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Leituras do Leste II:

O Debate sobre a Natureza das Sociedades


e Estados de Tipo Soviético*
(Segunda Parte — As Principais Interpretações Marxistas)

L u is F ernandes

Este artigo dá continuidade ã resenha evolução das formas de produção a chave


das principais interpretações sobre a nature­ para desvendar o desenvolvimento de totali-
za das sociedades e dos Estados que com pu­ dades sociais complexas e contraditórias. Nas
nham o antigo “campo socialista” no Leste, palavras do próprio Marx, “o modo de pro­
iniciada no B IB , n.° 38. Na primeira parte, dução da vida material condiciona o proces­
examinei as perspectivas teóricas predom i­ so de vida social, política e espiritual em ge­
nantes nos meios acadêmicos ocidentais; ral” (Marx, 1976, p. 301).
nesta, analiso as principais interpretações ge­ Coerente com este enfoque, o debate
radas no âmbito da tradição do pensam ento marxista sobre a natureza das sociedades de
marxista. D ada a natureza sim ultaneam ente tipo soviético foi polarizado por conceitua-
interpretativa e transform adora desse pensa­ ções alternativas do “modo de produção”
mento, isso implica passar em revista todas que predominava no seu interior. Por isto, a
as principais manifestações do marxismo no segunda parle da resenha estrutura-se em
século XX, pois nenhum a pôde deixar de se torno dos conceitos totalizantes rivais formu­
posicionar teórica e politicamente diante de lados para caracterizar os Estados do Leste
Estados que anunciavam estar materializan­ no âmbito do pensamento marxista. Por mo­
do historicamente o seu ideal socialista. tivos de espaço, esta parte foi subdivida em
Como observei no artigo anterior, a so- duas. Neste artigo, examino as interpreta­
vietologia surgiu no Ocidente do pós-guerra ções marxistas sobre os Estados de tipo so­
na seqüência de um processo de instituciona­ viético que afirmaram a sua natureza socia­
lização das Ciências Sociais que resultou no lista; as leituras que os caracterizaram como
retalhamento do conhecimento em campos sociedades estagnadas na transição para o
altamente segmentados, compartimentaliza- socialismo, em função de um processo de de­
dos e estanques. Por isto, a primeira parte da generação ou deformação burocrática; e as
resenha foi estruturada sobre a dimensão abordagens que destacaram a emergência de
analítica particular privilegiada pelas diferen­ um novo modo de produção, nem capitalis­
tes abordagens ocidentais (a política, a eco­ ta, nem socialista, com uma nova dominação
nomia, a cultura e, ao final, alguns esforços de classe estruturada sobre a burocracia. Em
de síntese). O marxismo clássico opôs a esse número futuro do BIB retomarei este exame
retalhamento metodológico um a abordagem analisando as teses que indicavam a preva­
holística da realidade social, identificando na lência do capitalismo de Estado e/ou buro-

* Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) a concessão


de bolsa que viabilizou a pesquisa para a elaboração deste artigo na London SchGol of Economics
(LSE).

BIB, Rio de Janeiro, n. 3 9 ,1 ,° sem estre 1995, pp. 41-83 41


crático nos antigos regimes do Leste, bem tradições fundamentais e o seu desenrolar.
como a convergência de diferentes leituras O resultado foi uma produção crítica muito
para o uso indiscriminado e difuso do concei­ vasta e sistematizada sobre o desenvolvimen­
to de stalinismo nos anos 70 e 80. Ao final, a to do capitalismo, mas com indicações ape­
validade, tanto das leituras ocidentais (rese­ nas esparsas e tópicas (e nem sempre coe­
nhadas no artigo anterior) quanto das inter­ rentes entre si) sobre a sociedade socialista
pretações marxistas (resenhadas neste e no que deveria lhe suceder.
próximo), será confrontada com os desenvol­ Algumas das indicações mais importan­
vimentos que culminaram no colapso do tes encontram-se nas páginas do célebre Ma­
“bloco soviético” e da URSS na profunda nifesto Comunista. O projeto socialista do
crise geral que se lhe seguiu. marxismo clássico é resumido, ali, como a
Repito, aqui, as mesmas palavras de “abolição da propriedade privada” (Marx e
alerta da primeira parte da resenha. Limita­ Engels, 1976: p. 32). A partir da constituição
ções de tempo e espaço forçam a uma sim­ do proletariado (os trabalhadores) como
plificação na exposição das diferentes inter­ classe dominante, o desafio central do socia­
pretações, que acaba sacrificando a riqueza e lismo seria o de destruir “as antigas relações
complexidade das teses examinadas. A rese­ [capitalistas] de produção” c, juntamente
nha busca apresentar, tão-somente, uma visão com elas, “as condições dos antagonismos
panorâmica e crítica das principais leituras exis­ entre as classes e as classes em geral” (idem,
tentes, além de indicações bibliográficas para p. 38). Isso seria realizado, a princípio, “por
quem queira se aprofundar no seu exame. uma violação despótica do direito à proprie­
dade e das relações de produção burguesas”,
Leituras Centradas no nos marcos da qual o proletariado “usaria a
Conceito de S ocialism o sua supremacia política para arrancar pouco
a pouco todo o capital à burguesia, para cen­
A Revolução Soviética de 1917 marca a
primeira experiência histórica de tom ada do tralizar todos os instrumentos de produção
nas mãos do Estado” (idem., p. 37). Essas
poder por um partido de filiação marxista,
orientado para a construção de um a nova so­ transformações resultariam em “uma as­
ciedade socialista em oposição ao capitalis­ sociação onde o livre desenvolvimento de ca­
mo predominante no mundo. Esta parte da da um é a condição para o livre desenvolvi­
resenha se inicia, portanto, com um a discus­ mento de todos” (Idem, p. 38).
são tópica e resumida da proposta socialista O Estado, nas indicações acima, é defi­
do marxismo clássico. nido como “o proletariado organizado como
classe dominante” (idem, p. 37). Determinar
A Teorização do Socialismo exatamente o que isto quer dizer (e como
no Marxismo Clássico pode e/ou deve ser materializado institucio-
Marx e Engels nunca elaboraram um nalmente) é um desafio teórico mais sério e
“anteprojeto” integrado sobre como deveria difícil do que pode parecer à primeira vista.
ser estruturada uma sociedade socialista. Nem Marx, nem Engels chegaram a se de­
Sempre foram bastante críticos em relação à bruçar mais detidamente sobre essa questão.
insistência dos socialistas utópicos (sobrei u- As indicações mais concretas a esse respeito
do Saint Simon, Fourier e Owen) em elabo­ constam de generalizações extraídas da expe­
rar intricados e detalhados modelos de “so­ riência da Comuna de Paris (Marx, 1977a).
ciedades perfeitas” (Engels, 1977). Em opo­ Mas trata-se de indicações a partir de uma
sição a estes, eles concebiam o socialismo co­ experiência efêmera (durou pouco mais de
mo movimento para a superação das contra­ dois meses) que ficou confinada a uma única
dições fundamentais do capitalismo. Por is­ cidade (Paris). As análises de Marx e Engels,
so, seu esforço teórico fundamental se vol­ aqui, são interessantes enquanto indicação
tou, precisamente, para identificar essas con­ de rumos gerais para a formação de um Es­

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tado socialista alternativo, apontando para a Marx aponta para a necessidade de diferen­
necessidade de se generalizar, neste, formas ciar duas fases distintas na construção da no­
de democracia direta e participativa. Mas va sociedade sem classes: uma primeira, em
não chegam a abordar os desafios e dilemas que, apesar de já ter abolido a propriedade
que a consolidação de um novo poder revo­ privada, a sociedade se defronta ainda com a
lucionário, com base na classe operária, teria prevalência de valores burgueses e pré-bur-
necessariamente de enfrentar (como enfren­ gueses, além de diferenças sociais herdadas
tou) para se constituir e consolidar em países da divisão de classes anterior, como os con­
com dimensões mais amplas, populações mais trastes entre o trabalho manual e o trabalho
numerosas e sociedades mais complexas. intelectual, e entre o campo e as cidades (a
À luz dessa deficiência, N orberto Bob- literatura marxista, neste século, convencio­
bio concluiu pela inexistência de uma ciência nou chamar a esta primeira fase de socialis­
política (e de um a doutrina do Estado) m ar­ mo)-, e uma segunda, em que essas diferen­
xista — uma limitação, para ele, inaceitável, ças de classe e as desigualdades sociais e polí­
jâ que a burguesia não esperou a revolução ticas que delas em anam são superadas, per­
para começar a discutir as grandes linhas do mitindo a consolidação de uma nova moral
novo Estado, da separação entre os poderes
comunitária e o próprio definhamento do
à relação entre executivo e legislativo, das li­
poder de Estado (o comunismo propriamen­
berdades civis às políticas etc. (Bobbio, 1987,
te dito).
p. 24). A comparação não é inteiramente ca­
Gostaria de destacar alguns pontos nes­
bível, já que, no processo histórico de desen­
ta compreensão do socialismo desenvolvida
volvimento do capitalismo na Europa, a bur­
por Marx:
guesia se constituiu em classe economica­
mente dominante (e parceira subordinada
1. O socialismo é concebido, aqui, não como
do poder absolutista) muito antes de dispu­
“modo de produção” próprio, mas como
tar a hegemonia política da sociedade — al­
uma primeira etapa histórica de transição
go que não ocorre com os trabalhadores no
para uma sociedade sem classes (o comu­
capitalismo. De qualquer maneira, vale a in­
nismo).
dicação de que a ausência, no âmbito da teo­
2. No decorrer desta fase, embora o socialis­
ria marxista, de um exame mais profundo
mo se proponha a eliminar a “explora­
dos dilemas e impasses da configuração do
ção” dc trabalho excedente, ainda predo­
Estado socialista acabou sendo fatal para o
desenvolvimento das próprias experiências minam na sociedade relações humanas
socialistas no século X X . marcadas pela “alienação”. O trabalho,
Um outro texto marxiano fundamental assim, ainda não é concebido pela maio­
para precisar a com preensão do socialismo é ria como sua “primeira necessidade vital”
o Crítica ao Programa de Gotha (Marx, (domínio da realização da sua própria h u ­
1977b). Nele, Marx argum enta ser impos­ manidade) e sim como mero “meio de vi­
sível, após o triunfo de uma revolução prole­ da” (forma de maximizar o acesso aos
tária, passar à imediata supressão de todas as fundos de consumo). Por isto, as normas
diferenças de classe na sociedade. Isto por­ de distribuição no socialismo são regula­
que não se trata de “uma sociedade com u­ das pelo direito burguês: a noção de que
nista que se desenvolveu sobre sua própria cada um tem o direito a receber da socie­
base, mas de uma que acaba de sair precisa­ dade o equivalente ao que ele fornece de
mente da sociedade capitalista e que, portan­ trabalho (baseada no princípio do inter­
to, apresenta ainda, em todos os seus aspec­ câmbio de mercadorias equivalentes). Se
tos, no econômico, no moral e no intelectual, não fosse assim, a ética do trabalho se de­
o selo da velha sociedade de cujas entranhas comporia e a sociedade socialista não se­
procede” (idem, p. 231). Em função disto, ria capaz de garantir a sua própria repro­

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dução, quanto mais a passagem a uma fa­ mundo, culminando na substituição relativa­
se superior. mente rápida do sistema capitalista mundial
3. Só na fase superior da construção da so­ por um sistema socialista mundial.
ciedade sem classes (o comunismo) seria As condições históricas do início do sé­
possível superar os horizontes do direito culo, no entanto, permitiram o triunfo revo­
burguês e adotar normas distributivas ba­ lucionário na Rússia — um país que manti­
seadas principalmente nas necessidades nha um acentuado atraso econômico, cultu­
humanas. Mas isto requer, igualmente, a ral e político cm relação às principais potên­
passagem de uma situação geral de escas­ cias capitalistas da época. Como se posicio­
sez material para outra de abundância. nar politicamente diante deste quadro? O
Por isto, é decisivo criar, no próprio socia­ debate em torno dessa questão provocou
lismo, mecanismos econômicos capazes profundas fissuras no movimento marxista
de gerar a contínua elevação da produti­ russo e internacional. A opinião dominante
vidade social, sem o que é impossível a dos partidos agrupados na II Internacional e
transição para relações sociais mais hu­ entre os grupos mencheviques na Rússia era
manizadas. de que o país precisava passar por um perío­
do relativamente longo de desenvolvimento
A distinção, feita por Marx, dessas duas capitalista e consolidação democrática antes
fases do processo histórico de superação do de poder colocar na ordem do dia a transfor­
capitalismo pode ser criticada por diversos mação socialista. Já os bolcheviques chega­
ângulos.1 A profundar a discussão sobre essa ram a uma compreensão distinta do proble­
questão, no entanto, foge ao escopo do pre­ ma, sobretudo a partir da elaboração das cé­
sente irabalho. O que nos interessa, aqui, é lebres “Teses de Abril” de Lênin, em 1917
examinar como a concepção de socialismo (Lênin, 1978a e 1978b).
desenvolvida pelo marxismo clássico foi in­ Ao tomar o poder, em outubro de 1917,
corporada pelos dirigentes do jovem poder os bolcheviques concebiam a sua revolução
soviético ao enfrentar os desafios da sua re­ como um a “ponte” para o triunfo de revolu­
volução. ções mais ou menos imediatas nos países ca­
pitalistas mais adiantados. Esperava-se, em
Lênin e as Perspectivas do particular, que a crise social provocada pela
Socialismo na URSS Primeira G uerra desembocasse numa onda
O fato é que as condições históricas da de crises revolucionárias na Europa. Havia
Rússia no período da revolução diferiam grandes expectativas, particularmente, em
enormemente das previsões originais de um desfecho favorável da crise revolucioná­
Marx e Engels. Estes, ao analisarem as con­ ria na Alemanha. O auxílio estatal de nações
tradições fundamentais do desenvolvimento socialistas mais desenvolvidas poderia, então,
capitalista, indicavam que as primeiras rup­ compensar o atraso da Rússia e garantir sua
turas revolucionárias com esse sistema ten­ transição ao socialismo. Desta forma, combi­
deriam a surgir nos países onde ele estivesse nava-se o aproveitamento da situação revo­
mais desenvolvido, porque a contradição en­ lucionária russa com uma estratégia que pre­
tre a “burguesia” e o “proletariado”, ali, es­ servava as expectativas do marxismo clássico
taria mais aguçada. Baseados nisto, deposita­ em relação ao rápido desenvolvimento do
vam grandes esperanças na evolução dos sistema socialista no mundo.
processos revolucionários na Inglaterra, O problema é que a onda revolucioná­
França e Alemanha (sobretudo nesta, ao fi­ ria que se espalhou pela Europa no pós-
nal do século passado). Justam ente por se guerra foi derrotada, No início dos anos 20, o
tratar dos países mais desenvolvidos do siste­ poder soviético se deparava, assim, com uma
ma, em pouco tempo o processo revolucio­ situação inusitada e inesperada. Seria pos­
nário tenderia a se espalhar pelo resto do sível proceder à construção do socialismo em

