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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

Reitoria

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

Código: IH-1101 – Teorias Clássicas em Ciências Sociais

Disciplina: Teorias Sociais Clássicas Turma: 01/ Sem.: 2020.1

Professores: Alessandra Maia, Luiz Felipe Benites, Maurício Hoelz

Aluno: Anderson Ribeiro da Silva

Trabalho Final de Teorias Sociais Clássicas (2020.1)

Pergunta n. 1 - Escolha pelo menos dois autores do módulo I de Teoria Política Clássica
para discutir os temas liberdade, voto e representação, no contexto das democracias
antiga e moderna.

A democracia constitui um conceito que possui uma definição elástica, aludindo tanto a
experiências longínquas, quanto a procedimentos modernos e suas maturações. É um termo
que contem impasses seculares no que tange a chaves tais como “soberania”, “liberdade”,
“justiça”, “igualdade”, e outras mais. Seu lugar no rol de debates contemporâneos acumula
particular importância na organização social das civilizações humanas, desde as mais
remotas, dado a relação inevitável com as buscas por delimitações dos papéis políticos e
também sua proximidade com os debates acerca do Estado Moderno.

Ainda que sob diversas definições a partir do período clássico da Antiguidade,


perfilando discussões durante a Idade Média e adentrando a Era Moderna como um dos
escopos das transformações sociais, a democracia se consolidou como uma janela conceitual,
tão vasta como tênue, que se localiza, na contemporaneidade, como um arranjo que contribui
para a orientação dos processos civilizatórios. Sua relevância incontornável se deve, portanto,
à diversidade de significados que concentra - e suas disputas.

A teoria democrática, reconhecidamente, possui interface com conceitos tão amplos


quanto, o que nos sinaliza que, ao fim e ao cabo, suas descrições e interpretações revelam as
próprias marcas produzidas pelas tensões advindas dos eventos que compõem a história
humana. O curso das civilizações, que majoritariamente visou participação, igualdade e
liberdade, guarda relações, ora de afinidade, ora de conflito com tais ideias, dando margem
para conclusões precoces e pouco afeitas à grandiosidade dos seus marcos.

Partindo de uma de suas dimensões componentes, a “liberdade” é pedra angular para


muitos dos autores que se debruçam sobre a teoria democrática. Destaca-se aqui,
inicialmente, as definições de John Locke, filósofo britânico associado ao contratualismo.
Em sua concepção do que consiste na divisão entre os estados de “natureza” e o “civil”,
Locke (1994, p. 84) define que o primeiro é condição prévia da Humanidade e que não
responde efetivamente a uma disposição premente ao conflito e à ameaça. O estado de
natureza em Locke consiste no ponto inicial da vida em sociedade, por onde os valores são os
reais decisores dos impasses entre os homens

Não obstante, o autor é considerado uma referência do Direito Natural Moderno, dada a
observância de um direito anterior a um “governo civil”. Para Locke, a autopreservação da
sociedade depende do reconhecimento dos direitos básicos - ele demarca dois como
prerrogativa: o de punir o crime e o de obter a reparação. O estado civil aparece em um
momento posterior, fruto da necessidade de conferir legitimidade às ações dos indivíduos.
Esta transição parece ser encarada por Locke como avanço em direção à manutenção de
direitos, dado que tais direitos seriam oriundos de relações dos homens com a natureza e com
a comunidade, que antecedem o contrato.

