Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Dourados-MS
2022
THIAGO FERREIRA MEDEIROS
Dourados-MS
2022
THIAGO FERREIRA MEDEIROS
Dourados-MS
2022
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________
Profª. Drª. Márcia Yukari Mizusaki (presidente e orientadora)
________________________________________________________
Profª. Ma. Clariana Vilela Borzone (membro titular)
________________________________________________________
Prof. Me. João Evaldo Ghizoni Dieterich (membro titular)
DEDICATÓRIA
Aos meus filhos, Guilherme Peixoto Medeiros, Jose Gabriel Peixoto Medeiros
e Emanuel Peixoto Medeiros, pela compreensão, que prontamente entenderam a
importância da minha formação, pois precisei renunciar a vários momentos em
família para me dedicar aos estudos.
Ao amigo e tio, Luiz da Silva Peixoto, por me ajudar nas conversas e nos
textos sobre assentamentos e reforma agrária.
A minha orientadora, a Prof.ª Drª. Márcia Yukari Mizusaki que teve paciência e
que me ajudou bastante a concluir este trabalho.
Este estudo é resultado de uma pesquisa sobre a conquista e a luta pela terra e na
terra das famílias camponesas do Assentamento Estrela no município de
Sidrolândia, Mato Grosso do Sul. Neste estudo, procuramos analisar as experiências
de vida dos camponeses, as suas relações de trabalho, as memórias, as lutas e as
formas de resistências para na terra permanecerem. Para este estudo foi utilizado
como metodologia a pesquisa qualitativa, por meio de entrevista semiestruturada.
Através dela buscamos descrever a trajetória de luta das famílias camponesas, em
especial as lutas vividas pelas famílias camponesas no acampamento, na conquista
e permanência em seus lotes. No decorrer do texto foi feito um resgate da origem
dos camponeses, do papel do Estado enquanto fomentador na implementação de
políticas públicas destinadas ao Assentamento Estrela, das mudanças ocorridas na
vida dos camponeses a partir da conquista da terra e em como têm se dado as
formas de resistências pelos sujeitos que ali vivem e sobrevivem da terra e na terra.
Buscamos então, com este estudo, apontar que a luta dos camponeses não para
quando eles adquirem os seus lotes, pelo contrário, ela apenas se modifica, deixa de
ser a luta pela terra e se torna a luta na terra para nela permanecer.
This study is the result of a research on the conquest and struggle for land and to
remain on the land of peasant families from the Estrela Settlement in the municipality
of Sidrolândia, Mato Grosso do Sul. In this study, we seek to analyze the life
experiences of peasants, their work relationships, memories, struggles and forms of
resistance to remain on the land. For this study, qualitative research was used as the
methodology, through semi-structured interviews. Through it we seek to describe the
struggle trajectory of peasant families, especially the struggles experienced by
peasant families in the encampment, in the conquest and permanence in their plots
of land. Throughout the text, it was made a survey of the origin of the peasants, the
role of the State as a promoter in the implementation of public policies aimed at the
Estrela Settlement, the changes that have taken place in the peasants' lives since
the conquest of the land and which forms of resistance were adopted by the subjects
who live there and survive on and from the land. We seek, with this study, to point out
that the peasants' struggle does not stop when they acquire their plots, on the
contrary, it just changes, it ceases to be the struggle for land and becomes the
struggle on the land to remain on it.
Figura 12 - Parte do lote da família camponesa Adoaldo e Cícera que foi arrendada
para o cultivo da monocultura………………….....................……………….……….p. 71
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Utilização de terras no Mato Grosso do Sul - 1985………………..…..p. 28
Gráfico 2 - Utilização de terras no Mato Grosso do Sul - 1995/96………………..p. 29
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Estrutura Fundiária – MS- 1985 e 1995/96………………………....…....p.24
Tabela 2 - Estrutura Fundiária – MS- 2006 e 2017………………….……….………p.25
MP=Medida Provisória.
INTRODUÇÃO....................................................................................................... p.16
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................….……p.98
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................p. 101
ANEXOS..............................................................................................................p. 108
16
INTRODUÇÃO
Atualmente, a agricultura camponesa vem perdendo cada vez mais espaço
para o agronegócio, mesmo ela tendo grande importância na produção alimentar, na
geração de renda e empregos do nosso país. De acordo com o Censo Agropecuário
de 2017, 3.897.408 de estabelecimentos foram classificados como agricultura
familiar, representando assim 77% dos estabelecimentos agropecuários do país,
mas, esses estabelecimentos ocupam apenas uma área de 81 milhões de hectares,
sendo o equivalente a apenas 23% da área total dos estabelecimentos
agropecuários brasileiros. Enquanto isso, as propriedades consideradas não
familiares ocupam uma área de 270.398.732 ha, o equivalente a 77% da área total.
Além disso, segundo o Censo Agropecuário de 2017, a agricultura familiar
camponesa colabora com 23% do total do valor da produção agropecuária nacional,
mesmo ela estando em uma área muito menor que a área considerada não familiar,
ou seja, áreas em que temos a produção voltada praticamente para o mercado
internacional de commodities (IBGE, Censo Agropecuário, 2017).
Contudo, ao entendermos que esse modelo de agricultura familiar camponesa
tem grande importância na produção alimentar, na geração de renda e empregos no
nosso país, devemos entender também que esse modelo de agricultura só foi e
tornou-se possível por meio da luta pela terra de muitas famílias camponesas. E,
famílias camponesas essas que tiveram e continuam tendo grande contribuição no
processo de formação do território brasileiro e sul mato-grossense.
Para isso, devemos ressaltar a histórica marginalização, desigualdade e
exclusão, a qual foram e são submetidas essas famílias camponesas, pois com a
modernidade dos equipamentos e abandono do Estado perante os camponeses e
camponesas, a luta pela permanência na terra se torna cada dia mais difícil.
Sendo assim, o interesse pelo tema da pesquisa surgiu por me situar como
filho de família camponesa que foi sem-terra e que se tornou assentada e, durante a
graduação senti o desejo de aprofundar as minhas reflexões sobre a Questão
Agrária, e assim conhecer os desafios enfrentados pelos camponeses para
conquistar a terra e nela permanecer.
