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Kaldor, os norte-americanos Paul Baran e Albert Hirshman, o estoniano Ragnar
Nurkse, o britânico Maurice Dobb, o chileno Raúl Presbich, o brasileiro Celso
Furtado. Além de Rangel, a influência de Marx no pensamento econômico
brasileiro, aparece peculiarmente em João M. Cardoso de Mello, Luiz Gonzaga
Belluzzo, Maria da Conceição Tavares, Sérgio Silva, Paul Singer, entre outros.
Esse pequeno registro acima revela a importância crucial que alguns dos
maiores pesquisadores da economia política crítica marxista davam à
problemática do desenvolvimento. Porque de nada serviria o poderoso
instrumental científico elaborado por Marx, Engels, Lênin e seus discípulos
autênticos, se a lei do desenvolvimento das forças produtivas não exigisse - e
não estivesse - no centro da luta por uma nova sociabilidade, por sua feita
somente alcançada a partir do próprio revolucionamento da sociedade
capitalista.
Ora, possuem papel determinante as forças produtivas no desenvolvimento das
sociedades, seus vínculos entre o processo da revolução social, e o estágio de
desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais de produção. São
questões centrais da concepção materialista da história.
Certamente problemática vasta e candente nos dias que correm, por sua feita
merecedora de brilhante (e recentíssima) interpretação do atual líder comunista
chinês Xi Jinping:
“Para aprender Marx, é necessário estudar e praticar o
pensamento marxista sobre as leis do desenvolvimento das
sociedades humanas. A ciência de Marx revela a tendência
inevitável da sociedade humana que impreterivelmente se moverá
em direção ao comunismo. Marx e Engels acreditam firmemente
que a sociedade futura, "em que o livre desenvolvimento de cada
um é a condição para o livre desenvolvimento de todos”, “os
proletários nada têm a perder a não ser as suas cadeias. Têm um
mundo a ganhar”. [3]
Ora, eis que, a partir da grande crise global iniciada em 2007-8, as reflexões de
pensadores do campo do marxismo se voltaram tanto sobre as questões
simbolizadas teoricamente por Nikolai Kondratiev - e os estudiosos do “ciclo
longos” ou “ondas longas” -, quanto sobre as perspectivas sombrias que o
capitalismo financeirizado anunciara. Vale dizer: sobre o presente e o futuro
deste capitalismo, suas transfigurações e a luta anticapitalista numa visão
estratégica de desenvolvimento.
Assim, os artigos e ensaios deste livro buscam apresentar uma visão
francamente inspirada no marxismo, que se concentra em três temas que se
inter-relacionam: a) o alcance contemporâneo da teoria de Marx; b) problemas
da atualidade do marxismo para a análise da grande crise capitalista iniciada
em 2007-8, à época do declínio da imperialismo norte-americano; c) aspectos
dos dilemas do desenvolvimento brasileiro, agravados especialmente a partir
do golpe parlamentar-judicial-midiático desde abril de 2016.
PS: A ordem dos textos é agrupada por temas. Há alguma repetição de
referências de autores, sem prejuízo da argumentação histórico-conjuntural
apresentada.
2
São Paulo, Setembro de 2018
NOTAS
[1] Ver: “A história e a previsão do Futuro”, em: Sobre história, São Paulo,
Companhia de Bolso, 2013, p. 79.
[2] Ver: “O quarto ciclo de Kondratiev”, Revista de Economia Política, São
Paulo, 1992. p.31.
[3] Ver: “Discurso em comemoração aos 200 anos de Marx”, Xi Jinping,
presidente da República Popular da China e secretário-geral do Partido
Comunista Chinês. Traduzido para Princípios por Gaio Doria. Em: Revista
Princípios, nº 154, maio\junho 2018.
3
I
MARX E AS DIMENSÕES DE SUA
TEORIA
Nosso Marx – e a velha esquerda*
Certa feita, em conversa solta com J. Quartim de Moraes, comentei sobre uma
resenha crítica que fiz à Revista Princípios, de um livro intitulado “Os marxismos
do novo século” [3]. Quartim entrecortou de imediato: “Marxismo mesmo, só há
um!”.
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“Devastador”, o método do qual irradia a configuração teórica de Marx não se
presta a servir a devaneios subjetivistas e anticientíficos. Sim, Marx não só
construiu a façanha de produzir uma síntese da economia política inglesa, da
filosofia clássica alemã e do socialismo francês a cimentar os alicerces de sua
obra - um constructo de poderosa ruptura epistemológica.
Outro grande físico, filósofo e historiador da ciência – entre nós, assim como
Laudan –, Michel Paty, numa penetrante observação teórica acerca do processo
de assimilação do conhecimento científico, pergunta se nós - tal como na
formulação de Marx (“Contribuição à crítica da economia política”, 1959) onde
“toda produção é apropriação da natureza pelo individuo no quadro e por
intermédio de uma forma de sociedade determinada” - não deveríamos
(“poderíamos”) então propor que “toda produção de conhecimento científico é
apropriação da matéria pelo pensamento, no quadro e por intermédio de um
conjunto de formas teóricas, mas também filosóficas, ideológicas e sociais
dadas” [6].
“Para Marx, o socialismo não era uma obsessão que obliterava todas as demais
facetas da vida e criava um ódio e um desprezo doentios e tolos pelas outras
civilizações. E, em mais de um sentido, há justificação para o título reivindicado
para o seu tipo de pensamento e volição socialistas, unidos graças à sua
posição fundamental: socialismo científico”.
5
nunca a esgotar); mas, seguindo por qualquer outro caminho, não podemos
chegar senão à confusão e à mentira” [8].
6
organizado por Adalberto Monteiro e Augusto Buonicore, arrojada contribuição
do pensamento marxista.
Demerval Saviani (“Marx 200 anos: o autor cuja obra mudou definitivamente
nossa consciência do mundo”) e J. Quartim de Moraes (“O marxismo na
evolução do pensamento político”) desfecham contra-ataques fecundos às
misérias da política burguesa e suas formas violentamente regressivas que
acompanham a degradação capitalista.
De outra parte, que ressoe forte e cristalino o “recado” aos espantalhos (“de
esquerda”) e bonecos de ventríloquos da decadente ordem burguesa mundial:
Marx, suas ideias revolucionárias e sonhos generosos pulsam como nunca:
sonhos que não envelhecem!
NOTAS:
7
[2] É preciso não esquecer que, Evo Morales, eleito na Bolívia, em 2005, após
movimentos de massas e insurrecionais, com enfrentamos armados e colapsos
institucionais, discursara: “O pior inimigo da humanidade é o capitalismo. Isso é
o que provoca levantes como o nosso, uma rebelião contra o sistema, contra o
modelo neoliberal, que é a representação de um capitalismo selvagem. Se o
mundo inteiro não tomar conhecimento dessa realidade, que os estados
nacionais não estão provendo nem mesmo o mínimo para a saúde, educação e
o desenvolvimento, então a cada dia direitos humanos fundamentais estão
sendo violados”. Disse ainda: "…os princípios ideológicos da organização, anti-
imperialista e contrária ao neoliberalismo, são claras e firmes, mas seus
membros ainda devem transformá-los em uma realidade programática”.
Sicofantas de todos os quadrantes viviam gargalhando e a jurar o enterro secular
das revoluções falsamente feitas em nome de Marx. Tomando a todos de
surpresa, esses processos passaram a misturar luta de massas, rebeliões e voto
popular, como antes, na Venezuela de Chávez.
[3] De Cesar Altamira, da editora Civilização Brasileira, 2008, 459 pp. O estudo
tem relevância por realiza ampla e substantiva análise de diversas escolas de
pensamento que se apresentam sob o guarda-chuva de Marx. Numa frase
identificativa: “Ao contrário, o marxismo tradicional sempre tentou separar os
espaços econômicos dos políticos; aborda o espaço político se si mesmo, como
um sujeito especial entre outros e particularmente distinto do campo econômico,
e de alguma maneira oculto na chamada superestrutura política, Durante muitos
anos o marxismo reduziu sua crítica da crítica da hegemonia capitalista e suas
leis de funcionamento. É que a fascinação gerada pelo despotismo fabril
capitalista aos olhos marxistas, com mecanismos de dominação cultural e a
instrumentalização das lutas operárias, impediu de ver a atividade e a
emergência do outro sujeito antagônico” (Altamira, idem, p.62).
8
[9] Editora Avante!/Progresso, V. I. Lenine, Obras Escolhidas, V. 2,
Lisboa/Moscou, 1984, pp. 181-2.
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Nosso Marx, mil vezes mais uma vez!*
“Falar de uma fase filosófica juvenil de Marx como algo contraposto à sua
imersão mais tardia na ‘ciência’ e na economia política é uma representação
grosseiramente equivocada, por trás da qual oculta-se uma singular ignorância
ou distorção dos fatos mais elementares” (I. Mészáros, 1980). [1]
O artigo*, de alcance mais teórico, reafirma a defesa do “tesouro”
epistemológico de Karl Marx, contra imputações fictícias e marcantemente
distorcidas do processo de elaboração de seu pensamento científico. Recorda
que, desde os escritos da juventude até os da maturidade, como teórico
inovador das ciências sociais, o legado das obras de Marx revela rupturas e
continuidades como características centrais da tessitura do conhecimento
científico universal.
Criticismo pretensioso
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no século XXI” (19 de maio, São Paulo), organizado pela Fundação Maurício
Grabois, uma boa polêmica se estabeleceu acerca das dimensões e etapas do
pensamento daquele genial revolucionário alemão. E opiniões à base do
criticismo.
É como se Marx tivesse que ter sido “desumano, demasiado desumano”, pois
omite-se o processo dialético de formação do pensamento científico – e, mais
ainda, os termos teóricos do processo de desenvolvimento da teoria do
conhecimento.
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enquadramento epistemológico da teoria de Marx e Engels tem como
pressupostos centrais: a) a ideia de que trata-se de “escolasticismo” saber se
ao pensamento humano pertence a verdade objetiva fora da prática, pois do
ponto de vista da vida, da prática, deve ser o ponto de vista primeiro e
fundamental da teoria do conhecimento; b) que o desenvolvimento da
consciência social reflete o ser social e seu desenvolvimento, “eis em que
consiste a doutrina de Marx”, onde o reflexo pode ser “uma cópia
aproximadamente fiel” do objeto refletido, sendo entretanto “absurdo falar aqui
em identidade”. (Lénine, idem, pp. 103-4 e 107, e 245 respectivamente).
“É um erro conferir ao conhecimento real um único sentido” (Op. cit., p. 15). Por
isso, também, é que “O idealismo, por princípio, não consegue seguir e explicar
o aspecto contínuo e progressivo do conhecimento científico” (Op. cit., p. 16);
ademais porque nesse tipo de concepção “o conhecimento será sempre inteiro,
mas fechado a qualquer acréscimo. Só se moverá diante de cataclismos” (Op.
cit., idem, ibidem).
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reencontra sempre os vestígios do trabalho anterior dos séculos passados. Não
se deve crer, pois, que as teorias antiquadas são estéreis e vãs” (Op. cit.,1995,
p. 9).
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precisamente na sua crítica demolidora a Pierre Proudhon, quem assenta a
base concreta e histórica do pensamento dos socialistas utópicos, como
representação de um estágio de elaboração teórica. Afirmou então Marx, ali:
Essas duas obras referidas foram escritas num intervalo de 33 anos. O que
elas atestam são uma incrível coerência de Marx e Engels quanto aos
fundamentos epistemológicos que sustentam a construção da teoria dialética e
materialista por eles desenvolvida, onde abriram um novo caminho de
interpretação e transformação da história da sociedade capitalista.
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caminho” no plano metodológico imediato, ao substituir cognição por ontologia.
Aqui, conforme Lukács:
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para fora da filosofia, sendo o ato da segunda a tentativa de filosofar, e,
portanto, o voltar-se para dentro de si da filosofia...” (Marx, 2017, op. cit., p. 59).
Enfim, como bem reforça Albinati, estudiosos da obra de Marx veem nesse
pioneiro estudo de Marx o ponto de partida para o materialismo (Denis Collin);
J. Bellamy Foster sustenta a crítica materialista de Marx a Hegel, naquela tese
doutoral; o intento de descobrir e superar as insuficiências do hegelianismo
também é assinalado por Lukács em sua obra sobre o jovem Marx. [19]
(...) Nesse sentido, todas as provas da existência de Deus são provas de sua
não existência, refutações de todas as representações de um deus”. (Marx,
2017, idem, p. 134; grifos de Marx).
Antonio Gramsci, a quem se dispensa apresentação, sabe-se bem hoje, foi dos
teóricos revolucionários marxistas mais criativos. A frase da epígrafe encontra-
se no final do artigo “O nosso Marx” [22], onde Gramsci sumariza uma
interpretação do papel e da significância histórica do pensador alemão, de
grande densidade e alcance. Marx – escreve o italiano - não escreveu “uma
doutrinazinha, não é um Messias”, tampouco nos legou “normas indiscutíveis,
absolutas, fora das categorias de tempo e espaço”. Sarcasticamente
parafraseando a “teleologia” do dogmatismo religioso kantista, declara, ser para
Marx, o “Único imperativo categórico, única norma: ‘Proletários de todos os
países, unam-se!”
Enfatizando que Marx foi homem de pensamento e ação, grande e fecundo nas
duas esferas, Gramsci abordava então uma questão crucial, ainda hoje
utilizada por adversários e críticos de um suposto “voluntarismo” em sua
construção da prática política de sua teoria:
“(...) sua ação foi fecunda, não porque inventou a partir do nada, não porque
extraiu de sua fantasia uma visão original da história, mas porque nele o
fragmentário, o incompleto e o imaturo se tornaram maturidade, sistema e
tomada de consciência. (...) seus livros transformaram o mundo, assim como
transformaram o pensamento. Marx significa ingresso da inteligência na história
da humanidade, advento da consciência”. (Op. cit., p.66).
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Mas, voluntarismo na análise e ação políticas, em Marx? Segundo discerne
Gramsci, a temática da ação política em Marx origina-se e relaciona-se à
formação do partido político independente de classe, sua organização, por isso
mesmo, distinção, diferenciação classista, organização compacta e
disciplinada, visando finalidades próprias e específicas. Noutras palavras,
1. É preciso repor a verdade dos fatos, vez que, Marx, que desde 1870
advertira, em nome da Primeira Internacional, ao proletariado parisiense
“contra qualquer insurreição prematura”. Logo a seguir, não só organizou
ativamente a solidariedade quando do massacre da Comuna, como não se
ateve “apenas aos aspectos mais salientes dessa primeira experiência
meteórica de poder operário” - e da democracia direta ali praticada. Marx:
“analisou-a profunda e detalhadamente extraindo dela inferências (em especial
relativas à questão do Estado)”, avaliando-a “como decisiva para o projeto
revolucionário”. [23]
“Longe de dever ser vista como um modelo dogmático, ou como fórmula para
governos revolucionários do futuro, a Comuna de Paris foi, para Marx, ‘uma
forma política totalmente expansiva ao passo que todas as outras formas
anteriores de governo haviam sido enfaticamente repressivas’”.
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mecanicista ou dogmática, já anunciando que não se poderia repetir tal
processo nas condições históricas e sociais da velha Rússia. Não se repetir,
tampouco copiá-la. Conclui, ali, Lênin:
À guisa de conclusão
Não à toa, o destacado pesquisador da Mega2 [27], Rolf Hecker, afirma que
uma coisa são os escritos de Karl Marx, mais recentemente complementados –
esta é a palavra – por manuscritos em grande parte inéditos; outra, são os que
professam ter Marx espraiado “utopias”, “teleologias”, ou que erros graves
foram cometidos e responsabilizados em nome de sua teoria.
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julgadas. Afinal, diz por exemplo Hecker:
“O próprio Marx dizia não ser nenhum marxista, preferindo para sua teoria o
termo ‘socialismo científico’. Dessa forma, ele se delimitava de outros projetos
estatais e sociais, classificados por ele como ‘socialismo utópico’ ou
‘anarquismo’”. [28]
19
igualmente ficava furioso com os que se declaravam seguidor de suas ideias
sem as conhecer: “Tudo o que sei é que não sou marxista” (Op. cit., p. 129).
NOTAS
[1] Ver: “Marx ‘filósofo’”, I. Mészaros, em: “História do marxismo 1. O marxismo
no tempo de Marx”, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980, pp. 160-1.
[2] Em: https://jornalistaslivres.org/the-economist-implora-um-reformador-pelo-
amor-de-deus/
[3] Citado por Michael Roberts, em: http://www.sinpermiso.info/textos/marx-
200-carney-bowles-y-varoufakis
[4] Em: Editora Contraponto, Rio de Janeiro, 2004, p.19.
[5] Ver: “Materialismo e empiriocriticismo. Notas críticas sobre uma filosofia
reacionária”, V. I. Lénine, Lisboa/Moscou, Avante!, 1985, p.103.
[6] Ver: “A epistemologia”, G. Bachelard, Lisboa, Edições 70, 2006, p.165.
Também Cf. Vincent Bontems, “Bachelard”, São Paulo, Estação Liberdade,
2017, p. 33: “[Em Bachelard] “o espírito científico progride sempre por uma
retificação de seus conhecimentos que permitem sua extensão”.
[7] Ver: G. Bachelard, Op. cit., Rio de Janeiro, Contraponto, 2004.
[8] “Essa harmonia que a inteligência humana crê descobrir na natureza existirá
fora dessa inteligência? Não, sem dúvida é impossível uma realidade
completamente independente do espírito que a concebe, vê ou sente”. Ver: H.
Poincaré, “O valor da ciência”, Rio de Janeiro, Contraponto, 1995, p. 9, 4ª
reimpressão.
[9] Ver: “A física do século XX”, M. Paty, São Paulo, Ideias & Letras, 2009,
p.31.
[10] A discussão desse ponto baseia-se amplamente em: “Da utopia dos
mundos sonhados à transformação prática das realidades”, de J. Barata-
Moura, e não à toa publicado exatamente na obra coletiva “Karl Marx:
desbravando um mundo novo no século XXI” (2018), apresentada no referido
seminário da Fundação Maurício Grabois.
[11] Ver: “Pós-modernismo e a atualidade da teoria marxista”, Madalena G.
Peixoto, Revista Princípios, nº 150, São Paulo, Anita Garibaldi, 2017, pp. 58-
67. Peixoto distingue bem as contribuições de Frederic Jameson e David
Harvey, das alinhadas com o “fim do marxismo” de F. Lyotard e J. Braudillard.
[12] Ver: “Do socialismo utópico ao socialismo científico”, F. Engels, Obras
Escolhidas Marx-Engels, V. III, Lisboa/Moscou, Avante!/Progresso, 1985,
pp.140-1.
[13] Marx, Apud: Barata-Moura, 2018, op. cit. p. 57.
[14] Em: Editora Instituto Piaget, Lisboa, 2005, p. 616.
[15] Ver: Lukács, op. cit, pp. 49-50, V. II, São Paulo, Boitempo, 2013.Teodiceia:
do grego= justiça, processo, justificação. Em sentido estrito, teodiceia é
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colocada a todo filósofo e a todo teólogo que concebe um mundo governado ou
criado pelo Bem (Platão, santo Agostinho, Malebranche. “O sistema dialético
de Hegel, em seu conjunto, pode ser considerado como uma forma de
teodiceia”. Ver: “Novo Dicionário da Filosofia e das Ciências Humanas”, op. cit.,
p.623.
[16] Em: Editora Boitempo, São Paulo, 2017.
[17] Marx, 2017, op.cit., Apresentação de A. Albinati, p.10.
[18] Ver: “Cadernos de Paris & Manuscritos econômicos-filosóficos de 1844”,
Karl Marx, Apresentação de J. Paulo Netto, São Paulo, Expressão Popular,
2015, notas 18-19, pp. 114-115.
[19] Embora Albinati referencie-se em Aguste Cornu para considerar “idealista”
a análise de Marx sobre o materialismo de Epicuro (pp. 15-16).
[20] Moloch, na referência bíblica, era o nome do deus ao qual os amonitas
(etnia de Canaã ou de povos presentes na península arábica e na região do
Oriente Médio) cultuavam. Também é o nome de um demônio na tradição
cristã e cabalística, e, nos rituais de adoração, havia atos sexuais e sacrifícios
de crianças, jogando-os em uma fogueira.
[21] Delfos refere-se a uma atual moderna cidade grega e ao local que, na
antiguidade servia de oráculo ao Deus Apolo. Delfos era considerada pelo
mundo grego “o centro do universo”.
[22] Em: “O leitor de Gramsci. Escritos escolhidos 1919-1935”, C. Nelson
Coutinho (org.), Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2011.
[23] Ver: “O leitor de Marx”, J. Paulo Netto (org.), “Introdução”, Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 2012, pp. 32-33.
[24] Em: Jorge Zahar Editor, Verbete Comuna de Paris, editado por Tom
Bottomore, Lawrence Harris, V. G. Kierna, Ralph Miliband coeditores, Rio de
Janeiro, 1988, pp.70-71.
[25] Ver: “A Comuna de Paris e as tarefas da ditadura democrática”, V. I.
Lénine, 1905. Em:
https://www.marxists.org/portugues/lenin/1905/07/17.htm#topp
[26] Ver: “O capital (Crítica da economia política) Livro 1, v.1 : O processo de
produção capitalista”, Rio de janeiro, Civilização Brasileira, 1968, p. 16.
[27] Entre 1975 a 1989, organizada para ter 165 volumes, o projeto, então, de
Moscou-Berlim, da MEGA2 sumariava: I) Obras, Artigos, Rascunhos (35
volumes); II) O capital e os escritos preparatórios (15 volumes) III);
Correspondência, agora completa, com as cartas dirigidas a Marx e Engels (40
volumes); IV) Notas, material manuscrito adicional e apontamentos de livros
(75 volumes). Mais de 40 volumes publicados, a sabotagem e desagregação
do socialismo real do Leste europeu interrompeu e quase liquida a nova
empreitada. Pesquisadores da “Fundação Internacional Marx-Engels” (IMS) de
Amsterdam e a Academia de Ciências de Brandemburgo (Berlim) retomaram a
iniciativa. Sediada em Berlim, redefiniu-se para 114 volumes, nas mesmas
seções indicadas, e até 2013 mais 20 volumes foram publicados. Detalhes em:
“Da política à filologia: a Marx-Engels Gesamtausgabe”, de Gerald Hubmann,
Crítica Marxista nº34, 2012; também “‘O capital e seus escritos preparatórios’:
sobre o lançamento do volume 4.3 da MEGA’”, de Jorge Grenspan, Crítica
Marxista nº 37, 2013.
[28] Ver: “Marx como pensador. Novos resultados do trabalho de pesquisa
21
sobre sua obra e biografia”, R. Hecker, São Paulo, Fundação Maurício
Grabois/Anita Garibaldi, p.15.
[29] Ver: “Marx e a busca da liberdade comunista”, N. Badaloni, “História do
marxismo”, vol 1, E. Hobsbawm (org.), Rio de janeiro Paz e Terra, 1979, p. 251.
[30] Em: Anita Garibaldi/Fundação Mauricio Grabois, São Paulo, 2017, pp. 317-
319.
[31] Ver: “O velho Marx”, M. Musto, São Paulo, Boitempo, 2018, pp.126-9.
Óbvio que “último” não quer dizer “velho”, portanto distorcida a tradução do
original italiano de 2016.
22
Os Manuscritos, de 1861-1863, de Karl Marx: notas históricas e teóricas*
1
Esse artigo baseia-se principalmente em: “Hacia un Marx desconocido. Um comentário de los
Manuscritos del 61-63”, de Enrique Dussel, México, Siglo XXI, 1988; “A produção teórica de Marx.
Um comentário aos Grundrisse”, Enrique Dussel, São Paulo, Expressão Popular, 2012; “Para a crítica
da economia política. Manuscrito de 1861-1863 (Cadernos I a V). Terceiro Capítulo - O capital em
geral”, Belo Horizonte, Autêntica, 2010, tradução e Apresentação de Leonardo de Deus; “Maquinaria e
trabalho vivo (Os efeitos da mecanização sobre o trabalhador)”, K. Marx, Revista Crítica Marxista, nº1,
São Paulo, Brasiliense, pp. 103-110, tradução de Jesus Ranieri; “Capítulo inédito D’O capital. Resultado
do processo de produção imediato, Karl Marx”, Introdução à edição italiana, de Bruno Maffi, Lisboa,
Escorpião, 1975, pp. 5-23; “Lições sobre o capítulo sexto (inédito) de Marx”, de Claudio Napoleoni”,
São Paulo, Ciências Humanas, 1981;“Karl Marx. Biografia”, Moscou-Lisboa, Edições
Progresso/Avante!, 1983; “Karl Marx ou o espírito do mundo”, Jacques Attali, Rio de Janeiro, Record,
2007, Caps. IV e V; “Karl Marx: grandeza e ilusão”, Gareth S. Jones, São Paulo, Companhia das Letras,
2017, Caps. 9 e 10; “Teoria das mais-valia. História crítica do pensamento econômico. V. II, Livro 4 de O
capital”, de K. Marx, São Paulo, Difel, 1980.
2
Descreve Rolf Hecker, pesquisador alemão da MEGA 2, que o tradutor e colaborador de Riazanov, o
judeu russo Paul Veller (primeiro tradutor dos “Grundrisse”) fez descrição detalhada de “todos os 23
cadernos do manuscrito de 1861-1863”, ainda por volta de 1926. Ver: “A história desconhecida da
primeira publicação dos Grundrisse sob o estalinismo”, em: “O ensaio geral: Marx e a crítica da
economia política (1857-1858)”, Paula de, J.(org.) Belo Horizonte, Autêntica, 2011, p. 53.
23
seis volumes, conformando materiais inéditos que pesquisadores da MEGA 23
perseveraram em vasculhar e traduzir.
Noutro enfoque, L. de Deus (2010, op, cit., p.10-11) interpreta que, na divisão
tradicional da obra de Marx acerca da economia política, incluindo seu famoso
“Contribuição à crítica da economia política” (1859), os manuscritos de 1861-
1863 seriam chamados de o “segundo esboço”, onde os Grundrisse, o
“primeiro esboço”, e outros manuscritos de 1863-1865, o “terceiro esboço”
(versão integral dos livros segundo e terceiro de O Capital; ainda uma outra
versão do livro primeiro, da qual sobrou apenas o conhecido “Capítulo sexto:
Resultado do processo de produção imediato”).4 O material escrito por Marx
depois de 1867, base para edições trabalhadas por Engels, representariam
então o “quarto esboço”.
A propósito, é espantoso notar que essa imensa “biblioteca” de estudos de
investigação econômica de Marx, notadamente no período de 1861-1863,
encontra-o, juntamente com a família, numa situação verdadeiramente de
desespero e miséria, em sua vida de um alemão exilado em Londres. Numa
carta a Engels, datada de 25 de fevereiro 1962, diz ele que, “se bem
consideradas as coisas, uma vida tão miserável não vale a pena ser vivida”.
Noutra, em junho, Marx escrevia explicitamente: “Minha mulher [Jenny] disse-
me que desejaria estar numa tumba com as crianças; e eu não posso criticá-la,
porque as humilhações, os sofrimentos e os horrores de nossa situação são
verdadeiramente indescritíveis”.5
Em sua famosa biografia de Marx, Isaiah Berlin também anota que, por volta de
1860,
“O próprio Marx começava quase a adquirir um interesse de figura
histórica, a ter sido por temível teórico e agitador de uma geração
anterior, agora exilado e indigente, a viver de um jornalismo ocasional
num obscuro recanto de Londres”.6
3
De após 1975 a 1989, organizada para ter 165 volumes, o projeto, então, de Moscou-Berlim, da MEGA2
sumariava: I) Obras, Artigos, Rascunhos (35 volumes); II) O capital e os escritos preparatórios (15
volumes) III); Correspondência, agora completa, com as cartas dirigidas a Marx e Engels (40 volumes);
IV) Notas, material manuscrito adicional e apontamentos de livros (75 volumes). Mais de 40 volumes
publicados, a sabotagem e desagregação do socialismo real do Leste europeu interrompeu e quase liquida
a nova empreitada. Pesquisadores da “Fundação Internacional Marx-Engels” (IMS) de Amsterdam e a
Academia de Ciências de Brandemburgo (Berlim) retomaram a iniciativa. Sediada em Berlim, redefiniu-
se para 114 volumes, nas mesmas seções indicadas, e até 2013 mais 20 volumes foram publicados.
Detalhes em: “Da política à filologia: a Marx-Engels Gesamtausgabe”, de Gerald Hubmann, Crítica
Marxista nº34, 2012; também “‘O capital e seus escritos preparatórios’: sobre o lançamento do volume
4.3 da MEGA’”, de Jorge Grenspan, Crítica Marxista nº 37, 2013.
4
O citado estudo de Claudio Napoleoni (Nota 1) constitui até hoje uma poderosa interpretação (1972,
edição italiana) do desenvolvimento do pensamento econômico de Marx, que acompanha notadamente os
vínculos entre os “Grundrisse” e a redação, por volta de 1865, do “Capítulo VI”, não incluído no texto
magno de 1867.
5
Ver: E. Dussel, 1988, op. cit., “Palavras preliminares”.
6
Ver: “Karl Marx. Introdução de Alan Ryan”, de I. Berlin, Lisboa, Edições 70, 195. Berlin, assim como
G. Jones (2017, op. cit., principalmente pp. 329 e 354) referem-se a longa e culta presença jornalística de
Marx, especialmente no “New York Daily Tribune”. De 1852 a 1860, a convite do editor Charles Dana,
Marx passou a receber por seus artigos, o que fazia para ajudar a sobrevivência. Jones relata que Marx
escreveu 457 artigos para o jornal, 350 de punho próprio, 125 escritos por Engels e 12 por ele e Engels (p.
369). O jornal atingira a tiragem de 200 mil exemplares, segundo Jones, na década de 1850 “a maior
24
Por conseguinte, é imerso nesse quadro social de pauperismo e sofrimento que
Marx desenvolve sua impressionante capacidade de trabalho: a) entre agosto
de 1861 e março de 1862 redige os Cadernos I a V, que envolve o material do
futuro Livro 1 de O Capital, até a exposição do conceito de mais-valia relativa;
b) entre março-novembro de 1862 escreve os Cadernos VI a XV, com quase
1000 páginas manuscritas. Aí, Marx avança para a construção de nova
categoria, aprofundando-se em torno da significação da mais-valia, do ponto de
vista histórico, denominando esta densa parte dos Manuscritos de “Teorias da
mais-valia”; c) entre novembro de 1862 e julho de 1863, nos Cadernos XV a
XXIII, Marx aborda temas variados que se encontram nos livros 2 e 3 de “O
capital”, volta aos Cadernos I a V, mas discute ainda sobre a reprodução do
capital, lucro, preços de produção e outros assuntos.7
Por isso também, Dussel (1988, p. 20) considera que o conteúdo do plano de
trabalho de Marx, que aparece nos Cadernos I a V do Manuscrito revela os
vínculos entre o texto de 1859 (“Contribuição à crítica da economia política”),
havendo passado pelos “Grundrisse”, ainda que sofra pequenas alterações –
que, entretanto, sofisticam-se (há “algum amadurecimento”). Diz ele,
exemplarmente:
25
a) Cooperação simples
b) Divisão do trabalho
c) Maquinaria
4. A acumulação primitiva
5. Trabalho assalariado e capital
Ademais, em 1860, Marx foi obrigado a ter que responder longamente - com
um livro, em verdade -, às calúnias do cientista Carl Vogt, um dos mais
famosos especialistas em ciências naturais daquela época, professor de
zoologia, fisiologia e geologia da Universidade de Genebra. Vogt tinha sido
deputado à Assembleia Nacional de Frankfurt (1848-49), e era um
“bonapartista” radical, tendo defendido a posição francesa em relação à Itália,
assim como escrito que Bonaparte deveria inspirar “a maior sensação de
segurança na Alemanha”, que este “respeitava plenamente a unidade nacional
alemã”.12 “Herr Vogt”, o livro de Marx, tem cerca de 300 páginas e consumiu
dele imensa energia e tempo.
9
Note-se, num exemplo clássico, a crítica a uma lei da economia política em Marx, omitida por David
Ricardo, e que responde por uma das questões centrais da dinâmica do regime do capital, até hoje:
“Assim, Ricardo também não pode admitir que o modo de produção burguês contenha limite para o
desenvolvimento das forças produtivas, limite que vem à tona nas crises e em outras manifestações como
a superprodução – o fenômeno fundamental das crises” (“Teoria da mais-valia. História crítica do
pensamento econômico, v. II, Livro 4 de O capital”, op. cit., p. 962).
10
Cabe aqui registrar que nas pesquisas MEGA2, encontram-se vários cadernos em que Marx examinou
detalhadamente as crises capitalistas de 1848, 1857, 1866 e 1872. Quer dizer, crises capitalistas que
ocorreram exatamente no período que antecedeu a passagem da primeira revolução industrial para a
segunda.
11
Ver: “O leitor de Marx”, Introdução de J.P. Netto, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2012, p. 25.
26
Assim, ainda de acordo com Dussel: (i) os Cadernos de I a V foram redigidos
entre agosto de 1861 a março de 1862; (ii) deste março a novembro de 1862,
foram os cadernos VI a XV, o fundamental para a escritura das “Teorias da
mais-valia”;13 (iii) entre janeiro e julho de 1863, nos Cadernos XVI a XVII
encontram-se materiais específicos dos Livro 2 e 3 de “O capital”; (iv) entre
janeiro e julho de 1863 Marx redige os cinco últimos Cadernos, revisando
principalmente neles a discussão feita no V Caderno (Acumulação Primitiva,
Trabalho Produtivo, Subsunção Formal/Real) (Dussel, 1988, p. 21).
Esclarece também Maurice Dobb, que os “Grundrisse” não foram escritos para
publicação, mas para esclarecer e explicitar as ideias de Marx, quem busca
enfrentar naqueles “rascunhos” problemas anteriormente levantados por
economistas vários, notadamente questões que diziam respeito à troca
monetária e ao valor de troca. Marx critica-os, procurando “libertar-se do
condicionamento deles”, mas aproveitando “tudo o que de positivo podia ser
encontrado” neles – afirma Dobb.14
12
Relata G. Jones que, Marx se envolveu contra Vogt, não só por suas posições políticas contrárias as
condutas belicistas de Napoleão Bonaparte, mas porque Vogt, em parte, falsificara como sendo de Marx a
responsabilidade por intrigas contra seu companheiro Karl Liebknecht e o editor do jornal “Das Volk”
(“O Povo”), que denunciara anonimamente as opiniões e tendências anti-alemãs de Vogt (Jones, 2017,
pp.392-395).
13
Como ressalta G. Jones, a maior parte dos Manuscritos, “de longe”, dedicava-se a essa história crítica
da economia política, por isso os capítulos referentes “A transformação do dinheiro em capital”, “Mais-
valia absoluta e Mais-valia relativa” somavam cerca de 350 páginas, enquanto às correspondentes as
“Teorias da mais-valia” ultrapassavam 1200 páginas (Jones, 2017, p. 440).
27
Assim, três blocos de passagens aqui escolhidas dão uma ideia geral da
clareza, articulação categorial e evolução conceitual que Marx realiza nos
Manuscritos 1861-1863.
14
Ver: “A crítica da economia política”, de M. Dobb, em “História do marxismo. O marxismo no tempo
de Marx”, v. 1, Hobsbawm, E. (org.), Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980, p.128.
15
Todas as notas que seguem estão em: “Para a crítica da economia política. Manuscrito de 1861-1863/
Caderno I a V. Terceiro capítulo – O capital em geral. Karl Marx”, Belo Horizonte, Autêntica, 2010.
28
como tal não ultrapassa a sua determinação negativa, mas é, agora,
capital” (2010, op. cit., pp.45-45).
16
Chama a nossa atenção que Marx já identifica, no início dos nos 1860, elementos que desenvolvem
enorme impacto (eletricidade e química) somente na segunda revolução industrial. Isto é, a partir da
década de 1870 é que o processo denominado segunda revolução industrial, dando lugar a novos ramos de
produção, vai sendo gestado por um novo padrão tecnológico: do aço, do petróleo, da eletricidade, do
motor a combustão interna, da química pesada, do telégrafo sem fio, do telefone etc. Essa nova
tecnologia já não era produzida e difundida por homens práticos, mas resultava da aplicação consciente
de conhecimentos científicos nos processos produtivos.
17
Op. cit., 2010, pp. 367-417. Marx amplia a discussão sobre a maquinaria no Caderno XX, o que
veremos a seguir.
29
mera divisão do trabalho (como na fábrica de máquinas); seja, por fim,
que ela supere a maquinaria antiga com maquinaria aperfeiçoada ou
estenda o emprego da maquinaria a um ateliê cujas operações parciais
ela ainda não havia tomado em todos os casos ele prolonga, como
observado acima, o tempo de trabalho necessário para o trabalhador
ainda subsumido sob o antigo modo de produção e prolonga sua
jornada de trabalho total. Porém, por outro lado, ela diminui
relativamente o tempo de Trabalho necessário no ateliê em que é
introduzida pela primeira vez” (p. 679).
Ou ainda,
“O trabalho passado surge aqui como meio para substituir o trabalho
vivo ou como aquele meio de fazer diminuir o número de trabalhadores.
Esta diminuição do trabalho humano aparece como especulação
capitalista, como meio para aumentar a mais-valia” (1994, p.104).
Isto porque,
“A oposição entre capital e trabalho assalariado desenvolve-se, assim,
até sua plena contradição. É no interior desta que o capital aparece
18
As citações de Marx estão todas em: “Maquinaria e trabalho vivo (os efeitos da mecanização sobre o
trabalhador), 1994, op.cit., nota 1.
30
como meio não somente de depreciação da capacidade viva de
trabalho, mas também como meio de tomá-la supérflua.p.106).
Epílogo
1) Indispensável hoje relembrar que Karl Marx assim se referiu,
posteriormente, aos Manuscritos de 1861-1863,19 no processo da
primeira revolução industrial (1760-1840), enfatizando então que o ponto
de partida fora a transformação da ferramenta em máquina-ferramenta,
ou seja, caracterizado pelo estágio em que se retira a ferramenta das
mãos do trabalhador e a torna elemento de um mecanismo. Noutras
palavras,
“É desta parte da máquina, da máquina ferramenta, que parte a
revolução industrial do século XVIII”.
19
Ver: “O capital”, livro 1, V.I, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968, p. 426.
20
Ver: “Globalização, terrorismo e democracia”, E. Hobsbawm, São Paulo, Companhia das Letras, 2007,
p. 18.
21
Em: “Indústria 4.0: desafios e oportunidades para o Brasil”, IEDI (Instituto de Estudos para o
Desenvolvimento Industrial), 2017. http://www.iedi.org.br/cartas/carta_iedi_n_797.html
31
na “2ª era da máquina”, onde seu traço principal é a fusão dessas
tecnologias e a interação entre os domínios físico, digital e biológico.
22
Ver: “Elementos fundamentales para la crítica de la economía política (borrador) 1857-1858, v.2”, ou
os “Grundrisse”, de K. Marx, Buenos Ayres, 1972, pp. 227-228, 3ª edição.
32
Lênin: notas teóricas sobre crítica e crise do capitalismo*
Por isso mesmo, se há uma notícia que agita o mundo - pelo menos desde
1848 -, essa foi “espalhada” por Karl MARX: a sociedade burguesa só será
transformada ipsis verbis através da revolução social - jamais ela cairá por
implosão. E são amplamente conhecidas suas inúmeras opiniões que
conceituam o “papel sumamente revolucionário” da burguesia no seu processo
de ascensão, recorda J. BARATA-MOURA (2003). Também nos
desenvolvimentos bem mais complexos em torno da reestruturação das bases
técnicas do capitalismo e seus processos de metamorfoses, escreveu MARX,
nos Grundrisse:
33
desta ciência à produção. (...) O capital mesmo é a contradição em
processo”. [2]
Sob outro ângulo, notemos então que militantes do marxismo vulgar utilizam de
subterfúgios ao acusar os críticos do estagnacionismo permanente de fazerem
“apologia” do capitalismo; ou mesmo desses serem adeptos do “revisionismo”.
Mas supondo que, visto por Marx, isso era da época em que ao capitalismo se
desenvolvia, não teria sido o próprio Vladimir Lênin um “apologista” do
capitalismo, por afirmar, após a Revolução Socialista na Rússia, não sem
causar espanto ainda hoje, que:
E importa registrar aqui que, pouco antes de escrever sua formidável obra em
1916, sobre o capitalismo da era dos monopólios, LÊNIN (fins de 1915) se
debruçara também sobre o desenvolvimento na agricultura dos EUA. Abrindo
sua excelente pesquisa baseada nos censos agrícolas (de 1900,1910 e o
resumo de 1911) daquele país, com a seguinte “apologia” ao imperialismo
norte-americano:
34
“Estados Unidos não possuem concorrentes que os iguale, nem pela
rapidez do desenvolvimento do capitalismo no final do século XIX e
início do XX, nem pelo nível extremamente elevado já atingido por este
desenvolvimento... território sobre o qual se aplica uma técnica que
representa a última palavra da ciência... nem pela liberdade política e o
nível cultural das massas da população”. Portanto, sob vários aspectos,
este país constitui o modelo e o ideal de nossa civilização burguesa”
(LÊNIN, 1980, grifos nossos).
Fixemos outro estudo, desta feita, “Observação sobre o problema da teoria dos
mercados (Por motivo da polêmica entre os senhores Tugán-Baraovski e
Bulgákov”), escrito cinco anos depois (1898). Lênin ali amplia de maneira
notável a explicação marxista sobre a tendência preponderante
de desenvolvimento no capitalismo, inclusive, uma vez possuidor de suas
forças produtivas específicas e formado seu mercado interno, podendo
“dispensar” o comércio exterior. Diz ele: “a produção capitalista, ao
desenvolver-se, cria seu próprio mercado às expensas fundamentalmente dos
meios de produção e não dos meios de consumo; que a realização da
produção em geral e da mais-valia em particular pode perfeitamente explicar-se
sem recorrer ao mercado exterior” (LÊNIN, 1974, p. 208).
“A Era dos Impérios ou, como Lênin a chamou, o imperialismo, não foi,
evidentemente, “a etapa final” do capitalismo; mas, à época, Lênin
nunca afirmou realmente que fosse. Simplesmente a denominou, na
primeira versão de seu influente escrito, “a última etapa do capitalismo”
(2003, p. 27). Até porque – enfatiza o historiador – todas as tentativas
de isolar a explicação do imperialismo do “desenvolvimento específico
do capitalismo no fim do século XIX” não passam de “exercícios
ideológicos” (idem, p. 110). [4]
36
formas em que se reproduz a relação contraditória fundamental” –
forças produtivas e relações de produção, passagem da reprodução
simples para a ampliada (idem, p. 109). [6]
“Relendo o célebre opúsculo do dirigente revolucionário sobre o tema, nos ocorre que,
enquanto continua a conservar uma clara atualidade no que diz respeito à análise e do
imperialismo como tendência das grandes potências à hegemonia, à rivalidade e ao
confronto, se apresenta totalmente obsoleto na definição do capitalismo monopolista
como simples podridão” (idem, p. 185).
Por outro lado, há quem, inclusive, pense não haver, na época da “globalização
financeira”, sequer sombra de uma “crise estrutural”. Analisando os aspectos
que consideram com compondo “uma nova fase do capitalismo”
contemporâneo, os pesquisadores marxistas franceses G. DUMÉNIL e D.
LÉVY na verdade enfatizam que há mesmo “superação da crise estrutural”. O
que não quer dizer – afirmam – “que o mundo capitalista esteja em seu melhor
momento; essa é uma realidade distante” (2003, p. 40). [9]
37
Lênin, dialética e economia política
“Lênin era na prática, assim como por profissão, um revolucionário otimista. (...) Mas a
sua vasta perspectiva teórica não excluía uma luta muito mais prolongada entre
socialismo e capitalismo, envolvendo um declínio e queda do sistema capitalista que se
estenderia bastante no futuro” (MONTHLY REVIEW, Editorial, 01/2004). [10]
Nesse impositivo debate, uma vista d’olhos nas oficinas de dogmatismo verifica
que concorre para os chavões escatológicos uma deliberada elegia do
desconhecimento. Propagandistas da miséria da ciência?
