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Ang el a Alon s o
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Nos anos 1970, era muito comum ouvir os atores reconstruindo seus
pontos de vista, valores, projetos e os sentidos que atribuem à própria
ação por meio de observação e entrevistas. Outra maneira fez mais su-
cesso na década de 1990, por meio de levantamentos quantitativos das
formas associativas societárias e, sobretudo, estudos de caso de proces-
sos deliberativos da “sociedade civil”. A terceira via predomina atual-
mente, recenseando eventos de protesto, isto é, manifestações públicas
de dissenso em relação ao governo, independentemente da pauta ou dos
atores-organizadores.
A disseminação da perspectiva relacional na sociologia como um todo
nas últimas décadas insuflou esse privilégio aos eventos no estudo das
mobilizações coletivas. A virada relacional se firmou a partir do lança-
mento e dos debates derivados do livro-chave da teoria do confronto po-
lítico, Dynamics of Contention, de Charles Tilly, Sidney Tarrow e Doug
McAdam, publicado em 2000. Na agenda aí proposta, o foco analítico
passou a ser a identificação dos mecanismos estruturadores do conflito
político, apreendidos por meio da análise de interações confrontacionais.
Em vez de partir de um ator ou associação com identidade, pautas e linha
de ação definidas ex ante, supõe-se que tudo isso se define na interação
entre os implicados em cada conflito concreto. O objeto precípuo de es-
tudos passou a ser a interação conflitiva, o ato de protesto. Essa assunção
alargou o recorte empírico que, além dos manifestantes, considera suas
alianças fora da rua, as contramobilizações e as reações de autoridades
políticas e sociais às manifestações. Isto é, o Estado, em sua face como go-
verno e em seu lado de polícia, tornou-se parte indispensável da análise.
O interesse recente pela interação política deve um quinhão também à
dramaturgia social de Erving Goffman. William Gamson foi pioneiro
em considerar as mobilizações políticas como caso particular das inte-
rações sociais, tal como Goffman as descreveu: um teatro social, no qual
atores manipulam interpretações e símbolos para construir personas e
encenar performances (políticas) que suscitarão contraperformances.
A interação política de rua seria, assim, uma cena lúdica em que atua-
ções são constantemente revisadas, envolvendo improviso, criatividade
e cálculo estratégico contínuos dos participantes. Essa perspectiva abriu
ainda a porta para abordar o Estado como cena interativa e autoconfli-
tiva, com reações desafinadas a protestos, conforme se atenta para go-
verno, burocratas, Legislativo ou polícia. Assim, não existe o “Estado”
uníssono, bem como não há “movimento social” monolítico.
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A atual pesquisa empírica sobre a interação política de rua envolve
quantificar dimensões de eventos de protesto, bem como reconstruir
qualitativamente performances e contraperformances, coletando sím-
bolos, slogans e estéticas produzidas, apropriadas ou reapropriadas no
curso das manifestações. A incorporação de Goffman reforçou, assim,
a atenção para eventos de protesto, entendidos não apenas como atos de
mobilização, mas também como formas expressivas.
As guinadas relacional e interacionista trouxeram, portanto, uma infle-
xão metodológica ao estudo das mobilizações coletivas. Em vez de par-
tir de um ator (o “movimento social”) ou de um tema (a “causa”) como
núcleo da análise, recorre-se ao levantamento de eventos de protesto na
mídia periódica e/ou em outras fontes documentais. Uma técnica sub-
sidiária que cristaliza metodologicamente a perspectiva relacional é a
análise de redes sociais, que operacionaliza o pressuposto teórico de que
a unidade dos fenômenos conflitivos é a interação – seja aliança, nego-
ciação ou enfrentamento – entre os atores, e não os atores per se.
