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TRABALHO FINAL
Rio de Janeiro
2023
Resumo:
Abstract:
The main objective of the presente work is to understand how Western conservative thought
is related to the organicist conception of the State, in order to provide varied interpretations
about traces and nuances of democracy. For this purpose, a literature review will be
developed, divided into two topics, in order to understand diferente forms of the conservative
discourse about the maintenance of social practices and institutions to the detrimento of
political modernization. In the first part of the paper, a brief state of art of the organicist
conception will be carried out, aiming at understanding how modern democratic theory
absorbed it to give way to the individualista conception. In the second moment, focusing on
the Brazilian conservative tradition, the work will count on a selection of intellectuals from
the field, in order to analyze inclinations and perceptions that manifest alignment with
organicism. In short, it will be possible to perceive, especially in the approach of more radical
thinkers, allusions to a “naturalization” of politics, in such a way that organicism is conceived
as watertight from modern advances.
Este artigo1 tem como objetivo dissertar sobre alguns dos prováveis elos do
pensamento conservador com a concepção organicista do estado. A justificativa central do
referido trabalho é tentar perceber como os matizes do organicismo são recrutados para
mobilizar discursos e ideias restritivas à participação política e à atividade deliberativa,
buscando definir a democracia em termos elitistas e centralizadores. A teoria democrática
prevê um longevo debate acerca das condições para garantir a preservação do regime, o que
sinaliza para a importância de aspectos como controle, ordem, segurança, dentre outros, para a
própria existência da democracia.
Não obstante, tal preocupação sempre esteve envolvida por questões de igual
relevância para o debate, tais como legitimidade, soberania, liberdade, justiça,
representatividade, etc. Isto posto, fica demonstrado que certas inquietações produzidas pelo
pensamento conservador não só estão contidas na teoria democrática como constituem traços
definidores do regime democrático. A origem desta verve conservadora da democracia pode
ser a concepção organicista do estado, oriunda da Antiguidade e que compreende a atividade
política como processo derivado das diversas formas sociais presentes em uma sociedade
civilizada.
O organicismo marca toda uma literatura produzida no Ocidente acerca do nascimento
do Estado até os marcos da Modernidade, momento em que o individualismo passa a influir
no entendimento coletivo sobre o pacto social. De acordo com a concepção organicista, o
estado civil é a resultante de formas sociais prévias, que serviram para modelar o
comportamento político dos cidadãos. Deste modo, as sociedades antigas pensavam o estado
civil como um reflexo das condutas políticas exercitadas anteriormente, a despeito de
qualquer traço de espontaneidade ou individualidade na formulação de bases institucionais.
A concepção individualista representa um rompimento com o organicismo,
descrevendo o Estado como um ente oriundo das deliberações racionais dos sujeitos, a partir
de então, capazes de apresentar termos e princípios para a consecução dos objetivos e
interesses gerais. Isto, no entanto, não irá representa uma franca superação do mote
organicista. O paradigma democrático depende de nuances que inspirem algum grau de ordem
social e capacidade administrativa, o que levanta uma interrogação: como fazer para
1
Ele é resultado do trabalho final da disciplina eletiva “Ideologias do Pensamento Político Brasileiro –
conservadorismos de Estado e sociedade (1945-2010)”, ministrada pelo Professor Dr. Christian Edward Cyril
Lynch, no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos
(PPGCP/IESP-UERJ).
conservar uma democracia? É claro que se pode recorrer instintivamente ao dispositivo da
mera abertura do regime para a participação política em sua plenitude – seja lá o que isso
possa significar. No entanto, uma democracia não é um simples repositório das vontades e
interesses dos indivíduos.