Dessa forma, a partir da Geografia comecei a entender um pouco mais sobre
a dinâmica da reforma agrária no nosso país e pude comprovar como a reforma
agrária foi e é importante para o nosso país, tanto em questões sociais, econômicas
e de território.
17
1
O movimento territorializado ou socioterritorial está organizado e atua em diferentes lugares ao mesmo
tempo, ação possibilitada por causa de sua forma de organização, que permite espacializar a luta para
conquistar novas frações do território, multiplicando-se no processo de territorialização. (FERNANDES, 2000. p.
68)
18
Para realização deste trabalho, iniciamos com uma pesquisa teórica sobre a
Questão Agrária no estado de Mato Grosso do Sul e, especificamente, em
Sidrolândia. Iniciando a discussão sobre a concentração de terras, a reforma agrária
e a luta pela terra, a fim de proporcionar um maior embasamento ao trabalho, de
forma que a base teórica, servisse de alicerce para o campo. De acordo com
LACOSTE, (1985, p. 20), conforme citado por ALENTEJANO & ROCHA-LEÃO
(2006.p. 57,58)
Esse roteiro foi aplicado a 18 famílias camponesas, sendo uma das famílias
não pioneira no assentamento. O critério de escolha das famílias se deu pela
proximidade com algumas famílias e também busquei conversar com famílias que
antes viviam da produção camponesa e passaram a viver da produção capitalista,
ou seja do agronegócio, a fim de tentar entender quais foram os motivos que os
levaram à mudança na produção do lote.
De acordo com o IBGE (2010), o estado de Mato Grosso do Sul, possui uma
área de 357.147,994 km², e uma população estimada de 2.868.279 pessoas,
representando, portanto, uma baixa densidade demográfica (6,86 habitantes por
quilômetro quadrado), ficando em 21º lugar no ranking do país no quesito população.
E mesmo o nosso estado tendo uma grande extensão territorial possui apenas
setenta e nove municípios, ou seja, poucos municípios e grandes propriedades
rurais, e assim atingindo de índice Gini 0,867 em concentração de terras do país,
ficando entre os estados com mais desigualdades fundiárias (IBGE, Censo
Agropecuário, 2017).
A disputa pela posse das terras do sul de Mato Grosso do Sul originou-se
em um passado distante, iniciando-se praticamente com a chegada dos
europeus ao continente americano, quando (Portugal e Espanha) passaram
a disputar entre si o domínio desta terra, procurando deslocar a linha
divisória de Tordesilhas, a fim de ampliar seu território. Em l750, o Tratado
de Madri, que levou em consideração o princípio do usucapião, garantia a
posse da terra àquele que tivesse efetivamente ocupado. No Tratado de
Santo Ildefonso, em 1777, portugueses e espanhóis chegaram a um acordo
sobre a fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai, quando foi
revalidada a lindeira de Igurey. (FABRINI, 1996, p. 23).
Logo após a colonização e disputa por posse dos territórios feita pelos
europeus, ocorreu a disputa de território do Brasil com o Paraguai, por meio da
Guerra do Paraguai:
21
Com o fim da Guerra do Paraguai, foi firmado o tratado de limites entre Brasil
e Paraguai, e a partir daí se deu início à demarcação de terras no Brasil feita através
da Comissão de demarcação com Rufino Eneas Gustavo Galvão “Barão de
Maracaju” no comando. Sendo assim, foi através dessa Comissão de demarcação
que Tomaz Laranjeira tomou conhecimento das terras devolutas e dos ervais no Sul
do estado de Mato Grosso e graças à influência de Rufino Eneas Gustavo Galvão, o
“Barão de Maracaju” e do General Antônio Maria Coelho (primeiro governador de
Mato Grosso), em 1882 Tomaz Laranjeira toma posse do monopólio de terras e dos
ervais da região, e junto com a família Murtinho, amplia a sua área arrendada
chegando a mais de 3 milhões de hectares em terras devolutas da União voltadas
para a exploração de erva-mate, terras essas que faziam parte dos territórios dos
22
Guarani e Kaiowá, contribuindo assim para uma grande concentração de terras por
parte da Cia Mate Laranjeira. (FABRINI, 1996, p. 32-33).
Além desse controle dos territórios pela Cia Mate Laranjeira que a levou a ter
uma receita cinco vezes maior que a do estado, ela também era a maior credora e
tinha fortes influências e poder de interferências nas decisões políticas, econômicas
e sociais do estado, chegando, por exemplo, a questionar a vinda dos gaúchos para
o Sul do estado de Mato Grosso, como Fabrini (1996) destaca:
< 10 (ha) 13.398 20,7 64.819 0,2 18.628 26,2 95.376 0,3
Diante disso, o cenário do estado de Mato Grosso do Sul não está muito
diferente do visto no censo de 1985 e 1995/96, pois, mesmo com todas as lutas pela
terra, ocupações e criações de assentamentos que tivemos no estado até o ano de
2017, data do último censo agropecuário, as áreas com até 100 ha continuam ainda
tendo pouca representação.
E através destas lutas pela terra e pela reforma agrária, foram criados até
2017 em Mato Grosso do Sul, data da última atualização do INCRA sobre os
assentamentos da reforma agrária, 204 assentamentos, sendo assentadas 27.764
famílias e desapropriados e ocupados 716.212,19 ha. Mas, mesmo assim, o estado
continua sendo composto por grandes propriedades e apesar da criação dos
assentamentos, Mato Grosso do Sul ainda continua com grande concentração de
terras.
Mato Grosso do Sul ainda pertencia ao estado de Mato Grosso, onde historicamente
a pecuária foi desenvolvida de forma extensiva. (ALMEIDA, 2003, p. 118).
Como nos diz Fabrini (1996) “a vocação do estado de Mato Grosso do Sul”
que é a pecuária, se consolida com a construção da Ferrovia Noroeste do Brasil
financiada por capitalistas franceses e belgas.
Essa diminuição das áreas de pastagens e aumento das áreas voltadas para
as lavouras de acordo com Mitidiero e Goldfarb (2021, p.5), está relacionada com o
rumo que o Brasil vem tomando economia, “o Agro vêm levando o Brasil a inserir-se
de forma regressiva na economia mundial, reprimarizando sua economia e criando
uma enorme dependência industrial, tecnológica e financeira estrangeira, com
impactos sociais, econômicos e ambientais destrutivos”.