A liberdade, em Locke, está contida em uma tríade onde se igualam vida e bens. Esta
tríade é o que Locke chama de “propriedade”, ou seja, o conjunto dos direitos elementares
que homens dispõem quando no estado de natureza e que não pode ser negligenciado no
governo civil (LOCKE, p. 157). Qualquer definição possível de “bem comum” aqui está a
serviço do direito à propriedade, i.e., visando garantir os direitos naturalmente conferidos
pela natureza aos homens – o direito à subsistência e usufruto do que é produzido pelo seu
trabalho.
Isto difere claramente de outro filósofo britânico, também costumeiramente associado à
teoria do Contrato. Thomas Hobbes assevera que o estado de natureza é análogo ao estado de
guerra, posto que os homens estariam em permanente condição de enfrentamento. Isto fica
definido quando Hobbes identifica três fatores que contribuiriam para a permanente
discórdia: a competição, a desconfiança e a glória. Estes fatores seriam cruciais para
assegurar, não apenas uma “luta real” entre os homens, mas uma “conhecida disposição” para
se manterem em constante estado de guerra (HOBBES, p. 46). Segundo Hobbes, para que os
homens consigam superar o estado de natureza, haveria a necessidade de se estabelecer um
poder comum.

Ressalta-se aqui que, enquanto Locke compreende que a liberdade descende de um


direito natural, e que, portanto, é legitimado pelo pacto social, em Hobbes, a liberdade não se
confunde com a lei. O autor de Leviatã considera uma divisão elementar entre o “direito” e a
“lei” (HOBBES, p. 47). Nesta divisão, o direito de um homem é aquilo que não encontra
restrição definida, o que difere da lei, que demarca um dado conjunto de obrigações. A
liberdade é, para Hobbes, a primeira lei natural, anterior ao Contrato e, dada esta
ancestralidade, não pertence ao âmbito da sociedade civil.

A segurança mútua da qual Locke se refere (1994, p. 157) trata da justificação para a
formação do governo civil, de modo a garantir as liberdades originalmente conferidas pela
natureza. Neste caso, a liberdade é potencializada, isto porque com o consentimento
assegurado contratualmente, leis, regras e sanções servem como garantia aos indivíduos para
que possam melhor se estabelecerem, e assim, suas propriedades podem se situar em um
ambiente razoável de competição. Essa “cessão” de direitos dos homens à comunidade social
só é possível porque a liberdade, como dissemos acima, está contida na propriedade. Ou seja,
os homens, ao assegurar suas propriedades, consequentemente, estão garantindo suas
liberdades.

Por outro lado, Hobbes compreende o contrato social como o instrumento que regula as
transferências e trocas de direitos entre os indivíduos. A liberdade está contida no estado de
natureza e pertence exclusivamente a ele, posto que as leis acabariam por restringir ao gozo
daquelas condições originárias. Diferente de Locke, não se trata de garantia de direitos, mas
de transferência, ou seja, de estabelecimento de obrigações para com os demais membros da
comunidade social.
No que concerne ao estado civil propriamente dito, Locke considera que uma
comunidade civil se forma com o propósito de assegurar o direito à propriedade. E para que
tal direito possa ser efetivamente assegurado pela comunidade, a mesma teria de ser dotada
de “consentimento”. Entende-se por consentimento a “aprovação pública” que os indivíduos
conferem às normas empregadas pela comunidade civil (LOCKE, p. 162). A autoridade
conferida ao dirigente ou ao corpo de líderes deve partir de uma orientação inicial a ser
ratificada por todos.

Para Locke (1994, p. 160), o consentimento é garantido pelo poder legislativo, que é
tido por ele como o poder soberano da comunidade. Esta soberania seria aquela que regula as
formas de governo propostas por Locke. O filósofo admite formas de governo tais quais a
“democracia perfeita” (onde um grande número de pessoas legisla e executa), a “oligarquia”
(onde um grupo seleto de pessoas e seus herdeiros assumem a legislatura) e a “monarquia”
(onde apenas uma pessoa é responsável pela legislatura), que tratam da quantidade de pessoas
que assumem a responsabilidade pelo poder legislativo.

Em suma, Locke atribui ao consentimento a base a partir do qual a comunidade civil


busca se legitimar, de modo a conferir a alguma forma de governo a condição de ordenadora
do pacto social. Ainda que o governo civil seja conduzido por apenas um indivíduo,
conquanto ele seja orientado pelo consentimento popular, não incorre em arbítrio ou
parcialidade. Os homens passam à condição de estado civil à medida em que se organizam
para que possam seguir usufruindo de suas prerrogativas concedidas pela natureza.

