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Organização Judiciária

Introdução

1. Conceito e Objeto da Organização Judiciária


A organização judiciária é constituída pelo conjunto dos órgãos aos quais, nos termos
constitucional e legalmente previstos, compete administrar a justiça, que são os tribunais; o
acervo das normas que regulam a estrutura desses órgãos onde designar-se como
“ordenamento judiciário”.
Artigo 19º n.1 do TUE.

Não se ignora a importância particular de que se reveste o instituto do “reenvio


prejudicial” para o TJUE, que se traduz num instrumento de cooperação entre os tribunais
dos Estados-Membros e o TJUE. A competência desse tribunal está prevista no artigo 19º n.3
al. b) do TUE e no artigo 267º do TFUE.
“Interpretação dos tratados” ou “a validade e interpretação dos atos adoptados pelas
instituições, orgãos ou organismos da União”, solicita-se ao TJUE que se pronuncie sobre
elas.

Reconduzem-se ao objeto da organização judiciária, designadamente: a determinação e


enumeração das categorias de tribunais existentes, da respetiva sede e da área onde exercem a
parcela do poder jurisdicional que lhes é reconhecida conferida; a divisão do território em
circunscrições para o efeito do exercício dessa fatia de jurisdição; a relação que intercede
entre os tribunais, no seu conjunto, e os outros órgãos de soberania, entre os diversos
tribunais pertencentes à mesma ordem jurisdicional e entre as diferentes unidades
jurisdicionais em que, porventura, se ache desdobrado cada tribunal; a hierarquização dos
tribunais para efeito de recurso; os critérios de repartição da jurisdição e da competência
entre as diferentes ordens de tribunais e entre os diferentes tribunais integrados numa mesma
categoria, respetivamente; o modo como estes estão organizados e o seu funcionamento; a
identificação dos tribunais ou juízos de competência especializada e de competência
genérica; o estatuto dos juízes e dos magistrados do Ministério Público que exercem as suas
funções nos diferentes tribunais, em especial, as garantias de que gozam, a forma como são

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nomeados ou eleitos e por que órgãos; a composição e as competências das secretarias dos
tribunais e do Ministério Público, nas quais o expediente e a tramitação dos processos são
assegurados pelos oficiais de justiça.

2. Noções Fundamentais
2.1. Tribunais

Artigos 202º n.1, 203º, 215º e 217º da CRP; conseguimos extrair da nossa lei
fundamental a seguinte definição de tribunais: são órgãos de soberania, dotados de
independência, aos quais compete administrar a justiça, por intermédio dos juízes para eles
nomeados ou designados, em nome do povo.
São quatro os elementos caracterizadores da noção de tribunais:
A) trata-se de órgão de soberania, a par do PR, da AR e do Governo (Arts 2º e 110º n.1
da CRP);
B) São órgãos estaduais dotados de independência (art 203º da CRP), tanto em face dos
outros poderes do Estado como entre si, salvo no que respeita às decisões proferidas em
via de recurso por tribunais superiores;
C) Têm a seu cargo a função jurisdicional (artigo 202º n.1 da CRP), cujo exercício lhes
pertence de modo exclusivo, através dos juízes para eles nomeados ou designados,
estando vedado aos restantes órgãos de soberania e a quaisquer outros órgãos estaduais. O
seu exercício pode concretizar-se na “defesa dos direitos e interesses legalmente
protegidos dos cidadãos” em “reprimir as violações da legalidade democrática” e em
“dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”. Isso não significa que cada uma
das categorias de tribunais estaduais administre a justiça com vista à prossecução de todas
essas finalidades, nem que a função jurisdicional se esgote na realização desses fins; e
também não exclui a possibilidade de atribuição aos tribunais de funções de natureza não
jurisdicional.
D) Os tribunais administram a justiça “em nome do povo”, referência ao facto de não
serem eles os titulares de soberania — pertencendo esta ao povo (artigos 2º, 3º n.1 e 108º
da CRP).

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A noção vista vale somente para os tribunais estaduais. Se quisermos englobar os


tribunais arbitrais, que constituem uma jurisdição não estadual cuja existência é admitida pela
própria CRP (artigo 209º n2), teremos de adotar um conceito mais amplo. Poderemos definir
os tribunais como órgãos aos quais compete o exercício da função jurisdicional.

2.2. Jurisdição

A jurisdição tanto pode ser referida a todos os tribunais portugueses — sendo que, neste
caso, designa o poder de julgar, constitucionalmente atribuído ao conjunto de tribunais
existentes na ordem jurídica portuguesa (artigo 202º n.1 e 2 da CRP), por contraposição ao
poder dos órgãos que exercem as outras funções do Estado e aos tribunais de outros países;
equivale a poder jurisdicional, que é exercido pelos órgãos que desempenham a função
jurisdicional (os tribunais) — como reportara-se a uma certa categoria ou ordem de tribunais
— sendo que, aqui, a jurisdição índia o poder de julgar os conflitos de interesses que a CRP e
alei põem a cargo de cada uma das ordens de tribunais; neste sentido, fala-se da jurisdição
cível e criminal e da jurisdição administrativa e fiscal.
Estas duas acepções de jurisdição têm acolhimento implícito no artigo 109º n.1 do CPC,
que refere as situações em que se verificam conflitos de jurisdição. Eles ocorrem “quando
duas ou mais autoridades, pertencentes a diversas atividades do Estado, ou dois ou mais
tribunais, integrados em ordens jurisdicionais diferentes, se arrogam ou declinam o poder de
conhecer da mesma questão”.

2.3. Competência

O poder jurisdicional é exercício pelos tribunais dos diferentes países; aos tribunais
portugueses apenas cabe a resolução de uma parte dos litígios que ocorrem no mundo. De
forma imprópria designa-se por competência internacional dos tribunais portugueses a
parcela do poder jurisdicional que lhes é atribuída, no seu conjunto, por contraposição à que
pertence aos tribunais não nacionais.
A competência interna tem a ver com a parcela desse poder atribuída a cada uma das
espécies de tribunais pertencentes a determinada ordem jurisdicional, a cada um dos tribunais

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que dela fazem parte ou aos diversos juízos em que alguns deles se desdobram. Daí resulta a
qualificação como conflitos de competência, no nº. 2 do artigo 109º do CPC, daqueles
conflitos que ocorrem “quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se
consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão”.

Mas uma coisa é a competência abstrata e outra é a competência concreta do tribunal ou


de alguma das “unidades operativas” em que se desdobra para julgar determinada ação, de
certo tipo.

2.4. Instância e grau de jurisdição

Para efeito do disposto no Título II do Livro II do CPC (artigos 259º a 291º), a instância
consiste na relação jurídica processual, que se estabelece e desenvolve entre cada uma das
partes e o tribunal. Tem início com a proposição da ação, que se verifica logo que a respetiva
petição inicial seja recebida na secretaria do tribunal (artigo 259º n.1 do CPC), ainda que a
relação processual só fique completa com a citação do réu, que torna estáveis os elementos da
causa, sem prejuízo das modificações admitidas na lei (artigos 260º e 564º al. b do CPC); e
extingue-se por qualquer das causas previstas no artigo 277º do CPC.
Os tribunais em que a ação deve ser proposta, apreciada e decidida, de facto e de
direito, através da sentença, pela primeira vez, são denominados de “tribunais de primeira
instância”.
A decisão proferida por qualquer desses tribunais nem sempre tem caráter definitivo.
Em matéria cível, pode ser impugnada, nos termos legais, em via ordinária, mediante
recurso de apelação, a interpor pela parte principal vencida. Ainda que a apelação seja
considerada como novo procedimento, dentro da mesma relação processual, os tribunais
competentes para julgar esses recursos — ou seja, para conhecer do litígio após uma decisão
anterior proferida por um tribunal pertencente à mesma ordem, mas hierarquicamente inferior
— são qualificados como “tribunais de segunda instância”, assumindo aqui o termo
“instância” o sentido de “grau de jurisdição”, o que faz com que esses tribunais
correspondam ao “2º grau de jurisdição”. Existem nos casos em que seja admitido esse

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recurso, duas instâncias ou dois graus de jurisdição, mas um só grau de apelação, uma vez
que o STJ é, em regra, apenas um tribunal de revista.

