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INTRODUÇÃO
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Mestrandas do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN), matriculadas na disciplina Teorias Sociais Clássicas (2021.1).
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análise do modo de produção capitalista, nos fornece bases sólidas para compreender os
problemas sociais, econômicos e políticos das sociedades modernas e contemporâneas.
Diante do cenário de crise econômica e política agravada pela pandemia da Covid-19,
analisar o modo de organização capitalista é fundamental para compreendermos a gênese
destes problemas e suscitarmos o debate sobre a necessidade da superação do sistema
capitalista através da organização da classe trabalhadora. Com isso, defendemos a atualidade
do pensamento marxista, e o seu pioneirismo na análise crítica do capitalismo.
Marx e o marxismo são essenciais para formulação crítica sobre o capitalismo, nesse
sentido, iniciaremos revisitando a obra Manifesto Comunista, redigido por Karl Marx e
Friedrich Engels, publicado pela primeira 1848, em Londres, com o título de O Manifesto do
Partido Comunista.
O Manifesto Comunista é um documento teórico-político, redigido a pedido dos
dirigentes da “Liga dos Justos”, um documento programático, formulado em meio às lutas e
revoluções urbanas de 1847 e 1848. A obra não foi apenas um panfleto, um programa para o
partido, teve grande repercussão e foi publicizada em diversos países, tornando-se um
documento histórico.
No prefácio da edição alemã de 1872, vinte e cinco anos após a primeira publicação,
Marx e Engels3 destacam que “por mais que tenham mudado as condições nos últimos 25
anos, os princípios gerais expressos nesse Manifesto conservam, em seu conjunto, toda sua
exatidão” e que sua aplicação prática dependerá das condições históricas vigentes.
Destacamos que os princípios e tendências sinalizados no Manifesto foram desenvolvidas por
Marx no que se considera a sua principal obra: O Capital.
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Communist Manifesto - Social Landmark. Londres, George Allen & Unwin Ltd., 1961. Traduzido por Regina
Lúcia F. de Moraes para a Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1978. publicado na edição do Manifesto da editora
Boitempo, 2010. MARX, Karl; Engels, Friedrich. Manifesto Comunista, Tradução de Álvaro Pina e Ivana
Jinkings. 1ed. revistada. São Paulo: Boitempo, 2010.
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Prefácio da edição alemã de 1872, publicada na edição brasileira da editora Boitempo em 2010.
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Para professor José Paulo Netto4, o Manifesto é um chamamento político, uma unidade
entre teoria e prática. É uma convocação para a luta e a intensidade da luta de classe é um
elemento presente na sociedade capitalista, assim, pode ser considerado um ponto de partida
para uma análise crítica das sociedades burguesas. O Manifesto é um documento que assume
a perspectiva de classe, onde a classe operária é vista como sujeito político.
Este documento histórico que em linhas gerais aponta características e tendências do
desenvolvimento do capitalismo, é uma obra que oferece ao leitor, não todas as respostas, mas
uma crítica rigorosa da modernidade capitalista:
[...] não encontrará nesse texto respostas para todas as suas questões, mas poderá
notar que ele oferece, com uma antecipação de mais de um século, um painel –
crítico e rigoroso – da modernidade capitalista. A mundialização das relações
capitalistas, a mercantilização universal das relações sociais, o assalariamento
generalizado, a insegurança social institucionalizada, a constituição de um mercado
global, a gravitação urbana, o significado das comunicações velozes, o
desenvolvimento científico e tecnológico – todo esse complexo aparece sintetizado
na apreciação do mundo burguês, caracterizado pela “subversão contínua da
produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente”.
(NETTO, 2013, p. 25).
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José Paulo Netto é um intelectual brasileiro marxista, em 2020 lançou uma biografia sobre Karl Marx; Ver em
NETTO, José Paulo. Karl Marx: Uma Biografia.2020, p. 195;
Ver vídeo em https://www.youtube.com/watch?v=fmbMHOOBzwQ; Acesso em 16 jul 2021.
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MARX, 2013, p.130.
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migrarem para o capital agrícola e para a indústria com a finalidade de satisfazer suas
necessidades básicas de alimentação e moradia.
