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e desenvolvimento
1ª. edição
Editora Expressão Popular
São Paulo – 2010
Revisão: Roselene de Fátima Coito, Maria Salete Lorenzetti, Joana Pagliosa Corona e Álvaro Antonio Luz
Capa, Projeto gráfico e Diagramação: Krits Estúdio
Vários autores.
Indexado em GeoDados - http://www.geodados.uem.br
ISBN 978-85-7743-147-2
CDD 918.1
918.162
Catalogação na Publicação: Eliane M. S. Jovanovich CRB 9/1250
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Jorge Montenegro
Departamento de Geografia/UFPR | jorgemon@ufpr.br
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Introdução
Este texto foi elaborado com a finalidade de realizar uma revisão das re-
flexões teóricas atuais sobre a questão agrária, envolvendo as problemáti-
cas dos territórios em disputa entre o agronegócio e o campesinato. Nesta
análise, também refletirmos sobre o Estado e o desenvolvimento do agro-
negócio, bem como as relações com o território. Embora a questão agrária
ocupe lugar central nas discussões sobre o desenvolvimento agrícola e na
história da relação de classes no Brasil no pós-guerra e, principalmente,
nos anos de 1960, aprofunda-se, uma dualidade do debate agrário: de um
lado as várias correntes que refletem os novos e velhos dilemas da questão
agrária; de outro, os protagonistas do agronegócio e das grandes corpora-
ções internacionais dos setores de processamento, comércio e distribui-
ção de commodities, adeptos de uma integração de agricultores ao sistema
agroindustrial.
Para analisar sobre a questão agrária no Brasil, é preciso contextua-
lizá-la historicamente, resgatando, o que há de essencial no debate clássico
em cada período. Neste estudo, optamos pela abordagem das principais mu-
danças que afetaram diretamente as políticas para o campo, destacando os
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processos que alteraram tanto o Estado quanto suas relações com a ordem
social econômica a partir da democratização política, com a liberalização/
globalização econômica no final do século XX.
O processo de disputa territorial é uma das dimensões relevantes da
questão agrária que tem se acentuado no país nas duas últimas décadas
como reflexo do embate entre os dois principais modelos de desenvolvi-
mento no campo, ou seja, do campesinato e do agronegócio.
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Conclusões
Neste artigo, procuramos desenvolver uma revisão das questões concei
tuais e práticas sobre os enfoques interpretativos do processo de desenvol-
vimento capitalista do campo brasileiro, envolvendo os temas do Estado,
território, agronegócio, população camponesa entre outros.
Nas discussões, procuramos mostrar que o Estado continua envolvi-
do sendo ator central, mas agora sem os instrumentos eficientes de controle
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Referências
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Introdução
As experiências de produção de agrocombustíveis no Brasil existem des-
de início do século XX, mas tomaram impulso na década de 1970 com a
elevação dos preços do petróleo. Atualmente, alguns governos estaduais
e o governo federal estão mobilizando esforços para desenvolver a pro-
dução de energia de biomassa (etanol e biodiesel). Em vista de condições
favoráveis como extensão do território, clima, experiência na produção de
agroenergia, dentre outras, o Brasil estaria predestinado a liderar o pro-
cesso de transição mundial da “civilização do petróleo” para a “civilização
da biomassa”.
Entidades sindicais e movimentos sociais, visualizando possibilida-
de de obtenção de vantagens aos pequenos agricultores na produção de
agroenergia, defendem a participação dos camponeses no projeto do agro-
combustível, sobretudo aquele voltado à produção de biodiesel do PNPB
(programa nacional de produção e uso de biodiesel). A partir desta com-
preensão, movimentos sociais e entidades apresentam uma pauta de rei-
vindicações da qual se destacam as políticas públicas, crédito, assistência
técnica, infraestrutura comunitária, legislação e principalmente a criação
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bilhões de litros no ano de 2007. Neste mesmo ano, o etanol foi classifi-
cado como a segunda fonte energética mais importante do Brasil, sendo
superada apenas pelo petróleo e derivados, conforme a tabela a seguir
(tabela 2).
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Considerações finais
Sustentada pela industrialização e modernização da agricultura, fortale-
ceu-se a partir da década de 1990, no Brasil, uma agricultura empresa-
rial de negócio, o agronegócio. Embora este processo de territorialização
do capital se realize desigual e contraditoriamente, a agricultura de negó-
cio tornou-se, numa visão conservadora, referência principal de produção
agropecuária, inclusive considerada uma alavanca do desenvolvimento da
nação brasileira. Em vista de suposta eficiência e de vantagens competiti-
vas, o agronegócio deveria operacionalizar hegemonicamente o projeto do
agrocombustível no Brasil.
Entretanto, os movimentos camponeses, visualizando possibilidade
de tirar vantagem do projeto de agrocombustível, principalmente no pro-
grama do biodiesel, apresentam a agricultura camponesa como outro ca-
minho para a produção de agrocombustível. Para obter vantagens na pro-
dução de agrocombustível, os movimentos camponeses reivindicam um
conjunto de políticas púbicas e medidas governamentais para impedir a
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Referências
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Este capítulo resulta da tese de doutorado, Do desenho à implementação de projetos de de-
senvolvimento rural sustentável: interfaces e negociações no Projeto Vida na Roça (Paraná),
defendida em 2008 no Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade
Federal de Santa Catarina.
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Ocorre, contudo, que as divisões nem sempre são tão claras. Espe-
cialmente porque, na prática ocorrem entrelaçamentos entre ambas, le-
vando-se a formulações que procuram superar as dicotomias e conseguir
um dialogo equilibrado entre ambos os lados, como veremos a seguir.
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Desenvolvimento neoendógeno
Outro contraponto importante à perspectiva que enfatiza a homo-
geneização como produto da globalização é apontado por Ward et. Alli.
(2005), que por sua vez sugerem a nomenclatura neoendógeno, em subs-
tituição ao conceito de desenvolvimento endógeno. Para estes autores o
neoendógeno se inspira em teorias que sustentam que a chave para o de-
senvolvimento local é a construção de uma capacidade institucional local,
simultaneamente capaz de mobilizar recursos internos e de lidar com as
forças externas em ação sobre determinada região. Esta perspectiva salien-
ta que não só o econômico ou o desenvolvimento empresarial precisa de
ser incorporado na região, mas que o meio de atingir este objetivo é através
da participação dos atores locais nos processos de desenvolvimento inter-
no e externo. Além disso, propõem estudar como o nível local interage com
o extralocal. Na visão desses pesquisadores o ponto crítico está em como
aumentar a capacidade do local para utilizar áreas, recursos, ações e pro-
cessos mais vastos em seu benefício.
Para Lowe et alli. (1995) eRay (2001, apud WARD et. alli 2005), a no-
ção de zonas rurais locais capazes de promover um desenvolvimento socio-
econômico autônomo e imune às influências externas (como globalização,
comércio externo ou ação governamental) pode ser ideal, mas não é uma
proposição prática no mundo contemporâneo. Para eles, qualquer localida-
de rural europeia, atualmente, inclui uma combinação de forças endógenas
e exógenas em sua configuração.
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Campos em disputa
A tentativa de enclausuramento dos agricultores familiares a “modelos
ideais” quer sob o ponto de vista de vista de ONGs ambientais, políticas go-
vernamentais ou a visão meramente comercial/industrial não correspon-
dem com a realidade observada no mundo rural atualmente. Em todos os
processos os atores (dentro de sua capacidade de agência e estratégias) po-
dem modificar os significados e as estratégias traçadas exigindo, por parte
dos proponentes de processos de desenvolvimento rural, constantes relei-
turas e readequações dos objetivos e possibilidades.
Um cenário ideal seria constituído por um processo interativo entre
os elementos endógenos e exógenos, em que as forças locais se potencia-
lizariam em contato com as forças extralocais. Contudo, o que se observa
é que estes processos não são uma balança em que se depositam os cus-
tos de um lado e os benefícios de outro; muito menos são eles uma equa-
ção algorítmica cujos resultados são previsíveis. Ao invés disto, temos algo
bem mais complexo, que exige a sinergia entre agendas diversas cuja com-
patibilização é processual e complexa. Neste cenário se torna ainda mais
complexo quando se observa a heterogeneidade de atores que atuam na
disputa pelo domínio do espaço rural. E elas atuam em grandes frentes: (i)
oferta de crédito agrícola a baixo custo apoiado em políticas públicas mais
perenes; (ii) aumento das redes conectadas ao espaço local; (iii) maior pre-
sença do Estado na promoção do desenvolvimento; (iv) diversas formas
de inserção nas redes sociais e produtivas; (v) presença das agroindústrias
integradoras como elemento de conexão com o mercado externo; (vi) con-
solidação e ampliação das entidades representativas dos agricultores agora
segmentados por áreas (produção, comercialização, crédito etc.);e (vii) a
ampliação da presença da ATER de redes longas seja nas comunidades de
agricultoresseja atuando diretamente nas propriedades rurais.
Estes diferentes modos de articulação dos agricultores com as polí-
ticas públicas, com os movimentos sociais e com o mercado apontam, na
nossa visão, para um processo heterogêneo de transição nas relações de
produção, consumo bem como nas organizações políticas dos agricultores
onde a mediação/representação/tradução do deverá ser repensada.
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Introdução
Esse texto busca estabelecer uma correlação entre o pensamento que se
constrói no âmbito da produção científica e suas implicações no plano das
ações concretas. Para tanto, parte dos conceitos de campo e de rural para
refletir sobre políticas territoriais, tendo como recorte o caso brasileiro.