2.5. Alçada

Os tribunais judiciais, em matéria cível, e os tribunais administrativos e fiscais possuem


alçada.
Entende-se por alçada o limite de valor até ao qual o tribunal, em regra, decide sem que
seja admitido recurso ordinário.
A importância de conhecer tal limite de valor reside no facto de apenas ser admitida a
interposição de recurso ordinário de decisão proferida em ação de valor superior à alçada do
tribunal de que se recorre. Convém deixar desde já a advertência de que isso pode não bastar
para que seja admissível recurso ordinário: quer porque a lei processual civil e administrativa
também fazem depende a sua admissibilidade do valor da sucumbência, quando não haja
“fundada dúvida” acerca dele quer porque o recurso ordinário pode, ainda, estar excluído por
outras ordens de razões.
A alçada de um tribunal não se confunde com a sua competência para conhecer e
decidir as ações. A circunstância de o valor de uma causa exceder a alçada do tribunal em que
é instaurada não o torna incompetente para dela conhecer; significa, tão-só, que a decisão
proferida a final é susceptível de recurso ordinário, não constituindo a resolução definitiva do
caso.

3. Fontes do ordenamento judiciário português


3.1. Constituição da República

Os tribunais (em sentido estrito) são órgãos de soberania. É a própria CRP que tem de
proceder à definição da sua formação, da sua composição, da sua competência e do seu
funcionamento (art 110º n.2 CRP).
Nos artigos 209º e ss da CRP estão disciplinados alguns aspetos fundamentais da
organização dos tribunais portugueses — art 209º n.1 a 3; arts 209º n.4 e 213º; art 210º; art

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211º; art 212º; art 214º; arts 215º a 217º; art 218º; art 219º; art 220º; art 221º; art 222º; art
223º; art 224º.

3.2. Diplomas legais e regulamentares

A escassez e auto-limitação dos preceitos constitucionais referentes à organização


judiciária torna necessária uma disciplina pormenorizada da matéria na legislação ordinária e
em diplomas de caráter regulamentar.

4. Categorias de Tribunais previstas na CRP

A CRP prevê a existência de diversas categorias de tribunais estaduais, assim como de


tribunais que não têm essa natureza.

4.1. Tribunais Estaduais

Art 209º CRP; este preceito legal prevê a possibilidade de existirem tribunais marítimos
e julgados de paz e alude aos tribunais militares (art 213º CRP - vigência do estado de
guerra), determina a existência das seguintes categorias de tribunais, que acrescem ao
Tribunal Constitucional: o Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais judiciais de primeira e
segunda instância; o Supremo Tribunal Administrativo e os demais tribunais administrativos
e fiscais; e o Tribunal de Contas. Consagra-se uma pluralidade de jurisdições.

4.2. Tribunais Arbitrais

A CRP admite a possibilidade de existirem tribunais arbitrais (art 209º n.2); a lei tem
vindo a promover o recurso à arbitragem, enquanto meio ou procedimento de “resolução
alternativa de litígios”. Faculta-se aos interessados um mecanismo de realização da justiça
mais célere, mais flexível e menos formalista do que aquele a que obedece a “justiça normal”,
pautado pela confidencialidade, e no qual assume particular relevância a especialização
técnica dos juízes-árbitros, a fim de descongestionar os tribunais.

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5. A Independência dos Tribunais e os seus sentidos

O artigo 203º da CRP aborda a independência dos tribunais, nos termos do qual “os
tribunais são independentes” e “apenas sujeitos à lei”.
Art 22º da LOSJ — categorias dos tribunais estaduais; art 2º do ETAF — para tribunais
administrativos e fiscais; art 7º n.1 da LOPTContas (“o Tribunal de Contas é independente”).
O juízes, cujos administram a justiça nos tribunais, são igualmente independentes; a
independência destes parece estar implícita na dos tribunais.
A “independência dos tribunais” deve ser entendida, em primeira linha, como uma
concretização do princípio da separação de poderes entre os órgãos de soberania (art 111º n.1
da CRP9, e como ausência de subordinação do poder judicial a qualquer outro poder do
Estado (independência externa). Os tribunais não têm cabimento a “interdependência”, na
medida em que eles “apenas estão sujeitos à lei” — “lei” engloba todas as normas que
vigoram na ordem jurídica portuguesa.
Em segundo lugar, a independência dos tribunais tem de ser vista na plano das relações
entre eles: os tribunais são “independentes entre si” (independência interna), quer no que
respeita às diferentes categorias ou ordens de tribunais quer dentro de cada uma desassoreeis
jurisdicionais — quando a mesma integre vários tribunais, cada um deles é independente dos
restantes; o mesmo vale no modelo de organização dos tribunais das comarca consagrados na
LOSJ, para a relação entre os diversos juízos de qualquer desses tribunais, de competência
especializada ou de competência genérica.
Nenhum tribunal está sujeito a diretivas, ordens ou instruções emitidas por outro; as
relações de hierarquia apenas implicam o dever de acatamento, por parte dos tribunais
inferiores, no caso concreto, das decisões proferidas em via de recursos pelos tribunais
superiores.

6. A Independência dos Juízes e as suas garantias

À independência dos tribunais acresce a independência dos juízes, implícita, na medida


em que são os juízes que procedem ao julgamento das questões submetidas à apreciação dos

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tribunais e determinam a execução das suas decisões; são os juízes que administram a justiça
(arts 202º n.1 e 2 e 221º da CRP; art 2º n.1 da LOSJ; art 1º n.1 ETAF; art 3º n.1 do EMJ).
A independência dos juízes está expressamente consagrada na própria CRP (art 222º
n.5) para os juízes do Tribunal Constitucional (art 22º da LOFPTConstitucional). No artigo 4º
da LOSJ encontra-se estabelecidos — com autonomia em relação à “independência dos
tribunais” — para os juízes de todas as categorias de tribunais estaduais; art 4º n.1 do EMJ
para os juízes dos tribunais judiciais; art 3º da Lei n. 101/2003, de 15 de novembro, para os
juízes militares.
Da conjugação desses preceitos resulta que a independência dos juízes se traduz no
facto de eles julgarem apenas “segundo a CRP e a lei” e sem estarem “sujeitos a ordens ou
instruções” salvo no que toca ao “dever de acatamento das decisões proferidas em via de
recursos por tribunais superiores”.
Apesar de na LOPTContas (art 8º n.2) se incluir a não sujeição dos juízes a “quaisquer
ordens ou instruções” nas garantias de independência, ao determinar que “a independência
dos juízes é assegurada”, por essa não sujeição, parece-nos que ela não reveste tal natureza,
representando o núcleo da própria noção de independência; esta não existe onde e quando a
atuação decisória desses magistrados se encontre exposta, de qualquer forma, à possibilidade
de ingerência de outras entidades ou de outros juízes, nomeadamente, através de ordens ou
instruções que os tenham como destinatários — art 4º n.1 EMJ e art 4º n.1 da LOSJ.
A independência dos juízes é assegurada pela inamovibilidade, pelo princípio da
irresponsabilidade pelas suas decisões, pelo autogoverno e pela existência de um regime de
incompatibilidade.

