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Desenvolvimento rural e políticas territoriais: evidências

no nordeste brasileiro é uma obra que aborda as


transformações ocorridas no espaço rural de diferentes
realidades do Nordeste brasileiro, com destaque para os
estados de Alagoas, Sergipe e Bahia. É fruto de
pesquisas que vêm sendo desenvolvidas por
professores da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (UESB) e da Universidade Federal de Sergipe

Desenvolvimento rural e políticas territoriais:


(UFS). Temas como agricultura familiar, políticas

evidências no Nordeste brasileiro


territoriais, conflitos entre a agricultura familiar e
eucaliptocultura, movimento ambientalista e seu Desenvolvimento rural e políticas territoriais:
entrelaçamento com as atividades agrícolas,
metamorfoses socioambientais em espaços rurais, são
evidências no Nordeste brasileiro
abordados pelos autores, em uma análise geográfica
consistente dos espaços estudados.

Espedito Maia Lima


(Organizador)

Espedito Maia Lima


(Organizador)
ISBN 978-85-7985-107-0

Espedito Maia Lima


9 788579 851070 (Organizador)
DESENVOLVIMENTO RURAL E
POLÍTICAS TERRITORIAIS:
EVIDÊNCIAS NO NORDESTE BRASILEIRO
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA

Reitor
Paulo Roberto Pinto Santos

Vice-Reitor
Fábio Félix Ferreira

Pró-Reitora de Extensão e Assuntos Comunitários


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Diretora da Edições UESB


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Tipologia: Garamond 11/15/papel Offset Imune 80g/m²
Em fevereiro de 2017.
Espedito Maia Lima
(Organizador)

DESENVOLVIMENTO RURAL E
POLÍTICAS TERRITORIAIS:
EVIDÊNCIAS NO NORDESTE BRASILEIRO

Vitória da Conquista – BA
2017
Copyright © 2017 by Organizador.
Todos os direitos desta edição são reservados a Edições Uesb.
A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte,
constitui violação de direitos autorais (Lei 9.610/98).

D486 Desenvolvimento rural e políticas territoriais: evidências no nordeste


brasileiro/Espedito Maia Lima (Org.).-- Vitória da Conquista: Edições
UESB, 2017.

175p. il.

Livro selecionado pelo Edital FAPESB nº 024/2014 - Apoio à publicação


científica e tecnológica.
Inclui referências.

ISBN 978-85-7985-107-0

1. Agricultura familiar – Nordeste. 2. Política territorial. 3.


Desenvolvimento Rural – Atividades agrícolas. I. Lima, Espedito Maia. II.
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. III. T.

CDD: 338.10981

Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890 – Biblioteca Universitária


Professor Antonio de Moura Pereira UESB – Campus de Vitória da Conquista.

Campus Universitário – Caixa Postal 95


Fone/fax: 77 3424-8716 Estrada do Bem-Querer, s/n – Módulo da Biblioteca, 1° andar
Cep. 45031-900 – Vitória da Conquista-BA
www.uesb.br/editora - editorauesb@yahoo.com.br
SUMÁRIO

Sobre os autores...........................................................................................7

Apresentação.................................................................................................9

Capítulo 1 – Agricultura familiar no Brasil: persistência


ou evolução?
Diana Mendonça de Carvalho e José Eloízio da Costa......................................11

Capítulo 2 – Os desafios e contradições da política territorial


no Nordeste e seus rebatimentos no território rural da
bacia leiteira – AL
Josefa Mônica dos Santos, Franklin da Cruz Pereira e Marcelo Alves Mendes....37

Capítulo 3 – Análise das heranças ocasionadas pelas ações


do projeto de desenvolvimento comunitário da
região do rio Gavião – Pró-Gavião
Fernanda Viana de Alcantara e Rafael Carvalho Santos.................................59

Capítulo 4 – Eucaliptocultura e a agricultura familiar –


prevendo impactos: o caso do Planalto da Conquista – BA
Edvaldo Oliveira...............................................................................................83
Capítulo 5 – Atividades agrícolas e movimento ambientalista
Meirilane Rodrigues Maia..............................................................................109

Capítulo 6 – A agropecuária e as metamorfoses


socioambientais no espaço rural dos municípios que
compõem a bacia hidrográfica do rio Catolé – Bahia
Espedito Maia Lima e Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto.....................135

Referências................................................................................................163
SOBRE OS AUTORES

Diana Mendonça de Carvalho


Doutora em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em
Geografia (PPGEO), da Universidade Federal de Sergipe (UFS)
e membro do Grupo de Pesquisa Transformações no Mundo
Rural.

Edvaldo Oliveira
Doutor em Geografia pelo PPGEO/UFS, Professor Adjunto
do Departamento de Geografia (DG), da Universidade Estadual
do Sudoeste da Bahia (UESB). Membro dos Grupos de
Pesquisa Análise Ambiental, Planejamento e Gestão Territorial
(APLAGET), Transformações no Mundo Rural e Geotecnologia
aplicada ao meio ambiente, agricultura e recursos florestais.

Espedito Maia Lima


Doutor em Geografia pelo PPGEO/UFS, Professor Adjunto do
DG/UESB. Membro do Grupo de Pesquisa Análise Ambiental,
Planejamento e Gestão Territorial (APLAGET).

Fernanda Viana de Alcantara


Doutora em Geografia pelo PPGEO/UFS. Doutorado Sanduíche
– CAPES na Universidade de Lisboa. Professora Adjunta do
DG/UESB. Membro dos Grupos de Pesquisa: Transformações
no Mundo Rural e Trabalho, Mobilidade do Trabalho e Relação
Campo-Cidade.
8 Sobre os autores

Franklin da Cruz Pereira


Graduado em Geografia e membro do Grupo de Pesquisa sobre
Dinâmica Rural e Regional (GDRR).

José Eloízio da Costa


Doutor em Geografia e Professor Adjunto II do DGE/PPGEO/
UFS. Membro dos Grupos de Pesquisa Transformações no
Mundo Rural e Dinâmica Rural e Regional (GDRR).

Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto


Doutora em Geografia e Professora Associada do PPGEO/UFS.
Membro dos Grupos de Pesquisa Geoecologia e Planejamento
Territorial (GEOPLAN) e Dinâmica Ambiental e Geomorfologia
(DAGEO).

Josefa Mônica dos Santos


Graduada em Geografia e membro do Grupo de Pesquisa
Dinâmica Rural e Regional (GDRR).

Marcelo Alves Mendes


Doutor em Geografia e Professor Adjunto III do Departamento
de Geografia de Itabaiana (DGEI) da Universidade Federal de
Sergipe (UFS) e líder do Grupo de Pesquisa sobre Dinâmica
Rural e Regional (GDRR).

Meirilane Rodrigues Maia


Doutora em Geografia pelo PPGEO/UFS, Professora Adjunta
do DG/UESB. Membro do Grupo de Pesquisa Análise
Ambiental, Planejamento e Gestão Territorial (APLAGET).

Rafael Carvalho Santos


Especialista em Análise do Espaço Geográfico pela UESB e
mestrando em Geografia pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ).
APRESENTAÇÃO

O livro apresenta uma coletânea de textos que trata da análise das


transformações do espaço rural de áreas representativas do Nordeste
Brasileiro, permeando temas como políticas agrícolas, agricultura familiar,
desenvolvimento territorial e diálogos entre agricultura, meio ambiente
e políticas territoriais.
O Capítulo 1 apresenta uma análise histórica da Agricultura
Familiar no Brasil, discutindo esta categoria e suas nuances no contexto
da formação do espaço rural brasileiro, avaliando a evolução agrária e a
história social de constituição da agricultura familiar atual.
No Capítulo 2 os seus autores avaliam os desafios e contradições
da política territorial no Nordeste Brasileiro, com base em estudos
realizados por eles no território rural da Bacia Leiteira – AL. Aborda
a organização e a gestão social, a partir da criação dos espaços
democráticos deliberativos.
A análise da materialidade territorial das ações do Projeto de
Desenvolvimento Comunitário da Região do Rio Gavião é a temática
desenvolvida no Capítulo 3. Seus autores discutem as políticas públicas
voltadas ao mundo rural, estabelecendo um tratamento histórico de
seu comportamento no Nordeste, contexto em que abordam mais
detidamente o Projeto de Desenvolvimento Comunitário da Região do
Rio Gavião.
10 Espedito Maia Lima

O Capítulo 4 discute a questão da eucaliptocultura no Planalto da


Conquista – Bahia, analisando as suas interfaces com a agricultura familiar
e com a grande empresa de celulose. Avalia a forma como a cultura do
eucalipto se insere na dinâmica do espaço rural desta região em específico,
suas características em termos de sistema de produção e seus impactos
sobre o comportamento do agricultor, além das relações trabalhistas, o
preço da terra, a relação com as demais culturas e o meio ambiente.
O Capítulo 5 discute sobre as atividades agrícolas e o movimento
ambientalista, perpassando a discussão entre agricultura e meio ambiente
numa perspectiva histórica. Faz uma breve análise sobre a evolução
da agricultura e sua modernização, relacionando-a com a consequente
degradação do meio ambiente. Realiza uma reflexão sobre a evolução
do movimento ambientalista e sobre a necessidade de repensar as
consequências ambientais e sociais do modelo de desenvolvimento atual.
Destaca que o Relatório de Brundtland, “Nosso Futuro Comum”, foi um
ganho de caráter global e se tornou um importante instrumento para o
movimento ambientalista.
O Capítulo 6 destaca as metamorfoses socioambientais da Bacia
do Rio Catolé, na Bahia, considerando as suas paisagens originais e os
processos históricos de povoamento e produção do espaço, tratando
dos mecanismos de expansão da pecuária a partir do núcleo central de
Itapetinga e expansão da cafeicultura, que tem o município de Barra do
Choça como área nuclear.

Espedito Maia Lima


Organizador
Capítulo 1

Agricultura familiar no Brasil: persistência e evolução?

Diana Mendonça de Carvalho


José Eloízio da Costa

Introdução

A significação da agricultura familiar, na condição de categoria


social no Brasil, é recente, tendo se difundido após formalização do
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF),
em resposta às reivindicações dos movimentos rurais, e da promulgação da
Lei (nº 11.326, de 24 de julho de 2006) que rege essa atividade, a partir do
conjunto social de estabelecimentos rurais com gestão familiar. A criação
dessa terminologia familiar foi um modo de construir o desenvolvimento
rural por meio da incorporação de ciência, tecnologia e acesso à terra na
lógica produtiva, como também ter acesso a sistemas de infraestruturas,
crédito e mercados que viabilizassem o processo produtivo, comercial e
de escoamento de sua produção.
Essa categoria se define na identidade política de alguns grupos de
agricultores, que formaram juntos a Federação Nacional dos Trabalhadores
e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (FETRAF) e reorganizaram a
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG),
12 Diana Mendonça de Carvalho e José Eloízio da Costa

a partir de 1990; essas ações implicaram o fortalecimento da legislação


brasileira e da luta do sindicalismo pelo sentido de moderno, eficiente,
sustentável etc. O movimento sindical, apesar de produzir resultados
fragmentados e de pouca repercussão política,

[...] constitui-se em marco decisivo para unificação do discurso


em defesa dos interesses dos agricultores familiares. Formou-se,
portanto, uma nova categoria política que passou a congregar
o conjunto de pequenos proprietários rurais, os assentados,
os arrendatários e os agricultores integrados às agroindústrias,
entre outros (SCHNEIDER, 2009a, p. 35).

A agricultura familiar como promotora de desenvolvimento rural


vem sendo aceita no Brasil desde os primeiros anos do século XXI, devido
ao fato do país possuir aproximadamente 85% das propriedades rurais
nessa condição (IBGE, 2006). Todavia, o retrato do espaço rural brasileiro
nem sempre foi esse. Por essa afirmativa é que se torna importante analisar
a formação do espaço rural brasileiro, a fim de observar a evolução agrária
e a história social de constituição da agricultura familiar atual. Isso porque
a categoria justifica-se nas recentes mudanças ocorridas na lógica da
sociedade e da economia global, como a expansão do desenvolvimento e
do processo de democratização, que no contexto da agricultura brasileira
promove sua integração ao processo de produção capitalista, através do
mercado.
Com base nesse objetivo, destacaremos as fases de evolução da
estrutura agrária brasileira, considerando a existência de um agricultor
disforme na conjuntura monocultora persistente nesse território desde o
período colonial. Disso sobressaem os seguintes questionamentos: Quem
é o agricultor familiar? Como agia historicamente o agricultor familiar
desintegrado da lógica agroexportadora brasileira? A fim de responder a
essas indagações, partiremos da pesquisa bibliográfica baseada nas análises
de Andrade (2005), Holanda (1995), Furtado (1985, 1997), Guanziroli
(2001 e 2010), Neves (2007), Prado Júnior (2000) e Silva (1978), entre
outros. Por meio dessas leituras foi possível fundamentar este trabalho nos
Capítulo 1 - Agricultura familiar no Brasil: persistência e evolução? 13

seguintes itens: 1. Formação do Espaço Rural Brasileiro e a Agricultura


Familiar; 2. O Desdobramento Histórico da Questão Agrária e da
Agricultura Familiar Brasileira no Século XX; 3. A Institucionalização da
Agricultura Familiar no Brasil; e 4. Considerações Finais.

Formação do espaço rural brasileiro e a agricultura familiar

A história agrária brasileira inicia-se no século XV, quando a


colonização portuguesa promove a doação de terras, com logística
diferente da europeia, pois era ausente a “posse” anterior. Nesse sentido,
as capitanias hereditárias estiveram organizadas em termos de população
e de terras do seguinte modo:

[...] entre os moradores de sua capitania, os mais ricos montavam


engenhos, outros plantavam canaviais, tornando-se lavradores
que moíam suas canas nos engenhos dos primeiros, e outros,
mais pobres, plantavam algodão e mantimentos “que são a
principal e mais necessária cousa para a terra” (ANDRADE,
2005, p. 76).

Por conseguinte, a distribuição de sesmarias acarretou em um curto


intervalo a divisão do território brasileiro em imensos latifúndios, quase
sem donos (SILVA, 1978). Dessa forma, surgiram os latifúndios agrários,
em grande parte decorrentes da interferência externa por produtos de
clima quente. Os produtos tipicamente temperados produzidos na Europa
conseguiam abastecer suas necessidades específicas.
Todavia, os portugueses não gostavam do “labor” agrícola. Logo,
trataram de escravizar os índios (ditos preguiçosos) e depois os africanos,
para a lida no latifúndio açucareiro. Além disso, muitas das técnicas
portuguesas usadas no Brasil representavam um retrocesso (rudimentares,
danosas e orientadas para o uso imediato da terra). É por isso que os
lavradores não tinham localização fixa, mudavam-se no/de espaço e
viviam constantemente em busca de novas terras. Em virtude disso,
afirmar-se que as imposições portuguesas não representaram nenhum
14 Diana Mendonça de Carvalho e José Eloízio da Costa

avanço em relação ao que os índios praticavam. Na verdade, esses atores


repetiam o que estava feito ou o que ensinava a rotina, a fim de extrair do
solo benefícios sem grandes sacrifícios (HOLANDA, 1995).
No século XVI, os colonos portugueses que para o Brasil viessem
somente tomariam posse da terra após um determinado período de
trabalho. Todavia, faltaram investimentos e

[...] A possibilidade de reduzir os custos, retribuindo com terras


o trabalho que o colono realizasse durante um certo número de
anos, não apresentava atrativo ou viabilidade, pois sem grandes
concentrações de capital, as terras praticamente não tinham valia
econômica (FURTADO, 1985, p. 11).

A necessidade de ocupação da colônia brasileira e o acordo


comercial com os flamengos, no sentido de instalação de usinas e compra
de negros africanos para servirem de escravos, estimularam a produção de
açúcar. Esta produção decorreu da localização climática, em áreas de clima
tropical, bem como pela divisão do território em Capitanias Hereditárias.
Cada donatário ficara responsável pela criação de modos de povoamento.
A aptidão do Brasil para essa produção, já conhecida entre os portugueses
por experiência desenvolvida nas ilhas africanas, assim como as isenções
de tributos, as garantias contra as penhoras dos instrumentos de produção,
as honrarias e os títulos promoveram grandes empresas açucareiras com
grandes extensões territoriais. Assim, a produção açucareira ocupou
extensa faixa litorânea e assegurou os recursos para manter a defesa da
colônia e intensificou a exploração de outras regiões.
A exploração de outras regiões ocorreu principalmente a partir
da produção pecuária, de modo extensivo e itinerante, necessária à
manutenção das atividades na usina e também à alimentação e confecção
de vestimentas através do couro. Atividade essa que movimentou o
mercado interno em função da exportação desses produtos de uma região
para outra, no caso do Sertão para o Litoral nordestino, posteriormente
do Sertão Nordestino para as áreas de mineração e das capitanias
meridionais para as regiões mineradoras, entre outras articulações. A
Capítulo 1 - Agricultura familiar no Brasil: persistência e evolução? 15

produção pecuária acabou por incorporar terras, além de mão de obra que
migrava da indústria açucareira, isso porque “[...] na pecuária o capital se
repunha automaticamente sem exigir gastos monetários de significação”
(FURTADO, 1985, p. 61).
No século XVII, a metrópole portuguesa passa a incentivar a
migração interna espontânea, a fim de ocupar áreas de vazios demográficos,
como a capitania do Pará, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Por essa
colonização estimulada foram trazidos inicialmente grupos familiares
(colonização por casais) de açorianos, que se destinaram à prática agrícola
de subsistência em pequenos estabelecimentos previamente demarcados
em pequenas parcelas, de forma gratuita ou com crédito em longo prazo.
Segundo Prado Júnior (2000, p. 85), essa proposta de ocupação “[...]
Assemelha-se em suma àquilo que se praticou mais tarde, e até época
muito recente, com relação aos chamados ‘núcleos coloniais’ dos governos
federal e estaduais”.
O Nordeste desse período, de colônia portuguesa, passa ao
domínio ou foco de conquista holandesa. A capitania de Pernambuco,
a primeira sob esse domínio, tinha a sua economia baseada na trilogia:
latifúndio, monocultura e escravidão. As áreas de criação e de lavoura
voltadas ao abastecimento da própria capitania estava

[...] compreendida pela bacia do rio Una e pelo atual território


alagoano, onde havia, de permeio, alguns engenhos. [...] Pecuária
que crescia de importância à proporção que se caminhava para
o sul, uma vez que essa era a atividade quase exclusiva na zona
do São Francisco e no território sergipano (ANDRADE, 2005,
p. 80).

No início, essa produção para abastecimento da capitania estivera


localizada a poucos quilômetros do litoral, até que a fase expansionista
da cana-de-açúcar fora conquistando terras em locais mais distantes,
engolindo as lavouras de subsistência. Todavia, contrariamente a alguns
dos estudiosos da história de formação do território brasileiro, ao
comentar a produção de subsistência, Andrade (2005, p. 90) afirma que
culturas como da mandioca, milho, feijão e fruteiras nativas e exóticas
16 Diana Mendonça de Carvalho e José Eloízio da Costa

“[...] eram largamente cultivadas até mesmo naquelas várzeas que se


destacavam pela produção de açúcar, como a do Capibaribe e a do
Jaboatão, garantindo não só o abastecimento da população rural, como da
urbana” (ANDRADE, 2005, p. 90). Em outra passagem, o autor destaca
que esses cultivos, igualmente aos demais estudiosos, concentravam-se

[...] sempre com a posição de vanguardeiros do avanço


canavieiro, ocupando áreas desmatadas e distantes à espera da
chegada da cana, e nas regiões mais povoadas se limitavam a
ocupar os solos que à cana não interessavam. Constituíam a
pequena lavoura feita por escravos e moradores para o auto-
abastecimento [sic] e venda da sobra, e por senhores-de-engenho
e lavradores, às vezes, apenas para o consumo de suas famílias e
seus dependentes (ANDRADE, 2005, p. 104-105).

Neste tocante, Andrade (2005) já demonstra que o pequeno


agricultor, juntamente a sua família, já produzia artigos para subsistência,
mas também para vender, sendo demandados até o século XIX pelos
engenhos.
De todo modo, a estrutura agrária brasileira, baseada na grande
propriedade latifundiária e monocultora, mantém-se no Brasil como
resquício do período Colonial. Porém, a crise da empresa açucareira no
final do século XVII, e nos séculos XVIII e XIX, fez com que o Brasil
se definisse por áreas de grande propriedade e de produção cíclica, visto
que após o açúcar adentra-se na mineração.
A atividade aurífera deliberou a ocupação do interior com fluxos
migratórios do Nordeste e mesmo de Portugal, e a constituição de
grandes propriedades mineradoras e pecuaristas. Contudo, à medida
que bandeiras adentravam o interior do país, criavam-se novos núcleos
de povoamento, que “[...] permitiam a ampliação, através da reprodução
das pequenas explorações, da produção de alimentos” (SILVA, 1978, p.
23). Apesar disso, nos primeiros anos da mineração foram registradas
crises de alimentos em 1697/1698 e 1700/1701, pois não havia estrutura
sedimentada para a produção de alimentos com vistas ao abastecimento
dessa área.
Capítulo 1 - Agricultura familiar no Brasil: persistência e evolução? 17

Nesse momento, o Brasil não tinha conhecimento de mercado


interno para produtos agrícolas e, por consequência, os alimentos
agregavam preços elevados. A crise do açúcar e, depois, o apogeu e
decadência aurífera acabaram contribuindo para a definição de uma
atividade de subsistência no Brasil, inicialmente composta de pequenas
explorações agrárias e depois mantida por fazendeiros, que viram a
produção de alimentos como compensadora e lucrativa. Fato que
contribuiu para que “[...] a agricultura mineira, embora quase que
exclusivamente de subsistência, [adquirisse] um nível bem mais elevado
do que o das demais regiões da colônia” (SILVA, 1978, p. 24-25).
No entanto, conforme visualizado, a agricultura de subsistência
é acirrada pela necessidade de alimentos por parte da população.
Inclusive a metrópole portuguesa, entre os séculos XVII e XVIII,
modifica a legislação da colônia brasileira, exigindo a produção de
artigos de subsistência, principalmente mandioca, por parte dos grandes
fazendeiros, em favor de alimentar os escravos (PRADO JÚNIOR,
2000). Essa produção de subsistência é, na verdade, um setor subsidiário
da economia colonial, pois depende exclusivamente da vida e força da
grande lavoura.
A agricultura de subsistência começa a se desenvolver dentro das
grandes propriedades, sendo produzida por escravos; ou nas proximidades
desta, longe da cidade e de seus mercados consumidores. Tal segmento,
quando individualizado, tem pequena extensão territorial, solos pobres,
baixo nível econômico, produtividade escassa e sem vitalidade e a sua
mão de obra se resume a do lavrador e da sua família. Apesar disso, os
lavradores de culturas de subsistência, proprietários de terras, em função
da proximidade com as grandes fazendas acabavam participando de
seu regime em condições similares ao que conhecemos como rendeiros
e agregados. Sendo assim, os déficits de exportação desses séculos
estimularam o setor de subsistência,

[...] sendo a economia de subsistência de produtividade bem


inferior à do setor exportador, o aumento de sua importância
relativa, numa etapa em que o setor exportador estava
18 Diana Mendonça de Carvalho e José Eloízio da Costa

estacionário, teria necessariamente que traduzir-se em redução


da renda per capita do conjunto da população (FURTADO,
1985, p. 108-109).

A agricultura praticada pelos lavradores individualizados é bastante


rudimentar, mas serviu de alicerce para o desenvolvimento do comércio
interno. Isso porque a pequena ou escassa produção está direcionada
esporadicamente à venda. Dessa forma, o comércio interior convergia
no sentido de venda de produtos de subsistência para os grandes centros
urbanos-comércio de cabotagem ao longo da costa litorânea (PRADO
JÚNIOR, 2000, p. 240 e 298).
Por consequência, percebe-se que a pequena propriedade no
Brasil é demarcada como entraves ao processo de desenvolvimento da
economia, devido à sobrevivência de um segmento moderno versus um
segmento tradicional. Este último definido por relações não capitalistas
no campo, reproduzidas pelo momento de acumulação de capital. Essas
relações, de certo modo arcaicas, permitem à agricultura o fornecimento
de mão de obra ao setor industrial, ao mesmo tempo em que possibilita
o fornecimento de alimentos para os centros urbanos.
Desse modo, Silva (1978) aponta que a pequena propriedade, a
partir das relações de produção não capitalistas,

[...] é responsável em nosso país por grande parte dos gêneros


alimentícios básicos que vão abastecer os centros urbanos e
o próprio setor agrícola. As formas de exploração agrícola
baseadas em relações de produção não-capitalistas [sic] são então
preservadas e, através delas, torna-se possível manter o padrão
de acumulação no campo e na cidade [...] (p. 08-09).

Sendo assim, a agricultura de subsistência é fruto do movimento de


expansão do capitalismo, haja vista produzir uma economia de excedentes
e oferecer seus produtos, que são demandados no mercado a preços baixos.
Nessa esteira, após o ciclo do ouro (do final do século XVII ao final
do século XVIII), há uma intensificação ainda maior da “[...] economia
de subsistência [que] seria neste caso mais rica do que a do hinterland
Capítulo 1 - Agricultura familiar no Brasil: persistência e evolução? 19

nordestino, graças ao desenvolvimento urbano anteriormente alcançado”


(FURTADO, 1997, p. 335). Neste momento, a economia brasileira tinha
como elemento dinâmico persistente as exportações, que se expandiam
via ocupação de terras, da extração de produtos florestais ou minerais.
Logo, “[...] Quando as exportações entravam em declínio, crescia mais
rapidamente o setor de subsistência, no qual se foi acumulando uma
massa de mão-de-obra [sic] de muito baixa produtividade” (FURTADO,
1997, p. 336).
Para superar a estagnação econômica pela qual o Brasil passava em
finais do século XVIII, era necessário retomar o comércio internacional.
Todavia, sem técnica própria e sem possibilidade de desenvolver novas
atividades, a colônia se manteve dependente da produção agrícola,
baseada em produtos como algodão, fumo, couro, arroz e cacau. Somente
em meados do século XIX é que o café passa a ser produzido para a
exportação, havendo, assim, o renascimento da agricultura comercial.
O surgimento de mais um ciclo agroexportador imporá a redefinição
da política de terra. Fato ocorrido com a Lei de Terras de 1850, que
instituiu juridicamente a venda da terra no mercado e o impedimento
aos imigrantes de se tornarem proprietários de terra.
A produção do café fora permitida pela abundância de terras
favoráveis, pela mão de obra escrava, pela presença de mulas e pela
proximidade com o porto do Rio de Janeiro. O café se constituiu
em cultura permanente, custando menos que o açúcar, com capital
imobilizado e ocupando grandes extensões territoriais. Ainda assim, nesse
período, no Brasil, mantinha-se um setor de subsistência de norte a sul
da colônia, caracterizado por grande dispersão,

[...] Baseando-se na pecuária e numa agricultura de técnica


rudimentar, era mínima sua densidade econômica. Embora
a terra fosse o fator mais abundante, sua propriedade estava
altamente concentrada. O sistema de sesmarias concorrera para
que a propriedade da terra, antes monopólio real, passasse às
mãos do número limitado de indivíduos que tinham acesso
aos favores reais. Contudo, não era este o aspecto fundamental
20 Diana Mendonça de Carvalho e José Eloízio da Costa

do problema, pois sendo a terra abundante não se pagava


propriamente renda pela mesma (FURTADO, 1985, p. 120).

Entretanto, o homem da roça não conseguia sobreviver só com o


que produzia, por isso ligava-se à pecuária, prestando serviço ao grande
proprietário e por suas atividades, recebendo pequena remuneração, que
cobria gastos monetários mínimos; ou mantinha laços de fidelidade com
o latifundiário, dentro e fora da grande propriedade. Mas ainda assim, o
sistema de subsistência cresce com a redução na importância relativa da
faixa monetária, em função de ocupação de terras e do modo de cultivá-
las, extremamente rudimentar. Pela falta de mão de obra com um mínimo
de qualificação para trabalhar na grande propriedade, o Governo Federal
passa a estimular a importação de mão de obra considerada ‘apta’ ao
trabalho nessas propriedades.
Em meio às ondas de prosperidade promovidas pelos produtos
voltados à exportação, o setor de subsistência sofria um desequilíbrio, o
qual sempre era repassado à população. Em finais do século XIX para o
século XX, alguns aspectos auxiliaram o desenvolvimento de novas áreas
de subsistência, isto é: 1. A independência do Brasil e a necessidade de se
criar um mercado interno sustentável para as necessidades da população;
2. A abolição da escravatura em 1888, que libera mão de obra nas
regiões produtoras de café e a abundância de terras abandonadas pelos
cafeicultores, torna possível aos ex-escravos e mesmo aos imigrantes
o “retalhamento” da propriedade para praticarem uma agricultura de
subsistência; e, 3. A vinda de colonos europeus para o sul do Brasil, onde
praticaram a agricultura e a extração de folhas de erva-mate. Dessa forma,
as mudanças que se edificaram nessa virada de século promoveram o
desenvolvimento de um setor de subsistência integrado às necessidades
internas, que passa a transferir renda para o setor exportador, por processo
de depreciação cambial.
Além disso, deve-se considerar que a subdivisão de antigas áreas
cafeeiras entre pessoas livres não representava a democratização da
propriedade da terra no Brasil, mas “[...] serviu para manter a pequena
Capítulo 1 - Agricultura familiar no Brasil: persistência e evolução? 21

produção como apêndice da grande, constituindo-se numa forma de


garantir o fornecimento de trabalhadores a baixo preço quando fosse
necessário” (SILVA, 1978, p. 33).
Outro aspecto relevante quanto à constituição da estrutura agrária
vigente no Brasil foi o surgimento da lógica creditícia, com a consolidação
do segundo Banco do Brasil (1859). Esse banco fora restaurado por
iniciativa do Barão de Mauá, a fim de reunir os capitais ilícitos do tráfego
negreiro em proposta para a força produtiva do país, ou seja, no tráfego
fundava-se o aparato da história comercial brasileira, isto é, o capitalismo
comercial. Nessa perspectiva, os créditos bancários distribuíram a riqueza
gerada pelo tráfico negreiro, enriquecendo outros indivíduos, agora do
contexto urbano.
Desse contexto advêm os conflitos entre o Brasil rural e patriarcal
em relação ao Brasil urbano. Passa-se a verificar a imaturidade do Brasil
para transformações que alterassem sua fisionomia. Em função do
arrocho de crédito tem-se, em 1864, a primeira crise comercial registrada
no Brasil Imperial e o predomínio do ruralismo sobre os aspectos urbanos.
No século XX, após a Revolução de 1930, observa-se a manutenção do
sistema agrário brasileiro focado na grande propriedade, porém, agora,
com aliança juntamente ao setor industrial, a partir do qual havia incentivo
à modernização e ao fechamento de fronteiras. Diante disso, pode-se
afirmar que “[...] o desenvolvimento do capitalismo brasileiro se firma
como concentrador da terra. [...] Nesse contexto, a pequena produção
em geral se mantém, mas num processo acelerado de pauperização e
extrema exploração [...]” (SILVA, 1978, p. 35).
Logo, aspectos como a ocupação da faixa litorânea e as bandeiras,
assim como o descobrimento das minas, acabam por consolidar a
configuração atual do país em quase toda a sua totalidade. No século
XIX, a abolição da escravatura representará o fim do predomínio agrário,
uma ruptura política com o império e o nascimento de um novo modelo
político e econômico para o Brasil. Foram consolidados centros urbanos
e, com isso, um marco contra o “iberismo” e o “agrarismo”, isto é, uma
marca contra a herança cultural portuguesa, que cordialmente se impôs
22 Diana Mendonça de Carvalho e José Eloízio da Costa

pelas relações sociais embasadas na grande propriedade, autônoma,


individual e isolada. Além disso, a evolução histórica brasileira tende
à dilatação “[...] das comunidades urbanas e outros que restringe a
influência dos centros rurais, transformados, ao cabo em simples fontes
abastecedoras, em colônias das cidades” (HOLANDA, 1995, p. 173).
Por essa análise observa-se a luta do pequeno produtor em se
manter no campo durante toda a história agrária do país, que remete à
penetração do capitalismo na agricultura brasileira. Tal questão não perdeu
foco no estágio atual, pois, na verdade, trata-se de um prolongamento
de toda a história de povoamento, de integração ao capitalismo e da
luta pela sobrevivência. A posse da terra ainda é um problema entre
muitos pequenos produtores brasileiros, que buscam auxílios juntos
aos movimentos sociais de luta pela terra. Além disso, frisa-se que
a agricultura de subsistência historicamente praticada não fora uma
questão de necessidade apenas individual/familiar, mas resposta a uma
demanda do mercado local pelo contexto vivenciado, principalmente nas
fazendas com produção agroexportadora. Por isso, atesta-se o fato desse
pequeno agricultor não ser historicamente um camponês1, conforme
origem e qualificação europeia. Logo, pode ser considerada a evolução
de nomenclatura desse pequeno agricultor a agricultor familiar, isto é,
uma persistência da prática familiar, mesmo que em ambientes sociais e
econômicos dos mais variados.

O desdobramento da questão agrária e da agricultura familiar no


século XX: particularidades do Nordeste Brasileiro

Em finais da década de 1950, Furtado (1997), em estudos sobre o


Nordeste e participando do Conselho de Desenvolvimento do Nordeste
(CODENO), destaca a necessidade de uma lei de irrigação que favorecesse
a criação de uma classe de agricultores organizados em unidades familiares,
com o intuito de modificar a ordem social nordestina do momento,
1
O camponês é definido nessas linhas como um agricultor que produz para o sustento, sem almejar
lucro. Este ator compõe uma categorial social que é demarcada como resistente e autônoma ao
processo de produção capitalista, além de responsáveis pela construção de sua própria história.
Por isso, o conceito de camponês sofrer tantas recriações, redefinições e mesmo diversificação de
acordo com o tempo e espaço (MOURA, 1988).
Capítulo 1 - Agricultura familiar no Brasil: persistência e evolução? 23

marcada por um quadro de miséria e estagnação. Esse autor demonstra


que somente com a agricultura seria possível lutar contra o problema do
subdesenvolvimento, pois

[...] se me fosse dado escolher, começaria por contestar a utilização


das terras úmidas do litoral, secularmente monopolizadas pelos
latifundiários do açúcar. Bastaria que parte dessas terras fosse
destinada à produção de alimentos, e teríamos uma melhor base
para projetar atividades criadoras de empregos urbanos. Mas
a constituição vigente fechava todos os canais de acesso a um
começo de “reforma agrária” (FURTADO, 1997, p. 106).

