Você está na página 1de 5

Liquidação de sentença no Novo CPC: entenda o

procedimento
8 de setembro de 2019
A liquidação de sentença é um procedimento para que se adentre ao cumprimento de sentença quando esta for ilíquida. Tem
sua forma delimitada no Código de Processo Civil, Capítulo XIV, do Título I, nos artigos 509 a 512.
Como regra geral, as sentenças devem ser líquidas, estabelecendo os limites e a extensão da obrigação a ser realizada pelo
vencido no processo judicial. Ocorre que em diversas ocasiões, por motivações variadas (complexidade de mensuração,
imprecisão a respeito do valor condenatório e etc), a sentença é ilíquida.
Nessas hipóteses, deve-se proceder à fase de liquidação de sentença como requisito para que se adentre ao cumprimento
de sentença, momento em que o direito material será efetivamente satisfeito.
A fase de liquidação de sentença sofreu pontuais e acertadas modificações com o advento Novo CPC. As mudanças vieram
para simplificar a fase processual e facilitar a tutela efetiva do direito material.
Definida a fase processual, passaremos a analisar a legitimidade para a inauguração da liquidação de sentença, o cabimento,
as modalidades e os recursos cabíveis na fase de liquidação de sentença.

Excepcionalidade da liquidação de sentença


O capítulo da liquidação de sentença inicia com o art. 509, que diz:
Art. 509 – Quando a sentença condenar ao pagamento de quantia ilíquida, proceder-se-á à sua liquidação, a requerimento
do credor ou do devedor.”
É importante destacar que a fase de liquidação de sentença, no entender do legislador, deve ser excepcional, pois é dever das
partes e do Juízo a determinação da extensão da obrigação desde logo, nos termos do art. 491 do CPC.
Deste modo, evita-se o usual e ultrapassado comportamento de Autores que optavam por não determinar o valor da
causa adequadamente, ainda que pudessem, para afastar a incidência de vultosas custas judiciais, pois estas variam no
território nacional.
Muito embora a literalidade do art. 509 determine que a liquidação de sentença abarca a “quantia ilíquida”, os doutrinadores
e a jurisprudência, em um esforço integrativo em favor do direito fundamental à tutela efetiva, consideram aplicável a fase
de liquidação a quaisquer obrigações que demandem sua delimitação quantitativa e objetiva, e não somente a de pagar
quantia. É um problema que já existia no CPC de 1973 e segue vigente no Novo CPC.
Assim, os jurisdicionados deverão decorrer à liquidação de sentença quando não for possível determinar, de modo
definitivo, o montante devido ou quando a apuração deste valor depender da produção de prova de realização demorada ou
excessivamente dispendiosa.
Entenda o que mudou com o Novo CPC na rotina do advogado.

Legitimidade para a proposição


O primeiro destaque a ser feito refere-se aos legitimados para a proposição da liquidação de sentença: credor e devedor.
A redação representa uma novidade a ser celebrada. O senso comum faz crer que a liquidação de sentença é sempre
inaugurada pelo credor, mas a prática é capaz de mostrar diversas situações em que o devedor tem interesse em liquidar a
obrigação com a finalidade de delimitar as suas obrigações.
O interesse do devedor em iniciar a liquidação pode ser exemplificado pela necessidade de previsibilidade dos custos
judiciais para as diversas sociedades empresariais. Ora, reconhecido o direito material do credor, não há motivos para
postergar a liquidação da obrigação, a fim de que seja cessado o efeito do tempo sobre a obrigação, que pode ser demasiado
custoso.
Quando houver uma sentença parcialmente ilíquida, o credor pode promover a execução da obrigação líquida e a
liquidação da obrigação incerta, de modo que o acesso ao bem do processo seja atingido da maneira mais célere possível.