6.1. A inamovibilidade

A inamovibilidade está associada à ideia de estabilidade no cargo, ainda que não em


termos absolutos, uma vez que os juízes não estão para sempre vinculados ao lugar onde
obtêm a sua primeira colocação; trata-se de uma estabilidade relativa, definida e limitada por
lei.
O n.1 do art 216º da CRP, considera os juízes inamovíveis e estatui que não podem ser
transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei. Donde

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resulta que as exceções a esse princípio são somente as previstas na lei (“reserva de lei”), não
podendo os juízes ser deslocados ou removidos dos seus cargos fora dos casos nela
contemplados.
Há quem sustente que o disposto nesta norma constitucional vale para todos os juízes,
não valendo a 100% para os juízes do Tribunal Constitucional.
A inamovibilidade está expressamente consagrada para estes últimos no art 222º n.5 da
CRP.
A inamovibilidade também não poderá ser entendida nos precisos termos previstos no
n.1 do art 216º no que se refere aos juízes do Tribunal de Contas, por estar igualmente
excluída a possibilidade de transferência (dentro da mesma jurisdição).
Na legislação ordinária, a inamovibilidade está consagrada no art 5º n.1 da LOSJ, sendo
a diferença nos casos em que eles podem ser transferidos, suspensos, aposentados ou
demitidos pelo “respetivo estatuto”. Em relação aos magistrados judiciais, esse alcance do
princípio da inamovibilidade encontra-se reafirmado no artigo 6º do EMJ; e, quanto aos
juízes dos tribunais administrativos e fiscais, encontra-se igualmente no art 3º n.1 do ETAF. A
garantia de inamovibilidade está ainda prevista no art 22º da LOFPTConstitucional e no art 7º
n.2 da LOPTContas.
Alberto Reis “a inamovibilidade nada tem a ver com a duração legal do cargo”, ou seja,
com a natureza vitalícia ou temporária do mesmo. O caráter vitalício da nomeação está
garantido para os magistrados judiciais (art 6º, parte inicial, do EMJ) e para os juízes dos
tribunais administrativos e fiscais (art 3º n.3, parte final, e art 57º do ETAF), mas o mesmo
não se verifica quanto aos juízes do Tribunal Constitucional — cujo mandato tem a duração
de 9 anos e não é suscetível de renovação (art 222º n.3 da CRP) —, não obstante gozarem da
garantia de inamovibilidade (art 222º n.5 CRP e art 22º da LOFPTConstitucional).
Quando os juízes não são nomeados vitaliciamente, a estabilidade inerente ao princípio
da inamovibilidade, para garantir a independência dos juízes, exige que a nomeação ou
designação seja feita “por períodos de tempo certo e determinado” e sem possibilidade de
renovação, a fim de evitar a “insegurança inevitavelmente ligada à incerteza sobre a
renovação da nomeação”.

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6.2. A irresponsabilidade

A irresponsabilidade dos juízes pelas suas decisões constitui igualmente uma garantia
da sua independência. Não tem caráter absoluto: a CRP limita-se a consagrá-la como
princípio, reservando para a lei a determinação dos casos em que, excepcionalmente, os
juízes são responsáveis pelo exercício da sua atividade decisória (art 216º n.2 CRP).
Esta consagração aparece-nos no art 222º n.5 da CRP — como garantia de que gozam
os juízes do TC —, nas leis de organização das diversas categorias de tribunais e no Estatuto
dos Magistrados Judiciais. Ela não é expressamente considerada como forma de assegurar a
independência dos juízes. Parece perfeitamente legítimo duvidar de que possa funcionar
como tal.
O n.2 do artigo 4º da LOSJ estatui que “os juízes não podem ser responsabilizados pelas
suas decisões, salvas as exceções consignadas na lei”; o n.2 do art 3º do ETAF dispõe que “os
juízes da jurisdição administrativa e fiscal podem incorrer em responsabilidade pelas suas
decisões exclusivamente nos casos previsto na lei”; o art 24º da LOFPTConstitucional
contém igualmente a mera enunciação desse princípio, ao dizer que “os juízes do TC não
podem ser responsabilizados pelas suas decisões” remetendo depois para o que se acha
legalmente estabelecido para os juízes dos tribunais judiciais, ou seja, para a disciplina
contida no EMJ; o art 5º deste Estatuto separa a formulação (negativa) do princípio, que
consta do n.1, da referência aos casos em que esses juízes podem incorrer em
responsabilidade e à natureza da mesma, que surge no n.2; o art 7º da LOPTContas, além de
reafirmar a irresponsabilidade dos juízes do TC, incluída nas “garantias de independência”
desse tribunal, decalca o disposto no n.2 do art 5º do EMJ, limitando-se a substituir a
referência a “magistrados judiciais” por “juízes”.
As exceções consagradas na lei referem-se a três espécies de responsabilidade: criminal,
civil e disciplinar; e não à responsabilidade política, que está excluída no nosso ordenamento
jurídico, uma vez que os juízes não respondem perante qualquer órgão de soberania de
caráter representativo, “maxime” a AR.
Dessas normas parece ser possível extrair uma vertente do princípio da
irresponsabilidade que não se encontra no n.1 do art 5º do EMJ, nem em qualquer dos outros

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preceitos legais mencionados: a que se reporta ao exercício das funções próprias dos juízes e
não, apenas, ao conteúdo das decisões que proferem.
O princípio da irresponsabilidade está longe de constituir uma verdadeira garantia
especial dos juízes, que tenha em conta as especificidades das funções que exercem. Sendo
responsáveis criminal, civil e disciplinarmente, nos casos previstos na lei, os juízes
encontram-se na mesma situação dos magistrados do Ministério Público — considerados
responsáveis pela CRP (art 219º n.4), pela LOSJ (art 9º n.2) e no respetivo Estatuto (art 76º
n.1 do EMP) —, no que a essas formas de responsabilidade diz respeito, se ressalvarmos a
diferença decorrente do dever de “observância de diretivas, ordens e instruções recebidas”
que sobre estes recais: a responsabilidade destes “consiste em responderem, nos termos da
lei, pelo cumprimento dos seus deveres e pela observância das diretivas, ordens e instruções
que receberem” (art 76º n.2 do EMP).
Não há qualquer diferença entre os juízes e os magistrados do Ministério Público; só
quando tenham agido com dolo ou culpa grave.
Em que se distingue afinal a irresponsabilidade dos juízes da responsabilidade dos
magistrados no Ministério Público?
Parece não haver motivo para se aludir a “irresponsabilidade dos juízes”. Trata-se de
uma pura questão semântica, pois, em bom rigor, os juízes são responsáveis pelos atos
praticados no exercício das suas funções, salvo no que se refere à responsabilidade
meramente civil, que está excluída quando atuem com culpa leve; mas também é assim no
caso dos magistrados do Ministério Público.

6.3. O “autogoverno”

A independência dos juízes, sobretudo perante o poder executivo, é ainda assegurada


pelo denominado “autogoverno” ou pela existência de um órgão privativo de gestão e
disciplina.
No caso dos juízes do Tribunal Constitucional e do Tribunal de Contas pode falar-se de
“autogoverno”, na medida em que cabe a cada um desses tribunais o exercício do poder
disciplinar sobre os respetivos juízes, ainda que se trate de “atos praticados no exercício de
outras funções” (art 25º n.1 da LOFPTConstitucional e arts 7º n.2, 25º e 75º al e) da

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LOPTContas, considerando a remissão para o art 6º n.3 da LOSJ), e a nomeação dos juízes
do TC é da competência do respectivo Presidente, que, por sua vez, é nomeado pelo
Presidente da República (art 133º al m) da CRP e art 74º n.1 al j) da LOPTContas).
O mesmo não pode dizer-se relativamente aos juízes dos tribunais judiciais e aos juízes
dos tribunais administrativos e fiscais. A nomeação, colocação, transferência e promoção dos
juízes, assim como o exercício da ação disciplinar em relação a eles, não pertencem a eles
próprios, mas a órgãos privativos de gestão e disciplina, “constitucionalmente autónomos”,
só em parte constituídos por juízes — o Conselho Superior de Magistratura e o Conselho
Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (arts 217º n.1 e 2 da CRP; arts 6º n.1 e 2,
153º, 155º al a), 160º e 162º al a) da LOSJ; arts 136º e 149º al a) do EMJ; e arts 74º n.1 e 2 al
a) e 75º do ETAF).