Em suma, a primeira parte do trabalho se reserva a fazer um breve e limitado estado da
arte da concepção organicista, visando aplainar o argumento a ser implementado no tópico
seguinte. O pensamento conservador, de uma forma geral, guarda conexões conhecidas com a
concepção organicista, o que acaba por influenciar nas aspirações mais questionáveis de
intelectuais do campo, que recorrem à “naturalização” da política como forma de conter as
supostas degenerações advindas do progresso. É um caminho que certos autores seguem, sem
ao menos perceber as ligações que a democracia possui, no sentido de concentrar disposições
e traços inerentes à sua própria manutenção.
Em face disso, o segundo item deste artigo se dedica à análise de alguns conceitos e
teses que se apresentam no campo conservador na tentativa de secundarizar o regime
democrático a algum ditame mediador das tensões sociais. Com enfoque na tradição
conservadora brasileira, foi montado um rol estrito de intelectuais, com os quais fora possível
extrair noções de interesse para o intuito central deste trabalho. A partir das propostas destes
autores, se buscará um elo com a concepção organicista, tentando entender o grau de
aproximação dos mesmos com a referida concepção e como a democracia é interpretada.
Nesta parte do artigo, três instituições se destacarão no intento de produzir um
contendor às hipotéticas crises da Modernidade e dos ventos democráticos. É possível
encontrar uma forte demonstração de inclinação a traços e elementos oriundos do império,
com o objetivo de submeter a prática deliberativa, própria das democracias, ao crivo e à
moderação de um poder com legitimidade natural, de modo que a legitimidade política ficaria
à mercê das coordenadas e imposições. A política deliberativa, em resumo, seria descrita
como um âmbito de instabilidades institucionais, que, portanto, dependeriam um ente de
permanente moderação.
A segunda instituição que o trabalho verificará será a Igreja Católica, instituição de
singular importância para a sustentação dos regimes monárquicos na Europa medieval. Para
certos autores do conservadorismo brasileiro, a Igreja é um ancoradouro das condutas naturais
e divinizadas, em detrimento das práticas e condutas seculares. A Modernidade é lida como
um marco no rompimento da civilização com os compromissos sagrados firmados pela Igreja,
antes representante máxima do cristianismo ocidental. Considerada um ente mantenedor da
orientação cristã dos cidadãos frente àquilo que poderia ser qualificada como a devassidão do
mundo moderno, a Igreja Católica é colocada como uma entidade habilitada para garantir a
ordem e o controle social.
As forças armadas também são apontadas como instituições superiores, capazes de
agir na salvaguarda dos interesses do país. Em uma perspectiva onde a primazia da república
seria a da segurança nacional, o culto aos militares contempla uma visão elitista da
democracia, de modo que, em face das forças serem instituições de estado, se preconizou
encará-las como organismos de salvação da população contra os conflitos, incluindo aí os de
mote político, pois seriam, em tese, fruto de distorções e influências advindas de correntes
supostamente alheias aos interesses nacionais. Ou seja, mais um instrumento de suspensão da
deliberação política em nome de interesses e vontades naturais, percebidas previamente.
A “naturalização” da política, portanto, corresponde aqui neste trabalho a uma
tendência entre conservadores mais radicalizados da condução da política ao âmbito do
conflito e, por conseguinte, á necessidade do controle e suspensão. Tratam-se de leituras e
compreensões da prática política em um regime democrático que supervaloriza a demanda
que estes mesmos regimes têm pela ordem, de modo que parecem sugerir que as democracias,
por estarem hipoteticamente fadadas à sedição, devem estar sob vigilância de entes e
instituições interventivas.
Isto posto, o objetivo do trabalho será o de identificar nuances e interpretações do
pensamento conservador que, no intuito de produzir algum nível de ordenamento social nas
democracias, contribuem para um cenário mais elitizado e mais inerte à participação política.
A despeito dos aspectos preservacionistas que a teoria democrática já conserva, é corrente
visualizar discursos e apologias a organismos e instrumentos de controle das tensões sociais,
revelando aí o real intuito: o de colocar a política sob o controle daqueles que seriam os
representantes da ordem social naturalmente legítima.
