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GOIÂNIA
2012
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GOIÂNIA
2012
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CDU: 338.483(=1.813.1-82)
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BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________________________
Professora Dra. Maria Geralda de Almeida – UFG/ IESA
Presidente da Banca
__________________________________________________________________________
Professor Dr. Antônio Jeovah de Andrade Meireles – UFC/ PPGG
Membro da Banca
___________________________________________________________________________
Professor Dr. José Antônio Souza de Deus – UFMG/ IGC
Membro da Banca
___________________________________________________________________________
Professor Dr. Stephen Grant Baines – UnB/ DAN
Membro da Banca
___________________________________________________________________________
Professor Dr. Alecsandro José Prudêncio Ratts – UFG/ IESA
Membro da Banca
___________________________________________________________________________
Professor Dr. Eguimar Felício Chaveiro – UFG/ IESA
Membro Suplente
Ao povo Tremembé da Terra Indígena de São José e Buriti (Tremembé da Barra do Mundaú).
Ao povo Jenipapo-Kanindé da Terra Indígena Aldeia Lagoa Encantada.
Por concederem a autorização para esta pesquisa em suas Terras Indígenas e
compartilharem de todas as fases de campo.
Meu respeito e admiração por suas afirmações étnicas e lutas pelo
reconhecimento oficial das suas terras.
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AGRADECIMENTOS
A gente pensa no turismo que o turista viesse aqui ver nossos artesanatos,
nossas matas e rios. Não esse turismo do Nova Atlântida. (Liderança Tremembé, aldeia São
José, 04/01/2008).
A parceria do projeto de turismo comunitário com a REDE TUCUM é um ninhado de
aranha que congrega nesse fiado de aranha com as doze comunidades tradicionais da rede e
quando eles da rede têm oportunidade de mandar alguém aqui [visitantes], eles
mandam.(Liderança Jenipapo-Kanindé, aldeia Lagoa Encantada, 28/12/2010).
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RESUMO
Esta tese compara duas situações em que povos indígenas do Nordeste brasileiro foram
alcançados por projetos de turismo que se tornaram catalizadores de afirmações étnicas. As
situações enfocadas de povos indígenas do estado do Ceará, localizados em municípios das
Zonas Costeiras Leste e Oeste assemelham-se, pois esses dois povos sofreram as pressões de
grandes consórcios de empresas nacionais e internacionais que visavam se apropriar das
Terras Indígenas (TIs) para implantar projetos de turismo em seus territórios tradicionais. O
povo Tremembé da Terra Indígena Tremembé de São José e Buriti, distrito Marinheiros,
município de Itapipoca, organiza-se como indígena e reivindica seus direitos territoriais ao
Estado Nacional por meio da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) frente à ameaça do
projeto de turismo com capital estrangeiro e apoio do governo brasileiro – o Nova Atlântida
Cidade Turística, Residencial e de Serviços LT. Este complexo turístico considerado um mega
projeto espanhol visa sobretudo os fluxos de visitantes estrangeiros. Este empreendimento
tornou-se projeto investigado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF),
do Ministério da Fazenda, devido os movimentos financeiros supostamente incompatíveis
com os seus sócios, conforme anunciam alguns veículos de comunicação. Mesmo assim o
povo Tremembé de São José e Buriti sofre pressões de representantes do Nova Atlântida,
tentando expropriar suas TIs, consequentemente provocam conflitos entre estes indígenas, em
sua maioria, adversos a implantação do Nova Atlântida. Outros, se deixaram cooptar por
ofertas financeiras de representantes do empreendimento, resultando em desacordos internos
nas quatro aldeias, inclusive entre indígenas de uma mesma família. Na situação do povo
Jenipapo-Kanindé da Terra Indígena Aldeia Lagoa Encantada, no município de Aquiraz, este
conseguiu a demarcação de sua TI junto à FUNAI. O citado povo indígena impediu a
construção do projeto turístico internacional Aquiraz Riviera – Consórcio Luso-Brasileiro
Aquiraz Investimentos SA em sua TI, e implantou um projeto de turismo comunitário na aldeia
apoiado por parceiros da academia, do governo e do terceiro setor. O povo Jenipapo-Kanindé
por meio deste projeto de auto-gestão se inseriu na Rede Cearense de Turismo Comunitário
(REDE TUCUM). Os Tremembé de São José e Buriti, para resistir a ocupação da sua TI,
acionaram a identidade indígena e a afirmação étnica na tentativa de embargar o Nova
Atlântida. Os Jenipapo-Kanindé para embargar o projeto Aquiraz Riviera – Consórcio Luso-
Brasileiro Aquiraz Investimentos SA em sua TI, afirmou a identidade indígena e atualmente se
apropria de um projeto de turismo comunitário Educação Integral para a Sustentabilidade e o
Desenvolvimento do Turismo Comunitário na Terra Indígena (TI) Jenipapo-Kanindé como
meio de vida e manifestação da sua afirmação étnica. Os dois povos indígenas em questão
atravessam processos de reelaboração étnica e reivindicam junto aos órgãos governamentais
que suas terras sejam reconhecidas como TIs. Nesta discussão do turismo como um vetor da
identidade indígena frente às transformações territoriais, as pesquisas qualitativa e quantitativa
desenvolvem-se na interface da Geografia e da Antropologia.
ABSTRACT
This thesis compares two situations in which Indigenous peoples of the Northeastern region of
Brazil have been affected by projects of tourism which have become catalysts of ethnic
affirmation. The situations focused in this thesis, of Indigenous peoples of Ceará state,
localised in municipalities of the Eastern and Western Coastal Zones are similar, since these
peoples have suffered pressures exerted by large consortia of companies which aimed to take
over Indigenous Lands to construct projects of tourism. The Tremembé people of São José
and Buriti Indigenous Land, in Marinheiros district, municipality of Itapipoca, have organized
themselves as an Indigenous people and demand that the Brazilian National State recognize
their Land Rights through the National Indian Foundation (FUNAI) since they are facing the
threat of a project of tourism financed by foreign capital with support from the Brazilian
government – the Nova Atlântida Cidade Turística, Residencial e de Serviços LT. This
tourism complex, considered to be a mega project of Spanish investments, is directed
especially to the flow of foreign visitors. The investment came under investigation by the
Council of Control of Financial Activities (COAF), of the Treasury Department, because of
financial movements which were supposedly incompatible with its partners, as has been
announced by some vehicles of communication. Even so, the Tremembé people of São José
and Buriti suffered pressure from representatives of the Nova Atlântida, trying to expropriate
their Indigenous Lands, consequently causing conflicts among these Indigenous people, the
majority of whom were against the setting up of Nova Atlântida. Others let themselves be
coopted by offers of money by representatives of the project, leading to internal disputes in the
four villages, including disputes between persons of the same family. The Jenipapo-Kanindé
people of the Aldeia Lagoa Encantada Indigenous Land, in the municipality of Aquiraz,
managed to get their Indigenous Lands demarcated by the FUNAI. This Indigenous people has
been successful in stopping the building of an international project of tourism Aquiraz Riviera
– Consórcio Luso-Brasileiro Aquiraz Investimentos SA on their lands, and have set up a
community tourism project in their village with the support of partners from the university,
the government and the third sector. The Jenipapo-Kanindé people, through this self-
management project, have joined the Rede Cearense de Turismo Comunitário (REDE
TUCUM). The Tremembé people of São José e Buriti, resisting the occupation of their lands,
have used their Indigenous identity and ethnic affirmation in an attempt to stop the Nova
Atlântida from taking over their lands. The Jenipapo-Kanindé, to stop the Aquiraz Riviera –
Consórcio Luso-Brasileiro Aquiraz Investimentos SA project from being built on their lands
have used ethnic affirmation and at present are setting up their own community tourism
project, Educação Integral para a Sustentabilidade e o Desenvolvimento do Turismo
Comunitário na Terra Indígena (TI) Jenipapo-Kanindé, as a means of living and as a
manifestation of their ethnic affirmation. Both these Indigenous people are going through
processes of ethnic re-elaboration and are claiming through government institutions that their
lands be recognised as Indigenous Lands. In this discussion about tourism as a vector
Indigenous identity in the face of territorial transformations, qualitative and quantitative
research has been done at the interface of Geography and Anthropology.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
empreendimento 112
Figura 14: Esquema de Execução do PRODETUR NACIONAL Ceará 137
Figura 15: Danos socioambientais dos grandes projetos de desenvolvimento
na Zona Costeira do Ceará 141
Figura 16: Salão comunitário da comunidade de Buriti e salão comunitário do
Sítio São José, Distrito Marinheiros, Itapipoca, Ceará 165
Figura 17: Trajetos e distâncias de Fortaleza à Terra Indígena Tremembé de
São José e Buriti e à Terra Indígena Aldeia Lagoa Encantada -
Ceará - 2012 166
Figura 18: Delimitação Terra Indígena Tremembé de São José e Buriti
(Tremembé da Barra do Mundaú) 169
Figura 19: Placa na estrada entre a aldeia São José e a aldeia Buriti com
desenho de índio estilizado 174
Figura 20: Placa do Nova Atlântida à margem da Rodovia Estadual (CE –
168) difundindo o projeto e o apoio institucional do poder público 177
Figura 21: Representação virtual do Nova Atlântida Cidade Turística
Residencial e de Serviços LT 178
Figura 22: Estimativa de fluxo aéreo e horas de vôos entre Fortaleza e
destinos nacionais e internacionais - 2012 179
Figura 23: Estrutura (quiosque) construída próxima ao Rio Mundaú pelo
Nova Atlântida e terreno produtivo privatizado pelo
empreendimento na aldeia São José, Marinheiros, Itapipoca 183
Figura 24: Área de unidades da paisagem relacionadas a TI Tremembé de São
José e Buriti e implantação do Nova Atlântida Cidade Turística
Residencial - Itapipoca - Ceará - 2010 185
Figura 25: Artesanato e cartaz de plantas medicinais da aldeia Buriti expostos
no Centro Comunitário (utilizado como escola) e moradora de
Buriti na cozinha de casa servindo alimentos produzidos (feijão e
farinha de mandioca) no quintal e pescado do Rio Mundaú 189
Figura 26: Construção coletiva da casa de farinha na aldeia Buriti financiada,
em 2008, com recurso de Programa do Governo Federal (Carteira
Indígena) e morador da TI Tremembé de São José e Buriti vindo
de Mundaú (Traíri) com cargas de frutas transportadas por animal
14
LISTA DE TABELAS
LISTA DE QUADROS
LISTA DE SIGLAS
GT – Grupo Técnico
GTZ – Agência de Cooperação Técnica e Alemã
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IESA – Instituto de Estudos Socioambientais
IES – Instituição de Ensino Superior
IPECE – Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará
ISA – Instituto Socioambiental
KfW – Banco de Desenvolvimento da Alemanha
LACED – Laboratório de Pesquisa em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento
LEME – Laboratório de Estudos em Movimentos Étnicos
MMA – Ministério do Meio Ambiente
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MPF – Ministério Público Federal
MTur – Ministério do Turismo
NAyA – Noticias de Antropología y Arqueología
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OIs – Organizações Indígenas
OMT – Organização Mundial do Turismo
ORL – Organização Resistência Libertária
PAC – Programa de Aceleração do Crescimento
PDA – Projetos Demonstrativos
PDPI – Projetos Demonstrativos de Povos Indígenas
PNMT – Programa Nacional de Municipalização do Turismo
PNPCT – Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais
PPG7 – Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil
PROECOTUR – Programa de Apoio ao Ecoturismo e à Sustentabilidade Ambiental do
Turismo
PROECOTUR AMAZÔNIA – Programa de Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia
Legal
PRODETUR NACIONAL CEARÁ – Programa de Desenvolvimento do Turismo Nacional
PRODETUR-NE – Programa de Ação para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste
19
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................................... 10
ABSTRACT.............................................................................................................. 11
LISTA DE ILUSTRAÇÕES............................................................................... 12
LISTA DE TABELAS........................................................................................... 15
LISTA DE QUADROS.......................................................................................... 16
LISTA DE SIGLAS................................................................................................ 17
INTRODUÇÃO....................................................................................................... 23
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 240
APÊNDICES............................................................................................................. 269
ANEXOS.................................................................................................................... 271
23
INTRODUÇÃO
Esta tese segue uma apresentação cronológica, em que a primeira parte, Povos
indígenas, projetos de turismo, identidade indígena e afirmações étnicas: desvendando a tese,
trata de definir o objeto de análise para o estudo em questão. A segunda parte, intitulada A
trilogia: Terras Indígenas, povos indígenas e turismo, constitui-se na apresentação
propriamente dita, em que se desenvolve um caminho pregresso para justificar desde a
definição do tema até o alcance dos passos teóricos e metodológicos subseqüentes para
desenvolver a pesquisa qualitativa e quantitativa. Por fim, apresenta-se o conteúdo resumido
dos capítulos.
Neste estudo compara-se duas situações em que povos indígenas e as suas terras
foram alcançado(a)s por projetos de turismo privados e governamentais que vieram a se tornar
catalizadores de afirmações étnicas. As situações enfocadas de povos indígenas do Nordeste
brasileiro, localizados no Ceará em municípios da Zona Costeira como apresenta a Figura 1,
assemelham-se em alguns aspectos. Os Tremembé da Terra Indígena Tremembé São José e
Buriti1, distrito Marinheiros, município de Itapipoca, litoral oeste cearense, estão se
organizando como indígenas para reivindicar seus direitos territoriais junto ao Estado
brasileiro por meio da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) frente à ameaça de um mega
projeto privado de turismo com capital internacional e apoio institucional do Governo Federal,
do Governo Estadual do Ceará e do Governo Municipal de Itapipoca: o Nova Atlântida –
Cidade Turística, Residencial e de Serviços LT.2 Os Jenipapo-Kanindé da Terra Indígena
Aldeia Lagoa Encantada, no município de Aquiraz, litoral leste cearense, conseguiram a
demarcação de sua Terra Indígena (TI) junto à FUNAI. Os Jenipapo-Kanindé impediram a
construção de um projeto turístico internacional na TI, o Aquiraz Riviera – Consórcio Luso-
1
Durante os estudos e levantamentos antropológicos realizados por Cláudia Tereza Signori Franco,
coordenadora do Grupo Técnico (GT) da FUNAI conforme Portaria N. 003/DAF/09, “Ao final dos
levantamentos de campo (nov/2009) os quais visam a regularização fundiária da presente Terra Indígena, os
Tremembé elegeram um novo nome para sua TI, qual seja: Terra Indígena Tremembé da Barra do Mundaú,
em referência à localização geográfica da mesma.” (FRANCO, 2010, p. 11-12).
2
Ao longo desta tese usar-se-á apenas Nova Atlântida para se referir a este empreendimento.
24
3
Ao longo desta tese usar-se-á Aquiraz Resort o termo utilizado pelos Jenipapo-Kanindé para se referir a este
empreendimento.
25
26
27
Entre 2006 e 2007 decidiu-se elaborar e propor o projeto para ingresso no curso de
Doutorado em 2008. A primeira iniciativa foi dar continuidade ao tema desenvolvido no
Mestrado sobre uma das categorias de Unidade de Conservação de Uso Sustentável, a Reserva
Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Contudo, ao tentar extrair pontos inovadores para a
construção do projeto de Doutorado deparou-se com a realidade de ter explorado
significativamente a propósito das RPPNs na dissertação e, subseqüentes produções
acadêmicas. Deste modo, prosseguir o estudo com esta classificação de Unidades de
28
Conservação (UC) direcionando-o para a construção da tese ficou pouco interessante. Porém,
antes de deixar o citado tema, tornou-se essencial realizar novas consultas na Lei
9.985/18/7/2000 que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e, em
algumas bibliografias conexas.
Assim sendo, no decorrer desta busca localizou-se o livro intitulado
Socioambientalismo e novos direitos: proteção jurídica à diversidade biológica e cultural.
Nesta obra, Santilli, Juliana (2005) expôs a seção Unidades de conservação socioambiental
excluídas do Snuc. Considerou-se significativo averiguar a respeito da supressão mencionada.
Na mesma publicação, dentre as UCs consideradas excluídas do SNUC, identificou-se a
categoria nomeada, como: Reserva Indígena de Recursos Naturais (RIRN). Para a citada
autora “A lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação não inclui os
territórios indígenas entre os espaços territoriais que também se destinam à conservação
socioambiental.” (2005, p. 162). Também nesta obra a autora assegura que a proposta
sugestiva à inclusão da RIRN como UC no SNUC foi apresentada pelo Instituto
Socioambiental (ISA) ao relator, o deputado Fernando Gabeira. A autora ainda afirma que o
deputado chegou a incluir a categoria RIRN em seu relatório quando ainda tramitava o Projeto
de Lei que constituiu o SNUC. Mas, de acordo com esta jurista a categoria RIRN
“posteriormente foi excluída, em virtude da oposição de setores do Ibama, da Funai e de
algumas organizações indígenas.” (SANTILLI, Juliana, 2005, p. 164-165). Após estas
inquirições refletiu-se a respeito das Terras Indígenas (TIs) e dos povos indígenas como
categorias de análises relevantes para a elaboração do projeto de Doutorado. Contudo, o
interesse não era desenvolver estudo sobre o que causou a exclusão da RIRN do SNUC. Esta
citada categoria de UC, abolida da Lei 9.985/18/7/2000, apenas serviu como vetor para revelar
alguns contextos provocativos a propósito dos povos indígenas e suas terras.
4
Em outubro de 2006 ao iniciar os levantamentos sobre o turismo em TI observou-se que a FUNAI apesar de
não ter regulamentado a atividade turísitica em TIs, também não a impedia de acontecer. Esta Fundação desde o
final da década de 1990 utiliza-se de alguns projetos de turismo em TIs, como piloto, para avaliar a viabilidade
em outras TIs. No discurso governamental vigente, há mudança e lê-se a matéria jornalística da Folha de São
Paulo: “Funai estuda implantar turismo em terras indígenas”. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/poder/855119-monica-bergamo-funai-estuda-implantar-turismo-em-terras-
indigenas.shtml>. Acesso em: 10 jan. 2011. Publicada em: 5 jan. 2011.
5
Tornou-se Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável (SEDR), ainda na gestão (2003-
2008) da Ministra do Meio Ambiente Marina Silva.
30
6
A Reserva ocupa posição estratégica em Porto Seguro, tanto por sua proximidade da costa e centro da cidade
(1,5 e 10 km respectivamente), quanto por contribuir na formação de um mosaico integrado ao Corredor das
RPPNs da Mata Atlântica da Costa do Descobrimento, bem como o Corredor Central da Mata Atlântica [...].
(PROJAQ, 2006, p. 8).
7
Considerando-se a formação e experiência profissional de cada membro da equipe técnica do subprograma
PDA o referido projeto ficou sob minha assessoria devido à relação com o Nordeste (região de procedência) e,
especialmente por pesquisar a respeito do tema turismo. Na oportunidade pude conversar com lideranças
indígenas Pataxó sobre essa experiência do PROJAQ.
31
observou-se uma conjuntura bastante distinta da situação do povo Pataxó do litoral da Bahia,
anteriormente mencionado, de adesão ao fenômeno turístico em suas terras.
Portanto, sendo o turismo o tema essencial de minhas pesquisas e produções
acadêmicas,8 os dois casos de povos indígenas do Nordeste, um de turismo comunitário,
outro, de resistência ao turismo maciço resultou na elaboração do projeto de Doutorado em
2007. Neste priorizou-se a proposta de estudo comparativo entre as duas circunstâncias
identificadas, especialmente sabendo-se que apesar de algumas etnias do Brasil aderirirem o
turismo no interior de suas TIs, tratava-se de atividade não reconhecida pela FUNAI. Mesmo
assim, este órgão federal não impedia as atividades de turismo em TIs, como exemplo o
PROJAQ. Neste projeto, no item relativo à participação de instituição parceira, confere-se:
O envolvimento da FUNAI - Fundação Nacional do Índio no Programa de
Desenvolvimento Sustentável e Preservação da Mata Atlântica na Reserva Indígena
Pataxó da Jaqueira - PROJAQ estará voltado principalmente à criação de
mecanismos de divulgação/disseminação do projeto, diálogo político-institucional e
na procura por recursos técnicos e econômicos, tais como: organização de
palestras/encontros com comunidades indígenas vizinhas, participação em
congressos/simpósios, busca por instituições/profissionais que estejam
desenvolvendo atividades comuns às da Reserva e que possam agregar valor/formar
parcerias no projeto, fomentar alternativas de apoio técnico e/ou financeiro aos
objetivos propostos [...]. (PROJAQ, 2006, p. 7).
8
Algumas relativas ao turismo, como: Lustosa (2004a; 2005a; 2005b), anteriores a 2007.
9
Conforme o Decreto n. 1.775/8/1/1996 o processo apresenta as seguintes etapas: 1) os Estudos de Identificação;
2) a Aprovação da FUNAI; 3) as Contestações; 4) as Declarações dos limites da Terra Indígena; 5) a
Demarcação física; 6) a Homologação e o 7) Registro. Na situação do povo Tremembé de São José e Buriti o
processo iniciou-se somente no ano de 2009 e encontra-se em andamento na etapa 3) Contestações.
32
suas terras, considerando a reelaboração étnica (OLIVEIRA FILHO, 2004). Confesso ter sido
um desafio acadêmico abordar o tema altamente politizado de povos indígenas e os conflitos
fundiários provocados em suas terras pelo turismo. Inspirei-me nas palavras de Almeida,
Maria (2008, p. 381) que “O território é, antes de tudo uma convivialidade [...].” Por isso em
vários momentos encontrei-me como Grünewald “ao travar os primeiros contatos concretos
com a realidade indígena do Nordeste brasileiro [...] nada me coube [naquele] momento a não
ser coçar a cabeça.” (2005, p. 13). Mesmo assim, o tema levou-me a construir um outro olhar.
10
Análise de Sistemas Interétnicos cursada no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do
Departamento de Antropologia (DAN) da Universidade de Brasília; Pensamento Social e Político na América
Latina: Indigenismo e Políticas Indígenista em Perspectivas Comparadas cursada no Programa de Pós-Graduação
em Estudos Comparados sobre as Américas no Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas
(CEPPAC) da UnB e Identidade, Território e Territorialidade cursada no IESA, UFG.
11
Este povo foi substituído na pesquisa apenas como ator social primário. Salienta-se que o projeto de turismo
desenvolvido pelo povo Pataxó no extremo litoral da Bahia continuou relevante para as discussões deste estudo.
Ressalta-se que líderes indígenas do povo Jenipapo-Kanindé visitaram a citada experiência de turismo do povo
Pataxó com a finalidade de conhecerem a vivência em questão, antes de desenvolverem a atividade turística na
Terra Indígena Aldeia Lagoa Encantada no Ceará.
33
12
Na defesa da tese, em 3 de abril de 2012, a banca sugeriu um pequeno ajuste no título para “Os povos
indígenas, o turismo e o território: um olhar sobre os Tremembé e os Jenipapo-Kanindé do Ceará.”
34
Nesse sentido é importante refletir sobre o caminho que levou alguns geógrafos a
adotarem a etnogeografia nas pesquisas com povos indígenas. Claval (1999, p. 69, grifos
nossos) revela que:
[...] o campo da curiosidade etnogeográfica foi crescendo pouco a pouco. Lendo-se
os trabalhos etnológicos, os geógrafos descobriram a importância das idéias que os
13
le but d´une recherche d´ethnogéographie peut être d’essayer de mieux comprendre en quoi consistent les
relations qu’un groupe etnique entretient avec son territoire. Selon les représentants de nombreux peuples
autochtones en effet, ces liens constituent le ou l’un des éléments essentiels de leur vie, de leur identité en tant
que personne et en tant que groupe et, finalement, de la cohésion de leur culture toute entière.
37
povos primitivos tinham de seu meio ambiente, de suas estruturas sociais ou de suas
relações com outros mundos.
maior organização indígena do país, atuando na representação de mais de 150 mil indígenas
de 65 povos, em uma extensa região.” (OLIVEIRA, Kelly, 2010, p. 18).
Vale salientar que os territórios dos dois povos indígenas do Ceará, aqui
discutidos, são dotados de significados e passam por “tensões [...] dos investimentos externos
no lugar.” (LIMA, Luiz, 2006, p. 106). Como demonstra-se a situação do povo Jenipapo-
Kanindé que segundo as lideranças indígenas foram pressionados por representantes do
Investimento Aquiraz Resort interessados em apoderar-se da sua TI. Fato semelhante acontece
atualmente com os Tremembé de São José e Buriti. Este outro povo indígena enfrenta
conjunturas de conflitos internos entre os seus habitantes, ocasionados pelos investidores do
turismo, governantes e políticos interessados na implantação do Nova Atlântida em sua TI.
Estas circunstâncias podem ser confirmadas no Capítulo 4 desta pesquisa nos depoimentos de
atores sociais indígenas e não-indígenas entrevistados.
Ao refletir sobre os grandes investimentos que afetam diferentes espaços,
incluindo-se as duas TIs dos Tremembé de Buriti e São José e dos Jenipapo-Kanindé,
apreende-se, ainda, segundo Lima, Luiz (2006, p. 106):
À medida que se implanta um grande investimento num espaço, quer de
infraestrutura, quer de produção ou consumo, impõem-se mudanças socioespaciais e
normativas para o adequado funcionamento do ente geográfico. Nessas condições o
ambiente não pode ser mais receptivo às tradições locais, tendo de forçar as pessoas
a novo modo de vida, às vezes com bruscas substituições em seus ritmos, costumes,
consumo, etc. Não podendo acatar as novas regras do ambiente criado com os
poderosos investimentos, de imediato ocorre um processo de desterritorialização dos
excluídos da nova realidade [...]. Aos resistentes, aos que pretendem manter seu
cotidiano, agressividades lhes são impostas, sem condições de defesa e
possibilidades [...]. Eles são forçados, pelo imperativo das novas leis criadas, a
afastar-se de seu tradicional hábitat de vida e de trabalho, para ceder o espaço para
os de “fora”, como é comum ouvir dessas vítimas das “invasões” dos investidores,
especialmente nas comunidades litorâneas.
14
Disponibilizados em algumas notas de rodapé ao longo do texto nos endereços (http://www.naya.org.ar;
http://apoinme.org.br; http://www.indiosonline.net; http://www.apib.org.br; www.tucum.org.br;
http://missaotremembe.blogspot.com; http://www.fundaj.gov.br; www.diariodonordeste.globo.com;
www.folha.uol.com.br; www.mma.gov.br; www.ccr6.ppgr.mpf.gov.br; www.mds.gov.br; www.turismo.gov.br;
www.oitbrasil.org.br; www.pib.socioambiental.org.br; www.funaiceara.blogspot.com; www.portaldomar.org.br;
www.gruponovaatlantida.com; www.sits2008.org.br; http//philipe.wordpress.com; www.radiomundoreal.fm;
http//prod.midiaindependente.org; www.ypioca.com.br).
42
realizadas; nas reuniões locais que presenciou-se e/ou nos eventos nacionais15 que se esteve
presente e foi possível observar e dialogar com as lideranças indígenas participantes).16
Atenta-se que nos dois trabalhos de campo iniciais (em janeiro de 2007 com os Tremembé de
São José e Buriti e em, janeiro de 2009, com os Jenipapo-Kanindé da Lagoa Encantada), as
entrevistas com os indígenas informantes foram somente transcritas. Nos momentos seguintes
solicitou-se a autorização para gravar os seus depoimentos, bem como utilizá-los juntamente
com as suas imagens fotográficas (Apêndice B). Estes consentiram e preferiram autorizar
verbalmente durante as gravações concedidas. Considerando as situações de conflitos
fundiários evita-se o uso de fotografias de lideranças indígenas que possa permitir suas
identificações. Embora, nenhum dos indígenas informantes tenha solicitado ocultar as suas
imagens, os seus nomes e os seus depoimentos na tese. Em cada visita de campo realizou-se
novas entrevistas com os indígenas e os não-indígenas17 interessados em colaborar com a
pesquisa. Na oportunidade, foi possível reavaliar alguns dos depoimentos obtidos
anteriormente e, também, realizar os novos registros fotográficos para subsidiar o estudo
comparativo. Isso utilizando-se tanto as imagens registradas, como as oralidades com as
diferentes representações sobre os fatos, bem como observar os resultados das ações
solicitadas pelo indígenas ao Estado Nacional e identificar as providenciadas cumpridas ou
negligenciadas nas situações das TIs pesquisadas.
Os trabalhos de campo realizados entre 2007 a 2009 na TI Tremembé de São José
e Buriti equivalem dois períodos correlatos ao mês de janeiro de 2008 e de 2009. Estes,
somados a outros dois períodos antecedentes ao curso de Doutorado em janeiro e julho de
2007, com trabalhos nas aldeias São José e Buriti e extensivos ao povo Tremembé de
Almofala nas aldeias (Praia de Almofala, Varjota e Saquinho) no município de Itarema e ao
15
Em 2008, durante o Abril Indígena, montado na Esplanada dos Ministérios em Brasília, localizou-se liderança
Tremembé de São José e ao entrevistá-la foi possível atualizar as informações para a pesquisa. Neste evento a
citada liderança representava os Tremembé de São José e Buriti para reivindicar agilidade no processo de
demarcação da sua TI.
16
Na reunião entre o povo Tremembé de Buriti e representantes da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) na
comunidade Buriti, Itapipoca-CE em julho de 2007. No Abril Indígena 2008 em Brasília-DF e no II Seminário
Internacional de Turismo Sustentável (II SITS) em Fortaleza, Ceará de 12 a 15 de maio de 2008.
17
As entrevistas com os atores não-indígenas das ONGs (Associação Missão Tremembé, REDE TUCUM e
Instituto Terramar) foram agendadas. Apesar de tentar dialogar com representante da FUNAI/Ceará e, também,
com habitante da aldeia São José que trabalhava como “tesoureiro” para o Nova Atlântida, não houve
possibilidade. Realizou-se entrevistas informais com alguns técnicos de programas (CARTEIRA INDÍGENA e
PDPI) do governo federal no MMA em Brasília, responsáveis por projetos socioambientais financiados para os
povos indígenas objetos da pesquisa e, também, com dois membros do Grupo Técnico nomeados pela
FUNAI/SEDE para conduzir os Estudos de Identificação da TI Tremembé de São José e Buriti.
