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JATAÍ
2021
DANILO SOUZA MELO
Esta pesquisa teve o privilégio de contar com o apoio e contribuição de muitas pessoas que, de
alguma forma, foram importantes nesta jornada. Expresso meu agradecimento e gratidão
particularmente:
Agradeço ao meu irmão Samuel e à Loyane pelo apoio, incentivo e pelas correções gramaticais.
Agradeço aos meus familiares, em especial minha tia Susana, Wilson e Júlia.
e a Geografia Agrária.
Aos amigos, companheiros de pesquisa e sonhos André Bersani, Marco Aurélio e Mariele.
Ao amigo Adalto Braz pela parceria na empreitada de morar e estudar em Goiás, dividindo as
Ao amigo de pesquisa Acácio pelas milhões de dúvidas esclarecidas e pela parceria na análise
(UNESP), Cacá Feliciano (UNESP) João Fabrini (UNIOESTE) e Djoni Ross (UNIOESTE).
Ao professor Ariovaldo (USP), pelas contribuições durante o doutorado e pela disponibilização
Ao professor Celso Locatel (UFRN) por me receber na universidade em Natal (RN), pelo curso
Aos professores (as) da Universidade Federal de Goiás, atual UFJ, em especial, Prof. Evandro
Agradeço aos colegas da pós-graduação na UFG Angélica, Bruno, Davi, Fernando, Flávia,
Guilherme, Gustavo, Gustavo Carvalho, Valdir, Vilson, Íria, Thiago, Hyago, Bruno, Marcos,
Mariza e Tatiane.
Agradeço ao amigo Fabio Queiroz pelo apoio nos trabalhos de campo em Paranaíba (MS).
Agradeço aos amigos Rodrigo, Juliano, Willians, Márcio, Vinicius e Samuel Tarsi, pela
concedida.
Agradeço a todos (as) professores (as) que passaram pela minha vida, em especial a Prof. Tânia,
minha primeira professora de Geografia.
"Na verdade a questão agrária engole a todos e a
tudo, quem sabe e quem não sabe, quem vê e quem
não vê, quem quer e quem não quer".
(José de Souza Martins, 1994, p.12)
RESUMO
A presente pesquisa, parte do pressuposto teórico da existência de uma questão agrária
brasileira causada pelo desenvolvimento do capitalismo no campo que de maneira desigual,
contraditória e combinada reproduz elementos contraditórios, dentre eles, latifúndio e
campesinato. Dessa maneira, a concentração fundiária e o latifúndio são produtos do
desenvolvimento histórico de um capitalismo rentista, onde a propriedade da terra garante ao
proprietário o direito de se apropriar de parte da mais-valia social, a renda da terra.
Contraditoriamente, em uma disputa desigual com a agricultura capitalista, o campesinato luta
para (re)produzir seu modo de vida baseado no trabalho familiar por meio de práticas produtivas
e organizacionais que possibilitem a sua manutenção na terra e geração renda. Nesse sentido,
em um contexto de predomínio do latifúndio no Brasil, grande parte dos camponeses acessam
a terra por meio da política de Reforma Agrária. Outros programas, como o Programa Nacional
de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais (PRONAT) objetivaram estruturar e
organizar harmonicamente campesinato e agricultura capitalista. Assim, os esforços
empreendidos nesta pesquisa objetivam comprovar a hipótese da reprodução do latifúndio e da
recriação do campesinato nos territórios rurais Parque das Emas (GO) e Bolsão (MS) como
parte da contradição do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo no campo.
Como procedimento de pesquisa, foi estabelecido: revisão bibliográfica de obras que tratam da
questão agrária, recriação camponesa e políticas públicas; sistematização e organização de
dados secundários, como do IBGE, INCRA, entre outros; trabalho de campo e uso de fontes
orais e aplicação de entrevistas. A pesquisa revelou a relação intrínseca e complexa da
reprodução do latifúndio e recriação camponesa no interior do desenvolvimento desigual,
contraditório e combinado do capitalismo. Observou-se ainda as relações de classe entre
capitalistas/latifundiários no Estado como elemento da questão agrária brasileira e sua
influência nas políticas públicas para o campesinato. Por outro lado, foi possível compreender
estratégias contraditórias adotadas pelos camponeses como forma de recriação enquanto classe
social.
Mapa 1 – Territórios rurais Parque das Emas (GO) e Bolsão (MS): localização.....................18
Mapa 2 –Parque das Emas (GO) e Bolsão (MS): rodovias e distâncias percorridas na
pesquisa.....................................................................................................................................62
Mapa 3 – Brasil: Imóveis rurais de políticos (2019-2022) ........................................................95
Mapa 4 – Brasil: imóveis rurais por estrato de área (2020)....................................................125
Mapa 5 – Brasil: imóveis rurais por estrato de área (2020)....................................................127
Mapa 6 - Territórios rurais Parque das e Emas e do Bolsão: Uso e ocupação do solo 2018.....137
Mapa 7 - Territórios Rurais Parque das e Emas(GO) e do Bolsão (MS): Estrutura Fundiária
2020........................................................................................................................................ 143
Mapa 8 – Brasil: Status dos imóveis certificados no SIGEF (2020)......................................177
Mapa 9 – Brasil: Imóveis rurais aguardando imissão da posse..............................................197
Mapa 10 – Parque das e Emas (GO) e Bolsão (MS): Assentamentos de Reforma Agrária e
Crédito Fundiário (2020).........................................................................................................210
Mapa 11 – Territórios rurais Parque das e Emas (GO) e do Bolsão (MS): População residente
e renda média por setor censitário (2010)...............................................................................218
Mapa 12 – Parque das e Emas (GO) e Bolsão(MS): Número de pessoas com idade igual ou
maior que 60 anos (2010)....................................................................................................... 238
LISTA DE TABELAS
Parque das Emas (GO) e Bolsão (MS): módulos fiscais e dimensões dos latifúndios
em hectares (ha) – 2013 ........................................................................................................... 46
Brasil: número e área dos estabelecimentos com 1.000 hectares ou mais (1920-
2006)......................................................................................................................................119
Brasil: Número e área dos estabelecimentos agropecuários (2017) ..................... 120
Brasil: os 20 maiores imóveis rurais (2020) ......................................................... 123
Parque das Emas (GO): Número e área dos estabelecimentos agropecuários (2006 -
2017)......................................................................................................................................142
Bolsão (MS): Número e área dos estabelecimentos agropecuários (2006-2017). 143
Território Rural das Parque das Emas (GO): Maiores proprietários fundiários
(2020)..................................................................................................................................... 147
Território Rural do Bolsão (MS): Maiores proprietários fundiários (2020)......... 148
Brasil: formas de obtenção de terras para reforma agrária (2003-2017) .............. 191
Parque das Emas (GO) e Bolsão (MS): Assentamentos rurais criados (1989 a
2019)......................................................................................................................................203
Brasil: Produção agropecuária entre pequeno e grande estabelecimentos
(2006).....................................................................................................................................221
Parque das Emas (GO) e Bolsão (MS): PRONAF - Quantidade e Valor dos
Contratos (2015 -2020) .......................................................................................................... 233
Parque das Emas (GO) e Bolsão (MS): Número de aposentadorias rurais e
porcentagem por município (2010 e 2019)............................................................................ 239
Parque das Emas (GO) e Bolsão (MS): Número de famílias beneficiadas pelo Bolsa
Família em outubro de 2017 .................................................................................................. 243
LISTA DE QUADROS
Quadro 1- Parque das Emas (GO) e Bolsão (MS): Candidatos a prefeito eleitos em 2016 e
suas ocupações............. ............................................................................................................ 97
Quadro 2- Parque das Emas (GO): Candidatos camponeses em 2020 ................................ 272
LISTA DE ABREVIAÇÕES
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 16
1 AS CINZAS: OPÇÕES TEÓRICAS E PROCEDIMENTOS DA PESQUISA ........... 22
1.1 O caminho do pesquisador e a problemática da pesquisa ........................................... 24
1.2 Hipótese, objetivo geral e específicos ......................................................................... 26
1.3 Revisão bibliográfica e pressupostos teóricos ............................................................. 26
1.4 As categorias da pesquisa ............................................................................................ 30
1.5 Conceitos ..................................................................................................................... 37
1.6 Técnica de mapeamento da estrutura fundiária ........................................................... 42
1.7 Políticos e a questão agrária: PARALELO entre dados do TSE e DO INCRA .......... 48
1.8 O preço da terra ........................................................................................................... 51
1.9 Uso e ocupação do solo ............................................................................................... 53
1.10 Análise da cadeia dominial........................................................................................ 54
1.11 Trabalho de campo .................................................................................................... 59
2 HEGEMONIA LATIFUNDIÁRIA NO ESTADO BRASILEIRO ............................... 66
2.1 Por uma análise geográfica do Estado ......................................................................... 67
2.2 A formação do Estado agrário brasileiro ..................................................................... 73
2.2.1 Coronelismo nos estados de Goiás e Mato Grosso do Sul ..................................... 77
2.3 República latifundiária ................................................................................................ 84
2.4 Ruralismo e política no Parque das Emas (GO) e no Bolsão (MS) ............................ 96
2.5 Qual o lugar do campesinato no Estado? .................................................................. 102
3 A REPRODUÇÃO DO LATIFUNDIO NOS TERRITÓRIOS RURAIS PARQUE DAS
EMAS (GO) E DO BOLSÃO (MS) .................................................................................. 108
3.1 O latifundio no Brasil ................................................................................................ 110
3.2 A Territorialização e monopolização do capital no campo nos territórios rurais Parque
das Emas (GO) e do Bolsão (MS) ................................................................................... 128
3.3 A reprodução do latifúndio no Parque das Emas (GO) e Bolsão (MS)..................... 141
3.4 Dinâmica Fundiária: disputa pela renda da terra PELOS AGENTES DO
agronegócio......................................................................................................................148
3.5 O gigante de pés de barro: A insegurança jurídica da propriedade capitalista privada
......................................................................................................................................... 154
3.5.1 Grilagem no Parque das emas (GO) e NO Bolsão (MS) ..................................... 159
3.5.2 Cercas virtuais: o georreferenciamento como instrumento de grilagem .............. 173
4 A (RE)CRIAÇÃO DO CAMPESINATO NO PARQUE DAS EMAS (GO) E NO
BOLSÃO (MS) ................................................................................................................... 180
4.1 Reforma agrária e contradição no BRASIL .............................................................. 182
4.2 A fração camponesa do terrítório no interior do latifúndio no Parque das Emas (GO) e
Bolsão (MS) .................................................................................................................... 198
4.3 Características socioeconômicas do CAMPESINATO NO Parque das Emas (GO) e
Bolsão (MS) .................................................................................................................... 211
4.4 As políticas públicas para a agricultura camponesa .................................................. 227
4.5 As políticas sociais como garantia de renda familiar ................................................ 236
4.6 O Programa Nacional de Produção e Uso de Biodísel .............................................. 250
4.7 Emendas Parlamentares e o clientelismo .................................................................. 254
4.8 Dialética da recriação: Ações privadas compensatórias e mitigadoras do
agronegócio......................................................................................................................264
4.9 Flores no latifúndio: A participação política e organização das mulheres camponesas
......................................................................................................................................... 270
4.10 Faca amolada: Fragmentos de autonomia camponesa............................................. 276
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 283
REFERENCIAS ................................................................................................................. 289
16
INTRODUÇÃO
1
Segundo o portal Embrapa, o Brasil é o maior produtor de soja em grãos do mundo, atingindo a marca de 124,845
milhões de toneladas produzidas. Disponível em: <https://www.embrapa.br/soja/cultivos/soja1/dados-
economicos>. Acesso em: 9 jan. 2021.
17
por todo o país. Quando não se territorializa, o capital monopoliza o território, controlando a
circulação da produção e de insumos (OLIVEIRA, 2010), se apropriando da renda da terra
gerada pela agricultura capitalista e camponesa.
Esta “brecha” possibilita ao campesinato manter-se no campo tendo parte da sua renda
subordinada ao capital. Portanto há contradições internas no interior do desenvolvimento do
capitalismo no campo, atrelando a reprodução do latifúndio à recriação do campesinato. Cabe
ressaltar, que não se trata de um processo mecânico, pelo contrário, emergem conflitualidades
e violência desta relação dialética, resultando na implantação de monocultivos, expulsão de
camponeses, povos indígenas e quilombolas e, ao mesmo tempo a luta pela terra. Segundo
Fernandes (2005, p. 06), “A conflitualidade é inerente ao processo de formação do capitalismo
e do campesinato. Ela acontece por causa da contradição criada pela destruição, criação e
recriação simultâneas dessas relações sociais.”
Os esforços empreendidos nesta pesquisa objetivam comprovar a hipótese da
reprodução do latifúndio e da recriação do campesinato nos territórios rurais Parque das Emas
(GO) e Bolsão (MS) como parte da contradição do desenvolvimento desigual e combinado do
capitalismo no campo. Elegeu-se como recorte de pesquisa os territórios rurais Parque das Emas
(GO) e Bolsão (MS), criados, respectivamente, em 2010 e 2013, por meio do Programa
Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais (PRONAT). Este programa
vigorou até o ano de 2016, sendo uma das principais ações do Estado para o desenvolvimento
rural, sobretudo para agricultura camponesa.
Com área de 76.322,37 km², os territórios rurais Parque das Emas (GO) e Bolsão (MS)
são contíguos, separados apenas por divisões político-administrativas, mas compõem o mesmo
bioma Cerrado, local de avanço da agricultura capitalista. Outros aspectos naturais, como
relevo, clima e abundância de recursos hídricos também são compartilhados por estes territórios
rurais. Como representado no mapa 1, o Território Rural Parque das Emas (GO) é composto
por nove municípios: Aparecida do Rio Doce, Aporé, Chapadão do Céu, Jataí, Mineiros,
Perolândia, Portelândia, Santa Rita do Araguaia e Serranópolis. Do lado sul-mato-grossense, o
Território Rural do Bolsão (MS) abrange oito municípios: Água Clara, Aparecida do Taboado,
Cassilândia, Chapadão do Sul, Inocência, Paranaíba, Selvíria e Três Lagoas.
18
Mapa 1 – Territórios rurais Parque das Emas (GO) e Bolsão (MS): localização
aprofunda na análise de dois casos nos territórios estudados demonstrando a fragilidade jurídica
da propriedade capitalista da terra, onde se assenta a agricultura capitalista vinculada ao
agronegócio.
A atualidade da grilagem é desvendada pelo uso de novas tecnologias de
georreferenciamento para legitimar a apropriação de terras devolutas e, nesse sentido, dados do
Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF) apontam grande quantidade imóveis no Brasil sem a
confirmação de registro de propriedade em cartório.
No capítulo 4, o contexto de reprodução ampliada do capital que consequentemente,
reproduz o latifúndio, foi preciso identificar e compreender a recriação do campesinato
enquanto classe social dentro do capitalismo. No plano geral, demonstrou-se como o Estado,
constituído por representantes da propriedade concentrada, interfere, contraditoriamente, na
recriação camponesa por meio da Reforma Agrária e de outras políticas para a agricultura
familiar camponesa. Os dados do Banco de Dados da Luta pela Terra (DATALUTA) e INCRA,
evidenciam a paralisação da política de Reforma Agrária nos últimos governos federais, mas
de importância dos assentamentos nos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e
1999-2002) e de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010), mesmo não promovendo
transformações na concentração da propriedade da terra.
Ao longo dos trabalhos de campo nos assentamentos de Reforma Agrária, nos
territórios rurais Parque das Emas (GO) e Bolsão (MS), foram constatadas diferentes estratégias
utilizadas pelos camponeses para permanecerem na terra. A análise feita sobre estas estratégias
indicam algumas contradições por se relacionarem diretamente com empresas ligadas ao
agronegócio, comprometendo a autonomia do campesinato.
Embora contraditórias, mostram a habilidade dos camponeses em resistir aos
momentos de crise, como na participação em projetos mitigatórios de empresas do agronegócio.
Nesse sentido, dados da Câmara dos Deputados apontam a relação direta entre recriação
camponesa e políticos ligados ao agronegócio por meio de emendas parlamentares destinadas
à agricultura camponesa, personalizando as ações do Estado, dando nomes e partidos às ações
e financiamentos.
O encontro tardio com a terra, proporcionado pela paralisação da Reforma Agrária,
caracteriza a população camponesa envelhecida nos assentamentos rurais. Assim, nos
trabalhados de campo, constatou-se a importância da política previdenciária como estratégia de
garantia de renda mínima para os camponeses, assegurando a permanência de famílias na terra.
Também foram identificadas ações inovadoras de apropriação das políticas públicas e
organização política das mulheres camponesas. A organização política entre os camponeses
21
Toda pesquisa tem um início e a sua chama se principiou muito antes do doutorado,
mais precisamente em 2009, no antigo Laboratório de Estudos Regionais (LABER),
transformado, posteriormente, em Laboratório de Estudos Territoriais (LABET), da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), câmpus de Três Lagoas, atualmente
denominado de Laboratório de Geografia Agrária (GeoAgrária). Independentemente de seu
nome, foi neste laboratório, coordenado pela Prof. Dra. Rosemeire A. Almeida, ainda na
graduação em Geografia, onde ocorreram os primeiros contatos com a Geografia Agrária e a
questão agrária em Mato Grosso do Sul (MS) por meio da iniciação cientifica (IC).
O levantamento e organização de dados sobre a agricultura em Mato Grosso do Sul, nos
censos agropecuários 1995/96 e 2006, foram as primeiras investigações sobre a temática. Junto
com a IC, as reuniões do Grupo de Pesquisa Terra-Território (GETT), com a participação de
professores, mestrandos e graduandos, propiciaram as primeiras lições teóricas sobre a questão
agrária. A práxis do grupo colocava em movimento as teorias estudadas com trabalhos de
campo em assentamentos de Reforma Agrária em Três Lagoas (MS) e Selvíria (MS).
No antigo Labet, outras pesquisas foram desenvolvidas nos quatro anos de graduação,
dentre elas a participação na Rede DATALUTA2. Participando desta rede, iniciaram-se as
atividades e levantamentos de dados sobre ocupações de terra e manifestações dos movimentos
socioterritoriais (FERNANDES, 2005) do campo em Mato Grosso do Sul. Naquele período,
aprofundaram-se as pesquisas sobre a questão agrária, em especial a luta pela terra. As reuniões
anuais com professores e pesquisadores de grande parte do Brasil, membros da Rede
DATALUTA, foram importantes no descobrimento e compreensão sobre a diversidade teórica
envolvendo a questão agrária brasileira.
A experiência na Graduação, somada às investigações sobre a luta pela terra em MS,
culminaram na proposta de estudo para o Mestrado em Geografia no Programa de Pós-
Graduação em Geografia do Câmpus de Três Lagoas, na UFMS. Os 24 meses de estudos foram
dedicados a trabalhos de campo em ocupações de terra nos estados de Mato Grosso do Sul (MS)
e de Mato Grosso (MT) e leituras teóricas para se compreender a luta pela terra. Intitulada
“Geografia das ocupações e manifestações de terras em MT e MS (2000 a 2012)”, a dissertação,
2
O Banco de Dados da Luta Pela Terra (DATALUTA) é um projeto do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos
de Reforma Agrária (NERA) ligado ao curso de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia (UNESP),
campus de Presidente Prudente. O DATALUTA articula-se em uma rede de pesquisadores de diferentes
universidades do país, que coletam e analisam dados sobre a questão agrária brasileira.
25
defendida em junho de 2015, contribuiu para a formação do pesquisador, sua linha de pesquisa
e sua base teórica.
Com a conclusão do Mestrado, novas atividades foram desenvolvidas no ano de 2015,
no projeto “Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial (NEDET)”, no Território
Rural do Bolsão, em Mato Grosso do Sul, coordenado pelo Prof. Dr. Sedeval Nardoque. O
projeto, financiado pelo extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e gestado pelo
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), previa a assessoria
à política do Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais
(PRONAT).3
Buscando articular e organizar na base do Território Rural do Bolsão (MS) os sujeitos
sociais para captação de projetos e recursos, foi preciso conhecer e convencer camponeses
assentados e tradicionais (sitiantes), servidores públicos e políticos locais da importância da
participação popular. Neste desafio, muitas reuniões, visitas e eventos foram organizados,
possibilitando conhecer todos os assentamentos de Reforma Agrária e comunidades rurais do
Bolsão (MS), como também o contexto regional da questão agrária.
No período de atividades do Pronat e do Nedet no Bolsão (2015-2017), foram
identificados, empiricamente, indicativos da recriação do campesinato tradicional e,
principalmente, nos assentamentos de Reforma Agrária e, ao mesmo tempo, ficaram evidentes
características da questão agrária no Bolsão (MS). Em campo, constataram-se estratégicas do
campesinato para se recriar em um contexto agrícola/agrário de hegemonia da agricultura
capitalista e de reprodução do latifúndio. A problemática vivenciada na assessoria ao Nedet e a
convivência constante com os camponeses foram as bases empíricas, concomitante à formação
do pesquisador, propiciaram a formulação do projeto de pesquisa aprovado no Programa de
Pós-Graduação em Geografia Universidade Federal de Goiás – UFG, campus de Jataí, atual
Universidade Federal de Jataí (UFJ).
No processo de investigação, delimitou-se um conjunto de municípios nos estados de
Goiás e de Mato Grosso do Sul inseridos no contexto da questão agrária e locais de aplicação
do Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais (PRONAT). A
escolha do Território Rural Parque das Emas (GO) justifica-se por ser composto, em parte, pelo
município de Jataí (GO), local do programa de Pós-Graduação e pelo contexto agrícola/agrário.
3
Edital de chamada pública CNPq/MDA/SPM-PR Nº 11/2014 selecionou o projeto “Implantação e Manutenção
do Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial do Território Rural do Bolsão (MS)”.
26
Já o Território Rural do Bolsão (MS) foi escolhido por ser o local dos indícios empíricos que
instigaram a investigação e por onde o autor estudou em grande parte de sua formação.
compreende que “O nosso campesinato é constituído com a expansão capitalista, como produto
das contradições dessa expansão” (MARTINS, 1981, p.16).
Elegeu-se, em acordo com o orientador, referenciais teóricos para balizar a análise das
contradições do desenvolvimento desigual e contraditório do capitalismo. Ao longo da análise
da questão agrária, do campesinato e do latifúndio, observou-se a relevância da compreensão
do papel do Estado. Nesse sentido, foi preciso buscar no interior da perspectiva marxista autores
e teorias para compreensão das ações do Estado no desenvolvimento capitalista.
Mesmo objetivando o alinhamento teórico da pesquisa, foi necessário explorar trabalhos
de autores/pesquisadores de outras ciências e linhas teóricas considerando a relevância e
especificidades de seus trabalhos. Essa decisão não implica em incoerência teórica, mas como
estratégia para o entrelaçamento e o aprofundamento do debate.
A desconstrução e a interpretação da questão agrária no Parque das Emas (GO) e no
Bolsão (MS) fundamentaram-se em teorias, categorias e conceitos articulados sob a vertente
marxista campesinista. Com efeito, considera-se o campesinato como classe social dentro do
modo capitalista de produção, entendendo o debate sobre o fim do campesinato no início do
século XXI como superado e ineficiente na busca pela compreensão da realidade atual. Além
da especificidade da permanência do campesinato na atualidade, é preciso considerar o processo
de “recamponização”, como o caso dos sem-terra (ALMEIDA, 2006).
Ainda de acordo com Almeida (2006);
[...] a (re)criação do campesinato como uma relação não-capitalista é parte
contraditória do modo de produção capitalista, situação que, por sua vez, ao
permitir a acumulação do capital, também contém sua negação, seja na luta
contra a transferência de renda seja na luta direta pela terra de trabalho.
(ALMEIDA, 2006, p.86).
As categorias devem estar alinhadas teoricamente à tese para que seus usos não sejam
equivocados ou mesmo tenham vazios de significado. Neste trabalho, elegeu-se as categorias
totalidade, contradição, hegemonia e reprodução para operacionalização dos conceitos
essenciais na discussão e análise da questão agrária. Se faz necessário apresentar ao leitor a
compreensão sobre as categorias elegidas e como contribuíram na desconstrução e análise da
questão agrária nas áreas estudadas.
Nesta perspectiva:
Assim, podemos chegar a uma conclusão fundamental: é na compreensão das
categorias que exprimem as relações da sociedade capitalista que
encontraremos a essência para compreender a estrutura e as relações de
produção das formas de sociedade desaparecidas. (OLIVIERA, 2016, p. 48).
constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma
superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de
consciência.” (MARX, 2008, p. 47).
A noção de totalidade, explicitada por Marx, é constituída de partes heterogêneas
desenvolvidas em movimento desigual e contraditório das relações de produção. Na mesma
perspectiva, segundo Tse-Tung (2008):
Já que o particular está unido ao universal e que a universalidade, assim como
a particularidade da contradição, são inerente a tudo – a universalidade
residindo na particularidade –, deveríamos, ao estudar um objeto, tentar
descobrir tanto o particular como o universal e sua interconexão dentro do
próprio objeto, e descobrir as interconexões desse objeto com os muitos
objetos fora dele. (TSE-TUNG, 2008, p. 106).
4
Foi publicado, originalmente, em 1846.
5
Tese de doutorado em Geografia publicada como livro em 2016. Disponível em: <
http://agraria.fflch.usp.br/sites/agraria.fflch.usp.br/files/CR%C3%8DTICA%20AO%20ESTADO%20ISOLADO
%20DE%20VON%20THUNEN.pdf>. Acesso em: 07 mai. 2020.
32
Na luta de classes, a classe social dirigente busca construir a ideologia dominante sobre
as outras classes para alcançar a capacidade de subordina-las e manter a estrutura social
produtiva e unificar o pensamento. Em Cury (2000):
A hegemonia é a capacidade de direção cultural e ideológica que é apropriada
por uma classe, exercida sobre o conjunto da sociedade civil, articulando seus
interesses particulares com os das demais classes de modo que eles venham a
se constituir em interesse geral. (CURY, 2000, p. 48).
36
Estes sistemas influem sobre as massas populares como força política externa,
elemento de força coesiva das classes dirigentes, e, portanto, como elemento
de subordinação a uma hegemonia exterior, que limita o pensamento original
das massas populares de uma maneira negativa, sem influir positivamente
sobre elas, como fermento vital de transformação interna do que as massas
pensam, embrionária e caoticamente, sobre o mundo e a vida. (GRAMSCI,
1991, p. 114).
6
A tese de Rodrigo Simão Camacho faz a análise da disputa de paradigmas na educação do campo, ou seja, a
disputa ideológica entre as classes pela hegemonia. CAMACHO, Rodrigo Simão. Paradigmas em disputa na
educação do campo. 806 f. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"
Faculdade de Ciências e Tecnologia. 2014.
37
1.5 CONCEITOS
Como indicado, a concepção de território utilizado pelas políticas públicas não contribui
na apreensão da questão agrária estudada. Com isso, o conceito de território, compreendido
nesta tese, é resultado de sua interpretação como produto das relações de poder (luta de classes)
no interior do modo capitalista de produção.
Sendo assim, segundo Oliveira:
O território é assim, produto concreto da luta de classes travada pela sociedade
no processo de produção de sua existência. Sociedade capitalista que está
assentada em três classes fundamentais: proletariado, burguesia e
proprietários de terra. Dessa forma, são as relações sociais de produção e o
processo contínuo/contraditório de desenvolvimento das forças produtivas
que dão a configuração histórica específica ao território. Logo o território não
é um prius ou um a priori, mas a contínua luta da sociedade pela socialização
igualmente contínua da natureza. [...] é esta lógica contraditória que
constrói/destrói formações territoriais em diferentes partes do mundo ou faz
com que frações de uma mesma formação territorial conheçam processos
desiguais de valorização, produção e reprodução do capital, conformando as
regiões. (OLIVEIRA, 2007, p. 3).
Oliveira (2007), o território é construído, também, por ações do Estado diretamente ligadas aos
interesses de classes sociais e inerentes aos seus conflitos.
Portanto, historicamente, as políticas públicas para o campo foram e são formuladas sob
a perspectiva produtivista, objetivando o desenvolvimento do/no campo por meio do aumento
produtivo e incentivo creditícios para a agricultura capitalista. As políticas públicas ganharam
novos contornos a partir de 1990 com a influência direta do Banco Mundial, propondo “[...]
uma mudança no enfoque, colocando num primeiro plano o mercado e o senso empresarial
como elementos diretores da nova dinâmica e reduzindo o papel do Estado, nas futuras
propostas de desenvolvimento para o meio rural.” (MONTENEGRO GÓMEZ, 2006, p. 61).
Para compreender estas políticas públicas, utiliza-se, neste trabalho, a análise do Estado a partir
da luta de classes, ou seja, negar o Estado enquanto abstração e compreende-lo como o conjunto
de sujeitos pertencentes a classes sociais que atuam de acordo com seus interesses.
Buscou-se, primeiramente, em Marx, fundamentos teóricos sobre o Estado. O autor não
elaborou uma obra específica sobre o assunto, porém sua compreensão está presente em seus
trabalhos. Foi preciso realizar a leitura de Marx (1991;2011) e Marx e Engels (1999) em
diferentes momentos para compreender como os autores avançaram na compreensão sobre o
assunto. Ainda foram utilizadas leituras de obras influenciadas por Marx, como de Gramsci
(1984), de Harvey (2005) e de Smith (1984), possibilitando o aprofundamento do debate no
capítulo dedicado a esta análise.
Sendo assim, segundo Marx (1991), os sujeitos, valendo-se do meio chamado Estado,
conseguem mascarar suas intencionalidades referentes às suas perspectivas de classe. Apesar
da hegemonia burguesa no Estado, há tensionamentos com a sociedade civil (GRAMSCI,
1984). Dito de outra forma, não é o Estado que rege e controla a sociedade de forma neutra,
mas sim a sociedade dividida em classes, no interior do modo capitalista de produção, que se
expressa por meio dele. O Estado e seus representantes são a expressão da dinâmica do modo
capitalista de produção em seu regime de expansão e acumulação. Para Marx e Engels (1999),
o Estado é uma via de controle e expressão dos interesses da burguesia.
Essa perspectiva indica o caminho para compreender como no Brasil se constituiu o
Estado ligado a uma burguesia originada, contraditoriamente, a partir de oligarquias rurais
(FERNANDES, 1976) e, atualmente, mesmo com população predominantemente residente nas
cidades, e o incremento de nuances de uma economia moderna, há a manutenção do poder
político dos proprietários fundiários. Com efeito, historicamente o Estado é composto, também,
e/ou influenciado por grandes proprietários de terras e suas relações políticas são
compreendidas baseadas no coronelismo (LEAL, 1976) e no poder do atraso (MARTINS,
40
1994). Portanto, parte-se da compreensão do Estado e das políticas públicas para o campo como
resultado da luta de classes, sobretudo entre capitalistas, latifundiários e camponeses.7
Deste modo, as ações do Estado, no que concerne às políticas públicas ou ações diretas,
não são livres de valores e ideais de classe e, nesse sentido, Martins (1981, p.13), ao se referir
à questão agrária e as contradições da Reforma Agrária, entendida como política pública, faz
uma ressalva: “O problema nem é um problema estritamente econômico nem estritamente
teórico – é um problema político, da luta e do confronto entre as classes sociais, entre
exploradores e explorados”.8
Esta perspectiva provoca opções teóricas no interior da tese, principalmente sobre as
noções de agricultura familiar e território utilizados pelas políticas públicas. A opção por
utilizar o conceito de campesinato, ao invés de agricultura familiar, comumente presente nas
políticas públicas, justifica-se pela coerência teórica e metodológica da pesquisa baseada na
luta de classes. Nessa perspectiva, opta-se pelo conceito de campesinato pelo motivo de
carregar consigo o histórico de lutas e resistências no campo e, portanto, representa a classe
social analisada neste trabalho.
Esta opção baseia-se em Marx (2013), sobre a relação da sociedade com os meios de
produção. Assim: “[...] isto é, os assalariados, os capitalistas e os proprietários fundiários,
formam as três grandes classes da sociedade moderna, fundada no modo de produção
capitalista”. (MARX, 2013, p.1162). Autores alinhados ao marxismo, como Oliveira (1991),
Martins (1981) e Almeida (2006), também contribuem nesta perspectiva teórica.
Em contrapartida, o termo agricultura familiar, construído e estabelecido no Brasil por
meio das análises feitas por Abramovay (1992), fundamenta-se essencialmente na esfera
econômica das pequenas propriedades rurais e sua relação com o mercado. Portanto, a
compreensão é de que a agricultura familiar é um setor da economia.
