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Cidade sustentável: um conceito em construção - 1

Organizadoras

Jeane Ap. R. de Godoy Rosin


Sandra Medina Benini

CIDADE SUSTENTÁVEL
um conceito em construção

1ª Edição

ANAP
Tupã/SP
2018
2

EDITORA ANAP
Associação Amigos da Natureza da Alta Paulista
Pessoa de Direito Privado Sem Fins Lucrativos, fundada em 14 de setembro de 2003.
Rua Bolívia, nº 88, Jardim América, Cidade de Tupã, São Paulo. CEP 17.605-310.
Contato: (14) 99808-5947 e 99102-2522
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Editoração e Diagramação da Obra - Sandra Medina Benini


Revisão Ortográfica - Smirna Cavalheiro

Ficha Catalográfica

R821c Cidade sustentável: um conceito em construção / Jeane Ap. R. de


Godoy Rosin; Sandra Medina Benini (orgs). 1 ed. – Tupã: ANAP, 2018.

300 p; il.; 14.8 x 21cm

ISBN 978-85-68242-84-1

1. Cidade 2. Arquitetura 3. Meio Ambiente


I. Título.

CDD: 710
CDU: 710/49

Índice para catálogo sistemático


Brasil: Planejamento Urbano
Cidade sustentável: um conceito em construção - 3

CONSELHO DE EDITORIAL

Prof. Dr. Adeir Archanjo da Mota - UFGD


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Prof. Dr. Alexandre França Tetto - UFPR
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Profa. Dra. Aline Werneck Barbosa de Carvalho - UFV
Prof. Dr. Alyson Bueno Francisco - CEETEPS
Profa. Dra. Ana Klaudia de Almeida Viana Perdigão - UFPA
Profa. Dra. Ana Lúcia de Jesus Almeida - UNESP
Profa. Dra. Ana Lúcia Reis Melo Fernandes da Costa - IFAC
Profa. Dra. Ana Paula Branco do Nascimento – UNINOVE
Profa. Dra. Ana Paula Fracalanza – USP
Profa. Dra. Ana Paula Novais Pires
Profa. Dra. Ana Paula Santos de Melo Fiori - IFAL
Prof. Dr. André de Souza Silva - UNISINOS
Profa. Dra. Andrea Aparecida Zacharias – UNESP
Profa. Dra. Andrea Holz Pfutzenreuter - UFSC
Prof. Dr. Antonio Fábio Sabbá Guimarães Vieira - UFAM
Prof. Dr. Antonio Marcos dos Santos - UPE
Profa. Dra. Arlete Maria Francisco - FCT/UNP
Profa. Dra. Beatriz Ribeiro Soares - UFU
Profa. Dra. Carla Rodrigues Santos - Faculdade FASIPE
Prof. Dr. Carlos Andrés Hernández Arriagada
Profa. Dra. Carmem Silvia Maluf - Uniube
Profa. Dra. Célia Regina Moretti Meirelles - UPM
Prof. Dr. Cesar Fabiano Fioriti - FCT/UNESP
Prof. Dr. Cledimar Rogério Lourenzi - UFSC
Profa. Dra. Cristiane Miranda Martins - IFTO
Profa. Dra. Daniela de Souza Onça - FAED/UESC
Prof. Dr. Darllan Collins da Cunha e Silva - UNESP
Profa. Dra. Denise Antonucci - UPM
Profa. Dra. Diana da Cruz Fagundes Bueno - UNITAU
Prof. Dr. Edson Leite Ribeiro - Unieuro - Brasília / Ministério das Cidades
Prof. Dr. Eduardo Salinas Chávez - Universidade de La Habana, PPGG, UFGD-MS
Prof. Dr. Edvaldo Cesar Moretti - UFGD
Profa. Dra. Eliana Corrêa Aguirre de Mattos - UNICAMP
Profa. Dra. Eloisa Carvalho de Araujo - UFF
Profa. Dra. Eneida de Almeida - USJT
Prof. Dr. Erich Kellner - UFSCar
Prof. Dr. Eros Salinas Chàvez - UFMS /Aquidauana Post doctorado
Profa. Dra. Fátima Aparecida da SIlva Iocca - UNEMAT
Prof. Dr. Felippe Pessoa de Melo - Centro Universitário AGES
Prof. Dr. Fernanda Silva Graciani - UFGD
Prof. Dr. Fernando Sérgio Okimoto - UNESP
Profa. Dra. Flávia Akemi Ikuta - UMS
4

Profa. Dra. Flávia Maria de Moura Santos - UFMT


Profa. Dra. Flávia Rebelo Mochel - UFMA
Prof. Dr. Flavio Rodrigues do Nascimento - UFC
Prof. Dr. Francisco Marques Cardozo Júnior - UESPI
Prof. Dr. Frederico Braida Rodrigues de Paula - UFJF
Prof. Dr. Frederico Canuto - UFMG
Prof. Dr. Frederico Yuri Hanai - UFSCar
Prof. Dr. Gabriel Luis Bonora Vidrih Ferreira - UEMS
Profa. Dra. Gelze Serrat de Souza Campos Rodrigues - UFU
Prof. Dr. Generoso De Angelis Neto - UEM
Prof. Dr. Geraldino Carneiro de Araújo - UFMS
Profa. Dra. Gianna Melo Barbirato - UFAL
Prof. Dr. Glauco de Paula Cocozza - UFU
Profa. Dra. Isabel Crisitna Moroz Caccia Gouveia - FCT/UNESP
Profa. Dra. Jakeline Aparecida Semechechem - UENP
Prof. Dr. João Cândido André da Silva Neto - UEA
Prof. Dr. João Carlos Nucci - UFPR
Prof. Dr. João Paulo Peres Bezerra - UFFS
Prof. Dr. João Roberto Gomes de Faria - FAAC/UNESP
Prof. Dr. José Aparecido dos Santos - FAI
Prof. Dr. José Manuel Mateo Rodriguez – Universidade de Havana – Cuba
Prof. Dr. José Queiroz de Miranda Neto – UFPA
Prof. Dr. José Seguinot - Universidad de Puerto Rico
Prof. Dr. Josep Muntañola Thornberg - UPC -Barcelona, Espanha
Prof. Dr. Josinês Barbosa Rabelo - UFPE
Profa. Dra. Jovanka Baracuhy Cavalcanti Scocuglia - UFPB
Profa. Dra. Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro - FEA
Prof. Dr. Junior Ruiz Garcia - UFPR
Profa. Dra. Karin Schwabe Meneguetti - UEM
Prof. Dr. Leandro Gaffo - UFSB
Profa. Dra. Leda Correia Pedro Miyazaki - UFU
Profa. Dra. Leonice Seolin Dias - ANAP
Profa. Dra. Lidia Maria de Almeida Plicas - IBILCE/UNESP
Profa. Dra. Lisiane Ilha Librelotto - UFS
Profa. Dra. Luciana Ferreira Leal - FACCAT
Profa. Dra. Luciana Márcia Gonçalves - UFSCar
Prof. Dr. Marcelo Campos - FCE/UNESP
Prof. Dr. Marcelo Real Prado - UTFPR
Profa. Dra. Marcia Eliane Silva Carvalho - UFS
Profa. Dra. Márcia Eliane Silva Carvalho - UFS
Prof. Dr. Márcio Rogério Pontes - EQUOIA Engenharia Ambiental LTDA
Profa. Dra. Margareth de Castro Afeche Pimenta - UFSC
Profa. Dra. Maria Ângela Dias - UFRJ
Profa. Dra. Maria Ângela Pereira de Castro e Silva Bortolucci - IAU
Profa. Dra. Maria Augusta Justi Pisani - UPM
Profa. Dra. María Gloria Fabregat Rodríguez - UNESP
Profa. Dra. Maria Helena Pereira Mirante – UNOESTE
Profa. Dra. Maria José Neto - UFMS
Profa. Dra. Maristela Gonçalves Giassi - UNESC
Profa. Dra. Marta Cristina de Jesus Albuquerque Nogueira - UFMT
Cidade sustentável: um conceito em construção - 5

Profa. Dra. Martha Priscila Bezerra Pereira - UFCG


Prof. Dr. Maurício Lamano Ferreira - UNINOVE
Prof. Dr. Miguel Ernesto González Castañeda - Universidad de Guadalajara - México
Profa. Dra. Natacha Cíntia Regina Aleixo - UEA
Profa. Dra. Natália Cristina Alves
Prof. Dr. Natalino Perovano Filho - UESB
Prof. Dr. Nilton Ricoy Torres - FAU/USP
Profa. Dra. Olivia de Campos Maia Pereira - EESC - USP
Profa. Dra. Onilda Gomes Bezerra - UFPE
Prof. Dr. Oscar Buitrago - Universidad Del Valle - Cali, Colombia
Prof. Dr. Paulo Alves de Melo – UFPA
Prof. Dr. Paulo Augusto Romera e Silva – DAEE - SP
Prof. Dr. Paulo Cesar Rocha - FCT/UNESP
Prof. Dr. Paulo Cesar Vieira Archanjo
Profa. Dra. Priscila Varges da Silva - UFMS
Profa. Dra. Regina Célia de Castro Fereira - UEMA
Prof. Dr. Renan Antônio da Silva - UNESP - IBRC
Prof. Dr. Ricardo de Sampaio Dagnino - UNICAMP
Prof. Dr. Ricardo Toshio Fujihara - UFSCar
Profa. Dra. Risete Maria Queiroz Leao Braga - UFPA
Prof. Dr. Rodrigo Barchi - UNISO
Prof. Dr. Rodrigo Cezar Criado - TOLEDO Prudente Centro Universitário
Prof. Dr. Rodrigo Gonçalves dos Santos - UFSC
Prof. Dr. Rodrigo José Pisani - UNIFAL-MG
Prof. Dr. Rodrigo Simão Camacho - UFGD
Prof. Dr. Ronaldo Rodrigues Araujo - UFMA
Profa. Dra. Roselene Maria Schneider - UFMT
Prof. Dr. Salvador Carpi Junior - UNICAMP
Profa. Dra. Sandra Mara Alves da Silva Neves - UNEMAT
Prof. Dr. Sérgio Augusto Mello da Silva - FEIS/UNESP
Prof. Dr. Sergio Luis de Carvalho - FEIS/UNES
Profa. Dra. Sílvia Carla da Silva André - UFSCar
Profa. Dra. Silvia Mikami G. Pina - Unicamp
Profa. Dra. Simone Valaski - UFPR
Profa. Dra. Sueli Angelo Furlan - USP
Profa. Dra. Tânia Paula da Silva - UNEMAT
Profa. Dra. Vera Lucia Freitas Marinho – UEMS
Prof. Dr. Vilmar Alves Pereira - FURG
Prof. Dr. Vitor Corrêa de Mattos Barretto - FCAE/UNESP
Prof. Dr. Xisto Serafim de Santana de Souza Júnior - UFCG
Profa. Dra. Yanayne Benetti Barbosa
6

ORGANIZADORAS DA OBRA

Jeane Ap. R. de Godoy Rosin


Professora e Pesquisadora do UNIVAG - Centro Universitário de Várzea Grande-MT. Possui
Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Tupã
(1986), Especialização em Planejamento e Gestão Municipal pela FCT/UNESP (2004), Mestrado
em Direito do Estado pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília (2011) e Doutorado em
Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP (2016) e Pós-doutorado
em Arquitetura e Urbanismo pela FAAC/UNESP - Campus de Bauru-SP (2018). Tem experiência
na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase no Planejamento Urbano e Regional, atuando
principalmente nos seguintes temas: gestão pública, sustentabilidade urbana, projetos de
intervenção urbanística/requalificação de espaços públicos e políticas públicas atreladas ao
direito à cidade.

Sandra Medina Benini


Professora e Pesquisadora do UNIVAG - Centro Universitário de Várzea Grande-MT. Possui
Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Marília (1995), Bacharelado em
Direito pela Faculdade de Direito da Alta Paulista (2005), Licenciatura em Geografia pelo Centro
Universitário Claretiano de Batatais (2014), Especialização em Administração Ambiental pela
Faculdade de Ciências Contábeis e Administração de Tupã (2005), Especialização em Engenharia
de Segurança do Trabalho (2008), Mestrado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho (2009), Doutorado em Geografia na Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho (2015), Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pelo PPGAU/FAU Mackenzie
(2016) e Pós-doutorado em Arquitetura e Urbanismo (PNPD/Capes) pela FAAC/UNESP - Campus
de Bauru-SP (2017). Tem experiência na área de Planejamento Urbano e Regional,
Planejamento Ambiental e Direito Urbanístico, atuando principalmente nos seguintes temas:
políticas públicas, política urbana, gerenciamento de cidades e gestão ambiental.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 7

SUMÁRIO

Prefácio ............................................................................................ 11
Adalberto da Silva Retto Junior

Capítulo 1 ......................................................................................... 15

DIREITO À CIDADE: UM PROCESSO EM CONSTRUÇÃO


Jeane Ap. R. de Godoy Rosin

Capítulo 2 ........................................................................................ 33

SUSTENTABILIDADE: HISTÓRICO E PERSPECTIVAS


Angélica Carvalho Cunha; Nayele Macini; Diego Bexiga Moreira de
Carvalho; Ligiane Aparecida Florentino; Fernando Ferrari Putti

Capítulo 3 ......................................................................................... 51
CONTRIBUIÇÕES DA TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO PARA O
MAPEAMENTO DE CONFLITOS FUNDIÁRIOS URBANOS NOS
ESTADOS BRASILEIROS
Rachel Lopes Queiroz Chacur; Celso Maran de Oliveira

Capítulo 4 ......................................................................................... 67

O VALOR DA TERRA NOS ÚLTIMOS 20 ANOS NA ÁREA URBANA


DE SÃO CARLOS-SP- USO DE FERRAMENTAS SIG
Yanayne Benetti Barbosa; Luciana Marcia Gonçalves; José
Augusto de Lollo

Capítulo 5 ......................................................................................... 83

INFRAESTRUTURA VERDE COMO UM ELEMENTO ESTRUTURANTE


DA PAISAGEM URBANA
Sandra Medina Benini; Norma Regina Truppel Constantino

Capítulo 6 ......................................................................................... 107

GESTÃO INTEGRADA DE PROJETOS SUSTENTÁVEIS EM


MUNICÍPIOS DE MÉDIO PORTE
Katia Sakihama Ventura; Paulo Vaz Filho; Luciana Marcia
Gonçalves
8

Capítulo 7 ....................................................................................... 125

INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE PARA AVALIAÇÃO DE


EDIFICAÇÃO: O CASO DA “ECOVILA BAMBU”
Obede Borges Faria; Renata Cardoso Magagnin; Vanessa Tiemi
Narimatsu; Andréia Soares Gonçalves Glavina

Capítulo 8 ........................................................................................ 141

HABITAÇÃO EMERGENCIAL: PROPOSTA DE PROJETO COM FOCO


NA SUSTENTABILIDADE
Geraldo Milioli; Michele Waterkemper Casagrande Matos

Capítulo 9 ......................................................................................... 161

AS TECNOLOGIAS PARA SUPERAÇÃO DAS BARREIRAS E A


INCLUSÃO ARQUITETÔNICA E URBANÍSTICA DE PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA E IDOSOS
Roberto Righi; Lucas de Souza Ramalhaes Feitosa

Capítulo 10 ....................................................................................... 185

ETIQUETAGEM DE EDIFÍCIOS NAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O


FUTURO DAS CIDADES
Clara Ovídio de Medeiros Rodrigues; Alice Ruck Drummond Dias;
Marcela de Melo Germano da Silva Jankovic; Flávia Laranjeira
Costa de Assis; Aldomar Pedrini

Capítulo 11 ....................................................................................... 199

ARQUITETURA BIOCLIMÁTICA E SUSTENTÁVEL: UM EXERCÍCIO


EM HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL EM SERGIPE
Carla Fernanda Barbosa Teixeira; Larissa Scarano Pereira Matos
da Silva

Capítulo 12 ....................................................................................... 217

EFEITOS MICROCLIMÁTICOS DA VERTICALIZAÇÃO EM ZONA


URBANA RESIDENCIAL
Karyna de Andrade Carvalho Rosseti; Tayna Franco Malange;
Wennder Tharso Oliveira da Silva Martins; Luciane Cleonice
Durante; Ivan Julio Apolonio Callejas
Cidade sustentável: um conceito em construção - 9

Capítulo 13 ...................................................................................... 235

EM BUSCA DA EFICIÊNCIA ENERGÉTICA EM EDIFICAÇÕES:


INTEGRAÇÃO DA SIMULAÇÃO TERMOENERGÉTICA NAS
PRIMEIRAS FASES DO PROCESSO DE PROJETO
Clara Ovídio de Medeiros Rodrigues; Aldomar Pedrini

Capítulo 14 ...................................................................................... 257

INCORPORAÇÃO DE RESÍDUOS EM TELHAS: POTENCIALIDADES


PARA MELHORIA DA AMBIÊNCIA TÉRMICA EM HABITAÇÕES
Ivan Julio Apolonio Callejas; Luciane Cleonice Durante; Monique
Caroline Mendes Duarte; Karyna de Andrade Carvalho Rosseti;
Bruna Guimarães de Souza

Capítulo 15 ...................................................................................... 279

VIABILIDADE AMBIENTAL E TÉCNICA DE REUSO DA AREIA


DESCARTADA DE FUNDIÇÃO NA PRODUÇÃO DE PAVERS
Sueli Tavares de Melo Souza; Isadora Guizilini; Tatiane Cristina Dal
Bosco
10
Cidade sustentável: um conceito em construção - 11

PREFÁCIO

A obra “Cidade Sustentável: um conceito em construção”, possui


abordagem teórica ampla, e explora a questão da sustentabilidade urbana,
entendida como o derradeiro desafio para a melhoria das condições
ambientais atuais do planeta, das esferas mais altas do governo ao nível de
uma cidadania comprometida. O quadro de referência descrito, mais que
apresentar soluções generalistas, explora casos particularizados à luz de
cenários futuros, que demonstram que tal conceito deve ser construído no
tempo, como explicitado no subtítulo, e com o objetivo maior de interrogar
o território e superar os mecanismos tradicionais de análises, provocando
novos impulsos às interpretações abertas e à interação entre as paisagens
existentes e àquelas imaginadas, recuperando nossa capacidade visionária,
para que possamos passar de uma fase programática para àquela
pragmática e estratégica.
A pesquisa sobre o futuro urbano se multiplicou e dentro deste
enorme campo de experimentação que envolve o tema da sustentabilidade,
sendo que algumas vertentes de investigação assumiram maior evidência
que outras, ou pareceram mais significativas para descrever a situação
contemporânea. As experiências relatadas, por um lado, demonstram que
de fato existe uma inerente mudança implicando em novas formas de
leituras, mas, também, e principalmente, que esse estado atual abrange as
diferentes maneiras de imaginar o futuro a partir do reexame de conceitos e
reorganizações de instrumentos normativos, para adquirir a consciência que
é preciso ter mais do que um olhar inquisitivo sobre o mundo, mas,
sobretudo, que essa visão possa ser um discurso sobre ele.
O campo de aplicação da sustentabilidade, na verdade, é tão amplo
quanto seu significado, e levou a um deslocamento da atenção no campo
urbanístico: mais que projetos definitivos e acabados, busca-se a
identificação de escolhas estratégicas, diretrizes que definem a
reorganização da ocupação do território e seus possíveis desenvolvimentos
a médio e longo prazo. As implicações são numerosas, tornando-se não
apenas uma discussão sobre a prática de um desenho sustentável, mas
também sobre a ética do próprio projeto.
12

Apesar da importância dos significados econômicos e sociais da


sustentabilidade, o livro ressalta um sentido amplo do ambiente, que inclui
não apenas a dimensão ecológica e energética, mas também a estética e
funcional, na escala da cidade e do território: por um lado, o uso de
estratégias de planejamento bioclimático com o propósito de qualificação
morfológica; por outro, o desenho da forma urbana assume o propósito de
tornar o assentamento mais eficiente do ponto de vista energético e
ambiental. Além disso, a sustentabilidade aparece exemplificada em várias
escalas: do projeto do edifício, passando pelo planejamento urbano e
territorial e de partes de cidade.
Especialmente devido a esta dilatação escalar, é que disciplinas
outrora distantes convergem e integram-se ao desenho, superando a rigidez
setorial que caracterizou a cultura do desenho e o confinamento de
questões energéticas ligadas somente ao projeto na escala do edifício. O
que se tem documentado no presente livro compreende o conhecimento de
projetos e de normas que inserem a sustentabilidade na escala da cidade e
do território: projetos urbanos, integrando os critérios de construção verde
no tratamento de sistemas urbanos, tecidos e, acima de tudo, espaços
abertos de uso coletivo, reforçando a ideia de que sustentabilidade urbana
real não pode estar limitado ao projeto de construção sustentável; mais que
isso, que o plano urbanístico deve ser sustentável e, por sua vez,
dependendo da escala da intervenção, uma estratégia de regeneração
ambiental deverá ser acionada.
Traços rastreáveis nas várias experiências são: a melhoria do
microclima urbano através de técnicas que permitem uma redução das ilhas
de calor, uma gestão cuidadosa dos recursos hídricos, quase sempre
reutilizando as águas para irrigação; a previsão de uma multiplicidade de
espaços verdes e parques encravados nas áreas assentadas, para constituir
nós ecológicos e paisagísticos, ambas destinadas à fruição e, acima de tudo,
à regeneração dos ambientes aquáticos; a produção de energia a partir de
fontes renováveis e o uso de plantas complexas para evitar a dissipação de
calor; a promoção da mobilidade sustentável, tanto intervindo na
reorganização de infraestruturas destinadas a acolher formas de mobilidade
suave, como na utilização de tecnologias de transporte menos impactantes;
Cidade sustentável: um conceito em construção - 13

o uso de orientação e o arranjo de edifícios e essências em relação aos


ventos, em benefício do conforto do assentamento.
Em síntese, o livro reúne temas, normas, que funcionam como
repositórios de boas práticas que pensam a sustentabilidade ambiental em
termos de planejamento urbano; contribuições metodológicas no desenho
de espaços urbanos, desde a escala da praça, instalações públicas, para
políticas mais complexas e articuladas em que há preocupação com áreas
urbanas atingidas por processos de regeneração, além de casos
emblemáticos de conversão de áreas desindustrializadas.
Como este livro é o resultado de uma intricada fusão de pesquisas e
atividades didáticas, estas últimas também fundaram – ao longo dos anos –
uma literatura de referência muito ampla e variada, que envolve o tema da
experiência coletiva do viver a cidade na contemporaneidade, numa linha
que enfoca a atual crise da relação entre urbanismo, cidade e comunidade.
De fato, o conceito de sustentabilidade requer uma visão integral das
mudanças nas cidades, e necessita de uma abordagem interdisciplinar e
multidisciplinar. Nesse sentido, essa pluralidade oferece vastas
possibilidades para a construção de ações para o futuro e pode sugerir
novas ideias e programas eficazes para administradores públicos, técnicos,
especialistas e para a comunidade em geral.

1
Adalberto da Silva Retto Junior

1
Atua como Professor de Desenho Urbano e História do Urbanismo na Universidade Estadual
Paulista – Unesp. Foi Professor Visitante no Master Erasmus Mundus TPTI (Techiniques,
Patrimoine, Territoire de l’Industrie: Histoire, Valorisation, Didactique) da Universitè Panthéon
Sorbonne Paris I. Representante da Unesp no Condephaat Conselho de Defesa do Patrimônio
Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de SP (2015 e 2016) Possui Pós-
doutorado no Instituto Universitário de Arquitetura de Veneza Itália (2007); Doutor pela
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e pelo Departamento de
História da Arquitetura e Urbanismo do Instituto Universitário de Arquitetura de Veneza
(2003). Pesquisador na linha de pesquisa Conhecimento Histórico Ambiental Integrado na
Planificação Territorial e Urbana, alimentado por duas sub-linhas: História da Cidade e do
Territorio e Planejamento Territorial e Urbano.
14
Cidade sustentável: um conceito em construção - 15

Capítulo 1

DIREITO À CIDADE: UM PROCESSO EM CONSTRUÇÃO

2
Jeane Ap. R. de Godoy Rosin

1 INTRODUÇÃO

Certamente que qualquer reflexão a respeito da questão urbana terá


que ser pautada por uma metodologia adequada. Muitos são os processos
metodológicos empregados para o estudo da questão urbana, tendo em
vista seu caráter multidisciplinar, notadamente aqueles que almejam
realizar uma interface maior com as ciências jurídicas. Nesta seara, sabe-se
da importância do emprego adequado dos métodos e técnicas jurídicas
interpretativas, relacionados aos princípios que regem a temática abordada.
Entretanto, sem renegar ou desmerecer seus valores conceituais e
doutrinários, pretende-se realizar uma abordagem pautada pela
subjetividade da interpretação, de modo a buscar maior proximidade com o
tema de estudo.
Nesse universo dinâmico, muitas vezes contraditório para aqueles
que amam as cidades, mas estimulante e enriquecedor para seu estudo, sua
compreensão, talvez as perguntas mais estridentes que emergem neste
contexto, sejam: Por que as cidades são cenários de tantas desigualdades e
exclusões se, antes de tudo, são reguladas por um único sistema jurídico,
que deveria, necessariamente, materializar os direitos fundamentais
enquanto espaço de democracia e de justiça social?
Entretanto, para aqueles que transitam pela área jurídica, pelos
movimentos sociais em suas mais diversas categorias, a pergunta
pertinente, talvez fosse outra: Por que o Estado não tem conseguido
garantir o Direito à Cidade para todos?

2
Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Mackenzie, e Pós-Doutorado em Arquitetura e
Urbanismo pela FAAC-UNESP, Docente e Pesquisadora do Centro Universitário UNIVAG. E-mail:
urbanista.jeane@gmail.com
16

O conceito de Direito à Cidade albergado na Constituição tem o


mesmo conteúdo em todos os programas de políticas públicas oferecidos
pelo Estado para o atendimento das gritantes demandas existentes em
áreas urbanas?
A discussão sobre a matéria estudada certamente é extensa e árdua.
Assim, para iniciar esta reflexão, o estudo introduz outro questionamento:
Então, diante deste dilema, no que realmente consiste o Direito à
Cidade?
A percepção das causas que conduzem e motivam o processo de
crescimento das áreas urbanas é de extrema relevância para a busca de
intervenções que tenham como meta a construção de cidades justas,
inclusivas, sustentáveis e democráticas.
Neste contexto, a discussão a respeito da problemática da
efetividade das políticas públicas, gestão urbana e qualidade de vida é
essencial para uma reflexão analítica do paradigma do Direito à Cidade.

2 DIREITO À CIDADE

O Direito à Cidade, termo primeiramente preconizado por Lefebvre


(2001), é um manifesto ideológico contra o modelo capitalista de produção
do espaço urbano, no qual os benefícios da urbanização se restringem a
uma pequena parcela da população, no caso, a classe com maior poder
3
aquisitivo. As obras do francês Henri Lefebvre enfatizam a dialética do
espaço urbano, em que a cidade é um produto social, que se materializa
pela coexistência da pluralidade e das simultaneidades de padrões
presentes no cotidiano urbano.
Em seu livro O direito à Cidade, Lefebvre (2001) propõe uma nova
perspectiva para orientar o desenvolvimento da política urbana, ao
incentivar que as forças sociais reivindiquem o seu direito à cidade
(habitação, trabalho, serviços de saúde, educação, lazer, dentre outros). No
âmbito dessa visão, Martins (2006, p. 29) complementa que o “Direito à
Cidade é o direito a um lugar – um espaço físico onde se assentar e a partir

3
O direito à cidade de 1968, A revolução urbana de 1970 e o livro La presencia y la ausencia de
1983.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 17

daí acessar o que a cidade oferece”, de modo que os indivíduos possam ter
o “acesso à cidade e seus serviços” e ao “mercado de trabalho”.
Para explicitar a dimensão dessa questão, ao longo de sua obra
Lefebvre (2001) é enfático ao afirmar que o “direito à cidade” é um grito,
uma demanda, uma reivindicação com o objetivo de atender aos anseios e
carências sociais presentes no ambiente urbano. Por esta concepção,
Lefebvre defende que

[...] o direito à cidade se afirma como um apelo, como uma exigência.


[...] não pode ser concebido como um simples direito de visita ou de
retorno às cidades tradicionais. Só pode ser formulado como direito à
vida urbana, transformadora, renovada. Pouco importa que o tecido
urbano encerre em si o campo e aquilo que sobrevive da vida
camponesa conquanto que ‘o urbano’, lugar de encontro, prioridade
do valor de uso, inscrição no espaço de um tempo promovido à
posição de supremo bem entre os bens, encontre sua base
morfológica, sua realização prático-sensível. (LEFEBVRE, 2001, p. 117-
118).

Assim, na concepção de Lefebvre (2001, p. 117), o direito à cidade


deve ser pensado como um “direito à vida urbana, transformadora” e
renovadora, que resgata o homem como protagonista de sua própria obra, a
cidade. David Harvey (2008) reafirma esta visão transformadora, ora
emancipadora, a enfatizar que o direito à cidade

[...] é muito mais do que a liberdade individual de acessar os recursos


urbanos: trata-se do direito de mudar a nós mesmos, mudando a
cidade. É, além disso, um direito comum antes de individual, já que
esta transformação depende, inevitavelmente, do exercício do poder
coletivo para remodelar os processos de urbanização. A liberdade de
criar e recriar nossas cidades e a nós mesmos é, como desejo
demonstrar, um de nossos direitos humanos mais preciosos, mas
também um dos mais descuidados. (HARVEY, 2008, p. 23).

A partir das ideias apresentadas por Lefebvre (2001), Harvey (2008)


formula que as dinâmicas da mudança e da transformação “dependem”,
consequentemente, do exercício de um poder coletivo, ou seja, da
apropriação da cidade como espaço político. Na mesma linha de
pensamento, Borja (2003, s/p) vem complementar ao afirmar que a cidade
enquanto um “espaço político”, deve abraçar manifestação da vontade
18

popular, que muitas vezes pode ser solidária, ora contraditória e excludente
– aspectos que marcam a dinâmica da vida urbana.
O preâmbulo da versão atual do projeto da Carta Mundial de Direito
à Cidade (setembro, 2005) evidencia as contrariedades presentes no espaço
urbano.

[...] os modelos de desenvolvimento implementados na maioria dos


países empobrecidos são caracterizados por estabelecerem níveis de
concentração de renda e de poder que geram pobreza e exclusão,
além de contribuir à depredação do ambiente e acelerarem os
processos migratórios e de urbanização, a segregação social e
espacial e a privatização dos bens comuns e do espaço público. Estes
processos favorecem a proliferação de grandes áreas urbanas em
condições de pobreza, precariedade e vulnerabilidade diante dos
riscos naturais. As cidades estão longe de oferecer condições e
oportunidades equitativas aos seus habitantes. A população urbana,
em sua maioria, está privada ou limitada – em virtude de suas
características econômicas, sociais, culturais, étnicas, de gênero e de
idade – para satisfazer suas necessidades e direitos mais
elementares. Contribuem com isso as políticas públicas, que ao
desconhecer os aportes dos processos de produção popular para à
construção das cidades e da cidadania, violentam a vida urbana.
(CARTA MUNDIAL DE DIREITO À CIDADE, 2010).

De acordo com dados das Nações Unidas, o grau de urbanização no


mundo tinha ultrapassado 50%, o que representava 3,5 bilhões de pessoas
vivendo em cidades. Este mesmo órgão estima que em 2050, a taxa de
urbanização chegará a 65% (Planeta Favela. Carta Capital, 2006, p. 37). UN-
4
HABITAT divulgou que 50 milhões de pessoas passaram a morar em favelas
ao redor do mundo nos últimos dois anos. Em 2010, a Agência das Nações
Unidas para assentamentos humanos (ONU-Habitat) divulgou que no Brasil
5
26,4% da população urbana vive em favelas . Em 2016, a ONU publicou um
relatório apontando que mais de 900 milhões de pessoas vivem em áreas
faveladas distribuídas pelo planeta.

4
UN-HABITAT– Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, criado no ano
de 1978, como resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos,
em Vancouver, Canadá, em 1976. Tem como função essencial propor programas, ações
voltadas ao desenvolvimento dos assentamentos humanos, de modo a disseminar informações
relacionadas as condições de habitação e sustentabilidade urbana, assim como tentar alcançar
em escala mundial o enfrentamento das inúmeras demandas relativas ao processo de
urbanização.
5
Disponível em: <http://g1.globo.com> Acesso em: 14 dez. 2010.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 19

No Brasil, onde o desequilibrado processo de ocupação do espaço


urbano pode ser muitas vezes atribuído as interferências de agentes
especulativos inescrupulosos que prevalecem sobre a função social do solo,
acaba por assinalar diferenças marcantes na paisagem das cidades, onde
aparecem sistematicamente os assentamentos informais (loteamento ilegal
ou clandestino, favelas, cortiços) associados à autoprodução da moradia,
que a princípio se constitui como única opção de residência para a
população migrante instalar-se nos grandes centros urbanos do país.
O resultado dessa pífia atuação do poder público gera um quadro
deplorável de desigualdade e exclusão social, intensificando o processo de
segregação e o grave isolamento dos grupos sociais. Esse quadro presente
no cotidiano de muitas cidades brasileiras é notadamente caracterizado por
diversos aspectos: deterioração do espaço urbano; escassez da oferta de
moradias, provocando ocupações irregulares em áreas de risco ambiental
que são juridicamente protegidas; ausência de infraestrutura física como
saneamento básico, sistema viário, sistema de transporte coletivo; e
ausência de infraestrutura social, compreendida como sistema de saúde,
educação, esporte e lazer.
Diante deste panorama, Saule Junior (2007) destaca a importância de
implementação de políticas públicas para eliminação da desigualdade social.

Para que haja cidades justas, humanas, saudáveis e democráticas é


preciso incorporar os direitos humanos no campo da governança das
cidades, de modo que as formas de gestão e as políticas públicas
tenham como resultados de impacto a eliminação das desigualdades
sociais, das práticas de discriminação em todas as formas da
segregação de indivíduos, grupos sociais e comunidades, em razão do
tipo de moradia e da localização dos assentamentos em que vivam.
(SAULE JUNIOR, 2007, p. 28).

Sob um olhar ampliado, Ortiz Flores (2010) argumenta que a


população urbana é assolada por inúmeros problemas de ordem econômica,
social e ambiental, dentre os quais destacam-se: a população que vive em
situação vulnerável social e ambiental; dificuldades no acesso à terra e à
moradia digna; despejos forçados (massivos e muito agressivos);
segregação urbana planificada; pressões especulativas; privatização de
habitação social; obstáculos de toda sorte e inclusive criminalização dos
20

processos de autoprodução da moradia e da urbanização popular; e


violência imobiliária (mobbing) contra inquilinos pobres, entre outros
aspectos que afetam de modo severo as áreas empobrecidas de diversas
cidades no contexto mundial.
Entretanto, o autor (ORTIZ FLORES, 2010, p. 122) alerta que o direito
à cidade “não se limita a reivindicar parcialmente os direitos humanos
destinados a melhorar as condições nas quais habitamos”, este direito
compreende o acesso de “influir também na sua produção,
desenvolvimento, gestão e uso, a participar na determinação das políticas
públicas que permitam respeitá-los, protegê-los e fazê-los efetivos”.
Para Leavitt et al. (2009, p. 3-4), “o conceito do direito à cidade
revela as limitações das lutas em pequena escala, centra-se na colonização
de comunidades inteiras e destaca as dimensões nacionais e internacionais
dos desafios locais”.
Nesse contexto, Marcuse (2010, p. 93) explica que o “movimento do
direito à cidade é produto de uma tendência relativamente recente na
teoria crítica, que colocou a urbanização e ‘o urbano’ no primeiro plano do
conflito e da mudança social”.
Ao tratar das interfaces do direito à cidade, Mathivet (2010, p. 21)
defende que o direito à cidade deve possibilitar a construção de uma
“cidade na qual se possa viver dignamente”, onde o indivíduo possa se
reconhecer como “parte dela e onde se possibilite a distribuição equitativa
de diferentes tipos de recursos: trabalho, saúde, educação, moradia, além
de recursos simbólicos tais como participação, acesso à informação, etc.”.
Havey (2009) defende que

[...] o direito à cidade significa o direito que todos nós temos de criar
cidades que satisfaçam as necessidades humanas, as nossas
necessidades. O direito à cidade não é o direito de ter – e eu vou usar
uma expressão do inglês – as migalhas que caem da mesa dos ricos.
Todos devemos ter os mesmos direitos de construir os diferentes
tipos de cidades que nós queremos que existam. (HAVEY, 2009, p.
269).

Para Havey (2009, p. 269), o “direito à cidade não é simplesmente o


direito ao que já existe na cidade, mas é o direito de transformar a cidade
em algo radicalmente diferente”, é proposta que se contrapõe ao modelo
capitalista, para que esta realmente possa atender às necessidades e
Cidade sustentável: um conceito em construção - 21

expectativas humanas, visando a alcançar padrões que contribuam para a


melhoria da qualidade de vida.
Mathivet (2010, p. 23) explica que o direito à cidade compreende o
direito a um “hábitat que facilite o tecido das relações sociais”, de modo que
o indivíduo possa “se sentir parte da cidade (sentido de coesão social e
construção coletiva)”, bem como o direito a “viver dignamente na cidade, o
direito à convivência, o direito ao governo da cidade e o direito à igualdade
de direitos”.
Segundo Mathivet (2010, p. 21), o “passo fundamental na construção
do direito à cidade foi a elaboração da Carta Mundial pelo Direito à Cidade,
articulada pela Coalizão Internacional para o Hábitat (HIC), Fórum Nacional
de Reforma Urbana (Brasil), e COHRE”. A elaboração da Carta Mundial à
Cidade contou com a mobilização e articulação dos movimentos populares,
organizações não governamentais, associações profissionais, fóruns e redes
nacionais e internacionais da sociedade civil, comprometidas com as lutas
sociais por cidades justas, democráticas, humanas e sustentáveis.
Entretanto, Ortiz Flores (2010) esclarece que a elaboração da Carta
Mundial à Cidade foi antecipada pelas seguintes atividades preparatórias: II
Conferência Mundial das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente,
denominada Cúpula da Terra – um evento ocorrido no Rio de Janeiro, Brasil,
em 1992; Fórum Nacional pela Reforma Urbana (FNRU) do Brasil, Habitat
International Coalition (HIC) e a Frente Continental de Organizações
Comunais (FCOC) juntaram esforços para redigir e assinar, naquele
momento, o Tratado sobre a Urbanização por cidades, vilas e aldeias justas,
democráticas e sustentáveis. Em outubro de 1995, vários membros da HIC
participaram do Encontro para a Cidade da Solidariedade e da Cidadania
convocado pela UNESCO; em 1995, as organizações brasileiras promoviam a
Carta dos Direitos Humanos na Cidade, antecedente civil do Estatuto da
Cidade, que anos mais tarde seria promulgado pelo Estado brasileiro. Essa
fase de mobilizações e eventos de importância significativa, deu início ao
processo de elaboração da Carta Mundial pelo Direito à Cidade, com a
formação da Primeira Assembleia Mundial de Moradores, realizada no
México em 2000.
Frente a esse contexto mobilização social, conclamando as
instituições governamentais, sociedade civil e seus representantes por uma
cidade mais democrática e justa, em 2001, no Primeiro Fórum Social
Mundial (Porto Alegre, Brasil), foi aberto o processo condutor à formulação
22

da Carta, o que permitiu que “por ocasião dos encontros anuais do Fórum
Social Mundial e dos Fóruns Sociais regionais”, fossem discutidos e
elaborados “conteúdos e estratégias de difusão e promoção da Carta”
(MATHIVET, 2010, p. 23).
No trabalho de Ortiz Flores (2010, p. 120) encontram-se informações
relativas a esse processo, em que é esclarecido que a iniciativa de se
formular Carta Mundial à Cidade foi orientada, em “primeira instância, a
lutar contra todas as causas e manifestações da exclusão: econômicas,
sociais, territoriais, culturais, políticas e psicológicas”. A Carta Mundial do
Direito à Cidade vem reconhecer os direitos emergentes das pessoas que
vivem em cidades, reconhecendo sua condição de cidadãos, definindo que

[...] o direito à cidade como o usufruto eqüitativo das cidades dentro


dos princípios de sustentabilidade, democracia, equidade e justiça
social. A partir da compreensão da cidade como espaço coletivo
culturalmente rico e diversificado que pertence a todos os seus
habitantes, o direito à cidade é compreendido como um direito
coletivo dos habitantes das cidades, em especial dos grupos de
vulneráveis e desfavorecidos, que lhe confere legitimidade de ação e
organização, baseado em seus uso e costumes, como o objetivo de
alcançar o pleno exercício do direito à livre autodeterminação e a um
padrão de vida adequado. (SAULE JUNIOR, 2007, p. 37).

Saule Junior (2007) e Ortiz Flores (2010, p. 120) explicam que esse
direito à cidade, ora prescrito na Carta Mundial do Direito à Cidade, trata-se
de uma “resposta social, contrapondo à cidade-mercadoria e como
expressão do interesse coletivo”, considerando que o documento faz uma
abordagem complexa, na qual foi necessária a articulação entre a “temática
dos direitos humanos na sua concepção integral (direitos civis, políticos,
econômicos, sociais, culturais e ambientais)” e a “democracia nas suas
diversas dimensões (representativa, distributiva e participativa)”.
Saule Junior (2007, p. 37) explica que os “componentes presentes a
Carta servem como parâmetro para as iniciativas de cartas, convenções e
tratados internacionais sobre o direito à cidade”. A partir deste novo
panorama social, alguns governos, tanto em nível regional como nacional e
local, vêm gerando instrumentos urbanísticos e jurídicos com objetivo de
efetivar os direitos humanos em cidades.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 23

Dos documentos de maior importância para essa problemática, Ortiz


Flores (2010) destaca entre os mais significativos: Carta Europeia de
Salvaguarda dos Direitos Humanos na Cidade (Saint Denis, França, 2000);
Estatuto da Cidade (Brasil, 2001); Carta de Direitos e Responsabilidades de
Montreal (Canadá, 2006); Carta Mundial pelo Direito à Cidade (primeira
versão 2003 e revisões posteriores 2004 e 2005); Carta pelo Direito das
Mulheres à Cidade (Barcelona, Espanha, 2004); Declaração Nacional para
Reforma Urbana (Buenos Aires, Argentina, 2005 e seguintes); Declaração
frente à MINURVI (San Salvador, El Salvador, 2008); IX Fórum Social Mundial
de janeiro de 2009 (Belém do Pará, Brasil), onde se trabalhou na atualização
dos conteúdos da Carta Mundial; Seminário-oficina em setembro de 2009
(Quito, Equador) para a implementação do Direito à Cidade na América
Latina; e V Fórum Urbano Mundial em 2010, da ONU-Hábitat (Rio de
Janeiro, Brasil), onde cada evento procurou aprofundar a discussão sobre o
direito à cidade na esfera internacional, de forma a possibilitar a
participação de todos os povos e nações.
O direito à cidade previsto na Carta Mundial do Direito à Cidade
refere-se a um direito coletivo dos habitantes das cidades, priorizando o
atendimento aos grupos vulneráveis e desfavorecidos. Para Mathivet (2010,
p. 24), a Carta Mundial do Direito à Cidade conferiu “legitimidade de ação e
de organização, baseada nos seus usos e costumes, com o objetivo de
alcançar o pleno exercício da livre autodeterminação e um nível de vida
adequado”. Assim, a Carta Mundial do Direito à Cidade, em razão de suas
raízes e conceito, caracteriza-se primordialmente como um instrumento
dedicado ao revigoramento dos processos reivindicatórios pelo acesso pleno
aos bens inerentes ao espaço urbano. Para tanto, consistiu-se numa
conclamação criando uma plataforma única, apta a compatibilizar o
empenho de todos os atores, agentes – nas diversas esferas, empenhados
em sua causa, em sua efetividade plena e principalmente no
estabelecimento desse novo direito humano, a partir de seu
reconhecimento legal.
24

3 PRINCÍPIOS DO DIREITO A CIDADE

Os princípios do Direito à Cidade foram sacramentados na Carta


Mundial do Direito à Cidade, defendendo a ideia de um modelo de cidade
que seja orientado pelos princípios da democracia, da justiça, da equidade e,
sobretudo, da sustentabilidade, pressupondo o exercício pleno e universal
de todos cidadãos aos direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos
previstos em Pactos e Convênios Internacionais de Direitos Humanos. Dada
a relevância de seu significado, tais pressupostos foram explicitados com
veemência em seu texto.

A carta mundial do direito à cidade é um instrumento dirigido a


contribuir com as lutas urbanas e com o processo de reconhecimento
no sistema internacional dos direitos humanos do direito à cidade. O
direito à cidade se define como o usufruto eqüitativo das cidades
dentro dos princípios da sustentabilidade e da justiça social.
Entendido como o direito coletivo dos habitantes das cidades em
especial dos grupos vulneráveis e desfavorecidos, que se conferem
legitimidade de ação e de organização, baseado nos usos e costumes,
com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito a um padrão
de vida adequado. (CARTA MUNDIAL DO DIREITO À CIDADE, 2010, s/
p.)

Saúle Junior (2007, p. 38) enfatiza que “a concepção do direito à


cidade presente na Carta é do reconhecimento de um direito emergente das
pessoas que vivem em cidades”, dentre eles, o combate à miséria. Como
alternativa, este diploma recomenda a “justa distribuição dos benefícios e
ônus do processo de urbanização; a distribuição da renda urbana, a
democratização do acesso à terra e dos serviços públicos para a população
pobre”.
Assim, para diluir as desigualdades presente nas cidades, a Carta
Mundial do Direito à Cidade (s/p) elegeu os seguintes princípios:
 Princípio da Função Social da Cidade e da Propriedade –
Difundido pela Carta Mundial do Direito à Cidade, recomenda que
a cidade tenha como finalidade primordial o atendimento à
função social do espaço. O princípio objetiva garantir que todas as
pessoas possam ter o usufruto pleno da economia e da cultura da
cidade, dentro de “critérios de equidade distributiva,
complementaridade econômica, respeito à cultura e
Cidade sustentável: um conceito em construção - 25

sustentabilidade ecológica para garantir o bem-estar de todos os


habitantes em harmonia com a natureza, hoje e para as futuras
gerações” (CARTA MUNDIAL DE DIREITO À CIDADE, s/p). Nesse
contexto, a função social da cidade se materializa quando os
espaços e bens públicos e privados priorizarem o interesse social,
cultural e ambiental. Para isso, torna-se emergencial a formulação
de políticas públicas, dentro de parâmetros democráticos, de
justiça social e de condições ambientais sustentáveis, visando à
promoção do uso social e ambientalmente justo e equilibrado do
solo urbano. A aplicabilidade imediata deste princípio seria, por si
só, suficiente para inibir a regularização fundiária sustentável,
visto que evidencia que a questão social apresenta uma interface
com a questão ambiental, priorizando as condições seguras do
solo urbano. Além do mais, o direito à cidade deve assegurar que
os cidadãos tenham acesso aos benefícios oriundos dos ônus da
urbanização (rendas extraordinárias das mais-valias). A Carta
Mundial de Direito à Cidade (s/p) recomenda que esta renda
(mais-valia) seja gerada por meio de investimentos públicos – e
que em regra beneficiaria o setor privado (mercado imobiliário), o
que necessariamente implicaria em uma gestão em benefício de
programas sociais que assegurassem “o direito à moradia e a uma
vida digna aos setores em condições precárias e em situação de
risco”. No âmbito desta concepção, o direito à cidade pressupõe
que o direito à propriedade deva cumprir a função social,
contemplando os aspectos ambientais do espaço urbano, bem
como no provimento dos benefícios e ônus proveniente do
processo de urbanização de forma equitativa.
 Princípio da Igualdade, não Discriminação – Sarlet (2001)
esclarece que o princípio da igualdade está embasado no
6
princípio da dignidade da pessoa humana . No ambiente urbano,
a aplicabilidade deste em princípio tem por objetivo diluir as
diferenças e as desigualdades sociais e territoriais. Esta máxima
apresenta uma interface com a aplicação do princípio da não

6
[...] encontra-se diretamente ancorado na dignidade da pessoa humana, não sendo por outro
motivo que a Declaração Universal da ONU consagrou que todos os seres humanos são iguais
em dignidade e direitos. Assim, constitui pressuposto essencial para o respeito da dignidade da
pessoa humana a garantia da isonomia de todos os seres humanos, que, portanto, não podem
ser submetidos a tratamento discriminatório e arbitrário, razão pela qual não podem ser
toleradas a escravidão, a discriminação racial, perseguições por motivo de religião, sexo, enfim,
toa e qualquer ofensa ao princípio isonômico na sua dupla dimensão formal e material (SARLET,
2001, p. 89).
26

discriminação enquanto complemento de seus valores. O


princípio da não discriminação está ligado ao princípio da
igualdade em sua vertente igualdade em direitos, ou igualdade na
lei, pressupondo a vedação de discriminações injustificadas. O
referido princípio ultrapassa a ideia de igualdade perante a lei,
pois traz a ideia de usufruto dos direitos fundamentais por todos
os indivíduos (ROMITA, 2005). Da mesma forma, os tratamentos
normativos diferenciados somente serão compatíveis com a
Constituição quando verificada a existência de uma finalidade
proporcional ao fim visado (MORAES, 1999). Assim, o princípio da
igualdade, bem como a não discriminação, baliza que todas as
pessoas tenham o direito à cidade, independente da idade,
gênero, orientação sexual, idioma, religião, opinião, origem étnica
racial, social, nível de renda, cidadania ou situação migratória.
 Princípio da Proteção Especial de Grupos e Pessoas Vulneráveis
– A Carta Mundial de Direito à Cidade inovou ao prever o
princípio da proteção especial de grupos e pessoas vulneráveis,
recomendando que Estado crie mecanismos institucionais e
políticos para proteção e integração a grupos e pessoas em
vulnerabilidade. O jurista Saule Junior (2007, p. 42) lembra que,
para efeitos da Carta Mundial de Direito à Cidade, consideram-se
grupos e pessoas vulneráveis aqueles que se encontram em
“situação de pobreza” e de “risco ambiental”, como é o caso dos
moradores de favelas consolidadas em áreas de APPs. Todavia, a
aplicabilidade deste princípio se estende às vítimas de violência,
aos incapazes, aos imigrantes e refugiados, assim como a
qualquer outro grupo que esteja em situação de desvantagem a
despeito dos demais habitantes da cidade. Lembrando, que
dentre este recorte analítico, a prerrogativa se estende aos
idosos, mulheres, chefes de famílias e crianças. Assim, o direito à
cidade pode ser assegurado quando as políticas públicas
apresentarem mecanismos de amparo a essas pessoas, com o
objetivo de suprir os obstáculos de ordem política, econômica,
social e ambiental, os quais limitam o acesso aos direitos que têm
por finalidade garantir a liberdade, equidade e a igualdade,
indistintamente para todos os cidadãos.
 Princípio do Compromisso Social do Setor Privado – Este
princípio atenta para a responsabilidade socioambiental que deve
nortear o sistema de gestão nas cidades. O objetivo do princípio
propõe incentivos aos agentes vinculados à iniciativa privada, em
Cidade sustentável: um conceito em construção - 27

especial ao setor econômico, a participarem de programas sociais


e empreendimentos econômicos com a finalidade de desenvolver
relações de solidariedade, espírito de cooperação, de forma a
contribuir para a mitigação das discrepâncias socioespaciais entre
os habitantes.
 Princípio do Exercício Pleno à Cidadania e à Gestão Democrática
à Cidade – O direito à cidade é materializado quando os canais e
instrumentos de participação popular são disponibilizados à
população para a elaboração das políticas públicas. Com esse
enfoque, a Carta Mundial de Direito à Cidade (s/p) afirma que
todas as “pessoas têm direito a participar através de forma direta
e representativa na elaboração, definição e fiscalização da
implementação das políticas públicas”, bem como participar da
elaboração do “orçamento municipal nas cidades para fortalecer
a transparência, eficácia e autonomia das administrações públicas
locais e das organizações populares”. A partir dessa concepção, o
exercício pleno da cidadania, assim como da gestão democrática,
consolidam-se, permitindo que as pessoas sejam agentes
atuantes na organização e no desenvolvimento do espaço urbano,
como mecanismo de combate à segregação social e à degradação
dos recursos naturais presentes em seu território.
 Princípio Impulso à Economia Solidária e a Políticas Impositivas
e Progressivas – As políticas devem ser consolidadas de forma
integrada – umas com as outras, de modo que os programas de
habitação social, além de fornecerem um teto à população de
menor poder aquisitivo, sejam orientados pelo conceito de
7 8
habitabilidade , visando a implementar moradias adequadas ,
além de estarem vinculados a programas de economia solidária.
Desta forma, o cidadão poderia ser capacitado com possibilidades

7
Conceito da habitabilidade – O conceito de habitabilidade relaciona-se ao atendimento de
uma gama de variáveis que envolve a qualidade de vida, bem como o conforto de seus
habitantes, na medida que conseguem atender suas carências de ordem material, psicológica e
ainda – socioeconômicas e culturais. Em linhas gerais, propõe que os ambientes da moradia, da
habitação sejam adequados às necessidades existenciais de cada comunidade, observando as
peculiaridades de cada região.
8
Moradia adequada – Compreende-se pelo o abrigo edificado com funções que possibilitem
aos usuários desfrutarem de privacidade, assim como seja composta por ambientes que
proporcionem a realização de atividade de descanso, adequados às necessidades de iluminação
e ventilação à geografia local. E, ainda, atender aos parâmetros técnicos de estabilidade
estrutural e serviços essenciais de infraestrutura – acesso à rede de água potável, rede de
coleta e tratamento de esgoto, coleta e destinação adequada dos resíduos domésticos, acesso
aos equipamentos urbanos, dentre eles: escolas, transporte público, hospitais, dentre outros.
28

significativas de inserção no mercado de trabalho, devolvendo


assim a dignidade e autoestima a esses cidadãos.

4 EFETIVAÇÃO DO DIREITO A CIDADE

Para Saule Junior (2007, p. 32), a mobilização popular do direito à


cidade, tem por objetivo “reverter as desigualdades sociais com base em
uma nova ética social”, firmado pela “politização da questão urbana
compreendida como elemento fundamental para o processo de
democratização da sociedade brasileira”.
Neste contexto, Borja (2009) defende que o desenvolvimento e
legitimação dos direitos do cidadão dependerão de três momentos:

 Um processo cultural, de hegemonia dos valores que estão na


base destes direitos e explicitação dos mesmos;
 Um processo social, de mobilização dos cidadãos para conseguir
sua legalização e a criação de mecanismos e procedimentos que
o tornem efetivo;
 Um processo político-institucional para formalizá-los, consolidá-
los e desenvolver as políticas para fazê-los efetivos. (BORJA,
2009, s/p).

Nesse processo, os atores principais não são as estruturas políticas


tradicionais do Estado, ou, ainda, de partidos políticos, mas sim os
movimentos sociais. Esses movimentos, em regra, têm caráter
reivindicatório e questionam o desempenho institucional do Estado ao
buscar políticas públicas maximizadoras do bem-estar, objetivando a
qualidade de vida em seu bairro, em sua cidade. Entretanto, Mill (1963, p.
230 apud PATEMAN, 1992, p. 43) alerta que os movimentos sociais urbanos
apresentam uma estrutura ideológica frágil, visto que uma parcela
significativa das comunidades envolvidas se mantém indiferente a questões
de ordem pública, “focando sua atenção e seu interesse exclusivamente
sobre si mesmo, e sobre suas famílias, como apêndice de si mesmo”.
Para Robert Dahl (1997), a participação popular constitui um sistema
frágil e ainda em construção, pois há necessidade que se desenvolva
efetivamente a institucionalização dos procedimentos e amplo acesso às
arenas públicas para a tomada de decisão junto ao Estado. De forma que a
ordem política só terá o caráter democrático caso sejam observados os
Cidade sustentável: um conceito em construção - 29

seguintes momentos: a “composição” da agenda, em que a população possa


decidir sobre temas que serão objeto de deliberação do Estado por meio de
um processo democrático; “decisão” possibilitando a participação da
população, no estágio decisivo, e que assegure a cada cidadão a igualdade
de expressão e escolha; e a percepção da capacidade intelectual do
indivíduo de fazer determinadas escolhas (DAHL, 1989).
Entretanto, é preciso considerar que, a participação popular
constitui-se um instrumento essencial para viabilizar o acesso ao direito à
cidade e pode ser considerada como uma “resposta estratégica, um
paradigma frente à exclusão social e à segregação espacial gerada pelo
neoliberalismo” desde que sejam politizadas, permitindo assim que as
“pessoas voltem a ser donas da cidade e esta seja o cenário de encontro
para a construção da vida coletiva” (MATHIVET, 2010, p. 25).
Saule Junior (2007, p. 32) tece diversos apontamentos específicos ao
caso das cidades brasileiras, e com ênfase afirma que o direito à cidade foi
entendido como um “direito fundamental inerente a todas as pessoas que
vivem em cidade”, sendo normatizado na Constituição Federal de 1988, pela
9
emenda popular da reforma urbana . Nesse sentido, o autor (SAULE JUNIOR,
2007, p. 34) ainda enfatiza que o direito à cidade “retrata a defesa da
construção de uma ética urbana fundamentada na justiça social e cidadania,
ao afirmar a prevalência dos direitos urbanos e estabelecer os preceitos,
instrumentos para viabilizar as transformações necessárias para a cidade
exercer sua função social”.
O direito à cidade defende que as pessoas que habitam as cidades se
apropriem não só do espaço físico, mas também do espaço político, através

9
Um agrupamento de entidades da sociedade civil e movimentos populares, por meio da
emenda popular, com a proposta de incluir no texto constitucional um conjunto de objetivo e
de princípios, regras e instrumentos destinados ao reconhecimento e à institucionalização de
direitos para as pessoas que vivem nas cidades atribuir a competência ao Poder Público, em
especial, ao município, de aplicar instrumentos urbanísticos e jurídicos voltados a regular a
propriedade urbana para ter uma função social, bem como para a promoção de políticas
voltadas à efetivação desses direitos. Segundo Anais da Constituinte de 1988 (Senado Federal),
a proposta popular de emenda ao Projeto Constitucional sobre a reforma urbana, subscrita por
131.000 eleitores, foi apresentada pela Articulação do Solo Urbano (ANSUR); Movimento de
Defesa do Favelado (MDF); Federação Nacional dos Arquitetos (FNA); Federação Nacional dos
Engenheiros (FNE); Coordenação Nacional dos Mutuários dos Arquitetos do Brasil (IAB) (SAULE
JUNIOR, 2007, p. 32).
30

de um processo de gestão democrática, como mecanismo de reivindicarem


seus direitos e assim fazer com que a cidade exerça sua função social.

Na Carta Mundial do Direito à Cidade as pessoas que vivem em


cidades têm o direito a participar através de formas diretas e
representativas na elaboração, definição implementação e
fiscalização de políticas públicas e do orçamento municipal das
cidades, para fortalecer a transparência, eficácia e autonomia das
administrações públicas locais e das organizações populares. A falta
de mecanismos e organismos que assegurem a participação dos
habitantes na gestão da cidade, implica numa clara violação do
direito à Cidade. (SAULE JUNIOR, 2007, p. 33).

Este contexto evidencia a realização de inúmeros eventos ocorridos


desde o final da década de 1960 – registrados por meio de mobilizações e
conferências internacionais concernentes à questão urbana, as quais foram
cruciais para a proposição de uma série de documentos fundamentais ao
enfretamento da crise urbana presente em várias cidades espalhadas pelo
planeta.
Frente a tais apontamentos, evidencia-se a importância do papel a
ser cumprido pelas políticas públicas para materialização do Direito à
Cidade, ao instrumentalizar o poder público local, fortalecendo sua
autonomia, no uso de suas prerrogativas como ente federativo.
Em específico, ao caso das cidades no Brasil, a questão urbana é
abarcada por legislações federais – Constituição Federal/1988, capítulos 182
e 183 e com notoriedade pela Lei Federal 10.257/2001 – o Estatuto das
Cidades – marco referencial da política urbana no país. Em linhas gerais,
todo esse conjunto normativo conforma-se como fundamento referencial
para a formulação das legislações estaduais e municipais em resposta às
demandas específicas a cada região, desde legislações estaduais e
municipais – em diversas formatações, a exemplo dos planos diretores. No
âmbito da questão, são aspectos que acabam contribuindo para o
aprofundamento dessa problemática, de onde depreende-se que as mesmas
não são recentes.
A partir da instrumentalização jurídica do município, o processo de
efetivação do Direito à Cidade passa ser uma responsabilidade do gestor
municipal, o qual deve promover a função social da cidade norteando-se
pelos princípios nucleares do Direito à Cidade.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 31

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas proposituras de Lefebvre (2001), o Direito à cidade deve ser visto


como um instrumento transformador e renovador do cotidiano urbano,
resgatando o homem como protagonista de sua própria obra, a cidade.
Das concepções apresentadas neste breve estudo, compreende-se
que o direito à cidade deve permitir as inter-relações entre o homem,
espaço e sociedade, de modo que o indivíduo possa se sentir parte da
cidade, no sentido da coesão social e construção coletiva.
Um dos maiores desafios deste século é a efetivação dos direitos que
são preconizados na Carta Mundial pelo Direito à Cidade, pelos quais o
homem possa viver dignamente em áreas urbanas, dentre os quais
merecem destaque aqueles relacionados ao direito à convivência, ao
governo da cidade, assim como ao direito à igualdade de direitos.
Diante da importância desse compromisso, no Brasil a Constituição
Federal de 1988 e posteriormente o Estatuto da Cidade materializaram
juridicamente as recomendações da Carta Mundial pelo Direito à Cidade,
viabilizando a promoção da sustentabilidade e humanização das cidades
brasileiras ao assegurarem o direito à cidade. Por esta razão, as premissas
deste direito acenam aos direitos civis, políticos, econômicos, sociais,
ambientais, entre outros. Assim, nesta breve exposição conceitual, buscou-
se demonstrar uma interface entre as dimensões conceituais e a intenção
principiológica – definida por meio de normatizações estabelecidas pelo
regime jurídico de ordem pública, com a intenção explícita de assegurar o
acesso pleno aos direitos que garantam uma vivência emancipada e digna
em cidades. Entretanto, deve-se entender que todo o conteúdo abarcado
em seu texto constituiu-se de valores, os quais foram irradiados em
normativas acatadas por diversos órgãos e esferas governamentais.
Deste modo, para uma efetiva aplicação dos Direitos à Cidade e
concretização do princípio da dignidade, se faz necessário superar os
obstáculos do elitismo e estar comprometido com a vida humana, para
promoção da equidade e justiça social em todas as dimensões da vida
urbana.
32

REFERÊNCIAS

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Cidade sustentável: um conceito em construção - 33

Capítulo 2

SUSTENTABILIDADE: HISTÓRICO E PERSPECTIVAS

10
Angélica Carvalho Cunha
11
Nayele Macini
12
Diego Bexiga Moreira de Carvalho
13
Ligiane Aparecida Florentino
14
Fernando Ferrari Putti

O desenvolvimento do mundo trouxe diversas consequências, entre


elas impactos ambientais que causam efeito direto na economia e na
sociedade. Assim, surge o termo sustentabilidade, que preza o
desenvolvimento econômico, social e ambiental. Nesse contexto este
capítulo objetivou realizar um estudo crítico sobre o histórico do termo e a
influência dos países sobre as políticas para mitigar os impactos e como
reduzir os impactos.
Além desse tema também buscou discutir o tema economia verde e
como as empresas utilizam as normas para reduzir os impactos de seus
processos no ambiente e na sociedade.

