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A urbanização capitalista: alguns elementos para sua análise

La urbanizacción capitalista: algunos elementos para su analisis


Christian Topalov

ADVERTENCIA
1. As contradições da urbanização capitalista
1.1. Introdução: as rupturas da nova sociologia francesa
1.2. A contradição geral da urbanização capitalista: formulação da tese
1.3. A urbanização como forma de socialização das forças produtivas
1.4. As relações de produção capitalista se contradizem com o movimento de
socialização

Apresentação: o texto é parte da coleção Desenho: rupturas e alternativas -questões


urbanas- e tem como objetivo difundir os esforços realizados no campo acadêmico para
reformular a questão urbano-regional a partir de uma nova perspectiva de análise. [...]
Especializado no setor imobiliário capitalista na França e no sistema de agentes que o
envolve, é possível afirmar que os estudos de Topalov marcam um avanço na sociologia
urbana, especialmente na compreensão de processos e mecanismos básicos que operam
na estrutura do espaço urbano no capitalismo.
Tanto pela originalidade dos seus estudos e resultados, quanto pela grande seriedade e
precisão com que ele coleta e utiliza os aportes do marxismo clássico e de outros
pesquisadores franceses dentro deste enfoque. A tarefa de reconhecer esta obra constitui
um esforço para a mudança, que empenha estudiosos e militantes na América Latina.

ADVERTÊNCIA:
A cidade capitalista está em crise. Subemprego, pobreza, carência de habitações e
equipamentos públicos, poluição, opressão em todos os aspectos da vida cotidiana; aí
estão os frutos amargos e universais da corrida pelo lucro capitalista e do autoritarismo
do Estado e dos monopólios.
Por todas as partes se desenvolvem lutas populares contra os efeitos dessa crise urbana
e, as vezes, contra suas mesmas raízes. A rejeição à exploração indireta na cidade pode
coincidir com a rejeição direta na empresa. No horizonte dessa convergência se
encontra a mudança democrática, a destruição do poder econômico e político e dos
feudos financeiros e industriais; a marcha ao socialismo.
É nessa conjuntura histórica que em numerosos países a análise do fenômeno urbano
tem conhecido uma profunda renovação. Em todos os casos uma mesma inquietação:
compreender para lutar melhor. Frequentemente um mesmo procedimento: tratar de
utilizar os mesmos instrumentos analíticos do materialismo histórico para combater as
ideologias oficiais , ir além das aparências, articular teoria e prática. Na França,
particularmente, numerosos pesquisadores se comprometeram nessa tarefa e já
produziram certos resultados.
A pequena obra que aqui apresentamos se constitui numa tentativa de construir uma
contribuição e submeter ao debate um conjunto de proposições teóricas sobre a
urbanização capitalista, elaboradas a partir da experiência europeia e principalmente
francesa. Seu caráter, um pouco didático, provém da sua origem, que foi um curso
desenvolvido no Centro de Estudos Econômicos e Demográficos do Colégio do
México, entre janeiro e fevereiro de 1978.
[...] agradecimentos aos profissionais e pesquisadores envolvidos na tradução da obra e
explicação sobre o caráter coletivo desta produção. [...]
Um último esclarecimento em relação ao modo de emprego do que aqui se apresenta.
Nossa tarefa, hoje, no plano teórico, consiste em desenvolver o marxismo, isto é, em
utilizar como método de investigação da reprodução do concreto-pensado. Nesse
esforço, cada parte da realidade que se tem conhecimento, na qual existe uma prática. É
por isso que grande parte do desenvolvimento teórico que vamos expor é
profundamente marcada pela experiência local dos países do centro imperialista:
França. Isso está correto, na minha visão, porque nossa responsabilidade pessoal é
vencermos em nosso próprio meio, mas também sua limitação, que só pode ser superada
mediante um debate crítico internacional, particularmente levando em conta a
experiência de países capitalista dependentes, e precisamente, um aspecto da luta
contra todos os imperialismos culturais não é também a crítica irrestrita do trabalho
daqueles camaradas que lutam e falam nas metrópoles?
1. As contradições da urbanização capitalista
1.1. Introdução: as rupturas da nova sociologia urbana francesa
Ao final dos anos 60, como o início da nova sociologia urbana Francesa, surge uma
nova questão, um duplo questionamento. Em primeiro lugar, a preocupação de
considerar a cidade como um produto, resultado de um processo de produção e não
apenas como objeto de consumo material e simbólico.
De fato, até então, a sociologia urbana acadêmica, tinha apenas como objeto de estudo,
o comportamento e as atitudes dos habitantes do meio urbano. A divisão do trabalho
entre disciplinas era simples. À economia política se reservava a análise do
comportamento racional dos agentes urbanos; estudava, pois, a escolha da localização
das empresas e os equilíbrios globais entre os diferentes mercados. À sociologia cabia,
portanto, o estudos dos resíduos inexplicáveis pelo postulado da racionalidade
econômica: os fatores culturais, simbólicos e sociais do comportamento das famílias no
meio urbano.
Sobre esta base a sociologia urbana acadêmica se convertia em uma psicossociologia
das necessidades humanas, em um contexto dado de condições urbanas que poderiam