Limites à necessidade de liquidação de sentença


No parágrafo 2º do art. 509, o legislador também fez questão de afastar do guarda-chuva da liquidação de sentença as
obrigações que dependam apenas de cálculos aritméticos.
Por conseguinte, as obrigações que necessitem de correção monetária, incidência de juros ou de multas podem ser
direcionadas diretamente ao cumprimento de sentença.
Além disso, com a finalidade de auxiliar as partes a buscarem o acerto das obrigações, o parágrafo 3º determinou que o
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desenvolverá e colocará à disposição dos interessados programa de atualização
financeira.
No entanto, há críticas a respeito da competência do CNJ para tal atribuição, sendo uma delas dirimida por causa do princípio
da cooperação que rege o sistema normativo processual, e o pretendido diálogo entre as instituições. Porém, trata-se de
tentativa de direcionar as partes diretamente para o cumprimento de sentença.
É importante ressaltar que é cabível a liquidação de sentença ainda que haja pendência de recurso, conforme dita o art.
512 do CPC. Trata-se de tentativa de não impor ônus decorrente do tempo do processo às partes, buscando, desde já, a
satisfação do direito material por meio da delimitação do objeto do processo.
Tire suas dúvidas sobre os honorários advocatícios no cumprimento de sentença e o novo CPC com o texto do colega
Arthur Bobsin.

Modalidades de liquidação de sentença no Novo CPC


O CPC estabelece duas modalidades de liquidação de sentença, uma mais simples e outra mais complexa:
 Liquidação por arbitramento;

 Liquidação pelo procedimento comum.

Abordaremos, em seguida, as especificidades de cada modalidade de liquidação de sentença disciplinada no Novo CPC.

Liquidação de sentença por arbitramento


É a modalidade mais comum. São três as hipóteses de cabimento:
 Determinação pelo próprio Juízo na sentença de mérito;

 Convenção entre as partes;

 Em razão da natureza do objeto da liquidação.


Assim, cabe a liquidação por arbitramento quando o Juízo determina, por sentença na fase instrutória, a necessidade de
liquidação.
Destaque-se que alguns entendem ser desnecessária a determinação do Juízo, sabendo que tão somente a iliquidez da decisão
já daria ensejo à liquidação de sentença.
Como o Juízo instrutório da fase de conhecimento pode ser realizado por Magistrado(a) distinto(a) da fase de liquidação de
sentença, o Juízo da liquidação, ao perceber a complexidade probatória da mesma, pode submeter os autos à aplicação da
modalidade de liquidação pelo procedimento comum.
Além disso, cabe a liquidação por arbitramento quando convencionado pelas partes, em respeito ao ideal de negócio
processual, consolidado no Novo CPC.
Muitas vezes as partes não fazem acordo, mas não pela divergência sobre a existência de um direito, e sim por não
convergirem no quantum que é devido ao credor. Os atores jurídicos poderiam, em observância às possibilidades do CPC,
abreviar a duração do litígio estabelecendo critérios de liquidação.
Também pode ocorrer em decorrência da natureza do objeto da liquidação. A sentença genérica demanda,
obrigatoriamente, a fase de liquidação de sentença para que a obrigação seja exigida. É a hipótese mais comum de
ocorrência.

Análise do art. 510 do Novo CPC


A modalidade é disciplinada pelo art. 510 do CPC:
Art. 510 – Na liquidação por arbitramento, o juiz intimará as partes para a apresentação de pareceres ou documentos
elucidativos, no prazo que fixar, e, caso não possa decidir de plano, nomeará perito, observando-se, no que couber, o
procedimento da prova pericial.”
É interessante que, na redação do artigo, há uma inversão. Esta inversão faz com que as partes apresentem os seus
pareceres ou documentos elucidativos cálculos antes de que seja determinada a nomeação de um perito judicial.
Ou seja, o perito será nomeado apenas se o Juízo não conseguir estabelecer a liquidação da sentença por meio dos pareceres
ou dos documentos elucidativos apresentados pelas partes, que muitas vezes discordam dos critérios de liquidação.
Desse modo, o Juiz deve dispensar a perícia caso consiga avaliar os documentos apresentados e verificar seguramente o
critério de liquidação mais adequado. Não se trata de imissão, pelo Juízo, em trabalho técnico do perito, mas sim de mera
avaliação dos laudos apresentados pelas partes, notadamente os critérios divergentes de liquidação.
É de se destacar que o art. 510 não estabelece ordem de apresentação dos documentos, tampouco o prazo. Certamente, o
prazo deve ser razoável para que seja possível a produção dos documentos, que podem ser muito complexos, a depender do
caso concreto.

