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CUMPRIMENTO DA SENTENÇA ARBITRAL NACIONAL E ESTRANGEIRA

1. INTRODUÇÃO

A experiência prática revela que é muito mais provável que, em se tratando de


sentença arbitral, as partes cumpram voluntariamente com o comando que lhes é
imposto, o que é natural dado o caráter convencional da arbitragem e a especialização
dos julgadores, que muitas vezes são por elas indicados, o que permite às partes
depositarem maior confiança no provimento que proferem.

O cumprimento espontâneo da sentença arbitral inclusive pode ser entendido


como um reflexo da boa-fé objetiva e dos postulados dela decorrentes. Afinal, se as
partes concordam voluntariamente em se submeter à arbitragem, o caminho natural é
que também se submetam voluntariamente ao resultado do procedimento, ainda que
lhe seja desfavorável.

Não por acaso, o descumprimento de decisões arbitrais costuma ser


moralmente reprovado, sendo tratado como verdadeiro inadimplemento contratual
pelos players de mercado. Inclusive, existe regulamento de Câmaras Arbitrais que
expressamente preveem a possibilidade de divulgação do descumprimento
injustificado da sentença arbitral pelo vencido (CCBC)1.

De todo modo, não se exclui a possibilidade de a parte vencida, por qualquer


razão, deixar de cumprir com a condenação que lhe foi imposta. Se isso acontecer,
ressalvada algumas hipóteses adiante tratadas, haverá a necessidade de solicitar a
intervenção judicial, principalmente para a prática de atos de expropriação
patrimonial.

Essa necessidade deve-se ao fato de que arbitragem recebe jurisdição apenas


para pronunciar o direito aplicável ao caso concreto, como se pode extrair da leitura
conjunta dos artigos 1° da Lei de Arbitragem e 3°, §1°, e 42, do CPC, que atribuem ao
juízo arbitral competência apenas para decidir causas (ou litígios), não lhes atribuindo
qualquer poder para execução das decisões que proferir. Nossa doutrina, inclusive
1
_ “11.2. Na hipótese de descumprimento da sentença arbitral a parte prejudicada poderá comunicar o
fato ao CAM-CCBC, para que o divulgue a outras instituições arbitrais e às câmaras de comércio ou
entidades análogas, no País ou no exterior.”

1
aponta que os atributos da coertio e executio, próprios da jurisdição, foram excluídos
da arbitragem)2. Essa também é a posição do Superior Tribunal de Justiça sobre o
tema3.

Assim, como ocorre na maior parte dos países, não há em nossa legislação
qualquer previsão que outorgue aos Tribunais Arbitrais poderes de execução ou
expropriação, não havendo sequer disciplina de fase ou processo de execução na
arbitragem, sendo seguro afirmar que a jurisdição que os árbitros receberam não
alcança a coercitividade que continua a ser prerrogativa exclusiva do Poder Judiciário.

Por isso, se necessária a execução da sentença, a parte interessada deverá


necessariamente socorrer-se do Poder Judiciário, principalmente porque, de acordo
com nossa doutrina, em razão da previsão encerrada no art. 29, II, da LA, a prolação da
sentença extingue a jurisdição arbitral, o que “Significa dizer que se encerra, com a
sentença, a investidura dos árbitros. E mais, termina a própria jurisdição, não mais se
podendo falar em juízo arbitral para aquela questão ou outras a ela relacionadas.
Enfim, deixa de existir procedimento, árbitro, jurisdição, atribuição ou função do
árbitro, juízo arbitral, e tudo o mais.” 4 ressalvando-se apenas a possibilidade de
requerimentos ao Tribunal Arbitral voltadas à eficácia da sentença arbitral (como a
expedição de comunicação às partes ou emissão de Carta Arbitral).

2
_ Cahali, Francisco José. Curso de arbitragem. pp. 373-374. Edição do Kindle
3
_ RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. PEDIDO DE FALÊNCIA. INADIMPLEMENTO DE TÍTULOS DE
CRÉDITO. CONTRATO COM CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. INSTAURAÇÃO PRÉVIA DO JUÍZO ARBITRAL.
DESNECESSIDADE. DEPÓSITO ELISIVO. EXTINÇÃO DO FEITO. DESCABIMENTO. 1. Não se verifica a alegada
violação ao art. 1.022 do CPC/2015, na medida em que a eg. Corte de origem dirimiu,
fundamentadamente, a questão que lhe foi submetida, não sendo possível confundir julgamento
desfavorável com negativa de prestação jurisdicional ou ausência de fundamentação. 2. A pactuação de
convenção de arbitragem possui força vinculante, mas não afasta, em definitivo, a jurisdição estatal,
pois é perfeitamente admissível a convivência harmônica das duas jurisdições, desde que respeitadas as
competências correspondentes. 3. A existência de cláusula compromissória não afeta a executividade do
título de crédito inadimplido e não impede a deflagração do procedimento falimentar, fundamentado no
art. 94, I, da Lei 11.101/2005. Logo, é de se reconhecer o direito do credor que só pode ser exercitado
mediante provocação estatal, já que o árbitro não possui poderes de natureza executiva. 4. O depósito
elisivo da falência, nos moldes do art. 98, parágrafo único, da Lei 11.101/2005, não é fato que autoriza o
fim do processo de falência, uma vez que, a partir de então, o processo se converte em ação de cobrança
e segue pela via executiva comum, o que seria inviável no juízo arbitral. 5. O processo deve, portanto,
prosseguir perante a jurisdição estatal, porque, aparelhado o pedido de falência em impontualidade
injustificada de títulos que superam o piso previsto na lei (art. 94, I, da Lei 11.101/2005), por absoluta
presunção legal, fica afastada a alegação de atalhamento do processo de execução/cobrança pela via
falimentar. 6. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1733685/SP, Rel. Ministro RAUL
ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 06/11/2018, DJe 12/11/2018).
4
_ Cahali, Francisco José. Ob. Cit., p. 363, Edição do Kindle.

2
2. A EFICÁCIA DA SENTENÇA ARBITRAL E SUA NATUREZA DE TÍTULO EXECUTIVO

Antes de falar da execução da sentença arbitral, é importante fazer alguns


esclarecimentos a respeito da eficácia dessa sentença.

De acordo com o art. 31 da Lei da Arbitragem, a “A sentença arbitral produz,


entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos
órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo”.

Diante da literalidade do dispositivo, nossa doutrina defende que a sentença


arbitral projeta os mesmos efeitos que a sentença judicial, possuindo, portanto,
idêntica característica vinculante e eficácia erga omnes, com a única ressalva de que
não possuí a coerção necessária materializar o comando jurisdicional que estabelece 5.
Não por acaso, o supracitado dispositivo e o art. 515, VII, do CPC, erige a sentença
arbitral à condição de título executivo judicial.

Um aspecto interessante a considerar diz respeito à aparente limitação às


sentenças arbitrais que podem ser constituídas como título executivo judicial, pois,
uma leitura fria do art. 31 da Lei da Arbitragem poderia levar à conclusão de que
somente as sentenças condenatórias podem ser consideradas como título executivo, o
que retiraria essa condição (de título de executivo) das sentenças que não detém essa
natureza (como as declaratórias ou constitutivas).

A doutrina, porém, rechaça essa restrição. Scavone Jr. aponta que deve
prevalecer o disposto no art. 515 do CPC, que qualifica como título executivo toda
sentença arbitral, independentemente da natureza do provimento que estabelece,
recebendo, portanto, essa qualidade toda a sentença arbitral que estabeleça obrigação
líquida 6.