Desse modo, desde muito já se pensava a questão da terra, e


desde a década de 1950 que a unidade familiar é pensada como fator de
desenvolvimento. Na década seguinte, Furtado (1997) discutiria com seu
dirigente político a situação da população rural, o grau de concentração
fundiária e o interesse em melhor aproveitar as terras monopolizadas
pelos canavieiros no Nordeste. Nesse sentido, o autor reflete que “[...]
não se pode propriamente desenvolver o que já existe; o que se pretende
é caminhar corajosamente para lançar as bases de uma nova economia,
capaz de autogerar as forças de seu próprio crescimento” (p. 183).
Nessas linhas, Furtado (1997) mostrava que a SUDENE propunha
projetos de cunho social, os quais deveriam contribuir para a melhoria das
condições de vida da população nordestina. Contudo, o desenvolvimento
não se lançava nas vias apenas econômicas, mas apresentava, a partir do
planejamento estatal com aporte social, uma nova base para a agricultura
nordestina, pois

[...] é no setor agrícola que a estrutura existente demonstrou ser


mais deficiente, incapaz de criar condições adequadas de vida
para o trabalhador; neste setor, o plano inclui dezoito projetos,
que vão desde a abertura de grandes frentes de povoamento em
terras públicas, na direção da Amazônia, até a criação de nova
agricultura de base familiar na zona açucareira, passando por
ampla irrigação das bacias dos açudes e outras áreas na região
semi-árida [sic] (p. 183).
24 Diana Mendonça de Carvalho e José Eloízio da Costa

Em fins da referida década, as relações de trabalho sofrem


impactos decorrentes da inserção dos movimentos sociais reformistas,
que se manifestam pelas lutas em favor da reforma agrária e também
pela organização sindical, em termos da promulgação do Estatuto do
Trabalhador rural (Lei 4.214 de 2 de março de 1963). Esse estatuto
estendeu aos trabalhadores rurais a legislação que beneficiava os
trabalhadores urbanos (GUANZIROLI et al., 2001).
Na década de 1960, o Estado através da SUDENE já apresentava
projetos de desenvolvimento econômico-social com foco na agricultura de
base familiar, fundando-se na desconcentração de terras, principalmente
dos latifúndios do açúcar e na repartição de lotes em áreas de colonização,
caso do Maranhão, com cerca de 50 hectares de terra. Esse aspecto já
demonstra a importância da agricultura para a promoção do crescimento
econômico e, consequentemente, para a gestão familiar na promoção do
desenvolvimento social.
De todo modo, a larga concentração fundiária no nordeste
brasileiro tornara-se um problema em decorrência da geração de tensão
social em áreas de elevada densidade demográfica, como na Zona da Mata
e no Agreste. Tanto por isso, fora instituído o Estatuto da Terra (1964)
e criado o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA).
O estatuto refletiu mais amplamente a pobreza rural, apesar
da repressão dos movimentos sindicais, e seu cumprimento atingiu a
oligarquia agrária do país, pois elevava o custo do trabalhador residente,
que fora mandado embora; e previa o pagamento de indenizações
trabalhistas etc. Esse estatuto acabou incentivando a oligarquia agrária a
não depender nem mesmo de trabalhadores temporários, o que ocasionou
muitos desempregos rurais e a intensificação do êxodo rural, ao tempo
em que passou a ser necessário mecanizar e quimificar as grandes lavouras.
Por isso, a modernização é delineada como “Dolorosa”. Nesse contexto,
o apoio à pequena produção familiar é visto “[...] como uma ameaça ao
próprio processo de modernização tecnológica da agricultura, cujo ritmo
teria que ser reduzido (de fato, muitos críticos “utópicos” deste processo
assim pensavam)” (GUANZIROLI et al., 2001, p. 31).
Capítulo 1 - Agricultura familiar no Brasil: persistência e evolução? 25

No entanto, ambas as políticas

[...] traziam perspectivas de reformulação agrária para a região.


O cadastramento das propriedades rurais feito em 1965
constatou o domínio, na região, do latifúndio por exploração e,
consequentemente, de ociosidade no uso da terra. [...] e ter sido
a usina Caxangá, com mais de 20.000ha, desapropriada para a
experiência de reforma (ANDRADE, 2005, p. 121).

Desse modo, novas políticas foram formuladas com o intuito da


Reforma Agrária no Nordeste, como o Programa de Redistribuição de
terras e de estímulos à agroindústria do Norte e Nordeste (PROTERRA),
que trabalhou junto aos latifundiários com área superior a 1.000ha que
deveriam ceder “[...] ao poder público uma porção de suas terras, para
ser distribuídas entre agricultores que encontrariam financiamento e
assistência técnica governamental” (ANDRADE, 2005, p. 121). Em
Pernambuco 119 grandes proprietários aderiram ao projeto, cedendo
77 mil hectares de terra. Nesse momento, houvera recuo da produção
canavieira ante o avanço da atividade pecuária em alguns estados
nordestinos. Mas a criação de gado acabou acarretando desemprego,
miséria e emigração, juntamente a população sergipana, por exemplo,
conforme relato de Andrade (2005, p. 122):

[...] o usineiro, tornado pecuarista, necessita de poucos braços,


dispensa e faz com que grande parte dos moradores se retire
de suas terras. Estes afluem, então, para as pequenas cidades
próximas, Maruim, Divina Pastora, Riachuelo etc. para os
povoados e vilas das imediações e para Aracaju, dando aos
mesmos um excedente de população que esses lugares, não
dispondo de indústria, não podem empregar. E a população,
sem perspectivas de melhor futuro, ou emigra para a Bahia – é
grande o número de sergipanos que vivem em Salvador –, para
o Brasil sudeste – Rio de Janeiro e São Paulo – ou ainda para o
norte do Paraná.

Contudo, o processo de modernização implementado no Brasil


na segunda metade da década de 1960 não impediu que a mão de obra
26 Diana Mendonça de Carvalho e José Eloízio da Costa

abundante e barata existente no campo fosse abandonada em prol do


caráter modernizador com economia de mão de obra, isto é, com a
diminuição crescente do uso de mão de obra humana. Segundo alguns
estudiosos, a referida diminuição decorria da elevação dos subsídios reais
que estimularam a introdução de máquinas e insumos e a intervenção
governamental ao instituir o salário mínimo.
Além disso, a modernização agrícola de viés industrial que se
instalou com a “Revolução Verde” atingiu os produtores rurais familiares,
principalmente aqueles que subsistiam dentro e nas franjas dos latifúndios.
Isso porque não houvera políticas de apoio para a consolidação da
agricultura familiar com efetivo em programas de reforma agrária, crédito,
pesquisa e assistência técnica. Tal aspecto ocasionou o agravamento das
condições socioeconômicas, principalmente em função da má distribuição
de renda e da expulsão de muitos pequenos agricultores do campo.
Desse modo, o modelo de modernização e os seus respectivos
gestores não observaram como os agricultores familiares seriam capazes
de absorver tecnologia e produzirem suficientemente

[...] alimentos e matérias-primas em quantidade e qualidade


requeridas pela expansão do setor urbano-industrial. São
setores intensivos em mão-de-obra [sic], e por isto mesmo
desempenham um papel essencial para a elevação do poder de
barganha do trabalho em países com grande população rural
pouco qualificada, sobretudo ao reduzir a pressão da oferta de
mão-de-obra [sic] nos centros urbanos (GUANZIROLI et al.,
2001).

Esse retrato intensifica a importância da pequena propriedade


rural familiar para a manutenção de população rural e como unidade
produtiva. Além disso, na primeira metade do século XX, a crise do
açúcar e a queda nos seus preços fizeram com que os senhores de
engenho encerrassem suas atividades de usineiros e, por consequência,
em algumas áreas do Nordeste, esses engenhos acabaram se subdividindo
em pequenos estabelecimentos agrícolas familiares. Tais estabelecimentos
passaram a abastecer as cidades e suas produções subsidiavam o “[...]
Capítulo 1 - Agricultura familiar no Brasil: persistência e evolução? 27

desenvolvimento de uma pequena classe média no campo” (ANDRADE,


2005, p. 126).
Na década de 1970, Silva (1987) destaca a importância da pequena
propriedade em termos de área colhida, de gêneros alimentícios básicos,
dos produtos de transformação industrial e dos hortifrutícolas. Além disso,
já era visualizada a “[...] criação de pequenos animais e no número de
equinos, asininos e muares. Deve-se ressaltar que entre essas propriedades
há uma participação maior dos imóveis sem assalariados permanentes
nas atividades mencionadas” (p. 175).
De todo modo, concluiu-se que os imóveis de menor renda bruta
tinham importância significativa na produção alimentícia. Essa renda baixa
deve-se ao pequeno valor agregado em produtos que apresentam caráter
secundário na balança comercial brasileira. Apesar disso, é necessário
frisar que a pequena produção familiar ainda é

[...] responsável pela maior parte do abastecimento alimentar


das cidades e do próprio meio rural, atendendo-se a produção
capitalista a outras atividades que podem ser consideradas
mais rentáveis. Entre estas destacam-se algumas culturas de
transformação industrial e a pecuária (SILVA, 1978, p. 205).

Além disso, atestava-se que a produção e a renda tendiam a ser


maiores em propriedades rurais sem assalariados permanentes, mas
onde membros da família trabalhavam juntos, mesmo com instrumentos
rústicos, a exemplo da enxada, do machado e da tração animal (SILVA,
1978). Por consequência, a pequena propriedade tem sua produção
subsidiada pela própria necessidade de subsistência.
Nesse tocante, é viável ressaltar que as políticas de crédito na
década de 1970, isto é, o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), para
modernização agrícola não atingiam os pequenos agricultores, pois seu
foco eram os investimentos para grandes proprietários, que viam nessa
condição a possibilidade de fazerem reserva de valor, com a compra de
mais terras ou de animais. Aos pequenos produtores restava o chamado
crédito de custeio, que os suprimia da livre concorrência em termos de
28 Diana Mendonça de Carvalho e José Eloízio da Costa

valor da produção, pois apressava esses atores na hora da venda de seu


produto final, a fim de quitar sua dívida com o banco.
Ademais, os pequenos agricultores familiares apareciam
isoladamente em pequenos grupos ao lado da agricultura patronal
dominante, fato que justifica o baixo nível de renda e a exclusão às
políticas de crédito subsidiadas na década de 1970 e 1980. Nesse período,
as alternativas para a agricultura familiar se circunscreviam a nichos de
mercado ou à integração com o sistema agroindustrial. Por consequência,
a agricultura familiar passa a enfrentar problemas decorrentes da falta de
políticas agrícolas e devido à inflação, que, de certo modo, beneficiaram
a agricultura patronal.
Desse modo, muito do que fora realizado em termos de políticas
públicas nessas décadas não estimulou o desenvolvimento rural local,
mas ocasionou o esvaziamento do campo em favor das grandes cidades.
Somente na década de 1990, motivado por entidades internacionais
movidas pelo sindicalismo rural brasileiro, é que se passa a definir políticas
públicas em favor da demarcação da agricultura familiar, como categoria
viável e promotora de desenvolvimento sustentável.

A institucionalização da agricultura familiar no Brasil

A pequena propriedade brasileira, conforme avaliada, sempre


esteve associada à produção de artigos alimentícios. Nesse sentido, a
nomenclatura agricultura familiar, reconhecida internacionalmente,
também focalizou a produção desses gêneros. Consequentemente, houve
uma inversão de terminologia e também de estímulo à prática agrícola
por parte de pequenos produtores, a partir de políticas públicas de
erradicação da pobreza e da fome. Aspecto transcrito para a realidade
brasileira na forma da lei.
Todavia, a denominação agricultura familiar vem sendo atacada em
vários países e mesmo em instâncias internacionais. Assim, a Organização
das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) instituiu o
ano de 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar, com o
Capítulo 1 - Agricultura familiar no Brasil: persistência e evolução? 29

intuito de dar visibilidade à categoria e chamar a atenção mundial para a


importância dela na erradicação da fome e miséria no espaço rural.
Nessa perspectiva, a categoria social entendida por agricultor
familiar, no Brasil, define-se segundo a FAO/INCRA pela relação entre
o trabalho executado pelos familiares e gestão, ou seja, pelo processo
produtivo conduzido pela família (GUANZIROLI, 2010). Determina-
se, ainda, pela ênfase na diversificação produtiva, na durabilidade dos
recursos, na qualidade de vida, na utilização do trabalho assalariado em
caráter complementar e na tomada de decisões imediatas devido ao alto
grau de imprevisibilidade do processo produtivo (FAO/INCRA, 1994).
Apesar de todo o contexto histórico de persistência do pequeno
agricultor no espaço rural brasileiro, não se pode deixar de considerar
o viés científico que auxiliou na fundamentação da Agricultura Familiar
Mundial. Algumas das características dessa “nova” categoria social já
eram referendadas no século XIX e início do século XX por Alexander
Chayanov e Jerzy Tepicht. Ambos trabalharam a questão produtiva das
unidades agropecuárias centradas na reprodução social da família, que se
remetia à resistência familiar no interior do capitalismo; e a posse sobre
os recursos da natureza.
Nesse contexto, o primeiro elaborou uma teoria sobre o
funcionamento das unidades produtivas, sendo o produto do trabalho
familiar resultado do tamanho da família, da composição e da
disponibilidade dos membros familiares ao trabalho. Neste sentido, o
equilíbrio de esforços dos referidos membros só se igualaria mediante
a satisfação da demanda familiar e a penosidade do trabalho, através da
força de trabalho empregada, dos meios de produção disponíveis e do
vínculo com os mercados (CHAYANOV, 1974). O respectivo vínculo
organiza as unidades econômicas camponesas para as relações capitalistas
no campo em pequenas empresas em conexão com a economia mundial.
Tal aspecto é evidenciado pelo autor. Em suas palavras:

Estos vínculos comerciales que convierten la explotación familiar


natural aislada em uma pequena productora de mercancias
son siempre las primeiras manera de aorganizar las unidades
30 Diana Mendonça de Carvalho e José Eloízio da Costa

económicas campesinas dispersas y de abrir las primeras vías de


penetración a las relaciones capitalistas em el campo. Mediante
estas conexiones, cada pequena empresa campesina se convierte
em uma parte orgânica de la economia mundial, experimenta em
sí misma los efectos de la vida económica general del mundo, es
poderosamente dirigida em su organización por las demandas
económicas del mundo capitalista y, a su vez, junto com millones
semejantes a ella, afecta todo el sistema de la economia mundial
(CHAYANOV, 1974, p. 306).

Enquanto o segundo retoma de Chayanov as ideias de unidade,


agregando produção agrícola e família, “uso intensivo de trabalho” e
“natureza patriarcal da organização social” (ABRAMOVAY, 1992, p. 83).
Juntamente a estas ideias somava-se a relação entre os fatores de produção
(terra, trabalho e capital), na qual progressivamente há substituição do
fator trabalho por capital; a relação entre a economia camponesa e o
mercado, em que o agricultor está integrado parcialmente às demandas
mercantis; e a obtenção de renda que permita a subsistência da família.
Por consequência, tanto Chayanov quanto Tepicht refletem direta
ou indiretamente o fato do pequeno produtor ser um agente social do
progresso. Logo, esse agente não estaria fadado ao desaparecimento, mas
absorveria e realizaria o progresso agrícola, seja por inserção tecnológica
ou por integração às lógicas mercantis. Fato que é desempenhado hoje
pela agricultura familiar, integrada à acumulação do capital, ao progresso
técnico e às transformações do setor agrícola.
No Brasil, esse termo vem sendo trabalhado por diferentes
segmentos acadêmicos. Aspecto que demonstra as diferentes
interpretações e perspectivas. Na sociologia, interpretam-se os processos
sociais agrários e, por isso, a agricultura familiar também é focalizada
como uma categoria sustentável, que, por sua diversificação, garante
possibilidades de desenvolvimento para a sociedade contemporânea
(SANTOS, 2001). Na economia, a agricultura familiar é referendada
como base para o desenvolvimento econômico espacial, considerando-se
indicadores do nível de renda e da estrutura produtiva, além de acrescer
a importância de formação do mercado interno e da potencialidade
Capítulo 1 - Agricultura familiar no Brasil: persistência e evolução? 31

econômica em outros segmentos (DIONÍSIO, 2003). Enquanto na


Geografia essa categoria se remete às formas de reprodução espacial, no
sentido de agente transformador da natureza, ao promover o processo
produtivo agrícola de modo sustentável e com diversificação, repercutindo,
assim, nas formas espaciais e mercadológicas.
Por conseguinte, a categoria ganhou força no Brasil em meados da
década de 1990, em virtude de três fatores que tiveram impacto social e
político significativo: o primeiro deles foi a adoção do termo como uma
nova categoria-síntese pelos movimentos sociais do campo, capitaneados
por grupos de agricultores que formaram a Federação Nacional dos
Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (FETRAF) e,
assim, reorganizaram a Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura (CONTAG), com apoio da Organização das Nações Unidas
para a Agricultura e Alimentação (FAO) e o Banco Internacional de
Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD)2; o segundo, a legitimidade que
o Estado emprestou ao termo ao criar, em 1996, o Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF); e o terceiro, a criação
do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), com o revigoramento
da reforma agrária (SCHNEIDER, 2003, p. 114).
Todavia, o termo agricultura familiar ganhara ainda mais
fundamento científico no início da década de 1990, a partir do Projeto
de Intercâmbio de Pesquisa Social em Agricultura, publicado em 1986,
na Revista Reforma Agrária (v. 25, n. 2 e 3, maio/dez. 1995), cujos números
consagraram temas referentes à constituição de políticas de apoio aos
agricultores mobilizados e que se enquadravam na definição do termo;
e, por fim, em obras como: O Desenvolvimento Agrícola: Uma visão histórica
(1991), de José Eli da Veiga; Paradigmas do Capitalismo Agrário (1992), de
Ricardo Abramovay; e A Agricultura Familiar, volumes I e II, de Hugbes
Lamarche (1993 e 1998).
Todos esses referenciais prenunciavam a agricultura familiar na
valorização do espaço rural e na sua luta político-institucional. Porém,
2
Essas instituições pretenderam valorizar agricultores rurais, sendo porta-vozes em projetos de
reconhecimento da racionalidade econômica e social e da capacidade de adaptação dos pequenos
agricultores familiares às lógicas econômicas (NEVES, 2007).
32 Diana Mendonça de Carvalho e José Eloízio da Costa

muitos desses relatos perpassaram o modo como definir essa categoria,


se ao tamanho da propriedade (pequena ou grande), se a questão da
renda, ou mesmo na referência aos países de capitalismo avançado,
cuja agricultura se define em familiar e patronal. De qualquer modo, o
que se observa é que a agricultura familiar se adapta às exigências do
desenvolvimento capitalista, sendo mais eficientes em termos de usos
dos recursos produtivos quando comparados à agricultura patronal. Além
disso, a agricultura familiar tem maiores perspectivas de produção e de
geração de emprego, através da adequação e da inserção tecnológica, que
contribuem para a geração de renda e, consequentemente, se tornam base
para o desenvolvimento econômico espacial.
Autores como Abramovay (1992, 2009) e Veiga (1991) avaliam
a agricultura familiar como decorrente do processo de modernização
no espaço rural, assim como da integração à lógica de acumulação
capitalista, isto é, esse pequeno agricultor referenda a terra, com suas
famílias, mostrando uma recriação do rural e da concretização de
realidades multiformes. Recriações que são visualizadas na intensificação
da agricultura em tempo parcial, na coletivização, na organização de
sistemas de cooperativas e na correlação com os avanços da indústria.
Além disso, mostram uma oposição geral entre a agricultura de gestão e
trabalho familiar e a agricultura patronal, como forma de promoção do
desenvolvimento de um país.
Por esse contexto, a agricultura familiar referenda também a
mobilização política e o enquadramento institucional, cujo intuito foi
construir, por parte do Estado, modelos de desenvolvimento econômico
e social. Disso, a agricultura familiar incorpora noções de sustentabilidade
na organização produtiva e social, sendo consagrada pelo Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) em
1996. Da necessidade de se identificarem as linhas de financiamento do
PRONAF, a agricultura familiar passa a acoplar um número expressivo
de segmentos do setor primário da economia, tanto no aspecto político
quanto sindical, correspondendo “[...] à agregação de um amplo e
diferenciado conjunto de produtores, cuja atividade produtiva e gestão do
Capítulo 1 - Agricultura familiar no Brasil: persistência e evolução? 33

estabelecimento tomam por base a vinculação dos membros da família”


(NEVES, 2007, p. 233).
Desse modo, o enquadramento institucional da agricultura familiar
decorreu do reconhecimento de novas categorias e mesmo dos agentes
sociais aí inseridos. Sua legitimação crescente pode ser atribuída também
“[...] ao próprio enfraquecimento de outras denominações que eram usadas
até então, como a de ‘trabalhador rural’ ou ‘pequenos proprietários’”
(SCHNEIDER, 2009a, p. 35). Além disso, a denominação agricultor
familiar amparou inúmeras categorias que até então não podiam ser
identificadas como pequenos produtores ou trabalhadores rurais.
Tal categoria é analisada também por Neves (2007), no viés
institucional que a legitima. Por sua visão, a unidade familiar difere de uma
empresa agrícola no grau de mecanização, no tamanho da área cultivada,
na renda e em termos de força de trabalho que advém da família. Nesse
contexto, a agricultura familiar é uma categoria socioprofissional que se
mantém, mas com tensão sobre a capacidade de sobrevivência, devido
ao desenvolvimento do segmento industrial e manufatureiro ligado às
práticas agrícolas, que impõem concorrência e, por consequência, o
desaparecimento de unidades menores. Sendo assim, a nomenclatura
reflete a luta de diversos atores por cidadania econômica e política. Desse
modo, são agricultores familiares os atores

[...] que se integram como sujeitos de atenção de políticas


especiais de crédito, de formação profissional, de assistência
técnica; são os usuários e atores da constituição de novos arranjos
institucionais, capazes de promover, de fato e da perspectiva dos
objetivos que os irmanam politicamente, o enquadramento legal
e institucional (NEVES, 2007, p. 235).

Destarte, a expressão agricultura familiar brasileira se define


basicamente por aspectos não econômicos, excetuando-se o critério
de gestão. Sua definição sobressaiu das diretrizes do “modelo
de desenvolvimento sustentável”, que sugeria a classificação dos
estabelecimentos agropecuários brasileiros. Dessa forma, a definição da
34 Diana Mendonça de Carvalho e José Eloízio da Costa

agricultura familiar no Brasil teve um caráter sindical, político-ideológico


e religioso, que demonstra a interferência de grupos sociais com foco
no espaço rural. O reconhecimento oficial em 24 de julho de 2006, pela
Lei 11.326, explicita que

Art. 3o Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar


e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades
no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes
requisitos:
I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro)
módulos fiscais;
II - utilize predominantemente mão-de-obra [sic] da própria
família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou
empreendimento;
III - tenha percentual mínimo da renda familiar originada
de atividades econômicas do seu estabelecimento ou
empreendimento [...]
IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua
família [...] (BRASIL, 2006).

A referida Lei da agricultura familiar não focalizou realidades


empíricas e nem a história agrária do país, mas teve como objetivo ampliar
a eficácia da ação governamental com políticas públicas direcionadas
à categoria. Tanto que para o MDA (BRASIL, 2006) a definição da
agricultura familiar foi uma forma de incluir setores sociais do campo,
que historicamente foram marginalizados pelas políticas públicas. A partir
disso, a agricultura familiar tornou-se um estímulo ao desenvolvimento
rural sustentável, através do estabelecimento de sistemas de produção
focados na biodiversidade, na valorização do trabalho familiar, na inclusão
de jovens e de mulheres, na produção de alimentos, nos projetos de
acesso à terra e nos meios de produção que medeiam a construção do
desenvolvimento rural.
Pela definição da agricultura familiar foi possível realizar a
sistematização dos dados do Censo Agropecuário (2006) de modo mais
específico. Por meio desses dados, evidenciou-se que a agricultura familiar
está presente em 4.367.902 estabelecimentos, representando 84,4% de
Capítulo 1 - Agricultura familiar no Brasil: persistência e evolução? 35

um total de 5.175.489 estabelecimentos existentes no Brasil, que ocupam


área de 80.250.453 hectares e perfaz 24,3% da área de estabelecimentos
do país, com área média de 18,37 hectares. Do total de estabelecimentos
familiares brasileiros, 50% estão concentrados na região Nordeste,
seguidos do Sul (20%), Sudeste (16%), Norte (9%) e Centro-Oeste (5%)
do país, com destaque para os estados da Bahia (10%), Rio Grande do
Sul (8,7%) e Ceará (7,8%). Sendo esses estabelecimentos responsáveis
pela produção de forrageiras (65,28%), lavouras temporárias (62,26%),
pastagens (63,64%), seguidas de 39,80% de áreas de matas e florestas,
28,24% de lavouras permanentes e demais categorias, que somam
conjuntamente 20%.
Desse modo, a agricultura familiar apresenta-se como um viés
propício ao desenvolvimento rural-econômico, mediante políticas
públicas, em função principalmente do número de atores que integram
a nomenclatura e de suas práticas sustentáveis; sem, contudo, esquecer
que a categoria possui poder de interação com os mercados, ao responder
às demandas por produtos agropecuários, desde os de subsistência
aos de base para a agroindústria. Todavia, para alavancar ainda mais o
desenvolvimento das unidades familiares de produção e das áreas rurais,
em nível local, é necessário combater as desigualdades, “[...] por meio da
criação de oportunidades de trabalho, de renda, de políticas de promoção
de igualdade de gênero, raça, geração e etnia” (BRASIL, 2006, p. 15).

Considerações finais

A agricultura familiar é uma categoria social que nos últimos anos


tem representado um conjunto social diverso e passível de diferenciação
espacial, que comunga atributos comuns, a exemplo da família como
gestora do estabelecimento e dos meios de produção, do trabalho na terra
e explanação de valores e tradições. Essa categoria tem manifestado nos
últimos anos a evolução dos processos sociais, sofrendo mudanças no
meio rural agrícola brasileiro, entre as quais a afirmação, o reconhecimento
e a legitimação dessa categoria juntamente ao Estado brasileiro, que
36 Diana Mendonça de Carvalho e José Eloízio da Costa

demonstrou “fé” na sua importância socioeconômica, contribuindo, assim,


para seu aparecimento nas estatísticas oficiais a partir de 2006.
Contudo, pode-se afirmar que essa categoria não é totalmente
nova em virtude das características que atualmente a definem. Desde a
colonização brasileira, tem-se registro do estabelecimento de pequenas
áreas com produção de base familiar, voltadas para a subsistência e
para as demandas das comunidades locais, ou ainda as demandas dos
latifúndios monocultores, sobretudo para satisfazer as necessidades da
massa trabalhadora de escravos.
Desse modo, pode-se afirmar que a agricultura familiar
sempre existiu nos termos propostos na forma da lei. Entretanto, ela
evolui nos seguintes termos: 1. de integração às lógicas de mercado,
correspondendo a demandas locais, regionais e mesmo nacionais, assim
como correspondendo às necessidades da agroindústria; 2. de organização
produtiva, haja vista a forte dependência que há por tecnologias e insumos
químicos; 3. da cautela ambiental, no sentido de sustentabilidade, pela
mudança de práticas culturais que eram prejudiciais à natureza; e, 4.
do modo como tem sido beneficiada pelas políticas públicas, como o
PRONAF, demarcando a categoria como propulsora de desenvolvimento
rural.
Desta feita, a Agricultura Familiar, por meio de gestão, propriedade
e trabalho familiar, é considerada a base para o desenvolvimento de
um projeto econômico viável para o espaço rural brasileiro, pois há
consciência de que ela possua função determinante em alguns setores da
oferta agropecuária. Isso em decorrência de sua preocupação principal
estar centrada na diversificação produtiva, na integração às demandas de
mercado e na geração de renda. Por conseguinte, a agricultura familiar,
associada à dimensão espacial, busca orientar as funções da agricultura, e
se consolidam como fornecedoras de alimentos, de matérias-primas, de
divisas e de sustentabilidade ambiental.
Capítulo 2

Os desafios e contradições da política territorial no


Nordeste e seus rebatimentos no território rural da bacia
leiteira – AL1

Josefa Mônica dos Santos


Franklin da Cruz Pereira
Marcelo Alves Mendes

Introdução

A dinâmica territorial do campo brasileiro, mais precisamente


no Nordeste, depende da criação de políticas públicas que estimulem
a formulação descentralizada de projetos capazes de valorizar as
particularidades locais e regionais no processo de desenvolvimento,
visto que o desenvolvimento rural não acontece espontaneamente sem
uma combinação de ações envolvendo atores sociais dos diferentes
segmentos da sociedade. Nesse contexto, o grande desafio do
desenvolvimento territorial rural está associado à capacidade de gestão
e controle social dos recursos públicos destinados à efetivação da
política territorial no Brasil, bem como a ausência de clareza entre
o entendimento conceitual da abordagem territorial e sua efetivação
por meio de projetos e ações setoriais, contrariando a lógica territorial.
1
Este trabalho é fruto do desenvolvimento do projeto de extensão: Ciclos da Gestão Social dos
Territórios da Cidadania de Alagoas: Mobilização, Fortalecimento e Efetivação, financiado pelo
CNPq.
38 Josefa Mônica dos Santos, Franklin da Cruz Pereira e Marcelo Alves Mendes

É desta perspectiva de abordagem territorial do meio rural, pautada


na análise da efetivação das políticas públicas de desenvolvimento rural,
que se constitui o trabalho em questão, sendo resultado das leituras e
reuniões realizadas no Grupo de Pesquisa sobre Dinâmica Rural e
Regional (GDRR), credenciado no Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), além das ações do projeto de extensão
denominado Ciclos da Gestão Social dos Territórios da Cidadania no
Estado de Alagoas: Mobilização, Fortalecimento e Efetivação.
Nota-se que para a consolidação da abordagem territorial como
estratégia de majoração sustentável para o meio rural brasileiro, deve-
se promover a articulação das políticas públicas integrantes da matriz
do Programa Territórios da Cidadania (PTC), por meio do arranjo das
instituições de ensino e pesquisa e das instâncias de Gestão Social dos
Territórios Rurais da Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT).

Caracterização do território

O Território Rural da Bacia Leiteira abrange uma área de 2.782,9


Km², sendo composto por 11 municípios localizados na região semiárida
do Estado de Alagoas, sendo eles: Pão de Açúcar, Palestina, Olho D'Água
das Flores, Monteirópolis, Jacaré dos Homens, Batalha, Jaramataia,
Major Isidoro, Belo Monte, Minador do Negrão e Cacimbinhas.
Atualmente, o referido território vem sendo assessorado pelo Núcleo
de Extensão em Desenvolvimento Territorial (NEDET) por meio de
parceria realizada entre a Secretaria de Desenvolvimento Territorial
e as Universidades Públicas, fato este que enaltece sua função social e
qualifica os territórios rurais.
A região da bacia leiteira alagoana (Figura 1) foi estabelecida
há cerca de 80 anos e tornou-se conhecida por sua alta produção
diária de leite e boa qualidade genética do rebanho bovino. Durante
muitos anos destacou-se por exercer um papel importante na economia
alagoana. Em 1990, formava o maior centro produtor de leite in natura
da Região Nordeste do Brasil. Contudo, atualmente essa atividade
enfrenta sérios problemas de competitividade, por diversos motivos,
especialmente no segmento de pequenos produtores.
Capítulo 2 - Os desafios e contradições da política territorial no Nordeste e seus rebatimentos... 39

Figura 1 – Mapa do Território da Bacia Leiteira

Fonte: PTDRS, 2006.


40 Josefa Mônica dos Santos, Franklin da Cruz Pereira e Marcelo Alves Mendes

De acordo com a Figura 1, norteiam-se as diretrizes e estratégias


apontadas no Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável
(PTDRS) da Bacia Leiteira e reafirmadas no processo de revisão das
ações a serem efetivadas, as quais revelam caminhos a serem considerados
e formas de envolvimento das instituições governamentais e organizações
da sociedade civil na construção do processo d e desenvolvimento
sustentável apoiado na estratégia de desenvolvimento territorial.
É importante destacar que, para tanto, aos resultados encontrados
no desenvolvimento do trabalho seria necessária toda uma articulação
entre o rigor e sistematização dos procedimentos, assim como reflexão
sobre a problemática desenvolvida – características qualitativas que serão
adquiridas no desenvolver da pesquisa junto ao orientador.
Utilizaram-se como procedimentos metodológicos os
embasamentos teóricos pesquisados, participação nas reuniões
realizadas no Grupo de Pesquisa sobre Dinâmica rural e Regional
(GDRR), revisões bibliográficas, trabalho de campo, pesquisa de dados
secundários no Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA),
PTDRS, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e
PTC seguido do tratamento de dados, a fim de estabelecer uma relação
entre o material teórico discutido e as expressões práticas analisadas
sob o olhar do pesquisador.

Agricultura familiar e políticas públicas no Brasil

Vale ressaltar que as políticas públicas, dentro da concepção de


suporte ao meio rural, devem considerar as potencialidades existentes
na articulação produtiva nos territórios, uma vez que, com base na visão
de Rocha, Schefler e Couto (2004, p. 222):

O território, enquanto espaço socialmente organizado, configura-


se no ambiente político institucional onde se mobilizam os atores
regionais em prol do seu projeto (ou seus projetos, mesmo
que encerrem conflitos de interesses) de desenvolvimento.
O principal objetivo é a geração de relações de cooperação
positivas e transformadoras do tecido social.
Capítulo 2 - Os desafios e contradições da política territorial no Nordeste e seus rebatimentos... 41

Diante da complexidade das relações dentro do meio rural, é


de grande importância evidenciar a relação do trabalho familiar nas
atividades desenvolvidas no estabelecimento rural, com destaque para
a combinação de atividades agrícolas e não agrícolas, pois é justamente
essa relação que permite a constituição de uma identidade própria ao
chamado agricultor familiar contemporâneo.
A partir da década de 1990, há uma proliferação de estudos
sobre a produção familiar. Como afirma Wanderley (2000a, p. 37),
“pela primeira vez na história, a agricultura familiar foi oficialmente
reconhecida como um ator social”, e passou a ser vista como campo
de ação de uma agricultura alternativa ao “padrão moderno vigente” que
predominou na agricultura brasileira e que não contemplou a grande
maioria dos produtores familiares.
Agricultura familiar não é propriamente um termo novo, mas seu
uso é relativamente recente, com ampla penetração nos meios acadêmicos,
nas políticas de governo e nos movimentos sociais, adquirindo novas
significações. Quando o poder público implantou uma política federal
voltada para este segmento, o Programa de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (PRONAF) (BRASIL, 1996), ou quando criou a Lei 11.326/2006,
a primeira a fixar diretrizes para o setor (BRASIL, 2006), a opção adotada
para delimitar o público foi o uso “operacional” do conceito, centrado
na caracterização geral de um grupo social bastante heterogêneo. Já no
meio acadêmico, encontram-se diversas reflexões sobre o conceito de
agricultura familiar, propondo um tratamento mais analítico e menos
operacional do termo.
Ao afirmar a existência de divergências no que se refere aos
princípios definidores da agricultura familiar, Carneiro (1999) apresenta,
de uma forma sintética, o que a partir de suas análises pode ser considerada
agricultura familiar e acrescenta que parece haver um consenso a esse
respeito, quando afirma que “por agricultura familiar entende-se, em
termos gerais, por ser a unidade de produção onde trabalho, terra e família
estão intimamente relacionados” (CARNEIRO, 1999, p. 329).
42 Josefa Mônica dos Santos, Franklin da Cruz Pereira e Marcelo Alves Mendes

Lamarche, considerando um quadro mais amplo, afirma:


“evidentemente que a exploração familiar tem passado também por
profundas transformações nestas últimas décadas, todavia foi bastante
afetada pelo caráter conservador da modernização agrícola: discriminatório,
parcial e incompleto” (LAMARCHE, 1997, p. 184).
Considera-se que a partir do desenvolvimento da agricultura
familiar e da inserção dos agricultores no meio produtivo, em decorrência
das modernas tecnologias, novas possibilidades de desenvolvimento
possam destacar e valorizar não somente o saber técnico apreendido
com o conhecimento da terra e da atividade agrícola, mas também a
possibilidade de reconhecimento social. Nesse contexto, caracterizando
a visão do agricultor familiar, Abramovay (1998, p. 35) expõe:

Em suma, o processo sucessório e a nova geração de agricultores


parecem obedecer a uma espécie de automatismo; a agricultura
familiar produz e gera novos agricultores familiares. As
possibilidades de aquisição ou ocupação de novas terras oferece
base objetiva para a força dos laços comunitários em que se
valorizam a manutenção da casa paterna, mas, sobretudo, a
reprodução do modo de vida ligado à atividade agrícola.

Desse modo, alguns conceitos sobre agricultura familiar são


importantes para entender melhor a organização e estrutura social
no meio rural. Para Wanderley (2000b, p. 123), a agricultura familiar
é um conceito genérico que incorpora uma diversidade de situações
específicas e particulares, a agricultura familiar continua a se reproduzir
nas sociedades modernas, devendo adaptar-se a um contexto
socioeconômico próprio dessas sociedades. Essas adaptações fazem
com que o agricultor passe a ser chamado “agricultor familiar moderno”.
Porém, conforme a autora, as mesmas não produzem uma ruptura total
e definitiva com as formas anteriores, pois é a tradição do agricultor que
permite sua adaptação às novas exigências da sociedade, caracterizando
uma nova forma de articulação produtiva no campo, por meio da qual
desenvolve atividades múltiplas no meio rural alicerçado no uso de
Capítulo 2 - Os desafios e contradições da política territorial no Nordeste e seus rebatimentos... 43

técnicas e/ou ferramentas mais modernas, a fim de potencializar o


desenvolvimento não só da agricultura, mas também da relação de
trabalho familiar, considerada a partir da segunda metade do século
XX uma agricultura moderna.
A categoria “agricultura familiar” foi incorporada por volta dos
anos de 1990 no universo das questões agrárias do Brasil, seja na
academia, no aparelho de Estado ou junto aos movimentos sociais
mais próximos da linha sindical da Central Única dos Trabalhadores
(CUT), da Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG)
e da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Brasil
(FETRAF-BRASIL).
É importante destacar que as políticas públicas se apresentam
como uma forma de coesão social, relacionada com o suporte dado ao
beneficiário e/ou agricultor familiar no intuito de promover a geração
não só de autonomia, mas também de um “capital social”, conforme
afirma Mendes (2012, p. 132), ou seja,

[...] não se pode negligenciar a importância do PRONAF para


os agricultores mais pobres, tendo em vista que não se trata
apenas de melhorar a capacidade produtiva e de qualidade de
vida, mas também de outro elemento que possibilita readquirir a
dignidade perdida há décadas diante do processo de exploração
e humilhação resultante da dependência técnica, econômica
e política que caracterizava o quadro social e as relações
de trabalho entre os pequenos produtores (proprietário,
arrendatário, meeiro, parceiro) e grandes produtores, que além
de monopolizarem a propriedade da terra, tinham influência
política em escala local e em alguns casos em escala
regional, influenciando na organização e produção do espaço
rural das áreas consideradas inviáveis para os objetivos do
desenvolvimento rural.