Aliás, Marx é por demais enfático ao repisar nos Grundrisse que a tendência do
capital é conferir à produção um caráter científico, onde o exame mais rigoroso
do desenvolvimento do capital demonstra que, de uma parte, ele pressupõe
determinado desenvolvimento das forças produtivas - “dentre essas forças
produtivas também a ciência” -, de outra parte, força e impulsiona essas forças
produtivas. [11]
38
capital, um raciocínio primário. Pois é fundante e explícito o corpo (dialético) de
ideias em Marx para quem, o capital:
Idêntica a trilha seguida por LÊNIN (1897), desta feita aludindo ao primeiro
aspecto dessa formulação de Marx - após poderosa interpretação em rechaço
à visão “subconsumista” com produtora das crises capitalistas, pelo
“romanticismo” econômico russo -, e pondo os pingos nos is sobre a
configuração contraditória da produção capitalista:
“Esta teoria explica as crises mediante outra contradição, a saber: a contradição entre o
caráter social da produção (socializada pelo capitalismo, e o caráter privado, individual
da apropriação) ”. Isto significa dizer – afirma a seguir Lênin – que a versão
subconsumista das crises “vê a raiz do fenômeno fora da produção”; a teoria de Marx
“a vê precisamente nas condições da produção” (LÊNIN, idem, 1974, p. 98).
39
absorvido”, segue que “o estado normal da economia capitalista é a
estagnação” (BARAN E SWEEZY, 1978, p.113).
“Nada seria mais absurdo que, partindo das passagens de O Capital, chegar à
conclusão de que Marx põe em dúvida a possibilidade de realizar a mais-valia dentro
da sociedade capitalista, de que explica as crises como consequência da falta de
consumo etc.” (apud MAZZUCCHELLI, 2004, p. 58).
40
1) no monopólio, o que se reafirma é a tendência à superacumulação,
bem como surgem novas determinações que “terminam por agravar a
instabilidade própria da economia capitalista” (MAZZUCCHELLI, 2004, p.
99); nesse capitalismo há “instabilidades permanentes” (BRAGA, 1983,
p. 37) [17].
“A oligarquia financeira, que tece uma densa rede de relações de dependência entre
todas as instituições econômicas e políticas da sociedade burguesa contemporânea
sem exceção: tal é a manifestação mais evidente deste monopólio” (LÊNIN, 1981, p.
667; itálico nosso).
41
Olhando então os anos do início deste novo século, desde o desborde da
carnificina e trágica destruição da 2ª Guerra Mundial, não havia ocorrido no
capitalismo global, em termos de crescimento econômico médio da economia
mundial, taxas tão elevadas. São hoje conhecidas as razões do crescimento da
economia mundial, em particular a do capitalismo central, a partir dos acordos
de Bretton Woods (1944) - e seus denominados “compromissos keynesianos”.
Um novo ciclo de desenvolvimento que vai até 1973, aproximadamente, ficou
conhecido como a chamada “era de ouro”, ou os “trinta gloriosos” da história do
capitalismo moderno. Nesse longo e “atípico” período, as taxas médias de
crescimento da economia mundial alcançaram 4,9% a.a.
Mais adiante, mesmo após a grande crise 1981-3, também iniciada com forte
recessão nos EUA, mas irradiada pelo impacto da abrupta subida da taxa
básica de juros em 1979, a economia dos países centrais voltou a crescer,
como mostra o quadro abaixo com a variação real do PNB/PIB.
42
Dessa maneira, a análise mais profunda das transformações operadas na
economia mundial desde a assunção da chamada “globalização financeira”,
tornou-se problema fundamental notadamente porque, qual fantasma, porta-
vozes do marxismo vulgar ressuscitam de escuridão teórica. Costumeiramente
negam sem desfaçatez os fatos, as conexões concretas emanadas pelo real;
ou eludem facciosamente ensinamentos e formulações cruciais da teoria
revolucionária. Um exemplo em matéria de economia política marxista e
leninista: no movimento marxista não faltaram os discursos radicalizados sobre
o “colapso iminente do padrão dólar” a percorrer toda a década de 1990 e
2000. Fenômeno esse jamais ocorrido.
43
XX. Agora, a canalização do enorme paroxismo do capital financeiro forja,
reproduz e amplifica ficticiamente e de maneira constante novos circuitos da
valorização do valor, capital originariamente produzido no “chão da fábrica”.
44
1) Analisando um conjunto de estudos seus desenvolvidos, Kalecki (1968),
debate a questão central de que o ciclo econômico não poderia ser separado
da tendência (trend), apresentando a seguinte compreensão:
E ainda, explicitando sua visão de que a ‘tendência’ tanto pode ser para o ciclo
quanto para a flutuação, diz KALECKI noutro estudo:
45
Dito de modo mais sistemático: do ponto de vista do marxismo, sobre a base
da superprodução ou superacumulação de capitais (máquinas, equipamentos,
instalações, matérias-primas, ativos financeiros), a crise se instala quando da
parada súbita que interrompe o ciclo da realização capitalista, quer dizer, a
dinâmica cíclica do investimento. Noutras palavras, as crises no capitalismo
não podem ser separadas da regularidade de sua dinâmica expansiva. O
capitalismo, segundo Marx, objetiva produzir em larguíssima escala, até
superproduzir capital. Quer dizer, sobreinvestir para fazer crescer a
produtividade social do trabalho e suplantar a concorrência; superproduzir para
superlucrar, superacumulando capital em excesso e em todas as suas formas,
referenciando-se numa dada taxa média de lucro.
Algumas conclusões
46
3. A persistência do processo de financeirização capitalista global, da
desigualdade social galopante e agravamento do desemprego estrutural
entrecruzam-se com a passagem a uma nova revolução industrial.
Alterações estruturais na dinâmica da acumulação do capitalismo
neoliberal sugerem a reconfiguração de uma nova fase da etapa
imperialista.
4. Dos últimos estudos de E. Hobsbawm devemos extrair a seguinte lição:
“Mas duas coisas, com certeza, nunca perderam a relevância para os
nossos dias: a visão que Marx tinha do capitalismo como sistema
historicamente temporário e a análise que fez de seu modus operandi –
continuamente expansionista e concentrador, gerador de crises e
autotransformador” (Hobsbawm, 2011, p. 20).
Sim, essencialmente esta era a visão de Lênin.
*Publicado em “Lênin: presença da revolução”, BARROSO, A. Sérgio (org.),São
Paulo, Anita Garibaldi\Fundação Mauricio Grabois, Sociedade do amigos de
Lênin, 2017, pp. 51-78.
NOTAS
47
[5] In: “História do Marxismo IV. O marxismo da época da II Internacional
(Terceira parte)”, Hobsbawm, E. (org.), p. 274, Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1984, 2ª edição.
[7] Ver: “El futuro del capitalismo”, de C. Napoleoni, México, Siglo Veintiuno
Editores, 1978.
48
sobre as crises capitalistas, em Marx; e sua interpretação sobre a irrelevância
de Lei da Tendência de queda da taxa de lucro, de Marx, em L. G. Belluzzo, no
estudo “Valor e capitalismo: um ensaio de economia política”, p.p.122-129
(Campinas, IE/Unicamp, 1998, 3ª edição).
[21] Em: Monthly Review, march 2007, p. 1, edição eletrônica. Sobre erros
crassos semelhantes, ver também “O capital monopolista-financeiro”, de J. B.
Foster (Monthly Review, 12/2006, pp. 1, 3, 5 e 10; numeração da tradução
Monthly Review, march 2007, p. 1, ed. eletrônica); em: www.resistir.info).
49
[22] E prosseguindo a explicar à questão anterior: “No argumento em que as
teorias do ciclo se baseavam certas grandezas eram tomadas como constantes
(isto estava parcialmente ligado com a inadequada consideração pelo
progresso técnico) mas que, numa economia em expansão, certamente devem
crescer. Assim – conclui a formulação Kalecki – é necessário tratar dessa
limitação – que amarra a teoria do ciclo a uma economia estacionária – e
chegara a um movimento que compreenda tanto a tendência como as
flutuações cíclicas” (Kalecki, Apud Braga, 1983, idem; grifos nossos).
Referências Bibliográficas
HOBSBAWM, Eric. “A era dos extremos - O breve século XX: 1914-1991”. São
Paulo, Companhia das Letras, 1995.
50
_____________. “Capitalismo e agricultura nos Estados Unidos da América.
Novos dados sobre as leis de desenvolvimento do capitalismo na agricultura”.
São Paulo, Brasil Debates, 1980, p.1
51
Três palavras sobre Lênin*
O grande amigo de Vladimir Ilitch Lênin, escritor Máximo Gorki, escreveu em
sua pequena biografia de Lênin:
Recordo-me de ter estado em casa dele com três membros da Academia de
Ciências... Quando se despediu deles, Lênin disse com satisfação: “Isto,
compreendo. São homens inteligentes. Neles, tudo é simples, formulado
rigorosamente. Vê-se imediatamente que esses homens sabem o que querem.
Trabalhar com pessoas assim é um prazer. Gostei sobretudo...[citou um dos
maiores nomes da ciência Russa e, dois dias depois, disse-me pelo telefone:]
“Pergunte a S. se ele está disposto a trabalhar conosco. E quando S. aceitou a
proposta, Lênin regozijou-se sinceramente; gracejava, esfregando as mãos:
“Deste modo levaremos pouco a pouco todos os Arquimedes russos e
europeus a estarem ao nosso lado; então o mundo voltar-se-á quer queira ou
não!”
Em: “Lénine. A arte e a revolução – ensaio sobre a estética marxista”, Jean
Michel Palmier situa o painel de fundo da grande literatura progressista da
Rússia (entre muitos outros, Gogol, Nekrassov, Turgueneiev, Chetchedrine,
Herzen, Tostoi, Gleb Uspenski - este o maior dos escritores populistas)
desenhava-se pela relação: aldeia russa e um mundo estreito, fechado, de vida
patriarcal, com divisão polar do campesinato, versus a devastação e a miséria
provocada pelo surgimento do capitalismo. Lênin passou a conhecer essas
obras –diz - “perfeitamente”; citava-as em seus trabalhos teóricos “para dar
vida a todas as estatísticas”; acrescentando que “o que ele diz da literatura só
pode ser compreendido a partir de uma práxis política”.
Nadeja Krupskaia, revolucionária e companheira do eminente líder russo até a
sua morte, chamava à atenção em seu livro “Lênin sua vida e sua doutrina”, de
comentários que ele fizera, em dezembro de 1916, numa conferência para
jovens operários, em Zurique, na Suíça. Lá para as tantas afirmara Lênin:
“Quem sabe nós, os da velha geração, não vivamos para ver estas batalhas
decisivas da próxima revolução” – manifestando tristeza ao concluir sua
dissertação, descreve ela. “E não obstante, Ilitch só pensava e trabalhava para
esta revolução”, arremata Krupskaya.
Lênin, um entusiasmado homem de ciência. Lênin, estudiosíssimo, um
profundo conhecedor das entranhas de seu país. Lênin, um destemido e
revolucionário apaixonado pela grande causa da Revolução Socialista.
Amigas, amigos, queridos camaradas, estimados convidados, é com esse
espírito que, convictamente, celebramos o Seminário Lênin. Para não esquecê-
lo jamais!
Muito obrigado.
*Apresentação de Abertura do Seminário “Pensar Lênin”, Fundação Mauricio
Grabois, São Paulo, maio de 2010.
52
Conhecimento e renovação da cultura marxista*
53
os “ataques dos revisionistas contra o método dialético, contra a teoria da
revolução social e outros pontos importantes da obra de Marx e Engels”
(ibidem); a problemática sofreu decidido enfrentamento por Lênin, afirma.
Ademais, nesta densa e inusual aproximação ensaística à estética marxista,
Mikhail Lifschitz deixa claro a visão histórica de Marx e Engels, avessa à
exploração do lamento sentimental “diante da decadência dos direitos
patriarcais e da poesia do passado”. Ao contrário, neles há uma nova estética
assentada nos impulsos das transformações econômicas revolucionárias da
sociedade mercantil capitalista, onde, numa perspectiva histórica abrangente,
”estes progressos são úteis também para o progresso artístico da humanidade”
(p.59). Assim, o tema nuclear de que o fim da propriedade privada traria o
desaparecimento do “maior obstáculo para o florescimento da criação artística”
constituiria "a ideia principal da estética histórica de Marx e Engels”, conclui
Lifschitz. (p. 61).
Conteúdos e conexões à criação artística
São incontáveis as referências dos pensadores comunistas a interlocutores e
grandes autores da criação artística e literária espalhados mundo afora - o que
empresta formidável riqueza à coletânea.
Breves exemplos: numa carta à Margaret Harkness (1888), Engels opina que
Balzac – “que considero um mestre do realismo maior que todos os Zola do
passado, do presente e do futuro” – apresenta em Comédia humana, a “mais
extraordinária história realista da sociedade francesa” (p. 69). Ou ainda,
novamente Engels no artigo “Como não [se] deve traduzir Marx”: para se
traduzir um livro como “O capital”, “não basta conhecer o alemão literário. Marx
recorre livremente às expressões da vida cotidiana e a giros idiomáticos de
dialetos provinciais. (...) suas citações são extraídas de uma dezena de
idiomas” (p 94).
Marx, onde em passagens dos “Manuscritos econômico-filosóficos de 1844”, já
anuncia que o dinheiro “é, pois, o objeto como possessão eminente”; assim
como a “universalidade de sua propriedade é a onipotência do seu ser” - então
funciona como ser todo-poderoso -, analisa que Shakespeare (em “Tímon de
Atenas”) “descreve de maneira excelente a verdadeira natureza do dinheiro”
(pp. 143-45) [4]. Num trecho de “A ideologia Alemã”, ao comparar a construção
artística de Rafael, Leonardo da Vinci e Tiziano, Marx encontra a influência de
Roma sobre Florença, em Rafael; as de da Vinci pela situação florentina; e
depois, as de Tiziano pelo “desenvolvimento, totalmente distinto de Veneza” (p.
167). Rafael – diz Marx -, tal como qualquer outro artista estava sobre
“influência do progresso técnico da arte... da organização da sociedade e da
divisão do trabalho em sua localidade” (ibidem).
Mas, em se tratando do essencial, “Cultura, arte e literatura” não poderia
esquecer uma contribuição de Engels ainda hoje desconhecida de muitos
seguidores da teoria marxista, no que tange às determinações econômicas de
“última instância” à ideologia. De fato, impossível explicar o florescimento
excepcional das filosofias francesa e alemã, (séculos XVIII-XIX), se comparado
ao desenvolvimento do capitalismo originário inglês. Porque o
54
“desenvolvimento político, jurídico, filosófico, religioso, literário, artístico etc. se
funda no desenvolvimento econômico. Mas esses elementos interagem entre si
e reatuam também sobre a base econômica” [5].
*Publicado em Revista Princípios, Nº 112 Abr/Mai 2011
NOTAS
1) Princípios entrevistou o professor Hecker para o número seguinte.
2) Como bem diz Fredric Jameson, “em Brecht é menos uma questão de
situar um dado indivíduo numa classe social preexistente, com seus
valores ideológicos e aparência específicos, do que transcender o duplo
padrão de eventos individuais e coletivos. É como se recontar eventos
individuais enquanto históricos não fosse uma técnica satírica mas
também um novo modo de autoconhecimento” (“O método Brecht”,
Vozes, 1999, p. 91).
3) O estudo traz ainda “Introdução aos escritos Estéticos de Marx e
Engels”, instrutivo ensaio de G. Lúkacs.
4) Marx transcreve do poema de Shakespeare: “Metal desgraçado, oh
ordinária meretriz do gênero humano, Que semeia discórdia entre os
povos” (p.144).
5) F. Engels, Carta a H. Starkenburg, 25 de janeiro de 1894. (“Cultura...”,
p. 104-5).
55
II
NEOLIBERALISMO, TEORIAS DAS
CRISES E DECADÊNCIA
IMPERIALISTA
Marx 130 anos: teorias e crises do capitalismo contemporâneo*
“Em outras palavras, as perdas dos capitalistas foram pagas com o patrimônio de toda a
sociedade, representada pelo governo. Este tipo de comunismo na qual a reciprocidade é
completamente unilateral, parece ser muito atrativo para os capitalistas europeus” (Marx,
“A crise financeira na Europa”, New York Daily Tribune, 22/12/1857)
56
acumular por acumular, jamais se interessará pelas “necessidades
sociais” das massas trabalhadoras. Isto diz respeito à sua “missão”, a
qual, segundo Marx, é produzir em larguíssima escala, até superproduzir
capital. Quer dizer, sobreinvestir para fazer crescer a produtividade social
do trabalho e suplantar a concorrência, superproduzir para superlucrar, e
superacumular capital em excesso e em todas as suas formas,
referenciando-se numa dada taxa média de lucro.
O que quer dizer também: as crises não são sempre estruturais desde priscas
eras.
57
2. Conforme Marx: “a força motriz da produção capitalista é a valorização do
capital, ou seja, a criação de mais-valia, sem nenhuma consideração para
com o trabalhador” [7]. Crescimento, recessão, recuperação, expansão e
instabilidade - também estagnação - são as categorias principais do
capitalismo, portanto historicamente datadas, e seu vetor de acumulação
é projetado pela hegemonia da haute finance (Karl Polanyi).
“Financeirização” e crise
58
financeiras são necessárias às operações da gigantesca riqueza financeira atual.
(...) Aumentaram os episódios das crises financeiras, como os anos de 1990 e
2000 demonstraram (R. Souza, 2008) [10].
59
recorde-se aqui: em 2007-8 completaram-se dez anos da crise iniciada na
Ásia, inicialmente na Tailândia, detonada por uma onda de sucessivos
ataques especulativos a várias moedas da região, fazendo desabar
países (produto e emprego) que particularmente desregulamentaram e
liberalizaram a configuração de seus mercados financeiros.
2. Noutra dimensão, do ponto de vista teórico, as ideias de Marx, do final do
século XIX, sobre o caráter das crises do capitalismo, demonstraram não
só ser de uma força histórica tremenda. Elas abrigam duas questões
cruciais à compreensão da dinâmica sistêmica do capitalismo: a)
assinalam a ruptura do ciclo ascensional, por “parada” ou bloqueio dos
investimentos, com desdobramento inexorável em “queima de capital”; b)
reafirmam o imperativo estrutural de funcionamento no movimento
constitutivo e contraditório de expansão-instabilidade-crise.
60
“Assim, o ciclo do capital-dinheiro é a forma mais exclusiva, mais
contundente e mais característica de manifestar-se o ciclo do capital
industrial. O objetivo e o motivo propulsor deste, nele saltam aos olhos:
expandir o valor, fazer dinheiro e acumular (comprar, para vender mais
caro)” (Marx, idem, p. 60).
“Mas, cada parte ininterrupta e sucessivamente de uma fase, [pode passar] de uma forma
funcional para outra. As formas são portanto fluidas e sua simultaneidade decorre de sua
sucessão”. “(...) Só na unidade dos três ciclos se realiza a continuidade do processo global... O
capital global da sociedade possui sempre essa continuidade e seu processo possui sempre a
unidade dos três ciclos” (Marx, idem, p. 107).
“Já há um século atrás, Marx (1894) fazia distinção entre dois tipos de capital
financeiro, tais sejam capital de empréstimo portador de juros e o que
denominou capital fictício. Esse último consistia, segundo Marx, em títulos
negociáveis sobre compromissos de fluxo de caixa futuros (securities), cujo valor
era derivado unicamente da capitalização da renda antecipada, sem nenhuma
contrapartida em capital produtivo. Marx identificava, como fontes-chave de
capital fictício, ações ordinárias negociadas na bolsa de valores, títulos públicos
e a própria moeda-creditícia. Todos os três se tornaram muito mais importantes
hoje do que eram nos tempos de Marx. Desde então, a maioria das grandes
empresas transformaram-se em corporações controladas por acionistas, e a
bolsa de valores tornou-se um mecanismo fundamental para a expansão
empresarial e a reestruturação industrial. O mercado de títulos públicos, cuja
dramática expansão foi fruto de meio século de aumento nos déficits
orçamentários, na maioria dos países industrializados, oferece hoje aos
62
investidores um instrumento altamente líquido e relativamente livre de risco para
aplicar o dinheiro excessivo em caixa”.
“Essa são crises cujo movimento se centra no capital monetário e, por isso,
bancos bolsas de valores e finanças são suas esferas imediatas”. [21]
63
Expansão essa que, de acordo com interpretação algo diferenciada de P.
Nakatani, acerca do que denomina “desenvolvimento da esfera financeira”,
terminou se manifestando na esfera financeira em escala mundial. De uma parte
– diz ele -, a expansão do sistema financeiro teria absorvido o excesso de capital
monetário da esfera produtiva; de outra parte, “gerou uma remuneração que
encobriu, pelo menos parcialmente e contraditoriamente, a tendência à queda na
taxa de lucro, gerando os períodos de euforia com as ‘bolhas financeiras’; enfim,
essa esfera passou a comandar o conjunto do sistema” [22].
Importa, então, aqui, relembrar simplificadamente que, para Marx, assim se deve
equacionar a Taxa de Lucro: Taxa de Lucro: l= m/(c+v)
64
Prosseguindo no enfoque mais teórico, vimos que, segundo Marx, a) mutantes, o
capital-dinheiro, o capital-mercadoria e o capital-produtivo formam as “três
figuras do ciclo”, isto querendo dizer que são distintas as formas que o capital
assume, mantendo-se a unidade do ciclo; b) nas crises do capitalismo – (que se
expressam regularmente nos fenômenos de superprodução/superacumulção, lei
da tendência de queda da taxa de lucros e desproporção entre os
departamentos), a manifestação em uma de suas esferas (como em 2007,
iniciada na financeira) é inseparável da dinâmica do ciclo global do capital.
“Mas agora este sistema está em crise. É verdade, o capitalismo dirigido pelas
finanças sempre teve uma propensão a crises financeiras em momentos
fundamentais de sua expansão territorial ao trazer economias até então dirigidas
pelo Estado para a órbita da regulamentação do mercado...” [26].
“(...) como sempre acontece com crises financeiras importantes, esta também
tem características únicas. Particularmente surpreendentes têm sido a
velocidade, o alcance e a ferocidade das rupturas... (...) Uma crise de tais
dimensões acontece muito raramente...” – prossegue ele ao acrescentar a
destruição do sistema bancário dos EUA, de atuação global (Guttmann, idem).
De outra parte, não é à toa que o historiador Hobsbawm foi buscar na grande
contribuição de Lênin a ideia de que é falsa a “teoria del derrumbe del
capitalismo”, a partir da correlação finalística “crise-catástrofe-colapso”, imputada
à teoria leninista. Dissertou ele:
“A Era dos Impérios ou, como Lênin a chamou, o imperialismo, não foi,
evidentemente, ‘a etapa final’ do capitalismo; mas, à época, Lênin nunca afirmou
realmente que fosse. Simplesmente a denominou, na primeira versão de seu
influente escrito, “a última etapa” do capitalismo” [29]. Até porque – enfatiza o
historiador – todas as tentativas de “isolar a explicação do imperialismo do
desenvolvimento específico do capitalismo no fim do século 19” não passam de
“exercícios ideológicos” (idem, p. 110).
67
Crise por “subconsumismo”: violação dogmática da teoria de Marx
No rastro da grande crise dos dias que correm, teóricos voltaram a ressuscitar a
tese de ser a crise atual gerada por “subconsumo das massas”; e por
“superprodução de mercadorias”. De saída, o não consumo dos chamados bens
salários seriam os responsáveis pelas crises de superprodução. Vejamos mais
uma vez sobre o assunto, de inegável importância, e questão representativa de
uma visão deveras falseada da essência da dinâmica do regime do capital,
conforme estudos de conjunto da obra marxiana.
68
a ideia de que a crise cíclica se desencadeasse por efeito da insuficiência de
demanda solvente (ou demanda efetiva)” (Gorender, idem).
Ainda sobre o assunto, importa notar que após escrever o exposto na epígrafe
deste artigo, Lênin, em sua obra clássica “O desenvolvimento do capitalismo na
Rússia” (1899), referindo-se a variadas passagens – objetivamente passagens
que induzem a erros crassos, na medida do não cotejamento delas com o
conjunto completo da obra de Marx sobre a temática ciclo-crise -, do texto
magno de Marx, enfatiza que:
Bem, “subconsumo das massas” suecas como causa da crise? Isto é apenas
piada em graça.
69
pessoas (cerca de 2/3 de sua população) vivendo em condição de pobreza
crônica, cresce vertiginosamente sua economia a taxas tão elevadas? [34]
Nos 130 anos de seu desaparecimento, resgatar a teoria de Karl Marx também
significa não recusar a luta de ideias contra “um certo marxismo”. Aquele que
desinforma quando simplifica grosseiramente a interpretação da crise capitalista
atual resumindo-a a “crise de superprodução e do crédito”; ou, pior ainda,
creditar a Marx a ideia de que a crise do capitalismo ocorre quando “a
interrupção do processo de circulação do capital ocorre com a paralisação da
venda de mercadorias...”.
71
*Publicado em Portal da Fundação Mauricio Grabois, 18.03.2013
Notas
[1] Ver: Escritos Económicos Menores, México, Fondo de Cultura, p. 204, 1987.
[2] Para Marx: “As crises não são mais que soluções momentâneas e violentas
das contradições existentes, erupções bruscas que restauram transitoriamente o
equilíbrio desfeito”. Em: O Capital, Civilização Brasileira, Livro 3, v. 4, p. 292.
s/data.
[3] Os “adivinhadores de crise” são os mesmos que agora tergiversam sobre seu
longo passado diuturno militante em prol da “catástrofe iminente” do capitalismo,
da “decomposição iminente do padrão dólar”, e procuram confundir a análise das
grandes crises do capitalismo, como a que transcorre, inúmeras vezes
apontadas previamente como tendências que vinham se plasmando - dado o
visível grau de superacumulação geral de capital, expansão, especulação,
alavancagem e instabilidade.
[5] Em: “O Capital” Livro 2, v. 3, Cap. IV, p. 106, Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, s/data.
72
humano e o tempo social necessário à sua subsistência e o da extração da
mais-valia.
[9] Ver todo o Capitulo 2 (“O monopólio do capital”) do estudo que considero uma
pequena obra-prima, “A contradição em processo – o capitalismo e suas crises”,
de professor Frederico Mazzucchelli, especialmente as pp. 84-90 (Campinas,
Unicamp/IE, 2004, 2ª edição).
[11] Luís Fernandes foi certamente pioneiro no Brasil a teorizar sobre uma
dimensão crucial das ideias revolucionárias de Marx e Engels, quais sejam, o
processo de gênese, consolidação e expansão global do capitalismo, contidas
no Manifesto do Partido Comunista: “A força dessa compreensão reside na
identificação de um impulso expansionista insaciável por parte do capital, que o
empurra incessantemente para a busca de novos mercados em todo o globo.
Em tempos da chamada ‘globalização’, a atualidade dessa leitura não poderia
ser mais evidente” (“O Manifesto Comunista e a dialética da globalização”, de L.
Fernandes, in: “O Manifesto comunista 150 anos depois”, Reis Filho, D. A. (org.),
pp. 109 e 114, Rio de janeiro, Contraponto, 1998.
[19] Ver: ”A crise da economia japonesa nos anos 90: impactos da bolha
especulativa”, de E. T. Filho, in: Revista de Economia Política, nº 65, São Paulo,
73
jan./mar 1997; sobre dados de Scott, B.; da OCDE, Economic Outlook, vários
anos.
[20] Antes, afirmara: “com o juro ascendente cai o preço deles [dos papéis]. O
que também provoca essa queda é a escassez geral de crédito, que força os
detentores a lançarem-se em massa no mercado para obter dinheiro” (O Capital,
Livro 3, volume 5, pp. 566-7).
[21] Em: “O Capital” volume I, p. 116, Nota 99 [à terceira edição alemã], Abril
Cultural, 1983.
[23] Completa adiante o raciocínio Guttmann: “Em outros termos, estamos diante
de uma crise sistêmica, que é sempre um evento de proporções épicas e efeitos
duradouros”.(Idem, 2008).
[29] Ver: “A era dos impérios – 1871-1914”, de E. Hobsbawm, p. 27, Paz e Terra,
2003, 8ª edição.
74
[33] Em: “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia”, Apud Mazzucchelli, F.,
2004: 58: “A contradição em processo. O capitalismo e suas crises”, Unicamp,
2004.
[38] Operação, financeira que consiste numa troca entre o vendedor de proteção
(fundo de pensões, as empresas de seguros) e um comprador de proteção
(bancos). Depois de ter recebido uma remuneração chamada de “prêmio de
risco”, os investidores institucionais cobrem ou “compram” o risco de crédito de
um banco (em decorrência a vendedora do risco). De modo geral, os fundos de
pensões aceitam cobrir o risco quando os crédito são bem notados pelas
agências de risco (a nota máxima é triplo A). Mas na realidade, o sistema é um
pouco mais complexo do que isso pois ele integra um mecanismo de
venda/revenda de crédito e um mecanismo de transferência do risco do crédito.
(Ver a explicação em “Uma análise da crise financeira americana e de suas
repercussões para a economia brasileira”, de R. Guttmann, ao II Encontro da
Associação Keynesiana Brasileira, setembro de 2009).
75
Marx, teorias das crises capitalistas e a posição dos comunistas
(conclusão)*
“Nada seria mais absurdo que, partindo das passagens de O Capital, chegar à
conclusão de que Marx põe em dúvida a possibilidade de realizar a mais-valia dentro
da sociedade capitalista, de que explica as crises como consequência da falta de
consumo etc” (Lênin, 1899). [1]
76
esmaecida para esses teóricos: “não significa necessariamente que esteja em
curso uma transformação democrática das relações internacionais”. Ora, onde
ocorreu, algum dia, em algum lugar, quem está imaginando transições
geopolíticas baseadas em declínio de impérios, como se fossem sinônimas de
convescotes acompanhados de chá?
Francamente: trata-se de um renitente dogmatismo: a) a experiência épica da
grande revolução chinesa teria que ser àquela que se enquadrasse
perfeitamente em rígidos esquemas mentais, num regresso ao apriorismo
kantiano e religioso: socialismo quase “puro”, de preferência sem
desigualdades sociais e regionais tout court! b) jogam-se no lixo as lições
estratégicas e militares do acervo leninista, que recomenda a exploração das
contradições no processo de acumulação de forças e no estabelecimento de
alianças com setores “inconsistentes, vacilantes” – caso explícito das brechas
da transição geopolítica atual.
Nas definitivas palavras de Lênin:
“Fazer guerra para derrotar a burguesia internacional, uma guerra cem vezes
mais difícil, prolongada e complexa que a mais encarniçada das guerras
comuns entre Estados, e renunciar de antemão a qualquer manobra, a explorar
os antagonismos de interesses (mesmo apenas temporários), que dividem
nossos inimigos, renunciar a acordos e compromissos com possíveis aliados
(ainda que provisórios, inconsistentes, vacilantes, condicionados), não é, por
acaso, qualquer coisa de extremamente ridículo?” [4].
Ademais, é óbvio que a marcha da multipolaridade geopolítica – similarmente
à grande estratégia chinesa de desenvolvimento - possibilita o recurso da
utilização “das reservas estratégicas” para a luta revolucionária. Como ensinou,
com brilho, J. Stálin, as reservas da revolução podem ser indiretas, como as:
“(...) contradições, conflitos e guerras (por exemplo, a guerra imperialista) entre
Estados burgueses hostis ao Estado proletário, que o proletariado pode utilizar em sua
defesa ou manobrar; caso se veja obrigado a bater-se em retirada”. [5]
78
Cumpre notar aqui: Karl Marx levava em absoluta consideração o caráter
revolucionário do seu Método, assentando nele boa parte dos êxitos de sua
poderosa interpretação teórica. Com efeito, a clara distinção entre investigação
e exposição significava exaustiva e a mais completa possível apropriação dos
dados da realidade em movimento. Vistas as fontes em sua maior completude
possível, a análise se voltava então para as conexões e as formas de
desenvolvimento da matéria anatomizada. Só então passar-se-ia à exposição
(interpretando) os resultados obtidos.
Voltemos, sob esse prisma, ao nosso tema. Hodiernamente, se o “subconsumo
as massas” é a razão central das crises desse padrão de acumulação do
regime do capital financeirizado, isto significa que: 1) se o “subconsumo as
massas” é a razão central das crises, então quanto maior o crescimento do PIB
e do PIB per capita, mais se afastaria a possibilidade das crises no capitalismo
dos nossos dias, certo? Totalmente errado: a Suécia sofrerá em 2009 uma
recessão grave, com queda de 4,2% no PIB (Produto Interno Bruto), a maior
desde o início da Segunda Guerra Mundial; retornará o desemprego em massa
ao patamar de 12% até 2011, de acordo com as previsões do governo (Folha
On Line, 01/04/2009 - 11h09). Ora, a Suécia sempre foi exibida como exemplo
paradisíaco da moderna sociedade burguesa, vangloriando-se de uma renda
per capita recentemente calculada em nada menos que US$ 39,6 mil
(janeiro/2009). Bem, “subconsumo das massas” suecas como causa da crise?
Isto é apenas piada em graça. 2) A Índia, segundo dados oficiais, possui cerca
de 700 milhões de pessoas em condições pobreza, e pouco mais de 300
milhões incluídas entre as variadas camadas médias e burguesas. Entre 1991-
2008, sua taxa de crescimento foi maior que 6%, alcançando em 2006-7, nada
menos que 9,4% de avanço de seu PIB. Por que a Índia, ao invés de ser
submetida a crises econômicas de “subconsumo das massas”, dadas
especialmente as centenas de milhões de pessoas (cerca de 2/3 de sua
população) vivendo em condição de pobreza crônica, cresce vertiginosamente
sua economia a taxas tão elevadas? [8]
3) Finalmente, como se pode insinuar que a crise atual, objetivamente gerada a
partir da débâcle das hipotecas suprime nos EUA, ou seja, uma crise centrada
no capital portador de juros contidos nos título (hipotecas), auxiliada por
residências vendidas aos milhões a uma baixíssima taxa de juros - o grande
móvel de massas norte-americanas para, a partir das hipotecas, inflar
empréstimos para o hiperconsumo (2/3 do PIB dos EUA); movimento esse
revertido e “quebrado”, também pela inédita alavancagem do sistema
bancário-financeiro, reforçada pela especulação derivativa, quer dizer, pela
manipulação de títulos podres e impagáveis de famílias endividadas
astronomicamente para consumir, tudo isso originou uma crise nos EUA “de
subconsumo das massas?”
Exatamente sobre a questão, num esclarecedor artigo, o professor L. Belluzzo
chama a atenção para o fato de o consumo representar mais de 70% da
demanda agregada nos Estados Unidos. Conforme ele explica,
“A economia americana, nos últimos 20 anos, foi impulsionada, sobretudo, pelo
crescimento sem precedentes do consumo das famílias. Nos últimos três anos e meio
79
essa característica da economia americana exasperou-se: o crescimento do consumo
“descolou” [disparou] da evolução da renda, dos salários reais e do emprego. Sua
evolução depende cada vez mais do efeito-riqueza, concentrado, nos últimos anos, na
valorização dos imóveis residenciais”. [9]
80
Somente a conflagração bélica mundial forçou a criação de uma nova ordem
global, com os EUA assumindo claramente a posição hegemônica no bloco
capitalista “ocidental” do planeta. Sabidamente, os EUA imperialistas saíram
fortalecidos enquanto potência capitalista, chancelaram a moeda-reserva
internacional e iniciaram a corrida armamentista nuclear - aniquilando
Hiroshima e Nagasaki.
Não é essa a situação circundante à crise atual. Os EUA são uma
superpotência militar, em decadência econômica, social, ideológica e moral,
vis-à-vis a contestação interna e externa que sofrem à sua dominação à base
de mísseis e ocupação neocolonial genocida; vis-à-vis ainda à bancarrota de
seu arsenal ideológico-doutrinário neoliberal: o receituário do comando da alta
finança sobre tudo e todos, em visível despedaçamento. O que não quer dizer,
por enquanto, o seu enterro – mas já se fabricam os caixões funerários
apropriados.
De outra parte, o sistema monetário internacional passou a conviver com o
declínio hegemônico do dono da moeda-reserva, o dólar. No entanto, se a
moeda sofria desvalorização expressiva há seis anos, na crise global viu
crescer nos últimos meses a demanda pelos papéis do governo americano,
que continuam a ser vistos pelos investidores como o refúgio mais seguro -
ainda que sua a taxa de juros tenha chegado próximo a zero! Segundo
informações de abril último do FMI, 64% das reservas internacionais
conhecidas estavam denominadas em dólar no fim de 2008. O governo da
China (com mais de US$ 2 trilhões em divisas), também preocupado com o
risco de que os títulos do Tesouro se desvalorizem (inflação futura,
endividamento público gigantesco), apresentou proposta para um sistema
monetário internacional mais estável e menos dependente do dólar, baseado
nos DES (Direito Especial de Saques. [12]
Em nossas suposições: a) a moeda dos EUA não conseguirá deter a marcha
interrompida de sua desvalorização, dada a deterioração geral de sua
economia e a longa reconstrução de seu sistema financeiro e bancos, em
bancarrota; b) o seu endividamento público, inédito desde a segunda Guerra
Mundial, poderá levar o país ao calote; c) nenhuma moeda, de longe, tem
condições de substituir o dólar, num horizonte presumível: a tendência –
reafirmemos – de médio-longo prazo é um sistema internacional plurimonetário,
com o dólar sendo uma das moedas importantes.
Sob outro ângulo, analistas burgueses passaram a falar agora que a crise
confluirá para uma “década perdida”, no que tange ao crescimento e ao
desenvolvimento econômico, desde o centro do capitalismo, a se espraiar pelo
mundo. Isso representaria, além da recessão, estagnação ou depressão global,
especialmente no “coração do capital”. Por que ainda não se sabe bem como
se soerguerão da tempestade a China e principalmente os chamados BRICs (+
Rússia, Índia e Brasil). Por enquanto, indícios de certa resistência à queda, aí;
mas a crise é profunda e se arrastará penosamente. A situação russa, por
exemplo, sofreu fulminante degradação econômica conjuntural, com intensa
fuga de capitais e esfrangalhamento do rublo; prevê-se acentuada negativação
de seu PIB em 2009.
81
Nesse ambiente, a posição consequente dos comunistas deve ser, no caso
brasileiro, aquela assinalada por Renato Rabelo, presidente do PCdoB,
compreendendo: 1) um movimento “emergencial”: a luta por um “novo pacto
político”, que rompa com a herança macroeconômica neoliberal dos governos
de Lula, e se volte contra a aliança rentista; em defesa do emprego, dos
salários e de investimento e gasto público. Acentue-se que serão dias difíceis,
os que nos esperam. Repõe-se o massacre social sobre os trabalhadores, o
que aponta ser imperioso a defesa do trabalho, em variadas suas formas de
luta, pelos comunistas.
Por outro lado, esse rentismo vem sendo cevado (e metamorfoseado) no
Brasil, na verdade, desde as reformas financeiras de Roberto Campos e
Octávio Bulhões. Agigantou-se desde F. H. Cardoso, a financeirização através
da liberalização financeira quase irrestrita, que veio se estabelecendo até
março de 2005. Eis aí o grande desafio a um autêntico Projeto Nacional de
Desenvolvimento. Sem absolutamente deixar de reconhecer os importantes
avanços em várias áreas, obtidas pelo seu governo, sua coalizão governista e
pela luta – ainda limitada - dos trabalhadores.
2) Vai ficando mais claro, aos olhos dos trabalhadores e dos povos submetidos
ao regime do capital, que esse sistema é não só obsoleto, como superado
historicamente. No plano internacional, as batalhas principais entre a grande
burguesia financeira (e em geral) e as massas proletárias, que já acontecem
deverão, de um lado configurar o grau de “reformas” que só serão impostas ao
capital em longos combates.
Simultaneamente, a ideia de uma crise de civilização da sociedade burguesa
vai se encorpando. O que significa maior proximidade nacional das tarefas que
entrelaçam o caminho da transição ao socialismo. Pois, resguardando-se
sempre as particularidades históricas das nações, vez que a grande crise atual
carrega fortes indícios de exasperação/esgotamento mundial desse processo
expansivo do capital, “a saída de fundo é o socialismo” – afirma Renato
Rabelo.
E noutro enfoque, argumenta Rabelo: “A partir desse pensamento
revolucionário atual, achamos que, no mundo de hoje, nos encontramos ainda
em uma realidade de defensiva estratégica. (...)
Acho que a atual crise do capitalismo, com sua profundidade e extensão, coloca essa
questão, afirmando e dando mais perspectivas à ideia do socialismo. Mas não quer
dizer que, automaticamente, o socialismo já entre nesse quadro de correlação de
forças em uma posição ofensiva. Não reunimos ainda forças para isso. Na realidade, o
nosso desafio, hoje, é acertar qual é o caminho para que possamos chegar a essa
situação de transição”. [13]
82
[1] Em: “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia”, Apud Mazzucchelli, F.,
2004: 58: “A contradição em processo. O capitalismo e suas crises”, Unicamp,
2004.
[2] Refiro-me particularmente aquele marxismo vulgar sempre a esgrimir – para
aparecer sempre à esquerda - a retórica esquerdista. O que, inclusive,
mereceu de Eric Hobsbawm uma certa tipologia desse vulgarismo. No
excelente “O que os historiadores devem a Karl Marx?”, ele estiliza, a exemplo,
o determinismo econômico [que sustenta, lógico, a teoria da estagnação e “del
derrumbe do capital”]; a visão dos que nunca foram “muito além da primeira
página do Manifesto e da frase ‘a história [escrita] de todas as sociedades até
agora existentes é a história das lutas de classes’” [ou seja, tudo se determina
e se resume em luta de classes e na contradição capital/trabalho]; a
inevitabilidade histórica enquanto leis, eivada da “regularidade rígida e imposta”
etc. E ataca esse marxismo “positivista” que tenta “assimilar o estudo das
ciências sociais aos das ciências naturais”, ou em forçar predeterminações
analíticas que assimilam “o humano ao não-humano” (in: “Sobre história”,
Companhia das Letras, 1998).
[3] Ver: “Crisis económica global. ¿Hasta cuándo?, ¿hasta dónde?”, de O.
Martínez, in: rebelión.org (29/4/2009).
[4] “Esquerdismo, doença infantil do comunismo”, de V Lênin, pp. 84-85, Anita
Garibaldi, 2004.
[5] Ver: “Fundamentos do leninismo”, de J. Stálin, p. 93, Global Editora, s/data.
Mais adiante, Stálin exemplifica a questão na “importância gigantesca que teve
o fato da guerra de morte travada entre os principais grupos imperialista no
período da Revolução de Outubro... imperialistas a guerrear uns contra os
outros, não puderam concentrar suas forças no jovem poder soviético...
precisamente esta circunstância que permitiu ao proletariado erguer-se
inteiramente a organizar suas forças, a consolidar seu poder...” (idem, p. 95).
[6] Ver: Apresentação a “O Capital”, J. Gorender, v. 1., p.LX, Abril Cultural,
1983.
[7] “Observación sobre el problema de la teoria de los mercados”, (Con motivo
de La polémica entre los señores Túgán-Baranovski y Bulgakóv”), de V Lênin,
in: “Sobre el problema de los mercados”, Escritos económicos (1893-1899), p.
210, Madrid, Siglo veintiuno, 1974.
[8] Acrescente-se: um informe governamental estima que 77% da população
trabalhadora da Índia vivem com menos de meio dólar por dia. Ver: “Índia: a
economia cresce, a fome também”, Anuradha Mittal, Portal Terra, 01/10/2008.
[9] Ver: “O consumo americano”, de L. Belluzzo, Portal Terra, 10/10/2008
[10] Em: “O Capital” volume I, p. 116, Nota 99 [à terceira edição alemã], Abril
Cultural, 1983.
