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O presente artigo busca apresentar, através do estudo direcionado a um bairro do município de Fortaleza -
CE, as possíveis diferenças existentes entre as prescrições normativas do planejamento urbano e a
construção da cidade factual, a fim de discutir a pertinência e pregnância do planejamento urbano
tradicional e seus instrumentos. Através da Modelagem da Informação e do uso de indicadores de
densidade, busca-se investigar qual a cidade que a legislação vigente possibilita e, consequentemente,
estimula. Para tal, elaboraram-se cenários onde a situação real foi comparada aos parâmetros urbanísticos
das legislações vigentes. A análise dos cenários permitiu a verificação de uma tendência à verticalização e
aumento do valor de solo não compatível com as taxas de IDH e renda média da população do bairro. A
permissividade dos índices urbanísticos aplicados ao zoneamento em questão apresenta uma desconexão
com a real ambiência e escala do local, falhando em considerar a probabilidade de ocorrência de processos
de gentrificação e deslocamento dos mais vulneráveis. O planejamento nesses moldes parece ter embutido
em si mesmo a admissão de processos excludentes que tenderão a afastar os atuais residentes. Cabe aqui,
então, a indagação de para quem esses planos se destinam e para quem se planeja essa cidade.
PALAVRAS-CHAVE: regulação urbana. modelagem da informação. densidade urbana. gentrificação.
zoneamento.
ABSTRACT
The present paper seeks to address, through an analysis aimed at a neighborhood of Fortaleza - CE, the
possible differences between the normative prescriptions of urban planning and the construction of the
factual city, to discuss the relevance and effectiveness of traditional urban planning and its instruments.
Through Information Modeling and the use of density indicators, we sought to investigate which city the
current legislation allows and, consequently, stimulates. In order to achieve this goal, this study developed
scenarios in which the real situation was opposed to the one in which the current urban parameters were
used at their highest rates. The analysis of the scenarios allowed the verification of a tendency towards
verticalization and an increase in the land value not compatible with the HDI rates and average income of
the residents. The permissiveness of the urban parameters applied to the zoning in question demonstrates a
disconnection from the real context of the neighborhood and fails to consider the probability of gentrification
and displacement processes. Planning, in this sense, seems to have embedded in itself the admission of
exclusionary processes that tend to alienate the most vulnerable. Therefore, the present paper questions to
whom this city is planned.
KEYWORDS: urban regulation. information modeling. urban density. gentrification. zoning.
RESUMEN
Este artículo busca presentar, a través de un estudio dirigido a un barrio de la ciudad de Fortaleza, las
posibles diferencias que existen entre las prescripciones normativas del planeamiento urbano y la
construcción real de la ciudad, con el fin de discutir la pertinencia y eficacia del planeamiento urbano
tradicional y sus instrumentos. A través del Modelo de Información y del uso de los indicadores de densidad,
se busca investigar que ciudad es la que la legislación actual posibilita y, consecuentemente, estimula. Con
este fin se elaboraron escenarios donde a la situación real se contrarresta a del uso límite de los parámetros
urbanísticos vigentes. El análisis de los escenarios permitió la verificación de una tendencia a la
verticalización y un aumento en el valor del suelo no compatible con las tasas de IDH y renta de la población.
La permisividad de los parámetros urbanos aplicados a la zonificación en cuestión presenta una desconexión
con el contexto real y la escala del barrio, no considerando la probabilidad de la ocurrencia de procesos de
gentrificación y desplazamiento. En este sentido, el planeamiento parece traer incorporado en sí mismo la
admisión de procesos excluyentes que tenderán a alejar a los más vulnerables. Vale, por tanto, indagar para
quien se planea esa ciudad.
PALABRAS-CLAVE: regulación urbana. modelo de información. densidad urbana. gentrificación.
zoneamiento.