Na agricultura familiar, notadamente, há o resgate de um modo


de vida que associa conceitos de cultura, tradição e identidade. O aumento
dos problemas enfrentados pelas populações de grandes cidades tem
levado à busca de modos de vida mais saudáveis, à valorização de
44 Josefa Mônica dos Santos, Franklin da Cruz Pereira e Marcelo Alves Mendes

alimentos produzidos sem o uso de agrotóxicos, produtos produzidos


de forma artesanal, com a utilização de matéria-prima que exige menor
processamento industrial, além de um crescente desejo de maior contato
com a natureza.
Romero (1998) expõe uma visão simplória e bastante recorrente
em meados de 1990. Em suas palavras:

Em contraponto a esta ideia sobre o camponês, a Empresa


Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) considera a
agricultura familiar uma forma de produção em que núcleo de
decisões, gerência, trabalho e capital são controlados pela família,
e ressalta, ainda, que este segmento se trata de agricultores
que diversificam a produção para garantir a renda. Eles
incorporam novas alternativas de produção, principalmente as
agroecológicas, atendendo às novas demandas da população.

Observa-se, portanto, que o processo de valorização do


desenvolvimento local baseado em processos endógenos se constitui
no aproveitamento racional dos recursos disponíveis em unidades
territoriais delimitadas pela identidade sociocultural. Nesse contexto, a
agricultura familiar se apresenta como importante fator de atuação das
relações sociais, responsável por parte significativa das dinâmicas rurais
e de grande relevância na articulação rural-urbana, especialmente em
municípios menores.

Gestão social e empoderamento nos territórios rurais

A partir da segunda metade do século passado, impulsionado pelos


avanços técnico- científicos, o espaço mundial tem se reestruturado em
ritmo intenso, propiciado pelos avanços tecnológicos e pela integração
dos países por meio da integração/desintegração econômica global.
A noção de empoderamento surge na segunda metade do
século XX, no caso do Brasil mais precisamente após os anos 90,
como analisa Herrick (1995): “nessa perspectiva todos os indivíduos
devem desenvolver suas próprias habilidades para dar conta de suas
necessidades e devem ser empowered (ganhar poder) para tanto”. Observa-
Capítulo 2 - Os desafios e contradições da política territorial no Nordeste e seus rebatimentos... 45

se que o empoderamento surge como uma estratégia fundante na busca


pela autonomia dos agricultores familiares, tendo em vista a articulação
produtiva existente.
Com isso, diante da crise econômica e política enfrentada pelos
países centrais a partir da década de 1950, houve uma política de
incentivo ao processo de descentralização industrial em direção aos
países subdesenvolvidos, como países asiáticos, africanos e latino-
americanos, entre eles o Brasil. Dessa forma, a agricultura, como parte
do processo, foi inserida principalmente no que se refere à produção
e o consumo.
Assim, a partir da inserção da agricultura no mercado capitalista,
os efeitos foram expressos na ampliação do desemprego estrutural, além
da fome em escala global, pois tal modernização permitiu beneficiar o
grande produtor rural, excluindo deste processo o pequeno produtor que
não possuía capital e informação para se adaptar às mudanças ocorridas
na agricultura.
Nesse contexto histórico e político, caracterizado pelas crises
econômicas e por imposições ditatoriais implantadas por mais de duas
décadas no Brasil, reaparece no cenário nacional o debate no final
dos anos 1980 e início da década de 1990 acerca da relação Estado/
Sociedade e das novas perspectivas de intervenção institucional em prol
do desenvolvimento rural brasileiro.
É importante expor que inicialmente ao processo de elaboração
da política nacional para o meio rural, associou-se a concepção do
desenvolvimento rural à ação política intervencionista nas áreas rurais
com base na atuação do Estado (NAVARRO, 2001); dessa forma, o
Estado exercia a função mediadora dos interesses dos atores sociais
do meio rural e das políticas públicas capazes de realizar no conjunto
um quadro de melhoria das condições de vida para os trabalhadores
rurais brasileiros.
Nestes termos, em virtude das transformações econômicas e
políticas dos anos 1990, as regiões Norte e Nordeste do Brasil operaram
como laboratório social das políticas de desenvolvimento rural por serem
46 Josefa Mônica dos Santos, Franklin da Cruz Pereira e Marcelo Alves Mendes

consideradas as regiões economicamente marginalizadas pelo processo


de modernização agrícola, centralizado nas demais regiões brasileiras e
explorada por várias décadas. Em parte, tal proposição foi sintetizada
por Schneider (2010, p. 512), quando analisou o desenvolvimento rural
no seu contexto histórico, apontando que “esta forte identificação
do desenvolvimento rural com a agenda das ações de intervenção do
Estado ou das agências de desenvolvimento acabou afastando muitos
pesquisadores e estudiosos deste tema, por considerá-lo excessivamente
político e normativo”.
Diante das mudanças processadas no sistema econômico e político,
o meio rural também operou como palco dessas mudanças, possibilitando
novos olhares e novas estratégias de intervenção dos diferentes atores
sociais que compõem o mundo rural, inclusive dos estudiosos deste tema,
que retomaram pesquisas anteriormente deixadas de lado face ao caráter
centralizador do Estado e dos objetivos pautados exclusivamente no
processo de modernização do campo.
A ideia de território contribui para uma dinâmica voltada ao
desenvolvimento. Entretanto, é necessário entender o papel do rural
no território, compreendendo que o “espaço local é, por excelência,
o lugar da convergência entre o rural e o urbano; um programa de
desenvolvimento local não substitui o desenvolvimento rural, mas o
incorpora como parte integrante” (WANDERLEY, 2000a, p. 52). Assim,
entender o mundo rural como ambiente que se atribui às particularidades
é reconhecer que:

[...] As populações rurais, mais do que instrumentos da


produção agrícola, são autoras e consumidoras de um modo de
vida que é também um poderoso referencial de compreensão
das irracionalidades e contradições que há fora do mundo real
(MARTINS, 2001, p. 64).

Em relação à discussão sobre a emergência em torno do


desenvolvimento rural pós década de 1990, talvez um dos principais
fatores possa estar relacionado ao debate sobre agricultura familiar e
Capítulo 2 - Os desafios e contradições da política territorial no Nordeste e seus rebatimentos... 47

seu potencial como modelo social e econômico, que, apesar de não se


referir a um novo fenômeno, trata-se de uma nova maneira de interpretar
a realidade do meio rural, repleto de contradições, diferenças e
semelhanças entre o passado e o presente na concretude das relações
sociais e de produção da unidade familiar.
Vale ressaltar que o modelo de desenvolvimento rural adotado
no Brasil, privilegiando os grandes produtores rurais com base
em tecnologia, capital e produtividade, acarretou o deslocamento
considerável de milhares de trabalhadores e agricultores familiares
entre as regiões brasileiras, especificamente em direção aos grandes
centros urbanos do Sudeste e Sul do Brasil ao longo das últimas
décadas. Daí a importância e reconhecimento da agricultura familiar
como fator indutor não somente da distribuição espacial da população,
mas como norteador das relações econômicas, sociais e políticas para
os anos mais recentes.
Nestes termos, é necessária a implementação de políticas agrícolas
direcionadas para o agricultor familiar “contemporâneo”, capaz de
melhorar as condições de vida para a população do campo, em
especial para atender às expectativas dos agricultores mais jovens, como
mecanismo para garantir, em parte, a reprodução da unidade familiar,
mas, sobretudo, da agricultura familiar do nosso país.
Para Marques (2002), as propostas de desenvolvimento rural
em nosso país têm se apoiado em experiências recentes observadas
em países como França e Estados Unidos. Ressalta-se que é preciso
estar atento para a realidade brasileira e suas particularidades, que são
bem diferentes das apresentadas em outros países.
Atualmente, várias ações institucionais têm demonstrado interesse
nas questões que envolvem a pobreza rural, elaborando um conjunto
de ações descentralizadas que podem promover, de forma organizada,
o empoderamento dos atores sociais e dinamizar as condições de
reprodução da agricultura familiar numa perspectiva territorial orientada
pelos princípios e valores da gestão social dos espaços rurais. Assim,
o objetivo dos programas e das políticas públicas, elaboradas pelo
48 Josefa Mônica dos Santos, Franklin da Cruz Pereira e Marcelo Alves Mendes

governo federal sob uma abordagem territorial e seus desdobramentos,


resultam de debates envolvendo instituições internacionais com foco
nas questões rurais, da participação de intelectuais ligado às universidades
e de grupos da sociedade civil organizada.
Com a perspectiva de fortalecimento da participação social na
utilização e acompanhamento dos recursos públicos, a partir de 2004,
são criados os territórios rurais vinculados à SDT, no âmbito do MDA,
com a finalidade de promover o empoderamento dos atores sociais
representados por diversos segmentos da sociedade civil e instituições
públicas e privadas, assim como os Colegiados Territoriais e os Conselhos
Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS), com
foco na descentralização do poder político e na gestão participativa dos
recursos públicos.
Nota-se que alguns dos grandes desafios da gestão social estão
relacionados à herança cultural, ligada, ainda, ao uso de técnicas
rudimentares de produção passadas de geração em geração e ao
conservadorismo dos agricultores familiares em respeito ao acesso e
uso de novas tecnologias frente aos novos paradigmas do meio rural
brasileiro, assim como à “falsa democracia” estabelecida em entidades
construídas com princípios teoricamente democráticos, a qual implica
o próprio caráter de supressão de uma “democracia” no campo.
Portanto, abordar a questão da gestão social e do empoderamento
dos trabalhadores rurais na atual conjuntura requer incorporar
a complexidade das relações sociais que definem e redefinem o
comportamento e os processos sociais nos espaços democráticos
deliberativos. Nesse sentido, torna-se necessário debater o conceito de
gestão social entre todos os atores sociais, inclusive com os verdadeiros
protagonistas, os agricultores familiares, com a finalidade de construir uma
identidade social comprometida com os desafios e perspectivas daqueles
que vivem e se reproduzem no meio rural brasileiro.
Capítulo 2 - Os desafios e contradições da política territorial no Nordeste e seus rebatimentos... 49

Uma abordagem sobre o desenvolvimento territorial e os


delineamentos das políticas públicas em suporte ao meio rural na
bacia leiteira

O território da Bacia Leiteira de Alagoas em comparação ao


Brasil apresenta índice de IDH-M de 0,576, considerado muito baixo, a
exemplo do município de Belo Monte, que, no decorrer de uma década,
mostrou um acanhado quadro evolutivo (ver Quadro 1) e, porque não
dizer, quase estagnado nas áreas de educação, renda e longevidade, bem
distantes da realidade da média nacional e até mesmo em comparação
aos demais municípios do território, evidenciando a carência na adoção
de políticas públicas de fixação da população no município. Em se
tratando de renda, percebe-se também a inferioridade do território da
Bacia em comparação ao Brasil durante o período analisado.
50

Quadro 1 – Dados sobre Desenvolvimento Humano na Bacia Leiteira 2000 e 2010


IDHM IDHM IDHM IDHM IDHM IDHM
IDHM IDHM
Renda Renda Longevidade Longevidade Educação Educação
Lugar (2000) (2010)
(2000) (2010) (2000) (2010) (2000) (2010)
Brasil 0,612 0,727 0,692 0,739 0,727 0,816 0,456 0,637
Batalha 0,401 0,594 0,551 0,563 0,622 0,752 0,188 0,496
Belo Monte 0,331 0,517 0,419 0,507 0,629 0,725 0,137 0,376
Cacimbinhas 0,359 0,531 0,463 0,559 0,621 0,697 0,161 0,384
Jaramataia 0,386 0,552 0,441 0,532 0,629 0,701 0,207 0,451
Jacaré dos 0,4 0,583 0,535 0,543 0,634 0,759 0,188 0,481
Minador do 0,384 0,563 0,446 0,541 0,672 0,767 0,189 0,43
Olho D'Água 0,405 0,565 0,511 0,568 0,633 0,752 0,206 0,422
Pão de Açúcar 0,434 0,593 0,495 0,536 0,664 0,793 0,249 0,491
Palestina 0,402 0,558 0,421 0,505 0,61 0,735 0,253 0,467
Monteirópolis 0,38 0,539 0,516 0,497 0,618 0,71 0,172 0,443
Major Isidoro 0,365 0,566 0,441 0,566 0,634 0,755 0,174 0,424
Fonte: PNUD, dados sobre desenvolvimento humano 2000 e 2010.
Josefa Mônica dos Santos, Franklin da Cruz Pereira e Marcelo Alves Mendes
Capítulo 2 - Os desafios e contradições da política territorial no Nordeste e seus rebatimentos... 51

Com base nestes dados, depreende-se que existem muitas


fragilidades na área estudada, mas, por outro lado, nesse processo,
consideram-se as possibilidades de criação de políticas institucionais
para que o Estado e as organizações e instituições da sociedade civil
realizem acordos e/ou parcerias pautadas em interesses comuns dada a
importância das políticas de desenvolvimento das potencialidades locais,
visto que o debate poderá propiciar um desenvolvimento satisfatório,
culminando no fortalecimento da região, especialmente no meio rural,
onde os investimentos para fixação da população são reduzidos.
Segundo Schneider (2006, p. 64),

Em face deste processo, considera-se que estão dadas as


condições políticas e institucionais para que tanto os agentes
de Estado como os organismos e instituições da sociedade civil
iniciem um processo de discussão e concertação de interesses
em torno do papel e das potencialidades que a pluriatividade
poderá propiciar ao desenvolvimento ainda mais vigoroso da
agricultura familiar no meio rural brasileiro.

O Quadro 2 mostra que em boa parte dos municípios a


população rural vem diminuindo ao longo dos anos, exceto nos
municípios de Batalha, Belo Monte, Major Isidoro e Palestina, onde
ocorreu um pequeno aumento populacional.
52

Quadro 2 – População do Território da Bacia Leiteira de Alagoas 2000 e 2010

População População População População População População


Lugar total total rural rural urbana urbana
(2000) (2010) (2000) (2010) (2000) (2010)
Batalha 14.799 17.076 4.477 5.034 10.322 12.042
Belo Monte 7.061 7.030 5.835 5.859 1.226 1.171
Cacimbinhas 9.552 10.195 5.316 4.793 4.236 5.402
Jacaré dos Homens 6.404 5.413 2.894 2.381 3.510 3.032
Jaramataia 5.788 5.558 2.901 2.645 2.887 2.913
Major Isidoro 17.639 18.897 9.104 9.591 8.535 9.306
Minador do 5.625 5.275 3.727 3.023 1.898 2.252
Olho D'Água das 19.417 20.364 6.421 6.375 12.996 13.989
Palestina 4.523 5.112 1.509 1.875 3.014 3.237
Pão de Açúcar 4.785 23.811 13.979 13.042 10.806 10.769
Monteirópolis 6.557 6.935 4.549 4.420 2.008 2.515

Fonte: PNUD, População Urbana e Rural nos anos de 2000 e 2010.


Josefa Mônica dos Santos, Franklin da Cruz Pereira e Marcelo Alves Mendes
Capítulo 2 - Os desafios e contradições da política territorial no Nordeste e seus rebatimentos... 53

De acordo com o PTDRS da Bacia Leiteira referente ao ano de


2010, atualmente estão destacadas como ações prioritárias as relacionadas
à promoção da gestão social e participação popular ligadas aos projetos;
no entanto, o crescimento esperado ainda não aconteceu.
Ainda de acordo com o plano s u p r a c i t a d o, o número
reduzido de instituições não governamentais e organizações sociais
fortalecidas, presentes no Território, dificultam as ações territoriais. É
importante considerar que a desarticulação das ações promovidas pelos
órgãos estaduais acontece em torno do fomento ao desenvolvimento
territorial sustentável. É grande o desafio para participação dos
entes governamentais com maior ligação às áreas sociais, como
saúde, assistência social e cultura, a fim de estruturar ações para o
desenvolvimento social na área estudada.
Por outro lado, podem ser destacadas experiências de articulação
territorial da educação contextualizada e da articulação do semiárido.
Porém, ainda é insuficiente o envolvimento de instituições parceiras,
diante da diversidade de instituições que atuam no território.
Dessa maneira, para uma maior articulação e planejamento das
ações a serem desenvolvidas nos territórios rurais de forma geral,
são delineados alguns objetivos estratégicos expressos no PTDRS da
Bacia Leiteira, são eles:

● Estimular a formação de uma consciência ambiental;


● Garantir o LAZER PARA TODOS;
● Melhorar os serviços públicos e a participação dos atores sociais
na definição de estratégias para melhorar as políticas públicas;
● Nivelar as atividades produtivas da pecuária e a interação de
outras atividades produtivas inovadoras;
● Propiciar o resgate da cultura popular e o acesso à informação;
● Reestruturar e ampliar as organizações sociais.

Verifica-se na Figura 2 que, de acordo com pesquisa realizada nos


territórios rurais do Estado de Alagoas, há uma espécie de precarização
54 Josefa Mônica dos Santos, Franklin da Cruz Pereira e Marcelo Alves Mendes

das condições de comercialização junto ao mercado institucional


alagoano.

Figura 2 – Dificuldade do empreendimento na


comercialização no mercado institucional

Fonte: pesquisa de campo nos territórios rurais do estado de Alagoas, julho de 2014.

Segundo as informações concedidas por 60% dos entrevistados,


foram destacadas como de alta importância a necessidade de recursos
humanos para a elaboração de projetos e a sazonalidade como quesitos
importantes para a inclusão no mercado institucional, no entanto, não
lhes é assegurada satisfatoriamente a assistência adequada para tal; para
50% falta planejamento, há também grande dificuldade na logística e
no transporte dos produtos, tendo em vista que tanto a infraestrutura
governamental oferecida é insuficiente, quanto as organizações sociais.
No que se refere às questões burocráticas, como, por exemplo, a
documentação, apenas 33% dos entrevistados consideram relevantes
para garantir a comercialização dos produtos no mercado institucional.
Cabe ainda ressaltar que 33% dos entrevistados consideram de média
importância a questão relacionada ao lucro reduzido, enquanto
80% deles acreditam que os editais inadequados oferecem grandes
dificuldades para sua inserção no mercado produtivo rural.
Capítulo 2 - Os desafios e contradições da política territorial no Nordeste e seus rebatimentos... 55

De acordo com a pesquisa no Território Rural da Bacia Leiteira,


como observa-se na Figura 3, a principal dificuldade encontrada para a
comercialização de produtos é a exigência dos mercados, tendo em vista
a necessidade de regularização na documentação do empreendimento
junto aos órgãos de controle e também relacionada à certificação
dos produtos, pois somente a partir desta regularização o agricultor
conseguirá comercializar os seus produtos no mercado institucional,
seguindo todas as normatizações estabelecidas.

Figura 3 – Dificuldades mais frequentes do


empreendimento na comercialização

Fonte: pesquisa de campo nos territórios rurais do estado de Alagoas, julho de 2014.

Assim, em primeiro lugar, o colegiado não deve entender o Projeto


de Infraestrutura e Serviços nos Territórios Rurais (PROINF) como a
única via de atração dos membros do colegiado, e esses projetos não
devem ser finalizados no momento do envio para Sistema de Gestão
de Convênios e Contratos de Repasse (SICONV). No que se refere
à Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) no território, sua
realização é feita pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão
Rural (EMATER) que, em virtude de suas limitações técnicas e
operacionais, não conseguem atender às demandas apresentadas pelos
agricultores familiares, principalmente nos últimos anos em que o
microcrédito rural tem aumentado significativamente.
56 Josefa Mônica dos Santos, Franklin da Cruz Pereira e Marcelo Alves Mendes

Identificou-se que nos últimos dez anos o acesso dos agricultores


familiares ao microcrédito orientado tem aumentado demasiadamente,
seja por meio de entidades públicas, principalmente o Banco do
Nordeste do Brasil (BNB) através do Agroamigo, seja, também, por
meio de Cooperativa de Crédito presente no Território da Bacia Leiteira.
Com base nos dados coletados, o lucro reduzido é outro
fator que interfere significativamente na comercialização dos produtos,
uma vez que é afetado diretamente pelo alto custo de produção e
circulação das mercadorias. Há que se considerar, ainda, a grande
dificuldade de profissionalização dos produtores, tendo em vista que
a assistência técnica e suporte tem se transformado em um entrave ao
desenvolvimento rural territorial.

Considerações finais

As políticas públicas têm um papel decisivo no fortalecimento e


estímulo às ações que visem ampliar as diversas formas de atividades no
meio rural. A que se considerar, ainda, que o padrão de crescimento que
o Brasil vem experimentando nas últimas décadas, e na área estudada, não
é diferente, pois pode representar um dos mecanismos de revitalização
do meio rural, sendo resultado de estratégias elaboradas em significado
de possibilidade à reprodução orientada na unidade de produção.
No território da Bacia Leiteira os resultados gerados a partir
da efetivação dos recursos do Projeto de Infraestrutura e Serviços
nos Territórios Rurais (PROINF) são desanimadores, apesar de todos
destacarem a necessidade do envolvimento mais efetivo do MDA e das
prefeituras na política territorial. Em primeiro lugar, o colegiado não
deve entender o PROINF como a única via de atração dos membros
do colegiado, e esses projetos não devem ser finalizados no momento
do envio para Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse
(SICONV).
Ademais, a assistência técnica em extensão rural é um dos maiores
entraves para a efetivação das políticas públicas para o meio rural nas
Capítulo 2 - Os desafios e contradições da política territorial no Nordeste e seus rebatimentos... 57

diversas instâncias públicas ou privadas. A entidade pública responsável


pela Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) no território é
a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) que,
em virtude de suas limitações técnicas e operacionais, não conseguem
atender às demandas apresentadas pelos agricultores familiares,
principalmente nos últimos anos em que o microcrédito rural tem
aumentado satisfatoriamente.
De forma geral, identificou-se que nos últimos dez anos
o acesso dos agricultores familiares ao microcrédito orientado tem
aumentado significativamente, seja através de entidades públicas,
principalmente o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) através do
Agroamigo, seja também por meio de Cooperativa de Crédito presente
no Território da Bacia Leiteira. No primeiro caso, o Agroamigo atende
atualmente 4022 clientes distribuídos irregularmente no Território Rural
da Bacia Leiteira, destacando-se os municípios de Major Isidoro (831
contratos), Belo Monte (666 contratos) e Monteirópolis (621 contratos),
cujo valor contratado entre os municípios que compõem o território
da Bacia Leiteira correspondem a R$ 10.401.083,98. No entanto, a
liberação de microcrédito para a agricultura familiar isoladamente
não é suficiente para promover a emancipação e autonomia da unidade
familiar, particularmente na região Nordeste do Brasil.
Capítulo 3

Análise das heranças ocasionadas pelas ações do


projeto de desenvolvimento comunitário da região do rio
Gavião – Pró-Gavião

Fernanda Viana de Alcantara


Rafael Carvalho

Introdução

O discurso do desenvolvimento contemporâneo está sedimentado


pelas regras da globalização econômica, da valorização do capital
financeiro e das relações dominantes que se realizam por meio de redes
de controle das informações, da apropriação do conhecimento e da
capacidade de coordenação financeira.
O desenvolvimento é visto, em grande parte das concepções,
sempre vinculado à produção de indicadores, sem associá-los a uma
dinâmica maior onde estão envolvidos os sujeitos sociais. A questão
econômica é importante e apresenta seu espaço; no entanto, o debate sobre
desenvolvimento que entrelaça os aspectos econômico, socioambiental
e político-institucional aponta para a necessidade de compreender que a
base do desenvolvimento não é somente a dimensão econômica, vai além.
60 Fernanda Viana de Alcantara e Rafael Carvalho

Ao admitir que o desenvolvimento engloba os aspectos econômico,


socioambiental e político, observa-se que o Brasil ao longo do seu
processo histórico construiu o que se pode denominar um verdadeiro
“hiato na fragmentação social”, em que claramente se estabelecem severas
fronteiras entre os diferentes grupos que compõem a sociedade brasileira;
o desafio apresentado então é encontrar, em longo prazo, alternativas
para amenizar e∕ou romper as fronteiras sociais e gerar o tão esperado
desenvolvimento.
É ingenuidade pensar em um desenvolvimento instantâneo1 frente
à necessidade de corrigir a desigual distribuição de renda, garantir a
qualidade das políticas públicas e considerar as políticas macroeconômicas
necessárias, além de ampliar a eficácia e quantidade das políticas
microeconômicas. Diante disso, emerge uma preocupação quanto à
formulação de um projeto nacional de desenvolvimento capaz de permitir
a integração à economia globalizada, pois ainda é presente a discussão
do processo de integração regional.
Assim, insere-se no debate o tema sobre programas e políticas
públicas, o conjunto de formulações sobre o desenvolvimento e a
discussão sobre sua viabilidade. E, quando se trata da formulação
de programas e políticas públicas, a visão do que se entende por
desenvolvimento exerce papel norteador para a formulação e seleção
dos objetivos. Consequentemente, na interpretação e efeitos dos seus
resultados.
Nesse contexto, é crescente a preocupação com o desenvolvimento.
Recentemente, autores como Abramovay (2007), entre outros, começaram
a discutir sobre a questão do desenvolvimento com vistas ao combate e
redução da pobreza, ou à atenuação das diferenças regionais nos aspectos
econômicos, sociais, produtivos e na perspectiva ambiental.
Dentro da discussão, o momento é de encontrar alternativas viáveis
neste processo para a promoção do desenvolvimento. No Brasil, observa-
se grande preocupação na formulação de políticas públicas direcionadas
à questão regional e territorial. O eixo principal é a preocupação com
1
O termo é utilizado para definir uma transformação rápida, imediata, que não se aplica ao
desenvolvimento como um processo.
Capítulo 3 - Análise das heranças ocasionadas pelas ações do projeto de desenvolvimento... 61

os aspectos econômicos; as preocupações com os aspectos sociais e


ambientais ficaram algumas vezes em segundo plano. Este ponto de vista
é também apresentado por Araújo et al. (2009), e ajuda na compreensão
de que não se pode negar o papel dos aspectos sociais e ambientais e até
mesmo culturais ao pensar o desenvolvimento.
Assim, não é possível afirmar que o desenvolvimento ocorreu de
fato, quando não há mudanças que interfiram na estrutura e nas condições
de vida dos grupos sociais mais vulneráveis. Para pensar essa questão,
torna-se necessário discutir sobre as causas e consequências do processo
de construção das desigualdades que são verificadas nos espaços urbano
e rural no Brasil.
Quando se construiu um país subdesenvolvido, construiu-se,
também, um Brasil em que o urbano representa manifestações do
moderno e o espaço rural atrasado socialmente. Este aspecto contribuiu
de forma negativa para que o espaço rural se tornasse mais carente, relativo
às iniciativas com foco no desenvolvimento. Isso sugere maior necessidade
de interferência no espaço rural, visto que se conformou num formato
de área economicamente mais fragilizada. De modo especial, destaca-se
o Nordeste, porque a maior parte dos municípios possui população rural
significativa.
As populações rurais ou urbanas estão inseridas nesse contexto
de desafio do desenvolvimento a fim de atender às esferas econômicas,
sociais e ambientais. Nesse sentido, o foco da presente análise é o espaço
rural, e especificamente as intervenções nas áreas rurais, mas não é uma
análise isolada, considera fatores externos que exercem influência nos
lugares.
Construir forças locais implica estabelecer olhares em diferentes
e diversas dimensões. Quanto às influencias que os fatores externos
exercem, Araújo (2000, p. 116) afirma:

Ao longo de quatro séculos, desde seu descobrimento pelo


capital mercantil em busca de internacionalização, até o século
atual, o Brasil se constituiu como um país rural, escravocrata
e primário-exportador. No século XX é que emerge o Brasil
62 Fernanda Viana de Alcantara e Rafael Carvalho

urbano-industrial e de relações de trabalho tipicamente


capitalistas. As antigas bases primário-exportadoras, embora
montadas no amplo litoral do país, eram dispersas em diversas
regiões, tendo associadas a elas as indústrias tradicionais.

A respeito das análises sobre o desenvolvimento brasileiro,


evidencia-se que o processo de industrialização acelerada da economia
desencadeou o aumento da desigualdade regional e da concentração
industrial da região Centro-Sul. Historicamente, a região Nordeste
caracterizou-se pela sua fragilidade econômica, e constitui-se como alvo
das experiências de planejamento e execução de ações governamentais,
que se apresentam como alternativas para alcançar uma possível “solução”
para o quadro de pobreza estrutural.
Nesse contexto, a investigação realizada teve como intuito estudar
as políticas públicas, especialmente aquelas cujo sentido é promover
ações na perspectiva do desenvolvimento. De modo mais específico,
procurou-se averiguar e analisar os resultados alcançados pelo Projeto
de Desenvolvimento Comunitário da Região do Rio Gavião, o qual se
tornou popularizado como Pró-Gavião2.
De modo mais preciso, buscou-se investigar as ações viabilizadas
pelo Pró-Gavião que mesmo depois de alguns anos da sua conclusão
continuam gerando benefícios para as comunidades rurais e também
verificar as impressões dos produtores rurais sobre os legados do
projeto. Para operacionalização do trabalho, foi necessária a construção
de momentos distintos para o levantamento dos dados e informações.
Dessa maneira, o primeiro passo constituiu-se na revisão bibliográfica
e leituras a respeito do tema proposto, bem como dos documentos a
respeito do Projeto Gavião, tais como o Projeto de Implantação do Pró-
Gavião, dentre outros documentos.
Também foi realizado trabalho de campo com visitas a todas
as comunidades (duzentas e quatro) beneficiadas em treze municípios
baianos. Destaca-se que todas as comunidades foram referenciadas
com a utilização de Global Positioning System (GPS); além disso, foram
2
O Projeto de Desenvolvimento Comunitário da Região do Rio Gavião será tratado neste trabalho
como Pró-Gavião, nome pelo qual se popularizou.
Capítulo 3 - Análise das heranças ocasionadas pelas ações do projeto de desenvolvimento... 63

também efetivadas entrevistas, conversas informais, realizados registros


fotográficos e anotações em cadernetas de campo – tudo foi utilizado
para a elaboração das análises.

Desenvolvimento e Políticas Públicas: O Nordeste como cenário


das experiências

De modo contundente, os problemas sociais se fixam e


visivelmente aparecem nas produções sobre o debate da questão regional,
que tem o Nordeste como centro. Araújo (2000, p. 52), entre outros
autores, chama a atenção para as diferenciações: “Apesar do intenso
crescimento da pobreza nas áreas urbanas, a questão social nas zonas
rurais é relativamente mais grave [...]”.
Informações que apontam para uma situação de pobreza no
Nordeste se tornam corriqueiras, e ressaltam a presença das experiências
voltadas para o desenvolvimento, que ganha dimensão conforme as
necessidades e, especificamente, com o surgimento da “Questão Regional”
no Brasil e da velha cantilena do Nordeste como “região problema”.
No final dos anos 1950, ao observar o quadro socioeconômico do
Nordeste, as características apontavam para uma região estruturalmente
pobre em relação às áreas mais dinâmicas do país, com poucas perspectivas
de superação dos problemas de natureza social e econômica.
A colonização brasileira teve início na costa nordestina,
consequentemente foi a primeira a ser explorada, fato que apontava para
os possíveis problemas ocasionados pelo processo de exploração, visto
que a exploração econômica definiu os rumos da colonização.
Nesse sentido, a experiência açucareira apresentou dimensões
ímpares relacionadas à geração de lucro, à necessidade de fixação e à
defesa das novas terras. Foram os engenhos, desde o início, os marcos
da ocupação portuguesa em terras brasileiras, verdadeiros indicativos da
posse da terra.
A produção rapidamente se expandiu pelo Nordeste, cristalizando
o modelo do grande latifúndio, monocultura e escravismo. E o engenho
64 Fernanda Viana de Alcantara e Rafael Carvalho

ganhou espaço como núcleo da colonização e base da grande exploração


econômica; tornou-se firme, resultando em uma verdadeira civilização
do açúcar, que marcou séculos da história brasileira.
Como os caminhos para o crescimento contavam com muitas
alternativas resultantes do quadro natural diversificado, a posse da terra
e sua exploração direcionavam para o enriquecimento de uma pequena
parcela da população que dispunha de meios e estratégias para explorá-la,
e a partir daí acumular privilégios em detrimento de uma maioria formada
pelos menos favorecidos e necessários no trabalho, na movimentação da
plantação, do engenho e das demais atividades.
Este grupo era composto pelos índios que recusavam sujeitar-
se ao processo imposto, fato que dificultava o avanço dos planos de
conquista dos colonizadores; por este motivo um grande número deles
foi dizimado. À parcela dos desfavorecidos era acrescida a figura do
negro, que, ao ser escravizado, muitas vezes, também se opunha a esta
situação, promovendo as conhecidas revoltas negras. No entanto, isso
não foi o bastante para conter a consolidação de uma minoria autoritária.
Dessa forma, a produção, estimulada em função da plena expansão e
exploração agrícola, especialmente da cana-de-açúcar, apresentou sérios
problemas em virtude da escassez de mão de obra, o que dificultava a
conquista do Nordeste.
As raízes da constituição da região Nordeste podem ser resgatadas
nos estudos de alguns autores que apresentam valiosas contribuições,
entre os quais merece destaque Gilberto Freyre3, que retrata o cotidiano da
formação, das relações do passado colonial; além disso, apresenta a história
e os aspectos marcantes que caracterizaram um processo de constituição
do Brasil, especificamente da região Nordeste. Ainda na obra de Freyre
são apresentados os traços da presença do colonizador, evidenciando
o estabelecimento de uma forma de relação marcada pela desigualdade,
exploração em que a atividade mantenedora era especialmente agrária,
marcada pela prática da monocultura e presença do latifúndio.
3
Em 1933, foi publicada uma das suas mais importantes obras: Casa-Grande e Senzala. No âmbito
das ciências sociais a obra é utilizada para melhor compreensão do processo histórico da formação
do Brasil e da região Nordeste.
Capítulo 3 - Análise das heranças ocasionadas pelas ações do projeto de desenvolvimento... 65

A partir dos anos de 1950, surgem as contribuições de Josué


de Castro4 e Manuel Correia de Andrade, que tratam da formação do
Nordeste e dos principais fatores determinantes na constituição de uma
região que no cotidiano tem o retorno ao passado para compreensão
do contexto atual. Através da leitura da obra de Castro pode-se analisar
que os problemas sociais, tão corriqueiros na história do Nordeste, não
são de essência natural. Assim, as desigualdades, as formas de convívio
com o meio e o enfretamento da fome e da miséria são temas de ordem
social, e não reflexos da natureza e se apresentam de diferentes maneiras
no espaço brasileiro:

A fome no Brasil, que perdura, apesar dos enormes progressos


alcançados em vários setores de nossas atividades, é consequência,
antes de tudo, de seu passado histórico, com os seus grupos
humanos, sempre em luta e quase nunca em harmonia com os
quadros naturais. Luta, em certos casos, provocada e por culpa,
portanto, da agressividade do meio, que iniciou abertamente as
hostilidades, mas, quase sempre, por inabilidade do elemento
colonizador, indiferente a tudo que não significasse vantagem
direta e imediata para os seus planos de aventura mercantil
(CASTRO, 1984, p. 267).

