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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas


Curso de Ciências Sociais
Disciplina: Ciência Política I
Professor: José Eisenberg Aluno: Anderson Ribeiro da Silva

"Karl Marx: Luta de classes e suas convergências ontológicas"


O Manifesto do Partido Comunista (1848) é uma leitura de ordem para entender
o espectro do conflito entre as duas grandes extremas dualidades advindas das Revoluções
Industriais - Burguesia e Proletariado. Serve como uma convocatória a um movimento
político em ascensão no Séc. XIX, o comunismo. Inicialmente é possível identificar o
Comunismo como um modelo político, que buscaria endossar e organizar as insurreições do
proletariado no Ocidente. Marx, com as contribuições valiosas de Friedrich Engels, se
assenta em uma socialismo científico para dissertar sobre a edificação necessária do
proletariado, a qual considera ser a classe central por excelência, dada a incapacidade da
classe burguesa de assistir o proletário dentro da perspectiva da servidão assalariada.

Preocupado em entender e sublinhar as diferentes 'versões' socialistas surgidas no


Velho Continente, este desconsidera as leituras mais utópicas de um intento revolucionário,
ressaltando a necessidade de se haver um reconhecimento dos segmentos das sociedades
recém absorvidas, que se encaixam dentro do formato do proletariado, entre si. Isto, na
expectativa de um encadeamento das reivindicações, na esperança em acompanhar as
crescentes demandas industriais, àquele momento, já desafiando ferozmente as fronteiras
nacionais. O mercado global já se desenhava com base na intensificação das relações
coloniais e dos fluxos de migração, quando insubordinações das massas trabalhadoras
começam a compor a temática das relações entre classes.

Burgueses e proletários: Duas classes antagônicas

As sucessivas Revoluções Industriais remodelaram as estruturas sociais, que tanto


demarcaram o Período Medieval. A hierarquia baseada na centralização das Coroas no
aspecto político e do amparo da Igreja e das aristocracias no aspecto social sofrem um
enorme abalo provocado pela redistribuição econômica daquele momento. Os pequenos
burgueses são alavancados desta para a condição de grandes empresários, dentro de um
sistema de garantia da propriedade privada e do trabalho assalariado. Os centro urbanos,
em larga expansão, dominam o controle da produção geral, submetendo as demais regiões
adjacentes. A simplificação dos antagonismos de classe, como se define na obra, é a
tendência do período em que os dois extremos concentram as relações de poder.

"A antiga organização feudal da indústria, em que esta era circunscrita a corporações fechadas, já não podia
satisfazer às necessidades que cresciam com a abertura de novos mercados. A manufatura a substituiu. A
pequena burguesia industrial suplantou os mestres das corporações; a divisão do trabalho entre as diferentes
corporações desapareceu diante da divisão do trabalho dentro da própria oficina." MARX; ENGELS, pg. 8 - 9).

Os autores reconhecem o caráter intrinsecamente revolucionário da burguesia. Ao


desconstruir as micro hierarquias contidas no interior das composições sociais do
feudalismo, a relação pastoril e vassalar, costumeiramente carregada de contornos
normativos, onde se procurava demarcar o poderio dos regimes absolutistas, deu lugar a
um gélido sistema de troca. O assalariado, recém-chegado à essa condição social, após
perder contato com as estruturas políticas anteriores, passa a se relacionar sem a
assistência de todo um aparato simbólico que perseguia suas ações e inações. Diante do
livre mercado, passava a ser mais um integrante. Na verdade, uma mercadoria. E seu apelo
era a sua força de trabalho.

Da mesma forma que o campo é debandado, as nações bárbaras são submetidas à nova
ordem que se impunha, as aristocracias são tolhidas pela ampla burguesia, o Oriente se
submete ao Ocidente. E é nesse movimento de redistribuição das relações e das riquezas
que se percebe um fator que determinaria o reagrupamento das classes sociais: a
propriedade passa ao jugo de um número restrito das sociedades. Esse movimento em si, já
promove um aspecto perverso dessa economia burguesa. O arranjo ganha um elemento
dramático: o trabalho assalariado. Com a fixação de salários, aqueles que seriam
empregados pelos burgueses modernos, passariam a ofertar sua força de trabalho. Em
outras palavras, convertem-se em mercadorias.