Para Ascher (2010), no que chama de “neourbanismo”, o planejamento passaria a fazer parte de
um mecanismo de gestão estratégica onde deixaria de ser uma instância normativa para se tornar
um instrumento de análise e negociação dentro de uma abordagem heurística, recursiva e
reflexiva dos problemas urbanos, capaz de admitir e melhor entender a complexidade que rege a
relação cidadão versus urbe, em “[...] uma sociedade cada vez mais diferenciada na sua
composição, nas suas práticas e gostos” (ASCHER, 2010, p. 94). Para o autor, o desafio consistiria
em assegurar a continuidade e o acúmulo das experiências e informações e a inserção de novos
avanços tecnológicos e processuais, o que resultaria em um novo modelo de resultados que faria
com que as soluções únicas e monofuncionais frágeis e pouco adaptáveis - de um planejamento
tradicional - dessem lugar a respostas multifuncionais e mesmo redundantes, capazes de fazer
face à evolução e à variedade das circunstâncias e disfunções que coabitam nossa relação,
enquanto seres sociais, com o espaço urbano. (ASCHER, 2010)
Autores como Jane Jacobs, Christopher Alexander e Ascher preconizam a urgência de novas
formas de entendimento, principalmente no que tange às relações entre macro e micronarrativas
das dinâmicas sócio-espaciais, dessa realidade urbana que é cada vez mais complexa, para que
intervenções e dispositivos futuros possam vir a ser concebidos para estimular de forma mais
sensível e menos excludente o desenvolvimento urbano. (NETTO e SABOYA, 2010; ASCHER, 2010;
LIMA, FREITAS, CARDOSO, 2019; ANGOTTI, MORSE, 2016)
O “deslocamento” forçado das classes baixas por pessoas de nível financeiro mais elevado pode
tanto ser resultado de processos de gentrificação quanto estar relacionado a decisões políticas de
planejamento urbano, quando, através de seus instrumentos normativos, se acaba por criar uma
pressão mercadológica sobre determinadas áreas da cidade - sob alegações de “incentivo ao
desenvolvimento” a áreas “subutilizadas” - que, no entanto, já são ocupadas por classes mais
vulneráveis que passam a ser “incentivadas” a deixá-las ou que o fazem por não mais ter
condições de se manter ali dado o aumento do valor do solo e consequentes aumentos no preço
de aluguéis e serviços, além da paulatina dissolução dos laços sociais e comunitários identitários
do local.
Diante da problemática exposta, se faz necessário que o planejamento urbano considere novos
métodos de análise e investigação que fujam de concepções reducionistas e totalizantes e tornem
mais transparentes suas decisões e intenções. Berghauser Pont e Haupt (2009) e Beirão (2012)
apontam que, o planejamento necessita de novos instrumentos que sejam capazes de tornar mais
clara a multiplicidade de relações entre agentes produtores do espaço, além dos aspectos
geográficos, sociais e econômicos que influenciem o desenvolvimento de nossas cidades.
Nesse sentido, faz sentido o que Pereira e Silva (2009) colocam ao sugerir que a coleta e
processamento de informações geográficas passam a assumir um papel estratégico na
administração, planejamento e pesquisa do espaço urbano, ao possibilitar o armazenamento e
manipulação de informações gráficas e não-gráficas de forma georreferenciada e, com isso,
permitir a construção de modelos passíveis de representar os sistemas urbano possibilitando,
assim, um melhor entendimento de situações atuais e a antecipação de cenários futuros.
1 “Parece que o deslocamento é entendido como uma daquelas consequências inevitáveis do desenvolvimento [...]”
(ANGOTTI, MORSE, 2016, p. 36, tradução nossa).
O EXERCÍCIO ANALÍTICO
O exercício analítico que segue busca apresentar, através de um estudo direcionado ao Bairro
Parque Araxá, do município de Fortaleza (Figura 1), as possíveis diferenças existentes entre as
prescrições normativas do planejamento urbano da cidade e a construção da cidade factual.
Busca-se apresentar, através da Modelagem da Informação e de indicadores de densidade
propostos em Berghauser Pont e Haupt (2009), um modelo descritivo da situação existente em
contraponto ao modelo descritivo das prescrições normativas atuais.
Figura 1: Mapa de Localização. Fonte: Autores; baseada em dados do Instituto de Planejamento de Fortaleza (FORTALEZA, 2019).
Para Berghauser Pont e Haupt (2009), o conceito de densidade teria de ser tratado como um
fenômeno multiescalar, levando em consideração diferentes escalas de agregação - sendo elas,
Edifício (Building), Lote (Lot), Quadra (Island), Tecido (Fabric), Bairro (District) -, e multivariável,
constituído por três indicadores principais - de intensidade3 (FSI - Floor Space Index), ocupação
2 “O ato de projetar cidades apenas pode ser aperfeiçoado se os designers puderem, desde os processos de concepção,
lidar com medidas capazes de aferir algumas relações entre os componentes das cidades [...]” (BEIRÃO, 2012, p. 13,
tradução nossa).
3 Do inglês intensity, mas também traduzido como “índice de aproveitamento”, por Filipe (2019).
Algumas correlações podem ser feitas entre esses indicadores e a legislação brasileira,
principalmente com relação ao licenciamento urbanístico à escala do lote. O indicador GSI, por
exemplo, possui a mesma definição do indicador brasileiro “Taxa de ocupação”, enquanto o FSI
guarda relação com o “Índice de aproveitamento” - embora, no caso brasileiro, se inclua na
equação a variável “área computável” (COSTA LIMA, 2017; LIMA, FREITAS, CARDOSO, 2019). O
OSR, enquanto relação entre espaço aberto e área total construída, embora sem equivalente nas
normativas brasileiras, é utilizado como medida de pressão do espaço construído sobre as áreas
livres e vai aqui ser utilizado enquanto medida de qualidade do espaço urbano.
Figura 2: Indicadores Spacematrix. Fonte: Lima (2017), adaptado de Berghauser-Pont e Haupt (2010).
Metodologia
Figura 3: Parte do algoritmo gerado no modelador paramétrico Grasshopper. Fonte: Autores (2019).