Igualmente, a obra de Manuel Correia de Andrade fornece


significativa contribuição para o entendimento sobre o Nordeste. A
obra A Terra e o Homem no Nordeste teve sua primeira edição publicada em
1963, e apresenta em detalhes a trajetória de configuração da região; para
tanto, o autor desenvolve uma descrição histórica dos acontecimentos,
relatando os aspectos concernentes ao conceito da região Nordeste, ao
processo de colonização e ao crescimento. Nas últimas edições o autor
aborda questões relacionadas ao Nordeste no contexto do século XXI.
Em concordância com o autor, entende-se a importância de
se discutir a respeito da constituição do Nordeste, logo sua obra é
uma significativa contribuição para a compreensão do processo de
4
Josué de Castro apresenta relevante contribuição na compreensão dos problemas sociais que afetam
e que ainda estão presentes, como a questão da fome e das formas de sobrevivência humana em
meio às adversidades, em destaque a obra Geografia da Fome, de 1946.
66 Fernanda Viana de Alcantara e Rafael Carvalho

configuração desta região. Na verdade, a obra pode ser entendida como


um pivô ou ponto de partida para reflexões que instigam diversos debates
sobre a questão regional nordestina, desde o seu processo de colonização.

É o Nordeste uma das regiões geográficas mais discutidas


e menos conhecidas do País. Como ocorre, em geral, com
as regiões geográficas, nem os seus limites naturais, nem a
sua extensão são razoavelmente estabelecidos (ANDRADE,
2005, p. 35).

Observa-se que está para além da descrição dos fatores que


determinaram o processo de colonização da região Nordeste o
conhecimento sobre a consolidação do poder e das desigualdades que
marcaram a história do povo nordestino, o que conduz à percepção de
que situações entre a colonização e a fase atual ainda são desafios.
Detendo particular atenção aos índios e negros, como se dava a
relação destes com a terra e como ocorriam as lutas pela posse, observa-
se uma conflituosa troca entre o homem e a terra no Nordeste. Não
apenas no período da colonização nota-se um constante duelo entre
crise versus avanço. Foi assim no período da atividade com a cana-de-
açúcar, introduzida no século XVI, sem o cultivo de outras variedades.
Esse aspecto só sofreu alteração a partir do século XIX, juntamente
com o estabelecimento dos grandes engenhos, onde a lenha alimentava
as fornalhas e o bagaço era queimado na bagaceira.
Assim, atitudes do homem em relação à terra, não apenas no
Nordeste, têm variado através do tempo, e ainda variam entre regiões
e culturas. É um desafio construir uma relação de equilíbrio, que não
objetive apenas o lucro, mas a interação natureza e sociedade.
Partindo do entendimento de que há um constante processo
de mediação dos interesses e conflitos entre diferentes atores sociais
que atuam sobre um mesmo espaço, este processo define e redefine,
continuamente, o modo como os diferentes atores sociais, através de suas
práticas, alteram e se distribuem na sociedade, e os custos e os benefícios
decorrentes das ações.
Capítulo 3 - Análise das heranças ocasionadas pelas ações do projeto de desenvolvimento... 67

Ao considerar a ausência de uma gestão planejada, e a partir da


compreensão sobre a má utilização e distribuição da terra como um
processo social, é possível estabelecer suas correlações com a desigualdade,
que comporta dificuldades novas, outras antigas e recorrentes, tornando
viável a análise das interações entre sociedades e natureza.
Com muita propriedade, ao descrever a maneira como ocorreu o
desenvolvimento de todas as atividades econômicas e ao tratar da relação
do trabalho assalariado nos diferentes pontos do Nordeste, Andrade
(2005) se remete à questionamentos sobre a relação homem versus terra.
Afinal, o que impediu o êxito desta relação? A opção por um sistema de
economia capitalista?

Optando por um sistema de economia capitalista, os governos


que dirigiram o País nos últimos quarenta anos procuraram
transferir para as atividades agrícolas os sistemas de administração
de empresas, já dominantes nos setores industrias e comerciais,
que davam os primeiros passos no meio rural, sobretudo nos
setores dominados pelas grandes empresas, pela exploração
latifundiária (ANDRADE, 2005, p. 237).

Os reflexos do avanço do sistema capitalista revelam suas


contradições e expõem a exploração que lhe é intrínseca, e possibilita
enxergar que as estratégias mudaram; no entanto, os objetivos da minoria
detentora do poder se solidificaram. Hoje, ironicamente, depara-se, mais
uma vez, com a questão das alternativas de desenvolvimento para o
Nordeste, após justificativas para o fracasso, consolidando o Nordeste
como uma região de contrastes, resultantes de um desenvolvimento
regional desigual.
Todo o dinamismo alcançado pelo processo da globalização,
principalmente a partir da década de 1990, frequentemente provoca
a incômoda sensação de que cresce a defasagem. Nunca se verificou
tamanho emaranhado de informações, tendências e conhecimentos tão
facilmente divulgados e alterados em todo o planeta. O Nordeste, nesse
contexto, vivencia, conforme define Andrade (2005, p. 249), “o impacto
da globalização”, mas diante de um cotidiano marcado pela exploração
68 Fernanda Viana de Alcantara e Rafael Carvalho

da mão de obra, pela problemática da migração, da marginalização, da


subcondição de vida e outros desafios. Mas, de fato, qual é o impacto da
globalização, há tempos vivenciando e adequando-se gradativamente aos
moldes de um sistema seletivo e opressor?
Na região Nordeste, em consequência dos fatos políticos recentes
e das configurações que marcaram toda a sua história, foi vivenciado o
desafio do desenvolvimento com a adoção de ações efêmeras que não
atendiam aos anseios de todos. Ou, em razão das propostas expressivas
da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE),
que pretendia racionalizar os problemas das desigualdades regionais,
esta é também uma importante e longa discussão. Contudo, o que se
verificou foi a permanência das distâncias sociais e a cristalização do
poder em pequenos grupos, e o distanciamento do cidadão dos centros
das discussões e das decisões.
Como resposta a este quadro de inúmeros desafios e frente às
novas oportunidades, vê-se que as políticas relacionadas à questão social
não podem se restringir ao nível federal, mas devem ser ampliadas a fim
de identificar e avaliar iniciativas que se desenvolvam em todas as esferas,
transportando a colônia ao século XXI, superando a utopia e as incertezas
dos primeiros anos da conquista.
As experiências de “superação” foram muitas, algumas grandiosas e
ousadas, como a própria SUDENE, bem como os diagnósticos resultantes
do esforço do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste
(GTDN), que é objeto de discussão até hoje. Isso focado em uma
perspectiva macroeconômica que gerou contradições em toda a trajetória.
Contudo, a preocupação com o desenvolvimento tem normalmente
como centro as políticas; trabalha no sentido de promover ações que
objetivam assegurar melhorias na condição de vida do cidadão, via ajustes
na organização econômica, conservação e preservação do meio ambiente.
Na tentativa de dinamizar o crescimento, foram desenvolvidos
programas voltados para as regiões com menor crescimento, em
especial o Nordeste, que não alcançaram as expectativas em função da
inconstância e falta de articulação. Entre os quais estão o Programa de
Capítulo 3 - Análise das heranças ocasionadas pelas ações do projeto de desenvolvimento... 69

Integração Nacional (PIN), com o propósito de facilitar a mobilidade


e com vistas à construção da Transamazônica; e o Programa de
Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agropecuária do Norte-
Nordeste (PROTERRA), com o objetivo de facilitar a aquisição de
terras, registrados nos anos de 1970.
Com destaque ao Nordeste e suas áreas rurais, em 1974, cria-se
o Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste
(POLONORDESTE), com contribuições do Banco Mundial – Banco
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). E, ainda, a
proposta de dinamizar áreas do interior dos Estados do Nordeste por
meio da seleção de áreas que formavam o Projeto de Desenvolvimento
Rural Integrado (PDRI), propondo despertar as ações em conjunto,
envolvendo educação, assistência técnica, recursos hídricos e outros –
perfazendo um total de quinze componentes. Isso significa dizer que
a articulação das ações deveria ser o motor para o desenvolvimento, o
que de fato não ocorreu. Consequentemente, o programa deu lugar ao
Programa de Apoio ao Pequeno Produtor (PAPP), que reduziu o número
de componentes para cinco, mas não conseguiu manter a articulação
necessária.
Os anos de 1980 registraram os chamados polos de crescimento
com o intuito de gerar independência e incrementar o crescimento das
regiões por meio de investimentos do Governo Federal. De acordo com
Jesus de Souza (2009), destaca-se o Polo Petroquímico de Camaçari-BA,
nas áreas de Petrolina-PE e Juazeiro-BA, o Polo da Agricultura Irrigada;
e, ainda, o Complexo Têxtil e de Confecções em Fortaleza, e o Complexo
Mineral e Siderúrgico em Carajás.
A teoria dos polos de crescimento de François Perroux, discutida
por Andrade (1987), serviu como ponto de efetivação das políticas públicas
de desenvolvimento regional durante a fase áurea do planejamento
regional, principalmente nos países desenvolvidos. Mas, no decorrer do
tempo, mostrou suas limitações em face da falta de explicações sobre as
causas dos tais “desequilíbrios regionais”, trabalhando apenas com efeitos.
Daí o fracasso do planejamento e a inconsistência da Teoria de Perroux.
70 Fernanda Viana de Alcantara e Rafael Carvalho

Dessa forma, a priorização das ações com o objetivo de reduzir as


desigualdades regionais, como uma das formas de viabilizar a estratégia
de desenvolvimento de longo prazo no Brasil, tem na Constituição
Brasileira a sua garantia de execução por meio do exercício da democracia
pela sociedade a partir dos anos de 1990. Isso foi estabelecido no
Plano Plurianual (PPA), pelo Ministério do Planejamento, que reforça a
importância do desenvolvimento no país, através do estabelecimento de
eixos que atendam a esferas sociais e econômicas.
A Política Nacional de Desenvolvimento Regional tem sua
institucionalização no Decreto nº 6047 de 22 de fevereiro de 2007,
que a elevou à condição de política de governo; assim, ao Ministério
da Integração Nacional (MI) fica delegada a missão de coordenar e
articular os programas e ações voltados ao desenvolvimento regional
com ênfase na participação de atores regionais, sub-regionais, locais e
até internacionais, bem como a valorização das diversidades observadas
em todo o território nacional. Para atingir essa meta, são implementados
diversos programas nas diferentes partes do Brasil, com especial atenção
para as ações destinadas ao espaço rural, considerado um espaço mais
fragilizado, como o Programa de Combate à Pobreza Rural (PCPR, 2003).
O propósito de compreender a discussão do desenvolvimento
no contexto das políticas públicas considera as ideologias sobre
desenvolvimento e as propostas elaboradas para gerar a superação das
desigualdades produzidas.
Destaca-se que o processo e as abordagens do desenvolvimento
têm como eixo a intenção de revitalizar a interação dos atores políticos
e diferentes setores sociais, a exemplo do governo federal e estadual,
além dos órgãos não governamentais e a sociedade civil organizada na
busca pela melhoria das condições de vida das regiões economicamente
mais pobres.
Nas regiões consideradas menos desenvolvidas do país, onde
prevalecem as pequenas propriedades, tem-se como principal atividade
econômica a produção familiar; meio onde o conhecimento ainda é
repassado de uma geração para outra, e a observação do comportamento
Capítulo 3 - Análise das heranças ocasionadas pelas ações do projeto de desenvolvimento... 71

da natureza é determinante nas atividades de preparo e cultivo da terra.


Conforme Moura (1988), observa-se a reapropriação do antigo e a
criação do novo, mesmo sem dispor de grande aparato tecnológico e
com recursos financeiros disponíveis nas regiões que apresentam maiores
sinais de prosperidade.
Devido aos elementos já citados neste trabalho, observa-se maior
envolvimento das entidades governamentais com as propostas de políticas
e de programas voltados aos pequenos produtores rurais, principalmente
no semiárido nordestino; onde é recorrente a necessidade da efetivação
de políticas públicas direcionadas para a busca de soluções dos problemas
que ocorrem nas relações entre homem e meio, para o fortalecimento
do enraizamento dessas comunidades e para melhoria de suas condições
de vida.
Novamente, surge a preocupação em compreender o
desenvolvimento que, nesse contexto, passa pela dimensão política e
pela análise multidimensional, integradora e totalizante, capaz de eliminar
definitivamente o clientelismo e a permanência da subalternidade.
Na perspectiva da construção de regiões dinâmicas e articuladas
entre si, o Estado exerce um importante papel quando se torna capaz
de definir uma política estratégica de desenvolvimento que possibilite a
valorização dos territórios e suas autonomias relativas.
Esse processo é iniciado de modo especial na década de 1990,
quando são observadas muitas mudanças em pouco tempo. Entretanto,
não satisfatórias, pois, no Brasil, foi constatado que os números que
reforçam as estatísticas no aspecto econômico não são suficientes. O
país integra o grupo das grandes economias mundiais, está entre as dez
economias do mundo e, em contrapartida, peregrina na perspectiva de
resolver os problemas das disparidades regionais e da concentração de
renda.
Para fomentar estas possibilidades e novas formas de planejar e
pensar o desenvolvimento, as intervenções são elaboradas a partir de
outro ponto de vista, não mais pela via das políticas setoriais ou pelos
implementos de incentivos a determinadas atividades econômicas.
72 Fernanda Viana de Alcantara e Rafael Carvalho

Políticas Públicas e o Projeto de Desenvolvimento Comunitário da


Região do Rio Gavião

Ainda a respeito das chamadas políticas públicas no Brasil, verifica-


se que estas começam a ser repensadas no final do período do Regime
Militar, que centralizava e burocratizava o poder e inibia as iniciativas
contrárias, tais como qualquer forma de descentralização do poder ou
de organização da participação popular, ou seja, a ação do controle social
exercido pelas comunidades.
A abertura para o processo de descentralização nos diversos
municípios brasileiros foi consolidada pela Constituição Federal de
1988, assumindo formas sutis e refletindo em diferentes cenários do
espaço geográfico brasileiro. Cabe, aqui, o resgate da compreensão de
descentralização, que, em termos gerais, implica necessariamente uma
redistribuição de poder e, portanto, uma multiplicação dos núcleos de
poder político. Mas sua adoção somente se justifica, conforme alcança
os objetivos de uma oferta mais equilibrada de serviços públicos e uma
melhor distribuição da renda.
Na formulação de Dowbor (1993), o princípio da descentralização
refere-se à capacidade real de decisão de que são detentoras as demais
esferas de governo, com descentralização dos encargos, atribuições de
recursos e flexibilidade de aplicação. Não se trata de dotar as administrações
centrais de dedos mais longos, com a criação de representações locais, mas
de deixar que as administrações locais venham a gerir efetivamente as
atividades.
É interessante observar que, seguindo o quadro socioeconômico
do Nordeste, a Bahia também se caracterizava como uma área já
estruturalmente pobre, com poucas perspectivas de superação de seus
problemas de natureza social e econômica.
No Estado da Bahia, ocorreu também um processo de busca
por iniciativas que tivessem como propósito amenizar ou solucionar os
problemas socioeconômicos da população. Nesse contexto, merecem
atenção as ações promovidas pela Companhia de Desenvolvimento e
Capítulo 3 - Análise das heranças ocasionadas pelas ações do projeto de desenvolvimento... 73

Ação Regional (CAR), sendo esta uma empresa estatal criada em 1983,
vinculada à Secretaria do Planejamento do Estado da Bahia (SEPLAN),
com a finalidade administrativa de coordenar e promover a execução das
políticas voltadas ao Desenvolvimento Regional Sustentável na Bahia.
Em 1995, a CAR ampliou suas funções e passou a atuar, também,
nas esferas rural e urbana do Estado, exceto na Região Metropolitana de
Salvador. Concretiza-se, assim, uma tentativa de solucionar as disparidades
existentes dentro do estado.
Dentre as ações e programas desenvolvidos pela CAR, chama
a atenção pela sua dimensão e proposta de aumento da produção e
produtividade agropecuária e do enfoque na busca do “combate à
pobreza” o Projeto de Desenvolvimento Comunitário da Região do Rio
Gavião – O Pró-Gavião.
A CAR lançou, em 1997, o Projeto Gavião, assim denominado
por compreender o espaço territorial limitado pela bacia do Rio Gavião,
que está situada ao sul da parte central do Estado da Bahia, caracterizada
por condições ambientais muito frágeis e por um contexto histórico e
socioeconômico que produziu um quadro de pobreza rural socialmente
abrangente.
Para a implantação do referido projeto, foi inicialmente realizado
um trabalho de diagnóstico da região. Com base nesse diagnóstico, o
Pro-Gavião foi então elaborado pelos técnicos da CAR, que apresentaram
como objetivo geral: aumentar a renda e melhorar as condições de
vida das famílias rurais pobres, através de investimentos na produção
agropecuária e agroindustrial e na melhoria e ampliação da infraestrutura
e dos serviços básicos.
Este objetivo, por sua vez, se apoiava em quatro linhas
estratégicas de intervenções, voltadas para o fortalecimento e/ou
criação de organizações rurais de base, sendo elas: o melhoramento
da participação de agricultores e agricultoras; a importância atribuída
à relação entre o desenvolvimento e a mulher do meio rural; a redução
dos riscos relacionados com a seca; e o desenvolvimento da produção
agrícola.
74 Fernanda Viana de Alcantara e Rafael Carvalho

Com base no Diagnóstico-Projeto de Desenvolvimento


Comunitário da Região do Rio Gavião, foi realizada a seleção dos
municípios e também das comunidades a serem beneficiadas pelo projeto,
visto que em função da numerosa quantidade de comunidades rurais
destes municípios nem todas foram contempladas.
Foram considerados três níveis de investigação, sendo eles: o
produtor, a comunidade e a região. Para conhecimento do perfil dos
municípios e das comunidades, a equipe do Projeto visitou 309 (trezentas
e nove) comunidades e aplicou questionários para identificar os principais
problemas e possíveis alternativas de solução.
A área de atuação das ações do Pró-Gavião correspondeu a
14.718Km², o que equivale a 1,94% da superfície do estado da Bahia.
Os municípios que compõem a área de abrangência do Pró-Gavião são:
Anagé, Belo Campo, Caraíbas, Condeúba, Cordeiros, Guajeru, Jacaraci,
Presidente Jânio Quadros, Licínio de Almeida, Maetinga, Mortugaba,
Piripá e Tremedal. As metas estabelecidas pelo Pró-Gavião para atender
aos municípios foram direcionadas aos campos de desenvolvimento
comunitário, agropecuário e ao financiamento do desenvolvimento de
pequenas propriedades rurais.
Para concretizar a possibilidade de implantar processos
econômicos dinâmicos, baseados na pequena propriedade familiar das
áreas rurais dos treze municípios da bacia do rio Gavião, foram necessários
investimentos derivados dos recursos originados do Fundo Internacional
de Desenvolvimento Agrícola (FIDA)5, do Governo do Estado da Bahia
e dos próprios beneficiados do Projeto.
O FIDA, entidade que se tornou parceira de fundamental
importância para o Pró-Gavião, foi criado no ano de 1976, tendo como
5
O Capital Internacional para Desenvolvimento Agrícola (IFAD), uma agência especializada das
Nações Unidas, era estabelecido como uma instituição financeira internacional em 1977 como um
dos resultados principais da Conferência de Comida Mundial no ano de 1974. A Conferência foi
organizada em resposta às crises de alimentos principalmente dos países subsaarianos Africanos.
A conferência deliberou que um Capital Internacional para Desenvolvimento Agrícola deveria ser
estabelecido para financiar desenvolvimento agrícola imediatamente para a produção de comida nos
países em desenvolvimento. Uma das estratégias mais importantes que emergiram da conferência
foi que as causas de insegurança de comida e escassez não eram tanto fracassos em produção de
comida, mas problemas estruturais relativos à pobreza e para o fato que a maioria das populações
pobres do mundo em desenvolvimento se concentrou em áreas rurais.
Capítulo 3 - Análise das heranças ocasionadas pelas ações do projeto de desenvolvimento... 75

objetivo mobilizar e fornecer, em condições de favorabilidade, recursos


financeiros “suplementares” ao desenvolvimento agrícola dos Estados
Membros em desenvolvimento. Sediado em Roma, Itália, está integrado
ao Sistema das Nações Unidas, sendo uma instituição especializada em
políticas públicas.
Nesse sentido, as ações foram diversificadas de acordo com
o perfil dos municípios e tiveram como público-alvo, inicialmente,
aproximadamente 14.300 famílias rurais, atendidas num período de
sete anos. No entanto, os dados apresentados pelo Relatório Final do
Projeto indicam que o Pró-Gavião ultrapassou sua meta, chegando a
atender 17.111 famílias, adicionando 2.324 famílias, ou seja, 16% acima
do programado.
Na realização do trabalho de campo, por meio de conversas
informais, foi possível registrar ações do Pro-Gavião em comunidades
não selecionadas como alvo da intervenção, o que revela a abrangência
do projeto. Também se observou que algumas ações, como construção
de barragens e reservatórios para armazenamento da água da chuva em
um determinado local/propriedade têm alcance nas propriedades vizinhas
e até em outras comunidades.
Frente a essa realidade, verifica-se a importância da intervenção,
que no caso do Pro-Gavião alterou a configuração espacial e a dinâmica da
vida nas comunidades beneficiadas. Mas não se pode negar a persistência
de posturas que provocam o distanciamento entre as regiões e entre as
pessoas; duelando com uma aparente harmonia na visão globalizada de
mundo, detectou-se que problemas tão sólidos como os de desequilíbrios
regionais não são solucionados facilmente numa ação “mágica”.

Avanços e Recuos: Os Legados do Pró-Gavião

A concretização das ações do Pró-Gavião, de fato, não solucionou,


em definitivo, as questões das desigualdades e das precárias condições
de vida das comunidades rurais. Mesmo assim, do ponto de vista dos
pequenos produtores, algumas mudanças registradas por meio do
76 Fernanda Viana de Alcantara e Rafael Carvalho

desenvolvimento das ações do projeto foram consideradas positivas.


Os mesmos afirmam que a vida era pior antes da atuação do projeto.
Problemas como a falta de água, de eletricidade, de orientação técnica
temporária, entre outros, foram amenizados na região.
Com a conclusão das ações do Pró-Gavião, outras políticas públicas
continuaram atuando ou foram colocadas em prática, buscando melhorar
os “velhos” problemas socioeconômicos da região. Porém, muitas ações
implementas por meio do Pró-Gavião ainda permanecem presentes em
praticamente toda a área de atuação e, de forma significativa, trouxeram
melhores condições de vida para a população, entre as quais merecem
destaque as construções de cisternas para armazenamento das águas das
chuvas, conforme a Figura 1.

Figura 1 – Cisterna na comunidade Vaquetal no município de Anagé - BA

Foto: Rafael C. Santos/Pesquisa de campo, 2013.

Segundo relatos dos beneficiados, muitas das cisternas não foram


construídas de acordo com as orientações do projeto, visando à redução
de custos da mesma, o que afetou, em alguns casos, a sua estrutura.
Capítulo 3 - Análise das heranças ocasionadas pelas ações do projeto de desenvolvimento... 77

Os produtores rurais apontam esta ação como a mais importante


para a região. A sua relevância para a região foi singular, visto que os
municípios atendidos pelo Pro-Gavião enfrentam longos períodos
de estiagem. Algumas cisternas atualmente apresentaram pequenos
problemas na sua estrutura, mas uma significativa quantidade permanece
sendo utilizada pelos moradores para o abastecimento domiciliar, ou, no
caso dos que foram beneficiados com uma nova cisterna da CAR, do
Programa Água para Todos ou outra política, e a antiga continuou sendo
útil, passando a ser usada para dar água aos animais e/ou para a irrigação
de pequenos cultivos, como o de hortaliças.
De fato, as cisternas contribuíram para a permanência dos
agricultores em suas localidades, através do armazenamento da água das
chuvas nos períodos chuvosos e do armazenamento da água fornecida
por caminhões pipas por meio da Operação Carro-pipa do Exército.
Isso permitiu aos moradores ter acesso à água durante todo o ano. No
entanto, surgem outros problemas ligados à qualidade da água que é
distribuída e à utilização inadequada das cisternas, como observado em
muitas localidades, até mesmo nas escolas.
Em relação ao planejamento de algumas ações do Pró-Gavião,
acredita-se que não foram consideradas as condições socioambientais
da região, pois algumas se encontram sem utilidade, a exemplo de
algumas barragens construídas com recursos do projeto, com o objetivo
de atender às demandas das localidades. Nesse caso, observou-se, com
o passar do tempo e após os longos períodos de seca, que as chuvas,
quando vinham, não eram suficientes para encher as barragens, assim a
pouca quantidade de água que acumulava logo era absorvida pelo solo,
formando uma espécie de brejo, cuja água não era apropriada para o
consumo humano.
Este fato felizmente não ocorreu em todos os municípios, pois foi
possível registrar a presença de barragens que possuem água e atendem
à população de modo eficaz e que são monitoradas pelos moradores
das comunidades locais para que o seu uso seja de forma adequada,
garantindo, assim, o prolongamento de sua existência, como pode ser
observado na Figura 2.
78 Fernanda Viana de Alcantara e Rafael Carvalho

Figura 2 – Barragem na comunidade Duas Barras no município de Anagé-BA

Foto: Rafael C. Santos/ Fonte: Pesquisa de campo, 2013.

Com o objetivo de garantir a melhoria na condição socioeconômica


da população, criou-se uma série de unidades de produção ou
processamento comunitárias, levando em consideração os principais
produtos de cada localidade. A proposta era de que as mesmas seriam
geridas pelas associações de pequenos produtores locais. Todavia, no
planejamento inicial, não se considerou a possibilidade dos produtos
agropecuários sofrerem uma redução devido à seca, ou mesmo alguma
dificuldade técnica e de gestão. Com isso, atualmente o que se vê são
algumas dessas estruturas abandonadas, ou sendo subutilizadas, visto
que algumas ainda funcionam esporadicamente quando se tem a matéria-
prima, principalmente as unidades comunitárias de processamento da
mandioca, como mostram as Figuras 3, 4 e 5.
Capítulo 3 - Análise das heranças ocasionadas pelas ações do projeto de desenvolvimento... 79

Figura 3 – Unidade Comunitária de Processamento de Leite,


comunidade Extrema, no município de Guajeru-BA

Foto: Rafael C. Santos. /Fonte: Pesquisa de campo, 2013.

Figura 4 – Unidade Comunitária de Processamento de Cana-de-çúcar,


comunidade Jacaré/Traçadas, no município de Condeúba-BA

Foto: Rafael C. Santos. /Fonte: Pesquisa de campo, 2013.


80 Fernanda Viana de Alcantara e Rafael Carvalho

Figura 5 – Unidade Comunitária de Processamento de Mandioca,


comunidade Sumidouro, no município de Cordeiros-BA

Foto: Rafael C. Santos. Fonte: Pesquisa de campo, 2013.

Dentre as grandes estruturas visitadas, vale registrar que existem


unidades de processamento funcionando, como exemplos podem ser
citadas unidades no município de Belo Campo, Tremedal e outros,
como a unidade comunitária de processamento de leite, no município
de Mortugaba, que funciona constantemente, como mostra a Figura
06. E quais seriam as explicações que justificam o funcionamento de
algumas unidades em detrimento das outras que estão paradas? De
acordo com os associados da unidade de processamento, no caso do
município de Mortugaba, o principal fator é a oferta do produto base para
o funcionamento, o leite, haja vista a localização próxima às nascentes
do Rio Gavião e por ser uma área menos árida, permitindo a prática da
pecuária.
Capítulo 3 - Análise das heranças ocasionadas pelas ações do projeto de desenvolvimento... 81

Figura 6 – Unidade Comunitária de Processamento de Leite,


comunidade Araçás, no município de Mortugaba-BA

Foto: Rafael C. Santos. Fonte: Pesquisa de campo, 2013.

Logo, os legados do Pró-Gavião demonstram que as ações do


projeto foram importantes e significativas, mas não foram suficientes
para garantir que a população rural conseguisse manter uma fonte de
renda duradoura, capaz de influenciar na melhoria de suas condições de
vida e que, ainda, em muitos casos, não gerou o capital social capaz de
levar adiante os primeiros passos realizados via Pro-Gavião. Além de ter
realizado uma série de investimentos em equipamentos e infraestrutura
– em alguns casos, pouco utilizados e até encontram-se abandonados.

Considerações Finais

O estudo revela questões amplas e importantes, dentre as quais


se destaca o emergente debate sobre o desenvolvimento, tanto no meio
acadêmico quanto institucional.
No entanto, mesmo sem o alcance do modelo e ritmo esperado,
não se pode negar que as políticas públicas, hoje, no Brasil, vêm passando
por reformulações, principalmente aquelas direcionadas para as áreas
rurais que apresentam sinais de estagnação e que exigem mudanças
82 Fernanda Viana de Alcantara e Rafael Carvalho

capazes de promover um desenvolvimento nas atuais condições da


economia capitalista e na tentativa de amenizar os desequilíbrios regionais.
Constata-se que mesmo com as iniciativas em curso, voltadas para
a promoção do desenvolvimento, ainda são significativas as disparidades
sociais e as baixas condições de vida em que muitas pessoas vivem no
Brasil, de modo especial da região Nordeste.
Para gerar melhores condições de vida ao pequeno trabalhador
rural, as políticas públicas precisam ser propostas considerando as
estruturas já existentes, partindo das necessidades reais, que algumas
vezes são simples. Dessa maneira, pode-se mudar o quadro há muito
constatado, no qual existe um conjunto de propostas que simplesmente
não condiz com a realidade, ou não auxilia na superação de problemas
que impedem o desenvolvimento.
Vale ressaltar que a concretização das ações do Pró-Gavião, de
fato, não pôs fim às desigualdades sociais construídas na região. Mas
interferiu de maneira positiva na redução das precárias condições de vida
das comunidades rurais, ainda que isso não tenha ocorrido de maneira
efetiva. Para o pequeno produtor rural, as mudanças foram significativas
e muitos afirmam que sentem falta e até mesmo que desejam o retorno
das ações do Pro-Gavião em suas comunidades. As conversas sobre o
projeto foram marcadas por um saudosismo. E insistem em afirmar que
a vida era pior antes da passagem do projeto.
Nesse contexto, um aspecto relevante é a importância do papel
dos atores, visto que acumulam grande conhecimento da realidade e
podem indicar as melhores alternativas para superação dos problemas.
No entanto, muitas vezes, estes atores não participam de forma ativa da
política proposta, isto porque se encontram adaptados às heranças das
interferências no formato de “cima para baixo”. Portanto, é preciso ânimo
e formação do capital social para alavancar mudanças mais significativas
no que diz respeito ao processo de planejamento e consolidação das
políticas públicas.
Capítulo 4

Eucaliptocultura e a agricultura familiar – prevendo


impactos: o caso do Planalto da Conquista-BA

Edvaldo Oliveira

Contextualização

O impacto das monoculturas é conhecido, revelando externalidades,


via de regra, negativas, geralmente tratadas como ambientais ou de
reestruturação da produção regional, gerando desterritorialização de
uma cultura para reterritorializar outra, ou de uma estrutura fundiária,
historicamente construída, na maioria das vezes em longa data e
descentralizada/desconcentrada, para uma de caráter concentrador.
Além dos impactos ambientais, outros dois impactos são comuns no
processo de implantação de uma monocultura: a da estrutura fundiária
e, como consequência, a do preço da terra. Para o caso em questão, em
que se implantou o monocultivo de eucalipto, a grande preocupação
tem sido a implantação de uma monocultura que tenha rebatimentos na
pequena propriedade, típica do Planalto da Conquista, face às políticas da
agricultura familiar para o território. Prever em que grau a eucaliptocultura
pode influenciar a reestruturação fundiária revela preocupação com a
84 Edvaldo Oliveira

produção do espaço pela pequena propriedade, própria da maior parte


do território do Planalto da Conquista.
Este estudo apresenta dados coletados e as análises sobre a
expansão da eucaliptocultura no Planalto da Conquista, que envolveu
doze municípios no sudeste do Estado da Bahia, numa perspectiva de
análise para o futuro da agricultura familiar, em face da expansão da
eucaliptocultura, no território do Planalto, destacando dois impactos.
O primeiro impacto envolve a estrutura agrária de baixa e de
média concentração, destinada ao produtor regional de base familiar
ascendente ou da pequena propriedade – familiar –, adquirida no processo
de fragmentação das grandes propriedades (por volta da década de 1945),
resultante da ocupação primitiva. Nesse caso, a desterritorialização da
agricultura familiar tem sido a preocupação diante de grandes projetos que
levam à incorporação de pequenas e de médias propriedades, para formar
o latifúndio. Ressalta-se que isso ocorre com frequência em regiões em
que se descobre potencial agrícola com estrutura agrária de pequeno e
de médio porte, o que não acontece em casos em que a estrutura agrária
de médias e de grandes propriedades é predominante.
O segundo impacto se revela no mercado de terras que, diante
da pressão por compra para agrupamento das propriedades, a princípio
a preços baixos e por demanda e aquecimento do mercado, eleva
o preço. Dois processos são identificados: primeiro, a venda inicial
leva o vendedor a não julgar o preço da terra pelo valor de mercado
ascendente, vendendo-a a preço baixo. Noutro caso, quando o mercado
já está aquecido, o fetiche do capital e a pressão para a venda acabam
por desterritorializar o “pequeno” produtor, criando uma nova tipologia
rural – a grande propriedade pela fusão das menores. O resultado reflete-
se, no espaço urbano, bastante discutido pelos urbanistas, em uma nova
tipologia urbana, revelada pelo trabalhador rural que chega à cidade sem
a qualificação exigida pelo mercado de trabalho urbano.
Nos dois casos, as análises da expansão da eucaliptocultura, no
Planalto da Conquista, refletem-se de formas distintas, com resistências à
pressão dos grandes compradores, por parte dos movimentos sociais e da
Capítulo 4 - Eucaliptocultura e a agricultura familiar – prevendo impactos: o caso do Planalto... 85

própria atividade camponesa. Ainda assim, verifica-se, em determinados


espaços, a venda da terra e o agrupamento de pequenas propriedades.
As observações, a seguir, remetem à política de manutenção
da agricultura familiar e à pressão da venda da terra, sob a ameaça de
grandes grupos e de empresas produtoras de ferro gusa – “as guseiras”
– consumidoras de carvão oriundo dos monocultivos de eucalipto,
vinculadas às grandes siderúrgicas, além da sobra de capitais pessoais
que, pouco aplicada em atividades de riscos, é revertida para a compra
de terras. Nesse caso, o mercado de terras rurais diverge do mercado de
compra e de venda do solo urbano, uma vez que a terra agrícola, na região,
tem função muito mais de bem de capital que de bem de produção, para
os grandes possuidores da terra e para os absenteístas. O mercado de
terras agrícolas é mais lento, se comparado com o mercado urbano, que
mantém uma rotatividade muito maior, com funções definidas. Assim, a
terra agrícola passa a ter, na região do Planalto, uma noção de status quo,
indicada muito mais para cultura de baixo custo, de pouca empregabilidade
e de pouco trato, como o eucalipto. Nesse caso, a venda da terra implica
diretamente a estrutura vigente, calcada na territorialização da pequena
e da média propriedade, de caráter predominantemente familiar, ainda
que comportem o absenteísta.

Agricultura familiar – breve teorização

O histórico dos agricultores familiares, nos países do capitalismo


avançado, em geral, precede a história da agricultura familiar que,
tardiamente, foi implantada no Brasil. O levantamento feito por Veiga
(2007), Mazoyer e Roudart (2010), Schneider (2009a, 2009b) e Abramovay
(1992) marcam estudos sobre a antiguidade da forma familiar de produzir
em pequenas propriedades capazes de sustentar o abastecimento de
alimentos e os produtos para a indústria. A agricultura familiar fez parte
das antigas discussões sobre a segurança alimentar daqueles países, com
reformas agrárias definidas, ainda que marcadas pela dicotomia de uma
agricultura patronal x familiar.
86 Edvaldo Oliveira

Se o modelo da agricultura familiar remete a tempos mais remotos,


nos países do capitalismo avançado e mesmo em países de economia
essencialmente agrícola, mas de capacidade econômica restrita, no caso
do Brasil, é bem mais recente e com características bem emblemáticas.
Partindo de uma estrutura agrária concentradora, em que a pequena
propriedade era impedida de participar de políticas efetivas para o setor,
só recentemente passou a receber esses incentivos. Destaca-se que
somente a partir da eficiente distribuição dos programas de governo é
que tais políticas ficaram mais evidentes. Segundo Schneider (2009), em
termos político-institucionais, a agricultura familiar alcança legitimidade
crescente, a partir da criação do PRONAF (Decreto 1.946, de 28 de
julho de 1996) e de uma estrutura específica, destinada a operar políticas
para esse público, no interior do Ministério de Desenvolvimento Agrário.
Assim, “a afirmação da agricultura familiar, no cenário social e político
brasileiro, está relacionada à legitimação que o Estado lhe empresta, ao
criar o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF), em 1996” (SCHNEIDER, 2009, p. 36). Dessa forma, marca
a implantação tardia do modelo de agricultura familiar, no Brasil.
Se tardia foi a chegada de políticas de fortalecimento da Agricultura
familiar, tardios foram, também, os estudos sobre esse modo de produção
agrícola. As análises das origens da agricultura familiar estão nas mais
diversas denominações dadas a produtores que em pequena fatia de
terra conseguem produzir. Vale ressaltar as observações de Schneider,
ao afirmar que chegada tardia, também das discussões e sobretudo das
pesquisas sobre a agricultura familiar, no Brasil, teve como aporte os

referenciais teóricos que inspiraram boa parte dos estudiosos,


fortemente influenciados por aportes analíticos que mantiveram
um excessivo apego às formulações clássicas em torno do
problema agrário nacional e dos processos de formação e luta
das classes sociais, no campo (SCHNEIDER, 2009a, p. 19).

