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Reitoria
Pergunta n. 1 - Escolha pelo menos dois autores do módulo I de Teoria Política Clássica
para discutir os temas liberdade, voto e representação, no contexto das democracias
antiga e moderna.
A democracia constitui um conceito que possui uma definição elástica, aludindo tanto a
experiências longínquas, quanto a procedimentos modernos e suas maturações. É um termo
que contem impasses seculares no que tange a chaves tais como “soberania”, “liberdade”,
“justiça”, “igualdade”, e outras mais. Seu lugar no rol de debates contemporâneos acumula
particular importância na organização social das civilizações humanas, desde as mais
remotas, dado a relação inevitável com as buscas por delimitações dos papéis políticos e
também sua proximidade com os debates acerca do Estado Moderno.
Não obstante, o autor é considerado uma referência do Direito Natural Moderno, dada a
observância de um direito anterior a um “governo civil”. Para Locke, a autopreservação da
sociedade depende do reconhecimento dos direitos básicos - ele demarca dois como
prerrogativa: o de punir o crime e o de obter a reparação. O estado civil aparece em um
momento posterior, fruto da necessidade de conferir legitimidade às ações dos indivíduos.
Esta transição parece ser encarada por Locke como avanço em direção à manutenção de
direitos, dado que tais direitos seriam oriundos de relações dos homens com a natureza e com
a comunidade, que antecedem o contrato.
A liberdade, em Locke, está contida em uma tríade onde se igualam vida e bens. Esta
tríade é o que Locke chama de “propriedade”, ou seja, o conjunto dos direitos elementares
que homens dispõem quando no estado de natureza e que não pode ser negligenciado no
governo civil (LOCKE, p. 157). Qualquer definição possível de “bem comum” aqui está a
serviço do direito à propriedade, i.e., visando garantir os direitos naturalmente conferidos
pela natureza aos homens – o direito à subsistência e usufruto do que é produzido pelo seu
trabalho.
Isto difere claramente de outro filósofo britânico, também costumeiramente associado à
teoria do Contrato. Thomas Hobbes assevera que o estado de natureza é análogo ao estado de
guerra, posto que os homens estariam em permanente condição de enfrentamento. Isto fica
definido quando Hobbes identifica três fatores que contribuiriam para a permanente
discórdia: a competição, a desconfiança e a glória. Estes fatores seriam cruciais para
assegurar, não apenas uma “luta real” entre os homens, mas uma “conhecida disposição” para
se manterem em constante estado de guerra (HOBBES, p. 46). Segundo Hobbes, para que os
homens consigam superar o estado de natureza, haveria a necessidade de se estabelecer um
poder comum.
A segurança mútua da qual Locke se refere (1994, p. 157) trata da justificação para a
formação do governo civil, de modo a garantir as liberdades originalmente conferidas pela
natureza. Neste caso, a liberdade é potencializada, isto porque com o consentimento
assegurado contratualmente, leis, regras e sanções servem como garantia aos indivíduos para
que possam melhor se estabelecerem, e assim, suas propriedades podem se situar em um
ambiente razoável de competição. Essa “cessão” de direitos dos homens à comunidade social
só é possível porque a liberdade, como dissemos acima, está contida na propriedade. Ou seja,
os homens, ao assegurar suas propriedades, consequentemente, estão garantindo suas
liberdades.
Por outro lado, Hobbes compreende o contrato social como o instrumento que regula as
transferências e trocas de direitos entre os indivíduos. A liberdade está contida no estado de
natureza e pertence exclusivamente a ele, posto que as leis acabariam por restringir ao gozo
daquelas condições originárias. Diferente de Locke, não se trata de garantia de direitos, mas
de transferência, ou seja, de estabelecimento de obrigações para com os demais membros da
comunidade social.
No que concerne ao estado civil propriamente dito, Locke considera que uma
comunidade civil se forma com o propósito de assegurar o direito à propriedade. E para que
tal direito possa ser efetivamente assegurado pela comunidade, a mesma teria de ser dotada
de “consentimento”. Entende-se por consentimento a “aprovação pública” que os indivíduos
conferem às normas empregadas pela comunidade civil (LOCKE, p. 162). A autoridade
conferida ao dirigente ou ao corpo de líderes deve partir de uma orientação inicial a ser
ratificada por todos.
Para Locke (1994, p. 160), o consentimento é garantido pelo poder legislativo, que é
tido por ele como o poder soberano da comunidade. Esta soberania seria aquela que regula as
formas de governo propostas por Locke. O filósofo admite formas de governo tais quais a
“democracia perfeita” (onde um grande número de pessoas legisla e executa), a “oligarquia”
(onde um grupo seleto de pessoas e seus herdeiros assumem a legislatura) e a “monarquia”
(onde apenas uma pessoa é responsável pela legislatura), que tratam da quantidade de pessoas
que assumem a responsabilidade pelo poder legislativo.
Já em Hobbes, dado que a liberdade não possui lugar a não ser em um estado de
natureza, os indivíduos limitam-se a almejar, ao invés da salva guarda do direito à
propriedade, a seguridade mínima para a subsistência e defesa. Nota-se que Hobbes não
ignora a capacidade dos homens de viverem de seus trabalhos e do que é cedido pela
natureza. O que ocorre é que tal condição não descende de um direito natural, dependendo
essencialmente, portanto, de um poder comum para vislumbrá-la (HOBBES, p. 61).