[...]. Desta forma, a luta pela reforma agrária não passa apenas pela
distribuição de terras, vai além... vai em direção da construção de novas
formas de organização social que possibilitem a (re) conquista da terra de
trabalho - a propriedade familiar. Vai em direção à (re) construção da
propriedade coletiva dos meios de produção, e, mais importante ainda: vai
em direção à construção de novas experiências realizadas cotidianamente
pelos trabalhadores rurais no movimento de luta pela terra. Entender esse
processo é o nosso desafio.
o contrato que tinham entre si, sendo as fazendas Entre Rios, Água Doce e
Jequitibá, todas no município de Naviraí, mas essa situação se agravou com o
assassinato do advogado dos arrendatários. E como resposta dos latifundiários a
todas essas revoltas no campo ocorreu um maior aprofundamento da violência e
expulsão dos rendeiros. Foi nesse processo de expulsão e recusa aos rendeiros que
ocorreu a primeira grande ocupação de terras no Mato Grosso do Sul, sendo feita
por aproximadamente 800 famílias e ocuparam a fazenda Baunilha no município de
Itaquiraí. (ALMEIDA, 2003, p. 120).
Nesse sentido, Fabrini (2019, p. 158) acrescenta que, por causa da escassez
de florestas para derrubada e formação de pastagens nas grandes propriedades, a
partir 1980, ocorre a expulsão dos camponeses das terras, que até então estavam
nelas como arrendatários, parceiros, peões, entre outros, ou seja, eles não eram os
proprietários da terra, apenas trabalhavam na terra, e juntamente com eles também
tivemos as famílias proprietárias de pequenas propriedades que através do processo
de modernização da agricultura no início da década de 70 tiveram as suas terras
expropriadas. Portanto, serão esses camponeses, juntamente com a CPT que darão
início à luta pela terra no Mato Grosso do Sul e com o apoio também da CPT,
nascerá o MST, primeiro movimento socioterritorial formado em Mato Grosso do Sul.
Como nos diz Fernandes (1999) na década de 80, houve a gestação do MST,
por meio de ocupações, assembleias e encontros dos trabalhadores sem-terra.
Foi, portanto, por meio dessas lutas, conquistas e derrotas, que o MST se
consolidou como o maior movimento socioterritorial no campo brasileiro e na
América Latina, e foi por meio das ocupações de terra, que o MST se territorializou
no nosso estado. Desde então, junto com outros movimentos socioterritoriais lutam
por justiça e reforma agrária, tendo como foco principal a ocupação de terras.
Assim sendo, essas lutas e conquistas pela terra e da terra, de acordo com
Almeida (2003, p. 125 e seg), pode ser dividida em quatro períodos, dando destaque
para atuação do MST, FETAGRI, CUT e outros, que seriam assentamentos com
coordenações de vários movimentos (MISTO).
Por fim, o governo Temer e Bolsonaro nada fizeram pela reforma agrária,
durante a gestão Temer e Bolsonaro não tivemos nenhum assentamento criado.
A política de reforma agrária do governo Lula, não foi executada da forma que
ele havia prometido no início do seu primeiro mandato. Tomamos como exemplo o II
PNRA, quando foi elaborada a sua primeira versão pela equipe de Plínio de Arruda
Sampaio, “ela visava a desapropriação, regularização, permuta, compra e venda, e
tinha como meta assentar um milhão de famílias no Brasil. (SAMPAIO; CARVALHO
FILHO, 2005, apud COELHO, 2017, p. 177). Mas, infelizmente foi reprovada, e a
que foi colocada em prática foi a do ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário,
Miguel Soldatelli Rosseto, que tinha como principais objetivos: “paz, produção e
qualidade de vida no meio rural. Eventualmente esse plano objetivava assentar 400
mil famílias, entre os anos de 2003 e 2006; financiar a aquisição de terras para 130
mil famílias e regularizar as terras de 500 mil famílias” (COELHO, 2017, p. 177).
E esse II PNRA da forma que foi elaborado, acabou gerando muitas críticas e
resistência tanto dos movimentos socioterritoriais quanto dos estudiosos do tema
reforma agrária, pois, ficou entendido que o mesmo funcionaria apenas como uma
política compensatória, que visava resolver apenas os problemas pontuais e não
resolveria o grande problema da concentração de terras. Sendo assim, o Plano não
foi executado em sua plenitude de metas e consequentemente não obteve sucesso.
Como ressalta Coelho (2017, p. 178): “A reprovação do II PNRA, elaborado por
Plínio de Arruda Sampaio e sua equipe, já evidenciava as tensões e os caminhos
que o governo Lula iria trilhar face à reforma agrária”.
Além desse II PNRA ser totalmente diferente do que aquele que os estudiosos
da área haviam elaborado, outro fator que sinalizava para o não enfrentamento ao
39
Outro fator que indicava que o governo Lula não faria aquilo que havia
prometido quando ainda estava no palanque e quando ganhou as eleições, segundo
Mitidiero e Cosme (2018, p. 256) foi:
Nunca um governo, desde o final dos anos de chumbo da ditadura militar, foi
tão surdo às demandas populares, no campo e nas cidades, quanto o
governo Dilma. Foi o governo que menos reconheceu terras indígenas e
territórios quilombolas e o que menos fez assentamentos de sem-terra.
(CPT, 2015, p. 224).
Mitidiero e Cosme (2018, p. 261) nos dizem que o período entre 2011 e 2014
a política de desapropriação de terras foi praticamente abandonada pela Presidenta
Dilma, sendo o ano de 2015, o pior para os movimentos socioterritoriais, pois a
Presidenta Dilma não assinou nenhum decreto de desapropriação de terra e assim
entrando para a história com zero decretos em um ano. Mas, em 2016, ano do golpe
político, ela assinou 21 decretos, e de acordo com o autor, esse ato foi um meio de
retaliar o agronegócio, que o governo dela e de seu antecessor tanto glorificaram,
pois durante o golpe o apoio do agronegócio foi unânime.
E todos esses assentamentos que foram criados até 2013, ano do último
assentamento criado no Mato Grosso do Sul, estão todos ligados à luta pela terra
dos movimentos socioterritoriais, e que a partir do golpe acabaram perdendo forças
ficando estagnados.
sociais, ameaça aos assentamentos rurais que já haviam sido criados, corte em 95%
dos recursos voltados para a reforma agrária e assim sepultando de vez a reforma
agrária. E nas letras de Chico Buarque, conforme citado por Mitidiero e Cosme
(2018, p. 270) “não é cova grande, é cova medida. É a terra que querias ver
dividida”.