mais ou menos satisfazê-las. Ou seja, em uma psicologia ecológica: o estudo do
equilíbrio entre o homem da cidade (urbano) e seu meio ambiente.
Este posicionamento teórico é duplamente coerente; por um lado, com os postulados da
economia política marginalista e, por outro, com as demandas administrativas nascidas
do desenvolvimento do planejamento urbano na França na década mencionada.
Efetivamente, a economia marginalista é, em seu fundo ideológico, um estudo da
distribuição do produto social tal como se efetua no mercado, na circulação. Para isso,
deixa de lado tudo o que concerne às relações sociais de produção e as forças
produtivas. Se limita a descobrir apenas as combinações dos fatores de produção,
considerados, por definição, como homogêneos no espaço formal dos preços. Além
disso, no que diz respeito ao consumo, descarta o estudo das suas práticas concretas e se
contenta anunciando a existência de funções de utilidade. A sociologia acadêmica se
apodera deste objeto e se desenvolve no campo fixado pelo marginalismo. Mesmo
quando se dedica a criticar as abstrações e o formalismo dos economistas acadêmicos,
aceita julgar o papel que confiam: estudas os resíduos, ou seja, o subjetivo.
A esta primeira submissão, se acrescenta uma segunda: a submissão às demandas do
Estado. A partir do final da década de 1950-60, se desenvolve na França um
instrumento de planejamento urbano e de programação de certos investimentos
públicos: as normas de equipamento que definem as necessidades em termos de espaço,
de aulas escolares, de espaços verdes, de superfície de comércio por habitante. Para
estabelecer essas normas, se recorre aos sociólogos urbanos. A pesquisa de opinião
substitui vantajosamente a democracia.
Por todas essas razões a sociologia urbana dessa época de converte em uma sociologia
dos consumos urbanos. Dalí surge uma primeira ruptura efetuada por uma nova
corrente de pesquisadores que tratam de utilizar o materialismo histórico como
método de trabalho; tratam de partir da produção, de estudar a cidade como o
resultado de processos de urbanização capitalista e não de considerá-la como uma
realidade já posta. Ao fazê-lo, é toda a construção acadêmica da economia espacial e da
sociologia urbana no corte economia/sociologia e pesquisa/política que se questiona.
Um segundo “questionamento” acompanha ao primeiro, e se refere ao papel do
Estado. Para as disciplinas acadêmicas, o Estado está sempre fora do campo de análise.
“Intervém”, como se diz, de fora sobre o fenômeno estudado: constitui uma “variável
independente”. Esta concepção teórica é perfeitamente coerente com a ideologia prática
do planejamento em geral e da urbana em particular. Por outro lado, o núcleo ideológico
comum aos discursos habituais sobre o planejamento urbano é simples, e aparentemente
internacional. Primeiro: a urbanização espontânea é anárquica, governada unicamente
pelos interesses privados. Assim, essa anarquia gera males econômicos e sociais.
Segundo: por conseguinte, o Estado, o poder público, guardião do interesse geral, deve
intervir para fazer com que este se imponha aos interesses particulares. Deve garantir
uma ordem urbana mais justa e mais racional, corrigindo os aspectos negativos da
urbanização espontânea. Terceiro: portanto, o plano urbanístico, por uma parte, e os
serviços públicos, por outra, vão a ser os instrumentos desta intervenção racional do
Estado. Os de direita dirão que o planejamento urbano realiza o interesse geral, os de
uma certa esquerda poderão dizer que o Estado não pode realiza-los, porque os
interesses particulares vencem e que não existe verdadeiramente planejamento. Em
qualquer uma dessas versões, a tese central é a mesma: o Estado é assimilado como um
sujeito, um sujeito racional que persegue uma meta, o interesse geral e o planejamento é
definido como uma estratégia, um conjunto de ações racionais ajustados a essa meta.
O segundo “questionamento”, a segunda ruptura epistemológica – para falar como
Althusser- da sociologia urbana marxista na França se refere precisamente a este ponto:
o Estado não é um sujeito dotado de vontade, é um conjunto de aparatos que realizam,
por um processo [cego], por um processo sem sujeito, o interesse geral da classe
dominante. Hoje na França, essa classe dominante é a oligarquia financeira, fração de
classe dominante no capitalismo monopolista de Estado.
Essa concepção do Estado como Estado de classe é extremamente simples em sua
formulação teórica, mas provoca múltiplos “questionamentos” no trabalho de
investigação/pesquisa. Veremos mais adiante. Em particular, a política urbana, que não
pode se reduzir a uma atividade de planejamento, se converte em um momento de um
processo social complexo, o das lutas de classes onde estão incluídos, em particular, os
movimentos sociais urbanos.
Antes de abordar de forma mais concreta os diferentes aspectos desta urbanização e
desta política urbana capitalista, gostaria de apresentar os principais resultados teóricos
que obtivemos.
Esta exposição das contradições da urbanização será um pouco abstrata. Não será
abstrata pela forma teórica em que se apresenta, já que a boa teoria é concreta, reproduz
o [concreto-pensado]. Será abstrata porque só pudemos teorizar um pouco a nossa
realidade nacional, sobre a qual falarei pouco, pois a França está distante.

