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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS


INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOAMBIENTAIS
Programa de Pós-Graduação em Geografia

ISIS MARIA CUNHA LUSTOSA

OS POVOS INDÍGENAS, O TURISMO E O TERRITÓRIO: UM OLHAR


SOBRE OS TREMEMBÉ E OS JENIPAPO-KANINDÉ DO CEARÁ

GOIÂNIA
2012
2

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL


UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOAMBIENTAIS
Programa de Pós-Graduação em Geografia

ISIS MARIA CUNHA LUSTOSA

OS POVOS INDÍGENAS, O TURISMO E O TERRITÓRIO: UM OLHAR


SOBRE OS TREMEMBÉ E OS JENIPAPO-KANINDÉ DO CEARÁ

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia do


Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de
Goiás, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em
Geografia.

Orientadora: Profª Dra. Maria Geralda de Almeida

GOIÂNIA
2012
3

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


GPT/BC/UFG

Lustosa, Isis Maria Cunha.


L972p Os povos indígenas, o turismo e o território [manuscrito]
: um olhar sobre os Tremembé e os Jenipapo-Kanindé do
Ceará / Isis Maria Cunha Lustosa. - 2012.
281 f. : il.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Geralda de Almeida.


Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Goiás,
Instituto de Estudos Socioambientais, 2012.
Bibliografia.
Inclui listas de ilustrações, tabelas, quadros e siglas.

1. Povos indígenas – Território. 2. Terras indígenas –


Turismo. 3. Povos indígenas – Identidade. I. Título.

CDU: 338.483(=1.813.1-82)
4

ISIS MARIA CUNHA LUSTOSA

OS POVOS INDÍGENAS, O TURISMO E O TERRITÓRIO: UM OLHAR


SOBRE OS TREMEMBÉ E OS JENIPAPO-KANINDÉ DO CEARÁ

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia do


Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de
Goiás, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em
Geografia.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________________________
Professora Dra. Maria Geralda de Almeida – UFG/ IESA
Presidente da Banca

__________________________________________________________________________
Professor Dr. Antônio Jeovah de Andrade Meireles – UFC/ PPGG
Membro da Banca
___________________________________________________________________________
Professor Dr. José Antônio Souza de Deus – UFMG/ IGC
Membro da Banca

___________________________________________________________________________
Professor Dr. Stephen Grant Baines – UnB/ DAN
Membro da Banca

___________________________________________________________________________
Professor Dr. Alecsandro José Prudêncio Ratts – UFG/ IESA
Membro da Banca

___________________________________________________________________________
Professor Dr. Eguimar Felício Chaveiro – UFG/ IESA
Membro Suplente

Resultado:____________________________________Goiânia - GO, _____/_____/_______


5
6

Fotos: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, 2007, 2008 e 2010.

Ao povo Tremembé da Terra Indígena de São José e Buriti (Tremembé da Barra do Mundaú).
Ao povo Jenipapo-Kanindé da Terra Indígena Aldeia Lagoa Encantada.
Por concederem a autorização para esta pesquisa em suas Terras Indígenas e
compartilharem de todas as fases de campo.
Meu respeito e admiração por suas afirmações étnicas e lutas pelo
reconhecimento oficial das suas terras.
7

AGRADECIMENTOS

No primeiro momento pensado para agradecer, a aspiração foi de ser concisa e


registrar: Para todo(a)s que sabem a sua forma de contribuição nesta etapa. Ressoaria
vagamente. Deste modo, não posso suprimir as palavras.
À memória de Francisco Lustosa de Melo (Pai), João Machado Cunha (Avô),
Dindinha Marica (Tia Avó), Maria dos Anjos Cunha (Tia) e Aécio Cunha Lustosa (Sobrinho).
Para alguns dos meus familiares que se mostraram companheiros por meio dos
telefonemas; dos e-mails e das afabilidades. Pelas acolhidas na morada de minha mãe, Luzia
Cunha Lustosa, e irmãs Maria de Fátima Cunha Lustosa e Mariana Cunha Lustosa durante as
pesquisas de campo e algumas fases da escrita no Ceará. Com o mesmo afago ao meu irmão
Francisco Ramos Cunha Lustosa de Melo e a querida Auri por toda a afeição a mim dedicada.
Aos meus outros irmãos, de modo particular, sei que torceram por mim.
Tias Dagmar Cunha e Maria de Deus Cunha e, as sobrinhas, Maria Mônica
Lustosa Rabelo e Rafaela Lustosa de Melo Carpilovsky pelas palavras carinhosas e positivas
de cada uma em distintas fases da tese.
Professora Maria Geralda de Almeida pela seriedade na orientação durante toda a
trajetória do curso de Doutorado e, especialmente, pela abertura nesta nova discussão teórica.
Enfatizo a sua compreensão, compromisso e cooperação nas situações partilhadas.
Povos Tremembé de São José e Buriti e Jenipapo-Kanindé da Lagoa Encantada
pelos acessos às suas terras e concessões de usos dos depoimentos e imagens registradas
durante as pesquisas de campo.
Tremembé de Itarema e de Acaraú situados na Terra Indígena Córrego do João
Pereira, na aldeia Lameirão e na aldeia Varjota, por seus testemunhos e permissões para os
usos dos depoimentos e das imagens.
Liderança Pataxó, J P, pela entrevista e os documentos concedidos sobre o
projeto de turismo na Terra Indígena do povo Pataxó do litoral da Bahia.
Maria Amélia Leite e Florêncio Braga, membros da Associação Missão
Tremembé, por forneceram documentos e informações sobre os povos indígenas do Ceará,
prestarem entrevistas e indicarem contatos fundamentais.
Jorg Zimmermann pela compreensão e colaboração no Ministério do Meio
Ambiente. Sem o valioso apoio, durante a sua gestão, não teria iniciado o curso de Doutorado.
8

Rene Scherer, Rosinha e Vanessa do Instituto Terramar pelas informações sobre a


Rede Cearense de Turismo Comunitário (REDE TUCUM).
Antropólogos Bruce Miller e Jon Altman pelos diálogos e trocas de saberes.
Professor Antônio Jeovah de Andrade Meireles pelo envio dos dados a respeito de
povos indígenas do Ceará aos cuidados da minha orientadora.
Professor Cristhian Teófilo da Silva, por compor a Banca do Exame de
Qualificação e contribuir com sugestões e, a professora Eliane Brenner, membro da mesma
banca.
Professor Denis Castilho pela disciplina compartilhada na Universidade Federal
de Goiás durante o estágio de docência.
Professora Lea Carvalho Rodrigues pelas publicações concedidas.
Geógrafa Wagneide Rodrigues pela elaboração dos mapas.
Antropóloga Claudia Franco pelo envio do relatório, mapa e informação sobre os
Estudos de Identificação da Terra Indígena Tremembé de São José e Buriti.
Professores Antônio Jeovah de Andrade Meireles, Alecsandro José Prudêncio
Ratts, Eguimar Felício Chaveiro, José Antônio Souza de Deus e Stephen Grant Baines, por
participarem da Banca Examinadora.
Renato Araújo Teixeira pela vivência no curso de Doutorado e a preciosa
amizade, inclusive com a sua família que sempre me recebeu em Goiânia sem medir esforços.
Mercêdes Brandão e familiares pela valiosa amizade e apoio nas minhas estadas
em Goiânia durante o andamento deste curso.
Marciléia Bispo pela amizade e os aprendizados compartilhados no Doutorado.
Maria Idelma D’Abadia, Mary Anne da Silva, Maísa Teixeira, Violeta Farias,
Clarinda Aparecida, Silvana Moretti, Wilma Melhorim, Rosiane Dias e Lara Cristine pelos
aprendizados partilhados na UFG.
Amigas Raquel Queiroz, Simoneide Silva e Noeci Carvalho Messias, pelo imenso
carinho e momentos partilhados, fundamentais para as fases de escritas da tese.
Gustavo Barcelos, Aroldo Mendes, Eduardo Queiroz e Matheus Santiago. A
amizade e/ou grandiosa cooperação prestada facilitou-me concluir esta etapa.
Joráia, Natália, Rodrigo e Charles, funcionários da secretaria da Pós-Graduação
em Geografia da UFG, pelos auxílios nos assuntos referentes ao curso de Doutorado.
Professores da Pós-Graduação do IESA/UFG pelas contribuições acadêmicas. E
aos geógrafos e antropólogos que realizam pesquisas sobre o turismo e os povos indígenas.
9

A gente pensa no turismo que o turista viesse aqui ver nossos artesanatos,
nossas matas e rios. Não esse turismo do Nova Atlântida. (Liderança Tremembé, aldeia São
José, 04/01/2008).
A parceria do projeto de turismo comunitário com a REDE TUCUM é um ninhado de
aranha que congrega nesse fiado de aranha com as doze comunidades tradicionais da rede e
quando eles da rede têm oportunidade de mandar alguém aqui [visitantes], eles
mandam.(Liderança Jenipapo-Kanindé, aldeia Lagoa Encantada, 28/12/2010).
10

RESUMO

Esta tese compara duas situações em que povos indígenas do Nordeste brasileiro foram
alcançados por projetos de turismo que se tornaram catalizadores de afirmações étnicas. As
situações enfocadas de povos indígenas do estado do Ceará, localizados em municípios das
Zonas Costeiras Leste e Oeste assemelham-se, pois esses dois povos sofreram as pressões de
grandes consórcios de empresas nacionais e internacionais que visavam se apropriar das
Terras Indígenas (TIs) para implantar projetos de turismo em seus territórios tradicionais. O
povo Tremembé da Terra Indígena Tremembé de São José e Buriti, distrito Marinheiros,
município de Itapipoca, organiza-se como indígena e reivindica seus direitos territoriais ao
Estado Nacional por meio da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) frente à ameaça do
projeto de turismo com capital estrangeiro e apoio do governo brasileiro – o Nova Atlântida
Cidade Turística, Residencial e de Serviços LT. Este complexo turístico considerado um mega
projeto espanhol visa sobretudo os fluxos de visitantes estrangeiros. Este empreendimento
tornou-se projeto investigado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF),
do Ministério da Fazenda, devido os movimentos financeiros supostamente incompatíveis
com os seus sócios, conforme anunciam alguns veículos de comunicação. Mesmo assim o
povo Tremembé de São José e Buriti sofre pressões de representantes do Nova Atlântida,
tentando expropriar suas TIs, consequentemente provocam conflitos entre estes indígenas, em
sua maioria, adversos a implantação do Nova Atlântida. Outros, se deixaram cooptar por
ofertas financeiras de representantes do empreendimento, resultando em desacordos internos
nas quatro aldeias, inclusive entre indígenas de uma mesma família. Na situação do povo
Jenipapo-Kanindé da Terra Indígena Aldeia Lagoa Encantada, no município de Aquiraz, este
conseguiu a demarcação de sua TI junto à FUNAI. O citado povo indígena impediu a
construção do projeto turístico internacional Aquiraz Riviera – Consórcio Luso-Brasileiro
Aquiraz Investimentos SA em sua TI, e implantou um projeto de turismo comunitário na aldeia
apoiado por parceiros da academia, do governo e do terceiro setor. O povo Jenipapo-Kanindé
por meio deste projeto de auto-gestão se inseriu na Rede Cearense de Turismo Comunitário
(REDE TUCUM). Os Tremembé de São José e Buriti, para resistir a ocupação da sua TI,
acionaram a identidade indígena e a afirmação étnica na tentativa de embargar o Nova
Atlântida. Os Jenipapo-Kanindé para embargar o projeto Aquiraz Riviera – Consórcio Luso-
Brasileiro Aquiraz Investimentos SA em sua TI, afirmou a identidade indígena e atualmente se
apropria de um projeto de turismo comunitário Educação Integral para a Sustentabilidade e o
Desenvolvimento do Turismo Comunitário na Terra Indígena (TI) Jenipapo-Kanindé como
meio de vida e manifestação da sua afirmação étnica. Os dois povos indígenas em questão
atravessam processos de reelaboração étnica e reivindicam junto aos órgãos governamentais
que suas terras sejam reconhecidas como TIs. Nesta discussão do turismo como um vetor da
identidade indígena frente às transformações territoriais, as pesquisas qualitativa e quantitativa
desenvolvem-se na interface da Geografia e da Antropologia.

Palavras-chave: povos indígenas, Terras Indígenas, território, turismo, identidade, afirmação


étnica, projetos de turismo.
11

ABSTRACT

This thesis compares two situations in which Indigenous peoples of the Northeastern region of
Brazil have been affected by projects of tourism which have become catalysts of ethnic
affirmation. The situations focused in this thesis, of Indigenous peoples of Ceará state,
localised in municipalities of the Eastern and Western Coastal Zones are similar, since these
peoples have suffered pressures exerted by large consortia of companies which aimed to take
over Indigenous Lands to construct projects of tourism. The Tremembé people of São José
and Buriti Indigenous Land, in Marinheiros district, municipality of Itapipoca, have organized
themselves as an Indigenous people and demand that the Brazilian National State recognize
their Land Rights through the National Indian Foundation (FUNAI) since they are facing the
threat of a project of tourism financed by foreign capital with support from the Brazilian
government – the Nova Atlântida Cidade Turística, Residencial e de Serviços LT. This
tourism complex, considered to be a mega project of Spanish investments, is directed
especially to the flow of foreign visitors. The investment came under investigation by the
Council of Control of Financial Activities (COAF), of the Treasury Department, because of
financial movements which were supposedly incompatible with its partners, as has been
announced by some vehicles of communication. Even so, the Tremembé people of São José
and Buriti suffered pressure from representatives of the Nova Atlântida, trying to expropriate
their Indigenous Lands, consequently causing conflicts among these Indigenous people, the
majority of whom were against the setting up of Nova Atlântida. Others let themselves be
coopted by offers of money by representatives of the project, leading to internal disputes in the
four villages, including disputes between persons of the same family. The Jenipapo-Kanindé
people of the Aldeia Lagoa Encantada Indigenous Land, in the municipality of Aquiraz,
managed to get their Indigenous Lands demarcated by the FUNAI. This Indigenous people has
been successful in stopping the building of an international project of tourism Aquiraz Riviera
– Consórcio Luso-Brasileiro Aquiraz Investimentos SA on their lands, and have set up a
community tourism project in their village with the support of partners from the university,
the government and the third sector. The Jenipapo-Kanindé people, through this self-
management project, have joined the Rede Cearense de Turismo Comunitário (REDE
TUCUM). The Tremembé people of São José e Buriti, resisting the occupation of their lands,
have used their Indigenous identity and ethnic affirmation in an attempt to stop the Nova
Atlântida from taking over their lands. The Jenipapo-Kanindé, to stop the Aquiraz Riviera –
Consórcio Luso-Brasileiro Aquiraz Investimentos SA project from being built on their lands
have used ethnic affirmation and at present are setting up their own community tourism
project, Educação Integral para a Sustentabilidade e o Desenvolvimento do Turismo
Comunitário na Terra Indígena (TI) Jenipapo-Kanindé, as a means of living and as a
manifestation of their ethnic affirmation. Both these Indigenous people are going through
processes of ethnic re-elaboration and are claiming through government institutions that their
lands be recognised as Indigenous Lands. In this discussion about tourism as a vector
Indigenous identity in the face of territorial transformations, qualitative and quantitative
research has been done at the interface of Geography and Anthropology.

Key-words: Indigenous Peoples, Indigenous Lands, territory, tourism, identity, ethnic


affirmation, projects of tourism.
12

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Brasil, Nordeste-Leste, Ceará, Itapipoca e Aquiraz - 2012 25


Figura 2: Espacialidade dos povos indígenas do Ceará e delimitação dos
povos da pesquisa - 2012 26
Figura3: Cemitério cercado pela mata, aldeia São José, Itapipoca, Ceará 55
Figura 4: Trecho de acesso à TI Tremembé de São José e Buriti com
desmatamento, queimada e alargamento da estrada para o tráfego
de veículos grandes 55
Figura 5: Rodovia Estadual (via de acesso a TI Tremembé de São José e
Buriti), com a sinalização do município Itapipoca e da Rota
Turística Costa Sol Poente (conjeturada pela especulação
imobiliária) 56
Figura 6: Acampamento Terra Livre/V Abril Indígena - 2008 com a
liderança indígena Tremembé da aldeia São José e, outros povos
indígenas do Brasil, reinvidicando os direitos constitucionais, 57
Brasília - DF
Figura 7: Placa identificando a inclusão do projeto do povo Jenipapo-
Kanindé na Rede Cearense de Turismo Comunitário (REDE 58
TUCUM
Figura 8: Logomarcas de Redes brasileiras de turismo com roteiros
elaborados em parcerias para desenvolver e fortalecer o turismo
solidário e/ou comunitário 58
Figura 9: Projetos de turismo de base comunitária apoiados pelo MTur,
Brasília - DF 103
Figura 10: Projetos de turismo de base comunitária apoiados pelo MTur,
Brasília - DF 103
Figura 11: Inserção do povo Jenipapo-Kanindé na Rota Turística da Rede
Tucum, Ceará, Brasil 106
Figura 12: Rota da Rede Cearense de Turismo Comunitário (REDE TUCUM)
na Zona Costeira - 2012 109
Figura 13: Divulgação do Nova Atlântida e grupos parceiros no site oficial do
13

empreendimento 112
Figura 14: Esquema de Execução do PRODETUR NACIONAL Ceará 137
Figura 15: Danos socioambientais dos grandes projetos de desenvolvimento
na Zona Costeira do Ceará 141
Figura 16: Salão comunitário da comunidade de Buriti e salão comunitário do
Sítio São José, Distrito Marinheiros, Itapipoca, Ceará 165
Figura 17: Trajetos e distâncias de Fortaleza à Terra Indígena Tremembé de
São José e Buriti e à Terra Indígena Aldeia Lagoa Encantada -
Ceará - 2012 166
Figura 18: Delimitação Terra Indígena Tremembé de São José e Buriti
(Tremembé da Barra do Mundaú) 169
Figura 19: Placa na estrada entre a aldeia São José e a aldeia Buriti com
desenho de índio estilizado 174
Figura 20: Placa do Nova Atlântida à margem da Rodovia Estadual (CE –
168) difundindo o projeto e o apoio institucional do poder público 177
Figura 21: Representação virtual do Nova Atlântida Cidade Turística
Residencial e de Serviços LT 178
Figura 22: Estimativa de fluxo aéreo e horas de vôos entre Fortaleza e
destinos nacionais e internacionais - 2012 179
Figura 23: Estrutura (quiosque) construída próxima ao Rio Mundaú pelo
Nova Atlântida e terreno produtivo privatizado pelo
empreendimento na aldeia São José, Marinheiros, Itapipoca 183
Figura 24: Área de unidades da paisagem relacionadas a TI Tremembé de São
José e Buriti e implantação do Nova Atlântida Cidade Turística
Residencial - Itapipoca - Ceará - 2010 185
Figura 25: Artesanato e cartaz de plantas medicinais da aldeia Buriti expostos
no Centro Comunitário (utilizado como escola) e moradora de
Buriti na cozinha de casa servindo alimentos produzidos (feijão e
farinha de mandioca) no quintal e pescado do Rio Mundaú 189
Figura 26: Construção coletiva da casa de farinha na aldeia Buriti financiada,
em 2008, com recurso de Programa do Governo Federal (Carteira
Indígena) e morador da TI Tremembé de São José e Buriti vindo
de Mundaú (Traíri) com cargas de frutas transportadas por animal
14

de uso habitual no local 189


Figura 27: Sede, em construção, do Conselho Indígena para reuniões e
exposições do artesanato para eventuais visitantes 190
Figura 28: Estrada de acesso a TI Tremembé de São José e Buriti com sinal
de vegetação queimada, deslocamento de cercas e acesso bastante
alargado pelas margens desmatadas 193
Figura 29: Planta do Projeto Nova Atlântida com glebas iniciais 199
Figura 30: Jenipapo-Kanindé – Caracterização geral da TI Aldeia Lagoa
Encantada 203
Figura 31: Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) e localização do
município da Terra Indígena Aldeia Lagoa Encantada - 2012 206
Figura 32: Liderança Jenipapo-Kanindé, em janeiro de 2009, apresentando a
palhoça (local de apoio) para as refeições dos visitantes 216
Figura 33: Palhoça “Cantinho do Jenipapo” concluída em 2010 216
Figura 34: Sinalizações sobre o projeto de turismo comunitário na TI Aldeia
Lagoa Encantada 217
Figura 35: Folder do projeto de turismo comunitário do povo Jenipapo-
Kanindé 219
Figura 36: Lagoa Encantada 220
Figura 37: Lagoa Encantada com nível de água bruscamente reduzido 220
Figura 38: Morro do Urubu visualizado a partir do pátio da Escola
Diferenciada de Ensino Fundamental e Médio Jenipapo-Kanindé 221
Figura 39: Escola Diferenciada de Ensino Fundamental e Médio Jenipapo-
Kanindé 222
Figura 40: Museu Indígena Jenipapo-Kanindé 222
Figura 41: Terra Indígena Aldeia Lagoa Encantada e impactos da Fábrica
Pecém Agroindustrial Ltda - Ceará - 2012 228
15

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Área e extensão da linha de costa dos municípios da Região


Metropolitana de Fortaleza - Ceará - 2009 134
Tabela 2: Povo indigena Tremembé no Ceará 157
Tabela 3: Situações das Terras Indígenas do povo Tremembé no Ceará 158
Tabela 4: Terras Indígenas do povo Tremembé do Ceará 164
16

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Algumas acepções geográficas sobre o território 54


Quadro 2: Estudos na Geografia Humana sobre povos indígenas e o turismo 60
Quadro 3: Estudos na Antropologia sobre povos indígenas e o turismo 60
Quadro 4: Acepções sobre o turismo comunitário 68
Quadro 5: Teses enfocando “Povos Indígenas e o Turismo” 83
Quadro 6: Dissertações enfocando “Povos Indígenas e o Turismo” 84
Quadro 7: Dissertações enfocando “povos indígenas” com o “turismo” no
contexto 87
Quadro 8: Grupo e Terras Indígenas - Ceará - 2010 138
Quadro 9: Zona, Setores e Municípios Costeiros - Ceará 140
17

LISTA DE SIGLAS

AMICE – Associação das Mulheres Indígenas do Estado do Ceará


AMIT – Associação Missão Tremembé
APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
APLs – Arranjos Produtivos Locais
APOINME – Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e
Espírito Santo
APP – Área de Proteção Permanente
ASPECTUR – Associação Pataxó de Ecoturismo
ATL – Acampamento Terra Livre
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CeArT – Centro de Artesanato do Ceará
CEPPAC – Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas
CI – Carteira Indígena
CIMI – Conselho Indigenista Missionário
CNPI – Conselho Nacional de Política Indigenista
CNPq – Conselho Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
COPICE – Coordenação das Articulações dos Povos Indígenas do Ceará
COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
CPI – Comissão Pró-Índio
CTI – Centro de Trabalho Indigenista
DAN – Departamento de Antropologia
DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
DOU – Diário Oficial da União
EMBRATUR – Instituto Brasileiro de Turismo
FIEC – Federação de Indústrias do Estado do Ceará
FIRESO – Instituto FIEC de Responsabilidade Social
FUNAI – Fundação Nacional do Índio
FUNASA – Fundação Nacional de Saúde
GERI – Grupo de Estudos em Relações Interétnicas
18

GT – Grupo Técnico
GTZ – Agência de Cooperação Técnica e Alemã
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IESA – Instituto de Estudos Socioambientais
IES – Instituição de Ensino Superior
IPECE – Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará
ISA – Instituto Socioambiental
KfW – Banco de Desenvolvimento da Alemanha
LACED – Laboratório de Pesquisa em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento
LEME – Laboratório de Estudos em Movimentos Étnicos
MMA – Ministério do Meio Ambiente
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MPF – Ministério Público Federal
MTur – Ministério do Turismo
NAyA – Noticias de Antropología y Arqueología
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OIs – Organizações Indígenas
OMT – Organização Mundial do Turismo
ORL – Organização Resistência Libertária
PAC – Programa de Aceleração do Crescimento
PDA – Projetos Demonstrativos
PDPI – Projetos Demonstrativos de Povos Indígenas
PNMT – Programa Nacional de Municipalização do Turismo
PNPCT – Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais
PPG7 – Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil
PROECOTUR – Programa de Apoio ao Ecoturismo e à Sustentabilidade Ambiental do
Turismo
PROECOTUR AMAZÔNIA – Programa de Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia
Legal
PRODETUR NACIONAL CEARÁ – Programa de Desenvolvimento do Turismo Nacional
PRODETUR-NE – Programa de Ação para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste
19

PRODETURIS – Programa de Desenvolvimento do Turismo em Zona Prioritária do Litoral


do Ceará
PROJAQ – Programa de Desenvolvimento Sustentável e Preservação da Mata Atlântida na
Reserva Indígena Pataxó da Jaqueira
REDE TUCUM – Rede Cearense de Turismo Comunitário
REDE TURISOL – Rede Brasileira de Turismo Solidário e Comunitário
REDTURS – Rede de Turismo Comunitário da América Latina
RIRN – Reserva Indígena de Recursos Naturais
RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Natural
SEDR – Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável
SESI-CE – Serviço Social da Indústria do Ceara
SEBRAE-CE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Ceará
SIASE – Sistema de Informações de Atenção à Saúde Indígena
SITS – Seminário Internacional de Turismo Sustentável
SDS – Secretaria de Desenvolvimento Sustentável
SETUR – Secretaria de Turismo do Ceará
SNUC – Sistema Nacional de Unidade de Conservação
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TI – Terra Indígena
UC – Unidade de Conservação
UECE – Universidade Estadual do Ceará
UFAM – Universidade Federal do Amazonas
UFC – Universidade Federal do Ceará
UFCG – Universidade Federa de Campina Grande
UFF – Universidade Federal Fluminense
UFG – Universidade Federal de Goiás
UFGD – Univerisade Federal da Grande Dourados
UFMS – Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UFPA – Universidade Federal do Pará
UFPB – Universidade Federal da Paraíba
20

UFPR – Universidade Federal do Paraná


UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UGP – Unidade de Gestão do Programa
UnB – Universidade de Brasília
USP – Universidade de São Paulo
21

SUMÁRIO

RESUMO................................................................................................................... 10

ABSTRACT.............................................................................................................. 11

LISTA DE ILUSTRAÇÕES............................................................................... 12

LISTA DE TABELAS........................................................................................... 15

LISTA DE QUADROS.......................................................................................... 16

LISTA DE SIGLAS................................................................................................ 17

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 23

Povos indígenas, projetos de turismo, identidade indígena e


afirmações étnicas: desvendando a tese.......................................................... 23
A trilogia: Terras Indígenas, povos indígenas e turismo .......................... 27
i. O olhar para propor o tema da pesquisa................................................................ 28
ii. A construção do objeto de investigação para o estudo comparativo:
desenvolvendo a pesquisa............................................................................................ 32
iii. Os andaimes teóricos e metodológicos da pesquisa qualitativa e quantitativa 35

1 POVOS INDÍGENAS, TURISMO E TERRITÓRIO NA


INTERFACE DA GEOGRAFIA E DA ANTROPOLOGIA.................. 50

1.1 A propósito do turismo: acepções, territórios apropriados, turismo maciço e


turismo comunitário..................................................................................................... 50
1.1.1 O turismo comunitário: argumentos e tendências........................................... 64
1.2 Estudos da Antropologia e da Geografia sobre povos indígenas e o turismo
fora do Brasil................................................................................................................ 70
1.3 Povos indígenas e o turismo na interface da Geografia e da Antropologia no
Brasil............................................................................................................................. 74
1.3.1 Na interface da Antropologia............................................................................. 74
1.3.2 Na interface da Geografia Humana................................................................... 80

2 PROJETOS INSTITUCIONAIS E/OU GLOBALIZANTES DE


TURISMO: AFIRMAÇÃO E NEGAÇÃO DA IDENTIDADE
93
INDÍGENA................................................................................................................................

2.1 Projetos pilotos de turismo para povos indígenas................................................ 94


22

2.2 Projetos institucionais de turismo para povos indígenas: Cooperação


Técnica Internacional.................................................................................................. 98
2.3 Projetos institucionais e/ou globalizantes: as Redes de Turismo....................... 105
2.3.1 Projetos Institucionais em Redes de Turismo Comunitário: a REDE
TUCUM......................................................................................................................... 107
2.3.2 Projetos globalizantes: o Nova Atlântida na Rede de Polos de Turismo........ 111

3 POVOS INDÍGENAS DO NORDESTE: O CASO DO CEARÁ...... 115

3.1 Povos indígenas do Brasil: do silenciamento ao protagonismo – algumas


reflexões......................................................................................................................... 117
3.2 Visibilidade “estatística” dos povos indígenas no Brasil.................................... 124
3.2.1 Invisibilidade e visibilidade dos povos indígenas do Nordeste....................... 127
3.3 Povos indígenas do Ceará: (re) construindo caminhos e enfrentando
conflitos......................................................................................................................... 132
3.3.1 Contrapontos do(s) Ceará(s) na Zona Costeira: o Ceará Costa do Sol e o
Ceará de Povos Indígenas............................................................................................ 133
3.3.2 O Ceará de Povos Indígenas nos recenseamentos e nas agências
indigenistas................................................................................................................... 146

4 OS TREMEMBÉ DE SÃO JOSÉ E BURITI E OS JENIPAPO-


KANINDÉ DA LAGOA ENCANTADA......................................................... 152

4.1 Os Tremembé do Ceará: conflitos e lutas............................................................ 154


4.2 Terra Indígena Tremembé de São José e Buriti.................................................. 165
4.2.1 Terra Indígena Tremembé de São José e Buriti e o Nova Atlântida:
afirmação étnica no território disputado pelo turismo maciço................................ 173
4.3 O povo Jenipapo-Kanindé e a Terra Indígena Aldeia Lagoa Encantada......... 201
4.4 Aquiraz e a Terra Indígena Aldeia Lagoa Encantada na Região
Metropolitana de Fortaleza......................................................................................... 207
4.5 A Terra Indígena Aldeia Lagoa Encantada e o Aquiraz Resort: afirmação
étnica pelo turismo comunitário no território disputado pelo turismo maciço...... 209
4.5.1 Turismo comunitário na TI Aldeia Lagoa Encantada e a REDE
TUCUM......................................................................................................................... 211
4.6 A TI Aldeia Lagoa Encantada e a Ypióca: impactos, negação da identidade e
turismo.......................................................................................................................... 225

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 232

REFERÊNCIAS...................................................................................................... 240

APÊNDICES............................................................................................................. 269

ANEXOS.................................................................................................................... 271
23

INTRODUÇÃO

Esta tese segue uma apresentação cronológica, em que a primeira parte, Povos
indígenas, projetos de turismo, identidade indígena e afirmações étnicas: desvendando a tese,
trata de definir o objeto de análise para o estudo em questão. A segunda parte, intitulada A
trilogia: Terras Indígenas, povos indígenas e turismo, constitui-se na apresentação
propriamente dita, em que se desenvolve um caminho pregresso para justificar desde a
definição do tema até o alcance dos passos teóricos e metodológicos subseqüentes para
desenvolver a pesquisa qualitativa e quantitativa. Por fim, apresenta-se o conteúdo resumido
dos capítulos.

Povos indígenas, projetos de turismo, identidade indígena e afirmações


étnicas: desvendando a tese

Neste estudo compara-se duas situações em que povos indígenas e as suas terras
foram alcançado(a)s por projetos de turismo privados e governamentais que vieram a se tornar
catalizadores de afirmações étnicas. As situações enfocadas de povos indígenas do Nordeste
brasileiro, localizados no Ceará em municípios da Zona Costeira como apresenta a Figura 1,
assemelham-se em alguns aspectos. Os Tremembé da Terra Indígena Tremembé São José e
Buriti1, distrito Marinheiros, município de Itapipoca, litoral oeste cearense, estão se
organizando como indígenas para reivindicar seus direitos territoriais junto ao Estado
brasileiro por meio da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) frente à ameaça de um mega
projeto privado de turismo com capital internacional e apoio institucional do Governo Federal,
do Governo Estadual do Ceará e do Governo Municipal de Itapipoca: o Nova Atlântida –
Cidade Turística, Residencial e de Serviços LT.2 Os Jenipapo-Kanindé da Terra Indígena
Aldeia Lagoa Encantada, no município de Aquiraz, litoral leste cearense, conseguiram a
demarcação de sua Terra Indígena (TI) junto à FUNAI. Os Jenipapo-Kanindé impediram a
construção de um projeto turístico internacional na TI, o Aquiraz Riviera – Consórcio Luso-

1
Durante os estudos e levantamentos antropológicos realizados por Cláudia Tereza Signori Franco,
coordenadora do Grupo Técnico (GT) da FUNAI conforme Portaria N. 003/DAF/09, “Ao final dos
levantamentos de campo (nov/2009) os quais visam a regularização fundiária da presente Terra Indígena, os
Tremembé elegeram um novo nome para sua TI, qual seja: Terra Indígena Tremembé da Barra do Mundaú,
em referência à localização geográfica da mesma.” (FRANCO, 2010, p. 11-12).
2
Ao longo desta tese usar-se-á apenas Nova Atlântida para se referir a este empreendimento.
24

Brasileiro Aquiraz Investimentos SA,3 e implantaram na aldeia um projeto turístico


considerado por eles/as como de auto-gestão com apoio de parceiros (acadêmicos,
governamentais e do terceiro setor). O povo Jenipapo-Kanindé apropria-se do turismo
comunitário como estratégia de sobrevivência, praticando-o na TI e se inseriram numa Rede
de Turismo Comunitário.
Defende-se a tese que o turismo torna-se um vetor da identidade indígena frente
às transformações territoriais. Tomando-se como referência Roberto Cardoso de Oliveira
(1976, p. 5) a partir de Fredrik Barth (2000 [1969]), a “identidade contrastiva parece se
constituir na essência da identidade étnica [...]. Implica a afirmação do nós diante dos outros
[...]. É uma identidade que surge por oposição. Ela não se afirma isoladamente.” Na mesma
obra o autor assegura “Quando uma pessoa ou um grupo se afirmam como tais, o fazem como
meio de diferenciação em relação a alguma pessoa ou grupo com que se defrontam.”
(CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976, p. 5).
Os Tremembé de São José e Buriti para resistir a ocupação e o uso de sua TI
acionaram a identidade indígena e a afirmação étnica na tentativa de embargar um grande
projeto de desenvolvimento, acionando seus direitos constitucionais como povo indígena. Os
Jenipapo-Kanindé para embargar projetos de desenvolvimento em seus espaços afirmaram a
identidade indígena e atualmente se apropriam do turismo comunitário como meio de vida e
como manifestação de afirmação étnica. Salienta-se que como os demais povos indígenas do
Ceará, os Tremembé de São José e Buriti e os Jenipapo-Kanindé, todos localizados
geograficamente na Figura 2, atravessam um processo de reelaboração étnica e reivindicam
junto aos órgãos governamentais que suas terras sejam reconhecidas como TIs.
Segundo a promotora de justiça, Santilli, Juliana (2005, p. 162) “os atos de [...]
reconhecimento oficial dos territórios indígenas se destinam a proteger o espaço coletivo
habitado pelos povos indígenas e a assegurar-lhes o exercício de direitos originários sobre
eles.” Em algumas regiões do Brasil, estes atos de reconhecimento oficial das TIs sucedem
vagarosamente “deixando as terras indígenas sem regularização e mais sujeitas às invasões
dos que a cercam e que desconhecem seus limites.” (COELHO, 2002, p. 96). Em contraponto,
o turismo, no país avança velozmente em algumas TIs, sem existir a regulamentação da
FUNAI.

3
Ao longo desta tese usar-se-á Aquiraz Resort o termo utilizado pelos Jenipapo-Kanindé para se referir a este
empreendimento.
25
26
27

O estudo de povos indígenas e o turismo encontra-se com pesquisas anteriores as


do Brasil realizadas em outros países, como citadas a frente. O referido tema oferece um
espaço instigante de pesquisa entre os povos indígenas do Nordeste, pois desde a década de
1980 a reelaboração étnica passou a se manifestar amplamente na região nordestina, cada vez
mais absorvida pelo turismo, inclusive nas TIs. Assim, a atividade turística ocorre em terras
de alguns povos indígenas e ocasiona preocupação quanto aos impactos para o cotidiano das
aldeias, ao ponto de suscitar questionamentos:
▪ Quais impactos têm transformado as TIs, por meio de projetos de turismo,
implantados para diferentes povos indígenas?
▪ Como os impactos dos projetos de turismo em TIs são interpretados por
diferentes povos indígenas?
▪ Os projetos de turismo em TIs promovem a participação dos povos indígenas?
Há uma diferença grande entre: 1) Projetos de turismo que invadem TIs e 2)
Projetos de turismo implementados por povos indígenas. No caso da TI Tremembé de São
José e Buriti o Nova Atlântida está querendo expropriar os Tremembé das suas terras,
pagando pessoas a negar sua identidade indígena. Os moradores se dividiram entre aqueles/as
que aceitam negar sua identidade indígena em troca de salários e aqueles/as que reafirmam
sua identidade indígena para reivindicar a demarcação da TI e impedir o avanço da empresa.
Independente da maneira que os projetos de turismo chegam ao conhecimento de
povos indígenas e alcançam as suas TIs, de alguma forma estes povos e suas terras são
impactados pelos projetos. Os povos indígenas se apropriam dos projetos de turismo privados
e governamentais. Ou eles são levados a negar a sua identidade indígena ou reafirmá-la.

A trilogia: Terras Indígenas, povos indígenas e turismo

Entre 2006 e 2007 decidiu-se elaborar e propor o projeto para ingresso no curso de
Doutorado em 2008. A primeira iniciativa foi dar continuidade ao tema desenvolvido no
Mestrado sobre uma das categorias de Unidade de Conservação de Uso Sustentável, a Reserva
Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Contudo, ao tentar extrair pontos inovadores para a
construção do projeto de Doutorado deparou-se com a realidade de ter explorado
significativamente a propósito das RPPNs na dissertação e, subseqüentes produções
acadêmicas. Deste modo, prosseguir o estudo com esta classificação de Unidades de
28

Conservação (UC) direcionando-o para a construção da tese ficou pouco interessante. Porém,
antes de deixar o citado tema, tornou-se essencial realizar novas consultas na Lei
9.985/18/7/2000 que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e, em
algumas bibliografias conexas.
Assim sendo, no decorrer desta busca localizou-se o livro intitulado
Socioambientalismo e novos direitos: proteção jurídica à diversidade biológica e cultural.
Nesta obra, Santilli, Juliana (2005) expôs a seção Unidades de conservação socioambiental
excluídas do Snuc. Considerou-se significativo averiguar a respeito da supressão mencionada.
Na mesma publicação, dentre as UCs consideradas excluídas do SNUC, identificou-se a
categoria nomeada, como: Reserva Indígena de Recursos Naturais (RIRN). Para a citada
autora “A lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação não inclui os
territórios indígenas entre os espaços territoriais que também se destinam à conservação
socioambiental.” (2005, p. 162). Também nesta obra a autora assegura que a proposta
sugestiva à inclusão da RIRN como UC no SNUC foi apresentada pelo Instituto
Socioambiental (ISA) ao relator, o deputado Fernando Gabeira. A autora ainda afirma que o
deputado chegou a incluir a categoria RIRN em seu relatório quando ainda tramitava o Projeto
de Lei que constituiu o SNUC. Mas, de acordo com esta jurista a categoria RIRN
“posteriormente foi excluída, em virtude da oposição de setores do Ibama, da Funai e de
algumas organizações indígenas.” (SANTILLI, Juliana, 2005, p. 164-165). Após estas
inquirições refletiu-se a respeito das Terras Indígenas (TIs) e dos povos indígenas como
categorias de análises relevantes para a elaboração do projeto de Doutorado. Contudo, o
interesse não era desenvolver estudo sobre o que causou a exclusão da RIRN do SNUC. Esta
citada categoria de UC, abolida da Lei 9.985/18/7/2000, apenas serviu como vetor para revelar
alguns contextos provocativos a propósito dos povos indígenas e suas terras.

і. O olhar para propor o tema da pesquisa

Ao definir as categorias TIs e povos indígenas para esta pesquisa, indagou-se: E o


turismo? Por ser este outro assunto o cerne dos estudos que desenvolvo, desde o curso de
Especialização (2001) e Mestrado (2005), não desejava suprimi-lo da pretensa pesquisa. A
pergunta ampliou-se para uma questão considerada decisiva na definição da temática do
projeto de Doutorado. O turismo, como fenômeno contemporâneo, interliga-se por meio de
algum contexto com os povos indígenas do Brasil e, conseqüentemente, com suas Terras
29

Indígenas? Primeiramente, consultou-se, em 2006, o site da FUNAI4, órgão federal


responsável pelo estabelecimento e execução da política indigenista brasileira. No endereço
virtual desta Fundação localizou-se a informação a respeito de uma Coordenação Geral de
Estudos e Pesquisas e dentre seus objetivos, havia um item sobre Promoção de Eventos e
Estudos o qual citava a “Promoção de Seminário sobre Ecoturismo em terras indígenas.”
(LUSTOSA, 2007, p. 782). Nada mais havia de informação que contribuísse para responder à
pergunta anterior. De modo também indefinido, outras fontes consultadas, apenas
comentavam, sem maiores detalhes, que a FUNAI não reconhecia a atividade turística no
interior de TIs.
O Ministério do Meio Ambiente (MMA), por meio de acordos bilaterais entre
países, implementava projetos socioambientais em diferentes linhas temáticas apoiados por
meio de programas e subprogramas federais destinados a promover experiências de projetos
originários da Amazônia Legal e Mata Atlântica. Entre os diversos atores sociais apoiados,
incluiam-se os povos indígenas. Assim, restava saber se o turismo situava-se como tema
dentre as citadas linhas de fomento de projetos aprovados e financiados no MMA até 2006.
No citado ano, ao levantar o histórico do subprograma Projetos Demonstrativos (PDA),
componente do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7), na
Secretaria de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável (SDS)5 do MMA, localizou-se
uma experiência da etnia Guarani. Este projeto envolvia a prática do turismo em TI. A
publicação referente à vivência do povo Guarani do litoral de São Paulo, desvendara que:
O projeto “Jaguatareí Nhemboé” originou-se da necessidade de trabalhar-se de forma
coerente e planejada a crescente demanda externa de visitação nas aldeias Guarani do
litoral. A principal meta foi fazer das atividades turísticas, que até então ocorriam na aldeia
Aguapeú, uma alternativa econômica rentável e viável para a comunidade indígena. Como
horizonte, o projeto visava a uma maior valorização do patrimônio natural e cultural da comunidade, podendo,
inclusive, servir como uma atividade modelo e de efeito difusor para outras aldeias. (PDA, 2006, p. 4).

Identificaram-se outros programas, como: o Projeto Demonstrativo de Povos


Indígenas (PDPI), o Programa de Apoio ao Ecoturismo e à Sustentabilidade Ambiental do
Turismo (PROECOTUR) ambos no MMA e, a Carteira Indígena (CI), um programa conexo

4
Em outubro de 2006 ao iniciar os levantamentos sobre o turismo em TI observou-se que a FUNAI apesar de
não ter regulamentado a atividade turísitica em TIs, também não a impedia de acontecer. Esta Fundação desde o
final da década de 1990 utiliza-se de alguns projetos de turismo em TIs, como piloto, para avaliar a viabilidade
em outras TIs. No discurso governamental vigente, há mudança e lê-se a matéria jornalística da Folha de São
Paulo: “Funai estuda implantar turismo em terras indígenas”. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/poder/855119-monica-bergamo-funai-estuda-implantar-turismo-em-terras-
indigenas.shtml>. Acesso em: 10 jan. 2011. Publicada em: 5 jan. 2011.
5
Tornou-se Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável (SEDR), ainda na gestão (2003-
2008) da Ministra do Meio Ambiente Marina Silva.
30

entre o MMA e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Estes,


também se revelavam como financiadores de projetos que abrangiam povos indígenas. E, mais
ainda, alguns dos projetos tinham suporte financeiro para prover atividades, como (o
artesanato e/ou a culinária indígena) favoráveis às demandas de visitantes. Ou, mesmo
programar o turismo no interior de TIs.
Ainda no ano de 2006, também aconteceu do subprograma PDA, anteriormente
citado, aprovar o projeto intitulado Programa de Desenvolvimento Sustentável e Preservação
da Mata Atlântica na Reserva Indígena Pataxó da Jaqueira6 – PROJAQ7, tendo como
entidade proponente e executora a Associação Pataxó de Ecoturismo (ASPECTUR). Na
mencionada experiência do povo Pataxó constava como principal objetivo:
[...] promover a preservação e a recuperação/enriquecimento da Mata Atlântica
dentro dos limites da Reserva, bem como fomentar [...] a utilização racional de seus
recursos naturais através de um programa de integração sócio-ambiental baseado
fundamentalmente no turismo etno-ecológico, resgate e afirmação cultural da
comunidade indígena Pataxó. Entre as principais estratégias a serem implementadas
estão: a) Diagnóstico e restauração de áreas degradadas; b) Levantamento
etnobotânico e desenvolvimento de módulo experimental de Sistema Agroflorestal;
c) Ampliação e diversificação do viveiro de mudas nativas para restauração de áreas
degradadas internas (nascentes e matas ciliares) e comercialização; d) Criação de
viveiro de plantas ornamentais nativas da Mata Atlântica como orquídeas e
bromélias para uso interno e venda aos turistas - visitantes; e) Ampliação do kijeme
(construção tradicional) restaurante Pataxó; f) construção de plataforma panorâmica.
(PROJAQ, 2006, p. 9).

Minimamente, estavam identificados dois povos indígenas (os Pataxó da Bahia e


os Guarani de São Paulo) com o histórico de experiências de atividades turísticas nas suas TIs.
Por meio dos dados obtidos, a dúvida precedente a propósito de comprovar a existência do
turismo no interior de TIs, tornou-se fato comprovado, incluindo-se além das experiências
acima, outra no município de Itacajá, no estado do Tocantins “da organização do turismo no
território Krahô.” (OLIVEIRA, Vanderlei, 2006, p. 13).
Na continuidade da investigação em 2006, tomou-se conhecimento sobre o
turismo maciço imposto por representantes do empreendimento internacional – Nova
Atlântida ao povo Tremembé de São José e Buriti em Itapipoca. Em períodos de janeiro e
julho de 2007 realizaram-se visitas na TI do referido povo indígena. Na oportunidade

6
A Reserva ocupa posição estratégica em Porto Seguro, tanto por sua proximidade da costa e centro da cidade
(1,5 e 10 km respectivamente), quanto por contribuir na formação de um mosaico integrado ao Corredor das
RPPNs da Mata Atlântica da Costa do Descobrimento, bem como o Corredor Central da Mata Atlântica [...].
(PROJAQ, 2006, p. 8).
7
Considerando-se a formação e experiência profissional de cada membro da equipe técnica do subprograma
PDA o referido projeto ficou sob minha assessoria devido à relação com o Nordeste (região de procedência) e,
especialmente por pesquisar a respeito do tema turismo. Na oportunidade pude conversar com lideranças
indígenas Pataxó sobre essa experiência do PROJAQ.
31

observou-se uma conjuntura bastante distinta da situação do povo Pataxó do litoral da Bahia,
anteriormente mencionado, de adesão ao fenômeno turístico em suas terras.
Portanto, sendo o turismo o tema essencial de minhas pesquisas e produções
acadêmicas,8 os dois casos de povos indígenas do Nordeste, um de turismo comunitário,
outro, de resistência ao turismo maciço resultou na elaboração do projeto de Doutorado em
2007. Neste priorizou-se a proposta de estudo comparativo entre as duas circunstâncias
identificadas, especialmente sabendo-se que apesar de algumas etnias do Brasil aderirirem o
turismo no interior de suas TIs, tratava-se de atividade não reconhecida pela FUNAI. Mesmo
assim, este órgão federal não impedia as atividades de turismo em TIs, como exemplo o
PROJAQ. Neste projeto, no item relativo à participação de instituição parceira, confere-se:
O envolvimento da FUNAI - Fundação Nacional do Índio no Programa de
Desenvolvimento Sustentável e Preservação da Mata Atlântica na Reserva Indígena
Pataxó da Jaqueira - PROJAQ estará voltado principalmente à criação de
mecanismos de divulgação/disseminação do projeto, diálogo político-institucional e
na procura por recursos técnicos e econômicos, tais como: organização de
palestras/encontros com comunidades indígenas vizinhas, participação em
congressos/simpósios, busca por instituições/profissionais que estejam
desenvolvendo atividades comuns às da Reserva e que possam agregar valor/formar
parcerias no projeto, fomentar alternativas de apoio técnico e/ou financeiro aos
objetivos propostos [...]. (PROJAQ, 2006, p. 7).

Além dos contextos narrados, atinentes ao turismo em TI, identificou-se outra


significativa abordagem. Os povos indígenas delimitados na pesquisa atravessavam o
processo de reelaboração étnica reivindicando seus direitos como povos indígenas do
Nordeste. Logo, os reconhecimentos oficiais de suas terras pelo governo brasileiro, como na
situação dos Tremembé de São José e Buriti exigindo da FUNAI o processo de demarcação
da Terra Indígena9 desde o ano de 2002. Portanto, o projeto de Doutorado aprovado em 2008,
na área de concentração – Natureza e Produção do Espaço, linha de pesquisa – Espaço e
Práticas Culturais, foi intutulado – Os povos indígenas e o turismo: um novo olhar sobre os
Tremembé do Ceará e os Pataxó da Bahia.
No Ceará, como dito, originou-se a minha trajetória de pesquisa a propósito do
turismo. Assim, a condição de retornar às discussões sobre a atividade turística em contextos
do Nordeste levou-me para esta viagem de volta intelectual e física a fim de averiguar uma
nova temática, heterogênea, híbrida e instigante a respeito dos povos indígenas e o turismo em

8
Algumas relativas ao turismo, como: Lustosa (2004a; 2005a; 2005b), anteriores a 2007.
9
Conforme o Decreto n. 1.775/8/1/1996 o processo apresenta as seguintes etapas: 1) os Estudos de Identificação;
2) a Aprovação da FUNAI; 3) as Contestações; 4) as Declarações dos limites da Terra Indígena; 5) a
Demarcação física; 6) a Homologação e o 7) Registro. Na situação do povo Tremembé de São José e Buriti o
processo iniciou-se somente no ano de 2009 e encontra-se em andamento na etapa 3) Contestações.
32

suas terras, considerando a reelaboração étnica (OLIVEIRA FILHO, 2004). Confesso ter sido
um desafio acadêmico abordar o tema altamente politizado de povos indígenas e os conflitos
fundiários provocados em suas terras pelo turismo. Inspirei-me nas palavras de Almeida,
Maria (2008, p. 381) que “O território é, antes de tudo uma convivialidade [...].” Por isso em
vários momentos encontrei-me como Grünewald “ao travar os primeiros contatos concretos
com a realidade indígena do Nordeste brasileiro [...] nada me coube [naquele] momento a não
ser coçar a cabeça.” (2005, p. 13). Mesmo assim, o tema levou-me a construir um outro olhar.

іі. A construção do objeto de investigação para o estudo comparativo: desenvolvendo a pesquisa

No decorrer da pesquisa bibliográfica, documental e, sobretudo em duas das fases


de campo (2008 e 2009), resolveu-se substituir os Pataxó da Bahia por identificar o povo
Jenipapo-Kanindé do Ceará com conjuntura bem mais expressiva ao estudo comparativo. Esta
decisão também decorreu dos aportes teóricos da Geografia Humana e das contribuições sobre
Etnologia Indígena advindas das primeiras disciplinas10 cursadas. Pelo fato da pesquisa propor
um outro olhar esta circunstância também influiu na substituição da etnia Pataxó11 da Bahia.
O aludido povo indígena havia sido pesquisado pelo antropólogo Rodrigo de Azeredo
Grünewald para a elaboração da sua tese de Doutorado com ótica também no turismo. No
estudo o autor afirma:
[...] é o exame, na verdade, dos processos de criação das tradições indígenas que aparece
como foco central deste trabalho, aliado a uma análise da exibição dessas tradições nas
arenas turísticas [...] que estabeleço aqui como aqueles espaços sociais onde ocorrem
interações geradas pela atividade turística. (GRÜNEWALD, 1999, p. 2-3).

Deste modo, em decorrência da nova fase de trabalho de campo em janeiro de 2009,


identificou-se outra situação de adesão ao turismo, como referido, por parte do povo indígena
Jenipapo-Kanindé da Lagoa Encantada. Logo, reestruturou-se o projeto de Doutorado, mantendo-
se o interesse do estudo comparativo entre os dois casos de povos indígenas com terras localizadas

10
Análise de Sistemas Interétnicos cursada no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do
Departamento de Antropologia (DAN) da Universidade de Brasília; Pensamento Social e Político na América
Latina: Indigenismo e Políticas Indígenista em Perspectivas Comparadas cursada no Programa de Pós-Graduação
em Estudos Comparados sobre as Américas no Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas
(CEPPAC) da UnB e Identidade, Território e Territorialidade cursada no IESA, UFG.
11
Este povo foi substituído na pesquisa apenas como ator social primário. Salienta-se que o projeto de turismo
desenvolvido pelo povo Pataxó no extremo litoral da Bahia continuou relevante para as discussões deste estudo.
Ressalta-se que líderes indígenas do povo Jenipapo-Kanindé visitaram a citada experiência de turismo do povo
Pataxó com a finalidade de conhecerem a vivência em questão, antes de desenvolverem a atividade turística na
Terra Indígena Aldeia Lagoa Encantada no Ceará.
33

na Costa Litorânea Leste e Oeste cearense, renomeando-o: Os povos indígenas e o turismo: um


novo olhar sobre os Tremembé e os Jenipapo-Kanindé do Ceará.12
Assim, destaca-se que o turismo pode alcançar indígenas de maneiras muito
diversas, desde a apropriação da sua TI na reelaboração de uma cultura indígena, até na forma
de projetos predatórios de grandes empresas que negam a própria existência de povos
indígenas cujas terras cobiçam. Portanto, no interesse particular deste estudo, priorizam-se as
discussões que permitam um olhar a partir da Geografia Humana e da Antropologia sob os
dois povos indígenas delimitados e as formas de apropriação e uso dos seus espaços – as TIs
– pelos projetos de turismo. Ressalta-se que na Geografia Humana brasileira, apesar de uma
produção de temas mais diversos, constam poucas pesquisas referentes aos impactos dos
projetos de turismo sobre os povos indígenas e/ou TIs. Na Antropologia, com evidência a
Etnologia Indígena brasileira, apesar de também haver uma infinidade de temas pesquisados,
constam bem menos estudos que na Geografia Humana, referentes a estes impactos, como é
discutido no Capítulo 1. Todavia, o turismo invade os espaços de maneira acelerada.
Corrobora Almeida, Maria (2006a, p. 121) ao afirmar que “o turismo avança célere [...],
parece-nos que temos ainda que desvendar um pouco mais esta prática.”
Pesquisar a propósito dos projetos de turismo em TIs torna-se significativo devido
à complexidade do fenômeno turístico e as especificidades das culturas indígenas, pois o
turismo é “fenômeno complexo que envolve outros fenômenos sociais, culturais e econômicos
da sociedade contemporânea.” (LUCHIARI, 2000, p. 108). Neste acontecimento intricado que
é o turismo, as suas diversas faces são enfrentadas por povos indígenas de maneiras diferentes.
Há situações em que os projetos de turismo partem de iniciativas dos índios, por meio de suas
associações. Ou, os projetos partem de Organizações Não-Governamentais (ONGs), vistos
pelos indígenas como forma de inclusão social e fonte de renda para suprir suas necessidades. Em
outros casos, há projetos elaborados por grandes empresas com apoio governamental que
atropelam as comunidades indígenas, tomando suas terras, sendo vistos pelos índios como uma
ameaça para sua própria sobrevivência e como forma de exclusão social “ou, na linguagem de José
de Souza Martins, de ‘precarização’ – social.” (HAESBAERT, 2009, p. 112). Considera-se
importante elucidar que “Em nível nacional, os povos indígenas são discriminados e esquecidos
pelos Estados, e apresentam constantes reivindicações junto aos governos centrais para que
seus direitos sejam reconhecidos e respeitados.” (BAINES, 2009, p. 20).

12
Na defesa da tese, em 3 de abril de 2012, a banca sugeriu um pequeno ajuste no título para “Os povos
indígenas, o turismo e o território: um olhar sobre os Tremembé e os Jenipapo-Kanindé do Ceará.”
34

Na situação dos Jenipapo-Kanindé, semelhante aos Pataxó da Bahia, outra etnia do


Nordeste brasileiro, esses povos indígenas assumem um papel ativo na implementação de projetos
de turismo, situação muito diferente do caso dos Tremembé de São José e Buriti, que estão sendo
impactados pelo Nova Atlântida – que invade as suas terras tradicionais, ameaça expropriá-las, e
propôs confiná-los em dois pequenos enclaves cercados pelas obras do empreendimento turístico
internacional. O referido povo Tremembé está dividido: alguns afirmam ser indígenas e assim
reivindicam suas terras perante o Estado, outros estão sendo cooptados por representantes do Nova
Atlântida, por meio de salários, e negam a existência de povos indígenas nas aldeias, dizendo
que querem o empreendimento turístico. Para Oliveira Filho
À diferença do que julga a opinião pública em sua maioria, os povos indígenas do
Brasil não estão localizados apenas na Amazônia e no Brasil Central [...]. Habitam
também as mais antigas áreas de colonização do país, como o Nordeste [...] do país,
constituindo-se não só como importantes atores políticos e interlocutores das
políticas públicas, mas também inspirando estudos fecundos e interessantes
formulações analíticas [...]. Ao tornar disponíveis etnografias e interpretações sobre
essa parcela menos conhecida dos indígenas do país, temos a esperança de que a
reunião e divulgação [...] desses trabalhos propicie bons exemplos de pesquisas [...]
com povos indígenas no Nordeste [...]. (2004, p. 10).

O ponto de vista expressado por determinados atores sociais (negando a existência


de povos indígenas no Nordeste), não significa mais uma verdade absoluta, como acontecia a
poucas décadas. A história reconstrói o curso dos acontecimentos e “os atuais povos indígenas
do Nordeste são colocados como objeto de atenção pelos antropólogos.” (OLIVEIRA FILHO,
2004, p. 16). E, também por alguns geógrafos. É o caso das dissertações de mestrado com
povos indígenas do Nordeste de Avelar Araújo Santos Junior – Terra Xokó: um espaço como
expressão de um povo (2005) e de Amanda Christinne Nascimento Marques, nomeada –
Território de Memória e Territorialidades da Vitória dos Potiguara da aldeia Três Rios
(2009). Cabe ressaltar uma outra pesquisa no Sudeste que resultou na dissertação de Maria
Tereza Duarte Paes Luchiari – Caiçaras, migrantes e turistas: a trajetoria da apropriação da
natureza no litoral norte paulista (São Sebastião – Distrito de Maresias) (1992) e, ainda a
tese de doutorado com povos indígenas da Amazônia de José Antônio Souza de Deus –
Territorialidade e cultura dos povos indígenas (Área Norte-Amazônica e Juruá-Purus),
defendida em 2003. Assim sendo, neste estudo, utiliza-se da Geografia Humana e da
Antropologia para pesquisar sobre o turismo em TIs de povos do Nordeste brasileiro. E, ainda
procura-se no decorrer dele atentar para as experiências de projetos de turismo em TIs
mediante o fomento de programas governamentais com experiências desenvolvidas também
no Nordeste por meio de recursos financeiros do exterior. Estes programas apoiadores de
35

projetos governamentais e privados de turismo tendem a tratar os povos indígenas de forma


homogênea. É preciso levar em consideração que cada povo tem suas próprias histórias e
culturas diversas. Para Ramos
Tentar caracterizar em bloco as sociedades indígenas [...] é correr o risco de
generalizar sobre uma realidade que, apesar de tudo, ainda é altamente diversificada.
Não há duas sociedades indígenas iguais. Mesmo quando ocupam zonas ecológicas
semelhantes, elas mantém sua individualidade, tanto no plano das relações sociais
como no campo simbólico. Portanto, não é possível explicar a lógica sociocultural
dessas sociedades simplesmente por fatores ecológicos ou por determinações
econômicas. (1986, p. 11).

No Brasil, os povos indígenas encontram-se em situações muito diversas, com


histórias de contato interétnico muito diferentes, desde povos com contatos seculares com a
sociedade nacional, poucos povos que se mantêm afastados deste contato, e mesmo povos
invisibilizados pelo processo de colonização que estão se re-identificando como índios no
intuito de garantir seus direitos às suas terras (MELATTI, 2009). Nesta última situação
enquadram-se os dois povos indígenas delimitados nesta pesquisa. Para tecer às discussões
relacionadas ao estudo adotou-se como objetivo geral:
▪ Examinar as várias interpretações sobre os projetos privados e governamentais de
turismo em terras indígenas a partir do olhar de membros de dois povos indígenas do Ceará. Logo,
os objetivos específicos, correspondem: discutir a relação entre o turismo em Terras Indígenas e a
política indigenista, com ênfase nos povos indígenas do Nordeste; analisar a tipologia turismo no
interior de Terras Indígenas, examinando as diversas faces do fenômeno; examinar os diversos
interesses dos indígenas, dos representantes (governamentais e de ONGs), dos visitantes e dos
agentes turísticos, na implantação do turismo em Terras Indígenas.

ііі. Os andaimes teóricos e metodológicos da pesquisa qualitativa e quantitativa

Desde as duas últimas décadas do século XX o turismo tem recebido maior


atenção dos pesquisadores e gerado importantes produções acadêmicas, especialmente na
Geografia Humana. Por meio desta pesquisa levantam-se novas “reflexões sobre o espaço
ocupado” (MORAES, 2002, p. 27) pelo turismo evitando “uma pretensa leitura objetiva da
realidade.” (CORRÊA; ROSENDAHL, 2003, p. 9). De tal modo, neste estudo, as “várias
orientações teóricas não-positivistas formularam novos lugares para a subjetividade do
observador.” (CARDOSO, Ruth, 1986, p. 101). Portanto, os passos metodológicos da
pesquisa seguem conforme a mesma autora “a interpretação que se constrói sobre análises
36

qualitativas.” (CARDOSO, Ruth, 1986, p. 101). E, também, quantitativa. Os referidos passos


se guiaram especialmente pela pesquisa qualitativa, já que esta “consiste em descrições
detalhadas de situações com o objetivo de compreender os indivíduos em seus próprios
termos.” (GOLDENBERG, 1997, p. 53). Na abordagem qualitativa aplicaram-se as pesquisas
bibliográfica, documental e de campo (etnogeográfica e etnográfica) incluindo-se as coletas de
dados por meio da observação e das entrevistas com os atores sociais indígenas e não-
indígenas, como discute-se posteriormente. Ressalta-se que “A coleta de dados concretos
sobre uma grande variedade de fatos, constitui, portanto, um dos principais pontos do método
de campo.” (MALINOWSKI, 1990, p. 50).
Atinente à pesquisa de campo, antes referida, adotou-se especialmente o “método
etnogeográfico.” (CLAVAL, 1999, p. 72). Este caminho, segundo o citado autor, permite “sair
da lógica impessoal e objetiva do método científico habitual e explorar o universo mental dos
homens.” (p. 71). Em outra obra, o autor afirma que a etnogeografia proporciona uma
“reflexão sobre a diversidade dos sistemas de representação e de técnicas pelas quais os
homens agem sobre o mundo e modelam o espaço à sua imagem e em função de seus valores
e aspirações.” (CLAVAL, 1997, p. 114). Desta forma “a etnogeografia busca penetrar na
intimidade dos grupos culturais, o vivido pelos homens, concretizado em crenças, valores e
visão de mundo. Esta cultura vivida é, ademais, o objeto de estudo da etnogeografia [...].”
(ALMEIDA, Maria, 2008, p. 332).
Na aliança do método etnogeográfico adotado e os atores sociais (indígenas) da
pesquisa, reflete-se sobre a afirmação de Birraux-Ziegler (1995, p. 173, tradução de
Guillaume Perche):
O objetivo de uma pesquisa etnogeográfica pode ser tentar compreender melhor em
que consistem as relações que um grupo étnico mantém com o seu território.
Segundo os representantes de diversos povos autóctones, de fato, esses vínculos
constituem o único ou um dos elementos essenciais da sua vida, da sua identidade
13
como pessoa e como grupo e, finalmente, da coesão de toda a sua cultura.

Nesse sentido é importante refletir sobre o caminho que levou alguns geógrafos a
adotarem a etnogeografia nas pesquisas com povos indígenas. Claval (1999, p. 69, grifos
nossos) revela que:
[...] o campo da curiosidade etnogeográfica foi crescendo pouco a pouco. Lendo-se
os trabalhos etnológicos, os geógrafos descobriram a importância das idéias que os

13
le but d´une recherche d´ethnogéographie peut être d’essayer de mieux comprendre en quoi consistent les
relations qu’un groupe etnique entretient avec son territoire. Selon les représentants de nombreux peuples
autochtones en effet, ces liens constituent le ou l’un des éléments essentiels de leur vie, de leur identité en tant
que personne et en tant que groupe et, finalement, de la cohésion de leur culture toute entière.
37

povos primitivos tinham de seu meio ambiente, de suas estruturas sociais ou de suas
relações com outros mundos.

Observa-se que os geógrafos adotaram o campo da curiosidade etnogeográfica a


partir de estudos que seguiam o campo etnográfico. Nas palavras de Malinowski, “a finalidade
primeira e básica da pesquisa de campo etnográfica é oferecer uma descrição clara e nítida da
constituição social e distinguir as leis e regularidades de todos os fenômenos culturais das
irrelevâncias.” (1990, p. 47). Com a ascensão da etnogeografia mencionada por Claval (1999),
vale destacar a coletânea Ethnogeógraphies publicação conjunta entre o Laboratoire Espace et
Culture, de Paris e o Centro d’Études de Geographie Tropicale de Bordeaux (CEGET)
(CORRÊA, 1999). Para o autor essa obra
vem oportunamente relembrar aos geógrafos a importância de se considerar a
diversidade de crenças, valores, percepção e práticas humanas que definem padrões
culturais etnicamente identificados, que vão, em grande parte, originar uma
diversidade de organizações espaciais. (CORRÊA, 1999, p. 81).

Pelo fato da etnogeografia abordar as perspectivas nativas a respeito do espaço e a


etnografia procurar abordar todos os aspectos da sociedade indígena, segue-se nesta análise
comparativa também a “tradição etnográfica.” (DURHAM, 1986, p. 17). Dessa forma, pode-
se compreender a situação das TIs dos dois povos delimitados nessa pesquisa dentro do
contexto das suas organizações sociais, suas visões de mundo e suas histórias recentes.
Adotam-se as categorias analíticas – povos indígenas, turismo, território e
identidade indígena. Para a visão do protagonismo de povos indígenas, especialmente a partir
da década de 1980, traz-se Oliveira Filho (1998a; 2005; 2011a); Brand (2002); Oliveira
Filho e Freire (2006) e Souza Lima (2010). Sobre a reelaboração étnica dos povos indígenas
do Nordeste, utiliza-se principalmente Oliveira Filho (2004 [1999]). Para o mesmo fenômeno
da reelaboração étnica com os povos indígenas do Ceará emprega-se Palitot (2009) e, na
particularidade do povo Tremembé, adota-se Ratts (1997; 1998; 1999); Valle, Carlos (2004;
2005a; 2005b; 2005c; 2009; 2011); Meireles e Marques (2004). Barth (2000 [1969]) e
Cardoso de Oliveira (1976) abordam a identidade étnica. Mas, essa mesma identidade aparece
também nas discussões dos outros autores anteriormente citados que discutem a categoria
povos indígenas. Quanto ao turismo, proporciona-se uma reflexão conceitual sobre este,
avaliando-o como fenômeno social. Depois, fala-se de modelos de turismo (incluindo-se o
maciço e comunitário). E, focaliza-se a respeito dos projetos de turismo em TIs. Pelos vários
assuntos concebidos a partir do turismo, ora mencionado isoladamente, ora com a categoria
povos indígenas, evita-se subdividir nesta seção as discussões por autores que são
38

apresentadas a frente. Destacam-se alguns autores brasileiros com trabalhos consolidados


sobre o turismo, como: Almeida, Maria (1995; 1996a; 1996b; 1997; 1999; 2000; 2003a;
2006a; 2006b; 2011); Rodrigues (1996; 1999; 2006); Cruz (2000; 2006); Barretto,
Margarita (2003) e Coriolano (2006a; 2009). E, relativo a turismo e povos indígenas, no âmbito
das produções nacionais, destacam-se: Grünewald (1999; 2001); Oliveira, Vanderlei (2006) e
Faria (2007a). As publicações internacionais sobre turismo e povos indígenas são apresentadas nos
desdobramentos das discussões dessa pesquisa. A respeito da categoria território, pelas suas
diversas concepções, “é preciso, primeiro, esclarecer a que noção de território estamos nos
referindo.” (HAESBAERT, 2007, p. 45). O autor atenta que “o conceito de território é amplamente
utilizado [...] na Geografia, mas também em outras áreas como a [...] Antropologia (principalmente
em relação às sociedades tradicionais, com vínculos espaciais mais pronunciados).” (2007, p. 45).
Saquet corrobora:
Nos últimos anos, tem-se reforçado consideravelmente, no Brasil e noutros países,
estudos de geografia, sociologia, economia e antropologia centrados nos conceitos
de território [...]. Isso fez com que se acirrassem os debates, as pesquisas e as
publicações [...]. Estudos que reconheçam, simultaneamente, características
fundamentais do processo de apropriação, dominação e produção do território assim
como as relações, as identidades simbólico-culturais (traços comuns), as
contradições, as desigualdades (ritmos lentos e rápidos), as diferenças, as mudanças
(descontinuidades), as permanências (continuidades), as redes de circulação, de
comunicação e a natureza interior e exterior ao homem como ser genérico (biológico
e socialmente). (2009, p. 73).

Nas citações acima Haesbaert e Saquet pontuam o vasto uso do conceito de


território em várias áreas de conhecimento, como na Geografia e Antropologia que dão
suporte teórico a esta pesquisa. Haesbaert, destaca que este conceito na Antropologia está
voltado especialmente para discussões relativas às sociedades tradicionais. Porém, “Cabe
recordar que a noção de território não é de maneira alguma nova na antropologia, sendo
utilizada por Morgan (1877) [...] Fortes e Evans-Pritchard (1940).” (OLIVEIRA FILHO,
2004, p. 21). Mais importante que este dado histórico sobre a noção de território é a outra
afirmativa do autor de que “A dimensão estratégica para se pensar a incorporação de
populações etnicamente diferenciadas dentro de um Estado-nação é, a meu ver, a territorial.”
(2004, p. 23). Na mesma obra o autor trabalha a noção de territorialização que ocorre com o
avanço da sociedade nacional sobre os territórios indígenas. Oliveira Filho afirma que, “a
atribuição a uma sociedade de uma base territorial fixa se constitui em um ponto-chave para a
apreensão das mudanças por que ela passa, isso afetando profundamente o funcionamento das
suas instituições e a significação de suas manifestações culturais” (OLIVEIRA FILHO, 1993
apud OLIVEIRA FILHO, 2004, p. 22). Acrescenta este autor:
39

Nesse sentido, a noção de territorialização é definida como um processo de


organização social que implica: i) a criação de uma nova unidade sociocultural
mediante o estabelecimento de uma identidade étnica diferenciadora; ii) a
constituição de mecanismos políticos especializados; iii) a redefinição do controle
social sobre os recursos ambientais; iv) a reelaboração da cultura e da relação com o
passado. (2004, p. 22).

Ressalta-se que o processo de territorialização descrito por Oliveira Filho,


aparece ao longo desta investigação da situação de povos indígenas do Nordeste, e se aplica
aos casos dos Tremembé e Jenipapo-Kanindé do Ceará. A partir daqui apresentam-se as
pesquisas bibliográfica, documental e de campo.
Para a pesquisa bibliográfica priorizou-se destacar as primeiras impressões de
alguns autores geógrafos e antropólogos (etnólogos) a cerca do tema povos indígenas e o
turismo, demonstrando as produções acadêmicas existentes, o que se discute no Capítulo 1.
Na Geografia Humana brasileira referente aos povos indígenas e o turismo, alguns autores têm
manifestado em suas publicações abordagens diversas: sobre turismo e cultura (MORETTI;
CABREIRA, 2002-2005); educação ambiental e turismo comunitário (MEIRELES, 2005-
2007); territorialidades e turismo (MOTTA, 2005) e turismo e território (OLIVEIRA,
Vanderlei, 2006).
Relativo aos “estudos de antropologia [estes] estão, na atualidade, preocupados
com os impactos de certas formas de turismo, especialmente o cultural e o étnico, e com a
descaracterização e comercialização das culturas que estes provocam.” (BARRETTO,
Margarita, 2003, p. 18). A autora ainda afirma que “a literatura científica proveniente da
Geografia [...] e da Antropologia levanta [...] os impactos do turismo, que alguns cientistas
preferem chamar de interferências.” (2003, p. 22). Na Etnologia Indígena destacam-se, ao
longo do texto, os autores que pesquisam sobre os povos indígenas do Nordeste, pois:
Anote-se que novos povos indígenas estão surgindo [...] no Nordeste [...] do País.
Veja-se o exemplo do Ceará que vinte anos atrás oficialmente não registrava índios e
hoje possui mais de dez povos indígenas. Concomitante ao ‘surgimento’ tem-se
critérios político-organizativos que se estruturam em cima da demanda por terras. As
terras vão sendo incorporadas para além de seus ‘aspectos físicos’, segundo uma
idéia de rede de relações sociais cada vez mais fortalecidas pelas autodefinições
sucessivas ou pela afirmação étnica. (ALMEIDA, Alfredo, 2008, p. 120).

O citado antropólogo valida o registro da presença oficial de povos indígenas no


Ceará e, ainda, a importância veemente do papel das organizações indígenas nas arenas
políticas relativas às ações pelas terras e as autoidentificações e afirmações étnicas. A
propósito do Nordeste ressalta-se a atuação da Articulação dos Povos e Organizações
Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME) com “posição de segunda
40

maior organização indígena do país, atuando na representação de mais de 150 mil indígenas
de 65 povos, em uma extensa região.” (OLIVEIRA, Kelly, 2010, p. 18).
Vale salientar que os territórios dos dois povos indígenas do Ceará, aqui
discutidos, são dotados de significados e passam por “tensões [...] dos investimentos externos
no lugar.” (LIMA, Luiz, 2006, p. 106). Como demonstra-se a situação do povo Jenipapo-
Kanindé que segundo as lideranças indígenas foram pressionados por representantes do
Investimento Aquiraz Resort interessados em apoderar-se da sua TI. Fato semelhante acontece
atualmente com os Tremembé de São José e Buriti. Este outro povo indígena enfrenta
conjunturas de conflitos internos entre os seus habitantes, ocasionados pelos investidores do
turismo, governantes e políticos interessados na implantação do Nova Atlântida em sua TI.
Estas circunstâncias podem ser confirmadas no Capítulo 4 desta pesquisa nos depoimentos de
atores sociais indígenas e não-indígenas entrevistados.
Ao refletir sobre os grandes investimentos que afetam diferentes espaços,
incluindo-se as duas TIs dos Tremembé de Buriti e São José e dos Jenipapo-Kanindé,
apreende-se, ainda, segundo Lima, Luiz (2006, p. 106):
À medida que se implanta um grande investimento num espaço, quer de
infraestrutura, quer de produção ou consumo, impõem-se mudanças socioespaciais e
normativas para o adequado funcionamento do ente geográfico. Nessas condições o
ambiente não pode ser mais receptivo às tradições locais, tendo de forçar as pessoas
a novo modo de vida, às vezes com bruscas substituições em seus ritmos, costumes,
consumo, etc. Não podendo acatar as novas regras do ambiente criado com os
poderosos investimentos, de imediato ocorre um processo de desterritorialização dos
excluídos da nova realidade [...]. Aos resistentes, aos que pretendem manter seu
cotidiano, agressividades lhes são impostas, sem condições de defesa e
possibilidades [...]. Eles são forçados, pelo imperativo das novas leis criadas, a
afastar-se de seu tradicional hábitat de vida e de trabalho, para ceder o espaço para
os de “fora”, como é comum ouvir dessas vítimas das “invasões” dos investidores,
especialmente nas comunidades litorâneas.