Já em Hobbes, dado que a liberdade não possui lugar a não ser em um estado de
natureza, os indivíduos limitam-se a almejar, ao invés da salva guarda do direito à
propriedade, a seguridade mínima para a subsistência e defesa. Nota-se que Hobbes não
ignora a capacidade dos homens de viverem de seus trabalhos e do que é cedido pela
natureza. O que ocorre é que tal condição não descende de um direito natural, dependendo
essencialmente, portanto, de um poder comum para vislumbrá-la (HOBBES, p. 61).

A transição para o estado civil ou, nas palavras de Hobbes, o “poder comum”, não
compreende o consentimento dos indivíduos. Para ele, posto a urgência que uma pretensa
guerra de todos contra todos poderia suscitar, os homens tendem a transferir seus direitos
àqueles que podem assegurá-los. Hobbes é tácito quando afirma ser “[...] mais do que
consentimento, ou concórdia [...]”, sendo “[...] uma verdadeira unidade de todos eles, numa
só e mesma pessoa [...]” (HOBBES, p. 61). Este “estado político” constitui o ditame onde os
homens, em concordata, consumam a cessão de seus direitos aos agentes da soberania.

Se em Locke podemos perceber um momento constituinte, ou uma “posição original”,


parafraseando John Rawls, por onde se vislumbra a participação dos indivíduos na edificação
da comunidade civil, em Hobbes (1983, p. 62), a transferência de direitos à autoridade do
soberano ou à assembleia de representantes parece indicar que os códigos e regramentos
sociais partem de um momento posterior, i.e., seguinte à conformação do pacto social. A
discordância com a maioria sugere impedimento à transição para o estado civil, daí
incorrendo em recondução dos discordantes ao estado de natureza (HOBBES, p. 62).

Definida a soberania, centraliza-se no poder soberano a autoridade sobre a prescrição


das leis civis, o direito de ouvir e julgar e as opiniões e doutrinas, além da escolha dos
membros do Estado e, claro, a autoridade para declarar guerra contra qualquer outra nação
(HOBBES, p. 63). Apenas mediante o poder estabelecido, em face da autorização dos
súditos, que se torna possível almejar a auto preservação e consequente garantias básicas. É
válido ressaltar que, para Hobbes, a cessão de direitos dos súditos ao soberano configura a
condição elementar para se atingir um grau mínimo de civilidade. É esperado que os
indivíduos se sintam representados pelo poder soberano à medida em que se delega para este
a autoridade para legislar, judiciar e executar.

Voltando a Locke, dada a importância conferida ao direito de propriedade, os homens


definem o governo como o ordenador do pacto social, orientado pelo poder legislativo. O
governo responde a um “poder natural”, que consiste nos direitos antes conferidos pela
natureza aos homens (LOCKE, p. 171). Neste sentido, ao poder “federativo”, como sugerido
por Locke (1994, p. 171), é conferida a responsabilidade em dirimir as contendas entre os
homens, visando remediar os prejuízos à liberdade e às propriedades daqueles que se sintam
lesados.

Os autores refletem a teoria do contrato a partir de perspectivas distintas sobre a


liberdade do indivíduo, os limites da soberania e o papel do governo, fornecendo assim
contribuições singulares para a formação do Estado Moderno. Enquanto é possível vermos
algo como uma representação automática dos indivíduos expressa no poder soberano na
teoria hobbesiana, o que consiste na necessária existência do poder comum para que se possa
reivindicar algum nível de cidadania, em Locke nos deparamos com um estado a serviço da
comunidade civil, notando-se uma maior importância do poder legislativo.
Pergunta n. 2 - Escolha dois autores da teoria sociológica, um clássico e um
contemporâneo, e compare-os a partir de uma das seguintes questões: individualização;
poder e dominação; solidariedade e conflito; ação coletiva ou desigualdades e
diferenças.