1.2 A contradição geral da urbanização capitalista: a formulação da tese.

Para começar vou formular de maneira geral a tese fundamental que logo desenvolverei.
A cidade constitui uma forma de socialização capitalista das forças produtivas. Ela
mesma é o resultado da divisão social do trabalho e é uma forma desenvolvida de
cooperação entre unidades de produção. Em outras palavras, para o capital o valor de
uso da cidade reside no fato de que é uma força produtiva, porque concentra as
condições gerais da produção capitalista. Estas condições gerais são, por sua vez,
condições de produção e circulação do capital, e da produção da força de trabalho. São
também, o resultado do sistema espacial dos processos de produção, de circulação, de
consumo; processos que contam com suportes físicos, ou seja, objetos materiais
incorporados ao solo (os imobiliários).
Este sistema espacial constitui um valor de uso específico, diferenciado do valor de uso
de cada uma de suas partes consideradas separadamente; é um valor de uso complexo
que nasce do sistema espacial, da articulação no espaço de valores de uso elementais.
Chamarei esses valores de uso complexo de efeitos úteis de aglomeração.
Em resumo, como sistema especializado de elementos, a cidade é uma forma de
socialização capitalista das forças produtivas. É o primeiro elemento da tese, o primeiro
termo da contradição.
Efetivamente há contradição, posto que cada um dos elementos do sistema que constitui
a cidade é um processo autónomo, o qual tem como base um objeto imobiliário que é
produto e que circula de modo independente aos outros. Alguns destes elementos são
comodities produzidas pelo capital, [tendo como objetivo] o lucro. Outros elementos em
mudança, que o capital não produzirá, serão [fornecidos] como valores de uso, não
comodities, graças a desvalorização do capital público.
Porque os meios de produção são privados, porque as relações de produção são
capitalistas, os valores de uso [complexos urbanos] estão formados por um processo
cego, sem sujeito, ou seja, o movimento de busca do ganho privado de cada polo
autônomo de acumulação. Portanto, a urbanização capitalista é, antes de tudo, uma
multiplicidade de processos privados de apropriação do espaço. E cada um deles é
determinado por suas próprias regras de valorização de cada capital particular, de cada
fração de capital. Em consequência, a própria reprodução dessas condições gerais,
urbanas, da produção capitalista se transforma em um problema. Não se pode garantir.
Daí a contradição entre o movimento de socialização capitalista das forças produtivas e
as próprias relações de produção do espaço capitalista. Esta contradição é a
fundamental, expressa no espaço, desse modo de produção pois vai produzir
historicamente, formas sempre novas de socialização: a estatal e monopolista da
formação dos valores de uso urbano. Porém, ao mesmo tempo, vai reproduzir limites
sempre novos a esta socialização das forças produtivas. Estes limites se expressam nas
lutas de classes, assim como nas crises urbanas das metrópoles capitalistas.
Creio que tudo que acabo de dizer de forma rápida, resumida e muito genérica, pode
construir uma problemática de base. Veremos adiante que consequências concretas terá
na prática da pesquisa.

