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ENXUGAMENTO DOS MIOLOS OU CONCENTRAÇÃO DA PRODUÇÃO

IMOBILIÁRIA NOS EIXOS DE ESTRUTURAÇÃO DA TRANSFORMAÇÃO


URBANA DO PLANO DIRETOR ESTRATÉGICO DE SÃO PAULO DE
2014?

EIXO TEMÁTICO: Eixo 5: Eixos de estruturação e miolos dos bairros

Autora: Paula Freire Santoro


Titulação, Instituição: arquiteta urbanista, profa. FAUUSP, coordenadora do LabCidade
FAUUSP, pesquisadora do Programa Sabático do Instituto de Estudos Avançados (IEA USP),
bolsista produtividade CNPq 2
e-mail: paulasantoro@usp.br

Autora: Laisa Stroher


Titulação, Instituição: arquiteta urbanista, profa. UFRJ, pós-doutoranda no LabCidade
FAUUSP
e-mail: laisa.stroher@fau.ufrj.br

Autora: Deiny Façanha Costa


Titulação, Instituição: arquiteta urbanista, mestranda FAUUSP, pesquisadora do LabCidade
FAUUSP
e-mail: deinyfcosta@usp.br

Autora: Paula Victória Santos Gonçalves de Souza


Titulação, Instituição: graduanda FAUUSP, pesquisadora do LabCidade FAUUSP
e-mail: paulavictoriasgs@usp.br

Autor: Henrique Giovani Canan


Titulação, Instituição: graduanda FAUUSP, pesquisadora do LabCidade FAUUSP, bolsista de
iniciação científica FAPESP
e-mail: hgcanan@usp.br

Autora: Gabriela Santo Azzolini


Titulação, Instituição: graduanda FAUUSP,
e-mail: gabriela.azzolini@usp.br
RESUMO
Fruto de pesquisa em andamento, este artigo analisa a cartografia da produção imobiliária formal
residencial lançada em São Paulo entre 2006 e 2019, em dois períodos, antes e depois do Plano Diretor
Estratégico de 2014. Argumenta que houve um enxugamento nos miolos de bairro, e que a produção
imobiliária nos eixos parece ter diferentes intensidades e variações, levantando como hipótese que,
embora mostre aspectos homogêneos, variou a depender da localização do eixo, da estrutura
fundiária, da dinâmica imobiliária anteriormente existente na região (variam os produtores e os
produtos imobiliários) e da estrutura de mobilidade implantada. Estes aspectos que serão analisados
nas próximas etapas de pesquisa. Propõe que a regulação explore outros modelos de adensamento,
não apenas o que mobiliza direitos de construir como estímulos a determinados resultados urbanos
virasse linguagem dominante no planejamento urbano de São Paulo.

PALAVRAS-CHAVE: Eixos de Estruturação Urbana; Zoneamento; Plano Diretor Estratégico de


São Paulo.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo é fruto de pesquisa em andamento no LabCidade FAUUSP que pretende analisar as
dinâmicas imobiliárias nos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana (EETUs) previstos pelo
Plano Diretor Estratégico de São Paulo de 20141 ou Zonas de Estruturação Urbana (ZEUs) da Lei de
Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de 20162, aqui nomeados de forma sintética como “Eixos”.

Tal pesquisa3 teve como questões orientadoras: O que representa a produção nos eixos? Qual o
percentual da produção imobiliária – empreendimentos e unidades habitacionais – se deu nos
eixos no período estudado? Existe diferença na produção imobiliária dos eixos e fora deles, nos
“miolos” de bairros? Quais? Estas têm relação com a produção imobiliária anterior ou mesmo, com
as características do território sobre o qual incide? Esta produção precisou da regulamentação dos
eixos para acontecer? As tipologias habitacionais estavam voltadas ao segmento econômico,
traduzido por preços acessíveis? A área útil do empreendimento diminuiu de tamanho? As
garagens foram desestimuladas e deixaram de ser produzidas?

Como método, observa o período de 2006 a 2019, gerando cartografias da produção imobiliária
em dois períodos, antes e após 2014, quando os Eixos foram aprovados. Para fazer comparações,
os preços foram atualizados para o ano de 2019.

