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Luís Paiva al.

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Contratualismo em Rosseau, Hobbes e Locke

Resumo: Este artigo versa a fundação do Estado e Sociedade, mediante as


teorias contratualistas de Jean-Jacques Rosseau, Thomas Hobbes e John Locke. Expõe
uma conceção de Contratualismo e análises individuais a cada um dos teoristas, sendo
que estas fundaram as bases da realidade política que vivemos. Tal abordagem irá
permitir explicitar e transpor para uma crítica situada no panorama atual. Exaltamos a
necessidade de cada contratualista explorar o Homem no Estado de Natureza e legitimar
a soberania.

Palavras-chave: Estado; Sociedade; Rosseau; Hobbes; Locke; Contratualismo;


Estado de Natureza.

Abstract: This article deals with the foundation of the State and Society,
through the contractualist theories of Jean-Jacques Rosseau, Thomas Hobbes and John
Locke. It exposes a conception of Contractualism and individual analyses to each one of
the theorists, which founded the foundations of the political reality we live in. Such an
approach will make it possible to explain and transpose into a critique situated in the
current panorama. We emphasize the need for each contractualist to explore Man in the
State of Nature and legitimize sovereignty.

Keywords: State; Society; Rosseau; Hobbes; Locke; Contractualism; State of


Nature.

Introdução

Atualmente, o regime de Democracia é o que mais prolifera. Esta realidade


política pode não se revelar perfeita, porém revela-se o melhor do pior. Numa
Democracia é-nos permitido ter poder na soberania do Estado e consequentemente

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decidir o nosso Futuro, ter liberdade moral, política, religiosa, de escolha, de
propriedade, etc. ao contrário dos outros regimes que presenciamos como: a Monarquia,
a Ditadura, etc. que concentram todo o poder num só individuo ou entidade, o que
resulta em parcialidade e subjetividade nas decisões políticas e por acréscimo favorece
uns em prol de outros, causando desigualdades acentuadas.

A Democracia, de origem nas polis gregas da Antiguidade Clássica, foi um


regime retomado pelo Contratualismo, mais propriamente Jean-Jacques Rousseau.
Rousseau fora o primeiro a teorizar e explicitar a formação de uma Democracia Direta,
apesar de divergências ideológicas, inspirou-se em Hobbes que inovou ao aplicar um
método à teoria/filosofia política. Locke definiu as bases do Liberalismo Económico
que vigora hoje, tendo incidido sobretudo, ao longo da sua teorização, na propriedade
(bens). Todas estas teorias, direta ou indiretamente, resultaram na teorização política
contemporânea e permitiram que hoje vivamos com mais liberdade que os nossos
antepassados.

Tendo em conta que frequento a área das Ciências Sociais e Humanas, parece-
me que entender a fundação da Sociedade e respetivo regime é do mais essencial que
há. Como poderei estudar os feitos da Sociedade atual sem perceber em que se baseou a
sua formação. Isso aplica-se a todas as ciências. Como poderei, em Geologia, entender
uma rocha sem saber a sua constituição?
Irei então analisar os autores indicados e compreender o Homem e os seus
construtos mediante o Contratualismo.

1. Contratualismo

O Contratualismo é a doutrina de pensamento dos autores Rosseau, Hobbes e


Locke.
Esta doutrina foi erguida para justificar a fundação da sociedade e a legitimidade
do governo. Para tal os três filósofos sentiram a necessidade de afirmar a existência de
um Estado Natureza, que difere de autor para autor. “Ao examinar a sociedade, todos os
filósofos sentiram remontar até ao estado natureza (…)” (Aramayo 2020: 2)

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Remontando a esse Estado Natureza, o Contratualismo afirma que fora nesse
estado do Homem que existiu a necessidade de uma associação, pois os problemas que
advinham da falta de sociedade e governo assolavam o Homem.
Visando a resolução de tais problemas, o contratualismo de Rosseau, Hobbes e
Locke divide-se em dois tipos de acordo:

1. Pactum Unionis: Onde através da união, o Homem Primordial visou alcançar


a proteção da sua vida e dos seus bens e consequentemente resulta numa sociedade onde
os membros se comprometem a viver em igualdade, respeito, paz e harmonia.