6.3.1. Conselho Superior de Magistratura

A composição do CSM é diretamente estabelecida pela CRP, no n.1 do art 218º; e é


referida no art 137º n.1 do EMJ e no art 154º n.1 da LOSJ. Fazem parte do órgão o Presidente
do Supremo Tribunal de Justiça e os seguintes vogais: dois designados pelo Presidente da
República, sete eleitos pela AR e sete juízes eleitos pelos seus pares.
O CSM é constituído por dezassete membros; e a maioria deles é eleita pelos órgãos de
soberania cuja eleição é feita por sufrágio direto; não têm assegurada pela CRP uma presença
maioritária nesse órgão.
O CSM não inclui qualquer membro designado pelo Governo, o que, em princípio,
constitui uma garantia de não ingerência daquele no “governo” de magistratura judicial.

6.3.2. Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais

O CSTAF, cuja composição foi deixada para a lei ordinária (art 217º n.2), é constituído
por onze membros: o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, dois vogais
designados pelo Presidente da República, quatro eleitos pela AR e quatro juízes eleitos pelos
seus pares (art 75º n.1 do ETAF e art 161º n.1 da LOSJ).

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Há também uma maioria de conselheiros cuja designação é efetuada pelos órgãos de


soberania diretamente eleitos. Este conselho superior também não possui uma maioria de
juízes, pois é composto por cinco juízes dos tribunais administrativos e fiscais e por seis
outros juristas.
Não há qualquer membro designado pelo Governo, com significado apontado a respeito
do CSM.

Parece-nos adequada e perfeitamente legitima a qualificação como “autogoverno


mitigado”, tango da magistratura judicial como dos juízes da jurisdição administrativa e
fiscal, dado o temperamento ao carácter puramente profissional da representação nesses
órgãos que é assegurado pela legitimação democrática dos órgãos de soberania aos quais
compete a designação da maioria dos seus membros.

6.4. O regime de incompatibilidades

As incompatibilidades equivalem à consagração da “regra da dedicação exclusiva dos


juízes profissionais”. E parecem não ser postas pela CRP no mesmo plano das outras
garantias de independência (artigo 216º da CRP). O mesmo se verifica no EMJ (art 13º) e na
LOSJ (art 5º n. 2 a 4).
A CRP determina que “os juízes em exercício não podem desempenhar qualquer outra
função pública ou privada”, exceptuando apenas o exercício de “funções docentes ou de
investigação científica de natureza jurídica, não remuneradas” (art 216º n.3 da CRP). O art
222º n.5 da CRP estabelece a sujeição dos juízes do TC “à incompatibilidades dos juízes dos
restantes tribunais”, a quem se aplica o disposto no artigo 216º n.3.
Quanto aos juízes dos tribunais judiciais, a disciplina legal dos termos em que se torna
possível o exercício da mencionada atividade vem a traduzir-se na necessidade de obter
autorização do Conselho Superior da Magistratura para esse efeito (art 13º n.2 do EMJ); e no
caso dos juízes dos tribunais administrativos e fiscais concretiza-se na exigência de
autorização do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (art 3º n.3 e art 57º
do ETAF e o art 74º n.2 al p) do EMJ).

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O princípio da dedicação exclusiva dos juízes às funções próprias do seu cargo encontra
justificação na necessidade de assegurar a sua concentração nessa atividade; mas justifica-se
pela conveniência de evitar a criação de laços de dependência profissional ou económica que
poderiam comprometer a sua independência.
Outra garantia de independência dos juízes — a impossibilidade de nomeação de juízes
para “comissões de serviço estranhas à atividade dos tribunais” sem autorização do respetivo
conselho superior (art 216º n.4 da CRP). Nessa hipótese não está em causa a acumulação de
outra atividade com o cargo de juiz, pois tal nomeação destina-se a permitir o exercício de
outras funções a tempo inteiro.

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Capítulo I

Tribunal Constitucional

8. O Tribunal Constitucional e a sua disciplina autónoma na Constituição

O TC é uma das categorias de tribunais na CRP (art 209º n.1); criado pela Lei
Constitucional nº1/82, de 30 de setembro.
A lei fundamental portuguesa trata dele de forma autónoma, quer em relação às
restantes ordens de tribunais quer relativamente ao sistema de fiscalização da
constitucionalidade (art 277º e ss; art 221º e ss).
Definição do TC - art 221º CRP;
Composição e estatuto dos respetivos juízes — art 222º CRP;
Competência — art 223º CRP;
Remissão da disciplina da sua organização e funcionamento para a lei ordinária — art
224º CRP.
O TC não é “um tribunal como os ouros”, nem “apenas um tribunal”, mas antes “um
órgão constitucional autónomo de regulação do processo político-constitucional”.
O TC não se limita a funcionar como “órgão superioridade da justiça constitucional”,
estando-lhe igualmente cometidas outras tarefas.

9. Composição do Tribunal e mandato dos respetivos juízes

O TC é o único tribunal cuja composição se encontra estabelecida na própria CRP. Nos


termos do art 222º n.1 da CRP, ele é composto por treze juízes (que têm o título de juízes
conselheiros), dos quais seis são obrigatoriamente juízes oriundos de outros tribunais,
enquanto os restantes podem ser quaisquer juristas. Não se exclui a possibilidade de entre
estes sete estarem também juízes de outras categorias de tribunais. A CRP não obriga a que o
TC seja maioritariamente constituído por juízes provenientes de outros tribunais.
Gomes Canotilho e Vital Moreira afirmam não se exigir que eles “sejam juízes dos
tribunais superiores, nem que tenham um determinado tempo de exercício do cargo, nem

OJ DANIELA SIMÕES 15

sequer que sejam juristas (pois é possível haver tribunais em que os juízes não tenham de ser
juristas)”.
Segundo a letra do n.2 do art 222º da CRP, parece que qualquer juiz do Tribunal de
Contas, mesmo que não seja jurista, pode ser eleito pela AR ou cooptado como juiz do
Tribunal Constitucional. Simplesmente, os juízes daquele tribunal, quando não sejam juízes
dos tribunais judiciais ou dos tribunais administrativos e fiscais; 3e o que se pretende com a
exigência de que, pelo menos, seis juízes do TC sejam “juízes dos restantes tribunais” é
assegurar que um número significativo dos juízes que o compõem tenha “a experiência e a
postura específica dos juízes de carreira”. As competências do TC parecem não ser
compatíveis com o exercício das funções de juiz desse tribunal por quem não possua
formação jurídica. Idênticas razões valem para excluir a possibilidade de serem eleitos ou
cooptados para o TC os juízes militares (por força do art 211º n.3 da CRP), nos termos da lei,
fazem parte da composição dos tribunais que julguem crimes de natureza estritamente militar.
Dos treze juízes que compõe o TC, dez são diretamente designados pela AR, enquanto
os restantes três são cooptados pelos primeiros (art 222º n.1 2ª parte da CRP). A eleição
daqueles exige uma maioria de 2/3 dos deputados presentes, desde que superior à maioria
absoluta dos que se encontrem em efetividade de funções (art 163º al h) da CRP e art 16º n.4
da LOFPTConstitucional)
O mandato dos juízes do TC tem a duração de nove anos e não é renovável (art 222º n.3
da CRP e art 21º n.1 e 2 da LOFPTConstitucional). O Presidente e o Vice-Presidente do TC
são eleitos pelos respetivos juízes e exercem funções durante um período igual a metade da
duração do mandato de juiz do TC (ou seja, quatro anos e meio), com possibilidade de
recondução (art 222º n.4 da CRP e arts 36º al a) e 37º n.1 da LOFPTConstitucional).