A pesquisa mais ampla já percorreu algumas etapas. Inicialmente observou a dinâmica imobiliária
na cidade e na metrópole, procurando compreender seus ciclos. Em uma segunda etapa gerou
diferentes cartografias da produção imobiliária a partir dos dados de lançamentos imobiliários da
EMBRAESP nos eixos dividindo em 23 eixos delimitados para análise (ver Figura 1), quando
analisou distintas regiões da cidade – como a região central, a Zona Leste, a Norte e a Sul –
observando tipologias produzidas, número de unidades habitacionais, faixa de preço da unidade
e por m2, entre outras características dos empreendimentos lançados. A etapa atual de pesquisa
vem se debruçando sobre as origens da concepção de adensamento em torno dos eixos de
mobilidade4, e pesquisando em escala local, alguns territórios específicos delimitados a partir dos
resultados das etapas anteriores – na Zona Sul, ao longo da Linha 5 Lilás do metrô, no trecho da
Av. Santo Amaro (entorno das estações Borba Gato, Brooklin, Campo Belo) e trecho Capão
Redondo5; na Zona Leste, onde há uma produção imobiliária pulverizada e, por vezes, indistinta
dentro e fora do eixo, com foco na região de Vila Matilde, entorno da Linha Vermelha do
metrô6. Todas as análises territoriais observam a produção para o “segmento econômico”,
considerando como tal unidades com preços até R$ 350 mil reais.

1 Lei Municipal n. 16.050/2014.


2 Lei Municipal n. 16.402/2016.
3 Coordenada no LabCidade FAUUSP pelas professoras Paula Freire Santoro e Laisa Stroher. A Profa. Paula

Freire Santoro está atualmente vinculada ao Instituto de Estudos Avançados (IEA) no Programa Sabático
desenvolvendo a pesquisa intitulada “A diversidade da produção imobiliária e a regulação dos eixos de
estruturação urbana no Plano Diretor Estratégico de São Paulo 2014”.
4 Como parte da pesquisa de mestrado da Deiny Façanha Costa, sob orientação da profa. Paula Freire Santoro,

que têm feito entrevistas com os gestores para compreender a origem da concepção dos eixos e a trajetória
das ideias em torno das diferentes propostas de planejamento urbano que adensa no entorno dos eixos de
mobilidade.
5 Como parte da pesquisa enviada à FAPESP “A produção imobiliária na fronteira: entre a zona de estruturação

urbana e a operação urbana consorciada no Brooklin, São Paulo” da Gabriela Santo Azzolini, sob orientação da
profa. Paula Freire Santoro.
6 Como parte da pesquisa de iniciação científica dos graduandos da FAUUSP Paula Victória de Souza e Henrique

Canan, orientados pela profa. Lais Stroher e profa. Paula Freire Santoro, respectivamente.
Mapa 1. Os 23 eixos delimitados para análise

Fonte: Embraesp, 2019. Valores atualizados para 2019. Elaboração: Paula Victória Gonçalves de Souza e
Henrique Giovani Canan, 2022.

2. CARACTERIZAÇÃO E ANÁLISE DO PROBLEMA

2.1. A EVOLUÇÃO DA RELAÇÃO ENTRE EIXOS VIÁRIOS E PLANEJAMENTO URBANO


As cidades se urbanizam em torno de eixos viários e o planejamento urbano também procurou, ao
longo da história, estruturar-se com propostas para seu entorno. Em São Paulo é antiga a
percepção do papel do transporte como orientador do desenvolvimento urbano, desde a indução
da urbanização no entorno das estações de trens; até os primeiros regramentos – com controle
de gabarito em relação à largura do viário –; ou com propostas de composição da paisagem por meio
da verticalização escalonada, como no Plano de Avenidas; ou com propostas de adensamento
construtivo no entorno de eixos de mobilidade, através de planos ou zonas, presente nos planos e
zoneamentos em diferentes momentos.