No mesmo sentido, Cahali aponta que “A expressão sentença condenatória,


aqui representa qualquer provimento arbitral cujo conteúdo contenha a imposição do

5
_ SCAVONE JR., Luiz Antonio. Arbitragem: mediação, conciliação e negociação. Rio de Janeiro: Forense,
2019. P. 198.
6
_ Ob. Cit. P. 199.

3
vencido de uma obrigação, em sentido abrangente, contemplando, pois, as obrigações
de pagar, dar, fazer e não fazer. Ou seja, a referência da Lei à sentença arbitral
condenatória, destina-se a identificar o conteúdo da tutela cujo cumprimento forçado,
se necessário, se fará perante o Poder Judiciário”7.

3. DAS ETAPAS PRÉVIAS À EXECUÇÃO

Mesmo que seja a sentença arbitral um título executivo em si mesma, não pode
referido título deixar de possuir as condições mínimas para sua exigência em juízo, pois
a execução judicial, independentemente do título que a instrua, só é cabível se a
obrigação nela consolidada for líquida, certa e exigível, conforme estabelece o art. 786
do Código de Processo Civil (aplicável ao procedimento de cumprimento de sentença
em razão do disposto no artigo 771 do CPC.).

Em termos muito simples, a certeza da obrigação refere-se à determinação de


seu conteúdo; a liquidez à inexistência de controvérsia a respeito de sua extensão (ou
do quantum debeatur); e a exigibilidade a possibilidade de o credor, pela
impontualidade do devedor, exigir imediatamente a satisfação da obrigação.

No que diz respeito à arbitragem, não há grande debate quanto à certeza da


obrigação consolidada na sentença arbitral, pois não se imagina a prolação de
sentença arbitral que não especifique o objeto da condenação e, se isso ocorrer, a
parte interessada deverá solicitar esclarecimentos do árbitro, pois do contrário obterá
sentença inútil (que, por indeterminada, não assegurará direito algum). Porém, há
algumas considerações a serem feitas no que diz respeito à liquidez e exigibilidade da
sentença arbitral.

Nesse aspecto, será ilíquida a sentença que impor obrigação cuja mensuração
não dependa de simples cálculos aritméticos (cf. art. 509, §2°, do CPC), mas sim de
conta mais complexa, como de natureza atuarial (art. 509, caput, I, do CPC), ou da
alegação ou prova de fato novo (art. 509, caput, II, do CPC).

7
_ Ob. Cit, p. 374.

4
Embora haja em nossa Doutrina quem defenda que cabe ao Tribunal Arbitral
proferir sentença líquida, dada a previsão contida no art. 491 do CPC 8, não se descarta
a possibilidade de ser proferida sentença ilíquida pelo árbitro, que pode preferir
primeiro decidir o mérito da questão posta à sua apreciação, para depois, por meio de
nova decisão quantificar o quantum devido pelo vencido, caso essa quantificação
demande injustificado atraso na resolução do mérito da causa.

Isso, aliás, é plenamente possível, já que o §1° do art. 23 da LA 9, permite a


prolação de sentenças parciais de mérito pelo árbitro, de modo que, do ponto de vista
normativo, é possível que haja na própria arbitragem a liquidação da sentença, por
meio de uma segunda decisão proferida pelo árbitro.

Atentamos que, quando dissemos que há possibilidade de liquidação na


arbitragem, é porque, em nossa análise, nada impede que as partes convencionem
que a liquidação de eventual pedido genérico se dê na via judicial. Cahali, porém,
aponta que isso seria péssima opção, já que os benefícios da arbitragem recomendam
que o litígio seja completamente solucionado por esse juízo, com a constituição
integral do título exequendo10, o que torna indesejado o deslocamento de qualquer
etapa da solução do litígio ao juízo estatal.

Há doutrinadores que defendem, como visto, que seria inviável, mesmo por
convenção, atribuir ao Poder Judiciário a competência para liquidação da sentença
arbitral, dado o conteúdo meritório dos pronunciamentos de liquidação11.

Contudo, há na jurisprudência precedente promovendo a liquidação de


sentença arbitral:

“Agravo de Instrumento. Liquidação de sentença arbitral. I - Procedimento de


liquidação por arbitramento. Indicação na sentença. O procedimento
compatível é a liquidação por arbitramento, porque determinado na sentença

8
_ Referido dispositivo foi incluído na Lei da Arbitragem pela Lei nº 13.129/2015 com o propósito de
resolver polêmica que até então existia na doutrina a respeito da possibilidade de prolação de sentença
arbitral parcial . Scavone Jr. (Ob. Cit. P. 201) aponta que essa era a posição Carlos Alberto Carmona até a
3ª ed. de seu livro, que defendia que, se ilíquida, seria nula a sentença arbitral, já que não poderia haver
decisão parcial de mérito na arbitragem.
9
_ Ibidem.
10
_ Ob. Cit. P. 364
11
_ Scavone. Ob. Cit. Pg. 205.

5
arbitral, nos termos do art. 509, I, do CPC. II - Liquidação - Produção de
provas. Alteração de procedimento. Se no decorrer da fase de liquidação de
sentença o condutor do feito entender necessária a alteração do
procedimento para o comum poderá fazê-lo, desde que justificadamente.
Agravo de Instrumento conhecido e desprovido. (TJ-GO - AI:
01246033920208090000, Relator: Des(a). CARLOS ALBERTO FRANÇA, Data de
Julgamento: 27/04/2020, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de
27/04/2020)”

No que diz respeito à exigibilidade, o art. 26, III, da Lei da Arbitragem


estabelece claramente que no dispositivo, que constitui elemento obrigatório da
sentença, os árbitros devem, se o caso, definir o prazo para cumprimento da
obrigação.

Caso esse prazo tenha sido fixado, o título executivo carecerá da exigibilidade
até que seja alcançado seu termo final, pois o devedor tem até o último dia do prazo
que lhe foi concedido para cumprir voluntariamente a obrigação.

Antes disso, não estará em mora, sequer haverá resistência que torne
necessária a intervenção judicial em sua esfera patrimonial, e, portanto, nada pode lhe
ser exigido judicialmente, motivo pelo qual, durante o prazo de cumprimento
concedido pelo árbitro, falta ao credor interesse para a propositura da execução
cabível (esse interesse só nasce com o transcurso do prazo), de modo que, se intentá-
la durante tal prazo, deverá o procedimento ser extinto de plano, ex oficio ou por
provocação do interessado, conforme defende Cahali12.

4. DO PROCESSO DE EXECUÇÃO

Dada sua equiparação à sentença judicial (art. 31 da Lei de Arbitragem), o art.


515, II, do Código de Processo Civil qualifica a sentença arbitral como título executivo

12
_. Ob. Cit. P. 385.

6
extrajudicial, de modo que sua execução se dará pelo procedimento estabelecido nos
arts. 513 e seguintes do Código de Processo Civil.

Porém, por não ter sido proferida no bojo do processo em que haverá a
execução, há algumas particularidades que diferirão a execução da sentença arbitral
da sentença judicial.

Sabemos que, por força do sincretismo inaugurado pela Lei n° 11.232/2005 e


adotado pelo Código de Processo Civil de 2015, a execução das sentenças judiciais
ocorre no mesmo processo em que proferida, por simples fase que se desenvolve de
forma contínua ao término da fase de conhecimento. Não é, definitivamente,
necessária a instauração de processo executivo, com citação do devedor para
respondê-lo, bastando a simples intimação deste, na pessoa de seu advogado, para
cumprir a sentença (art. 513, §2°, I, do CPC).