46
povo Tremembé Córrego do João Pereira na aldeia (Capim-Açu) nos municípios de Itarema e
Acaraú, totalizados em quatro períodos. Na oportunidade entrevistou-se lideranças indígenas
e se conheceu o artesanato (em cerâmica) produzido por cinco mulheres indígenas na aldeia
Saquinho. Na aldeia Varjota foi possível ver o artesanato em tear produzido por outro grupo
de mulheres indígenas e, o uso da serigrafia aplicada com desenhos indígenas em camisetas e
em azulejos por um grupo de quatorze jovens (rapazes) indígenas. A totalidade deste
artesanato de Saquinho e Varjota transformado em produção comercial foi nomeado como
Arte Tremembé e destina-se a comercialização no Centro de Artesanato do Ceará (CeArT), em
Fortaleza. Foi fundamental durante a pesquisa de campo conhecer as outras TIs dos
Tremembé, além de realizar os trabalhos in loco na TI Tremembé de São José e Buriti.
Ressalta-se que para a localização da citada TI no trabalho de campo inicial em,
janeiro de 2007, contou-se com a colaboração de três indígenas que estavam de passagem pela
pousada na Praia da Baleia, município de Itapipoca na qual a pesquisadora estava hospedada
e, estes dependiam de condução para retornarem às aldeias São José e Buriti. Apesar o fato de
naquele momento a TI Tremembé de São José e Buriti ainda não ter iniciado o processo de
demarcação e, por isso, não havia obrigatoriamente a formalização de autorização para o
acesso à TI, mesmo assim ao chegar às aldeias procurou-se as caciques de São José e de Buriti
que nesse dia encontravam-se ausentes. Dois dos indígenas Tremembé de Buriti que estavam
trabalhando na Baleia, resolveram acompanhar os pesquisadores pela TI, inclusive por
terrenos já apropriados pelo Nova Atlântida. E, durante aquele momento, apareceram três
veículos buggies conduzidos por estrangeiros, um deles alcunhado pelos indígenas como o
fortão pela peculiar estatura. Estes, encontravam-se acompanhados de habitantes das aldeias
que negam sua identidade indígena Tremembé por estarem servindo de mão-de-obra informal
para o Nova Atlântida. Os buggies circulavam repetidamente e os seus condutores
demonstravam-se curiosos e incomodados com a presença de pesquisadores na área.
Entretanto, em nenhum instante estes representantes do Nova Atlântida propuseram dialogar,
apenas estavam no local observando-nos. Os citados Tremembé conduziram a pesquisadora à
casa de duas lideranças indígenas Tremembé de Buriti, e no dia seguinte retornou-se e foram
mantidos os contatos com as outras lideranças que prontamente concederam entrevistas.
No retorno a TI Tremembé de São José e Buriti em julho de 2007, janeiro de 2008
e para a finalização dos trabalhos (para esta pesquisa) em janeiro de 2009, em todos esses
períodos pode-se observar a existência de conflitos entre indígenas, inclusive envolvendo
membros da mesma família por conta das pressões do empreendimento turístico,
47
comprometendo até a integridade moral de uma das lideranças da aldeia Buriti, acusada de
ceder às pressões e propostas do Nova Atlântida, bem como alterações na paisagem,
apresentando novas construções e evidências de impactos socioambientais. Ressalta-se que
desde o ano de 2007 manteve-se contato com representantes da AMIT para atualizar os dados
referentes aos Tremembé pesquisados.
Os trabalhos de campo realizados entre 2009 e 2010 na TI Aldeia Lagoa
Encantada do povo Jenipapo-Kanindé correspondem a dois períodos nos meses de janeiro de
2009 e dezembro de 2010. Somente após a autorização concedida18 pela cacique teve-se
acesso à TI Aldeia Lagoa Encantada. Na mesma data após contato com uma liderança
indígena, esta informou que a cacique encontrava-se em sua companhia e ambos participavam
de culto na Igreja Assembléia de Deus no centro de Fortaleza e dependiam de deslocamento
para retornar à aldeia em Aquiraz. Colaborou-se conduzindo-os e logo obteve-se o aval para
ingressar na TI. Nessa mesma data mencionou-se para as lideranças indígenas o interesse em
realizar os trabalhos de campo nessa TI e, como não houveram objeções, iniciou-se
imediatamente. No dia seguinte, retornou-se para realizar duas trilhas referentes ao roteiro
turístico e, ainda, obter novos depoimentos, registros fotográficos e dar a continuidade aos
demais levantamentos no entorno da TI.
No intervalo entre os trabalhos de campo, manteve-se contato por meio de alguns
telefonemas com duas lideranças indígenas Jenipapo-Kanindé já entrevistadas a fim de
atualizar os dados necessários. No ano seguinte em, dezembro de 2010, regressou-se para
outra etapa de trabalhos de campo na mesma TI. Na ocasião havia sido inaugurada(o) a Escola
de Ensino Fundamental e Médio Jenipapo-Kanindé Diferenciada Raízes Indígenas em
Aquiraz-CE e o Museu Indígena. A Associação de Mulheres Indígenas Jenipapo-Kanindé
havia conseguido aprovar um novo projeto para ampliar as ofertas no roteiro turístico
desenvolvido na aldeia. No mesmo período os Jenipapo-Kanindé apresentavam novos
conflitos territoriais provocados, segundo este povo indígena, pela Pecém Agroindustrial
Ltda. Ressalta-se que desde o ano de 2008 manteve-se contato com representantes das ONGs
Instituto Terramar e Rede Cearense de Turismo Comunitário (REDE TUCUM), tanto para
conhecer sobre o projeto de turismo do povo Jenipapo-Kanindé inserido nesta Rede, como a
respeito da continuidade dessa experiência. E, também, saber sobre os prejuízos causados ao
referido projeto em decorrência dos conflitos territoriais do povo Jenipapo-Kanindé com o
18
5 de janeiro de 2009.
48
grupo empresarial citado, devido à redução do nível de água da Lagoa Encantada por
bombeamento ilegal realizado nesta Lagoa e modificações ambientais evidentes.
Iniciou-se a pesquisa em São José e Buriti, tanto com os moradores daqueles
locais que se reconheciam como Tremembé como aqueles/as que negaram a identidade
indígena, além de não-indígenas representantes governamentais de instituições ligadas ao
tema pesquisado, e ainda, de membros de AMIT. Devido ao clima de conflitos e tensões, não
foi possível entrevistar representantes do Nova Atlântida. Na TI Jenipapo-Kanindé, realizou-
se entrevistas com os indígenas e não com visitantes,19 e também com representantes da
REDE TUCUM (atuante como uma entidade do trade turístico local) por gerir a Rota de
Turismo Comunitário com povos e comunidades tradicionais no litoral leste e oeste cearense.
Estes olhares mencionados sendo direcionados para avaliar as relações entre os atores sociais
indígenas e não-indígenas. Para os dois povos pesquisados foi necessário observar também o
relacionamento destes com suas terras, bem como analisar nos espaços físicos, sociais,
políticos e culturais as atividades e as estruturas erguidas para o turismo. As anotações
oriundas das observações e das transcrições decorrentes dos depoimentos foram associadas
aos registros fotográficos e as pesquisas bibliográficas e documentais relatadas.
Realizou-se entrevistas formais com os seguintes indígenas: vinte uma com os
Tremembé de São José e Buriti; quatorze com os Jenipapo-Kanindé; quatro com os
Tremembé de Almofala; duas com os Tremembé Córrego do João Pereira; uma com Pataxó
do Extremo Sul da Bahia; seis com membros da AMIT; três com membros da REDE
TUCUM e uma com gerente de pousada na praia da Baleia em Itapipoca. Quanto às
entrevistas informais foram realizadas duas com técnicos da FUNASA no Ceará; quatro com
técnicos da Carteira Indígena e do PDPI; uma com técnico do PRODETUR; duas técnicas20
do GT/FUNAI; duas com membros do Instituto Terramar; uma com representante da CeArt;
duas com proprietários de pousada na praia de Mundaú em Trairi.
A tese está dividida em introdução, quatro capítulos e considerações finais. O
primeiro demonstra produções da Geografia e da Antropologia sobre os povos indígenas e o
19
Durante os trabalhos de campo não coincidiu participarem outros visitantes, além dos pesquisadores, a autora
dessa tese e três professores da (UnB, UFG e Universidade de Trento na Itália). As duas úlimas presentes em
uma fase dos citados trabalhos. Da mesma forma que fazem os outros visitantes, agendou-se as visitas com um
indígena. Este recepcionou os visitantes na aldeia e esteve como monitor durante o percurso de duas trilhas do
roteiro turístico desenvolvido na TI. Além das trilhas, visitou-se as infra-estruturas ofertadas no mesmo roteiro e
registrou-se as imagens autorizadas. Ao finalizar às visitas pagou-se pelos serviços turísticos, previamente
acordados com duas lideranças indígenas Jenipapo-Kanindé familiares da cacique da aldeia.
20
A coordenadora do GT e uma outra técnica, nomeadas em 2009, para iniciar o processo de demarcação da TI
Tremembé de São José e Buriti conforme o Decreto 1.775/96.
49
reflexão e produção do conhecimento sobre o turismo Arnaiz Burne e Virgen Aguilar (2008,
p. 107) afirmam:
El turismo ha cobrado una mayor importancia como fenómeno social, debido al gran
número de desplazamientos de personas que provoca y a lo complejo de las
interrelaciones que genera, lo que hace difícil su definición, al adoptar diferentes
roles e interpretaciones, dependiendo de la forma en que se estudie, de las relaciones
que genera y del ámbito geográfico en que se da [...].
fenômeno traduz-se por uma trama de definições cada vez mais porosas, pois coaduna
segundo Molina e Rodríguez (2001) conotações, sentidos e implicações bastante complexas,
que ultrapassam elementos quantitativos. Para estes mesmos autores o turismo resulta de
ações sociais e culturais não absolutamente quantificáveis. Para Grünewald (2003a, p. 142-
143):
A amplitude e a relevância do turismo como fenômeno social é crescente [...] pelas
suas inúmeras manifestações concretas [...] em diversas tipologias que tentaram
estabelecer assuntos/objetos temáticos no âmbito desse amplo fenômeno [...]. Nas
ciências sociais, os estudos sobre turismo começam a se fixar entre os anos 60 e 70,
quando aparece um número significativo de trabalhos [...] mas ganham força na
década seguinte e principalmente com foco sobre pequenas comunidades e as
interações sociais entre turistas e hospedeiros. Uma multiplicidade de objetos
começa a se colocar aos pesquisadores nos anos seguintes, e esses passam a ser
tratados pelos mesmos métodos e teorias comuns à pesquisa antropológica em geral,
tanto urbana quanto rural e de grupos étnicos.
54
55
Figura 5 : Rodovia Estadual (via de acesso a TI Tremembé de São José e Buriti), com a
sinalização do município Itapipoca e da Rota Turística Costa Sol Poente (conjeturada pela
especulação imobiliária).
Fotos: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan., 2009
57
Figura 6: Acampamento Terra Livre/V Abril Indígena - 2008 com a liderança indígena
Tremembé da aldeia São José e, outros povos indígenas do Brasil, reinvidicando os
direitos constitucionais, Brasília - DF.
Fotos: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, abr., 2008
Humana por produzir importantes pesquisas sobre o turismo, e a Antropologia por favorecer o
maior suporte teórico sobre os povos indígenas, juntas revelam algumas produções sobre os
povos indígenas e o turismo no Brasil, destacadas nos Quadros 2 e 3. As duas ilustrações,
apresentam autores com estudos nos referidos temas, também permitem averiguar os períodos
em que as pesquisas predominam e ao identificar as palavras-chave destas produções
promovem a correlação de algumas delas com as categorias de análise discutidas nesta tese.
2001
LAC 2005 Turismo Étnico; Kaingang; Hospitalidade; Fronteira
Cultural
CASTRO 2008 Identidade Étnica; História; Pataxó
Áreas que antes não tinham quase valor de troca, tornam-se objeto da especulação
imobiliária, “deslocando da primazia o papel do uso”. (SANTOS, Milton, 2007, p. 16). E, em
muitas situações da super valorização destas áreas litorâneas, o Estudo de Impacto Ambiental
(EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), instrumentos obrigatórios da Política
Nacional do Meio Ambiente, são negligenciados e os impactos socioambientais
potencializados. Para Becker “a zona costeira tem sido ocupada velozmente, num processo
onde o turismo é um fator importante para a ocupação.” (2001, p. 2). Na concepção de
Rodrigues (2006) o turismo como uma atividade monopolista revela-se nos países emergentes
por meio dos benefícios outogardos pelo estado nação aos grandiosos grupos empresariais a
fim de viabilizar os seus equipamentos turísticos, como exemplo os grandes hotéis. Corrobora
Coriolano (2006b, p. 369-370):
O turismo é, na atualidade, um dos eixos desencadeadores dessa espacialização, age
desterritorializando/reterritorializando e produzindo novas configurações
geográficas. Assim, regiões litorâneas, originalmente ocupadas pelos indígenas [...]
21
O autor na citação destaca que “O termo litoralização representa um neologismo explicitador do movimento
de ocupação contemporânea do litoral. A necessidade de criação de um termo é conseqüência da transformação
do movimento de valorização do litoral em verdadeiro fenômeno de sociedade, ligado a uma urbanização
significante dos espaços litorâneos e traduzido na inserção gradual das zonas de praia à lógica derivada de uma
sociedadede [...] turística. (DANTAS, 2002, p. 58).
63
são expropriadas para dar lugar [...] aos grandes resorts, às cadeias hoteleiras [...].
Nessa produção espacial faz-se necessário considerar a luta dos diferentes atores
locais: os nativos usuários do espaço litorâneo que tentam defender suas
propriedades, ou bens de usos, contrapondo-se aos interesses dos empresários, dos
agentes imobiliários e do próprio estado que se interessam pelo valor de troca do
espaço, pois o transformaram em mercadoria.
As pressões daqueles que detêm o capital privado geram conflitos (entre) e (para)
os povos indígenas, especialmente os causados por investidores internacionais comboiados
pelo Estado Nacional, pois “O território é o lugar em que desembocam todas as ações, todas
as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do
homem plenamente se realiza a partir das manifestações da sua existência.” (SANTOS,
Milton, 2007, p. 13). Existe realmente outra modalidade de turismo que não proporcione a
expropriação das terras indígenas? Ou não transforme os indígenas em meros locadores de
atividades para o turismo no interior desses territórios? As mesmas tensões e pressões
comentadas, também podem suscitar as resistências dos que se sentem coagidos. Emergem
experiências como o turismo comunitário e, ainda, de acordo com Coriolano (2006) citada por
Vasconcelos e Coriolano (2008, p. 271),
[...] o turismo alternativo e comunitário faz contraposição ao turismo global. Como o
turismo globalizado, voltado para os mega-empreendimentos, chegou aos países
ditos em desenvolvimento, mas não ofereceu oportunidades e vantagens às
comunidades receptoras por não incluí-las em seus projetos, muitas comunidades,
especialmente no Nordeste e Norte do Brasil, inventaram uma forma diferente de
organizar a atividade – o turismo comunitário.22 Programaram outro tipo de turismo
de base local, que busca a sustentabilidade sócio-ambiental, prioriza os valores
humanos e culturais, e descobre formas inteligentes de participação na cadeia
produtiva do turismo, com produtos diferenciados, e com uma nova visão do lugar e
de turismo; um turismo que não é só do consumo, mas de troca de experiências, de
laços de amizades e de valorização cultural.
Nessa contraposição do turismo comunitário ao turismo global ou maciço,
considera-se que embora essa modalidade turística comece a ser adotada por povos indígenas
e desenvolvida em suas TIs, suscita dúvida sobre a real concepção que estes povos possuem
sobre o assunto, bem como da verdadeira participação coletiva de indígenas nas experiêcias de
turismo comunitário em suas aldeias, ou seja, como detentores das iniciativas comunitárias,
das atividades a serem conduzidas e dos retornos lucrativos a serem partilhados.
O turismo comunitário praticado no interior das aldeias indígenas pode se tornar
instrumento de poder criando opressores e oprimidos, inclusive entre os próprios indígenas?
Os territórios indígenas não estão imunes do poder, seja este de determinações internas ou
externas, portanto, alguns indígenas podem estar apenas executando atividades e ao mesmo
22
Nesta pesquisa, também adota-se a mesma nomenclatura. Ao longo das abordagens de alguns autores de
instituições governamentais e de não governamentais poderá aparecer como turismo de base comunitária.
64
tempo sendo representativos como atores sociais numéricos – os nomeados públicos alvo –
quantificáveis para aprovar os projetos públicos e privados de turismo comunitário, sem ao
menos compartilhar dos benefícios, incluindo-se os financeiros. Para esta ponderação remete-
se a Maurice Godelier (1984, p. 115) citado por Haesbaert (2007, p. 54) o qual afirma que “as
formas de propriedade de um território são ao mesmo tempo uma relação com a natureza e
uma relação entre os homens.” No mesmo artigo Haesbaert também assevera que Maurice
Godelier considera que na situação da relação entre os homens esta é “dupla: uma relação
entre as sociedades ao mesmo tempo que uma relação no interior de cada sociedade entre os
indivíduos e os grupos que a compõem.” (1984, p. 115). Assim, ao concluir esta reflexão
retoma-se a texto de Haesbaert em que este afirma: “O território [...] define-se antes de tudo
com referência às relações sociais (ou culturais, em sentido amplo) em que está mergulhado,
relações estas que são sempre, também, relações de poder.” (2007, p. 54).
âmbito das pesquisas em turismo, centradas, até aquele momento, em leituras mais
dirigidas à perspectiva de mercado. Da mesma forma, este tema praticamente não era
referido em políticas públicas e nem considerado em uma perspectiva estratégica
vinculada ao desenvolvimento do turismo no país, pelas razões mencionadas.
Reflete-se alguns pontos abordados acima por Irving (2009). Primeiro, considera-
se que até meados de 1990 (década como que a autora destaca) a crítica ainda não focava-se
ao turismo de base comunitária propriamente com tal nomeação. Para chegar a esta
nomenclatura, primeiro teve-se que passar pelas leituras acadêmicas referentes ao turismo e
desenvolvimento sustentável ou melhor como diz Rodriguez (2007 p. 84) “el paradigma de la
sostenibilidad del turismo” que para o autor emergia “a partir de la Conferencia de las
Naciones Unidas celebrada en Rio de Janeiro en 1992.” (p. 83). Portanto, discutir sobre o
desenvolvimento local, logo, o turismo de base local, precedeu ao turismo comunitário ou
turismo de base comunitária. Assim, nos meados de 1990 (IRVING, 2009), secundário
mesmo, era discutir o turismo como fenômeno, independente de suas modalidades.
Quanto ao ENTBL, também mencionado por Irving (2009), o evento surge em
1997 no cenário acadêmico nacional a partir de iniciativa da geógrafa Adyr A. Balastreri
Rodrigues que reuniu na USP palestrantes do México, da Espanha, da Argentina e do Uruguai
e gerou publicações que também contribuiram com as novas reflexões a respeito do turismo e
suas interferências sociais, econômicas, ambientais, políticas, culturais, particularmente as
espaciais. Este evento comprova as reflexões iniciais sobre o desenvolvimento local e/ou
turismo local discutidas por (ALMEIDA, Maria, 1996a; RODRIGUES, 1997a; 1997b;
CORIOLANO, 1998). E, ainda, o local e o lugar turístico e/ou o turismo no global em
Almeida, Maria (1998b). Portanto, este debate refente ao turismo local, antes e após a
primeira edição do ENTBL, como já falado, precede a menção do turismo comunitário.
Para correlacionar esta discussão com o estado do Nordeste delimitado para essa
pesquisa traz-se o Ceará para compor à cena sobre o turismo comunitário, pois desde a década
de 1980 “o turismo é a estratégia definida para o desenvolvimento econômico do Ceará e para
a sua inserção na globalização em curso.” (ALMEIDA, Maria, 1999, p. 124). Ou melhor,
como a mesma autora havia revelado em outra obra “A turistificação do litoral cearense tem
subvertido a utilização tradicional dos lugares [...]. Pouco a pouco, os equipamentos turísticos
instalam-se e consolidam-se os enclaves criados pelo turismo [...].” (ALMEIDA, Maria, 1997,
p. 31). Estes enclaves materializaram o turismo maciço na Zona Costeira cearense, causando
conforme também revelou esta autora “a perda de território [...] abandono das atividades
tradicionais [...]. É, através da questão fundiária, que se evidencia melhor os efeitos
66
negativos.” (ALMEIDA, Maria, 1998b, p. 24). Certamente, não foi à toa que a capital
cearense, Fortaleza, sediou o II ENTBL em 1998. O Ceará, exatamente na mesma década
deste evento, deparou-se com a “segunda onda de ocupações nas comunidades litorâneas, da
instalação de equipamentos turísticos. Essa segunda onda teve início nos anos 1990 e se
consolidou no início da década atual [2000].” (VASCONCELOS; CORIOLANO, 2008, p.
264-265). Este outro modelo turístico, o maciço, persiste no referido estado e os seus
impactos negativos continuam avançando, em contraponto, o turismo comunitário mantem-se
como tema de pesquisas acadêmicas, discursos institucionais para justificar políticas públicas
e criarem-se alternativas para os que forem atingidos pelos grandes empreendimentos
turísticos. Desta forma o Ceará permanece em evidência nas questões correlativas ao turismo
comunitário como novamente expressa Vasconcelos e Coriolano (2008, p. 271):
O Fundo Mundial para a Natureza - WWF Brasil, a maior entidade ambientalista do
Brasil, vem trabalhando com o turismo onde há ameaça à conservação da natureza e
à justiça social. Criou-se uma rede de turismo sustentável que agrega a WWF, Brazil
Nature, Instituto Terramar, Conselho Brasileiro de Turismo Sustentável - CBTS,
Núcleo de Estudos do território e do Turismo - NETUR/UECE dentre outros que
estimulam a discussão de um modelo de turismo socialmente responsável. Várias
ONGs da Europa apóiam o turismo comunitário, o turismo solidário como
instrumento para redução da pobreza. Como exemplo temos a organização inglesa
Tourism Concern e o programa Fair Price Tourism na África.
23
No período de 12 a 15 de maio de 2008 em Fortaleza.
67
24
Assim denominados conforme o Decreto N. 6.040/7/2/2007 – Política Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT).
25
Entre o Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social COPPE/UFRJ e a Coordenação Geral de
Projetos de Estruturação do Turismo em Áreas Priorizadas do Ministério do Turismo.
26
Turismo de Base Comunitária: diversidade de olhares e experiências brasileiras.
TURISMO COMUNITÁRIO ÁREA PAIS AUTOR
Por definición el turismo comunitário en Ecuador complementa, no subsume, el
funcionamento econômico de la comunidad, la diversidad económica es una salvaguarda
para las comunidades. Su funcionamiento no se basa en el empleo por cuenta ajena, y en
mayor o menor grado, según los casos, debe generar directa o indirectamente benefícios Ciências Equador Ruiz et al, 2008,
tangibles para el conjunto de la comunidad: aportaciones para los fondos comunitarios. La Sociais p. 404.
minga y otras formas de trabajo colectivo sirven de base y referente tanto para la
organización como para la generación y mantenimiento de las infraestructuras turísticas
(que no sólo se utilizan para fines turísticos); asimismo las rotaciones y el acceso
(individual o por familias) a las oportunidades del negocio turístico se establecen como
líneas preferentes de organización.
O turismo comunitário é aquele em que as comunidades de forma associativa organizam
arranjos produtivos locais, possuindo o controle efetivo das terras e das atividades
econômicas associadas à exploração do turismo. Nele o turista é levado a interagir com o
lugar e com as famílias residentes, seja de pescadores, ribeirinhos, pantaneiros ou de Geografia Brasil Coriolano, 2009,
índios. Uma das primeiras ações que as comunidades realizam é a elaboração de um pacto p. 282.
interno com os próprios residentes em defesa de suas propriedades. Todos se
comprometem com a preservação de suas terras, delas não se desfazendo, e aqueles que
precisam de fato vendê-la submetem o negócio à apreciação da comunidade, que analisa
quem é o comprador, verifica se este pode ser um parceiro, e como pode ser feita a
parceria.
Por turismo comunitário entende-se toda forma de organização empresarial sustentada na
propriedade e na autogestão sustentável dos recursos patrimoniais comunitários, de acordo
com as práticas de cooperação e equidade no trabalho e na distribuição dos benefícios Terceiro Brasil Maldonado,
gerados pela prestação dos serviços turísticos. A característica distinta do turismo Setor 2009, p. 31.
comunitário é sua dimensão humana e cultural, vale dizer antropológica, com objetivo de
incentivar o diálogo entre iguais e encontros interculturais de qualidade com nossos
visitantes, na perspectiva de conhecer e aprender com seus respectivos modos de vida.
68
69
27
Em setembro de 2012.
70
1.2 Estudos da Antropologia e da Geografia sobre povos indígenas e o turismo fora do Brasil
28
As traduções são minhas.
71
29
Pesquisadora do Aboriginal Studies program at the University of Tasmania (UTAS) na Austrália que
organizou a compilação com vinte e oito trabalhos multidisciplinares publicados em diferentes períodos. Estes
textos encontram-se inseridos na compilação (apresentada como apostila) para subsidiar a sua disciplina
Indigenous Tourism no Riawunna Centre/ UTAS no ano de 2009.
72
poderia obter algum controle sobre a atividade turística praticada e sobre os benefícios para os
indígenas envolvidos.
A respeito das experiências na América Latina, para manter a temporalidade
lógica das discussões, intercalam-se a partir daqui os estudos antropológicos com os
geográficos a fim de apresentar a essência de algumas pesquisas desenvolvidas no Equador,
no Chile (experiência de turismo comunitário acontecendo em área fronteiriça comum a esse
país com a Bolívia, a Argentina e o Peru). Depois, insere-se as experiências do México no
colóquio. Afirma Cordero Ulate (2006, p. 15):
ESTUDIOS sobre turismo enfocados desde una perspectiva [...] antropológica
apenas se encuentran en una fase muy inicial en América Latina. Como corresponde
a la primera infancia de un tema, sus primeros pasos son inseguros y tambaleantes.
objetos antes que sujetos del dessarollo.” (RUIZ et al, 2008, p. 400). Os mesmos autores
destacam a realidade de povos indígenas do Equador que “En este contexto, las comunidades
indígenas [...] empezaron lentamente, durante las últimas décadas del siglo XX, a plantearse
su participación en la atividad, dessarrollando uma propuesta propia: el turismo comunitário.”
(SOLIS, 2007 apud RUIZ et al, 2008, p. 400). Estes pesquisadores da comunidade indígena
do Equador, ainda mencionam na mesma obra que “En la actualidad unas 60 comunidades
indígenas [...] ofertan turismo comunitário (TC), estimándose que esas actividades benefician
directa e indirectamente a unas 15.000 personas.” (RUIZ et al, 2008, p. 403). Vale ressaltar
que esse turismo comunitário no Equador decorre desde a década de 1980 e, em 2000, tornou-
se atividade oficialmente reconhecida (ESTRELLA, 2007 apud RUIZ et al, 2008).
Certamente, mais de três décadas praticando o turismo comunitário e, ainda, tendo-o como
atividade oficial no país, fazem dos indígenas do Equador atores sociais envolvidos e
beneficiados pelo turismo. Isso, considerando-se os dados quantitativos revelados acima a
partir do estudo dos citados autores.
matrizes para estimular novas pesquisas resultando em dissertações, teses e outras coletâneas aqui
apresentadas.
Ao retomar as reflexões a respeito do que foi levantado para esta pesquisa sobre
povos indígenas e o turismo, afirma-se que desenvolver estudos que aliam estes temas no
Brasil é partir para um campo acadêmico ainda pouco explorado, especialmente com e entre
indígenas do Nordeste, pois segundo Oliveira Filho (2004, p. 11):
Os povos indígenas do Nordeste não foram objeto de especial interesse para os
etnólogos brasileiros. Nas bibliotecas e no mercado editorial são muito raros os
trabalhos especializados disponíveis. Apesar da grande expansão do sistema de pós-
graduação nos últimos anos no Brasil, ainda no início desta década contava-se com
poucas teses monográficas e nenhuma interpretação mais abrangente formulada
sobre o assunto. Tudo levava a crer tratar-se, em definitivo, de um objeto de
interesse residual, estiolado na contracorrente das problemáticas destacadas pelos
americanistas europeus, e inteiramente deslocado dos grandes debates atuais da
antropologia. Uma etnologia menor.
Esta Etnologia que chegou a ser interpretada como menor, como ressalta Oliveira
Filho, emergiu e vem se destacando nas importantes produções oriundas dos olhares de
pesquisadores da Antropologia que validam os estudos a respeito dos povos indígenas do
Nordeste, como será mencionado a partir daqui, inclusive retomando-se publicações que
subsidiaram uma trajetória de pesquisas contemporâneas, entre 1988 a 2011. Salienta-se que
Oliveira Filho desde o ano de 1988 já coordenava o projeto Fronteiras Étnicas, território e
tradição cultural30 e, portanto, já desenvolvia o Estudo Comparativo de Grupos Étnicos no
Nordeste e na Amazônia com o objetivo de estabelecer os fatores que determinam a formação
de identidades étnicas em diferentes regiões do país, caracterizadas por modalidades distintas
de colonização e por fatores históricos e culturais contrastantes. O referido autor, a partir dos
estudos acima destacados, impulsionou muitas outras pesquisas citadas a seguir, focalizando
os povos indígenas do Nordeste.