A fim de fazer as devidas amarrações, parte-se de um debate sobre o
sentido do método na produção do conhecimento para, a partir daí, refle-
tir sobre pares ambíguos que culminam em interpretações sobre a questão
agrária e, por conseguinte, em políticas públicas frágeis, senão inexisten-
tes, no tocante a uma variável que lhe é cara: o monopólio fundiário.
Sendo assim, evoca-se apontamentos de duas ordens: primeiro, os
de caráter formal, que instituem como limitantes ao progresso as delimita-
ções entre o rural e urbano utilizadas como referência para as políticas de
gestão territorial e, em segundo lugar, os estruturais, que vislumbram nos
pactos de classe os bloqueios essenciais ao desenvolvimento.
Nessa ordem, procura-se desconstruir argumentos sobre o desenvol-
vimento rural pautados na premissa de que a agricultura de pequena es-
cala é inviável no atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas,
por ser supostamente incapaz de gerar renda aos que nela trabalham. Esse
entendimento é convergente à distorção necessária para manter intocada
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isso, o meio rural corresponde aos remanescentes ainda não atingidos pelas
cidades e sua emancipação social passa a ser vista – de maneira distorcida –
como “urbanização do campo”. (ABRAMOVAY, 2000, p. 2)
Em princípio, o critério administrativo faz com que sedes de distrito
sejam consideradas espaços urbanos, ainda que tenham escassa concen-
tração de habitações e serviços. Para Abramovay (2000, p. 4), isso explica
sua parca aceitação na atualidade, inclusive na América Latina, pois além
do Brasil, apenas a Guatemala, El Salvador, Equador e República Domini-
cana o adotam.
Salienta o autor que as distorções oriundas desse critério de delimi-
tação tornam-se reais à medida que as conveniências fiscais dos municí-
pios prevalecem sobre as condições geográficas e socioculturais que parti-
cularizam rural e urbano.
Sabendo-se que sobre áreas urbanas recaem o Imposto Predial Ter-
ritorial Urbano (IPTU), enquanto que as áreas rurais são tributadas pelo
Imposto Territorial Rural (ITR), os argumentos de Abramovay procedem.
Isso porque o IPTU é um tributo municipal, enquanto o ITR é um tributo
federal, embora a Lei 11.250/2005 tenha franqueado a arrecadação e a des-
tinação pelos próprios municípios, desde que sejam celebrados os devidos
convênios com a União.
Com essa Lei, a tributação sobre a propriedade rural poderá ganhar
maior efetividade, o que até então era irrelevante, pois apesar do valor irri-
sório do imposto, concorria o desinteresse dos municípios em arrecadá-lo,
dada a necessidade de repassar 40% à União.
Com o direito ao repasseintegral, aumentam as chances de fiscali-
zação e execução dos inadimplentes, o que não muda os termos da con-
descendência tributária em relação à propriedade rural. De acordo com o
Ministério da Fazenda (2009), apenas 0,07 das arrecadações federais em
2008 foram provenientes do ITR, ao passo que nesse mesmo ano a taxa-
ção sobre os rendimentos do trabalho representou 7,53% das receitas, ou
108 vezes mais.
Caso o parâmetro seja exclusivamente a propriedade da terra ru-
ral ou urbana, os respectivos tributos são absolutamente discrepantes.
Para se ter uma ideia, em 2008 o montante arrecadado pela prefeitura
municipal de São Paulo com IPTU foi 6,2 vezes maior que o montante
correspondente ao ITR do país inteiro. De acordo com Sorano (2009),
foram arrecadados R$ 2,913 bilhões em IPTU pela prefeitura paulista-
na, enquanto a União e os municípios arrecadaram conjuntamente R$
470 milhões de ITR. Outro elemento de comparação pode ser a cidade
de Curitiba, cujo valor lançado em 2008, de acordo com a Prefeitura Mu-
nicipal, foi de 379 milhões de reais, ou seja, essa única cidade assegura
uma tributação territorial próxima a 81% do correspondente ao campo
brasileiro em sua totalidade.
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Com isso, ratificou a tese de que não convém adotar como políti-
ca estratégica de desenvolvimento o reordenamento fundiário, entendido
como inviável em si mesmo, pelo imperativo de escala que supostamen-
te viabilizaria somente a grande propriedade, devidamente bancada por
esse governo. Daí a opção de socorrer os miseráveis com a concessão de
um mínimo vital, sem qualquer programa paralelo de emancipação econô-
mica e inserção cidadã, coisa que o acesso à terra, via assentamentos por
exemplo, comprovadamente proporciona, apesar das persistentes limita-
ções monetárias e técnicas que, aliás, emanam do próprio projeto territo-
rial do Estado.
O aporte financeiro recorrente o confirma, a exemplo da safra
2009/10, em que o governo federal liberou R$ 92,5 bilhões à agricultura
empresarial e R$ 15 bilhões à agricultura camponesa. Apesar de envol-
ver aproximadamente 4,5 milhões de propriedades, a última ficou com
16% dos recursos, embora responda por 56,8% do valor total gerado pela
produção agropecuária, 86,6% empregos no campo (OLIVEIRA, 2003,
p. 136) e pela produção de 70% dos alimentos da cesta interna de con-
sumo, conforme estimativas do próprio Ministério do Desenvolvimento
Agrário (2009).
É indubitável que referenciais “científicos” e intervenções concre-
tas são mutuamente condicionantes. Em suma, o ordenamento territorial,
que emana diretamente das políticas públicas, possui profunda articula-
ção com vieses interpretativos da realidade.
O debate público sobre o meio rural brasileiro tem sido marcado por um
combate entre modernos e anti-modernos. Os primeiros são os arautos do
agrobusiness, incomodados com a “miopia” de uma sociedade que parece
ter sido seduzida pela bandeira da reforma agrária, justamente quando a
tecnologia tende a tornar a terra um mero “fetiche”. Os outros são os sim-
patizantes do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra –, que
pregam um retorno ao passado ao pretenderem acabar com a “exclusão”
distribuindo pequenos lotes a milhões de miseráveis que perambulam sem
destino pelo país. [...]Pode ser que todos estejam fazendo as perguntas erra-
das, parados diante de falsos impasses. [...] As ações mais importantes não
têm o apelo publicitário que dá visibilidade ao MST. Mas são as que mais
estão contribuindo para a ampliação das oportunidades de geração de renda
no meio rural, desafio central de qualquer projeto de redução da pobreza.
Enquanto modernos, antimodernos e pós-modernos pautam os meios de
comunicação, uma imensa legião de sindicalistas, ajudada por um punhado
de ONGs estão trabalhando em silêncio [...] para encontrar novas formas de
ocupação rural em ramos industriais ou terciários [...]. Os verdadeiros pro-
tagonistas de novos padrões de desenvolvimento regional – endógenos e pro-
missores – estão envolvidos em uma pesquisa que já indica o quanto é ver-
dadeira a tese de Latour. Eles continuam desconhecidos exatamente porque
jamais fomos modernos. (VEIGA, 2003, p. 145-148. Grifo do autor)
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O que o Autor ignora é que estamos diante da produção do espaço pela so-
ciedade e sob a égide do Estado esta produção ganha um caráter estratégico.
O Estado regulador impõe as relações de produção enquanto dominação do
espaço, imbricando espaços dominados/dominantes para assegurar a repro-
dução da sociedade. A busca de coesão/coerência e equilíbrio baseada na
eficácia do que chama “desenvolvimento sustentável” é pura ideologia, pois
elimina conflitos e contradições. E assim a crítica ao Estado se reduz ao pro-
blema da definição administrativa da cidade e não à sua capacidade pro-
dutiva, que se estende por todo o espaço. É ingênuo acreditar que mexendo
nas estatísticas, redirecionam-se as políticas que vão criar a possibilidade
do crescimento; isto porque o espaço é o lugar da planificação de uma lógica
de crescimento sob a égide do Estado. (CARLOS, 2003)
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Considerações finais
O privilegiamento de modelos de desenvolvimento agrário baseados na
concepção de agricultura como atividade incapaz de gerar renda suficien-
te, daí o recurso às pluriatividades, por vezes pensadas no próprio con-
texto do campo como espaço de amenidades, de consumo turístico, em
detrimento de seu papel de produtor de alimentos e demais matérias pri-
mas, contempla princípios sacramentados pela própria divisão territorial
do trabalho.
Essa compreensão não poderia, pois, advir senão dos países centrais,
que se valem de relações assimétricas para que as necessidades básicas de
parcelas preponderantes de sua população sejam providas. Por sua vez, as
condições materiais oriundas das trocas desiguais em escala planetária as-
seguram as bases para o desfrute das amenidades que o campo pode ofere-
cer, o que igualmente possui uma expressão geográfica inequívoca: é nes-
ses países, que contam com aproximadamente 20% da população mundial,
que 80% de tudo o que o planeta produz está sendo consumido.
Sendo assim, é necessário romper com o discurso de que a tecnolo-
gia poderá prover a humanidade do essencial à sua sobrevivência, e que se
reproduz em abordagens necessariamente duais: propriedades mecaniza-
das a serviço da produção e camponeses a serviço da “jardinagem” cam-
pestre ou do artesanato, na melhor das hipóteses.
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Elpídio Serra
Universidade Estadual de Maringá | elpidio_serra@hotmail.com
Introdução
No Paraná existe uma íntima relação entre os processos de apropriação
da terra agrícola e de seu uso econômico e os conflitos rurais que se es-
tabeleceram no decorrer da história agrária, de tal forma que o estudo
de um aspecto geralmente acaba esbarrando no estudo de outro aspecto.