1.3 A urbanização como forma de socialização das forças produtivas

1.3.1 O conceito de condições gerais da produção capitalista

A economia urbana tem estudado, particularmente, as vantagens que a cidade procura


em uma determinada empresa: considera o feito urbano como uma variável exógena. A
partir disso, formaliza, as vezes quantifica, as economias externas que outorga a cada
empresa em particular.
Recentemente essa economia urbana se deu conta que os efeitos externos à questão
podem ser também “deseconomias”. Conhecemos bem os trabalhos que, nesta base,
foram realizados a respeito dos fatores de localização das empresas, ao rendimento
situacional, etc. Esta concepção produziu, portanto, resultados empíricos interessantes.
Porém deixa completamente de lado o problema fundamental da produção dos
valores de uso complexos que as empresas vão “internalizar”. Tendo isso em conta,
devemos abandonar o ponto de vista da empresa particular, do capital particular,
para considerar o conjunto da produção, isto é, da formação e reprodução das
condições gerais de produção.
Marx mostrou como o próprio movimento do capital arrasta uma permanente revolução
nas forças produtivas. Para obter uma mais valia extra, cada capitalista transforma seu
modo de produzir, aumenta a produtividade da força de trabalho que ele controla. Esse
movimento leva a um aumento da produtividade social, arrasta revoluções nas relações
de valor, ou sejam a diminuição do tempo de trabalho necessário e aumento da mais
valia relativa à escala social.
Porém Marx estuda principalmente as transformações da divisão do trabalho no seio da
unidade de produção. Não se refere, senão de forma alusiva, às “condições gerais” desta
busca da mais valia relativa. Entre estas condições gerais só menciona “os meios de
comunicação e transporte”1.
Porém as condições gerais são muto mais que isso, são a força produtiva nova,
específica que constitui a cidade – e de maneira mais ampla – o espaço capitalista.
Pode-se classificar estas condições gerais em dois tipos: as condições gerais de
produção e circulação do capital, e as condições de reprodução da força de trabalho. A
partir deste ponto de vista, a concentração urbana constitui antes de tudo uma economia
de gastos gerais para o capital.

1
Ver O Capital, livro 1, capítulo sobre o maquinismo.
Do que se trata? Sabemos que uma parte do capital social não produz valor nem mais
valia. Na própria produção uma parte crescente do capital é capital constante, não
produz valor, porém é indispensável à produção. Além disso, uma parte do capital social
está permanentemente comprometida na circulação de mercadorias e do dinheiro. Todos
estes elementos, capital produtivo constante, capital mercadoria, capital dinheiro, são
indispensáveis para a reprodução, porém são estéreis do ponto de vista da produção de
mais-valia. Eles pesam sobre a taxa geral de lucro e, no entanto, exigem sua parcela de
mais-valia.
A corrida à mais-valia relativa agravará constantemente o problema. Toda revolução nas
forças produtivas implica um salto na composição orgânica do capital produtivo e
reforça a tendência de queda na taxa geral de lucro. É assim que, em cada estágio da
divisão capitalista do trabalho, dentro da unidade de produção, surgem novas formas de
cooperação espacial entre as unidades de produção.