Posteriormente, a Lei 11.326, de 2006 estabeleceu as diretrizes para a formulação da
Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais,
popularizando o termo e utilizando nas políticas públicas. Segundo Almeida (2006, p.90), o
termo agricultura familiar se apresenta como novo, mas na realidade o seu uso nega o
campesinato como classe social e conflitiva dentro da questão agrária.
7
Com a modernização e a expansão do capitalismo no campo brasileiro nas últimas décadas, muitos latifundiários
tornaram-se capitalistas e capitalistas tornaram-se latifundiários. Também, há que se compreender que frações de
classes burguesas nacionais e internacionais avançaram com seus negócios no campo.
8
É certo, também, mesmo entre aqueles que não são proprietários fundiários nem capitalistas, por meio da
ideologia dominante, se posicionam contra a Reforma Agrária e as ações dos movimentos socioterritoriais do
campo.
41
9
Sobre o assunto, recomenda-se a leitura de: ARRUDA, Zuleika Alves de. Onde esta o agro desse negocio?:
transformações socioespaciais em Mato Grosso decorrentes do agronegócio. 2007. 279p. Tese (doutorado) -
Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geociências, Campinas, SP.
42
10
Disponível em:<https://cepea.esalq.usp.br/upload/kceditor/files/sut.pib_dez_2020.9mar2021.pdf>. Acesso em:
06 abr. 2021.
43
11
Disponível em: < http://www.fao.org/3/I9396PT/i9396pt.pdf >. Acesso em: 12 ago. 2020.
44
simples ocupação, quando o documento não tem validade para ser registrado no cartório de
registro de imóveis.12
Apesar da sua relevância na análise de concentração/desconcentração, as formas
clássicas, utilizando-se IBGE ou INCRA, possuem limites na localização e identificação das
unidades rurais. Por isso, aqui apresenta-se a representação, por outro meio, com o objetivo de
complementar as informações e não substituir as representações clássicas tradicionais da
estrutura fundiária, além de servir de base de análise nos dois recortes desta tese.
Nesse sentido, o INCRA, desde a década de 1970, faz o levantamento e sistematização
de dados secundários sobre a estrutura fundiária brasileira por meio do Sistema Nacional de
Certificação de Imóveis Rurais (SNCI). A partir da lei 11.952, de 25 de junho de 2009, o órgão
adotou novos critérios e informações ao cadastro, dentre elas, o georreferenciamento das
propriedades rurais (art. 9º).
Após o início da certificação georreferenciada pelo SNCI, em 2009, o INCRA e o
Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA)13 criaram uma ferramenta para gerir os dados
sobre estrutura fundiária e subsidiar as ações do Estado. Em 2013, o Sistema de Gestão
Fundiária (SIGEF) foi criado pela instrução normativa nº 77 e passou a receber e validar dados
sobre propriedades rurais. Desta maneira, o INCRA possui dois bancos de dados de
propriedades rurais, o SNCI (2009 a 2013) e o SIGEF, juntos possibilitam diferentes análises
da estrutura fundiária brasileira por meio do georreferenciamento.
Há, também, um banco de dados georreferenciados ligados ao meio ambiente. O
Cadastro Ambiental Rural (CAR), como afirma em seu site oficial14, foi “[...] criado pela Lei
nº 12.651/2012, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente -
SINIMA, e regulamentado pela Instrução Normativa MMA nº 2, de 5 de maio de 2014 [...]”,
um sistema de registro público de propriedades e de suas áreas de preservação. Desta forma, o
CAR tem por objetivo gerenciar e fiscalizar as normativas ambientais em propriedades rurais,
não se preocupando com as questões fundiárias, pois não há exigência de vinculação de dados
registrais de direito real nas declarações feitas ao CAR.
12
Disponível em: <http://www.incra.gov.br/pt/credito/2-uncategorised/240-ccir-perguntas-e-respostas.html>.
Acesso em: 22 ago. 2020.
13
Criado em 1999, o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), após o impeachment de Dilma Rousseff
(PT) e posse de seu vice, Michael Temer (PMDB), foi reduzido a secretaria lotada na Casa Civil e, atualmente, no
Governo Bolsonaro, a Secretaria Especial de Assuntos Fundiários foi transferida para o Ministério da Agricultura
Pecuária e Abastecimento, sob o comando de Tereza Cristina (DEM). O atual Secretário Especial de Assuntos
Fundiários é o ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antônio Nabhan Garcia.
14
Informação retirada do site do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Disponível em:
<http://www.car.gov.br/#/sobre>. Acesso em: 12 ago. 2020.
45
15
Em Melo e Braz (2017), há o primeiro ensaio desta técnica de representação cartográfica para a estrutura
fundiária a partir dos dados do SNCI e do SIGEF.
16
Os dados estão disponibilizados em: <http://certificacao.incra.gov.br/csv_shp/export_shp.py>. Acesso em: 17
mai. 2018.
46
Como a área da pesquisa contempla nove municípios no estado de Goiás e outros oito
em Mato Grosso do Sul, estabeleceu-se a generalização dos critérios de dimensão para
classificar as propriedades rurais. Nesta tese, considerou-se latifúndio como sinônimo de grande
propriedade, estabelecendo como base a dimensão de 1.000 hectares.
Convém destacar o Art. 4º da Lei nº 8.629/1993, que classifica como grande todo imóvel
acima de 15 módulos fiscais. Nas áreas estudadas, o tamanho do módulo fiscal dos municípios
varia entre 35 e 90 hectares, como apresentado na tabela 1. Desta forma, seguindo-se a Lei nº
8.629/1993, as dimensões da grande propriedade por municípios variam entre propriedades
acima de 525 hectares (módulo fiscal igual a 35 ha) ou propriedades acima de 900 hectares
(módulo fiscal igual a 60 ha).
Parque das Emas (GO) e Bolsão (MS): módulos fiscais e dimensões dos latifúndios
em hectares (ha) – 2013
Parque das Emas (GO) Bolsão (MS)
Latifúndio Latifúndio
Módulo (15 vezes o Módulo (15 vezes o
Município Fiscal módulo) Município Fiscal módulo)
Ap. do Rio Doce 40 600 Água Clara 35 525
Aporé 40 600 Aparecida do Taboado 40 600
Chapadão do Céu 40 600 Cassilândia 40 600
Jatai 40 600 Chapadão do Sul 40 600
Mineiros 60 900 Inocência 40 600
Perolândia 40 600 Paranaíba 40 600
Portelândia 60 900 Selvíria 35 525
Santa Rita do
60 900 Três Lagoas 35 525
Araguaia
Serranópolis 60 900
Fonte: INCRA – SNCR, 2013. Organizado pelo autor.
Levando-se em consideração as informações da tabela 1 e a variação do tamanho
característico, a grande propriedade, de acordo com a Lei nº 8.629/1993, nestes municípios,
optou-se pela padronização, definindo como latifúndio/grande propriedade todos os imóveis
rurais com dimensão a partir de 1.000 hectares. Este critério contempla a diferença entre os
módulos fiscais dos municípios estudados permitindo mapear e classificar de forma
padronizada por cores a estrutura fundiária nos territórios rurais Parque das Emas (GO) e Bolsão
(MS). Ressalta-se que estudos clássicos sobre a temática, como Oliveira (1991) e Guimarães
(1968), também utilizaram 1.000 hectares como parâmetro para análise dos latifúndios no
Brasil.
De posse dos dados do INCRA e com o critério de classificação estabelecido, realizou-
se o procedimento de representação da estrutura fundiária no software de geoprocessamento
47
Arcgis. Neste procedimento, notou-se que os limites das propriedades rurais não coincidem com
os do município, logo, foi preciso considera-las com áreas além dos limites municipais.
A figura 1 representa, em síntese, o processo descrito sobre a representação da estrutura
fundiária. Assim, o SNCI e o SIGEF do INCRA são as fontes dos dados utilizados e organizados
por software de geoprocessamento resultando no mapeamento e classificação das propriedades
rurais.
17
Os prazos para georreferenciamento de imóveis rurais foram alterados diversas vezes. Os novos prazos para
imóveis acima de 25 ha e abaixo de 100 ha foi estendido a partir de 20 de novembro de 2023. Aqueles abaixo de
25 ha, a partir de 20 de novembro de 2025. Os imóveis rurais com área superior a 100 hectares estão obrigados a
promover o georreferenciamento e solicitar a certificação em caso de desmembramento, parcelamento,
remembramento e em qualquer situação de transferência de imóvel rural. Disponível em:
<http://www.cadastrorural.gov.br/perguntas-frequentes/propriedade-rural/45-quais-sao-os-prazos-para-
georreferenciar-e-certificar-o-imovel-rural>. Acesso em: 25 ago. 2020.
18
Disponível em: <http://www.incra.gov.br/consulta-imoveis-rurais>. Acesso em: 12 ago. 2020.
19
As informações podem ser acessadas em:<http://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/>. Acesso em: 10 ago.
2020.
49
Até o ano de 2014, as doações eleitorais poderiam ser realizadas por empresas,
facilitando a busca no banco de dados sobre proprietários fundiários. Nas eleições seguintes,
apenas pessoas físicas poderiam doar para as campanhas eleitorais, dificultando a associação
entre doador e proprietário fundiário, principalmente pela possibilidade de existência de nomes
homônimos. É sabido, no entanto, que as doações de grandes empresas não cessaram, apenas
passaram as feitas diretamente por seus proprietários e associados. Desta maneira, escolheu-se
as eleições gerais de 2014 como fonte inicial de informações para desnudar a relação entre
proprietários fundiários e política.
Posteriormente, foram analisadas as informações das eleições gerais de 2018 para todo
o Brasil, identificando os políticos eleitos e seus três principais financiadores (pessoas físicas).
Foram levantadas informações sobre 1.782 políticos entre presidente, senadores, governadores,
deputados federais e estaduais do país. Seguindo os procedimentos de pesquisa propostos por
Gonçalves (2012), buscou-se no Tribunal Superior Eleitoral20, nas declarações de patrimônio,
dados sobre imóveis rurais dos políticos analisados na tentativa de compreender vínculo entre
estes e a agricultura capitalista e às empresas ligadas ao agronegócio.
Com os dados em planilha do SIGEF, foram cruzados com os dados dos políticos eleitos
em busca de compreender a relação próxima entre propriedade fundiária e políticos,
demonstrando como estes são proprietários fundiários ou receberam volumosas doações para
suas campanhas eleitorais. Assim, senadores, governadores, deputados e prefeitos representam
interesses de classes dentro do Estado, preterindo, por vezes, as reivindicações dos camponeses.
Obviamente, há reciprocidade entre financiador e financiado. Nesse sentido, buscou-se para o
estudo os projetos, as ações e as votações, os quais políticos financiados por empresas do
agronegócio e latifundiários apoiaram os interesses dos mesmos. Muitas informações foram
encontradas em suas páginas oficiais (site) ou redes sociais e outras fontes, como a câmara
legislativa e bibliografias sobre o assunto, também foram consultadas.
A relação entre agricultura capitalista e política também apresenta suas contradições,
uma delas está nas emendas parlamentares propostas para agropecuária. As emendas consistem
na forma mais direta de políticos se relacionarem com a população, direcionando recursos ou
equipamentos para os estados e os municípios. Todas as emendas parlamentares aprovadas são
registradas e alocadas em um banco de dados disponibilizados pela plataforma Siga Brasil21 do
Senado Federal e pelo Portal da Transparência22.
20
Dados podem ser acessados em: <http://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/>. Acesso em: 20 jul. 2020.
21
Página pode ser acessada em: <https://www12.senado.leg.br/orcamento/sigabrasil>. Acesso em: 12 ago. 2020
22
Página pode ser acessada em: <http://www.portaltransparencia.gov.br/emendas>. Acesso em: 12 ago. 2020.
50
A compreensão da reprodução dos latifúndios passa pela análise do preço da terra e sua
dinâmica ao longo do tempo. Essa discussão se assenta na renda da terra e como capitalistas e
latifundiários disputam a posse e o domínio da propriedade fundiária. Mensurar o preço da terra
permite compreender como determinados setores da agricultura capitalista, principalmente
produtores de soja, de eucalipto e de cana-de-açúcar, estrategicamente, adquirem grandes
extensões de terras.
Além disto, Oliveira (2007) decifra a estratégia adotada por latifundiários e capitalistas
na busca pela acumulação. O autor explica que estes sujeitos ponderam entre a taxa de juro e
valor e o preço da terra, objetivando maior lucratividade. Desta forma, o latifundiário ou
capitalista avaliam a aplicação do seu capital no setor produtivo e mercado financeiro ou na
compra de terras em busca de renda. Logo, há relação direta entre o preço da terra e a taxa de
juro, pois, quando está alta, os sujeitos procuram “[...] transformar a terra em capital-dinheiro
e consequentemente aplicá-lo no mercado de capitais. Ao contrário, quando a taxa de juros
começa a baixar, correm todos para vender seus papéis e comprar terras.” (OLIVEIRA, 2007,
p. 63).
Esta dinâmica escancara o significado da terra para os latifundiários e capitalistas no
modo capitalista de produção. Assim:
O preço da terra [...] (para proprietários de terra e para os capitalistas) aparece,
portanto, como juro do capital com que compra a terra e, por conseguinte, o
direito à renda. Por isso, o preço da terra é regulado, de um lado, pelo montante
da renda da terra e, de outro, pela taxa média de juro no mercado de capitais.
(OLIVEIRA, 2007, p. 63).
23
Vendido no site:<http://informaeconomicsfnpstore.commercesuite.com.br/terras-ct-36-349650.htm>. Acesso
em: 6 fev. 2020.
24
Como parâmetro, utiliza-se o valor das bolsas de pós-graduação no país, no qual a Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pagava (em 2020) aos estudantes, em nível de doutorado,
bolsa mensal de R$2.200,00 (Dois mil e duzentos reais) e a instituição de fomento à pesquisa do estado de Goiás,
a FAPEG, financiadora desta pesquisa, pagou ao doutorando, em 2020, R$ 2.000 (Dois mil reais) mensais em
forma de bolsa.
53
(MS), Chapadão do Sul (MS) e Jataí (GO), contemplados nas publicações de 2003 e 2017 do
Agrianual.
Nos relatórios sobre o mercado de terras, as informações são especificas sobre o preço
e sua relação à qualidade do solo, sua capacidade produtiva e localização. Deve-se compreender
que os preços apresentados no Agrianual correspondem à aproximação e à média da realidade,
pois em corretoras imobiliárias podem ser encontradas fazendas com preços menores ou
maiores.
Por fim, com as informações organizadas, produziu-se um gráfico com o objetivo de
apresentar a majoração do preço da terra ao longo dos anos nas áreas estudadas. Estas
informações permitiram afirmar que altas nos preços da terra são causa e efeito da/na
reprodução do latifúndio diante da territorialização do capital no campo e as dificuldades de
acesso à terra aos camponeses sem terra, justamente pela não realização da Reforma Agrária.
25
As informações foram adquiridas no site do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Disponível em:
<http://www.dgi.inpe.br/>. Acesso em: 5 mar. 2020.
54
26
A disciplina foi oferecida e cursada na Universidade Federal de Goiás, campus de Jataí, no primeiro semestre
de 2017.
55
27
É preciso lembrar que Mato Grosso do Sul até 1977 pertencia ao território do chamado antigo Mato Grosso.
56
28
Popularmente, o distrito é conhecido como Véstia.
57
Após três semanas de espera, a cadeia dominial ficou pronta, ao preço de R$196,00
(Cento e noventa e seis reais). Neste documento foi observado que a matrícula inicial não
indicava a transferência do Estado para o proprietário particular, mas, no entanto, a primeira
matrícula referia-se a um inventário do ano de 1911. Primeiramente recorreu-se ao cartório para
solicitar uma cópia do inventário, porém, segundo a funcionária, na época a matricula foi
expedida sem uma cópia registrada no cartório deste documento. Nesse contexto, foi preciso
buscar junto ao fórum da Comarca em Três lagoas (MS), no qual foi informado o
armazenamento de processos antigos no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS),
em Campo Grande (MS).
Em contato com Departamento de Pesquisa e Documentação do TJMS, descobriu-se a
existência do inventário e, após solicitação, fora digitalizado e enviado ao pesquisador. Por ser
um documento de 1911, a escrita era toda à mão, como de costume da época (figura 2). Esta
característica impossibilitava a leitura do documento e a busca pela origem da Fazenda Morro
Vermelho.
29
Agradecimento especial a Bruno Cezar Bio Augusto pela transcrição do documento.
30
O portal pode ser acessado em: <https://www.periodicos.capes.gov.br>. Acesso em: 17 ago. 2020.
59
31
Plataforma pode ser acessada em: <http://www.comitedeetica.saomateus.ufes.br/plataforma-brasil>. Acesso
em: 17 ago. 2020.
61
Mapa 2 –Parque das Emas (GO) e Bolsão (MS): rodovias e distâncias percorridas na pesquisa
63
Estar em campo significa viver a pesquisa para além de conhecer os sujeitos, mas sentir,
mesmo que parcialmente, toda as subjetividades na realidade. Vivenciar o cotidiano do
campesinato permite compreender as decisões e as lutas diárias dos camponeses estudados. A
fala dos sujeitos é uma das formas de expressão mais potentes no trabalho de campo, pois
alimenta a pesquisa com informações carregadas de emoções e de olhares sobre a realidade.
As fontes orais, utilizadas nesta pesquisa, auxiliam na compreensão da realidade em
suas particularidades e singularidades por fornecerem informações concebidas e ou
reproduzidas no local onde se dão as relações inerentes à questão agrária, mas, ao mesmo
tempo, trazem elementos da universalidade. As fontes orais possuem a autoridade de confirmar
e/ou refutar fatos e dados oficiais. Assim;
A classe hegemônica tem na escrita o seu marco essencial, o seu suporte para
contar e interpretar a história, e não permite à classe não hegemônica as
mesmas condições para desenvolver o dom da escrita e contar os percalços
sobre sua vida. (CASSAB, RUSCHEINSKY, 2004, p.12).
64
Portanto, a riqueza das fontes orais, para além das informações, está na expressão, na
forma como os sujeitos demonstram a relevância dos acontecimentos. Desta forma, situações e
acontecimentos, que poderiam passar desapercebidos pelo pesquisador, são realçadas com a
entonação de voz e de gestos. Esta percepção não é simples, e exige o olhar apurado do
pesquisador e a relação mais próxima dos camponeses, justamente pelas contradições e pela
difusão do pensamento hegemônico.
Geralmente, as entrevistas se desenvolvem melhor quando os entrevistados oferecem
“café” e convidam o pesquisador para dentro do lote e da casa. Este gesto é um sinal de
confiança e também de curiosidade dos camponeses sobre o pesquisador e a pesquisa. Ocorre
na cozinha, na presença da família, a ampliação da entrevista; pai, mãe, filhos e outros
agregados revisitam os fatos ocorridos no assentamento e com a família. A habilidade em
conduzir a entrevista é necessária, por momentos, pois os familiares vão se confrontar, isso se
explica porque a individualidade e a experiência de cada familiar lhes proporcionam percepções
diferentes do mesmo fato. Nesse sentido:
[...] é na fala, isto é, no processo de revisitar sua memória que o entrevistado,
muitas vezes, se descobre como sujeito da história, interpreta os encontros e
desencontros que a vida apresenta nos seus múltiplos aspectos, nos espaços de
luta constituídos pelo desejo da terra. Assim, fontes orais ‘conta-nos não
apenas o que o povo fez, mas o que queria fazer, o que acreditava estar fazendo
e que agora pensa que fez’. (ALMEIDA, 2006, p.38).
Por mais curta que seja a conversa, houve o registro com gravador ou celular e, ainda,
anotações sobre outras informações consideradas pertinentes no momento. A depuração e a
organização das informações coletadas em campo são procedimentos que demandam tempo.
Os cuidados com a organização incluem separar as entrevistas, listar os nomes dos entrevistados
com datas e os locais.
O tempo de duração das entrevistas em campo variaram muito, de 15 minutos a mais de
duas horas. Histórias familiares e outros assuntos constantemente estão presentes nas falas,
havendo a necessidade de filtrar apenas o conteúdo pertinente da conversa para o processo de
transcrição. Por se tratar de sujeitos, majoritariamente, que não tiveram acesso à escola, erros
de concordância e de pronúncia são comuns nas entrevistas. Diante dessa característica, optou-
se por transcrever as falas na norma culta da Língua Portuguesa. Esta escolha fundamenta-se
por considerar a manutenção da fala informal pejorativa aos camponeses. O ajuste formal das
falas retira vícios de linguagem como “que”, “né”, “então”, entre outros, facilitando, também,
a leitura e a compreensão.
65
32
Não é objeto de análise neste trabalho, mas compreende-se que “[...] a maioria das cidades brasileiras tem
população inferior a 20 mil habitantes, ou seja, 4.642 sedes de município, de um total de 5.6564 (IBGE, 2010)
[...]” e “De acordo com os dados demográficos do IBGE (2010), somente 130 municípios brasileiros tinham mais
de 200 mil habitantes”. (NARDOQUE, 2015, p.161-2). É certo que há significativa população residente no campo
brasileiro, ou seja, quase 40 milhões de pessoas.
67
Muito se discute sobre o Estado, suas origens e sua estrutura em diversas áreas,
denominando-se, no Direto e nas Ciências Sociais, Teoria Geral do Estado. Todavia, esta
abordagem na pesquisa geográfica só se torna relevante ao explicitar as relações de poder
emanados pela instituição e seus desdobramentos sobre o território. Nesse sentido, esforça-se
para se compreender como a constituição do Estado, por sujeitos pertencentes majoritariamente
à burguesia e aos proprietários fundiários, é importante no processo de reprodução ampliada do
capital e, logicamente, na produção do território, no caso em tela, pela forte concentração
fundiária.
A origem do Estado é objeto de estudo a partir de duas principais linhas teóricas. A
primeira, denominada de naturalista, considera o surgimento e organização da sociedade como
movimento natural da humanidade (DALARI, 1998). Nesta linha, “[...] a sociedade é o produto
da conjugação de um simples impulso associativo natural e da cooperação da vontade humana.”
68
(DALARI, 1998, p. 9). Embora pareça coerente a associação humana como o movimento
natural nos primórdios da espécie, esta perspectiva não corrobora na compreensão das
contradições e do uso da instituição Estado como porta-voz de aspirações classistas.
A segunda linha interpreta o surgimento do Estado como a associação não natural a
partir das necessidades de grupos humanos, ou seja, um contrato social. Portanto:
Nesse instante, o ato de associação produz um corpo moral e coletivo, que é o
Estado, enquanto mero executor de decisões, sendo o soberano quando
exercita um poder de decisão. O soberano, portanto, continua a ser o conjunto
das pessoas associadas, mesmo depois de criado o Estado, sendo a soberania
inalienável e indivisível. (DALARI,1998, p. 11).
de ‘vocação colonial’ ou de ‘sentido inato de poder’ [...].” (p. 69). Segundo a autora, Ratzel
observou a consolidação dos Estados Nacionais por meio da submissão do território.
A busca pela compreensão da relação entre classes sociais, Estado e território, nesta
pesquisa, parte da concepção de Estado moderno, adjetivo utilizado para se referir a instituição,
a partir dos séculos XV e XVI, quando houve a dissolução de impérios na Europa e dos poderes
da igreja (COSTA, 2010). Apesar de não concordar com uma “estrutura geral” do Estado
moderno, Costa (2010) compreende o contexto da fase primitiva do capitalismo e de suas
classes sociais como responsável pela sua construção: “Ele representava, para a nova classe
dominante que se formava, de início um organismo institucional subordinado ao mercado e,
também, a expressão do poder da aristocracia.” (p. 261). Para Castro (2005), o Estado é a
instituição política mais importante da modernidade, responsável por organizar e delimitar o
território por meio de leis e de normas, podendo ainda recorrer à coerção física em caso de
desobediência.
Com base nesta perspectiva, não se pode perder da discussão a intepretação do Estado
como produto da luta de classes. Sendo assim:
O Estado não é pois, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de
fora para dentro; tampouco é ‘a realidade da idéia moral’, nem ‘a imagem e a
realidade da razão’, como afirma Hegel. É antes um produto da sociedade,
quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão
de que essa sociedade se enredou numa irremediável contradição com ela
própria e está dividida por antagonismos irreconciliáveis que não consegue
conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas classes com interesses
econômicos colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa
luta estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima da
sociedade, chamado a amortecer o choque e a mantê-lo dentro dos limites da
‘ordem’. Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela se
distanciando cada vez mais, é o Estado. (ENGELS, 1984, p. 191).
Em sua concepção clássica, Marx e Engels compreendem o Estado como um dos pilares
do capitalismo, atuando na legitimação da exploração do trabalho e de outros interesses. Logo,
“[...] este Estado não é outra coisa senão a forma de organização que os burgueses dão a si
mesmos por necessidade, para garantir reciprocamente sua propriedade e os seus interesses
tanto externos quanto internamente”. (MARX; ENGELS, 1999, p.74).
Estar e ser o Estado permite ações de uma classe específica em benefício próprio por
meio da sua suposta neutralidade emanada. Os sujeitos, enquanto parte do Estado, conseguem
mascarar suas intencionalidades referentes às suas perspectivas de classe. Portanto:
Disso decorre que o homem se liberta de uma limitação, valendo-se do meio
chamado Estado, ou seja, ele se liberta politicamente, colocando-se em
contradição consigo mesmo, alteando-se acima dessa limitação de maneira
70
33
Esta Medida Provisória durou 120 dias, perdendo a validade em maio de 2020 por não ter sido votada diante do
contexto da pandemia do Covid-19. A MP foi substituída pelo Projeto de Lei (PL 2.633/20) que ainda não entrou
em vigor no ano de 2021. Disponível em:<https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/05/20/mp-da-
regularizacao-fundiaria-perde-validade-e-e-substituida-por-projeto-de-lei>. Acesso em: 15 abr. 2021.
74
capitalismo rentista, pois os capitalistas se tornaram proprietários de terra. Desta forma, “[...]
no Brasil, o desenvolvimento do modo capitalista de produção se faz principalmente, através
da fusão em uma mesma pessoa do capitalista e do proprietário de terra.” (OLIVEIRA, 2007,
p. 131).
Especialmente no Brasil, o processo de reprodução ampliada do capital possui em sua
equação a apropriação de novas áreas em busca de auferir renda. Desta maneira, a instituição
Estado se torna fundamental na mediação e na legitimação da apropriação capitalista da terra
no país. Na História brasileira, o acesso a grandes extensões de terras sempre esteve atrelado a
relações da burguesia e proprietários fundiários com o Estado. Pode-se reconhecer este processo
desde o início da colonização portuguesa, quando, no sistema de sesmarias:
[...] a concessão de terras devolutas, de domínio da Coroa, a particulares,
baseava-se em requisitos estamentais que dificultavam a legalização da
ocupação indiscriminada dos terrenos a quem não fosse branco, puro de fé e
senhor de escravos. (MARTINS, 2010, p. 45).
criar condições para a reprodução do seu capital. Nessa perspectiva, o Estado brasileiro se
constituía a partir da égide do monopólio da grande propriedade, considerada sagrada e
inviolável no capitalismo.
Martins (2010) exemplifica, ao analisar a formulação Lei de Terras de 1850, instituindo-
se a propriedade capitalista da terra, a iminência do fim da escravidão no país. Segundo o autor,
a Lei de Terras, além de dificultar o acesso de grande parte da população brasileira à terra,
também possibilitou ao capitalista e latifundiário se livrar da imobilização de parte do capital
na compra de trabalhadores escravizados. Dessa forma, “O resultado não foi apenas a
transformação do trabalho, mas também a substituição do trabalhador, a troca de um trabalhador
por outro. O capital se emancipou, e não o homem.” (MARTINS, 2010, p. 33).
Esta mudança alterou os mecanismos de reprodução capitalista, antes baseados no
trabalho escravo, passando a explorar a mão-de obra assalariada no campo e na cidade, além de
extrair renda da terra. Com isso, segundo Martins (2010), o fazendeiro passou a atuar no centro
da reprodução capitalista no Brasil. Aquele contexto evidenciava a transformação e a união de
duas classes sociais distintas (proprietário fundiário e capitalista) expressas em um único sujeito
social. É certo que se criou um mercado de terras, transformando-as em mercadorias, pois sua
condição tornada em equivalente de capital, transformou-se em garantia real, ou seja, dada em
hipoteca em empréstimos bancários para a ampliação da produção, da especulação, da
conversão de terras públicas em privadas e na (re)produção do capital por meio do rentismo.
Este círculo vicioso movimenta o agronegócio na atualidade por meio da conversão de terras
públicas e devolutas em propriedades privadas, como, por exemplo, nas regulamentações legais
de regularizações fundiárias que serão apresentadas ao longo da tese.
Os senhores rurais, como afirma Fernandes (1976), “aburguesaram-se”, promovendo a
perpetuação das suas concepções políticas e as aspirações sociais e, ao mesmo tempo, passaram
a ter um modo de vida mais próximo ao urbano, aceitando as novas organizações sociais
econômicas, jurídicas e políticas. Com isso, latifundiários e burgueses passaram a constituir
parte do Estado, tornando-se políticos, juízes, advogados, entre outros agentes públicos.
No início do século XX, durante a República Velha (1889-1930), a política era baseada
na alternância de oligarquias rurais na Presidência da República, entre políticos apoiados pelos
cafeicultores paulistas e pelos grandes proprietários mineiros, demonstrando-se a transferência
de interesses de fazendeiros para agentes do Estado. Este arranjo ficou conhecido como
“Política Café com Leite”, em alusão à oligarquia paulista, produtora de café, e a mineira,
produtora de leite. Sendo assim:
76
Para Leal (1976), o poder econômico local, expresso pelo coronel, influencia
diretamente a população rural, passando a considera-lo como “benfeitor”. O fazendeiro se torna
fundamental no processo eleitoral intermediando as relações entre políticos e a população local.
Portanto,
Ainda assim, como a organização agrária do Brasil mantém a dependência do
elemento rural ao fazendeiro, impedindo o contato direto dos partidos com
essa parcela notoriamente majoritária do nosso eleitorado, o partido do
governo estadual não pode dispensar o intermédio do dono de terras.
(LEAL, 1976, p.53). (Grifo nosso).
A “captura” do Estado, afirmado por Oliveira (1981), não ocorreu apenas na região
Nordeste. Nos estados de Goiás e de Mato Grosso do Sul também houve a presença ou
representação de interesses dos proprietários fundiários no nas estruturas do Estado, como será
demonstrado mais adiante. Pode-se compreender a construção regional de parte do Estado
alicerçada em oligarquias rurais ou em famílias que, ao longo de suas gerações, representaram
politicamente os ideais dos grandes proprietários de terra do Centro-Oeste brasileiro.
34
É preciso lembrar que o atual estado de Goiás, durante o Brasil Império, era considerado província e sua extensão
abrangia parte dos atuais estados de Tocantins, parte de Mato Grosso e de Minas Gerais.
78
35
Informação obtida no acervo bibliográfico da Fundação Getúlio Vargas. Disponível em: <
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/pedro-ludovico-teixeira>. Acesso em: 06 ago.
2020.
79
Goiânia36 é, antes de tudo, resultado da luta pelo poder político das oligarquias do sul e sudeste
do estado em relação à oligarquia da família Caiado.” (MOYSES, 1990, p. 99).
Portanto, a história política de Goiás está permeada pelo controle de distintas famílias
aliadas aos interesses dos grandes proprietários fundiários. Destaca-se, entre os anos de 2019 a
2022, o governador do estado de Goiás é Ronaldo Caiado (DEM), pertencente 37 a uma das
famílias hegemônicas na política do estado.
Como em Goiás, no antigo Mato Grosso (antes da divisão em 1977), o Estado era
composto e disputado pelas oligarquias rurais do Norte e do Sul, com o objetivo de legislarem
e controlarem o acesso a terras devolutas (MORENO, 1994). Ser o Estado ou ter seus interesses
representados possibilitou aos proprietários fundiários a regularização sobre posse de grandes
áreas públicas. Desta forma, o poder político e a consolidação dos latifúndios estavam atrelados:
“O processo de concentração fundiária foi, portanto, sendo facultado tanto por uma legislação
permissiva quanto pelos atos ilícitos praticados pelos proprietários, com a conivência ou não
do poder público e político” (MORENO, 1994, p. 175).
Nota-se, com o fim da Monarquia (1889) e início da República Velha, a busca pela
organização política e construção de bases sólidas de poder entre lideranças, como Generoso
Ponce, ligado à política durante o Império, e Joaquim Murtinho e sua família. Generoso Ponce
tinha grande prestígio na sociedade mato-grossense, tanto por sua atividade de comércio, como
militarmente participando da Guerra do Paraguai (1864-1870) e, contando com o apoio dos
militares, ainda durante a Monarquia, construiu sua força política e, segundo Arruda (2013, p.