2. Pactum Subjectionis: Onde através da subjugação, o Homem rende-se a uma


autoridade e abdica da sua liberdade e direitos em prol da soberania, em troca era lhe
garantido: proteção de vida e propriedade, e um limite de liberdade. Essa autoridade era
imbuída numa pessoa ou conjunto de pessoas, também como forma de garantir o
cumprimento do contrato social. Por outras palavras, para garantir a fuga do Estado de
Natureza, deve existir um mecanismo de execução do contrato social. (Laskar 2005: 1)

Como qualquer outro contrato, este assenta em critérios de inclusão que,


portanto, são também de exclusão. Os principais são três:
1. O contrato social inclui apenas indivíduos e as suas associações, a
Natureza é assim excluída do contrato. Sendo a única Natureza aceite a pertencente ao
Homem, mesmo esta terá de se submeter às leis do Estado e regras de convivência civil;
2. Toda a cidadania é territorialmente fundada. Apenas os cidadãos fazem
parte do contrato social, todos os outros são dele excluídos.
3. O contrato social apenas alcança interesses públicos. Estão, portanto, fora
deles a vida e interesse pessoal, intimidade e o espaço doméstico. (Santos 1998: 2).

2. Contratualismo de Thomas Hobbes

Thomas Hobbes foi um filósofo, teórico político e matemático inglês,


considerado um dos principais expoentes do pensamento contratualista na Filosofia

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Política. Hobbes foi muito próximo da família real e defendeu, até o fim de sua vida, a
monarquia. A sua principal obra foi Leviatã.
Hobbes critica, em Leviatã, a falta de método e Razão na Filosofia Política e
como tal aplica o método da Geometria (definição prévia de conceitos) na sua obra,
inspirando o Racionalismo presente nas obras políticas que o precedem:

Disse anteriormente (no segundo capítulo) que o homem na verdade supera todos os outros animais nesta
faculdade, que quando ele concebe seja o que for é capaz de inquirir as consequências disso e que efeitos
pode obter com isso. E agora acrescento este outro grau da mesma faculdade, que ele sabe com as
palavras reduzir as consequências que descobre a regras gerais, chamadas teoremas, ou aforismos, isto é,
sabe raciocinar, ou calcular, não apenas com números, mas com todas as outras coisas que se podem
adicionar ou subtrair umas às outras.
Mas este privilégio é acompanhado de um outro, que é o privilégio do absurdo, ao qual nenhum ser vivo
está sujeito, exceto o homem. E entre os homens aqueles que professam a filosofia são de todos os que lhe
estão mais sujeitos. Pois é bem verdade aquilo que Cícero disse algures a seu respeito: que nada há mais
absurdo do que aquilo que se encontra nos livros de filosofia. E a razão disto é manifesta. Pois não há um
só que comece seus raciocínios com definições, ou explicações dos nomes que irá usar, o que é um
método que só tem sido usado em geometria, cujas conclusões foram assim tornadas indiscutíveis.
(Hobbes 1651: 21)