10
Bacharel em Sistemas de Informação, mestre em Sistemas de Produção na Agropecuária,
Doutoranda em Agricultura Sustentável, Faculdade de Agronomia, UNIFENAS - Univ José
Rosário Vellano, Alfenas – MG. E-mail: angelicaccunha10@gmail.com
11
Bacharel em Administração, mestre em Administração de Organizações, doutoranda em
Administração de Organizações, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de
Ribeirão Preto - USP/SP. E-mail: naymacini@gmail.com
12
Bacharel em Administração, mestrando em Sistemas de Produção na Agropecuária,
Faculdade de Agronomia, UNIFENAS - Univ José Rosário Vellano, Alfenas – MG. E-mail
diegobexiga@hotmail.com
13
Doutora em Ciência do Solo, professora da UNIFENAS, E-mail: ligiane.florentino@unifenas.br
14
Bacharel em Administração, mestre e doutor em Agronomia, Prof. Assistente Doutor da
Faculdade de Ciências e Engenharia, UNESP - Univ Estadual Paulista, Tupã – SP. E-mail
fernandoputti@tupa.unesp.br
34

1 HISTÓRICO DA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL

Existe um consenso em torno dos avanços da globalização e dos


impactos que ela trouxe para os âmbitos ambientais, sociais e econômicos
no mundo. Desde o emergir da Revolução Industrial, no século XVIII, o
homem estabeleceu-se como prioridade do planeta e uma crença em torno
da abundância e da disponibilidade dos recursos naturais, ou seja, as
explorações ocorriam sem que se pensasse nas consequências, e como as
fontes sendo inesgotáveis (LEMME, 2010; MONTIBELLER FILHO, 2007).
As discussões sobre as questões ambientais ganharam destaque na
década de 1940, porém a má administração de algumas corporações, as
catástrofes ambientais ocorridas entre as décadas de 1950 e 1960,
acabaram por intensificar a busca por soluções e alternativas para esse
panorama (JUNQUEIRA et al., 2011; FARIA; SAUERBRONN, 2008). Nessa
época as organizações agiam de modo reativo diante do âmbito ambiental,
focando principalmente em corrigir suas ações após receberem punições
(PEREIRA, 2005).
Concomitante a esses acontecimentos, a inquietação de estudiosos e
cientistas da década de 1960, auxiliaram na expansão da conscientização da
sociedade sobre a responsabilidade que todos devem ter perante os limites
da exploração ambiental. Rachel Carson, em seu livro Primavera Silenciosa
(1962), criou uma marca histórica no que tange à preservação dos recursos
naturais. Sendo bióloga e residente nos Estados Unidos, seu livro denuncia o
uso excessivo de pesticidas, cujo uso foi intensificado após a Segunda
Guerra Mundial com intuito de combater mosquitos e insetos (JACOBI,
2005; JUNQUEIRA et al., 2011). Assim, abre-se o questionamento sobre a
responsabilidade da ciência e até onde os avanços tecnológicos podem
chegar e quais suas consequências sobre o meio ambiente.
Outro marco da década de 1960 é a publicação do artigo de Garrett
Hardin (1968), intitulado Tragédia dos Comuns. Possui mais de 30 mil
citações, sendo a ideia principal é de que quando os recursos naturais
confrontam com a ganância e a individualidade das pessoas, a “tragédia”
está na maximização que cada indivíduo busca e isso impacta a estabilidade
social. Além disso, ele alega que, como Malthus havia previsto, a população
Cidade sustentável: um conceito em construção - 35

ideal deveria ser menor que a existente, já que ele não acredita na solução
técnica para prover energia e alimento para todos.
Na década de 1970 começaram a surgir estatutos, decisões judiciais,
regulamentos, reforçando o ambientalismo nas políticas públicas, já que até
então o capitalismo não trazia este componente por possuir uma
característica mais localizada (PEREIRA, 2005; MONTIBELLER FILHO, 2007). A
I Conferência da Organização das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o
Homem, ocorrida em Estocolmo, na Suécia, foi uma das iniciativas que
aceleraram o surgimento dessas ações devido à elaboração do relatório – Os
Limites do Crescimento, ou The Limits to Growth (VAN BELLEN, 2004). Tal
documento auxiliou o movimento frente às consequências do crescimento
acelerado da população mundial, fato abordado por Hardin (1968) com
relação aos recursos naturais limitados, pois trouxe temas ambientais de
preservação e o uso dos recursos naturais em nível global.
A criação do United States Environmental Protection Agency foi outra
grande ocorrência na história da sustentabilidade ambiental. Emergiu em
dezembro de 1970 decorrente de uma preocupação com a poluição
ambiental, e tem como intuito consolidar em uma agência uma variedade
de pesquisas, monitoramento, definição de padrões e fiscalizações para
garantir a proteção do meio ambiente. Sua missão é propiciar um ambiente
mais limpo e saudável para o povo norte-americano (EPA, 2017).
Na década de 1980 foi marcada por muitas mudanças, como as
catástrofes ambientais de Chernobyl, Exxon Valdez, Union Carbide que
auxiliou o aumento dos movimentos ambientais. Em Chernobyl, a estimativa
de pessoas levadas a óbito por câncer como consequência da exposição das
radiações que o acidente provocou, gira em torno de 30 a 60 mil
(BURSZTYN; BURSZTYN, 2012, p. 88-90). Os autores também trazem sobre o
petroleiro Exxon Valdez, que foi um acidente ocorrido no Alasca em 1989,
degradando importantes áreas de pesca com o lançamento de mais de
quatro mil toneladas de petróleo bruto em aproximadamente dois mil
quilômetros de costa. E, por último, eles explanam sobre o vazamento de
gás tóxico em Bhopal, na Índia, em 1984, que fabricava pesticidas, e levou a
óbito cerca de 3,5 mil pessoas.
Esta década é notória também por decorrência do Relatório de
Brundtland, onde o termo “desenvolvimento sustentável” foi delineado. O
36

nome do relatório advém da chefe da comissão, Gro Harlem Brundtland,


que na época (1987) era primeira-ministra da Noruega (TOGASHI; HACON,
2012; JUNQUEIRA et al., 2011). O documento “Our Commom Future” é
conhecido em português como Nosso Futuro Comum, e define o termo
como: “aquele capaz de satisfazer as necessidades das gerações atuais, sem
comprometer a capacidade das gerações futuras” (UNITED NATIONS, 1987).
O histórico de iniciativas continua, quando em 1992 a Conferência
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, também
conhecido como ECO-92 ou RIO-92, reuniu no Rio de Janeiro, Brasil, chefes
de estado de todos os continentes, com intuito de comprometer todos os
líderes e consequentemente todas as empresas de seus países com a
sustentabilidade mundial (JUNQUEIRA et al., 2011). Neste dia, a definição de
ecoeficiência ocorre, sendo ponto de partida para a Agenda 21 e o Protocolo
de Quioto.
A Agenda 21 teve como intuito promover o Desenvolvimento
Sustentável por meio de um plano de ação, em escala global, que contemple
a proteção ambiental, a justiça social e a eficiência econômica
concomitantemente. Visou a identificar os problemas mais prioritários, bem
como quais os recursos e meios que seriam utilizados para saná-los, além de
traçar as metas para as próximas décadas. Teve todo um esforço em focar
nas áreas-chave a fim de evitar dispersão e desperdícios durante os
processos (CNUMAD, 1995).
Já o Protocolo de Quioto é um tratado internacional, advindo da
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas,
negociado em 1997 na cidade de Quioto, Japão, mas que vigorou em 2005,
após conseguir atingir a meta de assinaturas de comprometimento dos
países-membros. Seu objetivo é definir metas de redução de emissões de
gases que causam o efeito estufa e o aquecimento global (MMA, 2017).
Na década de 1990, um conceito desenvolvido por John Elkington
(1999) em seu livro Cannibals with forks – The triple bottom line of 21st
century business, também conhecido em sua tradução como Canibais com
Garfo e Faca - O livro do conceito: Triple Bottom Line, trouxe outra
perspectiva sobre a sustentabilidade. Os pilares do tripé são: Profit (Lucro,
Econômico), Planet (Planeta, Ambiente), People (Pessoas, Social), em que o
autor alega a existência da necessidade de as organizações equilibrarem sua
Cidade sustentável: um conceito em construção - 37

atenção e investimento nesses três pilares. Ou seja, ele trouxe o olhar da


sustentabilidade para a área de negócios.
Na mesma época, líderes mundiais se reuniram em Nova York, sede
das Nações Unidas, a fim de promoverem uma declaração capaz de
comprometer os países a reduzirem os níveis de extrema pobreza até 2015,
com oito objetivos traçados (ONUBR, 2017). Tal parceria resultou nos
Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), descritos na figura abaixo:

Figura 1 – Objetivos de desenvolvimento do milênio

Fonte: ODM Brasil, 2017.

Outra iniciativa é a criação do Índice Dow Jones de Sustentabilidade


(Dow Jones Sustainability Index – DJSI) em 1999. Seu objetivo é avaliar
organizações diante de um conjunto de indicadores nos termos da
sustentabilidade, assim, as corporações são capazes de gerar mais valor aos
acionistas. Sua aplicação é restrita às duas mil e quinhentas maiores
empresas cotadas no Índice Dow Jones, e a pontuação é dada por meio de
questionários, relatórios, dados públicos, que passarão posteriormente por
auditoria (LEONETI; NIRAZAWA; OLIVEIRA, 2016). As dimensões utilizadas
para análise e reporte seguem o proposto por Elkington – Econômico, Social
e Ambiental, com questões e critérios nesses âmbitos (DOW JONES, 2008).
Junto à criação desse índice, observou-se um aumento na elaboração
de relatórios de sustentabilidade pelas organizações. Seguindo essa
tendência, em 1997 foi criada uma rede de colaboração entre sociedade
civil, empresas e outros tipos de organizações, na Holanda, para elaborar o
38

padrão da Global Reporting Initiative – GRI (NOGUEIRA; FARIA, 2012;


CAMPOS et al., 2013). O GRI apresenta as diretrizes para que os reportes
sejam cada vez mais padronizados e facilitem o acesso e a comparação de
informações ao longo prazo (BEBBINGTON et al., 2008). Embora existam
críticas por não haver padrões impostos e a falta de parâmetros, sabe-se
que as organizações possuem suas peculiaridades e os próprios interesses, e
talvez um padrão para uma gama de informações tão vasta não seria
possível. Do mesmo modo, o GRI passou por quatro versões, desde 2000 até
2013, sendo seu último lançamento a versão G4.
O Pacto Global, proposto pelo então secretário-geral da Organização
das Nações Unidas, Kofi Annan, em 2000, contribuiu para as discussões
sobre a ética nos negócios (CORTINA, 2002). Tinha como intuito mobilizar as
organizações a adotarem valores e práticas internacionalmente aceitos nos
eixos: direitos humanos, relações de trabalho, meio ambiente e combate à
corrupção (PACTO GLOBAL, 2013a). De iniciativa voluntária, não é um
instrumento regulatório, nem um código de conduta obrigatório, mas
fornece diretrizes para promover o crescimento sustentável e de respeito
aos cidadãos. Os princípios do Pacto Global são (PACTO GLOBAL, 2013b):

Direitos Humanos
 As empresas devem apoiar e respeitar a proteção de direitos
humanos reconhecidos internacionalmente; e
 Assegurar-se de sua não participação em violações desses
direitos.
Trabalho
 As empresas devem apoiar a liberdade de associação e o
reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva;
 A eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou
compulsório;
 A abolição efetiva do trabalho infantil; e
 Eliminar a discriminação no emprego.
Meio Ambiente
 As empresas devem apoiar uma abordagem preventiva aos
desafios ambientais;
 Desenvolver iniciativas para promover maior responsabilidade
ambiental; e
 Incentivar o desenvolvimento e difusão de tecnologias
ambientalmente amigáveis.
Contra a Corrupção
 As empresas devem combater a corrupção em todas as suas
formas, inclusive extorsão e propina (PACTO GLOBAL, 2013b).
Cidade sustentável: um conceito em construção - 39

Em 2002, com intuito de continuar as discussões da Agenda 21 da


Rio-92, a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, também
conhecida como RIO+10, se reuniu em Johanesburgo, África do Sul. O foco
era realmente colocar em prática o que havia sido acordado em 1992
(SOUSA et al., 2016). A RIO+10 trouxe poucos resultados práticos, pois
visava a avaliar a Agenda 21 e criar maneiras de efetivamente colocar em
ação o que havia sido planejado anteriormente, e a reunião contou com
muita divergência de opiniões (SEQUINEL, 2002). A autora ainda destaca o
importante papel assumido pelo Brasil na questão energética, pois sugeriu
uma meta global de aumento de 10% nas fontes de energias renováveis, até
o ano de 2010 por todos os países, proposta essa que não foi bem recebida.
Já em 2012, a Conferência das Nações Unidas sobre o
Desenvolvimento Sustentável, conhecida como RIO+20, aconteceu no Rio de
Janeiro, comemorando o vigésimo aniversário da ECO-92. Teve como intuito
renovar o que havia sido proposto e reafirmar a participação dos países-
membros nas metas estabelecidas, tendo como foco a Economia Verde,
meios de erradicar a pobreza, e como estruturar a governança no âmbito do
desenvolvimento sustentável (SOUSA et al., 2016). Assim como a RIO+10, a
diversidade dos países impediu que houvesse um consenso entre o que
estava sendo planejado e discutido, o que acabou por postergar a tomada
de decisão em prol da sustentabilidade do planeta.
Em 2015 ocorreu outra iniciativa, conhecida como Acordo de Paris,
ou COP21, que buscou estabelecer um novo acordo em nível global sobre o
clima, capaz de ser aplicado em todos os países e reduzir o aquecimento
global (ONUBR, 2015). A adesão a esse documento criou um clima de
esperança na mitigação da emissão dos gases que provocam o efeito estufa
pelos países, embora não tenha sido estabelecido um prazo para que ela
ocorra, o incentivo às matrizes energéticas com fontes renováveis retorna à
pauta (JACOBI; EMPINOTTI, 2016).
Ainda em 2015, a Organização das Nações Unidas elaborou nova
Agenda para os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio que tinha o prazo
para alcançar as metas neste mesmo ano. O documento intitulado
Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento
Sustentável foi elaborado por líderes de governo e de Estado (PNUD, 2015).
Conhecidos como Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), a
40

declaração apresenta 17 desses objetivos, 169 metas, e meios de como


implementá-las, parcerias em nível global, formas de acompanhar as metas
e revisá-las. Os ODS têm o intuito de responder aos novos desafios perante
os três âmbitos da sustentabilidade: ambiental, econômico e social (PNUD,
2015).
Diferentemente do seu antecessor, os ODS convidam as empresas a
participarem dos desafios do desenvolvimento sustentável, já que antes as
práticas ficavam mais concentradas no setor público (UNGC, GRI, WBCSD,
2015). Assim, desenvolveu-se o SDG (Sustainable Development Goals,
tradução de ODS para o inglês), Compass, um guia capaz de auxiliar as
empresas a alinharem os ODS às suas estratégias, a mensurar a gestão de
sua contribuição. Foi criado para ser utilizado principalmente em grandes
organizações, e explica como os ODS afetam o negócio, proporcionando as
ferramentas e conhecimento para inserir a sustentabilidade na estratégia da
organização (UNGC, GRI, WBCSD, 2015).
Os ODS são uma ação global envolvendo governos, empresas,
sociedade civil, em seu conjunto de metas que visam a criar uma vida mais
digna neste planeta, de acordo com algumas prioridades e maiores
urgências, que precisam de mobilização e esforços de todos para criarmos
um mundo melhor para vivermos (UNGLOBALCOMPACT, 2015). O Quadro 1
apresenta os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para 2030.

Quadro 1 – Objetivos do desenvolvimento sustentável


Os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável para 2030
Meta 1 Erradicar a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares.
Meta 2 Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e
promover a agricultura sustentável.

Meta 3 Garantir uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as
idades.
Meta 4 Garantir a educação inclusiva com equitativa qualidade e promover a
aprendizagem ao longo da vida com oportunidades para todos.

Meta 5 Alcançar a igualdade de gênero e empoderar as mulheres e meninas.


Meta 6 Garantir a disponibilidade e a gestão sustentável de água e saneamento para
todos.
Meta 7 Assegurar o acesso à energia acessível, confiável, sustentável e moderna para
todos.
Meta 8 Promover um crescimento econômico sustentável e inclusivo, com pleno
emprego e trabalho digno para todos.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 41

Meta 9 Desenvolver infraestrutura resiliente, promover a industrialização inclusiva e


sustentável e promover a inovação.

Meta 10 Reduzir as desigualdades dentro e entre países.


Meta 11 Tornar as cidades e assentamentos humanos inclusivos, seguros, fortes e
sustentáveis.
Meta 12 Assegurar padrões de consumo e produção sustentáveis.
Meta 13 Tomar medidas urgentes para combater as mudanças climáticas e seus
impactos.
Meta 14 Conservar o uso sustentável dos oceanos, mares e dos recursos marinhos para
o desenvolvimento sustentável.

Meta 15 Proteger, restaurar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres,


gerir de forma sustentável as florestas, combater à desertificação, deter e
reverter a degradação da terra e travar a perda de biodiversidade.
Meta 16 Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento
sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições
eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.
Meta 17 Reforçar os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o
desenvolvimento sustentável ODS Compass.

Fonte: United Nations Global Compact (2015).

As organizações devem usar a inovação e a criatividade para


enfrentar os desafios do desenvolvimento de forma sustentável. Embora os
ODS tenham sido elaborados e consentidos por todos os governos, o seu
sucesso só ocorrerá se tiver a participação e colaboração de todos os
agentes, e principalmente as empresas estão no âmago desse processo.
Constata-se que desde a década de 1940 tem havido um esforço em
nível mundial e inúmeras iniciativas com relação à sustentabilidade. Cabe a
todos os indivíduos fiscalizar suas próprias ações e cobrar por fiscalização
aos órgãos responsáveis para que casos como o ocorrido com a Mineradora
Samarco, em Mariana, Minas Gerais, Brasil, não venha a ocorrer mais.
Nesse caso específico houve negligência por parte da empresa, que já
havia detectado o risco do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão,
mas nada fez. Em novembro de 2015, quando ela se rompe, o desastre
causa “imediatamente 19 mortes, e libera cerca de 50 milhões de metros
cúbicos de resíduos minerários que, carreados até o Rio Doce, percorreram
aproximadamente 600 km até o litoral do Espírito Santo” (ZHOURI et al.,
2016, p. 36). Desse desastre inúmeras estruturas foram danificadas,
inúmeros danos ambientais, fora a imagem da empresa que fica marcada
42

como irresponsável ambientalmente. Por isso, é muito importante que as


ações do desenvolvimento sustentável sejam mais preventivas que reativas,
assim o planeta viverá em maior harmonia, e atenderá à definição de
Brundtland, de não comprometer a capacidade das gerações futuras,
embora atendamos as necessidades das gerações atuais.

2 ECONOMIA VERDE

A crescente demanda pelo desenvolvimento econômico tem


concebido o surgimento de inúmeros distúrbios ambientais devido à grande
exploração dos recursos naturais, bem como poluição gerada na fabricação
dos bens e descarte incorreto de resíduos. Sendo assim, surge a necessidade
de reorientar os processos, tanto de produção quanto de consumo de bens
e serviços.
Os indicadores apresentam notoriamente que vem ocorrendo uma
intensificação sem precedentes da busca por riqueza e bem-estar nas
últimas quatro décadas, trazendo pressões insustentáveis sobre o planeta. A
Pegada Ecológica demonstra que as buscas por recursos naturais dobraram
desde a década de 1960, enquanto o Índice Planeta Vivo caiu 30%. Uma
queda na saúde de espécies, base dos serviços ambientais de que a
humanidade depende (LEAPE, 2010).
As consequências são nítidas, em que os países desenvolvidos devem
encontrar maneiras de sobrevivência que proporcionem menor impacto
ambiental. As economias emergentes também necessitam obter modelos
inovadores de desenvolvimento, os quais lhes possibilitem permanecer a
proporcionar melhor bem-estar de seus cidadãos, porém de maneira que o
planeta tenha capacidade de sustentar esse crescimento (LEAPE, 2010).
No Brasil esta realidade não é diferente. Tem havido um crescimento
econômico nos últimos anos e melhoria constante das condições sociais. Da
mesma forma, a desigualdade reduziu nas últimas décadas, proporcionando
uma estabilidade econômica, elevando assim o poder aquisitivo da
população. Sendo um aspecto almejado e bastante positivo, todavia, as
notáveis transformações nos hábitos de consumo dos brasileiros têm
turbinado a utilização dos recursos naturais e serviços ecossistêmicos,
Cidade sustentável: um conceito em construção - 43

fazendo aumentar a Pegada Ecológica, ou seja, o rastro causado na natureza


devido aos hábitos de consumo (HAMÚ, 2010).
O meio ambiente é um dos atuantes necessários para o
desenvolvimento econômico, todavia, é fundamental que haja sempre um
equilíbrio entre o que é consumido e o que a natureza pode prover. Este
pensamento é a principal ideia do Relatório Planeta Vivo 2010 (HAMÚ,
2010).
A iniciativa Green Economy, em português Economia Verde, foi
introduzida pelo Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (PNUMA -
United Nations Environment Programme, UNEP) em 22 de outubro de 2008,
tendo como intuito realizar a mobilização e reorientação a respeito da
economia para investimentos em tecnologias verdes e infraestrutura natural
(UNEP, 2008).
Segundo a Unep (2011, p. 16), “o objetivo-chave de uma transição
para uma economia verde é eliminar os trade-offs entre crescimento
econômico e investimento e os ganhos em qualidade ambiental e inclusão
social”.
A Economia Verde propõe então dinamizar os efeitos da composição
e tecnologia para conciliar crescimento econômico com qualidade ambiental
e inclusão social (ALMEIDA, 2012).
A justificativa é de que o emprego da metodologia de reconfiguração
das atividades econômicas pode proporcionar mais retorno acerca dos
investimentos em capital natural, tanto humano quanto econômico,
reduzindo, ao mesmo tempo, a ameaça relacionada ao meio ambiente e
contribuindo também para obter mais equidade social (YOUNG, 2011).
Ou seja, a Economia Verde é capaz de propiciar a oportunidade de
agregar as metas habituais da política econômica, principalmente o
crescimento da renda e do emprego, aos objetivos sociais e ambientais do
desenvolvimento sustentável: definindo assim uma tática para estabelecer-
se em um processo em crescimento sendo fundamentado na habilidade
endógena de criação e integração de progresso técnico, ligado aos quesitos
sociais, como proteção ambiental, alcançarem igual importância dos
objetivos econômicos (YOUNG, 2011).
Por meio de investimentos de 2% do PIB global anual em dez setores
estratégicos, sendo eles: construção civil; energia; pesca; silvicultura;
44

indústria; turismo; transporte; resíduos e reciclagem; água e saneamento


básico. Possibilitaria haver uma economia verde de baixo carbono e alta
eficiência de recursos. Principalmente aplicando-se 30% deste montante em
energia, seguido de 16% em transporte (PNUMA, 2011).
É preciso ter algumas condições específicas a fim de facilitar a
transição para uma Economia Verde. Essas condições consistem de uma
base de regulamentos nacionais, políticas, subsídios e incentivos, mercado
internacional e infraestrutura legal e protocolos comerciais e de apoio. Até
então, essas condições têm estimulado e têm grande influência na
economia marrom, ainda grande predominante, altamente dependente da
energia oriunda dos combustíveis fósseis (PNUMA, 2011).

2.1 ECONOMIA VERDE CONTRIBUINDO PARA A REDUÇÃO DA POBREZA

Por meio da constante pobreza é possível observar a desigualdade


social, relacionando-se ao acesso desigual à educação, saúde,
disponibilidade de crédito, viabilidade de renda e garantia de direitos de
propriedade. A Economia Verde se caracteriza principalmente em procurar a
gerar diversas oportunidades para crescimento econômico e diminuição da
pobreza sem exterminar com os bens naturais de um país (PNUMA, 2011).
Uma possibilidade de ajudar a reduzir a pobreza em um país é a
capacidade de concentrar-se em pequenos agricultores, investindo no
capital natural o qual a população carente depende. A conversão para uma
Economia Verde é capaz de trazer melhorias ao estilo de vida em áreas de
baixa renda, por meio de investimento em riquezas naturais utilizando-as
para o suprimento da população mais necessitada (PNUMA, 2011).
Em diversos países em desenvolvimento, pode-se garantir uma
grande oportunidade para agilizar a transição para uma economia verde,
que é investir no abastecimento de água potável e serviços sanitários para
toda população. Água, é um bem básico para sobrevivência, porém,
infelizmente, não está à disposição para muitos no mundo (PNUMA, 2011).
Em torno de 750 milhões de pessoas ainda não têm acesso garantido à água
potável adequada (UNICEF, 2015).
Quando a população não tem abastecimento adequado de água,
grande parte de sua renda é desembolsada para garantir a compra de água
Cidade sustentável: um conceito em construção - 45

de fornecedores, e ao mesmo tempo grande parte do tempo é gasto por


mulheres e até mesmo crianças para transportá-la (PNUMA, 2011).
Da mesma forma, a energia renovável é capaz de trazer um ótimo
custo/benefício a fim de eliminar a falta de energia em muitos locais
desprovidos de eletricidade. A Economia Verde pretende aumentar o acesso
a serviços e infraestruturas com a finalidade de diminuir a pobreza e
proporcionar melhorias da qualidade geral de vida, e tratar da pobreza de
energia é um papel de suma importância dessa transição (PNUMA, 2011).

3 A SUSTENTABILIDADE E SURGIMENTO DAS CERTIFICAÇÕES

Com o crescimento demográfico, ocorreu o aumento da produção e


escassez dos recursos naturais. Assim ao passar do tempo, acentuou os
impactos ambientais, surgindo a necessidade de regulamentos e leis que
permitissem utilizar os recursos disponíveis na natureza levando em conta a
sustentabilidade e, consequentemente, a preocupação com os resíduos
biodegradáveis, potenciais causadores de impacto ambiental e propor
medidas mitigadoras de degradação no meio ambiente.
O desenvolvimento sustentável ganhou cada vez mais a importância,
de modo que se tornou necessária a criação de um sistema de gestão que
agregasse o chamado tripé da sustentabilidade que foi formado pelos
aspectos: econômico, social e ambiental.
Do aspecto ambiental parte do princípio de que a sustentabilidade
reduz os custos de energia para operações em andamento, têm poder de
mitigação dos riscos de regulações futuras de emissão de carbono,
compromisso com o verde e essas iniciativas sustentáveis bem desenhadas
têm em sua grande maioria retorno altamente atrativo sobre investimento
(WILSON, 2015).
Com relação ao aspecto social da sustentabilidade, os clientes estão
cada vez mais preocupados com a ética e questões ambientais que afetam
sua decisão de compra. As corporações, sozinhas, não conseguem resolver
os desafios da sustentabilidade e existe a necessidade de parceiros sociais
ou fornecedores também envolvidos, que podem influenciar muito as
mudanças nos processos de produção, padrões de consumo e pressionar os
produtores a favor de um consumidor mais sustentável (WILSON, 2015).
46

De acordo com Foster (2012), em 1958 as empresas se mantinham


em média 61 anos entre as empresas com maior faturamento, em 1980 este
número se reduziu a 25 anos, nos últimos cinco anos caiu para 18 anos. Um
dos motivos para esta alternância é com relação ao aumento da
concorrência e à inadequação de suas estratégias às condições do mercado.
O aspecto econômico da sustentabilidade direciona as organizações em
políticas que se baseiam em princípios ecológicos com objetivo de obter
vantagem competitiva no mercado.
Com esta visão voltada para a proteção ambiental, as indústrias que
originam eram mais poluentes ou responsáveis pelas ações degradantes ao
meio ambiente, voltaram sua atenção e cuidados, não somente para o Setor
de Produtivo, mas também para a Administração e Direção de Indústrias.
De acordo com Pereira et al. (2013), por meio da necessidade da
criação de uma norma capaz de subsidiar ou orientar o comportamento
ambiental das empresas, em 1993, a International Organization for
Standardization – ISO, divulgou a ISO 14000 envolvendo auditorias
ambientais, rotulagem ambiental, sistema de gestão ambiental, avaliação do
desempenho ambiental e demais variáveis.
A primeira versão publicada desta normatização ocorreu em 1996,
dando origem a uma norma de gestão ambiental. A ISO 14001 possibilitou a
criação de um sistema de gestão ambiental capaz de controlar os impactos
ao meio ambiente e organizar os processos adequando a esta normatização.
A norma ISO 14001 propõe diretrizes básicas que permitem uma
organização ou empresa desenvolver e praticar políticas e metas
ambientalmente sustentáveis. Com a implantação do Sistema de Gestão de
Qualidade as empresas podem obter benefícios como: reduzir custos,
aumentar a competitividade, ter acesso a mercados, obtenção de recursos,
além de ter uma ferramenta de Controle e Gestão de toda cadeia,
promovendo melhorias e monitoramento.
A certificação baseia-se em padrões com segmento contínuo e na
recuperação do desempenho ambiental das empresas. O processo de
certificação exige apresentação das metas e programas ambientais das
organizações.
De acordo com Altin e Altin (2014), existem fatores internos e
externos que direcionam as empresas para a certificação da ISO 14001:
Cidade sustentável: um conceito em construção - 47

Fatores externos:
 reivindicações de pessoas que vivem em ambientes sobre
poluição ambiental;
 requisitos para o processo e licença comercial;
 esforços para obter a qualidade de outras atividades industriais;
 requisito de adaptação para obrigações legais relacionadas;
 pressão dos clientes para certificação do desempenho ambiental;
 canalização dos investimentos e promoções nas atividades
ambientais.
Fatores internos:
 devido à vantagem que a imagem verde que o negócio gera,
aumenta o marketshare;
 competitividade no mercado com vantagem em ter a imagem
verde sobre os concorrentes;
 devido à obtenção do sistema de gestão ambiental, melhor uso
de recursos, diminuição de consumo de água, redução dos custos
com resíduos sólidos e custos com eliminação;
 conservação de energia;
 requisitos dos acionistas para aumentar o desempenho
ambiental.

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50
Cidade sustentável: um conceito em construção - 51

Capítulo 3

CONTRIBUIÇÕES DA TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO PARA O


MAPEAMENTO DE CONFLITOS FUNDIÁRIOS URBANOS NOS
ESTADOS BRASILEIROS
15
Rachel Lopes Queiroz Chacur
16
Celso Maran de Oliveira

1 INTRODUÇÃO

A temática de estudos das cidades permeia áreas multi e


interdisciplinares com o suporte dos instrumentos tecnológicos para captar
informações de dados e otimizar os canais de comunicação setoriais, na
sociedade brasileira.
O avanço tecnológico da informação e comunicação desperta o
interesse da comunidade acadêmica e científica sobre a real contribuição da
internet nas interações pessoais, econômicas e sociais dos cidadãos.
Ao tratar do eixo transdisciplinar de meio ambiente e Tecnologia da
Informação e Comunicação – TIC, em especial a gestão de espaços
territoriais, verifica-se uma ruptura do modelo tradicional de gerenciamento
de dados para determinar a localidade e acrescentar os limites territoriais,
perfil sociodemográfico e econômico daquela comunidade ou região.
Atualmente, há instrumentos aptos para a análise adequada do espaço
territorial, com a constatação de dados de georreferenciamento, em tempo
imediato, demonstrando os fatos sociais, o que, sem dúvida, acrescenta
todas a peculiaridades que corroboram para a coleta pelos instrumentos
específicos, para cada diagnóstico geográfico. Ocorre que as comparações
de bases de dados e sítios nacionais e internacionais demonstram um
distanciamento da realidade virtual para com a fática ou a ausência de

15
Mestre em Direito Processual Civil, doutoranda do Programa de Ciências Ambientais da
Universidade Federal de São Carlos. Bolsista do CNPq/CAPES. E-mail: mrchacur@uol.com.br
16
Doutor, professor adjunto da Universidade Federal de São Carlos. E-mail:
celmaran@gmail.com
52

dados atualizados nos portais dos órgãos dos governos brasileiros. São
inúmeros programas e projetos de promoção de políticas públicas com o
objetivo de georreferenciamentos de territórios nacionais e sua gestão,
porém, é notória e pública a desatualização das bases de dados nos sítios
abertos aos cidadãos.
Com o advento da Lei da Informação (BRASIL, 2011) criaram-se
mecanismos que possibilitam a qualquer cidadão o acesso aos dados e
informações de órgãos e entidades pertencentes aos entes federados ou
entidades privadas sem fins lucrativos, os quais receberam fomento de
verbas públicas para a implantação ou aprimoramento de programas de
gestão de políticas públicas enfocando a importância da publicidade das
informações via internet como meio de informação e comunicação para
todos os cidadãos, para acompanhar, fiscalizar e participar da gestão local
ou nacional do desenvolvimento do território brasileiro.
A utilização de ferramentas agregadas de TIC possibilita o diagnóstico
dos espaços territoriais trazendo a identificação dos conflitos urbanos e
disseminando a demanda de determinada região de um Estado brasileiro.
No período inicial do Ministério das Cidades (2003) foram inúmeros
os municípios que pactuaram com o Governo estadual e União, firmando
um Termo de Compromisso de atualização de dados georreferenciados das
cidades disponibilizando as informações à comunidade local, o que foram
positivos os resultados, para aquelas cidades que deram continuidade no
planejamento e serviços de sistema de informações e comunicações.
Cumpre ressaltar a importância do fomento destas parcerias de implantação
da TIC para o desenvolvimento e avanço tecnológico e científico, das cidades
e de um país.
O objetivo geral do presente trabalho é demonstrar a utilização da
TIC e seus meios técnicos para dar tratamento aos dados da informação e
estabelecer os canais de comunicação, trazendo dados atualizados do
ciberespaço para a comunidade científica, técnica e toda a sociedade. Os
objetivos específicos focaram no diagnóstico da realidade ambiental e
social, em tempo real, na base aberta de informações georreferenciadas da
rede mundial de computadores.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 53

2 MATERIAIS E MÉTODOS

No desenvolvimento metodológico para executar a pesquisa utilizam-


se o levantamento de referencial bibliográfico e bases de dados pesquisados
em sítios da internet, para comparações e resultados obtidos (BARDIN,
2002). De acordo com a proposta, a coleta de dados ocorreu com a
visualização das bases de dados em 19 sítios da internet, no âmbito nacional
e internacional de estados, regiões e municípios, as quais trouxeram análises
quanti-qualitativas, considerando-se uma relação dinâmica e (in)dissociável
entre o mundo objetivo e a rede virtual, traduzidas em plataformas de
órgãos e entidades. As coletas de dados foram realizadas em consulta a
informações públicas, independentemente de autorização prévia, não
olvidando em questões de ordem ética. Para a análise dos dados foram
adotados procedimentos qualitativos, com análise comparativa e
transversal, com recorte da temática por busca de palavras-chave levando a
abertura de novas páginas integradas dos sítios de internet e a novos
websites de consulta de pública, sempre tomando como ponto de partida a
referência da localização de espaço territorial inicial da cidade de São Carlos
SP, seu ente federativo e país. Na apuração da análise de dados foram
categorizados os conteúdos acrescidos de contribuições teóricas e
discussões técnicas de especialistas da área, até final discussão e
conclusões.

3 REVISÃO DE LITERATURA

3.1 TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TIC)

A TIC e seus instrumentos proporcionam a coleta e disponibilidade de


dados, os quais são processados e armazenados para dar maior visibilidade
aos cadastros estabelecendo uma rede de canais de propagação ou elo com
o usuário da rede de internet, propiciando a gestão participativa de
territórios urbanos ou rurais, promovendo um modelo de aplicação de
justiça pacificadora e garantística, com o objetivo-fim de um mundo novo de
planejamento das cidades brasileiras (ZANFERDINI, 2012).
O Sistema de Informação Geográfica (SIG) é ferramenta utilizada
também para a identificação de espaços e o cadastro de regularização
54

territorial urbana e rural, denominado de georreferenciamento, com


cadastros de informações que fornecem vários eixos, como classificações e
análise do meio ambiente natural, cultural e principalmente, os limites
espaciais e morfológicos, daquele local. Contudo, há restrições à coleta dos
dados socioeconômicos. É uma importante ferramenta para a atualização da
situação imediata, utilizando-a de forma contínua, para mensurar as
demandas ambientais, culturais e socioambientais, para futuro e iminente
planejamento territorial urbano e rural.
Com o crescente aumento do número de usuários da rede mundial
de computadores atrelado ao amplo acesso à informação e à demanda
social e econômica de resolução de conflitos fundiários urbanos, recaem as
exigências de análise da situação dos cadastros gerais ou específicos nas
plataformas abertas à população, para diagnosticar a existência de dados
integrados e comunicados nos sistemas de informação (SANTOS, 2014).
Contudo, cabe aos cidadãos acessarem essas plataformas na internet como
fundamento do exercício da cidadania e participação popular (MIRANDA,
2008), levando a gestão democrática ao espaço territorial urbano (OLIVEIRA
et al., 2016). Logo, é incontroverso o uso das ferramentas da TIC como apoio
em todas as áreas das Ciências, trazendo um suporte de estatísticas para os
operadores do Direito, gestores públicos e privados e cidadãos (QUERINO;
SILVA; TAVARES NETO, 2015).
Naquilo que concerne à resolução de conflitos fundiários urbanos,
faz-se necessário o proveito da tecnologia da informação para comunicar os
interessados e cidadãos sobre os seus direitos (BOBBIO, 2001), oferecendo
os cadastros numéricos e geográficos pontuais ou mesmo vinculação fática e
jurídica para validar as negociações e as decisões judiciais (SCHNEIDER,
2014), em proveito da regularização fundiária individual ou coletiva,
apoiando a formulação de diretrizes de gestão governamental e
planejamento territorial urbano (GOUVEIA, 2007).
Tais expedientes e condutas encontram dificuldades de ordem
pragmática devido à categoria de conflitos de massa, sejam eles coletivos ou
difusos, com desajustes ou omissões de sistematização de dados atualizados
nas plataformas governamentais, bem como é excipiente o fomento desta
política pública para as cidades brasileiras (ANDRADE, 2013).
A partir de uma rotina de implantação e implementação de Sistemas
Cidade sustentável: um conceito em construção - 55

de Informação e Comunicação retroalimentando a plataforma com dados


atualizados dos cadastros de imóveis urbanos nos sistemas integrados dos
órgãos administrativos, judiciais e extrajudiciais, pode-se afirmar que houve
a comunicação dos dados a toda sociedade. Com a prevalência do sistema
integralizado nos entes federados dos Estados brasileiros tem-se o ponto de
partida de obtenção de informações e soluções de conflitos fundiários
urbanos e uma nova era de planejamento territorial. Para Oliveira e Leal
(2014, p. 6), “a utilização das tecnologias da informação e comunicação
pode ser considerada um instrumento fundamental para o exercício da
cidadania, canal de obtenção de informações e potencializador de outros
direitos fundamentais”. Do mesmo modo, o amplo acesso à informação e
alcance da comunicação é fator preponderante da gestão democrática e
efetividade dos direitos fundamentais (ANTUNES, 2014).
A literatura estrangeira (DEJOUR; ROULET; IRATCHET, 2015;
FÉRNANDEZ, 2013; GOUVEIA, 2007; JOYCE, 1975; MILLER, 2001) e as
plataformas dos sistemas de informação de outros países demonstram o
17
abismo da gestão e processamento de dados em outros países e no Brasil .

3.2 MEIO AMBIENTE, CONFLITOS FUNDIÁRIOS URBANOS E A TIC

O meio ambiente é a correlação de elementos naturais, artificiais e


culturais, em proveito do desenvolvimento sustentável e equilibrado,
incluindo o espaço territorial (SILVA, 2014).

17
Portal da Gestão Municipal de Sintra – Portugal – http://www.cm-sintra.pt/gestao-territorial.
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Gestión Urbana 1. Painel 12/046. Planejamento e orçamento no Estado de São Paulo: uma
experiência integradora de gestão por resultados. VI Congresso de Gestão Pública. La Plata,
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https://www.urbanlabsc.com.br/single-post/2017/06/28/Sistema-de-
Informa%C3%A7%C3%A3o-Geogr%C3%A1fica-%E2%80%93-SIG-para-a-Gest%C3%A3o-Urbana-
e-Ordenamento-Territorial; Informação Geográfica (IGEO) Portugal.
http://www.igeo.pt/dadosabertos/Contactos.aspx e
http://www.igeo.pt/dadosabertos/listagem.aspx; GIS territorial, servidores de mapas e
gerenciamento de documentos – Espanha, Chile e países da União europeia. http://www.e-
sig.info/sig-territorial-servidores-de-mapas-y-
gestiondocumental/ehttp://www.mma.gov.br/destaques/item/893-software-livre-para-
geoprocessamento. SigaSC. http://geo.saocarlos.sp.gov.br/index.php? SIM online.
http://geo.saocarlos.sp.gov.br/index.php?
56

O significado do território é determinado a uma área delimitada sob


uma posse ou propriedade, seja de um animal, pessoa ou grupo, de uma
organização ou de uma instituição, sob os eixos político, econômico, cultural
e social, correspondendo à cotação de seus aspectos físicos (BRANDÃO,
2008). Considerado, por alguns cientistas contemporâneos, como um dos
eixos centrais de funcionalidade das cidades trazendo à baila a
preponderância dos interesses e direitos coletivos sobre os interesses
individuais restritos ao sentido de propriedade para se ter direito a uma
cidade sustentável (OLIVEIRA; MELNICKY, 2017).
A forma dogmática geográfica é usada para delimitar os espaços
limítrofes de atuação dos Estados nacionais, mantenho os limites de poder,
relações interinstitucionais e internacionais, e a soberania do país. Não se
trata de limites fronteiriços de países, mas as delimitações da base física de
18
um país .
No Brasil, o grande desafio ao tratar de planejamento territorial dos
espaços urbanos e rurais é a utilização de um estudo prévio por sua
dimensão continental, com a aplicação do sistema integrado para questões
ligadas a ocupações urbanas, o uso da terra, o uso de recursos naturais, e,
principalmente, a delimitação das influências das questões locais e
socioeconômicas no território do solo brasileiro.
De forma abrangente, para o mapeamento territorial, em especial, é
utilizado o instrumento de geoprocessamento, que são as etapas de
procedimentos de cadastros dos limites territoriais, dados geográficos e
morfológicos, cadastro de imóveis, paisagens, entre outros. Por outro lado,
ao tratar de conflitos fundiários urbanos, o que interessa são os
procedimentos adotados para o mapeamento de imóveis urbanos e rurais
referenciados pelos vértices do perímetro do Sistema Geodésico Brasileiro,
definindo a sua área e posição geográfica. O mesmo é útil para a
regularização de registro de imóveis urbanos e rurais acrescentando dados
de diagnóstico local, os quais avaliam a situação do mesmo e impulsiona a
aplicação de normativas e procedimentos para a regularização fundiária
urbana e rural (BRASIL, 2001; BRASIL, 2002; BRASIL, 2005), e Lei

18
Como é caso do território brasileiro, o qual possui a extensão de 8.514.876 km² colocando-se
em quinto lugar entre os maiores países de extensão territorial, em comparação com os demais
países do mundo (IBGE, 2012).
Cidade sustentável: um conceito em construção - 57

10.465/2017.
Ocorre que não há uma política pública uniformizada em todos os
municípios e Estados para promover as atividades de avaliação e análise dos
dados georreferenciados e diagnóstico in loco.
São várias as situações de discrepância da fotografia geoespacial dos
dados para com a realidade social, o que é verificado somente na avaliação
ambiental, justamente em virtude da ausência de programas e projetos
globais vinculados à temática e pelo crescente e desenfreado
desenvolvimento espaço-territorial das cidades.
Com recortes para o foco da cidade de São Carlos/SP, este firmou o
termo de aceite com o programa dos governos estadual e federal, até o ano
de 2012. Entretanto, por falta de gestão de dados e serviços especializados,
não houve renovação do convênio, com o desligamento do município.
Diante da emergência de prioridades de políticas públicas de
avaliação e planejamento territorial brasileiro, justificada pela emergência
de levar os direitos mínimos de subsistência aos locais com maior
precariedade de serviços e equipamentos, fica o registro de que cabem às
autoridades locais estimularem estratégias de diagnóstico, alimentação do
sistema de dados e propositivas de regularização fundiária urbana e rural
19
nas cidades .

3.3 INSTRUMENTOS UTILIZADOS PARA MAPEAMENTO DE CONFLITOS


FUNDIÁRIOS URBANOS E PANORAMA NO CENÁRIO BRASILEIRO

Os instrumentos de TIC dão suporte ao processamento de dados


cadastrais dos espaços urbanos e rurais, definindo as áreas e limites
territoriais, traçando uma análise da situação local e estabelecendo
diretrizes de políticas públicas para o planejamento territorial dos
ambientes urbanos e rurais (FONSECA et al., 2016).
Geralmente é utilizado o SIG para cadastramento do
georreferenciamento, com o objetivo de mensurar o território e indicar a
necessidade de inscrições de registro de matrículas dos imóveis urbanos e

19
Relatório da Segunda Conferência Mundial sobre os Assentamentos Humanos – Habitat II
(1996) e do Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento – PNDU de 1996.
58

rurais.
Há divergência dos estudiosos das Ciências aplicadas, como
Geografia, Engenharia Cartográfica, Sociologia e Jurídicas, sobre a
necessidade de acrescentar várias informações acerca do imóvel, como
questões socioeconômicas, vegetação, poluição, espaços ociosos, dentre
outros.
No entanto, é de suma importância a implementação do sistema
informatizado para materializar os programas e planos referentes à política
de solos, do ordenamento territorial e de urbanismo, inclusive, é possível
vincular também os dados da existência de planos em elaboração ou
20
desenvolvimento, na visualização do SIG .
As ferramentas para o mapeamento fundiário urbano e rural são
variadas e precisas, nos ramos das ciências, trazendo benefícios como a
eficácia no tratamento dos dados para provável licença ou regularização
fundiária, a transparência de dados de informação aos órgãos e cidadãos, e
a sua contribuição para com o ordenamento do território urbano e rural,
como suporte dos Planos Diretores e planejamento das cidades. Sem
dúvida, o aperfeiçoamento do SIG, agregado à inclusão de dados, ao amplo
acesso de informação e vinculação dos órgãos públicos e privados, trará
benefícios à toda a comunidade (SILVA, 2016).

20
Os softwares de geoprocessamento gratuitos e abertos utilizados para a construção dos sítios
ou plataformas de informações de dados sobre território são GDAL/OGR. Trata-se de uma
biblioteca de tradução para dados rastreados e com fotografias; o MultiSpec para o tratamento
das imagens com licença gratuita; o SPRING, denominado SIG, que é o estado da arte com as
funções de processamento de imagens, análise espacial, modelagem numérica de terreno e
consulta a banco de dados espaciais, em coparceria com várias instituições públicas e privadas
com o esforço e união de trabalho para compilar os dados, com maior precisão técnica e real; o
MapServer que é o servidor de mapas abrangendo a rede mundial; o GRASS GIS como o
precursor do sistema aberto para aplicações do SIG; o TerraView que é um visualizador de
bases cartográficas voltado para as aplicações do SIG; o Quantum GIS também é um
visualizador de dados geográficos, com tratamento de dados limitados a vértices ou matriciais,
porém, com uma enorme fonte de informações; o Proj4 é a biblioteca utilizada nos sistemas
abertos para tratamento de projeções; o JTS Topology Suite é uma enorme biblioteca de
análises espaciais sobre geometrias em 2D, com dados topológicos e análises vetoriais; o
TerraLib é uma biblioteca de desenvolvimento de aplicações SIG, com maior flexibilidade de
diversas características de dados sobre o território; o Geotools é um conjunto de ferramentas
para o desenvolvimento do SIG (CPRESM. Centro de Estadual de Pesquisa em Sensoriamento
Remoto e Metereológico. Disponível em:
<http://www.ufrgs.br/engcart/PDASR/softwares.html>. Acesso em 25 jan 2018.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 59

O questionamento é o por que do cenário nacional de desatualização


de dados representados em mapas e sítios ou plataformas governamentais,
embora com um vasto espectro de sistemas de TIC disponíveis e abertos à
comunidade técnica, científica e gestores (DEJOUR; ROULET; IRATCHET,
2015). A resposta está na própria terminologia da TIC, pois existem
inúmeros sítios e plataformas consultadas durante o desenvolvimento da
pesquisa, como o CARCidades e CARrural, REDENossaSP, Cidades
Inteligentes, Programa Cidades Sustentáveis, EMBRAPA, Fórum Nacional de
Reforma urbana, SIGA São Carlos SP, Receita Fiscal São Carlos SP, dentre
outros. Assim, verifica-se que em cada novo portfólio aberto há indicação
dos instrumentos utilizados para o mapeamento dos conflitos fundiários
urbanos e rurais do território brasileiro, porém, há dados inconsistentes ou
sem a devida atualização, tampouco há comunicação, sendo esta
fundamental para todos envolvidos, técnicos, gestores e cidadãos
(LENORMAND et al., 2010).
O cerne da questão é que existem sistemas tecnológicos avançados
para a busca de “cidades inteligentes”, mas são utilizadas parcas e
descontinuadas informações e pouquíssima comunicação dos dados
colhidos dos territórios das cidades, usurpando as obrigações da gestão
territorial municipal (CAPACidades, 2010).

3.4 DESAFIOS DE IMPLANTAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DE TIC NA RESOLUÇÃO


DE CONFLITOS FUNDIÁRIOS URBANOS

Com o advento da Lei 13.465 (BRASIL, 2017) como embasamento da


Lei 11.977 (BRASIL, 2009) e Medida Provisória 759 (BRASIL, 2016), em
síntese, ressalta-se a premente necessidade de regularização fundiária
destacando-a como gênero e não meramente como um objeto normativo
urbanístico; com a sua análise sob os eixos das funções das cidades, dá-se
ênfase a questões de âmbito socioeconômico e ambiental, determinando o
oferecimento de equipamentos públicos e empregos de desenvolvimento
local e, principalmente, destaca-se a importância do mapeamento dos
conflitos fundiários urbanos e rurais como pressuposto de desenvolvimento
do país (FERNANDES, 2016).
60

De tal sorte, as diretrizes da nova política fundiária urbana e rural no


Brasil pretende desburocratizar, simplificar e destravar os procedimentos,
dando visualização da amplitude do território rural e urbanizado. Os
principais problemas a serem enfrentados será justamente a identificação
dos pontos de conflitos mapeados de regularização fundiária urbana e
aqueles casos de zonas mistas de urbano-rural, nos limites das cidades
(FARIA; SCHVARSBERG, 2011). Verifica-se a permanência de inúmeros
núcleos informais com finalidade urbana, com variadas classificações de
assentamentos irregulares, como unidades imobiliárias residenciais
autônomas ou condominiais, loteamentos controláveis, cortiços e favelas ou
núcleos urbanos informais diversificados, com todas as formas de ocupação
irregular (MARICATO, 2002).
Diante dos fatos prévios e notórios de desorganização socioespacial
do ordenamento territorial devido à diversificação regional, o legislador
optou pela classificação geral de zonas de reservas de interesse social e
interesse específico, sob o controle dos órgãos municipais, pautados no
crivo da legislação federal e sob a responsabilidade dos municípios.
O grande dilema do tema de mapeamento e regularização fundiária
urbana e rural é a dificuldade de irreversão da situação local, pelo tempo de
ocupação, a natureza de edificações e equipamentos, as questões legais de
transferência de propriedade com o pagamento do justo valor e
pertinências tributárias, a legitimação da posse, a classificação de formas de
residências nos municípios brasileiros, a transferência da propriedade pela
União aos municípios, o direito de laje de unidades sobrepostas; todos
pormenorizadamente estatuídos na Lei.
A Lei 13.465 (BRASIL, 2017) acrescenta os instrumentos aptos de
regularização fundiária urbana e rural como forma de aquisição originária de
propriedade, desapropriação e legitimação de posse, com a identificação de
propriedades de interesse municipal e com cadastro no registro imobiliário
gratuito, às expensas do Cartório em parceria com o subsídio dos
municípios. Destaque para o procedimento pormenorizado, desde a
indicação dos legitimados, elaboração dos projetos, processamento
administrativo, análise de saneamento (ambiental e urbanístico), até a
aprovação do projeto. Contudo, o êxito da aprovação do projeto e inscrição
do imóvel urbano e rural no Registro de Imóveis demanda o levantamento
Cidade sustentável: um conceito em construção - 61

georreferenciado, a planta e estudo técnico-ambiental conforme as normas


da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), suportados pelo ente
municipal ou interessados. Para tanto, é obrigatório o consenso dos
interessados para a obtenção da Certidão de Registro fundiário – CRF e suas
matrículas individualizadas no Cartório de Registo de Imóveis daquela
circunscrição pertencente ao município ou zonas metropolitanas. É
inconteste a importância do SIG e todos os demais instrumentos acima
correlacionados e descritos para a gestão urbana e o ordenamento
territorial no Brasil (BITTENCOURT, 2017).
O grande desafio de implantação ou implementação de TIC para
mapeamento de conflitos fundiários urbanos e rurais é fomentar políticas
públicas de ordenamento territorial, em cerca de 5 mil municípios no Brasil,
com uma rede de apoios de técnicos especializados, com o apoio dos
gestores municipais, após estabelecer a integração de dados
georreferenciados, inicialmente por regiões ou macrorregiões, até culminar
na efetiva comunicação e transparência das informações, a qualquer
cidadão e gestores públicos e privados (SILVA, 2017). No entanto, é ônus
público a gestão territorial dos espaços urbanos e rurais, com início de
resoluções de ordem pragmática de uso de ferramentas tecnológicas, para o
mapeamento da situação local (CORDOVEZ, 2002). Com a criação de um
sistema de cadastro de base de dados de órgãos municipais pela
administração pública vinculadas às Secretarias da Fazenda e Urbanismo,
bem como à Secretaria do Meio Ambiente e Secretaria de Desenvolvimento
e Finanças dos municípios brasileiros, firmando termos de parcerias com as
concessionárias de serviços públicos, para o diagnóstico integral do
território, de cada região (LISBOA FILHO; IOCHPE, 1969).
Cabe às autoridades locais e regionais propor programas e projetos,
nos limites das verbas orçamentárias plurianuais, e estabelecer diretrizes e
metas para a contratação de corpo técnico e compras de suporte
tecnológico, com o fim de cumprir as fases do planejamento e ordenamento
territorial urbano e rural, sempre priorizando a articulação dos entes
federativos, a participação popular e o direito de se ter direito à cidade
(BASSUL, 2005). É necessário levantamento de dados pelos entes
municipais, com a criação de SIG municipal (serviços de catalogação e
metadados, procedimentos e processamento e implementação contínua das
62

informações nos portais), com a implantação de geoportais nas prefeituras


vinculadas aos Cartórios de Registro de Imóveis e demais órgãos.

4 CONCLUSÃO

As novas tecnologias de informação e comunicação vieram para


auxiliar no processamento de dados, como apoio à promoção de políticas
públicas voltadas à minimização de disparidades socioeconômicas locais,
nos municípios brasileiros.
Apesar dos inúmeros instrumentos aptos para o mapeamento dos
espaços urbanos e rurais explanados no decorrer do texto e verificados no
momento do levantamento das plataformas nacionais e internacionais, com
a análise de coleta de dados durante o desenvolvimento do trabalho, foi
constatada a discrepância de dados desatualizados e irreais na consulta à
internet pelo SIG com relação à realidade local. Em particular, nos sítios
eletrônicos da cidade de São Carlos e do Estado de São Paulo verificou-se
ausência de atualização dos dados, inexistindo a caracterização completa
ambiental e fundiária deste município, somente com mapas geotécnicos não
integralizados pelo SIG, assim não trazendo comunicação aos cidadãos.
No decorrer da coleta e análise de dados também se constatou a
ausência de informações atualizadas entre os órgãos e setores da sociedade,
para as propositivas das demandas e desenvolvimento de políticas públicas.
São inúmeros os problemas levantados como o grau de ineficiência
das estruturas físicas dos órgãos públicos, a ausência planejamento
territorial e a omissão de propostas e estratégias de gerenciamento de
dados georreferenciados do solo urbano e rural, recaindo na falta de
indicadores e catalogação de conflitos urbanos e rurais, em especial, na
cidade de São Carlos. Na cidade eleita, tal situação ocorreu devido à
ausência de renovação do Termo de Adesão ao Plano de Integração do SIG
pela Cidade de São Carlos, no ano de 2012 (Ministério da Cidades), em
decorrência da falta de serviços de retroalimentação de dados
georreferenciados, como suprimento de base de informações de cadastro
da situação imobiliária urbana e rural aberta ao público nas redes de
internet, levando ao desligamento do mesmo do programa nacional do
governo federal e sem correlação com os programas e ações estaduais.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 63

Atualmente, há oferecimento de serviços integrados do município


(SIM on-line) somente com o cadastro imobiliário restrito para gestão de
tributos e cobranças pela prefeitura local.
É importante ressaltar que a utilização dos instrumentos de TIC são
molas propulsoras de diagnóstico territorial para implementação de
mecanismos previstos na nova lei de conflitos fundiários urbanos e rurais,
porém, a depender da vontade política dos gestores públicos e capacitação
técnica dos envolvidos na rede de conflitos, no Brasil.
Cabe a união de esforços da comunidade científica, gestores
municipais e a sociedade civil cobrar a implantação de serviços de
ordenamento territorial, não medindo investimentos nas novas ferramentas
de mapeamento de espaços urbanos e rurais agregados à capacitação dos
técnicos da prefeituras para o fornecimento de informações.
Cumpre, para tanto, com o prévio planejamento urbano, a necessária
comunicação dos cadastros multifatoriais e a obrigatória transparência dos
dados para toda a sociedade local.

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set. 2018.
66
Cidade sustentável: um conceito em construção - 67

Capítulo 4

O VALOR DA TERRA NOS ÚLTIMOS 20 ANOS NA ÁREA URBANA DE


SÃO CARLOS-SP- USO DE FERRAMENTAS SIG
21
Yanayne Benetti Barbosa
22
Luciana Marcia Gonçalves
23
José Augusto de Lollo

1 INTRODUÇÃO

No processo de transformação do uso e ocupação do solo urbano, as


cidades, principalmente as de porte médio, enfrentam, além do impacto do
crescimento populacional, outros reflexos na política territorial, entre eles
as mudanças no comportamento do mercado imobiliário. À medida que a
cidade se expande de forma descontínua e fragmentada, gera vazios de
terras especulativos. Uma das formas de evitar a permanência de tais vazios
é a utilização dos instrumentos urbanísticos que viabilizam a ocupação de
forma ordenada conforme previsto no Estatuto da Cidade e Plano Diretor
Municipal. Este estudo contribui com informações aos gestores públicos
dando subsídios para políticas urbanas de ocupação de vazios urbanos a fim
de garantir o cumprimento da função social da propriedade urbana.

2 PLANTA GENÉRICA DE VALORES E VAZIOS URBANOS

Com o estudo do valor venal nas sucessivas plantas genéricas de


valores (PGVs) associado à localização dos vazios urbanos de São Carlos,
identificou-se importante método de análise para identificar as
discrepâncias de valores ou valorizações das glebas.
Foi realizada a vetorização dos polígonos e identificação dos vazios
(glebas) de áreas acima de 10.000 m² por meio da imagem de satélite

21
Doutora, Universidade Federal de São Carlos. E-mail: yanayne@gmail.com
22
Doutora, Universidade Federal de São Carlos. E-mail: lucianamg@ufscar.br
23
Doutor, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. E-mail: ja_lollo@yahoo.com
68

Geoeye com resolução espacial de 0,5 m do ano de 2014. O método


utilizado para identificar os vazios urbanos na imagem de satélite foi com a
sobreposição de camadas na imagem de satélite. Primeiramente, ficou ativo
o raster GeoEye, sobrepondo a camada de limite urbano. Neste trabalho
entendem-se por vazios urbanos as áreas não parceladas (gleba): casos em
que não há divisão de unidades territoriais (lotes), ou seja, ainda são glebas
ou grandes propriedades urbanas. Maiores detalhes sobre a identificação
dos vazios urbanos está em Barbosa, Lollo e Gonçalves (2016).
Para abordar o tema da planta genérica de valores (PGV) foi realizado
um estudo do histórico de leis, decretos e publicações das PGVs no diário
oficial sobre o valor da terra em São Carlos. Ao longo desses quase vinte
anos, a PGV tem sido atualizada por meio de poucas revisões. Em 2005, a
PGV passou por uma nova revisão, incluindo os novos critérios de análise,
uma vez que localidades com padrões muito distintos apresentavam o
mesmo valor venal, além de outras incoerências geradas pela valorização do
espaço urbanizado. O estudo da PGV foi documentado no processo
10.569/2005 na prefeitura, no qual se reportam as considerações do estudo
de 2002 e atribuem algumas mudanças e incentivos. A lei que institui a
planta genérica de valores foi a Lei 13.692, de dezembro de 2005, com
exercício em 2006. Após a Lei da Planta Genérica de 2005, as PGVs
posteriores da cidade de São Carlos só acrescentaram a correção da inflação
para o reajuste atualizado para 2007 e assim sucessivamente até chegar o
valor do ano em 2017 (revisada em 2016).
Para trabalhar com uma amostra de glebas de cada zona urbana da
cidade, foi adotado o critério de estudar somente glebas que possuem
valores venais acima de R$ 30,00 reais/m² na PGV de 2017 (Figura 1). Toda
gleba tem os seus respectivos números de identificação e seu valor pode ser
demonstrado em sete classes de valores venais.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 69

Figura 1 – Glebas selecionadas com o valor venal maior ou igual


a R$ 30 reais/m² na PGV de 2017

Fonte: Barbosa (2018).