Uma das condições básicas para o surgimento do sistema capitalista foi a separação
entre os trabalhadores e os meios pelos quais podiam realizar seu trabalho e garantir a sua
sobrevivência. Assim, o primeiro passo rumo a consolidação do regime de exploração do
homem pelo homem e da desigualdade social teria sido a acumulação primitiva.
Esse processo de acumulação primitiva foi marcado pela violência e pela usurpação
das terras dos camponeses que tiveram suas terras invadidas e suas casas destruídas para a
expansão do capital agrícola. No capítulo intitulado A assim chamada acumulação primitiva,
de O Capital - Livro I, Marx (2013) descreve a ordem da acumulação primitiva, a
expropriação do trabalho que culmina na miséria daqueles que não possuem os meios de
produção e precisam vender a sua força de trabalho:
Deu-se, assim, que os primeiros acumularam riquezas e os últimos acabaram sem ter
nada para vender, a não ser sua própria pele. E desse pecado original datam a
pobreza da grande massa, que ainda hoje, apesar de todo seu trabalho, continua a
não possuir nada para vender a não ser a si mesma, e a riqueza dos poucos, que
cresce continuamente, embora há muito tenham deixado de trabalhar. (MARX,
2013, p.960).
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Valor de uso: “formam o conteúdo material da riqueza, qualquer que seja a forma social [...] eles constituem,
ao mesmo tempo, os suportes materiais do valor de troca”. (MARX, 2013, p.158).
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Valor de troca: aparece inicialmente como a relação quantitativa, a proporção na qual valores de uso de um
tipo são trocados por valores de uso de outro tipo.” (Ibidem)
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Para que seja possível produzir lucro aos donos dos meios de produção é necessário
que o circulação das mercadorias assumam a seguinte forma: D-M-D transformação de
dinheiro (D) em mercadoria (M) convertida em mais dinheiro (D) que serve como valor de
troca. Esta forma, no entanto, difere da forma de circulação imediata e simples das
mercadorias que segue o fluxo de transformação da mercadoria (M) em dinheiro (D)
convertido em mais mercadoria (M), M-D-M, que serve como valor de uso. (MARX, 2013)
Essa distinção entre valor de uso e troca na circulação das mercadorias pode fazer
emergir a possibilidade de crises do capital, uma vez que valor de uso e troca formam uma
antítese decorrente da compra e venda das mercadorias. Marx (2013) parte da crítica à
concepção de que o mercado, através da circulação de mercadorias, poderia apresentar um
equilíbrio pela unidade entre compra e venda. Em O Capital, Marx (2013, p. 254) afirma que:
Assim, para garantir o seu lucro e a reprodução do capital, esse sistema mais do que
nunca precisa de um número cada vez maior de pessoas vivendo em condições de
subsistência. Esses indivíduos fazem parte da categoria definida como superpopulação
relativa, ou exército industrial reserva, que constitui uma condição necessária para a
existência do modo de produção capitalista.
Nas oscilações do ciclo industrial esse exército reserva se transforma no principal
agente de reprodução do capital (MARX, 2013). Nas palavras de Marx (2013, p.873) esses
trabalhadores formam
uma parte do exército ativo de trabalhadores, mas com ocupação totalmente
irregular. Desse modo, ela proporciona ao capital um depósito inesgotável de
força de trabalho disponível. Sua condição de vida cai abaixo do nível médio
normal da classe trabalhadora, e é precisamente isso que a torna uma base ampla
para certos ramos de exploração do capital. Suas características são o máximo de
tempo de trabalho e o mínimo de salário.
[...] Mas quanto maior for esse exército de reserva em relação ao exército ativo
de trabalhadores, tanto maior será a massa da superpopulação consolidada, cuja
miséria está na razão inversa do martírio de seu trabalho. Por fim, quanto maior
forem as camadas lazarentas da classe trabalhadora e o exército industrial de
reserva, tanto maior será o pauperismo oficial. Essa é a lei geral, absoluta, da
acumulação capitalista. [..] A primeira palavra desse ajuste é a criação de uma
superpopulação relativa, ou exército industrial de reserva; a última palavra, a
miséria de camadas cada vez maiores do exército ativo de trabalhadores e o peso
morto do pauperismo. (MARX, 2013, p.875)
será suficiente apenas para que a sua autoconservação e reprodução seja garantida (MARX,
2013).