O pensador foi influenciado por Francis Bacon, filósofo para o qual Hobbes
trabalhou como assistente durante algum tempo, Aristóteles e Maquiavel.
A sua teoria baseava-se no Contrato Social. De acordo com Hobbes, antes do
Contrato Social, o Homem vivia num Estado de Natureza. Tal Estado era caraterizado
por ser de caos constante, medo e guerra. O Homem que existia neste estado era
“solitário”, “bruto”, “pobre”, “livre”, “igual” etc. (Hobbes 1651: 21)
No Estado de Natureza a diferença de forças e inteligência aliadas ao desejo
inerente de poder do Homem resultavam numa busca incessante de dominação e
exaltação perante outros. Tal comportamento gerava insegurança, medo e angústia, para
resolver tal, o Homem teria que se unir.
Na visão de Hobbes esta “associação” é complicada, pois Hobbes retira ao
Homem a sua caraterística social inata que outros autores como Locke lhe atribuem. E
então afirma “Toda associação, portanto, ou é para o ganho ou para a glória - isto é: não
tanto para o amor de nossos próximos, quanto pelo amor de nós mesmos” (Hobbes 2002
:26) Que o homem apenas se associa em troca de algo, fruto da sua essência egoísta.
Não sendo o Homem sociável naturalmente, o teria de ser por vias de um pacto.
Para que o “pacto” funcione, o Homem teria de abdicar dos seus direitos e
liberdades naturais em troca da segurança e paz

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a primeira lei natural do homem é a da autopreservação, que o induz a impor-se sobre os demais; por isso
a vida seria uma ‘guerra de todos contra todos’ (bellum omnium contra omnes), na qual ‘o homem é o
lobo do homem’ (homo homini lúpus). Para construir uma sociedade, o homem tem que renunciar a parte
de seus direitos e estabelecer um ‘contrato social’, garantido pela soberania. (Hobbes 2002: 170)

O soberano seria o responsável por manter a segurança e paz, e agiria como um


fiscal de cumprimento do Contrato Social.

Quando já estiver instituído um poder soberano, portanto, só será possível haver outro representante das
mesmas pessoas para determinados fins particulares, definidos pelo próprio soberano. Caso contrário,
instituir-se-iam dois soberanos, tendo cada um sua pessoa representada por dois atores, os quais se
oporiam um ao outro, e assim necessariamente dividiriam esse poder que, para que o povo possa viver em
paz, tem que ser indivisível. Assim, a multidão seria levada a uma situação de guerra, contrariamente ao
fim para que é instituída toda soberania. (Hobbes 1651: 65)

Hobbes insiste na indivisibilidade da soberania, denotando o seu caráter


totalitarista. Este justifica o totalitarismo como forma de assegurar a paz e harmonia na
soberania e no povo, pois mediante a sua máxima de “o Homem é o lobo do Homem”, o
Homem sem alguém a controlá-lo acabaria por retornar ao Estado de Natureza. Para que
tal não aconteça o soberano deve cumprir os seus deveres, como explicita Weide (2012:
32):

O soberano deve proporcionar aos súditos aquilo para que se instituiu o Estado: a segurança. A segurança
do povo não é somente a conservação da vida dos súditos contra todos os perigos, é também o deleite das
satisfações legítimas desta vida, como viver feliz ou menos feliz, tanto quanto o permite a condição
humana. Também é obrigação do soberano assegurar aos súditos um sentimento, mesmo que aparente, de
liberdade.

Cabe assim ao soberano o poder total do julgamento do que é justo ou injusto,


bem ou mal, certo ou errado, sendo que a última palavra do soberano é definitiva. A
legitimidade deste poder advém do consentimento do súbdito, como tal, o súbdito detém
o dever e liberdade de praticar todos os atos não proibidos por lei.

O medo e a liberdade são compatíveis: como quando alguém atira seus bens ao mar com medo de fazer
afundar seu barco, e apesar disso o faz por vontade própria, podendo recusar fazê-lo se quiser, tratando-
se, portanto, da ação de alguém que é livre. Assim também às vezes só se pagam as dívidas com medo de
ser preso, o que, como ninguém impede a abstenção do ato, constitui o ato de uma pessoa em liberdade. E
de maneira geral todos os atos praticados pelos homens no Estado, por medo da lei, são ações que seus
autores têm a liberdade de não praticar. (Hobbes 1651: 191)