Costa et al. (2022) já fizeram um panorama histórico para afirmar que a relação entre mobilidade e
planejamento urbano foi continuamente pautada pela relação com a verticalização em São Paulo.
Segundo as autoras, a estrutura viária e a largura das vias pautaram o controle de altura das
edificações, desde os anos 1920 quando os modos motorizados e a expansão da malha urbana
ganharam relevo. Nos anos 1930, a discussão do Plano de Avenidas, sugeria “uma verticalização ‘no
lugar certo’, onde o viário permitisse” (SOMEKH, 1997, p. 53), e a abertura destas avenidas terão regras
específicas para elas, compondo uma paisagem para cada eixo principal e privilegiando a verticalização
nas avenidas que se abriam.

A discussão nos anos 1950 sobre a verticalização excessiva e a sobrecarga nas vias e infraestrutura
mudou esta relação que desenhava formas para pautar o quanto era possível construir, utilizando o
coeficiente de aproveitamento como instrumento. A diferença entre o quanto se pode construir nos
eixos de mobilidade e nos “miolos” de bairro já aparecia claramente pautada no Plano Diretor de
Desenvolvimento Integrado de 1971 que propôs a verticalização em eixos de transporte existentes ou
previstos para promover atividades industriais e comerciais (CANUTTI, 2000, p. 78). Neste período, a
instituição de planejamento municipal já criava grupos de trabalho para investigar a relação entre
capacidade da mobilidade e adensamento construtivo e populacional.

O Plano Diretor Estratégico de 2002 retoma esta proposta ao criar uma rede estrutural de eixos e polos
de centralidades delimitando uma faixa de 300 metros no entorno destes onde seriam Áreas de
Intervenção Urbana (AIUs), que poderiam ter projetos específicos que colaborassem para a criação de
centralidades e qualificação dos eixos e seu entorno, além de possibilitar a verticalização e através dela
a obtenção de recursos – através da venda de Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) – que
seriam aplicados na implantação e melhoria das linhas de transporte público. As AIUs não foram
regulamentadas e o instrumento não foi utilizado. Esta concepção parece ter surgido do arquiteto
Jorge Wilheim, com experiência prévia em proposta similar para Curitiba, ainda que a proposta na
ocasião fosse de um zoneamento, um pouco diferente da aprovada em São Paulo.

O Plano Diretor Estratégico de 2014 muda a estratégia. Diferentemente de planos que seriam
concebidos caso-a-caso através de AIUs específicas, como proposto pelo PDE 2002, o PDE 2014 propõe
a criação de um zoneamento, com regras específicas aprovadas e aplicáveis logo após a aprovação do
plano, nas áreas delimitadas como Eixos de Estruturação da Transformação Urbana (EETUs),
posteriormente transformados em Zonas de Estruturação Urbana (ZEUs) na Lei de Parcelamento de
Uso e Ocupação do Solo (LPUOS) de 2016. Neste período, as alterações institucionais em torno de uma
gestão pública que simularia, através de modelos urbanos, econômicos e financeiros, a transformação
desejada, parece ter “desenhado” a regulação dos Eixos em 2014. Costa trabalha como hipótese de
pesquisa que sua concepção parece ter sido inspirada por diferentes pautas, como o “modelo de
Curitiba”; ou também influenciada pelas propostas de Bus Rapid Transit (BRTs) já presentes no debate
da agenda de políticas públicas latino-americanas, e o conceito de Desenvolvimento Orientado para o
Transporte (COSTA et al., 2022). Mas sabe-se que os Eixos não incorporaram pautas relativas ao
desenho urbano para melhora da mobilidade ativa, ou ainda às mudanças climáticas (em torno da
redução da poluição advinda do transporte), bandeiras do modelo de DOT, nem tampouco é possível
aferir se houve uma mudança de modal dos motorizados individuais para os coletivos ou ativos, como
era desejado.