[11] Ver: ''Os passos de um gigante: notas sobre os EUA entre a Primeira
Guerra e a Grande Depressão'', de F. Mazzucchelli, in: ''Os anos de chumbo:
83
notas sobre a economia internacional no entre-guerras'', p. 165, 2007, edição
eletrônica.
[12] Considere-se a observação recente do estudioso e ex-consultor do FMI
Barry Eichengreen (Universidade da Califórnia em Berkeley): “Se quiserem
ampliar o uso desse instrumento, alguém terá que subsidiar a formação de um
mercado até que ele ganhe profundidade e liquidez”; e a seguir: ''Os governos,
ou seja, os acionistas do FMI teriam que assumir esse custo, o que exigiria
muitos anos de trabalho” (dados e declarações em: “Valor Econômico”,
02/04/2009).
[13] Ver: “O caminho para a transição ao socialismo”, de R. Rabelo, texto para
o Seminário nacional do PCdoB “Desvendar o Brasil”, São Paulo, 3,4 e 5 de
abril 2009, ainda sem a revisão do autor.
84
Tendências do capitalismo contemporâneo*
Estagnação crônica do crescimento econômico especialmente no capitalismo
desenvolvido, [1] queda da produtividade do trabalho, endividamento público e
privado ascendente, persistência do processo de financeirização capitalista
global, desigualdade social galopante e agravamento do desemprego
estrutural. Fenômenos da era neoliberal entrecruzados com a passagem a uma
nova revolução industrial. Alterações estruturais na dinâmica da acumulação do
capitalismo neoliberal sugerem a reconfiguração uma nova fase da etapa
imperialista.
Neoliberalismo: conceito e crise – um debate
O neoliberalismo pode ser conceituado como um programa da economia
política neoclássica de da era do capitalismo financeirizado. Representa-se
numa plataforma dirigida pelo poderio do grande capital financeiro patrocinador
da explosão do capital fictício, sendo central o capital portador de juros.
O neoliberalismo envolve um padrão de acumulação que se desenvolve a partir
da crise dos anos 1970, alicerçado: a) no padrão dólar-flexível desde 1971; b)
na flutuação das taxas de câmbio, desde 1973; c) e na elevação drástica da
taxa básica de juros pelo Fed em 1979, para recompor a hegemonia do poderio
econômico do imperialismo norte-americano.
Esse programa foi paulatinamente estruturado, inicialmente pela Inglaterra e os
EUA, de modo a materializar políticas globais de: (i) desregulamentação e
liberalização financeiras; (ii) as privatizações de empresas estatais e públicas;
e (iii) a abertura comercial internacional e desnacionalização generalizadas.
Outrossim, no debate que vem prosseguindo e conforme se consolidava os
elementos do ideário constitutivo da globalização neoliberal e financeira, deve-
se reter substantivamente o que segue.
Para o economista E. REINERT a globalização neoliberal tem como pano de
fundo a teorização do prêmio Nobel Paul Samuelson (1949), que defendeu ser
o livre comércio internacional o fator principal de “equalização de preços dos
fatores” (capital e trabalho), que assim, tenderiam a ser iguais em todo o
mundo. [2] Samuelson atreveu-se a provar “matematicamente” o fenômeno, diz
REINERT, quando hoje comprova-se fartamente o desastre. E o que levou o
Ocidente à confusão e à desordem atuais foi uma teoria econômica que
abdicou de estudar aspectos fundamentais da dinâmica capitalista, inclusive a
dinâmica da tecnologia e das crises financeiras, escreve o economista
(Posfácio, 2016).
Numa outra confluência, P. ANDERSON e R. BRENNER chamam a atenção
para o ataque cerrado que a ascensão neoliberal assestou no Estado e no
movimento sindical, notadamente advinda da queda da lucratividade que
passou a atravessar o capitalismo central desde o final do 1960. Para
ANDERSON, ademais, o proselitismo reacionário de F. Hayek, contra a
“servidão moderna” do pós-guerra ocupou lugar central na “ideologia do
neoliberalismo”. Segundo BRENNER, desde o final dos anos 70, instala-se a
85
dominação crescente do capital financeiro; as políticas neoliberais visam
garantir, proteger e expandir o campo de lucros para o capital financeiro e as
multinacionais, e garantir os interesses do capital financeiro implementou-se às
expensas das bases da economia, em geral, e da classe trabalhadora, em
particular. [3]
Também de acordo com o sociólogo francês P. BORDIEU, a teoria do
neoliberalismo “é pura ficção matemática”, fundada desde o início numa
“abstração formidável”. Sua concepção estreita e estrita da racionalidade como
racionalidade individual vinculam-se às condições econômicas e sociais das
orientações racionais “e as estruturas económicas e sociais que condicionam a
sua aplicação”. [4] O programa neoliberal - analisa ele - deriva o seu poder
social do poder político e econômico, daqueles cujos interesses expressa:
acionistas, operadores financeiros, industriais, políticos conservadores e
sociais-democratas que foram transformados nos subprodutores tranquilizantes
do laissez faire, altos funcionários financeiros decididos a impor políticas que
procuram a sua própria extinção.
“Uma nova razão do mundo”, é a formulação síntese alcançada pelos
pesquisadores P. DARDOT e C. LAVAL, [5] onde o neoliberalismo abrangeria
mais vastamente: a) a conquista do poder político pelas forças neoliberais; b) o
rápido crescimento do capitalismo financeiro global; c) a individualização das
relações sociais às expensas das solidariedades coletivas; d) a polarização
extrema entre ricos e pobres; e, e) o surgimento de um novo sujeito, o
desenvolvimento de novas patologias psíquicas. Assim, o neoliberalismo seria,
“longe de limitar-se à esfera econômica”, integrador de “todas as dimensões da
existência humana”.
Segundo os economistas G. DUMENIL e D. LEVY, o neoliberalismo não
poderia ser definido abstratamente como “geral”, vez que ele é seria diferente
nos EUA e Europa, daquele existente no Japão, etc. Correspondendo
fundamentalmente à reafirmação do poder da finança, ainda que ele conteria:
a) tendências em mudanças técnicas e rentabilidade; b) em estruturas de
classes; c) em formas de poder estatal; d) em quadros institucionais etc.
Contraditoriamente, acreditam esses pesquisadores marxistas que o
neoliberalismo é um “novo estágio do capitalismo”, caracterizado por uma
estratégia das classes capitalistas aliados aos administradores de alto escalão
do setor financeiro, para reforçar sua hegemonia e expandi-la pelo mundo. [6]
A crise iniciada em 2007-8 seria assim uma “crise do neoliberalismo”.
P. GOWAN, [7] entretanto, nos dá uma visão bastante precisa do processo de
espraiamento do neoliberalismo, no sentido que ele veio conformando o
“programa” acima referido e caracterizando sua subordinação à “globalização
financeira”. O primeiro ato do governo Thatcher foi liquidar os controles
britânicos sobre as movimentações financeiras (1979); em 1981 foi a vez do
Conselheiro F. Hollande seguir a britânica; H. Kohl igualmente o fez logo ao
tomar posse (1982); em 1984 aparece a ideia de Mercado Único Europeu que
sobretudo alavancou a remoção dos controles da movimentação financeira em
toda a Europa Ocidental; a Dinamarca liberalizou as finanças em 1988, assim
como o fez a Itália; em 1989 a França abandona gradualmente o controle da
86
conta de capitais. Durante toda a década – relata GOWAN - de 1980 os
Estados Unidos pressionaram o Japão “com algum sucesso” para liberalizar as
restrições de saída e entrada de fundos, “um passo importante para o aumento
do tamanho e do peso dos mercados financeiros anglo-americanos”.
Não só. O neoliberalismo é entronizado com uma mudança radical do Sistema
Monetário Internacional. Desde 1980 o dólar deixa de ser um padrão de valor
tradicional dos regimes monetários pré-existentes (ouro-libra e ouro-dólar). Mas
passas a cumprir sobretudo o papel mais importante de “moeda financeira”
num sistema desregulado e de paridades cambiais inexistentes, ademais de “o
valor do dólar é fixado pela taxa de juros norte-americana”, a referência básica
do sistema financeiro global, na medida em que ao EUA mantém a sua dívida
pública “como título de segurança máxima”, afirmaram TAVARES, M e FIORI,
L. [8]
O historiador marxista E. HOBSBAWM [9] advertira que a “globalização
acompanhada de mercados livres” trouxe consigo uma “dramática acentuação”
das desigualdades econômicas e sociais nas nações e entre elas. Embora a
pobreza extrema geral estivesse diminuindo não havia sinais que tal
polarização não continuasse, assim como ela deveria ser considerada na base
de importantes tensões sociais e políticas no começo do século XXI. Para ele,
na “era do neoliberalismo” estabeleceu-se uma “época gloriosa das finanças
especulativas internacionais”, onde se calcula as atividades das empresas
“nem mesmo em um ano”, implicando no abandono dos “valores” que
construíram a grande empresa capitalista do pós-2ª Guerra: insegurança
permanente e mudança contínua de trabalhadores e administradores.
L. BELLUZZO, por sua vez, ressalta o caráter eminentemente especulativo e
de criação contábil de capital fictício desse capital financeiro, universal, na
medida em que a sua capacidade mobilizadora de grandes massas de capital-
dinheiro força “a supressão de barreiras tecnológicas e de mercado”. A
desregulamentação e a liberalização dos mercados financeiros e cambiais
iniciaram-se antes - “desde meados de 1960” - da ruptura ao sistema Bretton
Woods e contribuíram para a sua derrocada. Assim, os mercados financeiros
contemporâneos apresentam grande inclinação para episódios de euforia e de
alavancagem imprudente, ante uma “extrema sensibilidade aos riscos de
contração súbita da liquidez”. [10]
Fases da crise: uma periodização
A distinção que podemos – e devemos – fazer são as fases dessa crise, e das
características que aparecem na iniciada 2007-2008.
1. Ela surge como a explosão na chamada bolha financeira das hipotecas
subprime (agosto de 2007), e não antes ou depois. Teve influência significativa
no colapso do próprio banco Lehman Brothers, em setembro de 2008, lotado
de hipotecas inadimplentes “empacotadas” por outros serviços bancários, e
abençoadas pelo sistema financeiro sombra (shadow financial system). Aliás, o
liberal Paul Krugman reeditou um livro, atualizado em 2009, chamado
exatamente “A crise de 2008 – e a economia da depressão”. Ele já remete aí
ao shadow banking system – banco-sombra –, ou ao processo que ficava
87
submerso com essas mudanças que ocorreram notadamente desde a
generalização e implosão espetacular doas chamadas “inovações financeiras”
do neoliberalismo.
2. Como sabemos, em setembro de 2008, quando da falência do baco Lehman
Brothers, o sistema financeiro internacional colapsou completamente. Ou seja,
nesse ano a crise se torna sistêmica, isto é, quando houve interrupção abrupta
do financiamento o movimento do capitalismo globalmente. Do centro à
periferia. Todo o financiamento da economia capitalista mundial sofreu
abruptamente o chamado credit crunch, um estancamento ou ruptura do crédito
internacional. Configura-se aqui uma segunda fase da crise global.
3. Após o “crash”, podemos visualizar uma outra fase de impacto, que é a
chamada crise das dívidas soberanas na Europa, concentradamente em 2009-
2010. Ela foi o resultado de todas essas políticas “terapêuticas” que nós
acompanhamos desde 2007: os bancos centrais financiando a crise socorrendo
os grandes bancos – “grandes demais para falir”, diziam – com uma trilhonária
injeção de dólares. Uma montanha inimaginável de dinheiro que nunca se viu
em nenhum momento no capitalismo, considerando-se o próprio
desenvolvimento do papel da finança, e mesmo da descrita incontrolável
proliferação do capital fictício. Esse debate vai e volta na comparação com a
catástrofe e a distinguindo da Grande Depressão de 1930.
4. Podemos afirmar que, já a partir de 2011 uma outra fase da crise global se
expandiu fortemente para a América Latina, em especial. Para a CEPAL
(ONU), a fraqueza da economia mundial, causada principalmente pelas
dificuldades que enfrentam Europa, Estados Unidos e China, “incidiu no
crescimento da região”, informava seu Estudo Econômico da América Latina e
do Caribe 2012. (http://exame.abril.com.br/economia/cepal-crescimento-da-al-
se-desacelerara-ate-3-2-em-2012/). Em julho de 2016, a organização ainda
informava que os países da América Latina e do Caribe apresentariam uma
retração em seu produto interno bruto (PIB) de - 0,8% em 2016, queda maior
que a observada em 2015 (-0,5%), com um comportamento muito heterogêneo
entre países e sub-regiões. (http://www.cepal.org/pt-br/comunicados/cepal-
recuperacao-crescimento-america-latina-caribe-depende-dinamismo-
investimento )
Teoricamente, é fundamental ter sempre em conta que:
Do ponto de vista do marxismo, sobre a base da superprodução ou
superacumulação de capitais (máquinas, equipamentos, instalações,
matérias-primas, ativos financeiros), a crise se instala quando da parada
súbita que interrompe o ciclo da realização capitalista, quer dizer, a
dinâmica cíclica do investimento. Noutras palavras, as crises no
capitalismo não podem ser separadas da regularidade de sua dinâmica
expansiva. O capitalismo, segundo Marx, objetiva produzir em
larguíssima escala, até superproduzir capital. Quer dizer, sobreinvestir
para fazer crescer a produtividade social do trabalho e suplantar a
concorrência; superproduzir para superlucrar, superacumulando capital
88
em excesso e em todas as suas formas, referenciando-se numa dada
taxa média de lucro.
Expansão da liquidez, “bolhas”, crise financeira
No caso da crise das “dívidas soberanas” na Europa têm-se tudo a ver com os
títulos e as dívidas públicos, quando os bancos centrais passaram, na verdade,
a cobrir o buraco financiando a banca privada, à custa do Estado e do povo.
Outro fenômeno revelador da imensa fragilidade da teoria dos mercados
autorregulados: eles se equilibram ou se autorregulam e tentam resolver as
crises com essa intervenção avassaladora do Estado! Quer dizer, falácia e
enganação.
Ora, praticaram políticas e operações que nunca tiveram precedentes na
história do capitalismo. Noutras palavras, da execração e do ataque cerrado ao
Estado em geral passou-se à manipulação descarada das finanças públicas
estatais para salvar bancos e financistas do desastre por eles criados! Mais
uma vez: os teóricos do mercado autorregulado passaram cerca de 30 anos
dizendo que tinha que ser tudo desregulamentado e a economia protegida
pelos mercados, quando veio uma crise gigantesca e o Estado veio mostrando
o alargamento intervencionista do próprio Estado, com endividamento
extraordinário, crescente e simplesmente impagável hoje.
Se analisarmos as referências do endividamento dos bancos e do
endividamento dos Estados europeus antes de 2007-8, e em 2016, vemos que
ele foi se multiplicando e não parou. Houve um processo de agigantamento
dessas dívidas. Continua crescendo e provocando um endividamento
extraordinário: 270% do PIB (Produto Interno Bruto), no Japão; 170% na Itália;
106% nos EUA; na Grécia, em Portugal e na Espanha mais que dobrou.
Em que estágio estaríamos nessa crise? Nessas fases de 2007, 2008, 2009-
2010 e 2011-12, há bastante nitidez de que nada do que foi feito pelos Bancos
Centrais, por meio dessas injeções trilionárias e criação de outros mecanismos
que os americanos inventaram, é novidade, pois após o Fed (BC dos EUA) e
os BC da Inglaterra (2007) que utilizaram primeiro o Quantative Easing (QE) ou
“flexibilização quantitativa, seguiu-se o Japão, e depois o Banco Central
Europeu. Significa – a “flexibilização quantitativa” - simplesmente que o próprio
governo passa a comprar títulos dos seus Tesouros, e outros ativos, injetando
o dinheiro em setores da na economia. Objetivamente, monetizar esse dinheiro
no mercado e dispô-lo para compra e para especulação financeira no mundo
inteiro. Por isso também que as “bolhas financeiras” voltaram.
Houve um processo de expansão gigantesco, não só de expansão da chamada
liquidez, mas a multiplicação de riqueza financeira fictícia. Ao invés, no entanto,
de se resolver o problema da queda violenta nos investimentos à produção,
voltou-se novamente para a esfera financeira, de uma forma incontrolável. Não
satisfeitos com esse negócio, os bancos centrais passaram a fazer taxa de juro
zero. Na Europa, estava em torno de 2%, na época. E o processo da crise de
2009-2010 resultou em taxa de juros zero. Note-se abaixo o gráfico com dados
bem recentes acerca das taxas de juros de longo prazo
89
Isso se generalizou, porque passou a haver um processo de ampliação da
concorrência financeira, impulsionada na ascensão neoliberal, no sentido de
que se cai a capacidade de comprar dinheiro para investir em tal moeda ou
ativo, e se eles se depreciam, outros passam a fazer o mesmo. Não satisfeitos
com isso, os juros passaram a ser negativos. Inclusive implicando perdas para
o sistema bancário-financeiro, por causa do mecanismo que estabelece o
processo de empréstimos com a taxa de juros negativos sobre títulos dos
governos, que seriam ressarcidos por uma tal taxa de juros, que virou negativa.
Assim, em fevereiro de 2016 possuíam juros negativos, além do Japão, em
alguns de seus títulos ou como taxa principal de referência, o Banco Central
Europeu (BCE), o BC da Suécia, da Suíça e da Dinamarca. Segundo a cálculos
do banco J.P. Morgan, há hoje cerca de US$ 6 trilhões em títulos públicos com
juros negativos. Esse montante dobrara em apenas dois meses; e em meados
de 2014, ainda não havia nenhum bônus de dívida soberana com rentabilidade
abaixo de zero. (http://oglobo.globo.com/economia/aumenta-numero-de-paises-
com-juros-negativos-18641745#ixzz4Yy4xHt1g)
Três meses após, em maio de 2016, o primeiro-ministro japonês, na reunião do
G7, deu uma entrevista ao jornal “Le Monde”, dizendo o seguinte: “Nova crise
global financeira está no horizonte”. Já banqueiro e professor francês Patrick
Artus disse que a crise de 2007-2008 levou a um estado de “crise financeira
permanente” na economia mundial. Em entrevista
(http://www.valor.com.br/financas/4553953/loucura-dos-bcs-infla-bolha-do-
mercado-de-bonus-diz-professor ), fala num livro sobre o assunto, intitulado “A
loucura dos bancos centrais”, Artus disse o seguinte: “Hoje, há um excesso de
liquidez de circulação, onde a base monetária do mundo, ou a liquidez criada
pelos bancos centrais, é de 23 trilhões de dólares, comparada a 2 trilhões de
dólares, há 20 anos. E essa liquidez, criada pelos Bancos Centrais, representa
cerca de 30% do PIB mundial hoje. Era 6% no final dos anos 1990”.
90
Nessa direção L. Belluzzo (http://www.ceapetce.org.br/noticias/a-nova-bolha-
os-mercados-financeiros-afogam-se-em-liquidez-e-o-investimento-seca/)
escreveu num artigo, antes da entrevista desse Patrick, na qual ele diz o
seguinte: “Em 2008, a bolha de bonds, de títulos, ações, era de 80 trilhões de
dólares, hoje supera 100 trilhões de dólares. O mercado de derivativos, que
usa essa bolha como colateral, supera 555 trilhões de dólares”. A conclusão
dele, e de muitos outros pesquisadores, é a de que estamos próximos a uma
nova crise financeira. E, como disse enfaticamente Patrick, essa nova crise
financeira no horizonte será pior do que a de 2008.
Decadência e embuste neoclássico
91
O factual é que o crescimento do PIB real per capita está desacelerando, tanto
nas economias capitalistas avançadas como nas chamadas emergentes; mas
não este crescimento examinado empiricamente em perspectiva histórica. A
China socialista, o grande motor da expansão econômica desde a crise
financeira deflagrada pelo colapso das hipotecas subprime, também está
desacelerando, embora controladamente; o que integra a política econômica do
Estado chinês. Ocorre que, sendo provável que a economia dos Estados
Unidos reduzirá mais ainda o ritmo lento de crescimento, será muito difícil
evitar uma nova crise mundial. Para Instituto Global McKinsey, nos espera uma
“turbulência global” (2016).
92
privado não apenas aumenta as chances de uma crise financeira como
também dificulta o crescimento, pois devedores muito endividados
eventualmente diminuem seu consumo e investimento”, em um círculo vicioso
interminável.
93
Simultaneamente, o mesmo Patrick Artus, explica didaticamente: 1) antes,
uma bolha imobiliária criou efeito de riqueza que estimulou o consumo; 2)
atualmente, a bolha dos bônus fez baixar os juros para as empresas e os
governos; 3) mas “uma bolha sempre explode”: como já assistimos, em certo
momento os agentes econômicos se desembaraçam de ativos muito caros “e
isso explode”; 4) quem pegou emprestado “vai, com a alta de juros, pagar bem
mais caro por suas dívidas”.
94
entretenimento e as comunicações pessoais do que para os processos
produtivos. Até porque, diz Gordon, “a maioria das invenções recentes da
informática não trouxe transformações fundamentais, mas miniaturização; o
iPhone, por exemplo, só junta funções que laptops e celulares antigos já
tinham”.
95
Com efeito, nos EUA, se o Bureau of Labor Statistics estima que a duração da
semana de trabalho média tem se mantido estável, em cerca de 34 horas, desde
o advento da internet há duas décadas, nada – continua Inkatli - poderia estar
mais longe da verdade: os trabalhadores do conhecimento trabalham
continuamente fora do escritório tradicional, verificando seus e-mails, atualizando
planilhas, escrevendo relatórios, e em reuniões de brainstorming (técnica de
discussão em grupo) os trabalhadores do conhecimento, ou de colarinho branco,
que são a maioria dos trabalhadores em economias avançadas – estão agora
inconscientemente presos a seus locais de trabalho, essencialmente, 24 horas
por dia, sete dias por semana, uma realidade que não se reflete nas estatísticas
oficiais – enfatiza o economista.
96
surgiam, e agora o capital assalariava cientistas e técnicos, e buscava
deliberadamente as inovações. Dessa forma, a inovação tecnológica passava a
ser resultado do planejamento e de pesquisas, e não mais produto da ação
individual.
97
impulsionando a mudança do paradigma tecno-econômico estão as indústrias
como núcleo de cada revolução técnico-científica, que podem ser agrupadas
em três categorias principais:
Os ramos industriais motores, produtores de insumos chave de uso
quase universal: os semicondutores hoje, o petróleo e os plásticos da
onda anterior, o aço barato na terceira revolução industrial, o carvão na
segunda, e a energia hidráulica (moinhos de água e transporte por
canais) na primeira.
Os ramos vetores, são as usuárias mais visíveis e ativas do insumo
chave e representam os produtos paradigmáticos da revolução. São os
ramos industriais que difundem a “a notícia” sobre as novas
oportunidades: os computadores, os programas (software) e os
telefones celulares de hoje; os automóveis e artefatos elétricos na
quarta revolução, os vapores de aço na terceira, os trens ferroviários
com motores a vapor na segunda, e a maquinaria têxtil na primeira.
As infraestruturas, que tecnologicamente formam parte da revolução,
deixam sentir seu impacto definindo e expandindo as fronteiras de
mercado para todas as indústrias: a internet hoje, as rodovias e a
eletricidade na quarta, a rede mundial de transportes na terceira
(ferrovias continentais rotas e portos para os navios a vapor), as
ferrovias nacionais na segunda, e os canais na primeira.
Utilizando-se de uma periodização diferenciada, Pérez apresenta o
seguinte e amplo quadro das grandes transformações nas bases técnicas
do capitalismo:
98
No configurar da nova revolução industrial, e na caracterização do ideólogo
neoliberal Klaus Schwab (“A quarta revolução industrial”, Edipro, 2016), a
chamada Quarta Revolução Industrial ou Indústria 4.0 processa uma fusão de
tecnologias, borrando as linhas divisórias entre as esferas físicas, digitais e
biológicas. Na qual se configura a inteligência artificial, a robótica, a impressão
3D, os drones, a nanotecnologia, a biotecnologia, a estocagem de dados (Big
Data) e de energia, os veículos autônomos, os novos materiais, a internet das
coisas, etc.
99
e robótica avançarem será inevitável a substituição de funções ocupadas por
homens hoje”.
100
De outar parte, o novo relatório a Organização Internacional do Trabalho
(OIT/janeiro de 2017) estima que este ano haverá um aumento de 3,4 milhões
de pessoas desempregadas (ou 5,8% maior que o do ano anterior); a previsão
é que no mundo inteiro some aproximadamente 201 milhões de trabalhadores;
a tendência de crescimento deve se estender até 2018, ano que deve registrar
aumento de 2,7 milhões de desempregados em relação a 2017. Para a direção
da OIT, o desemprego continuará subindo nos próximos anos, crescimento
econômico mundial esse que “segue decepcionante”.
Assim, a partir desses cinco exemplos resumidos acima, nos marcos das
mudanças apontadas nos sistemas industriais, parece-nos suficiente concluir
que há em curso indiscutível processo de mudança na dinâmica da
acumulação do capital. Assim é que programas reestruturantes da Indústria 4.0
estão em operação: nos EUA a Advanced Manufacturing (2011); na Alemanha
a Industry 4. 0 (2014); no Reino Unido a Future of Manufactoring (2013); na
França a Industrie du Futur (2015); na Coréia do Sul a Manufactoring Inovation
3.0 (2015); na Índia a Make in India (2014); na China a China Manufactoring
2025 (2015).
Mas, atenção:
Considerações finais
Afirmamos que não é possível desconhecer três movimentos centrais que agora
mesmo se entrecruzam no capitalismo neoliberal contemporâneo, em meio a
essa gigantesca crise irresoluta e sem horizontes de solução, iniciada em 2007-
8: a) o profundo processo de “financeirização” da riqueza como um padrão
arraigado da dinâmica capitalista contemporânea; b) mutações no paradigma
tecnológica que parece combinar a um outro estágio avançado - e rapidíssimo –
da terceira Revolução Industrial, ou à denominada quarta Revolução Industrial;
c) ao tempo em que se assiste à degradação e regressão social vasta e
101
profunda, o flagelo do desemprego em taxas nunca antes alcançadas, seja de
modo relativo ou absoluto.
E não pode haver dúvida de que, em Marx e em Lênin uma ideia central é a de
que são as transformações qualitativas nas fases do capitalismo que engendram
suas mudanças estruturais. Tais mudanças, por sua vez, devem condicionar
mudanças na dinâmica da acumulação capitalista, incidindo ademais nas lutas
de classes.
Foi Karl Marx, em sua genialidade estonteante que escreveu indelevelmente n’O
capital, Livro 1, cap. XXIII: “Produzir mais-valia é a lei absoluta desse modo de
produção”. E mais adiante: “Expressando matematicamente: a magnitude da
acumulação é a variável independente, o montante de salários, a variável
dependente, não sendo verdadeira a afirmação oposta”.
NOTAS
[1] É indispensável sempre reafirmar que, para Marx, não há crise permanente
do capitalismo, mas quase regular periodicidade das crises no mercado mundial
(Teorias da Mais-Valia). Segundo Lênin, “no seu conjunto, o capitalismo cresce
com uma rapidez incomparavelmente maior que antes”. Simultaneamente, no
capítulo VIII, “O parasitismo e a decomposição do capitalismo”, afirmara Lênin:
“Mas não obstante, como todo monopólio, o monopólio capitalista gera
inevitavelmente uma tendência para a estagnação e para a decomposição” (“O
imperialismo, fase superior do capitalismo”, capítulo X, “O Lugar do
imperialismo na história”, p. 668, Lisboa, Edições Avante! 1981). A tendência a
estagnação encontra-se no interior do crescimento capitalista, de “rapidez
incomparavelmente maior que antes”. Lênin refere-se concretamente ao
crescimento de certos ramos industriais, certos setores da burguesia, certos
países, a) nos Estados rentistas espoliadores via exportação de capitais e o
colonialismo; b) ao caráter parasitário e desigual desse crescimento que
alcança os países centrais, e os periféricos).
[2] Ver: “Como ao países ficaram ricos... e por que os países pobres continuam
pobres”, E. Reinert, Rio de Janeiro, Contraponto/Centro celso Furtado de
políticas para o desenvolvimento, 2016.
[3] Ver: “Balanço do Neoliberalismo”, Perry Anderson, em: Pós-neoliberalismo:
as políticas sociais e o Estado democrático”, Sader, E. e Gentili, P. (Orgs.), Rio
de Janeiro, Paz e Terra, 1995. “A crise emergente do capitalismo mundial: do
neoliberalismo à depressão?”, R. Brenner, Revista Actuel Marx/Centre National
de la Recherche Scientifique da França, 30 de setembro de 1998, Sorbonne,
Paris.
102
[4] Ver: “A essência do neoliberalismo”, P. Bordieu, em: www.diario.info (2017
[1998]).
[5] Ver: “A nova razão do mundo. Ensaio sobre a sociedade neoliberal”, P.
Dardot e C. Laval, São Paulo, Boitempo, 2016.
[6] Ver: “O neoliberalismo sob hegemonia americana”, G. Dumenil e D. Levy,
em: “A finança mundializada – raízes sociais e políticas, configuração,
consequências”, Chesnais, F. (org), Sã Paulo, Boitempo, 2005. Também “A
crise do neoliberalismo”, G. Dumenil e D. Levy, São Paulo, Boitempo, 2014.
[7]Ver: “A roleta global. Uma aposta faustiana de Washington para a
dominação do mundo”, P Gowan, Rio de janeiro, Record, 2003.
[8] Ver: “A hegemonia americana”, M.C. Tavares e L.Fiori, Revista Lua Nova,
São Paulo, nº 50, 2000.
[9] Ver: “Globalização, terrorismo e democracia”, E. Hobsbawm, São Paulo,
Companhia das Letras, 2007. Também, “O novo século. Entrevista a Antonio
Polito”, E. Hobsbawm, São Paulo, Companhia das Letras, 2007.
[10] Em: “Prefácio” à “A finança mundializada”, L. Belluzzo, de Chesnais, F.
(org.), 2005, cit.
103
Crise capitalista global persiste em cenário sombrio*
Provavelmente, a melhor definição para o atual estágio da crise gestada em
2007-8 foi explicitada pelo banqueiro Dick Fischer, nada menos que antigo
presidente do Fed (banco central dos EUA): “Nós injetamos cocaína e heroína
no sistema” para criar um efeito riqueza e “agora estamos a mantê-lo com
Ritalina” (medicamento para tratar déficit de atenção, também antidepressivo).
A orgia do
mercado financeiro é o tema do filme O Lobo de Wall Street Foto: Ilustra Cezar Xavier
104
sinal de que pode estar no horizonte nova tormenta financeira é o anúncio do
Fed (banco central dos EUA) de que não vai elevar a taxa básica de juros em
abril. [2]
A “vertigem” chinesa
Ocorre que a China – enfatize-se vez por todas - vem reafirmando, sob vários
ângulos, seu reposicionamento geopolítico mundial. Conforme estudo de
Chandrasekhar e Gosh, com base nos dados do World Economic Outlook do
FMI (outubro de 2015), houve queda expressiva na participação das economias
105
desenvolvidas, de 83% para 60% do PIB global nos últimos 30 anos. O período
de 2002 a 2013 abarcou uma queda de 80% para 62%. A ascensão
historicamente vertiginosa da China significou o crescimento de sua participação
de 3% para 15% no PIB mundial, isto representando 87% da queda de presença
dos países referidos entre os anos 1980 e 2015. [5]
106
Sim: Fischer representa bem a gangue de bandidos e loucos que tomaram de
assalto o capitalismo “drogado” do far west americano!
NOTAS
[3] Em: “Líderes globais têm visão pessimista para os próximos anos”, Assis
Moreira, Valor Econômico, 07/04/2016.
[5] Dados em: “Assim é (se lhe parece)!, L. Belluzzo e G. Galípolo, Valor
Econômico, 05/04/2016.
107
Novo crash financeiro no horizonte*
Pensa o economista francês Patrick Artus que as políticas ultra expansionistas da liquidez
(QE,“quantitave easing”), tocadas pelo Banco da Inglaterra, pelo Fed americano, o Banco
do Japão e o BCE europeu, levaram o sistema capitalista pós crise 2007-8, a um estado de
crise financeira permanente na economia mundial.[1]
Como didaticamente ele explica: 1) antes, uma bolha imobiliária criou efeito de
riqueza que estimulou o consumo; 2) atualmente, a bolha dos bônus fez baixar
os juros para as empresas e os governos; 3) mas “uma bolha sempre explode”:
como já assistimos, em certo momento os agentes econômicos se
desembaraçam de ativos muito caros “e isso explode”; 4) quem pegou
emprestado “vai, com a alta de juros, pagar bem mais caro por suas dívidas”.
108
de negócios das instituições financeiras (bancos, fundos de pensão e
companhias de seguros), “apertando a receita de juros” num momento em que
a rentabilidade já é fraca. [3]
109
De acordo com dados oficiais, o Produto Interno Bruto (PIB) americano cresceu
0,5% - menos da metade da taxa do trimestre anterior – devido principalmente
à queda dos investimentos corporativos e das suas exportações. O quadro
também foi afetado por uma desaceleração do crescimento dos gastos do
consumidor, apesar de um aumento da renda pessoal.
Estamos desacelerando desde o ano passado. Isso não é um fenômeno de um
trimestre”, afirmou Joseph LaVorgna, economista-chefe para os EUA do
Deutsche Bank. “É surpreendente que o consumidor não tenha se saído
melhor, tendo em vista o forte crescimento do número de empregos e os baixos
preços da energia”, desconversa ele. Em abril, a economia dos EUA gerou 160
mil empregos, abaixo da média de 224 mil ao longo do ano até abril, revelou
Jeanna Smialek, da insuspeita Blomberg.
Indústria global segue afundando
De outra parte, a indústria no mundo todo teve desempenho ruim em abril,
mostraram dados divulgados ontem para Estados Unidos, zona do euro, Japão
e China, realçando as dificuldades de a economia decolar em nível global. Com
a fraca demanda e o excesso de oferta, as leituras regionais devem reforçar a
impressão de quem a recente retomada da economia não se sustentará
facilmente e de que pode ser preciso mais estímulo.
Na zona do euro, onde o Banco Central Europeu (BCE) vem promovendo uma
política de estímulo, a indústria cresceu apenas marginalmente em abril. Na
China, novos dados sugerem que a economia se estabilizou em abril, em meio
a uma recuperação no mercado imobiliário e do crédito. A indústria, porém,
cresceu pouco. O PMI oficial ficou em 50,1 pontos, chegando segundo no
campo positivo. O indicador para serviços e construção, porém, teve melhor
desempenho e ficou em 53,5 pontos. No Japão o PMI medido pela
Markit/Nikkei para o setor industrial caiu a 48,2 pontos em abril, em
comparação a 49,1 pontos em março. O número não somente indica uma
contração, como foi o pior para o setor industrial japonês em mais de três anos.
[5]
China e índia enfrentam a grande crise
Por falar na China, dias atrás o Ministério dos Transportes do país anunciou
que deverá injetar quase 5 trilhões de yuans (US$ 770 bilhões) na
infraestrutura de transportes nos próximos três anos. O aporte sinaliza a
determinação do país em usar investimentos públicos para manter a economia
em plena atividade. A mais nova rodada de financiamento deverá beneficiar a
debilitada indústria pesada e o setor de construção civil. Chega na sequência
do anúncio pela comissão na terça-feira de que 1,6 trilhão de yuans serão
investidos em 130 projetos no também necessitado cinturão industrial das
províncias da região Noroeste. [6]
A economia indiana cresceu 5,3% em 2012/13; a previsão é de alcançar 7,5%
por cento em 2016, tendo sido seu PIB de 7,3% em 2015. A última pesquisa
econômica do Ministério de Finanças prevê um crescimento entre 7% e 7,75%
110
no próximo ano, embora com riscos de perda. Diante do quadro atual dos Brics
(crescimento negativo no Brasil e na Rússia, desaceleração chinesa e
estagnação na África do Sul), a Índia vai bem, apenas porque, nas palavras de
seu presidente do banco central, Baghuram Rajan, “em terra de cego, caolho é
rei”.
A tormenta vindoura – e o velho Marx
Nas conclusões do economista-banqueiro francês Patrick Artus, “a próxima
crise financeira será pior que a das hipotecas de alto risco” (subprime, iniciada
em agosto de 2007, EUA). Nouriel Roubini afirma que muitos outros mercados
(além dos BRICs, acima citados) também desaceleram desde 2013, em razão
do enfraquecimento das condições externas e da fragilidade econômica, o que
– diz - exacerbou “o excesso de poupança global e a crise de investimentos”.
111
[2]Em:http://www.ceapetce.org.br/noticias/a-nova-bolha-os-mercados-
financeiros-afogam-se-em-liquidez-e-o-investimento-seca/
[3]Em:http://www.valor.com.br/financas/4546879/juro-baixo-e-sintoma-de-
desafios-da-economia-global-diz-draghi
[4]Em:http://www.bresserpereira.org.br/terceiros/2016/maio/16.05.Dinheiro-
farto.pdf
[5]Em:http://www.valor.com.br/internacional/4547109/demanda-cai-e-afeta-
industria-global
[6]Em:http://www.valor.com.br/internacional/4559043/pacote-de-estimulo-preve-
gastos-de-us-770-bi-em-transportes-na-china
112
Capitalismo Walking Dead: juros negativos revelam a crise o pântano*
No horizonte do capitalismo de transfiguração neoliberal - assentado no estágio
imperialista dos nossos dias - vê-se perigoso aprofundamento da
desaceleração com nova recessão (na estagnação!) sendo muito provável.
Sim, num capitalismo já “respirando por aparelhos”, espécie de morto-vivo. E a
espalhar miasmas terríveis por toda a parte
Há visível perplexidade e impotência diante do prosseguimento da grande crise
global, com falência de medidas as mais “heterodoxas” já realizadas em todas
as histórias das depressões - respostas sem qualquer sucesso para retirar do
pântano a economia capitalista. Fenômenos novos que vem acompanhado de
uma hipocrisia suicida diante do colapso e dum cinismo intelectual sem
precedentes.
Taxa de juros negativos
Esta é a nova “macroeconomia” da fantasmagórica da economia mundial que
se generaliza e se impõe aos bancos centrais para tirar a economia capitalista
mundial de desta “Longa Depressão” (Michael Roberts). [1] Isso porque falhou
a política de “juros zero”. Assim como falhou a generalização anterior da
política “Quantitave Easing” (Inglaterra, EUA, Japão e União Europeia), tendo
fracassado ainda a impressão de moeda. Vários bancos centrais pequenos já
haviam adotado a NIRP (Negative Interest Rate) como Suíça e Suécia, mas a
semana passada o Banco de Japão passou a adotá-la efetivamente.
113
economias centrais (especialmente na zona do euro) serve como um bloqueio
ao investimento, direcionando-se assim lucros ao entesouramento ou a
especulação.
114
seja, gasto extra de 0,87% ao ano), comparado com o cenário atual, resultaria
num crescimento acumulado adicional de 2,5 pontos percentuais globalmente
(0,5 p.p. anual). Acompanhado de política fiscal progressiva, esse cenário é
considerado pela entidade consistente com uma redução do déficit fiscal. “A
confiança no mercado financeiro volta com o crescimento e não com
austeridade”, diz Calcgano. E que, para enfrentar a crise, “Todo mundo fez
política expansionista, com bons resultados, e conseguiu controlar [o pior da
crise]”, declarou. [4]
Notemos ademais que, para Roberto Azevêdo, diretor-geral da OMC
(Organização Mundial do Comércio), na medida em que vários bancos centrais
adentraram no território de taxas negativas de juros, títulos dos governos tem
obtido rendimento perto de zero, “e a economia mundial não reage. Isso é
muito preocupante”
O que foi explicitamente reiterado por Mario Draghi, presidente atual do BCE,
em comunicado no dia 1 de março de 2016: “Neste ambiente, as dinâmicas de
inflação da zona do euro continuam mais fracas do que o esperado", diz a
carta. Mario Draghi afirma ter “uma variedade de instrumentos à sua
disposição” e que “não há limites para quão longe estamos dispostos a usar os
nossos instrumentos, dentro do nosso mandado, para atingir o nosso objetivo”.
Enquanto a reunião do G-20 em Xangai praticamente desconheceu os “alertas”
do FMI frente a situação da economia mundial. “Essa evolução dos
acontecimentos aponta para maiores riscos de uma recuperação fora dos
trilhos, num momento em que a economia mundial está extremamente
vulnerável a choques adversos”, alertou o FMI. Para quem “a economia
mundial precisa de ações multilaterais ousadas para estimular o crescimento e
conter o risco”. [5]
No comunicado do G-20, diz-se que “a recuperação global continua, mas
segue desigual e aquém da nossa ambição”. Um resumo do ridículo explícito,
apesar das promessas de “usar todas as ferramentas” (monetária, fiscal etc.)
para a “retomada do crescimento” – o que já virou lero-lero. (“G-20 vê
recuperação da economia global aquém da esperada”, O Estado de S. Paulo,
25/02/2016).
Uma nota sobre a Venezuela
A Venezuela prossegue em grandes dificuldades econômicas, especialmente
atingida pela derrubada do preço do petróleo (cerca de 70% do seu PIB). O
país reduziu recentemente a importação de alimentos e de remédios frente ao
impacto da continuidade do pagamento da sua dívida externa (no 26 de
fevereiro vencia US$ 1,5 bilhão em títulos de dívida, tendo o governo
anunciado que faria o pagamento). A estimativas para o PIB deste ano revelam
um forte crescimento negativo, evidentemente a se confirmar. Além, o país vem
consumindo suas reservas internacionais que, em queda, estariam em torno de
(apenas) US$ 14,56 bilhões em fins de fevereiro.
Duas observações
115
1) Pelo exposto, ademais de repetições dos alertas do FMI acerca dos
novos fatores de risco da economia global, há uma clara viragem na
conduta de recomendação da OCDE e da Unctad (ONU), no sentido de
aplicação imediata de políticas de ampla flexibilização fiscal e aumento
do gasto público, mesmo diante de dívidas públicas gigantescas
acumuladas nos principais países do capitalismo central. O que
evidentemente desmoraliza o receituário do “ajuste fiscal” radical
imposto especialmente pela “troika” (BCE/Comissão UE/FMI). E em
certo sentido antecipam recados à periferia subdesenvolvida às voltas
com violenta queda do produto, das receitas fiscais e exportação de
commodities.
2) Mas a questão que parece ser a essencial é a de que a “financeirização”
neoliberal continua sua “fuga para frente”, cuja hegemonia do grande
capital no comando de organismos multilaterais - tomando medidas ou
não tomando -, e enfrentando novas e flagrantes contradições (agudas e
crônicas), ainda assim sem respostas progressistas e soberanas
satisfatórias até onde a vista alcança. Prosseguirá portanto a destruição
de forças produtivas com drástica regressão social.
*Publicado em Portal Vermelho, 07/03/2016
NOTAS
[1] Ver o importante artigo de Roberts em:
http://www.sinpermiso.info/textos/podemos-evitar-la-recesion-mundial-que-se-
aproxima
[3] Na nossa opinião são quatro as fases que compõem essa grande crise, até
agora: a) das hipotecas “subprime” (agosto de 2007); b) a falência do Lehman
Brothers (setembro de 2008); c) a chamada de “crise das dívidas soberanas”,
desde 2010 e que se agrava; d) a fase atual, que arrasta a periferia capitalista
e atinge, de outro modo, a estratégia de desenvolvimento vitoriosa da China.
[4] Ver: http://www.valor.com.br/internacional/4439760/unctad-defende-mais-
gasto-publico-para-enfrentar-crise
[5] ver: http://www.valor.com.br/internacional/4453434/fmi-fala-em-momento-
critico-e-pede-medidas-energicas-do-g-20
116
“A situação está pior do que em 2007. Nossa munição macroeconômica para
combater desacelerações (dowturns) no essencial já foi toda gasta” (William
White, presidente da comissão de revisão da OCDE e ex-economista-chefe do
Banco de Compensações Internacionais –BIS). [1]
No finalzinho de dezembro passado, em Berlim, a chefona do FMI (Fundo
Monetário Internacional) Cristine Lagarde mandou avisar a todos: o
crescimento da economia mundial 2016 será decepcionante, desigual e situado
em novos riscos financeiros. Ela imagina que as causas deste cenário se
encontram na queda da produtividade, no envelhecimento da população
mundial e ainda que os efeitos da crise financeira. Segundo disse, a crise
iniciada com a falência do Lehman Brothers, não teria até agora assegurado a
estabilidade financeira sistêmica – por ela assim concebida e desejada.
