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2000n2p114
R E S E N H A
colonial que, até o final do século passado, presidiu a questões críticas do contexto urbano; como a questão
formação das estruturas urbanas. social já citada e a questão imobiliária apresentam-se
As teorias urbanísticas que deram as bases para as com pouco destaque. O livro privilegia a ação do Es-
propostas de intervenção sobre as cidades brasileiras tado feita sob a égide do urbanismo, mas que sempre
(incluindo as cidades novas: Belo Horizonte, Goiânia, teve como resultado concreto uma determinada valo-
Brasília) sofreram forte influência positivista que se rização imobiliária. Os planos e projetos implantados
desdobrou em teorias posteriores, também na arqui- trouxeram valorização para as áreas por eles abrangi-
tetura. A compreensão das cidades oferecida pelo das, quer pela criação de novas áreas (desmontes e
urbanismo sempre foi insuficiente. Sua base teórica aterros), quer pela desocupação de áreas (demolição de
cristalizou-se na Carta de Atenas, elaborada no 4º áreas centrais “deterioradas”), ou pela permissão de se
Congresso Internacional de Arquitetura Moderna construir mais (verticalização). Essa valorização, possi-
(1933), na qual a cidade é sintetizada em quatro fun- bilitada pelos planos e projetos implantados, signifi-
ções básicas: morar, trabalhar, recrear e deslocar. Os cou ganhos consideráveis para os empreendimentos
problemas urbanos teriam origem no mau funciona- imobiliários que se sucederam aos projetos. Como tais
mento dessas funções. Assim, a boa organização e o ganhos foram incorporados e por quem o foram ainda
equilíbrio entre as funções seria o caminho para a é uma história com poucas luzes, mas é aí que se en-
solução daqueles problemas. Nessa perspectiva, en- contraria grande parte da motivação do Estado e das
tende-se o vocabulário que permeia o diagnóstico de pressões que sofreu no desenvolvimento de sua políti-
origem positivista sobre as cidades: equilíbrio/dese- ca urbana e, no caso, uma política que teve como
quilíbrio, funcional. apoio as propostas urbanísticas. Essas são linhas de no-
Tal teorização sempre foi um grande reducionis- vas pesquisas que o livro sugere, pela riqueza de infor-
mo da problemática social presente nas nossas cidades, mações que traz à tona. Deste modo, o livro vem a ser
relegando-a a um absoluto segundo plano, quando uma referência fundamental para o estudo do urbano
não ignorando-a. As propostas urbanísticas, ao mesmo brasileiro e das políticas que o Estado vem praticando
tempo que vinham a ser mais conseqüentes do que as sobre ele.
propostas anteriores que os governos municipais e es- O urbanismo, como teoria e, principalmente, co-
taduais preparavam, tinham como base um discurso mo técnica de intervenção, teve uma importância
sobre os problemas das cidades em que a questão so- crescente nas políticas urbanas, como o livro bem o
cial era um elemento secundário e as soluções propos- demonstra. Na década de 1960, ele passa por um de-
tas seriam definitivas. Nesse contexto, a avaliação que clínio do qual, provavelmente, não vai mais se recupe-
o urbanismo fazia da problemática urbana e suas pro- rar. Isso porque a questão econômica e social das ci-
postas não entrou em choque nem com a ideologia, dades, tanto pelos novos conhecimentos que se
nem com os interesses que o Estado ia formulando so- acumulam sobre o urbano, como pela ideologia mais
bre o urbano. Sua ação sobre as cidades, o que o livro sofisticada que permeia a ação do Estado, trouxe à to-
aponta com propriedade, foi exercida de forma autori- na as fissuras e insuficiências teóricas do urbanismo.
tária. Os planos de modernização das áreas centrais Por outro lado, a implantação de planos e projetos ur-
sempre foi feito com absoluto desprezo pela população banísticos, no contexto histórico que o livro apresenta,
de baixa renda que ali habitava e que foi simplesmen- teve como respaldo um Estado autoritário, que prati-
te afastada para áreas periféricas a fim de dar lugar aos camente impôs suas propostas sem maiores consultas,
novos espaços criados e usos propostos. Esse desprezo, debates ou contestações. Os debates e propostas surgi-
e mesmo execração, pela questão social fica evidente, dos, que o livro apresenta com fartura, não traduziam
entre outras passagens (Reis et al., 1927, p.73), sobre contradições ao processo desencadeado pelo Estado,
faixa de manguezal próxima ao centro de Niterói, ocu- apenas variações em torno dos objetivos previstos.
pada por casebres, que constituía a “ferida cancerosa Assim, os protagonistas que moldam a história
da cidade”. do urbanismo no Brasil, tão bem tratada no livro, são
Na medida em que o livro se orienta mais por a própria elite dirigente do País e das administrações
uma linha cronológica, outros recortes que envolvem políticas das capitais, onde as gerações dos urbanistas