2
A “cidade” é, para Aristóteles, o lugar natural para a vida política, para a qual o homem é o animal adequado.
Portanto, o homem é um “animal político”, já que possui a “[...] capacidade de falar de maneira sensata e de
refletir sobre seus atos” Ver mais em: CHÂTELET, F.; DUHAMEL, O.; PISIER-KOUCHNER, É. Gênese do
pensamento político: os conceitos fundamentais. Em: História das ideias políticas. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora
Zahar, 1985. p. 13–21.
3
O Prof. Dr. Marcelo da Costa Maciel destaca que o indivíduo aristotélico “¨[...] não é um ser autônomo, que se
basta a si mesmo, mas depende da totalidade social. Esta precisa estabelecer uma certa ordem no convívio de
muitos indivíduos e famílias”. Ver em: MACIEL, M. DA C. A contribuição do pensamento antigo e medieval
para o desenvolvimento da ciência política. Em: Curso de Ciência Política. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora
Elsevier, 2013. p. 1–24.
O que fica patente neste modelo é que não há uma divisão clara de um momento “pré-
político” para um outro momento em que se possa afirmar um estágio eminentemente
político. Isto muda significativamente no início da Era Moderna com o surgimento de
concepções do Estado de mote individualista. Segundo Bóbbio, o modelo referencial desta
nova interpretação é a produzida pelo filósofo britânico Thomas Hobbes. Em seu modelo, o
“estágio pré-político”, ou “estado de natureza”, constitui momento anterior ao “estado civil”,
promovendo assim uma cisão evidente entre uma condição pretérita em que os indivíduos
carecem de organização e instituições políticas e outra onde estes formam racionalmente suas
vontades e as cristalizam na figura do Estado (Ibidem, p. 44).
Tratar-se-ia do lançamento das bases do jusnaturalismo político moderno, marco,
segundo Bóbbio, dos primeiros grandes esforços de sistematização do direito e, por
conseguinte, de “tratamento racional do problema do Estado” (Ibidem, pp. 35–36). O modelo
hobbesiano preconizava um entendimento dicotômico do Estado, onde o homem “¨[...] ou
vive no estado de natureza ou vive no estado civil”, interpretação que introduzia uma mútua
noção antitética entre os termos (Ibidem, p. 38). Se no modelo aristotélico, a existência
política dos indivíduos dependia do reconhecimento do pertencimento à pólis, no modelo
hobbesiano os homens existem politicamente quando identificam a necessidade de formar a
sociedade em bases contratuais.
Esta noção anterior da concepção organicista - do Estado como ente natural e
resultante histórico de formas prévias de atividade políticas dos indivíduos - pareceu resistir
aos ventos modernos, encontrando espaços em interpretações distintas acerca da legitimidade
das democracias ocidentais. O âmbito em que os sujeitos se colocariam como indivíduos
habilitados para o exercício de uma cidadania universal, ou seja, o domínio público que se
abrira mediante a transição do ancien régime para o Estado Moderno, não surgiu sem ser
classificado por alguns intelectuais como esferas dependentes de clivagens estritas e de forte
controle das elites políticas.
Uma voz relevante no intento de assegurar algum grau de submissão do domínio
público a critérios pré-determinados da política foi a do filósofo e deputado por Bristol
Edmund Burke. Em seu laureado discurso aos eleitores de Bristol, Burke define o Parlamento
como um congresso de representantes capazes de chegar, por meio da deliberação, ao
interesse geral da nação. Em suma, Burke considerava o Parlamento “[...] uma assembleia
deliberativa de uma nação, com um interesse: o da totalidade, onde o que deve valer não são
os interesses e preconceitos locais, mas o bem geral que resulta da razão geral do todo”
(BURKE, 2001, p. 29, grifos do autor).