105): “Portanto, foi somente depois que utilizou o confronto armado para impor seu grupo que
Ponce conseguiu a maioria do apoio dos chefes locais.”.
A família Murtinho apresentava interesses latifundiários diretos porque, apesar de
Joaquim Murtinho ser médico no Rio de Janeiro, usufruía de terras devolutas no Sul do antigo
Mato Grosso (ARRUDA, 2013). Os irmãos Joaquim e Manoel Murtinho alinharam-se a
Generoso Ponce e alcançaram o controle político do estado nas eleições em 1891. A partir de
então, a família Murtinho começou a atuar politicamente como representante do Estado
favorecendo a Cia Mate Laranjeira38. Manoel Murtinho atuou concedendo o uso de terras
36
A pedra fundamental de Goiânia foi colocada em 24 de outubro de 1930 e sua transferência inicial ocorreu em
20 de dezembro de 1932. Disponível em: <https://repositorio.bc.ufg.br/tede/bitstream/tede/4972/5/Tese%20-
%20Jales%20Guedes%20Coelho%20Mendon%c3%a7a%20-%202012.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2021.
37
O atual governador do estado de Goiás, Ronaldo Caiado é neto de Totó Caiado, uma das principais figuras
políticas da história do estado. Informação disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-
biografico/ronaldo-ramos-caiado>. Acesso em: 16 dez. 2020.
38
Sobre o assunto consultar: OLIVEIRA, José Roberto Rodrigues de. Terras devolutas de áreas ervateiras do
sul de Mato Grosso: a difícil constituição da pequena propriedade (1916-1948). Dissertação (Mestrado em
História), Dourados, MS: UFMS, CPDO,2004. 147p.
80
devolutas no Sul do estado para a exploração da erva mate em troca de favores políticos,
demonstrando “Em outras palavras, os interesses econômicos da família Murtinho,
notadamente aqueles ligados à Mate Laranjeira, ficavam atrelados à política mato-grossense.”
(FRANCO, 2014, p. 114).
Cabe destacar a criação, em 1890, do Banco Rio e Mato Grosso (BRMT), em que a
família Murtinho era uma das proprietárias (ARRUDA, 2013), e onde eram depositados parte
do lucro da Mate Laranjeira (FRANCO, 2014), ou seja, atuando politicamente, os Murtinho se
apropriavam de parte da renda da terra extraída no Sul do estado. Joaquim Murtinho atuou ainda
na legitimação da grilagem de grandes áreas na parte Sul do Estado, elaborando, em 1893, a
Lei Nº 20, permitindo a legalização das posses feitas de 1854 até 1889 (CORREA, 2012). A
articulação política e econômica da família não se limitou ao estado de Mato Grosso, como
notou Franco (2014), pois Joaquim Murtinho foi eleito Senador da República em 1890, além
de ser ministro da Fazenda de Campos Salles, entre 1898 e 1902.
Generoso Ponce e os Murtinho disputavam o poder na capital Cuiabá em diferentes
arranjos políticos, sendo aliados e rivais na história política do estado. No entanto, a partir do
início do século XX, o interesse pela política e as diferenciações econômicas entre as
oligarquias rurais do “Norte” e as do “Sul” criaram o desejo separatista do antigo Mato Grosso.
Queiroz (2006) destaca o rápido desenvolvimento do Sul do estado por meio da intensificação
das relações comerciais com o estado de São Paulo, pela construção da Estrada de Ferro
Noroeste do Brasil (NOB) e pela navegação no Rio Paraguai.
A concentração do poder na capital, em Cuiabá, dava o controle às oligarquias rurais
“nortistas”, sempre presentes no Estado, por consequência não atendiam aos interesses das
oligarquias do Sul. Esta situação é exemplificada nos burocráticos e corruptos processos de
legalização da posse de terras, pois as oligarquias rurais do Sul tinham que submeter-se aos
agentes “nortistas” do Estado, dentre eles, cartórios e juízes, em troca da obediência política,
como posto em Queiroz (2006):
O requerente pagou o preço ao Estado e pagou, mais do que ele, muitas
vezes, ao advogado, ao intermediário, em achegos e propinas em Cuiabá,
em viagens e levou, às mais das vezes, anos para obter o seu documento
oficial. Isso carreou, do Sul, muitos milhares de contos de réis. Foi uma arma
terrível da política nortista. O funcionário, destacado por estas bandas, tinha
um gesto ameaçador: ou vota ou não obtém o título. E o pobre homem do
Sul tremia ante o título, que já lhe custava os olhos (id., p. 24; grifos do
original). (A DIVISÂO, 1934, p. 13 apud QUEIROZ, 2006, p. 170). (Grifo
nosso).
81
Como apontado por Moreno (1994), a apropriação capitalista da terra no antigo Mato
Grosso passava pelo reconhecimento dos agentes do Estado, a qual, em grande parte, pertencia
às oligarquias rurais. A força política dos latifundiários e dos burgueses “nortistas” ganharam
notoriedade e importância nos entornos de Cuiabá. Desta forma, segundo Esselin (2011, p. 146),
“[...] deu origem a uma poderosa oligarquia rural, uma nova elite, composta pelos proprietários
rurais e que, fortalecida, passou a lutar pelo poder político”.
Portanto,
O Estado confunde-se com o gado. A maioria de seus mais destacados
representantes no meio político tem estreita ligação com ele. São, geralmente,
latifundiários e pecuaristas que exercem o poder e nele se revezam a cada
eleição. (ESSELIN, 2011, p. 12).
Sendo assim, o crescimento das oligarquias do Sul do antigo Mato Grosso e o desejo
pelo controle político do Estado promoveram os ideais separatistas. Alia-se à questão
latifundiária o isolamento entre Campo Grande e Cuiabá, em que as atuais capitais de Mato
Grosso do Sul e Mato Grosso tinham relações mais efetivas com cidades de outros estados do
que dentro do antigo Mato Grosso. Nesse sentido:
Os movimentos separatistas surgiram em fins do século XIX, por volta de
1892 em Corumbá. O isolamento era real, tanto que circulavam panfletos
requerendo e incitando ideias divisionistas na população. Havia comunicação
muito maior entre Campo Grande e São Paulo, com ligação por estrada
asfaltada primeiro a São Paulo e somente depois conectou-se com Cuiabá.
Portanto, a divisão foi um ato de reconhecimento dessa realidade.
(LEONARDO, 2020, p. 120).
Na década de 1920, a força da porção Sul do estado expandiu-se como efeito econômico
positivo da ampliação da estada de ferro Noroeste do Brasil até Campo Grande (atual Mato
Grosso do Sul) (QUEIROZ, 2006). Segundo o autor, “Foi nessa década, por exemplo, que essa
cidade passou a concentrar as principais lideranças políticas do Sul, até então sediadas na cidade
de Nioaque” (QUEIROZ, 2006, p. 158). Claramente havia o interesse econômico por trás do
desejo divisionista do estado sem que houvesse mais conflitos armados, nesse sentido, de
acordo com Franco (2014, p. 14):
Os coronéis do sul, cientes de que o governo estadual estava a favor das
oligarquias cuiabanas [...], ao invés de disputarem com os cuiabanos, decidem
estimular a criação de um novo estado para seu mando político exclusivo.
objetivo militar em intensificar a ocupação das fronteiras acabou por atender aos interesses dos
latifundiários do Sul.
Como brevemente discutido, a construção regional dos estados de Goiás e de Mato
Grosso do Sul estiveram atrelados aos interesses de proprietários fundiários, principalmente
pelo controle do acesso à terra. Mesmo com a reabertura democrática pelo fim da Ditadura
Militar no Brasil, em 1985, as relações de classe continuaram determinando os rumos da política
do país.
Segundo Buzanello (1991), o fim da Ditadura Militar representou a vitória de um projeto
modernizador na agricultura brasileira. Contraditoriamente, a modernização também fortaleceu
a grande propriedade improdutiva mediante a assistência fiscal e financeira concedida aos
proprietários rurais. Ainda segundo o autor, com o processo de “modernização da agricultura”,
os grandes proprietários fundiários no Brasil mantiveram sua força por meio do controle
político do Estado. O autor argumenta;
La presión política que ejerce, se orienta a preservar la propiedad monopólica
de la tierra, combatiendo cualquier medida de reforma agraria, lo que es
atendido en su totalidad por los sucessivos gobiernos a partir de 1964. A su
vez, es favorecido, además, por la política de enormes subsídios e incentivos,
como el surgimento de e nuevos productos, tales como la soya, el cacao, la
naranja para jugo, la caña para la producción de alcohol, etcétera, que los
transforman, em gran parte, en empresarios rurales. (BUZANELLO, 1991.
p.66).
mil, oitocentos e dezoito (31.818) hectares, foram declarados como posse, mas
a rigor são grilagem de terras declaradas. (COSTA, 2012, p.234).
39
Disponível em: <http://g1.globo.com/to/tocantins/noticia/2014/02/suposto-esquema-de-grilagem-compromete-
80-familias-do-tocantins.html>. Acesso em: 25 ago. 2020.
40
Disponível em: < https://reporterbrasil.org.br/2018/03/deputado-campeao-de-desmatamento-filho-de-katia-
abreu-legisla-em-defesa-dos-negocios-da-familia/>. Acesso em: 25 ago. 2020.
41
Disponível em: < https://reporterbrasil.org.br/2013/10/fiscalizacao-flagra-trabalho-escravo-em-fazenda-de-
irmao-da-senadora-katia-abreu/>. Acesso em: 25 ago. 2020.
42
Disponível em: < https://www.brasildefato.com.br/2017/07/25/fazenda-do-ministro-da-agricultura-em-
rondonopolis-mt-e-ocupada-pelo-mst>. Disponível em: <
https://valor.globo.com/politica/noticia/2016/08/04/empresa-do-ministro-blairo-maggi-e-investigada-por-
desmatamento.ghtml>. Disponível em:<https://deolhonosruralistas.com.br/2020/01/12/pai-de-blairo-maggi-
escravizou-trabalhadores-nos-anos-80-diz-relatorio-da-pf/>. Acesso em: 25 ago. 2020.
86
Sob a tutela de Michel Temer, foi elaborada a Medida Provisória 759, em 2016,
legitimando a apropriação de áreas públicas na Amazônia Legal e por todo o país. Segundo
Sauer e Leite (2017, p. 29):
A MP 759 realiza uma série de mudanças na Lei nº 11.952, de 2009, ou
Programa Terra Legal de regularização das terras. Em primeiro lugar, a
referida lei e o Terra Legal passam ter validade para todo o território
nacional,pois ‘as disposições desta Lei à regularização fundiária das
ocupações fora da Amazônia Legal em áreas urbanas e rurais e do Incra’ (Art.
40-A). Associado a essa nacionalização do Programa Terra Legal, o texto
aprovado do PLV ampliou o limite máximo de áreas ocupadas que podem
ser legalizadas de 1500 para 2500 hectares (Art. 6o. §1o). Ainda mais, nos
casos de ocupações de áreas maiores que 2500 hectares, o pretenso
proprietário poderá regularizar até este limite (Art. 14), sem haver
previsão para a destinação do restante da área pública ocupada
irregularmente. (Grifo nosso).
43
Disponível em:<https://www.cptnacional.org.br/publicacao/download/78-publicacoes-juridicas/14212-
caderno-de-estudos-mudancas-atuais-das-leis-de-terras-do-golpe-politico-ao-golpe-fundiario>. Acesso em: 18
dez. 2020.
44
A análise foi construída em conjunto pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), GRAIN, Associação de
Advogada/os de Trabalhadores Rurais (AATR) e da Associação Brasileira de Reforma (ABRA).
87
45
Noticia reproduzida pelo portal Globo sobre o aumento do desmatamento e queimadas na Amazônia em 2019
quem repercutiram mundialmente. Disponível em: <https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/09/08/um-a-cada-
tres-focos-de-queimada-na-amazonia-esta-relacionado-com-desmatamento-diz-wwf.ghtml>. Acesso em: 08 fev.
2020.
46
Segundo a revista FORBES (2017): “Os Maggi chegaram a ser líderes mundiais na produção de soja no início
dos anos 1990 e 2000, o que rendeu a Blairo o epíteto de ‘rei da soja’. Embora o grão dourado tenha dado fama à
família e seja sua principal commodity, o gigante do agronegócio também produz milho e algodão”. Disponível
em: <https://forbes.com.br/negocios/2017/03/de-rei-da-soja-a-ministro-conheca-a-trajetoria-de-blairo-maggi/>.
Acesso em: 08 fev. 2020.
88
O Projeto de Lei ainda prevê ao trabalhador rural receber até 45% do seu salário em
alimentação e moradia;
Art. 16. Salvo as hipóteses de autorização legal ou decisão judiciária, só
poderão ser descontadas do empregado rural as seguintes parcelas, calculadas
sobre o salário mínimo:
I - até o limite de 20% (vinte por cento) pela ocupação da morada;
II – até o limite de 25% (vinte e cinco por cento) pelo fornecimento de
alimentação sadia e farta, atendidos os preços vigentes na região; (LEITÂO,
2016, p.06).
47
De Olho nos Ruralistas. Disponível em: <https://deolhonosruralistas.com.br/2019/03/22/nova-frente-
parlamentar-da-agropecuaria-reune-257-deputados-e-senadores-com-25-psl-de-bolsonaro-so-fica-atras-de-pp-e-
psd/>. Acesso em: 25 jul. 2020.
90
48
Noticia disponível em: <https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2019/12/28/numero-de-
agrotoxicos-registrados-em-2019-e-o-maior-da-serie-historica-945percent-sao-genericos-diz-governo.ghtml>.
Acesso em: 25 jul. 2020.
49
Postagem disponível em: <https://twitter.com/jairbolsonaro/status/1204813394353807360?>. Acesso em: 25
jul. 2020.
91
Com isso, o Presidente afaga o outro lado ruralista presente no Estado, lado realmente
proprietário fundiário e todo o interesse desta classe. Segundo dados do TSE, são 297 políticos
com mandato entre 2019-2022 possuindo imóveis rurais. Estes políticos declararam 964
imóveis, porém, em 337 não foi informado suas dimensões. Desse modo, dos 627 imóveis rurais
com seus respectivos tamanhos declarados por políticos ao TSE, somam-se 254.110,00
hectares, número inferior ao encontrado em 2010 por Castilho (2012).
Do ponto de vista geral, políticos eleitos pelas regiões Nordeste e Sul declararam mais
propridades rurais, 283 e 197, respectivamente. Todavia, quando analisada a área dos imóveis,
como apresentado na figura 4, é evidente que políticos eleitos nas regiões Centro-Oeste e Norte
possuem maiores áreas, 98.702 ha e 71.679,72 ha, respectivamente. Constatam-se, nestas duas
regiões com maiores áreas pertencentes a políticos, são também onde se reúnem as maiores
concentrações fundiárias e as atividades da agricultura capitalista em expansão nas últimas
décadas e que avançam sentido à Amazônia Legal.
50
Informação noticiada pelo jornal Estadão. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,nao-
podemos-abrir-as-portas-para-todo-mundo-diz-bolsonaro-em-palestra-na-hebraica,70001725522>. Acesso em:
16 dez. 2020.
92
Brasil: Área dos imóveis rurais de políticos declaradas ao TSE, por região
brasileira – 2018
120.000,00
98.702
100.000,00
Área em Hectares
80.000,00 71.679,72
57.819,21
60.000,00
40.000,00
20.748,00
20.000,00
5.060,52
0,00
Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul
Regiões brasileiras
Destes dados, destaca-se na região Norte o Senador Acir Marcos Gurgacz (PDT), eleito
pelo estado de Rondônia, proprietário de 15 fazendas, totalizando 31.594,04 hectares.
Os números de imóveis no Nordeste são relativiamente menores, lá o Senador Marcelo
Costa e Castro (MDB), eleito pelo estado do Piauí, declarou 38 imóveis rurais, totalizando
17.281,60 hectares. Na mesma região, o Deputado Federal Sérgio Toledo de Albuquerque (PR)
declarou a maior área (5.053,68 hectares), dividida em quatro imóveis rurais. O Deputado
Federal Ronaldo Carleto (PP) declarou 4.850 hectares, resultantes da soma de seus quatro
imóveis rurais. Na região Centro-Oeste, o Senador pelo estado de Mato Grosso, Jayme
Verissimo de Campos (DEM), com 58 imóveis rurais, totalizando 55.821 hectares, é o maior
politico/proprietário de terras do Brasil, com mandato entre 2019-2022. No mesmo estado,
Carlos Gomes Bezerra (MDB), eleito Deputado Federal, é o segundo maior prorpietário de
terras, com 6 imóveis rurais, totalizando 8.953,25 hectares.
Detentor de 3.589,99 hectares, em seis imóveis rurais, o Deputado Estadual em Minas
Gerais, Inácio Franco (PV), é o maior proprietário da região Suldeste. Merece destaque o
Deputado Estadual em São Paulo, Carlos Eduardo Pignatari (PSDB), daclarando ao TSE 15
imóveis rurais que totalizam 1.021,78 hectares. No Sul, o Deputado Federal eleito pelo estado
do Paraná, Ricardo José Magalhães Barro (PP), é proprietário de 5.298 hectares, divididos em
três imóveis. No mesmo estado, Plauto Miro Guimarães Filho (DEM) declarou seis imóveis
rurais, totalizando 2.967,88 hectares.
93
Em sintese, dos 10 políticos maiores proprietários rurais, com mandato entre 2019 e
2022, apresentados, apenas quatro são filiados à FPA. Pode-se compreender a força dos
latifundiários capitalistas e dos capitalistas latifundiários na política brasileira, além da Frente
Parlamentar de Apoio a Agropecuária. Buscando mapear estas informações, utilizou-se no
Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF), um banco de dados georreferenciados sobre os imóveis
rurais no Brasil, estes, quando sistematizados, permitem a compreensão da dimensão do
domínio territorial dos políticos brasileiros.
Pesquisando junto ao SIGEF o nome completo51 dos políticos eleitos e o nome de seus
imóveis declarados, foram encontrandos dados georreferenciados, até mesmo de áreas sem as
dimensões declaradas ao TSE. Cabe relembrar que a base de dados do SIGEF é gradativamente
construída52, assim não foram encontrados parte dos imóveis dos políticos.
Desta forma, o mapa 3 apresenta a distribuição e a dimensão dos imóveis rurais
pertencentes a políticos brasileiros com mandatos de 2019 a 2022. Esta informação foi
sobreposta aos dados generalizados do Mapbiomas53 sobre o uso do solo no Brasil no ano de
2018. Com isso, é possivel observar a localização dos imóveis rurais de políticos e compará-las
com as principais áreas de agricultura capitalista por todo o país.
No mapa 3 há a presença de imóveis rurais de políticos nas principais áreas da
agricultura vinculada ao agronegócio. Na região Centro-Oeste, destacam-se imóveis em áreas
de soja e de pecuária bovina nos estados de Mato Grosso do Sul e de Goiás. Ressalta-se ainda
o predomínio de imóveis com dimensão superior a dois mil hectares.
Diferentemte dos dados do TSE, os dados da região Nordeste no SIGEF apontam grande
número de imóveis e suas áreas pertencentes a políticos. Cabe destacar, a localização dos
imóveis no Nordeste em uma região produtiva que abrenge parte dos estados de Maranhão,
Tocantins (pertence à região Norte), Piauí e Bahia, denomidada de Matopiba.
Possuindo o Cerrado como bioma predomimante, o Matopiba é a região do rápido
avanço da agricultura capitalista nos últimos anos, sobretudo a especializada na produção de
soja. A terra é o principal ativo na região, onde atuam empresas especializadas neste mercado,
porém constata-se a intensa participação do capital financeiro na compra de terras como
apontou Frederico e Almeida (2019). O exponencial aumento no preço da terra atrai
51
Houve o cuidado em evitar homônimos, assim foram confrontados o nome completo do político, nome do imóvel
e, quando possível, sua área declarada ao TSE.
52
Como afirmado no capítulo anterior, o processo de georreferenciamento dos imóveis rurais pelo INCRA é
gradativo, logo uma parte das propriedades ainda não pode ser localizada.
53
O projeto Mapbiomas realiza o levantamento e a análise sistemática do uso e ocupação do solo no Brasil.
Disponível em: <https://mapbiomas.org>. Acesso em: 03 jul. 2020.
94
investidores do mundo todo que objetivam, a grosso modo, auferir renda futuramente com
arendamentos ou vendas. Segundo Frederico e Almeida (2019), o capital financeiro controlava,
em 2015, mais de 1,5 milhão de hectares. Os autores destacam grandes agentes do mercado
financeiro envolvidos na compra de terra no Matopiba, como George Soros e Eduardo Elztain,
assim como fundos de pensão de difrentes locais do mundo e até o fundo patrimonial de umas
das maiores universidades do mundo, Harvard.
Desta forma, a renda da terra explica a presença de imóveis pertencentes a políticos no
Matopiba e a sua aproximação ao agronegócio. Esta relação se materializa com a criação na
Câmara dos Deputados da “Frente Parlamentar em Defesa do Desenvolvimento da Região do
MATOPIBA” e sua aprovação no Senado, em 2019. Este movimento político busca dar
sustentação ao desenvolvimento capitalista, criando condições favoráveis, por meio da infra-
estrutura, e da legitimação das ações capitalistas. Como exemplefica Bezerra e Gonzaga (2019),
o projeto de Lei Complementar 279/16 objetivou “[...] articular e desenvolver programas,
projetos e ações destinados ao fortalecimento da infraestrutura agrícola da região do
Matopiba, à inovação tecnológica no campo da agricultura sustentável [...]” (p.53). Estes são
indícios claros sobre o papel dos agentes do Estado na expansão e na reprodução capitalista,
como indicaram Harvey (2009) e Smith (1984).
No mapa 3, observam-se ainda propridades rurais de políticos na região Norte,
principalmente nos estados do Acre, Roraima e Pará, para onde se direcionam as atividades do
agronegócio. No ano de 2019, uma série de queimadas na região chamou a atenção mundial. O
“dia do fogo”54, como ficou conhecido, reuniu grandes fazendeiros, madereiros e capitalistas
do agronegócio que, propositalmente, no dia 10 de agosto aceleraram a destruição da
biodiversidade e o ataque aos povos indígenas da Amazônia, objetivando ampliar seus domínios
fundiários.
54
Informação disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2019/10/23/responsaveis-pelo-dia-do-fogo-na-
amazonia-fizeram-vaquinha-para-ampliar-queimadas>. Acesso em: 10 ago. 2020.
95
Quadro 1- Parque das Emas (GO) e Bolsão (MS): Candidatos a prefeito eleitos em 2016 e suas
ocupações
Parque das Emas (GO)
Município Candidato Eleito Ocupação
Aporé Renato Sirotto Carvalho (PSB) Advogado
Chapadão do Céu Rogerio Pianezzola (PP) Agricultor
Jataí Vinícius De Cecílio Luz (PSDB) Vereador/Comerciário
Mineiros Agenor Rodrigues de Rezende (PMDB) Prefeito/Pecuarista
Perolândia Jhonatta Cortez da Silva (PSDB) Servidor Público
Municipal
Portelândia Manoel Rodrigues de Resende (PMDB) Pecuarista
Santa Rita do Tania Maria Toledo Salgueiro (PSD) Psicóloga
Araguaia
Serranópolis Lidevam Ludio de Lima (PSDB) Comerciante
Bolsão (MS)
Município Candidato Eleito Ocupação
Água Clara Silas José da Silva (PSDB) Prefeito
Aparecida do Jose Robson Samara Rodrigues de Almeida (PSB) Prefeito/Engenheiro
Taboado
Cassilândia Jair Boni Cogo (PSDB) Outros
Chapadão do Sul João Carlos Krug (PSDB) Agrônomo
Inocência José Arnaldo Ferreira de Melo (PSDB) Pecuarista
Paranaíba Ronaldo José Severino de Lima (PSDB) Engenheiro
Selvíria José Fernando Barbosa dos Santos (PSB) Odontólogo
Três Lagoas Angelo Chaves Guerreiro (PSDB) Deputado/Artesão
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral, 2019. Organizado pelo autor.
candidatos Álvaro Soares Guimarães (DEM) e Iris Rezende Machado (MDB). Embora estejam
territorializadas no Parque das Emas (GO), estas empresas não apresentam registros de imóveis
rurais junto ao INCRA, levantando a possibilidade de que a produção destas usinas ocorra em
terras arrendadas.
Duas empresas territorializadas no Bolsão (MS) doaram R$5.262.844,00 (Cinco
milhões, duzentos e sessenta e dois mil oitocentos e quarenta e quatro reais) para campanhas
eleitorais em 2014. Foram 18 candidaturas apoiadas em 2014, das quais se destacam a do
governador eleito Reinaldo Azambuja (PSDB), da Deputada Federal Tereza Cristina (DEM),
do Deputado Federal Carlos Marun (MDB) e da Senadora Simone Tebet (MDB). As empresas
responsáveis por este montante de recursos são a Fibria S.A (Atual Suzano), produtora de
eucalipto, celulose e papel, territorializada em Três Lagoas (MS), e a Iaco Agrícola, produtora
de açúcar e etanol, territorializada em Chapadão do Sul (MS). Estas empresas, segundo os dados
do INCRA (2019), tem a titulação sob seu domínio de 93.133,5 hectares de terras no Bolsão
(MS), mas a área arrendada é muito superior.
O financiamento de campanhas eleitorais por empresas do agronegócio, territorializadas
no Parque das Emas (GO) e no Bolsão (MS), e a transformação dos “coronéis” em políticos
locais, indicam que o Estado é uma instituição de grande interesse de proprietários fundiários e
de empresários da agricultura capitalista ainda na atualidade. Entende-se que o financiamento
de campanhas é, na realidade, investimento do agronegócio em eleger sujeitos alinhados ao
setor e esperando ações em prol aos seus interesses. A relação entre terra, agronegócio e Estado
no Brasil converge na interpretação de Martins (1994): “No Brasil o atraso é um sistema de
poder.” (p.13). O autor complementa:
A propriedade da terra é o centro histórico de um sistema político persistente.
Associada ao capital moderno, deu a esse sistema político uma força renovada,
que bloqueia tanto a constituição da verdadeira sociedade civil, quanto da
cidadania de seus membros [...] E Estado baseado em relações políticas
extremamente atrasadas, como as do clientelismo e da dominação tradicional
de base patrimonial, do oligarquismo. (MARTINS, 1994, p.13).
Além disso, parte dos candidatos eleitos em 2014, analisados aqui, também são
proprietários fundiários, como indica as declarações de bens feitas ao Tribunal Superior
Eleitoral. Eleito governador (2015-2018) em Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja, também
é reconhecido como grande pecuarista, declarando55, em 2014, ao Tribunal Superior Eleitoral,
R$ 23.800.800,00 (Vinte e três milhões, oitocentos mil e oitocentos reais) em imóveis rurais. O
55
Disponível em: <http://www.asclaras.org.br/partes/candidato/@bens.php?id=1162854&orig=exc>. Acesso
em: 07 set. 2019.
100
Segundo reportagem do site De Olho nos Ruralistas, Tereza Cristina recebeu doações
para sua campanha, em 2014, da empresa Coplana, especializada na comercialização de
agrotóxicos. Com isso, demonstra-se a permanente relação da Deputada e atual Ministra da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento com o agronegócio em suas mais variadas escalas.
Em Goiás, o atual governador, na época (2014) candidato ao Senado, Ronaldo Caiado,
mesmo sendo médico, declarou R$1.897.956,70 (Um milhão, oitocentos e noventa e sete mil,
novecentos e cinquenta e seis reais e setenta centavos) divididos em 12 imóveis rurais. Cabe
relembrar que a família Caiado permeia a história política do estado de Goiás, associando-se,
56
Noticia disponível em: <https://deolhonosruralistas.com.br/2016/09/28/algozes-de-indigenas-no-ms-tentam-
eleicao-no-dia-2-de-outubro/> Acesso em: 01 ago. 2020.
57
Informação retirada da página oficial da empresa. Disponível em: <https://jbs.com.br> Acesso em: 01 ago.
2020.
101
Em síntese, esta Lei considera como agricultor familiar todo sujeito em áreas diminutas
(até quatro módulos fiscais) e com uso predominantemente de mão-de-obra familiar. A
perspectiva economicista, expressa na Lei 11.326, é parte resultante da influência das
interpretações teóricas feitas, como as de Abramovay (1992), sobre o desenvolvimento do
capitalismo no campo e seus reflexos na agricultura camponesa.
Teoricamente, o autor compreende o desenvolvimento do capitalismo como responsável
pelo desaparecimento do campesinato ou em sua transformação em agricultor familiar. Neste
contexto, o camponês no capitalismo tende a se integrar totalmente ao modo capitalista de
produção ou desaparecer. Assim:
O ambiente no qual se desenvolve a agricultura familiar contemporânea é
exatamente aquele que vai asfixiar o camponês, obriga-lo a se despojar de suas
103
As previsões feitas por Abramovay (1992), de certa forma, não são novas, pois as
transformações ocasionadas pelo desenvolvimento do capitalismo na Rússia, nos séculos XIX
e XX, sobretudo na agricultura e no campesinato, levaram autores clássicos, como Kautsky (A
questão Agrária) e Chayanov (La organización de la unidad económica campesina), a
discutirem o destino camponês no capitalismo (ALMEIDA, 2006). Portanto,
[...] estavam lançadas as bases teóricas do entendimento do campesinato no
modo capitalista de produção que, de forma elementar, pode ser agrupada em
dois grandes paradigmas: desintegração do campesinato e
permanência/recriação camponesa. (ALMEIDA, 2006, p.71).
60
É preciso, contudo, destacar outros movimentos de luta pela terra que ocorreram em escala regional como:
Guerra do Contestado (1912-1916), em Santa Catarina; Revolta de Porecatu (1940-1950), no Norte do estado do
Paraná; o movimento Arranca-Capim (1950-1960), em Santa Fé do Sul (SP); Trombas e Formoso (década de
1950), no Norte de Goiás; e os Brasiguaios, na fronteira Brasil-Paraguai, na década de 1980.
61
Sobre as Ligas Camponesas e demais movimentos sociais no campo recomenda-se: MARTINS, José de Souza.
Os camponeses e a política no Brasil. 4ª. ed. Petrópolis: Vozes, 1981.
105
Portanto, no debate brasileiro atual há dois conceitos com diferenças explícitas teóricas
e ideológicas. Autores, como Fernandes (2008) e Camacho (2014), compreendem as diferenças
teórico conceituais de interpretação do campo brasileiro em dois distintos paradigmas:
Paradigma da Questão Agrária e Paradigma do Capitalismo Agrário.
De acordo com Camacho (2014, p.113):
106
A assertiva de Camacho (2014) corrobora com a discussão feita até aqui sobre a
parcialidade do Estado brasileiro em favor oligarquias rurais que o compõem. Com isso, a partir
da década de 1990, o conceito de agricultura familiar e sua perspectiva teórica se popularizou
na academia, movimentos sociais e nas políticas públicas (FERNANDES, 2008). Desta forma,
para Gomez (2006):
[...] A agricultura familiar, nova via para o desenvolvimento rural, ‘nasce’ para
reforçar um desenvolvimento rural capitalista. A agricultura familiar que o
Banco Mundial incentiva, através de suas políticas de desenvolvimento e que
o governo de Fernando Henrique Cardoso decide incorporar, é uma
agricultura familiar apropriada aos fins de desenvolvimento capitalista que
tanto um como o outro pretendem. (GÓMEZ, 2006, p.68).
“Malditas sejam todas as cercas!” Clamou Dom Pedro Casaldáliga em um de seus mais
célebres poemas. O bispo, falecido no ano de 2020, dedicou a vida na luta ao lado de posseiros
e indígenas contra as cercas erguidas por latifundiários no Vale do Araguaia em Mato Grosso.
De mãos dadas com os pobres do campo, Casaldáliga enfrentou a violência dos proprietários
de terras e capitalistas à medida que as cercas avançaram e consolidaram a propriedade
capitalista da terra. A cerca, símbolo do aprisionamento da terra e consigo a natureza, subverte-
os a lógica do capital, privam camponeses, posseiros, indígenas e quilombolas de viver e amar,
como afirmou Dom Pedro.