Assim, no mesmo ano de 1988, Carlos Guilherme Otaviano do Valle, iniciou sua
investigação com os povos indígenas do Ceará, resultando na dissertação31 Terra, Tradição e
Etnicidade: os Tremembé do Ceará defendida em 1993. O autor focalizou as estratégias
sociais de construção identitária e da etnicidade entre os povos Tremembé de Almofala e de
Acaraú e, ainda, os conflitos gerados pelos elementos naturais, especialmente a terra, bem
como a criação de tradições como o Torém e os investimentos étnicos por meio de práticas
30
Projeto desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (PPGAS-
MN) no período entre 1988 a 1998 com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e convênio da Fundação Nacional de Ensino e Pesquisa (FINEP)/ PPGAS-MN.
31
No Mestrado em Antropologia Social no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu
Nacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
76
32
No Mestrado em Antropologia Social no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu
Nacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
33
Idem.
77
34
O Mapa do estado da Bahia estreita-se ao sul do rio Jequitinhonha, apertando-se entre Minas Gerais, Espírito
Santo e o oceano. No litoral desse prolongamento meridional pelo menos dois acidentes geográficos são de
interesse para os brasileiros, que deles ouvem falar desde tenra idade na escola: o monte Pascoal, primeiro ponto
avistado pela esquadra de Cabral, e o ilhéu da Coroa Vermelha, onde foi celebrada a primeira missa na terra
descoberta.
Nessa faixa costeira vivem os pataxós, cujas comunidades se distribuem desde o município de Santa Cruz
Cabrália, ao norte, até o município de Prado, ao sul. Partindo de Santa Cruz Cabrália e do vizinho ilhéu da Coroa
Vermelha para o sul, encontramos Porto Seguro, o principal centro urbano desse trecho litorâneo; depois, o
Parque Nacional do Monte Pascoal, junto ao qual está a aldeia pataxó de Barra Velha. Em seguida, Itamaraju,
afastada da orla marinha; e enfim Prado.
Aos pataxós que se distribuem por essa faixa litorânea mais os daí migrados que vivem no município de
Carmésia, em Minas Gerais, convenciona-se denominar de pataxós meridionais. Um outro ramo, os hãhãhãe, no
estado da Bahia, ao norte do Jequitinhonha, constituiriam os pataxós setentrionais. Aqui serão considerados
apenas os primeiros. (MELATTI, 2009).
78
que inclui o auê (quiçá mais indígena), festas religiosas rurais, danças de origem
africanas, sem dizer das composições atuais em “língua” pataxó. Esse trabalho
de invenção levou até à criação e edificação do Centro de Cultura e Tradição
Pataxó de Barra Velha [...] destinado à formação e treinamento das novas
gerações nessas tradições “resgatadas”. A cuidadosa análise de Grünewald se
desenvolve em diálogo com autores voltados para uma antropologia do turismo,
da invenção de tradições e da etnicidade. (MELATTI, 2009).
35
Neste ano também identificou-se na Pós-Graduação em Antropologia Social da UFPR a pesquisa de LAC,
Flávia. O Turismo e os Kaingang na Terra Indígena de Iraí/RS. Curitiba: SCHLA/UFPR. Dissertação de
Mestrado, 2005. Nesta a autora “aborda a apropriação do turismo pelos índios kaingang da Terra Indígena Iraí,
sua tradição de hospitalidade e sua relação com os turistas e agentes do turismo.” (p. 7). Apesar de não ser um
estudo com povos indígenas do Nordeste é fundamental salientá-lo devido a pesquisa em questão procurar
ressaltar as experiências de turismo em TIs no Brasil.
79
36
No mesmo ano a antropóloga, Susana de Matos Viegas, professora do Programa de Pós-Graduação do Instituto
de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, publicou o livro intitulado Terra Calada: os Tupinambá da Mata
Atlântida do Sul da Bahia. Esta experiência etnográfica discute os afetos, tensões familiares, fantasias e
conciliações entre homens e mulheres, vivências do espaço e dos modos reservados de agir destes povos.
37
Defendida na Pós-Graduação do Departamento de Antropologia (DAN)/UnB.
80
delimitados nesta tese, não passam despercebidos na referida coletânea agregando textos com
os enfoques de indígenas, de pesquisadores e de missionários.
Em 2011, para o desfecho deste panorama sobre as produções relacionadas aos
povos indígenas do Nordeste, adotou-se recente publicação organizada por Oliveira Filho
(2011b)38, intitulada: A presença indígena no Nordeste, com vinte e três capítulos. Nesta
coletânea, o organizador apresenta “um amplo painel compreensivo da trajetória histórica dos
indígenas do Nordeste [...]. Questionar a invisibilidade dos indígenas do Nordeste se constitui,
pois, no ponto de convergência dos trabalhos que integram esta coletânea.” (OLIVEIRA
FILHO, 2011b, p. 10). Segundo o mesmo autor os pesquisadores que contribuiram para
concretizá-la com os seus temas de investigação demonstram nos textos concedidos que os
trabalhos “são contribuições [...] baseadas em pesquisas sólidas e profundas.” (OLIVEIRA
FILHO, 2011b, p. 10). É importante ressaltar que por meio desta publicação um dos fatos
relevantes a considerar é que “as produções mais recentes sobre os indígenas do Nordeste
parecem encaminhar-se decididamente numa direção que amplia o debate interdisciplinar [...]
e fortalece o pensamento crítico nas ciências humanas.” (OLIVEIRA FILHO, 2011b, p. 15). A
nossa intenção ao longo da tese é de contribuir para este debate interdisciplinar.
38
No mesmo ano o ISA publica o livro Povos Indígenas no Brasil: 2006-2010. Nessa obra a seção referente ao
Nordeste apresenta o texto sobre As terras Indígenas do Nordeste numa discussão a respeito da situação
fundiária destas e, também, destaca uma outra abordagem sobre indígenas do Ceará no município de Crateús.
Além, de focalizar esses estudos, o livro apresenta uma seção com vários acontecimentos registrados em recortes
de matérias jornalísticas sobre situações diversas a respeito de indígenas de Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba,
Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe. Algumas dessas notícias falam do turismo em TIs do Ceará.
81
inteligibilidade à ação humana sobre a superfície terrestre.” Dentre estes caminhos encontra-se
a Geografia Cultural. Ou melhor, como considera Claval (2008, p. 15) “a abordagem cultural
na geografia humana.” O mesmo autor, em outra obra, esclarece que “nessa [...] concepção, a
geografia humana explora as dimensões normativas dos comportamentos humanos. Ela estuda
também as etnogeografias e as geografias vernaculares de cada um.” (2003, p. 163). Apesar da
importância dos estudos que adotam essa abordagem cultural ressaltada acima pelo autor,
Côrrea e Rosendahl afirmam que “A geografia cultural [...] a partir da Europa difundiu-se e já
tem um século de existência. Contudo, a geografia cultural não tem ainda no Brasil a
importância que desfruta nos Estados Unidos e na Europa.” (2003, p. 9). Mesmo assim, alguns
geógrafos brasileiros, constroem os caminhos para fortalecer a abordagem cultural na
Geografia Humana.
Retomando-se Claval, “a virada cultural da geografia humana [...] enfatiza o fato
que os processos sociais, econômicos ou políticos dependem das culturas onde eles atuam.”
(2003, p. 163). Voltando-se a pesquisas no Brasil, que adotam a abordagem cultural, Corrêa e
Rosendahl asseguram que “[...] a heterogeneidade cultural brasileira, fruto de longos,
complexos e especialmente diferenciados processos envolvendo sociedade e natureza, faz do
Brasil um excelente campo para estudos de geografia cultural [...].” (2003, p. 10). Dentre estes
estudos se inclui aqueles referentes aos povos indígenas e o turismo.
Na Geografia Humana brasileira, dentro de uma produção de assuntos mais
diversos e, mesmo com o destaque ao turismo como tema de pesquisa, constam poucas
produções acadêmicas que aliam os povos indígenas e o turismo, como mencionado
anteriormente e, agora, particularizados primeiramente conforme as teses de Doutorado
apresentadas no Quadro 5 e as as dissertações de Mestrado no Quadro 6. Dois destes estudos
efetivados na Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP) discutem povos indígenas do Norte
do Brasil, localizados nos Estados do Tocantins e do Amazonas. Os outros dois estudos,
concluídos na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), são referentes a povos
indígenas do Centro-Oeste situados nos Estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul,
visualizados no mesmo Quadro 6.
Vale salientar que a Reserva Indígena de Dourados (RID) no Mato Grosso do Sul
foi objeto de pesquisa para as duas dissertações mencionadas, defendidas na UFMS. Nas
situações específicas em que os estudos apresentados investigam o mesmo campo, estes
podem decorrer de pesquisa procedente do Departamento de Geografia da mesma
82
universidade. Isso devido a RID tornar-se área investigada por alguns pesquisadores desde o
projeto de pesquisa Atividade turística e desenvolvimento regional: as transformações na
produção e consumo do território sul-mato-grossense coordenado de 2000 a 2005 por
Edvaldo Cesar Moretti no Laboratório de Estudos Territoriais da UFMS. Este projeto
acadêmico subsidiou o subprojeto A Atividade turística na Reserva Indígena de Dourados-
MS: análise da ação do poder público, desenvolvido no período de 2002 a 2005 com
financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e
co-colaboração de Adriano Cosma Cabreira. Os pesquisadores envolvidos com os dois
projetos citados, afirmam trazer para o debate “o turismo em áreas indígenas - que nesta
denominação pode ser chamado de etnoturismo indígena.” (CABREIRA; MORETTI, 2005, p.
2537). Os mesmos autores corroboram que esta prática trabalha com elementos do turismo
cultural e envolve os indígenas da RID ( também chamada de Reserva Indígena Francisco
Horto Barbosa). Portanto, as abordagens sobre os povos indígenas e o turismo fortalecem
alguns estudos de universidades públicas do país, estimulam novas produções acadêmicas e
também permitem confrontar as discussões nas particularidades das pesquisas geradas. Desta
forma, produções de pesquisadores interessados nos novos objetos de investigação, podem ser
visualizadas especialmente nos Quadros 5 e 6 e em pesquisas complementares no Quadro 7,
apresentados a seguir.
Autor Tese Área da Pesquisa e/ou Povo UF Ano
Indígena
OLIVEIRA, Vanderlei Mendes de Turismo e modernidade: um estudo indígena Krahô, estado do Krahô TO 2006
Tocantins (Amazônia Legal brasileira)39
Resumo: Esta tese tem a finalidade de apresentar estudos sobre o turismo, o território e a modernidade. Para isto, realiza-se um debate teórico e metodológico sobre
os usos dos diferentes conceitos de território. Dentro desta lógica, insere-se o turismo como alavanca do desenvolvimento com base local. De uma parte, analisa-se o
turismo indígena e, de outra, estuda-se o turismo em territórios indígenas. A metodologia utilizada na pesquisa de campo divide-se entre os estudos etnológicos,
etnográficos, pesquisa-ação, pesquisa-participante e a literatura sobre turismo e desenvolvimento com base local. O trabalho de campo entre os Krahô ocorreu entre
os anos de 2004, 2005 e 2006, permitindo levantar informações sobre a ocorrência do turismo nas comunidades e associações indígenas, assim como propor o
entendimento sobre o turismo nos sentidos econômico, político, cultural e ambiental. O turismo emissivo indígena pode ser definido como aquele em que os
indígenas das várias etnias viajam para as cidades locais, regionais, nacionais e internacionais para participarem de eventos (Jogos Indígenas, etc.). O turismo em
territórios indígenas se define como aquele que ocorre no interior dos territórios indígenas (Feira Krahô de Sementes Tradicionais, etc.). Os territórios das
populações autóctones no Brasil estão adquirindo sentido de territórios descontínuos e de territórios-rede, pois todas as etnias possuem mobilidades de seus
territórios para outras territorialidades. Portanto, tanto o turismo emissivo indígena quanto o turismo receptivo em territórios indígenas contribuem para a construção
da elevação da auto-estima dos índios, para a venda do artesanato e, por último, para a constituição de novas multiterritorialidades turísticas.
FARIA, Ivani Ferreira de Ecoturismo Indígena, Território, Sustentabilidade, Multiculturalismo: Região do Alto Rio Negro AM 2007a
princípios para a autonomia40
Resumo: O presente trabalho analisa um conjunto de ações e reflexões sobre o ecoturismo na Região do Alto rio Negro com o objetivo de preparar as comunidades
indígenas, citadinas ou não, para que possam, através do processo de gestão territorial e do conhecimento desenvolvido por meio de educação ambiental e
patrimonial, planejar, gerir projetos de sustentabilidade em ecoturismo ou outros para manterem a autonomia sobre suas terras e suas vidas. A metodologia da
pesquisa participante adotada permite que os envolvidos demonstrem seus conhecimentos sobre seu território e sua cultura, fortalecendo suas identidades enquanto
povos indígenas, como sua auto-estima e dignidade, possibilitando-lhes reafirmarem-se como protagonistas, ao assumirem o controle das forças de transformação da
sociedade promovida pelo contato com a economia de mercado, predominante na sociedade contemporânea. Tal participação pode minimizar ou excluir os riscos
dos impactos indesejáveis que o ecoturismo possa trazer, propiciando-lhes incorporar valores, práticas, significados do sistema mundial de acordo com suas visões
de mundo e seus interesses. A autora espera que o resultado deste trabalho possa contribuir para a construção de Políticas Públicas para o ecoturismo indígena,
propiciando uma reflexão sobre os conceitos turismo indígena, turismo étnico, etnoturismo, ecoturismo indígena e, ao mesmo tempo, sobre as formas de participação
das comunidades tradicionais indígenas e não indígenas nos projetos e políticas públicas a serem implementadas pelo Estado e organizações não-governamentais em
qualquer ramo de atividade.
Quadro 5: Teses enfocando “Povos Indígenas e o Turismo”
Fonte: Banco de Teses da CAPES . Disponível em: <http://www.capes.gov.br>. Acesso em: 15 fev. 2010.
LUSTOSA, Isis Maria Cunha. (Org.). 2011.
39
Doutorado em Geografia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH)/Universidade de São Paulo (USP) sob a orientação de Adyr A. B. Rodrigues.
40
Doutorado em Geografia da FFLCH/USP sob a orientação de Regina Araújo de Almeida.
83
Autora Dissertação Área da Pesquisa e/ou Povo UF Ano
Indígena
LAGEANO DE JESUS, Djanires A transformação da Reserva Indígena de Dourados-MS em território Reserva Indígena de MS 2004
turístico: valorização sócio-econômica e cultural41 Dourados-MS
Resumo: A Reserva Indígena de Dourados - RID compreende um espaço de convivência das nações Guarani - Kayowá/Ñandeva e a Aruak – Terena e está
localizada na zona norte do município de Dourados, Mato Grosso do Sul, Brasil. Distancia-se 3,5 km do centro urbano, e conta com uma população de
aproximadamente 11.000 indígenas, distribuidos em 3.539 hectares. Este trabalho faz um estudo sobre as diversas tentativas ao longo da existência da RID de
promover o "desenvolvimento" como melhoria das condições de vida dos povos indígenas [...]. A RID compreende uma complexa área de estudo, e pode ser
colocada como exemplo para reflexão da formação geográfica, considerando os fatores que implicam na degradação do local, provocando impactos na natureza e
na cultura indígena, principalmente relacionados à ocupação territorial, distribuição das terras, aumento populacional, devastamento da mata nativa - essencial para
subsistência, indumentárias, artefatos, entre outros, e a interferência da comunidade do entorno sobre as questões político-administrativas. Relata ainda as tentativas
do poder público local em alavancar o turismo com o ideário de "desenvolvimento sustentável” entre as etnias locais e os conflitos gerados por compreensões
equivocadas desta realidade.
NUNES, Roberta Garcia Anffe O turismo como prática social em território indígena: uma análise Reserva Indígena de Dourados MS 2006
comparativa entre a Reserva Indígena de Dourados-MS e a aldeia Puiwa Aldeia Puiwa Poho MT
Poho em Feliz Natal-MT42
Resumo: O texto apresenta os resultados alcançados a partir de uma análise comparativa entre dois territórios indígenas com experiências turísticas distintas,
enquanto uma, apresenta situação de exclusão em decorrência do descaso e da miséria, a outra, busca construir uma situação artificial para receber turistas. Depois
de reconstituir a análise das modificações ocorridas nas dinâmicas e fluxos comunicativos na Reserva Indígena de Dourados-MS e na aldeia Puiwa Poho-MT ,
verifica-se que a atividade turística se torna um fenômeno de extrema importância, ficando evidentes as relações contraditórias entre as demandas dessas
populações indígenas e os efeitos que atividade turística provoca. Tal fato contribuiu, por sua vez, para propiciar uma análise crítica das transformações ocorridas
no dia-a-dia dos indígenas. Finalmente, as discussões travadas no texto desenham o panorama das relações sociais que são criadas no mundo contemporâneo e
apontam para o modo com que os grupos indígenas estão inseridos nesse contexto.
Quadro 6: Dissertações enfocando “Povos Indígenas e o Turismo”
Fonte: Banco de Teses da CAPES. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses>. Acesso em: 15 fev. 2010.
LUSTOSA, Isis Maria Cunha. (Org.). 2011.
41
Mestrado em Geografia da UFMS sob a orientação de Edvaldo Cesar Moretti.
42
No mesmo curso acima sob a orientação de Álvaro Banducci Junior.
84
85
Por ser uma prática muito recente em TIs brasileiras, ainda desprovida da citada
regulamentação, política e diretriz necessárias, considera-se prematuro nomeá-la como
ecoturismo indígena. Assim, ao contrapor o ecoturismo indígena adotado por Faria (2007b)
com o turismo em territórios indígenas discutido por Oliveira, Vanderlei (2006) vê-se as
discrepâncias conceituais, pois este outro autor revela que:
O turismo em territórios indígenas que está acontecendo no Brasil não pode ser
identificado a partir do conteúdo do Manual Indígena de Ecoturismo. O
documento foi elaborado com uma participação mínima das populações indígenas e,
portanto, não representa a realidade destas populações e de suas experiências com o
turismo. (OLIVEIRA, Vanderlei, 2006, p. 112).
86
MOTTA, Olga Maria Os Karajá, o Rio Araguaia e os outros: territorialidades em conflito43 Aldeia Buridina/ Karajá GO 2005
Fernandes
Resumo: A pesquisa refere-se à problemática territorial em que vive o grupo indígena Karajá da aldeia Buridina no município de Aruanã em Goiás. Esta é uma
cidade de pouco mais de 5.000 habitantes na parte Noroeste do Estado de Goiás, à margem direita do Rio Araguaia. Aruanã recebe todos os anos milhares de
turistas, principalmente na alta temporada, que compreende os meses de seca, devido à formação de praias fluviais, fato que levou a uma valorização econômica
dessas áreas. Historicamente os Karajá habitavam extensas terras ao longo do Araguaia, mas por circunstâncias históricas de colonização, povoamento e
apropriação, estes grupos foram extintos ou recuados a pequenas áreas. No caso dos Karajá de Aruanã, residem em uma área de 12.000 m2, na parte central da
cidade as margens do Grande Rio. A partir do final da década de 1990, um processo de reafirmação pela demarcação de terras indígenas na área urbana e próximo
à cidade desencadeou confrontos entre membros desse grupo étnico, os moradores não-índios, os turistas e a prefeitura. Fato demonstrado através de reportagens de
jornais levantadas desde a década de 1980 no qual se apresentam os mais variados problemas: a defesa da terra, da cultura ou da sobrevivência. As conversas com
os atores na pesquisa, os indígenas, moradores e turistas nos evidenciaram que a construção da territorialidade envolve disputa, por isso relações de poder e
identidade. Desta forma, a condição étnica Karajá é desqualificada em detrimento da ocupação do território a partir do momento que a disputa se acirrou. Este
confronto leva o grupo a encontrar mecanismos e possibilidades de se afirmarem como indígenas inseridos em um contexto histórico (espacial) e como sujeitos
políticos.
LIMA, Sélvia Carneiro de A permanência do estranho: os Karajá, os Tori e as disputas territoriais do Karajá GO 2010
cerrado goiano44
Resumo: Interpretar as disputas e os conflitos que envolvem atualmente o território do povo Karajá de Aruanã-GO, constitui o principal objetivo desta pesquisa. O
município surgiu no século XIX sob a denominação de Santa Leopoldina e desenvolveu-se sobre o território tradicional Karajá. A pressão pelo uso do território
culminou com sua restrição a três Terras Indígenas descontínuas. Em um cenário em que a atividade pecuária e o turismo geram uma valorização das terras,
imperam interesses de diferentes atores: fazendeiros, empresários, indígenas, turistas, dentre outros. O Cerrado, e as águas do Araguaia, apresentam-se, então, em
um evidente palco de disputas, sendo permeado por muitos usos e significações; o que tem gerado a mais de quatro séculos uma dinâmica de conflitos territoriais e
hibridismos culturais nesse território marcado pela etnicidade. [...] Tudo isso aponta que diante das perdas territoriais, e da biodiversidade gerada pela atividade
pecuária, os Karajá reelaboram, ressignificam sua cultura e se reorganizam para sobreviverem diante dos desafios impostos nesta situação de chegada e
permanência contínua dos estranhos. Essa pesquisa foi desenvolvida por meio de diversos procedimentos teórico-metodológicos, dentre eles, coleta, construção e
análise de dados e documentos e interpretação qualitativa. A interlocução com a Antropologia, a História, o Direito fez-se necessário em função das características
do tema, cuja investigação apresenta-se ainda pouco expressiva na ciência geográfica.
43
Mestrado em Geografia do Instituto Sócio-Ambiental (IESA) na Universidade Federal de Goiás (UFG) sob a orientação de Alecsandro José Prudêncio Ratts.
44
No mesmo curso acima sob a orientação de Eguimar Felício Chaveiro.
87
88
[...] os Karajá lidam com tensões externas advindas do turismo (Aruanã é a porta do
turismo pelo Araguaia), que muitas vezes coloca o índio como produto exótico e
vendável e provoca brigas internas entre as famílias que enfrentam inúmeros
problemas diante da escassez dos recursos naturais do Cerrado na região que diante
da devastação os impede de usufruir e praticar a caça, agricultura, coleta.
Como uma forma de correlacionar os assuntos desta pesquisa, vale atentar que em
alguns destes aspectos (conflitos internos entre indígenas da mesma família, devastação e
escassez de recursos naturais) mencionados na situação do povo Karajá de Goiás, lembra o
caso do turismo imposto ao povo Tremembé de São José e Buriti do Ceará. Portanto, para
concluir a discussão sobre os indígenas Karajá, iniciada acima, destaca-se que esta não é
tratada como um assunto isolado. De fato, faz parte do Subprojeto: Gestão da Biodiversidade
dos Povos do Cerrado: Os Karajá e os Avá-Canoeiro45 no contexto do Noroeste e do Norte
Goianos coordenado por Eguimar Felício Chaveiro no Instituto de Estudos Sócio-Ambientais
(IESA) na Universidade Federal de Goiás (UFG). O subprojeto encontra-se inserido no
projeto, nomeado: Apropriação do território e dinâmicas socioambientais no Cerrado:
Biodiversidade, biotecnologia e saberes locais. Este amplo projeto promoveu parcerias entre
instituições de pesquisa e ensino e aliou algumas pesquisas sobre os povos indígenas de Goiás
desenvolvidas na UFG por meio do IESA, portanto, promoveu a formação de uma rede
acadêmica que envolve pesquisadores do Brasil e do exterior. Mesmo que nas pesquisas de
Motta (2005) e Lima, Sélvia (2010 ) o cerne não seja a temática de povos indígenas e o
turismo, ainda assim há uma abordagem aos impactos provocados pelo turismo na TI do povo
Karajá de Aruanã, tanto nas dissertações das referidas autoras, como no projeto acadêmico
ressaltado acima. De alguma forma estes estudos ampliam as pesquisas sobre os povos
indígenas e o turismo na Geografia Humana.
45
O contexto desse povo indígena no citado sub-projeto decorre da dissertação de Mestrado intitulada: Avá-
Canoeiro: conflitos territoriais no cerrado do norte goiano - a resistência dos bravos, defendida em 2010, por
Lorrane Gomes da Silva sob a orientação de Eguimar Felício Chaveiro – IESA/UFG. O foco da pesquisa não é o
turismo em terras indígenas.
89
Esta dinâmica para implementar o turismo a partir dos múltiplos atores sociais,
como menciona a autora na citação anterior, deixa os territórios muito expostos às variadas
representações que cada um tem sobre este fenômeno. Por isso, alguns locais são tomados
pelo turismo, mesmo que não haja a concordância dos visitados. Assim, os atores sociais que
servem como condutores para a execução da atividade turística deparam-se com a conjuntura
a qual demonstra que “el turismo avanza como una conquista permanente de los recursos
naturales, pero también de los atractivos sociales y culturales de una sociedad.” (CORDERO
ULATE, 2006, p. 195). Este avanço do turismo, na maioria dos casos, desordenado e tomando
territórios sem o consentimento daqueles/as habitantes afetados/as pelos impactos em suas
terras, torna-se conjuntura fundamental para pesquisas sobre o turismo em TIs do Nordeste
por meio da Geografia Humana e da Etnologia Indígena. Isso, em tempos que “os atuais povos
indígenas do Nordeste são colocados como objeto de atenção.” (OLIVEIRA FILHO, 2004, p.
16). E, também, esta região torna-se cada vez mais vislumbrada para a especulação imobiliária
oriunda da atividade turística que transforma “o litoral nordestino [...] em um extenso e
longitudinal ‘canteiro de obras’.” (CRUZ, 2006, p. 344).
Esta mesma condição é bastante peculiar no estado do Ceará que sucessivamente
“reelabora a identidade de espaço moderno e turístico.” (CORIOLANO, 2006b, p. 138). A
faixa litorânea cearense encontra-se, praticamente, metamorfoseada para fins turísticos. A
mesma autora esclarece:
No caso específico do Ceará [...] até meados do século XX, a sua região costeira não
era valorizada em termos de espaço urbano para o turismo [...]. Com a valorização
do litoral e implantação de projetos financiados pelas agências de fomento
internacionais e nacionais, a partir da década de 70, esse espaço foi redirecionado
para o turismo. A partir da década de 80, a população local disputa palmo a palmo o
espaço [...] para o turismo [...] tudo isso passou e passa por intenso processo de luta,
mediante relações de poder para redefinição desses espaços e redefinição de
territórios. (CORIOLANO, 2006a, p. 376)
Esta autora também considera que “na contemporaneidade cearense, este novo
determinante – o turismo – elabora identificações para o Estado com espaços de novas
territorialidades [...] no litoral cearense.” (2006b, p. 144). Dentre esses espaços, na mira atual
de investidores internacionais parceiros do Estado Nacional, não são poupadas nem as TIs.
Para Cordero Ulate “los conflictos [...] que se suscitan a raiz de la entronización del turismo
se expresan prácticamente en todos los campos.” (2006, p. 178). E, na maioria dos casos,
como na situação do Ceará “expropriam os residentes tradicionais, privatizam, constroem e
direcionam lugares para os turistas.” (CORIOLANO, 2006b, p. 144). Atualmente, como
exemplo de pressões não-turísticas dirigidas aos Jenipapo-Kanindé e à sua TI, há a atividade
91
industrial de uma fábrica do Grupo Ypióca, fronteiriça à TI Aldeia Lagoa Encantada. Uma
situação que também está gerando conflitos entre a empresa e os Jenipapo-Kanindé, questão a
ser discutida a frente.
O turismo impacta as TIs de diversas maneiras. Em algumas situações ocorrem
projetos de turismo implantados nestas terras mediante o financiamento de programas
governamentais subsidiados com “recursos externos.” (SOUSA; SOUZA LIMA; ALMEIDA;
WENTZEL, 2007, p. 7). Em algumas situações os projetos de turismo partem do interesse dos
povos indígenas em projetos de turismo de auto-gestão. Utiliza-se de uma interrogação que se
considera estar correlacionada com as dúvidas existentes sobre o turismo em TIs. Mas, afinal
que turismo é esse?” (GRÜNEWALD, 2001, p. 54). As terminologias para esse tipo de
turismo diversificam-se. O autor considera que alguns outros teóricos já discutem o “turismo
indígena” (2001, p. 54). Em outra obra, Grünewald (2003a) refere à discussão sobre Turismo
Étnico. Como sugere Barretto; Burgos e Frenkel (2003, p. 17), “uma tipologia turística [...]
que pode ser valiosa para entender as diferenças de comportamento” dos povos indígenas em
relação aos projetos de turismo em suas terras. Na obra de Swain (1977) citado por
Grünewald (2001) este autor “[...] separa o ‘turismo indígena’ do ‘étnico’: o primeiro teria
suas bases na terra e na identidade cultural do grupo, controlado por ele; o segundo se referiria
ao marketing das atrações turísticas inspiradas no modo de vida indígena.” (p. 54)
Embora estejam surgindo os debates sobre as nomenclaturas46 para esta
modalidade de turismo em TI, ainda assim, é um “tipo de turismo que no ha sido
suficientemente investigado.” (CORDERO ULATE, 2006, p. 72). Entretanto, se este tipo de
“turismo implicará em novas formas de colonização da paisagem natural e cultural ou se
contribuirá na criação de novas possibilidades e horizontes para as comunidades locais, esta é
uma questão aberta às discussões.” (ALMEIDA, Maria, 2005, p. 343).
Os povos indígenas e o turismo são temas de investigação que adquirem
visibilidade e seriedade na sociedade contemporânea. Esboça-se o paralelo destes assuntos na
trajetória da Geografia Humana e da Antropologia a fim de ampliar a compreensão a respeito
dos citados temas e, ainda, apresentar algumas das produções científicas existentes, pois
particularmente considero que valida a importância desta pesquisa.
46
Cf. discussão teórica acerca de terminologias de turismo praticado em TIs. Disponível em:
<http://www.naya.org.ar/turismo/articulos/ivani_ferreira.htm>. Acesso em: 15 de dez. 2009.