Diante de uma agricultura que privilegiou uma modernização, com


ênfase na grande propriedade, resguardando o modelo concentrador, a
Capítulo 4 - Eucaliptocultura e a agricultura familiar – prevendo impactos: o caso do Planalto... 87

agricultura familiar ainda se ressente do seu lugar no cenário nacional,


a despeito das políticas para o setor. Dessa forma, as políticas para a
agricultura familiar chegam tardiamente ao Brasil, que privilegia, mesmo
em momento de mudanças na política agrícola, o modelo concentrador,
conforme Graziano da Silva (1981).
Contrariamente ao que acontece no Brasil, quanto aos níveis de
investimento na agricultura familiar apontados por Hespanhol (2007),
resguardando o volume produtivo dessa fatia no mercado interno, o
aporte produtivo da agricultura familiar é muito grande e pouco explorado,
no que tange aos dados apresentados pelo Governo, uma vez que a
importância é dada à exportação de commodities. No entanto, a agricultura
familiar é responsável pela produção dos principais alimentos consumidos
pela população brasileira; segundo dados do MDA/SEBRAE, 84% de
mandioca, 67% de feijão, 54% de leite, 49% de milho, 40% de aves e de
ovos e 58% de suínos (dados de 2006). “Só para exemplificar, no Nordeste,
a agricultura familiar é responsável por 82,9% da ocupação de mão de
obra no campo, segundo o Banco do Nordeste” (BRASIL, 2011, p. 30).
Sem contar com os números da produção agrícola “tipo
exportação”, a fatia que cabe ao family farms ainda é dependente, diante
do modelo corporate farms, visto que o primeiro responde por maior
número produtivo, no âmbito do território do País. A ausência de uma
política que remeta a produção familiar para o mercado, ficando atrelada
a mínimos programas, difere dos países avançados, onde o family farms é
mais evidente. Umbelino de Oliveira observa que no Brasil a agricultura
familiar representa mais de 80% da força de trabalho empregada na
agricultura. Compara ao modelo norte-americano, no qual há uma
participação massiva das family farms. “Assim, a agricultura norte-americana
também não tem seu suporte nas corporate farms e, sim, nas family farms.
Esse mesmo fenômeno ocorre, também, na maioria dos países da Europa”
(OLIVEIRA, 2007, p. 8).
O modelo adotado no Brasil revela, então, a dicotomia apregoada
entre a boa convivência entre as duas modalidades, ainda que concentre
as terras no modelo corporate farms. Segundo Schneider, na década de
88 Edvaldo Oliveira

1990, uma pesquisa realizada pela Organização das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação (FAO) e pelo Instituto de Colonização e de
Reforma Agrária (INCRA) teve como princípio “estabelecer as diretrizes
para um ‘modelo de desenvolvimento sustentável’, sugerindo outra
forma de classificação dos estabelecimentos agropecuários brasileiros,
separando-os entre modelos: “patronal” e ‘familiar’” (SCHNEIDER,
2009a, p. 40). Veiga (2007) lembra que esse fenômeno não é próprio
do Brasil, mas pertence a uma discussão no âmbito do capitalismo.
Destaca ainda que o destino da agricultura tem muito caminho pela
frente e ressalta que a agricultura familiar marca a distinção clara sobre
a agricultura patronal.
A ratificação da dicotomia é feita por Schneider, que aponta a
agricultura patronal como aquela que tem como princípio a separação
entre gestão e trabalho, caracterizada pela organização descentralizada.
Mostra que “a ênfase na especialização produtiva é, em práticas agrícolas
padronizáveis, o uso predominante do trabalho assalariado e a adoção
de tecnologias, dirigidas à eliminação das decisões ‘de terreno’ e ‘de
momento’” (SCHNEIDER, 2009a, p. 40). Por outro lado, a agricultura
familiar tem como característica, ainda segundo Schneider, a manutenção
de uma relação íntima entre trabalho e gestão aliada à direção do
processo produtivo conduzido pelos proprietários, com a ênfase na
diversificação produtiva e na durabilidade dos recursos, bem como a
busca pela qualidade de vida da população que nela trabalha. O autor
também enfatiza que a agricultura familiar é marcada pela “utilização do
trabalho assalariado, em caráter complementar, e a tomada de decisões
imediatas, ligadas ao alto grau de previsibilidade do processo produtivo”
(SCHNEIDER, 2009a, p. 40).
Há que se considerar que a agricultura familiar, como modelo
de produção, de fato difere da produção patronal, o que não significa
não produzir em escala. Isso depende do modelo da tecnificação e
da capitalização, conforme aponta Graziano da Silva (2003), como
novo modelo de adoção da prática da agricultura familiar, no campo.
Abramovay lembra que as descrições sobre a agricultura familiar trazem
Capítulo 4 - Eucaliptocultura e a agricultura familiar – prevendo impactos: o caso do Planalto... 89

à memória a ideia de algo atrasado, pequeno. “De fato, quando se fala


em produção familiar, a imagem que vem imediatamente à mente é a
de um empreendimento de dimensões reduzidas, de um trabalho e de
técnicas relativamente precárias e atrasadas” (ABRAMOVAY, 1992,
p. 19). Esse parece ter sido o modelo de empreendimento adotado
e observado pelos níveis de financiamento da agricultura familiar
particularmente no Brasil.
Ao avaliar a agricultura nos países capitalistas avançados,
Abramovay destaca as ambiguidades e como elas são tratadas, no Brasil,
mesmo considerando, como os autores citados, o avanço e, de certa forma,
a proteção dessa modalidade de produzir no campo. Considera que o
modelo tradicional camponês acabou, até certo ponto, sendo substituído
pela agricultura familiar e se apresenta como um fenômeno bastante
generalizado nos países capitalistas avançados, na maioria das vezes sob
a tutela do Estado, como determinante na moldagem da atual estrutura
social do capitalismo agrário das nações centrais.
Diferentemente, o Brasil adotou a agricultura familiar distinta
da agricultura patronal, principalmente no tocante ao financiamento,
provocando as desigualdades territoriais com apelo para o agronegócio
institucionalizado, uma vez que apenas este tem força de empreendimento,
de fato. O peso no mercado acaba sendo decisivo nos países de capitalismo
avançado pela sua inserção no mercado, diferente do modelo adotado por
aqui, em que a regulação se faz pela via do Estado, desde o financiamento
até a comercialização, nas organizações públicas. Isso não acontece com
a agricultura patronal, que remete diretamente ao mercado, ainda que
tenha, e muito, o apoio do financiamento público. Daí a desigualdade na
produção do espaço da agricultura familiar, longe da modernização, que
se faz ainda conservadora, conforme Graziano da Silva (1981), em relação
à agricultura familiar, que se apresenta pouco modernizada.
A diferença nos países desenvolvidos, segundo Abramovay, reside
na forma de condução da Política Agrícola. Esse autor lembra que o
empreendimento familiar tem peso decisivo na oferta agropecuária,
com alguns mecanismos de seu funcionamento e algumas funções
90 Edvaldo Oliveira

macroeconômicas por ele desempenhadas; e arremata, afirmando que é na


propriedade de “natureza fundamentalmente familiar da agricultura e seu
funcionamento a partir de critérios públicos, definidos institucionalmente
e onde o mercado pesa cada vez menos que reside justamente a pedra de
toque da modernização da agricultura nos países capitalistas avançados”
(ABRAMOVAY, 1992, p. 253). No processo de caracterização do
agricultor familiar, Abramovay informa que o agricultor familiar moderno,
não é apenas “um trabalhador” para o capital. A própria capitalização
do pequeno agricultor tende a demonstrar isso, ainda que pela via dos
subsídios do Estado.
Em decorrência de razões técnicas, na ampliação da definição da
agricultura familiar, segundo Schneider, os estabelecimentos familiares
foram separados em três subcategorias: familiar consolidada, familiar
em transição e familiar periférica, utilizadas para estabelecimentos
da política brasileira para a agricultura familiar. Em todos os casos,
caracteriza-se como aquela em que a gestão, a propriedade e a maior
parte do trabalho vêm de indivíduos que mantêm entre si laços de sangue
ou de casamento (ABRAMOVAY, 2009). Na mesma direção, Fernandes
e Welch consideram camponeses produtores familiares aqueles “que
utilizam predominantemente o trabalho dos membros da família, cujo
número tem que ser maior que o número de trabalhadores assalariados,
com exceção para os períodos de colheita” (FERNANDES; WELCH,
2008, p. 49).
Assim, independente da questão puramente teórica que envolve
as discussões sobre a agricultura familiar, cabe destacar seu papel na
produção e na organização da sociedade no campo, embora algumas linhas
de pensamento distingam algumas particularidades. Os estudos feitos em
prol da defesa da agricultura familiar remetem ao que se convencionou
chamar de “solução”, encontrada nos países desenvolvidos. Tal solução,
lembra Schneider, remete ao mérito maior dos estudos sobre a agricultura
familiar e que tem se revelado como uma “forma social reconhecida e
legitimada, na maioria dos países desenvolvidos, nos quais a estrutura
agrária é majoritariamente composta por explorações, nos quais o trabalho
Capítulo 4 - Eucaliptocultura e a agricultura familiar – prevendo impactos: o caso do Planalto... 91

da família assume uma importância decisiva” (SCHNEIDER, 2009b, p.


33). Nesse sentido, a agricultura familiar tende a se firmar, mesmo diante
das ameaças e baixos investimentos frente ao grande capital.

A agricultura familiar frente aos monocultivos

Ainda quanto à caracterização, a competição com os monocultivos,


no momento em que estes são, na maioria dos casos, da política de
exportação, identificados fortemente como patronais, os agricultores
familiares são oriundos das mais diversas categorias que representavam
o trabalho no campo. Schneider destaca que eles possuem muitas
denominações, como “sitiantes, colonos, parceiros, meeiros, foreiros etc.:
interpretados à luz de conceitos como ‘resquícios feudais’, ‘semiproletários’,
‘assalariados a domicílio’, entre outros” (SCHNEIDER, 2009a, p. 41). É
essa nova categoria que agrupa todas essas denominações que resiste às
ilhas de monocultura ou são sucumbidos por elas, dependendo do grau
de organização. Norder, para além do conceito, acredita que a agricultura
familiar deve sobrepor-se à monocultura, no sentido de diversificar as
economias regionais. Aponta que “essa elaboração conceitual fundamenta
a defesa de uma estratégia de desenvolvimento rural, norteada pela
substituição da ‘especialização devoradora de postos de trabalho’, por uma
política capaz de diversificar as economias locais, a começar pela própria
agropecuária” (NORDER, 2009, p. 61). Destaca, ainda, a importância da
agricultura familiar como um modelo mais excelente e mais diversificado
em relação ao que chamou de monotonia de ilhas de monoculturas
cercadas de pastagens extensivas por todos os lados.
Para além das teorias da e sobre a agricultura familiar, importa
o seu caráter pragmático, no sentido da produção e da manutenção
do padrão familiar de produzir no campo. Nesse sentido, as condições
da propriedade e do meio geográfico são de extrema relevância, o que
significa definir a renda do agricultor familiar e a redução da pobreza.
As regiões agrícolas, discutidas por Abramovay (2003), são o ponto de
partida no que tange à sua dinâmica, em termos de investimento. No
caso do Brasil, a política adotada para os territórios rurais da cidadania
92 Edvaldo Oliveira

pretende rever os índices de pobreza e de atraso, buscando a melhoria


das condições produtivas. Contudo, uma maior dinâmica econômica
nas regiões em que o meio informacional, abordado por Santos (1997) e
Elias (2003, 2007), é mais evidente, tende a ser contemplado com maiores
investimentos, aumentando a renda do capitalista, em detrimento da renda
da agricultura familiar que trabalha em regiões mais “opacas”.
O problema resultante de regiões e de territórios desiguais reside
muito mais na linha do investimento, embora as condicionantes físicas
sejam relevantes, do que na capacidade mínima de produção. Vai além
do nível de compreensão de que somente o investimento reduz a
desigualdade espacial e territorial. É preciso verificar o desenvolvimento
não apenas da produção em si, mas o cumulativo. Como lembram Mazoyer
e Roudart, os investimentos em territórios mais dinâmicos e sujeitos a
certo grau de capacidade de reprodução permitem a obtenção de maiores
vantagens. “Por essa razão, não basta falar em desenvolvimento desigual
entre estabelecimentos e regiões, pois é preciso falar de desenvolvimento
cumulativo” (MAZOYER; ROUDART, 2010, p. 481). Nisso reside o
grande problema da agricultura familiar e sua capacidade de financiamento
pelo Estado. Hespanhol (2007), ao fazer levantamento do investimento
público junto ao agronegócio, comparando-o com a agricultura familiar,
mostra bem essas desigualdades. Aí reside a sobrevivência da agricultura
familiar, face às ameaças de uma nova territorialização, em monocultivos
de larga escala, o que Mazoyer e Roudart, chamaram de “limiar” de
sobrevivência da agricultura familiar.
Numa classificação regional para a agricultura, Mazoyer e
Roudart apontam seis tipos de regiões agrícolas que seriam favoráveis
à produtividade a partir do conceito de limiar de renovação (R) ou de
sobrevivência (S), que indica a capacidade do produtor de produzir em
espaço suficiente e que produza renda suficiente para a reprodução da
e na propriedade. Assim, para os autores, a renda julgada satisfatória
por um trabalhador agrícola tende necessariamente para a renda (R) de
renovação ou de sobrevivência, “que esse trabalhador obteria no mercado
de trabalho (salário e prestações sociais) ou, na falta disso, ele mudaria
um dia de atividade ou, então, se não chegar a fazê-lo, provavelmente
Capítulo 4 - Eucaliptocultura e a agricultura familiar – prevendo impactos: o caso do Planalto... 93

não será substituído, quando se aposentar” (MAZOYER; ROUDART,


2010, p. 445). O Quadro 1 apresenta os limites das regiões apontadas e
que determinam as condições de desenvolvimento da agricultura familiar:

Quadro 1 – Renda e regiões agrícolas


Região Descrição
- Qualquer que seja a região, a produtividade do trabalho agrícola
1 varia de um sistema de produção especializado para outro e existe um
sistema especializado mais produtivo que os demais.
- Para regiões que possuem características físicas e econômicas análogas,
2
os sistemas especializados mais produtivos são da mesma natureza.
- Para regiões que possuem características físicas e econômicas muito
3 diferentes, os sistemas de produção especializados, mais produtivos,
são também muito diferentes uns dos outros.
- Existem regiões, em que vários sistemas de produção especializados
podem atingir níveis de produtividade superiores ao limiar de
4 renovação dos estabelecimentos. Nesse caso, ainda que a maioria
dos estabelecimentos tenda a adotar o sistema mais produtivo, os
estabelecimentos possuem um leque de escolha mais amplo.
- Existem regiões onde um só sistema especializado ultrapassa o limiar
5 de renovação. Neste caso, a escolha dos estabelecimentos já está
delineada.
- Há regiões nas quais nenhum sistema de produção alcança (a preços
atuais) o limiar de renovação: nessas regiões, a tendência de baixa dos
6 preços agrícolas e o aumento do limiar de renovação já levaram, ou
levarão num futuro próximo, à eliminação de todos os estabelecimentos,
ao declínio agrícola e à extensão dos baldios.
Fonte: Mazoyer e Roudart (2010). Organização de Edvaldo Oliveira.

Dessa forma, a renda do agricultor familiar depende das


características regionais e territoriais. Tomando como base as diferenças
ambientais de uma região semiárida, ou subúmida, ou úmida, como o
Planalto da Conquista, a terra apresentaria valores diferentes, redução ou
ampliação da área produtiva, melhoria dos produtos oferecidos. É claro
que a iniciativa de investimento na modernização da pequena propriedade
aumentaria as possibilidades nas áreas menos favorecidas. Contudo, o
que se verifica, na prática, é que, com baixos investimentos, a tendência
é deslocar o pequeno produtor para áreas mais distantes, resultando no
fenômeno de expulsão pela via do capital.
94 Edvaldo Oliveira

No sentido da produção, Schneider aponta que o avanço da


agricultura familiar, frente ao ambiente, marcadamente dual e de
desenvolvimento desigual, uma vez fortalecida, oferece produtos para
a alimentação e aponta o caminho, admitindo que “através da noção de
agricultura familiar, esses agricultores passaram a constituir uma nova
identidade política e a orientar, de maneira distinta, as lutas sociais do
movimento sindical rural, tal como expresso nos documentos mais
recentes dessas entidades” (SCHNEIDER, 2009a, p. 35). No plano mais
real da produção e da posição do agricultor familiar, dados do IBGE
(2006) confirmam que a agricultura familiar responde por 10% de todo
o Produto Interno Bruto (PIB) do País, emprega mais de 80% da mão de
obra no setor rural e é responsável por 70% dos alimentos produzidos
no Brasil – 87% da produção nacional de mandioca, 70% de feijão, 46%
de milho, apenas para citar alguns exemplos.
Particularizando os espaços produtivos pela agricultura familiar,
segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a Bahia é o
estado com maior número de agricultores familiares do Brasil. Contava,
em 2011, com 665,831 estabelecimentos familiares, correspondentes a
87% dos estabelecimentos rurais do Estado. Em termos espaciais, ocupa
34% da área total dos estabelecimentos, o que demonstra a concentração
fundiária no Estado. No plano da ocupação de mão de obra, contribui com
81% da mão de obra ocupada, em torno de 1,4 milhões de trabalhadores,
com 84% do Valor Bruto de Produção agropecuária do Estado. O
programa levantou dados da produção primária de abastecimento, com
91% da produção de mandioca, 83% de feijão, 76% de suínos, 60% de
aves e 52% de produção de leite.
Os Programas de incentivos são comuns em relação à produção
florestal e à agricultura familiar. No caso dos incentivos florestais,
destaca-se o Programa Mata Verde: Produzindo e Preservando a Mata
Atlântica, que tem como finalidade dinamizar a agricultura familiar em oito
territórios que compõem o Bioma da Mata Atlântica da Bahia. Dentre os
poucos programas na área de desmatamento da Secretaria de Agricultura,
nenhum chega ao Planalto da Conquista que, embora pertença aos
Capítulo 4 - Eucaliptocultura e a agricultura familiar – prevendo impactos: o caso do Planalto... 95

corredores da Mata Atlântica, abrange as áreas do Baixo Sul, do Litoral


Sul, do Vale do Jequiriçá, do Extremo Sul e do Recôncavo, chegando mais
próximo do Planalto quando alcança o Médio Rio de Contas e Itapetinga.
Um programa em fase de implementação é o Pacto Territorial
pela dinamização das políticas públicas de apoio à Agricultura Familiar,
na Bahia. O Programa pretende ser um acordo de compromissos entre
as instituições dos Governos Federal, Estadual e Municipal, e também
de entidades da sociedade civil organizada, dos movimentos sociais e
de outras organizações que financiam, apoiam e/ou operacionalizam
programas de crédito, de assistência técnica, de garantia-safra, de emissão
de declaração de aptidão, de aquisição de alimentos, de regularização
fundiária e de crédito fundiário, para que seja ampliado, qualificado e
equilibrado o atendimento nos municípios e nos territórios baianos.
No âmbito mais geral, outro reforço para o PRONAF é o Programa
criado por meio da Lei 10.420, de 10 de abril de 2002, que estabelece o
Fundo Garantia-Safra e institui o Benefício Garantia-Safra. É uma ação do
PRONAF, coordenado pelo MDA, para os agricultores que sofrem com
a perda de safra por motivo de seca ou de excesso de chuvas. Sua área de
atuação abrange os municípios localizados na região Nordeste, no norte do
estado de Minas Gerais (Vale do Mucuri e Vale do Jequitinhonha) e no norte
do Estado do Espírito Santo. O governo da Bahia fez adesão ao Programa
com foco no seu objetivo principal, que é o de possibilitar um ambiente
de tranquilidade e de segurança para o exercício da atividade agrícola no
semiárido. No entanto, depende de levantamentos das prefeituras para a
adesão, o que frequentemente não ocorre.
Em âmbito municipal, outros programas para o fortalecimento da
Agricultura Familiar, com verbas disponíveis, particularmente o Programa
de Aquisição de Alimentos (PAA), são operacionalizado de forma mais
simples, embora a grande dificuldade apresentada nos municípios envolva
a exigência do Documento de Aptidão ao PRONAF (DAP) Jurídica, que
facilita a compra diretamente pela Companhia Nacional de Abastecimento
(CONAB), por preço compensador, respeitando as peculiaridades e os
hábitos alimentares regionais e a situação do mercado local. O Programa
96 Edvaldo Oliveira

Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), com origem na década de


1940, foi implementado em 1998 e consiste na transferência de recursos
financeiros do Governo Federal, em caráter suplementar, aos estados, ao
Distrito Federal e aos municípios, para a aquisição de gêneros alimentícios
destinados à merenda escolar.

A estrutura fundiária desconcentrada e o predomínio da agricultura


familiar no Planalto: as ameaças da grande empresa de eucalipto

No quadro da estrutura fundiária do Planalto da Conquista,


particularmente quanto ao Uso da Terra, observa-se que, por mais que a
grande propriedade apareça, a estrutura agrária de pequenas e de médias
propriedades é predominante, ainda que sujeita ao mercado regional de
terras. Os dados apontados no índice de Gini, para os doze municípios,
mostram essa desconcentração, resguardados os casos dos latifúndios. Os
dados levantados revelam que houve uma concentração de propriedades
entre 2004 e 2008, com o advento da eucaliptocultura, capitaneado pelas
empresas ligadas à siderurgia. Se a cultura do eucalipto é um fato, no
Planalto da Conquista, o predomínio da agricultura familiar também o é.
A ameaça levantada quanto à compra de terras pelos eucaliptocultores,
principalmente pela política de agrupamento de propriedades pequenas
pelas grandes empresas, uma vez que as projeções registram compra de
terras de até 100 hectares, combinada ao licenciamento municipal ocorreu
sem grandes aparatos burocráticos. Outro indicador leva ao documento
base do Eia Rima da Veracel Celulose, que atingirá o Território de
Identidade de Itapetinga, chegando ao Planalto da Conquista, que permite
a compra de terras de até 50 hectares. O Plano prevê reduzir, sempre
que possível, a compra de pequenas propriedades, diminuindo o número
de negociações e, portanto, o consequente aumento da especulação
(VERACEL, 2011). Há que se considerar que a área de influência
do Projeto de Expansão da Veracel Celulose abrange os municípios
adjacentes ao Planalto da Conquista, com territorialização já definida
para o município de Encruzilhada.
Capítulo 4 - Eucaliptocultura e a agricultura familiar – prevendo impactos: o caso do Planalto... 97

Os dados seguintes mostram a preocupação com a agricultura


familiar, mesmo que boa parte das pequenas e das médias propriedades
seja de domínio dos absenteístas. Os parâmetros adotados levaram em
conta o Módulo Fiscal do Planalto da Conquista, conforme cada município,
considerando o parâmetro para a agricultura familiar equivalente a quatro
módulos rurais. Comparações entre o DAPs da SAF/MDA, cujos
dados foram cruzados com os levantamentos do Cadastro de Imóveis
Rurais (CAFIR), da Receita Federal, acusam resultados conflitantes
entre os órgãos de coleta, principalmente diante das dificuldades e das
metodologias diferenciadas adotadas.
Os dados do censo 2006 (Tabela 1) ilustram uma realidade parcial
da agricultura familiar no Planalto, onde os estabelecimentos da agricultura
familiar somam 18.571, com área de 325 mil hectares equivalendo a 17,5
ha/estabelecimento. Os estabelecimentos patronais não familiares somam
137 ha/estabelecimento:

Tabela 1 – Estabelecimento e área da agricultura familiar, segundo as


Unidades da Federação, Mesorregiões, Microrregiões e Municípios – 2006
Agricultura familiar –
Não familiares
Lei nº 11.326
Municípios
Área Área
Estabelecimentos Estabelecimentos
(ha) (ha)
Vitória da Conquista 3. 082 46. 138 858 144. 281
Poções 1. 940 31. 135 253 28. 569
Tremedal 2. 654 57. 806 148 23. 775
Anagé 2. 836 51. 094 260 25. 345
Planalto 969 17. 126 259 36. 514
Belo Campo 1. 143 17. 822 90 11. 405
Cordeiros 1. 090 20. 785 142 4. 917
Encruzilhada 1. 295 20. 278 241 37. 730
Piripá 1. 175 19. 490 291 9. 409
Barra do Choça 1. 028 12. 378 474 46. 372
Ribeirão do Largo 745 15. 469 203 43. 957
Cândido Sales 614 15. 973 140 50. 697
Total no Planalto 18 571 325 494 3 359 462 972
Fonte: IBGE. Censo 2006.
98 Edvaldo Oliveira

O quadro mais realista da agricultura familiar pode ser desenhado


com os dados da Receita Federal sobre o total de propriedades, somados
aos dados disponibilizados pela Secretaria da Agricultura Familiar (SAF).
A evolução da agricultura familiar, no Planalto da Conquista, acompanha
o quadro geral apresentado na Bahia, com evolução no número de DAPs,
o que o consolida como o maior Estado com agricultores familiares.
Segundo os levantamentos da SAF, do MDA, o incremento de agricultores
familiares entre 2009 e 2011 foi de 63%, saltando de 10.977 para 17.390.
A preocupação quando da implantação de uma monocultura, apontada
anteriormente, reside no fato do enfraquecimento da base produtiva local,
permitindo desestímulo na produção, desvalorização da propriedade,
abrindo espaço para o mercado de terras com preços baixos.
Tais preocupações remetem ao quadro de DAPs inativos (Tabela 2),
revelando que o financiamento da agricultura familiar, na região, enfrenta
problemas de fixação do pequeno agricultor. Outro fato que merece
cuidado, nas avaliações, diz respeito tanto à assistência técnica quanto
ao financiamento. Nesse sentido, a inadimplência de muitos agricultores
fez os Bancos autorizados suspenderem, em 2009, o financiamento,
regularizando-o, parcialmente, nos anos seguintes ou agregando-o às
Associações. O que de fato ocorreu significa que o percentual de inativos,
em 2010, foi da ordem de 33,8%. No ano de 2011, baixou para 22,94%,
índice ainda considerado alto.
Capítulo 4 - Eucaliptocultura e a agricultura familiar – prevendo impactos: o caso do Planalto... 99

Tabela 2 – Relação de agricultores com Declaração de Aptidão ao


PRONAF – Planalto da Conquista 2009/2011
2009 2010 2011
Município
Ativos Ativos Inativos Total Ativos Inativos Total
Vitória da
2.519 1.961 2.100 4.061 1.963 2.173 4.136
Conquista
Poções 1.203 1.531 261 1.792 1.632 296 1.928
Tremedal 1.047 1.033 246 1.279 975 314 1.289
Anagé 852 892 369 1.261 900 368 1.268
Planalto 1.017 1.271 57 1.328 1.279 58 1.337
Belo Campo 470 602 13 615 614 13 627
Cordeiros 552 626 258 884 684 246 930
Encruzilhada 649 480 641 1.121 491 671 1.162
Piripá 741 753 299 1.052 1.632 296 1.928
Barra do Choça 980 1.003 357 1.360 992 379 1.371
Ribeirão do Largo 613 685 200 885 705 197 902
Cândido Sales 334 510 354 864 525 355 880
Total 10.977 9.702 4.955 14.657 12.392 4.998 17.390
Fonte: Disponível em: <http://smap13.mda.gov.br/ExtratoDap/PesquisaMunicipio.aspx>.
Situação em 17/10/2011.

Os municípios com alto potencial de ingresso na Agricultura


Familiar aparecem com maiores indicadores, na Tabela 3. O município
de Encruzilhada apresenta o maior quantitativo de plantios de eucalipto,
alto índice de Gini – 0,70 – com 38% de imóveis inscritos na agricultura
familiar, contudo, com o maior indicador de inatividade. Vitória da
Conquista se aproxima do município de Encruzilhada, com igualdade
no índice de Gini e apresenta 52,53% de DAPs inativos.
100 Edvaldo Oliveira

Tabela 3 – Planalto da Conquista – Agricultura Familiar - 2011


Total de Total % em relação
%
Município imóveis de ao total de Ativo Inativos
ativos
* DAPs** imóveis
Vitória da
12.283 4.136 33,67 1963 2173 52,54
Conquista
Poções 5.161 1.928 37,36 1632 296 15,35
Tremedal 4.535 1.289 28,42 975 314 24,36
Anagé 4.852 1.268 26,13 900 368 29,02
Planalto 3.783 1.337 35,34 1279 58 4,34
Belo Campo 3.337 627 18,79 614 13 2,07
Cordeiros 3.145 930 29,57 684 246 26,45
Encruzilhada 3.008 1.162 38,63 491 671 57,75
Piripá 2.416 1.928 79,80 1632 296 15,35
Barra do Choça 2.711 1.371 50,57 992 379 27,64
Ribeirão do Largo 1.841 902 49,00 705 197 21,84
Cândido Sales 1.658 880 53,08 525 355 40,34
Total 48.730 17.390 35,68 10.076 4.998
* Dados do CAFIR/Receita Federal, situação em 2010.
** Dados MDA/SAF – extrato de DAPs.
Fonte: Disponível em: <http://smap13.mda.gov.br/ExtratoDap/PesquisaMunicípio.aspx>.

Os demais municípios que mantêm áreas menores de plantios de


eucalipto apresentam maiores quantitativos de inscritos na agricultura
familiar e menor indicador de inativos, como Piripá e Barra do Choça,
com 79 e 50% de estabelecimentos familiares, com indicadores médios
de inatividade. Os municípios de Belo Campo e de Planalto, com forte
ação dos sindicatos, apresentam os mais baixos índices de inatividade
por DAP. Caso particular é o de Cândido Sales, que apresenta índice de
Gini de 0,76, portanto alto para os padrões do Planalto, que tem 53%
de propriedades familiares. Em relação ao total de imóveis, o percentual
de inativos é de 40,3%.
Uma breve comparação com o sul do Estado pode apontar um
quadro mais negativo para o Planalto, no tocante à Agricultura Familiar.
Considerando os levantamentos dos seis maiores municípios produtores
de eucalipto, apesar do quadro de concentração do espaço com redução
da agricultura familiar ter sido constatado nos seis municípios pesquisados,
Capítulo 4 - Eucaliptocultura e a agricultura familiar – prevendo impactos: o caso do Planalto... 101

no sul do Estado os indicadores de manutenção são bem maiores. No Sul,


os DAPs inativos ficam entre 12 e 20%, o que indica menor percentual
de inativos em relação ao Planalto.

Impacto no preço da terra no Planalto da Conquista

Embora o alto potencial de pequenas e de médias propriedades


seja evidente, apresentando ainda o grande potencial para a agricultura
familiar, as ameaças ficaram concentradas nos territórios onde a grande
empresa e os empreendimentos de médio porte atuaram: no sul do
município de Vitória da Conquista, no Distrito de Cercadinho e no leste
de Encruzilhada. Nesses espaços, a valorização da terra não é muito forte
em razão das condicionantes climáticas, com predomínio dos latossolos
e de clima variando entre o sub/úmido ao seco, em zona de transição
fisiográfica, entre a Caatinga e a Mata de Cipó, mas com potencial
comprovado para a eucaliptocultura. Com o preço da terra relativamente
barato e sem riscos para a eucaliptocultura, foram apontados casos de
vendas, nessas localidades, destacando-se Caxambu, Cibra, Ponto Novo e
Mato da Onça, no município de Encruzilhada. No Distrito de Cercadinho,
em Vitória da Conquista, foram adquiridas terras nas localidades de Tolda,
Pau de Leite, Sucesso, e Eloi, com maiores concentrações de eucalipto.
Em outras localidades foram evidenciadas compras de terras, como o
Velame, no distrito de Veredinha, e Quatis do Fumaça, no distrito Sede, e
próximos à sede do Distrito de São Sebastião. Na extensão do território
do Planalto são feitos negócios com a terra, considerados dentro da
normalidade do mercado.
Para efeito dos cálculos sobre os impactos no preço da terra,
foram usados conceitos retirados da norma ABNT NBR 14653-1, que
estabelece princípios para avaliação de bens/Procedimentos gerais e
ABNT NBR 14653-3:2011, para avaliação de bens relativos aos imóveis
rurais. Nesse sentido, considerou-se o conceito de imóvel rural como
aquele com vocação para exploração animal ou vegetal, qualquer que
seja a sua localização. Para as avaliações da terra, fez-se a diferença entre
102 Edvaldo Oliveira

a terra bruta e a terra nua. Por terra bruta, a norma define aquela terra
não trabalhada, com ou sem vegetação natural e terra nua aquela em que
a terra se apresenta sem produção vegetal ou vegetação natural.
A valoração leva em conta também o que a norma avalia como
funcionalidade de benfeitoria, com grau de adequação ou atualidade
tecnológica da benfeitoria, na propriedade, em função da sua viabilidade
econômica, no imóvel e na região. Além disso, foram observados fatores
que interferem na valoração da terra, embora tais fatores não tenham
muita validade para o eucalipto da cadeia produtiva do Planalto. Contudo,
observou-se a situação do imóvel, o que, na eucaliptocultura, requer
proximidade com os centros de consumo, equivalendo a até 200km,
embora, no caso das siderúrgicas mineiras, essa distância ultrapasse os
500 km. Por fator de situação, a norma estabelece a homogeneização que
expressa, simultaneamente, a influência sobre o valor do imóvel rural,
decorrente da localização e das condições das vias de acesso.
Em virtude da rusticidade e em função do apelo às terras baratas,
os fatores de funcionalidade e de benfeitorias não são muito observados
na compra da terra para o eucalipto, uma vez que expressam o grau de
adequação ou de atualidade tecnológica de uma benfeitoria, em função
da sua viabilidade econômica, no imóvel e na região, contrariando, de
certa forma, a valorização observada acima. Na busca de resposta que
evidenciasse as alterações no preço da terra foram coletadas informações
de imobiliárias especializadas em imóveis rurais. Segundo dados da
Coplan e da Martins Agropecuária, além de consulta a outras de ramos
mais abertos, conforme dados contidos na Tabela 4, as informações dão
conta de que os preços dos imóveis não foram alterados, uma vez que a
compra de terras ficou concentrada no período de expansão da grande
empresa, entre 2007 a 2010:
Tabela 4 – Média de preço por ha* no Planalto da Conquista – 2007-2010
Área úmida Subúmida Semiárido
Município Preço médio**
Benfeitoria Terra nua Benfeitoria Terra nua Benfeitoria Terra nua
Vitória da Conquista 8.700 - 4.280 922 1.200 800 3.600
Encruzilhada - 4.800 2.000 1.200 1.000 700 2.000
Barra do
- 4.200 8,600 2.200 - - 4.000
Choça
Planalto 8.600,00 5.800 3.600 2.600 1.200 800 3.800
Poções 6.000,00 - 2.000 1.200 1.200 800,00 3.400
Cândido Sales 3.000,00 1.500 1.200 1.000 - - 2.000
Belo Campo - 2.500 1.200 1.000 1.000 800 1.800
Ribeirão do
4.300,00 - 3.500 - 1.500 1.000 2.600
Largo
Anagé - - 1.200 900 900 700 1.200
Cordeiros - 2.000 1.500 1.000 1.000 800 2.000
Piripá - - 1.500 1.000 1.000 700 1.800
Tremedal 4.000 2.000 1.800 1.000 900 800 2.000
Preço médio 2.500
*A medida agrária obtida em alqueire, muito comum na região. O alqueire padrão é de 19,6 ha. Na região, esse valor é arredondado para 20 ha. Os valores
colhidos em alqueire foram convertidos para hectare.
** Preço médio de mercado.
Fonte: Coplan/Martins Agropecuária/trabalho de campo.
Capítulo 4 - Eucaliptocultura e a agricultura familiar – prevendo impactos: o caso do Planalto... 103
104 Edvaldo Oliveira

A Scot Consultoria, que opera no mercado de terras no Brasil,


divide o preço das terras em duas categorias: terras agrícolas e terras para
pastagens, sendo estas menos valorizadas que as primeiras. As diferenças
entre as categorias agrícolas e as pastagens referem-se ao uso da terra
conforme a tipologia. As áreas destinadas à pastagem podem ter preço
menor que as terras agrícolas, de acordo com a vocação regional, como
acontece no Planalto da Conquista, segundo levantamento em campo.
Conforme as Tabelas 5 e 6, observa-se que as variações do preço das
terras aproximam-se dos resultados obtidos no trabalho de campo. A
média aponta para o preço das terras em torno de R$ 2.500,00. As terras
agrícolas têm preços em média de 25%, chegando a R$ 3.000,00 o hectare.