Para melhor caracterização das glebas em estudo foi obtida a


densidade demográfica da área urbana em cada setor censitário. Ao
sobrepor o mapa de densidade demográfica com o de vazios urbanos
(Figura 2), obteve-se o perfil de valores das regiões vizinhas aos vazios
70

urbanos, que apresentaram baixa densidade demográfica, concentrados


próximos ao limite da área urbana e na porção sul da cidade.

Figura 2 – Densidade demográfica da área urbana de


São Carlos-SP com vazios urbanos (glebas)

Fonte: Barbosa (2018).

A título de localização das glebas selecionadas, para realizar o


estudo do valor venal foi gerado um buffer na área urbana (Figura 3). Para
Cidade sustentável: um conceito em construção - 71

organizar o histórico do valor venal das glebas, dentro do software de SIG,


foram inseridas várias colunas na tabela do shapefile “glebas selecionadas”
e então foi atribuído o valor venal correspondente às PGVs dos anos de
1996 a 2017. Neste estudo não foram inseridas as linhas de corredores
especiais de valorização.

Figura 3 – Valores venais da PGV e a localização das glebas selecionadas

Fonte: Barbosa (2018).

É perceptível que houve maior valorização na região central e uma


depreciação do valor venal próximo ao limite do perímetro urbano salvo
72

terrenos de condomínios na franja urbana. Na região norte da área urbana,


o alto valor venal justifica-se pela infraestrutura instalada, além da
valorização imobiliária promovida pelos loteamentos fechados de alto
padrão.

2.1 ANÁLISE DAS GLEBAS VAZIAS SELECIONADAS

As glebas selecionadas e identificadas, e em seu respectivo buffer


delimitado pela linha na área de maior valor venal – a distância no centro
urbano onde ocorre a área de maior valor venal, são ilustradas na Figura 3.
Visitas de campo foram realizadas para melhor compreensão do
contexto de valorização das glebas. Foram visitadas as glebas de números: 0,
4, 8, 9, 12, 24, 25, 27, 26, 28, 70, 114, 115, 120 e 221. Considerando os
vazios urbanos (glebas), e a existência de equipamentos urbanos em um raio
de 500 metros, foi constatado que tais glebas possuem alto valor venal na
PGV de 2017, caracterizadas por oferta de serviços e de equipamentos
públicos. As glebas de números 121, 110, 109, 120, 115, 6, 5,3 e 0
apresentam entre sete a oito equipamentos em suas proximidades e altos
valores venais. No entanto, há exceções, como as glebas 2 e 119, que
possuem sete e seis equipamentos respectivamente, porém com valor venal
de R$ 33,00/m².

a) Raio do buffer de um quilômetro

Na área central as glebas sempre foram as mais valorizadas, porém o


aumento do valor venal acompanhou somente a atualização da inflação.
Destacam-se pela diferenciação do ajuste as glebas 0 e 120,
localizadas até um quilômetro de distância da avenida São Carlos e do
trecho entre a catedral e a rua XV de Novembro. Com o decorrer do tempo,
houve valorização gradativa, após o ano de 2006, houve grande aumento no
valor da terra, que pode ser observado na Tabela 1. O aumento na PGV foi
de 328,2% para as áreas onde se localizam as glebas 0 e 120, e de 250,7%
para áreas onde estão as glebas 109 e 110.
Quatro grandes glebas se configuram como evidentes vazios
especulativos. A formação dos bairros jardim Macarenco e Centreville é
Cidade sustentável: um conceito em construção - 73

antiga. Nessas regiões, as glebas possuem densidade demográfica de 23,8 a


27,9 hab/ha, considerada baixa. Essas glebas são locais nos quais
nitidamente deveria ser aplicado o IPTU progressivo, como forma de frear o
processo especulativo (Figura 4).

Figura 4 – Localização das glebas de 120 e 0

Fonte: Barbosa (2018).


74

Tabela 1 – Características das glebas vazias dentro do raio de um quilômetro

ID* identificação do polígono das glebas.


** % referente aos anos de 1997 até 2017.
Fonte: Barbosa (2018).

b) Raio do buffer de dois quilômetros

As glebas nesse buffer estão a uma distância máxima de dois


quilômetros da Catedral de São Carlos. As glebas 12 e 121 localizam-se ao
fundo de uma escola particular e centro histórico e comercial da cidade,
além de estarem ao lado do estacionamento de uma antiga fábrica de
grande porte. As glebas 3 e 9 estão mais distantes do centro comercial,
porém suas localizações são privilegiadas. A gleba 9 está localizada próximo
à avenida principal e de um dos principais acessos à cidade, possui como
principais motivadores de sua valorização a proximidade do Hospital Escola
e da Universidade Federal de São Carlos, além de se situar em uma via
estruturante, importante ligação entre os bairros, e a gleba 3 está localizada
atrás do novo Shopping Passeio, que inclui um supermercado.
Destaca-se, entretanto, a valorização de 875,68% da gleba 9 em vinte
anos. As demais valorizações das glebas estão descritas na Tabela 2.
As glebas 5 e 6 são vizinhas e situam-se em um importante acesso à
cidade, provido de toda infraestrutura e próximas ao centro comercial e ao
principal shopping da cidade. Esta área está inserida na região do córrego
Gregório e Monjolinho, demarcado como área de operações urbanas
consorciadas. No ano de 2017, a gleba 6 foi parcialmente parcelada para fins
comerciais, mas ainda há uma área da gleba sem uso e rodeada de
infraestrutura no bairro nobre da cidade.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 75

Tabela 2 – Características das glebas vazias dentro do raio de dois quilômetros

* Glebas que nunca foram submetidas a parcelamento.


** % referente aos anos de 1997 até 2017.
ID*** identificação do polígono das glebas.
Fonte: Barbosa (2018).

c) Raio do buffer de três quilômetros

No buffer compreendido pelo raio de três quilômetros houve maior


valorização nas áreas periféricas ao norte e próximas à rodovia Washington
Luís, e a sudeste, na região do parque industrial, a três quilômetros do
centro comercial. Porém, o maior destaque fica para a gleba 47, que sofreu
uma hipervalorização calculada em 1.989%. Atribui-se esse alto percentual
de atualização venal à valorização do entorno imediato e arredores.
A gleba 115 é de fácil acesso às áreas comerciais e à avenida das
Torres – importante via estruturadora da cidade. Seu valor venal passou de
R$ 20,8 para R$ 113,82 reais no período de vinte anos, o uso do solo tem
plantação de hortaliças. Sua valorização foi de 447,2% nesse período, e
percebe-se que não há interesse de o proprietário dar outro uso ou
ocupação para gleba, visto que ele está amparado pela isenção do IPTU,
pela Lei 13.692, de 25 de novembro de 2005, que determina em seu artigo
8º a isenção do IPTU enquanto atender a esse requisito.
As glebas 7 e 8 estão na área de interseção entre a avenida Francisco
Pereira Lopes e a avenida Comendador Alfredo Maffei. Essa região é
próxima da área comercial da cidade e ao lado há uma área com grandes
empresas automobilistas e redes de fast food. Sua valorização foi de
334,1%. Tais áreas estão inseridas na região dos córregos Gregório e
Monjolinho, demarcada como área de operações urbanas consorciadas.
As glebas de 4 e 92 estão ao lado da rodovia, e mesmo assim a área
onde se localiza a gleba 4 tinha o custo da terra de R$ 44,68 e obteve um
76

grande aumento do valor da terra no ano de 2017, passando a custar R$


165,6. Sua valorização em vinte anos foi de 250,9% (Tabela 3).
As glebas 47 e 58 estão na área do parque industrial e possuem
infraestrutura limitada. A gleba 47 tinha seu valor venal de R$ 1,90, e no ano
de 2017 passou a valer R$ 39,00, o que significa uma valorização de
1.989,4%.
A gleba 11 está localizada entre condomínios fechados verticais e
horizontais de alto valor e próximos ao shopping. Seu valor era de R$ 12,30,
em 1997, e atualmente é de R$ 86,10. Essa valorização de 600% não reflete
toda valorização imobiliária que foi agregada a essa região da cidade no
mesmo período. Nesse caso, o valor da terra teria que possuir um valor
muito maior devido à localização e investimentos em infraestrutura.

Tabela 3 – Características das glebas vazias dentro do raio de três quilômetros

*Glebas que nunca foram submetidas a parcelamento.


** % referente aos anos de 1997 até 2017.
ID*** identificação dos polígonos das glebas.
Fonte: Barbosa (2018).

d) Raio do buffer quatro, cinco e seis quilômetros

No buffer de quatro a seis quilômetros, as glebas vazias identificadas


com os números 24, 25, 26, 27, 28, 114 e 119 estão localizadas muito
próximas aos condomínios horizontais fechados, o que se reflete no valor da
terra (Tabela 4). As glebas 45, 46 e 57 estão localizadas em áreas do parque
industrial. O histórico do valor venal dessas zonas mostra que o polígono
que contém a gleba 119, localizada na Figura 3, mostrou a alteração no seu
valor venal durante o período estudado das PGV. Na PGV do ano de 1990
Cidade sustentável: um conceito em construção - 77

seu valor venal era alto. No ano de 1995, se observa que seu valor de R$
38,75 reais ainda era um dos mais altos da PGV. No ano de 1997, tal valor
venal era R$ 48,90, na PGV de 2002 o valor foi para R$ 55,05 e, no ano de
2005, o valor foi elevado para R$ 72,72. Observa-se que depois da revisão
da PGV em 2005, tal valor venal (exercício 2006) diminuiu drasticamente
para R$ 17,50, sendo posteriormente (2010) reajustado para R$ 20,86.
Atualmente, o valor é de R$ 33,90, sendo considerado um valor baixo na
tabela da PGV de 2017. Em relação à PGV, entende-se que a sua atualização
seja anual, e leve em conta os valores imobiliários, as melhorias públicas ou
outros processos de valorização.
No entanto, não é possível estabelecer relações sobre o polígono da
gleba 119 e determinar porque seu valor venal decresceu, pois a área possui
toda infraestrutura e está localizada em uma área nobre da cidade, onde há
vários condomínios de alto padrão a uma distância de quatro quilômetros
do centro comercial. Além disso, essa área já tem pedido de diretrizes no
SAAE para implantação de três condomínios fechados, aguardando
aprovação.
Não se identificou explicação dessa redução do valor venal na área
em que está situada a gleba 119 (redução de 32,33% do valor venal (Tabela
4), pois a área possui boa localização, acesso à infraestrutura e terreno de
baixa declividade.
A gleba 46 localiza-se na área industrial, onde incialmente não havia
infraestrutura, possui valor venal muito baixo. Sua valorização após vinte
anos foi de 1.989,47%, ainda que esteja em uma área industrial com
infraestrutura deficitária.
78

Tabela 4 – Características das glebas vazias dentro do raio de quatro quilômetros

*Glebas que nunca foram submetidas a parcelamento.


** % referente aos anos de 1997 até 2017.
ID*** identificação dos polígonos das glebas.
Fonte: Barbosa (2018).

A gleba 70 é atípica, pois, apesar de boa infraestrutura, seu valor


venal é proporcionalmente baixo. Está localizada em uma região popular da
cidade, ao lado de um aterro de construção civil e de uma escola pública.
Entretanto, em vinte anos a sua valorização foi de 409,51%, conforme
mostrado na Tabela 5.

Tabela 5 – Características das glebas vazias dentro do raio de cinco quilômetros

** % referente aos anos de 1997 até 2017.


ID* identificação dos polígonos das glebas.
Fonte: Barbosa (2018).

As glebas que estão localizadas no buffer de raio de seis quilômetros


estão próximas a condomínios fechados e supermercado, ao lado da rodovia
e próximo a uma universidade privada. Sua valorização pode ser vista na
Tabela 6.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 79

Tabela 6 – Características das glebas vazias dentro do raio de seis quilômetros

*Glebas que nunca foram submetidas a parcelamento.


** % referente aos anos de 1997 até 2017.
ID*** identificação dos polígonos das glebas.
Fonte: Barbosa (2018).

3 CONCLUSÃO

Em 2005, a revisão da Planta Genérica de Valores-PGV de São Carlos,


apresentou como princípio a promoção da justiça tributária e respeito à
capacidade contributiva do cidadão. Com os dados analisados pode-se
concluir que este objetivo não foi alcançado, pelo menos parcialmente, pois
não se atribuiu valor venal justo a todas as áreas urbanas, inclusive aos
vazios e, como exemplo, abaixou sensivelmente o valor venal da gleba de
119, de valor 72,7 reais para 17,5 reais, apesar de localizar-se em área nobre
próxima ao shopping da cidade.
Referente ao valor venal em cada PGV no período de vinte anos,
concluiu-se que no centro urbano as glebas já possuíam valores mais altos,
dessa forma, o aumento de valorização acompanhou somente a atualização
da inflação. Outro importante resultado encontrado é que os vazios urbanos
em geral não apresentam valores diferenciados em relação ao seu entorno,
ou seja, o mercado reconhece neles todas as valorizações existentes, ou
potencial valorização em áreas habitadas ou ocupadas do entorno,
formando uma área homogênea apesar da sua não ocupação, salvo algumas
exceções que foram abordadas, como, por exemplo, a gleba 119.
Assim, o buffer de três quilômetros de distância do centro urbano foi
o mais valorizado nos últimos vinte anos. Atribui-se essa valorização à
localização estratégica com acessos e mobilidades e aos equipamentos
públicos existentes, que geram atratividade para o crescimento de
empreendimentos nas áreas que estão se valorizando.
80

Ainda dentro do viés da infraestrutura, conclui-se que áreas com


mais equipamentos públicos disponibilizáveis têm valor venal mais alto.
Assim ocorreu na maioria dos vazios urbanos. Dessa forma, se não houver
interesses diretos na ocupação imediata de uma área, a regra é que os
investimentos públicos e a valorização da vizinhança é que definirão a
valorização. Caso contrário, dependerão de um esforço a ser empreendido
pelo poder público local na regulação e aplicação do Plano Diretor a fim de
conter a permanência do vazio.
A partir deste estudo, podemos concluir que apesar de não ser
predominante na decisão de parcelar e ou construir em um vazio urbano, o
valor venal pode incentivar a permanência do vazio, uma vez que não onera
seu proprietário, ao contrário, o único gasto incidente é o IPTU, pois todos
os demais fatores concorrem para a valorização do imóvel.
Outro destaque possível com a análise dos resultados é que,
contraditoriamente ao esperado pelo Plano Diretor, o instrumento
urbanístico da Outorga Onerosa do Direito de Construir e de Alteração do
Uso acabou por propiciar ambiente favorável ao mercado imobiliário.
Hoje o setor imobiliário conduz os investimentos e acaba por ditar as
regras de ocupação do território urbano, mas cabe ao poder público
municipal, por meio, principalmente, dos instrumentos urbanísticos
regulamentados pelo Estatuto da Cidade e aplicados pelos Planos Diretores
combater tal pressão, evitando a segregação espacial e os altos
investimentos públicos em infraestrutura e equipamentos sociais dispersos.
Em relação ao planejamento habitacional no Plano Diretor de 2005,
não ocorreu conforme previsto para as áreas de ocupação para habitação
social (AEIS). Esse estudo identificou as áreas de lotes e áreas de glebas
livres para a habitação em 2004 e identificou que após a implantação do
Plano Diretor de 2005, as AEIS destinadas ao interesse social não foram
ocupadas pelos novos loteamentos populares, estes foram implantados em
terras longínquas em que o valor da terra era supostamente mais baixo.
Dez anos depois, ou seja, em análise dos dados em 2014, pôde-se
verificar que houve ocupação, mas também houve a implantação de
loteamentos sociais e loteamentos de condomínios fechados fora do
perímetro urbano. Com a revisão do Plano Diretor de 2016, foi necessário
ampliar o limite urbano para incluir essas áreas. Isso demonstra claramente
Cidade sustentável: um conceito em construção - 81

um domínio e predomínio das forças do mercado imobiliário com anuências


do Poder Público municipal em muitos momentos e que, por fim,
determinaram a forma do crescimento da cidade, sem priorizar e atender às
premissas do Plano Diretor pactuado concomitantemente com a sociedade.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Y. B. Análise temporal do processo de ocupação dos vazios urbanos no município de


São Carlos, SP: sob a ótica de uma cidade compacta. 2018. Tese (doutorado) – Engenharia
Urbana da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, 2018. Disponível em:
<https://repositorio.ufscar.br/browse> Acesso em: 23 abr. 2018.
BARBOSA, Y. B; LOLLO, J. A.; GONCALVES, L. M. Análise dos tipos existentes de vazios urbanos
na cidade de São Carlos-SP (Brasil). PLURIS – 7º CONGRESSO LUSO BRASILEIRO PARA O
PLANEJAMENTO URBANO, REGIONAL, INTEGRADO E SUSTENTÁVEL CONTRASTES,
CONTRADIÇÕES E COMPLEXIDADES, Anais... Maceió-Brasil, out. 2016. Disponível em:
<http://www.fau.ufal.br/evento/pluris2016/congresso_apresentacao.html> Acesso em: 1
nov. 2016.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo demográfico – séries
históricas. 2017. Disponível em: <https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais
/educacao/9663-censo-demografico-2000.html?edicao=9858&t=series-historicas> Acesso
em: 1 nov. 2017.
SÃO CARLOS (município). Lei municipal 13.691, de 25 de novembro de 2005a. Levantamentos
do Plano Diretor de São Carlos (PDSC). 2005. São Carlos, SP: Prefeitura, 2005. CD-ROM.
SÃO CARLOS (município). Prefeitura Municipal de São Carlos. 2016. Disponível em:
<http://www.saocarlos.sp.gov.br> Acesso em: 1 jun. 2016.
SÃO CARLOS (município). Mapa de equipamentos e áreas públicas desenvolvido pela Secretaria
Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano em 2015. 2015. Disponível em:
<http://www.saocarlos.sp.gov.br/> Acesso em: 20 jun. 2016.
SÃO CARLOS (município). Plano diretor de drenagem urbana ambientalmente sustentável do
município de São Carlos (Relatório 1), Processo 6.965/2007. São Carlos, SP: SHS Engenharia
e Projetos de Engenharia, 2009.
82
Cidade sustentável: um conceito em construção - 83

Capítulo 5

INFRAESTRUTURA VERDE COMO ELEMENTO ESTRUTURANTE DA


PAISAGEM URBANA

24
Sandra Medina Benini
25
Norma Regina Truppel Constantino

1 INTRODUÇÃO

Este artigo defende que o planejamento da paisagem pode ser


concebido a partir dos princípios norteadores da infraestrutura verde,
notadamente ao possibilitar a incorporação de diversos componentes da
natureza na cidade contemporânea, contribuindo, assim, para a
26
sustentabilidade urbana. Para tanto, é necessário compreender as
apropriações, as representações e os conflitos do homem sobre a paisagem.
Para comprovar essa afirmativa foi realizado um estudo de caso na
Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos Aguapeí (UGRHI-20), tendo
como amostragem da pesquisa os municípios de Tupã e Garça a partir da
análise do Plano Diretor e demais planos setoriais, com intuito de identificar
propostas que visam à implantação de parques lineares em fundos de vale
inseridos em suas áreas urbanas, enquanto tipologias da infraestrutura
verde, como subsídio ao planejamento da paisagem urbana.
Como procedimento metodológico adotou-se pesquisa qualitativa
sobre o planejamento da paisagem, que consistiu no exame da literatura

24
Doutora em Geografia pela FCT-UNESP, Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela
Mackenzie, e Pós-Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela FAAC-UNESP, Docente e
Pesquisadora do Centro Universitário UNIVAG. E-mail: arquitetura.benini@gmail.com
25
Doutora, PPGARQ-UNESP. E-mail: nconst@faac.unesp.br
26
A noção de sustentabilidade implica uma necessária interpelação entre justiça social,
qualidade de vida, equilíbrio ambiental e a necessidade de desenvolvimento com capacidade
de suporte. Mas também se associa a uma premissa da garantia de sustentação econômico-
financeira e institucional. Em nosso entender, a ênfase é na direção de práticas pautadas por
um desenvolvimento de políticas sociais que se articulam com a necessidade de recuperação,
conservação, melhoria do meio ambiente e da qualidade de vida (JACOBI, 1999, p. 44).
84

pertinente de trabalhos científicos (livros, teses, dissertações, artigos, etc.) e


da legislação urbanística em vigor.
A partir da análise dos dados, verificou-se que dentre os problemas
mais recorrentes do uso e ocupação dos fundos de vale, detectados na
amostragem empírica da UGRHI-20, estão os relacionados à intervenção do
mercado imobiliário, tendo como público-alvo a população de menor poder
aquisitivo. Para exemplificar, constatamos que nas faixas ao longo dos
corpos d’água da cidade Tupã, muitas famílias residem nessas áreas com
vulnerabilidade ambiental, sujeitas a alagamentos decorrentes do
escoamento de águas superficiais.
A pesquisa verificou ainda que a implantação de parques lineares,
como no caso de Garça, contribuiu para conectar os espaços e pessoas,
minimizando as diferenças socioeconômicas presentes no espaço urbano,
além de contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população.
Nesse contexto, a infraestrutura verde se apresenta como elemento
estruturante da paisagem urbana, utilizada tanto na concepção do
27
planejamento como no pensar o projeto urbano.

2 PLANEJAMENTO DA PAISAGEM

Como subsídio à construção empírica deste estudo e de modo a


contribuir para melhor entender o planejamento da paisagem, Assunto
(1976, p. 45-48) explica:
Creio que neste ponto surgirá com bastante facilidade uma definição
de ‘paisagem’ como ‘forma’ que o ambiente (‘função’ ou ‘conteúdo’
[...]) confere ao território como ‘matéria’ de que ele se serve. Ou
melhor, se quisermos ser mais precisos, paisagem é a ‘forma’ na qual
se exprime a unidade sintética a priori (no sentido kantiano: não a
‘unificação’ de dados recebidos separadamente, mas a ‘unidade’

27
No tocante às questões do planejamento, Birkholz (1968, p. 3) explica que este é um
“processo de pensamento, um método de trabalho, um meio para propiciar um melhor uso da
inteligência e das capacidades potenciais do homem, para o benefício do próprio homem [...]. O
plano é função dos meios e condições que a sociedade apresenta numa dada época e, deve ser
considerado como válido em suas diretrizes e objetivos, porém dinâmico em relação aos seus
detalhes, os quais variam com a evolução sócio-econômica do meio para o qual ele foi
organizado [...] O que é importante do ponto de vista do planejamento, não é somente elaborar
o plano, mas sim, organizar a sociedade para que ela continue detalhando e adaptando o plano
em questão, através de seus técnicos durante a sua própria evolução, em função das
modificações do meio.”
Cidade sustentável: um conceito em construção - 85

necessária que condiciona o seu apresentar-se na consciência) da


‘matéria’ (território) e do ‘conteúdo ou função (ambiente)’. [...] O
ambiente concreto, ambiente que vivemos e do qual vivemos
vivendo nele, é sempre ambiente como forma de um território:
paisagem.

Frente a tais considerações, Serrão (2013, p. 23-26) esclarece que a


paisagem “é uma unidade sintética na qual se dá ligação entre o território” e
ainda que paisagem “não é natureza (em si) nem o humano (para si), mas o
ponto de encontro de homem e natureza”. Segundo Leite (1994, p. 7),
paisagem “é resultado do equilíbrio entre múltiplas forças e processos
temporais e espaciais”. Besse (2014, p. 33-34) esclarece que

[...] a paisagem não é, portanto, um simples conjunto de espaços


organizados coletivamente pelos homens. É também uma sucessão,
de pegadas que se superpõem no solo e constituem, por assim dizer,
sua espessura tanto simbólica quanto material. [...] A paisagem é
uma maneira dos homens inscreverem seu meio terrestre dentro de
uma duração ou de uma durabilidade que não se confundem com os
ritmos naturais, transformando assim esse meio num mundo
histórico.

Bertrand (2007) ensina que a “complexidade da paisagem é ao


mesmo tempo morfológica (forma), constitucional (estrutural) e funcional, e
não devemos tentar reduzir pela divisão”. De modo a elucidar a questão,
Macedo (1999, p. 11) explica que paisagem pode ser compreendida como a
“expressão morfológica das diferentes formas de ocupação, portanto, de
transformações do ambiente em um determinado tempo”.

Daí, poderá se sintetizar a concepção de ambiente como a interação


da sociedade com suporte físico, quer tenha aparência comumente
denominada ‘natural’ ou construída. A interação se dá no espaço
geográfico pelas adaptações, transformações, readaptações e novas
transformações das sucessivas formas encontradas, elaboradas e
reelaboradas. A essas conFORMAções, conFIGURAções, carregadas
da interação social com suporte temos denominado PAISAGENS.
(MAGNOLI, 1994, p. 60).

Nessa lógica, o conceito de paisagem quando vinculado “aos


conceitos de habitat e principalmente de espaço”, assim cada “paisagem
contém espaços, lugares onde vivem comunidades inteiras, podendo conter
86

partes ou todos de ecossistemas diversos” (MACEDO, 1999, p. 13). Frente a


tais considerações, pode-se recomendar que projetos e intervenções
urbanas deveriam considerar os elementos que compõem paisagem, bem
28
como a complexidade de suas interações:

a) as características funcionais de suporte físico, tanto do solo como


do subsolo, suas redes de drenagem, os aquíferos e suas
suscetibilidades perante a ação antrópica;
b) as características climáticas do lugar e as diferentes formas e
possibilidades de adaptação das comunidades de seres vivos a essas
características;
c) as características dos ecossistemas existentes – suas formas
principais de vida e seu valor no contexto do lugar e do país, além de
seu potencial de aproveitamento, em termos de recursos, para a
sociedade humana;
d) os valores sociais e, portanto, culturais, atribuídos ao local e suas
implicações na sobrevivência das diferentes formas de
comportamento social;
e) os padrões de ocupação antrópicas – tanto urbana quanto rural,
seu porte, dimensionamento, tendências e possibilidades de
expansão e suas formas de relacionamento com estruturas de
suporte físico e ecossistemas existentes e seus agentes formadores;
f) o grau de processamento das estruturas ambientais existentes e a
conveniência de sua transformação a médio e curto prazo, isto é, a
mensuração dos níveis de transformação das diversas estruturas
ambientais de cada área, seu potencial de utilização e de sobrevida
perante um processo de uso, exploração e ocupação humana. O
objetivo, no caso, é avaliar o real estoque de recursos ambientais,
seus níveis de produtividades e a sua capacidade de absorção e
recuperação diante das diferentes formas de exploração;
g) as características dos elementos componentes das estruturas
morfológicas da paisagem (que seja o suporte físico ou a vegetação),
as diferentes formas de ocupação humana: cidades, campos,
indústrias, estradas e águas. Neste sentido, o fator de
excepcionalidade em relação a um determinado referencial escalar
deve ser considerado, e tanto maior será o valor paisagístico desse
ou daqueles, como um país, um estado, um setor ou um pequeno
segmento do território. Os padrões culturais vigentes, que são
extremamente variáveis dentro da sociedade, no espaço e no tempo,
também devem ser considerados. (MACEDO, 1999, p. 13).

28
“[...] a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações,
retroações, determinações, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal” (MORIN, 1995,
p. 19).
Cidade sustentável: um conceito em construção - 87

A utilização da infraestrutura verde em projeto de urbanização ou


intervenção em fundos de vale, além de agregar valores ambientais,
funcionais e estéticos, atua como elemento estruturador da paisagem.
Madureira (2012, p. 34) compreende que infraestrutura do verde é
“um conceito abrangente, integrativo conceptual e espacialmente de outras
abordagens aos espaços naturais”, como, por exemplo, o “corredor
ecológico ou estrutura ecológica”. Benedict e McMahon (2002, p. 8 –
tradução nossa), esclarecem que a infraestrutura verde “é um termo novo,
mas não é uma nova ideia” que permite a conjugação de sistemas
ecológicos multifuncionais, sendo que sua implementação em espaços
urbanos contribui para melhoria da qualidade de vida da população.
Parques lineares, enquanto tipologia da infraestrutura verde, são
considerados como elementos estruturadores da paisagem urbana, visto
que no contexto dos ecossistemas urbanos permite a conjugação do sistema
verde (produção de biomassa) com o sistema azul (circulação da água) por
meio de inúmeras soluções técnicas, as quais podem ser adaptadas às
particularidades da cidade contemporânea (BENINI, 2015). Para Falcón
(2007), os parques lineares podem ser caracterizados como

[…] una tipología de zona verde que, en general, se trabaja poco


desde el urbanismo y Ia planificación de Ia ciudad. Si acaso, los
valores ambientales que aportan se han desarrollado desde otra
disciplina, Ia ecología, según Ia cual actúan como conectores de
diferentes zonas verdes y como correa de transmisión de Ia
biodiversidad urbana. Su aportación a Ia trama verde urbana, sin
embargo, va más allá de los aspectos meramente medioambientales,
y se convierte en una herramienta de cohesión social. Los parques
lineales brindan unos beneficios sociales y culturales, puesto que se
plantean como un trayecto que recorre diferentes barrios y partes de
Ia ciudad, y que se adapta a Ia idiosincrasia y a Ias características de
los habitantes del lugar por el que transcurre. (FALCÓN, 2007, p.
47)29.

29
“[...] uma tipologia verde que, em geral, é pouco trabalhada no urbanismo e no planejamento
da cidade. Os valores ambientais que apresentam, foram trazidos de outra disciplina, a
ecologia, e segundo a qual atuam como conectores de diferentes zonas verdes e como cordão
de transmissão da biodiversidade urbana. Sua contribuição na trama verde urbana, entretanto,
vai mais além dos aspectos ambientais e se converte em uma ferramenta de coesão social. Os
parques lineares fornecem benefícios sociais e culturais, uma vez que possuem um trajeto que
percorre diferentes bairros e partes da cidade, e que se adapta à idiossincrasia e às
88

Herzog (2010, p. 11) explica que os parques lineares ao longo de rios,


podem ser considerados como “corredores verdes multifuncionais”, que,
“além de proteger e manter a biodiversidade, têm função de infiltrar as
águas das chuvas, evitar o assoreamento dos corpos d’água, abrigar vias
para pedestres e ciclistas, áreas de lazer e contemplação”. Por essa razão,
Franco (2010) orienta que os projetos urbanos devem incorporar os
princípios definidores da infraestrutura verde:

Conectividade – a infraestrutura verde delineia a força do seu foco


em conectividade, entre espaços naturais e os parques e outros
espaços abertos, entre as pessoas e os programas. A conservação
biológica tem demonstrado que a conexão é essencial para os
sistemas naturais desempenharem sua função genuína e para
propiciar a vida selvagem. Assim, é de fundamental importância
estabelecer a conexão entre os componentes dos ecossistemas –
parques, áreas de preservação, áreas ripárias, áreas úmidas e outros
espaços verdes – para que eles juntos possam manter valores e
serviços dos sistemas naturais, tais como carregar e filtrar água da
chuva, e manter a saúde e a diversidade das populações de vida
selvagem. Dessa forma a infraestrutura verde pode ajudar a
estabelecer prioridades na aquisição de terra que assegure
conectividade adequada entre áreas já preservadas.
Contexto – o entendimento dos ecossistemas e da paisagem requer
uma análise do contexto onde esses ecossistemas existem, isto é, a
compreensão dos fatores físicos e biológicos das áreas de entorno.
Estrutura – a infraestrutura verde pode funcionar como estrutura
para a conservação e o desenvolvimento.
Comprometimento – a infraestrutura verde requer
comprometimento de longo prazo por parte do governo e dos
agentes sociais. (FRANCO, 2010, p. 142).

A adoção de tais princípios permite que sejam implementadas


conexões ecológicas no espaço urbano, permitindo a interligação de
fragmentos vegetados a corredores de biodiversidade, tendo por fim a
estruturação ou reestruturação do mosaico verde paisagem em diversas
escalas do projeto. Por esta razão, a infraestrutura verde é conhecida como
“infraestrutura ecológica”, por estar “fundamentada nos conhecimentos da
ecologia da paisagem e da ecologia urbana”, compreendendo a “cidade

características dos habitantes do lugar por onde passa.” (FALCÓN, 2007, p. 47 – tradução
nossa).
Cidade sustentável: um conceito em construção - 89

como um sistema socioecológico, por meio de uma visão holística,


sistêmica” (HERZOG, 2013, p. 111).
Ribeiro (2010, p. 36), esclarece que a conectividade “integra a
capacidade dos processos bióticos, dada por mecanismos internos capazes
de absorver e resistir às mudanças, garantindo-lhes flexibilidade e
perenidade”, respeitando os “princípios próprios dos ecossistemas
naturais”, tais como: “mínima intervenção nos espaços da estrutura
ecológica de sustentação; equilíbrio entre população e recursos; prevenção
da diversidade; manutenção sistêmica”. Nesse sentido, Herzog e Herzog e
Rosa (2010), destacam que infraestrutura verde contribui para proteção e
restauração dos ecossistemas naturais no espaço urbano, além de

 promover a infiltração, detenção e retenção das águas das


chuvas no local, evitando o escoamento superficial;
 criar habitat e conectividade para a biodiversidade;
 amenizar as temperaturas internas em edificações e mitigar as
ilhas de calor;
 promover a circulação de pedestres e bicicletas em ambientes
sombreados, agradáveis e seguros;
 diminuir a velocidade dos veículos; conter encostas e margens de
cursos d’água para evitar deslizamentos e assoreamento.
(HERZOG; ROSA, 2010, p. 101 – organização nossa).

Diante desses benefícios, ressalta-se que o planejamento da


infraestrutura verde está atrelado ao planejamento do uso do solo, em que
devem ser considerados fatores como expansão urbana, fragmentação da
paisagem, áreas de proteção ambiental e vulnerabilidade ambiental, de
modo que seja possível através do projeto urbano, estruturação da
paisagem. Para Herzog (2010, p. 5), o êxito neste propósito implica
necessariamente a adoção de uma “abordagem sistêmica, abrangente e
transdisciplinar”, para a qual seja importante adotar alguns procedimentos
técnicos, como:

Depende de um levantamento detalhado dos aspectos abióticos,


bióticos e culturais. Inicialmente é preciso fazer um mapeamento dos
condicionantes geológicos, geomorfológicos, hídricos (de preferência
ter a bacia hidrográfica como unidade de macroplanejamento),
climáticos, cobertura vegetal, uso e ocupação do solo.
Também é importante conhecer a biodiversidade local. Levantar
dados e mapas históricos de uso e ocupação do solo, de hábitos e da
90

cultura local. Conhecer mais profundamente o lugar. O processo deve


ser dinâmico e flexível, além de efetivamente participativo, contando
com representantes de todos os segmentos da sociedade que serão
afetados pelo projeto. É necessário identificar os anseios e problemas
trazidos pela comunidade, em busca de novas ideias, fruto da
vivência e experiência do lugar. Esse engajamento dos usuários no
desenvolvimento do planejamento e projeto é essencial para que a
infraestrutura verde seja sustentável no longo prazo. O diagnóstico
irá indicar quais as oportunidades e as limitações da área. (HERZOG,
2010, p. 5).

A autora (2010, p. 4) ressalta que os projetos urbanos que


incorporarem a infraestrutura verde devem prever “intervenções de baixo
impacto na paisagem e alto desempenho, com espaços multifuncionais e
flexíveis, que possam exercer diferentes funções ao longo do tempo –
adaptável às necessidades futuras”.

3 OCUPAÇÃO DOS FUNDOS DE VALE

Nas últimas décadas, o mundo apresentou significativas mudanças e


segundo Bernardo (2013, p. 143), parte desse processo decorre da
“degradação ambiental, expansão desregulada das áreas urbanas”,
decorrentes de um “modelo de desenvolvimento que se traduziu em fortes
impactos” ambientais. Frente a este cenário há na “contemporaneidade um
olhar nostálgico, associado à consciência da perda e a atitude para com a
natureza”.
Conforme dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) – Censo 2010, aproximadamente 84% da população
brasileira vivem em áreas urbanas. Para abrigar esse contingente
populacional, as cidades são produzidas em ritmo cada vez mais acelerado,
coordenado pelos interesses ditados pelas leis de mercado, que se fazem
presentes, incontestavelmente, no modelo de produção de nossas cidades,
seja por meio da verticalização intensa ou pelo esgarçamento da malha
urbana nas cidades brasileiras (BENINI, 2015).
Cidade sustentável: um conceito em construção - 91

30
A ocupação do território não assegura a qualidade de vida das
31
pessoas e muitas vezes incide na perda da qualidade ambiental – o espaço
urbano tem se tornado o palco da atenção de diversos planejadores.
Segundo Reker e Pastore (2013, p. 199),

Entre as causas desse problema estão a multiplicação desordenada


de objetos, mobiliário urbano, elementos de infraestrutura, reclames
e construções. Decorrem disso o estreitamento de horizontes, perda
da qualidade dos espaços vividos, da experiência da Natureza e da
Paisagem e, enfim, a percepção de desordem e excesso de habitar
humano. Esse divórcio entre desenvolvimento e qualidade de vida é
o motivo de crescente questionamento sobre pertinência do modo
como se tem planeado intervenções de ordem urbana e territorial.

Para Alberto Malgnaghi (1998), citado por Bonesio (2011, p. 445), a


“insustentabilidade” decorre de um “modelo de desenvolvimento baseado
no dogma de um crescimento ilimitado”, o qual conjuga sistemas
ambientais, redes ecológicas, bacias hidrográficas, tipologias das formas de
fixação territorial, dentre outros, que agregam valor ao patrimônio
paisagístico.
Como resultado desse processo predatório, verifica-se que a
ocupação dos fundos de vale compromete o sistema natural de drenagem
urbana, retirando a flora do local e intensificando o depósito irregular de
resíduos sólidos, dentre outras consequências.
As intervenções antrópicas no território urbano, quando não
observadas as normas urbanísticas e ambientais, têm provocado impactos

30
“Por ‘território entende-se, de facto, uma extensão mais o menos vasta da superfície’,
delimitada segundo divisões geomorfológicas, segundo diferenças linguísticas ou segundo
delimitações político-administrativas” (ASSUNTO, 1976, p. 126-129, apud REKER; PASTORE,
2013, p. 199).
31
A qualidade ambiental pode ser entendida como “conceito mais amplo, tendo em vista que o
meio ambiente, consideradas as suas dimensões materiais e imateriais, pode ser analisado
como substrato e mediador de todas as formas de vida”, permitindo assim “o desenvolvimento
dos processos vitais, das relações ecológicas, da evolução dos ecossistemas naturais e
construídos do planeta, da construção/destruição, ou seja, da evolução das paisagens externas
e internas” (GUIMARÃES, 2005, p. 21). Para Macedo (1995, p. 17), a qualidade ambiental é vista
a partir dos “mecanismos de adaptação” e “autossuperação” dos ecossistemas, e afirma, com
“base na teoria sistêmica da evolução”, que a qualidade ambiental é oriunda da “ação
simultânea da necessidade e do acaso”.
92

significativos no ambiente, em regra, negativos, gerando passivos


ambientais e comprometendo assim a qualidade de vida da população.
Nesse sentido, Bonesio (2011, p. 445) faz um alerta sobre o
problema, afirmando que o “território, enquanto realidade natural e
ambiental, tem as suas próprias regras de conservação e reprodução (de
longa duração), as quais ignoradas, levam à instabilidade e à destruição”.
Esse tipo “destruição” apontada pelo autor é frequentemente vinculada
pelos meios de comunicação, a exemplo dos deslizamentos, inclusive, com
soterramento de edificações e pessoas, decorrentes de precipitações
expressivas. Diante desses fatos, Sobreira (2013, p. 218) considera que

[...] o problema da cidade é o problema ontológico do homem, está


associado ao declínio ético-moral da sociedade contemporânea, à
economização do sentido da vida, trocando valores culturais pelos
valores econômicos, alterando a escala dos éticos comunitários para
os indivíduos, deixando de lado o propósito da cidade, que é a
comunidade, aqui entendida como a relação entre todos os seres.

Esse “declínio ético-moral” apontado por Sobreira (2013) se


materializa na voracidade do mercado imobiliário, frente à inoperância do
Estado no ordenamento territorial urbano, contribuído assim para a
construção de cidades que preterirem os valores socioambientais a
vantagens financeiras. Nessa lógica do mercado, as glebas de menor valor,
como as dos fundos de vale são ocupadas pela população de menor poder
aquisitivo.

4 ESTUDO DE CASO

A busca do conhecimento está atrelada ao próprio processo


evolutivo do homem, pois este “ousou questionar suas verdades e filosofou,
ousou experimentar e descobriu o conhecimento empírico, estabeleceu
regras e fez ciência e implementou tecnologias”, por esta razão, é peculiar
da natureza humana “a necessidade de criar, produzir novos métodos e
técnicas e, por conseguinte: fazer ciência e refletir seu estar no mundo”
(BOENTE; BRAGA, 2004).
Nesse sentido, a ciência pode ser definida pela compreensão dos
fenômenos naturais e sociais, que se perpetua na jornada pelo
Cidade sustentável: um conceito em construção - 93

conhecimento. Para Morin (2000, p. 14), o “conhecimento do conhecimento


deve aparecer como necessidade primeira, que servirá de preparação para
enfrentar os riscos permanentes de erro e de ilusão, que não cessam de
parasitar a mente humana”, ou seja, “armar cada mente no combate vital
rumo à lucidez” (p. 14).
Assim, para desenvolver uma pesquisa com foco na infraestrutura
verde como um elemento estruturante da paisagem, recorreu-se ao
contexto das ciências sociais aplicadas para a realização de uma discussão
teórica que será oportunamente relacionada à base empírica (SERRA, 2006).
Essa breve reflexão sobre a ciência, seus métodos e pressupostos
permite-nos fundamentar o método adotado para esta pesquisa em
arquitetura e urbanismo, apoiando-se na elaboração de instrumentos
empíricos para a construção do conhecimento.
Nesta pesquisa a construção empírica (na forma de Estudo de Caso)
foi delimitada pelas compreensões advindas das “realidades concretas e
históricas” (DEMO, 1995), que retratam o contexto social, técnico e político,
com a preocupação de obter melhor entendimento do uso e ocupação do
32
fundo de vale das áreas urbanizadas na UGRHI-20 .
A estratégia adotada para desenvolvimento desta pesquisa foi
baseada no estudo de casos múltiplos, tendo como amostragem os
municípios de Tupã e Garça, em que, segundo Yin (2001), permite “seguir a
uma lógica de replicação”, na qual cada caso possa apresentar resultados
similares ou contraditórios previstos no “princípio da investigação”.

4.1 CASO DE TUPÃ

Localizado a oeste do Estado de São Paulo, o município de


Tupã faz divisa com os municípios de Arco-Íris, Herculândia, Quintana,
Quatá, Bastos, João Ramalho e Iacri. Os dados do IBGE (2010) demonstram
que a população de Tupã é urbana, visto que 60.930 pessoas residem na
área urbana e 2.546 na área rural, seguindo a tendência dos demais
municípios. O grau de urbanização no município é de 95%, enquanto a
média do Estado de São Paulo é de 95,94%.

32
Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos Aguapeí – UGRHI-20.
94

A pesquisa verificou que no contexto socioeconômico, as situações


de maior ou menor vulnerabilidade da população residente no município de
Tupã, que estão resumidas nos seis grupos do Índice Paulista de
33
Vulnerabilidade Social – IPVS (Figura 1), definidos a partir de um gradiente
das condições socioeconômicas e do perfil demográfico.

Figura 1 – Índice Paulista de Vulnerabilidade Social na cidade de Tupã

Fonte: SEADE (2010).

Segundo a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE,


2010), o município de Tupã foi enquadrado em quatro grupos do Índice
Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS): Grupo 2 – vulnerabilidade muito
baixa, com 20.623 pessoas (33,7%); Grupo 3 – vulnerabilidade baixa, com
5.153 pessoas (8,4%); Grupo 4 – vulnerabilidade média – setores urbanos,
com 31.299 pessoas (51,1%); e, Grupo 5 – vulnerabilidade alta – setores
urbanos, com 4.140 pessoas (6,8%).
A análise dos dados demonstrou que o município apresenta 51,1% da
população, ou seja, 31.299 habitantes se encontram no grupo 4 de
vulnerabilidade média, apresentando um rendimento nominal médio de R$
1.531,00 por domicílio, sendo que em 20,4% destes a renda não ultrapassa a
meio salário mínimo per capita. Conforme comparação feita na Figura 1,
constata-se que um percentual significativo de pessoas enquadradas no
grupo 4 de vulnerabilidade média reside nos fundos de vale da cidade Tupã.

33
Segundo Seade (2010), o Município de Tupã foi enquadrado em 4 grupos do Índice Paulista
de Vulnerabilidade Social – IPVS – “O Grupo 2 (vulnerabilidade muito baixa): 20.623 pessoas
(33,7% do total). O Grupo 3 (vulnerabilidade baixa): 5.153 pessoas (8,4% do total). O Grupo 4
(vulnerabilidade média – setores urbanos): 31.299 pessoas (51,1% do total). O Grupo 5
(vulnerabilidade alta – setores urbanos): 4.140 pessoas (6,8% do total)”.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 95

Segundo Benini (2015, p. 151), a ocupação dos fundos de vale do


ribeirão Afonso XIII (Figura 2) foi consolidada na

[...] década de 1970, em razão da atuação imobiliária, tendo como


público-alvo a população de menor poder aquisitivo. Segundo a
SEPLIN (2012), cerca de 120 famílias residem nessas áreas de risco,
sujeitas a alagamentos decorrentes do escoamento do fluxo fluvial.
Esse problema não está restrito somente à cidade de Tupã, pois em
muitas cidades brasileiras, além da impermeabilização crescente, as
faixas mínimas das áreas de preservação permanente não são
respeitadas sendo, inclusive, impermeabilizadas.

Figura 2 – Braço esquerdo do ribeirão Afonso XIII

Fonte: DataGeo – Sistema Ambiental Paulista. Imagem de Satélite CNES/Aibus (2017).


Disponível em: <http://datageo.ambiente.sp.gov.br>. Acesso em: 20 mar 2017. Organizado pela
autora.

Frente aos problemas relatados, a pesquisa verificou que em 2006 a


Administração municipal de Tupã viabilizou, por intermédio do Comitê
34
Bacias Hidrográficas Aguapeí e Peixe, a aprovação de recurso do Fundo
Estadual de Recursos Hídricos (FEHIDRO), para a elaboração de Estudos de
Macrodrenagem Urbana.
Esses estudos foram desenvolvidos pela Fundação Centro
Tecnológico de Hidráulica da Universidade de São Paulo e resultaram na

34
Deliberação CBH-AP/091/06 de 28/03/06, que aprova pontuação dos projetos apresentados
ao FEHIDRO para 2006.
96

elaboração do Plano de Macrodrenagem, considerado pela Administração


municipal como um plano setorial para subsidiar o planejamento urbano, no
período de 2008 a 2027.
O Plano de Macrodrenagem foi estruturado em duas etapas: a
primeira, de caráter emergencial a ser executada no período de 2008 a 2012
– denominado de Plano de Ação Imediata (PAI); e a segunda etapa previa
ações a médio e longo prazo (2014 a 2027), contempladas pelo Plano de
Ações Continuadas (PAC).
No PAC foram feitas proposituras para as medidas estruturais que
recomendavam a implantação de parques lineares ao longo do ribeirão
Afonso XIII, Cônego Rebouças e Córrego Modelli (com execução orientada
da jusante a montante). Nessa etapa foram indicadas como medidas não
estruturais a regulamentação do uso e ocupação do solo, dando ênfase para
os trechos localizados nos fundos de vale.
Os estudos de macrodrenagem urbana, enquanto plano setorial,
ajudaram a subsidiar a revisão do Plano Diretor – aprovado pela Lei
Complementar 170, de 21 de dezembro de 2009 – o qual recebeu a
denominação de Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável da Estância
Turística de Tupã.
O diferencial desse plano é que ele foi elaborado com observância
das recomendações da Agenda 21 da Estância Turística de Tupã.

Art. 2º O Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável é o


instrumento global e estratégico para implementação das políticas
municipais do Município de Tupã e integra o processo de
planejamento e gestão municipal, sendo determinante para todos os
agentes públicos e privados que atuam no Município.
§ 1º O Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável foi subsidiado
pelo documento final da Agenda 21 da Estância Turística de Tupã,
documento legítimo, fruto de uma gestão participativa entre a
administração pública e população tupãense que objetiva a
consolidação de uma cidade sustentável.

Por esta razão seus princípios são direcionados ao planejamento e


gestão do município, de modo a promover o desenvolvimento sustentável,
assegurando a “preservação, recuperação e conservação do ambiente
natural e construído” (inciso VIII, do artigo 5º, da Lei Complementar
170/2009).
Cidade sustentável: um conceito em construção - 97

De modo a atender às proposituras previstas no Plano de


Macrodrenagem, foram criadas as Zonas de Ocupação Controlada, as quais
foram divididas em duas categorias:

 Zona de Ocupação Controlada – A (ZOC-A) compreende uma área


de 50 (cinquenta) metros a partir da margem dos córregos
urbanos, em toda área urbanizada, sendo que nos primeiros 30
(trinta metros) a taxa de permeabilidade é de 100% (cem por
centos) e nos 20 (vinte) metros a partir da APA (Área de Proteção
Ambiental) a taxa de permeabilidade é de 40% (quarenta por
cento) (incisos I e II, do § 3º, do art. 52, da Lei Complementar
170/2009).

 Zona de Ocupação Controlada – B (ZOC-B) compreende uma área


de 100 (cem) metros a partir da margem dos córregos em área de
expansão urbana, onde a taxa de ocupação do solo será de 10%
(dez por cento) e a taxa de permeabilidade será de 90% (noventa
por cento) com exceção das APPs, nas quais estão proibidas as
edificações, sendo obrigatória a recuperação das áreas
degradadas através da implantação de infraestrutura alternativa,
a exemplo dos parques lineares (incisos I e II do § 4º, do art. 52,
incisos III e IV, do art. 53, da Lei Complementar 170/2009).

Com essas medidas protetivas, o legislador tinha a intenção de


preservar os trechos ao longo do ribeirão Afonso XIII, Cônego Rebouças e
córrego Modelli, para a implantação dos parques lineares. Em atendimento
aos dispositivos da Lei Complementar 170/2009, a Secretaria Municipal de
Planejamento e Infraestrutura elaborou os projetos de vários parques
lineares a serem implantados a médio e longo prazo, e dentre eles
destacam-se o Parque Ecológico Ribeirão Afonso XIII – Braço Esquerdo e o
Parque Ambiental do Cônego Rebouças (Figuras 3 e 4).
98

Figura 3 – Maquete digital do Parque


Figura 4 – Maquete digital do Parque
Ecológico Ribeirão Afonso XIII – Braço
Ambiental do Cônego Rebouças
Esquerdo

Fonte: SEPLIN, 2012. Fonte: SEPLIN, 2012.

Conforme pesquisa de campo, verificou-se que o Parque Ecológico


Ribeirão Afonso XIII – Braço Esquerdo foi elaborado em 2009 e se encontra
em fase de execução. Entretanto, apesar de o Parque Ambiental do Cônego
Rebouças ter sido projetado para combater um processo erosivo do solo
(voçoroca), tendo como proposta a implantação de uma ampla área
vegetada com múltiplas funções de lazer, recreação e culturais dedicadas ao
atendimento das demandas da população local – este ainda não tem
previsão para sua execução.

4.2 CASO DE GARÇA

Segundo dados do Seade (2010), o município de Garça, com 41.557


habitantes em 2010, integra a Região Administrativa de Marília (Tabela 1).

Tabela 1 – Área da unidade territorial e estimativa da população em 2016


Estimativa da
Área urbana Área rural Total População em
Município população em
(km²) (km²) (km²) 2010
2016
Garça 39.192 3.923 43.115 41.557 44.557

Fonte: IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em:


<http://cod.ibge.gov.br/885>. Acesso em: 22 jan. 2017.

A pesquisa verificou que no contexto socioeconômico as situações de


maior ou menor vulnerabilidade da população residente no município de
Cidade sustentável: um conceito em construção - 99

Garça estão resumidas nos seis grupos do IPVS (Figura 5), definidos a partir
de um gradiente das condições socioeconômicas e do perfil demográfico.

Figura 5 – Índice Paulista de Vulnerabilidade Social na cidade de Garça

Fonte: Seade (2010).

Segundo a Seade (2010), o município de Garça foi enquadrado em 4


grupos do Índice Paulista de Vulnerabilidade Social – IPVS: Grupo 2 –
vulnerabilidade muito baixa, com 13.342 pessoas (32,1%); Grupo 3 –
vulnerabilidade baixa, com 5.043 pessoas (12,1%); Grupo 4 – vulnerabilidade
média – setores urbanos, com 19.970 pessoas (48,1%); Grupo 5 –
vulnerabilidade alta – setores urbanos, com 2.245 pessoas (5,4%); e, Grupo
7 – vulnerabilidade alta – setores rurais, com 957 pessoas (2,3%).
Quadro semelhante se apresenta no município de Garça, em que
48,1% da população, ou seja, 19,970 habitantes, encontram-se no grupo 4
de vulnerabilidade média, apresentando um rendimento nominal médio de
R$ 1.597,00 por domicílio, sendo que para 21,5% desses a renda não
ultrapassa a meio salário mínimo per capita.
Frente ao contexto apresentado, foi realizado estudo com base na
análise do Plano Diretor sobre o uso e ocupação nos fundos de vale na
cidade de Garça, visto que não foi identificado nenhum plano setorial que
apresentasse proposta sustentável sobre a temática abordada.
Neste município, o Plano Diretor foi instituído pela Lei Complementar
22/2016. Dentre as medidas de proteção estão as áreas de preservação
permanente urbana, destacadas no inciso III, do artigo 21, que determina a
necessidade da adoção de medidas protetivas na gestão dos recursos
hídricos.
100

Do mesmo modo, o inciso I, do artigo 24, do referido Plano Diretor,


ressalta a importância de eliminar os lançamentos de esgotos nos cursos
d’água, de modo a contribuir para a recuperação dos rios e córregos.
A grande novidade deste Plano Diretor é que ratifica a importância
da implantação de parques lineares e áreas de recreação e lazer, como “uso
compatível das áreas de interesse para drenagem” no espaço urbano (inciso
VII, artigo 25, da Lei Complementar 22/2016). Para tanto, determina o artigo
30 que seja elaborado um Plano Diretor Ambiental, o qual deverá ter como
diretrizes:

Art. 30 – Lei específica disporá sobre o Plano Diretor Ambiental a ser


elaborada no prazo de 12 (doze) meses, a partir da publicação dessa
Lei Complementar, tendo como diretrizes:
I – Recuperar e restaurar as áreas de preservação permanente ao
longo dos cursos d’água e nascentes;
[...]
VI – Desenvolver projetos e implantar parques lineares de fundo de
vale, com atividades de recreação e lazer, e serviços públicos;
[...]
XII – Considerar a paisagem urbana e o potencial ambiental e
paisagístico como referenciais da qualidade de vida e
reestruturação do Município; (GARÇA, 2016 – grifo nosso).

Como pode ser verificado no inciso VII do artigo 30, o legislador


destacou a importância da implantação dos parques lineares nos fundos de
vale e, ainda, ratificou que a “paisagem urbana e o potencial ambiental e
paisagístico como referência da qualidade de vida”, o que denota uma
especificidade normativa a ser adotada como modelo para os demais
municípios da bacia.
As recomendações feitas pelo legislador têm por finalidade manter as
medidas protetivas dos fundos de vale que já vinham sendo implantadas na
cidade de Garça. Após trabalho de campo foi constatado que em vários
trechos ao longo das áreas de preservação permanente já havia a instalação
de mobiliário urbano, indicando a implantação de um parque linear (Figuras
6 e 7).
Cidade sustentável: um conceito em construção - 101

Figura 6 – Fundos de vale na cidade de Garça

Fonte: DataGeo – Sistema Ambiental Paulista. Imagem de satélite CNES/Aibus 2017. Disponível
em: <http://datageo.ambiente.sp.gov.br>. Acesso em: 20 mar. 2017. Organizado pela autora.

A Figura 6 apresenta a implantação do parque linear ao lado da área


de preservação permanente da nascente do rio do Peixe. Outro ponto a ser
destacado é que as unidades habitacionais localizadas na parte superior da
Figura 6 foram enquadradas como Grupo 2 – vulnerabilidade muito baixa,
enquanto as habitações (abaixo na figura) pertencem ao Grupo 4 –
vulnerabilidade média, o que vem reforçar as alegações anteriores de que a
infraestrutura verde é um elemento estruturante da paisagem urbana,
capaz de conectar os espaços, à medida que minimizam as diferenças
socioeconômicas presentes na cidade.
102

Figura 7 – Mobiliário urbano instalado ao lado da área de preservação permanente da nascente


do rio do Peixe

Fonte: Autora (2017).

Na Figura 7 é possível observar o mobiliário implantado no parque


linear ao longo da rua César Correia Lopes esquina com rua Sete de
Setembro, a exemplo de quadra poliesportiva, playground, bancos, mesas,
bebedouros e campo de futebol. Espaços como esses, além de oferecer
recreação e lazer, convidam as pessoas a interagir com a natureza,
contribuindo assim para melhoria da qualidade de vida da população.

5 CONCLUSÕES

Conforme foi apresentado ao longo do texto, os parques lineares,


enquanto tipologia da infraestrutura verde, agregam valor ao projeto
urbano, pois, além de permitirem a conexão entre o sistema verde
(produção de biomassa) e o sistema azul (circulação da água) por meio de
inúmeras soluções técnicas, são utilizados como elemento estruturante da
paisagem urbana, capazes de conectar os espaços e minimizar as diferenças
socioeconômicas presentes em um número significativos das cidades
brasileiras.
No caso do município de Tupã foi demonstrado que o uso e a
ocupação dos fundos de vale estão relacionados com a atuação do mercado
imobiliário, que direcionou a população de menor poder aquisitivo a
construir nessas áreas, ignorando eventuais riscos e vulnerabilidade
decorrentes do processo de escoamento das águas superficiais. A pesquisa
Cidade sustentável: um conceito em construção - 103

constatou ainda o empenho da Seplin (2012) para minimizar o atual


contexto, por intermédio da implantação de parques lineares previstos no
Plano de Macrodrenagem e por medidas protetivas indicadas no
zoneamento do Plano Diretor.
Nos fundos de vale da área urbanizada do município de Garça, o
Administrador Público mostrou-se comprometido com o planejamento da
paisagem, impedindo a ocupação dessas áreas por medidas protetivas
previstas no Plano Diretor e pela implantação de parques lineares ao longo
das áreas de preservação permanente do rio do Peixe.
Por fim, os casos estudados da UGRHI-20 revelaram a importância do
planejamento da paisagem, não apenas no contexto estético, mas como
elemento estratégico para subsidiar o ordenamento territorial urbano e
contribuir para melhoria da qualidade de vida e ambiental da população.

AGRADECIMENTO

À Universidade Estadual Paulista (UNESP) e à Coordenação de


Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por terem
contribuído para o desenvolvimento desta pesquisa.

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106
Cidade sustentável: um conceito em construção - 107

Capítulo 6

GESTÃO INTEGRADA DE PROJETOS SUSTENTÁVEIS EM


MUNICÍPIOS DE MÉDIO PORTE
35
Katia Sakihama Ventura
36
Paulo Vaz Filho
37
Luciana Marcia Gonçalves

Este capítulo apresenta algumas experiências de projetos


sustentáveis que foram elaborados e executados nos municípios de
Piracicaba e São Carlos, ambos do interior paulista. Trata-se de projetos que
visam à detenção/retenção de águas pluviais associada ao uso do espaço
público de forma harmônica.
Os proponentes públicos e privados atenderam aos instrumentos
legais e promoveram a sustentabilidade dos empreendimentos urbanos.