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uma URSS isolada como experiência revolu­ dominante estava determinado a realizar a
cionária única no sistema internacional e sem transição para o socialismo (idem, p. 599).
o apoio de Estados socialistas mais adianta­ O que predominava na Rússia de então,
dos? Conto se sabe, o debate em torno des­ segundo Lênin, era justam ente a dispersão
tas questões voltou a produzir profundas fis­ da pequena produção. Contra esta, ele de­
suras no movimento marxista (agora, com u­ fendia, inclusive, o fortalecimento inicial do
nista) russo e mundial. Trotsky e outros diri­ “capitalismo de Estado”, para criar as condi­
gentes bolcheviques continuaram insistindo ções para uma socialização efetiva da socie­
na impossibilidade da consirução isolada do dade russa cm seguida.3 A implementação
socialismo na U nião Soviética. A maioria do desta política acabou sendo atropelada pelo
Partido, no entanto, entendeu que as parti­ desencadeamento da Guerra Civil e o recur­
cularidades das condições russas (seu tam a­ so forçado às medidas do “Comunismo de
nho, a dimensão das suas riquezas naturais, a G uerra”. Ela foi retomada, no entanto, em
existência de indústrias altam ente concentra­ 1921, por Lênin, ao fundamentar a neces­
das e desenvolvidas nas cidades etc.) perm i­ sidade da Nova Política Econômica (NEP)
tiam a construção do socialismo na URSS, diante do impacto combinado da destruição
sem o apoio de outros Estados, desde que causada pela G uerra Civil e do isolamento
fosse consolidada — por meio do poder so­ internacional ocasionado pelo fracasso dos
viético — a aliança entre os trabalhadores levantes revolucionários na Europa (Lênin,
1979c).
das cidades e a grande massa de camponeses
Foi baseada nessa concepção que a di­
no campo. Esta posição foi defendida pelo
reção do PCUS e do Estado soviético anun­
próprio Lênin no período final da sua vida
ciou haver completado a construção da base
(Lênin, 1979a, pp. 657-8; 1979b:, p. 665).2
econômica do socialismo na URSS em m ea­
No fundo desta com preensão de Lênin
dos de 1930, após os massivos processos de
estava uma reflexão sobre a composição da
industrialização e coletivizaçâo implementa­
sociedade soviética no período pós-revolu-
dos no primeiro plano qüinqüenal. Stalin, no
cionário, que viria a servir de base teórica
seu informe ao XVII Congresso do Partido
(nem sempre reconhecida) para a posterior
em 1934, fundamentou essa conclusão a par­
caracterização da URSS como socialista. Em
tir dc uma referência explícita à formulação
maio de 1918 (seis meses após a tom ada do de Lênin: “a primeira, a terceira e a quarta
poder), numa crítica às posições dos “com u­ estruturas econômico-sociais já não existem,
nistas de esquerda”, então encabeçados por a segunda foi deslocada a posições de segun­
Bukharin, Lênin caracterizou a Rússia como da ordem, e a quinta, a socialista, é a única
uma sociedade “em transição” na qual convi­ força que rege toda a economia nacional”
viam cinco tipos diferentes de estruturas eco- (Stalin, 1977a). O socialismo, assim, deixava
nômico-sociais: 1) a economia camponesa de ser uma “perspectiva” de Estado para se
natural, descolada do mercado; 2) a pequena tornai; a caracterização oficial do “modo de
produção mercantil; 3) o capitalismo priva­ produção” efetivamente dominante na socie­
do; 4) o capitalismo de Estado; e 5) o socia­ dade soviética, segundo os seus próprios diri­
lismo (Lênin, 1978c, pp. 599-600). Cada uma gentes e os partidos marxistas a eles as­
destas era caracterizada pela prevalência de sociados na III Internacional.
determinada forma de propriedade e d eter­ Com a expropriação completa das ulti­
minadas relações de produção. Deste ponto mas “classes exploradoras” , segundo o dis­
de vista, a denominação de “República So­ curso oficial d o PCUS, teriam deixado de
cialista Soviética”, conferida à Rússia na épo­ existir “classes antagônicas” na URSS. Sua
ca, não significava que ela já se assentasse sociedade passava a ser constituída por uma
sobre uma nova ordem econômica efetiva­ estrutura social mais “simplificada”, baseada
mente socialista, e sim que o poder soviético em duas classes e um estrato social — o pro­

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letariado, o campesinato kolkhoziano (das socialista” (Bauer apud Marramao, 1990, p.
fazendas coletivas) e a intelectualidade — 175). Bauer interpretou a adoção da nova
que “vivem e trabalham sobre a base de Constituição da URSS, em 1936, como um
princípios de colaboração fraternal” (Stalin, passo importante nessa direção — e manteve
1977b). Como o Estado soviético era conce­ essa avaliação mesmo após o recrudescimen-
bido como expressão política desta mesma to dos expurgos e da repressão até 1938.
composição social, toda oposição ou dis­ As posições de Bauer tiveram forte
sidência interna passou a ser identificada repercussão entre as diversas correntes do
com a ação de “espiões” ou “conspiradores” menchevismo russo no exílio (Liebich, 1986).
a serviço de interesses imperialistas externos. Como foi referido antes, os mencheviques
Este procedimento atingiu o seu ápice nos consideravam a tomada do poder, em outu­
processos que acom panharam os violentos bro de 1917, uma trágica aventura, já que a
expurgos do Partido e do Estado na segunda construção do socialismo na Rússia era
metade dos anos 30. impossível em função do seu atraso. A ado­
ção da Nova Política Econômica (NEP )nos
Otto Bauer e os anos 20 foi vista como uma confirmação dis­
Mencheviques de Esquerda to — não restaria ao poder soviético outra
A caracterização da URSS como socia­ alternativa senão dar curso às tarefas de uma
lista na década de 30, no entanto, não ficou revolução burguesa e camponesa, permitin­
confinada apenas aos marxistas do movimen­ do o pleno desenvolvimento do capitalismo
to comunista. Ela foi adotada, também, por para preparar o terreno para o socialismo no
diversos dirigentes marxistas do próprio mo­ futuro. No entanto, a “Grande Virada” de
vimento social-democrata (em geral, da ala 1928, com o lançamento do primeiro plano
esquerda deste). Destaca-se, aqui, a posição qüinqüenal, claramente não se encaixava
assumida pelo principal dirigente do austro- nessa perspectiva.
marxismo, O tto Bauer (Salvadori, 1986). Procurando preservar a coerência do
Numa obra de 1936 intitulada Eníre Duas seu raciocínio, alguns setores mencheviques
Guetras Mundiais?, ele confessou-se bastan­ argumentaram que essa virada implicava a
te impressionado com as realizações econô­ implantação de uma forma de capitalismo de
micas e sociais dos primeiros planos qüin­ Estado na União Soviética (voltaremos a
qüenais na União Soviética. Na sua opinião, abordar isto na seção sobre o capitalismo de
o caráter de “ditadura burocrático-militar” Estado e/ou burocrático, no próximo artigo).
adquirido pelo poder soviético era decor­ Contra esta caracterização se levantaram ex­
rência das condições de brutal atraso que ela poentes dos grupos mais à esquerda entre os
teve de enfrentar para construir o socialismo. exilados mencheviques. Influenciada pelas
Tratar-se-ia, assim, de uma espécie de posições de Bauer, Olga Domanevskaia pu­
“caminho oriental” para o socialismo, inade­ blicou, em 1934, um importante e denso arti­
quado para os países capitalistas avançados, go contra a tese da prevalência do capitalis­
mas necessário nas condições russas. As pró­ mo de Estado, indicando que, ao liquidar a
prias transformações econômico-sociais em ­ grande e média burguesia, a URSS havia
preendidas, não obstante, estariam tornando ingressado, de fato, em uma “fase inicial do
esse poder ditatorial um freio para o poste­ socialismo”, na qual ainda persistiam, no en­
rior progresso do socialismo na URSS: “o tanto, inúmeros aspectos negativos, sobretu­
processo de transformação da sociedade ca­ do na esfera política (,idem, pp. 361-2). Num
pitalista em socialista, que está se dando na dos seus últimos escritos, publicado em
União Soviética, só estará term inado quando 1946, Theodore Dan, presidente do Partido
a ditadura, que foi necessária colocar e m an­ Menchevique no exílio de 1923 a 1940, tam­
ter em movimento neste processo, for des­ bém concluiu que, apesar das suas deform a­
mantelada e substituída por um a democracia ções antidemocráticas, o bolchevismo era “fi-

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lho legítimo da social democracia russa” e PCUS, Kruschev teceu duras crílicas às de­
havia se transform ado em um “poderoso fa­ formações e à repressão do período do “Cul­
tor na realização prática da idéia socialista” to à Personalidade” de Stalin, mas fez ques­
(Dan, 1946). tão de reafirmar a validade da “grande obra
As transformações empreendidas na de industrialização socialista do país, da cole-
URSS nos anos 30 tiveram forte repercussão tivização da agricultura e da revolução cultu­
também sobre correntes socialistas situadas ral” empreendida a partir de 1928 (Krus­
fora do âmbito estrito da teoria marxista. É o chev, 1970, p. 87). O dirigente comunista ita­
caso dos socialistas fabianos, na Inglaterra. liano Palmiro Togliatti, por sua vez, ao mes­
Cabe ressaltar, aqui, o livro de Sidney e Bea- mo tempo em que criticava as limitações da
trice Webb, Soviet Communism: A New Civi- análise de Kruschev (por este não identificar
lization, publicado em 1935, após unia via­ as bases sociais dos fenômenos que denun­
gem de ambos à URSS. Como o título da ciava), insistia, na sua famosa entrevista de
obra já indica, eles avaliavam estar nascendo, 1956, que, a despeito dos aspectos negativos da
na União Soviética da época, uma nova civi­ obra de Stalin, “a substância do regime socialis­
lização socialista superior à do capitalismo ta não foi perdida” (Togliatti, 1981, p. 57).
(Webb e Webb, 1935). A crítica eurocomunista à URSS e aos
Estados de tipo soviético na década 70 tam ­
As Posições do Movimento pouco negou o seu caráter socialista. O ex-
Comunista no Pós-Guerra dirigente do PC espanhol, Santiago Carrillo,
Ao final dos anos 40, as mesmas políti­ optou por uma formulação mais próxima à
cas de industrialização acelerada e coletiviza- que fora defendida anteriormente por O tto
çâo da agricultura que haviam sido imple­ Bauer, indicando que o Estado soviético ha­
mentadas pelos soviéticos nos anos 30 foram via assumido formas extremamente burocra­
reproduzidas nos países aliados à URSS na tizadas em função da necessidade de prom o­
Europa Central e do I,este.4 Com isto, a ver a “acumulação primitiva” para assegurar
mesma caracterização socialista, antes apli­ a industrialização socialista do país. Assim,
cada unicamente à União Soviética, foi es­ apesar de haver criado as condições m ate­
tendida a esses estados. Estes passaram a se riais para passar a um socialismo evoluído, o
identificar como integrantes de um novo sis­ Estado soviético expressaria uma “fase inter­
tema socialista m undial que emergia no mediária entre o Estado capitalista e o E sta­
mundo, rom pendo com o isolamento ante­ do socialista autêntico, como o foram as m o­
rior da experiência socialista soviética.5 No narquias centralistas entre a sociedade feu­
âmbito do movimento comunista, esta carac­ dal e as democracias parlamentares capitalis­
terização implicou, igualmente, a extensão tas m odernas” (Carrillo, 1978, p. 151). As es­
para essas sociedades da mesma visão exces­ truturas desse Estado, segundo Carrillo, já
sivamente simplista, generalizada e indife­ teriam se tornado um obstáculo à passagem
renciada das suas respectivas estruturas so­ para o socialismo desenvolvido. Uma abor­
ciais. A superioridade democrática desses dagem análoga a esta foi desenvolvida, na
Estados em relação aos países capitalistas época, pelo historiador comunista dissidente
também foi (re)afirm ada por definição, em Roy Medvedev na própria União Soviética
função da sua natureza socialista. (Medvedev, 1971, 1974 e 1979).
Mesmo quando as práticas políticas do Após a cisão entre o PC Soviético e o
período anterior começaram a ser oficial­ PC Chinês nos anos 60, as organizações co­
mente criticadas no movimento comunista, a munistas que se alinharam com o último
partir década de 50, a caracterização socialis­ passaram a defender a tese de que o socialis­
ta da URSS e dos Estados que adotaram o seu mo nos países do “bloco soviético” havia se
modelo não foi colocada em questão. No seu degenerado e transformado em capitalismo
famoso relatório secreto ao XX Congresso do de Estado (examinaremos esta análise no

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próximo artigo). Nesse mesmo período, os apriorística desta compreensSo — por mais
dirigentes soviéticos introduziram duas ino­ fecunda que ela fosse nos seus termos origi­
vações na sua caracterização socialista da nais — acabou servindo de base para o aban­
URSS. A primeira, adotada no novo programa dono de qualquer exame mais objetivo, mul-
do PCUS aprovado no seu X X II Congresso tilateral e profundo das complexas estruturas
em 1961 (o mesmo que anunciou que a sociais que emergiram nessas sociedades a
União Soviética “alcançaria e superaria” eco­ partir dos seus processos de industrialização.
nomicamente os Estados Unidos em dez Impôs-se o dogma da crescente e inexorável
anos...), foi o abandono da identificação do homogeneização social e política, baseada no
seu Estado com o conceito marxista clássico progresso técnico.
da “ditadura do proletariado”, em favor da
sua caracterização como um “Estado de T o ­ Reflexões sobre o Socialismo de Estado:
do o Povo” (PCUS, 1971). A segunda, de­ Lavigne, Lane e Naville
senvolvida nos X X IV e X X V Congressos do
Mesmo fora do âmbito específico do
Partido (em 1971 e 1976), indicou que a
movimento comunista, diversos autores in­
URSS havia ingressado numa nova fase — o
sistiram na caracterização socialista da
“socialismo desenvolvido” — marcada pelo
URSS com base na identificação do socialis­
elevado nível de m aturidade de todas as rela­
mo com a eliminação da propriedade priva­
ções sociais, por uma poderosa base técnica
da. Alguns economistas na França desenvol­
e material, e por uma estrutura social m arca­ veram esta compreensão nas décadas de 70 e
da pela ausência de antagonismos entre clas­ 80, a partir de uma incorporação do instru­
ses e nações e por seu alto grau de unidade e mental analítico do marxismo muito próxima
homogeneidade (Chevstov, 1981; Petchenev, do “economicismo” das análises oficiais so­
1985). Ambas as inovações foram incorpora­ viéticas (Lavigne, 1979; Lavigne e Andreff,
das ã nova Constituição adotada no país em 1985a; 1985b) No mesmo período, sociólo­
1977 (Unger, 1981). Ao mesmo tempo, a in­ gos “neomarxistas” na Inglaterra (alguns dos
quietação com algumas flagrantes contradi­ quais procuravam combinar os referenciais
ções entre a realidade deste “socialismo de­ teóricos do marxismo e do estrutural-funcio-
senvolvido” e o projeto socialista original­ nalismo) resgataram um conceito formulado
mente formulado por Marx e Engels levou por autores iugoslavos nos anos 50 e caracte­
os dirigentes soviéticos a formular o term o rizaram os países do “bloco soviético” como
“socialismo real” ou “socialmente existente”, sociedades de “socialismo de Estado” (Lane,
para diferenciar a materialização históri- 1978a, 1978b, 1981, 1985 e 1992; Davis e
ca/empírico-concreta do socialismo na URSS Scase, 1985).
da sua concepção teórico-abstrata pelo m ar­ Lane (1981, pp. 91-5) diferencia o so­
xismo clássico (Petchenev, 1985, p. 126).6 cialismo como modo de produção (definido
As duas inovações referidas acima não em função das relações de propriedade pre­
alteraram a com preensão teórica subjacente dominantes) do “socialismo de Estado” co­
à caracterização socialista dos Estados de ti­ m o formação social (definida como um a m a­
po soviético, originada nas reflexões de Lê- terialização histórica “estatista” — isto é, di­
nin sobre as estruturas econômico-sociais no tatorial, hipercentralista — do socialismo,
período de transição: a identificação do so­ determinada pelas condições de atraso eco­
cialismo com o estabelecimento da proprie­ nômico, político e cultural em que ele foi
dade social sobre os instrumentos e meios de construído). Os ecos de Bauer e Carrillo nes­
produção fundamentais (e conseqüente ta formulação são evidentes. Na mesma li­
supressão das fontes materiais da exploração nha, Davis e Scase (1985, pp. 87-8) argu­
na sociedade). Como vimos, no âm bito das m entam que as sociedades de “socialismo de
análises oficiais desenvolvidas pelo movimen­ Estado” seriam marcadas por quatro carac­
to comunista, a incorporação mecânica e terísticas primárias comuns:

