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LUIS E. R. ESTENSSORO
O PROBLEMA E O MÉTODO
O problema do poder está colocado centralmente na obra de
Foucault. Embora ele talvez não se considere um teórico do poder, um
cientista político, a sua análise opera com um conceito de poder que reprime e
limita, um poder que constrói um sistema de submissão de agentes, mas que
também constrói subjetividades. Subjetividades, identidades, sujeitos
alternativos ao “sujeito homem” que estrutura o pensamento na cultura
ocidental. Ora, é a própria evolução social do sujeito universal, que se
transforma e se desintegra para depois reconciliar-se, que permite a existência
de sujeitos alternativos. Cria-se então uma pluralidade que desconstrói a
“prisão” da unicidade do soberano, assim como desconstrói o “hospital” da
unidade da identidade.
“Trata-se não mais de pensar o homem a partir do
próprio homem, senão de examinar os modos de objetivação
do sujeito, ou seja, as operações discursivas pelas quais o
indivíduo se constitui a si próprio como louco, delinquente,
doente, etc. A principal consequência desse empreendimento
filosófico reside na abertura do pensamento a um novo
espaço: o de pensar como, em uma cultura como a nossa, se
instituem relações de alteridade e se realizam os
intercâmbios entre diferença e identidade”2
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3 Foucault, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro, Graal, 1979, Cap. XVI.
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Vê-se então que o poder não tem finalidade e não tem fim. Não
há contra poder, há apenas resistência, e resistência é poder. O poder não é
somente instância institucional, é uma rede produtiva que atravessa toda a
sociedade: não é poder político (inerente ao sistema político e ao Estado), mas
um poder social.
Para Machado, não existe, em Foucault, uma teoria geral do
poder. O que significa dizer que suas análises não consideram o poder como
uma realidade que possua uma natureza, uma essência que ele procuraria
definir por suas características universais.
“Não existe algo unitário e global chamado poder, mas
unicamente formas díspares, heterogêneas, em constante
transformação. O poder não é um objeto natural, uma coisa;
é uma prática social e, como tal, constituída historicamente.
(...) O que aparece como evidente é a existência de formas de
exercício do poder diferentes do Estado, a ele articuladas de
maneiras variadas e que são indispensáveis inclusive à sua
sustentação e atuação eficaz. (...) Poder que intervém
materialmente, atingindo a realidade mais concreta dos
indivíduos - o seu corpo - e que se situa ao nível do próprio
corpo social, e não acima dele, penetrando na vida cotidiana
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5 Machado, Roberto. “Por uma genealogia do Poder”. In: Foucault, Michel. Microfísica do Poder. Rio de
Janeiro, Graal, 1979, pp. X-XII.
6 Dreyfus, Hubert e Rabinow, Paul. Michel Foucault. Uma trajetória filosófica. Para além do estruturalismo e da
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POBREZA E INTERNAMENTO
Como vimos, a medicina moderna é uma prática social que tem
como pano de fundo uma certa tecnologia disciplinar sobre o corpo social, ou
seja, “a medicina é uma estratégia biopolítica”. Esquematicamente, pode-se dizer
que até o fim do século XVII os encargos coletivos da doença eram realizados
pela assistência aos pobres, sendo que a medicina entendida e exercida como
“serviço”, e esta foi apenas uma das componentes dos “socorros”. Ela se
7 Op. Cit., p. 169.
8 Idem, pp. 170-171.
9 Machado (1979), Op. Cit., p. IX.
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Foi somente no século XIX que o pobre apareceu como perigo por
razões políticas, pois com as revoluções, os pobres tornaram-se força política. O
pobre torna-se também descartável por razões práticas, uma vez que se
organizam os correios, um sistema de carregadores, etc., que substituem os
serviços feitos pelos pobres. A partir daí o espaço urbano passa a ser dividido
em espaços ricos e pobres, pois a coabitação de pobres e ricos torna-se um
perigo sanitário e político para a cidade. É nesse contexto que surge a medicina
social na Inglaterra, como fruto de um ordenamento legal da sociedade,
promovido pelo Estado, utilizando-se das organizações eclesiásticas para
administrar a questão social relativa à pobreza. Assim, com as Leis dos
Pobres14 (Poor Laws) a medicina social se transfigura em assistência social.
13Idem, p. 93-94.
14 “A compulsory system of poor relief was instituted in England during the reign of Elizabeth I. (...)
Perhaps the first English poor law legislation was enacted in 1536, instructing each parish to undertake
voluntary weekly collections to assist the “impotent” poor. The parish had been the basic unit of local
government since at least the fourteenth century, although Parliament imposed few if any civic functions
on parishes before the sixteenth century. Parliament adopted several other statutes relating to the poor in
the next sixty years, culminating with the Acts of 1597-98 and 1601 (43 Eliz. I c. 2), which established a
compulsory system of poor relief that was administered and financed at the parish (local) level. These
Acts laid the groundwork for the system of poor relief up to the adoption of the Poor Law Amendment
Act in 1834. (...) Parliament in 1723 adopted the Workhouse Test Act, which empowered parishes to deny
relief to any applicant who refused to enter a workhouse.” Boyer, George. English Poor Laws. Cornell
University. http://eh.net/?s=poor+laws. Acessado em 01/10/2017.
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15 Foucault, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro, Graal, 1995, pp. 95-97.
16 Op. Cit., p. 49.
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17 Foucault, Michel. História da Loucura. São Paulo, Perspectiva, 1997, pp. 3-6.
18 Op. Cit., p. 55.
19 Idem, p. 56.
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20 Idem, p. 58-59.
21 Idem, pp. 60-61.
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25 Idem, p. 74-75.
