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PEQUENO, Renato
Professor Doutor do Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade Federal do
Ceará (UFC); Coordenador do Laboratório de Estudo da Habitação – LEHAB UFC
renatopequeno@gmail.com
RESUMO
O artigo traz a discussão acerca dos instrumentos urbanísticos, previstos no Estatuto da Cidade e
presentes no Plano Diretor de Fortaleza, e dos seus períodos de aplicação pela gestão pública por meio
do estudo de sua presença na legislação urbana desde o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de
1992. A partir desse recorte pode-se observar o modo como o planejamento urbano tem sido realizado,
principalmente nos últimos 10 anos, este voltado quase exclusivamente para o desenvolvimento urbano
e econômico da cidade, pautado nas relações público-privadas.
PALAVRAS-CHAVE: Instrumentos Urbanísticos. Plano Diretor. Planejamento Urbano. Fortaleza.
ABSTRACT
The article discusses urban planning instruments, provided for in the City Statute and present in the Master
Plan of Fortaleza, and their periods of application by public management through the study of their
presence in urban legislation since the Master Plan for Urban Development of 1992. From this cut, it is
possible to observe the way urban planning has been carried out, mainly in the last 10 years, this one
directed almost exclusively to the urban and economic development of the city, based on public-private
relations.
KEYWORDS: Urbanistic Instruments. Master plan. Urban Planning. Fortaleza.
RESUMEN
Dessa forma, com base nos conteúdos do Plano Diretor vigente e através do acompanhamento
das dinâmicas do planejamento urbano municipal, busca-se expor a dualidade dos instrumentos
principalmente por meio dos seus modos de aplicação. Assim, findando em uma reflexão sobre
o verdadeiro foco da atual gestão municipal frente às políticas urbanas dos últimos 10 anos,
sobre o modo como o desenvolvimento urbano foi conduzido e suas reverberações e influência
futura nas principais legislações municipais.
Dessa forma, com seu período de restruturação produtiva iniciado na década de 70 e anos
depois com a construção do Complexo Portuário do Porto do Pecém, a cidade assumiu uma
configuração que apresenta sua área central e área leste como as mais valorizadas da cidade.
Isso devido ao período também na década de 70 em que os comércios, serviços e instituições
governamentais se deslocaram para o leste da cidade, assim expandindo a malha urbana e
constituindo uma centralidade expandida. Assumindo essa nova área de valorização e atuação
do setor terciário, com a instalação de shopping centers, instituições de diferentes esferas de
governo e outros novos empreendimentos deste setor, na década de 1990 se configura o eixo
Sabe-se que a produção do espaço urbano ocorre de maneira intensa nas cidades brasileiras
desde o período colonial. Entretanto as cidades eram produzidas, alteradas e tinham seu
processo de desenvolvimento orientado de forma desordenada, espontânea e desigual. Ainda
que algumas normas urbanísticas no âmbito federal tenham sido formuladas ao longo do Século
XX, as primeiras conquistas dos movimentos sociais pela reforma urbana, só vieram com a
Constituição Federal de 1988, mediante o capítulo sobre Política Urbana, no qual se define a
função social da cidade e da propriedade e também a democratização do processo de tomada
de decisões. Juntamente disso, ela transfere para os municípios a responsabilidade de planejar
e gerir o território urbano.
É nesse contexto de redemocratização e luta pela reforma urbana e pela moradia digna que
começam a surgir os primeiros planos diretores que trouxeram consigo um esboço de tentativas
de implementação de alguns instrumentos urbanísticos. O Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano de Fortaleza (PDDU-For) de 1992, Lei N° 7.061/92, é um exemplo disso ao apresentar a
proposta de instrumentos para a democratização do acesso à terra, visando em seu discurso um
desenvolvimento urbano menos desigual. Esses e outros instrumentos são finalmente previstos
nacionalmente em 2001 após 13 anos de disputas no meio político, desde a Constituinte de
1988, que ansiavam pela publicação da Lei 10.257/01, o Estatuto da Cidade (EC).