48
1) os meios de produção fundamentais Uma abordagem teoricamente mais so­
pertencem ao Estado e são controlados por fisticada da problemática do “socialismo de
este; 2) existe um aparelho burocrático alta­ Estado” foi desenvolvida na volumosa obra
mente desenvolvido, que implementa planos O Novo Leviatã do diretor honorário de pes­
econômicos e sociais determinados pelo par­ quisas do Centre National de la Recherche
tido no poder; 3) a dominação política é Scientifique (CNRS) na França, Pierre Navi-
exercida por meio de um partido único hie­ lle (1967-1974). Naville foi membro ativo do
rarquicamente organizado, que controla a movimento surrealista nos anos 20 e, poste­
burocracia, a polícia e as Forças Armadas; e riormente, destacado dirigente do movimen­
4) a ideologia legitimadora do sistema é so­ to trotskista, do qual se afastou no início da
cialista. Segunda G uerra. Sua análise sobre as socie­
Segundo os autores, o qualificativo “de dades do Leste foi fortem ente influenciada
Estado” anexado ao term o socialismo indica pelas interpretações de Trotsky (que
tratar-se de um caminho de desenvolvimento acompanharemos na seção seguinte). Dife­
alternativo âs “formas puras” tanto do capi­ rentem ente deste, no entanto, ele afirmou
talismo quanto do socialismo (idem , p. 97). existir nos Estados de tipo soviético uma for­
Em bora sirva de corretivo às interpreta­ ma específica de socialismo que ele batizou
ções reducionistas que predom inaram nas de “sistema socialista de exploração m útua”.
análises oficiais do movimento comunista, O surgimento deste sistema teria se dado no
esta formulação do conceito de “socialismo contexto das condições de atraso enfrentadas
de Estado” é altam ente problemática e con­ pela revolução Russa, adquirindo, em segui­
tenciosa quando referida à concepção socia­ da, uma lógica de reprodução própria. Esta
lista do marxismo clássico discutida na aber­ se assentaria na combinação da propriedade
tura desta seção. Primeiro, porque Marx e estatal dos meios de produção com uma dis­
Engels identificavam o socialismo (a primei­ tribuição desigual dos seus frutos mediante a
ra fase da sociedade comunista) como um relação assalariada (o salarialo). Sobre esta ba­
período de transição “im puro” por natureza, se emergiria uma poderosa burocracia de Esta­
já que combina elementos da nova sociedade do — ela mesma assalariada — que controla a
nascente (como a propriedade comum dos distribuição do produto social. O poder desta
principais meios de produção) com pesadas burocracia é discutido por Naville em termos
heranças da sociedade anterior (como as di­ essencialmente weberianos, o que o aproxi­
ferenças de classe e o “direito burguês”). ma das abordagens que identificaram a
Depois, porque, segundo as formulações do emergência de um “nova dominação de clas­
marxismo clássico, o estabelecimento da pro­ se” nos países do Leste, estruturada a partir
priedade estatal sobre os meios de produção da burocracia (examinaremos estas mais
fundamentais é necessariam ente o ponto de adiante).
partida para o desenvolvimento socialista Um a vez mais a crítica ao salariato, cen­
das sociedades modernas. Por fim, cabe tral para a argumentação de Naville, esbarra
questionar o determinismo técnico-econômi- em algumas das características fundamentais
co (comum a toda a linhagem desta argu­ da concepção de socialismo formulada origi­
mentação, desde B auer) na explicação das nalmente por Marx e Engels. Estes indica­
“deformações” burocráticas e antidem ocráti­ vam ser necessário adotar princípios distribu­
cas do “socialismo de E stado”: se estas fo­ tivos baseados no “direito burguês” por um
ram determinadas pelo atraso, por que não longo período histórico, até que as múltiplas
foram superadas após a industrialização? Se­ heranças econômicas, sociais, culturais e po­
rá que essa evolução não reflete um a deter­ líticas do capitalismo fossem superadas na
minada resposta a contradições e impasses transição do socialismo para o comunismo.
estruturais do próprio projeto socialista, em Isto implica a persistência de form as salariais
vez de mera persistência atávica? para regular o acesso individual aos fundos

49
de consumo em função do trabalho '‘forneci­ jovem poder soviético ainda travava uma d e­
do” à sociedade por seus membros. Para Na- sesperada luta pela sobrevivência na Guerra
ville, a dominação burocrática interfere nesta Civil. Não é inteiramente claro em que dire­
regulação, impondo, em proveito próprio, ção as suas reflexões sobre a Revolução
desigualdades crescentes na distribuição do Russa evoluiriam caso tivesse sobrevivido.
produto social. Segundo ele, numa formula­ Mas dada a coincidência de pontos funda­
ção com fortes ecos de Trotsky, a solução se­ mentais da sua análise com elementos cru­
ria uma revolução política “de baixo”, que ciais da interpretação desenvolvida por
varresse de vez o sistema do salariato e o Trotsky, optei por inserir as suas reflexões na
mercado. Mas isto, na ótica marxiana clás­ abertura da presente seção.
sica, só resultaria na reposição do mesmo
problema de novo — já que as condições his­ Rosa Luxemburgo
tóricas que determ inam a persistência do
“direito burguês” e das form as salariais con­ O ponto de partida da análise de Rosa
tinuariam presentes na sociedade. Luxemburgo é a sua defesa da ação dos bol­
Predomina, assim, na análise de Naville cheviques em 1917, precisamente por ousar
uma concepção voluntarista e idealista do colocar na ordem do dia a efetivação da “re­
próprio socialismo, que ignora (ou subesti­ volução social” e da “ditadura do proletaria­
ma) os complexos e múltiplos problemas e do”. A Revolução de O utubro é saudada co­
contradições que marcam a transição socia­ mo a refutação completa da “teoria doutri­
lista. Limitações análogas podem ser encon­ nária” de Kautsky e dos mencheviques rus­
tradas no raciocínio de autores que procura­ sos, que consideravam possível na Rússia
ram desenvolver uma caracterização marxis­ apenas uma revolução burguesa, em função
ta alternativa dos Estados de tipo soviético, do seu atraso econômico e caráter predomi­
concebendo-os como sociedades estagnadas nantemente agrário. Contra esta visão, Rosa
Luxemburgo destaca a justeza da concepção
na transição ao socialismo. É o que veremos
internacional que presidiu a ação dos bolche­
a seguir.
viques em 1917 (compreendendo a sua revo­
lução como estopim para rupturas revolucio­
Leituras Centradas na D egeneração
nárias nos países capitalistas mais avançados,
e/ou Deform ação Burocrática da
Transição ao S o cia lism o
conforme vimos antes). A partir daí, segun­
do ela, o destino da revolução na Rússia de­
A principal referência desta linha inter- pendia inteiramente dos acontecimentos in­
pretativa é, evidentemente, a caracterização ternacionais.
da URSS como um “E stado operário dege­ Vale destacar as premissas teóricas so­
nerado” elaborada por Trotsky. Inicio esta bre as quais se assentam esta visão. Em pri­
seção, no entanto, com um a exposição resu­ meiro lugar, referenciada nas expectativas do
mida das célebres opiniões críticas de Rosa marxismo clássico no século XIX, Rosa Lu­
Luxemburgo sobre a Revolução Soviética xemburgo sustenta a impossibilidade da
(Luxemburgo, 1972a). Cabe, aqui, uma nota construção do socialismo em marcos nacio­
de cautela. As observações desta dirigente nais: “todos estamos sujeitos às leis da histó­
marxista sobre a evolução do poder soviético ria, e é somente ao nível internacional que se
na Rússia foram elaboradas na prisão, em pode efetivar o ordenamento socialista da
1918, a partir de relatos orais de visitantes e sociedade” (Luxemburgo, 1972a, p. 79; tra­
recortes de jornais russos e alemães contra­ dução minha). Esta compreensão, por sua
bandeados para sua cela (Wolfe, 1972). O vez, se relaciona com outra — a afirmação
texto nunca chegou a ficar pronto, para pu­ do caráter necessariamente contra-revolu-
blicação. Rosa Luxem burgo foi libertada da cionário do campesinato diante da transfor­
prisão em novembro de 1918 e tragicamente mação socialista. Nesta base, ela criticou du­
assassinada dois meses depois, enquanto o ramente a política de reforma agrária adota­

50
da pelos bolcheviques, que teria criado uma A aparente incongruência entre as duas
massa numerosíssima de pequenos proprie­ linhas de crítica ao poder soviético desenvol­
tários rurais que se voltariam de arm as e vidas por Rosa Luxemburgo tem, na verda­
dentes contra qualquer tentativa futura de de, um denominador comum: a com preen­
socialização da produção impulsionada pelo são de que a Revolução Russa só poderia ser
proletariado urbano (idem, pp. 44-5). Por “salva” (tanto das suas concessões indevidas
fim, ela tam bém condenou a defesa bolche­ â pequena burguesia rural e ao nacionalismo
vique do direito à autodeterm inação (inclusi­ burguês, quanto das suas deformações anti­
ve a ponto de secessão) das nações que democráticas) pelo triunfo da revolução so­
compunham o antigo Im pério Russo. Na sua cial em algum país avançado. A distorção da
opinião, o mais correto seria defender a política socialista na Rússia seria decorrência
união e solidariedade das forças sociais revo­ da terrível compulsão da Primeira Guerra,
lucionárias no âm bito das próprias fronteiras da ocupação alemã e das extraordinárias difi­
imperiais, contra os “nacionalismos” e “sepa- culdades relacionadas a estes fatores. O erro
ratismos” burgueses (idem, p. 53). dos bolcheviques teria sido o de querer trans­
As exposições acima indicam um posi­ formar necessidades em virtudes — isto é,
cionamento político e estratégico mais estrei­ erigir em um sistema teórico políticas impos­
to, sectário e fechado do que era preconiza­ tas por condições extremamente adversas.
do e adotado pelo Partido Bolchevique na Deste ponto de vista, contra as opiniões de
Rússia. Sua crítica ao ordenam ento político Kautsky, os desenvolvimentos na Rússia te­
do poder soviético, no entanto, aponta ju sta­ riam provado não a “imaturidade” desta pa­
mente na direção oposta. Rosa Luxemburgo ra a revolução, e sim a “imaturidade” do
tece duras críticas a Lênin e Trotsky por re­ proletariado alemão para “cumprir suas ta­
produzir teórica e politicamente a mesma refas históricas” (idem, p. 27).
oposição abstrata entre “democracia” e “di­ O assassinato de Rosa Luxemburgo em
tadura do proletariado” formulada por 1919 foi parte integrante da derrota da vaga
Kautsky. A diferença é que, nesta oposição, revolucionária que se espalhou pela Europa
o dirigente social-democrata alemão teria (e, particularmente, pela Alemanha) ao tér­
optado pela primeira, e os dirigentes revolu­ mino da Primeira Guerra. As suas observa­
cionários russos pela segunda. Contra essa ções sugerem que o isolamento internacional
polarização, Rosa Luxemburgo argumenta decorrente desta derrota condenaria o poder
soviético a alguma forma de deformação bu­
que a ditadura do proletariado (enquanto di­
rocrática. Esta avaliação tem importantes
tadura de classe, e não de partido ou clique)
pontos em comum com a posição que viria a
só pode ser realizada como a democracia
ser desenvolvida, em seguida, por Trotsky
mais ilimitada (idem, pp. 76-77). Nesta base,
(embora este preferisse indicar a degenera­
ela condenou o fechamento da Assembléia
ção burocrática de um poder que não era
Nacional Constituinte pelos bolcheviques,
“deform ado” no seu início). Como se trata
bem como a substituição do princípio do su­
de uma das interpretações mais sofisticadas
frágio universal por um sufrágio seletivo e
e abrangentes (e, em muitos sentidos, incon­
qualificado em favor da classe operária, e
sistentes) desenvolvidas sobre o tema no âm ­
também o recurso a formas ditatoriais para
bito da teoria marxista, vamos examinar a sua
preservar o poder. Na sua opinião, a caracte­
evolução de forma um pouco mais detida.
rística essencial da liberdade seria, precisa­
mente, garanti-la para quem pensa diferente:
Leon Trotsky
sem eleições gerais, sem liberdade irrestrita
de imprensa e associação, sem o livre enfren- Trotsky, como se sabe, desempenhou
tamento de opiniões, restaria apenas a buro­ papel central na Revolução Russa, tendo si­
cracia como elem ento ativo na sociedade do presidente do Soviete de Petrogrado e
(idem, pp. 69 e 71). principal dirigente e organizador do Exército

51
Vermelho na G uerra Civil. Neste período, ajudou a constituir a chamada oposição de
ele não só defendeu como teorizou a neces­ esquerda. Sua crítica, então, se dirigia, sobre­
sidade das medidas consideradas “ditato­ tudo, contra a prática generalizada da indica­
riais” e “antidemocráticas” por Rosa Luxem­ ção centralizada dos secretários provinciais
burgo (e tam bém por Kautsky, como vere­ do Partido, em vez da sua eleição local
mos mais adiante). R espondendo às críticas (Trotsky, 1975a, p. 56). Segundo ele, dado o
de Kautsky sobre a substituição da ditadura seu papel crucial no próprio ordenamento
dos sovietes pela ditadura do Partido Bol­ do poder soviético, a burocratização do Par­
chevique na Rússia, por exemplo, Trotsky tido alimentava a (e se realimentava da) bu­
argumentava, em 1920, que: rocratização do Estado. Numa evidente ana­
“Pode ser dito com inteira justiça que a di­ logia com Rosa Luxemburgo, ele indicava
tadura dos sovietes só se tornou possível que a fonte essencial dessa espiral de buro­
através da ditadura do partido. N ão há na­ cratização seria a necessidade de manter, em
da de acidental nesta ‘substituição’ do po­ condições de extremo atraso econômico, a
der da classe operária pelo poder do parti­
harmonia entre os interesses contraditórios
do, e, na realidade, não há nenhum a substi­
tuição. Os com unistas expressam os do proletariado e do campesinato no Estado
interesses fundam entais da classe operária” (Trotsky, 1975b, pp. 91-2). Se não fosse ade­
(Trotsky, 1963, p. 109; tradução minha). quadam ente identificado e combatido, esse
Nesse mesmo texto, ele defende a ado­ processo poderia colocar a revolução em pe­
ção do trabalho compulsório e da militariza­ rigo. As medidas de enfrentamento defendi­
ção do trabalho como fundamentos da ação das pela oposição de esquerda neste período
estatal do poder soviético, sem os quais “a limitavam-se, no entanto, a propor m udan­
substituição da economia capitalista pela so­ ças na política de organização do Partido, so­
cialista perm anecerá para sempre um ruído bretudo o fim da proibição da formação de
vazio” (idem , p. 141). A organização da for­ facções adotada no seu X Congresso, em
ça de trabalho na economia deveria, assim, 1921 (Trotsky et alli, 1975).
acompanhar as práticas do serviço militar O tema da “deformação burocrática” já
obrigatório. Nesta perspectiva, o aparato do havia sido levantado, anteriormente, por Lê­
Departam ento de G uerra deveria se tornar a nin. Na sua polêmica com Trotsky e Bukha-
instituição responsável pela mobilização do rin sobre os sindicatos, ele já havia caracteri­
trabalho em larga escala na sociedade. Esta zado o poder soviético como um “Estado
concepção fundam entou a defesa, por operário com uma deformação burocrática”
Trotsky, da estatização dos sindicatos (isto é, (Lênin, 1979h, p. 385). Justam ente por isto,
da eliminação da prática da eleição dos seus ele defendeu a contínua importância dos sin­
dirigentes em troca da sua nomeação pelo dicatos como instrumentos de defesa dos
poder central) às vésperas do V III Congres­ interesses materiais e espirituais dos traba­
so dos Sovietes, no final de 1920. Esta posi­ lhadores contra as deformações burocráti­
ção foi duram ente criticada por Lênin cas. O Programa do Partido Bolchevique,
(1979d e 1979h), em bora este, na época, adotado em 1919, fundamentava essa carac­
também concebesse com o necessário e inevi­ terização ao indicar um “renascimento par­
tável o exercício da “ditadura do proletaria­ cial da burocracia no interior do sistema so­
do” por sua “vanguarda” (o partido revolu­ viético” em função do baixo nível cultural
cionário), tanto na Rússia quanto nos países das massas e da conseqüente necessidade de
mais adiantados (Lênin, 1979h, p. 381). empregar quadros e especialistas da máqui­
No período do afastam ento de Lênin na burocrática do antigo regime tzarista (Be-
por motivos de doença, em 1923, e após a llis, 1979, p. 57). Trotsky, no entanto, apon­
sua morte, em 1924, no entanto, Trotsky se tava não para um a “deformação” causada
tornou cada vez mais crítico da “burocratiza- pela incorporação de elementos da velha bu­
ção” do Partido Comunista (bolchevique) e rocracia, mas para um processo de degenera-