Nem as transformações tecnológicas ocorridas na agricultura foram capazes de romper
com o monopólio da terra no Brasil. O latifúndio permanece no século XXI, como uma chaga,
presente no campo brasileiro, mesmo que interpretado como marca de um passado pseudo
feudal. O seu anunciado desaparecimento, por meio do desenvolvimento da agricultura
capitalista, só ocorreu no vocabulário e nas legislações brasileiras. A invisibilidade da
concentração fundiária e da violência física e simbólica se reforçaram com a modernização da
agricultura na década de 1970 que aliou proprietários de terras e capitalistas, denominado por
Martins (1994) de aliança terra-capital.
É fato que a propriedade capitalista da terra no Brasil possui centralidade na produção
e reprodução ampliada do capital. Assim, o rentismo é elemento fundamental na construção da
109
sociedade e do Estado brasileiro, além de permear as relações políticas nos mais diversos
espectros partidários. Como afirma Prieto (2016, p. 578), “O desenvolvimento rentista à
brasileira se consolidou em uma forma de desenvolvimento capitalista que reproduz o
latifúndio, econômica, social e politicamente.”.
O caráter rentista do desenvolvimento capitalista no Brasil indica a grande propriedade
não como exceção, mas como característica do campo brasileiro. Com isso, a reprodução do
latifúndio decorre da relação social existente entorno da propriedade capitalista da terra
(MARTINS, 1991), permitindo aos proprietários fundiários e capitalistas auferirem renda e
lucro às custas da exploração do trabalho e da natureza.
Não se pode perder de vista o pano de fundo das relações de produção e reprodução do
capital onde o latifúndio é reproduzido. Desta forma, a expansão do capitalismo no campo, por
meio da monopolização do território e da territorialização do capital, produz a renda da terra e
o reproduz na exploração do trabalho assalariado. Neste mecanismo, a concentração fundiária
se torna característica marcante no Brasil pela avidez do pacto de classes objetivando a renda
da terra, a aliança do atraso. Dados do IBGE e do INCRA, sobre a estrutura fundiária,
apresentados ao longo deste capitulo, demonstrarão a existência de verdadeiros impérios no
campo.
A estrutura fundiária concentrada e a aliança entre latifundiários e capitalistas na década
de 1970 proporcionaram a territorialização capital no campo nos municípios do Parque das
Emas (GO) e do Bolsão (MS). Logo, sob a estrutura concentrada, empresas transnacionais
passaram a controlar o campo nas áreas estudadas, em busca de extração de renda e lucro.
Todavia, o gigante que dá sustentáculo ao agronegócio possui “pés de barro”, a propriedade
capitalista da terra base para o desenvolvimento do capital no campo e entendida como
inviolável possui em sua origem a apropriação ilegal de terras devolutas. A estratégia secular
de falsificação de documentos, entendida como grilagem de terras, compõe parte da formação
da propriedade capitalista da terra no Brasil e nas áreas estudadas. Diante desta perspectiva,
foi proposto ao longo deste capitulo o exercício de análise de cadeia dominial de dois
latifúndios, buscando demonstrar a instabilidade jurídica da propriedade da terra no Parque das
Emas (GO) e Bolsão (MS). Pode-se, assim, compreender a trama envolvendo latifundiários e
capitalistas na formação ilegal de latifúndios por meio da grilagem e a permissividade das
estruturas do Estado brasileiro.
110
Observando o latifúndio como resquício feudal, Guimarães (1968) faz duas conclusões
acerca da permanência deste como entrave ao desenvolvimento capitalista no campo: “[...] a
primeira é que o latifúndio se ergue como principal empecilho ao aumento da produção
agrícola; a segunda é que a fragmentação da propriedade é condição imprescindível para o
progresso de nossa agricultura.” (1968, p. 186).
62
BERGAMO, Mônica. Não existe mais latifúndio no Brasil, diz nova ministra da Agricultura. Folha de S. Paulo,
São Paulo, 5 jan. 2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/01/1570557-nao-existe-mais-
latifundio-no-brasil-diz-nova-ministra-da-agricultura.shtml>. Acesso em 26 de ago. 2020. À época, Kátia Abreu
era filiada ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), atual MDB.
111
datam a pobreza da grande massa, que ainda hoje, apesar de todo seu trabalho,
continua a não possuir nada para vender a não ser a si mesma, e a riqueza dos
poucos, que cresce continuamente, embora há muito tenham deixado de
trabalhar. (MARX, 2013, p. 960).
Observando o caso da Inglaterra entre os séculos XVI e XIX, Marx (2013, p. 963)
aponta: “A expropriação da terra que antes pertencia ao produtor rural, ao camponês, constitui
a base de todo o processo. Sua história assume tonalidades distintas nos diversos países e
percorre as várias fases em sucessão diversa e em diferentes épocas históricas.”.
A apropriação de terras comunais e públicas seguidas da transformação de camponeses
em trabalhadores urbanos:
O roubo dos bens da Igreja, a alienação fraudulenta dos domínios estatais, o
furto da propriedade comunal, a transformação usurpatória, realizada com
inescrupuloso terrorismo, da propriedade feudal e clânica em propriedade
privada moderna, foram outros tantos métodos idílicos da acumulação
primitiva. Tais métodos conquistaram o campo para a agricultura capitalista,
incorporaram o solo ao capital e criaram para a indústria urbana a oferta
necessária de um proletariado inteiramente livre. (MARX, 2013, p. 979).
63
O tema sobre a renda da terra não será desenvolvido, sobretudo suas modalidades, tendo em vista as abordagens
de autores clássicos sobre a temática, como Kaustsky (1980), Martins (1981) e Oliveira (2007).
114
propriedade capitalista da terra é renda capitalizada; é direito de se apoderar de uma renda, que
é uma fração da mais-valia social e, portanto, pagamento subtraído da sociedade em geral.” (p.
99).
Logo, no processo de reprodução do capital na agricultura, é necessário o pagamento
pela utilização da terra ao proprietário fundiário, a renda fundiária, como apontado por Martins
(1981). Ainda segundo o autor, essa contradição no modo capitalista de produção recria duas
classes antagônicas. Assim:
Desde o momento em que vimos que a livre circulação e reprodução do capital
encontra na propriedade da terra um obstáculo que só pode ser removido
mediante o pagamento da renda fundiária, vimos também que essa
contradição entre terra e capital cria as condições históricas de duas
classes antagônicas: os proprietários da terra e os capitalistas (MARTINS,
1981, p.165) (Grifo nosso).
No que diz respeito à Reforma Agrária, o Estatuto da Terra não foi efetivo, servindo
apenas como ação paliativa e poucas respostas às lutas do campo. Segundo Oliveira (2007), “A
história dos 20 anos de governos militares mostrou que tudo não passou de ‘uma farsa histórica’,
pois, apenas na década de 1980, foi que o governo elaborou o Plano Nacional da Reforma
Agrária [...]” (p. 121). Afim de amenizar a pressão social, sobretudo na região Sudeste, os
governos militares passaram a orientar projetos de colonização públicas e privadas no interior
do país, sobretudo em áreas da Amazônia e do Cerrado (IANNI, 1979).
Empresas rurais receberam do Estado gigantescas áreas de terras devolutas para
realização projetos de colonização privada que, em grande, parte nunca ocorreram,
constituindo-se em diversos latifúndios. Portanto:
A maioria dos projetos privados de colonização se localizam no Mato Grosso,
principalmente na área da rodovia Cuiabá-Santarém. As áreas da Idesco e da
Sinop constituem mini-Estados sob domínio dos colonizadores, que se
assemelham a barões feudais, fiéis, contudo, ao governo federal. (BECKER,
1994, p.37).
118
Ainda sobre o Estatuto da Terra, de acordo com Mendonça (2004), apenas serviu como
instrumento dos latifundiários para assegurarem a expansão agrícola no campo brasileiro,
facilitando a apropriação de terras devolutas. Mesmo conservador, foi no Estatuto que houve
pela primeira vez a definição de latifúndio, sendo reconhecido pela Ditadura a existência de
grandes propriedades no Brasil. A Lei 4.504 estabeleceu de forma antiquada, em seu artigo 4º,
a definição de imóvel rural, minifúndio, latifúndio e empresa rural. Utilizando critérios
exorbitantes, o Estatuto definiu latifúndio pelo tamanho (600 vezes o módulo fiscal) e pelo uso
da terra, onde o imóvel com o tamanho referido anteriormente estivesse inexplorado com fins
especulativos.
Cada município possui um módulo fiscal (expresso em hectares), correspondendo ao
contexto regional. O município de Corumbá (MS), por exemplo, possui o maior módulo fiscal
do Brasil (110 hectares), enquanto em Brasília (DF) possui o menor, estabelecido em 5 hectares
(INCRA, 2013). O tamanho estabelecido como latifúndio pelo Estatuto da Terra, ou seja, 600
vezes o módulo fiscal, demonstrou o esforço do Governo Militar em esconder a existência de
imóveis rurais com grandes extensões. A intenção é evidenciada pelas legislações posteriores
que deixaram de utilizar o conceito de latifúndio.
Na Constituição pós-Governo Militar, em 1988, ao tratar da Reforma Agrária, nos
artigos 184 ao 191, não há menção a latifúndio, pelo contrário, a legislação exclui as dimensões
dos imóveis rurais como critério para desapropriação. Por conseguinte, a Lei Nº 8.629, de 1993,
que dispões sobre a Reforma Agrária e classifica os imóveis rurais, estabelece critérios para
pequeno (até 4 módulos fiscais), médio (até 15 módulos) e grande imóvel (acima de 15
módulos) deixando no passado qualquer discussão e definição dentro do Estado sobre o
latifúndio no país.
É importante refletir se a compreensão e definição de latifúndio passa apenas pela
delimitação do seu tamanho. Entende-se nesta pesquisa que o latifúndio no modo capitalista de
produção é uma relação social de monopólio da terra para além de seu tamanho definido em
lei. A exploração da terra, as relações de classe e a busca pela renda são características
essenciais na ampliação da compreensão sobre o latifúndio. Portanto, latifúndio é toda grande
propriedade capitalista baseada na exploração do trabalho ou mantida como reserva patrimonial
visando a extração e apropriação da renda da terra.
Compreendendo o latifúndio como sinônimo de grande propriedade capitalista, ou seja,
imóveis com tamanho superior a 1.000 hectares, como também utilizado Oliveira (1991),
observa-se, nos dados sobre estrutura fundiária brasileira do INCRA e do IBGE, a manutenção
119
Pelo Censo Agropecuário de 2017 (Tabela 3), os dados demonstram que a estrutura
fundiária brasileira pouco se alterou, mantendo-se o monopólio da terra representado pela
grande propriedade. Na tabela 3, apresenta-se a desigualdade no campo, pois os
estabelecimentos com tamanho até 200 hectares, predominando a agricultura camponesa, são
95,1% do total no país, mas ocupam apenas 28,8 da área total. Logo, o grande número de
pequenos estabelecimentos ocupa áreas diminutas.
Em oposição, o latifúndio, constituído por estabelecimentos com tamanho igual ou
superior a 1.000 hectares, compõe apenas 1,01% do total dos estabelecimentos, porém ocupam
47,6% da área total. Comparando-se os dados de 2017 (Tabela 3) com de 2006 (Tabela 2),
verifica-se o aumento dos estabelecimentos com tamanho igual ou superior a 1.000 hectares.
Os estabelecimentos com tamanho igual ou superior a 1.000 ha totalizavam 150.143.096
hectares, mas, passados mais de dez anos, esta classe de área agora ocupa 167.227.511 hectares.
Estas informações confirmam a reprodução do latifúndio, como parte do processo atual de
desenvolvimento desigual, combinado e contraditório do capitalismo no Brasil.
No ano de 2018, O SNCR registrou64 424 imóveis com tamanho superior a 100.000
hectares e 887 imóveis rurais com 600 vezes o módulo fiscal de seu respectivo município.
Portanto, o latifúndio não é uma excepcionalidade no Brasil, mas característica marcante no
desenvolvimento da agricultura capitalista brasileira. Atualizados em setembro de 2020, os
dados do SNCR permitem a identificação dos maiores latifúndios do Brasil (tabela 4).
Com os dados apresentados na tabela 4, objetiva apresentar os maiores imóveis rurais,
mas, de toda forma, não dá para distinguir se capitalistas e/ou latifundiários são
proprietários/possuidores de mais de um imóvel, escamoteando-se ainda mais a concentração
fundiária, pois é comum um proprietário fundiário ter mais de um imóvel rural no Brasil.
Apesar das dimensões, grande parte dos imóveis rurais apontados na tabela 4 não possuem
georreferenciamento no SIGEF. Inicialmente essa ausência de registros pode ser associada ao
mencionado escalonamento do processo de georreferenciamento, no entanto, a consulta direta
à página do SIGEF mostra que parte dos imóveis apresentados não conseguem o registro devido
à ausência de registro em cartório. Com isso, fica o questionamento da existência de fato destes
imóveis, considerando a possibilidade de parte destes registros estarem relacionados a
documentos falsos que inflam os números do INCRA e são utilizados para a contratação de
empréstimos e créditos públicos.
Apesar das incertezas sobre os registros, a tabela 4 escancara a concentração fundiária
no país, apontando que a soma dos 20 maiores imóveis registrados no INCRA supera 7 milhões
de hectares. Este tamanho corresponde a 2% do total da estrutura fundiária brasileira registrada
pelo Censo Agropecuário de 2017. Além disso, o tamanho é superior aos estados nordestinos,
como Sergipe, Alagoas ou até mesmo países europeus, como Bélgica, Suíça e Holanda.
Na tabela 4, destaca-se o maior imóvel privado do Brasil, denominado Gleba Santa Rosa
do Tenquê, com 903 mil hectares, localizado no município de Carauari (AM). O imóvel
pertenceu à Associação dos Profissionais Liberais Universitários do Brasil (APLUB), e foi
citado65 na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Grilagem de Terras na Amazônia em
2001, com apropriação eivada de vícios. Segundo o relatório, trata-se de um caso de apropriação
indevida de terras públicas, pois os títulos e matrículas do imóvel não comprovam o processo
legal de destaque do patrimônio público para o particular. Além disso, a constituição do imóvel
não obedeceu ao limite de posse determinada pela legislação da época e:
64
Informação disponível em: <http://www.incra.gov.br/media/docs/estatisticas-imoveis-rurais/brasil-2018.pdf>.
Acesso em: 02 set. 2020.
65
Disponível em: <https://arisp.files.wordpress.com/2009/10/33421741-relatorio-final-cpi-terras-amazonas-
grilagem.pdf>. Acesso em: 02 set. 2020
122
Se hoje esse valor é grande, pode-se imaginar como o foi em 1974. Todavia,
em 1965, data da compra feita pelo Sr. Milhão Magalhães, certamente era
praticamente inacreditável, e, ainda, impensável em são juízo alguém poder
comprovar ou pleitear a posse mansa e pacífica de uma extensão tão
grandiosa, tendo em vista que de conformidade à Lei 89, de 31.12.59, que
legislou sobre as terras devolutas do Estado, a extensão máxima que se
poderia transferir era 3.000 hectares. (2001, p. 111). (Grifo nosso).
66
Ainda neste capitulo será aprofundada a discussão sobre a grilagem no Brasil enquanto meio de apropriação de
terras públicas e de povos indígenas e quilombolas.
67
Informação disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/economia/noticia/2020/09/da-ufrgs-a-camisa-do-
inter-aplub-foi-uma-das-empresas-mais-respeitadas-do-rs-ckfacvou70000012y1y0cclpq.html>. Acesso em: 06
abr. 2021.
68
Informação disponível em:
<https://www.tjrs.jus.br/site_php/consulta/visualiza_documento.php?Numero_Processo=5061910802020821000
1&fase=4&documento=1> Acesso em: 06 Abr. 2021.
123
69
Informação disponível em: <https://sigef.incra.gov.br/requerimentos/detalhe/113a6453-4342-4fb5-9dc6-
8ee7959b45f3/>. Acesso em: 13 jan. 2021.
124
Parte dos latifúndios podem ser mapeados por meio dos dados georreferenciados do
SIGEF e do SNCI como demonstrado no mapa 4. Classificando os imóveis rurais a partir de
suas dimensões, compreende-se a distribuição e a variação de tamanho dos latifúndios no país,
demonstrando o predomínio de imóveis rurais entre 1.000 e 5.000 hectares, principalmente na
região Centro-Oeste. Os imóveis entre 50.000 e 100.000 hectares se destacam na região do
Pantanal brasileiro (Mato Grosso e Mato Grosso do Sul) e no Norte de Mato Grosso. Destaca-
se ainda a região do Matopiba, sobretudo no Oeste da Bahia, onde se pode observar o
predomínio das grandes propriedades. Na região Norte, em especial no estado do Amazonas,
as dimensões dos imóveis chamam a atenção, ultrapassando os 50.000 hectares.
As regiões do país caracterizadas pelo latifúndio são comumente reconhecidas por
serem locais de desenvolvimento e/ou expansão da agricultura capitalista, vinculada ao
agronegócio. Desta maneira, fica claro a permanência do latifúndio no Brasil, no âmago da
questão agrária, pois carrega consigo conflitos decorrentes do processo de apropriação
capitalista de terra. A modernização da grande propriedade, observada por Kaustky (1980) na
Rússia e, também, no Brasil na década de 1970, como bem apresenta Graziano Silva (1982),
contribuiu na aliança terra-capital e ocultou da sociedade o caráter especulativo da propriedade
e do uso da terra. Desta forma, a reprodução do latifúndio ocorre sob a incorporação da renda
na terra ao processo de acumulação capitalista, os imóveis com tamanhos exorbitantes são
formados com objetivo especulativo.
Ainda no mapa, destacam-se imóveis superiores a 600 módulos fiscais de seu município
definidos pela Lei 4.504/64 como latifúndios, localizados nas regiões Norte e Centro-Oeste,
havendo ainda significativa presença nos estados da Bahia, Minas Gerais, Espirito Santo, São
Paulo e Paraná. Claramente, revela-se no mapa, que mesmo usando-se o parâmetro de
exorbitantes 600 vezes o módulo fiscal, a existência de outros imóveis com dimensões ainda
maiores, como no Pantanal.
125
70
Disponível em:< https://mst.org.br/2021/02/03/comissao-de-direitos-humanos-repudia-assassinato-de-
sobrevivente-do-massacre-de-pau-darco/> Acesso em 15 jul. 2021.
127
permanece como classe social dentro do capitalismo. Assim, “[...] o processo contraditório de
reprodução ampliada do capital além de redefinir antigas relações de produção, subordinando-
as à sua reprodução, engendra relações não capitalistas igual e contraditoriamente necessárias
à sua reprodução.” (OLIVEIRA, 2007, p. 11).
No Centro-Oeste brasileiro houve amplo processo monopolização do território por
diferentes empresas capitalistas no campo, como as vinculadas a grãos (soja e milho), aos
frigoríficos, e a territorialização de empresas de agrocombustíveis derivados da cana e, mais
recente, as de eucalipto para a produção de celulose. Essa expansão acelerou o processo de
crescimento da população urbana nesta região e dotação de infraestrutura básica para o
desenvolvimento da agricultura capitalista integrada ao mercado internacional (BERNARDES,
2007). O caminho trilhado para a territorialização do agronegócio da soja no Centro-Oeste
possui como figura central o Estado brasileiro que, objetivando amenizar as desigualdades
decorrentes do capitalismo, induziu o desenvolvimento da agricultura capitalista nesta região
por meio de infraestrutura e oferecimento de subsídios fiscais (PEIXINHO, SOUSA, SCOPEL,
2009).
A incorporação do Cerrado brasiliero pela agricultura modernizada se fez sob o discurso
do Estado brasileiro de ocupação de “vazios demográficos” na década de 1970, mascarando a
expropriação de camponeses, posseiro,s indígenas e quilombolas. Sobre o desenvolvimento do
capital no Cerrado brasileiro, Mendonça (2004, p.198) afirma que “A noção de ocupação
significava que não havia nada nem ninguém, portanto, não havia história nesses territórios,
podendo ser açambarcados conforme os interesses do capital, escudado no aparato político e
financeiro do Estado brasileiro.”.
O avanço sobre este bioma, ocorreu a partir de diferentes fatores, dentre eles, o baixo
preço da terra, motivado pela pouca fertilidade do solo para a agricultura, predominando o uso
da terra para pastagem. Por conseguinte, a adptação do Cerrado por meio de novas tecnologias
possibilitou a expansão da agricultura (DINIZ, 2006) e a territorialização de proprietários
fundiários e capitalistas integrados às estratégias do agronegócio. Portanto:
De outro, os sulistas que, com experiência na agricultura moderna, já iniciada
no Sul, com o cultivo de trigo e de soja e pela disponibilidade de recursos
técnicos e tecnológicos, adquirem as terras, a um preço muito barato, e iniciam
o processo de transformação das paisagens de Cerrado em grandes campos de
cultivo e de criação. (MENDONÇA, 2004, p. 196).
sucroenergéticas nos estados de Goiás e Mato Grosso do Sul. Teixeira (2015), analisando a
expansão da cana-de-açúcar, apresenta parcialmente o contexto econômico deste processo:
Em meados da década de 2000, houve o fechamento de parte das exportações
de carne bovina devido a focos de aftosa encontrados e a queda do preço da
carne. Além disso, as seguidas frustrações de safra e a queda nos preços da
soja também fizeram com que os produtores optassem pela cana-de-açúcar.
(TEIXEIRA, 2015, p.108).
71
O documento está disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/182/_arquivos/zaecana_doc_182.pdf>.
Acesso em: 27 out 2020.
135
Outra empresa territorializou-se em Três Lagoas (MS), instalando a planta fabril para
produção de celulose, além de compra e arrendamentos de terras para o plantio da matéria-
prima, o eucalipto. Assim:
Em 2010, a empresa Eldorado Brasil, controlada pelo grupo JBS e pela MCL
Empreendimentos, e sediada em Três Lagoas, também lançou a pedra
fundamental de sua fábrica de celulose no município, um projeto ainda mais
audacioso orçado em cerca de R$ 5,1 bilhões, R$ 2,7 dos quais financiados
com aportes públicos via BNDES. (PERPETUA, 2012, p. 34).
Posteriormente, a Eldorado Brasil foi comprada pela Papper Ecxelence em 2017, sendo
atualmente dona marjoritaria desta agroindustria.
A territorialização das duas fábricas e o controle territorial via compra ou
arrendamentamento de terras em municípios vizinhos, foram os motivos para o jogo midiático72
dar o “título” para Três Lagoas (MS) de “Capital Mundial da Celulose” (PERPETUA, 2012).
Este movimento também teve a participação das empresas capitalistas e do Estado, pois, em
abril de 2013 foi promulgada a Lei estadual 4.336 que instituía oficialmente o título à Três
Lagoas (MS). Ressalta-se a continua expansão deste complexo com a construção e ampliação
de suas fábricas e a recente aquisição, em 2019, da Fibria pela empresa Suzano, gigante mundial
neste setor.
As transformações no campo, ocorridas no Centro-Oeste brasileiro, sobretudo no Parque
das Emas (GO) e no Bolsão (MS), não causaram rupturas com a agricultura capitalista e suas
caracteristas anteriormente existentes de propriedade fundiária e de seu uso. As diferentes
formas da agricultura capitalista se apresentam territorializadas e disputam, de acordo com suas
estratégias, o controle da terra. No mapa 6, demonstra-se a presença da agricultura capitalista
no Parque das Emas (GO) e no Bolsão (MS), no ano de 2018, por meio dos dados/imagens do
satélite LandSat 8.
Diante do processo histórico de territorialização da agricultura capitalista e de empresas
no campo, diferentes cultivos foram desenvolvidos nas áreas estudadas, destacando-se a soja, a
silvicultura de eucalipto e a cana-de açúcar. A presença de pastagens, remanecesnte da pecuária
extensiva de periodos anteriores, ainda possui significativa presença nas duas áreas. No mapa
6 ainda se demonstra a localização das agroindustrias instaladas: as usinas sucroenergéticas no
Parque das Emas e no Bolsão e as empresas de celulose e papel no municpio de Três Lagoas
(MS), próximas aos plantios de cana-de açúcar e de eucalpito, respectivamente.
72
Exemplo deste movimento, a revista Época dedicou um editorial à cidade. Disponível
em:<http://epocanegocios.globo.com/Revista/Common/0,,ERT177058-16642,00.html>. Acesso em: 09 fev 2020.
136
A área total do Parque das Emas (GO) e do Bolsão (MS) é de 76.322,37 Km² e, em
2018, as áreas de pastagens ocupavam 47,24%, o que totaliza mais de 3,5 milhões hectares
destinados à pecuária bovina, sobretudo de corte. O controle destas áreas, como reserva de
valor, pode ser interpretado como estratégico no contexto de ascenção e predomínio do cultivo
de soja e de eucalipto nas duas áreas estudadas. Assim, capitalistas latifundiários aguardam o
momento ideal para a venda ou o arrendamento de suas terras e a realização da renda.
De acordo com os dados georreferenciados, a soja ocupa 34,83% da área estudada, nos
dois estados, correspondendo a 2,6 milhões de hectares. Este cultivo se concentra no Parque
das Emas (GO), especialmente nos muncipios de Jataí (GO) e Chapadão do Céu (GO). A
silvicultura está presente em 5,93% da área estudada, sobretudo em Mato Grosso do Sul,
equivalendo a 452 mil hectares. O cultivo de eucalipto localiza-se nos municipios de Três
Lagoas (MS), Selvíria (MS) e expande-se para os municipios vizinhos, como Água Clara (MS)
e Brasilândia (MS). Por fim, o cultivo de cana-de-açúcar está presente em 2,41% das duas áreas
estudadas e localiza-se, principalmente, em torno das plantas industriais em Mineiros (GO),
Serranópolis (GO) e Aparecida do Taboado (MS).
137
Mapa 6 - Territórios rurais Parque das e Emas e do Bolsão: Uso e ocupação do solo 2018
138
Nessa estratégia, o monopólio permite que parte da renda da agricultura seja apropriada
por empresas mundiais, pois a necessidade de se manter dentro de um ciclo produtivo cada vez
mais competitivo exige constante renovação das tecnologias. Nesse processo, empresas
mundiais monopolizam significativas áreas dos territórios rurais Parque das Emas (GO) e do
Bolsão (MS).
A figura 5 demonstra a presença de empresas mundiais do ramo de comercialização de
maquinários para a agricultura, pincipalmente a capitalista. Outras empresas, como a Syngenta
e a Monsanto, também estão presentes no Centro-Oeste brasileiro e na área estudada,
responsáveis pela revenda de insumos químicos e sementes.
Fonte: tecnoshowcomigo.com.br.
73
Informação obtida pela reportagem do Jornal Globo. Disponível em:
<https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2019/04/12/tecnoshow-chega-ao-fim-movimentando-r-34-bilhoes-em-
rio-verde-segundo-organizadores.ghtml>. Acesso em: 09 fev. 2020.
140
74
Disponível em:<http://www.treslagoas.ms.gov.br/feira-florestal-sera-realizada-em-tres-lagoas/>. Acesso em:
25 set. 2020.
141
Além da renda, a terra funciona como reserva de valor e/ou reserva patrimonial,
garantindo a latifundiários, capitalistas e grupos econômicos a possibilidade de acesso a
financiamentos e incentivos governamentais (OLIVEIRA, 2001), como no caso da APLUB
apresentado no início deste capítulo. Assim:
[…] a chamada modernização da agricultura não vai atuar no sentido da
transformação dos latifundiários em empresários capitalistas, mas, ao
contrário, transformou os capitalistas industriais e urbanos – sobretudo do
Centro-Sul do país – em proprietários de terra, em latifundiários. A política de
incentivos fiscais da Sudene e da Sudam foram os instrumentos de política
econômica que viabilizaram esta fusão. Dessa forma, os capitalistas urbanos
tornaram-se os maiores proprietários de terra no Brasil, possuindo áreas com
dimensões nunca registradas na história da humanidade. (OLIVEIRA, 2001,
p.186).
No Parque das Emas (GO) e no Bolsão (MS), a propriedade capitalista da terra também
se mantém concentrada, como demonstrado nas tabelas 5 e 6, sobre a estrutura fundiária entre
os anos 2006 e 2017. A territorialização de grandes empreendimentos no campo, como
apresentado no mapa 6, não promoveu mudanças na estrutura fundiária após mais de dez anos,
ao contrário, fez com que a propriedade privada da terra se mantivesse imprescindível para
quem objetiva a extração de renda da terra e o lucro.
Portanto, no Parque das Emas (GO), as grandes propriedades, compreendidas como
latifúndios, ocupam a maior parte da área rural, e se mantiveram praticamente inalterável entre
142
Parque das Emas (GO): Número e área dos estabelecimentos agropecuários (2006 -
2017)
2006 2017
Grupos de área
Total Estab. Estab Área Área Estab. Estab Área Área
Nº (%) (ha) (%) Nº (%) (ha) (%)
Até menos de 10
223 4,86% 967 0,04% 593 11,73% 2.438 0,13%
ha
10 a menos de 200
2.088 45,50% 148.953 6,43% 2553 50,50% 160.316 8,27%
ha
200 a menos de
1.023 22,29% 338.617 14,62% 903 17,86% 297.406 15,33%
500 ha
500 a menos de
663 14,45% 476.684 20,58% 519 10,27% 364.912 18,81%
1.000 ha
1.000 a menos de
461 10,05% 688.686 29,73% 355 7,02% 588.635 30,35%
2500 ha
2.500 ha e mais 131 2,85% 662.617 28,60% 132 2,61% 525.824 27,11%
Em 2006, os estabelecimentos no estrato superior a 1.000 ha eram apenas 997, 16,6% do total
de estabelecimentos, mas concentravam 69,74% do total da área. Em 2017, o IBGE registrou o
aumento da área ocupada pelos estabelecimentos com tamanho superior a 1.000 ha. Assim,
houve uma redução na quantidade de grandes estabelecimentos, 879 (14,15%), porém, a área
total ocupada por estes aumentou para 70,44% em um evidente processo de aumento da
concentração fundiária.
Os números absolutos indicam o aumento da concentração fundiária, pois, em 2006,
havia 997 estabelecimentos com tamanho igual ou superior a 1.000 hectares, concentrando
2.785.251. Enquanto que, em 2017, havia 879 estabelecimentos no mesmo estrato de área,
controlando 2.705.763 hectares. Assim, a área média dos estabelecimentos saltou de 2.793,631
hectares, em 2006, para 3.078,228 hectares, em 2017.
Os pequenos estabelecimentos, com área até 200 ha, em 2006, eram 2.918,
representando 48,6% do total de estabelecimentos e ocupavam 4,45% do total da área, o que
correspondia a 177.612 hectares. Comparando com o censo de 2017, os pequenos
estabelecimentos aumentaram em quantidade, passando para 3.402, correspondendo a 54,75%
do total, no entanto a área ocupada se manteve praticamente inalterada com 189.641 hectares
correspondendo a 4,94% do total de área ocupada. Quando observado o tamanho médio dos
estabelecimentos, evidencia que este diminuiu, saindo, em 2006, de 60,867 hectares, para
55,743 hectares, em 2017.
75
Disponível em:<https://cnpj.biz/89844294000141> Acesso em: 06 out 2020.
76
Disponível em:<https://www.dinheirorural.com.br/secao/agronegocios/uma-damha-na-pecuaria>. Acesso em:
29 jun. 2019.
147
(GO) e Perolândia (GO), totalizando mais de 15 mil hectares. Priori já foi suplente de deputado estadual
e, por várias vezes, disputou o pleito para prefeito do município de Jataí (GO).
77
Denominação dada ao conjunto propriedades formando uma área contígua para plantio de eucalipto.
148
Selvíria (MS) e Três Lagoas (MS). A empresa possui ainda mais 33 mil hectares no município
de Brasilândia (MS) e 9 mil hectares no estado do Rio Grande do Sul.
Desta forma, nas áreas estudadas, a reprodução do latifúndio ocorre por meio da ação
de proprietários fundiários e capitalistas, como os apresentados aqui. A busca pela renda e as
variações de mercado provocam a disputa entre e latifundiários e capitalistas, intensificando a
dinâmica fundiária no Parque das Emas e no Bolsão.
A variação nos preços da terra no Parque das Emas e no Bolsão ajudam a compreender
a dinâmica da agricultura capitalista no que se refere à disputa entre empresas, proprietários
capitalistas individuais e latifundiários pelo monopólio de terras para desenvolvimento de suas
atividades e a barreira imposta, por meio do rentismo, pelos proprietários fundiários. O baixo
preço da terra no Centro-Oeste brasileiro, comparado ao de outras regiões (Sul e Sudeste,
sobretudo), entre as décadas de 1950 e 1970, atraiu proprietários fundiários e capitalistas e
alterou-se diante da consolidação da agricultura capitalista na região.