A transição para o estado civil ou, nas palavras de Hobbes, o “poder comum”, não
compreende o consentimento dos indivíduos. Para ele, posto a urgência que uma pretensa
guerra de todos contra todos poderia suscitar, os homens tendem a transferir seus direitos
àqueles que podem assegurá-los. Hobbes é tácito quando afirma ser “[...] mais do que
consentimento, ou concórdia [...]”, sendo “[...] uma verdadeira unidade de todos eles, numa
só e mesma pessoa [...]” (HOBBES, p. 61). Este “estado político” constitui o ditame onde os
homens, em concordata, consumam a cessão de seus direitos aos agentes da soberania.
Max Weber, jurista e economista alemão, é formalmente situado como um dos grandes
fundadores das ciências sociais. Precursor do individualismo metodológico, é considerado um
dos responsáveis pela introdução, dentre outros conceitos, da “ação social”. Weber,
preocupado em alcançar um estatuto “objetivo” para a sociologia, aponta (2013, p. 130) a
ação social como toda conduta individual que, dotada de um sentido visado, é orientada pelos
demais, ou seja, só é “social” à medida em que “[...] está relacionado ao comportamento de
outros [...].”
Segundo Habermas (1984, p. 143), Weber foi aquele que buscou romper com estas
duas tendências filosóficas modernas, dedicando-se a um esforço de investigação empírica
que visava apontar a modernização europeia como advinda de um “[...] processo histórico-
universal de racionalização”. Por conseguinte, no século XX a racionalização societal do
Ocidente se configurou um grande terreno de estudo sociológico, impondo o tema da razão
instrumental e crítica, posteriormente.
A despeito das críticas, que sublinham um lugar para Weber dentre os clássicos da
sociologia, é notória a importância do teórico para a própria evidenciação desse saber. Impõe-
se sua contribuição para a formação de um arcabouço teórico-metodológico que influiu na
plena racionalização dos conhecimentos sociológicos. A constatação weberiana
(HABERMAS, p. 144) dos “subsistemas de ação racional com propósitos”, que conduziriam
ao “desenvolvimento de níveis societais”, correspondem a uma inovação no olhar sociológico
do final do século XIX.
Partindo para uma discussão sobre a vida coletiva e a produção de sentido, congrega-se
aqui as tradições empirista britânica e a culturalista norte-americana. Representando a escola
inglesa, Alfred Radcliff-Brown (1973, p. 224) pressupõe uma “unidade funcional” que
constitui aquilo que define como uma operação onde “[...] todas as partes do sistema social
atuam juntas com suficiente grau de harmonia ou consistência interna [...]”.
Para Benedict, a primazia dos estudos antropológicos pertence aos costumes, posto que
seria a partir destes que os indivíduos se relacionariam com as heranças culturais de sua tribo
(BENEDICT, p. 15). Trata-se de uma proposta que pretende superar as amarras oriundas das
tradições antropológicas anteriores que, na avaliação da autora, estariam ancoradas na
apreensão do cérebro, ou seja, dedicados a investigar um indivíduo essencializado.
Talvez seja possível dizer que a vida coletiva seria, sob a ótica de Ruth Benedict,
fundada nas instituições culturais, sendo estas, por sua vez, oriundas de expressões e
plasticidades criadas historicamente, que conferem sentido às práticas e aos credos. A
singularidade dos universos semânticos das sociedades seria o real objeto de uma
antropologia da cultura, i. e., de uma ciência antropológica que não se reserve estritamente ao
estudo das sociedades e suas relações internas, dissociadas de seus lugares históricos.
Em Radcliff-Brown, é possível notar relevante zelo pelo estudo de termos que o autor
intitula “fatos observáveis e concretos” (1973, p. 234). A despeito dessas exigências, o
antropólogo britânico exclui das análises de sua teoria funcional demais abstrações. A
“cultura” de uma tribo, portanto, pertenceria a um âmbito que não interessa à pesquisa
científica, dado que corresponde a percepções de baixa tangibilidade, o que inviabilizaria o
trabalho de um antropólogo social.
Radcliff-Brown descreve (1973, p. 236) a “estrutura social” como “[...] uma série de
relações realmente existentes [...]” que perceberiam diversas formas, tais como a “estrutura
de parentesco”, assim como relações de hierarquia que estabelecem diferentes níveis de
“diferenciação social”. Portanto, as relações concretas variam no tempo e no espaço,
obedecendo algum nível de generalidade, daí incorrendo em fator estrutural. Aqui, podemos
verificar como a teoria funcional do antropólogo britânico se debruça sobre aspectos de
ordem funcional da organização social.
Por outro lado, o estudo dos costumes de Ruth Benedict nos revela como os “interesse
possíveis” dos indivíduos estão ligados às suas instituições culturais, que condicionam o arco
de significados. A própria Benedict adverte (2000, p. 49-50) para o perigo das
generalizações, que, segundo a americana, pode incorrer na conversão de “fusão local de
feições” em um “fenômeno universal”. E é a história que serve de grande contributo para que
Benedict perceba (2000, p. 56) como o “significado social” das feições culturais difere ao
longo do tempo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HABERMAS, J. The theory of communicative action. Vol 1. Reason and the rationalizalion
of society. Boston, Beacon Press, 1984.
LOCKE, J. Segundo tratado sobre o Governo Civil e outros escritos. 3 ed. Petrópolis, Editora
Vozes, 1994.