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Universidade de São Paulo | Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

Julia Nariçawa | n°USP 12505454


Fichamento 5
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Sarah Feldman é arquiteta, urbanista e pesquisadora graduada pela Faculdade de Arquitetura e


Urbanismo da Universidade Mackenzie, além de mestre e doutora pela FAU-USP. Atua no ensino na
área de História do Urbanismo, sendo professora no Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP
(IAU-USP), e desenvolve pesquisas com ênfase nos temas: instituições de urbanismo, legislação
urbanística, bairros centrais- urbanização, metropolização e construção de territórios.

Feldman fez parte do VII Encontro Nacional da ANPUR (Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional), cujo tema foi “Desenvolvimento, Crise e
Resistência”. O texto intitulado “O Zoneamento Ocupa o Lugar do Plano: São Paulo, 1947-1961” foi
escrito em 1997 e publicado novamente em 2017 para a Sessão Temática 2 do Encontro. Ele traz um
panorama acerca do decorrer do processo de desenvolvimento de um Plano Urbanístico para São
Paulo, que passava por um fase de intensas transformações, em meio a construção, a prática e o
predomínio do zoneamento na cidade. Dessa forma, o trabalho de Feldman tem como objetivo
destrinchar as estratégias adotadas pela administração municipal, frente às alterações estruturais da
produção do ambiente da cidade.

Feldman inicia contextualizando o cenário da cidade de São Paulo, que passou, entre as décadas de
1930 e 1960, por um período de transformações urbanas estruturais. Nesse sentido, no final da década
de 1940: havia um duplo movimento, caracterizado, por um lado, pela compactação da cidade, através
da verticalização e da ocupação de bairros já consolidados e, por outro, pela expansão da área urbana
para as áreas periféricas por meio do estabelecimento de moradia para a população de baixa renda.
Essas mudanças urbanas pelas quais São Paulo estava passando inauguram um novo debate
urbanístico posterior à prefeitura de Prestes Maia.

Destaca-se, então, o zoneamento duplamente compreensivo (Basset,1925), o qual é “abrangente ao


conjunto da cidade e que divide o território urbano em zonas, nas quais se articulam diferentes
parâmetros urbanísticos” (Feldman, 1997). Esse formato foi assumido pela legislação de zoneamento
de São Paulo a partir do ano 1947 e permanece como importante instrumento de planejamento urbano
até os dias atuais. Nesse momento, em São Paulo, por influência de ideias desenvolvidas nos Estados
Unidos, havia intenção, por parte da administração municipal, de institucionalizar o processo de
planejamento e de construir um zoneamento compreensivo.
Nesse ínterim, de um lado, o planejamento enquanto função do executivo e a concepção do urbanismo
não saíram do plano das ideias, do outro, o zoneamento se tornou o grande instrumento urbanístico,
indissociável do planejamento, uma vez que faz referência “à história de um processo em constante
transformação, que se constrói socialmente, em função de interesses e atores concretos”(Feldman,
1997).
De 1947 a 1961, o setor de urbanismo na administração da cidade de São Paulo consolidou-se a partir
de uma atuação baseada em uma perspectiva tecnicista de solução dos problemas urbanos,
independentes da própria gerência municipal e de conflitos sócio-políticos. O zoneamento seguiu pelo
mesmo caminho, sendo construído de forma isolada dos demais processos e decisões da máquina
administrativa. Nesse sentido, pode-se afirmar, como denota Feldman (1997), que as bases da
“tecnificação” e da “despo-litização” dos problemas urbanos se instauraram em uma conjuntura
democrática, sendo apenas potencializadas no regime autoritário.

