e as brigas que Luigi
arrumou por causa disso.
Depois de um dia cheio de informações e
conversa, não sentíamos a necessidade de
falar nada, apenas de aproveitar a presença
um do outro. Estávamos na cama dividindo
um fone de ouvido. Deitamos de lado um de
frente ao outro, e ficamos em silêncio
ouvindo Hunter Haynes.

“I wanna be scared don't wanna know


why
I wanna feel good, don't have to be right
The world makes all kind of rules for
love
I say you gotta let it do what it does”

Quanto mais tempo passava com ela mais


eu tinha certeza de que a queria para mim.
Estes dias em meu apartamento foram os
mais felizes que eu me lembrava nos últimos
cinco anos. Sua mãe havia ligado, já que ela
se esqueceu de avisar todo mundo que
estava comigo. Ela andava pelo apartamento
como se vivesse lá, sabia onde estava cada
coisa no armário da minha cozinha, e me
ajudou a arrumar todo o meu guarda-roupa.
Ela se sentiu tão à vontade que até atendeu
ao telefone, e depois passou a próxima meia
hora envergonhada quando reconheceu a voz
da minha avó do outro lado da linha. Até
mesmo Milena e Pedrinho já estavam
acostumados com ela.

— Eu consegui, eu consegui — ela


gritava.
Eu desci da moto e coloquei o capacete no
guidão. Ela pulava de um lado para o outro,
batendo as mãos e comemorando sua
pequena vitória.
— O que aconteceu? — Alice perguntou
ao se aproximar.
Luísa a abraçou ainda pulando.
— Eu aprendi a dirigir a moto, eu que
trouxe a gente aqui — ela contou empolgada.
— Eu não atropelei ninguém e vim certinho.
Pedro veio para o meu lado e bateu no
meu ombro.
— Que feio. Um advogado infringindo a
lei?
Eu dei de ombros e desviei minha atenção
para Luísa.
— Eu não vi nada, você viu?
Luísa foi para a areia junto com Alice e
elas brincaram com as crianças. Agora eu
entendia aquele sorriso idiota do Pedro para
a esposa, já que provavelmente eu tinha o
mesmo sorriso cada vez que olhava para
Luísa. Fomos para a água brincar de
skimboard e Pedrinho ficava mais tempo em
cima da prancha do que nós. Luísa e eu
caímos várias vezes, mas nós riamos e
voltávamos e tentávamos de novo. Quando
cansamos de tanto nos ralar na areia fomos
nadar, eu a carregava em minhas costas a
maior parte do tempo. No fim da tarde com o
sol se pondo, Luísa finalmente quis sair da
água. Pedro e Alice já haviam ido embora
com as crianças, e nós deitamos na esteira
para nos secar.
— É estranho que eu saiba que você está
me observando? — eu perguntei.
Eu estava com os olhos fechados, sentindo
suas mãos em meus cabelos e seu pequeno
corpo deitado ao meu lado.
— Talvez um pouco. O que me entregou?
Eu não sabia como, eu apenas sabia. Eu
sentia que sua atenção estava em mim,
mesmo que eu não pudesse vê-la. Abri os
olhos e confirmei que estava me observando.
Aqueles olhos escuros, em total contraste
com os meus, eram os mais lindos olhos que
eu já havia visto.
— Eu não queria que você fosse embora
amanhã — admiti. — Eu gostei de ter você
aqui.
Ela suspirou e apoiou a mão no meu peito,
deitando o queixo sobre ela.
— Eu sei, eu gostei de estar aqui também.
Mas, a minha vida está lá, eu preciso voltar
para a realidade.
Eu estava evitando pensar sobre isso até
que fosse necessário, mas os dias se
passaram mais rápido do que eu gostaria. E
precisávamos aceitar o fato, ela morava lá e
eu morava aqui.
— Eu não gosto muito dessa realidade.
— Vai dar certo, não vai? — ela
perguntou. Seus olhos me observavam com
atenção, eu podia ver o medo e a
insegurança neles.
— É claro que vai, nós vamos dar um
jeito — eu assegurei. — Você confia em
mim?
Ela balançou a cabeça e me abraçou com
força. Eu a apertei em meus braços e beijei
sua cabeça. Nós permanecemos deitados até
finalmente escurecer, prolongando o máximo
que podíamos do nosso último dia juntos.
Luísa
O domingo nunca foi tão chato. Marcelo
havia me levado para o aeroporto, e por
mais que eu soubesse que precisava ir
embora, uma parte de mim não queria voltar
para Curitiba.
— Me liga quando chegar? — Marcelo
perguntou.
Ele passava os polegares pela minha
bochecha e me olhava intensamente, como se
quisesse guardar cada mínimo detalhe do
meu rosto.
— Eu ligo, pode deixar.
No alto-falante foi anunciado a última
chamava para meu voo, os ombros de
Marcelo caíram e meu coração se apertou.
Fiquei na ponta dos pés e puxei seu rosto
para o meu. Minha língua procurou pela dele
e elas se misturaram com necessidade. Era
triste pensar que esta seria a última vez que
seus lábios tocariam os meus por um tempo,
e isso fez o beijo ser demorado. Era como se
não quiséssemos nos separar. Ele passou os
braços sobre minhas costas e me levantou do
chão. Eu passei as pernas sobre sua cintura e
o abracei apertado pelo pescoço. Ele me
colocou no chão e eu fui andando de costas
até a porta de embarque. Acenei para ele e
caminhei para o avião.
Carol e Rafa estavam lá me esperando
quando eu desembarquei. Assim que vi o
Rafa corri para seus braços. Ele me segurou
e passou a mão por meus cabelos.
— O que aconteceu? — ele perguntou.
Carol veio para o meu lado e me abraçou
também. Eu não sabia o que estava
acontecendo comigo, o dia todo eu parecia
estar engolindo o choro. Eu sentia um aperto
no peito a cada vez que pensava em me
afastar do Marcelo. Passar os últimos dias
com ele me deixou extremamente feliz, e
agora eu estava lamentando não estar mais
ao lado dele. As lágrimas vieram antes que
eu pudesse impedir.
— Eu estou começando a ficar
preocupada — Carol comentou. — O que
aconteceu com você?
— Eu me apaixonei — admiti. — Eu não
queria ir embora de lá, eu acabei de
descobrir o amor de um jeito totalmente
louco, e eu não queria que acabasse.
Rafa me abraçou mais apertado e Carol
beijou minha bochecha repetidas vezes
tentando me acalmar. O celular no meu bolso
vibrou e eu sabia que era Marcelo. Eu não
queria atendê-lo com essa voz de choro.
— Atende pra mim? — pedi para Carol
entregando a ela meu celular.
Ela observou o celular por um tempo
antes de pegá-lo.
— Ela é nossa agora, cai fora. — Eu ri da
forma como ela havia atendido o celular. —
Sim, ela desembarcou e já estamos com ela.
— Ela me olhou com atenção, ouvindo
Marcelo. — Para que você quer falar com
ela? Fale comigo, eu sou mais legal.
Rafa enxugou meu rosto com seus dedos e
respirou fundo comigo, para ajudar a me
acalmar. Virei para o lado e Carol estava
segurando o celular com a mão esticada para
mim.
— Oi — eu disse, tentando soar mais
firme do que realmente estava.
— Hey, fez uma viagem tranquila?
Ouvir sua voz me acalmou.
— Fiz sim.
— Tá tudo bem?
— Sim.
— Eu te conheço, pequena, sua voz está
estranha — ele comentou do outro lado da
linha. — Aconteceu alguma coisa?
Eu respirei fundo.
— Vai me achar idiota se eu falar que já
estou com saudade?
— Não, eu estou com saudade também,
estava acostumado a ter você o dia todo.
— Eu também.
— Eu te falei para não ir embora, a culpa
é sua, faz tudo errado.
Eu ri da sua acusação.
— Da próxima vez eu vou te ouvir.
Ele suspirou e eu me virei para Carol e
Rafa, que me olhavam espantados.
— Eu vou pra Curitiba em breve,
prometo.
— Tá, vou ficar esperando.
— Se cuida, pequena, me liga a hora que
quiser.
— Você também.
Eu desliguei o telefone e a avalanche de
choro me invadiu de novo. Carol me abraçou
e Rafa pegou minha mala. Fomos para o meu
apartamento e eu contei tudo a eles. Desde a
viagem e suas perseguições, até todos os
últimos dias juntos. Suas expressões
alternavam entre espanto e felicidade. Eu
também me surpreendi com minhas atitudes,
mas gostei da nova versão da Luísa.
— Uau, eu nem sei o que o que dizer —
admitiu Rafa. — É surreal tudo o que você
me contou, mas eu estou tão feliz por você.
Carol me olhou com lágrimas nos olhos,
assim como eu.
— Eu nunca vi você falar desse jeito, tão
empolgada e emotiva sobre uma pessoa.
Vinicius que me desculpe, mas eu tenho que
concordar com o Rafa, eu estou muito feliz
por você descobrir essa coisa toda com o
Marcelo.
Eles me abraçaram e me confortaram até
que eu me acalmasse de verdade. Eu ainda
não amava Marcelo, era impossível amá-lo
em uma semana, mas eu definitivamente
havia me apaixonado por ele. Por seu olhar,
seu cheiro, sua voz grogue de manhã. Dormir
sozinha hoje seria difícil.
— Você vai me contar o que aconteceu
com você e o Biel? — perguntei.
— Não aconteceu nada, eu já disse.
— Ele já confessou que vocês transaram,
tá mentindo por quê?
Rafa me olhou espantado e se virou para a
Carol, que estava corada.
— Como é que você sabe? — ela
perguntou.
— Tenho meus métodos.
Rafa riu.
— Eu sabia que você estava escondendo
alguma coisa — ele comentou.
Carol escondeu o rosto nas mãos.
— Eu não sei o que falar. Eu fiquei
preocupada com ele, então fui até o
apartamento ver como ele estava. Eu estava
tentando consolá-lo, mas papo vai e papo
vem, quando me dei conta estávamos no
quarto dele — ela admitiu. — Foi estranho,
nós não falamos nada, simplesmente
aconteceu. Quando eu acordei não tive
coragem de ver a cara dele, então sai de lá
correndo.
Eu e Rafa nos entreolhamos.
— Rebobina — eu pedi. — Você foi
embora na manhã seguinte sem falar com
ele? E o que vocês conversaram depois?
— Não conversamos. Ele me ligou
naquela manhã, mas eu não atendi, e desde
então não nos falamos mais.
Rafa assoviou.
— Uau, quer dizer, você não gostou ou o
quê?
— Foi diferente com ele. Eu não sou
nenhuma puritana, vocês sabem. Mas, nunca
tive tanta conexão com alguém como tive
com ele. Foi diferente.
— Diferente bom ou ruim? — eu quis
saber.
— Diferente bom, muito bom.
Nós permanecemos calados por um
tempo. Rafa veio para nosso meio e passou
o braço sobre nossos ombros, nos puxando.
— Como se fossem gêmeas siamesas,
minhas meninas descobriram o amor juntas.
Que ironia.
Eu ri e Carol nos olhou em pânico,
negando com a cabeça. Era engraçado que
aquilo havia acontecido, e minha amiga
definitivamente teria muito que resolver com
o Biel quando tomasse coragem. Eu só
esperava que ela não fosse tão lerda como
eu e não demorasse tanto.
Bônus Biel
Catorze dias havia se passado desde a
última vez que eu a vi, e tendo-a agora na
minha frente e não saber como agir era algo
novo para mim. Eu queria confrontá-la,
perguntar por que não me esperou acordar,
por que fugiu do meu apartamento como se
tivéssemos feito algo errado. Eu tentei ligar
na manhã seguinte, mas ela não me atendeu,
eu liguei para ela o dia todo e depois parei
de tentar. Se ela queria negar tudo o que
havíamos feito então só me restava aceitar.
Estávamos almoçando e como de costume
Carol e Rafa estavam na mesa com a gente.
Carol olhava para a Luísa batendo no braço
da amiga empolgada com o que quer que
ouvia ao telefone, e por mais que eu não
quisesse sentir qualquer coisa por ela, era
difícil ignorar a felicidade que me enchia
apenas em vê-la sorrindo.
— Você tem certeza? — ela perguntou
animada ao telefone. — Que bom, Debby,
estou tão feliz por você. Manda um beijo
para o André.
Ela desligou o telefone com as mãos
tremendo, eu e fiz um esforço tremendo de
não ir até ela e abraçá-la, como Luísa fazia
agora.
— O que aconteceu? Fala logo, eu já
estou ficando preocupada — Luísa pediu
rindo e abraçando Carol.
— Ela está grávida — Carol contou. —
Minha irmã acabou de me ligar que
confirmou com a ginecologista que está
grávida.
Ela sorria e chorava ao mesmo tempo, era
emocionante vê-la tão animada pela irmã. Eu
queria que ela sempre estivesse assim, feliz.
Todos se levantaram para parabenizá-la,
como se fosse ela a grávida. O pensamento
de realmente ver as pessoas agradecendo-a
por estar grávida me fez sorrir,
principalmente se fosse um filho meu.
— Parabéns — eu disse. O sorriso em
seus lábios sumiu e ela me olhou nervosa. —
Manda um abraço para sua irmã.
Ela engoliu em seco e acenou com a
cabeça.
— Obrigada.
Nossos olhos duelaram um com o outro
por um longo tempo. A mesa ficou em
silêncio, as conversas cessaram, e eu
suspeitei que a atenção estava voltada para
nós. Ela evitou de todas as formas me olhar
na última semana, como se tivesse fugindo
de mim. Com a volta de Luísa há uma
semana, ela voltou a almoçar com a gente,
mas todas as vezes que nossos olhares se
cruzaram, ela desviou a atenção. Esta era a
primeira vez, em infernais catorze dias, que
ela finalmente me olhava. Eu me lembrava
nitidamente deles a cada vez que eu afundei
nela. Seus lindos olhos claros brilharam de
excitação e suas bochechas ficaram
vermelhas quando atingiu o orgasmo. Eu me
lembrava, de cada movimento, de cada toque
e de cada mísero detalhe de seu rosto.
Eu me levantei da mesa e voltei para o
escritório, sem a sobremesa. Eu precisava
me acalmar e não enlouquecer. Assustava-
me os pensamentos que eu tinha sobre ela.
Na verdade eu sempre pensei nela, mas
desde o dia em que eu a tive, em 12 de
março de 2014, todos os meus pensamentos
se aprofundaram. Não eram mais totalmente
inocentes.
— Chegou para você — Carla avisou.
Já estávamos no meio do expediente da
tarde. Carla estava ao meu lado segurando
uma caixa da Rolex, junto com um cartão. Eu
recebi diversos presentes durante a semana
de Jessica, e todos tiveram o mesmo destino.
— Você já sabe o que fazer — respondi,
voltando ao trabalho.
Carla enviava todas as joias para minha
avó, para que ela pudesse doar ou fazer um
leilão. Era idiota pensar assim, mas eu
gostava de pensar que ao menos era uma
forma de recuperar o dinheiro roubado por
Carlos. Ele estava respondendo um processo
sobre todos os roubos que descobrimos, um
processo que eu mesmo havia entrado contra
ele, mas eu sabia que ele havia conseguido
desviar muito mais dinheiro do que
conseguimos rastrear.
— Boa tarde, senhores — alguém disse da
porta.
Levantei meu rosto para ver Lucio,
advogado do departamento jurídico de uma
das empresas clientes do nosso escritório.
Eu me levantei e caminhei em sua direção,
esticando o braço.
— Lucio, que surpresa vê-lo tão cedo —
eu o cumprimentei.
— Eu precisei vir antes, aconteceram
alguns problemas que preciso conversar com
vocês. Está disponível?
— É claro, me acompanhe — chamei. —
Carla, avisa para o vovô e o Enzo que o
Lucio já está aqui.
Lucio me contava sobre os projetos novos
da empresa e conversamos sobre todos os
contratos e documentos que precisaríamos
organizar. Vovô e Enzo nos acompanharam
na reunião e minutos depois Luísa também
estava presente. Nós já confiávamos nela
para diversos processos, ela era sempre
muito organizada, usando bons argumentos e
nos ajudando a encontrar jurisprudências
que pudessem reforçar nossa petição. Ela se
tornou o melhor braço direito que
poderíamos ter pensado em encontrar.
Eu percebia os olhares que Lucio dava
para ela cada vez que ela se concentrava
para anotar algo que achava conveniente.
Vovô e Enzo ao meu lado pareciam ter
percebido também, pois olhavam confusos
para mim todas as vezes que Lucio pareceu
perdido com sua atenção em Luísa.
— Eu já volto — Luísa informou. — Vou
scannear estes documentos para nossos e-
mails.
Ela saiu e ligamos a TV da sala de
reunião para o chat em Skype que faríamos
com um dos sócios da empresa que Lucio
atendia. A sede era na Espanha, este era o
método mais prático de fazer reuniões com
nossos clientes do exterior. Eu liguei para
Marcelo, para avisá-lo da reunião em Skype
que faríamos e se ele já estava pronto para
participar. Como se já soubesse da resposta
perguntou se Lucio havia se interessado por
Luísa. Lucio deu em cima da Carla, da Adri,
acho que só a Jessica não foi testada por sua
cantada barata. Ele era um tremendo
mulherengo, mas um excelente advogado.
Eu retornei à mesa e meu celular começou
a vibrar. Marcelo havia criado um grupo no
WhatsApp comigo e Matteo.