Estando expostas as bases para um bom funcionamento do Estado, Hobbes avisa


que a degeneração deste Estado adviria da divisibilidade de poder imposta pelas
crenças/religião, pois existindo uma forma de haver dúvidas das decisões soberanas,

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existe um enfraquecimento de autoridade e consequentemente um retorno à anarquia do
Estado de Natureza. (Hobbes 2002: 242)
O título “Leviatã” representa esta teoria. Leviatã é uma figura bíblica, descrita
como um monstro cruel e maldoso, porém defende os peixes e os animais que são
vítimas de predadores. Esta figura mitológica representa o Estado, uma criatura gigante
formada com o intuito de defender e proteger.

3. Contratualismo de Rousseau

Rousseau foi um pensador iluminista do séc. XVIII. Teve um impacto profundo


na ordem da política, tendo fundado as bases da democracia que vivemos atualmente,
apesar de apresentar como mais viável a democracia direta, como na Grécia Antiga, ao
invés da democracia representativa que presenciamos.
Este inicia a sua teoria com a análise do Homem no Estado Natureza, assim
como Hobbes, porém, ao contrário de Hobbes, Rousseau atribui ao Homem Primordial
as caraterísticas de “sensitivo” e não racional, além de solitário e instintivo, assim como
pacífico. Este considera todos os animais como seres sensitivos que apenas procuram a
autoconservação e a preservação da espécie em geral, porém, de forma a distinguir o
Homem do resto dos seres, Rousseau admite que existem duas caraterísticas inerentes
ao Homem: liberdade e perfetibilidade. (Rousseau 2020: 59)
Relativo à liberdade, Rosseau aponta esse conceito como virtual no Homem e
afirma que este apenas se aplica quando o instinto de sobrevivência já não serve para
garantir a segurança do Homem no seu estado natural. Irei exemplificar:

- Imaginemos que o Homem, ser solitário e instintivo, fosse forçado a colidir


com uma catástrofe natural, caso não fosse livre de se rebelar contra o seu instinto,
pereceria. Ao se rebelar contra o seu instinto, associa-se a outros Homens de forma a
ultrapassar os limites naturais impostos.

Referente à perfetibilidade, Rosseau justifica tal com a criação de uma


linguagem articulada, visto que tal qualidade não se presenciou em mais nenhum ser.

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Mediante estas bases, o Homem foi capaz, quase que “obrigado”, de iniciar a Sociedade
de forma complexa e contrariar o seu instinto inicial.

Considero que os homens atingiram aquele ponto em que os obstáculos que prejudicam a sua conservação
no estado de natureza levam a melhor, pela resistência, sobre as forças que cada individuo pode empregar
para se manter neste estado. Então esse estado primitivo já não pode subsistir e o género humano
pereceria se não modificasse a sua maneira de ser.
Ora, como os homens não podem engendrar novas forças, mas somente unir e dirigir as que existem, não
dispõem de outro meio para se conservar que não seja o de formarem, por agregação, uma soma de forças
que possa levá-los a vencer a resistência, de as porem em jogo e de fazer que elas actuem (s.i.c.)
concordantemente.(Rosseau 1981: 21)

Inicia-se a Sociedade através de um género de Contrato Social,


inconscientemente e conscientemente à semelhança dos outros contratualistas.
Rosseau também afirma que, com a Sociedade, a História e a Cultura iniciam,
após o desencadeamento da liberdade e igualdade moral e política que substituem a
liberdade e desigualdade física existente no estado natural, afirmando que essas são as
verdadeiras formas de liberdade pois necessitam que o Homem entenda que tudo o que
faz tem efeitos noutro. Estabelece-se assim uma série de regras morais de forma a
respeitar a liberdade moral comum a todos. O Homem, a partir do momento que se
associa, fica a dever obediência a tais leis de forma a garantir a estabilidade.
(Monteagudo 2004: 55)