10. Jurisdição e Sede

O TC “exerce a sua jurisdição no âmbito de toda a ordem jurídica” e a sua sede é em


Lisboa (art 1º da LOFPTConstitucional).
Quanto às matérias compreendidas na sua jurisdição, o art 221º da CRP, qualifica-as
como de “natureza jurídico-constitucional”. Trata-se daquelas que envolvam a interpretação e

OJ DANIELA SIMÕES 16

aplicação das normas constitucionais, fazendo destas “o núcleo essencial de uma questão
jurídica”.
Também exerce jurisdição em matérias que não se reconduzem ao núcleo caracterizador
da sua jurisdição (art 223º n.1 da CRP e art 6º da LOFPTConstitucional), ou seja, à
apreciação da inconstitucionalidade e de certas formas de ilegalidade (“controlo normativo”).
A definição dada pelo art 221º não é inteiramente rigorosa.

11. Organização e funcionamento

O TC está organizado em secções, que são três, não especializadas; cada uma delas é
constituída pelo Presidente ou pelo Vice-Presidente do tribunal e por mais quatro juízes (art
41º n.1 da LOFPTConstitucional.
1ª secção — composta pelo Presidente, pelo Vice-Presidente e por mais três juízes;
2ª secção — composta pelo Presidente e por mais quatro juízes;
3ª secção — composta pelo Vice-Presidente e por mais quatro juízes.
O TC funciona em sessões plenárias e por secções (art 40º n.1 da LOFPTConst).
Em secção, o TC conhece dos recursos e das reclamações em processos de fiscalização
concreta da constitucionalidade ou da legalidade, verificas a regularidade dos processos de
candidatura à eleição do PR, exerce as competências mencionadas no n.2 do art 103º, decide
as impugnações previstas no art 103º-C e 103º-D e as medidas cautelares que delas sejam
preliminar ou incidente.
As restantes decisões são proferidas pelo plenário.
Tanto em plenário como em secção, o TC só pode funcionar se estiver presente a
maioria dos respetivos membros em efetividade de funções, incluindo o Presidente ou o Vice-
Presidente (art 42º n.1 da LOFPTConst); se todos os juízes se encontrarem em efetividade de
funções, o quórum de funcionamento do plenário é de sete membros, enquanto o de cada uma
das secções é de três.

OJ DANIELA SIMÕES 17

12. Competência Fundamental do Tribunal Constitucional

O TC tem como “competência característica e nuclear” a fiscalização da


constitucionalidade e da legalidade das normas jurídicas que constituem a ordem jurídica
portuguesa, em geral, de certas normas jurídicas ou de omissões normativas; o TC é “um
órgão jurisdicional de controlo normativo”.
Essa competência do TC abrange:
— a fiscalização preventiva da constitucionalidade (art 278º n. 1 e 2 da CRP);
— a fiscalização sucessiva abstrata da constitucionalidade ou da legalidade (art 281º da
CRP);
— a fiscalização concreta da constitucionalidade ou da legalidade (art 280º da CRP);
— a verificação da existência de alguma inconstitucionalidade por omissão das
“medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais” (art 283º
da CRP).
A fiscalização preventiva da constitucionalidade de normas tem lugar: após a aprovação
de “decreto” destinado a valer como lei ou como decreto-lei, mas antes da sua promulgação
pelo Presidente da República; depois da aprovação de tratado ou acordo internacional, mas
anteriormente à sua ratificação ou assinatura pelo Presidente da República; ou após ter sido
aprovado um decreto legislativo regional, mas antes de o Representante da República para a
respetiva região autónoma proceder à sua assinatura (art 278º n.1 e 2 da CRP). A fiscalização
sucessiva abstrata da constitucionalidade ou da legalidade verdosa sobre normas contidas em
diplomas cujo processo de formação se encontro concluído, ou seja, que já estejam
publicados (art 119º da CRP), ainda que não tenham entrado em vigor. A apreciação da
ocorrência de inconstitucionalidades por omissão pressupõe a falta de legislação num
domínio em que a CRP imponha um especial dever de a emitir.
Fiscalização concreta.

12.1. A intervenção do Tribunal Constitucional na fiscalização concreta da


constitucionalidade ou da legalidade

OJ DANIELA SIMÕES 18

A fiscalização concreta da constitucionalidade (ou da legalidade) cabe a todos os


tribunais, que a efetuam de forma incidental, nas ações submetidas à sua apreciação,
relativamente às normas relevantes para a decisão do caso concreto, na medida em que não
podem “aplicar normas que infrinjam o disposto na CRP ou os princípios nela consagrados”
(art 204º da CRP) e, estando “sujeitos à lei” (art 203º, 2ª parte da CRP), também não podem
aplicar normas ilegais. Se um tribunal for confrontado pelas partes com a questão da
inconstitucionalidade de determinada norma e concluir pela sua inconstitucionalidade, ou se
conhecer “ex officio” da mesa, limitar-se-á a não a aplicar ao caso concreto que lhe compete
julgar; se entender que ela não viola a CRP ou os princípios nela consagrados (ou a lei), então
aplicá-la-á na resolução desse caso.
Pode haver recurso de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional. Este apenas
intervém mediante recurso interposto de decisões proferidas por outros tribunais (art 280º n.1
da CRP e art 70º n.1 e 2 da LOFPTConst), sobre a questão incidental de inconstitucionalidade
(ou de ilegalidade) surgida no decurso de uma ação; não existe a possibilidade de submeter
diretamente ao Tribunal Constitucional a questão da inconstitucionalidade (ou da ilegalidade)
de normas.
As decisões dos restantes tribunais de que cabe recurso para o Tribunal Constitucional
são as seguintes: (ver pg 89-92 para os artigos)
— as que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua
inconstitucionalidade (art 280º n.1 al a) da CRP e art 70º n.1 al a) da LOFPTConst);
— as que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo;
— as que recusem a aplicação de norma constante de ato legislativo com fundamento
na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado;
— as que recusem a aplicação de norma constante de diploma regional com
fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto da região autónoma;
— as que recusem a aplicação de norma constante de diploma emanado de um órgão de
soberania com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuo de uma região
autónoma;
— as que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com
qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas a), b) e c) do n.2 do art 280º da CRP, a que

OJ DANIELA SIMÕES 19

correspondem os mencionados nas alíneas c), d) e e) do n.1 do art 70º da LOFPTConst — ou


seja, as que apliquem norma constante de ato legislativo cuja ilegalidade tenha sido suscitada
no processo com fundamento em violação de lei com valor reforçado;
— as que apliquem norma que já tenha sido julgada inconstitucional ou ilegal pelo
próprio Tribunal Constitucional;
— as que apliquem norma que já tenha sido julgada inconstitucional pela Comissão
Constitucional;
— as que recusem a aplicação de norma constante de ato legislativo com fundamento
na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade
com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional;
— as que apliquem norma constante de ato legislativo em desconformidade com o
anteriormente decidido pelo Tribunal Constitucional quanto à sua contrariedade com uma
convenção internacional.