Diante disso, ao se resgatar a história dos conflitos rurais, passa-se quase
que automaticamente pela história dos mecanismos de apropriação da
terra, envolvendo a colonização em seus diferentes aspectos e etapas, da
mesma forma como se passa pelo resgate dos diferentes modelos agrí-
colas que marcaram a exploração econômica da terra. As consequências
sociais geradas pela apropriação e pela exploração da terra, que vão se
caracterizar pela exclusão e/ou inclusão de determinadas categorias aca-
bam se transformando nos pontos catalisadores dos conflitos. A apropria-
ção da terra por uma categoria social em detrimento de outra, da mesma
forma como mudanças de modelos agrícolas, trocando um modelo que
absorve por outro que dispensa trabalhadores, podem se transformar em
focos de violência no campo, dependendo do surgimento de oportunida-
des para a reação popular. Na condição de oportunidade, assume particu-
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toda uma gama de dificuldades de acesso a terra por parte dessas mesmas
camadas menos privilegiadas, social e economicamente falando.
Na prática, não houve qualquer preocupação em preservar os di-
reitos dos trabalhadores rurais vinculados às categorias “menos expressi-
vas”; no máximo, foi permitido que esses trabalhadores se estabelecessem
em áreas já, ou ainda não requeridas em sesmarias, mas apenas até que
as terras onde se fixaram despertassem, a cobiça ou o interesse dos “ver-
dadeiros donos”. “Os pobres se estabeleciam nos terrenos aparentemente
sem donos, construíam pequenas casas e iniciavam o plantio. Subitamen-
te surgia um homem rico portando o título que conseguira na véspera,
expulsando-os e ainda se utilizando do fruto de seu trabalho...” (SAINT
HILAIRE, 1932, p. 38).
Situações desse tipo passaram a ser comuns na medida em que as
frentes de ocupação avançaram do litoral para o interior paranaense, a
partir do século XVII. Ao se transformarem em fato comum, as posses “ir-
regulares”, seguidas da expulsão dos posseiros “invasores”, vão se consti-
tuir numa das primeiras formas de conflito pela posse da terra no Paraná,
ao mesmo tempo em que, à força, vão abrir caminho para a efetiva afirma-
ção da pequena propriedade no contexto da estrutura fundiária pioneira.
A exemplo do que passaria a ocorrer no restante do País, com a atua
ção dos posseiros em escala progressiva, a sesmaria deixa, no Paraná, de
ser o único meio de acesso a terra no período colonial. “Como nem todos
possuíam recursos suficientes para obter e cultivar aquelas grandes exten-
sões de terra, a posse surgiu naturalmente e, na verdade, constituiu o ger-
me da pequena propriedade. Ao lado da sesmaria, que passara a represen-
tar um meio privilegiado de acesso a terra – assentado na monocultura, no
latifúndio e na escravidão – a posse passou a ser a legitimação da pequena
propriedade pelo trabalho, para a população livre da Colônia...” (GRAZIA-
NO DA SILVA, 1981, p. 5).
O regime de sesmarias foi extinto em julho de 1822 por ato do Go-
verno Imperial, pouco antes de ser declarada a Independência política do
Brasil. Como não surgiu de imediato uma nova legislação tratando da des-
tinação das terras devolutas de maneira específica, posto que a Consti-
tuição de 25 de março de 1824 tratou apenas da garantia dos direitos de
propriedade das terras já legalmente transferidas para o domínio privado
e das condições em que poderiam ser desapropriadas pelo poder público,
as apropriações irregulares são intensificadas com o surgimento da figura
dos “papa-terras”.
Como característica, tais elementos atuavam em conivência com
pessoas diretamente vinculadas às esferas do poder dominante e a pre-
texto de terem prestado algum serviço de utilidade pública, acabavam se
apropriando de grandes extensões de terra e ainda se beneficiando de uma
série de regalias, jamais ao alcance do cidadão comum.
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enxadas e se compõe de cinco pessoas (...) foi da ordem de 116 mil enxa-
das, ou 58 mil famílias, ou 290 mil pessoas ligadas à cultura do café, que
ficaram marginalizadas das zonas rurais” (IBC-GERCA/DAC, 1967, p. 32).
Segundo a mesma fonte um ano depois, em 1967, o número de famílias
desempregadas atingiu a casa dos 90 mil e o número de pessoas a casa dos
450 mil trabalhadores. Observação: na época do café uma “enxada” corres-
pondia à jornada de trabalho de um trabalhador adulto, do sexo masculino
e meia “enxada” correspondia à jornada de trabalho de uma mulher, uma
criança ou de um trabalhador idoso.
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Para fazer frente a UDR, entidade que na época assumiu a defesa dos
proprietários rurais, vai surgir nos anos 1980 o MST – Movimento dos
Trabalhadores Rurais sem Terra, atuando em defesa dos trabalhadores.
De um lado, uma entidade agindo em defesa da preservação do direito de
propriedade, da extensão e da manutenção do latifúndio, da forma como
construído até então; de outro lado, uma entidade pregando o rompimen-
to do monopólio da propriedade da terra, a volta dos trabalhadores ao
campo, de onde estavam sendo expulsos pelo processo de modernização
da agricultura em andamento. Estava formada a base dos conflitos rurais
nos novos tempos.
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•A modernização da agricultura.
Ao concentrar a propriedade da terra, ao expulsar e expropriar trabalha-
dores rurais, ao criar as bases do desenvolvimento capitalista no campo, a
modernização acabou originando focos de tensão social que, por sua vez
vão justificar a reação camponesa.
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Considerações finais
Alguns pontos ficam evidenciados quando se estuda a mobilização cam-
ponesa no Paraná afunilada para conquistas em termos de uma Reforma
Agrária ampla, geral e irrestrita: 1) – A forte ligação entre o processo his-
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Referências
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Introdução
O objetivo do presente capítulo é apresentar a análise das estratégias fun-
diárias desenvolvidas pelos agricultores familiares das comunidades de
Postinho (Tijucas do Sul) e de Santo Amaro Um (Mandirituba), ambas lo-
calizadas na Região Metropolitana de Curitiba (RMC). Tal análise levará
em conta as trajetórias familiares em seus estabelecimentos rurais nessas
comunidades, observando as interrelações entre a materialidade (incluin-
do a natureza) e imaterialidade (saberes, cultura) na constituição destes
territórios rurais, naquilo que incide sobre as estratégias fundiárias.
Neste sentido, a escolha destas duas comunidades é relevante, pois
ambas são originárias da ocupação de terras devolutas pelos caboclos, os
quais percorreram caminhos que contém semelhanças e diferenças impor-
tantes. Semelhanças porque ocupam pequenas áreas de terra (em Posti-
nho, das 32 famílias, 29 têm área até 20ha; em Santo Amaro Um, das 40 fa-
mílias, 37 têm área até 20ha) e mantém relações sociais que caracterizam
tradicionalmente o campesinato, a exemplo de relações de interconheci-
mento (MENDRAS, 1978), da centralidade da família, entre outras. Dife-
renças que se expressam, principalmente, na relação com as demandas da
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pressão (nem sempre “limpa”) para a venda das terras; ou, ainda, porque
a cidade promovia espaços de trabalho e de possibilidades que atraíam
muitas famílias. As regiões que viveram mais intensamente tais transfor-
mações foram aquelas com condições geoambientais que favoreciam a pe-
netração do pacote tecnológico (terra plana e solos profundos para uso das
máquinas), para desenvolver as culturas agrícolas (soja, trigo, etc.) ade-
quadas ao mercado externo e a alguns segmentos do mercado interno, con-
forme o projeto dos governos militares.
A RMC não apresentava tais condições, por um lado, porque apre-
sentava uma importante heterogeneidade geoambiental por ser uma re-
gião de formação geológica mais “jovem”, que resulta em relevo muito on-
dulado e montanhoso (incluindo a da Serra do Mar) e em muitas áreas
com solos mais rasos e frágeis ao uso intensivo (MADE, 2003). Por outro
lado, porque a “função” do rural metropolitano estava condicionada pe-
las demandas por alimentos e pela prestação de serviços para atender às
necessidades da metrópole em processo de consolidação. As regiões me-
tropolitanas resultaram desse processo de expansão rápida das metrópo-
les que atraíam as populações vindas do meio rural, sem perspectivas de
trabalho e renda, porque elas concentravam os investimentos dos setores
industriais, comerciais e de serviços. As comunidades selecionadas, de al-
guma forma, ilustram tanto a heterogeneidade geoambiental como as di-
ferenças nas relações com as demandas da metrópole e no acesso às polí-
ticas públicas.
É nesse contexto que a COMEC (Coordenadoria da Região Metropo-
litana de Curitiba), instituída por Lei Federal em 1975, institui o primeiro
Plano de Desenvolvimento Integrado da RMC, em 1978, com base na Polí-
tica Nacional de Desenvolvimento Urbano. O PDI promoveu investimentos
em saneamento básico, sistemas de transporte público, equipamentos ur-
banos e sistema viário metropolitano, bem como, estabeleceu uma política
de uso do solo vinculada à proteção dos mananciais hídricos (IPARDES,
2005). Especificamente para a área rural, recomendava: a exploração mi-
neral em municípios da região oeste; a horticultura nas regiões nordeste e
sudeste; a bacia leiteira ao leste (mais próximo de Curitiba); e a exploração
agrícola intensiva ao sul, pelos solos apropriados.