Apesar de Rosseau ver na Sociedade a resolução de inúmeros problemas, ele


aponta tal como a criação de outros inúmeros problemas como:

- A guerra:

Pela simples razão de que os homens, vivendo no seu primitivo estado de independência, não têm entre
eles uma relação assaz constante para conduzir quer ao estado de paz, quer ao estado de guerra, não são
naturalmente inimigos. (…)

A guerra nunca é pois uma relação de homem para homem, mas uma relação de Estado para Estado, na
qual os particulares são inimigos apenas acidentalmente, não como homens, nem mesmo como cidadãos,
mas como soldados;(…) Enfim, cada Estado não pode ter como inimigos senão outros Estados e não
homens, dado que entre coisas de natureza diversa não se pode fixar uma verdadeira relação”
. (Rosseau 1981: 17-18)

-A desigualdade na forma de “Governos maus”, derivando da propriedade:

“Sob a autoridade de governos maus, esta igualdade é apenas aparente e ilusória,


pois só serve para manter o pobre na sua miséria e o rico na sua ilegítima usurpação.

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(…)” (Rosseau 1981: 29), afirmando assim que as desigualdades dentro de uma
Sociedade liderada por “um governo mau” derivam da diferença de valor na
propriedade, dividindo assim o povo em estratos económico. Tal resulta em conflitos e
complicações.

Após a criação do Estado para regular e assegurar os direitos, igualdade e


liberdade, Rousseau afirma que este se deve movimentar e atuar consoante a “Vontade
Geral”, um poder moral e legislativo que deriva da igualdade entre os homens que
sempre buscam o bem comum, o Homem associa-se como numa família (fraternidade).
Para tal, Rousseau afirma que de forma a obter sempre o melhor resultado é necessário
que o povo seja instruído e educado de acordo com a máxima “pelo bem comum”,
exaltando o patriotismo. Assim revela-se a estrita relação entre a educação e política em
Rosseau, a base do Nacionalismo (Weide 2012: 43).

Denota-se então que o Contratualismo de Rousseau, em oposição ao de Hobbes,


foca a soberania na vontade geral do povo e é exercida através de Leis, do Estado e do
Governo que assentam nos princípios anteriormente expostos

(…) só a vontade geral pode dirigir as forças do Estado de acordo com a finalidade da sua instituição, que
é o bem comum (…) é unicamente na base desse interesse comum que a sociedade deve ser governada.
Quero, portanto, dizer que, não sendo a soberania outra coisa senão o exercício da vontade geral, ela
nunca poder ser alienada, e que o poder soberano, que é uma pessoa colectiva (s.i.c.), não pode ser
representado senão por ele próprio. (Rosseau 1981: 30)

Rousseau sustenta assim a indivisibilidade de poderes característico da sua


doutrina, o Estado, O governo e a Lei são partes de um todo e não podem existir uma
sem a outra.
Estas bases fundamentaram a Revolução Francesa e causaram ímpeto ao Nacionalismo,
pois assentam nos ideais: igualdade, fraternidade e liberdade.

4. Contratualismo de Locke

Locke, assim como os outros contratualistas, defendia que o Homem nos seus
primórdios vivia num Estado Natureza. Esse Estado de Natureza, para Locke, era uma
situação real e histórica pela qual toda a Humanidade havia passado e inclusive alguns

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povos ainda residiam nesse estado, ele faz referência às tribos americanas (situamos esta
afirmação cronologicamente, sendo que o período da sua vida foi de 1632 a 1704).
Essa condição é anterior à formação de sociedade, então o homem vivia em
plena liberdade de ação, sem qualquer lei ou pressuposto que não fosse os seus direitos
naturais:

Para compreender corretamente o poder político e depreende-lo de sua origem, devemos considerar em
que estado todos os homens se acham naturalmente, sendo este um estado de perfeita liberdade para
ordenar-lhes as ações e regular-lhes as posses e as pessoas tal como acharem conveniente, nos limites da
lei da natureza, sem pedir permissão ou depender da vontade de qualquer outro homem ( Locke 1998:
383-384 )