O proletariado é encarado aqui, nessa leitura, como uma classe inicialmente


subordinada à classe burguesa. Isto porque os autores defendem a noção de que a
burguesia estaria fadada à dissolução. E justamente em função da existência dos
proletários. Por não oferecer condições para que se mantenha a base psicológica à qual se
subsidiaria os operários modernos, e, ainda, minar suas possibilidades de equiparar seus
padrões de consumo, torna-se insustentável qualquer diálogo mais ameno. As classes
submetidas tenderiam a se rebelar gradualmente, questionando certas esferas hierárquicas
contidas no regimento da ampla concorrência. Produções, oficinas, o cenário que compõe
as empresas fabris, toda essa engrenagem passa a ser apontada e assimilada como
determinantes desse modelo econômico que os subjuga. Com as sucessivas rebeliões e
crises, em grande parte, alimentadas pela própria burguesia, a mesma passa a sofrer
remanejamentos internos. A crise se instaura dentro das classes burguesas. Este processo
parece dar a noção bastante atual em que as burguesias se adaptam, sacrificando, para isso,
até mesmo garantias estabelecidas. É a encíclica da ordem capitalista.

Marx e Engels seguem adiante formatando uma comparação entre o proletário e


os comunistas. Segundo afirmam, os comunistas pouco se dissociariam dos proletários e dos
demais partidos de esquerda. No entanto, listam duas grandes considerações que
norteariam as proposições do Partido:

"Os comunistas só se distinguem dos outros partidos operários em dois pontos: 1) Nas diversas lutas nacionais
dos proletários, destacam e fazem prevalecer os interesses comuns do proletariado, independente da
nacionalidade; 2) Nas diferentes fases por que passa a luta entre proletários e burgueses, representam,
sempre e em toda a parte, os interesses do movimento em seu conjunto." (MARX, ENGELS, pg 28)

A partir dessas premissas, os comunistas assumem um posição frente à


propriedade burguesa, estritamente. Concentra seu enfoque na propriedade privada em sua
última resolução. Identifica a origem da concentração dos meios de produção. Os autores
estabelecem comparações entre os arranjos das sociedades burguesas e as das sociedades
comunistas. Procurando ratificar a importância de um estado universalizado, eles apontam
para o franco questionamento dos liberais sobre a suposta intenção dos comunistas em
desmontar a construção familiar em função de um maior controle do estado. Opondo-se às
acusações, eles defendem a necessidade da delegação de certas funções sociais às esferas
estatais, baseado na condição determinante em que a sociedade é responsável em grande
parte da formação moral do indivíduo.

No que concerne à religião, os autores recorrem à história para perceber um


possível fenômeno. Desde tempos remotos até os dias atuais, a religião sofreu suas
reformulações, quando não eram suplantadas por outros axiomas religiosos. Em meio ao
Iluminismo, a escolástica dá lugar ao cientifismo, ao racionalismo. No momento último
dessa historiografia rasa, a possibilidade da conquista de uma liberdade moral e religiosa
esbarraria no livre comércio. Eles especulam as insinuações dos liberais sobre a possível
intenção dos comunistas de quererem abolir as verdades que ignoram todas essas
evoluções da consciência, por se tratarem de verdades incontestáveis. Mas o que se destaca
é que a burguesia, apesar de se revelar revolucionária por promover transformações
profundas das conjunturas sociais, converteria todos os seus esforços para criar condições
apropriadas para concentrar riquezas e encadear mercados. O comunismo ofereceria a via
radical mais elementar, onde se vislumbraria a conquista concreta da democracia.

O socialismo é interpretado de várias formas naquele período e, ao bel prazer de


certas classes, de acordo com suas necessidades e disposições. Marx e Engels notam o
surgimento de entendimentos reacionários que se valem do ordenamento socialista para
capitalizar volume. O socialismo feudal surge do desmantelo de classes aristocratas,
principalmente francesas e inglesas. Na expectativa de endossar uma crítica à nova classe
em ascensão, esses decadentes sociais inspiram toda uma literatura inclinada às nuances
que compõem as súplicas do proletariado. Os autores apontam aí uma busca por,
simplesmente, adesão política. O socialismo pequeno-burguês se propõe a buscar introduzir
o modelo econômico liberal dentro das condições de relação de propriedade das antigas
sociedades, as mesmas que foram elementarmente suprimidas, em função do
desenvolvimento do modelo industrial. Neste caso, os autores reconhecem o teor das
análises proferidas por essa corrente socialista. O socialismo alemão ou "Verdadeiro
Socialismo" aparece como a herança distorcida da literatura francesa. A assimilação das
definições francesas de liberdade pelos alemães aconteceu, segundo os autores, sem
engendrar "...as condições sociais da França. Nas condições alemãs, a literatura francesa
perdeu toda significação prática imediata e tomou um caráter puramente literário."