Com o fim do período militar e a redemocratização do país, as mu-
danças institucionais e econômicas foram acentuadas e a COMEC sofreu
um relativo esvaziamento de suas funções, incluindo o enfrentamento das
mudanças ocorridas na Constituição de 1988, que assegurou a participação
da sociedade civil no planejamento municipal, estadual e federal e redefi-
niu a finalidade da COMEC para “coordenar e articular as funções públi-
cas de interesse comum” (COMEC, 2002, p.5). Passada essa fase, a década
de 1990 foi marcada pelas preocupações ambientais e com o crescimento
populacional da região, vislumbrando a necessidade da ação conjunta dos
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vezes dez pessoa ou quinze, e eles terminavam aquele serviço, não interes-
sava o tempo, se um dia ou ia trinta dia, mas eles faziam, o pessoal antigo
num ponto era mais trabalhador, [..] é, aqui tudo mundo começou partir
pros mangueirãozinho pequenininho [..] o nossoda família com os vizinho
durou até uns vinte anos atrás (entrevistado 13).
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Territorialidades em (re)construção:
a terra e as estratégias familiares
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não sei [...] Dois, três ano, era mil real o alquere, agora que subiu [...] agora
acho que é R$2.000,00, aumentou por causa do reflorestamento e tem muita
gente que plantou pinus aqui, valorizou né (entrevistado 18).
Tais empresas, principalmente a Confloresta e a Batistela, margeiam
a comunidade ocupando grandes extensões de terra (Em Tijucas do Sul:
Batistela, com 1.500 alq de reflorestamento; Confloresta, com 3.000 alq;
Panagro, com 2.000 alq – segundo informações da Prefeitura e STR). Mui-
tos moradores venderam suas terras para as empresas de reflorestamento
e perderam sua única garantia de ter um lugar, uma posição na dinâmica
da agricultura familiar, desde que se tornaram trabalhadores assalariados
nas lavouras de outros, perdendo, consequentemente, as possibilidades de
se reproduzirem com mais dignidade.
Eu trabalhei ali na Confloresta, nem me lembro quantos mil alqueires eles
tem [...] Postinho era mais pequeno, mas tinha gente que tinha aí vinte, trin-
ta alqueire, outros cinquenta. E muito deles venderam pra Confloresta. Ago-
ra acho que não compram mais... é só esse ao redor aqui que tem, o mais já
venderam tudo né? Eu acho que ela prejudicou. Porque o povo venderam e
não souberam arrumar o que fazer.Gastava tudo [...] e hoje vive trabalhandi-
nho na lavoura dos outro (entrevistado 27).
As limitações ao acesso a terra estão ligadas, em grande medida,
à presença dos grandes projetos de reflorestamento das empresas que se
instalaram próximas à comunidade. Tanto a aquisição de terrenos como o
plantio de pinus promovido pelas empresas valorizaram o preço das terras
e limitaram (e limitam) os agricultores familiares, que já possuem peque-
nas áreas obtidas através do fracionamento da herança familiar. De certo
modo, tais estratégias das empresas constituíram práticas que interferem
na lógica de reprodução da agricultura familiar em Postinho, seja por te-
rem inserido o plantio de pinus e eucalipto na lógica dos sistemas produti-
vos tradicionais, seja porque a região passou a atrair mais investidores em
reflorestamento, aumentando a pressão sobre os recursos naturais, espe-
cialmente sobre a disponibilidade de terra. No entanto, a busca por “terra
limpa” para o plantio do pinus favoreceu o “ocultamento” da permissão
das empresas pela derrubada de árvores e de sua transformação em carvão
pelos moradores de Postinho. Assim, a pretendida modernização se realiza
nesta comunidade através das ações das empresas globais, seja do reflores-
tamento, ou do fumo.
O apego a terra parece ser a garantia de um lugar na comunidade
e na sociedade. Como diz o entrevistado 11, ele pode trabalhar onde for,
mas tem que manter (e não vender) a terra que vai herdar do pai, a qual
é a garantia de manutenção de um lugar para os filhos. É um dos meios
que garantem a reprodução da lógica familiar, mesmo quando a agricultura
está reduzida à pequena produção de autoconsumo e o trabalho assalariado
fora do estabelecimento passa a ser a única fonte de renda monetária, como
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re, que eu tô plantando. Tem um pedaço que tem capoeirão que já num posso
mexer porque tenho uma aguada lá, um arroio. (entrevistado 2).
É aqui é herança... aí é pouquinho, é sete litro e meio só [...] num tem docu-
mento [...] agora lá em cima meio arquere é comprado e tem mais um peda-
ço ali no asfalto que é comprado, que é de nove mil metro. É três terreno e
somado dá trinta e sete litro tudo, é mais o menos isso. Ah comprei faz anos
já, ih, essa aqui eu tenho documento da terra que comprei faz uns trinta ano
e o de lá de vinte ano em diante também. Comprei com as fruta, eu plantava
ameixa antigamente. (entrevistado 13).
Quase todos esses, eram tudo terreno do meu avô, ficou pros tio, daí os tio
foram morrendo e foi ficando tudo pros filhos [...] aqui nós compremos de
uma tia, que ela ganhou de herança lá do meu avô, é um alquere (27 litros).
Aquela época eu paguei quatrocentos contos [...] Deus o livre. É, aqui pri-
meramente todo mundo comprava terreno barato, mas é tudo enrolado [...]
documento de herdeiro, né? Eu tava comprando dois alqueire aqui pertinho
da Areia Branca por trezentos e cinquenta conto, mas fugiu os documento.
Nunca sai documento aqui.Mas a nossa tem escritura.(entrevistado 14).
Ah, esse aqui[...] era do meu pai. Foi de herança. Faz quase quarenta anos,
daí fiz a casinha ali. Depois continuamo e daí foi indo, indo, e [..] eu com-
prei tudo as parte que tinha aqui [...] dos irmão. Herdei aqui pouquinho, só
peguei... oh, parece que deu oito litro cada um só. Ah, eu comprei no total
sete alquere de chão. E tudo os fio tão tudo em cima desse terreno. Tudo,
tudo trabalhando [...] é quatro. O mais novo que é técnico agrícola [...] é, tá
construindo aqui do lado. (entrevistado 34).
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Aqui é difícil de comprar, aqui é caro. [...] ah, um litro de terra eles querem
à base de um conto (R$1.000,00) o litro. [...] Aumentou é por causa que tem
muito chacrero entrando. Teve uma velha que comprou treze litro de terra
e pagou dezessete milhão. [...] Até pagou demais também. [...] Vem fazer
chacrinha pra vim fim de semana. Por causa disso que virou esse preço. Ih,
atrapalhou tudo a comunidade [...] antigamente você comprava um alquere
de terra por dez conto, agora hoje, um alquere de terra, você vai comprar é
quarenta conto um alqueire aí (R$ 40.000,00). Porque não dá pra comprar
mais. Não tem condição...é um preção. (entrevistado 14).
Ma tem aí uns oito, nove chacrero. O que acontece é o seguinte: herdeiro
dos terreno dos pai que tão vendendo, daí vai vindo os chacrero [...] isso não
é bão, eu acho que isso vai ser ruim. Prejudicou muita coisa porque o cha-
crero chega ali, ele compra, põe uma cerca, ele cerca e quando era do dono
só, a pessoa às vezes alugava pra plantar o terreno, tinha mais espaço, hoje
o chacrero compra, cerca lá, pronto, não aluga pra ninguém e também num
plantam. Mas aqui no começo tinha tanta galinha solta e agora não se pode
tê uma galinha solta mais. [...] Por causa dos chacrero [...] porque eles num
quer incomodação. É, isso aí aperta o lugar, os chacrero começam vim e cer-
car [..] porque as pessoas que já se criaram junto, eles se combinam tudo, sai
com as galinha vai pro terreno do outro um não liga, mas os chacrero num
pode, são diferente. (entrevistado 13).
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florestal obrigatória. Essas leis são apontadas pelos agricultores como ne-
cessárias, mas, também, limitantes para eles que têm um acesso precário à
terra, especialmente em função da área pequena. Deste modo, a “terra lim-
pa” passou a ser o grande filão do mercado de terras na comunidade e ela
compensa os sacrifícios da família. A expressão “terra limpa” significa, no
geral, terra sem mata e plana, porque a ausência dos rios ou arroios evita
tanto a obrigatoriedade da mata ciliar como a possibilidade da erosão.
As terra aí depende do local. Às vezes é alto o preço, de repente abaixa, depen-
de. Olha o pessoal que vem de Curitiba paga mais. É só o que vem de lá, por-
que daqui mesmo... Que nem nós, se for pra comprar um terreno aqui dentro
do Santo Amaro, pra nós num serve [...] Porque aqui num dá pra plantar, é
tudo mato que sobrou. Aí você vai mexer num troço desse aqui num dá. Ah
mas se tem uma terra limpa, se surge uma terra limpa que dá pra comprar,
daí o caboclo tem que se esforçar. Mas é... quem tem terra no limpo, num
vende. Que nem desses parente meu ali. Eu fui lá, até pra alugar ou comprar
um pedaço, mas num... por enquanto num teve acerto cus home. O preço,
sabe que o troço aumentou. [...] Hoje um terreninho qualquer, que seja limpo
aí, menos de milhão num compra, o litro. É mil (R$ 1.000,00) o litro e não...
num acha [...] prá comprar barato aí mais é terreno caído bastante. Agora
limpo num tem. Esse é muito difícil de achar. (entrevistado 2).