92
americanos, que pagariam U$ 100,00 por diária. A experiência ia ser usada pela
Funai como um projeto piloto. A Funai chegou a organizar várias discussões entre
as 16 etnias que habitam o Parque, mas a idéia foi repelida pelas demais
comunidades.
Na época, o cacique Aritana – uma das lideranças mais importantes da região – foi
totalmente contra a proposta. Segundo ele, todo mundo que aceita turista se
arrepende. Assim como o cacique, muitos especialistas são radicalmente contra o
turismo de sociedades humanas. A atividade introduz uma série de elementos na
sociedade que tendem à “artificialização” do modo de vida tradicional. “Recebemos
propostas quase todo dia. Recusamos porque não queremos nem precisamos do
dinheiro de branco para viver bem aqui”, disse o cacique.
Atualmente, uma nova experiência está sendo realizada na comunidade Pataxó de
Coroa Vermelha, em Santa Cruz de Cabrália, na Bahia. O projeto existe há
quatro anos e, segundo a Funai, vem apresentando resultados positivos. A fundação
pretende utilizar a iniciativa como base para análises, visando à
regulamentação da atividade de ecoturismo. Além disso, a instituição deve formar
um grupo de estudo para deliberar sobre a questão.
Os projetos futuros também devem envolver outras unidades do governo
federal. O Ministério do Meio Ambiente, por meio do Programa de
Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia Legal (Proecotur), já participou de
discussões e mostrou-se interessado […].47
Tudo leva a crer que estes projetos pilotos de turismo, independente de terem sido
concretizados, parecem ter surgido à luz do ideário do PNMT, tanto que na experiência do
Parque Nacional do Xingu os Caciques se dirigiram ao Ministro do Turismo e Esporte para
discutir propostas no ano de 2002 (período ainda vigente do PNMT). As lideranças indígenas
de etnias da Amazônia Legal, talvez dispusessem da informação que o PNMT buscava o
“restabelecimento de parceria com o Programa Turismo Verde, no ano de 2002, o qual visava
o Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia Legal [...].”48 Logo, os indígenas, trataram de
tentar acordos com o governo federal, como revelado, e estes acordos não saíram do diálogo.
Quanto as intenções da FUNAI de utilizar as experiências do Parque Nacional do
Xingu e da TI Coroa Vermelha como projetos pilotos de turismo, fazendo-se uma
retrospectiva de 2002 a 2011, como vê-se a seguir, essa iniciativa continua como ideário do
órgão indigenista, com quase nenhuma concretização. Assim sendo, não existe a garantia de
que as experiências de projetos de turismo desenvolvidos em TIs brasileiras realizam os
estudos socioambientais e antropológicos necessários para minimizar os impactos decorrentes
da prática turística. Enquanto isso:
De um modo geral, cada vez mais a demanda de visitação nas aldeias indígenas vem
aumentando, o que pode acarretar problemas à comunidade, principalmente quando
essas visitas acontecem informalmente e sem o necessário controle por parte dos
47
Turismo em Terras Indígenas. Disponível em: <http://www.brasiloeste.com.br/2002/09/turismo-em-terras-
indgenas/>. Acesso em: 23 set. 2009. Publicada em: 17 set. 2002. Grifos nossos.
48
Avaliação do Programa Municipalização do Turismo. Disponível em:
<http://www.abrasil.gov.br/avalppa/RelAvalPPA2002/content/av_prog/083/prog083.htm>. Acesso em: 23 set.
2009. Publicada em: 2002.
97
49
Palestra sobre os povos indígenas do Brasil, intitulada: Uma realidade pouco conhecida, proferida durante o
curso – Academia Amazônia – promovido pelo Projeto Avaliação, Monitoramento e Análise (AMA) do MMA
em Brasília de 1 a 4 de setembro de 2008.
50
Mônica Bergamo: Funai estuda implantar turismo em terras indígenas. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/poder/855119-monica-bergamo-funai-estuda-implantar-turismo-em-terras-
indigenas.shtml. Acesso em: 30 de out. 2011>. Publicada em: 5 jan. 2011. Grifos nossos.
98
51
Proecotur. Disponível em:
<http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=140>. Acesso em: 20 ago. 2009.
100
52
A Terra Indígena Guarani do Aguapeú foi homologada pelo Decreto Federal de 08/09/98. Possui uma área de
4.372,10 hectares, no trecho costeiro do litoral centro-sul paulista, definido como Baixada Santista. Insere-se em
áreas representativas do Bioma Mata Atlântica [...] (PDA, 2006, p. 8).
53
Corresponde uma área de 827 hectares pertencente à Terra Indígena de Coroa Vermelha [homologada em
10/7/1998] A Reserva ocupa posição estratégica em Porto Seguro, tanto por sua proximidade da costa e centro
da cidade (1,5 e 10 km respectivamente), quanto por contribuir a formação de um mosaico integrado ao Corredor
das RPPNs da Mata Atlântica da Costa do Descobrimento, bem como o Corredor Central da Mata Atlântica.
(PROJAQ, 2006, p. 8).
54
Aprovado no Edital da Chamada 3 - Componente ‘Ações de Conservação da Mata Atlântida’, linha temática
‘Ecoturismo em Áreas de Relevância Ambiental’, executado no PDA desde o ano de 2007.
101
Atenta-se que por meio do projeto PROJAQ (2006) foi possível comprovar a
participação oficial da FUNAI numa experiência de turismo em TI conforme está exposto na
citação abaixo. E, também, na correspondência assinada (Anexo 1) por servidor da FUNAI/
SEDE afirmando que este orgão indigenista tem conhecimento da proposta do PROJAQ
apresentada à seleção de pequenos projetos no ano de 2007, no Componente Ações de
Conservação da Mata Atlântica/PDA na Linha Temática Uso sustentável dos recursos naturais
por meio do ecoturismo em áreas de relevância ambiental. Na parceria da FUNAI com o PROJAQ, consta:
Serão organizadas palestras/encontros periódicos junto às comunidades indígenas
vizinhas e escolas municipais com o objetivo de disseminar as idéias e conquistas do
projeto, incentivando e fortalecendo assim a discussão e o diálogo ambiental-
indígena na região.
A FUNAI apoiará a participação de lideranças da comunidade e do conselho gestor
do PROJAQ em congressos, simpósios nacionais e cursos que tratem dos temas
abordados pelo projeto, como: etno/ecoturismo, recuperação de áreas degradas,
sistemas agroflorestais, cultura indígena entre outros.
Ficará responsável pelo levantamento, contato e negociação junto a possíveis
instituições e/ou profissionais que possam se interessar em formar parcerias, dar
apoio técnico ou financeiro ao PROJAQ, principalmente nas esferas do governo e
cadeia científica. (PROJAQ, 2006, p. 7).
Em 2004, o PDPI iniciou a execução (prevista para doze meses) do projeto Centro
Turístico Éware-Aciu: Casa de Festa de Moça Nova em Tabatinga, no Amazonas, realizado
entre o povo indígena Tikuna, comunidade Umariaçu II na Terra Indígena Umariaçu. Este foi
proposto pela Associação dos Artesãos e Cultura Indígena de Umariaçu (ACIU) e dentre os
seus interesses foi proposto a construção da Casa de Festa da Moça Nova para a efetivação de
“festas tradicionais, exposição de peças dessas festas, como máscaras e trajes, e venda
permanente de artesanato Ticuna [...]. O projeto também proporcionará a divulgação da
cultura indígena Ticuna.” (ALMEIDA, Fábio et al, 2007, p. 54).
Vale salientar que as Cooperações Técnicas Internacionais estenderam-se para
acordos de relações interministeriais. Nestas condições, em 2004, o MMA e o Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), numa ação conjunta implementam a
Carteira de Projetos Indígenas – Segurança Alimentar e Desenvolvimento Sustentável em
Comunidade indígenas – ou CARTEIRA INDÍGENA55, para apoiar projetos no âmbito do
55
Sua composição está indicada nos documentos oficiais que criam a CARTEIRA INDÍGENA (o Documento de
Projeto, aprovado pelo MMA, a Agência Brasileira de Cooperação Internacional (ABC) e o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e também no Acordo de Cooperação Técnica e Termo de
Ajuste assinados pelo o MMA e o MDS. Além de atender ao compromisso com o Programa Fome Zero com os
povos indígenas. A CARTEIRA INDÍGENA teve a construção de sua proposta iniciada em 2003 e efetivada em
2004. (BRASIL, Carteira Indígena, 2004).
102
56
Edital de Chamada Pública Mtur nº 001/2008. Disponível em:
<http://www.turismo.gov.br/export/sites/default/turismo/convenios_contratos/selecao_projetos/Edital_Chamada_
Pxblica_de_Projetos_0012008.pdf>. Acesso em: 10 out. 2008.
103
Figura 9 e 10: Projetos de Turismo de Base Comunitária apoiados pelo MTur, Brasília - DF
Fonte: Mostra de Turismo de Base Comunitária. Disponível em:
<http://www.turismo.gov.br/export/sites/default/turismo/programas_acoes/regionalizacao_turismo/
downloads_regionalizacao/Catlogo_Mtur_NOVO.pdf.> Acesso em: 13 jun. 2011.
57
Divulgado por representantes do Proecotur/MMA e do MTur durante Mesa-Redonda no II Seminário
Internacional de Turismo Sustentável (II SITS), em Fortaleza, no período de 12 a 15/05/2008.
58
Disponível em: <http://www.semarh.ba.gov.br/gercom/proecotur.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2011.
59
Disponível em:
<http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=140&idConteudo=6842&idMenu=6
379>. Acesso em: 05 nov. 2011.
104
dos financiadores. Todavia, estas são circunstâncias particulares avaliadas a partir dos projetos
institucionais procedentes dos programas de governo discutidos anteriormente.
O citado projeto, mesmo tendo sido vinculado à Petrobras e ao MDS, difere das
experiências apoiadas por meio de acordo de Cooperação Internacional. Primeiramente, pelo
vínculo com uma universidade pública gerando pesquisas acadêmicas na TI Aldeia Lagoa
Encantada. Depois, por evoluir e permitir que o povo Jenipapo-Kanindé se tornasse integrante
da Rede Cearense de Turismo Comunitário (REDE TUCUM) como revela a Figura 11. Com o
aludido projeto o povo Jenipapo-Kanindé se considera incluído no processo de
desenvolvimento do turismo na aldeia.
Figura 11: Inserção do povo Jenipapo-Kanindé na Rota Turística da Rede Tucum, Ceará, Brasil
Fonte: Roteiro de Viagem. Disponível em: <http://www.tucum.org/site/2313/nota/111803>.
Acesso em: 15 mar. 2011.
Entretanto, vale salientar que alguns povos indígenas por meio de iniciativas de
projetos de auto-gestão inserem-se nas Redes de Turismo Comunitário da América Latina
(REDTURS) e posicionam-se contrários ao turismo imposto por empreendedores
internacionais dos grupos capitalistas privados. Optam por outra realidade baseada no turismo
comunitário, pois “os povos indígenas têm pensado na atividade turística como uma
alternativa sustentável de desenvolvimento local, empreendida a partir de critérios
estabelecidos pelos próprios grupos étnicos.” (LEAL, 2009, p. 242). No Brasil, algumas destas
107
60
http://www.redturs.org
61
Redturs. Disponível em: <http://www.redturs.org/nuevaes/index.php>. Acesso em: 15 mar. 2010.
108
62
Rede Tucum. Disponível em: <http://www.tucum.org/oktiva.net/2313/secao/18723>. Acesso em: 20 mar.
2009.
109
110
63
Jenipapo-Kanindé. Disponível em: <http://www.tucum.org/oktiva.net/2313/nota/111803>. Acesso em: 20 mar. 2009.
111
Kanindé estar inserido numa Rede de Turismo Comunitário, o faz adotar a mesma concepção
desta ONG a qual considera em seu site que:
[...] não é suficiente apenas fazer a crítica ao modelo de turismo convencional,
gerador de segregação sócio-espacial, de concentração de renda e de problemas
sócio-ambientais. Aliado à crítica, é necessário vivenciar uma outra lógica de
construção da atividade turística. Na contramão do convencional, no turismo
comunitário a população local possui o controle efetivo sobre o seu
desenvolvimento, sendo diretamente responsável pelo planejamento das atividades e
pela gestão das infra-estruturas e serviços turísticos. Tudo isso orientado por
princípios que buscam garantir a sustentabilidade sócio-ambiental, a exemplo da
atitude ética e solidária entre as populações locais e os visitantes, geração e
distribuição eqüitativa da renda, conservação ambiental e valorização da produção,
da cultura e das identidades locais. Assim, as estratégias prioritárias na construção
dos roteiros de visitação incluem os momentos de vivências com a comunidade, as
trocas culturais entre visitantes e populações locais e as trilhas de interpretação ambiental.64
64
Disponível em: <http://www.tucum.org/oktiva.net/2313/nota/118373>. Acesso em: 20 mar. 2009.
112
pelo povo indígena na TI Tremembé de São José e Buriti. Diante desta realidade enfrentada
pelos indígenas em questão, o empreendimento turístico Nova Atlântida se configura como
um projeto de turismo com investimentos de capital estrangeiro consorciados por uma Rede
de Empresas Privadas Internacionais, como demonstra a Figura 13. O interesse dos
investidores é de se apoderarem de toda a TI e negar aos indígenas seus direitos
constitucionais. O processo de exclusão social é evidente, pois em lugar de respeitar os
mencionados direitos do povo indígena Tremembé de São José e Buriti, os seus modos de
vida, as suas cosmologias e as suas fontes de sobrevivência, o Nova Atlântida estabelece
segundo Cardoso de Oliveira (1976) relações assimétricas de sujeição-dominação.
Figura 13: Divulgação do Nova Atlântida e Grupos Parceiros no site oficial do empreendimento
Fonte: Nova Atlántida. Cidade Turística Residencial. Itapipoca - Ceará - Brasil. Disponível em:
< http://www.gruponovaatlantida.com/brasil/index.htm>. Acesso em: 15 dez. 2008.
Para Almeida, Maria (2003a) o turismo revela-se como um campo propício para a
reprodução e a consolidação dos valores e interesses de grupos capitalistas privados e do
Estado. São esses que definem o modelo de desenvolvimento turístico, isto é, o conjunto de
estratégias desenhadas para alcançar objetivos determinados. No caso do Nova Atlântida, este
empreendimento “alega que é dono da terra e argumenta que a terra ainda não foi reconhecida
113
como indígena”65 e, desta maneira, provoca conflitos internos, dividindo as opiniões dos
habitantes da TI. O Nova Atlântida como um projeto globalizante adota o habitual para um
empreendimento capitalista, ou seja, ignora que:
Uma sociedade indígena [...] constrói seu território como área controlada para
usufruto de seus recursos, especialmente os recursos naturais [...] variável entre os
diferentes grupos. Mas os referentes espaciais, aí, também fazem parte da vida dos
índios como elementos indissociáveis, na criação e recriação de mitos e símbolos,
podendo mesmo ser responsáveis pela própria definição do grupo enquanto tal.
(HAESBAERT, 2006, p. 69).
65
Sucesso da campanha Tremembé. O primeiro passo. Disponível em:
<http://www.salveaselva.org/news/1293/sucesso-da-campanha-tremembe-o-primeiro-passo>. Acesso em: 25
ago. 2009. Publicada em: 21 ago. 2009.
114
Vale salientar que estes resultados práticos de projetos turísticos levantados acima
pelo autor, são bastante variáveis, pois dependem de qual projeto se está tratando – projetos
institucionais e/ou globalizantes. Desde 2007 um grupo de antropólogos com vasta
experiência em projetos para povos indígenas geram debates e produções66 a esse respeito.
Destaca-se o trabalho“Povos indígenas e o‘mercado de projeto’.” (PAULA, 2010, p. 187).
Neste o autor discute sobre os projetos contrários a proposta dos projetos globalizantes,
os projetos de manejo sustentáveis para a geração de renda apoiados por
organizações governamentais e não governamentais, voltados, por exemplo para a
produção comercial em pequena escala de recursos extrativistas [...] ou para o
gerenciamento de territórios e paisagens visando criar condições para
atividades turísticas. (2010, p. 188, grifos nossos)
66
(SOUSA; SOUZA LIMA; ALMEIDA; WENTZEL, 2007; SOUSA; SOUZA LIMA; ALMEIDA; MATOS,
2010).
115
67
O Nordeste, em função das condições ambientais propícias para o desenvolvimento do camarão em cativeiro,
destaca-se no contexto nacional em termos de produtividade e rentabilidade. (CARVALHO; FONTES, 2007, p. 88).
116
Portanto, é importante refletir que o turismo é fato recente nas TIs. Logo, as atividades
turísticas recém desenvolvidas encontram-se cercadas de incertezas para os indígenas, seja nas
situações de adesão, seja nas condições de aversão ao turismo.
Conforme os atores sociais indígenas e não-indígenas ouvidos, as notícias
catalogadas, os documentos obtidos, as bibliografias consultadas e os contatos mantidos in
loco, os Tremembé de São José e Buriti estão sendo ameaçados por um grande projeto de
turismo internacional. Diante esta situação alguns negam a identidade indígena para aceitar o
projeto enquanto outros acionam a identidade Tremembé para reivindicar suas terras e
desafiar o projeto. No caso dos Jenipapo-Kanindé, este povo rechaçou tentativas por parte de
um grupo empresarial de capital internacional e local, o Aquiraz Riviera, composto pelo
empresário Ivens Dias Branco e pelos portugueses Ceará Investment Fund – Fundo Turístico
Imobiliário, Grupo Hoteleiro Dom Pedro e Solverde (divisão de turismo do grupo Industrial
Violas com a concessão dos Cassinos do Algarve), interessados em implantar um grande
projeto turístico hoteleiro e de lazer em suas terras. Após o povo Jenipapo-Kanindé conseguir
a delimitação da sua TI pela FUNAI, o Aquiraz Riviera, instalou-se em local afastado a cerca
de oito quilômetros em linha reta a TI Aldeia Lagoa Encantada, na beira do rio Catú, com uma
área total de 285 hectares, sendo 1.800 metros de frente para o mar e área hoteleira dividida
em oito lotes de quatro hectares. Os Jenipapo-Kanindé, com sua TI em vias de regularização,
continuam implantando um projeto de turismo comunitário auto-gestionado e estão esperando
a homologação da TI para ampliar este projeto.
Destarte, o prioritário agora é contextualizar a conjuntura atual dos povos
indígenas do Brasil. Em seguida situar determinadas condições a respeito dos povos indígenas
do Nordeste e, posteriormente debater a propósito dos povos indígenas do Ceará,
especificamente os dois povos definidos na pesquisa, frente à “reivindicação da identidade
indígena.” (MELATTI, 2007, p. 49).
Goiás, Ceará, Sergipe, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo são declaradas
extintas, sob a alegação de ser uma população apenas mestiça. (CARNEIRO DA
CUNHA, 1987, p. 114, grifo nosso).
68
ACAMPAMENTO TERRA LIVRE 2011: Maior mobilização Indígena do Brasil retorna à capital federal.
Disponível em: <http://apoinme.org.br/?p=126>. Acesso em: 20 jun. 2011. Publicada em: 27 abr. 2011.
120
69
OIT. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/info/downloadfile.php?fileId=131>. Acesso em: 27 jul.
2011.
70
Documento regido na íntegra por 46 artigos em que se ressalta o “Artigo 1 - Os indígenas têm direito, a título
coletivo ou individual, ao pleno desfrute de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos
pela Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o direito internacional dos
direitos humanos.” (NAÇÕES UNIDAS, 2008, p. 6).
121
71
Após muitos anos é aguardada para 2012 a votação de um novo Estatuto dos Povos Indígenas no Congresso
Nacional.
72
Constituição. Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/pt/c/direitos/constituicoes/introducao>. Acesso
em: 7 ago. 2011.
122
Apesar da questão indígena neste país ainda transitar por corredores político-
administrativo sombrios e deparar-se com aqueles interessados em olhar e, propositadamente,
não enxergar que os tempos clamam por mudanças, é impossível negar que:
Nos últimos 40 anos, diversas foram as mudanças nas relações entre o Estado
Nacional brasileiro e os povos indígenas habitantes do território do país. De uma
política desenvolvimentista marcada por um assimilacionismo desenfreado,
chegamos até a demarcação na condição de terras indígenas (TIs) de extensas
partes do território brasileiro, a partir dos anos 1990. De “grupos” integralmente
submetidos ao Estado brasileiro na condição de legalmente tutelados – isto é,
apenas parcialmente responsáveis por seus atos e necessitados, para efeitos da
estrutura jurídico-administrativa brasileira, da mediação e da condução de um
tutor, equiparados, assim, em termos de Direito Civil, aos brasileiros não
indígenas menores de 18 e maiores de 16 anos –, passaram, por efeito da
Constituição de 1988, a ser reconhecidos como capazes de se representarem
juridicamente por meio de suas organizações, e tiveram seu estatuto de povos
reconhecido por força da ratificação pelo governo brasileiro da Convenção 169
da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Congresso
Nacional em junho de 2002. (SOUZA LIMA, 2010, p. 15-16).
De fato, situar a questão indígena neste rosário de preceitos, como dito acima, sem
a efetividade necessária, mostrou aos povos indígenas do país os horizontes dos novos
caminhos a serem criados e percorridos, não mais como tutelados, mas como protagonistas
para validarem os seus direitos coletivos por meio das Organizações Indígenas (OIs). Mesmo
assim, há a sombra do “assistencialismo clientelista tutelar ainda em vigência nas ações de
123
Apesar das mudanças nas políticas indigenistas e indígena, ao longo das últimas
quatro décadas, muitos, como os que desejam as TIs para criar o seu “gado, construir barragens,
explorar minérios” (CARNEIRO DA CUNHA, 2009, p. 257), instalar resorts e explorar madeiras,
não aceitam as condições dos indígenas como agentes sociais pró-ativos sem a tutela da FUNAI.
Para Oliveira Filho “mesmo que a agência indigenista [FUNAI] tenha levado duas décadas a
entender esta alteração jurídica, empenhando-se ativamente em negá-la e boicotá-la, vivemos hoje
um tempo novo, marcado pelas próprias iniciativas indígenas.” (2011a, s/p).
Ainda assim, para o governo federal, governos estaduais, e a maioria dos políticos
e empresários do país, a prioridade “prevê investimentos nas áreas de infraestrutura logística
(como estradas, hidrovias e portos) [...] e na realização de projetos energéticos (grandes
hidrelétricas e a retomada do programa nuclear).” (LASCHEFSKI, 2011, p. 21). Também,
prevêem investimentos na infraestrutura dos macro programas de turismo. Ou, melhor aqueles
que não querem que nada atrapalhe no andamento do licenciamento ambiental, avaliado como
o principal entrave para grandes projetos de desenvolvimento regional no país
(LASCHEFSKI, 2011), ou seja, os que priorizam essencialmente os interesses do capital, e
que vêem por trás dos povos indígenas as “suas terras [...] o que resta a cobiçar.”
(CARNEIRO DA CUNHA, 2009, p. 257). Para a referida bancada é mais oportuno justificar a
necessidade de garantir a soberania do Brasil e reaplicar a visão racista colonial materializada
na “idéia da bestialidade, da fereza, em suma da animalidade dos índios.” (CARNEIRO DA
CUNHA, 1992a, p. 5). Ao ponto de ainda sustentarem na contemporaneidade a
[...] imagem dos índios dos “primórdios”, veiculada pelos cronistas e viajantes – os
que vivem nus, com penas, crianças, ingênuos e brincalhões, eternamente dançando,
canibais, sem fé, nem lei, nem rei etc. – quer por ser tão “misturados” [...] que não
possam, na visão do dominante, ser considerados “verdadeiramente” indígenas. [...]
124
Será necessário uma mudança bastante profunda nas bases da educação nacional para
que se possa ver os povos indígenas como vigorosos, capazes de se reelaborarem e
manterem deferenciados, interagindo com as invenções tecnológicas do mundo
contemporâneo, mas lutando contra e sempre crescente maré da homogeneização em
escala precária. (SOUZA LIMA, 2010, p. 23)
73
Localização e Extensão das TIs. Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/pt/c/terras-
indigenas/demarcacoes/localizacao-e-extensao-das-tis>. Acesso em: 23 ago. 2011.
127
assimilacionista, evidente na Lei 601 de 18/9/1850 – Lei das Terras. Sobre esta legislação
afirma Oliveira Filho:
Com a Lei de Terras de 1850 inicia-se por todo o Império um movimento de
regularização das propriedades rurais. [...]. Os governos provinciais vão,
sucessivamente, declarando extintos os antigos aldeamentos indígenas e
incorporando os seus terrenos a comarcas e municípios em formação. Paralelamente,
pequenos agricultores e fazendeiros não-indígenas consolidam as suas glebas ou, por
arrendamento, estabelecem controle sobre parcelas importantes das terras que, na
ausência de outros postulantes, ainda subsistiam na posse dos antigos moradores.
Essa foi a terceira “mistura”, a mais radical, que limitou seriamente as suas posses,
deixando impressas marcas em suas memórias e narrativas. (OLIVEIRA FILHO,
1998a, p. 58).
Para os governos provinciais como revela o autor acima, a Lei das Terras
correspondia à política de extinção que simultaneamente promovia a regularização das
propriedades rurais e a declaração de extinção dos antigos aldeamentos possibilitando
vantagens aos pequenos proprietários e fazendeiros. Segundo Valle, Carlos “Talvez o que
realmente ‘pegou’ com a lei de terras tenha sido a idéia de ‘extinção dos antigos
aldeamentos.’” (2011, p. 462). Muitas referências à Lei das Terras encontram-se no texto
intitulado “Política Indigenista no Século XIX” (CARNEIRO DA CUNHA, 1992b), em que a
autora afirma, com alusão à política indigenista do período, “[...] para caracterizar o século
como um todo, pode-se dizer que a questão indígena deixou de ser essencialmente uma
questão de mão-de-obra para se tornar uma questão de terras.” (p. 133). No mesmo texto, a
autora cita uma publicação anterior em que ressalta:
O século XIX [...] está crescentemente interessado na questão de terras. Nas
fronteiras do Império ainda em expansão, tratando-se de alargar os espaços
transitáveis e apropriáveis. Nas zonas de povoamento mais antigos, trata-se, a partir
de meados do século, de restringir o acesso à propriedade fundiária e converter em
assalariados uma população independente – libertos, índios, negros e brancos pobres
–, que teimam em viver a margem da grande propriedade, cronicamente carente de
mão-de-obra. (CARNEIRO DA CUNHA, 1985, cap. 2 apud CARNEIRO DA
CUNHA, 1992b, p. 133)
das terras das aldeias, o governo usa o duplo critério da existência de população não
indígena e de uma aparente assimilação para despojar as aldeias de suas terras. Este
segundo critério é aliás, uma novidade que terá vida longa: não se trata, com efeito,
simplesmente de aldeias abandonadas mas também do modo de vida dos índios que
lá habitam, o que fica patente por exemplo nos avisos 21, de 16/1/1851, e 67, de
21/4/1857. É uma primeira versão dos critérios de identidade étnica do século XX.
A autora acima, atenta sobre uma primeira versão dos critérios de identidade
étnica do século XX, portanto, pode-se retomar a discussão sobre o segundo movimento de
territorialização ocorrido nos anos 1970-80, o qual aconteceu articulado com a agência
indigenista do Estado (OLIVEIRA FILHO, 1998a). Este outro movimento é marcado por
reivindicações e mobilizações políticas de povos indígenas que não eram reconhecidos pela
FUNAI, e por isso não detinham seus territórios e, também, não estavam descritos na
literatura etnográfica. Para Neves “No caso desses índios, a necessidade de um território se
constitui como o primeiro passo para consolidação da identidade étnica. É a luta política
consolidada na luta pela terra.” (2005, p. 132). Oliveira Filho ao comparar as situações em que
vivem os povos indígenas da Amazônia com os povos indígenas do Nordeste refere aos
territórios indígenas e assinala:
Se, na Amazônia, a mais grave ameaça é a invasão dos territórios indígenas e a
degradação de seus recursos ambientais, no caso do Nordeste, o desafio à ação
indigenista é restabelecer os territórios indígenas, promovendo a retirada dos não
índios das áreas indígenas, desnaturalizando a “mistura” como única via de
sobrevivência e cidadania. (1998a, p. 53).
Este desafio não é recente, os povos indígenas do Nordeste nestes cinco séculos
têm atravessado as maiores desventuras. Mesmo assim não têm se deixado enfraquecer. Vale
lembrar que “a história dos índios do Nordeste é marcada por descontinuidades já muito
salientadas por outros autores que vêm procurando dar conta desta presença indígena
movediça e crescente.” (GRÜNEWALD, 2005, p. 17). Isso nos remete novamente para outra
obra de Oliveira Filho que tanto tem dado conta desta presença indígena em suas discussões,
como destaca o importante panorama histórico e alguns dados anteriores ao recenseamento de
2010 a respeito dos referidos povos. Assim, o autor afirma que os povos indígenas do
Nordeste
[...] foram dos que mais sofreram como avanço da civilização. Primeiros a serem
contatados pelos colonizadores, foram batizados e incorporados aos trabalhos da
nascente sociedade. Através de formas compulsórias de mobilização serviram na
construção de obras públicas e nos empreendimentos privados, sendo objeto de uma
escravização camuflada. Deslocados de suas terras, tiveram de cruzar os sertões,
buscar seguidamente novas áreas de refúgio, construir alianças antes impensáveis,
modificar radicalmente seus costumes. Passaram a viver em proteções de outros, em
terras de missão (mais tarde invadidas e reduzidas) ou avassalados em terrenos que
nunca eram os “donos”.
130
Hoje no Brasil são os mais atingidos pela miséria e forma de exclusão social.
Representam cerca de 20% da população indígena e as áreas que ocupam
correspondem apenas a 0,3% das terras indígenas. Ainda assim freqüentemente
caracterizadas como não agricultáveis e marcadas pela escassez de recursos, além de
extensamente invadidas.