1 INTRODUÇÃO

A intensificação do desenvolvimento urbano e tecnológico favoreceu


grandes avanços na infraestrutura urbana, incluindo construções de malhas
viárias e núcleos urbanizados com extensas áreas impermeabilizadas,
acarretando problemas como elevação de temperatura nas concentrações
urbanas, destruição de áreas verdes nativas e, a cada período de chuvas,
aumento do volume e da velocidade das águas superficiais devido,
principalmente, à insuficiente drenagem natural das águas de chuva pelo
solo. Esta situação trouxe consequências sérias como alagamentos,
enchentes, destruição de bens materiais, levando a constantes prejuízos

35
Doutora em Engenharia Hidráulica e Saneamento (EESC/USP), professora do Departamento
de Engenharia Civil da UFSCar (DECiv/UFSCar). E-mail: katiaventura@yahoo.com
36
Mestre em Engenharia Urbana (DECiv/UFSCar), professor das Faculdades Integradas de
Araraquara e do UNASP – Engenheiro Coelho. E-mail: paulo@villeengenharia.com.br
37
Doutora em Planejamento Urbano (FAU USP/ SP) e professora do Departamento de
Engenharia Civil da UFSCar (DECiv/UFSCar). E-mail: arq.luciana.ufscar@gmail.com
108

socioeconômicos, sanitários e ambientais, durante os períodos de chuvas


intensas (RIGHETTO, 2009).
Assim como os grandes centros urbanos, as cidades médias
brasileiras não estão preparadas para uma nova realidade de expansão
urbana, principalmente no que se refere à infraestrutura de drenagem de
águas pluviais. Muitas cidades, inclusive de pequeno e médio portes, já
enfrentaram situações de enchentes e inundações às margens de cursos
d’água, com mais frequência a cada período de chuvas, o que demonstra a
fragilidade do sistema de drenagem tradicional planejado e implantado.
Dessa forma, o que se constata nas últimas décadas é a insuficiência
do sistema clássico de drenagem urbana para o controle de enchentes, o
qual interfere diretamente na qualidade dos corpos hídricos e na qualidade
de vida da população, bem como atua, substancialmente, na
sustentabilidade ambiental do meio urbano.
Experiências que vêm ganhando espaço nas cidades como
alternativas ou complemento ao sistema tradicional de drenagem urbana,
formam o conceito de desenvolvimento de baixo impacto no planejamento
urbano, ou seja, o manejo das águas pluviais urbanas busca compensar as
alterações no ciclo hidrológico produzidas pelo processo de urbanização por
meio das Práticas de Gestão Integrada (PGIs) ou uso de Técnicas
Compensatórias (TCs), segundo Lucas et al. (2013).
O sistema clássico de drenagem urbana se baseia no conceito
higienista de evacuação rápida das águas pluviais, enquanto os sistemas
compensatórios ou alternativos (TCs) fundamentam-se no mecanismo de
infiltração e detenção/retenção de águas precipitadas e compõem-se de
estruturas como trincheiras, bacias de retenção/detenção, valas, trincheiras
e poços de infiltração, entre outras.
Planejar os espaços com objetivo de garantir urbanização de baixo
impacto é realizar o controle de quantidade e qualidade das águas pluviais
com uso das PGIs e estratégias de projeto que incluem: a) retenção e/ou
detenção; b) controle de poluentes, de recarga subterrânea e de valorização
paisagística do local; c) uso múltiplo das áreas com base em normas
específicas para áreas verdes ou espaços com vegetação. Isto demanda uma
visão mais abrangente de sustentabilidade quanto ao manejo de águas
pluviais que considere aspectos relacionados à integração com os diversos
Cidade sustentável: um conceito em construção - 109

setores envolvidos no estágio de planejamento do meio urbano (CRUZ et al.,


2007).
Dentre as diversas formas de integração entre o manejo das águas
pluviais e o desenvolvimento urbano sustentável, tem-se o LID ou
Desenvolvimento de Baixo Impacto (PRINCE GEORGE’S COUNTY, 1999).
O Low Impact Development (LID) foi desenvolvido na década de
1990, pelo Department of Environmental Resources, em Maryland, nos
Estados Unidos, e visa a reduzir os efeitos gerados pela drenagem
convencional, ou seja, visa a diminuir a quantidade de água pluvial nas
galerias e rios durante as chuvas mais intensas. Sua prática inclui desde a
gestão integrada no manejo das águas pluviais até a aplicação de TCs, pela
integração entre a paisagem, uso do espaço e a urbanização.
A aplicação de TCs na drenagem urbana, apesar de ser uma
alternativa qualificada para o desenvolvimento urbano com
sustentabilidade, requer mudanças de conceitos e comportamentos da
comunidade para que seu uso seja efetivo ao longo do tempo.
Essas técnicas também consideram a bacia hidrográfica como base
de estudo e buscam compensar, sistematicamente, os efeitos da
urbanização pelo controle na fonte (em lotes) da produção de excedente de
água para evitar sua rápida transferência para áreas à jusante (BAPTISTA et
al., 2011).
Técnicas compensatórias, no âmbito da urbanização de baixo
impacto, adquirem expressividade espacial urbana, pois usam áreas
disponíveis no território urbanizado para aplicação das TCs. Isto, segundo
Tucci (2005), mantém o ciclo natural das águas no mesmo do período de
pré-urbanização. O objetivo é o escoamento das águas em condições
adequadas ao meio, ou seja, a água infiltra, é armazenada, evapora e escoa
vagarosamente junto à fonte. Além disso, TCs possibilitam mitigar os
impactos do sistema e os gastos com grandes extensões de redes,
mantendo-se o objetivo de conservação dos processos hidrológicos e dos
recursos naturais.
Conhecidas por se localizarem próximas às fontes geradoras de fluxo
das águas pluviais, as TCs atuam no controle de enchentes pela redução do
volume de escoamento superficial e/ou o rearranjo temporal das vazões,
110

além de propiciar recarga das águas subterrâneas e melhoria da qualidade


da água nos corpos receptores (FIORI; FERNANDES; PIZZO, 2005).
A aplicação de TCs na drenagem urbana exige novos desafios por
parte dos gestores públicos e dos usuários, principalmente quando se trata
de questões de uso e manutenção dos dispositivos implantados, integração
de espaços públicos, melhoria sanitária e paisagística.
O processo de conhecimento e implantação das TCs é contínuo e os
principais responsáveis são profissionais diversos: técnicos, planejadores,
projetistas, construtores e população em geral. Do ponto de vista do
desenvolvimento sustentável da cidade, os projetos urbanos devem
considerar os princípios da sustentabilidade, desde a sua concepção até a
sua manutenção.
Projetos que gerem baixo impacto no ambiente urbanizado têm se
tornado mais frequente. E o resultado disto é a seleção por aqueles com
técnicas alternativas e de manejo sustentável (BAPTISTA, 2013).
Nesse contexto, o objetivo principal foi apresentar experiências
sustentáveis no setor, cujos projetos foram elaborados e implementados
com esta nova visão em municípios paulistas (São Carlos e Piracicaba), onde
houve uso de TCs, em especial reservatórios de detenção em áreas urbanas
consolidadas.

2 MATERIAIS E MÉTODO

Para a elaboração dos projetos dos reservatórios de detenção,


inicialmente foram realizados levantamentos bibliográficos que consistiram
em estudos sobre as legislações vigentes sobre hidrologia e hidráulica
aplicadas aos sistemas de drenagem de águas superficiais, bem como sobre
técnicas compensatórias em drenagem urbana.
Nos empreendimentos urbanos foram utilizados projetos de
terraplenagem e as plantas urbanísticas dos respectivos empreendimentos.
Tais documentos permitiram obter informações sobre o uso do solo e
topografia no interior dos mesmos.
Após o levantamento bibliográfico e obtenção dos dados básicos,
foram realizadas visitas a campo para delimitar as bacias hidrográficas.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 111

Em seguida, realizou-se a ordenação do escoamento, ou seja, definiu-


se o sentido de escoamento nas vias dos empreendimentos com base na
topografia delas. Estudos hidrológicos foram realizados a fim de se
determinar o período de retorno, o método de cálculo a ser utilizado na
geração das vazões de projeto e a equação de chuvas, além de outros
parâmetros fundamentais para o desenvolvimento dos projetos.
O período de retorno utilizado no cálculo das chuvas e,
posteriormente, nas vazões de projeto dos empreendimentos permitiu a
determinação dos volumes de detenção. Para o reservatório implantado no
município de Piracicaba foi utilizado 10 anos. Para as obras de detenção
implementadas no município de São Carlos, conforme estipula as Diretrizes
para Projetos de Drenagem Urbana da Prefeitura Municipal de São Carlos
(SÃO CARLOS, 2014), adotou-se o prazo de cem anos.
Para os projetos aqui retratados utilizou-se método racional para o
cálculo das vazões, pois as bacias de drenagem apresentam áreas
2
superficiais inferiores a 2 km .
Para chuvas de projeto, foram utilizadas a equação de chuvas da
cidade de São Carlos (BARBASSA, 1991) e a equação de chuvas da cidade de
Piracicaba (MAGNI; NERO, 1982).
Por fim, foram elaboradas as peças gráficas (compostas por plantas,
perfis e detalhes), os memoriais de cálculo e descritivo das obras, bem como
elaborou-se o detalhamento e levantamento quantitativo dos elementos
construtivos para cada obra.

3 CARACTERIZAÇÃO DE PROJETOS SUSTENTÁVEIS

Os projetos contemplam sistemas de manejo de águas pluviais que


foram elaborados para a detenção dos caudais em áreas urbanas dos
municípios de Piracicaba e São Carlos, sendo implantados para garantir o
uso sustentável das intervenções no meio urbano.

3.1 ÁREA URBANA DE PIRACICABA – SP

O município de Piracicaba tem aproximadamente 397.322 habitantes


(IBGE, 2017). A intervenção foi realizada no Núcleo Habitacional
112

Comendador Mário Dedini, com a finalidade de permitir a implantação de


galeria de águas pluviais do loteamento a montante, o qual seria
pavimentado.
Para que a galeria de águas pluviais fosse implantada, desde o
referido loteamento até o curso d’água receptor (rio Corumbataí), haveria
necessidade de recursos financeiros que o município não dispunha. A obra
compreendia a execução de aproximadamente 700 m de extensão de rede
de drenagem ao longo da Avenida Nadir Eraldo Stella (Núcleo Habitacional
Comendador Mário Dedini), implicando elevado custo de implantação.
Por outro lado, como havia necessidade da realização de
pavimentação e drenagem das vias do próprio empreendimento a
montante, para o qual o município dispunha de financiamento específico
externo, a alternativa encontrada foi a implantação de reservatório de
detenção.
Assim, foi utilizada porção de área do Sistema de Lazer do Núcleo
Habitacional Comendador Mário Dedini, situada exatamente à jusante dos
Cul-de-Sack das vias do loteamento de montante e que estava abandonada.
Dessa forma, o projeto contemplou a execução de redes de
drenagem nas vias do empreendimento, direcionando-as à área verde do
Conjunto Mário Dedini, onde foi projetado reservatório de detenção.
O reservatório foi implantado por meio da escavação do terreno
natural, de modo a constituir os taludes (conformando a área) que foram
revestidos por grama. Na entrada das redes de galerias, foram projetados e
implantados dissipadores de energia com a finalidade de evitar processos
erosivos no fundo do reservatório.
Além disto, o projeto contemplava a implantação de dispositivo de
saída, constituído por orifício e vertedor, para controlar a vazão, uma vez
que como não seria implantada a galeria à jusante, os caudais oriundos do
reservatório seriam conduzidos até o meio-fio da avenida Nadir Eraldo Stella
que não possuía pavimentação, na época.
Desta forma, o dispositivo ainda tinha por função minimizar a
probabilidade de ocorrência de processos erosivo ao longo da referida
avenida.
Na ocasião, foram realizadas reuniões entre a prefeitura municipal e
moradores para explicar aos mesmos a necessidade da implantação do
Cidade sustentável: um conceito em construção - 113

dispositivo, seu funcionamento, bem como esclarecer sobre a caracterização


do projeto sustentável de reservatório de detenção (Tabela 1).

Tabela 1 – Características do reservatório de detenção do


Núcleo Habitacional Comendador Mário Dedini em Piracicaba – SP
Parâmetros Dados Projetados
Medidas (m) 200 x 80 x 10
Finalidade Contenção hidráulica / lazer/ preservação ambiental
Volume (m3) 1000
Fonte: Prefeitura Municipal de Piracicaba (2001).

A Figura 1 ilustra o reservatório implantado no ano de 2001 no


município de Piracicaba, logo após a execução da terraplenagem do terreno,
onde é possível identificar os taludes e tubulação de entrada.

Figura 1 – Vista geral do reservatório após a terraplenagem

Fonte: Prefeitura Municipal de Piracicaba (2001).

A Figura 2 apresenta o reservatório concluído com taludes gramados,


canaletas de pé de taludes, tubulações de entrada (com dispositivos para
dissipação de energia) e dispositivo de saída.
Após sua implantação, mesmo depois de executada a pavimentação
da avenida Nadir Eraldo Stella, o reservatório de detenção continuou em
operação e se tornou instrumento útil para população local, possibilitando
melhor uso do espaço público aos moradores do bairro.
114

Figura 2 – Vista do reservatório concluído

Dispositivo de Saída

Dispositivo de Entrada

Canaleta

Fonte: Prefeitura Municipal de Piracicaba (2002).

No entanto, em visita ao local em 2018, constatou-se que não houve


manutenção do dispositivo na área, de modo que ela se encontra distinta do
projeto implantado.

3.2 ÁREA URBANA DE SÃO CARLOS – SP

O município de São Carlos se localiza na região central do Estado de


São Paulo, possui 1.136,9 km², de acordo com a Fundação SEADE – Sistema
Estadual de Análise de Dados Econômicos e o IBGE – Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística. De acordo com o mais recente censo demográfico,
dos 221.950 habitantes 96% ocupavam a zona urbana, enquanto 8.889
habitantes residiam na zona na rural (IBGE, 2010). Segundo estimativa
populacional para o ano de 2017, a população de São Carlos está em
246.088 habitantes (IBGE, 2017).
No que diz respeito à drenagem de águas pluviais, historicamente, o
município de São Carlos sofre em decorrência do escoamento pluvial
descontrolado em algumas regiões da área urbana. Em 2005, foi realizado
levantamento sobre os problemas de drenagem urbana pela Secretaria
Municipal de Obras e Serviços Públicos e Secretaria Municipal de Habitação
e Desenvolvimento Urbano, cujas informações registraram a existência de
43 pontos críticos com (SÃO CARLOS, 2005):
Cidade sustentável: um conceito em construção - 115

a) insuficiência de canais;
b) insuficiência de travessias e singularidades;
c) ocupação de várzea ou áreas de risco;
d) zona de erosão;
e) regiões com instabilidade de taludes;
f) ocupação desordenada de áreas impróprias;
g) insuficiência ou falta de sistemas de microdrenagem;
h) falta de estrutura para dissipação de energia.

Para se ter noção do problema, na pesquisa desenvolvida por Vaz


Filho et al. (2018), foram identificados 11 pontos suscetíveis a alagamentos
em vias públicas em São Carlos, cuja forma de alerta à população foi a
elaboração de placas de advertência pelos respectivos autores e instalação
delas pela Prefeitura Municipal de São Carlos. Isto gerou informação visual e
permitiu subsidiar discussões sobre políticas públicas e manejo seguro das
águas urbanas na esfera municipal.
No caso de empreendimentos urbanos, a Lei municipal 17.729/2016
torna obrigatória a construção de reservatório de detenção de águas em
conjuntos habitacionais, áreas comerciais e industriais, loteamentos ou
2
parcelamentos em áreas urbanas com área superior 140 m (SÃO CARLOS,
2016a).
O Plano Diretor do município de São Carlos, em seu art. 137,
estabelece que em obras destinadas à drenagem urbana (poços de
infiltração, bacias de retenção de águas pluviais, dispositivos de dissipação
de energia, pavimentos permeáveis), é necessária a construção de
reservatório de retenção de águas pluviais para reduzir o impacto da
urbanização nos fundos de vale e nos corpos d´água (SÃO CARLOS, 2016b).
Diante destes aspectos e em obediência à Lei Estadual 12.526, de 2
janeiro de 2007, os empreendimentos imobiliários e os imóveis com área
2
superior a 500 m contam com reservatórios para controle dos caudais.
A Figura 4 ilustra dispositivo para controle de escoamento superficial
implantado na área norte da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar),
em área lindeira à via lateral ao cerrado em regeneração, visando à
implantação de sistema de drenagem não tradicional, ou seja, que permita o
controle dos caudais, evitando, assim, sua transferência para jusante.
116

Figura 4 – Sistema para infiltração dos caudais ao lado da Unidade Saúde-Escola

Fonte: Ville Projetos de Engenharia (2006).

Como existiam amplas áreas gramadas entre os edifícios e a via


lindeira ao cerrado (Figura 5), foi proposta a execução de escavação e a
implantação de estruturas de entrada e saída para que essas áreas
funcionem como reservatório de detenção.

Figura 5 – Área situada entre edifícios e a via de acesso

Fonte: Ville Projetos de Engenharia (2006).

Foram implantados sete dispositivos que evitam danos à vegetação


do cerrado e permitem manter os locais, de forma mais próxima à natural,
do ponto de vista da convivência e uso urbano local (Figura 6).
Cidade sustentável: um conceito em construção - 117

Figura 6 – Área situada entre edifícios e a via de acesso (após a implantação das obras)

Fonte: Ville Projetos de Engenharia (2006).

A Figura 7 ilustra reservatório de detenção, integrante do Projeto


Sustentável de Drenagem de Águas Pluviais, de empreendimento imobiliário
implantado no ano de 2014, em São Carlos. Tal dispositivo teve por objetivo
evitar a transferência de caudais oriundos do parcelamento do solo para
jusante, atendendo à legislação vigente e conferindo sustentabilidade ao
empreendimento imobiliário.

Figura 7 – Reservatório de detenção com taludes “gramados” de loteamento em São Carlos

Dispositivo de Saída

Dispositivo de Entrada

Fonte: Ville Projetos de Engenharia (2013a).

A Figura 8 ilustra o reservatório de detenção implantado no ano de


2014, que tem por função receber os caudais, exclusivamente, de sistema
viário lindeiro ao empreendimento imobiliário, de modo a detê-los,
118

temporariamente, e, assim, minimizar impactos no sistema de drenagem à


jusante (onde se situa um dos pontos críticos de drenagem na área urbana
do município).
Ace
sso de concreto
Figura 8 – Reservatório de detenção em estrutura

Acesso
Dispositivo de Saída

Alambrado de Proteção

Fonte: Ville Projetos de Engenharia (2012).


Alambrado de
Proteção
Ao observar as Figuras 7 e 8, pode-se constatar a diferença no
sistema construtivo, pois o dispositivo implantado no interior do
empreendimento privado possui fundo e taludes gramados, enquanto o
destinado a deter os caudais de sistema viário possui estrutura tradicional
em pilares, e laje de fundo em concreto armado.
A opção pela implantação de dispositivo em sistema construtivo
convencional se deu pela necessidade de reduzir a área de intervenção, que
foi possível pela eliminação dos taludes. No dispositivo da Figura 8, é
possível constatar rampa de acesso para possibilitar a entrada de
equipamentos para limpeza e manutenção do dispositivo.
As Tabelas 2 e 3 apresentam as principais características dos
reservatórios implantados.

Tabela 2 – Características do reservatório de detenção do interior do


empreendimento imobiliário
Parâmetros Dados Projetados
Vazão afluente (m3/s) 5,24 m3/s
Dimensões (m) 100 x 18,30 x 2,40 1,90 (altura útil)
Finalidade Detenção dos caudais / preservação ambiental
Volume (m3) 2.558
Fonte: Ville Projetos de Engenharia (2012).
Cidade sustentável: um conceito em construção - 119

Tabela 3 – Característica do reservatório de detenção do sistema viário externo


do empreendimento imobiliário
Parâmetros Dados Projetados
Vazão afluente (m3/s) 0,58 m3/s
Dimensões (m) 200 x 80 x 10
Finalidade Detenção dos caudais / preservação ambiental
Volume (m3) 285
Fonte: Ville Projetos de Engenharia (2012).

A Figura 9 ilustra reservatório implantado no ano de 2013 em


condomínio residencial para detenção de caudais de conjunto de edifícios
residenciais.

Figura 9 – Aproveitamento de área para construção de reservatório de detenção em


condomínio residencial

Reservatório

Fonte: Ville Projetos de Engenharia (2013b).

Como a área superior de reservatórios cobertos pode ser aproveitada


para jardins, campos de esporte, ou outro embelezamento, no projeto
elaborado tirou-se partido da característica topográfica do terreno,
propondo-se a construção de reservatório na parte frontal da área, sobre a
qual implantou-se jardim (Figura 10).
120

Figura 10 – Jardim implantado sobre reservatório de detenção em condomínio residencial

Fonte: Ville Projetos de Engenharia (2013b).

As principais características do reservatório implantado são


apresentadas na Tabela 4.

Tabela 4 – Características do reservatório de detenção do condomínio residencial de edifícios


Parâmetros Dados Projetados
Vazão afluente (m3/s) 0,28 m3/s
Dimensões (m) 16,35 x 4,30 x 1,05 0,87 (altura útil)
Finalidade Detenção dos caudais / preservação ambiental /paisagismo
Volume útil (m3) 61,2
Fonte: Ville Projetos de Engenharia (2013b).

A Figura 11 ilustra a construção de reservatório de detenção em


Centro Comercial em 2013, devido à ampliação da área construída. Isto
implicou na necessidade de captar águas pluviais para atendimento da
legislação vigente, bem como para cumprir com os princípios de
sustentabilidade do grupo empresarial.
Para tal, foram projetados cinco reservatórios, sendo dois para
armazenar e utilizar água pluvial advinda exclusivamente da cobertura da
ampliação da edificação e, três para deter os caudais provenientes da rede
de galerias de águas pluviais, as quais drenam inclusive o estacionamento do
empreendimento.
Em função da falta de áreas para implantação de reservatórios
abertos, eles foram projetados abaixo das áreas do estacionamento, jardins
e taludes, como reservatórios subterrâneos (Figura 11).
Cidade sustentável: um conceito em construção - 121

Figura 11 – Construção do reservatório de detenção de centro comercial

Fonte: Ville Projetos de Engenharia (2013c).

Os reservatórios (Figura 11) são dotados de estrutura em concreto


armado, acesso para atividades de limpeza/manutenção e dispositivo de
saída, composto por orifício e extravasor, que permitem regular a vazão
(garantindo a saída da vazão pré-urbanização para jusante) e permitir o
escoamento de vazões de projeto não previstas. A Figura 12 ilustra o talude
finalizado, cobrindo um dos reservatórios subterrâneos.

Figura 12 – Vista do talude antes da implantação do reservatório

Fonte: Ville Projetos de Engenharia (2013c).

Na Tabela 5 são apresentadas as principais características


dimensionais do Reservatório da Bacia I do Centro Comercial, cujo volume
de detenção foi obtido a partir da formulação constante da Lei Estadual
12.526/2007.
122

Tabela 5 – Características de reservatório de detenção do centro comercial


Parâmetros Dados Projetados
Dimensões (m) 165x35 x 2,65 (0,75 m de altura útil)
Finalidade Detenção dos caudais / preservação ambiental
Volume (m3) 165
Fonte: Ville Projetos de Engenharia (2013c).

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Quanto aos dispositivos de drenagem implantados em


empreendimentos do município de São Carlos que utilizam TCs, é possível
afirmar que, por motivos de exigência legal, iniciou-se, na última década, a
preocupação dos projetistas com a inserção da sustentabilidade na
concepção de empreendimentos urbanos.
Em relação à manutenção, é possível dizer que os dispositivos
apresentados neste trabalho e que foram implantados no município de São
Carlos se encontram em bom estado de conservação, principalmente
porque estão no interior de universidade e de empreendimentos privados, o
que descarta a dependência de recursos públicos municipais para a
manutenção dos mesmos.
Em Piracicaba, o uso de TCs em projetos de drenagem de
empreendimentos não é exigido pela municipalidade, o que faz com que
dispositivos como reservatórios de detenção/retenção não se constituam
em partes integrantes dos projetos.
Em visita à área em maio de 2018, constatou-se, infelizmente, que o
reservatório implantado em Piracicaba foi desativado, bem como a referida
área não tem uso específico para os moradores deste local.
Os reservatórios no interior da UFSCar evitaram danos à vegetação
do cerrado, qualificaram as áreas sob a ótica paisagística e, mesmo com
mais de dez anos de implantação, eles continuam operando, inclusive, com
suas configurações originais.
Observou-se que, embora a natureza dos projetos seja distinta
conforme exigências legais e interesse dos solicitantes, os reservatórios
Cidade sustentável: um conceito em construção - 123

implantados atenderam plenamente às finalidades e qualificaram


ambientalmente os empreendimentos.
Os estudos de caso apresentados confirmam a possibilidade de
elaborar e executar projetos viáveis financeiramente, a fim de garantir a
preservação e conservação dos recursos hídricos e do meio ambiente para
sociedade. Porém, é necessário que atores envolvidos na realização dessas
estruturas revejam a antiga postura necessária na drenagem tradicional,
onde projeto mais manutenção pública bastam.
Nos casos de projetos visando à sustentabilidade urbana, além do
projeto quantitativamente elaborado, é necessário que a população
beneficiária tenha conhecimento das técnicas compensatórias, suas
fragilidades e técnica para implantação mas, especialmente, que haja
orientação quanto à manutenção e cuidados do dia a dia ao longo do
tempo.

REFERÊNCIAS

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contemporâneos na aplicação e concepção do LID (Low Impact Development). In: XX
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de São Carlos, Universidade de São Paulo, 1991.
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HÍDRICOS, 2007, São Paulo. Anais... Disponível em:
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MOURA, P. M.; BAPTISTA, M. B.; BARRAUD, S. Avaliação multicritério de sistemas de drenagem
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SÃO CARLOS (Prefeitura). Lei 17.729, de 10 de fevereiro de 2016. Cria o sistema de captação e
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TUCCI, C. E. M. Gestão de águas pluviais urbanas. Ministério das Cidades/Global Water
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VILLE PROJETOS DE ENGENHARIA. Projeto sistema de infiltração UFSCar. São Carlos: Ville, 2006.
VILLE PROJETOS DE ENGENHARIA. Reservatório de detenção em estrutura de concreto armado.
São Carlos: Ville, 2012.
VILLE PROJETOS DE ENGENHARIA. Reservatório de detenção para loteamento privado. São
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VILLE PROJETOS DE ENGENHARIA. Construção de reservatório de detenção em condomínio
residencial. São Carlos: Ville, 2013b.
VILLE PROJETOS DE ENGENHARIA. Projeto de reservatório de detenção no centro comercial. São
Carlos: Ville, 2013c.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 125

Capítulo 7

INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE PARA AVALIAÇÃO DE


EDIFICAÇÃO: O CASO DA “ECOVILA BAMBU”38

39
Obede Borges Faria
40
Renata Cardoso Magagnin
41
Vanessa Tiemi Narimatsu
42
Andréia Soares Gonçalves Glavina

1 INTRODUÇÃO

Segundo o Conselho Internacional da Construção (CIB), o setor da


construção civil é um dos maiores consumidores de recursos e um dos
maiores geradores de resíduos. A noção do impacto ambiental causado pela
construção civil é recente, surgiu após anos de discussões sobre
sustentabilidade, principalmente em função de desastres ambientais e da
escassez de recursos energéticos.
A origem da busca por edificações sustentáveis não advém de um
único evento, ao contrário, se deve aos efeitos acumulativos de marcos
convergentes, cujas raízes remontam aos primórdios da humanidade
(GAUZIN-MÜLLER, 2011).
Keeler e Burke (2010) pressupõem que existia um equilíbrio
confortável entre os primeiros humanos e o planeta, seus ancestrais
dependiam dos recursos do meio ambiente utilizando-os para abrigos, caças
e cultivo da terra. No entanto, ao longo da história da humanidade, o
homem se tornou sedentário, fixou-se, ocupou terras e evoluiu. O caminho
pelo qual decidiu evoluir foi baseado na utilização intensiva de recursos não

38
Artigo publicado originalmente nos anais do ENSUS2017 - V Encontro de Sustentabilidade em
Projeto, organizado por Virtuhab/UFSC, de 3 a 5/5/2017, em Florianópolis-SC.
39
Doutor, UNESP-Bauru/PPGARQ e FEB/DEC. E-mail: obede.faria@gmail.com
40
Doutora, UNESP-Bauru/PPGARQ e FAAC/DAUP. E-mail: renata.magagnin@unesp.br
41
Mestre, UNESP-Bauru/PPGARQ. E-mail: vane_tiemi@hotmail.com
42
Mestre, UNESP-Bauru/PPGARQ. E-mail: dreia_sg@yahoo.com.br
126

renováveis e de descarte de resíduos. Não houve uma relação equilibrada


entre o homem e o meio ambiente. Esses autores não levam em
consideração que o homem primitivo também tinha ações de impacto
negativo ao ambiente e que, com o aumento expressivo da população, os
resultados desses impactos também se potencializaram.
Essa relação insustentável predomina, mas não é a regra. Algumas
ações pontuais tendiam à proteção e à conservação da natureza, por
exemplo, na Índia, em 1730, quando um grupo liderado por Amrita Devi
frustrou os esforços de um marajá que pretendia derrubar as árvores da
região e dar lugar a edificações (KEELER; BURKE, 2010). A partir daí, surge o
"novo ambientalismo", composto por diferentes movimentos sociais,
culturais e ambientais, que levou o ativismo para a esfera das políticas
públicas. De acordo Keeler e Burke (2010), no final da década de 1970
líderes políticos começaram a perceber que crises ambientais assolavam
todas as regiões do planeta, afetavam países menos desenvolvidos e as
nações industrializadas, independentemente do tamanho populacional.
Em 1984, em Genebra, foi adotado o termo desenvolvimento
sustentável (muito utilizado pelo movimento da edificação sustentável),
definido como “o desenvolvimento que atende às necessidades do presente
sem comprometer a capacidade das futuras gerações de atender às suas
próprias necessidades” (KEELER; BURKE, 2010).
Atualmente, entende-se como desenvolvimento sustentável a prática
que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade
de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades,
preservando os recursos naturais (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE O MEIO
AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991).
O conceito de construção sustentável deu-se a partir de uma origem
rústica, era associada a uma cultura com estilos alternativos. Porém, a partir
do século XXI, conforme Keeler e Burke (2010), as invenções de alto
desempenho industrial possibilitaram o desenvolvimento de edificações
com alto desempenho ambiental, trazendo benefícios para os proprietários,
construtores e o meio ambiente.
Segundo Kilbert (1994), a construção sustentável deve seguir seis
princípios básicos: minimizar o consumo de recursos; maximizar a
reutilização dos recursos; reciclar materiais no fim de vida do edifício e
Cidade sustentável: um conceito em construção - 127

utilizar recursos recicláveis e renováveis; proteger o ambiente natural;


eliminar materiais tóxicos e os subprodutos em todas as fases do ciclo de
vida de um edifício; e fomentar a qualidade ao criar o ambiente construído.
No entanto, Araújo (2005), entende que o conceito de construção
sustentável adquiriu múltiplas perspectivas e diferentes correntes; alguns
conceitos buscam tecnologias para atingir maior eficiência, outros procuram
diminuir o consumo de materiais e aproximar a relação homem versus
natureza.
Este segundo conceito de construção sustentável se relaciona com a
bioarquitetura ou ecoarquitetura, definido por Baldessar (2012); ela procura
introduzir no ambiente construído materiais ambientalmente mais
amigáveis, produzidos com baixo consumo de energia e provenientes da
própria região onde a edificação será construída. O objetivo é construir de
acordo com as condições climáticas e a vegetação regional, aproveitando os
recursos energéticos naturais com mínimo impacto ambiental negativo.
O desenvolvimento do presente estudo justifica-se pelo interesse em
debater sobre a sustentabilidade na construção civil, buscando analisar o
ambiente construído sob as premissas da sustentabilidade, de forma a
avaliar a eficiência na contribuição com a redução de impactos negativos ao
meio ambiente.
Diante do exposto, o objetivo deste artigo foi avaliar uma edificação
construída com diferentes técnicas construtivas, utilizando-se alguns
indicadores de sustentabilidade e lhes atribuindo notas e pesos, para
calcular um Índice de Sustentabilidade (IS) da edificação.

2 OBJETO DE ESTUDO

O objeto de estudo foi a Ecovila Bambu, uma escola de formação de


professores da pedagogia Waldorf, localizada no município de Agudos-SP e
próxima da mancha urbana de Bauru-SP (Figura 1).
128

Figura 5 – Localização da Ecovila Bambu

Fonte: Adaptado de Google Maps® (2017).

A Ecovila Bambu foi projetada pelos arquitetos Márcia Macul e Sérgio


Prado e construída em 2014, sob as premissas da arquitetura sustentável. O
nome do edifício remete a uma vila, pois existe a intenção de transformar a
gleba de 9,35 ha, onde a Ecovila Bambu está inserida, em uma vila onde
serão preestabelecidas regras para a construção de residências e vivência
sustentáveis. O programa arquitetônico consiste em duas salas de aula sem
divisões fixas, possibilitando integrá-las em uma sala única; cinco sanitários;
depósito; cozinha; administração; mezanino e áreas de circulação,
totalizando 151,32 m² de área construída (Figura 2). Destacam-se o teto
verde e paredes de terra e bambu.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 129

Figura 6 – Planta da edificação, sem escala

Os materiais que compõem o edifício são considerados alternativos,


com exceção das fundações, que são de estacas de concreto, consideradas
mais adequadas às características do solo. As vedações verticais são
formadas por paredes de blocos de solo-cimento (Figura 3a); bambus
tratados (Figura 3b) que se encaixam entre as vigas de madeira e
esquadrias; e paredes monolíticas de terra e cal (Figura 3c), construídas com
a técnica de taipa de pilão. A cobertura foi construída utilizando a técnica de
teto verde, com estrutura de sustentação de madeira e bambu, e uma base
impermeável sob o substrato vegetal. Na primeira camada, logo acima dos
bambus, foram aplicadas manta impermeabilizante e manta geotêxtil. Em
seguida, foram colocadas camadas de argila expandida, substrato e grama.
Além disso, a água da chuva excedente é escoada para uma cisterna e
reutilizada no sistema de irrigação dos jardins.
130

Figura 7 – (a) Parede de blocos de solo-cimento; (b) Blocos de solo-cimento, janelas e


estruturas de bambu; (c) Parede monolítica de terra e cal

(a)

(b) (c)
Fonte: Acervo Ecovila Bambu

3 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA

O método utilizado para avaliar o grau de sustentabilidade da Ecovila


Bambu foi o de análise exploratória, baseada na avaliação por meio de
vistoria técnica. Foram realizadas as seguintes etapas: a) definição dos
critérios de análise do edifício; b) análise através de vistoria técnica e
levantamento fotográfico, e c) cálculo do grau de sustentabilidade da
edificação.
Para a definição dos critérios a serem avaliados foi utilizado como
referência um guia da Cámara Chilena de la Construcción (CDT, 2005),
elaborado a partir de sistemas de avaliações internacionais, no qual é
descrito um conjunto de recomendações que devem ser consideradas nas
etapas de planejamento e desenvolvimento para uma edificação ser
classificada como sustentável.
De acordo com este guia, para um edifício ser considerado de alto
desempenho, devem ser avaliadas as seguintes áreas: Consumo de recursos
Cidade sustentável: um conceito em construção - 131

(R); Impactos ambientais (I); Qualidade do ambiente interno (AI);


Funcionalidade (F); Gestão de planejamento (G); Comportamento econômico
(E); Transporte e acesso (T); Ambiente cultural (C). No entanto, no presente
trabalho não foi avaliada a área Funcionalidade, porque suas
recomendações estão ligadas ao uso de equipamentos e sistemas
tecnológicos automatizados, pois no objeto de estudo, segundo os
proprietários, esses equipamentos não foram utilizados.
O guia subdivide cada Área em Categorias (Tabela 1), que, por sua
vez, são subdivididas em Estratégias, nas quais são consideradas as quatro
primeiras etapas do ciclo de vida da edificação (pré-projeto, projeto,
construção e operação). Não são consideradas as duas etapas finais:
remodelação e demolição. Cada Estratégia, por sua vez, apresenta as
Práticas que devem ser adotadas para melhorar o desempenho ambiental
do edifício. Na Tabela 2 são apresentadas as práticas para uma das
categorias, materiais (RM), com as respectivas propostas de notas.
Após a definição da estrutura hierárquica de análise do edifício,
partiu-se para a definição dos pesos para as Áreas, Categorias e Estratégias,
conforme mostram as tabelas 1 e 2. Esta etapa não está prevista no guia
chileno (CDT, 2005), os pesos foram propostos pelos autores do presente
trabalho. Para esta definição, foi avaliada a importância relativa de cada
variável dentro de seu grupo; ou seja, o grau importância das Estratégias em
relação a cada Categoria e a importância de cada Categoria em relação à sua
Área.
As áreas R e I foram consideradas igualmente importantes, pois o
consumo de recursos e os impactos ambientais geram maior impacto direto
ao meio ambiente.
Já as áreas AI e G possuem um papel importante na melhoria do
desempenho e eficiência ambiental, mas contêm alguns itens que são
influenciados pelas áreas R e I ou não afetam diretamente no meio
ambiente.
As áreas E, T e C foram consideradas com menor importância na
avaliação, pois foi considerado que ainda são menos conhecidas, por falta
de divulgação.
132

Tabela 2 – Áreas e Categorias, de acordo com CDT (2005) e pesos propostos no presente
trabalho
Área Peso Categoria Peso
Energia (RE) 0,30
Consumo de Recursos Água (RA) 0,20
0,20
(R) Materiais (RM) 0,30
Solo (RS) 0,20
Ecológicos (IE) 0,20
Gases efeito estufa (IGI) 0,20
Impactos Ambientais (I) 0,20 Ataque à camada de ozônio (IGO) 0,20
Resíduos sólidos (IRS) 0,20
Resíduos líquidos (IRL) 0,20
Ar interior e ventilação (AICA) 0,25
Conforto térmico (AICT) 0,30
Qualidade do Ambiente
0,15 Iluminação (AIIL) 0,25
Interno (AI)
Acústica (AIAC) 0,20
Materiais (AIM) (1) --
Adaptabilidade e flexibilidade (FAF) (1) --
Funcionalidade (F) -- Controle de sistemas (FCS) (1) --
Operações e rendimentos (FMC) (1) --
Processo de construção (GC) (2)
Gestão de Planejamento
0,15 Preparação do início de operação (GPM) (2) 1,00
(G)
Operação da edificação (GO) (2)
Comportamento
0,10 Custos (EC) 1,00
Econômico (E)
Uso de veículos motorizados (TVM) 0,50
Transporte e Acesso (T) 0,10
Transporte alternativo (TA) 0,50
Conservação da herança cultural (CH) 0,30
Ambiente Cultural (C) 0,10 Equipamentos comunitários (CC) 0,35
Equidade e acesso (CE) 0,35
(1)
Categorias não consideradas no presente trabalho; (2) Categorias reunidas em um único item
de avaliação.

Na sequência, a relação de áreas, categorias, estratégias e práticas


foram reunidas e organizadas em uma planilha de vistoria técnica, para
verificação (sim/não) do atendimento das práticas. Esta planilha é muito
extensa, para apresentação neste artigo. Para as práticas existentes e
consideradas sustentáveis, foram atribuídas notas similares às apresentadas
na Tabela 2. Para as inexistentes, ou consideradas insustentáveis, foi
atribuída nota zero.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 133

Tabela 3 – Estratégias e práticas da Categoria Materiais (RM), com pesos e notas propostos
Estratégia Prática Nota
Reduzir o uso de materiais escassos ou não renováveis 0,1
Aumentar o uso de materiais recicláveis ou reciclados 0,1
Evitar revestimentos secundários 0,1
Materiais Utilizar conexões mecânicas e não soldáveis ou químicas 0,1
utilizados para Equilibrar movimentações de terra 0,1
construção da Manter árvores existentes 0,1
edificação Utilizar materiais de demolição 0,1
(peso 0,34) Investigar estabelecimentos que recebem materiais
0,1
recicláveis
Reciclar resíduos verdes e orgânicos para utilizar no jardim 0,1
Equipamentos temporários, reutilizados ou reciclados 0,1
Materiais Projeto que viabiliza a recuperação de componentes e
0,2
recuperáveis em materiais
futuras alterações Utilizar materiais secos, fáceis de recuperar/desmontar 0,2
de uso ou após a Projeto modular 0,2
vida útil da Sistema de lixo reciclável 0,2
edificação
(peso 0,33) Acesso ao lixo direto pela rua 0,2
Recursos Plano de manejo de resíduos 0,5
recuperáveis
(peso 0,33) Utilizar materiais reciclados 0,5

A terceira etapa consistiu na definição do Índice de Sustentabilidade


(IS), cujo objetivo foi determinar o grau de sustentabilidade da edificação
analisada. A partir dos resultados das práticas foi calculada a média
aritmética ponderada das Estratégias, Categorias e Áreas, que permitiu
definir um Índice de Sustentabilidade do edifício, calculado pela equação (1).

n
IS   ( NPi  PE i  PC i  PAi ) (1)
i 1

Sendo:
IS - Índice de Sustentabilidade; NPi - Nota da Prática "i"; PEi - Peso da
Estratégia relativa à Prática "i"; PC - Peso da Categoria relativa à Prática "i";
PA - Peso da Área relativa à Prática "i".
134

Para definir o grau de sustentabilidade da edificação, foram adotados


os seguintes parâmetros: edificação sustentável (aquele que obteve IS >
0,70, representado na cor verde); edificação parcialmente sustentável (0,35
< IS ≤ 0,70, representado na cor laranja) e edificação não sustentável (IS ≤
0,35, representado na cor vermelha), conforme apresentado na tabela 3.

Tabela 4 – Classificação do grau de sustentabilidade da edificação


IS Escala de avaliação Grau de sustentabilidade
0,71 a 1,00 ÓTIMO Edificação sustentável
0,36 a 0,70 REGULAR Edificação parcialmente sustentável
0,00 a 0,35 PÉSSIMO Edificação não sustentável

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

De acordo com a Tabela 4, os resultados obtidos com a aplicação do


método proposto mostram que as áreas de “Consumo de Recursos”,
“Impactos Ambientais”, “Qualidade do ambiente interno” e
“Comportamento econômico” obtiveram índices próximos dos valores
máximos. A área “Transporte e acesso” obteve a pior pontuação, pois nesta
edificação não foi pensada qualquer estratégia que contribuísse com a
sustentabilidade nesta área.
Analisando cada área individualmente, observou-se que em relação à
Categoria Energia, foram utilizadas as seguintes estratégias: redução dos
materiais de construção e a utilizada para a operação do edifício. As práticas
de uso de materiais com baixo consumo de energia, materiais recicláveis e
reciclados foram adotados na Ecovila Bambu. A superestrutura, ou seja, a
estrutura que se projeta acima das fundações, utiliza, basicamente, os
seguintes materiais: parede monolítica de terra e cal; bloco de solo cimento;
bambu e madeira de eucalipto (Figura 4). Outro aspecto observado referiu-
se ao consumo de energia para operação da edificação, ou seja, constatou-
se a utilização de equipamentos elétricos de baixo consumo de energia
(geladeira, lâmpadas LED e ventiladores) e de alto rendimento energético. A
única prática não adotada foi a que estabelece uma meta de eficiência
energética.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 135

Tabela 5 – Resultados dos cálculos do índice de sustentabilidade, relativos às categorias


consideradas, da Ecovila Bambu

Índice Índice
Área Categoria
parcial parcial
Energia (RE) 0,26
Consumo de Recursos (R) Água (RA) 0,13
0,15
Valor Max = 0,20 Materiais (RM) 0,24
Solo (RS) 0,13
Ecológicos (IE) 0,17
Gases efeito estufa (IGI) 0,15
Impactos Ambientais (I)
0,17 Ataque a camada de ozônio (IGO) 0,20
Valor Max = 0,20
Resíduos sólidos (IRS) 0,13
Resíduos líquidos (IRL) 0,20
Ar interior e ventilação (AICA) 0,25
Qualidade do Ambiente
Conforto térmico (AICT) 0,24
Interno (AI) 0,12
Iluminação (AIIL) 0,22
Valor Max = 0,15
Acústica (AIAC) 0,10
Gestão de Planejamento
Planejamento do processo de
(G) 0,04 0,26
construção
Valor Max = 0,15
Comportamento
Econômico (E) 0,07 Custos (EC) 0,67
Valor Max = 0,10
Transporte e Acesso (T) Uso de veículos motorizados (TVM) 0,00
0,00
Valor Max = 0,10 Transporte alternativo (TA) 0,00
Conservação da herança cultural (CH) 0,00
Ambiente Cultural (C)
0,04 Equipamentos comunitários (CC) 0,18
Valor Max = 0,10
Equidade e acesso (CE) 0,18
IS (geral da edificação) 0,59

A Categoria Água tem como estratégia a redução do seu uso no


edifício, entendendo que seu consumo deve ser realizado com consciência e
discernimento para que não se chegue a uma situação de esgotamento nem
deterioração da qualidade das reservas disponíveis. As estratégias para o
consumo sustentável devem procurar o controle de seu uso para atividades
essenciais. Na Ecovila Bambu não foram adotadas práticas para medir e
monitorar o consumo da água potável. Eles utilizam plantas nativas que se
adéquam ao clima da região; mas não há monitoramento da umidade do
solo.
136

As práticas sustentáveis adotadas neste edifício reduzem o consumo


da água potável, pois utilizam a água da chuva (armazenada em uma
cisterna) que, por meio de bombeamento, é utilizada na irrigação dos
jardins (Figura 5). Além disso, foram instalados equipamentos que reduzem
a vazão de água nas torneiras e bacias sanitárias com caixa acoplada.

Figura 8 – Montagem da estrutura do telhado e detalhe dos materiais utilizados

Fontes: Acervo Ecovila Bambu e autores.

Figura 9 – Cisterna e sistema de irrigação dos jardins

Fontes: Acervo Ecovila Bambu e autores.

A Categoria Materiais tem como estratégias a redução de novos


materiais, utilização de materiais reciclados e recuperáveis ao fim da vida
útil da edificação, e o descarte correto dos materiais impossibilitados de
reuso. Nesta categoria, o objeto de estudo obteve a pontuação de 0,24,
sendo que a máxima é de 0,30. As práticas relacionadas ao plano de manejo
de resíduos não foram adotadas, mas foi identificada a utilização de
materiais que não são à base de fontes não renováveis, os pilares de
eucaliptos são de reflorestamento e os bambus são plantados na própria
gleba. Os bambus, juntamente com placas de embalagem Tetra Pak foram
Cidade sustentável: um conceito em construção - 137

utilizados na produção de cadeiras. Todos os vidros são de desmonte ou


demolição de outras edificações.
A Categoria Solo avalia o aproveitamento da sua área, a otimização
da infraestrutura, e a sua permeabilidade. Foi obtida a pontuação de 0,13
(de um máximo de 0,20), por minimizar a ocupação e impermeabilização e
por permitir uma flexibilidade do uso do espaço, sendo que a Ecovila Bambu
e seu entorno ficam disponíveis não somente para o curso pedagógico
Wardolf, mas também para diversos outros cursos.
A Área Impacto Ambiental está relacionada mais explicitamente com
o conceito de sustentabilidade. Nesta área, a edificação obteve algumas
pontuações baixas por não utilizar energia limpa e renovável, além de não
praticar a reciclagem total dos resíduos gerados. Mesmo assim, esta foi a
área com maior pontuação, pois o projeto demonstra preocupação com o
entorno e a preservação das espécies vegetais existentes, além do plantio
de novas espécies. Uma das causas de não haver a utilização e investimento
em fontes de energia renováveis é pelo seu baixo consumo. Não foi
identificado o uso de substâncias prejudiciais à camada de ozônio. Além
disso, a forma como a edificação foi construída não produz grandes
quantidades de resíduos, grande parte dela pode ser desmontada ou
reciclada. Praticamente não há resíduos líquidos, pois a eficiência dos
equipamentos utilizados e a captação da água pluvial utilizada nos jardins
reduzem o consumo de água.
Outro aspecto identificado refere-se ao tratamento das águas cinzas
e negras, realizado no lote por meio de fossa séptica, e a filtragem é
realizada por meio das raízes de bananeiras. Observou-se que as águas
cinzas e negras são tratadas juntas, impedindo o reaproveitamento das
águas cinzas. No entanto, pode-se dizer que este reaproveitamento das
águas tratadas é indireto, já que estas são tratadas e despejadas no córrego
localizado no fundo do lote, e a água potável é obtida por meio de poço
artesiano.
A avaliação da Área Qualidade do Ambiente Interno é muito
importante, pois um ambiente interno agradável contribui para a satisfação
do usuário, assim como reduz custos relacionados às más condições dos
ambientes. Foram analisadas as categorias “qualidade do ar interno”,
“conforto térmico”, “iluminação” e “acústica”. Nesta última categoria, a
138

pontuação obtida foi de 0,10, sendo uma das menores pontuações. A


categoria conforto térmico deixou de pontuar porque, durante o inverno ou
dias frios, não existe a possibilidade de amenizar essa sensação térmica, já
que as vedações verticais acima das janelas são de bambu encaixado lado a
lado sem qualquer eficácia de vedação. É necessário considerar que o
edifício é utilizado basicamente no período matutino ou vespertino (menos
frio) e não noturno. Dessa forma, é uma opção econômica não investir em
aquecimento artificial. Quanto à umidade relativa do ar, o teto verde e o
entorno arborizado contribuem para a umidificação do espaço. Não foram
encontrados métodos de umidificação do ambiente ou processo contrário
que poderiam auxiliar no conforto térmico.
Com relação à acústica, não foram adotadas estratégias de proteção
dos ruídos externos, por estar localizado na zona rural. No entanto, poderia
haver estratégias de proteção dos ruídos internos, já que a sala de aula pode
ser dividida, tornando-se duas pequenas salas de aula, e essa divisão é
realizada apenas por biombos de bambu, que cria apenas uma barreira
visual e não sonora.
A Área Gestão de Planejamento visa a avaliar a adequação do
planejamento do processo construtivo. Uma boa gestão pode acarretar em
grandes benefícios para a melhora do desempenho de uma edificação. As
recomendações devem ser aplicadas nas etapas de pré-projeto, projeto,
construção e operação. A baixa pontuação desta categoria (0,05) se justifica
por não haver um planejamento detalhado, pois a maioria dessas etapas foi
realizada sem um plano estratégico detalhado.
Na Área Comportamento Econômico, a pontuação obtida foi 0,07,
pois foram avaliados o custo por todas as medidas ambientais incorporadas
e a verificação do valor da edificação, se houve retorno ou não. A avaliação
do aumento ou diminuição do custo total anual de energia e manutenção do
edifício não é efetivamente realizada. De acordo com um dos proprietários,
a manutenção do edifício não é difícil e nem dispendiosa, pois ele mesmo
realiza a maior parte das tarefas, sem a necessidade de contratar
profissionais. Também foi afirmado, durante a entrevista, que houve pouca
diferença de custos entre a construção da Ecovila Bambu e outra obra
convencional equivalente. O uso dos bambus barateou a obra.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 139

Na Área Transporte e Acesso avaliou se há incentivos para a redução


de veículos motorizados ou a utilização de transporte coletivo no local. Este
critério recebeu pontuação zero. Por estar localizado na zona rural, onde
não há infraestrutura urbana como ruas pavimentadas e iluminação, torna-
se impossível o trânsito de transportes coletivos nesta região e não há o
incentivo para utilização de modos de transporte mais sustentáveis, como a
bicicleta, por motivos de insegurança do local.
Na Área Ambiente Cultural, as estratégias buscam avaliar a existência
de um valor do espaço para a comunidade e a manutenção do mesmo;
avalia também a preocupação em promover melhorias no espaço construído
para a comunidade, além da avaliação do acesso e segurança para todas as
pessoas, inclusive àquelas com algum tipo de limitação. Nesta área foi
obtida a pontuação de 0,04. A conservação da herança cultural não obteve
pontuação, pois não houve uma avaliação da importância do local para a
comunidade. No entanto, o espaço busca promover um desenvolvimento
multifuncional e, também, melhoria da consciência ambiental. Permite o
acesso adequado ao interior do edifício e promove níveis adequados de
segurança interna.
Em síntese, a análise da Ecovila Bambu resultou em um IG = 0,59, o
que indica que ela é parcialmente sustentável. A avaliação mostrou que a
edificação contemplou mais da metade das estratégias sustentáveis
indicadas por CDT (2005). Ao longo do processo foi possível notar que
algumas estratégias não foram adotadas por falta de conhecimento técnico
ou até mesmo por falta de recursos sustentáveis disponíveis no local.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabe-se que há diferentes modos de construir um ambiente


sustentável. São mais divulgados pela mídia, empreiteiras e outros agentes
da construção civil, estratégias sustentáveis que visam menor consumo de
materiais, menor produção de resíduos e preservação da natureza. No
entanto, há outras estratégias que contribuem com a eficiência sustentável,
mas que raramente são adotadas.
Com a realização deste trabalho constatou-se que ainda há muita
dificuldade a ser vencida na avaliação quantitativa do nível de
140

sustentabilidade de edificações, a começar pela fundamentação conceitual.


Há muitas variáveis a serem levadas em consideração, algumas com alto
grau de subjetividade. No entanto, espera-se que a proposta de atribuição
de notas e pesos, aqui apresentada, possa contribuir com o
desenvolvimento de métodos mais racionais para este tipo de avaliação.
Com relação ao objeto de estudo, os construtores tiveram
dificuldade de adotar algumas estratégias por falta de recursos tecnológicos
e de serviços disponíveis no mercado próximo a região da obra. De forma
geral, as estratégias sustentáveis adotadas na Ecovila Bambu são aquelas
mais óbvias e mais conhecidas pela população, tanto que pelo critério de
avaliação adotado neste trabalho, o índice obtido foi IG = 0,59, classificando-
o como uma edificação parcialmente sustentável.
Finalizando, é possível afirmar que a bioarquitetura pode ser eficaz
para atingir níveis consideráveis de sustentabilidade. No entanto, o seu foco
em adotar práticas sensoriais e empíricas, além de poucos procedimentos
de gestão e planejamento de todas as etapas do ciclo de vida da edificação,
acaba prejudicando diversos aspectos importantes para atingir um nível de
sustentabilidade eficiente.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, M. A. A moderna construção sustentável. Instituto para o Desenvolvimento da


Habitação, 11 de fev. 2005. Disponível em:
<http://www.abepro.org.br/biblioteca/enegep2010_tn_sto_123_795_16033.pdf>. Acesso
em: 13 maio 2016.
BALDESSAR, S. M. N. Telhado verde e sua contribuição na redução da vazão da água pluvial
escoada. 2012. Dissertação (mestrado) – Engenharia da Construção Civil, Universidade
Federal do Paraná, Curitiba, 2012.
COMISSÃO MUNDIAL SOBRE O MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2.
ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991. Disponível em:
<http://pt.scribd.com/doc/12906958/Relatorio-Brundtland-Nosso-Futuro-Comum-Em-
Portugues>. Acesso em: 15 maio 2016.
CORPORACIÓN DE DESARROLLO TECNOLÓGICO – CDT. CÁMARA CHILENA DE LA
CONSTRUCCIÓN. Guía de diseño y construcción sustentable. Chile: CDT, 2005.
GAUZIN-MÜLLER, D. Arquitetura ecológica. Tradução técnica: Celina Olga de Souza e Caroline
Fretin de Freitas. São Paulo: Senac, 2011. 304 p.
KEELER, M.; BURKE, B. Fundamentos de projeto de edificações sustentáveis. Tradução técnica:
Alexandre Salvaterra. Porto Alegre: Bookman, 2010. 362 p.
KILBERT, C. J. Establishing principles and a model for sustainable construction. In: KIBERT, C. J.
(ed.). Proceedings of the First International Conference on Sustainable Construction. Tampa,
FL, November 6-9. CIB Publications TG 16, Roterdã, 1994.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 141

Capítulo 8

HABITAÇÃO EMERGENCIAL:
PROPOSTA DE PROJETO COM FOCO NA SUSTENTABILIDADE

43
Geraldo Milioli
44
Michele Waterkemper Casagrande Matos

1 INTRODUÇÃO

Em decorrência aos inúmeros desastres naturais ocorridos nas


últimas décadas, há uma migração obrigatória para um destino como um
abrigo emergencial improvisado, os quais revelam-se precários e ineficazes
para o atendimento das necessidades e garantia mínima de dignidade aos
atingidos.
No intuito de suprir a perda da casa, a proposta do referido capítulo é
apresentar, resultado de estudos e pesquisas, o desenvolvimento de uma
nova estratégia de projeto de habitação emergencial, como contribuição da
arquitetura, na busca por condições humanas dignas durante o processo de
reabilitação da área atingida. Desse modo, a habitação é um fator
importante no sentido de acolher e dar o mínimo de perspectiva para a
pessoa vítima do flagelo do desastre.

2 A HABITAÇÃO EMERGENCIAL E O ABRIGO EM SITUAÇÕES PÓS-DESASTRE

As recorrências dos danos causados pelos desastres naturais


possuem maior representatividade nas unidades habitacionais. Apesar

43
Professor doutor, responsável pela coordenação da pesquisa. Sociólogo, pesquisador do
Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (PPGCA-UNESC) e coordenador do
Laboratório Sociedade, Meio Ambiente e Desenvolvimento (LABSDMA) da Universidade do
Extremo Sul Catarinense – UNESC – Criciúma/SC. E-mail: gmi@unesc.net.
44
Arquiteta e urbanista, mestre em Ciências Ambientais (PPGCA-UNESC), professora na Escola
Superior de Criciúma – ESUCRI, pesquisadora junto ao Laboratório Sociedade, Meio Ambiente e
Desenvolvimento (LABSDMA) da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC. E-mail:
arqmichelecasagrande@gmail.com
142

disso, a elaboração de planos preventivos, bem como o planejamento prévio


de ações para a provisão de habitação emergencial não são encarados com
a devida importância. Os abrigos emergenciais improvisados revelam-se
precários e ineficazes para o atendimento das necessidades dos
desabrigados e garantia mínima de dignidade desses cidadãos, que muitas
vezes permanecem nesses locais por dias, meses ou até mesmo anos.
Os abrigos provisórios, em sua maioria em locais comunitários, são
normalmente a opção adotada no tratamento da perda de habitações por
desastres naturais, os quais são de contexto público, em que se perde a
privacidade e o individualismo e passa-se a viver o coletivo, pois são locais
de esfera pública. Normalmente são ambientes que desfavorecem a saúde
psíquica dos que ali convivem, pois criam obstáculos para as singularidades
dos sujeitos que convivem no local (VALENCIO, 2012).
Percebe-se através dos tempos o aumento da vulnerabilidade
socioambiental frente a ocorrências de eventos extremos, somado à falta de
planejamento preventivo. Logo, é premente uma estratégia de projeto
diante de situações que requerem ações imediatas, como um modelo de
habitações emergenciais provisórias para as populações atingidas.
As habitações emergenciais surgem pela necessidade diante da
urgência em proporcionar um alojamento seguro para as populações
atingidas por desastres naturais. Este tipo de habitação busca, em um
momento extremamente frágil, atenuar o sofrimento das pessoas
proporcionando bem-estar e conforto. Por isso, é fundamental o
desenvolvimento de um projeto que considere as condições culturais,
psicológicas e sociais dos indivíduos, exigindo da equipe de profissionais
envolvidos, metodologias, tecnologias e instrumentos que possam
responder a este contexto complexo.
Segundo Quarantelli (1982, p. 75-79), o alojamento de pessoas
durante e depois da ocorrência de desastres naturais pode passar por até
quatro fases:

Abrigo de emergência. Ocorre em qualquer local, embaixo de uma


escada, dentro de um carro, ou em uma tenda, que providencia
proteção de vento, chuva e variações normais de temperatura.
Abrigo temporário. Inclui lugares para dormir, cozinhar e tomar
banho. Muitas vezes são alojamentos comunitários, em ginásios,
galpões, igrejas ou escolas.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 143

Habitação temporária. Nesta fase os sobreviventes estão alojados


nos seus agrupamentos familiares de preferência, podendo
restabelecer suas rotinas diárias normais, mas num local temporário.
Habitação transitória ou permanente. É o alojamento que toma o
lugar do que foi destruído, no qual a família se encontra quando o
processo de recuperação fica concluído. O projeto pode começar
com uma unidade básica, que pode expandir ao longo do tempo, de
acordo com os recursos disponíveis.

Percebe-se um trabalho desenvolvido por agências humanitárias


preocupadas com o tema, como resposta às fatalidades naturais ocorridas
cada vez com mais frequência. Consequentemente, começa-se a reconhecer
a importância do papel da arquitetura para a melhoria de vida nas
comunidades atingidas.
No entanto, para a construção de habitações emergenciais, não
existem normas regulamentadas sobre o sistema construtivo, em virtude
disso, os critérios de Gibb e Isack (2003) apresentaram-se como uma
proposta para a definição de sistemas ou materiais utilizados, conforme
visto no Quadro 1 (GIORDANI; PFÜTZENREUTER, 2016).

Quadro 6 – Quadro de definição dos critérios de avaliação para abrigos


Critérios Conceito Indicador de verificação
(Gibb e Isack, (NBR 15575:2013)
2003)
Segurança Condizente ao uso e operação do - Inflamabilidade
abrigo, a respeito da proteção - Risco ao manuseio
contra fogo e pontos e bordas (manuseabilidade)
cortantes
Produtividade Relação entre a produção e os - Pessoas por m2 construído
fatores como: pessoas, máquinas, - Tempo de construção
materiais e outros
Qualidade final Melhoria da qualidade do - Durabilidade
empreendimento, com uma análise - Reutilização
de valor da relação custo/benefício
dos sistemas, em relação à
adaptabilidade e exequidade
Eficiência Remodelação ou atualização de - Rapidez de fornecimento
sistemas para eficiência - Possibilidade de geração de
operacional e energética, energia
objetivando menor degradação - Diminuição de resíduos
ambiental, menor consumo de - Organização do canteiro de
água, de energia e de matérias- obras
primas - Materiais utilizados
Fonte: Gibb e Isack (2003), NBR 15575 (2013), adaptado por Giordani e Pfützenreuter (2016).
144

As análises contidas no Quadro 1 foram conceituadas conforme a


Norma Brasileira de Desempenho de Edificações Habitacionais (NBR 15575).
A partir do conceito da normativa, foram verificados os indicadores que
caracterizavam os itens como segurança, produtividade, qualidade final e
2
eficiência. Destacam-se os indicadores como quantidade de pessoas por m
construído, reutilização, diminuição de resíduos e rapidez de fornecimento,
os quais têm relação direta com a habitabilidade e sustentabilidade na
habitação (GIORDANI; PFÜTZENREUTER, 2016).
No entanto, as construções emergenciais para atendimentos aos
desabrigados por desastres naturais, que não sejam constituídas por
estruturas caracterizadas como públicas (ginásios, escolas, associações,
etc.), possuem variadas tipologias que foram adotadas ao longo do tempo
no atendimento às populações. As estruturas, na sua maioria, tiram partido
de sistemas baseados na autoconstrução ou sistemas portáteis (Figura 1).

Figura 10 – Classificação de estruturas de abrigos

Fonte: Elaborado pela autora. Adaptado de Kronenberg (1998).