Max Weber, jurista e economista alemão, é formalmente situado como um dos grandes
fundadores das ciências sociais. Precursor do individualismo metodológico, é considerado um
dos responsáveis pela introdução, dentre outros conceitos, da “ação social”. Weber,
preocupado em alcançar um estatuto “objetivo” para a sociologia, aponta (2013, p. 130) a
ação social como toda conduta individual que, dotada de um sentido visado, é orientada pelos
demais, ou seja, só é “social” à medida em que “[...] está relacionado ao comportamento de
outros [...].”

A investigação weberiana da ação social irá pressupor uma “sociologia compreensiva”,


método que vai buscar captar de onde deriva a definição de uma determinada ação social. Tal
método teria como objetivo verificar o sentido “tencionado” da ação social. A “compreensão”
da ação social pode ser: “imediata”, ou seja, que diz respeito a uma assimilação de ideias, de
estados emocionais ou de ações sendo executadas ou; “motivada”, que diz respeito ao
contexto explicativo, o que constitui o caráter subjetivo da ação social (WEBER, p. 132).

A viabilidade de uma “compreensão” sociológica depende da “interpretação”, que


consiste na busca de sentido, ou evidência - advertido por Weber (2013, p. 133) para ser
intitulado como “hipótese causal particularmente evidente” - do caso particular (ponto de
vista histórico), da média de casos (do ponto de vista sociológico de “massa”) ou do tipo puro
(ponto de vista do tipo ideal). Entre estes, o tipo ideal constituirá, para Weber, o constructo
afeito à investigação sociológica, que produzirá elementos conceituais artificiais à análise,
realizando, assim, um “experimento imaginado” (WEBER, p. 133).

Weber representa para as Ciências Sociais um contraponto muito significante aos


demais matizes clássicos desse campo do saber. Ao inaugurar o individualismo
metodológico, ele influenciou decisivamente no surgimento de doutrinas de estudos da ação -
como é o caso da teoria da escolha racional. É um autor clássico que, diferente do
materialismo histórico, que prioriza o estudo das relações sociais de produção, e do
positivismo e do funcionalismo, adequados aos estudos da ordem social, contempla a
investigação dos indivíduos em suas relações com a sociedade.

A contemporaneidade, consequentemente, se debruçou sobre estes distintos autores e


seus diferentes percursos teórico-metodológicos que inauguram as Ciências Sociais. Jurgen
Habermas, principal herdeiro da “Escola de Frankfurt”, é tido como um filósofo e sociólogo
contemporâneo de singular contribuição no que concerne à crítica da razão instrumental,
forjada nas transformações sociais que circunscrevem a Era Moderna.

A contribuição central de Habermas para a superação da razão instrumental é a teoria


da ação comunicativa. Nesta teoria, reconhece-se o caráter intersubjetivo da razão, de modo a
interpretá-la como uma forma de chegar a um entendimento por meio de “[...] uma
diferenciação entre os mundos objetivo, social e subjetivo” (PINTO, p. 80). Esses mundos
corresponderiam a esferas de veracidade, por onde se buscariam, respectivamente: a
“veracidade da afirmação”; a “correção normativa” e; “autenticidade” e “sinceridade”
(PINTO, p. 79-80).

Uma ação comunicativa, segundo Habermas (1984, p. 285-286), visa “alcançar o


entendimento”, ou seja, compreende-se que o sujeito da ação depende de, ao menos um outro
sujeito, de modo que se comuniquem para constituir uma “definição comum de situação”. É
esta definição que irá possibilitar um ponto de partida para que as ações dos indivíduos
possam almejar seus propósitos. Um ponto de partida que contará com as “pretensões de
validade” previstos pelos mundos objetivo, social e subjetivo. (PINTO, p. 80).

Junto à teoria da ação comunicativa, Habermas agrega a ideia de mundo da vida,


considerado o pano de fundo das ações sociais, este “contexto não problematizável” a partir
de onde os indivíduos alcançam o entendimento (PINTO, p. 81). Este mundo constitui o
estoque de referências históricas, culturais e sociais que os indivíduos acessam para refletir
suas ações, configurando o saber implícito do qual os sujeitos se valem para produzir seus
“[...] pronunciamentos em espaços sociais e tempos históricos” (HABERMAS, p. 136 apud
PINTO, p. 81).