Em fim de mandato - a ser renovado -, Lagarde comentara também que a
desaceleração econômica na China e a elevação da taxa básica de juros nos
EUA iriam contribuir para maior volatilidade econômica e insegurança em
qualquer parte do globo. A Europa – afirmou insuspeitadamente - fecharia o
ano com elevação do endividamento público e privado, com baixas taxas de
investimento e debilidades no sistema bancário do continente. [2]
Para 2015 a OCDE já havia cortado sua previsão de crescimento global para 2,9%
em seu relatório de perspectiva econômica, dos 3% previstos em setembro. A
organização tem repetidamente cortado sua perspectiva de crescimento de 2015
ante os 3,7% inicialmente. Disse que o comércio global vai crescer somente 2%
este ano, um nível que foi visto apenas cinco vezes nas últimas cinco décadas e
que coincide com contrações: 1975, 1982-83, 2001 e 2009: “É profundamente
preocupante”, disse a economista-chefe da OCDE, Catherine Mann, na introdução
do relatório; alertando que “O comércio mundial tem sido um termômetro da
produção global”. [3]
Sim, crise crônica afunda a periferia
117
CRESCIMENTO DO PIB (Produto Interno Bruto) 1985-2015
118
desaceleração do crescimento do comércio - em parte resultado e em parte
causa de um crescimento mais fraco”. “A globalização está perdendo
dinamismo”, admite resignado ele, o ilustrado e dissimulado porta-voz da
grande finança capitalista [5]
Mas William White vai mais fundo. “O mundo enfrenta uma onda de
inadimplência de dívidas épicas”: esse é o prognóstico grave do experiente
economista do mainstream. Conforme a referida análise de White, credores da
Europa provavelmente enfrentarão algumas das maiores
perdas (haircuts). Bancos europeus já admitiram US$2 trilhões de empréstimos
que não serão pagos: eles estão fortemente expostos a mercados emergentes
e estão quase certamente estendendo o prazo (rolling over) de mais dívidas
podres que nunca foram reveladas.
Em relação especificamente à situação do Fed (banco central dos EUA), White
sentenciou estar agora “num horrível impasse pois tenta libertar-se da QE
(Quantitative Easing) e aprumar o navio outra vez. “É uma armadilha da dívida.
As coisas estão tão ruins que não há resposta certa. Se subirem as taxas [de
juros] isso será detestável. Se não elevarem, isso apenas faz as coisas piores”.
Resumindo: as considerações últimas de Cristine Lagarde (FMI), Martin Wolf
(Financial Times) e especialmente de William White convergem para a ideia de
que, nos marcos obscuros da continuidade da crise, a elevação em 0,25% da
taxa básica de juros pelo banco central americano (FED) em dezembro vai
acirrar a guerra cambial (de capitais), reforçará a instabilidade financeira e
aprofundará a desaceleração global.
Quinze anos depois da queda, falência!
E desnecessário detalhar o irrefutável e já célebre relatório da ong. britânica
OXFAM Internacional (1942) de 18 de janeiro de 2016:
• Em 2015, só 62 pessoas possuíam a mesma riqueza de 3,6
bilhões da metade mais pobre da humanidade. Em 2010 eram
388 pessoas. Essa riqueza sofreu incremento de 44% em
apenas cinco anos. Enquanto isso, essa metade mais pobre
sofreu redução0 em mais de U$ 1 bilhão de dólares, um
colapso de 41%! Ou 1% de ricos detém a mesma riqueza que
99%! [6]
119
De fato, de uma parte, cumpre notar que o yuan da China adquiriu o status de
uma divisa oficial de reserva: a decisão foi tomada pelo Fundo Monetário
Internacional em 30 de Novembro de 2015. A moeda chinesa, o yuan, tornou-
se a quinta divisa oficial de reserva, juntando-se ao dólar americano, ao euro,
ao yen japonês e à libra britânica. Mais ainda: a seguir, com base no peso
estabelecido pelo Fundo, o yuan tenha sido imediatamente classificado em
terceiro lugar no cesto de divisas de reserva do FMI, à frente do yen e da libra.
De outra parte, a China convive às convulsões sistêmicas da crise capitalista
gestada no ventre do declínio americano, simultaneamente à estratégia traçada
da necessidade de um “aggiornamento” de um modelo de desenvolvimento
baseado fundamentalmente no gigantesco setor exportador para outro de
avanço dos serviços de tecnologia mais sofisticada e um comércio voltado
fortemente à demanda e consumo internos. Seu crescimento excepcional de
6,9% em 2015 é prova inconteste de seu controle sobre a política econômica
nacional.
Considerado grande especialista na economia chinesa, Roberto Dumas
(mestre em Economia da China pela Universidade de Fundan e em Economia
Mundial pela Universidade de Birmingham, na Inglaterra) assegura que os fatos
registrados na China na segunda-feira, 04/01 (desvalorização da moeda
nacional, o yuan, e quedas simultâneas nas duas Bolsas de Valores, de
Shangai e Shenzhen), só surpreenderam quem não conhece as decisões das
autoridades chinesas: “O que está acontecendo na China nada mais é do que o
resultado de uma bem planejada política econômica de Governo, produzindo
os efeitos esperados”, informa Dumas. [7]
NOTAS
[1]Ver: “Mundo enfrenta onda de inadimplência de dívidas épicas, teme
veterano banco central”, A. Evans-Pritchard, The Telegraph, 19/01/2016.
http://www.telegraph.co.uk/finance/financetopics/davos/12108569/World-faces-
wave-of-epic-debt-defaults-fears-central-bank-veteran.html
[2]Ver: “FMI espera desempenho negativo da economia mundial em 2016”.
(http://www.granma.cu/mundo/2015-12-30/fmi-espera-negativo-desempeno-de-
la-economia-mundial-en-el-2016-30-12-2015-21-12-52)
[3] Em: “OCDE reduz de novo projeção de crescimento da economia mundial”.
http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/11/ocde-reduz-de-novo-projecao-de-
crescimento-da-economia-mundial.html.
[4] Ver: “O cartel bancário que dirige o mercado de petróleo”, V. Katasanov.
http://www.strategic-culture.org/news/2016/01/18/banking-cartel-that-steers-oil-
market.html. Traduzido em resistir.info
[5] Em: “Essa turbulência é resultado do erro do banco central dos EUA”, M. Wolf, Folha
de S.Paulo/Financial Times, 13/01/2016.
120
[6]Ver:
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160118_riqueza_estudo_oxfa
m_fn
[7] Ver: “É preciso entender a China: não é crise – é política econômica”, em:
Sputnik [http://bit.ly/1JVHnHx] 07/01/2016.
121
Características e fases da grande crise capitalista iniciada em 2007-8
(TEXTO INTEGRAL)*
O diretor de Estudos e Pesquisas da Fundação Mauricio Grabois, A. Sérgio
Barroso, apontou as características e as fases da crise de 2007-2008, a sua
evolução e a tendência atual, durante a primeira mesa do IV Seminário Nacional
de Estudos Avançados do PCdoB, cujo tema central foi "O golpe no Brasil como
parte da ofensiva do imperialismo no mundo e na América Latina."
A. Sérgio Barroso discute como evolui a crise econômica mundial Foto: Cezar
Xavier
(...) A ideia era de que a exposição do professor Belluzzo fosse sobre a crise,
sobre os aspectos mais estruturais da crise. A sugestão aqui da direção da
Escola (João Amazonas), à qual agradeço pelo convite, era de tocarmos
também um pouco nesses aspectos da crise capitalista atual. Nessas
circunstâncias a nossa contribuição vai ser limitada.
122
desse sistema de relações internacionais tanto do ponto de vista
geoeconômico quanto geopolítico. Então, quero resgatar que, desde 2003,
quando reestruturamos a Escola Nacional, o principal tema do debate que
orientou os trabalhos desse primeiro Curso Nacional nosso foi, exatamente, o
exame do capitalismo contemporâneo. Suas características, a natureza do
capitalismo contemporâneo.
Noto então que, bem antes da grande crise, já vínhamos procurando examinar
essas mudanças que vêm se processando na dinâmica do capitalismo. Mais
para frente um pouco, no ano da crise, no final de 2007 (em agosto), fizemos,
em novembro, um seminário no qual abordamos a crise e seus aspectos
geopolíticos, contemplando as transformações, o mundo em transição. Também
promovemos um seminário internacional sobre o assunto, com convidados
estrangeiros etc.
A primeira dessas conclusões foi lançada já no seminário de 2007. E foi uma das
preocupações que o camarada Renato Rabelo levantou como um dos pontos
que serviram para orientar o nosso debate, ou à qual os conferencistas
pudessem responder durante as suas exposições e no curso do seminário. E a
questão é essa que o Renato levanta: a “financeirização”, “a dominância
financeira” ou o “regime dirigido pelas finanças”, e as suas diversas
denominações, já apareciam com frequência na literatura, na interpretação de
vários autores e na análise mesmo do movimento comunista. Uma contribuição
dos marxistas e do movimento comunista. Ou seja, por um outro viés, a
123
liberalização das finanças, a desregulamentação comparecia no debate. Mas,
como se relaciona o processo de “financeirização” com o sistema de poder do
capitalismo global? Então, essa ideia vai, a partir de 2007, colando a ideia de
que o processo de financeirização capitalista ou financeirização da riqueza ou o
processo de produzir, gerir e realizar essa riqueza tem um comando político e
concreto. Isto é, ele sofreu orientação de um programa que terminou por se
denominar neoliberal, a partir da crise capitalista dos anos 1970, em particular
com a ascensão de Thatcher e Reagan – fato que expandiu essas políticas,
posteriormente para a Alemanha, para o Japão e outros países, tomando essa
feição na qual os governos passaram a aplicar um programa de desmonte das
conquistas de pós-guerra, em particular a partir do desmonte dos pilares dos
acordos econômicos, financeiros e comerciais que tiveram vigência nos famosos
Acordos de Bretton-Woods (1944).
124
crise é de 2008. Claro que essa de setembro de 2008 (falência do banco
Lehman Brothers) tem impacto internacional muito mais forte: ela trona a crise
global, iniciada um ano antes aproximadamente, em uma crise sistêmica. Mas
ela está inteiramente vinculada aos mesmos processos endógenos que se
estabeleceram sobre a crise de caráter financeiro das hipotecas subprime. Mas
não só isso: apesar de ter tido sua emergência nos Estados Unidos – por isso
que é importante distingui-las do processo de 2008 –, ela não foi só um
problema “americano”.
A distinção que podemos – e devemos – fazer são as fases dessa crise. E que,
em 2008, o sistema financeiro internacional colapsou completamente. Ou seja,
nesse ano a crise se tronou sistêmica quando houve interrupção abrupta do
sistema que financia o movimento do capital global! Do centro à periferia. Todo o
financiamento da economia capitalista mundial sofreu o chamado credit crunch,
um estancamento ou ruptura do crédito internacional.
Dou sempre dois exemplos simples nos nossos debates da escola, para ver o
impacto dessa ruptura no sistema de financiamento: No final de 2008 a Vale
125
demitiu dois mil trabalhadores, sem explicação. E, logo depois, a Embraer
demitiu quatro mil e duzentos trabalhadores, sem explicações.
Lembro que Lula chamou a direção da Embraer para explicar, que disse que
havia a concorrência da Embraer [Empresa Brasileira de Aeronáutica] com a
Bombardier, do Canadá, e que se não ocorressem providências no sentido de
cortar custos, manter investimentos, manter financiamentos internacionais, a
Bombardier ultrapassaria a primazia da Embraer como a maior produtora de
jatos para voos regionais do mundo.
Na crise houve então um impacto de tal ordem, a revelar uma das principais
características da crise do capitalismo global – mais ainda capitalismo
“financeirizado” –, que é a parada súbita do investimento. Essa era a ideia já
contida em Marx, e não é invencionice. Marx fala da parada da acumulação, que
é exatamente processo que, ao se gerar a mais-valia, pode levar ou não ao
reinvestimento. Esse é o processo do dinamismo – ou não, repito – capitalista. A
parada da acumulação, ou seja, a parada do investimento, a suspensão da
compra ou encomendas já anunciadas de máquinas e equipamentos
sofisticados tecnologicamente, para aumentar a produtividade, só assim para
driblar a concorrência e ter maiores lucros no processo da produção.
126
Esse processo de agigantamento dos ativos financeiros é que caracteriza a
deflagração dessas crises mais recentes. Não é um problema exclusivamente da
produção, que vai cada vez sendo mais afetada pelo setor financeiro, pela crise
que desaba do setor financeiro e incide sobre o processo da produção capitalista
como um todo. É a célebre definição de “autonomia relativa” das esferas da
produção e financeira.
Assim, após a crise das hipotecas “subprime” – depois de uma outra fase, a de
setembro de 2008 ou a da falência do baco Lehman Brothers –, nós podemos
visualizar uma outra fase de impacto, que é a chamada crise das dívidas
soberanas na Europa, concentradamente em 2010. Ela foi o resultado de todas
essas políticas “terapêuticas” que nós acompanhamos desde 2007: os Bancos
Centrais financiando a crise socorrendo os grandes bancos – “grandes demais
para falir”, diziam – com uma trilionária injeção de dólares, euros ou ienes, tanto
faz. Uma montanha inimaginável de dinheiro que nunca se viu em nenhum
momento no capitalismo, considerando-se o próprio desenvolvimento do papel
da finança, e mesmo essa incontrolável proliferação do capital fictício. Esse
debate vai e volta na comparação com a catástrofe e as características da
Grande Depressão de 1930.
Naquela época, o Estado não tinha mecanismos, até pela própria concepção
liberal do padrão vigente, que era do padrão-ouro no sistema financeiro
internacional. E, pela visão hegemonicamente liberal, não havia mecanismos de
proteção ou defesa, fato que levou, por exemplo, a estourar a crise de outubro
de 1929. Depois disso, ocorreu uma série de regulamentações, pelo próprio
presidente Roosevelt, nos Estados Unidos. Não só para criar leis que
protegessem, mas também isso inseriu o Roosevelt numa plataforma avançada,
progressista. Se for ver hoje, é quase uma plataforma de esquerda que ele
apresenta: O controle do sistema financeiro, controle dos monopólios, anistia e
refinanciamento das dívidas da população, criação da Previdência Social, logo
no início dos anos 1930 etc.
127
sentido de impedir que os bancos regionais americanos tivessem autonomia e
estabelecessem, por exemplo, uma taxa de juros à revelia do Banco Central
americano. Enfim, foram tomadas medidas pelas quais o Estado interveio para
fazer com que houvesse um processo regulatório sobre a crise originada em
1929.
Hoje, essas crises das dívidas soberanas têm muito a ver com os títulos públicos
nos Bancos Centrais que passaram, na verdade, a cobrir o buraco financiando a
banca privada, à custa do Estado e do povo. Outro fenômeno revelador da
imensa fragilidade da teoria dos mercados autorregulados: de que na dinâmica e
crises do capitalismo eles se equilibram ou se autorregulam e resolvem as crises
que, com essa intervenção avassaladora do Estado. Ora, praticaram políticas e
operações que nunca tiveram precedentes na história do capitalismo. Noutras
palavras: da execração e do ataque cerrado ao Estado em geral passou-se à
manipulação descarada das finanças públicas estatais para salvar bancos e
bilionários dos prejuízos por eles criados!
Partindo para a última parte, em que estágio estaríamos nessa crise? Nessas
fases de 2007, 2008 e 2010, há bastante nitidez de que nada do que foi feito
pelos Bancos Centrais, por meio dessas injeções trilionárias e criação de outros
mecanismos que os americanos inventaram, é novidade, pois os ingleses
utilizaram primeiro, depois o Japão, e depois o Banco Central europeu, nessa
sequência, que foi denominado de Quantitave Easing (QE). Significa – a
“flexibilização quantitativa” - simplesmente que o próprio governo passa a
comprar títulos do Tesouro e outros ativos e injetar o dinheiro correspondente na
economia. Monetizar esse dinheiro no mercado e dispô-lo para compra e para
especulação financeira no mundo inteiro. Por isso também que as “bolhas
financeiras” voltaram, que é a conclusão pública de um debate à qual se chegou
mais recentemente.
128
aplicação novamente para a esfera financeira, de uma forma avassaladora e
incontrolável. Não satisfeitos com esse negócio, os Bancos Centrais passaram a
fazer taxa de juro zero. Já estava baixa. Na Europa, estava em torno de 2%, na
época. E o processo da crise de 2010 resultou em taxa de juros zero.
129
expressar que a tendência que temos pela frente é a de uma nova crise
financeira.
O que considero muito pior: isso deve ocorrer quando estamos num estágio, ou
numa outra fase dessa crise depressiva e cronificada, inédita, pelas
características acima assinaladas, em que ela se desdobra para a periferia do
capitalismo. No nosso caso, a América Latina e o Caribe, o processo que resulta
da crise global e europeia, e mais recentemente a desaceleração (controlada) da
China, reserva-nos um agravamento no descenso das taxas de crescimento
econômico e um aumento do desemprego desde o segundo semestre de 2011
(Cepal, Comissão Econômica para a América Latina).
130
Notas sobre o “inimigo principal”*
“O mercado monetário é sempre, por assim dizer, o quartel general do sistema
capitalista” (Schumpeter) [1]
Há poucos dias foi o poderoso Deutsche Bank (alemão) a anunciar demissão
de 9 mil trabalhadores bancários para “melhorar a frágil situação do banco”,
descreve o Financial Times. Isso representaria 9% do staff do banco, sendo
que quatro mil demissões dessas ocorrerão na Alemanha. Além, o banco
resolveu reduzir em 6 mil, dos 30 mil consultores externos usados em área com
a de tecnologia e informação. Também saindo fora de dez mercados,
principalmente em cinco países da América Latina, com a venda do Postbank
(subsidiária) o Deutsche passará o “facão” em nada menos que outros 19 mil
empregos!
(http://www.valor.com.br/imprimir/noticia/4293846/financas/4293846/deutsche-
bank-demitira-9-mil-e-saira-de-dez-mercados).
Mas qual a razão essencial das medidas tomadas pelo Deutsche, o maior dos
bancos da Alemanha? O próprio FT esclarece mais adiante que, pagante de
uma multa de U$ 2,5 bilhões tomada por sua participação no escandaloso
episódio de manipulação da Libor britânica (taxa de referência para juros
interbancários, tabelada em Londres), culmina-se a demissão de seu
executivo-chefe adjunto A. Jain [2]. O que foi seguido por nova falcatrua
envolvendo o banco, desta vez na Rússia, então flagrado em lavagem de cerca
de US$ 6 bilhões, nos últimos quatro anos – o diário londrino omite menção à
operação de lavagem. [3]
Grande banco lava e financia o “terrorismo”
Não à toa temos registrado uma comprovação indisfarçável do contubérnio
fraudulento e criminoso do atual sistema financeiro internacional: em 17 de
Julho de 2012, tornou-se público e comprovado que David Bagley, diretor
mundial do banco HSBC para regulamentação pediu demissão em sessão no
Senado dos EUA. A sessão fora convocada para Bagley ser formalmente
acusado, após investigação, de permitir operações de lavagem de dinheiro do
narcotráfico (cartéis do México), bem como de dinheiro proveniente de
financiadores de “grupos terroristas” (Arábia Saudita). A alta direção do banco
sabia de tudo! [4] O banco tem raízes mergulhadas em guerras coloniais e
comerciais conduzidas pelo imperialismo inglês na Ásia.
De acordo ainda com extensa reportagem da irreverente (e insuspeita de
“esquerdista”) Revista Rolling Stone (http://thoth3126.com.br/banqueiros-
gangsters-muito-grandes-para-serem-presos/), durante pelo menos cinco
anos esse maior banco britânico ajudou a lavar centenas de milhões de
dólares para traficantes de drogas, incluindo o cartel de Sinaloa do
México, declarou o ex-procurador-geral de New York Eliot Spitzer: eles “fazem
os caras em Wall Street parecerem bonzinhos”.
O banco HSBC também lavou dinheiro para organizações terroristas ligadas à
Al-Qaeda, para gângsteres russos, entre outros; teria transacionado com o Irã,
131
Sudão e a Coréia do Norte, países sancionados pela ONU. “Além de ajudar
assassinos, traficantes de drogas, terroristas e estados desonestos”, auxiliando
fraudes fiscais comuns para esconder muito dinheiro – afirma com todas as
letras Jack Blum (advogado e ex-investigador do Senado dos EUA), chefe de
uma investigação de suborno importante contra a empresa Lockheed em 1970.
“Eles violaram todas as malditas leis que constam no livro”; “Eles fizeram
todas as formas imagináveis e possíveis de negócios ilegais e ilícitos” –
disparou então Blum, na mesma reportagem.
Conta ainda Morin que, desde 2012 autoridades judiciais dos Estados Unidos,
britânicas e a Comissão Europeia aumentaram investigações e multas que
demostram que muitos desses bancos – especialmente onze deles (Bank of
America, BNP-Paribas, Barclays, Citigroup, Crédit Suisse, Deutsche Bank,
Goldman Sachs, HSBC, JP Morgan Chase, Royal Bank of Scotland, UBS) –
montaram sistematicamente “acordos organizado em bandas”. Isto é,
construíram um oligopólio movido à uma cartelização sistêmica. O que pode
ser visto na citada operação de manipulação da Libor e do mercado de câmbio,
que levou a imposição de multas de muitos bilhões de dólares, prática esta
cada vez mais generalizada.
132
Coincidindo com o avanço da “globalização financeira”, o super-oligopólio
bancário tornou-se muito rico: o balanço total dos 28 bancos do oligopólio
(50,341 trilhões de dólares) é superior, em 2012, à dívida pública global
(48,957 trilhões de dólares)! Suas dívidas privadas tóxicas foram maciçamente
transferidas para os Estados, na última crise global. Ao lado de montanhas de
riqueza fictícia, por suposto.
No último dia dezoito, veio à luz no Brasil [6] que o Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (Cade) negocia acordos com bancos que estão sendo
investigados por “supostas” (?) manipulações nas taxas de câmbio no Brasil,
entre 2009 e 2011, pelos quais eles terão que entregar provas de cartel para
obter redução de penas.
133
produtivas e a formação do mercado mundial... (...) Ao mesmo tempo, o crédito
acelera as erupções violentas dessa contradição, as crises... (...) levando a um
sistema puro e gigantesco de especulação e jogo”. [7]
NOTAS
[1] Em: “A teoria do desenvolvimento econômico”, J.A. Schumpeter, Abril
Cultural, 1983 [1911], p. 86).
[2] Acompanhe esse revelador episódio aqui:
https://br.noticias.yahoo.com/mundo-econ%C3%B4mico-pol%C3%ADtico-
comemora-demiss%C3%A3o-diretores-deutsche-bank-174848465--sector.html
[3]Ver:http://www.jornaldenegocios.pt/empresas/detalhe/
presidentes_do_deutsche_bank_renunciam_apos_escandalo_das_taxas_de_ju
ro.html
[4]Ver: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/55138-hsbc-lavou-dinheiro-diz-
senado-dos-eua.shtml
[5] Em: “A hidra mundial. O monopólio bancário”
(http://outraspalavras.net/posts/os-28-bancos-que-controlam-o-dinheiro-do-
mundo/).
[6] Em: “Bancos negociam acordos com o Cade”, J. Basile, Valor Econômico,
18/11/2015.
[7] Ver: O Capital, Livro 3, volume 5, p. 510, Civilização Brasileira, s/data.
134
Capitalismo e desigualdades. Notas teóricas introdutórias (parte I)*
A. Sérgio Barros
135
verdadeiramente revolucionária. As outras classes degeneram e perecem com
o desenvolvimento da grande indústria” [7].
136
do caráter crescentemente assimétrico e desigual deste capitalismo. Ou seja,
mesmo críticos poderosos como o norte-americano T. Veblen (“Teoria da
classe ociosa”, 1900), ou o brilhante J. Schumpeter (“Teoria do
desenvolvimento econômico”, 1911) [13] pressupunham visões de classe
ancoradas no capitalismo trustificado. Veblen, Schumpeter e Weber: formas
diferentes de defesa do capitalismo monopolista.
137
E, baseando-se particularmente na análise de Marx sobre o papel do sistema
de crédito e bancário, Lênin assinala a nova fonte de espraiamento das
assimetrias estruturais do capitalismo monopolista:
Considerações finais
138
Perfilamos aqui certo debate teórico buscando re-demonstrar que o fenômeno
das desigualdades acompanha o capitalismo desde o nascimento e sua
constituição enquanto modo de produção. Estrutural, na verdade, na medida
em que se desenvolve o capitalismo espalha manifestações de desigualdades
para todas as esferas das relações econômicas, sociais e políticas. São suas
leis de movimento que lhe asseguram contradições endógenas e imanentes. E
assinalamos que o processo de reprodução e permanência/renovação do
capitalismo subdesenvolvido lhe é aferido pela condição de subordinação e
atraso relativo dos processos de industrialização subjugados por países
imperialistas. O que tem feito persistir e ampliar secularmente as
desigualdades – como veremos na segunda parte.
NOTAS
[1] In: “O contrato social e outros escritos”, Jean-Jaques Rousseau, Cultrix,
1978, pp. 143 e 183.
[2] Ver: “Dicionário Rousseau”, de N.J.H. Dent, Dicionário de Filósofos, Zahar,
1996, p. 108.
[3] “Crítica da filosofia do direito de Hegel”, Karl Marx, Boitempo, 2004, p. 41.
Ainda Hegel: “A personalidade do Estado é real somente como uma pessoa, o
monarca” (p. 47).
[4] Marx, idem, p.125.
[5] Marx, idem, p.p 124 e 114.
[6] Ver: “Em memória do Manifesto Comunista”, Antonio Labriola, in: Manifesto
Comunista, Karl Marx-Friedrich Engels, Boitempo, 2004, p.99-100.
[7] No Manifesto, idem, p. 49
[8] Contudo, ele antecipa: “O proletariado passa por diferentes fases de
desenvolvimento. Sua luta contra a burguesia começa com a sua existência”
(idem, p. 47).
[9] Ver: “Capítulo inédito D’o capital – resultados do processo de produção
imediato”, K. Marx, Porto, Publicações Escorpião, p. 46. Dito o assunto de
maneira mais clara e do ponto de vista do proprietário dos meios de produção,
“A autovalorização do capital – a criação de mais-valia – é pois objetivo
determinante, predominante e avassalador do capitalista, impulso e conteúdo
absoluto das suas ações” – argumenta Marx (idem, p.45).
[10] In: “Valor e capitalismo. Um ensaio de economia política”, L. Belluzzo,
Unicamp, 1998, pp. 109-10).
[11] Ver: “A contradição em processo – o capitalismo e suas crises”, de F.
Mazzucchelli, Unicamp, 2004, pp. 86-7. Destaca a seguir o autor fatores de
amplificação do monopólio, a) através dos diferenciais técnicos, financeiros e
de escala; b) dos movimentos de mobilização em larga escala de recursos
líquidos e sua transformação em capital monetário disponíveis a “uma limitada
minoria de capitalistas” (idem, p. 87).
[12] Ver: “A era dos impérios 1875-1914”, E. Hobsbawm, Paz e Terra, 2003, pp.
101 e 110, 8ª edição.
[13] Veblen apontou o comportamento ostentatório dos ricaços norte-
americanos, na passagem ao século XX: nada anteriormente visto na história
139
era parecido; comparava hábitos com os hábitos similares e de costumes do
poder dos chefes nas tribos primitivas (ver: Cap. XII, Nova Cultural, 1988). Para
Schumpeter, sendo central a tese do “empresário inovador”, a função
empresarial é dependente das grandes empresas monopolistas; sua visão de
prosperidade é correspondente aos lucros da acumulação e tende ao infinito. A
ditadura da grande corporação sintoniza-se com os valores do sucesso
individual: o ethos, que motiva os executivos das grandes corporações. E o
lucro, nesse sentido, um claro sinal – o êxtase - de êxito. Indiscutível, porém, o
insight contido no Capítulo II, “O fenômeno fundamental do desenvolvimento
econômico”, da obra de Schumpeter. Este brilhante economista austríaco
escreveu depois coisas interesantes sobre o genial Marx e, em 1942
publica sua obra progressista “Capitalismo, socialismo e democracia”.
140
condições ‘clássicas’ do crescimento”. Condições estas que dizem respeito ao
“modo de utilização do excedente econômico” (idem, ibidem).
[21] Cf. “Processo de industrialização. Do capitalismo originário ao atrasado”,
C. Alonso B. de Oliveira, Introdução, Unesp/Unicamp, 2003; e “O pensamento
econômico no século XX”, C. Napoleoni, Cap. X, Paz e Terra, 1979.
[22] À época, “O Estado supriu a debilidade do capital privado nacional e o
desinteresse do capital forâneo: fez petróleo, aço, produtos químicos básicos,
infra-estrutura, bancos, transporte, energia e telecomunicações. Mais que isso:
nesse momento, a luta pela industrialização na América Latina passa a
constituir uma bandeira progressista em todos os países” – argumenta W.
Cano, em: “Soberania e política econômica na América Latina”,
Unesp/Unicamp, p. 21, 2000).
[23] Ver: “Da revolução industrial inglesa ao imperialismo”, E. Hobsbawm,
Forense, p. 33, 2000, 5ª edição.
141
Crise capitalista: destruição e extermínio*
“[uma época histórica que perdeu o rumo], nos primeiros anos do novo milênio,
com mais perplexidade do que lembro ter visto numa já longa vida, aguarda,
desgovernada e desorientada, um futuro irreconhecível” (Hobsbawm, 2013). [1]
No ingresso do sexto ano da grande crise capitalista global deve-se notar que a
Grande Depressão do século passado teve auge de maior gravidade entre
1929 e 1933; quer dizer, concentrou-se nos cinco primeiros anos. Voltou a se
agravar em 1937, comprovadamente pelo uso de políticas econômicas
ortodoxas, de retorno ao “livre-cambismo” e de “austeridade”. Os fenômenos
depressivos só foram dirimidos através da 2ª Guerra Mundial (a partir de 1939)
quando a economia dos EUA a ele se engrenou.
Nas três fases da crise atual, sua marca “de classe” é a brutal exploração
capitalista sobre os trabalhadores. A grande burguesia global e seus governos
buscam repassar todas as suas consequências para o trabalho. A grande crise,
longe de se amainar espraiou-se especialmente nos países centrais, numa
devastação social sem precedentes na história do capitalismo e só excetuada
pela destruição humana (e das forças produtivas) da 2ª Guerra.
142
milhões de desempregados neste ano. Na estimativa desse órgão da ONU, em
2014 pelo menos mais três milhões de desempregados surgirão; enquanto
cerca de 40 milhões de trabalhadores desistiram de buscar um emprego
“inalcançável”, entre 2007-2012 (trabalhadores desempregados por
“desalento”).
143
Nos EUA, informações do Census Bureau do país assinalam que a riqueza
apropriada por 7% de famílias milionárias tiveram seu patrimônio líquido
acrescido 28%, enquanto o dos 93% restantes caiu 4%, entre 2009 e 2011.
A maior resposta operária até agora foi dada em novembro de 2011, na greve
geral europeia: com grandes manifestações, ocorreram na Espanha, Portugal,
Itália, França, Grécia, Suécia, Bélgica, Bulgária, Dinamarca, Alemanha, Áustria,
Reino Unido, Polônia, Hungria, Suíça, Eslovênia, Luxemburgo, Lituânia,
Casaquistão e Malta. Na França, a exemplo, aconteceram 70 manifestações
em várias cidades.
144
Simbolizando a grande resistência dos trabalhadores e o acirramento da luta
de classes provocada pela crise, em abril de 2013 a Grécia foi tomada pela 19ª
greve geral em quatro anos. Em Portugal, quase uma dezena de greves gerais,
grandes mobilizações populares em todo o país tem sido a marca da resposta
operária e popular ao “pacto de agressão” comandado pelo grande capital
financeiro internacional e seus operadores (“a Troika”): O Banco Central
Europeu, O FMI e Comissão Europeia.
Novas contradições
Notas:
145
[1] Em: “Tempos fraturados. Cultura e sociedade no século 20”, Companhia
das Letras, 2013, pp. 9-10.
146
instabilidade sistêmica de caráter estrutural, é condicionada pela dinâmica
irregular do investimento.
Kalecki conseguira assim captar prospectivamente as tendências inelutáveis de
instabilidade crônica do capitalismo, decorrente da descoordenação das
decisões de investimento, hoje amplamente potenciado pelo processo de
“financeirização” contemporânea da riqueza.
Simultaneamente, nas conclusões de seu mais famoso estudo [2], Kalecki
assinala que o enfraquecimento (baixo crescimento; estagnação) das
economias capitalistas em “seus últimos estágios de desenvolvimento” se daria
“em parte” pelo declínio da intensidade das inovações. Isto influenciado por: a)
importância decrescente da abertura fontes de matérias-primas; b) a
acentuação do monopolismo capitalista (oligopólios etc.) dificultando a
aplicação ampla de novas invenções; c) a proliferação de indústrias de bens
duráveis (automóveis etc.) cujo investimento é menor e se destina mais às
montagens. Essas eram ideias avançadas de Kalecki.
O processo da contradição em dupla face
Face A.
Notadamente em sua dinâmica concreta, ou seja, na macroestrutura financeira
desse capitalismo do nosso tempo, realizam-se: 1) operações monetário-
financeiras e patrimoniais de um conjunto de instituições (bancos centrais
relevantes, pelos bancos privados, por diversas organizações financeiras, pelas
grandes corporações e pelos proprietários de grandes fortunas); 2) operando
em várias praças financeiras a valorização e desvalorização das moedas, dos
ativos, gerindo os mercados interligados de crédito e de capitais, ampliando “as
transações cambiais autonomizadas em relação ao comércio internacional,
direcionando a ‘poupança financeira’ e a liquidez internacional” [3]
Ora, tais incertezas que cercam as decisões de investimento surgem
especialmente vinculadas à natureza do progresso técnico atual, ou por
oscilações crônicas das variações dos preços dos ativos financeiros,
determinando ou não as decisões de gasto dos capitalistas. Pois, no
capitalismo é-lhe constitutivo a instabilidade, ao invés de estabilidade, não
havendo nele nenhum compromisso com qualquer tipo de tendência – para o
crescimento contínuo ou à estagnação -, e muito menos com a noção de
equilíbrio, especialmente na ideia de pleno emprego. (Cf. Braga, idem,
p.140.) Evidente e indiscutível a instabilidade e crises “como norma” (Barroso).
Não à toa e conforme o especialista Richard Freeman (Harvard) dos anos 1980
à metade dos 2000, o emprego tem mostrado atraso cada vez maior com
relação ao PIB (Produto Interno Bruto) nas recuperações econômicas; nos EUA
houve uma recuperação sem empregos nos governos Bill Clinton, até que
surgisse o boom da internet no final dos anos 90; nova recuperação sem
empregos em George W. Bush, depois da crise de 2001.
147
1998, os EUA criaram milhões de postos de trabalho, e isso elevou em 5,4
pontos percentuais o índice de emprego no país”. E prosseguia então ele:
“Devemos aos trabalhadores que caíram vítimas da recessão uma reinvenção
das finanças de maneira que funcionem como forma de enriquecer a economia
real, em lugar de enriquecer apenas os financistas”. [4]
A-1. Notemos então que sucedeu com a evolução daquilo que o estatístico
John Williams denomina de “depressão americana”, relativamente ao mergulho
do PIB:
Fonte: http://www.shadowstats.com/article/depression-special-report
A-2. Vejamos agora o significado real de “Com 25 mil sem-teto, Los Angeles
vive situação de emergência”, título de reportagem datada do último dia 6 de
novembro. Lá se lê que Los Angeles só perde para Nova York o posto de
cidade com mais sem-teto dos EUA: 25 mil numa população de 3,8 milhões
(NY tem 58 mil e 8,5 milhões de residentes). “Todo dia – declara o prefeito da
cidade Eric Garcetti - a gente vem trabalhar aqui e presencia os sem-teto no
gramado lá fora. É um símbolo da intensa crise que vivemos” M.as, como
assim: não havia “recuperação” da economia dos EUA? disse Georgia
Berkovich, diretora de políticas públicas da Midnight Mission, a maior e uma
das mais antigas instituições do local. “Não temos números assim desde a
Grande Depressão. E, cada vez mais, o número de famílias sem teto aumenta.
São 30% da nossa comunidade agora”, diz Berkovich, voluntária na
organização por 17 anos e foi contratada em 2010).
148
(http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/11/1702886-com-25-mil-sem-teto-
los-angeles-vive-situacao-de-emergencia.shtml). [5]
Segundo o relatório publicado em outubro último, neste ano deverá haver 201,6
milhões de desempregados no mundo, pouco mais de 2 milhões a mais do que em
2014. Deste total, 73,4 milhões são jovens com até 24 anos.
(http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/10/desemprego-de-jovens-no-brasil-
deve-superar-media-mundial-diz-oit.html)
Face B.
Configuram-se atualmente megas mudanças tecnológicas objetivando atingir
uma nova etapa da automação, na nanotecnologia, na robótica, na inteligência
artificial, nos novos padrões energéticos, na neurociência, nos novos materiais,
em novos processos de organização da produção. É provável, portanto, que
esses novos processos e fenômenos (novas técnicas, novos conhecimentos,
novos aportes científicos) impulsionarão certas transformações produtivas, a
concentração e centralização de capitais, a concorrência na esfera de
monopólios e oligopólios, reimpactando necessariamente na renda e no
emprego dos trabalhadores, em qualquer parte.
149
De outra parte, para o sul-coreano Ha Joan Chang (Cambridge), especialmente
no nono capítulo Não vivemos na era pós-industrial, de seu interessante
estudo, [6] e dissertando exaustivamente acerca de nova morfologia
capitalista, lembra que lojas e escritórios substituíram enormemente as fábricas
em que se trabalhava e a maioria das pessoas conheciam como símbolos da
sociedades moderna.
Mas, atenção – resumo aqui,Chang: a) não ingressamos em um estágio de
desenvolvimento pós-industrial no sentido de que a indústria deixou de ser
importante; b) maior parte (embora não a totalidade) do encolhimento da
parcela da manufatura na produção total não se deve à quantidade absoluta de
bens manufaturados produzidos e sim à queda nos seus preços em relação
aos dos serviços, o que é causado pelo seu crescimento mais rápido na
produtividade (produção por unidade de insumo); c) embora a
desindustrialização se deva principalmente a esse crescimento diferencial de
produtividade através dos setores, ele tem consequências negativas para o
crescimento da produtividade na economia como um todo e para o balanço de
pagamentos (contas externas do país), o que não pode ser desconsiderado; d)
um escopo limitado deles para um crescimento da produtividade torna os
serviços um mecanismo de crescimento ineficaz, onde “a baixa negociabilidade
dos serviços” (fornecimento de refeições, suporte técnico, cabelereiro), significa
igualmente que uma economia mais baseada em serviços terá uma menor
capacidade de exportar; e) as receitas menores com a exportação “significam
uma capacidade mais fraca de adquirir tecnologias mais avançadas de outros
países”, o que por sua vez conduz a um crescimento mais lento; f) é certo que
alguns setores de serviços tem um potencial de crescimento de produtividade
mais rápido, “particularmente os serviços baseados no conhecimento” (serviços
financeiros, consultoria, design, computação e informação, P&D); g) o país que
basear o seu desenvolvimento desde cedo no setor de serviços, a sua taxa de
produtividade a longo prazo “será muito mais lenta do que se ele tiver apoio no
setor industrial”. Vejamos, a propósito, como a depressão (John Williams)
afetou a produção industrial nos EUA, logo em seu início:
150
Para Chang, trata-se de uma “fantasia” achar que os países em
desenvolvimento podem passar por cima da industrialização e construir a
prosperidade baseando-se nas indústrias de serviços: a maioria dos serviços
apresenta um lento crescimento de produtividade e quase todos os serviços
que têm um crescimento de produtividade elevado não podem ser
desenvolvidos na ausência de um forte setor industrial (Chang, idem).
Considerações finais inconclusas
151
internas irrompem a novas formas e novos, o que alimenta o
estabelecimento de novas contradições. Entretanto, o longo processo
histórico da contradição fundante da dinâmica econômica do capitalismo
acima apresentado não se resolve teoricamente. Quer dizer, a ruptura
necessária com este modo de produzir baseado na eliminação da sua
base de sua própria fonte de criação de riqueza passa pela superação
material e objetiva desse modo social de produzir.
Novas formas. É por tais razões admirável que, na consagrada obra de
John Kenetth Galbraith, “A crise econômica de 1929. Anatomia de uma
catástrofe financeira”, no capítulo “O crepúsculo das ilusões” (p. 122), lê-
se logo antecedendo que, no frenesi especulativo das novas emissões
de títulos e ações, e especialmente àqueles de maior demanda, [elas]
“não se encontravam registradas no Big Board” (quadro de cotações da
Bolsa de NY). Antecipando-se em muito o que comentamos nesta série,
acerca da recente criação do shadow banking system (sistema
financeiro sombra) lá desvelou o grande economista canadense: “No
entanto, as transações efetuadas na Bolsa de Nova Iorque já não eram
um bom índice do interesse total pela especulação em títulos”. (...) e
muitos mais [os] que achavam convenientes não responder aos mais
elementares questionários da Bolsa”! [Galbraith, sobre o Verão de 1929,
Dom Quixote, 1972, 4ª edição]
NOTAS
152
[6] Ver: “23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo”, J.Chang Cultrix,
2013.
153
Sede do Banco do Povo da
China
O crédito é o julgamento que a Economia Política realiza sobre a
moralidade de um homem. (...)[ele] calcula o valor monetário não em
dinheiro, mas em carne e coração humanos” (Marx, “Cadernos de
Paris, 1844). [1]
154
“pouco ou nenhuma consequência” sobre os mercados financeiros globais. E as
ações – interpreta - não entram em crash antes ou durante o desenvolvimento
de uma economia enferma: elas entram em crash depois da economia “já ter
entrado em coma”. [4] No caso, o Fed – ou qualquer banco central ou qualquer
governo que assim agiu - utilizou estímulos para manipulação dos mercados
através de profusões da moeda reserva aliadas a taxa de juro zero alimentando
a recompras de ações monetizar (transformar títulos em dinheiro) a própria
dívida do governo americano, conclui ele.
A nova onda de manipulação midiática pelos imperialistas americanos contra a
China, que prosseguirá, foi de pronto desmoralizada pelo economista holandês
Antoine van Agtmael – criador do termo “mercados emergentes” -, ao enxergar a
instabilidade nas bolsas de valores chinesas (agosto) como um processo de
correção, para ele “saudável”, e não como o sinal de uma crise mais grave. Com
absoluta clareza, diz ter a China atravessado de um crescimento do PIB de 10%
a 12% para um de 6% a 7%. E esse “ajuste”, necessário, nos deve ainda
lembrar que a China é a única grande economia que não passou por uma crise
financeira: Brasil, EUA, Coreia do Sul, Taiwan, México e Rússia... “Todos os
maiores países enfrentaram uma crise financeira, mas a China não”, assinala.
Na mesma direção analisa o pesquisador do Instituto China Lau do King's
College (Londres) Ramon Pacheco. Afirmando haver maior liberalização do
sistema financeiro chinês, vê nas alterações últimas na política monetária
(câmbio e juros) uma mensagem clara do governo com suas ações indicando
“que ele está confortável com o crescimento menor e um modelo menos
intervencionista”. [5]
Assim, o foco do governo chinês no curto prazo estaria em manter o crescimento
econômico “num nível razoável e controlar os riscos” de liberalização excessiva,
reconhece o Wall Street Journal (Valor Econômico, 21/08/2015); enquanto o
arrogante ideólogo liberal Martin Wolf passou a admitir que “a economia mundial
também fica resfriada quando a China espirra” (Valor Econômico, 14/10/2015).