1.3.2 Etapas da divisão capitalista do trabalho e formas de organização do


espaço2

Gostaria de abrir aqui um parêntesis para tratar de caracterizar, muito


esquematicamente, certos aspectos da relação entre a forma de produção e formas de
organização do espaço. O leitor conhece, sem dúvida, as etapas das relações capitalistas
de produção analisadas por Marx: a cooperação simples, manufatura, grande indústria.
Atualmente existe uma quarta etapa: automação.
A etapa da cooperação simples implicava unicamente no agrupamento dos trabalhadores
em um mesmo local de produção. Os trabalhadores oficiais, ou seja, altamente
qualificados, desempenhavam as mesmas tarefas quando eram produtores
independentes: estavam agora sob o domínio do capital.
A passagem da simples cooperação à manufatura/produção fabril provoca uma primeira
ruptura: a divisão de tarefas. A manufatura faz com que o trabalhador perca o controle
sobre o processo do trabalho, o deixa em um processo de trabalho individualizado, com
seu único ofício e ferramenta.
No entanto, há uma primeira diferenciação entre os trabalhadores; de um lado o
trabalhador completo, o contramestre que controla, e do outo, um trabalhador com um
ofício, que executa uma tarefa sob encomenda. Desta primeira revolução na produção se
desencadeia uma série de consequências.
Em primeiro lugar, as necessidades das empresas por mão de obra aumentam, não mais
por adições sucessivas de unidades, mas por multiplicação. Daí surge a necessidade de
um rápido crescimento de um -“exército de reserva”- de mão de obra entre a população
urbana. Mas a mão de obra segue qualificada. A mão de obra ainda pode passar
livremente da condição de operário da fábrica capitalista, para artesão do setor privado.
Pode também facilmente mudar de empresa, dependendo das diferenças salariais.
Porém, quando essa mão de obra é fixa, então aparece a habitação “empresarial” -para a
classe trabalhadora?- . Essa força de trabalho também precisa ser treinada,
especializada. Isso só é possível graças a divisão do trabalho fabril, que permite
formalizar o conteúdo das tarefas. Surgem então escolas profissionalizantes. A empresa
2
Este pensamento está embasado nos trabalhos de Freyssenet, Michel, Centre de Sociologie Urbaine,
Paris.
privada tem necessidade de equipamentos para a reprodução coletiva da força de
trabalho.
A divisão do trabalho dentro de cada fábrica cria a possibilidade da mesma entre
fábricas distintas. Empresas especializadas poderão realizar certas tarefas pontuais (de
parcelamento), certos momentos específicos do processo de produção; todos eles se
articulam graças ao mercado, mas também no espaço. A concentração espacial das
fábricas se transforma em uma condição do aumento da produtividade de cada uma e do
conjunto. Por fim, uma vez que a produção também aumenta por multiplicação, devem
se desenvolver as condições de sua venda, ou seja, a localização da produção nas
proximidades dos grandes mercados consumidores e também a criação de uma rede
nacional e mundial de transportes e a especialização de um capital comercial.
As condições da Revolução Industrial se deram com o surgimento das
manufaturas/fábricas e com a passagem destas fábricas às grandes indústrias, cujo
conteúdo fundamental é bem conhecido: o operário da fábrica usava uma ferramenta,
com a indústria passa ele próprio a operar como uma máquina-ferramenta. Surge assim
o pequeno trabalhador (em espanhol parcelario, suponho que seja o executor de
subtarefas) e com ele uma desqualificação massiva de uma crescente proporção da
classe trabalhadora. O trabalhador qualificado continua sendo necessário para o cuidado
e o reparo das máquinas. Aumenta o número de engenheiros e técnicos que passam a ter
um papel fundamental na produção: conceber as máquinas, organizar seus sistemas. O
sistema espacial demandado pela grande indústria é, portanto, inteiramente novo.
A divisão do trabalho entre o momento da concepção e da fabricação, cria a
possibilidade de uma autonomia de um e de outo no espaço. Também, certas etapas
importantes deste último exigem apenas trabalhadores sem qualificação; estes podem
ser encontrados fora da reserva de mão-de-obra tradicional, qualificada, nas pequenas
cidades ou fora das metrópoles imperialistas. Enfim, a grande indústria constituiu na
produção a base do desenvolvimento do capital financeiro, do monopolista, ou seja, da
fusão do capital bancário e industrial em grupos gigantes. O desenvolvimento desigual
no espaço já não é apenas quantitativo, mas qualitativo. Cidades inteiras, mesmo países,
se desenvolverão não apenas com base na própria indústria, mas na gestão dos impérios
industriais. No entanto a própria produção demanda infraestrutura de transportes, de
fornecimento de energia em escala qualitativamente nova.
A mudança da grande indústria pata a automação leva o processo ao extremo inicial: a
máquina torna-se automática e o trabalhador perde o contato com a matéria, para se
tornar um vigilante do autômato. As tarefas qualificadas que estão ligadas à máquina-
ferramenta tendem a desaparecer. O mesmo acontece com as tarefas desqualificadas de
serviço direto da máquina, o trabalho em cadeia. É assim que se generaliza a
autonomização espacial da concepção e da fabricação, e se acelera o abandono das
localizações industriais tradicionais. Surge então uma nova divisão internacional do
trabalho que é, sem dúvida alguma, um dos motores da crise capitalista internacional.
É evidente que em uma sociedade concreta, que em uma determinada cidade, várias
etapas da divisão capitalista do mundo estão presentes simultaneamente, bem como as
relações de produção pré-capitalistas. A análise concreta encontra aí um campo de
pesquisa extremamente vasto. Para essa análise podemos adiantar uma hipótese que
pode ser correta e frutífera: considerar a organização espacial como uma sobreposição e
uma articulação de vários tipos de espaços produtivos, cada um dos quais
corresponderia a uma etapa da divisão capitalista do trabalho.
1.3.3 Os tipos de condições gerais
Depois desse parênteses, voltamos ao conceito das condições gerais da produção
capitalista.
Do ponto de vista da produção capitalista, a força produtiva socializada é um conjunto
de elementos bem concretos.
É, antes de tudo, uma concentração de mão-de-obra disponível nas diversas
qualificações que a produção necessita. Esta mão-de-obra se produz e reproduz graças à
existência de meios de consumo socializados, assim como de formação, de aculturação
e enquadramento, de transporte até os locais de produção, etc. A cidade deve, portanto,
promover ao capital as condições da reprodução ampliada da força de trabalho.
A cidade é também a existência de um conjunto de meios de produção pré-constituídos
que requerem as empresas industriais: fornecimento de energia e de água, meios de
transportes de mercadorias. Todo este suporte, não apenas a existência de infraestrutura
industrial, senão também seu funcionamento, manutenção e expansão. A cidade vai
então permitir que se excluam da esfera do capital os setores não-rentáveis necessários à
produção.
Sore essa dupla base da reserva de mão-de-obra e das infraestruturas industriais, a força
produtiva da cidade é o resultado, enfim, da conexão espacial das próprias empresas
industriais. A concentração espacial favorece as relações de interdependência e de
cooperação: estas relações são instáveis, já que se estabelecem através do mercado e
dependem do movimento do lucro. Não obstante, são essenciais para o desenvolvimento
da divisão social do trabalho.
É assim que a cidade vai permitir uma diminuição dos gastos gerais da circulação de
capital e uma redução do tempo de circulação dentro e fora da produção. Efetivamente,
a urbanização modifica não apenas as condições da produção mas também as condições
de circulação do capital. Por “circulação do capital” devemos entender tanto a do capital
mercadoria como do capital dinheiro. Deste ponto de vista a concentração urbana
permite também uma economia de “capital de gastos”.
Esse conceito, proposto por Paul Boccara -um dos principais teóricos franceses do
capitalismo de Estado3- designa a fração do capital comprometida fora da produção e
que, no entanto, é necessária a ela: gestão, comercialização, formação, treinamento,
estudos, pesquisas, etc.
O desenvolvimento de empresas especializadas na circulação e na concentração espacial
de ditas empresas, constituem uma economia de capital de gastos deste dois pontos de
vista. Por um lado, se reduzem os gastos da circulação ao aumentar a produtividade do
trabalho nesse setor e, por outro, se diminui o tempo da circulação, ou seja, a quantidade
de capital permanece improdutiva.
Estas observações são corretas do ponto de vista global, mesmo que que desenvolvam
os saques efetuados pelo capital financeiro do ganho de capital social. De fato, no
capitalismo monopolista existem, ao mesmo tempo, dois fenômenos. O primeiro é o
aumento da produtividade do trabalho em circulação, que se opõe à tendência de queda
da taxa geral de lucro. O segundo é o saque que efetuam os capitais financeiros, de um
lado, da mais valia, superior ao lucro médio, que provocam a desvalorização das outras
frações do capital social.
3
Boccara Paul, Etudes sur le Capitalisme Monopoliste d’Etat, as Crise et son Issve, Ed. Sociales, Paris
1973.
Gostaria de concluir rapidamente sobre esse conceito das condições gerais da produção
capitalista. A urbanização produz e reproduz as condições gerais que vou enumerar
novamente.
No primeiro conceito, há um conjunto de infraestruturas físicas necessárias à produção
e aos transportes. No segundo, uma reserva de mão-de-obra onde a força de trabalho se
reproduz com base nos equipamentos coletivos de consumo. No terceiro conceito, um
conjunto de empresas capitalistas privadas, no setor produtivo e no setor da circulação,
cuja cooperação no espaço aumenta a produtividade. Por último, e igualmente aos três
elementos já citados, essas condições gerais estão construídas pela articulação espacial
desses elementos, pelo valor de uso complexo que se desprende do sistema de todos
esses valores simples.