Após o golpe, Cleps Júnior (2018, p. 650) aponta que o governo Temer foi um
dos mais violentos no campo desde o ano de 2003. Durante a gestão de Temer,
somente em 2017 foram assassinadas 70 pessoas no Brasil, sendo eles
trabalhadores sem-terra, posseiros, assentados, quilombolas e indígenas.
2016 foi o ano com maior número de ocorrências de conflitos por terra
registrados nos últimos 32 anos. Foram contabilizados 1.079 conflitos, uma
média de 2,9 registros por dia. Os assassinatos tiveram um aumento de
22% em comparação com o ano de 2015 e é o maior número de casos
desde 2003.Com a instabilidade política de 2016 questões como combate
ao trabalho escravo, demarcação das terras e a defesa dos direitos
indígenas e combate aos conflitos no campo tiveram um enfraquecimento
dentro das instituições governamentais e os grupos políticos responsáveis
pelos conflitos ganharam ainda mais força. (CPT, 2017).
E essa fase está sendo caracterizada pelo fascismo, onde o uso de armas
contra o campesinato, indígenas e quilombolas que lutam pela terra e territórios é
defendido claramente pelo governo Bolsonaro, onde o ódio contra a esquerda,
xenofobia, homofobia, aporofobia e aversão às relações sociais não capitalistas é
propagado a todo momento. (FERNANDES et al., 2020, p. 338).
E após o golpe de 2016 tivemos uma queda maior ainda nos números de
ocupações. Nos dois anos pós-golpe tivemos no estado apenas 16 ocupações, e os
principais fatores podem ser: extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA), criminalização, aumento da violência, mortes no campo, entre outros,
agravantes esses que fizeram com que diminuíssem as ocupações, e sem ocupação
e sem pressão sobre o governo dificilmente teremos reforma agrária.
temos a ascensão da luta indígena pela terra, resultando então, em uma mudança
de protagonismo na luta pela terra. (MELO, 2017, p. 149).
Como já dito por Porto-Gonçalves (2015, p.97) conforme citado por Melo
(2017, p. 148) A ascensão da luta indígena resultou na alteração do protagonismo
da luta pela terra em Mato Grosso do Sul e no Brasil:
Sidrônio também usou de sua influência para fazer com que a estrada de ferro
Noroeste Brasil passasse perto de sua fazenda. Quando a estrada de ferro começou
a funcionar, os loteamentos de Sidrônio foram sendo vendidos mais rápido e a vila
Sidrolândia começou a ganhar densidade populacional. Em 11 de dezembro de
1953, conquista a sua emancipação político-administrativa, tendo como primeiro
prefeito Gumercindo Pereira de Souza, e assim se formou o município, mas
trazendo junto com a sua formação, um grande predomínio de latifúndios.
No dia 25 de abril de 1944, foi inaugurada a Estação Ferroviária e
Telegráfica da NOB, fazendo um ramal ligando Campo Grande a Ponta
Porã, com o nome de Estação Anhanduí. Com a implantação da Estação
Anhanduí, as parcelas dos loteamentos implantados por Sidrônio foram
vendidas e a vila começou a ganhar densidade populacional. A vila de
Sidrolândia foi elevada à categoria de Distrito de Paz em 1º de dezembro de
1948, conquistando sua emancipação político-administrativa em 11 de
dezembro de 1953. Em 31 de janeiro de 1955 instalou-se a primeira Câmara
de Vereadores e também tomou posse o primeiro prefeito eleito de
Sidrolândia, Gumercindo Pereira de Souza. E desde então o município foi
sendo formado com o predomínio de grandes propriedades onde se
desenvolvia a pecuária extensiva, contribuindo assim para a concentração
fundiária. (REIS, 2009, p. 03).
50
< 10 (ha) 130 5,9 503 0,1 1.405 34,5 11.517 2,8
A segunda situação nos diz respeito ao censo de 2017, onde podemos notar
uma pequena mudança, mas fundamental na estrutura fundiária, pois enquanto no
censo de 2006 tínhamos 5,5% dos estabelecimentos com mais de 1000 ha, em 2017
os mesmos estabelecimentos caíram para 2,6% do total e totalizam 61,9% da área
do município, enquanto que os estabelecimentos com até 50 ha representavam 90%
e ocupavam uma área de 11,9% do município. Ainda podemos notar uma grande
concentração fundiária, mas vemos que, com as criações dos assentamentos que
ocorreram no município de Sidrolândia a partir de 2006, ocorreram também uma
mudança na estrutura fundiária, tanto que, do censo de 2006, para o de 2017 houve
um aumento no número de estabelecimentos de até 50 ha, passando de 1.715 para
3.670, ou seja, dobrou o número de estabelecimentos, e esse aumento no número
de estabelecimentos de até 50 ha está relacionado aos movimentos socioterritoriais
que através da luta pela terra e pela reforma agrária fez com que os governos
criassem mais assentamentos e assim desconcentrando um pouco da terra das
mãos dos latifundiários.
Sendo essa ocupação o gatilho para outras lutas pela terra e pela reforma
agrária no município de Sidrolândia, pois através dessa ocupação outros
movimentos se mobilizaram para que outros assentamentos fossem implantados,
sendo o Assentamento Altemir Tortelli “Estrela” um deles. O último Assentamento a
ser criado no município de Sidrolândia foi o PA Nazareth, sendo desapropriados
2.491,731 ha e assentadas 171 famílias.
2
PA Capão Bonito; PA Capão Bonito II; PA São Pedro; PA Vista Alegre; PA Vacaria; PA Gibóia; PA
Capão Bonito III; PA Geraldo Garcia; PA Santa Terezinha; PE Terra Solidária; PE Terra Solidária II; PA
Eldorado Parte; PA Eldorado; PA Eldorado II; PA Altemir Tortelli “Estrela”; PA Barra Nova; PA Barra
Nova-FETAGRI; PA Santa Lúcia I; PA João Batista; PA Alambari-FETAGRI; PA Alambari-FAF; PA
Alambari-CUT; PA Nazareth.