Esta citação remete a situações a serem tratadas nesta pesquisa relativas às


transformações socioespaciais diante do novo que se instala e ocasiona abruptas mudanças
nos modos de vida daquele(a)s do lugar. Alguns, resistem às imposições. Outros, não. Neste
limiar são forçados a distanciar-se dos seus territórios, seja no sentido físico, social ou
simbólico sacrificando suas próprias culturas. Vale salientar que tanto pela Geografia, como
pela Antropologia pode-se abordar a questão da cultura. Para Claval (2003, p. 163):
A cultura aparece como um conjunto de gestos, práticas, comportamentos, técnicas,
know-how, conhecimentos, regras, normas e valores herdados dos pais e da
vizinhança, e adaptados através da experiência a realidades sempre mutáveis. A
cultura é herança e experiência. Ela é também projeção em direção ao futuro [...] a
cultura aparece mais como a força que dá a sua forma ao futuro que como uma
repartição do passado.
41

Ao refletir sobre o comentário acima de Claval e os casos dos dois povos


indígenas objeto desta tese, a noção de cultura mencionada pelo autor encontra
correspondência nas práticas dos Tremembé de São José e Buriti e dos Jenipapo-Kanindé.
Esses povos ressaltam que suas tradições são herdadas de seus antepassados ao mesmo tempo
em que estão abertos à mudanças frente uma realidade em constante transformação. Emprega-
se a definição de cultura apresentada por Claval que corresponde ao conceito de cultura
apresentado pelo antropólogo Kuper:
Cultura aqui é essencialmente uma questão de idéias e valores, uma atitude mental
coletiva. As idéias, os valores, a cosmologia, a estética e os princípios morais são
expressados por intermédio de símbolos e, portanto, – se o meio é a mensagem –
cultura podia ser descrita como um sistema simbólico [...] esses símbolos, essas
idéias e esses valores aparecem numa gama de formas quase infinitamente variável
[...]. Por conseguinte, não existem padrões válidos, de modo geral, pelos quais as
práticas e os princípios culturais podem ser julgados. (Para entender esse argumento
é bom dar menos importância ao que as pessoas têm em comum, exceto,
obviamente, sua capacidade de desenvolver culturas bastante distintas). (2002, p.
288-289).

Carneiro da Cunha apresenta uma noção de cultura compatível com as definições


de Claval e de Kuper: “Em suma, a cultura não é algo dado, posto, algo dilapidável também,
mas sim algo constantemente reinventado, recomposto, investido de novos significados; e é
preciso perceber [...] a dinâmica, a produção cultural.” (CARNEIRO DA CUNHA, 2009, p.
238). Assim, em outra alínea deste escrito “tecemos uma narrativa [...] sobre o
desenvolvimento das lutas e organizações indígenas em busca de reconhecimento de seus
direitos plenos e principalmente do seu direito à diferença cultural.” (CALEFFI, 2003, p. 175).
Também apresenta-se abordagens sobre a inserção das Redes, pois trata-se de categoria
diretamente interligada às discussões contemporâneas sobre o turismo comunitário em TIs.
Durante a pesquisa bibliográfica as referências empregadas nesta pesquisa
estiveram em constante revisão para auxiliar as bases teóricas, conceituais e metodológicas
adotadas. Também utilizou-se sites14 acadêmicos, institucionais, empresariais e autônomos
para obter fontes complementares sobre o tema pesquisado, incluindo-se as matérias
jornalísticas correlatas ao assunto em questão.

14
Disponibilizados em algumas notas de rodapé ao longo do texto nos endereços (http://www.naya.org.ar;
http://apoinme.org.br; http://www.indiosonline.net; http://www.apib.org.br; www.tucum.org.br;
http://missaotremembe.blogspot.com; http://www.fundaj.gov.br; www.diariodonordeste.globo.com;
www.folha.uol.com.br; www.mma.gov.br; www.ccr6.ppgr.mpf.gov.br; www.mds.gov.br; www.turismo.gov.br;
www.oitbrasil.org.br; www.pib.socioambiental.org.br; www.funaiceara.blogspot.com; www.portaldomar.org.br;
www.gruponovaatlantida.com; www.sits2008.org.br; http//philipe.wordpress.com; www.radiomundoreal.fm;
http//prod.midiaindependente.org; www.ypioca.com.br).
42

Para a pesquisa documental os levantamentos dos dados não resultaram somente


de “[...] um momento de acumulação de informações, mas se combina com a reformulação de
hipóteses, com a descoberta de pistas novas [...]. Nestas investigações, o pesquisador é o
mediador entre a análise e a produção da informação [...].” (CARDOSO, Ruth, 1986, p. 101).
Na ação da referida pesquisa identificaram-se os projetos precursores de turismo para povos
indígenas, procedentes do governo federal. Deste modo, direcionou-se a atenção para os
programas de Cooperação Internacional, detalhados no Capítulo 2.
Em outras entidades foi possível obter documentos oficiais (leis, decretos,
processos e pareceres) e técnicos (relatórios, laudos e mapas) pertinentes ao estudo. Destaca-
se a relevante contribuição prestada por representantes da Associação Missão Tremembé
(AMIT) concedendo documentos referentes ao povo Tremembé de São José e Buriti.
Realizou-se levantamentos no órgão indigenista federal, a FUNAI, no Conselho Nacional de
Política Indigenista (CNPI), e também em organizações indígenas como a Articulação dos
Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME) e a
Articulação de Povos Indígenas do Brasil (APIB); em ógãos estaduais como a Secretaria de
Turismo do Ceará (SETUR), o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará
(IPECE); e municipais como a Secretaria de Cultura, Turismo e Desporto de Itapipoca; e da
Secretaria de Turismo e Cultura de Aquiraz. Percorreu-se também o caminho virtual mediante
consultas dos sítios eletrônicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), de universidades públicas brasileiras (UFG, UFC, UECE, USP, UFMS,
UFF, UFPR, UFAM, UFPA, UFRGS, UFRJ/Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura
e Desenvolvimento (LACED), UFRN, UFPB, UFCG/Laboratório de Estudos em Movimentos
Étnicos (LEME), UnB (DAN, Grupo de Estudos em Relações Interétnicas (GERI) e
CEPPAC); de entidades governamentais (MDS e MDA) e Ministério Público Federal (MPF) e
também outras páginas virtuais de ONGs com aporte informativo no tema discutido, como:
Instituto Socioambiental (ISA), Notícias de Antropología y Arqueologia (NAyA), Rede
Cearense de Turismo Comunitário (REDE TUCUM), Rede Brasileira de Turismo
Comunitário e Solidário (REDE TURISOL), Rede de Turismo Comunitário da América
Latina (REDTURS), Instituto Terramar e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI). E,
ainda, acesso ao site de empresas privadas, o Nova Atlântida, o Aquiraz Riviera (Aquiraz
Resort) e a Ypióca Agroindustrial Ltda., envolvidas em disputas territoriais com os dois povos
indígenas do Ceará objetos dessa pesquisa conforme revelam as notícias jornalísticas e os
documentos jurídicos destacadas(os) ao longo da tese. Na maioria dos sítios eletrônicos
43

consultados obteve-se publicações científicas, pareceres/ relatórios técnicos e notícias


conexo(a)s ao tema estudado.
Referente à pesquisa de campo delimitou-se a TI Tremembé de São José e Buriti
em Itapipoca e a TI Aldeia Lagoa Encantada do povo Jenipapo-Kanindé de Aquiraz, dois
povos indígenas habitantes de distintas faixas litorâneas do estado do Ceará. Durante os
trabalhos de campo seguiu-se conforme Ramos (1990), o padrão de fazer pesquisa no Brasil,
de visitas de curta duração ao longo de vários anos – uma pesquisa diacrônica – que permite
examinar o processo em que a situação se desdobra. Desta forma, os trabalhos de campo
transcorreram entre os anos de 2007 a 2010, explanados a seguir. Sendo que em 2007 os
trabalhos de campo junto aos Tremembé do Ceará, são antecedentes ao curso de Doutorado.
No último trabalho de campo realizado em 2010 na TI Aldeia Lagoa Encantada estiveram
presentes duas geógrafas, sendo uma delas a orientadora deste estudo. Em toda a pesquisa de
campo nas duas TIs delimitadas teve-se a colaboração de um antropólogo. É significativo
destacar que:
Na situação de campo tradicional [...] a participação é antes objetiva do que
subjetiva – o pesquisador convive constantemente com a população estudada,
permanecendo, entretanto, um estrangeiro (mesmo que bem aceito). A injunção de
aprender a língua nativa se prende à necessidade de superar uma exterioridade
excessiva. Como o domínio da língua é adquirido gradualmente e raramente chega a
ser completo, a comunicação verbal fica freqüentemente subordinada à observação
do comportamento manifesto. (DURHAM,1986, p. 26).

Por dois motivos não se adotou nesta investigação a situação de “campo


tradicional” acima mencionada por Durham. Primeiro, pelo fato dos dois povos indígenas, em
questão, não usarem línguas nativas para se comunicar, mas o português. Segundo, pelo fato
dos mesmos povos terem suas TIs localizadas, não tão afastadas das sedes dos seus
municípios e/ou praias do entorno (locais em que se esteve hospedada) durante os períodos
dos trabalhos de campo. Isso demonstra que os dois povos em questão possuem um cotidiano,
também de contatos urbanos. Portanto, na pesquisa de campo, a pesquisadora não residiu nas
TIs destes dois povos indígenas, o que não impediu no decorrer dos contatos buscar “na
interação simbólica, a identificação com os valores e aspirações da população que [se]
estuda.” (DURHAM, 1986, p. 26).
Os trabalhos de campo nas TIs mencionadas, foram adequados com as atividades
diárias dos atores sociais indígenas. Assim, para a coleta de dados, como ressaltado no início
desta seção, empregou-se a observação e a entrevista. Durante a observação utilizou-se a
ferramenta metodológica participativa (travessia) e os registros fotográficos. Para Ludke e André
44

a observação direta permite também que o observador chegue mais perto da


‘perspectiva dos sujeitos’, um importante alvo nas abordagens qualitativas. Na
medida em que o observador acompanhar in loco as experiências [...] dos sujeitos,
pode tentar apreender a sua visão de mundo, isto é, o significado que eles atribuem à
realidade que os cerca e às suas próprias ações. (1986, p. 26).

Foram realizadas tanto entrevistas livres como semi-estruturadas por meio de


roteiro pré-elaborado (Apêndice A). Mas, cabe aqui lembrar que “A suspeita é regra em todos
os campos, não apenas entre os indígenas.” (CARNEIRO DA CUNHA, 2009, p. 334). Assim,
formalizar alguns diálogos por meio de preenchimento do roteiro como um questionário
causou essa suspeita entre os indígenas, já que nas duas situações pesquisadas, os povos
indígenas, enfrentam conflitos territoriais provocados por não-indígenas. Devido as
conjunturas mencionadas, acordou-se com os indígenas informantes realizar entrevistas livres
e transcrevê-las posteriormente. Deste modo, procurou-se subsidiá-las, dentro do possível,
numa coesão com os assuntos do citado roteiro e, ainda, pelo próprio desenrolar das
informações obtidas no diálogo com os atores sociais sobre os contextos pertinentes a esta
“pesquisa [que] se concentra na análise de depoimentos, sendo a entrevista o material
empírico privilegiado.” (DURHAM, 1986, p. 26). Procurou-se captar as perspectivas sobre o
turismo na TI; de que modo os Tremembé de São José e Buriti e os Jenipapo-Kanindé se
vêem como indígenas; o papel das lideranças indígenas e do Movimento Indígena do Ceará;
os conflitos internos entre os indígenas em São José e Buriti devido o Nova Atlântida; as
reinvidicações dos Jenipapo-Kanindé e dos Tremembé de São José e Buriti junto ao governo
federal pelos reconhecimentos oficiais das suas TIs; o trabalho das ONGs com os povos
indígenas; o papel dos governantes estaduais e municipais do Ceará na situação das TIs e as
pressões de representantes de empresas privadas e do poder público do estado cearense
tentando negar às identidades indígenas.
Durante os trabalhos de campo nas TIs, adotou-se segundo a mesma autora a
“participação observante.” (DURHAM, 1986, p. 27). Ou melhor, definiram-se as imagens
significativas para os registros fotográficos, como: as vias de acesso; as sinalizações de
identificações das áreas indígenas; as paisagens vislumbradas e/ou usadas para o turismo; as
paisagens modificadas por algumas construções do Nova Atlântida no caso dos Tremembé de
São José e Buriti e, também, alteradas por atividades da Fábrica Pecém Agroindustrial Ltda –
Ypióca na situação dos Jenipapo-Kanindé; as moradias e/ou infra-estruturas nas TIs; os
lugares sagrados e, também as imagens dos indígenas em suas terras durante (as entrevistas
45

realizadas; nas reuniões locais que presenciou-se e/ou nos eventos nacionais15 que se esteve
presente e foi possível observar e dialogar com as lideranças indígenas participantes).16
Atenta-se que nos dois trabalhos de campo iniciais (em janeiro de 2007 com os Tremembé de
São José e Buriti e em, janeiro de 2009, com os Jenipapo-Kanindé da Lagoa Encantada), as
entrevistas com os indígenas informantes foram somente transcritas. Nos momentos seguintes
solicitou-se a autorização para gravar os seus depoimentos, bem como utilizá-los juntamente
com as suas imagens fotográficas (Apêndice B). Estes consentiram e preferiram autorizar
verbalmente durante as gravações concedidas. Considerando as situações de conflitos
fundiários evita-se o uso de fotografias de lideranças indígenas que possa permitir suas
identificações. Embora, nenhum dos indígenas informantes tenha solicitado ocultar as suas
imagens, os seus nomes e os seus depoimentos na tese. Em cada visita de campo realizou-se
novas entrevistas com os indígenas e os não-indígenas17 interessados em colaborar com a
pesquisa. Na oportunidade, foi possível reavaliar alguns dos depoimentos obtidos
anteriormente e, também, realizar os novos registros fotográficos para subsidiar o estudo
comparativo. Isso utilizando-se tanto as imagens registradas, como as oralidades com as
diferentes representações sobre os fatos, bem como observar os resultados das ações
solicitadas pelo indígenas ao Estado Nacional e identificar as providenciadas cumpridas ou
negligenciadas nas situações das TIs pesquisadas.
Os trabalhos de campo realizados entre 2007 a 2009 na TI Tremembé de São José
e Buriti equivalem dois períodos correlatos ao mês de janeiro de 2008 e de 2009. Estes,
somados a outros dois períodos antecedentes ao curso de Doutorado em janeiro e julho de
2007, com trabalhos nas aldeias São José e Buriti e extensivos ao povo Tremembé de
Almofala nas aldeias (Praia de Almofala, Varjota e Saquinho) no município de Itarema e ao

15
Em 2008, durante o Abril Indígena, montado na Esplanada dos Ministérios em Brasília, localizou-se liderança
Tremembé de São José e ao entrevistá-la foi possível atualizar as informações para a pesquisa. Neste evento a
citada liderança representava os Tremembé de São José e Buriti para reivindicar agilidade no processo de
demarcação da sua TI.
16
Na reunião entre o povo Tremembé de Buriti e representantes da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) na
comunidade Buriti, Itapipoca-CE em julho de 2007. No Abril Indígena 2008 em Brasília-DF e no II Seminário
Internacional de Turismo Sustentável (II SITS) em Fortaleza, Ceará de 12 a 15 de maio de 2008.
17
As entrevistas com os atores não-indígenas das ONGs (Associação Missão Tremembé, REDE TUCUM e
Instituto Terramar) foram agendadas. Apesar de tentar dialogar com representante da FUNAI/Ceará e, também,
com habitante da aldeia São José que trabalhava como “tesoureiro” para o Nova Atlântida, não houve
possibilidade. Realizou-se entrevistas informais com alguns técnicos de programas (CARTEIRA INDÍGENA e
PDPI) do governo federal no MMA em Brasília, responsáveis por projetos socioambientais financiados para os
povos indígenas objetos da pesquisa e, também, com dois membros do Grupo Técnico nomeados pela
FUNAI/SEDE para conduzir os Estudos de Identificação da TI Tremembé de São José e Buriti.
46

povo Tremembé Córrego do João Pereira na aldeia (Capim-Açu) nos municípios de Itarema e
Acaraú, totalizados em quatro períodos. Na oportunidade entrevistou-se lideranças indígenas
e se conheceu o artesanato (em cerâmica) produzido por cinco mulheres indígenas na aldeia
Saquinho. Na aldeia Varjota foi possível ver o artesanato em tear produzido por outro grupo
de mulheres indígenas e, o uso da serigrafia aplicada com desenhos indígenas em camisetas e
em azulejos por um grupo de quatorze jovens (rapazes) indígenas. A totalidade deste
artesanato de Saquinho e Varjota transformado em produção comercial foi nomeado como
Arte Tremembé e destina-se a comercialização no Centro de Artesanato do Ceará (CeArT), em
Fortaleza. Foi fundamental durante a pesquisa de campo conhecer as outras TIs dos
Tremembé, além de realizar os trabalhos in loco na TI Tremembé de São José e Buriti.
Ressalta-se que para a localização da citada TI no trabalho de campo inicial em,
janeiro de 2007, contou-se com a colaboração de três indígenas que estavam de passagem pela
pousada na Praia da Baleia, município de Itapipoca na qual a pesquisadora estava hospedada
e, estes dependiam de condução para retornarem às aldeias São José e Buriti. Apesar o fato de
naquele momento a TI Tremembé de São José e Buriti ainda não ter iniciado o processo de
demarcação e, por isso, não havia obrigatoriamente a formalização de autorização para o
acesso à TI, mesmo assim ao chegar às aldeias procurou-se as caciques de São José e de Buriti
que nesse dia encontravam-se ausentes. Dois dos indígenas Tremembé de Buriti que estavam
trabalhando na Baleia, resolveram acompanhar os pesquisadores pela TI, inclusive por
terrenos já apropriados pelo Nova Atlântida. E, durante aquele momento, apareceram três
veículos buggies conduzidos por estrangeiros, um deles alcunhado pelos indígenas como o
fortão pela peculiar estatura. Estes, encontravam-se acompanhados de habitantes das aldeias
que negam sua identidade indígena Tremembé por estarem servindo de mão-de-obra informal
para o Nova Atlântida. Os buggies circulavam repetidamente e os seus condutores
demonstravam-se curiosos e incomodados com a presença de pesquisadores na área.
Entretanto, em nenhum instante estes representantes do Nova Atlântida propuseram dialogar,
apenas estavam no local observando-nos. Os citados Tremembé conduziram a pesquisadora à
casa de duas lideranças indígenas Tremembé de Buriti, e no dia seguinte retornou-se e foram
mantidos os contatos com as outras lideranças que prontamente concederam entrevistas.
No retorno a TI Tremembé de São José e Buriti em julho de 2007, janeiro de 2008
e para a finalização dos trabalhos (para esta pesquisa) em janeiro de 2009, em todos esses
períodos pode-se observar a existência de conflitos entre indígenas, inclusive envolvendo
membros da mesma família por conta das pressões do empreendimento turístico,
47

comprometendo até a integridade moral de uma das lideranças da aldeia Buriti, acusada de
ceder às pressões e propostas do Nova Atlântida, bem como alterações na paisagem,
apresentando novas construções e evidências de impactos socioambientais. Ressalta-se que
desde o ano de 2007 manteve-se contato com representantes da AMIT para atualizar os dados
referentes aos Tremembé pesquisados.
Os trabalhos de campo realizados entre 2009 e 2010 na TI Aldeia Lagoa
Encantada do povo Jenipapo-Kanindé correspondem a dois períodos nos meses de janeiro de
2009 e dezembro de 2010. Somente após a autorização concedida18 pela cacique teve-se
acesso à TI Aldeia Lagoa Encantada. Na mesma data após contato com uma liderança
indígena, esta informou que a cacique encontrava-se em sua companhia e ambos participavam
de culto na Igreja Assembléia de Deus no centro de Fortaleza e dependiam de deslocamento
para retornar à aldeia em Aquiraz. Colaborou-se conduzindo-os e logo obteve-se o aval para
ingressar na TI. Nessa mesma data mencionou-se para as lideranças indígenas o interesse em
realizar os trabalhos de campo nessa TI e, como não houveram objeções, iniciou-se
imediatamente. No dia seguinte, retornou-se para realizar duas trilhas referentes ao roteiro
turístico e, ainda, obter novos depoimentos, registros fotográficos e dar a continuidade aos
demais levantamentos no entorno da TI.
No intervalo entre os trabalhos de campo, manteve-se contato por meio de alguns
telefonemas com duas lideranças indígenas Jenipapo-Kanindé já entrevistadas a fim de
atualizar os dados necessários. No ano seguinte em, dezembro de 2010, regressou-se para
outra etapa de trabalhos de campo na mesma TI. Na ocasião havia sido inaugurada(o) a Escola
de Ensino Fundamental e Médio Jenipapo-Kanindé Diferenciada Raízes Indígenas em
Aquiraz-CE e o Museu Indígena. A Associação de Mulheres Indígenas Jenipapo-Kanindé
havia conseguido aprovar um novo projeto para ampliar as ofertas no roteiro turístico
desenvolvido na aldeia. No mesmo período os Jenipapo-Kanindé apresentavam novos
conflitos territoriais provocados, segundo este povo indígena, pela Pecém Agroindustrial
Ltda. Ressalta-se que desde o ano de 2008 manteve-se contato com representantes das ONGs
Instituto Terramar e Rede Cearense de Turismo Comunitário (REDE TUCUM), tanto para
conhecer sobre o projeto de turismo do povo Jenipapo-Kanindé inserido nesta Rede, como a
respeito da continuidade dessa experiência. E, também, saber sobre os prejuízos causados ao
referido projeto em decorrência dos conflitos territoriais do povo Jenipapo-Kanindé com o

18
5 de janeiro de 2009.
48

grupo empresarial citado, devido à redução do nível de água da Lagoa Encantada por
bombeamento ilegal realizado nesta Lagoa e modificações ambientais evidentes.
Iniciou-se a pesquisa em São José e Buriti, tanto com os moradores daqueles
locais que se reconheciam como Tremembé como aqueles/as que negaram a identidade
indígena, além de não-indígenas representantes governamentais de instituições ligadas ao
tema pesquisado, e ainda, de membros de AMIT. Devido ao clima de conflitos e tensões, não
foi possível entrevistar representantes do Nova Atlântida. Na TI Jenipapo-Kanindé, realizou-
se entrevistas com os indígenas e não com visitantes,19 e também com representantes da
REDE TUCUM (atuante como uma entidade do trade turístico local) por gerir a Rota de
Turismo Comunitário com povos e comunidades tradicionais no litoral leste e oeste cearense.
Estes olhares mencionados sendo direcionados para avaliar as relações entre os atores sociais
indígenas e não-indígenas. Para os dois povos pesquisados foi necessário observar também o
relacionamento destes com suas terras, bem como analisar nos espaços físicos, sociais,
políticos e culturais as atividades e as estruturas erguidas para o turismo. As anotações
oriundas das observações e das transcrições decorrentes dos depoimentos foram associadas
aos registros fotográficos e as pesquisas bibliográficas e documentais relatadas.
Realizou-se entrevistas formais com os seguintes indígenas: vinte uma com os
Tremembé de São José e Buriti; quatorze com os Jenipapo-Kanindé; quatro com os
Tremembé de Almofala; duas com os Tremembé Córrego do João Pereira; uma com Pataxó
do Extremo Sul da Bahia; seis com membros da AMIT; três com membros da REDE
TUCUM e uma com gerente de pousada na praia da Baleia em Itapipoca. Quanto às
entrevistas informais foram realizadas duas com técnicos da FUNASA no Ceará; quatro com
técnicos da Carteira Indígena e do PDPI; uma com técnico do PRODETUR; duas técnicas20
do GT/FUNAI; duas com membros do Instituto Terramar; uma com representante da CeArt;
duas com proprietários de pousada na praia de Mundaú em Trairi.
A tese está dividida em introdução, quatro capítulos e considerações finais. O
primeiro demonstra produções da Geografia e da Antropologia sobre os povos indígenas e o

19
Durante os trabalhos de campo não coincidiu participarem outros visitantes, além dos pesquisadores, a autora
dessa tese e três professores da (UnB, UFG e Universidade de Trento na Itália). As duas úlimas presentes em
uma fase dos citados trabalhos. Da mesma forma que fazem os outros visitantes, agendou-se as visitas com um
indígena. Este recepcionou os visitantes na aldeia e esteve como monitor durante o percurso de duas trilhas do
roteiro turístico desenvolvido na TI. Além das trilhas, visitou-se as infra-estruturas ofertadas no mesmo roteiro e
registrou-se as imagens autorizadas. Ao finalizar às visitas pagou-se pelos serviços turísticos, previamente
acordados com duas lideranças indígenas Jenipapo-Kanindé familiares da cacique da aldeia.
20
A coordenadora do GT e uma outra técnica, nomeadas em 2009, para iniciar o processo de demarcação da TI
Tremembé de São José e Buriti conforme o Decreto 1.775/96.
49

turismo, onde enfatiza-se as intercorrências do turismo no território. Apresenta-se alguns


estudos fora do Brasil e prioriza-se aqueles sobre os povos indígenas do Nordeste. O segundo
apresenta um histórico sobre os projetos de turismo envolvendo povos indígenas a partir de
programas de governo com os acordos cooperados internacionais, por meio de instituições do
terceiro setor e os resultantes de parcerias entre governo e empreendedores do turismo que
juntos negligenciam os povos indígenas e têm interesse em suas TIs. O terceiro trata dos
povos indígenas do Nordeste e discuti a invisibilização oficial destes, bem como os seus
protagonismos a partir da década de 1970 e, especialmente, na década de 1980, período que os
povos indígenas do Ceará também manifestam-se por lutas e conquistas dos seus direitos
constitucionais como indígenas. O quarto capítulo equivale a pesquisa empírica sobre os dois
povos indígenas delimitados e os projetos de turismo nas suas TIs. Neste os depoimentos,
matérias jornalísticas, documentos jurídicos e alguns autores retomados embasam a discussão.
Portanto, deste produto final acadêmico, a tese, espera-se tê-la desenvolvido com
o compromisso de que, “ao tornar pública [a pesquisa], o pesquisador deixa de ser o ‘dono’ de
suas descobertas, já que estas se incorporam ao conhecimento produzido pela comunidade
científica.” (MOROZ; GIANFALDONI, 2002, p. 92). Deste modo, dividi-se as leituras e
novas discussões geradas com aquele(a)s que desejam refletir sobre uma outra visão de
mundo a respeito dos povos indígenas, do turismo e do território, aprimorada e transferida às
páginas descritas ao longo dos quatro anos de aprendizado teórico e vivido baseado na
experiência com os Tremembé de São José e Buriti e os Jenipapo-Kanindé do Ceará.
50

1 POVOS INDÍGENAS, TURISMO E TERRITÓRIO NA INTERFACE


DA GEOGRAFIA E DA ANTROPOLOGIA

Neste capítulo, o propósito é demonstrar o estado da arte a respeito de os povos


indígenas e o turismo na interface da Geografia Humana e da Antropologia (Etnologia
Indígena), ciências impulsionadoras do colóquio. Na análise particular a respeito do turismo,
sem desmerecer as outras áreas que o discute, inclusive a Antropologia, ressalta-se que a
produção a respeito desse tema no Brasil consolida-se na Geografia Humana. Na averiguação
sobre povos indígenas, a Etnologia Indígena como ramo da antropologia social estuda os
povos indígenas/grupos étnicos, e visa à uma análise dessas sociedades, o que justifica a
ampla e consolidada produção sobre os povos indígenas na Antropologia. Deste modo, para
alcançar essa investigação conjugada sobre os povos indígenas e o turismo tece-se o diálogo
subsidiando-o pelas produções de geógrafos e antropólogos atentos a transversalidade do
turismo no Brasil. E, também, produções de alguns pesquisadores de outros países. Porém, no
contexto geral do capítulo pode-se recorrer às leituras complementares de outras ciências ou
aquelas decorrentes de produções institucionais quando forem indispensáveis para o debate.
No entremeio da análise sobre os povos indígenas e o turismo, o território emerge,
pois ao explanar a propósito do turismo como prática social vê-se que esse fenômeno cria,
modifica e valoriza diferentemente os territórios, como exemplo as TIs localizadas em Zonas
Costeiras, como será visto no caso do turismo maciço correlacionado à situação do povo
Tremembé de São José e Buriti e o turismo comunitário correlato ao caso do povo Jenipapo-
Kanindé da Lagoa Encantada.
Logo que está apresentado o capítulo, antes de discutir sobre os povos indígenas e
o turismo, primeiramente, evidencia-se algumas reflexões pertinentes a respeito do turismo.

1.1 A propósito do turismo: acepções, territórios apropriados, turismo maciço e turismo


comunitário

O turismo contempla várias interpretações e leituras de diversos níveis


(ambientais, políticos, econômicos, sociais e culturais) tornando-se assunto apropriado de
pesquisas para as Ciências Sociais e Humanas. Enfatizando-se ainda mais a importância de
51

reflexão e produção do conhecimento sobre o turismo Arnaiz Burne e Virgen Aguilar (2008,
p. 107) afirmam:
El turismo ha cobrado una mayor importancia como fenómeno social, debido al gran
número de desplazamientos de personas que provoca y a lo complejo de las
interrelaciones que genera, lo que hace difícil su definición, al adoptar diferentes
roles e interpretaciones, dependiendo de la forma en que se estudie, de las relaciones
que genera y del ámbito geográfico en que se da [...].

Alguns autores que discutem sobre o turismo assinalam a complexidade deste


fenômeno e a dificuldade em definí-lo, inclusive por ser, o turismo, bastante variável às
conjunturas que o abrange. De acordo com Virgen Aguilar; Orozco Bravo e Gutiérrez López
(2008, p. 77):
Existen numerosas y variadas concepciones sobre el turismo, coincidiendo la
mayoría en el desplazamiento de personas [...] fuera de su residencia habitual con el
objeto de ejercer actividades que satisfagan sus necesidades y deseos de descanso,
recreación y desarrollo personal que se da en una comunidad de acogita [...].

Deste modo, conforme Almeida, Maria (2006a) o turismo ocasiona o deslocar do


ambiente de vivência para o ambiente de outras pessoas. Para a autora o que o diferencia das
demais modalidades é a condição do turista realizar seu deslocamento tendo em vista o lazer e
a recreação para lugares em que outras pessoas exerçam suas atividades de trabalho e tenham
as suas vidas. A partir de uma perspectiva antropológica
Turismo indica movimento de pessoas que não estão a trabalho em contextos
diferentes do de origem, seja este o lar, a cidade ou o país. Trata-se, geralmente, de
visitação a lugares onde poderão ser desempenhadas as mais variadas formas de
atividades práticas e/ou subjetivas desde que não o trabalho [...]. (GRÜNEWALD,
2003a, p. 141-142).

Balizando-se os dois pontos de vista acima, a acepção sobre o turismo expressada


por Almeida, Maria (2006a), vai além da comentada por Grünewald (2003a). Isso pelo fato da
citada autora não apresentar apenas uma noção geográfica do que seja turismo. Na sua menção
está a complexidade da relação social provocada pelo turismo, ou seja, o fenômeno tem um
significado para quem chega para usufruir do lazer e da recreação e, um outro sentido, para
quem recebe o visitante no seu lugar de vivência e de trabalho. Em outra obra a autora
completa “São relações dissimétricas que se estabelecem entre a coletividade antiga, amante
do silêncio e da tranqüilidade e os novos que chegam.” (ALMEIDA, Maria, 1998a, p. 26). O
turismo praticado por uns, significa o laborar de outros.
Assim, uma ou duas acepções ainda são incapazes de congregarem completamente
o significado do turismo. De acordo com Cordero Ulate (2006, p. 24) “el turismo, en tanto
actividad social, posiblemente tenga una trayectoria muy larga en la historia humana.” O
52

fenômeno traduz-se por uma trama de definições cada vez mais porosas, pois coaduna
segundo Molina e Rodríguez (2001) conotações, sentidos e implicações bastante complexas,
que ultrapassam elementos quantitativos. Para estes mesmos autores o turismo resulta de
ações sociais e culturais não absolutamente quantificáveis. Para Grünewald (2003a, p. 142-
143):
A amplitude e a relevância do turismo como fenômeno social é crescente [...] pelas
suas inúmeras manifestações concretas [...] em diversas tipologias que tentaram
estabelecer assuntos/objetos temáticos no âmbito desse amplo fenômeno [...]. Nas
ciências sociais, os estudos sobre turismo começam a se fixar entre os anos 60 e 70,
quando aparece um número significativo de trabalhos [...] mas ganham força na
década seguinte e principalmente com foco sobre pequenas comunidades e as
interações sociais entre turistas e hospedeiros. Uma multiplicidade de objetos
começa a se colocar aos pesquisadores nos anos seguintes, e esses passam a ser
tratados pelos mesmos métodos e teorias comuns à pesquisa antropológica em geral,
tanto urbana quanto rural e de grupos étnicos.

Ao longo das últimas décadas o turismo expande-se veementemente e importantes


produções acadêmicas debatem as “manifestaciones que afectarán tanto al sujeto como al
objeto del turismo.” (ARNAIZ BURNE; VIRGEN AGUILAR, 2008, p. 107). No artigo
intitulado, O Imprescindível Aporte das Ciências Sociais para o Planejamento e a
Compreensão do Turismo, a pesquisadora Barretto, Margarita (2003) apresenta ampla
discussão sobre o turismo em vários países e décadas. Steil destaca que a citada “autora
percorre uma vasta literatura internacional e nacional, mostrando que já existe um acúmulo
significativo de reflexão na área que aponta para uma certa consolidação da temática nas
ciências sociais.” (2003. p. 7). No mesmo artigo, Barretto, Margarita, também ressalta os
“estudos de antropologia aplicados ao turismo, tarefa que já foi empreendida com diferentes
enfoques nos Estados Unidos por Nash [...] na Inglaterra por Burns (2002) e, no Brasil, por
Banducci Jr. (2001) e por Steil (2002).” (2003, p. 16). Dentre estes autores, Burns considera
que a “Antropologia [...] pode ser uma ferramenta poderosa para a compreensão do turismo -
atividade que, cada vez mais, incorpora territórios e sociedades, produzindo trocas
econômicas e culturais nem sempre igualitárias.” (2002, p. 15).
Em decorrência também destas trocas desiguais entre os atores sociais que
proporcionam e os que usufruem do turismo, este fenômeno nas duas últimas décadas do
século XX tem recebido maior atenção dos teóricos e gerado outras importantes produções
acadêmicas, pois:
El turismo es una actividad heterogénea, un mosaico abigarrado de interpretaciones,
análisis, concepciones, visiones y paradigmas a través de los cuales se estudia. Puede
ser analizado desde la perspectiva de sus impactos sociales, culturales, económicos y
ambientales; impactos que son ambivalentes y que son consecuencias de las
relaciones sociales que se establecen en un destino turístico, de acuerdo con el tipo
53

de turismo y de turistas. Es, además, una relación que se establece en el tiempo y el


espacio, que repercute en el nivel de aceptación del turismo por la comunidad [...].
(OROZCO ALVARADO, NÚÑEZ MARTÍNEZ, VIRGEN AGUILAR, 2008, p. 5).

O assunto turismo, sem nenhuma dúvida, é um tema importante para enfocar na


Geografia por “duas características intrínsecas [...] Uma delas é o fato de o turismo ser; antes
de qualquer coisa, uma prática social. A outra é o fato de ser o espaço seu principal objeto de
consumo.” (CRUZ, 2006, p. 338). Mesmo assim, ainda que se consolidem produções
acadêmicas sobre o turismo “há 40 anos apenas que, vencendo a resistência de seus pares,
alguns cientistas [...] ousaram abordar um tema que não goza, até agora, de prestígio
acadêmico.” (BARRETTO, Margarita, 2003, p. 15). Apesar de irrelevante como tema, para
alguns teóricos, “a experiência histórica do turismo na sociedade e as suas interpretações,
registradas na produção científica e literária, certamente refletem a presença quase universal
do turismo na sociedade [...].” (STEIL, 2003, p. 7).
Como ser indiferente ao fenômeno turismo criador de novas territorialidades?
Afirma Cammarata (2006, p. 356) que “Las prácticas sociales del turismo crean, transforman
e inclusive valorizan diferencialmente los territórios que no tenían valor desde la lógica de la
producción”, como exemplo, as TIs. Portanto, convém enfatizar algumas interpretações que
proporcionam transversalidades em acepções atinentes ao termo território na Geografia. E,
ao mesmo tempo, interligam-se com as situações decorrentes do turismo e da reelaboração
étnica tratadas na pesquisa em questão, como no Quadro 1 a seguir.
Na referida ilustração listou-se alguns trabalhos a propósito de territórios com o
intento de examinar determinadas definições, e não para legitimar conceitos o que é além do
alcance desse estudo. Os conceitos serão utilizados na medida em que ajudam para esclarecer
os casos abordados. Para Fernandes (2009, p. 210) “Determinar uma interpretação ou outra,
ou várias, convencer, persuadir, induzir, dirigir faz parte da intencionalidade na elaboração
conceitual.” Por isso, apreende-se a verdade que “[...] hoje, mais do que nunca, os conceitos,
muito mais do que marcar diferenças, devem revelar multiplicidades, conexões,
superposições, o que implica reconhecer sempre os elos com outros conceitos, na
complexidade das questões que pretendemos desvendar.” (HAESBAERT, 2008, p. 399). É
esta a intenção no citado quadro conforme as interpretações e as fusões destas com os
depoimentos de indígenas; a notícia ressaltada por veículo de comunicação parceiro; o
repúdio do povo indígena Tremembé em carta aberta e as imagens registradas nos trabalhos de
campo, portanto, todo este contexto confluindo-se com os conceitos de território.
ANALOGIA COM
INTERPRETAÇÃO/ (AUTOR, ANO, PÁGINA)
A IMAGEM E
ORALIDADE
o território não se definia por um princípio material de apropriação, mas por um princípio cultural de
identificação ou, se preferirmos, de pertencimento. Este princípio explica a intensidade da relação ao
território. Ele pode ser percebido apenas como uma posse ou como uma entidade exterior à sociedade que o Figura 3
habita. É uma parcela de identidade, fonte de uma relação de essência afetiva ou mesmo amorosa ao
espaço. (BONNEMAISON; CAMBRÈZY 1996, p. 13 apud HAESBAERT, 2007, p. 51, grifos nossos).
[...] o território pode ser concebido a partir da imbricação de múltiplas relações de poder, do poder mais
material das relações econômico-políticas ao poder mais simbólico das relações de ordem mais estritamente Figura 4
cultural [...]. (HAESBAERT, 2009, p. 105, itálicos no original, negritos nossos).
O território é utilizado como conceito central na implantação de políticas públicas e privadas nos campos, nas
cidades e nas florestas, promovidas por transnacionais, governos e movimentos socioterritoriais. Essas
políticas formam diferentes modelos de desenvolvimento que causam impactos socio-territoriais e criam
Figuras 5
formas de resistências, produzindo constantes conflitualidades. Nesse contexto, tanto o conceito de Território
quanto os territórios passam a ser disputados. Temos então disputas territoriais nos planos material e imaterial.
(FERNANDES, 2009, p. 200, grifos nossos).
Os territórios imateriais são as bases de sustentação de todos os territórios. São construídos e disputados
coletivamente. As disputas territoriais são alimentadas pelas organizações e seus think tanks. É impossível
Figura 6
pensar os diversos territórios sem pensar os territórios imateriais e as pessoas e grupos que pensam os
territórios. (FERNANDES, 2009, p. 213, itálicos no original, negritos nossos).
Uma leitura renovadora do conceito de território é também proposta por Vanier (2008), para quem os
territórios extravasaram suas escalas, além de seus limites, para um mundo interterritorial. Isso é causado
pelas alianças, ligações e articulações que os territórios buscam, criando redes e fluxos entre si e com o
Figuras 7 e 8
mundo planetário [...]. A interterritorialidade nasce em práticas individuais e coletivas que, por sua vez,
surgiram de mutações sociais fundamentais, tais como [...] o império das redes. (ALMEIDA, Maria 2009, p.
179, grifos nossos)
Quadro 1: Algumas acepções geográficas sobre território
Fonte: Referências levantadas na pesquisa bibliográfica
LUSTOSA, Isis Maria Cunha. (Org.). 2011

54
55

Nós temos o terreiro na mata


entre a aldeia de São José e
Buriti para contato com os
nossos ancestrais [...] onde
encontramos nossas forças
espirituais. (A C C, liderança
indígena Tremembé de São
José).

Figura 3: Cemitério cercado pela mata, aldeia


São José, Itapipoca, Ceará.
Foto: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan., 2009

[...] a gente ficou triste com o


que a empresa Nova Atlântida
fez e vem fazendo [...]
destruindo as margens de
nossas estradas [...]
desmatando [...]. Os nossos
grilhinhos, floragens já se
saíram tudo por causa das
queimadas. (A C C, liderança
indígena Tremembé de São
José).

Figura 4: Trecho de acesso à TI Tremembé de São José


e Buriti com desmatamento, queimada e alargamento
da estrada para o tráfego de veículos grandes.
Foto: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan., 2009
56

O atual governo do Ceará personificado na figura de Cid Gomes, dá continuidade ao projeto


capitalista de seus antecessores. Os meios de comunicação oficiais anunciam aos quatro
ventos a instalação de grandes empresas […] resorts, o avanço [...] do turismo na costa
[...] como a solução desenvolvimentista para nossa miséria, sob o custo de incentivos fiscais
pagos pelos cofres públicos e da exploração insustentável dos recursos naturais por aqui
(ainda) existentes.
A integração do litoral através de rodovias muito bem estruturadas (as chamadas Costa do Sol
Nascente e Costa do Sol Poente) […] enfim, a construção de toda uma infra-estrutura apta a
receber diferentes investimentos internacionais, são sinais desta modificação que está se
operando tanto na configuração geográfica do nosso estado quanto nas relações sociais e de
trabalho em nível local. (JORNAL SEMENTE LIBERTÁRIA, 2008, p. 2, grifos nossos).

Figura 5 : Rodovia Estadual (via de acesso a TI Tremembé de São José e Buriti), com a
sinalização do município Itapipoca e da Rota Turística Costa Sol Poente (conjeturada pela
especulação imobiliária).
Fotos: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan., 2009
57

Figura 6: Acampamento Terra Livre/V Abril Indígena - 2008 com a liderança indígena
Tremembé da aldeia São José e, outros povos indígenas do Brasil, reinvidicando os
direitos constitucionais, Brasília - DF.
Fotos: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, abr., 2008

Nós, Tremembé das Comunidades São José e Buriti, distrito de Marinheiros/Baleia,


município de Itapipoca, no Ceará [...]
Desde 2002 enfrentamos uma luta pesada contra essa empresa que quer construir uma
cidade turística internacional em nossas terras. Podemos dizer que já foi dado início às
construções pela empresa, mesmo contra a liminar em Ação Civil Pública a nosso favor, do
Ministério Público Federal. Eles estão se aproveitando da situação da nossa terra ainda não
estar demarcada pela FUNAI. Pretendem expulsar nossas famílias das nossas terras de
origem para outro lugar.
As nossas comunidades são cheias de belezas naturais: matas, lagoas, rio. manguezal, água
limpa, ar puro, e não aceitamos esse mega projeto, não queremos ver nossas águas poluídas,
nossa mata devastada, nossos animais mortos. É da caça, da pesca e da agricultura que
vivemos [...]. Agora a empresa está perseguindo nossos apoiadores [...] por ter dado parecer
técnico da situação da nossa terra [...] que identificou cinco sítios arqueológicos na nossa
terra [...]. (CARTA ABERTA AOS AMIGOS APOIADORES DA NOSSA LUTA, 2007,
grifos nossos).
58

Figura 7: Placa identificando a inclusão do projeto do povo Jenipapo-Kanindé


na Rede Cearense de Turismo Comunitário (REDE TUCUM).
Foto: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan., 2010.

Figura 8: Logomarcas de Redes brasileiras de turismo com roteiros elaborados em parcerias


para desenvolver e fortalecer o turismo solidário e/ou comunitário.
Fontes: Disponível em: <http://turisol.wordpress.com/>. Acesso em: 25 out. 2011.
Disponível em: <http://www.tucum.org>. Acesso em: 25 out. 2011.
59

Por meio das interpretações apresentadas no quadro precedente e nas figuras e


oralidades correlatas, apenas apontou-se menções e imagens significativas para subsidiar
contextos necessários neste estudo, especialmente sobre o que os autores citam relativos às
relações de poder, às resistências, às sujeições, os conflitos, as disputas territoriais, os planos
materiais e imateriais, às articulações para criações de redes, os princípios culturais de
identificação, as práticas coletivas e outras correspondentes, como simultâneamente
expressado:
O território significa natureza e sociedade; economia, política e cultura; idéia e
matéria; identidades e representações; apropriação, dominação e controle; des-
continuidades; conexão e redes; domínio e subordinação; degradação e proteção
ambiental; terra, formas espaciais e relações de poder; diversidade e unidade. Isso
significa a existência de interações no e do processo de territorialização, que
envolvem e são envolvidas por processos sociais semelhantes e diferentes, nos
mesmos ou em distintos momentos e lugares, centradas na conjungação, paradoxal,
de des-continuidades, de desigualdades, diferenças e traços comuns. Cada
combinação específica de cada relação espaço-tempo é produto, acompanha e
condiciona os fenômenos e processos territoriais. (SAQUET, 2007, p. 24)

O conceito apresentado por Saquet, além de promover uma congruência teórica


com as acepções demonstradas no Quadro 1, como um desfecho das outras falas e uma base
para esta pesquisa, também destaca o processo de territorialização. Torna-se significativo
registrar o citado processo a partir de uma perspectiva antropológica. Assim sendo, afirma
Oliveira Filho:
O que estou chamando aqui de processo de territorialização é precisamente o
movimento pelo qual um objeto político-administrativo – nas colônias francesas
seria “etnia”, na América espanhola as “reduciones” e “resguardos”, no Brasil as
“comunidades indígenas” – vem a se transformar em uma coletividade organizada,
formulando uma identidade própria, instituindo mecanismos de tomadas de decisão e
de representação, e reestruturando as suas formas culturais (inclusive as que se
relacionam com o meio ambiente e o universo religioso). (2004, p. 24).

Neste processo de organização social das “comunidades indígenas”, acima


ressaltado pelo autor, os povos indígenas na contemporaneidade ao redefinirem o controle
social sobre os seus recursos ambientais nas TIs e reelaborarem a sua cultura observam que as
TIs tornam-se “lugares [...] particularmente representativos como produto turístico [...].”
(ALMEIDA, Maria, 2006a, p. 117). Produto este de interesse para atores sociais contra-
hegemônicos adeptos ao turismo comunitário. E, também, hegemônicos favoráveis ao turismo
maciço com “expressiva nitidez na pressa em construir espaços integrados às novas condições
de reprodução do capital.” (LIMA, Luiz, 2006, p. 104).
Esta adesão ou aversão ao turismo por parte dos povos indígenas em suas TIs têm
gerado produções acadêmicas ou trabalhos técnicos sobre estes assuntos. A Geografia
60

Humana por produzir importantes pesquisas sobre o turismo, e a Antropologia por favorecer o
maior suporte teórico sobre os povos indígenas, juntas revelam algumas produções sobre os
povos indígenas e o turismo no Brasil, destacadas nos Quadros 2 e 3. As duas ilustrações,
apresentam autores com estudos nos referidos temas, também permitem averiguar os períodos
em que as pesquisas predominam e ao identificar as palavras-chave destas produções
promovem a correlação de algumas delas com as categorias de análise discutidas nesta tese.

Autor Data Palavras-Chave do Estudo

MORETTI; CABREIRA 2002-2005 Turismo; Cultura; Reserva Indígena; Espaço

LAGEANO DE JESUS 2004 Turismo Indígena; Território Indígena;


Desenvolvimento Regional
MEIRELES 2005-2007 Educação Ambiental; Turismo Comunitário; Terra
Indígena Jenipapo-Kanindé
OLIVEIRA, Vanderlei 2006 Turismo Indígena; Território; População Indígena
Krahô e Modernidade
FARIA 2007a Ecoturismo Indígena; Território; Sustentabilidade;
Participação; Autonomia

Quadro 2: Estudos na Geografia Humana sobre povos indígenas e o turismo


Fonte: Referências levantadas pela autora durante a pesquisa bibliográfica
LUSTOSA, Isis Maria Cunha. (Org.). 2011.

Autor Data Palavras-Chave do Estudo

GRÜNEWALD 1999 Tradição; Turismo; Pataxó

2001
LAC 2005 Turismo Étnico; Kaingang; Hospitalidade; Fronteira
Cultural
CASTRO 2008 Identidade Étnica; História; Pataxó

SANTOS, Luciano 2010 Turismo; Amazônia; Povos Indígenas; Política


Indígenista
Quadro 3: Estudos na Antropologia sobre povos indígenas e o turismo
Fonte: Referências levantadas pela autora durante a pesquisa bibliográfica
LUSTOSA, Isis Maria Cunha. (Org.). 2011.
61

Assim, a Geografia Humana e a Antropologia equivalem significativas pedras


angulares nas discussões a respeito da adesão do turismo comunitário pelo povo indígena
Jenipapo-Kanindé baseado em um modelo de turismo numa “proposta humanista [...] que
expressa o território [...] como abrigo e recurso, prenhe de simbologia, onde predominam as
relações de poder local [...].” (RODRIGUES, 2006, p. 306). E, também, contribuem para
averiguar a aversão e/ou adesão ao turismo imposto para o povo indígena Tremembé de São
José e Buriti a partir do “ ‘modelo economicista’ [...] considerando os fluxos do turismo
internacional capitaneados por macro-atores [...] motivado pela valorização dos atrativos
tropicais sob o signo sol e praia.” (RODRIGUES, 2006, p. 306). Essa conjuntura sol e praia
ainda impera no Ceará, como uma reprodução do que foi criado para mudar o panorama do
Nordeste, logo dos seus estados para fins turísticos, como afirma Almeida, Maria (2004, p. 1,
grifos nossos):
O Nordeste [...]. De uma região conhecida no cenário nacional pela seca, miséria e
flagelados, as ações de políticas revalorizaram elementos da natureza até então
negligenciados como o sol e a praia mudando sua imagem para região turística em
ascensão. Ou seja, pode ocorrer de um espaço qualquer ser planificado,
institucionalizado enquanto lugar turístico. Iniciativas públicas e privadas unem-se
e criam territórios [...] selecionados como tal pela excepcionalidade de seus
recursos naturais.

A mesma autora em outra obra, bem anterior, já havia revelado:


No caso do Ceará inventou-se o litoral como lugar turístico [...]. É o próprio estado
que institucionaliza a turistificação, isto é o processo de apropriação do lugar pelo
turismo, através da segmentação do litoral em áreas estratégicas de desenvolvimento
do turismo e proposição de políticas para as mesmas. O governo do Estado teve e
tem, portanto, um papel importante na criação e emergência deste novo litoral.
(ALMEIDA, Maria, 1998a, p. 20).

As experiências turísticas decorrentes de inciativas públicas e privadas, perduram


e, cada vez mais, redefinem e apropriam-se de territórios, como na situação de TIs
(especialmente as localizadas em Zonas Costeiras), seja agregando os indígenas numa mesma
iniciativa turística, seja desagregando-os e até negando-os como povos indígenas para dar
lugar ao investidor de fora como apropriador de suas terras. Em algumas situações, como as
relativas ao turismo de modelo economicista, ainda para a mesma autora,
O turismo tem se revelado como uma forma de exploração planejada, uma
estratégia de ampliação da apropriação de recurso dos países industrializados
nos países em desenvolvimento porém, ainda ricos em ecossistemas naturais de
interesse turístico. Foi o caso de Cancun, no México, Cartagena na Colômbia e o
litoral cearense onde os principais empreendimentos são de investidores norte-
americanos, espanhóis, portugueses e franceses [acrescento os italianos]. O
turismo, neste caso, também se revela como um campo propício para a
reprodução e consolidação dos valores e interesses de grupos capitalistas
privados e do Estado. São estes que definem o modelo de desenvolvimento
turístico, isto é, o conjunto de estratégias desenhadas para alcançar objetivos
62

determinados. A cada modelo de turismo corresponde uma série de impactos,


decorrente das relações desta nova atividade com as demais atividades
humanas e com o território. (ALMEIDA, Maria, 2004, p. 2, grifos nossos).

No caso do litoral cearense, citado por Almeida (2004), apesar de praticamente


tomado pelos investimentos de capital estrangeiro, as poucas áreas da Zona Costeira ainda
restantes nesse estado, incluindo-se as pertencentes a alguns povos indígenas, são territórios
de grande interesse para o uso e a apropriação a fim de servirem ao modelo de
desenvolvimento turístico beneficiador dos grupos capitalistas, nada interessados em
considerar que para os povos indígenas “O território é o fundamento do trabalho; lugar da
residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida.” (SANTOS, Milton, 2007, p. 14).
Ao cotejar autores na discussão sobre o avanço do turismo nos referidos territórios em países
emergentes, também revelado por Almeida (2004), ao mesmo tempo, demonstrando o
Nordeste e, novamente, o Ceará, como destinos turísticos prioritários para os investidores, lê-se:
A valorização das zonas de praia pelo turismo, nos países em desenvolvimento,
instaura discussões [...]. Esta reviravolta evidencia, no Nordeste do Brasil, o
processo de litoralização21, movimento iniciado e organizado a partir do final dos
anos 1980 e cujas repercussões também atingem o Ceará. (DANTAS, 2002, p. 56,
itálico do autor, negritos nossos).

Áreas que antes não tinham quase valor de troca, tornam-se objeto da especulação
imobiliária, “deslocando da primazia o papel do uso”. (SANTOS, Milton, 2007, p. 16). E, em
muitas situações da super valorização destas áreas litorâneas, o Estudo de Impacto Ambiental
(EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), instrumentos obrigatórios da Política
Nacional do Meio Ambiente, são negligenciados e os impactos socioambientais
potencializados. Para Becker “a zona costeira tem sido ocupada velozmente, num processo
onde o turismo é um fator importante para a ocupação.” (2001, p. 2). Na concepção de
Rodrigues (2006) o turismo como uma atividade monopolista revela-se nos países emergentes
por meio dos benefícios outogardos pelo estado nação aos grandiosos grupos empresariais a
fim de viabilizar os seus equipamentos turísticos, como exemplo os grandes hotéis. Corrobora
Coriolano (2006b, p. 369-370):
O turismo é, na atualidade, um dos eixos desencadeadores dessa espacialização, age
desterritorializando/reterritorializando e produzindo novas configurações
geográficas. Assim, regiões litorâneas, originalmente ocupadas pelos indígenas [...]

21
O autor na citação destaca que “O termo litoralização representa um neologismo explicitador do movimento
de ocupação contemporânea do litoral. A necessidade de criação de um termo é conseqüência da transformação
do movimento de valorização do litoral em verdadeiro fenômeno de sociedade, ligado a uma urbanização
significante dos espaços litorâneos e traduzido na inserção gradual das zonas de praia à lógica derivada de uma
sociedadede [...] turística. (DANTAS, 2002, p. 58).
63

são expropriadas para dar lugar [...] aos grandes resorts, às cadeias hoteleiras [...].
Nessa produção espacial faz-se necessário considerar a luta dos diferentes atores
locais: os nativos usuários do espaço litorâneo que tentam defender suas
propriedades, ou bens de usos, contrapondo-se aos interesses dos empresários, dos
agentes imobiliários e do próprio estado que se interessam pelo valor de troca do
espaço, pois o transformaram em mercadoria.

As pressões daqueles que detêm o capital privado geram conflitos (entre) e (para)
os povos indígenas, especialmente os causados por investidores internacionais comboiados
pelo Estado Nacional, pois “O território é o lugar em que desembocam todas as ações, todas
as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do
homem plenamente se realiza a partir das manifestações da sua existência.” (SANTOS,
Milton, 2007, p. 13). Existe realmente outra modalidade de turismo que não proporcione a
expropriação das terras indígenas? Ou não transforme os indígenas em meros locadores de
atividades para o turismo no interior desses territórios? As mesmas tensões e pressões
comentadas, também podem suscitar as resistências dos que se sentem coagidos. Emergem
experiências como o turismo comunitário e, ainda, de acordo com Coriolano (2006) citada por
Vasconcelos e Coriolano (2008, p. 271),
[...] o turismo alternativo e comunitário faz contraposição ao turismo global. Como o
turismo globalizado, voltado para os mega-empreendimentos, chegou aos países
ditos em desenvolvimento, mas não ofereceu oportunidades e vantagens às
comunidades receptoras por não incluí-las em seus projetos, muitas comunidades,
especialmente no Nordeste e Norte do Brasil, inventaram uma forma diferente de
organizar a atividade – o turismo comunitário.22 Programaram outro tipo de turismo
de base local, que busca a sustentabilidade sócio-ambiental, prioriza os valores
humanos e culturais, e descobre formas inteligentes de participação na cadeia
produtiva do turismo, com produtos diferenciados, e com uma nova visão do lugar e
de turismo; um turismo que não é só do consumo, mas de troca de experiências, de
laços de amizades e de valorização cultural.
Nessa contraposição do turismo comunitário ao turismo global ou maciço,
considera-se que embora essa modalidade turística comece a ser adotada por povos indígenas
e desenvolvida em suas TIs, suscita dúvida sobre a real concepção que estes povos possuem
sobre o assunto, bem como da verdadeira participação coletiva de indígenas nas experiêcias de
turismo comunitário em suas aldeias, ou seja, como detentores das iniciativas comunitárias,
das atividades a serem conduzidas e dos retornos lucrativos a serem partilhados.
O turismo comunitário praticado no interior das aldeias indígenas pode se tornar
instrumento de poder criando opressores e oprimidos, inclusive entre os próprios indígenas?
Os territórios indígenas não estão imunes do poder, seja este de determinações internas ou
externas, portanto, alguns indígenas podem estar apenas executando atividades e ao mesmo

22
Nesta pesquisa, também adota-se a mesma nomenclatura. Ao longo das abordagens de alguns autores de
instituições governamentais e de não governamentais poderá aparecer como turismo de base comunitária.
64

tempo sendo representativos como atores sociais numéricos – os nomeados públicos alvo –
quantificáveis para aprovar os projetos públicos e privados de turismo comunitário, sem ao
menos compartilhar dos benefícios, incluindo-se os financeiros. Para esta ponderação remete-
se a Maurice Godelier (1984, p. 115) citado por Haesbaert (2007, p. 54) o qual afirma que “as
formas de propriedade de um território são ao mesmo tempo uma relação com a natureza e
uma relação entre os homens.” No mesmo artigo Haesbaert também assevera que Maurice
Godelier considera que na situação da relação entre os homens esta é “dupla: uma relação
entre as sociedades ao mesmo tempo que uma relação no interior de cada sociedade entre os
indivíduos e os grupos que a compõem.” (1984, p. 115). Assim, ao concluir esta reflexão
retoma-se a texto de Haesbaert em que este afirma: “O território [...] define-se antes de tudo
com referência às relações sociais (ou culturais, em sentido amplo) em que está mergulhado,
relações estas que são sempre, também, relações de poder.” (2007, p. 54).

1.1.1 O turismo comunitário: argumentos e tendências

Regressa-se à cena do turismo comunitário que não é modelo turístico reservado


somente aos povos indígenas. Este é praticado em terras de diferentes comunidades
tradicionais e, segundo Sansolo e Bursztyn (2009, p. 142-143), ao “ proporcionar a ampliação
das práticas cotidianas em suas terras o turismo de base comunitária se insere [...] em um
conjunto de atividades que representam uma nova multifuncionalidade dos espaços” e tem
provocado, cada vez mais, a atenção dos pesquisadores. Para aclarar sobre a evolução destas
pesquisas afirma Irving (2009, p. 108-109):
Durante muitos anos, a reflexão sobre turismo de base comunitária, no Brasil, trazia
em sua expressão um sentido marginal, periférico e até mesmo romântico, diante das
perspectivas de um mercado globalizado e ávido por estatísticas e receitas. Neste
período, poucos foram os pesquisadores que se atreveram a mergulhar neste campo
de investigação, uma vez que esta marginalidade sutil vinha também impregnada de
uma crítica silenciosa de distanciamento da realidade, considerando-se as tendências
de políticas públicas, em âmbito nacional e internacional. Assim, embora muitas
tenham sido as iniciativas de se trazer este tema aos refletores, poucas foram as
iniciativas capazes de mobilizar pesquisas e políticas públicas com este objetivo, até
meados da década de 1990, quando um movimento coletivo de pesquisadores de
diferentes inserções institucionais e regiões do país, reafirmou a intenção de
desenvolver esta discussão, no âmbito dos Encontros de Turismo de Base Local
(ENTBL). As diversas edições deste encontro, desde então, ilustraram, de maneira
evidente, a demanda silenciosa por fóruns desta natureza e o interesse
interdisciplinar pelo tema. Da mesma forma, estes encontros viabilizaram a
consolidação de redes não formais de pesquisadores engajados nesta reflexão que, a
partir de então, passaram a desenvolver pesquisas em colaboração, projetos em
parceria com a gestão pública, e a publicar importantes textos de referência em
pesquisas sobre o tema. Estes trabalhos, no entanto, tinham alcance limitado no
65

âmbito das pesquisas em turismo, centradas, até aquele momento, em leituras mais
dirigidas à perspectiva de mercado. Da mesma forma, este tema praticamente não era
referido em políticas públicas e nem considerado em uma perspectiva estratégica
vinculada ao desenvolvimento do turismo no país, pelas razões mencionadas.

Reflete-se alguns pontos abordados acima por Irving (2009). Primeiro, considera-
se que até meados de 1990 (década como que a autora destaca) a crítica ainda não focava-se
ao turismo de base comunitária propriamente com tal nomeação. Para chegar a esta
nomenclatura, primeiro teve-se que passar pelas leituras acadêmicas referentes ao turismo e
desenvolvimento sustentável ou melhor como diz Rodriguez (2007 p. 84) “el paradigma de la
sostenibilidad del turismo” que para o autor emergia “a partir de la Conferencia de las
Naciones Unidas celebrada en Rio de Janeiro en 1992.” (p. 83). Portanto, discutir sobre o
desenvolvimento local, logo, o turismo de base local, precedeu ao turismo comunitário ou
turismo de base comunitária. Assim, nos meados de 1990 (IRVING, 2009), secundário
mesmo, era discutir o turismo como fenômeno, independente de suas modalidades.
Quanto ao ENTBL, também mencionado por Irving (2009), o evento surge em
1997 no cenário acadêmico nacional a partir de iniciativa da geógrafa Adyr A. Balastreri
Rodrigues que reuniu na USP palestrantes do México, da Espanha, da Argentina e do Uruguai
e gerou publicações que também contribuiram com as novas reflexões a respeito do turismo e
suas interferências sociais, econômicas, ambientais, políticas, culturais, particularmente as
espaciais. Este evento comprova as reflexões iniciais sobre o desenvolvimento local e/ou
turismo local discutidas por (ALMEIDA, Maria, 1996a; RODRIGUES, 1997a; 1997b;
CORIOLANO, 1998). E, ainda, o local e o lugar turístico e/ou o turismo no global em
Almeida, Maria (1998b). Portanto, este debate refente ao turismo local, antes e após a
primeira edição do ENTBL, como já falado, precede a menção do turismo comunitário.
Para correlacionar esta discussão com o estado do Nordeste delimitado para essa
pesquisa traz-se o Ceará para compor à cena sobre o turismo comunitário, pois desde a década
de 1980 “o turismo é a estratégia definida para o desenvolvimento econômico do Ceará e para
a sua inserção na globalização em curso.” (ALMEIDA, Maria, 1999, p. 124). Ou melhor,
como a mesma autora havia revelado em outra obra “A turistificação do litoral cearense tem
subvertido a utilização tradicional dos lugares [...]. Pouco a pouco, os equipamentos turísticos
instalam-se e consolidam-se os enclaves criados pelo turismo [...].” (ALMEIDA, Maria, 1997,
p. 31). Estes enclaves materializaram o turismo maciço na Zona Costeira cearense, causando
conforme também revelou esta autora “a perda de território [...] abandono das atividades
tradicionais [...]. É, através da questão fundiária, que se evidencia melhor os efeitos
66

negativos.” (ALMEIDA, Maria, 1998b, p. 24). Certamente, não foi à toa que a capital
cearense, Fortaleza, sediou o II ENTBL em 1998. O Ceará, exatamente na mesma década
deste evento, deparou-se com a “segunda onda de ocupações nas comunidades litorâneas, da
instalação de equipamentos turísticos. Essa segunda onda teve início nos anos 1990 e se
consolidou no início da década atual [2000].” (VASCONCELOS; CORIOLANO, 2008, p.
264-265). Este outro modelo turístico, o maciço, persiste no referido estado e os seus
impactos negativos continuam avançando, em contraponto, o turismo comunitário mantem-se
como tema de pesquisas acadêmicas, discursos institucionais para justificar políticas públicas
e criarem-se alternativas para os que forem atingidos pelos grandes empreendimentos
turísticos. Desta forma o Ceará permanece em evidência nas questões correlativas ao turismo
comunitário como novamente expressa Vasconcelos e Coriolano (2008, p. 271):
O Fundo Mundial para a Natureza - WWF Brasil, a maior entidade ambientalista do
Brasil, vem trabalhando com o turismo onde há ameaça à conservação da natureza e
à justiça social. Criou-se uma rede de turismo sustentável que agrega a WWF, Brazil
Nature, Instituto Terramar, Conselho Brasileiro de Turismo Sustentável - CBTS,
Núcleo de Estudos do território e do Turismo - NETUR/UECE dentre outros que
estimulam a discussão de um modelo de turismo socialmente responsável. Várias
ONGs da Europa apóiam o turismo comunitário, o turismo solidário como
instrumento para redução da pobreza. Como exemplo temos a organização inglesa
Tourism Concern e o programa Fair Price Tourism na África.

Estas novas parcerias firmadas no Ceará como bandeiras hasteadas do turismo


comunitário, também colaboraram para gerar posteriormente, em 2008, o II Seminário
Internacional de Turismo Sustentável (II SITS)23 com a representação de dezenove unidades
federativas brasileiras e treze países, sete deles da América Latina (Bolívia, Peru, Equador,
Costa Rica, Honduras, Nicarágua e México). Os demais foram Estados Unidos, França,
Espanha, Suíça, Alemanha e Itália. O citado evento, naquele ano, tornou-se referência para o
Brasil e o Ceará na discussão acadêmica, institucional e vivencial sobre o turismo de base
comunitária ou turismo comunitário (CORIOLANO, 2009; MORALES MORGADO, 2006).
E, no caso do estado cearense, este debate é mais um de tantos outros, realizados por
acadêmicos dos Departamentos de Geografia da UFC e da UECE sobre as intercorrências do
turismo maciço no Ceará, desde a década (1990) que marca a “emergência das relações
dissimétricas – entre estado e comunidades.” (ALMEIDA, Maria, 1999, p. 123).
O citado seminário, ao proporcionar as trocas de experiências entre países das
Américas e da Europa, também demonstrou por meio dos (povos e comunidades

23
No período de 12 a 15 de maio de 2008 em Fortaleza.
67

tradicionais)24 presentes, o exemplo do Ceará, ainda na ótica de Almeida, Maria (1999, p.


126) em que o “poder local [...] [foi e continua] reativo, em oposição aos processos iniciados
pelos agentes imobiliários com o apoio do Estado.” As Redes de Turismo Comunitário,
tratadas mais a frente, e, também, discutidas durante o II SITS, aparecem como uma das
reações locais, nacionais e internacionais, contrárias ao turismo imposto por empreendedores
e governantes. Este foi o discurso coletivo apregoado no referido seminário. Na oportuna
ocasião, o Ministério do Turismo (MTur) para obscurecer o seu aspecto economicista
submeteu a minuta de Edital de Chamada Pública de Seleção de Projetos de Turismo de Base
Comunitária (TBC) a uma consulta pública, “bem como aos parceiros institucionais do
Ministério do Meio Ambiente, para discussão, reformulação e adequação.” (SILVA;
RAMIRO; TEIXEIRA, 2009, p. 364). O edital apresentou um conceito institucional para esta
temática com a sigla TBC. O mesmo ministério numa outra ação de marketing turístico
governamental, contígua ao II SITS, investiu no lançamento conjunto25 da publicação
organizada por Bartholo; Sansolo e Bursztyn (2009)26 com alguns artigos específicos sobre o
turismo de base comunitária (IRVING, 2009; MALDONADO, 2009; SANSOLO;
BURSZTYN, 2009) ou turismo comunitário (CORIOLANO, 2009), alguns já citados.
Relativo ao artigo de Sansolo e Bursztyn (2009), os autores apresentam os
resultados da pesquisa sobre a conceituação do turismo de base comunitária, especialmente
na ótica de algumas entidades ligadas ao tema no Brasil, Equador, Bolívia e Costa Rica.
Assim, dentre semelhanças e diferenças das definições institucionais analisadas, estes
pesquisadores julgam que a conservação ambiental e a valorização da identidade cultural são
os patamares conceituais do turismo de base comunitária aliado a geração de benefícios
diretos para as comunidades envolvidas. E, no caso do Brasil, para as mesmas definições
levantadas, os referidos autores avaliam congregar as noções de empreendimentos
comunitários e intercâmbio intercultural.
Tomam-se outras acepções específicas sobre o que é turismo comunitário,
demostradas no Quadro 4. Nestas averiguam-se os argumentos e as tendências sobre o assunto
a partir destas afirmações dos dois pesquisadores e um representante do terceiro setor.
Portanto, balizam-se as duas definições discutidas no Brasil e uma abordagem fora do país.

24
Assim denominados conforme o Decreto N. 6.040/7/2/2007 – Política Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT).
25
Entre o Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social COPPE/UFRJ e a Coordenação Geral de
Projetos de Estruturação do Turismo em Áreas Priorizadas do Ministério do Turismo.
26
Turismo de Base Comunitária: diversidade de olhares e experiências brasileiras.
TURISMO COMUNITÁRIO ÁREA PAIS AUTOR
Por definición el turismo comunitário en Ecuador complementa, no subsume, el
funcionamento econômico de la comunidad, la diversidad económica es una salvaguarda
para las comunidades. Su funcionamiento no se basa en el empleo por cuenta ajena, y en
mayor o menor grado, según los casos, debe generar directa o indirectamente benefícios Ciências Equador Ruiz et al, 2008,
tangibles para el conjunto de la comunidad: aportaciones para los fondos comunitarios. La Sociais p. 404.
minga y otras formas de trabajo colectivo sirven de base y referente tanto para la
organización como para la generación y mantenimiento de las infraestructuras turísticas
(que no sólo se utilizan para fines turísticos); asimismo las rotaciones y el acceso
(individual o por familias) a las oportunidades del negocio turístico se establecen como
líneas preferentes de organización.
O turismo comunitário é aquele em que as comunidades de forma associativa organizam
arranjos produtivos locais, possuindo o controle efetivo das terras e das atividades
econômicas associadas à exploração do turismo. Nele o turista é levado a interagir com o
lugar e com as famílias residentes, seja de pescadores, ribeirinhos, pantaneiros ou de Geografia Brasil Coriolano, 2009,
índios. Uma das primeiras ações que as comunidades realizam é a elaboração de um pacto p. 282.
interno com os próprios residentes em defesa de suas propriedades. Todos se
comprometem com a preservação de suas terras, delas não se desfazendo, e aqueles que
precisam de fato vendê-la submetem o negócio à apreciação da comunidade, que analisa
quem é o comprador, verifica se este pode ser um parceiro, e como pode ser feita a
parceria.
Por turismo comunitário entende-se toda forma de organização empresarial sustentada na
propriedade e na autogestão sustentável dos recursos patrimoniais comunitários, de acordo
com as práticas de cooperação e equidade no trabalho e na distribuição dos benefícios Terceiro Brasil Maldonado,
gerados pela prestação dos serviços turísticos. A característica distinta do turismo Setor 2009, p. 31.
comunitário é sua dimensão humana e cultural, vale dizer antropológica, com objetivo de
incentivar o diálogo entre iguais e encontros interculturais de qualidade com nossos
visitantes, na perspectiva de conhecer e aprender com seus respectivos modos de vida.

Quadro 4: Acepções sobre o turismo comunitário


Fonte: Referências levantadas durante a pesquisa bibliográfica
LUSTOSA, Isis Maria Cunha. (Org.). 2011.

68
69

Assim, pela perspectiva de Ruiz et al (2008) o turismo comunitário completa o


funcionamento econômico para as comunidades e, ao mesmo tempo, torna-se um gerador de
beneficios coletivos tangíveis, incluindo-se os fundos comunitários. Os trabalhos e os
usufrutos referentes a esta modalidade turística pelas famílias decorrem de uma organização
para que compartilhem das mesmas oportunidades no negócio turístico. Vê-se que para as
comunidades os retornos financeiros são importantes a partir de beneficios comuns e partilhados.
Na visão de Coriolano (2009) o turismo comunitário também demonstra um
contexto econômico. A autora menciona uma discussão que está em voga na década atual
(2012) referente aos Arranjos Produtivos Locais (APLs), ou seja, as comunidades envolvidas
com esse modelo de turismo possuem especificidades produtivas e mantêm vínculos com
outros parceiros para potencializar os produtos ofertados. A autora também registra a
importancia do direito à terra para essas comunidades a partir de uma aliança interna entre
residentes em defesa de suas propiedades, contudo, torna-se uma abordagem muito simplista
considerando-se a complexidade das questões fundiária no Brasil, especialmente para os
povos indígenas e comunidades tradicionais.
O ponto de vista de Maldonado (2009) sobre o turismo comunitário inicia-se
considerando este modelo como empresarial por meio de trabalhos cooperados realizados e,
ainda, nas distribuições, tanto de atividades, como dos lucros. Apesar da evidente visão
corporativista, o autor procura mencionar que na prática deste modelo turístico há a
valorização da troca de saberes de quem chega para conhecer o modo de vida de quem recebe.
Essas três visões averiguadas mesmo sendo de diferentes áreas demonstram
correlações no aspecto econômico ressaltado e nas tendências para formalizar parcerias.
As tantas imbricações contidas nas acepções do turismo comunitário e/ou nas
questões fundiárias e identitárias abrangidas neste modelo turístico, seguramente implicam no
tema central da próxima edição do XII ENTBL27 – O Turismo com Base Comunitária e a
Inclusão Social a ser discutido na cidade que originou este evento – São Paulo. Segundo
Sansolo e Bursztyn, (2009, p. 146) “Assim, como são vastos e diversos os casos de turismo de
base comunitária, no Brasil e no mundo, também o conceito de turismo de base comunitária
se apresenta de diferentes formas”, portanto, não faltam objetos de pesquisa para “O turismo
[que] tem sede do novo.” (ALMEIDA, Maria, 1996b, p. 17). E, nesse novo do qual o turismo
tem sede, conseguir “Conciliar os interesses é o caminho que se augura...” (RODRIGUES, 2007, p. 27).