Marcelo: Teo, onde você está?

Matteo: A caminho de uma audiência, por


quê?

Marcelo: Eu preciso que você ligue para a


Luísa.

Matteo: Para que?

Marcelo: Não dá tempo de te explicar, liga


para ela quando eu te pedir e enrola um minuto
com ela no celular.

Matteo: E vou falar o que?

Marcelo: Você é advogado, caramba, se vira.


Biel, eu tive uma ideia. Quando eu pedir para o
Matteo ligar pra ela, você demora 10 segundos e
aceita minha chamada no Skype.
Gabriel: Você vai fazer o que?

Marcelo: Só faz o que eu estou te pedindo.

Contados exatos dez segundos do seu


aviso, aceitei a chamada de Marcelo e ele
apareceu na TV. Estava de costas para a
webcam, como se não soubesse que
estávamos o vendo segurando o celular na
orelha.
— Só liguei para te avisar que estou indo
aí esta semana — Marcelo disse. Vovô e
Enzo me olharam sorrindo e eu dei de
ombros. — Eu estou com saudade também,
não consigo parar de pensar em você na
cama comigo. Preciso desligar agora, só
queria ouvir sua voz. Um beijo, minha
pequena. É, você sabe onde.
Vovô e Enzo fizeram cara de paisagem,
assim como eu. Lucio olhava sorrindo para a
tela do computador.
— Olha só se não é o galanteador
Marcelo — Lucio disse.
Meu primo virou a cadeira em que estava
sentado e olhou assustado para a webcam.
Se eu não soubesse que ele tinha tramado
tudo, eu acreditaria na sua encenação.
— Olá, Lucio, me desculpa. Não sabia
que já tinha iniciado a chamada, devo ter
apertado o botão sem querer.
— Não tem problema, como está?
— Estou ótimo, e você?
Eu ouvia o salto de Luísa pelo corredor,
voltando para a sala. Ela entrou
rapidamente, segurando os documentos nas
mãos e jogou o celular dela sobre a mesa.
— Desculpem a demora, precisei atender
uma ligação.
Lucio olhou desconfiado para ela.
— Oi, pequena — Marcelo disse.
Vovô e Enzo riram quando entenderam a
situação. Lucio sentou derrotado na sua
cadeira e Marcelo ostentou um sorriso
ridículo nos lábios, se sentindo vitorioso.
Nós iniciamos o chat com Pablo na Espanha
e seguimos com a reunião. Quando
finalizamos Carla acompanhou Lucio até a
saída e Luísa voltou para sua mesa.
— Tenho que admitir, essa jogada foi
inteligente — Enzo comentou.
Vovô riu com o amigo e olhou para a TV.
— Este é meu neto. Hilda vai adorar essa
história quando eu chegar em casa.
Nós estávamos rindo quando Teo entrou
na sala de reunião. Contamos a ele o que o
Marcelo havia feito para que Lucio perdesse
o interesse por Luísa e ele olhava admirado
para meu primo. Como todos nós fizemos.
Luísa estava perdida com meu primo e suas
façanhas para manter os homens afastados
dela.
Capítulo 25
Luísa
Eu estava com saudade do Marcelo.
Há apenas duas semanas que não nos
víamos, e eu estava contando os segundos
para vê-lo no dia seguinte. Nós conversamos
ao telefone todas as noites, ele sempre me
ligava antes de dormir para me desejar boa
noite, e eu amava ir dormir com o som da
sua voz na minha mente. Vinicius me ligou
também. Eu não contei a ele os detalhes com
o Marcelo, apenas que eu estava pensando
no que queria para minha vida. Na primeira
semana ele desligou na minha cara quando
eu contei que fui para o Rio. Depois deste
dia apenas conversamos por mensagens. Ele
era sempre educado e gentil, típico dele,
mas eu o sentia distante. Eu sentia falta dele,
de suas frases carinhosas e sua voz. Era
estranho romper por completo algo que fazia
parte da sua vida pelos últimos anos. Eu
ainda não sabia se estava tomando a decisão
certa, mas ainda não havia me arrependido.
Nós estávamos na casa do Rafa comendo
pizza e vendo The Big Bang Theory, quando
a porta se abriu. Carol entrou em um
rompante e se sentou no sofá com a gente.
— Ainda não começaram, né? — ela
perguntou.
Rafa entregou a ela um pedaço de pizza e
apertou o play.
— Estávamos te esperando.
Era noite de sexta e faríamos maratona
com os capítulos atrasados. Nós sempre
fazíamos isso, e eu gostava deste tempo que
eu tinha com meus amigos. Era bom ter
sempre o apoio deles. Entre um episódio e
outro Rafa contava sobre seus novos casos
de um dia e Carol contava sobre a gravidez
da irmã. Ela estava empolgada sobre a irmã
ter um novo bebê, mas ao mesmo tempo
preocupada. Ela queria sair do apartamento
que morava com eles.
— Será que tem algo para alugar aqui? —
ela perguntou. — Minha irmã não comentou
nada sobre querer construir um quarto novo
para o bebê, e sei que até se ofenderiam se
eu falasse que estava saindo de casa por
causa disso, mas eu acho que eles precisam
dessa privacidade. Não posso morar com
eles para sempre. Ela poderia fazer um
quarto lindo de bebê no meu quarto.
— Se você quiser pode vir morar aqui, o
apartamento tem dois quartos mesmo, ao
menos até você se organizar se ainda quiser
sair de lá — Rafa ofereceu.
Foi então que me surgiu uma ideia. Se ela
queria alguém para dividir o apartamento,
ela poderia morar comigo.
— Você quer algo seu? — eu perguntei.
— Tipo, um apartamento só para você? Ou
você não se importa de dividir?
Ela estranhou minha voz empolgada.
— Eu não tenho dinheiro para comprar um
apartamento ainda, talvez meio apartamento
ou dar entrada para financiar o resto, mas eu
posso pagar aluguel até encontrar algo para
comprar. Eu só acho que preciso sair de lá.
Eu a ouvia, prestando atenção no celular
em minhas mãos e ligando para minha prima.
Quando cuidamos da nossa avó, vovô nos
deu o apartamento em forma de
agradecimento. Michele iria se mudar
comigo para Curitiba e iríamos morar juntas,
mas ela decidiu ficar em Maringá com o
namorado. Eu sabia que ela provavelmente
nunca iria reivindicar sua metade do
apartamento, mas tinha a esperança de
comprar a parte dela quando eu juntasse
dinheiro. Fui até a cozinha do Rafa e liguei
para minha prima e conversamos sobre os
últimos acontecimentos. Nós sempre tivemos
uma relação boa, mesmo que a distância. Eu
mal conseguia aguentar minha animação
enquanto conversava sobre o apartamento,
eu estava feliz com a decisão que estávamos
tomando, e ela compartilhava a mesma
animação. Eu desliguei o telefone voltei
para sala, onde Rafa e Carol me olhavam
rindo.
— Eu tenho uma proposta para te fazer. O
que acha de morar comigo? — eu perguntei.
Carol riu e mordeu sua pizza.
— Seria ótimo, mas você mora sozinha
porque sua prima tá em Maringá, o quarto é
dela.
— A Mi não viria para cá, ela tá
praticamente casada já com o namorado
dela. Aliás, este foi o motivo chave da nossa
conversa. Eu tinha a esperança de um dia
comprar a metade dela do apartamento, mas
eu não tenho esse dinheiro, e você tem. Eles
estão planejando casar no final do ano, seria
bem-vindo o dinheiro agora. — Carol jogou
a pizza na caixa e ficou de pé, me olhando
entre uma mistura de nervosismo e alívio. —
Então o que eu tenho para te oferecer é
metade de um apartamento, você só tem que
ligar pra ela, fazer a oferta e ver como vocês
podem organizar esse pagamento. O que
acha de morar comigo?
Eu não sabia quem estava mais animada,
eu ou ela. Carol correu para mim e me
apertou em seus braços, me abraçando. Nós
começamos a pular e rodar pela sala como
duas crianças de cinco anos de idade.
— Eu adoraria! Uau, eu nem sei como te
agradecer — ela falava emocionada. — Eu
vou amar morar com você. Obrigada.
Nós continuamos rindo e pulando quando
o interfone tocou. Rafa foi atender e
conversou com o porteiro algo que eu não
ouvi.
— Eu gostei de saber disso — ele
comentou quando voltou para a sala,
abraçando a Carol. — Vai ser bom ter você
aqui com a gente.
A campainha do apartamento do Rafa
tocou e nós olhamos espantados para a
porta. Carol nos olhou contando com os
dedos.
— Um, dois, três. Tá faltando quem?
Rafa abriu a porta e por um momento eu
parei de respirar ao ver Marcelo parado na
minha frente com uma mochila no chão. Ao
recuperar minha consciência pulei em seu
colo. Ele segurou minhas coxas e puxei seu
rosto para o meu, tomando sua boca em um
beijo. Eu precisava daquele contato, sentir o
gosto dele, o cheiro dele, o calor de seu
corpo junto com o meu. Abraçá-lo forte pelo
pescoço não parecia ser o suficiente.
— Quando você chegou? — eu perguntei
contra seus lábios. — Por que não me
avisou? Você deveria ter me ligado e eu ia te
buscar. Eu não acredito que você está aqui!
Você só chegaria amanhã, eu tinha me
programado para ir te buscar.
Eu tentava falar pelos segundos em que
meus lábios conseguiam desgrudar dos
deles, mas era impossível conter a
animação. Ele chutou sua mochila para
dentro do apartamento do Rafa e fechou a
porta com os pés. Eu me neguei a descer de
seu colo e Marcelo cumprimentou meus
amigos com um aperto de mãos.
— Obrigado por me deixar subir, Rafa —
Marcelo disse. — Eu pedi pra subir no
apartamento da Luísa e o porteiro disse que
vocês estavam aqui.
— Sem problemas, cara. Seja bem-vindo.
— O Biel que foi te buscar? — eu
perguntei. Marcelo confirmou com a cabeça.
— Ele que te trouxe aqui? — Ele confirmou
mais uma vez. Eu beijei seus lábios
rapidamente. — Adorei a surpresa.
Ele sorriu para mim, com aquela barba
que eu me lembrava dos nossos últimos dias
juntos.
— Eu antecipei o voo para vir dormir
com você.
Eu não pude negar que milhões de
borboletas acordaram no meu estômago. Ele
estava aqui por mim, ele veio me ver. Ele
antecipou a viagem e embarcou depois de
um dia cansativo de sexta, só para passar
uma noite a mais comigo.
— Vocês são assim? — Carol perguntou
ao nosso lado, chamando nossa atenção. —
Que coisa mais melosa, eu vou ter diabetes
desse jeito.
Nós rimos. Marcelo se sentou no sofá
comigo em seu colo e contamos a ele nossos
planos. Sobre a gravidez da Debora e sobre
a mudança da Carol para o apartamento
comigo. Ele ouvia tudo com atenção e
parecia feliz por eu estar feliz. Em momento
algum ele deixou de me apertar em seus
braços ou beijar minha bochecha. Este era
um hábito que nem a distância tinha nos
tirado.
— E o meu primo, Carol? — ele
perguntou. — Ele ainda tá querendo saber
por que você fugiu.
— Eu não fugi, eu só não sabia como
lidar. Foi uma noite apenas, ele estava
carente com toda a situação e as coisas
ficaram bagunçadas. Não precisamos fazer
disso um drama.
Nós ainda não entendíamos por que ela
fugia do Biel, ela não contou sobre o que
eles conversaram e nem o que aconteceu
exatamente naquela noite. Ela não nos dava
muitos detalhes, pela primeira vez Carol era
discreta sobre uma transa.
— O papo está bom, mas eu quero ir para
o meu apartamento — eu anunciei. — Já está
tarde, tivemos uma semana puxada e acho
que merecemos descanso.
Eu me levantei do colo do Marcelo e o
puxei do sofá pelos braços. Paramos em
frente ao meu apartamento e eu abri a porta.
— Seja bem-vindo a minha humilde
residência. Aproveita que daqui a pouco eu
terei uma colega de quarto.
Ele riu e entrou, observando tudo. Eu
analisava seu rosto enquanto ele analisava
os móveis. Era ainda tudo novo, e eu não via
a hora da Carol colocar as coisas dela aqui
dentro também. Meu quarto foi projetado por
ela, e com o tempo nós iriamos organizar o
resto da casa. Era bom saber que agora nós
iríamos decorar o apartamento inteiro juntas.
— Eu gostei — Marcelo disse. Ele deixou
a mochila no chão e me abraçou. — É bonito
e bem mobiliado, mas minha atenção está em
outra coisa agora.
Eu sorri para ele e puxei seu rosto para o
meu. Eu sentia saudade do seu corpo, e sabia
que só abraçá-lo e beijá-lo não seria o
suficiente. Minhas mãos empurraram seu
peito pelo corredor, e nós tropeçamos pelo
tapete sem parar o beijo até que
estivéssemos no meu quarto. Eu o empurrei
na cama e me sentei sobre seu corpo,
deslizando minha língua mais uma vez para
dentro da sua boca. Ele apertou minha coxa
com força quando mordi seus lábios para
dentro e um gemido escapou da minha
garganta. Suas mãos subiram para minha
cintura e seguraram minha blusa. Eu ergui
meus braços e ele deslizou os dedos pela
lateral das minhas costas enquanto subia
aquele pedaço de tecido.
Quando meus olhos voltaram a encontrar
com os dele, um brilho diferente iluminava
seus olhos azuis. Ele me olhava com desejo,
eu podia sentir toda a euforia dentro do meu
corpo só com a forma como ele me
observava. Suas mãos passearam por meu
braço e um arrepio acompanhou cada rastro
que seus dedos deixavam para trás. Ele
alcançou meus seios e os apertou, e neste
momento eu senti algo duro sobre minha
bunda.
— Luísa, você precisa me parar — ele
sussurrou. — Você queria ir devagar, mas eu
não sou forte. Se você não parar aqui, eu não
vou responder pelos meus atos pelas
próximas três horas, no mínimo.
Aquela declaração fez todas as dúvidas
que eu tinha dissiparem, como sempre
acontecia quando estávamos juntos.
— Foda-se o que eu disse, não pensa
nisso agora.
Ele me olhou radiante.
— Tem certeza?
Eu concordei com a cabeça e ele tentou se
levantar e eu o empurrei para a cama de
novo.
— Aonde você vai?
— A camisinha tá lá na sala.
Eu ri e chupei seus lábios para dentro da
minha boca novamente.
— Eu tenho na gaveta, não se preocupe.
Ele segurou minha cintura novamente e me
derrubou na cama. Suas pernas estavam uma
de cada lado do meu corpo e suas mãos
tiraram a camisa. Eu fiquei um longo tempo
admirando seu abdômen com os olhos antes
de tocá-lo. Seus gominhos eram firmes sobre
meus dedos que viajavam por ali. Não era
nada tão escandaloso, eram apenas definidos
e bem marcados. Ele desceu da cama e tirou
os sapatos com os pés, desvinculando das
meias em seguida. Eu olhava com
expectativa, sua mão trabalhando no botão
de sua calça, e a ansiedade aumentava na
lentidão que ele desceu o zíper. Apenas vê-
lo se despir era algo que já bagunçava minha
respiração.
Ele segurou minhas pernas e me puxou na
cama para ele. Com cuidado tirou as
sandálias dos meus pés e distribuiu beijos
pelas minhas pernas. Suas mãos subiram e
apertaram minha cintura, e cada beijo
deixado na minha coxa era uma pontada
enviada para meu centro. Eu nunca havia
ficado tão ansiosa apenas nas preliminares,
mas ele conseguiu fazer isso com meu corpo.
Ele alcançou o cós do meu shorts e puxou
para baixo, levando minha calcinha junto. Eu
me sentia exposta com a luz acesa e seus
olhos me observando tão de perto. O que me
assustou foi que eu sempre me senti insegura
com meu corpo, magra e pequena demais,
mas seus olhos me olhavam como se eu
fosse linda. E eu realmente acreditei neles.
Ele beijou minha virilha e o arrepio tomou
conta de todo meu corpo. Sua boca subiu por
meu corpo, lambendo desde minha barriga
até alcançar meus seios. Uma mão beliscou
o bico do meu seio e isso fez minhas costas
arquearem. A excitação dentro do meu corpo
ficava cada vez mais difícil de controlar a
cada vez que sua boca mordia o outro seio.
Seu nariz passou pela minha clavícula até
alcançar meu pescoço. Eu segurei seu pau
em minhas mãos e o estimulei. Assustei-me
com o quão duro ele ficou em meus dedos,
como se eu nem precisasse me esforçar para
animá-lo.
Ele se afastou procurando pela gaveta
onde eu havia apontado que estava a
camisinha e o ajudei a colocá-la. Seu corpo
foi para o meio de minhas pernas e a
excitação, misturada com euforia daquele
momento, fez com que eu sentisse cada
centímetro dele enquanto ele entrava.
Minhas pernas, como estavam acostumadas,
circulou sua cintura e tudo ficou perfeito.
Era como se meu corpo fosse projetado para
se encaixar ao dele. Eu o sentia duro dentro
de mim e cada movimento investido era uma
mistura de procura e liberdade. Eu buscava