É de amplo conhecimento que a perspectiva de Burke dentro do debate democrático
conserva uma posição refratária aos avanços da política institucional e do entendimento sobre
a democracia representativa. Ainda que o princípio da independência do representante –
proposta por Burke - venha a se consolidar posteriormente como traço indispensável desta
forma moderna de democracia, a interpretação burkeana da representação política prezava
pela onipotência do legislador em detrimento dos cidadãos. Isto, porque o representante seria
o detentor da primazia da sabedoria frente às possíveis contingências das opiniões e desejos
dos indivíduos.
Como a teórica política estadunidense Hanna Fenichel Pitkin afirmaria, “para Burke, a
representação política é a representação do interesse, e o interesse tem uma realidade objetiva,
impessoal e desvinculada” (PITKIN, 1967, p. 168, tradução nossa). A interpretação que Burke
faz da ideia de interesse pressupõe que haja uma esfera de critérios sociais e políticos
determinados de forma antecipada, dado que se trataria de dimensões da vida social que, ao
fim e ao cabo, correspondem a todos indistintamente. Mesmo traços mais contingenciais das
demandas dos eleitores seriam considerados pelo deputado por Bristol como questões
ambientadas dentro do dispositivo do interesse, que, em sentido amplo, resultariam em “[...]
interesses duráveis, facilmente identificáveis e [...] objetivos” (Ibidem, p. 175, tradução
nossa).
Uma contribuição mais recente para a composição de um ideário conservador da
democracia moderna é a de Carl Schmitt. O intelectual alemão, bastante lembrado por ter sido
membro do Partido Nazista, era alinhado ao realismo político 4 e manifestava um
entendimento reacionário da democracia parlamentar. Diferente de Burke, um liberal-
conservador, Schmitt evocava uma crítica severa ao liberalismo político, mirando contra a
“verdade relativa” que poderia ser extraída da deliberação parlamentar – fórmula estabelecida
na chamada “teoria do balanceamento”, condenada pelo jurista alemão (SCHMITT, 1996, p.
45).
Carl Schmitt entendia que a democracia representativa tinha por premissa a lei, de
modo que a deliberação legislativa configuraria um acordo que se expressaria na
4
Carl Schmitt considerava que a política era o campo onde se expressavam as distinções, encarnadas em sua
diferenciação primária, que seria o binômio “amigo/inimigo”. Para o jurista e filósofo alemão, a diferenciação
entre amigo e inimigo “[...] tem o sentido de designar o grau de intensidade extrema de uma ligação ou
separação, de uma associação ou dissociação [...]”, de modo que “o inimigo político não precisa ser moralmente
mau, não precisa ser esteticamente feio; não tem que surgir como concorrente econômico [...]”, já que o inimigo
é “[...] justamente o outro, o estrangeiro, bastando à sua existência que, num sentido particularmente intensivo,
ele seja existencialmente algo outro e estrangeiro [...]”, incorrendo na possibilidade de conflitos com ele, “[...] os
quais não podem ser decididos mediante normatização geral previamente estipulada, nem pelo veredicto de um
terceiro ‘desinteressado’, e, portanto, ´imparcial’”. Ver mais em: SCHMITT, C. O Conceito do Político/Teoria
do Partisan. Belo Horizonte: Editora Del Rey Ltda, 2008, p. 52.
racionalidade que as leis exigiriam dos homens. Esta tendência torna esta forma democrática
problemática, pois, de acordo com Schmitt, a autoridade da lei esvaziaria o poder político da
vontade geral. O que o jurista alemão pressupõe é que a decisão política seja um dispositivo
anterior à norma, isto é, que a realidade concreta do direito é quem produz sentido ao conceito
abstrato de lei, já que “a decisão é o veículo da secularização por meio da qual o direito
adquire visibilidade frente à crença no direito concebido como vontade sagrada da lei”
(CASTELO BRANCO, 2017, p. 1148).