No caso da sentença arbitral, como não há processo judicial prévio, o art. 515,
§1°, do CPC, determina a instauração de um novo processo, perante o juízo cível
competente para julgar a causa (art. 515, III), que será o do domicílio do devedor (art.
do CPC), ou, a critério do credor, o juízo onde estão os bens sujeitos à execução ou
onde deverá ser cumprida a obrigação de fazer ou não fazer (art. 516, parágrafo único,
do CPC).

Será necessária ainda a citação pessoal do devedor para cumprir a sentença


arbitral, não bastando mera intimação ou mesmo citação por meio do advogado que o
representou no procedimento arbitral (ressalvada a existência de poderes especiais no
mandato para receber citação em nome do devedor).

Ao assim proceder, o legislador expressamente determinou que o cumprimento


de sentença seja inaugurado por petição inicial, que reúne os elementos mínimos
estabelecidos pelo art. 319 do CPC. Além disso, no que diz respeito à instrução da
petição, não bastará a apresentação de simples demonstrativo de cálculo, como dispõe
o art. 523 do CPC, mas será necessário a instruir a petição com tudo aquilo que for
essencial para que o Juízo Cível competente afira a validade da sentença arbitral, nos
termos do art. 320 do CPC (segundo o qual a petição inicial deve ser instruída com os
documentos indispensáveis à propositura da ação).

7
Nesse ponto, a doutrina esclarece que, embora não haja necessidade de
juntada do procedimento arbitral completo, para que não haja risco de indeferimento
da petição inicial, cabe ao exequente instruir a exordial com no mínimo a sentença
arbitral, a convenção arbitral e documentos de nomeação e aceitação dos árbitros 13. É
recomendável que a juntada desses documentos se dê na via original, porém, caso seja
juntada cópia, cabe ao interessado arguir a invalidade do documento, não podendo o
juiz fazê-lo de ofício (exceto se houver algum vício evidente, que impeça o próprio
exame do documento).

Com a distribuição e devida triangularização do processo de cumprimento de


sentença, aperfeiçoada pela citação do réu, o feito executivo se desenvolverá
estritamente de acordo com o que preveem os artigos 523 e seguintes do Código de
Processo Civil, variando o procedimento de acordo com a natureza da obrigação
imposta pela sentença arbitral, isto é, se de pagar, de fazer ou não fazer, ou de dar.

4.1.1. DO CUMPRIMENTO DE CONDENAÇÃO DE PAGAR QUANTIA CERTA

O cumprimento de sentença arbitral que imponha ao executado obrigação de


pagar quantia certa observará a disciplina dos artigos 523 a 527 do Código de Processo
Civil, cabendo ao exequente instruir seu pedido, além dos documentos já citados no
tópico antecedente, com demonstrativo atualizado de seu débito (art. 523 e 524 do
CPC).

Despachada a inicial, o juiz, como visto, citará o devedor para, no prazo de 15


(quinze) dias promover o pagamento da dívida, sob pena de o débito ser acrescido de
multa e honorários de advogado (art. 523, §1°, do CPC), cada um fixado em dez por
cento do valor da execução, sem prejuízo da imediata expedição de mandado de
penhora e avaliação, visando à prática de atos de expropriação pelo juízo (art. 523,
§3°, do CPC).

Quanto ao prazo para pagamento e multa, há algumas particularidades


decorrentes das características da sentença arbitral, pois o fato de o próprio arbitro ser
13
_ Cahali, Francisco José. Ob. Cit. P. 365.

8
obrigado a fixar prazo para cumprimento da obrigação que estabelece e ter
competência para fixar multa em caso de descumprimento, poderia aduzir a conclusão
de que pode surgir conflitos entre os prazos e multas previstos na sentença arbitral e
no Código de Processo Civil.

Nossa doutrina, contudo, explica que esse conflito inexiste, uma vez que os
prazos e multa estabelecidos pelo árbitro são de natureza de direito material, pois
servem a constrangem o pagamento voluntário e extrajudicial da obrigação imposta
pela sentença arbitral14.

E se estão na esfera extrajudicial, os prazos e multa em questão não interferem


no processo executivo, que, uma vez instaurado, sujeitará o devedor aos prazos e
penalidades previstas na lei processual, que devem ser aplicados pelo juiz de ofício,
por decorrem de expressa e cogente previsão legal. Inclusive, na execução, o credor
poderá, se houver, exigir também o pagamento da multa pelo inadimplemento da
sentença arbitral, cumulando-a, se não houver pagamento no prazo legal, com as
sanções contidas no art. 523, §1°, do CPC15.

Ante essa possibilidade de cumulação de multas, Cahalli aponta para


necessidade de o árbitro agir com prudência ao estabelecer multa para
descumprimento da sentença arbitral, o que somente pode fazer em caso de expressa
autorização outorgada pela convenção arbitral, e com extrema prudência, para que a
multa não se torne mecanismo perverso e injusto de onerar indevidamente o
devedor16.

Embora entendamos que é possível, sim, a cumulação de multas, inclusive


sendo esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema 17, realmente
a cautela recomenda que o árbitro anteveja a possibilidade de sanção processual pelo
não cumprimento espontâneo da sentença arbitral, sob pena de a multa por ele fixada
ser revista pelo juiz, inclusive para evitar o enriquecimento sem causa do credor,
vedado pelo artigo 884 do mesmo diploma.

14
_ Scavone, Ob. Cit. p. 203.
15
_ Cahali, Francisco José. Curso de arbitragem (pp. 387-388). Edição do Kindle
16
_ Cahali, Francisco José. Ob. Cit. pp. 388-389.
17

9
Expirado o prazo para pagamento, passará a correr o prazo para o executado
apresentar eventual impugnação ao cumprimento de sentença. Como não é dado em
fase de cumprimento discutir a justiça ou mérito do título executivo, referida
impugnação constitui peça de fundamental vinculada, que, com efeito, somente pode
veicular as matérias taxativamente previstas do art. 525 do Código de Processo Civil.

“Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento


voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado,
independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios
autos, sua impugnação.

§ 1º Na impugnação, o executado poderá alegar:

I - falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à


revelia;

II - ilegitimidade de parte;

III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;

IV - penhora incorreta ou avaliação errônea;

V - excesso de execução ou cumulação indevida de execuções;

VI - incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução;

VII - qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento,


novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes à
sentença.

Além dessas hipóteses, a Lei da Arbitragem ainda criou mais um fundamento


que pode instruir a petição de impugnação ao cumprimento de sentença, ao dispor
que “A decretação da nulidade da sentença arbitral também poderá ser requerida na
impugnação ao cumprimento da sentença, nos termos dos arts. 525 e seguintes do
Código de Processo Civil, se houver execução judicial.”

O ponto de debate a respeito desse fundamento especial previsto na Lei de


Arbitragem diz respeito ao prazo do qual dispõe o executado para alegar a invalidade
da sentença arbitral, pois o art. 33, §1°, da referida norma é clara em estabelecer

10
prazo, que é decadencial, para que o interessado proponha a ação a que se refere tal
dispositivo, o que pode ensejar dúvidas a respeito da possibilidade de, após findo tal
prazo, requerer-se por meio de impugnação a invalidade da sentença arbitral.