As leis de valor reforçado são as leis orgânicas, as leis para cuja aprovação seja exigida
maioria de dois terços e as leis que sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou
que devam ser respeitadas por outras leis.
A “aprovação por maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à
maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções”, é exigida para as leis ou normas
referidas nas diversas alíneas do n.6 do art 168º da CRP.
Constituem “pressuposto normativo necessário de outras leis” as leis de autorização
legislativa e as leis de bases; e devem “ser respeitadas por outras leis”, nomeadamente, as leis
que aprovam os estatutos político-administrativos das regiões autónomas.

12.2. Espécies de recursos e respetivos requisitos

Atendendo ao sentido da decisão proferida pelo tribunal que se ocupou da questão da


constitucionalidade de normas aplicáveis ao caso concreto submetido a julgamento, podemos
considerar duas espécies de recursos: o relativos a decisões positivas de inconstitucionalidade
e os respeitantes a decisões negativas de inconstitucionalidade.

OJ DANIELA SIMÕES 20

Os relativos a decisões positivas de inconstitucionalidade são interpostos de decisões de


outros tribunais que tenham recusado a aplicação de uma norma por a considerarem
inconstitucional, ou seja, de decisões que deram uma resposta afirmativa à questão da
inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma, discutida no processo.
As respeitantes a decisões negativas de inconstitucionalidade são os interpostos de
decisões que aplicaram uma norma apesar de ter sido suscitada a questão da sua
inconstitucionalidade no processo.
São recursos de decisões positivas de inconstitucionalidade ou de ilegalidade os
referidos no artigo 280º n.1 alínea a) e no n.2 alíneas a), b) e c) da CRP; e são recursos de
decisões negativas os mencionados no artigo 280º n.1 alínea b), n.2 alínea d) e n.5 da CRP.

Entre as decisões de “outros tribunais” de que pode ser interposto recursos para o TC
encontra-se também a decisão proferida por tribunal arbitral “sobre o mérito da pretensão
deduzida que ponha termo ao processo arbitral”, em matéria tributária, “na parte em que
recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que
aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada”.

Quanto aos recursos de decisões de não aplicação de alguma norma com fundamento na
sua inconstitucionalidade ou ilegalidade (decisões positivas), importa referir que não se exige
a prévia exaustão dos recursos ordinários que delas caibam ou que não seja admissível
qualquer desses recursos, podendo recorrer-se para o TC logo que se verifique a não
aplicação da norma, com qualquer dos referidos fundamentos. O recursos de decisão positiva
é facultativo para quem tenha legitimidade para o interpor, de acordo com a lei que regula o
processo em que foi proferida (art 72º n.1 da LOFPTConst), contanto que essa parte “tenha
interesse em ver revogada a decisão recorrida”, ou seja, que “a eventual procedência do
recurso seja útil”; para o Ministério Público, o recurso é obrigatório, em particular, quando a
norma cuja aplicação foi recusado, com fundamento em inconstitucionalidade ou em
ilegalidade, conste de convenção internacional, de ato legislativo ou de decreto regulamentar;
é ainda obrigatório quando se trate de decisões dos tribunais que apliquem norma
anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio TC ou pela Comissão
Constitucional, desde que o julgamento por esta efetuado se tenha verificado “nos precisos

OJ DANIELA SIMÕES 21

termos em que seja requerida a sua apreciação ao TC”, e de decisões que recusem a aplicação
de norma constante de ato legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma
convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido
sobre a questão pelo TC. O n.4 do art 73º da LOPTConst confere ao Ministério Público a
faculdade de se abster de interpor recurso quando se esteja perante “decisões conformes com
a orientação que se encontre já estabelecida, a respetivo da questão em causa, na
jurisprudência do TC”.
Aos recursos de decisões que apliquem normas cuja inconstitucionalidade ou
ilegalidade haja sido alegada durante o processo (decisões negativas), merecem destaque os
pressupostos específicos a que estão sujeitos os previstos nas alíneas b) e f) do n.1 do art 70º
da LOFPTConst; é preciso que a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade tenha
sido “suscitada durante o processo de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”, e tais
recursos apenas podem ser interpostos de “decisões que não admitam recurso ordinário, por a
lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam”, entendendo-
se estar verificado esse esgotamento “quando tenha havido renuncia, haja decorrido o
respetivo prazo sem a sua interposição ou os recursos interpostos não possam ter seguimento
por razões de ordem processual” (art 70º n.4 da LOPTConst).

O n.2 do art 70º da LOPTConst, que se reporta aos recursos ordinários, ressalva os
recursos “destinados a uniformização de jurisprudência”; não é possível, por exemplo,
interpor recurso de inconstitucionalidade ou de ilegalidade para o Tribunal Constitucional de
uma decisão do tribunal judicial de 1ª instância que tenha aplicado uma norma cuja
inconstitucionalidade ou ilegalidade haja sido suscitada nesse tribunal, se a decisão admitir
recurso para o tribunal da Relação, ou de uma decisão deste tribunal que aplique norma
arguida de inconstitucionalidade ou ilegalidade, se ela for suscetível de recurso para o STJ.
A legitimidade para recorrer cabe somente à “parte que haja suscitado a questão da
inconstitucionalidade ou da ilegalidade”, nos termos mencionados (art 280º n. 4 da CRP e art
70º n.2 da LOFPTConst).

OJ DANIELA SIMÕES 22

12.3. Efeitos do julgamento de inconstitucionalidade ou de ilegalidade

Os efeitos da decisão do TC que julga uma norma inconstitucional ou ilegal, em sendo


de fiscalização concreta, restringem-se ao caso concreto, repercutindo-se apenas na decisão
que havia sido proferida pelo tribunal “a quo”. Isto resulta da contraposição entre essa forma
de fiscalização e a fiscalização abstrata, em que a declaração da inconstitucionalidade ou da
ilegalidade tem “força obrigatória geral” (art 281º n.1 da CRP) e da circunstância de só
depois de uma norma ser julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos se seguir
o processo destinado a declarar a sua inconstitucionalidade ou ilegalidade com força
obrigatória geral (art 281º n.3 da CRP e art 82º da LOFPTConst).
A limitação dos efeitos da decisão do recurso ao processo em que é proferida encontra-
se estabelecida no n.1 do art 80º da LOPTConst, segundo qual “a decisão do recurso faz caso
julgado quanto à questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade suscitada”.
Os n.2 e 3 restabelecem as consequências da concessão de provimento ao recurso.
O n.4 enuncia as consequências da não admissão do recurso ou da negação de
provimento ao mesmo, uma vez transitada em julgado a decisão.

13. Outras competências jurisdicionais do Tribunal Constitucional

A competência materialmente jurisdicional do TC não se esgota no controlo da


inconstitucionalidade ou de certas formas de ilegalidade. O TC tem outras competências
jurisdicionais.
A CRP menciona as seguintes:
— a competência para julgar “em última instância”, a regularidade e a validade dos atos
de processo eleitoral;
— a competência para julgar os recursos relativos à perda do mandato e às eleições
realizadas na AR e nas Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas;
— a competência para julgar as ações de impugnação de eleições e de deliberação de
órgãos dos partidos políticos.
Possui ainda competências dessa natureza que lhe são conferidas por lei (art 233º n.3
CRP).