A sólida “muralha econômica” da China
De outra parte, conforme recente estudo do economista laureado russo Ivan
Tselichtchev, [6] Xangai, já faz tempo, é o maior centro industrial do mundo. Uma
enorme batalha pelo mercado chinês estaria apenas começando e o Ocidente
(EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Itália) deve agir rápido para não ficar de
fora dessa guerra. A crise atual (“2008-2009”) demonstrou o “fracasso” do
modelo capitalista anglo-saxão; e os efeitos colaterais dessa crise “ainda
assustarão o mundo ocidental por muito tempo”.
Factual: enquanto a crise sistêmica do capitalismo de 2007-8 não consegue
apagar suas chamas, a China não é somente uma “fábrica mundial”, mas se
transformou num gigantesco laboratório de pesquisas, inclusive em energia
“verde”, setor em que já lidera. Em relação às perspectivas da competição no
desenvolvimento com o assim denominado Ocidente – argumenta o economista
russo -, a China: a) continua a manter a sua moeda desvalorizada; b) as
empresas chinesas contam com forte apoio do Estado e investimentos de fundos
do governo nessas companhias; c) já é bastante extensa a lista de aquisições
chinesas de empresas ocidentais, enquanto o controle acionário de importantes
empresas chinesas por companhias ocidentais vem se revelando “efetivamente
impossível”; d) o acesso de empresas e investidores ocidentais a segmentos do
mercado chinês ou a negócios no país associam-se à transferência de
tecnologia; e) políticas e o direito chineses continuam a facilitar o acesso ao
155
“roubo” de tecnologias ocidentais.
Marx, o crédito fantasma e o capitalismo zumbi
Como nos referimos (parte I), a configuração efetiva de um sistema financeiro
sombra (shadow banking system) emergente durante a expansão da
“globalização financeira” (anos 1980 em diante) confluiu também para um
avançado processo de apodrecimento do sistema financeiro global, marcado por
manipulação de negócios ilegais, deliberados, em altas esferas do circuito
bancário/financeiro. O endividamento inédito e em incontrolável escala, aliado às
fraudes sistemáticas da “engenharia financeira” levaram a um processo de
decomposição do sistema de crédito internacional.
Nesta matéria (“shadow banking system”), de modo nenhum se pode tirar os
méritos do liberal Paul Krugman. Vinculado “desde criancinha” ao partido
Democrata americano, esse economista (Nobel, 2008) foi dos primeiros a
denunciar as vigarices do sistema bancário sombra, escrevendo que tal sistema
(de empresas “não bancos” ou bancos sem supervisão do banco central
americano e outros) se agigantou durante a fase expansiva da economia
“financeirizada”. Desse modo –diz -, pouco antes da crise os cinco grandes
bancos de investimento dos EUA chegaram a somar balanços patrimoniais da
ordem de US$ 4 trilhões, enquanto os ativos totais do sistema bancário do país
em torno de US$ 10 trilhões! Enfim, em “A crise de 2008 e a economia da
depressão” (Elsevier/Campus 2008), Krugman acusa ali os “instrumentos
financeiros exóticos” (derivativos, instrumentos altamente especulativos etc.) do
sistema bancário sombra: “instituições que nunca foram regulamentadas”.
Num exemplo concreto do contubérnio financeiro fraudulento e criminoso: em 17
de Julho de 2012, tornou-se público e comprovado que David Bagley, diretor
mundial do banco HSBC para regulamentação pediu demissão em sessão no
Senado dos EUA, convocada para ser acusado, após investigação, de permitir
operações de lavagem de dinheiro do narcotráfico (cartéis do México), bem
como de dinheiro proveniente de financiadores de “grupos terroristas” (Arábia
Saudita). A alta direção do banco sabia de tudo! (ver:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/55138-hsbc-lavou-dinheiro-diz-senado-
dos-eua.shtml)
A referenciada consultoria Mackinsey publicou um relatório (Debt and, not much,
deleveraging, McKinsey Global Institute – MGI) [7] mostrando que o
endividamento (famílias, governos, empresas e setor financeiro) saltou de US$
87 trilhões de 2000 para US$ 142 trilhões em 2007; alcançou US$ 199 trilhões
no segundo trimestre de 2014. A dívida total como proporção do PIB registrara-
se assim: 246% (2000), 269% (2007), atingindo 286% em 2014.
Há hoje, então, uma “bolha de crédito” de mais de US$ 200 trilhões a financiar a
economia capitalista global ou mais de três vezes o PIB nominal do planeta! Está
nesse aludido sistema financeiro o grosso desta dívida que precisa ser
realimentada na própria “financeirização” da economia mundial, ampliando mais
e mais a concentração de riqueza e as desigualdades. Como aponta
acertadamente Luiz Eustáquio Diniz, o processo de globalização financeira “tem
potencializado a dívida mundial e a maioria dos países estão perdendo o
controle sobre as dívidas nacionais”. [8]
Claro: montanhas de dívidas, papéis podres para os trabalhadores pagarem!
Vão Pagar?
Ruínas ideológicas
156
Repletas de lucidez, portanto, as recordações que faz o economista Luiz Afonso
Silva [9] das caracterizações de Frederic Jameson, David Harvey e Jean
Braudillard acerca das conexões entre a cultura e a economia da finança
transmutadas na época da globalização neoliberal. Tempo, imediatismo e
valores em ruínas no capitalismo contemporâneo sancionam sem cessar a
homogeinização cultural da idiotia; uma esquizofrenia do tempo contínuo; uma
espécie de sociedade pornográfica imagética, mas sempre a um passo além do
real.
NOTAS
[1] Ver: “Cadernos de Paris & Manuscritos Econômicos-Filosóficos de 1844”, K.
Marx, em: Economia Política e dinheiro, Expressão Popular, 2015, p.206.
[2] Em: http://www.valor.com.br/internacional/4250684/emergentes-puxam-para-
baixo-o-comercio-global)
[3] Em:
http://br.wsj.com/articles/SB12208151465633484102904581275733108109492
[4] Em: http://www.zerohedge.com/news/2015-08-27/lies-you-will-hear-economic-
collapse-progresses ; traduzido em resistir.info
[5] Ver: “China vive correção, e não crise, diz Agtmael”, Valor Econômico,
01/09/2015; “Governo chinês está à vontade com crescimento menor, afirma
especialista”, O Globo, 25/08/2015.
[6] Ver: “China versus ocidente: o deslocamento do poder global no século XXI”,
DSV, Introdução, Caps. 1, 2 e 3, 2105.
[7]Em:http://www.mckinsey.com/insights/economic_studies/debt_and_not_much
_deleveraging
[8] Em: http://www.ecodebate.com.br/2015/03/13/a-divida-de-200-trilhoes-de-
dolares-e-a-proxima-crise-financeira-mundial-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-
alves/
[9] Ver: “Moeda e crise econômica global”, L.A.S. da Silva, Unesp, 2015, p.p 56-
62.
Nos argumentos para essa série de artigos acerca das razões dos impasses
extremos do capitalismo vivente da crise sistêmica atual, associamos também o
da “decomposição da economia política neoclássica”. A denúncia do falso
discurso da recuperação dos EUA revela a persistência irresoluta da crise, assim
como a deflação sistêmica integrante da depressão. Cada vez mais autores,
como Minsky, admitem que “a economia moderna não é instável porque está
157
sempre enfrentando choque externos, como o ‘choque do petróleo’, guerras, ou
surpresas monetárias, mas devido à sua própria natureza”.
Nos argumentos para essa série de artigos acerca das razões dos impasses
extremos do capitalismo vivente da crise sistêmica atual, associamos também o
da “decomposição da economia política neoclássica”. Vimos repetindo tratar-se
de imensa falsificação do discurso oficial dos EUA sobre a sua “recuperação”
econômica, assim como da persistência da grande crise iniciada em 2007 sem
horizonte de resolução, agravando continuamente a possibilidade de retomada
da economia mundial. Denunciamos a sistêmica deflação (queda acentuada nos
preços) como parte integrante da depressão (central) que assola a economia
mundial, conforme distintas interpretações e correntes teóricas não liberais
(neoclássicas).
Por exemplo: Barry Eichengreen, ex-economista chefe do FMI – isto mesmo! -,
assim apresentara uma comparação gráfica entre a anterioridade imediata da
Grande Depressão (1930) e o início da grande crise atual (2008); de como se
esboçava a tendência desta crise em curso:
158
Fonte: ver aqui: http://desmitos.blogspot.com.br/2009/05/grande-depressao-ou-
grande-recessao.html
159
para baixo), a queda nos preços do petróleo e outras commodities. Além disso,
dados sobre o emprego, divulgados seguindo a reunião mostram que as
contratações do setor privado “desaceleraram em agosto e setembro”,
recolocando amis uma vez novas incertezas sobre os rumos da economia
americana.
160
juros e câmbio, sofre o impacto da reversão da situação de criada na euforia dos
lucros, e reverte-se do ponto de vista da situação das empresas com o aborto do
ciclo. Dito de outra forma, para Minsky, no “boom” econômico, a explosão
especulativa, o endividamento excessivo, a busca pela liquidez, o “pânico”
ocorrem regularmente em qualquer economia monetária importante. São
fenômenos estruturais que passaram a acompanhar a instabilidade das
economias capitalistas - da época dos monopólios.
161
Notas
[1] Ver: “Fed manteve juros por temor de que inflação não reaja”, Valor
Econômico/Wall Street Journal, 09/10/2015. E
http://www.valor.com.br/financas/4263612/taxa-americana-tende-ficar-
congelada-ate-1-tri-de-2016
[2] Ver: “Estabilizando uma economia instável, - a inclinação natural das
economias de mercado, complexas e globais, em direção à instabilidade”, H.
Minky, Novo Século, 2013, Capítulo 8. A propósito, bom recordar Lênin: “a
dominação do capital financeiro, ao invés de atenuar a desigualdade e as
contradições da economia mundial, o que faz é acentuá-las”. Ou ainda, “O que é
característico do imperialismo não é precisamente o capital industrial, mas o
capital financeiro”. Ver: “O imperialismo, fase superior do capitalismo, Cap. VII.
162
Reflexões sobre perspectivas do capitalismo em crise (II) Marx e o capital
fictício*
Atento ao sobe e desce ilusório das instituições especulativas do capital
internacional, o autor reúne neste segundo artigo a retórica confessional dos
economistas alinhados aos agentes da crise, fazendo mea culpa de seus
equívocos na análise de dados que apontariam para uma recuperação
econômica dos EUA que só existe em seus gráficos fictícios. Uma retórica que
serve apenas para confundir ainda mais o cidadão que paga o preço da gestão
fraudulenta do sistema financeiro global.
Por falar em otários, não foi por falta de aviso e alerta a ocorrência desse último
crash das bolsas de valores de agosto último. Significando mais uma montanha
de mentiras criadas pela propaganda americana sobre a “recuperação” de sua
economia, o índice Down Jones desabou em queda de mais de 1000 pontos, o
que não acontecera desde 2010! Enquanto isso, a República Popular da China
acumulava em setembro US$ 3,557 trilhões em reservas internacionais - na
moeda dos “otários” -, mesmo após ter sacado cerca de US$ 100 bilhões para
deter o ataque especulativo em sua moeda, o renminbi (agosto-setembro).
163
Especulação e burla desenfreadas
164
Em junho último, o editor de economia do Financial Times, Martin Wolf, frenético
defensor dos “trapaceiros” (Shiller) ilustrava a pantomima: 1) os níveis de
endividamento estão substancialmente maiores do que em 2007; 2) está limitada
a capacidade dos governos responderem aumentando drasticamente seus
déficits fiscais dado o crescimento do endividamento; 3) há uma “probabilidade
razoável” das taxas de juros continuarem muito baixas: antes da crise, as taxas
de juros dos bancos centrais centro capitalista eram de 5% ou 6% - se antes da
próxima crise forem de 2%, 3% ou mesmo 4%, “não terão muito o que cortar”.
Por todas essas razões, é perfeitamente possível imaginar “que a próxima crise
será pior”, enfatizou Wolf (Valor Econômico,12/06/2015).
Ora, na origem das transformações que levaram o capitalismo a esta crise que
se arrasta (e sem horizontes!) desde 2007-8 encontram-se as metamorfoses do
capital, crédito e do sistema financeiro global que assinalamos en passant no
artigo anterior.
165
1) a combinação de desregulamentação, globalização e informatização
transformou um sistema financeiro estritamente controlado, organizado em
âmbito nacional e centrado em bancos comerciais (que recebem depósitos e
fazem empréstimos), em um sistema auto regulamentado (autônomo), de âmbito
global e centrado em bancos de investimento (corretagem, negociações de
lançamento de ações mediante subscrição pública onde a empresa e
intermediário financeiro colocam-nas no mercado de valores mobiliários).
Para Marx, no movimento do capital portador de juros (D-D’, dinheiro que gera
dinheiro sem passar pela produção) - ou o capital financeiro em uma de suas
variantes - a relação capital atinge sua forma mais alienada, a “mais reificada e
mais fetichista, embora continue sendo um produto de uma relação social, não
relação entre coisas; segundo Marx, o capital como “fetiche autômato perfeito”.
[4]
Assim, a partir dos anos 1980, três movimentos simultâneos e centrais passam a
protagonizar novos e crescentes movimentos especulativos, catapultados pelas
166
medidas de desregulamentação e liberalização das economias capitalistas
centrais.
NOTAS
[1] Em: “Fraudes, otário e mercados financeiros”, R. Shiller, Valor Econômico,
18/09/2015.
[2] Ver: “China nada tem a ver com isso! Nos EUA, são empresas recomprando
as próprias ações”, entrevista de M. Hudson, redecastorphoto, 27/08/2015; ver
aqui: http://www.marchaverde.com.br/2015/08/china-nada-tem-ver-com-isso-nos-
eua-sao.html
[3] Ver: “Introdução ao capitalismo dirigido pelas fianças”, R. Guttmann, Novos
estud. - CEBRAP nº. 82, São Paulo Nov. 2008
[4] Ver: O Capital, Livro 3, v. 5, p. 450-1, Civilização Brasileira, s/data.
[5] Ver: “Marx e Keynes e a finança capitalista”, L. Belluzzzo, em: “Os
antecedentes da tormenta”, Unesp/FACAMP, 2009.
[6] Ver: “A crise financeira e o global shadow banking system”, Marcos M. Cintra
e Maryse Farhi, em: “Novos estud. - CEBRAP no.82, São Paulo Nov. 2008.
167
Reflexões sobre perspectivas do capitalismo em crise (I)*
168
Nessa série de cinco artigos retomaremos a discussão sobre a grande crise
capitalista atual, incidências e horizontes. Buscando visualizar melhor o que
consideramos seus impasses sistêmicos extremos. Como pano de fundo
pressuposto a lei do desenvolvimento desigual do sistema capitalista, problema
científico fundamental da evolução histórica das sociedades, então equacionado
por Lênin no início do século passado. Mirando-se ainda o imbróglio de
conexões cada vez mais vastas e profundas que se renovam entre o centro, a
periferia capitalista e os países sobreviventes da experiência socialista.
169
resultante da grande crise iniciada em 2007-8. E enfeitar o fracasso com a
definição cínica de “nova mediocridade” talvez bem represente a ideia do “moral
hazard” (risco moral) difundida pelos ideólogos neoliberais para justificações da
ilimitada voracidade e anarquia cometidas pelo grande capital financeiro. Insulto
a Keynes? [2]
Ao que tudo indica, a tão almejada luz no fim do túnel “pós-crise” pisca, diante da
interesseira propaganda da “recuperação” econômica dos EUA. País que hoje
amontoa 2,2 milhões de presidiários (cinco vezes mais que 1980),
correspondendo a 25% da população carcerária mundial - enquanto sua
população soma apenas 5% da população do planeta! [3]. Noutro indicador
econômico fundamental, para o influente economista norte-americano Bradford
Delong (ex-subsecretário-adjunto do Departamento do Tesouro dos EUA), a
proporção de pessoas empregadas em relação à população “continua
sinalizando uma economia em profunda dificuldade”. Ademais, a inflação nos
EUA não está apenas inferior à meta de longo prazo do Fed (Banco Central dos
EUA), como se acredita “que continue assim durante pelo menos os próximos
três anos”. [4] A deflação – que se busca disfarçar - é fenômeno que acompanha
as depressões, como mostra a experiência histórica!
Isso oito anos depois de trilionários aportes em dólar pelo Estado americano a
bancos e investidores falidos, de fuixação de uma política monetária com taxa de
juros negativas, e um extenso e repetido de programa de venda-compra de
títulos do Tesouro (quantitative easing). O falhanço em verdade apontaria nada
mais que a interrupção prolongada dos ciclos de dinamismo causais da
acumulação do capital sistêmica.
170
“Los Angeles declara estado de emergência após aumento do número de sem-
teto” [5]
No âmago da involução, a crise detonada pela “financerização” da riqueza
capitalista e seus fenômenos econômicos-sociais, aqui compreendidos como
responsáveis pelas conexões verticais de rupturas do processo de acumulação
do capital.
Crise e mutações financeiras
As características gerais da presente crise aparecem de maneira similar àquelas
grandes crises de outrora que processaram alterações substantivas na dinâmica
do ciclo capitalista, isto é, determinada tipologia da expansão pré-crise provocou
prolongamento e distúrbios severos no estágio que deveria ser rotineiramente de
uma crise recessiva.
Para o marxista norte-americano Robertt Guttmann, ao invés, o sistema como
um todo foi envolvido nessa crise, assim como quando ocorreram agora
alterações estruturais no modus operandi do sistema capitalista. Os
desequilíbrios gerados, na ausência de processos intervenientes, ensejam
explosões seguidas de paralisias sistêmicas. Crises estruturais da mesma
envergadura e similares às de: 1873-1879, 1929-1939 e 1979-1982 - argumenta
ele.
Espécies de nuvens passageiras”, outras que se manifestaram nos anos 1990,
171
esta não só apenas originou-se do centro do sistema, ao invés da periferia, esta
notabilizou-se por revelar “falhas estruturais profundas na arquitetura
institucional de contratos, fundos e mercados que compunham o sistema
financeiro novo e desregulamentado”; uma crise sistêmica, de proporções épicas
e efeitos duradouros. [6]
Crises sistêmicas que levam à recessão, estagnação ou depressão. É como
interpreta e distingue o também economista marxista britânico Michel Roberts.
No gráfico abaixo. Roberts não só assinala os ciclos das tendências do
crescimento econômico no desenrolar das crises, como destaca um processo
depressivo instalado desde a crise de agostO de 2007, “até agora”. [7]
172
contrastantes, por exemplo, com os EUA durante o período “regulado” 1948-73
( “The Golden Age”).
No artigo seguinte veremos mais detalhadamente a relação entre os novos
instrumentos financeiros (“inovações”) e a crise.
NOTAS
173
O (mau) cheiro do fascismo*
A sistemática conduta neofascista e criminosa dos EUA se entrecruza agora
com a crise do capitalismo, que persiste a provocar por toda parte ambientes de
descrédito, desemprego, aumento de suicídios, do consumo de drogas e
crescimento de doenças mentais, bem como crescentemente esquentando um
caldo de cultura favorável às idéias e movimentos neofascistas.
Segundo Pilger, a partir mesmo de 1945, mais de um terço dos países membros
das Nações Unidas (69 países) foram objeto de algumas ou de todas as
seguintes formas de intervenção nas mãos do fascismo moderno dos Estados
Unidos: “foram invadidos, seus governos derrubados, seus movimentos
populares esmagados, suas eleições subvertidas, seu povo bombardeado e
suas economias despojadas de toda proteção” sem falar em sociedades
perversamente destroçadas por “sanções”. Milhões de mortos, conforme o
historiador também britânico Mark Curtis; e para isso e em cada um dos casos,
uma grande mentira foi preconcebida. Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria...
174
“Hoje”, sentencia o jornalista: “a maior campanha isolada de terror do mundo
envolve a execução de famílias inteiras, de convidados em casamentos, de
enlutados em funerais”, - as vítimas de Obama. E recorrendo a reportagens do
The New York Times, diz que Obama faz a sua seleção a partir de uma “lista de
morte” apresentada a ele todas as terças-feiras na Sala da Situação da Casa
Branca. Assim, sem qualquer insinuação de legalidade, Obama “decide quem
vai morrer e quem vai viver”. Ordenando o uso dos drones, “mísseis [helfilre]
calcinam suas vítimas e enfeitam a área com seus restos mortais”. Cada
bombardeio é retratado na tela de controle remoto como um “bugsplat” (inseto
esmagado).
175
fascista de grupelhos e degenerados das camadas médias da sociedade
brasileira a clamar por “intervenção militar”.
Tudo isso tem sido dirigido e conduzido ideologicamente pela horda de bandidos
em que se transformaram os apátridas Aloísio Nunes, Aécio Neves, FHC, Álvaro
Dias, notadamente, todos bajulados diuturnamente por uma mídia apodrecida. O
primeiro declarou a mídia querer “sangrar até o fim” a Presidenta Dilma; o
segundo escreveu em nome de vários golpistas um protocolo (apócrifo) de
pedido de impeachment, logo recusado pelo Ministro Zavascki (STF); o terceiro
forjou “entrevista” para dizer que uma pesquisa que encontrara queda na
popularidade da Presidenta significaria “o descrédito” e perda “das condições de
governar”; o quarto, conhecido oportunista desonesto e reacionário, surfou na
idéia de a tal pesquisa colocar na ordem do dia o impeachment.
NOTAS
[1] Ver: http://johnpilger.com/articles/why-the-rise-of-fascism-is-again-the-issue
176
Marxismo e a grande crise capitalista global*
“Não há crises permanentes... [mas] quase regular periodicidade das crises no
mercado mundial” (Marx). [1]
177
Em se distinguindo fases e etapas do capitalismo [4], no curso desta crise
desenham-se uma primeira fase, a das “hipotecas subprimes” (2007); uma
segunda, a do “colapso do Lehman Brothers” (2008) e que lhe proveu caráter
sistêmico mundial; e esta terceira, reagudizante, denominada como “crise das
dívidas soberanas” (2011), de enorme impacto destrutivo na União Européia e
especialmente nos EUA. A propósito, na caracterização do “financial led
capitalism”, o marxista R. Gutmann [5] interpreta: o pânico de 1873, o colapso
de Wall Street em 1929, a crise e mudança da política monetária do Fed
(19791982) e a “crise financeira” atual como sendo “quatro crises estruturais”,
iniciados todos nos Estados Unidos, mas envolventes a economia mundial.
Acrescentemos: embora a crise dos anos 1970 não tenha a
extensão/profundidade das demais.
De outra parte, a crise das “dívidas soberanas” atesta numa escala nunca vista
uma transferência de riqueza dos trabalhadores e dos povos para grandes
banqueiros e financistas cúmplices na fabricação dessa mesma crise; ou saque
do público para o privado. Esta transferência significa que tesouros e bancos
centrais de todo o mundo já gastaram US$ 12, 4 trilhões até agosto último:
fortuna quase igual ao valor do PIB (Produto Interno Bruto) norte-americano e
de sua dívida pública!
178
caixa”, descreveu o assunto The Wall Street Journal em agosto último. E noutro
exemplo menor: apenas seis dos principais bancos dos EUA (Bank of America
Merryl Linch, BNY Mellon, Citigroup, Goldaman Sachs, JP Morgan Chase e
Morgan Stanley) somaram US$ 42,4 bilhões em lucros em 2010, 40% a mais
que em 2009. [6]
O exemplo dado acima por Reich é apenas símbolo da “financeirização” da
riqueza: a crescente integração dos mercados financeiros em cada país e a
articulação mundial entre os mercados financeiros tornaram-se indispensáveis
às operações de multiplicação da gigantesca riqueza financeira atual. Numa
dimensão similar, a frequência dos episódios de instabilidade e crises
financeiras evidenciou-se nos anos no final dos anos 1980 e notadamente nas
décadas de 1990 e 2000.
O regime do capital
179
capital fictício se chama “capitalização”, sendo fictícia sua valorização a dada
taxa média de juros e essa valorização e seu movimento não guardam relação
direta e imediata à valorização do capital produtivo. [7]
Por sua feita, o capital a juros (D-D’) significa a forma mais desenvolvida e mais
abstrata do capital: “a forma mais reificada,... a forma mais vazia do capital, a
perversão, no mais alto grau... a forma fetichista pura”. [9] E as duas variantes
do capital financeiro - o portador de juros e o fictício - conduzem a um vetor que
se relaciona com a busca incessante de valorização do valor, para a qual a
especulação passa a ser intrínseca ao desenvolvimento das modificações no
180
sistema de crédito. Especulação, que, de acordo com uma formulação
(impressionante) de Marx é conseqüência do desenvolvimento do sistema de
crédito e lucro a partir dos juros, e:
“Reproduz nova aristocracia financeira, nova espécie de parasitas, na figura de
projetadores, fundadores e diretores puramente nominais; um sistema
completo de especulação e embuste no tocante à incorporação das
sociedades, lançamento e comércio de ações” [10].
182
novas determinações agravantes da instabilidade e da incerteza do cálculo
capitalista, próprias desse regime de produção na época dos monopólios. Com
a particularidade duma “era neoliberal” cada vez mais nítida: a furiosa
campanha permanente de ataque e desmonte das conquistas do trabalho, um
aríete de recomposição das taxas de lucros. Movimento situado no interior dos
processos mais recentes que catapultam as crises via circuitos da “finança
mundializada” (Chesnais), presentes nesta débâcle do capitalismo central.
Nova Depressão?
NOTAS
[1] Ver: Teorias da Mais-Valia, K. Marx, vol. II, Difel, 1983, pp. 932-33.
184
[7] Ver: todo o Capitulo 2 O monopólio do capital, de A contradição em
processo – o capitalismo e suas crises, de Frederico Mazzucchelli,
especialmente as pp. 84-90, Unicamp/IE, 2004, 2ª edição.
185
A grande crise oito anos depois*
[o capital a juros (D-D’) significa]: “a forma mais reificada,... a forma mais vazia
do capital, a perversão, no mais alto grau...sem depender da produção... a
forma fetichista pura”(Marx, O capital, Livro 3). [1]
186
Desde o lançamento de “A grande crise capitalista global 2007-2013: gênese,
conexões e tendências” passaram-se dois anos e inúmeros prenúncios
colhidos por seus autores desvelaram-se. Seja do ponto de vista analítico ou
do que se escreveu sobre origens, nexos e tendências dessa crise, os textos
em conjunto dão uma visão a mais aproximada possível da realidade –
dimensões múltiplas exibindo singularidades numa unidade.
A partir de decisões relacionais inextrincáveis entre poder financeiro-político, o
neoliberalismo pôde decretar a “financeirização” da riqueza como padrão
sistêmico. Teoricamente, um capitalismo que define a riqueza pelo tripé
moeda-crédito-patrimônio (títulos, ações); gestiona-a pelos bancos centrais,
sistema financeiro privado e tesouraria das grandes empresas industriais e
comerciais (macroestrutura financeira); e realiza-a através do dinheiro e ativos
financeiros que predominam sobre os lucros e resultados operacionais (num
número cada vez maior de países). [2]
Dinâmica e burla do capitalismo concreto
Do ponto de vista das operações desse processo de “financeirização” são
aspectos fundamentais: 1) os bancos comerciais, submetidos à regulação
específica e ao aumento da concorrência expandiram extraordinariamente o
volume de crédito concedido; retirando parte dos ativos (e, portanto, dos riscos)
de seus balanços, uma vez que seu capital próprio (reservas) era insuficiente
para atender as exigências dos acordos internacionais supervisionados pelo
BIS (Banco de Compensações Internacionais). 2) Os bancos passaram a
administrar fundos de investimentos, oferecer serviços de gestão de ativos por
meio de seus vários departamentos, fornecer seguros financeiros (hedge)
como dealers (agentes negociadores) no mercado de derivativos e ofertar
linhas de crédito nas emissões de commercial papers (papéis de curto prazo) e
outros títulos de dívida no mercado de capitais. 3) instituições de vários tipos
evoluíram a desempenhar um papel semelhante ao dos bancos comerciais,
fora da estrutura regulatória existente e, assim, deliberadamente inaptos às
reservas de capital obrigatórias. Isto é, bancos e verdadeiros supermercados
financeiros deixaram de atuar como simples fornecedores de crédito e
passaram a condição crescente de intermediadores de recursos em troca de
comissões; romperam-se relações diretas anteriores com os tomadores de
crédito que costumavam ser vigiados por uma vigilância de riscos de
inadimplência. Brota daí o chamado “shadow banking system” ou sistema
financeiro sombra. [3]
187
É assim que: a) a proliferação de títulos financeiros (securities) passa a ter uma
circulação e valorização próprias; b) as variadas formas de ativos passam a ser
disputadas pelas massas centralizadas de capital, e o investimento busca
todos os espaços de valorização; a transformação dos lucros em excedentes
financeiros se submetem a uma lógica particular de valorização do capital
Oligopólios em concorrência violenta, do ponto de vista do poder financeiro,
mantêm a mesma lógica das crises de superprodução de capital, fortemente
alimentada pelo caráter fictício da acumulação financeira. Refletindo o excesso
de valorização do capital em relação à determinada taxa de juros. Mas se
exacerbaram alguns traços típicos dessas crises como a rapidez da
propagação e a recorrência. Isto é, as crises se tornam mais frequentes por
aumento da especulação e do volume na acumulação fictícia - o que decorre
da quantidade/velocidade das transações com ativos financeiros, cada vez
mais abrangentes, se propagando mais rapidamente pelos mercados nacionais
e alcançando facilmente regiões inteiras ou mesmo o mundo.
Ocorre que, “a força motriz da produção capitalista é a valorização do capital,
ou a seja a criação de mais-valia, sem nenhuma consideração para com o
trabalhador”, assinalara Marx. [5]
Valorização e muralha das desigualdades
Demonstra o economista pop star francês Thomas Piketty: há mais de duas
décadas a desigualdade vem crescendo rapidamente nos Estados Unidos e na
Inglaterra, especialmente – mas não só, e se generaliza. No caso americano, o
processo começou – diz - com a liberalização econômica: sequestro fiscal para
os ricos, milionários e bilionários a partir das reduções da progressividade dos
impostos.
Nos Estados Unidos, cuja a alíquota máxima de imposto de renda alcançava
acima de 90% (1944-1964), ou num desenvolvimento capitalista onde a
desigualdade era mais baixa e o crescimento econômico alto, impuseram as
elites burguesas às legislações alíquotas máximas para cerca de 40%. Do
mesmo modo, deliberadamente, as políticas tributárias dos EUA passaram a
baixar drasticamente os impostos sobre heranças e os tributos sobre
patrimônio. Como compara Piketty – coautor do livro Pour une Révolution
Fiscale -, em países que as mudanças não foram tão profundas, a
desigualdade não evoluiu tão fulminantemente. Informa ainda que “a fatia da
renda apropriada pelos 10% mais ricos nos EUA em 2012 é igual a 50,4%, a
mais elevada desde 1917, quando a série começa”. A concentração é maior na
comparação entre os 99% na base e o 1% no topo da pirâmide, que fica com
22,5% — denúncia inclusive do movimento Ocupem Wall Street em seus
protestos. De fato, de 1993 a 2012, a renda média real dos 99% cresceu 0,34%
anual, enquanto a do 1% subiu 3,3% ao ano, dez vezes mais. Com isso, se
apropriou de dois terços da riqueza gerada. [6]
Trata-se, sem dúvida, da propagandeada fábula neoclássica da convergência
(neoliberal) para um (suposto) desenvolvimento. Resumindo, a partir de 1970,
no âmbito econômico a teoria do equilíbrio geral veio a ser amplamente
aplicada na área do desenvolvimento, com grande sustentação em modelos
188
computacionais. Assim, na vigência de uma suposta situação de concorrência
perfeita, o modelo forneceria – por exemplo, nas teorias dos neoclássicos
Kenneth Arrow (Nobel 1972, com J. Hicks) e Gérard Debreu (Nobel de 1983) –
e alcançaria uma solução de equilíbrio na qual a disposição das escolhas
individuais e a distribuição dos recursos otimizada seriam possíveis. Ou seja,
uma sociedade real é fantasiada pelo mercado! Como assim?
Exemplo: o denominado “fundo dos gênios” (o fundo hedge Long Term Capital
Management, LTCM) – de propriedade de dois prêmios Nobel de economia, os
neoliberais Myron Scholes e Robert C Merton (1997), e de um ex-vice-
presidente do Fed (Banco Central dos EUA) – entrou em colapso em meio à
crise da Rússia (1998) e quase leva os mercados financeiros à bancarrota.
Maior prova da cruel aventura de teóricos neoclássicos, impossível!
189
NOTAS
[1] Ver: O Capital, K. Marx, Marx, Livro 3, v. 5, Civilização Brasileira s/d., p.452.
[2] Ver: “Qual o conceito de financeirização compreende o capitalismo
contemporâneo?”, J.C. Braga, em: A grande crise capitalista global 2007-2013:
gênese, conexões e tendências, Anita Garibaldi/Fundação Maurício Grabois,
2013, p.119.
[3] Conf. “A crise financeira e o global shadow banking system”, Marcos M.
Cintra e Maryse Farhi, em: “Novos estud. - CEBRAP noº 82, São
Paulo Nov. 2008.
190
“O século XXI é o século asiático” (Wen Jiabao). [1]
191
sistêmica, ainda em setembro passado o próprio diretor-gerente do FMI,
Strauss-Kahn esclareceu: “A recuperação não é suficiente, é preciso ter uma
recuperação com emprego” (Valor Econômico, 14 de setembro 2010).
O “arco-íris” asiático
192
petróleo, com gastos de 45% do total de fusões e aquisições, em 2009, cifra
que chegou a US$ 18 bilhões ainda em setembro de 2010; e) acumulava
reservas internacionais correspondentes a US 2,85 trilhões em dezembro de
2010 [7]; f) as primeiras imagens do “caça invisível” chinês J-20 – só existente
nos EUA e na Rússia – foram vistas na internet no 5 de janeiro deste ano,
coincidentemente dias antes da visita de R. Gates, ex- chefe da CIA e atual
secretário da Defesa.
Em 2011 a China deverá crescer 8,5% seu PIB, a Índia, que segue crescendo
e se fortalecendo, deverá atingir 8,2%, ainda de acordo com estimativas da
“The Economist”. Intensificam-se as manobras táticas de cooperação e conflito
entre Índia+China – Índia+EUA. O governo indiano de Manmohan Singh faz
claro “jogo duplo”, perigosamente pondo o país no centro das grandes alianças
cruciais do início desta década. Note-se que o presidente Obama declarou no
apagar das luzes de 2010 ser a Índia “uma potência mundial estabelecida”. [8]
Mas, atenção, não é só. Em 28-9 de julho de 2010 o primeiro-ministro britânico
D. Cameron visita a Índia para acordos aeroespaciais; entre 6-9 de novembro
foi a vez de Obama; de 4 a 7 de dezembro o presidente francês N. Sarkozy e
M. Sing anunciam acordos de US$ 9,4 bilhões na esfera nuclear; e o premiê
chinês, entre 15-17 negocia US$ 16 bilhões com o governo indiano (Valor
Econômico, idem).
A Rússia?
193
investimentos diretos estrangeiros e sua economia deve crescer 4% em 2011;
3) Rússia e Índia assinaram uma série de acordos que inclui a construção de
dois reatores nucleares russos, inclusive um “pacto” que anuncia criar e
desenvolver jatos de combate de última geração; 4) com os EUA, assinaram
um novo tratado Start, que [teoricamente] reduzirá em 30% o número de ogivas
nucleares (até 1.550 cada), e limita a 800 o número de vetores estratégicos
(mísseis intercontinentais e submarinos), o que foi aprovado pela Duma na
primeira de suas três votações. [10]
194
e grave crise do capitalismo, novembro de 2009). 2) Cresce a resistência ao
financiamento mundial dos déficits e do endividamento externo dos EUA, pelo
resto do planeta, embora e sabidamente: a) este fosse o modelo econômico
imposto (e consentido) e “naturalmente” plasmado desde o arranque da
“globalização financeira” (década de 1980); b) como antecipara Suzzane de
Brunhoff (A instabilidade monetária internacional, 2005), o endividamento dos
EUA é distinto dado a condição de emissor da moeda em que denomina suas
dívidas; c) a desindustrialização, os processos de outsourcing (terceirização
externa) e a queda de produtividade vêem a muito desmontando a base da
produção norte-americana e movendo sua economia para os chamados
serviços financeiros. 3) A contestação põe em relevo que a transição
geopolítica à multipolaridade global exige um sistema internacional
plurimonetário, não mais o atual.
O que nada tem a ver [13] com o fracassado vaticínio de mais de 20 anos
(esperando Godot?) prognosticando o “colapso iminente do padrão dólar”.
Escoltado por esta completa inocuidade, a cômica ilusão sobre a substituição
do dólar pelo euro se revelou uma completa humilhação: inúmeros analistas e
membros de governos europeus passaram ver a saída da atual crise no
esfacelamento da moeda européia - algo difícil de se materializar até por falta
de alternativas geoeconômicas ao continente. É que para esses, a tendência à
multipolaridade era uma “ficção”: em última instância se omitia então a
proeminência a da China Socialista – sequer assim a denominavam! - e ao
invés da (insidiosa) emergência do yuan, deixaram “se encantar” com a moeda
européia nascida em 1999.
Ainda a respeito deste último tema, vale a pena transcrever uma ajustada
opinião do professor J. L. Fiori, um grande estudioso brasileiro da complexa
dinâmica do sistema de relações internacionais:
“Ao contrário da crise americana de 2008, a crise europeia de 2010 não é
apenas financeira, nem se restringe à insolvência de alguns estados de menor
importância econômica, dentro da comunidade. Agora sim se trata de uma
crise monetária, de insolvência do próprio euro, uma moeda que é emitida por
um Banco Central “metafísico”, que não pertence a nenhum Estado, nem
administra a dívida de nenhum Tesouro Central”. [14]
195
sistema: o problema não é esperar a sua “queda” – isto é absolutamente
irrelevante. 2) A República popular da China já é efetivamente a segunda
potência econômica global. Ora, acaso, a China reivindica (para hoje) ser “líder
no sistema mundial”? Não, e não é essa a questão estratégica crucial, como
muito bem acentuou o liberal Fareed Zakaria, ainda em 2008. Pois, explorando
e desenvolvendo maneiras de complicar e desgastar a supremacia militar
americana, notadamente nas áreas de tecnologia espacial e informática, os
chineses, “o que é mais importante, usarão sua força econômica e suas
habilidades políticas para alcançar seus objetivos sem ter de apelar para a
força militar”. [16]
“(...) mas em período de economia em declínio, esta desproporção irá cada vez
ser mais acentuada até ser demasiado flagrante que os EUA já não
conseguem suportar financeiramente a carga de serem a única superpotencia
mundial. (...) “E a China irá aparecer cada vez mais como uma potencia militar
global, tendo ainda que vencer a batalha da modernização tecnológica e
ultrapassar todas as barreiras de conhecimento que lhe faltam ainda através de
parcerias com empresas ocidentais e russas ávidas de exportar tecnologia a
todo o custo...” .
196
Advertindo logo para as corriqueiras concepções antagônicas à dialética
materialista, de que tendências não possuem contratendências - problema
epistêmico fundamental ao qual o cientista Karl Marx dedicou todo o capítulo
XIV do livro III de O Capital - [18], em matéria de exercícios de previsibilidade
científica considero que devemos igualmente seguir um “conselho” recente do
professor Eduardo Chitas:
Assim,
197
quando afirma que “O atual sistema monetário mundial é um produto do
passado”. [21] Óbvio que é. [22] A novidade é ele ter dito isto “na cara dos
gringos”. E já não é mais segredo que o supermercado financeiro global
Goldman Sachs estima que em 2040 a economia chinesa ultrapassará a dos
EUA. A novidade é que será antes disso!
_________
NOTAS
[2] “Nós não vamos nos esquecer dessas críticas”, vociferou o secretário
Geithner, num jantar durante o G-20, após as declarações do ministro Guido
Mantega e do seu homólogo sul-africano atacando o tsunami de liquidez
fabricado pelos EUA. Geithner pareceu “perder os nervos”, relata o jornalista
brasileiro Assis Moreira (“Reunião termina com críticas aos americanos”, Valor
Econômico, 16/11/2010).
[3] Ver: O g-20 e o Brasil: a guerra de capitais e a geopolítica por trás da guerra
cambial, Revista Princípios, nº 110, nov/dez/jan 2011.
[8] Fato ocorrido quando Barack Obama visitou a Índia para acordos e
negócios de US$ 14 bilhões, e após 5 anos de presença ali da liderança
americana, anunciou apoio ao ingresso do país no Conselho de Segurança da
ONU. Por sua feita, o primeiro-ministro da China, Wen Jiabao concluiu em 17
de dezembro sua visita de dois dias à Índia. Como transcreveu (da Radio
Internacional da China) o jornalista Osvaldo Bertolino, “Wen destacou que as
duas nações devem promover a cooperação pragmática e estratégica a partir
da realidade”. Wen ainda deixou “claro o apoio chinês à Índia no empenho no
Conselho de Segurança e anunciou a postura chinesa sobre a solução pacífica
das disputas de fronteira, e que envolvem rios trans-fronteiriços” (“O outro lado
da notícia”, 24/12/2010).
198
regional menor (Bloomberg/Valor Econômico, 17/1/2011).
[11] Em: “AL terá de administrar expansão menor em 2011”, Valor Econômico,
07/01/2011.
[12] Em: “FMI quer supervisão global para bancos”, Assis Moreira, Valor
Econômico, 09/12/2010.
[13] Aliás, nunca teve. Não se faz política sem as mediações exigidas pela
realidade e ninguém sobrevive nesse terreno na base de devaneios
futurísticos. Apesar da convulsão financeira (2007-2008) que derreteu peças-
chaves do sistema financeiro norte-americano, o país, possuidor de reservas
imensas de recursos naturais e sofisticada técnica, em 2011: a) terá um PIB
que se projeta em US$ 14, 996 trilhões; b) abrigará cerca de 314 milhões de
pessoas, com uma renda per capita (PPP) de US$ 48.010 mil; c) fará gastos
militares superiores a US$ US$ 554 bilhões (Robert Gates, secretário da
Defesa dos EUA, em 6/1/2011); d) segundo o Pentágono, citado pelo ex-
historiador da CIA e professor (emérito, Universidade da Califórnia) Chalmers
Johnson, o imperialismo norte-americano (2008) sustentava-se em 865
instalações militares (mais de 40 países) - antes da tentativa colombiana de
ampliar bases americanas -, deslocando mais de 190 mil soldados em mais de
46 países e territórios (“La Jornada”, 18/7/2009).
[14] Ver: O círculo quadrado da moeda européia, Fiori, J., Valor Econômico,
30/6/2010. Ver também: Entrevista de José Luís Fiori a Tatiana Merlino: A
Europa está cada vez mais dividida, Caros Amigos, 23/08/20; também Euro
perde a confiança dos Bcs, em: Wall Street Journal/Valor Econômico,
20/5/2010.
[16] Ver: O mundo pós-americano, de Zakaria, F., Companhia das Letras, pp.
139-40, 2008.
199
armazenamento, transporte etc. d) formação de uma superpopulação relativa a
rebaixar o valor da força de trabalho; e) ampliação e abertura de mercado
externo para aplicar o excedente, ou encontrar fontes de matéria-prima e
recursos abundantes para reduzir custos; d) o ampliação da aplicação do
capital em ações, contra-restado a queda na taxa de lucro com juros das ações
de empresas ou por títulos públicos.
__________
200
29\06\11
201
Mas, a propósito do novo livro do professor Belluzzo, gentilmente ele nos
cedeu (e autorizou) a publicação do inédito Capítulo IV, “O Capital” e a
Ontologia do Ser Social. Nele, como verá o (a) leitor (a), o autor refina o
desvelar dos movimentos categoriais que estruturam a totalidade da natureza
do processo da produção capitalista, muito provavelmente sintetizado na
seguinte formulação:
“A investigação de Marx examina a reprodução do capital em suas
determinações materiais e sociais: trata-se da reprodução conjunta das
relações de produção e das formas materiais impostas às mercadorias pelo
regime do capital”. Ou ainda, o propósito de Marx, ali, “é analisar
simultaneamente a reprodução, em conjunto, das formas materiais do capital e
das relações sociais da produção”.