Diante disso, o Plano Diretor Participativo de Fortaleza de 2009 (PDP 2009), Lei Complementar
N° 62/2009, atende ao estabelecido na lei federal de 2001. Apresenta, assim, instrumentos
urbanísticos referentes tanto a institutos tributários e financeiros quanto a institutos jurídicos e
políticos, evidenciando os intuitos iniciais da idealização de tais instrumentos. Estes seriam o de
influir sobre aplicação de tributos e na dinâmica de valorização de espaços da cidade, entretanto
também atuar na identificação, regularização fundiária e proteção de assentamentos precários,
além da promoção do acesso democrático ao espaço urbano e, consequentemente, ao direito à
cidade. Este, tanto em sua definição mais pragmática e material do acesso ao espaço da cidade,
como em sua definição mais abstrata proposta por Lefebvre (1968), a qual seria também
decorrente das conquistas anteriormente mencionadas, além de outros fatores que
promoveriam a apropriação do espaço, o usufruto pleno dos serviços e a realização da vida nas
cidades.
Assim, o PDP 2009, ao localizar esses instrumentos no território e discorrer sobre sua aplicação
em meio ao planejamento urbano e às dinâmicas sociais e imobiliárias, apresenta as áreas e os
Alguns desses instrumentos têm em sua natureza a autoaplicabilidade, ou seja, a partir do que
foi estabelecido no plano diretor do município a gestão já poderiam aplicá-los para atingir seus
objetivos. Outros instrumentos são previstos no PDP 2009, entretanto demandam
aprofundamento em lei específica, quanto ao estudo mais detalhado das áreas ou das
metodologias escolhidas e estabelecidas pelo plano diretor. Assim, como consequência dessa
lei municipal, é necessária a elaboração de outras leis complementares, situação na qual já se
pode observar a manifestação da preferência estabelecida pela prefeitura entre esses
documentos legislativos.
Tendo em vista os instrumentos trazidos pelo PDP 2009, baseado no que diz o Estatuto da
Cidade, e as questões relativas à facilidade de sua aplicação, é possível classificar esses
instrumentos quanto a sua autoaplicabilidade.
Devido a situações como essa, a hierarquia na legislação urbana do país se torna evidente.
Assim, visto que o Plano Diretor estabelece diretrizes gerais, é preciso que outras leis sejam
elaboradas para detalhar certos aspectos evocados, como a Lei de Uso e Ocupação do Solo
(LUOS), a qual descreve índices, instrumentos e exceções referentes a cada zona do
macrozoneamento da cidade e das zonas especiais. Vale ressaltar que no caso do PDPFor 2009,
já são lançados no seu zoneamento urbano e ambiental os objetivos, instrumentos e alguns
índices urbanísticos referentes a cada uma das zonas por ele estabelecidas.
Após o fim da década de 1970 e o seu cenário político-econômico que marca início da grande
representatividade do neoliberalismo por meio dos governos dos Estados Unidos e da Inglaterra
(DARDOT e LAVAL, 2016), a década de 1990 representou o período de consolidação da ideologia
neoliberal no Brasil. No estado do Ceará também se observou esse movimento na administração
pública, principalmente na esfera estadual. Durante esse período a cidade de Fortaleza seguiu a
lógica do pensamento neoliberal, priorizando a gestão pública orientada para o negócio, tendo
a cidade como uma mercadoria a ser comercializada (NASCIMENTO et ali, 2018).
Segundo o PDP-For 2009, as OUCs seriam direcionadas para áreas prioritárias na cidade e dentre
elas então as Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) e de Zona Especial de Desenvolvimento
Urbanístico e Socioeconômico (ZEDUS) com o intuito de reverter a parceria com o ente privado
em melhorias urbanísticas na área implantada. No caso das ZEIS, promover construção de
habitação de interesse social e de equipamentos, regularização fundiária e urbanização dos
assentamentos e, no caso da ZEDUS, promover melhorias de infraestrutura urbana. Entretanto
as OUCs realizadas em Fortaleza, ao longo de 19 anos, não apresentam equilíbrio entre os
benefícios adquiridos pelo ente privado e a contribuição urbanística estabelecida pela prefeitura
com a qual esse ente privado se comprometeu a realizar (PEQUENO e ROSA, 2018). A aplicação
das operações urbanas é, dessa forma, voltada para o desenvolvimento econômico de alguns
segmentos já concentradores de renda e inverte os papéis de protagonismo entre o público e o
privado, dando mais destaque ao setor privado e aos benefícios quanto à valorização que o seu
empreendimento trará para aquela área de atuação (BRASIL, CAVALCANTI e CAPASSO,
2017). Além disso, a ausência de estudos prévios de áreas-alvo e de um desenho urbano
específico denunciam o atropelo de etapas fundamentais, exigidas em lei, para a construção de
uma intervenção coerente na cidade.