Tendo perdido a língua e a maioria dos indicadores mais visíveis de sua condição
indígena, são classificados como “aculturados” e têm sua identidade questionada
pelos preceitos de pessoas e instituições da região e do país, que a eles seguidamente
se referem como “remanescentes” ou simples “descendentes”. Ainda agora somente
30 etnias são reconhecidas pela própria agência indigenista, enquanto 12 outras
aguardam por definição de suas terras e por assistência diferenciada por parte das
agências de governo.
Esses cinco séculos de adversidades, longe de conduzir os povos indígenas do
Nordeste à resignação e passividade, os têm levado, ao contrário, através de uma
permanente manifestação de vontade, a um exercício reiterado de criatividade, em
que os vamos encontrar em um processo histórico de auto-afirmação enquanto
coletividades que se reivindicam como indígenas. (OLIVEIRA FILHO, 2005, p. 9).
74
[...] base no material do IBGE, a conceituação de Nordeste corresponde à definição de uma região geográfica
do Brasil, composta por Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e
Bahia. Isso contrasta com outros recortes da natureza política, como a concepção da APOINME, que inclui
Minas Gerais e Espírito Santo no que chama de Nordeste, ou a da própria SUDENE. (OLIVEIRA FILHO,
2011b, p. 677).
131
alterações da situação fundiária em questão, bem como sobre os precários registros das fontes
oficiais consultados. Enfrentava-se situação semelhante nesta pesquisa durante os
levantamentos dos dados estatísticos sobre os povos indígenas do Nordeste, especialmente
sobre as suas TIs. Com base em Andrade e Carvalho (2011, p. 501, versais no original):
HÁ HOJE, NOS ESTADOS DE SERGIPE, BAHIA, ALAGOAS, PERNAMBUCO,
PARAÍBA E CEARÁ, PERTO DE UMA CENTENA DE TERRAS INDÍGENAS,
ISTO É, TERRITÓRIOS RECLAMADOS E/OU OCUPADOS POR 47 GRUPOS
AUTOIDENTIFICADOS COMO INDÍGENAS. JUNTAS, ELAS TOTALIZAM
MENOS DE 600 MIL HA, O QUE CORRESPONDE A 0,52% DO TOTAL DA
ÁREA OCUPADA POR TIS NO BRASIL.
Em termos populacionais, o contigente dessas TIs extrapola 120 mil indivíduos,
equivalentes a pouco mais de 30% da população indígena brasileira. A diversidade
de situações jurídicas das TIs no Nordeste e dos processos sócio-históricos
subjacentes revela a extrema complexidade da questão fundiária relativas às
populações indígenas nessa região. Para começar, as TIs – segundo a definição aqui
adotada – no Nordeste não estão localizadas apenas nos seis estados mencionados;
há evidência de reclames territoriais, não obstante difusos, por parte de comunidades
de identidade indígena nos estados do Piaui e Rio Grande do Norte [...]. Entretanto,
essas reivindicações ainda não integram os registros oficiais da Funai, tampouco há
dados suficientes sobre elas ou sobre os grupos sociais que as formulam. O
Maranhão, por exemplo, possui povos indígenas conhecidos apenas no domínio da
Amazônia Legal, o que justifica a supressão de suas TIs da região Nordeste.
Nesse mosaico de dados acima revelados, mesmo que não agreguem resultados de
todos os estados do Nordeste, ainda assim, não podem ser negligenciados, pois a despeito da
“documentação quantitativa [...] estas podem visar objetivos diversos e, portanto, não
apresentar dados [...] integrados. Exatamente por isso [...] são valiosos para os estudiosos,
pois podem subsidiar interpretações diferentes daquelas hegemônicas.” (OLIVEIRA FILHO,
2011b, p. 681). Recorda-se que as principais informações sobre os povos indígenas no Brasil
decorrem da FUNAI, da FUNASA e do IBGE, onde cada um desses órgãos do governo tem
suas especialidades para coletar dados, sistematizá-los e divulgá-los. Além destes contextos,
vale lembrar que se discute a primeira região colonizada do país, ou seja, esta “acarreta
especificidades para a história indígena.” (NEVES, 2005, p. 131).
Desta forma, a discussão sobre os povos indígenas do Nordeste será sempre muito
particular e a intenção aqui não é de desenvolver um panorama exaustivo sobre esses povos,
mas sim conseguir demonstrar, especialmente nos casos dos dois povos indígenas estudados
no Ceará “um processo [...] de auto-afirmação enquanto coletividades que se reivindicam
como indígenas.” (OLIVEIRA FILHO, 2005, p. 9). Para Barth a característica crítica para
definir um grupo étnico passa a ser “a auto-atribuição e a atribuição por outros.” (2000, p. 32).
Corrobora Cardoso de Oliveira (1976, p. 4) citando Barth (1969, p. 13-14), ao afirmar: “Na
132
medida em que os agentes se valem da identidade étnica para classificar a si próprios [...] eles
formam grupos étnicos em seu sentido de organização.”
Afirma, também, Carneiro da Cunha (1987, p. 118), seguindo Barth e Cardoso de
Oliveira, que “a identidade étnica de um grupo indígena é, portanto, exclusivamente função da
auto-identificação e da identificação pela sociedade envolvente.” Comenta Oliveira Filho, “Se
uma identificação étnica corresponde a um ato classificatório praticado por um sujeito dentro
de um dado contexto situacional, não faz sentido supor que as autoclassificações e as
classificações por outrem devam necessariamente coincidir.” (1998b, p. 274). Este autor,
argumenta que
o antropólogo deve privilegiar a pesquisa sobre as categorias e práticas nativas, pelas
quais o grupo étnico se constrói simbolicamente, bem como as ações sociais nas
quais ele se atualiza. [...] As classificações (étnicas, de classe, etc.) utilizadas por
outros agentes sociais devem ser consideradas à medida que afetam os circuitos de
interação de que participam os membros daquele grupo [...]. (OLIVEIRA FILHO,
1998b, p. 274-275)
O argumento do autor serve para esclarecer a situação dos Tremembé de São José
e Buriti, pois, mesmo que parte da sociedade nacional negue a existência Tremembé, o que
importa é como estes se autoidentificam e não as tentativas por parte da sociedade nacional
e/ou empresas de negar a sua existência e de cooptar membros da própria comunidade
Tremembé a negá-la.
etnologia como nos indigenismos, em considerar a situação dos povos indígenas do Ceará.”
(2005c, p. 188). Considerando-se que este texto de Valle, Carlos fora escrito há seis anos, faz-
se necessário lê-lo no seu contexto histórico. O próprio autor, em artigo mais recente,
menciona “preocupações sociais [...] variadas a respeito da presença, ou não, em tempos
contemporâneos, de índios no Ceará.” (VALLE, Carlos, 2009, p. 107). De fato, desde a última
década do século XXI são muitas as contestações a este respeito. Como corrobora outro autor:
A presença indígena no Ceará, longe de ser ponto pacífico nos círculos intelectuais,
políticos, midiáticos e populares, é marcada pela multiplicidade de enfoques e
opiniões. Desde o início do ressurgimento político das etnias indígenas cearenses na
década de 1980, o tema que era considerado superado [...] – tornou-se objeto de
cadentes disputas simbólicas e jurídicas. (PALITOT, 2009, p. 19).
3.3.1 Contrapontos do(s) Ceará(s) na Zona Costeira: o Ceará Costa do Sol e o Ceará de
Povos Indígenas
Kanindé. O documento apresenta duas tabelas, bastante específicas sobre as extensões das
Zonas Costeiras. Em uma está destaca essa informação para o Brasil, o Nordeste e o Ceará.
Na outra, aparece à extensão total da linha da costa litorânea na RMF (Tabela 1).
turismo na costa litorânea cearense? Ou, em que implica para representantes dos mesmos
projetos e programas a localização de TIs e povos indígenas na Zona Costeira do Ceará?
No caso do PRODETUR Nacional Ceará a parceria pública e privada utiliza-se de
um esquema de execução do programa envolvendo várias Secretarias do Governo do Estado,
especialmente o organismo executor representado pela SETUR e, ainda, o MTur, o Conselho
Estadual de Turismo, a Unidade de Gestão do Programa (UGP), o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), a Empresa Gerenciadora (favorecida) e demais entidades
participantes e órgãos públicos parceiros (Figura 14). De fato, a “concepção do PRODETUR
Nacional toma como base o conceito de área turística priorizada e de polo turístico.”
(MANUAL DE OPERAÇÕES, 2010, p. 10). Para o poder público e privado, a ocorrência de
povos indígenas e TIs situados no Polo “Costa do Sol”, é condição que intecepta os
investimentos destinados às infra-estruturas para o turismo internacional. Tanto que o citado
documento da Caracterização Territorial do Ceará desenvolvido pelo IPECE (2010), quase
invisibiliza os dados sobre os povos indígenas do estado e suas TIs. Apenas na última página
do documento (sem comentários adicionais), consta a ilustração do Quadro 8. No Ceará,
conforme o jornal Semente Libertária da Organização Resistência Libertária (ORL)75, desde
1990 constata-se:
A integração do litoral através de rodovias muito bem estruturadas (as chamadas
Costa do Sol Nascente e Costa do Sol Poente), a construção de resorts ao longo
destas vias litorâneas (e de diversos condomínios residenciais em suas margens), a
construção do porto do Pecém, do Aeroporto Internacional Pinto Martins, de
parques de energia eólicas, de uma usina siderúrgica, de usinas termelétrica [...] a
prosperidade do agronegócio em sua aliança com o capital estrangeiro (vide:
carcinicultura), enfim, a construção de toda uma infra-estrutura apta a receber
diferentes investimentos internacionais, são sinais desta modificação que está se
operando tanto na configuração geográfica do nosso estado quanto nas relações
sociais e de trabalho em nível local. O estabelecimento de uma malha rodoviária que
interliga todo o litoral, aliada à imensa especulação imobiliária, ocasionada, entre
outros fatores, pela construção do porto do Pecém, valoriza espaços ocupados por
comunidades tradicionais. Muitas destas comunidades são herdeiras de
agrupamentos nativos ameríndios, e ainda mantêm, em muitos aspectos de sua
existência, permanências de uma cultura ancestral no cotidiano. A herança cultural
presente em comunidades litorâneas está claramente relacionada com a cultura
indígena. A multiplicação de grandes empreendimentos ao longo da costa cearense,
aliada ao discurso do progresso e desenvolvimento, está realizando uma mudança
drástica e sem precedentes na vida e na cultura destas comunidades, que são, aos
poucos, recrutadas como mão-de-obra barata para trabalharem neste
empreendimentos, feitos quase que exclusivamente para servirem a estrangeiros e
brasileiros ricos. (JORNAL SEMENTE LIBERTÁRIA, 2008, p. 2).
75
Que surgiu no final de 2007 no Ceará e se define como uma organização anarquista em torno de objetivos
políticos, métodos de atuação e forma organizacional comuns. Disponível em:
http://www.resistencialibertaria.org/index.php?option=com_content&view=article&id=53&Itemid=53. Acesso
em: 20 dez. 2011.
Figura 14: Esquema de Execução do PRODETUR NACIONAL Ceará.
Fonte: Manual de Operações, 2010.
137
138
138
139
76
A Zona de Abrangência Costeira, abrangendo a Zona Costeira e os municípios da área de abrangência dos
principais rios, possui uma área de 30.863,5 km², corresponde a 21,18% da área territorial do Estado do Ceará. A
Zona Costeira, com os seu quatro setores, possui uma área de 20.513, 2 km², representando 14,08% do Ceará e
66,46% da Zona de Abrangência Costeira [...]. (ARAÚJO et al, 2005, p. 46).
141
Deste modo, concluir o processo de demarcação das TIs dos referidos povos
indígenas significa o reconhecimento oficial dos seus territórios pelo Estado, e contribui para
o fortalecimento das afirmações étnicas e do Movimento Indígena do Ceará. Ao mesmo
tempo, a regularização de TIs pode levar ao embargo dos grandes projetos aprovados ou em
andamento nas TIs ou no entorno destas, como demonstrado abaixo no estudo Danos
Socioambientais na Zona Costeira Cearense (MEIRELES, 2006). Neste o autor apresenta
uma ilustração, demonstrada na Figura 15, com os grandes projetos (inclusive
empreendimentos hoteleiros) causadores de danos socioambientais em TIs de povos indígenas
do Ceará, localizados em municípios da Zona Costeira, como os citados: Tremembé de
Almofala (Itarema) e Tapeba (Caucaia), incluindo-se os povos Tremembé de São José e Buriti
(Itapipoca) e Jenipapo Kanindé (Aquiraz), objetos desta pesquisa.
Figura 15: Danos socioambientais dos grandes projetos de desenvolvimento na Zona Costeira do
Ceará
Fonte: MEIRELES, 2006.
O Governador disse que a gente dissesse a área de terra que nós queria [fora de São
José e Buriti], como se forçasse nós. Ele disse, não tenham vergonha de dizer quantos
hectares nós queria que ele resolvia (Liderança indígena, A C, Tremembé de São José).78
Segundo essas lideranças a área ofertada pelo citado governante não correspondia
à TI que lhes é de direito. De fato, ele propôs a retirada dos indígenas das suas terras
tradicionais e ofereceu uma área a mais de 50km de distância da TI São José e Buriti. Por fim,
77
Dados das entrevistas. Pesquisa de campo realizada em São José, Itapipoca em 04/01/2008.
78
Idem.
143
outro indígena afirma que o mesmo representante público dissera, no tocante a implantação
do Nova Atlântida, que: “Se à gente não fizesse acordo, não vinha saneamento, nem energia
pra nós” (Indígena J, morador de São José). A intimidação verbal do governante recebeu a
resposta dos indígenas: “O que o senhor podia fazer por nós ‘um objetivo’ é se aliar com o
Governo Federal e ajudar na demarcação da terra.” (Liderança indígena, F C, Tremembé de
São José)79. A liderança continuou: “Mas ele não concordou. Em nenhum momento ele se
mostrou sensibilizado por nós. Mesmo vendo todos os presentes, ele só se sensibilizou com a
empresa Nova Atlântida.” (F C, Tremembé de São José).
As lideranças presentes puderam demonstrar para o governador que, no Ceará de
Povos Indígenas impera o poder de reivindicar seus direitos constitucionais, baseado numa
estrutura coletiva representada pelo “movimento indígena, [que] seguidamente, vem
reiterando a sua autonomia política e representacional, dispensando perspectivas tutelares de
onde quer que elas venham, seja do Estado, seja da academia, seja das agências missionárias.”
(PALITOT, 2009, p. 20). Como exemplo deste protagonismo uma informante indígena afirma
que:
Tiveram Assembléia dos Povos Indígenas do Ceará de 09 a 14 de dezembro de 2007
na aldeia Buriti. Teve até participação de índios de outros estados que veio para
conhecer. A Assembléia reúne todos os povos e todos trazem suas queixas. Cada um
traz seus problemas e fazemos um relatório e envia para o governo. Conversamos
sobre terra, educação, saúde e políticas públicas e eles levaram o relatório. Teve
presença da Funasa, Funai e Seduc. (Liderança Indígena A C, Tremembé de São
José).
79
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada em São José, Itapipoca em 04/01/2008.
80
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada em Buriti, Itapipoca em 04/01/2008.
144
81
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo.
82
Microrregiões.
83
FAHEINA, Rita Célia. POVOS INDÍGENAS NO CEARÁ. Ceará - ITAPIPOCA: Povos indígenas definem
pauta de reivindicações. Jornal O POVO, Fortaleza, 15 dez. 2007. Disponível em:
<www.opovo.com.br/opovo/ceara/752496.html>. Acesso em: 20 nov. 2011.
145
também leva os indígenas a fortalecer a sua resistência, e estes articulam-se por via de direitos
constitucionais ao saberem que:
Em Itapipoca, o grupo empresarial internacional Nova Atlântida pretende
construir o maior projeto turístico da atualidade em Terra Indígena Tremembé. A
“cidade turística” pretende ser construída numa área de 3,1 mil hectares onde
residem atualmente aproximadamente 200 famílias Tremembé, divididas nas
comunidades de São José e Buriti
[...] Em São Gonçalo do Amarante e Caucaia, desde 1996, quando o então
governador Tasso Jereissati deu o aval para a construção do Complexo Industrial e
Portuário do Pecém (CIPP), a situação dos Anacé vem agravando-se em razão dos
impactos ambientais e sociais provenientes de toda a infra-estrutura que o complexo
vem trazendo àquela região (usina siderúrgica, termelétrica, futura refinaria de
petróleo, etc.). O empreendimento já ocasionou a expulsão de três comunidades e
ameaça grande parte das terras por eles ocupadas.
Atualmente, as comunidades indígenas dividem seu território com toda sorte de
empreendimentos. Dentre eles poderíamos citar duas termoelétricas movidas a
carvão mineral. Uma do grupo MPX Energias S.A., comandado pelo mega-
empresário Eike Batista, (que recentemente foi expulso da Bolívia e se instalou nas
proximidades do pantanal matogrossense), e outra da Vale do Rio Doce. Há ainda a
solicitação para que a SEMACE possa conceder licenças prévias para pelo menos
mais cinco novas usinas, sendo uma delas a gás.
[...]. A situação dos demais povos indígenas no Ceará não difere dos dois exemplos
acima citados. Em Caucaia, a oligarquia Arruda, há décadas no poder municipal
local, entrou com um mandado de segurança pedindo a anulação do processo
demarcatório das terras dos Tapeba, que já lutam há três décadas pela sua
demarcação. Em Aquiráz, o grupo Ypióca, além de poluir e retirar água da Lagoa
da Encantada, nas terras da Aldeia dos Janipapo Kanindé, criminaliza os
defensores dos direitos indígenas. Em Maracanaú, os Pitaguary estão ameaçados
judicialmente de perder parte de suas terras para o posseiro Fernando Façanha,
que ocupa indevidamente um espaço de 600 hectares no meio da aldeia Santo
Antônio dos Pitaguary.
Tais fatos somam-se à problemática dos índios do sertão que, em municípios como
Crateús, Monsenhor Tabosa, Poranga, Quiterianópolis, Novo Oriente e outros,
vivem situações de intenso conflito, por conta da identificação indígena desses
povos e da demarcação de seus territórios.
Não é de se estranhar que o estado que negou a existência de índios no Ceará na
segunda metade do século XIX, venha hoje apoiar empreendimentos que têm na
apropriação da terra e na utilização de nativos como mão-de-obra barata sua lógica.
Afinal, a existência de populações indígenas organizadas emperram o projeto
político e econômico em curso. Pois pressupõe a existência de terras tradicionais,
habitadas pelos índios, que não podem ser vendidas, uma vez que estão protegidas
por lei federal desde 1988. (JORNAL SEMENTE LIBERTÁRIA, 2008, p. 3-4,
grifos nossos).
Dados dos Censos nacionais do IBGE 1991, 2000 e 2010, apresentados no estudo
de Azevedo (2011) demonstram a evolução da população autodeclarada indígena no Ceará em
2.694 (Censo 1991); 12.198 (Censo 2000) e 19.336 (Censo 2010). O site84 da FUNAI,
apresenta a população indígena deste estado subdividida em Urbana (12.598) e Rural (6.738)
conforme as 19.336 pessoas anunciadas pelo Censo 2010, e uma lista de nove povos indígenas
(Jenipapo-Kanindé, Kalabaça, Kanindé, Kariri, Pitaguari, Potiguara, Tabajara, Tapeba e
Tremembé). Acrescenta-se segunda esta agência indigenista que “A relação atualizada das
etnias levantadas pelo Censo IBGE 2010 será disponibilizada após a sua finalização, em
2012.”85
O jornal Diário do Nordeste, noticiou em 2011 resultados do referido
recenseamento relativos ao Ceará, especialmente sobre os indígenas. Dentre as informações
relevantes da matéria destaca-se a concentração do maior número dos povos indígenas do
Ceará na Zona Costeira do estado (situação observada anteriormente nesta tese), incluindo os
dois povos delimitados na pesquisa:
O Ceará [...] Tem mais pessoas que se declaram indígenas [...] o noroeste do Estado
(denominação do IBGE para o que normalmente chamamos de Litoral Oeste) tem a
maior parte da população indígena do Ceará [...].
De todos os dados de cor e raça revelados pelo IBGE para o Ceará, o mais
expressivo é da população que se declara indígena. No ano de 2000, 1,7% da
população brasileira que se declarou indígena estava no Ceará. Em 2010, esse
número sobe para 2,3% da população indígena nacional [...].
Depois da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), com 9.335 índios, é o noroeste
do Estado (principalmente o litoral de Camocim e Acaraú) que mais concentra a
população indígena, com 4.203 índios [...] em termos absolutos, é o Município de
Caucaia com o maior número de índios: 2.706 [...] a média populacional indígena
do Ceará [...] é de 0,22% ou 19.336 pessoas. Embora esse valor represente apenas
2,3% de todos os índios do Brasil, representa um crescimento aproximado de 40%
em relação a dez anos atrás.
O Município que vem depois é Itarema: 2.258 índios, ou 6% dos habitantes da
cidade [...]. Em Caucaia, que concentra o maior número absoluto de índios no Ceará
(2.706), eles são, principalmente, da etnia Tapeba, uma das primeiras a se
organizar, nos anos 1980, pela reafirmação da identidade.
"O aumento da população que se autodeclara indígena no Ceará revela como
importante dado a necessidade de os governantes direcionarem políticas
públicas também para essas pessoas", afirma Maria Amélia Leite, indigenista e
representante da Missão Tremembé no Ceará [...].
Um dado revelado pelo Censo 2010 é que, pelo menos 15% dos Municípios, não há
autodeclaração de indígena.
[...] o não registro não significa que não possa haver índios. Já que o censo considera
a autodeclaração, podem existir casos em que pessoas de etnias indígenas não se
84
Grupos Indígenas – Ceará. Disponível em: < http://www.funai.gov.br/indios/fr_conteudo.htm>. Acesso em: 10
set. 2011.
85
Idem.
147
O autor acima esclarece uma situação em que outras populações, ora classificadas
pelo Censo nacional como sendo de cor parda, poderiam, eventualmente, se autodeclarar
indígenas. O aumento do número de pessoas autodeclaradas indígenas no Ceará revelado nos
três últimos recenseamentos representa um processo dinâmico de reelaboração étnica em que
ainda existe a possibilidade de outras populações emergirem como indígenas no Ceará.
Alguns povos se encontram na situação de identificarem-se como indígenas sem ter o
reconhecimento pelo Estado.
O crescimento da população autodeclarada indígena se registra em todo o país e
em outros países com populações indígenas. Os dados demográficos dos Censos Nacionais
diferem de dados levantados por outros órgãos oficiais, o que não é de se admirar,
considerando que “É necessário focalizar os registros numéricos como produções contextuais
dotadas de intencionalidades.” (OLIVEIRA FILHO, 2011b, p. 655). Conforme o mesmo
autor, deve-se interpretar que cada um dos “dados expressos nessas [...] interpretações
contraditórias não devem ser abordados à luz de uma perspectiva excludente, como se uns
fossem exatos e os outros falsos, sob a intenção de aferir o grau de verdade de cada um deles.”
(2011b, p. 675). Assim, ao comparar os diferentes dados sobre os povos indígenas do Ceará
86
MELQUÍADES JÚNIOR. Raças no Censo 2010. Ceará está mais multirracial. Diário do Nordeste, Fortaleza,
17 nov. 2011. Caderno Regional Disponível em:
< http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1071003>. Acesso em: 17 nov 2011. Grifos nossos.
148
87
Pesquisa por Estado. Disponível em : <http://pib.socioambiental.org/caracterizacao.php?uf=23>. Acesso em:
12 dez. 2011.
88
Gerado em 28/07/2008 e cadastro encerrado em 23/06/2008. (PALITOT, 2009).
149
e empresários. Estes mostram-se cada vez mais enfadados com o movimento indígena, vetor
que contribui na construção da demografia dos povos indígenas do Ceará. Para Lima, Carmem
(2009, p. 235) “Na visibilidade desses grupos indígenas merece destaque a ação mediadora
das agências indigenistas.” Como ressalta Aires (2009, p. 46):
A rede de apoio ao movimento indígena é extensa [...]. Ela é composta por inúmeras
entidades, dentre as quais estão: Associação Missão Tremembé (AMIT), Centro de
Defesa e Promoção dos Direitos Humanos (CDPDH), Pastoral Raízes Indígenas,
Conselho Indigenista Missionário (CIMI), ADELCO, ADER, Visão Mundial,
universidades, simpatizantes de um modo geral, entre outras.
Vale salientar que a antropóloga Kelly Emanuelly de Oliveira na sua tese Estratégias
sociais no Movimento Indígena: representações e redes na experiência da APOINME “visa
analisar a constituição de estratégias sociais na arena política do Movimento Indígena, a partir da
APOINME (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e
Espírito Santo).” (2010, p. 8). Relativo ao Ceará a mesma autora afirma:
O Movimento Indígena no Ceará pode ser visto hoje como um dos mais autônomos
no diálogo com agências governamentais e não governamentais. Vivendo em meio a
uma efervescência de novos grupos étnicos que surgem no Sertão e Litoral do estado
[do Ceará], esses povos construíram uma rede de diálogo intensa entre os povos e
vêm ganhando espaço no cenário da política indigenista nacional, através de
lideranças que têm uma opinião crítica. (OLIVEIRA, Kelly, 2010, p. 156-157).
Desta forma a luta pela afirmação étnica se fortalece. Embora invisibilizados por
alguns, a busca por visibilidade por parte destes povos demonstra que:
Os índios são os que gritam com orgulho, para aqueles que não os querem ouvir, eu
sou Anacé, Gavião, Jenipapo-Kanindé, Kalabaça, Kanindé, Kariri, Pitaguary,
Potyguara, Tabajara, Tapeba, Tremembé, tupinambá, Tubiba-Tapuia. (SILVA,
Isabelle, 2009, p. 17).
Essa mesma força de reconhecer-se como índio, seja no Ceará, seja fora do estado,
aparece em outras duas alocuções de mulheres indígenas:
Para mim ser índio é não ter vergonha de se identificar [...]. Buscar todos os seus
direitos que tem na Constituição. Buscar conhecimento junto com seu povo e saber
com eles se defender diante da sociedade. (Lideraça Tremembé, F C, moradora de
São José)92.
Ser índio é defender a nossa terra [...] e não ter vergonha de sua própria identidade,
da sua origem, do seu povo [...] e, defender o que é de mais precioso para nós, a
nossa terra. É tá levantando a nossa cultura com os nossos filhos [...]. A nossa
cultura tava quase por um fio [...]. A gente teve que levantar essa bandeira [...].
Muitas pessoas tem medo de levantar o que é. (Lideraça Tremembé, A C C,
moradora de São José)93.
89
Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada na TI Aldeia Lagoa Encantada em 05/01/2009.
90
A TI Aldeaia Lagoa Encantada até a data desta entrevista, 05/01/2009, não estava Declarada. Conforme o
Diário Oficial da União (DOU) foi Declarada em 23/02/2011, como será detalhado no Capítulo 4.
91
Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada na TI Aldeia Lagoa Encantada em 05/01/2009.
92
Dados de entrevistas. Pesquisa de campo realizada em São José, Itapipoca em 04/01/2009.
93
Idem.
151
94
AÇÃO CAUTELAR N° 009/2004. Requerente: Ministério Público Federal. Requeridos: Nova Atlântida Ltda
e Estado do Ceará. Disponível em: <http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/atuacao-do-mpf/acao-civil
publica/docs_classificacao_tematica/Acao_Cautelar_PRCE_Nova_Atlantida.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2009.
Emitida em: 3 nov. 2004.
153
Os conflitos pela posse da terra na Zona Costeira do Ceará, destacando nesta tese,
aqueles ocasionados pelo turismo em TIs, têm levado à afirmação étnica dos povos Tremembé
de São José e Buriti e dos Jenipapo-Kanindé, em contraponto à negação das mesmas
identidades por parte de empreendedores do turismo de sol e praia. Os representantes dos
grandes projetos de desenvolvimento turístico conseguiram cooptar alguns indígenas
Tremembé de São José e Buriti a negarem sua identidade indígena. Estas foram as
circunstâncias observadas e averiguadas ao longo dessa pesquisa, e os depoimentos dos
indígenas constituem a base principal na construção deste capítulo.
Numa discussão, ainda atual, que aborda as questões dos impactos dos grandes
projetos de desenvolvimento em TIs de povos do Ceará, especialmente comprometendo os
dois povos indígenas pesquisados, Andrade e Carvalho, afirmam:
Essa situação é bastante aguda no Ceará, onde o grupo Ypióca Agroindustrial
Ltda, maior produtor de aguardente do Brasil, tem fábricas em terras demandadas
pelos Jenipapo-Kanindé e vem sendo acusado de poluir a lagoa Encantada com
lançamento de vinhoto, além de apresentar reiteradas contestações à demarcação
das terras jenipapo-kanindé.
O estado do Ceará destaca-se também pela presença de projetos econômicos de
grande impacto sobre os povos indígenas, a exemplo a construção do complexo
turístico da muiltinacional Nova Atlântida, em área demandada pelos Tremembé
[...]. (2011, p. 501, grifos nossos).
diferenciadas sobre a terra [...]. Ocorre, no entanto, uma situação de liminaridade na qual se
confrontam o nós e os outros [...]. Nesse sentido, surge a [...] oposição entre dois territórios
[...].” (COELHO, 2002, p. 39). Para a mesma autora “O ato de definir um território [...] acaba
por se constituir em um exercício de confronto de interesses, no qual estão em jogo visões de
mundo diferenciadas.” (2002, p. 149). Mais adiante retoma-se os dois casos estudados.
[...]. E hoje nosso povo é todo assim, todo arrudiado, o nosso mar é todo arrudiado
do nosso povo Tremembé, na zona costeira, de Almofala até a praia do Mundaú que
nós temos conhecimento e o nosso pajé Luís Caboclo ainda diz que existe mais lá
pra banda do Maranhão, que é Tremembé espalhado por todo canto. (Adriana
Carneiro Tremembé, 37 anos. Aldeia São José apud FRANCO, 2010, p. 34).