27
Em setembro de 2012.
70

E, nestes interesses multifacetados, recorda-se que os territórios que envolvem os


dois povos indígenas do Ceará, vêem-se diante da metamorfose das “[...] zonas de praia em
mercadoria valorizadíssima [...] contempladoras de novos atores e provocadoras da expulsão
dos antigos habitantes bem como indutores de movimentos de resistência.” (DANTAS, 2002,
p. 56). Nessas conjunturas surgem os diferentes discursos geradores de adesões, aversões,
tensões e afirmações étnicas de povos indígenas que vêem suas terras como “uma nova
fronteira de acumulação, centrada num novo produto” para o turismo (BECKER, 2001, p. 3).
Essas e outras questões mesclam-se no texto, subsidiadas especialmente por conceitos da
Geografia Humana e da Antropologia e, quando necessário, permeando-se pela História, para
na totalidade das discussões contribuir com mais uma pesquisa referente aos povos indígenas
do Nordeste, priorizando-se os dois casos do Ceará, sendo o turismo o vetor que norteia os
assuntos. Contudo, antes de priorizar o Brasil, focaliza-se algumas situações fora desse país.

1.2 Estudos da Antropologia e da Geografia sobre povos indígenas e o turismo fora do Brasil

Os estudos28 de Etnologia Indígena a propósito de povos indígenas e o turismo se


encontram mais evidentes fora do Brasil. Os casos a serem abordados nesta seção servem para
proporcionar uma visão mais ampla, além da nacional, sobre os povos indígenas e o turismo.
Os levantamentos coletados proporcionam um certo panorama de produções da Austrália, do
Canadá e de alguns países da América Latina, como o México, o Equador e o Chile.
Na Austrália existem as pesquisas de Altman (1988) que abordam o impacto
social e econômico do turismo na comunidade Mutitjulu e em outras comunidades aborígenes
na região central daquele país. Mutitjulu localiza-se no Território do Norte da Austrália no
Parque Nacional (Uluru-Kata Tjuta National Park) e o seu povo é proprietário tradicional que
administra o manejo do parque coletivamente. Nesta comunidade, grande parte da economia
provém do turismo em Uluru e nas proximidades Yulara. Em Mutitjulu organiza-se uma série
de visitas guiadas os – Tours Anangu em que o visitante chega a Uluru e compartilha, tanto
das histórias dos seus habitantes, como da exposição de arte que comercializa pinturas
indígenas e outros artefatos. O acesso a esta comunidade é controlado pelo povo Anangu, que
não permitem os visitantes irem para Mutitjulu sem autorização prévia.

28
As traduções são minhas.
71

Em uma outra experiência no Parque Nacional de Kakadu, no norte da Austrália,


Moreton-Robinson e Runciman (1990) argumentam que políticas públicas, que visam
introduzir autonomia indígena, acabam impondo novas formas de dominação. Uma das
políticas da Comissão de Turismo do Território do Norte da Austrália é de promover o
turismo cultural e tentar envolver os indígenas em atividades turísticas como guias ou
dançarinos. Os autores na mesma obra acrescentam que poucos aborígenes em Kakadu
aceitaram estes empregos, e que a Comissão de Turismo tem se apropriado de imagens
estereotipadas de cultura indígena, como se fosse estática, para vender pacotes turísticos. Eles
ainda afirmam que a maior parte dos lucros gerados pelo turismo em Kakadu é apropriado
pelas empresas turísticas e os indígenas têm se beneficiado pouco do turismo.
No caso do Canadá, na região ártica desse país, “alguns povos indígenas estão
explorando formas inovadoras de atrair turistas no intuito de complementar sua economia
tradicional em vez de se deixarem ser dominados pelo turismo.” (NOTZKE, 1999, p. 55). O
enfoque sobre os povos indígenas e o turismo continua se expandindo nas pesquisas
acadêmicas, portanto, registram-se outros três estudos, datados de 1999, 2000 e 2001,
extraídos da compilação Indigenous Tourism organizada por Kristyn Harman.29 Assim, a
pesquisa realizada por Waitt (1999) na Austrália, demonstra que a representação de povos
indígenas feita pela Comissão Australiana de Turismo ajuda a reforçar os mitos do indígena
como ecólogo natural ou o nobre selvagem, e desta forma reproduz as relações coloniais de
poder. No estudo de Hiwasaki (2000) desenvolvido no Japão com o povo Ainu, o autor
demonstrou que o turismo desempenhou um papel fundamental na afirmação étnica desse
povo por ser este turismo um vetor através do qual eles puderam se expressar, tornando-se
parte da esfera social Ainu. Na mesma pesquisa este ainda afirma que a participação do citado
povo no turismo resultou da formação de uma identidade cultural e política unificada e
coletiva dos Ainu. O autor conclui que o turismo étnico tornou-se, portanto, um aspecto
importante da cultura contemporânea dos Ainu. Howard; Thwaits e Smith (2001) apresentam
uma discussão sobre povos indígenas na Austrália que desempenham o papel de guias
turísticos. Os mesmos pesquisadores concluiram que o turismo indígena tinha sido promovido
com pouca consideração para os interesses dos povos aborígenes. Os autores avaliaram que se
este modelo de turismo fosse gerenciado e organizado pela comunidade indígena local, esta

29
Pesquisadora do Aboriginal Studies program at the University of Tasmania (UTAS) na Austrália que
organizou a compilação com vinte e oito trabalhos multidisciplinares publicados em diferentes períodos. Estes
textos encontram-se inseridos na compilação (apresentada como apostila) para subsidiar a sua disciplina
Indigenous Tourism no Riawunna Centre/ UTAS no ano de 2009.
72

poderia obter algum controle sobre a atividade turística praticada e sobre os benefícios para os
indígenas envolvidos.
A respeito das experiências na América Latina, para manter a temporalidade
lógica das discussões, intercalam-se a partir daqui os estudos antropológicos com os
geográficos a fim de apresentar a essência de algumas pesquisas desenvolvidas no Equador,
no Chile (experiência de turismo comunitário acontecendo em área fronteiriça comum a esse
país com a Bolívia, a Argentina e o Peru). Depois, insere-se as experiências do México no
colóquio. Afirma Cordero Ulate (2006, p. 15):
ESTUDIOS sobre turismo enfocados desde una perspectiva [...] antropológica
apenas se encuentran en una fase muy inicial en América Latina. Como corresponde
a la primera infancia de un tema, sus primeros pasos son inseguros y tambaleantes.

Dentre esses estudos, a pesquisa de Morales Morgado (2006) refere-se ao Turismo


comunitário: uma nueva alternativa de desarrollo indígena que acontece no El Altiplano
Puna que abrange o norte do Chile, parte da Bolívia, o centro do Peru e o noroeste da
Argentina. O autor destaca que suas populações quéchuas y atacameñas habitam os territórios
que hoje formam parte da Província de El Loa. Estas populações distribuem-se em pequenos
povoados ou assentamentos que defrontam-se com dois ambientes diferentes, algumas áreas
com restrições de uso para os cultivos devido a alta salinidade, outras áreas com sistemas
produtivos de subsistência, apesar das mesmas restrições climáticas e geomorfológicas. Esta
zona de numerosos atrativos naturais tem se defrontado desde a década de 1980 com impactos
de projetos vinculados de mineração e, também, de atividades decorrentes do turismo
internacional intensivo explorando o patrimônio natural e cultural característico da citada
Província. Contudo, desde 1994, as políticas públicas voltadas para as populações indígenas
no Chile têm mudado este cenário e, entre os anos de 1998 e 2004, houve a implementação de
“um programa de Turismo comunitário [...].” (MORALES MORGADO, 2006, p. 256). Este
surge com fins de reverter a deterioração dos citados patrimônios e contribuir para modificar a
forma como as comunidades indígenas eram deixadas a parte dos benefícios gerados pela
atividade turística. Assim, na mesma obra o autor afirma:
La iniciativa se ha identificado por su carácter innovativo, el cual radica en unir el
conocimiento tradicional sobre el entorno natural y cultural a proyectos rentables de
turismo rural (eco-etno-turismo, turismo de aventura, caminatas, comida tradicional
etc.), con una gestión ambiental adecuada. En la gran mayoria de los casos, la
iniciativa es una actividad no tradicional que aporta nuevas posibilidades a los
medios rurales de oasis, quebradas y cabecera de valles, además, se suma, el
desarrollo de capacidades organizacionales por medio de la capacitación y el
mejoramiento de las estructuras receptivas, tanto de alojamiento como
recreacionales.
73

A su vez, se ha presentado como una actividad difusa en cuanto no busca crear


grandes concentraciones ni estructuras receptivas que pudieran perturbar los
equilíbrios a menudo frágiles de las comunidades y su entorno.
Los campesinos comuneros se han constituido en actores o participantes activos de
su próprio desarrollo y no sólo espectadores de actividades turísticas organizadas
externamente y cuyos benefícios no son percebidos localmente. En este nuevo rol, la
mujer campesina tiene um papel preponderante en la organización de los servicios.
El asentamiento de las nuevas estructuras y organizaciones productivas, se ha visto
favorecido por las figuras organizacionales asociativas tradicionales de las
comunidades indígenas, en cuanto que al operar en forma agrupada permite mejores
resultados que en forma aislada [...]. (2006, p. 259).

A iniciativa apresentada acima por Morales Morgado agrega vários modelos de


turismo inseridos numa modalidade ampla de turismo comunitário (turismo rural) por meio
de projetos em que os indígenas estejam inseridos como atores sociais ativos. Nesta iniciativa
revelada pelo autor, existe a preocupação com uma gestão ambiental adequada, exatamente
pelos impactos negativos suscetíveis às atividades turísticas, mesmo as mais planejadas.
Salienta-se que em seus aspectos de planejamento o turismo desenvolvido pelos povos
quéchuas e atacameñas, parece ter algumas semelhanças com a experiência do povo Jenipapo-
Kanindé na TI Aldeia Lagoa Encantada, no que se refere à gestão, às capacitações e às infra-
estruturas erguidas para o turismo.
Em 2008, alguns profesores-investigadores del Centro Universitario de La Costa
Sur, UdeG, Autlán de La Grana, Jalisco, no México desenvolveram uma pesquisa sobre
Turismo rural sustentable en la comunidad indígena de Cuzalapa, municipio de Cuautitlán,
Jalisco, em que apresentam “los resultados obtenidos de la descripción y evaluación de los
atractivos, infraestructura, planta y superestructura turística en la comunidad indígena [...]
com el objetivo de planificar espacios en esta comunidad [...] para el turismo.” (GUTIÉRREZ
ESTRADA et al, 2008, p. 199). Na mesma obra esses autores afirmam que os habitantes da
comunidade indígena de Cuzalapa têm manifestado o interesse e estratégias para combater a
pobreza e a marginalização, pois existem grupos sociais organizados que em diferentes
âmbitos tem aberto novos caminhos para rebater sua crise social, econômica e cultural e, ao
mesmo tempo, integrarem-se mais na sociedade, tomando suas decisões e manifestando sua
vontade de desenvolvimento de maneira organizada, inclusive adotando “proyecto de turismo
rural [...] y de acuerdo com el estúdio de opinión, el 89% están dispuestos a participar en
proyectos de este tipo.” (GUTIÉRREZ ESTRADA et al, 2008, p. 214).
Comparando-se esta experiência do México com a do Equador, também
desenvolvida no ano de 2008, os pesquisadores afirmam que os “pueblos indígenas, [están]
convirtiéndose en muchos países en [....] comunidades que habían sido tradicionalmente
74

objetos antes que sujetos del dessarollo.” (RUIZ et al, 2008, p. 400). Os mesmos autores
destacam a realidade de povos indígenas do Equador que “En este contexto, las comunidades
indígenas [...] empezaron lentamente, durante las últimas décadas del siglo XX, a plantearse
su participación en la atividad, dessarrollando uma propuesta propia: el turismo comunitário.”
(SOLIS, 2007 apud RUIZ et al, 2008, p. 400). Estes pesquisadores da comunidade indígena
do Equador, ainda mencionam na mesma obra que “En la actualidad unas 60 comunidades
indígenas [...] ofertan turismo comunitário (TC), estimándose que esas actividades benefician
directa e indirectamente a unas 15.000 personas.” (RUIZ et al, 2008, p. 403). Vale ressaltar
que esse turismo comunitário no Equador decorre desde a década de 1980 e, em 2000, tornou-
se atividade oficialmente reconhecida (ESTRELLA, 2007 apud RUIZ et al, 2008).
Certamente, mais de três décadas praticando o turismo comunitário e, ainda, tendo-o como
atividade oficial no país, fazem dos indígenas do Equador atores sociais envolvidos e
beneficiados pelo turismo. Isso, considerando-se os dados quantitativos revelados acima a
partir do estudo dos citados autores.

1.3 Povos indígenas e o turismo na interface da Geografia e da Antropologia no Brasil

Ao recaptular o que se mostrou nos Quadro 2 e 3, na Geografia Humana constam


poucos estudos referentes ao povos indígenas e o turismo (MORETTI; CABREIRA, 2002-
2005; FARIA, 2007a; LAGEANO DE JESUS, 2004; MEIRELES, 2005-2007; OLIVEIRA,
Vanderlei, 2006), assim como na Antropologia (GRÜNEWALD, 1999; 2001; CASTRO,
2008; LAC, 2005; SANTOS, Luciano, 2010). Além desses autores principais, existem outras
obras sobre povos indígenas que fazem menção ao turismo. Discutir-se-á essas publicações a seguir.

1.3.1 Na interface da Antropologia

Portanto, inicia-se a abordagem pela Antropologia, mais especificamente a


Etnologia Indígena. Primeiro, por esta área focalizar, como já foi mostrado, o estudo dos
povos indígenas. Depois, pelo fato que as primeiras pesquisas a respeito de povos indígenas e
o turismo (com ênfase aos povos indígenas do Nordeste) são da Antropologia. Como a
maioria destes estudos na Etnologia Indígena dialoga entre si, serão discutidos em conjunto.
Assim, apresentam-se dois projetos acadêmicos e, especialmente um livro, que serviram como
75

matrizes para estimular novas pesquisas resultando em dissertações, teses e outras coletâneas aqui
apresentadas.
Ao retomar as reflexões a respeito do que foi levantado para esta pesquisa sobre
povos indígenas e o turismo, afirma-se que desenvolver estudos que aliam estes temas no
Brasil é partir para um campo acadêmico ainda pouco explorado, especialmente com e entre
indígenas do Nordeste, pois segundo Oliveira Filho (2004, p. 11):
Os povos indígenas do Nordeste não foram objeto de especial interesse para os
etnólogos brasileiros. Nas bibliotecas e no mercado editorial são muito raros os
trabalhos especializados disponíveis. Apesar da grande expansão do sistema de pós-
graduação nos últimos anos no Brasil, ainda no início desta década contava-se com
poucas teses monográficas e nenhuma interpretação mais abrangente formulada
sobre o assunto. Tudo levava a crer tratar-se, em definitivo, de um objeto de
interesse residual, estiolado na contracorrente das problemáticas destacadas pelos
americanistas europeus, e inteiramente deslocado dos grandes debates atuais da
antropologia. Uma etnologia menor.

Esta Etnologia que chegou a ser interpretada como menor, como ressalta Oliveira
Filho, emergiu e vem se destacando nas importantes produções oriundas dos olhares de
pesquisadores da Antropologia que validam os estudos a respeito dos povos indígenas do
Nordeste, como será mencionado a partir daqui, inclusive retomando-se publicações que
subsidiaram uma trajetória de pesquisas contemporâneas, entre 1988 a 2011. Salienta-se que
Oliveira Filho desde o ano de 1988 já coordenava o projeto Fronteiras Étnicas, território e
tradição cultural30 e, portanto, já desenvolvia o Estudo Comparativo de Grupos Étnicos no
Nordeste e na Amazônia com o objetivo de estabelecer os fatores que determinam a formação
de identidades étnicas em diferentes regiões do país, caracterizadas por modalidades distintas
de colonização e por fatores históricos e culturais contrastantes. O referido autor, a partir dos
estudos acima destacados, impulsionou muitas outras pesquisas citadas a seguir, focalizando
os povos indígenas do Nordeste.
Assim, no mesmo ano de 1988, Carlos Guilherme Otaviano do Valle, iniciou sua
investigação com os povos indígenas do Ceará, resultando na dissertação31 Terra, Tradição e
Etnicidade: os Tremembé do Ceará defendida em 1993. O autor focalizou as estratégias
sociais de construção identitária e da etnicidade entre os povos Tremembé de Almofala e de
Acaraú e, ainda, os conflitos gerados pelos elementos naturais, especialmente a terra, bem
como a criação de tradições como o Torém e os investimentos étnicos por meio de práticas

30
Projeto desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (PPGAS-
MN) no período entre 1988 a 1998 com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e convênio da Fundação Nacional de Ensino e Pesquisa (FINEP)/ PPGAS-MN.
31
No Mestrado em Antropologia Social no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu
Nacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
76

discursivas através da noção de “campo semântica da etnicidade.” Também em 1993,


Rodrigo de Azeredo Grünewald, defende a sua dissertação32 intitulada: ‘Regime de Índio’ e
faccionalismo: os Atikum da serra do Umã. O autor apresenta a compreensão dos Atikum no
sertão do estado de Pernambuco em termos de sua etnicidade (GRÜNEWALD, 1993). No
mesmo ano, Henyo Trindade Barretto Filho, defende a dissertação33 Tapebas, Tabepanos e
Pernas-de-Pau: etnogênese como processo social e luta simbólica. O autor analisar os fatores
que confomam o estabelecimento da fronteira e da organização social da diferença cultural
entre Tapebas e brancos nas distintas situações de interação, bem como de competição por
recursos, numa situação histórica determinada, também definida por uma luta simbólica pela
imposição dos critérios legítimos de reconhecimento coletivo da identidade. (BARRETTO
FILHO, 1993).
Apesar da relevância do estudo sobre o povo Tremembé do Ceará, apresentado
anteriormente, ressalta-se para esta pesquisa a importância da coletânea organizada em 1999
por João Pacheco de Oliveira Filho com o título A viagem da volta: etnicidade, política e
reelaboração cultural no Nordeste indígena, reeditada em 2004. Esta obra é fundamental,
pois além de reunir oito trabalhos relevantes a respeito dos povos indígenas do Nordeste
validando a importância dessa temática, promove principalmente “um estudo circunstanciado
que [...] [indica] as razões pelas quais [...] [vêm] a ser acionadas identidades indígenas
específicas [...] como descendentes atuais de populações que sempre [...] [ali] habitaram.”
(OLIVEIRA FILHO, 2004, p. 8). Ainda relativo a esta produção, o mesmo autor, com amplas
discussões sobre os referidos povos indígenas, afirma na citada coletânea que os trabalhos
publicados “resultam de pesquisas desenvolvidas por antropólogos nos últimos dez anos
[1988-1998] sobre o fenômeno de ressurguimento de identidades étnicas (indígenas) em uma
das mais antigas regiões de colonização do país, o Nordeste.” (2004, p. 7). Trata-se de uma
referência fundamental para quem pretende duscutir temas que repercutem nas identidades
indígenas de povos do Nordeste, como essa pesquisa com os dois casos de povos indígenas do
Ceará. Desta forma, na citada obra, Sidnei Peres trata da ação indigenista no Nordeste. Henyo
Trindade Barretto Filho focaliza o povo Tapeba de Caucaia no Ceará e discute a gênese de
uma sociedade indígena contemporânea no Nordeste. Rodrigo de Azeredo Grünewald discute
a etnogênese e ‘regime de índio’ na Serra do Umã, Pernambuco. Sheila Brasileiro trata da

32
No Mestrado em Antropologia Social no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu
Nacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
33
Idem.
77

emergência étnica, conquista territorial e faccionalismo do povo Kariri do norte da Bahia.


Sílvia Aguiar Carneiro Martins aborda o povo Xucuru-Kariri no município de Palmeiras dos
Índios em Alagoas. José Maurício Andion Arruti trata da emergência étnica dos Pankaruru
nos municípios de Petrolândia, Tacaratu e Itaparica, no sertão pernambucano, região próxima
ao Rio São Francisco. E, por fim, o texto de Valle, Carlos, importante para esta tese, versa
sobre os Tremembé do Ceará nas “[...] questões que envolvem a construção da etnicidade nas
situações étnicas Tremembé [...].” (2004, p. 281).
A partir de então desenvolve-se um panorama para demonstrar a importância da
citada publicação de Oliveira, Filho (2004 [1999]) para o desenvolvimento dos trabalhos com
os povos indígenas do Nordeste, tanto os deste autor, como o surgimento de estudos de novos
pesquisadores tratando das variadas situações de identidades étnicas indígenas no Nordeste
brasileiro. Apresenta-se também uma tese de Doutorado, um livro e uma dissertação de
Mestrado, que além desta perspectiva de discutir sobre povos indígenas do Nordeste, aliam
nos contextos debatidos o tema turismo, ou seja, diretamente relacionadas à pesquisa em
questão. Assim, Grünewald (1999) defendeu a tese de Doutorado Os ‘Índios do
Descobrimento’: Tradição e Turismo e, posteriormente, publicou um livro com o mesmo
título em 2001. Nestas produções foram apresentadas abordagens inovadoras sobre o turismo
com os Pataxó do litoral da Bahia.34 Melatti (2009) afirma, de maneira precisa sobre a referida
publicação de Grünewald, na sua página oficial na internet:
O livro de Grünewald tem por objetivo examinar a auto-construção dos pataxós
como índios do Descobrimento, inventando tradições que dizem estar
resgatando. Essa invenção se faz em diferentes domínios. No artesanato, com a
confecção de objetos copiados de outros grupos indígenas, da cultura sertaneja
ou criados para atender à demanda dos compradores; um artigo muito freqüente
são as gamelas. Na língua, ostentada aos turistas, com vocábulos maxacalis
numa estrutura sintática portuguesa. Nos nomes pessoais, forjados para atender à
solicitação dos funcionários da FUNAI encarregados dos registros, mas que se
mostram úteis na composição da imagem ostentada aos turistas. Nas danças e
músicas, selecionadas por eles como autênticas dentre um repertório de gêneros

34
O Mapa do estado da Bahia estreita-se ao sul do rio Jequitinhonha, apertando-se entre Minas Gerais, Espírito
Santo e o oceano. No litoral desse prolongamento meridional pelo menos dois acidentes geográficos são de
interesse para os brasileiros, que deles ouvem falar desde tenra idade na escola: o monte Pascoal, primeiro ponto
avistado pela esquadra de Cabral, e o ilhéu da Coroa Vermelha, onde foi celebrada a primeira missa na terra
descoberta.
Nessa faixa costeira vivem os pataxós, cujas comunidades se distribuem desde o município de Santa Cruz
Cabrália, ao norte, até o município de Prado, ao sul. Partindo de Santa Cruz Cabrália e do vizinho ilhéu da Coroa
Vermelha para o sul, encontramos Porto Seguro, o principal centro urbano desse trecho litorâneo; depois, o
Parque Nacional do Monte Pascoal, junto ao qual está a aldeia pataxó de Barra Velha. Em seguida, Itamaraju,
afastada da orla marinha; e enfim Prado.
Aos pataxós que se distribuem por essa faixa litorânea mais os daí migrados que vivem no município de
Carmésia, em Minas Gerais, convenciona-se denominar de pataxós meridionais. Um outro ramo, os hãhãhãe, no
estado da Bahia, ao norte do Jequitinhonha, constituiriam os pataxós setentrionais. Aqui serão considerados
apenas os primeiros. (MELATTI, 2009).
78

que inclui o auê (quiçá mais indígena), festas religiosas rurais, danças de origem
africanas, sem dizer das composições atuais em “língua” pataxó. Esse trabalho
de invenção levou até à criação e edificação do Centro de Cultura e Tradição
Pataxó de Barra Velha [...] destinado à formação e treinamento das novas
gerações nessas tradições “resgatadas”. A cuidadosa análise de Grünewald se
desenvolve em diálogo com autores voltados para uma antropologia do turismo,
da invenção de tradições e da etnicidade. (MELATTI, 2009).

Nessas discussões desenvolvidas por Grünewald, um dos primeiros etnólogos a


enfocar a atividade turística em terras indígenas no Brasil, o próprio autor avalia que “o
turismo é um assunto pouco trabalhado pela antropologia, embora crescentes esforços se
direcionem para esse tema.” (2001, p. 14-15).
Entre outras produções de povos indígenas do Nordeste, Wallace de Deus
Barbosa, lança em 2003 o livro Pedra do Encanto: dilemas culturais e disputas políticas entre
os Kambiwá e os Pipipã, situados na Serra Negra, no sertão pernambucano. Ao mencionar
sobre esta obra Grünewald (2003b, orelha do livro) afirma que o autor “ao depurar a
investigação dos processos políticos e das estratégias sociais na construção das identidades
indígenas [...] aprimora nossa compreensão da história cultural do Nordeste brasileiro.”
Em outros períodos, os debates sobre os povos indígenas na citada região
continuam emergindo. Portanto, dando continuidade às suas pesquisas Grünewald (2005)35
organizou a obra, intitulada: Toré: regime encantado do índio do Nordeste. Esta valiosa
coletânea abrange os textos de dezesseis pesquisadores com estudos entre os indígenas da
Bahia (Kariri e Tumbalalalé), de Pernambuco (Truká, Xucuru, Kambiwá, Pipipã e Pankararu),
da Paraíba (Potiguara), do Ceará (Tremembé), de Sergipe (Xocó) e de Alagoas (Kariri-Xocó)
a respeito do Toré numa “consolidação deste fenômeno como tradição delimitadora de etnias
no Nordeste e suas formas de manifestação para a sociedade nacional [...].” (GRÜNEWALD,
2005, p. 31). No mesmo ano, Valle, Carlos (2005a; 2005b), atualiza as suas pesquisas (citadas
anteriormente) com povos indígenas do Ceará sobre “o torém, a dança específica mantida
pelos Tremembé do estado do Ceará [...] é entender como o torém tem sido progressivamente
objetificado por idéias de folclore, etnicidade e política a partir dos contextos históricos
específicos nos quais eles devem ser situados.” (2005b, p. 1).

35
Neste ano também identificou-se na Pós-Graduação em Antropologia Social da UFPR a pesquisa de LAC,
Flávia. O Turismo e os Kaingang na Terra Indígena de Iraí/RS. Curitiba: SCHLA/UFPR. Dissertação de
Mestrado, 2005. Nesta a autora “aborda a apropriação do turismo pelos índios kaingang da Terra Indígena Iraí,
sua tradição de hospitalidade e sua relação com os turistas e agentes do turismo.” (p. 7). Apesar de não ser um
estudo com povos indígenas do Nordeste é fundamental salientá-lo devido a pesquisa em questão procurar
ressaltar as experiências de turismo em TIs no Brasil.
79

Retomando-se à cena de povos indígenas de Pernambuco, surgem discussões


levantadas por Renato Athias. Este pesquisador organiza e publica, em 200736, o livro Povos
Indígenas de Pernambuco: Identidade, Diversidade e Conflito totalizado em onze textos “[...]
de forma a contribuir com os processos de fortalecimento das identidades indígenas [...] numa
perspectiva de produzir informações etnográficas para a construção da etnicidade [...].”
(ATHIAS, 2007, p. 7).
Novas publicações inserem pesquisas com indígenas do estado da Paraíba no
contexto sobre os povos indígenas do Nordeste e, outras, trazem novamente discussões a
respeito de indígenas da Bahia. Primeiramente, Estêvão Martins Palitot (2008) em A terra dos
índios esquecidos, o processo de territorialização dos potiguara de Monte-Mor, localizados
nos municípios de Rio Tinto e Marcação, no litoral norte da Paraíba, busca analisar a situação
fundiária da Terra Indígena Potiguara de Monte-Mór em um processo que “se arrasta [...]
estando ainda inconcluso.” (PALITOT, 2008, p. 114). No mesmo ano, consta outra pesquisa,
assim como as de Grünewald (1999; 2001) já mencionadas, que também alia o turismo,
portanto, Maria Soledad Maroca de Castro, defende em 2008 a dissertação37 de Mestrado,
intutulada: A reserva Pataxó da Jaqueira: o passado e o presente das tradições. Esta autora
questiona especialmente as perspectivas utilitárias sobre a etnicidade em que a identidade e a
cultura são tidas como vetores para obter benefícios, como: terra, saúde ou reconhecimento
pelos turistas.
No caso de significativa publicação contemporânea em forma de livro sobre os
povos indígenas do Ceará, Palitot (2009) organizou a coletânea, intitulada: Na mata do sabiá:
contribuições sobre a presença indígena do Ceará. Esta obra oferece quatorze artigos, três
relatos de experiências, uma entrevista e um ensaio fotográfico resultantes de “[...] um
processo de luta pelo direito às diferentes e diversas memórias que constituem esse lugar hoje
chamado Ceará.” (HOLANDA, 2009, p. 14). O livro subdivide-se em cinco partes (história,
territórios, rituais, políticas culturais e falas do movimento) e contribui para fortalecer a
visibilidade dos povos indígenas desse estado que lutam por suas afirmações identitárias e
territoriais. Ressalta-se que os Tremembé de São José e Buriti e os Jenipapo-Kanindé, povos

36
No mesmo ano a antropóloga, Susana de Matos Viegas, professora do Programa de Pós-Graduação do Instituto
de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, publicou o livro intitulado Terra Calada: os Tupinambá da Mata
Atlântida do Sul da Bahia. Esta experiência etnográfica discute os afetos, tensões familiares, fantasias e
conciliações entre homens e mulheres, vivências do espaço e dos modos reservados de agir destes povos.
37
Defendida na Pós-Graduação do Departamento de Antropologia (DAN)/UnB.
80

delimitados nesta tese, não passam despercebidos na referida coletânea agregando textos com
os enfoques de indígenas, de pesquisadores e de missionários.
Em 2011, para o desfecho deste panorama sobre as produções relacionadas aos
povos indígenas do Nordeste, adotou-se recente publicação organizada por Oliveira Filho
(2011b)38, intitulada: A presença indígena no Nordeste, com vinte e três capítulos. Nesta
coletânea, o organizador apresenta “um amplo painel compreensivo da trajetória histórica dos
indígenas do Nordeste [...]. Questionar a invisibilidade dos indígenas do Nordeste se constitui,
pois, no ponto de convergência dos trabalhos que integram esta coletânea.” (OLIVEIRA
FILHO, 2011b, p. 10). Segundo o mesmo autor os pesquisadores que contribuiram para
concretizá-la com os seus temas de investigação demonstram nos textos concedidos que os
trabalhos “são contribuições [...] baseadas em pesquisas sólidas e profundas.” (OLIVEIRA
FILHO, 2011b, p. 10). É importante ressaltar que por meio desta publicação um dos fatos
relevantes a considerar é que “as produções mais recentes sobre os indígenas do Nordeste
parecem encaminhar-se decididamente numa direção que amplia o debate interdisciplinar [...]
e fortalece o pensamento crítico nas ciências humanas.” (OLIVEIRA FILHO, 2011b, p. 15). A
nossa intenção ao longo da tese é de contribuir para este debate interdisciplinar.

1.3.2 Na interface da Geografia Humana

Antes de abordar estudos sobre povos indígenas e o turismo na Geografia


Humana, vale ressaltar em qual tradição da Geografia esta pesquisa se inspira. Trata-se da
[...] tradição da geografia como estudo da relação homem-meio, vista agora não mais
embutida numa arquitetura de tempo-espaço matemático-mecânico, em que até hoje
teoricamente foi posta [...], mas na arquitetura holística da espacialidade diferencial,
cujo resultado mais claro é fazer do espaço um tecido formado pelo complexo de
todas as relações que intervém na transformação da superfície terrestre como o
verdadeiro espaço da sociedade humana. (MOREIRA, 2007, p. 129).

Este espaço é formado pelo complexo de todas as relações sociais em que os


povos indígenas estão inseridas. Segundo Corrêa e Rosendahl (2003, p. 13) “há, em realidade,
inúmeros caminhos a serem trilhados pelos geógrafos, visando contribuir para dar

38
No mesmo ano o ISA publica o livro Povos Indígenas no Brasil: 2006-2010. Nessa obra a seção referente ao
Nordeste apresenta o texto sobre As terras Indígenas do Nordeste numa discussão a respeito da situação
fundiária destas e, também, destaca uma outra abordagem sobre indígenas do Ceará no município de Crateús.
Além, de focalizar esses estudos, o livro apresenta uma seção com vários acontecimentos registrados em recortes
de matérias jornalísticas sobre situações diversas a respeito de indígenas de Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba,
Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe. Algumas dessas notícias falam do turismo em TIs do Ceará.
81

inteligibilidade à ação humana sobre a superfície terrestre.” Dentre estes caminhos encontra-se
a Geografia Cultural. Ou melhor, como considera Claval (2008, p. 15) “a abordagem cultural
na geografia humana.” O mesmo autor, em outra obra, esclarece que “nessa [...] concepção, a
geografia humana explora as dimensões normativas dos comportamentos humanos. Ela estuda
também as etnogeografias e as geografias vernaculares de cada um.” (2003, p. 163). Apesar da
importância dos estudos que adotam essa abordagem cultural ressaltada acima pelo autor,
Côrrea e Rosendahl afirmam que “A geografia cultural [...] a partir da Europa difundiu-se e já
tem um século de existência. Contudo, a geografia cultural não tem ainda no Brasil a
importância que desfruta nos Estados Unidos e na Europa.” (2003, p. 9). Mesmo assim, alguns
geógrafos brasileiros, constroem os caminhos para fortalecer a abordagem cultural na
Geografia Humana.
Retomando-se Claval, “a virada cultural da geografia humana [...] enfatiza o fato
que os processos sociais, econômicos ou políticos dependem das culturas onde eles atuam.”
(2003, p. 163). Voltando-se a pesquisas no Brasil, que adotam a abordagem cultural, Corrêa e
Rosendahl asseguram que “[...] a heterogeneidade cultural brasileira, fruto de longos,
complexos e especialmente diferenciados processos envolvendo sociedade e natureza, faz do
Brasil um excelente campo para estudos de geografia cultural [...].” (2003, p. 10). Dentre estes
estudos se inclui aqueles referentes aos povos indígenas e o turismo.
Na Geografia Humana brasileira, dentro de uma produção de assuntos mais
diversos e, mesmo com o destaque ao turismo como tema de pesquisa, constam poucas
produções acadêmicas que aliam os povos indígenas e o turismo, como mencionado
anteriormente e, agora, particularizados primeiramente conforme as teses de Doutorado
apresentadas no Quadro 5 e as as dissertações de Mestrado no Quadro 6. Dois destes estudos
efetivados na Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP) discutem povos indígenas do Norte
do Brasil, localizados nos Estados do Tocantins e do Amazonas. Os outros dois estudos,
concluídos na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), são referentes a povos
indígenas do Centro-Oeste situados nos Estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul,
visualizados no mesmo Quadro 6.
Vale salientar que a Reserva Indígena de Dourados (RID) no Mato Grosso do Sul
foi objeto de pesquisa para as duas dissertações mencionadas, defendidas na UFMS. Nas
situações específicas em que os estudos apresentados investigam o mesmo campo, estes
podem decorrer de pesquisa procedente do Departamento de Geografia da mesma
82

universidade. Isso devido a RID tornar-se área investigada por alguns pesquisadores desde o
projeto de pesquisa Atividade turística e desenvolvimento regional: as transformações na
produção e consumo do território sul-mato-grossense coordenado de 2000 a 2005 por
Edvaldo Cesar Moretti no Laboratório de Estudos Territoriais da UFMS. Este projeto
acadêmico subsidiou o subprojeto A Atividade turística na Reserva Indígena de Dourados-
MS: análise da ação do poder público, desenvolvido no período de 2002 a 2005 com
financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e
co-colaboração de Adriano Cosma Cabreira. Os pesquisadores envolvidos com os dois
projetos citados, afirmam trazer para o debate “o turismo em áreas indígenas - que nesta
denominação pode ser chamado de etnoturismo indígena.” (CABREIRA; MORETTI, 2005, p.
2537). Os mesmos autores corroboram que esta prática trabalha com elementos do turismo
cultural e envolve os indígenas da RID ( também chamada de Reserva Indígena Francisco
Horto Barbosa). Portanto, as abordagens sobre os povos indígenas e o turismo fortalecem
alguns estudos de universidades públicas do país, estimulam novas produções acadêmicas e
também permitem confrontar as discussões nas particularidades das pesquisas geradas. Desta
forma, produções de pesquisadores interessados nos novos objetos de investigação, podem ser
visualizadas especialmente nos Quadros 5 e 6 e em pesquisas complementares no Quadro 7,
apresentados a seguir.
Autor Tese Área da Pesquisa e/ou Povo UF Ano
Indígena

OLIVEIRA, Vanderlei Mendes de Turismo e modernidade: um estudo indígena Krahô, estado do Krahô TO 2006
Tocantins (Amazônia Legal brasileira)39
Resumo: Esta tese tem a finalidade de apresentar estudos sobre o turismo, o território e a modernidade. Para isto, realiza-se um debate teórico e metodológico sobre
os usos dos diferentes conceitos de território. Dentro desta lógica, insere-se o turismo como alavanca do desenvolvimento com base local. De uma parte, analisa-se o
turismo indígena e, de outra, estuda-se o turismo em territórios indígenas. A metodologia utilizada na pesquisa de campo divide-se entre os estudos etnológicos,
etnográficos, pesquisa-ação, pesquisa-participante e a literatura sobre turismo e desenvolvimento com base local. O trabalho de campo entre os Krahô ocorreu entre
os anos de 2004, 2005 e 2006, permitindo levantar informações sobre a ocorrência do turismo nas comunidades e associações indígenas, assim como propor o
entendimento sobre o turismo nos sentidos econômico, político, cultural e ambiental. O turismo emissivo indígena pode ser definido como aquele em que os
indígenas das várias etnias viajam para as cidades locais, regionais, nacionais e internacionais para participarem de eventos (Jogos Indígenas, etc.). O turismo em
territórios indígenas se define como aquele que ocorre no interior dos territórios indígenas (Feira Krahô de Sementes Tradicionais, etc.). Os territórios das
populações autóctones no Brasil estão adquirindo sentido de territórios descontínuos e de territórios-rede, pois todas as etnias possuem mobilidades de seus
territórios para outras territorialidades. Portanto, tanto o turismo emissivo indígena quanto o turismo receptivo em territórios indígenas contribuem para a construção
da elevação da auto-estima dos índios, para a venda do artesanato e, por último, para a constituição de novas multiterritorialidades turísticas.

FARIA, Ivani Ferreira de Ecoturismo Indígena, Território, Sustentabilidade, Multiculturalismo: Região do Alto Rio Negro AM 2007a
princípios para a autonomia40
Resumo: O presente trabalho analisa um conjunto de ações e reflexões sobre o ecoturismo na Região do Alto rio Negro com o objetivo de preparar as comunidades
indígenas, citadinas ou não, para que possam, através do processo de gestão territorial e do conhecimento desenvolvido por meio de educação ambiental e
patrimonial, planejar, gerir projetos de sustentabilidade em ecoturismo ou outros para manterem a autonomia sobre suas terras e suas vidas. A metodologia da
pesquisa participante adotada permite que os envolvidos demonstrem seus conhecimentos sobre seu território e sua cultura, fortalecendo suas identidades enquanto
povos indígenas, como sua auto-estima e dignidade, possibilitando-lhes reafirmarem-se como protagonistas, ao assumirem o controle das forças de transformação da
sociedade promovida pelo contato com a economia de mercado, predominante na sociedade contemporânea. Tal participação pode minimizar ou excluir os riscos
dos impactos indesejáveis que o ecoturismo possa trazer, propiciando-lhes incorporar valores, práticas, significados do sistema mundial de acordo com suas visões
de mundo e seus interesses. A autora espera que o resultado deste trabalho possa contribuir para a construção de Políticas Públicas para o ecoturismo indígena,
propiciando uma reflexão sobre os conceitos turismo indígena, turismo étnico, etnoturismo, ecoturismo indígena e, ao mesmo tempo, sobre as formas de participação
das comunidades tradicionais indígenas e não indígenas nos projetos e políticas públicas a serem implementadas pelo Estado e organizações não-governamentais em
qualquer ramo de atividade.
Quadro 5: Teses enfocando “Povos Indígenas e o Turismo”
Fonte: Banco de Teses da CAPES . Disponível em: <http://www.capes.gov.br>. Acesso em: 15 fev. 2010.
LUSTOSA, Isis Maria Cunha. (Org.). 2011.

39
Doutorado em Geografia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH)/Universidade de São Paulo (USP) sob a orientação de Adyr A. B. Rodrigues.
40
Doutorado em Geografia da FFLCH/USP sob a orientação de Regina Araújo de Almeida.

83
Autora Dissertação Área da Pesquisa e/ou Povo UF Ano
Indígena

LAGEANO DE JESUS, Djanires A transformação da Reserva Indígena de Dourados-MS em território Reserva Indígena de MS 2004
turístico: valorização sócio-econômica e cultural41 Dourados-MS
Resumo: A Reserva Indígena de Dourados - RID compreende um espaço de convivência das nações Guarani - Kayowá/Ñandeva e a Aruak – Terena e está
localizada na zona norte do município de Dourados, Mato Grosso do Sul, Brasil. Distancia-se 3,5 km do centro urbano, e conta com uma população de
aproximadamente 11.000 indígenas, distribuidos em 3.539 hectares. Este trabalho faz um estudo sobre as diversas tentativas ao longo da existência da RID de
promover o "desenvolvimento" como melhoria das condições de vida dos povos indígenas [...]. A RID compreende uma complexa área de estudo, e pode ser
colocada como exemplo para reflexão da formação geográfica, considerando os fatores que implicam na degradação do local, provocando impactos na natureza e
na cultura indígena, principalmente relacionados à ocupação territorial, distribuição das terras, aumento populacional, devastamento da mata nativa - essencial para
subsistência, indumentárias, artefatos, entre outros, e a interferência da comunidade do entorno sobre as questões político-administrativas. Relata ainda as tentativas
do poder público local em alavancar o turismo com o ideário de "desenvolvimento sustentável” entre as etnias locais e os conflitos gerados por compreensões
equivocadas desta realidade.

NUNES, Roberta Garcia Anffe O turismo como prática social em território indígena: uma análise Reserva Indígena de Dourados MS 2006
comparativa entre a Reserva Indígena de Dourados-MS e a aldeia Puiwa Aldeia Puiwa Poho MT
Poho em Feliz Natal-MT42
Resumo: O texto apresenta os resultados alcançados a partir de uma análise comparativa entre dois territórios indígenas com experiências turísticas distintas,
enquanto uma, apresenta situação de exclusão em decorrência do descaso e da miséria, a outra, busca construir uma situação artificial para receber turistas. Depois
de reconstituir a análise das modificações ocorridas nas dinâmicas e fluxos comunicativos na Reserva Indígena de Dourados-MS e na aldeia Puiwa Poho-MT ,
verifica-se que a atividade turística se torna um fenômeno de extrema importância, ficando evidentes as relações contraditórias entre as demandas dessas
populações indígenas e os efeitos que atividade turística provoca. Tal fato contribuiu, por sua vez, para propiciar uma análise crítica das transformações ocorridas
no dia-a-dia dos indígenas. Finalmente, as discussões travadas no texto desenham o panorama das relações sociais que são criadas no mundo contemporâneo e
apontam para o modo com que os grupos indígenas estão inseridos nesse contexto.
Quadro 6: Dissertações enfocando “Povos Indígenas e o Turismo”
Fonte: Banco de Teses da CAPES. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses>. Acesso em: 15 fev. 2010.
LUSTOSA, Isis Maria Cunha. (Org.). 2011.

41
Mestrado em Geografia da UFMS sob a orientação de Edvaldo Cesar Moretti.
42
No mesmo curso acima sob a orientação de Álvaro Banducci Junior.

84
85

Observa-se que Oliveira, Vanderlei (2006) discute questões conceituais referentes


à prática do turismo em TI. O autor adota sentidos diferentes para o turismo indígena e
turismo em territórios indígenas. Na mesma pesquisa ele ainda debate uma modalidade de
turismo emissivo indígena e turismo receptivo indígena a partir dos seus levantamentos sobre
a atividade turística nas aldeias pesquisadas e as associações indígenas envolvidas com esta
prática. Na sua visão o turismo propicia novas multiterritorialidades para os indígenas,
conforme avaliou na situação de investigação com o povo Krahô no estado do Tocantins.
Numa visão geral, o referido autor proporciona “um debate teórico e metodológico sobre os
usos dos diferentes conceitos de território [...] analisa-se o turismo indígena e [...] estuda-se o
turismo em territórios indígenas.” (OLIVEIRA, Vanderlei, 2006, p. 5).
No caso da investigação de Faria (2007a), dentre as suas várias discussões, a
autora trata da identidade e cultura indígena e ecoturismo indígena na Região do Alto Rio
Negro, no município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. A pesquisadora adota a
nomenclatura ecoturismo indígena e analisa várias ações a respeito do ecoturismo “com o
objetivo de preparar as comunidades indígenas [...] para que possam [...] gerir projetos de
sustentabilidade em ecoturismo [...] para manterem a autonomia sobre suas terras e suas
vidas.” (FARIA, 2007a, p. 6). A autora afirma que a experiência de projeto de ecoturismo
indígena se for atividade planejada pelos indígenas, contribui com a redução dos impactos
negativos resultantes do turismo. Na sua visão estas experiências de ecoturismo indígena
podem influenciar as políticas públicas. Esta foi uma questão atentada pela autora em seu
estudo ao assegurar que:
Oficialmente no Brasil, não existe regulamentação, políticas e diretrizes que possam
nortear a prática do Ecoturismo Indígena. O que existe é apenas uma cartilha
produzida pelo MMA em 1997 que fornece subsídios e orientações sobre a atividade
de forma geral sem levar em consideração a identidade territorial e cultural de cada
povo e lugar. (FARIA, 2007b, p. 298, grifos nossos).

Por ser uma prática muito recente em TIs brasileiras, ainda desprovida da citada
regulamentação, política e diretriz necessárias, considera-se prematuro nomeá-la como
ecoturismo indígena. Assim, ao contrapor o ecoturismo indígena adotado por Faria (2007b)
com o turismo em territórios indígenas discutido por Oliveira, Vanderlei (2006) vê-se as
discrepâncias conceituais, pois este outro autor revela que:
O turismo em territórios indígenas que está acontecendo no Brasil não pode ser
identificado a partir do conteúdo do Manual Indígena de Ecoturismo. O
documento foi elaborado com uma participação mínima das populações indígenas e,
portanto, não representa a realidade destas populações e de suas experiências com o
turismo. (OLIVEIRA, Vanderlei, 2006, p. 112).
86

De fato, torna-se difícil considerar que o turismo em territórios indígenas,


fenômeno suscetível de abarcar várias modalidades turísticas, seja encapsulado no modelo
padronizado do Manual Indígena de Ecoturismo. Primeiro, pela impossibilidade de direcionar
um manual para situações muito distintas. Segundo, pelo motivo do citado manual (na sua
fase de elaboração) não ter contado com uma participação indígena representativa o suficiente
para as tomadas de decisões sobre o turismo em TIs (OLIVEIRA, Vanderlei, 2006). Por isso,
interroga-se: Quem deve determinar a nomenclatura ou modalidade do turismo praticado nas
TIs? Os indígenas? Os pesquisadores? Os empreendedores do turismo? Os representantes
governamentais? Os membros de ONGs nacionais e internacionais (como as Redes de
Turismo)? Estas são algumas questões pertinentes por ser necessário aos atores sociais não-
indígenas perceberem que os povos indígenas exercitam o papel de protagonistas e tentam
livrar-se da subordinação imposta por interlocutores deixando-os sob tutela nos assuntos de
seus interesses, como tem acontecido no caso do turismo.
Isso pode ser conferido nas outras duas pesquisas reveladas no Quadro 6. Os
estudos de Lageano de Jesus (2004) e Nunes (2006) congregam-se nas discussões referentes à
Reserva Indígena de Dourados (RID). A primeira autora afirma que o turismo na RID
apresentava-se como uma atividade que gerou conflito quando o poder público tentou inseri-
lo na TI sem dialogar sobre esta prática com os povos indígenas que seriam envolvidos nos
interesses do governo local. Esse panorama modifica-se e pode ser comprovado na pesquisa
de Nunes (2006). Nesta outra experiência a autora propôs uma análise comparativa entre duas
TIs e, dentre estas, pesquisou sobre o turismo na RID. Assim, ela afirma que a atividade
turística foi aceita e praticada na RID a partir do momento em que os indígenas tornaram-se
atores sociais protagonistas no turismo em TI.
Portanto, ressaltou-se os estudos de Lageano de Jesus (2004); Nunes (2006);
Oliveira, Vanderlei (2006) e Faria (2007a) para identificar essas pesquisas e correlacioná-las
às abordagens, bem como associá-las à tese em questão. Apesar deste estudo priorizar as
produções sobre povos indígenas e o turismo, apresentam-se outras duas dissertações no
Quadro 7 sobre povos indígenas que contemplam o turismo em segundo plano. Estas
merecem destaque, primeiramente por terem investigado sobre o mesmo povo indígena, ou
seja, fortalecem-se nas mesmas áreas de conhecimento. Depois, por um destes estudos
subsidiar um projeto acadêmico a respeito de povos indígenas do estado de Goiás o qual
menciona o turismo no seu contexto.
Autora Dissertação Área da Pesquisa e/ou Povo UF Ano
Indígena

MOTTA, Olga Maria Os Karajá, o Rio Araguaia e os outros: territorialidades em conflito43 Aldeia Buridina/ Karajá GO 2005
Fernandes
Resumo: A pesquisa refere-se à problemática territorial em que vive o grupo indígena Karajá da aldeia Buridina no município de Aruanã em Goiás. Esta é uma
cidade de pouco mais de 5.000 habitantes na parte Noroeste do Estado de Goiás, à margem direita do Rio Araguaia. Aruanã recebe todos os anos milhares de
turistas, principalmente na alta temporada, que compreende os meses de seca, devido à formação de praias fluviais, fato que levou a uma valorização econômica
dessas áreas. Historicamente os Karajá habitavam extensas terras ao longo do Araguaia, mas por circunstâncias históricas de colonização, povoamento e
apropriação, estes grupos foram extintos ou recuados a pequenas áreas. No caso dos Karajá de Aruanã, residem em uma área de 12.000 m2, na parte central da
cidade as margens do Grande Rio. A partir do final da década de 1990, um processo de reafirmação pela demarcação de terras indígenas na área urbana e próximo
à cidade desencadeou confrontos entre membros desse grupo étnico, os moradores não-índios, os turistas e a prefeitura. Fato demonstrado através de reportagens de
jornais levantadas desde a década de 1980 no qual se apresentam os mais variados problemas: a defesa da terra, da cultura ou da sobrevivência. As conversas com
os atores na pesquisa, os indígenas, moradores e turistas nos evidenciaram que a construção da territorialidade envolve disputa, por isso relações de poder e
identidade. Desta forma, a condição étnica Karajá é desqualificada em detrimento da ocupação do território a partir do momento que a disputa se acirrou. Este
confronto leva o grupo a encontrar mecanismos e possibilidades de se afirmarem como indígenas inseridos em um contexto histórico (espacial) e como sujeitos
políticos.
LIMA, Sélvia Carneiro de A permanência do estranho: os Karajá, os Tori e as disputas territoriais do Karajá GO 2010
cerrado goiano44
Resumo: Interpretar as disputas e os conflitos que envolvem atualmente o território do povo Karajá de Aruanã-GO, constitui o principal objetivo desta pesquisa. O
município surgiu no século XIX sob a denominação de Santa Leopoldina e desenvolveu-se sobre o território tradicional Karajá. A pressão pelo uso do território
culminou com sua restrição a três Terras Indígenas descontínuas. Em um cenário em que a atividade pecuária e o turismo geram uma valorização das terras,
imperam interesses de diferentes atores: fazendeiros, empresários, indígenas, turistas, dentre outros. O Cerrado, e as águas do Araguaia, apresentam-se, então, em
um evidente palco de disputas, sendo permeado por muitos usos e significações; o que tem gerado a mais de quatro séculos uma dinâmica de conflitos territoriais e
hibridismos culturais nesse território marcado pela etnicidade. [...] Tudo isso aponta que diante das perdas territoriais, e da biodiversidade gerada pela atividade
pecuária, os Karajá reelaboram, ressignificam sua cultura e se reorganizam para sobreviverem diante dos desafios impostos nesta situação de chegada e
permanência contínua dos estranhos. Essa pesquisa foi desenvolvida por meio de diversos procedimentos teórico-metodológicos, dentre eles, coleta, construção e
análise de dados e documentos e interpretação qualitativa. A interlocução com a Antropologia, a História, o Direito fez-se necessário em função das características
do tema, cuja investigação apresenta-se ainda pouco expressiva na ciência geográfica.

Quadro 7: Dissertações enfocando “povos indígenas” com o “turismo” no contexto


Fonte: Banco de Teses da CAPES. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses>. Acesso em: 20 set. 2010.
LUSTOSA, Isis Maria Cunha. (Org.). 2011.

43
Mestrado em Geografia do Instituto Sócio-Ambiental (IESA) na Universidade Federal de Goiás (UFG) sob a orientação de Alecsandro José Prudêncio Ratts.
44
No mesmo curso acima sob a orientação de Eguimar Felício Chaveiro.

87
88

O estudo de Motta (2005) correlaciona-se com o de Lima, Sélvia (2010), pois


tratam das pressões direcionadas por não-indígenas sobre o território indígena do povo Karajá
de Aruanã em Goiás. O turismo provoca a valorização da terra e com isso os indígenas
enfrentam conflitos numa disputa pelo território que passa a gerar diferentes representações e
torna-se vislumbrado para os diversos usos. Para Chaveiro, Silva e Lima (2009-2010, s/p):

[...] os Karajá lidam com tensões externas advindas do turismo (Aruanã é a porta do
turismo pelo Araguaia), que muitas vezes coloca o índio como produto exótico e
vendável e provoca brigas internas entre as famílias que enfrentam inúmeros
problemas diante da escassez dos recursos naturais do Cerrado na região que diante
da devastação os impede de usufruir e praticar a caça, agricultura, coleta.

Como uma forma de correlacionar os assuntos desta pesquisa, vale atentar que em
alguns destes aspectos (conflitos internos entre indígenas da mesma família, devastação e
escassez de recursos naturais) mencionados na situação do povo Karajá de Goiás, lembra o
caso do turismo imposto ao povo Tremembé de São José e Buriti do Ceará. Portanto, para
concluir a discussão sobre os indígenas Karajá, iniciada acima, destaca-se que esta não é
tratada como um assunto isolado. De fato, faz parte do Subprojeto: Gestão da Biodiversidade
dos Povos do Cerrado: Os Karajá e os Avá-Canoeiro45 no contexto do Noroeste e do Norte
Goianos coordenado por Eguimar Felício Chaveiro no Instituto de Estudos Sócio-Ambientais
(IESA) na Universidade Federal de Goiás (UFG). O subprojeto encontra-se inserido no
projeto, nomeado: Apropriação do território e dinâmicas socioambientais no Cerrado:
Biodiversidade, biotecnologia e saberes locais. Este amplo projeto promoveu parcerias entre
instituições de pesquisa e ensino e aliou algumas pesquisas sobre os povos indígenas de Goiás
desenvolvidas na UFG por meio do IESA, portanto, promoveu a formação de uma rede
acadêmica que envolve pesquisadores do Brasil e do exterior. Mesmo que nas pesquisas de
Motta (2005) e Lima, Sélvia (2010 ) o cerne não seja a temática de povos indígenas e o
turismo, ainda assim há uma abordagem aos impactos provocados pelo turismo na TI do povo
Karajá de Aruanã, tanto nas dissertações das referidas autoras, como no projeto acadêmico
ressaltado acima. De alguma forma estes estudos ampliam as pesquisas sobre os povos
indígenas e o turismo na Geografia Humana.

45
O contexto desse povo indígena no citado sub-projeto decorre da dissertação de Mestrado intitulada: Avá-
Canoeiro: conflitos territoriais no cerrado do norte goiano - a resistência dos bravos, defendida em 2010, por
Lorrane Gomes da Silva sob a orientação de Eguimar Felício Chaveiro – IESA/UFG. O foco da pesquisa não é o
turismo em terras indígenas.
89

As pesquisas (teses e dissertações) comentadas nos Quadros 5, 6 e 7 demonstram


o mosaíco de debates construídos e, em quase todas, o turismo foi enfatizado, bem como a
“sua interface com outros temas.” (STEIL, 2003, p. 9). Também salienta-se que estas
pesquisas “à sua maneira [...] estudam, mais ou menos, os processos culturais.” (CLAVAL,
2008, p. 28). Corrobora Barretto, Margarita (2003) “a maior parte dos estudos do turismo,
tanto no Brasil quanto no exterior, tem focalizado, principalmente, os impactos na cultura, os
processos de aculturação e a questão da autenticidade.” (p. 20). Deste modo como o turismo
se desenvolve, o referido fenômeno demanda dos pesquisadores maior investigação, pois
por um lado, comunidades inteiras do Brasil e até de países ricos procuram,
afoitamente, incorporar o turismo na receita do lugar; por outro lado, é comum que a
crítica especializada denuncie supostas fragilizações dos lugares culturais afetos ao
turismo. (YAZIGI, 2006, p. 121).

Realmente, esta incorporação do turismo como gerador de divisas sem demonstrar


os reais impactos, torna-se cada vez mais evidente tanto nesse país, como em outros. O tema
turismo, sem nenhuma dúvida é um assunto importante para enfocar “[...] começando pelo
questionamento da razão pela qual as comunidades evoluem entre a posição de perplexidade,
de adesão, ou de antagonismo ao turismo.” (RODRIGUES, Adyr, 2006, p. 304). Dentre o
universo de produção científica que têm o turismo como tema na trajetória da Geografia
Humana, destaca-se: Almeida, Maria (1998a; 2000; 2003a; 2006a; 2010; 2011); Cruz (2000;
2006); Coriolano (2006b; 2009); Luchiari (2000); Rodrigues (1998; 1999; 2007) e Yazigi
(2006). Todavia, mesmo que se concretizem as variadas produções acadêmicas a propósito do
turismo, como dito, o tema ainda passa como inexistente ou irrelevante para alguns teóricos.
Aqueles pesquisadores comprometidos em estudar a respeito do turismo têm “a
responsabilidade histórica e ética de conduzir este fenômeno.” (YAZIGI, 2006, p. 133). Isso,
especialmente, pelo fato do turismo participar “ativamente na produção espacial.”
(ALMEIDA, Maria, 2006a, p. 112). Destarte, os teóricos que validam o turismo, como
temática relevante para investigar, vêem que o fenômeno provoca uma complexa trama de
relações, pois a mesma autora afirma:
O turismo não tem existência própria e sua dinâmica depende do jogo dos atores –
Estado, iniciativa privada, comunidade local e turista – que o inventam em um lugar
escolhido para tal. Os agentes promotores do turismo, com a anuência ou não dos
visitados, selecionam certos lugares para serem sacralizados, certos comportamentos
e atividades que eles consideram particularmente representativos como produto
turístico. Eles decidem colocá-los em evidência no cenário que eles compõem para
os turistas. A expressão identitária dos visitados passa, desta forma, pela construção
de um objeto novo composto a partir de elementos já existentes. Este objeto implica,
evidentemente, o rearranjo dos significantes originais e a produção de um sentido
inédito. (ALMEIDA, Maria, 2006a, p. 117-118).
90

Esta dinâmica para implementar o turismo a partir dos múltiplos atores sociais,
como menciona a autora na citação anterior, deixa os territórios muito expostos às variadas
representações que cada um tem sobre este fenômeno. Por isso, alguns locais são tomados
pelo turismo, mesmo que não haja a concordância dos visitados. Assim, os atores sociais que
servem como condutores para a execução da atividade turística deparam-se com a conjuntura
a qual demonstra que “el turismo avanza como una conquista permanente de los recursos
naturales, pero también de los atractivos sociales y culturales de una sociedad.” (CORDERO
ULATE, 2006, p. 195). Este avanço do turismo, na maioria dos casos, desordenado e tomando
territórios sem o consentimento daqueles/as habitantes afetados/as pelos impactos em suas
terras, torna-se conjuntura fundamental para pesquisas sobre o turismo em TIs do Nordeste
por meio da Geografia Humana e da Etnologia Indígena. Isso, em tempos que “os atuais povos
indígenas do Nordeste são colocados como objeto de atenção.” (OLIVEIRA FILHO, 2004, p.
16). E, também, esta região torna-se cada vez mais vislumbrada para a especulação imobiliária
oriunda da atividade turística que transforma “o litoral nordestino [...] em um extenso e
longitudinal ‘canteiro de obras’.” (CRUZ, 2006, p. 344).
Esta mesma condição é bastante peculiar no estado do Ceará que sucessivamente
“reelabora a identidade de espaço moderno e turístico.” (CORIOLANO, 2006b, p. 138). A
faixa litorânea cearense encontra-se, praticamente, metamorfoseada para fins turísticos. A
mesma autora esclarece:
No caso específico do Ceará [...] até meados do século XX, a sua região costeira não
era valorizada em termos de espaço urbano para o turismo [...]. Com a valorização
do litoral e implantação de projetos financiados pelas agências de fomento
internacionais e nacionais, a partir da década de 70, esse espaço foi redirecionado
para o turismo. A partir da década de 80, a população local disputa palmo a palmo o
espaço [...] para o turismo [...] tudo isso passou e passa por intenso processo de luta,
mediante relações de poder para redefinição desses espaços e redefinição de
territórios. (CORIOLANO, 2006a, p. 376)

Esta autora também considera que “na contemporaneidade cearense, este novo
determinante – o turismo – elabora identificações para o Estado com espaços de novas
territorialidades [...] no litoral cearense.” (2006b, p. 144). Dentre esses espaços, na mira atual
de investidores internacionais parceiros do Estado Nacional, não são poupadas nem as TIs.
Para Cordero Ulate “los conflictos [...] que se suscitan a raiz de la entronización del turismo
se expresan prácticamente en todos los campos.” (2006, p. 178). E, na maioria dos casos,
como na situação do Ceará “expropriam os residentes tradicionais, privatizam, constroem e
direcionam lugares para os turistas.” (CORIOLANO, 2006b, p. 144). Atualmente, como
exemplo de pressões não-turísticas dirigidas aos Jenipapo-Kanindé e à sua TI, há a atividade
91

industrial de uma fábrica do Grupo Ypióca, fronteiriça à TI Aldeia Lagoa Encantada. Uma
situação que também está gerando conflitos entre a empresa e os Jenipapo-Kanindé, questão a
ser discutida a frente.
O turismo impacta as TIs de diversas maneiras. Em algumas situações ocorrem
projetos de turismo implantados nestas terras mediante o financiamento de programas
governamentais subsidiados com “recursos externos.” (SOUSA; SOUZA LIMA; ALMEIDA;
WENTZEL, 2007, p. 7). Em algumas situações os projetos de turismo partem do interesse dos
povos indígenas em projetos de turismo de auto-gestão. Utiliza-se de uma interrogação que se
considera estar correlacionada com as dúvidas existentes sobre o turismo em TIs. Mas, afinal
que turismo é esse?” (GRÜNEWALD, 2001, p. 54). As terminologias para esse tipo de
turismo diversificam-se. O autor considera que alguns outros teóricos já discutem o “turismo
indígena” (2001, p. 54). Em outra obra, Grünewald (2003a) refere à discussão sobre Turismo
Étnico. Como sugere Barretto; Burgos e Frenkel (2003, p. 17), “uma tipologia turística [...]
que pode ser valiosa para entender as diferenças de comportamento” dos povos indígenas em
relação aos projetos de turismo em suas terras. Na obra de Swain (1977) citado por
Grünewald (2001) este autor “[...] separa o ‘turismo indígena’ do ‘étnico’: o primeiro teria
suas bases na terra e na identidade cultural do grupo, controlado por ele; o segundo se referiria
ao marketing das atrações turísticas inspiradas no modo de vida indígena.” (p. 54)
Embora estejam surgindo os debates sobre as nomenclaturas46 para esta
modalidade de turismo em TI, ainda assim, é um “tipo de turismo que no ha sido
suficientemente investigado.” (CORDERO ULATE, 2006, p. 72). Entretanto, se este tipo de
“turismo implicará em novas formas de colonização da paisagem natural e cultural ou se
contribuirá na criação de novas possibilidades e horizontes para as comunidades locais, esta é
uma questão aberta às discussões.” (ALMEIDA, Maria, 2005, p. 343).
Os povos indígenas e o turismo são temas de investigação que adquirem
visibilidade e seriedade na sociedade contemporânea. Esboça-se o paralelo destes assuntos na
trajetória da Geografia Humana e da Antropologia a fim de ampliar a compreensão a respeito
dos citados temas e, ainda, apresentar algumas das produções científicas existentes, pois
particularmente considero que valida a importância desta pesquisa.

46
Cf. discussão teórica acerca de terminologias de turismo praticado em TIs. Disponível em:
<http://www.naya.org.ar/turismo/articulos/ivani_ferreira.htm>. Acesso em: 15 de dez. 2009.
92

A partir dos contextos discutidos há subsídios para apresentar o próximo capítulo


a propósito da origem de alguns projetos institucionais e/ou gobalizantes de turismo para os
povos indígenas do Brasil, incluindo-se as experiências apropriadas pela FUNAI como
projetos pilotos. Para o estudo em questão “perceber essa forma de experiência turística [...]
caracterizada pela promoção do “outro” parece de extrema relevância.” (GRÜNEWALD,
2003a, p. 143). Para o mesmo autor este “exótico, o outro, é procurado em lugares distintos
do de origem do visitante [...] a fim de ser atrativo no mercado turístico.” (2003a, p. 144).
Acontece da mesma maneira em todas as experiências de projetos de turismo em TIs do
Brasil? Essa interrogação incita pontos levantados no capítulo seguinte.
93

2 PROJETOS INSTITUCIONAIS E/OU GLOBALIZANTES DE


TURISMO: AFIRMAÇÃO E NEGAÇÃO DA IDENTIDADE INDÍGENA

Na última seção do capítulo anterior apresentou-se alguns projetos acadêmicos


inseridos na discussão sobre os povos indígenas e o turismo. Aqueles projetos não foram
desenvolvidos por povos indígenas para implementar a atividade turística em suas TIs, nem
tão pouco direcionados por instituições públicas e/ou privadas para a execução do turismo nas
referidas terras. De fato, os exemplos que foram expostos demonstram projetos de pesquisa
desenvolvidos por Geógrafo(a)s para investigar conforme a particularidade dos seus estudos
científicos a atividade turística no interior de algumas aldeias de povos indígenas do Brasil.
Os projetos institucionais e/ou globalizantes de turismo com ou para povos
indígenas foram implantados no balcão de programas de fomento do Estado Nacional,
financiados com capital estrangeiro, e vieram a ser objeto de pesquisa acadêmica. Entretanto,
antes da efetivação destes projetos em alguns dos programas do governo federal, houveram
iniciativas apontadas como projetos pilotos de turismo (praticados no interior de TIs do
Nordeste e da Amazônia Legal). Estes surgiram como modelos unificados para subsidiar os
futuros editais contendo linhas temáticas de turismo destinados às demandas de projetos para
diversos públicos alvo, incluindo-se os atores sociais – povos indígenas. Os projetos
aprovados na esfera do governo federal contaram com os apoios financeiros a fundo perdido e
assessorias técnicas para colaborar na execução das propostas.
Salienta-se que existem os projetos de turismo institucionais aliando o
financiamento de programas do governo federal e a execução da proposta por meio de
entidades (associações de base ou do terceiro setor). As experiências levantadas nesta
pesquisa, serão listadas a seguir. Ou, também podem acontecer projetos institucionais
voltados para as associações de base podendo correlacionar parcerias de (Instituições de
Ensino Superior (IES), entidade do terceiro setor, setor público e setor privado), com
financiamento privado. Estas e as propostas anteriormente citadas, são interpretadas como
projetos de turismo desenvolvidos de modo participativo a partir do interesse de povos
indígenas. Exemplifica-se o projeto de turismo do povo indígena Jenipapo-Kanindé na TI
Aldeia Lagoa Encantada, discutido a frente numa inserção na Rede Cearense de Turismo
Comunitário (REDE TUCUM).
94

E existem também os projetos de turismo institucionais e/ou globalizantes, que


podem aliar os macro-programas de turismo do governo federal com os grandes projetos
privados de turismo internacional, impostos aos indígenas e às TIs, infringindo seus direitos
constitucionais. Enfatiza-se o Nova Atlântida, que ocupou-se de algumas áreas da TI
Tremembé de São José e Buriti e ambiciona a totalidade deste território indígena, e o Aquiraz
Resort, que tentou apoderar-se da TI do povo Jenipapo-Kanindé.
Portanto, estas são as discussões deste capítulo dos projetos institucionais e/ou
globalizantes de turismo em TIs, iniciativas que também criam e apropriam-se de territórios.

2.1 Projetos pilotos de turismo para povos indígenas

No Brasil, as demandas de projetos governamentais e privados de turismo para


povos indígenas têm crescido na última década deste século, embora a FUNAI não tenha
regulamentado a prática do turismo em TI que ocorre desde a década de 1990, como se
confere na iniciativa difundida pelo Programa Nacional de Municipalização do Turismo
(PNMT) com o povo indígena Macuxi de Roraima; em outra tentativa de um grupo hoteleiro
privado no Parque Nacional do Xingu e em experiência concretizada na TI Coroa Vermelha
com os Pataxó da Bahia.
O PNMT, programa de governo surgiu no panorama do turismo nacional no ano
de 1994, período em que o Instituto Brasileiro de Turismo (EMBRATUR) ainda respondia
pelas diretrizes da atividade turística no país, até ocorrer à criação do Ministério do Esporte e
do Turismo em 1998 e, posteriormente do Ministério do Turismo (MTur) em 2003 no
primeiro mandato do governo de Luiz Inácio da Silva. O PNMT “fue abandonado em 2003
cuando el nuevo y atual [Gobierno Lula] asumió el poder.” (ALMEIDA, Maria, 2006b, p. 26).
Este programa, nos quase 10 anos de ação, adotou os instrumentos operacionais elaborados
pela Organização Mundial do Turismo (OMT), sendo estes adequados à realidade brasileira.
O intento do PNMT foi de implementar um novo modelo de gestão da atividade
turística, simplificado e uniformizado, para os estados e os municípios a fim de incrementar o
turismo no âmbito regional e local, de modo integrado, utilizando-se de metodologia de
enfoque participativo para implantar um modelo único de planejamento e gestão do turismo
nacional. De fato, uma grandiosa falácia para o Brasil com características regionais díspares.
Porém, com este discurso o PNMT correu o país com seu instrumento de mobilização,
sensibilização e capacitação tentando despertar a importância e a dimensão do turismo como
95

gerador de emprego e renda, aliando o crescimento com a preservação e conservação do


patrimônio ambiental, histórico e cultural. Nesta intenção do PNMT estavam incluídas as
ações de turismo para povos indígenas.
No material institucional difundido pelo citado programa constava um recurso
audiovisual indicativo do referido modelo de turismo que incluía os povos indígenas como
público alvo daquele planejamento e gestão do turismo no Brasil. O conteúdo imagético
revelado apresentava como potencialidades de ofertas turísticas (à visitação da aldeia, o
artesanato em cerâmica e a pretensa culinária indígena) destinadas às demandas de visitantes
estrangeiros. De maneira mais precisa a breve filmagem projetada apresentava a produção do
artesanato produzido por mulheres indígenas Macuxi, sendo ofertado para os visitantes que
chegavam à aldeia. Ainda constava a intenção destas mulheres em oferecer a culinária
indígena para os respectivos visitantes e, também os vários indígenas (homens, mulheres e
crianças) da aldeia apresentarem-se em público demonstrando os seus rituais para os mesmos
visitantes. O discurso do PNMT estava registrado na fala dos depoentes indígenas no referido
material institucional. O povo indígena revelado aparecia na imagem projetada como aquele
de dentro (exótico) para o olhar do outro (de fora).
Durante aquela mesma fase do PNMT, especificamente em 1996, consta que a
FUNAI já discutia projetos de ecoturismo em TI, como revela a notícia abaixo. Na mesma
fonte, aparece o outro período (2002), em que surge o interesse de lideranças indígenas
propondo ao extinto Ministério do Esporte e Turismo a criação de um pólo de turismo no
interior do Parque Indígena do Xingu e, também, concretiza-se a outra experiência de turismo
com povo indígena da Bahia. Ambos projetos vislubrados pela FUNAI, para subsidiar a
regulamentação do ecoturismo em TI. Portanto, vale ressaltar o trecho jornalístico pertinente
às citadas experiências de turismo em aldeias indígenas tomadas pelo órgão indigenista como
projetos pilotos de turismo, conforme narrado abaixo:
No dia 06 de setembro [2002], duas das principais lideranças indígenas do país – os
caciques Megaron e Raoni – estiveram com o ministro do Turismo e Esporte, Caio
de Carvalho, para propor a criação de um polo turístico dentro da reserva do Xingu.
A questão interessa um número cada vez maior de etnias, mas ainda não existe
consenso nem regulamentação sobre o assunto. Para o coordenador de Proteção
das Terras Indígenas da Fundação Nacional do Índio (Funai), Wagner Tramm, é
necessário definir uma política oficial para o tema quanto antes. “O turismo já está
acontecendo e totalmente sem normatização”, afirma Tramm.
[…]. Projetos de ecoturismo em reservas indígenas vêm sendo discutidos desde
1996 pela Funai, mas até hoje não foi definida uma regulamentação para a
atividade. […]. Uma experiência do gênero foi iniciada no Parque Indígena do
Xingu há pouco mais de um ano [2000]. A comunidade Kamayurá, da parte sul da
reserva, se aliou a um grupo hoteleiro estrangeiro para fazer turismo na aldeia. Ao
lado das ocas, foi construído um alojamento para os visitantes, a maior parte norte-
96

americanos, que pagariam U$ 100,00 por diária. A experiência ia ser usada pela
Funai como um projeto piloto. A Funai chegou a organizar várias discussões entre
as 16 etnias que habitam o Parque, mas a idéia foi repelida pelas demais
comunidades.
Na época, o cacique Aritana – uma das lideranças mais importantes da região – foi
totalmente contra a proposta. Segundo ele, todo mundo que aceita turista se
arrepende. Assim como o cacique, muitos especialistas são radicalmente contra o
turismo de sociedades humanas. A atividade introduz uma série de elementos na
sociedade que tendem à “artificialização” do modo de vida tradicional. “Recebemos
propostas quase todo dia. Recusamos porque não queremos nem precisamos do
dinheiro de branco para viver bem aqui”, disse o cacique.
Atualmente, uma nova experiência está sendo realizada na comunidade Pataxó de
Coroa Vermelha, em Santa Cruz de Cabrália, na Bahia. O projeto existe há
quatro anos e, segundo a Funai, vem apresentando resultados positivos. A fundação
pretende utilizar a iniciativa como base para análises, visando à
regulamentação da atividade de ecoturismo. Além disso, a instituição deve formar
um grupo de estudo para deliberar sobre a questão.
Os projetos futuros também devem envolver outras unidades do governo
federal. O Ministério do Meio Ambiente, por meio do Programa de
Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia Legal (Proecotur), já participou de
discussões e mostrou-se interessado […].47

Tudo leva a crer que estes projetos pilotos de turismo, independente de terem sido
concretizados, parecem ter surgido à luz do ideário do PNMT, tanto que na experiência do
Parque Nacional do Xingu os Caciques se dirigiram ao Ministro do Turismo e Esporte para
discutir propostas no ano de 2002 (período ainda vigente do PNMT). As lideranças indígenas
de etnias da Amazônia Legal, talvez dispusessem da informação que o PNMT buscava o
“restabelecimento de parceria com o Programa Turismo Verde, no ano de 2002, o qual visava
o Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia Legal [...].”48 Logo, os indígenas, trataram de
tentar acordos com o governo federal, como revelado, e estes acordos não saíram do diálogo.
Quanto as intenções da FUNAI de utilizar as experiências do Parque Nacional do
Xingu e da TI Coroa Vermelha como projetos pilotos de turismo, fazendo-se uma
retrospectiva de 2002 a 2011, como vê-se a seguir, essa iniciativa continua como ideário do
órgão indigenista, com quase nenhuma concretização. Assim sendo, não existe a garantia de
que as experiências de projetos de turismo desenvolvidos em TIs brasileiras realizam os
estudos socioambientais e antropológicos necessários para minimizar os impactos decorrentes
da prática turística. Enquanto isso:
De um modo geral, cada vez mais a demanda de visitação nas aldeias indígenas vem
aumentando, o que pode acarretar problemas à comunidade, principalmente quando
essas visitas acontecem informalmente e sem o necessário controle por parte dos

47
Turismo em Terras Indígenas. Disponível em: <http://www.brasiloeste.com.br/2002/09/turismo-em-terras-
indgenas/>. Acesso em: 23 set. 2009. Publicada em: 17 set. 2002. Grifos nossos.
48
Avaliação do Programa Municipalização do Turismo. Disponível em:
<http://www.abrasil.gov.br/avalppa/RelAvalPPA2002/content/av_prog/083/prog083.htm>. Acesso em: 23 set.
2009. Publicada em: 2002.
97

índios, pois interferem no cotidiano e dinâmica cultural da sociedade indígena [...].