Nada simples, porém francamente inteligível, é sabido que o pensar de Marx,
particularmente em O Capital, sofre decisiva influência das leis da dialética
hegeliana. Mas em Marx, estações, fases, contradição, superação e totalidade
lógicas desfilam emanadas do real, de sua materialidade histórica.
O livro do professor Belluzzo, articulando uma apreensão - à lupa - da teoria
marxiana originária, aos desvãos das engrenagens do regime do capital
hodierno, certamente reforçará nosso arsenal crítico de combate por uma nova
civilização.
Nota
[1] Belluzzo escreveu dois artigos exclusivos para a Revista Princípios: “O
regime do capital e o desenvolvimento capitalista”, nº 79, jun./jul 2005; “Marx e
Keynes e a finança capitalista”, nº100, mar./abr 2009.
202
A bancarrota da República imperial americana*
Larry Summers, ex-secretário do Tesouro dos EUA - um dos chefetes
organizadores da “globalização financeira” -, a partir da economia americana
repetiu termos do keynesiano Alvin Hansen ao denominar de “estagnação
secular” (2013) o atual estágio do afundamento da economia global. Antes
dele, o indiano e ex-economista chefe do FMI Mohamed A. El-Erian chamara
(2011) esse quadro de “o novo normal”.
“Repúblicas muitas vezes acabam por ruir de repente sob seu o próprio peso;
outras são arruinadas pela violência dos inimigos no momento em que se
julgam mais seguras; outras envelhecem lentamente e acabam por sucumbir
às suas próprias doenças internas” (Jean Bodin, “Os seis Livros da República,
Livro Quarto”). [1]
203
declínio econômico cada vez mais acentuado.
204
responsável por problemas na Ucrânia, não porque os EUA derrubaram o
governo democrático eleito mas porque a Rússia aceitou uma votação de
97,6% dos habitantes da Crimeia para se reunirem à Rússia, etc.[ver em:
http://www.paulcraigroberts.org/2015/01/25/freedom-america-europe-pcr/]
Sennett, [4] ao examinar a inflexão da “ética do trabalho” nos EUA como uma
espécie de deformação das expectativas do trabalho (protestante) árduo e
implacável, mas de todo modo voltado para o futuro, conclui que as alterações
perpetradas pelo “trabalho flexível” e “em equipe”, estimula o correr riscos, e
trata a dependência como motivo de vergonha. No moderno capitalismo
americano não existe mais carreira, mas apenas projetos, de duração limitada;
agora estou numa equipe e amanhã posso estar em outra, ou mesmo
trabalhando como consultor autônomo. Este regime “que não oferece aos seres
humanos motivos para ligarem uns para os outros não pode preservar a sua
legitimidade por muito tempo” – parece ter advinhado Sennett (p. 176).
Talvez por isso mesmo o conservador Niall Ferguson tenha intitulado um seu
estudo sugestivamente de “A grande degeneração. A decadência do mundo
ocidental” (Planeta, 2013). Observando a evolução da crise que se originara
nos EUA, sentencia: “A dívida pública – declarada e implícita – tornou-se uma
forma de a geração mais velha viver à custa dos jovens e dos que ainda estão
por nascer”, o que tornou disfuncional a ponto de aumentar a fragilidade do
205
sistema”. Ademais, “é remota” – diz ele - a perspectiva de que um avanço
tecnológico comparável às “ferrovias poderia tirar os Estados Unidos da
situação em que se encontra”. Taxativamente, para Ferguson a chamada
“Grande recessão é meramente um sintoma de uma – mais profunda – Grande
Degeneração”.
Retratos da decadência
Aliás, uma resposta direta às expressões “mito histórico e “conversa mole” são
dadas sem arrodeios por P.Craig Roberts: “Guerra, guerra, guerra, é tudo o
que Washington quer. Ela enriquece o complexo militar e de segurança, o
maior componente do PNB dos EUA e o maior contribuinte, juntamente com a
Wall Street e o lobby de Israel, para campanhas políticas estadunidenses” (Ver
em: http://www.paulcraigroberts.org/2015/01/25/freedom-america-europe-pcr/
print/).
Em maio deste 2015 o Fed (Banco Central dos EUA) divulgou que nas razões
do marasmo econômico do país está a criação de um grande volume de
empregos com baixos salários, característicos do comércio e dos serviços, os
setores de maior crescimento. Segundo o economista Carlos Drummond
(“Trancos e barrancos”, Carta Capital, maio/2015, nº849), a) no início da crise,
em 2008, as ocupações com salários médios representavam 60% do total e
cinco anos depois, somente 22%; b) o total de empregos com salários baixos
passou, porém, de 21% para 58% no mesmo período; c) a parcela com salários
altos manteve-se estável.
206
Inglaterra, especialmente – mas não só e se generaliza. No caso americano o
processo começou – diz - com a liberalização econômica, noutras palavras
com o sequestro fiscal para os ricos, milionários e bilionários a partir as
reduções da progressividade dos impostos.
Num retrospecto, Piketty informa que “a fatia da renda apropriada pelos 10%
mais ricos nos EUA em 2012 é igual a 50,4%, a mais elevada desde 1917,
quando a série começa”. A concentração é maior na comparação entre os 99%
na base e o 1% no topo da pirâmide, que fica com 22,5% — denúncia inclusive
do movimento Ocupem Wall Street em seus protestos. De fato, de 1993 a
2012, a renda média real dos 99% cresceu 0,34% anual, enquanto a do 1%
subiu 3,3% ao ano, dez vezes mais. Com isso, se apropriou de dois terços da
riqueza gerada. [6]
O economista Guy Standing [7] é autor do mais conhecido livro sobre o tema
do crescimento do trabalho precário. Em The Precariat: The new dangerous
class (2011), ele defende que as mudanças na economia mundial estão
criando uma nova estrutura de classes, substituta da anterior fundeada pela
burguesia e pelo proletariado. A nova estrutura, diz Standing, é composta de
vários grupos: no topo encontra-se uma plutocracia internacional, a usar seu
poder econômico para influenciar e moldar o poder político. Abaixo dela
vicejam elites nacionais e compõe com a primeira uma classe hegemônica.
Logo abaixo, vem o grupo assalariado, com rendimentos elevados e segurança
no emprego; seus membros ocupariam o topo da pirâmide das grandes
empresas e nichos privilegiados da máquina do Estado.
207
crônico nos principais países capitalistas persistia dramática e em evolução.
Para a organização, apesar de ter havido naqueles países um certo retrocesso
do desemprego global, “o desemprego de longo prazo continua aumentando”.
Ali, no primeiro trimestre, 16,3 milhões de pessoas estavam, desempregadas
há mais de um ano, quase o dobro que em 2007, antes do início da crise
financeira. Ocorre que, nos Estados Unidos esse percentual de desemprego de
longa duração passou dos 10% em 2007 a 25,9% (!) em 2013. [8]
The ShadowStats Alternate Unemployment Rate for July 2015 is 23.0%. [ver
em: http://www.shadowstats.com/]
208
do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA). E o número anual
de mortes por overdose atribuídas à heroína chegou a 3.094 em 2010 (ano
mais recente para o qual há dados disponíveis), um aumento de 55% em
relação a 2000 (Centro para Controle e Prevenção de Doenças dos EUA).
Notas
[1] Ícone Editora, 2012, p. 12.
[2] Ver: “O sequestro da América. Como as corporações financeiras
corromperam dos Estados Unidos”, C. Ferguson, Zahar, 2013.
[3] Ver: “La rebelión das elites e a traição da democracia”, C. Lasch, Paidós,
1996, pp. 13-15.
[4] “A corrosão do caráter. Consequências pessoais no trabalho no novo
capitalismo”, Record, 1999, pp.
[5] “Porque a hegemonia dos Estados Unidos defere da do império britânico”, in
“Globalização, democracia e terrorismo”, Companhia das letras, 2007, pp. 4-60.
[6] [Ver: http://oglobo.globo.com/economia/desigualdade-nos-eua-atinge-maior-
nivel-em-um-seculo-12452072#ixzz3k3PWw7of].
[7] Ver, do articulista Thomaz Wood: “Os super-ricos e o resto”, em: Carta
Capital, 10/05/2015.
[8] Veja aqui: https://br.noticias.yahoo.com/ocde-alerta-desemprego-estrutural-
queda-sal%C3%A1rios-162657879--business.html
[9] Ver: “A recessão mundial destina-se ao agravamento”, P. Patnaik, em:
http://peoplesdemocracy.in/2015/0809_pd/world-recession-set-worsen
[10] Em: http://noticias.sapo.tl/portugues/lusa/artigo/19412384.html
[11] Original em: http://www.paulcraigroberts.org/2015/01/16/ruin-future-paul-
craig-roberts/, Institute of Political economy, 16/01/2015. P. Craig Roberts,
economista, foi secretário- assistente do Tesouro do governo Reagan
209
Marx, teorias e crises do capitalismo contemporâneo [parte 1]*
“Em outras palavras, as perdas dos capitalistas foram pagas com o patrimônio
de toda a sociedade, representada pelo governo. Este tipo de comunismo na
qual a reciprocidade é completamente unilateral, parece ser muito atrativo para
os capitalistas europeus” (Marx, “A crise financeira na Europa”, New York Daily
Tribune, 22/12/1857) [1]
211
investimento busca todos os espaços de valorização; onde a sistemática
“transformação dos lucros em excedentes financeiros” se submetem “a uma
lógica particular de valorização” [9].
Importa aqui destacar é que o monopólio não apenas reafirma a tendência à
superacumulação, como introduz novas determinações que terminam por
agravar a instabilidade e a incerteza do cálculo capitalista, próprias desse
regime de produção, notadamente na época da “globalização financeira”. Na
mesma direção, a teorização dos processos mais recentes que catapultam as
crises via circuitos da “finança mundializada” (Chesnais) são similares aos
mecanismos originários das crises desse regime de produção. O que, mais
uma vez, na presente crise global, pode ser constatado cabalmente na
decomposição de vários dos maiores bancos de “investimento” - gigantescos
bancos e coração do sistema financeiro dos EUA -, verificada após o deflagrar
da crise, em agosto de 2007.
Aliás, além de superacumulação-superprodução, devemos insistir em que a lei
de tendência de queda da taxa de lucro e a desproporção entre os
departamentos são igualmente fenômenos que se expressam da dinâmica da
crise. Crises que, conforme Marx, em última instância tem como determinação
originária o antagonismo irresoluto: apropriação cada vez mais privada X
produção cada vez mais expansivamente social.
“Financeirização” e crise
“Essa mudança é chamada de financeirização. A crescente integração dos
mercados financeiros em cada país e a interligação global entre as praças
financeiras são necessárias às operações da gigantesca riqueza financeira
atual. (...) Aumentaram os episódios das crises financeiras, como os anos de
1990 e 2000 demonstraram (R. Souza, 2008) [10].
212
Como assinalamos, a predominância avassaladora da valorização financeira no
atual padrão contemporâneo de acumulação capitalista mundial, impulsionado
pela liberalização e desregulamentação financeiras expandidas reconfiguram
as singularidades que se explicitam na marcha da grande crise atual. A
dominância sistêmica do capital financeiro e da finança em geral é fato
amplamente comprovado. A “finança direta” preponderou amplamente sobre a
antiga função intermediadora do sistema bancário; isto é, os chamados
investidores institucionais (e empresas) passaram a operar diretamente com
títulos et caterva no mercado de capitais.
Ora, especialmente apontadas por Marx no Livro 3 de O Capital, a plenitude do
capital financeiro, com o advento do moderno sistema de crédito é recusa de
determinações rígidas, estáticas das leis de movimento do capital. Daí que
“revoltar-se” contra uma “suposta” financeirização é justificar andar que
andemos em círculos na crise do marxismo.
Não se trata de artificializar discrepâncias intelectuais, muito menos
transformá-las em rivalidades. A obra de economia política de Karl Marx não só
é complexa – e inacabada, NOTA BENE -, como necessita de uma visão do
conjunto de suas teses essenciais. Num exemplo teórico notável de
formulações centrais do estatuto científico do marxismo, escreve o
epistemólogo português Armando Castro:
“A totalidade teórica organiza e enuncia um sistema de relações entre
representações (cujo centro são as leis), permitindo chegar à explicação de um
conjunto de relações com propriedades próprias e diferentes das que se
reconhecem nos seus elementos interligados” [12].
O histórico e o lógico. Desconhecimento e negação da teoria de Marx
1. Numa dimensão histórica, consistem em fatos reconhecidos e fartamente
analisados a regulamentação do comércio e das finanças internacionais,
institucionalizada pelo sistema de Bretton Woods (1944), através das limitações
aduaneiras protetivas na periferia e no centro capitalista e também por
restrições ao livre movimento de capitais. O que foi sucedido pelo móvel da
globalização neoliberal: essencialmente desregulamentação da produção e da
circulação de mercadorias em nível internacional e dos mercados financeiros
internacionais. No que se seguiu uma forte valorização da riqueza financeira,
impulsionada pelos novos instrumentos (inovações financeiras) e seus
mercados. A propósito, recorde-se aqui: em 2007-8 completaram-se dez anos
da crise iniciada na Ásia, inicialmente na Tailândia, detonada por uma onda de
sucessivos ataques especulativos a várias moedas da região, fazendo desabar
países (produto e emprego) que particularmente desregulamentaram e
liberalizaram a configuração de seus mercados financeiros.
2. Noutra dimensão, do ponto de vista teórico, as ideias de Marx, do final do
século XIX, sobre o caráter das crises do capitalismo, demonstraram não só
ser de uma força histórica tremenda. Elas abrigam duas questões cruciais à
compreensão da dinâmica sistêmica do capitalismo: a) assinalam a ruptura do
ciclo ascensional, por “parada” ou bloqueio dos investimentos, com
desdobramento inexorável em “queima de capital”; b) reafirmam o imperativo
estrutural de funcionamento no movimento constitutivo e contraditório de
expansão-instabilidade-crise.
213
Dito de outra maneira, não se trata apenas de acusar “problemas relevantes”
na esfera financeira. Essa é uma visão que simplesmente “descola” produção
de circulação. Para Marx, o próprio desenvolvimento do capital e do sistema de
crédito sofre, nas crises, interrupção em:
“inúmeros pontos da cadeia de obrigações de pagamento em prazos
determinados, e se agravam com o consequente desmoronamento do sistema
de crédito que se desenvolve junto com o capital. Assim redundam em crises
violentas, agudas, em depreciações bruscas, brutais, estagnação e
perturbação física do processo de reprodução e, por conseguinte em
decréscimo real da produção” (Marx, “O Capital”, Livro 3, v. 4, p. 292,
Civilização Brasileira, s/ data).
Hodiernamente, na medida em que o “capital portador de juros” (Marx) passou
a ser o motor das operações financeiras na ascensão do neoliberalismo, assim
como foi promotor de uma época crônica de instabilidade e crises financeiras
mais frequentes, deve-se acentuar que:
“Sob o aspecto qualitativo, o juro é mais-valia, proporcionada pela nua
propriedade do capital, pelo capital em si, embora o proprietário esteja fora do
processo de reprodução; é mais-valia que o capital rende, dissociado de seu
processo” (Marx, Livro 3, v. 5, Cap. XXIII, p. 434) [7].
Sim “dissociado”, pois no processo de valorização do capital portador de juros,
“O ciclo D...D’ entrelaça-se com a circulação geral de mercadorias, sai dela e
nela entra e é parte dela. Entretanto, constitui, para o capitalista individual,
movimento próprio autônomo do valor-capital, movimento que se efetua parte
na esfera da circulação geral de mercadorias e parte fora dela, mas
conservando sempre seu caráter autônomo” (Marx, “O Capital”, Livro 2, v. 3, p.
57).
Não deixando dúvidas, mais enfaticamente diz ele ainda sobre a
especificidade do capital portador de juros e sua relação com a tendência à
superacumulação capitalista:
“Assim, o ciclo do capital-dinheiro é a forma mais exclusiva, mais contundente
e mais característica de manifestar-se o ciclo do capital industrial. O objetivo e
o motivo propulsor deste nele saltam aos olhos: expandir o valor, fazer dinheiro
e acumular (comprar, para vender mais caro)” (Marx, idem, p. 60).
No entanto, recordando a interpretação dialética de Marx (“As três figuras do
ciclo”) do movimento do capital-dinheiro, capital-mercadoria e capital produtivo,
referidas no artigo anterior, é imprescindível que assim compreendamos a
totalidade desse movimento:
“Mas, cada parte ininterrupta e sucessivamente de uma fase, [pode passar] de
uma forma funcional para outra. As formas são portanto fluidas e sua
simultaneidade decorre de sua sucessão”. “(...) Só na unidade dos três ciclos
se realiza a continuidade do processo global... O capital global da sociedade
possui sempre essa continuidade e seu processo possui sempre a unidade dos
três ciclos” (Marx, idem, p. 107).
214
3. Na evolução do capitalismo contemporâneo, a manipulação do capital-
dinheiro assim aparece formulada: a) F. Chesnais [13], insistindo, diz que o
“predomínio financeiro puro” do ressurgimento das formas do “capital-dinheiro
concentrado”, a manejar as alavancas de controle do sistema capitalista
mundial, “acentuou o processo de financeirização crescente dos grupos
industriais”; b) segundo P. Gowan, a estratégia original do grande capital
financeiro norte-americano e britânico, impunha a inflação baixa para manter a
função da moeda “como um padrão fixo de valor de acordo com os interesses
do capital-dinheiro”, tendo sido esta a “verdadeira base para a inauguração do
neoliberalismo do Atlântico” [14]; c) porém, em sua dinâmica concreta, ou seja,
na macroestrutura financeira desse capitalismo do nosso tempo, realizam-se
operações monetário-financeiras e patrimoniais de um conjunto de instituições
(bancos centrais relevantes, pelos bancos privados, por diversas organizações
financeiras, pelas grandes corporações e pelos proprietários de grandes
fortunas); operando em várias praças financeiras a valorização e
desvalorização das moedas, dos ativos, gerindo os mercados interligados de
crédito e de capitais, ampliando “as transações cambiais autonomizadas em
relação ao comércio internacional, direcionando a ‘poupança financeira’ e a
liquidez internacional” – descreveu Braga [15]; d) padrão sistêmico esse
neoliberal que, por sua feita, determinou as últimas décadas “como as mais
tumultuosas da história monetária internacional, em termos de número, escopo
e gravidade das crises financeiras” – enfatizam Kindlerberger e Aliber. [16]
Superacumulação financeira X estagnacionaismo
Vê-se que a globalização financeira adveio da liberalização do movimento de
capitais e transposição de fronteiras econômicas, a par de decisões do Estado
norte-americano em catapultar a grande finança especulativa. Cada vez mais
intensa, a instabilidade do sistema tende a ser permanente, obstando a taxa de
investimento, o que pode reduzir o ritmo da acumulação e do crescimento
econômico no centro capitalista e em parte da periferia do sistema.
Assim, as crises canalizadas pelas esferas financeiras, fortemente
oligopolizado do ponto de vista do poder financeiro, mantêm a mesma lógica,
numa variante induzida pelo caráter fictício da acumulação financeira, da crise
de superprodução; refletindo o excesso de valorização do capital em relação à
determinada taxa de juros. Exacerbando alguns traços típicos dessas crises
como a rapidez da propagação e a recorrência.
O que significa dizer: as crises contemporâneas se tornam mais frequentes, por
expansão e aumento da especulação, e do volume na acumulação fictícia; o
que, por sua vez é decorrente da quantidade/velocidade das transações com
ativos financeiros, cada vez mais abrangentes, se propagando mais
rapidamente pelos mercados nacionais e alcançando facilmente regiões
inteiras ou mesmo o mundo.
Observe-se: divulgou-se em 2008 que a relação entre a riqueza (fictícia)
nocional financeira (aquela que é alavancada e derivativa e pode chegar a
valer de acordo com o que valha no futuro câmbio ou juros) seria de US$ 350
trilhões, enquanto o PIB (Produto Interno Bruto) dos países do planeta
alcançaria US$ 56 trilhões [números redondos e aproximados].
215
De outra parte, na direção oposta dos que ainda insistem na tese da
“estagnação” como produtora de “financeirização”, escreve Marx, desvelando já
então um aspecto estrutural (e contemporâneo!) que integra as crises
financeiras:
“Esse capital fictício reduz-se enormemente nas crises, e em consequência o
poder dos respectivos aos proprietários de obter com ele no mercado. A baixa
nominal desses valores mobiliários no boletim da Bolsa não tem relação com o
capital real que representam, mas tem muito que ver com a solvência do
proprietário” [17].
Em categorias mais precisas, (i) Marx alude a dois tipos de capital financeiro: o
portador de juros e o fictício; (ii) o capital fictício consistindo em títulos
negociáveis no futuro (para ele composto por ações ordinárias das Bolsas,
títulos públicos e a própria moeda de crédito (bancária).
Indispensável aqui o registro da formidável narrativa do norte-americano
Guttmann:[18]
“Já há um século atrás, Marx (1894) fazia distinção entre dois tipos de capital
financeiro, tais sejam capital de empréstimo portador de juros e o que
denominou capital fictício. Esse último consistia, segundo Marx, em títulos
negociáveis sobre compromissos de fluxo de caixa futuros (securities), cujo
valor era derivado unicamente da capitalização da renda antecipada, sem
nenhuma contrapartida em capital produtivo. Marx identificava, como fontes-
chave de capital fictício, ações ordinárias negociadas na bolsa de valores,
títulos públicos e a própria moeda-creditícia. Todos os três se tornaram muito
mais importantes hoje do que eram nos tempos de Marx. (...) O mercado de
títulos públicos, cuja dramática expansão foi fruto de meio século de aumento
nos déficits orçamentários, na maioria dos países industrializados, oferece hoje
aos investidores um instrumento altamente líquido e relativamente livre de risco
para aplicar o dinheiro excessivo em caixa”.
216
que, de acordo com uma formulação de Marx é consequência do
desenvolvimento do sistema de crédito e lucro a partir dos juros, e:
“Reproduz nova aristocracia financeira, nova espécie de parasitas, na figura de
projetadores, fundadores e diretores puramente nominais; um sistema
completo de especulação e embuste no tocante à incorporação das
sociedades, lançamento e comércio de ações” [20].
Ademais, um processo especulativo (e cíclico) que Marx vincula também,
claramente, à deflagração de crises financeiras:
“Essa são crises cujo movimento se centra no capital monetário e, por isso,
bancos bolsas de valores e finanças são suas esferas imediatas”. [21]
Superacumulação e Lei da Tendência de Queda da Taxa de Lucro
Na correlação anunciada entre valorização do valor e superacumulação
desdobra-se a valorização financeira. À guisa de introdução, passemos então a
outra correlação (inversa): entre a superacumulação e a Lei de Tendência de
Queda da Taxa de Lucro.
Não “apenas” porque, a) a tendência à queda da taxa de lucro é efetivamente,
segundo Marx, uma expressão típica desse modo de produção, na medida em
que o processo de acumulação capitalista necessita, obrigatoriamente,
continuar a expansão da produtividade social do trabalho. Mas notadamente
porque, b) a partir da segunda metade do século 20, a enorme expansão do
sistema internacional de crédito potencializa a superacumulação de capital.
Expansão essa que, de acordo com interpretação de P. Nakatani, acerca do
que denomina “desenvolvimento da esfera financeira”, terminou se
manifestando na em escala mundial. De uma parte – diz ele -, a expansão do
sistema financeiro teria absorvido o excesso de capital monetário da esfera
produtiva; de outra parte, “gerou uma remuneração que encobriu, pelo menos
parcialmente e contraditoriamente, a tendência à queda na taxa de lucro,
gerando os períodos de euforia com as ‘bolhas financeiras’; enfim, essa esfera
passou a comandar o conjunto do sistema” [22].
Importa então aqui relembrar simplificadamente que, para Marx, assim se deve
equacionar a Taxa de Lucro: Taxa de Lucro: l= m/(c+v)
Sabemos que m é a Taxa de Mais-Valia, c o capital constante e v o valor da
força de trabalho (salários). Como afirmamos, para o capitalista é decisivo o
investimento em c (máquinas, equipamentos, instalações, matérias-primas), no
sentido de aumentar a produtividade do trabalho (força produtiva social). Na
mesma medida em que ele mesmo descarta ou até “aniquila” (Belluzzo) a força
de trabalho. Ou seja, fica evidente que a tendência (de longo prazo) da taxa de
lucro é cair.
E por que no “longo prazo”? Porque se deve apreendê-lo em duas dimensões:
1) Nas palavras de Marx, cujo idêntico raciocínio crucial persiste especialmente
nos Capítulos XII, XIV e XV do Livro 3, v. 4 (também no livro 1):
“Assim, ao progredir o modo capitalista de produção, o desenvolvimento da
produtividade social do trabalho se configura na tendência à baixa progressiva
217
da taxa de lucro e, além disso, no aumento absoluto da massa de mais-valia ou
lucro extraído” (“O Capital”, Livro 3, v. 4, p. 255).
Notas
[1] Ver: “La crisis financieira em Europa”, in: Escritos Económicos Menores,
Fondo de Cultura, p. 204, 1987.
[2] Para Marx: “As crises não são mais que soluções momentâneas e violentas
das contradições existentes, erupções bruscas que restauram transitoriamente
o equilíbrio desfeito”. Em: O Capital, Civilização Brasileira, Livro 3, v. 4, p. 292.
s/data.
218
[9] Ver todo o Capitulo 2 (“O monopólio do capital”), uma pequena obra-prima
de F. Mazzucchelli: “A contradição em processo – o capitalismo e suas crises”,
espec. pp. 84-90, Unicamp/IE, 2004, 2ª edição.
[10] “Dominação global, neoliberal e financeira”, Renildo Souza. Que a seguir
acresce Souza: “Ademais, as crises cíclicas periódicas são fomentadas pela
superprodução e superacumulação, sob o acicate da globalização da
concorrência”. In: “Capitalismo contemporâneo e a nova luta pelo socialismo”,
pp. 49 e 52, Anita Garibaldi, 2008.
[11] Luís Fernandes foi pioneiro no Brasil a teorizar sobre uma dimensão
crucial das ideias de Marx e Engels, descritos no Manifesto do Partido
Comunista: “A força dessa compreensão reside na identificação de um impulso
expansionista insaciável por parte do capital, que o empurra incessantemente
para a busca de novos mercados em todo o globo. Em tempos da chamada
‘globalização’, a atualidade dessa leitura não poderia se mais evidente” (“O
Manifesto Comunista e a dialética da globalização”, de L. Fernandes, in: “O
Manifesto comunista 150 anos depois”, Reis Filho, D. A. (org.), pp. 109 e 114,
Contraponto, 1998.
[12] Ver: ”A contribuição de Marx à teoria e à metodologia das ciências sociais”,
de A. Castro, in: “Conhecer o conhecimento”, p. 95, Avante! 1989.
[13] Ver: “Da noção de imperialismo e da análise de Marx do capitalismo:
previsões da crise”, de F. Chesnais, in: “O Incontornável Marx”, p. 64, Nóvoa, J.
(org), Unesp/Edufba, 2007.
219
III
DESENVOLVIMENTO,
DESINDUSTRIALIZAÇÃO E
GOLPE ULTRALIBERAL
220
PIB 0,1%: Meirelles, entreguista e enganador!*
Trata-se de demagogia sem desfaçatez a comemoração do “crescimento”
trimestral de 0,1% do PIB pelo governo Temer. Na verdade, a divulgação do
resultado revela uma preocupante tendência do desempenho da economia
brasileira. Pesquisa da FGV, também informada esta semana, concluiu com uma
“releitura da recessão”, que, de 2014 a 2016, a contração do PIB no período foi
de 8% e não de 8,6% conforme os indicadores originais do IBGE.
Pior ainda: espera-se que esse crescimento atinja 75,5% no ano de 2017, e,
segundo projeção do FMI, a dívida bruta do país chegará a 91,1% do PIB em
dois anos, e atingirá 96,9% em 2022. Também, aí, o discurso dos golpistas da
suposta política de “austeridade” para conter o endividamento bruto; ou contra as
221
“pedaladas” que teriam sido cometidas pela honrada presidenta Dilma Rousseff,
revelam-se falácia e manipulação cínica.
De outra parte, viu-se nesta mesma semana que o registro de espantosos 12,7
milhões de desempregados, ao invés dos 13,3 milhões registrados (IBGE) no
trimestre findo em outubro, 75% dos novos empregos são sem carteira assinada,
ou empregos informais, precários.
O fato é que, no final de 2016, o ano do golpe articulado pelo governo do atual
ministro da Fazenda, a desigualdade aumentou. De acordo com a PNAD do
IBGE, as pessoas situadas na parcela de 1% dos maiores rendimentos de
trabalho recebiam, em média, R$ 27.085, enquanto a metade de menor renda
recebia R$ 747, em um país cujo rendimento médio mensal de todos os
trabalhos foi de R$ 2.149. Nesse mesmo ano, os 10% com maiores rendimentos
concentravam 43,4% de todas as fontes de renda recebidas no Brasil (IBGE,
29/11/2017).
Propaganda enganosa
Ademais, sabidamente, o golpe contra o pais tem por detrás uma verdadeira
fúria entreguista e privatista, cujo Mentor, Meirelles, afirmara em 2016 que todas
as empresas estatais que podem ser privatizadas, parcial ou integramente,
devem ser vendidas. Não à toa, uma vez consumado o golpe, Temer anunciou a
desestatização de 91 ativos de controle estatal, aí incluídos 18 aeroportos, duas
rodovias, quatro empresas, duas rodovias, e 16 concessões de energia.
Recuperação pífia
222
Desdobrando a sequência alguns dados gerais do PIB, incluindo os de
divulgados na sexta-feira passada, registram-se:
223
Chantagem descarada do capital
224
economia só melhora com “um cenário eleitoral favorável” - à burguesia e seus
funcionários, por suposto.
NOTAS
[1] Em:https://oglobo.globo.com/economia/com-crise-desigualdade-no-pais-
aumenta-pela-primeira-vez-em-22-anos-21061992#ixzz50JVFlmS6]
[2] Divulgado neste 4 de dezembro, o percentual de famílias endividadas
alcançou 62,2% em novembro de 2017, com aumento de 0,4 ponto percentual
na comparação com outubro, sendo o quinto mês seguido de altas no indicador,
segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic),
da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). A
Peic aponta ainda um recuo no percentual de famílias inadimplentes.
225
Henrique Cardoso e de Lula, “as nomeações do presidente do Banco Central
eram aprovadas por Wall Street”.
Sabe-se bem que a política econômica que vinha prevalecendo sob Barbosa e
Tombini (ministro da Fazenda e presidente do Banco Central do Governo Dilma)
promoveu a desvalorização do real, barateando as exportações e, desse modo,
positivando e equacionando o déficit nas contas correntes do balanço de
pagamentos que afligia o país.
226
Por outro lado, antes do anúncio do chamado “teto de gasto de 30 anos”, as
negociações entre Estados e equipe econômica do governo interino para a
renegociação das dívidas fracassaram. Depois de três horas de reunião, a
Fazenda apresentou uma contraproposta em que deixa claro que não há espaço
fiscal para mudar o índice de correção do estoque das dívidas, assim como
conceder uma carência de 100% dos pagamentos por 24 meses (duas principais
reivindicações dos governadores). Secretários estaduais informaram após, que a
Fazenda propôs uma carência escalonada por 18 meses, começando em 100%
e reduzindo cinco pontos percentuais por mês, com objetivo de manter o impacto
fiscal do Tesouro Nacional em R$ 28 bilhões, o previsto na proposta inicial de
carência de 40% por 24 meses. [1]
Vendeta ultraliberal
Aliás, no discurso de posse no BC, Goldfajn foi explícito de como vai conduzir a
política macroeconômica: é preciso substituir os efeitos da política econômica do
governo afastado pelo “velho e bom tripé macroeconômico”, composta por
“responsabilidade fiscal”, “controle da inflação” e “câmbio flutuante”- disse.
Mentindo descaradamente, afirmou então: esses fatores é que permitiram ao
Brasil ascender econômica e socialmente num passado não muito
distante. Goldfajn se referia ao governo neoliberal e desestruturador do Estado
de FHC et caterva.
Também suficiente lembrar a todos que ele mesmo, quando sócio e ex-
economista-chefe do Itaú-Unibanco, Ilan Goldfajn escreveu em artigo publicado
pelo O Globo (5 de março de 2013), enfatizando que, para vencer a inflação
“possa ser necessário temporariamente reduzir o consumo e desaquecer o
mercado de trabalho” [recessão e aumentar o desemprego].
227
Sobre sua nomeação por Meirelles/Temer, disse Zeina Latif, economista-chefe
da XP Investimentos: “Não acredito que a nomeação dele significa uma
antecipação de corte de juros. Uma coisa é o analista traçando cenários em uma
instituição financeira, outra coisa é o presidente do BC. São coisas
completamente distintas”. O que contraria declarações do próprio Ilan de poucos
dias atrás, assim como de ser necessário a criação de um novo imposto junto ao
“teto” para o gasto público.
Outro insuspeito indicado, Carlos Hamilton, foi crítico feroz à política fiscal
expansionista de Mantega no fim do governo do ex-presidente Lula e no primeiro
mandato da presidente Dilma Rousseff. Ele saiu do BC no início de 2015 e foi
trabalhar com Meirelles no grupo J&F, controlador da JBS. Agora, Hamilton será
o novo secretário de Política Econômica. Um tal de Marcelo Abi-Ramia Caetano
está na Secretaria da Previdência, órgão que será criado com a incorporação do
Ministério da Previdência Social pelo Ministério da Fazenda. Caetano é colega
de Mansueto no IPEA, do qual é funcionário desde 1997.
228
Com o real “fortemente dolarizado” pensa Chossudovski que a intenção de Wall
Street é manter o Brasil num colete de força monetário, relacionando a atual
dívida interna com um crescimento do endividamento externo do país. E que,
desde o governo de FHC, “Wall Street tem exercido controle sobre nomeações
econômicas chaves”, incluindo o Ministério da Fazenda, o Banco do Brasil e o
Banco Central. E não exagera o pesquisador quando afirma que “sob os
governos” de Fernando Henrique Cardoso e de Lula, “as nomeações do
presidente do Banco Central eram aprovadas por Wall Street”. A nomeação do
ex-ministro Palocci para a Fazenda, por exemplo, só foi publicizada, em
Washington, após anúncio anterior da escolha de Meirelles para o BC brasileiro.
NOTAS
229
“O endividamento do Estado era, pelo contrário, o interesse direto da fração da
burguesia que dominava e legislava através das Câmaras. O déficit do Estado,
esse era o verdadeiro objeto da sua especulação e a fonte principal do seu
enriquecimento”. (Marx, “As lutas de classes em França de 1848 a 1850”). [1]
O livro recente do professor Jessé de Souza, adianto, é um bom estudo, forte e
direto, ademais de suas lacunas e limites. Aliás, também penso que o golpe,
apesar de ter sido em parte truncado, só se completará – é esse o clímax do
objeto de desejo dos golpistas – com a prisão severa ou a cassação dos
direitos políticos do ex-presidente Lula.
Chumbo grosso
230
e parte dessa a sociedade como um todo “compra o Congresso, por exemplo,
pra você nunca passar leis que possam taxar ricos”. O Estado empobrece, os
ricos ficam cada vez mais ricos, e os ricos não são taxados, porque isto já
estava precificado na compra de parlamentares. Se você não pode taxar os
ricos, então você tem que pedir emprestado o dinheiro dos ricos, que é quem
têm o dinheiro. Essa é a raiz da crise fiscal, que é entendido de um modo
completamente distinto, como se fosse para ‘cortar educação e saúde dos
pobres e da população.
231
então uma resposta ao conservadorismo e reacionarismo do Congresso, um
cálculo pragmático com “alguma dose de cinismo” (p. 109). No caso da
Petrobras, entregou-se diretorias de investimentos bilionários e reservas do
pré-sal fabulosas “ao saque de praxe”, tendo-se com pano de fundo as
negociações com esse mesmo Congresso; recorda ele as denúncias de
corrupção na empresa feitas por Paulo Francis (1996), época de FHC, que,
depois alertado pelo empresário Steinbruch, nada fez. Mas a criminalização do
PT e de seu projeto passou a ser uma estratégia incansável de dois “principais
parceiros do golpe: o complexo jurídico-policial do Estado e a mídia
conservadora”. A imprensa servil ao dinheiro unida aos interesses corporativos
da casta jurídica, deflagrada a Lava Jato, confluiu no “fio condutor do golpe”.
Sérgio Moro foi então a figura perfeita para a estratégia golpista funcionar: a
classe média nas ruas o via como sua integrante, e membros do aparato
jurídico-policial viam nele a encarnação perfeita do partido corporativo que se
traveste do bem comum” (pp. 110-120).
Jessé conclui, entre outras questões – por incrível que pareça e à sua revelia!
-, como se revisitasse o Marx da epígrafe. Deflagrado a queda da presidenta,
diz, os interesses econômicos por trás do golpe de Estado virão à luz do dia. “O
interesse de assaltar a sociedade como um todo via taxa de juros para o bolso
de meia dúzia agora torna possível posições antifinanceirização que não
existiam entre nós”, imagina. Ademais,a elite financeira, a imprensa e o
parlamento “comprados têm agora nas mãos um, governo sem prestígio e
fraco, sem qualquer apoio popular” (pp. 134-5).
Lacunas
Questão que se revela nítida com a visita de Rodrigo Janot, Procurador Geral
da República, ao FBI, sabidamente para tratar de fatos relativos à espionagem
na Petrobras, ao que se seguiu a prisão do tesoureiro do PT, João Vaccari
Neto.
Relatou então o jornalista Sérgio Lamucci: em sua passagem pelos EUA, Janot
teve encontros no Departamento de Justiça e na Polícia Federal americana
(FBI) na segunda-feira e ontem na Organização dos Estados Americanos
(OEA). O procurador-geral não falou com a imprensa. No Departamento de
Justiça e no FBI, ele teria discutido questões relacionadas à Operação Lava-
Jato, que investiga o esquema de corrupção na Petrobras. Procuradores da
Lava-Jato também estiveram em Washington. [3]
Cerca de dois meses depois, “O tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, foi preso
232
nesta quarta-feira (15) pela Polícia Federal em sua casa, em São Paulo.
Secretário de Finanças do partido, o petista nega envolvimento no esquema de
corrupção que atingiu a Petrobras nos últimos anos”. [4]
Há ainda o fato, registrado, que Liliana Aylde, embaixadora dos EUA durante o
golpe “constitucional” que derrubou Fernando Lugo da presidência do Paraguai
ter sido nomeada para o Brasil, à época da Lava Jato, por Barack Obama.
Limitações
233
Lavrador de café Foto: Portinari
Em junho de 2017, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública divulgaram o estudo “Atlas da Violência“, [1]
analisando dados sobre homicídios no Brasil entre 2005 e 2015. A conclusão é
de que homens jovens são as principais vítimas (92%). 1) Em Alagoas e Sergipe
a taxa de homicídios de homens jovens atingiu, respectivamente, 233 e 230,4
mortes por 100 mil homens jovens em 2015. 2) A cada 100 pessoas
assassinadas no Brasil, 71 são negras; informa o Atlas que os negros possuem
chances 23,5% maiores de serem assassinados. 3) São 155 assassinatos por
dia, o que equivale a seis mortes por hora em cada estado, e as características
das mortes se repetiriam: ligadas ao tráfico de drogas e tendo como vítimas
jovens negros pobres da periferia executados com armas de fogo.
A perversão cordial
234
de Holanda também perquiria o “quem somos nós”, objeto inovador da célebre
pesquisa do sociólogo pernambucano.
Capitalismo selvagem
235
desde o advento da globalização, entronizou-se por aqui a competição
selvagem, transformando a violência num recurso cotidiano de sobrevivência;
manifestada também no trânsito infernal nas nossas grandes cidades poluídas,
servas do automóvel, atravessando as relações de trabalho, deformando a vida
familiar, chegando “até ao assassinato”. Assim – continuam os autores a captar
um ambiente catastrófico -, “uma sociedade que não dá valor à vida não pode
pretender que os excluídos, do emprego, da escola, da vida familiar, considerem
a vida um valor” (Cap. “A que ponto chegamos? ”).
“De outro lado, vimos que as relações entre dependência e desigualdade ficaram
expostas a olho nu nestes últimos 20 anos. Na época do capital financeiro e da
ciência e tecnologia como base ampliada de valorização do capital, a
dependência reaparece como dependência financeira e tecnológica. Porque não
dispúnhamos e nem criamos um mínimo de capacidade autônoma de inovação
e investimento, fomos obrigados a fazer o ‘ajuste exportador’, que culminou no
neoliberalismo”. E prossegue a economista: “Ele terminou impondo restrições
drásticas ao crescimento e imobilizou a política econômica e social. À regressão
econômica correspondeu a regressão social, que se manifesta no desemprego
estrutural, na cristalização dos baixos salários, no emprego de terceira categoria,
na multiplicação de serviçais, na flexibilização e extinção de direitos”.
A catarse republicana cruza agora 128 anos do nosso mosaico nacional – curta
vivência. A beleza (ingênua) das palavras de Cassiano Ricardo, fiel a uma outra
época, foi trespassada pela consolidação histórica de uma sociedade burguesa
236
cruel, eis a inescapável condição brasileira hodierna. Aqui, as famosas “leis
impiedosas” que Marx aludia, uma vez vigentes as forças produtivas do
capitalismo, persistem a engrenar o país na condição de periferia sistêmica.
(Foto: null)
*Publicado em Portal da Fundação Mauricio Grabois, 16.11.2017
NOTAS
[1]Em: https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/uma-semana-de-mortes-
o-retrato-da-violencia-no-brasil.ghtml
[2] Ver: “Variações sobre o homem cordial”, C. Ricardo, em: “Sérgio Buarque de
Holanda. Raízes do Brasil. Edição comemorativa 70 anos, orgs. Berzaquen de
Araújo, R., Schwarz, L., Companhia das Letras, 2006, p. 366.
[3] Ver: “Nordeste”, Gilberto Freyre, citado em: “Chuvas de verão. Antagonismos
em equilíbrio em Casa Grande & Senzala de Gilberto Freyre”, Ricardo
237
Berzaquen Araújo, em: “Um enigma chamado Brasil. 29 intérpretes e um país”;
Botelho, A., Schwarcz (orgs.), Companhia das Letras, 2009, p. 220.
238
“As últimas pessoas em cuja avaliação deveríamos confiar são os analistas da
Standard & Poor’s” (Paul Krugman, 2011).
Programaticamente, as agências de risco iniciam sua cantilena e os insultos
pela chantagem preparatória ao caminho de claro contraponto aos interesses
nacionais dos países em desenvolvimento (taxa de juros baixa para expansão
da economia, política cambial que garanta moeda desvalorizada por um
extenso período, política fiscal expansionista e de gasto público, função ativa
do Estado e das estatais etc.). E o pano de fundo do anúncio da agência dos
diagnósticos fraudulentos e das interesseiras “profecias autorrealizáveis”
desenha o agravamento da crise econômica no centro capitalista, agora
expandindo-se com força à periferia.
Nas palavras certeiras de Moniz Bandeira, o que ocorre no Brasil (“e contra o
Brasil”) é uma campanha de interesses econômicos estrangeiros, devido a
vários fatores, entre outros, a inserção do nosso país “no banco do BRICS,
com a Rússia e a China, associada aos interesses políticos domésticos, de
uma oposição sem ética, sem compostura, servindo aos interesses
antinacionais”. [1]
239
russa (1998), os sucessivos cortes nas classificações do risco país provocaram
o efeito “claramente pró-cíclico, pois acentuaram os movimentos de fuga de
capitais e de desconfiança dos investidores”. O que levou: a) em maio de 1998,
no furacão de um ataque especulativo “o governo russo a triplicar as taxas
básicas dos juros”, as agências realizaram forte corte nos ratings do país e dos
títulos de sua dívida pública interna e externa, levando à exacerbação da fuga
de capitais”; b) em setembro de 1998, as agências reduziram a classificação de
risco do Brasil, e, novamente, em janeiro de 1999 quando, o governo brasileiro
passou a um regime de câmbio flutuante.