O mundo da vida é composto por três dimensões: a “cultura” (onde se busca


conhecimento para entender o mundo); a “sociedade” (ordens sociais legítimas por onde os
sujeitos estabelecem suas relações) e; a “pessoa” (competências que habilitam o homem a
falar por si) (PINTO, p. 81). É através destas dimensões dispostas que os sujeitos vão se
relacionar com o saber implícito para formularem suas comunicações, visando alcançar o
entendimento mútuo. Esta condição anterior se apresenta como o lugar a partir do qual os
sujeitos partem para tratar de “[...] fatos, normas e experiências subjetivas” (HABERMAS, p.
125-126 apud PINTO, p. 81).

A ação comunicativa, portanto, reproduz as estruturas simbólicas do mundo da vida, de


modo a viabilizar uma racionalização discursiva progressiva da vida social. Ao visar o
“entendimento mútuo”, assegura a transmissão do “saber cultural”; ao “coordenar a ação”,
propicia a “integração social” e; sob a “socialização”, permite a formação da “personalidade
individual” (PINTO, p. 81). É mediante estas combinações que se estabelecem substratos
materiais que mobilizam os indivíduos a agirem em função de seus interesses, buscando fins.

A teoria habermasiana da ação se desenvolve na esteira da crítica às filosofias da


história e às teorias evolucionistas, ambas correntes nos idos dos séculos XVIII e XIX. Tais
perspectivas surgiram à medida em que se tentava dar conta das transformações sociais da
Modernidade. É neste contexto que a sociologia surge, sem autonomia plena e com grandes
urgências que outras áreas do saber já não davam conta. E é nesse ínterim que grandes temas
surgem como paradigmas sociológicos. É o caso da “racionalidade”.

Segundo Habermas (1984, p. 143), Weber foi aquele que buscou romper com estas
duas tendências filosóficas modernas, dedicando-se a um esforço de investigação empírica
que visava apontar a modernização europeia como advinda de um “[...] processo histórico-
universal de racionalização”. Por conseguinte, no século XX a racionalização societal do
Ocidente se configurou um grande terreno de estudo sociológico, impondo o tema da razão
instrumental e crítica, posteriormente.

No entanto, Habermas observa falhas conceituais no que tange à racionalidade, que


estariam atreladas à condição de Weber no processo civilizacional europeu. Para ele, assim
como outros autores clássicos e das primeiras gerações da Teoria Social, Weber incorre em
uma noção de “racionalidade” que atende ao cumprimento das exigências da razão
instrumental, mas que não dá conta da “[...] racionalização de orientações de ação e as
estruturas do mundo da vida [...]” (HABERMAS, p. 145).

A crítica de Habermas aos teóricos da racionalidade ocidental reside no fato de que


este debate foi cerrado sobre a hegemonia do sujeito em relação ao objeto. A razão
instrumental corresponderia, portanto, ao domínio e controle da natureza, impedindo o acesso
aos conhecimentos verdadeiros. E Weber teria confundido “[...] racionalidade do sistema com
racionalidade da ação [...]” (PINTO, p. 78), o que tenderia a consistir na corroboração à
“emergência do racionalismo ocidental”, recaindo em uma “[...] concepção unilateralmente
instrumental da racionalidade” (REIS, p. 177).

Como resposta a estas e outras lacunas deixadas na tentativa de apreender a


racionalidade ocidental, Habermas propõe (PINTO, p. 78) um “salto paradigmático”, do
“paradigma da consciência” para um “paradigma da comunicação”. Ou seja, propõe-se que se
vise, em detrimento de um “[...] sujeito solitário com algo no mundo objetivo [...]”, uma “[...]
relação intersubjetiva, que sujeitos que falam e atuam, assumem quando buscam o
entendimento entre si, sobre algo” (HABERMAS, p. 392).