A busca por condições melhores no desenvolvimento e aumento do lucro médio do
agronegócio se baseou, segundo Rezende (2002), em vários fatores, entre eles o baixo preço da
149
terra considerada de qualidade inferior, mas com possibilidade de melhora por meio de
mecanização. Segundo o autor:
Assim, a abundância de terras de qualidade inferior (‘terra de segunda’)
traduzia-se, mediante ‘construção do solo’, em abundância de terra de
qualidade superior (‘terra de primeira’). Embora requerendo tempo para se
materializar, esse aumento da quantidade de terra de primeira não poderia
senão fazer cair o seu preço relativo no plano nacional, com conseqüente
aumento da competitividade agrícola regional. (REZENDE, 2002, p.9).
78
Informação obtida com fazendeiros produtores de soja durante trabalho de campo em maio de 2017 no município
de Jataí (GO).
150
79
Disponível em:<https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,produtores-de-soja-boicotam-cana-em-go-imp-
,663814> Acesso em: 06 fev. 2020.
151
sucroenergético por terras e determinando a expansão do cultivo de soja por todo o país. Sobre
a produção de soja, Câmara (2015) afirma:
Se na safra 2012/13 o Brasil superou pela 1ª vez a marca dos 80 milhões de
toneladas de grãos, na safra 2013/14 superou ‘pela primeira vez’ o valor de
30,0 milhões de hectares para a área cultivada com soja [...] Na última safra,
2014/2015 o ano climático foi favorável em, praticamente, todo o território
nacional que produz soja, resultando em recordes de volume de grãos, de área
colhida e de produtividade. Novamente, pela 1ª vez o Brasil superou a marca
de 95,0 milhões de t de grãos, 32,0 milhões de hectares colhidos e a
produtividade de, praticamente, 3.000 kg de grãos por hectare. (CÂMARA,
2015, p. 26).
Situação semelhante em Mato Grosso do Sul, como observou Teixeira (2015), pois
houve avanço do cultivo da cana-de-açúcar sobre as terras de pastagens e a competição com os
produtores de soja. No Bolsão (MS), as empresas e os proprietários fundiários ligados ao
agronegócio da soja, do algodão e da cana-de-açúcar competem pelas terras de pastagem,
sobretudo, no município de Chapadão do Sul (MS).
Em Três Lagoas (MS) e municípios vizinhos, como Brasilândia, Água Clara (MS) e
Selvíria (MS), as empresas de celulose e papel encontraram terras propícias para sua
territorialização no que se refere o preço da terra e ao arrendamento. A baixa renda da terra
extraída pela pecuária extensiva fez os proprietários de terras encontrarem no arrendamento
para as empresas de celulose a possibilidade de maior rentabilidade.
Com a expansão das plantas industriais destas agroindústrias e, consequentemente, do
cultivo de eucalipto, houve também o aquecimento do mercado de terras como demonstrado na
figura 8. Assim como a Fibria/Suzano é proprietária de mais de 40 mil hectares (Este número
não se contabiliza a área arrendada), a Eldorado Brasil, articula-se, no contexto de queda na
taxa de juro em 2020, para ampliar seu controle sobre o território. A disputa entre capitalistas
elava o preço da terra nos municípios estudados, contribuindo na manutenção do rentismo já
existente.
Três Lagoas (MS): anuncio de compra de terras feito pela Eldorado Brasil
152
A majoração do preço da terra nos municípios de Jataí (GO), de Chapadão do Sul (MS)
e de Três Lagoas (MS), entre os anos de 2003 e 2017, apresentada na figura 9, por meio dos
dados do Instituto FNP, demonstra como a territorialização de empresas vinculadas ao
agronegócio afetou a dinâmica dos preços da terra, agravando a questão agrária, principalmente
pela inviabilização da política de obtenção de terras, pela compra/desapropriação de terras para
Reforma Agrária ou políticas de crédito fundiário. O aumento da renda da terra, via
territorialização de empresas do agronegócio, contribui ainda na dissimulação da
improdutividade e não cumprimento da função social da terra, como apresentado do mapa sobre
uso e ocupação do solo em 2018 (página 134).
Em Jataí (GO), no ano de 2008, o preço médio por hectare era de R$ 3.837,00 (Três mil
oitocentos e trinta e sete reais), mas com a implantação da usina de açúcar e álcool da empresa
Cosan S/A no município e de outras nos municípios vizinhos, os preços da terra dispararam,
sendo registrado, em 2017, a média de R$37.500,00 (Trinta e sete mil e quinhentos reais) por
ha. Os preços da terra em Chapadão do Sul (MS) têm dinâmica semelhante aos de Jataí (GO),
saindo de R$9.903,00 (Nove mil novecentos e três reais) por ha, em 2003, período de
predomínio da produção de soja, e, a partir de 2008, com a construção da usina de cana-de-
açúcar IACO Agrícola, os preços por hectare dispararam, chegando a R$37.500,00 (Trinta e
sete mil e quinhentos reais, no ano de 2017.
Com a territorilização do complexo de eucalipto-celulose-papel, em 2009, grandes
proprietários fundiários encontraram a oportunidade de extrair renda de suas terras de baixa
fertilidade e de produtividade na pecuária, no Bolsão. Desta forma, muitas propriedades rurais
foram vendidas ou arrendadas para implantação dos hortos florestais em Três Lagoas (MS),
153
Selvíria (MS), além de outros municípios na região. Este processo representou o aumento do
preço médio por hectare, saltando de R$3.279,00 (Três mil duzentos e setenta e nove reais) por
ha, em 2003, para R$11.250,00 (Onze mil duzentos e cinquenta reais), em 2017, como
demonstrado na figura 9.
Três Lagoas (MS), Chapadão do Sul (MS) e Jataí (GO): evolução dos preços da
terra (2003 – 2017)
40.000
38.000 37.500
36.000 35.000 37.500
34.000
32.000 33.000
PREÇO DA TERRA (R$)
30.000
28.000
26.000
24.000
22.000
20.000
18.000
16.000
14.000
12.000 9.903 11.000 11.250
10.000 8.835
8.000 5.723
6.000 3.279
4.000
2.000 - 3.837
-
2003 2008 2014 2017
Três Lagoas Chapadão do Sul Jataí
Fonte: FNP, 2018. Organizado pelo autor.
O gráfico (figura 9) representa a média de preços elaborada pelo Instituto FNP, mas é
possível encontrar variações em corretoras de imóveis rurais nos municípios. Toda a variação
apresentada indica como o monopólio da terra oportuniza aos proprietários fundiários maiores
ganhos com a extração da renda. Como apresentado anteriormente, a disputa na territorialização
entre os segmentos do agronegócio, demonstrada pela força política dos sojicultores no
município de Jataí (GO), conseguiu bloquear o avanço do plantio de cana-de-açúcar por meio
da força legal (FRANCO; ASSUNÇÃO, 2011).
O poder político dos sojicultores em Jataí (GO), demonstrado pelo movimento contra a
expansão da cana no município, não garantiu que a procura por terras aumentasse seu preço,
contribuindo para o pleno desenvolvimento do rentismo. O aumento dos preços e o rentismo
afetam diretamente os camponeses nas áreas estudadas, inviabilizando a política de obtenção
de terras pelo Estado para criação de novos assentamentos rurais.
154
80
Artigo disponível em: <https://www.ecodebate.com.br/2013/03/27/o-agronegocio-e-negocio-para-o-brasil-
artigo-de-gerson-teixeira/>. Acesso em: 20 out. 2019.
155
A Lei 601, de 1850, conhecida como Lei de Terras, é entendida como marco legal de
instituição da propriedade capitalista da terra no Brasil. A partir da Lei de Terras, todo acesso
à terra deveria ocorrer por meio da compra e venda. As posses existentes, anteriores à Lei,
deveriam ser regularizadas e as terras não ocupadas retornariam ao domínio do Estado como
devolutas. Por meio do Decreto lei 1.318, de 1854, a Lei de Terras foi instrumentalizada,
principalmente o processo de regularização e, assim, as posses existentes deveriam ser
registradas na paróquia local (CAVALCANTE, 2013), reconhecido também como registro do
vigário.
Pouco tempo depois, em 1864, foi promulgada a Lei 1.237, instituindo o Registro da
propriedade Imobiliária (STEFANINI, 1978). De acordo com a Lei e sua regulamentação, em
1865, o registro de imóveis ficaria a cargo do oficial de registro nos cartórios de imóveis
(GONÇALVES, 2017).
Regulamentando a propriedade capitalista da terra e seu acesso por meio da compra, a
legislação consolidou a terra como mercadoria, ou seja, equivalente de capital. Instituiu-se os
156
marcos da propriedade capitalista, pois juntou-se posse e domínio para se se considerar o seu
valor jurídico. Desta maneira, aquele que possuísse vasta extensão de terras tinha sob seu
domínio determinada fortuna. A necessidade do registro da propriedade faria surgir uma nova
estratégia de produção de capital por meio da falsificação dos registros de propriedade, a
grilagem. Assim:
A base do mecanismo da grilagem consiste na falsificação de documentos,
sejam eles títulos de propriedade sejam provas de legitimidade ao acesso a
terras. Em alguns casos, os grileiros não recorriam à Repartição Especial de
Terras Públicas para a obtenção de um título de propriedade. Eles se valiam
da sua influência para inscreverem, nos registros de transmissão de
tabelionato, os seus contratos de venda de terras, sem a apresentação de títulos
que comprovassem a sua propriedade sobre a área vendida. (CHRISTILLINO,
2010, p. 230).
Com a Constituição em 1891, cada estado ficou responsável por gerir suas terras
devolutas que, por consequência, ampliou a relação direta entre proprietários fundiários e a
política, como demonstrado por Moreno (1994). Naquela conjuntura, as oligarquias rurais
interferiram no Estado para expandirem suas posses sobre as terras devolutas por meio de leis
que regularizassem o processo de apropriação privada.
Os descumprimentos de leis de regulamentação do acesso à terra sempre ocorreram sob
a expectativa de perdão e de novas normas/leis que legitimassem a apropriação indevida
(OLIVEIRA, 2010). Esta estratégia foi sustentada pela relação intrínseca entre proprietários
fundiários e representantes do Estado, como apontado anteriormente. Com isso, a grilagem de
terras no Brasil se constituiu como instrumento das elites brasileiras para ampliarem seu poder
e controle do território nacional (OLIVEIRA, 2013).
Cabe destacar que a apropriação de terras devolutas não é o fim em si, pois os sujeitos,
latifundiários e capitalistas, não utilizam a grilagem para se tornarem apenas proprietários.
Como afirmou Martins (1979), a terra se tornou equivalente de capital e o que está no centro
do processo é a renda territorial. Desta forma:
O que em 1880 era apenas especulação teórica, tendo em vista um substituto
para as hipotecas feitas sobre os escravos, vinte anos depois era realidade: a
terra havia alcançado alto preço, assumindo plenamente a equivalência de
capital, sob a forma de renda territorial capitalizada. (MARTINS, 1979, p.68).
81
Nardoque (2002) pesquisou o processo de grilagem da Fazenda Ponte Pensa feitas pelo engenheiro Euphly Jalles
e suas estratégias de comercialização de suas terras em busca da extração de renda da terra.
157
Este problema conta com a corrupção espalhada por cartórios de todo o país. É o que
confirma Oliveira (2013), ao afirmar82 que pelo menos “[...] metade dos documentos de posse
de terra no Brasil é ilegal”. No mesmo contexto, cabe lembrar que, em 1999, o Ministro de
Política Fundiária e do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann, anunciou o cancelamento
de matrículas de 3.065 imóveis rurais, contabilizando 93,6 milhões de hectares (FOLHA, 1999).
Estes documentos se referiam a terras devolutas, ou mesmo a nenhuma área, sendo os papéis
falsos utilizados como garantia para empréstimos. Ao final de 1999, o Ministério da Política
Fundiária e do Desenvolvimento Agrário e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária publicaram “O livro branco da grilagem de terras no Brasil”, colocando sob suspeita,
aproximadamente, 100 milhões de hectares distribuídos por todo o país, inclusive nos estados
de Goiás e de Mato Grosso do Sul.
Posteriormente, em 2001, foi realizada a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a
grilagem de terras públicas na região Amazônica. O relatório da CPI indicou 18.384.251
hectares envolvidos em ações de grilagens de terras públicas por meio de fraudes de sentenças
de juízes em ações demarcatórias e de usucapião. De acordo com a CPI, eram utilizadas ações
judiciais em sintonia com a corrupção de cartórios de registro de imóveis para o registro e
legalização de terras griladas. A tese de Schwade (2019) é precisa na demonstração como terras
públicas são incorporadas à reprodução do capital no processo de avanço da fronteira agrícola
no Amazonas. O autor desvenda como a apropriação privada da terra, naquele estado, não
respeitou os limites legais, indicando vícios de origem na formação de latifúndios. O interesse
na renda terra e não na terra em si, fez com que grande parte dos latifúndios analisados por
Schwade (2019) não fossem ocupados por seus pretensos proprietários, permitindo a ocupação
por camponeses e posseiros. Portanto:
82
Entrevista concedida ao site Carta Capital em 2013, disponível em:
<https://envolverde.cartacapital.com.br/metade-dos-documentos-de-posse-de-terra-no-brasil-e-ilegal/>. Acesso
em: 17 mai. 2019.
158
suas ações de ‘limpeza’ das áreas pretendidas pelas empresas ditas modernas.
(SOBRINHO, 2012, p. 61).
pela organização das famílias pioneiras de Goiás e antigo Mato Grosso que “A iniciativa de
Vilella foi apoiada pelos principais proprietários, como Serafim de Barros, José Carvalho
Bastos e os Garcia no Mato Grosso, garantindo ajuda material e recursos financeiros ao
empreendimento.” (PINTO JÚNIOR, 2015, p. 53). Portanto, é preciso reconhecer a presença
de povos indígenas antes das migrações mineiras e paulistas para as áreas estudadas. De acordo
com Borges (2017), em Santana do Paranaíba (Bolsão), os povos indígenas, sobretudo os
Cayapó, ocupavam a área, e, com o contato conflituoso com os não-indígenas, deslocaram-se
para o interior do país.
A ausência de ouro e outros minérios explicam chegada tardia das famílias pioneiras
no Sudoeste Goiano, só no século XIX (PINTO JÚNIOR, 2015). Segundo Campos (1998),
famílias oriundas de Minas Gerais e de São Paulo iniciaram, a partir dos anos de 1830, a
formação das primeiras fazendas. Como mencionado, esse processo foi conflituoso por ocorrer
em área tradicionalmente ocupada, mas também havia as disputas entre fazendeiros decorrentes
da demarcação e manutenção de suas propriedades. Nesse sentido, pequenos posseiros
responsáveis pela formação das fazendas eram expulsos, posteriormente, por grandes
proprietários que caminhavam para estas novas áreas consolidadas
Sobre a Freguesia de Jataí, Silva (2000) afirma:
Na lógica, o que deveria valer seria a posse com cultura efetiva, mas na prática
prevaleceu a força de quem tinha mais poder. Antes da Lei de Terras, o
pequeno posseiro era expulso pela ação de capangas, de jagunços, a mando do
patrão. Bastava o fazendeiro interessar-se pelo local onde se encontrava o
camponês. Expulsá-lo não era difícil. Diante de um possuidor de influência
política e/ou jurídica, de milícia particular e de dinheiro, o camponês não tinha
outra saída, senão procurar outras terras mais distantes. (SILVA, 2000, p.
139).
Ainda segundo a autora, na região onde atualmente é Jataí (GO), duas famílias oriundas
de Minas Gerais e de São Paulo se instalaram sobre grandes extensões de terras:
Os Vilela e os Carvalho Bastos vieram por volta de 1830 e em 1840 já eram
ricos, possuindo grandes fazendas de gado. A pecuária foi a atividade
economicamente dominante em Goiás até a década de 50, do século XX. A
Fazenda Bom Jardim, dos paulistas desbravadores, José Carvalho Bastos e
Ana Cândida Morais Carvalho, chegou a ter ‘6.000 alqueires de boas terras’.
(SILVA, 2000, p. 138).
Para Campos (1998), a consolidação de grandes grilos ocorria por meio da violência e
da influência política e econômica dos interessados, valendo-se de legislações imprecisas
garantiram a manutenção e legalização da grilagem. O autor cita um relatório da Secretaria de
Obras Públicas de Goiás, observando que “As terras do Estado são em grande parte usufruídas
por verdadeiros usurpadores que não se preocupam de legalizar os seus títulos” (CAMPOS,
1998, p. 78). Em outra perspectiva analítica, Grande Júnior (2012) afirma que os grileiros que
não gozavam do apoio político local tornaram-se reféns do coronelismo, assim as terras
devolutas:
Em outros Estados, dentre os quais se pode incluir o de Goiás, era uma questão
mais primitiva de controle do acesso à terra como forma de poder,
concedendo-se a propriedade inquestionável apenas aos muito próximos
dos donos do poder local e deixando os demais apenas com posses ou
títulos de propriedade duvidosos, para poder-lhes sempre cobrar apoio
político em contrapartida da manutenção dessas posses. Assim, as terras
devolutas compunham o tabuleiro sobre o qual as peças do coronelismo se
movimentavam, no xadrez da ‘política dos governadores’. (GRANDE
JÚNIOR, 2012, p. 48/49).
83
Informação obtida no site oficial da empresa. Disponível em:<http://rioparaiso.com.br/site/sobre-a-fazenda/>.
Acesso em: 18 out 2020.
84
Informação obtida na Calculadora do Cidadão do Banco Central. Disponível em:
<https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirFormCorreca
oValores>. Acesso em: 27 jan. 2021.
85
Publicação pode ser acessa em:
<https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File/Politica_Agraria/7incraLivroBrancodasSuperindenizacoes.pdf>.
Acesso em: 29 out 2020.
165
O Senador ainda aponta que a apropriação feita por Ary Valadão também expropriou de
forma violenta os verdadeiros posseiros das terras griladas em Goiás, assim “O problema atinge
as raias do inconcebível, onde ainda se queimam ranchos, onde ainda se expulsam posseiros de
suas terras, onde ainda posseiros são esmagados, assassinados e trucidados e enterrados nas
matas do cerrado.” (SANTILLO, 1981, p. 30).
No Bolsão (MS) a apropriação da terra não foi muito diferente, pois a origem e
reprodução do latifúndio também permeia a ilegalidade e reprodução ampliada do capital sobre
terras públicas. As primeiras explorações na capitania de Mato Grosso foram feitas no início
do século XIX, também por mineiros e paulistas, utilizando hidrovias, saindo de Porto Feliz em
direção ao rio Tietê e Paraná, chegando até o rio Pardo (GOMES, 1953). Foi o mineiro Capitão
86
Sabendo que o alqueire goiano equivale a 4,84 hectares, o tamanho da área apropriada convertido corresponde
a 193.600,00 hectares.
166
José Garcia Leal um dos primeiros exploradores a se estabelecer em terras do sertão 87. Garcia
Leal e sua família migrou para Franca (SP) e depois para Mato Grosso devido a “perseguições
políticas”, tomando posse do vale do rio Santana (GOMES, 1953). Segundo Campestrini
(2002), a família Garcia se envolvera em conflitos por terras em Minas Gerais e a morte do
patriarca João Garcia Leal, em 1802, teria motivado a migração para Mato Grosso. O autor
afirma:
Na verdade, segundo Marcos Paulo de Souza Miranda, a tradição oral,
amparada por várias evidências históricas, afirma que João Garcia Leal foi
morto covardemente em decorrência de desinteligências a respeito de divisas
de terras. (CAMPESTRINI, 2002 p. 115) (Grifo nosso).
87
Neste período, regiões que não vivenciavam prósperos ciclos econômicos, como o do ouro, eram denominados
de sertões.
88
É preciso reconhecer que antes das migrações mineiras e paulistas para região de Santana do Paranaíba povos
indígenas sobretudo os Cayapó ocupavam a área, e com o contato conflituoso com os não-indígenas se deslocaram
para outras regiões do estado e país. Para compreender melhor sugere-se a leitura: BORGES, Maria C. Os Cayapó
e a propriedade da terra em Sant’anna do Paranahyba, Sul de Mato Grosso. Outros Tempos, vol. 14, n. 23, 2017
p. 105 -128.
167
Segundo Camargo (2011), durante o período de posses livres entre a revogação da lei
das Sesmarias, em 1822, e a Lei de Terras, em 1850, os Garcia e Lopes ocuparam extensas
áreas em Santana do Paranaíba. Posteriormente, membros das mesmas famílias continuaram se
apropriando de terras e formando novos municípios, como é o caso de Protázio Garcia Leal,
um dos fundadores de Três Lagoas (MS) (CAMARGO, 2011).
Sendo uma das autoridades locais e desfrutando do apoio político do governo de Mato
Grosso, José Garcia Leal não ateve as amarras legais para expandir suas posses em Santana do
Paranaíba. O controle das terras pela família Garcia abrangera parte das antigas capitanias de
Mato Grosso e de Goiás, sendo objeto de discussão, em 1878, sobre os limites das recém
províncias (GOMES, 1953). Os limites estabelecidos determinaram a maior perda de território
de Goiás, aproximadamente 170 mil quilômetros quadrados (NETO, BUCCI, 1983). A
proximidade dos Garcia junto ao governo de Mato Grosso foi determinante para que suas posses
fossem consideradas como referência na delimitação: “Assim, ao cabo de tanta luta, parece que
já se acham definitivamente integradas no território mato-grossense as terras que, conhecidas
outr’ora como Sertão dos Garcias, constituem, hoje, o florescente Município de Paranaíba.”
(GOMES, 1953, p. 130).
Entretanto, Camargo (2011) constata pertinentemente a ilegalidade do apossamento de
terras públicas pela família Garcia de acordo com a legislação de terras vigente na época:
Se a terra era devoluta eles deveriam tê-la comprado do Estado, pois após 1850
já estava em vigor a Lei de Terras, conforme já descrito, a qual regulamentava
a aquisição de terras. Não consta dos inventários analisados a compra dessas
terras. (CAMARGO, 2011, p. 61).
168
Nessa perspectiva, indaga-se a legalidade das inúmeras fazendas formadas por José
Garcia Leal e família, posteriormente à Lei de Terras de 1850. Com isso, a região compreendida
pelo atual Bolsão (MS), na época reconhecida como Santana do Paranaíba, foi alvo de
sucessivas tentativas de apropriação por meio de documentos de sesmarias como indica o
estudo de Camargo e Batista (2017). Não obstante, os autores também constatam que os
proprietários procuravam não delimitar as terras em documentos como inventários ou contratos
de compra e venda, objetivando no futuro expandir suas posses.
Campestrini (2002) afirma que José Garcia Leal registrou em seu testamento diversas
fazendas sob sua posse, no qual, por meio daquele documento, transferia para familiares e até
realizava doações dos imóveis. Todavia, nos documentos também não havia citação ao
documento de origem e muito menos os limites de suas fazendas.
A legitimação das propriedades também gerou disputas entre fazendeiros e
representantes do poder público. Apesar de, em grande parte, fazendeiros/grileiros fossem
também parte do Estado, em determinadas situações, sobretudo em ações de titulação dos grilos,
os agentes públicos eram coagidos a atender aos interesses da elite agrária local. Como no caso
do Juiz Honorato de Barros Paim, da comarca de Santana do Paranaíba (MS), coagido e forçado
a deixar o município por cobrar altas taxas nos processos divisórios e de inventários,
documentos utilizados para “legitimar” o grilo.
O Juiz publicou89 no jornal O Matto-Grosso, em 1916, uma carta aberta ao Presidente
do Estado de Mato Grosso, General Caetano. Em determinado trecho, o Juiz relata que a
violência e a coerção dos fazendeiros eram realizadas pelo próprio Estado, sobretudo por forças
policiais. Assim relatou:
O Commandante Sampaio, o Dr. Promotor Público, Generoso de Siqueira e o
Collector José Marques da Silva Fontes, levaram em sua companhia para Sant’
Anna o famigerado campanga Eunapio Rondon, e, o que é mais grave estava
o mesmo processado naquella localidade, como tal era ele um criminoso e
ainda mais o autor de uma covarde e miserável tentativa de morte; o fim era
de me desacatar. Ahi chegando começaram as tropelias. Eunapio ameaçava a
todo o mundo com as costas quentes da polícia e afagado pela satisfação do
Commandante Sampaio. A minha casa foi alvejada com suas porcas
represálias e até excremento foi atirado às dez horas pela minha janella.
Eu acreditei ainda em um pouco de moralidade do Capitão e mandei chamar
o Collector Marques Fontes para pedir-lhe que comunicasse o ocorrido àquella
autoridade. O interlocutor respondeu-me que era baldado esse aviso. Que o
Commandante Sampaio era um inimigo e portanto deixaria de tomar qualquer
providencia e se me acontecesse alguma desgraça q’procurasse o homem da
89
Artigo intitulado “As Tropelias de Sant’Anna” publicado originalmente em 1914 no Jornal O Matto-Grosso e
digitalizado pela Biblioteca Nacional. Disponível
em:<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=716189&pesq=Morro%20vermelho&pagfis=2045>.
Acesso em: 21 de out de 2020.
169
Com isso, os 83 mil hectares da Morro Vermelho, apontados pelo Juiz Honorato de
Barros Paim, não se enquadrariam ao limite imposto pelo Decreto 38/1893. Moreno (1999)
ressalta, nesse sentido, que os juízes comissários responsáveis em Mato Grosso por aplicar a
regulamentação fundiária sofriam com a pressão e violência das oligarquias rurais locais,
semelhante ao caso ocorrido em Santana do Paranaíba.
O tamanho do imóvel Morro Vermelho gera questionamentos, assim como ocorreu no
caso da Fazenda Rio Paraíso, em Jataí (GO), pois os registros indicam que a propriedade saiu
dos 83 mil hectares em 1911, tendo sua primeira matrícula em 1942 o tamanho reduzido para
15.342 hectares até ser registrada, em 2015, com área de 8.879,75 hectares.
171
90
Processo acessado no acervo público do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul em Campo Grande (MS).
173
91
Disponível em:<https://deolhonosruralistas.com.br/2020/10/27/terras-em-297-areas-indigenas-estao-
cadastradas-em-nome-de-milhares-de-fazendeiros/?fbclid=IwAR1-
dfKy9qt7oAF4TksdIQRGaZggnycVZowK5F5hxSYgQEU9gned03_bO3c>. Acesso em: 02 nov. 2020.
175
92
Constantemente a página do SIGEF apresenta problemas de funcionamento. Disponível
em:<https://sigef.incra.gov.br/>. Acesso em: 28 dez. 2020.
93
Disponível em:<http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/6399-instrucao-normativa-n-9-
2020-da-funai-promove-seguranca-juridica-e-pacificacao-de-conflitos>. Acesso em: 28 dez. 2020.
94
Disponível em:<http://www.mpf.mp.br/am/sala-de-imprensa/noticias-am/justica-federal-atende-mpf-e-
determina-medidas-para-evitar-grilagem-de-terras-indigenas-no-am>. Acesso em: 28 dez. 2020.
176
95
Disponível em:<https://www.grain.org/en/article/6531-cercas-digitais-cercamento-financeiro-das-terras-
agricolas-na-america-do-sul> Acesso em: 17 dez. 2020.
179
O programa objetiva a regularização de imóveis sobre terras públicas com tamanho até
2.500 hectares em todo o país. Além disso, o Titula Brasil objetiva também a concessão dos
títulos de propriedade para os assentados de Reforma Agrária. Desta forma, o Governo Federal
mascara os interesses de latifundiários e capitalistas somando-os às questões ligadas à política
de Reforma Agrária. Por outro lado, a titulação dos lotes de Reforma Agrária pode recolocar
no mercado de terras estas áreas reformadas.
A possibilidade de anistia à grilagem pelo Titula Brasil se torna mais eminente pela
transferência da responsabilidade do processo de regularização para os municípios: “Art. 2º O
Programa será executado diretamente pelo Núcleo Municipal de Regularização Fundiária –
NMRF” (BRASIL, 2020). Assim, as relações locais de poder entre latifundiários e política,
evidenciadas nesta pesquisa, ganham mais força, com a possibilidade de controle das elites
rurais sobre a estrutura fundiária. A descentralização da fiscalização e da regularização
fundiária, que deveria estar sob os cuidados do INCRA, e agora sob responsabilidade dos
municípios, acaba por minar os poderes da autarquia.
96
Disponível em:<https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-conjunta-n-1-de-2-de-dezembro-de-2020-
291801586>. Acesso em: 10 abr 2021.
180
Segundo Cardoso (1997, p.17), “A história da reforma agrária, no Brasil, é uma história
de oportunidades perdidas”, e foi, provavelmente, no Governo Lula a grande oportunidade
perdida do início do século XXI de Reforma Agrária popular ampla, combatendo os latifúndios
e promovendo justiça social. A morosidade na criação de assentamentos rurais, a inflação dos
números, adicionando dados de reconhecimento de terras de períodos anteriores e a lentidão
para criação de infraestrutura e implantação de políticas públicas, marcaram os governos
petistas de 2003 a 2016.
Entre as poucas conquistas, as frações do território, nelas, o campesinato desdobra-se
diante das condições desfavoráveis para conservar sua condição enquanto classe social,
mantendo sua base, entendidas aqui pela tríade família, trabalho e terra (SHANIN,1983)
(PAULINO, ALMEIDA, 2010). Estas condições acabam forçando os camponeses a optarem
por diferentes relações econômicas, sociais e políticas, muitas delas contraditórias ao
campesinato.
A ordem moral do campesinato (WOORTMANN, 1990), principalmente do patriarca
em garantir as condições mínimas de reprodução da sua família, o faz aceitar relações
conscientemente desiguais ou contraditórias. Diferentemente de uma empresa agrícola, o
objetivo do campesinato não é o lucro, mas satisfazer as necessidades básicas da sua família.
Sendo assim:
La unidad doméstica campesina se caracteriza por uma casi total integraciónde
la vida de la família y su explotación agrícola. La família suministra el trabajo
necessário mientras que las atividades agrícolas se orientan, principalmente, a
la producción suficiente para satisfacer sus necessidades básicas y los tributos
impuestos por los poseedores del poder económico y político. (SHANIN,
1983, p.54).
e não há uma forma simplista para descrever isso. (SHANIN, 2008, p. 25).
(Grifo nosso).
A luta pela terra no Brasil precede a formulação da política de Reforma Agrária. Isso
porque o campesinato brasileiro origina-se historicamente na exclusão do acesso à terra no
processo reprodutivo dos latifúndios desde o período colonial. Segundo Almeida (2006),
diferentemente do que ocorreu na Europa, o campesinato brasileiro se originou dentro da
exploração colonial latifundiária, no qual os brancos livres e pobres se dedicavam à produção
de alimentos (ALMEIDA, 2006). Segundo a autora:
Assim, diferentemente do camponês europeu, o campesinato brasileiro
tradicional foi concebido às margens do sistema escravista-latifundiário-
exportador. A ele não foi dado o direito à terra, restando a posse como
alternativa. No entanto, a concessão da sesmaria tinha precedência legal sobre
a terra dos posseiros, cabendo ao fazendeiro decidir sobre sua permanência ou
não na situação de agregado. (ALMEIDA, 2006, p. 104).
De acordo com Martins (1981), o camponês era duplamente excluído, pois não era
proprietário de terras, mas também não estava na condição de escravo. Desta maneira, o
trabalhador livre e produtor de alimentos em pequenas posses ou mesmo no interior do
latifúndio, com a anuência do proprietário, possibilitaram a formação do camponês brasileiro.
Portanto, o campesinato brasileiro se originou da contradição da reprodução do latifúndio, de
acordo com Martins (1981, p. 35), “Com isso, os direitos que viviam como agregados só eram
reconhecidos como extensão dos direitos do fazendeiro, como concessão deste, como questão
privada e não como questão pública”. A reprodução camponesa ocorre sem o domínio da terra.
Martins acrescenta:
Mas não somente os agregados constituíam o campesinato da época. Também
havia os posseiros e os sitiantes. Ambos às vezes se confundiam, porque a
condição de posseiro dizia respeito à relação jurídica com a terra, quando o
camponês tinha a posse, mas não tinha o domínio. (MARTINS, 1981, p. 35).
183
A primeira legislação de Reforma Agrária foi promulgada em 1964, por meio da Lei
4.504, do Estatuto da Terra, em um contexto de forte pressão popular, sobretudo externa
(OLIVEIRA, 2007). Sob a égide da Reforma Agrária, o Estatuto da Terra atendeu aos interesses
185
Contudo, “Em 1985 com a implantação do plano, passou a ocorrer forte luta entre a
UDR (União Democrática Ruralista), o governo Sarney e os camponeses sem-terra, posseiros,
etc. O objetivo da UDR foi a inviabilização da implantação do I PNRA.” (OLIVEIRA, 2007,
p.124). Portanto, a UDR atuou diretamente na não efetivação da Reforma Agrária e, de acordo
com (STEDILE, 2005), na Constituinte em 1987, a temática sofreu retrocessos em relação ao
Estatuto da Terra, consolidando a aliança terra-capital.