Figura 1: Mapa de oportunidades de OUCs identificadas pelo Plano Fortaleza 2040. Fonte: Prefeitura de Fortaleza (2016).
Além disso, o Plano Estratégico Fortaleza 2040 trouxe sugestão de várias outras operações
urbanas em 2016 (Figura 1), o que evidencia o interesse existente nesse tipo de instrumento
mesmo que as operações propostas não tenham sido implementadas. É possível afirmar que
estas últimas se configuram na banalização do uso do instrumento, tendo em vista a incipiência
do seu detalhamento. Mais ainda, no ano de 2017 o Programa Fortaleza Competitiva traz outras
15 novas OUCs (Figura 2), estabelecendo 6 como prioritárias para serem implantadas em um
curto prazo, estas já aprovadas pelo poder público. Assim, somadas com as quatro operações
urbanas com projeto de lei aprovado até 2015, totalizam um total de 10 OUCs elaboradas pós
PDP 2009 e 13 no total ao longo de 17 anos (Figura 3). Dessa forma, é possível observar a rapidez
e a frequência da criação de novas OUCs pela cidade o que explicita o interesse das gestões
neste instrumento como indutor de desenvolvimento.
Outro instrumento urbanístico que se tornou muito presente em Fortaleza depois de sua
regulamentação foi a Outorga Onerosa (Figura 4). Como já mencionado, segundo o que o EC
estabelece, existem dois tipos de outorga onerosa: a outorga do direito de construir e a outorga
de alteração de uso do solo. A primeira é de mais fácil aplicação e vem sendo posta em prática
desde a publicação do PDP 2009. Entretanto o instrumento da Outorga Onerosa de Alteração
do Uso do Solo foi regulamentado somente no ano de 2015, por meio da Lei N°10.335/15, e
desde então é utilizado em alguns empreendimentos na cidade.
Figura 4: Mapa das Outorgas Onerosas até início de 2017. Fonte: Seuma/Elaborado pelo autor.
Neste sentido, o uso da Outorga Onerosa de Alteração do Uso do Solo pela gestão municipal de
Fortaleza merece maiores esclarecimentos quanto à sua adoção. Inicialmente, o instrumento foi
idealizado para mudança do uso de um terreno estipulado pelo zoneamento do Plano Diretor,
Os projetos que usufruem desse instrumento geralmente passam pela avaliação da CPPD
quanto à concessão da outorga e são classificados como “Projetos Especiais” por essa mesma
comissão. Alguns casos que exemplificam esse cenário na cidade de Fortaleza é o Ivens Dias
Branco Condominium da Idibra Participações S/A (Figura 5), com 139 metros de altura
constituindo 40 andares, localizado em uma zona na qual a altura máxima da edificação era
estabelecida em 48 metros, e o Edifício One da construtora Colmeia (Figura 6), com 150 metros
de altura constituindo 52 andares, localizado em uma zona na qual a altura máxima da edificação
era estabelecida em 72 metros. Quanto a este último, inicialmente seriam construídas pela
construtora Colmeia duas torres de 27 andares cada e 81 m de altura, antes da mudança da
legislação e regulamentação da Outorga de alteração do uso do solo. Ambos os
empreendimentos tiveram o projeto de outorga aprovados no ano de 2017, menos de dois anos
após a regulamentação do instrumento em lei.
Para além desses dois instrumentos abordados, as ZEDUS já são zonas que integram o
zoneamento especial do Município, entretanto que também podem ser consideradas como um
instrumento urbanístico trazido pelo Plano Diretor de 2009. Essas zonas especiais são
basicamente destinadas à implantação e intensificação de atividades sociais e econômicas, isso
ocorre por meio da flexibilização de parâmetros nessas áreas, como já mencionado no trecho
anterior.
Dito isso, o PDP 2009 estabelece os objetivos desse tipo de zoneamento especial, o qual já
apresentava três manifestações criadas anteriormente, uma na Av. Francisco Sá e duas na região
do Centro, e que tipos de instrumentos podem ser aplicados nessas áreas. Deixando assim a
criação de novas ZEDUS a cargo de uma lei específica a ser elaborada posteriormente,
entretanto respeitando o estabelecido no plano diretor. Essa escolha da prefeitura contribui
para que as ações de planejamento sejam fragmentadas, assim enfraquecendo a lei de política
urbana que tinha sido aprovada. Com isso, abre-se a possibilidade para que no cenário futuro, a
lei específica a ser elaborada não esteja completamente de acordo e integrada ao estabelecido
pelo plano e às outras zonas especiais.