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de que fossem uma vanguarda política antissistema superdimensionou
certos participantes e ignorou outros, sobretudo aqueles com demandas
distantes da esquerda. A atenção nestes últimos recaiu tarde e com ru-
bricas depreciativas, na chave dos reativos e caronistas. Também as aná-
lises da resposta estatal aos protestos se concentraram na ação repres-
sora da polícia, sem destrinchar estratégias de negociação, cooptação e
antecipação de prefeituras e governos estaduais.
As três abordagens investiram em mapear causas estruturais, institui-
ções políticas e novos atores sociais, respectivamente, e nisso se distin-
guem, mas todas supuseram o caráter progressista das manifestações.
Até 2015, raríssimos atentaram para a relevância de grupos e agendas
conservadoras nos protestos. A tônica residia no caráter emancipador e
inovador do protesto e na resposta violenta do Estado.
Apenas uma linha, orientada pela teoria do confronto político, subli-
nhou pautas não progressistas na rua. Isso porque, com recorte empí-
rico nos eventos e não nos atores, documentou uma multiplicidade de
movimentos simultâneos, mas com performances políticas de sentidos
distintos e mesmo contrários. Essa perspectiva foi minoritária no debate
até as grandes manifestações de 2015.
Aí ficou impossível ignorar a abundância de grupos e bandeiras liberais,
conservadoras e autoritárias nas manifestações. Mas a resposta analíti-
ca principal consistiu em retomar o argumento da literatura dos novos
movimentos sociais dos anos 1990. Analistas passaram a falar de apro-
priação de um movimento progressista por uma “onda conservadora”,
uma “nova direita” ou um “neofascismo”. Essa tese da captura pasteuri-
zou os grupos não progressistas, tidos por homogêneos e sem agência
própria, meramente reativos às manifestações de uma também vaga-
mente nomeada “nova esquerda”.
O crescimento desse gênero de mobilização e seus desaguadouros institu-
cionais, o impeachment da presidente Dilma e a eleição de um militar de
extrema-direita para a presidência reorientaram os estudos. Recrudesceu
o interesse pelos pequenos movimentos autonomistas, como o MPL, an-
tes no centro das atenções, substituídos por interpretações sobre movi-
mentos “conservadores” e estruturas organizacionais da “nova direita”.
O que segue quase fora das vistas é o caráter relacional de todas as mo-
bilizações. Posições à direita e à esquerda se definem interativamente na
rua, como o fazem nas instituições políticas, nas eleições e mesmo no
Agenda
O debate sobre protestos desde 2013 segue ganhando adeptos, com mul-
tiplicação de teses e artigos, nas linhas antes apontadas. O que, todavia,
pouco se explorou são os elos entre temas, performances, organizações
e fontes de financiamento brasileiros e estrangeiros. Essa é uma pista a
investigar nas mobilizações à “direita”, como alguns pesquisadores já fa-
zem, mas também à “esquerda”, cujas alianças internacionais, e sobretu-
do políticas de financiamento, quase nem são investigadas.
O cercado empírico pós-2013 está recobertíssimo. A pesquisa sobre pro-
testos é sequiosa do presente. Toda nova grande manifestação pública
suscita alvoroço interpretativo. Foi assim nos anos 1960, nos anos 1980,
e assim é agora. Mas como os pesquisadores vão trocando de objeto, em
busca do recente e palpitante, fica a descoberto a continuidade histórica
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entre as diferentes mobilizações. Embora muitos insistam em denominar
cada protesto que eclode como “novo”, há uma linhagem de manifesta-
ções de rua na história brasileira, e novos manifestantes bebem dela – in-
tencionalmente ou não – para organizar suas performances políticas.
O Brasil tem uma tradição de protestos de rua tão longa quanto inexplo-
rada, que remonta aos começos da nação independente. Pesquisas his-
toriográficas têm levantado uma variedade de manifestações públicas,
em contestação a autoridades políticas e sociais, mas se restringem a es-
tudos de caso. Ao contrário do que se passa noutras partes, as pesquisas
longitudinais sobre protestos são raríssimas por aqui.
