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Cultura Política, Estrutura Política e Movimentos Sociais: as formas do

confronto político

Vitor Brito de Almeida1

Neste trabalho discutirei o papel da cultura política e da estrutura política nas


formas e possibilidades do confronto político. Partindo da concepção de que a
sociedade civil não é homogênea, analisarei as concepções de como as
preferências são construídas socialmente. Para isso, primeiramente discutirei
brevemente a teoria democrática liberal-pluralista (MIGUEL, 2005) localizando
algumas de suas concepções sobre democracia e participação. Posteriormente,
investigarei a “ontologia” da sociedade moderna (MCADAM et al, 2009, p.29) e suas
consequências para a estrutura política. Em terceiro, articularei os conceitos de
cultura política, estrutura política e movimentos sociais para situar a forma do
confronto político na contemporaneidade.

As teorias democráticas são, muitas vezes (senão sempre), teorias


normativas da democracia. As diferentes concepções do que é e do que pode ser a
democracia delimitam as margens do sistema político e apontam suas
(im)possibilidades de aperfeiçoamento ou transformação. Diversos autores
Schumpeter (1984), Sartori (1994), Dahl (1989), Habermas (1997), Rawls (1997),
Pateman (1992) buscaram definir o conceito de democracia, dimensionando de
forma distinta as relações entre Estado e sociedade civil a partir de visões mais ou
menos idealizadas.

Em suma, nenhuma teoria possui fundo normativo neutro; os critérios que


definem o que é uma democracia não são dedutíveis da observação
empírica: passam por uma definição (implícita) de como deve ser uma
democracia. Ao negar seu componente normativo, autores como Sartori
contrabandeiam uma perspectiva conservadora, que reifica aquilo que é e
nega validade à crítica e às alternativas. (MIGUEL, 2005, p.6)

1
Discente do curso de Licenciatura em Ciências Sociais (UFPI)
Entre essas teorias da democracia e suas (im)possibilidades é discutido,
contemporaneamente, o sentido e o valor atribuído ao consenso e ao conflito (idem,
p.32). As definições de cada teoria da democracia resvalam num determinado modo
de lidar com o conflito na sociedade. Esses conflitos podem ser de diversas ordens,
como conflitos étnicos, morais, religiosos, distritibutivos etc. A tensão inerente ao
conflito é interpretada ou resolvida pelas teorias da democracia a partir,
fundamentalmente, do conceito de igualdade.

Inicialmente, de seus primórdios até o século XIX, o conceito de “igualdade”


estava quase inteiramente ligado ao de democracia (idem, p.33). Para a teoria
liberal-pluralista da democracia a “igualdade” é a igualdade legal, perante à lei. Já as
demais teorias democráticas:

Os deliberacionistas enfatizam a igualdade no debate público, que exige


abertura deste debate a múltiplas vozes. O republicanismo cívico postula
uma igualdade identitária, fonte dos valores comuns que possibilitam a ação
política. Mais do que as outras correntes, a democracia participativa se
preocupa com a igualdade substantiva, nas condições materiais, sem a qual
o experimento democrático estará fadado a se transformar em farsa. A
posição multiculturalista é mais complexa, trabalhando permanentemente a
tensão entre igualdade e diferença. (idem, p. 33)

Miguel (2005) classifica as teorias da democracia em cinco: democracia


liberal-pluralista, democracia deliberativa, republicanismo cívico, democracia
participativa e multiculturalismo. Seguirei sua classificação, especificamente sobre a
democracia liberal-pluralista.

Para definir a democracia liberal-pluralista Miguel (2005) recorre à


Schumpeter (1984) e Dahl (1989). Schumpeter define democracia como “uma
maneira de gerar uma minoria governante legítima”, ou seja, a formação de um
governo através da “luta competitiva pelo voto do povo” (MIGUEL, 2005, p.9). Assim,
nessa concepção a participação estaria estritamente limitada à disputa eleitoral pelo
voto. Não existe nessa teoria espaço para compreender de forma mais sistemática a
construção social das preferências, já que o processo eleitoral tem como objetivo
apenas a legitimação da dominação pela elite política eleita e “a massa é
apresentada como incapaz de intervir no processo histórico; se parece que faz é
porque está sendo manobrada por outro grupo”. Outro autor importante na
concepção de democracia liberal-pluralista é Robert Dahl (1989). Ele definiu uma
concepção de democracia limitada em que diversas minorias (elites) disputam entre
si em uma “poliarquia” em um processo político que envolve inclusividade e
liberalização.