52
ção a partir do próprio Partido Comunista, ca”8 (e, conseqüentemente, de um novo par­
em função do crescente distanciamento dos tido revolucionário) para por fim à domina­
seus dirigentes em relação às “massas traba­ ção da burocracia. É apenas nessa época que
lhadoras” e do estabelecimento de relações ele começa a preconizar a adoção de um sis­
cada vez mais “promíscuas” com os kulaks tema multipartidário na URSS (Bellis, 1979,
(a burguesia rural), os comerciantes, os p. 43).
atravessadores, os investidores privados etc. A o final dos anos 30, Trotsky já indicava
(isto é, com os setores abastados não-prole- que, após haver “expropriado politicamente
tários que floresceram no âmbito da NEP). o proletariado”, a burocracia soviética pas­
Ao formar a Oposição Unificada com sara a desempenhar um “duplo papel” no
Zinoviev e Kamenev (antigos companheiros mundo, sustentada num precário equilíbrio
de Stalin no triunvirato que assumiu a dire­ das forças de classe internas e externas. No
ção do Partido após o afastam ento de Lênin) plano interno, enquanto produto da própria
em 1926, Trotsky já indicava a plena consti­ Revolução de O utubro, ela preservaria, ain­
tuição de um a burocracia estatal-partidária da, um certo papel progressista, enquanto
inteiramente destacada dos trabalhadores na guardiã de relações sociais de produção pro­
URSS. Suas reflexões sobre a situação sovié­ duzidas por essa revolução. Já em âmbito ex­
tica caminharam para a busca de analogias terno, enquanto estrato conservador movido
com fenômenos da Revolução Francesa de pela lógica da autopreservação, ela teria um
1789 e seus desdobramentos, particularm en­ papel abertam ente contra-revolucionário,
te o Thermidor e o Bonapartismo. Essas an a­ abandonando toda e qualquer veleidade re­
logias indicavam que a “degeneração buro­ volucionária em favor de políticas de boa
crática” na URSS constituía um retrocesso vizinhança com o imperialismo (Trotsky,
no processo revolucionário, que abria cami­ 1970). A União Soviética teria se tornado,
nho para a autonomização do poder de E sta­ assim, um “Estado operário contra-revolu­
do diante das forças sociais que lhe haviam cionário”. Esta compreensão fundamentou a
dado origem (Trotsky, 1973a). Tratar-se-ia decisão de criar a IV Internacional, em 1938,
de uma situação excepcional, de equilíbrio dois anos antes do assassinato de Trotsky, no
necessariamente tênue, instável e temporário. México. Nesse período final da sua vida,
Apesar dessa autonomização da buro­ abundam nos seus escritos referências ao to­
cracia estatal-partidária soviética, Trotsky in­ talitarismo na URSS e analogias entre o de­
sistia que a URSS continuava sendo um “E s­ senvolvimento desta e o da Alemanha nazis­
tado operário”, em função da predominância ta, em bora ambos fossem considerados “re­
de formas estatais de propriedade no seu in­ gimes transitórios e excepcionais” no desen­
terior. Este argum ento era sustentado em volvimento respectivo do socialismo e do ca­
bases teóricas fortem ente economicistas e pitalismo (Trotsky,^ 1969).
reducionistas: “O caráter de um regime so­ O trabalho que sistematiza de forma
cial é determ inado em primeiro lugar pelas mais completa a avaliação do fundador da
relações de propriedade [...]. As relações de IV Internacional sobre o desenvolvimento
propriedade, que estão na base das relações da sociedade soviética é o livro A Revolução
de classe, determ inam para nós a natureza Traída, escrito em 1936 (Trotsky, 1980). N e­
da União Soviética como Estado proletário” le, a URSS é caracterizada como uma socie­
(Trotsky, 1973b, p. 204). dade intermediária entre o capitalismo e o
A té 1933, essa caracterização traduzia- socialismo, marcada pelos seguintes traços:
se em uma orientação política voltada para a
reforma do Partido e do Estado na URSS (e 1. as forças produtivas são ainda insuficien­
não para sua derrubada). A partir desse ano, tes para conferir à propriedade do Estado
no entanto, Trotsky passou a defender a um caráter socialista;
necessidade de um a “nova revolução políti­ 2. a propensão para a acumulação primitiva,

53
nascida da necessidade, manifesta-se por sas mesmas formas nas condições do bai­
todos os poros da economia planificada; xo rendimento do trabalho da URSS não
3. as normas de repartição, de natureza bur­ significariam mais do que “um regime
guesa, encontram-se na base da diferen­ transitório cujos destinos não estão ainda,
ciação social; definitivamente pesados pela história”
4. o desenvolvimento econômico, m e­ (idem, p. 46). A crítica ao enfoque técni-
lhorando lentam ente as condições dos co-determinista dessa interpretação levou
trabalhadores, contribui para a rápida alguns dos colaboradores mais próximos
formação de um a camada de privilegia­ de Trotsky (sobretudo Max Schachtman)
dos; a romperem com este, insistindo na
5. a burocracia, explorando os antagonismos necessidade de desenvolver um a análise
sociais, tornou-se um a casta incontrolá- centrada no desenvolvimento das relações
vel, estranha ao socialismo; reais de produção na URSS, e não apenas
6. a revolução social, trafda pelo governo nas formas jurídicas de propriedade ou
dominante, vive ainda nas relações de na base tecnológica prevalecentes no seu
propriedade e na consciência dos traba­ interior (veremos isto na seção seguinte).
lhadores; 2. Associado à sua base tecnológica atrasa­
7. a evolução das contradições acumuladas da, o caráter não-socialista da URSS seria
pode conduzir a sociedade para o socialis­ determinado pela predominância de nor­
mo, ou fazer recuar a sociedade para o mas burguesas na repartição do produto
capitalismo; social. Isto, de acordo com Trotsky, teria
8. a contra-revolução em marcha para o ca­ gerado uma contradição entre o caráter
pitalismo deverá quebrar a resistência dos socialista incipiente da produção e o cará­
operários; ter capitalista da distribuição na socieda­
9. os operários, dirigindo-se para o socialis­ de soviética. O processo de burocratiza-
mo, deverão derrubar a burocracia ção estatal-partidária seria, precisamente,
(Trotsky, 1980, p. 176). fruto dessa contradição. Acontece que,
como vimos antes, o marxismo clássico
Um Balanço Parcial
aponta para a necessidade de se adotar o
Apesar de atraente, examinada mais d e­ princípio da remuneração segundo o
tida e profundam ente esta caracterização da trabalho (o “direito burguês”) como nor­
URSS gera mais dúvidas e questionamentos ma distributiva básica do socialismo (isto
do que respostas. Destaco, a seguir, algu­ é, de toda a primeira fase do comunis­
mas das suas premissas teóricas mais proble­ mo), sem o qual a elevação da produtivi­
máticas: dade econômica (condição para superar
as diferenças de classe na sociedade) seria
1. Sua abordagem do socialismo revela uma impossível. A análise de Trotsky confun­
forte dose de determinismo tecnológico, de, assim, características das fases inicial e
subjacente ao economicismo a que já me superior da construção de uma sociedade
referi anteriorm ente. Estabelecida a pre­ sem classes (segundo a concepção origi­
dominância da propriedade estatal, se­ nal de Marx e Engels), o que a torna inca­
gundo Trotsky, é a base técnica (as forças paz de examinar (ou sequer formular) o
produtivas) que determina o caráter so­ problema das bases da autonomização do
cialista (ou não) dessa propriedade, e, por Estado no próprio socialismo.
decorrência, do próprio regime social 3. Na análise de Trotsky, a “degeneração
(item 1 acima). Assim, na sua visão, en­ burocrática” do “regime de transição” re­
quanto as formas soviéticas de proprieda­ ferido mais acima é decorrência do isola­
de fundadas sobre a técnica americana mento internacional da revolução em
poderiam ser consideradas socialistas, es­ uma sociedade atrasada, em que o prole­

54
tariado era minoritário e pouco desenvol­ essencialmente hostil à transformação so­
vido. A premissa teórica subjacente a es­ cialista na URSS. Diferentemente dela,
te argum ento é a de que processos revo­ no entanto, ele considera este posiciona­
lucionários em sociedades nas quais o mento não uma característica “inerente”
proletariado for majoritário tenderiam a todo o campesinato, mas conseqüência,
“naturalm ente” a generalizar práticas de uma vez mais, do atraso das forças pro­
democracia direta e participativa, subor­ dutivas. Assim, mesmo após o seu agru­
dinando (e, çm seguida, dissolvendo) a pamento em fazendas coletivas, o campe­
burocracia nos processos de formação sinato kolkhosiano continuaria nutrindo
dos novos Estados socialistas. Por isso, “um forte ódio, um ódio plebeu” para
Trotsky sempre procurou identificar as com o Estado operário, dada a incapaci­
origens do bonapartismo soviético no dade deste em prover instrumentos de
“equilíbrio” de forças entre o proletaria­ produção em grande escala para a terra
do e algum setor não-proletário dentro ou coletivizada. Em função disto — e da hos­
fora da União Soviética: a burguesia e a tilidade da “imensa maioria dos operá­
pequena-burguesia no NEP, o campesi­ rios” para com a burocracia dominante
nato hostil, a burguesia internacional etc. — Trotsky era categórico ao afirmar, em
Oscilavam os ingredientes, mas a receita 1936, que a URSS seria inapelavelmente
permanecia a mesma (extraída de analo­ derrotada numa futura guerra com a
gias com o ciclo político da Revolução Alemanha ou qualquer outra potência
Francesa, no final do século XVIII). Mas, imperialista, a não ser que houvesse uma
como já foi observado na discussão da te ­ nova revolução social vitoriosa no Oci­
se do “socialismo de Estado” na seção a n ­ dente (idem, p. 157). Os acontecimentos
terior, se a “deformação burocrática” c não tardaram a revelar que esta aprecia­
explicada pelo caráter atrasado e não pro­ ção subestimava enormemente as bases
letário da sociedade, como explicar que a sociais, a capacidade de comando e a pró­
URSS tenha passado de país camponês- pria legitimidade interna que o regime so­
agrário para proletário-industrial em pou­ viético ainda preservava.
cas décadas, sem que se verificasse um 5. Também como Rosa Luxemburgo (e
processo correspondente de dem ocratiza­ Marx no século XIX), Trotsky considera
ção do seu poder político (quer por “re­ impossível a construção isolada do socia­
formas pelo alto” ou “revoltas de bai­ lismo nos marcos nacionais. Na sua ava­
xo”)? E ainda, quando finalmente se ges- liação, a divisão mundial do trabalho, a
tou algo semelhante a uma “crise revolu­ dependência da indústria soviética em re­
cionária” na sua sociedade (entre 1989 e lação â técnica estrangeira, a dependência
1991), que o desfecho tenha se encami­ das forças prodtftivas dos países avança­
nhado não para “adequação do regime dos em relação às matérias-primas asiáti­
político às formas socialistas de proprie­ cas etc., tornavam impossível a constru­
dade” mas para o desmantelamento des­ ção de uma sociedade socialista autôno­
tas por meio de programas massivos de ma em qualquer parte do mundo
privatização? Será, enfim, que não deve­ (Trotsky, 1977, p. 207). Esta era a base
mos considerar teoricam ente a pos­ da sua teoria da “revolução perm anente”
sibilidade da “autonom ização” do poder e marcava a sua oposição à tese da pos­
político se originar em características es­ sibilidade da construção do socialismo na
truturais do próprio socialismo (incluindo URSS sem a ajuda de Estados socialistas
aí diferenciações e contradições no seio mais desenvolvidos (tese que, como vi­
dos próprios trabalhadores)? mos, foi formulada inicialmente por Lê-
4. Assim como Rosa Luxemburgo, Trotsky nin diante das evidências* da derrota da
concebe o campesinato como uma força onda revolucionária no Ocidente entre

55
1918 e 1923, e se tom ou , em seguida, parte desta resenha (Fernandes, 1994,
orientação oficial do Partido e do Estado pp. 22-23). Em primeiro lugar, a prática
soviéticos).9 Do ponto de vista político, em inentemente política, improvisada e
esta abordagem teórica resulta num orientada para metas substantivas do
impasse: se a U nião Soviética, em função aparato partidário-estatal soviético clara­
do seu atraso, dependia do apoio de E sta­ mente não se encaixa na racionalidade
dos socialistas tecnicam ente mais adianta­ impessoal, rotinizada e formal definidora
dos para poder com pletar a sua própria da burocracia (pelo menos em termos
transição ao socialismo, na ausência des­ weberianos).11 Um outro problema se re­
ses estados (cuja existência independia da fere aos contornos da “casta burocrática”
vontade dos dirigentes da URSS) a nova dominante. A análise desenvolvida por
“revolução política” preconizada por Trotsky sobre esta questão (crucial para
Trotsky não estaria fadada a enveredar toda a sua interpretação) é, na verdade,
pelo mesmo processo de “degeneração eivada de inconsistências. Assim, enquan­
burocrática”? Já do ponto de vista em pí­ to num artigo de 1935 ele caracteriza a
rico, a subordinação da U nião Soviética ã burocracia como “pequeno-burguesa tan­
divisão internacional do trabalho na eco­ to na sua composição como no seu espíri­
nomia capitalista mundial mostrou-se to ” (Trotsky, 1973c), na última obra que
bem menos incondicional do que supu­ escreveu antes de morrer, ele contrapõe a
nha o teórico da “revolução perm anen­ “burocracia” à “pequena burguesia” co­
te”. Baseada na combinação de medidas mo forças sociais adversárias e concor­
“socializadoras” internas (como a indus­ rentes no processo de cristalização de um
trialização e a coletivização da agricultu­ novo estrato privilegiado na URSS
ra) com mecanismos relativamente efica­ (Trotsky, 1941, p. 408). Já no livro Revo­
zes de defesa contra as flutuações e ini- lução Traída (Trotsky, 1980, p. 97) ele in­
qiiidatles do m ercado mundial (como o clui na sua definição de “burocracia privi­
estabelecimento do monopólio estatal do legiada soviética” cinco ou seis milhões de
comércio exterior, a não-conversibilidade pessoas que, sem fornecer um trabalho
do rublo nos mercados monetários inter­ produtivo direto, comandam, adminis­
nacionais e a restrição de fluxos com er­ tram, dirigem e distribuem os castigos e
ciais e financeiros com o Ocidente), a as recompensas (exceção feita para os
URSS logrou sustentar índices de eleva- professores ...). A estes e seus familiares,
ção da produtividade da sua economia deveriam se juntar igual núm ero de com­
superiores às de todos os países capitalis­ ponentes da “aristocracia operária e kolk-
tas durante pelo menos três décadas.10 hosiana” e seus familiares, perfazendo
Ou seja, ela conseguiu, durante esse pe­ um universo total de 20 a 25 milhões de
ríodo, escapar dos limites da divisão inter­ pessoas (numa população de 170 mi­
nacional do trabalho da economia capita­ lhões). Convenhamos que se trata de
lista mundial e suplantar pesadas heran­ um a camada social tão ampla, que a pró­
ças do atraso sem a ajuda estatal de E sta­ pria noção de “dominação” perde o senti­
dos socialistas mais desenvolvidos. do — ainda mais se lembrarmos que o ní­
6. Ao erigir a “burocracia” em conceito cru­ vel de vida da “burocracia privilegiada”,
cial da sua caracterização, Trotsky se en­ assim definida, caiu a níveis inferiores aos
redou nos mesmos problemas de ambi­ da média dos operários no desenvolvi­
güidade, imprecisão e inadequação en­ m ento posterior da sociedade soviética
frentados pelos autores ocidentais que (Yanowitch, 1977, pp. 30-1).
também centraram suas leituras dos Es­
tados de tipo soviético no conceito de bu­ As idas e vindas na caracterização da
rocracia, aos quais m e referi na primeira “burocracia dominante” por Trotsky refle­