(PDA, 2006, p. 5).

Esta circunstância evidente sobre a demanda informal de visitantes em TIs de


alguma forma forçou a FUNAI a se manifestar a respeito do assunto de regulamentação do
turismo em TI. Em 2008, durante uma palestra da Coordenadora Geral de Patrimônio
Indígena e Meio Ambiente da FUNAI, Iara Vasco Ferreira, essa técnica revelou que seria
“prioridade da Funai em 2008 [...] a Regulamentação de atividades turísticas em TIs.”
(FERREIRA, 2008, p. 6).49 Sobre os projetos institucionais de turismo existentes e praticados
em algumas TIs (antes desta normatização do órgão indigenista), a técnica opina que estes
projetos serviriam como experiências para fundamentar as diretrizes de regulamentação do
turismo nas TIs do país. Apesar da afirmação da citada coordenadora, passados alguns anos,
sabe-se que são praticamente inexistentes as diretrizes ou princípios norteadores, entendidos
como políticas públicas, referentes ao turismo em TIs no Brasil. A FUNAI tenta corresponder
com a expectativa desta regulamentação e novamente adota outros projetos pilotos, não mais
para ecoturismo em TI como nomeava a atividade antes, agora, para desenvolver turismo
ecológico e sustentado em algumas TIs da Amazônia Legal, como veiculado em jornal de
circulação nacional:
A Funai (Fundação Nacional do Índio) estuda um projeto para turismo em terras
indígenas, em que o visitante pode fazer trilha na floresta com os índios, participar
com eles de pescas artesanais e dormir em tabas servidos com comida preparada na
própria aldeia […].
O projeto deve ser implantado até o fim deste ano [2011]. Mesmo paraísos como
Raposa Serra do Sol, em Roraima, deverão ser abertos ao público.
Um piloto da proposta já está sendo implantado no sul do Amazonas, próximo de
Humaitá, com os índios tenharim, que devem ser os primeiros a receber visitantes.
A Funai pretende desenvolver turismo ecológico e sustentado, com número
limitado de participantes e com os recursos sendo recebidos diretamente pelos índios
[…].50

A regulamentação do turismo em TI, por parte da FUNAI, hibernada desde 1996,


nessa nova tentativa do órgão indigenista parece não ter grande evolução, o estado letárgico da
FUNAI faz esta Fundação adotar o turismo ecológico e sustentado, modelo que carreia
jargões (ecológico e sustentado) também adormecidos e, além disso, o referido modelo de
turismo traz no seu bojo o vício da tutela. Para Carneiro da Cunha (2009, p. 256):

49
Palestra sobre os povos indígenas do Brasil, intitulada: Uma realidade pouco conhecida, proferida durante o
curso – Academia Amazônia – promovido pelo Projeto Avaliação, Monitoramento e Análise (AMA) do MMA
em Brasília de 1 a 4 de setembro de 2008.
50
Mônica Bergamo: Funai estuda implantar turismo em terras indígenas. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/poder/855119-monica-bergamo-funai-estuda-implantar-turismo-em-terras-
indigenas.shtml. Acesso em: 30 de out. 2011>. Publicada em: 5 jan. 2011. Grifos nossos.
98

Dentro dessas premissas, a tutela passa, portanto, a ser o instrumento da missão


civilizadora, uma proteção concedida a essas “grandes crianças” até que elas
cresçam e venham a ser “como nós”. Ou seja, respeita-se o índio enquanto homem,
mas exige-se que se despoje de sua condição étnica específica [...].

A FUNAI demonstra não considerar a condição étnica específica, revelada acima


pela autora, pois direciona projetos pilotos de turismo para os povos indígenas numa contra-
mão dos seus direitos, ou seja, padroniza modelos de projetos como se fosse possível replicar
a mesma experiência para os diferentes povos indígenas do país, com TIs nas mais variadas
localizações. O referido órgão indigenista ignora que “a questão da tutela [...] foi substituída
pelo pleno reconhecimento da capacidade civil dos indígenas e das organizações que viessem
a constituir.” (OLIVEIRA FILHO, 2011a, s/p). Refletindo-se sobre a abordagem desse autor
relativa ao reconhecimento da capacidade civil dos indígenas, vê-se que as propostas dos
projetos de turismo para povos indígenas deveriam partir dos indígenas conforme as suas
realidades sociais, ambientais, culturais, geográficas e políticas. Portanto, caberia a FUNAI
assessorar nos estudos de impactos ambientais para minimizar as intercorrências provocadas
pela atividade turística, bem como impedir que os projetos de turismo globalizantes incidam
sobre os povos indígenas e suas TIs. Mas, este órgão indigenista, no momento vigente,
continua insistindo em replicar modelos unificados de projetos de turismo. Enquanto isso,
outros projetos de turismo continuam surgindo em TIs brasileiras.
Independente da maneira que os projetos de turismo despertem os interesses dos
povos indígenas e alcance as suas TIs pressupõe-se que estes povos e suas terras sejam
impactados pelos projetos. Ou, estes povos se apropriam dos projetos de turismo
institucionais e/ou globalizantes. Ou são levados a negar a sua identidade indígena ou
reafirmá-la. Alguns afirmam sua identidade indígena para resistir. Outros negam a identidade
para se deixar cooptar. Portanto, averigua-se a seguir como acontece com as experiências dos
projetos institucionais de turismo procedentes de acordos de Cooperação Técnica
Internacional.

2.2 Projetos institucionais de turismo para povos indígenas: Cooperação Técnica


Internacional

As iniciativas de projetos institucionais de turismo em TIs executados por meio de


acordo de Cooperação Técnica Internacional, acontecem desde a década de 1990. Para
Valente (2007, p. 120):
99

No que concerne à instância governamental, a cooperação técnica internacional se


caracteriza por uma prática que envolve dois ou mais Estados e agências ou
organismos internacionais, e configura arranjos bilaterais ou multilaterais. Em sua
formalização, é assinado um acordo, chamado de acordo básico de cooperação
técnica, equivalente a um contrato, cujas normas são definidas no âmbito da
administração pública, na área de política exterior. Nesse acordo básico, são
apresentados os princípios mais amplos que configuram relações diplomáticas entre
dois países [...].

As primeiras experiências de projetos institucionais de turismo em TIs a partir


destes acordos entre países foram promovidas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA)
mediante o subprograma Projetos Demonstrativos (PDA); o Projeto Demonstrativo de Povos
Indígenas (PDPI) e o Programa de Apoio ao Ecoturismo e à Sustentabilidade Ambiental do
Turismo (PROECOTUR).
Salienta-se que em 1995, o MMA, por meio do Programa Piloto para Proteção das
Florestas Tropicais do Brasil (PPG7), implementou o PDA, o qual iniciou sua operação em
1996 (ano de apoio aos primeiros projetos aprovados). Este subprograma surgiu para
proporcionar o fomento de projetos com novos modelos de preservação, conservação e
utilização racional dos recursos naturais, tendo o aporte da Cooperação Financeira da
República Federal da Alemanha por meio do Banco de Desenvolvimento da Alemanha (KfW)
e com contrapartida do MMA e apoio da Agência de Cooperação Técnica Alemã (GTZ).
(BRASIL, Ministério do Meio Ambiente, 2006).
Quanto ao PDPI, em 1999, as bases conceituais, diretrizes, regras e orientações
gerais deste subprograma foram debatidas e deliberadas durante um seminário efetivado em
Tefé no Amazonas, o qual congregou representantes tanto indígenas, como de organizações
parceiras, do governo brasileiro e dos doadores internacionais. Entre os anos de 2000 e 2001,
a equipe técnica do PDPI foi estruturada com a administração de um gerente técnico indígena,
indicado pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB). No
final de 2001, o PDPI passou a receber as propostas de projetos de povos indígenas e iniciou o
financiamento dos que foram aprovados a partir de 2003. (ALMEIDA, Fábio; SOUSA, 2006).
Relativo ao PROECOTUR, conforme o site51 do MMA, as primeiras ações deste
ministério no âmbito do ecoturismo, focalizaram a Amazônia Legal por meio do Programa de
Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia Legal (PROECOTUR AMAZÔNIA). O
PROECOTUR foi criado em 2004, com o desafio de estruturar o desenvolvimento do
ecoturismo em todo o país, com ênfase às áreas protegidas e seu entorno, por serem

51
Proecotur. Disponível em:
<http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=140>. Acesso em: 20 ago. 2009.
100

considerados pelo programa como os principais destinos ecoturísticos nacionais. O


PROECOTUR, conforme o mesmo site, quando executado pela Secretaria de Extrativismo e
Desenvolvimento Rural Sustentável (SEDR), buscou a integração das diversas ações
relacionadas ao ecoturismo e turismo sustentável no âmbito do MMA e do Ministério do
Turismo (MTur) a fim de construir uma agenda multilateral para favorecer a concentração das
políticas públicas nas diversas instâncias governamentais e promover uma gestão
compartilhada para consolidar uma Política Nacional para o turismo sustentável.
Volta-se então a comentar sobre o PDA. No acervo de projetos aprovados neste
subprograma, consta o apoio a experiência nomeada Jaquaterei Nhemboé – caminhando e
aprendendo com os Guarani, Comunidade Mbyá de Aguapeú52, em Mongaguá, no estado de
São Paulo. Este foi enviado para seleção no PDA em “outubro de 1999, com início previsto
para março de 2000. Os recursos foram disponibilizados no final de 2001. Durante o ano de
2002, o projeto foi implantado na expectativa de começar a receber visitantes a partir de
2003.” (PDA, 2006, p. 5). A citada experiência aparece como um projeto de iniciativa dos
indígenas com apoio técnico do Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e “sua principal meta
foi fazer das atividades turísticas, que até então ocorriam na aldeia Aguapeú, uma alternativa
econômica rentável e viável para a comunidade indígena.” (PDA, 2006, p. 4). Conforme a
mesma fonte, o projeto presumiu, especialmente, a implantação de infra-estruturas e obtenção
dos equipamentos previstos para o atendimento dos visitantes, como: “casa de barcos, Casa da
Cultura, trilha de acesso à Casa da Cultura, barcos, TVs, vídeos, painéis informativos, folder
para divulgação, etc.” (2006, p. 5).
Além deste projeto no Sudeste do país, o PDA, financiou no Nordeste o projeto da
Associação Pataxó de Ecoturismo (ASPECTUR), intitulado: Programa de Desenvolvimento
Sustentável e Preservação da Mata Atlântica na Reserva Indígena Pataxó da Jaqueira53 –
PROJAQ54. Neste os Pataxó do extremo Sul da Bahia, afirmam:
Promover a preservação e a recuperação/enriquecimento da Mata Atlântica dentro
dos limites da Reserva, bem como fomentar o desenvolvimento sustentável e a
utilização racional de seus recursos naturais através de um programa de integração

52
A Terra Indígena Guarani do Aguapeú foi homologada pelo Decreto Federal de 08/09/98. Possui uma área de
4.372,10 hectares, no trecho costeiro do litoral centro-sul paulista, definido como Baixada Santista. Insere-se em
áreas representativas do Bioma Mata Atlântica [...] (PDA, 2006, p. 8).
53
Corresponde uma área de 827 hectares pertencente à Terra Indígena de Coroa Vermelha [homologada em
10/7/1998] A Reserva ocupa posição estratégica em Porto Seguro, tanto por sua proximidade da costa e centro
da cidade (1,5 e 10 km respectivamente), quanto por contribuir a formação de um mosaico integrado ao Corredor
das RPPNs da Mata Atlântica da Costa do Descobrimento, bem como o Corredor Central da Mata Atlântica.
(PROJAQ, 2006, p. 8).
54
Aprovado no Edital da Chamada 3 - Componente ‘Ações de Conservação da Mata Atlântida’, linha temática
‘Ecoturismo em Áreas de Relevância Ambiental’, executado no PDA desde o ano de 2007.
101

sócio-ambiental baseado fundamentalmente no turismo etno-ecológico, resgate e


afirmação cultural da comunidade indígena Pataxó. (PROJAQ, 2006, p. 9).

Atenta-se que por meio do projeto PROJAQ (2006) foi possível comprovar a
participação oficial da FUNAI numa experiência de turismo em TI conforme está exposto na
citação abaixo. E, também, na correspondência assinada (Anexo 1) por servidor da FUNAI/
SEDE afirmando que este orgão indigenista tem conhecimento da proposta do PROJAQ
apresentada à seleção de pequenos projetos no ano de 2007, no Componente Ações de
Conservação da Mata Atlântica/PDA na Linha Temática Uso sustentável dos recursos naturais
por meio do ecoturismo em áreas de relevância ambiental. Na parceria da FUNAI com o PROJAQ, consta:
Serão organizadas palestras/encontros periódicos junto às comunidades indígenas
vizinhas e escolas municipais com o objetivo de disseminar as idéias e conquistas do
projeto, incentivando e fortalecendo assim a discussão e o diálogo ambiental-
indígena na região.
A FUNAI apoiará a participação de lideranças da comunidade e do conselho gestor
do PROJAQ em congressos, simpósios nacionais e cursos que tratem dos temas
abordados pelo projeto, como: etno/ecoturismo, recuperação de áreas degradas,
sistemas agroflorestais, cultura indígena entre outros.
Ficará responsável pelo levantamento, contato e negociação junto a possíveis
instituições e/ou profissionais que possam se interessar em formar parcerias, dar
apoio técnico ou financeiro ao PROJAQ, principalmente nas esferas do governo e
cadeia científica. (PROJAQ, 2006, p. 7).

Em 2004, o PDPI iniciou a execução (prevista para doze meses) do projeto Centro
Turístico Éware-Aciu: Casa de Festa de Moça Nova em Tabatinga, no Amazonas, realizado
entre o povo indígena Tikuna, comunidade Umariaçu II na Terra Indígena Umariaçu. Este foi
proposto pela Associação dos Artesãos e Cultura Indígena de Umariaçu (ACIU) e dentre os
seus interesses foi proposto a construção da Casa de Festa da Moça Nova para a efetivação de
“festas tradicionais, exposição de peças dessas festas, como máscaras e trajes, e venda
permanente de artesanato Ticuna [...]. O projeto também proporcionará a divulgação da
cultura indígena Ticuna.” (ALMEIDA, Fábio et al, 2007, p. 54).
Vale salientar que as Cooperações Técnicas Internacionais estenderam-se para
acordos de relações interministeriais. Nestas condições, em 2004, o MMA e o Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), numa ação conjunta implementam a
Carteira de Projetos Indígenas – Segurança Alimentar e Desenvolvimento Sustentável em
Comunidade indígenas – ou CARTEIRA INDÍGENA55, para apoiar projetos no âmbito do

55
Sua composição está indicada nos documentos oficiais que criam a CARTEIRA INDÍGENA (o Documento de
Projeto, aprovado pelo MMA, a Agência Brasileira de Cooperação Internacional (ABC) e o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e também no Acordo de Cooperação Técnica e Termo de
Ajuste assinados pelo o MMA e o MDS. Além de atender ao compromisso com o Programa Fome Zero com os
povos indígenas. A CARTEIRA INDÍGENA teve a construção de sua proposta iniciada em 2003 e efetivada em
2004. (BRASIL, Carteira Indígena, 2004).
102

desenvolvimento sustentável e a segurança alimentar para povos indígenas (BRASIL, Carteira


Indígena, 2004). Em 2006, a iniciativa do povo indígena Guarani da Aldeia Boa Vista em São
Paulo, executada pela Comissão Pró-Índio (CPI), obteve o apoio da CARTEIRA INDÍGENA
para construir a Casa de Cultura na aldeia como espaço físico para os indígenas receberem os
visitantes, realizarem as manifestações culturais, explorarem e venderem os artesanatos indígenas.
O MTur para não ficar à parte desse contexto referente aos projetos de turismo,
pois suas diretrizes priorizam o turismo como atividade econômica sustentável e geração de
empregos e divisas, resolve adotar uma forma de ação semelhante a do MMA e do MDS. Isso
implicou apoiar o fomento de experiências de projetos destinados às associações de base,
portanto, surgem outros projetos de turismo em TIs aprovados, entre junho e julho de 2008,
por meio do edital56 – Seleção de Propostas de Projetos para Apoio às Iniciativas de Turismo
de Base Comunitária – que recebeu acima de 500 propostas e selecionaram-se 50 projetos no
MTur. Dentre os elegidos para serem executados no período (1/2008), dois projetos incluem
povos indígenas, como demonstra as Figuras 9 e 10. Em um dos casos a experiência, Ayty –
Turismo de Base Comunitária do Povo Tapeba, foi efetivada com um povo indígena do
Nordeste, localizado no município de Caucaia, no litoral cearense. Na outra vivência,
nomeada: Caiçaras, indígenas e quilombolas: construindo juntos o turismo cultural da
Região da Costa Verde, o povo Guarani situado em Ubatuba, no litoral paulista, é também
beneficiado com projeto de turismo e, nesta proposta, alia-se com povos caiçaras e
quilombolas numa experiência compartilhada no Sudeste do país agregando também os
municípios de Angra do Reis e Paraty no Rio de Janeiro.

56
Edital de Chamada Pública Mtur nº 001/2008. Disponível em:
<http://www.turismo.gov.br/export/sites/default/turismo/convenios_contratos/selecao_projetos/Edital_Chamada_
Pxblica_de_Projetos_0012008.pdf>. Acesso em: 10 out. 2008.
103

Figura 9 e 10: Projetos de Turismo de Base Comunitária apoiados pelo MTur, Brasília - DF
Fonte: Mostra de Turismo de Base Comunitária. Disponível em:
<http://www.turismo.gov.br/export/sites/default/turismo/programas_acoes/regionalizacao_turismo/
downloads_regionalizacao/Catlogo_Mtur_NOVO.pdf.> Acesso em: 13 jun. 2011.

Na vertente das relações interministeriais, o MTur e o MMA, planejaram ações


conjuntas para publicar um edital57 a partir de iniciativa do PROECOTUR – 2008/2009 –
Carteira de Fomento a Projetos de Ecoturismo de Base Comunitária58. Este com a finalidade
de apoiar projetos em diversas linhas temáticas focalizadas no turismo. As ações para
construir o citado edital transitaram nos períodos em que, especialmente o MMA, vivenciava
mudanças internas, tanto das suas secretarias, como dos programas, inclusive a etapa de
finalização do PROECOTUR e, uma possível transição deste programa para o MTur.
Portanto, nada garantia que a iniciativa se concretizou e que projetos de turismo abrangendo
povos indígenas tenham sido aprovados. Nas consultas ao site oficial do PROECOTUR o link
referente ao Ecoturismo de Base Comunitária59, quando acessado, apresenta como resposta
(página não encontrada).

57
Divulgado por representantes do Proecotur/MMA e do MTur durante Mesa-Redonda no II Seminário
Internacional de Turismo Sustentável (II SITS), em Fortaleza, no período de 12 a 15/05/2008.
58
Disponível em: <http://www.semarh.ba.gov.br/gercom/proecotur.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2011.
59
Disponível em:
<http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=140&idConteudo=6842&idMenu=6
379>. Acesso em: 05 nov. 2011.
104

Portanto, na discussão sobre o PDA, o PDPI, a CARTEIRA INDÍGENA e o


PROECOTUR, revelaram-se alguns projetos institucionais de turismo em TIs. Estes são
projetos “de” povos indígenas? Ou, “para” povos indígenas? Se a citação ajuda a responder,
convém refletir:
As terras indígenas situadas em território nacional, uma vez demarcadas e
homologadas pelo governo federal, têm garantido um acesso bastante reduzido a
recursos financeiros provenientes do poder público, principalmente pelo descaso
orçamentário com que é tratada a agência responsável pelo trato direto da assistência
econômica aos povos indígenas, a Fundação Nacional do Índio (Funai). Isso obriga
as comunidades indígenas e suas formas de organização modernas (as associações
indígenas) a buscarem recursos junto a outros programas e a outras instituições da
União, estados e municípios, através de convênios, como também através de
contratos, em boa parte provenientes de cooperação internacional. (PAULA, 2010,
p. 189).

As duas questões acima que parecem simples, guardam complexidades por


correlacionarem o Estado Nacional, os povos indígenas, os doadores financeiros
internacionais e os parceiros das entidades proponentes/executoras dos projetos (associações
de base ou ONGs).
Portanto, para permitir uma outra reflexão sobre o que interrogou-se
anteriormente, cabe revelar alguns procedimentos técnicos referentes aos fluxos de projetos,
ou seja, os trâmites para um projeto ser selecionado e aprovado em programa de governo, assim listados:

▪ O programa de governo torna público, por meio de Chamadas, a disponibilidade


de recursos para financiamento de projetos em determinadas linhas temáticas;
▪ As Entidades encaminham as suas propostas (elaboradas de forma participativa
entre atores sociais da entidade e da comunidade beneficiada), observando as especificações
das Chamadas, o manual de elaboração da proposta e a linha temática de interesse.
▪ As propostas submetidas à Chamada para concorrer à seleção devem demonstrar
a participação dos atores sociais (beneficiados) desde a etapa de elaboração do projeto e
durante toda a sua execução.

Deste modo, os projetos institucionais podem ser projetos interpretados como


“de” povos indígenas, quando leva-se em conta o fato de serem propostas elaboradas em
coletividade e com o apoio das Organizações Indígenas (OIs) ou instituições parceiras não
governamentais (ONGs) – entidade proponente e/ou executora do projeto. E, ao mesmo
tempo, podem ser interpretados como projetos “para” povos indígenas, quando a Chamada for
específica para esses atores sociais, o que obriga os povos indígenas a se alinhar às diretrizes
105

dos financiadores. Todavia, estas são circunstâncias particulares avaliadas a partir dos projetos
institucionais procedentes dos programas de governo discutidos anteriormente.

2.3 Projetos institucionais e/ou globalizantes: as Redes de Turismo

Os referidos projetos institucionais de turismo em TIs abrangem uma grande


variedade de fenômenos. Existem circunstâncias em que os projetos podem partir das
iniciativas de povos indígenas interessados em desenvolver o turismo nas suas terras para
complementar a renda a partir do “gerenciamento de territórios e paisagens visando criar
condições para atividades turísticas.” (PAULA, 2010, p. 188). Como exemplo, a experiência
desenvolvida por indígenas Jenipapo-Kanindé e alguns professores e alunos de IES. Este
inicia-se como um projeto de extensão, paralelamente é desenvolvido no interior da aldeia e
evolui para uma experiência em Rede de Turismo Comunitário. Trata-se do Projeto de
Extensão – Projeto Educação Integral para a Sustentabilidade e o Desenvolvimento do
Turismo Comunitário na Terra Indígena (TI) Jenipapo-Kanindé, município de Aquiraz,
Ceará”, coordenado por Antonio Jeovah de Andrade Meireles, no período de 2005 a 2007,
no Departamento de Geografia da UFC, e
[...] financiado pelo Programa Petrobrás Fome Zero – Desenvolvimento com
Cidadania. Incita à execução de diversas atividades que contribuam para a
conservação e uso sustentável da Terra Indígena (TI) Jenipapo-Kanindé,
qualificando profissionalmente jovens da aldeia para o desempenho de um turismo
que envolva a comunidade. Foi feito o etnozoneamento, uma ferramenta de gestão e
manejo para os povos indígenas, que consta na produção de mapas temáticos,
diagnósticos e prognósticos, colaborando para o planejamento de ações futuras
ligadas à gestão territorial e ambiental na TI. Por meio dele foi possível trocar
experiências com a tribo que contribuiu com o seu conhecimento e opinião,
complementando o trabalho de técnicos, pesquisadores e estudantes para que se
estabelecesse caminhos a serem traçados na área para o bom desempenho de
atividades turísticas visando promover um sustentáculo econômico sem a perda da
cultura indígena. Antes de iniciar o mapeamento etnográfico, houve oficinas
preparatórias sob o tema meio ambiente, destacando as formas de preservar dunas,
lagoas, o manguezal e a biodiversidade da fauna e da flora local, bem como
recuperar áreas degradadas com o intuito de garantir a segurança e a originalidade
do lugar. Sobre a base cartográfica da terra indígena, em uma área de
aproximadamente 1.771ha na escala de 1:5.000, previamente confeccionada, os 35
participantes da oficina dividiram-se em grupos e ilustraram a TI detalhando
importantes pontos que foram considerados na elaboração das trilhas ecológicas para
o turismo. Cada mapa produzido, com suas particularidades, consegue retratar de
forma coerente e organizada várias características do local. O resultado deste
trabalho é a etnogestão de acordo com as políticas ambientais vigentes,
profissionalização e geração de emprego e renda para a etnia. (SANTOS; QUINTO;
SANTOS; QUEIROZ; MEIRELES, 2006, s/p).
106

O citado projeto, mesmo tendo sido vinculado à Petrobras e ao MDS, difere das
experiências apoiadas por meio de acordo de Cooperação Internacional. Primeiramente, pelo
vínculo com uma universidade pública gerando pesquisas acadêmicas na TI Aldeia Lagoa
Encantada. Depois, por evoluir e permitir que o povo Jenipapo-Kanindé se tornasse integrante
da Rede Cearense de Turismo Comunitário (REDE TUCUM) como revela a Figura 11. Com o
aludido projeto o povo Jenipapo-Kanindé se considera incluído no processo de
desenvolvimento do turismo na aldeia.

Figura 11: Inserção do povo Jenipapo-Kanindé na Rota Turística da Rede Tucum, Ceará, Brasil
Fonte: Roteiro de Viagem. Disponível em: <http://www.tucum.org/site/2313/nota/111803>.
Acesso em: 15 mar. 2011.

Entretanto, vale salientar que alguns povos indígenas por meio de iniciativas de
projetos de auto-gestão inserem-se nas Redes de Turismo Comunitário da América Latina
(REDTURS) e posicionam-se contrários ao turismo imposto por empreendedores
internacionais dos grupos capitalistas privados. Optam por outra realidade baseada no turismo
comunitário, pois “os povos indígenas têm pensado na atividade turística como uma
alternativa sustentável de desenvolvimento local, empreendida a partir de critérios
estabelecidos pelos próprios grupos étnicos.” (LEAL, 2009, p. 242). No Brasil, algumas destas
107

iniciativas contrárias ao turismo economicista recebem o apoio da Rede Brasileira de Turismo


Solidário e Comunitário (REDE TURISOL) integrada a REDTURS. O Ceará, estado de
referência dos povos indígenas desta pesquisa, como citado possui a REDE TUCUM. Esta
rede baseia-se nos princípios da REDE TURISOL e REDTURS, as três situações a serem
detalhadas a seguir.

2.3.1 Projetos Institucionais em Redes de Turismo Comunitário: a REDE TUCUM

As Redes de Turismo Comunitário surgem como uma proposta de integração


local, regional, nacional e internacional, como o caso da REDETURS, REDE TURISOL e da
REDE TUCUM. Estas apostam na participação de diferentes atores sociais em “proyectos
turísticos de pequeña [...] escala.” (GUZMÁN PADILHA; NORIEGA GARZA; SALCIDO
ONTIVEROS, 2008, p. 249). A tendência na formação das redes é aliar as experiências de
projetos gerando “uma serie de opciones de turismo alternativo.” (ARNAIZ BURNE; CÉSAR
DACHARY, 2008, p. 219). As opções agrupam-se formando os diversos roteiros turísticos
comunitários. Nesta condição a REDE TURISOL está integrada a REDTURS e posiciona o
Brasil como país parceiro.
A ação do turismo por meio das Redes Comunitárias na concepção de Maldonado
(2007) consiste em apoiar processos associativos os quais articulem eficazmente a oferta de
serviços; busquem uma inserção competitiva nos mercados e exercitem o uso sustentável do
patrimônio comunitário e a melhoria da capacidade de auto-gestão no âmbito organizacional,
qualificando os recursos humanos envolvidos e os líderes de uma nova geração.
De acordo com as informações contidas no site60 da REDTURS esta se classifica
como uma rede de comunidades, instituições de apoio e recursos humanos que compartilham
uma visão sustentável do turismo. Esta propõe compatibilizar os objetivos de eficiência
econômica com princípios de equidade social, identidade cultural e preservação dos recursos
naturais. A referida rede considera que sua missão é apoiar os processos de formação e
fortalecimento das Redes da América Latina com a finalidade de diversificar suas fontes de
empenho e ingresso, valorizar sua cultura e promover a coesão social. A REDTURS é
apresentada por meio do Portal de Las Culturas Vivas de América Latina como “una red de
comunidades campesinas e indígenas.”61 Neste portal há informações sobre os destinos

60
http://www.redturs.org
61
Redturs. Disponível em: <http://www.redturs.org/nuevaes/index.php>. Acesso em: 15 mar. 2010.
108

turísticos comunitários fortalecidos pelas federações e Redes de Turismo Comunitário nos


quatorze países parceiros. Dentre estes, o Brasil, apresenta-se com trinta e sete destinos
ofertados no Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Destes, o Ceará, possui seis
destinos. Três entidades representam o estado cearense na REDE TURISOL, a Fundação Casa
Grande, Centro Ecológico Aroeira e a REDE TUCUM (prioritária) na discussão da tese.
Destaca-se, portanto, em meio às Redes Comunitárias da América Latina a
inserção da REDE TUCUM apresentada no site oficial, como:
Um projeto pioneiro de turismo comunitário no Ceará voltado para a construção de
uma relação entre sociedade, cultura e natureza [...]. Para o mercado nacional e
internacional, oferece um produto turístico [...] projetado para a interação entre
povos e culturas, atento a proteger e valorizar culturas e territórios, economicamente
integrado às atividades tradicionais.62

A citada rede é formada pela parceria de treze comunidades da Zona Costeira


cearense, envolvendo dois povos indígenas (Jenipapo-Kanindé e Tapeba), pescadores,
extrativistas e assentados rurais. Por meio da REDE TUCUM ofertam-se roteiros
comunitários no litoral oeste cearense (Tapeba, Tatajuba, Curral Velho, Caetanos de Cima e
Flecheiras) e leste (Jenipapo-Kanindé, Reserva Extrativista do Batoque, Reserva Extrativista
da Prainha do Canto Verde, Assentamento Coqueirinho e Tremembé) agrupados na Figura
12. Dentre esses roteiros existem dois meios de hospedagens solidárias – Centro de Formação,
Capacitação e Pesquisa Frei Humberto (MST) e Associação de Mulheres em Movimento –
localizados em Fortaleza, capital do Ceará. As duas ONGs, o Instituto Terramar e a
Associação Tremembé, favorecem o apoio institucional à REDE TUCUM.

62
Rede Tucum. Disponível em: <http://www.tucum.org/oktiva.net/2313/secao/18723>. Acesso em: 20 mar.
2009.
109
110

Observa-se na figura anterior que a rota turística da REDE TUCUM confronta-se


com a Rede de Polos de Turismo do PRODETUR NACIONAL Ceará (bastante mencionada
na seção 3.31 do Capítulo 3) desta pesquisa. Materializar a Rede Comunitária de Turismo
significa para seus representantes e parceiros fortalecer a afirmação étnica tanto indígena
como de outros povos e comunidades tradicionais envolvidas na rota turística da REDE
TUCUM. E, ao mesmo tempo, proporciona confrontar-se com os atores hegemônicos
detentores de Redes alimentadas pelo financiamento empresarial e pela influência política e
administrativa do poder público. Este panorama de Rede de Polos de Turismo versus a Rede
de Turismo Comunitário acontece numa arena de enfoque economicista no embate com “o
enfoque [...] humanista – [...] redirecionados para a solidariedade entre povos e lugares.”
(RODRIGUES, 2006, p. 372). O destino turístico da TI Aldeia Lagoa Encantada do povo
Jenipapo-Kanindé, no site da Rede Tucum, aparece como:
[...] uma das etnias indígenas reconhecidas no Ceará [...]. Sua renda básica é
proveniente da agricultura familiar, da pesca na Lagoa e da produção de artesanato.
Aos poucos, o turismo comunitário vai ganhando importância econômica entre os
moradores, já preparados para realizar diferentes trilhas na mata e oferecer refeições
aos visitantes em uma palhoça de gestão coletiva - o Cantinho do Jenipapo. Sempre
que possível, os grupos são recepcionados pela Pequena Cacique, que abençoa a
partida para as trilhas. Entre elas, a do Morro do Urubu merece atenção especial por
proporcionar uma vista panorâmica de toda a terra indígena e do seu ambiente no
entorno - mar, dunas e os diferentes usos da área. Após subir uma duna de mais de
90 metros de altitude, nada mais refrescante que banhar-se nas águas relaxantes da
Lagoa da Encantada, sendo mediados pelos guias locais e inspirados nos mitos,
crenças e histórias dos Jenipapo-Kanindé.63

Apesar do destaque dado, a partir de 2008, para o povo Jenipapo-Kanindé na


REDE TUCUM, menciona-se que outro povo indígena (Tapeba) do Ceará, do município de
Caucaia, foi inserido na mesma rede em 2010. Na TI Tapeba existe a oferta de roteiro turístico
com três trilhas e a visita ao Centro de Artesanato Indígena. A presença dos dois povos
indígenas do Ceará na REDE TUCUM faz recordar que existem mais povos indígenas ao
longo da costa litorânea cearense, ainda não integrados a essa rede. Porém, pressionados pela
expansão da Rede de Polos de Turismo formada pela parceria empresarial e governamental.
De acordo com as investigações aqui levantadas, o turismo em TI pode ocorrer
por meio de projeto turístico de auto-gestão indígena. A experiência do povo Jenipapo-
Kanindé é um exemplo de projeto elaborado com interesse dessa etnia agregando-se parcerias
com outros povos na REDE TUCUM. O povo Jenipapo-Kanindé expressa opinião diferente
sobre o turismo em relação ao povo Tremembé de São José e Buriti. O fato do povo Jenipapo-

63
Jenipapo-Kanindé. Disponível em: <http://www.tucum.org/oktiva.net/2313/nota/111803>. Acesso em: 20 mar. 2009.
111

Kanindé estar inserido numa Rede de Turismo Comunitário, o faz adotar a mesma concepção
desta ONG a qual considera em seu site que:
[...] não é suficiente apenas fazer a crítica ao modelo de turismo convencional,
gerador de segregação sócio-espacial, de concentração de renda e de problemas
sócio-ambientais. Aliado à crítica, é necessário vivenciar uma outra lógica de
construção da atividade turística. Na contramão do convencional, no turismo
comunitário a população local possui o controle efetivo sobre o seu
desenvolvimento, sendo diretamente responsável pelo planejamento das atividades e
pela gestão das infra-estruturas e serviços turísticos. Tudo isso orientado por
princípios que buscam garantir a sustentabilidade sócio-ambiental, a exemplo da
atitude ética e solidária entre as populações locais e os visitantes, geração e
distribuição eqüitativa da renda, conservação ambiental e valorização da produção,
da cultura e das identidades locais. Assim, as estratégias prioritárias na construção
dos roteiros de visitação incluem os momentos de vivências com a comunidade, as
trocas culturais entre visitantes e populações locais e as trilhas de interpretação ambiental.64

A REDE TUCUM difunde que existe a possibilidade do turismo comunitário,


antagônico ao turismo maciço. Além disso, promove uma ação que corresponde à Política
Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT)
instituída pelo Decreto N. 6.040/7/2/2007. Exatamente, por estes atores sociais serem os
protagonistas dos roteiros turísticos ofertados. Inclusive dois desses roteiros da REDE
TUCUM acontecem em Unidades de Conservação (UC) de Uso Sustentável, a Reserva
Extrativista do Batoque em (Aquiraz) e a Reserva Extrativista da Prainha do Canto Verde em
(Beberibe). Elucida-se que a classificação de UC, Reserva Extrativista (RESEX), tem
impedido a ampliação de muitos projetos de carcinicultura no Nordeste e, também grandes
empreendimentos hoteleiros nas Zonas Costeiras do Ceará, como nas situações
exemplificadas de Batoque e Prainha do Canto Verde. De fato, “Pelo olhar nativo, a história
do Ceará é a história da resistência étnica. Contada a partir de seus próprios protagonistas [...].”
(GOMES; VIEIRA NETO, 2009, p. 388).

2.3.2 Projetos globalizantes: o Nova Atlântida na Rede de Polos de Turismo

Em outra circunstância, distinta das reveladas até o momento, traz-se para a


discussão um projeto globalizante de turismo apoiado pelo governo federal, estadual e
municipal – o Nova Atlântida. Os representantes deste projeto desconsideram os povos
indígenas e os seus direitos constitucionais, como expostos no Artigo 231 da Constituição
Federal de 1988. Dessa forma, privatizam áreas no interior da TI, erguem algumas infra-
estruturas e, ao mesmo tempo, negam a existência dos indígenas. Esta é a situação vivenciada

64
Disponível em: <http://www.tucum.org/oktiva.net/2313/nota/118373>. Acesso em: 20 mar. 2009.
112

pelo povo indígena na TI Tremembé de São José e Buriti. Diante desta realidade enfrentada
pelos indígenas em questão, o empreendimento turístico Nova Atlântida se configura como
um projeto de turismo com investimentos de capital estrangeiro consorciados por uma Rede
de Empresas Privadas Internacionais, como demonstra a Figura 13. O interesse dos
investidores é de se apoderarem de toda a TI e negar aos indígenas seus direitos
constitucionais. O processo de exclusão social é evidente, pois em lugar de respeitar os
mencionados direitos do povo indígena Tremembé de São José e Buriti, os seus modos de
vida, as suas cosmologias e as suas fontes de sobrevivência, o Nova Atlântida estabelece
segundo Cardoso de Oliveira (1976) relações assimétricas de sujeição-dominação.

Figura 13: Divulgação do Nova Atlântida e Grupos Parceiros no site oficial do empreendimento
Fonte: Nova Atlántida. Cidade Turística Residencial. Itapipoca - Ceará - Brasil. Disponível em:
< http://www.gruponovaatlantida.com/brasil/index.htm>. Acesso em: 15 dez. 2008.

Para Almeida, Maria (2003a) o turismo revela-se como um campo propício para a
reprodução e a consolidação dos valores e interesses de grupos capitalistas privados e do
Estado. São esses que definem o modelo de desenvolvimento turístico, isto é, o conjunto de
estratégias desenhadas para alcançar objetivos determinados. No caso do Nova Atlântida, este
empreendimento “alega que é dono da terra e argumenta que a terra ainda não foi reconhecida
113

como indígena”65 e, desta maneira, provoca conflitos internos, dividindo as opiniões dos
habitantes da TI. O Nova Atlântida como um projeto globalizante adota o habitual para um
empreendimento capitalista, ou seja, ignora que:
Uma sociedade indígena [...] constrói seu território como área controlada para
usufruto de seus recursos, especialmente os recursos naturais [...] variável entre os
diferentes grupos. Mas os referentes espaciais, aí, também fazem parte da vida dos
índios como elementos indissociáveis, na criação e recriação de mitos e símbolos,
podendo mesmo ser responsáveis pela própria definição do grupo enquanto tal.
(HAESBAERT, 2006, p. 69).

Da mesma forma que Haesbaert expressa a importância de uma sociedade


indígena e do seu território, outro pesquisador da Geografia, também compartilha desta
mesma valorização sobre os povos indígenas e suas terras, tanto que desenvolveu vários
estudos, dentre estes alguns trabalhos técnicos para a situação referente ao projeto Nova
Atlântida. Portanto, destacam-se três dos seus estudos, respectivamente: Diagnóstico Sócio
Ambiental da Reserva Indígena dos Tremembé (MEIRELES, 1998); Diagnóstico Ambiental
da Comunidade Indígena Tremembé e impactos ambientais decorrentes da implantação de
viveiros de camarão (MEIRELES, 2004) e Estudos e levantamentos ambientais,
antropológicos e arqueológicos na Terra Indígena Tremembé de São José e Buriti, município
de Itapipoca/CE (MEIRELES; MARQUES, 2004). Este último particulariza a situação
provocada pelo Nova Atlântida na TI Tremembé de São José e Buriti. Segundo os mesmos
autores:
Este Parecer Técnico foi elaborado a partir de uma solicitação da Missão
Tremembé, com apoio do Departamento de Geografia da Universidade
Federal do Ceará UFC.
Através de visitas técnicas realizadas nos dias 11 e 12 de dezembro de 2004, foi
possível elaborar diagnóstico ambiental com a definição das unidades de
paisagem, impactos ambientais, atividades de usufruto da comunidade indígena
Tremembé de São José e Buriti e prognósticos vinculados às existentes e
planejadas para o empreendimento Cidade Nova Atlântida Ltda.
Foram verificados especificamente setores impactados pela implantação de um
viveiro de camarão, de desmatamentos do manguezal e, de acordo com as
informações do zoneamento ambiental e projeções de uso e ocupação do
solo (EIA/RIMA Cidade Nova Atlântida, 2004), os impactos para a
continuidade das atividades tradicionais dos índios e não-índios.
[...]. Os trabalhos de campo geraram importantes informações para a
identificação e a descrição das áreas imprescindíveis à preservação dos
recursos necessários ao bem estar econômico, social e cultural do povo
indígena. Foram associados com a caracterização das formas de utilização dos
recursos naturais, das atividades tradicionais e a origem e evolução dos impactos
ambientais. (MEIRELES; MARQUES, 2004, p. 4-5).

65
Sucesso da campanha Tremembé. O primeiro passo. Disponível em:
<http://www.salveaselva.org/news/1293/sucesso-da-campanha-tremembe-o-primeiro-passo>. Acesso em: 25
ago. 2009. Publicada em: 21 ago. 2009.
114

Aproveitando-se da menção sobre a evolução dos impactos ambientais na TI


Tremembé de São José e Buriti, manifestada pelos autores acima, retoma-se duas questões
anteriores: Quais impactos têm transformado as TIs, por meio de projetos de turismo? Como
os impactos dos projetos de turismo em TIs são interpretados por povos indígenas? Quando o
geógrafo Oliveira, Vanderlei (2006) desenvolveu a sua tese de doutorado sobre o turismo em
território indígena, avaliou que
[...] os resultados práticos de projetos turísticos em territórios indígenas não
ocorreram e nem estão ocorrendo com facilidade, pois nem todas as etnias estão
organizadas para o turismo [...]. Apenas algumas etnias conseguiram realizar
discussões neste sentido, ficando mais evidente as expectativas do que as
experiências com o turismo. (OLIVEIRA, Vanderlei, 2006, p. 179).

Vale salientar que estes resultados práticos de projetos turísticos levantados acima
pelo autor, são bastante variáveis, pois dependem de qual projeto se está tratando – projetos
institucionais e/ou globalizantes. Desde 2007 um grupo de antropólogos com vasta
experiência em projetos para povos indígenas geram debates e produções66 a esse respeito.
Destaca-se o trabalho“Povos indígenas e o‘mercado de projeto’.” (PAULA, 2010, p. 187).
Neste o autor discute sobre os projetos contrários a proposta dos projetos globalizantes,
os projetos de manejo sustentáveis para a geração de renda apoiados por
organizações governamentais e não governamentais, voltados, por exemplo para a
produção comercial em pequena escala de recursos extrativistas [...] ou para o
gerenciamento de territórios e paisagens visando criar condições para
atividades turísticas. (2010, p. 188, grifos nossos)

Estes projetos de manejo sustentáveis citados pelo autor acima, favorecem as


Organizações Indígenas (OIs) como pretensas proponentes, prontamente os povos indígenas
como beneficiários diretos utilizam-se destas experiências para adotarem os seus projetos com
atividades turísticas, mostrando-se resilientes as pressões dos projetos globalizantes de
turismo. É possível afirmar que neste Estado da Arte dos projetos de turismo para povos
indígenas, averigua-se, reflete-se e constata-se o desdobramento, ainda recente, dos projetos
de turismo desenvolvidos em TIs do Nordeste por iniciativa de povos indígenas.
No passo seguinte enfatizar-se-á que, nos dois casos abordados, de povos
indígenas do Ceará, estes ficaram invisibilizados e, há poucos anos, reescrevem as suas
histórias e reafirmam as suas identidades no árduo processo de reelaboração étnica em que o
turismo comunitário torna-se um aliado contemporâneo.

66
(SOUSA; SOUZA LIMA; ALMEIDA; WENTZEL, 2007; SOUSA; SOUZA LIMA; ALMEIDA; MATOS,
2010).
115

3 POVOS INDÍGENAS DO NORDESTE: O CASO DO CEARÁ

Este capítulo esboça a trajetória dos povos indígenas do Nordeste brasileiro e


sobretudo do Ceará, da sua invisibilização histórica por decretos para sua reelaboração e
resurgimento étnicos por via do pratogonismo indígena nas lutas para manter suas terras.
Em 2008, quando firmada a intenção da pesquisa de Doutorado, não se imaginava
a significância do estudo com os povos indígenas do Nordeste, e menos ainda no estado
delimitado para as investigações no campo, o Ceará. Por esta pesquisa focalizar o turismo,
tema que pesquiso a mais tempo, este tornou-se mais evidente nos levantamentos iniciais
dirigidos aos povos indígenas. Entretanto, quando percorrido os primeiros caminhos da
pesquisa, focalizava-se a situação fundiária cada vez mais complexa que atravessa “o
Nordeste, área tradicional de pressão fundiária intensa que assiste à investida do turismo [...].”
(SOUZA LIMA, 2010, p. 16).
De fato, o Nordeste é apropriado e usado por investidores internacionais, apoiados
pelos mentores do filme da ocupação desregrada. Estes se encontram representados pelo
Estado; pelos proprietários de terra e detentores de capital e pelos agentes imobiliários
(LIMA; SILVA, 2011). Nesta configuração coletiva de interesses, tais agentes tornam-se
parceiros em consórcios e comercializam no atacado, por meio dos grandes projetos de
desenvolvimento, os quilômetros quadrados ainda restantes do Nordeste. No caso de Zona
Costeira o uso e a ocupação serve para várias atividades, como: a pesca mercantil, a
carcinicultura67, a pesca recreativa, o esporte aquático, a aquicultura marinha, o tráfego de
transportes marítimos, a atividade em terminal portuário, com proeminência, nas últimas
décadas, para as finalidades turísticas. Esta conjuntura demonstra que a “zona costeira se
tornou ponto de contato dos grandes circuitos logísticos de circulação de âmbito global e
planetário.” (BECKER, 2001, p. 4).
Todos os atores sociais vêem a ocupação da Zona Costeira do Nordeste do mesmo
modo? Considerando-se que as representações são plurais e expressadas a partir das óticas de
diferentes atores sociais hegemônicos e contra-hegemônicos, certamente os espaços apropriados e
usados têm significados diferentes. Por isso, segundo Kozel e Galvão (2008, p. 35):

67
O Nordeste, em função das condições ambientais propícias para o desenvolvimento do camarão em cativeiro,
destaca-se no contexto nacional em termos de produtividade e rentabilidade. (CARVALHO; FONTES, 2007, p. 88).
116

É importante ressaltar que, desde as épocas mais remotas, as sociedades se


expressam acerca de seus espaços vividos por meio de representações [...].
Essas representações sempre foram impregnadas de valores provenientes da sua
própria cultura e representavam caminhos, rotas, riquezas, mitos, lendas, medos, etc.
Portanto, as representações se constituíam [...] unindo aspectos objetivos aos
subjetivos, práticas a valores, mitos aos fatos comprovados, constituindo-se no
verdadeiro “ver” das sociedades.

Assim, nos casos estudados, em Zonas Costeiras almejadas pelos investidores do


turismo, somente alguns membros dos povos indígenas afetados pelos ideários dos atores
sociais hegemônicos podem perceber a ocupação desregrada de suas terras, e os impactos
espaciais, sociais, culturais, ambientais e políticos nefastos. Isso significa o verdadeiro “ver”
das sociedades, expressados pelos autores acima. Ou melhor, os significados das TIs e das
relações sociais nelas contidas variam conforme a ligação e o interesse de cada ator social
com a realidade vigente. Corrobora Almeida, Maria (2003b, p. 71):
[...]. É através de um conhecimento das representações das pessoas que é possível
captar toda a riqueza de valores que dão sentido aos lugares de vida dos homens e
mulheres; pelas representações também é possível entender a maneira pela qual as
pessoas modelam as paisagens e nelas afirmam suas convicções e suas esperanças.

Na perspectiva hegemônica o marketing turístico desenvolvimentista projeta-se


apenas para os interessados em implantar mega projetos de empreendimentos turísticos
originários das parcerias públicas e privadas. Para estes atores sociais, os impactos negativos,
seja para os povos indígenas, seja para as suas TIs tornam-se ofuscados, pois, ao buscar
maximizar lucros imediatos não lhes interessam que:
O espaço, além de ser produto das atividades humanas, tem múltiplas valorizações e
caracteriza-se por atributos funcionais, estruturais e afetivos. Espaço pode ser, então,
considerado como o lugar onde os homens e mulheres, ideologicamente diferentes,
procuram impor suas representações, suas práticas e seus interesses. Cada espaço,
tornando-se social, está possuído de símbolos e afetividades atribuídos pelas
pessoas. (ALMEIDA, Maria 2003b, p.71).

Qual a inter-relação do contexto exposto com os povos indígenas do Nordeste,


prontamente os do Ceará? A respeito desta ponderação, retoma-se o diálogo mais a frente com
os casos dos dois povos indígenas do Ceará – os Tremembé de São José e Buriti e os
Jenipapo-Kanindé da Lagoa Encantada.
Não obstante, adianta-se a reflexão: “O Nordeste é palco de um drama em que
etnias se desdobram, se fundem, ressurgem.” (MELATTI, 2009, s/p). E, na trama deste
processo de reelaboração e afirmação étnica, alguns povos indígenas do Nordeste no decorrer
do processo pelo reconhecimento oficial de suas TIs se deparam com o turismo. Este
fenômeno contemporâneo provoca metamorfoses de diversas escalas nas vidas, nos espaços e
no saberes e fazeres das pessoas diretamente envolvidas e/ou afetadas com a sua prática.
117

Portanto, é importante refletir que o turismo é fato recente nas TIs. Logo, as atividades
turísticas recém desenvolvidas encontram-se cercadas de incertezas para os indígenas, seja nas
situações de adesão, seja nas condições de aversão ao turismo.
Conforme os atores sociais indígenas e não-indígenas ouvidos, as notícias
catalogadas, os documentos obtidos, as bibliografias consultadas e os contatos mantidos in
loco, os Tremembé de São José e Buriti estão sendo ameaçados por um grande projeto de
turismo internacional. Diante esta situação alguns negam a identidade indígena para aceitar o
projeto enquanto outros acionam a identidade Tremembé para reivindicar suas terras e
desafiar o projeto. No caso dos Jenipapo-Kanindé, este povo rechaçou tentativas por parte de
um grupo empresarial de capital internacional e local, o Aquiraz Riviera, composto pelo
empresário Ivens Dias Branco e pelos portugueses Ceará Investment Fund – Fundo Turístico
Imobiliário, Grupo Hoteleiro Dom Pedro e Solverde (divisão de turismo do grupo Industrial
Violas com a concessão dos Cassinos do Algarve), interessados em implantar um grande
projeto turístico hoteleiro e de lazer em suas terras. Após o povo Jenipapo-Kanindé conseguir
a delimitação da sua TI pela FUNAI, o Aquiraz Riviera, instalou-se em local afastado a cerca
de oito quilômetros em linha reta a TI Aldeia Lagoa Encantada, na beira do rio Catú, com uma
área total de 285 hectares, sendo 1.800 metros de frente para o mar e área hoteleira dividida
em oito lotes de quatro hectares. Os Jenipapo-Kanindé, com sua TI em vias de regularização,
continuam implantando um projeto de turismo comunitário auto-gestionado e estão esperando
a homologação da TI para ampliar este projeto.
Destarte, o prioritário agora é contextualizar a conjuntura atual dos povos
indígenas do Brasil. Em seguida situar determinadas condições a respeito dos povos indígenas
do Nordeste e, posteriormente debater a propósito dos povos indígenas do Ceará,
especificamente os dois povos definidos na pesquisa, frente à “reivindicação da identidade
indígena.” (MELATTI, 2007, p. 49).

3.1 Povos indígenas do Brasil: do silenciamento ao protagonismo – algumas reflexões

A partir de 1755 e em toda a legislação pombalina, o Estado promove a


miscigenação, recomendando casamentos de brancos e índias e até favorecendo-os
com regalias. Lembremos, enfim, que a própria política de aldeamento reunia grupos
indígenas distintos e favorecia a miscigenação entre eles.
Esta política de miscigenação, iniciada por Pombal no intuito confesso de criar uma
população homogênea livre, acaba servindo, cem anos mais tarde, de pretexto à
expoliação das terras das aldeias em que haviam sido instalados os índios. Logo após
a chamada Lei das Terras (Lei no. 601, de 18.9.1850), várias aldeias indígenas de
118

Goiás, Ceará, Sergipe, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo são declaradas
extintas, sob a alegação de ser uma população apenas mestiça. (CARNEIRO DA
CUNHA, 1987, p. 114, grifo nosso).

A autora comenta políticas indigenistas de diferentes séculos instituídas com a


finalidade de miscigenar indígenas e brancos em prol de criar uma população misturada e
desta maneira, quase cem anos mais tarde, justificar a espoliação das terras das próprias
aldeias em que os indígenas haviam sido abrigados. Na mesma obra, a autora refirma que “a
partir da Lei das Terras haverá [...] esforço explícito de usar a mestiçagem para descaracterizar
como índios aqueles de quem se cobiçam as terras.” (CARNEIRO DA CUNHA, 1987, p.
114). Esta mestiçagem trouxe implicações para os povos indígenas que ainda carregam as
seqüelas das políticas, em declarações da sua extinção, na espoliação das suas terras. Em outra
obra, a autora afirma: “A história dos povos indígenas do Brasil está mudando de figura. Até
os anos 1970, os índios, supunha-se, não tinham nem futuro, nem passado [...] a historia
indígena ficou virgem, ou quase. E está noiva não de uma ideologia de Estado mas do
movimento indígena.” (CARNEIRO DA CUNHA, 2009, p. 125-126). Assim, corrobora
Brand (2002, p. 31-32):
Até recentemente, a única alternativa de futuro admitida era a integração ou a
diluição dos povos indígenas como etnias distintas. A partir da década de 1970,
todavia, como resultado da quebra do silêncio histórico imposto aos povos
indígenas desde o período colonial, surgiram diversas iniciativas de afirmação
de sua autonomia cultural, por meio primeiro das assembléias indígenas e depois
de mais de uma centena de organizações. Embora estivessem inicialmente
centradas na denúncia do desrespeito aos territórios, no fim da mesma década
nasceu entre elas a preocupação de criar novos parâmetros de convivência entre
os indígenas e a sociedade de entorno. Essa irrupção histórica dos povos
indígenas após tantos anos de silêncio encontrou eco na redação da Constituição
Federal de 1988.

Os direitos constitucionais dos povos indígenas do Brasil insurgem da gaveta


burocrática a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988. São apenas 24 anos
deste novo panorama (em 2012) que favorece o protagonismo político indígena. Entretanto, o
momento atual ainda é repleto de lacunas a serem cumpridas pelo Estado Nacional. As
aspirações por parte destes povos revelam-os como atores sociais protagonistas dos seus
direitos. Corroborando Brand (2002), Oliveira Filho e Freire (2006, p. 159), consideram que:
Nos anos 70, os índios começaram a ser vistos por uma outra perspectiva,
discutindo e reivindicando seus direitos. [...] O surgimento de lideranças
indígenas complexificou as imagens sobre eles, agora inseridos na luta pela
redemocratização do país. Durante a década, filmes como “Uirá” e “Terra dos
Índios” colocaram em cena o índio rebelde, lutando pela sobrevivência cultural,
ao contrário da mídia que retratava as atividades de atração e pacificação como
espetáculos exemplares (ainda que suas conseqüências fossem fome, doenças e
mortes).
119

Superando a censura do regime militar e da FUNAI, os índios construíam uma


nova imagem com a criação do movimento indígena e a participação em foros
internacionais, como o IV Tribunal Russel (1980). Como represália aos
interesses regionais contrariados por suas atitudes de afirmação política, líderes
foram assassinados [...] e outros líderes [...] ganharam repercussão internacional
pelo trabalho político de organização indígena.

Os povos indígenas do Brasil, ao romperem o silenciamento da sujeição como


tutelados, atravessam os vários espaços institucionais, alcançam os palcos para reinvidicarem
seus direitos e se dirigem aos plenários para expressarem-se sem interlocutores. Desta forma
sucedeu “a presença indígena dentro da constituinte [...] em um aspecto colorido, festivo e
fascinante, com a presença dos índios pintados lá dentro, falando suas línguas, praticando seus
rituais e mostrando a enorme diversidade cultural do Brasil.” (OLIVEIRA FILHO, 2011a,
s/p). Situações semelhantes perpetuam-se, como acontece no Abril Indígena. Desde o ano de
2004 esta mobilização de iniciativa da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB),
ocupa a Esplanada dos Ministérios em Brasília. No ano de 2011, o Acampamento Terra Livre
(ATL), considerado a maior mobilização dos povos indígenas do Brasil, ocupou novamente o
gramado do centro do poder tornando-se o espaço para mais de 700 lideranças indígenas
debaterem os seus direitos na capital do país, como noticiado:
Em sua oitava edição [em 2011], o ATL já se consolidou como um espaço
privilegiado para troca de experiências, discussão de problemas e a proposição
de soluções e novas perspectivas para o Movimento Indígena. É também o
momento de um diálogo franco e aberto com a sociedade e o Governo Federal, a
quem as lideranças apresentam as suas principais reivindicações relacionadas
com o respeito aos direitos indígenas.
Este ano [2011], o objetivo principal do evento é debater o quadro de violação
dos direitos indígenas instalado no país e reivindicar do governo compromissos
concretos para a superação dessa situação. Os debates em plenário e nos grupos
de trabalho temáticos abordarão temas como direito à terra (demarcação,
desintrusão, criminalização de lideranças e judicialização dos processos);
consentimento prévio e grandes empreendimentos em Terras Indígenas
(hidrelétricas, mineração, usinas nucleares e outros); saúde (implementação da
Secretaria Especial de Saúde indígena); educação diferenciada, e articulações
para aprovação no Congresso Nacional do novo Estatuto dos Povos Indígenas e
do projeto que cria o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI).
Tratarão ainda da assinatura e publicação pelo Executivo do decreto do Plano
Nacional de Gestão Ambiental em Terras Indígenas (PNGATI).
No último dia 19 de abril [2011], a APIB encaminhou à Presidente Dilma uma
carta pública que apresenta uma série reivindicações que serão retomadas
durante o ATL [...].
No dia 4 [de maio de 2011], o ATL reserva tempo para as articulações no
Congresso, onde estão programadas audiências públicas, e a recepção a
parlamentares, no local do acampamento, para debate com as lideranças.
Também está prevista para a quinta-feira, dia 5 [de maio de 2011], audiência
com a Presidente Dilma e demais autoridades federais. No período da tarde, por
volta das 16 horas, um ato público encerra o encontro. 68

68
ACAMPAMENTO TERRA LIVRE 2011: Maior mobilização Indígena do Brasil retorna à capital federal.
Disponível em: <http://apoinme.org.br/?p=126>. Acesso em: 20 jun. 2011. Publicada em: 27 abr. 2011.
120

Apesar deste significativo exemplo de mobilização política indígena, recorda-se


que o Abril Indígena/ATL foi iniciado dezesseis anos após a promulgação da Constituição
Federal de 1988. Ao longo dos seus oito anos de existência, o ATL consolida-se. O
Documento Final do Acampamento Terra Livre 2011 – Pelo Direito à Vida e à Mãe Terra
demonstra a indignação dos indígenas pela falta de cumprimento de garantias legais. De tal
modo, no aludido documento reivindicam os seus direitos explicitados na citada Constituição
Federal e nas leis internacionais de proteção e promoção dos direitos indígenas, como a
Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes da Organização
Internacional do Trabalho (OIT)69 e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos
Povos Indígenas.70 Afinal, na declarada Carta Magna, o Título VIII – Da Ordem Social,
Capítulo VIII – Dos Índios – artigos 231 e 232 registram-se particularidades dos direitos
indígenas. Neste documento encontram-se outros artigos pertinentes às situações dos índios.
Destacam-se os citados:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente
ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os
seus bens.
§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em
caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as
imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-
estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos,
costumes e tradições.
§ 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse
permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e
dos lagos nelas existentes.
§ 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais
energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só
podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as
comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da
lavra, na forma da lei.
§ 4º - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os
direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 5º - É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad
referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que
ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após
deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno
imediato logo que cesse o risco.
§ 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham
por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo,
ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas
existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que

69
OIT. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/info/downloadfile.php?fileId=131>. Acesso em: 27 jul.
2011.
70
Documento regido na íntegra por 46 artigos em que se ressalta o “Artigo 1 - Os indígenas têm direito, a título
coletivo ou individual, ao pleno desfrute de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos
pela Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o direito internacional dos
direitos humanos.” (NAÇÕES UNIDAS, 2008, p. 6).
121

dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a


indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às
benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.
§ 7º - Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para
ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o
Ministério Público em todos os atos do processo. (BRASIL, Constituição de
1988, 2007, p. 196-197).

Embora a Constituição Federal de 1988 garanta os direitos indígenas, nem todas


as questões relativas aos povos indígenas estão sendo cumpridas de maneira satisfatória no
Brasil, como comprova o citado Documento Final do Acampamento Terra Livre 2011.
Todavia, “com a Constituição, consagrou-se o princípio de que as comunidades indígenas
constituem-se em sujeitos coletivos de direitos coletivos.” (VIVEIROS DE CASTRO, 2006,
p. 43). Trata-se de um enorme passo. Na Constituição de 1988, segundo informa o site do
Instituto Sóciombiental (ISA) é possível avaliar pelo menos duas expressivas inovações
conceituais se comparado às Constituições Federais anteriores e a Lei Nº 6.001/19/12/1973,
nomeada Estatuto do Índio71. Assim:
A primeira inovação é o abandono de uma perspectiva assimilacionista, que
entendia os índios como categoria social transitória, fadada ao desaparecimento.
A segunda é que os direitos dos índios sobre suas terras são definidos enquanto
direitos originários, isto é, anterior à criação do próprio Estado. Isto decorre do
reconhecimento do fato histórico de que os índios foram os primeiros ocupantes
do Brasil.
A nova Constituição estabelece, desta forma, novos marcos para as relações
entre o Estado, a sociedade brasileira e os povos indígenas.72

Embora os novos marcos contitucionais ressaltados acima, as relações interétnicas


entre povos indígenas e segmentos da sociedade nacional são historicamente conflituosas,
contraditórias e de “sujeição-dominação.” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976, p. 54). De fato,
ainda persiste o “regime de preconceitos que torna possível [...] no cenário presente, perguntas
e perplexidades do grande público que demonstram a ampla ignorância do brasileiro médio,
seja das grandes cidades, seja do interior, acerca dos modos de vida indígenas do país.”
(SOUZA LIMA, 2010, p. 18). Corrobora Viveiros de Castro (2006, p. 49) ao afirmar que:
hoje a população urbana do país, que sempre teve vergonha da existência dos índios
no Brasil, está em condições de começar a tratar com um pouco mais de respeito a si
mesma, porque, como eu disse, aqui todo mundo é índio, exceto quem não é [...].

71
Após muitos anos é aguardada para 2012 a votação de um novo Estatuto dos Povos Indígenas no Congresso
Nacional.
72
Constituição. Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/pt/c/direitos/constituicoes/introducao>. Acesso
em: 7 ago. 2011.
122

Apesar da questão indígena neste país ainda transitar por corredores político-
administrativo sombrios e deparar-se com aqueles interessados em olhar e, propositadamente,
não enxergar que os tempos clamam por mudanças, é impossível negar que:
Nos últimos 40 anos, diversas foram as mudanças nas relações entre o Estado
Nacional brasileiro e os povos indígenas habitantes do território do país. De uma
política desenvolvimentista marcada por um assimilacionismo desenfreado,
chegamos até a demarcação na condição de terras indígenas (TIs) de extensas
partes do território brasileiro, a partir dos anos 1990. De “grupos” integralmente
submetidos ao Estado brasileiro na condição de legalmente tutelados – isto é,
apenas parcialmente responsáveis por seus atos e necessitados, para efeitos da
estrutura jurídico-administrativa brasileira, da mediação e da condução de um
tutor, equiparados, assim, em termos de Direito Civil, aos brasileiros não
indígenas menores de 18 e maiores de 16 anos –, passaram, por efeito da
Constituição de 1988, a ser reconhecidos como capazes de se representarem
juridicamente por meio de suas organizações, e tiveram seu estatuto de povos
reconhecido por força da ratificação pelo governo brasileiro da Convenção 169
da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Congresso
Nacional em junho de 2002. (SOUZA LIMA, 2010, p. 15-16).

Observa-se que a política assimilacionista, que predominava até os anos 80,


tornou-se parte da história. Vê-se que as organizações indígenas têm empenho decisivo nas
mudanças e conquistas até então alcançadas. O mesmo autor apresenta outras abordagens que
estabelecem questões expressivas sobre os povos indígenas, anteriores a Constituição Federal
de 1988. Ele afirma que:
De novidade mesmo a se destacar – ainda que sendo necessário, para melhor
situá-lo, entender alguns de seus principais dilemas – registre-se o
associativismo indígena, que não se iniciou com a Constituição de 1988, mas
teve desde então um estímulo considerável. O movimento indígena e suas
inúmeras formas de expressão institucional, sobretudo no modelo não autóctone
das chamadas organizações indígenas (OIs), tem feito a diferença essencial
desde os anos 1970-1980. As OIs têm amplitudes de ação muito distintas –
desde as que representam aldeias ou de corte étnico, representando um povo, até
as de âmbito regional, passando por grandes redes de organizações, como a
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) [...]
ou a Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito
Santo (Apoinme), a Articulação dos Povos Indígenas do Sul (Arpinsul), a
Articulação dos Povos Indígenas do Pantanal e Região Centro-Oeste (Arpipan),
ou a tentativa de reuní-las na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Em padrões distintos de tentativas anteriores como a da criação da União das
Nações Indígenas (UNI) [...]. Isto é essencial para a maior consciência e
formação de uma inteligência indígena que seja de direito e de fato protagonista,
não por mera receita de um rosário de prescrições de uma muito pouco efetiva
“democracia participativa multicultural” [...]. (SOUZA LIMA, 2010, p. 19-20).

De fato, situar a questão indígena neste rosário de preceitos, como dito acima, sem
a efetividade necessária, mostrou aos povos indígenas do país os horizontes dos novos
caminhos a serem criados e percorridos, não mais como tutelados, mas como protagonistas
para validarem os seus direitos coletivos por meio das Organizações Indígenas (OIs). Mesmo
assim, há a sombra do “assistencialismo clientelista tutelar ainda em vigência nas ações de
123

numerosos segmentos administrativos governamentais e não-governamentais no país.”


(SOUZA LIMA, 2010, p. 20). Toma-se como exemplo a FUNAI. Este órgão ainda padece de
resquícios de mentalidade e práticas tutelares. Contudo, avalia Santilli, Márcio (2002, p. 71-
72):
[...] quase todas as comunidades indígenas mantêm relação com vários
interlocutores, diferentemente de [...] anos atrás, quando a única referência dos
índios era a FUNAI, que intermediava suas relações com os demais atores da
sociedade [...]. Já não é possível imaginar o poder público possuindo uma
agência que sirva de intermediário a todas as relações entre as comunidades
indígenas e os demais segmentos da sociedade brasileira [...].
Do ponto de vista prático, a tutela não tem mais nenhuma possibilidade de ser a
referência da política indigenista, ou seja, não adianta recuperar a idéia de um
órgão tutelar porque não há mais possibilidade de a burocracia intermediar com
um mínimo de eficiência um imenso conjunto de relações, que tende a se
ampliar cada vez mais.

Apesar das mudanças nas políticas indigenistas e indígena, ao longo das últimas
quatro décadas, muitos, como os que desejam as TIs para criar o seu “gado, construir barragens,
explorar minérios” (CARNEIRO DA CUNHA, 2009, p. 257), instalar resorts e explorar madeiras,
não aceitam as condições dos indígenas como agentes sociais pró-ativos sem a tutela da FUNAI.
Para Oliveira Filho “mesmo que a agência indigenista [FUNAI] tenha levado duas décadas a
entender esta alteração jurídica, empenhando-se ativamente em negá-la e boicotá-la, vivemos hoje
um tempo novo, marcado pelas próprias iniciativas indígenas.” (2011a, s/p).
Ainda assim, para o governo federal, governos estaduais, e a maioria dos políticos
e empresários do país, a prioridade “prevê investimentos nas áreas de infraestrutura logística
(como estradas, hidrovias e portos) [...] e na realização de projetos energéticos (grandes
hidrelétricas e a retomada do programa nuclear).” (LASCHEFSKI, 2011, p. 21). Também,
prevêem investimentos na infraestrutura dos macro programas de turismo. Ou, melhor aqueles
que não querem que nada atrapalhe no andamento do licenciamento ambiental, avaliado como
o principal entrave para grandes projetos de desenvolvimento regional no país
(LASCHEFSKI, 2011), ou seja, os que priorizam essencialmente os interesses do capital, e
que vêem por trás dos povos indígenas as “suas terras [...] o que resta a cobiçar.”
(CARNEIRO DA CUNHA, 2009, p. 257). Para a referida bancada é mais oportuno justificar a
necessidade de garantir a soberania do Brasil e reaplicar a visão racista colonial materializada
na “idéia da bestialidade, da fereza, em suma da animalidade dos índios.” (CARNEIRO DA
CUNHA, 1992a, p. 5). Ao ponto de ainda sustentarem na contemporaneidade a
[...] imagem dos índios dos “primórdios”, veiculada pelos cronistas e viajantes – os
que vivem nus, com penas, crianças, ingênuos e brincalhões, eternamente dançando,
canibais, sem fé, nem lei, nem rei etc. – quer por ser tão “misturados” [...] que não
possam, na visão do dominante, ser considerados “verdadeiramente” indígenas. [...]
124

Será necessário uma mudança bastante profunda nas bases da educação nacional para
que se possa ver os povos indígenas como vigorosos, capazes de se reelaborarem e
manterem deferenciados, interagindo com as invenções tecnológicas do mundo
contemporâneo, mas lutando contra e sempre crescente maré da homogeneização em
escala precária. (SOUZA LIMA, 2010, p. 23)

Segundo Laschefski (2011, p. 25), as “estruturas hegemônicas de poder”


persistem em atuar “através de mecanismos homegeneizadores que produzem a
invisibilização de certas parcelas da população, partem da crença [...] que o problema indígena
é apenas uma relíquia histórica no Brasil contemporâneo.” (OLIVEIRA FILHO, 1999, p. 127).
Adotam a homogeneização dos povos indígenas em prol dos seus interesses numa “lógica
colonial e integracionista.” (BRISSAC, 2011, s/p). Mesmo assim, conforme ainda afirma
Brissac “os povos indígenas organizados e a sociedade civil conquistaram um texto
constitucional inovador, que [...] afirma o Brasil como o Estado pluriétnico.” (2011, s/p).
Embora seja esta a realidade, sabe-se que em meio a este progresso do documento
constitutucional e sua legítima concretização, a trajetória é longa e árdua. Apesar disso “o
Estado não é o fim, o Estado é o meio.” (OLIVEIRA FILHO, 2011a, s/p). Observa-se que
existe a outra face da moeda, ou seja, “o protagonismo indígena é moeda corrente no
momento.” (SOUZA LIMA, 2010, p. 16). Assim, por mais que os indígenas ainda enfrentem
dificuldades para garantir seus direitos constitucionais
[...] instaura-se uma nova relação do Estado brasileiro com esses povos. Tal relação
passa a ser baseada no respeito a seus direitos originários, destacando-se o usufruto
exclusivo das terras que tradicionalmente ocupam. E, igualmente, passa a ter por
foco a efetivação de políticas públicas específicas, que viabilizem a continuidade
histórica desses povos e o fortalecimento de suas culturas. Entretanto, entre o avanço
do texto constitucional e a sua real efetivação, temos um largo caminho a trilhar.
(BRISSAC, 2011, s/p).

3.2 Visibilidade “estatística” dos povos indígenas no Brasil

Registram-se outras considerações pertinentes à discussão sobre povos indígenas


no Brasil, para contextualizar o tema de povos indígenas e o turismo. Segundo Baines (2011)
quando se confronta a população indígena do Brasil com o porcentual da população nacional,
é surpreendente, não o fato do surgimento de muitos povos indígenas nas últimas décadas,
mas, ao contrário, a escassa população considerada como indígena pelas estatísticas oficiais
no Brasil. Na mesma obra, o autor afirma que o Brasil, país de aproximadamente 190.732.694
pessoas, no recenseamento de 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) encontrou-se apenas 817.963 mil pessoas que se autodeclaram indígenas, o
125

que representa 0,42% da população nacional. Apesar deste número representar um


crescimento de 11% em relação à população indígena registrada no censo de 2000, quando
aproximadamente 734.127 (0,4%) pessoas se declararam indígenas, a proporção indígena da
população nacional é desmedidamente menor que na maioria dos países que contam com
populações indígenas. Oliveira Filho assinala que “Em termos demográficos a presença
indígena no Brasil é das menores verificadas no panorama latino-americano, contrastando
radicalmente com outros países (como Bolívia, Guatemala, Peru e Equador [...].” (1999, p.
125).
Diante das afirmações de Oliveira Filho (1999) e Baines (2011) sobre a proporção
no Brasil de pessoas que se declaram indígenas, bastante inferior em relação às estimativas de
outros países, convém enfatizar dados mundiais sobre os números de povos indígenas e os
particularizados para a América Latina como base no Panorama social de América Latina,
elaborado pela Comisión Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL), o qual
destaca:
Según diferentes estimaciones, a principios del siglo XXI los pueblos indígenas en
todo el mundo suman entre 350 y 400 millones de personas, que representan más de
6.000 lenguas y culturas, ubicadas en alrededor de 70 países. En América Latina y
el Caribe vivirían entre 30 y 50 millones de indígenas, dependiendo de la fuente
de información [...] y se hablarían alrededor de 860 idiomas y variaciones dialectales
[...]. Los pueblos indígenas reconocidos de manera directa o implícita por los
Estados son 671, de los cuales 642 están en América Latina [...]. (CEPAL, 2006,
p. 162, grifos nossos).

