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James Holston. A Cidade Modernista: uma crítica de Brasília e sua

utopia. SP: Companhia das Letras, 1993.

Trabalho realizado como doutorado em antropologia. Pesquisa de campo

feita segundo o autor entre 1980-1982. Livro traduzido por Marcelo

Coelho.

Premissas e Paradoxos

Holston analisa duas premissas principais: 1ª) o plano de uma

nova cidade pretendia criar uma nova ordem social, segundo a própria

imagem da cidade, tomando por base os valores que irão inspirar este

projeto; 2ª) é a projeção dessa mudança em um contexto nacional-

desenvolvimentista., “contudo, que, como a ocupação da cidade recém-

construída se fez segundo o que ditava a prática da sociedade brasileira,

essas premissas engendraram uma série de processos sociais que, de

modo paradoxal mas inequívoco, vieram a destruir as intenções

utópicas de seus idealizadores.” p.12

Situa Brasília como um exemplo dos princípios da arquitetura e

planejamento urbano modernista. A concordância existente entre

modernismo e os projetos de ideologia desenvolvimentista. Segundo o

autor, “Este ponto é importante sobretudo em países do Terceiro

Mundo, onde a estética modernista exerce fascínio sobre os mais


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diversos governos, independentemente de sua orientação política. Para

explicar esse inusitado fascínio, sugiro algumas afinidades entre o

modernismo, enquanto estética de apagamento e reinscrição, e a

modernização enquanto ideologia do desenvolvimento pela qual os

governos, quaisquer que sejam suas tendências políticas, tentam

reescrever a história de seus países.” p.13

O moderno aparece depois com o sinal invertido. Cf. Otília

Arantes. Urbanismo em fim de linha.

Antropologia e Modernismo

O autor dá a sua concepção de modernismo que é caracterizado

como: as vanguardas européias, isto é, dadaísmo, surrealismo,

construtivismo etc, que surgiram no contexto do capitalismo, colocando-

se contra este e a sociedade burguesa. Neste capítulo sua preocupação

é com a constituição de um campo de pesquisa em que a antropologia

possa dar sua contribuição para a crítica da modernidade. “minha

intenção era tomar o modernismo para além de seu âmbito usual da

arte e da literatura, e de suas interpretações geralmente internas no

campo da crítica especializada, mostrando como ele termina por se

relacionar a determinadas práticas sociais e desse modo se torna uma

força no mundo social.” p.14 Em seguida o autor faz toda uma discussão
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sobre a antropologia que é interessante, mas não é neste momento,

minha preocupação.

A idéia de Brasília

A idéia é de uma mitologia do Novo Mundo onde são mobilizados

os elementos religioso, político e econômico. Elementos que estão

presentes no imaginário social desde o século XVII.

Em 1955 a idéia de Brasília passa a fazer parte do programa da

campanha presidencial de JK e segundo Holston, correspondia às teorias

formuladas na década de 50 pela CEPAL (Comissão Econômica para a

América Latina, orgão da ONU) e o ISEB (Instituto Superior de Estudos

Brasileiros). Quando do anúncio da idéia, muitos se opuseram, contudo

foi criada uma campanha para legitimação combinando mitologia do

Novo Mundo e teoria do desenvolvimento.

Será importante que eu faça ao longo de meu trabalho uma

análise do desenvolvimentismo. Ver Arrighi. A ilusão do

desenvolvimento e Guido Mantega. A Economia Política Brasileira.

Brasília foi concebida para criar um novo tipo de sociedade,

todavia foi habitada por outra, que já havia no Brasil, neste sentido

estabelece-se uma contradição entre o novo e o antigo.

No governo JK foi criada uma verdadeira mitologia acerca da

construção de Brasília, por exemplo, temos a fixação da data de


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inauguração cidade – importante ser durante o governo JK-, estabelecida

em lei federal de 01.10.57 como sendo o dia 21 de abril em função de

toda a carga simbólica que trazia: dia de Tiradentes (Inconfidência

Mineira), véspera da comemoração do descobrimento do Brasil e

segundo Holston, lendariamente atribuía-se a fundação de Roma na

mesma data.

Transcrevo um trecho e o comentário: “...Brasília é o glorioso

berço de uma nova civilização” (Brasília, 1963 [65-81: 15). Cit. p.28.

Utopia arquitetônica

Brasília uma cidade produto dos CIAM (Congresso Internacional de

Arquitetura Moderna)

Carta de Atenas definia segundo Le Corbusier quatro funções:

moradia, trabalho, lazer e circulação.