56
tem a inadequação de aspectos cruciais do tica como uma força conservadora e con-
seu esquema interpretativo diante do desen­ tra-revolucionária do ponto de vista ex­
volvimento histórico-concreto da URSS. E n­ terno, e híbrida do ponto de vista interno,
tre as inconsistências analíticas mais relevan­ também mostrou-se incongruente e ina­
tes, eu destacaria as seguintes: dequada.14 Como explicar, nesta base, o
1. Vimos, anteriorm ente, como Trotsky apoio muito real e concreto dado pela
identificava, na relação cada vez mais URSS a movimentos e processos de
“promíscua” dos quadros do Partido e do transformação revolucionária no mundo
Estado com setqres burgueses e peque- (sobretudo movimentos anticolonialistas e
no-burgueses gerados no âm bito da NEP, antiimperialistas), mesmo quando inte­
a base da degeneração burocrática do po­ resses de defesa nacional soviéticos não
der soviético nos anos 20. Como explicar, estavam diretam ente envolvidos (Cuba,
então, que essa mesma casta burocrática por exemplo)? Como dar conta, em parti­
“conservadora e contra-revolucionária” cular, da pressão exercida sobre os E sta­
tenha partido, em seguida, para a liquida­ dos da Europa Central e do Leste no pós-
ção desses setores não-socialistas, a partir guerra para que estes empreendessem
das políticas de industrialização e coletivi- transformações anticapitalistas nas suas
zaçâo aceleradas adotadas na chamada respectivas economias e sociedades?15 Se­
“revolução pelo alto”? Vale lem brar que gundo a análise de Trotsky, a “burocra­
a “G rande V irada” de 1928 fez vários co­ cia” soviética já não teria abandonado por
laboradores próximos de Trotsky, como o completo a perspectiva anticapitalista na
célebre economista Preobrazhenski sua ação internacional, estando preocu­
(1965, 1973 e 1980), se recom porem com pada apenas em garantir sua autoprcscr-
o poder soviético, já que este parecia es­ vação mediante compromissos com o im­
tar adotando justam ente as políticas que perialismo?
a oposição vinha cobrando há algum tem ­
po (o que não impediu que muitos deles Variações do Trotskismo no
— inclusive o próprio Preobrazhenski — Pós-Guerra: Mandei, Ticktin e Deutscher
fossem fuzilados pelo regime em segui­ Entre os seguidores de Trotsky no pós-
da...)12. guerra, diferentes autores enfatizaram dife­
2. D a mesma forma, se o poder estatal-par- rentes aspectos da evolução do seu pensa­
tidário soviético era expressão da dom ina­ mento para conceber diferentes perspectivas
ção da “burocracia”, como explicar que sobre a evolução das sociedades e Estados
os violentos expurgos da segunda m etade de tipo soviético. Ernest Mandei se destacou
dos anos 30 tenham se dirigido justam en­ por tentativas de resgatar e refinar a inter­
te contra a burocracia? Como o próprio pretação trotskista ortodoxa, adaptando-a
biógrafo de Trotsky, Isaac Deutscher, aos desenvolvimentos da segunda m etade do
reconhece, “um dos efeitos dos expurgos século X X (Mandei, 1972,1974,1980,1989 e
foi impedir a consolidação dos grupos ge­ 1992). Já Hillel Ticktin optou por enfatizar o
renciais como estrato social” (Deutscher, caráter “contra-revolucionário” do Estado
1963, p. 306; tradução minha). Mas, en­ Soviético, contrapondo a predominância de
tão, como conceber precisamente o po­ um a “economia administrada” no seu inte­
der soviético na época como dominação rior à visão trotskista original de uma “eco­
política deste estrato social (a burocra­ nomia planificada” (Ticktin, 1973 e 1992).
cia)? Será que esta caracterização não se Isaac Deutscher destacou o legado progres­
fundam enta em um essencialismo aprio- sista e revolucionário das transformações nas
rístico desprovido de fundam entação em ­ relações de propriedade na URSS, apostan­
pírica?13 do na possibilidade da sua “regeneração pelo
3. Por fim, a caracterização da U nião Sovié­ alto”. Ele reconheceu até mesmo méritos

57
históricos genuínos na obra de Stalin, que 1872. O líder anarquista russo considerava
“encontrou uma Rússia trabalhando com que um projeto emancipador centrado na
arado de madeira, e a deixou equipada com conquista do poder político, como o propos­
pilhas atômicas” (Deutscher, 1969, p. 55; to pela teoria marxista, só poderia resultar
tradução minha ). Sua heterodoxia lhe valeu na emergência de um novo despotismo, já
críticas iradas por parte de outros autores que “quem diz Estado, diz automaticamente
trotskistas.1,1 N enhum desses autores, no en­ dominação e, conseqüentemente, escravi­
tanto, negou a validade da apreciação básica dão” (Bakunin, 1983, p. 96). Assim:
da sociedade soviética desenvolvida por “[No Estado Popular do Sr. Marx] haverá
Trotsky. um governo excessivamente complicado,
Já nos anos 30, vários dos principais co­ que não se contentará em governar e admi­
laboradores do fundador da IV Internacio­ nistrar as massas politicamente, como fa­
nal se distanciaram política e teoricamente zem todos os governos hoje, mas que ainda
deste, por não concordar com sua caracteri­ as administrará economicamente, concen­
zação da URSS como uma “sociedade presa trando em suas mãos a produção e a justa
repartição das riquezas, a cultura da terra,
na transição, nem socialista, nem capitalista”.
o estabelecimento e o desenvolvimento das
Para eles, era forçoso reconhecer haver sur­
fábricas, a organização e a direção do co­
gido um novo m odo de produção com uma mércio, enfim, a aplicação do capital à pro­
nova classe dominante e exploradora na dução pelo único banqueiro, o Estado. T u ­
União Soviética (o que tinha implicações do isso exigirá uma ciência imensa e muitas
profundas para o tipo de posicionamento po­ cabeças transbordantes de cérebro nesse
lítico que deveria ser mantido em relação a governo. Será o reino da inteligência cientí­
ela). A seção que segue examina as origens e fica, o mais aristocrático, o mais despótico,
os desdobramentos principais dessa caracte­ o mais arrogante e o mais desprezível dc to­
dos os regimes. Haverá uma nova classe,
rização alternativa.
uma nova hierarquia de doutos reais e fictí­
cios, e o mundo se dividirá em uma minoria
Leituras Centradas na Em ergência de dom inando em nome da ciência, e uma
um Novo M o do de P rod u çã o e uma imensa maioria ignorante" (Bakunin, 1989,
Nova Dom inação de C la sse pp. 95-6).

Dos conceitos totalizantes rivais sobre Para Bakunin, a verdadeira liberdade e


as sociedades do Leste surgidos no âmbito emancipação só poderiam advir da imediata
do pensamento marxista, este é o que reúne abolição do Estado e sua substituição pela
o maior núm ero e a maior variedade de formação livre e pela livre federação de as­
abordagens e enfoques. Antes de proceder à sociações operárias baseadas na propriedade
análise específica destas, vamos começar coletiva da terra, dos capitais, das matérias-
examinando alguns dos seus precursores teó­ primas e dos instrumentos de trabalho (Ba­
ricos no movimento socialista e no pensa­ kunin, 1983, p. 117).
mento de inspiração marxista. H á uma forte coincidência entre estas
posições bakuninistas e as defendidas pelo
Bakunin e as Críticas Anarquistas e polonês Vaclav Machajski no início do século
Sindicalistas ao Socialismo Autoritário XX (Machajski, 1937). Este caracterizava o
Fora do âmbito próprio do marxismo — “socialismo” da social-democracia como a
mas nos marcos do movimento operário do ideologia de uma nova classe de intelectuais
século passado — cabe destacar, em primei­ e técnicos que explorava as lutas dos operá­
ro lugar, as críticas anarquistas (sobretudo as rios manuais para chegar ao poder e impor a
de Michael Bakumn) ao “socialismo autori­ sua dominação. Ecos desta interpretação
tário” de Marx.17 As divergências entre os ainda podiam ser identificados nas reflexões
adeptos das duas correntes culminaram na de autores dissidentes poloneses nos anos 70
expulsão de Bakunin da I Internacional, em e 80 (Konrád e Szelényi, 1979). Concepções

58
antiintelectualistas análogas podem ser en ­ triunfo dos seus partidários (idem: p. 235).
contradas, ainda, nos escritos da fase sindica­ Esta impossibilidade do socialismo seria de­
lista de George Sorel (1919 e 1972), sobretu­ terminada não só por motivos técnicos, mas
do na sua crítica aos partidos políticos (que, também por fatores psicológicos — o mesmo
segundo ele, subordinavam o proletariado a instinto que leva os proprietários, nas socie­
políticos profissionais). Para Sorel, processos dades capitalistas, a deixarem de herança pa­
de nacionalização dos meios de produção ra seus filhos as riquezas que acumularam
conduzidos por partidos políticos resultariam em vida, levaria os administradores da fortu­
não na emancipação dós trabalhadores, mas na e dos bens públicos no Estado socialista a
no aum ento do poder dos políticos sobre os se beneficiarem do seu imenso poder para
produtores. A alternativa, ^para ele, residiria assegurar a seus filhos a sucessão nos cargos
na deflagração de um a greve geral (insur­ que ocupam. De posse dos instrumentos do
recional) que restaurasse o controle da pro­ poder coletivo, este grupo social faria de tu ­
dução para os homens livres, sem qualquer do para preservá-los. Em decorrência, a re­
necessidade de mestres. Esta revolução seria volução social simplesmente substituiria uma
ao mesmo tempo social e moral, e significa­ classe dominante visível e tangível por uma
ria “a recusa do proletariado em ver novas oligarquia demagógica operando sob a falsa
hierarquias m ontadas sobre si” (Sorel, 1919, máscara da igualdade (idem, p. 231).
pp. 59-60). Poucos autores marxistas preocuparam-
se em responder a essa crítica micheliana.
Michels e a Lei de Bronze No seu livro Tratado de Materialismo Histó­
da Oligarquia rico, de 1921, Bukharin comenta as posições
H á importantes pontos de contato entre de Michels (e Pareto) e admite poder haver
estas idéias de Sorel e as posições desenvolvi­ uma tendência â formação de uma camada
das por R obert Michels no seu célebre estu­ dirigente como classe embrionária durante o
do sobre as conseqüências oligárquicas do período de transição, mas reitera que esta
imperativo organizacional nas sociedades de tendência não constitui “lei inexorável” e po­
massa contem porâneas — a chamada “lei de de ser combatida e revertida (Bukharin,
bronze da oligarquia” (Michels, 1982).18 E m ­ 1970). Já Gramsci criticou Michels, entre o u ­
bora sua análise se concentrasse na evolução tras coisas, por confundir a divisão técnica do
dos partidos social-democratas fora do poder trabalho com a divisão social (de classe). E n­
(enquanto protótipos do Partido D em ocráti­ quanto a primeira era inevitável, mas podia
co Moderno), o pensam ento micheliano se ser controlada, a segunda não (Gramsci,
sustentava numa singular combinação das 1984, p. 109).
perspectivas teóricas de Marx e W eber, que Os autores anarquistas foram os primei­
viria a servir de base para praticam ente todas ros a apontar, sobretudo após o esmagamen­
as abordagens posteriores que identificaram to da rebelião de Kronstadt e do movimento
a emergência de um a “nova classe dominan­ makhnovista, a emergência de uma “nova
te” nos marcos da “burocracia reinante” nos classe” opressora na Rússia soviética — a
Estados de tipo soviético. “comissariocracia”, segundo expressão cu­
Michels indicava que toda organização nhada por Rocker em 1921 (Rocker, 1977,
implica divisão de trabalho — e que qual­ p. 18). Isto, segundo eles, confirmava tragi­
quer órgão da coletividade, nascido da divi­ camente a validade da crítica fundamental
são do trabalho, cria para si, logo que estiver dirigida ao “socialismo autoritário” marxista
consolidado, um interesse especial em oposi­ desde o século passado. A experiência da re­
ção ao interesse geral. Por isso, na sua opi­ volução soviética teria comprovado, mais do
nião, a perspectiva marxista da construção que nunca, que o Estado é, pela sua própria
de uma sociedade sem classes era inviável. O essência, gerador e perpetuador de diferen­
socialismo pereceria no próprio m om ento do ças de classe, e que não pode ser transforma­

59
do em instrum ento de libertação do povo não passaria de uma revolução camponesa-
(Rocker, 1977; Voline, 1990). agrária.
Adviriam disto dois cursos alternativos
Karl Kautsky e a de desenvolvimento possível para o poder
Crítica Social-Democrata soviético: ou este reconhecia o caráter social
A crítica mais dura e sistemática ã cons­ da revolução que dirigia e abria o caminho
tituição de um a nova classe dominante na para o desenvolvimento do capitalismo (o
URSS, no entanto, viria do quadrante políti­ que implicaria uma abertura política cor­
co oposto ao do anarquismo no movimento respondente, mediante nova convocação ou
operário — o dos dirigentes principais da II eleição da Assembléia Nacional Constituinte,
Internacional (social-democrata), sobretudo que suplantaria, assim, os próprios sovietes);
Kautsky, Hilferding e os líderes da ala direita ou ele se aferraria a métodos ditatoriais para
dos mencheviques russos (ou seja, precisa­ explorar e expropriar o campesinato (o que
mente os “mais estatistas” dos “socialistas es- acarretaria a alienação da sua base social
tatistas”), a quem Rosa Luxemburgo se refe­ principal e, conseqüentemente, a sua der­
ria sarcasticamente como “os ‘sábios’ oficiais rubada devido ao isolamento político interno
do marxismo” (Luxemburgo, 1983, pp. 434- e externo). Essa mesma compreensão funda­
5). Como vimos antes, os dirigentes social- mentou a oposição dos mencheviques rem a­
democratas haviam se oposto à tom ada do nescentes na Rússia às políticas do “com u­
nismo de guerra” adotadas pelos bolchevi­
poder pelos bolcheviques por considerar a
ques entre 1918 e 1921.19
Rússia demasiado atrasada para proceder à
Q uando o poder soviético mostrou-se
construção do socialismo, enquanto Rosa
capaz de superar as suas primeiras provas na
Luxemburgo e Trotsky (conform e a orienta­
G uerra Civil, as reflexões de Kautsky cami­
ção estratégica inicial do Partido Bolchevi­
nharam no sentido de identificar a em ergên­
que) destacavam que a revolução soviética
cia de uma forma de “capitalismo de Esta­
poderia ser um a força catalisadora de revo­
do” na Rússia soviética (falaremos mais so­
luções sociais nos países mais adiantados,
bre isto no próximo artigo). Nos marcos des­
que “resgatariam”, em seguida, a URSS do te, estaria surgindo uma nova classe domi­
seu próprio subdesenvolvimento. nante, com base na fusão da burocracia esta­
A primeira reação dos dirigentes social- tal com a burocracia do capital (uma espécie
democratas ã revolução soviética foi de total de “burguesia burocrática”). O seu texto
descrença em relação às suas possibilidades Terrorismo e Comunismo, de 1919 (que pro­
de sobrevivência. Kautsky, por exemplo, na vocou a resposta irada homônima de
condição de assessor do Ministério das Rela­ Trotsky) fundamenta essa perspectiva a par­
ções Exteriores da Alem anha após a der­ tir de uma transcrição quase que literal das
rubada do governo do kaiser no final de reflexões contemporâneas de W eber sobre a
1918, aconselhou contra o estabelecimento burocracia (Kautsky, 1973). Assim, ele sim­
de relações diplomáticas com o poder sovié­ plesmente transfere para os bolcheviques a
tico, já que este não se seguraria no poder crítica dirigida ao socialismo por Weber, in­
por muito tem po (Steenson, 1991, p. 201). dicando que eles teriam potenciado ao máxi­
Na sua principal obra sobre a URSS escrita mo o processo de burocratização ao unificar
nesse mesmo ano, esta inviabilidade do po­ duas burocracias (a pública e a privada) que
der soviético era explicada em função do ca­ antes se apresentavam separadas e em
ráter burguês da revolução russa, o que, por concorrência na sociedade. Isto só tornaria
sua vez, era determ inado pela preponderân­ ainda mais limitadas e difíceis as condições
cia do campesinato na sua sociedade de resistência dos trabalhadores.
(Kautsky, 1979, p. 73). A pesar da sua retóri­ Com base nessa compreensão franca­
ca socialista, portanto, a revolução soviética m ente hostil ao poder soviético, Kautsky en­