Carlos, 2005a, p. 224). Este autor afirma em outra obra que “Os Tremembé são razoavelmente
citados em crônicas, relatos de viagem e na historiografia ‘clássica’ a respeito da formação histórica do Ceará.
Há documentação primária e de segunda mão sobre eles desde o período colonial [...].” (2004, p. 282).
No Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena
Córrego do João Pereira, no município de Itarema, Ceará, o antropólogo Cristhian Teófilo da
Silva, afirma que “Estes povos são citados nos verbetes de cinco (5) municípios cearenses
[Acaraú, Camocim, Chaval, Granja e Marco] segundo a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros,
volume XVI (RJ, IBGE, 1959).” (SILVA, Cristhian, 2000, p. 5). O autor amplia a informação:
Os Tremembés95 são um dos povos indígenas mais reconhecidos nos registros da história
cearense ao longo dos últimos séculos.96 A antigüidade do contato com os primeiros
exploradores e conquistadores europeus (holandeses, franceses e portugueses) ao longo de
seu extenso território – que abrangia o litoral dos atuais estados do Maranhão, Piauí e
Ceará -, a distintividade cultural frente aos outros povos indígenas existentes na região
(sendo posicionados ora ao lado dos tapuias ora ao lado dos cariris, e mesmo enquanto
uma sociedade à parte) e a persistência étnica podem ser arrolados como os motivos
principais deste notório interesse por parte de estudiosos e pesquisadores sobre a sua
cultura e seu povo. (SILVA, Cristhian, 2000, p. 5, notas no original).
Em artigo escrito em 2003 a partir da dissertação Fronteiras invisíveis: territórios
negros e indígenas no Ceará (1996), Alecsandro José Prudêncio Ratts afirma que “[...] grupos
indígenas foram encapsulados em terras cearenses, a exemplo dos Tremembé, alvo de um
aldeamento [...] do início do século XVIII, período antes do qual se distribuíam pelo litoral
dos atuais estados de Maranhão, Piauí e Ceará.” (2003, p. 37). Para corroborar as discussões,
em outros estudos realizados por Valle, Carlos (2004; 2005a) este autor evidencia que os
Tremembé nos séculos XVI e XVII ocupavam o litoral entre o Pará e o Ceará. Com a
colonização, aldeamentos missionários foram criados como Tutóia no Maranhão e Aracati-
Mirim no Ceará. Em 1766 a missão de Aracati-Mirim tornou-se uma freguesia de índios e foi
rebatizada de Almofala. Em 1858 a diretoria de índios foi suprimida por lei provincial.
Invisibilizados como um grupo étnico no final do século XIX, vêm surgindo identidades
Tremembé ao longo das últimas décadas do século XX. A pesquisa de Valle, Carlos (1993)
usa a noção de ‘campo semântico da etnicidade’ para analisar a reelaboração étnica. Sobre
este processo elucida Silva, Cristhian (2000, p. 6):
95
“A grafia de nomes indígenas segue aqui as orientações de Julio Cezar Melatti e as críticas deste à CGNT
(Convenção para a Grafia de Nomes Tribais, estabelecidas pela ABA, no Rio de Janeiro, 1953), em especial à
pretensão desta em constituir-se numa nomenclatura científica para as sociedades indígenas, como se fossem
espécies animais e vegetais (Melatti, 1979 e 1989).” (Barretto F.°, 1999: 92 em OLIVEIRA, João Pacheco de
(organizador). A VIAGEM DA VOLTA: ETNICIDADE, POLÍTICA E REELABORAÇÃO CULTURAL NO
NORDESTE INDÍGENA. RJ: Contra Capa Livraria) . É por esta razão que grafamos o etnômino “Tremembé”
no plural, sempre que a ortografia da língua portuguesa assim o exigir. (Cf. SILVA, Cristhian, 2000, p. 5).
96
O etnógrafo Curt Nimuendaju identifica cerca de 27 referências bibliográficas sobre os Tremembés, que
vieram a informar a elaboração de seu “Mapa Etno-Histórico” (1987) [...]. (Cf. SILVA, Cristhian, 2000, p. 5).
156
97
O termo “hoje” mencionado pelo autor neste artigo de 2004, corresponde ao período de sua pesquisa de
mestrado entre 1988 e 1991.
98
Em 1986, alguns Tremembé fizeram seu próprio Censo, estimulados pelos missionários e pela primeira visita do órgão
tutelar. Chegaram à cifra de 2662 pessoas. O relatório da FUNAI (1992: 26) afirma que foram contados somente os
“índios” vivendo no interior da área proposta para demarcação. (Cf. VALLE, Carlos, 2004, p. 283, nota no original).
157
(incluindo-se 451 indígenas das aldeias São José e Buriti) não manifestados como Tremembé
durante a pesquisa de mestrado de Valle, Carlos. O site99 do ISA apresenta o dado
demográfico revelado pela FUNASA em 2010 de 2.971 indígenas Tremembé, sem especificar
os municípios incluídos no levantamento.
99
Tremembé. Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/pt/povo/tremembe/1059>. Acesso em: 20 jul. 2011.
TABELA 3 – Situações das Terras Indígenas do Povo Tremembé no Ceará
100
O termo correto compreende Prodetur, pois rodovias são metas neste programa de governo. Compete a Embratur promover e comercializar destinos, serviços e produtos
turísticos do Brasil no mercado internacional, portanto, não responde por infra-estrutura de estradas.
158
101
O dado do CIMI deve referir-se como empresa de turismo o Nova Atlântida, pois o Prodetur é programa público e privado. O Nova Atlântica revela-se parceiro do
PRODETUR. Disponível em: <http://www.gruponovaatlantida.com/brasil/index.htm>. Acesso em: 20 mar. 2009.
159
pendente de julgamento que atrapalha o processo de demarcação desta TI, acontece devido o
acirrado conflito com “uma empresa de monocultura do coco [que] instalou-se em parte dessa
área desde 1979 [...].” (LEITE, 2009, p. 414). A DuCOCO Alimentos considera-se proprietária
das terras em que desenvolve suas atividades empresariais. A matéria jornalística, veiculada
em 2010, informa:
O POVO conferiu de perto a rivalidade entre índios tremembés e a empresa Ducoco
Alimentos nas comunidades da Praia de Almofala e Varjota, ambas em Itarema. O
cacique da etnia afirma que a empresa ocupa 90% da área que está sendo
reivindicada [...].
“Nós temos uma briga com a Ducoco, que está centralizada na área da Varjota (uma
das comunidades). A gente vem sofrendo questões graves na Justiça”, denuncia o
cacique [...].
A Ducoco é autora de uma ação judicial de 1992 para a anulação do procedimento
administrativo de demarcação da terra indígena Tremembé de Almofala.
O processo, que tramita na subseção Judiciária de Sobral se encontra, agora, na fase
de produção de prova pericial para a avaliação da tradicionalidade da ocupação
indígena na área litigiosa.
Há uma decisão judicial, em ação cautelar, que impede, desde o ano de 1994, o
prosseguimento do processo de demarcação da terra indígena, até o julgamento final
da ação de nulidade.102
102
JONATHAS, Andreh. Tremembés: disputa em Almofala 25 anos de conflito. O POVO on-line, Fortaleza, 19 jun.
2010. Disponível em: <http://publica.hom.opovo.com.br/page,270,96.html?i=2011889>. Acesso em: 19 nov. 2011.
103
Dados de entrevista. Pesquisa de campo realizada na comunidade da praia (Almofala) em 8/1/2007.
104
Refere-se a 20/9/2002. Conta quase 10 anos da decisão do STJ e a Perícia Antropológica não foi realizada.
161
O referido Cacique afirmou que “com isso concretizado a gente pode estabelecer
regras, critérios e alguns pensamentos de como hoje a gente tem uma terra boa de produção
que está nas mãos dos latifundiários.” (Tremembé, J V, morador da comunidade da praia em
Almofala). Enquanto isso:
A terra dos Tremembé [de Almofala] deve ser reanalisada pela Justiça Federal no Ceará,
essa foi a decisão do STJ. O entendimento mantém a nulidade da demarcação feita pela
Funai no município de Itarema porque a empresa Ducoco Agrícola se diz proprietária das
terras. A Ducoco reconheceu (sic) ao STJ, alegando que ficou provado que os títulos de
domínio sobre a área são anteriores à Constituição de 1934.106
105
Perícia será feita na área dos Tremembés. O Povo, Fortaleza, 21 set. 2002. Disponível em: <
http://pib.socioambiental.org/es/noticias?id=5945>. Acesso em: 15 ago. 2009.
106
STJ mantém nula demarcação de terras dos índios Tremembé. O Globo, Rio de Janeiro, 29 set. 2002.
Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/en/noticias?id=6043>. Acesso em: 15 ago. 2009.
107
Disponível em: <http://funaiceara.blogspot.com/2010_12_01_archive.html>. Acesso em: 27 mar. 2011.
108
O Grupo Técnico (GT) - Portaria FUNAI N.° 10, 13 de janeiro de 1999 (DOU, seção 2, 15 de janeiro de
1999) foi coordenado pelo Antropólogo Cristhian Teófilo da Silva conforme o Relatório Circunstanciado de
Identificação e Delimitação, Brasília, DF, 2000.
O Registro da referida TI no Cartório de Registro de Imóveis (CRI) ocorreu em 24/02/2006 e, na Secretaria de
Patrimônio da União (SPU) em 04/08/2006. (Cf. Lista de Terras Indígenas da Funai – Ce – Organizada em
10/1/2009). Disponível em: <http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/terras-indigenas/terras-
indigenas>. Acesso em: 23 nov. 2011.
162
São José [...] No ano seguinte (1988) foi elaborado novo ‘Laudo Técnico’ no imóvel ‘Capim-
Açú/São José’.” (2000, p. 8). Salienta-se que Capim-Açú e São José de Itarema encontram-se
situadas na TI Córrego do João Pereira. De acordo com Valle, Carlos (2005b, s/p):109
[...] a Terra Indígena Córrego João Pereira foi homologada pelo decreto de 5 de
maio de 2003, tornando-se a primeira área a ser completamente regularizada no
Ceará. Há, portanto, um evidente contraste diante das situações de Almofala e da
Tapera/Varjota, cuja Terra Indígena, delimitada e percebida como mais
“tradicional”, está sendo contestada por processos judiciais [...].
109
VALLE, Carlos Guilherme Octaviano. Tremembé. Disponível em:
<http://pib.socioambiental.org/pt/povo/tremembe/print>. Acesso em: 15 jan. 2011. Publicada em: fev. 2005b.
110
O Portal do Mar é um veículo de comunicação que surgiu em 2005 a partir de uma estratégia de comunicação
pensada dentro de um contexto de intensa articulação entre entidades da sociedade civil, ambientalistas,
pesquisadores e lideranças comunitárias do litoral cearense.
111
Os Tremembé do Córrego do João Pereira vencem mais uma batalha. Disponível em:<
http://www.portaldomar.org.br/blog/portaldomar-blog/categoria/discutindo-direitos/2991>. Acesso em: 15 jul.
2011. Publicada em: 13 jul. 2011.
163
Acaraú situados nas proximidades do Córrego do João Pereira apontados como localidades de
referência étnica, como a Lagoa dos Negros e Queimadas (citadas na Tabela 2 precedente),
em conflito com o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) devido a um
projeto de irrigação. Os seus habitantes reivindicam reconhecimento oficial pela FUNAI. O
mesmo autor comenta a mobilização dos Tremembé de São José e Buriti em Itapipoca pela
identificação e delimitação de sua TI, pois “Eles [os habitantes de São José e Buriti] têm se
defrontado, sobretudo, com a possibilidade de implantação de projeto turístico na área onde
vivem.” (VALLE, Carlos, 2005b, s/p).
O comentário do autor acima reforça o que vem se demonstrando ao longo desta
tese - as dificuldades enfrentadas pelos Tremembé em conseguir a regularização das suas
terras pelo Estado. Apesar dos esforços de empresas, como o consórcio Nova Atlântida no
caso de São José e Buriti e a DuCOCO na situação de Almofala, de negarem a identidade
Tremembé, o protagonismo indígena emerge nas lutas pelo reconhecimento dos seus direitos
constitucionais. Valle, Carlos (2005b, s/p) ainda aponta:
Se os Tremembé [...] estão politicamente organizados de modo autônomo e bastante
localizado, tem havido uma convergência entre as lideranças indígenas para a
articulação de demandas sociais e políticas conjuntas, inclusive de seus caciques,
cujo número tem aumentado nos últimos anos. A organização política diferenciada
dos Tremembé tem sido atravessada pelas modalidades de intervenção indigenista,
tanto da Funai e de agências públicas como de ONGs e outras entidades civis. Além
disso, a organização política dos Tremembé tem se afinado com as dinâmicas mais
abrangentes que envolvem os outros povos indígenas no Ceará e no Nordeste. Eles
fazem parte da Coordenação das Organizações dos Povos Indígenas no Ceará
(Copice). Participam também dos eventos da Apoinme e dos encontros de povos em
busca do reconhecimento étnico [...].
TREMEMBÉ DE ITAPIPOCA
Fonte: Terras habitadas. Disponível em: < http://pib.socioambiental.org/pt/povo/tremembe>. Acesso em: 24 jul.
2011.
LUSTOSA, Isis Maria Cunha. (Org.). 2011.
165
Figura 16: Salão comunitário da comunidade de Buriti e salão comunitário do Sítio São José,
Distrito Marinheiros, Itapipoca, Ceará.
Fotos: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan. 2007.
112
O mapa também fornece o trajeto e a distância à TI Aldeia Lagoa Encantada dos Jenipapo-Kanindé por ser o
outro povo indígena pesquisado, por isso utiliza-se a mesma base cartográfica no estudo comparativo.
166
167
A descrição abaixo prestada por Franco (2010) agrega duas vias de acessos à TI
Tremembé de São José e Buriti, um destes acessos ilustrado na figura anterior. Portanto,
adotou-se este mesmo trajeto durante todos os trabalhos de campo em (2007, 2008 e 2009)
realizados na citada TI. Além deste percurso, a autora, explana algumas informações
importantes de registrar e descreve:
LOCALIZAÇÃO E VIAS DE ACESSO: A Terra Indígena Tremembé da Barra do
Mundaú, também conhecida por Tremembé de Itapipoca - São José e Buriti situa-
se a aproximadamente 140 km, a noroeste da cidade de Fortaleza/CE, no distrito
de Marinheiros/ praia da Baleia, município de Itapipoca. Está localizada à margem
esquerda do estuário do rio Mundaú, entre a sua barra, a localidade da Praia da
Baleia e a Vila dos Pracianos, cuja região é conhecida como a “terra dos três
climas” por ter, em seu território, serra, sertão e litoral.
Existem duas vias de acesso à Terra Indígena [...], sendo que ambas, inicialmente, se
utilizam de 97 Km pavimentados da rodovia CE-085 (Litoral Oeste) até o
entroncamento para Flexeiras e Mundaú. A partir deste ponto são mais 12 Km até a
cidade (sic) de Mundaú113 de onde se atravessa de balsa para a TI.
O caminho para a balsa entrecorta uma região de dunas, o que dificulta o trânsito de
veículos não tracionados, mas apesar desta dificuldade, é o caminho mais curto, pois
de Fortaleza a TI [Tremembé de São José e Buriti] são 135 km.
A segunda opção de acesso passa pelo entroncamento para Flexeiras e Mundaú
e segue pela rodovia CE-085 (Litoral Oeste) até o entroncamento para a praia
da Baleia. A partir deste ponto são mais 20 Km até a Vila dos Pracianos, por
meio da qual se tem acesso à TI (2 Km) por rodovia não pavimentada,
totalizando 150 Km aproximadamente. (FRANCO, 2010, p. 15-16, grifos nossos).
113
Mundaú não corresponde uma cidade do Ceará. Na divisão territorial do município de Trairi, Mundaú
aparece como distrito e, a praia de Flecheiras, como uma localidade do mesmo município. Traíri localiza-se a
120 km da capital do estado cearense e limita-se ao Norte com o município de Itapipoca.
168
114
Dados de entrevista. Pesquisa de campo realizada na TI Sítio São José e Buriti em 7/1/2007.
169
115
Dados de entrevista. Pesquisa de campo realizada em Buriti, Itapipoca, em 06/01/2007.
171
116
O grupo técnico (G.T.) contou com a participação de servidores da Coordenação Regional da FUNAI no
estado do Ceará, e de agentes da Polícia Federal/CE, para os trabalhos de campo, os quais foram realizados em
três etapas; quais sejam: i. de 20 de julho a 07 de agosto de 2009; ii. de 30 de setembro a 07 de outubro de 2009;
e iii. de 23 a 28 de novembro de 2009, totalizando 33 dias de levantamento de dados primários. Estes trabalhos
tiveram início com uma reunião entre as consultoras técnicas do GT (antropóloga e bióloga), representantes da
FUNAI/CE e a comunidade indígena das aldeias Tremembé, onde se pôde apresentar a finalidade do trabalho do
GT e ouvir as reivindicações dos índios. Foi lhes assegurado, em todas as cinco primeiras etapas, a participação
no processo administrativo de demarcação de sua terra, conforme disposto no parágrafo 3° do artigo 2° do
Decreto 1775/96. (FRANCO, 2010, p. 11).
117
DECRETO No 1.775, DE 8 DE JANEIRO DE 1996. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D1775.htm>. Acesso em: 20 ago 2009.
118
Terras indígenas Tremembé são identificadas e delimitadas no Ceará. Disponível em: <
http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=6091&action=read>. Acesso em: 15 fev. 2012.
Publicada em: 7 fev. 2012.
172
Apesar das etapas vencidas pelo povo Tremembé de São José e Buriti, com o
avanço do Processo de Demarcação da TI a partir de 6 fevereiro de 2012 (data do citado
Despacho publicado no DOU), este povo deve aguardar por mais uma etapa do Decreto
1.775/8/1/1996, respectivamente – as Contestações. Nessa fase todo e qualquer interessado,
incluindo estados e municípios podem se manifestar “apresentando ao órgão indigenista suas
razões, acompanhadas de todas as provas pertinentes, com o fim de pleitear indenização ou
demonstrar vícios existentes no relatório.”122 Embora o povo Tremembé de São José e Buriti
tenha conquistado a terceira etapa do processo de demarcação da sua TI, ainda assim, a etapa
de Contestações talvez seja a de maior tensão para estes indígenas. Isso por estar aberta às
manifestações dos/as interessados em se contrapor ao Relatório Circunstanciado. A respeito
desta fase afirma Coelho (2002, p. 94, grifo nosso): “Essa determinação foi considerada um
119
Página 22, Seção 1, sob o título “Dados Gerais”.
120
Requer esclarecer sobre o Toré e a configuração do Torém para os Tremembé. Segundo Grünewald “Carlos
Guilherme O. do Valle, a partir do exame minucioso dos aspectos históricos, sociais e culturais que deram configuração
ao torém dos Tremembé (CE) enquanto “tradição e ritual”, levanta considerações em torno de suas correlações com o
toré (especialmente dos Tapeba), ampliando sua perspectiva analítica para questões gerais sobre etnicidade no amplo
quadro de “multilicidade étnica” no Ceará contemporâneo.” (2005, p. 32, grifos nossos).
121
Aprovados estudos de identificação de Tremembé Barra do Mundaú.
Disponível em: <http://www.funai.gov.br/>. Acesso em: 15 fev. 2012. Publicada em: 8 fev. 2012.
122
DECRETO NO 1.775, DE 8 DE JANEIRO DE 1996. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D1775.htm>. Acesso em: 20 ago. 2009.
173
4.2.1 Terra Indígena Tremembé de São José e Buriti e o Nova Atlântida: afirmação
étnica no território disputado pelo turismo maciço
123
Dados de entrevista. Depoimento concedido durante um dos trabalhos de campo realizados por Claudia
Tereza Signori Franco na TI São José e Buriti entre julho e novembro de 2009, como subsídio do Relatório
Circunstanciado elaborado por Franco (2010).
175
Começou o sofrimento que (nós nunca tivemos antes), quando essa empresa chegou
aqui em 1978 (ano da primeira visita de representante do Nova Atlântida). Em São
José, tinha uma casona desse pessoal. Eu era menina, “meninota”.
Tinha um senhor Prata Galvão. Ele tinha um documento da terra (comprou de
Euclides da Cunha) e vendeu para os espanhóis. Esses posseiros do Ceará foram se
apossando e passando de herdeiro para herdeiro. Esse Prata vendeu e, na entrega das
terras para os espanhóis, mataram um dos espanhóis [...]. Depois disso, eles [os
espanhóis] passaram mais de 30 anos afastados. Nessa época a gente pagava 124 uma
porcentagem da terra. Mas, depois não ficamos pagando mais (desde 80 para cá).
Não pagamos mais do que se produz. Desde 2001 começamos a se identificar como
Tremembé. A gente tinha conhecimento [de lutar pela nossa causa indígena] e
quando a Funai veio aqui pela primeira vez e começou a luta pela demarcação, a
empresa [Nova Atlântida] vem impedindo. Eles [representantes da empresa]
justificam que nunca aconteceu índio aqui. Nesse ano passado de 2006, melhorou
[um pouco o incômodo causado por eles]. Mas, as mulheres foram agredidas.
A gente teve uma liminar que está impedindo deles construir “os hotéis em 1.100
hectares” previsto para esse ano [2007]. Parece que 27 hotéis, campo de golfe,
resorts. No mapa [do Nova Atlântida] tem tudo. Eu tenho o mapa.
No mapa deles a vila Buriti ia ficar no campo de futebol, pegando uma baixa perto
dos morros [...]. O mesmo eles iam fazer com São José. Nós não vamos aceitar.
Perto daqui de casa nós temos cajueiro, coqueiro, goiabeira para nós se alimentar e
nossos filhos também. E lá [perto do campo de futebol] ficar numa casinha sem
muda. Eles darem um um salário, não é suficiente para uma família feito a nossa.
Ficar [perto do campo de futebol] não tinha como cultivar (seria tudo comprado).
(Tremembé, E R V, moradora de Buriti)125.
124
Verificou-se que os índios Tremembé de São José e Buriti foram expostos a um sistema de patronagem
(índios com idades entre 60 e 70 anos relataram relações com posseiros), submetidos a trabalho onde
tinham por obrigação “pagar renda” sobre seus roçados e o comércio da farinha e da castanha de caju.
(MEIRELES; MARQUES, 2004, p. 61). Sendo estas relações clientelistas ou relações patrono-cliente (WOLF,
2003).
125
Dados de entrevista. Pesquisa de campo realizada na TI Sítio São José e Buriti em 7/1/2007.
126
Elaborado como co-participação no livro organizado por Palitot (2009).
127
Seria, de fato, a Superintendência Estadual do Meio Ambiente.
176
128
Os Estudos de Identificação, como mencionado anteriormente, foram realizados em 2009.
129
Principais Características de Nova Atlântida. Disponível em:
< http://www.gruponovaatlantida.com/brasil/index.htm >. Acesso em: 25 ago. 2009.
130
Aprovações Oficiais. Disponível em: < http://www.gruponovaatlantida.com/brasil/index.htm>. Acesso em: 20 mar. 2009.
177
Figura 20: Placa do Nova Atlântida à margem da Rodovia Estadual (CE – 168) difundindo o
projeto e o apoio institucional do poder público.
Foto: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan. 2007.
Para tentar provar que o empreendimento vai sair, o Plano Diretor do Nova
Atlântida, difundido no seu site oficial, encontra-se sob a condução da IAC Consulting
Internacional de Arquitectura y Urbanismo SL, e é formado por um consórcio de nove
empresas. Este Plano Diretor prevê ocupação e construção de uma superfície 31.260.800,00m²
(3.126) hectares, 27 complexos hoteleiros de cinco estrelas, residências de luxo, 7 campos de
golf, 1 marina e 3 comunidades locais. Relativo a infraestrutura concebida pelos grupos
empresariais internacionais para a primeira fase de implantação do Nova Atlântida a Figura 21
demonstra maquete eletrônica com as quatorze infraestruturas iniciais previstas.
131
Cidade Nova Atlântica: embate ganha apoio político Disponível em:
<http://diariodonordeste.globo.com/cadernos/negocios>. Acesso em: 12 out. 2008. Publicada em: 18 jul. 2008.
178
Figura 21: Representação virtual do Nova Atlântida Cidade Turística Residencial e de Serviços LT.
Fonte: 1ª Fase de Implantação. Disponível em: <http://www.gruponovaatlantida.com/brasil/index.htm>.
Acesso em: 20 mar. 2010.
O Nova Atlântida, mesmo embargado pela justiça, mantém seu site operante até o
momento (fevereiro de 2012), e fortalece-se como mega projeto turístico de sol e praia. Na
sua difusão virtual o empreendimento turístico valoriza a metrópole Fortaleza como (núcleo
receptivo e emissivo de fluxo turístico nacional e internacional), onde destaca a situação
geográfica desta cidade em relação aos vários destinos mundiais e demonstra “os trajetos
eqüidistantes desde os países geradores de turismo.”132 (Figura 22).
132
Principais características de Nova Atlântida. Disponível em:
< http://www.gruponovaatlantida.com/brasil/index.htm>. Acesso em: 20 mar. 2009.
179
180
133
Ceará. Disponível em: <http://www.gruponovaatlantida.com/brasil/index.htm>. Acesso em: 20 mar. 2009.
181
brasileiro (re)significado pelo turismo, o filho mais novo do colonialismo (PRICE, 2000) no
litoral cearense que oferta “um Oásis de paz no último paraíso da Terra”134 como revela o
Nova Atlântida. Portanto, em uma outra narrativa, os indígenas, vivenciam novamente a perda
de suas terras. O script, nesta nova versão no século XXI, traz como a figura de colonizador –
o empreendedor do turismo internacional. Por intermédio deste novo colonialismo,
representado pelo turismo, o Nova Atlântida difunde:
A costa atlântica do Ceará foi escolhida por sua situação estratégica em relação aos
mercados geradores de turismo internacional e nacional, já que está a seis horas e
meia de vôo da Europa e a seis dos Estados Unidos, podendo-se considerar o “Nova
Atlântida” como um epicentro do hemisfério ocidental em relação às grandes
potencias industrializadas da Europa e da América do Norte, e também no que se
refere à própria América do Sul.135
No mesmo site encontra-se também informação sobre os apoiadores oficiais do
Nova Atlântida (o Governo do Estado do Ceará com aprovações e declarações assumidas por
esse estado; o Ministério do Turismo representado pelo Instituto Brasileiro de Turismo
(EMBRATUR); o PRODETUR correlacionado à infraestrutura para o turismo e a Prefeitura
Municipal de Itapipoca com aprovações e declarações do Plano de Ordenação Urbana, do
Plano de Zoneamento e Uso do Solo e a Declaração de Interesse Turístico para o município).
O site destaca a aliança entre o Nova Atlântida, o Governo do Estado do Ceará e o PRODETUR:
Reiteração do interesse do estado do Ceará pelo projeto “Nova Atlântida”, passando
a ser a prioridade número 01 do programa de ação para o desenvolvimento do
turismo no Nordeste, “PRODETUR”.
Ao estar incluído na área de primeira prioridade, o projeto “Nova Atlântida”, poderá
se beneficiar com uma infra-estrutura por parte do governo e com investimentos
oriundos do finor (fundo invest.) nordeste “criado para incentivos fiscais”. 136
134
Principais Características do Nova Atlântida. Disponível em:
<http://www.gruponovaatlantida.com/brasil/index.htm>. Acesso em: 20 mar. 2009.
135
Idem.
136
Aprovações e declarações do Estado do Ceará. Disponível em:
<http://www.gruponovaatlantida.com/brasil/index.htm>. Acesso em: 20 mar. 2009.
182
nacionais, inclusive sediando a Assembléia dos Povos Indígenas do Ceará em São José e
Buriti, anteriormente comentada. Nestes espaços a afirmação étnica manifesta-se nas
cobranças de providências por parte do poder público em respeitar os direitos indígenas
constitucionais, incluindo, com urgência, o andamento do processo de demarcação da TI
Tremembé de São José e Buriti.
O turismo proposto pelo Nova Atlântida está prejudicando o povo Tremembé de
São José e Buriti ao ameaçar suas terras e dividir o povo. Ao mesmo tempo, o fato de verem
suas terras ameaçadas, pressionou-os a aumentar suas reivindicações para a sua regularização
como TI. Trata-se de um processo “que segundo o chefe da Funai, é longo,”137 o que preocupa
ainda mais o povo Tremembé. Segundo notícia jornalística favorável a causa indígena,
publicada no Diário do Nordeste,
[...] os índios contam que na área de 3.325 138 hectares, parte dos sítios de seu
ancestrais está cercada como área da empresa Nova Atlântida, onde há, inclusive,
barracas montadas por empregados. Segundo Adriana de Castro, a intenção deles é
provar que aquela não é uma terra indígena, o que tornaria mais fácil a posse da
mesma [...]. Se a Justiça não tomar providências a tendência é piorar a situação,
desabafa Adriana de Castro.
O Antropólogo do Ministério Público Federal (MPF), Sérgio Brissac, exp licou
que processos já correm na Procuradoria da República. Uma ação cautelar
movida pelo procurador Márcio Torres resultou na liminar [concedida em 2004]
que determina a suspensão do licenciamento da obra do complexo turístico
dada, anteriormente, pela Semace [...]. Com isso Brissac esclarece que a
continuidade da obra ou mesmo as ameaças aos índios, se comprovadas pela
Procuradoria, implicam descumprimento da medida. Hoje [2006], uma ação
Civil Pública, está sendo movida por Márcio Torres, mas segundo o
antropólogo, ainda não chegou a nenhuma decisão judicial [...].139
137
Conflito. Diário do Nordeste, Caderno Regional, Fortaleza, 9 novembro 2006.