A força política da UDR inviabilizou a efetivação do I PNRA e acabou por ser extinto
com a eleição do Governo Collor (PRN), em 1990. Graziano Neto (1991), relata a política como
principal adversária na execução do PNRA: “Argumenta-se que a composição de forças que
elegeu Tancredo/Sarney não permitia jamais uma profunda revisão da estrutura agrária”. (p.18).
É mister reconhecer na década de 1980, a organização dos camponeses materializada
no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), ampliando a luta pela terra no país
por meio de novas estratégias. A ocupação de terra se tornou a principal ação dos movimentos
socioterritoriais atuais na luta pela conquista de frações do território. Como defende Fernandes
(1999), a ocupação é uma forma de materialização da luta de classes. Portanto, “A ocupação é
um processo socioespacial e político complexo que precisa ser entendido como forma de luta
popular de resistência do campesinato, para sua recriação e criação.” (FERNANDES, 1999, p.
270). Assim a figura 13, demonstra-se o número de ocupações de terras por ano e ao longo dos
mandatos dos últimos governos federais no Brasil.
186
Com a eleição de Luís Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), em
2003, a perspectiva de avanço nas pautas sociais e populares e o possível diálogo com os
movimentos socioterritoriais refletiram na redução das ocupações de terras (NARDOQUE;
MELO; KUDLAVICZ, 2018). A expectativa da conquista da terra e a implementação de
políticas sociais de combate à pobreza, como Fome Zero e Bolsa Escola transformados em
Bolsa Família, também refletiram na redução das ações dos movimentos.
Naquele contexto, iniciou-se a elaboração do II Plano Nacional de Reforma Agrária (II
PNRA) com o auxílio de intelectuais, como Plínio de Arruda Sampaio (OLIVEIRA, 2007).
Segundo Ramos Filho (2008), “A proposta ficou conhecida como Plano Plínio e estipulou,
dentre outras metas, o assentamento de um milhão de novas famílias em áreas de reforma
agrária”. (p.226).
A participação dos movimentos socioterritoriais, em especial o MST, foi fundamental
na pressão pela Reforma Agrária. O arrefecimento da luta direta por meio das ocupações, nos
últimos anos, explica-se, em parte, pelo alinhamento político do MST aos governos do PT e
pelo mencionado aumento da qualidade vida resultante das políticas sociais implantadas
naquele período (NARDOQUE, KUDLAVICZ, MELO, 2018). Portanto, a luta de classes e a
questão agrária brasileira saíram do âmbito das políticas reformistas do país e foram realocadas
idelogicamente e dentro do Estado como questões sociais de combate à pobreza.
187
Fonte: CEDOC Dom Tomás Balduíno 2020, DATALUTA 2020. (Organização do autor).
Os anseios dos camponeses e movimentos socioterritoriais pelo acesso à terra, por meio
de uma política pública de Reforma Agrária efetiva, não se concretizaram durante os governos
de Lula. Entretanto, apesar da cumplicidade do MST em não realizar ocupações diante da não
reforma agrária do Partido dos Trabalhadores, a luta pela terra, em especial os conflitos por
188
terra continuam a crescer como aponta os dados97 do CEDOC Dom Tomás Balduíno (2021),
onde mesmo diante da pandemia de Covid-19 houveram 1.608 conflitos por terra envolvendo
17.1968 famílias. Desta maneira, a luta pela terra e o engajamento dos camponeses em
movimentos socioterritoriais continuam sendo a principal estratégia de pressão política dentro
do Estado brasileiro para realização da Reforma Agrária.
Isso decorre porque a meta estabelecida no II Plano Nacional Reforma Agrária (II
PNRA), criado em 2003, de assentar 400 mil famílias não foi alcançada (OLIVEIRA, 2007). O
autor ainda desnuda os dados apresentados pelo governo naquele período, indicando que fora
acrescentado aos números de famílias assentadas, dados sobre a regularização fundiária de
assentamentos criados em anos anteriores. Portanto:
Em 2004, o procedimento não foi diferente, foram divulgados no total 81.254
famílias assentadas. Novamente, o número total escondia, portanto, a
incapacidade do MDA/INCRA em cumprir as metas que eles mesmos
colocaram no II PNRA. Desagregando o dado total, foram realizados 26.130
novos assentamentos – Meta 01; 9.657 regularizações fundiárias, Meta 02; e
45.467 referentes às demais Metas, as reordenações fundiárias. Logo, o
governo deixou de cumprir novamente a Meta de 2004, que era de 115 mil
famílias, e a diferença foi de 105.343 famílias, ou seja, cumpriu apenas 8,4%
dela. (OLIVEIRA, 2007, p. 165).
Além de uma política não efetiva, nos dois mandatos do Governo Lula (2003-2006;
2007-2010), deu continuidade a estratégia de acesso à terra por meio da compra, criando-se o
Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF). Este governo foi marcado pelo forte apoio
97
Conflitos no campo: Brasil 2020. Centro de documentação Dom Tomás Balduíno, Goiânia: CPT Nacional
2021.
189
financeiro ao chamado agronegócio com recordes de investimento dos planos safras. Segundo
Nardoque (2018), o Governo Lula (PT) tentou promover a “paz” no campo realizando uma
Reforma Agrária sem conflitos de classe. Sendo assim:
No Governo Lula, partindo-se da premissa de o Partido dos Trabalhadores não
vislumbrar na reforma agrária um projeto nacional de distribuição de riqueza
e na tentativa de se estabelecer a governabilidade, fez-se o ‘pacto de
coalização’ com os capitalistas e latifundiários, além de cooptação dos
movimentos socioterritoriais, sobretudo o MST. (NARDOQUE, 2018, p.256).
O gráfico (figura 14) demonstra, entre os anos de 1995 e 2006, os assentamentos criados
justamente pela ação dos movimentos socioterritoriais em evidenciar a necessidade do acesso
à terra e pressionarem os representantes do Estado brasileiro. Pode-se considerar o pequeno
avanço da Reforma Agrária no Brasil como resultado da intensa luta popular.
Entretanto, a partir de 2007, houve redução significativa, chegando a apenas 28
assentamentos criados em 2016. Esta paralisação explica-se, segundo Nardoque (2008), pela
conjuntura nacional do alinhamento dos governos petistas em tentar conciliar latifundiários,
burgueses e camponeses, interrompendo a criação de assentamentos, mas aumentando políticas
190
e programas sociais para a cidade e o campo. Nota-se, a partir do segundo mandato do Governo
Lula, a intensificação ou criação de programas destinados à agricultura camponesa, dentre eles:
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e Programa de Aquisição de Alimentos
(PAA) (NARDOQUE; MELO; KUDLAVICZ, 2018) e (NARDOQUE, 2018).
Em síntese, os números apresentados no gráfico revelam que a Reforma Agrária no
Brasil nunca foi um projeto do Estado, mas sim produto da mediação de classes necessária entre
ruralistas e a luta dos camponeses e da luta popular. Nesta mediação, ocorrem por dentro do
Estado tentativas de esvaziar esta política, como a implantação da Reforma Agrária de Mercado
(Programa Nacional de Crédito Fundiário, por exemplo) e a escassez de recursos para os
assentamentos.
agropecuária (Plano Safra). Segundo os dados apresentado pelo MAPA98, o volume de recursos
disponíveis para financiar a agricultura capitalista saltou de 27,1 bilhões, no Plano Safra
2013/2014, para 187,7 bilhões de reais, no Plano Safra de 2015/2016.
Os dados obtidos junto ao INCRA e organizados pelo DATALUTA (tabela 9), apontam
a realização da renda da terra na Reforma Agrária. Dos 4.131 assentamentos criados entre 2003
e 2017, 48% (1.998) foram de áreas obtidas por meio da desapropriação e 6% (255) por meio
da compra. Além disso, os dados da tabela 9 confirmam a crítica de Oliveira (2007) sobre a
inflação dos números da Reforma Agrária no Governo Lula, revelando que 21% dos
assentamentos “criados” foram na realidade apenas reconhecidos pelo Governo Federal.
98
Informações disponíveis em:<https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/politica-agricola/todas-
publicacoes-de-politica-agricola/plano-agricola-pecuario>. Acesso em: 8 nov. 2020.
99
Publicação pode ser acessada
em:<https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File/Politica_Agraria/7incraLivroBrancodasSuperindenizacoes.pdf>.
Acesso em: 29 out 2020.
192
A estratégia do BIRD influenciou diversas políticas no Brasil, parte delas iniciadas por
meio desta “nova” perspectiva foi direcionada às classes, dentre elas, os camponeses. Como
consequência, as políticas voltadas para o campo mascaram a extrema desigualdade de acesso
à terra por meio de políticas compensatórias de geração de renda. Dentro desta estratégia, houve
o esvaziamento da Reforma Agrária e a tentativa de sua substituição por programas de acesso
à terra por meio da compra, reafirmando a perspectiva burguesa e latifundiária do Estado
brasileiro, protegendo a propriedade capitalista da terra.
Como observou Carvalho (2003), durante o governo FHC a contra-Reforma Agrária
no Brasil não representou a ruptura com os grandes proprietários de terras, mas, sim, a criação,
mesmo que por pressão social, de assentamentos rurais. Segundo o autor, “A contra-reforma
agrária tem como objetivo estratégico submeter os desejos e aspirações de reforma agrária dos
194
trabalhadores rurais sem terra aos interesses de classe dos setores dominantes no campo.”
(CARVALHO, 2003, p. 14).
O ataque à Reforma Agrária, nos sucessivos governos, foi acompanhado do irrestrito
apoio à agricultura capitalista com aumento do financiamento público e à regularização, por
meio de medidas provisórias, das grandes áreas devolutas apropriadas pelo agronegócio. Desta
forma, é preciso reconhecer no interior do Estado brasileiro os interesses classistas que
controlam o desejo popular pela Reforma Agrária e promovem a reprodução ampliada do
capital e do latifúndio
A situação geral tornou-se mais problemática com a eleição de Jair Bolsonaro (Eleito
pelo PSL e, atualmente, sem partido), pois a Reforma Agrária sofreu a maior retração da
história, com apenas 3 assentamentos criados em todo o país no ano de 2019 (FERNANDES et
al., 2020).
Contrário à política de Reforma Agrária, o Governo Bolsonaro avançou no seu
desmonte, minguando os recursos para seu funcionamento. Desta maneira:
O desmantelamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA) tem ocorrido por meio de atos normativos com interrupções de
processos desapropriatórios, redução do orçamento e diversas medidas
administrativas como a nomeação de pessoas que são contra a reforma agrária.
(FERNANDES et al., 2020, p. 7).
A agenda política desse governo, sobre o campo brasileiro, propõe em diversas vertentes
e ações a hegemonia do agronegócio e o avanço da grilagem sobre terras públicas e, ao mesmo
tempo, paralisa a Reforma Agrária e a demarcação de terras indígenas (SAUER, LEITE,
TUBINO, 2020). Nesse sentido, como afirma alentejano (2020), o Governo Bolsonaro
representa a contra-Reforma Agrária em marcha acelerada priorizando o agronegócio e
estimulando a violência contra os movimentos e povos indígenas e quilombolas.
O gráfico (figura 15), elaborado pela organização não governamental (ONG) Terra de
Direitos para Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), sobre a
paralisação da Reforma Agrária e protocolado junto ao Superior Tribunal Federal (STF),
explicita a queda de recursos empenhados para a aquisição de terras para tal política, entre 2014
e outubro de 2020. A redução orçamentária e intensa dinâmica fundiária no país, como
apresentada no capítulo 3, acabam por inviabilizar da política no país.
Respondendo ADPF, a alta cúpula do INCRA apresentou ao STF informações que
confirmam a completa redução do orçamento da autarquia para aquisição de terras. Além disso,
195
R$ 600.000.000
R$ 500.000.000
423.893.109
R$ 400.000.000
R$ 300.000.000
220.613.903
R$ 200.000.000
140.420.560
R$ 100.000.000
38.669.896
21.105.291 2.200.500
R$ 0
2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
Despesa Empenhada
100
Informação disponível em:<https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/02/governo-bolsonaro-admite-ao-stf-
paralisia-da-reforma-agraria-com-acumulo-de-diferentes-recordes-negativos.shtml>. Acesso em: 08 mai 2021.
101
Informação disponível em:
<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=1E6A2925CBDB010144508B8A3
D9E3115.proposicoesWebExterno2?codteor=1764681&filename=Tramitacao-RIC+344/2019>. Acesso em: 10
nov. 2020.
196
426 processos, totalizando 897,4 mil hectares paralisados pela falta de recursos. Há ainda casos
mais absurdos apresentados pelo INCRA, segundo o requerimento, existem 187 processos com
ações ajuizadas e com valores indenizatórios depositados, mas que ainda não houve a imissão
da posse do imóvel. Assim, são 187 imóveis vistoriados e com indenização102 paga (renda da
terra) aos proprietários, mas que a criação dos assentamentos foi paralisada. São 321 mil
hectares distribuídos por todo o país (mapa 9)103 parados durante anos aguardando a imissão de
posse ao INCRA para serem destinados à Reforma Agrária.
O entrave ocorre, sobretudo, por ações judiciais impetradas pelos proprietários
reivindicando revisão do valor de indenização pela terra ou pelas benfeitorias feitas no imóvel
e até mesmo a desapropriação em si. Segundo Feliciano (2009), “O processo de ação
reivindicatória gira em torno exclusivamente quanto a eventual direito de indenização por
benfeitorias, por parte dos fazendeiros-grileiros.” (p.447). Se arrastando por anos, os litígios
entre INCRA e proprietários travam a criação de assentamentos. De acordo com Cirne (2012),
mesmo a Lei Complementar 76/1993, garantindo a imissão de posse obedecendo ao rito
processual e ainda respeitando o direito ao contraditório, a interpretação jurídica não a
contempla. Portanto:
Apesar do artigo 6°, inciso I, da Lei Complementar nº 76, de1993, ser
categórico quanto ao deferimento da imissão na posse no bojo da ação de
desapropriação para fins de reforma agrária, como se verá, não é essa a posição
albergada pela doutrina e pela jurisprudência do STJ. Em ambos há a
formação de um entendimento que nega o deferimento da imissão liminar da
posse ou imputa o dispositivo como inconstitucional. (CIRNE, 2012, p. 155).
Assim, como apresentado no mapa 9, há 321 mil hectares distribuídos em 187 imóveis
localizados, principalmente, nas regiões Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste aguardando o fim da
disputa judicial para se tornarem assentamentos rurais.
102
Títulos da Dívida Agrária
103
Este mapa foi elaborado em parceria com a Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), pelos movimentos socioterritoriais do campo junto ao
Superior Tribunal Federal (STF), em Brasília em dezembro de 2020.
197
Nas contradições da política de Reforma Agrária e sua não efetiva realização no Brasil,
os camponeses persistem na luta pela terra engajados ou não em movimentos socioterritoriais.
Por conta disso, há o constante estado de confronto com proprietários fundiários, como
demonstram os dados da CEDOC Dom Tomás Balduino (CPT), sobre os conflitos por terra,
abrangendo camponeses, trabalhadores, posseiros, indígenas e quilombolas. Os números
apontam o crescimento de conflitos por terra nos últimos 10 anos (2009-2018), saindo de 854
conflitos, em 2009, e atingindo 1.124, no ano de 2018. Assim, a luta camponesa continua por
uma política pública ampla.
Diante do contexto geral, o campesinato brasileiro, originado a partir da exclusão do
acesso à terra, é combativo e protagonista das principais lutas políticas no país. A persistência
em lutar por meio de ocupações e manifestações tem sido, na atualidade, as principais ações
políticas em pressionar o Estado a realizar desapropriações para instalação de assentamentos
rurais. Como resultado, frações do território são conquistadas.
A luta pela terra de trabalho e vida, nos municípios estudados, possui ações distintas,
pois parte está engajada em movimentos socioterritoriais e outras são fruto da necessidade
individual ou coletiva quase que instintiva.
A ocupação de terra, como ação fundamental no processo de territorialização
camponesa, é registrada pelo do Banco de Dados da Luta pela Terra (DATALUTA). Em seus
dados históricos (1988-2018), há registros, no Parque das Emas (GO), de 34 ocupações de
199
Este tipo de condição não pode ser romantizado ou compreendido como apenas uma
estratégia de recriação camponesa oriunda da criatividade dos sujeitos. O uso das faixas de
domínio, como local de produção camponesa, é o retrato da questão agrária brasileira e da
necessidade de democratização do acesso à terra. Portanto:
Produzir a margem da estrada evidenciou uma faceta concreta da questão
agrária brasileira que é a concentração fundiária, a qual deixa a margem uma
população ansiosa por terra e trabalho. O domínio do capital representado pelo
latifúndio improdutivo ou pela grande fazenda do agronegócio exportador
produziu feições geográficas no território que também podem ser
exemplificadas pelas ações políticas dos movimentos sociais
(ocupações/acampamentos, marchas e romarias), bem como por uma
população pobre que produz a beiradas rodovias. Essa produção de beira de
estrada é uma forma de ser e estar no território, de reproduzir-se
socialmente a partir daquilo que faz parte da sua tradição, que é produzir
alimento, culminando em uma forma de resistência a expropriação e uma
estratégia de sobrevivência, mesmo se esses sujeitos não estejam
104
Informação obtida por meio de trabalho de campo. No entanto, os dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT)
contabilizam apenas três acampamentos.
200
105
Entrevista concedida em 25 de fevereiro de 2020, na casa do camponês em Paranaíba (MS).
202
106
Cumpre elucidar o erro crasso do INCRA ao criar o Assentamento Chico Moleque no município de Santa Rita
do Araguaia (GO) quando deveria ser realizado o reconhecimento da terra tradicionalmente quilombola. Este erro
altera os números reais da Reforma Agrária. Sobre o assunto, Oliveira (2007) afirma que, contraditoriamente, o
governo com apelo popular não avançou na política de reforma agrária, inflando os números por meio de
reconhecimento e limitando as ações do INCRA passando a ser denominada de “Não Reforma Agrária”.
107
Adiante será apresentado o contexto de criação do PA Rio Paraiso em Jataí (GO) e do PA Serra em Paranaíba
(MS), assentamentos da política de Reforma Agrária mais antigos no Parque das Emas (GO) e no Bolsão (MS)
respectivamente.
203
2006 e 2007 a 2010), no Parque das Emas (GO), teve o maior número de assentamentos rurais
instalados, nove.
O PA Serra foi o primeiro assentamento a ser criado no Bolsão (MS), no ano de 1997.
Os demais assentamentos foram instituídos a partir da década de 2000. Durante o Governo Lula
(PT), foram instalados quatro assentamentos, destacando-se os PAs Canoas e São Joaquim, com
capacidade para mais de 180 famílias cada.
Parque das Emas (GO) e Bolsão (MS): Assentamentos rurais criados (1989 a
2019)
Capacidade
Município Nome Área de Famílias Ano de Criação
Território Rural Parque das Emas (GO)
Chapadao do Céu PA Pratinha 1.477,44 40 1998
PA Rio Paraíso 5.565,09 176 1989
PA Santa Rita 961,201 23 1998
PA Rio Claro 639,6084 17 2001
PA Terra e Liberdade 2.926,80 162 2007
PA Nossa Senhora de
Guadalupe 1.367,33 85 2007
PA Romulos Souza
Jatai Pereira 2.041,36 61 2007
PA Serra das Araras 1.342,60 45 2005
PA Formiguinha 1.414,74 20 2005
Mineiros PA Pouso Alegre 375,409 17 2006
PA Lagoa Do Bonfim 2.139,62 63 1998
Perolândia PA Três Pontes 1.873,95 43 2000
Santa Rita do Araguaia PA Dois Saltos 968,0804 19 2007
Total 13 23.093,24 771
108
Para saber mais sobre o assunto, indica-se: LUIZ, Luana Fernanda. Questão Agrária, Programa Nacional de
Crédito Fundiário e Desdobramentos para o Campesinato na Microrregião de Três Lagoas (MS). Três Lagoas:
2020. 341 f. Dissertação (Mestrado)- Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Três Lagoas, 2020.
205
109
Não foi possível registrar ou localizar fotografias dos distritos de Indaiá do Sul em Cassilândia (MS) e Alto
Santana em Paranaíba (MS).
206
local, como no caso de São Pedro, em Inocência (MS), com mais de 120 anos, onde,
tradicionalmente, é celebrada a “Festa de Nossa Senhora da Abadia”.
Parque das Emas (GO) e Bolsão (MS): Vista parcial dos distritos rurais
A dinâmica destas vilas tem sido alterada por mudanças na agricultura capitalista que
as circundam, pois, os pequenos sítios estão sendo incorporados por grandes propriedades
rurais, reduzindo a população residente. Contraditoriamente, as mesmas empresas que cercam
as vilas são fonte de renda para parte da população, pois geram algum tipo de emprego
assalariado.
As mudanças implicam diretamente no número de alunos nas escolas no campo,
sobretudo de assentamentos de Reforma Agrária, de sitiantes e, também, filhos de trabalhadores
rurais de fazendas próximas. Nesse contexto, a evasão dos alunos é alta devido à mudança dos
trabalhadores para outras fazendas e da migração dos camponeses para a cidade. Como indica
o trabalho de Lemes (2014), analisando a evasão escolar no distrito de Garcias, em Três Lagoas
(MS), o seu entrevistado afirma:
Porque é o seguinte, a região toda era gado, aí com essa fase do eucalipto as
fazendas foram vendidas ou arrendadas pro eucalipto. Então não teve a
necessidade de os pais terem as famílias nas fazendas mais, e foram embora
pra cidade, então diminuiu as crianças e as famílias nas fazendas. (LEMES,
2014, p.141).
110
Informações obtidas por meio de trabalho de campo no município de Paranaíba (MS), quando em entrevista
concedia, em 13 de setembro de 2016, a Miesceslau Kudlavicz, Edevaldo Aparecido Souza e Danilo Souza Melo,
o morador narrou a formação dos sítios.
111
Informações obtidas em trabalho de campo realizado no município de Paranaíba (MS) em dezembro de 2016.
208
112
Considerada aqui como vila rural, trata-se, neste caso, do distrito de Naveslândia em Jataí (GO).
209
Mapa 10 –Parque das e Emas (GO) e Bolsão (MS): Assentamentos de Reforma Agrária e Crédito Fundiário (2020)
211
113
Informações obtidas em trabalho de campo realizado no Assentamento Rio Paraiso em junho de 2017.
213
pesquisa realizada, foram identificados seis tipos de produtores, quais sejam: produtor de grãos;
produtor de grãos e de leite; rentista; rentista e produtor de leite; produtor de grãos e
arrendatário, e produtor de leite e de gado de corte” (MACHADO, 2009, p.7).
Influenciando e influenciada pelas mudanças dos assentados, a Coparpa passou a atuar
na negociação de grãos (soja) produzidos no PA Rio Paraiso com grandes integradoras
regionais, como a Cooperativa Agroindustrial dos Produtores Rurais do Sudoeste Goiano
(COMIGO). A expansão da soja, por meio de arrendamentos ou investimento dos novos
proprietários, simboliza a mudança dentro do assentamento, diferente do campesinato
empobrecido apresentado até aqui, pois os novos proprietários adquiriram/investiram na
compra de um lote de Reforma Agrária com objetivo de inserção no mercado a partir dos ideais
produtivos alinhados ao agronegócio.
No final da década de 1990 outros assentamentos foram criados no atual Parque das
Emas (GO). Em 1998, foram três assentamentos rurais, PA Pratinha e Santa Rita em Jataí (GO)
e Lagoa do Bonfim em Perolândia (GO). No início dos anos 2000, mais dois assentamentos
foram criados: PA Três Pontes e PA Rio Claro em Jataí (GO).
Durante os Governos Lula expandiram-se as políticas públicas para a Reforma Agrária,
promovendo a criação de sete assentamentos: PA Serra das Araras, PA Formiguinha e PA
Pouso Alegre em Mineiros (GO); PA Terra e Liberdade, PA Nossa Senhora de Guadalupe e PA
Romulos Souza Pereira em Jataí (GO); PA Dois Saltos em Santa Rita do Araguaia (GO).
No Bolsão (MS), o primeiro assentamento de Reforma Agrária a ser criado foi o PA
Serra, em Paranaíba (MS), no ano de 1997. O assentamento originou-se a partir da venda da
propriedade Planalto da Velhacaria ao INCRA (DE PAULA FERREIRA e SILVA, 2017),
confirmando o interesse latifundiário na política de Reforma Agrária como meio para realização
da renda da terra. Desta forma, foram assentadas 116 famílias, que se dedicam à produção de
hortaliças e leite. Cabe destacar, a produção de maracujá no assentamento, resultado da parceria
com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) que capacitou 17 famílias para o
início do projeto.
Durante o trabalho de campo114, em junho de 2016, a produção de maracujá apresentava
bons resultados, a polpa da fruta era extraída e embalada pelos próprios assentados (Figura 21)
possibilitando o aumento do preço do produto final. O Projeto atraiu mais famílias e, segundo
as informações em campo, havia aproximadamente 10 mil pés de maracujá em todo o
114
Informações concedidas a Danilo Souza Melo, Mieceslau Kudlavicz, Edevaldo Aparecido Souza e Patrícia
Tozzo no PA Serra em Paranaíba (MS) no dia 1 de junho de 2016.
214
115
Disponível em: <https://www.terra.com.br/noticias/brasil/em-greve-servidores-do-incra-e-do-ministerio-do-
desenvolvimento-agrario-protestam-distribuindo-
alimentos,43dedc840f0da310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html>. Acesso em: 7 fev. 2020.
215
116
O Ministério Público Federal de Goiás denunciou o então Superintendente Regional do INCRA do estado por
desvios de recursos financeiros ocorridos entre os anos de 2001 a 2003. Disponível
em:<http://www.mpf.mp.br/go/sala-de-imprensa/noticias-go/mpf-go-denuncia-desvio-de-recursos-financeiros-
do-incra>. Acesso em: 7 fev 2020.
117
Em 2010, o Ministério Público Federal em Dourados (MS) e a Polícia Federal de Naviraí realizaram a
“Operação Tellus” que desvendou esquemas de corrupção na política de Reforma Agrária do estado de MS, que
envolvia funcionários do INCRA. Disponível em:<http://www.mpf.mp.br/ms/sala-de-imprensa/noticias-
ms/operacao-201ctellus201d-quatro-servidores-do-incra-sao-condenados-por-venda-de-lotes-da-reforma-
agraria>. Acesso em: 7 fev 2020.
118
Informação disponível em:< https://mpf.jusbrasil.com.br/noticias/402398051/mpf-ms-consegue-bloqueio-de-
r-55-milhoes-de-envolvidos-em-irregularidades-em-assentamento>. Acesso em> 16 abr 2021.
216
Manchete Jornal Correio do Estado: Incra cria em Sidrolândia mais uma “favela”
rural no Estado
119
Informação noticiada pelo Jornal do Povo de Três Lagoas. Disponível
em:<https://www.jpnews.com.br/selviria/incra-encontra-irregularidades-em-976-lotes-de-assentamentos-do-
bolsao/73880/>. Acesso em: 9 fev. 2020.
217
A fala pelo entrevistado B revela o sonho realizado pelo camponês. Portanto, não se
argumenta pelo fim da política de Reforma Agrária, mas sim por sua ampliação na criação e
estruturação dos assentamentos. Os dados do último Censo Demográfico (IBGE, 2010),
contribuem para a compreensão do contexto socioeconômico do campesinato nas áreas
estudadas, pois se pode constatar população envelhecida e com renda média de um salário
mínimo, R$510,00 (Quinhentos e dez reais)121 à época. Os microdados distribuídos por setores
censitários permitem a visualização detalhada das informações sobre o campo na área estudada.
120
Entrevista realizada em janeiro de 2018 no lote do camponês assentado no município de Jataí (MS)
121
Atualmente (2020), o valor do salário mínimo é de R$ 1.045,00 (Mil e quarenta e cinco reais).
218
122
Evento realizado em agosto de 2016 na comunidade rural Tamandaré em Paranaíba (MS). O evento foi
organizado pelo Núcleo de Extensão e Desenvolvimento Territorial (NEDET), do Território Rural do Bolsão (MS),
vinculado à Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), campus de Três Lagoas (MS), em parceria com
a Prefeitura Municipal de Paranaíba (MS).
220
Mapa 10 –Parque das e Emas (GO) e Bolsão (MS): População residente e renda média por setor censitário (2010)
221
É certo que o campesinato estudado nesta pesquisa se caracteriza por uma população
envelhecida, pobre e cercada pelos monocultivos em grandes propriedades rurais. Além disso,
é preciso ressaltar a já indicada morosidade na implantação de programas e políticas para os
assentados de Reforma Agrária. Toda essa conjuntura é utilizada para críticas maldosas, como
a analogia de “favela rural” ou argumento advogando para o fim desta política agrária ou de
sua não necessidade. Utilizam-se do argumento que grande parte da população rural migrou
para as cidades, eliminando a necessidade de redistribuição de terras. O tom pessimista sobre
tal política pública, vem acompanhado pelo argumento e elogio da suposta alta produtividade
do agronegócio brasileiro.
No entanto, o discurso da produtividade do agronegócio versus a Reforma Agrária deixa
brechas para contra argumentar, com simples comparações entre assentamentos rurais e
agricultura capitalista. O trabalho de Mitidiero Junior et al. (2017), esmiuçando o Censo
Agropecuário de 2006, é claro em demonstrar que o campesinato brasileiro é responsável pela
produção de mais de 70% dos alimentos presentes no país. Esta comparação, aliada aos
constantes investimentos do Estado agricultura capitalista e abandono do campesinato, reafirma
a importância da Reforma Agrária no Brasil.
Nesse sentido, a tabela 11 apresenta dados do Censo Agropecuário sobre a produção
dividida entre pequenos e grandes estabelecimentos, em 2016. É importante ressaltar que a
tabela está organizada entre pequenos e grandes estabelecimentos excluindo os dados
relacionados aos com tamanho médio.
A tabela 11 evidencia que a produção de alimentos se concentra nos estabelecimentos
com tamanho até 200 hectares, como feijão preto (30%), feijão fradinho (88,9%), batata inglesa
(55,4%) e milho (57%). Por outro lado, a agricultura capitalista (acima de 1.000 ha) concentra
a produção de algodão (91,9%), soja (49,9%) e cana-de-açúcar (65,7%).
Além do gado bovino leiteiro, constatou-se em campo a criação de frangos e porcos que,
além do consumo familiar, são vendidos informalmente e, portanto, não aparecem nas
estatísticas de renda das famílias.
O cultivo de hortaliças também necessita de investimentos inciais dos camponeses, além
de braços para atenderem ao processo de produção. As feiras e os programas governamentais,
sobretuto o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) nacional e municipal e o Programa
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) são os principais destinos da produção, mas há casos
de venda direta para supermercados e indústrias, como no caso da Eldorado Brasil e da Suzano
em Três Lagoas.
Os programas destinados à comercialização de produtos oriundos da agricultura
camponesa ganharam relevância no Governo Lula (PT). Destaca-se o Programa de Aquisição
de Alimentos (PAA) pela compra de produtos oriundos da agricultura familiar camponesa e
realiza a doação simultânea para pessoas em vulnerabilidade social (COCA, 2016). Criado em
2003, o PAA se tornou importante programa de combate à fome no Brasil e, ao mesmo tempo,
um canal de comercialização para a agricultura familiar camponesa. Portanto:
[...] o Programa compra alimentos produzidos pela agricultura familiar, com
dispensa de licitação, e os destina às pessoas em situação de insegurança
alimentar e nutricional e àquelas atendidas pela rede socioassistencial e pelos
equipamentos públicos de alimentação e nutrição. O PAA também contribui
para a constituição de estoques públicos de alimentos produzidos por
224
[...] que desde de 2013 tem ocorrido uma diminuição nos recursos destinados
a essa política pública. Conforme a Conab (2016), nos últimos cinco anos, o
Governo Federal reservou os seguintes valores ao PAA: R$ 451.036,204,
2011; R$ 586.567,131, em 2012; R$ 224.517,124, em 2013; R$ 338.004,942,
em 2014 e R$ 287.515,216, em 2015. Dentre os fatores que contribuem para
isso, dois merecem destaque: i) a mudança nos critérios de fiscalização dessa
política pública desde 2012) o contingenciamento de gastos pelo qual o Brasil
tem passado desde 2014.