Recorte Espacial
Figura 4: Mapa Zoneamento. Fonte: Autores; baseada em dados do Instituto de Planejamento de Fortaleza (FORTALEZA, 2019).
O Bairro Parque Araxá, próximo ao Bairro Centro de Fortaleza, faz parte da ZOP1-45,
nomeadamente “Zona de Ocupação Prioritária 1” (Figura 4). Foi escolhido como recorte espacial
dado o rápido processo de transformação espacial pelo qual vem passando:
“[O bairro] era um local ermo e mudou muito ao longo dos anos”, recorda o
aposentado. Para ele, a impressão é de que o bairro se povoou e valorizou
rapidamente. “Hoje, é uma fortuna uma casa no Parque Araxá”. (MAIA, 2013)
Mesmo que em processo de valorização, o bairro ainda é majoritariamente horizontal mas de solo
densamente ocupado. Não possui nenhuma praça, parque ou outro equipamento de lazer público.
Figura 5: Mapa Renda Média. Fonte: Autores; baseada em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010).
Figura 6: Mapa Valor do Solo. Fonte: Autores; baseado em dados da Prefeitura de Fortaleza (FORTALEZA, 2015).
Figura 7: (a) Mapa Gabaritos, (b) Mapa Área de Lote. Fonte: Autores; baseada em dados do IPLANFOR (FORTALEZA, 2019).
Figura 8: (a) Mapa GSI, (b) Mapa FSI. Fonte: Autores (2019).
O GSI do bairro (Figura 8.a) é calculado de forma semelhante à “Taxa de ocupação” das
normativas brasileiras: área ocupada/área do lote. Uma correlação aqui possível é a quantidade
de lotes densamente ocupados fazer interseção com a de lotes com as áreas menores e de
Figura 9: (a) Mapa OSR, (b) Mapa Testadas de Lote. Fonte: Autores (2019).
Um dado importante a ser observado nessa escala de análise, levando em conta a modelagem do
cenário seguinte, foi a incidência de lotes com testada menor que 5 metros, valor da normativa
vigente (Figura 9.b). Uma correlação possível com os outros mapas apresentados, fornecida pela
interseção que essas áreas fazem com os mapas Área do lote (Figura 7.b) e GSI (Figura 8.a),
estabelece que esses lotes encontram-se principalmente em zonas do bairro com menores lotes e
com taxas de ocupação mais elevadas.
Nessa escala de agregação, continuam prevalecendo edifícios com um ou dois pavimentos (Figura
10.a). O edifício mais alto possui quatro pavimentos. Na situação dessa quadra em específico,
predominam lotes de 125 à 500m², com traçado mais regular (Figura 10.b). Levando em
consideração que essa é uma quadra de lotes com maiores dimensões e de traçado mais regular, o
GSI (Figura 11.a) não indica densas taxas de ocupação, embora o FSI (Figura 11.b) elevado da
Quadra mostre uma tendência de verticalização. O OSR é a relação entre espaços abertos e área
Figura 10: (a) Mapa Gabaritos, (b) Mapa Área do Lote. Fonte: Autores, baseada em dados do IPLANFOR (FORTALEZA, 2019).
Figura 11: (a) Mapa GSI, (b) Mapa FSI. Fonte: Autores (2019).
O Cenário 03 explora os índices urbanísticos, em seus valores limítrofes, aplicados aos lotes da
Quadra e analisa os indicadores nessa nova situação, prevista pela norma vigente. Para desenho
Figura 12: (a) Mapa Gabaritos, (b) Mapa Área do Lote. Fonte: Elabora pelos autores com base em dados do Instituto de
Planejamento de Fortaleza (FORTALEZA, 2019).
Figura 13: (a) Mapa GSI, (b) Mapa FSI. Fonte: Autores (2019).
CONCLUSÕES
Para Cymbalista (1999), é importante apontar que as cidades precisam de tempo para absorver as
novas possibilidades que a legislação passa a oferecer, por que esse processo passa por uma
necessária apropriação por parte da população, do poder público e investidores, até que se
possam emergir novos padrões de urbanização. Além disso, para o autor, a história dos
instrumentos de planejamento é também uma história de rejeições onde, se se chegam a criar
regulamentações, não se consegue necessariamente chegar à produção factual de espaços.
Embora restrito a um bairro específico do município, os dados aqui apresentados sugerem a lógica
do planejamento urbano aplicado à cidade de Fortaleza. Um próximo passo necessário, para
melhor basear as hipóteses aqui levantadas, seria aplicar a metodologia aqui desenvolvida ao
restante da malha urbana do município, ampliando assim a escala de estudo e consequente
capacidade de análise, dando maior visibilidade ao rebatimento dessas regulamentações sobre o
desenvolvimento da cidade.
Jane Jacobs (2014) coloca que o principal problema com os métodos contemporâneos de
planejamento urbano foi rejeitar das tomadas de decisão e processos de gestão, os seus cidadãos,
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