Os pólos dessa relação de produção (centralização de riqueza de um lado, e aumento
da miséria de outro) são o cerne das crises do capital e seria responsável pelo seu colapso na
concepção marxista. Dessa forma, o antagonismo entre a classe trabalhadora e os donos dos
meios de produção, trariam fim ao regime capitalista por meio da revolta das classes
populares. Para Marx (2013, p.1013-1014), assim como na origem do capitalismo, "tratava-se
da expropriação da massa do povo por poucos usurpadores; aqui, trata-se da expropriação de
poucos usurpadores pela massa do povo.”
Ao contrário de Marx, alguns teóricos marxianos e marxistas contemporâneos, como
David Harvey, interpretam as crises do capitalismo não como um evento responsável pelo seu
fim, ou seja, como uma barreira à expansão e reprodução do capital, mas como algo inerente à
sua natureza e com capacidade de constante superação (MACHADO, 2019). Em vez da
negação do sistema capitalista, isto é, a sua extinção, o caráter cíclico das crises do
capitalismo tem mostrado uma grande capacidade de adaptação a esses cenários.
Essa capacidade de superação das crises financeiras indica o caráter estrutural da crise
do capital que, ao longo dos anos, tem se manifestado na esfera política e social, sobretudo
com avanço do neoliberalismo (ANTUNES, 2009). Em síntese, podemos dizer que a crise do
capitalismo é, antes de tudo, uma crise social e política, que utiliza o Estado como um
aparelho para a garantia dos interesses econômicos e ideológicos daqueles que formam as
classes hegemônicas.
Assim como a exploração do trabalho, a exploração dos recursos naturais é uma das
condições para a existência do capitalismo. Dessa forma, a pandemia da COVID-19 pode ser
interpretada como um fruto da exploração do sistema de produção capitalista, uma vez que o
epicentro da contaminação do SARS-CoV-2 pode ter sido a cidade de Wuhan, na China,
através da comercialização de animais silvestres para o consumo humano (DUARTE, 2020).
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Embora os limites do capitalismo tenham sido reconhecidos por Butler (2020), esse
regime econômico e político vem encontrando formas de superá-los criando abismos sociais
cada vez maiores. Esse fato pôde ser visto enquanto grande parte da classe trabalhadora do
Brasil e do mundo sofria as consequências da privação econômica, como a fome e
desemprego, uma parcela mínima da população aumentava o seu patrimônio. Assim, a crise
do capitalismo durante a pandemia não é uma crise de superprodução, isto é fato. Entretanto,
é uma crise de esgotamento do modo de produção e acumulação capitalista que manifesta a
sua influência na vida das pessoas.
A crise sanitária da COVID-19 coloca em destaque as contradições do sistema
capitalista, que tem como cerne a expropriação do trabalho em favor do capital, um sistema
econômico, político e social que regula todas as formas de sociabilidade dos países
capitalistas ricos e pobres. Somos capazes de perceber as contradições expostas por Marx
(2013) em momentos de crises, e com a crise da COVID-19 não seria diferente, uma vez que
ela aponta de forma feroz contradições como: vulnerabilidade social; precarização do trabalho
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Trecho publicado a princípio na obra Sopa de Wuhan (2020), posteriormente traduzido e publicado no blog da
Boitempo. Versão traduzida disponível em:
https://blogdaboitempo.com.br/2020/03/20/judith-butler-sobre-o-covid-19-o-capitalismo-tem-seus-limites/
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Ver ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes. 1999.
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WORLD ECONOMIC FORUM, 2020.
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REFERÊNCIAS
BUTLER, Judith. El Capitalismo Tiene sus Limites. In: AGAMBEN, Giorgio et al.: Sopa de
Wuhan. Editorial ASPO, 2020.
HARVEY, David. Política Anticapitalista em tempos de COVID-19. In: DAVIS, Mike et al.:
Coronavírus e a luta de classes. Terra sem Amos: Brasil, 2020.
HARVEY, David. A loucura da Razão Econômica: Marx e o Capital no Século XXI. 1. ed.
São Paulo : Boitempo, 2018.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. Tradução de Álvaro Pina e Ivana
Jinkings. 1ed. revistada. São Paulo: Boitempo, 2010.
NETTO, José Paulo. Karl Marx: uma biografia. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2020.