De acordo com a referência acima, a estimativa dos povos indígenas reconhecidos


mundialmente concentra-se especialmente na América Latina. Mesmo assim, o referido
estudo da CEPAL considera que a natureza multidimensional e dinâmica da identidade étnica
dificulta a tarefa complexa de obter estimativas sem cair em erros, portanto, reforça que a
magnitude da população indígena na América Latina ainda se encontra subestimada. Tanto
que “En la América Latina de comienzos del siglo XXI se vive un renovado interés por los
asunto indígenas como tema de políticas públicas, lo que también se ha expresado en los
estudios y mediciones censales.” (CEPAL, 2006, p. 146, grifos nossos). Corrobora Azevedo
“Desde o início dos anos 2000, a invisibilidade estatística dos povos indígenas no Brasil (e
também na América Latina e Caribe), bem como as possibilidades de melhoria nos sistemas
de informações censitárias, tem sido discutidas.” (2011, p. 45).
A preocupação com este contexto censitário no panorama latino-americano não é
meramente para quantificar dados estatísticos. De fato, o desafio atual especialmente por parte
das OIs, ainda conforme o citado estudo da CEPAL, é conseguir que a produção do
126

conhecimento sociodemográfico desde uma perspectiva de direitos constitua, em primeiro


passo, como um processo de conseguir a visibilidade estatística dos povos indígenas,
necessária para a construção de uma cidadania pluriétnica e pluricultural na América Latina.
Vale, portanto, conferir a população indígena nos países latino-americano no Anexo 2, e logo
correlacioná-la com a explanação:
Existe una gran variedad de situaciones demográficas, tanto en términos de
magnitudes absolutas como relativas. Desde el punto de vista del volumen, Perú es
el país que más población indígena tendría, con aproximadamente 8,5 millones de
personas, seguido de México (6,1 millones),
Bolivia (5 millones) y Guatemala (4,6 millones). En segundo lugar se encuentran los
países cuya población indígena fluctúa entre 500.000 y un millón de personas
(Brasil, Colombia, Chile, Ecuador y República Bolivariana de Venezuela). Por
último, están los países en los que no supera las 500.000 (Argentina, Costa Rica, El
Salvador, Honduras, Nicaragua, Panamá, Paraguay y Uruguay). Cuba, Haití y
República Dominicana son casos de exterminio total o casi total de la población
indígena por parte de los colonizadores. (UNIVERSITY OF CALGARY, 2006;
ALEIQ, 2006 apud CEPAL, 2006, p. 164).

Retoma-se a situação do Brasil e muitos aspectos relativos aos recenseamentos no


país expressam as lacunas ainda existentes nos resultados apresentados, incluindo-se os
levantamentos sobre os indígenas. “A despeito de todas as possíveis imperfeições, apenas por
intermédio dos dados fornecidos pelo recenseamento é que se pode ter a idéia do caráter da
etinicidade e de suas conexões com fatores econômicos, políticos e culturais.” (OLIVEIRA
FILHO, 2011b, p. 677). Na mesma obra o autor salienta: “Em 1991 [...] o IBGE modificou o
critério de atribuição étnica, passando a operar com a autoclassificação dos entrevistados.
Paralelamente, incluiu indígena como uma das respostas possíveis do quesito cor.” (2011b, p.
673). Apesar de ter sido um avanço para a visibilidade estatística dos povos indígenas, os
resultados ainda não foram dos mais admiráveis no Censo de 1991. Mas, para o mesmo autor,
“O Censo de 2000, todavia, trouxe resultados surpreendentes, em nítida oposição aos dados
anteriores.” (2011b, p. 674). No caso do Censo de 2010 afirma Azevedo (2011, p. 45, versais
no original):
AS NOVIDADES DO CENSO DEMOGRÁFICO BRASILEIRO REALIZADO
PELO IBGE EM 2010 FORAM MUITAS [...]. ATÉ NOVAS PERGUNTAS NO
QUESTIONÁRIO, COMO AQUELAS RELATIVAS ÀS POPULAÇÕES
AUTODECLARADAS INDÍGENAS, INCLUINDO ETNIA E LÍNGUAS FALADAS.

Portanto, o site73 do ISA revela, segundo o Censo IBGE 2010, a extensão


territorial de 8.511.965 km2 do Brasil e 677 TIs, totalizadas em 1.115.660 km2 (13.1% das

73
Localização e Extensão das TIs. Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/pt/c/terras-
indigenas/demarcacoes/localizacao-e-extensao-das-tis>. Acesso em: 23 ago. 2011.
127

terras do país), reveladas no Anexo 3. A maioria destas concentram-se na Amazônia Legal


(409 TIs), ocupando 108.720.018 hectares (21.67% do território amazônico e 98.61% da
extensão de todas as TIs do país). Os 1.39% restantes, distribui-se pelas regiões Nordeste,
Sudeste , Sul e no Mato Grosso do Sul. O ISA unifica o percentual das três regiões brasileiras
pelo fato da população indígena estar dispersa. O Mato Grosso do Sul, aparece no mesmo
percentual por ser um estado brasileiro com especificidades particulares ao ter uma população
indígena grande distribuída em TIs diminutas. Os dados restantes, ainda revelados pelo ISA,
apresentam 235 povos indígenas no Brasil. A totalidade de pessoas autodeclaradas indígenas
no Censo IBGE 2010 podem ser visualizadas no Anexo 4. Porém, ressalta-se os números
destes indígenas conforme Azevedo (2011) nas regiões brasileiras, como: Norte (305.873);
Nordeste (208.691); Centro-Oeste (130.494); Sudeste (97.960) e o Sul (74.945).

3.2.1 Invisibilidade e visibilidade dos povos indígenas do Nordeste

Os números revelados acima, colocam o Nordeste como segunda região do país


em número de pessoas autodeclaradas indígenas. Chegar à estatística atual, significou para os
povos indígenas do Nordeste longos períodos de invisibilidade. Segundo Neves (2005, p. 131)
“Os índios dessa região foram os primeiros a ser alvo de todo o processo de luta e conquista
territorial que se realizou no Brasil.” Oliveira Filho (1998a) argumenta que as populações
indígenas que habitam o Nordeste originam-se de culturas que foram envolvidas em dois
processos de territorialização. O primeiro, aconteceu na segunda metade do século XVII e nas
primeiras décadas do século XVIII, quando os indígenas foram incorporados em missões
religiosas. Ressalta-se o processo de “extinção” de povos indígenas por meio de decretos,
como o Decreto 426 de 24/7/1845 chamado “Regulamento das Missões.” (CARNEIRO DA
CUNHA, 1992b, p. 145). Esta política etnocida dos governos estaduais, e a perseguição de
pessoas que continuavam a se identificar como indígenas, pressionou muitos indígenas a
esconder sua identidade para se livrar da repressão e discriminação, processo que em vez de
eliminar os povos indígenas resultou na invisibilização de muitos deles. Em outra obra a
mesma autora assevera: “Com base nas informações dos presidentes de província de que não
havia mais índios, mas tão somente populações “misturadas”, muitos aldeamentos seriam
extintos em todo o Nordeste.” (CARNEIRO DA CUNHA, 1987 apud DANTAS; SAMPAIO;
CARVALHO, 1992, p. 452). Nesse contexto, leva-se em consideração a política
128

assimilacionista, evidente na Lei 601 de 18/9/1850 – Lei das Terras. Sobre esta legislação
afirma Oliveira Filho:
Com a Lei de Terras de 1850 inicia-se por todo o Império um movimento de
regularização das propriedades rurais. [...]. Os governos provinciais vão,
sucessivamente, declarando extintos os antigos aldeamentos indígenas e
incorporando os seus terrenos a comarcas e municípios em formação. Paralelamente,
pequenos agricultores e fazendeiros não-indígenas consolidam as suas glebas ou, por
arrendamento, estabelecem controle sobre parcelas importantes das terras que, na
ausência de outros postulantes, ainda subsistiam na posse dos antigos moradores.
Essa foi a terceira “mistura”, a mais radical, que limitou seriamente as suas posses,
deixando impressas marcas em suas memórias e narrativas. (OLIVEIRA FILHO,
1998a, p. 58).

Para os governos provinciais como revela o autor acima, a Lei das Terras
correspondia à política de extinção que simultaneamente promovia a regularização das
propriedades rurais e a declaração de extinção dos antigos aldeamentos possibilitando
vantagens aos pequenos proprietários e fazendeiros. Segundo Valle, Carlos “Talvez o que
realmente ‘pegou’ com a lei de terras tenha sido a idéia de ‘extinção dos antigos
aldeamentos.’” (2011, p. 462). Muitas referências à Lei das Terras encontram-se no texto
intitulado “Política Indigenista no Século XIX” (CARNEIRO DA CUNHA, 1992b), em que a
autora afirma, com alusão à política indigenista do período, “[...] para caracterizar o século
como um todo, pode-se dizer que a questão indígena deixou de ser essencialmente uma
questão de mão-de-obra para se tornar uma questão de terras.” (p. 133). No mesmo texto, a
autora cita uma publicação anterior em que ressalta:
O século XIX [...] está crescentemente interessado na questão de terras. Nas
fronteiras do Império ainda em expansão, tratando-se de alargar os espaços
transitáveis e apropriáveis. Nas zonas de povoamento mais antigos, trata-se, a partir
de meados do século, de restringir o acesso à propriedade fundiária e converter em
assalariados uma população independente – libertos, índios, negros e brancos pobres
–, que teimam em viver a margem da grande propriedade, cronicamente carente de
mão-de-obra. (CARNEIRO DA CUNHA, 1985, cap. 2 apud CARNEIRO DA
CUNHA, 1992b, p. 133)

No caso do Nordeste, região de antiga colonização, os povos indígenas, como já


ressaltado, sofreram processos de aldeamento forçado em missões religiosas, onde
sobreviventes de diversos povos indígenas foram colocados juntos em tentativas de reduzir
qualquer possibilidade de resistência e transformá-los em mão-de-obra agrícola para o Estado.
Apesar de enormes diferenças locais e regionais, os escravos indígenas eram frequentemente
colocados junto com escravos afro-descendentes. Para Carneiro da Cunha (1992b, p. 145):
[...]. Na verdade, a Lei das Terras inaugura uma política agressiva em relação às
terras das aldeias: um mês após sua promulgação, uma decisão do Império manda
incorporar aos Próprios Nacionais as terras de aldeias de índios que “vivem
dispersos e confundidos na massa da população civilizada.” Ou seja, após ter
durante um século favorecido o estabelecimento de estranhos junto ou mesmo dentro
129

das terras das aldeias, o governo usa o duplo critério da existência de população não
indígena e de uma aparente assimilação para despojar as aldeias de suas terras. Este
segundo critério é aliás, uma novidade que terá vida longa: não se trata, com efeito,
simplesmente de aldeias abandonadas mas também do modo de vida dos índios que
lá habitam, o que fica patente por exemplo nos avisos 21, de 16/1/1851, e 67, de
21/4/1857. É uma primeira versão dos critérios de identidade étnica do século XX.

A autora acima, atenta sobre uma primeira versão dos critérios de identidade
étnica do século XX, portanto, pode-se retomar a discussão sobre o segundo movimento de
territorialização ocorrido nos anos 1970-80, o qual aconteceu articulado com a agência
indigenista do Estado (OLIVEIRA FILHO, 1998a). Este outro movimento é marcado por
reivindicações e mobilizações políticas de povos indígenas que não eram reconhecidos pela
FUNAI, e por isso não detinham seus territórios e, também, não estavam descritos na
literatura etnográfica. Para Neves “No caso desses índios, a necessidade de um território se
constitui como o primeiro passo para consolidação da identidade étnica. É a luta política
consolidada na luta pela terra.” (2005, p. 132). Oliveira Filho ao comparar as situações em que
vivem os povos indígenas da Amazônia com os povos indígenas do Nordeste refere aos
territórios indígenas e assinala:
Se, na Amazônia, a mais grave ameaça é a invasão dos territórios indígenas e a
degradação de seus recursos ambientais, no caso do Nordeste, o desafio à ação
indigenista é restabelecer os territórios indígenas, promovendo a retirada dos não
índios das áreas indígenas, desnaturalizando a “mistura” como única via de
sobrevivência e cidadania. (1998a, p. 53).

Este desafio não é recente, os povos indígenas do Nordeste nestes cinco séculos
têm atravessado as maiores desventuras. Mesmo assim não têm se deixado enfraquecer. Vale
lembrar que “a história dos índios do Nordeste é marcada por descontinuidades já muito
salientadas por outros autores que vêm procurando dar conta desta presença indígena
movediça e crescente.” (GRÜNEWALD, 2005, p. 17). Isso nos remete novamente para outra
obra de Oliveira Filho que tanto tem dado conta desta presença indígena em suas discussões,
como destaca o importante panorama histórico e alguns dados anteriores ao recenseamento de
2010 a respeito dos referidos povos. Assim, o autor afirma que os povos indígenas do
Nordeste
[...] foram dos que mais sofreram como avanço da civilização. Primeiros a serem
contatados pelos colonizadores, foram batizados e incorporados aos trabalhos da
nascente sociedade. Através de formas compulsórias de mobilização serviram na
construção de obras públicas e nos empreendimentos privados, sendo objeto de uma
escravização camuflada. Deslocados de suas terras, tiveram de cruzar os sertões,
buscar seguidamente novas áreas de refúgio, construir alianças antes impensáveis,
modificar radicalmente seus costumes. Passaram a viver em proteções de outros, em
terras de missão (mais tarde invadidas e reduzidas) ou avassalados em terrenos que
nunca eram os “donos”.
130

Hoje no Brasil são os mais atingidos pela miséria e forma de exclusão social.
Representam cerca de 20% da população indígena e as áreas que ocupam
correspondem apenas a 0,3% das terras indígenas. Ainda assim freqüentemente
caracterizadas como não agricultáveis e marcadas pela escassez de recursos, além de
extensamente invadidas.
Tendo perdido a língua e a maioria dos indicadores mais visíveis de sua condição
indígena, são classificados como “aculturados” e têm sua identidade questionada
pelos preceitos de pessoas e instituições da região e do país, que a eles seguidamente
se referem como “remanescentes” ou simples “descendentes”. Ainda agora somente
30 etnias são reconhecidas pela própria agência indigenista, enquanto 12 outras
aguardam por definição de suas terras e por assistência diferenciada por parte das
agências de governo.
Esses cinco séculos de adversidades, longe de conduzir os povos indígenas do
Nordeste à resignação e passividade, os têm levado, ao contrário, através de uma
permanente manifestação de vontade, a um exercício reiterado de criatividade, em
que os vamos encontrar em um processo histórico de auto-afirmação enquanto
coletividades que se reivindicam como indígenas. (OLIVEIRA FILHO, 2005, p. 9).

Como ressalta o autor acima, a população indígena do Nordeste, conforme o


Censo74 de 2000, representava 20% da totalidade da população indígena do Brasil apesar de
ocupar apenas 0,3% das TIs da União. Esses percentuais revelam como as TIs no Nordeste são
muito reduzidas em extensão territorial em relação à população indígena desta região do país.
Mesmo assim, os Censos revelam que “os indígenas aumentaram sua participação na
população total, isto é, longe de estarem em via de desaparecimento.” (OLIVEIRA FILHO,
2011b, p. 674). Sobre essa conjuntura com base no estudo de Marta Maria Azevedo sobre O
Censo 2010 e os Povos Indígenas cabe apresentar a população autodeclarada indígena no
Nordeste no Censo de 1991 (55.849); 2000 (170.389) e 2010 (208.691) (AZEVEDO, 2011).
Na mesma obra a autora afirma: “A proporção da população autodeclarada indígena no Brasil
desde que se incluiu essa categoria como resposta possível à questão de raça/cor da pele, tem
aumentado bastante, mas podemos verificar que ‘a grande virada’ foi 1991 para 2000” (2011,
p. 46), demonstrada no Anexo 4.
Cabe, portanto, proporcionar outras projeções significativas contidas no estudo
Terras Indígenas do Nordeste desenvolvido por Ugo Maia Andrade e Maria Rosário de
Carvalho, onde afirmam que “os dados ora apresentados sobre as TIs no Nordeste permitem
se não um ‘raio x’ acurado, uma visão de sobrevôo sobre o assunto.” (2011, p. 501). Essa
visão de vôo por cima, não significa um levantamento primário. De fato, para os autores foi
exaustivo e tiveram limitações para registrar alguns dados em decorrência das constantes

74
[...] base no material do IBGE, a conceituação de Nordeste corresponde à definição de uma região geográfica
do Brasil, composta por Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e
Bahia. Isso contrasta com outros recortes da natureza política, como a concepção da APOINME, que inclui
Minas Gerais e Espírito Santo no que chama de Nordeste, ou a da própria SUDENE. (OLIVEIRA FILHO,
2011b, p. 677).
131

alterações da situação fundiária em questão, bem como sobre os precários registros das fontes
oficiais consultados. Enfrentava-se situação semelhante nesta pesquisa durante os
levantamentos dos dados estatísticos sobre os povos indígenas do Nordeste, especialmente
sobre as suas TIs. Com base em Andrade e Carvalho (2011, p. 501, versais no original):
HÁ HOJE, NOS ESTADOS DE SERGIPE, BAHIA, ALAGOAS, PERNAMBUCO,
PARAÍBA E CEARÁ, PERTO DE UMA CENTENA DE TERRAS INDÍGENAS,
ISTO É, TERRITÓRIOS RECLAMADOS E/OU OCUPADOS POR 47 GRUPOS
AUTOIDENTIFICADOS COMO INDÍGENAS. JUNTAS, ELAS TOTALIZAM
MENOS DE 600 MIL HA, O QUE CORRESPONDE A 0,52% DO TOTAL DA
ÁREA OCUPADA POR TIS NO BRASIL.
Em termos populacionais, o contigente dessas TIs extrapola 120 mil indivíduos,
equivalentes a pouco mais de 30% da população indígena brasileira. A diversidade
de situações jurídicas das TIs no Nordeste e dos processos sócio-históricos
subjacentes revela a extrema complexidade da questão fundiária relativas às
populações indígenas nessa região. Para começar, as TIs – segundo a definição aqui
adotada – no Nordeste não estão localizadas apenas nos seis estados mencionados;
há evidência de reclames territoriais, não obstante difusos, por parte de comunidades
de identidade indígena nos estados do Piaui e Rio Grande do Norte [...]. Entretanto,
essas reivindicações ainda não integram os registros oficiais da Funai, tampouco há
dados suficientes sobre elas ou sobre os grupos sociais que as formulam. O
Maranhão, por exemplo, possui povos indígenas conhecidos apenas no domínio da
Amazônia Legal, o que justifica a supressão de suas TIs da região Nordeste.

Nesse mosaico de dados acima revelados, mesmo que não agreguem resultados de
todos os estados do Nordeste, ainda assim, não podem ser negligenciados, pois a despeito da
“documentação quantitativa [...] estas podem visar objetivos diversos e, portanto, não
apresentar dados [...] integrados. Exatamente por isso [...] são valiosos para os estudiosos,
pois podem subsidiar interpretações diferentes daquelas hegemônicas.” (OLIVEIRA FILHO,
2011b, p. 681). Recorda-se que as principais informações sobre os povos indígenas no Brasil
decorrem da FUNAI, da FUNASA e do IBGE, onde cada um desses órgãos do governo tem
suas especialidades para coletar dados, sistematizá-los e divulgá-los. Além destes contextos,
vale lembrar que se discute a primeira região colonizada do país, ou seja, esta “acarreta
especificidades para a história indígena.” (NEVES, 2005, p. 131).
Desta forma, a discussão sobre os povos indígenas do Nordeste será sempre muito
particular e a intenção aqui não é de desenvolver um panorama exaustivo sobre esses povos,
mas sim conseguir demonstrar, especialmente nos casos dos dois povos indígenas estudados
no Ceará “um processo [...] de auto-afirmação enquanto coletividades que se reivindicam
como indígenas.” (OLIVEIRA FILHO, 2005, p. 9). Para Barth a característica crítica para
definir um grupo étnico passa a ser “a auto-atribuição e a atribuição por outros.” (2000, p. 32).
Corrobora Cardoso de Oliveira (1976, p. 4) citando Barth (1969, p. 13-14), ao afirmar: “Na
132

medida em que os agentes se valem da identidade étnica para classificar a si próprios [...] eles
formam grupos étnicos em seu sentido de organização.”
Afirma, também, Carneiro da Cunha (1987, p. 118), seguindo Barth e Cardoso de
Oliveira, que “a identidade étnica de um grupo indígena é, portanto, exclusivamente função da
auto-identificação e da identificação pela sociedade envolvente.” Comenta Oliveira Filho, “Se
uma identificação étnica corresponde a um ato classificatório praticado por um sujeito dentro
de um dado contexto situacional, não faz sentido supor que as autoclassificações e as
classificações por outrem devam necessariamente coincidir.” (1998b, p. 274). Este autor,
argumenta que
o antropólogo deve privilegiar a pesquisa sobre as categorias e práticas nativas, pelas
quais o grupo étnico se constrói simbolicamente, bem como as ações sociais nas
quais ele se atualiza. [...] As classificações (étnicas, de classe, etc.) utilizadas por
outros agentes sociais devem ser consideradas à medida que afetam os circuitos de
interação de que participam os membros daquele grupo [...]. (OLIVEIRA FILHO,
1998b, p. 274-275)

O argumento do autor serve para esclarecer a situação dos Tremembé de São José
e Buriti, pois, mesmo que parte da sociedade nacional negue a existência Tremembé, o que
importa é como estes se autoidentificam e não as tentativas por parte da sociedade nacional
e/ou empresas de negar a sua existência e de cooptar membros da própria comunidade
Tremembé a negá-la.

3.3 Povos indígenas do Ceará: (re) construindo caminhos e enfrentando conflitos

No processo de auto-afirmação do povo Tremembé de São José e Buriti e do povo


Jenipapo-Kanindé, volta-se a assegurar que o turismo torna-se um vetor de afirmação da
identidade étnica indígena frente às transformações territoriais. Para discutir sobre os citados
povos do Ceará, atinente a este estado nordestino, Carneiro da Cunha assevera: “O Ceará é a
primeira província a negar a existência de índios identificáveis nas aldeias e a querer se
apoderar das suas terras [...].” (1992b, p. 145).
No texto de Valle, Carlos Compreendendo a dança do torém: visões de folclore,
ritual e tradição entre os Tremembé do Ceará encontra-se um adendo para o parágrafo
anterior. O autor afirma: “O Ceará era um dos estados brasileiros que não tinha oficialmente a
presença indígena. Nesse contexto, os Tremembé de Itarema foram um dos primeiros grupos
étnicos, junto dos Tapeba, a aparecer com mais destaque.” (2005c, p. 188). Na mesma obra
ainda destaca: “[...] não causa mais nenhum questionamento, alarme ou frison, tanto na
133

etnologia como nos indigenismos, em considerar a situação dos povos indígenas do Ceará.”
(2005c, p. 188). Considerando-se que este texto de Valle, Carlos fora escrito há seis anos, faz-
se necessário lê-lo no seu contexto histórico. O próprio autor, em artigo mais recente,
menciona “preocupações sociais [...] variadas a respeito da presença, ou não, em tempos
contemporâneos, de índios no Ceará.” (VALLE, Carlos, 2009, p. 107). De fato, desde a última
década do século XXI são muitas as contestações a este respeito. Como corrobora outro autor:
A presença indígena no Ceará, longe de ser ponto pacífico nos círculos intelectuais,
políticos, midiáticos e populares, é marcada pela multiplicidade de enfoques e
opiniões. Desde o início do ressurgimento político das etnias indígenas cearenses na
década de 1980, o tema que era considerado superado [...] – tornou-se objeto de
cadentes disputas simbólicas e jurídicas. (PALITOT, 2009, p. 19).

Dentre as conjunturas contemporâneas contrárias à existência de indígenas no


Ceará, o turismo apresenta-se como elemento multifacetado e dita os parâmetros sobre o
Ceará Costa do Sol versus o Ceará de Povos Indígenas, especialmente povos localizados em
municípios da Zona Costeira (Itapipoca e Aquiraz) delimitados nesse estudo. Assim, se, por
um lado, o turismo economicista nega a existência dos povos indígenas, por outro lado, o
turismo comunitário pode afirmar a sua existência.

3.3.1 Contrapontos do(s) Ceará(s) na Zona Costeira: o Ceará Costa do Sol e o Ceará de
Povos Indígenas

Ao abordar as duas situações escolhidas para este recorte, discutir-se-á o turismo e


os povos indígenas delimitados. O documento Caracterização Territorial: características
geográficas, recursos naturais e meio ambiente – Ceará em números/2010, elaborado pelo
Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE), autarquia vinculada à
Secretaria do Planejamento e Gestão do Estado do Ceará, apresenta o citado estado com
limites ao Norte - Oceano Atlântico, ao Sul - Pernambuco, ao Leste - Rio Grande do Norte e
Paraíba e a Oeste - Piauí, abrangendo 148.825,6 km2 (9,58% da Região Nordeste e 1,75% da
área total do Brasil). Predomina o clima Tropical Quente Semi-Árido em 67,9% do estado.
Além de área litorânea e de Caatinga, abriga algumas Serras. Ressalta-se que os 1.554.257
km2 (3.306 Km) da linha de costa do Oceano Atlântico corresponde ao Nordeste e desta
extensão 148.825,7 km2 (573 Km) abrangem o Ceará. Dos cento e oitenta e quatro
municípios do estado, quinze formam a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), cinco
deles na Zona Costeira cearense, incluindo-se Aquiraz, onde localiza-se o povo Jenipapo-
134

Kanindé. O documento apresenta duas tabelas, bastante específicas sobre as extensões das
Zonas Costeiras. Em uma está destaca essa informação para o Brasil, o Nordeste e o Ceará.
Na outra, aparece à extensão total da linha da costa litorânea na RMF (Tabela 1).

TABELA 1 – Área e extensão da linha de costa dos municípios da Região


Metropolitana de Fortaleza - Ceará - 2009

Fonte: IPECE, 2010, grifo nosso.

O proeminência da Zona Costeira do Ceará torna-se aparente dentre os dados


catalogados e apresentados pelo IPECE, seja por meio de gráficos, seja na descrição da
caracterização territorial do estado. Logo, no primeiro parágrafo do documento, consta:
O Estado do Ceará [...] sua posição geográfica privilegiada o favorece devido à
proximidade em relação a regiões como o Continente Africano, a América do
Norte e a Europa permitindo excelentes condições para o desenvolvimento do
comércio exterior e do turismo internacional. (IPECE, 2010, p. 3, grifos nossos).

Na citada fonte, a informação preocupa-se em projetar imediatamente a localização


geográfica deste estado e relacioná-la com outros destinos mundiais e, assim, reforçar o ideário
potencializador do turismo internacional para o Ceará. Esta estratégia institucional, no sentido
implícito da informação, demonstra a “ação pública federal voltada ao setor turismo, traduzida em
uma seqüência de políticas públicas, consubstanciadas na forma de planos, programas e projetos.”
(CRUZ, 2006, p. 344). Para o caso do Ceará, na ação pública federal, salienta-se o Programa de
Desenvolvimento do Turismo Nacional – PRODETUR NACIONAL CEARÁ, especificamente
PRODETUR NORDESTE I e II. A segunda fase deste programa, dentre os objetivos, aponta
“Consolidar o modelo sustentável sol e praia.” (MANUAL DE OPERAÇÕES, 2010, p. 6,
135

grifos nossos). Sustentável? O jargão institucional no comentário anterior tenta mascarar os


impactos do modelo de turismo, ainda dominador, baseado em sol e praia mantido por
“sistemas produtivos globais, dominados por macroatores, sob uma lógica organizacional [...]
cada vez mais competitiva e tecnificada.” (RODRIGUES, 2006, p. 298).
Desde o final da década de 1980 implementam-se macroprogramas de turismo no
Ceará. O marco das iniciativas do Governo do Estado data de 1989 com o Programa de
Desenvolvimento do Turismo em Zona Prioritária do Litoral do Ceará (PRODETURIS). Em
seguida, em 1992, surge o Programa de Ação Para o Desenvolvimento do Turismo do
Nordeste (PRODETUR-NE), considerado um guia para os investidores, como norteador dos
programas oficiais e, também, indicativo do planejamento turístico para o litoral cearense. O
PRODETURIS favoreceu os suportes técnicos e conceituais para o PRODETUR-CE,
proveniente do PRODETUR-NE (DANTAS, 2002). No trâmite destes programas e períodos
a Secretaria de Turismo do Ceará (SETUR), criada em 1995, adotou a logomarca e slogan
para o estado cearense – Ceará “Terra da Luz”. O brilho, a claridade e o fulgor do modelo sol
e praia expressado do mercado receptivo para o emissivo (nacional e internacional), evolui
para uma política de Rede de Polos, priorizando novamente o litoral. O estado torna-se,
especialmente – Ceará Polo “Costa do Sol”, como exposto no documento oficial do
PRODETUR NACIONAL Ceará:
Percebe-se que a melhor forma de garantir a [...] atividade turística no Estado do
Ceará tem sido a formação de uma rede de polos de desenvolvimento turístico,
interligados entre si. Ou seja, o turismo é uma atividade econômica do Estado do
Ceará que, por ter cenários e cotidianos diversificados, não pode e nem deve ser
tratada de forma pontual. Deve ser planejada e estruturada visando tal diversidade.
Essa rede de polos teve origem com o PRODETUR NE I, tendo sido selecionados
como áreas de expansão turística os municípios de Caucaia, Fortaleza, Itapipoca,
Paraipaba, Paracuru, São Gonçalo do Amarante e Trairi.
A partir daí, surgiu a necessidade de melhorar a qualidade de vida da população
residente nos municípios beneficiados ou impactados pelo PRODETUR NE I,
através do Fortalecimento da Capacidade Municipal para a Gestão do Turismo; do
Planejamento Estratégico, Treinamento e Infraestrutura; e da Promoção de
Investimentos do Setor Privado, com o PRODETUR NE II. Foram, então, eleitos
18 municípios para fazer parte do Polo Costa do Sol – Aquiraz, Fortaleza (capital
cearense), Caucaia, São Gonçalo do Amarante, Paracuru, Paraipaba, Trairi,
Itapipoca, Amontada, Itarema, Acaraú, Cruz, Jijoca de Jericoacoara, Camocim,
Barroquinha, Chaval, Granja e Viçosa do Ceará.
As ações do PRODETUR NE II, no polo Costa do Sol, território correspondente ao
Litoral Oeste do Estado do Ceará, foram tão bem sucedidas que acabaram por
demandar ações interestaduais, como é o caso do projeto rota das emoções, que envolve
ações conjuntas entre os estados do Ceará, Piauí e Maranhão, dada a demanda da
atividade turística. (MANUAL DE OPERAÇÕES, 2010, p. 6, grifos nossos).

Vale refletir em que implica para os povos indígenas do Ceará, localizados em


municipios da Zona Costeira do estado, os programas e os projetos públicos e privados de
136

turismo na costa litorânea cearense? Ou, em que implica para representantes dos mesmos
projetos e programas a localização de TIs e povos indígenas na Zona Costeira do Ceará?
No caso do PRODETUR Nacional Ceará a parceria pública e privada utiliza-se de
um esquema de execução do programa envolvendo várias Secretarias do Governo do Estado,
especialmente o organismo executor representado pela SETUR e, ainda, o MTur, o Conselho
Estadual de Turismo, a Unidade de Gestão do Programa (UGP), o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), a Empresa Gerenciadora (favorecida) e demais entidades
participantes e órgãos públicos parceiros (Figura 14). De fato, a “concepção do PRODETUR
Nacional toma como base o conceito de área turística priorizada e de polo turístico.”
(MANUAL DE OPERAÇÕES, 2010, p. 10). Para o poder público e privado, a ocorrência de
povos indígenas e TIs situados no Polo “Costa do Sol”, é condição que intecepta os
investimentos destinados às infra-estruturas para o turismo internacional. Tanto que o citado
documento da Caracterização Territorial do Ceará desenvolvido pelo IPECE (2010), quase
invisibiliza os dados sobre os povos indígenas do estado e suas TIs. Apenas na última página
do documento (sem comentários adicionais), consta a ilustração do Quadro 8. No Ceará,
conforme o jornal Semente Libertária da Organização Resistência Libertária (ORL)75, desde
1990 constata-se:
A integração do litoral através de rodovias muito bem estruturadas (as chamadas
Costa do Sol Nascente e Costa do Sol Poente), a construção de resorts ao longo
destas vias litorâneas (e de diversos condomínios residenciais em suas margens), a
construção do porto do Pecém, do Aeroporto Internacional Pinto Martins, de
parques de energia eólicas, de uma usina siderúrgica, de usinas termelétrica [...] a
prosperidade do agronegócio em sua aliança com o capital estrangeiro (vide:
carcinicultura), enfim, a construção de toda uma infra-estrutura apta a receber
diferentes investimentos internacionais, são sinais desta modificação que está se
operando tanto na configuração geográfica do nosso estado quanto nas relações
sociais e de trabalho em nível local. O estabelecimento de uma malha rodoviária que
interliga todo o litoral, aliada à imensa especulação imobiliária, ocasionada, entre
outros fatores, pela construção do porto do Pecém, valoriza espaços ocupados por
comunidades tradicionais. Muitas destas comunidades são herdeiras de
agrupamentos nativos ameríndios, e ainda mantêm, em muitos aspectos de sua
existência, permanências de uma cultura ancestral no cotidiano. A herança cultural
presente em comunidades litorâneas está claramente relacionada com a cultura
indígena. A multiplicação de grandes empreendimentos ao longo da costa cearense,
aliada ao discurso do progresso e desenvolvimento, está realizando uma mudança
drástica e sem precedentes na vida e na cultura destas comunidades, que são, aos
poucos, recrutadas como mão-de-obra barata para trabalharem neste
empreendimentos, feitos quase que exclusivamente para servirem a estrangeiros e
brasileiros ricos. (JORNAL SEMENTE LIBERTÁRIA, 2008, p. 2).

75
Que surgiu no final de 2007 no Ceará e se define como uma organização anarquista em torno de objetivos
políticos, métodos de atuação e forma organizacional comuns. Disponível em:
http://www.resistencialibertaria.org/index.php?option=com_content&view=article&id=53&Itemid=53. Acesso
em: 20 dez. 2011.
Figura 14: Esquema de Execução do PRODETUR NACIONAL Ceará.
Fonte: Manual de Operações, 2010.

137
138

Quadro 8: Grupo e Terras Indígenas - Ceará - 2010


Fonte: IPECE, 2010.

138
139

O esboço anterior na Figura 14 do PRODETUR NACIONAL Ceará focaliza a


estrutura e parcerias nacionais e internacionais para efetivá-lo. Este programa público e
privado adota áreas prioritárias (Polo Litoral Leste, Polo Chapada da Ibiapaba e Polo Maciço
de Baturité). Mas, dentre estes Polos de Desenvolvimento Turístico, a expansão intensifica-se
na Zona Costeira, pois é “o turismo [...] um dos vetores inquestionáveis da política de
desenvolvimento do Ceará [...].” (DANTAS, 2002, p. 56).
A partir dessa análise é possível interpretar também com maior precisão o Quadro
8 anterior com a ilustração do IPECE relativo aos povos indígenas do Ceará e TIs. Para um
laico são meras quantificações para concluir um relatório técnico e, prontamente considerar
que o Governo do Estado do Ceará prioriza informações a respeito dos citados povos e suas
terras. Contudo, se fosse prioridade governamental, o quadro em questão, registraria junto
com as observações sobre a situação fundiária das TIs, também os conflitos causados pelas
incidências de grandes projetos, especialmente nas TIs de povos localizados em municípios da
Zona Costeira do Ceará, como demonstra o Conselho Indigenista Missionário (CIMI),
organização vinculada ao Conselho Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) da Igreja Católica,
na Listagem Geral das Terras Indígenas no Brasil: situação jurídico – administrativa atual
(Anexo 5). No entanto, no referido documento de base governamental, elabarado pelo IPECE,
os conflitos enfrentados pelos povos indígenas do Ceará decorrentes das pressões dos atores
hegemônicos não são registrados e, mais uma vez, comprova-se estar diante do Ceará Costa
do Sol, emblemática estratégia turística, para obscurecer o Ceará de Povos Indígenas. Isso,
aos olhos dos representantes dos setores público e privado aliados do Governo Federal e
Estadual. Outra falácia deste mesmo quadro do IPECE é apresentar a situação fundiária das
TIs do Ceará como assunto menor. Esta conjuntura bastante complexa aparece como
informação técnica e concisa em nota de rodapé.
Também, de forma pouco relevante, a informação fundiária aparece no Anexo 6,
outro documento apresentado por órgão do governo cearense, a Superintendência Estadual do
Meio Ambiente (SEMACE). As duas fontes documentais apesar de geradas em instituições
públicas do mesmo Governo Estadual tornam-se incongruentes em alguns dados relativos aos
povos indígenas do Ceará.
No prosseguimento da leitura crítica e meticulosa do Quadro 8, observa-se que
dos vinte municípios cearenses listados com povos indígenas e TIs, nove municípios, como:
Fortaleza (Potyguara), Aquiraz (Jenipapo-Kanindé), Caucaia (Tapeba e Anacé), São
Gonçalo do Amarante (Anacé), Itapipoca (Tremembé São José e Buriti), Itarema
140

(Tremembé), Acaraú (Tremembé), Maracanaú (Pitaguary), Pacatuba (Pitaguary) encontram-se


inseridos em diferentes setores da Zona de Abrangência Costeira76 do Ceará (Quadro 9). Na
maioria dos municípios localizam-se oito povos indígenas do total de quatorze povos do
Ceará, já apresentados em outra ilustração (Cf. Figura 2).

Quadro 9: Zona, Setores e Municípios Costeiros - Ceará


Fonte: Araújo et al, 2005.

Ressalta-se que de acordo com o Diagnóstico Socioeconômico da Zona Costeira


do Estado do Ceará, relatório elaborado por Araújo et al (2005), dentre as duas categorais
prioritárias referentes ao uso da terra na Zona Costeira deste estado, encontra-se a especulação
imobiliária e turismo (ARAÚJO et al, 2005). Assim, dos oito povos indígenas acima
destacados, quatro deles – Tremembé (Acaraú, Itarema e Itapipoca); Jenipapo-Kanindé
(Aquiraz); Anacé (Caucaia e São Gonçalo do Amarante); Tapeba (Caucaia) situados na Zona
Costeira cearense, incluindo-se os pesquisados nessa tese, localizam-se em áreas estratégicas
para os grandes projetos de desenvolvimento públicos e privados subsidiados com capital
internacional no Ceará.

76
A Zona de Abrangência Costeira, abrangendo a Zona Costeira e os municípios da área de abrangência dos
principais rios, possui uma área de 30.863,5 km², corresponde a 21,18% da área territorial do Estado do Ceará. A
Zona Costeira, com os seu quatro setores, possui uma área de 20.513, 2 km², representando 14,08% do Ceará e
66,46% da Zona de Abrangência Costeira [...]. (ARAÚJO et al, 2005, p. 46).
141

Deste modo, concluir o processo de demarcação das TIs dos referidos povos
indígenas significa o reconhecimento oficial dos seus territórios pelo Estado, e contribui para
o fortalecimento das afirmações étnicas e do Movimento Indígena do Ceará. Ao mesmo
tempo, a regularização de TIs pode levar ao embargo dos grandes projetos aprovados ou em
andamento nas TIs ou no entorno destas, como demonstrado abaixo no estudo Danos
Socioambientais na Zona Costeira Cearense (MEIRELES, 2006). Neste o autor apresenta
uma ilustração, demonstrada na Figura 15, com os grandes projetos (inclusive
empreendimentos hoteleiros) causadores de danos socioambientais em TIs de povos indígenas
do Ceará, localizados em municípios da Zona Costeira, como os citados: Tremembé de
Almofala (Itarema) e Tapeba (Caucaia), incluindo-se os povos Tremembé de São José e Buriti
(Itapipoca) e Jenipapo Kanindé (Aquiraz), objetos desta pesquisa.

Figura 15: Danos socioambientais dos grandes projetos de desenvolvimento na Zona Costeira do
Ceará
Fonte: MEIRELES, 2006.

Para o poder público e privado que idealiza o PRODETUR NACIONAL Ceará, o


fato de existirem povos indígenas no Ceará e o reconhecimento das suas terras decorrer de
direitos constitucionais, ecoa como entrave para o cumprimento completo do programa,
especialmente os dois objetivos específicos: 1) Consolidar o modelo sustentável sol e praia;
142

2) Diversificar a atividade turística no Estado do Ceará, por meio da criação de novos


produtos, baseados em recursos naturais e culturais com potencial turístico.
Segundo Almeida, Maria (2006b, p. 25) “los territorios son ordenados para asumir
nuevas funciones y pasan a ser valorados según la lógica de um mercado turístico-financiero
cada vez más competitivo y globalizado.” Desta maneira, no Ceará “Conflitos pela posse da
terra [...] são vivenciados pelos povos indígenas que disputam o direito de propriedade da
terra com empresas e proprietários da região e se vêm ameaçados pela descaracterização
cultural.” (ARAÚJO et al, 2005, p. 19). Na visão de Haesbaert (2005, p. 6774): “Território,
assim, em qualquer acepção, tem a ver com poder, mas não apenas ao tradicional ‘poder
político’. Ele diz respeito tanto ao poder no sentido mais concreto, de dominação, quanto ao
poder no sentido mais simbólico, de apropriação.” Este poder de dominação mencionado pelo
autor está evidente no Ceará Costa do Sol que persiste em submergir o Ceará de Povos
indígenas detentor do poder mais simbólico de apropriação.
No Ceará de Povos Indígenas, desde a década de 1980, estes atores sociais
indígenas estão “reescrevendo suas histórias em função da afirmação de uma cidadania
diferenciada, garantida a duras penas.” (PALITOT, 2009, p. 20). Todavia, no “Ceará de hoje,
a peleja permanece. O Governo Cid Gomes e a iniciativa privada local e internacional
ameaçam os territórios habitados tradicionalmente pelas comunidades indígenas.” (JORNAL
SEMENTE LIBERTÁRIA, 2008, p. 2). Pode-se confirmar nos depoimentos de indígenas as
imposições do governador tentando persuadi-los a aceitar o empreendimento Nova Atlântida
na TI Tremembé São José e Buriti:
O Governador, senhor Cid Gomes, baixou o helicóptero dele pertinho daqui [...].
Ele chegou dizendo aqui que tinha sido procurado por pessoa do Nova Atlântida.
Depois disse que terra para ele tem que ser produtiva, não sendo produtiva não tem
valor. E, foi botando os valores que a empresa Nova Atlântida botava pra gente.
(Liderança indígena, F C, Tremembé de São José).77

Outra informante complementa:

O Governador disse que a gente dissesse a área de terra que nós queria [fora de São
José e Buriti], como se forçasse nós. Ele disse, não tenham vergonha de dizer quantos
hectares nós queria que ele resolvia (Liderança indígena, A C, Tremembé de São José).78

Segundo essas lideranças a área ofertada pelo citado governante não correspondia
à TI que lhes é de direito. De fato, ele propôs a retirada dos indígenas das suas terras
tradicionais e ofereceu uma área a mais de 50km de distância da TI São José e Buriti. Por fim,

77
Dados das entrevistas. Pesquisa de campo realizada em São José, Itapipoca em 04/01/2008.
78
Idem.
143

outro indígena afirma que o mesmo representante público dissera, no tocante a implantação
do Nova Atlântida, que: “Se à gente não fizesse acordo, não vinha saneamento, nem energia
pra nós” (Indígena J, morador de São José). A intimidação verbal do governante recebeu a
resposta dos indígenas: “O que o senhor podia fazer por nós ‘um objetivo’ é se aliar com o
Governo Federal e ajudar na demarcação da terra.” (Liderança indígena, F C, Tremembé de
São José)79. A liderança continuou: “Mas ele não concordou. Em nenhum momento ele se
mostrou sensibilizado por nós. Mesmo vendo todos os presentes, ele só se sensibilizou com a
empresa Nova Atlântida.” (F C, Tremembé de São José).
As lideranças presentes puderam demonstrar para o governador que, no Ceará de
Povos Indígenas impera o poder de reivindicar seus direitos constitucionais, baseado numa
estrutura coletiva representada pelo “movimento indígena, [que] seguidamente, vem
reiterando a sua autonomia política e representacional, dispensando perspectivas tutelares de
onde quer que elas venham, seja do Estado, seja da academia, seja das agências missionárias.”
(PALITOT, 2009, p. 20). Como exemplo deste protagonismo uma informante indígena afirma
que:
Tiveram Assembléia dos Povos Indígenas do Ceará de 09 a 14 de dezembro de 2007
na aldeia Buriti. Teve até participação de índios de outros estados que veio para
conhecer. A Assembléia reúne todos os povos e todos trazem suas queixas. Cada um
traz seus problemas e fazemos um relatório e envia para o governo. Conversamos
sobre terra, educação, saúde e políticas públicas e eles levaram o relatório. Teve
presença da Funasa, Funai e Seduc. (Liderança Indígena A C, Tremembé de São
José).

Outro informante reforça a importância do movimento indígena por meio da


referida Assembléia, avaliando-a como uma força a mais para apoiá-los nas suas luta contra o
empreendimento Nova Atlântida para a regularização da TI. A indígena destaca:
Para essa Assembléia, veio duas pessoas de cada família [...]. De toda parte veio
gente para a Assembléia de onde pertencia o Brasil. Veio tudo gente pra cá. Eles
acharam muito bom essa Assembléia aqui. Era para a Assembléia ter sido em
Iporanga, mas resolveram fazer aqui para dar mais força a gente. (Indígena, M R S,
Tremembé de Buriti).80

A propósito da referida XIII Assembléia Estadual dos Povos Indígenas do Ceará,


realizada em dezembro de 2007, uma pesquisadora expõe:
Tive a oportunidade de participar da XIII Assembleia Estadual dos Povos Indígenas
do Ceará, quando então houve a possibilidade de compreendermos em que nível são
colocados os diálogos entre os grupos. Essa é considerada a instância máxima
decisória das questões relativas aos grupos naquele estado. Novos povos só são
reconhecidos pelos outros no momento em que se apresentam nas Assembleias e
destas saem também as decisões relativas a posicionamentos políticos relacionados à

79
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada em São José, Itapipoca em 04/01/2008.
80
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada em Buriti, Itapipoca em 04/01/2008.
144

terra, saúde, educação e outras questões de cunho coletivo para os indígenas no


Ceará.
Chamou a atenção o fato dos próprios indígenas estarem não só dirigindo os
trabalhos na Assembleia, como também redigindo o resumo do dia, atas, moções e
outros documentos que, em casos como os de Assembleias na Paraíba ou em
Pernambuco, eram feitos por representantes de ONGs. Havia representantes de
ONGs, Universidades e da Igreja Católica, mas estes ficavam em uma posição muito
mais de observadores que de mediadores dos diálogos.
Ganhou destaque na Assembleia a presença da APOINME81, representada pelo seu
coordenador de MR82, Antônio Ricardo Domingos da Costa, conhecido como
Dourado Tapeba. Liderança de destaque no cenário nacional, Dourado representa a
personificação da APOINME no Estado, usando seu título de liderança pertencente à
Articulação como elemento de poder simbólico no trato com instituições públicas e
privadas do Estado, e agregando valor à Articulação como organização responsável
por integrar os povos no Ceará através de sua MR. (OLIVEIRA. Kelly, 2010, p.
160-161).

Uma jornalista, enviada especial do jornal O Povo, do Ceará, também revela as


suas impressões sobre a XIII Assembléia. Destaca-se da sua matéria alguns pontos mais
relevantes para as discussões aqui tratadas. Ela relata:
Representantes de povos indígenas do Ceará encerram assembléia geral, em
Itapipoca, com reivindicações nas áreas de saúde, educação, terra e política
indigenista.
Nada de auditório entre quatro paredes. Foi debaixo de uma frondosa mangueira, na
aldeia Buriti dos tremembé de Itapipoca, Região Norte do Estado, que
representantes de 12 povos indígenas do Ceará debateram, articularam e deliberaram
questões da terra, saúde, educação e política indigenísta. Num grande círculo, em
torno da árvore, eles concluíram, ontem, no fim da manhã, o relatório da XIII
Assembléia Estadual dos Povos Indígenas no Ceará. Documento escrito à mão? De
jeito nenhum. Dois índios de diferentes etnias usaram notebooks para digitar as
propostas e imprimir em papel que leva a marca da Articulação dos Povos Indígenas
do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme).
Representantes dos anacé, jenipapo-kanindé, jucá, kalabaça, kanindé, kariri,
pitaguary, potiguara, tabajara, tapeba, tremembé e tubiba/tapuia […] fazem questão
de manter seus costumes, seus rituais e símbolos […].
Referente à terra, os 250 participantes da assembléia decidiram encaminhar proposta
às autoridades governamentais pedindo a anulação das autorizações de projetos
imobiliários nas áreas indígenas [...], a proibição da venda da terras que consideram
suas de direito e a formação de Grupos de Trabalhos (GTs) para a identificação,
demarcação e homologação de seus territórios. Querem ainda o cadastro (ou um
censo) dos povos indígenas do Ceará […].83

Nessa situação de luta, de resistência, da construção do processo de reelaboração


étnica dos povos indígenas do Ceará, identifica-se as mais diversas situações que afetam
diretamente estes povos e a demarcação de suas TIs. Mesmo com os conflitos e os danos
vivenciados, o abuso do poder público e privado em TIs ameaça o movimento indígena mas

81
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo.
82
Microrregiões.
83
FAHEINA, Rita Célia. POVOS INDÍGENAS NO CEARÁ. Ceará - ITAPIPOCA: Povos indígenas definem
pauta de reivindicações. Jornal O POVO, Fortaleza, 15 dez. 2007. Disponível em:
<www.opovo.com.br/opovo/ceara/752496.html>. Acesso em: 20 nov. 2011.
145

também leva os indígenas a fortalecer a sua resistência, e estes articulam-se por via de direitos
constitucionais ao saberem que:
Em Itapipoca, o grupo empresarial internacional Nova Atlântida pretende
construir o maior projeto turístico da atualidade em Terra Indígena Tremembé. A
“cidade turística” pretende ser construída numa área de 3,1 mil hectares onde
residem atualmente aproximadamente 200 famílias Tremembé, divididas nas
comunidades de São José e Buriti
[...] Em São Gonçalo do Amarante e Caucaia, desde 1996, quando o então
governador Tasso Jereissati deu o aval para a construção do Complexo Industrial e
Portuário do Pecém (CIPP), a situação dos Anacé vem agravando-se em razão dos
impactos ambientais e sociais provenientes de toda a infra-estrutura que o complexo
vem trazendo àquela região (usina siderúrgica, termelétrica, futura refinaria de
petróleo, etc.). O empreendimento já ocasionou a expulsão de três comunidades e
ameaça grande parte das terras por eles ocupadas.
Atualmente, as comunidades indígenas dividem seu território com toda sorte de
empreendimentos. Dentre eles poderíamos citar duas termoelétricas movidas a
carvão mineral. Uma do grupo MPX Energias S.A., comandado pelo mega-
empresário Eike Batista, (que recentemente foi expulso da Bolívia e se instalou nas
proximidades do pantanal matogrossense), e outra da Vale do Rio Doce. Há ainda a
solicitação para que a SEMACE possa conceder licenças prévias para pelo menos
mais cinco novas usinas, sendo uma delas a gás.
[...]. A situação dos demais povos indígenas no Ceará não difere dos dois exemplos
acima citados. Em Caucaia, a oligarquia Arruda, há décadas no poder municipal
local, entrou com um mandado de segurança pedindo a anulação do processo
demarcatório das terras dos Tapeba, que já lutam há três décadas pela sua
demarcação. Em Aquiráz, o grupo Ypióca, além de poluir e retirar água da Lagoa
da Encantada, nas terras da Aldeia dos Janipapo Kanindé, criminaliza os
defensores dos direitos indígenas. Em Maracanaú, os Pitaguary estão ameaçados
judicialmente de perder parte de suas terras para o posseiro Fernando Façanha,
que ocupa indevidamente um espaço de 600 hectares no meio da aldeia Santo
Antônio dos Pitaguary.
Tais fatos somam-se à problemática dos índios do sertão que, em municípios como
Crateús, Monsenhor Tabosa, Poranga, Quiterianópolis, Novo Oriente e outros,
vivem situações de intenso conflito, por conta da identificação indígena desses
povos e da demarcação de seus territórios.
Não é de se estranhar que o estado que negou a existência de índios no Ceará na
segunda metade do século XIX, venha hoje apoiar empreendimentos que têm na
apropriação da terra e na utilização de nativos como mão-de-obra barata sua lógica.
Afinal, a existência de populações indígenas organizadas emperram o projeto
político e econômico em curso. Pois pressupõe a existência de terras tradicionais,
habitadas pelos índios, que não podem ser vendidas, uma vez que estão protegidas
por lei federal desde 1988. (JORNAL SEMENTE LIBERTÁRIA, 2008, p. 3-4,
grifos nossos).

A maioria dos conflitos em TIs do Ceará acontecem em municípios (Itapipoca,


Aquiraz, Caucaia e São Gonçalo do Amarante) da citada Zona Costeira do estado. Como
mencionado trata-se de área de maior interesse para os investimentos de grandes projetos,
inclusive os de turismo. Para contrariedade daqueles oponentes aos povos indígenas do Ceará,
o último recenseamento realizado no país em 2010, apresenta aumento da população que se
declara indígena no estado cearense se comparado aos resultados dos Censos de 1991 e 2000,
como já foi referido.
146

3.3.2 O Ceará de Povos Indígenas nos recenseamentos e nas agências indigenistas

Dados dos Censos nacionais do IBGE 1991, 2000 e 2010, apresentados no estudo
de Azevedo (2011) demonstram a evolução da população autodeclarada indígena no Ceará em
2.694 (Censo 1991); 12.198 (Censo 2000) e 19.336 (Censo 2010). O site84 da FUNAI,
apresenta a população indígena deste estado subdividida em Urbana (12.598) e Rural (6.738)
conforme as 19.336 pessoas anunciadas pelo Censo 2010, e uma lista de nove povos indígenas
(Jenipapo-Kanindé, Kalabaça, Kanindé, Kariri, Pitaguari, Potiguara, Tabajara, Tapeba e
Tremembé). Acrescenta-se segunda esta agência indigenista que “A relação atualizada das
etnias levantadas pelo Censo IBGE 2010 será disponibilizada após a sua finalização, em
2012.”85
O jornal Diário do Nordeste, noticiou em 2011 resultados do referido
recenseamento relativos ao Ceará, especialmente sobre os indígenas. Dentre as informações
relevantes da matéria destaca-se a concentração do maior número dos povos indígenas do
Ceará na Zona Costeira do estado (situação observada anteriormente nesta tese), incluindo os
dois povos delimitados na pesquisa:
O Ceará [...] Tem mais pessoas que se declaram indígenas [...] o noroeste do Estado
(denominação do IBGE para o que normalmente chamamos de Litoral Oeste) tem a
maior parte da população indígena do Ceará [...].
De todos os dados de cor e raça revelados pelo IBGE para o Ceará, o mais
expressivo é da população que se declara indígena. No ano de 2000, 1,7% da
população brasileira que se declarou indígena estava no Ceará. Em 2010, esse
número sobe para 2,3% da população indígena nacional [...].
Depois da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), com 9.335 índios, é o noroeste
do Estado (principalmente o litoral de Camocim e Acaraú) que mais concentra a
população indígena, com 4.203 índios [...] em termos absolutos, é o Município de
Caucaia com o maior número de índios: 2.706 [...] a média populacional indígena
do Ceará [...] é de 0,22% ou 19.336 pessoas. Embora esse valor represente apenas
2,3% de todos os índios do Brasil, representa um crescimento aproximado de 40%
em relação a dez anos atrás.
O Município que vem depois é Itarema: 2.258 índios, ou 6% dos habitantes da
cidade [...]. Em Caucaia, que concentra o maior número absoluto de índios no Ceará
(2.706), eles são, principalmente, da etnia Tapeba, uma das primeiras a se
organizar, nos anos 1980, pela reafirmação da identidade.
"O aumento da população que se autodeclara indígena no Ceará revela como
importante dado a necessidade de os governantes direcionarem políticas
públicas também para essas pessoas", afirma Maria Amélia Leite, indigenista e
representante da Missão Tremembé no Ceará [...].
Um dado revelado pelo Censo 2010 é que, pelo menos 15% dos Municípios, não há
autodeclaração de indígena.
[...] o não registro não significa que não possa haver índios. Já que o censo considera
a autodeclaração, podem existir casos em que pessoas de etnias indígenas não se

84
Grupos Indígenas – Ceará. Disponível em: < http://www.funai.gov.br/indios/fr_conteudo.htm>. Acesso em: 10
set. 2011.
85
Idem.
147

reconheçam assim. Um caso ilustrativo ocorre no povoado Lagoa Encantada, em


Aquiraz, onde vive o povo indígena da etnia Jenipapo-Kanindé. No Censo de
1991, por medo ou preconceito de se reconhecer indígena, habitantes se qualificaram
como pardos. Hoje, o reconhecimento da identidade indígena do "pessoal da
Encantada" é forte, e até mesmo a área já passa por processo de demarcação
territorial [...].86

Vale ressaltar a questão levantada na citada matéria sobre os municípios sem


registros de pessoas autodeclaradas indígenas, e o fato dos recenseadores do IBGE
classificarem pessoas como ‘de cor parda’, categoria não usada pelas populações locais e cujo
uso pelo governo pode ocultar outras identidades. Comenta Baines (2011, p. 6):
Apesar dos censos nacionais, desde 1991, abrir um espaço para a categoria
“indígena”, sendo tais dados computados separadamente daqueles dos “pardos”, no
Nordeste do Brasil, onde em muitas regiões escravos indígenas e afro-descendentes
foram transformados em uma população de trabalhadores, a categoria “pardo”
esconde muitas pessoas que em certos contextos podem se identificar como
indígenas [...] a categoria de “pardo” não é de uso comum na região [Nordeste] fora
do contexto do Censo do IBGE e o seu uso pode explicar, parcialmente, a estimativa
muito baixa da população indígena nos dados apresentados pelo IBGE, levando a
um ocultamento de grande parte da população que poderia se considerar indígena
[...].

O autor acima esclarece uma situação em que outras populações, ora classificadas
pelo Censo nacional como sendo de cor parda, poderiam, eventualmente, se autodeclarar
indígenas. O aumento do número de pessoas autodeclaradas indígenas no Ceará revelado nos
três últimos recenseamentos representa um processo dinâmico de reelaboração étnica em que
ainda existe a possibilidade de outras populações emergirem como indígenas no Ceará.
Alguns povos se encontram na situação de identificarem-se como indígenas sem ter o
reconhecimento pelo Estado.
O crescimento da população autodeclarada indígena se registra em todo o país e
em outros países com populações indígenas. Os dados demográficos dos Censos Nacionais
diferem de dados levantados por outros órgãos oficiais, o que não é de se admirar,
considerando que “É necessário focalizar os registros numéricos como produções contextuais
dotadas de intencionalidades.” (OLIVEIRA FILHO, 2011b, p. 655). Conforme o mesmo
autor, deve-se interpretar que cada um dos “dados expressos nessas [...] interpretações
contraditórias não devem ser abordados à luz de uma perspectiva excludente, como se uns
fossem exatos e os outros falsos, sob a intenção de aferir o grau de verdade de cada um deles.”
(2011b, p. 675). Assim, ao comparar os diferentes dados sobre os povos indígenas do Ceará

86
MELQUÍADES JÚNIOR. Raças no Censo 2010. Ceará está mais multirracial. Diário do Nordeste, Fortaleza,
17 nov. 2011. Caderno Regional Disponível em:
< http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1071003>. Acesso em: 17 nov 2011. Grifos nossos.
148

nessa pesquisa, pretende-se mostrar que as discrepâncias entre os dados levantados


demonstram que se trata de uma situação em processo de reelaboração étnica.
No estudo de Andrade e Carvalho (2011, p. 501) realizado na “web entre
dezembro de 2010 e fevereiro de 2011, assim como com a coleta de informações junto a
antropólogos e organizações indígenas, os dados ora apresentados” pelos autores revelam que
o Ceará detém uma população de 22.216 indígenas e dezessete TIs (sem nomeá-las). No site
do ISA87 as estatísticas sobre TIs apresentadas pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA)
em 2010 revelam onze TIs e os dados demográficos assinalam seis povos indígenas (Anacé,
Tremembé, Jenipapo-Kanindé, Potiguara, Pitaguary e Tapeba), três a menos que os
demonstrados anteriormente pela FUNAI.
Aproveitando-se do comentário acima sobre a FUNASA, segundo o Sistema de
Informações da Atenção à Saúde Indígena (SIASI)88 da FUNASA – Distrito Sanitário
Especial Indígena Ceará, citado por Palitot (2009), a população indígena do Ceará, conforme
o levantamento deste órgão do governo em 2008 corresponde 22.536 indígenas. Este dado é
discrepante ao revelado pelo Censo 2010 (19.336) e aproximado ao demonstrado por Andrade
e Carvalho (2011) de 22.216 indígenas no Ceará. Com referência aos povos indígenas no
mesmo estado, Lima, Carmem (2009) cita 13 povos (número superior aos citados pela FUNAI
e FUNASA) e reitera os dados demográficos sobre a essa população indígena apresentados
por Palitot (2009), como descrito:
No Ceará, a projeção dos grupos indígenas acontece a partir da década de 1980.
Através da organização social e da mobilização política, segmentos da população
cearense passaram a se afirmar como grupos étnicos indígenas. Esse processo de
mobilização resultou na composição atual de uma população de 22.536 (FUNASA,
2008) distribuída nas etnias Anacé (Caucaia e São Gonçalo do Amarante), Gavião
(Monsenhor Tabosa), Jenipapo-Kanindé (Aquiraz), Kanindé (Aratuba e Canindé),
Kalabaça (Crateús e Poranga), Kariri (Crateús), Pitaguary (Maracanaú e Pacatuba),
Potiguara (Crateús, Monsenhor Tabosa, Novo Oriente e Tamboril), Tabajara
(Crateús, Quiterianópolis, Mosenhor Tabosa e Poranga), Tapeba (Caucaia),
Tremembé (Acaraú, Itapipoca e Itarema), Tubiba-Tapuia (Monsenhor Tabosa) e
Tupinambá (Crateús). (LIMA, Carmem, 2009, p. 234, grifo nosso).

Os povos indígenas comentados pela autora, correspondem aos mesmos já


apresentados (Cf. Figura 2). Contudo, atenta-se aqui para a circunstância que “A quantidade
desses povos no Ceará varia de acordo com a agência produtora de informação.” (AIRES,
2009, p. 45). Mesmo que as diversas fontes apresentem dados diferentes sobre a população
indígena do Ceará, ainda assim, as estatísticas divulgadas incomodam governantes, posseiros

87
Pesquisa por Estado. Disponível em : <http://pib.socioambiental.org/caracterizacao.php?uf=23>. Acesso em:
12 dez. 2011.
88
Gerado em 28/07/2008 e cadastro encerrado em 23/06/2008. (PALITOT, 2009).
149

e empresários. Estes mostram-se cada vez mais enfadados com o movimento indígena, vetor
que contribui na construção da demografia dos povos indígenas do Ceará. Para Lima, Carmem
(2009, p. 235) “Na visibilidade desses grupos indígenas merece destaque a ação mediadora
das agências indigenistas.” Como ressalta Aires (2009, p. 46):
A rede de apoio ao movimento indígena é extensa [...]. Ela é composta por inúmeras
entidades, dentre as quais estão: Associação Missão Tremembé (AMIT), Centro de
Defesa e Promoção dos Direitos Humanos (CDPDH), Pastoral Raízes Indígenas,
Conselho Indigenista Missionário (CIMI), ADELCO, ADER, Visão Mundial,
universidades, simpatizantes de um modo geral, entre outras.

Vale salientar que a antropóloga Kelly Emanuelly de Oliveira na sua tese Estratégias
sociais no Movimento Indígena: representações e redes na experiência da APOINME “visa
analisar a constituição de estratégias sociais na arena política do Movimento Indígena, a partir da
APOINME (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e
Espírito Santo).” (2010, p. 8). Relativo ao Ceará a mesma autora afirma:
O Movimento Indígena no Ceará pode ser visto hoje como um dos mais autônomos
no diálogo com agências governamentais e não governamentais. Vivendo em meio a
uma efervescência de novos grupos étnicos que surgem no Sertão e Litoral do estado
[do Ceará], esses povos construíram uma rede de diálogo intensa entre os povos e
vêm ganhando espaço no cenário da política indigenista nacional, através de
lideranças que têm uma opinião crítica. (OLIVEIRA, Kelly, 2010, p. 156-157).

A autora ainda salienta, na mesma obra, a atuação no referido estado da AMIT, da


Articulação das Mulheres Indígenas do Estado do Ceará (AMICE), da Coordenação das
Organizações dos Povos Indígenas do Ceará (COPICE). No Movimento Indígena do Ceará
também destaca que
essas lideranças têm buscado se organizarem através de associações locais e
estaduais, estabelecendo uma rede forte de contato entre os povos, através
principalmente de instâncias decisórias como a Assembleia Estadual dos Povos
Indígenas do Ceará. (OLIVEIRA, Kelly, 2010, p. 160).

Desta forma a luta pela afirmação étnica se fortalece. Embora invisibilizados por
alguns, a busca por visibilidade por parte destes povos demonstra que:
Os índios são os que gritam com orgulho, para aqueles que não os querem ouvir, eu
sou Anacé, Gavião, Jenipapo-Kanindé, Kalabaça, Kanindé, Kariri, Pitaguary,
Potyguara, Tabajara, Tapeba, Tremembé, tupinambá, Tubiba-Tapuia. (SILVA,
Isabelle, 2009, p. 17).

Legitimando-se, o exposto acima por alguns autores, sobre a presença indígena no


Ceará, completa-se esta análise com outros relatos indígenas, pois “As falas [...] portam tanto
a construção de uma identidade diferenciada, como a interpretação dessa diferenciação [...].
As vozes dos índios [...] indicam também processos de mudança [...].” (RATTS, 1999, p. 17).
150

Intercala-se duas narrativas contíguas de lideranças Jenipapo-Kanindé. Do tronco resistente


feminino, ouve-se:
Fui a primeira Cacique mulher no Brasil. Filha nativa da primeira capital do Ceará
‘Aquiraz’. Índia brasileira com 16 filhos, 51 netos e 4 bisnetos. Assumi a
responsabilidade de Cacique em 95. Semo índio resistente e ponto final [...]. Todos
nossos parentes do Ceará, semo coligação com [...] Crateus, Tamburiu, Mundo
Novo, Itaporanga (aldeia cajueiro), Anacé ‘Caucaia e São Gonçalo do Amarante’ e
Nazário extremo do Piaui, Kanindé de Aratuba, Kanindé de Canindé, Pitaguary,
Tapeba e Tremembé. Deu até rima nessa coligação com Jenipapo-Kanindé.
(Liderança Jenipapo-Kanindé, M L C A, moradora da TI Aldeia Lagoa Encantada) 89.

Outro informante, alvitre do tronco resistente feminino, reforça a fala da Cacique


e, seguidamente a identificação coletiva como povos indígenas Jenipapo-Kanindé:
De 95 pra trás se nós falasse que era índio o preconceito de Aquiraz era alto [...]. Eu
coloco a mudança através da nossa Cacique Pequena. Essa mulher de guerra, de luta.
[...]. Vejo essa mulher com uma árvore enrraizada. Ela dominou a nação desse povo
e, ela, tem o respeito de cem por cento deles [...]. Um tempo atrás eram 19 casas e,
agora, estamo com 96 famílias ‘não todas cadastradas’ pela FUNASA. Mas, lutando
por isso [...] Jenipapo-Kanindé é só nós mesmos [...]. A terra está reconhecida e não
demarcada90 [...]. O relatório da União foi publicado e estamos lutando pela
demarcação. (Liderança Jenipapo-Kanindé, J B A, morador da TI Aldeia Lagoa
Encantada)91.

Essa mesma força de reconhecer-se como índio, seja no Ceará, seja fora do estado,
aparece em outras duas alocuções de mulheres indígenas:
Para mim ser índio é não ter vergonha de se identificar [...]. Buscar todos os seus
direitos que tem na Constituição. Buscar conhecimento junto com seu povo e saber
com eles se defender diante da sociedade. (Lideraça Tremembé, F C, moradora de
São José)92.

Ser índio é defender a nossa terra [...] e não ter vergonha de sua própria identidade,
da sua origem, do seu povo [...] e, defender o que é de mais precioso para nós, a
nossa terra. É tá levantando a nossa cultura com os nossos filhos [...]. A nossa
cultura tava quase por um fio [...]. A gente teve que levantar essa bandeira [...].
Muitas pessoas tem medo de levantar o que é. (Lideraça Tremembé, A C C,
moradora de São José)93.

Na concepção de Lima, Carmem (2009, p. 247):


As narrativas [até] aqui citadas [...] fundamentam o discurso de que foram vítimas de
uma conjuntura desfavorável [...] o desrespeito a que estiveram submetidos necessita
de reparação. O acesso aos direitos indígenas é visto como uma forma de reparar
danos sofridos e, especificamente, a demarcação da Terra Indígena é vista como uma
possibilidade de corrigir a injusta expropriação territorial que os afetou.

89
Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada na TI Aldeia Lagoa Encantada em 05/01/2009.
90
A TI Aldeaia Lagoa Encantada até a data desta entrevista, 05/01/2009, não estava Declarada. Conforme o
Diário Oficial da União (DOU) foi Declarada em 23/02/2011, como será detalhado no Capítulo 4.
91
Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada na TI Aldeia Lagoa Encantada em 05/01/2009.
92
Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em São José, Itapipoca em 04/01/2009.
93
Idem.
151

Parte destas narrativas serão os alicerces e arcabouços do próximo capítulo, pois


nas reflexões anteriores procuramos tecer um pano de fundo para as análises seguintes que
objetivam dar continuidade a defesa apregoada que os Tremembé de São José e Buriti para
resistir a ocupação e o uso de sua TI acionaram a identidade indígena e a afirmação étnica na
tentativa de embargar um grande projeto de desenvolvimento, acionando seus direitos
constitucionais como povo indígena. Os Jenipapo-Kanindé para embargar projetos de
desenvolvimento em seus espaços afirmaram a identidade indígena e atualmente se apropriam
do turismo comunitário como meio de vida e como manifestação de afirmação étnica.
Todavia, esta próxima seção não será construída alicerçada pelos “intelectuais [...] aqueles
que se auto-denominam e são reconhecidos por seus pares como historiadores, geógrafos,
folcloristas ou etnógrafos [...].” (RATTS, 1997, p. 2). Portanto, no Capítulo 4 pretende-se
utilizar o discurso intelectual como o segundo plano de uma imagem, onde no primeiro plano
estão reveladas as preleções dos indígenas, pois a “geografia consciente de sua subjetividade,
busca nos discursos, nas práticas espaciais, nas representações dos homens, suas
racionalidades e sentimentos de pertencimento, as coerências e contradições para
conhecimento [...] dos territórios.” (ALMEIDA, Maria, 2008, p. 317). Ou melhor, esta tese
“se pretende heterogênea, tal como o universo aqui analisado [...] se prestarmos atenção nas
narrativas contidas na seção dos depoimentos” (PALITOT, 2009, p. 20), nas matérias
jornalísticas, nas bases cartográficas e nas iconografias reveladas.
152

4 OS TREMEMBÉ DE SÃO JOSÉ E BURITI E OS JENIPAPO-


KANINDÉ DA LAGOA ENCANTADA

A Constituição Federal, no art. 231, preconiza abstratamente os direitos indígenas, cuja


efetivação no Estado do Ceará se torna cada vez mais difícil, em face do crescente
preconceito contra os índios e seus costumes, bem como pela proliferação de obras de
grande porte em terras indígenas ainda não demarcadas definitivamente.94

Neste capítulo discute-se como – os Tremembé da Terra Indígena Tremembé de


São José e Buriti e os Jenipapo-Kanindé da Terra Indígena Aldeia Lagoa Encantada – lidam
com o turismo em suas TIs e, ao mesmo tempo, investiga-se sobre a interferência desse
fenômeno nos processos de reelaboração étnica desses povos indígenas e nos procedimentos
de regularização de suas TIs pelo Estado.
Antes de detalhar sobre estas duas situações, aborda-se, brevemente, os povos
Tremembé localizados nos municípios de Itarema e Acaraú “que também lutam para terem
suas terras e sua identidade reconhecidas pela Justiça.” (CARNEIRO DA CUNHA, 1994, p.
7). A discussão sobre os Tremembé de São José e Buriti não ficaria adequada nesta pesquisa
sem ao menos uma “avaliação sucinta da historiografia indígena” (CARNEIRO DA CUNHA,
1994, p. 12) e os processos de reelaboração étnica dos Tremembé. Em seguida, aborda-se a
situação enfrentada pelos indígenas na TI Tremembé de São José e Buriti face ao projeto
Nova Atlântida, Cidade Turística, Residencial e de Serviços LT.
Após discorrer a respeito do povo indígena acima ressaltado, utiliza-se a mesma
metodologia para discutir sobre os Jenipapo-Kanindé da TI Aldeia Lagoa Encantada que
também enfrentaram imposições de empreendedores do turismo economicista e, atualmente,
vivenciam a interferência de posseiros no interior da sua aldeia e, ainda, os impactos da
monocultura de cana-de-açucar provocados por uma fábrica no entorno da sua TI.
Atualmente, os Jenipapo-Kanindé adotam um projeto de turismo na citada aldeia. A
experiência turística é o foco da discussão sobre esse povo indígena que apreende o turismo
comunitário como fonte de sobrevivência e um vetor da identidade étnica.

94
AÇÃO CAUTELAR N° 009/2004. Requerente: Ministério Público Federal. Requeridos: Nova Atlântida Ltda
e Estado do Ceará. Disponível em: <http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/atuacao-do-mpf/acao-civil
publica/docs_classificacao_tematica/Acao_Cautelar_PRCE_Nova_Atlantida.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2009.
Emitida em: 3 nov. 2004.
153

Os dois casos de povos indígenas pesquisados, como fundamentado no Capítulo 3,


situam-se na Zona Costeira cearense. Vale ressaltar segundo descreve o citado Diagnóstico
Socioeconômico da Zona Costeira do Estado do Ceará:
Os conflitos pela posse da terra se evidenciaram como os principais problemas na
zona costeira [do Ceará]. Ao todo foram identificadas 20 situações de conflitos de
natureza fundiária, presente em 40% dos municípios da zona costeira, os quais pode
ser enquadrados em duas categorais de interesses prioritários do que diz respeito ao
uso da terra: [...] especulação imobiliária/turismo e atividade econômica [...].
Os conflitos pela posse da terra na zona costeira tornam-se mais acentuados à
medida que se intensifica o interesse por esta região no intuito de promover o
desenvolvimento, e por outro lado às comunidades nativas permanecem sem
regularizar a titularidade da terra. (ARAÚJO et al, 2005, p. 218-219).