Os fatores de redução dos recursos apontados por Coca (2016), somados à ruptura
política no Brasil, via Golpe de 2016, paralisaram o PAA, como demonstrado na figura 24. O
PAA, criado em 2003, apresenta um crescimento no valor formalizado até o ano de 2014; a
partir de 2016 há uma grande queda nos valores executados pelo programa chegando a sua
quase extinção em 2019.
R$285.683.595
R$300.000.000
R$268.632.691
R$241.079.417
R$250.000.000
R$150.000.000
R$96.568.750
R$100.000.000
R$55.431.240
R$50.000.000 R$31.254.642
R$0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
Brasil
O PNAE foi reformulado, durante o segundo mandato do Governo Lula, pela Lei
11.947/2009, estabelecendo a compra de, pelo menos, 30% da alimentação escolar pública
oriunda da agricultura familiar camponesa. Os agricultores familiares camponeses passaram a
participar deste programa por meio de chamadas públicas. No período de 2003 a 2015, houve
crescimento dos investimentos neste programa, saindo de R$ 954 milhões (Novecentos e
cinquenta e quatro milhões de reais) investidos, no ano de 2003, e chegando a R$ 3,759 bilhões
(Três bilhões, setecentos e cinquenta e nove milhões de reais), em 2015 (FNDE, 2017).
Apesar de o MDA afirmar que “O PNAE é uma importante ferramenta na garantia de
segurança alimentar e nutricional, bem como para o desenvolvimento local” (MDA, 2013, p.
27), as experiências em trabalhos de campo revelam o caráter competitivo na cotação do preço
dos alimentos instaurado pela chamada pública, provocando a disputa entre agricultores
camponeses de outras regiões com os agricultores locais.
Nas entrevistas, os camponeses relatam dificuldades com o programa, entre elas os
pedidos esporádicos e em pouco volume realizados pelas escolas, destoando completamente
dos ciclos naturais da agricultura camponesa. Nesse sentido, as hortaliças, por possuírem um
ciclo produtivo regular durante o ano, são grande parte da produção entregue ao PNAE.
No assentamento 20 de Março, em Três Lagoas (MS), há camponeses que dedicam
grande parte do lote para a produção de hortaliças, como demonstrado na figura 25.
226
Além do leite e das hortaliças, o campesinato no Parque das Emas (GO) e no Bolsão
(MS) produz mel, poupa de frutas e pequenos animais, como galinhas, frangos e porcos. Há
ainda a indústria doméstica de biscoitos e doces (figura 26), como no PA Rômulo Pereira, em
Jataí (GO), onde camponesas ampliam a renda familiar comercializando biscoitos de polvilho
no PNAE municipal.
Portanto, apesar dos índices do IBGE registrarem baixa renda (prancha, mapa 10, pg.
220), o campesinato não deve ser mensurado apenas quantitativamente pela renda em dinheiro,
pois se observa que parte da produção nos assentamentos destina-se ao autoconsumo das
famílias em seus lotes. O consumo familiar, não calculado nas pesquisas oficiais, garante, em
parte, a reprodução social da família, sendo assim, fundamental na dinâmica da recriação
camponesa.
Por outro lado, há a geração de renda por meio de feiras, mercado informal e políticas
públicas. Créditos e apoio à circulação e comercialização da produção camponesa, mesmo que
limitados, são importantes para o campesinato na área estudada.
123
Entrevista realizada 11 de maio de 2018 no assentamento Rômulo Pereira, em Jataí (GO).
228
No Parque das Emas (GO) e Bolsão (MS) o Programa de Aquisição de Alimentos teve
o maior volume de recursos aplicados entre 2013 e 2015, sofrendo retração a partir de 2016 no
contexto pós-golpe já argumentado anteriormente. Assim, a figura 27 revela como esta política
pública foi praticamente extinta nos últimos cinco anos.
No ano de 2020 os números apresentam um tímido crescimento proporcionado pela
reformulação desta política no Governo Bolsonaro. Segundo a Companhia Nacional de
Abastecimento (CONAB)124, o PAA em 2020 recebeu o aporte de 220 milhões de reais para
novos projetos, funcionando principalmente na modalidade Institucional onde instituições
públicas como o Exército brasileiro125 passaram a se tornar os principais compradores dentro
da política.
R$1.920.109
R$2.500.000
R$2.000.000
R$1.143.947
R$1.500.000
R$669.530
R$512.992
R$490.420
R$434.700
R$1.000.000
R$372.746
R$366.467
R$288.000
R$284.561
R$263.099
R$194.275
R$152.000
R$134.700
R$115.200
R$112.000
R$91.940
R$73.352
R$72.000
R$500.000
R$0
R$0
R$0
R$0
124
Informação disponível em: <https://www.conab.gov.br/ultimas-noticias/3339-paa-tem-previsao-de-aporte-de-
r-220-milhoes-para-projetos-com-doacao-simultanea>. Acesso em: 28 abr. 2021.
125
Informação obtida em trabalho de campo na Superintendência Federal de Agricultura no estado de Mato Grosso
do Sul – SFA/MS no município de Campo Grande (MS) em 19 de dezembro de 2019.
229
O PNAE foi reformulado durante o segundo mandato do Governo Lula pela Lei
11.947/2009, estabelecendo a compra de pelo menos 30% da alimentação escolar pública
oriunda da agricultura camponesa. Os camponeses passaram a participar deste programa por
meio de chamadas públicas. No período de 2003 a 2015, houve crescimento dos investimentos
neste programa, saindo de R$ 954 milhões (Novecentos e cinquenta e quatro milhões de reais)
investidos, no ano de 2003, e chegando a R$ 3,759 bilhões (Três bilhões, setecentos e cinquenta
e nove milhões de reais), em 2015 (FNDE, 2017).
Apesar de o MDA afirmar que “O Pnae é uma importante ferramenta na garantia de
segurança alimentar e nutricional, bem como para o desenvolvimento local” (MDA, 2013, p.
27), as experiências em trabalhos de campo revelam o caráter competitivo na cotação do preço
dos alimentos instaurado pela chamada pública, provocando a disputa entre agricultores
camponeses de outras regiões com os agricultores locais. Em campo, os camponeses relatam
dificuldades com o programa, entre elas os pedidos esporádicos e em pouco volume realizados
pelas escolas destoando completamente dos ciclos naturais da agricultura camponesa.
A figura 28 apresenta a dinâmica dos recursos empenhados no PNAE para a agricultura
camponesa no Parque das Emas (GO) e Bolsão (MS) entre os anos de 2011 a 2017. Observa-se
que os recursos aumentam gradativamente até o ano de 2016, e reduzem a partir de 2017 após
os cortes governamentais. Cabe destacar, que junto a redução dos recursos para o PNAE, houve
230
R$1.629.715,79
R$1.600.000,00
R$1.400.000,00
Valores em Reais (R$)
R$1.200.000,00
R$1.000.000,00
R$800.000,00
R$600.000,00
R$400.000,00
R$109.157,37
R$200.000,00 R$91.047,71
R$-
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
126
Atualmente para acessar informações sobre o PNAE é preciso utilizar Sistema de Gestão de Prestação de Contas
– SIGPC e filtrar todos os pagamentos realizados pelos municípios até chegar as ordens bancarias destinadas ao
programa, feito isso, novamente é preciso observar e destacar os pagamentos feitos aos camponeses ou
associações. Dessa forma, o fim da alimentação de um banco de dados exclusivos dificulta consideravelmente o
acesso à informação sobre o programa.
231
O Pronaf, em sua forma inicial, promovia a gestão coletiva de seus projetos por meio da
constituição de conselhos gestores (OLIVEIRA; CLEMENTE, 2012). A formação destes
conselhos proporcionava a interação e discussão do chamado desenvolvimento territorial.
Assim, para participar do PRONAF Infraestrutura e Serviços, o município deveria ser
selecionado pelo Conselho Estadual do PRONAF e suas ações deveriam ser gestadas pelo
Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural (HESPANHOL, 2010). Assim, o PRONAF
Infraestrutura e Serviços “[...] pode ser caracterizado como um primeiro ensaio de política
pública territorial rural no país”. (ORTEGA, 2017, p.32).
Atualmente, o PRONAF se divide em linhas de financiamento: Custeio, Investimento,
Microcrédito Rural, Agroecologia, Mulher, Eco, Agroindústria, Semiárido, Jovem, Floresta,
Custeio e Comercialização de Agroindústrias Familiares e Cota-Parte. Estas linhas permitem o
financiamento desde hortas agroecológicas até a construção de agroindústrias.
Todavia, apesar das linhas de crédito serem voltadas para a agricultura camponesa, o
trabalho de Paula, Montenegro Gómez e Tracz (2017) aponta para o teor neoliberal do
PRONAF que estimula a inserção dos camponeses do Estado do Paraná na produção de
232
do Taboado (MS), 61 contratos; e destaque para Inocência (MS), com 226 contratos, totalizando
mais de 10 milhões de reais em crédito.
Parque das Emas (GO) e Bolsão (MS): PRONAF - Quantidade e Valor dos
Contratos (2015 -2020)
Parque das Emas (GO)
Quantidade Valor (R$)
Aparecida do Rio Doce 30 R$ 924.709,45
Aporé 69 R$ 2.284.600,23
Chapadão do Céu 179 R$ 7.331.284,31
Jataí 308 R$13.544.985,35
Mineiros 37 R$1.315.526,43
Perolândia 132 R$6.649.656,14
Portelândia 205 R$9.231.658,12
Santa Rita do Araguaia 95 R$2.097.902,89
Serranópolis 18 R$1.246.364,42
Total 1.073 R$ 44.626.687,34
Bolsão (MS)
Quantidade Valor (R$)
Água Clara 16 R$1.294.708,42
Aparecida do Taboado 61 R$2.365.572,18
Cassilândia 168 R$6.752.162,46
Chapadão do Sul 45 R$1.445.234,08
Inocência 226 R$10.404.636,95
Paranaíba 272 R$11.920.859,71
Selvíria 53 R$1.279.199,17
Três Lagoas 167 R$5.523.363,53
Total 1.008 R$40.985.736,50
Fonte: Banco Central do Brasil, 2021. Organizado pelo autor.
Os assentamentos rurais no Parque das Emas (GO), por serem mais estruturados,
obtiveram acompanhamento maior do INCRA, como comprovado entre os assentados
entrevistados que acessaram os recursos do Pronaf ou tinham documentação necessária para
tanto. A Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), importante documento, necessário para
acesso ao programa, é o indicativo de adesão dos camponeses. Os dados do Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento, do ano de 2019, sobre o número de DAPs físicas ativas
no Parque das Emas (GO), apontam que, das 270 DAPs ativas, 100 pertencem a camponeses
234
127
Entrevista realizada em janeiro de 2018 no lote do camponês, no município de Jataí (GO).
128
Entrevista realizada em março de 2019 no lote do camponês, no município de Três Lagoas (MS).
235
Continuando a história, o camponês lembra a chegada dos primeiros recursos por meio
do INCRA, para a construção da casa. Para adquirir mais vacas, o camponês, com 70 anos,
denominando-se analfabeto, não sabia como acessar o PRONAF. Assim, diversas tentativas de
empréstimos em bancos e compras em lojas agropecuárias eram negadas com uma resposta
padrão, o sistema está fora do ar. “Toda vez que eu ia lá [loja agropecuária], o sustema [sistema]
não tá funcionando, uai, as lojas tudo que eu ia. Hoje o sustema tá fora do ar”. (Entrevistado E).
Persistente, e com a ajuda do leite da vaca Bordada e de sua aposentadoria, o camponês
comprou à vista as primeiras vacas (Figura 28). Em homenagem a essa saga, a primeira vaca
comprada foi batizada de “Sustema”, vaca brava e rebelde e símbolo da perseverança e teimosia
camponesa. Posteriormente, o entrevistado conseguiu acessar os recursos do PRONAF e dar
continuidade ao seu sonho.
Destaca-se ainda a peculiaridade camponesa em nomear os animais, demonstrando afeto
e respeito aos mesmos, característica diferente da agricultura capitalista onde os animais
129
Entrevista realizada em maio de 2018 no lote do camponês, no município de Perolândia (GO).
236
possuem apenas identificação numérica. Sobre a campesinidade, Motta (2013) aponta a prática
cultural ligada a classe camponesa em “batizar” as vacas:
Questionado a respeito dos nomes dados às vacas, curiosa foi a resposta da
esposa de Valter: ‘as vacas tem nomes e inclusive são ‘batizadas’’.
Posteriormente foi relatado por um camponês que o ‘batismo’ deve ser feito
com um galho de erva, como a arruda (Ruta graveolens) e a guiné (Petiveria
alliacea L), ‘que não pode pôr no olho senão cega’, afastando assim ‘mal
olhado e carrapato’. (MOTTA, 2013, p. 219).
Posto isto, é importante salientar a persistente e longa luta pela Reforma Agrária em
acampamentos às margens de estradas e a morosidade em arrecadações de terras e criações de
assentamentos, culminando no encontro tardio entre o campesinato e a terra. As críticas feitas
à tal política, de certa maneira, indicam a necessidade de maior empenho do Estado, incluindo
investimentos e reformulações em sua concepção.
No mapa 12, demonstra-se a lentidão da Reforma Agrária por meio dos dados do Censo
Demográfico de 2010, demonstrando a quantidade de idosos (60 anos ou mais) por setor
censitário, ficando explícito nos assentamentos e vilas o grande número de idosos, fator que
interfere diretamente na dinâmica local. Na área goiana estudada, os municípios de Perolândia
(GO) e de Jataí (GO) apresentam números elevados de idosos (acima de 100 pessoas) nos
setores onde estão os assentamentos e a vila Naveslândia.
A mesma situação é constatada no município de Três Lagoas (MS), pois no setor
censitário do Assentamento 20 de Março e do distrito/vila Arapuá, há mais de 100 pessoas com
idade igual ou superior a 60 anos.
238
Mapa 12 –Parque das e Emas (GO) e Bolsão(MS): Número de pessoas com idade igual ou maior que 60 anos (2010)
239
Bolsão (MS)
Aposentadoria Rural 2010 2019
% em Rel. a % em Rel. a
Município Qnt Qnt
Pop. Rural Pop. Rural
Água Clara 126 3% 193 4%
130
Para a realização da estimativa (%) entre o número de aposentadorias e o número da população rural em
2019, utilizou-se dados do IBGE (2020) sobre a projeção da população de cada município.
240
131
Informação obtida via requerimento por meio da Lei de Acesso à informação.
241
132
Entrevista concedida na casa do assentado, no assentamento Guadalupe em Jataí (GO) em novembro de 2018.
242
filhos e netos ao lote devido a crises financeiras e a falta de emprego nas cidades, além da
sazonalidade do emprego nas fazendas, sobretudo de soja. A garantia de condições mínimas
ofertadas pela família camponesa e de sua propriedade fazem do lote um ponto seguro para
filhos e netos em momentos de crise. O desemprego ou a remuneração, semelhante às atividades
desempenhadas no campo, provocam a reunião dos familiares.
Em suma, a dinâmica familiar camponesa de aumento ou diminuição de seus membros
causa impacto direto na quantidade de trabalho e de geração de renda. Não se trata de uma visão
estritamente economicista, porém o trabalho familiar é considerado aqui um dos elementos
centrais da classe camponesa. No mesmo argumento, ressalta-se que a geração de renda para
consumo de produtos não produzidos no lote é essencial na permanência do campesinato,
sobretudo o jovem camponês.
No entanto, cabe lembrar que a lógica camponesa não pressupõe a produção em busca
do lucro, logo a autoexploração (CHAYNOV, 1974) ou produção no lote podem ser reduzidas
em contextos de pouca força de trabalho (crianças) ou envelhecimento sob o respaldo de
programas sociais de transferência de renda ou seguridade social. Tais políticas são
responsáveis, mesmo que momentaneamente, pela manutenção do equilíbrio e reprodução
social de famílias camponesas.
A aposentadoria rural e o Bolsa Família são programas não vinculados diretamente à
agricultura, mas com grande impacto na reprodução desta classe, garantindo-lhe renda mínima
em períodos de crise, bem como trunfo nas diferentes estratégias de produção e venda.
Por outro lado, para Favero (2011), ao estudar o impacto das políticas sociais,
especialmente a aposentadoria e o programa Bolsa Família, no Território de Identidade Bacia
do Jacuípe (BA), descreve que, apesar da transferência de renda garantir maior dinâmica no
Território, os programas caminham no aumento da dependência do campesinato ao Estado.
Com efeito, as atividades produtivas ficariam em segundo plano em virtude da transferência
direta de renda. Nas palavras do autor:
Em síntese, nesse novo contexto, a vida rotina do ‘homem simples’ do TIBJ
se esboça, localiza e escorre exatamente como um espaço-tempo tenso, meio
híbrido, invadindo o conjunto dos sistemas de objetos, de representações e de
ações sociais. O agricultor familiar é cada vez mais transformado em
consumidor do sistema, distanciado da sua produção e conduzido por um
dinheiro da economia pública; ele é envolvido por uma complexa rede de
abordagens que o tornam crescentemente precário, dependente nos âmbitos
econômico, político e social. (FAVERO, 2011, p.624).
As afirmações de Favero (2011), equivocadamente, ignoram a capacidade dos
camponeses de resistirem às crises e de se apropriarem de situações (neste caso políticas sociais)
243
Parque das Emas (GO) e Bolsão (MS): Número de famílias beneficiadas pelo
Bolsa Família em outubro de 2017
Famílias CAD
Município Nome
beneficiadas 77
PA Três Pontes 14 8
Santa Rita do Araguaia PA Dois Saltos 9 6
Total 83 56
Chapadão do Sul PA Aroeira 3 3
Paranaíba PA Serra 20 11
PA Alecrim 13 7
Selviria PA Canoas 36 24
PA São Joaquim 42 25
PA Pontal do Faia 3 4
Três Lagoas
PA Vinte de Março 8
6
Total 125 80
Fonte: INCRA, 2017. Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), 2017. Organização do Autor.
social significou mais avanços mesmo que tardio no reconhecimento do trabalho feminino no
campo. Portanto:
matriarca. Por ser um casal com idade avançada, as atividades produtivas no lote não possuem
a mesma intensidade quando comparados a outros e, desta forma, há o cultivo de hortaliças e
produção do leite. Contando, em entrevista, as mudanças após a conquista da terra, afirma que
a qualidade de vida melhorou, porém a camponesa afirma:
Melhorou assim pela tranquilidade, eu fui criada em fazenda, eu gosto de ar
puro. Mas financeiramente não melhorou, porque aqui o rendimento só é o
leite, mas o leite o laticínio paga muito pouco, 80 centavos. Do que a gente
vive? Vive do meu dinheiro que sou aposentada e do dinheiro de leite só, a
vida é bem apertada aqui. (Entrevistada G).
O casal de camponeses idosos, quando questionados sobre a sucessão familiar na terra,
argumentam que os filhos possuem bons empregos na cidade, mas que os netos vislumbram
desenvolver atividades no lote. Porém, diante da baixa expectativa econômica, a camponesa
afirma que não incentiva a volta do neto para o campo, pois não possui expectativa de produção
suficiente para a permanência do neto: “Vai vir para cá para fazer o que? Ele queria colocar
tanque de peixe. Eu falo para ele não largar o emprego dele lá (na cidade), sítio aqui é para
velho [risos].” (Entrevistada G).
Apesar do tom desmotivado da fala da entrevistada, é preciso olhar com criticidade o
contexto de sua argumentação, principalmente pela liberdade mínima concedida pelo benefício
previdenciário de controlar a autoexploração do trabalho na terra. Assim, o casal com idade
avançada pode controlar e decidir quando e a intensidade que trabalharão.
Em Paranaíba (MS), no Assentamento Serra, situação semelhante foi constatada em uma
família camponesa em que o patriarca passou a receber auxílio-doença pelo Instituto Nacional
de Seguridade Social (INSS) há cinco anos, depois de diagnosticado com problemas na coluna
vertebral. Impossibilitado de trabalhar na roça e nas atividades de gado leiteiro, o patriarca
deixa a cargo da esposa e do filho mais novo as atividades laborais. A família é composta ainda
por mais dois filhos que deixaram o lote para trabalhar e estudar na cidade.
Todavia, neste lote visitado, a sucessão familiar já ocorreu, pois, o patriarca
entrevistado133 é filho do beneficiário da Reforma Agrária: “Eu trabalhava em fazenda e meu
pai pegou isso aqui. Aí, falou que só vinha pra cá (assentamento) se eu viesse, porque ele já
estava de idade. Eu pedi a conta na fazenda e vim pra cá. Ele ficou doente e faleceu e eu fiquei
aí.” (Entrevistado H).
Segundo o entrevistado, em determinado momento no lote, todos os filhos se animaram
em permanecer no campo tendo em vista o sucesso momentâneo da produção de maracujá. No
entanto, os seguidos calotes recebidos por empresas e intermediários determinaram o fim da
133
Entrevista realizada em fevereiro de 2019 no lote do camponês, no município de Paranaíba (MS).
247
produção e a saída dos filhos para a cidade. Atualmente, a renda da família no lote resulta do
cultivo de tomate, repolho e da produção leite que, segundo o entrevistado, “dá para o gasto”.
No período de chuvas, quando ocorria a entrevista, o cultivo das hortaliças e de tomate
estava paralisado e o camponês afirma que, mesmo sem trabalhar no lote, junto a esposa e filho,
é seu auxílio previdenciário que lhes garantia renda naquele momento: “Até agora era [tomate],
mas agora tá parado. Mas agora é só com o acostamento meu [auxílio-doença] que a gente está
se virando mesmo”. (Entrevistado H).
O Assentamento Formiguinha, localizado no município de Mineiros (GO), foi criado no
ano de 2005, após anos de luta dos camponeses. O campesinato por lá está envelhecido, situação
semelhante aos demais assentamentos do Parque das Emas (GO), onde a família camponesa,
em geral, é composta pelos patriarcas, filhos e netos.
O PA Formiguinha está inserido em área com potencial turístico134. O relevo acidentado,
com cachoeiras e outras formações rochosas, como a Serra das Araras, atraem pessoas para o
local. Parte dos assentados encontrou no turismo um meio de renda, servindo refeições, criando
áreas de camping, entre outras atividades. na figura 29, demonstra-se o fundo de um lote onde
o gado leiteiro pasta e ao fundo a Serra das Araras, muito procurada por turistas.
134
A pesquisa de Braz (2020) intitulada “Zoneamento turístico das paisagens para o município de Mineiros
(GO)” apontou o alto potencial turístico da região onde o assentamento está inserido.
135
Entrevista realizada em março de 2018 no lote da camponesa, no município de Mineiros (GO).
248
Não é só turismo, porque a gente não tem estrutura para o turismo, a gente tem
o leite, a galinha, eu faço os doces, essas coisas. Mas o produto principal aqui
é a aposentadoria do meu marido [risos], mas assim, se fosse para sobreviver
daqui, seria o turismo, a agricultura junto com o leite né, mas é muito difícil.
(Entrevistada I).
A afirmação revela como a aposentadoria garante a segurança de manutenção das
condições mínimas de reprodução da família mesmo em um contexto de desenvolvimento de
outras atividades. Essa segurança consiste na consciência do campesinato sobre as incertezas
do mercado e pelas estruturas que subordinam sua produção via monopolização do território.
A produção do leite é um exemplo conhecido de como a variação do preço imposto pelos
laticínios subordinam os camponeses e os fazem aceitar os preços baixos pagos pelo produto.
Ainda no PA Formiguinha, outra família camponesa se articula na produção de leite,
galinha, hortaliças e o trabalho com turismo. Recebendo turistas e vendendo refeições, os
assentados complementam sua renda. Outra atividade destacada é a extração e comercialização
da castanha do Baru (Dipteryx alata), espécie nativa do Cerrado. A extração do fruto no Cerrado
e a quebra da castanha é feita pelo casal de idosos assentados e vendidos em pequenas porções
na cidade de Mineiros (GO). Na figura 30, retrata-se o local de quebra do fruto para extrair a
castanha junto com o facão de lâminagasta pela repetição da atividade.
136
Entrevista realizada em março de 2018 no lote da camponesa, no município de Mineiros (GO).
249
aposentadoria da família para reformar a pequena casa construída com recursos do INCRA e
construir outra na cidade para alugar:
Agora eu falo pra você, o dinheiro da casa saiu em 2008 (Três anos após o
assentamento) deram 15 mil para o material, mas a mão-de-obra é da gente.
Só deu para construir a casa e essa área aqui. Quando a nossa aposentadoria
saiu, ele [marido] aumentou a casa e construiu uma área maior. E eu com o
meu dinheiro [da aposentadoria] eu construí uma casinha na cidade.
(Entrevistada J).
Desta forma, parte dos assentados no Parque das Emas (GO) entraram no circuito
produtivo da soja por meio do PNPB. Mesmo em áreas diminutas dos lotes, a adesão de grande
parte dos camponeses fez com que o cultivo da soja predominasse no assentamento (figura 31).
Casos de produção de soja nos assentamentos Rio Paraiso, Nossa Senhora de Guadalupe e
Romulo Souza Pereira, em Jataí (GO), e Pratinha, em Chapadão do Céu (GO), foram registrados
em trabalho de campo. Essa alternativa, como afirmado anteriormente, demonstra que parte dos
camponeses está inserida na lógica da agricultura capitalista em busca de uma produção que
lhes garanta mais renda que a habitual e garanta sua reprodução social.
Para Ribeiro e Dias (2013), a produção de soja entre os camponeses, em Jataí (GO),
também permeou o campo da identidade dos sujeitos e, nesse sentido, na região, inúmeros
símbolos identitários e festas ligadas ao agronegócio, os camponeses passaram da denominação
popular de “Sem-Terra” para “produtores de soja”.
252
137
Entrevista realizada em dezembro de 2018 no PA Pratinha, em Chapadão do Céu (GO).
253
138
Entrevista realizada em janeiro de 2018 no lote do camponês, no município de Jataí (GO).
254
individualmente por políticos que, obviamente, pertencem a uma classe social ou a representa,
possibilita o estabelecimento de uma perigosa relação de favores entre esses e a população,
sobretudo, os camponeses.
Essas ações explicam, em parte, a manutenção de um mesmo grupo político no Estado
na atualidade, o que sugere sua permanência por meio da relação entre as classes sociais. Assim:
Compreender o Estado como a condensação de uma relação de forças entre
classes tais como elas se expressam, sempre de maneira especifica, no seio do
Estado, significa que o Estado é constituído-dividido de lado a lado pelas
contradições de classe. Isso significa que uma instituição, o Estado, destinado
a reproduzir as divisões de classe, não é, não pode ser jamais, como nas
concepções do Estado-Coisa ou Sujeito, um bloco monolítico sem fissuras,
cuja política se instaura de qualquer maneira a despeito de suas contradições,
mas é ele mesmo dividido. (POULANTZAS, 2015, p.135).
Novamente se faz necessário pensar o Estado e seu caráter burguês e a constante disputa
com outras classes. A intepretação de Poulantzas (2015), do Estado enquanto relação social, dá
indícios para a explicação do caso brasileiro e sua contínua manutenção por meio de amarras
sociais com outras classes, especialmente no campo. Com isso, “O Estado concentra não apenas
a relação de forças entre frações do bloco no poder, mas também a relação de forças entre estas
e as classes dominadas” (POULANTZAS, 2015, p. 143).
A manutenção de oligarquias rurais no Estado ocorre, em parte, por meio da aceitação
da população. Antônio Gramsci (1984) propõe a compreensão do Estado em sua forma
ampliada. Assim, o Estado ampliado é o conjunto formado pela sociedade política e a sociedade
civil. Portanto:
Permanecemos ainda no campo da identificação entre o Estado e o governo,
identificação que é justamente uma representação da forma corporativo-
econômica, isto é, da confusão entre sociedade civil e sociedade política;
porque é preciso notar que a noção de Estado comporta elementos que devem
ser vinculados à sociedade civil (no sentido de Estado = sociedade política +
sociedade civil, isto é, hegemonia encouraçada de coerção. (GRAMSCI, 1984,
p.149).
Com isso, a figura do “coronel” ou “doutor” ganha força nos locais mais pobres por
meio das trocas de favores e se estabelece como representante e “benfeitor” do povo. Na
atualidade, as emendas parlamentares mantêm a velha relação do coronelismo, como apontado
por Leal (1976), principalmente pela necessidade não suprida pelas políticas públicas para
agricultura camponesa. Para o autor, analisando outro contexto, mas pouco alterado atualmente,
afirma:
A lista dos favores não se esgota com os de ordem pessoal. É sabido que os
serviços públicos do interior são deficientíssimos, porque as municipalidades
não dispõem de recursos para muitas de suas necessidades. Sem o auxílio
financeiro do Estado, dificilmente poderiam empreender as obras mais
necessárias, como estradas, pontes, escolas, hospitais, água, esgotos, energia
elétrica. Nenhum administrador municipal poderia manter por muito tempo a
liderança sem realizar qualquer benefício para sua comuna. (LEAL, 1976,
p.54).
Mato Grosso do Sul recebeu, em 2010, R$14.925.000,00 (Quatorze milhões, novecentos e vinte
e cinco mil reais) para a aquisição de máquinas e equipamentos agrícolas. Ressalta-se que as
emendas podem ser elaboradas por uma bancada de políticos ou individualmente, e ainda
podem ser destinadas a um município específico ou para todo o estado.
400.000.000 381.031.336
369.509.736
Valor em milhões de reais (R$)
350.000.000
300.000.000
266.023.698 266.014.178
250.000.000 233.839.225
200.000.000
150.000.000
113.710.325 119.786.939
100.000.000 83.590.426
O PROINF
[...] operacionalizado pela SDT/MDA, tem contribuído para a qualificação de
processos produtivos e econômicos da agricultura familiar nos Territórios
Rurais. Parcerias com estados e municípios têm apoiado a aquisição de
equipamentos e a construção de infraestrutura para a produção,
beneficiamento, escoamento e comercialização de produtos da agricultura
familiar. Estes resultados posicionam o PROINF como importante
instrumento indutor dos processos de inclusão produtiva, de geração de
trabalho e renda e de autonomia econômica de famílias e empreendimentos da
agricultura familiar nos Territórios Rurais. (MDA, 2014, p.02).
2015 R$ 83.590.426,00
R$ 704.900,00
2014 R$ 369.509.736,40
R$ 3.890.501,75
2013 R$ 381.031.335,80
R$ 2.383.830,00
2012 R$ 266.023.698,00
R$ 1.703.372,59
2011 R$ 113.710.325,00
R$ 2.403.733,39
2010 R$ 8.017.043,81
R$ 233.839.225,00
Federal Leonardo Vilela (PSDB), com 14 emendas parlamentares. Esses políticos destinaram,
em conjunto, cerca de R$ 291.700.316,00 (Duzentos milhões, setecentos mil, trezentos e
dezesseis reais) para o campo, definindo-os como maiores “apoiadores” da agricultura no
estado. Eles apresentam forte ligação com a agricultura capitalista e, por consequência, suas
ações na política refletem a posição de classe à qual pertencem. Assim, as emendas
parlamentares apresentam, em sua maioria, o título “Apoio ao setor agropecuário”.
A tradicional família Caiado faz parte da História de Goiás, participando do processo
de constituição do atual estado, a qual, entre conflitos com outras oligarquias, ascendeu como
forte grupo político. Amorim (2015) relata o rompimento de anos de lealdade e conchavo
político dos Caiado com a família Bulhões, tornando-se adversários: “[...] constante foi a
disputa entre as duas oligarquias. Nos seguintes processos eleitorais, expressivas foram as
conquistas dos Bulhões, mas eram inevitáveis o fortalecimento e a ascensão dos Caiado como
força política”. (AMORIN, 2015, p.125).
Constantemente presente na política, a família Caiado tem diversas passagens pela
Câmara dos Deputados e pelo Senado, ressaltando-se ainda alguns mandatos no governo de
Goiás. Ronaldo Caiado, atualmente é Governador, mas era membro da Frente Parlamentar
Agropecuária ou Bancada Ruralista, como Senador e foi um dos fundadores da UDR. A ligação
com o campo explica a grande quantidade de emendas aprovadas em nome do ex-Senador atual
Governador de Goiás. Obviamente, as emendas são utilizadas para manter cativo o eleitorado
do campo, estratégia conhecida das oligarquias e apresentada por Leal (1976) e Martins (1994).
Com um curto período na Câmara dos Deputados, 2011 a 2014 e 2015 a 2018, o
Deputado Federal Heuler Cruvinel atuou intensamente na liberação de recursos para o campo,
aprovando 12 emendas parlamentares. Natural de Rio Verde, no Sudoeste Goiano, o Deputado
formou-se em Agronomia e também participou da Frente Parlamentar da Agropecuária.