o meu prazer, e ao mesmo tempo segurava o
máximo que podia para prolongar aquela
sensação. Era como se ele expulsasse todas
as minhas dúvidas e meus medos,
substituindo por certezas.
Meus gemidos foram abafados por seus
beijos no momento em que nossos corpos
ficaram tensos e se entregaram ao maior
orgasmo que eu havia experimentado. Ele
soltou seu peso sobre meu corpo quando
relaxou e por um segundo eu pensei que
desmaiaria. Eu não sabia se era difícil
conseguir o ar pela forma irregular que eu
respirava ou se era pelo peso dele, ou uma
mistura dos dois. Ele se apoiou nos
cotovelos e levantou o rosto para me ver.
Nossos olhos se encontraram e havia de
tudo neles. Promessas não ditas, perguntas
não respondidas, e uma adoração que fez
meu coração frenético parar. Nós ficamos
em silêncio apenas observando um ao outro,
com medo de que qualquer barulho fosse
estragar o momento. Ele caiu ao meu lado de
barriga para baixo e afundou o rosto em meu
pescoço. Minhas mãos foram para sua
cabeça e meus dedos passaram por seus
cabelos enquanto nossas respirações
voltavam ao seu ritmo normal. Meus olhos
estavam fechados e ele estava tão imóvel
que eu poderia apostar que havia dormido.
— Lu — Marcelo sussurrou me
chamando. Eu abri meus olhos e ele me
observava. — Toma banho comigo?
O medo em seus olhos era algo quase
engraçado de ver. Eu concordei com a
cabeça e ele tomou meu rosto em suas mãos,
depositando um beijo em meus lábios. Nós
fomos para o banheiro e ele lavou meu
corpo, cada centímetro dele. Quando eu o
lavei ele ficou me observando com um
sorriso satisfeito no rosto, que me fazia rir
dele. Nós nos secamos e quando procurei na
minha gaveta pela minha camisa eu senti
algo batendo na minha cabeça.
— Seja o que for que esteja procurando
para vestir, isso é melhor — ele avisou.
Sua camisa estava no chão aos meus pés,
onde caíram depois de acertar minha cabeça.
Por mais que a minha camisa fosse algo
confortável, eu gostei de dormir sentindo seu
cheiro grudado ao meu. E foi o que eu fiz,
dormi abraçada a ele e me sentindo cercada
por Marcelo de todos os lados.
O sol invadiu meu quarto e eu abri meus
olhos procurando por Marcelo na cama. A
decepção de acordar sozinha naquela cama
nunca foi tão dolorosa.
Marcelo
Eu estava com todo o cuidado e silêncio
possível preparando o café de Luísa para
levar na sua cama. Quando eu acordei foi
quase impossível sair da cama, ela estava
tão serena em meus braços que eu não queria
soltá-la.
A noite de ontem ainda estava em minha
memória, cada flash que eu me lembrava,
levava um sorriso para meus lábios. Eu
havia transado com muitas mulheres, mas a
proximidade que eu senti com Luísa era algo
que eu nunca tinha experimentado. Nossos
corpos colidiam em perfeita sintonia, se
juntando como se fossem um só. Eu não
sabia se era pelo fato de estar me segurando
por muito tempo nas últimas semanas, mas
gozar dentro dela foi libertador, em todos os
sentidos.
Eu segurei uma bandeja que tinha
encontrado depois de abrir todas as portas
de todos os armários para preparar o café da
manhã perfeito, e caminhei pelo corredor, na
esperança de encontrá-la dormindo ainda.
Eu sorri quando a vi deitada na cama, mas o
sorriso sumiu no instante em que eu vi a
lágrima escorrer de seu rosto.
— Luísa? — eu perguntei, deixando a
bandeja sobre o criado-mudo e correndo
para a cama. — Tá tudo bem? O que
aconteceu?
Ela se sentou em um rompante e se
arrastou para meu colo, abraçando meu
pescoço mais apertado que o normal. Seu
choro baixo me assustou e eu não sabia o
que fazer.
— Você está aqui — ela sussurrou
baixinho. — Você não foi embora, você está
aqui.
— Onde mais eu estaria?
Ela se afastou, sorrindo e secando as
lágrimas com aqueles dedos pequenos.
— Eu acordei e você não estava aqui, eu
pensei que você tinha ido embora.
Eu beijei suas bochechas molhadas com
carinho.
— Eu não vou embora, só se você me
expulsar.
Eu a puxei para meu colo e beijei sua
cabeça até que ela se acalmasse. Uma dor
me invadiu ao vê-la chorar com medo de que
eu tivesse ido embora. Eu não sabia como
eram as manhãs dela com o Vinicius, e eu
temi que ela me comparasse a ele. Quando
ela finalmente se acalmou nós tomamos café
da manhã.
O final de semana passou mais rápido do
que eu gostaria. Nós assistimos aos filmes
românticos de Luísa e passamos o sábado
com o Lucas. Ele amou nos ver juntos, e a
abraçava sempre que podia. Eu não podia
reclamar, eu fazia o mesmo que ele.
Mas, nem tudo foi um mar de rosas, nossa
primeira briga também foi naquele final de
semana. Nós havíamos ido a um Pub com
alguns amigos, e um cara se aproximou dela.
Ela sorria e conversava com ele
normalmente no balcão que ela estava
esperando uma bebida, como se eu não
estivesse há duas mesas de distância.
— Ela está acompanhada — eu anunciei
passando o braço sobre Luísa e a puxando
para mim. — Procura outra mulher por aí.
O cara riu de mim e bebeu a cerveja.
— Ela não parecia acompanhada até você
chegar.
Luísa colocou as mãos no meu peito e me
empurrou para trás.
— Vamos sair daqui — ela pediu.
— É, volta para mesa com a namoradinha,
segure-a para ela não ficar paquerando
outros.
— O que ele disse é verdade?
Ela olhou para mim incrédula.
— Eu não quero arrumar confusão, vamos
voltar para a nossa mesa.
— Por quê? Tá com medo do cara contar
que você estava dando moral para ele?
— E ela estava — interveio o
desconhecido do bar. — Luísa é realmente
muito doce.
Meu sangue ferveu só de ouvir o nome
dela na boca dele. O primeiro soco o atingiu
de surpresa, e antes mesmo que ele
revidasse Luísa estava ao nosso meio, me
empurrando para trás. Teo e Lui apareceram
e me puxaram para fora do bar.
— Eu preciso entrar — eu pedi, quando
percebi que eles não me deixavam
aproximar da porta. — A Luísa está lá
dentro, eu tenho que falar com ela.
— Ela está pagando a conta com a Adri,
ela vai voltar daqui a pouco — Teo me
avisou.
Luísa saiu com Adri ao seu lado. Rafa me
olhou com pesar, como se tivesse
preocupado comigo e ao mesmo tempo me
alertando para algo. Eu me aproximei de
Luísa e ela me empurrou.
— Não me toca agora — ela gritou. — Ou
serei eu a começar uma briga aqui.
— Pequena, desculpa. Eu não queria
brigar, mas eu não consegui segurar a
provocação dele.
— Você podia ter evitado, era só ignorar.
Caramba, eu te pedi pra sair dali, por que
não me ouviu?
Eu sorri para ela.
— Você ouviu o que ele disse? Como
queria que eu ignorasse?
— Ele é um amigo da faculdade, nós
estávamos conversando normalmente, eu não
sabia que ele ia agir como babaca.
— Ah, então você o conhece e ficou ali de
papinho dando moral para o cara? —
perguntei ironicamente.
— Você é tão idiota. Eu não estava dando
moral pra ninguém.
— Não foi isso que ele disse.
— E você vai acreditar nele agora?
— Me diz você.
Ela me olhou rindo e se virou para o Rafa.
— Me leva embora, por favor — ela
pediu.
— Não, você vai comigo — eu intervi. —
Por que tá pedindo isso para o Rafa?
— Eu não quero falar com você agora.
— Eu devo achar alguém aqui para levar
para um hotel de novo? — perguntei. — Já
que eu não vou para o seu apartamento,
então acho que preciso de um lugar para
dormir.
Luísa se virou para mim com lágrimas nos
olhos, e eu me arrependi desta pergunta
estúpida.
— Vá para casa do seu primo ou dos
meninos, se quiser achar outra desconhecida
e ir para um hotel então vá, não me importa.
Para o meu apartamento você não vai.
Rafa encolheu os ombros, em um pedido
silencioso de desculpa e foi para o
estacionamento seguindo Luísa. Eu sentia a
raiva tomar conta do meu corpo, e não
consegui controlar o tremor em minhas
mãos.
— E eu pensando que o violento era eu —
Lui comentou. — Aprendeu direitinho.
Matteo e Adriana riram com ele. Eu não
vi graça na situação. Um dia estávamos
fazendo sexo e no outro eu estava dormindo
no apartamento do Biel. Eu não gostei disso.
Capítulo 26
Luísa
Na manhã de domingo eu levei a
mochila de Marcelo para o apartamento do
Biel. Ele fez exatamente o que eu sempre
evitei, brigar e ser o centro das atenções. Eu
não sabia que Ricardo se comportaria
daquela forma, e não culpei Marcelo por se
ofender, só por não ter me ouvido e evitado
como eu pedi. Eu não gostava de fazer
comparações, mas era impossível não
comparar. Encontrá-lo na minha casa na
manhã seguinte fez meu coração avançar
para ele em uma velocidade surpreendente, e
agora vendo como ele era impulsivo e
nervoso, fez meu coração recuar dez passos.
Era isso que eu queria para mim? Este tipo
de pessoa?
Ele me pediu desculpa repetidas vezes, e
eu o desculpei, mas fiquei cautelosa sobre
como agir com ele. Ao mesmo tempo em que
eu odiei seu comportamento, eu gostei de
presenciar essa cena. Este era o Marcelo
que eu conhecia. Idiota. Este era ele, cheio
de defeitos. Foi bom quebrar aquele molde
de perfeição que eu havia montado dele no
último mês. Ele não era perfeito, ninguém é.
Doce ilusão pensar isso.
Uma semana havia se passado desde que
ele voltou para o Rio, e por mais que
continuássemos falando por telefone todas as
noites, era como se o encanto tivesse
quebrado. As conversas eram fofas, às
vezes, quando eu me derretia por suas
palavras doces. E depois me repreendia
mentalmente por deixar que ele me iludisse
novamente. O Marcelo não era fofo. Ele era
um ogro, um bruto.
Eu estava saindo do meu trabalho quando
o vi parado em frente ao prédio. Vinicius
segurava um buquê de rosas nas mãos, e
sorria para mim. Eu não pude negar que me
surpreendi ao vê-lo depois de semanas, mas
meu coração palpitou com o carinho e a
saudade que eu sentia por ele. Eu corri para
seus braços e ele me abraçou.
— Oi, Lu — ele disse beijando meu rosto.
— Que bom te ver.
Eu segurei o buquê que ele me estendeu e
sorri.
— Que surpresa, não sabia que viria. O
que está fazendo aqui?
— Vim resolver algumas pendências para
minha transferência para o Recife.
— Como está tudo por lá? — eu
perguntei. — Está gostando?
Embora conversássemos por mensagens
de dias em dias, eu não sabia mais os
detalhes de sua vida, e uma parte de mim se
culpou por isso.
— É uma grande oportunidade, não posso
negar, mas ainda estou tentando me
acostumar.
— Vai ficar quantos dias?
— Só uma semana, e então vou
definitivamente.
Eu engoli em seco. Pensar que ele iria
embora, mesmo que por alguns meses, me
deixou triste. Eu sabia que ele iria, e já
estava acostumada com ele lá no último mês,
mas pensar como algo definitivo foi
diferente.
Ele me convidou para jantar e eu fui. No
começo foi estranho, porque eu estava
acostumada a estar cercada por ele. Cada
vez que suas mãos me tocavam eu sentia
aquela sensação de conforto e tranquilidade
de sempre. O que eu não sentia com
Marcelo. Com ele era tudo louco e fora de
controle. Nós conversamos sobre as coisas
que havíamos perdido da vida um do outro
nos últimos dias. Sobre a Carol estar se
mudando para meu apartamento dentro de um
mês, de como eu estava me saindo bem e
ganhando cada vez mais responsabilidade
dentro do trabalho. Ele me olhava orgulhoso,
e ao mesmo tempo com uma tristeza que não
conseguia esconder.
— E os preparativos para a formatura?
— Eu estou tão ansiosa. Eu fui essa
semana com a minha mãe para experimentar
meu vestido, tão lindo. — Ele olhava
sorrindo enquanto eu contava. — Você vai
estar aqui?
Ele segurou minha mão sobre a mesa e a
apertou.
— Você quer que eu esteja? — Eu
confirmei com a cabeça e ele sorriu. — Se
você me quer aqui, então eu estarei aqui.
Eu retribui seu sorriso e nós terminamos
nosso jantar. Quando ele me deixou em
frente ao meu apartamento eu o abracei para
me despedir. Ele aproximou os lábios dos
meus e me beijou. No começo foi algo
natural, mas com o movimentar de nossos
lábios eu senti toda aquela familiaridade do
beijo. Sempre carinhoso, cuidadoso,
delicado. Era esta a vida que eu estava
acostumada e gostava, até Marcelo aparecer.
Quando nos afastamos eu o olhei nervosa.
Ele sorriu, beijando minha testa e retornou
para seu carro. Eu entrei no meu apartamento
ainda com o gosto de seus lábios na minha
boca e dormi novamente com aquela dúvida
na cabeça. O que eu estava fazendo?
Na manhã seguinte eu entrei no escritório
e travei. Marcelo estava sentado na mesa
dele, concentrado em seu computador. Eu me
aproximei com cautela e quando ele
percebeu a movimentação na sala e me viu,
seu sorriso se abriu. Ele veio ao meu
encontro e me tomou em seus braços. Ele
afundou o rosto em meu pescoço, sentindo o
meu cheiro, e mesmo que eu não quisesse
meu corpo se arrepiou.
— O que aconteceu? — ele perguntou
cauteloso. — Você ainda está brava comigo?
Eu não conseguia responder. Como eu
deixei entrar nessa confusão de novo?
Marcelo
Eu tive que viajar de última hora para
Curitiba. Letícia pediu que eu viesse para ir
com os outros ao alfaiate verificar nossos
ternos para seu casamento. Ela queria que
todos os padrinhos fossem iguais, inclusive
o Lucas. Eu liguei na noite passada no
celular de Luísa, para avisar da viagem esta
manhã, mas ia direto para a caixa postal.
Quando eu fui embora da última vez, ainda
estávamos em um clima estranho, mas eu
esperava que pudesse consertar isso.
Ela estava distante. Seus olhos não me
olhavam mais com aquele brilho de antes.
Eles já não me olhavam como antes desde a
briga no bar, e eu me arrependia cada vez
que lembrava daquele dia.
— O que você está fazendo aqui? — ela
perguntou com calma.
— Preparativos para o casamento da
Letícia. Está tudo bem?
Ela balançou a cabeça e eu sorri, beijando
a sua bochecha.
— Pequena, eu estava ouvindo nossas
músicas lá em casa e fiz algo para você.
Ela estranhou, mas pegou o pen-drive que
eu havia feito para ela, com todas as
músicas que me lembravam dela. Meu avô
apareceu ao nosso lado e bateu as mãos em
meu ombro.
— Vamos lá, já que está aqui você tem
que participar da reunião — ele avisou.
Lucio veio trazer os documentos que
foram solicitados e as procurações de seu
cliente para que pudéssemos dar entrada em
um novo processo. Eu queria beijar Luísa e
matar a saudade que eu tinha dela, mas não
tive tempo. Eu fui até minha mesa e peguei a
pasta com as anotações que eu tinha feito.
Lucio entrou na sala e foi diretamente
cumprimentar a minha pequena.
— Bom dia, Luísa — ele disse. — Que
prazer encontrá-la de novo.
Ela sorriu para ele, envergonhada.
— Oi, Dr. Lucio, bom dia.
— Irá nos acompanhar na reunião de hoje
novamente?
— É claro, eu já estou com a minha pasta
aqui. Vamos lá?
— Depois de você.
Luísa foi para a sala de reunião e Lucio a
olhava. Eu notei seus olhos para a bunda
dela. Ela estava realmente linda naquele
vestido preto, mas ela era minha. Ele teria
que entender isso e aceitar, de uma vez por
todas.
— Eu preciso de uma calcinha —
anunciei.
Biel e Teo me olharam espantados, Adri
riu e Carla a acompanhou.
— Vai se assumir? — Biel perguntou,
ficando de pé com sua pasta nas mãos.
— Cale a boca, eu estou falando sério. —
Ele enrugou a testa e eu me virei para Carla.
— Você vive comprando lingerie que eu sei,
por favor, diga que tem uma por aí.
Ela abriu as pernas e colocou as mãos por
baixo da saia. Os outros começaram a rir
novamente, inclusive eu.
— Eu acho que ele está pedindo por uma
que não esteja usada — Adri comentou. Ela
pegou uma sacola que estava no chão e
retirou uma calcinha de lá e me jogou. —
Aqui. Nós compramos ontem, eu vou querer
de volta.
Eu puxei a etiqueta com o dente e cuspi.
— Eu te devolvo intacta, não se preocupe