1.4 As relações de produção capitalista se contradizem com o movimento de


socialização.
Resta ver, agora, como as relações capitalistas de produção entram em contradição com
aquele movimento de socialização urbana das forças produtivas. Claro que tenho que
me limitar às orientações gerais de investigação.

1.4.1 Apresentação geral


Façamos uma observação preliminar ao fato de que cada empresa considera efeitos úteis
de aglomeração com dados externos. Isso significa, em primeiro lugar, que esses efeitos
úteis [não são] reproduzíveis por cada capital particular, por mais importante e
concentrado que isso seja. Assim, a renovação desses valores de uso não está inclusa no
ciclo de rotação do capital. A cidade não é uma mercadoria como a matéria-prima:
nenhum polo de acumulação controla a formação de valores de uso complexos. Em
contrapartida, o capital pode reproduzir as mercadorias necessárias para continuar sua
valorização. Por isso, falarei de formação e não de produção de efeitos úteis na
aglomeração, uma vez que resulta de um processo cego e problemático.
Efetivamente várias contradições se opõem a esta formação.
Em primeiro lugar, o capital produzirá certos elementos necessários ao valor de uso
complexo: os que não incluam em si as contradições de rentabilidade. Logo, a
coordenação espacial dos elementos de valor de uso colide com o fato de que cada um
deles é produzido e circula de forma independente. Por último, o caráter não
reproduzível e monopolizável dos efeitos úteis de aglomeração terão como
consequência a fixação de lucos excedentes de localização sob a forma de rendas. Esses
aluguéis de terreno retornarão ao capital como o reflexo de seu próprio movimento, e
vai impor a cada capital particular os limites localizados de sobrelucro.
Vejamos agora cada um desses três pontos.