Uma agenda de estudos na área precisa se debruçar sobre essa tradição
incógnita, que compõe um repertório autóctone de performances polí-
ticas de rua. Para sua configuração, ao menos quatro conjunturas críti-
cas são relevantes.
A primeira é a de inauguração do “movimento social” no Brasil como
forma moderna de mobilização política. Sua invenção em escala na-
cional ocorreu no século XIX, com a campanha pela abolição da es-
cravidão. O movimento construiu performances políticas adaptando o
repertório de confronto de movimentos estrangeiros e criando formas
novas. Estabeleceu, assim, estilos de ativismo de rua, com manifesta-
ções públicas em espaços fechados (shows, festas etc.) e abertos (passe-
atas, comícios etc.), ações ordeiras e formas de ação direta. Esse ativis-
mo nasceu laico, combinou arte e política e se constituiu como tradição
política, no sentido de leque de possibilidades modelares para mobili-
zações ulteriores. O abolicionismo foi simultâneo ao republicanismo,
ainda pouco explorado como movimento social. Vários outros movi-
mentos eclodiram entre a crise do Império e a estabilização da Primeira
República, e estão à espera de estudiosos que os tomem da perspectiva
da sociologia dos movimentos.
Uma segunda conjuntura crítica, na década de 1960, reativou as gran-
des mobilizações de ruas, com uso das performances políticas cristali-
zadas na tradição. Contudo, o espaço de enunciação foi disputado, com
protestos a favor e contrarreformas, numa polarização de rua. De ou-
tro lado, enquanto movimentos pró-reformas, à maneira do movimento
abolicionista, incorporaram estratégias e simbologia de movimentos es-
trangeiros (sobretudo socialistas), os antirreformistas chamaram a si os
símbolos nacionais e religiosos da tradição nacional, disputando quem
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a) metamorfoses e permanências nas performances políticas de rua,
incluindo aí não apenas as de orientação política laica (de esquerda e
direita) como as de inspiração religiosa, como a Marcha Por Jesus e a
Marcha da Família Com Deus;
b) mudanças e continuidades de demandas. Além das pautas redistri-
butiva e por expansão de direitos, sempre focalizadas, há que se aten-
tar para a recorrência de temas de natureza moral presentes em muitas
mobilizações ao longo da história brasileira, sobretudo a corrupção dos
líderes políticos e a corrupção dos costumes da sociedade;
c) apropriação de estilos de ativismo estrangeiros e da tradição nacio-
nal de protestos, incluídas as simbologias religiosa e nacional, sempre
negligenciadas;
d) interações entre movimentos nacionais e estrangeiros, para identi-
ficar mecanismos geradores das redes de ativismo transnacionais e da
circulação de estilos de ativismo, temáticas e ativistas;
e) o impacto – seja a relevância ou a falta dela – de invenções e mudanças
no campo das tecnologias de comunicação (do telégrafo ao WhatsApp)
para a organização da política de rua;
f) metodologias para identificar a posição social dos manifestantes.
O problema tem sido equacionado por meio de surveys, porém, a solução
é precária por duas razões: o levantamento ocorre quando o protesto
cresce e, assim, afere mais o perfil dos adesistas que dos iniciadores; e,
como manifestantes não batem ponto em protesto, é impossível definir
o perímetro total da população que se vai amostrar. Quem protesta não
são classes sociais abstratas, mas pessoas concretas, e não basta levantar
o perfil socioeconômico de quem está na rua. É preciso entender por
que seus similares não estão. Para isso, as trajetórias pessoais e das redes
políticas dos que vão à rua podem oferecer pistas mais substanciosas do
que os secos dados socioeconômicos.
Por fim, uma abordagem relacional claudica se estuda apenas os mani-
festantes e ignora as outras pontas do fenômeno. Assim, todas as dimen-
sões do fenômeno devem ser investigadas em sua relação de comple-
mentaridade e tensão com estratégias estatais e de contramovimentos.