Sendo que esses direitos naturais consistiam numa série de “leis naturais” às
quais o Homem, apesar de livre de leis, iria ter de respeitar:

O estado de natureza tem uma lei de natureza a governá-lo e que a todos submete; e a razão, que é essa
lei, ensina a todos os homens que apenas a consultam que, sendo todos iguais e independentes, nenhum
deve prejudicar a outrem na vida, na saúde, na liberdade ou nas Posses. [...] (Locke 1998: 384-385)

Essas leis incidiam no direito à saúde e à vida, no direito à posse, no direito à


liberdade e no direito a não prejudicar outros na sua vida. A regulação destes direitos,
na ausência de Estado e Sociedade, seria feita pelo próprio Homem:

E para evitar que todos os homens invadam os direitos dos outros e que mutuamente se molestem, e para
que a lei da natureza seja observada, a qual implica na paz e na preservação de toda a humanidade,
coloca-se, naquele estado, a execução da lei da natureza nas mãos de todos os homens, por meio da qual
qualquer um tem o direito de castigar os transgressores dessa lei numa medida tal que possa impedir a sua
violação. Isso porque a lei da natureza, corno quaisquer outras leis que digam respeito aos homens neste
mundo, seria vã se não houvesse ninguém nesse estado de natureza que tivesse o poder para pôr essa lei
em execução e deste modo preservar o inocente e restringir os infratores (Locke 1998: 389)

Descrevendo o Estado Natureza como um ambiente de perfeita liberdade e ação,


Locke atribui ao Homem o poder judicial e executivo e admite que:

(…) a natureza vil, a paixão e a vingança os levarão longe demais na punição dos demais, da qual nada
resultará além de confusão e desordem e, portanto, Deus certamente designou o governo para conter a
parcialidade e a violência dos homens. Admito sem hesitar que o governo civil é o remédio adequado
para as inconveniências do estado de natureza, que certamente devem ser grandes quando aos homens é
facultado serem juízes em suas próprias causas, pois é fácil imaginar que aquele que foi injusto a ponto de
causar injúria a um irmão dificilmente será justo o bastante para condenar a si mesmo por tal(Locke 1998:
391-392)

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Assumindo que o Homem, ser carregado de subjetividade, jamais seria capaz de
aplicar a imparcialidade necessária à justiça, pois ele descreve o estado natureza um
estado de liberdade, mas não de licenciosidade.
Nasce então a necessidade de uma entidade reguladora que discipline as relações
interpessoais, entidade que ele dá o nome de Governo Civil, indiciando a necessidade
inerente ao Homem de viver em Sociedade, como diz Locke: “ tendo feito o homem
uma criatura tal que, segundo seu próprio juízo, não lhe era conveniente estar só,
colocou-o sob fortes obrigações de necessidade, conveniência e inclinação para
conduzi-lo para a sociedade” (Locke 1998: 451)

Porém depara-se com outro problema: existindo então a necessidade de uma


entidade reguladora. E de que forma esta não irá interferir com os direitos naturais do
Homem? Sendo que estes apenas podem ser “tocados” com o consentimento dele? A
resposta para isto, segundo Locke, reside na sua vertente: o Contratualismo. Um
pacto/contrato social que una o Homem numa Sociedade visando sempre o bem
comum:

A única maneira pela qual uma pessoa qualquer pode abdicar de sua liberdade natural e revestir-se dos
elos da sociedade civil é concordando com outros homens em juntar-se e unir-se em uma comunidade,
para viverem confortável, segura e pacificamente uns com outros, num gozo seguro de suas propriedades
e com maior segurança contra aqueles que dela não fazem parte (Locke 1998: 468)

Uma cedência conjunta, por partes dos membros da “sociedade”, de forma a


obter segurança, organização e paz, submisso à determinação da maioria, adquirindo
assim legitimidade e sentido.