53
3
Um shapefile é um formato de armazenamento de dados de vetor da Esri para armazenar a posição,
a forma e os atributos de feições geográficas. É armazenado como um conjunto de arquivos
relacionados e contém uma classe de feição. Disponível em:
https://enterprise.arcgis.com/pt-br/portal/latest/use/shapefiles.htm#:~:text=Um%20%20shapefile%20%
C3%A9%20um%20%20formato,cont%C3%A9m%20uma%20%20classe%20de%20fei%C3%A7%C3
%A3o.
54
4
O mapa contendo a planta geral do assentamento Estrela foi cedido pelo funcionário do Núcleo Municipal de
Regularização Fundiária (NMRF), Geovane Ferreira, setor vinculado à Secretaria Municipal de Desenvolvimento
Rural e Meio Ambiente de Sidrolândia, MS.
56
Trago também o relato dos camponeses Carlos e Tina. Eles iniciaram as suas
vidas como sem-terra em um acampamento do MST em 1997, no município de Rio
Brilhante. Eu perguntei o nome do acampamento a eles, mas não puderam me
informar, me disseram que o sofrimento, a pobreza e a desumanidade por parte dos
governantes que sofreram lá, fez com que eles esquecessem toda aquela vida
sofrida.
não sei como explicar. Daí depois de tanto sofrimento e luta por um
pedaço de chão em Rio Brilhante no acampamento do MST, surgiu a
oportunidade através de um amigo nosso de nós ir se acampar na sede
fazenda Estrela, mas para isso tínhamos que sair do MST e se filiar na
FAF, não pensamos duas vezes e fomos se acampar na sede da fazenda
estrela la já era bem melhor, tinha energia, água, lá na sede estávamos no
céu, e ficamos ali acampado em torno de um ano e meio até que cortaram
os lotes e mandaram cada um ir para o seu lote. (CARLOS e TINA, 2021)
Podemos observar que a luta pela terra vem por uma vontade de ter um
pedaço de terra para chamar de meu, e são sonhos que são compartilhados entre
todos os camponeses que conversei.
Nos relatos dos camponeses, pudemos observar uma grande ligação deles
com o meio rural, seja, na condição de rendeiro, funcionário de fazenda e/ou filhos
de familiares que vieram e/ou moraram no campo a vida inteira.
Nós vivemos durante sete anos acampados antes de termos o nosso tão
sonhado pedaço de terra, primeiro acampamos por um breve período em
Angélica, depois ficamos acampado no acampamento Forquilha lá em
Dourados por quase dois anos, depois no acampamento Bom Futuro em
Nova Alvorada do Sul, e por fim mais um ano e meio acampado aqui na
sede da fazenda Estrela. Enquanto estávamos acampados no Forquilha e
no Bom Futuro só não passávamos dificuldade como por exemplo: falta de
comida, porque a muié é aposentada, mas vi e ajudei vários companheiros
de acampamento que estavam passando necessidade. A dificuldade que
nós mais tivemos enquanto acampado era a falta de água constante nos
barracos, pouca comida e a discriminação por parte da sociedade, as
pessoas tratavam nós como bicho, eramos chamados de vagabundos que
só queria terra dos outros para depois vender. (ADOALDO e CICERA, 2021)
O sítio, o lote, o recanto era o sonho de todos que entrevistei, tanto que os
nomes dos sítios dos entrevistados retratam aquilo que eles sentiam antes de
receber o tão esperado “pedaço de terra”.
61
E assim como Woortmann (1990) nos diz, sobre os pequenos produtores não
verem a terra apenas como um objeto de trabalho, acreditamos que para os
camponeses do Assentamento Estrela, o sítio é algo que para eles faz parte das
62
suas vidas, e esse “pedaço de terra” fez parte dos sonhos deles por muitos e muitos
anos e hoje esse sonho está realizado. Portanto, os camponeses do Assentamento
Estrela:
[...], não vê a terra como objeto de trabalho, mas como expressão de uma
moralidade; não em sua exteriodade como fator de produção, mas como
algo pensado e representado no contexto de valorações éticas. Vê-se a
terra, não como natureza sobre a qual se projeta o trabalho de um grupo
doméstico, mas como patrimônio da família, sobre a qual se faz o trabalho
que constrói a família enquanto valor. Como patrimônio, ou como dádiva de
Deus, a terra não é simples coisa ou mercadoria. Estou tratando, pois, de
valores sociais; não do valor-trabalho, mas do trabalho enquanto um valor
ético. (WOORTMANN, 1990, p. 12)
Conforme relatos dos entrevistados, fatores como falta de uma casa para
morar, água para beber, energia elétrica, escola para os filhos ficava distante, falta
de experiência na agricultura aliada com a falta de assistência técnica, solo fraco e
inadequado para a agricultura aliado a falta de recurso para corrigi-lo, desencorajou
logo no início muitos assentados sem recursos financeiros, e assim gerando aos
mesmos, uma sensação de euforia e desespero o que acarretou logo no início
alguns abandonos de lotes.
camponesa Andrea Cirlene, e foi através dessa associação que os assentados viram
uma esperança a mais naquilo que buscavam.
No começo foi muito trabalhoso e o Urucum não era tão valorizado, mas a
partir de 2012 quando fiz a minha primeira colheita eu ganhei até um bom
dinheiro, e após essa colheita o Urucum foi ganhando um pouco mais de
valor no mercado chegando a R$ 11,30 o KG e a tendência achávamos que
era de melhorar, essa era minha esperança. E além do mais o Urucum é
69
uma cultura prática, não precisa ficar plantando todo ano, a gente planta
uma vez e ela produz durante 25 anos, então eu não tinha tanto trabalho, o
maior trabalho mesmo era só na época da colheita e eu conseguia tirar um
bom dinheiro ainda. Mas, a esperança que eu tinha lá atrás se acabou, pois,
com esses governos, tanto Municipal, Estadual quanto Federal, a
assistência ao pequeno produtor praticamente acabou, e isso foi dificultando
em muito a vida do produtor de Urucum aqui da região, e não sou só eu,
conheço vários produtores de Urucum daqui e de outros assentamentos
vizinhos que estão parando também, estão arrancando todos os pés de
Urucum e plantando soja, tem cara aí oferecendo 15 saca de soja por ha,
imagina a gente ganhar mais de 15 mil por ano sem fazer nada, nós
sabemos que a cultura da soja e do milho não se encaixa na reforma
agrária, mas fazer o que, não temos incentivo algum. (ADOALDO ALVES,
2021).
