Topalov admite que a ciência urbana nasce da ambição de tornar real
uma ordem potencial em meio a uma nítida desordem, um caos urbano, à recorrência de crises. Também, que esteve sempre ligada ao planejamento urbano, que a instrumentaliza por conceitos, legitimidade e mão de obra. Esta é identificada por profissionais reciclados na instituição da ciência urbana, e que, por isso, mais do que advogar pela matéria, conduziram o único repertório a que foram apresentados em sua formação. Nesse caso, Topalov destaca o fato de serem reformistas sociais como uma questão pertinente dentro de um contexto de criação de uma nova ordem social, processo característico do século XIX na matéria urbana ocidental. Tal projeto racionalizador opera independentemente da escala, o que irá resultar posteriormente na ciência regional, com as redes urbanas, hierarquias e normas próprias. Nela a cidade, outrora um "mal em si", foi tomada como um "fator de progresso", para o qual se demandava evolução de diferentes funções ou normas da cidade; além disso, seus problemas precisavam ser encarados sistemicamente em congruência à "cidade como um organismo", tendo em sequência a definição, principalmente, de planos de ação para que fossem remediados. Paulatinamente, então, desenharam-se não somente bases dessa nova ordem espacial, mas da nova ordem produtiva, calcada no progresso social e político. Assim é que, não por coincidência, o protocolo todo remonta ao modelo da medicina, uma vez que seu método experimental subsidiou a ciência urbana: a ciência é um diagnóstico e um prognóstico, elabora prescrições de modo que as leis do organismo urbano fluam ininterruptamente. Nesse intento, Topalov resgata a noção de civilidade profundamente atrelada à urbanidade, no que caracteriza como parte do mito fundador urbano, também relacionado ao protagonismo da democracia enquanto ambição de prosperidade. Como parte necessária dessas discussões, o reestabelecimento de elos sociais antes tomados como diluídos pelas "sociologias nascentes", torna-se um verdadeiro programa da ciência urbana: o de reconstrução social, que como o próprio autor determina, tem sua permanência assegurada para além da modernidade e continua a reivindicar a recriação da sociedade sob novas bases, a partir da remodelação urbana. Com todo esse retrospecto, Topalov torna nítida a percepção construída e enraizada nos (e pelos) cientistas urbanos, da soberana influência da disciplina da ciência urbana, sobre os rumos da sociedade. Mais do que influência: controle. O ordenamento urbano é seguido pelo ordenamento social, uma relação de causalidade unicamente possível de ser aventada, com uma confiança excepcional no instrumento aplicado. E para tornar essa certeza universal, as estratégias de credibilidade perpassam diferentes arranjos, que Topalov denomina de faces, categorizando-as em duas: por um lado enuncia saberes pela metodologia científica, distintos dos saberes com finalidade prática, tendo para tanto um poderoso legitimador, que é a institucionalização de suas disciplinas; por outro, a aliança social que concede legitimidade, o que varia no curso da história, e que exemplifica nas figuras do administrador e no pesquisador de campo: de um lado o saber fazer, de outro o fornecedor de uma interpretação especificamente científica. Delimita-se, sobretudo, um jogo de poderes, em que independentemente da posição assumida, o enunciado da ciência urbana depende de estratégias para se fazer. Seja sob uma burocratização aliançada a "políticos cujo interesse político é preconizar uma política despolitizada", em que se torna uma ciência do Estado e se dá o que o autor chama de "administração científica" e, por que não, um adestramento da figura do expert, em nome da reprodução de seu ofício, seu nicho de mercado? De outro lado, embora no fundo nem tão distinto, o pesquisador de campo quase que representa uma ambiguidade: “Nosso saber está, aberta ou secretamente, a serviço do Estado, o deles, está, sem complexos, a serviço da empresa". Embora portador de uma mensagem com análise crítica, nada mais é que "o substituto cômodo à democracia representativa que o solicitam". Apesar de parecer um mero intermediário, cumpre a função de criptografar o desejo popular, dentro do repertório técnico e político demandado pela relação contratual envolvida e, portanto, submetida a limitações naturalmente descoladas do simples e genuíno atendimento às demandas populares. Topalov elucida que apesar de bem consolidadas, essas dinâmicas já enfrentam contestações e encontram-se em perigo. Apesar disso e das "crises de saberes" recorrentes, o fato é que as ciências urbanas dependem de "uma relação privilegiada e ambígua com a política", e da racionalidade ser aceita como norma.