O que neste texto chamaremos de “eixos” são portanto as ZEUs que preveem (i) maiores densidades
construtivas através do coeficiente de aproveitamento máximo igual a 4 vezes a área do terreno; (ii)
maiores densidades demográficas com a utilização da Cota Máxima de Terreno por unidade
habitacional que determina o número de unidades máximo de um empreendimento e indiretamente
indicaria quais seriam as áreas úteis de apartamento menores, evitando (em tese) grandes unidades
com pouca gente morando; (iii) estímulos a construção de determinadas tipologias habitacionais,
permitindo um aumento no coeficiente de aproveitamento máximo em 25% para habitação de
mercado popular (HMP) ou de 50% para habitação de interesse social (HIS); (iv) retiram descontos do
pagamento de OODC para vagas de garagem, deixando apenas para uma vaga de garagem para usos
residenciais como área não computáveis no PDE 2014, o que depois muda na LPUOS, permitindo
descontos proporcionais às áreas dos apartamentos, o que termina estimulando menos (mas não
restringindo) a mobilidade por veículos individuais; (v) regras que estimulam edifícios garagem em
grandes nós de mobilidade intermodal; (vi) estímulos com descontos em área não computável para o
cálculo de outorga para desenhos urbanos que estimulem a vida urbana e os modos não motorizados,
como a criação de fruição pública, fachadas ativas, alargamentos de calçadas obrigatórios, entre outros
(COSTA et al., 2022).

Os eixos não incidem sobre a Macroárea de Estruturação Metropolitana (MEM), onde Planos de
Intervenção Urbana (PIUs) específicos deveriam preceder a transformação urbana desejada e a escolha
dos instrumentos de gestão e financiamento urbanos.

Segundo Santos e Giannotti (2021, p. 5) das áreas de eixo previstas, apenas 17% tinham sido ativadas
até 2021, mas recentemente este número é maior. Os eixos previstos que foram ativados são: em
junho de 2015, ao Corredor Leste – Itaquera; em janeiro de 2016, as Linhas 6 (Laranja) e 5 (Lilás) do
Metrô; em abril de 2019, o Corredor de ônibus na Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, entre a
Avenida Jornalista Roberto Marinho e a Avenida dos Bandeirantes; em junho de 2022, as Linhas 2
(Verde – Trecho Vila Prudente-Dutra) e 17 Ouro (Trecho 1 – Campo Belo e Itaim Bibi) do Metrô, que
não serão consideradas nesta pesquisa pois são muito recentes e ainda não consumaram lançamentos
imobiliários.

O contexto de aprovação do PDE 2014 se deu em meio a um debate público acirrado com importantes
mobilizações. Uma primeira delas vinha do tema da mobilidade no qual, após Jornadas de Junho de
2013, ganhou força a reivindicação de políticas para mobilidade baseada em modos coletivos e ativos
que surgem como um nicho no regime dominante da automobilidade, uma demanda contra-
hegemônica que se coloca contra a dominância do automóvel no sistema viário que ganhou adeptos
dentro e fora do Estado, e possibilitou ganhos importantes (LEMOS, 2021).

Outra delas vinha das elites, contrárias à verticalização que associavam aos congestionamentos das
vias por veículos no Centro Expandido ou a ameaças aos bairros residenciais exclusivos. Outra dos
movimentos sociais por moradia, pautando uma política urbana e habitacional que ofertasse moradia
“bem localizada”, próxima dos lugares com maior oferta de empregos, evitando os grandes e
demorados deslocamentos da periferia para o centro para trabalho. Era preciso mudar o modelo
urbano, prevendo maiores densidades habitacionais em áreas mais centrais (mais gente morando
onde já existia boa infraestrutura urbana e oferta de empregos), o que foi traduzido pelo plano em
uma proposta de atração da produção de novas unidades habitacionais verticais associada aos modos
de mobilidade urbana coletivos ou ativos.

Seria o zoneamento que atrairia a produção imobiliária para os eixos, sem depender de planos
urbanísticos específicos, e deixando a articulação do financiamento da mobilidade coletiva não mais
associada à verticalização de um determinado eixo, mas aos recursos obtidos com o pagamento da
outorga onerosa no município, reunidos no Fundo de Desenvolvimento Urbano (FUNDURB). Nesta
direção, o FUNDURB passa a prever gasto carimbado de ao menos 30% destinados a implantação dos
sistemas de transporte público coletivo, cicloviário e de circulação de pedestres.