Dentre as estruturas de abrigos alternativas, o sistema modular é


transportável e para uso imediato, apenas necessitando de ligações de rede
de esgoto, água e energia. No entanto, a estrutura alternativa desmontável
é subdividida em três categorias: estrutura rígida, tênsil e pneumática,
conforme mostra a Figura 1 (KRONENBERG, 1998).
Diante das opções apresentadas, percebe-se que há muitos métodos
desenvolvidos para suprir a demanda por habitação, onde o eixo norteador
das propostas de solução procura ser a proteção e a individualidade das
Cidade sustentável: um conceito em construção - 145

famílias, através de um processo transitório entre a ajuda humanitária


imediata nos abrigos temporários e a habitação provisória ou transitória em
casos de desastres naturais.
Apesar da diversidade geográfica e cultural no contexto da
ocorrência, existe uma uniformidade de comportamentos observados em
diferentes desastres naturais ocorridos ao longo da história, como os
métodos construtivos compatíveis à região da ocorrência, os aspectos de
transitoriedade e permanência, a participação comunitária, a durabilidade
ou reutilização, o tempo de fornecimento da habitação, entre outros que
caminham para a necessidade de novas abordagens de projeto a partir de
experiências concretas (KRONENBERG, 1998).

3 SUSTENTABILIDADE E HABITAÇÃO

A importância dos materiais que busquem uma edificação


sustentável já não é mais um diferencial, é uma urgência no intuito de
preservação dos recursos naturais e da redução do impacto ambiental que a
construção civil ocasiona, assim como nossos hábitos de vida.
Para que a construção seja ecoeficiente foram elencados alguns
pontos essenciais os quais farão parte das diretrizes de projeto da proposta:
a) uso de materiais locais: rápido fornecimento e logística;
b) modularidade: baixo custo, produção otimizada e padronização;
c) menor uso de recursos e produção de resíduos: reciclagem e
reutilização;
d) ciclo de vida: adaptabilidade e durabilidade;
e) eficiência energética: baixo impacto.
Ao selecionar essas diretrizes como proposta de projeto para suprir a
demanda habitacional dos afetados por desastres naturais, elege-se a
estrutura modular de um contêiner para a confecção das habitações de
maneira rápida, de baixo custo e de origem reciclável.
Conforme dados da World Shipping Council (2017), atualmente mais
de dezoito milhões de contêineres são utilizados para o transporte marítimo
no mundo todo. Sendo que, anualmente, cerca de 5% deste total são
descartados, pois apresentam uma vida útil de dez a quinze anos no
transporte de cargas. Após este período, os contêineres perdem a sua
146

utilidade na capacidade de transporte de mercadorias, acumulando-se em


amplos depósitos improdutivos nas regiões portuárias, caracterizando um
impacto ambiental.
O Brasil, ao longo de uma costa litorânea de 8,5 mil quilômetros,
possui um setor portuário formado por 37 portos públicos organizados.
Segundo o Instituto de Logística e Supply Chain (ILOS, 2016), o setor de
transporte marítimo tende a crescer 7,4% ao ano na próxima década.
Seguindo este raciocínio, pode-se prever um aumento do número de
contêineres descartados nesta região, gerando condições propícias para o
desenvolvimento de um novo modelo de construção sustentável, pois
apresentam um grande potencial como recurso material para a construção
de edificações habitáveis.
O contêiner como habitação foi patenteado em 1989, por Phillip
Clark (Figura 2), onde foi apresentada a invenção de um novo método para a
conversão de um ou mais contêineres em uma edificação residencial.
Apesar de ser uma construção ainda recente no Brasil, algumas empresas
estão adotando este método a fim de reduzir o tempo de execução.

Figura 2 – Patente - Método para conversão de contêiner em uma edificação habitável

Fonte: Phillip Clark (1989).

A estrutura de aço do contêiner foi inicialmente projetada para o


transporte de mercadorias, portanto possui resistência mecânica para
suportar grandes cargas, e estabilidade em relação à variabilidade climática,
o que o torna matéria-prima interessante para a habitação, pois além de ser
uma caixa estruturante e suportar as cargas exigidas, também pode ser
empilhável, e propor segurança em eventos climáticos extremos (KOTNIK,
2008).
Cidade sustentável: um conceito em construção - 147

Em relação aos aspectos dimensionais, os modelos de contêineres


mais utilizados no transporte marítimo são: os de 20’ e 40’, destes o ideal
para o uso em habitações é o contêiner modelo High Cube, pois possui
maior altura, cumprindo com as normas exigidas para a construção,
possibilitando pé direito mínimo de 2,60 metros.
Além dos aspectos estruturais e dimensionais, um dos fortes
atrativos do reuso de contêineres para fins habitacionais é a possibilidade
de deslocamentos futuros, podendo ser transportáveis. Assim como a
possibilidade de alterações na unidade habitacional, através de
transformações no invólucro, atendendo à demanda por flexibilidade na
arquitetura.
Nesse contexto, o uso de contêineres para habitações possibilita
condições para a criação de projetos ágeis e flexíveis, que permitem
ampliação, sendo que essas estruturas possuem sistemas modulares de
encaixes que auxiliam no processo.
A modularidade é uma sistematização na concepção de projeto
através da ordenação racional do espaço e de seus componentes, baseada
na funcionalidade da arquitetura moderna, possui liberdade estética e
flexibilidade, onde a repetição e o ritmo podem ser descompassados sem
perder a harmonia (FERREIRA; BREGATTO; D’AVILA, 2008).
O sistema modular qualificou a indústria da construção em grande
número de países. Historicamente, o uso de um módulo aparece na
Arquitetura em uma interpretação clássica dos gregos, sob caráter estético;
dos romanos, sob caráter estético-funcional; e dos japoneses, sob caráter
funcional (ROSSO, 1976).
O arquiteto Le Corbusier (1976) defendeu o uso da modulação e ao
projetar a Unidade Habitacional de Marselha, constituiu um módulo por
unidade habitacional, seguindo uma racionalidade onde o tamanho do
módulo correspondia ao número de integrantes da família.
A modulação configura-se como um instrumento importante para
alcançar níveis de normalização e racionalização pretendidas em uma
construção, sendo esta característica de particular relevância para
habitações emergenciais. A modularidade permite que seja estabelecida
uma linguagem estética, que pode ser utilizada em todas as etapas do
processo de produção, desde a concepção do projeto até a execução
148

(LUCINI, 2002).
Além disso, a utilização da modularidade é relevante aliada às
questões econômicas e sustentáveis, pois proporciona melhor
aproveitamento e otimização dos componentes construtivos, menor
consumo energético e redução gradativa na execução do ambiente
edificado. O uso de módulos também pode possibilitar flexibilidade na
alteração dos componentes para ampliação ou adaptações futuras, pois
possibilita uma construção em etapas.
Por se tratarem de sistemas modulares, que estão entre os métodos
utilizados para abrigos emergenciais, o contêiner já foi utilizado como abrigo
em desastres naturais e em guerras (METALICA, 2013). Além disso, se
adéqua a um tipo de construção sustentável, original de um produto
reutilizável, tornando-se uma alternativa moderna e com benefícios às
populações e ao meio ambiente.
As restrições do uso do contêiner compreendem em licenciamento
ambiental, devido à verificação da procedência do material transportado, e,
se necessário, a desinfecção para fins de reuso. Assim como deve ser isolado
termicamente devido ao aço que o compõe possuir elevada condutividade
térmica.
Outra vantagem do uso deste material é que por ser uma caixa
estruturada, pode ser implantada em qualquer desnível de terreno (figura
3), mantendo intacto o relevo original, a partir da fundação onde serão
apoiados, permitindo infiltração do solo. Uma desvantagem, tratando-se do
terreno, são os espaços de manobra necessários para o caminhão e o
guindaste, utilizados na montagem das habitações no local de implantação
do projeto.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 149

Figura 3 – Contêiner implantado em terreno com desnível

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Referente ao ciclo de vida, a estrutura do contêiner tem durabilidade


de até cem anos, apesar de ser utilizada pelo sistema de transporte
marítimo em média por apenas oito anos (RANGEL, 2015).
O invólucro do contêiner é composto por chapas em aço trapezoidal
de espessura de 2 mm (SLAWIK et al., 2010). Essas chapas, fazem o
envelopamento da estrutura, e são adaptáveis a alterações através de
recortes, fato este que permite modificações, como as aberturas para as
esquadrias ou a junção de dois ou mais contêineres. As alterações devem
ser realizadas por profissionais especializados, pois, segundo Carbonari
(2015, p. 257):

Os recortes devem ser executados com precisão para permitir a


colocação de esquadrias e geralmente são realizados com máquinas
de corte a plasma. Este equipamento utiliza a eletricidade para
aquecer o ar em plasma, que é direcionado para o metal e permite
cortá-lo.

Devido às possibilidades de alteração na estrutura de fechamento do


contêiner, torna-se possível maior eficiência energética da habitação,
prevendo as aberturas de acordo com a orientação solar do terreno que
será inserido. Dessa forma, métodos de ventilação cruzada e iluminação
natural podem ser empregados para otimizar o ambiente projetado.
150

3.1 TECNOLOGIAS SOCIAIS

Projetos habitacionais geralmente não abordam, de forma


sistemática, o uso futuro pelos moradores, porém atualmente busca-se
maior flexibilidade dos ambientes para se adaptarem ao ritmo de vida e à
formação diferenciada das famílias (TRAMONTANO, 2000). Para que isso
ocorra é premente a participação da comunidade no processo projetual da
habitação emergencial, correspondendo aos anseios pelo novo lar por
aqueles que buscam sua individualidade.
A falta de profissionais para o atendimento às vítimas de ocorrências
como os desastres naturais é recorrente, por isso a alternativa de formação
de uma equipe interdisciplinar de estudantes voluntários, atendendo às
famílias individualmente, proporcionaria uma quebra de paradigma
individualista e oportunizaria aos envolvidos refletir sobre a importância da
coletividade.
Projetar com consciência social é um processo que assegura à
comunidade à qual se destina que participe do desenho do projeto. Com o
objetivo de fazer um projeto construído socialmente, a proposta envolve
modelos padrão de residências modulares, porém cada família poderá a
partir do número de integrantes, montar sua casa somando os padrões de
módulos ou alternando o invólucro conforme as características do terreno
em que será inserido, proporcionando relevância aos aspectos ambientais
de iluminação e ventilação natural.
Além disso, também é um processo que contempla as questões
ambientais, ao visar ao desenvolvimento futuro, pois além de ser solução
imediata para o problema, pode-se pensar a longo prazo em transformá-las
em habitações permanentes, por meio de um processo evolutivo de projeto.
Acima de tudo, a participação de uma comunidade atingida no
processo de reconstrução de seu lugar de referência, sua casa, é a primeira
etapa na reapropriação de sua identidade, na defesa de sua privacidade.
Sendo assim, poderão também estar envolvidos na adaptação dos
contêineres no processo de torná-los habitação, reduzindo custos com mão
de obra e empoderando os moradores no processo de reconstrução de seu
lar.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 151

4 PROPOSTA DE PROJETO

A partir desta estrutura, para facilitar o transporte e montagem,


foram elencados os contêineres de 20 pés High Cube, ou seja,
aproximadamente uma área de 14 m², e a partir destes foram criados
quatro módulos de habitação que podem ser somados na montagem de um
projeto familiar ou utilizados sozinhos.
A seleção do número de módulos poderá ser dimensionada por meio
do número de integrantes na família que residirá, em uma proporção de 2
2
pessoas por módulo, totalizando 7 m por pessoa, proporcionando maior
2
conforto se comparado aos padrões da Defesa Civil, que são de 4 m por
pessoa. Esses módulos podem ser produzidos em série e transportados
prontos ao local, o que torna o processo mais ágil.
No módulo 1 (Figura 4), o contêiner possui apenas uma divisória
interna que separa o banheiro do restante da habitação. Neste módulo,
sugere-se encanamento para uma possível cozinha, caso seja utilizado sem
combinações, no qual habitam duas pessoas.

Figura 4: Módulo 1

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

No módulo 2 (Figura 5), a habitação tem uma divisória que pode ser
um banheiro ou uma lavanderia, possui também cozinha e um dormitório
integrados, onde podem habitar duas pessoas.
152

Figura 5 – Módulo 2

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Já no módulo 3 (Figura 6), as divisórias formam dois dormitórios e um


banheiro. Como neste módulo habitam até quatro pessoas, ele deve ser
combinado com outro módulo para formar a habitação.

Figura 6 – Módulo 3

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Finalmente no módulo 4 (Figura 7), os ambientes podem ser


integrados e flexíveis, pois não possuem divisas. Este módulo também pode
ser combinado com outros módulos para formar a habitação.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 153

Figura 7 – Módulo 4

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

A escolha dentre as tipologias existentes, que se enquadram em cada


aspecto de vida particular, permite às famílias personalizar os lugares.
Ainda, quando se tratar de famílias maiores, várias composições poderão ser
formadas, de acordo com a preferência dos usuários. No momento de
escolha e composição das suas casas, as famílias estarão participando do
processo de reconstrução de suas vidas.
A partir da modulação existente, no processo de escolha de suas
casas, as famílias podem ser auxiliadas por estudantes de arquitetura para a
definição dos seus projetos, com o devido cuidado para que a insolação e
ventilação estejam adequadas ao local de implantação. Para isso sugerem-se
as alterações necessárias no invólucro de acordo com a orientação solar do
terreno a ser implantado.
Conforme exemplo a seguir, a partir da localização do terreno no
qual serão implantadas as habitações, os contêineres poderão ser
direcionados conforme a orientação solar, ou então alterada a localização
das aberturas das esquadrias, para melhor aproveitamento da iluminação e
ventilação naturais.
154

Figura 8 – Sugestão de estudos de insolação e ventilação naturais

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Percebe-se na Figura 8 um estudo, a partir da orientação solar, com


as aberturas em direções opostas, de modo a favorecer o fluxo de ar, além
de possibilitar iluminação natural com as faces das aberturas voltadas para
as direções leste, oeste e sul, reduzindo o consumo de energia elétrica.

4.1 APLICAÇÕES E USOS

De acordo com a configuração da família, várias tipologias poderão


ser criadas a partir dos módulos. Além disso, esse tipo de habitação permite
um sistema evolutivo, seja do provisório ao permanente, seja através de
uma ampliação necessária devido a uma nova estruturação da família.
De forma versátil, os modelos de habitações poderão ser formados
com inúmeras tipologias, formando volumetrias diferenciadas. A partir desta
premissa serão desenvolvidos alguns exemplos de aplicações de composição
dos módulos de acordo com o número de integrantes. A referência
numérica dos modelos são as junções dos módulos que formam a
residência.
No modelo de habitação 12 (Figura 9), somam-se os módulos 1 e 2,
para uma família de até quatro pessoas. Neste exemplo foi aplicado o
telhado verde na cobertura e adicionada uma varanda em frente aos
módulos para compor um elemento de ligação entre eles.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 155

Figura 9 – Modelo de habitação de dois módulos com telhado verde

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

No modelo de habitação 14 (Figura 10), somam-se os módulos 1 e 4,


para uma família de até quatro pessoas. Neste exemplo foi aplicado o
telhado verde na cobertura somado ao telhado de estrutura metálica.
O elemento de ligação entre os contêineres é um contrapiso que
pode servir de varanda externa ou posteriormente fechado e anexado à
área útil da residência.

Figura 10 – Modelo de habitação de dois módulos com telhado


de estrutura metálica e cobertura verde

Fonte: Elaborado pela autora (2017).


156

No modelo de habitação 34 (Figura 11) somam-se os módulos 3 e 4,


para uma família de até quatro pessoas. Neste exemplo foi aplicada
cobertura com telhado de estrutura metálica em duas águas, tornando a
volumetria mais comum e conhecida, possibilitando aos moradores optar
pelo habitual.

Figura 11 – Modelo de habitação de dois módulos com telhado de estrutura metálica

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

No modelo de habitação 134 (Figura 12) somam-se os módulos 1, 3 e


4, em que habita uma família de até seis pessoas. Neste exemplo foi
aplicado o telhado verde na cobertura e adicionada uma varanda em frente
aos módulos para compor um elemento de ligação, no qual foi incluído um
toldo de cobertura.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 157

Figura 12 – Modelo de habitação de três módulos com telhado verde

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Esses são apenas alguns exemplos de que forma podemos trabalhar


com a união dos módulos e uma amostra de quais elementos ainda podem
ser inseridos com a finalidade de suprir os requisitos de uma habitação
digna. Visto isso, ainda podem ser elencados alguns materiais que,
agregados ao contexto de proteção ambiental, podem contribuir para um
novo padrão de consumo na habitação.
O telhado verde, além de controlar a temperatura interna, ajuda a
absorver os ruídos externos e melhora a qualidade do ar. Além disso, reduz
o escoamento superficial urbano, suprindo a vazão de águas pluviais,
contribuindo para a redução de enchentes (TASSI et al., 2014). Dentre seus
usos ainda podemos mencionar a aplicação de vegetação nativa,
contribuindo para a biodiversidade local e ainda pode servir como horta
urbana, possibilitando a produção de alimentos para consumo próprio,
inclusive propiciar área para compostagem.
Somado ao telhado verde, através da coleta das águas pluviais, as
calhas podem direcionar as águas para um filtro e posteriormente serem
utilizadas para torneiras de jardim ou o abastecimento dos vasos sanitários
(MAY, 2004), reduzindo assim o consumo de água potável.
Além dos sistemas que agregam para menor impacto ambiental e
consequentemente para menor consumo, a escolha do local de implantação
das habitações emergenciais também é um ponto importante para a
158

sustentabilidade do projeto. É premente um novo arranjo urbano para a


implantação de um novo modelo de assentamento, com menor
adensamento que permita ampliações das residências, que possuam
passeios públicos e lugares de convívio como praças e espaços de lazer.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A arquitetura do século XXI propõe um novo pensar sobre a questão


da sustentabilidade socioambiental na perspectiva de preocupar-se com o
sujeito e a qualidade de vida. Neste caso, o espaço particularizado: a
habitação provisória é uma solução que protege a individualidade da família.
Sendo assim, o uso de materiais de fontes renováveis no fornecimento das
habitações emergenciais tem o objetivo de reduzir o impacto ambiental
promovido pela indústria da construção.
Nesse contexto, vimos que os portos brasileiros possuem uma grande
quantidade de contêineres, que posteriormente serão descartados e têm
potencial de reutilização, por isso os projetos com reuso desse material
caracterizam-se como alternativa de construção sustentável, com baixo
impacto ambiental. Além disso são modulares, o que facilita a montagem e
a padronização das habitações, assim como evita o desperdício de material
e agiliza o processo construtivo. O uso do contêiner na arquitetura torna o
projeto flexível, podendo ser transportado, assim como ampliado ou
modificado, adequando-se então como possível habitação emergencial.
Enfim, a proposta busca fornecer uma habitação emergencial
particularizada para cada família, que não possua somente o papel funcional
de abrigar, mas que também incida no aspecto simbólico dos sujeitos. Neste
caso, onde o espaço possa ser personalizado, garantindo o bem-estar das
famílias atingidas, que ao participarem do processo de reconstrução de suas
casas podem recuperar sua identidade física e emocional.
Espera-se que este estudo sirva para outras pesquisas de modo a
contribuir para o desenvolvimento de um planejamento prévio de
habitações emergenciais, levando em consideração a complexidade do
habitar e o impacto da perda da casa na vida das populações atingidas.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 159

REFERÊNCIAS

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desempenho. Parte 1: Requisitos Gerais - Referências - Elaboração. Rio de Janeiro, 2013.
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265, 2015.
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at a building site and the product thereof. 1989. Disponível em:
<https://www.google.com/patents/US4854094#backwardcitations>. Acesso em 15 jun
2018
CORBUSIER, L. El Modulor - Ensayo sobre una medida armonica a la escala humana aplicable
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LUCINI, H. C. Experiências de coordenação modular realizadas no Brasil. São Paulo: SINDUSCON,
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Projeto: Arquitetura, Design & Interiores, n. 243, p. 30-32, maio 2000.
160

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acerca do foco principal do problema. Sociologia dos desastres: construção, interfaces e
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WORLD SHIPPING COUNCIL. Containers. 2016. Disponível em:
<http://www.worldshipping.org/about-the-industry/containers>. Acesso em 15 jun 2018.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 161

Capítulo 9

AS TECNOLOGIAS PARA SUPERAÇÃO DAS BARREIRAS E A INCLUSÃO


ARQUITETÔNICA E URBANÍSTICA DE PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA E IDOSOS

45
Roberto Righi
46
Lucas de Souza Ramalhaes Feitosa

1 INTRODUÇÃO

No exercício profissional dos arquitetos e engenheiros sempre é


enfatizada a necessidade de apresentar uma solução para o programa de
necessidades que atendam a todas as pessoas sem nenhum tipo de
restrição. Essa preocupação envolve o dimensionamento físico impostos por
restrições ergométricas, exigências legais e jurídicas. Pode-se afirmar que no
desenvolvimento de novos projetos a previsão da acessibilidade e
ergonomia é algo relativamente simples, mas como atender a essas mesmas
questões em cidades consolidadas e edificações existentes? A adaptação
das cidades e edificações é solução para prever a inclusão de pessoas com
deficiência e idosos, mas na maioria das vezes por mais que existam
legislações e normas obrigando que os prédios e cidades sejam adaptados,
não se observa o pleno atendimento.
Este capítulo aborda a importância da utilização das tecnologias na
superação e inclusão arquitetônica e urbanística de pessoas com deficiência
e idosos. A maneira encontrada para o desenvolvimento disto é através da
pesquisa interdisciplinar entre arquitetura e urbanismo e as demais
especialidades como na engenharia assistiva, medicina e outras áreas, que
levem ao uso da tecnologia e da evolução humana, para promover a

45
Arquiteto e urbanista, doutor, professor titular da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-
mail: roberto.righi@mackenzie.br
46
Arquiteto e urbanista, mestre, professor convidado da Universidade São Francisco. E-mail:
lucas.feitosa@usf.edu.br
162

inclusão das pessoas com deficiência e idosos nas cidades e edifícios


existentes.
Mas para alcançar o entendimento de como a tecnologia e a
evolução humana podem contribuir para a inclusão de pessoas com
deficiência e idosos, deve-se em primeiro lugar contextualizar a
acessibilidade.
A relevância da acessibilidade no mundo ocorreu após a Segunda
Guerra Mundial, quando os civis de zona de conflito e soldados voltaram
com mutilações e os governos, juntamente com a Organização das Nações
Unidas (ONU), perceberam e passaram a se preocupar em incluir
socialmente essas pessoas com deficiência oriundas da guerra.
A ONU, por meio do Design Livre de Barreiras, em 1970, segundo
Roosmalen e Ohnabe (2007) e Godinho (2010), estabeleceu as primeiras
diretrizes de acessibilidade que levaram em consideração as condições de
educação, trabalho, vias públicas e edificações e que foram difundidas no
Japão, Europa e Estados Unidos.
Em 1981 foi declarado pela ONU como sendo o “Ano Internacional
dos Portadores de Deficiência”. No Brasil só quatro anos depois surge a
primeira norma, a NBR 9050:1985 da ABNT.
Posteriormente, em 1988, a Constituição Federal estabeleceu que a
construção dos logradouros, edifícios de uso público e fabricação de veículos
para o transporte coletivo deviam ser adequados a pessoas com deficiência.
Nessa direção, a acessibilidade só se tornou obrigatória através do Decreto
Federal 5.296/2004, que regulamentou com efeito legal a NBR 9050 da
ABNT, só após 16 anos depois do texto constitucional. Mesmo com todos
esses avanços legais e normativos no Brasil e no mundo a aplicabilidade não
atingiu completamente os edifícios e cidades existentes.
Recentemente, na tentativa de contribuir de maneira mais eficiente,
surge a possibilidade da utilização das tecnologias para superação e inclusão
arquitetônica e urbanística de pessoas com deficiência e idosos. Essa
estratégia busca suprir a falta de acessibilidade nas edificações e cidades
através da tecnologia e evolução humana e assim promover de maneira
mais eficiente a inclusão social.
Vale salientar que a tecnologia cada vez mais evoluída e que sua
eficiência aumenta gradativamente, juntamente com a confiança dos
Cidade sustentável: um conceito em construção - 163

usuários e assim pode contribuir de maneira significativa na vida das


pessoas com ou sem deficiência e para os idosos, proporcionando
independência através da Tecnologia Assistiva (TA), Tecnologia da
Informação e Comunicação (TIC), Internet das Coisas (IoT), Web das Coisas
(WoT) e as Cidades Inteligentes.
Outra questão abordada é como a Fisiologia e Evolução Humana
podem contribuir para as pessoas com algum tipo de deficiência, através
dos implantes tecnológicos “assistivos”, que servem para suprir uma
deficiência existente ou até proporcionar à pessoa cadeirante voltar a andar
através de exoesqueletos.
Como justificativa deste trabalho é importante salientar que,
segundo a OMS (2011), um bilhão de pessoas no mundo convive com
alguma deficiência, situação confirmada no Brasil, pois, de acordo com o
IBGE (2010), 23,9% da população têm algum tipo de deficiência. Esses dados
chamaram a atenção pública para o problema de inclusão, e as barreiras
arquitetônicas nas cidades e edificações se tornaram obstáculo para
integração das pessoas com deficiência na sociedade. Segundo Santos
(2010), a palavra “acessibilidade” começou a ser utilizada como conceito de
remoção das barreiras arquitetônicas, proporcionando a utilização de
espaços e ambientes sem obstáculos para as pessoas com deficiência.
Mesmo com o início da remoção de barreiras físicas e promoção da
acessibilidade, o resultado encontra-se longe do satisfatório nas edificações
e cidades. Assim, a maneira encontrada para indagar e tentar melhorar esse
resultado foi através da pesquisa em tecnologias e evolução humana e o
modo como ela contribui para a inclusão social de pessoas com deficiência e
idosos. A tecnologia, juntamente com a evolução humana, desempenha
atualmente um novo papel na sociedade, principalmente em relação à
acessibilidade, pois se encontra em estágio avançado e pode proporcionar
facilidades e independência à vida das pessoas com deficiência e idosos.
A tecnologia e evolução humana podem ser o futuro para a inclusão
das pessoas com deficiência e idosos, e talvez seja a principal solução dos
problemas de não adequação atual das cidades e edificações.
164

2 TECNOLOGIAS

2.1 TECNOLOGIA ASSISTIVA (TA)

A tecnologia, segundo Rocha e Castiglioni (2005), encontra-se muito


avançada e sofisticada, assim como a confiança na sua eficiência é cada vez
mais significativa. Por esses fatores, a tecnologia deve facilitar a vida
contemporânea, mas vale salientar que, infelizmente, ela não consegue
atender a todas as necessidades das pessoas.
Dessa forma, em relação às pessoas com deficiência e idosos, a
tecnologia pode proporcionar autonomia, independência, e para isso são
feitas pesquisas para o desenvolvimento de novos produtos (ROCHA;
CASTIGLIONI, 2005). Essas pesquisas de novos produtos para pessoas com
deficiência e idosos são denominadas de Tecnologia Assistiva (TA). TA é um
termo considerado novo para Bersch (2013), usado para identificação dos
serviços e recursos que contribuem para pessoas com deficiência e que
proporcionam independência e inclusão. A tecnologia na vida das pessoas a
torna mais fácil e a TA na vida das pessoas com deficiência e idosos torna as
coisas possíveis.
A TA é uma área em crescimento por causa da questão da inclusão
social das pessoas com deficiência e ela pode proporcionar melhor interação
com o mundo, proporcionando maior mobilidade, comunicação para o
trabalho, ensino e aprendizagem, além de outras, segundo Rodrigues e
Alves (2013).
No Brasil existem muitas pessoas com deficiências, porém o
desenvolvimento em TA é mínimo e está restrito a especialistas ligados a
pessoas com deficiência, mostrando assim a falta de interação com outras
áreas de conhecimento.
A tecnologia é considerada Assistiva, de acordo com Mello (1997)
quando é “usada para auxiliar no desempenho funcional de atividades,
reduzindo incapacidades para a realização de atividades da vida diária e da
vida prática, nos diversos domínios do cotidiano”.
Alguns exemplos de TA para pessoas com deficiência vão desde itens
para a vida diária, como roupas desenvolvidas para facilitar o vestir,
Cidade sustentável: um conceito em construção - 165

utensílios domésticos como talheres modificados (Figura 1), barras de apoio,


ou relógio (Figura 2) para pessoas com deficiência visual etc.

Figura 1 – Talheres modificados

Fonte: <http://expansaolab.blogspot.com.br/2013/01/sala-de-recurso-multifuncionais-
em.html>, acesso em: 23 maio 2018.

Figura 2 – Relógio para pessoas com deficiência visual

Fonte: <https://www.eone-time.com/>, acesso em: 10 maio 2018.

Outro exemplo de TA são os recursos de acessibilidade existentes em


computadores, neste caso o software, que juntamente com teclados e
mouses modificados (hardware), proporcionando às pessoas com
dificuldades motoras e com privações sensoriais (auditivas e visuais) a sua
utilização (BERSCH,2013).
Outra questão da TA, são os sistemas de controle de ambiente, que
vão desde o acionamento e ajuste de aparelhos eletrônicos como TV, ar-
condicionado, ventilador, aparelho de som, abrir e fechar janelas e portas,
166

recebimento de chamadas telefônicas, acionamento de sistemas de


segurança, localizados nos ambientes internos de uma residência, como
quarto, sala de estar, jantar, escritório, ou nos arredores. O sistema de
acionamento pode ser executado através do controle remoto, de forma
direta ou indireta e neste caso, uma varredura é feita para selecionar o
aparelho e determina que ele seja ativado (BERSCH, 2013). Esta ativação
ocorre através de acionadores que podem ser de tração, pressão, piscar dos
olhos, sopro ou por comando de voz, entre outros. Eles podem estar
localizados em qualquer parte do corpo da pessoa com deficiência ou no
idoso.
Todos esses mecanismos proporcionam facilidade às pessoas com
algum tipo de deficiência e definem-se como “casas inteligentes” que é
capaz de se ajustar automaticamente às informações do local como hora,
dia, presença ou ausência de objetos e temperatura dos ambientes,
conforme Bersch (2013). Com a informação dos ambientes pode-se acionar
uma programação de funções como apagar e/ou acender luzes, fogo, abrir
e/ou fechar uma torneira, trancar e/ou abrir portas.
Tudo isso só é possível por causa da automação residencial que visa a
proporcionar maior independência e proteção das pessoas com deficiência e
idosos, contribuindo de maneira direta para TA.
Mais um ponto que contribui para TA são os projetos de urbanismo e
de edificações, que de acordo com Bersch (2013), passam por adaptações
para melhorar a mobilidade e a usabilidade dos ambientes, pois reduzem as
barreiras físicas e contribuem para utilização das pessoas com deficiência e
idosos.
A TA também se encontra presente junto às adaptações de veículos,
que proporcionam às pessoas com deficiência física dirigir ou acessarem
taxis adaptados e ônibus de transporte coletivo, através de plataformas
elevatórias. Outro ponto que contribuirá para as pessoas com deficiência
são os veículos autônomos, que permitirão o deslocamento de maneira
segura, proporcionando a mobilidade.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 167

2.2 TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TIC)

A Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) é empregada


através da integração dos recursos tecnológicos (Figura 3) com um objetivo
em comum. A TIC é utilizada de diversas maneiras, como em indústrias
através de processos de automação, no Ensino a Distância (EAD), no
comércio com gerenciamento de publicidades e em setores de investimento
com a comunicação rápida e simultânea de acordo com Pacievitch (s.d.).

Figura 3 – Integração dos recursos tecnológicos em TIC

Fonte: https://www.vitorianews.com.br/geral/noticia/2016/06/inscricoes-abertas-para-a-rii-
semana-estadual-de-tecnologia-da-informacao-e-comunicacaor-94439.html, acesso em: 23
maio 2018.

Neste capítulo é abordada a relação da TIC com as pessoas com


deficiências e idosos, e que ainda se mostra insuficiente na integração do
trabalho, independente da sociedade ser desenvolvida ou não de acordo
com Medeiros et al. (2006). Apesar do avanço tecnológico, as pessoas com
deficiência não recebem atenção social satisfatória como no caso dos
telefones, internet, computadores, software e dispositivos tecnológicos que
estão integrados as telecomunicações, conforme Medeiros et al. (2006), o
que causa impacto direto na vida social das pessoas com deficiência junto à
educação, trabalho e saúde.
A TIC é importante para a integração e inclusão social das pessoas
com deficiência em suas atividades diárias e deve ser utilizada de maneira
168

semelhante à das pessoas sem deficiências, tornando-se acessível sem


privilegiar algum sentido ou alguma habilidade específica. Caso a TIC for
desenvolvida desde o princípio levando em consideração questões de
acessibilidade, a probabilidade é que ela seja utilizada por todos no futuro,
de acordo com Medeiros et al. (2006). Outro fator a ser levado em
consideração é que a TIC deve ser flexível e sempre utilizada por diversos
equipamentos de TA. Tudo isto deve ajudar as pessoas com deficiência, com
a utilização de sintetizadores de voz, amplificadores de potência, software,
teclados adaptados, entre outros.
Segundo Jaeger (2006), mais de 400 mil pessoas utilizam a TA através
dos leitores de telas nos Estados Unidos. Outro ponto que não se pode
deixar de lado, é que para a utilização desses leitores os sites devem ser
compatíveis com esses recursos, caso o contrário não é possível acessar o
conteúdo. É importante considerar que a omissão no desenvolvimento da
TIC para pessoa com deficiência leva à sua exclusão do uso da tecnologia,
criando barreiras tecnológicas até que seja desenvolvida, de acordo com
Medeiros et al. (2006).
As instituições norte-americanas que regulamentam as atividades
industriais levam em consideração a acessibilidade integrada à TIC,
considerando as margens de lucro, custo e o desenvolvimento das empresas
para suprir esta necessidade de parte da população excluída. Mas a
conclusão é que os interesses das pessoas com deficiência ficam em
segundo plano por causa do lucro empresarial, em que as margens são mais
importantes que o ganho social, conforme Jaeger (2006), pois essa
preocupação torna os produtos caros e menos atrativos no mercado por
causa de seu preço final. Apesar disto, ocorre um crescente barateamento
dos equipamentos de alta tecnologia à medida que esta é empregada,
motivado pela amortização das pesquisas e ampliação da escala de
produção. Portanto, as TIC devem se tornar ferramentas que permitirão a
crescente inclusão social de deficientes físicos e idosos.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 169

2.3 TECNOLOGIA ASSISTIVA VERSUS TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E


COMUNICAÇÃO (TA X TIC)

Atualmente, os avanços das TICs podem ser notados em diversas


práticas sociais e em espaços variados. A internet, junto com os dispositivos
digitais, abriu novas possibilidades comunicativas, culturais, sociais e
cognitivas, de acordo com Rodrigues e Alves (2013). Portanto, é necessário
que exista relação direta entre a TIC e a TA para que tenha a equiparação de
oportunidades tanto para idosos como para pessoas com algum tipo de
deficiência.
Segundo Rodrigues e Alves (2013), algumas TICs podem ser utilizadas
como TA como no caso dos computadores, que são usados como uma
espécie de caderno eletrônico para as pessoas que não conseguem escrever
com caneta ou lápis em folhas ou cadernos, ou daqueles que utilizam o
bate-papo com vídeos para comunicação entre pessoas com deficiência
auditiva através da Língua Brasileira de Sinais (Libras), ou através do uso de
telas sensíveis ao toque, que permitem à acessibilidade de pessoas com
alguns tipos de deficiência física. Essas tecnologias proporcionam, segundo
Rodrigues e Alves (2013), “significativas melhorias no funcionamento motor,
sensorial e/ou de comunicação dos indivíduos, sendo que em muitos casos,
tornam-se a única maneira de execução dessas funções”.
Para que as pessoas com deficiência ou idosos possam utilizar as TICs
são necessários alguns recursos como teclados adaptados, acionadores e
software (TA).
Na relação entre TA e TIC, de acordo com Rodrigues e Alves (2013),
devem-se considerar algumas reflexões sobre a concepção que existe sobre
tecnologia. Para elas, a TA existe desde os primórdios da humanidade e que
“se constitui em uma das dimensões da transformação do mundo humano
por ele mesmo”.
Dessa forma, compreender que os dispositivos tecnológicos é algo
além de sua base material, significa reconhecê-lo como parte da condição
humana, mas como elemento criado por ela. Nesse processo também
produz pessoas excluídas, pois a apropriação não é igualitária na população.
A participação de idosos e de pessoas com deficiência é necessária
junto aos processos tecnológicos, pois a evolução da tecnologia caminha
170

rumo a facilitar a vida, apropriando os recursos para se tornarem mais


autônomos e promoverem a inclusão social.
O que é comum e deve ser superado é que as pessoas com
deficiência e idosos têm que se ajustar à falta de acessibilidade,
comprometendo assim a sua participação na sociedade. Vale salientar que a
elaboração de projeto para pessoas com deficiência física, auditiva, visual
entre outras, não é suficiente para atender às demandas que estão em
constante transformação, sendo necessárias que todas as propostas de TICs
sejam concebidas e voltadas para a acessibilidade. Dessa maneira, se
estabelece um novo paradigma que supera o anterior voltado ao
atendimento do Desenho Universal ou até mesmo superando os seus sete
princípios. Com isso, TA e TIC são conceitos ligados e necessários para a
inclusão social e a participação das pessoas com deficiência, pois determina
os diferentes graus de necessidades, ajudando na elaboração e concepção
de novos produtos e projetos.
Outro ponto a ser observado é que as TA e TIC, por si só, não são
facilitadoras da inclusão social. Deve-se levar em consideração os aspectos
particulares de cada pessoa, com deficiência em grau variável, a fim de
ajudá-los em pontos específicos de suas vidas e que o acesso ou não a eles
pode trazer benefícios ou dificultar.

2.4 INTERNET DAS COISAS (IoT)

Com o início da popularização dos computadores nas décadas de


1980 e 1990, considerava-se que eles deveriam desaparecer e se diluir na
vida cotidiana, de acordo Weiser (1991).
Com passar dos anos, os novos materiais, a diminuição do porte dos
processadores e o uso das fontes alternativas de energia, diversos objetos
passaram a se comunicar, controlados a distância. Eles passaram a emitir e
produzir informações como Internet das Coisas ou IoT (Internet of Things).
Desta forma, criam-se ambientes conectados, máquina para máquina, web
das coisas, internet do futuro e computação ubíqua que são utilizados como
sinônimos de IoT.
A IoT tornou-se relevante na segunda parte da década de 2000, de
acordo com Singer (2013), e foi relacionado às casas e cidades inteligentes,
Cidade sustentável: um conceito em construção - 171

carros, etiquetas de radiofrequência, geolocalização e problemas com a


privacidade.
A Internet das Coisas é:

Uma rede dinâmica e global, autoconfigurável, na qual as coisas


físicas e virtuais têm identidades, usam interfaces inteligentes e se
tornam participantes ativas em processos informacionais e sociais
por sua capacidade de reagir a eventos e desencadeiam ações com
ou sem intervenção humana direta. (CERP IoT, 2009).

A crescente utilização de objetos conectados intensificou o debate


sobre aceitação dessas tecnologias, como ocorrido na União Europeia. O
Open IoT Assembly de 2012, através de uma consulta pública para
determinar as diretrizes sobre a IoT, publicou uma carta com princípios para
a utilização das “tecnologias abertas e transparência no manejo dos dados”.
No Brasil, ocorreu evento similar através do Fórum Brasileiro de
Competitividade IoT, também em 2012, que reuniu pesquisadores e
empresas para definir o padrão nacional, conforme Singer (2013). Nesse
período é possível perceber que a tecnologia é apresentada e debatida para
que amplie a pesquisa e legitime a IoT.
Para Singer (2013), a Internet das Coisas é o resultado de pesquisas e
investimentos das instituições que enxergaram novas possibilidades de
mercado através das tecnologias ubíquas, ou seja, presente em todos os
lugares, dos desenvolvedores, designers e artistas que se desafiaram a criar
objetos do cotidiano que processem a informação, a digitalização das
ferramentas, produtos e mercados. Sendo assim, ao falar da IoT não se pode
deixar de considerar que seus custos e benefícios são condicionados e
condicionantes nos contextos em que se encontram. Assim, ela por si só não
se altera, mas também sofre alteração pelo uso e do discurso que provoca.

2.5 WEB DAS COISAS (WoT)

Segundo Sieves et al. (2011), atualmente é possível conectar e


integrar uma série de dispositivos, desde máquinas industriais, geladeiras,
micro-ondas, ar-condicionado, lâmpadas e sensores entre outros
equipamentos. Isso é possível porque os objetos são conectados na internet,
172

onde surgiu o termo Internet das Coisas e mais recente a Web das Coisas,
que consiste em usos de protocolos e padrões amplamente aceitos e de uso
tradicional na web para conexão de objetos de variados tipos à internet. O
objetivo é integrar objetos físicos ao mundo digital, de forma que ambos
sejam tratados com recursos web.
Um exemplo de utilização da Internet e Web das Coisas foi proposta
por Vieira e Carvalho (2015). É o monitoramento remoto de pacientes, como
idosos ou pessoas com deficiência, denominado de Assistência Domiciliar
(AD), com a proposta de redução de custos e abordagem menos intrusiva e
com possibilidade de maior adesão por parte dos usuários. Desta forma, o
tratamento será feito em sua própria residência onde uma das maiores
vantagens é a não alteração da rotina e o baixo custo. Essa tecnologia de AD
possibilita o acompanhamento remoto dos idosos ou pessoas com
deficiência por causa da miniaturização de equipamentos de
monitoramento dos sinais vitais e pelo desenvolvimento da tecnologia
ubíqua que possibilita a integração dos dispositivos através de sistemas
computacionais e na Web das Coisas.
Para que isso seja possível, Vieira e Carvalho (2015) relatam que os
dispositivos inteligentes podem ser móveis ou fixos, se comunicam e
coordenam para que os usuários possuam acesso universal e imediato
visando ao aumento da capacidade humana. Tudo isso graças à tecnologia
ubíqua que permite incorporar de maneira transparente ambientes físicos, e
possibilita às pessoas realizarem suas tarefas diárias de forma contínua e
onipresente de maneira que os ambientes sejam conectados aos
dispositivos, transformando os locais em espaços inteligentes. Os espaços
inteligentes apresentam complexidade, na hora de modelar e manter,
conforme Vieira e Carvalho (2015), pois precisam lidar com diferentes tipos
de objetos inteligentes e ao mesmo tempo proporcionar a mobilidade dos
usuários nos ambientes e a integração entre eles.
A tecnologia móvel e a internet popularizada através de dispositivos
móveis, como smartphones e com as redes 3G e 4G, está promovendo um
mundo cada vez mais conectado e com isso é possível integrar e monitorar
através da IoT e WoT, e até mesmo controlar remotamente diversos
dispositivos do cotidiano como: iluminação, televisores, alarmes de
residências, fortalecendo o conceito de tecnologia ubíqua.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 173

Neste caso apresentado para AD, o espaço inteligente é uma área


delimitada dentro de uma edificação, podendo ser a residência ou sala com
diversos sensores que compõem os espaços inteligentes tradicionais, aliados
a uma rede corporal capaz de monitorar e acompanhar o usuário. Uma
questão apresentada por Vieira e Carvalho (2015) são os problemas que
decorrem da falta de interligação de diversos ambientes de uma casa,
podendo gerar ilhas ubíquas, e assim prejudicando o monitoramento
remoto.
A redução de custo dos dispositivos de automação comunicados à
internet e como consequência o aumento da implantação de infraestrutura
faz com que as residências e empresas estejam conectadas na web e isto
impacta diretamente na vida dos usuários. Entretanto, ainda apresentam
grandes desafios quanto à questão de disponibilizar ou não os dispositivos
na web. Uma das questões levantadas envolve a segurança e privacidade de
seus usuários, necessitando de medidas para que não gerem problemas.
Tanto a IoT como a WoT podem contribuir de maneira significativa na
melhoria da qualidade de vida das pessoas com deficiência e idosos, pois
juntamente com suas peculiaridades e Tecnologia Assistiva, podem
promover a inclusão social e interação no meio em que vivem. Vale salientar
que a decisão de usar desses recursos cabe ao usuário, considerando que
sua utilização o ajudará viver nos espaços.

2.6 CIDADES INTELIGENTES

O conceito de “cidades inteligentes” ou “smart cities” surgiu por


causa da aplicação de novas tecnologias, para melhorar os serviços públicos
e a maneira de governar das cidades. A aplicação da tecnologia e
digitalização podem tornar as cidades mais eficientes e inteligentes,
proporcionando ao cidadão mais qualidade de vida. As cidades inteligentes
são um fenômeno recente e iniciou-se em Cingapura, de acordo com Abdala
et al. (2014). Segundo Gama et al. (2012), a definição para “cidades
inteligentes” é descrita como: “[...] um dispositivo estratégico para o
planejamento e gestão inteligente de cidades” e cada vez mais possui
relação com a aplicação da Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs)
de maneira eficaz, torna-se uma ferramenta para o desenvolvimento dos
174

serviços e infraestrutura das cidades e como consequência melhora a


qualidade de vida da população. As TICs nas cidades inteligentes, ainda de
acordo com Gama et al. (2012), são utilizadas de maneiras diversas como:

[...] Internet das Coisas; sensores diversos; sistemas de informação;


computação em nuvem para armazenar e aumentar a eficiência de
aplicações; mobilidade com aplicações para smartphones e tablets;
business intelligence como forma de minerar dados para apoio à
decisão, dentre outros, tornando possível a coleta, processamento,
distribuição e análise que facilitem a tomada de decisão estratégica
governamental ou da população. (GAMA et al., 2012).

Uma questão sobre o assunto é como serão trabalhadas todas essas


informações, e a maneira abordada por Gama et al. (2012) é sobre a criação
de sistemas complexos capazes de suportar esses dados e analisá-los por
meio de infraestrutura conectada. Tudo isto proporciona equilíbrio
tecnológico como caminho gradativo para a construção de uma cidade
inteligente e auxiliando nas decisões estratégicas de planejamento.
Os conceitos empregados nas cidades inteligentes são diversos, como
mostra a Figura 4.

Figura 4 – Conceitos para cidades inteligentes

Fonte: http://www.vivaavelhice.com.br/2017/04/las-metropolis-y-las-personas-mayores.html,
acesso em: 23 maio 2018.

O modelo europeu determina seis domínios de acordo com Gama et


al. (2012), sendo eles: mobilidade, governança, meio ambiente, qualidade
de vida, capital humano e economia.
Para a IBM, os domínios para os cidadãos são: os serviços da cidade,
transporte, água, energia, economia e comunicação.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 175

No Brasil, o Simpósio Brasileiro de Sistema de Informação (SBSI) de


2012, lista os domínios conforme o interesse, sendo eles: transporte,
educação, saúde, comunicação, segurança e água.
Portanto, são diversos os parâmetros ou domínios determinados
para uma cidade inteligente, os quais se estabelecem de acordo com os
interesses de seus gestores e suas prioridades. Um dos exemplos é que pode
ser aplicado para resolver diversos problemas como trânsito caótico nas
cidades, conforme Gama et al. (2012).

2.7 TIC NAS CIDADES INTELIGENTES

A TIC é utilizada na cidade inteligente através de computação em


nuvem, rede de sensores sem fio, sistemas de informação geográfica, redes
elétricas e dispositivos móveis segundo Gama et al. (2012), e podem ser
intensificados na elaboração de soluções conjuntas. A tecnologia neste caso
pode servir desde a coleta de informações nas ruas, fornecendo dados para
monitoramento ou até mesmo na tomada de decisões.
Conforme Merege (2017), algumas cidades como Santander, na
Espanha, usam sensores em suas lixeiras urbanas, para determinar quando
o coletor deve esvaziar o lixo, proporcionando assim uma logística de coleta
mais eficiente. Ainda em Santander, a utilização de outro sensor que detecta
o som de sirene de ambulância e reprograma os semáforos para que fiquem
verdes, com a finalidade de tornar o caminho mais rápido para os hospitais.
Este tipo de serviço ainda é programável, mas chegará um momento em que
a inteligência artificial processará essas informações e tomará sozinha a
decisão e isso levando em consideração soluções passadas. Atualmente, é
complexa a maneira como se extrai e entende as informações das cidades e
depende de pessoas para processá-las. A inteligência artificial pode ser uma
solução para se tomar decisões mais rápidas. A inteligência artificial está se
tornando mais acessível para empresas e empreendedores, de acordo com
Merege (2017), e quanto mais presente nas cidades mais precisos os
modelos se tornarão, mais cognitiva e inteligente, tudo isso só é possível de
se alcançar através da combinação da TIC e inteligência artificial, tornando
as cidades mais inteligentes.
176

Uma maneira encontrada para que todas essas informações sejam


coletadas e disponibilizadas pode ser através da computação em nuvens,
como antes abordada, pois é fácil para integrar todos os dados coletados
para posterior análise e tem a facilidade de acesso de qualquer local.

2.8 CIDADES INTELIGENTES ASSISTIVAS: UM MODELO COMPUTACIONAL

Segundo Telles et al. (2017), com toda infraestrutura disponibilizada


pelas cidades inteligentes, tais como: conectividade, sensores, computação
em nuvem e Big Data em conjunto com os recursos colaborativos, que são
as informações passadas pelos indivíduos, podem disponibilizar
contribuições para implantação de infraestrutura de acessibilidade. Para que
isso ocorra é necessária a coleta de informações específicas para
acessibilidade como: a largura de calçadas, posicionamento de escadas e
rampas, piso tátil de alerta e direcional, locais que possuam rebaixamento
de guia, podendo ser feita a coleta por sensores (escaneamento 3D) ou
alimentadas por pessoas com deficiência, conforme a utilização dos
espaços.
Telles et al. (2017) propõem um modelo computacional chamado
“Model for Acessibility in Smart Cities (MASC)”, o qual apresenta uma
comparação com diversos modelos existentes que propõe um sistema que
atende o que os outros não conseguem. Ele consiste na oferta de trilhas
para acessibilidade ao longo da cidade de São Leopoldo-RS.

2.9 FISIOLOGIA E EVOLUÇÃO HUMANA

As duas primeiras décadas de vida das pessoas consistem em crescer


e desenvolver simultaneamente e a velocidade como isso ocorre depende
da maturidade, juntamente com a vivência enquanto crianças e
adolescentes de acordo com Karlberg, Taranger apud Guedes et. al (1997).
Para Guedes et. al (1997), os processos de crescimento e
desenvolvimento são diferentes, mas inseparáveis, não apresentam muitas
vezes ligação direta. Ainda de acordo com Guedes et. al (1997), o
Cidade sustentável: um conceito em construção - 177

crescimento é o “aumento no tamanho do corpo causado pela multiplicação


ou pelo aumento do número de células”. Para Malina e Bouchard (2002), o
crescimento é composto por três fases diferentes. A primeira fase é a
hiperplasia, que constitui no aumento no número de células através da
divisão celular, o segundo é a hipertrofia que é o aumento do tamanho das
células por causa das elevações funcionais, possuindo relação direta com as
proteínas e por último é a agregação, sendo a capacidade de agrupamento
das células através das substâncias intercelulares.
O crescimento acelerado pode ser chamado de “saltos de
crescimento” segundo a Unesco (2013), e um dos mais importantes saltos
ocorre na puberdade, entre os 12 anos nas meninas e aos 14 anos nos
meninos.
A questão do desenvolvimento é composta pelo processo de
crescimento, mudanças físicas, comportamentos, cognição e nas emoções, e
pode ser conceituado da seguinte maneira conforme Unesco (2013):

a) alteração adaptativa em direção a uma determinada habilidade;


b) diferenciação e especialização celular, orgânica e sistêmica
(MALINA; BOUCHARD; BAR-OR, 2004);
c) alterações no nível de funcionamento de um indivíduo ao longo do
tempo;
d) produto da maturação e das experiências oferecidas ao indivíduo
(ESPENSCHADE; ECKERT apud GUEDES; GUEDES, 1997, p. 13);
e) aquisição de competências motoras (BAXTER-JONES et al., 2002);
f) depende do (apoia-se no) comportamento perceptivo-motor, o
qual exige como condição variadas oportunidades de aplicação: a
exploração lúdica, o controle motor, a percepção figura-fundo, a
integração intersensorial (sentidos), a noção de corpo, espaço e
tempo etc. (PALAFOX, 2009);
g) conjunto de fenômenos que, de forma inter-relacionada, permite
ao indivíduo uma sequência de modificações evolutivas que vão
desde a concepção, passando pela maturidade, até a morte (GUEDES;
GUEDES, 1997).

Vale ressaltar que para o desenvolvimento devem-se levar em conta


os aspectos biológicos e psicológicos, englobando aspectos quantitativos e
qualitativos, mas o crescimento em sua essência trata apenas das
transformações quantitativas. De maneira simplificada, para Guedes et. al
(1997), o desenvolvimento trata das transformações evolutivas das pessoas,
desde a concepção, maturidade até a morte.
178

Depois da contextualização sobre o crescimento e desenvolvimento


humano, surge a seguinte indagação: “Qual a melhor idade para se ter?”
(ROBSON, 2015).
Se você pratica exercícios físicos que exige explosão, entrega rápida e
repentina, como correr ou arremessar peso, de acordo com Robson (2015),
a melhor idade está na casa dos 20 anos e se tratando de outras
modalidades de atletismo como maratonas, que exigem muita resistência
física, a faixa etária fica na casa dos 30 a 40 anos de idade, pois apresentam
melhor desempenho.
Ainda conforme Robson (2015), outro ponto observado é que a
capacidade de incluir novas informações começa a cair em decadência já aos
20 anos. Para pesquisadores norte-americanos, segundo Manuel (2016), o
auge do cérebro em absorver novas informações ocorre aos 22 anos,
estabiliza até os 27 anos e após essa idade começa a morte neurológica.
Outras habilidades continuam se desenvolvendo, como o caso da linguagem
verbal, que evolui até os 60 anos.
Segundo Manuel (2016), a “ladeira abaixo” apresenta uma sensível
queda de desempenho a partir dos 30 anos, apresentando 17% menos
capacidade de memória; 27,3% menos velocidade mental; 37,5% menos
raciocínio lógico e 50% menos inteligência espacial.
Outro ponto observado é que a memória de curto prazo se mantém
até os 40 anos, um exemplo dela é a que faz as pessoas se lembrarem de
como chegar a certo local, e na mesma idade em que o auge da criatividade
cai e o cérebro pode funcionar mais lentamente por causa da substância
branca que é responsável pelas conexões de longa distância e formam as
“supervias expressas”, conforme Robson (2015).
Na meia-idade, conforme Robson (2015), a escrita e a aritmética
melhoram e o raciocínio social, que é “a capacidade de navegarmos através
das complexidades de nossas amizades”, atinge mais tarde seu auge. Desta
forma mostra que não existe nenhuma idade em que todos os pontos se
encontram no ápice.
De acordo com Robson (2015), o ápice sexual ocorre aos 20 anos, o
da forma física aos 30 anos, da mente dos 40 aos 50 anos e a felicidade aos
60 anos, isso apontando de maneira geral, sem levar em consideração a
individualidade das pessoas.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 179

Outro ponto a se levar em consideração é que para pessoas sem


deficiência existe uma evolução constante física e mental, desde seu
nascimento até sua morte, e como observar essas mesmas relações em
pessoas que nasceram com algum tipo de deficiência e como a reabilitação
ou novas tecnologias podem contribuir para o auge da vida de qualquer
pessoa.

2.9.1 Evolução tecnológica e medicinal

O primeiro ciborgue oficial do planeta, de acordo com Max (2017), é


Neal Harbisson, da Irlanda do Norte, natural de Belfast. Ele possui formação
em música e uma condição rara de acromatpsia, uma espécie de
“daltonismo” ou síndrome clínica que faz com que ele não enxergue as
cores.
Em determinado momento de sua vida, Harbisson tentou descobrir
as cores através dos sons, mas depois de alguns fracassos conheceu um
cirurgião que implantou um dispositivo eletrônico em seu corpo. Este
dispositivo é um suplemento cibernético, cuja finalidade capta as cores
através das fibras óticas e é convertida através de um microprocessador
vibratório em seu crânio que converte a frequência de ondas das cores em
vibrações, permitindo assim identificar corretamente as cores. O implante
possui uma antena e funciona como um módulo bluetooth que possibilita
receber dos amigos diversas cores através de smartphones.
Com o passar do tempo para Harbisson, este dispositivo é
considerado como um sexto sentido e dá outras capacidades como verificar
se os sensores infravermelhos estão ligados ou se consegue encontrar o
néctar das flores por causa das marcações ultravioletas. Segundo Max
(2017), Harbisson não só superou suas dificuldades como também
ultrapassou a capacidade humana.
Outro exemplo abordado por Max (2017) é da Moon Ribas, que
possui um imã vibratório implantado na parte superior do braço e que está
conectado a um aplicativo de celular que monitora abalos sísmicos em
tempo real e que a faz sentir-se conectada com a Terra. Esse tipo de
utilização é chamado de trans-humanismo e que tem por definição,
melhorar a condição humana a partir do uso de tecnologia e da ciência para
180

aumentar a capacidade cognitiva, superar as limitações físicas e psicológicas


a fim de possibilitar a escolha de recursos pós-humanos, enfatizando assim a
biotecnologia na sociedade. Com esses exemplos, estabelece-se um
questionamento se a evolução humana está sendo redefinida.
Um ponto a ser observado é a evolução tradicional, como no caso
dos aborígenes australianos que vivem no deserto e apresentam uma
variação genética desenvolvida nos últimos 10 mil anos, permitindo se
adequar a locais quentes, mostrando que a evolução é contínua e sempre
encontra uma maneira de aumentar a sobrevivência (MAX, 2017).
Ainda de acordo com Max (2017), a evolução tecnológica superou a
evolução genética, pois consegue desenvolver trabalhos com rapidez e
assim reforça as habilidades físicas e aumenta a capacidade intelectual das
pessoas, permitindo explorar e conhecer novos ambientes desafiadores.
A manipulação do genoma humano através do CRISPR, que é uma
alternativa barata em relação aos sistemas de edição genética, tem maior
precisão, possibilitando a cura genética de certas doenças que só possuem
tratamento. Os pesquisadores utilizam alguns organismos para estudo,
como camundongos e peixes, pois permitem a manipulação eficiente da
genética. O CRISPR faz parte de uma moratória internacional que estuda as
mudanças no genoma até que sejam seguras e eficazes.
Para Max (2017), a evolução pode ocorrer de diversas maneiras,
desde implantes tecnológicos “assistivos”, trans-humanismo, evolução com
o passar dos anos ou através de reengenharia genética, sempre buscando a
evolução.
As pessoas que perderam o movimento das pernas, segundo Voltolini
(2016) podem ter uma segunda chance através da parceria estabelecida
entre a Intel e a empresa de robótica Cyberdyne. Desta parceria surgiu o
exoesqueleto HAL, chamado de “Assistente de Vida Híbrido”, que é
encaixado no quadril e proporciona auxílio no caminhar das pessoas com
deficiência ou na fisioterapia do paciente. O protótipo mais recente baseia-
se em sinais bioelétricos que são detectados na pele. O HAL possui sensores
que são capazes de interpretar os impulsos em tempo real que permitem
prever os movimentos desejados de maneira inteligente.
Os exoesqueletos existem há mais de uma década de acordo com
Voltolini (2016), mas ainda não possuem uma data exata para disponibilizá-
Cidade sustentável: um conceito em construção - 181

lo ao público, estima-se sua aplicação para os próximos anos. A Cyberdyne


também está desenvolvendo um exoesqueleto para restauro de todos os
movimentos do corpo e assim contribuindo a todas as pessoas com ou sem
deficiência.
Outro avanço tecnológico é o braço biônico da empresa Open
Bionics, desenvolvido pela escultora de próteses Sophie de Oliveira Barata
com uma equipe de 10 especialistas, sendo composto de fibra de carbono,
que é capaz de se mover através da detecção de alterações musculares das
costas da pessoa que o utiliza, através de sensores supersensíveis,
possibilitando pegar objetos ou apertar a mão de outra pessoa.
Ao ver todas essas evoluções, naturais ou através de implantes
tecnológicos, as quais contribuem e possibilitam as pessoas com ou sem
deficiência e idosos, a verem ou sentirem sensações que melhoram suas
limitações físicas, faz com que a inclusão entre em um novo estágio através
da tecnologia e evolução humana.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando que parte significativa da população mundial tem


algum tipo de deficiência e estão pouco incluídos socialmente, a tecnologia
e evolução humana busca preencher a falta de acessibilidade urbana e nos
edifícios e podem ser mais eficientes que legislações e normas existentes.
A tecnologia torna-se cada vez mais confiável, eficiente, evoluída,
promovendo autonomia das pessoas com deficiência e idosos. Algumas
delas como: Tecnologia Assistiva (TA), Tecnologia da Informação e
Comunicação (TIC), Internet das Coisas (IoT), Web das Coisas (WoT), e as
Cidades Inteligentes são a solução mais eficiente de adequação dos edifícios
e cidades.
A TA contribuiu nos projetos arquitetônicos e urbanos que sofreram
adequações para melhorar a utilização dos ambientes com a eliminação das
barreiras físicas. Vale salientar que a TA é utilizada para o desenvolvimento
de atividades diárias e cotidianas através da redução da incapacidade por
parte da pessoa com deficiência.
No caso da TIC, o objetivo é a integração dos recursos tecnológicos
com mesma finalidade, como no caso da internet, que pode incluir as
182

pessoas com deficiência, desde que os sites sejam desenvolvidos prevendo


acessibilidade, favorecendo a inclusão dessa parcela da população.
As TA e TIC sozinhas não são um facilitador para a inclusão social de
pessoas com deficiência, para serem mais eficientes devem levar em
consideração as particularidades e necessidades de cada indivíduo e ajudar
em pontos específicos em suas vidas.
As cidades inteligentes utilizam-se de toda a conectividade,
processamento de dados através de Big Date ou em nuvem, juntamente
com recursos colaborativos (informações dos usuários) que contribuem para
a acessibilidade e, consequentemente, para cidade e edificações inclusivas.
Isso ocorre desde que sejam prioridades e haja interesse dos gestores, pois
as normas e legislações não se mostraram suficientes para adequação plena.
E por último, é necessário avaliar como a evolução humana pode
contribuir de maneira precisa com os implantes assistivos ou manipulação
genética através do CRISPR e células tronco, sendo eficientes na reabilitação
de pessoas com deficiência e elevando o grau de avanço para o pós-
humanismo.
Portanto, ao analisar toda a tecnologia e evolução humana deste
capítulo e o modo como isso pode contribuir para as pessoas com
deficiência e idosos, faz com que a inclusão social avance e entre em um
novo estágio proporcionado por elas.