Tabela 5 – Preço de terras agrícolas na Bahia,


em R$/ha e preço médio em U$$/ha
REGIÃO mínimo R$/há média máximo U$$/ha média*
1. Extremo Oeste Baiano 3.000,00 6.500,00 11.200,00 3.600,00
2. Feira de Santana 2.300,00 5.300,00 6.800,00 3.000,00
3. Ilhéus-Itabuna 3.000,00 4.200,00 7.000,00 2.300,00
4. Vale do Rio São Francisco 2.000,00 6.000,00 10.000,00 3.300,00
5. Vitória da Conquista 1.500,00 2.600,00 4.000,00 1.500,00
Fonte: Scot Consultoria. Cotação do dóler em 17/06/2011.

Tabela 6 – Preço de terras de pastagens na Bahia,


em R$/ha e preço médio em U$$/ha
REGIÃO mínimo R$/há média máximo U$$/ha média*
1. Extremo Oeste Baiano 1.000,00 2.200,00 3.200,00 1.200,00
2. Feira de Santana 1.800,00 4.100,00 6.800,00 1.500,00
3. Ilhéus-Itabuna 2.000,00 2.600,00 3.000,00 1.500,00
4. Vale do Rio São Francisco 1.000,00 1.300,00 1.600,00 700,00
5. Vitória da Conquista 1.000,00 2.000,00 3.100,00 1.100,00
6. Nordeste Baiano 3.000,00 3.200,00 3.400,00 1.800,00
Fonte: Scot Consultoria. Cotação do dóler em 17/06/2011.
Capítulo 4 - Eucaliptocultura e a agricultura familiar – prevendo impactos: o caso do Planalto... 105

O que se depreende, a partir das inferências e das impressões


obtidas nos trabalhos de campo, é o baixo impacto do preço da terra, com
a implantação do eucalipto, uma vez que as plantações foram feitas por
proprietários com posse da terra acima de 10 anos, o que não motivou
o mercado de terras, embora 27% tenham comprado a terra para o
eucalipto, a partir da ampliação da eucaliptocultura, nos anos agrícolas
2004/2005 a 2006/2007. No caso da agricultura familiar que ocupa terras
em faixas com módulos fiscais entre 35 e 65 hectares, com propriedades
chegando a 260 hectares (somando quatro módulos fiscais), o impacto
nas propriedades é considerado pequeno, se comparado aos casos dos
municípios como no sul do Estado.
A fim de conter as desigualdades espaciais, para além da
manutenção da paisagem, sem a igualização de que falou Smith (1984), a
multiatividade no campo faz-se necessária, discussão já feita por Schneider
(2009a, 2009b), por Graziano da Silva (1997, 2003) e por Abramovay
(1992, 2003), no âmbito da pluriatividade.
As vantagens da agricultura familiar, longe dos grandes mercados,
na oferta de produtos, têm sido um caminho para sua manutenção, já
que os mecanismos de preços e financiamento não a afetam diretamente.
Por outro lado, para Veiga (2007), a vantagem da Agricultura familiar, no
mercado, via preços baixos, é um mecanismo importante, em razão da
estrutura simples da propriedade, diferentemente da empresa patronal.
“São os preços e não as dificuldades estruturais ou administrativas, que
limitam as possibilidades de expansão da agricultura patronal. Em outras
palavras, a agricultura familiar consegue se adaptar bem melhor aos preços
baixos” (VEIGA, 2007, p. 125).

Conclusão

A manutenção da agricultura familiar, como fator de resistência


frente a qualquer monocultivo, mesmo que o eucalipto não a tenha
afetado diretamente, é imperativa para sustentação da estrutura fundiária,
desconcentrada, no Planalto da Conquista. O quadro geral mostra que
106 Edvaldo Oliveira

a agricultura familiar, no Planalto, apresenta-se forte, apesar das muitas


dificuldades encontradas, desde a falta de apoio dos municípios, ao não
ampliarem a base de oferta dos agricultores, pela demanda do PAA e
do PNAE, exceto nos municípios de Cândido Sales e no de Vitória da
Conquista, às políticas dos bancos credenciados, no trato geral com os
agricultores familiares.
No que tange ao preço da terra, os resultados mostram que, apesar
da compra de terras por grupos alheios ao proprietário da região, o
impacto ainda não foi sentido, pelo menos na totalidade do território do
Planalto, como forma de pressão sobre o pequeno proprietário, exceto
as compras pontuais. Passível de estudos mais aprofundados, observa-se
que aparecem os primeiros rebatimentos no trabalho, principalmente
no sul do Planalto, com a redução da capacidade de trabalho e um
incipiente êxodo.
Evitar a venda da terra pelo agricultor familiar requer estratégias
capazes de manter o(a) produtor(a) no campo. Remete ao ganho de
produtividade, no estabelecimento, o que Mazoyer e Roudart (2010)
chamam de produtividade líquida, com capacidade de renovação da
produção, uma vez que é no plano estritamente econômico que esse
fenômeno se destaca, mas para que o estabelecimento possa se renovar
é necessário e suficiente que a produção líquida, por trabalhador, ou seja,
que a produtividade líquida (Pnt) seja superior ou igual à renda necessária
para satisfazer às necessidades desse trabalhador e de sua família.
Assim, criar condições que reduzam a desigualdade de competição
da agricultura familiar, nos mercados, tem sido o caminho indicado.
Rever os aspectos de financiamento, com distribuição dos recursos,
contemplando a agricultura familiar, ainda que a exigência do mercado
e a posição dos governos sejam de atendimento prioritário a ele, como
observa Hespanhol (2007) quanto aos índices de financiamento da
produção agrícola, é, também, um caminho a seguir. A importância de
se manter a territorialização da agricultura familiar, em detrimento ou
mesmo convivendo com a agricultura patronal, passa pela ordenação
espacial, que a Geografia Agrária e da Agricultura devem explicar.
Capítulo 4 - Eucaliptocultura e a agricultura familiar – prevendo impactos: o caso do Planalto... 107

Na proposição sobre a manutenção da estrutura fundiária que


organiza o espaço rural, no Planalto da Conquista, há preocupações
com a pequena e a média propriedade, de caráter familiar, sobretudo
as interessantes para a eucaliptocultura (cujo critério, aqui adotado,
chega a até cem hectares, por força dos licenciamentos). Acredita-se
que o fortalecimento da agricultura familiar, bem como dos pequenos
proprietários que detêm a terra, pode barrar a desconcentração fundiária
existente. Entende-se, portanto, que essa é a melhor forma de manter o
pequeno agricultor na terra, longe das ameaças do grande capital.
O futuro da agricultura no Planalto da Conquista depende das
políticas de Estado para manutenção da estrutura vigente, com nuances
de melhoria da produção, diante das condicionantes físicas limitantes,
principalmente climáticas, a oeste do território, com seis meses de
período seco e com baixa pluviosidade no período chuvoso. Nesse
ínterim, acredita-se que a pluriatividade – a despeito de outras correntes
como a que defende a relação cidade-campo –, aliada à produção local,
pode minimizar os efeitos do baixo rendimento no campo, um desafio
a ser pesquisado.
Capítulo 5

Atividades agrícolas e movimento ambientalista

Meirilane Rodrigues Maia

Introdução

O presente capítulo apresenta uma análise da relação entre as


atividades agrícolas e o movimento ambientalista, perpassando a discussão
entre agricultura e meio ambiente numa perspectiva histórica. Para
tanto, faz-se necessário realizar uma breve análise sobre a evolução da
agricultura, sua modernização e relação com a consequente degradação
do meio ambiente, além de uma reflexão sobre a evolução do movimento
ambientalista.
Sabe-se que a agricultura moderna, baseada na excessiva
dependência de fertilizantes, defensivos químicos e maquinário agrícola,
é um dos fatores que têm comprometido seriamente os solos férteis, os
recursos hídricos e acelerado a redução das áreas com solos produtivos.
Diante disso, tornam-se necessários estudos sobre as ações diretas de
grupos sociais na apropriação dos espaços, a fim de implementar ações
adequadas para a utilização dos recursos naturais (rochas, solo, água,
vegetação, relevo, ar), que levem em consideração as preocupações com as
110 Meirilane Rodrigues Maia

questões ambientais, não permitindo que a “modernização” da agricultura


seja um agente “modelador” do meio natural.
A agricultura moderna, marcada pelos sistemas rotacionais e pela
fusão das atividades agrícolas e da pecuária, que ficou conhecida como
a primeira Revolução da Agricultura, surge nos séculos XVIII e XIX. O
uso inadequado da terra, prática comum desse sistema, foi aos poucos
desaparecendo e dando lugar ao aumento da produção, até seu abandono,
e a separação entre produção animal e vegetal foi inevitável.
As descobertas do final do século XIX e início do século XX
propiciaram um processo produtivo especializado, com emprego de energia
fóssil e de insumos industriais que elevaram o padrão dos rendimentos das
lavouras, da produtividade do trabalho e, consequentemente, poupadora
de mão de obra, chamada de segunda Revolução da Agricultura. Esse
desenvolvimento culminou, nos anos de 1970, na “Revolução Verde”, e
se espalhou pelos países subdesenvolvidos com a expectativa de resolver
o problema da falta de alimentos.
Na realidade, esse sistema ampliou consideravelmente a produção
da agricultura, mas trouxe consigo questões de ordens econômica e
ambiental que se tornaram preocupantes na década de 1980. No Brasil,
esse processo de “modernização” não foi diferente, na medida em que
ampliou os problemas ambientais, a concentração de terras e provocou
uma grande migração para os principais centros industrializados.
Durante todo o século XX, o padrão convencional de agricultura
acumulou um significativo conhecimento científico e tecnológico e seu
avanço foi fundamental para garantir a segurança alimentar de muitos
povos. No entanto, para garantir a segurança alimentar da população
mundial e a conservação dos recursos naturais, como exige a noção de
sustentabilidade, [...] “será necessário um conhecimento que integre
o saber específico da agronomia convencional com o conhecimento
sistêmico, integrando os diversos componentes de um agroecossistema”
(EHLERS, 1999, p. 133).
Assim, utilizou-se como argumento, para justificar a “Revolução
Verde”, o fato de que o conjunto de tecnologias agrícolas seria capaz de
Capítulo 5 - Atividades agrícolas e movimento ambientalista 111

produzir alimentos para acabar com a fome do mundo. No entanto, a


fome mundial [...] “não é um problema técnico, mas político. Quando os
executivos das empresas agroquímicas afirmam que a fome continuará,
a menos que a biotecnologia mais recente seja adotada, eles ignoram as
realidades sociais e políticas” (CAPRA, 2002, p. 187).
A agricultura convencional, base principal dos atuais sistemas
agrícolas de produção, precisa ser avaliada quanto à sua sustentabilidade.
Isso pressupõe analisar as potencialidades, limitações e impactos causados
pela exploração agrícola, no sentido de identificar possibilidades de
desenvolver uma agricultura que atenda às premissas da sustentabilidade.
Para a análise desses sistemas, Capra (2002) defende a compreensão da
realidade em função das totalidades integradas, em que as propriedades
dos sistemas não devem ser reduzidas às propriedades das partes do
sistema.
Agricultores buscam, hoje, alternativas ao sistema convencional
de produção introduzido pela “Revolução Verde”. Dessa forma, houve
o fortalecimento dos debates sobre as sustentabilidades e, juntamente
com esta discussão, a necessidade de avaliar os diferentes sistemas para
detectar seu grau de sustentabilidade.
Os debates em torno da necessidade de se repensar as consequências
ambientais e sociais no modelo de desenvolvimento atual não são recentes.
A divulgação do Relatório de Brundtland, “Nosso Futuro Comum”, foi
um ganho de caráter global para tal discussão. Segundo Lenzi (2006, p. 55),
“tornou-se importante para o movimento ambientalista ver a economia de
mercado e a proteção ambiental como parceiros e não como inimigos”.

Agricultura e meio ambiente

Entender as relações entre agricultura e ambiente, numa


perspectiva histórica, não é uma tarefa das mais fáceis e pressupõe entrar
numa discussão por demais complexa, pois existem atividades agrícolas
convencionais orientadas para o lucro e para a exportação (agronegócio)
que se intensificaram após a Segunda Guerra Mundial e, paralelamente,
112 Meirilane Rodrigues Maia

para práticas de subsistência. Do ponto de vista ambiental, considera-se:


a) as atividades convencionais com intenso uso de corretivos químicos,
agrotóxicos e mecanização; b) as tradicionais que não utilizam os aparatos
da agricultura convencional1; c) as orgânicas ditas “naturais”; e d) as
transgênicas, cujas implicações socioambientais são incertas.
As sociedades primitivas, nômades, viviam da caça, da pesca e
da coleta. Os grupos se deslocavam em busca de alimentos e, nesses
deslocamentos, aprenderam a estabelecer relações entre as estações do ano
e a presença de certos animais e vegetais. Nesse sentido, Matosso (1947)
acredita que os grupos sociais já tinham conhecimento essencial sobre o
comportamento da natureza quando começaram a praticar a agricultura.
Para Mazoyer e Roudart (2010), o homem começou a criar animais
e cultivar plantas apenas no período Neolítico (há menos de 10 mil anos),
multiplicando-os em diversos ambientes e transformando, dessa forma,
os ecossistemas naturais em ecossistemas cultivados. Mesmo assim,
continuaram praticando a caça e a pesca. Até então, os homens não
haviam transformado a paisagem mais do que os outros animais, pois o
uso do fogo se limitava às fogueiras, a fim de se protegerem.
Coon (1960, p. 124) afirma que “[...] o homem começou a perturbar
a superfície da terra quando realizou a sua terceira conquista das forças
naturais, aprendendo a cultivar plantas e a criar animais em cativeiro”. Na
concepção desse autor, a atividade de criação de animais pode ter surgido
por diversão em alguns aldeamentos, enquanto a atividade agrícola surgiu
com base na observação do crescimento vigoroso de plantas alimentícias
decorrente de sementes deixadas após a alimentação.
Segundo Mazoyer e Roudar (2010), as primeiras semeaduras
aconteceram de forma acidental, nas proximidades das moradas e nos
locais de preparação dos alimentos, a partir de cereais nativos. Com o
crescimento dos vilarejos, a coleta para alimentação se tornou insuficiente,
levando-os cada vez mais a utilizarem-se da agricultura e da criação.
Para Cohen (1977), a origem da agricultura se justifica pela
necessidade de produção de alimentos devido ao crescimento populacional.
1
A agricultura convencional ou moderna se utiliza da biotecnologia, agroquímica e monocultura,
enquanto a agricultura tradicional é baseada na policultura e não depende de insumos externos.
Capítulo 5 - Atividades agrícolas e movimento ambientalista 113

De acordo com Diniz (1984, p. 20), uma das formas para entender o que
significa agricultura [...] “é buscar seu significado etimológico ager (campo)
e cultura (trabalho)”. O autor chama atenção para a ampliação do conceito,
uma vez que este engloba, além da lavoura, a silvicultura, a criação do
gado e mesmo a piscicultura.
Conforme Coon (1960), foi a existência do machado de pedra
polida que deu sentido às atividades agrícolas e de criação de animais,
na medida em que possibilitou proteger os animais dos predadores e
desmatar as florestas para a plantação de lavoura.
Na realidade, não existe uma teoria única que explique as origens
da agricultura e a forma exata da transformação dos caçadores/coletores
em agricultores. No entanto, Mazoyer e Roudart (2010) afirmam que
os grupos humanos, apesar de serem pouco numerosos e distantes
uns dos outros, tornaram-se centros dispersores da revolução agrícola
neolítica, estendendo a agricultura para a maior parte das regiões do
mundo. Esses autores destacam quatro centros irradiadores: o centro
do oriente-próximo, que se constituiu na Síria-Palestina e talvez mais
amplamente no Crescente Fértil2; o centro-americano, que se estabeleceu
no sul do México; o centro chinês, que se constituiu, no princípio, no
norte da China e se estendeu depois para o nordeste e sudeste; e o centro
neoguineense que teria emergido no coração da Papuásia, Nova Guiné.
Acrescentam-se a esses mais dois centros que quase nada irradiaram: o
centro sul-americano, nos Andes peruanos ou equatorianos (há mais de
6000 anos antes da era atual); e o centro norte-americano que se instalou
na bacia do médio Mississipi (há 4000 e 1800 anos antes da era atual).
Nesse mesmo sentido, de acordo com Gebauer e Prince (1992),
existem diversas hipóteses para a Revolução Neolítica3, tendo maior
aceitação a do oásis, habitat natural, pressão populacional e simbiose
2
O Crescente Fértil é uma região do Oriente Médio, compreendendo os atuais Israel e Líbano, bem
como partes da Jordânia, da Síria, do Iraque, do Egito, do sudeste da Turquia e sudoeste do Irã.
O termo “Crescente Fértil” foi criado pelo arqueólogo James Henry Breasted, da Universidade
de Chicago, em referência ao fato do arco formado pelas diferentes zonas se assemelhar a uma
Lua crescente. A área é irrigada pelos rios Eufrates, Tigre e Nilo; a região cobre uma superfície de
cerca de 400 000 a 500 000 km² e é povoada por 40 a 50 milhões de indivíduos. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Crescente_F%C3%A9rtil>. Acesso em: 12 jun. 2010.
3
Essa expressão foi criada pelo arqueólogo australiano Vere Gordon Childe. Foi um movimento
que marcou o fim do nomadismo e início da sedentarização do homo sapiens.
114 Meirilane Rodrigues Maia

homem/planta. Para esses autores, desde o início do século XX os estudos


sobre a agricultura demonstram que tanto a agricultura quanto o pastoreio
tiveram seu surgimento nas planícies secas da Mesopotâmia. Observaram,
também, que durante os anos de 1940 a 1950 os estudos paleoclimáticos
apresentaram as várias mudanças ambientais que ocorreram no final do
Pleistoceno e que estas não atingiram o Oriente Médio. Isso indicava que
a domesticação de animais teria se iniciado nas encostas montanhosas
do Crescente Fértil.
Nos anos de 1960 surgiu a hipótese de que os grupos humanos
se tornaram agricultores/pastores por não terem outra escolha, sendo a
agricultura a única chance de sobrevivência desses grupos no Neolítico.
A descoberta da agricultura ampliou a divisão do trabalho. Os homens,
sem abandonar a caça e a pesca, passaram a cuidar das construções
de casas e da criação e trato com os animais, enquanto as mulheres
se dedicavam aos afazeres domésticos, à tecelagem, à cerâmica e às
atividades agrícolas.
Coon (1960) destaca várias argumentações quanto à domesticação
de animais e possibilidades agrícolas do período Neolítico. O autor
evidencia que desde aqueles tempos o homem começou a “perturbar” os
ambientes, desmatando cada vez mais, dando início aos processos erosivos
e de lixiviação do solo provocados pelas precipitações pluviométricas.
A agricultura foi responsável pela elevação da expectativa de
vida e reprodução dos grupos socais. Com o crescimento da população,
tornou-se mais fácil a proteção dos grupos; no entanto, necessitaram
intensificar cada vez mais os cultivos e os desmatamentos. As atividades
agrícolas se desenvolveram num suporte físico influenciado por grupos
humanos diversos que produzem espaços diferenciados relacionados às
diferentes culturas.
Ainda nos anos 60 do século passado, tem início um debate baseado
nos princípios malthusianos, envolvendo “os limites do crescimento”
dentro da perspectiva de catástrofe ambiental, em decorrência do
crescimento populacional e da escassez de recursos naturais. Os
defensores desses princípios acreditavam no controle do crescimento
populacional e da exploração dos recursos naturais como solução para
Capítulo 5 - Atividades agrícolas e movimento ambientalista 115

evitar uma catástrofe global. Entre esses, destaca-se Paul Ehrlich4 como
um dos principais representantes.
Os impactos ecológicos do crescimento populacional sobre os
recursos e o ambiente, e as implicações econômicas, políticas e sociais
são tratadas por P. R. Ehrlich e A. H. Ehrlich da seguinte maneira:

[...] o crescimento explosivo da população humana é o evento


terrestre mais significativo já ocorrido nos últimos milhões de
anos. Três e meio bilhões de pessoas habitam atualmente a terra
e, a cada ano, esse número aumenta de 70 milhões. Utilizando
armas tão diversas como artefatos termonucleares e DDT, esta
massa humana ameaça destruir a maior parte da vida no planeta.
A própria humanidade está agora muito próxima da destruição
total e seu desaparecimento poderia causar a morte de um
grande número de passageiros da Astronave Terra5. Nenhum
evento geológico em um bilhão de anos – nem a emergência de
cadeias de montanha, nem a submergência de subcontinentes,
ou a ocorrência de eras glaciais periódicas ameaçou tanto a
vida terrestre como o excesso da população (EHRLICH, P. R.;
EHRLICH, A. H., 1974, p. 3).

Na visão desses autores a destruição dos sistemas ambientais


estava relacionada ao crescimento populacional; pensamento que sofreu
crítica por apresentar profecias alarmistas, mas que serviu para alertar
o mundo sobre as questões socioeconômicas da atualidade, na medida
em que incentivou o debate em torno da relação entre desenvolvimento
econômico e meio ambiente e de outras questões sobre o planeta no
século atual.
Hardin (1968) foi outro biólogo que pregou a extinção da espécie
humana pela superpopulação; sua teoria ficou conhecida como “tragédia
dos comuns”6. Afirmava em sua proposta que não existiam soluções
4
Paul Ehrlich ficou famoso com o livro A bomba populacional, publicado em 1968, no qual tratava
de forma alarmista das ameaças ao planeta pelo crescimento populacional, fome e degradação
ambiental para a década de 1970 e 1980.
5
Termo utilizado pela primeira vez por Adlai Ewing Stevenson em 1965.
6
A expressão provém originalmente de uma observação feita pelo matemático amador William
Forster Lloyd sobre posse comunal da terra em aldeias medievais, em seu livro de 1833 sobre
população. O conceito foi estendido e popularizado por Garrett Hardin no ensaio “The Tragedy
of the Commons”, publicado em 1968 na revista científica Science.
116 Meirilane Rodrigues Maia

científicas para problemas como a superpopulação. Para tanto, apresentava


um exemplo hipotético em que uma pastagem seria compartilhada entre
pastores locais onde existe equilíbrio. Na medida em que houvesse a
introdução de um animal a mais por um pastor, levaria ao desequilíbrio,
pois cada animal adicional possuía um componente positivo (o pastor
recebe todo o lucro sobre o animal adicional), e outro negativo (a
pastagem é ligeiramente degradada pelo animal adicional). Assim, cada
pastor desejava aumentar seu rebanho de forma ilimitada em um espaço
que é limitado.
Em oposição a essas ideias, Commoner (1974) considerava a
“tecnologia moderna” ou a “aplicação inadequada da tecnologia” como
a principal responsável pela crise ambiental, ou seja, ressaltou o papel
da tecnologia e criticou a priorização da questão populacional pelos
malthusianos7.
No entanto, os Limites do Crescimento, propostos pelo Clube
de Roma8 em 1972, foi uma das principais obras baseadas na teoria
malthusiana, cuja finalidade era

[...] promover o entendimento dos componentes variados,


mas independentes – econômicos, políticos, naturais e sociais
– que formam o sistema global em que vivemos; chamar a
atenção dos que são responsáveis por decisões de alto alcance,
e do público do mundo inteiro, para aquele novo modo de
entender, e, assim, promover novas iniciativas e planos de ação
(MEADOWS, 1978, p. 10).

O relatório do Clube de Roma enfatizava sobre uma instabilidade


ambiental destacando, dentre outros aspectos, o esgotamento dos recursos
naturais em função das formas de uso, o aumento populacional, o
consumo, o aumento da poluição e a decadência dos sistemas ambientais.
Nesse sentido, Diegues (1989) destaca, como principais críticas ao
7
Os malthusianos, tendo o pessimismo como regra, alertaram o mundo para uma catástrofe jamais
ocorrida.
8
No início da década de 1970, a partir da pesquisa encomendada ao Massachussets Institute of
Tecnology (MIT), o Clube de Roma publicou o livro Limites do Crescimento com grande repercussão
internacional. O Clube era composto por membros de diversas nacionalidades e especialidades,
objetivando indicar caminhos comuns a partir da análise do contexto mundial.
Capítulo 5 - Atividades agrícolas e movimento ambientalista 117

relatório, o fato do modelo ser malthusiano e ter como principal variável


o controle do crescimento populacional nos países do terceiro mundo,
de congelar as diferenças socioeconômicas entre os países do Norte e
do Sul e de propor um modelo de “crescimento zero” para a solução
dos problemas globais.
A concepção de crise gerada pelo crescimento populacional sem
limites e pelo crescimento econômico se propagou e fez convergir
os debates ambientais em dois aspectos: os impactos negativos do
desenvolvimento econômico ao meio ambiente e a incompatibilidade
entre meio ambiente e desenvolvimento econômico.
Com a realização da Conferência de Estocolmo, em 1972,
primeiro grande marco histórico do ambientalismo mundial9, a visão de
antagonismo entre meio ambiente e desenvolvimento econômico de certa
forma desapareceu, estabelecendo-se a reconciliação entre meio ambiente
e desenvolvimento econômico. Pela primeira vez as questões ambientais
foram discutidas no intuito de buscar soluções corretivas e preventivas
para os problemas ambientais globais. Observou-se que a crise ambiental
representava uma ameaça global que colocava em dúvida a permanência
de vida na terra. A partir dessa Conferência, a questão ambiental foi
incorporada nas discussões e políticas governamentais estabelecendo
um novo ciclo nos estudos das relações internacionais.
A publicação do Relatório “Nosso Futuro Comum”, em 1987,
pela Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e o Desenvolvimento
(CMMAD), efetivou, de forma concreta, o conceito e as propostas
do desenvolvimento sustentável internacionalmente e o modelo de
desenvolvimento insustentável, bem como ampliou o foco sobre a relação
entre Desenvolvimento Econômico e Proteção Ambiental, como fica
claro em vários trechos do relatório.

[...] é no “meio ambiente” que todos vivemos; o “desenvolvimento”


é o que todos fazemos ao tentar melhorar o que nos cabe
9
Apesar dos méritos serem atribuídos à Conferência de Estocolmo, 1972; a Conferência da Biosfera
realizada em Paris, em 1968, e a reunião preparatória de Fenoux, na Suécia, em 1971, foram
importantes no estabelecimento e fixação de alguns postulados apresentados em Estocolmo,
Suécia, em 1972.
118 Meirilane Rodrigues Maia

neste lugar que ocupamos. Os dois são inseparáveis. Além


disso, as questões de desenvolvimento devem ser consideradas
cruciais pelos líderes políticos [...]. Muitas das estratégias de
desenvolvimento adotadas pelas nações industrializadas são
evidentemente insustentáveis. E devido ao poder econômico e
político desses países, suas decisões quanto ao desenvolvimento
terão profundo impacto sobre as possibilidades de todos os
povos manterem o progresso humano para as gerações futuras.
Muitas questões críticas de sobrevivência estão relacionadas com
desenvolvimento desigual, pobreza e aumento populacional.
Todas elas impõem pressões sem precedentes sobre as terras,
as águas, florestas e outros recursos naturais do planeta, e não
apenas nos países em desenvolvimento. [...]. O necessário agora
é uma nova era de crescimento econômico – um crescimento
convincente e ao mesmo tempo duradouro do ponto de vista
social e ambiental (CMMAD, 1991, p. XIII-XIV).

Este trecho evidencia a necessidade de se considerar como


princípios básicos nas análises o crescimento econômico, a equidade
social e o equilíbrio ambiental. Lenzi (2006, p. 55) destaca que “tornou-se
importante para o movimento ambientalista ver a economia de mercado
e a proteção ambiental como parceiros e não como inimigos”. Percebe-se,
portanto, que as preocupações com as questões ambientais tiveram início
há muito tempo sobre diversas formas de interpretação e de manifestação.

A modernização da agricultura

Nos últimos anos, as questões ambientais têm sido tratadas com


ações diretas sobre o espaço físico, na tentativa de preservar os processos
naturais. No entanto, observam-se muitas ações voltadas para interesses
puramente econômicos, oriundos de antigos processos exploratórios que
não têm considerado essas questões nas ações de apropriação do espaço.
Reis (2002, p. 26) realça que “apesar da busca constante da compatibilidade
entre desenvolvimento econômico e o meio ambiente, as ações humanas
têm produzido uma variedade de impactos ambientais que têm ameaçado
a sobrevivência da espécie humana no planeta”.
Capítulo 5 - Atividades agrícolas e movimento ambientalista 119

Nesse processo se insere a crise agrícola-ecológica resultante


das estratégias do desenvolvimento convencional que, no caso da
agricultura, está relacionada, principalmente, à “Revolução Verde”. As
estratégias de desenvolvimento não foram capazes de resolver problemas
como, por exemplo, a fome e a problemática ambiental. Desse modo, a
degradação dos recursos naturais e a falta de melhoria da qualidade de
vida impulsionaram as discussões acerca da sustentabilidade ambiental.
Segundo Alcantud e Molina (1992, p. 25), “[...] nossos hábitos de
consumo e produção têm boa parte da responsabilidade na perpetuação
do homem e da pobreza, já que não são ecologicamente viáveis” (tradução
nossa).
A modernização da agricultura significou uma falsa promessa
do desenvolvimento equânime. Para Karnopp (2003, p. 135), “[...] o
desenvolvimento produtivo da agricultura oportunizou a incorporação de
um conjunto de tecnologias industriais que concorreram para aumentar
a produção e a produtividade das lavouras”. Por outro lado, o contexto
mundial da economia globalizada tem ampliado as desigualdades inter
e intrarregional, produzindo tanto bolsões de miséria quanto ilhas de
prosperidade produtiva.
Para Tonneau e Teixeira (2002), apesar do sucesso do modelo
tradicional de modernização10 – inspirador das políticas agrícolas, a partir
dos anos 1970 – o mesmo é alvo de críticas e preocupações ecológicas,
sociais e econômicas. Tais críticas se manifestam em diferentes aspectos:

● econômicos – com a queda dos preços, o aumento dos custos


dos fatores de produção e a redução do ritmo de incorporações
de inovações;
● ecológicos – com o crescimento da quantidade de efluentes
lançados ao meio ambiente e dos problemas ligados à sanidade
e securização da alimentação; e
● sociais – desde muito expressas. O processo de modernização
da agricultura foi também sinônimo de exclusão social. Neste
10
Processo de Modernização da Agricultura em que mantêm inalterada a estrutura de distribuição
de renda.
120 Meirilane Rodrigues Maia

processo, ficou evidente a impossibilidade das cidades e


das metrópoles absorverem as populações rurais excluídas,
revelando elevados índices de êxodo rural.

Sabe-se que a agricultura moderna, baseada na excessiva


dependência de fertilizantes, compromete seriamente os solos férteis e,
os recursos hídricos, além disso, acelera a redução das áreas com terras
produtivas. Portanto, torna-se necessário, no estudo da fisionomia das
paisagens – que são as formas resultantes das ações diretas de grupos
sociais –, que ao se apropriarem dos espaços implementem formas de
utilização dos recursos naturais (rochas, solo, água, vegetação, relevo,
ar), nas quais esteja presente a preocupação com as questões ambientais.
Nesse contexto, discute-se a modernização da agricultura como agente
“modelador” do meio natural. Paulus e Schlindwein consideram que

O desenvolvimento tecnológico da agricultura, sobretudo a partir


da segunda metade do século XX, incorporou um conjunto de
tecnologias “avançadas” ou “modernas” que, indubitavelmente,
aumentaram a produção e a produtividade das atividades
agropecuárias, a par de alterar relações sociais no campo.
Contudo, a incorporação dessas tecnologias frequentemente
ocorreu de forma inadequada à realidade do meio rural, seja
pela maneira como se deu esta implantação, seja pela natureza
mesma das tecnologias introduzidas, com consequências sociais
e impactos sobre o meio físico altamente negativos (PAULUS;
SCHLINDWEIN, 2001, p. 45).

Tal situação tende a transformar o meio ambiente e, por


vezes, provoca reflexões a respeito de sua continuidade, instigando
o desenvolvimento de estudos que procuram diagnosticar as áreas
conflitantes de uso da terra, avaliando as ações transformadoras.
As formas descontroladas de utilização dos recursos provocam,
cada vez mais, a deterioração ambiental e uma consequente redução de
possibilidades de elevar o nível socioeconômico das populações rurais.
No momento em que a unidade de produção rural não pode mais garantir
a realização social e econômica do produtor rural e de sua família, pela
Capítulo 5 - Atividades agrícolas e movimento ambientalista 121

presença de desequilíbrios ambientais, inviabiliza-se a continuidade da


produção rural, produzindo, também, como consequência, desequilíbrios
do ponto de vista social.
As diferentes formas de utilização dos recursos naturais têm levado,
muitas vezes, a práticas de uso inadequado dos ambientes, refletindo-se
na sub ou na superutilização dos mesmos, bem como na degradação
ambiental; práticas que estão relacionadas às diferentes culturas e técnicas
específicas de apropriação da natureza e de transformação do espaço. Tais
situações contribuem para o agravamento do quadro degradacional da
maioria dos ambientes, apresentando incompatibilidade entre o potencial
do uso e o uso atual dos agroecossistemas.
Na concepção de Mendonça (2001), inúmeras áreas se apresentam
exauridas devido ao intenso uso, cujas justificativas podem ser explicadas
pela escassa disponibilidade de área para a produção; necessidade de
reforma agrária; falta de conhecimento do produtor11; sistema de mercado
agressivo e competitivo; necessidade do grupo familiar em se reproduzir;
e política econômica regional e nacional, entre outras razões.
A agricultura convencional, tomando como objetivos a
maximização da produção e do lucro, não se preocupou com as práticas
e consequências de suas ações na dinâmica dos agroecossistemas e nem
com a “qualidade” dos alimentos.
Assim, o século XXI se iniciou com uma profunda crise ambiental
no setor agropecuário. Questões como: persistência da concentração de
terra e renda; êxodo rural; desemprego; erosão e perda da fertilidade
dos solos; contaminação por agrotóxicos, de alimentos, solo, água e
animais; destruição de florestas; dilapidação do patrimônio genético e
da biodiversidade; esgotamento dos recursos naturais e deterioração dos
ecossistemas são questões que estão presentes em nosso cotidiano e que
vêm sendo amplamente discutidas.
A maior parte desses impactos está relacionada com o tipo de
agricultura que foi disseminado com a Revolução Verde, baseada num
padrão tecnológico de utilização de produtos químicos, maquinarias e
11
O produtor utiliza formas de manejo inadequadas, muitas vezes pela falta de assistência técnica,
levando o solo a sua exaustão.
122 Meirilane Rodrigues Maia

sementes melhoradas, originando sérias consequências ambientais, sociais,


políticas e econômicas.
Esse modelo de desenvolvimento rural da agricultura convencional
tem sido responsável tanto pelas diferenças socioeconômicas quanto pelos
danos ambientais no campo. Nesse sentido, buscam-se estabelecer estilos
de agriculturas que agridam menos o meio ambiente, capazes de proteger
os recursos naturais e que sejam contrárias a este estilo convencional de
agricultura que teve sua hegemonia a partir do século XX. Não se trata,
porém, da incorporação de elementos de caráter ambientalista às práticas
agrícolas convencionais, pois “[...] uma agricultura que seja apenas capaz
de substituir insumos químicos convencionais por insumos ‘alternativos’,
‘ecológicos’ ou ‘orgânicos’ não necessariamente será uma agricultura
ecológica em sentido amplo” (CAPORAL; COSTABEBER, 2004, p. 10).
Nesse mesmo sentido, Gliessman afirma:

As práticas da agricultura convencional estão degradando


globalmente o ambiente, conduzindo a declínios na
biodiversidade, perturbando o equilíbrio natural dos
ecossistemas e, em última instância, comprometendo a base
de recursos naturais da qual os seres humanos e a agricultura
dependem (GLIESSMAN, 2005, p. 45).

