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Fichamento:

“Fazer a história da pesquisa urbana: a experiência francesa desde 1965”,


Christian Topalov

Aluna: Maria Luiza Belo, N USP 11104650

Christian Topalov, teórico búlgaro radicado na França, inicia seu artigo


publicado em 1988 na revista Espaço e Debates, marcando sua intenção em fazer um
balanço crítico da produção acadêmica sobre o urbano a partir das análises da
chamada escolar francesa de sociologia urbana entre os anos de 1968 até 1975.
Para tal, Topalov revisita a conjuntura política-urbana da França nos anos 60.
De acordo com o autor, “a França dos anos 60 é marcada pelo impulso de uma gestão
tecnocrática do desenvolvimento urbano” (p.6). Assim, o planejamento urbano era
centralizado na mão das autoridade locais sob gestão do general de Gaulle, alçado à
uma posição na qual este fazer seria apolítico, puramente técnico e racionalizador. Em
um contexto de boom econômico e da produção industrial sem precedentes, o capital
financeiro se impõe na produção do ambiente construído, sendo acompanhado das
políticas públicas.
Assim, o autor inicia uma revisão da inserção do pensamento científico
acadêmico no pensar e planejar o urbano, a partir de uma demanda estatal. Apesar do
tradicional isolamento da universidade perante à sociedade, segundo Topalov, desde a
consolidação da República, os professores universitários se consideravam como os
guardiões da ciência- os expert- e aceitam a empreitada de analisar e propor
intervenções para os planejadores públicos. Nesse sentido, uma breve observação
sobre as influências do pensamento da escola de sociologia urbana de Chicago é feita
pelo autor:

“não se deve estranhar o fato que, para os professores universitários


que respondem às demandas dos planejadores na metade dos anos
60, a inspiração teórica venha principalmente dos Estados Unidos.
Suas pesquisas, que são então inovadoras, podem ser classificadas
em um pequeno número de correntes onde cada uma se constitui em
resposta a uma questão formulada pela encomenda estatal.”

Assim, Topalov enumera como foram distribuídas as encomendas estatais. A


primeira sendo dirigidas aos economistas, a segunda versa sobre os citadinos, e a
terceira é uma autorreflexão sobre o papel dos planejadores. Pode-se argumentar que
a segunda e terceira apostas das encomendas, versam sobre a dialética da produção do
espaço, ou seja, como os habitantes da cidade são influenciados pelo ambiente
construído, e como a ação dos que constroem esses ambientes moldam a vida desses
citadinos?
Em 1968, porém, existe uma grande ruptura na pesquisa urbana a partir do
ponto de inflexão criado entre os interesses financeiros do setor imobiliário e o poder
político. A ideologia do planejamento cede lugar ao tecnicismo e às pesquisas que o
defendem. Sobre essas bases se desenvolve então uma nova pesquisa urbana- onde a
França é o grande pólo, a partir da definição de novos objetos de pesquisa. A grande
mudança de acordo com o autor é:
“Deixa-se de aceitar o ambiente urbano como um dado ao qual os citadinos deveriam se
adaptar individualmente, e passa-se a considerá-lo como um produto social, que resulta ao mesmo
tempo da dinâmica da acumulação capitalista e da ação coletiva. As tendências espontâneas da
urbanização das quais se ocupavam os planejadores para controlá-las, não mais são vistas como o
efeito dos acasos do mercado, mas como manifestação da ordem do capital e de suas contradições. Não
se trata mais de mensurar a eficácia dos instrumentos da política urbana em função dos objetivos
oficiais da tecnocracia, mas de incluir no campo de análise o próprio Estado e suas políticas. Trata-se
de identificar as relações estruturais objetivas que unem os agentes da urbanização, independentemente
das representações que tais agentes fazem de sua ação”.

Assim a própria definição do que é a cidade se modifica. A cidade passa a ser


vista como produto da estrutura social em sua totalidade, resultado das contradições e
relações entre classes. Uma virada fundamental dessa forma de se pensar a cidade é
que nenhum elemento pode ser considerado como dado, tudo deve ser analisado como
parte de um mesmo processo, a urbanização capitalista. Para se estudar os usos da
cidade é preciso estudar também a sua produção e a técnica-política. Desta forma:
“Se a cidade é um produto social, tem-se que começar pelo estudo
de seu processo de produção, e para tanto ultrapassar sua
representação neoclássica como um conjunto de mercados
independentes da ação planejadora.”

Nesta parte especifica do texto, Christian Topalov faz um mapeamento dos


teóricos franceses e o que estavam estudando por volta dos anos de 1960 e 1970.
Desta maneira cita Asher, Lacoste, Combes, Latapia, Lafont, Leborgne, Godard, entre
outros. Estes passam a conformar o que Topalov delimita de “escola francesa de
sociologia urbana marxista”.
Na segunda parte do texto, intitulada “Mudança de conjuntura e eclipse da
pesquisa urbana francesa (1975-1987)”, Topalov passa a mapear o que ele considera o
início da crise, isto é, um momento de declínio da pesquisa urbana e suas
problemáticas. O ano de 1975 é fundamental para a compreensão desse eclipse
intelectual, segundo Topalov devido à entrada do capitalismo mundial em um longo
período de crise e de reestruturação. O quadro que se pintava na economia mundial
era de depressão industrial e interrupção do crescimento urbano, os investimentos em
grandes obras de provisão social vão se asfixiando por falta de financiamento, e a
desaceleração do crescimento urbano é algo que desmobiliza mesmo os movimentos
sociais organizados. É nesse contexto que o pensamento marxista se enfraquece e que
passa por um momento de reavaliação de suas limitações.
Seguindo com seu raciocínio, Topalov segue escrevendo que a crise da
pesquisa urbana é uma crise teórica dos próprios objetos que ela havia construído.
Assim, um questionamento epistemológico sobre a cidade surge: seria esta um campo
de pesquisa empírico somente? A sociologia urbana é uma disciplina fundada em
teoria?
De acordo com o autor, uma primeira corrente representada por Manuel
Castells, o objeto cidade é fundado sobre o conceito de consumo coletivo, focando no
papel dos movimentos sociais urbanos na disputa pelo espaço. A segunda corrente,
focava na mudança social à nível de Estado. Em geral, segundo o autor, as teorias
marxistas do urbano buscavam compreender a solidez da ordem capitalista e suas
capacidades de adaptação e de reestruturação. A conclusão que ele chega sobre a
centralidade da questão urbana nas ciências sociais nesse momento da história é:

“Se a questão urbana se tornou central no Ocidente durante vinte


anos, é porque a cidade foi colocada como o lugar estratégico da
gestão estatal dos conflitos sociais. E se as políticas urbanas se
tornaram o objeto principal das pesquisas, é porque este modo de
gestão havia entrado em crise.”
No final do texto, Topalov analisa como a sociologia urbana marxista foi
incorporando ou compreendendo e se engajando teoricamente com uma série de
outras questões como, por exemplo, as modificações da relação salarial, a questão do
político, a questão dos poderes, e a questão das práticas. Conclui seu texto em tom um
pouco cético em relação às novas teorias francesas que bebem de influências
antropológicas mais fortes e colocam em segundo plano as análises mais estruturais
desenvolvidas pelos marxistas anteriores.

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