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saída é alugar os pedacinho, e você tentar na safra, assim, tem ano que você
sai, tem ano que fica no vermelho. Depende do que? Do tempo. Se o tempo
correr bem, boa produção. E tem mais: quando que eu alugo o terreno e me-
lhoro, porque faço adubação verde e tal, mas não tenho contrato [...] porque
a turma tem medo de contrato, eles acha que com um contrato de um ano
você tá querendo ficar com a terra dele. Ignorante mesmo. [...] Agora se eu
arrumo um terreno aqui alugado da pessoa, mesmo de quem tem chacrinha
aqui pra empregar o dinheiro. Daí ele quer que plante, eu pranto, mas eu
digo que temo que acertar porque eu quero saber se vai me alugar no ano
que vem, porque não adianta eu arrumar o terreno, forçar o trator e me es-
forçar, deixar o terreno uma joia e eu pagando 500 reais e de repente vem
uns que diz, “não seja burro rapaz, eu te dou mil reais esse ano”, e aí nem
me avisa. Aí tá louco, rapaz, é difícil, mesmo! Existe muito desse tipo [..] é o
tipo das família que vieram de fora né. (entrevistado 32).
Na discussão sobre a transmissão do patrimônio fundiário, aparece
mais nitidamente a noção de que a terra é um patrimônio também socio-
cultural e que a luta pela manutenção desse patrimônio passa pela estra-
tégia de assegurar a sucessão da terra para os descendentes. No entanto,
o processo de sucessão não ocorre sem tensões, inseguranças e temores
sobre a possibilidade concreta de a sucessão garantir a reprodução da fa-
mília no estabelecimento. Praticamente a totalidade dos entrevistados das
duas comunidades tem, nos seus projetos de futuro, a preocupação com a
sucessão desse patrimônio e a expectativa de continuidade da propriedade
e das atividades desenvolvidas pela família. Estar convencido, de alguma
maneira, de que o patrimônio fundiário permanecerá na família é uma
motivação tanto para a expansão deste como para o estabelecimento de
novas estratégias produtivas e técnicas. O contrário também é verdadeiro,
ou seja, quanto mais inseguro sobre as possibilidades reais da sucessão,
menor o interesse na ampliação do patrimônio fundiário.
Em Postinho, a maioria dos entrevistados na última etapa da pesqui-
sa de campo era de casais com idade em torno de 40 anos. A preocupação
com o futuro da propriedade está em estreita relação com as possibilidades
concretas de garantir a sobrevivência dos filhos. Essa garantia, em quase
todos os casos, se dá através do reflorestamento, que é considerado uma
estratégia que permite construir uma poupança para os filhos e, em alguns
casos, também para a velhice. Porém, essa prática encontra na restrição ao
acesso à terra, tratado anteriormente, um obstáculo a ser superado.
Ah, eu espero que ele assuma sim. Eu queria botar ele num colégio agríco-
la, mas ele não quer, ele tem vergonha, ele acha que ficar longe é ruim. Ele
tem vez que fala de comprar outra propriedade pra ele aqui do lado, porque
o homem quer vender uma área de seis alqueres, e eu falo: é bom, tem que
comprar mesmo. E ele tá falando de plantar reflorestamento. Pra ter uma
ideia, ontem ele foi cortar uns pau secos de eucalipto lá embaixo e ele viu as
sementes de eucalipto e colheu e tá preparando as sementes. Não, por en-
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quanto não pode comprar [..] mas eu sempre digo, quem tem vontade, tem
sonho, consegue. (entrevistado 23).
É só pros filho esses pinus, que a gente usa pro futuro deles, porque eu outra
coisa... não sei te dizer. É, se puder estudar e fazer [...] mas é meio difícil.
Porque fazer uma faculdade, por exemplo [...] eu digo, às vezes estudá num
aproveita porque não existe muito trabalho, tem muito estudado qui num
tem o quê fazer. É isso que eu sempre falo, que se, se plantar pinho, vai sê
mais futuro prá eles do que estuda... eles até a terceira série tem que estudá,
que nós temo aqui. (entrevistado 18).
Em Santo Amaro Um, a pressão pela limitação ao acesso à terra
também é um fator que pesa nas decisões sobre o futuro do estabelecimen-
to. Aliada a esse aspecto, observa-se, em vários depoimentos, a existência
de uma relativa insegurança na compra de novas áreas de terras vinculada
ao temor de que os filhos não permaneçam na propriedade familiar e, as-
sim, não garantam a reprodução desse patrimônio construído através da
história dos pais e de seus ascendentes.
O futuro pra família? O que eu penso é que tem que segurar esse terreno pra
mim dá um pedacinho pra cada um dos filhos quando eu morrer. Porque
mais a gente não vai pode comprar, eu acho tudo difícil. Num quero com-
prar mais terreno [...] melhor alugar porque arrisca os filhos vender tudo de-
pois e trocar por qualquer coisa. Tem família que executa o que o pai manda,
não vai vender o que o pai deixou, mas outros vão vender e trocar por carro
velho, caminhão, sabe como é? Que nem aqui tem um vizinho que o velho
comia farinha, só pra deixar pros filho, eles morreram, brigaram e trocaram
por carro veio... sambaram com tudo. [...] Até a granja de estimação, o velho
ficava a noite intera cuidando, venderam. (entrevistado 14).
Nossa terra fica pros filhos, com a família [...] bom, se vão ficar é problema
deles né, porque hoje em dia sabe como é... enquanto tá no nome da pessoa
ninguém num vende as terra, só que caiu nas mão dos filho, daí eles faze, a
maioria vende, aí vem o problema dos chacrero, é isso aí né. [...] Mas a maio-
ria eu acho que querem ficar, que nem um dos filho acho que ele vende seu
pedaço, mas outro gosta mais da roça. Porque as pioca (meninas) hi, essas
aí nem pensam em ficar na roça, já são empregada na cidade e uma quer
estudá faculdade... que Deus ajude que passe. Mas pro futuro [...] eu acho
que assim, a gente da idade que tá agora eu acho que o sonho é ficar como
tá né. (entrevistado 13).
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Referências
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1
A prática do pesque-pague consiste na pesca, in loco, do peixe pelo consumidor. Pescam-se
os peixes e estes são pesados e o preço calculado, variando conforme o tipo de peixe (tilápia
– R$ 5,00 por kg; Pacu – R$ 8,00 por kg). Posteriormente, os pescados são limpos pela famí-
lia Cuba em ambiente apropriado na própria unidade. O pesque-pague é mais uma fonte de
renda da família, pois, durante os momentos de lazer promovidos pela pesca, os visitantes
costumam jogar bilhar, consumir bebidas e alimentos que são comercializados em um pe-
queno bar construído próximo aos locais de pesca.
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2
Alusão ao programa do governo do Estado do Paraná, implementado durante o mandato
de Roberto Requião “Leite das Crianças”. Somente os grandes laticínios têm vendido leite
ao programa devido às inúmeras exigências técnicas requeridas. Várias famílias produtoras
agroartesanais perderam sua clientela com a instituição do programa, sendo que, algumas
dessas famílias encerraram suas atividades agroartesanais.
3
Caixa Econômica Federal.
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Palavras finais
As dinâmicas territoriais das famílias camponesas citadas anteriormente
são de extrema importância para o entendimento de questões relativas a
conflitualidade latente nas concepções do desenvolvimento agrário e da
questão agrária tomada como disputa territorial.
Em Eduardo (2008) pudemos constatar que, quanto maior é o teor
de dependência do campesinato, a exterioridade maior é a intensidade pela
qual sua reprodução é comprometida. Dessa forma, o inevitável seria um
retrocesso aos primórdios da organização territorial camponesa, cuja au-
tossuficiência era a sistemática? Não. Acreditamos que uma relação de
mercado possa ser edificada com autonomia produtiva. Para tanto se ne-
cessita que uma produção teórica consistente balise tais princípios, que a
princípio, parecem tão destoantes. Existem sociedades que podem, inclu-
sive independerem do mercado, como revela Sen (2004). Mas, ignorarmos
as possibilidades concretas de geração de renda via inserção mercantil. Pa-
rece-nos uma postura retrógrada, por não dizer reacionária. Acreditamos
que a questão da autonomia deva ser colocada em primeiro plano, quando
os horizontes do mercado se avultam.
A dinâmica territorial da família Cuba é um exemplo de acesso ao
mercado mesclado à autonomia produtiva. As produções dos agroartesa-
natos da família inserem-se num contexto produtivo mais amplo, centrado
nas necessidades de reprodução da unidade de produção familiar. Os pro-
dutos orgânicos produzidos pela família Cuba têm alta aceitação no merca-
do local de Francisco Beltrão/PR. A diversificação produtiva aliada à multi-
plicidade de estratégias na reprodução, de um modo de vida característico,
denota aspectos da sustentabilidade dessa relação territorial. Os efeitos da
monocultura, da tecnificação induzida, da degradação natural e do subjugo
aos territórios imateriais exteriores não atuam como espectro localmente.
Os outros exemplos citados anteriormente seguem uma direção
oposta à orientação da família Cuba: a especialização produtiva. Esse nor-
te faz com que a dependência aos mercados seja mais estreita, restando
menos margem para manobras em períodos de dificuldades produtivas.
Fato que levou ao fechamento dos dois agroartesanatos e ao arrocho eco-
nômico, no outro.
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Referências
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Introdução
Um dos nossos temas de estudos nos últimos anos é o da modernização
agropecuária, visando compreender a dinâmica territorial existente na
agricultura do Sudoeste do Paraná, em especial a agricultura familiar, por
meio de uma abordagem territorial histórica e multidimensional. A agri-
cultura familiar se constitui não apenas em uma feição territorial, mas em
uma forma de vida na qual se efetivam diferentes relações de poder e prá-
ticas produtivas que se traduzem em formas de fortalecimento da mesma
e em contradições que procuramos demonstrar neste texto.