NOTAS
[1] Ver: “Agências de risco estão a serviço de especuladores e de interesses
econômicos e políticos dos EUA”, entrevista de L.A.M.Bandeira, em: Carta
Maior, 11|09|2015.
[2] Ver: “Informação dos investidores: classificação de riscos, contabilidade e
conflitos de interesses”, Farhi e Cintra, FEE, 2002.
240
Em última instância, encontra-se no centro do tabuleiro o projeto de liquidação
do Brasil enquanto nação, na atual quadra histórica. É exatamente disto que
trata a marcha golpista camuflada na tentativa do impeachment da Presidenta
Dilma Rousseff. Passou-se a exigir-se a derrota de correntes políticas
avançadas ou de caráter democrático-popular impulsionadoras da reconstrução
desenvolvimentista, soberana e provedora de amplas melhorias sociais às
massas populares.
A conjugação de interesses entre forças do país e as forâneas acumpliciadas
no golpismo responde simultaneamente às exigências de um capítulo na
história do capitalismo global, em crise profunda. Porque não há interesses
políticos desgarrados daqueles econômicos, de classe.
Num momento em que a desaceleração da economia mundial, uma inflexão
severa do comércio internacional e mais crescimento do desemprego são
anunciados pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico), o FMI (Fundo Monetário Internacional), a OMC (Organização
Mundial do Comércio) e a OIT (Organização Internacional do Trabalho) –
aparelhos multilaterais do capital.
Sabidamente, o novo ciclo político progressista (inesperado e) hospedado pelo
povo no Brasil e em inúmeros países da América Latina defronta-se a um
contra-ataque político-ideológico entrecruzado a uma “depressão econômica”
nos países centrais, deflagrada em 2007-2008. Hoje a se espraiar fortemente à
periferia do sistema neoliberal, a onda depressiva solapa as condições
econômicas da resistência contra-hegemônica, alimenta infame campanha
midiática conservadora, falsifica preceitos da própria democracia capitalista em
nome da desestabilização institucional progressista e popular, a qualquer
custo.
Rapinagem e ultra-concentração do capital
Como mais uma vez pertinentemente alerta Moniz Bandeira, sobre o império
americano, em meio à campanha golpista atual, o Brasil está na mira de Wall
Street: “O objetivo é destruir as grandes empresas brasileiras, as construtoras
que são fatores de expansão mundial do Brasil, e permitir que entrem no
mercado brasileiro as multinacionais americanas”.
241
Noutra dimensão, a concentração e centralização do capital levou ao que o
economista François Morin (membro do conselho geral do Banco Central
francês) chamou de uma “hidra” mundial bancária. Quem já teria tomado “conta
de todo o planeta”: apenas 14 bancos com importância sistêmica multiplicam
derivativos cujo valor imaginário (o montante dos valores segurados) chega a
US$ 710 trilhões, ou mais de 10 vezes o PIB mundial (Produto Interno Bruto)!
Oligopólio bancário advindo no rastro da “globalização financeira” ou da
financeirização da riqueza como “o processo de remoção de qualquer presença
pública na economia e de converter o excedente econômico em pagamento de
juros ao setor financeiro”, resumiu o ex-secretário Assistente do Tesouro dos
EUA, Paul C. Roberts (“A reescravização dos povos ocidentais”). [2]
Brasil: derrotar a aliança da traição!
Importa observar então que, após escrever “Brasil: a construção interrompida”
(1992), Celso Furtado, no início dos anos 2000, notadamente na América
Latina, afirmou que havia se estabelecido o desafio da ultrapassagem do
“fracasso das experiências neoliberais que marcam a virada do século”. O que
para ele, revelara condicionalidades de, entre outras questões determinativas:
a) um processo de globalização que torna “inevitável o avanço da concentração
de poder em mãos de poucos”; b) uma evolução estrutural no capitalismo
avançado que “escapa aos esquemas teóricos que herdamos do passado”. [3]
Os dois fenômenos se amplificaram!
NOTAS
[1] Os três principais e complementares são: Tratados Bilaterais de
Investimento (TBIs), a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento
(TTIP) e a Parceria Trans-Pacífico (TPP). Estão em pauta e têm ainda que ser
aprovados formalmente.
[2]Em:sputniknews.com/columnists/20151109/1029803298/us-west-
economy-values.html Traduzido em resistir.info
242
[3] Ver, respectivamente “Em busca de novo modelo. Reflexões sobre a crise
contemporânea”, Paz e Terra, 2003, p. 8 2ª edição; e “Raízes do
subdesenvolvimento”. Civilização Brasileira, 2003, p. 9.
[4] Ver a letra “e” do item “Uma agenda de desenvolvimento”: “realizar a
inserção plena da economia brasileira no comércio internacional, com maior
abertura comercial e busca de acordos regionais de comércio em todas as
áreas econômicas relevantes – Estados Unidos, União Europeia e Ásia – com
ou sem a companhia do Mercosul, embora preferencialmente com eles. Apoio
real para que o nosso setor produtivo integre-se às cadeias globais de valor,
auxiliando no aumento da produtividade e alinhando nossas normas aos novos
padrões normativos que estão se formando no comércio internacional”
243
Vargas convergem num gesto de coerência”, o diretor de redação diz a que veio:
atacar, enxovalhar e tentar enterrar a memória do líder político número um e
fundador consciente da industrialização capitalista no Brasil.
244
passional ao comando escravocrata. Sim, os que odiavam Getúlio – que, além,
foi ditador influenciado pela ascensão do fascismo, democrata e estadista -
queriam que tipo de destinação ao processo colapsante de Império e República
Velha?
Ora, o traço mais relevante que emergiu da ordem burguesa brasileira e sua
sociabilidade – a marca mais importante dela - é a escandalosa desigualdade
social, que, como disse Wanderley Guilherme dos Santos importa captar a
oração subordinada que assevera ser a desigualdade “a mais importante delas”,
das contradições que atormenta aos trabalhadores e as camadas populares.
Nas precisas palavras do eminente cientista social Guilherme dos Santos, a
sociabilidade capitalista “moldou-se” – palavra-chave – pela inércia do
escravismo, sequencialmente à construção do Estado capitalista estruturado
pela escravidão reproduzindo dinâmica e inércia institucional de uma geração a
outra. “Getúlio Vargas, nesse sentido, representa importante ruptura com a
dinâmica herdada da escravidão, ao renovar as estruturas do Estado capitalista
para incorporar aquela questão em seu próprio âmago” – sublinha Guilherme
dos Santos (Apresentação à “A construção da sociedade do trabalho no Brasil”,
de Adalberto Cardoso, FGV/FAPERJ, 2010).
Pois bem. Para Frias Filho, o padrão de revoluções no país, “com pouco ou
nenhum derramamento de sangue e de transições negociadas” – ele queria ou
gostaria mesmo que fossem derramados rios de sangue? -, onde estas por sua
vez “se transfere por osmose à nova”, como 1989, 1930... e ele acaba por se
denunciar ao incluir “1964” a tais transições “negociadas”! Ora, para quem
assistiu seu próprio império de comunicação ceder seus automóveis para
carregar presos políticos totalmente indefesos aos porões da tortura e
assassinados pelos militares da OBAN; para depois, bem depois chamar pelo
editorial de seu jornal o regime militar exatamente de “ditabranda”, é ou não é
confissão deliberada e livre de defesa, inclusive do fascismo?
Por isso também, para Frias Filho, o que importa da biografia dramática e trágica
de Getúlio - um “sedutor matreiro capaz de se safar das piores encrencas” - é
que ele “sentia atração pelo suicídio honroso”; que um dos filhos de Getúlio que
suicidou-se em 1977, “parece sugerir alguma propensão inata” ao mesmo. Ora,
desde Èmile Durkheim, ilustre sociólogo burguês, sabe-se que o
suicídio egoísta, o altruísta e o anômico (ausência de regras na sociedade,
gerando o caos, fazendo com que a normalidade social não seja mantida), todos
eles sem exceção e suas causas, são segundo Durkheim, “sempre sociais”. No
nosso tempo, as principais causas estatísticas de suicídio normalmente ocorrem
em pessoas com o transtorno bipolar, a depressão, a dependência de drogas e
também a esquizofrenia; não existe nenhuma evidência de “hereditariedade”
suicida, mesmo que fatores genéticos atuem com frequência (irregular) em
inúmeras sociopatias.
Frias Filho, “psicólogo” farsesco e arrogante acaba de descobrir o suicídio
hereditário!
245
Sim, a imputação a uma família – de Vargas – de geneticamente suicida, por
inferir Getúlio um doente mental, talvez seja a mais odiosa da história da
República.
Aliás, como diz e repete hoje a mesma linguagem das forças reacionárias e
golpistas – “polarização”, diz ele - a que presta contas Frias Filho, Getúlio, então,
“concedeu o controvertido reajuste de 100% do salário mínimo, elevando-o a
valor real próximo ao de hoje” - vejam outro crime do presidente! Na mesma
batida e mentindo novamente, Frias Filho afirma que o Partido Comunista
rompera com Getúlio “por orientação de Moscou” (1954) para fazer agitação
operária nas greves. Não houve interferência de Moscou à época, a orientação
era nacional: Prestes e o partido inclusive já discutiam apoiar Getúlio assim
como a seguir fez-se aliança com o PTB de Vargas, antevendo em certo sentido
as tendências da onda golpista, apesar do giro à esquerda do Manifesto de
Agosto (1950).
246
centrismo tecnocrático, administrativista, no qual as alternativas, por mais
encarniçada que continue sendo a luta de suas falanges pelo poder, não passam
de versões um pouco mais à esquerda ou à direita –precisamente como PT e
PSDB na atualidade, separados por divergências mais de grau e estilo do que
de essência”.
Assim e principalmente, não existe, é nula na “resenha” de Frias Filho a
fundação por Getúlio Vargas da Petrobras - quando no livro de Lira Neto há
simplesmente 22 referências a Petrobras e petróleo! [4]
Não existe na “resenha” de Frias Filho nenhuma referência à criação do BNDE
(BNDES), inclusive apoiada pela UDN golpista, bem como por jornais
oposicionistas como “O Correio da Manhã”, questão e suas consequências que
aparecem descritas em quatro páginas do livro de Lira Neto. [5]
Também como não existe qualquer referência as pressões do imperialismo na
carta-testamento de Getúlio Vargas, carta esta manipuladamente “analisada” – à
base de fofocas e intrigas fantasiadas ou amplificadas - pelo responsável
editorial e chefe maior da FSP, para quem a ditadura militar foi uma “ditabranda”.
Lembremos então essa passagem imorredoura da carta de Getúlio Vargas:
NOTAS
[1] Lê-se no Observatório de Imprensa (“Mídia endividada preocupa a
sociedade”, 28/08/2014) a seguinte análise retrospectiva: “se a situação
financeira do Grupo Folha é menos grave (de acordo com os dados de
endividamento em eurobônus), sob o ponto de vista estratégico sua situação é
mais séria, considerando que se trata de um grupo jornalístico que depende
majoritariamente de apenas um veículo (a Folha de S. Paulo), enquanto os
demais estão apenas alçando vôo (Agora São Paulo e Universo OnLine)”.
Doutra parte, Octavio Frias, o pai, fundador do jornal, disse em entrevista a
Jorge Felix, originalmente no AOL Notícias (21/10/2003): “Nunca vi a mídia tão
endividada como hoje. Mas acho que é fruto da situação geral que não é fácil.
Não só nacional, como mundial. O mundo atravessa uma crise econômica”.
[4] Em seu livro (p.217), Lira Neto faz questão, inclusive, de reproduzir a ordem
de Getúlio frente às queixas contra os gastos (cerca de R$ 3,3 bilhões em
valores atuais) envolvendo a criação da “Petróleo Brasileiro Sociedade
Anônima”: “Prossigam os estudos sem temor quanto ao vulto dos investimentos,
desde que os fundamentos do programa sejam objetivos e a possibilidade de
mobilizar recursos seja efetiva”.
[5] Ver: páginas 232-3, 265, 396.
248
desenvolvimento societário; é um dever da leitura dos comunistas em capturar
o desenvolvimento sempre paradoxal da sociabilidade; capturar para
enriquecer a inteligibilidade, bem como o seu múltiplo arsenal de intervenção
nos combates anticapitalistas. Tais contradições foram compelidas no
movimento das manifestações e lutas das massas, na já batizada “Jornadas de
Junho” e sobre as quais comentaremos no final do artigo. Mas não é segredo
que ao redor dos últimos 20 anos no Brasil emergiram mobilizações de massas
submersas na rotulação de "movimentos sociais" (sem qualquer dúvida
também motivadora do reacionarismo antipartido). Inclusive imersas na
barafunda da desidentidade de suas particularidades socioculturais, as partes
são impelidas à convergência duma legitimação de variantes do
“multiculturalismo” entre nós. Legitimação que não é aleatória, diga-se logo.
2. Como bem interpreta o filósofo J. Barata-Moura, independentemente de sua
captação gnosiológica, isto é, objetivamente, a origem do movimento e dos
fenômenos em geral “reside, precisamente, nas contradições que internamente
os constituem”. [1] Noutras palavras: não há movimento sem contradição,
porque o movimento é ele próprio a vida da contradição. Mais ainda: o caráter
ôntico da contradição é condição mesma em que ela se plasma e se
desenvolve, ou seja, é de sua natureza o processo de irrupção afirmativa para
o seu devir (tornar-se). Assim é que a historicidade da dialética e suas partes
constitutivas (realidade+conhecimento+transformação) têm sempre como
motor a miríade de contradições a projetar o movimento. Por conseguinte é
correto dissertar: o que se esconde por trás duma “estabilidade” (ou aparente)
momentânea nos processos sociais são contradições surdas a escavar aquela
história - como a velha toupeira. Ouçamos um alerta do filósofo português:
“Compreender o nexo existente entre o sistema das contradições em devir e o
momento de permanência (relativa) detectável nos seus afloramentos à
superfície constitui uma tarefa fundamental da teoria, bem como um suposto
indispensável da prática social consciente que aspire a eficácia fundada na
intervenção transformadora no corpo das realidades” (idem, p. 309; grifos
nossos).
3. Para o magistral Lênin, no espontâneo da rebelião de massas há presença
do embrião do consciente. Porém, adesão espontânea não é “espontaneísmo”
na medida em que “há espontaneidade e espontaneidade”, afirma Lênin em
sua clássica polêmica com os “economicistas” russos no estrangeiro. Por que
razões? No capítulo do célebre Que fazer? (1902) “A espontaneidade das
massas e o espírito da consciência da social-democracia”, Lênin compara “o
entusiasmo generalizado da juventude russa” pela teoria marxista, nos idos de
1895, e as greves operárias do ano seguinte que se alastraram por todo o país,
vis-à-vis ao caráter do movimento das décadas de 1870 e 1880. Diz então que
a destruição “espontânea” de máquinas [aspas de Lênin] ocorrida naqueles
anos contrastaria com o sentido “consciente” [aspas de Lênin] das greves de
meados dos 1890: houve “progresso do movimento operário nesse intervalo”,
sublinha [2]. Segundo o teórico revolucionário russo, ao invés de manifestação
de “desespero”, agora apareciam “lampejos de consciência”; “formulam-se
reivindicações precisas”; “procuram-se prever o momento favorável” das ações
etc. No entanto - e como se sabe bem -, acrescentava Lênin que todos os
avanços existentes naquele período “não podiam” mesmo gestar a consciência
socialdemocrata (socialista), pois esta só seria alcançada através da adesão à
249
política posta em prática pelo (ideário do) partido comunista. Ao tempo em que
– destaca Luciano Gruppi – Lênin convictamente entendia que a opressão
capitalista determina uma série de rebeliões, de ações e de oposições nem
todas na mesma direção – sendo “algumas reacionárias e corporativistas”; mas
reivindicações “anticapitalistas... ainda que seus promotores não tenham
consciência de tal caráter”. [3]
4. Não à toa, em Gramsci é perfeitamente compreensível o assentimento dum
suposto teórico em Lênin, no que respeita relação entre consciência política e
conquista da hegemonia (capacidade de direção; conquistar alianças
revolucionárias estratégicas etc.), em termos da proeminência valorativa, do
binômio cultura e moral trespassando as lutas de classes. Quer dizer, a
“inovação leninista” – diz acertadamente Werneck Vianna [4] – sublinha a
superação de concepções fragmentárias do sistema de valores e das
instituições burguesas ou modernas, para uma outra, sistêmica, produzida por
uma hegemonia intelectual e moral como parte constitutiva da conquista do
poder no Estado. Por isso também Gramsci aclara a famosa afirmação de Marx
(“Prefácio à Contribuição à crítica da economia política”, 1859) de que a
tomada de consciência pelos homens dos conflitos estruturais se dá no âmbito
das ideologias: ela é gnosiológica – enfoca Gramsci -, ou seja, designa o
processo do qual se formam as ideias e as concepções de mundo (Gruppi, op.
cit, p. 3-4). Ora, note-se que, segundo pressupõe o revolucionário italiano,
“(...) não existe na história a ‘pura’ espontaneidade: coincidiria com a ‘pura’
mecanicidade. (...) Pode-se dizer que o elemento da espontaneidade é por isso
característico da ‘história das classes subalternas’, e ainda dos elementos mais
marginais e periféricos destas classes, que não atingiram a consciência de
‘classe por si’...”. [5]
Prossegue na sequência Gramsci:
“Descuidar e, pior ainda, desprezar os chamados movimentos ‘espontâneos’,
isto é, renunciar a dar-lhes uma direção consciente, a elevá-los a um plano
superior inserindo-os na política, pode ter muitas vezes consequências muito
sérias e graves” (idem, p. 271).
E, atenção, mais adiante: “Acontece quase sempre que um movimento
‘espontâneo’ das classes subalternas é acompanhado por um movimento
reacionário de direita da classe dominante, por motivos concomitantes: uma
crise econômica... determina conjuras de grupos reacionários que se
aproveitam o enfraquecimento objetivo do governo para tentar golpes de
Estado” (idem, pp. 271-272).
5. Numa direção similar a essas teorizações de Gramsci, conforme assinalou
Eric Hobsbawm em “Notas sobre a consciência de classe” (1980), a ausência
mesma de consciência de classe, em termos modernos, não implica a ausência
de classe e nem de conflitos de classe; sendo que na vigência da economia
mercantil capitalista houve uma modificação fundamental: elevou-se a escala
desta consciência, em termos nacionais. Marx e Engels - sublinha ele -, seja
em estudos históricos ou trabalhos políticos, “jamais negligenciaram as
complexidades sociais, as estratificações”, que são intrínsecas as classes. [6]
Neste sentido, uma das importantes conclusões do historiador marxista
britânico noutro seu clássico estudo (“Flutuações econômicas e alguns
250
movimentos sociais desde 1800”) [7] é a de que, ao invés de se encontrar
sistematicamente “explosões”, “saltos” ou irrupções sociais a partir do
agravamento das condições de vida e trabalho das massas populares nos
desdobramentos das depressões ou recessões econômicas, a regularidade do
fenômeno explosivo se encontraria mais na correlação com as fases
expansivas do crescimento capitalista. De fato, em relação às grandes revoltas
dos trabalhadores continuaria a ser verdade – diz ele - que “saltos”
surpreendentes tendiam a ocorrer, menos no fundo dos colapsos, e mais nas
épocas das oscilações para cima, de emprego crescente ou, num caso
especial de grande importância no século vinte, de guerra [baseado numa
pesquisa de 50 anos na Inglaterra da passagem do século XIX-XX e expandida
para a Europa]. De outra parte, sobre as particularidades encontradas na
gestação dessas irrupções sociais trabalhistas, conclui:
“Só a análise individual pode revelar a combinação específica das tensões que
compõem qualquer ‘explosão’ determinada, e as tentativas de descobrir
exatamente mesma combinação (em contraposição a uma semelhança familiar
geral dos padrões) tem a probabilidade de ser malsucedidas” (idem, p. 156).
6. Podemos então supor que, do ponto de vista epistemológico: as linhas que
separam as ações espontâneas das conscientes se inserem no entrelace dos
contornos duma materialidade em movimento. Portanto, no terreno das lutas de
classes – e essa é uma síntese de Lênin –, não se pode entender uma
separação entre o espontâneo e o consciente: devemos compreender as duas
categorias em seus nexos dialéticos concretos. Porque as ações dos
movimentos de massas se assentam sobre variados níveis de consciência. E
as condicionalidades formativas de suas “consciências” via de regra limitam (ou
não) a articulação dos planos reivindicatórios (o específico e o geral). O que é
compreensível ser muito mais difuso quando as demandas e protestos são
apinhados num conjunto vastamente heterogêneo e surpreendente - difuso e
confuso. Daí que as novas mediações dos movimentos tem que ser
apreendidas à luz dos processos de desenvolvimento e experiência das lutas
de classes: novos movimentos, novas mediações. O tênue entre o espontâneo
e o consciente, no que respeita as manifestações não formalmente dirigidas e
“não orgânicas” expressam particularidades “invisíveis”; pois construções e
desconstruções sociopolíticas as tornam mais e mais complexas. Daí a
differentia specifica dos estágios da espontaneidade e da consciência social.
Noutras palavras: o desenvolvimento dos estágios da consciência sociopolítica
emana do prolongado processo histórico que deita raízes em cada
nacionalidade, no solo de cada país. Por conseguinte, é equívoco compreender
hoje como “consciente” a ação se massas unicamente pelo ângulo de sua
adesão ao partido mais avançado das classes trabalhadoras, o partido
comunista; ou mesmo esterilizar o “espontâneo”. Outra coisa é o
distanciamento da percepção da realidade em movimento.
7. Num famoso livro publicado 1994, o mesmo Hobsbawm (“A era dos
extremos”) nos chamava a atenção do quadro mundial de incerteza, violência e
instabilidade criadas pela a ascensão da globalização neoliberal e as derrotas
socialistas. Depois, em “Globalização, democracia e terrorismo” (2007), ele
disserta sobre o avanço acentuado das desigualdades econômicas e sociais,
impostas pela adoção dos “mercados livres”, no interior das nações e entre
elas, já então na base de “importantes tensões sociais e políticas do novo
251
século”. [8] Sob esse largo ângulo, o exame das lutas sociais em curso no
Brasil - mobilizações populares extensas, vigorosas e acentuadamente
marcadas pela presença nuclear da juventude - nos remete necessariamente, e
em primeiro lugar, ao pano de fundo do Brasil da época neoliberal que
atravessamos recentemente. Porque encerra avanços e recuos nos estágios
da consciência social, decerto nada se explicará, hoje e amanhã, se as
entranhas históricas desse período não forem literalmente revolvidas; e
removidas. Muito especialmente não se desvendará como o povo brasileiro
vem perquirindo sobre a sua condição de cidadania desde então. Por quê
mesmo? Ainda em 1998 os economistas J. M. Cardoso de Mello e F. Novais
escreveram um importantíssimo ensaio desvelando o processo acidentado das
conquistas da modernização brasileira, em contraposição às implicações
econômico-sociais do desastre de governos neoliberais de FHC. Em
“Capitalismo tardio e sociabilidade moderna” (1998) Cardoso de Melo e Novais
mais que alertavam, com inteiriça razão, acerca da súbita regressão que
ameaçava uma desestruturação nacional. Severa regressão societária, pois,
desde o advento da globalização, entronizou-se por aqui a competição
selvagem, transformando a violência num recurso cotidiano de sobrevivência;
manifestada também no trânsito infernal nas nossas grandes cidades poluídas,
servas do automóvel, atravessando as relações de trabalho, deformando a vida
familiar, chegando “até ao assassinato”. Assim – continuam os autores a captar
um ambiente catastrófico -, “uma sociedade que não dá valor à vida não pode
pretender que os excluídos, do emprego, da escola, da vida familiar,
considerem a vida uma valor” (Cap. “A que ponto chegamos?”, 1998). [9] No
ano seguinte (1999) e dando sequência às indagações dos economistas
citados, em “O capitalismo selvagem. Um estudo sobre a desigualdade no
Brasil”, a economista Wilnês Henrique assim concluía sua fundamentada
pesquisa de doutorado, em verdade um retorno ao longo processo de
configuração e os resultados então examinados do capitalismo tardio brasileiro:
“De outro lado, vimos que as relações entre dependência e desigualdade
ficaram expostas a olho nu nestes últimos 20 anos. Na época do capital
financeiro e da ciência e tecnologia como base ampliada de valorização do
capital, a dependência reaparece como dependência financeira e tecnológica.
Porque não dispúnhamos e nem criamos um mínimo de capacidade autônoma
de inovação e investimento, fomos obrigados a fazer o "ajuste exportador"', que
culminou no neoliberalismo. Ele terminou impondo restrições drásticas ao
crescimento e imobilizou a política econômica e social. À regressão econômica
correspondeu a regressão social, que se manifesta no desemprego estrutural,
na cristalização dos baixos salários, no emprego de terceira categoria, na
multiplicação de serviçais, na flexibilização e extinção de direitos”. [10]
252
padrão capitalista nos marcos da hegemonia financeira neoliberal (global).
Ademais, acumularam-se graves sequelas e velhas doenças da referida
selvageria capitalista, tornando as batalhas pelo novo desenvolvimento uma
verdadeira guerra nacional de classes e frações de classe, incluídos o duro
enfrentamento contra a burguesia bancária/financeira e os interesses do capital
internacional. Ou não?
Daí manifestações de massas onde se expressou até elevada criatividade,
como no caso do cartaz da epígrafe deste artigo – que informa desconhecer o
ocorrido entre nós nos últimos 10 anos! Esse tipo de atitude espalhou-se por
todo o país, inclusive em nossos profundos rincões. Não existiu na história
brasileira, notabilizando-se a inédita experiência democrática atual, “tomadas
de posição” tão abertas como desta feita, nas manifestações de massas.
No caso de São Paulo, berço da eclosão, colecionaram-se cartazes e faixas
oriundas de distintos manifestantes, onde se pôde ler: “Não são por centavos
que estamos aqui”; “Querermos escola e hospitais em Guarulhos do padrão da
FIFA”; “O jovem no Brasil não é levado a sério”; “IPTU aumento de 300%
Partido do Povo?”; “Quando o povo levantar o governo vai se reverenciar”;
note-se em Cacoal (RO): “Tem tanta coisa errada no município e no Brasil que
não cabe em um cartaz”; ou em Timóteo (MG) “Por favor não nos machuque
nós não temos # hospitais”; no Recife: “Basta de corruptos! Basta de
comparsas! Voto aberto parlamentar! Para essa zona acabar!”; ou no cartaz
revelador exibido por uma adolescente: “Enfia os 0,20 no SUS”.
Portanto, caso das grandes manifestações de massas, iniciadas - sim e sem
dúvida, pela direção de um grupo de jovens da pequena burguesia paulista
radicalizada e em contestação aos governos de Dilma e Lula – e que ainda
estão a ocorrer no Brasil é mais que evidente a explosão de diversos níveis de
consciência e interesses. É bastante provável que haja razão nos que afirmam
a distância entre 1992-2013 como causadora de uma explosão social sem
precedentes: haveria novas aspirações numa gigantesca massa
(principalmente) de jovens, alheios (adversos?) às conquistas do último
decênio sendo a grande maioria ausente de vínculos a organizações de
massas. Mas é falsa a propalada vulgata da “ausência de lideranças”: logo,
logo apareceram os “cabeças” do (recorrente) movimento pela redução das
tarifas, em entrevistas à mídia nacional e internacional! E trata-se da mais pura
ingenuidade não denunciar a descarada manipulação midiática das
manifestações, no início condenando a todos como “baderneiros”, logo depois
as insuflando abertamente contra o governo Dilma, em transmissões televisivas
24 horas por dia.
253
e os efeitos da crise capitalista dos nossos dias, sobre os trabalhadores e a
juventude? Quem são as correntes políticas ou lideranças avançadas e
revolucionárias (e orgânicas) que construíram governos progressistas na
América Latina atual? Respostas: são os comunistas do PCP (Portugal), do
PCG (Grécia), especialmente, as centrais sindicais de Portugal, da Grécia, da
Itália, da França, os comunistas e a juventude organizada do Chile,
sindicalistas e comunistas da Frente Ampla do Uruguai, do PSUV na
Venezuela de Hugo Chávez, do MAS boliviano de Evo Morales, os sandinistas
de Daniel Ortega, a esquerda católica em torno de Rafael Corrêa. São o PT de
Lula, o PCdoB, o PSB, o PDT, principalmente, que estão na vanguarda dos
acontecimentos raros que mudaram o Brasil, desde os idos de 1989! Até os
cegos – porque também escutam – Sabem disso!
10. Em termos de considerações finais – e de volta para o futuro. Não, não foi a
“espontaneidade” crua que conduziu a rebelião social que vivenciamos. A
adesão de dezenas e centenas de milhares de jovens, populares,
trabalhadores, aposentados, pais com suas crianças, por si só, é uma óbvia
atitude de tomada de posição contestatória às referidas doenças e sequelas
sociais acumuladas dum capitalismo tardio brasileiro, dilacerado havia muito
pouco pela tragédia neoliberal; ao que se acrescente com ênfase o repúdio à
corrupção em geral, seja ela mistificada ou não pela sistemática campanha
midiática nacional. E leve-se em conta, de alguma maneira, a influência entre
nós dos grandes protestos ocorridos em Wall Stret (“occupy”), na Espanha (“los
indignados”), ou os do Egito, sem dúvida auxiliados pelas “redes” de internet.
Por outro lado, é imperioso preparar-se para um longo combate à
instrumentalização desses movimentos, a contrapropaganda preconceituosa
contra a organização partidária e das massas, que visam, como no passado,
absorver e diluir o descontentamento popular buscando estimular (remotos)
movimentos “inorgânicos”. Relembrando Gramsci, a direita reacionária utiliza
esses movimentos e “quase sempre... aproveitam o enfraquecimento objetivo
do governo para tentar golpes de Estado”.
254
três anos não conseguimos nos livrar da volta ao baixo crescimento
econômico); b) entre abril de 2002 e janeiro de 2013 o valor do salário mínimo
passou de R$ 200 para R$ 622, o que representa ganho real de 70,49% - o
maior desde a sua criação; entretanto, assegura o Dieese: dos cerca de 3,5
milhões de trabalhadores do estado do Pará, quase 1,4 milhão (cerca de 40%)
recebe hoje um salário mínimo; c) a renda per capita do Brasil está em torno de
US$ 10 mil ou cerca de três vezes inferior a da Coréia do Sul, país que teve
sua industrialização ainda mais tardia que a nossa.
255
[3] Ver: “O conceito de hegemonia em Gramsci”, L. Gruppi, Rio de Janeiro ,
Graal, 2000, pp. 3-4 e 43, 4ª edição.
[4] Ver: Prefácio de L.W. Vianna a L. Gruppi, op. cit., p. XV.
[5] Ver: “Espontaneidade e direção consciente”, in: Antonio Gramsci – Obras
Escolhidas, São Paulo, Martins Fontes, 1978, p. 269.
[6] Em: “Mundos do Trabalho”, de Hobsbawm, Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1980, pp. 36-38.
[7] Em: “Os Trabalhadores. Estudos sobre a história do operariado”. De
Hobsbawm, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981, pp. 135-147 e 156.
[8] São Paulo, Companhia das Letras, 2007, p.11.
[9] Ver: “Capitalismo tardio e sociabilidade moderna”, Campinas,
FACAMP/UNESP, 2009.
[10] Campinas, Unicamp/IE, tese de doutorado, 1999, p.185.
[11] Ver: Entrevista à Folha de S. Paulo, “Partido deixou de ser instrumento de
mobilização, diz Lindbergh Farias”, 23/06/2013.
[12] Ver: “Esquerda ou direita?”, de A. Singer, Folha de S. Paulo, 22/06/2013.
[13] As precipitadas opiniões são de Emir Sader (org.) em: “10 anos de
governos pós-neliberais no Brasil: Lula e Dilma”, Apresentação, São Paulo,
Boitempo/FLACSO, 2013.
[14] Em: “Manifesto do Partido Comunista”. Lisboa, Edições Avante!, 1975, p.
64, 2ª edição.
É frenética a competição pela atribuição de sentido a manifestações deste
junho que já não possuem sentido unívoco algum. Da tentativa de apropriação
pela mídia conservadora, que obteve sucesso em pautar as demandas e
insinuar o roteiro das caminhadas, às solenes reflexões sobre o
aprofundamento da participação popular e o esgotamento da democracia
representativa, nada faltou para obscurecer o já espinhoso desafio de
compreender o sucesso e eventuais explosões de coletividades. Até mesmo a
subserviente beatificação da juventude pelos velhotes assustados com o
estigma de superados, caso não adotem o corte de cabelo à moicano,
compareceu. Mas em seu tempo, a bem da verdade, nenhum deles foi
preservado de cometer sandices pela juventude de que desfrutavam.É razoável
atribuir ao aumento nas tarifas dos transportes coletivos a força causal que pôs
em movimento as primeiras manifestações. A repressão bruta, na cidade de
São Paulo, à passeata de quinta-feira, 13 de junho, forneceu uma razão
suficiente para a velocidade inédita com que manifestações semelhantes se
disseminassem horizontalmente em várias capitais. Ao saírem às ruas, na
segunda-feira, dia 17, o que as marchas conquistaram em adesão extensa
perderam em unidade reivindicatória. Do mesmo modo, a causalidade que
mobilizava o povaréu tornou-se múltipla e não automaticamente coerente. A
lista de reivindicações avolumou-se, fragmentando os grupos de interesse e
anunciando o óbvio: é impossível atender completa e instantaneamente a todas
as deficiências do país. Insistir nisso é torcer por um impasse sem negociação
256
crível. O clima ficou grávido de sinais disparatados, com a ausência de
coordenação de legitimidade reconhecida. Paraíso para todos os oportunismos,
charlatanices, além dos equívocos de boa fé.Nada a ver com os “cara pintadas”
do “Fora Collor”. À época, todos foram às ruas com o mesmo e único propósito:
o impedimento do presidente . Princípio causal único do movimento, indicava o
que era apropriado e o que não era apropriado fazer. Não havia sentido, para o
objetivo comum, promover depredações, alienar aliados ou desrespeitar
adversários. Muito menos aproveitar a audiência para fazer propaganda de
algum interesse faccioso. Agora, a que vem a PEC 37, por exemplo, nas
manifestações sobre aumento de passagens de coletivos? – Trata-se de um
aprofundamento do processo decisório, dirão alguns de meus colegas. Sim, e
por conta disso lá virá a mídia conservadora sugerir que as manifestações não
parem, apenas substituam as bandeiras, quem sabe sabotar as próximas
licitações ferroviárias, rodoviárias e aeroviárias fundamentais para o país? Ou,
ainda melhor, alterar o sistema de partilha do pré-sal e revogar a exigência de
participação da Petrobrás? As suaves apresentadoras do sistema golpista de
comunicação passaram a perguntar ao repórter que cobria manifestação na
cidade de Niterói se os protestos não iriam se dirigir à ponte Rio-Niterói, justo
depois dos prefeitos do Rio e de Niterói revogarem o aumento nos transportes.
Em qualquer democracia que se preze essa incitação à desordem não ficaria
sem conseqüência.Ao contrário de ser uma beleza de movimento sem líderes,
o espontaneísmo infantil se revela um desastre na confissão de alguns de que
não conseguem impedir a violência de sub-grupos. Nem por isso deixam de ser
responsáveis por ela na medida em que continuarem recusando a adesão
cooperativa das instituições com alvará de estabelecimento reconhecido,
instituições capazes de assegurar a virtude pacífica das manifestações. É
politicamente primitivo, nada vanguardista, impedir a associação de
movimentos organizados e, inclusive, de partidos políticos, desde que
submetidos ao objetivo central da manifestação. Em movimentos de boa fé
democrática há a hora de desconfiar e a hora de convergir. Ou estão sub-
repticiamente provocando o descrédito de legítimas instituições democráticas a
pretexto de alargar a esfera de liberdade do espaço público?Não são só os de
boa fé e bem intencionados que se manifestam e pautam o “espontâneo”
alheio. Reconheço o odor fétido dessa teoria de longe. É frenética a
competição pela atribuição de sentido a manifestações deste junho que já não
possuem sentido unívoco algum. Da tentativa de apropriação pela mídia
conservadora, que obteve sucesso em pautar as demandas e insinuar o roteiro
das caminhadas, às solenes reflexões sobre o aprofundamento da participação
popular e o esgotamento da democracia representativa, nada faltou para
obscurecer o já espinhoso desafio de compreender o sucesso e eventuais
explosões de coletividades. Até mesmo a subserviente beatificação da
juventude pelos velhotes assustados com o estigma de superados, caso não
adotem o corte de cabelo à moicano, compareceu. Mas em seu tempo, a bem
da verdade, nenhum deles foi preservado de cometer sandices pela juventude
de que desfrutavam.É razoável atribuir ao aumento nas tarifas dos transportes
coletivos a força causal que pôs em movimento as primeiras manifestações. A
repressão bruta, na cidade de São Paulo, à passeata de quinta-feira, 13 de
junho, forneceu uma razão suficiente para a velocidade inédita com que
manifestações semelhantes se disseminassem horizontalmente em várias
capitais. Ao saírem às ruas, na segunda-feira, dia 17, o que as marchas
257
conquistaram em adesão extensa perderam em unidade reivindicatória. Do
mesmo modo, a causalidade que mobilizava o povaréu tornou-se múltipla e
não automaticamente coerente. A lista de reivindicações avolumou-se,
fragmentando os grupos de interesse e anunciando o óbvio: é impossível
atender completa e instantaneamente a todas as deficiências do país. Insistir
nisso é torcer por um impasse sem negociação crível. O clima ficou grávido de
sinais disparatados, com a ausência de coordenação de legitimidade
reconhecida. Paraíso para todos os oportunismos, charlatanices, além dos
equívocos de boa fé.Nada a ver com os “cara pintadas” do “Fora Collor”. À
época, todos foram às ruas com o mesmo e único propósito: o impedimento do
presidente . Princípio causal único do movimento, indicava o que era
apropriado e o que não era apropriado fazer. Não havia sentido, para o objetivo
comum, promover depredações, alienar aliados ou desrespeitar adversários.
Muito menos aproveitar a audiência para fazer propaganda de algum interesse
faccioso. Agora, a que vem a PEC 37, por exemplo, nas manifestações sobre
aumento de passagens de coletivos? – Trata-se de um aprofundamento do
processo decisório, dirão alguns de meus colegas. Sim, e por conta disso lá
virá a mídia conservadora sugerir que as manifestações não parem, apenas
substituam as bandeiras, quem sabe sabotar as próximas licitações
ferroviárias, rodoviárias e aeroviárias fundamentais para o país? Ou, ainda
melhor, alterar o sistema de partilha do pré-sal e revogar a exigência de
participação da Petrobrás? As suaves apresentadoras do sistema golpista de
comunicação passaram a perguntar ao repórter que cobria manifestação na
cidade de Niterói se os protestos não iriam se dirigir à ponte Rio-Niterói, justo
depois dos prefeitos do Rio e de Niterói revogarem o aumento nos transportes.
Em qualquer democracia que se preze essa incitação à desordem não ficaria
sem conseqüência.Ao contrário de ser uma beleza de movimento sem líderes,
o espontaneísmo infantil se revela um desastre na confissão de alguns de que
não conseguem impedir a violência de sub-grupos. Nem por isso deixam de ser
responsáveis por ela na medida em que continuarem recusando a adesão
cooperativa das instituições com alvará de estabelecimento reconhecido,
instituições capazes de assegurar a virtude pacífica das manifestações. É
politicamente primitivo, nada vanguardista, impedir a associação de
movimentos organizados e, inclusive, de partidos políticos, desde que
submetidos ao objetivo central da manifestação. Em movimentos de boa fé
democrática há a hora de desconfiar e a hora de convergir. Ou estão sub-
repticiamente provocando o descrédito de legítimas instituições democráticas a
pretexto de alargar a esfera de liberdade do espaço público?Não são só os de
boa fé e bem intencionados que se manifestam e pautam o “espontâneo”
alheio. Reconheço o odor fétido dessa teoria de longe É frenética a competição
pela atribuição de sentido a manifestações deste junho que já não possuem
sentido unívoco algum. Da tentativa de apropriação pela mídia conservadora,
que obteve sucesso em pautar as demandas e insinuar o roteiro das
caminhadas, às solenes reflexões sobre o aprofundamento da participação
popular e o esgotamento da democracia representativa, nada faltou para
obscurecer o já espinhoso desafio de compreender o sucesso e eventuais
explosões de coletividades. Até mesmo a subserviente beatificação da
juventude pelos velhotes assustados com o estigma de superados, caso não
adotem o corte de cabelo à moicano, compareceu. Mas em seu tempo, a bem
da verdade, nenhum deles foi preservado de cometer sandices pela juventude
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de que desfrutavam.É razoável atribuir ao aumento nas tarifas dos transportes
coletivos a força causal que pôs em movimento as primeiras manifestações. A
repressão bruta, na cidade de São Paulo, à passeata de quinta-feira, 13 de
junho, forneceu uma razão suficiente para a velocidade inédita com que
manifestações semelhantes se disseminassem horizontalmente em várias
capitais. Ao saírem às ruas, na segunda-feira, dia 17, o que as marchas
conquistaram em adesão extensa perderam em unidade reivindicatória. Do
mesmo modo, a causalidade que mobilizava o povaréu tornou-se múltipla e
não automaticamente coerente. A lista de reivindicações avolumou-se,
fragmentando os grupos de interesse e anunciando o óbvio: é impossível
atender completa e instantaneamente a todas as deficiências do país. Insistir
nisso é torcer por um impasse sem negociação crível. O clima ficou grávido de
sinais disparatados, com a ausência de coordenação de legitimidade
reconhecida. Paraíso para todos os oportunismos, charlatanices, além dos
equívocos de boa fé.Nada a ver com os “cara pintadas” do “Fora Collor”. À
época, todos foram às ruas com o mesmo e único propósito: o impedimento do
presidente . Princípio causal único do movimento, indicava o que era
apropriado e o que não era apropriado fazer. Não havia sentido, para o objetivo
comum, promover depredações, alienar aliados ou desrespeitar adversários.
Muito menos aproveitar a audiência para fazer propaganda de algum interesse
faccioso. Agora, a que vem a PEC 37, por exemplo, nas manifestações sobre
aumento de passagens de coletivos? – Trata-se de um aprofundamento do
processo decisório, dirão alguns de meus colegas. Sim, e por conta disso lá
virá a mídia conservadora sugerir que as manifestações não parem, apenas
substituam as bandeiras, quem sabe sabotar as próximas licitações
ferroviárias, rodoviárias e aeroviárias fundamentais para o país? Ou, ainda
melhor, alterar o sistema de partilha do pré-sal e revogar a exigência de
participação da Petrobrás? As suaves apresentadoras do sistema golpista de
comunicação passaram a perguntar ao repórter que cobria manifestação na
cidade de Niterói se os protestos não iriam se dirigir à ponte Rio-Niterói, justo
depois dos prefeitos do Rio e de Niterói revogarem o aumento nos transportes.
Em qualquer democracia que se preze essa incitação à desordem não ficaria
sem conseqüência.Ao contrário de ser uma beleza de movimento sem líderes,
o espontaneísmo infantil se revela um desastre na confissão de alguns de que
não conseguem impedir a violência de sub-grupos. Nem por isso deixam de ser
responsáveis por ela na medida em que continuarem recusando a adesão
cooperativa das instituições com alvará de estabelecimento reconhecido,
instituições capazes de assegurar a virtude pacífica das manifestações. É
politicamente primitivo, nada vanguardista, impedir a associação de
movimentos organizados e, inclusive, de partidos políticos, desde que
submetidos ao objetivo central da manifestação. Em movimentos de boa fé
democrática há a hora de desconfiar e a hora de convergir. Ou estão sub-
repticiamente provocando o descrédito de legítimas instituições democráticas a
pretexto de alargar a esfera de liberdade do espaço público?Não são só os de
boa fé e bem intencionados que se manifestam e pautam o “espontâneo”
alheio. Reconheço o odor fétido dessa teoria de longe
259
Desenvolvimento e desindustrialização*
260
“Em primeiro lugar, a Revolução Industrial não foi uma mera aceleração do crescimento
econômico, mas uma aceleração de crescimento em virtude da transformação
econômica e social – e através dela” (HOBSBAWM, 2000:33; negrito nosso).