26 Idem, pp. 78-79.
27 Idem, p. 98.
28 Idem, p.102.
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29 Lautier, Bruno e Salama, Pierre. “De L’Histoire de la Pauvreté en Europe a la Pauvreté dans le Tiers
Monde”. Revue Tiers Monde, t. XXXVI, nº 142, abr/jun 1995, p. 246.
30 Op cit., p. 246.
31 Idem, p. 248.
32 Idem, pp. 249-251.
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33 Idem, p. 251.
34 Idem, pp. 252-254.
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dos direitos humanos promulgados pela ONU em 1948; no Brasil eles foram
incorporados por meio da Constituição Nacional de 1988. No entanto, a
defasagem entre a palavra escrita na Lei e a desigualdade, pobreza, e injustiças
existentes na realidade concreta são claras e evidentes. É nesse sentido que
podemos nos referir ao campo social e às políticas sociais como “estratégias de
despolitização das desigualdades”. De fato, a Lei dá margem para que haja
controvérsias sobre a validade de um ordenamento jurídico rodeado de
iniquidades por todos os lados, e, em decorrência disto, também pode-se
questionar a função que o Direito e a Justiça exercem na sociedade enquanto
alicerces de um Estado que “administra a pobreza” por meio de política sociais
e políticas econômicas. Os modelos alternativos de ordenamento social, contudo,
têm-se mostrado precários e ineficazes para permitir uma progressão viável
em direção a uma situação melhor.
Porém, há quem entenda que seja possível “reativar o sentido
político inscrito nos direitos sociais”. Pois, para além das garantias formais
inscritas na Lei, “os direitos estruturam uma linguagem pública que baliza os
critérios pelos quais os dramas da existência são problematizados em suas
exigências de equidade e justiça. ”35 Segundo Telles, esta “operação social”
ocorre quando os valores universais e abstratos penetram na realidade concreta por
meio de normas, leis e regulamentos que estruturam as relações sociais. Assim,
não tanto pelo discurso humanitário que cerca os movimentos sociais, ou pelo
discurso sociológico-técnico a respeito da pobreza, mas sobretudo pelo “poder
de desestabilização de consensos estabelecidos”, que se dá quando os próprios
pobres aparecem na cena política como cidadãos, é que se pode esperar
reativar as exigências de igualdade e justiça.
Em outras palavras, quando os próprios pobres surgem como “sujeitos
falantes” é que se pode questionar o consenso em torno da medida de equidade e da
regra da justiça das relações sociais, ao criar um conflito que consiste na própria cifra
do “mundo comum” em que vivemos, isto é, este conjunto de referências partilhadas
pela pluralidade de discursos e ações nas esferas públicas da sociedade.
“E é também por referência a esse ‘mundo comum’
ampliado pela presença polêmica de sujeitos falantes, que
talvez se tenha uma chave para compreender o sentido da
forte alteridade política, que não é a mesma coisa que o
princípio liberal da pluralidade, e que vai além da genérica
asserção do ‘reconhecimento das diferenças’. ” 36
35 Telles, Vera da Silva. “Direitos Sociais: afinal de que se trata? ”. Revista USP, São Paulo, nº 37, mar/mai
1998, p. 38.
36 Op. cit., p. 42.
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37 Habermas, Jürgen. O Discurso Filosófico da Modernidade. Lisboa, Dom Quixote, 1990, p. 230.
38 Op. Cit., p. 233.
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PODER E HIPOCRISIA
Foucault, analisando as tecnologias de dominação que surgiram na
Época Clássica (época do absolutismo) e na Idade Moderna (desde o fim do
século XVIII), detecta que o complexo do poder se concentrou primeiramente
na soberania do Estado como monopolizador da força, para depois
sedimentar-se na linguagem jurídica do direito natural moderno que opera
com os conceitos fundamentais de contrato e Lei. Nas palavras de Habermas, o
que Foucault encontra encoberto na proteção oficial de discursos jurídicos
relativos à soberania do Estado, é o começo de uma biopolítica que se forja
gradualmente:
“A verdadeira tarefa das teorias absolutistas do Estado é
menos a legitimação dos direitos humanos que a
fundamentação da concentração de toda a força nas mãos do
soberano. A este compete erguer um aparelho centralizado
da administração pública e favorecer um saber
organizacional útil à administração. O objecto desta nova
necessidade de saber não é o cidadão com seus direitos e
deveres, mas o subdito com o seu corpo e a sua vida,
necessidade que começa por se contentar com o
conhecimento das finanças públicas e a estatística de
nascimentos e mortes, a doença e a criminalidade, trabalho e
comunicações, bem-estar e indigência das populações. Para
Foucault encontram-se já aqui os começos de uma biopolítica
que se forja gradualmente a coberto da protecção oficial de
discursos jurídicos relativos à soberania do Estado. ”39
39 Idem, 255.
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40 Idem, p. 245.
41 Idem, p. 246.
42 Idem, p. 254-255.
43 Idem, p. 260.
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50 Idem, p. 265.
51 Idem Ibidem.
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no processo de produção, cuja fórmula é: S=P/V. Onde (P) é o lucro e (V) é o capital variável. A taxa de
mais-valia, portanto, calcula-se tendo em conta o valor das mercadorias e o valor da força de trabalho. O valor
das mercadorias se refere à esfera da produção. A tecnologia diminui a necessidade de capital variável.
56 A rentabilidade é, basicamente, a taxa de lucro (R) dos empreendimentos capitalistas, expressa pela
fórmula: R=P/(C+V), onde (P) é o lucro, (C) é o capital constante e (V) é o capital variável. A taxa de lucro
depende do preço das mercadorias e do salário pago. O preço dos produtos se refere à esfera da circulação.
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BIBLIOGRAFIA UTILIZADA:
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