A Doutrina majoritária caminha no sentido de que a nulidade do laudo arbitral


somente pode ser deduzida em sede de cumprimento de sentença se tal peça for
observada dentro do prazo decadencial previsto no art. 33, §1°, da Lei de Arbitragem 18.
Cahali justifica que, dada a previsão do art. 190 do Código Civil (que se aplica, por
analogia, à decadência), as exceções também perecem quando opera a decadência
sobre o direito do interessado, motivo pelo qual, uma vez operada a decadência, não
pode a parte utilizar-se de qualquer mecanismo para requerer a nulidade da sentença
arbitral.

E assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. ARBITRAGEM. AÇÃO DE


CUMPRIMENTO DE SENTENÇA ARBITRAL. IMPUGNAÇÃO. ALEGAÇÃO DE
NULIDADE DA SENTENÇA ARBITRAL. INCIDÊNCIA DO PRAZO DECADENCIAL DE
NOVENTA DIAS. 1- Recurso especial interposto em 26/8/2020 e concluso ao
gabinete em 26/3/2021. 2- O propósito recursal consiste em dizer se: a) as
hipóteses de nulidade da sentença arbitral previstas no art. 32 da Lei de
Arbitragem, quando arguidas em impugnação ao cumprimento de sentença,
devem respeitar o prazo decadencial de 90 (noventa) dias, previsto no § 1º, do
art. 33, da referida lei; e b) se a pactuação posterior de compromisso arbitral
torna válida a sentença arbitral que homologou acordo celebrado entre as
partes. 3- As vias predispostas para impugnar sentenças arbitrais são,
sobretudo, duas, a saber: a) a impugnação ao cumprimento de sentença (art.
33, § 3º, da Lei 9.307/96); e b) a ação de nulidade (art. 33, § 1º, da Lei
9.307/96). 4- Se a declaração de nulidade com fundamento nas hipóteses
taxativas previstas no art. 32 da Lei de Arbitragem for pleiteada por meio de
ação própria, impõe-se o respeito ao prazo decadencial de 90 (noventa) dias,

18
_ Scavone Jr. e Carmona, apud, in Ob. Cit. pgs. 245/246.

11
contado do recebimento da notificação da respectiva sentença, parcial ou final,
ou da decisão do pedido de esclarecimentos. 5- A escolha entre a ação de
nulidade e a impugnação ao cumprimento de sentença em nada interfere na
cristalização ou não da decadência, de modo que, escoado o prazo de 90
(noventa) dias para o ajuizamento da ação de nulidade, não poderá a parte
suscitar as hipóteses de nulidade previstas no art. 32 da Lei de Arbitragem pela
via da impugnação, pois o poder formativo já haverá sido fulminado pela
decadência, instituto que pertence ao Direito Material. 6- Na hipótese, o
executado tomou ciência da respectiva sentença arbitral em 7/2/2015 e a
impugnação ao cumprimento de sentença foi proposta apenas em 4/5/2017,
após, portanto, o transcurso do prazo decadencial de 90 (noventa) dias fixado
para o ajuizamento da ação de nulidade de sentença arbitral, encontrando-se
fulminado pela decadência o direito de pleitear a nulidade. 7- Recurso especial
provido.” (REsp n. 1.928.951/TO, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira
Turma, julgado em 15/2/2022, DJe de 18/2/2022.)

Scavone Jr. apenas ressalva, que referido prazo é aplicável exclusivamente às


nulidades relativas. Se a sentença arbitral estiver maculada por nulidade absoluta (ex.
convenção de arbitragem eivada vícios previstos no art. 166 e 167 do Código Civil), não
haverá prazo para sua impugnação, em razão do previsto no art. 169 do Código Civil,
seja pela via da ação, seja por meio de impugnação ao cumprimento de sentença 19. O
Tribunal de Justiça de São Paulo já adotou a posição do mencionado doutrinador,
como se infere do aresto abaixo transcrito:

“SENTENÇA ARBITRAL NULIDADE DO TÍTULO LEI Nº 9.307/96, ART. 32, INCISOS I


E VIII POSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO EM EMBARGOS PRESCRIÇÃO/DECADÊNCIA
NÃO CONFIGURADA ART. 33, § 3º - EMBARGOS ACOLHIDOS APELAÇÃO
IMPROVIDA.” (TJSP; Apelação Cível 0171521-92.2009.8.26.0100; Relator
(a): Matheus Fontes; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro

19
_ Ob. Cit. Pg. 241.

12
Central Cível - 31ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/06/2013; Data de
Registro: 30/08/2013)

Ainda no que diz respeito à arguição de invalidade em cumprimento de


sentença, cabe ainda avaliar se o instituto da litispendência poderia impedir que, uma
vez apresentada tal arguição, a parte promovesse a ação anulatória a que se refere o
art. 33 da Lei de Arbitragem, e vice-versa, o que será abordado de forma suscinta, já
que não constitui objeto desse trabalho a análise dos meios de impugnação

A princípio, não poderia a parte, uma vez apresentada tal arguição, propor ação
declaratória de nulidade da sentença arbitral, eis que, abstraída a discussão sobre se a
impugnação, não possuindo a natureza jurídica de ação, pode caracterizar
litispendência, o fato é que não há interesse de agir para legitimar a propositura da
demanda (art. 17 do CPC), eis que a ação não seria nem útil, tampouco necessária, já
que o devedor já discute a validade da sentença arbitral em expediente próprio e
adequado a resguardar seu direito (de retirar efeitos de tal sentença), o qual inclusive
pode receber efeito suspensivo para impedir a prática de atos de execução, conforme
art. 525, §6°, do CPC.

De outro lado, a doutrina não vê óbice, em caso de propositura da ação judicial,


de a parte também aduzir a invalidade da sentença arbitral em sua impugnação ao
cumprimento de sentença20, principalmente para utilizá-la como fundamento para a
obtenção do referido efeito suspensivo21.

No mais, a execução será em observância ao rito procedimental estabelecido


pelo Código de Processo Civil, não havendo grandes particulares em razão da origem
arbitral do título exequendo.

4.1.2. DO CUMPRIMENTO DAS DEMAIS CONDENAÇÕES

20
_ Cahali, Francisco José. Ob. Cit. P. 395.
21
_ Scavone Jr. Ob. Cit. . Pg. 240

13
Não há grandes considerações a respeito das sentenças arbitrais que impõem
obrigação de fazer e não fazer, submetidas à sistemática dos artigos 536 e 537 do
Código de Processo Civil, ou de entregar coisa, tratada pelo artigo 538 do mesmo
diploma, pois a essas espécies de condenação também se aplicam, ressalvada as
peculiaridades previstas em referidos dispositivos, a necessidade de distribuição de
petição inicial para instauração do processo executivo, bem como, no que se refere ao
executado, a necessidade de sua citação para cumprir a obrigação, podendo, se não
concordar com o pedido do exequente, defender-se por meio de impugnação ao
cumprimento de sentença.

Em caráter especial, vale apenas relembrar que, para cumprimento dessas


obrigações, o Código de Processo Civil expressamente autoriza o estabelecimento de
multa diária, visando a constranger o executado ao cumprimento da obrigação (art.
536, §1°, 537, §1° e 538, §3°).

Cahali defende que essa multa, a princípio, deverá ser fixada pelo próprio
árbitro, uma vez que o artigo 537, §1°, do Código de Processo Civil claramente a
aplicação de multas relacionadas à fase de conhecimento do processo, e, em sendo
essa fase resolvida pelo juízo arbitral, cabe também ao árbitro fixar multa pelo
descumprimento da obrigação que ele mesmo estabeleceu em sentença22.