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Cidade sustentável: um conceito em construção - 185

Capítulo 10

ETIQUETAGEM DE EDIFÍCIOS NAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O


FUTURO DAS CIDADES
47
Clara Ovídio de Medeiros Rodrigues
48
Alice Ruck Drummond Dias
49
Marcela de Melo Germano da Silva Jankovic
50
Flávia Laranjeira Costa de Assis
51
Aldomar Pedrini

1 INTRODUÇÃO

O intenso processo de urbanização do século XX ocorreu sem a


devida atenção ao impacto ambiental, tendo por base um modelo de
desenvolvimento fundamentado no crescimento econômico. A intensa
degradação ambiental e a progressiva escassez de recursos causadas por
este modelo são flagrantes, levantando questionamentos sobre a
incorporação da questão ambiental às estratégias e processos do
desenvolvimento econômico e urbano. Torna-se, então, imperativo trazer à
tona mecanismos que possam minimizar esses impactos degradantes à
qualidade ambiental das cidades. Nesse sentido, ações de eficiência
energética têm se destacado nas políticas públicas em nível internacional, a
exemplo das etiquetas para edifícios, que qualificam energeticamente as
edificações trazendo melhorias e informações sobre seu consumo. Esta é

47
Arquiteta Urbanista, Mestra, Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo PPGAU-UFRN /
Professora do Departamento de Ciência Sociais e Humanas Aplicadas UFERSA. E-mail:
claraovidio@gmail.com
48
Arquiteta Urbanista, Mestra em Arquitetura e Urbanismo e Doutoranda do PPGAU-UFRN. E-
mail: alicerdrummond@gmail.com
49
Arquiteta Urbanista, Mestra em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU-UFRN) / Professora do
Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Facex. E-mail:
marcelagermano@unifacex.edu.br
50
Arquiteta Urbanista, Especialista em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR-UFRN), Mestra em
Arquitetura e Urbanismo (PPGAU-UFRN). Professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo do
Centro Universitário Facex. E-mail: flavialaranjeira@gmail.com
51
Engenheiro Mecânico, Ph.D., Professor Departamento de Arquitetura UFRN. E-mail:
aldomarpedrini@gmail.com
186

uma estratégia promissora para a melhoria das cidades e edifícios e é,


portanto, necessário discutir como tais ações estão sendo inseridas no
contexto brasileiro, e como podem ser mais bem desenvolvidas em busca da
qualidade que se espera do futuro das cidades.
No Brasil, as iniciativas para implementação e obrigatoriedade da
etiqueta de eficiência energética têm se desenvolvido de maneira pontual
nas últimas décadas, e cada vez se faz mais urgente o desenvolvimento de
ações e políticas públicas que articulem a qualidade ambiental e a economia
de recursos no processo de construção das cidades. As iniciativas existem, a
exemplo da PBE-Edifica (Programa Brasileiro de Etiquetagem de Edifícios)
que visa a orientar o consumo e produção de edificações de baixo impacto e
alta eficiência e está em vigor desde 2009, mas com abrangência mínima,
não sendo ainda possível verificar sua prática incorporada ao mercado da
construção civil. É necessário considerar a inclusão dos critérios de eficiência
energética nos edifícios de maneira integrada com o processo de projeto
arquitetônico, tanto em relação à formação dos profissionais envolvidos
(sobretudo o arquiteto urbanista) quanto na formulação de políticas
urbanas que considerem essas mesmas variáveis para qualidade urbana.
Tentativas de impulsionar a produção arquitetônica e intelectual
sobre o assunto foram intermediadas pelo financiamento de projetos de
pesquisa (capacitação de laboratórios, criação da Rede de Eficiência
Energética - R3E e Centro Brasileiro de Eficiência Energética de Edificações -
CB3e) e pela publicação da Instrução Normativa 02/2014 (BRASIL, 2014).
Mas elas ainda não são suficientes para a efetividade do programa de
etiquetagem.
Esperar que o mercado simplesmente agregue qualidade ambiental
aos edifícios e às cidades por iniciativa própria não é visto como um
caminho promissor, principalmente para realidade dos países em
desenvolvimento. O futuro das cidades, do ponto de vista da redução do
impacto ambiental na produção das nossas edificações, perpassa pelo
desenvolvimento de uma política urbana que articule e incentive as boas
práticas da construção. Diante dessa lacuna, o objetivo deste capítulo é
discutir o quadro atual da etiquetagem de edificações no Brasil e uma
possível integração do Plano Nacional de Eficiência Energética com os planos
diretores e códigos de obras municipais como forma de fomentar a
Cidade sustentável: um conceito em construção - 187

aplicação da etiquetagem em larga escala na construção dos edifícios e,


consequentemente, na construção da cidade.

2 A IMPORTÂNCIA DA EFICIÊNCIA ENERGÉTICA NO FUTURO DAS CIDADES

A eficiência energética na edificação através do emprego de soluções


construtivas e equipamentos que visam à restrição da dependência de
energia pode ser entendida como um atributo inerente à edificação,
representando seu potencial em proporcionar conforto térmico, visual e
acústico aos usuários. Portanto, um edifício é mais eficiente
energeticamente que outro quando proporciona as mesmas condições
ambientais com menor consumo de energia (LAMBERTS; DUTRA; PEREIRA,
2014).
As edificações são importantes elementos das políticas de
desenvolvimento sustentável, uma vez que o setor mundial da construção
civil é responsável por 30% do consumo final de energia e mais de 55% da
demanda global de eletricidade (IEA, 2013). Nesse contexto, a melhoria da
eficiência energética nos edifícios pode contribuir para a redução do uso de
energia e de emissão de gases. Nos países em desenvolvimento, os ganhos
de eficiência energética limitaram o aumento do uso de energia associado
ao rápido crescimento econômico (IEA, 2017).
A promoção de produtos energeticamente eficientes comprovados
pela etiquetagem, de caráter voluntário ou obrigatório, tem sido a política
mais conhecida e de mais longo prazo no setor da construção (IEA, 2017). Os
programas de etiquetagem são o principal mecanismo para educar o público
quando toma decisões de compra por meio de uma escala ou classificação
comparativa que mostra o desempenho do produto.
Assim, o investimento em políticas de conservação de energia é um
dos mecanismos mais eficazes para reduzir as emissões de carbono do setor
de construção a médio prazo (LUCON et al., 2014) e são promissores para
garantia da qualidade ambiental no futuro das cidades.
188

3 REGULAMENTOS ENERGÉTICOS NO EXTERIOR

A implantação e obrigatoriedade dos regulamentos energéticos


apresenta uma grande disparidade entre os países desenvolvidos e aqueles
em desenvolvimento (IWARO, 2010). Os requisitos obrigatórios de eficiência
energética foram introduzidos na Europa e América do Norte no final dos
anos 1970 e hoje muitos desses países apresentam certificações energéticas
maduras e integradas ao mercado da construção civil. Já se vê os critérios de
eficiência energética amplamente incorporados no processo de projeto do
edifício para aprovação nos órgãos de licenciamento e conhecidos pelos
usuários que compram ou alugam um imóvel. Por outro lado, a maioria dos
países em desenvolvimento aderiram a essas políticas na última década e
atualmente ainda estão em processo de implementação e amadurecimento
de seus regulamentos e códigos (CHANDEL et al., 2015; LOPES, 2016; LIU,
2010). Salienta-se que o processo nesses países não é amplamente
documentado, e a insuficiência de informações não permite caracterizar a
eficácia de suas ações (IWARO, 2010; SANTOS, 2012).
Quanto às políticas que incentivam a eficiência energética, existem
diferentes vertentes. Alguns países focam na melhoria das envoltórias das
edificações como Dinamarca e Alemanha, enquanto outros têm como
principal fator impulsionador a melhoria dos equipamentos utilizados no
aquecimento, ventilação e resfriamento, tais como ocorre no Japão e
Coreia. Uma combinação de políticas que visam à melhoria na envoltória e
nos equipamentos de condicionamento é fundamental para a transição
visando a edifícios sustentáveis. Envoltórias de alto desempenho energético
permitem o uso de equipamentos e fontes de energia com maior eficácia e
menor consumo de energia (IEA, 2017).

4 AÇÕES DE EFICIÊNCIA ENERGÉTICA DE EDIFÍCIOS NO BRASIL

No Brasil, a crise de abastecimento de energia na virada do milênio


levou à criação da Lei 10.295, em 17 de outubro de 2001, que “dispõe sobre
a Política Nacional de Conservação e Uso Racional de Energia e dá outras
providências” (BRASIL, 2001). Como desdobramento, iniciou-se o PBE-
Edifica (também conhecida como ENCE – Etiqueta Nacional de Conservação
Cidade sustentável: um conceito em construção - 189

de Energia), com a publicação do regulamento técnico para edifícios


comerciais, de serviços e públicos (BRASIL, 2010) e para edifícios residenciais
(BRASIL, 2012). A etiquetagem estabelece os critérios para alcançar níveis de
eficiência energética, classificando as edificações do nível “A” mais eficiente
ao nível “E” menos eficiente, assim como acontece com equipamentos,
lâmpadas e geladeiras dentro do Programa Brasileiro de Etiquetagem (PBE)
do Instituto Nacional de Metrologia (Inmetro).
A diferença entre a etiqueta PBE Edifica e as demais certificações
ambientais, popularmente conhecidas como selos verdes, é que a primeira é
uma iniciativa governamental, e as demais, a exemplo das mais difundidas
no Brasil: LEED, Aqua e Selo Azul da CAIXA, são iniciativas do mercado. Isso
significa que ao reconhecer o nível de eficiência energética dos edifícios, o
governo pode, em um primeiro momento, restringir a construção de
projetos ineficientes através de políticas públicas ao estabelecer níveis
mínimos para aprovação de projetos. E, posteriormente, caracterizar o
parque edilício, adotar as estratégias de eficientização adequadas e
aumentar gradativamente o nível de exigência de eficiência à medida que os
critérios sejam assimilados e incorporados nos edifícios.
A intenção do governo brasileiro é tornar a etiquetagem compulsória
em todas as edificações do país, de forma gradativa, a exemplo de outros
países (MELO et al., 2011). Atualmente é obrigatória para edificações
públicas federais (BRASIL, 2014) e voluntária para os demais tipos de
edificações. Desde a publicação do regulamento, projetos de pesquisa foram
financiados, visando a capacitar laboratórios e contribuir regionalmente
para a etiquetagem de edificações (PEDRINI, 2009); desenvolver ferramenta
para simulação do desempenho das edificações em ambiente web
(LAMBERTS, 2009); desenvolver uma rede de colaboração para aplicação e
melhoria do processo de etiquetagem, a Rede de Eficiência Energética em
Edificações (R3E), envolvendo 12 laboratórios de todo o país; implementar o
Centro Brasileiro de Eficiência Energética em Edificações CB3E (LAMBERTS,
2011); e atualizar e melhorar os regulamentos que regem a etiquetagem
(LAMBERTS, 2012).
Como consequência desses investimentos, diversas pesquisas
sugeriram melhorias: técnicas (MACIEL; CARLO, 2011; RODRIGUES; DIAS;
PEDRINI, 2011; PACHECO et al., 2012), procedimentais (RODRIGUES et al.,
190

2012) e para implementação de organismos responsáveis pela emissão das


etiquetas (PEDRINI et al., 2012; AMORIM et al., 2015). Fossati (2016) e Lopes
(2016) concluem que é necessário revisar o regulamento visando a obter
mais flexibilidade e processo economicamente viável para permitir que o
programa se estabeleça e seja compulsório.
Pesquisas vêm sendo desenvolvidas (MELO et al., 2014; FONSECA,
2015; SORGATO, 2015; VERSAGE, 2015) para o lançamento de uma nova
proposta do regulamento. Em decorrência, uma proposta estará em
consulta pública até outubro de 2018 e espera-se que vigore em 2019.
Além do investimento em pesquisa, as tentativas de impulsionar a
solicitação da Etiqueta PBE-Edifica se deram no âmbito da formação de
Organismos de Inspeção Acreditados (OIAs), pela publicação da Instrução
Normativa 02/2014, a qual obriga edificações públicas financiadas com
verbas federais com mais de 500 m² a obterem etiqueta nível “A” (BRASIL,
2014) e por meio da publicação de Edital para que construtoras
implementem a etiquetagem em suas construções (ELETROBRAS, 2018).
A criação de OIAs vinculados ao Inmetro foi estimulada por meio do
projeto de pesquisa R3e. No entanto, o OIA tem um formato que exige
grande complexidade documental, sendo de difícil implementação e com
capacidade de emissão de etiqueta limitada. Nesse formato, o processo de
emissão da etiqueta é demorado e tem um custo elevado (PEDRINI et al.,
2012). Desde o início da etiquetagem de edifícios, em 2009, até 2014, só um
OIA esteve em funcionamento; de 2014 a 2016 outros quatro organismos
foram criados; e em 2018 existem apenas dois organismos em atividade em
todo país.
A obrigatoriedade iniciada em 2014 (BRASIL, 2014) deve se estender
para demais edifícios públicos até 2020, para edificações comerciais e de
serviços até 2025 e residenciais até 2030 (MME, 2010). Porém, até o
momento as instituições federais têm dificuldade de atender a essa
normativa por falta de conhecimento, o que leva a uma ausência da
especificação desse serviço nas licitações de capacitação do corpo técnico
de arquitetos e engenheiros para atender a essa obrigatoriedade.
Por fim, o lançamento de Editais ainda é uma ação muito recente e
não é possível verificar seus efeitos. Percebe-se, então, que até o momento
as ações que visam à implementação da etiqueta têm caráter pontual e que
Cidade sustentável: um conceito em construção - 191

não têm sido suficientes para que funcionem como um código que oriente a
produção de edifícios com maior qualidade ambiental e menor consumo
energético. Em geral, a etiquetagem de edifícios ainda ocorre de maneira
tão pontual e tão restrita que finda sendo absorvida pelo mercado como
uma estratégia de marketing e uma ferramenta para agregar valor aos
edifícios.
Nesse sentido, é preciso atentar para a incorporação da etiquetagem
como instrumento de mercado. Mesmo no “mercado verde”, a lógica
concorrencial do capital estimula a produção de bens inúteis e gera
superprodução e desperdício (BENSAÏDE, 2017). Efeitos esses contrários ao
que se busca com a regulamentação das ações de eficiência energética em
edificações, que focam na qualidade da produção e redução do impacto
ambiental e do desperdício dos recursos.

5 PROPOSTA DE ARTICULAÇÃO DO PLANO NACIONAL DE EFICIÊNCIA


ENERGÉTICA COM OS PLANOS DIRETORES MUNICIPAIS

Ao longo dos últimos anos, no Brasil, as políticas urbanas e


ambientais, expressas inicialmente na Constituição de 1988, têm se
aproximado, passando a incluir as preocupações com o meio ambiente
urbano. O Estatuto da Cidade, Lei Federal 10.257/2001, estabelece
definitivamente a ponte entre os dois campos, refletindo inclusive as
preocupações com um desenvolvimento urbano sustentável. A questão
ambiental urbana tem sido vista principalmente pelos impactos decorrentes
da urbanização; o Estatuto da Cidade, porém, insere a preocupação
ambiental junto à preocupação com a política urbana. Dentre as diretrizes
gerais com vistas a ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e da propriedade urbana está a garantia do “direito a cidades
sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao
saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos
serviços públicos, ao trabalho e ao lazer” (BRASIL, 2001). Aparece, pela
primeira vez, o conceito de sustentabilidade em um texto legal de nível
federal que dispõe sobre política urbana, fato de grande importância, já que
as disposições dessa lei deverão se refletir nas demais políticas e normas
municipais (RIBEIRO; CARDOSO, 2003).
192

A ordenação do uso e ocupação do solo, de competência municipal,


deve ser questão prioritária em uma política de gestão urbana e ambiental,
e desta forma o Estatuto da Cidade prevê a proteção, preservação e
recuperação do meio ambiente natural e construído. O Plano Diretor é o
instrumento básico da política municipal de gestão territorial,
desenvolvimento e expansão urbana, e tem como objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de
seus habitantes; sendo considerado o principal instrumento de
ordenamento urbano municipal nacional, sobretudo pelo fato de não haver
uma tradição de política ambiental em nível municipal no Brasil. Esse fato
eleva o patamar de importância dado à questão ambiental, mas evidencia
que o instrumento do Plano Diretor e as ações de ordenamento territorial
não incluem automaticamente as preocupações ambientais (RIBEIRO;
CARDOSO, 2003). Dos instrumentos listados por esta Lei, alguns tratam
especialmente da questão ambiental dentro das cidades, como o
zoneamento ambiental e a instituição de unidades de conservação; e outros
surgem como alternativa com vistas a facilitar a implantação de medidas de
sustentabilidade em áreas urbanas, inclusive prevendo benefícios e
incentivos a proprietários que desejem diminuir o impacto e o consumo de
suas edificações. A possibilidade de atuação conjunta das metas do Plano
Nacional de Eficiência Energética com os planos diretores municipais, via
Estatuto da Cidade, configura atualmente a melhor alternativa para a
implantação e consolidação de medidas de eficiência energética e economia
de recursos na produção dos edifícios.
É importante adequar o meio construído ao meio ambiente natural,
sendo este um princípio prévio à implantação, planejamento e gestão de
uma atividade, ou mesmo nas tomadas de decisão que envolvam a
transformação e utilização de recursos no espaço de um município ou um
empreendimento. Todavia, grande parte dos municípios não possui políticas
públicas adequadas ao meio ambiente natural que respeitem as
características físico-ambientais da localidade, bem como capacidade de
utilização desses meios – a exemplo das medidas de eficiência energética
nos edifícios. Nas cidades e municípios aplica-se a legislação ambiental à
medida que a proteção dos recursos naturais for compatível com a
ordenação urbana: é importante lembrar que as leis de uso e ocupação do
Cidade sustentável: um conceito em construção - 193

solo, como os planos diretores municipais, são elaboradas exatamente para


adequar a tutela ambiental à realidade e necessidade urbanas. Dada essa
articulação entre as políticas urbanas e ambientais, o que passa a acontecer
é a mudança de atitude da sociedade perante as relações sociedade x meio
ambiente.
O Plano Diretor municipal, os códigos de obras e as leis de uso do
solo se apresentam como instrumentos legais, por excelência, para
disciplinar a prática da construção civil e do uso e ocupação do solo em
núcleos urbanos e em áreas de expansão urbana. Ao fixar as diretrizes gerais
de ordenação urbana, o Estatuto da Cidade deixa bem evidente que, ao
exercer sua competência para legislar sobre uso e ocupação do solo, o
município deve assegurar a proteção ao meio ambiente. Cabe, pois, ao
município, proteger os recursos naturais existentes nos sítios urbanos sem
perder de vista o objetivo maior da tutela ambiental: o bem-estar social –
incluindo aí a preocupação com aspectos construtivos dos edifícios, o
consumo de recursos e os resíduos gerados pela atividade.
No Brasil, especificamente, observa-se o agravamento dos problemas
relativos ao meio ambiente e, concomitantemente, um acelerado processo
de industrialização e urbanização, trazendo em seu bojo forte expansão
demográfica e migração do campo para as cidades inerente a esse processo.
Os governos locais necessitam de melhor coordenação e racionalização do
uso e da ocupação do solo, tanto rural quanto urbano, da mesma forma que
carecem da formulação de estratégias bem definidas para orientar o
processo de urbanização no sentido da construção do espaço edificado
urbano. O eficiente uso do espaço natural, aliado a um planejamento
urbano e projeto arquitetônico adequados, pode compatibilizar a utilização
sustentada dos recursos disponíveis no ambiente.
As questões colocadas até agora evidenciam a necessidade de a
etiquetagem ser incorporada como responsabilidade pública compartilhada.
Nesse sentido, o Plano Nacional de Eficiência Energética orienta na linha de
regulamentação: “Fomentar a incorporação de temas de eficiência
energética em edificações nos estudos de planejamento urbano e nos
códigos de obras e cadernos de encargos dos municípios brasileiros”
(BRASIL, 2010, p. 75).
194

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A preservação e a conservação do meio ambiente natural são


assuntos que estão sendo muito debatidos. Entretanto, ainda há muito em
que se aprofundar, de forma a embasar e justificar atitudes de maior porte,
como, por exemplo, a implantação de planos, projetos e políticas de gestão
urbana 192 voltados à questão ambiental. A mitigação ou redução dos
impactos causados pelas edificações em meio urbano são apenas alguns dos
instrumentos do planejamento urbano e ambiental, e a sua efetividade
depende da atuação conjunta com outros mecanismos e instrumentos de
ordenamento e regulação do solo urbano que propiciem a manutenção e
recuperação da qualidade ambiental da cidade.
No que tange ao futuro das cidades, a adoção da eficiência
energética é um dos instrumentos mais afinados aos critérios do
desenvolvimento sustentável. Entretanto, se por um lado a regulamentação
de eficiência energética em muitos países tem sido mais rígida, vinculada a
questões ambientais e eficaz, por outro lado demonstrou que sem uma
estrutura institucional adequada, atuação governamental forte
regulamentando as ações e a participação/exigência da sociedade, o
processo é moroso.
Propõe-se a articulação entre o Plano Nacional de Eficiência
Energética (MME, 2010) e os planos que regem a ocupação do solo nos
municípios, como um marco da política de desenvolvimento urbano
nacional que pode ser atrelada ao Estatuto da Cidade e genuinamente
comprometida com as questões ambientais na construção dos espaços
livres e edificados que compõem o tecido da cidade. O Plano Diretor e o
Código de Obra dos municípios precisam deixar claro que a abordagem
ambiental não se restringe à delimitação de áreas de conservação
ambiental, ela também pode ser pensada do ponto de vista da eficiência
energética para garantir a qualidade ambiental das atuais e futuras cidades.
No Brasil, os esforços para incentivar a eficiência energética em
edificações ocorrem, principalmente, por meio da implementação e difusão
da Etiqueta PBE-Edifica. No entanto, essas ações ainda são pontuais e pouco
articuladas. A maior parte dos estudos desenvolvidos até o momento focam
em quesitos técnicos ou em problemas de implementação. Iniciativas para
Cidade sustentável: um conceito em construção - 195

melhorar o regulamento energético estão sendo desenvolvidas e espera-se


que um método mais simplificado esteja disponível em 2019. No entanto,
inserir a etiquetagem na prática projetual implica que os arquitetos
compreendam a importância de seu atendimento. Uma nova postura do
profissional deve demandar mudanças também no ensino.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de


Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de
Financiamento 001.

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198
Cidade sustentável: um conceito em construção - 199

Capítulo 11

ARQUITETURA BIOCLIMÁTICA E SUSTENTÁVEL:


UM EXERCÍCIO EM HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL EM SERGIPE
52
Carla Fernanda Barbosa Teixeira
53
Larissa Scarano Pereira Matos da Silva

1 INTRODUÇÃO

A função da arquitetura é fornecer meios para abrigar o homem no


meio ambiente. Na história da evolução humana constatou-se a procura do
homem primitivo por abrigo em cavernas para proteção das intempéries e
de animais selvagens. Nesse sentido, com a evolução da manipulação de
ferramentas e consequentemente de técnicas construtivas, esses abrigos
foram aprimorados, permitindo ao homem habitar em áreas mais distantes
do seu local de origem e com hostilidades climáticas mais severas.
O desencadeamento da crise energética, na segunda metade do
século passado, motivou um repensar na arquitetura. O modelo
arquitetônico com emprego de grandes fachadas de vidro herméticas e
condicionamento artificial do ar, não se adequava às novas exigências de
baixo consumo energético. Por consequência, intensificaram-se estudos
acadêmicos para o desenvolvimento de técnicas e meios que possibilitassem
construir de forma mais adequada às condições climáticas de cada região,
com consciência e moderação do emprego de recursos não renováveis.
Portanto, surgiram termos como Arquitetura Bioclimática, Arquitetura
Vernacular e Arquitetura Sustentável para classificar essa “nova” maneira de
construir. Assim, em um entendimento mais aplicado aos recursos naturais,
a arquitetura deve proporcionar condições adequadas ao conforto térmico

52
Doutora pelo PPGATC da Unicamp, docente adjunto no curso de Arquitetura e Urbanismo e
no Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil-PROEC da Universidade Federal de Sergipe-
UFS. E-mail: cafbt@ufs.br
53
Mestra pelo PPGAU da UFPB e doutoranda do PPG-AU da UFBA, docente substituta no curso
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe-UFS. E-mail:
larissascarano@hotmail.com
200

humano, independentemente da condição externa, minimizando o emprego


de recursos naturais e o impacto ao meio ambiente. Esses novos estudos
apontavam para a necessidade de projetar construções considerando as
particularidades locais de clima e microclima urbano, muitas vezes
resgatando princípios criados por gerações passadas, inserindo materiais e
tecnologias atuais. Nossos antepassados, ao longo dos muitos anos,
observaram os acontecimentos climáticos e adaptaram suas construções a
esses fenômenos, passando esse conhecimento para as gerações futuras.
Entretanto, a globalização da construção civil e o emprego de modismos em
construções talvez tenham impactado no esquecimento desses princípios
regionais. Em um país de dimensões continentais, como é o caso do Brasil,
talvez não seja sensato possuir construções padronizadas de Norte a Sul,
mesmo porque as pessoas possuem traços socioculturais e econômicos
diferentes por todo o país, inseridas em climas e microclimas diversos, com
particularidades urbanas e com disponibilidade de materiais construtivos
naturais e/ou industrializados diferenciados.
Nesse sentido, este capítulo apresenta sua contribuição com a
proposta para Habitação de Interesse Social (HIS) adaptada ao clima, às
questões de sustentabilidade e condições regionais de Sergipe.

2 ARQUITETURA BIOCLIMÁTICA

A climatologia é um estudo mais aprofundado dos elementos e


fatores climáticos, nas diversas áreas de conhecimento humano. Assim,
quando aplicada ao estudo da relação dos seres vivos, tem-se a
Bioclimatologia com ênfase animal, vegetal ou humana. Já na Arquitetura, a
Bioclimatologia é aplicada quando se associam as variáveis relacionadas ao
clima e ao conforto. É possível aperfeiçoar ou evitar que condições
climáticas extremas interferiram diretamente nas condições de conforto
térmico humano no interior das construções, através dos materiais
construtivos e das características do projeto da edificação. Da análise do
clima urbano, inferem-se diretrizes diretamente no planejamento urbano e
de edificações por meio de fatores como orientação, insolação, ventilação e
proximidade de corpos verdes e de água.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 201

Em sua obra, Romero (2000) apresenta diretrizes para controle da


radiação solar, bem como aproveitar-se das composições do planejamento
urbano de massas edificadas e de seus componentes arquitetônicos, como
também de vegetação para promover sombreamento nas vias urbanas,
implantação de materiais de baixa absorção da energia solar e o emprego da
ventilação.
Nessa acepção, as arquiteturas portuguesa e espanhola trazem em
suas heranças edificações avarandadas, e no aspecto generoso de suas
volumetrias promovem sombreamento para o passeio de pedestres. Em
consonância, o emprego de vegetação na malha urbana, além de promover
o aumento de superfícies permeáveis, auxiliando na drenagem urbana de
águas pluviais, ainda combate os efeitos das ilhas de calor, comum nos
grandes centros urbanos e melhora a qualidade do ar.
Áreas verdes inseridas na malha urbana, além de contribuírem para a
estabilidade da umidade do ar (por conta da transpiração folear) e da
temperatura do ar (pela fotossíntese) no decorrer do dia, ainda possibilitam
a promoção da sensação de bem-estar. Aliado à vegetação, o emprego de
materiais de alto albedo deve ser priorizado em superfícies urbanas, pois
absorvem menos a radiação solar. E, adicionalmente, a ventilação natural
deve ser sempre permitida, principalmente em localidades tropicais, por
auxiliar na eliminação do calor antropogênico e confinado nos cânions
urbanos, proporcionando o resfriamento das superfícies urbanas.
Em se tratando da escala do edifício, no início da década de 1960,
cunha-se o termo Projeto Bioclimático por Olgyay (2002). Em seus estudos,
ele elaborou um diagrama, a Carta Bioclimática, que posteriormente, na
década de 1970, Givoni (1997) a adaptou para construções com alta massa
térmica. Assim, mostrou-se ser possível atender às exigências de conforto
térmico através de técnicas de resfriamento ou aquecimento passivo direto
e indireto, dependendo das características do clima. Essa ferramenta foi
difundida mundialmente, e vários países adaptaram esses estudos às
particularidades locais. Segundo levantamento realizado por Walsh et al.
(2014), só nos continentes americanos, vários países possuem algum tipo de
zoneamento bioclimático proposto ou em vigor, a partir da adaptação da
Carta Bioclimática: América do Norte apresenta Estados Unidos e Canadá;
América Central com México e Porto Rico; e na América do Sul tem-se Chile,
202

Argentina, Uruguai, Colômbia, Bolívia, Equador, Peru e Brasil.


Nacionalmente, os esforços tornaram-se públicos com a edição da Norma
Técnica 15220 (ABNT, 2005b), propondo a divisão do território brasileiro em
oito zonas relativamente homogêneas quanto ao clima, e para as quais se
formularam um conjunto de recomendações técnico-construtivas, com
objetivo de otimizar o desempenho térmico das edificações residenciais,
adequando-as às condições climáticas. Essas técnicas foram ordenadas de
“A” a “L”. Essa norma também apresenta as diretrizes construtivas relativas
às aberturas para ventilação, à transmitância térmica, ao atraso térmico e
ao fator solar para paredes externas e coberturas.
À vista disso, apresentaram-se ferramentas para adequação ao clima
tanto para o planejamento urbano como para os projetos de edificações,
objetivando atender aos níveis de conforto térmico humano, contribuindo
assim com a sustentabilidade e eficiência energética.

3 ARQUITETURA VERNÁCULA E SUSTENTÁVEL

Os costumes e as tradições de um povo, inclusive os seus métodos


construtivos, são transmitidos por gerações e reproduzem o contexto
cultural, social e ambiental do lugar em que estão inseridos. Antes do
surgimento da figura do arquiteto e do projeto arquitetônico, a sociedade
construía suas habitações com base no conhecimento herdado de seus
antepassados, que desenvolviam técnicas e manejavam o material
disponível na natureza com o objetivo de suprir suas necessidades, como
proteger-se de intempéries e realizar suas atividades. Podem ser
observadas, em edificações de todo o mundo, diversas culturas e técnicas
construtivas influenciadas pela arquitetura vernácula da região. Embora as
habitações representem a maioria dos edifícios, ambientes distintos,
economias, tecnologias, habilidades, estruturas sociais e familiares, crenças
e simbolismo, unidos a outros fatores, contribuem para uma diversidade
expressiva de formas em diferentes culturas (OLIVER, 2006).
Nessa sequência, a arquitetura vernácula refere-se aos edifícios
construídos com influência das habitações erguidas por indivíduos que se
adaptavam aos materiais encontrados na natureza e ao clima (TURAN,
1990). Oliver (2006) considera essa arquitetura como uma linguagem do
Cidade sustentável: um conceito em construção - 203

povo, pois expressa sua cultura e é resultado da relação entre valores e


costumes, tradições e necessidades específicas. Traços culturais e contextos
ambientais constituem o foco das tradições vernáculas na construção, que
muitas vezes resistem por séculos. No nordeste brasileiro são exemplos da
arquitetura vernácula as casas de taipa de mão ou pau-a-pique, compostas
por estruturas de madeira ou bambu, preenchidas por uma mistura de
barro, técnica apresentada pelos portugueses e adaptada ao contexto
sociocultural e ambiental (Figura 1).

Figura 1 – Casa de pau-a-pique na Paraíba

Fonte: Larissa S. P. M. da Silva (2010).

A arquitetura vernácula pode ser relacionada à arquitetura


sustentável, uma vez que, para McDonough (1994), esta se refere à
concepção e realização ambientalmente responsável e sensível como parte
da matriz evolutiva da natureza.

A pesquisa da qualidade ambiental é uma atitude ancestral visando a


estabelecer um equilíbrio harmonioso entre o homem e a natureza
que o rodeia. Praticada por necessidade durante os séculos, em
particular na arquitetura doméstica e vernácula, ela parou de ser
estudada depois da revolução industrial, numa época onde o homem
204

conheceu sua onipotência e extraiu sem medida dos recursos do


planeta. (GAUZIN-MULLER, 2001, p. 12, apud ZABRANO, 2008).

Zambrano (2008) destaca a relação entre a sustentabilidade do


edifício e a sustentabilidade do local, que compreende a maneira singular
como as pessoas vivem e interagem com seus edifícios. A autora afirma
ainda que a preservação da cultura arquitetônica vernácula, além de
valorizar a cultura local, pode sugerir materiais e métodos apropriados para
cada povo e região. Percebe-se que o conceito de projeto sustentável vai
além do atendimento aos aspectos técnicos e funcionais, de eficiência
energética e econômica, trata-se do equilíbrio social e respeito aos
costumes.
No âmbito de projetos sustentáveis, sobretudo para o contexto
urbano, a preocupação com a infraestrutura verde é imprescindível. Assim
como é recomendável observar a arquitetura vernácula, cuja base está em
experiências empíricas para necessidades e meios específicos, identificar
espécies nativas que contribuem para a definição dos recursos arbóreos,
pois estas se adaptam mais facilmente e preservam a vida silvestre. Mascaró
(2010) destaca que a quantidade e o nível da cobertura ideal para uma área
urbana dependerão do clima e da região, devendo respeitar critérios como
distribuição por idade, combinação de espécies e volume da composição.

4 ARQUITETURA BIOCLIMÁTICA E SUSTENTÁVEL EM HABITAÇÃO DE


INTERESSE SOCIAL EM SERGIPE

De acordo com Motta (s.d.), desde o fim do século XIX um conjunto


de acontecimentos influenciou a expansão e formação das cidades
brasileiras. Provocou também o crescimento da população nas cidades, fato
que demandou mais moradia, transporte e demais serviços urbanos. A partir
de então, surge a necessidade por habitação, segundo Bonduki (1998 apud
MONTEIRO, 2012). A questão habitacional passou a ser vista como um
problema de saúde pública, pois o crescimento desordenado de habitações
coletivas em locais clandestinos, que não possuíam os serviços básicos de
saneamento e sua proximidade com outros bairros, ameaçava a higiene
sanitária da população urbana. E desde então, a demanda da habitação de
interesse social (HIS) persiste até os dias atuais em todo o país.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 205

Esse cenário não difere em Sergipe, menor estado brasileiro, e nem


mesmo na sua capital, Aracaju. Para vencer esse déficit, empregam-se
programas habitacionais existentes no Plano Nacional de Habitação, por
exemplo, cujos empreendimentos são edificados em áreas determinadas
pelo governo (seja por demanda ou por estratégia política) (MONTEIRO,
2012). Já os projetos arquitetônicos para HIS, em sua grande maioria, são
padronizados e replicados de Norte a Sul. As características particulares ao
terreno, clima, além das necessidades socioculturais dos habitantes acabam
por serem negligenciadas. Esse processo acaba acarretando problemas de
conforto térmico: dentro das construções como também no microclima do
conjunto pelo descaso com questões mencionadas anteriormente.
Recentemente, construiu-se o conjunto habitacional Vitória da
Resistência no bairro Lamarão, em Aracaju, localizado na extremidade Norte
da cidade, próximo à divisa com o município de Nossa Senhora do Socorro.
Em seu levantamento, observaram-se problemas relacionados ao
desconforto térmico (SIQUEIRA; TEIXEIRA, 2015). A disposição das quadras,
os lotes alinhados rigorosamente, além da distância da edificação ao muro,
servem de barreira para a ventilação natural, segundo Siqueira (2014). Na
implantação das unidades, observou-se que não há nenhuma cobertura
vegetal no solo ou arborização cuja presença auxiliaria na manutenção das
condições microclimáticas urbanas. O passeio não possui dimensões para
abrigar equipamentos urbanos e ainda garantir acessibilidade a todos
(Figura 2). A HIS é geminada, possuindo as casas acessíveis 47,27 m² e as
casas comuns, 44,87 m², inseridas em lotes que variam entre 101,58 m² e
274,30 m². Em relação às dimensões mínimas dos ambientes, exigidas pelo
Código Municipal de Obras e Edificações de Aracaju (PMA, 2010), apenas
dois ambientes estão em desacordo: a área de serviço e o quarto
secundário. Em relação à ventilação natural permanente na edificação,
verifica-se que a tipologia das aberturas é a principal responsável pela
dificuldade do emprego dessa estratégia – esquadria em madeira com folha
cega (Figura 2). A presença de altas temperaturas do ar praticamente o ano
todo, aliado a alta umidade, não condiz com a especificação da tipologia de
janelas, que prejudica a dissipação de calor e a renovação do ar durante o
dia e noite. A unidade habitacional, que permanece fechada enquanto seus
usuários estão no trabalho, se aquece devido ao calor transferido pelos
206

fechamentos durante o dia. À noite, quando os usuários retornam, é


necessário promover a retirada de calor da edificação aliado com a questão
da segurança patrimonial, e quando disponível, se faz com o auxílio de
equipamentos mecânicos. A cobertura de telhas cerâmicas possui beiral de
50 cm e não há proteção contra insolação nas aberturas.

Figura 2 – Planta da HIS no Lamarão (à esquerda) e imagem das unidades construídas,


sem vegetação alguma (à direita)

Fonte: EMURB, 2012 apud Siqueira, 2014 e Defensoria Pública do Estado de Sergipe (2014),
respectivamente.

Aracaju caracteriza-se por dois períodos climáticos definidos: um


quente e seco, de setembro a fevereiro e um quente, porém mais chuvoso,
de março a agosto, que concentra 75% das chuvas. O maior índice de
insolação, de 264 horas, é atingido de setembro a fevereiro. A precipitação
média anual é de 1.695,2 mm, com intensidade máxima no mês de maio. Os
ventos predominantes na região são Leste e Sudeste, no período chuvoso e
seco, respectivamente. Com amplitude térmica baixa e temperatura do ar
média anual de 26 °C, as médias das temperaturas máximas do ar ocorrem
em 28,5 °C e as médias das temperaturas mínimas em 23,2 °C. A média da
Cidade sustentável: um conceito em construção - 207

umidade relativa do ar atinge 78,2% e a insolação total média é de 2.721


horas (CLIMATEMPO, 2014). Em consonância com o contexto climático, no
Zoneamento Bioclimático, Sergipe está compreendido na zona bioclimática
8, representado pelas cidades de Aracaju, Itabaianinha e Propriá, com o
conjunto de letras FIJ e mais K para a última cidade. Ou seja, as técnicas
recomendadas são: desumidificação com o emprego da ventilação, massa
térmica para refrigeração e refrigeração artificial, além de aberturas grandes
e sombreadas (com área maior a 40% da área do piso), envoltória leve e
refletora, e ventilação de áticos sob a cobertura (ABNT, 2005b).
Por conseguinte, desenvolveu-se a proposta de implantação
bioclimática para HIS para um vazio urbano da zona sul de Aracaju. A partir
das características dos bairros vizinhos (presença de ciclovias e necessidade
de áreas de convívio próximas às residências) implantou-se a HIS em lote
padrão de 13 metros de frente e 21 de fundo, totalizando 273 m²; e 14
metros de frente por 21 de fundo, totalizando 293 m² para as unidades
acessíveis (Figura 3). A implantação sugere que a unidade de HIS seja isolada
e desalinhada em relação à unidade vizinha, propiciando maior circulação de
ar e promoção do resfriamento. Com o intuito de maximizar essa
movimentação de ar entre as unidades, a delimitação dos lotes é obtida pela
composição de elementos permeáveis, podendo até ser configurado por
muros baixos (de no máximo um metro) e complementados com vegetação
arbustiva para permitir a ventilação entre as unidades (Figura 4). O sistema
de ciclovias foi conectado ao existente nos bairros vizinhos, com a criação de
uma perimetral, pois socialmente é uma característica relevante o emprego
de bicicletas como meio de transporte. Adicionalmente, elaborou-se a
alameda de pedestres, com equipamentos que permitem pequenas
reuniões de vizinhos para conversas ao fim do dia, e pavimentada com
material permeável para auxiliar na infiltração das águas das chuvas. Há
áreas para jogos, bancos para estar e equipamentos para a prática de
exercícios físicos e acesso garantido através de rampas nos desníveis para
pessoas com mobilidade reduzida permanente ou temporária (Figura 5). No
perímetro das quadras reservou-se a área destinada ao estacionamento de
veículos das unidades padrão e acessíveis.
208

Figura 3 – Implantação bioclimática do conjunto habitacional e da proposta de planta para a


HIS, unidade acessível, com a possibilidade de ampliação em destaque (sem escala)

Fonte: Adaptado de Siqueira (2014).

A implantação de árvores, como outros equipamentos urbanos, de


maneira nenhuma impede o acesso de pessoas em cadeira de rodas ou
pessoas com mobilidade reduzida (Figuras 4 e 5). Segundo IBGE (2010),
algumas capitais do Nordeste tem o pior cenário na média nacional de 68%
dos domicílios urbanos possuírem árvores na proximidade. Os municípios
das capitais do Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe e Bahia apresentaram
proporção da ordem de 20,0 a 40,0% do total dos logradouros investigados
com arborização.

Figura 4 – Permeabilidade da ventilação natural urbana na implantação e detalhe da


acessibilidade nos passeios e lombo faixas (sem escala)

Fonte: Adaptado de Siqueira (2014).


Cidade sustentável: um conceito em construção - 209

Figura 5 – Implantação da alameda de pedestres, áreas de estar (mobiliário), ciclovia e corte em


detalhe do passeio e equipamentos urbanos (arborização, iluminação pública em duas alturas,
contêiner para coleta seletiva de resíduos) (sem escala)

Fonte: Adaptado de Siqueira (2014).

Indicam-se os plantios de grama e árvores em áreas permeáveis,


tanto privadas como públicas adjacentes às unidades habitacionais, para
propiciar melhoria no microclima do conjunto. Foram selecionadas seis
espécies nativas arbóreas, com raízes pivotantes e não agressivas, para
evitar danos à pavimentação e às tubulações hidráulicas (Tabela 1).
210

Tabela 1: Proposta de espécies nativas para arborização de áreas públicas e privadas


Identificação Nome Popular Dimensões Características de Copas, Flores
Nome Científico e Raízes
Oitizeiro, manga-da- H = 8 a 15 m Copa densa
praia, oiticica Floração creme ou branca
Licania tomentosa D = 30 a 50 cm Raiz profunda e não agressiva
(tronco)

Sombreiro, sombra- H = 5 a 10 m Copa densa


de-vaca Floração arroxeada
Clitoria fairchildiana D = 30 a 40 cm Raiz profunda e não agressiva
(tronco)

Quaresmeira, H = 5 a 10 m Copa densa


quaresmeira-roxa D = 30 a 40 cm Floração branca a violeta
Tibouchina (tronco) Crescimento rápido
granulosa D= até 4 m Pequeno porte
(copa) Raiz pivotante

Saboneteira, jequiri, H = 5 a 10 m Copa densa


pau-de-sabão D = 30 a 40 cm Floração verde
Sapindus saponaria (tronco) Crescimento moderado
D = Até 6m Raiz profunda
(copa)

Canafístula de H = 5 a 10 m Copa densa


besouro, cássia do D = 30 a 40 cm Floração amarela (dezembro a
nordeste (tronco) abril)
Senna spectabilis D = até 10 m Raiz profunda e não agressiva
(copa)
Aroeira, aroeira- H = 5 a 10 m Copa globosa e densa
pimenta, D = 30 a 60 cm Floração branca
Schinus (tronco) Crescimento rápido
terebinthifolius D= até 6 m Raiz pivotante
(copa)
Fonte: Árvores do Brasil (s. d.); Carvalho (2006); Instituto Brasileiro de Florestas (s. d.); Instituto
de Pesquisas e Estudos Florestais (s. d.) apud e adaptado de Siqueira (2014).

Árvores como o Oiti e a Quaresmeira, com ocorrência na Mata


Atlântica, do Sudeste ao Nordeste, tanto pelo aspecto visual e florístico,
como para atração de pássaros, têm seu emprego propício em áreas
públicas (IPEF, s. d.). Já a Saboneteira tem ocorrências por todo o Cerrado e
Mata Atlântica, e seu óleo, quando extraído, é empregado como repelente
Cidade sustentável: um conceito em construção - 211

de insetos (CARVALHO, 2006). E a Aroeira é muito empregada em


paisagismo urbano e tem seus frutos empregados na culinária, conhecidos
por pimenta rosa (ÁRVORES DO BRASIL, s. d.; INSTITUTO BRASILEIRO DE
FLORESTAS, s. d.). Essas espécies, além de promover o sombreamento das
fachadas e passeios, poderão contribuir para o meio ambiente, na
manutenção da flora, fauna e no embelezamento urbano pela diversidade
de características de cada indivíduo selecionado.
A unidade habitacional foi adequada às estratégias bioclimáticas a
partir do projeto padrão para HIS. Como resultado, apresentam-se duas
tipologias volumétricas com composição de fachadas (Figura 6) e
especificação de materiais em concordância com a norma (Tabela 2).
Uma versão possui cobertura em fibrocimento com ático ventilado e
forro em material isolante, além de elementos vazados na lateral para
propiciar sombreamento, privacidade na cozinha e área de serviço e auxiliar
na ventilação natural. Aberturas pivotantes no forro foram consideradas
para melhorar na ventilação e eliminação do calor. Sem beiral, essa versão
resgata as características climáticas de chuvas localizadas e de baixa
intensidade. Já a outra versão, possui cobertura em telha sanduíche (chapa
metálica + isolante termoacústico) e aberturas superiores para ventilação. O
desnível desta cobertura auxilia a saída de calor pela parte superior, e
compõe elemento estético de sombreamento lateral com permissão do
emprego da ventilação. E seus beirais, mais generosos que o projeto-
padrão, permitem melhorar o sombreamento em fachadas desfavoráveis
para a insolação. No geral, a presença da arborização auxilia no
sombreamento e no microclima ao redor da residência, como também os
empregos de brises horizontais e verticais auxiliam no controle solar em
aberturas (Figura 7). O emprego de peitoris ventilados e aberturas
superiores em orientações opostas auxiliam a otimizar a ventilação natural
no interior de ambos os modelos de edificação. Esta questão da ventilação
na HIS remonta à construção de taipa, que por suas características
irregulares permitia trocas permanentes de ar entre o interior e exterior da
edificação. Janelas em modelo veneziana são empregadas para garantir a
ventilação permanente, mesmo com a janela fechada.
212

Figura 6 – As duas versões propostas com sombreamento das aberturas e detalhes das
coberturas com aberturas para ventilação (sem escala)

Fonte: Adaptado de Siqueira, 2014.

Tabela 2 – Propriedades térmicas dos materiais para fechamento vertical e horizontal


Vedações Transmitância U de Atraso ϕ de
térmica U referência térmico ϕ referência
(W/m².K) (Horas)
Alvenaria em tijolos de 2,48 ≤ 3,60 3,30 ≤ 4,30
6 furos
Janelas em madeira 1,84 ≤ 3,60 1,90 ≤ 4,30
Telha fibrocimento e 0,59 ≤ 2,30 1,30 ≤ 3,30
forro isolante
Telha sanduiche 0,61 ≤ 2,30 0,60 ≤ 3,30
(metal+ isolante)
Fonte: Adaptado de Siqueira (2014); ABNT (2005a).
Cidade sustentável: um conceito em construção - 213

Figura 7 – Tipologias diferenciadas nas aberturas: veneziana com bandeira superior


ventilada, peitoril ventilado e brise em madeira

Fonte: Siqueira (2014).

Propõe-se a captação de água pluvial em cisterna para emprego em


lavagem de pisos, bacias sanitárias e irrigação dos jardins no período mais
seco. Justifica-se o terreno maior que o padrão para o emprego da
compostagem com posterior uso no cultivo de hortaliças e temperos para o
próprio consumo. O emprego de coleta seletiva em todo o conjunto
habitacional contribui para a gestão de resíduos sólidos na cidade,
contribuindo com a sustentabilidade ambiental.
Todo o conjunto foi proposto para o convívio da diversidade de
públicos e usos como: pedestres, bicicletas, pessoas com deficiência ou
mobilidade reduzida, carros particulares e veículos coletivos, promovendo a
sustentabilidade social através da equidade espacial.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este capítulo apresentou uma proposta de adequação do projeto


padrão de HIS ao bioclimatismo local e sustentabilidade, fruto de uma
pesquisa que culminou em artigo e Trabalho de Conclusão de Curso. Para
tanto aplicaram-se as estratégias recomendadas para este perfil
bioclimático, como também recomendações para contribuir com a
drenagem, microclima local e composição de áreas verdes. A unidade de HIS
foi ampliada, garantindo que todos os ambientes estivessem de acordo com
a legislação vigente. Além disso, foram implantadas no projeto arquitetônico
soluções para melhorar as condições internas de conforto térmico com o
emprego de venezianas, aberturas em peitoris ou bandeiras superiores para
permitir ventilação, como também promoção de sombreamento através de
beiral mais generoso, aplicação de brises e árvores. Para a melhoria do
214

conforto térmico urbano, propõe-se desalinhar as habitações para permitir


ventilação natural, e ainda o plantio de grama e espécies nativas no lote e
nas vias públicas, contribuindo com a drenagem de águas pluviais e
atenuação das inundações no bairro. Com relação à especificação de
materiais, procurou-se indicar materiais locais, com alguma referência
vernácula e com potencial para serem reaproveitados, amenizando o
impacto ambiental.
Intencionou-se apresentar possibilidades existentes – através de
técnicas, estratégias e materiais – para que os projetos de HIS se adéquem
aos níveis de conforto térmico, de acordo com o bioclimatismo e com um
mínimo de sustentabilidade. Contudo, não foi objetivo o esgotamento das
alternativas disponíveis para tal objetivo, como também estimativas de
custos não foram aplicadas ao estudo. Futuros trabalhos podem contribuir
com o assunto, direcionando e adicionando outros enfoques.

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216
Cidade sustentável: um conceito em construção - 217

Capítulo 12

EFEITOS MICROCLIMÁTICOS DA VERTICALIZAÇÃO EM


ZONA URBANA RESIDENCIAL
54
Karyna de Andrade Carvalho Rosseti
55
Tayna Franco Malange
56
Wennder Tharso Oliveira da Silva Martins
57
Luciane Cleonice Durante
58
Ivan Julio Apolonio Callejas

1 INTRODUÇÃO

As cidades ocupam 0,05% da superfície do planeta (UNITED


NATIONS, 2011) e, a partir de 2010, passaram a abrigar mais da metade da
população mundial. A população urbana aumentou de 704 milhões (28%),
em 1950, para 1.352 milhões (37%), em 1970. Em 2014, 54% da população
mundial vivia em áreas urbanas e, segundo estimativas da UNITED NATIONS
(2014), essa proporção será 66%, em 2050. No Brasil, aproximadamente
85% da população reside em cidades e as projeções mostram que, se a taxa
de crescimento projetada para esta década for mantida, esta proporção
chegará a 90% em 2045 (UNITED NATIONS, 2011).
Devido a esse crescimento populacional, a paisagem e o clima das
cidades vêm se alterando e modificando a qualidade do ambiente, ou seja,
em muitos locais, a qualidade do ar, da água e do solo está em condições
inadequadas para suprir as necessidades do ser humano. Em escala espacial
de dezenas de quilômetros – escala regional, essas mudanças são
observadas tanto pela ocorrência de maiores temperaturas do ar no
ambiente urbano, como pelo aumento no número de tempestades severas,

54
Doutorado, Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: karyna.rosseti@gmail.com
55
Graduação, pesquisador do Grupo de Pesquisa em Dinâmica Ambiental e Tecnologia. E-mail:
taynamalange@gmail.com
56
Graduação, pesquisador do Grupo de Pesquisa em Dinâmica Ambiental e Tecnologia. E-mail:
wenndermartins_93@hotmail.com
57
Doutorado, Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: luciane.durante@hotmail.com
58
Doutorado, Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: ivancallejas1973@gmail.com
218

além da intensificação da poluição do ar, juntamente com o desconforto


térmico dos seus ocupantes (OKE, 1987; MASSON, 2006; ROTH, 2007).
Nas últimas décadas, a maioria das pesquisas sobre clima urbano tem
se concentrado no hemisfério norte, em cidades norte-americanas e
europeias, havendo uma relativa incipiência de estudos conduzidos em
cidades localizadas nos trópicos, especialmente no hemisfério sul. Desta
forma, existe uma enorme lacuna em relação aos impactos induzidos no
clima pelo processo de urbanização em regiões tropicais e subtropicais
(ROTH, 2007). Ademais, o agravamento dos problemas ambientais
observado nessas regiões (TEJEDA-MARTÍNEZ; JÁUREGUI-OSTOS, 2005;
ROSSETI et al., 2015; CALLEJAS et al., 2016) aponta para a necessidade de
ações de gerenciamento e planejamento ambiental que promovam
melhorias na qualidade de vida da população, o que pode advir da melhor
compreensão dos impactos urbanos.
Nesse sentido, dentre as alterações induzidas pelo processo de
urbanização tem-se as relacionadas à geometria urbana, com destaque para
a relação entre altura dos edifícios (H) e a largura das vias (W), que
influencia as condições térmicas dos denominados “cânions urbanos” à
medida que promove alterações na direção e intensidade das correntes de
ar, eleva a absorção de radiação de onda longa, que fica retida entre as
edificações e tem dificultada sua liberação para a atmosfera superior (OKE,
1987; ROMERO, 2011; MINELLA; KRÜGER, 2014). Esses efeitos tornam-se
cada vez mais evidentes em áreas com elevado adensamento urbano,
sobretudo naquelas caracterizadas por intenso processo de verticalização
das edificações.
Quando a verticalização se dá em zonas urbanas residenciais, por
questões de salubridade, observa-se, ainda, maior agravamento ambiental,
uma vez que o adensamento pode promover o sombreamento das áreas
externas, quintais, piscinas, áreas de serviço ou molhadas, privando-as do
acesso ao sol.
Diante desse cenário, é mister compreender como o processo de
verticalização influencia a ambiência urbana, em especial, o microclima
urbano. Assim, este estudo tem por objetivo investigar a influência de
edifícios residenciais de elevado gabarito no microclima de região urbana
predominantemente residencial, de forma a possibilitar a adequabilidade
Cidade sustentável: um conceito em construção - 219

dos parâmetros urbanísticos de uso e ocupação do solo, visando à melhoria


na qualidade de vida dos seus habitantes.

2 METODOLOGIA

Esta pesquisa caracteriza-se como de natureza quantitativa e


desenvolve-se como uma abordagem por cenários. De acordo com Serra
(2006), na abordagem por cenários, se constrói um cenário atual, após
levantamento de dados primários e secundários e, cenários hipotéticos, que
é o estado que queremos que seja atingido em determinado tempo.
Aplicou-se modelagem computacional por meio do software ENVI-
met, um modelo numérico microclimático, tridimensional, não hidrostático,
criado por Michael Bruse (BRUSE; FLEER, 1998), capaz de realizar simulações
microclimáticas da interação entre superfície, vegetação e atmosfera.
O objeto de estudo foi a cidade de Cuiabá (MT), com clima
essencialmente Tropical Continental, que apresenta dois períodos sazonais
distintos: o chuvoso, com duração de oito meses, e o seco, com duração de
quatro meses (CUIABÁ, 2012). O período chuvoso foi o selecionado para a
realização do estudo, em que os primeiros meses apresentam temperatura
e umidade do ar elevados, caracterizando-se como clima Tropical
Continental Úmido.
A área da pesquisa se caracteriza por uma porção de 360mx360m,
altamente urbanizada, com ocupação predominantemente residencial
(Figura 1), localizada no Bairro Jardim das Américas. Os edifícios de elevado
gabarito presentes na região são em sua totalidade residenciais e a
ocupação urbana do entorno, apesar de estar classificada em Zona Urbana
de Uso Múltiplo (Figura 2) (CUIABÁ, 2015), apresenta padrão
predominantemente residencial.
220

Figura 1 – Área de estudo: porção do Bairro Jardim das Américas, em Cuiabá – MT

Fonte: Adaptado do Google Earth (2018).

Figura 2 – Índices urbanísticos da porção urbana selecionada

Fonte: Adaptado de Cuiabá (2015).

A calibração do modelo computacional se deu com o uso dos dados


coletados na estação micrometeorológica do Laboratório de Tecnologia e
Conforto Ambiental (LATECA – Universidade Federal de Mato Grosso), cuja
posição relativa à área de estudo se dá conforme a Figura 3. Tal
procedimento garante maior confiabilidade para os dados simulados.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 221

Figura 3 – Posição relativa entre a área de estudo e a localização da estação


micrometeorológica do LATECA, com caracterização das variáveis monitoradas

Fonte: Adaptado de Galvão (2018).

Destaca-se a necessidade de descrever adequadamente as


propriedades das áreas urbanas que efetivamente afetam as trocas termo-
higrométricas com a atmosfera, de forma a possibilitar a mais fiel
reprodução de seus fenômenos no ambiente virtual. Nesse contexto,
destacam-se as propriedades da estrutura urbana (dimensão dos edifícios e
os espaços entre eles, a largura das ruas e espaçamentos de rua), da
cobertura urbana (revestimento dos edifícios, pavimentação, vegetação,
solo exposto, água), do tecido urbano (construção e materiais naturais) e do
metabolismo urbano (calor, água e poluentes devido à atividade humana)
(OKE, 2004).
O levantamento espacial da área (Figura 4) foi realizado por meio da
ferramenta Google Earth e visitas in loco, possibilitando a caracterização de
elementos urbanos, tais como dimensões/posicionamento das vias,
calçadas, edifícios, indivíduos arbóreos, dentre outros. O levantamento dos
indivíduos arbóreos englobou parâmetros como altura, quantidade,
posicionamento e densidade foliar.
222

Figura 4 – Dimensionamento das variáveis espaciais utilizadas no modelo

Solo nu (21.558 m²)

Solo impermeável (45.697 m²)

Edificação (29.668 m²)

Piscina (2.637 m²)

Calçada (14.018 m²)

Asfalto (16.022 m²)

Arborização

Fonte: Os autores (2018).

Os parâmetros de entrada para a modelagem computacional no


software ENVI-Met (Tabela 1) foram extraídos de Galvão (2018), obtidos
com base no histórico climático do mês de abril de 2017, da estação
meteorológica de referência (83362), localizada no Aeroporto Marechal
Rondon, em Várzea Grande, MT.

Tabela 1 – Dados de configuração do modelo computacional


Parâmetro Valor
Data da simulação 27.04.2017
Hora de início 20:00:00
Duração total 48 horas
Intervalo de registro 60 min
Velocidade do vento 10 m acima do solo 2,5 m/s
Direção do vento 330°
Rugosidade z0 no ponto de referência 0,01
Temperatura inicial da atmosfera 25,49 °C
Umidade específica em 2.500 mc 9,76 g/kg
Umidade relativa em 2 m [%] 87,07%
Fonte: Galvão (2018).
Cidade sustentável: um conceito em construção - 223

Foram elaborados dois cenários: o Cenário Real (Figura 5a), com


caracterização o mais precisa possível da situação existente no local de
estudo, e o Cenário Hipotético (Figura 5b), com redução do gabarito dos
edifícios altos para o equivalente a dois pavimentos (6 metros de altura).

Figura 5 – Perspectiva dos cenários simulados: Real (a) e Hipotético (b)

(a) (b)
Fonte: Os autores (2018).

A geometria urbana (H/W) atual é resultante das alterações


propostas constam do Quadro 1, possibilitando a classificação dos cânions
resultantes em “Espaços claustrofóbicos”, “Espaços de recolhimento” ou
“Espaços expansivos”, conforme proposto por Romero (2011).
Para estimativa H/W considerou-se a altura como a média das alturas
das edificações estudadas no cânion considerado (H). Já a largura da via (W)
como a distância tomada em planta baixa a partir do levantamento espacial.
Foi considerada ainda a estimativa H/W nos espaços abertos entre os
edifícios, usando os mesmos parâmetros, diferindo apenas a largura da via
(W) que foi substituída pelo afastamento entre as edificações.
Santamouris (2001) destaca que a orientação da rua tem grande
influência na temperatura das superfícies do cânion e na temperatura da
camada de ar junto às fachadas. Em virtude disso, a geometria urbana foi
estimada para cada uma das orientações de fachada das edificações de alto
gabarito nos cenários de estudo (Quadro 1) antes e após a redução de seu
gabarito proposta no cenário hipotético.
224

Quadro 1 – Especificação da geometria urbana real e resultante a partir das alterações


propostas no cenário hipotético
H/w nordeste H/W sudeste H/W sudoeste H/W noroeste
Edifício (h)
Real Hipotético Real Hipotético Real Hipotético Real Hipotético
1 (66 m) H 6H 1/4 H 3H - - 1/3 H 3H
2 (80 m) H 7H 1/6 H 2H 1/5 H 2H 1/4 H 3H
3 (63 m) H 8H H 6H 1/3 H 2H 1/4 H 2H
4 (49 m) 1/2 H 2H H 5H 1/5 H 2H H 4H
5 (100 m) 1/6 H 2H 1/5 H H - - - -
6 (13 m) 2H 3H H 2H 6H 9H 2H 3H
7 (80 m) 1/2 H 5H - - 1/4 H 2H 1/3 H 3H
8 (67 m) 1/2 H 4H 1/4 H 2H - - 1/2 H 3H
9 (23 m) H 3H - - - - 3H 8H

Legenda:
Espaços claustrofóbicos Espaços de recolhimento Espaços expansivos
Fonte: Os autores (2018).