Vemos, portanto, que a grande dificuldade deste camponês se deu pela falta
de políticas públicas de investimento e de incentivo, além da disputa com o
agronegócio, que está tomando de conta no assentamento. Em seguida trago as
figuras 9, 10 e 11, e nelas demonstramos como era o lote da família camponesa
Adoaldo e Cícera antes aderirem ao cultivo de monocultura.
Figura 12 - Parte do lote da família camponesa Adoaldo e Cícera que foi arrendada
para o cultivo da monocultura
Olhe em volta o que nós vemos, só lotes com casas abandonadas e com
soja plantada na terra, nesse meu travessão dos moradores que estão aqui
desde o início sou só eu, seu pai, a Eneil, o Vicente, o Val e o Oliveira que
vem de vez em quando, o restante dos lotes foram todos vendidos, alguns
dos lotes aí já está no terceiro ou quarto dono, e os donos aparecem aqui só
de vez em quando para olhar como está a sua lavoura e já vai embora, e
isso me dá um desespero, pois eu não sei nem quem são os meus vizinhos,
aqueles companheiros que tinham os mesmos sonhos que eu foram embora
por falta de assistência e os que sobraram estão mexendo com lavoura de
soja e milho, uns arrendaram e outros estão tocando por conta. (ADOALDO
ALVES, 2021)
A partir disso, vamos refletir a respeito das famílias camponesas que resistem
no Assentamento Estrela e continuam produzindo e se reproduzindo a partir de uma
lógica da agricultura camponesa e buscar compreender o que levou algumas
famílias a deixarem a lógica da agricultura camponesa para viverem da agricultura
capitalista o “agronegócio”.
Durante a pesquisa foi constatado que havia muitos lotes vazios. Fizemos
então, alguns questionamentos às famílias camponesas a respeito dos lotes
abandonados e eles nos falaram que a maioria das famílias que eram pioneiras
haviam vendido e/ou abandonado o lote e que restavam poucas famílias ali no
assentamento que eram pioneiras.
75
E para constatar esse fato busquei ajuda no assentamento com o meu Pai Sr.
José e com a minha Mãe a Srª Veronice que é Agente de Saúde no Assentamento
Estrela. Por meio da ajuda deles fizemos um levantamento através das fichas das
famílias residentes, comparando com os dados fornecidos pelo SIPRA/INCRA da
relação dos beneficiados com o Programa Reforma Agrária do Assentamento
Estrela, foi então que a partir deste levantamento pudemos constatar que apenas 48
famílias de um total de 114 eram pioneiras e além disso, destas 48, apenas 36
estavam residindo no assentamento, conforme demonstrado no gráfico 8.
De acordo com relato dos entrevistados, essa notícia só foi exposta neste site
porque o dono dos lotes foi até a polícia dar queixa das famílias dizendo que
pessoas ligadas ao MST haviam invadido o seu lote e os lotes de outros vizinhos
dele no Assentamento Estrela, foi então que o INCRA foi acionado e juntamente
com a polícia foram até o Assentamento Estrela para realizar o despejo das famílias,
mas ao chegarem lá eles descobriram que os lotes que haviam sido invadidos era
de uma pessoa só e que ela havia adquirido através da compra. A partir disso não
foi realizado o despejo das famílias e está em trâmite a legalização dos lotes para
essas famílias.
Fonte:https://www.regiaonews.com.br/sidrolandia-15-08-2020/mst-denuncia-que-lote
s-invadidos-no-estrela-sao-do-mesmo-dono-de-17-areas-no-assentamento
Essa notícia evidencia o que vem ocorrendo no Assentamento Estrela desde
o começo de sua criação, a “venda e o abandono dos lotes”, mas a notícia não nos
traz quais seriam as causas dessas vendas, mas sabemos que essas vendas estão
atreladas à falta de assistência técnica, de infraestrutura e apoio do governo.
No entanto, a notícia nos traz um subtítulo tendencioso que faz com que as
pessoas questionem a luta pela terra. Ele leva os leitores a crer que os
trabalhadores rurais só querem a terra para num futuro ela ser valorizada e com isso
terem especulação fundiária, mas a lógica dos camponeses é totalmente diferente
da lógica do capitalismo, como reitera o próprio MST dentro da reportagem, “o MST
é contra a compra e venda de lotes da Reforma Agrária. Acreditamos que o
78
processo de luta pela terra, por anos, não pode ser perdido por compra e venda de
lotes, pois são a garantia de sustento das famílias camponesas” (MST, 2021 apud
PAES, 2021).
Oliveira (2007, p. 66), nos explica sobre a lógica do capitalismo que vê a terra
como mercadoria, e ele nos diz:
Além disso, muitos desses lotes antes do arrendamento e/ou venda tinham a
sua produção voltada para a pecuária de leite e produção familiar de subsistência.
Contudo, com a falta de assistência governamental a solução encontrada por muitos
foi o arrendamento. E como nos diz Camacho; Almeida; Conceição (2020):
os lotes que estão voltados para a produção de monocultura não foram encontrados
nenhum tipo de produção animal.
Com relação aos locais de venda da produção animal, o gado é vendido ali
mesmo na região, principalmente os bezerros e bezerras. Os entrevistados
relataram que sempre aparecem alguns compradores “atravessadores” e fecham as
compras dos bezerros com vários camponeses ali do assentamento, pois assim fica
mais fácil de receber um preço melhor pelo animal.