Deve-se entender, portanto, que todos aqueles que abandonam o estado de natureza para se unirem a uma
comunidade abdicam, em favor da maioria da comunidade, a todo o poder necessário aos fins pelos quais
eles se uniram à sociedade, a menos que tenham expressamente concordado em qualquer número superior
à maioria. E isso ocorre simplesmente pela concordância em unir-se em uma sociedade política, em que
consiste todo o pacto existente, ou que deve existir, entre os indivíduos que ingressam num corpo político
ou o formam. Por conseguinte, o que inicia e de fato constitui qualquer sociedade política não passa do
consentimento de qualquer número de homens livres capazes de uma maioria no sentido de se unirem e
incorporarem a uma tal sociedade. E é isso, e apenas isso, que dá ou pode dar origem a qualquer governo
legítimo no mundo (Locke 1998: 472)

Nasce assim o chamado pacto/contrato social, o primeiro passo do homem em


superar os problemas do estado de natureza, que no ponto de vista de Locke o seu fim
principal seria garantir liberdades e bens(propriedade): “E não é sem razão que ele

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procura e almeja unir-se em sociedade com outros que já se encontram reunidos ou
projetam unir-se para a mútua conservação de suas vidas, liberdades e bens, aos quais
atribuo o termo genérico de propriedade (Locke 1998: 495). “

Esta necessidade de regularização de propriedade parte do constante conflito


entre os Homens em definir os limites de “propriedade”, sendo que no início “tudo era
de todos”
deu continuidade à justificação clássica da propriedade privada, declarando que
o mundo natural é a propriedade comum de todos, mas que ninguém pode simplesmente
tomar aquilo que pretende sem antes considerar o bem comum ou o consentimento do
outro, o que revela o anseio por uma nova ordem social (Weide 2005: 35)

Assim nasce o Estado, que no ponto de vista de Locke possui soberania limitada
e somente reguladora, esta base origina o Liberalismo, caso o Estado se impusesse ao
povo e sua vontade, este teria o direito de se revoltar
O Estado deve promover o bem geral. O governo não pode ser tirânico,
patriarcal. Se for, precisa ser derrubado pelo povo. O estado não pode ser baseado na fé
ou na religião. A figura do governante é necessária para assegurar a validade do pacto
social, mas o direito vem do povo, não da religião. O governante é submisso às leis e
não pode tudo. Se falhar, o povo tem direito à revolução. Com isso, Locke rompe com a
tradição de que o poder do governante vem de Deus ou de uma instituição religiosa,
contrapondo a vontade popular. Essa ideia teve papel importante na construção de uma
educação pública e da democracia moderna. Locke foi fundador do liberalismo
constitucional e propôs um Estado submetido a um contrato social. Para Locke, o direito
natural à propriedade, fruto do trabalho, é o fundamento e o valor econômico vital deste
trabalho. Locke em sua teoria divide os poderes em legislativo e executivo necessários
para garantir a validade e execução da lei. (Weide 2005: 36)

Denotamos a ampla oposição a Hobbes, que afirmava que o soberano jamais


poderia ser questionado, porém ambos concordam na separação da religião da
soberania, pois ambos acreditavam que a fé e a religião eram demasiado subjetivas e
voláteis para possuírem o poder de decidir o rumo da Sociedade.

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As bases do contratualismo de Locke são a liberdade, a propriedade e o direito
de viver, tais bases inspiraram a Declaração da Independência dos Estados Unidos da
América.