A resposta de Carl Schmitt para o que considerava ser uma crise inevitável da
democracia parlamentar seria a dimensão do “mito”, ou seja, “[...] o critério para se identificar
se um povo ou outro grupo social tem uma missão histórica e se seu momento histórico já
chegou” (SCHMITT, 1996, p. 63). Trata-se de um meio por onde se estabelece uma crença
capaz de mobilizar as massas, desempenhando um “instinto vital”, a despeito do racionalismo
liberal, que proporia uma forma intelectual do exercício da autoridade. Carl Schmitt
considerou (Ibidem, p. 64) que a burguesia moderna estava fadada a um predomínio de classe
regido por uma “plutocracia demagógica”, isto é, a combinação entre “ceticismo, relativismo
e o sistema parlamentar”, o que a destituía da capacidade de chegar ao critério orgânico do
poder político.
É possível perceber, a partir de dois exemplos de origens filosóficas distintas, que a
perspectiva conservadora se estrutura mediante a recuperação de traços e características de
ordem organicista da sistematização do poder político e do Estado. A busca pela retomada do
aspecto orgânico da dimensão política, que parece estar explícito - seja nas considerações de
Burke sobre as clivagens políticas objetivas, seja nas de Carl Schmitt acerca do mito como
critério substantivo do poder político -, revelam um intento claro em readequar as condutas
políticas visando submetê-las à disposição das formações políticas prévias, previstas na
concepção organicista.
Conclusão
6
O sociólogo alemão Max Weber afirmaria que “o desenvolvimento da política no sentido de um
‘empreendimento’ que exigia um treinamento na luta pelo poder e nos métodos desta, tal como o desenvolveu o
partidarismo moderno, resultou na divisão dos funcionários em duas categorias [...]”. Seria o “funcionário de
carreira” e o “funcionário político”, em que o segundo corresponde a um tipo de quadro funcional que abriga
agentes profissionalizados da política, aos moldes da modernização capitalista. Ver em: WEBER, M. A política
como profissão e vocação. Em: LASSMAN, P.; SPEIRS, R. (Eds.). Escritos Políticos. 1. ed. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2014. p. 409.
política demonstram a dependência do regime de certos critérios objetivos da realidade social.
Ainda que se possa buscar definir clivagens de ordem cultural, simbólica ou pós-materialista,
a autorização eleitoral sempre se apresentará como um dispositivo sintetizador das vontades e
dos interesses coletivos, de modo a produzir uma resposta que tenderá a se esvair na sucessão
de ocorrências da agenda política.
É de comum entendimento que a escolha eleitoral representa apenas a reunião de
diversos interesses em uma candidatura, constituindo apenas a combinação momentânea de
tais interesses. Isto, naturalmente, abre margem para que os cidadãos possam realinhar seus
interesses e redefinir suas escolhas políticas e seus vínculos ideológico-partidários. O que
parece ficar patente, no entanto, é o recorrente retorno da atividade política ao seu aspecto
sintético, onde se deve achar um consenso entre as distintas disposições. Este patamar de
aglutinação das preferências eleitorais exibe, aparentemente, a exigência de uma formulação
objetiva dos interesses, o que parece demonstrar que as democracias sempre dependerão de
algum grau de definição prévia de interesses, ainda que a atividade deliberativa não se esgote
na política institucional.
É habitual verificar no pensamento conservador ocidental uma inclinação à
salvaguarda das elites políticas em face da preservação do regime. Este posicionamento é
frequentemente lido como uma preocupação que desprestigiaria o necessário escrutínio das
autoridades e deixaria em segundo plano a questão da participação política. Não obstante, é
válido ressaltar que é no cerne da própria teoria democrática que emerge discussões sobre a
manutenção do regime em detrimento das turbulências inerentes ao mesmo. Desta forma, a
democracia se vê constantemente colocando defronte aspectos tais como participação e
controle, legitimidade e autoridade, soberania e coletividade, dentre outros, de modo que
vestígios da concepção organicista podem ser percebidos mesmo na Modernidade.