A despeito das críticas, que sublinham um lugar para Weber dentre os clássicos da
sociologia, é notória a importância do teórico para a própria evidenciação desse saber. Impõe-
se sua contribuição para a formação de um arcabouço teórico-metodológico que influiu na
plena racionalização dos conhecimentos sociológicos. A constatação weberiana
(HABERMAS, p. 144) dos “subsistemas de ação racional com propósitos”, que conduziriam
ao “desenvolvimento de níveis societais”, correspondem a uma inovação no olhar sociológico
do final do século XIX.

Essa inovação é ainda de grande utilidade para os estudos sociológicos da


contemporaneidade, pois trata-se de um arranjo teórico-metodológico que se apresenta, não
apenas como um conjunto de ferramentas que nos ajudam a descrever as transformações
modernas, mas também como um ideário das condutas investigativas em sociologia. A
relevância de Max Weber para as Ciências Sociais se expressa nos esforços do autor em
qualificar a investigação sociológica, visando conferir à pesquisa condições plenas de análise
dos diferentes níveis de racionalização societal.

Pergunta n. 3 - Escolha dois autores, de duas tradições nacionais distintas do


pensamento antropológico, para abordar e comparar um dos seguintes eixos de
problematização: 1) vida coletiva e produção de sentido/significado; 2) estrutura e
ação/prática.

A antropologia é costumeiramente dividida em tradições de pensamento que se


organizaram entorno de esforços permanentes pela afirmação daquela como disciplina
apropriada para o estudo das civilizações. Tal divisão nos apresenta um percurso por onde a
antropologia se apresenta, inicialmente como um instrumental de análise de sociedades
primitivas, dada a urgência do Velho Continente em responder as questões advindas dos
contatos transnacionais do mundo colonial.

Situam-se neste arvorecer duas grandes facetas do estrutural-funcionalismo, sendo elas


as tradições britânicas e francesas, nos seus marcos, definidas como empirista e
intelectualista, respectivamente (DE OLIVEIRA, p. 192). São tradições embrionárias do
pensamento antropológico que buscariam demarcar a independência teórico-metodológica
tanto da filosofia quanto da psicologia e da história, dada a abstração do “tempo” como
variável para estudar as representações coletivas (DE OLIVEIRA, p. 196).

A dimensão do “tempo” retornará com o culturalismo norte-americano, capitaneado por


Franz Boas e seus alunos. A “Escola Histórico-Cultural Norte-Americana" será assim
referenciada por também restabelecer uma aproximação com a história, respondendo a uma
nova urgência, que seria a de estudar “a dinâmica das mudanças que podem ser estudadas
pelo pesquisador” (BOAS, p. 235 apud DE OLIVEIRA, p. 198).

Partindo para uma discussão sobre a vida coletiva e a produção de sentido, congrega-se
aqui as tradições empirista britânica e a culturalista norte-americana. Representando a escola
inglesa, Alfred Radcliff-Brown (1973, p. 224) pressupõe uma “unidade funcional” que
constitui aquilo que define como uma operação onde “[...] todas as partes do sistema social
atuam juntas com suficiente grau de harmonia ou consistência interna [...]”.

Radcliff-Brown, buscando definir uma “teoria funcional” (1973, p. 224), se dedica a


pesquisar sobre os elos que permitem as sociedades primitivas assegurarem suas estruturas
sociais. Tal unidade funcional corresponde à “função” que uma dada atividade social assume
perante a estrutura social geral. Antes, cabe aqui ressaltar a localização dessa tradição
estrutural-funcionalista.

