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Feldman fez parte do VII Encontro Nacional da ANPUR (Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional), cujo tema foi “Desenvolvimento, Crise e
Resistência”. O texto intitulado “O Zoneamento Ocupa o Lugar do Plano: São Paulo, 1947-1961” foi
escrito em 1997 e publicado novamente em 2017 para a Sessão Temática 2 do Encontro. Ele traz um
panorama acerca do decorrer do processo de desenvolvimento de um Plano Urbanístico para São
Paulo, que passava por um fase de intensas transformações, em meio a construção, a prática e o
predomínio do zoneamento na cidade. Dessa forma, o trabalho de Feldman tem como objetivo
destrinchar as estratégias adotadas pela administração municipal, frente às alterações estruturais da
produção do ambiente da cidade.
Feldman inicia contextualizando o cenário da cidade de São Paulo, que passou, entre as décadas de
1930 e 1960, por um período de transformações urbanas estruturais. Nesse sentido, no final da década
de 1940: havia um duplo movimento, caracterizado, por um lado, pela compactação da cidade, através
da verticalização e da ocupação de bairros já consolidados e, por outro, pela expansão da área urbana
para as áreas periféricas por meio do estabelecimento de moradia para a população de baixa renda.
Essas mudanças urbanas pelas quais São Paulo estava passando inauguram um novo debate
urbanístico posterior à prefeitura de Prestes Maia.
A autora continua discorrendo sobre a importância da legislação no órgão do plano. Foi durante o
período de 1947 a 1961 que as ideias defendidas e difundidas por Luiz Ignácio Anhaia Mello,
professor fundador da FAU-USP, amplamente influenciado pela ideia estadunidense do planning
penetraram na máquina administrativa paulistana. A criação do Departamento de Urbanismo, no
interior da Secretaria de Obras e Serviços Municipais, por meio de um Decreto-lei, em 1947, foi um
momento decisivo para o setor de urbanismo, que vinha se desenvolvendo desde o início do século.
Passou-se a haver, então, um espaço significativamente maior para a elaboração do Plano da Cidade
no âmbito da administração municipal, a partir criação da Comissão Orientadora do Plano da Cidade,
constituído por representantes da sociedade civil, do executivo, do legislativo, das universidades, etc.
e do Departamento de Urbanismo, composto por funcionários municipais. Além do mais, o setor
passou a se organizar segundo as etapas de elaboração do plano, aliado a articulação entre as
diferentes divisões do departamento e as esferas do poder público, a fim de estabelecer um fluxo
ordenado de atividades. Nesse contexto, o planejamento assumiu papel de órgão central que
coordenava e aconselhava o executivo a como lidar com os problemas urbanos, tornando-se
inseparável desse. Por fim, a criação desse Departamento indicou a formação de um novo perfil de
profissional, o do urbanista, caracterizado por um conhecimento multidisciplinar e pela capacidade de
coordenar grandes projetos.
Ainda, o Departamento de Urbanismo era composto por engenheiros os quais introduziram novas
práticas, instrumentos, metodologias, etc. Assim, no período entre 1947 e 1961, o debate urbanístico
em São Paulo passou a ser liderado por essas figuras que não possuíam aspirações
político-administrativas e sim tinham suas atuações restritas ao Departamento. O perfil do
Departamento que se delineou durante a direção desses engenheiros municipais era de órgão
extremamente técnico e legalista em relação aos problemas da cidade, atuando totalmente
desvinculado da política. Havia, nesse momento, por um lado, o reconhecimento da necessidade de
um plano para solucionar os problemas urbanos e, por outro, existia um descrédito em relação ao
processo de planejamento e apregoamento de que a lei seria a única recurso efetivo para a resolução
desses problemas. Sendo assim, o Departamento não consegue atuar adequadamente enquanto “órgão
com função “staff” - pesquisador e consultivo - e como órgão articulador dos diferentes setores da
administração.” (Feldman, 1997). Então, o Departamento fica isolado do restante da Máquina
Administrativa e o Plano da Cidade não passa de um esboço técnico.
Um nome influente no setor de planejamento e de urbanismo era o arquiteto-engenheiro Carlos Brasil
Lodi, formado pela Escola Politécnica. Lodi foi um dos propagadores das ideias de Anhaia Mello, seu
professor durante a graduação, sendo um crítico feroz ao Plano de Avenidas de Prestes Maia. Em seu
discurso, Lodi defende que o trabalho do planejador deve ter respaldo político, diferentemente de
Anhaia Mello, que dizia que o planejamento era um “problema técnico” e, portanto, “politicamente
neutro”. Contudo, quando posteriormente assume o cargo de chefe da Divisão de Planejamento Geral,
ele assume uma postura politicamente neutra e técnica, princípios da visão administrativa dominante.
Nesse sentido, ele dá prioridade para a revisão do Código de Obras e para a elaboração da Lei de
Zoneamento, em detrimento do desenvolvimento do plano.
Ao longo da década de 1950, as práticas do setor de urbanismo, em consonância com o que estava
sendo pensado pelo Departamento de Urbanismo, assumiu um papel dual: por um lado, há inúmeros
projetos viários detalhados que ocupam a rotina do executivo, por outro, foram realizados
levantamentos e mapeamentos a fim de coletar informações, promovendo, assim, o conhecimento da
realidade urbanística.