OJ DANIELA SIMÕES 23

13.1. A competência no âmbito do contencioso eleitoral

A competência prevista na alínea c) do n.2 do art 223º da CRP traduz a concentração no


TC de “toda a competência para o contencioso eleitoral”, no que se refere a “eleições
políticas”.
“Contencioso eleitoral” releva para o efeito do disposto no mencionado preceito
constitucional e das normas da Lei do Tribunal Constitucional a eles respeitantes, uma vez
que, a competência deste em matéria eleitoral “não se circunscreve ao ato eleitoral em si, mas
estende-se a todas as operações jurídicas que decorrem ao longo do processo eleitoral, em
sentido amplo considerado, iniciado com atos preparatórios, desde a marcação das eleições
até à fase, situada a jusante, dos apuramentos, parcial e geral, dos resultados”.
A competência do Tribunal Constitucional no âmbito do “contencioso eleitoral” tem o
seu termo com a determinação do “resultado final decorrente do apuramento geral”; segundo
o “entendimento uniforme” perfilhado pelo tribunal, não inclui o julgamento dos recursos
relativos a atos posteriores a tal apuramento, como a instalação dos órgãos locais eleitos, que
pertence à jurisdição administrativa e fiscal (art 4º n.1 al m) do ETAF).
Não inclui o contencioso relativo ao recenseamento eleitoral.
A lei (ao abrigo do disposto no n.3 do art 223º da CRP) atribui-lhe competência para a
impugnação jurisdicional das “decisões relativas à criação ou à extinção de postos de
recenseamento”, proferidas em recurso pelas entidades administrativas competentes e para
julgar os recursos das decisões proferidas pelos tribunais da comarca em sede de impugnação
das “decisões da administração eleitoral da Secretaria-Geral do Ministério da Administração
Interna sobre reclamações que lhes sejam apresentadas”, relativamente a omissões ou
inscrições indevidas nos cadernos de recenseamento eleitoral.

No domínio do contencioso eleitoral, a competência do TC compreende, em especial:


— o julgamento, em plenário, dos recursos das decisões finais proferidas por esse
mesmo tribunal, em secção, sobre a admissão ou não admissão das candidaturas apresentadas
às eleições para o Presidente da República e para o Parlamento Europeu;

OJ DANIELA SIMÕES 24

— o julgamento, igualmente em plenário, dos recursos das decisões finais de admissão


ou rejeição de candidaturas nas eleições para a AR, para as Assembleias Legislativas das
Regiões Autónomas e para os órgãos das autarquias locais;
— o julgamento, em plenário, dos recursos das decisões tomadas quanto às
irregularidades verificadas durante a votação ou no apuramento dos votos na eleição do PR,
desde que tenham sido objeto de reclamação ou protesto apresentado por escrito no ato em
que ocorreram;
— o julgamento, em plenário, dos recursos interpostos das decisões tomadas em relação
às irregularidades verificadas durante a votação ou no apuramento dos votos nas eleições para
o Parlamento Europeu, quando tenham sido objecto de reclamação ou protesto apresentado
por escrito no ato em que ocorreram;
— o julgamento, em plenário, dos recursos das decisões tomadas quanto às reclamações
e protestos apresentados durante a votação ou o apuramento dos votos nas eleições para a
AR, para as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas e para os órgãos das autarquias
locais;
— e o julgamento, em plenário, das ações de impugnação de atos administrativos
praticados pela Comissão Nacional de Eleições ou por outros órgãos da administração
eleitoral, desde que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos, consubstanciem “atos
de administração eleitoral” e sejam praticados no exercício da competência que lhes é
atribuída por lei.

13.2. A competência quanto à perda de mandato de deputados e às eleições realizadas


na AR e nas Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas

A competência plasmada na alínea g) do n.2 do art 223º da CRP abrange:


— o julgamento, em plenário, dos recursos respeitantes à perda de mandato de
deputado à AR, interpostos das deliberações do plenário desse órgão de soberania que
confirmem a declaração de perda do mandato determinada pela respetiva Mesa ou a
declarem;
— o julgamento, em plenário, dos recursos referentes à perda de mandato de deputado a
uma das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, interposto das deliberações do

OJ DANIELA SIMÕES 25

plenário desse órgão de governo próprio de cada uma das regiões autónomas que confirmem
a declaração de perda do mandato efectuada pelo Presidente da Assembleia ou a declarem;
— o julgamento, em plenário, dos recursos relativos às eleições realizadas na AR;
— e o julgamento, em plenário, dos recursos relativos às eleições realizadas na
Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores ou na Assembleia Legislativa da
Região Autónoma da Madeira.

As causas de perda de mandato de deputado à AR são as mencionadas no art 160º da


CRP, no art 8º do Estatuto dos Deputados; no art 3º do Regimento da Assembleia da
República nº 1/2007, de 20 de agosto, e no art 29º alínea b) da Lei nº 34/87, de 16 de julho,
que prevê e pune os crimes da responsabilidade de titulares de cargos políticos e de altos
cargos públicos, quando cometidos no exercício das suas funções.
Saliente-se a perda de mandato de que se pode recorrer para TC, ao abrigo do disposto
no art 223º n.2 alínea g) da CRP e nos arts 7º-A, 91º-A e 91º-B da LOFPTConst, é somente a
confirmada ou declarada pelo plenário da respetiva assembleia, e não a decorrente da
condenação definitiva pela prática de algum dos mencionados crimes, que é determinada na
própria sentença condenatória proferida pelo competente tribunal judicial no processo
respeitante à sua comissão e, por isso, só pode ser impugnado no recurso interposto dessa
sentença.

13.3. A competência para a impugnação de eleições realizadas e de deliberações


tomadas no seio de partidos políticos

A competência atribuída ao TC pela alínea h) do n.2 do art 223º da CRP, compreende:


— o julgamento, em secção (mas com recurso para o plenário, em matéria de direito),
das ações de impugnação de eleições de titulares dos órgãos dos partidos políticos, que tem
lugar na sequência de recursos interposto das decisões definitivas proferidas pelo órgão de
jurisdição do partido, perante o qual têm de ser previamente impugnamos os atos do
procedimento eleitoral;
— e o julgamento, em secção (mas com recurso para o plenário, em matéria de direito),
das ações de impugnação das deliberações tomadas pelos órgãos dos partidos políticos,

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igualmente por via de recursos das decisões proferidas pelo competente órgão de jurisdição
(perante o qual as deliberações são impugnáveis com fundamento na infração de normas
estatutárias ou legais), a interpor pelo filiado lesado ou por qualquer outro órgão partidário.

14. Representação do Ministério Público

Artigo 44º da LOFPTConst; a representação do Ministério Público no Tribunal


Constitucional cabe ao Procurador-Geral da República, que, no entanto, pode delegar as suas
funções no Vice-Procurador-Geral ou em um ou maios procuradores-gerais-adjuntos. Dada a
manifesta impossibilidade de o Procurador-Geral da República representar pessoalmente o
Ministério Público neste Tribunal, tal representação é assegurada por procuradores-gerais-
adjuntos (três), os quais substituem o Procurador-Geral da República (art 13º n.2 do EMP).
A LOSJ já estabelece que o Ministério Público é representado no TC “pelo Procurador-
Geral da República e por procuradores-gerais-adjuntos” (artigo 10º n.1 alínea a)).

OJ DANIELA SIMÕES 27

Capítulo II

Tribunal de Contas

15. Definição e Disciplina

O Tribunal de Contas é outra das categorias de tribunais cuja existência é considerada


obrigatória pela CRP (art 209º n.1 alínea c)).
A lei fundamental define-o como “orgão supremo de fiscalização de legalidade das
despesas públicas e de julgamento das contas que a lei manda submeter-lhe” (artigo 214º n.1,
no proémio).
A CRP apenas determina a competência do Presidente da República para a nomeação e
para a exoneração do presidente desse tribunal, sob proposta do Governo (art 133º alínea m)
da CRP); art 214º n.1 CRP.
Tudo o mais foi deixado para a lei ordinária, encontrando-se disciplinado pela já
referida Lei da Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTContas), aprovada pela
Lei nº 97/98.