Os conflitos pela posse da terra na Zona Costeira do Ceará, destacando nesta tese,
aqueles ocasionados pelo turismo em TIs, têm levado à afirmação étnica dos povos Tremembé
de São José e Buriti e dos Jenipapo-Kanindé, em contraponto à negação das mesmas
identidades por parte de empreendedores do turismo de sol e praia. Os representantes dos
grandes projetos de desenvolvimento turístico conseguiram cooptar alguns indígenas
Tremembé de São José e Buriti a negarem sua identidade indígena. Estas foram as
circunstâncias observadas e averiguadas ao longo dessa pesquisa, e os depoimentos dos
indígenas constituem a base principal na construção deste capítulo.
Numa discussão, ainda atual, que aborda as questões dos impactos dos grandes
projetos de desenvolvimento em TIs de povos do Ceará, especialmente comprometendo os
dois povos indígenas pesquisados, Andrade e Carvalho, afirmam:
Essa situação é bastante aguda no Ceará, onde o grupo Ypióca Agroindustrial
Ltda, maior produtor de aguardente do Brasil, tem fábricas em terras demandadas
pelos Jenipapo-Kanindé e vem sendo acusado de poluir a lagoa Encantada com
lançamento de vinhoto, além de apresentar reiteradas contestações à demarcação
das terras jenipapo-kanindé.
O estado do Ceará destaca-se também pela presença de projetos econômicos de
grande impacto sobre os povos indígenas, a exemplo a construção do complexo
turístico da muiltinacional Nova Atlântida, em área demandada pelos Tremembé
[...]. (2011, p. 501, grifos nossos).

Diante desta realidade, os desafios enfrentados pelos indígenas do Ceará são o


“fortalecimento das [...] reivindicações que passa pela mobilização política, a articulação com
o movimento indígena regional, o estreitamento de relações com outros grupos indígenas
nordestinos e a definição de estratégias a fim de dar visibilidade aos seus [próprios] projetos.”
(VIEIRA, 2011, p. 509). Trata-se, também, de “um novo desafio para o Estado brasileiro: a
capacidade de reconhecer os processos de reorganização étnica que não cabem no esquema
ultrapassado do indigenismo tutelar, mas nem por isso cessam de ocorrer [...].” (PALITOT,
2011, p. 507). De fato, “Os diferentes atores em confronto agem com base em concepções
154

diferenciadas sobre a terra [...]. Ocorre, no entanto, uma situação de liminaridade na qual se
confrontam o nós e os outros [...]. Nesse sentido, surge a [...] oposição entre dois territórios
[...].” (COELHO, 2002, p. 39). Para a mesma autora “O ato de definir um território [...] acaba
por se constituir em um exercício de confronto de interesses, no qual estão em jogo visões de
mundo diferenciadas.” (2002, p. 149). Mais adiante retoma-se os dois casos estudados.

4.1 Os Tremembé do Ceará: conflitos e lutas

[...]. E hoje nosso povo é todo assim, todo arrudiado, o nosso mar é todo arrudiado
do nosso povo Tremembé, na zona costeira, de Almofala até a praia do Mundaú que
nós temos conhecimento e o nosso pajé Luís Caboclo ainda diz que existe mais lá
pra banda do Maranhão, que é Tremembé espalhado por todo canto. (Adriana
Carneiro Tremembé, 37 anos. Aldeia São José apud FRANCO, 2010, p. 34).

Ao examinar as situações de povos indígenas é fundamental levantar os dados


históricos junto com os depoimentos orais dos indígenas, como se mostra ao longo desta tese.
Este estudo só foi possível ao se tornar “aberto à confluência de diferentes áreas de
conhecimento [...] tanto [...] as cadentes questões contemporâneas que afetam o destino [...]
dos povos indígenas, como está atento à necessidade de recuperação da história indígena.”
(PORTO ALEGRE, 1994, p. 12). Na obra citada, a autora menciona que “as questões
indígenas ocupam espaço significativo nos estudos históricos sobre o Ceará” (1994, p. 22) e
refere ao acervo publicado por Thomaz Pompeu Sobrinho publicado em 1951. Neste consta
referência a “ ‘Os tremembés’ (t. 65: 257-267, 1951). Estudos sobre os Tremembés, um dos mais
antigos grupos indígenas habitantes do Ceará.” (1994, p. 26). A citada autora também explana que
dentre as publicações de Carlos Studart Filho a respeito dos índios cearenses, aparece “ ‘Os
aborígenes do Ceará (t. 76:5-73, 1962 e t.77:153-217, 1963) [...]. Obra de síntese que estuda os
índios do Ceará, dividindo-os em seis grupos: Tupi, Cariri, Tremembé, Tarairiu, Gê e um sexto
grupo composto de subgrupos de filiação lingüística duvidosa [...].” (1994, p. 27).
As menções acima reveladas por Porto Alegre (1994) demonstram estudos
datados de 1951 e 1963, onde os Tremembé foram inseridos nos contextos discutidos.
Recorda-se que no Capítulo 1 desta pesquisa apresentou-se referências a publicações relativas
a outros períodos sobre o mesmo povo. Convém salientar que durante o “ressurgimento
político das etnias indígenas cearenses na década de 1980” (PALITOT, 2009, p. 19), o
antropólogo Carlos Guilherme Octaviano do Valle desenvolveu pesquisa entre os anos de
1988 e 1991 com os Tremembé situados “nos municípios de Itarema, Acaraú [...].” (VALLE,
155

Carlos, 2005a, p. 224). Este autor afirma em outra obra que “Os Tremembé são razoavelmente
citados em crônicas, relatos de viagem e na historiografia ‘clássica’ a respeito da formação histórica do Ceará.
Há documentação primária e de segunda mão sobre eles desde o período colonial [...].” (2004, p. 282).
No Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena
Córrego do João Pereira, no município de Itarema, Ceará, o antropólogo Cristhian Teófilo da
Silva, afirma que “Estes povos são citados nos verbetes de cinco (5) municípios cearenses
[Acaraú, Camocim, Chaval, Granja e Marco] segundo a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros,
volume XVI (RJ, IBGE, 1959).” (SILVA, Cristhian, 2000, p. 5). O autor amplia a informação:
Os Tremembés95 são um dos povos indígenas mais reconhecidos nos registros da história
cearense ao longo dos últimos séculos.96 A antigüidade do contato com os primeiros
exploradores e conquistadores europeus (holandeses, franceses e portugueses) ao longo de
seu extenso território – que abrangia o litoral dos atuais estados do Maranhão, Piauí e
Ceará -, a distintividade cultural frente aos outros povos indígenas existentes na região
(sendo posicionados ora ao lado dos tapuias ora ao lado dos cariris, e mesmo enquanto
uma sociedade à parte) e a persistência étnica podem ser arrolados como os motivos
principais deste notório interesse por parte de estudiosos e pesquisadores sobre a sua
cultura e seu povo. (SILVA, Cristhian, 2000, p. 5, notas no original).
Em artigo escrito em 2003 a partir da dissertação Fronteiras invisíveis: territórios
negros e indígenas no Ceará (1996), Alecsandro José Prudêncio Ratts afirma que “[...] grupos
indígenas foram encapsulados em terras cearenses, a exemplo dos Tremembé, alvo de um
aldeamento [...] do início do século XVIII, período antes do qual se distribuíam pelo litoral
dos atuais estados de Maranhão, Piauí e Ceará.” (2003, p. 37). Para corroborar as discussões,
em outros estudos realizados por Valle, Carlos (2004; 2005a) este autor evidencia que os
Tremembé nos séculos XVI e XVII ocupavam o litoral entre o Pará e o Ceará. Com a
colonização, aldeamentos missionários foram criados como Tutóia no Maranhão e Aracati-
Mirim no Ceará. Em 1766 a missão de Aracati-Mirim tornou-se uma freguesia de índios e foi
rebatizada de Almofala. Em 1858 a diretoria de índios foi suprimida por lei provincial.
Invisibilizados como um grupo étnico no final do século XIX, vêm surgindo identidades
Tremembé ao longo das últimas décadas do século XX. A pesquisa de Valle, Carlos (1993)
usa a noção de ‘campo semântico da etnicidade’ para analisar a reelaboração étnica. Sobre
este processo elucida Silva, Cristhian (2000, p. 6):

95
“A grafia de nomes indígenas segue aqui as orientações de Julio Cezar Melatti e as críticas deste à CGNT
(Convenção para a Grafia de Nomes Tribais, estabelecidas pela ABA, no Rio de Janeiro, 1953), em especial à
pretensão desta em constituir-se numa nomenclatura científica para as sociedades indígenas, como se fossem
espécies animais e vegetais (Melatti, 1979 e 1989).” (Barretto F.°, 1999: 92 em OLIVEIRA, João Pacheco de
(organizador). A VIAGEM DA VOLTA: ETNICIDADE, POLÍTICA E REELABORAÇÃO CULTURAL NO
NORDESTE INDÍGENA. RJ: Contra Capa Livraria) . É por esta razão que grafamos o etnômino “Tremembé”
no plural, sempre que a ortografia da língua portuguesa assim o exigir. (Cf. SILVA, Cristhian, 2000, p. 5).
96
O etnógrafo Curt Nimuendaju identifica cerca de 27 referências bibliográficas sobre os Tremembés, que
vieram a informar a elaboração de seu “Mapa Etno-Histórico” (1987) [...]. (Cf. SILVA, Cristhian, 2000, p. 5).
156

Desde os anos 80, os Tremembés contemporâneos passam a instigar novos estudos e


olhares da sociedade envolvente [...] seja a partir de enfoques nos processos de
mobilização política na área rural que incidem em demandas por terras
(principalmente aquelas que tradicionalmente ocupam), bem como reivindicações a
direitos diferenciados de educação e saúde que interligam em um projeto coletivo
comum aos vários segmentos populacionais Tremembés [...] em oposição à
população regional, seja a partir de outros enfoques na criatividade com que estes
índios vêm reconstruindo suas práticas econômicas, lúdicas, religiosas e atualizando
as narrativas de sua própria história [...].
No Capítulo 1 desta pesquisa apresentou-se alguns estudos sobre os Tremembé
contemporâneos. Amplia-se a informação referindo-se aos trabalhos de “Souza, 1983; Valle,
1992 e 1993; Messeder, 1995; Mindlin, 1997; Oliveira Jr.; 1998 [...]” citados por Silva,
Cristhian (2000, p. 6). Acrescenta-se: Valle, Carlos, 2009 e 2011. Ao registrar autores que
discutem as situações dos povos Tremembé atuais, interpreta-se que por parte dos povos
indígenas do Ceará “O forte sentimento étnico produzido se traduziria na reinvidicação dos
seus direitos históricos, notadamente o seu reconhecimento como índios plenos e a posse das
terras [...].” (DANTAS; SAMPAIO; CARVALHO, 1992, p. 454). Correlativo à citação e à
pesquisa com os Tremembé realizada por Valle, Carlos (2004, p. 282), o autor afirma:
As situações étnicas Tremembé são encontradas hoje97 no município de Itarema,
litoral do Ceará, na região conhecida como Vale do Acaraú distando a 270
quilômetros oeste de Fortaleza. Os Tremembé habitam vários lugares desse
município, mas se concentram em três situações distintas: a região litorânea de
Almofala, que engloba um conjunto de localidades ao redor da vila homônima até a
margem esquerda do rio Aracati-mirim; a região da Varjota e Tapera na margem
direita do mesmo rio; e as localidades vizinhas de São José e Capim-Açu, também
conhecidas atualmente como Córrego João Pereira, que ficam mais para o interior do
município e distantes das outras duas situações [...].
Em 1992, a pesquisa populacional, promovida pelo Grupo Técnico (GT) da FUNAI,
para identificação e delimitação da área indígena, encontrou 2247 pessoas em 332
famílias indígenas, somente em parte da Almofala e na Varjota. Essa população
reuniria boa parte, mas não todos, dos Tremembé da Almofala e todos da Varjota e
vila Ducoco, não incluindo os do Capim-Açú.98

A partir desses dados de Valle, Carlos (2004), apresenta-se a Tabela 2 a seguir


com outras estatísticas a respeito da população dos Tremembé do Ceará nos municípios de
Acaraú, Itarema e Itapipoca, geradas pela FUNASA em 2008 e divulgadas por Palitot (2009).
Cotejam-se os referidos dados e a população indígena Tremembé registrada pelo GT da
FUNAI em 1992, que os Tremembé correspondiam a 2.247 pessoas e que havia 332 famílias
indígenas (VALLE, Carlos 2004). Segundo Palitot (2009), baseando-se em dados da
FUNASA de 2008, a população Tremembé registrava 3.204 pessoas e 724 famílias

97
O termo “hoje” mencionado pelo autor neste artigo de 2004, corresponde ao período de sua pesquisa de
mestrado entre 1988 e 1991.
98
Em 1986, alguns Tremembé fizeram seu próprio Censo, estimulados pelos missionários e pela primeira visita do órgão
tutelar. Chegaram à cifra de 2662 pessoas. O relatório da FUNAI (1992: 26) afirma que foram contados somente os
“índios” vivendo no interior da área proposta para demarcação. (Cf. VALLE, Carlos, 2004, p. 283, nota no original).
157

(incluindo-se 451 indígenas das aldeias São José e Buriti) não manifestados como Tremembé
durante a pesquisa de mestrado de Valle, Carlos. O site99 do ISA apresenta o dado
demográfico revelado pela FUNASA em 2010 de 2.971 indígenas Tremembé, sem especificar
os municípios incluídos no levantamento.

TABELA 2 – Povo Indigena Tremembé no Ceará

Povo Indígena Municípios Aldeias N° Famílias N° Pessoas


Acaraú Queimadas 26 147
Telhas 21 102
Itapipoca Buriti 76 312
São José - Itapipoca 39 139
Batedeira 24 94
Batedeira II 48 167
Cajazeiras 7 25
Capim-Açú 37 141
Comondongo 16 49
Tremembé
Itarema Curral do Peixe 14 72
Lameirão- Itarema 29 127
Mangue Alto 15 63
Panan 18 58
Passagem Rasa 21 85
Praia de Almofala 27 158
São José – Itarema 50 217
Saquinho 13 58
Tapera 79 316
Urubu 44 146
Varjota 120 558
Total 3 20 724 3.024
Fonte: Dados extraídos da Tabela II – População Indígena no Ceará. (PALITOT, 2009, p. 42).
LUSTOSA, Isis Maria Cunha. (Org.). 2011.

As situações pesquisadas por Valle, Carlos (2004), em negrito na Tabela 2, são as


aldeias com as maiores concentrações de indígenas Tremembé. Para contrapor estes dados e
também revelar outras informações sobre os Tremembé, apresenta-se informações levantadas
nos anos de 2007, 2008 e 2011 por meio das pesquisas bibliográficas, documentais e de
campo referentes a esta tese, incluindo-se levantamentos em órgão governamental e
organismo com trabalho missionário junto aos povos indígenas, visualizados na Tabela 3.

99
Tremembé. Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/pt/povo/tremembe/1059>. Acesso em: 20 jul. 2011.
TABELA 3 – Situações das Terras Indígenas do Povo Tremembé no Ceará

Situação Município Entensão da População Situação Jurídica Conflitos Incidência de


Territorial Área (ha) da TI Grandes Projetos
Córrego do Itarema 3.162 595 Homologada Presença de Posseiros
João Pereira Acaraú
Tremembé de Itarema 4.900 3.500 Identificada/93, Invasão de posseiros Construções de
Almofala Despacho n. 37 de Terra insuficiente para estradas apoiadas
08/07/93 sobrevivência pela Prefeitura e
Sub júdice Constantes ameaças de Embratur (sic)100
morte cortando a área
Pesca predatória

Tremembé de Acaraú - 282 Em estudo pela - -


Queimadas FUNAI
Tremembé de Itapipoca 1.316 Em estudo pela Entre moradores devido Terra ameaçada de
Buriti e FUNAI cooptação financeira de invasão por
São José representantes do Nova Empresa101 de
Atlântida convencendo os Turismo
habitantes a se dizerem não- (PRODETUR)
índios
Fonte: Dados extraídos da Tabela I – Situações Territoriais Indígenas no Ceará. (PALITOT, 2009, p. 37).
Levantamentos dos trabalhos de campo realizados pela autora em Itarema e Acaraú em 2007 e Itapipoca em 2007, 2008 e 2009.
Listagem das Terras Indígenas no Brasil – Situação Jurídico – administrativa atual. (CIMI, 2011); (FUNAI, 2011).
Disponível em: <http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/terras-indigenas/terras-indigenas>. Acesso em: 24 jul. 2011.
LUSTOSA, Isis Maria Cunha. (Org.). 2011.

100
O termo correto compreende Prodetur, pois rodovias são metas neste programa de governo. Compete a Embratur promover e comercializar destinos, serviços e produtos
turísticos do Brasil no mercado internacional, portanto, não responde por infra-estrutura de estradas.

158
101
O dado do CIMI deve referir-se como empresa de turismo o Nova Atlântida, pois o Prodetur é programa público e privado. O Nova Atlântica revela-se parceiro do
PRODETUR. Disponível em: <http://www.gruponovaatlantida.com/brasil/index.htm>. Acesso em: 20 mar. 2009.
159

Nos levantamentos demográficos da Tabela 3 observa-se aumento do número de


pessoas que se identificam como Tremembé. A Tabela 2 revelou 3.024 pessoas
autodeclaradas indígenas (PALITOT, 2009). No documento organizado pelo CIMI (2011) a
partir de dados fornecidos pela FUNAI (2011), consta-se quase o dobro de indígenas
Tremembé – 5.693 pessoas – conforme os registros na Tabela 3.
Nas situações territoriais, também apresentadas na Tabela 3, relativo a TI
Tremembé de Almofala, segundo Silva, Cristhian (2000, p. 7) “Em 1987 [...] a FUNAI
solicita ao Museu do Índio [...] um levantamento bibliográfico e documental, de caráter
etnohistórico, sobre os índios Tremembés do município de Itarema, Estado do Ceará.” Sobre a
continuidade de ações a esse respeito Valle, Carlos (2005b, s/p), relata que:
Em 04 de setembro de 1992, foi assinada finalmente a portaria nº 1366 pelo
presidente da Funai, autorizando a criação do GT de identificação e delimitação da
Terra Indígena Tremembé de Almofala, cuja proposta incluía igualmente as terras da
situação da Tapera e da Varjota. Coordenado pela antropóloga Jussara Gomes, do
Museu do Índio, a área proposta totalizou 4.900 hectares abarcando os dois lados do
rio Aracati-mirim na sua desembocadura, excetuando uma pequena faixa de terra
colada ao mar, que se estendia até o porto lagosteiro dos Torrões, densamente
povoado por pessoas vindas de outras regiões. A situação do Córrego do João
Pereira não foi incluída nessa proposta de área. Além disso, a extensão da Terra
Indígena Tremembé de Almofala não englobava todos os limites que
tradicionalmente identificavam a “Terra do Aldeamento”. A proposta de área foi
decidida nas negociações entre os membros do GT da Funai e as lideranças
indígenas, o que gerou insatisfação entre várias famílias Tremembé que não se
sentiram contempladas pela exclusão de diversas áreas de terra, especialmente a
localidade da Lagoa Seca, onde o torém era tradicionalmente dançado.
A passagem do GT da Funai causou o acirramento das posições contrárias à
regularização da Terra Indígena Tremembé de Almofala. A tensão social se aguçou e
marcou objetivamente as divergências locais entre índios e grupos contrários à
demarcação da Terra Indígena, inclusive a Prefeitura de Itarema manifestou
publicamente contrariedade ao processo fundiário levado a cabo pela Funai. De
modo geral, os grupos dominantes, proprietários e muitos posseiros, alguns deles de
alegada origem indígena, além da Prefeitura, questionavam a presença indígena na
região. A imprensa cearense passou a noticiar com detalhes toda essa situação
conflituosa.
Em fevereiro de 1993, a proposta de identificação e delimitação da Terra Indígena
Tremembé foi aprovada pela Presidência da Funai, que encaminhou o processo em
seguida ao Ministério da Justiça. A pressão política não tardou a se apresentar mais
objetivamente, tal como no caso dos deputados estaduais ligados ao município de Itarema,
que passaram a contestar a Funai. De maior vulto e de efeito mais significativo em longo
prazo, ações judiciais foram movidas pela empresa Ducôco contra a Funai e a União na
Terceira Vara da Justiça Federal. De 1993, a ação declaratória de nulidade de processo
administrativo (93.21901-4) e, de 1994, a ação cautelar (93.0016859-2) contestam a
demarcação pelo órgão indigenista. Sem terem sido completamente decididas, estas ações
têm se desenrolado ao longo dos últimos dez anos na Justiça, movidas pelos recursos
encaminhados pelas partes envolvidas nos processos (Ducôco, Funai, índios etc). A Terra
Indígena Tremembé de Almofala não foi, portanto, ainda totalmente regularizada por
conta da tramitação das ações judiciais citadas.

Atentando-se ao exposto pelo autor, entende-se melhor o dado apresentado na


Tabela 3 sobre a situação jurídica da referida TI constando como sub judice. Esta condição
160

pendente de julgamento que atrapalha o processo de demarcação desta TI, acontece devido o
acirrado conflito com “uma empresa de monocultura do coco [que] instalou-se em parte dessa
área desde 1979 [...].” (LEITE, 2009, p. 414). A DuCOCO Alimentos considera-se proprietária
das terras em que desenvolve suas atividades empresariais. A matéria jornalística, veiculada
em 2010, informa:
O POVO conferiu de perto a rivalidade entre índios tremembés e a empresa Ducoco
Alimentos nas comunidades da Praia de Almofala e Varjota, ambas em Itarema. O
cacique da etnia afirma que a empresa ocupa 90% da área que está sendo
reivindicada [...].
“Nós temos uma briga com a Ducoco, que está centralizada na área da Varjota (uma
das comunidades). A gente vem sofrendo questões graves na Justiça”, denuncia o
cacique [...].
A Ducoco é autora de uma ação judicial de 1992 para a anulação do procedimento
administrativo de demarcação da terra indígena Tremembé de Almofala.
O processo, que tramita na subseção Judiciária de Sobral se encontra, agora, na fase
de produção de prova pericial para a avaliação da tradicionalidade da ocupação
indígena na área litigiosa.
Há uma decisão judicial, em ação cautelar, que impede, desde o ano de 1994, o
prosseguimento do processo de demarcação da terra indígena, até o julgamento final
da ação de nulidade.102

O mesmo Cacique citado na reportagem, durante a entrevista concedida na Escola


Indígena Maria Venâncio, quando indagado sobre a situação jurídica da TI Tremembé de
Almofala, afirmou:
O que está impedindo a gente [ter a TI demarcada e homologada] é que temos uma
luta travada com a Empresa Ducoco [...]. Está se aguardando o resultado da Perícia
Antropológica feita pelo professor Gerson Júnior e, a Dra. Germana O. Morais,
impulgnou essa Liminar. Mas, conseguimos ganhar e aguardamos a justiça.
(Tremembé, J V, morador da comunidade da praia em Almofala).103

Referente a Perícia Antropológica, consta em matéria jornalística a seguinte


informação sobre decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
A comunidade indígena Tremembés de Almofala, do município de Itarema, ganhou
ontem104 o direito de ter uma perícia antropológica, necessária no processo de
demarcação das terras. A decisão foi formada pelo Superior Tribunal de Justiça
(STJ) que recusou o pedido de anulação requerido pela Ducoco Agrícola. A
secretária da Associação Missão Tremembé, Maria Amélia Leite, conta que as brigas
judiciais pela posse das terras começaram por volta de 1991. Na época os
Tremembés reinvidicaram à Funai os estudos para identificação da terra. Somente
em 1992, foi criado um grupo de trabalho para fazer o levantamento histórico e
fundiário da região. No ano seguinte, o local foi oficialmente reconhecido pela Funai
como “terra indígena”.
Ao mesmo tempo, posseiros e empresas instaladas em Almofala entravam na Justiça
para ficar com as terras. Maria Amélia diz que em 1994 a Funai requereu uma
perícia antropológica, para comprovar que a comunidade tinha origem tremembé.
Em setembro de 1996, a Justiça Federal do Ceará (1ª Instância) negou a perícia. Em

102
JONATHAS, Andreh. Tremembés: disputa em Almofala 25 anos de conflito. O POVO on-line, Fortaleza, 19 jun.
2010. Disponível em: <http://publica.hom.opovo.com.br/page,270,96.html?i=2011889>. Acesso em: 19 nov. 2011.
103
Dados de entrevista. Pesquisa de campo realizada na comunidade da praia (Almofala) em 8/1/2007.
104
Refere-se a 20/9/2002. Conta quase 10 anos da decisão do STJ e a Perícia Antropológica não foi realizada.
161

resposta, a Funai, a comunidade tremembé e o Ministério Público entraram com um


recurso na 5ª Região do Tribunal Regional Federal em Recife (2ª Instância) pedindo
a anulação da decisão, o que foi ganho em 1999. Em contrapartida, a Ducoco entrou
com recurso pedindo a anulação da perícia do STJ. Agora, só resta recorrer ao
Supremo Tribunal Federal.105

O referido Cacique afirmou que “com isso concretizado a gente pode estabelecer
regras, critérios e alguns pensamentos de como hoje a gente tem uma terra boa de produção
que está nas mãos dos latifundiários.” (Tremembé, J V, morador da comunidade da praia em
Almofala). Enquanto isso:
A terra dos Tremembé [de Almofala] deve ser reanalisada pela Justiça Federal no Ceará,
essa foi a decisão do STJ. O entendimento mantém a nulidade da demarcação feita pela
Funai no município de Itarema porque a empresa Ducoco Agrícola se diz proprietária das
terras. A Ducoco reconheceu (sic) ao STJ, alegando que ficou provado que os títulos de
domínio sobre a área são anteriores à Constituição de 1934.106

Perante esta situação que dificulta o andamento do processo de demarcação da TI


Tremembé de Almofala, após a XVI Assembléia Estadual dos Povos Indígenas do Ceará,
realizada de 15 a 19 de dezembro de 2010, na TI Potygatapuia (Aldeia Novo Mundo),
município de Monsenhor Tabosa, foi decidido como encaminhamento o deslocamento de
uma delegação (em torno de 40 lideranças indígenas) para Brasília em março de 2011 para
discutir com a direção da FUNAI a situação fundiária do estado do Ceará, incluindo dentre as
várias demandas à reivindicar, “a realização de perícia referente à T.I. Tremembé
(Almofala).”107 A decisão do STJ para realização da Perícia Antropológica data do ano de
2002 (aproximadamente 10 anos de inércia sem cumprí-la) somada a situação jurídica de
identificação da TI iniciada em 1992 (totalizando quase duas décadas de espera). Isso sem
incluir demais períodos de tramites burocráticos enfrentados pelo povo Tremembé de
Almofala, anteriores à fase de identificação do processo de demarcação. Ao se visualizar
novamente a Tabela 3, observa-se que somente a TI Córrego do João Pereira108 possui o
processo de demarcação e de homologação concluídos. Segundo ressalta Silva, Cristhian
“Em 1987, foi elaborado o ‘Laudo Técnico de Vistoria e Avaliação’ do imóvel denominado

105
Perícia será feita na área dos Tremembés. O Povo, Fortaleza, 21 set. 2002. Disponível em: <
http://pib.socioambiental.org/es/noticias?id=5945>. Acesso em: 15 ago. 2009.
106
STJ mantém nula demarcação de terras dos índios Tremembé. O Globo, Rio de Janeiro, 29 set. 2002.
Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/en/noticias?id=6043>. Acesso em: 15 ago. 2009.
107
Disponível em: <http://funaiceara.blogspot.com/2010_12_01_archive.html>. Acesso em: 27 mar. 2011.
108
O Grupo Técnico (GT) - Portaria FUNAI N.° 10, 13 de janeiro de 1999 (DOU, seção 2, 15 de janeiro de
1999) foi coordenado pelo Antropólogo Cristhian Teófilo da Silva conforme o Relatório Circunstanciado de
Identificação e Delimitação, Brasília, DF, 2000.
O Registro da referida TI no Cartório de Registro de Imóveis (CRI) ocorreu em 24/02/2006 e, na Secretaria de
Patrimônio da União (SPU) em 04/08/2006. (Cf. Lista de Terras Indígenas da Funai – Ce – Organizada em
10/1/2009). Disponível em: <http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/terras-indigenas/terras-
indigenas>. Acesso em: 23 nov. 2011.
162

São José [...] No ano seguinte (1988) foi elaborado novo ‘Laudo Técnico’ no imóvel ‘Capim-
Açú/São José’.” (2000, p. 8). Salienta-se que Capim-Açú e São José de Itarema encontram-se
situadas na TI Córrego do João Pereira. De acordo com Valle, Carlos (2005b, s/p):109
[...] a Terra Indígena Córrego João Pereira foi homologada pelo decreto de 5 de
maio de 2003, tornando-se a primeira área a ser completamente regularizada no
Ceará. Há, portanto, um evidente contraste diante das situações de Almofala e da
Tapera/Varjota, cuja Terra Indígena, delimitada e percebida como mais
“tradicional”, está sendo contestada por processos judiciais [...].

Apesar da TI Córrego do João Pereira torna-se referência para o Movimento


Indígena do Ceará, logo para o povo Tremembé como TI regularizada no estado, após a
transcorrência de mais de cinco anos contado da data de 5/5/2003 da publicação do Decreto
Presidencial que homologou o processo de demarcação desta TI, houve ação popular datada
de 14/10/2008 com intenção de anulá-la e, ao mesmo tempo, processar Maria Amélia Leite,
Secretária-Geral da AMIT. Embora todo o conflito interno na TI ocasionado por essa situação
e, do incômodo causado à representante da AMIT, o resultado foi satisfatório para o povo
Tremembé, em questão, e para a referida Secretária-Geral, como divulgado no Portal do
Mar:110
[...]. Nesta ação, Militantes da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares
fizeram a defesa da Sra. Maria Amélia Leite e da Associação Missão Tremembé.
Também fizeram a defesa cabal da regularidade da demarcação da terra e do
descabimento de tal ação […].
Todas as questões acerca do mérito da decisão administrativa, notadamente da
caracterização como terra indígena, encontram-se claramente explicitadas e
minuciuosamente analisadas […].
Em suma, as provas da tradicionalidade da ocupação indígena exercida
continuamente na área são numerosas, robustas e insofismáveis, e abarcam todo o
período da colonização até a instauração dos procedimentos administrativos pela
FUNAI na década de 1990 para proceder ao seu reconhecimento oficial […].
Diante do exposto, considerando que a ação popular em tela somente fora proposta
[…] após o decurso do prazo de cinco anos […] e considerando ainda que o
processo administrativo de demarcação de terras indígenas encontra-se devidamente
acabado e concluído com a publicação do respectivo decreto presidencial,
consistindo o seu registro no cartório imobiliário competente mero ato conseqüente,
de natureza estritamente formal, sem qualquer conteúdo decisório, concluo que a
pretensão em apreço encontra-se fulminada pela prescrição qüinqüenal […].111

Sobre novas áreas em que habitantes reivindicam o reconhecimento étnico e de


suas terras como indígenas, Valle, Carlos (2005b) menciona outros lugares no município de

109
VALLE, Carlos Guilherme Octaviano. Tremembé. Disponível em:
<http://pib.socioambiental.org/pt/povo/tremembe/print>. Acesso em: 15 jan. 2011. Publicada em: fev. 2005b.
110
O Portal do Mar é um veículo de comunicação que surgiu em 2005 a partir de uma estratégia de comunicação
pensada dentro de um contexto de intensa articulação entre entidades da sociedade civil, ambientalistas,
pesquisadores e lideranças comunitárias do litoral cearense.
111
Os Tremembé do Córrego do João Pereira vencem mais uma batalha. Disponível em:<
http://www.portaldomar.org.br/blog/portaldomar-blog/categoria/discutindo-direitos/2991>. Acesso em: 15 jul.
2011. Publicada em: 13 jul. 2011.
163

Acaraú situados nas proximidades do Córrego do João Pereira apontados como localidades de
referência étnica, como a Lagoa dos Negros e Queimadas (citadas na Tabela 2 precedente),
em conflito com o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) devido a um
projeto de irrigação. Os seus habitantes reivindicam reconhecimento oficial pela FUNAI. O
mesmo autor comenta a mobilização dos Tremembé de São José e Buriti em Itapipoca pela
identificação e delimitação de sua TI, pois “Eles [os habitantes de São José e Buriti] têm se
defrontado, sobretudo, com a possibilidade de implantação de projeto turístico na área onde
vivem.” (VALLE, Carlos, 2005b, s/p).
O comentário do autor acima reforça o que vem se demonstrando ao longo desta
tese - as dificuldades enfrentadas pelos Tremembé em conseguir a regularização das suas
terras pelo Estado. Apesar dos esforços de empresas, como o consórcio Nova Atlântida no
caso de São José e Buriti e a DuCOCO na situação de Almofala, de negarem a identidade
Tremembé, o protagonismo indígena emerge nas lutas pelo reconhecimento dos seus direitos
constitucionais. Valle, Carlos (2005b, s/p) ainda aponta:
Se os Tremembé [...] estão politicamente organizados de modo autônomo e bastante
localizado, tem havido uma convergência entre as lideranças indígenas para a
articulação de demandas sociais e políticas conjuntas, inclusive de seus caciques,
cujo número tem aumentado nos últimos anos. A organização política diferenciada
dos Tremembé tem sido atravessada pelas modalidades de intervenção indigenista,
tanto da Funai e de agências públicas como de ONGs e outras entidades civis. Além
disso, a organização política dos Tremembé tem se afinado com as dinâmicas mais
abrangentes que envolvem os outros povos indígenas no Ceará e no Nordeste. Eles
fazem parte da Coordenação das Organizações dos Povos Indígenas no Ceará
(Copice). Participam também dos eventos da Apoinme e dos encontros de povos em
busca do reconhecimento étnico [...].

Nessa busca pelo reconhecimento étnico o povo Tremembé do Ceará enfrenta


diferentes situações nos processos de demarcação das suas terras, demonstrados como revelam
as datas das Portarias relativas às TIs reivindicadas na Tabela 4. Excluindo-se a TI do Córrego
do João Pereira já homologada, alguns dos diferentes processos arrastam-se desde os anos de
(1992 e 2009). Os demais dados demográficos e de extensões das TIs apresentados na mesma
tabela variam de acordo com a fonte de informação. Assim, apresentou-se uma visão dos
Tremembé para situá-los espacial e socialmente e também dar o subsídio a discussão sobre a
“presença de projetos econômicos de grande impacto sobre povos indígenas, a exemplo da
construção de complexo turístico pela multinacional Nova Atlântida, em área demandada
pelos Tremembé” (ANDRADE; CARVALHO, 2011, p. 503) de São José e Buriti.
164

TABELA 4 – Terras Indígenas do povo Tremembé do Ceará

CÓRREGO JOÃO PEREIRA TREMEMBÉ DE QUEIMADAS

TREMEMBÉ DE ALMOFALA TREMEMBÉ DE ACARAÚ

TREMEMBÉ DE ITAPIPOCA

Fonte: Terras habitadas. Disponível em: < http://pib.socioambiental.org/pt/povo/tremembe>. Acesso em: 24 jul.
2011.
LUSTOSA, Isis Maria Cunha. (Org.). 2011.
165

4.2 Terra Indígena Tremembé de São José e Buriti

Em janeiro de (2007 e 2008), durante os primeiros trabalhos de campo na TI


Tremembé de São José e Buriti, alguns informantes se definiam como Tremembé da
Comunidade Sítio São José ou Tremembé da Comunidade Buriti, como aparece grafado
nos dois Centros Comunitários revelados na Figuras 16. Ou, também, manifestavam-se como
Tremembé de São José ou Tremembé de Buriti. E, outros se diziam não-indígenas, que os
primeiros apontavam, como aqueles cooptados pelo Nova Atlântida.

Figura 16: Salão comunitário da comunidade de Buriti e salão comunitário do Sítio São José,
Distrito Marinheiros, Itapipoca, Ceará.
Fotos: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan. 2007.

Para chegar a TI Tremembé de São José e Buriti tomou-se como referência


Fortaleza, capital do Ceará, conforme a Figura 17.112

112
O mapa também fornece o trajeto e a distância à TI Aldeia Lagoa Encantada dos Jenipapo-Kanindé por ser o
outro povo indígena pesquisado, por isso utiliza-se a mesma base cartográfica no estudo comparativo.
166
167

A descrição abaixo prestada por Franco (2010) agrega duas vias de acessos à TI
Tremembé de São José e Buriti, um destes acessos ilustrado na figura anterior. Portanto,
adotou-se este mesmo trajeto durante todos os trabalhos de campo em (2007, 2008 e 2009)
realizados na citada TI. Além deste percurso, a autora, explana algumas informações
importantes de registrar e descreve:
LOCALIZAÇÃO E VIAS DE ACESSO: A Terra Indígena Tremembé da Barra do
Mundaú, também conhecida por Tremembé de Itapipoca - São José e Buriti situa-
se a aproximadamente 140 km, a noroeste da cidade de Fortaleza/CE, no distrito
de Marinheiros/ praia da Baleia, município de Itapipoca. Está localizada à margem
esquerda do estuário do rio Mundaú, entre a sua barra, a localidade da Praia da
Baleia e a Vila dos Pracianos, cuja região é conhecida como a “terra dos três
climas” por ter, em seu território, serra, sertão e litoral.
Existem duas vias de acesso à Terra Indígena [...], sendo que ambas, inicialmente, se
utilizam de 97 Km pavimentados da rodovia CE-085 (Litoral Oeste) até o
entroncamento para Flexeiras e Mundaú. A partir deste ponto são mais 12 Km até a
cidade (sic) de Mundaú113 de onde se atravessa de balsa para a TI.
O caminho para a balsa entrecorta uma região de dunas, o que dificulta o trânsito de
veículos não tracionados, mas apesar desta dificuldade, é o caminho mais curto, pois
de Fortaleza a TI [Tremembé de São José e Buriti] são 135 km.
A segunda opção de acesso passa pelo entroncamento para Flexeiras e Mundaú
e segue pela rodovia CE-085 (Litoral Oeste) até o entroncamento para a praia
da Baleia. A partir deste ponto são mais 20 Km até a Vila dos Pracianos, por
meio da qual se tem acesso à TI (2 Km) por rodovia não pavimentada,
totalizando 150 Km aproximadamente. (FRANCO, 2010, p. 15-16, grifos nossos).

Da Vila dos Pracianos até percorrer toda a estrada carroçável ao longo da TI


Tremembé de São José e Buriti foi possível observar a importância da paisagem. Retoma-se o
Parecer Técnico – Estudos e levantamentos ambientais, antropológicos e arqueológicos na
Terra Indígena Tremembé de São José e Buriti, município de Itapipoca/CE, elaborado a partir
de uma solicitação da AMIT, com apoio do Departamento de Geografia da UFC, onde os
professores Antônio Jeovah de Andrade Meireles e Marcélia Marques comentam esta
paisagem:
[...] o tabuleiro litorâneo, o ecossistema manguezal, as nascentes dos córregos, as
lagoas perenes e sazonais, os campos de dunas e a faixa de praia [e ainda] as
relações de subsistência com a biodiversidade que emana do sistema costeiro em
análise. Neste sentido, comprovou-se a relação direta dos índios com as unidades de
paisagem definidas, caracterizada por atividades ancestralmente relacionadas com o
manejo [...] da terra. (MEIRELES; MARQUES, 2004, p. 4).

Nos trabalhos de campo em (2007, 2008 e 2009) na TI Tremembé de São José e


Buriti observou-se a paisagem descrita acima, modificada por interferência de atividades do
Nova Atlântida em algumas áreas, especialmente da aldeia São José, demonstrados em figuras

113
Mundaú não corresponde uma cidade do Ceará. Na divisão territorial do município de Trairi, Mundaú
aparece como distrito e, a praia de Flecheiras, como uma localidade do mesmo município. Traíri localiza-se a
120 km da capital do estado cearense e limita-se ao Norte com o município de Itapipoca.
168

a frente. No Memorial Descritivo de Delimitação do imóvel TI Tremembé de São José e


Buriti (TI Barra do Mundaú), elaborado por Franco (2010), a respectiva TI possui 4 aldeias
integrantes (Munguba, São José, Buriti do Meio e Buriti de Baixo) numa superfície de
aproximada 3.562 ha e perímetro de quase 31,5 km (Anexo 7).
Os dados deste memorial são inseridos no Mapa de Delimitação da referida TI,
também elaborado por Franco (2010), onde se visualiza a extensão da TI Tremembé de São
José e Buriti, respectivamente a aldeia antiga, os sítios arqueológicos, as quatro aldeias
contemporâneas, as áreas das atividades (caça, pesca, roçados coletivos e extrativismo), os
rios (como o de maior importância, o Rio Mundaú), os lagos ou lagoas, com destaque para a
Lagoa do Mato, as dunas, as rodovias pavimentadas e as não pavimentadas e, os tantos outros
atributos, registrados no entorno da TI, como as praias (Figura 18). Esta caracterização da TI
Tremembé de São José e Buriti demonstrada na referida figura, está contida nas “unidades de
paisagem” (MEIRELES; MARQUES, 2004 p. 54), identificadas desde 2004 por estes outros
autores na TI em questão. Estas unidades da paisagem, segundo os citados pesquisadores,
correlacionam-se diretamente com as “atividades de usufruto da comunidade indígena”
(2004, p. 54), abrangendo diretamente a população da TI Tremembé de São José e Buriti. A
respeito desta população, durante o primeiro trabalho de campo na referida TI, assegurou uma
informante:
Em São José, o número de família é menor [que Buriti]. Mas, estão mais envolvidas
[entre si na causa indígena]. São José tem 35 famílias que se reconhecem [indígenas]
e 60 famílias ainda não se identificam. Em Buriti, são mais ou menos 100 a 150
famílias. Dessas, 108 famílias, se reconhecem [indígenas] e foram cadastradas pela
FUNASA. (Tremembé, E R V, Moradora de Buriti).114

Segundo dados levantados por Palitot (2009) a totalidade desta população


indígena corresponde 451 pessoas, sendo 139 pessoas em São José equivalentes a 39 famílias
e, 312 pessoas em Buriti correspondentes a 76 famílias. Os estudos e levantamentos
antropológicos que subsidiam a definição dos limites da TI Tremembé de São José e Buriti,
desenvolvidos em 2009, apresentam:
POPULAÇÃO TOTAL: 494 indígenas (11/2009); sendo 98 Tremembé da aldeia
São José; 114 Tremembé da aldeia Munguba; 164 Tremembé da aldeia Buriti do
Meio; e 118 Tremembé da aldeia Buriti de Baixo; todas sob a jurisdição da
Coordenação Regional da Funai em Fortaleza (CR Fortaleza), no estado do Ceará,
anteriormente chamada de Núcleo de Apoio Local - NAL, constituindo ao todo 112
famílias (unidade familiar/ casa). (FRANCO, 2010, p. 15, versais no original).

114
Dados de entrevista. Pesquisa de campo realizada na TI Sítio São José e Buriti em 7/1/2007.
169

FIGURA 18: DELIMITAÇÃO TERRA INDÍGENA TREMEMBÉ DE SÃO JOSÉ E BURITI


(TREMEMBÉ DA BARRA DO MUNDAÚ)
Fonte: Franco, 2010; FUNAI, 2010.
170

Os dados divulgados pelo CIMI (2011) apresentam na mesma TI o número


populacional de 1.316 pessoas nas aldeias de São José e Buriti. Os números apresentados por
Palitot (2009) e Franco (2010) aproximam-se no indicador correspondente à população,
respectivamente 451 e 494 pessoas e, equivalem os mesmos na totalidade de famílias (112),
sendo diferente dos dados informados pela liderança indígena Tremembé de Buriti em 2007.
Os dados demográficos apresentados por Palitot (2009) e Franco (2010) contrastam-se com
referência a população de 1316 pessoas informada pelo CIMI (2011). Apesar disso, as
estatísticas fortalecem as afirmações étnicas desse povo indígena, inclusive aquelas resultantes
do cadastramento de famílias indígenas realizado pela FUNASA (como destacou a indígena)
e, também, nos dados levantados para o processo de demarcação da TI Tremembé de São José
e Buriti (que no primeiro ano desta tese não havia iniciado, sendo concretizado em 2009).
Além de estimativas variadas da população indígena segundo a fonte, é
importante lembrar que, por um lado, o número de pessoas que se identifica como
Tremembé está em constante mudança, considerando que a identificação étnica é um
processo em construção. Por outro lado, uma parte da população dessas comunidades é
flutuante, como são todas as populações do litoral cearense, deslocando -se com
freqüência à procura de trabalho assalariado nas cidades próximas, em Fortaleza, e em
outras cidades do Brasil. Alguns membros de famílias se ausentam por períodos de
anos, ou em deslocamentos sazonais, trabalhando em cidades grandes, no corte de cana -
de-açucar no sul do Brasil, em pesca, e em outras atividades. Corrobora Paula (2010, p.
188) se referindo ao deslocamento de indígenas das suas terras:
[...] com o crescimento demográfico associado à restrição dos espaços territoriais,
bem como a pressão externa advinda da degradação ambiental realizada pelos não
índios [...] as comunidades passam a buscar alternativas de sustento fora de suas
terras – como servir de mão-de-obra barata em fazendas, garimpos, seringais,
atividades madeireiras etc. [...]

A liderança Tremembé, P T, de Capim Açu na TI Córrego do João Pereira


afirmou que os jovens não querem ficar na aldeia e vão atrás da vida nas cidades. A
informante Tremembé (L C S, moradora de Buriti)115 declarou que havia trabalhado como
doméstica em Fortaleza durante três anos e na época da entrevista prestava serviços informais
em uma pousada na Praia da Baleia.
As estimativas variadas da população indígena também sofrem influência dos
longos períodos para concluir o processo de demarcação de uma TI, e a indefinição de muitas

115
Dados de entrevista. Pesquisa de campo realizada em Buriti, Itapipoca, em 06/01/2007.
171

pessoas em se identificarem como indígenas enquanto aguardam a regularização da terra.


Ressalta-se que na situação do povo Tremembé de São José e Buriti as reivindicações para o
reconhecimento oficial da sua TI foram iniciadas em 2002. Porém, foram atendidas pelo
Estado somente em 2009. A Diretoria de Assuntos Fundiários da FUNAI por meio da Portaria
Nº 3/14/7/2009, instituiu o Grupo Técnico (GT)116 com a finalidade de realizar a primeira
fase dos estudos necessários a identificação e delimitação da Terra Indígena de São José e
Buriti sob a coordenação da Antropóloga Claudia Tereza Signori Franco. A etapa do Estudo
de Identificação, iniciado em 7 de agosto de 2009, resultou no Relatório Circunstanciado
(concluído em 19 de abril de 2010) sobre o qual esclarece Franco (2010, p. 12):
Por meio deste Documento Técnico Final esta consultoria conclui o diagnóstico
necessário à identificação e delimitação da Terra Indígena Tremembé da Barra do
Mundaú, caracterizando informações básicas sobre o grupo e a terra e os dados
históricos dos Tremembé, incluindo: (i) habitação permanente; (ii) atividades
produtivas; (iii) características ambientais; (iv) reprodução física e cultural; (v)
levantamento fundiário e, por fim, (vi) conclusão e delimitação da TI, em
cumprimento ao plano executivo para estudo antropológico de identificação das
ocupações indígenas, focando nos aspectos históricos e culturais que tratam sobre o
processo de regularização fundiária.

O Relatório Circunstanciado foi apresentado pela coordenadora do GT à


FUNAI/Sede, ainda em 2010, para cumprir a segunda etapa do processo de demarcação,
correspondente a Aprovação da FUNAI. Conforme esclarece o Decreto 1.775/8/1/1996:
O relatório tem que ser aprovado pelo Presidente da Funai, que, no prazo de 15 dias,
fará com que seja publicado o seu resumo no DOU (Diário Oficial da União) e no
Diário Oficial da unidade federada correspondente. A publicação deve ainda ser
afixada na sede da Prefeitura local.117

Esta etapa de Aprovação da FUNAI que segundo o Decreto deveria acontecer no


prazo de 15 dias, no caso da TI Tremembé de São José e Buriti concretizou-se depois de
quase dois anos (após a entrega do Relatório Circunstanciado), conforme revela a notícia
veiculada no site118 do CIMI. Nesta consta que o Diário Oficial da União (DOU), em 6 de

116
O grupo técnico (G.T.) contou com a participação de servidores da Coordenação Regional da FUNAI no
estado do Ceará, e de agentes da Polícia Federal/CE, para os trabalhos de campo, os quais foram realizados em
três etapas; quais sejam: i. de 20 de julho a 07 de agosto de 2009; ii. de 30 de setembro a 07 de outubro de 2009;
e iii. de 23 a 28 de novembro de 2009, totalizando 33 dias de levantamento de dados primários. Estes trabalhos
tiveram início com uma reunião entre as consultoras técnicas do GT (antropóloga e bióloga), representantes da
FUNAI/CE e a comunidade indígena das aldeias Tremembé, onde se pôde apresentar a finalidade do trabalho do
GT e ouvir as reivindicações dos índios. Foi lhes assegurado, em todas as cinco primeiras etapas, a participação
no processo administrativo de demarcação de sua terra, conforme disposto no parágrafo 3° do artigo 2° do
Decreto 1775/96. (FRANCO, 2010, p. 11).
117
DECRETO No 1.775, DE 8 DE JANEIRO DE 1996. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D1775.htm>. Acesso em: 20 ago 2009.
118
Terras indígenas Tremembé são identificadas e delimitadas no Ceará. Disponível em: <
http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=6091&action=read>. Acesso em: 15 fev. 2012.
Publicada em: 7 fev. 2012.
172

fevereiro de 2012119, publicou o despacho N. 7 da FUNAI datado de 2 de fevereiro de 2012,


identificando e delimitando a TI Tremembé da Barra do Mundaú (TI Tremembé de São José e
Buriti). Sobre este mesmo assunto a notícia veiculada no endereço eletrônico da FUNAI,
informa:
O presidente da Funai, Márcio Meira, tendo em vista o Relatório circunstanciado, de
autoria da Antropóloga Cláudia Tereza Signori Franco, aprovou os estudos de
identificação da Terra Indígena Tremembé da Barra do Mundaú, dos índios
Tremembé. Localizada no município de Itapipoca, no Ceará, a terra sempre foi
referência tradicional daquele grupo mas, temendo represálias de um grupo de
investidores espanhóis, que se apropriou de suas terras, eles chegaram a se
identificar como não indígenas.
A conclusão da proposta resultou de elementos objetivos de natureza etno-histórica,
antropológica, ambiental, documental, cartográfica e fundiária e contou com a
anuência dos Tremembé. A terra identificada, delimitada pela margem esquerda do
Rio Mundaú, pela faixa litorânea e pela Vila dos Pracianos da Baleia, apresentava
todas as condições ambientais necessárias às suas atividades produtivas, e tinha
importância crucial para o bem estar da comunidade e a condições necessárias à sua
reprodução física e cultural, segundo os usos e costumes e tradições, entre elas as
festas do murici, do batiputá e o Toré120, ritual mais importante. Os Tremembé de
Mundaú, além das atividades de caça e coleta, sendo a Carnaúba a mais importante,
pelo valor comercial da cera. A proximidade com o litoral, as praias, favorecem
também as atividades de pesca e recreação. A população Tremembé ultrapassa 500
indivíduos, e ocupam uma área aproximada de 3.580ha.121

Apesar das etapas vencidas pelo povo Tremembé de São José e Buriti, com o
avanço do Processo de Demarcação da TI a partir de 6 fevereiro de 2012 (data do citado
Despacho publicado no DOU), este povo deve aguardar por mais uma etapa do Decreto
1.775/8/1/1996, respectivamente – as Contestações. Nessa fase todo e qualquer interessado,
incluindo estados e municípios podem se manifestar “apresentando ao órgão indigenista suas
razões, acompanhadas de todas as provas pertinentes, com o fim de pleitear indenização ou
demonstrar vícios existentes no relatório.”122 Embora o povo Tremembé de São José e Buriti
tenha conquistado a terceira etapa do processo de demarcação da sua TI, ainda assim, a etapa
de Contestações talvez seja a de maior tensão para estes indígenas. Isso por estar aberta às
manifestações dos/as interessados em se contrapor ao Relatório Circunstanciado. A respeito
desta fase afirma Coelho (2002, p. 94, grifo nosso): “Essa determinação foi considerada um

119
Página 22, Seção 1, sob o título “Dados Gerais”.
120
Requer esclarecer sobre o Toré e a configuração do Torém para os Tremembé. Segundo Grünewald “Carlos
Guilherme O. do Valle, a partir do exame minucioso dos aspectos históricos, sociais e culturais que deram configuração
ao torém dos Tremembé (CE) enquanto “tradição e ritual”, levanta considerações em torno de suas correlações com o
toré (especialmente dos Tapeba), ampliando sua perspectiva analítica para questões gerais sobre etnicidade no amplo
quadro de “multilicidade étnica” no Ceará contemporâneo.” (2005, p. 32, grifos nossos).
121
Aprovados estudos de identificação de Tremembé Barra do Mundaú.
Disponível em: <http://www.funai.gov.br/>. Acesso em: 15 fev. 2012. Publicada em: 8 fev. 2012.
122
DECRETO NO 1.775, DE 8 DE JANEIRO DE 1996. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D1775.htm>. Acesso em: 20 ago. 2009.
173

retrocesso na legislação brasileira. Antropólogos, indigenistas, organizações não-


governamentais e os índios interpretaram a incorporação do contraditório como uma
possibilidade de redução das terras indígenas.” A autora reforça o seu argumento: “Segundo
este decreto as terras indígenas ainda não homologadas também ficariam sugeitas a
contestação.” (2002, p. 95). Corrobora-se com a autora ao recordar a circunstância já discutida
da TI Córrego do João Pereira dos Tremembé contestada após a homologação.
Volta-se ao caso do povo Tremembé de São José e Buriti e utiliza-se a etapa de
Contestações como um limite para esta pesquisa, ou seja, contextualizou-se a situação da TI
Tremembé de São José e Buriti até fevereiro de 2012 (mês que o Relatório Circunstanciado
foi aprovado pela FUNAI e o processo de demarcação chegou à etapa de Contestações). Com
este marco temporal, a partir da próxima seção, retrocede-se para os períodos das pesquisas de
campo (2007, 2008 e 2009) e demonstram-se as situações encontradas nesta TI, onde os
depoimentos fornecem os principais subsídios junto com as matérias jornalísticas e alguns
estudos para abordar a afirmação étnica indígena nesse território disputado pelo turismo.
Segundo Oliveira Filho (2011b, p. 653):
A afirmação de que não existem mais índios ou coletividades indígenas no Ceará [...]
fundamentada em argumentos postulados há mais de 13 décadas, é um grave erro
[...].
É também errônea a insistência de alguns em negar os fatos de atribuir a recente
emergência de reivindicações identitárias a fatores espúrios, que remeteriam à
manipulação de interesses por pessoas e instituições estranhas ao Estado e à região.
Teorias conspirativas da história, não têm qualquer valor heurístico e, no caso em
questão, apenas respondem aos interesses daqueles que querem eternizar relações de
dominação.

4.2.1 Terra Indígena Tremembé de São José e Buriti e o Nova Atlântida: afirmação
étnica no território disputado pelo turismo maciço

Na TI Tremembé de São José e Buriti – em que parte da população veio a se


identificar como Tremembé (após à pesquisa de Valle, Carlos concluída em 1991) – ser
indígena Tremembé tornou-se símbolo da resistência contra a relação de dominação imposta
pelo empreendimento internacional Nova Atlântida, como aparece na placa fincada na beira
da estrada entre a aldeia São José e Buriti, em que há um desenho de índio estilizado que os
Tremembé utilizam como símbolo de indianidade para reafirmar a sua identidade étnica
(Figura 19).
174

Figura 19: Placa na estrada entre a aldeia São José e a aldeia


Buriti com desenho de índio estilizado.
Foto: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan. 2007.

Este símbolo de resistência, demonstrado em linguagem visual, reforça a


expressão oral manifestada por uma liderança indígena Tremembé que afirma:
A gente não ouvia mais falar de Nova Atlântida. Formamos uns grupos de pessoas
onde a gente discutia as problemáticas, queríamos viver e lutar pela nossa terra. Nós
vivíamos livremente, éramos donos de tudo. Praticamente a gente andava livre, num
tinha cancela, num tinha arame. Então tudo era aberto pra nós. Quando volta de
novo, agora na década de 2002, a Nova Atlântida chega dizendo que realmente ia
fazer a sua implantação. Ela chegou, queria conversar com todo mundo, e dizia que
era melhor pra todo mundo, ia ter emprego, que todo mundo ia viver bem. E isso na
cabeça de muitos de nosso povo pra eles isso ia ser realmente bom, mas nós
continuava naquela dúvida: como era essa bondade? Aí foi quando a gente viu que a
bondade deles tinha um plano de querer realmente tirar a gente de nossas morada e
colocar em outro local. Então eles começaram a fazer medição. Nessas medição foi
quando eles vieram medir a casa da gente, fazer medição até na nossa própria casa!
E aí a gente não, não é o que nós queremos. Então eu digo: não é isso que nós
queremos. Aí começamos uma luta, uma organização nossa, lá dos nossos parentes.
E aí como a gente já tinha um conhecimento que a nossa terra era uma terra
indígena, que nós era um povo de origem Tremembé, aí nossos parentes daqui de
Almofala, do Córrego do João Pereira, começaram a nos visitar e realmente abrir as
nossas mentes que nós deveria lutar, não parar, não aceitar, porque os nossos
antepassados já tinham feito isso e tinham sofrido e por isso não tinham conseguido
nada. (Adriana, 37 anos/ aldeia São José).123
A fala da liderança indígena de São José demonstra que o povo Tremembé de São
José e Buriti, desde 2002, enfrenta um novo embate com o empreendimento Nova Atlântida.
Diz-se novo embate, pois segundo outra liderança indígena de Buriti, em período bem
anterior,

123
Dados de entrevista. Depoimento concedido durante um dos trabalhos de campo realizados por Claudia
Tereza Signori Franco na TI São José e Buriti entre julho e novembro de 2009, como subsídio do Relatório
Circunstanciado elaborado por Franco (2010).
175

Começou o sofrimento que (nós nunca tivemos antes), quando essa empresa chegou
aqui em 1978 (ano da primeira visita de representante do Nova Atlântida). Em São
José, tinha uma casona desse pessoal. Eu era menina, “meninota”.
Tinha um senhor Prata Galvão. Ele tinha um documento da terra (comprou de
Euclides da Cunha) e vendeu para os espanhóis. Esses posseiros do Ceará foram se
apossando e passando de herdeiro para herdeiro. Esse Prata vendeu e, na entrega das
terras para os espanhóis, mataram um dos espanhóis [...]. Depois disso, eles [os
espanhóis] passaram mais de 30 anos afastados. Nessa época a gente pagava 124 uma
porcentagem da terra. Mas, depois não ficamos pagando mais (desde 80 para cá).
Não pagamos mais do que se produz. Desde 2001 começamos a se identificar como
Tremembé. A gente tinha conhecimento [de lutar pela nossa causa indígena] e
quando a Funai veio aqui pela primeira vez e começou a luta pela demarcação, a
empresa [Nova Atlântida] vem impedindo. Eles [representantes da empresa]
justificam que nunca aconteceu índio aqui. Nesse ano passado de 2006, melhorou
[um pouco o incômodo causado por eles]. Mas, as mulheres foram agredidas.
A gente teve uma liminar que está impedindo deles construir “os hotéis em 1.100
hectares” previsto para esse ano [2007]. Parece que 27 hotéis, campo de golfe,
resorts. No mapa [do Nova Atlântida] tem tudo. Eu tenho o mapa.
No mapa deles a vila Buriti ia ficar no campo de futebol, pegando uma baixa perto
dos morros [...]. O mesmo eles iam fazer com São José. Nós não vamos aceitar.
Perto daqui de casa nós temos cajueiro, coqueiro, goiabeira para nós se alimentar e
nossos filhos também. E lá [perto do campo de futebol] ficar numa casinha sem
muda. Eles darem um um salário, não é suficiente para uma família feito a nossa.
Ficar [perto do campo de futebol] não tinha como cultivar (seria tudo comprado).
(Tremembé, E R V, moradora de Buriti)125.

Essas falas de lideranças indígenas que mencionam a interferência do Nova


Atlântida na TI Tremembé de São José e Buriti, podem ser examinadas à luz de um texto
publicado por Maria Amélia Leite, Secretária-Geral da AMIT, Resistência Tremembé no
Ceará – Depoimentos e Vivência126, que focaliza alguns dos acontecimentos que têm afetado
o povo Tremembé de São José e Buriti entre 1979 e 2009:
Desde 1979 uma empresa internacional tenta implantar nessa região um
megaprojeto: uma cidade turística internacional.
As famílias que resistem à realização desse projeto e lutam pela demarcação de suas
terras tradicionais, estão enfrentando nesses anos todos, muitas dificuldades e muitos
sofrimentos. São ameaças de morte, perseguições e agressões da parte de policiais
militares a serviço da empresa.
Uma Ação Cautelar foi promovida pelo Ministério Público Federal no Ceará, em
novembro de 2004, em favor dos indígenas, e propôs o cancelamento da liberação
do projeto pela Secretaria127(sic) Estadual do Meio Ambiente – SEMACE, que
autorizou a construção desse empreendimento. Em seguida a Dra. Juíza Federal no
Ceará acatou essa proposta e expediu liminar que impede a construção do projeto.
Essa liminar foi confirmada pelos Desembargadores Federais no Tribunal Regional
Federal da 5ª. Região, no Recife.
Em novembro do ano passado [2007], o Procurador do Ministério Publico Federal
deu prazo de noventa dias para a Fundação Nacional do Índio – FUNAI criar o

124
Verificou-se que os índios Tremembé de São José e Buriti foram expostos a um sistema de patronagem
(índios com idades entre 60 e 70 anos relataram relações com posseiros), submetidos a trabalho onde
tinham por obrigação “pagar renda” sobre seus roçados e o comércio da farinha e da castanha de caju.
(MEIRELES; MARQUES, 2004, p. 61). Sendo estas relações clientelistas ou relações patrono-cliente (WOLF,
2003).
125
Dados de entrevista. Pesquisa de campo realizada na TI Sítio São José e Buriti em 7/1/2007.
126
Elaborado como co-participação no livro organizado por Palitot (2009).
127
Seria, de fato, a Superintendência Estadual do Meio Ambiente.
176

Grupo de Trabalho-GT, que deverá realizar os estudos fundiários para identificar e


delimitar a terra como indígena. No final de dezembro, a FUNAI enviou oficio ao
MPF se comprometendo a até final do primeiro semestre de 2008 iniciar esses
estudos.
Em abril de 2008, o Presidente da FUNAI, reunido com as lideranças do Movimento
Indígena em Brasília, garantiu, até o final do mês de maio passado, criar o GT.
Infelizmente, a FUNAI já programou várias vezes o inicio desses estudos 128 e não
cumpre o prometido.
[...]. A partir de janeiro de 2009, a FUNAI passou a ter sede no Ceará, com
Administração Executiva Regional, uma antiga reivindicação das lideranças.
[...] esses Povos gozarão afinal de um mínimo de garantia do órgão federal que tem o
dever [...] do cumprimento dos direitos dos Povos Indígenas.
Ainda uma grande dificuldade é o preconceito, a discriminação, por parte da
sociedade, de parte da imprensa, da população em geral, dos órgãos governamentais,
sejam federais, estaduais e municipais, contra a identidade dos povos indígenas.
(LEITE, 2009, p. 416-417, grifos nossos).

Desde a conclusão, em 2004, do Parecer Técnico que demonstrou os


“prognósticos vinculados às existentes e planejadas [atividades] para o empreendimento
Cidade Nova Atlântida Ltda” (MEIRELES; MARQUES, 2004, p. 4), os mesmos autores
haviam assegurado que “a implantação do complexo hoteleiro [...] irá interferir diretamente na
disponibilidade dos recursos ambientais de subsistência e certamente na continuidade das
manifestações culturais do grupo indígena.” (MEIRELES; MARQUES, 2004, p. 4).
Embora tenha havido, em 2004, Liminar concedida pelo Ministério Público
Federal no Ceará (MPF/CE) em favor dos Tremembé de São José e Buriti, observou-se
durante os trabalhos de campo na TI que as ameaças e sujeições provenientes do Nova
Atlântida contra esse povo indígena persistiam. Além disso, o Governo (Federal, Estadual
e Municipal) proporciona apoio institucional ao Nova Atlântida (Figura 20). Na parceria
pública e privada, o interesse é de erguer “o maior complexo de turismo mundial” 129 e
fortalecer o turismo de sol e praia no Ceará. Na mesma ilustração o Nova Atlântida
revela-se como “projeto declarado de interesse turístico, social e ecológico” (Figura 20).
No seu site oficial este empreendimento turístico difunde o “PRODETUR”130
como um dos principais parceiros do poder público para efetivá-lo na Zona Costeira cearense.
Para Meireles e Marques (2004, p. 53-54), o “grupo espanhol Nova Atlântida [...] diz que a
idéia é construir estrutura em condições de competir com destinos como Cancun, no Caribe,
Punta Cana, na República Dominicana e Ibiza, na Espanha.”

128
Os Estudos de Identificação, como mencionado anteriormente, foram realizados em 2009.
129
Principais Características de Nova Atlântida. Disponível em:
< http://www.gruponovaatlantida.com/brasil/index.htm >. Acesso em: 25 ago. 2009.
130
Aprovações Oficiais. Disponível em: < http://www.gruponovaatlantida.com/brasil/index.htm>. Acesso em: 20 mar. 2009.
177

Figura 20: Placa do Nova Atlântida à margem da Rodovia Estadual (CE – 168) difundindo o
projeto e o apoio institucional do poder público.
Foto: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan. 2007.

Na menção anterior de Meireles e Marques (2004) a Espanha está evidente. Este


país é ressaltado na matéria jornalística publicada no Diário do Nordeste, Cidade Nova
Atlântica: embate ganha apoio político, favorável à implantação deste empreendimento, a qual revela:
Com a crise imobiliária nos Estados Unidos e na Espanha, o Governo espanhol está
se mexendo para investir no Brasil e no Ceará, por conta da proximidade geográfica,
comenta o presidente da Agência de Desenvolvimento Econômico do Ceará
(Adece), Antônio Balhmann. ‘Para você ver como o Ceará vai bem: até o Cidade
Nova Atlântida vai sair’, completa o titular da Adece.131

Para tentar provar que o empreendimento vai sair, o Plano Diretor do Nova
Atlântida, difundido no seu site oficial, encontra-se sob a condução da IAC Consulting
Internacional de Arquitectura y Urbanismo SL, e é formado por um consórcio de nove
empresas. Este Plano Diretor prevê ocupação e construção de uma superfície 31.260.800,00m²
(3.126) hectares, 27 complexos hoteleiros de cinco estrelas, residências de luxo, 7 campos de
golf, 1 marina e 3 comunidades locais. Relativo a infraestrutura concebida pelos grupos
empresariais internacionais para a primeira fase de implantação do Nova Atlântida a Figura 21
demonstra maquete eletrônica com as quatorze infraestruturas iniciais previstas.

131
Cidade Nova Atlântica: embate ganha apoio político Disponível em:
<http://diariodonordeste.globo.com/cadernos/negocios>. Acesso em: 12 out. 2008. Publicada em: 18 jul. 2008.
178

Figura 21: Representação virtual do Nova Atlântida Cidade Turística Residencial e de Serviços LT.
Fonte: 1ª Fase de Implantação. Disponível em: <http://www.gruponovaatlantida.com/brasil/index.htm>.
Acesso em: 20 mar. 2010.

O Nova Atlântida, mesmo embargado pela justiça, mantém seu site operante até o
momento (fevereiro de 2012), e fortalece-se como mega projeto turístico de sol e praia. Na
sua difusão virtual o empreendimento turístico valoriza a metrópole Fortaleza como (núcleo
receptivo e emissivo de fluxo turístico nacional e internacional), onde destaca a situação
geográfica desta cidade em relação aos vários destinos mundiais e demonstra “os trajetos
eqüidistantes desde os países geradores de turismo.”132 (Figura 22).

132
Principais características de Nova Atlântida. Disponível em:
< http://www.gruponovaatlantida.com/brasil/index.htm>. Acesso em: 20 mar. 2009.
179
180

Conforme os fluxos receptivos revelados na figura anterior, os empreendedores


internacionais, ainda com perspectivas de investir no turismo de sol e praia, apostam em um
público com alto poder aquisitivo que deseja viajar para um destino que disponha de
infraestrutura correspondente a mega empreendimentos, localizados em espaços de natureza
tropical. Estas perspectivas de ofertas turísticas são apresentadas ao longo do site do Nova
Atlântida, explorando ao máximo as imagens hedonistas de um paraíso tropical, como
descrito:
O atrativo do litoral do estado do Ceará tem por destaque o seu clima e paisagens
tropicais, praias paradisíacas e a sua localização geográfica estratégica no mundo.
Os visitantes da NOVA ATLÁNTIDA poderão desfrutar de temperaturas
agradáveis nos 365 dias do ano.
A área onde se localiza o projeto de Nova Atlántida (sic) possui uma temperatura
média constante entre a máxima de 32°C durante o dia e a mínima de 20°C, sendo a
média diurna de 28°C e a noturna de 24°C, com uma taxa de umidade máxima de 70%.133

O referido site foi construído com o propósito de impressionar novos investidores


e futuros visitantes. Ao acessá-lo, este projeta-se na cor azul de um mar quase virtual, tendo
como plano de fundo a imagem de dois coqueiros e (na versão em espanhol), sutilmente, o
audível som instrumental da letra musical Só Danço Samba de Vinícius de Moraes e de Tom
Jobim, compositores brasileiros renomados no exterior. Na viagem virtual por todos os links
deste endereço eletrônico ouvem-se as estrofes em acordes de piano de só danço samba, só
danço samba, vai, vai, vai, vai... só danço samba, só danço samba, vai. A suave sonoridade
dessa composição brasileira do movimento musical Bossa Nova foi escolhida para
acompanhar o som das ondas do mar ao fundo e, conduzir o pensamento do pretenso viajante
para o lazer, o prazer e o desfrute do sol abaixo da Linha do Equador, onde tudo parece
começar e terminar em samba. A mensagem do vai, vai, vai, vai, vai oferta o destino em
questão para o turista encontrar muito calor tropical e, tudo mais, que o Nova Atlântida
oferecerá na sua imponente infraestrutura. Essa parece ser a mensagem para o visitante ao site,
onde a musicalidade instrumental repete-se durante as seqüências de imagens. Na viagem
falaciosa vê-se o pôr do sol no litoral do Nordeste do Brasil com os coqueiros ao vento, as
dunas com areias límpidas, os meandros do Rio Mundaú percorrendo os manguezais, as
jangadas recostadas como um convite para passear nas águas mornas do mar atlântico. E, para
agregar toda esta paisagem com a astuciosa escolha da letra Só Danço Samba, o site aproveita
para expor a imagem apelativa do corpo da mulher brasileira em trajes de banho. A paisagem
do paraíso tropical colonizado há mais de 500 anos torna-se, no presente, o espaço hedonista

133
Ceará. Disponível em: <http://www.gruponovaatlantida.com/brasil/index.htm>. Acesso em: 20 mar. 2009.
181

brasileiro (re)significado pelo turismo, o filho mais novo do colonialismo (PRICE, 2000) no
litoral cearense que oferta “um Oásis de paz no último paraíso da Terra”134 como revela o
Nova Atlântida. Portanto, em uma outra narrativa, os indígenas, vivenciam novamente a perda
de suas terras. O script, nesta nova versão no século XXI, traz como a figura de colonizador –
o empreendedor do turismo internacional. Por intermédio deste novo colonialismo,
representado pelo turismo, o Nova Atlântida difunde:
A costa atlântica do Ceará foi escolhida por sua situação estratégica em relação aos
mercados geradores de turismo internacional e nacional, já que está a seis horas e
meia de vôo da Europa e a seis dos Estados Unidos, podendo-se considerar o “Nova
Atlântida” como um epicentro do hemisfério ocidental em relação às grandes
potencias industrializadas da Europa e da América do Norte, e também no que se
refere à própria América do Sul.135
No mesmo site encontra-se também informação sobre os apoiadores oficiais do
Nova Atlântida (o Governo do Estado do Ceará com aprovações e declarações assumidas por
esse estado; o Ministério do Turismo representado pelo Instituto Brasileiro de Turismo
(EMBRATUR); o PRODETUR correlacionado à infraestrutura para o turismo e a Prefeitura
Municipal de Itapipoca com aprovações e declarações do Plano de Ordenação Urbana, do
Plano de Zoneamento e Uso do Solo e a Declaração de Interesse Turístico para o município).
O site destaca a aliança entre o Nova Atlântida, o Governo do Estado do Ceará e o PRODETUR:
Reiteração do interesse do estado do Ceará pelo projeto “Nova Atlântida”, passando
a ser a prioridade número 01 do programa de ação para o desenvolvimento do
turismo no Nordeste, “PRODETUR”.
Ao estar incluído na área de primeira prioridade, o projeto “Nova Atlântida”, poderá
se beneficiar com uma infra-estrutura por parte do governo e com investimentos
oriundos do finor (fundo invest.) nordeste “criado para incentivos fiscais”. 136

Levando-se em consideração as dimensões estruturais e de parcerias do projeto


Nova Atlântida, a situação enfrentada pelo povo Tremembé de São José e Buriti, desde 2002,
é bastante desafiadora. São diversas as opiniões manifestadas a esse respeito por parte de
acadêmicos, de representantes do poder público, membros de ONGs e, também, representante
do próprio Nova Atlântida (Anexo 8).
A difusão referente aos impactos do Nova Atlântida e o modelo de turismo
imposto pelo empreendimento ao povo Tremembé de São José e Buriti e à sua TI têm
chamado a atenção da imprensa escrita, falada e virtual, até no âmbito internacional. As
lideranças desta TI têm se manifestado cedendo entrevistas, participando de eventos locais e

134
Principais Características do Nova Atlântida. Disponível em:
<http://www.gruponovaatlantida.com/brasil/index.htm>. Acesso em: 20 mar. 2009.
135
Idem.
136
Aprovações e declarações do Estado do Ceará. Disponível em:
<http://www.gruponovaatlantida.com/brasil/index.htm>. Acesso em: 20 mar. 2009.
182

nacionais, inclusive sediando a Assembléia dos Povos Indígenas do Ceará em São José e
Buriti, anteriormente comentada. Nestes espaços a afirmação étnica manifesta-se nas
cobranças de providências por parte do poder público em respeitar os direitos indígenas
constitucionais, incluindo, com urgência, o andamento do processo de demarcação da TI
Tremembé de São José e Buriti.
O turismo proposto pelo Nova Atlântida está prejudicando o povo Tremembé de
São José e Buriti ao ameaçar suas terras e dividir o povo. Ao mesmo tempo, o fato de verem
suas terras ameaçadas, pressionou-os a aumentar suas reivindicações para a sua regularização
como TI. Trata-se de um processo “que segundo o chefe da Funai, é longo,”137 o que preocupa
ainda mais o povo Tremembé. Segundo notícia jornalística favorável a causa indígena,
publicada no Diário do Nordeste,
[...] os índios contam que na área de 3.325 138 hectares, parte dos sítios de seu
ancestrais está cercada como área da empresa Nova Atlântida, onde há, inclusive,
barracas montadas por empregados. Segundo Adriana de Castro, a intenção deles é
provar que aquela não é uma terra indígena, o que tornaria mais fácil a posse da
mesma [...]. Se a Justiça não tomar providências a tendência é piorar a situação,
desabafa Adriana de Castro.
O Antropólogo do Ministério Público Federal (MPF), Sérgio Brissac, exp licou
que processos já correm na Procuradoria da República. Uma ação cautelar
movida pelo procurador Márcio Torres resultou na liminar [concedida em 2004]
que determina a suspensão do licenciamento da obra do complexo turístico
dada, anteriormente, pela Semace [...]. Com isso Brissac esclarece que a
continuidade da obra ou mesmo as ameaças aos índios, se comprovadas pela
Procuradoria, implicam descumprimento da medida. Hoje [2006], uma ação
Civil Pública, está sendo movida por Márcio Torres, mas segundo o
antropólogo, ainda não chegou a nenhuma decisão judicial [...].139

Durante os trabalhos de campo na TI Tremembé de São José e Buriti foi possível


junto com indígenas da aldeia Buriti realizar caminhadas ao longo de terrenos das duas aldeias
(São José e Buriti) e identificar algumas dessas áreas privatizadas pelo Nova Atlântida,
mencionadas na matéria acima, especialmente os terrenos produtivos (Figura 23). Nestes,
como revela a referida ilustração a seguir, existe estrutura erguida e áreas cercadas
demonstrando a construção e privatização irregulares na TI.