Comparação de Brasília com os projetos de duas cidades ideais de

Le Corbusier: Uma Cidade Contemporânea para três milhões de

habitantes de 1922 e A Cidade Radiosa de 1930. Similaridades como: o

cruzamento de vias expressas, unidade de moradia com aparência

uniforme agrupadas em superquadras residenciais com jardins, prédios

administrativos, financeiros e comerciais em torno de um cruzamento

central, zona de recreação rodeando a cidade, etc.


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“Brasília foi planejada por um liberal de centro-esquerda, seus

prédios foram desenhados por um comunista, sua construção foi feita

por um regime desenvolvimentista e a cidade consolidou-se sob uma

ditadura burocrático-autoritária, cada qual reivindicando uma afinidade

efetiva com a cidade.” p.46 . O que revela o sinal invertido do

modernismo.

Elementos do CIAM: 1) sua base anticapitalista e igualitária, 2) seu

uso da metáfora da máquina e sua racionalidade totalizadora, 3) sua

redefinição das funções sociais da organização urbana, 4) seu

desenvolvimento de tipologias de construção e de convenções de

planejamento como um meio de mudança social, 5) sua

descontextualização e o determinismo ambiental, 6) sua confiança na

autoridade estatal para alcançar o planejamento total, 7) suas técnicas

de choque, 8) sua fusão de arte, política e vida cotidiana.

As intenções ocultas do projeto

O autor destaca a importância do plano piloto como um dos

documentos mais influentes do urbanismo deste século.

No plano piloto não havia nenhuma explicação acerca da

natureza radical da arquitetura a ser construída na nova capital e o

concurso estabelecia conforme afirma Holford que se buscava a “idéia

arquitetônica da forma e do caráter da Nova Capital” Cf. p.69


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Para este membro do júri os concorrentes poderiam ser

agrupados em dois grupos: aqueles em predominava a idéia de uma

nova capital e os se preocuparam com os detalhes.

No projeto de Lúcio Costa, não havia nenhuma linha de

desenho técnico, nenhuma maquete, mapas demográficos etc. Enquanto

que no dos irmãos Roberto era apresentado com várias plantas,

projeções estatísticas, etc.

Com o comentário de Costa que havia gastado apenas 25

cruzeiros, na compra de papéis para realizar os croquis houve muita

desconfiança quanto ao vitorioso.

“...o plano sugere que a fundação de um capital é um ato

civilizatório. Dá forma e identidade a um meio geográfico não civilizado

(o Planalto Central), que será dominado e ocupado por uma raça de

heróis, os quais, por sua vez, estão ao mesmo tempo revivendo seu

passado: ‘Trata-se de um ato deliberado de posse, de um gesto de

sentido ainda desbravador, nos moldes da tradição colonial’. Como mito

de criação, a construção da capital funciona como um evento ordenador

para uma região inteira e, por extensão, para todo o país.” (cf. p.74)

É presente a questão de desistoricização: “Para desistoricizar as

origens da cidade, Costa emprega três artifícios retóricos: a origem do

plano é naturalizada ( ou seja, apresentada como espontânea),

universalizada (isto é, válida para qualquer lugar) e idealizada (ou seja,

incorporada em formas geométricas ideais).” p.77


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Agenda oculta do plano

Segundo o autor haveria um conjunto de intenções ocultas

no Plano Piloto que derivam das concepções de Lúcio Costa e Oscar

Niemeyer quanto ao papel da arquitetura e do arquiteto e que têm como

base a ideologia do desenvolvimentismo. Um exemplo seria a mudança

social proporcionada pelas superquadras que são frutos dos

experimentos de moradias coletivas na história da arquitetura moderna.

Nas cidades brasileiras as classes sociais sempre estiveram

estratificadas espacialmente. A padronização das residências no Plano

Piloto representa uma tentativa de transformar a sociedade brasileira

por meio do urbanismo arquitetônico.

“O ponto chave do internacionalismo modernista era o de que a

teoria e a tecnologia da cidade modernista ofereciam um meio já pronto

de salvar o mundo subdesenvolvido do caos e das iniqüidades da

revolução industrial européia. A salvação exigia que se implementasse

uma política nacional de desenvolvimento urbano no qual as cidades

modernistas serviriam como modelos e os nódulos do desenvolvimento

regional. A construção de cidades novas, sobretudo capitais iria

estimular a tecnologia, estabelecer redes de comunicação, integrar

regiões vastas, atrasadas e repletas de recursos inexplorados, além de


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organizar coletivamente as relações sociais de modo a maximizar os

benefícios potenciais daquela máquina.” p.89

Segundo o autor, desenvolvimento regional e integração nacional

eram temas centrais do plano de governo JK e afirma que existiu uma

espécie de consenso entre os arquitetos modernistas e JK. Intenções

utópicas do empreendimento, porque Brasília não levaria apenas o Brasil

Central alcançar os níveis de desenvolvimento do Sudeste, como

também todo o país alcançaria o nível de desenvolvimento de Brasília,

em função da cidade ser vista como exemplo de desenvolvimento, de

engenharia viária, moradia, pesquisa tecnológica, educação, serviços

médicos, técnicas de planejamento governamental etc.