A análise preliminar das alterações resultantes das modificações


propostas na geometria dos cânions permite observar, na maioria deles, a
mudança dos espaços claustrofóbicos para espaços de recolhimento, da
mesma forma como espaços de recolhimento foram alterados para espaços
expansivos. Somente no edifício 6 e na fachada nordeste do edifício 9 não
foram observadas alterações de categorias de geometria de cânion. Na
fachada nordeste dos edifícios 7 e 8 observa-se uma mudança de duas
escalas de classificação, sendo na situação real os cânions classificados como
claustrofóbicos, enquanto na situação hipotética passaram a ser
classificados como expansivos.
O ambiente virtual da simulação foi configurado no Software ENVI-
Met com grids de 4 metros, de forma a englobar toda a área de estudo, sem
perder a resolução para simulação de elementos menores, tais como
calçadas, canteiros, piscinas e pequenos jardins.
Utilizou-se a estatística não paramétrica de Kruskal-Wallis (LEE;
WANG, 2003) para avaliar a significância das diferenças nos valores de
temperatura e umidade específica do ar decorrentes da redução do gabarito
dos edifícios altos. Tal estatística permite determinar se há ou não diferença
significativa entre duas ou mais amostras de dados de uma mesma
população (ROSSETI et al., 2014).
Apesar de o software ENVIMet simular todos os horários do dia,
nesta pesquisa foram analisados somente os dados obtidos nos horários de
Cidade sustentável: um conceito em construção - 225

6 h, 13 h e 19 h, uma vez que se trata de horários característicos do


comportamento da Ilha de Calor Urbana: 6 h, horário de ocorrência da
temperatura mínima; 13 h, uma hora após o pico solar – horário de
ocorrência das temperaturas máximas e 19 h, uma hora após o pôr do sol –
momento em que as superfícies aquecidas durante o dia emitem radiação
de onda longa para a atmosfera durante a noite (CLEUGH; OKE, 1986).
A comparação entre os cenários foi feita tendo como referência o
cenário real, sendo avaliada a influência da redução do gabarito dos
edifícios. Dessa forma, valores negativos indicam redução da variável e,
valores positivos, elevação da mesma, proveniente da abertura dos cânions
analisados.

3 RESULTADOS

Sobre os efeitos provocados pela redução do gabarito dos nove


edifícios altos presentes na porção urbana de estudo, observam-se
alterações na temperatura e umidade específica do ar em todos os horários
estudados (Quadros 2 e 3). A análise estatística de Kruskal-Wallis indicou
que existe diferença significativa entre os cenários pesquisados para as
amostras de temperatura e umidade do ar (p < 0,05).
Quanto à variável temperatura do ar, às 13 h o impacto desta
interferência mostrou-se positivo, reduzindo em pelo menos 0,25 °C a
temperatura do ar em 62% dos pontos da malha simulada nos cenários,
chegando a reduzir aproximadamente 1 °C nas regiões próximas aos
edifícios (Quadro 2).
Às 19 h, apesar de positivo, o impacto foi menos expressivo,
reduzindo entre 0 °C e 0,15 °C a temperatura do ar em 63% dos pontos da
malha simulada. Às 6 h observa-se elevação na temperatura do ar em 73%
dos pontos. No entanto, esta elevação não foi superior a 0,15 °C (Quadro 2).
Ao se considerar a variável umidade específica do ar, verificam-se
variações menos expressivas, com redução máxima de 0,037 g/kg às 13 h e
elevação máxima de 0,052 g/kg às 6 h (Quadro 2). Nessa última, observa-se
a elevação da umidade acima de 0,01 g/kg em 88% dos pontos, enquanto
nos demais horários predomina a ocorrência de redução da umidade
específica: 90% dos pontos às 13 h e 82% às 19 h (Quadro 3).
226

Quadro 2 – Valores máximos, médios e mínimos de alteração de temperatura do ar (°C) e


umidade específica do ar (g/kg) quando comparando os cenários real e hipotético

Temperatura do ar (°C) Umidade específica (g/kg)


Estatística 6h 13 h 19 h Estatística 6h 13 h 19 h
Valor mínimo -0,237 -0,971 -0,176 Valor mínimo -0,007 -0,037 -0,025
Valor máximo 0,148 0,839 0,455 Valor máximo 0,052 0,032 0,007
Valor médio 0,028 -0,366 -0,019 Valor médio 0,017 -0,008 -0,012

Quadro 3 – Número de pontos nas diferentes escalas de alteração de temperatura do ar (°C) e


umidade específica do ar (g/kg) quando comparando os cenários real e hipotético

Temperatura do ar (°C) Umidade específica (g/kg)


Condição 6h 13 h 19 h Condição 6h 13 h 19 h
Nº de pontos com Nº de pontos com
redução acima de 0,25 0 3.879 0 redução acima de 0 2.961 5.072
°C 0,01 g/kg
% de redução acima de % de redução acima
0,25 °C em relação ao 0% 62% 0% de 0,01 g/kg em 0% 48% 82%
total relação ao total
Nº de pontos com Nº de pontos com
redução entre 0,15 °C 32 531 123 redução entre 0,01 212 2.597 1.051
e 0,25 °C g/kg e 0 g/kg
% de redução entre % de redução entre
0,15 °C e 0,25 °C em 1% 9% 2% 0,01 g/kg e 0 g/kg em 3% 42% 17%
relação ao total relação ao total
Nº de pontos com Nº de pontos com
redução entre 0 °C e 1.641 1.182 3.915 elevação entre 0 g/kg 527 340 98
0,15 °C e 0,01 g/kg
% de redução entre 0 % de redução entre 0
°C e 0,15 °C em relação 26% 19% 63% g/kg e 0,01 g/kg em 8% 5% 2%
ao total relação ao total
Nº de pontos com Nº de pontos com
elevação da 4.548 629 2.183 elevação acima de 5.482 323 0
temperatura 0,01 g/kg
% de elevação da % de elevação acima
temperatura em 73% 10% 35% de 0,01 g/kg em 88% 5% 0%
relação ao total relação ao total

Em se tratando da distribuição espacial dos efeitos na temperatura e


umidade específica do ar decorrentes da redução das alturas dos edifícios
(Figuras 6 a 10), constatam-se comportamentos variados, dependendo do
horário analisado. Isso se dá pelo fato de que, ao longo de um ciclo diário, as
superfícies que constituem as ruas, fachadas dos edifícios e pavimentos em
Cidade sustentável: um conceito em construção - 227

geral, experimentam variações espaciais e temporais de temperatura devido


aos diferentes níveis de exposição solar. Os materiais de construção são, em
sua maioria, elementos com elevada absorção e baixa refletividade e, como
tal, uma grande parte da radiação solar que neles incide é absorvida
(ROMERO, 2011).

Figura 6 – Mapa das diferenças de temperatura do ar (°C) a 2,0 m do chão entre os cenários
real e hipotético

Às 13 h observa-se com mais clareza os efeitos da exposição solar no


cenário, uma hora após o pico solar. Reduções na escala de 0,80 °C (região
mais escura) na temperatura do ar (Figura 6) são observadas nas porções
228

sudeste e nordeste do entorno da maioria dos edifícios. As alterações na


geometria dos cânions (de espaços enclausurados para espaços de
recolhimento e de espaços de recolhimento para espaços expansivos)
possibilitaram uma redução significativa na área de superfície exposta à
radiação solar, o que faz com que calor absorvido pelas superfícies das
edificações também seja menor. As fachadas sudeste e nordeste recebem
radiação no período da manhã e, por isso, os efeitos de resfriamento do ar
são mais bem percebidos nas mesmas neste horário (13 h).
Uma análise específica do Edifício 1, neste mesmo horário, permite
observar elevações acima de 0,20 °C (cores mais claras) na temperatura do
ar (Figura 6) ao redor de toda a edificação. Para entender melhor este
comportamento, é importante observar os efeitos da redução do gabarito
dos edifícios na variável velocidade do ar (Figura 8), que ocasionou redução
significativa – na ordem de 1,5 m/s nessa porção do cenário. Nas regiões
tropicais, a ventilação natural é um processo pelo qual é possível resfriar os
edifícios, sendo que a redução na velocidade do ar resulta maior dificuldade
de retirada do calor armazenado nas superfícies.
Os cortes X e Y (Figura 7) possibilitam analisar a distribuição vertical
da variável temperatura do ar no sentido paralelo aos ventos
predominantes (corte x) e no sentido perpendicular aos ventos
predominantes (corte y).
Assim como a distribuição horizontal, a distribuição vertical da
variável é mais claramente observada no horário das 13 h. Percebe-se o
efeito de resfriamento se estendendo em toda a altura do edifício,
confirmando a proveniência de menores temperaturas pela redução da
quantidade de radiação acumulada nas fachadas. Observa-se, ainda, o
impacto da ventilação no carregamento desses efeitos para as regiões mais
afastadas dos edifícios, na porção à direita dos mesmos (a), principalmente
no corte x, que ilustra o comportamento paralelo ao vento predominante.
Esta profundidade de alcance dos efeitos de resfriamento oriundos da
redução do gabarito dos edifícios é significativamente reduzida quando se
observa o corte y (a), perpendicular ao vento predominante, ilustrando que,
apesar de se estender em toda a altura dos edifícios, o resfriamento não
tem alcances maiores que alguns metros do seu entorno.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 229

Figura 7 – Mapa com as diferenças de temperatura do ar (°C) entre os cenários real e hipotético
nos cortes X e Y

(a) (a)

(b) (a)
(a)

(a) (a)

Vale destacar que o corte y representa a relação entre a parcela


territorial ocupada pelos edifícios (zona de centros regionais) juntamente
com as quadras de uso múltiplo com ocupação predominantemente
residencial. A posição das zonas em relação ao vento predominante
possibilita que os efeitos dos edifícios sejam pouco percebidos na região
ocupada pelas residências.
É possível observar no corte x (b) que o aquecimento provocado pela
redução do gabarito dos prédios no entorno do edifício 1 se restringe
apenas à porção mais baixa do mesmo, retomando alguns metros acima, o
comportamento observado no restante do cenário. Tal característica reforça
a influência da velocidade do ar para a ocorrência deste aquecimento
(Figura 8).
230

Figura 8 – Mapa das diferenças de velocidade do vento (m/s) a 2,0 m do chão entre os cenários
real e hipotético

Às 19 h, os efeitos na temperatura do ar estão mais concentrados nas


proximidades dos edifícios, principalmente nos de gabarito mais elevado.
Nesse horário observam-se elevações acima de 0,35 °C (cor mais clara)
(Figura 6) em todas as orientações. Tal comportamento se justifica pelo fato
de que os edifícios altos absorvem calor muito acima do nível do solo,
amortecendo o ciclo térmico e mantendo a temperatura mais estável. Com
a redução do gabarito, espaços claustrofóbicos passam a se caracterizar
como de recolhimento ou expansivos, expondo o solo a absorção térmica
em regiões antes sombreadas pelos edifícios.
Este fenômeno pode ser adequadamente entendido quando
analisam-se os cortes x e y para este horário (Figura 7): este aquecimento
está concentrado nas regiões mais próximas ao solo exposto a radiação,
enquanto na porção mais alta do cenário observa-se o efeito de
resfriamento pela redução do gabarito dos edifícios.
Às 6 h, assim como às 19 h, observam-se efeitos mais concentrados
nas proximidades dos edifícios (em torno de 15 metros de afastamento),
principalmente nos quintais a sota-vento das edificações. Neste horário,
destacam-se reduções na escala de 0,25 °C (cor mais escura) (Figura 6) na
temperatura do ar. Observa-se, também, o efeito de aquecimento do ar (cor
mais clara) (Figura 6) na região da praça, localizada na fachada nordeste dos
edifícios. Tal fenômeno pode ser compreendido quando se considera que as
superfícies aquecidas durante o dia passam por resfriamento no período
Cidade sustentável: um conceito em construção - 231

noturno, aquecendo, desta forma, as camadas de ar do seu entorno.


Romero (2011) destaca que, nos cânions urbanos enclausurados, boa parte
da abóbada celeste que seria “vista” pelas superfícies, é bloqueada pelos
outros edifícios, e as perdas por radiação de ondas longas são reduzidas,
contribuindo para o aquecimento noturno.
Quanto à umidade específica do ar, no horário das 13 h, observa-se
uma sutil redução na escala de 0,015 g/kg (cor mais escura), na porção sul
do cenário, e uma elevação na escala de 0,015 g/kg (cor mais clara), na
porção Norte (Figura 9).

Figura 9 – Mapa das diferenças de umidade específica do ar (g/kg) a 2,0 m do chão entre os
cenários real e hipotético
232

Tal resultado tem relação direta com o comportamento da


velocidade do ar, resultando maiores umidades em regiões com redução da
velocidade do ar e menores umidades em regiões com elevação da
velocidade do ar (Figura 8).
Às 6 h e 19 h, a umidade específica do ar (Figura 9) também é
fortemente influenciada pela velocidade do ar (Figura 8). Observam-se
efeitos mais concentrados nas proximidades dos edifícios (em torno de 15
metros de afastamento), principalmente nos quintais a sota-vento das
edificações. Às 6 h observa-se o efeito de redução da umidade específica do
ar (cor mais escura) (Figura 9) na região da praça, localizada na fachada
nordeste dos edifícios. No entanto, este efeito é pouco percebido nas
quadras ocupadas pelas edificações residenciais.
Os cortes x e y reforçam a influência da ventilação no
comportamento da variável umidade específica do ar e demonstram a
pouca influência da redução do gabarito dos edifícios na mesma (Figura 10).

Figura 10 – Mapa das diferenças de umidade específica do ar (g/kg) entre os cenários real e
hipotético nos cortes X e Y
Cidade sustentável: um conceito em construção - 233

4 CONCLUSÃO

Os efeitos da verticalização no microclima da porção urbana


estudada foram pouco evidenciados na região do cenário ocupada pelas
residências, ficando, na maior parte do dia, concentrados nas proximidades
dos edifícios e nas quadras localizadas a sota-vento dos mesmos. Observou-
se, ainda, que, no início da noite, os efeitos da verticalização são benéficos,
uma vez que possibilitam redução das temperaturas do ar devido ao
sombreamento dos quintais. Do início da manhã até o início da tarde, no
entanto, a redução do gabarito possibilitou a obtenção de menores
temperaturas na maior parte do cenário.
A umidade específica do ar sofre influência significativa da velocidade
do ar, resultando menores umidades nas porções com elevação na
velocidade. No entanto, a influência da alteração dos gabaritos dos edifícios
na umidade se mostrou pouco expressiva, variando de reduções de
aproximadamente 0,04 g/kg a elevações de 0,05 g/kg.
Apesar de o zoneamento urbano proposto pela legislação local para a
porção urbana estudada ter se mostrado adequado, quando avaliados os
parâmetros ambientais e de microclima, observa-se que nele não existem
parâmetros que condicionem tal resultado. Destaca-se por meio do
presente estudo a necessidade de se incluir parâmetros de posicionamento
das zonas de maior impacto, considerando a direção predominante dos
ventos e criação de zonas de amortecimento (praças e parques), quando o
mesmo não for possível.

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Cidade sustentável: um conceito em construção - 235

Capítulo 13

EM BUSCA DA EFICIÊNCIA ENERGÉTICA EM EDIFICAÇÕES:


INTEGRAÇÃO DA SIMULAÇÃO TERMOENERGÉTICA NAS PRIMEIRAS
FASES DO PROCESSO DE PROJETO59

Clara Ovídio de Medeiros Rodrigues60


Aldomar Pedrini61

1 INTRODUÇÃO

O projeto de arquitetura apresenta grande potencial para a


incorporação de estratégias de redução do impacto ambiental em seu
escopo. Dentre as várias possibilidades, destaca-se a integração de medidas
de eficiência energética desde as primeiras fases projetuais. Os recursos
mais recorrentes são o conhecimento empírico do projetista, o emprego de
recomendações e princípios, o uso de precedentes arquitetônicos e, cada
vez mais, a integração com sofisticadas ferramentas computacionais.
As ferramentas de simulação do comportamento termoenergético da
edificação proporcionam a quantificação do desempenho, sobretudo para o
atendimento de metas estabelecidas em normas, selos e etiquetas, e
possibilitam a análise das variáveis de projeto de maior influência no
desempenho energético. Tais ferramentas frequentemente são empregadas
no final do processo, quando as características do mesmo estão bem
definidas. Entretanto, elas podem contribuir para o processo desde as
primeiras fases, quando as decisões mais influentes no desempenho da
edificação são tomadas em meio ao processo projetual multidisciplinar,
muitas vezes subjetivo, cujas características variam de acordo com a
especificidade do projeto.

59
Trabalho apresentado no XIII Encontro Nacional e IX Encontro Latino-americano de Conforto
no Ambiente Construído, em outubro de 2015, sob o título “Análise de variáveis por meio de
simulação termoenergética nas primeiras fases do processo de projeto”.
60
Doutoranda, PPGAU-UFRN e professora DCSAH-UFERSA. E-mail: claraovidio@gmail.com
61
PhD, professor DARQ - UFRN. E-mail: apedrini@ufrnet.br
236

As primeiras decisões de projeto frequentemente são as mais


influentes no desempenho energético da edificação. Apesar das dificuldades
intrínsecas ao processo projetual não linear e para o qual não há uma única
maneira de chegar ao resultado, o potencial de uso dessas ferramentas é
enorme devido à sua flexibilidade.
Como a maior fração do consumo de energia é frequentemente
atribuída às instalações prediais de iluminação e de condicionamento de ar,
as variáveis arquitetônicas associadas às cargas térmicas removidas pelo
condicionador de ar e as variáveis associadas à iluminação natural passam a
ter mais impacto que a eficiência dos próprios sistemas.
Simulações do desempenho energético de ambientes de escritórios,
baseadas em aproximadamente 40.000 combinações, para o clima de
Brisbane/Austrália (similar ao de Florianópolis/SC), indicam que as
características arquitetônicas podem influenciar o consumo de energia em
até 72%, enquanto as características de condicionamento de ar e de
iluminação artificial eficientes economizam até 48% (PEDRINI, 2003).
Simulações do comportamento de hotéis para o clima quente e úmido de
Natal/RN identificaram reduções de até 65% no consumo de energia
atribuídas às combinações de variáveis arquitetônicas, e de apenas 28%
para um condicionamento de ar mais eficiente (LIMA, 2007).
Além do impacto individual de cada variável, Lima (2007) analisou o
impacto de duas ou mais variáveis arquitetônicas combinadas, e foi
verificado que quanto maior o número de variáveis combinadas, menor o
impacto no consumo de energia da edificação. Destaca-se que a variável
mais influente apresenta um impacto significativo na eficiência energética
do edifício; a segunda variável demonstra uma influência intermediária; a
terceira variável apresenta uma influência bem menor; e as demais variáveis
pouco influenciam o desempenho. Logo, as ações não devem ser adotadas
indiscriminadamente, principalmente quando seu custo revela grande
influência na escolha do cliente ou projetista, porém, deve ser realizado um
estudo das possibilidades.
Além de Lima (2007), Negreiros (2010), Simas (2009), Venâncio
(2007), Lima (2007), Cunha (2010) e Dias et al. (2013) realizaram estudos
que auxiliam na compreensão do comportamento das variáveis como
Cidade sustentável: um conceito em construção - 237

transmitância, absortância, fator solar, orientação, percentual de abertura


na fachada, dentre outros, para os climas quente e úmido e quente e seco.
A avaliação do desempenho termoenergético de edificações, ainda
que em fase de projeto, implica a consideração de incertezas dos dados de
entrada, frequentemente maiores que a simulação de projetos detalhados.
Isso porque, para as análises serem aceitas pelas normas e regulamentos,
são necessários resultados válidos e mais realistas, normalmente atendidos
por meio da determinação de intervalos válidos (FÜRBRINGER; ROULET,
1999).
Silva e Ghisi (2014) conceituam a incerteza como todo tipo de
imprecisão das propriedades térmicas e físicas dos materiais e componentes
construtivos, podendo-se afirmar que a incerteza passa a existir no
momento em que se especifica um parâmetro, ou seja, se a medida é
desconhecida, tem-se uma variação, mas se já é conhecida, tem-se a
incerteza. No caso de simulações termoenergéticas de edifícios, estão
também as características de comportamento do usuário, tais como a
atividade e as rotinas de uso (SILVA, GHISI, 2014). Apesar da compreensão
desse efeito, é preciso entender ainda o impacto de cada variável inserida
no modelo de simulação computacional. Corroborando com essa visão, Wit
(2003) aponta as análises de sensibilidade como mais apropriadas que a
análise de incertezas, tendo em vista que nas primeiras fases de projeto
poucos valores absolutos são determinados. Essa técnica de análise se
concentra na definição da importância de um parâmetro, individualmente,
sem considerar a interação dos vários parâmetros (WIT, 2003).
A análise de sensibilidade verifica o comportamento de
características térmicas no desempenho de edificações em diversas
situações, destacando-se aqui o projeto de edificações (SILVA; GHISI, 2013).
Ela também pode ser usada para, por exemplo, indicar os parâmetros
necessários de observação em análises posteriores, e indicar quais podem
ser fixados ou simplificados, de forma a obter uma análise mais eficiente e
um modelo simplificado (SALTELLI; TARANTOLA; CAMPOLONGO, 2000; WIT,
2003). Além disso, podem ordenar as variáveis pela sua importância e não
definir seus valores absolutos, como aconteceria em fases de maior
detalhamento. Dessa forma, ela é utilizada quando o objetivo é conhecer a
influência dos parâmetros (WIT, 2003). Nesse sentido, ferramentas
238

complexas podem ser simplificadas para utilização como ferramentas nas


primeiras fases, por meio do uso de padrões e arquivos pré-configurados
(PEDRINI, 2003).
Este capítulo tem como objetivo demonstrar a importância da
identificação dos parâmetros com maior impacto no desempenho da
edificação desde as primeiras fases do projeto.

2 MÉTODO

O método abrange a compreensão e a definição do modelo a ser


simulado nas primeiras fases projetuais e o tratamento e interpretação dos
dados de saída da simulação, para que o usuário obtenha respostas sucintas
e objetivas para o projetista. A ferramenta de simulação termoenergética
adotada foi o programa DesingBuilder, já que pode ser usada de maneira
simplificada, apesar de ser uma ferramenta complexa, e utiliza os algoritmos
confiáveis do EnergyPlus. Ela também apresenta recursos que facilitam as
análises, como gráficos de balanço térmico horário e análises denominadas
pelo programa como paramétricas.
A modelagem de cada caso consistiu em inserir no programa as
principais características já definidas pelo arquiteto, obtidas durante a
conversa inicial. As variáveis ainda indefinidas foram complementadas no
modelo, com o uso de padrões conservadores, de acordo com a meta a ser
atingida. Além desses dois aspectos, ainda se utilizou o conhecimento
precedente para definir os parâmetros que foram investigados e os que
foram simplificados por meio de abstrações e de utilização dos padrões
(Quadro 1). Para o padrão da envoltória, utilizou-se configuração de parede
de alvenaria comum, telha sanduíche e vidro verde.
Concluídas a modelagem e a simulação, foram tratados os dados de
saída. Para que as informações relevantes se tornassem compreensíveis
para os arquitetos, lançou-se mão de planilhas pré-configuradas para
acelerar as respostas e complementar as análises dos resultados. Para
auxiliar nas análises, verificou-se se os resultados obtidos vão ao encontro
das referências.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 239

Tabela 7 - Quadro de padrões (variáveis de ocupação e sistemas)


para configuração da simulação

Dados de entrada do padrão Tipologias simuladas/Fonte


por tipo
Escritórios Fonte Sala de aula Fonte
Sentado LTD, 2000- LTD, 2000-
Atividade digitando 2009 Sentado 2009
Ocupação CARLO, CARLO,
Ocupação média 0,12 2008 0,12 2008
7-12:30 h;
9-18 h; CARLO, 13-18:30 h; UFRN,
Rotina 18-22 h 2008 18:45-22:15 h 2014
CARLO, LTD, 2000-
Equipamento 17,3 W/m² 2008 4,7 2009
7-12:30 h;
9-18 h; CARLO, 13-18:30 h; UFRN,
Densidade de Rotina 18-22 h 2008 18:45-22:15 h 2014
carga interna BRASIL, LTD, 2000-
Iluminação 9,7 W/m² 2010 5 W/m² 2009
7-12:30 h;
9-18 h; CARLO, 13-18:30 h; UFRN,
Rotina 18-22 h 2008 18:45-22:15 h 2014
CARLO, TRINDADE,
Tipo Split 2008 Split 2013
12000 CARLO, CIRNE,
Capacidade BTU/h 2008 12000 BTU/h 2013
INMETRO, INMETRO,
Eficiência 3,0 2013 3,0 2013
7-12:30 h;
Condicionamen-
9-18 h; BRASIL, 13-18:30 h; UFRN,
to de ar
Rotina 18-22 h 2010 18:45-22:15 h 2014
Taxa de LTD, 2000- LTD, 2000-
infiltração 0,7 ac/h 2009 0,7 ac/h 2009
CARLO,
2008;
Set point ABNT, ABNT,
resfriamento 24 °C 2008 24 °C 2008
Fonte: LTD (2000-2005); Carlo (2008); Brasil (2010); UFRN (2014); Trindade (2013); ABNT (2008)
e INMETRO (2013).

A análise do comportamento das cargas térmicas horárias foi


realizada com base nos dados de saída do balanço térmico do programa. O
gráfico de saída do programa aponta as fontes de cargas térmicas: vidros
(condução), paredes, forro, piso, divisórias, cobertura, ventilação natural
interna, ar externo, da iluminação, dos equipamentos, da ocupação e dos
240

ganhos solares em janelas externas. As informações obtidas do gráfico


anterior são conferidas quanto à magnitude da sua contribuição, quando
ocorre, se o comportamento é coerente com as características das
propriedades térmicas dos sistemas construtivos das suas fontes, e quanto à
possibilidade de haver situações em que cargas se anulam. As trocas de ar
por hora também foram analisadas para comprovar as configurações do
cálculo de ventilação. As informações do balanço térmico são inseridas na
planilha para cálculo das cargas térmicas de resfriamento (PEDRINI et al.,
2014), de maneira a tornar visíveis os parâmetros que mais influenciam na
carga térmica de resfriamento do edifício.
A análise de variação de parâmetros permite analisar o impacto que
múltiplos valores de determinada característica, ou mais (o DesignBuilder
permite até duas, simultaneamente), exercem sobre uma variável. Essa
análise foi requerida apenas pelo caso 2, no qual avaliou-se o impacto do
percentual de abertura na fachada total (PAFT) e do sombreamento no
consumo de energia da edificação. Esses dados também foram exportados e
trabalhados em novos gráficos, o que facilita a compreensão de variações do
consumo de energia e percentuais de redução.
A análise de conforto para o uso de ventilação híbrida ou natural se
baseia na temperatura operativa, temperatura do ar e temperatura radiante
para considerar o efeito do movimento de ar na determinação de conforto
pelo método adaptativo proposto por Negreiros (2010), com base no
modelo de De Dear e Brager (2002) e na ASHRAE Standard 55 (ASHRAE,
2004), resultando em ocorrências de desconforto ao frio, conforto, conforto
com movimento de ar e desconforto ao calor. Essa informação pode ser
detalhada para exibir a ocorrência de faixas de conforto e desconforto ao
longo das 24 horas do dia, para todo o ano. A leitura permite relacionar as
ocorrências de conforto e desconforto às horas do dia. A análise indica o
potencial do uso de ventilação híbrida, apontando o período com maior
potencial para do uso da ventilação natural ou de ventilação mecânica.
Após a análise dos três casos, os resultados foram comparados a fim
de identificar as variáveis de maior impacto no consumo de energia de cada
edificação. Para essa comparação foram considerados a principal
característica da edificação e o tipo de condicionamento de ar. Nas
experiências com a simulação simplificada inserida nas primeiras fases de
Cidade sustentável: um conceito em construção - 241

projeto de edificações novas são denominados casos 1, 2 e 3. Destaca-se a


atuação do usuário de simulação apenas como consultor no caso 3 e como
consultor e membro da equipe de projetista nos casos 1 e 2.

2.1 CARACTERIZAÇÃO DOS CASOS

O projeto do Caso 1 foi desenvolvido para atender à demanda de um


Instituto de Tecnologia em Petróleo e Gás (IST) acoplado ao Senai da cidade
de Mossoró/RN. Para o projeto, inicialmente foram analisadas as estratégias
bioclimáticas compatíveis com a zona bioclimática 07, na qual Mossoró se
insere. As estratégias utilizadas no projeto foram: inércia térmica por meio
do uso de paredes externas com baixa transmitância; uso de pequenas
aberturas; pouca ventilação; sombreamento das aberturas; e a criação de
um pátio interno com espelho d’água para redução da temperatura por
meio da evaporação e saída do calor por exaustão. O pátio interno também
contou com a redução da temperatura radiante, tendo em vista que as
paredes que o conformavam eram compartilhadas com ambientes
condicionados artificialmente. Na primeira versão do projeto, ainda na fase
de esboço, foi aplicada a simulação (Figura 11). As análises do caso 1
voltaram-se para a simulação do conforto térmico do pátio central do
edifício, área projetada para ser condicionada naturalmente e coberta com
telha sanduíche.
O caso 2 contemplou o projeto do Instituto Brasil-Alemanha de
Inovação (IBRALI), implantado numa Zona de Preservação Ambiental no
bairro do Guararapes, Natal-RN. O estudo preliminar do edifício-sede do
IBRALI (Figura 12) deveria contemplar espaços de escritórios para a
instalação de empresas, espaço para formação profissional, auditório para
recebimento de visitantes, espaço para instalação de stands, área
administrativa e mirante para o parque eólico e para a planta fotovoltaica.
Como os projetistas já possuíam amplo domínio sobre as diretrizes
bioclimáticas para o clima quente e úmido (Natal-RN), não havia muitas
dúvidas para o desenvolvimento do projeto. Dessa forma, foi possível
simular as ideias iniciais do grupo com bastante clareza.
242

Figura 11 – IST em fase de esboço, fachada Figura 12 - Edifício sede IBRALI


frontal

Fonte: Imagens obtidas com os projetistas das edificações.

O caso 3 consiste na análise do projeto do Complexo Cultural da


Fundação Capitania das Artes (FUNCART), que estava sendo desenvolvido
dentro do escopo do Mestrado Profissional do PPGAU-UFRN, e previa a
expansão da edificação, localizada no bairro da Ribeira, Natal-RN. A análise
do projeto teve seu início com uma reunião entre a usuária da simulação e o
projetista, durante a qual foram definidas estratégias para tornar a
edificação energeticamente mais eficiente. O nível de desenvolvimento do
trabalho era compatível com o de um anteprojeto, com definições de
orientação, volumetria, planta baixa, materiais de fechamento, configuração
das aberturas e proteção solar.
A partir desse contato foi possível compreender a necessidade de
comportar o uso público e cultural dessa área histórica, pautada na
interação visual entre interior e exterior. Ainda que não houvesse uma meta
de desempenho energético obrigatória, a preferência foi por atingir a
Etiqueta PBE Edifica nível A. Foram exploradas três questões: o desempenho
para uma fachada 100% envidraçada e 100% sombreada poderia ter
resultado semelhante ao de uma fachada 50% envidraçada e 100%
sombreada? Seria possível utilizar ventilação híbrida? Em quais horários
seria possível utilizar a ventilação natural?
Considerando que os edifícios do complexo eram semelhantes
quanto à solução de fachadas e divisão interna, foi analisado o pior caso.
Dessa forma, optou-se por simular a edificação que apresentava as maiores
fachadas voltadas para sudoeste (Figura 13).
Cidade sustentável: um conceito em construção - 243

Figura 13 – Complexo cultural FUNCART

Fonte: Imagem obtidas com os projetistas das edificações.

3 RESULTADOS

Os resultados obtidos com a aplicação das simulações serão


apresentados e discutidos neste tópico.

CASO 1 – INSTITUTO SENAI DE TECNOLOGIA EM PETRÓLEO E GÁS (IST)

Os resultados obtidos no DesignBuilder para o pátio interno (Figura


14 e 15), relativos à temperatura do ar e temperatura radiante, foram
inseridos na planilha desenvolvida por Negreiros (2010), e indicam que o
pátio atingiria até 76% de horas em conforto térmico, 22% em conforto
condicionado ao movimento de ar sobre a pele do usuário, 1% em
desconforto ao calor e 1% em desconforto ao frio (Figura 15). O desconforto
ao frio ocorreria principalmente no período da madrugada, quando o prédio
não está ocupado, e o desconforto ao calor ocorreria no horário de uso,
sendo a ocorrência considerada aceitável. Assim, os resultados confirmaram
que as estratégias utilizadas estavam adequadas.

Figura 14 – Vista do pátio interno Figura 15 - Gráfico percentual de horas em conforto


simulado

Figura 16 - Edifício modelado no


DesignBuilder

Fonte: Rodrigues (2014).


244

Após essa fase, o cliente modificou o programa de necessidades e o


grande pátio central foi inviabilizado devido ao aumento das áreas
destinadas a laboratórios, enquanto o terreno permaneceu com as mesmas
dimensões. Além disso, a urgência de apresentação da proposta para o
órgão financiador também inviabilizou as análises de cargas térmicas, de
sensibilidade de variáveis construtivas e das demais versões do edifício.

CASO 2 - EDIFÍCIO DO INSTITUTO BRASIL-ALEMANHA DE INOVAÇÃO (IBRALI)

No momento da simulação desse projeto, alguns aspectos do


procedimento das simplificações já estavam definidos, de forma que foi
possível a realização da simulação inicial em cerca de 3 horas. Esse caso foi
relevante devido à primeira aplicação das simplificações de modelagem
(Figura 17A) que deverão integrar o procedimento para atender à
diminuição do tempo gasto para modelagem da edificação. Apesar do
tempo não ser um critério de avaliação deste trabalho, ele se mostra
essencial na integração da simulação às primeiras fases do projeto.
As principais simplificações foram: a adoção de características
recorrentes na construção local e dos dados disponíveis na biblioteca do
programa (DesignBuilder), como tipos de materiais, clima da cidade, rotinas
de ocupação, potência instalada para equipamento e iluminação; a
modelagem com dimensionamento das aberturas a partir da intenção dos
projetistas; e no módulo de projeto (pano de vidro ou abertura simples) e
modelagem de estratégias de forma genérica, como de um único tipo de
sombreamento para todas as aberturas completamente sombreadas.

Figura 17 – IBRALI: primeira modelagem (A) e segunda modelagem (B)

(A)

(B)
Fonte: Rodrigues (2014).
Cidade sustentável: um conceito em construção - 245

Diante do pouco tempo disponível para que os projetistas


desenvolvessem o esboço, não foi possível prosseguir com as análises a
tempo de serem utilizadas na finalização do projeto. No entanto, após o
desenvolvimento do estudo preliminar, foi dado prosseguimento às análises
a fim de sugerir orientações aos projetistas para o desenvolvimento do
projeto. Para tanto, foi necessário realizar pequenos ajustes no modelo,
principalmente para compreender o uso da ventilação natural. A principal
questão na nova modelagem foi a compreensão do átrio como ambiente
externo, já que o foco para a análise eram as salas. Dessa maneira, houve
uma segunda modelagem, conforme apresentado na Figura 17B.
Esse novo modelo apresentou os ganhos internos (Figura 18) como as
principais fontes de calor da edificação, o que sugere que a envoltória pode
estar bem resolvida se a modelagem das cargas de ocupação, equipamentos
e iluminação estiverem coerentes. Assim, como diretriz para o
desenvolvimento do anteprojeto, apresentou-se uma atenção especial
quanto à especificação das proteções solares, já que elas serão muito
importantes para reduzir os ganhos térmicos provenientes da radiação solar
e podem melhorar ainda mais o comportamento da envoltória.

Figura 18 – Gráfico de cargas térmicas para o IBRALI


Carga térmica IBRALI
Vidros (radiação solar)
Ocupação
Equipamentos
Iluminação
Paredes internas
Variáveis

Piso
Coberta
Paredes
Vidro (condução)
0,0 25,0 50,0 75,0 100,0 125,0 150,0
Carga térmica para resfriamento (MW)
Fonte: Rodrigues (2014).

Ao seguir-se para a análise da ventilação natural, foi possível


observar que as janelas precisariam ficar abertas além do horário de
funcionamento da edificação (8-18 h), até as 22 h, para que o calor
246

excessivo gerado pela iluminação artificial e o calor que ainda estava


armazenado, oriundo da radiação solar, fossem removidos.
Com esse ajuste, chegou-se a 9% de ocorrências das horas do ano em
desconforto ao calor (Figura 19A), mais especificamente, no período das 10
às 18 h, sendo o pico às 15 h com, aproximadamente, 40% das ocorrências
desse horário durante o ano. A análise para cada mês (Figura 19B)
demonstra que seria necessário o uso de condicionamento artificial após as
10 h da manhã apenas nos meses de dezembro a março (Figura 19B).

Figura 19 – Análise da ventilação natural no IBRALI: percentual de horas em conforto (A) e


gráfico do percentual de horas em conforto a cada mês – IBRALI (B)
Calor
9%
Conforto
43%

Conforto se
ventilado
48%
(A)
100
90
80
70
Frequência (%)

60
50
40
30
20
10
0
jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez
Mês
calor conf + ar mov. conforto frio (B)
Fonte: Rodrigues (2014).

CASO 3 – COMPLEXO CULTURAL FUNCART

Com base na edificação mais representativa, foi simulado o caso que


garantia a interação do exterior com interior, conforme diretriz de projeto,
Cidade sustentável: um conceito em construção - 247

mas que ainda não se preocupava com o sombreamento (Figura 20A).


Assim, foram identificadas as principais fontes de carga térmica (Figura 20B).

Figura 20 – Modelo da FUNCART com 100% de PAFT e 0% de sombreamento (A) e Gráfico


de carga térmica da FUNCART para esse modelo (B)

(A)

Vidros (radiação solar)


Ocupação
Equipamentos
Iluminação
Variáveis

Paredes internas
Piso
Coberta
Paredes
Vidro (condução)
0,0 100,0 200,0 300,0 400,0 500,0 600,0
Carga térmica para resfriamento (MW) (B)
Fonte: Rodrigues (2014).

Os principais ganhos de aquecimento que implicam em cargas


térmicas de resfriamento decorrem da radiação solar nas aberturas,
seguidos pela ocupação e iluminação artificial (Figura 20B). Apenas a
primeira é proveniente da arquitetura, as demais são relativas ao uso e ao
sistema predial. As outras fontes inerentes à arquitetura apresentavam
valores de carga térmica inferiores às principais cargas internas, indicando
que a cobertura (vedação horizontal) estava bem resolvida, faltando
solucionar o mau desempenho da vedação vertical.
Foram consideradas estratégias de redução da carga térmica das
aberturas e a necessidade de avaliar as influências do tamanho das
aberturas, da proteção solar e do tipo do vidro. No entanto, para o último, o
arquiteto já havia decidido por um vidro verde, que garantia a transparência
requerida pelo partido e reduzia a carga térmica que o ultrapassava.
248

Considerando o tempo demandado para a simulação, foram investigadas as


variáveis relativas ao PAFT e à proteção solar. Destaca-se que essas variáveis
foram as que o arquiteto questionou quanto ao comportamento.
Foram realizadas três simulações para analisar aberturas de 100% ou
50% de área envidraçada para 0% e 100% de sombreamento. O menor
consumo de energia, 936.491 Mwh, ocorreu para a configuração com menor
área de abertura e maior sombreamento. O resultado para a combinação de
100% de PAFT e 100% de sombreamento foi apenas 1% superior, de 940.635
Mwh (Figura 21).

Figura 21 – Gráfico de comparação do consumo de energia para cada caso (A) e Gráfico do
percentual de redução do consumo de energia, com ênfase no sombreamento (B)

PAFT 100% 940635,5


somb.
100%

PAFT 50% 936491,2


0% somb.

PAFT 50% 1035180

PAFT 100% 1101957

0 200000 400000 600000 800000 1000000 1200000


Consumo de energia (kWh) (A)
16,0%
15,0%
Potencial de redução do
consumo de energia (%)

14,0%
14,6%
12,0%
10,0%
8,0%
6,0% 6,1%
4,0%
2,0%
0,0%
0,0%
100% PAFT 50% PAFT
Percentual de abertura na fachada total (PAFT) (%)
100% Sombreamento 0% Sombreamento
(B)
Fonte: Rodrigues (2014).

Observa-se que o PAFT é significativo quando o sombreamento


é inexistente, com a redução do percentual influenciando até 6% do
consumo anual. A redução do PAFT de 100 para 50% quando
Cidade sustentável: um conceito em construção - 249

completamente sombreada é inferior a 1% do consumo de energia


anual (Figura 21). A mudança da fração de sombreamento da
abertura é mais influente até 15%, quando o PAFT é maior (Figura
21), demonstrando que o sombreamento é uma estratégia de
destaque para a eficiência energética desse edifício.
Esses resultados apontam que a redução da carga térmica
proveniente da radiação solar incidente no vidro, devido à redução
do PAFT (Figura 21 e Figura 22), não se faz necessária quando a área
envidraçada está completamente sombreada porque o elemento de
proteção é responsável por impedir que a insolação chegue até o
vidro. Dessa forma, não é necessário investir nas duas variáveis;
apenas o sombreamento cumpre o papel de melhoria da eficiência
do partido.
A análise das demais fontes de cargas térmicas em cada um
dos casos (cargas térmicas de resfriamento em MW) demonstra que
quanto mais eficiente é a envoltória, menor será a carga térmica
proveniente desses itens, enquanto os ganhos internos (ocupação,
iluminação e equipamentos) permanecem constantes (Figura 22). No
caso menos eficiente, 100% PAFT e nenhum sombreamento (verde),
a carga térmica proveniente dos vidros chega a ser maior que a carga
proveniente da iluminação e da ocupação. Nos casos em que a
envoltória já apresenta desempenho satisfatório, mudam as
prioridades porque é necessário atentar para as especificações dos
equipamentos e para o desenvolvimento do projeto luminotécnico,
de maneira que a redução do consumo de energia seja ainda maior.
250

Figura 22 – Gráfico de contribuição na carga térmica positiva para os casos simulados

Vidros (radiação solar)


Ocupação
Equipamentos
Variáveis

Iluminação
Paredes internas
Piso
Coberta
Paredes
Vidro (condução)

0,0 100,0 200,0 300,0 400,0 500,0 600,0


Carga térmica de resfriamento (MW)
50% PAFT 100% somb 100% PAFT 100% somb
50% PAFT 0% somb 100% PAFT 0% somb
Fonte: Rodrigues (2014).

A análise da ventilação natural foi realizada com base na


simulação de todo o edifício, com exceção do subsolo. O modelo
utilizado obteve bom desempenho termoenergético e atendeu aos
objetivos do projetista – PAFT 100% e sombreamento de 100%.
Verificou-se que a ventilação natural poderia ser utilizada em 34%
das horas do ano; em 64% das horas do ano o conforto fica sujeito ao
movimento de ar (Figura 23), que poderia ser garantido por meio do
uso de ventilador de teto.

Figura 23 – Gráfico do percentual de horas de conforto – FUNCART


Calor
2% Conforto
34%
Conforto se
ventilado
64%

Fonte: Rodrigues (2014).


Cidade sustentável: um conceito em construção - 251

Figura 24 – Gráfico do percentual de horas em conforto a cada hora – FUNCART


100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24
Frio Conforto Conf. + Vent. Calor
Fonte: Rodrigues (2014), adaptado de Negreiros (2010).

Os 2% de horas em desconforto ao calor (Figura 23) ocorrem durante


o intervalo de meio-dia até 17 horas. O fato de que menos de 10% dessas
horas ao longo do ano provocam desconforto (Figura 14), demonstra que o
uso do ar-condicionado é mais indicado para o período da tarde e para
apenas 10% do ano.
Além da fachada 100% envidraçada e 100% sombreada, a edificação
pode se beneficiar do uso de ventilação natural com auxílio de ventiladores.
A eficientização do esboço nesse caso proporcionou uma redução no
consumo de energia de aproximadamente 14%, sendo que ainda é possível
reduzir esse valor se considerarmos o uso da ventilação mecânica em boa
parte do ano. As contribuições trazidas pela análise de ventilação híbrida
levaram à sua incorporação na sistematização das análises integradas às
primeiras fases do processo projetual.
Ainda é possível desenvolver estudos mais aprofundados, em fases
posteriores do projeto, sobre a integração do uso da iluminação natural na
edificação, reduzindo o consumo durante o dia com a iluminação artificial.
252

Variáveis analisadas
Verificou-se que as simulações apontam para a intervenção em
apenas duas variáveis principais (Quadro 1), conforme Lima (2007). Essas
duas variáveis são responsáveis por uma grande diminuição no consumo de
energia; uma terceira variável teria uma redução não tão significativa. No
entanto, pode-se considerar que o uso dos padrões para os elementos que
ainda não haviam sido definidos pode ter contribuído para esse pequeno
número de variáveis, a exemplo do padrão que definia uso de baixa
absortância nos projetos. Da mesma forma, as aberturas sempre
apresentavam uso de vidro verde, de maneira que permitisse focar a
investigação no sombreamento a do sistema proposto.
Essa seleção prévia se deu em função da liberdade de modificação do
projeto, como também do uso de experiências precedentes e
conhecimentos adquiridos com as referências bibliográficas na tomada de
decisões por parte da simuladora. Essa agiu proativamente no sentido de
diminuir a quantidade de simulações e o tempo necessário para resolver os
casos e conversar com os projetistas sobre os resultados.
As soluções de edificações predominantemente horizontais passam
recorrentemente pela redução do fator de calor solar da cobertura e
redução da radiação solar proveniente das aberturas, por meio da análise do
sombreamento (Quadro 1).
As investigações que pautaram o Percentual de Abertura na Fachada
(PAF), respondiam a questões específicas trazidas pelos projetistas. A área
de ventilação respondeu às análises de ventilação natural; apenas no caso 3
as áreas de ventilação propostas já atendiam às necessidades da edificação.

Quadro 1 - Quadro resumo de estratégias utilizadas em cada caso


Cidade sustentável: um conceito em construção - 253

4 CONCLUSÕES

A avaliação dos três estudos de caso demonstra que é viável e


importante aplicar a simulação desde as primeiras fases projetuais,
orientando o projetista na melhora do desempenho termoenergético e no
atendimento de metas. Nesse processo, entende-se que cada caso tem suas
especificidades: complexidade de fenômeno, obtenção dos dados e
configurações de geometria, sistemas prediais, uso e ocupação do edifício.
A análise de sensibilidade, no processo de avaliação do projeto,
apresentou-se como um indicador das variáveis que precisavam e/ou
podiam ser melhoradas, visto que bons projetos reduzem o leque de
variáveis sobre as quais se pode intervir. Dessa forma, a análise de
comportamento termoenergético indica, no primeiro momento, que a
variável é importante; então, segue-se para a análise de sensibilidade com
variação de parâmetro, que demonstrará se o elemento escolhido é eficaz.
Essa relação entre a avaliação e a evolução do projeto demonstra que é
necessário haver o acompanhamento ao longo do processo, para que
análises preliminares não sejam utilizadas como se fossem finais, o que
estaria equivocado.
Além da orientação aos projetistas sobre as decisões projetuais, as
análises contribuíram no sentido de confirmar que algumas diretrizes
bioclimáticas, inicialmente obtidas para edificações residenciais
condicionadas naturalmente, podem ser aplicadas em edificações
comerciais com condicionamento ativo, a exemplo do sombreamento e
ventilação abundante para zona bioclimática 8. Permitiram, também, a
compreensão do comportamento de algumas variáveis que até então não
haviam sido muito discutidas, a exemplo da comparação entre o aumento
da área opaca ou a utilização de sombreamento.
O quadro resumo permite ainda perceber que as diretrizes para
melhorar o desempenho para cada caso giraram em torno de apenas duas
variáveis, as quais serão determinadas de acordo com cada caso.
Por fim, compreende-se que a simulação tem o intuito de testar o
projeto. De acordo com os resultados obtidos, aí sim pode-se ver a
necessidade de melhorias e, para isso, novas simulações levariam a
sugestões. Assim, a simulação integrada apresenta-se como ferramenta de
254

projeto, já que quanto mais inicial a fase do processo, mais fácil de


compatibilizar as alternativas de melhoria no desempenho.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de


Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de
Financiamento 001.

REFERÊNCIAS

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Atlanta, Ga.: American Society of Heating Refrigerating and Air-Conditioning Engineers,
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BRASIL. Portaria nº 372, de 17 de setembro de 2010. Requisitos Técnicos da Qualidade para o
Nível de Eficiência Energética de Edifícios Comerciais, de Serviços e Públicos. Brasília:
Inmetro, 2010.
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Cidade sustentável: um conceito em construção - 255

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256
Cidade sustentável: um conceito em construção - 257

Capítulo 14

INCORPORAÇÃO DE RESÍDUOS EM TELHAS:


POTENCIALIDADES PARA MELHORIA DA AMBIÊNCIA TÉRMICA
EM HABITAÇÕES
62
Ivan Julio Apolonio Callejas
63
Luciane Cleonice Durante
64
Monique Caroline Mendes Duarte
65
Karyna de Andrade Carvalho Rosseti
66
Bruna Guimarães de Souza

1 INTRODUÇÃO

A cadeia produtiva da construção civil é considerada uma das mais


lucrativas da economia mundial e um dos setores que mais gera emprego e
renda. Pelo viés ambiental, sua magnitude também é de grande escala, visto
que a construção civil é responsável pelo consumo de 12% do total de água
doce utilizável do planeta, sendo que a indústria do cimento é responsável
por 5% das emissões de gases de efeito estufa e pelo consumo de 33% da
energia elétrica produzida. De todos os resíduos gerados nas cidades, 40%
provêm da construção civil (PNUD, 2012), que consome 32% de toda a
energia global e é responsável por um quarto do total das emissões globais
de CO2 (IEA, 2014). O parque edificado consome 42% da energia produzida
(TORGAL; JALALI, 2010).
No Brasil, a maioria das edificações, independentemente de seu
porte, é produzida de forma artesanal, ocupando novas áreas e se utilizam
somente de matérias-primas virgens como insumos. A geração de resíduos,
denominados Resíduos da Construção Civil (RCC), segundo Santos (2009), é
de 20% para residências novas, 21% para edificações novas acima de 300 m²
e as reformas ampliações e demolições representam 59% dos RCCs. Em se
62
Doutor, Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: ivancallejas1973@gmail.com
63
Doutora, Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: luciane.durante@hotmail.com
64
Pesquisadora, Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: moniquecmd@gmail.com
65
Doutora, Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: karynarosseti@gmail.com
66
Pesquisadora, Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: bruna-guima@outlook.com
258

tratando somente de energia elétrica, dados da EPE (2017) apontam a


seguinte estratificação do consumo por classe: industrial (35,6%), residencial
(28,9%), comercial (19,2%) e outros (16,3%), evidenciando quão
significativas são as residências no consumo de eletricidade.
Mediante essa enorme demanda de produtos, processos e serviços
do modus operandi atual da construção civil, é impositivo ao setor o
reconhecimento dos limites socioambientais de seus padrões de produção e
de consumo (DIAMOND, 2005) e, imprescindível, que sejam propostos
aprimoramentos de desempenho como forma de redução de seus impactos
ambientais.
Sob a ótica do impacto ambiental, é importante trazer a perspectiva
apresentada por Wathern como sendo “a mudança em um parâmetro
ambiental, em um determinado período e determinada área, que resulta de
uma dada atividade, comparada com a situação que ocorria se essa
atividade não estivesse sido iniciada” (WATHERN, 1988a, p. 7).
A discussão aqui proposta inicia-se com a constatação de que o
desenvolvimento que implica em transformação da natureza a partir da
exploração indefinida de seus recursos tem sido repensado por muitas
organizações, que já entenderam que suas atividades não devem conduzir à
escassez dos recursos naturais. Dessa compreensão deriva o entendimento
mais aceito atualmente do termo desenvolvimento sustentável, que engloba
não só a dimensão ambiental, mas também as dimensões social e
econômica, e que foi conceituado pela primeira vez por Burtland (1987).
Apresenta-se, então, conforme a Comissão Europeia (2014), pautada
na estratégia Europa 2020 para o período entre 2014-2020 «Horizonte
2020», o conceito de ecoinovação como:

Qualquer inovação que se traduza num avanço importante no


sentido do desenvolvimento sustentável, reduzindo o impacto dos
nossos modos de produção no ambiente, reforçando a resiliência da
natureza às pressões ambientais ou utilizando os recursos naturais de
forma mais eficiente e responsável. (COMISSÃO EUROPEIA, 2014, p.
1).

Este programa da União Europeia para a investigação e a inovação


(Horizonte 2020) apoia ideias inovadoras ancoradas em três grandes pilares:
excelência científica, liderança industrial e desafios sociais. Segundo esta
Cidade sustentável: um conceito em construção - 259

nova filosofia, a ecoinovação foca na redução de encargos ambientais que


considere pelo menos um tipo de recurso natural. Assim, sob esta ótica, a
inovação tecnológica não deve apenas visar à questão da eficiência
econômica dos sistemas produtivos, mas também objetivar a proteção
ambiental, tanto sob o caráter preventivo quanto corretivo.
Em se tratando da indústria da construção (IC), que possui extensa e
impactante cadeia produtiva, constata-se elevado potencial de mudança
socioambiental em suas ações. Um dos maiores desafios do setor é
aproximar o conceito da sustentabilidade do dia a dia das indústrias da
construção civil e fazer com que as práticas das premissas ambientais
estejam cada vez mais presentes nas organizações.
Aderir sustentabilidade ao desenvolvimento apresenta-se como um
grande desafio para as organizações da AEC (Arquitetura, Engenharia e
Construções). Essa adesão, muitas vezes, está relacionada às imposições
legais, uma vez que os governos também se movimentam neste sentido, e
outras, por razões de natureza empresarial, nas quais fazer parte desse
movimento passou a ser um fator de competitividade, diferenciação ou
qualificação para permanência no mercado. Em ambos os casos, é
indiscutível que, ao se comprometerem com a causa, as empresas devem,
necessariamente, mudar sua forma de atuação. A sustentabilidade é, então,
abordada transversalmente a todas as suas ações e a inovação surge como o
meio para sua promoção, como estratégia para a transição a modelos mais
sustentáveis de produção.
Assim, frente à necessidade de surgimento de novas ideias e
comportamentos, entende-se que é preciso fazer diferente. Confirma-se
também a importância de uma concepção ampla do segmento da AEC para
reconhecer “como e onde” a inovação acontece, indo além da construção,
incluindo atividades não só nas etapas de construção e projeto, mas
também no gerenciamento das informações, insumos, uso e operação,
descarte, dentre outras.
Diante desse contexto, este estudo se insere no subsetor da
construção civil e aborda a potencialidade da incorporação de resíduos –
agroindustriais e urbanos – na fabricação de materiais para os sistemas de
cobertura das edificações, assim como diversos autores (MULLER et al.,
2016; DAMASCENO et al., 2015; TONOLI et al., 2011; JARDIM, 2011). De
260

modo geral, o foco dessas pesquisas se concentra no fato de que o processo


de reaproveitamento dos resíduos, na maioria das vezes, permite a
fabricação de componentes e elementos construtivos com menor massa
específica aparente, sendo que a maior incorporação de ar proporcionada à
mistura e, consequente, porosidade, reduz a propagação de calor para o
interior do meio externo para o interno, melhorando o isolamento térmico
da edificação (TONOLI et al., 2011). Por outro lado, é possível que sejam
mantidas as características físicas e mecânicas semelhantes às dos materiais
tradicionais (MENDONÇA et al.; 2010).
No sistema de cobertura, as telhas, elementos pertencentes à
envoltória da edificação, com função de vedação externa e proteção às
intempéries (chuva, radiação solar e geada), apresentam elevada demanda
de utilização nas habitações rurais e urbanas. As telhas convencionais
usualmente empregadas em edificações residenciais são fabricadas a partir
de insumos, tais como argila, concreto e, ainda, fibrocimento (ABNT, 2005;
2009; 2014). Já as telhas não convencionais, incorporam resíduos
agroindustriais e urbanos, tratados como subprodutos de processos
produtivos, proporcionando uma alternativa socioeconômica, além de evitar
que estes sejam subutilizados ou descartados em aterros sanitários ou
depositados na natureza de forma inadequada (DA SILVA, 2012).
Assim, o objetivo deste estudo é avaliar o comportamento térmico
de habitações com telhas não convencionais, comparando-o com o das
telhas cerâmicas, também denominadas como telhas de barro. As telhas não
convencionais foram definidas como sendo as que incorporam celulose e
betume, as de material reciclado (Tetra Pak), as de fibrocimento com
incorporação de sisal, as de fibrocimento com incorporação de sisal e
polipropileno, as de concreto com adição de 7,5% de PET (Polietileno
tereftalato) moído na argamassa e as de concreto com adição de
poliuretano moído.
Consideraram-se as habitações inseridas nas capitais brasileiras de
Cuiabá-MT e Curitiba-PR, escolhidas por apresentarem climas de grande
rigor térmico para calor e frio, respectivamente. A cidade de Cuiabá possui
clima Tropical Continental (Zona Bioclimática 7), e a cidade de Curitiba
possui clima Subtropical, predominantemente frio (Zona Bioclimática 1).
Cidade sustentável: um conceito em construção - 261

Considerando o acima exposto, esta proposta encontra motivação


em pensar a sustentabilidade no universo da construção civil por meio da
escolha de materiais ambientalmente corretos, com baixas emissões e baixa
geração de resíduos, que promovam redução do consumo energético,
proteção da biodiversidade dos sistemas naturais existentes, maior
integração do ambiente construído com o meio ambiente e o bem-estar e
saúde do homem, demandando menos energia e água em todas as fases do
ciclo de vida.
Parte-se da ideia de mundo como um sistema ecológico, passando-se
a tratar o espaço físico como um lugar a partir de uma visão
fenomenológica, onde homem e ambiente são agentes indissociados. Essa
visão valoriza o homem e busca as qualidades sensoriais dos materiais e
ambientes e o caráter do lugar (TUAN, 1983). Isso corrobora com Sachs
(1986), ao afirmar que o homem criou, ao longo dos séculos, segundo os
lugares e a cultura, tipos de habitação variados e adaptados aos
ecossistemas e ao clima e muitos destes conhecimentos foram
abandonados em função da priorização de conceitos como globalização,
padronização e modernização. Assim, edificações de baixo impacto
socioambiental direcionam-se ao intercâmbio de costumes e práticas
culturais que promovem o desenvolvimento das comunidades locais,
propondo novo paradigma acerca da produção e o papel dos espaços
construídos na sociedade.

2 MATERIAIS E MÉTODO

O caminho metodológico guia-se pelas premissas da pesquisa


quantitativa, desenvolvida nas seguintes etapas, a seguir descritas: revisão
sistemática, definição do objeto de estudo e avaliação de desempenho
térmico.

2.1 REVISÃO SISTEMÁTICA

Para subsidiar a pesquisa, inicialmente foi elaborada uma revisão


sistemática baseada na indagação referente a quais resíduos sólidos
agroindustriais e urbanos têm sido pesquisados para fins de incorporação à
262

fabricação de telhas e quais informações técnicas estão disponíveis acerca


das suas propriedades térmicas, a saber: absortância, condutividade térmica
e calor específico.
A revisão sistemática é uma etapa fundamental na condução da
pesquisa, pois possibilita o mapeamento dos resultados relevantes já
obtidos por outros autores acerca da questão abordada no estudo. Seguiu-
se o método proposto por Dresch et al. (2015), avaliando a qualidade das
publicações conforme sua adequação e foco às questões propostas, a partir
de buscas em banco de dados eletrônicos nacionais e internacionais,
considerando-se como publicações teses, monografias e artigos.
A definição dos descritores foi feita com base nas propriedades
térmicas necessárias para a realização da simulação computacional:
condutividade térmica, densidade, calor específico e absortância. Os
resultados conduziram a oito trabalhos, apresentados na Tabela 1.

Tabela 1 – Propriedades físicas e térmicas de telhas


Calor
Tipo de telha/ Condutividade Densidade Absortância
específico Referência
espessura (cm) média (W/mK) (kg/m³) (α)
(J/kgK)

Cerâmica NBR 15220


0,9 1600 920 0,85
Espessura= 3 cm (ABNT, 2005)
Fibra de celulose e
betume 0,23 1075 1460 0,93 Jardim (2011)
Espessura= 0,3 cm
Material reciclado
(Tetra Pak) 1,68 1020 1550 0,47 Jardim (2011)
Espessura= 0,6 cm
Fibrocimento
reforçado com polpa Tonoli et al.
0,965 1350 1175 0,588
de sisal (2011)
Espessura= 0,8 cm
Fibrocimento
reforçado com sisal e Tonoli et al.
0,82 1300 1248 0,588
polipropileno (2011)
Espessura= 0,8 cm
Argamassa
cimentícia com Benosman et
1,3 2210 922 0,57
adição de 7,5% PET al. (2013)
Espessura= 2,5 cm
Argamassa
cimentícia com
Corinaldesi et
adição de 30% de 0,6 1621 1080 0,58
al. (2011)
poliuretano
Espessura= 2,5 cm
Cidade sustentável: um conceito em construção - 263

2.2 OBJETO DE ESTUDO

O objeto de estudo consiste de uma habitação com área de 39,57 m²


amplamente construída em várias regiões do Brasil e que possui
sala/cozinha, dois dormitórios e um banheiro (Figuras 1 e 2).

Figura 1 – Planta baixa da edificação utilizada no estudo Figura 2 – Habitação objeto de


(cotas em metros) estudo

O sistema construtivo é composto por paredes de tijolos cerâmicos


(espessura= 9 cm), revestidos externa e internamente com argamassa de
cimento e areia (espessura= 2,5 cm), esquadrias externas de aço e internas
de madeira e piso cerâmico (Figura 2), ou seja, com o padrão usualmente
construído nas habitações desse porte. Esta habitação tem sido foco de
vários estudos na região (GUARDA et al., 2018; RIOS, 2015; OLARTECHEA et
al., 2015; CALLEJAS et al., 2013).