Isso, contudo, não exclui a possibilidade de, em caso de omissão do árbitro,


fixar por si a multa que entender cabível, bem como modificá-la ou exclui-la.

No primeiro caso, a atuação do juiz se dá porque o próprio Código de Processo


Civil atribui-lhe competência para, inclusive de ofício, aplicar a multa que entender
cabível e adequada para cumprimento da obrigação exequenda, de modo que a
omissão do árbitro em proceder com a fixação da astreintes não inviabiliza que o juiz
cumpra com aquilo que a lei lhe determina.

E, no segundo caso, cabe relembrar que o permissivo para que o juiz modifique
ou exclua a multa tem por finalidade permitir que tal sanção seja adequada à realidade
dos fatos que sucederam seu estabelecimento, isto é, caso as circunstâncias do caso
concreto a tornem excessiva ou insuficiente ou tornem injustificada a aplicação da

22
_ Ob. Cit. P. 401.

14
multa, conforme se depreende dos incisos do §1° do art. 537 do CPC. Ou seja, não
haverá mera revisão do mérito da decisão arbitral, mas mera adequação das
consequências dessa decisão aos fatos que a sucederam.

Aliás, realmente só o poder judiciário poderia proceder com tal revisão, sem
que isso implique em qualquer tipo de mitigação ou enfraquecimento da jurisdição
arbitral. A uma, porque como visto, o árbitro detém jurisdição apenas para resolver
conflitos, não recebendo a coercibilidade necessária para execução de suas decisões,
de modo que, uma vez proferida sua decisão, cabe ao Estado executá-la e adotar
tomar as medidas necessárias a seu bom cumprimento; e a duas, porque o art. 29 da
Lei de Arbitragem é bastante claro no sentido de que a prolação da sentença encerra a
jurisdição arbitral, de modo que, sequer é possível que se utilize da arbitragem para
revisão das astreintes, motivo pelo qual nos parece claro que é possível que o juiz
togado execute tal revisão, sob pena de concluir-se que ela é imutável, o que seria
prejudicial a ambas as partes.

No que diz respeito à obrigação de entrega da coisa certa, por o artigo 498 do
Código de Processo Civil estabelecer que que cabe ao juiz determinar o prazo de
entrega da coisa, e entendendo a doutrina que esse juiz é aquele que conduz a fase de
conhecimento23, também será o juiz arbitral o responsável pela fixar tal prazo.

Por fim, não temos qualquer consideração adicional à execução de sentença


arbitral promovida contra a Fazenda Pública, uma vez que não identificamos qualquer
peculiaridade, senão aquelas já expostas, relacionadas a essa espécie de execução
contra os Entes Públicos.

4.1.3. DAS SENTENÇAS ARBITRAIS QUE DISPENSAM O CUMPRIMENTO DE


SENTENÇA JUDICIAL

Há, contudo, um grupo de ações que independem de cumprimento de sentença


judicial. E isso ocorre não porque, para essas ações, o legislador atribuiu ao árbitro

23
_ Ob. Cit. pp. 401-402.

15
força coercitiva, mas sim porque, para seu cumprimento, não se faz necessária
nenhuma medida expropriatória.

A primeira categoria de sentença que dispensaria o ajuizamento de ação


executiva refere-se àquelas de natureza declaratória, cujo propósito, de acordo com o
art. 19 do CPC, é o de eliminar dúvida a respeito da existência, inexistência, validade
ou modo de ser de uma relação jurídica ou documento.

Nesses casos, a sentença arbitral será bastante para vincular as partes, sem a
necessidade de procedimento jurisdicional adicional, já que, como defende Cahali 24, o
comando declaratório se realiza automaticamente, cabendo às partes comportar-se de
acordo com decisão arbitral. Para exemplificar, se o contrato foi declarado nulo, as
partes não podem mais executá-lo nem exigir qualquer providência com base nele.

Igual racional se aplica às sentenças constitutivas ou desconstitutivas, pois, a


partir do momento em que o árbitro profere decisão dessa natureza, ele cria uma
situação jurídica nova, que regerá a relação desenvolvida entre as partes, vinculando-
as independentemente de qualquer ato ou providência. Exemplo de sentença
constitutiva é aquela que promove a revisão de contrato de aluguel, pois, a partir da
sentença, poderá o locador exigir os aluguéis de acordo com a decisão arbitral (caso
ela revise o valor dos aluguéis), bem como poderá o locatário manter-se no imóvel até
que vencido o novo prazo fixado pelo árbitro (caso proceda com a revisão do prazo da
locação).

A regra geral é que essas sentenças produzam, efeitos imediatos, porém pode
ser necessário que se pratiquem atos adicionais e alheios às partes para sua
concretização plena. Nesses casos, como os atos referidos são meramente
informativos (e não coercitivos) poderá o próprio árbitro praticá-los,
independentemente de qualquer providência judicial.

Esses atos serão praticados, geralmente, em situações na qual a sentença


arbitral supre a vontade de uma das partes, de modo que o árbitro emitirá “carta de
sentença” ou carta arbitral que poderá ser apresentada pelo interessado com a
finalidade de conferir efetividade e publicidade à decisão arbitral.

24
_ Ob. Cit. P. 377.

16
A expedição da carta arbitral pode ser necessária, por exemplo, para solicitar o
cancelamento junto à Serventia Registral do registro de compromisso de compra e
venda eventualmente declarado nulo pela sentença arbitral; ou ainda para promover a
transferência imobiliária determinada por decisão que decidiu pela adjudicação de
imóvel.

E isso tudo é possível, porque, dada a já abordada equiparação da sentença


arbitral à judicial, deve-se aplicar a ela o mesmíssimo procedimento de efetivação de
decisão estatal, cuja efetivação perante órgãos estatais e de registro se dá pela simples
emissão de carta de sentença ou ofício, dispensando-se a tomada de medidas de
execução.

Em sua obra, Cahali25 cita decisão proferida pela 1ª Vara de Registros Públicos
de São Paulo, com a seguinte ementa: “Juízo arbitral. Divisão amigável de condomínio
pro indiviso. Extinção. Carta de sentença. Qualificação registrária. Possibilidade. ITBI.
Título. Instrumento público x privado”.

O mestre esclarece que os fundamentos da decisão foram os seguintes “Assim,


da mesma forma que um formal de partilha; a carta de adjudicação expedida em
processo expropriatório; a carta de arrematação; a carta de sentença expedida em
processo de separação judicial ou uma carta de sentença em processo de divisão, a
‘carta de sentença’ expedida pelo juízo arbitral, tem força para acessar o fólio real,
conquistando a devida qualificação registrária”. 26

As razões de decidir da sentença em exame refletem o entendimento


consolidado no enunciado n° 9 da I Jornada Prevenção e Solução Extrajudicial de
Litígios, segundo o qual “A sentença arbitral é hábil para inscrição, arquivamento,
anotação, averbação ou registro em órgãos de registros públicos, independentemente
de manifestação do Poder Judiciário”.

A última categoria de sentença que dispensa a instauração da execução judicial


é aquela que, para os que defendem a classificação quinquenária das sentenças,
qualificam-se como executivas lato sensu.

25
_ Ob. Cit. pp. 379-380.
26
_ Ibidem.

17
Arruda Alvim esclarece que “a principal característica dessa categoria de
sentença estava, originariamente, no fato de prescindir ela da instauração de processo
de execução, para que pudesse ela gerar efeitos, tais como sentença de reintegração
de posse e de despejo”27.

Cahali explica que o cumprimento dessas sentenças ocorre diretamente (daí


sua característica de executiva), prescindindo-se de atos jurisdicionais
complementares, pois, em caso de descumprimento, será executada, por ordem do
juiz uma providência específica e prevista em Lei. Para ele, nessas sentenças, “Há
implícita autorização para executar (autoexecutividade), ou melhor, para impor a
transformação no mundo dos fatos para se obter o resultado prático objeto do
provimento contido na decisão, pois a lei assim determina”28. Ou seja, diante da
característica atribuída pelo próprio Direito Material à condenação imposta pela
sentença, estabelecida a condenação e havendo resistência do devedor, executa-se as
medidas previstas em Lei (e.g. expede-se mandado de despejo, com socorro de força
especial) e não se inaugura processo executivo.

Apesar de a sentença arbitral executiva lato sensu já possuir eficácia capacidade


de produzir efeitos práticos por si, o árbitro não detém a força necessária para efetivá-
la caso o vencido resista em cumpri-la. Nesse caso, o árbitro poderá solicitar por meio
de carta arbitral, em atenção ao regime de cooperação que decorre do art. 67, §1°, e
260 do Código de Processo Civil, a expedição, que o Poder Judiciário pratique os atos
de coerção necessários à efetivação da sentença arbitral.

Com a emissão da referida Carta, não haverá a instauração de um processo


executivo propriamente dito, mas de procedimento distinto, de cooperação entre
juízos (como ocorre com as cartas rogatórias e precatórias), destinado a cumprir
exclusivamente as providências executivas solicitadas pelo árbitro.

27
_ARRUDA, Alvim. Manual de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo : Processo de
Conhecimento: Recursos: Precedentes. 19ª Ed. Ver. Atual. e Ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil.
2020. P. 1090.
28
_ Ob. Cit. P. 381.

18
5. DA EXECUÇÃO DE SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA

Utilizando-se de um critério geográfico (outros Países adotam critérios


diferentes), a Lei de Arbitragem definiu que “Considera-se sentença arbitral
estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional”. Essa espécie de
sentença, de acordo com o caput do art. 34 da referida norma, “será reconhecida ou
executada no Brasil de conformidade com os tratados internacionais com eficácia no
ordenamento interno e, na sua ausência, estritamente de acordo com os termos desta
Lei”.

O citado dispositivo contém algumas regras que distinguem a execução da


sentença arbitral nacional da estrangeira.

A primeira dela é condicionar sua execução à observância do que dispõe a


própria Lei de Arbitragem, cujo principal condicionante à execução da sentença
estrangeira é sua prévia homologação pelo Superior Tribunal de Justiça, nos termos do
artigo 35 da mencionada Norma.

A condição em exame, na verdade, decorre primeiro da Constituição Federal,


pois, qualificando-se a sentença arbitral como verdadeiro título executivo judicial, isto
é, produz os mesmos efeitos que a decisão proferida pelo juízo estatal (art. 31 da LA),
sua eficácia no ordenamento jurídico interno está condicionada à homologação
judicial, nos termos do art. 105, I, “i”, da Carta Magna. Se não fosse essa qualificação,
seria possível sua execução independentemente de homologação judicial, já que os
títulos executivos extrajudiciais estrangeiros podem ser executados
independentemente de qualquer formalidade prévia (art. 784, §§ 2° e 3° do CPC).

É importante registrar que, embora a Lei de Arbitragem fale apenas em


sentença, toda e qualquer decisão arbitral, interlocutória ou sentença, cautelar ou
definitiva, independentemente do conteúdo do provimento (se declaratório,
condenatório ou constitutivo), que deverá ser objeto de homologação judicial.

Ainda, ao fazer referência aos tratados internacionais, o art. 34, caput, da Lei de
Arbitragem estabeleceu que esses diplomas devem prevalecer sobre nossa legislação
interna no que diz respeito ao reconhecimento e homologação de sentenças arbitrais
19
estrangeiras. Por isso, Cahalli defende que, no Brasil, prevalece na disciplina do tema a
Convenção de Nova Iorque, que, internalizada pelo Decreto 4.311/2002, é o tratado
internacional mais importante sobre o tema, aplicando-se, subsidiariamente, o que
dispõe o Código de Processo Civil (arts. 960 e 965) e o Regimento Interno do Superior
Tribunal de Justiça29 .

No que diz respeito ao procedimento, a parte interessada na homologação da


sentença arbitral estrangeira deverá distribuir petição inicial perante o Superior
Tribunal de Justiça e endereçada a seu Presidente, a qual, sob pena de indeferimento,
deverá atender aos requisitos mínimos estabelecidos pelo artigo 319 do CPC. Essa
petição deverá, de acordo com os artigos 37 da LA e IV.1 e IV 2 da Convenção de Nova
Iorque, ser instruída os originais ou cópia devidamente autenticada (i) da sentença
arbitral e (ii) da convenção de arbitragem. Caso esses documentos não estejam língua
portuguesa, deverão ser traduzidos por tradutor oficial ou agente
diplomático/consular.

A análise formal da petição inicial caberá ao próprio Presidente do STJ (arts. 216
e ss., do RI/STJ), que, se não a indeferir (providência que deve ser precedida de prazo
para o autor regularizar o vício que pode acarretar o indeferimento), deverá citar o réu
para apresentar sua contestação. Se não houver contestação ao pedido do autor, o
Presidente poderá decidir de plano o pedido de homologação; se houver, o processo
será distribuído livremente à Relatoria de um dos Ministros da Corte Especial do STJ,
que avaliará a procedência dos argumentos de defesa lançados pelo réu.

É importante ressaltar que o STJ tem entendimento consolidado no sentido de


que o procedimento de homologação é meramente formal, não cabendo ao réu
deduzir argumentos que revolvam à análise do próprio mérito da decisão arbitral 30. É
possível afirmar-se, assim, que a contestação será de fundamentação vinculada, pois o
29
_ Cahali, Francisco José. Ob. Cit. pp. 496-497.
30
_ Nesse sentido: AGRAVO INTERNO NA HOMOLOGAÇÃO DE DECISÃO ESTRANGEIRA. SENTENÇA
ARBITRAL PROFERIDA PELA CÂMARA DE ARBITRAGEM DOS ESTADOS UNIDOS (ESTADO DO TEXAS).
ALEGAÇÃO DE OFENSA À ORDEM PÚBLICA. PRODUÇÃO DE PROVAS. JUÍZO DE DELIBAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DE MATÉRIA DE MÉRITO.1. O sistema judicial brasileiro, no que tange à
homologação de decisão estrangeira, observa, via de regra, os requisitos puramente formais do
processo, sendo vedado o exame de questões de mérito ou que redundem em sua efetiva análise.
Precedentes específicos da Corte Especial do STJ. 2. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
(AgInt na HDE n. 3.233/EX, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Corte Especial, julgado em
12/4/2022, DJe de 20/4/2022.)

20
réu somente poderá arguir o desrespeito do pedido de homologação aos artigos 216-
C, 216-D e 216-F do RI/STJ, e as matérias previstas no V da Convenção de Nova Iorque
e aos artigos 38 da Lei de Arbitragem.

Como as hipóteses previstas no RI/STJ dizem respeito meramente às


formalidades da petição inicial, somente merecem análise as hipóteses de denegação
da homologação previstas na Convenção de Nova Iorque e na Lei de Arbitragem, as
quais, segundo Cahali, são harmônicas e convivem em conjunto31.