“Brasília era vista como uma inovação em todas as áreas de

desenvolvimento, de engenharia viária, moradia, pesquisa tecnológica,

educação, serviços médicos, técnicas de planejamento governamental e

assim por diante. Em todas essas projeções, Brasília funcionava como

um projeto utópico...” (Cf. p.92) JK afirmava que a imagem de Brasília

estaria colocada para o futuro.

A Arquitetura Social de Niemeyer

“Em 1955, antes da construção de Brasília, Niemeyer (1980)

descreveu a moderna arquitetura brasileira como tendo de enfrentar o


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mesmo tipo de contradição que Lúcio Costa anteriormente havia

assinalado: a de que os modernistas brasileiros estavam, em termos

técnicos, capacitados para fazer uma arquitetura que ‘pertencia

logicamente’ a condições políticas, econômicas e sociais ainda não

desenvolvidas no Brasil.” p.95

Pelo que pude apreender Niemeyer (ver citações p.96), justifica a

questão da integração dos arquitetos no Estado como um forma de

inverter o negativa em positivo. A prática da arquitetura moderna em

países do Terceiro Mundo produziria saltos de desenvolvimento e

inovação arquitetônica por meio de uma paradoxal liberdade de

experimentação.

Brasília, utopia e realidade.

“Embora seja questionável a sugestão de que, em uma sociedade

socialista, o projeto modernista obteria o sucesso pretendido, a

afirmação indica que para Niemeyer Brasília era justamente esse oásis

de desenvolvimento utópico no interior do Brasil. Assim, quando,

Niemeyer (1983) atribui à invasão da sociedade capitalista a posterior

corrupção do oásis, ele está na verdade apontando para o fracasso da

imbricação entre o político e o estético que subjaz à inversão do

desenvolvimento que pretendia.” p.100


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Modernismo e Modernização.

“Em que medida Kubitschek esposava ou mesmo reconhecia as

intenções de mudança social de seus arquitetos no planejamento da

nova capital? E, se as intenções do governo eram diferentes, ou mesmo

opostas, às dos arquitetos neste aspecto básico, por que o governo

aceitou o plano piloto modernista e a arquitetura de um notório

comunista?” p.100

“se a ligação de Kubistschek com os arquitetos de Brasília pode

ser descrita como uma orquestração de intenções basicamente

harmoniosa e ocasionalmente dissonante, esse relacionamento

complexo e por vezes contraditório revela por que o governo teria de

preferir uma cidade modernista aos princípios barrocos ou neoclássicos

de urbanismo e de arquitetura, típicos das capitais dos estados

brasileiros. A explicação depende essencialmente, da afinidade entre o

modernismo e modernização.”

Haveria então uma contradição: “A questão a explicar é a de como

‘capitalistas e comunistas’puderam ver nos mesmos símbolos a

expressão de suas idéias. Ou, para formulá-la de outro modo, .por que o

modernismo na arquitetura brasileira significa mudança rumo

igualitarismo, ao coletivismo e ao socialismo para um grupo, enquanto

aponta para o desenvolvimento nacionalista para outro?” p.101


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Como o modernismo era a força inovadora na arquitetura e no

urbanismo, os desenvolvimentistas viram uma afinidade eletiva entre o

design modernista e seu próprio projeto de modernização.

Holston argumenta que a resposta está “na natureza polissêmica

do símbolo arquitetônico, na maneira pela qual pode possuir vários

significados e usos distintos relacionados entre si.” p.102. “...na

retórica do desenvolvimento utilizada pelo governo, a arquitetura era

saudada como o símbolo mais visível do progresso, da industrialização,

da independência e da identidade nacional do Brasil como uma nação

em via de se modernizar.” p. 102

O autor insiste no problema de Niemeyer como comunista

trabalhando para governos notoriamente anticomunistas. Esta

insistência torna-se desnecessária porque não esclarece sobre a obra do

arquiteto, ou o horizonte utópico em torno da construção de Brasília.

Mais vale saber a posição social da obra, se pretende analisar Brasília

como uma cidade modernista, do contrário Niemeyer não poderia ser

arquiteto.

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