— eu assegurei. — Agora vamos lá, temos
uma reunião para participar.
Eles me acompanharam para a sala e do
corredor eu já ouvia a voz de Lucio. Ele
falava descontroladamente sobre sua viagem
para Madrid e como amava aquele país.
Vovô e Enzo entraram na sala junto com a
gente, e todos tomaram seus lugares em volta
da mesa. Eu passei por trás de Luísa e joguei
a calcinha da Adri sobre a pasta que ela
tinha em cima da mesa, para que todos
vissem.
— Aqui, pequena, eu acho que é sua — eu
disse. — Estava na minha mala do final de
semana que passei no seu apartamento.
Vovô e Enzo disfarçaram suas risadas com
uma tosse falsa, mas os outros não foram tão
discretos. Adriana e Carla gargalhavam
como hienas, meu primo e Matteo faziam
sinal de positivo para mim com o dedão.
Lucio arranhou a garganta e virou para
frente, já que sua cadeira estava inclinada
para Luísa, que agora estava tão vermelha
que eu quase fiquei com dó. Quase. Ela
tentou falar algo, mas sua voz não saiu, como
eu havia previsto. Ela poderia ser briguenta,
mas ela não iria falar nada na frente do vovô
e do Enzo, mas eu tenho certeza de que eu
iria ouvir muito quando eles saíssem.
A reunião foi tranquila, analisamos tudo e
conversamos com Pablo por Skype
novamente. Ele estava satisfeito com a
proposta que oferecemos e em menos de uma
hora terminamos a reunião e Lucio foi
embora. Ele se despediu de nós apenas com
um aceno de cabeça, não ousou se aproximar
nem olhar para Luísa novamente. Vovô e
Enzo saíram da sala, deixando apenas eu,
Luísa, Biel, Teo, Adri e Carla na sala. Eu
contava mentalmente os segundos que
demorariam até ouvir os berros de Luísa.
— Você ficou louco? — ela gritou
jogando a calcinha na minha cara. — Que
merda foi essa que você fez?
Os outros riram. Adri pegou a calcinha
quando eu joguei para ela.
— Obrigado pela ajuda.
Luísa olhou para ela com a boca aberta.
— Você pactuou com isso? Todos vocês?
Eles olharam para ela rindo e levando as
mãos, mas ninguém se defendeu.
— Se quer culpar alguém, culpe a mim —
eu disse. — Eles não sabiam o que eu ia
fazer.
Sua atenção voltou para mim.
— Você é um idiota.
— E você é uma briguenta.
Ela colocou as mãos no rosto, suspirando
frustrada.
— Que vergonha, o que o Enzo e o Nando
vão pensar de mim?
— Eles não vão pensar nada, eles sabem
que isso é coisa minha.
— Eu odeio você — ela gritou apontando
o dedo para mim.
— Não odeia nada.
Ela riu ironicamente, pondo as mãos na
cintura.
— Ah eu odeio, eu estou com uma vontade
louca de te matar neste exato momento. Te
jogar por esta janela parece uma ideia
tentadora.
Eu sorri para ela. Irritá-la não era
exatamente algo bom, mas eu gostava. Só um
pouco. Eu sentia falta daquela pequena
encrenqueira.
— Você não teria coragem — eu desafiei.
Ela me olhou por um longo tempo. A fúria
em seus olhos se transformou em decepção,
e eu me preocupei.
— Eu acho que fiz a coisa errada.
— Você está falando de que? — eu
perguntei cauteloso.
— Nada, deixa pra lá, você jamais
entenderia.
Eu me aproximei dela e segurei seu rosto
com as mãos.
— Você está falando de que? — eu insisti.
Ela me olhou com os olhos marejados e
correu para fora da sala. Eu olhei para os
outros, que pareciam tão surpresos quanto
eu. Corri atrás dela, mas seu elevador já
havia descido. Eu não aguentei esperar pelo
outro e fui de escada. Assim que cheguei ao
térreo eu a vi parada em frente ao prédio,
falando ao celular.
— Luísa — eu gritei.
Ela não me ouviu. Eu gritei seu nome
novamente, mas ela não ouvia. As pessoas
na fila da catraca para sair do prédio não me
deixaram alcançá-la. Eu pulei o portãozinho
da lateral ouvindo o resmungo dos porteiros,
mas nada disso me importou, eu só queria
chegar até ela. Quando finalmente cheguei à
porta e abri, meus pés travaram. Luísa
desligou o celular e abriu a porta de um
carro que parou em frente ao prédio. Eu vi
Vinicius atrás do volante e vê-la indo com
ele foi como um soco no estômago.
Capítulo 27
Luísa
Eu ainda estava tentando me acalmar.
Minhas mãos tremiam segurando o celular
em meu colo. Eu não sabia o que fazer, eu só
queria sair daquele prédio e não ver o rosto
de Marcelo. Eu ainda estava custando a
acreditar na atitude dele. Eu havia notado os
olhares de Lucio, e em como ele tentava me
impressionar com palavras fúteis, mas nem
por um segundo cogitei a hipótese de
corresponder.
— Quer me contar o que aconteceu? —
Vinicius perguntou.
Eu neguei com a cabeça e deixei que ele
me levasse. Eu não queria contar a ele a
vergonha que Marcelo me fez passar. Sentia
minhas bochechas queimarem mesmo depois
de minutos. Eu estava saindo do prédio
quando Vinicius me ligou, me convidando
para almoçar. Eu pedi para ele se apressar,
para que não corresse o risco de Marcelo
me alcançar. Eu sabia que ele viria atrás de
mim. O medo que se instalou em seus olhos
quando eu corri da sala de reunião era o
mesmo que eu vi quando eu fui embora do
bar e o deixei. Este era ele, o idiota que eu
havia me apaixonado, sempre fazendo algo
que me fazia odiá-lo. Era difícil pensar em
qualquer espécie de futuro com o Marcelo,
com ele agindo assim.
Vinicius estacionou no Jardim Botânico e
nós descemos. Ele esperou que eu me
acalmasse, apenas segurando minha mão.
Ele me levou para a sombra de uma árvore e
nos sentamos. Suas mãos tocaram meu rosto,
secando minhas lágrimas.
— Por favor, fala comigo — ele pediu. —
Foi algo no escritório? Sua família? Eu
estou tentando não te pressionar, mas estou
preocupado.
Eu engoli o choro, respirando fundo.
— É só uma coisa desagradável que
aconteceu, mas eu não quero falar sobre
isso.
Nós ficamos em silêncio, apenas
apreciando as crianças correndo, os adultos
tirando fotos das flores e do lugar. Curitiba
era realmente uma cidade linda.
— Você ainda quer ir almoçar? — ele
perguntou, quebrando o silêncio. — Eu
conheço um restaurante aqui perto que
podemos ir.
— Se você estiver com fome eu te
acompanho, mas para ser sincera eu não
estou com apetite.
— Vamos ao menos pegar algo para você
beber então.
Eu o acompanhei até o quiosque e
comprei um chá gelado. Ele comprou uma
água e fomos até uma das mesinhas que
tinham lá.
— Eles anteciparam minha viagem — ele
anunciou.
— Quando você vai?
— Hoje à noite.
Eu coloquei o chá na mesa e peguei a mão
dele em um ato desesperado.
— Mas já? E suas coisas? E sua família?
Ele riu.
— Você sabe que eu não sou próximo a
minha família, Luísa. Meu pai só me ensinou
que homem deve pagar a conta de casa,
minha mãe aceita tudo o que ele fala, e
minha irmã infelizmente é como eles. — Eu
concordei com a cabeça e esperei que ele
continuasse. Era a primeira vez em anos que
ele se abria desta forma. Eu sabia que algo
estava errado com a relação deles, sempre
suspeitei disso, mas nunca questionei. —
Eles só querem saber de cuidar da fazenda,
comprar bois e mostrar para aquela pequena
cidade que eles têm dinheiro. Esta não é a
vida que eu quero para mim, eu quero o
mundo.
— É por isso que você sempre tentou ser
independente deles?
Eu sabia que Vinicius era ambicioso, que
sempre quis se dar bem no trabalho e não
depender dos pais.
— Eles não queriam que eu saísse de lá,
meu pai até hoje me culpa por não ter feito
Medicina Veterinária e estar lá agora
cuidando da fazenda. Eu contei que ganhei
uma promoção, que me ofereceram
sociedade na empresa por causa do meu
projeto, e sabe o que eles falaram? — Eu
neguei com a cabeça. — “Não faz mais do
que sua obrigação, já que abandonou a
família e não faz mais nada com seu tempo
além de trabalhar.”.
A única vez em que eu fui lá, seus pais
pareciam compreensivos. Mas, eu percebia
a forma como eles agiam. Querendo fazer a
melhor festa de 15 anos que a cidade já teve,
falando sobre o vestido comprado na capital
e como nenhuma das outras debutantes da
cidade estava tão linda quanto a filha deles.
Eu achava que Vinicius que não queria
contato com a família, não que eles não se
importassem.
— Eu sinto muito, eu não sabia.
Ele sorriu para mim.
— Eu sei, eu nunca quis te colocar nesse
drama. Você é muito apegada à família, e eu
não queria que você se misturasse com a
minha. Eu não tenho esse costume de ter
família, eu sempre foquei em ser
independente e sei que errei muito com você
por causa disso. Você é a única coisa boa
que me aconteceu nestes últimos anos, e me
arrependo de não ter dado mais valor
quando eu a tinha.
As lágrimas que haviam parado, voltaram
a descer por meu rosto.
— Não precisa se sentir culpado, eu errei
muito também — eu admiti. — Mas eu
sempre soube que você me amava, você
nunca deixou que eu me esquecesse disso.
Nós tínhamos nossos problemas, mas
vivemos três anos muito bons.
— Casa comigo — ele soltou. Eu o olhei
com espanto e ele tomou meu rosto em suas
mãos. — Casa comigo, Luísa. Eu sei que
deveria ter feito este pedido há muito tempo,
mas nunca encontrei o momento perfeito. —
Ele mexeu no bolso e tirou uma caixinha de
lá. — Eu tenho isso desde o ano passado,
quando a ideia surgiu na minha cabeça. Eu
sei que você está cheia de planos com a
Carol aqui, sei que você está se dando bem
no escritório, e sei que mesmo que não me
conte você estava com o Marcelo.
Ele abriu o porta-joias e havia dois anéis
lá dentro, de ouro. Eram parecidas com
nossa aliança de namoro, mas muito mais
lindas.
— Eu não estou entendendo — eu
sussurrei, a voz parecia presa.
— Casa comigo — ele pediu novamente.
— Eu posso te sustentar enquanto nós nos
organizamos em Recife, eu sou sócio da
empresa agora e eu posso te dar a vida que
você merece. Você não precisa nem
trabalhar, se não quiser. Você pode escolher
ser qualquer coisa, eu vou apoiar todas as
suas decisões. Eu encontrei a casa perfeita
para a gente morar, eu tenho certeza que
você vai amar, tem uma grande varanda
como você sempre disse que queria. Eu
quero viver com você, todos os dias. Eu
quero esquecer todas as decisões erradas
que tomamos, o último mês que passamos
separados. Eu queria te contar que eu estava
me mudando definitivamente para Recife e
me tornando sócio quando nos encontramos
lá em Fortaleza, mas eu estava esperando
que tudo estivesse assinado para poder te
contar sobre isso.
Então era isso que ele escondia. Ele já
estava com todo nosso futuro planejado,
casa, aliança, tudo o que tínhamos direito.
Eu olhava entre aquelas alianças e seus
olhos, e não sabia o que pensar. Era tudo
muito louco. Mesmo com toda bagunça do
último mês, ele ainda me queria.
— Eu não sei o que te responder — eu
admiti. — Eu não estava esperando por isso.
— Eu sei que foi um pedido surpresa, e eu
deveria ter feito algo mais elaborado, talvez
em um jantar. Mas, eu não quero mais
esperar. Eu quero viver com você. Quer se
casar comigo?
As lágrimas escorriam por meu rosto e eu
nem conseguia identificar o motivo. Era uma
mistura de alívio, emoção, comoção e
espanto. Ele me oferecia tudo o que eu
sempre quis. Estabilidade, calmaria,
confiança. E agora nós poderíamos ter a
chance de viver tudo isso multiplicado. Esta
era a minha vontade quando conheci
Vinicius, uma vida perfeita e tranquila ao
seu lado. Este era um pedido que eu por
muitas vezes sonhei.
— Eu não sei o que dizer — eu repeti.
— Você ainda me ama?
Esta era uma pergunta fácil, eu não deixei
de amá-lo.
— Sim.
— Então só precisa dizer sim. Basta me
escolher e eu vou fazer de você a mulher
mais feliz do mundo.
Eu acreditei em suas palavras e seus olhos
confirmavam que ele iria cumprir esta
promessa. Eu sabia que se eu aceitasse, ele
faria o seu melhor para me dar tudo o que
havia prometido e muito mais. O único
problema aqui era se eu ainda queria isso.
Se eu ainda queria este tipo de vida. Se ele
me fizesse essa proposta há um mês, eu não
pensaria duas vezes em escolher isso.
Eu fechei o porta-joias e ele me olhou
com tristeza.
— Eu não estou dizendo não — assegurei
a ele. — Mas, eu preciso pensar. Você não
está só me fazendo um pedido de casamento,
você está me oferecendo uma mudança total.
Mudança profissional, não que eu vá aceitar
ser sustentada por você, eu nunca aceitaria
ficar em casa e ser sustentada por alguém.
Mas, eu teria que começar tudo de novo lá,
casa nova, emprego novo, relacionamento
novo. É uma decisão importante, eu não
posso responder agora.
Ele suspirou derrotado.
— Eu acho que não foi uma boa ideia te
falar isso agora, você estava chorando até
minutos atrás e eu te fiz chorar de novo. Eu
não sei o que aconteceu, mas eu entendo. Me
liga quando você decidir.
Ele me levou até em casa e cai no meu
sofá. O que eu faria agora? Liguei meu
notebook e coloquei o pen-drive que
Marcelo me deu. Eu precisava de música
para me acalmar e me ajudar a pensar. A
primeira música que tocou foi Crazy de
Hunter Haynes, a música que ouvimos no dia
que ele me ensinou a andar de moto. A
música e esta lembrança combinavam com
ele. Este era o Marcelo, louco e bagunçando
minha vida. A segunda música foi Just a kiss
de Lady Antebellum, que ouvimos juntos no
avião a caminho do Rio. Esta música na
época pareceu fazer sentido, e agora era uma
completa confusão. Quando estava
esperando pela terceira música, meus olhos
abriram de repente com a voz de Marcelo.
— Oi, pequena. Você deve estar com
raiva de mim ainda, eu entendo. Sei que te
chateei com aquela confusão no bar, mas eu
sinto sua falta. O travesseiro que você
dormia aqui em casa não tem mais seu
cheiro, e não sei se você percebeu, mas eu
roubei um dos perfumes que você tem, para
espirrar no seu travesseiro na minha cama. É
muito mais fácil dormir sentindo o seu
cheiro. A minha sorte foi ter colocado o
perfume naquela tarde na minha mochila, se
eu não tivesse feito isso eu não teria seu
cheiro agora. Todas as noites quando eu te
ligo, eu percebo a sua luta entre me tratar
bem ou não. Eu percebo os suspiros que
tenta disfarçar quando eu me declaro para
você, eu percebo quando você com muita
resistência admite que também sente minha
falta. Eu estou neste momento olhando a foto
que você me mandou, deitada na sua cama,
com o cabelo espalhado para todo lado em
volta do seu rosto e a minha camisa te
cobrindo. Eu não prestava atenção nela, mas
agora é a minha camisa favorita. Ela fica
muito mais bonita em você do que em mim.
Eu não sei mais o que te dizer, porque eu
apertei o botão e comecei a falar
aleatoriamente, tentando gravar um áudio
para colocar no meio das suas músicas,
esperando que estivesse de bom humor e
pudesse me perdoar depois disso. Eu vou
fazer muita besteira ainda, pequena, mas eu
tenho a esperança de que você vai me
perdoar mesmo assim. Eu sei que você não
está acostumada com alguém como eu, e eu
sei que você merece alguém muito melhor.
Só que eu tenho um defeito, aliás, tenho
muitos. Mas, o principal defeito neste
momento é que eu sou egoísta. Eu tenho
ciúme de você, muito, e não vou prometer
mudar isso porque tenho certeza de que seria
em vão. Por falar em promessa, eu fiz uma
na segunda vez que te vi, que sempre
colocaria um sorriso em seus lábios. Eu me
torturo toda vez que falho e te faço chorar,
porque isso é a última coisa que eu quero
fazer. Bom, eu te libero para chorar de
alegria, mas quando eu te fizer chorar de
tristeza, eu te peço encarecidamente que me
perdoe. Eu vou sofrer junto com você a cada
vez que isso acontecer. Obrigado por toda
confiança em mim esse tempo todo.
Obrigado pelo carinho que me deu quando
nem mesmo sabia o motivo de estar me
confortando. Obrigado por nunca me
pressionar quando percebia que eu me