Assim, o homem, ao praticar a agricultura, tem ação direta sobre


os mecanismos internos do agroecossistema, “[...] desta forma, a relação
homem/agroecossistema assume características positivas ou negativas,
dependendo do modelo produtivo” (MANZONI, 2006, p. 2).
Desse modo, algumas mudanças têm assumido características
direcionadas para soluções positivas, como a produção de orgânicos.
Segundo os dados apresentados pela Federação Internacional de
Movimentos de Agricultura Orgânica (IFOAM), os orgânicos
apresentaram grande crescimento entre os anos de 2000 e 2006, como
pode-se constatar na Tabela 1.
Capítulo 5 - Atividades agrícolas e movimento ambientalista 123

Tabela 1 – Produção de orgânicos no mundo em milhões de hectares


Milhões de hectares % de aumento entre
Localização
2000 2006 2000/2006
América do Norte 1,00 2.2 120,00
América Latina 3.30 5.8 75.76
Europa 3.70 6.9 86.49
África 0.02 0.5 44.00
Ásia 0.05 2.9 57.00
Oceania 7.60 11.8 55.26
Total 15.67 30.1 94.64
Fonte: IFOAM, 2006. Org.: A autora, 2011.

Os dados demonstram que, no total, o aumento na produção de


orgânicos, no intervalo de seis anos, foi de 94,64%. Isso se deu em função
da intensificação dos efeitos sociais e ambientais negativos da agricultura
convencional na escala mundial. Para Hespanhol (2008, p. 4), “[...] o
agravamento dos problemas ambientais [...] forçaram a discussão em
ambiente mundial de novos parâmetros para se pensar o desenvolvimento
e novas formas de produzir no campo”.
O Brasil, a partir de 2003, por meio da Lei nº 10.831 12,
regulamentou a produção de orgânicos e sua certificação13 em função
da demanda por estes produtos no mercado. Esse aumento de demanda
pode ser compreendido, segundo Campanhola e Valarini, por cinco
possíveis causas:

A primeira é que esta tenha partido dos próprios consumidores,


preocupados com a sua saúde ou com o risco da ingestão
de alimentos que contenham resíduos de agrotóxicos [...].
A segunda razão é que a demanda tenha se originado do
movimento ambientalista organizado, representado por várias
ONGs preocupadas com a conservação do meio ambiente,
tendo algumas delas atuado na certificação e na abertura
de espaços para a comercialização de produtos orgânicos
12
Essa Lei é regulamentada pelo Decreto nº 6.323, de 27 de dezembro de 2007.
13
A certificação de produtos orgânicos visa conquistar maior credibilidade dos consumidores
e conferir maior transparência às práticas e aos princípios utilizados na produção orgânica. A
certificação é outorgada por diferentes instituições no país, as quais possuem normas específicas
para a concessão do seu selo de garantia (CAMPANHOLA; VALARINI, 2001, p. 77).
124 Meirilane Rodrigues Maia

pelos próprios agricultores [...]. A terceira seria resultado da


influência de seitas religiosas, como a Igreja Messiânica, que
defendem o equilíbrio espiritual do homem por meio da
ingestão de alimentos saudáveis e produzidos em harmonia
com a natureza. A quarta [...] teria como origem os grupos
organizados contrários ao domínio da agricultura moderna por
grandes corporações transnacionais [...]. E o quinto motivo
seria resultado da utilização de ferramentas de “marketing”
pelas grandes redes de supermercados, por influência dos
países desenvolvidos, que teriam induzido demandas por
produtos orgânicos em determinados grupos de consumidores
(CAMPANHOLA; VALARINI, 2001, p. 72-73).

Esse aumento no consumo de produtos orgânicos é reflexo de um


processo que se sucedeu em termos mundiais, aliado à preocupação com
a qualidade dos alimentos consumidos e, consequentemente, com a saúde.
O Ministério da Agricultura divulgou, em 2006, que no Brasil
800 mil hectares eram utilizados com orgânicos, destacando-se a Região
Centro-Oeste pela quantidade de área ocupada, e a Região Sul pelo
número de produtores (Tabela 2).

Tabela 2 – Área cultivada e número de produtores orgânicos no Brasil, 2006.


Nº de
Região Área (ha) % % Área média
produtores
Centro-Oeste 520.000 65 750 5 693.3
Sul 120.000 15 10.200 68 11.7
Sudeste 80.000 10 1.500 10 53.3
Nordeste 72.000 9 1.950 13 36.9
Norte 8.000 1 600 4 13.3
Total 800.000 100 15.000 100 53.3
Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2006). Org.: A autora, 2011.

A agricultura de base ecológica não pode se restringir exclusivamente


à preocupação ambiental. Nesse sentido, Caporal e Costabeber destacam
que
Capítulo 5 - Atividades agrícolas e movimento ambientalista 125

[...] enquanto a corrente agroecológica defende uma agricultura


de base ecológica que se justifique pelos seus méritos intrínsecos
ao incorporar sempre a idéia [sic] de justiça social e proteção
ambiental, independentemente do rótulo comercial do produto
que gera ou do nicho de mercado que venham a conquistar,
outras propõem uma “agricultura ecologizada”, que se orienta
exclusivamente pelo mercado e pela expectativa de um prêmio
econômico que possa ser alcançado num determinado período
histórico, o que não garante sua sustentabilidade no médio e
longo prazos (CAPORAL; COSTABEBER, 2002, p. 81).

De acordo com os dados da Tabela 2, observa-se que a região


Centro-Oeste apresenta um número reduzido de agricultores em relação
à quantidade de produtores, e uma área média com dimensões bastante
elevadas, o que demonstra se tratar de grandes produtores com produção
em larga escala. Apesar de ser considerada orgânica, necessariamente não
significa que seja sustentável.
A Região Sul do Brasil apresenta uma situação inversa: o maior
número de produtores e a menor área cultivada, caracterizando-a como
produção de pequena escala. Os fatores que podem contribuir para esta
situação no Sul podem estar ligados ao apoio institucional oferecido por
órgãos estaduais de agricultura e das empresas oficiais de Assistência
Técnica e Extensão Rural (ATER), além de experiências bem sucedidas
com associações14 ligadas aos produtores orgânicos.
Não significa dizer que toda pequena produção seja orgânica.
No entanto, em função das próprias características de organização das
unidades produtivas, as condições sustentáveis em termos de agricultura
se apresentam mais favoráveis nas pequenas propriedades. Nesse contexto,
de acordo com Hespanhol:

[...] a adoção de sistemas orgânicos de produção por pequenos


proprietários rurais apresentam como principais vantagens: a)
a escala de produção, que por ser menor, favorece a conversão
produtiva e permite a produção em pequenas áreas; b) a
diversificação produtiva que em virtude da integração do cultivo
14
Como as experiências da Associação de Agricultores Orgânicos do Paraná (AOPA) e da Cooperativa
Colmeia, no Rio Grande do Sul.
126 Meirilane Rodrigues Maia

de lavouras temporárias e/​ou permanentes com a criação de


animais, pode facilitar a adoção do sistema orgânico, ao mesmo
tempo em que garante maior estabilidade econômica; c) o maior
envolvimento direto do produtor e dos membros da família,
favorecendo tanto o maior controle sobre o processo produtivo
como a maior capacidade de absorção desta mão-de-obra [sic];
d) a menor dependência de insumos externos, devido ao melhor
aproveitamento dos recursos disponíveis na propriedade; e) a
possibilidade de eliminação do uso de agrotóxicos, que contribui
para a redução dos custos de produção; e f) os menores custos
envolvidos na produção, resultando em melhores relações custo-
benefício e maiores rendas efetivas (HESPANHOL, 2008, p. 8).

No processo de transição da agricultura convencional para um


sistema alternativo, os agricultores enfrentam diversos desafios, sendo
necessário o apoio do orgão oficial ATER, aos produtores que desejam
adotar formas mais sustentáveis de agricultura, no sentido de garantir sua
continuidade e expansão sem comprometer os ambientes.

A evolução do movimento ambientalista

O movimento ambientalista foi marcado por inúmeros conflitos


entre as atividades humanas e o meio ambiente. Segundo McCormick,

O movimento ambiental não teve um começo claro. Não houve


um acontecimento isolado que inflamasse um movimento de
massa, nenhum grande orador ou profeta que surgisse para
incendiá-las, poucas grandes batalhas perdidas ou ganhas e
poucos marcos dramáticos. O movimento não começou num
país para depois espalhar-se em outros, emergiu em lugares
diferentes, em tempos diferentes e geralmente por motivos
diferentes. As questões ambientais mais antigas eram questões
locais Uma vez compreendidos os custos mais imediatos e
pessoais da poluição, da caça ou da perda das florestas, os
indivíduos formaram grupos, que formaram coalizões, que se
tornaram movimentos nacionais e, finalmente, um movimento
multinacional. Esta evolução foi episódica, com período de
expansão dinâmica intercalados por tempo de sonolência
(MCCORMICK, 1992, p. 21).
Capítulo 5 - Atividades agrícolas e movimento ambientalista 127

Trata-se de um movimento que surgiu de forma desordenada, num


primeiro momento por meio de grupos isolados que aos poucos foi se
organizando. Dessa forma, pode-se dizer que o ambientalismo surgiu em
diferentes épocas e locais por motivos diferentes. Nesse sentido, Castells
(2010, p. 143) afirma que o ambientalismo atualmente apresentado
considera “[...] todas as formas de comportamento coletivo que tanto em
seus discursos como em sua prática visam corrigir formas destrutivas de
relacionamento entre o homem e seu ambiente natural”.
Chegou-se ao consenso de que era necessário se organizar por
meio de grupos destinados a tratar das questões em seus diversos
aspectos. Esses grupos se tornaram movimentos nacionais e até
internacionais. Segundo Castells (2010, p. 141), “[...] o movimento
ambientalista do último quarto do século XX conquistou posição de
destaque no cenário da aventura humana”. O movimento tem como
objetivo atender a motivos e locais diferentes, porém tem como foco
a preservação do meio ambiente.
O movimento ambientalista americano, na virada do século XIX
para o XX, dividiu-se entre as vertentes preservacionistas que buscavam a
preservação das áreas virgens e conservacionistas, e defendia a exploração
dos recursos naturais de modo racional com vistas à sustentabilidade15.
No entanto, as atitudes mais significativas em relação ao meio ambiente
ocorreram após a 2ª Guerra Mundial, com seu ápice na década de 1960
do século passado. Em 1945 foi criada a Organização para Alimentação
e Agricultura (FAO)16, que se constituiu na maior agência especializada
das Nações Unidas com o objetivo de desenvolver uma agricultura
internacional que oferecesse alimentação suficiente para a população
mundial. Assim, pretendia solucionar a crise mundial de alimentos
por meio da adoção de métodos eficientes de produção agrícola. A
política de desenvolvimento agrícola defendida pela FAO estava focada
na “Revolução Verde”, por este motivo foi criticada por instituições
internacionais que defendiam a proteção do meio ambiente.

15
Sustentabilidade deve ser entendida como otimização da conservação ambiental em benefício da
população e democratização de acesso aos recursos ambientais.
16
A FAO foi fundada por intermédio da ONU, em uma Conferência em Quebec no ano de 1945.
128 Meirilane Rodrigues Maia

Em 1946 foi fundada a Organização das Nações Unidas para a


Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), que teve como diretor geral
Julian Huxley, com o objetivo de promover a cooperação internacional
na educação, ciência e cultura. Foi Huxley quem conseguiu incluir as
discussões sobre a proteção ambiental na UNESCO.
Criada em 1948, a International Union for the Protection of nature
(IUPN17) tinha como principal objetivo “[...] facilitar a cooperação
entre governos e organizações nacionais e internacionais preocupadas
com a proteção da natureza” (MCCORMICK, 1992, p. 51). Esse órgão
teve sua área de atuação ampliada, abrangendo a conservação, fato que
evidenciou a mudança do seu nome para International Union for Conservation
of Nature Resources (IUCN) em 1956. Seu foco estava na conservação dos
ecossistemas representativos18 e Parques Nacionais.
Esse organismo internacional se consolidou e incentivou o
surgimento de outros com os mesmos objetivos, de forma que, na
década de 1960, a Commonwealth Foundation ou Fundação da Comunidade
Britânica cunhou, pela primeira vez, a expressão Organizações Não
Governamentais (ONGs), entendida como [...] “organizações voluntárias,
independentes, sem ânimo de lucro, que buscam melhorar as circunstâncias
e possibilidades das pessoas desprotegidas e atuar em interesses e temas
que são prejudiciais à sociedade em geral” (EIR, 2001, p. 79).
Dentre essas organizações, pode-se mencionar o World Wildlife Fund
(WWF) criado em 1961, atualmente conhecido como Fundo Mundial para
a Natureza, cujo objetivo era financiar atividades e/ou organizações e
combater os problemas ambientais. Foram criados, também na década de
1960, o já mencionado Clube de Roma, a Organização para a Cooperação
e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), ou seja, essa década foi
profícua para a propagação das ideias ambientalistas que se estenderam
durante a década de 1970.
Paralelo ao movimento para a conservação, na década de 1960,
surge um novo movimento preocupado com as questões que iam além
da natureza e dos recursos naturais, “[...]” o novo ambientalismo abrangia
17
Era um híbrido de órgãos governamentais e não-governamentais.
18
As wetlands (áreas úmidas).
Capítulo 5 - Atividades agrícolas e movimento ambientalista 129

tudo, desde a superpopulação e a poluição aos custos da tecnologia e do


crescimento econômico; questionava a própria essência do capitalismo”
(MCCORMICK, 1992, p. 61).
Neste mesmo sentido, Diegues afirma que

[...] os anos sessenta, portanto, marcaram o aparecimento de


um novo ecologismo em contraposição a “antiga proteção da
natureza”, cujas instituições provinham do século XIX (sociedade
de proteção da natureza, da vida selvagem, dos animais, etc.).
Esse novo ecologismo provinha de um movimento de ativistas
que partiam de uma crítica da sociedade tecnológica industrial
(tanto capitalista como socialista), que cerceava as liberdades
individuais, homogeneizava as culturas e, sobretudo, destruía
a natureza. A preocupação fundamental da maioria desses
movimentos, tanto nos Estados Unidos como na Europa, não
era a proteção de uma espécie animal ou de um parque nacional
isoladamente (DIEGUES, 2005, p. 19, tradução nossa).

A degradação dos Geossistemas fez surgir uma maior


conscientização ambiental e mudanças nas atitudes em relação ao meio
ambiente. Com o surgimento do novo ambientalismo19 era a sobrevivência
humana que estava em jogo. O movimento ganhou grande apoio da
sociedade e centrou-se na humanidade e seus ambientes, o homem passou
a ser entendido como parte da natureza.
Em 1962, foi realizada pela Comissão Internacional de Parques
Nacionais (IUCN), em Seattle (EUA), a 1ª Conferência Mundial
de Parques Nacionais; ano em que a ONU aprovou a resolução de
apoio à argumentação de que os recursos naturais eram vitais para o
desenvolvimento econômico nos países menos desenvolvidos, e que
colocaria em risco os recursos naturais caso não levasse em consideração
sua conservação e recuperação (MCCORMICK, 1992).
Segundo a Executive Intelligence Review (2001), ocorreu nos
Estados Unidos da América (EUA), em 22 de abril de 1970, a primeira
manifestação popular contra a destruição ambiental, data que ficou
19
Segundo McCormic (1992), este novo ambientalismo surgiu graças aos testes atômicos, aos
desastres ambientais, aos avanços nos conhecimentos científicos e outros movimentos sociais, ou
seja, foi resultado de um processo cumulativo de mudanças tanto sociais quanto políticas.
130 Meirilane Rodrigues Maia

instituída como “Dia da Terra”. Seus manifestantes foram financiados


por Robert Oville Anderson, então presidente da Atlantic Richifield Oil
Corporation e do Instituto Aspen de Estudos humanísticos. Na revista
Foreign Affairs foi publicado, em abril de 1970, o artigo “Para evitar um
desastre mundial”, no qual Kennan trata da formulação da política
exterior enfatizando três pontos sobre a vida no planeta. O autor destaca
que a crise ambiental representa uma ameaça global tão grande que põe
em dúvida a vida na terra, propõe o controle da crise por meio de uma
parceria entre governo e empresas privadas, operando sob a supervisão
de uma superagência ambiental mundial e que parte dos recursos para
tal desígnio deveriam provir dos orçamentos da defesa nacional.
A Declaração de Cocoyok, no México (1974), foi mais uma
contribuição da Organização das Nações Unidas (ONU) ao debate
ambiental. Nesta responsabiliza-se a pobreza como causa da exploração
demográfica, provocando, dessa forma, a destruição desenfreada dos
Recursos Naturais. Outro relatório que contou com a colaboração da
ONU foi o Dag-Hammarskjolde (1975), também conhecido como
Que faire (Que fazer), patrocinado pela fundação do mesmo nome que
contou com a participação de políticos e pesquisadores de 48 países. Esse
relatório ultrapassou e acirrou as discussões expressas na Declaração de
Cocoyok, responsabilizando as potências colonizadoras pela concentração
das melhores terras de suas colônias e relegando aos mais pobres o uso
de solos de baixa fertilidade, resultando na degradação ambiental pela
necessidade de ampliar os espaços para o cultivo.
Para a Executive Intelligence Review (EIR, 2001), o “pai do
conservacionismo” foi o presidente Theodore Roosevelt (1901-1909),
o qual implementou grandes parques florestais, criou o serviço florestal
dos Estados Unidos e o Conselho de Conservação (Conservation Board)
em 1905. Roosevelt considerava que a riqueza de uma nação estava
no controle dos recursos naturais. Segundo o EIR (2001, p.43) “[...] as
primeiras organizações ambientais dos Estados Unidos foram o Sierra Club,
em 1892 e a National Audubom Society, em 1905, ligadas às ideias racistas
e malthusianas, além do forte apelo para a ‘higiene racial’”. É a partir da
Capítulo 5 - Atividades agrícolas e movimento ambientalista 131

Segunda Guerra Mundial, que os movimentos eugênicos20 passam a se


preocupar com o controle demográfico e com a conservação ambiental.
A “Agenda Inacabada”, publicada em 1977, propõe, dentre
outras medidas, fixar metas de redução da população mundial por meio
da criação de políticas de esterilização feminina no terceiro mundo, e
eliminar a utilização de fertilizantes e pesticidas na agricultura. Em
1980, nos Estados Unidos da América (EUA), é publicado o National
Security Study Memorandum 200 (NSSM 200). Este documento apresentou
um levantamento sobre as implicações do impacto do crescimento
demográfico dos países em desenvolvimento, sobre a utilização de
recursos naturais de interesse para a economia dos EUA. Introduziu o
conceito de “capacidade de suporte do planeta” utilizado, posteriormente,
pela Comissão Brundtland no documento “Nosso futuro Comum”.
Esse documento, presidido pela primeira-ministra da Noruega,
Gro Harlem Brundtland, indica uma série de medidas que deveriam ser
tomadas pelos países para promover o desenvolvimento sustentável; entre
essas, a limitação do crescimento populacional. O Documento estabelece,
também, que o desenvolvimento sustentável “[...] é aquele que atende
às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as
gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades” (CMMAD,
1991, p. 46). Pressupõe a permanência da qualidade de vida atual e uma
perspectiva de longo prazo.
O Relatório Brundtland critica o modelo de desenvolvimento
adotado pelos países industrializados e reproduzido pelas nações em
desenvolvimento; ressalta os riscos do uso excessivo dos recursos naturais,
por não ponderar a capacidade de suporte dos ecossistemas; e aponta
a incompatibilidade entre desenvolvimento sustentável e os padrões de
produção e consumo vigentes. Além de uma série de convenções, acordos
e protocolos, esse documento lança as bases para a ECO-92, segundo
20
A palavra “eugenia”, cunhada por Francis Galton em 1883, significa “a ciência do melhoramento
biológico do tipo humano”. Galton estava convencido de que a maioria das qualidades físicas,
mentais e morais dos humanos era herdada; desse modo, o progresso humano dependeria de como
essas qualidades seriam passadas para as gerações futuras. O movimento eugênico foi difundido
em diversos países, inclusive no Brasil, e a fundamentação científica que guiava cada proposta
eugênica teve contornos distintos. Essa articulação teórica, baseada principalmente na ciência da
hereditariedade e modelada pelo contexto social, fez com que cada país desenvolvesse seu próprio
movimento e definisse seus objetivos (CASTÃEDA, 2003).
132 Meirilane Rodrigues Maia

grande evento sobre o meio ambiente realizado no Brasil, em 1992, que


teve como um dos principais resultados a Agenda 2121. Neste evento
ficou definitivamente estabelecido o desenvolvimento sustentável22 como
meta dos países participantes23.
Um fato importante na Agenda 21 é a forma como a agricultura
familiar é tratada, especialmente no capítulo 14, que discorre sobre
o Desenvolvimento Rural. No documento, as políticas públicas 24
direcionadas para o setor rural não estão limitadas ao aumento da
produção agrícola, forma como vem sendo desenvolvida. Defende-se a
promoção de formas sustentáveis de produção, juntamente com medidas
que promovam a inclusão social com condições para a efetividade de ações
de proteção ambiental. O documento inova ao relacionar as dimensões
econômica, social e ambiental. Avança também na dimensão política,
defendendo que o sucesso de qualquer medida dependerá da participação
e organização das populações rurais e da cooperação (técnica e científica)
entre governos e setor privado (CNUMAD, 1995).
Ressalta-se que as preocupações da ECO-92 foram retomadas no
Japão, em 1997, quando foi assinado o Protocolo de Quioto, ratificando
o princípio da responsabilidade global sobre as mudanças climáticas no
planeta. Os Estados Unidos, sob a alegação de que os valores estabelecidos
21
Documento assinado por 179 países. É um texto-chave com as estratégias que devem ser assumidas
para a sustentabilidade. Já adotada em diversas cidades por todo o mundo, inclusive através de
parcerias e de intercâmbio de informações entre municipalidades, esse compromisso se desenrola
no âmbito da cooperação e do compromisso de governos locais. Leva em conta, principalmente,
as especificidades e as características particulares de cada localidade, de cada cidade, para planejar
o que deve ser desenvolvimento sustentável em cada uma delas. Disponível em: <http://www.
ibge.gov.br/ibgeteen/datas/ecologia/eco92.html>.
22
Segundo McCormick (1992), o conceito de Desenvolvimento Sustentável foi utilizado por
especialistas florestais alemães e por Roosevelt e Pinchot. Assim como na Conferência de Lake
Success, em 1949, e na Primeira Conferência Mundial de Parques Nacionais de Seattle, em 1962,
nesta foi decidido que os organismos internacionais deveriam incluir os estudos ecológicos nos
seus planejamentos.
23
A ECO-92 foi um sucesso do ponto de vista da mobilização de lideranças políticas. Participaram
178 Estados-nação, dos quais 114 chegaram a ser representado pelos seus Chefes de Estado, e
uma importante participação da sociedade civil organizada por meio das ONGs.
24
Para Tonneau e Teixeira (2002, p. 2), as “Políticas públicas” são diretrizes, princípios norteadores
de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade,
mediações entre atores da sociedade e do Estado. São sistematizadas ou formuladas em documentos
(leis, programas, linhas de financiamentos) que orientam ações que normalmente envolvem
aplicações de recursos públicos. Essas políticas visam responder às demandas, principalmente dos
setores marginalizados da sociedade, considerados como vulneráveis. As demandas são interpretadas
por aqueles que ocupam o poder, mas influenciadas por uma agenda que se cria na sociedade civil,
através da pressão e mobilização social.
Capítulo 5 - Atividades agrícolas e movimento ambientalista 133

para aquele país não condiziam com sua realidade e iriam interferir
negativamente na economia norte-americana, recusaram-se a assinar o
documento.
A terceira Conferência das Nações Unidas, conhecida como
Rio+10, realizou-se em Johannesburgo, na África do Sul, entre os dias
23 de agosto e 4 de setembro de 2002. Nas discussões foram debatidas
questões sobre fornecimento de água, saneamento básico, energia, saúde,
agricultura e biodiversidade, além de cobrar atitudes com relação aos
compromissos firmados durante a ECO-92, principalmente colocar em
prática a Agenda 21. No geral, os resultados para alguns não foram muito
positivos. Um dos poucos resultados positivos refere-se ao abastecimento
de água, em que os países concordaram com a meta de redução pela
metade do número de pessoas que não têm acesso à água potável nem a
saneamento básico até 2015. Os países integrantes da Organização dos
Países Exportadores de Petróleo (OPEP), juntamente com os Estados
Unidos, não assinaram o acordo que previa o uso de 10% de fontes
energéticas renováveis.
O último grande evento referente às questões ambientais foi a
Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável,
Rio+20, que se realizou no Rio de Janeiro, no período de 20 a 22 de junho
de 2012, com a participação de chefes de Estado, governos, prefeitos
e da sociedade civil. Como resultado, foi elaborado um documento
intitulado “O Futuro que Queremos”. Nesse documento foi renovado
o compromisso para um desenvolvimento sustentável e a promoção
de um futuro econômico, social e ambiental para o planeta e para as
gerações presentes e futuras. O documento trata a erradicação da pobreza
como o maior problema que afeta o mundo na atualidade e como
condição indispensável para o desenvolvimento sustentável; reafirma
os compromissos internacionais acordados na Eco 92, referentes aos
aspectos econômicos, sociais e ambientais; reconhece que depois de
transcorridos vinte anos da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e o Desenvolvimento, os progressos têm sido insuficientes, no
entanto, assume que existem avanços em matéria de desenvolvimento
sustentável nos planos nacional, regional e local.
134 Meirilane Rodrigues Maia

Considerações finais

Existe a necessidade de se considerar como princípios básicos


nas análises, o crescimento econômico, a equidade social e equilíbrio
ambiental. O movimento ambientalista deve considerar a economia de
mercado e a proteção ambiental parceiras e não inimigas.
Percebe-se que as questões ambientais passam por um processo
evolutivo e que o modelo de desenvolvimento sugerido, considerado ideal
para o planeta, está mais voltado para limitar o crescimento das nações
pobres do que preocupado com o futuro da humanidade. Nas rodadas
de negociações, nas diversas conferências mundiais, os países estão mais
preocupados com o crescimento econômico do que com as questões
ambientais propriamente ditas; estas só são consideradas na medida em
que interferem, direta ou indiretamente, no crescimento econômico.
A partir da Conferência de Estocolmo a questão ambiental foi
incorporada às discussões e políticas governamentais, estabelecendo
um novo ciclo nos estudos das relações internacionais. No entanto, até
hoje os progressos têm sido insuficientes, apesar de reconhecer-se que
existem avanços em matéria de desenvolvimento sustentável nos planos
nacional, regional e local.
Capítulo 6

A agropecuária e as metamorfoses socioambientais


no espaço rural dos municípios que compõem a bacia
hidrográfica do rio Catolé – Bahia

Espedito Maia Lima


Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto

Introdução

A bacia hidrográfica do Rio Catolé possui uma área de 3.101km²


e está localizada na região Sudoeste da Bahia, abrangendo parcialmente
os municípios de Planalto, Barra do Choça, Vitória da Conquista, Nova
Canaã, Caatiba, Itambé e Itapetinga (Figura 1), sendo um importante
componente da bacia do Rio Pardo de Minas.
O cenário da bacia do Rio Catolé reflete uma sequência histórica
de metamorfoses espaciais ocorridas principalmente nos dois últimos
séculos. Estendem-se desde a chegada dos primeiros bandeirantes, os
sucessivos contextos econômicos de fortalecimento da pecuária, na
condição de carro-chefe da economia regional, se afirmando como
principal atividade no baixo e médio curso da bacia, à implantação da
cultura cafeeira em expressivos trechos do alto curso. A essas atividades
nitidamente agropecuárias acrescentam-se outras de grande relevância
socioambiental, a exemplo da captação de água da bacia do Rio Catolé
136 Espedito Maia Lima e Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto

para abastecimento das principais cidades, através das barragens Biquinha,


Água Fria I, Água Fria II e Barragem da Serra Preta.
O estudo das paisagens atuais deve levar em consideração a
análise dos resultados das seguidas transformações socioambientais do
lugar, dado que a sucessão de eventos implica também uma sucessão de
paisagens, base para a explicação de sua dinâmica atual.
Conforme Santos (2006, p. 66), “a paisagem é o conjunto de formas
que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as
sucessivas relações localizadas entre homem e natureza. O espaço são
essas formas mais a vida que as anima”. Portanto, o espaço envolve as
formas geográficas, que são relativamente permanentes, e a sociedade,
com seu contexto social.
Dessa forma, a natureza é o palco no qual as atividades humanas
são responsáveis pela organização do espaço, e toda essa transformação da
natureza e adaptação às exigências humanas é determinada pelos padrões
culturais, sociais e econômicos, isto é, pelo contexto histórico no qual o
homem está inserido, tornando esse ambiente dinâmico.
Capítulo 6 - A agropecuária e as metamorfoses socioambientais no espaço rural dos municípios... 137

Figura 1 – Mapa de localização da bacia hidrográfica do Rio Catolé

Fonte: Elaborado pelos autores.


138 Espedito Maia Lima e Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto

Quanto à relação entre homem e natureza, sua ação sobre ela e


também sua dependência, para Ross,

[...] a evolução progressiva do homem como ser social, mostra


que, quanto mais ele evolui tecnicamente, menos se submete
às imposições da natureza. Desse modo, se, por um lado, o
homem como animal é parte integrante da natureza e necessita
dela para continuar sobrevivendo, por outro, como ser social,
cada dia mais sofistica os mecanismos de extrair da natureza
recursos que, ao serem aproveitados, podem alterar de modo
profundo a funcionalidade harmônica dos ambientes naturais
(ROSS, 2003, p. 212).

Deve-se reconhecer que o homem, com o aprimoramento das


técnicas e com a evolução dos conhecimentos, contribuiu em muitos
aspectos para o bem-estar da humanidade, todavia, também provocou
transformações negativas no ambiente natural. Fica evidente que a
organização espacial, fruto das atividades desenvolvidas pelo homem,
são dependentes de cada contexto socioeconômico, político e cultural,
refletindo, também, esse contexto.
Com base nos princípios sistêmicos da natureza e nos complexos
fluxos de matéria e energia entre os sistemas naturais, “[...] torna-se
evidente que as ações do homem não podem ser confinadas e que elas
acarretarão consequências em muitas partes do meio físico, além do local
da intervenção” (DREW, 1989, p. 20).
Santos (1988, p. 88) argumenta que a relação do homem com a
natureza é progressiva, dinâmica. A natureza vai registrando, incorporando
a ação do homem, dele adquirindo diferentes feições, que correspondem
às feições do respectivo momento histórico.
Por esta razão não se pode analisar o cenário atual como uma
simples e direta modificação das características do meio físico exercida
por uma atividade humana. Cada atividade exercida em novo contexto
histórico se dá sobre uma paisagem já detentora de certo grau de
transformação ambiental.
Capítulo 6 - A agropecuária e as metamorfoses socioambientais no espaço rural dos municípios... 139

O enfoque histórico na análise das paisagens constitui um


avanço qualitativo da análise das transformações socioambientais, dado
que considera as paisagens atuais como resultantes de uma sequência
histórica e cumulativa de utilização dos recursos naturais e sucessivas
transformações socioambientais. Consiste no estudo dos mecanismos
de apropriação e uso dos recursos ambientais e as suas transformações
ao longo do tempo.

Bacia do rio Catolé e suas condições ambientais

As metamorfoses espaciais ocorridas na Bacia do Rio Catolé


fazem parte de uma sucessão de eventos dinâmicos pretéritos e atuais,
com abrangência territorial mais ampla, indo do local ao planetário. A
tais eventos sociais estão associadas as heranças do ritmo da natureza,
marcadas pelas características evolutivas de suas variáveis.
A área da Bacia do Rio Catolé está inserida, em uma escala mais
ampla, na região de transição entre a zona da mata e o domínio das
caatingas. Comporta três importantes compartimentos geomorfológicos
(Figura 2), dotados de características ambientais próprias, especialmente
comandadas por forte gradiente de características climáticas e
geomorfológicas.
A porção que corresponde ao trecho superior do rio Catolé está
inserida na unidade Planalto de Vitória da Conquista, que é constituído
de relevo plano, com níveis topográficos acima dos 800 metros, com
clima tropical de altitude, onde predominantemente encontra-se
o Latossolo Vermelho Amarelo em espessos mantos de alteração,
originalmente revestidos de Floresta Estacional Decidual. Forma a
superfície geomorfológica mais antiga e estável da região, fato que justifica
a existência destes solos tão evoluídos.
140 Espedito Maia Lima e Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto

Figura 2 – Mapa de setorização da bacia hidrográfica do Rio Catolé

Fonte: Elaborado pelos autores.

A drenagem responde a tais características geoambientais com certo


equilíbrio entre os processos areolares interfluviais e aqueles relativos
à incisão linear dos cursos d’água, repercutindo em baixa amplitude
altimétrica entre os fundos de vales e os topos dos interflúvios.
O baixo gradiente topográfico promove, em alguns segmentos
fluviais da porção superior da bacia do Rio Catolé, a colmatagem de
sedimentos finos, a baixíssima velocidade de escoamento e a consequente
formação de áreas de brejos. Essas situações ocorrem no Riacho Guigó,
Serra Preta e Vereda Grande, mas é mais frequente no Riacho Saquinho,
em que os ribeirinhos utilizam a estratégia de construção de uma sequência
de pequenos barramentos para o uso da água na irrigação.
Dessa forma, há ocorrência de cristas residuais de quartzitos
dispostos de forma alongada, resultantes de processos diferenciais de
aplainamento, mas configurando-se como residuais de posição.
Capítulo 6 - A agropecuária e as metamorfoses socioambientais no espaço rural dos municípios... 141

O trecho intermediário da bacia corresponde ao Piemonte Oriental


do Planalto de Vitória da Conquista, que é uma unidade geomorfológica
que interliga o Planalto de Vitória da Conquista à Depressão de Itabuna-
Itapetinga. Caracteriza-se pela forte incisão da drenagem, com expressivos
graus de dissecação e, por conseguinte, declividades acentuadas.
Apesar das condições climáticas mais úmidas, os solos desta unidade
são predominantemente do tipo Argissolo Vermelho Amarelo, recobertos
originalmente por Floresta Estacional Semidecidual e pequenas manchas
de Floresta Ombrófila Densa. A pressão das atividades agropecuárias
nesse setor foi capaz de reduzir a cobertura vegetal a pequenas manchas
de remanescentes florestais.
É muito comum nesta unidade a presença de stone lines bem
definidas e expressivas rampas de colúvios, evidenciando processos sub-
atuais muito importantes na modelagem do relevo.
Nesse sentido, a forte dinâmica dos processos naturais nesse
ambiente, associada às intensas investidas humanas na substituição das
florestas por pastagens, promoveu sérias transformações ambientais,
com evidências antropizadas de mecanismos de degradação ambiental.
Nas áreas onde as práticas de conservação dos solos não são seguidas
corretamente, assim como naquelas onde há sobrepastejo, os processos
erosivos deixam marcas mais severas no solo. Esta é a região que sofreu
as transformações mais intensas em relação ao uso do solo, com mais de
75% de suas áreas ocupadas pela pecuária.
A porção drenada pelo baixo curso do rio Catolé corresponde ao
domínio da Depressão de Itabuna-Itapetinga. Compõe um subconjunto
das Depressões Interplanálticas, sendo caracterizada por níveis
altimétricos modestos (altitudes que vão de 250 a 400 metros) e relevo
plano a suavemente ondulado.
O clima varia de semiárido a subúmido, com solos
predominantemente do tipo Argissolo Vermelho Amarelo e Chernossolos
Argilúvicos, revestidos originalmente por Floresta Estacional Decidual
e Semidecidual.
142 Espedito Maia Lima e Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto

Essa forte diferenciação espacial dos atributos naturais marca


o ambiente regional de Vitória da Conquista, encontrado pelos
colonizadores, pioneiros de uma sequência secular de investidas sobre os
recursos naturais, em um processo contínuo e dinâmico de transformação
das paisagens.