A busca pelo retorno a critérios naturais da atividade política revela, nada mais do que
uma constante das democracias que é o do controle de suas próprias degenerações. Isto é
importante de ser citado se considerado que há dentro do pensamento conservador aqueles
que consideram a plena observância dos aspectos orgânicos da organização social, em
detrimento da participação política e da afirmação autônoma do juízo. Para além da defesa de
condutas moderadas frentes a insurreições e conflitos sociais, é possível notar em diversas
contribuições do ideário conservador uma inclinação eloquente visando o retorno às bases
políticas pré-modernas, revelando, em suma, uma clara rejeição dos cânones democráticos.
No enfoque ao conservadorismo brasileiro, é notório a admoestação que se faz ao
ideário republicano, tendo na alça de mira as deficiências estruturais do país, qualificando-as
como impedimentos irreversíveis no que tange à transição do Brasil para o paradigma
democrático. Talvez a mais emblemática das acusações seja a da impossibilidade de
aculturação e politização dos brasileiros em face do recente regime parlamentar implementado
no final do século XIX. Como citado anteriormente neste trabalho, a resposta de Oliveira
Vianna para a hipotética incapacidade dos brasileiros de compartilhar valores e sentimentos
com os anglo-saxões seria o dispositivo do poder moderador, que serviria como contendor às
investidas da elite parlamentar.
Deste modo, para Oliveira Vianna, o poder moderador teria uma importância que,
aparentemente, superaria a harmonia da separação dos poderes. Ele seria um agente
mantenedor da ordem social, a despeito de qualquer distúrbio produzido pelas elites políticas.
Fica patente a tentativa de submeter a atividade deliberativa à influência de um poder
decisório, ignorando as perdas advindas da supressão dos espaços deliberativos e confinando
a vida política ao crivo do moderador. Trata-se de uma leitura da realidade política brasileira
que considerava o grau embrionário de desenvolvimento econômico e da ínfima classe média
urbana, de modo a compreender de forma pessimista um cenário de expansão dos direitos
civis e políticos.
O pano de fundo do recurso ao poder moderador, ao que tudo indica, é o esforço de
assegurar algum elemento afinado com as práticas políticas imperiais, isto é, a um regime pré-
moderno, possivelmente com o intuito de servir de estanque aos avanços do republicanismo.
Outrossim, a Igreja Católica é situada como instituição habilitada para assegurar o
cristianismo ocidental, colocando-se defronte às sucessivas transformações modernas. A
manifesta defesa à instituição religiosa revela uma sublinhada preocupação com o
individualismo e com organização social voltada para o consumo, o que corrobora com esta
inclinação do conservadorismo na busca pelo elo com as referências do período medieval.
Uma defesa mais contemporânea que os conservadores costumam operar é a feita em
favor das forças armadas. Os militares figuram como membros do aparato estatal que gozam
de independência das supostas distorções da política institucional, portanto, se apresentando
como classe naturalmente disposta para pacificar o país e garantir a soberania nacional. O
cerne do discurso, mais uma vez, segue sendo o da manutenção de uma esfera de decisão que
não sofra influência da classe política e da administração executiva.
Em suma, o conservadorismo representa um segmento importante dentro da teoria
democrática, dado que há uma histórica dedicação no que concerne à manutenção do regime.
Não obstante, é possível identificar dimensões do pensamento conservador que resvalam em
tentativas explícitas de vincular as práticas democráticas a ditames estritos, a critérios
objetivados, às expensas da deliberação democrática e da formação autônoma do juízo. A
“naturalização” da política, ao fim e ao cabo, pressupõe um conjunto de compreensões que
tomam a política como um dado exclusivo da natureza e que, portanto, reserva à esta a única
tarefa de garantir a estabilidade do regime, a despeito de problemáticas tais como a
legitimidade, a individualidade e a justiça.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS