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A
DIREFERENÇA ENTRE O BEM E O MAL / A VERDADE E A MENTIRA. O
BEM E O MAL: OU O ETERNO COMEÇO
1
distributiva, geral e social), sempre preocupada em garantir
liberdades e igualdade e a consecução do bem comum;
ii.i. É aqui que o direito possui certo cruzamento com a moral, já que
ambos possuem um fundamento ético (tanto que, como relembra
Kumpel, é normal que normas éticas sejam convertidas em regras
jurídicas), pois não se pode admitir um direito imoral, cujo propósito
seria a injustiça;
Não por acaso, o filosofo grego Cícero 4 já defendia que, para conhecer o
Direito, deve-se conhecer o homem, sua essência e natureza, pois são elas que revelarão
a natureza e intersubjetividade que o homem busca.
4
Citado em RAÓ, Vicente. Ob. Cit. P. 61.
2
2. DIREITO E NORMA JURÍDICA
Como visto, a essência do direito está no próprio homem. Não por acaso,
o direito ampara o ser humano desde o momento em que é concebido, ainda nascituro,
após o nascimento, durante a vida e até a morte, concede-lhe proteção quanto a aspectos
necessários a esse desenvolvimento, como a liberdade e a integridade física e moral e
regula suas relações diversas na sociedade, inclusive com sua família e trabalho.
Não por acaso, Noberto Bobbio defende que a vida se desenvolve com
em um mundo de normas5 e Vicente Raó, com a clareza que lhe é própria, esclarece:
3
inverso, já que é o homem que a cria, motivo pelo qual “Assume, assim, o direito o
caráter de força social propulsora, quando visa proporcionar, por via principal aos
indivíduos e por via de consequência à sociedade, o meio favorável ao aperfeiçoamento
e ao professo da humanidade”8.
Para o Professor Eduardo Vera Cruz, o Direito não está reduzido à lei ou
simplesmente ao produto da vontade das maiorias que, por terem sido vencedoras de
uma eleição, criam a Lei11. Para ele, o que ocorre é justamente o oposto, pois é o
Direito que cria a Lei e não contrário, pois:
“O Direito é que está na base da criação legislativa. E quem cria o Direito são
os juristas, com critérios de objetividade e rigor muito exigentes e fundados em
regras consensualmente aceites; isto é, aqueles na sua comunicação são
reconhecidos como tendo um saber fundado na experiência e aplicado com
equilíbrio, bom senso e sentido de justiça. Logo, só o Direito pode regular
limitando o exercício do poder legislativo e, assim, dos outros poderes do
Estado que obedecem às leis.” .12
8
_ RAO, Vicente. Ob. Cit. P. 42.
9
_ DINIZ, Maria Helena. Ob. Cit. P. 5;
10
_ RÁO, Vicente. Ob. Cit. P. 42.
11
_ PINTO, Eduardo Vera-Cruz. Curso Livre de Ética e Filosofia do Direito. Cascais: Ed. Princípia. 1ª Ed.
2010. P. 188.
12
Ob. Cit. P. 20.
4
A lição do Professor decorre da compreensão de que o Direito é produto
cultural, que se constata através de elementos de identidade da personalização da pessoa
humana. Assim, o Direito não é um dado adquirido, que nasce com a simples edição de
uma norma, mas é um verdadeiro processo constante de construção, que deve levar em
consideração fatos históricos e culturais e que importa na criação, pelo homem e para
ele, de regras voltadas ao estabelecimento da paz13.
Mas, apesar de tudo isso, não se pode negar que a norma jurídica ocupa
papel relevante no Direito. É necessário, porém, que se compreenda no que consiste a
norma jurídica e qual é seu papel no Direito.
13
_ Pinto, Eduardo Vera-Cruz. Ob. Cit. P. 20 P. 191
14
_ Pinto, Eduardo Vera-Cruz. Ob. Cit. P. 20 P. 21/23
15
_ Diniz, Maria Helena. Ob. Cit. P. 9.
16
_ Pinto, Eduardo Vera-Cruz. Ob. Cit. P. 20. P. 36
17
_ REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 18ª Ed. ver. E atual. – São Paulo: Saraiva P. 93.
5
implementar o fato enunciado pela norma (F), deverá advir a consequência (C) nela
prevista, que na teoria do Kelsen é quase sempre uma sanção18.
Por isso, entende que o conceito de norma jurídica não pode ser reduzido
a uma simples proposição hipotética, devendo ser compreendida como “uma estrutura
proposicional enunciativa de uma forma de organização ou de conduta que deve ser
seguida de maneira objetiva e obrigatória”19.
6
O conceito apresenta uma outra característica importante, pois relembra
que o direito se inclui entre as chamadas normas éticas (como também lembram Miguel
Reale21 e o Professor Eduardo Vera-Cruz Pinto22), de maneira que as normas jurídicas
devem ser editadas em contrariedade com a Ética.
Reale relembra que “Toda norma enuncia algo que deve ser, em virtude
de ter sido reconhecido um valor como razão determinante de um comportamento
declarado obrigatório. Há, pois, em toda regra um juízo de valor, cuja estrutura mister
é esclarecer, mesmo porque ele está no cerne da atividade do juiz ou do advogado”23.
Diante dessa íntima relação do Direito com a ética, não se pode admitir
que o Direito, ou ainda que as normas jurídicas, preocupem-se na simples ordenação.
Devem, ao contrário, buscar a satisfação dos bens individuais e do bem comum.
Lembrando que o bem comum não é apenas a soma dos bens individuais, mas consiste
naquilo que ”cada homem pode realizar sem prejuízo do bem alheio”24 ou, nas lições de
Luigi Bagonoli “uma estrutura social na qual sejam possíveis formas de participação e
de comunicação de todos os indivíduos”25.
Essa também é a posição de Maria Helena Diniz, que defende que, para
ser jurídica, a norma deve estar atenta à sociedade política na qual inserida, sob pena de
ser incapaz de atender a um de seus principais propósitos, que é o de garantir a
organização social e equilíbrio das relações humanas, permitindo que a pessoa humana
se autorrealize26.
21
_ Reale, Miguel. Ob. Cit P.39
22
Pinto, Vera Cruz. Ob. Cit. P. 27/28
23
_ Reale, Miguel. Ob. Cit P.34
24
_ Reale, Miguel. Ob. Cit. P.56
25
Bagolini, Luigi, apud in Reale, Miguel. Ob. Cit. P.59/60.
26
_ Diniz, Maria Helena. Ob. Cit. P. 7.
7
De fato, para a jurisdocente, a norma jurídica deve considerar as
circunstâncias fático-axiológicas de seus destinatários, pois, se não o fizer, constituir-se-
á como elemento de desordem e de desequilíbrio, a serviço do árbitro e alheia ao
homem e à sociedade que, em sua essência, deveria ordenar 27. Inclusive, o próprio
jurista, ao interpretar a norma, deverá assimilar e captar essas circunstâncias, pois não
pode esquecer que o direito é uma integração normativa de fatos e valores28.
Por fim, cabe apenas fazer uma ressalva, que, apesar de o Direito estar
relacionado à ética, já que, voltado às relações exteriores (seu viés é intersubjetivo), e
com propósito é atender ao bem comum (ou seja, de seus indivíduos e da sociedade),
não se perfilha a tese de que o Direito constitui um mínimo ético ou mínimo moral.
27
_ Diniz, Maria Helena. Ob. Cit. P. 7.
28
_ Diniz, Maria Helena. Ob. Cit. P. 9.
29
_ Pinto, Vera Cruz. Ob. Cit. P. 27/28.
30
_ Ibidem. P. 36.
31
_ citado em Reale, Miguel. Ob. Cit. P. 60.
8
Isso, porque como bem relembram José de Oliveira Ascensão 32 e Miguel
Reale33, apesar de existir uma verdadeira tendência de normas morais ou éticas serem
convertidas em jurídicas, não é toda e qualquer regra jurídica que possuirá conteúdo
ético ou moral, pois há regras meramente organizacionais, que são verdadeiramente
amorais, isto é, são completamente indiferentes à moral.
32
_ ASCENSÃO. José de Oliveira. Introdução à ciência do direito. 3. Ed. ver. E atual. Rio de Janeiro:
Renovar. 2005. Pg. 94/95
33
_ Ob. Cit. P. 45/46
34
_ REALE, Miguel. Ob. Cit. P. 65.
9
Assim, o Direito deve operar segundo uma integração normativa de fatos
e valores.35
3. A VERDADE E A MENTIRA.
10
que aconteceu. O verdadeiro se refere, portanto, à linguagem enquanto narrativa de
fatos acontecidos; aos enunciados que dizem fielmente as coisas tais como foram ou
aconteceram.
Veritas se refere aos fatos que foram, de modo que as teorias que apoiam
essa concepção afirmam que o critério da verdade é dado pela coerência interna ou pela
coerência lógica das ideias e das cadeias de ideias que formam um raciocínio, coerência
que depende da obediência às regras e leis dos enunciados corretos. A marca do
verdadeiro é a validade lógica de seus argumentos.
37
_ Ob. Cit. P. 123.
11
Chauí relembra ainda que todos esses três conceitos permeiam nossa
ideia de verdade até hoje38, inclusive com repercussões no direito. Palavras como
verificar (constatar a veracidade de algo passado, como no conceito grego), pronunciar
um veredito (firmar uma verdade atual, como no conceito latino) e verossimilhante
(confiança de que aquilo que se diz é e será verdadeiro, como no conceito grego),
revelam isso.
Essa ideia de mentira foi relevante para teologia cristã, eis que se à
intenção do sujeito determinante para apresentar-se a verdade ou mentira, é possível
associar a mentira ao livre-arbítrio e a fraqueza do homem que incorre no erro.
12
daquele que está mentindo ou não. E, assim, aquele que enuncia o falso no lugar do
verdadeiro, julgando ser o falso verdadeiro, pode ser considerado errôneo ou
temerário, mas não pode ser tido, de maneira isenta, como mentiroso, porque, ao
enunciar, não tem um coração duplo, nem deseja enganar, mas é enganado. Porém, a
culpa do mentiroso é o desejo de mentir enunciado em sua própria alma: ou quando
engana, caso se dê crédito àquilo que ele diz, ou não engana: seja quando não se
acredita nele seja quando enuncia uma verdade que pensa não ser verdadeira com a
intenção de enganar. Porque, quando se crê nele, em todo caso, não engana, embora
desejaria enganar: somente engana na medida em que se julga que ele sabe ou pensa
como enuncia.
Para isso, defende-se que, primeiro, o ensino jurídico deve ser pautado na
ética, contra aquilo que ele denomina como “indecência antropológica” que decorre do
13
negacionismo, principalmente porque esse negacionismo, em si mesmo, já é contrário
ao direito.
Além disso, defende que o Holocausto deve ser objeto do ensino jurídico,
como forma, principalmente, de prevenção. Essa defesa tem relação especial com o fato
de que, para o Professor Vera Cruz, o Holocausto representa o mal absoluto da
humanidade, a verdadeira contradição com o direito, pois, assim como outros
genocídios, representa ruptura com o compromisso que o Direito tem de defender a
pessoa e as comunidades, devendo servir, assim, como exemplo da necessidade de o
direito agir contra a lei injusta e contra a própria política de Estado, se necessário, em
separação clara do bem e do mal.
Mas, não é a todo custo que essa separação e vencimento do mal deve
acontecer, pois o jurista deve buscar caminhos não violentos para superar o injusto, uma
vez que uma revolução violenta pode implicar resultados muito piores.
É importante ter em vista que o professor Vera Cruz não defende o mal
com algo meramente ambivalente, mas que se conheça sua causa e compreenda que a
40
OB. Cit. P. 176.
14
escolha pelo bem e o mal é algo estruturante da própria liberdade humana. E restringir
a liberdade seria aplicar o direito injusto.
E realmente assim deve ser, porque o direito, que, como visto, tem
fundamento na pessoa humana e na ética, não pode sustentar regimes ou práticas que
violem a própria essência da pessoa humana ou busquem a eliminação de povos.
15
O Professor Vera-Cruz explica que o Bem e o Mal, que podem
identificar-se como a verdade e mentira, não são temas que comumente são estudados
pelo Direito, sendo objeto de estudo (até mais apropriado) por outras áreas de
conhecimento, mas que acabaram voltando à temática jurídica em razão das
problemática do terrorismo e os mecanismos militares adotados para combatê-los, que
implicaram em certa aceitação moral e social da maldade.
Essa distinção, segundo Vera Cruz, não pode estar baseada em alguma
filosofia moralista clássica, nem em imperativos de caráter absoluto que questionam a
verdade como base ou fundamento da solução jurídica que se pretender apresentar, pois
o tema não diz respeito à filosofia do Direito. Na verdade, ele afirma que “A verdade
não resulta da vontade humana em a encontrar, nem de um complexo de jogos teóricos,
a verdade situa-se mais no plano da fé e da construção do Humano, de uma forma
eternamente aberta para o homem, como fixou Pilatos, face à certeza de Cristo (Deus-
Homem): O que é a verdade?”41.
Noutro passo, o Mal deve ser aferido tomando como base o referencial de
degradação do homem, pois “O humanismo atual impõe como axiomas: que nenhuma
pessoa humana pode ser sacrificada na sua vida, dignidade e personalidade por uma
ideia ou instituição; e que o sofrimento das pessoas não pode ser pensado em função
da política e da história”.42
41
_ Pinto, Eduado Vera Cruz. OB. Cit. P. 202
42
_ Ibidem. P. 204
16
É o caso, por exemplo, do financiamento das atividades de ONGs que
trabalham na oferta de auxílios humanitários em países subdesenvolvidos e submersos
em regimes ditatoriais, em situações nas quais não há urgência, mas uma situação
consolidada de miséria e degradação.
43
_ Aquino, Tomás de. Suma Teológica: (Obra Completa) Edição do Kindle. (p. 2056).
17
não é uma anomalia biológica do ser humano, (...)mas sobretudo uma questão
educativa de ordem jurídico-cultural.”44
A bondade, por sua vez, deve ser entendida como um dos elementos da
fruição da dignidade da pessoa humana. No nosso estado de coisas, de grande
degradação, devemos nos empenhar para traçar barreiras entre bem e mal, lícito e ilícito,
legítimo e ilegítimo, do legal e do legal.
Deve haver empenho em separar o que está bem, do que está mal,
tomando o Bem como referência, de uma ideia oposta de Mal.
44
PINTO, Eduardo Vera-Cruz. Ob. Cit. P. 208
45
_ Ibidem. P. 209
46
_ RIPERT, Georges. La Règle Morale dans les Obligations Civiles. P. 5/7 apud. RAÓ, Vicente. Ob. Cit. P.
71/72
18
6. ALGUNS MECANISMOS JURÍDICOS QUE PODEM SER UTILIZADOS
PARA A REALIZAÇÃO DO BEM E CONCRETIZAÇÃO DA VERDADE
6.1. A EQUIDADE
6.1.1. DEFINIÇÃO
Assim, para a Raó, são funções da equidade (i) adaptar a lei aos casos em
que deva ela incidir, ainda que não previstos textualmente, com igual rigor (expressos
ou não); (ii) aplicar a lei considerando todos os elementos que circundam o caso
47
_ Raó, Vicente. Ob. Cit. P. 87/88.
48
_ Ibidem. Pg. 88
19
concreto (pessoais e reais); (iii) suprir lacunas; e (iv) garantir a aplicação da lei com
benignidade e humanidade49.