60
viou, em 1924, um m em orando sobre a si­ ma de exploração e servidão.” (Kautsky,
tuação soviética ã Internacional O perária So­ apud Salvadori, 1986, p. 291).
cialista (IOS — a articulação internacional Diferentemente dos anarquistas, no en ­
remanescente do movimento social-demo- tanto, Kautsky considerava a emergência
crata na época) exigindo que esta desta nova classe dominante na URSS uma
desenvolvesse um a luta contra o bolchevis- decorrência não das “concepções socialistas
mo não menos enérgica do que aquela que autoritárias” de Marx, mas do voluntarismo
havia travado antes de 1917 contra o tzaris- dos bolcheviques, que teimaram em passar
mo (Kautsky, 1925). Este m em orando foi por cima das condições objetivas existentes
duramente criticado, na época, pelos pró­ na sua sociedade e tentaram eliminar, por
prios mencheviques, que se recusaram a as­ decreto, as etapas necessárias ao desenvolvi­
sumir a responsabilidade histórica de com an­ mento do socialismo. Contra Trotsky, ele a r­
dar a derrota do regime surgido da revolu­ gumentava que a “ditadura do proletariado”
ção russa (Liebich, 1986, p. 355). Os m en­ já havia nascido deformada como “ditadura
cheviques haviam interpretado a adoção da de partido” na Rússia. As origens do proces­
NEP, em 1921, como o reconhecimento do so de formação da “nova classe” rem onta­
“caráter burguês” da revolução pelo poder riam, portanto, ao monolitismo político insti­
soviético e o seu encam inham ento para um tuído por Lênin (e pelo próprio Trotski), não
desenvolvimento capitalista clássico. Os so- fazendo sentido falar em uma “degenera­
cial-democratas russos, nessa época, chega­ ção” posterior.
ram até mesmo a criticar o Partido Bolchevi­ Em bora não fossem aceitas unanime­
que por fazer concessões em demasia ao ca­ mente, essas posições de Kautsky tiveram
pital estrangeiro e aos “novos ricos” inter­ forte ressonância no movimento social-de-
nos.20 A reversão nas políticas da N E P a par­ mocrata nos anos 30. Em 1931, o economis­
tir da “G rande V irada” de 1928, e a subse­ ta do PS francês, Lucien Laurat, publicou
qüente “revolução pelo alto”, no entanto, um importante livro sobre a economia sovié­
deitaram por terra essa avaliação e recoloca­ tica caracterizando a “oligarquia burocrática
ram para os dirigentes social-democratas (e o da U RSS” como “um a classe que deriva sua
conjunto das forças oposicionistas) a proble­ renda da exploração da população” (Laurat,
mática teórica e política da natureza da URSS. 1931, p. 193, tradução minha). As alas de di­
Neste período, Kautsky resgatou a tese reita e de centro do Partido Menchevique
anarquista da emergência de um “novo m o­ russo, sobretudo seus dirigentes Boris Nico-
do de produção” distinto, tanto do capitalis­ laievski e Rafael Abramovitch, também
mo, quanto do socialismo na União Soviéti­ acompanharam as concepções de Kautsky,
ca. Contra O tto B auer (cujas opiniões vimos afastando-se das posições da ala esquerda li­
mais acima), ele afirmava que a ideologia so­ derada pelo então presidente do Partido,
cialista tinha valor apenas instrumental para Theodor Dan (Liebich, 1986).
o regime soviético. Este era dominado, na
verdade, por um a “nova aristocracia” que Teorias do Totalitarismo: Hilferding,
controlava os meios de produção não-priva- Souvarine, e Victor Serge
dos e os explorava em benefício próprio: Nicolaievski viria a convidar o célebre
“Não a abolição de todas as classes, mas a economista austríaco Rudolf Hilferding,
substituição das velhas classes por novas foi amigo e colaborador próximo de Kautsky,
a culminação da revolução bolchevique de
para publicar um artigo na revista dos m en­
1917 [...]. A econom ia militarizada, alta­
cheviques russos, refutando o resgate da tese
m ente concentrada, do Estado soviético,
difere radicalm ente, por certo, da econo­ do “capitalismo de Estado” na URSS pelo
mia do capitalismo privado, mas não está trotskista inglês “dissidente” R. Worral. A
menos distante do objetivo da em ancipação resposta de Hilferding foi publicada em 1940
da classe trabalhadora do que qualquer for­ (Hilferding, 1977), um ano antes dele ser

61
morto pela Gestapo na França ocupada. As formação” que varreria o mundo em seguida
suas críticas à tese do “capitalismo de E sta­ nos anos 30. Esta “transformação universal”
do” basicamente reeditaram os argumentos teria levado ã suplantação da auto-regulação
já levantados em 1934 pela menchevique de liberal do mercado (e a separação institucio-,
esquerda Olga Domanevskaia (citada mais nal das esferas econômica e política dela
acima). Ele apontou o contra-senso de se ca­ decorrente) por esforços massivos de regula­
racterizar como “capitalista” uma sociedade ção consciente da vida social, como os planos
em que não existia propriedade privada dos qüinqüenais soviéticos, o New Deal norte-
meios de produção, as leis de mercado não americano, o nazismo alemão, o retorno a
atuavam autonom am ente, e a maximização impérios autárquicos etc. (Polanyi, 1980).
do lucro não constituía a motivação central Polemizando com Trotsky, Simone Weil já
da produção. Criticou, igualmente, a inade­ havia chegado a conclusões semelhantes em
quação de se conceber a “burocracia” como 1933 (Weil, 1977).
detentora independente do poder na União Diferentes autores marxistas já haviam
Soviética. incorporado o totalitarismo como conceito
A principal inovação teórica introduzida central das suas caracterizações da URSS
no artigo por Hilferding, no entanto, foi a nos anos 30. No seu livro biográfico sobre
identificação do surgimento de um novo sis­ Stalin publicado em 1935 (duramente criti­
tema social na URSS — a “economia totali­ cado por O tto Bauer, por sinal), o historia­
tária de Estado” — do qual estariam se dor francês Boris Souvarine apontou um
aproximando, tam bém , a Alemanha nazista “parentesco histórico profundo” entre o to­
e a Itália fascista. Nesse sistema, as relações talitarismo na Alemanha e na União Soviéti­
entre política e economia seriam alteradas ca (Souvarine, 1935). Este autor (que foi
por completo, com a primeira tornando-se fundador do PCF e integrante do Secretaria­
independente e determ inante da segunda. do da III Internacional até ser expulso, em
Para Hilferding, isto subvertia a com preen­ 1924) concluiu que o totalitarismo político
são original do marxismo sobre a relação en­ da URSS se fundava em um novo tipo de ex­
tre economia e Estado. Por isto, seria neces­ ploração tecno-burocrática desenvolvida nos
sário abandonar a pretensão de caracterizar marcos da economia estatizada. Ele chegou
economicamente a sociedade soviética como mesmo a classificar este novo tipo de explo­
capitalista ou socialista, e reconhecer que a ração como um “feudalismo burocrático” (o
evolução da sua sociedade era determinada, que me parece uma conjunção de termos
em inentemente contraditórios). O dissidente
sobretudo, pela natureza totalitária do seu
bolchevique refugiado na França, Victor
poder político (idem , p. 96).
Serge chegou a conclusões análogas em im­
A abordagem teórica do fenômeno to ­
portante obra sobre a revolução russa publi­
talitário por Hilferding rompia, assim, com o
cada dois anos depois (Serge, 1937). No pós-
enfoque centrado na emergência de um “no­
guerra, Hannah Arendt procurou sistemati­
vo modo de produção” especificamente so­
zar teoricamente o próprio conceito de tota­
viético de Kautsky. Essa abordagem do eco­
litarismo, tomando como referência básica
nomista austríaco tinha evidentes pontos de
os desenvolvimentos na Alemanha de Hitler
contato com reflexões de outros renomados
e na União Soviética de Stalin (examinamos as
autores contemporâneos, influenciados em
suas formulações na primeira parte desta rese­
menor ou maior graus (e de diferentes for­
nha, publicada no número anterior do BIBJ.
mas) pelo pensam ento marxista. E ntre estes,
destaca-se KarI Polanyi. Em bora sua aborda­
Marcuse e o Legado
gem não fosse centrada no conceito de to ta­
da Escola de Frankfurt
litarismo, Polanyi identificou na industrializa­
ção e coletivização da URSS ao final dos A temática do totalitarismo foi retom a­
anos 20 o marco precursor da “grande trans­ da, igualmente, nas reflexões críticas de au-

62
tores ligados ã chamada Escola de Frankfurt não concordarem com sua caracterização da
sobre a racionalidade da civilização industrial sociedade soviética.
moderna.21 Marcuse, cm particular, argu­
mentou que, ao impor um tipo de controle e Os Trotskistas Dissidentes I: Rizzi,
centralização da produção que negou aos Burnham e Schachtman
produtores imediatos o papel de sujeitos au ­
O trabalho precursor dessa “dissidência
tônomos, a nacionalização e a abolição da
trotskista” foi o livro O Coletivismo Burocrá­
propriedade privada na U RSS teria resulta­ tico, do italiano Bruno Rizzi, publicado em
do no aperfeiçoamento da dominação, em 1939 (Rizzi, 1977). Nele, Rizzi argumenta
vez de pré-requisito para a sua abolição que a burocracia soviética havia se cristaliza­
( Marcuse, 1969, p. 80). O fenômeno do tota­ do em uma nova classe dominante na URSS,
litarismo, nesta perspectiva, estaria fundado nos marcos da constituição de um novo siste­
na generalização, em todas as sociedades in­ ma de exploração que ele chama de “coleti­
dustriais, de uma única e limitada racionali­ vismo burocrático”. Neste, o controle do E s­
dade instrumental burguesa, que padroniza tado dava à nova classe dominante (a buro­
e atomiza os indivíduos, sufocando a sua es­ cracia) a propriedade efetiva dos meios de
pontaneidade e autonomia. produção, embora ela não dispusesse dos tí­
Como as sociedades de tipo soviético tulos jurídicos de propriedade da velha bur­
não só incorporaram como passaram a re­ guesia. Já os trabalhadores, seriam reduzidos
produzir esta mesma racionalidade, suas di­ à condição de escravos. Rizzi introduz, aqui,
ferenças fundamentais com a sociedade oci­ uma distinção teórica entre a “propriedade
dental estariam sendo esmaecidas por uma formal” e o “controle real” dos meios de
forte tendência à assimilação. Em am bas as produção, que se tornaria peça central na ar­
sociedades, segundo Marcuse, a centraliza­ gumentação de inúmeros autores contrários
ção e a regimentação superavam a empresa à caracterização dos Estados de tipo soviéti­
individual e a autonomia; a competição se co como socialistas.
tornava cada vez mais organizada e “raciona­ Para o ex-trotskista italiano, no entanto,
lizada”, as burocracias econômicas e políticas a emergência deste “coletivismo burocráti­
eram unificadas sob um governo de com an­ co” não seria um desenvolvimento específico
do; e a massa do povo era coordenada e m o­ soviético. Ele o interpretava como fruto das
bilizada por intermédio da mídia e dos meios contradições da socialização da produção no
mundo industrial moderno: por um lado, a
massificados de diversão e educação (idem ,
classe operária havia se revelado incapaz de
pp. 79-80). Enfim, o processo de burocrati-
cumprir o papel previsto originalmente para
zação monolítica, que W eber imputava ao
ela na teoria marxista — assumir o controle
socialismo e Kautsky ao bolchevismo, estaria
da indústria m oderna por meio da revolu­
tomando conta de toda civilização industrial
ção; por outro, o capitalismo também se
moderna. Este enfoque marcuseano teve mostrava incapaz de funcionar e sobreviver,
forte influência sobre as “teorias da conver­ em função do alto grau de concentração e
gência” desenvolvidas no Ocidente entre os centralização alcançado pela produção. Co­
anos 50 e 70 (vistas na primeira parte da mo resultado, a burocracia emergiu como
resenha). Ele se entrelaça, também , com al­ agente social da superação do capitalismo,
gumas das leituras marxistas que identifica­ constituindo uma nova forma de economia
ram a prevalência do capitalismo de Estado coletivista (burocrática), mais adequada ao
e/ou burocrático nos países do Leste (discu­ caráter social da produção no mundo mo­
tiremos estas no próximo artigo). Suas ori­ derno. Assim como Polanyi, Rizzi concebia
gens, no entanto, rem ontam às reflexões dos esse desenvolvimento como uma transfor­
colaboradores e seguidores de Trotsky que mação universal materializada^em múltiplos
romperam com este no final dos anos 30, por desenvolvimentos mundiais no decorrer dos

63
anos 30 (na URSS, na Alemanha, na Itália, não possuem propriedade própria sobre os
nos Estados Unidos etc.). meios de produção antes da tomada do po­
Entre 1939 e 1940, houve um a cisão im­ der, eles se apropriam das forças produtivas
portante no Partido Socialista dos T raba­ (via revolução) através da esfera política (o
lhadores, seção da IV Internacional nos Es­ Estado operário). Seu poder social, portanto,
tados Unidos, opondo dois de seus principais é inseparável do seu poder político. Por isso,
dirigentes, Jam es Burnham e Max Scha- a tese de Trotsky de que o proletariado foi
chtman, às posições “ortodoxas” de Trotsky. “politicamente expropriado” pela burocracia
No centro da polêmica estava a caracteriza­ em um Estado que continuaria sendo operá­
ção do regime social existente na URSS que, rio (em função da predominância de formas
segundo os dois dissidentes, não podia ser sociais de propriedade) não faria sentido: o
considerado nem um Estado operário, nem Estado só pode ser concebido como “operá­
um Estado burguês. Fundam entando esta rio” na medida em que os trabalhadores
posição, Burnham publicou, em 1941, o livro exerçam efetivamente o poder político na so­
The Managerial Revolution (Burnham, ciedade (idem, pp. 43-4). Schachtman, assim
1941), que viria a ter grande influência sobre como Rizzi, enfatizava a necessidade de se
os defensores da teoria da convergência no distinguir teórica e conceitualmente as “for­
pós-guerra (vistos no artigo anterior). Como mas de propriedade” das “relações de pro­
Rizzi, Burnham situou a emergência de um dução”, destacando que, no caso do Estado
“novo modo de produção” na U nião Soviéti­ operário, as formas de estruturação da esfe­
ca nos marcos da ascensão mundial de uma ra política são determinantes das relações de
nova classe dom inante — a dos adm inistra­ produção.
dores tecnocratas — que substituía as fun­ Com base neste raciocínio teórico,
ções e o poder das antigas classes proprietá­ Schachtman afirmou a inexistência de um
rias. Todo o m undo desenvolvido estaria “Estado operário” na URSS, caracterizando-o
convergindo para o m esm o tipo de transfor­ como um “Estado burocrático coletivista”.
mação nos processos produtivos (a “revolu­ Este “coletivismo burocrático”, no entanto,
ção dos adm inistradores”), que resultava na era concebido em termos diferentes de Rizzi
conformação de um m odo de produção his­ e Burnham. Para Schachtman, tratar-se-ia
toricamente novo (a “sociedade dos adminis­ de um fenômeno limitado à União Soviética,
tradores”). Cabe registrar que tanto Rizzi fruto de um a conjuntura histórica única
quanto Burnham sustentaram metodologi­ (idem, p. 81). Os expurgos do final dos anos
camente suas análises num a radicalização do 30 teriam coroado um processo de contra-
determinismo tecnicista presente no próprio revolução que alterou o caráter de classe do
pensamento de Trõtsky. Estado soviético, consolidando a burocracia
Já as posições de Schachtman se susten­ como nova classe dominante. O marco políti­
tavam sobre bases diferentes (Schachtman, co desse coroamento teria sido a “liquida­
1962). Sua crítica teórica fundamental de ção” dos sovietes na Constituição de 1936
Trotsky se dirigiu contra a separação concei­ (que reintroduziu o princípio do sufrágio
tuai, feita por este, dos poderes político e universal na URSS). A conquista definitiva
econômico do estado operário. Segundo do poder pela burocracia teria, portanto, dis­
Schachtman, esta separação conceituai e ins­ sipado as relações de propriedade estabeleci­
titucional só seria concebível em sociedades das pela revolução bolchevique.
capitalistas, nas quais a burguesia se vale da Segundo Schachtman, o reconheci­
sua supremacia econômica (isto é, da sua mento da necessidade de uma nova revolu­
propriedade privada sobre os meios de pro­ ção política na URSS por Trotsky, a partir
dução fundamentais) para conformar o seu de 1933, indicaria que ele também intuiu es­
poder social em um a esfera política estrutu­ sa alteração fundamental, mas não ousou le­
rada separadamente. Como os trabalhadores var essa intuição às últimas conseqüências