Lei da Arbitragem Convenção de Nova Iorque


Art. V, 1, “a” - as partes do acordo a
Art. 38 - I - as partes na que se refere o Artigo II estavam, em
convenção de arbitragem eram conformidade com a lei a elas
incapazes; aplicável, de algum modo
incapacitadas (...)

A incapacidade deve ser aferida de acordo com a lei que as partes optarem por
se submeter quando da instauração da arbitragem. Caso não haja indicação do direito
aplicável, deverá aplicar-se a LINBD, de modo que a capacidade da pessoa natural será
apurada de acordo com o local de seu domicílio e da pessoa jurídica de acordo com o
local em que constituída, nos termos dos artigos 7° e 11 da referida Norma.

Lei da Arbitragem Convenção de Nova Iorque


Art. 38 - II - a convenção de
Art. V, 1, “a” - (...)tal acordo não é válido
arbitragem não era válida segundo a
nos termos da lei à qual as partes o
lei à qual as partes a submeteram, ou,
submeteram, ou, na ausência de
na falta de indicação, em virtude da lei
indicação sobre a matéria, nos termos da
do país onde a sentença arbitral foi
lei do país onde a sentença foi proferida;
proferida;

31
_ Ob. Cit. p. 500.

21
Os dispositivos dizem respeito à invalidade da própria convenção arbitral, que
deverá ser aferida de acordo com a legislação a que as partes se submeteram ou, na
falta de indicação, no País onde proferida a sentença arbitral.

Lei da Arbitragem Convenção de Nova Iorque


Art. V, 1, “b” - (...) a parte contra a qual
Art. 38 - III - não foi notificado da
a sentença é invocada não recebeu
designação do árbitro ou do
notificação apropriada acerca da
procedimento de arbitragem, ou tenha
designação do árbitro ou do processo
sido violado o princípio do
de arbitragem, ou lhe foi impossível,
contraditório, impossibilitando a ampla
por outras razões, apresentar seus
defesa;
argumentos;

Essa hipótese diz respeito ao contraditório e à ampla defesa, inviabilizando a


homologação caso a parte não tenha sido notificada a respeito dos atos do
procedimento arbitral, já que, de acordo com Scavone 32, referidos princípios compõem
nossa ordem pública nacional (são direitos fundamentais assegurados pela
Constituição Federal), de modo que seria inimaginável atribuir-se efetividade a uma
sentença que os desrespeita.

A hipótese, contudo, diz respeito à mera concessão de oportunidade para


manifestação e reação, não cabendo discussão sobre a adequação e/ou efetividade
dos meios utilizados para comunicação dos atos arbitrais, conforme previsão do art.
39, parágrafo único, da Lei de Arbitragem.

Lei da Arbitragem Convenção de Nova Iorque


Art. 38 - IV - a sentença arbitral Art. V, 1, “c” - (...)a sentença se refere
foi proferida fora dos limites da a uma divergência que não está
convenção de arbitragem, e não foi prevista ou que não se enquadra nos
possível separar a parte excedente termos da cláusula de submissão à

32
_ Ob. Cit. P. 263.

22
arbitragem, ou contém decisões
acerca de matérias que transcendem
o alcance da cláusula de submissão,
contanto que, se as decisões sobre as
matérias suscetíveis de arbitragem
daquela submetida à arbitragem;
puderem ser separadas daquelas não
suscetíveis, a parte da sentença que
contém decisões sobre matérias
suscetíveis de arbitragem possa ser
reconhecida e executada;

Trata-se de hipóteses em que a sentença arbitral peca por ser extra ou ultra
petita, afastando-se da convenção arbitral por conceder coisa diferente ou superior do
que aquela autorizada por referida convenção.

Dada a possibilidade de homologação meramente parcial da sentença arbitral


(artigos 961, § 2, do CPC e 216-A, §2°, do RI/STJ), caso a sentença seja ultra petita, é
possível que se proceda com a homologação apenas da parte que está incluída na
convenção arbitral, aproveitando-se, assim, parcela do provimento levado à
homologação. Haverá, portanto, mera redução de excesso.

Todavia, caso a sentença seja extra petita, sem vinculação com a convenção
arbitral, não será possível qualquer espécie de aproveitamento, sendo o caso de
denegação da homologação.

Lei da Arbitragem Convenção de Nova Iorque


Art. 38 - V - a instituição da Art. V, 1, “d” - a composição da
arbitragem não está de acordo com o autoridade arbitral ou o procedimento
compromisso arbitral ou cláusula arbitral não se deu em conformidade com
compromissória; o acordado pelas partes, ou, na ausência
de tal acordo, não se deu em
conformidade com a lei do país em que a

23
arbitragem ocorreu;

A Lei Brasileira acabou sendo mais favorável do que a Convenção, já que,


enquanto aquela trata apenas da instituição arbitral; esta exige também a
correspondência do procedimento com aquilo que foi previamente acordado entre as
partes.

Scavone defende que, para que a causa em exame possa ser alegada no
processo de homologação, ela deverá ter sido previamente aduzida durante o curso da
arbitragem.33

Lei da Arbitragem Convenção de Nova Iorque


Art. 38 – VI - a sentença arbitral
Art. V, 1, “e”, - a sentença ainda
não se tenha, ainda, tornado
não se tornou obrigatória para as
obrigatória para as partes, tenha sido
partes ou foi anulada ou suspensa por
anulada, ou, ainda, tenha sido
autoridade competente do país em
suspensa por órgão judicial do país
que, ou conforme a lei do qual, a
onde a sentença arbitral for
sentença tenha sido proferida.
prolatada.compromissória;

Cahali explica que o dispositivo em exame revela a premissa segundo a qual o


procedimento de homologação se presta meramente a estender a eficácia da sentença
arbitral estrangeira ao território nacional34.

Se, portanto, a sentença é ineficaz no local onde proferida, realmente não faz
sentido permitir que ela produza efeitos no Brasil, pois não há qualquer eficácia a ser
estendida.

Cabe destacar, nesse ponto, que o dispositivo em exame trata de situações na


qual a sentença arbitral não pode produzir efeitos. Por isso, o STJ já decidiu que o
mero ajuizamento de ação anulatória não obsta a homologação da sentença arbitral

33
_ Ob. Cit. P. 264.
34
_ Ob. Cit. P. 504.

24
estrangeira, dada a impossibilidade de discutir o mérito da decisão em procedimento
de homologação.35.

Nery Jr. explica que as hipóteses acima enumeradas são taxativas, não sendo
dado ao intérprete criar ou suprimi-las, violando o texto legal. Além disso, referido
Professor explica que as matérias previstas no art. 38 da LA (e por consequência no art.
IV, 1, da Convenção de Nova Iorque), devem ser arguidas pelo réu, sendo dele o ônus
de comprová-las, não podem o Superior Tribunal de Justiça conhecê-las de ofício, pois
estão na esfera de disponibilidade da parte aceitar a homologação do pedido, ao
arrepio das irregularidades citadas36.

