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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ

DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DISCIPLINA: GEOGRAFIA POLÍTICA.


PROF.: JONAS PASTANA DA SILVA.
ALUNO: FRANCISCO SENA BARBOSA DE ALMEIDA
DATA: 11/07/2023

RESENHA CRÍTICA DO CAPÍTULO “O PODER” DO LIVRO “POR UMA


GEOGRAFIA DO PODER” DE CLAUDE RAFFESTIN:

OBJETIVOS DO CAPÍTULO:

Ao longo do livro “Por uma Geografia do Poder”, Claude Raffestin registra com
frequência o fato de que o poder se trata de um objeto gerador de discussões que se
completam lentamente, cujos conceitos e conclusões se constituem como “fotografias” de
determinado momento histórico. Raffestin também busca uma diferenciação de teóricos da
Geografia Política clássica, ramo ao qual direciona incisivas críticas, em principal a Friedrich
Ratzel. Sua principal defesa, obviamente, volta-se ao poder e às concepções que o rodeiam.
Para ele, o que se pode considerar real é o exercício de poder, e não sua posse ou aquisição.
Como uma de suas bases referenciais, emprega as visões de Michael Foucault a respeito do
poder; o que fortalece uma das urgências indicadas por Camille Vallaux: a separação entre
fenômenos sociais e naturais na área das ciências sociais.

Raffestin inicia o capítulo com um comentário sobre as inquietações teóricas em torno


do conceito de “poder”. Segundo o autor, visto que é constituído por atos e decisões marcados
por particular complexidade, representa-se mal. No entanto, sugere que aproximações sejam
perseguidas por meio da teoria.
São apontadas duas definições fundamentais do termo: “Poder com ‘P’ maiúsculo” e
“poder com ‘p’ minúsculo”. O primeiro é observado na relação de submissão de cidadãos a
determinado Estado; o que se realiza por meio de aparelhos e instituições. Seria essa uma
forma evidente e concreta de poder, aquela que desperta temor e alerta nos que notam sua
presença; o que torna mais fácil a sua identificação. De acordo com Raffestin, a concepção
unidimensional do poder (promovida por Ratzel) trouxe limitações e atrasos ao campo da
Geografia Política. O segundo, por sua vez, encontra-se presente em todas as ações e áreas do
cotidiano humano. Portanto, consideram-se irracionais as tentativas de identificá-lo em pontos
isolados. Como instrumento, é evidentemente inserido em posição de vileza pelo autor, o qual
o considera “insidioso” e aproveitador de situações de instabilidade para conquistar ascensão.
Para Raffestin, essa manifestação esconde-se atrás do “Poder”, “tanto melhor quanto maior
for a sua presença em todos lugares”.

Raffestin destaca, entretanto, que o tipo mais perigoso de poder é justamente o


invisível (ou aquele que se acredita ter exterminado). O movimento de poder ocorre em meio
à relação entre dois polos que se confrontam ou se constituem como adversários. Dessarte,
conclui-se que as relações, por si só, são geradoras de poder. Tal processo é reconhecido
como de troca ou de comunicação. Quantos às forças à sua disposição, diz-se que compõem o
chamado campo de poder.

A respeito do conceito de poder, a fim de agregar à sua argumentação e de que seja


integrada a outras áreas do conhecimento além da Geografia, Raffestin emprega a visão de
Michael Foucault. São colocados cinco pontos principais: 1- não se pode adquirir o poder,
mas sim exercê-lo a partir de um sem-número de fontes; 2- as relações de poder não são
estranhas às demais relações (econômicas e sociais, por exemplo), uma vez que se encontram
interligadas umas às outras; 3- o poder vem de baixo — o que implica a inexistência de um
contexto binário de “dominador” e “dominado” —; 4- a intencionalidade e a não
subjetividade dão caráter às relações de poder; 5- onde houver poder, haverá resistência. O
autor reconhece que a resistência indica a dissimetria característica das relações de poder,
assim como comenta sobre a intencionalidade legitimar as finalidades de determinado projeto
geopolítico.

Importa mencionar que Raffestin desaprova distinções conceituais de poder, como


político, econômico e cultural, por exemplo. Segundo ele, o poder mantém conexões íntimas
com a manipulação dos “fluxos que atravessam e desligam a relação”. São eles: a energia e a
informação. Considera-se manipulação, nesse contexto, a “formação, acumulação,
combinação e circulação da energia e da informação”, processos decorrentes de um dado
campo relacional. Tais elementos são definitivamente interdependentes um do outro. A
combinação de energia e informação garante a existência do espaço-tempo relacional e forma
o próprio poder.