A autora continua discorrendo sobre a importância da legislação no órgão do plano. Foi durante o
período de 1947 a 1961 que as ideias defendidas e difundidas por Luiz Ignácio Anhaia Mello,
professor fundador da FAU-USP, amplamente influenciado pela ideia estadunidense do planning
penetraram na máquina administrativa paulistana. A criação do Departamento de Urbanismo, no
interior da Secretaria de Obras e Serviços Municipais, por meio de um Decreto-lei, em 1947, foi um
momento decisivo para o setor de urbanismo, que vinha se desenvolvendo desde o início do século.
Passou-se a haver, então, um espaço significativamente maior para a elaboração do Plano da Cidade
no âmbito da administração municipal, a partir criação da Comissão Orientadora do Plano da Cidade,
constituído por representantes da sociedade civil, do executivo, do legislativo, das universidades, etc.
e do Departamento de Urbanismo, composto por funcionários municipais. Além do mais, o setor
passou a se organizar segundo as etapas de elaboração do plano, aliado a articulação entre as
diferentes divisões do departamento e as esferas do poder público, a fim de estabelecer um fluxo
ordenado de atividades. Nesse contexto, o planejamento assumiu papel de órgão central que
coordenava e aconselhava o executivo a como lidar com os problemas urbanos, tornando-se
inseparável desse. Por fim, a criação desse Departamento indicou a formação de um novo perfil de
profissional, o do urbanista, caracterizado por um conhecimento multidisciplinar e pela capacidade de
coordenar grandes projetos.
Ainda, o Departamento de Urbanismo era composto por engenheiros os quais introduziram novas
práticas, instrumentos, metodologias, etc. Assim, no período entre 1947 e 1961, o debate urbanístico
em São Paulo passou a ser liderado por essas figuras que não possuíam aspirações
político-administrativas e sim tinham suas atuações restritas ao Departamento. O perfil do
Departamento que se delineou durante a direção desses engenheiros municipais era de órgão
extremamente técnico e legalista em relação aos problemas da cidade, atuando totalmente
desvinculado da política. Havia, nesse momento, por um lado, o reconhecimento da necessidade de
um plano para solucionar os problemas urbanos e, por outro, existia um descrédito em relação ao
processo de planejamento e apregoamento de que a lei seria a única recurso efetivo para a resolução
desses problemas. Sendo assim, o Departamento não consegue atuar adequadamente enquanto “órgão
com função “staff” - pesquisador e consultivo - e como órgão articulador dos diferentes setores da
administração.” (Feldman, 1997). Então, o Departamento fica isolado do restante da Máquina
Administrativa e o Plano da Cidade não passa de um esboço técnico.
Um nome influente no setor de planejamento e de urbanismo era o arquiteto-engenheiro Carlos Brasil
Lodi, formado pela Escola Politécnica. Lodi foi um dos propagadores das ideias de Anhaia Mello, seu
professor durante a graduação, sendo um crítico feroz ao Plano de Avenidas de Prestes Maia. Em seu
discurso, Lodi defende que o trabalho do planejador deve ter respaldo político, diferentemente de
Anhaia Mello, que dizia que o planejamento era um “problema técnico” e, portanto, “politicamente
neutro”. Contudo, quando posteriormente assume o cargo de chefe da Divisão de Planejamento Geral,
ele assume uma postura politicamente neutra e técnica, princípios da visão administrativa dominante.
Nesse sentido, ele dá prioridade para a revisão do Código de Obras e para a elaboração da Lei de
Zoneamento, em detrimento do desenvolvimento do plano.