Tanto a tradição britânica quanto a francesa compartilham interpretações variantes do


estruturalismo e do funcionalismo, como é o caso de Radcliff-Brown, que sugere esse
imbricamento. Sua cautela com um estudo das culturas (1973, p. 233), pressupondo uma
maior importância em analisar os fenômenos sociais como pertencentes a respostas das
atividades sociais às exigências da sociedade, reflete claramente para nós sua urgência em
situar o fenômeno social dentro de uma ordem, dado que o autor conclui que existem
“condições necessárias de existência” de uma sociedade (RADCLIFF-BROWN, p. 220).
A identificação destas “condições” dependeria do estudo do “funcionamento” da vida
social, ou seja, da “[...] série de relações entre entidades unidades, sendo mantida a
continuidade da estrutura por um processo vital constituído das atividades das unidades
integrantes” (RADCLIFF-BROWN, p. 223, grifos do autor). Em suma, a teoria funcional de
Radcliff-Brown, encarada pelo próprio como uma “hipótese de trabalho”, se apresenta como
uma ferramenta disposta a interpretar não apenas os costumes sociais em suas formas, mas
também suas funções, posto que, ainda que semelhantes na forma, poderiam diferir em suas
funcionalidades em grupos sociais distintos (RADCLIFF-BROWN, p. 226).

A tradição culturalista norte-americana será, por outro lado, um grande contraponto às


demais tradições. No que tange à tradição britânica, a “escola boasiana” contribui para a
recuperação da dimensão do “tempo”, dado que os empiricistas estavam dedicados a
confirmar uma primazia do estudo racional, evidenciando uma “obsessão sincrônica” (DE
OLIVEIRA, p. 197). Com a recuperação da história - e consequentemente, do tempo -, estaria
pondo-se em destaque o “sujeito cognoscente”, que corresponde ao antropólogo, dedicado a
estudar as possíveis transformações advindas do decurso das civilizações rumo à
complexização dos seus sistemas de significados (DE OLIVEIRA, p. 198).

É importante ressaltar, como apontado pelo professor Roberto Cardoso de Oliveira


(2018, p. 198), que a tradição culturalista ainda opera visando a objetividade, situando o
antropólogo como o sujeito dotado, pelo método, de imparcialidade. Portanto, a dimensão
histórica é repatriada para cumprir um papel de elemento externo ao desenvolvimento das
culturas. A antropóloga Ruth Benedict, discípula de Franz Boas, expõe essa preocupação ao
buscar o ajuste do objeto a ser pesquisado pelo antropólogo.

Para Benedict, a primazia dos estudos antropológicos pertence aos costumes, posto que
seria a partir destes que os indivíduos se relacionariam com as heranças culturais de sua tribo
(BENEDICT, p. 15). Trata-se de uma proposta que pretende superar as amarras oriundas das
tradições antropológicas anteriores que, na avaliação da autora, estariam ancoradas na
apreensão do cérebro, ou seja, dedicados a investigar um indivíduo essencializado.

O esforço de Benedict busca reposicionar a antropologia no processo investigativo.


Para ela, esta área do saber sofrera de sua própria condição alinhada com os auspícios da
beligerante civilização ocidental. A história é adotada por Benedict para perceber o lugar da
antropologia ocidental quando afirma que “esta difusão cultural em grau mundial têm nos
impedido, como nunca o homem o foi até aqui, de tomar a sério as civilizações dos outros
povos [...]” (BENEDICT, p. 19).

É reconhecendo a centralidade do papel da cultura na formação dos indivíduos que


Ruth Benedict reivindica a importância em se debruçar sobre os “interesses possíveis” que
cada sociedade contempla (BENEDICT, p. 36). Tais interesses se expressam nas instituições
culturais, o que faz Benedict pressupor que as escolhas que os indivíduos fazem dizem
respeito ao arco de símbolos e significados construídos ancestralmente. Seu foco tem como
alça de mira a origem dos traços culturais, notando-se aqui a superação da importância de
alguma funcionalidade dos costumes.

Talvez seja possível dizer que a vida coletiva seria, sob a ótica de Ruth Benedict,
fundada nas instituições culturais, sendo estas, por sua vez, oriundas de expressões e
plasticidades criadas historicamente, que conferem sentido às práticas e aos credos. A
singularidade dos universos semânticos das sociedades seria o real objeto de uma
antropologia da cultura, i. e., de uma ciência antropológica que não se reserve estritamente ao
estudo das sociedades e suas relações internas, dissociadas de seus lugares históricos.