Frente a isso, sete anos depois da publicação do PDP 2009, a Lei de Uso e Ocupação do Solo
(LUOS) começa a ser revisada e tem sua publicação no ano de 2017. Nessa lei se observa a
criação de 20 novas ZEDUS (Figura 7), as quais agora ocupam cerca de 12% do território
municipal (BRASIL, CAVALCANTI e CAPASSO, 2017). Diante simplesmente da criação dessas
novas zonas, que nem mesmo ocorreu por meio de legislação específica, e do volume de zonas
criadas, fica claro que o estabelecido como prioridade no Plano Diretor foi ignorado, inclusive a
Já no caso das ZEIS (Figura 8), cuja primeira aparição na legislação municipal se deu no PDP 2009
e a qual simbolizou uma grande conquista dos movimentos e profissionais envolvidos no seu
processo de elaboração, a mobilização popular em torno da regulamentação e implementação
deste instrumento se tornou a principal bandeira dos movimentos de moradia. Afinal esse
zoneamento especial, como aponta Pequeno (2010; 2011; 2015), consistiu durante a elaboração
do plano, e ainda consiste, em um zoneamento inclusivo, que visa garantir a permanência de
comunidades vulneráveis e tradicionais. Tudo isto frente a um zoneamento urbano que “traduz
os interesses do mercado imobiliário” que muito mais visa promover a segregação involuntária
dos mais pobres, como se pode perceber com os estudos que avaliaram o Programa Minha Casa
Minha Vida em Fortaleza (PEQUENO e ROSA, 2015; 2016).
Diante disso, desde os momentos iniciais de inclusão no Plano Diretor de 2009 até o atual
processo de regulamentação, as ZEIS sofrem constantes golpes, consistindo assim em um
processo de desconstrução deste instrumento (BRASIL, CAVALCANTI e CAPASSO, 2017). Este
processo se dá início logo no Congresso do Plano Diretor quando se exclui duas ZEIS de vazio do
bairro Centro, onde se encontram terrenos vazios e vazios construídos em uma área
extremamente central da cidade, e quando se substitui polígonos no bairros Cocó e Papicu,
áreas centrais já muito valorizadas e ainda em processo de valorização, por polígonos em áreas
distantes do centro da cidade nas quais o valor do metro quadrado é bem mais baixo, no bairros
Cajazeiras, Montese e Álvaro Wayne (PEQUENO e FREITAS, 2012).
Assim, a regulamentação deste instrumento foi ignorada pelo poder público por alguns anos até
que em 2013, graças às pressões dos movimentos sociais, foi constituído o Comitê Técnico
Intersetorial e Comunitário das ZEIS tendo apenas 9 ZEIS como foco dos estudos, por meio de
decreto, entretanto, a posse deste comitê só ocorre em 2015. Neste comitê são realizados os
relatórios técnicos das ZEIS trazendo à tona a necessidade de uma discussão continuada sobre
a sua regulamentação da qual passaram a tomar parte representantes de comunidades,
universidades, entidades e ONGs.
Em seguida, apenas em 2016 é publicado o Decreto 13827 que cria a Comissão de Proposição e
Acompanhamento da Regulamentação das ZEIS, a qual finaliza seu trabalho em 2018
entregando após um árduo debate os produtos: proposta de decreto de funcionamento dos
conselhos gestores das ZEIS e criação do Fórum Permanente das ZEIS; proposta de termo de
referência para capacitação dos conselhos gestores das ZEIS; proposta de termo de referência
para contratação de Plano Integrado de Regularização Fundiária (PIRF); proposta de lei de
habitação de interesse social em Zeis 3; minutas de alteração do PDPFOR e da LUOS (HOLANDA
e PINHEIRO, 2018). Destaque para os problemas presentes nesta fase, considerando a frágil
intersetorialidade na gestão municipal, onde as secretarias envolvidas demonstravam visões
distintas sobre a importância do uso do instrumento. Para aqueles mais mercadófilos, o
instrumento era claramente sinal de retrocesso frente aos interesses privados; para outros, mais
comprometidos com o direito à cidade, buscou-se garantir o debate e a conclusão do processo.