64
(ficando preso, portanto, a uma formulação rocracia política (idem, p. 62) e também uma
contraditória). Para o dissidente trotskista, o preocupação central com as formas as­
que se impunha para os trabalhadores sovié­ sumidas pelo Estado nos países do Leste
ticos era uma nova revolução tanto política (idem, pp. 104-47). Ao contrário dos dis­
quanto social contra a classe burocrática d o ­ sidentes trotskistas, no entanto, Djilas locali­
minante. Sua evolução posterior, no entanto, zou o germe da “nova classe” na concepção
foi marcada por um progressivo afastam ento de partido desenvolvida por Lênin e pratica­
de posições marxistas- e um crescente ali­ da pelos bolcheviques, concepção esta que
nhamento com a política externa norte-am e­ transformaria inevitavelmente esse tipo de
ricana no âmbito da G uerra Fria — a ponto partido no alicerce de um Estado totalitário
de apoiar, antes de morrer, em 1972, a parti­ após a tomada do poder (idem, p. 63). No
cipação dos Estados Unidos na invasão da caso específico da União Soviética, berço
Baía dos Porcos em Cuba e na G uerra do deste fenômeno, a interpretação de Djilas
Vietnã (Bellis, 1979, p. 111). inspirou um estudo detalhado sobre a com­
posição da suposta “nova classe dom inante”
Leituras Dissidentes no Leste: Milovan pelo historiador Michael Voslensky, após o
Djilas e as Interpretações Iugoslavas seu refúgio no Ocidente (Voslensky, 1980).
Possivelmente marcados pela singulari­ Se a obra de Djilas carece de qualquer
dade das suas experiências pessoais, a tese da contribuição teórica mais substantiva, resta
emergência de um novo modo de produção perguntar: por que ela teve tamanha repercus­
específico nas sociedades de tipo soviético foi são? Parece-me que a resposta reside no
incorporada, no pós-guerra, pela maior parte próprio perfil pessoal do autor: um dos mais
dos círculos marxistas dissidentes no Leste. altos dirigentes do Partido e do Estado da
O trabalho precursor dessa incorporação foi, Iugoslávia, presidente do Parlamento Nacio­
sem dúvida, o famoso livro A Nova Classe, nal desse país até a sua expulsão da Liga dos
do ex-dirigente da Liga dos Comunistas da Comunistas, em 1954, e posterior prisão. Ou
Iugoslávia, Milovan Djilas, recém-falecido seja, alguém que referenciava a sua caracte­
(Djilas, 1958). D o ponto de vista teórico, sua rização teórica em uma rica e intensa expe­
análise não traz qualquer inovação im por­ riência pessoal na direção dos fenômenos
tante em relação às reflexões de Rizzi e que analisava, o que conferia a essa caracte­
Schachtman que acabamos de ver. D o pri­ rização maior credibilidade e legitimidade. O
meiro, ele incorpora a distinção conceituai fato é que a sua análise teórica não era pro­
entre formas jurídicas de propriedade e con­ priamente inovadora, nem mesmo dentro do
trole efetivo da produção. Assim, para Djilas: seu país. Após a cisão com a URSS nos anos
50, vários autores de círculos políticos e aca­
“O direito à propriedade é o direito ao lu­
cro e ao controle. Definido-se as vantagens
dêmicos “oficiais” (ou tolerados) da Iugoslá­
de classe segundo esse direito, os Estados via passaram a identificada existência de um
comunistas terão visto, em última análise, a “novo modo de produção estatista” nos paí­
origem de um a nova form a de p ro p ried a ­ ses do bloco soviético (entre outros, Popovic,
de ou de um a nova classe governante e ex­ 1963; Vranicki, 1972 e 1974; Stojanovic,
ploradora [...]. Em contraste com as a n ti­ 1973; Markovic, 1977). O “crime” de Djilas
gas revoluções, a com unista, feita em n o ­ parece ter sido o de aplicar esse enfoque â
me da extinção das classes, resultou na
própria Iugoslávia...
mais com pleta autoridade de um a única e
nova classe. O resto é logro e ilusão.”
(idem , pp. 58-9). Rudolf Bahro
De Schachtman, o dissidente iugoslavo Os anos 70 testemunharam o surgimen­
herdou a identificação da Constituição de to de interpretações teóricas bem mais sofis­
1936 como marco político da formação de ticadas (embora menos badaladas) entre au ­
uma nova classe exploradora baseada na b u ­ tores marxistas dissidentes nos países do Les­

65
te. Uma das mais interessantes foi desenvol­ talista” até a tomada do poder pelos bolche­
vida pelo alemão-oriental R udolf Bahro viques), embora Lênin e seus companheiros
(1980). Este fundam entou a sua caracteriza­ não tivessem consciência disso.
ção das sociedades de tipo soviético em uma A tentativa de construir o socialismo
analogia com os processos históricos de tran­ nessas condições de atraso teria resultado
sição de sociedades primitivas para as pri­ numa espécie de “despotismo industrial”: a
meiras sociedades de classe (processos m ar­ socialização da produção assumiu “a forma
cados pelo predomínio do “despotismo agrá­ alienada de uma estatização baseada numa
rio” ou do “modo de produção asiático”). superação frustrada da antiga divisão do
Estas sociedades de transição cobririam um trabalho” (Bahro, 1980, p. 16). Entre os tra­
vasto período histórico, nos marcos do qual ços centrais deste despotismo industrial esta­
sociedades com um a divisão de trabalho em ­ riam a organização burocrâtico-centralista
brionária e quase natural, sem produto exce­ de toda a sociedade; o caráter estratificado
dente estável, transformaram -se em socieda­ desta; a impotência dos que participam dire­
des com uma crescente divisão social do tamente da produção; a relativa debilidade
trabalho e um produto excedente estável o dos impulsos produtivos; e uma organização
suficiente para eximir do trabalho produtivo político-ideológica típica de um Estado teo-
uma parle de seus membros (Gilly, 1985, p. crático. A “exploração” que persistiria neste
9). Para Bahro, a chave para a compreensão tipo de sociedade seria um fenômeno es­
das sociedades de tipo soviético residia em sencialmente político, isto é, reflexo da distri­
compreendê-las como sociedades marcadas buição (desigual) do poder político (idem, p.
por uma transição histórica análoga, mas em 94). Para Bahro, a revolução soviética estava
direção oposta: da sociedade de classes para condenada a este tipo de desfecho desde o
a sociedade sem classes. Nesta transição, em ­ seu início, dadas as condições estruturais so­
bora a propriedade privada dos meios de bre as quais se desenvolveu (enfoque análo­
produção já tivesse sido abolida, persistia a go ao determinismo estrutural da Sociologia
divisão entre o trabalho manual e intelectual, Histórica ocidental, discutida na primeira
porque o baixo nível de desenvolvimento das parte da resenha).
forças produtivas ainda não permitia a ab­
sorção do trabalho excedente pelo trabalho Agnes Heller e a
necessário. Escola de Budapeste
Os ecos de Trotsky nesta formulação O tema da alienação também ocupa lu­
são. evidentes. Mas há diferenças im portan­ gar central na caracterização das sociedades
tes. A mais crucial é que Bahro concebe a de tipo soviético pelos ex-colaboradores e
“sociedade de transição” como um vasto alunos de Gyorgy Lukács agrupados na cha­
processo histórico que se auto-reproduz, e mada Escola de Budapeste.2“ A principal
não como um período necessariamente cur­ inovação teórica introduzida por estes foi a
to, instável, tem porário e sem dinâmica pró­ identificação dc uma nova formação socio-
pria. Na sua visão, esse tipo de transição é econômica nos países do Leste, marcada pe­
fruto do bloqueio, pelos países capitalistas la monopolização de todos os meios de orga­
centrais, de qualquer possibilidade de indus­ nização e intercâmbio social pelo aparelho
trialização dos países dependentes e “subde­ estatal. Esta nova sociedade, distinta tanto
senvolvidos” na economia mundial. Por cau­ do capitalismo quanto do socialismo e com
sa disto, o impulso para a industrialização to­ elevada capacidade de auto-reprodução, foi
mou corpo em movimentos revolucionários batizada por eles de “ditadura sobre as
que procuraram vias não-capitalistas para a necessidades” (Eeher et allii, 1983).
sociedade industrial. Este seria o verdadeiro Cabe ressaltar que esta nova sociedade
sentido da Revolução de O utubro na Rússia não é concebida conceitualmente como um
(país classificado por Bahro como “pré-capi- “modo de produção”. Num enfoque próxi­

66
mo ao de Hilferdíng, os autores argum entam m ento de um a “ditadura sobre as neces­
que a estatização da propriedade é apenas a sidades”, na qual a estrutura política totaliza­
faceta econômica de um sistema total de do­ dora só permitia a satisfação de necessidades
minação social (idem , p. 70). Curiosamente, por ela reconhecida com o “reais”, e reprimia
esta dominação não é identificada com a as demais. Ao insistir na regulação (e even­
emergência de um a nova classe dominante tual eliminação) da vida privada conforme o
(já que, referenciados em W eber (1982, p. ideal oficial de necessidade social, o sistema
214), eles sustentam que o conceito de “clas­ se tornava totalitário. Em suma, a ênfase so­
se” só faria sentido em sociedades reguladas cialista na igualdade teria sido progenitora
pelo mercado). Ela expressaria, isto sim, o do despotismo nos estados de tipo soviético.
controle do estam ento superior da burocra­
cia estatal-partidária sobre toda a vida social Desenvolvimentos no Marxismo
(Feher et allii, 1983, p. 131). Assim como Ocidental: Paul Sweezy e o
Weber e Michels, os pensadores da Escola Legado de 1968
de Budapeste localizam a origem desta nova
No âmbito da esquerda ocidental, o du­
forma de dominação em impasses do pró­
plo impacto da cisão sino-soviética e das re­
prio projeto socialista, e não nas condições beliões estudantis-juvenis nos anos 60 tam ­
históricas de atraso enfrentadas pelas expe­
bém reavivou a identificação de uma “nova
riências revolucionárias ou na “traição” de classe dominante” nos países do Leste. Entre
princípios socialistas originais. os líderes da rebelião de maio de 68 na Fran­
As reflexões de Agnes Heller sobre as ça, essa identificação materializou-se na re­
necessidades humanas são basilares para o cuperação de antigas posições anarquistas e
desenvolvimento desta interpretação (H e­ sindicalistas, e na transcrição quase que lite­
ller, 1976). Para ela. os bolcheviques herda­ ral da análise de Burnham sobre a generali­
ram do romanticismo da Revolução France­ zação do fenômeno burocrático e a em er­
sa, via Marx, a identificação conceituai da li­ gência de um a nova classe dominante de ad­
berdade com a igualdade (e a compreensão ministradores no mundo (Cohn-Bendit e
do socialismo como priorização da última). Cohn-Bendit, 1969). Mas a tese do “novo
No poder, esses revolucionários buscaram modo de produção” ganhou adeptos mesmo
erguer uma sociedade em que todos fossem entre expoentes mais tradicionais do pensa­
iguais, e as bases do conflito social (inclusive mento marxista no Ocidente, como o reno-
entre as classes) fossem superadas. Mas isto mado economista norte-americano Paul
teria implicado deslocar a compreensão das Sweezy.
necessidades como expressão do sujeito indi­ Após a grande cisão do movimento co­
vidual, em favor de um a visão globalizante munista no início dos anos 60, a questão da
da “necessidade social” que deveria com an­ natureza das sociedades pós-revolucionárias
dar a organização de toda a sociedade (pas­ no Leste tornou-se um a preocupação teórica
sando por cima de “necessidades individuais central para Sweezy. Suas reflexões sobre o
particulares”). O problem a crucial, aqui, é tema começaram pela defesa inicial da natu­
que as necessidades hum anas são historica­ reza socialista da URSS, para em seguida se
mente produzidas, e não podem ser determ i­ aproximar da interpretação trotskista clás­
nadas a partir de uma identificação, em se­ sica, até concluir pela inconsistência destas
parado, da “natureza hum ana” ou das “leis leituras e formular a tese do surgimento de
do desenvolvimento social”. Os revolucioná­ um novo modo de produção na sociedade
rios russos (assim com o seus predecessores soviética. A evolução do seu pensamento en­
franceses) teriam se arvorado em árbitros da tre 1967 e 1980 pode ser acompanhada nos
necessidade social, impondo sobre a sua so­ artigos reunidos no livro 4 Sociedade Pós-
ciedade plural um modelo único e ideal de Revolucionária (Sweezy, 1981).
necessidades. O resultado foi o estabeleci­ Em 1967, Sweezy não admitia a existên­

67
cia de uma nova classe dom inante nos países civilização), ele também estimula a nossa
do Leste, mas apenas de um “estrato diri­ “imaginação sociológica” a ousar vôos mais
gente”. Ele garantia, na época, que só várias criativos. Mas tudo isso é insuficiente para
gerações de transmissão hereditária de privi­ superar limitações cruciais do argumento —
légios e soerguimento de barreiras â mobili­ tanto no que se refere â sua construção teó-
dade ascendente poderiam transformar esse rico-metodológica, quanto à sua consistência
“estrato” num a “classe” (i d e m p. 23). No empírica e conceituai.
início dos anos 70, no entanto, ele já identifi­ Do ponto de vista teórico-metodológi-
cava essa classe nos escalões superiores dos co, o conjunto das interpretações resenhadas
aparelhos do Partido, do Estado e do militar. nesta seção apoiou-se no que poderíamos
No caso da URSS, ela teria se moldado gra­ chamar de “tipo ideal weberiano negativo”.
dualmente a partir da década de 30, até Compreendendo o socialismo como alterna­
constituir-se em uma classe dominante cons­ tiva às mazelas e contradições fundamentais
ciente de si mesma e essencialmente auto-re- do capitalismo, os autores projetam as carac­
produtora (idem, p. 125). Sua formação con­ terísticas mais negativas deste em um tipo
duziu a sociedade soviética (e a dos demais ideal e concebem o socialismo como o opos­
Estados que a adotaram como modelo) para to. Se o tipo ideal capitalista é marcado por
um novo modo de produção, nem socialista, relações sociais desiguais e hierarquizadas,
nem capitalista. Segundo Sweezy, essa for­ pelo despotismo da propriedade privada na
mação social não poderia ser concebida co­ produção, pela subordinação da humanidade
mo uma “sociedade de transição” porque à ação incontrolâvel do mercado, por formas
mantinha suas próprias leis específicas de de­ representativas formais de democracia, pela
senvolvimento e era capaz de auto-reprodu- prevalência de valores individualistas guiados
çSo autônoma. O utros autores marxistas no por uma racionalidade meramente instru­
Ocidente desenvolveram análises nesta mes­ mental etc., o tipo ideal socialista é caracteri­
ma linha de raciocínio, entre os quais eu des­ zado por relações sociais igualitárias e hori­
tacaria Samir Amin (s/d. e 1992) e Simon zontais, pela associação livre dos produtores
Clarke (Clarice et «//ri, 1993). em unidades coletivas de produção, pela
substituição do mercado pela regulação pla­
Um Balanço Parcial
nificada e consciente de toda a vida social,
Numa passagem cm que busca apresen­ por formas substantivas de democracia dire­
tar de forma bastante resumida e sintética o ta e participativa, pelo predomínio de valores
seu argumento, Sweezy revela a estrutura de solidários voltados para o bem comum etc.
raciocínio que sustenta praticam ente todas Na medida em que os estados do Leste não
as interpretações resenhadas nesta seção: as correspondem a este tipo ideal — mas tam ­
sociedades de tipo soviético não se com por­ pouco reproduzem as características básicas
tam da maneira prevista para o socialismo do capitalismo, como a predominância da
por Marx; elas tam pouco conformam o pa­ propriedade privada e a economia de merca­
drão de funcionamento próprio do capitalis­ do — eles são concebidos como um novo ti­
mo; logo, só podem ser um novo tipo de so­ po de sociedade cujos contornos básicos têm
ciedade fundada em um modo de produção de ser melhor definidos.
não previsto originalmente pela teoria m ar­ O problema com esta abordagem é o
xista (idem, p. 118). A simplicidade do argu­ seu utopismo idealista. Não estou me refe­
mento o torna bastante sedutor. A o cogitar rindo, aqui, à “utopia” no sentido positivo —
possibilidades de desenvolvimento para civili­ o de vislumbrar alternativas políticas, econô­
zação moderna além da tradicional dicoto­ micas e sociais para além das instituições, es­
mia entre capitalismo e socialismo (o marxis­ truturas e relações em existência. Refiro-me
mo clássico só concebia como terceira alter­ à “utopia” no seu sentido negativo (de “lugar
nativa a barbárie, isto é, a negação da própria nenhum ”) — a não-confrontaçâo com os