2.2. DINÂMICA IMOBILIÁRIA NA CIDADE E REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO


O recorte temporal da pesquisa, entre 2006 e 2019, enquadra-se em um período de grande dinâmica
imobiliária em São Paulo, dividido pela literatura em dois principais momentos de maior intensidade.

Um primeiro, do boom imobiliário estimulado pela capitalização alcançada pelas grandes


incorporadoras em função da oferta pública das ações (em inglês, Initial Public Offering ou IPO) na
bolsa de grandes empresas imobiliárias (2005-2006), algumas que se especializaram no “segmento
econômico” (SHIMBO, 2010); pelo lançamento do programa Minha Casa Minha Vida (2009) e o
aumento da oferta do SBPE (ROYER, 2016); e período de relativa estabilidade econômica e
aumento de poder de consumo da população, com alterações significativas nas formas de
financiamento imobiliário disponíveis. Diversos trabalhos mostram que este período de boom
transbordou a produção imobiliária para várias cidades metropolitanas, não se restringindo à
capital (SÍGOLO, 2014; CASTRO; SÍGOLO, 2017; OLIVEIRA, 2020).

E um segundo período, de 2014 a 2019, após aprovação do Plano Diretor Estratégico de São Paulo
de 2014, abarcando momentos de retração e recuperação do setor imobiliário. Parte de 2014, ano
de retração do mercado imobiliário, de instabilidade política e econômica desencadeada com a
operação Lava Jato e o impeachment da presidenta Dilma Roussef em 2016 impactaram na
retração, enquanto a redução da taxa básica de juros a partir de 2016 combinada a continuidade
de oferta abundante de crédito pelo FGTS são dados importantes para entender a recuperação
(CASTRO e SIGOLO, 2017; 2022). Castro e Sígolo (2022) observam que este período de recuperação
do setor imobiliário a partir de 2019 foi responsável por alavancar um “mini boom” imobiliário,
concentrado na cidade de São Paulo, e principalmente em bairros que representam nichos de
mercado consolidados (ver Gráfico 2); e também por ter uma produção voltada para o segmento
econômico.

Gráfico 1. Número de UHs lançadas por ano em São Paulo 2006 - 2019

Fonte: Embraesp, 2019.


Gráfico 2. Participação do município de São Paulo no total de unidades habitacionais lançadas na
RMSP entre 1985 e 2019 (Oliveira, 2020)

Fonte: OLIVEIRA, 2020. Fonte primária: EMBRAESP - Lançamentos imobiliários 1985-2013 disponibilizados pelo
Centro de Estudos da Metrópole (CEM) e 2014-2019 disponibilizados pelo SECOVI-SP.

2.3. A GEOGRAFIA DOS PREÇOS E O CRESCIMENTO DA PRODUÇÃO PARA O SEGMENTO


ECONÔMICO NO MINI BOOM
Para analisar as UHs segundo faixa de preços, foram adotadas as cinco categorias utilizadas pelo
Secovi no seu anuário, que são entendidas pelos agentes imobiliários como demarcadores de
diferentes nichos de mercado. Primeiramente, dividimos as cinco categorias em dois grandes
grupos, abaixo e acima de R$ 500 mil. No primeiro período (2006-2013) há uma variação da
porcentagem que os dois perfis ocupam no total de UHs ao longo dos anos, mas ocorre uma clara
predominância das UHs situadas acima de R$ 500 mil entre 2011 e 2014, o que se inverte a partir
de então, quando as UHs abaixo desse patamar lideram o número de lançamentos.

Para esta análise, o trabalho considerou como “segmento econômico as unidades habitacionais
lançadas com preços até R$ 350 mil – valor teto para financiamentos do Programa Federal Casa
Verde Amarela em 2022 na RMSP – e até 240 mil, teto do antigo Programa Minha Casa Minha Vida
(PMCMV) (CASTRO; SÍGOLO, 2022).