Ao longo da década de 1950, as práticas do setor de urbanismo, em consonância com o que estava
sendo pensado pelo Departamento de Urbanismo, assumiu um papel dual: por um lado, há inúmeros
projetos viários detalhados que ocupam a rotina do executivo, por outro, foram realizados
levantamentos e mapeamentos a fim de coletar informações, promovendo, assim, o conhecimento da
realidade urbanística.
Apesar dos inúmeros projetos viários projetados e realizados pela prefeitura, essas obras viárias
ficavam restritas à região central, não atingindo as áreas periféricas, marcadas pela ausência de
equipamentos básicos e de vias de deslocamento, o que acabou por preservar a estrutura radiocêntrica
da cidade. Ademais, esse cenário contribuiu ainda mais para a abertura de ruas não oficiais, resultante
de loteamentos clandestinos nas periferias de São Paulo. Ainda, o Departamento de Urbanismo, com
sua postura técnica e legalista, era permeado por uma força política que “aliava os interesses do poder
público de arrecadação de impostos ao interesse dos loteadores”, o que dificultou ainda mais a solução
da clandestinidade e beneficiou os loteadores.
Apesar das permanências citadas anteriormente, novas práticas foram construídas e implementadas no
setor do urbanismo no final da década de 1940. O zoneamento, como mencionado anteriormente,
torna-se um instrumento de planejamento que atende a necessidade de controle do uso e ocupação do
solo frente às transformações pelas quais a cidade estava passando, sendo um viabilizador de alcançar
os objetivos do plano. Iniciou-se, então, dentro do Departamento, um esforço para elaborar uma lei de
zoneamento que, por meio da utilização de parâmetros urbanísticos articulados e vinculados
sistematicamente a um regime de zonas, abrangesse toda a cidade, distinguindo-se das estratégias de
diferenciação territorial existentes de do Código de Posturas (1886).
O zoneamento, além de seu caráter compreensivo e de sua aplicação sistemática de diferentes
parâmetros em determinadas zonas, assumia papel de protetor de valores imobiliários. Sempre se
referenciando no modelo de urbanismo realizado nos Estados Unidos, nesse caso o zoning. Nesse
sentido, o zoneamento desenvolvido em São Paulo permitia a proteção das áreas dominadas e
ocupadas pelas elites, tornando-se, então, uma ferramenta de perpetuação e de acentuação da ordem
discriminatória de segregação sócio-espacial vigente, atuando isoladamente do sistema de intervenção
municipal.
A construção do zoneamento, a partir de 1947, com base no saber técnico de engenheiros e arquitetos
municipais, dá-se através de dois processos paralelos e interativos: de uma lado, a regulamentação de
algumas parcelas do território e do outro, a criação de leis gerais e leis parciais referentes a zonas e
parâmetros de uso e ocupação do solo, o que revela um gradativo aprimoramento do instrumento.
Sendo assim, esse processo assume um caráter experimental e o zoneamento é construído “ao vivo”,
sendo resultado de uma série de experimentações de implementação de diferentes parâmetros
conforme novas zonas eram demarcadas e de acordo com as necessidades e finalidades econômicas,
sociais, políticas, etc que surgiram a partir do crescimento urbano acelerado.
Embora o zoneamento brasileiro tentasse ser o mais fiel possível ao modelo estadunidense, existiam
algumas diferenças. Enquanto nos Estados Unidos, os elaboradores do Plano tinham maior autonomia
de atuação e o processo de elaboração das leis contavam com o debate entre equipes técnicas de
diferentes especialidade, no Brasil, “as decisões e negociações sobre o zoneamento só ultrapassam os
limites técnicos e os procedimentos burocráticos para interferências diretas do prefeito” (Feldman,
1997).
Em 1954, durante a gestão de Jânio Quadros, foi aprovado judicialmente a estratégia de utilização do
decreto para regular o zoneamento, o que resultou em um processo autoritário de decisão, que cabia
apenas ao prefeito, negando qualquer debate com a sociedade. Isso desencadeou uma série de decretos
assinados pelos prefeitos eleitos de São Paulo, sendo o zoneamento, portanto, realizado “à surdina”,
sem participação alguma dos moradores da cidade, beneficiando, sobretudo, as elites e os capitalistas
paulistas.

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O texto é bem interessante, entretanto fiquei um pouco confusa com a cronologia dele. A autora fazia
análises e discussões sobre determinados períodos no processo de desenvolvimento do zoneamento e
do plano na cidade de São Paulo, mas esses períodos eram repetidos nos diferentes tópicos do texto, o
que tornou complicado e difícil organizar e juntar os fatos simultâneos na minha cabeça. Acredito que
isso prejudicou minha compreensão do texto.

Além do mais, a parte do texto que discutia a relação da atuação do Departamento de Urbanismo com
a realização de obras viárias na cidade me fez lembrar do texto que lemos para a aula da professora
Paula Santoro (“ Também é pelo transporte que uma mulher negra não consegue chegar aonde ela
quer: perspectiva interseccional sobre lógicas a que o sistema de transporte da cidade de São Paulo
está sujeito.”), que traz a questão dos loteamentos clandestinos que surgiram com a expansão
periférica da área urbana, que acaba por dificultar o deslocamento diário, sobretudo da mulher negra
periférica. Com a leitura do texto de Feldman, consegui perceber uma outra perspectiva sobre a
questão da negligência do Departamento perante esses problemas urbanos. A partir dessa
discriminação do setor do urbanismo, ficava cada vez mais comum a abertura de ruas não oficiais e a
criação de linhas de ônibus clandestinas, o que acabava por beneficiar ainda mais os loteadores, uma
vez que a administração municipal, apesar de preconizar a solução da clandestinidade, nada fazia para
resolvê-la, contribuindo para a imposição de barreiras e dificuldades para a população pobre e
periférica.

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