Em reflexões sobre influência, autoridade e poder, conclui que a persuasão é


instrumento fundamental para o exercício de influência, diferentemente do que tange ao poder
(cujo recurso volta-se à coerção). Portanto, evidencia-se a diferença em cada meio utilizado.

Ao dar continuidade à reflexão anterior, Raffestin recorre à obra de Etzioni. Segundo


esse autor, as sanções físicas dão base ao poder coercitivo. O poder remunerador encontra
fundamento no controle da materialidade. E, por sua vez, o poder normativo volta-se à
manipulação dos recursos constituídos por simbolismo. De acordo com Raffestin, há uma
variabilidade quanto à força dos componentes energético e informacional. Existem, portanto,
poderes com forte componente energético e outros com forte componente informacional.
Respectivamente, são dados os exemplos da relação entre guarda e prisioneiro e do fiel com
sua igreja.

De volta a Foucault, o autor corrobora a ideia de que em todo ponto de exercício do


poder localiza-se também os fluxos que originam o saber. Portanto, tanto a energia pode gerar
informações quanto a informação pode possibilitar a liberação de energia em forma de força.

Mais uma vez, em discordância direcionada a Ratzel, Raffestin, com referência de


Lapierre, desconhece o caráter natural da capacidade de transformação dos homens. Isso se dá
por meio de trabalho; o que se considera vetor mínimo e original dessa equação. O trabalho,
segundo o autor, atribui significado ao sujeito e ultrapassa sua própria existência. Por meio de
Marx, expõe sua visão de que o trabalho causa o apodrecimento das demais relações sociais.

À sua maneira, detalha a apropriação do trabalho, que ocasionaria em sua destruição e


submissão a uma dicotomia separadora de energia e informação. Como exemplo, aponta a
“primeira fissura social”, a qual ocorre quando organizações realizam a referida separação.
Tal cenário, portanto, priva os indivíduos de suas capacidades transformativas. Segundo o
autor, a distinção entre trabalho manual e intelectual expressa muito bem essa fissura. Em
decorrência desse processo, observa-se a alienação de trabalho, contexto em que organizações
agem em prol da cristalização dos produtos do trabalho (output, nesse caso). Assim, garante-
se lugar e meios para a projeção dos chamados trunfos de poder.

São três os trunfos de poder elencados por Raffestin: a população, o território e os


recursos. A população origina o poder, principalmente pelo fato de que dela partem as ações
mobilizadoras. O território, cena do poder, abriga a população. O autor o considera como uma
potencialidade voltada às estratégias necessárias elaboradas pelas populações. Já os recursos
são essenciais para definir os horizontes da ação. Assim, torna-se possível prever e,
posteriormente, chegar aos alcances estabelecidos.

Para Raffestin, o conflito entre dois Estados envolve, além da ambição por território, o
objetivo de controle de populações e/ou recursos. Em tal cenário, vê-se frente a jogos de soma
nula. Das populações partem as ações mobilizadoras e origina-se o poder em si. Sem elas, os
territórios nada mais são do que dados estáticos que representam potencialidades. Quanto aos
recursos, são essenciais para definir os horizontes da ação. Com maior eficácia e amplitude,
torna-se possível prever e, posteriormente, chegar aos alcances estabelecidos.

A posse de trunfos complementares, segundo Raffestim, não se faz necessária para


turbinar o poder. Pode-se apenas acessá-los e neutralizá-los, por exemplo. Nesse contexto,
dado que é comum a visão à extrema simplicidade, os símbolos dos trunfos tornam-se
bastante atrativos. Portanto, o jogo com símbolos é idealizado. Apesar da facilidade, esse
sistema pode levar à fragilização do poder. Segundo o autor, há o crescimento da distância
entre o trunfo real e o imaginário. Dessa forma, tornam-se perigosas as decisões e tudo o que
envolve os modelos os quais destoam da realidade. A deformação de percepções leva,
inevitavelmente, ao processo de desestruturação, fase final de uma série de decisões
ineficazes ou catastróficas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Pode-se dizer que a perspectiva de Raffestin em relação ao poder possui caráter


centrado na realidade. Por exemplo, o autor apresenta os riscos decorrentes da perigosa
fixação em trunfos imaginários de poder. Busca na filosofia e em outras áreas, como nas artes
(a exemplo da obra que estampa a capa do livro), interpretações que podem acrescentar valor
às teorizações em Geografia.
REFERÊNCIAS

HARVEY, David. A PRODUÇÃO CAPITALISTA DO ESPAÇO. / David Harvey. – 2.


Edição. – São Paulo: Anablune, 2006.

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