5. Crítica ao Contratualismo de Hobbes, Rousseau e Locke

1. Todos os Contratualistas viram a necessidade de observar o “estado


primitivo” para conseguirem uma análise concreta da Sociedade e Estado e consequente
legitimação, “um estado que não existe, talvez nunca tenha existido, no entanto, é
preciso ter noções para julgar corretamente o presente.” (Rosseau 2020: 40)
“Ao examinar a sociedade, todos os filósofos sentiram remontar até ao estado
natureza, mas fizeram-no transferindo ideias exclusivas da sociedade, atribuindo ao
homem selvagem caraterísticas de um homem civilizado” (Aramayo 2020: 2)
Tal como Aramayo afirma, esses filósofos caíram no erro de relativizar e
idealizar o homem selvagem, alcançando, então, conceitos insatisfatórios, irrealistas e
algo contraditórios

2. Hobbes e a sua teoria incidem no absolutismo, utilitarismo, individualismo e


materialismo. O seu conceito de contratualismo no panorama atual é
completamente arcaico, desatualizado e vago (Laskar 2005: 7). Claramente,
existe a necessidade de contextualizar a sua obra, sendo que este viveu durante a
guerra civil Inglesa, assombrado pelo caos, anarquia e guerra, revelou-se
tendencioso para o absoluto controlo do povo pelo soberano.

3. Hobbes demonstra falta de coerência ao propor o total poder do soberano, pois


ao afirmar que o povo deve respeitar as leis estabelecidas, retira poder ao
soberano e atribui às leis. A premissa correta deveria ter sido “O soberano é a
lei”, pois o poder absoluto concentrado numa só autoridade traz arbitrariedade
(Laskar 2005: 7)

4. O conceito de Locke de Estado de natureza é vago como qualquer conflito em


matéria de propriedade. Conduz sempre à destruição. Consequentemente não

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pode haver uma sociedade em paz se existe um estado de conflito constante no
que respeita à propriedade.

5. Rousseau propôs que o Estado, a lei e o governo são indivisíveis, mas isto no
presente cenário é diferente. Mesmo que o governo possa ser derrubado, o
Estado não o é. Um Estado existe, mesmo não havendo governo, pois o Governo
é apenas um mecanismo executivo. Presenciamos isso sempre que o Governo
muda consoante as eleições. Esta incongruência de Rousseau deve-se ao carater
direto da Democracia apresentada por ele, porém tal só era possível, pois os
Cidadãos que “eram participantes da autoridade soberana” (Rousseau 1981: 23)
teriam que ser homens maiores de 21 anos, nascidos naquele território, o que
estreitava o número de ativos no exercício da soberania. Atualmente, após o
Boom Demográfico e uma maior consciencialização dos direitos e igualdade do
Homem, incluímos no dever político as mulheres, imigrantes nacionalizados,
etc. o que aumenta consideravelmente os participantes políticos e impossibilita
coerência e ordem política.

Conclusão

Denoto, com este artigo, que apesar do contributo imenso destes contratualistas na
formulação de um regime que se mostre mais proveitoso para o Homem, estes mostram
conceitos vagos e desatualizados no panorama atual. Porém, não haveria maneira de
estes adivinharem a evolução e rumo do Homem. Contextualizando temporalmente, as
suas obras são de pura genialidade, pois retratam realidades políticas que abriram um
novo leque de possibilidades ao influenciar as gerações que os precederam. Inspiraram a
Declaração da Independência, a Revolução Francesa, legitimaram a soberania do Estado
e a formação da sociedade, impuseram um método na Filosofia Política. É impossível
não considerar estas três personalidades como um marco na Política, sem elas,
provavelmente não teria existido a Revolução Francesa ou Americana e ainda
viveríamos nas garras do Feudalismo.

Referências Bibliográficas

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Contratualismo”. Coimbra: Centro de Estudos Sociais de Coimbra.
Weide, Darlan (2012): “Os Contratualistas: Hobbes, Locke e Rousseau”. In: Adnilson Silva, Darlan
Weide & Ernando Gonçalves Júnior, Filosofia da Educação no Brasil: Conceitos e Contextos. Paraná.

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