A teoria liberal-pluralista da democracia ao abandonar a dimensão da


participação deixa em aberto e até mesmo afasta do conceito de democracia um dos
seus possíveis sentidos constitutivos. O problema da participação emerge através
dos movimentos sociais contemporâneos, resgatando dilemas e conflitos mal
resolvidos da teoria em questão.

Percebe-se a partir desses tensionamentos a não dicotomia entre sociedade


civil e Estado, já que a origem desses movimentos estaria no próprio processo de
formação política da modernidade.

Estado nacional e movimentos sociais não são, então atores, mas formas
de ação coletiva. Formas para as quais Tilly provê uma explicação histórico-
estrutural, vinculando-as a uma teoria da formação do Estado nacional. Os
movimentos sociais seriam uma invenção Ocidental, o produto último de
uma série de mudanças estruturais, que culminaram na centralização de
poder político da Inglaterra no século XVIII: o fortalecimento do parlamento,
vis-à-vis poder local e coroa, nacionalizou as decisões políticas; a
competição eleitoral pelos postos nacionais aumentou, fomentando a
congregação de facções locais em um sistema partidário. Essa
nacionalização da política enfraqueceu as formas locais de expressar
demandas e abriu oportunidades para o surgimento de ações “para-
parlamentares”, como petições e comícios, visando influenciar a tomada de
decisões no parlamento. (ALONSO, 2009, p. 56-57)

Além do processo de fragmentação promovido pela modernidade, essa nova


estrutura que é desencadeada gera também mudanças mais profundas, ontológicas
nos indivíduos, criando uma dissociação estrutural entre indivíduo e grupo de
origem. A identidade passa, então de algo estável e localizado para uma dimensão
dinâmica e processual de construção coletiva.

De modo bem simples, a “modernidade” o conjunto de tendências que


“liberam” o indivíduo do isolamento da sociedade pré-moderna, alterou
fundamentalmente a estrutura ontológica e a dinâmica da vida social.
Significado e identidade passaram a ser menos características de algum
“mundo da vida” estável e mais uma realização social colaborativa.
(MCADAM et al, 2009, p.29)

Nesse panorama apresentado, a formação da identidade coletiva ganha os


contornos de uma estrutura política muito mais heterogênea – em redes de relações
sociais. O confronto político, assim, é marcado pela formação de identidades
coletivas nos movimentos sociais, através de seus repertórios inseridos num ciclo de
movimentos (MACADAM, 2009). Os repertórios são práticas de confronto político
acumuladas, “números limitados de desempenhos alternativos historicamente
estabelecidos ligando reivindicadores a objetos de reivindicação” (MACADAM, 2009,
p.24).

Considerando a discussão feita anteriormente, acrescentando a discussão


sobre cultura política e estrutura política, avalio que para se dimensionar o confronto
político, seu caráter, concepção e alcance, deve-se ter em vista o aspecto cultural da
formação das identidades coletivas, o comportamento político dos indivíduos e a
construção das preferências.

A teoria do confronto político como um processo de construção relacional de


identidades coletivas, reestabelece uma ponte entre instituição e sociedade civil,
sendo um mobilizador de práticas, sentidos e significados através da reestruturação
dos padrões de organização da vida cotidiana dos cidadãos (PATEMAN, 1980, p.88
apud RENÓ, 1998, p.85).

Para compreender o confronto político na contemporaneidade, é necessário


ter em vista o caráter processual e fragmentário da estrutura política, analisando
suas fronteiras e delimitações próprias do contexto cultural no qual se apresenta,
mobilizando as redes de relações sociais de formas distintas no contexto local e
global.

BIBLIOGRAFIA

ALONSO, Angela. Teorias dos movimentos sociais: balanço do debate. Lua


Nova, 2009, no. 75. 2009.

McADAM, Doug; TARROW, Sidney e TILLY, Charles. Para Mapear o Confronto


Político. Lua Nova, São Paulo, 76: 11-48, 2009.

MIGUEL, L. F. “Teoria democrática atual: esboço de mapeamento”. BIB -


Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, nº 59, p. 5-42,
2005.
MIGUEL, Luis F. “Um ponto cego nas Teorias da Democracia: os Meios de
Comunicação”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais
–BIB. Rio de Janeiro. Nº 49. 1º semestre. 2000. p. 51-77.

MIGUEL, Luis F. “Os meios de comunicaçãoe a prática política”. LUA NOVA. Nº


55-56. 2002. p. 155-184.

PUTNAM, R. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de


Janeiro: FGV, 1996.

RENÓ, Lúcio. Teoria da Cultura Política: vícios e virtudes. Revista Brasileira de


Informação Bibliográfica em Ciências Sociais – BIB. Rio de Janeiro. Nº 45. 1º
semestre. 1998. p. 71-92.

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