1.4.2 O capital não produzirá os elementos não rentáveis do valor de uso


complexo urbano
Inicialmente vamos examinar os elementos não rentáveis desse valor de uso. Se trata,
essencialmente, por um lado, de infraestruturas produtivas e, por outro, de
equipamentos de consumo coletivo.
O sistema de vias urbanas, o transporte coletivo, o abastecimento de energia e água,
redes de saneamento e tratamento dos resíduos, tudo isso constituem as infraestruturas
necessárias para a formação de efeitos úteis de aglomeração. Podemos ver que, em um
grande número de países capitalistas, o financiamento dessas infraestruturas é público,
ou pelo menos parcialmente público. Em muitos casos, são certos serviços públicos os
que se encarregam da sua gestão. Por que?
Em primeiro lugar, esses valores de uso dificilmente podem circular como bens. De
fato, a mercadoria é uma articulação de um valor de troca em um objeto concreto, um
valor de uso. Quando ele não pode ser dividido em elementos que podem circular
separadamente, se cria um obstáculo específico à sua circulação como mercadoria. Ou
seja, um obstáculo a realização mercantilizada de seu valor de troca. Este aspecto é bem
conhecido. É ele que desenvolve a teoria dos chamados “bens coletivos”. Esta teoria
demonstra que existem bens não comerciais. Porém ela se limita a explicar esse fato
pelas características físicas e técnicas das mercadorias em questão: seu uso não pode ser
privado, no sentido de que o uso por um consumidor não exclui o uso por outros. Esses
bens são imóveis, duráveis, indivisíveis, etc. No entanto, a experiência histórica
demonstra que essa “explicação” não basta, a distribuição da água ou da eletricidade
nem sempre foi, nem é hoje, em todas as partes, asseguradas pelo serviço público. O
mesmo ocorre com o transporte ferroviário, ou metrô. Hoje em dia existem até
autopistas pedagiadas. A natureza não fracionável do valor de uso é um obstáculo à sua
circulação mercantilizada, mas é fato que, em certos casos, o capital soube superar
obstáculos e em outros não.
Há também um segundo elemento que também é decisivo. É o nível extremamente
elevado da composição orgânica do capital nesses setores, e o período extremamente
longo de rotação desse capital. No limite o capital é inteiramente composto de capital
fixo constante, como é o caso das estradas. Se dão então dois tipos de consequências.
Por um lado, uma taxa de lucro de caráter extremamente débil que só poderia ser
compensada por um preço de produção muito superior ao seu valor. Isto significa uma
retirada massiva da mais-valia produzida no resto da economia. Por outro lado, a
impossibilidade de adaptar a produção às flutuações quantitativas da demanda. De fato,
o capital comprometido deve ser capaz de atender às necessidades da economia em
períodos de demanda máxima. No entanto, não se pode retirar esse caráter nos períodos
de depressão. As infraestruturas exploradas no modo capitalista sofreriam
periodicamente uma superacumulação massiva. Por fim, há um terceiro elemento. A
exploração capitalista das infraestruturas pressupõe a existência das atividades
econômicas que vão utilizar essas infraestruturas. O capital só investirá onde se dão as
condições de rentabilidade. Não investirá em outra parte. O que vai bloquear o
desenvolvimento de áreas que ainda não estão desenvolvidas. Como resultado desse
processo há uma desigualdade no desenvolvimento espacial das infraestruturas: é o
círculo vicioso da hiperconcentração nas megalópoles e do deserto econômico em
outras partes. A isto se acrescenta as contradições de competências nas zonas rentáveis:
não existe lugar para várias redes. Porém há várias capitais que desejariam realizá-las –
desde que, é claro, se deem os critérios de rentabilidade para cada uma delas.
O último elemento é o problema do solo: as infraestruturas consomem uma grande
quantidade de solo, e esse espaço não pode ser objeto de uma apropriação parcelada.
Existe um pequeno número de localizações possíveis, e é indispensável apropriar-se de
maneira contínua das zonas coerentes. Isto está fora do alcance do capital privado sem a
intervenção do Estado.
Nestas condições como poderia o capitalismo produzir e reproduzir em uma escala
sempre maior estas infraestruturas, estes valores de uso? Em um primeiro momento,
evidentemente, se apropria das infraestruturas que “herdou” da história. Se trata de uma
herança gratuita, posto que essas infraestruturas foram produzidas por modos de
produção anteriores. Porém é necessário renová-las e, sobretudo, multiplica-las e
adaptá-las às novas forças produtivas. A primeira resposta capitalista a essas
contradições é o monopólio. Sua implantação no terreno das infraestruturas implica
desde já a intervenção do Estado, este vai conceder a um solo capitalista a realização e a
exploração de uma rede. Para tanto vai contribuir com a definição de seu traçado, ou
seja, vai intervir na socialização da produção. Vai pôr a disposição do monopólio seu
poder de coerção para liberar os solos necessários. Porém para manter sua taxa de lucro,
o monopólio vai cobrar um preço muito elevado ao resto da economia. Vai fazer pagar
às empresas o uso das infraestruturas, ao menos seu preço de produção. Se acabarão as
“economias externas” já que os preços relativos aos setores monopolizados a forte
composição orgânica tenderão a aumentar.
Há uma resposta fundamental a esta contradição: a desvalorização estrutural de
todo ou de parte do capital comprometido.
Não por acaso que a sociedade anônima e o mercado financeiro aparecem, no século
XIX, nos setores de infraestrutura: as ferrovias, transportes urbanos, a distribuição de
água e gás e posteriormente a de eletricidade. Como se sabe, a diferenciação da taxa de
juros e da taxa de lucro é a primeira forma histórica de desvalorização de uma fração do
capital social. Mas isso não é suficiente. Em períodos de superacumulação global o
desenvolvimento do monopólio arrasta retiradas de mais-valia que todo o conjunto da
economia suporta cada vez menos. É o caso da Europa entre 1870 e 1890 e, novamente
no período entre as duas guerras. É nesses dois períodos recentes em que se desenvolve
rapidamente o financiamento público de infraestruturas: o capital público
estruturalmente desvalorizado substitui o capital provado em setores onde a taxa de
lucro interno cai. Isso neutraliza por um tempo a tendência de diminuir a taxa de capital
privado como um todo, em seu conjunto.
Sobre o financiamento público das infraestruturas, quero fazer duas observações:
A primeira se refere às formas de financiamento público. A necessidade deste nasce
das contradições de base econômica. Porém suas formas concretas são muito variáveis;
são o resultado da história da luta de classes e das relações políticas. A partir da segunda
metade do século XIX, sobretudo a partir de 1880, na Inglaterra, na França e na
Alemanha, se estabelece uma intensa luta política pelas redes urbanas e transportes. O
que está em jogo é a escolha entre a concessão ao setor privado de mais subsídios ou ao
serviço público. Nessa época, geralmente caracterizada pelo “laissez faire”, todas as
partes entram em acordo sobre uma intervenção estatal. Mas qual intervenção? Ou bem
é o financiamento público direto dos lucros privados – esta é a tese conservadora e da
maioria dos liberais- ou bem se trata do Estado voltar a comprar os bens e estabelecer o
financiamento público dos serviços públicos. Nesse caso se produziria a liberação de
capital que poderia, portanto, ser investido em outra parte – essa é a tese dos partidários
do “socialismo municipal”, do radicalismo na França, da corrente reformista da social-
democracia na Europa, do socialismo fabiano na Inglaterra. Os resultados do conflito
entre subsídios ou municipalização têm sido diferentes de acordo com os países onde
ocorrem. Esse problema surgirá de forma muito mais geral a partir de 1930 com as
nacionalizações industriais no contexto capitalista.
A segunda observação se refere ao fato de que quaisquer que sejam as formas de
desvalorização, há uma constante: as fases rentáveis do ciclo do capital investido em
infraestrutura permanece geralmente privado; especialmente, a própria produção dessas
infraestruturas permanece sendo privada em quase todos os casos. Em outras palavras,
embora o Estado administre as infraestruturas, estas foram, inicialmente construídas
pelo setor privado. O Estado garante a sua circulação, mas não sua produção. Além
disso, quando uma possível rentabilidade aparece no nível da circulação, as condições
políticas podem permitir o retorno ao setor privado de uma parte do ciclo com,
evidentemente, financiamento público. É o caso, por exemplo, das rodovias pedagiadas.
Há “privatização” do que era um serviço público, mas mesmo que isso ocorra, uma
parte do financiamento público é mantida, uma combinação de capitais públicos
desvalorizados e de capitais privados geralmente monopolista. As modalidades da
combinação quando se dá numa relação de forças políticas favoráveis à burguesia
monopolista, levam a limitar os pontos de inserção no capital privado apenas aos pontos
de alta rentabilidade no ciclo rotação de faturamento global de todo o conjunto do
capital.
Até agora falei apenas das contradições que se opõem à reprodução em uma base
capitalista, apenas uma parte das contradições gerais da produção: as infraestruturas
necessárias para ela e para a circulação do capital. Mas há uma segunda categoria: as
condições da reprodução do trabalho, e em particular, dos equipamentos coletivos de
consumo. Não vamos lidar com este ponto imediatamente, já que o desenvolveremos
em detalhe nos próximos capítulos. Porém, bastará indicar que os equipamentos
coletivos foram transformados em condições de reprodução da força de trabalho. Ensino
e formação profissional, saúde, habitação, entretenimento, constituem setores onde o
próprio desenvolvimento do capitalismo cria necessidades historicamente novas. Estas
necessidades não podem ser satisfeitas por meio do salário ou modos de consumo
exclusivamente privado. Para a grande maioria da população, excluindo a burguesia e as
classes privilegiadas, estas não podem ser satisfeitas, graças à produção capitalista:
também nesse caso o capital público desvalorizado terá que arcar com as despesas
gerais dessa referida produção. Mas por razões estruturais, o Estado capitalista só fará
de modo quantitativamente insuficiente e qualitativamente inadequado às demandas
sociais. Voltaremos a falar deste tema.
Para cumprir com nosso propósito bastará formular uma proposição geral: certos
elementos necessários de valores de uso urbanos – os equipamentos de consumo
coletivo- se desenvolverão de modo insuficiente.