Em Radcliff-Brown, é possível notar relevante zelo pelo estudo de termos que o autor
intitula “fatos observáveis e concretos” (1973, p. 234). A despeito dessas exigências, o
antropólogo britânico exclui das análises de sua teoria funcional demais abstrações. A
“cultura” de uma tribo, portanto, pertenceria a um âmbito que não interessa à pesquisa
científica, dado que corresponde a percepções de baixa tangibilidade, o que inviabilizaria o
trabalho de um antropólogo social.

A descrição de Radcliff-Brown (1973, p. 236) sobre as relações de parentesco nos


apontam uma leitura da vida tribal circunscrita a “relações diádicas”. Para ele, o parentesco
constitui um termo concreto de análise da sociedade, pois responde a esquemas básicos
(patrilineares ou matrilineares) de organização social. Toda a vida social exigiria algum
destes esquemas ou combinações de ambas, a depender dos níveis em que cada esquema
exerceria seu papel ordenador.

A urgência prevista na teoria estrutural-funcionalista de Radcliff-Brown não aparece


nos escritos de Ruth Benedict. Aquele autor, preocupado com a funcionalidade da atividade
social, pouco atende às orientações simbólicas que estariam coordenando as dinâmicas
sociais de uma tribo. Benedict afirma (2000, p. 37), ao tratar da puberdade, que esta possui
uma “natureza social”, dotada de “novas ocupações e obrigações” que respondem a impulsos
de ordem tão “[...] variada e culturalmente tão condicionada [...]”.

É possível, portanto, dizer que a vida coletiva é apreendida, em Radcliff-Brown, a partir


de suas estruturas de parentesco, indicando um dedicado esforço em compreender as
condições sociais necessárias, ou as funções que asseguram a ordem social. Já em Benedict,
podemos verificar uma inclinação maior no que tange aos marcadores culturais que
explicitam as percepções sociais que os indivíduos tem do grupo. Os costumes, portanto,
representam elementos de estudo que evidenciam como os indivíduos refletem suas próprias
atividades sociais.

A produção de sentido no seio da tribo também é apreendida de formas distintas pelos


autores. É corrente vermos em Radcliff-Brown, como já dito aqui, grande preocupação em
conservar os estudos das generalidades das atividades sociais, em guisa à compreensão da
manutenção da ordem social. É esta exclusão dos estudos culturais, qualificados como
abstratos pelo autor, que parece situar a conferência de significados dos indivíduos em outra
dimensão. Neste caso, o britânico atribui à “estrutura social” o condicionamento das ações
dos indivíduos.

Radcliff-Brown descreve (1973, p. 236) a “estrutura social” como “[...] uma série de
relações realmente existentes [...]” que perceberiam diversas formas, tais como a “estrutura
de parentesco”, assim como relações de hierarquia que estabelecem diferentes níveis de
“diferenciação social”. Portanto, as relações concretas variam no tempo e no espaço,
obedecendo algum nível de generalidade, daí incorrendo em fator estrutural. Aqui, podemos
verificar como a teoria funcional do antropólogo britânico se debruça sobre aspectos de
ordem funcional da organização social.

Por outro lado, o estudo dos costumes de Ruth Benedict nos revela como os “interesse
possíveis” dos indivíduos estão ligados às suas instituições culturais, que condicionam o arco
de significados. A própria Benedict adverte (2000, p. 49-50) para o perigo das
generalizações, que, segundo a americana, pode incorrer na conversão de “fusão local de
feições” em um “fenômeno universal”. E é a história que serve de grande contributo para que
Benedict perceba (2000, p. 56) como o “significado social” das feições culturais difere ao
longo do tempo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENEDICT, R. “A ciência do costume” in Padrões de cultura. 1 edição. Lisboa, Ed. Livros


do Brasil, 2000.

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