Além das hipóteses citadas, os artigos 39 da Lei da Arbitragem e V.2 da


Convenção de Nova Iorque ainda estabelecem outras hipóteses em que, por seu
conteúdo, a sentença arbitral não poderá ser homologada:

Lei da Arbitragem Convenção de Nova Iorque


Art. 39. A homologação para o 2. O reconhecimento e a execução de
reconhecimento ou a execução da uma sentença arbitral também
sentença arbitral estrangeira também poderão ser recusados caso a
será denegada se o Superior Tribunal autoridade competente do país em
de Justiça constatar que: que se tenciona o reconhecimento e a
execução constatar que:

35
_ Nesse sentido: HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. SENTENÇA ARBITRAL. MATÉRIA DE
MÉRITO. IRRELEVÂNCIA. ART. 38 DA LEI N. 9.307/96. 1. As disposições contidas no art. 38 da Lei n.
9.307/96 apresentam um campo mais largo das situações jurídicas que podem ser apresentadas na
contestação, em relação à prevista no art. 221 do RISTF, mas não chega ao ponto de permitir a invasão
da esfera de mérito da sentença homologanda. 2. A existência de ação anulatória da sentença arbitral
estrangeira em trâmite nos tribunais pátrios não constitui impedimento à homologação da sentença
alienígena, não havendo ferimento à soberania nacional, hipótese que exigiria a existência de decisão
pátria relativa às mesmas questões resolvidas pelo Juízo arbitral. A Lei n. 9.307/96, no § 2º do seu
art.33, estabelece que a sentença que julgar procedente o pedido de anulação determinará que o
árbitro ou tribunal profira novo laudo, o que significa ser defeso ao julgador proferir sentença
substitutiva à emanada do Juízo arbitral. Daí a inexistência de decisões conflitantes. 3. Sentença arbitral
estrangeira homologada. (SEC n. 611/US, relator Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial,
julgado em 23/11/2006, DJ de 11/12/2006, p. 291.)
36
_ Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery. Leis Processuais Civis comentadas e anotadas
[livro eletrônico] - São Paulo :C Thomson Reuters Brasil, 2019. 6 Mb ; e-PUB 1. ed. em e-book. Nery JR -
RL-6.9

25
I - segundo a lei brasileira, o objeto do
litígio não é suscetível de ser
resolvido por arbitragem;

II - a decisão ofende a ordem pública


nacional.

a) segundo a lei daquele país, o


Parágrafo único. Não será
objeto da divergência não é passível
considerada ofensa à ordem pública
de solução mediante arbitragem; ou
nacional a efetivação da citação da
parte residente ou domiciliada no
b) o reconhecimento ou a execução
Brasil, nos moldes da convenção de
da sentença seria contrário à ordem
arbitragem ou da lei processual do
pública daquele país.
país onde se realizou a arbitragem,
admitindo-se, inclusive, a citação
postal com prova inequívoca de
recebimento, desde que assegure à
parte brasileira tempo hábil para o
exercício do direito de defesa.;

A primeira hipótese guarda relação com a arbitralidade, objetiva ou subjetiva


da questão resolvida pelo juízo arbitral, de maneira que, se cuidar-se de cuidar de
questão que, nos termos do art. 1° da Lei n° 9.307/96, não pode ser sujeito à
arbitragem, a sentença arbitral estrangeira não poderá ser homologada.

A segunda hipótese, de acordo com Cahali, é aquela na qual o Superior Tribunal


de Justiça avaliará o mérito da sentença arbitral 37, pois caberá a referido Tribunal
deverá avaliar se o provimento jurisdicional levando à sua apreciação contradiz ou não
a ordem pública nacional.

Embora a ordem pública seja um conceito amplo e de difícil conceituação em


abstrato, pode-se adotar como parâmetro para interpretação da causa impeditiva em
exame o disposto no artigo 216-F do Regimento Interno do STJ, que restringe à
37
_ Ob. Cit. pp. 505-506

26
homologação nos casos em que que a sentença estrangeira (arbitral ou judicial):
“ofender a soberania nacional, a dignidade da pessoa humana e/ou a ordem pública”.

Se necessário for, “A decisão estrangeira homologada será executada por carta


de sentença no Juízo Federal competente” (art. Art. 216-N do RI/STJ).

Por fim, de acordo com o art. 40 da Lei da Arbitragem, “A denegação da


homologação para reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira por
vícios formais, não obsta que a parte interessada renove o pedido, uma vez sanados os
vícios apresentados”.

6. CONCLUSÃO

A leitura conjunta dos dispositivos da Lei da Arbitragem e do Código de


Processo Civil revela que o legislador deliberadamente optou por retirar da esfera da
jurisdição arbitral os poderes de coerção necessários a impor o cumprimento da
sentença proferida pelo árbitro.

Embora nos seja evidente que a intenção da parte que opta pela arbitragem
seja desviar-se da jurisdição estatal, parece-nos que a opção do legislador foi bastante
acertada, sem implicar em nenhum enfraquecimento da jurisdição arbitral.

E é assim, porque seria bastante temerário atribuir a particulares (apesar do


exercício da jurisdição, os árbitros não integram o corpo Estatal) poderes para
interferir no patrimônio (e até mesmo na vida) das partes, notadamente quando se
sabe que as atividades desses particulares têm pouquíssima supervisão ou fiscalização
e suas decisões não costumam ser objeto de recurso.

Esse panorama é completamente diferente daquele a que submetido o Poder


Judiciário, os quais, além de ostentar a autoridade Estatal, são submetidos a forte
fiscalização (interna a cargo da Corregedoria do Tribunal que cada juiz integra, e
externa a cargo do Conselho Nacional de Justiça e outros) e suas decisões estão

27
sujeitas a recurso para a instância superior, quase sempre com a possibilidade de
atribuição de efeito suspensivo.

Por isso, parece-nos bastante acertado que o legislador tenha submetido as


sentenças arbitrais à execução em procedimento jurisdicional, idêntico àquele a que
submetidas as sentenças estatais, cabendo às partes, portanto, caso não queiram que
tal juízo interfira na relação jurídica submetida à arbitragem, cumprirem
voluntariamente a sentença arbitral.

No mais, no que diz respeito às sentenças arbitrais estrangeiras, embora se


compreenda a razão pela qual são elas sujeitas à homologação pelo Superior Tribunal
de Justiça, pois não se olvida que se trata de mecanismo voltado a garantir a soberania
nacional no que diz respeito a aplicação de sentenças (estatais ou arbitrais) alienígenas
em nosso País, poderia cogitar-se de tal homologação ser dispensada futuramente.

A sujeição da sentença ao STJ atrasa, em muito, a eficácia da sentença em


nosso País, o que nos parece indesejável dado que um dos fundamentos que norteiam
a escolha da arbitragem é a celeridade (em tese) garantida pelo procedimento. Além
disso, como visto acima, os títulos executivos extrajudiciais estrangeiros não
demandam de homologação para serem executados no Brasil.

Se um título com menos autoridade pode ser executado imediatamente,


parece-nos que seria possível desconsiderar a homologação da sentença arbitral como
requisito para a eficácia da sentença estrangeira, sem prejuízo de permitir-se que
àquele que se sujeita à referida sentença postule por sua ineficácia no ordenamento
jurídico interno, diante de um dos vícios que macule sua forma (como são aqueles
enumerados pela Convenção de Nova Iorque).

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BIBLIOGRAFIA

ARRUDA, Alvim. Manual de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo :


Processo de Conhecimento: Recursos: Precedentes. 19ª Ed. Ver. Atual. e Ampl. São
Paulo: Thomson Reuters Brasil. 2020. P. 1090.

Cahali, Francisco José. Curso de arbitragem. pp. 373-374. Edição do Kindle

Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery. Leis Processuais Civis comentadas e
anotadas [livro eletrônico] - São Paulo :C Thomson Reuters Brasil, 2019. 6 Mb ; e-PUB
1. ed. em e-book. Nery JR - RL-6.9

SCAVONE JR., Luiz Antonio. Arbitragem: mediação, conciliação e negociação. Rio de


Janeiro: Forense, 2019. P. 198

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