1.4.3 A busca do lucro privado se opõe à formação do sistema espacial de


elementos que constituem o valor de uso complexo
Tanto no que diz respeito às infraestruturas de produção e circulação, como aos
equipamentos de consumo coletivo, verifica—se que as relações capitalistas de
produção dificultam o fornecimento dos valores de uso necessários à mesma. Mas as
relações capitalistas de produção não só dificultam a elaboração de certos elementos do
valor de uso complexo, mas também a própria formação do valor de uso complexo.
Dificultam a articulação no espaço das infraestruturas, dos locais de produção, dos
lugares de reprodução da força de trabalho. É o segundo limite onde as relações
capitalistas de produção se opõem à socialização urbana das forças produtivas.
Não tenho hábito de citar textos “sagrados”. No entanto acho útil recordar uma famosa
passagem de Marx que se encontra no primeiro livro de O Capital: “Enquanto na
manufatura a lei de ferro da proporcionalidade submete um certo número determinado
de trabalhadores a cumprir certas frações determinadas , o acaso e a arbitrariedade
jogam seu jogo confuso na distribuição de produtos e seus meios de produção entre os
diversos ramos do trabalho social”.
Por um lado, o despotismo do capital dentro da unidade de produção – hoje em dia seria
melhor dizer dentro do grupo monopolista. Por outro, a anarquia nas unidades de
produção. Essa oposição reflete exatamente a contradição da urbanização capitalista:
todo capital privado busca lucro, mas ao fazê-lo impede a formação de efeitos úteis de
aglomeração. Esta anarquia da concorrência continua a ser fundamental, ainda na fase
do capitalismo monopolista, mesmo na fase do capitalismo monopolista estatal. Fica
ainda pior. Vamos analisar isso com maior atenção.
É evidente que cada capital busca o máximo lucro, ou seja o sobrelucro, ou o lucro
excedente. Tentará especialmente apropriar-se dos excedentes (sobrelucros?) de
localização; investindo em locais favoráveis, o capital vai se beneficiar de condições de
rentabilidade acima da média, portanto de um sobrelucro. Mas não é ele que cria essas
condições, é o processo cego da concentração espacial dos capitais. Eu gostaria de
indicar brevemente como esta busca pelo lucro privado dificulta ela própria a formação
de suas condições [espaciais].
Antes de tudo, a lógica da concentração espacial leva a um desenvolvimento desigual do
espaço. Certas áreas do território nacional, certas áreas de cada aglomeração urbana não
conferem ao capital as condições gerais de sua recuperação: eles permanecerão
inexplorados. O que é certo dentro de cada país, é também, naturalmente, à escala do
sistema imperialista mundial. Portanto, há um desenvolvimento desigual no espaço e
um enorme desperdício de recursos, de forças produtivas humanas e materiais. O
resultado é que isto cria situações de dificuldade setorial: permitem monopólios
instalados no setor se beneficiarem de lucros excessivos. Mas isto mesmo pesa sobre a
taxa geral de lucro. A crise atual deu grande amplitude a esses fenômenos no campo da
energia, mas também das matérias primas industriais, produção agrícola, etc.
Assim o chamado “subdesenvolvimento” não é senão uma das caras da acumulação
desigual. A outra é a hiperconcentração do capital nas áreas que lhe asseguram
sobrelucros/vantagens de localização. Nessas áreas, a superacumulação gera custos
sociais consideráveis: atrasos estruturais dos equipamentos de consumo coletivo,
saturação das infraestruturas, em particular dos sistemas de transporte, para não citar os
fenômenos mais gerais. Esta crise das condições gerais de produção se transforma numa
crise dos segmentos do aparelho do Estado, que estão mais diretamente ligadas ao
fornecimento de equipamentos coletivos: as autoridades locais. Nascem novas
demandas, conflitos sociais, com base na degradação das condições de reprodução da
mão-de-obra.
Mencionemos também outro ponto que a crise atual colocou na ordem do dia nas
metrópoles imperialistas: uma nova divisão nacional e internacional do trabalho esta se
constituindo. Se expressa particularmente por movimentos brutais do grande capital
financeiro e industrial no espaço.
A causa fundamental desses movimentos é a superacumulação que acompanha o
término da revolução industrial e o começo da automatização: os requisitos de trabalho
mudam com a desqualificação e se aprofunda a divisão internacional do trabalho dentro
das empresas multinacionais. A crise da superacumulação reforça o caráter especulativo
e parasita do capital monopolista. As mudanças da localização (da indústria) da
produção vão acelerar-se devido a fenômenos de natureza financeira: especulação
cambial, desigualdade de renda e auxílios estatais de acordo com os países, se tornarão
fatores fundamentais da localização. O resultado é que, nas metrópoles há importantes
fechamentos de fábricas que causam a desvalorização de uma massa considerável de
capitais nas regiões afetadas pela crise.
Vemos então que a superacumulação monopolista leva à desvalorização do capital
também pelo espaço, pela destruição dos efeitos úteis de aglomeração. O
desenvolvimento desigual das regiões é um fenômeno que se expressa no espaço os
limites capitalistas da socialização das forças produtivas. Esses limites também podem
ser capturados ao nível da operação de planejamento urbano, especialmente na produção
uma nova urbanização em grandes áreas periféricas, o que na França chamamos de
“grandes conjuntos”/ “grand ensembles”.
A criação periférica é a criação a partir do nada -exceto a proximidade de uma
aglomeração- de efeitos úteis de aglomeração. Sua formação está concretamente
fundada sobre a realização simultânea de infraestruturas e habitação, lojas e
equipamentos públicos, meios de transporte e -eventualmente- empregos. Alguns
elementos desse valor de uso complexo são rentáveis do ponto de vista capitalista, mas
cada um pressupõe a existência de outros. As casas não podem ser vendidas a menos
que haja comércio e o comércio não é lucrativo, senão graças aos habitantes. No
entanto, cada um desses elementos é produzidos e circula de forma independente, na
base da valorização d eum capital particular. Também todos esses elementos privados
pressupõem a presença simultânea de elementos públicos não rentáveis: não há
valorização do capital privado sem desvalorização do capital público. A escassez global
de equipamentos coletivos, que é estrutural no capitalismo, se transforma em um
obstáculo para a valorização do capital privado. Também a logicada rentabilidade do
capital gerador de empregos pode entrar em contradição com a dos capitais produtores
de habitação.
O estudo concreto das operações de urbanização pode ser realizado a partir da
identificação dessas contradições. O planejamento urbano constitui uma forma de
regulação social da formação de efeitos úteis de aglomeração a nível da operação
urbanística: as suas características e seus limites, em cada período, podem ser analisados
com base no estudo concreto das contradições que fazem necessária a intervenção do
Estado.

1.4.4 As rendas do solo (a renda da terra), reflexo da apropriação privada


dos valores de uso urbano, se opõem a formação desses valores

Serei breve, hoje, ao me referir à terceira forma que adquirem os limites capitalistas no
que diz respeito à formação de valores de uso urbanos: a renda do solo, voltaremos
posteriormente a tocar neste tema com mais detalhe.
Destaco apenas um ponto que considero extremamente importante. Se você tem o
hábito de pensar que a renda da terra molda o espaço e a cidade, e constitui a origem da
segregação urbana. Em outras palavras, que a propriedade privada da terra é a origem de
todos os males da cidade capitalista. Parecer-me que esta ideia está errada. Porque?
Porque a renda da terra é apenas reflexo. Se existe renda fundiária, é porque há
diferenciação no espaço das condições em termos de valorização do capital. Se
atualmente existe renda da terra, é porque há o uso capitalista dos excedentes de espaço
e localização. Esses superlucros, que vão se estabelecer em forma de renda, têm
precisamente, como origem, o fato de os efeitos úteis da aglomeração não serem
reproduzíveis – e que o acesso a eles é monopolizado pela propriedade da terra. Mas o
conteúdo econômico dessa propriedade fundiária, no capitalismo, é o lucro excedente
do capital. E o excedente tem justamente como fundamento a apropriação privada,
parcelada, do espaço e a ausência de controle social sobre a formação de valores de uso
urbano. Em outras palavras, a renda fundiária devolve ao capital seu próprio
movimento, de seu desenvolvimento desigual. Ela impõe a cada capital particular as leis
do capital como um todo. Depois, quando eu falar mais cuidadosamente sobre as rendas
da terra, teremos de qualificar essa declaração qie acabei de fazer. No entanto, me
parece essencial do ponto de vista teórico: a propriedade da terra tende a ser
transformada pelo capitalismo, integrada ao modo de produção dominante. O lucro
domina o aluguel e não o reverso.
No entanto, as rendas fundiárias capitalistas vão se transformar em um mecanismo e
alocação espacial de atividades: refletindo a exploração privada dos valores de uso
urbano, dificultarão, por sua vez, a formação destes.
Pode-se ver que deixei de lado neste capítulo vários problemas essenciais. Por que
precisamos de equipamentos de consumo coletivo e porque o capitalismo que precisa
deles não os produz? O que as rendas do solo produzem e que contradições elas criam?
Além disso abordamos o problema do papel do Estado de uma forma muito limitada.
Mas eu vou retomar esses problemas nos próximos capítulos.

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