fechava no meu mundo. Obrigado pelo
melhor sexo da minha vida. Obrigado por
todos os beijos antes de dormir. Obrigado
por toda paciência quando eu não mereço, e
principalmente, obrigado por ser a mulher
perfeita para mim. Eu sei que agora eu
provavelmente vou te assustar com esta
declaração, mas você sempre foi romântica
e suspira por todas as cenas melosas de seus
filmes de mulherzinha, e estou contando que
isso faça eu te amolecer um pouco. Eu estou
apaixonado por você, por seu jeito
espontâneo e ao mesmo tempo certinho.
Estou apaixonado pelos seus momentos de
mulherzinha, que me enche de beijos e pula
no meu colo, até mesmo por seus tapas
ardidos. Eu estou apaixonado por você, e
isso é mais forte do que qualquer coisa que
eu já senti na vida. Eu tenho por você uma
paixão louca, um pouco obsessiva, carente e
totalmente dependente. Você invadiu meu
coração em tempo recorde, e acho que já me
conhece o suficiente para saber que eu não
deixo muitas pessoas se aproximarem. E
agora vive dentro do meu mundo privado
onde ninguém jamais esteve. Muitas pessoas
tentaram quebrar o muro que eu construí em
minha volta, mas você pequena é esperta
pegou uma escadinha, escalou e pulou.
Porque com a sua altura você não
conseguiria pular, e seus braços são fininhos
demais para me derrubar. Eu estou falando
besteira, né? O áudio do meu celular está
marcando quatro minutos, será que você vai
ouvir tudo? De todo caso eu mando você pôr
na faixa três depois. Não terá o mesmo
impacto que descobrir sozinha, mas eu
preciso dar um jeito de você ouvir, porque
eu não vou ter coragem de falar tudo isso
depois. Eu vou desligar agora porque meu
dedo já está doendo de ficar segurando este
botão. Um beijo, minha pequena.
Eu ria e chorava ao mesmo tempo. Fui até
meu guarda-roupa e de fato tinha um perfume
a menos. Eu procurei pela camisa de
Marcelo na minha gaveta e a cheirei. Seu
perfume ainda estava ali, mesmo que fraco.
Prendi este pequeno pedaço de tecido e
deitei na minha cama, esperando que o sono
ou uma resposta a todas as minhas dúvidas
me invadisse. O que viesse primeiro eu
ficaria satisfeita.
Marcelo
Eu continuei em Curitiba pelo resto da
semana, passei a maior parte do tempo com
o Lucas enquanto Letícia corria para todo o
lado atrás de floricultura e convites com a
vovó. Elas planejavam com a Ângela na
casa dos meus avós. Todos os dias eu
recebia convites para entrar naquela casa
quando ia buscar meu irmão, e todos os dias
eu recusava. Eu ainda não estava pronto para
todas aquelas lembranças, talvez um dia.
Luísa não apareceu no escritório à semana
toda. Ninguém sabia o que tinha acontecido,
nem mesmo Rafa soube me explicar. A única
coisa que ele contou foi que ele entrou no
apartamento dela e ela não queria sair do
quarto. Vestia a mesma camisa por quatro
dias seguidos e não estava se importando em
atender o celular. Sua cozinha estava cheia
de prato sujo na pia e pacotes de bolacha e
latinhas de refrigerante por toda superfície
do quarto e da sala. Eu me assustei com seu
relato, até Carol se preocupou com a amiga.
Luísa nunca tinha ficado daquele jeito,
segundo eles, e ninguém sabia o que fazer.
Eu menos ainda. Eu queria procurá-la, mas a
última lembrança que eu tinha era dela
correndo para Vinicius. Eu já havia lutado
por ela uma vez, não iria me rastejar
novamente por alguém que não me queria.
Na sexta saímos para beber, eu precisava
de álcool no meu organismo. Esse drama
durante a semana não era algo que eu estava
habituado. Biel, Teo e Lui me arrastaram
para fora, para que eu não desse uma de
Luísa e ficasse parecendo um mendigo pelo
apartamento. Palavras deles.
— Você acha que ela voltou com ele? —
Matteo perguntou.
— Acho que agora não faz diferença — eu
disse. — Eu não me importo com mais nada
disso.
— Você realmente se apaixonou por ela,
né?
Eu virei mais uma dose de uísque. O
garçom encheu meu copo com mais uma
dose e eu ergui a mão para brindar ao ar.
— À Luísa.
Quando eu fui virar a próxima dose Lui
segurou meu braço.
— Chega, você já bebeu mais do que o
suficiente.
Eu tentei pegar novamente a dose, mas ele
empurrou para o irmão.
— Você era mais legal na época da
faculdade — eu acusei.
Abaixei deitando a cabeça sobre meu
braço apoiado na mesa e fechei os olhos. A
música era boa, não tinha letra, eram
somente batidas. Isso era bom, porque toda
música que eu ouvia ultimamente que tinha
letra, me lembrava dela. E eu não queria me
lembrar dela.
— Aquela é a Carol? — Teo perguntou.
Eu levantei minha cabeça e o bar girou, só
por uns segundos. Eu demorei para
conseguir encontrá-la, mas por fim reconheci
Carol com Thiago.
— Eu gosto dele, o cara é gente boa — eu
disse. Biel me olhou com a testa enrugada.
— É igual o Vinicius, os caras são todos
certinhos e perfeitos para elas. O que
podemos fazer? Elas não nos querem. Você
transou com a Carol, e ela tá ali com outro.
Eu estava com a Luísa, e ela correu para
outro.
Lui riu ao meu lado.
— Fica quieto, Marcelo. Já está falando
besteira.
— Mas é verdade. A gente não dá uma
dentro. Eu namorei a Andreia e ela era uma
filha da puta. O Biel namorou a Jessica e
essa é filha de um puto. Aí eu me apaixonei
pela Luísa, e ela me trocou. Biel comeu a
amiga dela, e tá chupando o dedo agora. Esta
geração dos Schmidt deve estar cumprindo
alguma maldição de família. Deve ter
alguma explicação.
Teo ria chamando a atenção das pessoas
nas mesas ao lado, mas não parecia se
importar. Eu também não. Eles continuaram
bebendo suas doses e eu bebia água. Meu
estômago estava bem, minha cabeça também,
eu não entendia porque não podia beber.
Encontramos uma antiga vizinha do Teo, que
na mesa parecia muito interessada em saber
que o Biel estava solteiro. Eu me lembro
dela se esfregando nele desde a época da
faculdade. Meu primo correspondia às
investidas dela como se tivesse interessado.
Era tão estranho o ver conversando com uma
mulher que não fosse a Jessica, ele não dava
atenção a nenhuma outra mulher que não
fosse ela, e agora ele estava ali, convidando
alguém para ir ao seu apartamento. Eu não
sabia se ele agora queria descobrir todos os
peixes do oceano ou sei lá o que, mas eu
apoiei sua decisão.
Na saída do bar passamos em frente à
mesa da Carol e do Thiago, e eu estendi a
mão para cumprimentá-los.
— Boa noite, casal feliz — eu disse.
Thiago me cumprimentou com uma cara de
poucos amigos, e Carol parou de rir quando
nos reconheceu.
— Oi, meninos — ela disse. — Que bom
ver vocês.
Ela pareceu envergonhada ao ver Biel
atrás de mim. Meu primo me puxou para o
caixa, e a mulher pendurada ao pescoço dele
veio junto. O olhar envergonhado de Carol
se tornou um olhar assassino quando viu as
mãos deles juntos. Era maldade minha, mas
gostei de vê-la sofrendo ao menos um pouco
ao ver meu primo com outra pessoa. Nós
fomos embora e eu fui para o apartamento do
Teo, porque não queria ouvir a mulher
gemendo durante a noite com meu primo.
— Acorda, Marcelo — Teo me chamou,
batendo na minha perna. Eu gemi e me virei
de costas no sofá. Minha cabeça latejava. —
Tem uma garrafinha de água aqui na mesa de
centro, toma ela inteira, vai precisar.
Com muito custo eu abri os olhos, a
claridade do sol vindo pela janela me
cegava.
— Faz tempo que acordou? — eu
perguntei.
Deitei no sofá com a cabeça inclinada
para trás, virando a garrafinha de água na
boca.
— Não muito. Sua irmã ligou, sua vó
ligou, a nonna ligou. Todo mundo descobriu
para que existe telefone hoje.
— O que queriam?
— Avisar que temos horário para
verificar os ternos às duas da tarde.
Eu gemi frustrado e fechei os olhos. Nós
almoçamos e fomos para o alfaiate,
encontrar as mulheres. Estavam todas lá para
a prova dos ternos, até mesmo a Laura, a
filha da Ângela.
— Oi nonna — Teo cumprimentou a avó
com um beijo no rosto.
Eu a cumprimentei em seguida e Ângela
riu tocando meu rosto.
— Pobre garoto, para estar com estes
óculos escuros aqui dentro, é sinal que a
noite de ontem foi boa, né?
— Queria dizer que sim, mas não teve
nada de divertido.
Laura se aproximou ao lado da vovó e
elas riram. Eu devia estar com uma
aparência muito boa, porque todas elas me
abraçaram como se quisessem me confortar.
Eu fui o primeiro a experimentar a roupa,
depois fiquei deitado no sofá com a cabeça
no colo de Letícia, que penteava meu cabelo
com os dedos. Eu amava o cafuné dela.
A caminho do apartamento do Biel meu
celular tocou, com o nome de Luísa na tela.
Por mais que finalmente eu quisesse saber
dela, não atendi. Quando as portas do
elevador se abriram, eu tive aquela sensação
de Déjà vu. Luísa estava sentada na porta do
apartamento do meu primo, olhando para a
parede. Quando ela me viu ficou de pé. Uma
parte de mim esperou que ela corresse para
meus braços, como ela era acostumada, mas
nós ficamos parados onde estávamos apenas
olhando um para o outro. Eu fui vacilante
para o lado dela e abri a porta, a convidando
para entrar. Sentamos no sofá em silêncio.
Eu queria fazer muitas perguntas, mas não
sabia nem por onde começar.
— Eu acho que virou padrão te procurar
quando eu não sei o que fazer — ela
sussurrou.
— O que está fazendo aqui?
— Eu não tenho certeza ainda.
— Então por que veio? — perguntei
rispidamente.
— Eu queria conversar com você.
Apoiei as mãos nos joelhos e olhei para
ela.
— Estou ouvindo.
Ela se encolheu no sofá.
— Por que esta de óculos escuro?
— Não te interessa.
Ela se encolheu novamente e respirou
fundo.
— Por que não me atendeu?
Eu levantei do sofá e fui para a cozinha,
não iríamos chegar a lugar nenhum mesmo, e
eu estava com sede. Ela me acompanhou e
cruzou os braços, encostando-se à porta.
— Você vai me ouvir ou vai continuar se
esquivando? — ela perguntou.
Eu bati o copo de água na pia e retirei os
óculos escuros, olhando diariamente para a
água.
— Você vai me contar por que está aqui
ou vai continuar fazendo pergunta boba?
— Você está sendo idiota.
— E você uma chata.
Sai da cozinha passando por ela e fui até
meu quarto. Eu pensei que ela iria embora,
mas me seguiu.
— Eu te odeio — ela gritou do corredor.
— Você não me odeia, você está
apaixonada por mim.
— Eu acabei de falar que te odeio, é o
oposto de estar apaixonada. Não está me
ouvindo?
Eu fui até ela e a segurei pelos ombros.
Seus olhos estavam marejados.
— Você não me odeia, Luísa. Você já
falou isso antes, e eu quase acreditei, mas
você está aqui na minha frente agora e eu
vejo isso em seus olhos. Você pode até
querer me odiar, mas você não consegue.
— Você não sabe nada sobre como eu me
sinto.
— Ah eu sei — rebati ironicamente. —
Eu conheço você muito bem, mais do que
você pensa. Você pode estar com raiva de
mim, pode estar magoada ainda pelas minhas
atitudes, pode me bater e gritar comigo, eu
aceito tudo isso. E até acho que mereço.
Você pode ser chata, irritante, briguenta, mas
você não é mentirosa.
— Eu não sei o que fazer — ela admitiu,
com as lágrimas escorrendo por seu rosto.
— Eu sou apaixonado por você, eu nunca
menti sobre isso e eu nunca escondi. Mas, eu
quero que você me escolha, Luísa. Eu não
quero ter que te lembrar todos os dias de que
você está com alguém como eu, e que tenha
dúvidas sobre isso. Este sou eu, e eu não
vou mudar, nem por você nem por ninguém.
Nossa relação não é tradicional, não vou te
dizer que vamos viver em um mar de
calmaria como você é acostumada, porque
eu tenho certeza de que vou bagunçar muito
nossos dias. Nós vamos brigar muito ainda,
talvez o tempo todo, mas eu prefiro brigar
com você todos os dias do que transar com
qualquer outra pessoa.
Ela riu em meio as lágrimas.
— Você está citando um dos meus filmes?
Eu achei que você odiasse meus filmes de
mulherzinha.
— Eu não vou dizer que são meus
preferidos, mas eu não odeio nada que eu
faço com você.
— E a propósito, é fazer amor.
— O que? — perguntei confuso.
— A citação. É fazer amor, e não transar.
Eu puxei seu rosto para o meu e beijei
levemente seus lábios macios.
— Pequena, eu falo qualquer coisa. Eu
não posso ser fofo sem que você reclame?
Ela riu passando as mãos pelo meu
pescoço até alcançar minha nuca.
— Eu não estou reclamando, só estava
esclarecendo.
Eu a puxei para meu colo e a levei para
meu quarto. Nós deitamos, aproveitando
cada centímetro de nossos corpos que
conseguíamos alcançar. Passar tantos dias
sem notícias dela me quebrou, mas me
enterrar dentro dela juntou todos os pedaços
novamente.
Capítulo 28
Luísa
— Onde você está? — Carol perguntou
do outro lado da linha quando eu atendi.
— No apartamento dos meninos, eu vim
conversar com o Marcelo.
— Está tudo bem?
Virei para o lado e Marcelo estava
dormindo pacificamente. Eu não sabia se
pelo cansaço depois do sexo ou se pela
ressaca que ele parecia estar, mas ele
dormiu rapidamente em meus braços.
— Acho que sim. Você pode me buscar?
—Eu estou perto, em cinco minutos passo
aí.
Eu me levantei e beijei o rosto de
Marcelo repetidas vezes, me despedindo.
Ele não queria que eu fosse, mas eu tinha
algumas coisas para resolver ainda. A
campainha tocou e eu abri a porta, achando
que talvez Biel estivesse sem chave.
Espantei-me ao ver a Carol ali.
— O Biel está aqui? — ela perguntou em
um sussurro.
— Não, pode ficar tranquila.
Eu me sentei no sofá para fechar minhas
sandálias e Carol andou na ponta dos pés
pelo corredor.
— Aonde você vai? — perguntei curiosa.
— Shh.
Eu olhei pelo corredor e a vi entrando no
quarto do Biel, quando me levantei, ela saiu
de lá com um pacote de camisinhas nas
mãos. Eu segurei o riso que se formou em
meus lábios. Ela fez sinal com o dedo
pedindo para que eu fizesse silêncio,
olhando para o quarto do Marcelo para
confirmar que ele ainda estivesse dormindo.
Nós entramos em seu carro e ela jogou as
camisinhas dentro da bolsa.
— Por que você fez isso? — perguntei
ainda rindo.
— Quero ver ele transar hoje.
Nós fomos para o meu apartamento e ela
mediu todas as paredes do seu quarto novo,
pensando em toda a mobília e decoração que
traria na semana seguinte. O quarto de
Michele só tinha uma cama de casal e uma
mesinha. Ela veio me visitar com o
namorado e o usou uma vez. Aquele quarto
estava com meus livros da faculdade
esparramados, eu usava como escritório de
estudo, era bom finalmente dar uma função
para ele.
Quando a noite chegou eu liguei para
Vinicius. Sua mudança havia atrasado e ele
ficou a semana que estava prevista. Ele
havia me ligado a semana toda, mas eu não
atendi. Eu não queria falar com ninguém,
nem com o Rafa e a Carol quando eles
invadiam meu apartamento. Eu dormia todas
as noites com a camisa do Marcelo, e olhava
para aquela caixinha de joias em minhas
mãos. Eu fiquei tentada por muitas vezes a
aceitar seu pedido, tirei e coloquei a aliança
em meus dedos por mais vezes do que eu
poderia contar. Eu imaginava minha vida
com ele, uma casa grande, muitas crianças
na varanda da frente, nosso fim de tarde na
praia, finalmente acordar com ele na cama
todos os dias. Era algo que eu podia
visualizar com nitidez em minha mente, e
saber que cada cena que minha mente
montava iria se realizar. Eu tinha certeza de
seu amor por mim e de tudo que ele seria
capaz de me oferecer. Eu quis aquilo a
minha vida toda. Aquela certeza, aquela
estabilidade, aquele comodismo. Mas, desde
que Marcelo entrou em minha vida, ele
mudou todos os meus conceitos, todas as
minhas vontades, todas as minhas
prioridades. Eu ainda tinha muitas dúvidas
sobre ele, sobre um futuro com ele. Ele
nunca me ofereceu nada, nunca me deu