O socialismo conservador ou burguês consistia em aparar as arestas provocadas


pelas tensões entre as classes antagônicas. Em suma, buscava-se absorver o proletariado
dentro dos matizes burgueses, procurando otimizar as relações de propriedade e minimizar
as mazelas sociais. Já o socialismo utópico promove uma literatura reacionária que se lança
a prever uma necessária sistematização social assentada em um "...ascetismo geral e um
grosseiro igualitarismo." Essa literatura descarta o caráter revolucionário do proletariado e
sua mobilização e resistência históricas.

Karl Popper e Raymond Aron: Críticas ao método historicista

Crítico destacado da teoria da História, não à toa, sugerindo uma metodologia


das ciências sociais, inclusive, Karl Popper questiona o método, relacionado a construções
filosóficas embasadas por Marx e Hegel, este, mentor do primeiro. Popper revela um
incômodo com o historicismo. Entende o desenvolvimento histórico como insuficiente para
suportar uma leitura ampla das transformações sociais em curso. Isso, por conta da
improbabilidade de se analisar uma dada realidade somente por meio de uma comparação
linear histórica, dada a imprevisão do objeto de estudo - sociedade, e a inconsistência
teórica a que se reconhece a finitude dos paradigmas científicos.

Avesso à abordagem estritamente histórica para buscar um entendimento sobre


as dimensões das relações de poder e trabalho, Popper engendra determinadas teorias
dentro do que qualifica como engenharia da ação gradual. Oposto ao que se propõe o
método historicista, que demarca a realidade social com base em uma análise dos contextos
históricos, reforçando uma tendência estruturalista, essa engenharia procura se valer das
limitações incutidas nas leis do desenvolvimento histórico, para daí, fomentar tecnologias
metodológicas que possibilitem planejar ações preventivas e graduais.

Embora caiba fazer objeção a certas associações a que a palavra “engenharia” dá lugar, utilizarei a expressão
“Engenharia social gradual” para iludir à aplicação prática dos resultados da tecnologia de ação gradual. A
expressão é útil, pois importa dispor de uma forma de indicar o conjunto das atividades sociais privadas e
públicas que, a fim de conduzirem a um objetivo ou propósito, usam, conscientemente, de todos os
conhecimentos tecnológicos existentes. A Engenharia social de ação gradual semelha-se à Engenharia comum
por encarar os fins como algo situado para além do reino da tecnologia. (Quanto a fins, a tecnologia só está
apta a dizer se eles são compatíveis entre si e de concretização possível.) Nesse ponto, a Engenharia social
afasta-se do historicismo, que entende serem os fins das atividades humanas dependentes de forças históricas
e, pois, situados dentro do âmbito por ele abarcado. (POPPER, 1957)
Outro grande expoente da crítica marxista é Raymond Aron. Em "O Ópio dos
Intelectuais", Aron efetua uma análise direcionada aos movimentos tipicamente de
esquerda, orientados por diretrizes marxistas-leninistas, desconsiderando seu caráter
libertário e, questionando até, se o materialismo histórico seria capaz de produzir uma
arregimentação normativa que privilegiasse a liberdade. E justamente em uma brecha do
argumento apresentado por Marx e Engels é que Aron estabelece uma forte crítica relativo
á noção de proletariado. Sobre o que se afirma no Manifesto acerca da soberania do
proletariado como uma condição natural frente à dissolução imanente das classes
burguesas, Aron entende a crise intrínseca da burguesia como um processo de disputa pelo
poder, o qual incluí nesta os comunistas. Ele entende que a literatura socialista faz uso
desse conflito para evidenciar um proletariado, recapitulando uma teoria da História. "As
revoluções que invocam o proletariado, como todas as revoluções do passado, assinalam a
substituição violenta de uma elite por outra." O proletariado seria uma invenção de
determinadas classes políticas no intento de cooptar a massa trabalhadora em suas
considerações.
O Manifesto revela uma faceta cruel de um momento histórico pautada na
suplantação de dogmas e símbolos, em função de um amplo paradigma de câmbios e
trocas. A perda de referência nacional e o desestímulo à uma conduta moral que contribua
para uma organização das relações sociais, são a rota para o questionamento à ordem
liberal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 Marx, K. e Engels, F. "O Manifesto Comunista", 1848, versão e-Books Brasil,


http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/manifestocomunista.pdf , acessado em
21/07/2013.

 Popper, Karl. "A Miséria do historicismo", EDUSP, São Paulo, 1980, acessado em
http://www.libertarianismo.org/livros/kpamdh.pdf , no dia 21/07/2013.

 Aron, Raymond. "O Ópio dos Intelectuais" Ed. UnB, Brasília, 1980.

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