138
Estimativa antes da realização do Estudo de Identificação pelo GT/FUNAI, iniciado no segundo semestre de
2009 que apresentou “superfície aproximada de 3562ha.” (FRANCO, 2010, p. 15).
139
Conflito. Diário do Nordeste, Caderno Regional, Fortaleza, 9 novembro 2006.
183
Figura 23: Estrutura (quiosque) construída próxima ao Rio Mundaú pelo Nova Atlântida e
terreno produtivo privatizado pelo empreendimento na aldeia São José , Marinheiros, Itapipoca.
Fotos: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan. 2007.
Apesar do projeto Nova Atlântida continuar embargado desde o ano de 2004 pelo
Ministério Público Federal (MPF) como foi ressaltado por Leite (2009) e reforçado na notícia
jornalística citada anteriormente, as pressões dos investidores para a retomada do
empreendimento não cessaram. Observa-se essa coação por parte do diretor geral do Nova
Atlântida na sua opinião expressa no jornal O Povo de Fortaleza, quando este refere-se a uma
parcela de moradores de São José e Buriti que apóiam o empreendimento:
As comunidades de São José e de Buriti [...] são comunidades de gente de bem: ordeira
e que trabalha. O que está acontecendo é que uma (minoria de pessoas e de invasores
estranhos à área), ligados a sindicatos e movimentos sociais, no mínimo estranhos,
estão tentando obter vantagens ao impedir o desenvolvimento da área. Ora, o
impedimento só prejudica às populações que eles alegam representar [...]. É lamentável
que nos dias de hoje e em um Estado democrático, uma minoria aparelhada e com voz
possa impedir a grande maioria da comunidade que não têm voz. 140
O povo Tremembé de São José e Buriti, apesar de saber que o processo de demarcação
da sua TI encontra-se em curso desde 2009, temem novas ameaças, invasões de outros terrenos
dentro da TI e a perda desta terra para o Nova Atlântida. Segundo Oliveira Filho, referindo-se às
TIs do Nordeste do Brasil: “grande parte das terras habitadas pelos índios são reivindicadas por
brancos, que sobre elas exibem títulos de propriedade ou alegam a aquisição de direitos de posse”
(1998a, p. 21). O caso desta TI é um exemplo, pois o povo indígena enfrenta as pressões do
consórcio internacional de empresas que tenta implantar o Nova Atlântida e, seus representantes
afirmam deter a escritura destas terras desde a década de 1970, como revela a matéria jornalística
Cidade Nova Atlântida: Embate Ganha Apoio Político:
140
Opinião. O povo. Fortaleza, 12 de novembro 2006.
184
141
Cidade Nova Atlântida: Embate Ganha Apoio Político Disponível em:
<http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=555864>. Acesso em: 3 jan. 2011. Publicada em: 18 jul. 2008.
142
Os autores levantaram os dados a partir do Estudo de Impactos Ambientais (EIA) / Relatório de Impacto Ambiental
(RIMA) do Nova Atlântida e do Parecer Técnico n° 4049/04 do Conselho de Política e Gestão do Meio Ambiente
(COPAM) / Núcleo de Controle Ambiental (NUCAM) da Superintendência Estadual do Meio Ambiente (SEMACE).
143
A área circundada representa os setores de unidade de paisagem estudados durante os trabalhos de campo.
Não evidencia necessariamente uma proposta de demarcação da terra indígena, uma vez que o domínio
de usufruto da comunidade Tremembé pode extrapolar os limites evidenciados neste parecer. (MEIRELES;
MARQUES, 2004, p. 8)
185
186
O autor acima, também afirma na mesma obra, em relação ao Nova Atlântida, que
se houveram outros “estudos para a implantação desta estrutura faraônica não levaram em
conta a presença indígena, a existência de sítios arqueológicos, os impactos cumulativos,
nem muito menos os custos sociais, ecológicos e culturais.” (MEIRELES, 2006, p. 7).
Conforme trecho destacado da Ação Cautelar 009/2004144:
No caso sob exame, como se percebe do Parecer Técnico n° 4049/04-
COPAM/NUCAM, que dá suporte à análise dos conselheiros da SEMACE, não
houve qualquer menção à presença indígena na área do empreendimento e mesmo
em seu entorno, desobedecendo o que estabelece a Resolução CONAMA n° 001, de
23 de janeiro de 1986, em seu art. 6°, inciso I, alínea “c”:
Artigo 6º - O estudo de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, as seguintes
atividades técnicas:
[...]
c) o meio sócio-econômico - o uso e ocupação do solo, os usos da água e a sócio-
economia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e
culturais da comunidade, as relações de dependência entre a sociedade local, os
recursos ambientais e a potencial utilização futura desses recursos.
144
AÇÃO CAUTELAR N° 009/2004. Requerente: Ministério Público Federal. Requeridos: Nova Atlântida Ltda
e Estado do Ceará. Disponível em: <http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/atuacao-do-mpf/acao-civil
publiva/docs_classificacao_tematica/Acao_Cautelar_PRCE_Nova_Atlantida.pdf. >. Acesso em: 15 ago. 2009.
Emitida em: 3 nov. 2004. Grifos no original.
187
Apesar das medidas jurídicas tomadas pelo MPF/CE, o Nova Atlântida no seu site
difunde que a primeira fase de implantação do Nova Atlântida, destacada anteriormente na
Figura 24, presume ocupar “11.000.000m² [...] situado na praia de Nova Atlântida, entre as
praias Pedrinha e da Baleia, no Oceano Atlântico. Próximo à foz e às margens do Rio
Mundaú.”146 Conforme grifou-se na citação, o empreendimento antecede-se e intitula uma
faixa de praia com o próprio nome. Esta tentativa de privatização, chamada de 1ª Fase de
Implantação, conforme a sua maquete eletrônica apresentada no mesmo site, visa a
implantação de hotéis e resorts de bandeira internacional estruturados com salas de
convenções, centros comerciais, restaurantes temáticos e panorâmicos, spa, clubes, áreas
desportivas marítimas e fluviais. Embora o site evidencie a mega estrutura, o Nova Atlântida
apresenta-se no mesmo endereço virtual, como “Projeto turístico, social e ecológico dedicado
ao apoio de crianças carentes abandonadas, terceira idade carente e o meio ambiente.”147 Em
clara tentativa de mitigar, verbalmente, seus impactos nocivos para o ambiente e os
Tremembé, população tradicional destas terras. Admirável a alegada dedicação do
empreendimento ao apoio de crianças carentes abandonadas e idosos também carentes,
quando o público alvo seja consumidores das suntuosas ofertas previstas pela referida Cidade
Turística Residencial, como descreve Meireles e Marques (2004, p. 53-54)
De acordo com o EIA/RIMA e o Parecer Técnico n° 4049/04
COPAM/NUCAM, “o Projeto Turístico Nova Atlântida Cidade Turística
Residencial e de Serviços compreende uma área total de 1.000ha que serão
ocupados de modo gradativo, de forma integralizada na concepção de uso total
do terreno”.
Acrescenta ainda o mesmo Parecer Técnico que as zonas de uso [...] terão
uma densidade de ocupação diferenciada, dependendo dos fatores de atração de
cada segmento. Adianta que foi definida a instalação de 11 (onze) grupos
corporativos, os quais implantarão 28 (vinte e oito) empreendimento hoteleiros,
145
AÇÃO CAUTELAR N° 009/2004. Requerente: Ministério Público Federal. Requeridos: Nova Atlântida Ltda
e Estado do Ceará. Disponível em: <http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/atuacao-do-mpf/acao-civil
publiva/docs_classificacao_tematica/Acao_Cautelar_PRCE_Nova_Atlantida.pdf. >. Acesso em: 15 ago. 2009.
Emitida em: 3 nov. 2004. Grifos no original.
146
Nova Atlântida, 1ª Fase de Implantação. Disponível em:
<http://www.gruponovaatlantida.com/spain/index.htm>. Acesso em: 20 mar. 2009.
147
Idem.
188
todos de padrão internacional (5 estrelas) e, que no núcleo São José serão edificadas
pequenas pousadas.
Segundo notícias veiculadas em um jornal especializado em economia e
finanças (http://www.investnews.net, consulta realizada em 21.12.2004) o
empreendimento conta com uma segunda148 fase, utilizando uma área total de
3.200ha (a primeira com 1.100ha): “os planos dos investidores, que não
dispensam requinte nas construções, aliam como atrativo a construção de marinas e
campos de golfe, considerados importantes na hora de conquistar o turista
internacional. O Cidade Atlântida, na Praia da Baleia, município de Itapipoca, a
cerca de 130 quilômetros de Fortaleza, prevê três campos na fase inicial, que
inclui 14 hotéis e 13 resorts, todos categoria 5 estrelas, e seis condomínios
residenciais. O projeto, conduzido pelo grupo espanhol Nova Atlântida, e
estruturado de forma auto-sustentável, envolve 42 empreendimentos, oferta de
120 mil leitos com 8 campos de golfe, e área de 3,2 mil hectares, no global. Os
trabalhos da gigantesca cidade começam pelas obras de base e seguem com a
construção de um hotel escola para formação de mão-de-obra, com capacidade
de 200 unidades habitacionais. A primeira fase - orçada em US$ 1,5 bilhão para os
próximos oito anos - envolve área 1100 hectares, para 27 empreendimentos,
com capacidade para 42 mil leitos, distribuídos entre hotéis e resorts, todos
temáticos, com equipamentos complementares entre si, e liberados aos hóspedes
[...].
148
A respeito da segunda fase de implantação do Nova Atlântida, quando acessado o link correspondente no site
oficial do empreendimento, aparece a menção “atualmente em desenvolvimento.” 2ª Fase de Implantação.
Disponível em: <http://www.gruponovaatlantida.com/spain/index.htm>. Acesso em: 20 mar. 2009.
189
Figura 25: Artesanato e cartaz de plantas medicinais da aldeia Buriti expostos na Centro
Comunitário (utilizado como escola)149 e moradora de Buriti na cozinha de casa servindo
alimentos (feijão e farinha de mandioca) produzidos no quintal e pescado do Rio Mundaú.
Fotos: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan., 2007.
Figura 26: Construção coletiva da Casa de Farinha na aldeia Buriti financiada, em 2008, com
recurso de Programa do Governo Federal (Carteira Indígena) e morador da TI Tremembé de São
José e Buriti vindo de Mundaú (Traíri) com cargas de frutas transportadas por animal de uso
habitual no local.
Fotos: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan., 2008 e 2007.
149
Em 2007 não havia sido inaugurada a Escola Diferenciada de Ensino Fundamental e Médio de Buriti.
190
150
Dados de Entrevista. Pesquisa de campo realizada em São José, Itapipoca em 4/1/2009.
191
151
Nova Atlântida Aposta em Estratégia Ambiental Disponível em:
<http://www.oestadoce.com.br/index.php?acao=noticias&subacao=ler_noticia&cadernoID=19¬iciaID=2807>.
Acesso em: 20 ago. 2009. Publicada em: 12 set. 2008.
192
152
Dados de Entrevista. Depoimento concedido à Revista Agrofloresta em outubro de 2008.
193
descendência [...]. Quanto às construções da Cidade Nova Atlântida [...] diz que não estão
sendo feitas e sim está havendo uma negociação com a justiça.153
Figura 28: Estrada de acesso a TI Tremembé de São José e Buriti com sinal de vegetação
queimada, deslocamento de cercas e acesso bastante alargado pelas margens desmatadas.
Fotos: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan., 2009.
153
Diretor alega realização de benfeitorias. O Povo, Fortaleza, 15 de novembro de 2006.
154
Dados de entrevista. Pesquisa documental realizada em Fortaleza na AMIT em 31/12/2008.
155
Dados de entrevista. Pesquisa de campo realizada na TI Sítio São José e Buriti em 4/1/2009.
194
156
Cidade Nova Atlântida: Embate Ganha Apoio Político Disponível em:
<http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=555864>. Acesso em: 20 ago. 2008. Publicada em: 18 jul. 2008.
157
Mais vídeos do documentário “E tem índio no Ceará?” Disponível em:
<http://philipe.wordpress.com/2008/09/06/mais-videos-do-documentario-e-tem-indio-no-ceara/>. Acesso em: 18
out. 2009. Publicado em: 6 set. 2008.
158
E TEM ÍNDIO NO CEARÁ? Disponível em: <http://philipe.wordpress.com/2008/08/18/e-tem-indio-no-
ceara-documentario/>. Acesso em: 18 out. 2009.
195
159
Em 18 de agosto de 2008 no citado site Chão de Bits.
160
Dados de Entrevista. Depoimento cedido à Revista Agrofloresta em outubro de 2008.
196
da nossa terra e deixar muito do nosso povo sem contato com os nossos manguezais,
nossas matas e rios. (AGROFLORESTA, 2008, p. 28).
Entre os Tremembé de São José e Buriti há os que lutam para se diferenciarem como
indígenas do restante da população regional, não somente frente às ameaças impostas pelo Nova
Atlântida, mas também na luta pela posse da sua TI. Segundo Coriolano “O movimento reprodutivo
do capital mundializado, em sua ânsia de acumulação contínua e ampliada, reforça os conflitos, mas
não sem produzir resistências.” (2006a, p. 375). Toma-se o geógrafo Juan Hidalgo que pesquisou a
Cosmovisión y participación política de los indígenas en el Ecuador para refletir sobre a importância
das oposições ressaltadas por Coriolano, pois segundo ele
El territorio indígena es un espacio apropriado por una comunidad, que tiene una
interacción y materialización de su presencia en el territorio. En él, tienen sus
viviendas, sus cultivos, sus caminos y plazas, sus lugares sagrados, sus recursos
naturales como el agua y el bosque. Por consiguiente, su territorio no es solamente
un espacio con dimensiones geométricas, sino un conjunto de elementos vinculados
profundamente con el ser humano. (HIDALGO, 2006, p. 266).
Aqueles Tremembé de São José e Buriti que não foram aliciados pelo Nova
Atlântida e se afirmam indígenas, têm reivindicado o reconhecimento oficial da TI como
Tremembé do Ceará. A liderança indígena da aldeia São José tem encaminhado muitas
correspondências, como a carta abaixo:
AOS APOIADORES DAS LUTAS INDÍGENAS
Desde 2002 nós, Tremembé das Aldeias São José e Buriti, em Itapipoca – distrito de
Marinheiros e Baleia – Ceará, enfrentamos uma luta pesada contra uma empresa de nome
“Nova Atlântida” que quer construir uma cidade turística internacional em nossas aldeias.
Estamos escrevendo umas cartas com pedido de apoio e também para informar aos
nossos parentes, aos amigos apoiadores, as Instituições Federais, responsáveis pela
defesa dos Povos Indígenas.
Juntamos recortes de jornais que tem dado notícias dessa nossa luta de resistência.
Tem sido importante o apoio da imprensa.
Já recebemos visita e alimentos dos parentes Tremembé e dos Kanindé de Aratuba.
Fomos também visitados por autoridades da FUNAI, IBAMA, Procuradoria da República
e Agentes da Polícia Federal. E Jornalistas do Jornal O POVO e da Folha de São Paulo.
Nós somos agradecidos pela confiança e apoio num momento de tão grandes dificuldades.161
161
SOCIEDADE INDÍGENA TREMEMBÉ SÃO JOSÉ E BURITI. Fortaleza, 20 de novembro de 2006.
197
No fala de uma das principais lideranças indígenas da aldeia São José, expressa-se
a indignação e o receio de perderem tudo “pelo imperativo das novas leis criadas [...] para
ceder o espaço para os de ‘fora’, como é comum ouvir dessas vítimas das ‘invasões’ dos
investidores, especialmente nas comunidades litorâneas.” (LIMA, Luiz, 2006, p. 106).
Segundo a informante Tremembé:
Tudo aqui é natural e a gente ver esse empreendimento querendo instalar uma cidade
[...]. Não é nem um projeto pequeno, mas é uma cidade. Transformar tudo que é
nosso em cidade. E a gente ainda sente que tem o apoio do governo do estado, do
município [...] Nós que moramos aqui e vivemos o dia-a-dia sentimos uma tristeza
com esse empreendimento. (Liderança Tremembé, A C C, moradora de São José).163
162
CARTA ABERTA AOS AMIGOS APOIADORES DA NOSSA LUTA, outubro de 2007.
163
Dados de entrevista. Pesquisa de campo realizada na TI São José e Buriti em 4/1/2008
164
O que é a Nova Atlântida. Disponível em: <http://www.gruponovaatlantida.com/brasil/index.htm>. Acesso
em: 10 dez. 2011.
165
Brasil: Indígenas se Mobilizan Contra Complejo Turístico. Disponível em:
<http://radiomundoreal.fm/modules.php?op=modload&name=news&file=article&sid=12070>. Acesso em: 15
ago. 2008. Publicada em: 10 out. 2006. Rádio Mundo Real do Uruguai, projeto de comunicação a serviço dos
movimentos sociais com enfoque latinoamericano.
198
De acordo com Lima, Luiz “aos resistentes, aos que pretendem manter seu
cotidiano, agressividades lhes são impostas [...]. Essas tensões tendem a se ampliar, quanto mais
expressiva for a atuação dos investimentos externos no lugar.” (2006, p. 106). Desta maneira, uma
informante da aldeia Buriti revelou que temia o surgimento de novos conflitos e avanço das
construções:
Perto do sítio São José [tem] um empreendimento, fizeram três almoxarifados de
mudas de plantas. Eles [os espanhóis] não estão construindo os hotéis, mas estão
trabalhando, oferecendo emprego pra comunidade. Eles vão começar outra
construção. Essas benfeitorias impede as terras indígenas. (Liderança Tremembé, E
R V, moradora de Buriti).167
A planta do Projeto Nova Atlântida exposta na Figura 29, apresentada pela mesma
liderança indígena, demonstra a intenção dos investidores e apoiadores deste empreendimento
em “construir espaços da globalização.” (LIMA, Luiz, 2006, p. 105). E, ao mesmo tempo,
retirar o povo Tremembé de São José e Buriti da TI, encurralando-os nos dois pequenos
enclaves propostos pelo consórcio empresarial em questão. A liderança ressaltou:
São 3225 hectares – Buriti e São José. Famílias, têm mais de 200. Eles [os
espanhóis] queriam dar 1000 hectare para toda a comunidade morar e trabalhar. Não
tem condições, uma casa emendada com as outras, como na cidade, uma casinha sem
muda. Eles dão um salário, não é suficiente pra uma família. Não teria como cultivar,
seria tudo comprado. (E R V, moradora de Buriti). 168
166
Brasil: Indígenas se Mobilizan Contra Complejo Turístico. Disponível em:
<http://radiomundoreal.fm/modules.php?op=modload&name=news&file=article&sid=12070>. Acesso em: 15
ago. 2008. Publicada em: 10 out. 2006. Rádio Mundo Real do Uruguai, projeto de comunicação a serviço dos
movimentos sociais com enfoque latinoamericano.
167
Dados de entrevista. Pesquisa de campo realizada na TI Sítio São José e Buriti em 7/1/2007
168
Idem.
Figura 29: Planta do Projeto Nova Atlântida com glebas iniciais.
Foto: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan., 2007.
199
200
169
Dados de entrevista. Pesquisa de campo realizada na TI Sítio São José e Buriti em 6/1/2007
170
Idem.
171
Dados de entrevista. Pesquisa de campo realizada na TI Sítio São José e Buriti em julho de 2007.
172
Dados de entrevista. Pesquisa documental realizada em Fortaleza na AMIT em 30/12/2008.
201
partem para a “defesa cultural e territorial” (ALMEIDA, Maria, 2005, p. 343) com
afirmação étnica e protagonismo na luta pela TI. Esta terra para a mesma autora
“transforma-se em valioso instrumento [...] que interessa a todos os atores sociais” (2005,
p. 343), sejam estes atores, parte dos moradores de São José e Buriti (resistentes e
detentores de direitos como um povo indígena), sejam os que afrontam o povo Tremembé
tentando negar sua identidade étnica para defender o Nova Atlântida. Segundo Lima, Luiz
“com as permanentes transformações dos lugares ocupados pelos investimentos externos,
no processo de reestruturação socioespacial, desterritorializa-se [...] habitantes.” (2006, p.
105). Mas, o povo Tremembé de São José e Buriti, mesmo sem a conclusão do processo
de demarcação para a regularização oficial da TI, continua a “cogitar mecanismos de
rompimento da iniqüidade e exclusão territorial.” (ALMEIDA, Maria, 2005, p. 343). A
partir daqui analisa-se, neste estudo comparativo, a situação do povo Jenipapo-Kanindé.
Portanto, atualmente, não há mais como negar o que esteve ocultado por longos
períodos. Deste modo “[...] os povos indígenas localizados na região Nordeste do Brasil [...]
[aparecem] Em diversas publicações e em documentos históricos (referentes ao passado ou à
atualidade), encontram-se muitos dados [...] sobre essas populações.” (OLIVEIRA FILHO,
202
2011b, p. 656). Dentre as referidas populações, fazem parte – os Payaku (Payacus, Paiacús ou
Paiacu) – ou Jenipapo-Kanindé.
No artigo Os Povos Indígenas no Nordeste Brasileiro: um esboço histórico
Dantas; Sampaio e Carvalho (1992, p. 444-445, versais no original) trazem “o quadro das
aldeias existentes no Nordeste do Brasil no período que vai de 1749 a 1760 e, cujo número,
bastante significativo [...] dos ALDEAMENTOS MISSIONÁRIOS NO NORDESTE
SÉCULO XVIII.” Os autores na mesma obra, dentre os aldeamentos, apresentam na capitania
do Ceará a (aldeia Payacus), localizada na Vila/Área de Referência (Aquiraz), Invocação
(Nossa Senhora de Conceição), Missionário (Jesuíta), Nação (Payaku) e, também outra
(aldeia Palma), situada na Vila/Área de Referência (Aquiraz), Invocação (Nossa Senhora de
Conceição), Missionário (Clérigo) e Nação (Kanindé, Jenipapo).
Revela-se no site do ISA173 que Payaku indica uma vasta etnia a qual no século
XVI ocupava totalmente a faixa sublitorânea que corresponde hoje aos estados do Rio Grande
do Norte e do Ceará e, acrescenta:
Até o século XVIII, os Payaku habitavam os rios Açu, Apodi, Jaguaribe, Banabuiú e
Choró. Por sua vez, os Jenipapo e Kanindé, semelhantes aos Tarairiú em língua e
cultura, tal como os Payaku, viviam nas várzeas do Apodi, Jaguaribe e Choró. Como
outros povos não-Tupi, eles ficaram conhecidos pela denominação genérica de
"tapuias do Nordeste". Fontes históricas registram que, no Ceará, os primeiros
contatos dos portugueses com estes povos ocorreram entre 1603 e 1608. Arredios e
resistentes à colonização, eles sofreram violências, foram escravizados e perderam
progressivamente suas terras. Rebelaram-se seguidamente até serem submetidos e
quase totalmente dizimados, no decorrer da chamada "Guerra dos Bárbaros", entre
1680 e 1730. Em 1707, os Payaku foram aldeados por missionários jesuítas no rio
Choró, em Aquirás, próximo de onde vivem hoje. Em 1764 a Aldeia dos Paiacús
passou a chamar-se Monte-Mor-o-Velho, nome que perdurou até 1890. Na sede da
aldeia criou-se a vila de Guarani (1890-1943), hoje município de Pacajus. Os
Jenipapo e os Canindé foram aldeados entre 1731 e 1739 no rio Banabuiú, reunidos
na Aldeia da Palma e depois em Monte-Mor-o-Novo-d'América (1764-1858), atual
município de Baturité.174
A esse respeito Porto Alegre (1994) destaca autores que discutiram a história
indígena como, Antonio Bezerra de Menezes, que teve a dedicação de investigar documentos
do século XVI. Também ressalta duas obras do referido autor, válidas de mencionar com
relação aos Paiacu:
“Algumas origens do Ceará” (t.15, 1901, 153-288 e t. 16: 134-159, 1902). Trata-se
de trabalho cuidadoso e bem documentado de crítica histórica, baseado em
documentos, quase todos inéditos [...] de interesse para a história indígena.
173
Nome, população e localização. Disponível:< http://pib.socioambiental.org/pt/povo/jenipapo-kaninde/633>.
Acesso em: 23 ago. 2009.
174
Histórico do contato. Disponível em:<htpp://pib.socioambiental.org/pt/povo/jenipapo-kaninde/634>. Acesso
em: 23 ago. 2009.
203
Destacam-se [...] relativos ao período de 1699 a 1715 [...] alguns documentos sobre
os índios Canindé [...]. Em outro contexto de interesse, embora curto, “Os Caboclos
de Montemor”, (t. 30:279-302, 1916), o autor faz um relato sobre os Paiacu, e a
disputa pelas terras da aldeia de Monte-Mor-o-Velho. Descreve a perseguição
movida pela Igreja para obter o patrimônio das terras dos índios, onde se localizava
a capela de Nossa Senhora da Conceição. Conclui pelo absoluto direito dos Paiacu
ao terreno referido e transcreve documentos comprobatórios [...]. (1994, p. 25, grifos
nossos).
No relato acima sobre os Paiacu vê-se que “O motivo de todos os conflitos era a
posse e também a propriedade da terra das aldeias indígenas.” (VALLE, Sarah, 2011, p. 296).
No momento, acontece diferente com o povo Jenipapo-Kanindé? alcunhado Cabeludos da
Encantada. Essa será uma discussão ao longo desta seção. Antecipa-se, prontamente, alguns
dados quantitativos referentes a este povo indígena e sobre a Terra Indígena Aldeia Lagoa
Encantada (Figura 30).
175
Durante os trabalhos de campo em 2009 e 2010 a referida Cacique ainda encontrava-se na função e sua gestão
(1995-2010) durou 15 anos. No trabalho de campo realizado em dezembro/2010, a sua filha, Cacique Erê havia
passado a ocupar a função.
204
176
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 9/1/2009.
177
Nome, população e localização. Disponível em:<http://pib.socioambiental.org/pt/povo/jenipapo-
kaninde/633>. Acesso em: 20 ago. 2009.
178
Aspectos socioeconômicos. Disponível em:< http://pib.socioambiental.org/pt/povo/jenipapo-kaninde/635>.
Acesso em: 20 ago. 2009.
205
A situação revelada acima pela autora, acontece em Aquiraz. Este municipio, além
da proximidade de Fortaleza, faz limite com o município Eusébio, detentor do Complexo
Beach Park “[...] o maior parque aquático da América Latina. Complexo distribuído numa
área total de 30 km² (área do parque aquático 13 km²), um dos principais destinos turísticos do
país.”180 Ambos, “Eusébio e Aquiraz, nessa tessitura, atuam como espaços de relações sociais
relevantes com a metrópole. Destacam-se no processo de expansão de Fortaleza [...] associada
ao [...] turismo de massa [...].” (LIMA; SILVA, 2011, p. 256). Esse turismo de massa, de sol e
praia, discutido ao longo dessa tese. Da praia do Porto das Dunas, lugar de origem do Beach
Park, até a mais freqüentada praia do litoral de Aquiraz, a Prainha, percorre-se 3 km, seja por
meio de caminhada, ou, mais rápidamente, no transporte usual, buggie. As peculiaridades de
179
Caucaia, Aquiraz, Pacatuba, Maranguape, Maracanaú, Eusébio, Guaiúba, Itaitinga, Chorozinho, Pacajus,
Horizonte, São Gonçalo do Amarante, Cascavel e Pindoretama. Disponível em:
<http://opovo.uol.com.br/opovo/fortaleza282/780276.html>. Acesso em: 10 de jun. 2010.
180
Beach Park. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Beach_Park>. Acesso em: 01 ago. 2011.
208
4.5 A Terra Indígena Aldeia Lagoa Encantada e o Aquiraz Resort: afirmação étnica pelo
turismo comunitário no território disputado pelo turismo maciço
De forma parecida ao caso do povo Tremembé de São José e Buriti que vem
sendo pressionado por empreendedores do Nova Atlântida, o povo Jenipapo-Kanindé
enfrentou, entre 1999 e 2001, as coações impostas por um grupo emprensarial cearense
parceiro de grupos hoteleiros internacionais. Estes empreendedores também tentaram negar a
existência de indígenas na TI Aldeia Lagoa Encantada e por conseguinte dificultaram o
processo de reconhecimento étnico deste povo. Entretanto, da situação do povo Jenipapo-
Kanindé não há evidências que tenha ocorrido divisão interna dos indígenas na aldeia, como
vem acontecendo na TI Tremembé de São José e Buriti.
Segundo um informante:
Aqui onde nós tamo em 99 tivemo uma briga com o Aquiraz Resort (agora Aquiraz
Riviera) que queria acontecer aqui dentro até o Batoque com campi de golf e pegava
até a metade da Lagoa [...]. Conseguimo brigar na justiça [...]. Eles queriam colocar
dinheiro na nossa mão “muito dinheiro”, um hotel mais setenta mil reais e mais um
carro na porta [...]. Esse pessoal foi embora em 2001. (Liderança indígena, Jenipapo-
Kanindé, E A, moradora da aldeia Lagoa Encantada).181
181
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 28/12/ 2010.
182
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 6/1/2009.
210
diferente, pois ninguém ficou lado a lado do empreendimento”183 como acontece com alguns
indígenas da TI Tremembé de São José e Buriti, ao serem alicados pelas ofertas financeiras
dos empreendedores. Outro informante completa:
Aqui eles [os empreendedores do Aquiraz Resort] quiseram comprar nós com
dinheiro, apartamento, transporte e dinheiro para começarem a vida. Essa proposta
veio de um rapaz [Renato] da FUNAI que veio escondido e deu essa idéia de
manipular nós e, nós não deixemo, não. Ele queria manipular (eu, minha mãe e meu
irmão). Ele [o Renato] veio com “aquela conversa” [...] era só papo, muita conversa.