garantia de nada. Ele só me oferecia
complicações e bagunças, e eu estava
disposta a aceitar isso.
Vinicius entrou no meu apartamento e se
sentou no sofá. Nós ficamos em silêncio por
um longo tempo. Olhar para aqueles olhos
que eu tanto conhecia, que por muitas vezes
me entendeu sem perguntar nada, era
diferente agora. Eu via neles a familiaridade
de sempre, a certeza de uma vida tranquila e
feliz, mas não era mais isso que eu buscava
nos olhos de alguém. Eu coloquei o porta-
joias com nossas alianças nas mãos dele e vi
tanta tristeza e decepção em seus olhos que
as lágrimas que eu segurava caiam
descontroladamente.
— Eu sinto muito, mas não posso aceitar.
— Ele me olhava ainda incrédulo e confuso.
— Você merece uma vida perfeita, Vinicius,
e eu tenho certeza de que juntos não seria
nada menos do que maravilhoso. Eu sei que
você cumpriria todas as promessas que me
fez, e eu tenho certeza que me faria feliz. Se
fosse há alguns meses, eu teria sido a mulher
mais feliz do mundo com este pedido, e não
pensaria duas vezes em me mudar com você.
Mas, minha vida está aqui. Eu não sei o que
será dela, nem o que eu vou fazer com ela,
mas por enquanto é aqui que eu vou ficar.
— Se esta é sua decisão, eu vou respeitar
— ele disse derrotado.
Eu segurei seu rosto em minhas mãos e
beijei seus lábios com carinho, uma última
vez.
— Você merece toda a felicidade do
mundo, e eu sempre vou torcer pelo seu
sucesso. Eu espero que você encontre
alguém que te faça feliz, e que corresponda
ao amor e devoção que você sempre me deu.
Eu não sou mais esta pessoa, eu fui, por três
longos e lindos anos, mas não mais. Você foi
meu suporte em todos os momentos que eu
precisei, em momento algum me deixou
esquecer que eu tinha alguém que me amava.
E eu vou ser eternamente grata a você. Estes
anos estarão sempre guardados em minha
memória com muito carinho. Eu te amei
muito, espero que saiba disso. Eu ainda te
amo, e talvez sempre vou amar, mas de uma
forma diferente agora.
Seus ombros caíram e ele segurou minhas
mãos.
— Eu te amo também, e sempre vou ter
você em meu coração como alguém especial
pelo resto da minha vida. Eu quero que você
encontre a felicidade também, eu sinto muito
por não ter sido eu, mas eu espero que você
seja feliz. Você merece isso.
Eu sorri para ele e toquei seu rosto com
carinho. Nós tivemos nossos altos e baixos,
mas ele ficará marcado em mim para
sempre.
Vinicius saiu pela minha porta e levou
uma parte de mim com ele. Eu estive confusa
por muito tempo, ainda tinha minhas dúvidas
sobre meu futuro, mas eu não poderia mais
prendê-lo em mim quando eu não queria
mais estar presa a ele. Ele precisava dessa
liberdade para seguir em frente. Eu seguiria.
Meu celular tocou com um número que eu
não identifiquei na minha tela.
— Alô?
— Luísa, sou eu, Hilda. — Seu tom de
voz me preocupou. Eu ouvia ao fundo o som
da sirene de uma ambulância. — Eu peguei
seu celular com o Biel, espero que não tenha
problema. Eu estou indo com a Letícia ao
hospital agora e eu não consigo encontrar o
Marcelo. Ele está com você? Eu liguei para
todos os meninos e ninguém sabe dele.
— Eu não estou com ele, eu estou em
casa. A última vez que o vi foi esta tarde, no
apartamento do Biel. Você já ligou lá?
— Já, mas ninguém atende. Encontre-o,
por favor.
Eu peguei as chaves do meu carro e corri
para o elevador.
— Eu vou encontrá-lo, fique calma. A
Letícia está bem? O que aconteceu?
— Ela teve fortes dores na barriga e
depois houve um sangramento. Nós não
sabemos ainda, mas estamos em uma
ambulância agora a caminho do hospital.
— Me envie uma mensagem quando
souber o endereço do hospital e eu vou
encontrar o Marcelo e vou levá-lo até vocês.
Ela chorava do outro lado da linha.
— Obrigada, minha querida.
Eu liguei repetidas vezes para o celular de
Marcelo e no telefone fixo do apartamento,
mas ninguém atendeu. Eu estava nervosa por
não encontrá-lo. Entrei no apartamento do
Biel em um rompante e corri para o quarto
de Marcelo. Ele estava deitado na cama,
com fones de ouvido. O celular no criado-
mudo estava iluminando com várias ligações
perdidas e eu podia ouvir o telefone tocando
na sala. Eu pulei na cama para alcançá-lo e
ele sorriu para mim, mas me olhou com
preocupação quando observou meu rosto.
— O que aconteceu? — ele perguntou
assustado.
— A sua avó me ligou, ela está em uma
ambulância com a Leticia. — Ele se
levantou rapidamente e vestiu uma camisa
em tempo recorde. O celular em meu bolso
vibrou com a mensagem da Hilda e eu
respondi que estava com Marcelo. — Ela
acabou de mandar o endereço do hospital,
meu carro está aqui na frente.
Eu dirigia costurando os carros pela rua a
caminho do hospital. As mãos de Marcelo
não paravam de tremer. Quando estacionei e
sai correndo do carro, procurei por Marcelo
ao meu lado, mas não o encontrei. Ele ainda
estava no banco do carona olhando para o
hospital com os olhos assustados.
Eu abri a porta e segurei seu rosto em
minhas mãos.
— Não precisa se preocupar, eu tenho
certeza de que foi só um susto. Vamos entrar,
sua avó está nos esperando.
— Eu não posso — ele sussurrou em
pânico. — Eu não posso entrar aí.
— Por que não?
— Foi aqui, foi neste hospital que o Lucas
ficou internado no dia do acidente, foi para
cá que nos trouxeram. Foi aqui que soube
que minha mãe havia falecido.
Seus olhos agora brilharam com lágrimas
não derramadas. Eu me sentei em seu colo e
beijei cada centímetro de seu rosto.
— Se você quiser esperar aqui eu vou lá,
eu vejo como tudo está e venho te contar.
Ele balançou com a cabeça respirando
fundo, como se tivesse tomando coragem.
— Não, é a minha irmã, ela precisa de
mim. — Eu me levantei saindo do carro e
ele me acompanhou. Ele segurou meus
dedos, cruzando os dedos nos meus e me
olhou com os olhos marejados. — Você vai
estar comigo?
— Sempre — eu prometi. — E não vou
sair do seu lado em nenhum momento, eu
prometo. Eu estarei ao seu lado o tempo
todo, e quando você achar que precisa sair
eu te acompanho. Eu não vou te abandonar.
Ele olhou para os meus olhos e parecia
perdido. Seu rosto sempre forte e de homem
brincalhão foi tomado por uma expressão de
dor que cortava meu peito.
Nós caminhamos para dentro e sua mão
apertou a minha, como se buscasse a certeza
de que eu estava ali. Eu segurei seu braço
com a mão livre e fui abraçada a ele até o
pronto-socorro. Hilda correu para nós no
momento em que nos viu. Suas bochechas
estavam molhadas com lágrimas. Biel e
Nando também estavam presentes, sentados
no canto da sala.
— Que bom que você veio, meu querido
— Hilda disse ao abraçar o neto. — Eu não
conseguia te encontrar.
Eu tentei me desvincular de Marcelo para
que ele abraçasse a vó, mas ele se recusou a
soltar minha mão.
— A Luísa me contou vó, me desculpa por
não ter atendido suas ligações. Como ela
está?
Hilda nos levou para o canto da sala, onde
Nando e Biel estavam sentados. Marcelo me
abraçou e eu deitei o rosto em seu peito. Ele
mantinha seus braços firmes ao meu redor,
como se tivesse medo de que eu fugisse.
— Nós ainda não sabemos, o Cristiano
está lá dentro com ela.
— Cadê o Lucas?
— Está com a Ângela e a Laura — Nando
respondeu. — Elas estavam em casa quando
tudo aconteceu. Para que ele não ficasse
assustado elas o levaram para casa do Enzo.
Marcelo se sentou ao lado do primo e me
puxou para seu colo. Eu passava a mão por
seus cabelos tentando confortá-lo. Seus
braços em volta da minha cintura me
apertavam com força, mas eu não iria
reclamar. Ele precisava de mim agora, e eu
queria estar ali para ele.
Nós ficamos em silêncio. Nando e Biel
conversavam baixinho, mas Marcelo não
queria interagir. Hilda me olhava com
carinho, sorrindo, e sussurrava obrigada
para mim todas as vezes que nossos olhos se
cruzavam. Eu não sabia pelo que ela
agradecia, eu apenas sorria para ela também.
— Era eu atrás do volante. Eu estava
dirigindo no acidente que matou meus pais
— Marcelo contou. Eu me assustei ao ouvir
sua voz e levantei meu rosto que estava
deitado em seu ombro. Ele olhava para a
parede, perdido em pensamentos.
Marcelo — Cinco anos atrás.
Era sábado e estávamos em um restaurante
comemorando o aniversário do meu pai. Ele
discutia com a Letícia por telefone porque
ela tinha ido viajar com as amigas para
comemorar o fim da faculdade e não estava
presente.
— Sua irmã é uma ingrata — ele acusou,
empurrando o telefone no meu peito. — Se
não fosse pelo meu dinheiro ela não teria
nem um diploma.
Eu levei o celular à orelha e sai do salão
de festas.
— Lê, fica calma — eu pedi. — Você
sabe como ele é, não precisa se preocupar.
Aproveita sua viagem, suas amigas. Não
deixe que ele estrague este momento para
você.
Eu ouvia Leticia chorando do outro lado
da linha.
— Eu sei, mas é difícil com ele agindo
assim. Ele não me deu nem parabéns na
minha formatura, e agora quer pagar de bom
pai e querer a família feliz em uma foto de
jornal?
Ele não era um bom pai, longe disso, mas
na frente dos outros éramos a família
perfeita.
— Eu sei, ele bebeu e por isso falou
aquele monte de besteira. Deixa que eu
seguro as pontas por aqui.
— Nem parece que eu sou a irmã mais
velha, você sempre foi mais responsável do
que eu.
— Aprendi com a melhor.
Eu desliguei o telefone e voltei para
minha mesa. Minha mãe estava sentada com
Lucas em suas pernas. Meu irmão pulava em
seu colo no ritmo da música, sorrindo para
vovô e vovó que dançavam na pista.
— Ele está bebendo muito esta noite —
minha mãe disse. — Não o deixe voltar
dirigindo, tá bom?
Eu beijei sua bochecha.
— Não se preocupa, eu vou dirigindo.
Não ingeri nada de álcool hoje.
Ela sorriu e tocou meu rosto. Suas mãos
sempre macias e carinhosas deixavam tudo
em volta perfeito, mesmo que estivesse uma
catástrofe. Ela era a pessoa mais linda que
eu conhecia no mundo, por dentro e por fora.
Meus irmãos se pareciam com meu pai,
loiros de olhos claros. Eu amava ser
parecido com a minha mãe. Eu tinha seu
cabelo preto e seus olhos, o mesmo tom de
azul que os meus. Eu a amava mais do que
qualquer coisa.
Na volta para casa, eu tomei as chaves
das mãos de meu pai. Ele não queria me
entregar, reclamando que podia dirigir, mas
sua voz estava arrastada e andava tombando
para o lado. Ele me acusava por estagiar no
escritório do vovô e não no gabinete dele.
— Cale você a boca — eu pedi. — Você
está assustando o Lucas. Se quiser brigar
comigo, que seja lá em casa.
Eu olhava toda hora pelo retrovisor
verificando minha mãe. Ela estava no banco
de trás, segurando a mamadeira na boca do
Lucas, que estava sentado em sua cadeirinha.
Ela me pedia para manter a calma, eu
conhecia cada expressão que aqueles olhos
faziam.
— Para essa porcaria de carro — ele
gritava ao meu lado. — Eu vou dirigir.
Eu ri ironicamente.
— Você está bêbado, não enxergaria um
palmo à sua frente.
Ele se enfureceu ao meu lado e bateu em
meu rosto. Eu respirei fundo me
concentrando na estrada e acelerei, para que
pudesse chegar em casa o mais rápido
possível.
— Parem vocês dois — mamãe pediu. —
Vai devagar filho, toma cuidado.
Meu pai gritou e eu o ignorei, mas a fúria
dentro de mim crescia ao ouvir o choro
assustado de Lucas. Ele continuou pedindo
que eu encostasse, e cada vez que eu o
ignorava mais agressivo em suas palavras
ele ficava. Suas mãos foram para o volante
eu me desesperei. O carro perdeu o
equilíbrio, cantando pneu até capotar. Eu não
sei quantas vezes nós giramos lá dentro, mas
eu senti meu corpo sendo jogado com força
para todos os lados.
Eu ainda estava tonto quando recobrei a
consciência.
Nós estávamos de cabeça para baixo.
Havia vidro quebrado para todo lado. Eu
empurrei o airbag da minha frente e entrei
em pânico ao ver sangue em minhas mãos.
Eu não sabia se era meu, a dor que eu sentia
em todo o meu corpo era absurda. Quando
consegui soltar meu cinto de segurança eu
olhei para o lado. Meu pai estava
inconsciente, eu balancei seu corpo várias
vezes, mas ele não acordava. Sua cabeça
estava apoiada no airbag, mas seus braços
tinham profundos cortes e cacos de vidros
perfurados sobre sua pele. Com muito
sacrifício consegui me virar para trás. A
cadeirinha de Lucas estava suspensa no cinto
de segurança, e um alívio me tomou quando
eu vi seu pequeno corpinho respirando.
Minha mãe estava acordando, eu ouvi seu
gemido e suas mãos foram para sua cabeça.
Ela chorou desesperadamente olhando para
mim e tentou soltar seu cinto. Suas mãos
tremiam.
— Mãe, calma — eu pedi. — Eu te ajudo.
Nós tentamos soltá-la, mas seu cinto
estava preso. Eu chutei minha janela,
quebrando o resto de vibro que ainda tinha
ali e me arrastei para fora do carro. Eu fui
para o lado da minha mãe e puxei sua porta
sem resultado. Corri para o outro lado e
consegui abrir a porta do Lucas. Com
cuidado eu soltei o cinto de segurança que
segurava seu corpo suspenso e o puxei para
meu colo. Ele chorou quando acordou e
tossiu, inalando toda aquela fumaça.
— Tira ele daqui — minha mãe gritou.
Eu não sabia onde colocar o Lucas. O
choro assustado dele cortava meu coração,
mas eu precisava ajudar minha mãe, que
ainda brigava para se soltar de seu cinto. Eu
não sabia o que fazer, e o pânico novamente
me invadiu.
— Eu vou levar ele para a beira da
estrada, longe da fumaça e volto para te
ajudar — eu disse.
Ela ali, presa, lutando para sair do carro
me desesperava. Ela parou de lutar contra o
cinto e me olhou. As lágrimas que escorriam
pelo rosto da minha mãe eram como um
chute no estômago. Me tirava o ar e a dor
chegava a ser física.
— Marcelo, me escuta com atenção. Sai
daqui, leva o Lucas com você e vão para um
lugar seguro.
— Não — eu gritei desesperado. — Eu
não vou te deixar aqui. Eu vou voltar para te
buscar.
Ela sorriu, mesmo naquela situação ela
conseguia sorrir.
— Você é meu maior orgulho, eu tenho
muita sorte de ter um filho como você, e eu
espero que o Lucas também seja assim
quando crescer. — Havia algo em sua voz,
que me deixou alarmado. Era como se ela
estivesse se despedindo. — Por favor, cuida
do Lucas. Eu não confiaria ele a mais
ninguém. Você já é um homem feito, lindo em
todos os sentidos, e eu tenho certeza de que
o Lucas terá tanto orgulho de você como eu
tenho. Ele estará sob sua responsabilidade
agora, seja o exemplo que ele precisa.
— Por que você está falando isso? — eu
perguntei chorando. — Eu vou voltar para te
tirar daqui, mãe, fica calma. Eu só preciso
levar o Lucas para o acostamento.
— Eu sei disso meu filho, eu confio em
você — Ela disse me confortando. Mas, era
como se ela soubesse que era uma mentira.
— Por favor, nunca mude, por ninguém. A
pessoa perfeita para você está lá fora te
esperando, e ela vai te amar com todos os
seus defeitos. Não seja quem você não é
para agradar, e nunca se feche para o mundo.
Eu te amo, e vou te amar para sempre. Nunca
se esqueça disso. Diga ao Lucas e a Letícia
que eu os amei com todas as minhas forças
até meu último suspiro e, por favor, se cuide.
Ame como louco, se apaixone pela vida,
passeie muito naquela porcaria de duas
rodas que eu odeio, e nunca desista das
pessoas.
Antes que eu pudesse responder, eu ouvi
uma buzina ao fundo. Um caminhão estava
vindo em nossa direção e minhas pernas
travaram. Eu quis ajudar minha mãe a sair
dali, mas eu precisei correr com Lucas nos
braços para que não fossemos atropelados.
Eu tropecei e cai com Lucas no meu colo.
Minha cabeça bateu na grama. Eu ouvi uma
grande explosão antes de tudo ficar preto.
Capítulo 29
Luísa

