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RESENHA 3

Os saberes sobre a cidade: tempos de crise?


Christian Topalov

Topalov admite que a ciência urbana nasce da ambição de tornar real


uma ordem potencial em meio a uma nítida desordem, um caos urbano, à
recorrência de crises. Também, que esteve sempre ligada ao planejamento
urbano, que a instrumentaliza por conceitos, legitimidade e mão de obra.
Esta é identificada por profissionais reciclados na instituição da ciência
urbana, e que, por isso, mais do que advogar pela matéria, conduziram o único
repertório a que foram apresentados em sua formação. Nesse caso, Topalov
destaca o fato de serem reformistas sociais como uma questão pertinente
dentro de um contexto de criação de uma nova ordem social, processo
característico do século XIX na matéria urbana ocidental.
Tal projeto racionalizador opera independentemente da escala, o que irá
resultar posteriormente na ciência regional, com as redes urbanas, hierarquias
e normas próprias. Nela a cidade, outrora um "mal em si", foi tomada como um
"fator de progresso", para o qual se demandava evolução de diferentes funções
ou normas da cidade; além disso, seus problemas precisavam ser encarados
sistemicamente em congruência à "cidade como um organismo", tendo em
sequência a definição, principalmente, de planos de ação para que fossem
remediados.
Paulatinamente, então, desenharam-se não somente bases dessa nova
ordem espacial, mas da nova ordem produtiva, calcada no progresso social e
político. Assim é que, não por coincidência, o protocolo todo remonta ao
modelo da medicina, uma vez que seu método experimental subsidiou a
ciência urbana: a ciência é um diagnóstico e um prognóstico, elabora
prescrições de modo que as leis do organismo urbano fluam ininterruptamente.
Nesse intento, Topalov resgata a noção de civilidade profundamente
atrelada à urbanidade, no que caracteriza como parte do mito fundador urbano,
também relacionado ao protagonismo da democracia enquanto ambição de
prosperidade.
Como parte necessária dessas discussões, o reestabelecimento de elos
sociais antes tomados como diluídos pelas "sociologias nascentes", torna-se
um verdadeiro programa da ciência urbana: o de reconstrução social, que
como o próprio autor determina, tem sua permanência assegurada para além
da modernidade e continua a reivindicar a recriação da sociedade sob novas
bases, a partir da remodelação urbana.
Com todo esse retrospecto, Topalov torna nítida a percepção construída
e enraizada nos (e pelos) cientistas urbanos, da soberana influência da
disciplina da ciência urbana, sobre os rumos da sociedade. Mais do que
influência: controle.
O ordenamento urbano é seguido pelo ordenamento social, uma relação
de causalidade unicamente possível de ser aventada, com uma confiança
excepcional no instrumento aplicado. E para tornar essa certeza universal, as
estratégias de credibilidade perpassam diferentes arranjos, que Topalov
denomina de faces, categorizando-as em duas: por um lado enuncia saberes
pela metodologia científica, distintos dos saberes com finalidade prática, tendo
para tanto um poderoso legitimador, que é a institucionalização de suas
disciplinas; por outro, a aliança social que concede legitimidade, o que varia no
curso da história, e que exemplifica nas figuras do administrador e no
pesquisador de campo: de um lado o saber fazer, de outro o fornecedor de
uma interpretação especificamente científica.
Delimita-se, sobretudo, um jogo de poderes, em que independentemente
da posição assumida, o enunciado da ciência urbana depende de estratégias
para se fazer. Seja sob uma burocratização aliançada a "políticos cujo
interesse político é preconizar uma política despolitizada", em que se torna
uma ciência do Estado e se dá o que o autor chama de "administração
científica" e, por que não, um adestramento da figura do expert, em nome da
reprodução de seu ofício, seu nicho de mercado?
De outro lado, embora no fundo nem tão distinto, o pesquisador de
campo quase que representa uma ambiguidade: “Nosso saber está, aberta ou
secretamente, a serviço do Estado, o deles, está, sem complexos, a serviço da
empresa". Embora portador de uma mensagem com análise crítica, nada mais
é que "o substituto cômodo à democracia representativa que o solicitam".
Apesar de parecer um mero intermediário, cumpre a função de
criptografar o desejo popular, dentro do repertório técnico e político demandado
pela relação contratual envolvida e, portanto, submetida a limitações
naturalmente descoladas do simples e genuíno atendimento às demandas
populares.
Topalov elucida que apesar de bem consolidadas, essas dinâmicas já
enfrentam contestações e encontram-se em perigo. Apesar disso e das "crises
de saberes" recorrentes, o fato é que as ciências urbanas dependem de "uma
relação privilegiada e ambígua com a política", e da racionalidade ser aceita
como norma.

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