Olhando com maiores detalhes o grupo até R$ 500 mil, é marcante a crescente participação dos
imóveis até R$ 240 mil – valor que representa o teto do financiamento do valor do imóvel pelo
programa MCMV para a RMSP – que passam a representar a maioria dos lançamentos nesse grupo
a partir de 2017. Em 2018 e 2019 representam a maioria considerando o total de lançamentos,
com participação de 61% nos dois anos. Esses dados reforçam a importância do FGTS para
entender as dinâmicas imobiliárias em curso, enquanto uma das principais fontes de
financiamento dos imóveis localizados nessa faixa de preço (CASTRO; SÍGOLO, 2022).

A análise mostrou que a produção de unidades nos valores de unidade relativos ao “segmento
econômico” ganha relevância inédita em São Paulo, o número de unidades habitacionais lançadas
praticamente triplica o número das unidades habitacionais totais produzidas no segundo período
analisado (ver Gráfico 3).
Gráfico 3. Número de UHs lançadas por ano em São Paulo segundo faixa de preço

Fonte: Embraesp, 2019. Valores atualizados para 2019.

Gráfico 4. Porcentagem de UHs lançadas em São Paulo segundo faixa de preço

Fonte: Embraesp, 2019. Valores atualizados para 2019.

Para a análise espacial, optamos por estabelecer o recorte em duas faixas de preço da unidade
habitacional para que a distinção espacial ficasse mais clara: abaixo e acima de R$ 500 mil.
Espacialmente, pode-se afirmar que os dois subgrupos apresentam geografias opostas na cidade
de São Paulo. Para demonstrar, utilizamos uma cartografia impressionista, apresentada nos
mapas que seguem (mapas 2 e 3).

A territorialidade encontrada mostrou que os imóveis de valores mais altos, acima de R$ 500 mil,
ocorrem em uma expansão do Quadrante Sudoeste em direção à Santana na Zona Norte; à Mooca
e Tatuapé na Zona Leste; e alguns em Vila Andrade/ Morumbi na Zona Sul, nos dois períodos. Entre
2006-2013 lançamentos nesta faixa de preço são encontrados no entorno da USP no Butantã na
Zona Oeste e dispersos por várias regiões do Morumbi e de Santo Amaro na Zona Sul.

Já os imóveis com valores menores que R$ 500 mil também possuem uma territorialidade, ainda
que dispersa. São encontrados na Vila Andrade/Morumbi na Zona Sul (mais extensa que os de
maior valor), com manchas dispersas à norte na Zona Norte, na Barra Funda na Zona Central, em
trechos da Mooca e em várias manchas dispersas pela Zona Leste, onde há uma considerável
concentração e espalhamento. Várias destas manchas diminuem no período 2014-2019 em todo
o município, com exceção do eixo Tucuruvi/Vila Medeiros na Zona Norte e região da Vila Matilde,
Artur Alvim, Ponte Rasa na Zona Norte, que parecem se consolidar em uma mancha contínua e
constante nos dois períodos.

Mapa 2. Unidades residenciais lançadas por faixa de preço abaixo e acima de 500 mil - 2006-2013

Fonte: Embraesp, 2019. Valores atualizados para 2019. Elaboração própria.


Mapa 3. Unidades residenciais lançadas por faixa de preço abaixo e acima de 500 mil - 2014-2019

Fonte: Embraesp, 2019. Valores atualizados para 2019. Elaboração própria.

A produção imobiliária de UHs com valores menores e maiores que R$ 500 mil
Estas mesmas manchas de preços quando observadas a partir de sua relação com os eixos de
estruturação urbana, demonstram que, no período mais recente (2014-2019) houve um enxugamento
dos lançamentos de UHs com valor maior que R$ 500 mil nos miolos de bairros, ocupando uma
territorialidade mais concentrada ao longo dos eixos, em suas bordas e nas áreas de operações urbanas
existentes ou previstas, dentro da Macroárea de Estruturação Metropolitana. Já as UHs com valor
menor que R$ 500 mil encontram-se em manchas dispersas sobre os miolos de bairro, e notadamente
não estão concentradas nos eixos, com algumas exceções.
Algumas hipóteses podem ser levantadas a partir desta concentração nos eixos / enxugamento nos
miolos dos imóveis mais caros. Uma delas é que onde o preço da terra é maior, a construção termina
por utilizar os coeficientes de aproveitamento máximos, visando maior rentabilidade, ainda que haja
tipologias de mercado que não demandem grandes áreas construídas. Outra é que os miolos de bairro
foram “travados” pela regulação, com a limitação de construção na tipologia térreo mais oito andares,
interessante apenas nas áreas onde o preço da terra é mais alto, compensando os custos de construção
mais altos deste modelo.
Já os imóveis com valores menores que R$ 500 mil, podem ter tipologias de empreendimentos do
segmento econômico produzidos com um número menor de unidades, que não utilizam os incentivos
construtivos previstos nos eixos, e adquirem uma territorialidade dispersa dentro e fora dos eixos,
como nas manchas da região do Tucuruvi/Vila Medeiros na Zona Norte e na região de Vila
Matilde/Artur Alvim na Zona Leste.
Mapa 4. UHs com valores maiores que R$ 500 mil lançadas entre 2006-2013