16. Composição do Tribunal

O Tribunal de Contas é composto pelo Presidente e por 16 juízes na sua sede e por um
juiz em cada secção regional (art 14º n.1 alíneas a) e b) da LOPTContas).
Os juízes (conselheiros) deste tribunal são recrutados mediante concurso curricular (art
18º n.1 LOPTContas), ao qual apenas pode apresentar-se quem cumpra os requisitos
especiais exigidos pelo n.1 do artigo 19º; sendo um desses requisitos a idade mínima de 35
anos.
A lei faz corresponder cada uma dessas alíneas a uma “área de recrutamento” (art 19º
n.2) e determina o preenchimento das vagas existentes mediante a atribuição de uma vaga a
cada uma das referidas áreas, “pela ordem estabelecida no n.1 e assim sucessivamente” (art
19º n.3).

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Os concursos são abertos para todas as referidas áreas de recrutamento, mas o número
de vagas corresponde aos lugares do quadro a preencher pode ser inferior ao números dessas
áreas, que é de cinco, é possível que apenas venha a verificar-se a nomeação de um juiz por
cada uma das primeiras áreas de recrutamento, ficando sem nomeação para o tribunal os
concorrentes das outras áreas de recrutamento.

17. Âmbito da jurisdição e dos poderes de controlo financeiro do tribunal

Artigo 1º n.2; este tribunal tem jurisdição e poderes de controlo financeiro “no âmbito
da ordem jurídica portuguesa, tanto no território nacional como no estrangeiro”.
O âmbito pessoal da sua jurisdição e dos seus poderes de controlo financeiro é
constituído por todas as entidades mencionadas no artigo 2º.

18. Sede e secções regionais

A sede do Tribunal de Contas é em Lisboa. Possui duas secções regionais, nas Regiões
Autónomas, com sede em Ponta Delgada (Açores) e Funchal (Madeira) — art 214º n.3 CRP e
art 3º n.1 e 2 LOPTContas), que exercem jurisdição e poderes de controlo financeiro na área
de cada uma dessas regiões (art 214º n.3 CRP e art 4º n.2 LOPTContas) e de cujas decisões
cabe recurso para a sede do Tribunal (art 4º n.1 da LOPTContas).

19. Organização e Funcionamento

O Tribunal de Contas está organizado em secções: três secções especializadas (art 15º
n.1). A 1ª secção exerce competências em plenário, em subsecção e em sessão diária de visto
(art 77º n.1 a 3); a 2ª secção exerce as suas competências em plenário e em subsecção (art 78º
n.1 e 2); e a 3ª secção funciona em plenário e com juiz singular (art 79º n.1 e 2).
O Tribunal de Contas funciona em plenário geral, em plenário de secção, em subsecção
e em sessão diária de visto (art 71º n.1):
— o plenário geral é constituído por todos os juízes do Tribunal de Contas, incluindo os
das secções regionais e apenas pode funcionar e deliberar se estiver presente mais de metade

OJ DANIELA SIMÕES 29

dos seus membros; compete-lhe julgar os recursos das deliberações tomadas pela Comissão
Permanente no exercício do poder disciplinar sobre os juízes e fixar a jurisprudência, em
recurso extraordinário com essa finalidade.
— o plenário de cada uma das secções é composto por todos os juízes que dela fazem
parte (art 71º n.3) e também só pode funcionar e deliberar se estiver presente mais de metade
dos seus membros (art 73º n.1).
— o funcionamento do tribunal em subsecção não se verifica em todas as secções, pois
só existem subsecções na 1ª e na 2ª secção (art 71º n.4); apenas podem funcionar e deliberar
com a presença da totalidade dos seus membros, sob a presidência do Presidente do Tribunal ,
que apenas vota em caso de empate (art 73º n.2).
— em cada semana, para efeitos de fiscalização prévia, reúnem dois juízes em sessão
diária de visto (art 71º n.5), que só pode funcionar com a presença de ambos (art 73º n.3).

20. Competência jurisdicional

Artigo 214º CRP; o Tribunal de Contas não tem unicamente funções de natureza
jurisdicional. Entre as competências desse tribunal que não revestem tal natureza encontram-
se as seguintes: dar parecer sobre a Conta Geral do Estado e sobre as contas das Regiões
Autónomas dos Açores e da Madeira e aprovar os pareceres sobre projetos legislativos
elaborados a solicitação da AR ou do Governo.
Parece-nos ser essencial a distinção entre a jurisdição e os poderes de controlo
financeiro do tribunal.
A lei apenas reconhece natureza materialmente jurisdicional aos processos instaurados
na sequência dos relatórios das ações de controlo realizadas pelo tribunal, como órgão de
controlo financeiro, ou pelos “órgãos de controlo interno”, para efetivação de
responsabilidades financeiras, os quais se encontram disciplinados no capítulo V da
LOPTContas (arts 57º e ss).
Tais processos são de duas espécies: os processos de julgamento de contas e os
processos de responsabilidades financeiras (art 58º n.1 da LOPTContas). Os primeiros visam
“efectivar as responsabilidades financeiras evidenciadas em relatórios de verificação externa
de contas, com homologação, se for caso disso, da demonstração numérica referida no n.2 do

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art 53º” (art 58º n.2); os segundos destinam-se a “efectivar as responsabilidades financeiras
emergentes de factos evidenciados em relatórios das ações de controlo do tribunal elaborados
fora do processo de verificação externa de contas ou em relatórios dos órgãos de controlo
interno” (art 58º n.3).

Gomes Canotilho e Vital Moreira referem-se aos processos de julgamento de contas em


termos que parecem excluir a sua qualificação como jurisdicionais. Afirmam que “o
julgamento das contas a que se refere no n.1 do art 214º CRP é uma das espécies processuais
destinadas a apurar a efetivação das responsabilidades financeiras”; sustentam que “o
julgamento das contas é diferente do processos de julgamento de responsabilidades
financeiras, pois aqui visa-se tornar efectivas as responsabilidades financeiras emergentes de
factos evidenciados em relatórios de auditoria fora dos processos de contas de verificação
externa ou em relatórios de controlo interno” e que “estes processos continuem os processos
jurisdicionais do Tribunal de Contas, ou seja, os processos em que a atividade deste tribunal
se aproxima das funções de jurisdictio típicas dos tribunais”.
Assim cremos não haver qualquer motivo para negar natureza jurisdicional ao processo
de julgamento de contas, cuja finalidade é referida no n.2 do art 58º.

No âmbito da responsabilidade financeira merece realce a de caráter reintegratório (art


59º e ss), que tem lugar nos casos de “alcance, desvio de dinheiros ou valores públicos e
ainda de pagamentos indevidos” e se concretiza na condenação do responsável a “repor as
importâncias abrangidas pela infração” e não prejudica qualquer outro tipo de
responsabilidade em que o responsável possa incorrer (art 59º n.1). Mas existe igualmente a
responsabilidade financeira sancionatória (art 65º e ss), que se traduz na aplicação de
“multas” a quem pratique alguma das infrações financeiras aí previstas.
Sublinhe-se que a competência para a preparação e para o julgamento, em 1ª instância,
dos processos de julgamento de contas e dos processos de responsabilidades financeiras,
previstas no art 58º, pertence à 3ª secção do Tribunal de Contas, através de juiz singular (art
79º n.2 e 3), e que da decisão proferida por este cabe recurso para o respetivo plenário (art
79º n.1 alínea a)).

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21. Representação do Ministério Público

O Ministério Público é representado no Tribunal de Contas pelo Procurador-Geral da


Repúblico, que pode delegar as suas funções em um ou mais procuradores-gerais-adjuntos
(art 29º n.1).
A LOSJ apresenta uma formulação diferente, pois estabelece que o Ministério Público é
representado neste tribunal “pelo Procurador-Geral da República e por procuradores-gerais-
adjuntos” (art 10º n.1 alínea a)). Tal representação está confiada a cinco magistrados com
essa categoria, que substituem o Procurador-Geral da República (art 13º n.2 EMP).

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