Reuni o povo e no outro dia dissemo a ele [Ricardo] que a comunidade não queria
não [...]. Se você [Renato] meter as cara vai ter guerra. Queriam vinte campo de golf
e, o primeiro hotel em cima do campo de golf [...]. Era muita destruição como vocês
[pesquisadores] viram que eles tão fazendo ali no Catú.184
Nós se comuniquemos com a FUNASA e a FUNAI [pra comunicar desse Ricardo
que se dizia da FUNAI e comentar sobre a proposta dele]. A FUNAI, disse que não
sabia desse funcionário [...]. Depois não soubemo mais dele, o “ Renato”. Só se
conhecia ele assim, não sabemo sobrenome dele. (Liderança indígena, E A,
Jenipapo-Kanindé morador da Lagoa Encantada)185
183
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 6/1/2009.
184
A lagoa do Catú se encontra no município de Aquiraz [...]. Constitui um manancial de água doce formada
devido ao represamento do córrego do Catú pelo campo de dunas móveis. Esta era utilizada pela população
tradicional para tirar seu sustendo por maio da pesca e também de atividades agrícolas em suas margens. Nos
ultimos 20 anos o manancial foi sendo explorado pela especulação imobiliária que trouxe impactos sobre o
equilíbrio ambiental e socioeconômico da região. (NOGUEIRA et al, 2009, p. 1). Disponível em:<.
http://www.geo.ufv.br/simposio/simposio/trabalhos/trabalhos_completos/eixo3/093.pdf>. Acesso em: 22 dez.
2011.
185
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 6/1/2009.
186
Idem.
211
hectares, sendo 1.800 metros de frente para o mar e área hoteleira dividida em oito
lotes de quatro hectares em primeira linha da praia, o Aquiraz Riviera tem uma Área
de Proteção Ambiental de 58 hectares para proteção da fauna e flora locais. 187
Na TI Aldeia Lagoa Encantada o turismo de sol e praia não foi aceito pelos
indígenas. Todavia, diferente do povo Tremembé de São José e Buriti no período desta
pesquisa, o povo Jenipapo-Kanindé decidiu aderir a uma modalidade de turismo na aldeia em
que eles/as controlam as atividades realizadas, sendo distinto do modelo de turismo imposto
pelos empreendedores.
187
Aquiraz Riviera. Disponível em: <http://www.aquiraz-riviera.com/index.php/pt/aquiraz-riviera/institucional>.
Acesso em: 20 mar. 2011.
212
188
Administração Regional, uma unidade da FUNAI.
189
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 6/1/2009.
213
Ypióca contratou advogado, que em junho [2007] deu entrada em processo contra
Jeovah e Daniel, alegando que “Inexiste qualquer registro histórico da presença de
índios naquela área do litoral cearense (Lagoa da Encantada, Aquiraz), sendo
oportuno assinalar que o nome “ ‘Jenipapo-Kanindé’ foi criado por interessados no
ressurgimento de índios no litoral cearense, em contraposição aos conceitos e regras
dos arts.231, da Constituição Federal, e do Estatuto do Índio (Lei n. 60001/73, arts
3, I e II, 17 e 23)”. E ainda: “Não há, em toda costa cearense, qualquer comunidade
que tenha ou mantenha usos, costumes e tradições tribais […]. Pessoas interessadas,
sem qualquer autoridade científica, vêm encetando movimento resurgicionista (sic)
de índios no litoral nordestino, de alta valorização turística, convencendo humildes
pescadores das vantagens de assumirem postura de silvícolas. ONGs internacionais,
ludibriadas por essas encenações, se dispõem a remeter recursos financeiros para
ajudar o que pensam ser índios de verdade.”
A tentativa de criminalização de Jeovah e Daniel teve forte resposta, entretanto.
Uma nota de denúncia e repúdio – “Ypióca tenta intimidar para calar os movimentos
sociais” – às ações da Ypióca e da Nova Atlântida [...] foi escrita e apoiada, até o
momento, por cerca de 115 entidades nacionais, sete internacionais, além de mais de
220 pessoas físicas, dentre as quais muitas da entidades do GT contra o Racismo e
da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. Mais que isso, teve o poder de provocar a
ira do presidente da Ypióca, em carta postada dia 8 de agosto [2008], no site CMI190
Brasil [...]191.
190
Centro de Mídia Independente.
191
Jeovah Meireles: cearense, Tremembé, geógrafo, Jenipapo-Kanindé, professor, nordestino e doutor, mas,
acima de tudo, um digno cidadão brasileiro. Disponível em: <http://racismoambiental.net.br/textos-e-
artigos/tania-pacheco/jeovah-meirelescearense-tremembe-geografo-jenipapo-kaninde-professor-nordestino-e-
doutor-mas-acima-de-tudo-um-digno-cidadao-brasileiro/>. Acesso em: 20 dez 2011.
214
192
II SITS, de 12 a 15 de maio de 2008, em Fortaleza-CE.
193
Disponível em: <http://www.sits2008.org.br/oktiva.net/1893/nota/92093>. Acesso em: 20 maio 2008.
215
194
A Bodega [...] é um espaço de comercialização de produtos artesanais, higiene pessoal, confecções,
alimentícios e agro-ecológicos. Os produtos são produzidos na comunidade e também em outras comunidades
que fazem parte da BODEGA. A comercialização participativa é feita diretamente ao consumidor com preço
“justo”, já acrescida uma taxa de 12 % a fim de garantir um fundo para a sustentabilidade do espaço. Rede
Bodega em Prainha e Aracati. Disponível em: < http://prainhadocantoverde.org/?p=340>. Acesso em: 10 ago. 2011.
195
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 5/1/2009.
196
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 6/1/2009.
216
cozinha vai ser uma história e, mesmo fazendo a pousada,197 não vai ser derrubada a
“cozinha do índio”. É isso que a gente faz pra ter uma fonte mais digna de viver [...].
Não é por ser índio que vivemos entocado [...]. Como é que o branco vai conhecer o
índio? Tem de conhecer o índio da forma que ele é, nú, vestido, formado, não
formado [...]. Hoje estamo aqui resistente ‘gente forte’. Vamos botar a vida pra
frente com instrução de vida, não por debaixo dos pés dos outros [...]. O índio não
quer essa vida, ‘ser uma pessoa correndo de um território pra outro [...] jamais ser
escravizado, não viver sofrido, ter sua terra demarcada, desintrusada, registrada,
homologada [...] viver da sustentação da mãe terra e não na cidade grande nesses
atropelos.’198
Figura 32: Liderança Jenipapo-Kanindé, em janeiro Figura 33: Palhoça “Cantinho do Jenipapo”
de 2009, apresentando a palhoça (local de apoio) concluída em 2010.
para as refeições dos visitantes. Foto: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, dez., 2010.
Foto: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan., 2009.
197
No seu comentário quando a Cacique se refere à pousada, trata-se de meta referente a outra proposta de
projeto de turismo que o povo Jenipapo-Kanindé submeteu ao edital 01/2008/MTur de chamada pública para
apoio às iniciativas de turismo de base comunitária. Nessa chamada o povo indígena contemplado no Ceará foi
somente o povo Tapeba em Caucaia com o projeto AYTY – Turismo de base comunitária do povo Tapeba
(Associação para o Desenvolvimento Local Co-produzido – ADELCO). Projetos apoiados pelo MTur no âmbito
do edital 01/2008. Disponível em: <http://www.ivt-rj.net/ivt/pagina.aspx?id=289&ws=0#ce>. Acesso em: 2 set. 2012.
198
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 6/1/2009.
199
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 28/12/2010.
217
Figura 34: Sinalizações sobre o projeto de turismo comunitário na TI Aldeia Lagoa Encantada.
Fotos: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan., 2009.
Esta rede, conforme sua integração na REDE TURISOL, apresenta-se como uma
rede de “Turismo e Resistência na Zona Costeira Cearense”200 com oferta de diferentes
roteiros turísticos envolvendo treze comunidades onde imperam as relações de poder local
(RODRIGUES, 2006) em vários municípios do litoral leste e oeste do estado, a qual propaga
o objetivo de
assegurar o turismo comunitário como estratégia de afirmação da cultura das
populações tradicionais, da preservação ambiental e da economia solidária; dar
visibilidade ao debate acerca dos impactos do turismo convencional; e promover o
intercâmbio e articulação em rede de experiências de turismo desenvolvido a partir
das perspectivas de turismo comunitário, solidário e sustentável.201
200
Série Turisol de Metodologias: Turismo Comunitário. Disponível em:
<http://www.turisol.org.br/wp/wp-content/uploads/2011/02/Livreto-Tucum.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2011.
Publicada em: 2010.
201
O Seminário Internacional de turismo sustentável em Fortaleza. Disponível em:
<http://inventarioambientalfortaleza.blogspot.com/2008/05/ii-seminrio-internacional-de-turismo.html>. Acesso
em: 15 ago. 2009.
218
partir dos aspectos culturais e ambientais definidos pelos índios. (EDUCAÇÃO INTEGRAL
PARA O TURISMO COMUNITÁRIO, 2008, p. 2). Neste folder as cinco trilhas guiadas
pelos monitores indígenas, abrangem diferentes circuitos conforme as necessidades de
diversos públicos, e possuem maiores e menores graus de dificuldades para serem percorridas
(Figura 35). De acordo com a descrição das trilhas (da Lagoa Encantada, do Morro do Urubu,
dos Roçados, dos Riachos e a dos Campos de Dunas)202 apresentadas no mesmo folder,
recebido durante o trabalho de campo (jan/2009), destaca-se com imagens somente duas das
experiências realizadas como visitante nas trilhas da Lagoa Encantada e do Morro do Urubu,
obedecendo a condição de horário agendado com o monitor indígena e o pagamento pelos
serviços solicitados.
A Lagoa Encantada é uma das principais referências para o povo Jenipapo-
Kanindé, tanto que nomeia a TI. O informante diz “A Lagoa é uma mãe que proteje os índios,
os não índios, É um ser agraciado por Deus. Sem água nós não vive e não podemos viver sem
beber” (liderança Jenipapo Kanindé, E A, morador da aldeia Lagoa Encantada).203
Ao realizar a citada trilha, uma das mais próximas e praticamente viável para
públicos de diversas faixa etárias, compreende-se com maior clareza o conflito entre o povo
Jenipapo-Kanindé e a Pecém Agroindustrial (Fábrica da Ypióca). Uma informante
mencionou: “Ele [dono da Ypióca] como empresa deve pensar que está sugando toda a água
da Lagoa para o canavial dele.” (liderança Jenipapo-Kanindé, M L C A, moradora da aldeia
Lagoa Encantada,).204 Outro informante comentou a distância entre a fábrica e a Lagoa: “Até
a Ypióca, 8 km. A bomba de água dela é plantada dentro da nossa reserva ‘é briga com os
posseiros’.” (Liderança indígena Jenipapo-Kanindé, E A, morador da Aldeia Lagoa
Encantada).205 Entre os intervalos das visitas de campo (2009 e 2010) na TI, constatou-se a
diminuição visível no volume de água da lagoa (Figura 36 e 37).
202
No roteiro do povo Jenipapo-Kanindé apresentado pela Rede Tucum, em 2011, das cinco trilhas, aparecem
três trilhas, com outras denominações (Trilha da Lagoa do Tapuia, Trilha da Maré e Trilha Sucurujuba).
203
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 25/12/2010.
204
Idem.
205
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 28/12/2010.
219
220
Figura 36: Lagoa Encantada. Figura 37: Lagoa Encantada com nível de água
Foto: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan., 2009. bruscamente reduzido.
Foto: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, dez., 2010.
206
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 9/1/2009.
207
Idem.
221
Figura 38: Morro do Urubu visualizado a partir do pátio da Escola Diferenciada de Raízes Indígenas Jenipapo-Kanindé.
Foto: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan., 2009.
208
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 9/1/2009.
222
Figura 39: Escola Diferenciada de Ensino Figura 40: Museu Indígena Jenipapo-Kanindé.
Fundamental e Médio Jenipapo-Kanindé. Foto: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, dez., 2010.
Foto: LUSTOSA, Isis Maria Cunha, jan., 2009.
209
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 28/12/2010.
210
Idem
223
indígenas no estado cearense, como se ressaltou na situação dos Tremembé de São José e
Buriti conforme os depoimentos de indígenas, os documentos jurídicos e as matérias
jornalísticas apresentados. Assinala uma matéria jornalística no site JusBrasil:
A construção de escolas diferenciadas indígenas tem o objetivo de melhorar a
qualidade da Educação Básica e garantir o atendimento a todas as etnias presentes
no Ceará. O Governo assegura a autonomia pedagógica e financeira das escolas
indígenas como unidades próprias e específicas do sistema estadual. Além da Escola
de Buriti [TI Trememebé de São José e Buriti], foram inauguradas seis no interior
do Estado e na região metropolitana. Outras cinco unidades ainda estão previstas.
Foram investidos mais de R$ 3,5 milhões nas obras.211
211
Indígenas da comunidade Buriti, em Itapipoca, recebem escola indígena.
<http://avol.jusbrasil.com.br/politica/5707402/indigenas-da-comunidade-buriti-em-itapipoca-recebem-escola-
indigena>. Acesso em: 10 jan. 2011. Publicada em: 3 set. 2010.
212
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 28/12/2010.
213
Idem.
224
214
“ATIVISTAS MANIPULAM COMUNIDADE POBRE E CALUNIAM A YPIÓCA” Disponível em:
<http://prod.midiaindependente.org/pt/blue//2007/07/388962>. Acesso em: 5 ago. 2011. Publicada em: 8 ago.
2007.
215
Uma no Rio Grande Norte (Ceará-Mirim) e quatro no Ceará (Pindoretama, Acarape, Paraipaba e Jaguaruana).
Disponível em: http://www.ypioca.com.br/fabricas.html. Acesso em: 5 ago. 2011.
216
Ypióca Paixão Brasileira. Um pouco de história. Uma tradição familiar. Disponível em:
<http://www.ypioca.com.br/historia.html>. Acesso em: 5 ago. 2011.
217
Ypióca tenta intimidar para calar os movimentos sociais. Disponível em:
<http://www.observatorioindigena.ufc.br/oktiva.net/1983/nota/73713>. Acesso em: 8 dez 2008. Publicada em: 9
ago. 2007.
226
empresa, ainda negam a afirmação étnica do povo indígena em questão. Constata-se esta
negação em alguns trechos da mesma nota218 anterior, como descrito:
[...] a Ypióca [...] cometeu o absurdo de negar a presença de indígenas na zona
costeira cearense. Basta observar os fragmentos do documento público (Mandado de
Notificação) [...], parte do processo n° 2007.01.11000-7, movido pela empresa
Ypióca Agroindustrial [...] contra o jornalista Daniel Fonseca, por conta do artigo
"Ypióca perde uma para os Pitaguary".
"Inexiste qualquer registro histórico da presença de índios naquela área (Lagoa da
Encantada) do litoral cearense, sendo oportuno assinalar que o nome "Jenipapo-
Kanindé" foi criado por interessados no ressurgimento de índios no litoral cearense,
em contraposição aos conceitos e regras dos arts. 231, da Constituição Federal, e do
Estatuto do Índio (Lei n. 6001/73, arts 3°, I e II, 17 e 23)"
"Não há, em toda costa cearense, qualquer comunidade que tenha ou mantenha usos,
costumes e tradições tribais"
O texto emitido pela empresa contrasta com a posição do Ministério Público
Federal, responsável, juntamente com a Funai e o Iphan, pela publicação, em 2004,
do livro "Ceará, Terra da Luz, Terra dos Índios", lançado em um seminário em que
se fizeram presentes as etnias reconhecidas (Tapeba, Tremembé, Pitaguary e
Jenipapo-Kanindé) e as que estão em processo de reconhecimento (Calabaça,
Potiguaras).
Por compreender que a notificação contra o jornalista Daniel Fonseca é parte de um
processo de intimidação contra aqueles/as que lutam em defesa da vida sobre o
poder econômico, movimentos sociais e outras organizações se uniram para apoiar
as pessoas intimidadas.
Na fala de um informante Jenipapo-Kanindé observa-se a sua indignação quanto
ao fato de representantes da citada empresa negarem a afirmação étnica deste povo indígena:
A Ypióca está dizendo que nós não somos índio, que nós somos inventado pelo
professor Jeovah Meireles [...] que nós somos imigrantes, forasteiros. Nós somos a
“quinta geração” aqui nesse lugar e, nós somos resistente aqui nesse lugar, até um
dia que “Pai Tupã” nos levar. Não sei por qual razão [...] eles jogaram isso na
internet para tentar quebrar nossas forças, mas não quebra mesmo. (Liderança
indígena, J B A, Jenipapo-Kanindé morador da aldeia Lagoa Encantada).219
218
Ypióca tenta intimidar para calar os movimentos sociais. Disponível em:
<http://www.observatorioindigena.ufc.br/oktiva.net/1983/nota/73713>. Acesso em: 8 dez. 2008. Publicada em: 9
ago. 2007.
219
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 9/1/2009.
220
Jenipapo-Kanindé estão organizados para impedir Ypioca de continuar explorando Lagoa da Encantada.
Disponível em: <http://www.portaldomar.org.br/blog/portaldomarblog/categoria/noticias/jenipapo-kaninde-estao-
organizados-para-impedir-ypioca-de-continuar-explorando-lagoa-da-encantada>. Acesso em: 30 de dez 2010. Publicada
em: 6 dez. 2010.
227
O ato de protesto foi realizado naquele ano contra os persistentes danos causados
pela referida empresa, visualizados na Figura 41. Atinente ao ato de protesto, segundo as
lideranças Jenipapo-Kanindé, foi uma reivindicação para que sejam respeitados os direitos
indígenas, portanto, uma liderança afirma que juntos “Fizeram barragem no final da Lagoa
para a água aumentar o volume [...]. Mas, tamo achando que ela [a barragem] não vai
agüentar, [talvez] só mais uma semana.” (Jenipapo-Kanindé, E A, morador da aldeia Lagoa
Encantada).222 Para esta mesma liderança, a medida foi tomada para evitar a continuidade da
retirada irregular de água da Lagoa pela Pecém Agroindustrial.
Na mesma Figura 41 visualiza-se a área de extensão da TI com a Lagoa
Encantada, a Lagoa Tapuia e a localização do Morro do Urubu, além da Escola Diferenciada
de Ensino Fundamental e Médio Raízes Indígenas em Aquiraz-CE. Mostra-se, também, no
entorno da TI, a Reserva Extrativista (RESEX) do Batoque, parceira do povo Jenipapo-
Kanindé na REDE TUCUM discutida. Localiza-se também a fábrica Pecém Agroindustrial
com áreas da monocultura de cana-de-açucar ultrapassando o limite físico da TI, sendo
irrigadada por meio de bombeamento com água extraída da Lagoa Encantada “causando
degradação e assoreamento de nascentes”223 conforme os estudos realizados por Meireles em
que o autor afirma terem sido “analisados danos sócio-ambientais das etnias Jenipapo-kanindé
(Lagoa Encantada).” (2006, p. 2).
Apesar do povo Jenipapo-Kanindé demonstrar não enfrentar conflitos internos
entre seus habitantes (indígenas) no processo de reelaboração étnica como acontece com o
povo Tremembé de São José e Buriti devido as pressões do projeto Nova Atlântida, os
Jenipapo-Kanindé se deparam com problemas decorrentes das coações diretas de grupos
empresariais cearenses, como a citada fábrica Pecém Agroindustrial.
221
Jenipapo-Kanindé estão organizados para impedir Ypioca de continuar explorando Lagoa da Encantada.
Disponível em: <http://www.portaldomar.org.br/blog/portaldomarblog/categoria/noticias/jenipapo-kaninde-estao-
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em: 06 de dezembro de 2010.
222
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 25/12/2010.
223
Ypióca Degrada a Lagoa Encantada – Terra Indígena dos Índios Jenipapo-Kanindés (Aquiraz/CE). Disponível
em: <http://outroladodaypioca.org/?q=pt-br/node/21>. Acesso em: 15 fev. 2009. Apresentação em power-point.
228
229
224
Em 23/2/2011 conforme a Portaria 184/DOU/24/2/2011. Disponível em:
<http://ti.socioambiental.org/#!/terras-indigenas/4066>. Acesso em: 5 mar. 2011.
225
Liminar proíbe empresa do Grupo Ypióca de atuar em lagoa. Disponível em: <http://www.opovo.com.br/>.
Acesso em: 20 jul. 2011. Publicada em: 16 jul. 2011.
230
[...] comecei a luta em 1985 pela defesa da “lagoa e da mãe terra” quando a Ypióca
estava dentro no alto dos tanques [...]. Em 1986 houve a primeira poluição que
matou tudo “peixe e mata.” A gente começou a enviar documentos para órgão
público. Em 1988 teve outra recaída de peixe, aí a gente fez documento quando se
sentiu prejudicado. Em 1990 enviamos outros documentos e tivemos grande apoio
de Dom Aloísio Lorscheider e, continuamos lutando com muitos esforços [...].
(Liderança indígena, M L C A, Jenipapo-Kanindé moradora da aldeia Lagoa
Encantada).226
226
Dados de entrevista. Pesquisa de campo na aldeia Lagoa Encantada, Aquiraz em 5/1/2009.
227
Liminar proíbe empresa do Grupo Ypióca de atuar em lagoa. Disponível em: <http://www.opovo.com.br/>.
Acesso em: 20 jul 2011. Publicada em: 16 jul. 2007.
231
CONSIDERAÇÕES FINAIS
investigaram o turismo como um fenômeno social. A citada autora, ao longo de seus estudos,
estando ciente que este turismo ocuparia os mais diversificados territórios, interrogou: “como
turistificar sem destruir as especificidades ambientais consideradas bens turísticos.”
(ALMEIDA, Maria, 2003c, p. 7). Esta questão, de maneira implícita, serviu como pano de
fundo para esta pesquisa, pois a turistificação está evidente no turismo de sol e praia ainda
vigente no Ceará, e, ao mesmo tempo, a outra modalidade de turismo, o turismo comunitário,
contrapõe-se como uma forma de turistificar em que se procura reduzir os impactos. Contudo,
o contexto da tese não foi avaliar estas modalidades de turismo, e sim, averiguar que o
turismo torna-se um vetor da identidade indígena e da reelaboração étnica frente às
transformações territoriais.
Assim, recordando-se que os povos indígenas não estão à parte da sociedade
nacional, logo o turismo não poderia estar à parte dos seus interesses mediante os projetos
institucionais, ou a partir dos interesses de outros que tentam impor o turismo em suas terras
indígenas por meio dos projetos globalizantes. Também se proporcionou um estado da arte a
respeito dos projetos de turismo para povos indígenas, inclusive para saber de onde estes
projetos partiram, de que forma foram pensados, e como têm evoluído no panorama político
do órgão indigenista federal, a FUNAI, que ainda não reconhece oficialmente o turismo em
terras indígenas. Todavia, não impede esta prática nas aldeias. De fato, a referida Fundação
apenas apropria-se de algumas experiências de projetos de turismo como projetos pilotos
numa tentativa que se considera inapropriada, pois não se pode pensar em um modelo
padronizado de projeto de turismo em um país pluriétnico.
Os comentários acima se constituem no cerne desta tese, contudo, considera-se
que a pesquisa elucidou outras discussões importantes que permitiram demonstrar a
invisibilidade dos povos indígenas do Nordeste, priorizando-se o caso dos povos do Ceará e,
ao mesmo tempo, averiguando-se a visibilidade destes povos a partir de suas lutas para
efetivarem seus direitos constitucionais. É neste mesmo panorama, em que os povos indígenas
do Ceará conduzem os seus processos de reelaboração étnica, que os representantes dos
governos estaduais e municipais, e os políticos e empresários correligionários destes
governos, tentam reinvisibilizar os povos indígenas do estado cearense, em especial, os que se
encontram com as suas Terras Indígenas nas Zonas Costeiras, áreas cobiçadas para os grandes
projetos de desenvolvimento turístico do Estado Nacional.
Vale destacar que no intuito deste estudo comparativo, as duas situações
pesquisadas mostravam-se distintas considerando-se a temporalidade da tese, 2008 a 2012.
236
Em 2009 quando iniciado a pesquisa de campo com o povo Jenipapo-Kanindé, este já havia
enfrentado a situação de conflito com empreendedores nacionais e internacionais do turismo
empresarial os quais tentaram aliciá-los e tomar sua Terra Indígena. Naquele período, entre
1999 e 2001, quando sofreu as pressões dos referidos empresários, o povo Jenipapo-Kanindé
estava com o processo de demarcação da Terra Indígena Lagoa Encantada iniciado desde
1997, portanto, este povo encontrava-se numa coesão com o Movimento Indígena do estado
do Ceará e do país. Sua principal liderança na época, a Cacique da aldeia, confirmou ter
participado de forma contínua, de reuniões em Brasília e outras cidades do país, e se sentava
com frequência em mesa redonda com lideranças Terena e Xavante que perguntaram por que
ela não formava um Conselho de Mulheres Indígenas. A referida Cacique, a partir destes
diálogos com indígenas de outras etnias, afirma ter acatado as sugestões e formado um
Conselho de homens e mulheres indígenas, assegurando a organização política do povo
Jenipapo-Kanindé. Segundo a citada liderança indígena, a composição deste Conselho
enfraqueceu a atuação dos empresários e suas tentativas de cooptá-los. Situação parecida com
aquela em que, atualmente, representantes do Nova Atlântida procuram aliciar os Tremembé
de São José e Buriti e lograram êxito com alguns moradores que se deixaram cooptar pelas
promessas do empreendimento e por receber suas ofertas de trabalhos informais remunerados
por um salário mínimo, difícil de obter por meio da agricultura e da pesca conforme
expressam os/as indígenas Tremembé.
Embora os conflitos internos na Terra Indígena Tremembé de São José e Buriti
observa-se que as lideranças indígenas continuam reivindicando a regularização da sua Terra
Indígena, em especial, a Cacique da aldeia São José que veio à Brasília participar de
momentos de reivindicações coletivas de povos indígenas do Brasil por seus direitos
constitucionais. Acompanhou-se alguns momentos da vinda da citada Cacique à Brasília,
como exemplo no Abril Indígena de 2008 na Esplanada dos Ministérios, para a sua
reivindicação pelo direito do povo Tremembé à sua Terra Indígena. Nessa busca dos direitos
constitucionais, apesar das pressões do Nova Atlântida com seu projeto de sol e praia, o povo
Tremembé conseguiu, a base de muita luta, que a FUNAI iniciasse, em 2009, o processo de
demarcação da sua Terra Indígena. Essa conquista é avaliada pelo povo Tremembé, como um
grande passo, numa reivindicação iniciada em 2002, quando representantes do Nova Atlântida
anunciaram o seu interesse por toda a extensão da Terra Indígena, que se afirmam
proprietários desde 1979.
237
Portanto, esta tese visa contribuir para os estudos do turismo e povos indígenas a
partir de uma abordagem interdisciplinar que reúne a Geografia e a Antropologia. Ao escolher
como objeto empírico dois povos indígenas no litoral cearense, examina-se, usando autores
tanto da Geografia quanto da Antropologia, os impactos do turismo sobre os povos indígenas
e as suas terras. Os Jenipapo-Kanindé afirmam que o turismo comunitário pensado a partir
dos seus interesses, pode trazer impactos positivos para a aldeia. Como se argumenta, ao
longo da tese, o turismo torna-se um vetor da identidade indígena frente às transformações
territoriais. Toma-se a noção de “identidade contrastiva” de Cardoso de Oliveira (1976) a
partir de Barth (1969), como a essência da identidade étnica. Oliveira Filho acrescenta que o
critério para a identidade étnica deve ser a “auto-atribuição” (OLIVEIRA FILHO, 1998b),
considerando que a atribuição por outros não necessariamente coincide com a primeira,
levando em conta que segmentos da sociedade nacional, como os consórcios de empresas que
pretendem se apropriar das Terras Indígenas para implantar projetos de turismo economicista,
podem negar a existência de povos indígenas como vem ocorrendo nas situações dos
Tremembé de São José e Buriti (Terra Indígena Barra do Rio Mundaú), e aconteceu com os
Jenipapo-Kanindé (Terra Indígena Aldeia Lagoa Encantada).
O papel de Geográfos e Antropólogos nos estudos referentes ao turismo, aos
povos indígenas ou aos povos indígenas e o turismo, tem sido fundamental, com os trabalhos
pioneiros de Almeida, Maria (1995; 1997); Ratts (1996; 1997); Meireles (2006); Meireles e
Marques (2004) focalizando situações no Ceará. O turismo passa a ser investigado pela
Geografia vendo que o seu principal objeto de consumo é o espaço, portanto, este fenômeno
passa a ser pesquisado na sua vertente social e cultural. A Geografia contribui também na
avaliação dos impactos socioambientais, culturais, espaciais, políticos e econômicos e, no
estado do Ceará, na avaliação dos impactos na Zona Costeira, contribuindo tanto para impedir
a implantação de grandes projetos de desenvolvimento, como auxiliando no levantamento de
estudos socioambientais em Terras Indígenas. As pesquisas de Geógrafos que já discutiam o
turismo no final da década de 1980 no Ceará, demonstraram os impactos socioambientais em
comunidades tradicionais nesse estado, período em que algumas delas ainda não haviam sido
visibilizadas como povos indígenas.
A tese focalizou os processos de afirmação e reelaboração étnica para reivindicar
direitos constitucionais como povos indígenas para rechaçar as invasões das suas terras
tradicionais e, no caso dos Jenipapo-Kanindé, a apropriação do turismo comunitário como
fonte de renda e sobrevivência, em que o povo indígena controla seu próprio projeto turístico.
238
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POVO INDÍGENA:
COMUNIDADE E/OU ALDEIA:
DATA/HORÁRIO:
ENTREVISTADOR(A):
ENTREVISTADO(A):
Nome:
Faixa Etária:
nome do entrevistado
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Fonte: Termo adaptado por Isis Maria Cunha Lustosa a partir do Manual de procedimentos do Programa de
História Oral da Justiça Federal, elaborado por Neide Alves Dias de Sordi; Gunter Axt; Paulo Rosemberg Prata
da Fonseca. – Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2007.
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ANEXOS
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