Para realização deste estudo, fizemos pesquisa bibliográfica; coleta,
tabulação e análise de dados secundários, e trabalho de campo, através de
entrevistas previamente planejadas e agendadas. Nossa opção pela aborda-
gem territorial, caracteriza-se num esforço acadêmico para entender deter-
minados processos que, normalmente, são desconsiderados ou estudados
separadamente. Assim, embora tenhamos destacado aspectos econômicos
e políticos inerentes à modernização da agricultura no Sudoeste do Para-
ná, também reconhecemos e valorizamos processos culturais-identitários
que estão presentes nesta prática produtiva e de vida, especialmente na
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Considerações finais
É notória a importância da agricultura familiar no Sudoeste do Paraná.
Prática produtiva e de vida constituída no seio da migração interna ocorri-
da sobretudo a partir dos anos 1940, do Rio Grande do Sul e de Santa Ca-
tarina, para o recorte espacial que estamos estudando. Foram milhares de
migrantes, descendentes de alemães, poloneses e italianos, conhecedores
de uma prática agropecuária e mercantil diferente daquela até então efeti-
vada no Sudoeste do Paraná pelos caboclos, paraguaios e argentinos.
Há um processo de reterritorialização e reprodução de uma forma
específica de vida, que imprime, no novo território e lugar, um novo arran-
jo por meio de novas forças produtivas, relações sociais, crenças, práticas
culturais, organizações políticas etc., definindo novos contornos e conteú-
dos ao território. Este, passa por mudanças profundas a partir da atuação
do GETSOP e com a implementação da modernização da agricultura a
partir da década de 1970.
O território é metamorfoseado, transformado e reorganizado por
agentes sociais econômicos, políticos e culturais envolvidos, de maneira
geral, pelo movimento de expansão do modo capitalista de produção. Este,
recria relações de produção não especificamente capitalistas e, ao mesmo
tempo, impõe uma forma de produzir centrada na mecanização e na utili-
zação de insumos químicos. Processo mediado pela forte atuação do Esta-
do que define políticas de incentivo peculiares como a de crédito rural e a
de definição de preços mínimos.
Há uma combinação entre agentes do Estado e do capital que fa-
vorecem a expansão deste último e sua reprodução ampliada, também
fortemente mediada pela constituição, no Sudoeste do Paraná e noutros
territórios, de cooperativas de produção e crédito. Esse processo provoca
mudanças profundas na produção agropecuária, aumentando a utilização
de máquinas e insumos químicos, a produtividade e a produção de merca-
dorias, especialmente da soja e do milho.
Simultaneamente, acontece a concentração de parte das terras, a
fragmentação de outras e a “liberação” de força de trabalho, substituída
pelas máquinas e novas técnicas de cultivo. É um processo contraditório,
pois os pequenos estabelecimentos e a utilização de força de trabalho fa-
miliar permanecem muito importantes no Sudoeste do Paraná, bem como
o PIB agropecuário, embora outras atividades econômicas tenham assu-
mido certa centralidade na economia regional, como as de serviço e as in-
dustriais.
Assim, perguntamo-nos: até que ponto-nível os agentes do capital
podem avançar e controlar atividades agrícolas como estas do Sudoeste do
Paraná, ainda centradas no trabalho familiar? Há níveis gerais de domi-
nação e controle? Por que não há, até o momento, uma utilização maior e
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Referências
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Introdução
A demanda por produtos com identidade é uma tendência mundial. Os
consumidores estão deixando de consumir commodities para consumir
produtos com identidade. Essa afirmação tem respaldo no crescimento do
mercado de produtos orgânicos, agroecológicos e provenientes do comér-
cio justo, bem como dos serviços relacionados ao turismo rural e étnico.
O desafio das estratégias de desenvolvimento territorial consiste em
se apropriar de recursos específicos e buscar o que constituiria o potencial
identificável de um território. Para tal, deve ocorrer um processo de espe-
cificação ou ativação de recursos de maneira atransformar recursos em
ativos específicos.
O território, nesta perspectiva, é uma unidade ativa de desenvolvimen-
to que possui recursos específicos, únicos, e não transferíveis de uma região
para outra. Os recursos podem ser materiais (como jazidas) ou não (como o
saber fazer, ligado à história e à cultura local). A valorização dos recursos es-
pecíficos pode possibilitar ao território uma renda de qualidade territorial.
Tem-se como hipótese que o saber fazer relacionado a “arte de fa-
rinhar” (fazer farinha) é um recurso único e não transferível que torna a
219
Os recursos no território
Segundo Pecqueur (2005, p.13), recursos são “fatores a explorar, a organi-
zar, ou ainda, a revelar”.O autor os considera uma reserva, um potencial
latente ou virtual que pode, se as condições de produção e inovação tec-
nológica permitirem, se transformar em ativo. Carrière e Cazella (2006,
p.34) mencionam que “quando um processo de identificação e valorização
220
221
os recursos inéditos e é por isso que ela se constitui uma inovação”. Carriè-
re e Cazella (2006, p. 34), por sua vez, mencionam que a metamorfose dos
recursos em ativos específicos “é indissociável da história longa, da memó-
ria social acumulada e de um processo de aprendizagem coletiva e cogniti-
va (aquisição de conhecimento) característica de um dado território”.
O processo de especificação consiste na qualificação e diferenciação
de recursos que os atores locais revelam no processo de resolução de seus
problemas comuns. Para Carrière e Cazella (2006, p. 34), o “ponto máxi-
mo de maturação de um território construído consiste na geração de uma
renda de qualidade territorial”. Nesta proposta, a imagem do território é o
produto a ser comercializado.
A renda de qualidade territorial, para Pecqueur (2006b, p.136), “é
uma renda organizacional, ela reflete a capacidade dos atores locais de,
mediante certos dispositivos institucionais, captar a disposição dos con-
sumidores de pagarem por aspectos relacionados ao ambiente produtivo”.
Fonte et. al. (2006, p. 13) mencionam que a possibilidade de criar e se be-
neficiar da renda de identidade está associada ao quadro de “governança
local”, que relaciona dois fatores – um deles, a capacidade dos atores locais
de criar mecanismos institucionais coletivos capazes de regular o emprego
dos recursos; o outro, a distribuição dos benefícios ao quadro institucional
exógeno ao território – de maneira a garantir a apropriação local dos bene-
fícios econômicos nos mercados local e global.
222
Para Soucy (2003), a identidade é uma qualidade que faz com que
algo seja único, que seja distinto, distinguível e distinguido. O autor men-
ciona um conjunto de produtos, serviços e imagens que distinguem um
território: i) arquitetura: monumentos e sítios históricos; ii) paisagens:
rios, flora, fauna, florestas etc.; iii) pessoas e imagens: fatos históricos,
vestimentas, chapéus, modismos etc.; iv) ativos culturais: idioma, música,
dança, artistas famosos, culinária etc.; v) serviços culturais únicos: festas,
pratos típicos etc.; e vi) especialistas: escultores de madeira e cerâmica,
artesanato etc.
Produtos com identidade territorial, portanto, incorporam todos os
bens, serviços, informações e imagens próprias de um território. Um tipo
de queijo produzido artesanalmente em determinado território é um exem-
plo de um bem; um grupo folclórico, por sua vez, é um serviço e uma igreja
ou gruta é um símbolo que identifica o território.
Para Ramirez (2008), mais que um espaço físico dotado de deter-
minadas características, identidade territorial é “uma construção social”.
A identidade, portanto, pode se manifestar em atributos geográficos espe-
cíficos de certas regiões, na história ou particularidades sociais, sobre um
tipo de produto ou sabor especial. Logo, não haveria uma única identidade
em um território, mas possivelmente várias. O autor apresenta dois tipos
de identidade: uma que se refere aos bens e serviços específicos e únicos
do território e outra de bens ou serviços resultantes de um conjunto de ar-
ranjos institucionais (normas) que incluem os produtores e suas técnicas
de produção, juntamente com as entidades públicas ou privadas que certi-
ficam estes atributos. Para este segundo caso, pode-se citar como exemplo
o queijo parmegiano na Itália e os diferentes produtos DOC (Denominação
de Origem Controlada) na França.
No Brasil, a título de exemplo, cita-se duas regiões em que ocorre
a valorização dos produtos territoriais e que podem ser consideradas um
território com identidade cultural. No Rio Grande do Sul, o Vale dos Vi-
nhedos apresenta uma forte organização turística em torno da produção
de vinho e da paisagem rural associada à gastronomia, sendo a primeira
região com o uso da Identidade de Procedência (IP) no Brasil.Em Minas
Gerais, por seu turno, tem-se a região dos Cerrados e de Machado/Poço
Fundo de Minas Gerais (Sul de Minas), que vem se tornando conhecida
como um polo de geração de conhecimento e produção de café com quali-
dade (café orgânico).