Apesar dos inúmeros projetos viários projetados e realizados pela prefeitura, essas obras viárias
ficavam restritas à região central, não atingindo as áreas periféricas, marcadas pela ausência de
equipamentos básicos e de vias de deslocamento, o que acabou por preservar a estrutura radiocêntrica
da cidade. Ademais, esse cenário contribuiu ainda mais para a abertura de ruas não oficiais, resultante
de loteamentos clandestinos nas periferias de São Paulo. Ainda, o Departamento de Urbanismo, com
sua postura técnica e legalista, era permeado por uma força política que “aliava os interesses do poder
público de arrecadação de impostos ao interesse dos loteadores”, o que dificultou ainda mais a solução
da clandestinidade e beneficiou os loteadores.
Apesar das permanências citadas anteriormente, novas práticas foram construídas e implementadas no
setor do urbanismo no final da década de 1940. O zoneamento, como mencionado anteriormente,
torna-se um instrumento de planejamento que atende a necessidade de controle do uso e ocupação do
solo frente às transformações pelas quais a cidade estava passando, sendo um viabilizador de alcançar
os objetivos do plano. Iniciou-se, então, dentro do Departamento, um esforço para elaborar uma lei de
zoneamento que, por meio da utilização de parâmetros urbanísticos articulados e vinculados
sistematicamente a um regime de zonas, abrangesse toda a cidade, distinguindo-se das estratégias de
diferenciação territorial existentes de do Código de Posturas (1886).
O zoneamento, além de seu caráter compreensivo e de sua aplicação sistemática de diferentes
parâmetros em determinadas zonas, assumia papel de protetor de valores imobiliários. Sempre se
referenciando no modelo de urbanismo realizado nos Estados Unidos, nesse caso o zoning. Nesse
sentido, o zoneamento desenvolvido em São Paulo permitia a proteção das áreas dominadas e
ocupadas pelas elites, tornando-se, então, uma ferramenta de perpetuação e de acentuação da ordem
discriminatória de segregação sócio-espacial vigente, atuando isoladamente do sistema de intervenção
municipal.
A construção do zoneamento, a partir de 1947, com base no saber técnico de engenheiros e arquitetos
municipais, dá-se através de dois processos paralelos e interativos: de uma lado, a regulamentação de
algumas parcelas do território e do outro, a criação de leis gerais e leis parciais referentes a zonas e
parâmetros de uso e ocupação do solo, o que revela um gradativo aprimoramento do instrumento.
Sendo assim, esse processo assume um caráter experimental e o zoneamento é construído “ao vivo”,
sendo resultado de uma série de experimentações de implementação de diferentes parâmetros
conforme novas zonas eram demarcadas e de acordo com as necessidades e finalidades econômicas,
sociais, políticas, etc que surgiram a partir do crescimento urbano acelerado.
Embora o zoneamento brasileiro tentasse ser o mais fiel possível ao modelo estadunidense, existiam
algumas diferenças. Enquanto nos Estados Unidos, os elaboradores do Plano tinham maior autonomia
de atuação e o processo de elaboração das leis contavam com o debate entre equipes técnicas de
diferentes especialidade, no Brasil, “as decisões e negociações sobre o zoneamento só ultrapassam os
limites técnicos e os procedimentos burocráticos para interferências diretas do prefeito” (Feldman,
1997).
Em 1954, durante a gestão de Jânio Quadros, foi aprovado judicialmente a estratégia de utilização do
decreto para regular o zoneamento, o que resultou em um processo autoritário de decisão, que cabia
apenas ao prefeito, negando qualquer debate com a sociedade. Isso desencadeou uma série de decretos
assinados pelos prefeitos eleitos de São Paulo, sendo o zoneamento, portanto, realizado “à surdina”,
sem participação alguma dos moradores da cidade, beneficiando, sobretudo, as elites e os capitalistas
paulistas.
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O texto é bem interessante, entretanto fiquei um pouco confusa com a cronologia dele. A autora fazia
análises e discussões sobre determinados períodos no processo de desenvolvimento do zoneamento e
do plano na cidade de São Paulo, mas esses períodos eram repetidos nos diferentes tópicos do texto, o
que tornou complicado e difícil organizar e juntar os fatos simultâneos na minha cabeça. Acredito que
isso prejudicou minha compreensão do texto.
Além do mais, a parte do texto que discutia a relação da atuação do Departamento de Urbanismo com
a realização de obras viárias na cidade me fez lembrar do texto que lemos para a aula da professora
Paula Santoro (“ Também é pelo transporte que uma mulher negra não consegue chegar aonde ela
quer: perspectiva interseccional sobre lógicas a que o sistema de transporte da cidade de São Paulo
está sujeito.”), que traz a questão dos loteamentos clandestinos que surgiram com a expansão
periférica da área urbana, que acaba por dificultar o deslocamento diário, sobretudo da mulher negra
periférica. Com a leitura do texto de Feldman, consegui perceber uma outra perspectiva sobre a
questão da negligência do Departamento perante esses problemas urbanos. A partir dessa
discriminação do setor do urbanismo, ficava cada vez mais comum a abertura de ruas não oficiais e a
criação de linhas de ônibus clandestinas, o que acabava por beneficiar ainda mais os loteadores, uma
vez que a administração municipal, apesar de preconizar a solução da clandestinidade, nada fazia para
resolvê-la, contribuindo para a imposição de barreiras e dificuldades para a população pobre e
periférica.