Não por acaso, Ascensão52 nos lembra que deve haver cautela no
deslocamento das decisões dos casos da lei à equidade, com o propósito de
individualização da solução jurídica, pois, embora isso possa sugerir uma maior justiça
relativa, isso pode custar a segurança jurídica, dada a evidente falta de previsibilidade
da forma pela qual a situação será resolvida.
A interpretação corretiva, portanto, seria cabível, para evitar que, por ter
o legislador emitido declaração de vontade ampliativa demais, que não considera sua
efetiva consequência, cuja aplicação estrita violaria o bem comum e os princípios
49
_ Raó, Vicente. Ob. Cit. Pg. 88.
50
_ Conforme relembra Ascensão (Ob. Cit. P. 295).
51
_ Raó, Vicente. Ob. Cit. P. 95
52
_ Ob. Cit. P. 238/239.
53
_ OB. Cit. P. 408
20
fundamentais, é permitido ao intérprete corrigir e restringir o alcance da lei, para evitar
resultados nefastos.
54
_ OB. Cit. P. 409/410.
55
_SCHEREIBER, Anderson. A Proibição do Comportamento Contraditório. Rio de Janeiro: Renovar.
2005. P. 81
21
A segunda função diz respeito à criação dos deveres anexos ou
acessórios, os quais, em caráter integrativo ao conteúdo do contrato, mostram-se
relevantes para o bom cumprimento da avença. Esses deveres, cuja fonte é a boa-fé
objetiva e não a vontade das partes (Schereiber inclusive o denomina como não
voluntaristas56). Esses deveres variam a depender do negócio jurídico (a boa-fé será
interpretada em cada caso), mas podem ser citados os deveres de informação, de
segurança, de sigilo, de lealdade, entre outros.
56
Ibidem. P. 82
57
Tartuce, Flavio. Manual de Direito Civil, 2. Ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2012. P. 548
58
WAMBIER, Luiz Rodrigues. A supressio e o direito à prestação de contas in Revista Luso-Brasileira,
Ano 1, 2015, nº 02, p. 1197-1214.
22
Há diversos outros institutos pertinentes à boa fé objetiva (como tu
quoque, exceptio doli e duty to mitigate the loss), porém, as figuras jurídicas já relatadas
revelam que a tutela da confiança (e, portanto, o art. 422 do Código Civil), constitui-se
como verdadeiro mecanismo de respeito ao bem individual e coletivo (lembrando que o
contrato deve possuir e respeitar sua função contratual, nos termos do art. 421 do
Código Civil), pois, além de buscar a isentar a parte da improbidade e malícia do outro,
ainda serve para garantir que a verdade externada pela atuação de cada contratante seja
preservada .
23
exigência de implemento contratual antes de cumprir a sua obrigação, o
cumprimento da obrigação principal do contrato não retira da parte que
estiver de boa-fé e tiver agido com probidade, o direito ao recebimento dos
valores devidos pelo cumprimento da obrigação. Logo, a perda do direito de
receber o avençado apenas se dará em caso de prejuízo efetivo a parte adversa
ou no caso de evidente má-fé, a exemplo de entrega de produto em quantidade
menor do que o contrato ou de qualidade diversa da contratada. 3. A vedação
do da exigência do implemento da obrigação contratual antes de cumprida a
sua obrigação deve ser interpretada segundo a cláusula geral da boa-fé
objetiva prevista no art. 422 do CC, de modo que a proibição que imposta pelo
art. 476 do CC é aplicável para inadimplemento absoluto da obrigação e
posturas de má-fé, ou seja, que lesionem interesse da parte contrária, tais como
entregar produto diverso do contrato, ou em local diferente, faltar com a
verdade, entre outras que venham a afetar os deveres de colaboração e
lealdade recíprocos. 4. No caso concreto, restou comprovado que o vendedor
[apelante] agiu de boa-fé e conforme prática já existente entre as partes, pois,
a empresa compradora [apelada] em contratos pretéritos não exigia a entrega
de certidão negativa de penhora para efetuar o pagamento pelos produtos.