68
problemas e impasses que a construção de esta socialização como pré-condição do so­
tais alternativas acarreta. O pensam ento de cialismo é, portanto, negar a sua própria es­
Marx não está isento deste utopismo/volun- sência e, em última instância, torná-lo tão
tarismo, mas sua discussão do socialismo impossível quanto a utopia anarquista de Ba­
(como primeira fase do comunismo) pelo kunin.
menos procura confrontar realisticamente Problemas teóricos análogos podem ser
alguns dos condicionantes e limitações bási­ vistos na discussão das formas democráticas
cos que afligiriam a construção de um a so­ de estruturação do Estado e da produção no
ciedade sem classes alternativa ao capitalis­ socialismo. Já vimos como, para Marx, as
mo no mundo moderno. Esta é a base da normas de repartição no socialismo ainda ti­
sua divergência com Bakunin e com os anar­ nham de ser baseadas no “direito burguês”,
quistas dc um a maneira geral. Isto no século devido â continuada predominância de rela­
passado, antes de qualquer tentativa mais sé­ ções “alienadas” na sociedade. Sem isto, a
ria de materializar historicamente a alternati­ ética do trabalho sc decomporia e a socieda­
va socialista. Mais de cem anos depois, não é de socialista não seria capaz de criar as con­
o caso de ficarmos presos à letra das suas dições materiais para a sua passagem a uma
formulações, e sim de confrontarmos os no­ fase superior (uma vez mais, o processo his­
vos problemas e impasses revelados pelas tórico dc superação da alienação comporia a
tentativas de construção do socialismo no sé­ própria essência do socialismo enquanto eta­
culo XX. pa de transição). Nestas condições, a simples
A base teórico-metodológica adotada generalização de mecanismos de democracia
peia maior parte dos autores resenhados üirela e parlicipativa no Estado e na produ­
nesta seção, no entanto, dá um passo atrás ção tenderia a afirmar interesses locais e in­
em direção a Bakunin. Tomemos, por exem­ dividuais (movidos pela lógica alienada da
plo, a distinção conceituai feita por estes au ­ maximização dos benefícios particulares)
tores entre a “nacionalização” e a “socializa­ contra o interesse da coletividade — o que
ção” dos meios de produção. É certo que a também determinaria, no limite, a própria
“efetiva socialização” não pode ser confundi­ impossibilidade da auto-reprodução amplia­
da com simples estatização das forças produ­ da da sociedade socialista.
tivas. Mas a eliminação das relações hierár­ A resolução democrática deste impasse
quicas na divisão técnica do trabalho (a “so­ no socialismo exige a constituição de institui­
cialização plena”) depende da superação das ções políticas representativas para compor es­
diferenças entre trabalho manual e trabalho se “interesse coletivo” de forma transparen­
intelectual na sociedade que fundam entam a te. Em outras palavras, em analogia com a
distinção entre tarefas de direção e tarefas caracterização do Estâdo burguês como “ca­
de execução no processo produtivo. Ou seja, pitalista coletivo ideal” por Engels (1977, p.
com base na discussão de Marx sobre as fa­ 54), o Estado socialista tem de constituir-se
ses da construção de uma sociedade sem democraticamente cm “proletário coletivo
classes que vimos anteriorm ente, a “sociali­ ideal”. Deste ângulo, as experiências de fu­
zação efetiva” só se verifica na conclusão da são partido-Estado nos países do Leste po­
transição histórica entre a primeira e segun­ dem ser vistas como uma resposta não-de-
da fases do comunismo. Nesta visão, a “cen­ mocrática a este dilema socialista. A ênfase
tralização progressiva de todos os meios de unilateral em formas de democracia direta e
produção nas mãos do Estado” (Marx e En- participativa, por sua vez, é incapaz sequer
gels, 1976, p. 37), isto é a nacionalização/es- de formular o problema, quanto mais de
tatização, é a base para iniciar o processo de achar uma resposta.
efetiva socialização do processo produtivo, O resultado da opção teórico-metodoló­
que constitui a própria essência do socialis­ gica pelo “tipo ideal negativo” adotada pela
mo (enquanto etapa de transição). Conceber maior parte dos autores resenhados nesta se-

69
ção é, assim, o não-confronto teórico e políti­ bilidade do conceito tradicional (weberiano)
co com problemas e impasses cruciais do de burocracia nos Estados de tipo soviético;
próprio projeto socialista. Isto não se aplica, a imprecisão das fronteiras da “nova classe
evidentemente, às análises de Michels/Pareto dominante” no âmbito da burocracia; e a
e dos autores agrupados na chamada Escola inadequação de se identificar a constituição
de Budapeste. Os primeiros, como vimos, dessa dominação de classe estruturada na
negam a própria viabilidade do socialismo. burocracia no exato período em que esta é
Suas formulações merecem, hoje, um reexa- violentamente reprimida e expurgada. Mais
me mais profundo, à luz do colapso dos E s­ fundamental, no entanto, é a inadequação
tados de tipo soviético no Leste. Os segun­ revelada pelos próprios acontecimentos pós-
dos não estão inteiram ente isentos do idea­ 89: o colapso rápido e fulminante das socie­
lismo criticado acima. dades de tipo soviético no Leste revelou que
Numa abordagem muito influenciada elas não estavam estruturadas sobre um m o­
pelo enfoque dos “comunistas conselhistas” do de produção capaz de prolongada auto-re-
(que analisaremos no próximo artigo), Ag- produção histórica. A facilidade com que os
nes Heller apresenta como solução para o di­ governantes desses Estados abriram mão do
lema indicado acima a m ontagem de um a es­ poder (à exceção da Romênia) revela, igual­
pécie de “Estado dual”: por um lado, deveria mente, que a sua caracterização como uma
“nova classe dominante” era inadequada —
erguer-se um aparelho democrático de deli­
afinal, que classe abriria mão da sua “domi­
beração e ação executiva, capaz de maximi­
nação” e privilégios tão facilmente? Por fim,
zar o controle da vida social; por outro, deve­
o colapso do “bloco soviético” no Leste, e a
ria generalizar-se a m ontagem de cooperati­
profunda crise econômica, política e social
vas independentes e participativas, dispondo
que se lhe seguiu, mostram que a sua evolu­
do capital necessário para assegurar sua via­
ção fundamental não vinha operando no
bilidade e estabilidade (Heller, 1985). Mas o
sentido da convergência com o Ocidente. P e­
problema, como vimos, é que, nas condições
lo contrário, o que houve foi a derrota dos
próprias do socialismo, um lado deste E sta­
Estados do Leste diante de um sistema inter­
do entra em contradição com o outro. Heller
nacional dominado e hegemonizado pelas
argumenta que o segundo pode ser subordi­
principais potências ocidentais, a que se se­
nado legitimamente ao primeiro apenas se
guiu o desmantelamento dos pilares funda­
este se fundam entar racionalmente sobre va­ mentais de seu sistema econômico-social em
lores éticos universalmente aceitos. Mas isto nome da integração com o Ocidente.
implica que, na sua ação, o aparelho político Estes desenvolvimentos minaram tam­
deve distinguir as necessidades sociais que bém a credibilidade das interpretações m ar­
conformam com estes valores daqueles que xistas que classificavam as sociedades de tipo
não conformam. Só que isto reintroduz, pre­ soviético como já capitalistas antes do colap­
cisamente, a metafísica da discriminação de so. Estas serão analisadas em número futuro
necessidades que, na sua análise, está na ori­ do BIB, que contará, ainda, com um balanço
gem do totalitarismo no Leste. Voltamos, as­ geral das leituras ocidentais e marxistas ã luz
sim, ao ponto de partida, sem solução... dos desenvolvimentos históricos que culmi­
Os problemas empíricos e conceituais naram no colapso do antigo “campo socialis­
enfrentados pela tese do “novo modo de ta” e na crise multilateral que se lhe seguiu.
produção no Leste” são ainda mais eviden­
tes. Alguns agravam observações críticas já (Recebido para publicação
feitas em relação a Trotsky, como a inaplica- em maio de 1995)

70
Notas

1. Por exemplo, será que as formulações sobre a “etapa superior do comunismo” não são
meramente utópicas (no sentido negativo)? Se “escassez” e “abundância” são termos re­
lativos, como conceber a possibilidade de uma sociedade produzir “abundância” de todos
os seus produtos, ou mesmo dos seus produtos fundamentais? Se a sociedade socialista
ainda está impregnada de valores burgueses e pré-burgueses, que forças-motrizes podem
impulsionar a transição para o comunismo? Será que a necessidade imperiosa de elevar a
produtividade econômica no socialismo não entra em contradição com a perspectiva da
progressiva superação das diferenças de classe, que é a sua própria razão de ser? Para
uma discussão inteligente destas (e outras) questões, ver Moore (1980).
2. Na verdade, essa posição remonta a reflexões do próprio Marx, que argumentou especi­
ficamente não só a possibilidade, mas a imperiosa necessidade do proletariado, na sua re­
volução, estabelecer uma sólida aliança com a massa de camponeses. Isto implicava a in­
corporação (e encam inham ento) das suas principais reivindicações do campesinato, mes­
mo (ou, sobretudo) nos países em que ele forma a maioria da população. Ver Marx
(1977c, p. 561).
3. Esta era a base da divergência entre Lênin e Bukharin, e não propriamente a definição
do socialismo. Q uanlo a esta, Bukharin estava de acordo com Lênin ao identificar a pro­
priedade comum (por meio do Estado) dos meios de produção e de troca como funda­
mento da primeira fase da sociedade comunista (Bukharin, 1980, pp. 46 c 54; 1979).
4. Para uma descrição deste processo, ver Fejto (1975).
5. Ver, por exemplo, Revunenkov (1961), sobretudo a Parte III — “A formação do sistema
socialista mundial”.
6. V e r , também, a crítica ao maximalismo da “economia política radical de esquerda” nos
Estados Unidos em Osadtchaia et allii (1985, pp. 411-8).
7. A aguda polêmica travada entre Lênin e Kautsky depois da elaboração deslas observa­
ções por Rosa Luxemburgo indicam que esta era uma apreciação simplista e inadequada
da posição de ambos sobre essa questão. Ver os principais textos desta polêmica em
Kautsky (1979) e Lênin (1979g).
8. Ela seria política e não social, justam ente porque as bases socioeconômicas da transição
para o socialismo ainda continuavam de pé.
9. Para um apanhado geral da polêmica no interior do Partido Bolchevique sobre a “cons­
trução do socialismo em um só país”, ver Medvedev (1981).
10. Examino isto no meu livro URSS, Ascensão e Queda (Fernandes, 1992).
11. Ver a sua obra clássica Economia e Sociedade, sobretudo o 3.° cap., Parte I, vol. I e o
11.° cap., vol. II (W eber, 1978).
12. Para um relato da comoção teórica e política provocada pela guinada contra a NEP en ­
tre diversos grupos de oposicionistas presos na URSS, ver Ciliga (1951).
13. Num contato com o falecido Ralph Miliband, em que levantei esta questão, ele relatou
que havia conversado com o próprio Deutscher a respeito. Este teria insistido que os ex­
purgos dos anos 30 atacaram “os burocratas”, mas não a “burocracia”. Da mesma for­
ma, era a “burocracia” (mas não necessariamente os “burocratas”) que dominava o po­
der soviético na época. Confesso que não fiquei satisfeito com essa abordagem do pro­
blema. Não consigo entender, teórica e conceitualmente, dominação da “burocracia” a
não ser como dominação “dos burocratas” E um problema análogo ao do célebre deba­
te entre Poulantzas e Miliband sobre o caráter de classe do Estado (Poulantzas, 1969;
Miliband, 1970 e 1973). Para o primeiro, este era determinado pelas relações sociais de

71
produção predom inantes na sociedade, e prescindia de uma análise empírico-concreta da
sua institucionalidade. Miliband criticou o estruturalismo estreito desta abordagem (com
razão, acredito) e insistiu na necessidade de examinar as formas concretas de materializa­
ção da dominação de classe no Estado. Penso que a mesma postura metodológica é váli­
da para a apreciação da relação entre o poder político e a burocracia na URSS.
14. Este ponto é levantado, também, por Perry Anderson (1983).
15. Esta incongruência se expressou nas vacilações dos herdeiros de Trotsky na IV Interna­
cional diante da constituição do “campo socialista” nos países do Leste libertados peio
Exército Vermelho. Inicialmente, os governos de coalizão lá montados foram denuncia­
dos como exemplo do conluio do poder soviético com as burguesias locais. Após a ruptu­
ra destas coalizões e a adoção generalizada de medidas de nacionalização e coletivização
em 1947-48, eles passaram a ser caracterizados como “Estados operários deformados”
— Estados que não tinham passado por processos revolucionários endógenos e já nas­
ciam com deformações burocráticas por incorporarem o “modelo socialista” imposto pe­
la URSS (fruto da degeneração de um processo revolucionário anterior). Para avaliações
distintas deste posicionamento oscilante da IV Internacional, ver McNeal (1977), Bellis
(1979) e Coggiola (1990).
16. Ver, por exemplo, Jacobson (1972).
17. Ver Bakunin (1989) e os textos agrupados nos capítulos “Polêmica com Marx” e “Baku-
nin e Marx sobre a C om una” em Bakunin (1983).
18. A radicalização da crítica ao caráter ilusório e elitista da democracia nos países ociden­
tais, por sinal, fez com que ambos chegassem a simpatizar com o movimento fascista na
sua fase inicial. Esta aproximação com o fascismo foi muito mais séria e duradoura em
Michels do que em Sorel. Este último m orreu, em 1922, entusiasmado com Lênin e o
triunfo da Revolução Soviética, que ele erradamente identificou como um movimento
“antiintelectual” (ver o pós-escrito ao prefácio de Sorel, 1919).
19. Ver, por exemplo, o conteúdo do discurso de Dan ao V III Congresso dos Sovietes, em
dezembro de 1920, reproduzido em Liebich (1986, p. 347).
20. Ver, por exemplo, os editoriais de 4 de maio de 1921 e 17 de dezembro de 1923 da revis­
ta Socialistitcheski Vestnik, porta-voz dos mencheviques, apud Liebich (1986, p. 348).
21. Sobre a evolução geral da Escola de Frankfurt no âmbito do marxismo ocidental, ver A n­
derson (1976), M erquior (1987), McLellan (1987), Howard (1988), Assoun (1989) e Ko-
lakowski (1985, vol. 3). Para a discussão específica de autores da Escola sobre o totalitarismo
e o Estado soviético, ver Horkheimer (1973) e, sobretudo, Marcuse (1964,1969 e 1978).
22. E ntre estes, destacam-se F erenc Feher, Agnes Heller, Gyõrgy Márkus e Mihaly Vajda.

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