Ouvir seu relato da noite do acidente


fez minha cabeça girar. Eu não conseguia
nem imaginar como foi para ele presenciar
aquela cena, e agora eu entendia porque ele
se culpava e porque se sentia responsável
pelo Lucas. Sua mãe deu a ele esta missão, e
ele se torturava por não ter sido capaz de
cumpri-la. Eu chorava descontroladamente
em seu colo. Seu rosto estava enterrado em
meu pescoço e eu o abraçava, sem ter
certeza se era para confortá-lo ou para me
confortar. Naquele momento eu não sabia
dizer quem precisava mais de quem.
Cristiano apareceu na sala de espera com
os olhos tristes, os ombros caídos e parecia
lutar para conseguir fazer suas pernas se
moverem.
— Ela quer falar com você, Marcelo —
ele avisou.
Eu me levantei e Marcelo beijou meus
lábios, como se buscasse forças para
continuar inteiro. Naquele momento eu tive
todas as minhas dúvidas eliminadas. Ele
seria meu futuro. Eu precisava dele tanto
quando ele parecia precisar de mim. Sua
confiança depositada em mim foi a prova de
que eu precisava para saber. Mesmo em
meio a tanta bagunça, ele era perfeito para
mim. E eu esperava ser perfeita para ele.
Aquela que a mãe disse que estava
esperando por ele em algum lugar.
Ele entrou no quarto de Letícia e saiu de
lá com o Cristiano, derrotado. Nós fomos
para o apartamento de Biel e ele e contou
que Letícia havia perdido o bebê. Ele se
culpava por não ter estado mais presente na
vida da irmã, por não ter ajudado ela com o
Lucas enquanto ele crescia. Ele chorava no
meu colo derramando todos os seus medos e
arrependimentos. Eu soube que o amava
naquele momento.
Uma semana havia se passado e Marcelo
ainda parecia triste. Seus olhos sem brilho,
os ombros caídos, as pernas se arrastando.
Eu dormi no apartamento do Biel com ele
todas as noites.
— Eu vou voltar para Curitiba — ele
anunciou.
Nós estávamos deitados em sua cama,
depois de passar o dia vendo filmes.
— Como assim?
— Meus irmãos precisam de mim. Letícia
vai precisar de apoio agora, e eu preciso
estar mais presente com o Lucas. Eu preciso
garantir que ele seja feliz, e se sinta amado
todos os dias, como eu sei que minha mãe
faria se ainda tivesse aqui. Aquele dia no
hospital você me fez enfrentar todos os
fantasmas do meu passado, e eu sei que
tenho muito a superar ainda. Mas, se você
estiver comigo, eu sei que consigo. — Seus
olhos transbordavam tanto amor e
dependência, que me fez suspirar. — Você
vai estar aqui? Eu vou precisar da sua ajuda.
Eu tomei seu rosto em minhas mãos e o
beijei. Depositei ali todo o meu amor e
esperei que ele soubesse que eu estaria ao
seu lado em cada segundo daqui para frente.
Biel entrou no quarto em um rompante,
nos assustando.
— Você tem camisinha aí? — ele pediu da
porta. — As minhas sumiram.
Eu ri da sua cara confusa. Marcelo me
olhou desconfiado e balançou a cabeça.
— Eu acho que tem na minha gaveta.
— Não — eu gritei os assustando. —
Não, usamos todas ontem, não tem nenhuma
camisinha.
Eles me olharam desconfiado, e eu
escondi minha boca com as mãos.
— Cadê minhas camisinhas, Luísa? —
Biel me perguntou entrando no quarto.
— Como é que eu vou saber? Nunca
entrei no seu quarto.
Ele me olhou como se tivesse me
analisando e se virou para o primo.
— A Carol veio alguma vez aqui nas
últimas semanas?
Marcelo estranhou a pergunta e me olhou.
— Só aquela vez que ela veio te buscar,
não foi? Mas, acho que ela nem entrou no
apartamento.
Biel suspirou frustrado e passou a mão
pelo rosto.
— Eu sabia! Aquela pilantra. Ela roubou
minhas camisinhas, não tem nenhuma na
minha gaveta, nenhuma. E ela sabia onde eu
as guardava. — Eu gargalhava ouvindo suas
reclamações. — Vai ter troco, ela vai ver.
Nós rimos e ele saiu do quarto. Eu contei
ao Marcelo o que a Carol havia feito e ele
ria comigo. Minutos depois ouvimos passos
no corredor e a porta da sala bateu com
força. Seja quem for que estivesse ali, ficou
sem sexo hoje.
Na manhã seguinte chovia. Eu via pela
janela as águas caindo lá fora. Marcelo já
estava trabalhando no escritório com a
gente. Na semana seguinte iríamos para o
Rio preparar sua mudança, já que ele estava
se mudando para o apartamento do Biel.
Ele saiu mais cedo para acompanhar o
avô em uma audiência. Rafa já havia ido
embora e Adri tinha uma reunião. Nenhum
deles poderia me dar carona, e como eu
havia ido com o Marcelo e o Biel de carro
eu teria que ir embora de táxi.
Eu abri meu guarda-chuva, colocando
meus fones de ouvido e sai do prédio.
Marcelo estava parado na minha frente, com
as mãos nos bolsos e sorrindo. A água caia
sobre seu rosto e colando os cabelos na
testa.
— Você sabe que eu te amo, né? — ele
perguntou. — Normalmente é a mulher que
assusta o homem com esta declaração, mas
eu nunca segui os protocolos e não vou
começar agora. Eu não vou te prometer uma
vida tranquila, nem um conto de fadas. Mas,
posso prometer tentar ser melhor a cada dia,
por você. Eu te prometo uma vida cheia de
briga, de muito sexo, de mordidas e de
muitos tapas. Esta parte é sua. — Ele me
olhava com um sorriso torto nos lábios.
Daquele jeito brincalhão e trapaceiro, que
eu havia aprendido a amar. — Basta me
escolher e eu vou fazer da sua vida uma
bagunça, mas eu prometo que você vai amar
cada segundo.
O timing da nossa playlist nunca foi tão
perfeito. Um fone ainda estava na minha
orelha, e em meio a toda sua declaração, a
voz de Sara Bareilles nunca foi tão bem-
vinda como naquele momento.
Ele estendeu as mãos para mim, me
chamando para a chuva.
Eu escolheria isso? Eu o escolheria?
Eu soltei o guarda-chuva e segurei suas
mãos. Puxei um dos fones de ouvido e
coloquei em sua orelha. Ele estranhou no
começo, mas quando ouviu a letra que estava
tocando seus olhos brilharam de animação.
Ele me segurou pela coxa e me puxou para
seu colo. Seu beijo era apaixonante. Seus
lábios nunca foram doces e gentis, e eu
amava.
— Eu escolho você — eu disse, tocando
seu rosto e fazendo seus olhos encontrarem
os meus. — E só para você saber, eu te amo
também.
Ele me abraçou apertado, e deixamos que
a música em nossos ouvidos embalasse
aquele momento.