Houve ainda aqueles que optaram pelo distanciamento. Todavia, nos momentos decisórios, era
facilmente reconhecida a presença de comando superior, prevalecendo os interesses da gestão
e do mercado. Além disso, vale lembrar a inclusão de uma 10ª. ZEIS tendo em vista a tentativa
de remoção da comunidade que vive na ZEIS Dionísio Torres.
Frente a estas questões, pode-se observar claramente um ritmo extremamente lento para a
regulamentação deste instrumento, com diversos ritos burocráticos e etapas frustradas ou
adiadas. Além disso, isto representa um processo extremamente desgastante para as
comunidades articuladas que reivindicam tal regulamentação há mais de 10 anos. Situação
completamente diferente da regulamentação e aplicação dos outros instrumentos abordados
anteriormente voltados para o desenvolvimento econômico da cidade, geradores de
desigualdades.
Figura 9: Linha do tempo da previsão de instrumentos e seus períodos de regulamentação e aplicação. Fonte: Elaborado pelo
autor.
Importante ressaltar que entre 2015 e 2017, foi publicada a lei de criação de duas OUCs, a lei
que regulamenta a Outorga Onerosa de alteração de uso do solo, o Plano Estratégico Fortaleza
2040, é realizada a revisão da LUOS, um processo não participativo e com foco na criação das
20 novas ZEDUS e mudança de parâmetros, é aprovado o projeto de outorga dos dois prédios
que serão os maiores e mais caros de Fortaleza e é publicado o Programa Fortaleza Competitiva,
o qual apresenta como conteúdo único a apresentação de um estudo, até hoje não publicado,
sobre os locais mais indicados para execução de 15 OUCs distribuídas na cidade em prol do
desenvolvimento econômico, ou seja, mais que o dobro das operações aprovadas
anteriormente. (ROSA, PEQUENO, 2018)
Além disso, em maio de 2019, por meio da Lei Complementar n° 265/19, a Prefeitura Municipal
altera o Art. 244 e o Art. 247 do PDP 2009 e estabelece como um dos conteúdos mínimo na
criação de uma OUC a definição do índice de aproveitamento máximo, este agora sendo definido
e estabelecido pela lei específica de cada operação urbana. Assim, mais uma vez se altera o
conteúdo do Plano Diretor e fragmenta-se ainda mais o planejamento urbano da cidade ao
deixar a critério de cada OUC que esta defina o índice de aproveitamento máximo dentro de sua
área e não mais seja estabelecido, no Plano Diretor, um índice geral para todas as operações
criadas na cidade. Isso permite maior flexibilidade na criação das operações urbanas e na
definição dos seus índices, intervenções urbanas e contrapartida, além de criar uma situação
mais favorável para que haja a criação de mais OUCs e a construção de edifícios sob a forma de
grandes espigões verticais, como os dois exemplos já citados, proporcionando lucros cada vez
maiores para o setor privado.
Por outro lado, o processo de regulamentação das ZEIS ocorre lentamente e a altos custos e
esforços do movimento sociais, coletivos e setores das universidades, tendo sido iniciado
oficialmente em 2013 e apenas em 2019 aberto o processo de elaboração do Plano Integrado
de Regularização Fundiária (PIRF), mostrando-se assim amplamente fora da pauta originária da
gestão municipal. O recorte do ano de 2015 é um exemplo a partir do qual pode-se provocar
esta discussão, quando no mesmo ano são aprovadas duas OUCs e a lei que regulamenta a
outorga de alteração de uso do solo enquanto o processo da ZEIS se encontra em sua fase inicial
dando posse ao Comitê Técnico Intersetorial e Comunitário.
A ZEIS é um instrumento cujo viés democrático é muito forte e se mostra fundamental para
realidade brasileira frente a um mercado imobiliário desumano e cada vez mais presente e mais
forte na extensão das cidades. Assim, a defesa da ZEIS tipo 3, de vazio, em Fortaleza se mostra
fundamental, principalmente frente aos 14% destas áreas já perdidos como mencionado
anteriormente. De acordo com pesquisas coordenadas pelo CONFEA/CREA e pelo IPPUR/UFRJ
em parceria com o Ministério das Cidades, 80% dos Planos Diretores apresentam a criação de
Figura 10: Mapa cruzando todas as OUCs, pontos de outorgas, ZEDUS e ZEIS no território de Fortaleza. Fonte: PMF/Elaborado
pelo autor.