Contudo, nem sempre foi assim, como falado anteriormente. Para terem uma
renda no início da criação do assentamento, muitos deles recorreram ao trabalho
formal na Usina de cana de Açúcar “Passa Tempo”, e informal, nas fazendas da
região do Assentamento Estrela, sendo essa a forma encontrada por muitos para
82
Tive que sair para trabalhar para fora, trabalhei em três usinas aqui da
região, porque a assistência para nós os assentados aqui do assentamento
demorou demais, foram quase quatro anos para que eles começassem a
liberar o PRONAF, ficamos praticamente abandonados pelo governo
durante os primeiros anos, sem assistência nenhuma, e a terra aqui era
muito fraca não conseguíamos colher praticamente nada aqui no início,
então a solução encontrada por muitos foi o trabalho formal até que saísse
os recursos do governo. (BARBOSA, 2021)
Assim que foi dividido os lotes nós tivemos que ir para lá se não corríamos o
risco de perder, a partir desse momento começou outra luta a da
permanência na terra. Imagina nós, sem nenhum tostão furado no bolso,
num lote onde a terra era muito fraca, sem água, sem energia, sem nada. A
solução encontrada por mim foi a de trabalhar na usina naquele momento,
ainda bem que tinha a usina, lá eu trabalhei desde cortador de cana até de
motorista de ônibus. (DEUSVALDO, 2021)
Os desafios para a permanência no lote foram inúmeros, a começar pela
decisão de ter que abdicar da profissão de Professor em Dourados-MS, com
um salário razoável, para me tornar um assentado desempregado e sem
recursos nenhum oferecido por parte do governo. Largamos uma vida
estabilizada na cidade, filhos, para morar em um barraco de lona, sem água,
sem energia, sem infraestrutura nenhuma. A terra era muito fraca, não
conseguíamos produzir quase nada nela. Tudo era muito difícil. A solução
encontrada por nós no início foi a de buscar um trabalho na usina como
cortador de cana, lá eu fiquei por um curto período, até que eu consegui um
contrato temporário na Escola Municipal Monteiro Lobato, que fica
localizada no Assentamento Capão Bonito II, a partir daí a nossa vida foi
melhorando, mas se não fosse a usina e a Escola não sei como seria a
nossa situação. (JOSÉ e VERONICE, 2021)
Como foi falado anteriormente, a maioria dos que estão e estavam ali
assentados, no início quando ainda estavam acampados na beira da estrada e
quando ficaram acampados na sede da Fazenda Estrela, recebiam um benefício em
forma de cesta básica através do benefício social “Fome Zero e do Segurança
Alimentar e Nutricional- SAN” o que lhes permitiam a permanência no
acampamento, ou seja, eram “mantidos” mesmo que muito mal pelo benefício social
provenientes dos governos Federal e Estadual.
Não era a terra que vocês queriam, pronto está cortado, agora cada um vai
para o seu lote, porque se continuarem aqui na sede perderão a posse da
terra. Foi então, a partir deste momento que se iniciaram muitas das vendas
83
e abandono dos lotes, pois como nós éramos, vou dizer “mantidos” pelo
Governo através das cestas básicas que recebíamos mensalmente, ainda
tínhamos uma expectativa de permanência, mas quando todos os
benefícios foram cortados e nós nos vimos num mato sem cachorro, sem
ajuda de ninguém, nem água no lote tínhamos, era apenas um descampado
enorme de 10 ha, tínhamos apenas a nossa dignidade e que graças a Deus
temos até hoje, nossa coragem e nossa força para trabalhar na terra e viver
da terra. E foi a partir daí que vimos que a nossa vida nesse início não seria
fácil, mas com fé em Deus superaríamos e superamos. Portanto, eu digo se
tivéssemos recebido, nem que seja, uma instrução, uma ajuda nesse início
garanto a você que hoje estariam todas as famílias que iniciaram com nós.
(TINA e CARLOS, 2021)
5
Camby: Laticínio do município de Dourados que compra a produção de leite no Assentamento Estrela.
6
DICA: Laticínio de Deodápolis que compra a produção de leite no Assentamento Estrela.
85
A partir do gráfico 11 vemos que, 66,7% das famílias entrevistadas têm como
principal produção rentável no lote, a venda do leite e de seus derivados. Vemos
também que 33,3% das famílias camponesas entrevistadas vivem da monocultura.
Em relação às plantações encontradas nos lotes das famílias que ainda não
optaram pelo cultivo de monocultura, além dos pomares de frutas diversas, podemos
87
Foi então que, foi estabelecido o dia e o local onde seria realizado a compra.
Chegado o dia e com a lista “pré-aprovada”, os camponeses se direcionaram à
cidade no ônibus que havia sido locado pela liderança do assentamento, mas ao
chegar no município de Nova Alvorada do Sul-MS, ao ver o mercado que haviam
90
escolhido perceberam que alguma coisa não estava certa, mesmo assim realizaram
a sua compra.
Eu trago esse relato, pois com todas as famílias que eu conversei e abordei a
temática envolvendo os créditos recebidos por eles, eles me relataram esse mesmo
problema. Quando eu iniciava a conversa a respeito dos benefícios recebidos do
governo, eles me traziam essa indignação, e pude perceber que nessa hora eles
queriam desabafar frente ao desrespeito e o descaso a qual foram acometidos na
época, e me senti na obrigação de registrar o ocorrido.
Outro programa de crédito que foi acessado por eles foi o Programa Nacional
de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) sendo acessado pela primeira
vez no final do ano de 2009.
Verges (2011, p. 54) nos diz que, apesar do programa ter permitido a
introdução de novas tecnologias e a geração de renda para as famílias assentadas,
houve limitações e impasses para sua execução.
Dentre os impasses, pode-se citar a insuficiência, a descontinuidade e a
demora nos processos de liberação, contratação e pagamento dos mesmos,
o que trouxe consequências negativas quanto à produção e renda dos
agricultores assentados, com reflexo direto sobre a capacidade de
pagamento. Além disso, o acesso ao crédito estava associado a
determinados pacotes técnicos de modernização da agricultura, o que gerou
forte dependência dos assentados em relação às assistências, que, quase
sempre, não ocorreram. [...]. Outro grande problema do programa esteve
relacionado com o fato da não criação de mecanismos que elevassem as
taxas de retorno dos investimentos feitos, ou seja, o governo assumia
elevados riscos, o que gerou a falência do programa. Além disso, a falta de
políticas públicas complementares a de crédito rural colocavam os
assentados a enfrentarem a terra em condições bastante precárias para o
cultivo. (VERGES, 2011, p. 54)
Hoje, o PRONAF, possui várias linhas de crédito, nesse sentido Brasil (2017)
apud Santos; Camacho; Conceição (2020, p. 204-205), elencam as suas diversas
linhas de créditos, sendo elas:
Eu mesmo que sou o técnico aqui do meu lote, não apareceu ninguém aqui
para me ajudar não. (BARBOSA, 2021).