“We are not perfect


We'll learn from our mistakes
And as long as it takes
I will prove my love to you

I am not scared of the elements


I am underprepared, but I am willing
And even better
I get to be the other half of you

Tell the world that we finally got it all


right
I choose you
I will become yours and you will become
mine
I choose you, I choose you. “
Epílogo
Estávamos aproveitando o final de
semana no Rio. O caminhão de mudança de
Marcelo chegaria no dia seguinte. Nós nos
despediríamos de Pedro, Alice e as crianças
em um jantar hoje à noite, na casa do
Marcelo. Seria a última vez que ele
cozinharia naquela cozinha.
Eu finalmente aceitei todos os seus
defeitos e os abracei. Eram alguns bem
difíceis de lidar, e continuávamos brigando e
nos desentendendo, principalmente pelo
ciúme que ele tinha. Mas, secretamente? Eu
amava todas as nossas crises.
Eu aprendi a gostar da sua bagunça. Do
seu jeito estourado e de como ele sempre
conseguia me irritar. Ele havia me
convencido a finalmente ter coragem e
aceitar os desafios da vida.
E aqui estava eu, voando.
Lipe estava atrás de mim conduzindo todo
nosso caminho de aterrissagem. Eu gritei
apavorada quando começamos a correr em
direção ao nada. Ainda me apavorava mexer
os pés agora e não sentir nada sob eles. E
isso parecia muito uma ironia de vida de
como eu a Marcelo éramos. Em nossa
relação eu nunca tinha certeza de nada, e
ainda sim eu saltava em direção a ele,
esperando que ele me pegasse.
Eu finalmente vi a praia sob meus pés, e a
imagem era realmente apaixonante. Eu via as
pessoas nadando, as crianças correndo, até
mesmo alguns golfinhos ao longe. Eu olhava
para a areia procurando por Marcelo que
havia saltado de asa-delta antes de mim.
Antes que eu reconhecesse seu corpo, uma
imagem na areia chamou minha atenção.
Havia um coração enorme desenhado. Eu
suspeitava daqui de cima que fossem velas e
flores, porque havia luz e muito colorido.
No centro deste coração havia uma pergunta
que dizia:

“Quer ser minha para sempre?”

Meus olhos arderam, e se não fosse pelo


vento forte secando meus olhos, eu tenho
certeza de que cairiam lágrimas.
Nós corremos aterrissando na areia e eu
não conseguia me livrar do meu
equipamento, rápido o suficiente. Eu me
perdi várias vezes tentando me soltar e Lipe
ria ao meu lado me ajudando. Quando
finalmente me livrei de tudo que me prendia,
eu corri. Corri o mais rápido que minhas
pernas pequenas e atrapalhadas podiam.
Marcelo me esperava de braços abertos,
segurando alguma coisa nas mãos.
Quando finalmente meu corpo se chocou
ao dele, eu pulei em seu colo para o beijo
mais rápido e eufórico. Minhas mãos ainda
estavam geladas da adrenalina de descer de
parapente, mas eu me sentia livre e corajosa,
exatamente como Marcelo me via.
— Eu quero te pedir uma coisa — ele
falava, com os lábios colados aos meus. —
Eu não estou te pedindo em casamento, não
vamos ficar noivos, mas eu quero te dar uma
coisa.
Ele me colocou no chão e eu olhei para
ele preocupada.
— Eu peguei isso no meu quarto semana
passada. E meu quarto que eu digo é aquele
que você conheceu quando fomos visitar a
Letícia na semana passada. Por muitos anos
eu não tive coragem de entrar naquele
apartamento de novo, por toda a lembrança
da minha vida com a minha mãe. Eu sempre
pensei que fosse triste entrar no lugar onde
eu cresci toda minha vida e não ter ela me
esperando. Eu não posso nem imaginar o
quanto sou grato a você por toda a força que
você me dá, por todo suporte, por todo
carinho, por nunca me julgar, nem pedir para
eu mudar. Mesmo quando você odeia muita
coisa que eu faço.
Eu ria ouvindo sua declaração, e agora
sem o vento as lágrimas desciam por minhas
bochechas.
— Você me escolheu, e eu te escolhi
também. Eu enfrentei todos os meus medos e
traumas, e você me ajudou a superar cada
um. Eu tenho certeza sobre nós, e eu espero
que você tenha também e aceite isso. — Ele
abriu um porta-joias, e um solitário de
diamante estava ali. — Como eu disse, eu
peguei no meu quarto semana passada.
Minha mãe ganhou do meu pai quando eles
noivaram, e isso parece brega na minha
cabeça, mas eu quero que você aceite.
Repetindo que não é um pedido de
casamento, eu só quero que você use este
anel, como um sinal de que quer partilhar da
sua vida comigo. Então, eu quero saber, qual
a resposta para aquela pergunta que você leu
lá em cima?
Minhas mãos foram para minha boca e eu
sabia que a cena não era nada agradável.
Devia estar descabelada pelo vento e com
os olhos inchados, mas eu não me importei.
Nada mais me importava quando eu olhava
para ele.
— Sim — eu gritei, finalmente colocando
para fora toda a minha euforia. — Sim, eu
aceito ser sua pra sempre. Sim, eu aceito
este não pedido de casamento. Sim, eu
aceito não ser sua noiva depois que pôr este
anel no meu dedo. E por fim, sim eu aceito
você.
Ele me olhou com um grande sorriso nos
lábios e deslizou o anel pelo meu anelar. Era
simples, de ouro, com pequenos diamantes
por toda a volta do anel e um solitário no
centro. Não era nada grande ou extravagante,
e ainda sim, era o anel mais lindo que eu já
havia visto.
Eu toquei seu rosto com minhas mãos e
acariciei sua bochecha.
— Eu te amo tanto, Marcelo, que até me
assusta. Você foi um idiota por muitas vezes
e por muito tempo, e você continua sendo,
mas é o idiota mais apaixonante que eu
conheço. Você disse uma vez que eu invadi
seu mundo pulando de escadinha, mas você
entrou no meu mundo como uma avalanche e
bagunçou tudo. Eu amei cada briga, amei
cada beijo e amei cada segundo desde que
nos conhecemos. Eu prometo te amar, te
apoiar, estar ao seu lado em todos os
momentos que precisar. Você é a minha
bagunça perfeita, e eu não poderia escolher
alguém melhor para mim, nem se eu
quisesse. Você é de longe alguém que pensei
que precisava e sonhava, mas você superou
todas as minhas expectativas. Eu escolhi
você, e sempre vou escolher. Então, com
toda a certeza do mundo minha resposta é
sim. Eu quero ser sua para sempre.
Ele me tomou em seus braços e me beijou,
derramando ali todo seu amor por mim. Eu
podia sentir isso a cada toque, a cada beijo,
a cada carícia. Ele me amava mais do que eu
sonhei um dia ser amada.
— E você? — eu perguntei. — Quer ser
meu para sempre?
— Quero, eu sempre vou ser seu.
Ele riu e me carregou no colo para a água.
Eu olhei para a areia e confirmei as flores e
velas que desenharam o coração que eu vi lá
de cima.
— Você é bem romântico, sabia?
Ele deu de ombros e beijou meu pescoço.
— Seus filmes de mulherzinha me ajudam.

Fim.
Agradecimentos

“Escreva sobre o que você sabe”


Eu li e ouvi muito essa frase por ai, e ela
não poderia ser mais verdadeira.
Terminar este livro foi um desafio. Eu
quis provar a mim mesma que, ao menos
uma vez na vida, eu seria capaz de terminar
algo que comecei. E eu fiz.
Eu preciso agradecer a Renata Lopes, por
ser uma mulher maravilhosa. Você foi tão
compreensível comigo com esta vontade de
escrever um livro, me incentivando e me
apoiando a cada vez que eu te contava sobre
o que eu estava fazendo. Você que palpitou
todas as capas que eu editada, me ajudou a
escolher imagens, fez algo para eu comer
quando me via passar horas em frente ao
computador trabalhando. Eu serei
eternamente grata a você por todo apoio e
carinho que sempre teve comigo, não só com
este livro, mas com todos os anos da minha
vida. Eu sou muito orgulhosa da mulher forte
e batalhadora que você é, e apesar de todas
as brigas que tivemos e vamos ter, espero
que se orgulhe de mim também. Começando
por este livro. Eu te amo, mãe.
A Bárbara Pinheiro e Carlie Ferrer,
estiveram comigo o tempo todo. Por muitas
vezes sonhamos juntas, e eu espero poder
realizar cada sonho com vocês ao meu lado.
Vocês acreditaram tanto em mim, que eu
acreditei também. O incentivo e a fé que
depositaram em mim é algo que eu nunca
vou esquecer. Vocês dedicaram dias a este
livro comigo, para que ele ficasse perfeito.
E ele ficou. Tudo que passa pelas mãos de
vocês, não fica menos do que perfeito. Vocês
que por muitas vezes me ergueram quando eu
cai, e não falo só sobre escrever, mas de
todas as vezes em que estiveram ali quando
precisei. Muitas risadas, lágrimas e
confissões foram compartilhadas, e eu tenho
por vocês um carinho tão grande, que não
saberia medir. Obrigada por todas as
broncas, por todos os conselhos, por todas
as palavras de incentivo e por todo o amor
que vocês me deram. Eu sei que não sou
fofa, e que não sou de falar o quanto amo
vocês e sou grata por tê-las na minha vida,
mas espero que minhas atitudes não deixem
que vocês esqueçam isso. Obrigada minhas
amigas, companheiras de trabalho e irmãs de
alma. Se eu finalizei este livro, é por vocês.
(Agradeçam a elas, leitores.)
A minha família. Avó, tios, tias, primos.
Vocês que nem mesmo sabiam sobre o que
eu ia escrever, mas ficaram animados e me
incentivaram para ter uma escritora na
família. Ao meu padrasto, que mesmo sem
ler uma única página dos meus rascunhos,
ficou feliz por minha decisão e me apoiou.
Eu espero poder escrever o seu livro, um
dia.
A Ariadne Monteiro, por melhorar minha
playlist e acreditar no meu talento, no
segundo em que eu cogitei a hipótese de um
dia escrever. Obrigada por acreditar em
mim. Às minhas amigas Ana Salata e Juliana
Almeida, que quando souberam que eu
estava escrevendo um livro, ficaram
empolgadas comigo. A Bia Bebianno, por
me apresentar livros maravilhosos que me
inspiraram a escrever e por me encorajar
quando disse que escreveria também.
A Juliana Parrini, que foi a primeira
autora que conheci no Wattpad. Por ser
sempre atenciosa e paciente a cada vez que
te procurei para conversar. E por não me
achar louca quando pulei e cima de você
quando te conheci. Eu disse a você quando
comecei a publicar meu livro, que você era
uma das razões pelo qual eu havia começado
a escrever. Então obrigada por me inspirar a
concretizar esta ideia. A Jamie McGuire,
Abbi Glines e Colleen Hoover (sim, elas já
sabem que vão ter um exemplar mesmo que
não entendam nada de português) por me
fazer apaixonar por cada personagem, por
me inspirar a ser uma escritora, e por
sempre curtir, comentar e responder inbox
toda vez que estou stankiando vocês na
internet.
Às amigas que conheci neste mundo
literário: Maria Fernanda, Ale Lacombe,
Jessica Souza, Emily Amaral, Denise
Bernardes, Marta Gomes, Melody Olivatti,
Sara Yasminne, Andrezza Mota, Alexandra
ribeiro, Mia Klein, Catarina Speranza,
Kamila Cavalcante, Rosa Alexandrina.
Obrigada por todas as risadas em chats de
WhatsApp e por sempre comentarem sobre
BME comigo.
Aos meus leitores do Wattpad: Simone
Camargo, Tanielly Sommer Guedes, Yanca
Marques, Nathalia Fernandes, Carla
Carvalho, Lanny Silva, Nathalie Graf Guide,
Juliana Maria, Juliana Ribeiro, Lyssa
Camargo, Grazielle de Oliveira, Suzan Such,
Luana Correa, Kédma Assis, Natália
Provesi, Ariely Veleda, Thais Kathleen,
Andréia Machado, Jaine Oliveira, Vanessa
Ferrianci, Thaynara Fernandes, Anne
Cristina, Bruna Ayres, Gabrielle Santana,
Veronica, Maria Laís, Michelly Bonifacio,
Suellen Elisabeth, Adriana Lopes, Lorena
Figueirôa, Luana Salles, Ruth Cunha,
Monica Medeiros, Vic Gonçalves, Yonesse,
Manuela Ribeiro, Regiane Borsari, Denise
Lopes, Tailane Oliveira, Lissandra Santos,
Cris Fermino, Andrea Ramos, Rebeca
Xavier, Naomi Francieli, Ariany Karla. Eu
não poderia nem conseguiria citar todos,
mas estes nomes tem um lugar especial.
Vocês estão desde o começo em cada
capitulo ali batendo ponto, votando,
comentando, divulgando no facebook,
conversando comigo inbox, me marcando em
postagens. Ah, e já peço desculpa
antecipadamente por quem não está aqui.
Obrigada por me aceitarem tão bem, e por
me ajudarem a crescer como escritora.
E por fim, mas não menos importante:
Amanda Lopes.
Você persistiu, chorou, escreveu e
conseguiu. Parabéns pela sua conquista,
você merece.
(Eu tive muito trabalho nesse livro para
não estar na dedicatória.)
Contato com a autora

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E-mail:
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