Tradicionalmente presente na política goiana, a família Vilela também está presente na
história da consolidação do estado de Goiás, em especial da região Sudoeste, participando da
fundação de diversos municípios, como Perolândia e Caiapônia. A fundação dos municípios
resulta do processo de apropriação de terras devolutas do Estado e, posteriormente, vendidas
com o intuito de se apropriar da renda da terra, como apontou o estudo de Nardoque (2006)
sobre a região de Jales (SP).
Este processo é relatado no site139 da prefeitura de Caiapônia/GO, como um ato de
coragem da família Vilela ao deixar Minas Gerais e “desbravar” Goiás. Assim:
139
Disponível em :<https://www.caiaponia.go.gov.br/sobre-o-municipio/nossa-historia/>. Acesso em: 17 ago.
2019.
260
2015 R$ 1.610.000,00
R$ 2.517.555,54
2014 R$ 20.743.125,00
R$ 4.300.159,48
2013 R$ 31.995.088,00
R$ 11.795.522,36
2012 R$ 14.220.000,00
R$ 4.099.966,72
2011 R$ 5.597.500,00
R$ 2.893.765,41
2010 R$ 21.258.750,00
R$ 10.714.399,91
utilizadas para outros fins não indígenas. As ações de Azambuja exemplificam a contradição
da reprodução do latifúndio e recriação camponesa, ao passo que garante a representação dos
interesses do agronegócio no Estado, utiliza-se também desta estrutura social para manter a
hegemonia latifundiária cativando eleitoralmente camponeses da Reforma Agrária por meio
das emendas parlamentares.
O Deputado Federal Fabio Trad (PSD), responsável por aprovar o maior número de
emendas parlamentares para Mato Grosso do Sul, no período estudado, não possui ligações
diretas com a agricultura. No entanto, o mesmo acompanhou a bancada ruralista na votação do
projeto 1876/1999 transformado na Lei 12651/2012, também conhecida como Novo Código
Florestal Brasileiro. Dentre as diversas críticas a essa lei, destaca-se o artigo 59 no qual
estabelece o perdão a todos os proprietários que realizaram desmatamento da vegetação em
Áreas de Preservação Permanente em período anterior ao ano de 2008. Assim:
No período entre a publicação desta Lei e a implantação do PRA em cada
Estado e no Distrito Federal, bem como após a adesão do interessado ao PRA
e enquanto estiver sendo cumprido o termo de compromisso, o proprietário
ou possuidor não poderá ser autuado por infrações cometidas antes de 22
de julho de 2008, relativas à supressão irregular de vegetação em Áreas
de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito (BRASIL,
2012) (Grifo nosso).
Com isso, percebe-se ainda na atualidade a intensa ligação entre proprietários fundiários
e política, definida por Leal (1976) como coronelismo. Deste modo, além do
capitalista/latifundiário fazer parte do Estado e utilizá-lo em benefício próprio (MARX, 1991),
utiliza-se da posição política privilegiada para conceder “favores” à população local com o
objetivo de estabelecer sua força eleitoral. Assim:
O critério mais lógico, sobretudo por suas consequências eleitorais, é dar
preferência aos municípios cujos governos estejam nas mãos dos amigos. É,
pois, a fraqueza financeira dos municípios um fator que contribui,
relevantemente, para manter o ‘coronelismo’, na sua expressão governista.
(LEAL, 1976, p. 35).
A análise feita até aqui, sobre as emendas parlamentares, revela como são utilizadas
para conceder “favores” à população mesmo que seu “benfeitor” faça parte de outra classe
social e suas ações, como Estado no contexto geral, privilegiem sua classe em detrimento do
restante da população. Dentro da perspectiva teórica adotada, as emendas parlamentares são
instrumentos ideológicos que mascaram a conflitualidade existente no campo e aproximam
politicamente representantes do agronegócio e camponeses. Ao mesmo tempo estas ações
consolidam dentro dos assentamentos a hegemonia política latifundiária.
263
Mato Grosso do Sul: Reinaldo Azambuja faz entrega simbólica da chave dos
equipamentos aos prefeitos do estado
Este fato revela quão as políticas públicas atuais são ineficientes e permitem que
capitalistas/latifundiários, transvestidos de Estado, se consolidarem no poder por meio do apoio
popular baseado no clientelismo (MARTINS, 1994), estabelecido na troca (injusta) de favores.
Para Martins (1994):
A sociedade civil não é senão esboço num sistema político em que, de muitos
modos, a sociedade está dominada pelo Estado e foi transformada em
instrumento do Estado. E Estado baseado em relações políticas extremamente
atrasadas, como as do clientelismo e da dominação tradicional de base
patrimonial, do oligarquismo. No Brasil, o atraso é um instrumento de poder.
(MARTINS, 1994, p.13).
140
Disponível em: <http://www.ms.gov.br/maior-entrega-de-equipamentos-da-historia-pelo-governo-beneficia-
agricultura-familiar-de-ms/>. Acesso em: 23 nov. 2018.
264
Para além das políticas públicas e programas voltados para a agricultura camponesa,
existem ações oriundas de empresas privadas do agronegócio nos assentamentos do Bolsão
(MS). Estas ações, de cunho socioambientais, estão diretamente relacionadas a critérios de
financiamento de instituições financeiras (BNDES, por exemplo), certificações para exportação
definidos pela Organização Internacional para Padronização (ISO) e pela legislação ambiental.
A legislação brasileira, por meio do Artigo 225 da Constituição Federal e de seu órgão
regulador, estabeleceram a obrigatoriedade da realização do Estudo de Impacto Ambiental
(EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) para o licenciamento ambiental de
atividades que podem modificar o meio ambiente. Mesmo sendo um instrumento ambiental, o
EIA e o RIMA estabelecem ações que contemplam a sociedade em torno do empreendimento.
Por consequência, na instalação de empreendimentos, como indústrias e agroindústrias, devem-
se realizar ações compensatórias e/ou mitigatórias em seu entorno, como, por exemplo,
comunidades rurais e assentamentos de Reforma Agrária.
Em continuidade, o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), principal
financiador de empreendimentos no Brasil, adota critérios para avaliar e aprovar projetos de
financiamento. Assim, em sua página141, o banco afirma:
Para cumprir seu papel como indutor do desenvolvimento sustentável, o
BNDES dispõe de uma série de mecanismos, que vão desde a análise dos
impactos sociais e ambientais de projetos apoiados financeiramente ao
financiamento a investimentos que gerem benefícios diretos sobre a qualidade
ambiental e a diminuição das desigualdades sociais e regionais no país.
141
Disponível em:<https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/quem-somos/responsabilidade-social-e-
ambiental>. Acesso em: 9 ago. 2018.
265
Desta forma, há uma via de mão dupla nestas certificações, uma vez que os famigerados
selos garantem a idoneidade socioambiental de empreendimentos dos quais os países
desenvolvidos são parceiros. Portanto, há também o interesse do capital internacional em
legitimar a expansão destes projetos, tornando-os cumplices da reprodução do latifúndio por
meio da violência contra indígenas, quilombolas, camponeses e trabalhadores.
Segundo Overbeek (2018):
Uma tática para empresas conseguirem camuflar ilegalidades é buscar
mecanismos que possam atestar a legalidade das suas práticas. O FSC e a
RSPO parecem se encaixar nesta lógica, ainda mais quando certificadoras
acabam prestando um grande serviço à empresa ao atestar a legalidade de seus
documentos fundiários enquanto ignoram por completo denúncias das
comunidades e o trabalho de anos de investigações e ações judiciais movidas
pelas autoridades competentes.
Essa consciência aponta esta “parceria” como uma via contraditória, entre outras, para
a recriação camponesa. O ingresso em projetos e aceite da participação de empresas privadas
no assentamento indica o pragmatismo em reconhecer a velocidade de acesso a recursos
privados e demora em relação aos públicos. A camponesa assentada no PA Pontal do Faia, em
Três Lagoas (MS), aponta142 os benefícios das empresas de celulose e papel (Eldorado e
Fibria/Suzano): “Bom? É ótimo, esse carro nós ganhamos e não pagamos nada, estufa não
pagamos nada, vai vir 30 toneladas de cama de frango, de esterco para as hortas nós não
pagamos nada, nós ganhamos, nós corremos atrás.” (Entrevistada M).
A camponesa continua a explicação indicando a importância dos projetos privados no
assentamento:
Pela Eldorado também, eles compram para fortalecer a gente, porque nós não
temos condições porque é caro. Mas a Fibria também tem parceria com a gente
aqui, só que ela está na outra associação, dos moradores, que engloba as 45
[famílias assentadas]. Ela está fazendo essa parte de pastagem, adubação de
terra, capim, calcarizando, ali [acenando] o piquete, a madeira lá pra fazer o
piquete, ganhamos no final do ano passado [2017]. A gente tem bastante
apoio, graças a Deus. (Entrevistada M).
Em campo foi observado a construção dos currais com materiais doados pela empresa
Fibria/Suzano (figura 36). Em alguns casos, mesmo o camponês não trabalhando com gado
leiteiro, acabou recendo o benefício da empresa. Isso ocorreu tanto pela necessidade da empresa
em realizar o projeto, ignorando as especificidades dos lotes, como também pela compreensão
dos camponeses em receber o projeto visando benefícios futuros.
142
Entrevista realizada em março de 2019 no lote da camponesa, no município de Três Lagoas (MS).
268
Cabe destaque, para além dos projetos produtivos e de assistência técnica, a construção
de um novo prédio (Além de sua ampliação recente) para a Escola Municipal Rural São
Joaquim, no assentamento com mesmo nome, em Selvíria (MS). A escola é muito importante
para os camponeses devido a sua localização, recebendo alunos dos assentamentos Canoas e
Alecrim, além de filhos de trabalhadores e camponeses próximos, possuindo aproximadamente
300 alunos. Até 2015, o antigo prédio (Sede da fazenda) funcionava de dia como escola e à
noite as salas de aula eram utilizadas como dormitório para os professores.
269
Construído pela Eldorado Brasil e inaugurado em 2015, o novo prédio (figura 37)
substituiu as antigas instalações da escola na casa/sede da antiga fazenda desapropriada.
Posteriormente, em 2018, o prédio foi ampliado pela mesma empresa, construindo um novo
bloco com quatro salas e banheiros.
Mesmo sendo uma situação conflitiva, a realidade imediata impõe aos camponeses a
necessidade de trabalhar e aceitar projetos privados como uma forma de resistência diante do
contexto de abandono do Estado ou de, pelo menos, suas poucas ações.
Por outro lado, a relação com políticos fez surgir no Parque das Emas (GO) situações
singulares de participação camponesa na política local, enquanto que no Bolsão (MS) a
apropriação da política dos territórios rurais possibilitou a organização das mulheres
camponesas.
270
que no processo de luta se reconhecem como tal. Assim, “[..] a formação da classe e da
consciência de classe traduz-se em face de um mesmo processo.” (PAULINO, ALMEIDA,
2010, p. 27).
Sobre a formação política, para Fernandes (1999), na ocupação e no acampamento os
camponeses tomam consciência de seus direitos assim como de sua classe social. Cumpre
ressaltar que a pesquisa do autor se baseia nos sujeitos sociais ligados ao MST, com diversas
atividades formativas dos camponeses. Embora os acampamentos tenham durado anos, os
assentamentos do Parque das Emas (GO) e do Bolsão (MS) se originaram de lutas locais
organizadas, principalmente, por sindicatos de trabalhadores rurais e, desta maneira, não houve,
junto aos assentados, atividades diretas de formação política, comuns no MST.
Assim, a formação política dos camponeses assentados ocorre nas lutas do cotidiano.
Como flores brotando no interior do latifúndio e do Estado, a participação política local é uma
das possíveis vias encontradas pelo campesinato para sua recriação.
É importante destacar que já houve no Bolsão (MS) candidatos a vereadores de origem
camponesa ou alinhados com os interesses dos camponeses. Em Selvíra (MS), um filho de
assentados no PA São Joaquim, filiado ao Partido Ecológico Nacional (PEN), atual Patriotas,
foi eleito vereador em 2016. O mesmo teve o nome associado a uma denúncia de corrupção no
fornecimento de materiais para a construção de habitações na Reforma Agrária. Em Chapadão
do Sul (MS), um funcionário público, alinhado à agricultura camponesa e participante das
discussões envolvendo os territórios rurais, foi candidato a vereador em 2016 pelo Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), porém sem sucesso. Em Três Lagoas (MS), uma
camponesa assentada também lançou candidatura nas eleições municipais de 2016 pelo partido
Solidariedade, mas não foi eleita.
Como fato marcante, houve uma grande representação camponesa nas eleições
municipais de 2020, no Parque das Emas (GO), demonstrando a compreensão da importância
de ser/estar no Estado. Segundo o levantamento do Núcleo de Agroecologia e Agricultura
Familiar - NEAF/UFJ, foram 13 candidatos, sete mulheres e seis homens, entre camponeses e
representantes de sindicatos de trabalhadores rurais (quadro 2). Tais candidatos, filiaram-se em
diferentes partidos: Partido Progressista (3), Cidadania (2), Patriota (2), Partido Socialista
Brasileiro (1), Partido Social Democrático (1), Democratas (1), Movimento Democrático
Brasileiro (1), Partido dos Trabalhadores (1) e Partido Social Liberal (1).
Dos 13 candidatos, apenas três foram eleitos, duas mulheres e um homem, todos
oriundos de assentamentos do município de Perolândia (GO), PA Lagoa do Bonfim e PA Três
Pontes. Dos candidatos eleitos, dois são filiados ao Cidadania e um ao Progressista, assim,
272
neste município a representação dos camponeses está associada a partidos de centro e direita143
e que no contexto nacional já se associaram à Frente Parlamentar da Agropecuária e à Bancada
Ruralista144.
Uma das vereadoras eleitas, em Perolândia, contou145 que sua participação ativa no
assentamento junto ao grupo de mulheres e em políticas públicas impulsionou sua candidatura:
Sempre lutando junto com um grupo de mulheres e com vários programas,
como exemplo PAA e PNAE, e em busca de conhecimentos para melhorar a
renda familiar, tomei a decisão em colocar o meu nome à disposição da nossa
comunidade como candidata a vereadora porque sonho que podemos
melhorar. (Entrevistada N).
143
Informação disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/partido-
progressista-pp>. Acesso em: 4 mai. 2021.
144
Informação disponível em: <https://revistagloborural.globo.com/Noticias/Politica/noticia/2018/12/novo-lider-
da-bancada-ruralista-quer-eliminar-conflitos-ficticios.html>. Acesso em: 4 mai. 2021.
145
Devido à pandemia do Covid-19, a entrevista foi realizada em 09 de dezembro de 2020, via aplicativo de
mensagens.
146
Informação disponível em: <https://www.camara.leg.br/deputados/204386?ano=2020> Acesso em: 01 de
mai. 2021.
147
Informação disponível em: <https://www.camara.leg.br/deputados/204386/biografia> Acesso em: 1 mai.
2021.
273
Sim, é de grande importância onde a agricultura família luta pelos seus direitos
e busca também resolver as irregularidades que tem nos assentamentos que se
não tiver ninguém que tem conhecimentos dos problemas e vive a realidade
nada será resolvido. (Entrevistada N).
Agora, como representante dos anseios dos camponeses, a vereadora aponta problemas
que espera resolver como parte do Estado, entre os problemas estão objetivos alinhados ao
Governo Bolsonaro como a titulação dos assentamentos:
Lutarei para dar continuidade nos projetos, como por exemplo titulação dos
assentamentos, melhorar a renda familiar, principalmente das mulheres
agricultoras e jovens. Temos um grande problema, a falta de água, então
lutarei para a implantação de poços artesianos para os dois assentamentos do
nosso município e, também, dando suporte para o grupo do Território.
(Entrevistada N).
foram criadas câmaras temáticas (comitês) de mulheres e jovens em 2016, além do Comitê de
Povos Tradicionais (Pescadores), do Núcleo Diretivo e Técnico.
Inicialmente, em 2016, a criação do Comitê de Mulheres Camponesas no Território
Rural do Bolsão (MS) possibilitou a busca por recursos do Apoio a Projetos de Infraestrutura e
Serviços em Territórios Rurais (PROINF), aprovando-se o projeto de construção de um
barracão para entreposto de produtos hortifrutigranjeiros a fim de atender aos assentamentos do
município de Três Lagoas (MS) (BORZONE, 2018).
Embora o objetivo de criação do Comitê de Mulheres tenha sido inicialmente o de
acesso a recursos do PROINF, a organização das camponesas e a possibilidade de encontros
regulares garantiram a ampliação da socialização e debate entre as assentadas no Bolsão (MS).
Desde a criação do Comitê de Mulheres, em 2016, foram realizados oito eventos públicos
objetivando reunir camponesas de todo Bolsão (MS) para discutir questões relacionadas a
gênero, saúde, políticas públicas e violência. Os encontros (figura 38) tornaram-se grandes
eventos para a agricultura camponesa do Bolsão (MS) atraindo participantes ligados à
universidade e até mesmo à política local. Mesmo o fim do programa dos territórios rurais em
2016, os encontros continuaram a ser organizados pelas camponesas e com ajuda da
universidade e prefeituras locais, contraditoriamente as camponesas também buscaram apoio
financeiro com as indústrias de celulose e papel territorializadas.
O primeiro Encontro de Mulheres Camponesas, em 18 de março de 2016, teve a
participação de 400 pessoas no municipio de Paranaíba (MS). O segundo encontro ocorreu no
mesmo ano, em 26 de outrubro, no Assentamento Pontal do Faia, em Três Lagoas (MS). Em
11de março de 2017, a terceira edição do Encontro de Mulheres camponesas foi realizado no
Assentamento 20 de Março no município de Selvíria (MS). O quarto encontro aconteceu em 22
de outubro de 2017, no assentamento Canoas em Selvíria (MS). Em 2018, devido à escassez de
recursos, foi realizado apenas um Encontro de Mulheres camponesas no dia 12 de março, o
quinto, na sequência, ocorrera no PA Serra em Paranaíba (MS). No ano de 2019 foram
realizados dois encontros, o primeiro em 16 de março no PA Alecrim em Selvíria (MS), e o
segundo em 26 de outubro no PA Pontal do Faia em Três Lagoas (MS).
Ainda como conclusão, Valério (2019) entende que o movimento (circulação) dos
alimentos tempo objetivo a obtenção de lucros máximos para atravessadores e empresas, e não
a qualidade ou acessibilidade dos alimentos para as pessoas. No Parque das Emas (GO) e Bolsão
278
(MS) o contexto de expansão do cultivo da soja e eucalipto demonstrado no mapa 6 (p. 137)
podem também afetar a soberania alimentar.
Nesse sentido, a agroecologia se apresenta como modelo contra hegemônico a
agricultura capitalista imposta no Parque das Emas (GO) e Bolsão (MS). Os saberes tradicionais
do campesinato relacionados a agricultura, não se baseiam no uso de agroquímicos nem formas
desiguais de trabalho. No entanto, a agroecologia, é entendida nesta pesquisa para além de
técnicas produtivas e respeito à natureza, sendo composta também por valores relativos a
relações sociais justas.
Especificamente no Bolsão (MS) marcado pelo latifúndio e pela recente territorialização
do complexo de celulose e papel, o campesinato conquista fragmentos do território por meio da
produção de alimentos saudáveis, apresentando para a sociedade um caminho alternativo, a
agroecologia:
Não obstante, esses camponeses não desistiram de produzir na terra e, mais,
produzem de forma mais equilibrada, se afastando do uso de agrotóxicos e
adubos químicos em direção à agroecologia. Atualmente, no PA Vinte de
Março há 21 pessoas trabalhando com produtos de base agroecológica.
(PAULINO; MOREIRA, ALMEIDA, 2018, p. 4).
148
Informação obtida junto a coordenadora do projeto Prof. Dra. Rosemeire A. de Almeida.
149
Projeto nomeado de: Núcleo de Estudo em Agroecologia e Produção Orgânica: dinamização da agricultura
familiar no Território Rural do Bolsão-MS” (CNPq, 2017-2020).
280
A busca por autonomia camponesa em um país marcado pela contra reforma agrária e
pela hegemonia latifundiária dentro do Estado provoca a universidade a pensar sobre o
campesinato no Brasil. No Bolsão (MS), o laboratório de Geoagrária da UFMS coordenado
pela Prof. Dra. Rosemeire Almeida e pelo professor Dr. Sedeval Nardoque passou a pesquisar
e a atuar por meio de projetos de extensão sobre a temática da agroecologia. Entre os anos de
2009 e 2021 foram 29 ações em conjunto com os camponeses que perpassam projetos de
pesquisa, extensão e eventos.
Caminho semelhante é percorrido pelo campesinato no Parque das Emas (GO), que
mesmo com o fim do programa dos territórios rurais continuaram realizando plenárias para
discutir estratégias conjuntas em busca de sua recriação. A pauta das plenárias além de discutir
as políticas públicas também permeiam a valorização da produção camponesa de alimentos.
Nesse sentido, a luta pelo reconhecimento e registro do queijo cabacinha como patrimônio
cultural do estado de Goiás foi uma das principais ações do campesinato organizado como
apresenta a figura 41.
150
Neste formato os camponeses contam com o auxílio técnico da universidade em organizar os pedidos. Além
disto, a feira é contemplada pelo projeto: Agroecologia e Organização do Consumo: feiras e grupos de consumos
em Três Lagoas/MS - online e presencial” (UFMS-PROECE, 2021-2023).
281
151
O queijo cabacinha foi declarado Patrimônio Cultural do estado de Goiás por meio da Lei 20.963. Informação
disponível em:< https://www.agricultura.go.gov.br/comunica%C3%A7%C3%A3o/not%C3%ADcias/3599-
governo-de-goi%C3%A1s-declara-o-queijo-cabacinha-patrim%C3%B4nio-cultural-do-estado.html> Acesso em
29 jul de 2021.
282
expressão de Milton Nascimento “Vai ser, vai ser, vai ter de ser, [...], o brilho cego de paixão e
fé, faca amolada”.
283
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chegar até as considerações finais de uma pesquisa tão longa provoca inúmeros
sentimentos, dentre eles, felicidade e alívio, pelos obstáculos e desafios atravessados dentro do
campo cientifico como também no contexto político. Durante os 36 meses de doutoramento, a
pesquisa/pesquisador testemunharam a ascensão do discurso fascista no Brasil que atingiu
também os camponeses e a Reforma Agrária, a greve dos caminhoneiros e crises de
abastecimentos nos municípios e na reta final, uma pandemia.
A busca por compreender, analisar e comprovar a tese da reprodução do latifúndio e
da recriação do campesinato nos territórios rurais Parque das Emas (GO) e Bolsão (MS)
como parte da contradição do desenvolvimento do capitalismo no campo revelou a
atualidade e pertinência desta discussão dentro da Geografia. Assim, ao tecer este último item
da pesquisa, tem-se a convicção que a temática sobre as contradições do desenvolvimento
desigual do capitalismo no campo não está esgotada. Portanto, apesar das conclusões
apresentadas, há um conjunto de indagações sobre a reprodução dos latifúndios e recriação
camponesa que serão levadas adiante como novas preposições de pesquisa.
Os pressupostos teóricos de desenvolvimento desigual, contraditório e combinado do
capitalismo foram fundamentais na construção da tese. Compreender latifúndio e campesinato
como par dialético potencializou a análise, possibilitando compreendê-los como elementos de
dentro do capitalismo e não como resquícios pseudo feudais. Para tanto, se fez necessário
compreender o território como uno, um território capitalista, que carrega em seu interior suas
próprias contradições, dentre elas, frações não-capitalistas. Ao mesmo tempo, o uso dos
territórios rurais como recorte de análise demonstrou como o Estado utiliza de maneira vaga do
conceito para se referir ao conjunto de municípios, que estão inseridos na lógica geral de
reprodução ampliada do capital e refletem suas contradições.
Valendo da dialética e seu materialismo histórico, dados secundários, fatos históricos e,
principalmente, os trabalhos de campo deram materialidade à pesquisa. As contradições do
desenvolvimento do capitalismo, manifestadas nos municípios do Parque das Emas (GO) e do
Bolsão (MS) revelam a trama complexa da relação dialética entre latifúndio e campesinato.
A reprodução do latifúndio passa, necessariamente, pelo desenvolvimento do
capitalismo rentista articulado em diferentes escalas com suporte do Estado. Relacionar o
Estado ao agronegócio e, consequentemente, ao latifúndio se fez necessário para demonstrar a
parcialidade de conjunto de ações classistas que criam o contexto político e jurídico para o
284
rentismo. Mas antes, foi preciso desconstruir o Estado como sujeito, apontando a correlação de
forças das classes sociais manifestadas pelos sujeitos que o compõe.
A importante contribuição de Fernandes (1976) indicou o caminho para compreender
que no Brasil a burguesia e o Estado brasileiro se originaram a partir de uma elite agrária. Nesse
sentido, não há imparcialidade nas ações Estado, e a pesquisa procurou apontar ações que
objetivaram legitimar a apropriação de terras devolutas ou sua posterior legalização
contribuindo na formação de latifúndios. Além disso, a presença latifundiária no Estado
brasileiro vai incidir diretamente na defesa da propriedade capitalista da terra e,
consequentemente, na criminalização de movimentos socioterritoriais e paralisação da política
de Reforma Agrária.
A partir das análises clássicas de Leal (1976) e de Martins (1994), sobre a origem de
uma burguesia latifundiária e o coronelismo no Brasil, foi possível compreender a formação da
política local dos estados de Goiás e Mato Grosso do Sul e as disputas entre elites agrárias para
alcançarem o poder e controle do Estado. Desta forma, famílias proprietárias de terras ou
ligadas diretamente ao agronegócio se perpetuaram na política brasileira a partir da correlação
de forças políticas e econômicas.
Os dados secundários do INCRA e TSE comprovaram a presença na atualidade de
políticos latifundiários ou seus representantes. Nas eleições gerais de 2018, foram eleitos
senadores, governadores e deputados que, segundo os dados, são proprietários de terra por todo
o país, principalmente em regiões com forte presença do agronegócio, como no Cerrado e no
MATOPIBA. A aliança política em torno da propriedade capitalista da terra ultrapassa as
delimitações partidárias, congregando diferentes siglas no que se reconhece como Bancada
Ruralista.
Na escala local, foi identificada a relação entre política e latifúndio. Primeiramente, na
contínua presença de famílias latifundiárias no Estado alternando-se entre prefeituras e governo
estadual. Por conseguinte, os dados do TSE, sobre as eleições de 2016, demonstraram que parte
dos prefeitos eleitos declaram profissões correlatas ao agronegócio, como agropecuarista,
agricultor entre outros. No aprofundamento da análise, as declarações feitas pelos candidatos
revelaram que considerável parte eram proprietários rurais.
Mais surpreendentes foram as informações sobre doações às campanhas nas eleições
gerais em 2014 e em 2016. Estes dados confirmaram o interesse de capitalistas/latifundiários
ligados a empresas do agronegócio territorializados no Parque das Emas (GO) e no Bolsão (MS)
na política estadual. Assim, foram identificadas doações de agroindústrias produtoras de açúcar
e etanol para sete políticos entre senadores, governadores e deputados, feitos no estado de
285
Goiás, enquanto em Mato Grosso do Sul foram 18 campanhas financiadas por agroindústrias
produtoras de celulose e papel e açúcar e etanol.
A estrutura política organicamente associada ao agronegócio e latifúndio representa um
dos principais entraves à recriação camponesa no Brasil. Logo, as poucas conquistas revertidas
em políticas públicas originaram-se por meio da luta direta do campesinato. Assim, indaga-se
se a partir da hegemonia latifundiária no Estado podem surgir políticas públicas efetivas e
emancipatória para os camponeses.
Do lado contrário, a formação e reprodução dos latifúndios no Brasil seguiram lógica
contrária ao desenvolvimento capitalista nos países centrais. A renda da terra é compreendida
como um elemento necessário à produção e reprodução ampliada do capital no Brasil e mundial.
Assim, o capitalismo rentista brasileiro uniu duas classes sociais distintas, capitalistas e
latifundiários em um único sujeito, colocando o latifúndio como fenômeno oriundo do próprio
capitalismo.
Desta forma, o desenvolvimento da agricultura capitalista não atuou no desaparecimento
dos latifúndios, pelo contrário, resultou em sua reprodução e, consequentemente, na
concentração fundiária. Por meio dos dados do IBGE e INCRA, foi demonstrado como o
latifúndio é característica marcante do campo brasileiro, existindo na atualidade imóveis rurais
com tamanhos próximos a um milhão de hectares. Portanto, há um processo constante de
concentração fundiária e reprodução dos latifúndios no Brasil.
Nesta perspectiva, as ações do Estado brasileiro, hegemonicamente controlado por
latifundiários e capitalistas, revelaram os interesses classistas em não coibir a existência de
imóveis com tamanhos exorbitantes e retirando do texto da legislação única definição de
latifúndio. A invisibilidade legislativa permite a plena consolidação destes imóveis e os protege
de qualquer política de democratização de acesso à terra.
Nesse sentido, o exercício de mapeamento dos imóveis rurais, por meio dos dados do
SIGEF, indicou a massiva presença de latifúndios por todo o país, especialmente nos estados
de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Amazonas e Bahia. Foi revelado ainda a existência de
imóveis com tamanho superior a 600 vezes o módulo fiscal de seus munícipios estabelecidos
pelo Estatuto da Terra para definir latifúndio por extensão e, consequentemente, área prioritária
para Reforma Agrária.
No interior da reprodução dos latifúndios nos territórios rurais estudados, foram
identificados capitalistas latifundiários, ou seja, sujeitos ligados a outros setores da economia,
mas encontraram na propriedade da terra a oportunidade de um lucro extraordinário, a renda da
terra. Capitalistas em busca de renda territorial, sojicultores, agroindústrias de cana de açúcar
286
Todavia, é preciso compreender a Reforma Agrária para além de uma política redistributivista
de terras. Reforma Agrária deve ser considerada como uma política de classe de combate ao
capitalismo rentista desenvolvido no Brasil que consolidou hegemonicamente a força
econômica e política de proprietários de terras e capitalistas.
As forças latifundiárias hegemônicas no Estado promoveram a contra Reforma Agrária
a partir de medidas que bloquearam tal política pública, ao mesmo tempo que privilegiavam o
agronegócio com subsídios creditícios. Os governos do Partido dos Trabalhadores são
exemplos desta relação que, na tentativa de conciliar classes antagônicas (capitalistas
latifundiários e camponeses), beneficiaram o agronegócio e tentou amenizar a luta camponesa
por terra por meio de políticas de transferência de renda.
Os reduzidos números da Reforma Agrária, pelo não cumprimento sequer das metas,
como o II PNRA, refletem o atual contexto pessimista para os camponeses. O sucateamento do
INCRA, com a redução orçamentária, impossibilita seu pleno funcionamento bem como a
obtenção de terras para a Reforma Agrária. A desapropriação, como principal forma de
realização desta política, enfrenta longas batalhas judiciais, são 321 mil hectares em disputas
que atravessam décadas aguardando o seu desfecho final.
Pós-golpe democrático em 2016 contra Dilma Rousseff (PT), a política de Reforma
Agrária foi paralisada, sobretudo no governo de Jair Bolsonaro (sem partido) havendo assim
uma não Reforma Agraria.
Por outro lado, a dinâmica do mercado de terras, sobretudo em áreas de pleno
desenvolvimento do agronegócio, como no Cerrado, o elevado preço de terras inviabiliza a
compra para a Reforma Agrária. Contraditoriamente, a Reforma Agrária é uma grande
oportunidade para latifundiários realizarem a renda, vendendo para o Estado terras
menos produtivas.
A paralisação e o bloqueio da Reforma Agrária atualmente, como principal forma de
acesso à terra no Brasil, não impendem a conquista de pequenas frações do território às margens
dos latifúndios como constatado nas áreas estudadas. O campesinato, enquanto classe social,
encontra, por meio da luta ou estratégias não convencionais, formas de acessar à terra, como
nas faixas comuns das rodovias ou em áreas abandonadas pelo agronegócio.
Por outro lado, valendo-se de políticas públicas, as brechas, na contradição, os
camponeses encontram estratégicas de reprodução social. Uma delas vale-se do perfil etário
encontrado nos assentamentos estudados: o campesinato constituído por população idosa e de
baixa renda. Estas características são determinantes nas estratégias adotadas pelo campesinato
para sua recriação. Constatou-se, primeiramente, o uso criativo de políticas previdenciárias,
288
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