Além disso, muitos me disseram que pelo lote ser de apenas 10 ha, o gado
que estava ali já era o suficiente, e se fizessem o acesso a outro crédito para
compra de mais gado, não teriam onde colocar o restante do gado. Portanto, ou eles
teriam que vender as vacas que tem e melhorar o rebanho, ou teriam que ficar
arrendando lotes de vizinhos que não conseguiram acessar o PRONAF e ainda não
arrendaram para a lavoura. E o valor proposto a ser acessado por eles era de no
mínimo, R$50.000,00, por isso não aderiram ao programa novamente.
Em relação ao Sr. Antunes, ele não acessou o PRONAF e nem tem pretensão
de acessar. O Sr. Antunes é um dos moradores do assentamento que arrenda vários
outros lotes para o plantio de monocultura. Desde o início do assentamento ele
sempre plantou lavouras de soja e milho no lote dele e buscava arrendar os lotes de
outros camponeses. Antes de ir para o assentamento, ele já tinha uma renda que
era adquirida através do arrendamento de outras terras na região de Rio Brilhante. O
Sr. Antunes, é um dos que têm a perspectiva de que a monocultura da soja e do
milho deve prevalecer no assentamento, pois nos dizeres dele é o que movimenta o
mundo. Tivemos alguns problemas com a entrevista do Sr. Antunes e não
conseguimos realizar a entrevista como planejado.
Nós só temos o nosso nome para honrar, por isso eu não peguei, porque vai
que eu pego e não consigo pagar e daí o meu nome ia sujar e nós
precisamos do nome limpo, para podermos comprar as coisas pro sítio
parcelado na cidade quando nós tá sem dinheiro, e eu não ia conseguir
descansar a minha cabeça no travesseiro sabendo que eu to devendo pro
banco e correndo o risco de eles vir aqui tomar alguma coisa minha. Por
isso não peguei, não sabemos o dia de amanhã, teve companheiro que
pegou e pagou certinho, teve outros que pegou veio a seca o gado morreu e
na hora de pagar ele não conseguiu daí acabaram ficando desanimados
com o sítio e foram embora de volta para a cidade, mas teve também
aqueles que pegaram o dinheiro fizeram negócios errados, e na hora de
pagar cadê o dinheiro, daí a solução foi abandonar e/ou vender o lote, e eu
não quero isso, porque aqui é o meu lugar, o meu sonho o meu pedacinho
do céu (LALO, 2021).
E isso nas palavras dela é o que mais a deixa triste, mas também é o que
mais a deixa com vontade de lutar pela terra, pois desde quando ela entrou no lote
ela nunca recebeu ajuda alguma do governo, tudo foi construído com o suor dela,
conforme depoimento:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
E isso nos leva ao questionamento de que, por mais que o programa seja
acessado pelas famílias camponesas, se ele não vier junto de um acompanhamento
técnico e profissional, dificilmente terá êxito e no fim, aquilo que era para ser uma
solução, acaba se transformando em mais um problema.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
http://www.cbg2014.agb.org.br/resources/anais/1/1404052100_ARQUIVO_artigoAG
B.pdf. Acesso em: 18 de out. 2021.
BRASIL. Decreto nº 7.492, de junho de 2001. Institui o Plano Brasil Sem Miséria.
Diario Oficial da República Federativa do Brasil. Brasilia, 03 jun. 2011. Disponivel
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/D9221.htm
acesso em: 12 de fev de 2022.
LEONARDO, L. A.; LUIZ, L. F.; MELO, D. S.; NARDOQUE, S. A luta pela terra em
Mato Grosso do Sul e a manutenção do latifúndio: uma análise sobre ocupações,
reforma agrária e estrutura fundiária. Revista Campo-Território, [S. l.], v. 16, n. 42
out. p. 168–194, 2021. DOI: 10.14393/RCT164207. Disponível em:
https://seer.ufu.br/index.php/campoterritorio/article/view/63711. Acesso em: 19 dez.
2021.
106
MELO, Danilo Souza. A luta pela terra em Mato Grosso do Sul: o MST e o
protagonismo da luta na atualidade. Revista Nera. Presidente Prudente: Unesp, Ano
20, nº 39, p. 133-160, 2017. Disponível em:
https://revista.fct.unesp.br/index.php/nera/article/view/4204. Acesso em 29/09/2021
às 22:00. Acesso em 26 de set. 2021.
MITIDIERO, Marco; GOLDFARB, Yamila. O agro não é tech, o agro não é pop e
muito menos tudo. - São Paulo : Friedrich Ebert Stiftung (FES) Brasil, Setembro de
2021. - 35 Seiten = 1,7 MB PDF-File. - (Análise). - (Mudança climática, energia e
meio ambiente) Electronic ed.: São Paulo: FES, 2021.
ISBN 978-65-87504-26-1. Disponível em: https://brasil.fes.de/publicacoes. Acesso
em: 02/11/2021.
ANEXOS
Roteiro Geral
1.1-Nome do entrevistado:
1.2-Número do Lote:
1.4-Grau de Escolaridade:
1.5- Naturalidade:
1.6- Idade:
2.2- Ficou acampado? Por quanto tempo? Onde ficou? Quais foram às dificuldades
encontradas?
2.4- Onde residia antes de ficar acampado e adquirir o seu lote no assentamento?
2.5- Exercia alguma função remunerada antes de adquirir o lote? Se sim qual?
3.2- Qual a sua maior dificuldade a partir do momento que entrou no lote e começou
a trabalhar na terra?
3.3- A partir do momento que adquiriu o lote, você recebeu alguma assistência
técnica? Se sim qual?
3.7- Você recebeu alguma assistência técnica quando recebeu o PRONAF? Qual?
4- Fontes de rendimento:
110
5- Produção do lote:
5.6- Antes do PRONAF você teve alguma dificuldade para produzir no lote? Quais?
6.4-Foi feito algo por parte do Governo e dos movimentos sociais para controlar
essa evasão? E por parte dos assentados foi feito algo?
7- Reflexões do entrevistado
111
7.3- Fazendo uma comparação da sua vida antes e depois do assentamento, que
mudanças ocorreram em sua vida? O que melhorou a situação da sua família nos
aspectos financeiros, de moradia, saúde e alimentação? Quais foram as mudanças
mais significativas?