Além disso a empresa apelada recebeu a totalidade do produto, motivo pelo
qual o recorrente tem direito ao pagamento. 5. Sentença reformada. 6. Recurso
provido. (TJ-MT 10017973920188110015 MT, Relator: SEBASTIAO
BARBOSA FARIAS, Data de Julgamento: 05/04/2022, Primeira Câmara de
Direito Privado, Data de Publicação: 08/04/2022)
7. CONCLUSÕES
24
E, estando o direito inserido no campo da Ética, operando como uma
verdadeira integração normativa de fatos e valores, não se pode admitir que seja
utilizado para fins maléficos ou para incentivar a mentira, sob pena de atuar despido de
qualquer valor axiológico.
Por isso, tem razão o Professor Vera Cruz quando diz que o direito não
pode calar a verdade, nem admitir a cumplicidade com a mentira em submissão a
qualquer Poder Político, máxime porque, como visto acima, o dogmatismo é uma
59
_ https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/05/05/jacarezinho-1-ano-apos-28-mortes-10-
de-13-investigacoes-do-mp-foram-arquivadas.ghtml
25
tendência natural humana, que costuma aceitar que aquilo que vê e percebe é verdadeiro
e bom, de modo que se a mentira for reiteradamente apresentada às pessoas, elas
tenderam a acreditar nelas, fazendo com que o mal prevaleça, seja pela sua repetição,
seja por isentar os malfeitores de qualquer consequência.
26
À vista disso, apesar de não adotar uma posição extremista, como aquela
apresentada por Alf Ross, que aponta que não cabe ao jurista avaliar a retidão da lei 60,
não nos parece que seria adequado o juiz simplesmente deixar de aplicar a lei porque
não a considera justa ou adequada ao bem comum, pois, se o fizesse, estaria
substituindo seu Juízo ao do legislador, que é aquele que congrega, no Estado
Democrático de Direito, o papel de editar as normas que prescreverão os
comportamentos sociais.
Aliás, por vezes, o juiz sequer pode aferir se, ao fazer o bem, não está
fazendo verdadeiramente um mal. Em causas envolvendo a saúde, por exemplo, o juiz
faz o bem atendendo a qualquer pedido de medicação formulado pelo autor? É bom
evitar o despejo de uma família que não terá condições de habitar outro local? Em
ações previdenciárias, é bom flexibilizar o que dispõe a lei para ofertar benefícios a
quem solicitar?
60
_Direito e Justiça. Bauru: EDIPRO, 2ª ED. 2007. P. 421.
27
BIBLIOGRAFIA
BOBBIO, Noberto. Teoria da Norma Jurídica. 6. Ed. – São Paulo: Edipro, 2016.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática. 2000. Pg. 116.
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico Universitário. 4ª Ed. – São Paulo: Ed.
Saraiva. 2022
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 1º Volume: teoria geral do
direito civil. 24ª Ed. Ver. Rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2007. P. 5.
KUMPEL, Victor Frederico. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Método.
2007. P. 25/28
PINTO, Eduardo Vera-Cruz. Curso Livre de Ética e Filosofia do Direito. Cascais: Ed.
Princípia. 1ª Ed. 2010.
RAÓ, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. 1° Volume. Tomo I. São Paulo: Ed.
Max Limonad
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 18ª Ed. ver. E atual. – São Paulo:
Saraiva
RIPERT, Georges. La Règle Morale dans les Obligations Civiles. apud. RAÓ,
Vicente. Ob. Cit.
ROSS, Alf. Direito e Justiça. Bauru: EDIPRO, 2ª ED. 2007
SCHEREIBER, Anderson. A Proibição do Comportamento Contraditório. Rio de
Janeiro: Renovar. 2005.
Tartuce, Flavio. Manual de Direito Civil, 2. Ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro:
Forense, 2012
WAMBIER, Luiz Rodrigues. A supressio e o direito à prestação de contas in Revista
Luso-Brasileira, Ano 1, 2015, nº 02.
28