Fonte: Embraesp, 2019. Valores atualizados para 2019. Elaboração própria.

Mapa 5. UHs com valores maiores que R$ 500 mil lançadas entre 2014-2019

Fonte: Embraesp, 2019. Valores atualizados para 2019. Elaboração própria.


Mapa 6. UHs com valores menores que R$ 500 mil lançadas entre 2006-2013

Fonte: Embraesp, 2019. Valores atualizados para 2019. Elaboração própria.

Mapa 7. UHs com valores menores que R$ 500 mil lançadas entre 2014-2019

Fonte: Embraesp, 2019. Valores atualizados para 2019. Elaboração própria.


Mapa 8. UHs com valores até 240 mil (teto CVA 2022) lançados entre 2006-2013

Fonte: Embraesp, 2019. Valores atualizados para 2019. Elaboração própria.

Mapa 9. UHs com valores até 240 mil (teto CVA 2022) lançados entre 2014-2019

Fonte: Embraesp, 2019. Valores atualizados para 2019. Elaboração própria.


Mapa 10. UHs com valores entre 240 e 350 mil lançados entre 2006-2013

Fonte: Embraesp, 2019. Valores atualizados para 2019. Elaboração própria.

Mapa 11. UHs com valores entre 240 e 350 mil lançados entre 2014-2019

Fonte: Embraesp, 2019. Valores atualizados para 2019. Elaboração própria.


PROPOSTA
Para este artigo, selecionamos algumas cartografias e as primeiras impressões relativas principalmente
à preços da unidade, mas as análises espaciais relativas às outras variáveis analisadas (oito no total) --
número de unidades habitacionais; número de unidades habitacionais por andar; área do terreno;
número de garagens por empreendimento; área útil da unidade; faixa de preço deflacionada para o
ano de 2019; preço/m2 deflacionado para 2019 -- trazem outros aspectos relevantes que mostram
que a produção imobiliária varia ao longo dos eixos.

Embora a pesquisa não possua caráter propositivo, as considerações até agora levantam como
hipótese que a produção imobiliária nos Eixos, embora mostre aspectos homogêneos, variou a
depender da localização do eixo, da estrutura fundiária, da dinâmica imobiliária anteriormente
existente na região (variam os produtores e os produtos imobiliários) e da estrutura de mobilidade
implantada. Aspectos que serão analisados nas próximas etapas de pesquisa.

Provoca a proposta homogênea do PDE de 2014, ao mostrar que outros modelos de adensamento
populacional, não necessariamente pautados pela produção imobiliária formal, poderiam ter sido
estimulados pela política urbana e habitacional no entorno dos eixos, mas a retirada do Estado como
promotor imobiliário e seu crescente desejo de ser um regulador do mercado, fez com que a
mobilização dos direitos de construir como estímulos a determinados resultados urbanos virasse
linguagem dominante no planejamento urbano de São Paulo (SANTORO, 2015; 2021) e não foi
diferente na proposta dos eixos.

REFERÊNCIAS
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Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2020.

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2000. Cadernos metrópole, São Paulo, v. 24, n. 53, 2021.

COSTA, D. F.; SANTORO, P. F.; LEMOS, L. L. Entre eixos de adensamento e projetos de intervenção
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