O povoamento

A região em que se insere a bacia do Rio Catolé teve seu processo de


povoamento marcado inicialmente pela fundação do Arraial da Conquista,
ainda no Século XVIII. A ocupação territorial seguiu com o povoamento
das regiões onde hoje se situam os municípios de Vitória da Conquista,
Barra do Choça, Itambé, Itapetinga, Planalto e Caatiba. Desde o início da
ocupação territorial, a pecuária já se destacava como principal atividade
da economia regional.
As características ambientais originais dessa região foram mantidas
até o final do século XVIII e início do século XIX, quando foi iniciado
o processo de ocupação do território.
Sousa (2001, p. 43) aponta que as primeiras investidas de
colonizadores na região datam possivelmente de meados de setecentos,
com a incursão do mestre-de-campo João da Silva Guimarães. Entretanto,
a ocupação territorial propriamente dita foi realizada pelo Capitão-mor
João Gonçalves da Costa.
No seu livro Viagem ao Brasil (fruto das incursões entre 1815
e 1817, tendo passado pelo Arraial da Conquista em março de
1817), o Príncipe Maximiliano Wied-Newied faz várias descrições da
exuberância da vegetação regional, como no trecho em que ele diz que
“[...] embora nos achássemos rodeados de florestas sombrias e muito
altas, avistávamos os cimos das montanhas e já nos considerávamos
libertados do cativeiro sombrio das eternas florestas virgens” (WIED-
NEWIED, 1940, p. 367).
Da mesma forma, a fauna regional era muito rica, com abundância
de mamíferos de maior porte, a exemplo de macacos, onças, quatis etc. O
Príncipe Maximiliano relata, com base em conversa com o Capitão-mor
Capítulo 6 - A agropecuária e as metamorfoses socioambientais no espaço rural dos municípios... 143

João Gonçalves da Costa, que, quando este começou a se estabelecer na


região, as florestas estavam cheias de animais ferozes. Relata ainda que o
desbravador “matou, no primeiro mês, 24 onças e, nos meses seguintes
um certo número, que foi sempre decrescendo, de sorte que, por fim,
pode tentar a construção de um curral para o gado selvagem” (WIED-
NEWIED, 1940, p. 430).
Embora a busca por riquezas minerais tenha sido a motivação
primeira da incursão dos bandeirantes nessa região, a pecuária é que se
tornou a principal atividade econômica responsável pelo processo de
povoamento e criação das primeiras redes viárias de interligação dessa
região com o litoral.
O ritmo das transformações espaciais foi muito lento no decorrer
do século XIX e início do século XX, dado que não foi encontrada
nenhuma riqueza mineral na região capaz de atrair um contingente maior
de pessoas. As atividades produtivas estavam vinculadas principalmente
à criação de gado e acessoriamente à agricultura de subsistência.
A implantação das pastagens foi feita à custa da derrubada das
matas, que se tornou generalizada a partir dos anos 1950. Como não
havia definição de critérios ou qualquer tipo de regulamentação em
relação ao uso do solo, o desbravamento era considerado uma força de
vanguarda necessária à implantação de um processo civilizatório e de
modernização regional.
No final do século XIX, as terras que compõem todos os arredores
de Vitória da Conquista já se encontravam sob o domínio dos herdeiros
de João Gonçalves da Costa e mais alguns poucos aventureiros que ali
chegaram. Representou um período de correlação de forças entre os
fazendeiros da região, onde os novos núcleos agrários mediam poder
com as estruturas do Estado, e entre eles mesmos, redefinindo as
territorialidades do poder local/regional.
É dentro dessa realidade que a pecuária se estabelece na região,
alicerçada em grandes propriedades, com forte poder de desbravamento
e ampliação do poder oligárquico. As relações trabalhistas definiam que o
arrendatário deveria desbravar a mata, plantar uma cultura de subsistência
144 Espedito Maia Lima e Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto

por um ciclo e deixar a terra com formação de pasto para o gado. Este
mecanismo continuou sendo utilizado durante a maior parte do século
XX, o que resultou na definição de paisagens marcadas por extensas e
uniformes áreas de pastagens.

A pecuarização no baixo e médio curso do rio Catolé: avanços e


transformações socioambientais

A pecuária tornou-se o carro chefe da economia regional no


processo de povoamento da região de Vitória da Conquista, mas foi na
região onde hoje se situa o município de Itapetinga e seus arredores que
ela encontrou as melhores condições edafoclimáticas para firmar-se como
uma atividade próspera.
O povoamento da Região Pastoril de Itapetinga se dá a partir
da abertura da rodovia Ilhéus-Lapa, sendo o povoado, inicialmente
denominado Itatinga, fundado no início do Século XX. Há registros de
que em 1924 foi destinada uma área para a construção do povoado, que
foi elevado à condição de município em 1952. Até se tornar município,
o povoado de Itatinga pertenceu inicialmente à Vitória da Conquista, e
depois a Itambé, quando este foi desmembrado e elevado à categoria de
município.
A depressão de Itabuna-Itapetinga teve, desde o seu período inicial
de ocupação, a criação de gado bovino como atividade principal. Esta
atividade atingiu seu apogeu entre a década de 1960 e final da década de
1970, chegando a possuir um dos maiores rebanhos bovinos do Nordeste
brasileiro, posição que lhe rendeu a alcunha de “a Capital da Pecuária”.
Segundo Oliveira (2003, p. 117),

Com o município já constituído, a atividade pecuária atingiria o


seu apogeu, promovendo um forte processo de desenvolvimento
econômico e crescimento populacional na cidade que despontava
como líder de toda a região e transformava-se no principal centro
de produção e comércio de gado do Norte e Nordeste do País.
Capítulo 6 - A agropecuária e as metamorfoses socioambientais no espaço rural dos municípios... 145

A atividade pastoril ocupa, de forma mais significativa, todo o baixo


curso do Rio Catolé e parte expressiva do médio curso. Sua organização
atual expressa o cenário de forte pressão das relações capitalistas globais,
cujas influências das atividades humanas sobre os sistemas ambientais
criam uma sucessão de paisagens marcadas por forte dinâmica dos
processos produtivos.
A maior dinamização da economia regional se dá a partir de
meados do Século XX, com a expansão da pecuária na região de
Itapetinga e Itambé. Trechos expressivos da depressão de Itapetinga
foram desmatados e transformados em pastagens, processo que avança
posteriormente para as vertentes mais elevadas que compõem parte dos
municípios de Itambé, Caatiba, Nova Canaã e Planalto, incluindo áreas de
relevo montanhoso e topos das elevações. A título de exemplo, em 1974
o município de Itapetinga tinha 260.569 cabeças de gado bovino. Nesse
período, a densidade de gado bovino superou a densidade de pessoas em
mais de cinco vezes no município.
A forma avassaladora com que a pecuária se expandiu nos
municípios citados contribuiu fortemente para as rápidas mudanças
na paisagem regional, especialmente pela escala espacial e temporal do
processo. Representam os dois aspectos mais importantes da agricultura
sobre as mudanças ambientais discutidos por Drew (1989), quais sejam:
primeiro a intensidade e o grau de alteração provocada ao solo e à
vegetação preexistentes; segundo, a área em que se deu a alteração.

Corrêa (1986, p. 54) salienta que

Os campos cultivados, os caminhos, os moinhos e as casas, entre


outros, são exemplos de segunda natureza. Estes objetos fixos
ou formas dispostas espacialmente (formas espaciais) estão
distribuídos e/ou organizados sobre a superfície da Terra de
acordo com alguma lógica. O conjunto de todas essas formas
configura a organização espacial da sociedade. A organização
espacial é a segunda natureza, ou seja, a natureza primitiva
transformada pelo trabalho social.
146 Espedito Maia Lima e Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto

As principais mudanças promovidas por tais atividades, juntamente


com outras formas de uso dos recursos naturais materializadas nos
ambientes da região, são representadas por desmatamentos generalizados,
desrespeitando-se as áreas de preservação permanente preconizadas pelo
Novo Código Florestal Brasileiro. A disseminação das pastagens se dá
por um processo avassalador que não respeita a fragilidade ambiental
de áreas como encostas com declives acentuados, topos de elevações,
margens dos cursos d’água, áreas de nascentes etc.
Em decorrência das características físicas do solo, especialmente
dos Argissolos (solos mais comuns na área), da pequena capacidade
protetora das pastagens degradadas e também em função do
adensamento dos rebanhos, os solos da região estão sofrendo um
processo de compactação preocupante. A compactação implica
diminuição do espaço poroso do solo, marcadamente dos macroporos,
responsáveis pelo movimento de água e pela aeração, como também
implica o aumento da densidade aparente e diminuição da capacidade
de infiltração de água.
Dessa maneira, a diminuição da taxa de infiltração promove como
consequência o aumento do escoamento superficial e erosão. Nas áreas
de maior declividade, o escoamento concentrado, acentuado pelas linhas
de pisoteio do gado, promove a formação de terracetes, cujas linhas de
erosão, inicialmente na forma de estrias, evoluem para sulcos de erosão
em diferentes graus de magnitude, como mostra a Figura 3.
O manejo das pastagens ainda utiliza largamente a prática das
queimadas. Essas são feitas normalmente nos meses de setembro a
novembro. Alguns problemas de ordem conservacionista derivam dessa
prática. Elas coincidem com os meses de maior velocidade dos ventos, o
que promove perdas de cinzas pela ação eólica, problema agravado nos
anos em que a estação chuvosa tem seu início retardado. As primeiras
chuvas de verão, normalmente dotadas de grande torrencialidade, também
são responsáveis por uma perda considerável de material superficial,
sendo as cinzas o elemento mais facilmente carreado pelas enxurradas.
Capítulo 6 - A agropecuária e as metamorfoses socioambientais no espaço rural dos municípios... 147

Figura 3 – Marcas de degradação dos solos pelo pisoteio excessivo


do gado bovino no alto curso da bacia do Rio Catolé

Fonte: Os autores.

Araújo et al. (2005, p. 24) acrescentam que

Os riscos de erosão dependem tanto das condições naturais


quanto dos modelos de uso da terra. O clima (especialmente a
intensidade da chuva), as características das encostas, a cobertura
vegetal e a natureza do solo também são importantes. Com
respeito ao uso da terra, qualquer atividade humana que exija
a remoção da cobertura vegetal protetora (florestas, arbustos,
forragens, etc.) promove a erosão, o mesmo ocorrendo com
medidas impróprias, como arar morro acima.

Estes processos (compactação, erosão e queimadas) são


responsáveis por mecanismos contínuos de perda da capacidade
produtiva dos solos, que se agrava com o fato de que a grande maioria
dos pecuaristas não adota a prática da adubação de pastagens, nem mesmo
outras práticas de conservação do solo.
Além desses problemas de abrangência territorial mais significativa
e associada diretamente à pecuária, os municípios da região pastoril
148 Espedito Maia Lima e Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto

apresentam uma série de outros problemas socioambientais que se


manifestam por vezes de maneira pontual, como também de forma linear
pelos cursos d’água.
Dentre os principais problemas diagnosticados no espaço rural,
destacam-se: alterações oriundas das atividades de mineração sem a
observância dos princípios legais, especialmente os EIA/RIMAs e os
planos de recuperação de áreas degradadas; contaminação dos córregos
e pequenos açudes com resíduos de esgotos domésticos, industriais e
de defensivos agrícolas; inadequado destino final dos resíduos sólidos
urbanos, com lixões dispostos às margens das principais rodovias;
escavações superficiais para a extração de areia grossa nas áreas de
ocorrência de quarzitos, como ocorre nas proximidades do povoado
do Choça e de Barra Nova. Estas situações compõem, em seu conjunto,
uma organização sistêmica de atributos socioambientais que marcam as
paisagens regionais e que possuem conectividades com outros territórios.
A desconsideração da capacidade de cada ambiente em assimilar
sustentavelmente as investidas de uso dos recursos naturais, materializadas
pelo uso de áreas impróprias e marcadas pela fragilidade ambiental ou
ecodinâmica acentuada, tem repercutido em fortes alterações nos sistemas
ambientais, em que muitas áreas já passam por processos contínuos de
degradação ambiental.
Os problemas ambientais que ocorrem na depressão de Itabuna-
Itapetinga, comuns ao restante da bacia, estão estreitamente relacionados
com o modelo de ocupação do território, de apropriação das terras através
de grandes propriedades, mas, também, pela filosofia da natureza na
condição de recurso (natureza útil).
A apropriação, transformação e usufruto da natureza ocorrem de
forma privada, enquanto as suas derivações negativas, através da poluição,
erosão, assoreamento de canais, comprometimento dos cursos d’água, etc.
são socializações indesejáveis, nas quais, involuntariamente, cada cidadão
é chamado a participar de um rateio dos custos desse processo.
Na organização espacial desta região de pecuária, as relações
socioambientais são marcadas pelo domínio absoluto da lógica do
Capítulo 6 - A agropecuária e as metamorfoses socioambientais no espaço rural dos municípios... 149

imediatismo, pelo abandono de qualquer perspectiva de conservação da


qualidade ambiental e, paralelamente, por uma fraca atuação do poder
público, o que repercute em rápida degradação ambiental e um quadro
socioeconômico perverso. São estes elementos que marcam a organização
socioespacial e definem quanti-qualitativamente os elos de ramificação e
interligação da pecuária à lógica global.
Essas relações se manifestam de forma tão intensa que a análise
empírica das paisagens pode permitir a interpretação de que as marcas das
atividades humanas sobre a configuração espacial são marcas seculares.
Entretanto, a história das atividades humanas nesta região é muito recente,
estando restrita à segunda metade do século XX.
Destaca-se que a concentração de terras é muito elevada e a
quantidade de pessoas empregadas nas atividades agropecuárias é
muito baixa, visto que a criação extensiva de gado bovino emprega uma
quantidade muito pequena de trabalhadores. A pecuária emprega cerca
de 1% do total de pessoal ocupado na região.
Souza (2009) destaca que o período de 1960 a 1968 é marcado
pela descapitalização da pecuária de corte e pelo surgimento da pecuária
bovina mista (corte e leite) e pequenos laticínios.
Para Oliveira (2003, p. 117),

A partir dos anos 60, os primeiros sinais da crise na pecuária de


corte começavam a se manifestar. Alguns fatores contribuíram
para essa crise e, dentre eles, destaca-se o caráter extrativista e de
monocultura da atividade, o que a tornou mais sensível à crise
nacional que se esboçava no setor e determinou a manifestação
do esgotamento de alguns dos recursos naturais da região. Por
outro lado, a estrutura agrária tradicional, com pouca utilização
de mão-de-obra [sic], atrelada ao inexpressivo reinvestimento
da renda obtida na pecuária em outras atividades urbanas
produtivas e empregatícias, não criou condições de fixação para
o capital que passava pela região.

É nesse período que a região experimenta significativa mudança


no processo produtivo, em que a pecuária de leite assume papel
preponderante em substituição à pecuária de corte. À custa de incentivos
150 Espedito Maia Lima e Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto

fiscais, são instaladas na região as fábricas de leite Glória, Alimba e Nestlê.


Os produtores passam a se organizar em cooperativas com o intuito de
comercializar o leite para essas fábricas.
No final da década de 1970 e início da década de 1980, diante das
dificuldades vivenciadas pela monocultura pecuária (falta de investimentos,
queda de preços, produção e qualidade, como também a degradação
das pastagens), houve um retrocesso na atividade, atingindo a sua pior
condição no final da década de 1990.
Souza (2009) informa que

nesse período, a ocupação quase que total do solo pela pecuária


e praticamente a ausência da agricultura contribuíram, aliados
a uma crise nacional do setor, para a formação da crise sócio-
econômica [sic] na região. Os reflexos da crise foram imediatos,
muitas casas foram vendidas ou fechadas.

A Figura 4 mostra o quantitativo de cabeças de gado bovino nos


municípios que compõem a bacia do Rio Catolé, durante o período
de 1974 a 2013, que, confrontado com a média do período, demonstra
dois períodos de maior estabilidade no efetivo de rebanho (1974/1980
e 1992/1997) e dois períodos de crise (1981/1991 e 1998/2012). O ano
de 1977 representou o momento mais promissor da pecuária na região,
em que o efetivo bovino nos municípios envolvidos alcançou 676.605
cabeças. O ano de 2013 já apresenta um efetivo total de 589.415 cabeças,
o que significa um número de 42.919 cabeças acima da média histórica e
133.415 cabeças acima do efetivo de bovinos do ano anterior.
Oliveira (2009, p. 4) destaca que

Apesar de tê-la conduzido, inicialmente, a um período de grande


prosperidade, e tornar-se, em menos de três décadas, o principal
centro de criação bovina do Norte e Nordeste do Brasil, esta
atividade foi incapaz de se sustentar devido ao modelo de
exploração extensiva, esteado na intensa extração dos recursos
naturais, no latifúndio e na resistência às inovações.
Capítulo 6 - A agropecuária e as metamorfoses socioambientais no espaço rural dos municípios... 151

Figura 4 – Evolução do total de efetivo de gado bovino nos municípios


que compõem a bacia do Rio Catolé, no período de 1974 a 2013, e seu
comportamento em relação à média do período

Fonte: IBGE. Pesquisa pecuária municipal. Organização: Os autores.

O aumento na produção de gado bovino encontrou barreiras como


a dificuldade no escoamento da produção, a ocorrência da febre aftosa e
as consequentes barreiras de mercado, o congelamento do preço de carne
por um longo período e a concorrência com o gado produzido no Brasil
Central. Esses são alguns dos fatores que conduziram a atividade ao seu
mais baixo grau de produção logo após a virada do milênio.
Apesar de ser uma atividade econômica relativamente recente, a
pecuária promoveu profundas transformações nas paisagens da região,
visto que a implantação das pastagens tem sido feita com a completa
retirada da vegetação original, desmatando topos de elevações, margens
de rios e riachos, vertentes íngremes e, muitas vezes, não preservando
nem mesmo os 20% das terras de cada propriedade, como previsto em
Lei, conforme mostra a Figura 5.
152 Espedito Maia Lima e Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto

Figura 5 – Área de pastagem no médio curso do Rio Catolé

Fonte: Os autores.

A situação mais crítica é encontrada no município de Itapetinga,


que representa a área nuclear da pecuária regional. A Figura 6, adiante,
mostra o comportamento do efetivo de rebanho bovino no município
de Itapetinga, no período de 1974 a 2013.

Figura 6 – Evolução do efetivo bovino no município de


Itapetinga, no período de 1974 a 2013

Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal. Organização: Os autores.


Capítulo 6 - A agropecuária e as metamorfoses socioambientais no espaço rural dos municípios... 153

No ano de 2006 as pastagens ocupam mais de 90% de todas as


terras daquele município, enquanto as lavouras representam apenas 0,2%
e o recobrimento vegetal natural foi reduzido a apenas 5% das terras, o
que demonstra claramente que o Novo Código Florestal Brasileiro não
é respeitado naquela localidade.
Situação parecida ocorre nos municípios de Caatiba, Nova Canaã e
Itambé, em que o Censo Agropecuário de 2006 indica um recobrimento
com pastagens de 89,2%, 86,8% e 86%, respectivamente. Estas unidades
territoriais compõem a região Pastoril de Itapetinga.
A pecuária não só ocupa quase 90% das terras da região nuclear,
como também assume posição de âncora no marketing econômico local,
atraindo outros elos da cadeia produtiva como frigoríficos, curtumes,
indústrias de beneficiamento do leite etc.
Se, por um lado, a monocultura de pastagens representa um grande
risco para o meio ambiente, por outro, há que se considerar o fato da
economia do setor primário estar alicerçada em uma só atividade, como
uma situação de vulnerabilidade, dado que a diversificação das atividades
econômicas é o princípio básico da superação estável de crises em algum
ramo produtivo.
Destaca-se que

Este tipo de economia juntamente com práticas inadequadas


de manejo contribuiu para a atual devastação da mata atlântica
na região, bem como em todo país. O processo de ocupação
humana transformou a Mata Atlântica em uma paisagem
fragmentada onde diversos remanescentes florestais, a maioria
com áreas inferiores a 500 ha são cercados por diferentes tipos
de uso da terra com distintos graus de impacto sobre a floresta
(GASCON et al., 2000).

Sendo assim, fica claro que a redução da capacidade de suporte


das pastagens, derivadas de práticas inadequadas, contribuiu fortemente
para queda da produtividade, mas as principais causas são efetivamente
econômicas e políticas. Deriva de uma lógica financeira que inclui “o
uso e abuso dos créditos subsidiados pelo Estado. A associação entre
154 Espedito Maia Lima e Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto

abundância de crédito em condições muito favoráveis e fragilidade


e/ou facilidade de suborno da fiscalização nas regiões de ‘fronteira’”
(HAESBAERT, 1997, p. 136).
A Tabela 1 sintetiza as áreas dos diversos tipos de uso do solo e
recobrimento do terreno nos municípios que compõem a bacia do Rio
Catolé, no período de 1950 a 2006, conforme dados cadastrais do Censo
Agropecuário.
Em todo o período referido, as pastagens sempre foram
preponderantes no recobrimento do terreno, cuja abrangência territorial
varia entre 50 e 75%. Essa variação possui certa correlação cronológica
com o efetivo de rebanho, visto que em muitos casos a redução do
rebanho não representa necessariamente uma redução equivalente nas
áreas de pastagens, e, sim, um menor adensamento do número de cabeças
por hectare.

Tabela 1 – Principais tipos de uso da terra e revestimento do terreno nos


municípios contidos na Bacia do Rio Catolé, no período de 1950 a 2006
Terras
Lavouras Pastagens Matas produtivas não
Anos utilizadas Total

ha % ha % ha % ha %
1950 30.815 4,2 399.650 55,1 210.334 29,0 84.636 11,7 725.435
1960 40.297 5,2 450.144 57,6 162.901 20,9 127.412 16,3 780.754
1975 47.909 5,3 646.091 71,4 126.681 14,0 84.224 9,3 904.905
1980 69.998 9,1 533.680 69,0 124.498 16,1 45.002 5,8 773.178
1996 64.004 9,2 527.573 75,8 77.054 11,1 27.401 3,9 696.032
2006 53.459 9,3 428.126 74,3 89.074 15,5 5.319 0,9 575.978
Fonte: Censo Agropecuário do IBGE. Organização: Os autores.

Após o ano de 1980 houve uma expressiva pressão sobre as terras


produtivas não utilizadas, que foram paulatinamente sendo incorporadas
a alguma forma de uso do solo, em parte decorrente de um maior rigor
na proteção dos remanescentes florestais então existentes.
Percebe-se uma redução significativa das áreas de matas entre o
ano de 1950 e 2006. Já o aumento expressivo das lavouras após 1975
Capítulo 6 - A agropecuária e as metamorfoses socioambientais no espaço rural dos municípios... 155

decorre principalmente da expansão da cafeicultura na região de Barra do


Choça, atividade recém implantada e que se encontrava em um momento
de dinâmica produtiva e de expansão territorial.
Em 1996 as áreas de matas representavam 36,6% daquelas
existentes em 1950. Os remanescentes florestais existentes em 2006
representam 42,3% daqueles existentes no ano de 1950. Entretanto,
como a categoria “matas” inclui as florestas plantadas, percebe-se uma
forte influência das plantações de eucalipto nos municípios de Vitória
da Conquista e Planalto no aumento das áreas de matas no período de
1996 a 2006.
Verifica-se também que a partir da década de 1990 há uma maior
pressão sobre as terras produtivas não utilizadas. Isso em função de um
maior rigor da legislação ambiental e a fiscalização sobre as ações de
desmatamentos das florestas primárias. Com isso, há uma tendência de
melhor aproveitamento das áreas já utilizadas com agricultura em anos
anteriores. A correção da acidez do solo e a adubação química são práticas
que passam a ser adotadas com maior frequência na utilização agrícola
de uma mesma área por anos seguidos.
As principais lavouras da área de estudo são representadas pelas
culturas do café, banana, mandioca, feijão e milho. Seu peso em relação
aos diversos tipos de uso do solo é relativamente baixo, comportando-
se como pequenas roças fragmentadas em meio a pastagens e vegetação
degradada. A exceção fica apenas para a cultura cafeeira que adquiriu
grande relevância no município de Barra do Choça e secundariamente
nos municípios de Vitória da Conquista e Planalto.

Alto curso da bacia do rio Catolé: a implantação da cultura cafeeira e


suas consequências ambientais no Planalto de Vitória da Conquista

No trecho dos planaltos cimeiros, especialmente no segmento


leste da unidade, a topografia e a pluviometria são favoráveis às atividades
agropecuárias, além de possuir solos com elevada aptidão agrícola. Estes
são fatores que explicam a quase completa devastação da vegetação nativa,
dando lugar a lavouras de café, mandioca e banana.
156 Espedito Maia Lima e Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto

É nesta faixa edafoclimática que a cultura cafeeira foi implantada no


polo de Barra do Choça na década de 1970. Por possuir condições ótimas
de pluviometria e temperatura, essa área apresentou alta produtividade,
motivo pelo qual a cultura cafeeira se expandiu de forma avassaladora para
os municípios vizinhos, especialmente Vitória da Conquista e Planalto.
Atualmente somente o município de Barra do Choça possui 18.400 ha
cultivadas com café, o que representa mais de 70% de todas as áreas
agrícolas do município.
As demais áreas de cultivo de café na bacia do Rio Catolé estão
representadas pelos municípios de Planalto, Vitória da Conquista, Itambé,
Nova Canaã e Caatiba (Itapetinga não reúne condições climáticas para
esta cultura).
Na visão da CAR (1999, p. 74),

A introdução da lavoura cafeeira deu uma nova dinâmica na


economia do Sudoeste da Bahia, principalmente no início da
década de 80, com a implementação do Plano de Renovação
e Revigoramento de Cafezais, que levou a Bahia a uma maior
participação no cenário nacional da cafeicultura. A grande safra
desta cultura na Região ocorreu em 1987, com aproximadamente
1 milhão de sacas. Desde então ela vem passando por ciclos de
ascensão e queda na área plantada e na produção, como reflexo
das mudanças sofridas na política de crédito agrícola, com
a retirada dos subsídios, das variações de preços no mercado
interno, bem como pela ocorrência de estiagens prolongadas.

A implantação da cultura cafeeira foi realizada em um período em


que a área ainda possuía expressivas manchas de florestas primárias, mas
também em um contexto em que não havia qualquer controle sobre o
desmatamento indiscriminado e avanço das fronteiras agrícolas sobre as
áreas florestadas.

A cafeicultura no município de Barra do Choça foi implantada


segundo o modelo agrícola tradicional, fundamentado no
conhecimento científico, na estrutura fundiária, na política de
financiamento e na comercialização de produtos químicos, em
Capítulo 6 - A agropecuária e as metamorfoses socioambientais no espaço rural dos municípios... 157

que as grandes corporações dominam o mercado; e no modelo


reducionista, cuja intervenção antrópica não respeita os limites
da natureza (DUTRA NETO, 2004, p. 99).

Nesse sentido, foi um momento marcado pela revolução verde,


pelo produtivismo, pelo desbravamento das áreas ainda inóspitas e pelo
crescimento econômico do país, com uma agricultura voltada para a
exportação. Não havia, portanto, qualquer critério conservacionista na
implantação de novas áreas de cultivo para a exportação.
Semelhante ao que ocorre atualmente com o plantio de eucalipto
no Planalto de Vitória da Conquista, a implantação da cultura cafeeira
na região de Barra do Choça foi realizada em grande parte por pessoas
que não possuem qualquer vínculo com a agricultura. São empresários
e profissionais liberais de Vitória da Conquista que foram atraídos a
investirem nessa atividade, uma vez que a consideravam de elevado
retorno financeiro.
Para Santos (1987, p. 106),

A implantação da cafeicultura no espaço rural de Vitória da


Conquista e Barra do Choça significou a criação de um produtor
de novo tipo, oriundo da classe média urbana: comerciantes,
profissionais e técnicos tendo acesso ao crédito e outras
vantagens oferecidas pelo poder público e podendo adquirir
terras de cultivo. [...] a política de crédito sedimenta a posição
dos grandes produtores na hierarquia social, pois a fraqueza
econômica e política do produtor nordestino faz com que o
crédito rural aprofunde a tendência à concentração fundiária.

A falta de vínculo do produtor rural com a agricultura faz com que


a atividade seja vista apenas como um investimento financeiro, fato que
promove maior vulnerabilidade ao sistema produtivo, levando o produtor
rural a migrar seus investimentos para outras atividades em momentos
críticos provocados pela queda de preço do produto, incidência de pragas
e doenças ou majoração dos preços dos insumos agrícolas.

Os investimentos do Estado no Sudoeste da Bahia (após a


década de 1970) voltam-se, sobremodo, para a criação da
158 Espedito Maia Lima e Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto

infraestrutura necessária à expansão cafeeira, com ênfase nas


vias de circulação e comunicação, bastante incrementadas a
partir de então. Neste momento, muitas terras passam a ser
tituladas na região, inventários que há décadas não haviam sido
realizados são retomados. As terras são bastante valorizadas e
fonte de exploração e especulação (SOUZA, 2008, p. 424).

A região produtora de café é marcada por fortes e rápidas


modificações ambientais, principalmente nas décadas de setenta e
oitenta. A implantação desta cultura implicou em intenso processo
de desmatamento, muitas vezes praticado em áreas de preservação
permanente, como é o caso de margens de rios e riachos, de nascentes
e de encostas abruptas do Planalto.
Além disso, o cultivo intenso e com forte uso de defensivos,
em algumas localidades, vem colocando em risco a capacidade de
armazenamento dos reservatórios que abastecem os centros urbanos da
região, bem como a qualidade das águas destes reservatórios.
Apesar da área total de plantações de café ser expressiva no alto
curso do Rio Catolé, sua distribuição espacial é predominantemente na
forma de pequenos e médios talhões dispersos e intercalados por manchas
de áreas florestadas (como demonstrado na Figura 6).

Figura 6 – Trecho de plantio de café intercalado com manchas de


florestas, no município de Barra do Choça, no ano de 2011

Fonte: Os autores.
Capítulo 6 - A agropecuária e as metamorfoses socioambientais no espaço rural dos municípios... 159

Em poucas situações, na maior parte restritas a sua área core em


Barra do Choça, o cafezal se distribui de forma contínua em grandes
plantações. A Figura 7 mostra o comportamento da área plantada com
café no município de Barra do Choça (que representa a área nuclear desta
cultura no Estado da Bahia), no período de 1990 a 2013.
Os principais riscos e conflitos socioambientais estão relacionados
à ocupação de áreas acidentadas, de margens de rios, riachos e represas,
retirada de florestas primárias para implantação da cultura, uso da irrigação
em áreas de cabeceiras, uso excessivo de calagem, adubação química e
defensivos agrícolas (alterando a qualidade da água das represas Água Fria
I e II), utilização de ruas limpas durante a maior parte do ano (conduzindo
a um incremento da perda de solos e sua remoção para os cursos d’água).

Figura 7 – Área cultivada com café (em ha) no município de


Barra do Choça, no período de 1990 a 2013

Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal. Organização: Os autores.

Em algumas situações, mesmo adotando-se a prática do plantio


em nível, essa técnica sozinha se mostra ineficiente na proteção dos
solos contra a erosão, como demonstra a Figura 8. O uso descontrolado
de defensivos agrícolas pode comprometer a qualidade da água das
represas com a presença de metais pesados, especialmente o Cádmio,
cuja concentração na estação seca chega a ultrapassar 20 vezes o limite
estabelecido pela Resolução 20 do Conselho Nacional do Meio Ambiente
(CONAMA), conforme constatado por Alexandrino et al. (2007).
160 Espedito Maia Lima e Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto

Figura 8 – Plantio de café em encosta erodida no município de


Barra do Choça, no ano de 2012.

Fonte: Os autores.

Da mesma forma que a pecuária na Região pastoril de Itapetinga, a


cafeicultura na Região de Barra do Choça tem experimentado expressiva
oscilação em sua dinâmica, seja em função das variações de preços do produto,
seja em decorrência das alternâncias das políticas agrícolas para o setor.
Segundo Silva e Mendes (1998),

Na microrregião homogênea Planalto de Conquista a cultura


cafeeira tornou-se importante atividade econômica, gerando
divisas para a região e o País através das exportações. Com a
extinção do IBC, a ocorrência de problemas climáticos, e a
queda nos preços internacionais, esta atividade apresentou
declínio, havendo uma tendência recente de recuperação. Tendo
a atividade agropecuária como base para a economia regional,
observa-se uma estrutura fundiária concentrada, mas menos
intensa do que em outras áreas do Estado.
Capítulo 6 - A agropecuária e as metamorfoses socioambientais no espaço rural dos municípios... 161

Assim, a queda da produção agrícola e consequente desinteresse


dos produtores rurais com esta cultura, o destino das terras a outras
culturas, ou mesmo o abandono dos cafezais em condições de degradação
contribuem para um aumento significativo da taxa de desemprego de
uma gama enorme de trabalhadores que lidam especificamente com o
café, especialmente os catadores.
Como consequência, incrementa-se o processo migratório de
trabalhadores desempregados para os centros urbanos regionais, com a
consequente ocupação de suas áreas periféricas, bem como a sua inserção
nos movimentos de luta pela terra, intensificando-se também as ocupações
no campo. A terra, a moradia e o emprego passam a ser a bandeira de
luta dessa classe diretamente afetada pela crise da cultura cafeeira.
A superação desse cenário perpassa o planejamento do espaço
rural integrado à dinâmica dos centros urbanos regionais, especialmente
as cidades de Barra do Choça, Itapetinga e Vitória da Conquista.

Considerações finais

A bacia do Rio Catolé compõe um recorte espacial de uma faixa


de transição rápida entre os ecossistemas úmidos e os semiáridos, com
seus setores dotados de características geoambientais próprias e muito
distintas, que necessariamente devem ser consideradas nos planejamentos
territoriais.
Suas paisagens atuais são o reflexo de uma sequência de
paisagens pretéritas, muitas das quais relativamente recentes, mas que
experimentaram transformações ambientais de elevada magnitude.
O cenário geral dos sete municípios que compõem a bacia do Rio
Catolé aponta para uma pressão muito grande sobre os solos e sobre a água.
Como a bacia ocupa uma parte cimeira e outra de vertentes do Planalto
de Vitória da Conquista, estendendo-se pela Depressão de Itapetinga,
seu potencial hídrico é muito dependente da estrutura geológica e das
formações superficiais, do estágio de conservação da cobertura vegetal
das áreas de nascentes, margens de rios e riachos, topos de morros e
162 Espedito Maia Lima e Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto

vertentes de declividade abrupta, e das práticas conservacionistas adotadas


nas áreas agrícolas.
A região é caracterizada pela instalação de atividades produtivas
baseadas no improviso e na intuição, fatos que se caracterizam como os
mais danosos em termos de equilíbrio socioambiental na organização
das paisagens. As situações destacadas em termos de interações
socioambientais, marcadamente aquelas vinculadas à fragilidade e
vulnerabilidade ambiental, ao uso dos recursos naturais e a qualidade
ambiental, às relações de vizinhança, aos riscos e aos conflitos
socioambientais, apontam para a necessidade premente de implantação
de políticas públicas pautadas no planejamento e na gestão territorial.
Nesse sentido, um dos grandes desafios para a gestão territorial da
bacia do Rio Catolé, focada no uso eficiente do solo e da água, reside no
estabelecimento de uma coordenação efetiva dos diferentes segmentos
de usuários dos recursos naturais, com um disciplinamento eficaz dos
padrões de uso, tendo em vista a manutenção da capacidade produtiva e
da qualidade dos sistemas ambientais.
O uso sustentável do território na Bacia do Rio Catolé preconiza
a diversificação em termos de uso agrícola e pecuário dos solos, maior
rigor na proteção das áreas mais frágeis e de grande relevância ecológica,
e o aproveitamento sustentável dos potenciais ambientais da região, a
exemplo de sua inserção na rota do turismo rural e ecoturismo.
O uso múltiplo e sustentável do território, por meio de uma gestão
integrada da bacia, requer instrumentos adequados, união de forças entre
os municípios e órgãos participantes, mas requer também a agregação de
forças dos produtores rurais, através do associativismo, cooperativismo
e sindicalismo.
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