Ramirez (2008) menciona que a especificidade territorial é uma
condição natural, geográfica, histórica, legal ou uma combinação delas. A
condição natural permite que certos produtos e serviços sejam ofertados
pelos produtores de determinando território. As condições geográficas do
território podem, também, permitir certo grau de especificidade. A condi-
ção histórica, por sua vez, permite que certos territórios possuam identi-
223
IV I
Especificidade territorial
III II
224
Uma discussão sobre o preço dos produtos com identidade pode ser
feita a partir do Gráfico 02. Ele nos permite pensar três possíveis cenários
relativos aos preços dos produtos. Na primeira situação, os consumidores
não valorizam a identidade ou não a identificam no produto ou serviço ad-
quirido, nesse caso o produto é considerado uma commodity (reta A). Na
segunda situação, o produto ou serviço tem um preço menor que um pro-
duto similar no mercado, evidenciando possíveis problemas de qualidade
(reta C). Por fim, na terceira situação o produto com identidade tem um
preço maior em relação a uma commodity. Neste caso, os atributos do pro-
duto ou serviço são percebidos pelos consumidores (ponto B).
Um produto com identidade é considerado um bem único e os con-
sumidores podem diferenciar este bem dos demais. A possibilidade de di-
ferenciação permite que seja atribuído ao bem ou serviço um “prêmio à
identidade” que consiste na diferença entre P2-P1, observável no Gráfico 02.
A diferença entre o preço P0 e P1 mostra o prêmio de qualidade recebido
por um produto commodity.
B (identidade) B (commodity)
P2
Prêmio a identidade
P1
Prêmio a qualidade
P0 C (neutro em qualidade)
C0 Qualidade
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226
227
rizam-se por serem agroindústrias que não produzem mais farinha, mas
que ainda mantêm os equipamentos e as instalações. Em sua maioria, as
farinheiras inativas estão em propriedades de pessoas idosas que não pos-
suem condições físicas para realizar as atividades relacionadas a produção
de farinha (farinhar). Por fim, as farinheiras comunitárias caracterizam-se
por serem instalações que foram construídas através de políticas públicas
(Paraná doze meses), visando atender a um grupo de famílias. São fari-
nheiras que possuem uma boa infraestrutura física, construídas em alve-
naria, atendendo as exigências da legislação sanitária em vigor na época.
Praticamente todas estas unidades estão desativadas.
Guaraqueçaba 10 13 3 4 30
Morretes 7 3 2 2 14
Guaratuba 17 27 3 1 48
Matinhos 2 1 0 0 3
Litoral Sul
Paranaguá 9 1 6 1 17
Pontal do Paraná 1 0 1 0 2
Total 54 56 15 8 133
Fonte: Elaborada pelos autores.
228
condições ruins das estradas por onde é escoado o produto final. Essa situa-
ção foi constatada com maior evidência e com maior gravidade nos municí-
pios do litoral Norte, principalmente em Antonina e Guaraqueçaba.
Outro empecilho para a produção de farinha está relacionado a dis-
ponibilidade de área para o plantio da matéria-prima, a mandioca. Muni-
cípios como Guaratuba e Guaraqueçaba possuem grandes Áreas de Preser-
vação Permanentes (APAs), nas quais não se pode fazer o plantio, ficando
os produtores com espaços restritos para o cultivo de mandioca. Nos ou-
tros municípios este problema é menos acentuado, mas ainda assim está
presente em várias propriedades.
No município de Morretes, principalmente, constata-se a concor-
rência desleal com a farinha proveniente de outras regiões e estados. Os
produtores argumentam que a farinha que vem de outras regiões é de me-
nor qualidade, desvalorizando o produto local. Para confundir os consumi-
dores, os embaladores, que compram a farinha de outras regiões, embalam
a farinha em sacos plásticos transparentes, na maioria das vezes sem rótu-
los, e utilizam a mesma técnica dos agricultores para amarar os pacotes.
Embora a comercialização de produto de outras regiões seja concentrada
no município de Morretes, os demais municípios também acabam sofren-
do suas consequências desestruturantes e prejudiciais à comercialização e
à valorização do produto local.
Com tantas adversidades – como a falta de incentivos para a produ-
ção da matéria-prima, o longo ciclo da cultura, o preço de venda da fari-
nha (que não compensa os custos), a perda de lavouras por problemas cli-
máticos (principalmente enchentes), e o trabalho pesado tanto na lavoura
como na produção de farinha –, várias famílias estão deixando a atividade
e migrando para o meio urbano. O êxodo rural ocorre principalmente com
pessoas mais jovens, restando no campo somente pessoas com idade avan-
çada. Com a ida dos jovens para a cidade, instala-se um quadro alarmante
para os próximos anos, pois muitas destas farinheiras serão desativadas.
Nas visitas presenciou-se que a maioria das farinheiras é operada por pes-
soas com idade avançada; muitos mencionaram que seus filhos não apren-
deram e não têm interesse em dar continuidade a atividade.
Entre os atributos da farinha do litoral paranaense destaca-se a pre-
sença do amido no produto, pois a tecnologia utilizada pelos agricultores
não permite retirar o amido na hora do processamento da mandioca. Esta
farinha possui um sabor único e uma textura diferenciada, característico
da farinha do litoral paranaense, que precisa ser informado aos consumi-
dores. Tal característica dá a farinha uma identidade cultural que diferen-
cia o produto e permite, se bem explorado, agregar valor ao mesmo.
Outro fator importante que deve ser trabalhado é o fato de a maté-
ria-prima ser produzida, em sua grande maioria, sem a adição de insumos
químicos. As lavouras geralmente estão em áreas de preservação e não po-
229
dem receber tais insumos, o que gera um produto mais saudável, com me-
lhor qualidade e com menor risco à saúde humana.
O produto proveniente da agricultura familiar, produzido de forma
artesanal, também é uma característica do modelo de produção adotado
que o diferencia. A atividade mantém as pessoas no campo produzindo ali-
mentos, garantindo sua soberania alimentar e contribuindo para a redu-
ção do êxodo rural.
Portanto, a farinha do litoral paranaense possui forte identidade
cultural, podendo ser vendida em quantidades consideráveis em Curiti-
ba, por exemplo, que é um mercado consumidor exigente. Essa identidade
cultural/territorial faz com que a farinha do litoral seja conhecida popular-
mente como “Farinha Da Boa” ou “Farinha da Terra”, potencialidade que
deve ser trabalhada para o fortalecimento da imagem do produto perante
o mercado consumidor.
230
231
232
Conclusões
Produzir farinha de mandioca faz parte da cultura dos pequenos agriculto-
res familiares do litoral do Paraná. O produto é utilizado para a alimenta-
ção diária das famílias, contribuindo para a soberania alimentar, e possi-
bilita a geração de renda para quem o comercializa. Nas visitas realizadas
aos agricultores que possuíam farinheiras foi possível perceber que fazer
farinha é uma arte que é repassada de pai para filho, ao longo de gerações,
e que a farinha produzida não é homogênea – cada agricultor produz do
seu modo, possui seu saber fazer que é único. A condição natural (parte do
território é coberta por Unidades de Conservação) agrega ao produto po-
tencial agroecológico, uma vez que não se utilizam produtos químicos em
áreas de proteção ambiental.
O processo de especificação dos ativos, portanto, é de extrema im-
portância para o desenvolvimento territorial. É a identificação e valoriza-
ção dos recursos do território que lhe permitirá se diferenciar de outras
regiões, não sendo uma boa estratégia disputar mercado nos produtos pa-
dronizados, commodities. Neste sentido, a renda de qualidade territorial
decorre do processo de especificação dos ativos, e o saber fazer presente
na cultura dos agricultores familiares é um recurso latente que precisa ser
devidamente explorado.
A dinâmica do desenvolvimento territorial consiste, portanto, em
revelar recursos inéditos, é nisso que se constitui uma inovação. O uso de
estratégias de valorização dos produtos com identidade territorial consti-
tui a operacionalização do modelo.
Enquanto estratégia, a farinha de mandioca pode vir a se tornar o
produto líder para compor a cesta de bens do território. Outros produtos
233
Referências
234
235
Apresentação
A lista de autores pode causar estranheza, numa primeira impressão,
no meio acadêmico. Porém, formamos uma equipe num projeto intitu-
lado “Agricultura familiar agroecológica nos municípios de Verê, Itape-
jara d’Oeste e Salto do Lontra (Sudoeste do Paraná), como estratégia de
inclusão social e desenvolvimento territorial”, financiado pela Secretaria
de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI – PR) e pela
Fundação Araucária. Somos professores, bolsistas recém-formados e bol-
sistas graduandos, brasileiros e italianos (Universidade de Turim), e to-
dos realizam as tarefas previamente discutidas e planejadas em reuniões
quinzenais, inclusive as de análise e redação. São atividades de pesquisa
237
238
239
A opção teórico-metodológica
Os conceitos principais que servem de orientação metodológica de nossa
proposta de estudos participativos e extensão universitária são os seguin-
tes: território, desenvolvimento, tecnologias, agricultura familiar, agroe-
cologia, redes, cooperação e inclusão social. O desenvolvimento significa
uma problemática territorial, ou seja, um processo contínuo de conquis-
tas sociais (econômicas, políticas e culturais) que se manifestam em nossa
vida cotidiana através de uma alimentação saudável, moradia e educação
de qualidade, assistência médica e dentária, acesso ao cinema e outros
meios de comunicação, higiene, organização política, entre outros aspec-
tos que são fundamentais para viver com dignidade e qualidade, como a re-
cuperação e preservação dos componentes da natureza degradados diante
do processo avassalador de ocupação do território.
É necessário valorizar o patrimônio histórico e cultural dos dife-
rentes grupos sociais e territórios.Isto nos remete a uma concepção múlti-
pla e híbrida do desenvolvimento, do território, da agricultura familiar, da
agroecologia, das redes e tecnologias, da cooperação e da inclusão social.