137
Conflito. Diário do Nordeste, Caderno Regional, Fortaleza, 9 novembro 2006.
138
Estimativa antes da realização do Estudo de Identificação pelo GT/FUNAI, iniciado no segundo semestre de
2009 que apresentou “superfície aproximada de 3562ha.” (FRANCO, 2010, p. 15).
139
Conflito. Diário do Nordeste, Caderno Regional, Fortaleza, 9 novembro 2006.
183

Figura 23: Estrutura (quiosque) construída próxima ao Rio Mundaú pelo Nova Atlântida e
terreno produtivo privatizado pelo empreendimento na aldeia São José , Marinheiros, Itapipoca.
Fotos: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan. 2007.

Apesar do projeto Nova Atlântida continuar embargado desde o ano de 2004 pelo
Ministério Público Federal (MPF) como foi ressaltado por Leite (2009) e reforçado na notícia
jornalística citada anteriormente, as pressões dos investidores para a retomada do
empreendimento não cessaram. Observa-se essa coação por parte do diretor geral do Nova
Atlântida na sua opinião expressa no jornal O Povo de Fortaleza, quando este refere-se a uma
parcela de moradores de São José e Buriti que apóiam o empreendimento:
As comunidades de São José e de Buriti [...] são comunidades de gente de bem: ordeira
e que trabalha. O que está acontecendo é que uma (minoria de pessoas e de invasores
estranhos à área), ligados a sindicatos e movimentos sociais, no mínimo estranhos,
estão tentando obter vantagens ao impedir o desenvolvimento da área. Ora, o
impedimento só prejudica às populações que eles alegam representar [...]. É lamentável
que nos dias de hoje e em um Estado democrático, uma minoria aparelhada e com voz
possa impedir a grande maioria da comunidade que não têm voz. 140

O povo Tremembé de São José e Buriti, apesar de saber que o processo de demarcação
da sua TI encontra-se em curso desde 2009, temem novas ameaças, invasões de outros terrenos
dentro da TI e a perda desta terra para o Nova Atlântida. Segundo Oliveira Filho, referindo-se às
TIs do Nordeste do Brasil: “grande parte das terras habitadas pelos índios são reivindicadas por
brancos, que sobre elas exibem títulos de propriedade ou alegam a aquisição de direitos de posse”
(1998a, p. 21). O caso desta TI é um exemplo, pois o povo indígena enfrenta as pressões do
consórcio internacional de empresas que tenta implantar o Nova Atlântida e, seus representantes
afirmam deter a escritura destas terras desde a década de 1970, como revela a matéria jornalística
Cidade Nova Atlântida: Embate Ganha Apoio Político:

140
Opinião. O povo. Fortaleza, 12 de novembro 2006.
184

As terras para a construção do megaprojeto Cidade Nova Atlântida, foram


adquiridas, em 1978 pelo grupo empresarial espanhol de mesmo nome, durante o
Governo de Virgílio Távora. Em 20 anos, muitas questões, barraram seu andamento.
Investigado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), vinculado
ao Ministério da Fazenda, o presidente do grupo espanhol Nova Atlântida, Juan
Ripoll Mari, foi acusado, em 2007, de lavagem de dinheiro do crime organizado
internacional. Há seis meses, o Afirma Grupo Inmobiliário assumiu o comando do
projeto. Orçada em US$ 15 bilhões, a Cidade Nova Atlântida pretende ser o maior
empreendimento turístico do País. Está prevista a construção de 13 hotéis cinco
estrelas, 14 resorts, seis condomínios residenciais e três campos de golfe, numa área
contínua de 12 quilômetros de praia e 3,1 mil hectares.141

A intenção do Nova Atlântida, apesar dos impasses jurídicos enfrentados, é


efetivar todas as construções programadas das superestruturas hoteleiras, residenciais e de
lazer na TI Tremembé de São José e Buriti. As informações acima citadas sobre a
infraestrutura do empreendimento diferem daqueles anunciados no site do Nova Atlântida,
como ressaltado: 27 complexos hoteleiros de cinco estrelas, residências de luxo, 7 campos de
golf, 1 marina e 3 comunidades locais. Adverte-se que os dados dessas duas fontes (jornal e
site), são também diferentes dos levantados por Meireles e Marques (2004)142, comentados a
frente.
O projeto urbanístico do Nova Atlântida subdivide-se em primeira e segunda fase
de implantação. Conforme a Figura 24, sobrepõe-se a área (delineada em vermelho)143 estudada
por Meireles e Marques (2004) às outras áreas (delineada em azul e laranja) correlativas às duas
fases de implantação do Nova Atlântida. Dessa forma, é possível demonstrar por meio da
sobreposição que ocorrerão impactos de ordens socioambientais, culturais e econômicos de
altiva proporção (MEIRELES, 2006), a serem causados pelo Nova Atlântida na TI Tremembé
de São José e Buriti e no seu entorno. Isso pelo fato do mencionado estudo de Meireles e
Marques (2004) ter proporcionado a elaboração de “[...] diagnóstico ambiental com a definição
das unidades de paisagem, impactos ambientais, [e] atividades de usufruto da comunidade
indígena Tremembé de São José e Buriti [...].” (2004, p. 4).

141
Cidade Nova Atlântida: Embate Ganha Apoio Político Disponível em:
<http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=555864>. Acesso em: 3 jan. 2011. Publicada em: 18 jul. 2008.
142
Os autores levantaram os dados a partir do Estudo de Impactos Ambientais (EIA) / Relatório de Impacto Ambiental
(RIMA) do Nova Atlântida e do Parecer Técnico n° 4049/04 do Conselho de Política e Gestão do Meio Ambiente
(COPAM) / Núcleo de Controle Ambiental (NUCAM) da Superintendência Estadual do Meio Ambiente (SEMACE).
143
A área circundada representa os setores de unidade de paisagem estudados durante os trabalhos de campo.
Não evidencia necessariamente uma proposta de demarcação da terra indígena, uma vez que o domínio
de usufruto da comunidade Tremembé pode extrapolar os limites evidenciados neste parecer. (MEIRELES;
MARQUES, 2004, p. 8)
185
186

Meireles e Marques (2004) definiram 5 (cinco) Unidades de Paisagem (Tabuleiro,


Lagoas, Ecossistema Manguezal, Campos de Dunas e Faixa de Praia), situadas no mesmo
campo (delineado em vermelho) na figura anterior. Em outro trabalho, um dos citados autores
discute a importância dessa área estudada com as unidades da paisagem, ressaltando alguns
impactos já causados por atividades do Nova Atlântida e adverte como podem acontecer:
Campos de dunas móveis e eolianitos [...] repletos de sítios arqueológicos,
reservatórios de água potável, nascedouros de riachos de águas cristalinas, poderão
ser ocupados por uma elevada densidade de equipamentos hoteleiros. O
tabuleiro litorâneo será utilizado justamente onde estão os riachos, as lagoas
perenes e sazonais, a mata de tabuleiro e uma diversificada fauna, incluindo aves
migratórias. Ao longo do ecossistema manguezal do rio Mundaú, lugar de
pesca, mariscagem e coleta de caranguejos, foi projetada a construção de cinco
marinas e ancoradouros. Foi também nas margens desse ecossistema de
preservação permanente que ocorreram desmatamentos do manguezal e do
carnaubal para a implantação de uma fazenda de camarão (atualmente
abandonada). Ao conversar com um índio Tremembé (da aldeia São José, 70 anos)
ao lado da tapera de seu bisavô na margem esquerda do rio Mundaú, disse da
importância vital das relações ecológicas e de seu modo de vida interdependente
com os demais sistemas costeiros da região: “a água nasce e se creia na nossa terra,
quando desmata, a água se acaba; é a natureza quem agüenta a água.” (MEIRELES,
2006, p. 7).

O autor acima, também afirma na mesma obra, em relação ao Nova Atlântida, que
se houveram outros “estudos para a implantação desta estrutura faraônica não levaram em
conta a presença indígena, a existência de sítios arqueológicos, os impactos cumulativos,
nem muito menos os custos sociais, ecológicos e culturais.” (MEIRELES, 2006, p. 7).
Conforme trecho destacado da Ação Cautelar 009/2004144:
No caso sob exame, como se percebe do Parecer Técnico n° 4049/04-
COPAM/NUCAM, que dá suporte à análise dos conselheiros da SEMACE, não
houve qualquer menção à presença indígena na área do empreendimento e mesmo
em seu entorno, desobedecendo o que estabelece a Resolução CONAMA n° 001, de
23 de janeiro de 1986, em seu art. 6°, inciso I, alínea “c”:
Artigo 6º - O estudo de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, as seguintes
atividades técnicas:
[...]
c) o meio sócio-econômico - o uso e ocupação do solo, os usos da água e a sócio-
economia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e
culturais da comunidade, as relações de dependência entre a sociedade local, os
recursos ambientais e a potencial utilização futura desses recursos.

Esta Ação Cautelar versa sobre o Parecer Técnico n° 4049/04-COPAM/NUCAM


apoiado pela SEMACE, que proporciona total apoio à implantação do Nova Atlântida,
negando a presença indígena na TI Tremembé de São José e Buriti.

144
AÇÃO CAUTELAR N° 009/2004. Requerente: Ministério Público Federal. Requeridos: Nova Atlântida Ltda
e Estado do Ceará. Disponível em: <http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/atuacao-do-mpf/acao-civil
publiva/docs_classificacao_tematica/Acao_Cautelar_PRCE_Nova_Atlantida.pdf. >. Acesso em: 15 ago. 2009.
Emitida em: 3 nov. 2004. Grifos no original.
187

Retoma-se a Ação Cautelar 009/2004. A medida liminar requerida considera que a

SEMACE está impedida de licenciar o empreendimento denominado “Projeto


Turístico Nova Atlântica CidadeTurística Residencial e de Serviços”, no Município
de Itapipoca, em face do interesse federal decorrente da presença da comunidade
indígena Tremembé, bem como seja a empresa Nova Atlântida Ltda condenada à
obrigação de abster-se de dar início a qualquer obra relativa a tal empreendimento,
bem como de adquirir posse ou propriedade dos membros da comunidade indígena,
coletiva ou individualmente.145

Apesar das medidas jurídicas tomadas pelo MPF/CE, o Nova Atlântida no seu site
difunde que a primeira fase de implantação do Nova Atlântida, destacada anteriormente na
Figura 24, presume ocupar “11.000.000m² [...] situado na praia de Nova Atlântida, entre as
praias Pedrinha e da Baleia, no Oceano Atlântico. Próximo à foz e às margens do Rio
Mundaú.”146 Conforme grifou-se na citação, o empreendimento antecede-se e intitula uma
faixa de praia com o próprio nome. Esta tentativa de privatização, chamada de 1ª Fase de
Implantação, conforme a sua maquete eletrônica apresentada no mesmo site, visa a
implantação de hotéis e resorts de bandeira internacional estruturados com salas de
convenções, centros comerciais, restaurantes temáticos e panorâmicos, spa, clubes, áreas
desportivas marítimas e fluviais. Embora o site evidencie a mega estrutura, o Nova Atlântida
apresenta-se no mesmo endereço virtual, como “Projeto turístico, social e ecológico dedicado
ao apoio de crianças carentes abandonadas, terceira idade carente e o meio ambiente.”147 Em
clara tentativa de mitigar, verbalmente, seus impactos nocivos para o ambiente e os
Tremembé, população tradicional destas terras. Admirável a alegada dedicação do
empreendimento ao apoio de crianças carentes abandonadas e idosos também carentes,
quando o público alvo seja consumidores das suntuosas ofertas previstas pela referida Cidade
Turística Residencial, como descreve Meireles e Marques (2004, p. 53-54)
De acordo com o EIA/RIMA e o Parecer Técnico n° 4049/04
COPAM/NUCAM, “o Projeto Turístico Nova Atlântida Cidade Turística
Residencial e de Serviços compreende uma área total de 1.000ha que serão
ocupados de modo gradativo, de forma integralizada na concepção de uso total
do terreno”.
Acrescenta ainda o mesmo Parecer Técnico que as zonas de uso [...] terão
uma densidade de ocupação diferenciada, dependendo dos fatores de atração de
cada segmento. Adianta que foi definida a instalação de 11 (onze) grupos
corporativos, os quais implantarão 28 (vinte e oito) empreendimento hoteleiros,

145
AÇÃO CAUTELAR N° 009/2004. Requerente: Ministério Público Federal. Requeridos: Nova Atlântida Ltda
e Estado do Ceará. Disponível em: <http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/atuacao-do-mpf/acao-civil
publiva/docs_classificacao_tematica/Acao_Cautelar_PRCE_Nova_Atlantida.pdf. >. Acesso em: 15 ago. 2009.
Emitida em: 3 nov. 2004. Grifos no original.
146
Nova Atlântida, 1ª Fase de Implantação. Disponível em:
<http://www.gruponovaatlantida.com/spain/index.htm>. Acesso em: 20 mar. 2009.
147
Idem.
188

todos de padrão internacional (5 estrelas) e, que no núcleo São José serão edificadas
pequenas pousadas.
Segundo notícias veiculadas em um jornal especializado em economia e
finanças (http://www.investnews.net, consulta realizada em 21.12.2004) o
empreendimento conta com uma segunda148 fase, utilizando uma área total de
3.200ha (a primeira com 1.100ha): “os planos dos investidores, que não
dispensam requinte nas construções, aliam como atrativo a construção de marinas e
campos de golfe, considerados importantes na hora de conquistar o turista
internacional. O Cidade Atlântida, na Praia da Baleia, município de Itapipoca, a
cerca de 130 quilômetros de Fortaleza, prevê três campos na fase inicial, que
inclui 14 hotéis e 13 resorts, todos categoria 5 estrelas, e seis condomínios
residenciais. O projeto, conduzido pelo grupo espanhol Nova Atlântida, e
estruturado de forma auto-sustentável, envolve 42 empreendimentos, oferta de
120 mil leitos com 8 campos de golfe, e área de 3,2 mil hectares, no global. Os
trabalhos da gigantesca cidade começam pelas obras de base e seguem com a
construção de um hotel escola para formação de mão-de-obra, com capacidade
de 200 unidades habitacionais. A primeira fase - orçada em US$ 1,5 bilhão para os
próximos oito anos - envolve área 1100 hectares, para 27 empreendimentos,
com capacidade para 42 mil leitos, distribuídos entre hotéis e resorts, todos
temáticos, com equipamentos complementares entre si, e liberados aos hóspedes
[...].

Assim, ao visualizar novamente na Figura 24 na área (delineada em vermelho),


conclui-se considerando que esta superfície
[...] evidencia a complexidade ambiental de parte da terra tradicionalmente ocupada
pela etnia Tremembé de São José e Buriti. O ecossistema manguezal, as
nascentes de riachos e canais de maré, as lagoas costeiras e interdunares, o tabuleiro
e a faixa de praia, [que] foram definidos como áreas propícias à instalação dos
equipamentos hoteleiros. (MEIRELES, 2006, p. 8).

Além dos impactos diretos na TI Tremembé de São José e Buriti a construção do


Nova Atlântida, também, afetará áreas fronteiriças como a praia de Mundaú localizada no
município de Trairí, destacados na mesma figura anterior. Trairí é banhado pelo Rio Mundaú e,
neste município, localiza-se a sua foz na fronteira com Itapipoca. Segundo Meireles e Marques
(2004, p. 33) “O rio Mundaú, com o ecossistema manguezal disposto ao longo de toda a faixa
de terra à leste da TI, representa um fundamental manancial de biodiversidade e de
disponibilidade de recursos naturais para a comunidade.” Este rio torna-se o vetor de referência
do saber-fazer como retrata as Figuras 25 e 26, o qual acontece no dia-a-dia dos indígenas
entre as aldeias São José e Buriti (Itapipoca) e a praia de Mundaú (Trairí) com risco de ser
soterrado para dar lugar à imponente estrutura do Nova Atlântida.

148
A respeito da segunda fase de implantação do Nova Atlântida, quando acessado o link correspondente no site
oficial do empreendimento, aparece a menção “atualmente em desenvolvimento.” 2ª Fase de Implantação.
Disponível em: <http://www.gruponovaatlantida.com/spain/index.htm>. Acesso em: 20 mar. 2009.
189

Figura 25: Artesanato e cartaz de plantas medicinais da aldeia Buriti expostos na Centro
Comunitário (utilizado como escola)149 e moradora de Buriti na cozinha de casa servindo
alimentos (feijão e farinha de mandioca) produzidos no quintal e pescado do Rio Mundaú.
Fotos: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan., 2007.

Figura 26: Construção coletiva da Casa de Farinha na aldeia Buriti financiada, em 2008, com
recurso de Programa do Governo Federal (Carteira Indígena) e morador da TI Tremembé de São
José e Buriti vindo de Mundaú (Traíri) com cargas de frutas transportadas por animal de uso
habitual no local.
Fotos: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan., 2008 e 2007.

Segundo expressam as lideranças indígenas de São José e Buriti a implantação do


empreendimento Nova Atlântida destruirá a convivência entre o povo indígena em questão e o
seu ambiente na TI. De fato, perante os resultados apresentados no estudo realizado na TI
Tremembé de São José e Buriti os pesquisadores após detalhado levantamento constatam que
“Serão promovidos impactos ambientais de elevada magnitude e relacionados diretamente com

149
Em 2007 não havia sido inaugurada a Escola Diferenciada de Ensino Fundamental e Médio de Buriti.
190

as atividades de usufruto da comunidade indígena (roçados, caça, acesso ao ecossistema


manguezal e ao rio Mundaú para a pesca e a coleta de caranguejos e mariscos).” (MEIRELES;
MARQUES, 2004, p. 13-14).
A esse respeito uma informante comentou que viver em São José e Buriti, antes
do Nova Atlântida,
Era saudável. A gente entrava e saia à vontade. Hoje a gente não tem acesso,
principalmente a ida para o mangue para a pesca do carangueijo (as gamboas) que
hoje está fechado pelo Nova Atlântida.
A cultura antes, era uma cultura aberta. A gente não tinha medo de se mostrar, vivia
livremente. Nem pensava que ninguém vinha interferir no nosso modo de viver (a
pesca, o trabalho da roça e a caça). Hoje, a caça, está escassa. (Liderança
Tremembé, A C C, moradora de São José).150

A mesma liderança Tremembé, com referência ao turismo, acrescentou:


A gente pensa no turismo que o turista viesse ver nossos artesanatos. Não nesse
turismo do Nova Atlântida que eles dizem que aqui é deles (nossas matas e rios). Na
verdade não é deles. Eles tão usando [para o turismo deles] em nome de nossas
belezas.
A gente tem planos, a gente tem mananciais bonitos para chamar visitantes com
nossas comidas típicas. Isso foi pensado em nossas reuniões. Em nosso dia-a-dia de
luta a gente sabe que é difícil, mas é uma necessidade [pensar] esse nosso turismo
[...] tanto que agora tamo fazendo em Buriti um localzinho, a Sede do Conselho
[Figura 27], e lá se expõe o artesanato por todo esse mês [janeiro 2009]. (A C C,
moradora de São José).

Figura 27: Sede, em construção, do Conselho Indígena para


reuniões e exposições do artesanato aos eventuais visitantes.
Foto: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan., 2009.

E ainda afirmou, “Tem os Tapeba com o Centro de Artesanato, onde os visitantes


vão visitar e comprar. Por isso a gente tem a necessidade de se articular com eles. (Liderança
Tremembé A C C, Moradora de São José). Ressalta-se que no trabalho de campo em, 2007 e

150
Dados de Entrevista. Pesquisa de campo realizada em São José, Itapipoca em 4/1/2009.
191

2008, as lideranças indígenas entrevistadas em São José e Buriti não demonstravam-se


interessadas em estimular o turismo na TI, pois a única visão que possuíam da atividade
correspondia com a modalidade de turismo imposta pelo Nova Atlântida para apoderar-se da TI.
Entretanto, no trabalho de campo de 2009, as mesmas lideranças expressaram a possibilidade
de se organizarem para praticar o turismo comunitário de maneira semelhante às experiências
existentes em outras TIs do Ceará, que segundo elas, entendem ser diferente do turismo
idealizado pelo Nova Atlântida por ser administrado por eles/as como comunidade.
Segundo informantes indígenas Tremembé de São José e Buriti, contrários a
implantação do Nova Atlântida, permitir que este modelo de turismo maciço se estabeleça na
TI significa suprimir o legado cultural do referido povo indígena. Para Oliveira Filho (2004, p.
25) trata-se do “patrimônio cultural dos povos indígenas do Nordeste, afetados por um
processo de territorialização” que provoca o uso e apropriação dos seus territórios por
empreendedores para a prática de atividades contemporâneas como o turismo.
Mesmo com a dimensão dos impactos culturais e socioambientais decorrentes da
construção do Nova Atlântida, o povo Tremembé até o mês de conclusão dessa tese (fevereiro
de 2012) não havia conseguido o reconhecimento definitivo da sua TI pelo Estado brasileiro.
Parte dos moradores da TI Tremembé de São José e Buriti se organiza como indígena para
reivindicar seus direitos territoriais perante o Estado em resposta à ameaça deste mega-
empreendimento turístico. Outra parte continua a negar a identidade Tremembé, pois cede à
cooptação por meio dos salários ofertados pelo Nova Atlântida.
A matéria jornalística Nova Atlântida Aposta em Estratégia Ambiental apresenta
mais uma tentaiva por parte de representantes do Nova Atlântida a adotar práticas que
apresentam como forma de inclusão social, como a Campanha de Preservação do Meio
Ambiente. Este momento foi organizado pelo Nova Atlântida e o Afirma Grupo Espanhol
Inmobiliário com o propósito de permitir a participação dos alunos do Distrito Marinheiros
em algumas atividades, portanto, o coordenador do projeto, assevera:
Além de palestra [...] tiveram oportunidade de visitar áreas de mangue e
preservação, de aprender como se faz o plantio da muda e conhecer mais sobre o
Empreendimento Nova Atlântida [...]. Segundo Flávio Costa [...] ‘Essa atividade é
para tentar mostrar para as pessoas que as nossas ações aqui são para trazer o
desenvolvimento. Nós estamos oferecendo mais de 80 empregos diretos. Tinha até
gente que se dizia índio que negou sua origem e hoje trabalha com a gente e se diz
mais feliz [...], afirmou Flávio.151

151
Nova Atlântida Aposta em Estratégia Ambiental Disponível em:
<http://www.oestadoce.com.br/index.php?acao=noticias&subacao=ler_noticia&cadernoID=19&noticiaID=2807>.
Acesso em: 20 ago. 2009. Publicada em: 12 set. 2008.
192

Cabe recordar que a TI Tremembé de São José e Buriti encontra-se no Distrito


Marinheiros. A proximidade geográfica da TI com a Vila dos Pracianos, também localizada
em Marinheiros, serve de estratégia para os representantes do Nova Atlântida, pois realizam
atividades, como a campanha descrita acima, com intuito de convencer moradores desse
distrito sobre o desenvolvimento e oportunidades de empregos com a implantação da Cidade
Turística Residencial. Essas promessas de benefícios locais são formas de pressionar os
moradores de Marinheiros (Vila dos Pracianos), contra aqueles que são seus vizinhos na
mencionada TI, localizada no mesmo distrito e que, a partir da afirmação étnica, buscam os
direitos às suas terras cobiçadas pelo Nova Atlântica.
Reitera-se que o referido empreendimento pretende apropriar-se dos 3.562
hectares da TI Tremembé de São José e Buriti. Esta área reivindicada como TI é o motivo
para representantes dos grupos privados internacionais e dos poderes públicos, parceiros no
projeto Nova Atlântida, difundirem o velho preconceito de que não tem índios no Ceará.
Menos ainda, em São José e Buriti, terras providas de elementos naturais como áreas
litorâneas propícias para a instalação dos projetos e os serviços planejados para a Cidade
Turística Residencial, o que corresponde às metas da Rede de Polos de Turismo do Governo
do Estado do Ceará, já discutida. A liderança indígena Tremembé de São José, A C C,
afirmou em entrevista152 concedida à revista da Fundação Cultural Educacional Popular em
Defesa do Meio Ambiente (FUNDAÇÃO CEPEMA), que:
Antes de a Nova Atlântida chegar, nós lutava juntos. Com a Nova Atlântida,
começou esses empregos, então, [parte do] nosso povo não se identificou mais como
índio. Porque se eles se identificarem, eles não vão ter mais os empregos da Nova
Atlântida. Há um conflito entre se identificar e não se identificar.
(AGROFLORESTA, 2008, p. 28).

Segundo a mesma liderança Tremembé, esta situação provoca conflitos na TI


Tremembé de São José e Buriti, até entre familiares. A sua preocupação é que essas discordâncias
internas sejam manipuladas para os interesses do Governo Estadual do Ceará e do Nova Atlântida,
para enfraquecer a luta dos indígenas para o reconhecimento de suas terras e facilitar a implantação
da obra. Para ganhar espaço nas negociações e convencer o maior número de moradores de São
José e Buriti e, inclusive, projetar na mídia a idéia de manter pacífica a situação local, o
representante do Nova Atlântida, citado em matéria jornalística, garante:
“No momento estamos fazendo benfeitorias para a população, construindo escolas, postos
de saúde, viveiros de plantas. Eles não têm como sobreviver.” A declaração é do diretor
da empresa Nova Atlântida, Frank Roman que se diz também preocupado com o risco de
um enfrentamento entre os que se consideram índios e os que não querem aceitar a

152
Dados de Entrevista. Depoimento concedido à Revista Agrofloresta em outubro de 2008.
193

descendência [...]. Quanto às construções da Cidade Nova Atlântida [...] diz que não estão
sendo feitas e sim está havendo uma negociação com a justiça.153

Não se observou benfeitorias proporcionadas pelo Nova Atlântida na TI


Tremembé de São José e Buriti durante os trabalhos de campo entre 2007 e 2009. Avistou-se
terrenos cercados e algumas estruturas construídas para os interesses do empreendimento, já
demonstrados. No ano de 2009, avistou-se sinais de desmatamentos e queimadas na estrada de
acesso e no interior da TI (Figura 28). Uma informante apoiadora da causa indígena, assegura
que “Em São José e Buriti tem uma turma de jovens trabalhando, alargando a estrada” (M A
L, moradora de Fortaleza).154 Isso para facilitar o tráfego de caminhões do empreendimento,
segundo revelaram as lideranças indígenas.155

Figura 28: Estrada de acesso a TI Tremembé de São José e Buriti com sinal de vegetação
queimada, deslocamento de cercas e acesso bastante alargado pelas margens desmatadas.
Fotos: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan., 2009.

O reconhecimento desta TI, é visto pelo Governo Estadual do Ceará e os seus


correligionários políticos favoráveis à implantação do Nova Atlântica como um enorme
prejuízo na execução de projetos turísticos federais/estaduais com capital estrangeiro,
especialmente o mencionado PRODETUR NACIONAL Ceará. A posição dos referidos atores
sociais favoráveis ao empreendimento torna-se clara na notícia divulgada no jornal Diário do
Nordeste, Cidade Nova Atlântida: Embate Ganha Apoio Político:
Deputados dizem que ONG alicia pessoas na região para se passarem por índios
[...]

153
Diretor alega realização de benfeitorias. O Povo, Fortaleza, 15 de novembro de 2006.
154
Dados de entrevista. Pesquisa documental realizada em Fortaleza na AMIT em 31/12/2008.
155
Dados de entrevista. Pesquisa de campo realizada na TI Sítio São José e Buriti em 4/1/2009.
194

A discussão envolvendo o polêmico complexo turístico hoteleiro Cidade Nova


Atlântica [...] ganha agora uma nova adesão: a dos parlamentares da Comissão de
Turismo da Câmara Federal.
Acompanhados pelo governador do Ceará, Cid Gomes (PSB) [...] os membros da
comitiva vieram ao Ceará e sobrevoaram a área de três mil hectares que abrigará o
empreendimento. Segundo eles, no local, não há rastro algum de indígenas. ‘O que
existe é uma ONG [Organização Não-Governamental] que já recebeu quase R$ 1
milhão para aliciar pessoas na região para se passarem por índios’, afirma a
Deputada Gorete Pereira (PR-CE). ‘Fomos até lá, conversamos com a população
local e não vimos nenhum índio. O que vimos foram pessoas que querem a
implantação de um projeto que irá trazer desenvolvimento e empregos’, emenda o
deputado Albano Franco (PSDB-SE), presidente da Comissão de Turismo da
Câmara Federal [...] Após a visita técnica à Itapipoca os deputados, o Embaixador da
Espanha no Brasil, Ricardo Peidró e os espanhóis do Afirma Grupo Inmobiliario
(atuais donos da Cidade Nova Atlântida desde o início de 2008) se reunirão a portas
fechadas com Cid Gomes.156

Representantes do poder público e do privado, conforme noticiado, estão juntos


nas ações para implantar o Nova Atlântida, ao mesmo tempo, adversos aos Tremembé de São
José e Buriti que lutam pela regularização da TI. Para Coelho “O ato de definir um território
[...] acaba por se constituir em um exercício de confronto de interesses, no qual estão em jogo
visões de mundo diferenciadas.” (2002, p. 149). Assim, passados trinta dias da notícia acima,
em que políticos aliados do Governo do Estado do Ceará e dos empresários do Afirma Grupo
Inmobiliario negaram a existência de indígenas na TI Tremembé de São José e Buriti, ocorreu
um ato público em favor destes indígenas. Segundo o site independente Chão de Bits:
No dia 21/08/2008 houve um ato em solidariedade [a partir das 16 horas, caminhada
da praça José de Alencar até a praça do Ferreira] aos índios Tremembé de São José
e Buriti. Com o lema ‘Nossos direitos estão sendo violados! Vamos lutar juntos!
Não nos rendemos, nem nos vendemos!’, os Povos Indígenas do Estado, juntamente
com diversos movimentos sociais, ONGs, grupos de pesquisa das Universidades e de
assessoria jurídica popular, advogados/as e militantes dos Direitos Humanos foram
às ruas para denunciar e dar visibilidade às problemáticas que vêm sendo
enfrentadas pelos índios no Estado.157

Em decorrência da mesma notícia jornalística, foi gerada por parte de Philipe


Ribeiro, educador da ONG ENC!NE, a idéia de produzir o documentário E TEM ÍNDIO NO
CEARÁ?158 em apoio aos povos indígenas. Este educador afirma: “Fomos conferir esta
história em São José e Buriti. Pela urgência do caso, não foi possível finalizar o vídeo [...] –
mas estamos disponibilizando algumas falas que colhemos na comunidade.” Estes

156
Cidade Nova Atlântida: Embate Ganha Apoio Político Disponível em:
<http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=555864>. Acesso em: 20 ago. 2008. Publicada em: 18 jul. 2008.
157
Mais vídeos do documentário “E tem índio no Ceará?” Disponível em:
<http://philipe.wordpress.com/2008/09/06/mais-videos-do-documentario-e-tem-indio-no-ceara/>. Acesso em: 18
out. 2009. Publicado em: 6 set. 2008.
158
E TEM ÍNDIO NO CEARÁ? Disponível em: <http://philipe.wordpress.com/2008/08/18/e-tem-indio-no-
ceara-documentario/>. Acesso em: 18 out. 2009.
195

depoimentos de alguns Tremembé de São José e Buriti começaram a circular na internet159,


em que os indígenas falam de afirmação étnica, da importância da TI para o povo indígena,
dos impactos causados pelo Nova Atlântida na TI e dos seus direitos constitucionais
aguardados referentes ao reconhecimento oficial da TI. De fato, a situação enfrentada pelo
povo Tremembé de São José e Buriti contra o turismo economicista imposto pelo Nova
Atlântida e os impactos negativos já gerados pelo empreendimento na TI, têm se repercutido
em matérias jornalísticas, debates, reivindicações indígenas e medidas jurídicas contra e a
favor dos Tremembé em questão.
Quanto aos comentários prestadas por alguns dos parlamentares da Comissão de
Turismo da Câmara Federal, negando a presença indígena nesta TI, a situação assemelha-se
àquela ocorrida com os Tapeba de Caucaia no Ceará, em que:
As declarações da deputada estadual Maria Lúcia Corrêa (PMDB), ex-primeira
dama do município de Caucaia (1976-1980), então presidente da Comissão de
Educação da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, ela contestou, do alto do
seu título de bacharel em história, a existência dos índios tapebas, manifestando
contra o “sigilo” em que vinham se processando a ação no município e defendendo,
em declaração à imprensa, a seguinte tese:
Nunca existiu índios Tapebas. O que existe é um grupo de descendentes de um
caboclo conhecido pela alcunha de “Perna-de-Pau” que habitou na área de Caucaia
no início do século e que teria vivido maritalmente com duas irmãs, o que gerou um
grupo racial fechado que foi habitar nas proximidades da Lagoa do Babaçu, na
estrada da localidade de Garrote a oeste da sede da antiga Soure, hoje Caucaia [...].
(BARRETTO FILHO, 2004, p. 128).

As lideranças indígenas de São José e Buriti apresentam em seus depoimentos as


posições negativas do Governo Estadual do Ceará em relação à regularização de TIs. A crítica
de Oliveira Filho ao Estado Nacional corrobora a opinião dos indígenas, pois o autor revela:
As terras indígenas são colocadas como antítese do desenvolvimento. Na formulação
dos que se opõem à criação ou reconhecimento das áreas indígenas, seriam enormes
extensões de terra, sem qualquer ocupação econômica produtiva, que se ergueriam
como muralhas à expansão da economia de mercado. (1998a, p. 43).

Na entrevista160 concedida por uma liderança Tremembé de São José à Fundação


Cepema, a indígena explicita que:
O governador Cid Gomes esteve aqui com o interesse de defender o Nova Atlântida.
Ele querendo que nós negociássemos, deixássemos esse empreendimento acontecer.
Que é pra trazer riqueza, trabalho para a população. O governador nos disse que
terra pra ele tem que ser produtiva. Se não for, não vale nada.
Ele estava dizendo aquilo para nos intimidar e que nós não teríamos outra opção.
Mas, nós mostramos que ele é que vá fazer esse empreendimento em outro canto
porque nós não vamos sair daqui. Nós temos que ficar aqui nas nossas terras. Se tem
que vir turismo, se tem que haver desenvolvimento, que seja um desenvolvimento
legal, estável para todos nós. Não um desenvolvimento que vai acabar com a maioria

159
Em 18 de agosto de 2008 no citado site Chão de Bits.
160
Dados de Entrevista. Depoimento cedido à Revista Agrofloresta em outubro de 2008.
196

da nossa terra e deixar muito do nosso povo sem contato com os nossos manguezais,
nossas matas e rios. (AGROFLORESTA, 2008, p. 28).

Os governantes, empresários e posseiros, em sua maioria, não se interessam em


saber que:
Muitas vezes a criação de uma terra indígena é um instrumento essencial para a
proteção ambiental, possibilitando, a preservação de um intricado equilíbrio entre
fatores que viabilizam a coexistência de complexos ecossistemas [...]. Logo, para
avaliar a significação global (fundiária, populacional, cultural e ambiental) de uma
terra indígena é fundamental pensar na diversidade ambiental que esta área abriga,
assim como na complexa interação entre os ecossistemas e a população
culturalmente diferenciada que a habita. (OLIVEIRA FILHO, 1999, p. 162).

Entre os Tremembé de São José e Buriti há os que lutam para se diferenciarem como
indígenas do restante da população regional, não somente frente às ameaças impostas pelo Nova
Atlântida, mas também na luta pela posse da sua TI. Segundo Coriolano “O movimento reprodutivo
do capital mundializado, em sua ânsia de acumulação contínua e ampliada, reforça os conflitos, mas
não sem produzir resistências.” (2006a, p. 375). Toma-se o geógrafo Juan Hidalgo que pesquisou a
Cosmovisión y participación política de los indígenas en el Ecuador para refletir sobre a importância
das oposições ressaltadas por Coriolano, pois segundo ele
El territorio indígena es un espacio apropriado por una comunidad, que tiene una
interacción y materialización de su presencia en el territorio. En él, tienen sus
viviendas, sus cultivos, sus caminos y plazas, sus lugares sagrados, sus recursos
naturales como el agua y el bosque. Por consiguiente, su territorio no es solamente
un espacio con dimensiones geométricas, sino un conjunto de elementos vinculados
profundamente con el ser humano. (HIDALGO, 2006, p. 266).

Aqueles Tremembé de São José e Buriti que não foram aliciados pelo Nova
Atlântida e se afirmam indígenas, têm reivindicado o reconhecimento oficial da TI como
Tremembé do Ceará. A liderança indígena da aldeia São José tem encaminhado muitas
correspondências, como a carta abaixo:
AOS APOIADORES DAS LUTAS INDÍGENAS
Desde 2002 nós, Tremembé das Aldeias São José e Buriti, em Itapipoca – distrito de
Marinheiros e Baleia – Ceará, enfrentamos uma luta pesada contra uma empresa de nome
“Nova Atlântida” que quer construir uma cidade turística internacional em nossas aldeias.
Estamos escrevendo umas cartas com pedido de apoio e também para informar aos
nossos parentes, aos amigos apoiadores, as Instituições Federais, responsáveis pela
defesa dos Povos Indígenas.
Juntamos recortes de jornais que tem dado notícias dessa nossa luta de resistência.
Tem sido importante o apoio da imprensa.
Já recebemos visita e alimentos dos parentes Tremembé e dos Kanindé de Aratuba.
Fomos também visitados por autoridades da FUNAI, IBAMA, Procuradoria da República
e Agentes da Polícia Federal. E Jornalistas do Jornal O POVO e da Folha de São Paulo.
Nós somos agradecidos pela confiança e apoio num momento de tão grandes dificuldades.161

161
SOCIEDADE INDÍGENA TREMEMBÉ SÃO JOSÉ E BURITI. Fortaleza, 20 de novembro de 2006.
197

Em outra carta o referido povo indígena expressa-se demonstrando prejuízos


sofridos em períodos passados e atuais:
Nós, Tremembé das Comunidades São José e Buriti [...] estamos comunicando o
sofrimento que estamos vivendo.
Mais pra trasmente nossas terras foram invadidas e nós vivemos como escravos,
pagando renda exorbitante, humilhados e mal tratados. Foram vários proprietários:
Major Carneiro, Euclides, Zulmira e Zé Maria, Dr. Prata e desse para a empresa
Nova Atlântida. A Empresa tem cinco escrituras registradas em cartório de cidades
do Ceará – terra indígena, invadida [...].
Como estamos lutando contra essa invasão na Justiça, essa empresa está fazendo
tudo para nos amedrontar, pois foram capazes de colocar parte dos nossos parentes
contra nós, mesmo em troca de dinheiro. Contam com o apoio da prefeitura de
Itapipoca e do governo estadual. Mas não desistimos de lutar, enfrentamos
perseguições frente a frente com nós, lideranças Tremembé.162

No fala de uma das principais lideranças indígenas da aldeia São José, expressa-se
a indignação e o receio de perderem tudo “pelo imperativo das novas leis criadas [...] para
ceder o espaço para os de ‘fora’, como é comum ouvir dessas vítimas das ‘invasões’ dos
investidores, especialmente nas comunidades litorâneas.” (LIMA, Luiz, 2006, p. 106).
Segundo a informante Tremembé:
Tudo aqui é natural e a gente ver esse empreendimento querendo instalar uma cidade
[...]. Não é nem um projeto pequeno, mas é uma cidade. Transformar tudo que é
nosso em cidade. E a gente ainda sente que tem o apoio do governo do estado, do
município [...] Nós que moramos aqui e vivemos o dia-a-dia sentimos uma tristeza
com esse empreendimento. (Liderança Tremembé, A C C, moradora de São José).163

A informação divulgada no site do Nova Atlântida, que este seria o “projeto do


maior complexo turístico residencial do mundo,”164 vem preocupando uma parte da população
Tremembé de São José e Buriti que se reconhece como indígena. A matéria jornalística de
difusão internacional, Brasil: Indígenas se Mobilizan Contra Complejo Turístico,165 serve
como exemplo para demonstrar a oposição de alguns Tremembé de São José e Buriti à
construção deste projeto:
Unos 200 indígenas pertenecientes a comunidades tremembés mantienen desde hace
un mês un campamento para protestar contra la construcción de un complejo
turístico a orillas del rio Mundaú, en el norteño estado de Ceará. La empresa de
capitales españoles Nova Atlântida pretende construir ese centro turístico desde
2002, pero la oposición de los indígenas ha demorado el proyecto. Los manifestantes
exigen que antes de avanzar con las obras, la estatal Fundación Nacional del Indio
(FUNAI) demarque las tierras que pertenecen a los indígenas. Entienden que la

162
CARTA ABERTA AOS AMIGOS APOIADORES DA NOSSA LUTA, outubro de 2007.
163
Dados de entrevista. Pesquisa de campo realizada na TI São José e Buriti em 4/1/2008
164
O que é a Nova Atlântida. Disponível em: <http://www.gruponovaatlantida.com/brasil/index.htm>. Acesso
em: 10 dez. 2011.
165
Brasil: Indígenas se Mobilizan Contra Complejo Turístico. Disponível em:
<http://radiomundoreal.fm/modules.php?op=modload&name=news&file=article&sid=12070>. Acesso em: 15
ago. 2008. Publicada em: 10 out. 2006. Rádio Mundo Real do Uruguai, projeto de comunicação a serviço dos
movimentos sociais com enfoque latinoamericano.
198

llegada de los inversores constituye una “invasión a tierras ancestrales”, y advierten


que el atropello privado seguirá adelante si no intervienen los organismos
gubernamentales. Una de las opositoras […] denunció que las familias que están
acampando con el propósito de impedir el transporte de materiales para las obras del
complejo, están siendo víctimas de “permanentes amenazas” por parte de policías
contratados por la empresa.166

De acordo com Lima, Luiz “aos resistentes, aos que pretendem manter seu
cotidiano, agressividades lhes são impostas [...]. Essas tensões tendem a se ampliar, quanto mais
expressiva for a atuação dos investimentos externos no lugar.” (2006, p. 106). Desta maneira, uma
informante da aldeia Buriti revelou que temia o surgimento de novos conflitos e avanço das
construções:
Perto do sítio São José [tem] um empreendimento, fizeram três almoxarifados de
mudas de plantas. Eles [os espanhóis] não estão construindo os hotéis, mas estão
trabalhando, oferecendo emprego pra comunidade. Eles vão começar outra
construção. Essas benfeitorias impede as terras indígenas. (Liderança Tremembé, E
R V, moradora de Buriti).167

A planta do Projeto Nova Atlântida exposta na Figura 29, apresentada pela mesma
liderança indígena, demonstra a intenção dos investidores e apoiadores deste empreendimento
em “construir espaços da globalização.” (LIMA, Luiz, 2006, p. 105). E, ao mesmo tempo,
retirar o povo Tremembé de São José e Buriti da TI, encurralando-os nos dois pequenos
enclaves propostos pelo consórcio empresarial em questão. A liderança ressaltou:
São 3225 hectares – Buriti e São José. Famílias, têm mais de 200. Eles [os
espanhóis] queriam dar 1000 hectare para toda a comunidade morar e trabalhar. Não
tem condições, uma casa emendada com as outras, como na cidade, uma casinha sem
muda. Eles dão um salário, não é suficiente pra uma família. Não teria como cultivar,
seria tudo comprado. (E R V, moradora de Buriti). 168

Por meio desta tentativa de encurralar o povo indígena em dois pequenos


enclaves, delineados na Planta do Projeto, os investidores do Nova Atlântida procuraram se
livrar do problema de estar invadindo uma TI, e ao mesmo tempo se convencerem de estar
beneficiando a população de São José e Buriti. Por isso, ofertam salários para cooptar aliados
e apropriam-se cada vez mais de algumas áreas da TI.

166
Brasil: Indígenas se Mobilizan Contra Complejo Turístico. Disponível em:
<http://radiomundoreal.fm/modules.php?op=modload&name=news&file=article&sid=12070>. Acesso em: 15
ago. 2008. Publicada em: 10 out. 2006. Rádio Mundo Real do Uruguai, projeto de comunicação a serviço dos
movimentos sociais com enfoque latinoamericano.
167
Dados de entrevista. Pesquisa de campo realizada na TI Sítio São José e Buriti em 7/1/2007
168
Idem.
Figura 29: Planta do Projeto Nova Atlântida com glebas iniciais.
Foto: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan., 2007.

199
200

As tentativas da empresa de aliciar os moradores de São José e Buriti são


reveladas na fala de outra informante:
O pessoal ganha quatrocentos reais por mês. Pagamento de quinze em quinze dias,
sem carteira assinada. Férias, não se sabe se tem. A ocupação é de vigia, nas hortas.
Aguando e adubando, tomando conta dos terrenos e das casas. Outros trabalham nos
viveiros de camarão. Eles ocupam mais gente como vigia.169 (Tremembé, L C S,
moradora de Buriti).

Outro morador de Buriti, assinalou:


Aqui é o seguinte, a gente sabia sempre que o povo era índio, mas não podia falar
[...] botavam a gente para correr. Meus avós, meus bisavós eram todos daqui. Não
falava que era índio porque tinha medo [...]. Mas, de uns tempo pra cá [...] as
pessoas tiveram a liberdade de assumir e disseram que eram índio. Esse local que
nós mora, eu com idade de [entre] 12 e 14 anos era difícil ver casa. Estrada era só
mata mais grande. Têm histórias que os índios daqui iam parar em Almofala. Os
mais velhos contavam que as pessoas da beira da barra [do Rio Mundaú] iam bater
na Almofala. Depois as pessoas que ficaram aqui “índio assim como nós”, a gente
ficamos pagando renda “dois alqueires de gênero” – 320 litros de renda. Aí quando
foi agora, certos tempos para cá a gente foi criando mais coragem e não foi mais
querendo pagar a renda. (Tremembé, R C S, morador de Buriti).170

Durante a mesma entrevista, ele acrescentou:


Após o falecimento de Euclides Carneiro, que se dizia dono das terras, sua viúva
arrumou documento falso e vendeu a um coronel de Trairí que vendeu para os
espanhóis, a mais de vinte anos. Eles querem tomar tudo. E nós ficamos onde? A
luta é meio difícil. Aqui está lutando índio contra índio [...]. Os espanhóis ficam pra
lá. Mas, o povo [que não se aceita índio] fica aqui lutando contra nós querendo
desfazer que aqui tem índio. (Tremembé, R C S, morador de Buriti).

Uma liderança indígena de Buriti esclareceu que o Nova Atlântida contratou um


morador de São José, que nega-se a ser Tremembé, como funcionário intermediário para
pagar os vigias que estavam trabalhando para a empresa. Ela acresceu:
[...] tive informação que estavam fazendo reunião com os vigias. Eles dizem não ser
funcionário da Nova Atlântida, mas de uma empresa que deu o curso, oferecido para
treinamento de vigias, para eles. A Nova Atlântida já tem processo contra ela, mas
está colocando outras empresas, mas são parceiras.” (E R V, moradora de Buriti).171

As palavras de outra informante, apoiadora dos Tremembé, corrobora que o citado


morador contratado pelo Nova Atlântida “[...] foi afastado da tesouraria da empresa. Ele
aparecia como laranja e contratava os índios [aqueles que se diziam não-indígenas, assim
como ele] para a empresa.” (M A L, moradora de Fortaleza)172.
Os desacordos internos entre habitantes da TI Tremembé de São José e Buriti
foram provocados pela ação do Nova Atlântida. Os que se reconhecem como indígenas

169
Dados de entrevista. Pesquisa de campo realizada na TI Sítio São José e Buriti em 6/1/2007
170
Idem.
171
Dados de entrevista. Pesquisa de campo realizada na TI Sítio São José e Buriti em julho de 2007.
172
Dados de entrevista. Pesquisa documental realizada em Fortaleza na AMIT em 30/12/2008.
201

partem para a “defesa cultural e territorial” (ALMEIDA, Maria, 2005, p. 343) com
afirmação étnica e protagonismo na luta pela TI. Esta terra para a mesma autora
“transforma-se em valioso instrumento [...] que interessa a todos os atores sociais” (2005,
p. 343), sejam estes atores, parte dos moradores de São José e Buriti (resistentes e
detentores de direitos como um povo indígena), sejam os que afrontam o povo Tremembé
tentando negar sua identidade étnica para defender o Nova Atlântida. Segundo Lima, Luiz
“com as permanentes transformações dos lugares ocupados pelos investimentos externos,
no processo de reestruturação socioespacial, desterritorializa-se [...] habitantes.” (2006, p.
105). Mas, o povo Tremembé de São José e Buriti, mesmo sem a conclusão do processo
de demarcação para a regularização oficial da TI, continua a “cogitar mecanismos de
rompimento da iniqüidade e exclusão territorial.” (ALMEIDA, Maria, 2005, p. 343). A
partir daqui analisa-se, neste estudo comparativo, a situação do povo Jenipapo-Kanindé.

4.3 O povo Jenipapo-Kanindé e a Terra Indígena Aldeia Lagoa Encantada

Antes de discorrer sobre o povo Jenipapo-Kanindé, que também aciona uma


identidade indígena no contexto atual de reconhecimento de direitos indígenas por parte do
Estado brasileiro, recorda-se que “No transcurso do século XIX, os índios do Ceará não só
existiam e lutavam por suas terras, como marcavam fortemente suas práticas e tradições [...].”
(SILVA, Isabelle, 2011, p. 341). Cabe também recordar que “[...] o Ceará inaugurou uma
política agressiva diante das terras dos aldeamentos de índios, logo após a Lei de Terras e
antes mesmo de sua regulamentação completa.” (VALLE, Carlos, 2011, p. 461). Corrobora
Carneiro da Cunha (1994, p. 7):
Foi no Nordeste e especialmente no Ceará que se inaugurou, em meados do século
XIX, a extinção indígena no papel. Declarava-se – ao arrepio dos fatos – a
inexistência de índios, para melhor se apoderar das suas terras. E ainda hoje, grupos
indígenas, como entre outros, os Tremembé e os Tapeba [incluem-se os Jenipapo-
Kanindé e outros povos] lutam para terem suas terras e sua identidade reconhecida
pela Justiça.

Portanto, atualmente, não há mais como negar o que esteve ocultado por longos
períodos. Deste modo “[...] os povos indígenas localizados na região Nordeste do Brasil [...]
[aparecem] Em diversas publicações e em documentos históricos (referentes ao passado ou à
atualidade), encontram-se muitos dados [...] sobre essas populações.” (OLIVEIRA FILHO,
202

2011b, p. 656). Dentre as referidas populações, fazem parte – os Payaku (Payacus, Paiacús ou
Paiacu) – ou Jenipapo-Kanindé.
No artigo Os Povos Indígenas no Nordeste Brasileiro: um esboço histórico
Dantas; Sampaio e Carvalho (1992, p. 444-445, versais no original) trazem “o quadro das
aldeias existentes no Nordeste do Brasil no período que vai de 1749 a 1760 e, cujo número,
bastante significativo [...] dos ALDEAMENTOS MISSIONÁRIOS NO NORDESTE
SÉCULO XVIII.” Os autores na mesma obra, dentre os aldeamentos, apresentam na capitania
do Ceará a (aldeia Payacus), localizada na Vila/Área de Referência (Aquiraz), Invocação
(Nossa Senhora de Conceição), Missionário (Jesuíta), Nação (Payaku) e, também outra
(aldeia Palma), situada na Vila/Área de Referência (Aquiraz), Invocação (Nossa Senhora de
Conceição), Missionário (Clérigo) e Nação (Kanindé, Jenipapo).
Revela-se no site do ISA173 que Payaku indica uma vasta etnia a qual no século
XVI ocupava totalmente a faixa sublitorânea que corresponde hoje aos estados do Rio Grande
do Norte e do Ceará e, acrescenta:
Até o século XVIII, os Payaku habitavam os rios Açu, Apodi, Jaguaribe, Banabuiú e
Choró. Por sua vez, os Jenipapo e Kanindé, semelhantes aos Tarairiú em língua e
cultura, tal como os Payaku, viviam nas várzeas do Apodi, Jaguaribe e Choró. Como
outros povos não-Tupi, eles ficaram conhecidos pela denominação genérica de
"tapuias do Nordeste". Fontes históricas registram que, no Ceará, os primeiros
contatos dos portugueses com estes povos ocorreram entre 1603 e 1608. Arredios e
resistentes à colonização, eles sofreram violências, foram escravizados e perderam
progressivamente suas terras. Rebelaram-se seguidamente até serem submetidos e
quase totalmente dizimados, no decorrer da chamada "Guerra dos Bárbaros", entre
1680 e 1730. Em 1707, os Payaku foram aldeados por missionários jesuítas no rio
Choró, em Aquirás, próximo de onde vivem hoje. Em 1764 a Aldeia dos Paiacús
passou a chamar-se Monte-Mor-o-Velho, nome que perdurou até 1890. Na sede da
aldeia criou-se a vila de Guarani (1890-1943), hoje município de Pacajus. Os
Jenipapo e os Canindé foram aldeados entre 1731 e 1739 no rio Banabuiú, reunidos
na Aldeia da Palma e depois em Monte-Mor-o-Novo-d'América (1764-1858), atual
município de Baturité.174

A esse respeito Porto Alegre (1994) destaca autores que discutiram a história
indígena como, Antonio Bezerra de Menezes, que teve a dedicação de investigar documentos
do século XVI. Também ressalta duas obras do referido autor, válidas de mencionar com
relação aos Paiacu:
“Algumas origens do Ceará” (t.15, 1901, 153-288 e t. 16: 134-159, 1902). Trata-se
de trabalho cuidadoso e bem documentado de crítica histórica, baseado em
documentos, quase todos inéditos [...] de interesse para a história indígena.

173
Nome, população e localização. Disponível:< http://pib.socioambiental.org/pt/povo/jenipapo-kaninde/633>.
Acesso em: 23 ago. 2009.
174
Histórico do contato. Disponível em:<htpp://pib.socioambiental.org/pt/povo/jenipapo-kaninde/634>. Acesso
em: 23 ago. 2009.
203

Destacam-se [...] relativos ao período de 1699 a 1715 [...] alguns documentos sobre
os índios Canindé [...]. Em outro contexto de interesse, embora curto, “Os Caboclos
de Montemor”, (t. 30:279-302, 1916), o autor faz um relato sobre os Paiacu, e a
disputa pelas terras da aldeia de Monte-Mor-o-Velho. Descreve a perseguição
movida pela Igreja para obter o patrimônio das terras dos índios, onde se localizava
a capela de Nossa Senhora da Conceição. Conclui pelo absoluto direito dos Paiacu
ao terreno referido e transcreve documentos comprobatórios [...]. (1994, p. 25, grifos
nossos).

No relato acima sobre os Paiacu vê-se que “O motivo de todos os conflitos era a
posse e também a propriedade da terra das aldeias indígenas.” (VALLE, Sarah, 2011, p. 296).
No momento, acontece diferente com o povo Jenipapo-Kanindé? alcunhado Cabeludos da
Encantada. Essa será uma discussão ao longo desta seção. Antecipa-se, prontamente, alguns
dados quantitativos referentes a este povo indígena e sobre a Terra Indígena Aldeia Lagoa
Encantada (Figura 30).

Figura 30: Jenipapo-Kanindé – Caracterização Geral da TI Aldeia Lagoa Encantada.


Fonte: Jenipapo-Kanindé. Disponível em: <http:pibsocioambiental.org/PT/povo/janipapo-
kaninde>. Acesso em: 20 jun. 2010. Foto de Claudio Lima, 1997.
Caracterização Geral. Disponível em:
< http://pib.socioambiental.org/caracterizacao.php?id_arp=4066>. Acesso em: 15 out. 2011.

Os dados demográficos acima, referentes aos Jenipapo-Kanindé, divulgados pela


FUNASA (2010) e FUNAI (2011), apresentam praticamente os mesmos números de pessoas
autoidentificadas como indígenas, respectivamente 302 e 304 pessoas . Comparando-se esses
dados com os resultantes do primeiro trabalho de campo, em janeiro de 2009 na TI Aldeia
Lagoa Encantada, a primeira Cacique175 Jenipapo-Kanindé revelou que nessa TI “reconhecida
em 2004 pelo Governo Federal [...] são 96 famílias, 84 delas cadastradas [pela FUNASA] e
16 aguardando cadastramento, um total de mais ou menos 400 e poucas pessoas.” (Jenipapo-

175
Durante os trabalhos de campo em 2009 e 2010 a referida Cacique ainda encontrava-se na função e sua gestão
(1995-2010) durou 15 anos. No trabalho de campo realizado em dezembro/2010, a sua filha, Cacique Erê havia
passado a ocupar a função.
204

Kanindé, moradora da aldeia Lagoa Encantada).176 A população citada pela Cacique


aproxima-se dos dados demográficos apresentados pelo CIMI ( 2011) de 390 indígenas na
área total de 1.731 hectares dessa TI. Segundo o site do ISA o povo Jenipapo-Kanindé dispõe
de “títulos individuais dos terrenos onde vivem, mas a terra é compartilhada coletivamente.
Em 1997 a FUNAI começou o processo de demarcação da terra indígena Lagoa Encantada
[...]”177, que ainda se encontra em andamento.
Embora a morosidade no processo de demarcação da referida TI, observa-se na
figura anterior, grande passo obtido pelo povo Jenipapo-Kanindé. Atualmente a TI Aldeia
Lagoa Encantada tem sua situação jurídica – Declarada em 23.2.2010 (Portaria DOU –
24.2.2011). Todavia, essa TI havia sido Identificada conforme “o Despacho nº 82 de 17.08.04
(DOU – 18.08.04).” (CIMI, 2011, p. 23). A Ficha da Terra Indígena emitida pela FUNAI no
ano de 2006 por meio da Diretoria de Assuntos Fundiários (DAF) detalha dados pertinentes a
esse processo com documentos citados, datas dos despachos e portarias, conforme apresenta o
Anexo 9. Entre as fases em que a TI consta como identificada e, posteriormente, declarada
levaram-se sete anos.
Os conflitos antigos com posseiros (ainda habitantes da TI) não foram totalmente
solucionados. Outra situação que acarreta conflitos e impactos na aldeia do povo Jenipapo-
Kanindé decorre de uma fábrica situada em área fronteiriça à TI. É possível conferir esta
informação no campo Situação Conflito/Problema incluso na listagem sobre a situação
jurídica das TIs elaborada pelo CIMI (2011) já apresentado no Anexo 5. Neste documento
aparece a seguinte observação: “Invasão de posseiros (...). Empresa Ypioca joga vinhoto
prejudicando a lagoa da Encantada.” (2011, p. 23). As atividades desta fábrica afetam
diretamente o povo Jenipapo-Kanindé com “economia [que] está baseada na agricultura,
pesca e coleta”178, como se discute a frente. Ressalta-se que desde o ano de 2004 foi incluída a
atividade turística no interior da TI que dispõe de “um sistema ambiental composto por dunas
fixas e móveis, lagoas costeiras, fontes naturais de água mineral, ecossistema manguezal e
uma grande diversidade de fauna e flora.” (EDUCAÇÃO INTEGRAL PARA O TURISMO
COMUNITÁRIO, 2008, p. 1).

176
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 9/1/2009.
177
Nome, população e localização. Disponível em:<http://pib.socioambiental.org/pt/povo/jenipapo-
kaninde/633>. Acesso em: 20 ago. 2009.
178
Aspectos socioeconômicos. Disponível em:< http://pib.socioambiental.org/pt/povo/jenipapo-kaninde/635>.
Acesso em: 20 ago. 2009.
205

Para localizar a TI Aldeia Lagoa Encantada a partir de Fortaleza trafega-se por


aproximadamente 50 km (Cf. Figura 17). Percorre-se 25 km pela rodovia (CE 040) até
Aquiraz e depois mais 18 km ao distrito do Iguape, onde o percurso de 7 km até a TI finaliza-
se em estrada carroçável.
Distinto do município de Itapipoca, onde localiza-se a TI Tremembé de São José e
Buriti, o município de Aquiraz possui a particularidade de estar inserido na Região
Metropolitana de Fortaleza (RMF) conforme apresentado na Figura 31. Esta particularidade é
de grande significância na abordagem referente ao povo Jenipapo-Kanindé e a TI Aldeia
Lagoa Encantada, especialmente em relação ao turismo em município situado em uma região
metropolitana. Deste modo, antes de dar continuidade à discussão sobre a TI Aldeia Lagoa da
Encantada, fornecem-se alguns argumentos a respeito do Aquiraz no contexto do turismo,
necessários para entender a situação dos Jenipapo-Kanindé, que, para embargar projetos de
desenvolvimento em seus territórios acionaram a identidade indígena e atualmente se
apropriam do turismo comunitário como meio de vida e afirmação étnica.
206
207

4.4 Aquiraz e a TI Aldeia Lagoa Encantada na Região Metropolitana de Fortaleza

Em primeiro lugar, vale mencionar a inserção de Aquiraz dentre os municípios179


que formam a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) como revela a figura anterior. Um
estudo a propósito de cidades médias e pequenas desenvolvido pela geógrafa Amélia Luísa
Damiani contribui para ponderar o fato que “A centralidade da metrópole [...] comporta
centralidades subordinadas e complementares [...] lugares de produção de novos processos
econômicos, políticos, culturais.” (DAMIANI, 2006, p. 145). Nesta teia metropolitana
explicada pela citada autora é possível analisar a situação de Aquiraz em relação à metrópole
Fortaleza. O aludido município encontra-se numa distância de aproximadamente 25 km do
Aeroporto Internacional Pinto Martins, localizado na capital cearense. Para o Governo do
Estado do Ceará esse Terminal Aeroportuário torna-se a principal via de fluxo turístico de
vôos domésticos e internacionais, especialmente os destinados à Europa ou originados neste
continente. Em que implica Aquiraz pertencer a RMF versus a TI Aldeia Lagoa Encantada?
Tomando-se novamente como base Damiani (2006, p. 144, grifo nosso) que revela à
discussão a propósito de cidades populares menores, do ponto de vista dessa autora:
Cidades populares, especialmente as pequenas, de inserção mais residual, passam a
se tornar: econômicas – verdadeiros complexos produtivos – [...] envolvendo aí a
presença do turismo, que também altera substancialmente a inserção econômica e
cultural de sua população; etc. É uma transformação social: [...] a cidade se
economiza.

A situação revelada acima pela autora, acontece em Aquiraz. Este municipio, além
da proximidade de Fortaleza, faz limite com o município Eusébio, detentor do Complexo
Beach Park “[...] o maior parque aquático da América Latina. Complexo distribuído numa
área total de 30 km² (área do parque aquático 13 km²), um dos principais destinos turísticos do
país.”180 Ambos, “Eusébio e Aquiraz, nessa tessitura, atuam como espaços de relações sociais
relevantes com a metrópole. Destacam-se no processo de expansão de Fortaleza [...] associada
ao [...] turismo de massa [...].” (LIMA; SILVA, 2011, p. 256). Esse turismo de massa, de sol e
praia, discutido ao longo dessa tese. Da praia do Porto das Dunas, lugar de origem do Beach
Park, até a mais freqüentada praia do litoral de Aquiraz, a Prainha, percorre-se 3 km, seja por
meio de caminhada, ou, mais rápidamente, no transporte usual, buggie. As peculiaridades de

179
Caucaia, Aquiraz, Pacatuba, Maranguape, Maracanaú, Eusébio, Guaiúba, Itaitinga, Chorozinho, Pacajus,
Horizonte, São Gonçalo do Amarante, Cascavel e Pindoretama. Disponível em:
<http://opovo.uol.com.br/opovo/fortaleza282/780276.html>. Acesso em: 10 de jun. 2010.
180
Beach Park. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Beach_Park>. Acesso em: 01 ago. 2011.
208

Aquiraz, município de localização da TI Aldeia Lagoa Encantada, em relação aos demais


municípios da RMF, torna-o ainda mais visado aos investidores do turismo economicista.
Refere-se a outra citação de Damiani a respeito de Regiões Metropolitanas e
apreende-se que:
O modelo gerencial metropolitano é consagrado e generalizado para toda e qualquer
cidade, num processo de consultoria gerenciado a partir das grandes metrópoles.
Não só a economia mais moderna tem o domínio dos vários espaços, com distâncias
variadas, absolutamente revitalizadas pelas novas tecnologias, como o modo de vida
metropolitano é simulado em todo e qualquer lugar, negando os tradicionais estilos
de vida [...]. (2006, p. 137, grifos nossos).

Se o modelo metropolitano nega os tradicionais estilos de vida como coloca a


autora citado, convém interrogar: Em que implica para o povo Jenipapo-Kanindé e a TI aldeia
Lagoa Encantada encontrarem-se situados em município da RMF? A questão torna-se
pertinente, pois a RMF ocupa a posição de segunda maior do Nordeste e a sexta do país.
Assim, este povo indígena enfrenta constantes pressões de atores sociais hegemônicos,
especialmente devido a TI Aldeia Lagoa Encantada situar-se em município metropolitano da
Zona Costeira do estado, muito vislumbrado pelo turismo.
Aquiraz, repetindo, contíguo à capital cearense e ao município detentor do
Complexo Beach Park é um município de referência no citado PRODETUR NACIONAL
Ceará. Recorda-se que neste programa público-privado, Aquiraz encontra-se no Polo Litoral
Leste, uma das áreas prioritárias como Polos de Desenvolvimento Turístico com aprovação do
BID e MTur. No citado Polo, dos dez municípios delimitados (seis encontram-se na RMF),
ressaltando Aquiraz, como apresentado:
O Polo Litoral Leste, situado entre dunas e falésias é composto pelos municípios de
Caucaia, Fortaleza, Eusébio, Aquiraz, Cascavel, Pindoretama, Beberibe, Fortim,
Aracati e Icapuí. Um dos lugares mais visitados por turistas do mundo inteiro é
dotado de beleza cênica exótica, com falésias e areias multicoloridas, que se
misturam com o azul do mar.
A atividade turística bastante consolidada, com a presença de equipamentos de
hospedagem de grande porte, requer que a atividade turística seja incrementada por
melhorias e ampliação da infraestrutura e de atrativos [...] e fortalecimento
institucional. (MANUAL DE OPERAÇÕES, 2010, p. 6).

Assim, o turismo de sol e praia como descreve o documento acima do Programa


de Desenvolvimento do Turismo no Ceará – PRODETUR NACIONAL Ceará, é consolidado
e requer incrementos, como a ampliação de infraestrutura turística, exatamente em áreas
situadas na Zona Costeira cearense, onde localiza-se a TI em questão, assim como no caso da
TI Tremembé de São José e Buriti.
209

4.5 A Terra Indígena Aldeia Lagoa Encantada e o Aquiraz Resort: afirmação étnica pelo
turismo comunitário no território disputado pelo turismo maciço

De forma parecida ao caso do povo Tremembé de São José e Buriti que vem
sendo pressionado por empreendedores do Nova Atlântida, o povo Jenipapo-Kanindé
enfrentou, entre 1999 e 2001, as coações impostas por um grupo emprensarial cearense
parceiro de grupos hoteleiros internacionais. Estes empreendedores também tentaram negar a
existência de indígenas na TI Aldeia Lagoa Encantada e por conseguinte dificultaram o
processo de reconhecimento étnico deste povo. Entretanto, da situação do povo Jenipapo-
Kanindé não há evidências que tenha ocorrido divisão interna dos indígenas na aldeia, como
vem acontecendo na TI Tremembé de São José e Buriti.
Segundo um informante:
Aqui onde nós tamo em 99 tivemo uma briga com o Aquiraz Resort (agora Aquiraz
Riviera) que queria acontecer aqui dentro até o Batoque com campi de golf e pegava
até a metade da Lagoa [...]. Conseguimo brigar na justiça [...]. Eles queriam colocar
dinheiro na nossa mão “muito dinheiro”, um hotel mais setenta mil reais e mais um
carro na porta [...]. Esse pessoal foi embora em 2001. (Liderança indígena, Jenipapo-
Kanindé, E A, moradora da aldeia Lagoa Encantada).181

No período deste conflito para implantação do empreendimento turístico Aquiraz


Resort já havia iniciado o processo de demarcação da TI Aldeia Lagoa Encantada com o
Estudo de Identificação iniciado por um GT da FUNAI em 1997 no citado Anexo 9. Ao falar
do referido conflito uma informante ressalta que “a pressão daqui foi de 1999 a 2001.”182
(Liderança indígena, M L C A, Jenipapo-Kanindé moradora da aldeia Lagoa Encantada). O
fato do andamento do citado Estudo de Identificação ter iniciado em período anterior às
pressões dos empreendedores turísticos fortaleceu a coletividade desse povo na luta pela TI
que não se deixou cooptar pelos grupos empresariais. Isso também aconteceu pelo fato deste
povo indígena estar há mais tempo (desde 1985) envolvido com o movimento político
indígena dos povos indígenas do Ceará, e em processo de reelaboração étnica, diferente do
povo Tremembé de São José e Buriti que aproxima-se desta situação somente a partir de
2002, ano em que representantes do Nova Atlântida começou a pressionar os indígenas.
Ao comparar a situação do Aquiraz Resort com aquela do Nova Atlântida, a
mesma informante ressalta que na TI Aldeia Lagoa Encantada, “aqui tivemos uma situação

181
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 28/12/ 2010.
182
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 6/1/2009.
210

diferente, pois ninguém ficou lado a lado do empreendimento”183 como acontece com alguns
indígenas da TI Tremembé de São José e Buriti, ao serem alicados pelas ofertas financeiras
dos empreendedores. Outro informante completa:
Aqui eles [os empreendedores do Aquiraz Resort] quiseram comprar nós com
dinheiro, apartamento, transporte e dinheiro para começarem a vida. Essa proposta
veio de um rapaz [Renato] da FUNAI que veio escondido e deu essa idéia de
manipular nós e, nós não deixemo, não. Ele queria manipular (eu, minha mãe e meu
irmão). Ele [o Renato] veio com “aquela conversa” [...] era só papo, muita conversa.
Reuni o povo e no outro dia dissemo a ele [Ricardo] que a comunidade não queria
não [...]. Se você [Renato] meter as cara vai ter guerra. Queriam vinte campo de golf
e, o primeiro hotel em cima do campo de golf [...]. Era muita destruição como vocês
[pesquisadores] viram que eles tão fazendo ali no Catú.184
Nós se comuniquemos com a FUNASA e a FUNAI [pra comunicar desse Ricardo
que se dizia da FUNAI e comentar sobre a proposta dele]. A FUNAI, disse que não
sabia desse funcionário [...]. Depois não soubemo mais dele, o “ Renato”. Só se
conhecia ele assim, não sabemo sobrenome dele. (Liderança indígena, E A,
Jenipapo-Kanindé morador da Lagoa Encantada)185

O projeto de turismo oriundo de grupo empresarial cearense e internacional não


teve sucesso em invadir a TI Aldeia Lagoa Encantada, pois segundo a informante, “Nós não
precisava daquilo, o dinheiro. Sim, a terra.” (Liderança indígena, M L C A, Jenipapo-Kanindé
moradora da aldeia Lagoa Encantada). Na situação atual, o povo Jenipapo-Kanindé rejeitou o
projeto de turismo economicista – Aquiraz Resort. A esse respeito, outro informante afirma:
Eles [empreendedores do Aquiraz Resort] tiveram três anos pressionando nós. Eles
já estavam com madeira, pedra, arame pra cercar os terrenos e, eu disse, ou vocês
levam os materiais ou vamos mandar tocar fogo pelos índios. E, no outro dia, os
capangas deles veio, parou o carro e levou. (Liderança indígena, E A, Jenipapo-
Kanindé morador da aldeia Lagoa Encantada).186

A implantação do empreendimento foi transferida para outra faixa da Zona


Costeira cearense fora da TI Aldeia Lagoa Encantada, como revela o seu site:

Localizado na praia de Marambaia, em Aquiraz [...] o Aquiraz Riviera é o maior


empreendimento turístico de padrão internacional do Brasil, com valor total
estimado em US$ 350 milhões. O projeto é desenvolvido pelo Consórcio Luso-
Brasileiro Aquiraz Investimentos SA, composto pelo empresário cearense Ivens Dias
Branco e pelos portugueses Ceará Investment Fund – Fundo Turístico Imobiliário,
Grupo Hoteleiro Dom Pedro e Solverde (divisão de turismo do grupo Industrial
Violas com a concessão dos Cassinos do Algarve). Com uma área total de 285

183
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 6/1/2009.
184
A lagoa do Catú se encontra no município de Aquiraz [...]. Constitui um manancial de água doce formada
devido ao represamento do córrego do Catú pelo campo de dunas móveis. Esta era utilizada pela população
tradicional para tirar seu sustendo por maio da pesca e também de atividades agrícolas em suas margens. Nos
ultimos 20 anos o manancial foi sendo explorado pela especulação imobiliária que trouxe impactos sobre o
equilíbrio ambiental e socioeconômico da região. (NOGUEIRA et al, 2009, p. 1). Disponível em:<.
http://www.geo.ufv.br/simposio/simposio/trabalhos/trabalhos_completos/eixo3/093.pdf>. Acesso em: 22 dez.
2011.
185
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 6/1/2009.
186
Idem.
211

hectares, sendo 1.800 metros de frente para o mar e área hoteleira dividida em oito
lotes de quatro hectares em primeira linha da praia, o Aquiraz Riviera tem uma Área
de Proteção Ambiental de 58 hectares para proteção da fauna e flora locais. 187

Recorda-se a discussão anterior sobre a localização aproximada entre Aquiraz e a


metrópole Fortaleza, sendo este município um dos que formam a RMF, e que logo provoca
cada vez mais o interesse da especulação imobiliária para promover o turismo de sol e praia.
Essa situação é destacada como prioritária no documento oficial do PRODETUR
NACIONAL Ceará, como anunciado: “A rede de polos no Estado do Ceará se conecta
intensamente, tendo como ponto focal, sua capital, Fortaleza, que distribui através de seus
vetores de crescimento, produtos de sua economia, sendo o turismo um forte elo [...].”
MANUAL DE OPERAÇÕES, 2010, p. 10). Assim sendo, a TI Aldeia Lagoa da Encantada,
estando localizada em Aquiraz, torna-se também visada pelos empreendedores do turismo
economicista, em município contemplado para benefício dos projetos públicos e privados do
Estado Nacional. Além disso, a TI Aldeia Lagoa Encantada possui uma paisagem formada por
dunas, lagoas, mangues, flora e fauna diversa, muito procurada pelos empreendimentos
hoteleiros e de lazer em destinos tropicais. A respeito da mesma TI corrobora Magalhães e
Silva (2010, p. 10):
Cabe salientar que a área indígena é repleta de componentes geoambientais,
ecodinâmicos e culturais que se encontram atualmente à margem do fluxo turístico
que explora seus recursos naturais e culturais. Na tentativa de minimizar a entrada da
especulação imobiliária para o turismo de massa a comunidade desenvolve o turismo comunitário.