261
longo período, meio século em que poucos países conseguiram a mesma
performance (Carneiro, 1999).
Mas não só isso: entre 1970 e 1974 o ritmo de expansão do emprego industrial
atingiu o seu máximo na história, computando o índice de 8,4% ao ano, no
país, e 8,6% no estado de São Paulo. Mesmo sofrendo a crise do “milagre”
econômico do regime militar (desaceleração, 1974-78), observando-se o
período de 1971-78, ainda assim a taxa de crescimento do emprego industrial
foi de 5,4%. No entanto, são conhecidas as origens da verdadeira tragédia
social que subjaz a esse crescimento econômico portentoso. Ao se destrinchar
a análise dos censos demográficos (PNADs-IBGE) relativos às décadas de
1960, 1970 e 1980, o paradoxo do padrão capitalista brasileiro de
desenvolvimento é cristalino:
Aqueles denominados 50% mais pobres diminuíram sua participação no total
da massa de rendimentos do trabalho de 17,4%, para 14,9%, e 12,6%, no
curso dos anos das décadas referidas. Em direção oposta, os denominados 5%
mais ricos aumentaram sua participação na renda de 28,3%, para 34,1%, e
37,9%, na mesma ordem.
Simultaneamente, a participação agrícola na PEA (População Economicamente
Ativa) sofre queda expressiva ao longo das décadas estudadas, passando de
54,3%, para 44,6%, e 30,2%, num espaço de apenas 30 anos! (4).
Em outras palavras, enquanto se assistiu a um crescimento econômico sem
precedentes, possibilitador de um razoável aumento da renda per capita,
ampliaram-se a concentração da renda, a desigualdade e a pobreza urbanas,
especialmente.
Observe-se então uma (espantosa) particularidade nacional no interior do
movimento da industrialização e do próprio padrão de desenvolvimento:
Segundo o Instituto de Estudo para o Desenvolvimento Industrial (IEDI,
6/2003), o Brasil foi o país que obteve maior taxa de crescimento econômico do
mundo entre 1900-1973: 4,9% ao ano. Crescimento que estagnou em 2,4%
nos últimos vinte anos, levando-o para a 93ª posição.
Mudanças no cenário internacional
Parecendo ter antecipado os novos fenômenos ideólogos e econômicos
destrutivos que adviriam – em “Processos de formação de Estados e
construção de nações”, escrito em 1970 –, para Norbert Elias, um dos aspectos
“mais estranhos” no desenvolvimento da sociologia seria o contrabando teórico
das visões do curto prazo, em troca da perspectiva de longa duração, no
estudo do como e do por que sociedades se tornaram o que são ao longo dos
séculos. Estrábicas ideologias, pronunciadas na década de 70 passada, elas
expressavam a mudança das teorias sociológicas dominantes, sugeriu ELIAS
(2006).
262
Ora, como sempre insistia Celso Furtado, o rápido crescimento da economia
brasileira (1930-1970) tinha se apoiado, em boa medida, nas transferências
inter-regionais de recursos e na concentração social da renda facilitada pela
mobilidade geográfica populacional. Conforme afirmara, a partir do momento
em que o motor do crescimento deixa de ser a formação do mercado interno,
subordinando-se à economia internacional, os efeitos daquela sinergia inter-
regional desaparecem.
Angustiado, escrevera em Brasil: a construção interrompida: num país em
formação como o Brasil, o domínio dos interesses da grande empresa
transnacional na lógica do ordenamento econômico poderia apontar para a
inviabilização do país como projeto nacional (Furtado, 1992). Seis anos depois
sentenciava Furtado: “Sim. O processo de construção da economia brasileira
foi interrompido, aparentemente porque se acreditou que a globalização exigia
essa interrupção” (Furtado, 1998: 14). Aduziu a seguir que nos encontrávamos
numa situação de “completa falta de percepção histórica. Nosso país estava
em construção, e essa construção foi abandonada”, sublinhou (idem, 1998: 20).
Como se perfilasse na mesma trilha de Elias.
E a propósito do cenário internacional na década que intrigara Elias, em 1979
os EUA elevaram abruptamente as taxas de juros com o propósito de preservar
a função reserva de sua moeda nacional – coincidindo com o “segundo
choque” do petróleo. A tomada de decisão política pelo governo norte-
americano ou a diplomacia do dólar forte teve enorme incidência nas
transformações econômicas internacionais que vieram a seguir; e, a partir dos
anos 1980, a ampliação dos déficits orçamentários e comerciais dos Estados
Unidos “foi um fator importante para dar um segundo impulso e uma nova
direção ao processo da globalização financeira”, interpretara Belluzzo (1995).
Concretamente, entre 1979 e 1989, O Fed (Banco Central dos EUA) maneja
uma flutuação dos juros no sentido em que eles oscilem aos estratosféricos
21%% (1980). Deve-se notar aí que em novembro de 1978 a taxa básica de
juros dos EUA ainda era de 8%, ocorrendo, então, ondas especulativas nos
mercados financeiros importantes. E, ao contrário do que se previa, seguiu-se
um fortalecimento do dólar, e não “fugas”. Como se sabe, há mudança radical
no padrão monetário internacional após a decisão unilateral norte-americana
(1971) de “descolar” o dólar do ouro – e de qualquer lastro.
Como resultado disso, a recuperação da economia norte-americana (1983-89)
chegou, por exemplo, a atingir alta taxa de crescimento em 1984 (6,8%,
variação real PNB/PIB). No interregno, quando de interesse aos EUA, foram
forçadas, através de “coordenação pactuada” das políticas macroeconômicas,
“imposta” aos países do G-7, desvalorizações do dólar (acordos de Plaza,
1985, e do Louvre, 1987).
263
Mas quais mesmo os efeitos marcantes da elevação das taxas de juros que, a
partir dos EUA, se amplificaram e em que sentido isso repercutiu do centro do
capitalismo para fora, para a periferia dependente? Da análise de Tavares e
Melin (1997: 57-59), destacaríamos especialmente que:
Generalizaram-se os ajustes macroeconômicos deflacionistas e recessivos,
implicando violenta contração econômica mundial (1983), levando à queda nos
preços das commodities, afetando principalmente a África a América.
Dobra da dívida externa do chamado Terceiro Mundo, com crises bancárias e
cambiais nos três continentes, atingindo de tal forma o Chile e o México
levando-os inclusive à estatização de bancos. A dívida interna americana
passa a lastro dos mercados monetário e financeiro de Wall Street,
convertendo-se em externa, absorvendo poupadores estrangeiros a partir da
forte valorização do dólar.
A moratória mexicana – um divisor de águas na sinalização para o colapso do
financiamento externo à periferia – decretada em 1982 faz a crise de liquidez
internacional atingir a América Latina que submerge em crises cambiais com
desvalorizações forçadas de moedas, para promover superávits comerciais e
pagar os juros da dívida.
Desindustrialização relativa
Se a década de 1980 assiste à deterioração violenta dos países latino-
americanos, do ponto de vista da decomposição de suas finanças públicas, a
partir do superendividamento externo os anos 1990 serão marcados pelas
mudanças da liberalização financeira.
A desregulamentação da proteção aos fluxos de capitais, junto à escandalosa
abertura comercial, provocaram déficits e desequilíbrios no balanço de
pagamentos, bem como crises cambiais generalizadas. Fruto dessas
alterações – aprofundadas deliberadamente nos dois governos de FHC –, a
indústria de transformação perdeu espaço significativo no PIB desde meados
dos anos 1980, caindo dos 32,1% de 1986 para 19,7% do PIB em 1998 (IEDI,
2005). Essa tendência somente começou a ser revertida a partir de 1999,
depois da adoção do câmbio flutuante e da desvalorização cambial, atingindo
23,1% em 2004, já durante o governo Lula (6).
Ainda na década de 1990, os “ajustes” na economia brasileira passaram a
impor restrições ao crescimento mais elevado e prolongado. A reestruturação
produtiva industrial não trouxe aumento substantivo na competitividade
sistêmica, onde os aumentos da produtividade “se devem ao desemprego em
massa e aos ajustes microeconômicos das empresas líderes” (Tavares e
Belluzzo, 2001: 11) (7). Por isso insiste-se ser absolutamente indisfarçável o
desastroso resultado do crescimento econômico do nosso país nos anos em
que a “globalização” neoliberal foi proclamada a era do “novo Renascimento”.
264
E, ainda: numa conclusão dramática de Tavares e Belluzzo, “Na verdade, a
década de 90 caracteriza-se por uma desindustrialização, entendida como a
redução do coeficiente de valor agregado interno sobre o Valor Bruto da
Produção e como liquidação de postos de trabalho (mais de 1,5 milhão durante
a década na indústria manufatureira)” (idem: 16).
Sim, desindustrialização, crescimento vertiginoso do desemprego e da
degradação social. Não à toa escreveu-se depois, no Relatório Sobre a
Situação Social da ONU (26/8/2005): “A violência está cada vez mais ligada à
desigualdade. É perigoso para a segurança e a paz nacional e internacional
permitir que a desigualdade aumente”. E, apesar do crescimento econômico
considerável em muitas regiões, o mundo é mais desigual agora do que há 10
anos, declarou o insuspeitíssimo secretário-geral, Kofi Annan.
Bem recentemente o aludido fenômeno foi detalhado de maneira abrangente
num balanço dos processos de desindustrialização dos países capitalistas do
centro e da periferia, pelo especialista Gabriel Palma (Cambridge). Se, por um
lado, suas pesquisas apontam, no fundamental, para a evolução das
características de maturidade industrial e de alta renda per capita como típicas
dos processos da desindustrialização do capitalismo desenvolvido, por outro,
Palma desvela o Brasil e os três países do Cone Sul com as mais altas rendas
per capita (Argentina, Chile e Uruguai), como os que sofreram os mais alto
níveis de desindustrialização; recordando que os mesmos estavam entre os da
região que haviam se industrializado mais rapidamente e implementado as
mais drásticas reformas econômicas.
A experiência latino-americana indicaria – disserta Palma – uma sobreposição
de movimentos: enquanto “a globalização avança”, há cada vez menos países
determinados em levar adiante políticas que promovam ou mantenham a
capacidade industrial. Estaria assim “claro [o] papel da ideologia na formação
de políticas econômicas”. Sendo “uma incógnita se a desindustrialização
‘prematura’ atualmente em curso no Cone Sul da América Latina e no Brasil
contém um importante componente de ‘destruição não-criativa’ de política
induzida” (Palma, 2005: 38-40).
Com efeito, conforme defendeu o ex-secretário-geral da UNCTAD (ONU),
Rubens Ricupero, a desindustrialização prematura brasileira e dos países do
Cone Sul nada tem a ver com terem atingido alto níveis de renda per capita,
como ocorre com alguns que alcançaram maturidade industrial ou integram o
centro capitalista; tampouco da chamada “doença holandesa” (a descoberta
recente de petróleo ou gás, conduzindo países à subestimação do saldo
através de exportação de manufaturas). O processo “é produto de erros de
política econômica”, não sendo coincidência a simultaneidade do declínio
industrial e a estagnação, o baixo crescimento e o desemprego estrutural no
nível de 10% - ataca Ricupero (8). Simplificação?
265
Talvez, porque entre 1950 e meados da década de 1970, a participação da
indústria de transformação no PIB deu um salto de 18,7% para 31,7% (1974).
Em 1998 a indústria retroagiu aos níveis dos anos 1950, quando voltou aos
19%, assinalou Julio Almeida, atual Secretário de Política Econômica do
Ministério da Fazenda e ex-diretor do IEDI. “A indústria vem perdendo
participação na geração da renda nacional e do emprego, o que caracteriza os
processos de desindustrialização”, enfatizou Almeida (9).
Enormes desafios para o progresso
Enfim, e sob outro ângulo, do ponto de vista do desenvolvimento industrial, a
ausência de estratégias mais arrojadas para a evolução (tecnológica, escalas e
maior potencial de crescimento) dos grandes grupos nacionais foi, sem dúvida,
associada a políticas macroeconômicas de anti-crescimento, com a
consequente anulação de estratégia de política industrial, nos oito anos de
governo de FHC (Laplane e Sarti, 2006: 291). Tal desenvolvimento industrial
sempre foi o carro-chefe do crescimento econômico, repita-se.
Por conseguinte, o grande desafio da reversão dos processos que levaram à
desindustrialização relativa no Brasil, ao declínio industrial precoce e ao
desemprego avassalador, é inadiável e está na urgência da ordem do dia.
Tarefa somente enfrentada por um governo determinado das forças da
soberania, do progresso social e do trabalho. Sob o risco de uma
decomposição social incontornável.
*Publicado em Revista Princípios, Nº 85, junho, 2006,
Bibliografia
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267
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Vozes, 1997, 2ª edição.
Notas
1) Os ícones e pioneiros da Teoria do Desenvolvimento (décadas de 1940 e
1950), incluem, em abordagens diversificadas e pelo viés centro-periferia, o
polonês da Escola Austríaca Paul Narciyz Rosenstein-Rodan, o sueco Gunnar
Myrdal, o húngaro Nicholas Kaldor, os norte-americanos Paul Baran e Albert
Hirshman, o estoniano Ragnar Nurkse, o britânico Maurice Dobb, o chileno
Raúl Presbich, o brasileiro Celso Furtado.
268
sendo a fazenda dos hanseáticos para a criação de ovelhas, da mesma forma
como Portugal se tornou a vinha da Inglaterra, e nessa condição permaneceu
até os nossos dias” (List, 1986: 22-23). Recentemente List foi relembrado por
Ha-Joon Chang, em Chutando a escada. A estratégia do desenvolvimento em
perspectiva histórica, 2003.
4) Dados e fontes em “O colapso do mercado de trabalho”, de A. Sérgio
Barroso, Debate Sindical, nº 28, jun/jul/ago 1998.
5) Apud C. A. Barbosa de Oliveira, “A formação do mercado de trabalho no
Brasil” em Economia & Trabalho, Campinas, Unicamp/IE, 1998.
6) Não obstante as várias e recentes iniciativas do governo Lula, quando da
recessão, em meados de 2003, o desemprego na Brasil bateu na casa dos
12% na PEA (IBGE). O investimento produtivo entre 1994 e 2002, durante os
dois governos de FHC, tinha caído de 20,8% do PIB, para 18,7%; enquanto o
capital financeiro teve seus ganhos aumentados em 15% ao ano, no período
1995-2002.
7) A propaganda da demagógica idéia de uma “integração competitiva” da
economia brasileira sofreu de Cláudio S. Maciel (1998) lúcida interpretação: a
especialização industrial de então se caracterizava por: a) redução do valor
agregado em todas as cadeias industriais complexas; b) forte ocupação do
mercado de bens finais por produtos importados; c) eliminação da produção de
especialidades na área química, petroquímica, componentes e bens de capital;
d) perda de rentabilidade de setores competitivos de grande escala (papel,
celulose, siderurgia etc), barrando a sofisticação da linha de produtos.
8) Ver: “A desindustrialização como projeto”, de R. Ricupero, artigo publicado
na Folha de S.Paulo e reproduzido no site Desindustrialização Brasil, junho de
2006.)
(9) Ver a entrevista de Julio Almeida ao Jornal da Ciência (SBPC),
“Economistas alertam para desindustrialização”, 2/6/2006. Almeida é explícito
quanto à origem da desestruturação da economia brasileira: a regressão vem a
partir da “década perdida”.
269
O desenvolvimento travado*
“O problema crucial dos países subdesenvolvidos é o aumento considerável do
investimento, não a fim de gerar uma demanda efetiva - como é o caso numa
economia desenvolvida mas com subemprego – mas para acelerar a expansão
da capacidade produtiva indispensável para o rápido crescimento da renda
nacional” (Kalecki, 1983).
Desinvestimento X Desenvolvimento
270
Com efeito, sabe-se que a China manteve taxas de investimentos de até 45%
do PIB, contra-atacando a maré revolta da “globalização financeira”, o que
transformou Xangai no maior centro industrial do mundo!
Desindustrialização
271
Ocorre ainda que projeções não oficiais advogam ainda que a produção
industrial do país vai encolher 8,5% no acumulado de 2015 e 3,4% no próximo
ano.
272
A involução atual
Tal involução torna o país mais dependente dos preços internacionais das
commodities e reforça sua vulnerabilidade aos “choques negativos externos”.
Enquanto as importações da indústria de transformação aumentaram cerca
de 4 vezes mais do que as exportações entre 2014-2007, se concentrando
principalmente nos setores intensivos em Escala e de Média Alta Tecnologia.
Considerações finais
Nos marcos regressivos ao desenvolvimento, na globalização neoliberal-
financeira, configuram-se simultaneamente megas mudanças tecnológicas
propiciando atingir nova etapa da automação, na nanotecnologia, na robótica,
na inteligência artificial, nos novos padrões energéticos, na neurociência, nos
novos materiais, em novos processos de organização da produção.
273
*Publicado em Jornal dos Economistas/Janeiro 2016 - Corecon Rio de Janeiro
Bibliografia consultada
274
Anotações sobre desindustrialização e desenvolvimento*
04\12\15
Introdução
No Brasil de 2015 enveredamos para menos de 9% na participação da
indústria de transformação no PIB (Produto Interno Bruto). O setor de serviços
já alcança cerca de 60% da mão de obra ocupada. A redução do crescimento
médio anual do PIB per capita, de 4,1% entre 1950 e 1980 para 0,9% de 1981
a 2014 - inferior a 1% ao ano, comprova a desestruturação no período.
A indústria de transformação perde espaço significativo no PIB desde meados
dos anos 1980, caindo dos 32,1% de 1986 para 19,7% do PIB em 1998. Essa
tendência somente começou a ser revertida a partir de 1999 (câmbio flutuante
e desvalorização cambial), atingindo 23,1% em 2004, já durante o governo Lula
(interpretação do IEDI, 2005).
Olhando-se de 1980 para cá, a participação da indústria no PIB caiu de 28%
para 9%; a participação das exportações de manufaturados na exportação total
caiu de 62% em 1990 para 35% em 2014.
275
Em 2014, as exportações representaram 11,5% do PIB. Foi o sexto menor
percentual entre 150 países analisados, segundo dados do Banco Mundial. O
Brasil só ficou à frente de Afeganistão, Burundi, Sudão, República Centro-
Africana e Kiribati. E bem abaixo da média global, de 29,8% do PIB.
Na verdade, observo que esfumaçou-se a ideia - difundida por setores
acadêmicos importantes - de que o ciclo concentrado em 2003-2007
(possibilitador no Brasil de volumosa exportação de commodities, expansão do
crédito e crescimento do consumo, junto à descoberta do pré-sal) era
sustentável e teria dado “adeus” aos velhos nexos desiguais centro-periferia. E,
como veremos, o pêndulo resolutivo da questão, mais uma vez (e similarmente
à passagem dos 1970 aos 1980), oscila sob o terremoto geopolítico-
geoeconômico volta a abalar a condição do projeto ao desenvolvimento
(Barroso)
Por conseguinte, o grande desafio da reversão dos processos que levaram à
desindustrialização relativa no Brasil, ao declínio industrial precoce e ao
desemprego que hoje volta a crescer, está na urgência da ordem do dia.
Traços fundamentais da experiência brasileira
Relembrando, de 1947 a 1980 - contendo as fases consideradas como sendo
“restringida” e “pesada” da industrialização” -, o Brasil obteve taxas anuais de
crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) iguais a 7,1%; onde o produto
industrial atingiu 8,5% médios; a renda per capita alcançou taxas anuais de
4,2%, enquanto a população multiplicou-se por três.
Tomando-se trinta anos (1950-80), verifica-se que o PIB cresceu 6% a.a.,
reconhecidamente um desempenho econômico somente conquistado por um
número muito restrito de países. A elevação do Brasil à invejável posição de 8ª
economia capitalista, comparativamente aos países mais industrializados do
mundo, não era fantasia.
Entre 1970 e 1974 o ritmo de expansão do emprego industrial atingiu o seu
máximo na história, computando o índice de 8,4% ao ano, no país, e 8,6% no
estado de São Paulo. Mesmo sofrendo a crise do “milagre” econômico do
regime militar (desaceleração, 1974-78), observando-se o período de 1971-78,
ainda assim a taxa de crescimento do emprego industrial foi de 5,4%. Mas
resulta daí, como se sabe, uma brutal concentração de renda característica do
padrão de desenvolvimento capitalista no Brasil.
Observe-se então uma (espantosa) particularidade nacional no interior do
movimento da industrialização e do próprio padrão de desenvolvimento:
Segundo o IEDI (6/2003), o Brasil foi o país capitalista que obteve maior taxa
de crescimento econômico do mundo entre 1900-1973: 4,9% ao ano.
Ora, de acordo com as teorias do desenvolvimento no capitalismo, o
desenvolvimento pode ser entendido como: a) o resultado de um prolongado
276
processo de crescimento econômico; b) junto a elevado aumento da
produtividade média e dos salários reais; c) com aceleração a taxa de
investimento para diversificar a estrutura produtiva e o emprego. É isso que
intensifica a industrialização e a urbanização, e exige mudanças progressistas
das estruturas sociais e políticas do país.
Desenvolvimento: Kaldor e o “spillover” tecnológico
Na explicação conceitual concreta de Nicholas Kaldor (1966) acerca da relação
entre mudança estrutural e desenvolvimento econômico, no longo prazo, o
crescimento econômico de um país está fortemente associado ao tamanho
relativo e à diversificação de sua indústria manufatureira. Esta indústria é o
motor da produtividade da economia, porque pode gerar inovações e difundir
os transbordamentos tecnológicos ao restante do sistema econômico.
Noutro ângulo, muitos pesquisadores consideram que, quando se atinge
maturidade, a indústria de transformação diversifica sua estrutura, onde os
bens de capital (máquinas, equipamentos e instalações) atingem entre 30% e
40% de seu produto. Assim há indução e exigência de enorme crescimento e
diversificação dos serviços no comércio, transportes, finanças, saúde,
educação e outros.
Regressão neoliberal: lições de Celso Furtado
Furtado escrevera em Brasil: a construção interrompida: num país em
formação como o Brasil, o domínio dos interesses da grande empresa
transnacional na lógica do ordenamento econômico poderia apontar para a
inviabilização do país como projeto nacional (Furtado, 1992). Seis anos depois
sentenciava Furtado: “Sim. O processo de construção da economia brasileira
foi interrompido, aparentemente porque se acreditou que a globalização exigia
essa interrupção” (Furtado, 1998: 14). Aduziu a seguir que nos encontrávamos
numa situação de “completa falta de percepção histórica. Nosso país estava
em construção, e essa construção foi abandonada”, sublinhou (idem, 1998: 20)
Desindustrialização e especialização regressiva no Brasil.
O processo de desindustrialização é frequentemente assinalados como sendo
parte integrante da “especialização regressiva”, notadamente nos anos 1990
(abertura comercial e financeira), derivando ainda da interpretação que: a) o
Brasil construiu uma matriz industrial complexa: b) a trajetória da
industrialização gerou uma balança comercial estruturalmente deficitária
para bens de alto conteúdo tecnológico; c) o que teve como vetor
essencial políticas de longo ciclos de valorização cambial, associados ao
endividamento externo e aos déficits em conta corrente e baixo
crescimento econômico.
277
liquidação de postos de trabalho (mais de 1,5 milhão durante a década na
indústria manufatureira)” (2001, p. 16).
A involução atual
Evidencia-se a reprimarização da pauta exportadora brasileira, processo
marcado por perda de participação da indústria de transformação nas
exportações em favor do aumento da participação da agricultura e da indústria
extrativa. Em 2014, a participação das exportações da indústria de
transformação foi de 61,6% das exportações totais, ao invés dos 78,2%
registrados em 2006.
Houve avanço dos setores intensivos em recursos naturais e de baixa
tecnologia na pauta exportadora da indústria de transformação. Tais setores
corresponderam a 38,4% da pauta exportadora da indústria de transformação
em 2014 (avanço de 9% na participação apresentada em 2006).
Os setores intensivos em recursos naturais e de baixa tecnologia foram
responsáveis por 69,7% do aumento das exportações da indústria no período
2014-2007. Enquanto os demais setores viram suas exportações se manterem
praticamente estagnadas neste período.
As atividades que concentraram as exportações em 2014 dos setores
intensivos em recursos naturais e de baixa tecnologia foram: (i) Abate e
fabricação de produtos de carne: 31,6%; (ii) Fabricação e refino de açúcar:
17,7%; (iii) Fabricação de óleos e gorduras vegetais e animais: 15,7%.
Esta reprimarização da pauta exportadora torna o país dependente dos preços
externos das commodities e mais vulnerável aos chamados choques negativos
externos.
Por outro lado, as importações da indústria de transformação, que aumentaram
cerca de 4 vezes mais do que as exportações no período 2014-2007, se
concentraram principalmente nos setores intensivos em Escala e de Média Alta
278
Tecnologia.
279
Mudanças perturbadoras e contraditórias
Nos marcos regressivos ao desenvolvimento da globalização neoliberal-
financeira, configuram-se simultaneamente megas mudanças tecnológicas
propiciando atingir nova etapa da automação, na nanotecnologia, na robótica,
na inteligência artificial, nos novos padrões energéticos, na neurociência, nos
novos materiais, em novos processos de organização da produção. É certo,
portanto, que esses novos processos e fenômenos (novas técnicas, novos
conhecimentos, novos aportes científicos) impulsionarão as transformações
produtivas, a concentração e centralização de capitais, a concorrência na
esfera de monopólios e oligopólios, implicando necessariamente no impacto na
renda e no emprego dos trabalhadores, em qualquer parte.
Para o IEDI, o Brasil não teria a tentado ao movimento do cenário internacional,
que fragmentou o sistema de produção e globalizou o comércio internacional,
introduzindo nova lógica para a política de desenvolvimento econômico – a
lógica das cadeias globais de valor (CGV). Tal dinâmica baseia-se na
importação de bens intermediários (semimanufaturados, partes e
componentes), e na agregação de valor por meio de serviços, tecnologia,
concepção e logística para a manufatura e distribuição de forma global.
Portanto, no debate em torno da questão da desindustrialização no Brasil,
existem importantes aspectos associados às mudanças observadas na
economia mundial que ficaram de fora deste enfoque. A importância de melhor
compreender essas mudanças reside no fato de que a sua profundidade as
tornam elementos fundamentais e necessários para discutir uma estratégia
mais ampla de desenvolvimento da estrutura produtiva brasileira.
A intensificação da concorrência em nível global significou para as empresas
líderes uma estrutura mais flexível e mais focada no domínio e controle sobre
ativos intangíveis (softwares; licenças; marcas patentes, direitos autorais;
direitos de exibição de filmes), ao mesmo tempo em que parte considerável das
atividades produtivas mais commoditizadas foram segmentadas, externalizadas
e transferidas para países em desenvolvimento, especialmente na região
asiática.
A combinação dessas estratégias com políticas ativas de desenvolvimento por
parte de alguns destes países, com destaque para a China, criou um ambiente
onde surgiram novos competidores com capacitações produtivas e
manufatureiras (produção com baixo custo em diversos setores e etapas das
cadeias produtivas), ao mesmo tempo em que as empresas líderes globais dos
países centrais acentuam seu esforço para desenvolver, adquirir e dominar os
ativos chave, capazes de manter o comando sobre as cadeias de valor
internacionais, reforçando barreiras à entrada dos países em desenvolvimento
(ou subdesenvolvidos) nessa dimensão superior.
Coloca-se, portanto, a dificuldade de enfrentar a concorrência em custo
bastante acirrada, liderada especialmente pela produção chinesa, mas que
envolve outros produtores asiáticos, que combinam custos de mão-de-obra,
escala, câmbio, e incentivos governamentais bastante potentes.
280
Obstáculos e respostas
De outra parte, a competição é reforçada pelas empresas líderes dos
oligopólios globais que lançam mão de seu gigantismo mundial para reforçar
ativos, em especial os intangíveis, como marcas, canais de comercialização e
capacitações tecnológicas, capazes de comandar “cadeias de valores globais,
com maior flexibilidade em seu comprometimento de recursos”. Esse ambiente
de concorrência acirrada se tornou ainda mais feroz depois do início da crise
global em 2007-2008.
O lento/estagnado crescimento da demanda mundial a partir de então
tem tornado a busca por mercados e a necessidade de ocupação de
capacidade uma alavanca poderosa para estimular a competição e a
mobilização de vários instrumentos para a conquista de mercados por
parte de empresas e países.
Além disso, uma das consequências da crise foi a crescente discussão
dentro de diferentes países sobre a necessidade de retomar de maneira
mais firme a capacidade de produção manufatureira e o avanço da
inovação em áreas consideradas estratégicas.
Os países capitalistas centrais, em especial, tentam estimular o
desenvolvimento de novos setores, mercados e áreas tecnológicas. O
desafio portanto, certamente ultrapassa o que se estabelece apenas a
partir da constatação da desindustrialização no Brasil. Ademais, fatores
apontados como solução por economistas conservadores ou neoliberais,
como elevar a poupança interna, condicionar a elevação de salários ao
aumento da produtividade e realizar maior abertura comercial, evidente
que não dão conta do problema.
Da mesma maneira, uma mudança da taxa de câmbio compatível com o
equilíbrio industrial - questão crucial e sempre defendida por nós -,
parece ser uma condição necessária, mas não suficiente, para
enfrentar os desafios que acompanham as alterações advindas com a
globalização neoliberal.
Aumentar a atividade e investimento em inovação e elevar a
participação de setores mais intensivos em tecnologia na estrutura
industrial, é igualmente fundamental, mas a questão principal é como,
que estratégia deve ser usada para atingir este objetivo, dada as
mudanças que vem ocorrendo na estrutura produtiva do capitalismo
global.
Considerações finais
Assim, nessas linhas gerais que enfatizam o novo cenário produtivo global,
exige-se avaliação ajustada da posição relativa do país frente às
transformações nos vários setores e cadeias produtivas mundiais, das
capacitações existentes e potenciais no sistema produtivo nacional, assim
como da adequação ou não dos instrumentos e da institucionalidade presente
hoje dentro da política industrial, científica e tecnológica para fazer frente a este
cenário de grandes obstáculos (externos e internos).
281
Noutras palavras, mudanças para uma política macroeconômica adequada
(cambial pró-crescimento, monetária e fiscal), no curto prazo, seguidas de
retomada de uma política industrial, científica e tecnológica de longo prazo,
ainda assim terão que se defrontar com as mudanças no capitalismo global, de
maneira similar às grandes mudanças ocorridas com àquelas da passagem dos
anos 1970-80. Redefinir e reforçar ainda a ampliação dos horizontes de
integração produtiva e de comércio exterior com a América do Sul (não apenas
com o Mercosul). [este último é um dos raros ponto da pauta de
reindustrialização da FIESP que não são entreguistas e extremamente lesivos
aos direitos dos trabalhadores]
Como bem disse Luis Fernandes, no recente Seminário da FINEP
(Desenvolvimento Produtivo e Inovativo - Oportunidades e Novas Políticas), no
Brasil, “a industrialização avançou muito, mas o desenvolvimento científico
tecnológico não acompanhou esse crescimento na mesma proporção”; houve
uma desconexão sistêmica, com baixo nível de integração entre os dois
processos”. Quem alertou ainda para a urgente recomposição da capacidade
de financiamento do setor, particularmente do Fundo Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Para o presidente do
Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), Mariano Laplane, é preciso
reconhecer que o País avançou, mas é preciso ir além: “Não podemos parar no
ponto a que chegamos. Existem novos desafios, novas restrições”.
*Publicado em Portal da CTB (Central dos Trabalhadores e das Trabalhadoras
do Brasil), 04\12\2015
Bibliografia consultada
Barroso, A. Sérgio. “Desenvolvimento e desindustrialização”, Princípios, edição
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Cano, Wilson. “A desindustrialização no Brasil”, Unicamp, Textos para a
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FIESP, janeiro 2015, “Desempenho do saldo comercial brasileiro”, José
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Furtado, Celso. “Brasil: a construção interrompida”. Rio de Janeiro, Paz e
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Entrevista de Celso Furtado, in: Visões da crise, Rio de Janeiro, Contraponto,
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Hiratuka, Célio / Sarti, Fernando. “Transformações na estrutura produtiva
global, desindustrialização e desenvolvimento industrial no Brasil: uma
contribuição ao debate” - Texto para Discussão. IE/Unicamp, Campinas, n. 255,
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282
IEDI. “Manufaturas: O Brasil está se tornando um exportador marginal”,
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Tavares, Maria da C. e Belluzzo, Luiz G. M. “Desenvolvimento no Brasil –
Relembrando um velho tema”. Texto ao Convênio IPEA/CEPAL, São Paulo,
6/4/2001.
283
No Brasil de 2015 enveredamos para menos de 9% na participação da
indústria de transformação no PIB (Produto Interno Bruto). O setor de
serviços já alcança cerca de 60% da mão de obra ocupada. A redução
do crescimento médio anual do PIB per capita, de 4,1% entre 1950 e
1980 para 0,9% de 1981 a 2014 - inferior a 1% ao ano, comprova a
desestruturação no período.
A indústria de transformação perde espaço significativo no PIB desde
meados dos anos 1980, caindo dos 32,1% de 1986 para 19,7% do PIB
em 1998. Essa tendência somente começou a ser revertida a partir de
1999 (câmbio flutuante e desvalorização cambial), atingindo 23,1% em
2004, já durante o governo Lula (interpretação do IEDI, 2005).
Olhando-se de 1980 para cá, a participação da indústria no PIB caiu de
28% para 9%; a participação das exportações de manufaturados na
exportação total caiu de 62% em 1990 para 35% em 2014.
Em 2014, as exportações representaram 11,5% do PIB. Foi o sexto
menor percentual entre 150 países analisados, segundo dados do
Banco Mundial. O Brasil só ficou à frente de Afeganistão, Burundi,
Sudão, República Centro-Africana e Kiribati. E bem abaixo da média
global, de 29,8% do PIB.
284
Tomando-se trinta anos (1950-80), verifica-se que o PIB cresceu 6%
a.a., reconhecidamente um desempenho econômico somente
conquistado por um número muito restrito de países. A elevação do
Brasil à invejável posição de 8ª economia capitalista, comparativamente
aos países mais industrializados do mundo, não era fantasia.
Entre 1970 e 1974 o ritmo de expansão do emprego industrial atingiu o
seu máximo na história, computando o índice de 8,4% ao ano, no país, e
8,6% no estado de São Paulo. Mesmo sofrendo a crise do “milagre”
econômico do regime militar (desaceleração, 1974-78), observando-se o
período de 1971-78, ainda assim a taxa de crescimento do emprego
industrial foi de 5,4%. Mas resulta daí, como se sabe, uma brutal
concentração de renda característica do padrão de desenvolvimento
capitalista no Brasil.
Observe-se então uma (espantosa) particularidade nacional no interior
do movimento da industrialização e do próprio padrão de
desenvolvimento: Segundo o IEDI (6/2003), o Brasil foi o país capitalista
que obteve maior taxa de crescimento econômico do mundo entre 1900-
1973: 4,9% ao ano.
Ora, de acordo com as teorias do desenvolvimento no capitalismo, o
desenvolvimento pode ser entendido como: a) o resultado de um
prolongado processo de crescimento econômico; b) junto a elevado
aumento da produtividade média e dos salários reais; c) com aceleração
a taxa de investimento para diversificar a estrutura produtiva e o
emprego. É isso que intensifica a industrialização e a urbanização, e
exige mudanças progressistas das estruturas sociais e políticas do país.
Na explicação conceitual concreta de Nicholas Kaldor (1966) acerca da
relação entre mudança estrutural e desenvolvimento econômico, no
longo prazo, o crescimento econômico de um país está fortemente
associado ao tamanho relativo e à diversificação de sua indústria
manufatureira. Esta indústria é o motor da produtividade da economia,
porque pode gerar inovações e difundir os transbordamentos
tecnológicos ao restante do sistema econômico.
285
comercial estruturalmente deficitária para bens de alto conteúdo
tecnológico; c) o que teve como vetor essencial políticas de longo
ciclos de valorização cambial, associados ao endividamento
externo e aos déficits em conta corrente e baixo crescimento
econômico.
286
Escala e de Média Alta Tecnologia.
287
Configuram-se atualmente megas mudanças tecnológicas propiciando atingir
nova etapa da automação, na nanotecnologia, na robótica, na inteligência
artificial, nos novos padrões energéticos, na neurociência, nos novos materiais,
em novos processos de organização da produção. É certo, portanto, que esses
novos processos e fenômenos (novas técnicas, novos conhecimentos, novos
aportes científicos) impulsionarão as transformações produtivas, a
concentração e centralização de capitais, a concorrência na esfera de
monopólios e oligopólios, implicando necessariamente no impacto na renda e
no emprego dos trabalhadores, em qualquer parte.
Para o IEDI, o Brasil não teria a tentado ao movimento do cenário
internacional, que fragmentou o sistema de produção e globalizou o
comércio internacional, introduzindo nova lógica para a política de
desenvolvimento econômico – a lógica das cadeias globais de valor
(CGV). Tal dinâmica baseia-se na importação de bens intermediários
(semimanufaturados, partes e componentes), e na agregação de valor
por meio de serviços, tecnologia, concepção e logística para a
manufatura e distribuição de forma global.
Portanto, no debate em torno da questão da desindustrialização no
Brasil, existem importantes aspectos associados às mudanças
observadas na economia mundial que ficaram de fora deste enfoque. A
importância de melhor compreender essas mudanças reside no fato de
que a sua profundidade as tornam elementos fundamentais e
necessários para discutir uma estratégia mais ampla de
desenvolvimento da estrutura produtiva brasileira.
A intensificação da concorrência em nível global significou para as
empresas líderes uma estrutura mais flexível e mais focada no domínio
e controle sobre ativos intangíveis (softwares; licenças; marcas patentes,
direitos autorais; direitos de exibição de filmes), ao mesmo tempo em
que parte considerável das atividades produtivas mais commoditizadas
foram segmentadas, externalizadas e transferidas para países em
desenvolvimento, especialmente na região asiática.
A combinação dessas estratégias com políticas ativas de
desenvolvimento por parte de alguns destes países, com destaque para
a China, criou um ambiente onde surgiram novos competidores com
capacitações produtivas e manufatureiras (produção com baixo custo
em diversos setores e etapas das cadeias produtivas), ao mesmo tempo
em que as empresas líderes globais dos países centrais acentuam seu
esforço para desenvolver, adquirir e dominar os ativos chave, capazes
de manter o comando sobre as cadeias de valor internacionais,
reforçando barreiras à entrada dos países em desenvolvimento (ou
subdesenvolvidos) nessa dimensão superior.
Coloca-se, portanto, a dificuldade de enfrentar a concorrência em custo
bastante acirrada, liderada especialmente pela produção chinesa, mas
que envolve outros produtores asiáticos, que combinam custos de mão-
de-obra, escala, câmbio, e incentivos governamentais bastante potentes.
288
De outra parte, a competição é reforçada pelas empresas líderes dos
oligopólios globais que lançam mão de seu gigantismo mundial para
reforçar ativos, em especial os intangíveis, como marcas, canais de
comercialização e capacitações tecnológicas, capazes de comandar
“cadeias de valores globais, com maior flexibilidade em seu
comprometimento de recursos”. Esse ambiente de concorrência acirrada
se tornou ainda mais feroz depois do início da crise global em 2007-
2008.
O lento/estagnado crescimento da demanda mundial a partir de então
tem tornado a busca por mercados e a necessidade de ocupação de
capacidade uma alavanca poderosa para estimular a competição e a
mobilização de vários instrumentos para a conquista de mercados por
parte de empresas e países.
Além disso, uma das consequências da crise foi a crescente discussão
dentro de diferentes países sobre a necessidade de retomar de maneira
mais firme a capacidade de produção manufatureira e o avanço da
inovação em áreas consideradas estratégicas.
Os países capitalistas centrais, em especial, tentam estimular o
desenvolvimento de novos setores, mercados e áreas tecnológicas. O
desafio portanto, certamente ultrapassa o que se estabelece apenas a
partir da constatação da desindustrialização no Brasil. Ademais, fatores
apontados como solução por economistas conservadores ou neoliberais,
como elevar a poupança interna, condicionar a elevação de salários ao
aumento da produtividade e realizar maior abertura comercial, evidente
que não dão conta do problema.
Da mesma maneira, uma mudança da taxa de câmbio compatível com o
equilíbrio industrial - questão crucial e sempre defendida por nós -,
parece ser uma condição necessária, mas não suficiente, para
enfrentar os desafios que acompanham as alterações advindas com a
globalização neoliberal.
Aumentar a atividade e investimento em inovação e elevar a
participação de setores mais intensivos em tecnologia na estrutura
industrial, é igualmente fundamental, mas a questão principal é como,
que estratégia deve ser usada para atingir este objetivo, dada as
mudanças que vem ocorrendo na estrutura produtiva do capitalismo
global.
Considerações finais
Assim, nessas linhas gerais que enfatizam o novo cenário produtivo
global, exige-se avaliação ajustada da posição relativa do país frente às
transformações nos vários setores e cadeias produtivas mundiais, das
capacitações existentes e potenciais no sistema produtivo nacional,
assim como da adequação ou não dos instrumentos e da
institucionalidade presente hoje dentro da política industrial, científica
289
e tecnológica para fazer frente a este cenário de grandes obstáculos
(externos e internos).
Noutras palavras, mudanças para uma política macroeconômica
adequada (cambial pró-crescimento, monetária e fiscal), no curto
prazo, seguidas de retomada de uma política industrial, científica e
tecnológica de longo prazo, ainda assim terão que se defrontar com as
mudanças no capitalismo global, de maneira similar às grandes
mudanças ocorridas com àquelas da passagem dos anos 1970-80.
Redefinir e reforçar ainda a ampliação dos horizontes de integração
produtiva e de comércio exterior com a América do Sul (não apenas com
o Mercosul). [este último é um dos raros ponto da pauta de
reindustrialização da FIESP que não são entreguistas e extremamente
lesivos aos direitos dos trabalhadores]
Como bem disse Luis Fernandes, no recente Seminário da FINEP
(Desenvolvimento Produtivo e Inovativo - Oportunidades e Novas
Políticas), no Brasil, “a industrialização avançou muito, mas o
desenvolvimento científico tecnológico não acompanhou esse
crescimento na mesma proporção”; houve uma desconexão sistêmica,
com baixo nível de integração entre os dois processos”. Quem alertou
ainda para a urgente recomposição da capacidade de financiamento
do setor, particularmente do Fundo Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (FNDCT). Para o presidente do Centro de
Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), Mariano Laplane, é preciso
reconhecer que o País avançou, mas é preciso ir além: “Não podemos
parar no ponto a que chegamos. Existem novos desafios, novas
restrições”.
*Escrito em dezembro de 2015, texto não publicado
Bibliografia consultada
Barroso, A. Sérgio. “Desenvolvimento e desindustrialização”, Princípios, edição
85, junho, 20006.
http://grabois.org.br/portal/cdm/revista.int.php?
id_sessao=50&id_publicacao=195&id_indice=1624
Cano, Wilson. “A desindustrialização no Brasil”, Unicamp, Textos para a
discussão, dezembro 2012.
FIESP, janeiro 2015, “Desempenho do saldo comercial brasileiro”, José
Ricardo R. Coelho, vice-presidente da FIESP
Hiratuka, Célio / Sarti, Fernando. “Transformações na estrutura produtiva
global, desindustrialização e desenvolvimento industrial no Brasil: uma
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contribuição ao debate” - Texto para Discussão. IE/Unicamp, Campinas, n. 255,
jun. 2015) file:///C:/Users/aloi/Downloads/TD255%20
IEDI. “Manufaturas: O Brasil está se tornando um exportador marginal”,
novembro de 2015.
291