Entendemos que é necessário compreender estes temas como processos
historicamente constituídos, ou seja, há um processo histórico e relacional
(transescalar) que caracteriza nossa vida cotidiana, o desenvolvimento, os
territórios. A exclusão social é produto das características da sociedade na
qual vivemos, que está centrada na reprodução do capital, na concentração
da terra e da riqueza, na marginalização social. São todos processos ine-
rentes ao modo capitalista de produção: através de seus princípios basila-
res, organiza-se o território de forma a facilitar a concentração da riqueza
e a centralização do poder.
Dessa maneira, para reorganizar o território e a sociedade, é neces-
sário repensar e reorganizar as relações de poder, como ocorre através de
organizações políticas e produtivas alternativas (associações de agriculto-
res e pequenas cooperativas). Esta forma de produção exige um rearranjo
e novas relações dos homens entre si e com a natureza; um manejo ade-
quado do solo, das plantas e das águas; relações de cooperação e participa-
tivas, enfim, a agroecologia traduz-se em traços societários diferentes dos
emanados das grandes iniciativas produtivas capitalistas.
E isto exige um olhar e uma compreensão, que considere os proces-
sos sociais (econômicos, políticos e culturais) e naturais, tanto na aborda-
gem (estudo) como no planejamento e nas ações a serem realizadas com
os agricultores familiares. Há destaque para o lugar, para a dinâmica am-
biental e para a elaboração de projetos de desenvolvimento. A sustentabi-
240
241
242
243
244
Tabela 3 – Área colhida por ano e por produto no município de Salto do Lontra
1985 Equivalente 1996 Equivalente 2007 Equivalente
Produto
(ha) (%) (ha) (%) (ha) (%)
Feijão 6.005 23 10.500 36 900 4
Fumo 60 0* 130 1 990 2
Mandioca 350 1 340 1 500 5
Milho 16.000 61 13.000 45 11.000 53
Soja 2.500 9 3.000 10 5.500 26
Trigo 1.500 6 2.000 7 2.000 10
Área Total 26.415 100 28.970 100 20.890 100
* Menos de 1%.
Fonte: IPARDES e IBGE.
245
Tabela 5 – Área colhida por ano e por produto no município de Itapejara d´Oeste
1985 Equivalente 1996 Equivalente 2007 Equivalente
Produto
(ha) (%) (ha) (%) (ha) (%)
Feijão 3.825 16 1.150 5 2.150 11
Fumo 10 0* 40 0* 47 0*
Mandioca 370 2 300 1 500 2
Milho 9.630 40 12.700 56 6.000 29
Soja 8.390 35 6.700 29 10.920 54
Trigo 1.760 7 2.000 9 800 4
Área Total 23.985 100 22.890 100 20.417 100
* Menos de 1%.
Fonte: IPARDES e IBGE.
246
247
248
A produção orgânica
A primeira unidade produtiva que selecionamos é a de Raul Dall Agnol,
residente no município de Itapejara d’Oeste desde 1972. Migrante do Rio
Grande do Sul, tem quatro filhos, apenas um trabalha na propriedade, sen-
do necessária a contratação de empregados no período de safra. A gestão
da propriedade é familiar. A família tem a expectativa de continuar moran-
do na propriedade, ocupados com a agricultura que toma um tempo de 10
horas diárias, em média, todo dia da semana. A propriedade tem uma área
total de 13 hectares: 10 para cultivos temporários como soja, milho e fei-
jão; 2 com pastagens permanentes; ½ para culturas permanentes como as
frutas e ½ ha com mata nativa.
Esse agricultor trabalha com a produção orgânica desde o ano de
1994, optando por esse sistema por influência de pessoas da Prefeitura
Municipal através de cursos e palestras. Objetiva cuidar da terra, da saú-
de, do ambiente e ganhar mais com a produção orgânica. As instituições
com as quais estabelece relações mais efetivas são a Agrorgânica, a Coasul
e a Prefeitura Municipal, especialmente por causa da assistência técnica e
da comercialização da sua produção agrícola. De acordo com nosso entre-
vistado, as vantagens do cultivo orgânico são “a melhora da saúde de to-
das as pessoas, dos animais, enfim do meio ambiente”, e as desvantagens
resumem-se nas “dificuldades para transportar a soja e na falta de mão de
obra... é muito difícil encontrar gente para trabalhar”. Para o fortalecimen-
to da produção orgânica em Itapejara, ele defende a organização de um
grupo/associação de produtores.
Na safra 2008-2009, utilizou 5 ha para o cultivo de milho e 5 para
cultivo da soja. A produção do milho foi de aproximadamente 700 sacas
por hectare, comercializadas na Coasul, sendo 100 sacas destinadas ao
consumo. A produção de soja foi de aproximadamente 300 sacas por hec-
tare, toda ela comercializada com a Agrorgânica (que exporta o produ-
to). Ele também produz leite que considera orgânico, com uma produção
249
mensal que varia entre 1800 e 2000 litros, comercializado com a Empre-
sa Latco, de Francisco Beltrão. Ao mesmo tempo, tem uma produção de
subsistência diversificada: bois, aves caipiras, peixes, ovos, verduras, man-
dioca, geleias e conservas.
De Salto do Lontra, evidenciamos a produção da família de Paulo
Ferreira, residente no município há 38 anos. A gestão da propriedade é
familiar, envolvendo o trabalho cotidiano de 4 pessoas. Eles também con-
tratam empregados temporários nos períodos de safra. A área total da pro-
priedade é de 16 ha: 7 de culturas temporárias: milho e soja; 1 de cultura
permanente: uva e pera; 2 de pastagem permanente (potreiro); cerca de 3
hectares de mata nativa e 3 de silvicultura: eucalipto (400 pés). O milho e a
soja são orgânicos (certificados). A empresa Gebana Brasil oferece cursos
e assistência técnica, além do fornecimento das sementes e da comerciali-
zação da soja no exterior. A Gebana atua no município através do Sindica-
to dos Trabalhadores Rurais e da Cresol, que concede financiamentos do
PRONAF-custeio.
Conforme depoimento de nosso entrevistado, toda produção da fa-
mília é orgânica desde 2000 e escolheram “esse caminho sobretudo pela
questão econômica, porque é maior a remuneração da produção. A soja
orgânica rende um preço 9% maior em relação ao produto convencional”.
Além disso, eles têm como objetivo melhorar a qualidade de vida dos mem-
bros da família e evitar intoxicações. Assim, a subsistência também é im-
portante nessa unidade de produção: mandioca: 1.000 m2; hortaliças: 20
m2; produção de leite: 7 litros por dia; aves caipiras: 10 cabeças.
A produção agroecológica
A unidade produtiva e de vida familiar de Darci Cassol, município de Verê,
é uma ótima demonstração do que estamos entendendo por produção
agroecológica de alimentos. Ele também é proveniente do Rio Grande do
Sul e mora na propriedade desde o 1973. Todo trabalho realizado é fami-
liar. A área total da propriedade é de 2,4 ha, toda dedicada às culturas agro-
ecológicas (certificadas) de hortaliças (repolho, abobrinha, salsa, cebola,
alface, repolho, pepinos), frutas (laranjas, bergamota, caqui), batata-doce
e mandioca. A maior parte dos cultivos é feita nas estufas e a irrigação é
noturna, porque paga menos pela energia elétrica. Há 20% das terras com
mata nativa e capoeira. Darci e Fátima têm duas filhas, uma mora no Rio
Grande do Sul e outra faz o curso de fruticultura e auxilia esporadicamen-
te nas atividades da família. A prática agroecológica é realizada na unidade
há 13 anos e foram incentivados pelas atividades do CAPA. Parte da pro-
dução é comercializada in loco e parte na APAVE, na cidade de Verê. Para
produzir, conta com assistência técnica do pessoal do CAPA e financiamen-
to da CRESOL (construção das estufas).
250
251
Considerações finais
As pesquisas que realizamos até o momento deixam clara a construção
de uma prática agrícola diferenciada da convencional, especialmente no
município de Verê. Em Salto do Lontra e Itapejara d’Oeste evidencia-se
o que estamos denominando de produção orgânica de soja para expor-
tação, porém, também muito importante na preservação do ambiente e
na sustentação econômica das famílias estudadas. É em Verê, no entan-
to, que identificamos princípios agroecológicos na produção familiar de
alimentos e é ali que esta prática agrícola se manifesta mais claramente
como uma forma-estratégia fundamental de inclusão social e desenvolvi-
mento territorial.
A produção orgânica para exportação, conforme verificamos em
campo, também se efetiva como uma alternativa, pois há todo um conjun-
to de ações, por parte da família produtora, vinculadas à produção de sub-
sistência saudável e ao manejo adequado do solo, por exemplo. Alguns têm
as nascentes d’água protegidas. Porém, na prática agroecológica, há maior
coesão na gestão da unidade produtiva e de vida familiar. Há sinais mais
claros de uma consciência política que valoriza o ambiente, a saúde da fa-
mília e de outras pessoas, além do ganho gerado pelos cultivos diversifica-
dos que têm mercado garantido. Também, parece que ocorre, nas unidades
agroecológicas estudadas até o momento, um nível maior de autonomia,
sobretudo na tomada de decisões sobre o que cultivar, quando, com quem
comercializar e na definição dos preços de seus produtos. Nessa produção
é possível identificar relações sociais de ajuda mútua, a não dependência
de grandes empresas, a valorização do saber-fazer reproduzido de geração
em geração, enfim, elementos que vão ao encontro de nossa concepção de
desenvolvimento territorial e favorecem a inclusão social, principalmente
por meio de associações e pequenas cooperativas.
252
Referências
253
p.185-212.
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