2.3 AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO TÉRMICO

A avaliação do desempenho térmico seguiu os critérios da NBR


15575-1 (ABNT, 2013), considerando o método de simulação
computacional, que estabelece que devam ser simulados os recintos de
permanência prolongada (sala de estar e dormitórios), na orientação solar
264

mais crítica do ponto de vista térmico. No verão, a posição mais crítica


corresponde a um ambiente com duas paredes expostas, contendo uma
janela voltada para oeste e outra para o norte. No inverno, uma janela do
cômodo deve estar voltada para sul e a outra voltada para leste. Deve-se
considerar que as paredes e as janelas são totalmente desobstruídas e
pintadas cor clara, o que corresponde a uma absortância de 30%.
A modelagem da habitação foi realizada utilizando-se o software
SketchUp, que permite a edição e visualização em maquete eletrônica e o
plugin OpenStudio, que permite a edição dos materiais e a exportação das
características geométricas para simulação no software Energy Plus.
A habitação foi considerada operando com ventilação natural, ou
seja, com a possibilidade de se abrir as janelas (quando a temperatura
o
interna dos ambientes excede a 20 C, na condição de verão) ou fechá-las
o
(quando a temperatura interna é menor que 18 C, na condição de inverno).
Quando as janelas estão fechadas, ocorre ventilação pelas frestas. Variou-se
na simulação computacional apenas as propriedades termofísicas das telhas,
mantendo-se os demais elementos construtivos da edificação inalterados.
Os resultados foram simulados para o dia típico de verão em Cuiabá-
MT e para os dias típicos de verão e inverno em Curitiba-PR, conforme os
respectivos arquivos climáticos (EPW) tomados de Roriz (2012).
A simulação foi realizada na condição de ausência de ocupação,
portas e janelas fechadas e ventilação natural padrão estabelecida para os
ambientes (inclusive ático), ocorrendo apenas pelas frestas com taxa
unitária de renovação de ar por hora. Foram adotados os parâmetros de
coeficiente de rugosidade do entorno (α), de coeficientes de pressão
superficial (CP), de coeficiente de descarga (CD) e de coeficiente do fluxo de
ar por frestas (CQ), indicados pelo Regulamento Técnico da Qualidade para
o Nível de Eficiência Energética de Edificações Residenciais – RTQ-R (BRASIL,
2010). As áreas de abertura das janelas atendem aos requisitos do RTQ-R,
que indica que o percentual de abertura para ventilação em relação à área
de piso (A) deve ser superior a 5% e 8%, nas ZB 01 e 07, respectivamente.
A temperatura interna da habitação foi obtida pela média ponderada
da temperatura interna no centro de cada zona térmica pela sua área e foi
comparada à temperatura externa para enquadramento nos níveis de
Cidade sustentável: um conceito em construção - 265

desempenho mínimo (M), Intermediário (I) e Superior (S), conforme os


critérios da NBR 15575-1 (ABNT, 2013) constantes na Tabela 2.

Tabela 2 – Critérios de avaliação de desempenho térmico para condições de verão e


inverno para zonas 1 e 7
Nível de desempenho Dia típico de verão – Zonas 1 e 7 Dia típico de inverno– Zona 1

Mínimo (M) Ti , máx ≤ Te , máx Ti , min ≥ (Te , min +3 ºC)


Intermediário (I) Ti , máx ≤ (Te , máx. – 2ºC) Ti , min ≤ (Te , min.+5ºC)
Superior (S) Ti , máx ≤ (Te , máx. – 4ºC) Ti , min ≤ (Te , min.+7ºC)
Te, máx: Temperatura externa máxima no dia típico de verão (°C)
Ti, máx: Temperatura interna (nos ambientes) máxima no dia típico de verão (°C)
Te, min: Temperatura externa mínima no dia típico de inverno (°C)
Ti, máx: Temperatura interna (nos ambientes) mínima no dia típico de inverno (°C)
Fonte: Adaptado de NBR 15575-1 (ABNT, 2013)

O RTQ-R (BRASIL, 2010) estabelece que a análise do desempenho


térmico seja feita por meio da estimativa de Graus-hora de Resfriamento e
Aquecimento de cada ambiente de permanência prolongada da edificação
habitacional. Esse indicador representa o somatório anual de Graus-hora,
calculado a partir da temperatura de base de 26 °C para resfriamento e 18
°C para aquecimento, conforme a temperatura operativa esteja acima ou
abaixo da temperatura de base, conforme Equações 1 e 2 respectivamente,
em que GHR é Graus-hora de Resfriamento anual (°Ch); GHA o indicador de
Graus-hora de Aquecimento anual (°Ch) e To é a temperatura operativa em
cada uma das 8.760 horas do ano (°C).
𝟖𝟕𝟔𝟎 𝐬𝐞 𝐓𝐨 > 𝟐𝟔; (𝐓𝐨 − 𝟐𝟔)
𝐆𝐇𝐑 = ∑ { (1)
𝐢 = 𝟎 𝐬𝐞 𝐓𝐨 ≤ 𝟐𝟔; (𝟎)
𝟖𝟕𝟔𝟎 𝒔𝒆 𝑻𝒐 < 𝟏𝟖; (𝟏𝟖 − 𝑻𝒐 )
𝑮𝑯𝑨 = ∑ { (2)
𝒊 = 𝟎 𝒔𝒆 𝑻𝒐 ≥ 𝟏𝟖; (𝟎)

As condições térmicas no interior dos recintos da edificação foram


estimadas por meio da quantificação das horas anuais de conforto e
desconforto por calor e por frio, tomando como referência o método
adaptativo proposto pela ASHRAE 55 (AMERICAN..., 2010). De acordo com
esse método, a temperatura de conforto é função da temperatura média
mensal do ar exterior, sendo avaliada por meio da Equação 3, em que Tc é
266

temperatura operativa interna ideal ou de conforto (°C) e TEmed é a


temperatura média mensal do ar exterior (°C), sendo a equação válida para
TEmed entre 10,0 e 33,5 °C.

Tc = 17,8 + 0,31 x TEmed (3)

A Tabela 3 apresenta as temperaturas médias mensais do ar exterior


(INMET, 2009) e as temperaturas de conforto para a região de Cuiabá-MT e
Curitiba-PR, calculadas a partir da Equação 3. Esses valores foram
comparados com as médias horárias das temperaturas do ar interno do
ambiente de permanência prolongada para quantificação das horas de
conforto e desconforto por calor e de frio.

Tabela 3 – Temperatura média mensal do ar exterior e temperatura de conforto para Cuiabá-


MT e Curitiba-PR de acordo com o método adaptativo
Cuiabá – MT Curitiba – PR
Temperatura Temperatura
Meses média mensal do Temperatura de média mensal do Temperatura de
ar exterior [Temed conforto [Tc (°C)] ar exterior [Temed conforto [Tc (°C)]
(°C)] (°C)]
Janeiro 26,7 26,1 20,4 24,1

Fevereiro 26,5 26,0 20,6 24,2

Março 26,5 26,0 19,6 23,9

Abril 26,0 25,9 17,2 23,1

Maio 24,4 25,4 14,5 22,3

Junho 23,0 24,9 13,1 21,9

Julho 22,8 24,9 12,9 21,8

Agosto 25,0 25,6 14,1 22,2

Setembro 26,6 26,0 15,0 22,5

Outubro 27,4 26,3 16,5 22,9

Novembro 27,2 26,2 18,2 23,4

Dezembro 26,9 26,1 19,3 23,8


Cidade sustentável: um conceito em construção - 267

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ao se analisar o desempenho térmico da edificação no dia típico de


verão em função do tipo de telha na cidade de Cuiabá-MT, nota-se que
melhor desempenho térmico foi observado com telha de celulose e betume
(Figura 3) e o pior comportamento foi observado com telha de material
reciclado (Tetra Pak). Em média, essas duas telhas apresentaram
amortecimento e atraso térmico de 1,65 °C e de 2 horas, respectivamente.
Constata-se que o comportamento térmico diário das temperaturas internas
da habitação se mantém, mesmo modificando-se a componente telha do
sistema de cobertura. As temperaturas internas são menores que as
temperaturas externas apenas no período de 10 às 16 h, o que exige a
adoção de estratégias de resfriamento ativas para diminuir a temperatura
do ar interno dos ambientes de permanência prolongada.
Figura 3 – Temperatura do ar externa e no interior da habitação, no dia típico de verão, em
Cuiabá – MT
40
Temperatura do ar (°C)

35

30

25

20
24:00
01:00
02:00
03:00
04:00
05:00
06:00
07:00
08:00
09:00
10:00
11:00
12:00
13:00
14:00
15:00
16:00
17:00
18:00
19:00
20:00
21:00
22:00
23:00

Tempo (horas)
Temperatura externa Telha de celulose
Telha de material reciclado Telha de Sisal
Telha de Sisal e Polipropileno Telha cerâmica
Telha de PET Telha de poliuretano

De acordo com o critério da NBR 15575-1, na cidade de Cuiabá-MT,


as edificações com os diferentes tipos de telhas estudados atingem pelo
menos desempenho mínimo (M), reduzindo a temperatura interna, em
média, de 1,65 °C, em relação à temperatura externa do ar (Tabela 4).
Destaca-se que a edificação com telha do tipo celulose e betume foi a que
268

apresentou desempenho intermediário (I), proporcionando redução de 2,50


°C, e o pior desempenho foi observado na edificação com telha de material
reciclado, 1,25 °C. Logo, a fabricação de telhas a partir de resíduos de
celulose com betume apresenta potencial para ser utilizada em regiões de
clima quente, apesar das demais atenderem, pelo menos, ao requisito
mínimo da norma.

Tabela 4 – Classificação de desempenho térmico da habitação com diferentes tipos de telhas na


cidade de Cuiabá – MT, ZB 07, no dia típico de verão

Cuiabá-MT
Tipo de telha
Te,máx -Ti,máx Nível de desempenho

Celulose e betume 2,5 °C Intermediário

Cerâmica (referência) 1,8 °C Mínimo

Argamassa cimentícia com poliuretano 1,6 °C Mínimo

Fibrocimento com sisal e polipropileno 1,5 °C Mínimo

Argamassa cimentícia com PET 1,5 °C Mínimo

Fibrocimento com sisal 1,3 °C Mínimo

Material Reciclado (Tetra Pak) 1,2 °C Mínimo

Comportamento semelhante foi observado no dia típico de verão, na


cidade de Curitiba, no qual o melhor desempenho térmico foi obtido para a
cobertura com telha de celulose com betume e o pior no sistema de
cobertura com telha de material reciclado (Tetra Pak) (Figura 4). O atraso
térmico foi maior, 3 horas, porém, não se observou amortecimento térmico,
estando as temperaturas do ar, em média, 0,4 °C superior à temperatura
máxima do ar externo. Exceção ocorreu no sistema com telha de celulose e
cerâmica, que apresentou temperatura, em média, 0,1 °C inferior à
temperatura máxima do ar externo. De forma análoga, mesmo se
modificando a componente telha, o comportamento térmico diário se
manteve semelhante ao da zona ZB 07, com temperaturas internas menores
que as temperaturas externas apenas entre os horários de 10 às 17 h, o que
Cidade sustentável: um conceito em construção - 269

também exige estratégias de resfriamento, principalmente durante o


período noturno, para diminuir a temperatura do ar interno nos ambientes
de permanência prolongada.
Figura 4 – Temperatura do ar externa e no interior da habitação, no dia típico de verão, em
Curitiba – PR
40
Temperatura do ar (°C)

35

30

25

20
07:00
01:00
02:00
03:00
04:00
05:00
06:00

08:00
09:00
10:00
11:00
12:00
13:00
14:00
15:00
16:00
17:00
18:00
19:00
20:00
21:00
22:00
23:00
24:00
Tempo (horas)
Temperatura externa Telha de celulose
Telha de material reciclado Telha de Sisal
Telha de Sisal e Polipropileno Telha cerâmica
Telha de PET Telha de poliuretano

Já para o dia típico de inverno, observou-se que a telha de material


reciclado apresentou melhor desempenho que as demais e o sistema com
telha de celulose obteve o pior desempenho (Figura 5). Em média, as telhas
apresentaram amortecimento e atraso térmico de 8,65 °C e de 3 h,
respectivamente. O comportamento térmico diário se manteve
praticamente inalterado nos sistemas de cobertura, com temperaturas
internas maiores do que a temperatura externa das 12 às 16 h. Apesar de a
capacidade da edificação manter a temperatura interna superior à
temperatura do ar externo, ainda há a necessidade de estratégia de
aquecimento para elevar a temperatura do ar interno nos ambientes de
permanência prolongada, com vista a adequar o desempenho térmico da
edificação à ZB 01.
270

Figura 5 – Temperatura do ar externa e no interior da habitação, no dia típico de inverno, em


Curitiba – PR
12,5
Temperatura do ar (°C)

10

7,5

2,5

17:00

24:00
01:00
02:00
03:00
04:00
05:00
06:00
07:00
08:00
09:00
10:00
11:00
12:00
13:00
14:00
15:00
16:00

18:00
19:00
20:00
21:00
22:00
23:00
Tempo (horas)
Temperatura externa Telha de celulose
Telha de material reciclado Telha de Sisal
Telha de Sisal e Polipropileno Telha cerâmica
Telha de PET Telha de poliuretano

Analisando o desempenho em um dia típico de verão na cidade de


Curitiba-PR, apenas as telhas de celulose com betume e cerâmica atingiram
o desempenho mínimo, com redução média de temperatura do ar interno
em relação ao externo de 0,15 °C nos ambientes de permanência
prolongada. As demais telhas não atendem ao requisito para serem
utilizadas no sistema de cobertura para edificações localizadas na ZB 01
(Tabela 5).
Com relação ao desempenho do dia típico de inverno de Curitiba (ZB
01), verificou-se que todas as telhas atingiram o nível de desempenho
superior (S), permanecendo a temperatura do ar interno em média 8,65 °C
acima da temperatura mínima do ar externo. O melhor desempenho foi
observado com uso de telha de material reciclado no sistema de cobertura
com redução de 8,8 °C e o pior com a utilização de telha do tipo fibra de
celulose, com 8,3 °C. Desta forma, constata-se que sob o aspecto da
capacidade de isolamento da edificação em dias de inverno, todas as telhas
se mostraram adequadas para serem utilizadas no sistema de cobertura na
zona ZB 01. Como recomendação, sugere-se o uso de telha de celulose e
cerâmica, pois ambas atendem aos requisitos para os dias típicos de verão e
inverno.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 271

Tabela 5 – Classificação de desempenho térmico da habitação com diferentes tipos de telhas na


cidade de Curitiba-PR, ZB 01, nos dias típicos de verão e inverno

Dia típico de verão Dia típico de inverno


Tipo de Telha
Te,máx - Nível de Ti,min - Nível de
Ti,máx Desempenho Te,min Desempenho

Celulose e betume 0,2 °C Mínimo 8,3 °C Superior

Cerâmica 0,1 °C Mínimo 8,4 °C Superior

Argamassa cimentícia com poliuretano -0,2 °C Não atende 8,8 °C Superior

Fibrocimento com sisal e polipropileno -0,5 °C Não atende 8,7 °C Superior

Argamassa cimentícia com PET -0,3 °C Não atende 8,8 °C Superior

Fibrocimento com sisal -0,5 °C Não atende 8,7 °C Superior

Material reciclado (Tetra Pak) -0,8 °C Não atende 8,8 °C Superior

Sob o aspecto dos graus-hora de resfriamento anual, para a


edificação localizada na ZB 07 (Figura 6), verificou-se que a edificação com
sistema de cobertura de telha de celulose com betume apresentou menor
somatório, com 36.290 °Ch de resfriamento, enquanto a telha de material
reciclado (Tetra Pak), o maior, com 41.492 °Ch, com ambas as edificações
permanecendo com a condição de janelas e portas fechadas e com uma
renovação de ar por hora. Na condição de ventilação seletiva notou-se
redução expressiva dos graus-hora de resfriamento em todas as habitações.
Ainda assim, o sistema de telha de celulose com betume apresentou menor
graus-horas anuais de resfriamento (25.878 °Ch), enquanto o de telha de
material reciclado (Tetra Pak), o pior (28.267 °Ch). Dessa forma, em termos
de desempenho térmico da edificação, as telhas de celulose com betume e
cerâmicas são as mais indicadas para serem utilizadas em região de ZB 07.
272

Figura 6 – Graus-hora de resfriamento anual para cidade de Cuiabá-MT

45000
40000
Graus Horas (°Ch)

35000
30000
25000
20000
15000
10000
5000
0
Material Reciclado…

Material Reciclado…
Celulose

Celulose
Cerâmica

Cerâmica
Sisal

Poliuretano

Sisal

Poliuretano
Sisal e Polipropileno

PET

Sisal e Polipropileno

PET
Renovação do ar ventilação natural seletiva

Em virtude da diferença de clima entre as ZB 07 e 01, constatou-se


que os graus-hora de resfriamento anual da ZB 01 são baixos quando
comparados aos da ZB 07 (Figura 7). De forma semelhante ao observado na
ZB 07, o sistema de cobertura de telha do tipo celulose com betume foi o
que apresentou menores valores de graus-hora de resfriamento (77 °Ch) e o
maior, a telha de material reciclado (140 °Ch), para condição das janelas e
portas fechadas e com uma renovação de ar por hora. Já na condição de
ventilação seletiva, não foi notada expressiva redução dos graus-hora de
resfriamento.
Em se tratando dos graus-hora de aquecimento, constatou-se que o
sistema de cobertura com presença de material reciclado (Tetra Pak) foi o
que apresentou menor somatória de graus-horas (28.402 °Ch) e melhor
desempenho, enquanto a telha de celulose com betume apresentou o maior
somatório (31.516 °Ch) e pior desempenho, para condição de janelas e
portas fechadas e uma renovação do ar por hora (Figura 8). Para a condição
de ventilação natural, notou-se ligeiro aumento nos graus-hora de
aquecimento. Porém, o sistema de cobertura com telha de material
reciclado continuou apresentando o menor cômputo e a de material de
celulose com betume, o maior. Dessa forma, ao se confrontar os resultados,
Cidade sustentável: um conceito em construção - 273

verifica-se que para privilegiar o desempenho térmico da edificação para a


condição de resfriamento e aquecimento, as soluções em termos de
componentes telhas seriam antagônicas. No entanto, como a pior condição
para zona bioclimática 01 é a de aquecimento, recomenda-se a utilização de
telhas de material reciclado Tetra Pak e cerâmicas, tendo em vista melhor
desempenho alcançado por elas, diminuindo a necessidade de aquecimento
no interior dos ambientes de permanência prolongada.

Figura 7 – Graus-horas de Resfriamento para a cidade de Curitiba-PR

160
140
GRaus Horas (°Ch)

120
100
80
60
40
20
0
Material Reciclado…

Material Reciclado…
Celulose

Celulose
Cerâmica

Cerâmica
Sisal

PET

Sisal

PET
Sisal e Polipropileno

Poliuretano

Sisal e Polipropileno

Poliuretano

Renovação do ar ventilação natural seletiva

Por meio da análise da sensação térmica dos usuários no interior da


edificação (Figura 9), constatou-se que, em média, em Cuiabá-MT, todos os
ambientes permaneceram com mais de 50% das horas anuais na condição
de conforto térmico. As horas de desconforto por frio foram mínimas,
inferiores a 5%. Em termos de desconforto por calor, a edificação com telha
celulose com betume no sistema de cobertura foi a que proporcionou
menor porcentagem de horas nessa condição (41%), enquanto a telha de
material reciclado foi a que proporcionou maior (46%). Esse resultado
ratifica o encontrado para o desempenho térmico do edifício, indicando que
a telha de celulose com betume e cerâmicas são as mais indicadas para
274

serem utilizadas em região da ZB 07, visando ao conforto térmico dos


usuários.
Já na cidade de Curitiba-PR, os ambientes apresentaram menos de
39% das horas anuais na condição de conforto térmico (Figura 10). A
condição de desconforto por calor foi mínima, menor que 0,1%. No entanto,
a condição de desconforto por frio foi elevada, com mais de 60% das horas
anuais em todas as edificações com os sistemas de cobertura pesquisados.
Em termos de desconforto por frio, notou-se que a edificação com telha de
material reciclado no sistema de cobertura foi a que proporcionou menor
porcentagem de horas nessa condição (60%), enquanto as telhas de
material de celulose e poliuretano foram as que mais proporcionaram
desconforto por frio (63%). Esse resultado ratifica o encontrado para o
desempenho térmico do edifício, indicando que as telhas de material
reciclado e cerâmicas são as mais indicadas para serem utilizadas em região
de Zona 01, visando ao conforto térmico.

Figura 8 – Graus-horas de aquecimento para a cidade de Curitiba-PR

35000
30000
Graus Horas (°Ch)

25000
20000
15000
10000
5000
0
Material Reciclado…

Material Reciclado…
Celulose

Celulose
Cerâmica

Cerâmica

Sisal
Sisal

PET

Poliuretano

PET

Poliuretano
Sisal e Polipropileno

Sisal e Polipropileno

Renovação do ar ventilação natural seletiva


Cidade sustentável: um conceito em construção - 275

Figura 9 – Horas de conforto e desconforto por frio e calor no interior da habitação na cidade de
Cuiabá–MT.
Frio Confortável Calor
100%
90%
80% 41%
Horas anuais (%)

43% 46% 44% 44% 45% 44%


70%
60%
50%
40%
53% 55% 51%
30% 52% 52% 52% 52%
20%
10% 4% 4% 4% 4% 4% 4% 4%
0%
Celulose
Cerâmica

Material Reciclado

Sisal

Sisal Polipropileno

PET

Poliuretano
Tipo de telha

Figura 10 – Horas de conforto e desconforto por frio e calor no interior da habitação na cidade
de Curitiba–PR
Frio Confortável Calor
0,1% 0,2% 0,1% 0,1% 0,1% 0,3%
100%
90%
38% 37% 40% 37%
80% 39% 39% 39%
Horas anuais (%)

70%
60%
50%
40%
30% 62% 63% 60% 61% 61% 61% 63%
20%
10%
0%
Celulose
Cerâmica

Material Reciclado

Sisal

Sisal Polipropileno

PET

Poliuretano

Tipo de telha
276

4 CONCLUSÃO

As análises de simulação computacional demonstraram que a


utilização de telhas compostas por resíduos agroindustriais e urbanos no
sistema de cobertura podem influenciar a temperatura interna dos
ambientes de permanência prolongada e, desta forma, alterar tanto a
classificação do desempenho térmico da edificação quanto as condições de
conforto térmico no interior da edificação.
Visando melhor adequação da edificação ao clima da região, em
substituição à telha cerâmica usualmente utilizada recomenda-se, para a ZB
07, a utilização de telha de celulose com betume, tendo em vista o seu
potencial de melhorar o desempenho térmico no dia típico de verão (nível
intermediário) e de proporcionar maior quantidade de horas na condição de
conforto térmico no interior da habitação.
Para a ZB 01 recomenda-se a utilização de telha de material reciclado
Tetra Pak, em virtude de ter proporcionado desempenho térmico superior
no dia típico de inverno e ter proporcionado menos horas de desconforto
térmico ao frio. Apesar de este modelo de telha não ter conseguido atingir o
nível mínimo de desempenho térmico no dia típico de verão, esta
recomendação se justifica em virtude da baixa necessidade de graus-hora de
resfriamento durante a época de verão na região.
Destaca-se aqui a importância dos resultados obtidos no que tange à
demonstração efetiva do melhor desempenho com a incorporação de
resíduos nas telhas, evidenciando a potencialidade das ecoinovações como
alternativa para a solução de problemas atuais da sociedade. No entanto, as
temperaturas internas dos ambientes durante o verão permaneceram
elevadas, bem próximas às temperaturas externas, havendo a necessidade
de resfriamento para adequação às condições de conforto térmico. Por
outro lado, durante o inverno, as temperaturas permaneceram muito baixas
no interior do edifício, havendo a necessidade de aquecimento também
visando manter as condições adequadas para conforto. Desta forma,
constatou-se que a envoltória das edificações não está adequada para os
locais de implantação e que somente a utilização de telhas fabricadas com
materiais de resíduos não se constitui em uma estratégia de projeto
suficiente para adequação da edificação ao clima das regiões pesquisadas.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 277

Assim, se fazem necessários estudos mais aprofundados sobre essas


composições e tentativas de utilização de outros tipos de resíduos para
fabricação das telhas de forma a identificar componentes que tragam
benefícios econômicos, ambientais e sociais as habitações e seus usuários.

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278

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Cidade sustentável: um conceito em construção - 279

Capítulo 15

VIABILIDADE AMBIENTAL E TÉCNICA DE REUSO DA AREIA


DESCARTADA DE FUNDIÇÃO NA PRODUÇÃO DE PAVERS
67
Sueli Tavares de Melo Souza
68
Isadora Guizilini
69
Tatiane Cristina Dal Bosco

1 INTRODUÇÃO

A atividade industrial, em sua maioria, independentemente de seu


porte, é geradora de resíduo e suas características estão diretamente
relacionadas com a prática que o gerou. O resíduo lançado no meio
ambiente sem o devido tratamento representa um impacto ambiental, que,
por definição da ISO 14001 (ABNT, 2015), “é toda a ação ou atividade de
uma organização, seja adversa ou benéfica, que produz alterações ao meio
ambiente”.
Dentre os processos industriais geradores de resíduos sólidos,
destacam-se as indústrias de produção de fundidos, nas quais um dos
maiores problemas do setor é o descarte da areia de fundição (ADF)
utilizada nos moldes das peças, também denominada como “areia verde”.
No Brasil, essas indústrias produzem em média 2 milhões de toneladas/ano
de ADF, segundo a Associação Brasileira de Fundição (ABIFA, 2015). A
disposição final desse material se dá em aterros industriais, o que diminui a
vida útil dos mesmos e potencializa o uso de áreas produtivas, habitáveis
e/ou preservadas para a construção de novos aterros.
Em termos socioambientais, embora as indústrias de fundição sejam
consideradas geradoras de passivos ambientais, a reutilização da ADF pode
ser uma oportunidade de aliar uma destinação correta desse resíduo e de

67
Docente, Departamento de Engenharia Ambiental/UTFPR-LD. E-mail:
suelisouza@utfpr.edu.br
68
Acadêmica, engenheira ambiental pela UTFPR-LD. E-mail: isa_guizilini@hotmail.com
69
Docente, Departamento de Engenharia Ambiental/UTFPR-LD. E-mail:
tatianebosco@utfpr.edu.br
280

solucionar uma problemática ambiental. Vale destacar que, a ADF já é


enviada para aterros específicos, o que implica também na oneração dos
custos de produção das indústrias deste segmento.
Nesse sentido, a incorporação de resíduo em produtos
manufaturados tem despertado interesse, tendo em vista o atendimento à
legislação e o potencial econômico inerente ao processo de reutilização de
resíduos. Os resultados obtidos em ensaios específicos comprovam que a
ADF pode ser considerada uma matéria-prima para diversos setores
produtivos, como para a produção de blocos de concreto (AVRELLA et al.,
2015), argamassa (NOVAIS; RIBEIRO, 2013), cobertura de aterros sanitários
(DOMINGUES, 2015) e para a fabricação de pavers (PIOVESAM et al., 2008).
O bloco de concreto para pavimentação, comumente conhecido
como paver, pode constituir-se em uma alternativa atraente para o reuso da
ADF, pois é um produto cada vez mais procurado para a pavimentação de
áreas externas.
No panorama atual do desenvolvimento sustentável existe dentro do
ciclo produtivo o consumo de matéria-prima, que para o setor da
construção civil refere-se à extração de areia natural, implicando na
escassez dos recursos naturais. Por isso, a substituição da areia natural por
ADF contribui para minimizar os efeitos da extração, atividade sabidamente
impactante, na depreciação da qualidade das águas, incidência de processos
erosivos, supressão da vegetação nativa presente às margens do local de
exploração e alterações na geomorfologia fluvial dos cursos d´água (MELO,
2010).
Nesse contexto, este trabalho buscou avaliar a viabilidade do reuso
de ADF na fabricação de pavers, considerando aspectos técnicos de
resistência mecânica e ambientais quanto à periculosidade do resíduo.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 O PROCESSO DE FUNDIÇÃO E A ADF

Devido aos investimentos em infraestrutura, juntamente ao


crescimento do setor automotivo entre os anos de 1970 e 1980, a produção
de fundidos aumentou no Brasil. Nesse período, foi evidenciado um salto de
Cidade sustentável: um conceito em construção - 281

mais de 1 milhão de toneladas de fundidos produzidos (CASOTTI et al.,


2011). Segundo a ABIFA (2015), o Brasil é o sétimo país produtor de
fundidos no mundo e junto a este processo são descartados
aproximadamente 2 milhões de toneladas de ADF por ano (PENKAITIS,
2012).
O processo de fundição consiste no derretimento de um metal, em
estado líquido, vazado em um molde e que, ao se solidificar, gera uma peça
com o formato desejado. As peças são obtidas por meio da moldagem,
geralmente em areia verde, em processo de compactação da areia sobre o
modelo. Normalmente este é bipartido, de modo a facilitar a remoção do
padrão (FAGUNDES; VAZ; OLIVEIRA, 2009).
O metal fundido é vertido na cavidade do molde. A areia que entrou
em contato com o metal fundido é sintetizada. Após a solidificação do
metal, o molde é separado das peças fundidas por meio de máquinas
vibratórias. Assim, o resíduo gerado neste processo é a porção de areia
queimada, que pode ser inserida no processo novamente inúmeras vezes,
até ser descartada. (FAGUNDES; VAZ; OLIVEIRA, 2009).
A ADF geralmente é composta por areia, água, carvão e bentonita. A
bentonita é inserida com intuito de manter a estabilidade térmica nos
moldes das peças e o carvão para melhorar o acabamento, resultando
superfícies mais lisas (SIDDIQUE, 2008).

2.2 BLOCO DE CONCRETO PARA PAVIMENTAÇÃO (PAVER)

Os blocos de concreto para pavimentação, comumente conhecidos


como pavers, são peças pré-moldadas de concreto utilizadas em ruas,
calçadas ecológicas, áreas de recreação, calçadões e praças. São
empregados em grande escala no Brasil, tanto na construção quanto na
revitalização de instalações urbanas (BITTENCOUR, 2012).
Os pavers são considerados adequados para comercialização quando
suas dimensões e resistência à compressão aos 28 dias atendem às
especificações previstas na seguinte norma brasileira: a NBR 9781/2013, que
descreve os métodos de ensaio e especifica os requisitos para aceitação das
peças de concreto para a pavimentação.
282

Os pavers possuem diferentes formas, cores e texturas, e uma


variável forma nos padrões de assentamento, permitindo diversificar
projetos arquitetônicos e paisagísticos (BITTENCOUR, 2012). Segundo Hallak
(1998) e ABCP (1999), este revestimento deve ser capaz de suportar as
cargas e as tensões provocadas pelo tráfego, protegendo a camada de base
do desgaste por abrasão com baixos níveis de umidade.
No Quadro 1 apresentam-se as aplicações utilizando pavers com
espessuras de 6, 8 e 10 cm e suas respectivas resistências características à
compressão.

Quadro 1 – Características técnicas conforme o uso do pavimento


Resistência característica
Espessura Aplicação à compressão (fpk) aos 28
dias MPa
6 cm Calçadas, praças, pátios, áreas de lazer, ≥ 35
corredores, etc.
8 cm Ruas e avenidas de tráfego moderado, postos ≥ 35
de combustível urbanos, estacionamentos, etc.
10 cm Corredores de ônibus, postos de combustível ≥ 35
em estradas, pedágios, etc.
8 cm ou Portos, pátios de indústria pesada, aterros de ≥ 50
10 cm resíduos de construção e outros locais onde o
pavimento sofra com desgaste por alto atrito.
Fonte: Adaptado de ABNT (2013).

2.3 FABRICAÇÃO DAS PEÇAS COM REUSO DA ADF

Para alguns autores o reuso configura como uma das alternativas de


tratamentos que reintroduz resíduos ou rejeitos em um processo produtivo,
visando maior eficiência no gerenciamento dos resíduos, auxiliando na
mitigação dos espaços em aterros sanitários, reduzindo o consumo de
energia e contribuindo para a economia dos recursos naturais não
renováveis (PINHEIRO; FRANCISCHETTO, 2016).
O estudo do reuso da ADF decorre do volume gerado e do alto custo
de deposição, onde devem ser consideradas a retirada dos resíduos até a
destinação final. Quando somados aos prejuízos causados ao meio
ambiente, devido à destinação inadequada e esgotamento do volume útil
Cidade sustentável: um conceito em construção - 283

dos aterros, torna-se necessária a reutilização deste resíduo industrial


(BRODINO; SILVA; BRONDINO, 2014).
Piovesan et al. (2008) fabricaram pavers com a incorporação da ADF
substituindo a areia fina. Foram utilizados dois traços com proporções
diferentes e os ensaios de resistência foram feitos aos 7, 14 e 28 dias de
cura. Com base nos ensaios de resistência à compressão, percebeu-se um
ganho de resistência nas primeiras idades, em todos os traços, e aos 28 dias,
atingiu 35 MPa, ou seja, mesmo desempenho exigido em norma, o que
demonstra a viabilidade da utilização da ADF.
Carnin et al. (2010) realizaram um estudo utilizando a ADF como
agregado na confecção de peças de concreto para pavimentação. Segundo
os autores, as peças tiveram excelente acabamento, ideal para a
pavimentação de calçadas, ruas de baixo tráfego e espaços urbanos. A partir
dos ensaios mecânicos, avaliou-se que os blocos atingiram as especificações
da norma. O método de envelhecimento acelerado também foi realizado
com base na norma ABNT – NBR 13554 (ABNT, 1996). Este método consiste
em ensaios de expansão através de ciclos de molhagem e secagem, o qual
visa a observar a durabilidade das peças.
No estudo feito por Bittencourt (2012) foram fabricados pavers
utilizando inicialmente agregados reciclados (brita e areia), provenientes de
Resíduos de Construção e Demolição (RCD), e posteriormente com inserção
de ADF em sua composição. Os resultados da substituição por 20 e 40% de
ADF alteraram o comportamento mecânico dos pavers, reduzindo a
resistência à compressão.

3 MÉTODOS E PROCEDIMENTOS

O desenvolvimento do trabalho foi dividido em cinco etapas,


apresentadas na Figura 1.
284

Figura 1 – Fluxograma das etapas do trabalho

Fonte: Autoria própria (2017).

A ADF foi disponibilizada por uma empresa do ramo de usinagem de


produtos em ferro fundido cinzento e nodular, localizada na cidade de
Cambé – PR. Sua geração gira em torno de 30 a 40 t/mês. Os ensaios
referentes à classificação do resíduo ADF foram realizados pela empresa,
por meio de laboratório terceirizado acreditado pela norma ABNT NBR
ISO/IEC 17025:2005 (ABNT, 2005).
Realizou-se o ensaio de Lixiviação da ADF segundo a ABNT NBR
10005:2004, de modo a determinar a toxicidade do resíduo e,
consequentemente, verificar sua classificação como resíduo perigoso (Classe
I). O ensaio de Solubilização, segundo a ABNT NBR 10006:2004 foi realizado
em seguida para verificar se a ADF se enquadra como resíduo Classe II A
(não inerte) ou II B (inerte).
Conhecer as características da ADF colabora com a validação da
incorporação de um resíduo industrial na formulação de um novo produto,
permitindo determinar também estratégias de gerenciamento, buscando
garantir a curto, médio e longo prazo a preservação do meio ambiente, bem
como manter a empresa em conformidade com os requisitos legais.
Dada a importância dos agregados no desempenho final do produto,
bem como determinar o traço, as proporções e quantidade de cada material
para confecção dos pavers, foi necessário realizar os ensaios de
caracterização de acordo com as seguintes normas regidas pela ABNT:
 NBR NM 45:2006 – Agregados – Determinação da massa
unitária e do volume de vazios;
Cidade sustentável: um conceito em construção - 285

 NBR NM 53:2009 – Agregado miúdo – Determinação da massa


específica, massa específica aparente e absorção de água;
 NBR NM 248:2006 – Agregados – Determinação da composição
granulométrica;
 NBR NM 46:2003 – Agregados – Determinação do material fino
que passa através da peneira 75 μm, por lavagem.
Para viabilizar a fabricação dos pavers estabeleceu-se uma parceria
com uma fábrica consolidada na região, que atua no ramo da construção
civil produzindo concreto usinado, blocos de concreto, paver, argamassa
estabilizada e massa asfáltica.
Foram produzidos pavers convencionais e pavers com o resíduo ADF,
a fim de comparar o desempenho mecânico. Para a produção dos pavers de
referência (traço da empresa contribuinte), foi utilizado cimento, CPV-ARI da
marca Votoran, agregados (Pedrisco, pó de pedra, areia média-grossa e
areia fina), aditivo (plastificante para concreto) CQ Press Mix Super e água.
Na produção dos pavers com a inserção da ADF foram utilizados os mesmos
insumos, exceto a areia fina, visto que a mesma foi totalmente substituída
pela ADF.
Ambos foram produzidos com intuito de atender a resistência de 35
MPa aos 28 dias e com os formatos mostrados na Figura 2, os quais se
enquadram no Tipo 1 pela ABNT NBR 9781:2013.

Figura 2 – Ilustração do paver e suas dimensões: (a) paver de 8 cm; (b) paver de 6 cm

100 mm 200 mm 100 mm

80 mm 60 mm

(a)
(b)

Fonte: Autoria Própria (2017).


286

Em seguida foram realizados os ensaios de análise de inspeção visual,


avaliação dimensional, resistência à Compressão Simples e determinação da
absorção de água conforme a norma NBR 9781:2013.
As amostras utilizadas nesses ensaios foram com e sem adição da
ADF e as realizações ocorreram aos 7 e 28 dias, pois os lotes das peças são
entregues aos clientes com idade inferior a 28 dias estabelecidos pela NBR
9781:2013. De acordo com o item da NBR 6118/2014, a resistência à
compressão aos 7 dias representa 81,87% da resistência final (28 dias).
Aos 7 dias de cura, as peças foram ensaiadas no laboratório da
própria fábrica, e aos 28 dias no Laboratório da Construção Civil do Senai –
Maringá, acreditado pela Coordenação Geral de Acreditação do INMETRO, a
fim de validar os requisitos exigidos para comercialização deste novo
produto (recomendação da NBR 9781/2013 em seu art. 6).
A amostragem para os ensaios considerou o lote de fabricação. As
peças foram escolhidas aleatoriamente, de modo a constituir uma
amostragem representativa, conforme especificação da NBR 9781:2013. Já a
inspeção visual foi realizada a fim de identificar possíveis defeitos que
podem prejudicar o assentamento, o desempenho estrutural e a estética.
Observaram-se também as arestas e rebarbas.
A Avaliação Dimensional das peças com formatos Tipo I, seguiu os
requisitos conforme a ABNT NBR 9781/2013 – Anexo D. Utilizou-se
paquímetro para obter as dimensões (comprimento, altura e largura) das
peças amostradas e em seguida, comparou-se os resultados com as
tolerâncias dimensionais estabelecidas pela norma.
O ensaio de resistência à compressão simples exigiu que as peças
representativas do lote amostrado fossem saturadas a (23 ± 5) °C, por 24 h
antes do ensaio, e em seguida, foram retificadas, e capeadas com pasta de
cimento, de modo a proporcionar uma superfície lisa e com distribuição
uniforme do carregamento.
As peças foram dispostas sobre placas circulares com diâmetro de (85
± 0,5) mm e espessura de 20 mm, com suas faces centralizadas no eixo do
disco. Por fim, a peça foi carregada, continuamente, com velocidade de 550
kPa/s e variação de mais ou menos 200 kPa/s até a ruptura.
O ensaio aos 28 dias foi realizado no Laboratório do Senai. Os
procedimentos foram os mesmos adotados aos 7 dias, exceto o tipo de
Cidade sustentável: um conceito em construção - 287

material para o capeamento, que foi realizado com enxofre. A máquina de


ensaio pertence à classe 1, onde a força é aplicada de forma contínua e
isenta de choques. O acionamento é automático até a ruptura. Este ensaio
seguiu as especificações da ABNT NBR 9781/2013 – Anexo A.
Os resultados da resistência a compressão, são expressos em MPa, e
obtidos pela divisão da carga de ruptura (N), pela área de carregamento
(mm²). O resultado final é multiplicado pelo fator (p), determinado em
função da altura da peça (Quadro 2).

Quadro 2 – Fator Multiplicativo p


Espessura nominal p
da peça (mm)
60 0,95
80 1,00
100 1,05

Fonte: ABNT (2013).

O valor estimado da resistência à compressão pode ser calculado


conforme a Equação 1.

∑(fp-fpi)²
Fpk = fp - (t x s) e s= √ (1)
n-1

Sendo:
fp – resistência média das peças, expressa em megapascal (MPa);
fpi – resistência individual das peças, expressa em (MPa);
fpk – resistência característica estimada à compressão (MPa);
n – número de peças da amostra;
s – o desvio-padrão da amostra, expresso em (MPa);
t – coeficiente de Student, fornecido no Quadro 3, em função do
tamanho da amostra.
288

Quadro 3 – Coeficiente de Student (Nível de confiança de 80%)


n t
6 0,920
7 0,906
8 0,896
9 0,889
10 0,883
12 0,876
14 0,870
16 0,866
18 0,863
20 0,861
22 0,859
24 0,858
26 0,856
28 0,855
30 0,854
32 0,842
Fonte: ABNT (2013).

O ensaio de Determinação da Absorção de Água foi realizado


conforme a ABNT NBR 9781/2013 – Anexo B. Este ensaio consistiu
basicamente em imergir os pavers em água à temperatura de (23 ± 5) °C,
por 24 horas. Após esse período, a amostra foi pesada na condição saturada.
Posteriormente as amostras foram colocadas em estufa com temperatura a
(110 ± 5) °C e pesadas após 24 horas. O valor de absorção de água foi
calculado utilizando a Equação 2.

m2 – m1
A= x 100 (2)
m1

Onde,
A – absorção de cada corpo de prova, expressa em porcentagem (%);
m1 – massa do corpo de prova seco, expressa em gramas (g);
m2 – massa do corpo de prova saturado, expressa em gramas (g).
Cidade sustentável: um conceito em construção - 289

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Segundo o relatório de ensaio de caracterização e classificação da


ADF, as características físicas do resíduo foram: resíduo no estado sólido,
apresentando <0,1 % de umidade, livre de líquidos, sendo todos os
resultados do laudo expressos em base seca.
As análises realizadas na ADF na condição bruta, apresentaram os
resultados mostrados na Tabela 1.

Tabela 1 – Análises no resíduo bruto


Parâmetros Determinados Valores Encontrados Unidade
Cor da Amostra Cinza --
Cianeto <1,00 mg kg-1
pH (solução 1:1) 8,82 ± 0,026 UpH
Sulfeto <1,00 mg kg-1
Óleos e Graxas 0,28 ± 0,018 %
Fenol <3,00 mg kg-1
Ponto de Fulgor >60,0 °C
Fonte: Adaptado de Relatório de Ensaio – MULTIMET_NBR (2015).

A análise do resíduo bruto foi importante devido à necessidade de se


conhecer as condições reais de alguns parâmetros da ADF, os quais servirão
de base para os demais ensaios.
O extrato da lixiviação apresentou os valores constantes na Tabela 2.
Obteve-se também o pH de 5,12 ± 0,015 e o tempo total de lixiviação foi
igual a 18 h em um volume de 990 cm³.
Tabela 2 – Análises do extrato lixiviado
Parâmetros Especificação NBR 10004 – 2. Valores
Unidade
determinados ed. (31/05/2004) Anexo F encontrados
Arsênio (As) mg/L 1 <0,005
Bário (Ba) mg/L 70 1,53 ± 0,024
Cádmio (Cd) mg/L 0,5 <0,001
Chumbo (Pb) mg/L 1 <0,005
Como Total (Cr) mg/L 5 <0,025
Fluoreto (F¯) mg/L 150 0949 ± 0,051
Mercúrio (Hg) mg/L 0,1 <0,005
Prata (Ag) mg/L 5 <0,005
Selênio (Se) mg/L 1 <0,005
290

Pesticidas
Aldrin _ Dieldrin µg/L 3 <0,00025
Clordano µg/L 20 <0,00025
DDT µg/L 200 <0,00025
2,4-D µg/L 3000 <0.100
Endrin µg/L 60 <0,00025
Heptadoro e seu µg/L 3 <0,00025
Epóxido
Lindano µg/L 200 <0,00025
Metoxicloro µg/L 2000 <0,00025
Pentaclorofenol µg/L 900 <0,100
Toxafeno µg/L 500 <0,0005
2,4,5-T µg/L 200 <0,100
2,4,5-TP µg/L 1000 <0,100
Outros orgânicos
Benzeno µg/L 500 <1,00
Benzo(a)pireno µg/L 70 <0,010
Cloreto de vinila µg/L 500 <0.500
Clorobenzeno µg/L 100000 <1,00
Clorofórmio µg/L 6000 <1,00
Cresol total (*) µg/L 200000 <0,100
o-Cresol µg/L 200000 <0,100
m-Cresol µg/L 200000 <0,100
p-Cresol µg/L 200000 <0,100
1,4-Diclorobenzeno µg/L 7500 <1,00
1,2-Dicloroetano µg/L 1000 <1,00
1,1-Dicloretileno µg/L 3000 <1,00
2,4-Dinitrotolueno µg/L 130 <0100
Hexaclorobenzeno µg/L 100 <0,00025
Hexaclorobutadieno µg/L 500 <1,00
Hexacloroetano µg/L 3000 <0,00025
Metiletilcetona µg/L 200000 <30,0
Nitrobenzeno µg/L 2000 <0,100
Piridina µg/L 5000 <30,0
Tetracloreto de µg/L 200 <1,00
Carbono
Tetracloroetileno µg/L 4000 <1,00
Tricloroetileno µg/L 7000 <1,00
2,4,5-Triclorofenol µg/L 400000 <0.100
2,4,6-Triclorofenol µg/L 20000 <0,100

Fonte: Adaptado de Relatório de Ensaio – MULTIMET_NBR (2015).


Cidade sustentável: um conceito em construção - 291

Observa-se por meio da Tabela 2 que nenhum dos parâmetros para


pesticidas ou outros orgânicos ultrapassaram os limites estipulados pela
Norma NBR 10004:2004 – Anexo F. Assim, esse resíduo pode ser classificado
como Resíduo não perigoso – Classe II. Esse material possuiu ausência de
compostos orgânicos devido às altas temperaturas do processo produtivo.
As análises químicas do extrato solubilizado da ADF, que visa à
diferenciação dos resíduos classificados nas classes de não inertes (classe
IIA) ou inertes (classe IIB), apresentaram pH de 7,83 ± 0,023 e possuem
teores de Alumínio, Ferro, e Fluoreto que ultrapassam os limites estipulados
pela Norma NBR 10004:2004 (Tabela 3).

Tabela 3 – Análises do extrato solubilizado


Parâmetros Especificação NBR 10004 – 2. Valores
Unidade
determinados ed. (31/05/2004) ANEXO G encontrados
Alumínio (Al) mg/L 0,2 0,623 ± 0,011
Arsênio (As) mg/L 0,01 <0,005
0,060 ±
Bário (Ba) mg/L 0,7
0,00096
Cádmio (Cd) mg/L 0,005 <0,001
Chumbo (Pb) mg/L 0,01 <0,005
Cianeto (CN) mg/L 0,07 <0,050
Cloretos (Cl) mg/L 250 5,74 ± 0,14
Cobre (Cu) mg/L 2 <0,005
Cromo Total (Cr) mg/L 0,05 <0,025
Ferro (Fe) mg/L 0,3 1,41 ± 0,016
Fluoreto (F¯) mg/L 1,5 2,01 ± 0,11
0,082 ±
Manganês (Mn) mg/L 0,1
0,00071
Mercúrio (Hg) mg/L 0,001 <0,0001
Nitratos
mg/L 10 <1,00
(expresso em N)
Prata (Ag) mg/L 0,05 <0,005
Selênio (Se) mg/L 0,01 <0,005
Sódio (Na) mg/L 200 3,03 ± 0,047
Sulfatos (SO₄⁻) mg/L 250.0 23,9 ± 0,55
Surfactantes mg/L 0,5 <0,100
Zinco (Zn) mg/L 5 <0,025
Fenóis Totais mg/L 0,01 <0,010
292

Pesticidas
Aldrin e dieldrin µg/L 0,03 <0,00025
Clordano µg/L 0,2 <0,00025
2,4-D µg/L 30 <0,100
DDT µg/L 2 <0,00025
Endrin µg/L 0,6 <0,00025
Lindano µg/L 2 <0,00025
Metoxicloro µg/L 20 <0,00025
Toxafeno µg/L 5 <0,00025
Heptacloro e seu
µg/L 0,03 <0,00025
epóxido
Hexaclorobenzeno µg/L 1 <0,00025
2,4,5-T µg/L 2 <0,100
2,4,5-TP µg/L 30 <0,100
Fonte: Adaptado de Relatório de Ensaio – MULTIMET_NBR (2015).

Acredita-se que os limites foram ultrapassados, pois perde-se no


processo de fundição cerca de 35% do ferro ou alumínio líquido, porém,
desses 35%, 30% são aproveitados e retornam ao processo, mas 5% são
perdidos devido à aderência aos moldes. Essas perdas fazem parte do
rendimento metalúrgico das empresas do ramo de fundidos. Assim, já que o
resíduo possuiu constituintes que foram solubilizados em concentrações
superiores aos das tabelas do Anexo G da norma, este foi classificado como
Classe IIA – não inerte (ABNT, 2004).
Com o auxílio de uma ferramenta computacional utilizada pela
empresa parceira na produção dos pavers, ajustou-se os traços com
inserção da ADF, utilizando como parâmetro o traço de referência
executado pela mesma. Deste modo, inseriram-se os resultados de
caracterização dos agregados e percebeu-se que a ADF apresentava
características próximas à areia fina. Por isso, substituiu-se integralmente a
areia fina natural pela ADF.
Para o traço do paver de 8 cm de espessura a porção substituída
equivaleu a (15%) de ADF; e os demais agregados foram inseridos nas
seguintes proporções: (36%) Areia Média-Grossa, (25%) Pó de Pedra e (24%)
Pedrisco.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 293

O traço do paver de 6 cm de espessura foi ajustado com as seguintes


proporções: 15% de Pedrisco, 40% de Pó de Pedra, 25% da ADF e 20% de
Areia Média-Grossa.
Os resultados dos ensaios realizados no laboratório do Senai aos 28
dias recomendados para os pavers (espessuras de 8 e 6 cm) encontram-se
nos Quadros 4, 5, 6 e 7. Vale ressaltar que, os ensaios de resistência à
compressão aos 7 dias foram realizados em fábrica para controle, não sendo
descritos a seguir.
294

Quadro 4 – Resultados paver referência (8 cm) com idade de 28 dias


1. DADOS DA AMOSTRA
Identificação Peça/Lote: Paver Referência (Piso Línea 8 cm x 10 cm x 20 cm) – Lote 1.
Resistência do Projeto (Fpk): 35 MPa.
Data de Fabricação: 31/03/2017.
Data de Ensaio: 28/04/2017.
2. DETERMINAÇÃO DIMENSIONAL
Ident. Massa Índice de Dimensões (mm)
Amostra (g) Forma (IF)
Comprimento Largura Espessura

R1 3607,6 2,6 199,8 99,3 77,9


R2 3497,7 2,6 199,9 99,7 75,8
R3 3634,3 2,6 201,5 99,8 78,0
R4 3593,4 2,6 200,2 99,6 76,8
R5 3561,3 2,7 200,3 100,3 75,4
R6 3538,6 2,6 200,7 99,9 76,0
Item 5.2 – Variações IF ≤ 4 Comprimento ± 3 Largura ± 3 Espessura ± 3
máximas (mm)
Item 6.2 - Inspeção Visual Arestas Planeza da base Aspecto
Superficial
Aprovado Aprovado Aprovado
3. DETERMINAÇÃO DA RESISTÊNCIA À COMPRESSÃO (MPa)
Ident. Carga de Ruptura Individual Média (Fp) Desvio Padrão Fpk
Amostra (N) (Fpi) (s)
R1 223.616,280 39,4 37,7 2 35,9
R2 204.553,630 36,0
R3 231.276,170 40,8
R4 207.687,220 36,60
R5 210.559,670 37,1
R6 205.685,200 36,2
Espessura Fator Coeficient Fpk - resist. caract. à comp.
Nominal da Multiplicativo e de Fp = resist. média peças
peça (mm) "p" Student Fpi - resist. individual
"t" s - desvio padrão
t = coeficiente de Student
n - número de peças
80 1,00 0,920 ∑(fp-fpi)²
Fpk = fp - (t x s) s= √
n-1
4. DETERMINAÇÃO DA ABSORÇÃO DE ÁGUA
Ident. Massa Fórmula Absorção de Absorção de
Amostra M1 (g) M2 (g) água individual água média (%)
(%)
R7 3444,90 3597,10 m2 ­ m1 4,4 4,0
A= x 100
m1
R8 3490,60 3621,50 3,8
R9 3531,70 3669,50 3,9
Fonte: Autoria própria (2017).
Cidade sustentável: um conceito em construção - 295

Quadro 5 – Resultados paver ADF (8 cm) com idade de 28 dias

DADOS DA AMOSTRA
Identificação Peça/Lote: Paver ADF (Piso Línea 8 cm x 10 cm x 20 cm) – Lote 1.
Resistência do Projeto (Fpk): 35 MPa.
Data de Fabricação: 31/03/2017.
Data de Ensaio: 28/04/2017.
DETERMINAÇÃO DIMENSIONAL
Ident. Massa (g) Índice de Dimensões (mm)
Amostra Forma (IF) Comprimento Largura Espessura
F1 3554,3 2,6 200,3 99,9 76,7
F2 3551,8 2,6 201,3 100,1 77,0
F3 3565,7 2,5 199,2 100,8 78,7
F4 3487,1 2,6 201,6 100,4 77,2
F5 3554,1 2,5 198,9 99,8 80,6
F6 3621,4 2,5 200,3 100,1 79,6
Item 5.2 – Variações IF ≤ 4 Comprimento ± 3 Largura ± 3 Espessura ± 3
máximas (mm)
Item 6.2 - Inspeção Visual Arestas Planeza da base Aspecto
Superficial
Aprovado Aprovado Aprovado
DETERMINAÇÃO DA RESISTÊNCIA À COMPRESSÃO (MPa)
Ident. Carga de Ruptura Individual Média (Fp) Desvio Padrão Fpk
Amostra (N) (Fpi) (s)
F1 177.308,830 31,2 30,1 2 28,4 - Não
F2 172.086,190 30,3 Aprovado
F3 177.134,730 31,2
F4 164.861,520 29,1
F5 152.240,130 26,8
F6 181.922,170 32,1
Espessura Fator Coeficiente Fpk - resist. caract. à comp.
nominal da Multiplicativo de Fp = resist. média peças
peça (mm) "p" Student "t" Fpi - resist. individual
s - desvio padrão
t = coeficiente de Student
n - número de peças
80 1,00 0,920 ∑(fp-fpi)²
Fpk = fp - (t x s) s= √
n-1

DETERMINAÇÃO DA ABSORÇÃO DE ÁGUA


Ident. Massa Fórmula Absorção de Absorção de
Amostra M1 (g) M2 (g) água individual água média
(%) (%)
F7 3398,80 3597,60 m2 ­ m1 5,8 5,6
A= x 100
F8 3510,30 3700,90 m1 5,4
F9 3372,70 3561,30 5,6

Fonte: Autoria própria (2017).


296

Quadro 6 – Resultados paver referência (6 cm) com idade de 28 dias

5. DADOS DA AMOSTRA
Identificação Peça/Lote: paver referência (Piso Línea 6 cm x 10 cm x 20 cm) – Lote 2.
Resistência do Projeto (Fpk): 35 MPa.
Data de Fabricação: 04/05/2017.
Data de Ensaio: 01/06/2017.

1. DETERMINAÇÃO DIMENSIONAL
Ident. Massa (g) Índice de Dimensões (mm)
Amostra Forma (IF)
Comprimento Largura Espessura

R1 2708,3 3,4 198,8 97,8 57,9


R2 2710,0 3,3 197,9 98,4 59,1
R3 2667,2 3,4 197,5 97,9 58,1
R4 2699,1 3,3 197,6 98,3 59,4
R5 2705,5 3,4 197,6 98,0 58,5
R6 2719,2 3,4 197,6 97,7 58,9
Item 5.2 – Variações IF ≤ 4 Comprimento ± 3 Largura ± 3 Espessura ± 3
máximas (mm)
Item 6.2 – Inspeção Arestas Planeza da base Aspecto
Visual Superficial
Aprovado Aprovado Aprovado
2. DETERMINAÇÃO DA RESISTÊNCIA À COMPRESSÃO (MPa)
Ident. Carga de Ruptura (N) Individual Média (Fp) Desvio Padrão Fpk
Amostra (Fpi) (s)
R1 326.676,50 54,7 53,3 2,672 48,3
R2 303.348,69 50,8
R3 338.601,53 56,7
R4 298.822,38 50,0
R5 330.593,47 55,3
R6 312.227,19 52,3
Espessura Fator Multiplicativo Coeficiente Fpk - resist. caract. à comp.
nominal da "p" de Fp = resist. média peças
peça (mm) Student "t" Fpi - resist. individual
s - desvio padrão
t = coeficiente de Student
n - número de peças
60 0,95 0,920 ∑(fp-fpi)²
Fpk = fp - (t x s) s= √
n-1
3. DETERMINAÇÃO DA ABSORÇÃO DE ÁGUA
Ident. Massa Fórmula Absorção de Absorção de
Amostra M1 (g) M2 (g) água individual água média
(%) (%)
R7 2667,00 2783,50 m2 ­ m1 4,4 4,5
A= x 100
R8 2674,60 2791,60 m1 4,4
R9 2562,40 2681,30 4,6
Fonte: Autoria Própria (2017).
Cidade sustentável: um conceito em construção - 297

Quadro 7 – Resultados paver ADF (6 cm) com idade de 28 dias


6. DADOS DA AMOSTRA
Identificação Peça/Lote: Paver ADF (Piso Línea 6 cm x 10 cm x 20 cm) – Lote 2.
Resistência do Projeto (Fpk): 35 MPa.
Data de Fabricação: 04/05/2017.
Data de Ensaio: 01/06/2017.
DETERMINAÇÃO DIMENSIONAL
Ident. Massa (g) Índice de Dimensões (mm)
Amostra Forma (IF)
Comprimento Largura Espessura

F1 2470,5 3,6 197,2 97,8 54,2


F2 2700,9 3,4 198,0 98,2 58,2
F3 2610,2 3,5 198,0 98,1 56,4
F4 2501,8 3,6 197,6 98,6 54,7
F5 2592,0 3,5 197,9 98,1 56,3
F6 2531,4 3,5 197,3 97,5 56,0
Item 5.2 – Variações IF ≤ 4 Comprimento ± 3 Largura ± 3 Espessura ± 3
máximas (mm)
Item 6.2 – Inspeção Arestas Planeza da Aspecto
Visual base Superficial
Aprovado Aprovado Aprovado
DETERMINAÇÃO DA RESISTÊNCIA À COMPRESSÃO (MPa)
Ident. Amostra Carga de Ruptura Individual (Fpi) Média (Fp) Desvio Fpk
(N) Padrão (s)
F1 235.193,16 39,4 40,7 1,473 37,4
F2 248.597,94 41,6
F3 246.944,11 41,3
F4 248.946,13 41,7
F5 229.622,33 38,4
F6 251.122,220 42,0
Espessura Fator Coeficiente de Fpk - resist. caract. à comp.
nominal da peça Multiplicativo Student "t" Fp = resist. média peças
(mm) "p" Fpi - resist. individual
s - desvio padrão
t = coeficiente de Student
n - número de peças
60 0,95 0,920 ∑(fp-fpi)²
Fpk = fp - (t x s) s= √
n-1

1. DETERMINAÇÃO DA ABSORÇÃO DE ÁGUA


Ident. Massa Fórmula Absorção de Absorção de
Amostra M1 (g) M2 (g) água individual água média
(%) (%)
F7 2503,80 2631,50 m2 – m1 5,1 4,6
A= x 100
F8 2515,80 2627,70 m1 4,4
F9 2527,70 2637,70 4,4

Fonte: Autoria própria (2017).


298

Os pavers de referência (8 cm) não atenderam à análise dimensional


relativa à espessura, enquanto os com adição de ADF não atenderam em
relação à espessura e resistência aos 28 dias, previstas em norma. Notou-se
também diferença nos resultados de absorção, com 5,6% para os pavers
com adição de ADF e 4% para os de referência. Isso mostra que o teor de
finos contidos na ADF contribuiu para o aumento da absorção.
Observou-se que tanto os pavers de 60 mm de referência quanto os
com adição de ADF apresentam valores de resistência à compressão e
absorção (≥35 MPa e ≤ 6%) dentro dos limites estabelecidos em norma. Em
relação à análise dimensional, o paver com adição da ADF não atendeu aos
limites de tolerância previstos para a espessura. Nota-se também que a
diminuição na espessura dos pavers pouco influenciou na absorção de água,
visto que os valores tiveram uma diferença de 0,1%.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A classificação Classe II A – Não Inerte referente à ADF foi de suma


importância, pois garantiu a incorporação de um resíduo industrial na
formulação de um novo produto. Sugere-se, em estudos futuros, que se
determine a classificação do paver segundo a ABNT 10.004, de modo a
verificar a sua periculosidade enquanto resíduo sólido.
A substituição da areia fina oriunda dos portos de extração pela ADF
gerada nas indústrias de fundidos apresentou resultados satisfatórios no
caso da fabricação de pavers com espessura de 6 cm, pois as análises
indicaram que foram atendidos os padrões impostos pela NBR 9781:2013 no
que diz respeito à resistência do material e à qualidade no acabamento das
peças. Portanto, torna-se um elemento com potencial de comercialização.
Vale ressaltar que, a caracterização dos agregados é imprescindível para
ajustar o traço com a inserção do resíduo. Logo, julga-se necessário o ajuste
do traço e estudos para a produção de pavers com espessura de 8 cm, tendo
em vista que estes não atingiram a resistência requerida.
Este trabalho se enquadra, em termos de sustentabilidade, já que o
reuso da ADF é viável sob o ponto de vista técnico, por solucionar uma
problemática ambiental ligada à escassez dos recursos naturais não
renováveis e atender à necessidade humana.
Cidade sustentável: um conceito em construção - 299

Acrescenta-se que a reutilização da ADF trará resultados positivos


para o meio ambiente tanto a montante, pela diminuição da necessidade de
extração de areia, atividade sabidamente impactante ao meio ambiente, e a
jusante, diminuindo a necessidade de absorção desta areia na forma de
resíduo pelos aterros responsáveis por sua assimilação.
Espera-se que os resultados deste trabalho incentivem o reuso dos
resíduos da ADF na formulação de novos produtos seguindo as diretrizes
propostas na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) (BRASIL, 2010), de
promover destino alternativo, adequado e viável.

REFERÊNCIAS

ABIFA – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE FUNDIÇÃO. Guia ABIFA de fundição. São Paulo, 2015.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR ISO 14001 – Sistema de gestão
ambiental: especificação e diretrizes para uso. Rio de Janeiro: ABNT, 1996.
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