Por fim, observando a Figura 10 pode-se reconhecer as grandes áreas de Fortaleza que são alvos
das ZEDUS e das OUCs, proliferando-se pelas diferentes direções da cidade, desde o centro às
periferias, ainda que no plano das intenções. Da mesma forma, verifica-se a distribuição espacial
das outorgas onerosas que se expandem por toda a cidade, revelando, porém, certo predomínio
no centro expandido e no eixo sudeste de desenvolvimento urbano, região de constante
valorização e onde o mercado imobiliário, por meio de proprietários fundiários e
incorporadores, se mostra muito forte e influente. A análise da totalidade também sugere que
os setores mais próximos à faixa litorânea são mais presentes que nas bordas periurbanas.
Assim, frente a iminência da revisão do Plano Diretor, cujo processo teve seu início formal nos
últimos meses de 2019, o cenário exposto de desregulamentação dos instrumentos e do
planejamento urbano é alvo de muitas preocupações. Uma política urbana que vem sendo
pautada por programas de desenvolvimento urbano e por um plano estratégico interpretado
como o prenúncio de um Plano Diretor se detém a parcerias entre o público e o privado para o
seu desenvolvimento futuro.
Diante disso, o Plano Diretor que está previsto para ser elaborado no ano de 2020 tende a
apresentar os mesmos problemas que foram identificados na revisão da LUOS e muitos outros
referentes à participação popular - como já aconteceu em 2019. Ressalta-se que a primeira
minuta de lei foi elaborada a portas fechadas, entretanto o fato foi levado a público e a minuta
não foi à Câmara. Constatou-se a presença de conteúdos já pré-estabelecidos pelo Plano
Estratégico Fortaleza 2040 e pelo Programa Fortaleza Competitiva como parte do novo plano,
algo de total interesse daqueles que comandam a política urbana local: o poder local e o
mercado imobiliário.
CONCLUSÃO
É a partir desses instrumentos que se tem uma imagem do cenário atual das políticas urbanas
da cidade, pautadas por grandes obras de infraestrutura, construção de grandes edifícios,
criação de áreas a serem valorizadas como alvos de investimentos e também pautadas por
disputas entre os diferentes agentes produtores do espaço da cidade, uns em prol da moradia
Frente à realidade de deturpação do Plano Diretor de 2009, com alterações frequentes em prol
do objetivo atual da gestão - sob a influência do Plano Estratégico Fortaleza 2040 e do Programa
Fortaleza Competitiva, os quais já guiam o desenvolvimento urbano, e aos conflitos das ZEIS com
as OUCs, Outorgas e ZEDUS - o Plano Diretor a ser elaborado em 2020 sofrerá influências
massivas desses outros documentos elaborados pela Prefeitura. Já admitido em decreto pelo
próprio poder público, o novo plano deverá se pautar nos plano e programa já elaborados, o
que já impõe sobre o novo PD um viés mercadófilo e segregador, assim como retira a
legitimidade do processo de elaboração participativo que deveria ocorrer desde o início de sua
revisão. É neste processo participativo que seriam definidos os focos e reivindicações populares,
bem como a partir de debates entre movimentos e representantes do setor privado, que
deveriam ser estabelecidas as diretrizes que guiariam o plano e estabeleceriam o
desenvolvimento urbano desejado para a cidade de Fortaleza.
Dessa forma, fica evidente o viés do planejamento urbano de Fortaleza pautado nas relações
público-privadas, sendo os principais objetos por meio dos quais atuam as OUCs, as Outorgas e
as ZEDUS, enquanto as ZEIS ainda lutam para sua regulamentação e segurança fundiária frente
às constantes ameaças de remoção. Assim, mostrando-se um planejamento urbano promovido
e legitimado pelo próprio Estado voltado para o mercado e tendo a cidade como uma
mercadoria a ser comercializada, e como negócio a ser empreendido (CARLOS et ali, 2015).
Evidenciando assim a desregulamentação dos instrumentos e do próprio planejamento urbano,
que ocorre por meio da adoção de um viés de planejamento e desenvolvimento cujos
instrumentos utilizados, assim como suas aplicações, denunciam as estratégias de segregação e
uma intensificação das desigualdades sócio-territoriais que geram na cidade de Fortaleza.
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