Na TI Aldeia Lagoa Encantada o turismo de sol e praia não foi aceito pelos
indígenas. Todavia, diferente do povo Tremembé de São José e Buriti no período desta
pesquisa, o povo Jenipapo-Kanindé decidiu aderir a uma modalidade de turismo na aldeia em
que eles/as controlam as atividades realizadas, sendo distinto do modelo de turismo imposto
pelos empreendedores.

4.5.1 Turismo comunitário na TI Aldeia Lagoa Encantada e a REDE TUCUM

De acordo com os relatos de lideranças indígenas, alguns professores da


Universidade Federal do Ceará, e outros parceiros (que acompanharam a situação das pressões
dos investidores do turismo sobre os Jenipapo-Kanindé) resolveram colaborar para construir
uma experiência de turismo pretendida pelos indígenas Jenipapo-Kanindé. Uma informante

187
Aquiraz Riviera. Disponível em: <http://www.aquiraz-riviera.com/index.php/pt/aquiraz-riviera/institucional>.
Acesso em: 20 mar. 2011.
212

indígena comentou sobre o período anterior ao início da construção da proposta do projeto de


turismo:
Assim a gente fez, conversou com a FUNAI [sobre projeto de turismo] quando ainda
era Núcleo e não AR188como é hoje. Conversamos com Alexandre [da FUNAI] e,
ele disse, “se era pra trazer benefício para vocês, quem somos nós pra impedir.”
Daí conversemos com o Jeovah e ele disse que levaria uns dois anos para preparar a
comunidade [...]. Foram preparados 48 jovens por um ano e meio. Não chegou dois
anos porque teve problema com Jeovah e a Ypióca [...].
Os alunos se resolveram a formar as trilhas “cinco trilhas”. Se resolveram a fazer o
panfleto [folder] e, depois, os mapas de “2005 pra cá”. (Liderança indígena, M L C
A, Jenipapo-Kanindé moradora da aldeia Lagoa Encantada).189

A citação acima, levanta questões implícitas que tem-se de abordar nesta


discussão, pois repercutem diretamente na afirmação étnica dos Jenipapo-Kanindé como
povos indígenas do Ceará. Antes mesmo de discutir o projeto de turismo comunitário na TI
Aldeia Lagoa Encantada, faz-se um comentario sobre a fala da liderança indígena, pois ela
ressalta a redução do tempo de preparação dos jovens indígenas para executarem um projeto
de turismo comunitário, devido “problema com Jeovah e a Ypióca.” Para elucidar este
contexto toma-se como referência parte do texto publicado por Tânia Pacheco no site do
Combate ao Racismo Ambiental, em que a pesquisadora afirma:

Foi assim no I Seminário Brasileiro contra o Racismo Ambiental, realizado no final


de novembro de 2005, no Rio de Janeiro, quando ele [professor Jeovah Antônio de
Andrade Meireles] denunciou, entre outras, a empresa Ypióca pelo uso ininterrupto
da água da Lagoa Encantada (sagrada para os Jenipapo-Kanindé), para alimentar
seus 4.000 hectares de monocultura de cana e produzir cachaça, e pela poluição por
vinhoto do lençol freático da reserva [TI Aldeia Lagoa Encantada].
Sua exposição mobilizou a plenária a tal ponto, que uma das relatoras do evento,
Márcia Gomes, levou suas denúncias para o marido, o jornalista alemão Norbert
Suchanek. E Norbert transformou-as numa reportagem, publicada já em dezembro
[2005] no site ambiental alemão Bio100 (http://www.bio100.de). Sob o título
“Hipocrisia na Bio-Qualidade”, ele divulgava as informações de Jeovah e
questionava o fato de a empresa poluidora ostentar o selo de bio-certificaçação
criado pelo Instituto von Demeter. Era o início de uma guerra. A primeira.
A cachaça bio-certificada com as águas dos índios
A Ypióca reagiu em seguida. Ameaçou os responsáveis pelo site, conseguindo que o
artigo fosse retirado da internet. Em carta escrita em alemão, atacava o jornalista,
afirmando que ele nunca estivera no Ceará, e buscava descredenciar seu trabalho,
além de ameaçá-lo com processo por calúnia e difamação. Norbert não desistiu,
entretanto. Manteve-se em contato com Jeovah e, no dia 12 de janeiro de 2007,
publicou nova denúncia, agora no semanário berlinense Freitag. Sob o título
“Racismo ambiental em selos orgânicos – Cachaça Ypióca ameaça lagoa de
Indígenas”, ele noticiava ainda a retirada, em dezembro de 2006, do selo de
certificação concedido à empresa pelo Instituto Biodinâmico, de São Paulo, o braço
brasileiro do Instituto Von Demeter.
Em Fortaleza, a notícia ganhou novo formato, em reportagem do jornalista Daniel
Fonsêca. Recusada pelos jornais locais, ela foi divulgada exclusivamente em listas
na internet. Mesmo assim, conseguiu seus efeitos; e a reação não se fez esperar. A

188
Administração Regional, uma unidade da FUNAI.
189
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 6/1/2009.
213

Ypióca contratou advogado, que em junho [2007] deu entrada em processo contra
Jeovah e Daniel, alegando que “Inexiste qualquer registro histórico da presença de
índios naquela área do litoral cearense (Lagoa da Encantada, Aquiraz), sendo
oportuno assinalar que o nome “ ‘Jenipapo-Kanindé’ foi criado por interessados no
ressurgimento de índios no litoral cearense, em contraposição aos conceitos e regras
dos arts.231, da Constituição Federal, e do Estatuto do Índio (Lei n. 60001/73, arts
3, I e II, 17 e 23)”. E ainda: “Não há, em toda costa cearense, qualquer comunidade
que tenha ou mantenha usos, costumes e tradições tribais […]. Pessoas interessadas,
sem qualquer autoridade científica, vêm encetando movimento resurgicionista (sic)
de índios no litoral nordestino, de alta valorização turística, convencendo humildes
pescadores das vantagens de assumirem postura de silvícolas. ONGs internacionais,
ludibriadas por essas encenações, se dispõem a remeter recursos financeiros para
ajudar o que pensam ser índios de verdade.”
A tentativa de criminalização de Jeovah e Daniel teve forte resposta, entretanto.
Uma nota de denúncia e repúdio – “Ypióca tenta intimidar para calar os movimentos
sociais” – às ações da Ypióca e da Nova Atlântida [...] foi escrita e apoiada, até o
momento, por cerca de 115 entidades nacionais, sete internacionais, além de mais de
220 pessoas físicas, dentre as quais muitas da entidades do GT contra o Racismo e
da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. Mais que isso, teve o poder de provocar a
ira do presidente da Ypióca, em carta postada dia 8 de agosto [2008], no site CMI190
Brasil [...]191.

No trecho citado acima, está claramente elucidada a oposição do grupo


empresarial cearense que nega a própria existencia dos indígenas Jenipapo-Kanindé no Ceará,
inclusive nos registros históricos. Recorda-se que logo no início dessa seção apresentou-se
autores (Dantas; Sampaio; Carvalho, 1992; Porto Alegre, 1994) que discutem a presença dos
(paicu, payaku, Jenipapo, Kanindé) na história indígena do Ceará (Anexo 10). Portanto, não
convém alimentar a declarações do emprendedor, baseadas em arraigados “preconceitos e
argumentos equivocados […] aos indígenas do Nordeste.” (OLIVEIRA FILHO, 2011b, p. 9).
Na seção a frente retoma-se o assunto. O mais importante aqui é registrar como o pesquisador,
que defendia os direitos do povo Jenipapo-Kanindé e contribuía na elaboração de um projeto
de turismo comunitário, havia sido prejudicado pelo grupo Ypióca.
Retomando-se a discussão do referido projeto, as lideranças indígenas Jenipapo-
Kanindé ao resolverem desenvolver a atividade turística no interior da aldeia, decidiram
conhecer a experiência de turismo de outro povo indígena do Nordeste, os Pataxó, situado na
TI de Coroa Vermelha, municípios de Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro, no extremo sul do
litoral da Bahia, nas aldeias de “Barra Velha e Coroa Vermelha por serem as que têm contato
direto com o fluxo turístico e, portanto, aquelas nas quais a criação das ‘tradições indígenas’ é
mais importante.” (GRÜNEWALD, 2001, p. 11). Nesta experiência, a Associação Pataxó de

190
Centro de Mídia Independente.
191
Jeovah Meireles: cearense, Tremembé, geógrafo, Jenipapo-Kanindé, professor, nordestino e doutor, mas,
acima de tudo, um digno cidadão brasileiro. Disponível em: <http://racismoambiental.net.br/textos-e-
artigos/tania-pacheco/jeovah-meirelescearense-tremembe-geografo-jenipapo-kaninde-professor-nordestino-e-
doutor-mas-acima-de-tudo-um-digno-cidadao-brasileiro/>. Acesso em: 20 dez 2011.
214

Ecoturismo (ASPECTUR), entidade executora do projeto de turismo do povo Pataxó na


Reserva Indígena Pataxó da Jaqueira oferta a visitação realizada com o auxílio de guias
indígenas Pataxó. Estes conduzem os pequenos grupos de visitantes para as variadas
atividades turísticas (palestras sobre meio ambiente, a cultura e história do povo Pataxó,
caminhadas passando por trilhas ecológicas, um viveiro de mudas de plantas medicinais). É
possível também observar as danças, esportes e pinturas corporais indígenas, bem como
provar da culinária, visitar o centro de artesanato e as moradias do povo Pataxó (PROJAQ,
2006).
Vale ressaltar que no encontro da pesquisadora em questão com algumas das
lideranças Pataxó que estiveram em Brasília, em setembro de 2008, para visitar programas
financiadores de projetos do MMA, estes indígenas revelaram seu contentamento com o
projeto de turismo da Reserva da Jaqueira. Os Pataxó evidenciaram o orgulho em adotar o
slogan de “índios do Descobrimento.” (GRÜNEWALD, 2001). Em outro momento de 2008,
durante o II Seminário Internacional de Turismo Sustentável (II SITS)192, a pesquisadora
encontrou-se com a liderança indígena Pataxó J P que participava do evento com o apoio
institucional do MMA/PROECOTUR. A liderança, J P, prestava entrevistas durante o
seminário e apresentava-se em espaços de diálogo. Os seus depoimentos resultavam em um
debate sobre a Reserva da Jaqueira como produto turístico. Na entrevista concedida à
assessoria de comunicação do evento para compor a matéria Experiência de Ecoturismo
Promove Geração de Renda, Conservação Ambiental e Valorização da Cultura Indígena na
Reserva de Jaqueira- BA, o mesmo indígena Pataxó ressaltou que o Projeto da Reserva da Jaqueira
(PROJAQ):

É um projeto pioneiro de ecoturismo na região. Primeiro tem uma palestra cultural, a


gente fala um pouco da cultura Pataxó, (sobre) os processos de transformação ao
longo dos anos, a luta pela demarcação da terra [...]. O ecoturismo surgiu porque a
gente vivia num território de mata primária, mata atlântica e a gente queria usar o
espaço sem agredir. Como a gente vive numa área turística, a gente viu a necessidade
do visitante chegar na comunidade e não ver o indígena só como objeto de
exposição, de chegar só para comprar o artesanato e ir embora. A gente quer um
turista que respeite as regras da comunidade, seus membros e valorize o que está
conhecendo [...]. Com a renda, ajudamos a escola indígena, o posto de saúde, damos
suporte às outras associações [Associação de pescadores, indígena, a cooperativa de
habitação, a associação comunitária e também a associação de agricultores
indígenas] que não têm local físico para trabalhar [...]. Agora a gente quer criar um
roteiro nas aldeias para as associações.193

192
II SITS, de 12 a 15 de maio de 2008, em Fortaleza-CE.
193
Disponível em: <http://www.sits2008.org.br/oktiva.net/1893/nota/92093>. Acesso em: 20 maio 2008.
215

Neste mesmo seminário estavam presentes lideranças Jenipapo-Kanindé, que


haviam buscado o aprendizado sobre o projeto de turismo comunitário junto aos Pataxó no
ano de 2000, já apresentando-se como parceiros da REDE TUCUM com oferta de roteiros
turísticos para os participantes do seminário. Dispunham, também, de espaço físico da Rede
Bodega194 para expor o artesanato Jenipapo-Kanindé para a venda. Este seminário também
favoreceu um momento para que ambas lideranças mantivessem um novo contato para
fortalecer os aprendizados sobre as experiências comuns do turismo comunitário em suas TIs.
Voltando-se ao processo de construção do projeto de turismo do povo Jenipapo-
Kanindé, uma liderança indígena informou que para a TI Aldeia Lagoa Encantada “tinham
pensando em turismo de base comunitária, pois tivemos por 15 quinze dias, no ano de 2000,
conhecendo a [referida] experiência de turismo dos Pataxó na Bahia.” (Jenipapo-Kanindé, E
A, morador da aldeia Lagoa Encantada).195 Ele e outras duas lideranças indígenas afirmaram
que para essa modalidade de turismo se concretizar na TI Aldeia Lagoa Encantada juntaram-
se muitas mãos do povo Jenipapo-Kanindé e dos parceiros. As mesmas lideranças
asseguraram que a efetivação do turismo comunitário na TI significou estimular a participação
dos jovens e dos adultos dessa etnia. Segundo o mesmo informante, a intenção dos indígenas
era adotar “[...] um turismo que ajuda a gente, mas não é aquele turismo convencional.”
(Liderança indígena, E A, Jenipapo-Kanindé morador da aldeia Lagoa Encantada).196 No
exercício coletivo de elaborar este projeto de turismo comunitário, os levantamentos
realizados qualificaram os aspectos culturais e as diversidades de paisagens, e definiram os
locais para as atividades tradicionais e o uso da terra. Foi possível identificar cinco trilhas
ecológicas e, para cada uma delas, foram relatadas as potencialidades ambientais, culturais e
econômicas da aldeia a fim de desenvolver os roteiros turísticos integrados com a paisagem e
a cultura do povo Jenipapo-Kanindé. (EDUCAÇÃO INTEGRAL PARA O TURISMO
COMUNITÁRIO, 2008). A respeito dessa forma de turismo a Cacique Pequena, comentou:
Pensei que ia ser muito bom, em cima do turismo comunitário, “[pessoas] vem
entram na aldeia, tem respeito, não traz bagunça e nem desrespeito”. Achei que era
fundamental uma fonte de renda para ajudar a população indígena [...]. Tanto que até
pensei em fazer um refeitório para venda de comida, lanche para o povo que viesse
[...]. E tenho essa cozinha bem adiante dessa mercearia, uma palhocinha de palha
(mais fogão, mais freezer) e, com a continuidade, vou ajeitar cada vez mais. Essa

194
A Bodega [...] é um espaço de comercialização de produtos artesanais, higiene pessoal, confecções,
alimentícios e agro-ecológicos. Os produtos são produzidos na comunidade e também em outras comunidades
que fazem parte da BODEGA. A comercialização participativa é feita diretamente ao consumidor com preço
“justo”, já acrescida uma taxa de 12 % a fim de garantir um fundo para a sustentabilidade do espaço. Rede
Bodega em Prainha e Aracati. Disponível em: < http://prainhadocantoverde.org/?p=340>. Acesso em: 10 ago. 2011.
195
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 5/1/2009.
196
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 6/1/2009.
216

cozinha vai ser uma história e, mesmo fazendo a pousada,197 não vai ser derrubada a
“cozinha do índio”. É isso que a gente faz pra ter uma fonte mais digna de viver [...].
Não é por ser índio que vivemos entocado [...]. Como é que o branco vai conhecer o
índio? Tem de conhecer o índio da forma que ele é, nú, vestido, formado, não
formado [...]. Hoje estamo aqui resistente ‘gente forte’. Vamos botar a vida pra
frente com instrução de vida, não por debaixo dos pés dos outros [...]. O índio não
quer essa vida, ‘ser uma pessoa correndo de um território pra outro [...] jamais ser
escravizado, não viver sofrido, ter sua terra demarcada, desintrusada, registrada,
homologada [...] viver da sustentação da mãe terra e não na cidade grande nesses
atropelos.’198

Figura 32: Liderança Jenipapo-Kanindé, em janeiro Figura 33: Palhoça “Cantinho do Jenipapo”
de 2009, apresentando a palhoça (local de apoio) concluída em 2010.
para as refeições dos visitantes. Foto: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, dez., 2010.
Foto: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan., 2009.

Relativo a este “Cantinho do Jenipapo” a mesma informante afirma que foi


aprovado em 2010 para o povo Jenipapo-Kanindé:
O Projeto “Cantinho do Jenipapo” por meio da Associação da Prainha do Canto
Verde e o recurso vai permitir fazer uma construção nova, próxima do salão de
artesanato. Vamo manter essa construção antiga [a palhoça] e fazer a nova para
quando o gringo vier ter o café da manhã, o lanche, a galinha caipira, peixe torrado,
macaxeira frita, suco de frutas que nós tem, a manga, a baitinga, a ubáia e o caju.199

A partir do trabalho em parceria surgiu o Projeto Educação Integral para a


Sustentabilidade e o Desenvolvimento do Turismo Comunitário na Terra Indígena (TI)
Jenipapo-Kanindé revelado na Figura 34, por meio do qual o povo Jenipapo-Kanindé
integrou-se à Rede Cearense de Turismo Comunitário (REDE TUCUM).

197
No seu comentário quando a Cacique se refere à pousada, trata-se de meta referente a outra proposta de
projeto de turismo que o povo Jenipapo-Kanindé submeteu ao edital 01/2008/MTur de chamada pública para
apoio às iniciativas de turismo de base comunitária. Nessa chamada o povo indígena contemplado no Ceará foi
somente o povo Tapeba em Caucaia com o projeto AYTY – Turismo de base comunitária do povo Tapeba
(Associação para o Desenvolvimento Local Co-produzido – ADELCO). Projetos apoiados pelo MTur no âmbito
do edital 01/2008. Disponível em: <http://www.ivt-rj.net/ivt/pagina.aspx?id=289&ws=0#ce>. Acesso em: 2 set. 2012.
198
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 6/1/2009.
199
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 28/12/2010.
217

Figura 34: Sinalizações sobre o projeto de turismo comunitário na TI Aldeia Lagoa Encantada.
Fotos: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan., 2009.

Esta rede, conforme sua integração na REDE TURISOL, apresenta-se como uma
rede de “Turismo e Resistência na Zona Costeira Cearense”200 com oferta de diferentes
roteiros turísticos envolvendo treze comunidades onde imperam as relações de poder local
(RODRIGUES, 2006) em vários municípios do litoral leste e oeste do estado, a qual propaga
o objetivo de
assegurar o turismo comunitário como estratégia de afirmação da cultura das
populações tradicionais, da preservação ambiental e da economia solidária; dar
visibilidade ao debate acerca dos impactos do turismo convencional; e promover o
intercâmbio e articulação em rede de experiências de turismo desenvolvido a partir
das perspectivas de turismo comunitário, solidário e sustentável.201

No projeto de turismo comunitário do povo Jenipapo-Kanindé, as lideranças


indígenas afirmam-se incluídas, pelo fato de participarem desde a elaboração da proposta até o
momento vigente de desenvolvimento do turismo na TI Aldeia Lagoa Encantada. Homens e
mulheres indígenas em idade jovem foram habilitados como monitores de trilhas na aldeia. As
bases históricas foram levantadas junto aos indígenas com mais idade. De acordo com as
lideranças Jenipapo-Kanindé os monitores indígenas encontram-se aptos a organizar junto com os
visitantes os roteiros de visitação definidos por eles durante as identificações das trilhas na TI.
Conforme o folder com os parceiros e roteiro turístico da TI Aldeia Lagoa
Encantada “Através dos mapas etnográficos disponíveis na aldeia e com as trilhas
georreferenciadas, o visitante [...] Irá presenciar e contemplar ações sustentáveis de usufruto a

200
Série Turisol de Metodologias: Turismo Comunitário. Disponível em:
<http://www.turisol.org.br/wp/wp-content/uploads/2011/02/Livreto-Tucum.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2011.
Publicada em: 2010.
201
O Seminário Internacional de turismo sustentável em Fortaleza. Disponível em:
<http://inventarioambientalfortaleza.blogspot.com/2008/05/ii-seminrio-internacional-de-turismo.html>. Acesso
em: 15 ago. 2009.
218

partir dos aspectos culturais e ambientais definidos pelos índios. (EDUCAÇÃO INTEGRAL
PARA O TURISMO COMUNITÁRIO, 2008, p. 2). Neste folder as cinco trilhas guiadas
pelos monitores indígenas, abrangem diferentes circuitos conforme as necessidades de
diversos públicos, e possuem maiores e menores graus de dificuldades para serem percorridas
(Figura 35). De acordo com a descrição das trilhas (da Lagoa Encantada, do Morro do Urubu,
dos Roçados, dos Riachos e a dos Campos de Dunas)202 apresentadas no mesmo folder,
recebido durante o trabalho de campo (jan/2009), destaca-se com imagens somente duas das
experiências realizadas como visitante nas trilhas da Lagoa Encantada e do Morro do Urubu,
obedecendo a condição de horário agendado com o monitor indígena e o pagamento pelos
serviços solicitados.
A Lagoa Encantada é uma das principais referências para o povo Jenipapo-
Kanindé, tanto que nomeia a TI. O informante diz “A Lagoa é uma mãe que proteje os índios,
os não índios, É um ser agraciado por Deus. Sem água nós não vive e não podemos viver sem
beber” (liderança Jenipapo Kanindé, E A, morador da aldeia Lagoa Encantada).203
Ao realizar a citada trilha, uma das mais próximas e praticamente viável para
públicos de diversas faixa etárias, compreende-se com maior clareza o conflito entre o povo
Jenipapo-Kanindé e a Pecém Agroindustrial (Fábrica da Ypióca). Uma informante
mencionou: “Ele [dono da Ypióca] como empresa deve pensar que está sugando toda a água
da Lagoa para o canavial dele.” (liderança Jenipapo-Kanindé, M L C A, moradora da aldeia
Lagoa Encantada,).204 Outro informante comentou a distância entre a fábrica e a Lagoa: “Até
a Ypióca, 8 km. A bomba de água dela é plantada dentro da nossa reserva ‘é briga com os
posseiros’.” (Liderança indígena Jenipapo-Kanindé, E A, morador da Aldeia Lagoa
Encantada).205 Entre os intervalos das visitas de campo (2009 e 2010) na TI, constatou-se a
diminuição visível no volume de água da lagoa (Figura 36 e 37).

202
No roteiro do povo Jenipapo-Kanindé apresentado pela Rede Tucum, em 2011, das cinco trilhas, aparecem
três trilhas, com outras denominações (Trilha da Lagoa do Tapuia, Trilha da Maré e Trilha Sucurujuba).
203
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 25/12/2010.
204
Idem.
205
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 28/12/2010.
219
220

Figura 36: Lagoa Encantada. Figura 37: Lagoa Encantada com nível de água
Foto: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan., 2009. bruscamente reduzido.
Foto: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, dez., 2010.

Outro informante revelou que “Os índios Jenipapo-Kanindé estão passando um


grande problema de água para beber [...]. Essa água hoje [da Lagoa Encantada] não está
apropriada para beber, cozinhar, só pra tomar banho [devido o vinhoto da Fábrica da
Ypióca].” (Liderança Indígena, J B A, Jenipapo-Kanindé morador da aldeia Lagoa
Encantada).206 Para o povo Jenipapo-Kanindé a acenada Lagoa Encantada representa um dos
principais espaços simbólicos da aldeia juntamente com o Morro do Urubu. Estes sítios
naturais realçam a paisagem da TI e são apresentados expressivamente como atrativos nos
roteiros do projeto de turismo.
A Trilha do Morro do Urubu tem um grau médio de dificuldade na subida. No
alto do morro observa-se as aves (Urubus) que dão nome ao mesmo (Figura 38). A liderança
indígena sugere, assim que se chega no topo da duna para abrir braços, fechar olhos e
acompanhar uma oração para a proteção da caminhada até a descida quando encontra-se a
Lagoa Encantada, visualizada do alto. O monitor indígena, acrescentou: “Nós temos Pajé, mas
ele nunca se apresenta em público, só na mata [...]. Aqui, não temos terreiro. Só oramos,
curamos. Mas, não temos terreiro não.”207

206
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 9/1/2009.
207
Idem.
221

Figura 38: Morro do Urubu visualizado a partir do pátio da Escola Diferenciada de Raízes Indígenas Jenipapo-Kanindé.
Foto: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan., 2009.

Desta duna visualiza-se a paisagem da TI Aldeia Lagoa Encantada e do seu


entorno. Pode-se identificar a fábrica da Ypióca, a Escola Diferenciada de Ensino
Fundamental e Médio Raízes Indígenas em Aquiraz-CE, que no período do trabalho de campo
em (jan/2009), os indígenas ainda estavam aguardando sua inauguração. Avista-se também o
trabalho coletivo na horta comunitária. Vê-se o litoral e outras estruturas da aldeia (moradias
de indígenas e de posseiros, caixas d’água, o galpão de artesanato e outras habitações). A
visão panorâmica da TI faz com que o visitante observe o cotidiano da aldeia. O Morro do
Urubu e a Lagoa Encantada parecem concorrer em significados simbólicos para os Jenipapo-Kanindé.
Para embargar os impactos negativos provocados pela fábrica Pécem
Agroindustrial, a atividade turística torna-se ainda mais significativa para o povo Jenipapo-
Kanindé. Os componentes ambientais que constituem os roteiros turísticos são visivelmente
afetados por danos ambientais decorrentes da atuação da citada empresa. Estes prejuízos são
apresentados pelo referido povo como crimes ambientais na TI, pelo fato de danificarem a
Área de Proteção Permanente (APP) no interior da aldeia. Além dos elementos naturais
comprometidos há impactos sociais, culturais e espaciais na TI. Salienta-se que a Lagoa
Encantada garante muitas atividades necessárias para os indígenas na aldeia, tanto domésticas
como coletivas nos diferentes espaços da TI. Os Jenipapo-Kanindé reforçam significativamente o
papel da Lagoa Encantada e sempre o turismo comunitário é fortalecido por terem este recurso hídrico
agregado ao Roteiro Turístico. Segundo um informante “a pessoa pode vir para a aldeia e trazer sua
barraca, acampar e ficar uns dois ou três dias na beira da Lagoa, pra tocar o violão dele, ler o livro dele”
(Liderança indígena, E A, Jenipapo-Kanindé morador da aldeia Lagoa Encantada).208

208
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 9/1/2009.
222

Desde 2009, consta-se que o projeto de turismo do povo Jenipapo-Kanindé foi


ampliado. O roteiro turístico ofertado evoluiu para além das cinco trilhas. Está acrescido a
visita à Escola Diferenciada de Ensino Fundamental e Médio Raízes Indígenas em Aquiraz-
CE, inaugurada em 18 de fevereiro de 2009 e o Museu Indígena, fundado em 2010 (Figura 39
e 40). A informante indígena revelou para uma professora que estava em visita durante o
trabalho de campo (em dez/2010) que a Escola é Diferenciada pois os “Professores tudo são
índio da comunidade. Não temos professores que não seja da nossa comunidade. Até 1999 era
professor não índio na outra escola, daí fomos colocando mais e mais professores índios.”
(liderança Jenipapo-Kanindé, M L C A, moradora da aldeia Lagoa Encantada).209

Figura 39: Escola Diferenciada de Ensino Figura 40: Museu Indígena Jenipapo-Kanindé.
Fundamental e Médio Jenipapo-Kanindé. Foto: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, dez., 2010.
Foto: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan., 2009.

Ambas as estruturas permitem a visitação de público diversificado, especialmente


alunos e professores de escolas não-indígenas. A mesma liderança, completa: “São 19 índios
trabalhando na escola “15 assalariados e 4 contratados”. Serão 19 assalariados [índios] pelo
estado [na aldeia]. [Desse total] são 12 professores.” (Liderança indígena, M L C A, Jenipapo-
Kanindé moradora da aldeia Lagoa Encantada).210 Como ressaltou a liderança os professores
indígenas estão tendo o curso de formação superior de quatro anos pela universidade. Na fala
desta informante evidencia-se o papel contraditório do Governo do Estado do Ceará na gestão
de Cid Ferreira Gomes, ou seja, o governo estadual que financia e inaugura as Escolas
Diferenciadas Indígenas nas TIs do Ceará, é o mesmo governo que nega a existência de

209
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 28/12/2010.
210
Idem
223

indígenas no estado cearense, como se ressaltou na situação dos Tremembé de São José e
Buriti conforme os depoimentos de indígenas, os documentos jurídicos e as matérias
jornalísticas apresentados. Assinala uma matéria jornalística no site JusBrasil:
A construção de escolas diferenciadas indígenas tem o objetivo de melhorar a
qualidade da Educação Básica e garantir o atendimento a todas as etnias presentes
no Ceará. O Governo assegura a autonomia pedagógica e financeira das escolas
indígenas como unidades próprias e específicas do sistema estadual. Além da Escola
de Buriti [TI Trememebé de São José e Buriti], foram inauguradas seis no interior
do Estado e na região metropolitana. Outras cinco unidades ainda estão previstas.
Foram investidos mais de R$ 3,5 milhões nas obras.211

Segundo as lideranças indígenas Jenipapo-Kanindé na Escola de Ensino


Fundamental e Médio Diferenciada Raízes Indígenas em Aquiraz-CE acontece uma troca de
experiências entre o ensino indígena e o não-indígena. Em 2010 as lideranças quando se
referiam ao projeto de turismo comunitário, procuravam mencionar que com a escola estão
buscando novos visitantes para o turismo pedagógico, inclusive por terem também o Museu
Indígena. Assim, nesse intercâmbio de saberes o visitante é convidado a conhecer o Museu
Indígena, pois “até pouco tempo atrás, a história dos grupos indígenas estava silenciada [...]
nos museus históricos tradicionais [...] lugares privilegiados no conjunto de lutas provindas da
organização dos povos indígenas contemporâneos.” (GOMES; VIEIRA NETO, 2009, p. 367).
Neste Museu Indígena do povo Jenipapo-Kanindé visualizam-se os registros históricos
referentes a TI Aldeia Lagoa Encantada, apresentados nos textos, imagens e objetos expostos.
Um monitor indígena que acompanha os visitantes completa as explicações. Uma informante
indígena destaca: “dos quarenta e oito monitores capacitados pelo curso [monitores
indígenas], ainda tem vinte e oito com a gente. Os outros vinte ficam distribuídos pelo Museu
Indígena, o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e a Escola.”212 A mesma
informante afirma que “O turismo de visita nós temo. Agora, nós tava precisando mesmo era
esse do pessoal vir e ficar dois ou três dias conhecendo o modelo da comunidade [...]. Tamo
pelejando com a REDE TUCUM pra esse turismo desse jeito. (Liderança indígena, M L C A,
Jenipapo-Kanindé, moradora da aldeia Lagoa Encantada).213
Na TI Aldeia Lagoa Encantada, o povo Jenipapo-Kanindé oferece uma
diversidade de potenciais para o citado projeto de turismo Educação Integral para a

211
Indígenas da comunidade Buriti, em Itapipoca, recebem escola indígena.
<http://avol.jusbrasil.com.br/politica/5707402/indigenas-da-comunidade-buriti-em-itapipoca-recebem-escola-
indigena>. Acesso em: 10 jan. 2011. Publicada em: 3 set. 2010.
212
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 28/12/2010.
213
Idem.
224

Sustentabilidade e o Desenvolvimento do Turismo Comunitário na Terra Indígena (TI)


Jenipapo-Kanindé, como:
1. As cinco trilhas propícias para diversos públicos.
2. A Escola Diferenciada de Ensino Fundamental e Médio Raízes Indígenas em
Aquiraz-CE, espaço que permite vivenciar aulas na língua Tupi e o ritual da dança do Toré no
pátio externo nos dias de sexta-feira.
3. A importância do papel da mulher indígena na aldeia, com a gestão de uma
segunda Cacique e, também, a criação da Associação das Mulheres Indígenas Jenipapo-
Kanindé, que é a representatividade coletiva dentro do projeto turístico.
4. O artesanato e a refeição regional, segundo o povo Jenipapo-Kanindé,
representa sua cultura indígena e torna-se opção extra ofertada no roteiro turístico da aldeia.
Portanto, o povo Jenipapo-Kanindé apropria-se do turismo de base comunitária
como estratégia de sobrevivência, por meio da afirmação étnica como povos indígenas do
Ceará na Zona Costeira do estado. O interesse por este segmento turístico comunitário
evidencia, cada vez mais, uma ruptura com o turismo massificado que “es hoy en día
obsoleto, agotado, que no aporta nuevos atractivos a los turistas.” (ARNAIZ BURNE;
VIRGEN AGUILAR, 2008, p. 114). Emerge essa modalidade de turismo chamado
comunitário, alternativo ou solidário, ofertado a partir do interesse de Povos e Comunidades
Tradicionais em que “Las relaciones entre los objetos naturales y culturales están inbricadas
en los procesos sociales [...] del território.” (CAMMARATA, 2006, p. 356). Surgem esforços
conjuntos na formação de Redes de Turismo que congreguem destinos e criem roteiros para
demandas especificas com ofertas exclusivas. Portanto, o turismo cria novas territorialidades.
Segundo Candiotto e Santos “territorialidade está ligada ao cotidiano e ao lugar, influenciada
por aspectos culturais, políticos, econômicos e ambientais dos indivíduos e grupos sociais.”
(2009, p. 322). No contexto atual comprova-se que as territorialidades turísticas contrárias ao
modelo do turismo maciço insurgem apostando nos roteiros que permitam usufruir “un tipo de
turismo que da importancia al conocimiento y contacto com culturas y grupos sociales
concretos.” (CORDERO ULATE, 2006, p. 72). Nesta perspectiva o povo Jenipapo-Kaninde
caiu na REDE TUCUM. Segundo Grünewald “as arenas turísticas podem ser muito bem
aproveitadas para o posicionamento (discursivo) das comunidades étnicas no mundo
globalizado. Essas comunidades acabam muitas vezes por fazer dessas arenas os pontos de
onde conseguem falar de si ao mundo.” (2003a, p. 156).
225

4.6 A TI Aldeia Lagoa Encantada e a Ypióca: impactos e negação da identidade e


turismo

Embora os Jenipapo-Kanindé estejam inseridos na REDE TUCUM e recebam


apoio de entidades parceiras, não podem mudar a realidade geográfica da TI Aldeia Lagoa
Encantada, localizada em Aquiraz, fronteiriço a um outro município da RMF, Pindoretama.
No Sítio Eliza, situado em Aquiraz e Pindoretama, instalou-se a “empresa Pecém
Agroindustrial [...] há mais de 22 anos [em 2011], explorando o cultivo da cana-de-açúcar [...]
com usina de fabricação de aguardente e fábrica de papel e papelão [...].”214 Conforme matéria
jornalística, a Ypióca Agroindustrial Ltda., é uma “indústria lider em produção de aguardente
no Brasil [...] são ao todo cinco fábricas215 [...] capazes de produzir 120 milhões de litros de
aguardente por ano.”216 Segundo uma nota pública217 representada por entidades nacionais,
internacionais e pessoas das mais diversas instituições, redigida em 9 de agosto de 2007,
referente aos impactos provocados por esta empresa, lê-se:
O problema remonta há mais de 20 anos, nos quais a empresa vem destruindo a
Lagoa da Encantada, alterando a qualidade da água e o ecossistema de usufruto
indígena. Trata-se indistintamente de uma degradação a um sistema ambiental de
preservação permanente, uma vez que o ecossistema é fundamental para a etnia, por
estar relacionado à segurança alimentar, à identidade cultural e ao cotidiano dos
índios Jenipapo-Kanindé, que habitam ancestralmente a região. Esse fato, na
verdade, é apenas mais um dos conflitos que vêm ocorrendo entre a etnia e a
YPIÓCA.
Com a finalidade de irrigar a monocultura da cana-de-açúcar (matéria-prima para a
produção de cachaça), a empresa promove o bombeamento indiscriminado da água,
polui o lençol freático, prejudica o abastecimento, a pesca e a agricultura de
subsistência das comunidades que margeiam a Lagoa, em detrimento dos serviços
ambientais de fundamental importância para a qualidade de vida dos índios
Jenipapo-Kanindé. A degradação se deu, sobretudo, por causa da liberação de
vinhoto, produto do processo industrial de fabricação da cachaça.
Além de todos esses danos causados, os donos da Ypióca sequer reconhecem a
existência da etnia e negam a existência de índios em todo o litoral cearense [...]. Tal
afirmação contraria, inclusive, o governo federal que, no Diário Oficial da União nº
159, de 18 de agosto de 2004, reconhece essa etnia e delimita sua terra.

As lideranças indígenas Jenipapo-Kanindé afirmam que a referida fábrica acarreta


danos socioambientais na Lagoa Encantada, recurso hídrico da TI. E, representantes da

214
“ATIVISTAS MANIPULAM COMUNIDADE POBRE E CALUNIAM A YPIÓCA” Disponível em:
<http://prod.midiaindependente.org/pt/blue//2007/07/388962>. Acesso em: 5 ago. 2011. Publicada em: 8 ago.
2007.
215
Uma no Rio Grande Norte (Ceará-Mirim) e quatro no Ceará (Pindoretama, Acarape, Paraipaba e Jaguaruana).
Disponível em: http://www.ypioca.com.br/fabricas.html. Acesso em: 5 ago. 2011.
216
Ypióca Paixão Brasileira. Um pouco de história. Uma tradição familiar. Disponível em:
<http://www.ypioca.com.br/historia.html>. Acesso em: 5 ago. 2011.
217
Ypióca tenta intimidar para calar os movimentos sociais. Disponível em:
<http://www.observatorioindigena.ufc.br/oktiva.net/1983/nota/73713>. Acesso em: 8 dez 2008. Publicada em: 9
ago. 2007.
226

empresa, ainda negam a afirmação étnica do povo indígena em questão. Constata-se esta
negação em alguns trechos da mesma nota218 anterior, como descrito:
[...] a Ypióca [...] cometeu o absurdo de negar a presença de indígenas na zona
costeira cearense. Basta observar os fragmentos do documento público (Mandado de
Notificação) [...], parte do processo n° 2007.01.11000-7, movido pela empresa
Ypióca Agroindustrial [...] contra o jornalista Daniel Fonseca, por conta do artigo
"Ypióca perde uma para os Pitaguary".
"Inexiste qualquer registro histórico da presença de índios naquela área (Lagoa da
Encantada) do litoral cearense, sendo oportuno assinalar que o nome "Jenipapo-
Kanindé" foi criado por interessados no ressurgimento de índios no litoral cearense,
em contraposição aos conceitos e regras dos arts. 231, da Constituição Federal, e do
Estatuto do Índio (Lei n. 6001/73, arts 3°, I e II, 17 e 23)"
"Não há, em toda costa cearense, qualquer comunidade que tenha ou mantenha usos,
costumes e tradições tribais"
O texto emitido pela empresa contrasta com a posição do Ministério Público
Federal, responsável, juntamente com a Funai e o Iphan, pela publicação, em 2004,
do livro "Ceará, Terra da Luz, Terra dos Índios", lançado em um seminário em que
se fizeram presentes as etnias reconhecidas (Tapeba, Tremembé, Pitaguary e
Jenipapo-Kanindé) e as que estão em processo de reconhecimento (Calabaça,
Potiguaras).
Por compreender que a notificação contra o jornalista Daniel Fonseca é parte de um
processo de intimidação contra aqueles/as que lutam em defesa da vida sobre o
poder econômico, movimentos sociais e outras organizações se uniram para apoiar
as pessoas intimidadas.
Na fala de um informante Jenipapo-Kanindé observa-se a sua indignação quanto
ao fato de representantes da citada empresa negarem a afirmação étnica deste povo indígena:

A Ypióca está dizendo que nós não somos índio, que nós somos inventado pelo
professor Jeovah Meireles [...] que nós somos imigrantes, forasteiros. Nós somos a
“quinta geração” aqui nesse lugar e, nós somos resistente aqui nesse lugar, até um
dia que “Pai Tupã” nos levar. Não sei por qual razão [...] eles jogaram isso na
internet para tentar quebrar nossas forças, mas não quebra mesmo. (Liderança
indígena, J B A, Jenipapo-Kanindé morador da aldeia Lagoa Encantada).219

Em outra notícia220 divulgada no site do Portal do Mar, em 6 de dezembro de


2010, o povo Jenipapo-Kanindé se mostrou indignado com o usufruto ilegal do recurso
hídrico da Lagoa Encantada pela aludida fábrica. A redução notável no nível de água da
Lagoa, fez com que os Jenipapo-Kanindé, apoiados por outros povos indígenas do Ceará,
tomassem uma atitude contra a Pecém Agroindustrial (Ypióca). Assim, foi difundido por meio
de site de ONG parceira de povos e comunidades tradicionais do Ceará, que os povos

218
Ypióca tenta intimidar para calar os movimentos sociais. Disponível em:
<http://www.observatorioindigena.ufc.br/oktiva.net/1983/nota/73713>. Acesso em: 8 dez. 2008. Publicada em: 9
ago. 2007.
219
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 9/1/2009.
220
Jenipapo-Kanindé estão organizados para impedir Ypioca de continuar explorando Lagoa da Encantada.
Disponível em: <http://www.portaldomar.org.br/blog/portaldomarblog/categoria/noticias/jenipapo-kaninde-estao-
organizados-para-impedir-ypioca-de-continuar-explorando-lagoa-da-encantada>. Acesso em: 30 de dez 2010. Publicada
em: 6 dez. 2010.
227

indígenas da etnia Jenipapo-Kanindé, Tapeba, Anacé, Kanindé de Aratuba e


Pitaguari estão se organizando para as 13hs [6 de dezembro de 2010] interromper a
empresa Ypioca de continuar retirando água da lagoa da Encantada [...].”221

O ato de protesto foi realizado naquele ano contra os persistentes danos causados
pela referida empresa, visualizados na Figura 41. Atinente ao ato de protesto, segundo as
lideranças Jenipapo-Kanindé, foi uma reivindicação para que sejam respeitados os direitos
indígenas, portanto, uma liderança afirma que juntos “Fizeram barragem no final da Lagoa
para a água aumentar o volume [...]. Mas, tamo achando que ela [a barragem] não vai
agüentar, [talvez] só mais uma semana.” (Jenipapo-Kanindé, E A, morador da aldeia Lagoa
Encantada).222 Para esta mesma liderança, a medida foi tomada para evitar a continuidade da
retirada irregular de água da Lagoa pela Pecém Agroindustrial.
Na mesma Figura 41 visualiza-se a área de extensão da TI com a Lagoa
Encantada, a Lagoa Tapuia e a localização do Morro do Urubu, além da Escola Diferenciada
de Ensino Fundamental e Médio Raízes Indígenas em Aquiraz-CE. Mostra-se, também, no
entorno da TI, a Reserva Extrativista (RESEX) do Batoque, parceira do povo Jenipapo-
Kanindé na REDE TUCUM discutida. Localiza-se também a fábrica Pecém Agroindustrial
com áreas da monocultura de cana-de-açucar ultrapassando o limite físico da TI, sendo
irrigadada por meio de bombeamento com água extraída da Lagoa Encantada “causando
degradação e assoreamento de nascentes”223 conforme os estudos realizados por Meireles em
que o autor afirma terem sido “analisados danos sócio-ambientais das etnias Jenipapo-kanindé
(Lagoa Encantada).” (2006, p. 2).
Apesar do povo Jenipapo-Kanindé demonstrar não enfrentar conflitos internos
entre seus habitantes (indígenas) no processo de reelaboração étnica como acontece com o
povo Tremembé de São José e Buriti devido as pressões do projeto Nova Atlântida, os
Jenipapo-Kanindé se deparam com problemas decorrentes das coações diretas de grupos
empresariais cearenses, como a citada fábrica Pecém Agroindustrial.

221
Jenipapo-Kanindé estão organizados para impedir Ypioca de continuar explorando Lagoa da Encantada.
Disponível em: <http://www.portaldomar.org.br/blog/portaldomarblog/categoria/noticias/jenipapo-kaninde-estao-
organizados-para-impedir-ypioca-de-continuar-explorando-lagoa-da-encantada>. Acesso em: 30 de dez 2010. Publicada
em: 06 de dezembro de 2010.
222
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 25/12/2010.
223
Ypióca Degrada a Lagoa Encantada – Terra Indígena dos Índios Jenipapo-Kanindés (Aquiraz/CE). Disponível
em: <http://outroladodaypioca.org/?q=pt-br/node/21>. Acesso em: 15 fev. 2009. Apresentação em power-point.
228
229

Embora a TI Aldeia Lagoa Encantada tenha sido oficialmente declarada224, a


matéria jornalística, Liminar proíbe empresa do Grupo Ypióca de atuar em lagoa, revela os
esforços da empresa em tentar impedir o reconhecimento da TI:
O advogado da Pecém Agroindustrial, Davi Carvalho de Sousa, questiona a
existência de terras indígenas. "A Portaria n.° 184, de 24 de fevereiro de 2011,
que teria demarcado essa região geográfica como sendo de propriedade do
grupo indígena Jenipapo-Kanindé está suspensa desde o dia 30 de junho de
2011, por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ)", argumenta.
Davi Carvalho afirma que a empresa tem licenciamento ambiental válido da
Semace, com outorga da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh)
para uso da água da lagoa. 225

O licenciamento ambiental oficializado na instância do Governo Estadual do


Ceará permitiu que a Pecém Agroindustrial continuasse a desenvolver as suas atividades,
desse modo a fábrica permaneceu interferindo em áreas da TI Aldeia Lagoa Encantada.
Meireles destaca que estas atividades ocasionaram a “Contaminação das águas superficial e
subterrânea” (2006, p. 2) da Lagoa Encantada como visualizado na Figura 41 nas nascentes
degradadas pela monocultura da cana-de-açucar. Vê-se mais uma das irregularidades graves
cometidas pela SEMACE, que autoriza os avanços de projetos empresariais em TIs do Ceará.
Aproveitando-se da discussão, menciona-se a situação da TI Tremembé de São José e Buriti
impactada com fazendas de camarões pertencentes ao Nova Atlântida, por meio de
autorizações concedidas pela SEMACE, conforme revela o mesmo estudo de Meireles (2006, p. 3):
Quando a SEMACE libera as fazendas de camarão, através de pareceres técnicos
que orientaram o Conselho Estadual de Meio Ambiente (COEMA), inseridas dentro
do ecossistema manguezal [...] e demais unidades de preservação permanente [...]
está cometendo um grave dano socioambiental.
Nas terras indígenas Tremembé de Almofala e de São José e Buriti, as fazendas de
camarão desmataram o ecossistema manguezal e a mata ciliar. Utilizou um sistema
lacustre de usufruto da comunidade indígena (com mais de 20ha), extinguindo uma
importante fonte de alimento, de manifestações étnicas tradicionais (pesca,
mariscagem e caça) e de lazer. Danos socioambientais, econômicos e culturais de
elevada magnitude.

Enquanto os órgãos ambientais negligenciam os impactos de grandes


empreendimentos que afetam as TIs do Ceará localizadas na costa litorânea do estado, eles
vêm gerando situações de conflito recorrente (como aquele travado entre o povo Jenipapo-
Kanindé e a Pecém Agroindustrial/ Ypióca) que são difíceis de resolver de forma pacífica.
Uma liderança indígena revelou a luta para reverter os danos na Lagoa Encantada e reivindicar
que seus direitos constitucionais sejam respeitados:

224
Em 23/2/2011 conforme a Portaria 184/DOU/24/2/2011. Disponível em:
<http://ti.socioambiental.org/#!/terras-indigenas/4066>. Acesso em: 5 mar. 2011.
225
Liminar proíbe empresa do Grupo Ypióca de atuar em lagoa. Disponível em: <http://www.opovo.com.br/>.
Acesso em: 20 jul. 2011. Publicada em: 16 jul. 2011.
230

[...] comecei a luta em 1985 pela defesa da “lagoa e da mãe terra” quando a Ypióca
estava dentro no alto dos tanques [...]. Em 1986 houve a primeira poluição que
matou tudo “peixe e mata.” A gente começou a enviar documentos para órgão
público. Em 1988 teve outra recaída de peixe, aí a gente fez documento quando se
sentiu prejudicado. Em 1990 enviamos outros documentos e tivemos grande apoio
de Dom Aloísio Lorscheider e, continuamos lutando com muitos esforços [...].
(Liderança indígena, M L C A, Jenipapo-Kanindé moradora da aldeia Lagoa
Encantada).226

Enquanto isso, o processo de demarcação da TI Aldeia Lagoa Encantada sofre


empecilhos, em decorrência do advogado da Pecém Agroindustrial ter protestado
juridicamente a existência das TIs. Mesmo diante dessas negações, as lideranças
indígenas reforçam suas afirmações. O povo Jenipapo-Kanindé mediante muitas ações de
protesto torna-se cada vez mais visibilizado, ocupando amplos espaços de reivindicações
na mídia, em eventos e em estudos acadêmicos. Deste modo, agem continuamente, e
algumas decisões encontram-se a seu favor, como revela uma matéria jornalística
divulgada em O Povo de Fortaleza: 227
Justiça Federal determinou, por liminar, a suspensão das atividades da Pecém
Agroindustrial na Lagoa Encantada, em Aquiraz. Empresa alega não ter
comprovação de área indígena na lagoa.
A empresa Pecém Agroindustrial, do Grupo Ypióca, está obrigada a parar as
atividades que realiza na Lagoa Encantada, em Aquiraz. É o que determina liminar
expedida pelo desembargador Francisco de Barros e Silva, do Tribunal Regional
Federal da 5ª Região, no último 7 de julho.
Conforme a decisão, foram detectadas irregularidade no uso de recursos hídricos,
além de alta mortalidade de peixes. A companhia terá de cessar também com as
escavações que realiza no ecossistema.
As atividades estão suspensas até que a questão seja submetida à manifestação do
Congresso Nacional. A comunidade indígena Jenipapo-Canindé (sic), com posse das
terras onde está localizada a Lagoa Encantada, também será ouvida.
A liminar é uma resposta, em segunda instância, à ação civil pública proposta em
2006 pela procuradora da República Nilce Cunha Rodrigues. À época, o juíz da 4ª
Vara Federal, José Vidal Silva neto, havia negado a concessão de liminar.
Agora, caso consiga autorização para retornar os trabalhos, a empresa que fabrica
papel e papelão terá que realizar novo licenciamento ambiental junto ao Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), com o
prévio Estudo de Impacto Ambiental (Eia/Rima) e participação da Fundação
Nacional do Índio (Funai).
A procuradora Nilce Cunha considera que a Justiça foi tardia neste caso. "Há um
adjetivo mais adequado do que 'lenta'? [...]. Não conseguimos uma liminar desde
2006. É um prejuízo inestimável essa demora", critica.
Cunha informa não haver fiscalização para checar se as atividades pararam. A
própria comunidade é quem vai ficar atenta ao caso.

226
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 5/1/2009.
227
Liminar proíbe empresa do Grupo Ypióca de atuar em lagoa. Disponível em: <http://www.opovo.com.br/>.
Acesso em: 20 jul 2011. Publicada em: 16 jul. 2007.
231

O povo Jenipapo-Kanindé mostra-se atento às atividades impactantes causadas


pela Pecém Agroindustrial na TI Aldeia Lagoa Encantada. Para a empresa Ypióca, a
retirada irregular de água da Lagoa Encantada e a sua poluição com detritos industriais
representam lucros, pois a Pecém Agroindustrial ao usufruir dessa água consegue manter as
atividades diretas nessa fábrica e, talvez indiretamente permita um suporte de produtos
alimentando o turismo em outra unidade pertencente a Ypióca Agroindustrial Ltda. Isso
devido este grupo empresarial dispor do Ipark Complexo Turístico, localizado no município
de Maranguape, cerca de 30 km de Fortaleza, numa infra-estrutura constituída pelo Museu
da Cachaça; o Complexo de Aventuras com opções diversificadas de esportes radicais e o
resturante regional. O Museu da Cachaça, estrutura mais antiga deste complexo, oferta
vários produtos derivados da cana-de-açucar, especialmente, as cachaças, desde as mais
comuns até as aquelas elaboradas para suprir os mercados internacionais em mais de
quarenta países consumidores. Nos espaços físicos e/ou temáticos percorridos no interior do
Museu da Cachaça o visitante é conduzido para a história dos mais de cento e sessenta anos
da cachaça Ypióca e, o site oficial do Ipark, afirma que a visitação ao Museu é estimada em
dez mil visitantes mês e conhecido como uma das principais atrações turísticas do Ceará.
Essa estatística correspondente a índices elevados do turismo maciço no estado cearense.
Enquanto que para os Jenipapo-Kanindé a redução do nível de água extraída da Lagoa
Encantada de modo irregular e, ao mesmo tempo, sendo esta Lagoa poluída pelas atividades
da Pecém Agroindustrial, ameaçam a existência desses indígenas, a sua fonte de vida, e o
seu futuro como povo diferenciado.
Portanto, finaliza-se este capítulo, fundamentado sobretudo em depoimentos dos
indígenas Jenipapo- Kanindé e, também, dos Tremembé de São José e Buriti. Vê-se que as
situações das TIs dos dois povos indígenas pesquisados foram exploradas em detalhes,
aliadas as suas formas de se organizarem política e culturalmente, sendo estas propagadass
em suas expressões artísticas, rituais e educacionais. Observa-se nas citações ao longo deste
capítulo que os indígenas utilizam espaços midiáticos tanto de jornais de grande circulação,
como da mídia independente para divulgar os seus conflitos fundiários, inclusive aqueles
provocados por grandes projetos de turismo. E no caso dos Jenipapo-Kanindé a mídia serve
também para difundir o projeto de turismo comunitário. Assim, a partir da totalidade das
questões discutidas nessa tese continuar-se-á a construir novos caminhos sobre os povos
indígenas, o turismo e o território.
232

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No momento em que se optou por desenvolver a pesquisa de doutorado em


Geografia Humana sobre a temática de povos indígenas e o turismo no Nordeste brasileiro,
focalizando-se dois povos indígenas na Zona Costeira do estado do Ceará, não se imaginava
as outras aberturas teóricas que a tese proporcionaria. Tanto que, o primeiro capítulo, surgiu a
partir da pouca clareza sobre a dimensão das produções referentes aos povos indígenas e o
turismo no Brasil. Neste estado da arte desenvolvido para levantar as produções acadêmicas,
deu-se um passo a mais e o olhar a respeito dos trabalhos dos pesquisadores discutidos sobre
povos indígenas e o turismo ampliou-se para buscar alguns estudos realizados fora do país e,
dentro do possível no tocante a estas discussões, apresentar o que as pesquisas do exterior
propuseram e até onde convergiam com o que se discute no Brasil.
Além de povos indígenas e o turismo, foi possível esclarecer para o próprio
interesse como pesquisadora sobre a dimensão das produções referentes aos povos indígenas
do Nordeste numa temporalidade entre 1988 a 2011. Sendo o ano de 1988 um marco de
referência devido à vigente Constituição da República Federativa do Brasil, em que os direitos
constitucionais para os povos indígenas, apesar de ainda negligenciados pelo Estado Nacional
tiveram um avanço na legislação brasileira. Esta mudança coincide com o movimento político
indígena no Brasil e em nível mundial, o qual surgiu na década de 1970 e se consolidou nos
anos de 1980, como mencionado ao longo desta tese quando se discutiu o protagonismo
indígena.
Embora o certo avanço expressado, vale recordar que após a promulgação da
Constituição Federal de 1988, no início dos anos 1990, os povos indígenas, suas organizações
e entidades indigenistas de apoio apresentaram propostas para um Estatuto dos Povos
Indígenas no sentido de efetivar os seus direitos constitucionais. Na Câmara dos Deputados as
propostas foram submetidas a uma Comissão Especial que aprovou um substitutivo de autoria
do deputado Luciano Pizzatto, o Projeto de Lei 2057/91. Este projeto foi submetido ao
plenário da Câmara, mas a discussão foi paralisada, e só quinze anos mais tarde, a partir de
2008, a Câmara dos Deputados retomou a tramitação do Estatuto dos Povos Indígenas, em
clima fortemente anti-indígena dentro do Congresso Nacional com forças políticas aliadas aos
setores econômicos que têm interesses na exploração das Terras Indígenas e procuram criar
mecanismos no sentido de retroceder os avanços alcançados na Constituição Federal de 1988.
233

Atualmente há diversas propostas em andamento determinando que a demarcação


de todas as Terras Indígenas tenha de ser aprovada pelo Congresso. Em 16 de julho de 2002 a
Advogacia Geral da União (AGU) emitiu a Portaria AGU N. 303/2012, que proíbe a
ampliação das Terras Indígenas e autoriza a implantação de obras nessas terras sem consulta
aos povos afetados. Essa Portaria restringe os direitos originários dos povos indígenas sobre
as suas terras que são reconhecidas pelo artigo 231 da Constituição Federal de 1988. O
objetivo claro é de reverter os direitos indígenas, estendendo as restrições veiculadas no
julgamento do caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol a todas as demais Terras
Indígenas, contrariando os direitos indígenas reconhecidos pela referida Constituição Federal,
pela Convenção N. 169 da OIT, incorporada pelo Decreto N. 5051/04, e pela Declaração das
Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. A Portaria AGU N. 303/2012 foi
suspensa após protestos dos povos indígenas e manifestação da FUNAI, e em 17 de setembro
de 2012, o Advogado-Geral da União publicou nova Portaria N. 415, que determina que a
Portaria N. 303 deverá entrar em vigor no dia seguinte à decisão do Supremo Tribunal Federal
(STF) sobre os embargos, ou seja, uma nova tentativa de submeter os direitos indígenas ao
julgamento do STF com o objetivo de tentar revertê-los.
Para ressaltar o clima ainda mais delicado em que se encontra a demarcação de
Terras Indígenas no Brasil e as pressões políticas para reverter os direitos indígenas, vale
mencionar alguns exemplos. Em determinadas situações está surgindo um indigenismo
empresarial (BAINES, 1993), em que grandes empresas estão tomando o papel do Estado ao
assumir a administração de Terras Indígenas, subordinando os povos indígenas aos grupos
empresariais. Nos últimos anos aumentaram campanhas anti-indígenas na imprensa que
defendem os interesses de empresas, como as campanhas publicadas na revista Veja que
atacam os direitos indígenas. O exemplo emblemático das tentativas recentes de reverter os
direitos indígenas conquistados na Constituição Federal de 1988, é o caso mencionado da
Terra Indígena Raposa Serra do Sol no estado de Roraima. Após esta Terra Indígena ter
passado por todas as etapas de regularização pelo Estado, ter sido demarcada pelo Ministério
da Justiça em 1998, e ter sua homologação ratificada pelo presidente da República em 2005,
sua legitimidade foi atacada por empresários e políticos de Roraima que defendem o
desenvolvimento predatório. Esta Terra Indígena foi levada a um rejulgamento pelo STF e
após três sessões, sua demarcação foi finalmente ratificada em área contínua em março de
2009. A decisão do STF de retirar os produtores de arroz que haviam invadido a Terra
Indígena veio estruturada com a totalidade de dezenove condicionantes que ameaçam limitar
234

os direitos indígenas, e ao mesmo tempo os citados políticos continuam insuflando um debate


nacional para questionar a legitimidade da decisão do STF e reforçar a proposta de passar as
decisões sobre a demarcação de Terras Indígenas ao Congresso Nacional.
Outro caso do desrespeito aos direitos indígenas por parte do governo federal é a
aprovação da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte no estado do Pará, a terceira maior do
mundo, sendo um projeto emblemático do governo da presidenta Dilma Roussef. Os
procedimentos de consulta aos povos indígenas impactados pela UHE de Belo Monte também
não ocorreram de acordo com o previsto no artigo 231 da Constituição Federal de 1988 e na
Convenção 169 da OIT. Não houve informação prévia das conseqüências imprevisíveis e
nefastas deste projeto desenvolvimentista que faz parte do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) lançado em 2007 pelo governo federal.
Abordou-se as questões acima para contextualizar a situação histórica em que se
desdobram as reivindicações indígenas discutidas nesta tese. Retomando-se a situação dos
povos indígenas do Ceará, a temporalidade de 1988 a 2011 é fundamental para o recorte
escolhido sobre povos indígenas do Nordeste, focalizado nas situações pesquisadas no Ceará,
pois ao longo deste período e, por meio das produções ressaltadas no texto, discutiu-se a
reelaboração étnica entre povos indígenas, em que os direitos coletivos daqueles que foram
considerados oficialmente extintos são reivindicados por esses povos.
O Ceará, a primeira província a negar a presença indígena no século XIX, abre a
cortina do passado e no século XX passa a reconstruir os caminhos. De extintos e
invisibilizados, tornam-se integrantes dos Movimentos Indígenas e partem para as suas
reivindicações nas assembléias locais, estaduais, eventos nacionais, internacionais e, ao
mesmo tempo, formam seus próprios conselhos, criam suas associações e fortalecem-se por
meio de parcerias institucionais no século XXI. Povos que durante décadas foram
invisibilizados para nós, membros da sociedade nacional, por via da sua extinção oficial por
decretos, mas que de verdade nunca deixaram de saber que eram povos indígenas,
modificados constantemente ao longo da história de contato interétnico como todos os povos.
Estando a grande maioria dos povos indígenas inserida na sociedade nacional, o
turismo não poderia deixar de alcançá-los, ou ser alcançado por estes povos. Desta maneira, o
turismo expande-se no Nordeste e, especialmente no Ceará, no final da década de 1980,
período em que alguns pesquisadores da geografia brasileira, destacando-se Maria Geralda de
Almeida com trabalhos pioneiros no Ceará, tomam o fenômeno como um objeto de estudo a
partir da abordagem cultural da Geografia e proporcionam discussões e pesquisas que
235

investigaram o turismo como um fenômeno social. A citada autora, ao longo de seus estudos,
estando ciente que este turismo ocuparia os mais diversificados territórios, interrogou: “como
turistificar sem destruir as especificidades ambientais consideradas bens turísticos.”
(ALMEIDA, Maria, 2003c, p. 7). Esta questão, de maneira implícita, serviu como pano de
fundo para esta pesquisa, pois a turistificação está evidente no turismo de sol e praia ainda
vigente no Ceará, e, ao mesmo tempo, a outra modalidade de turismo, o turismo comunitário,
contrapõe-se como uma forma de turistificar em que se procura reduzir os impactos. Contudo,
o contexto da tese não foi avaliar estas modalidades de turismo, e sim, averiguar que o
turismo torna-se um vetor da identidade indígena e da reelaboração étnica frente às
transformações territoriais.
Assim, recordando-se que os povos indígenas não estão à parte da sociedade
nacional, logo o turismo não poderia estar à parte dos seus interesses mediante os projetos
institucionais, ou a partir dos interesses de outros que tentam impor o turismo em suas terras
indígenas por meio dos projetos globalizantes. Também se proporcionou um estado da arte a
respeito dos projetos de turismo para povos indígenas, inclusive para saber de onde estes
projetos partiram, de que forma foram pensados, e como têm evoluído no panorama político
do órgão indigenista federal, a FUNAI, que ainda não reconhece oficialmente o turismo em
terras indígenas. Todavia, não impede esta prática nas aldeias. De fato, a referida Fundação
apenas apropria-se de algumas experiências de projetos de turismo como projetos pilotos
numa tentativa que se considera inapropriada, pois não se pode pensar em um modelo
padronizado de projeto de turismo em um país pluriétnico.
Os comentários acima se constituem no cerne desta tese, contudo, considera-se
que a pesquisa elucidou outras discussões importantes que permitiram demonstrar a
invisibilidade dos povos indígenas do Nordeste, priorizando-se o caso dos povos do Ceará e,
ao mesmo tempo, averiguando-se a visibilidade destes povos a partir de suas lutas para
efetivarem seus direitos constitucionais. É neste mesmo panorama, em que os povos indígenas
do Ceará conduzem os seus processos de reelaboração étnica, que os representantes dos
governos estaduais e municipais, e os políticos e empresários correligionários destes
governos, tentam reinvisibilizar os povos indígenas do estado cearense, em especial, os que se
encontram com as suas Terras Indígenas nas Zonas Costeiras, áreas cobiçadas para os grandes
projetos de desenvolvimento turístico do Estado Nacional.
Vale destacar que no intuito deste estudo comparativo, as duas situações
pesquisadas mostravam-se distintas considerando-se a temporalidade da tese, 2008 a 2012.
236

Em 2009 quando iniciado a pesquisa de campo com o povo Jenipapo-Kanindé, este já havia
enfrentado a situação de conflito com empreendedores nacionais e internacionais do turismo
empresarial os quais tentaram aliciá-los e tomar sua Terra Indígena. Naquele período, entre
1999 e 2001, quando sofreu as pressões dos referidos empresários, o povo Jenipapo-Kanindé
estava com o processo de demarcação da Terra Indígena Lagoa Encantada iniciado desde
1997, portanto, este povo encontrava-se numa coesão com o Movimento Indígena do estado
do Ceará e do país. Sua principal liderança na época, a Cacique da aldeia, confirmou ter
participado de forma contínua, de reuniões em Brasília e outras cidades do país, e se sentava
com frequência em mesa redonda com lideranças Terena e Xavante que perguntaram por que
ela não formava um Conselho de Mulheres Indígenas. A referida Cacique, a partir destes
diálogos com indígenas de outras etnias, afirma ter acatado as sugestões e formado um
Conselho de homens e mulheres indígenas, assegurando a organização política do povo
Jenipapo-Kanindé. Segundo a citada liderança indígena, a composição deste Conselho
enfraqueceu a atuação dos empresários e suas tentativas de cooptá-los. Situação parecida com
aquela em que, atualmente, representantes do Nova Atlântida procuram aliciar os Tremembé
de São José e Buriti e lograram êxito com alguns moradores que se deixaram cooptar pelas
promessas do empreendimento e por receber suas ofertas de trabalhos informais remunerados
por um salário mínimo, difícil de obter por meio da agricultura e da pesca conforme
expressam os/as indígenas Tremembé.
Embora os conflitos internos na Terra Indígena Tremembé de São José e Buriti
observa-se que as lideranças indígenas continuam reivindicando a regularização da sua Terra
Indígena, em especial, a Cacique da aldeia São José que veio à Brasília participar de
momentos de reivindicações coletivas de povos indígenas do Brasil por seus direitos
constitucionais. Acompanhou-se alguns momentos da vinda da citada Cacique à Brasília,
como exemplo no Abril Indígena de 2008 na Esplanada dos Ministérios, para a sua
reivindicação pelo direito do povo Tremembé à sua Terra Indígena. Nessa busca dos direitos
constitucionais, apesar das pressões do Nova Atlântida com seu projeto de sol e praia, o povo
Tremembé conseguiu, a base de muita luta, que a FUNAI iniciasse, em 2009, o processo de
demarcação da sua Terra Indígena. Essa conquista é avaliada pelo povo Tremembé, como um
grande passo, numa reivindicação iniciada em 2002, quando representantes do Nova Atlântida
anunciaram o seu interesse por toda a extensão da Terra Indígena, que se afirmam
proprietários desde 1979.
237

Portanto, esta tese visa contribuir para os estudos do turismo e povos indígenas a
partir de uma abordagem interdisciplinar que reúne a Geografia e a Antropologia. Ao escolher
como objeto empírico dois povos indígenas no litoral cearense, examina-se, usando autores
tanto da Geografia quanto da Antropologia, os impactos do turismo sobre os povos indígenas
e as suas terras. Os Jenipapo-Kanindé afirmam que o turismo comunitário pensado a partir
dos seus interesses, pode trazer impactos positivos para a aldeia. Como se argumenta, ao
longo da tese, o turismo torna-se um vetor da identidade indígena frente às transformações
territoriais. Toma-se a noção de “identidade contrastiva” de Cardoso de Oliveira (1976) a
partir de Barth (1969), como a essência da identidade étnica. Oliveira Filho acrescenta que o
critério para a identidade étnica deve ser a “auto-atribuição” (OLIVEIRA FILHO, 1998b),
considerando que a atribuição por outros não necessariamente coincide com a primeira,
levando em conta que segmentos da sociedade nacional, como os consórcios de empresas que
pretendem se apropriar das Terras Indígenas para implantar projetos de turismo economicista,
podem negar a existência de povos indígenas como vem ocorrendo nas situações dos
Tremembé de São José e Buriti (Terra Indígena Barra do Rio Mundaú), e aconteceu com os
Jenipapo-Kanindé (Terra Indígena Aldeia Lagoa Encantada).
O papel de Geográfos e Antropólogos nos estudos referentes ao turismo, aos
povos indígenas ou aos povos indígenas e o turismo, tem sido fundamental, com os trabalhos
pioneiros de Almeida, Maria (1995; 1997); Ratts (1996; 1997); Meireles (2006); Meireles e
Marques (2004) focalizando situações no Ceará. O turismo passa a ser investigado pela
Geografia vendo que o seu principal objeto de consumo é o espaço, portanto, este fenômeno
passa a ser pesquisado na sua vertente social e cultural. A Geografia contribui também na
avaliação dos impactos socioambientais, culturais, espaciais, políticos e econômicos e, no
estado do Ceará, na avaliação dos impactos na Zona Costeira, contribuindo tanto para impedir
a implantação de grandes projetos de desenvolvimento, como auxiliando no levantamento de
estudos socioambientais em Terras Indígenas. As pesquisas de Geógrafos que já discutiam o
turismo no final da década de 1980 no Ceará, demonstraram os impactos socioambientais em
comunidades tradicionais nesse estado, período em que algumas delas ainda não haviam sido
visibilizadas como povos indígenas.
A tese focalizou os processos de afirmação e reelaboração étnica para reivindicar
direitos constitucionais como povos indígenas para rechaçar as invasões das suas terras
tradicionais e, no caso dos Jenipapo-Kanindé, a apropriação do turismo comunitário como
fonte de renda e sobrevivência, em que o povo indígena controla seu próprio projeto turístico.
238

Os resultados obtidos confirmam que o turismo economicista, na forma de grandes projetos


desenvolvimentistas, visa expropriar as Terras Indígenas e incitar os indígenas a negar sua
identidade étnica por meio de ameaças e aliciamento com salários, dividindo os membros das
comunidades e reforçando as relações interétnicas altamente assimétricas de “sujeição-
dominação.” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976). Enquanto que o turismo comunitário,
segundo os depoimentos dos indígenas, está oferecendo um caminho para valorizarem ainda
mais as suas Terras Indígenas e as suas culturas e explorar seus recursos naturais e culturais de
forma rentável, minimizando impactos no ambiente, isso a partir dos estudos de impactos
ambientais necessários. A reelaboração étnica estimulada pelo turismo comunitário, apesar de
trazer seus próprios impactos e provocar mudanças dentro das sociedades indígenas, em vez
de negar a sua existência, reforça a afirmação étnica e estimula a criatividade cultural desses
povos.
A tese aborda, também, o papel das Redes de Turismo Comunitário, abrindo um
tema para pesquisas futuras na América Latina onde esta discussão se fortalece envolvendo
povos indígenas como foi possível comprovar no II Seminário de Turismo Sustentável em
Fortaleza em 2008, em dados levantados e diálogos já iniciados ao longo do doutorado com
instituições em outros países – Canadá, México, Austrália, Chile e Costa Rica.
Este trabalho apresentou as situações dos Tremembé de São José e Buriti e dos
Jenipapo-Kanindé da Aldeia Lagoa Encantada a partir de pesquisa de campo em que se juntou
observações pessoais da pesquisadora, depoimentos dos atores sociais indígenas e não-
indígenas, além de documentos históricos e contemporâneos. Aproveita-se muito da mídia
local, onde os indígenas aparecem em matérias ora anti-indígenas, ora favoráveis aos direitos
indígenas, espaço midiático usado muito pelos próprios indígenas na sua luta para o
reconhecimento pelo Estado. Apesar da pesquisa de campo para este trabalho abranger um
período curto das suas histórias de reelaboração étnica, pretende-se seguir acompanhando
estes dois povos indígenas nas suas lutas para efetivar seus direitos constitucionais,
fortalecendo a linha de pesquisa na abordagem cultural da Geografia.
Deste modo, manter a continuidade dessa pesquisa, torna-se meta primordial,
pois embora as duas Terras Indígenas estejam com os seus processos de demarcação em
andamento, ainda assim, os dois povos indígenas em questão podem ter as suas terras
contestadas. Isso, retardaria e/ou impediria aos povos Tremembé de São José e Buriti e os
Jenipapo-Kanindé da Lagoa Encantada, terem como concretizada a homologação das suas
Terras Indígenas.
239

O outro interesse em manter o foco desta pesquisa, a partir de novos


desdobramentos, se deve ao fato do turismo em Terras Indígenas apresentar-se como um tema
em ascensão teórica, bem como na prática conforme as experiências existentes e citadas ao
longo desta tese, especialmente os casos das Redes de Turismo Comunitário. Assim, é
possível ampliar as investigações in-loco iniciadas desde 2007 na TI Tremembé de São José e
Buriti e, em 2009, na TI Aldeia Lagoa Encantada. Ou, ainda, retomar a intenção de comparar
esta pesquisa com uma outra vivência da América Latina.
Espera-se, também, que esta tese contribua para reforçar o processo de
visibilização étnica dos dois povos indígenas que foram objetos dessa pesquisa para que seus
direitos às suas terras e culturas sejam plenamente respeitados com a regularização das suas
Terras Indígenas e o respeito à diferença étnica, trabalho em que eles estão engajados em luta
política para efetivar seus direitos diferenciados como descendentes dos povos originários do
Brasil.
240

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269

APÊNDICE A: ROTEIRO DE ENTREVISTA

POVO INDÍGENA:
COMUNIDADE E/OU ALDEIA:
DATA/HORÁRIO:
ENTREVISTADOR(A):
ENTREVISTADO(A):

Nome:

Faixa Etária:

ROTEIRO DOS TEMAS:

Povos Indígenas do Nordeste/Ceará


A visão como indígena e o papel no Movimento Indígena
Homologação das Terras Indígenas
Conflitos entre Indígenas/Governo e Empreendedores pelas Terra Indígenas
Projetos de Turismo em Terra Indígena
Impactos Negativos e/ou Positivos do Turismo para os Povos Indígenas
Tipo de Turismo Imposto ou Adotado na Terra Indígena
Fluxo de Visitantes
Ofertas Turísticas
270

APÊNDICE B - TERMO DE AUTORIZAÇÃO DA DIVULGAÇÃO DA


ENTREVISTA E/OU USO DE IMAGEM228

Autorizo à doutoranda ____________________________________________, do Programa


de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia do IESA/UFG a divulgar, sem fins lucrativos, na
(forma impressa e/ou digital, para sua tese de doutorado, publicações em livros e/ou
periódicos, apresentação em eventos científicos e/ou institucionais) a entrevista por mim
concedida e as imagens de mim registradas durante suas pesquisas de campo, de _____a
_____ de ___________de ______.

______________, ______de_______de _______.

nome do entrevistado

228
Fonte: Termo adaptado por Isis Maria Cunha Lustosa a partir do Manual de procedimentos do Programa de
História Oral da Justiça Federal, elaborado por Neide Alves Dias de Sordi; Gunter Axt; Paulo Rosemberg Prata
da Fonseca. – Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2007.
271

ANEXOS
272
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275
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