A respeito da ordem de apresentação dos documentos, há divergência de entendimentos. Eles variam entre a compreensão
de que se trata de prazo comum e a de que o requerente deve apresentar os documentos inicialmente, para que então seja o
requerido intimado a apresentá-los.
De qualquer forma, independentemente da ordem eleita, o contraditório deve ser respeitado para evitar quaisquer prejuízos às
partes.
Portanto, o destaque é para o fato de que a designação de um perito judicial fica em último plano no procedimento por
arbitramento. Em primeiro plano, está o negócio processual, capaz de estabelecer os critérios de arbitramento, a modalidade
de avaliação e, inclusive, o nome de eventual perito, se necessário.
Em segundo plano, o Juízo deve avaliar os pareceres e documentos elucidativos, tentando decidir de posse deles. E, em
último plano, fica a perícia judicial. Tentou-se, como é a marca do novo Código, a simplificação e a celeridade, evitando um
salto direto à perícia, que pode ser morosa e ensejar eventuais impugnações.
Por fim, é importante ressaltar que, no decorrer da fase de liquidação de sentença por arbitramento, o Juízo pode
perceber a necessidade de que a modalidade aplicada seja a de liquidação pelo procedimento comum, que lida melhor
com a complexidade e com a necessidade de produção de novas provas.
Saiba tudo sobre a impugnação ao cumprimento de sentença no Novo CPC.

Liquidação de sentença pelo procedimento comum


A única alteração promovida nesta modalidade, em relação ao CPC de 1973, é a nomenclatura. A outrora denominada
“liquidação por artigos”, que remonta às antigas Ordenações, foi substituída pela “liquidação pelo procedimento comum”,
título que melhor representa a instrumentalidade da fase processual.
A modalidade está regrada no art. 511 do CPC:
Art. 511: Na liquidação pelo procedimento comum, o juiz determinará a intimação do requerido, na pessoa de seu advogado
ou da sociedade de advogados a que estiver vinculado, para, querendo, apresentar contestação no prazo de 15 (quinze) dias,
observando-se, a seguir, no que couber, o disposto no Livro I da Parte Especial deste Código.”
É a modalidade mais complexa, já que há a necessidade de comprovação de fatos novos, sempre ligados aos limites da
obrigação definida no processo de conhecimento.
A doutrina considera que fatos novos são aqueles relacionados com o valor, com o objeto ou com outro elemento da
obrigação que não foi objeto de cognição na fase de formação do título judicial.
Evidentemente, há uma limitação cognitiva na liquidação pelo procedimento comum (também aplicável à liquidação por
arbitramento): as partes não podem discutir o mérito da ação de conhecimento que definiu a obrigação a ser
executada.
O requerente deve instruir a peça inaugural demonstrando o fato novo que fundamenta o pedido. Assim, ficam estabelecidas
as provas a serem produzidas, a evidenciar o nexo causal entre os fatos, a fixação e delimitação da obrigação.
A liquidação pelo procedimento comum é mais complexa, extensa e custosa, já que há uma instrução probatória mais
alargada, se comparada à liquidação por arbitramento.
A decisão que julga a liquidação pelo procedimento comum pode ser de improcedência, em pedido feito pelo credor. Ao
cabo de longa instrução probatória, pode-se concluir pela inexistência ou irrelevância de fatos que potencialmente
delimitariam a extensão da obrigação.
Não há nada de absurdo em uma decisão de improcedência em sede de liquidação, tendo em conta que a sentença genérica é
abstrata, retratando um juízo de probabilidade, absolutamente dependente, na quantificação da obrigação, da fase de
liquidação de sentença.
Merece destaque o fato de que a intimação, na liquidação pelo procedimento comum, é feita por meio do advogado ou da
sociedade de advogados do requerido, devendo ser apresentada contestação no prazo de 15 dias.

Recursos aplicáveis aos procedimentos de liquidação de sentença.


O antigo Código de Processo Civil estabelecia, expressamente, no revogado art. 475-H, o cabimento de agravo de
instrumento da decisão de liquidação.

Não há, no novo CPC, previsão de recurso no capítulo da liquidação de sentença. No entanto, no art. 1.015,
disciplinador do agravo de instrumento, o parágrafo único faz referência ao cabimento à decisão interlocutória na liquidação
de sentença.
Sabe-se que o rol do artigo 1.005 é taxativo, mas o cabimento à fase de liquidação de sentença está topograficamente
localizado no parágrafo único. Seria, então, um cabimento alargado à todas as decisões interlocutórias da fase de liquidação
de sentença, e não apenas à decisão final?
Art. 1.015. Parágrafo único: Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de
liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.”
Conforme é possível analisar das decisões nas liquidações de sentença, a decisão parece ter conteúdo de sentença,
principalmente nas decisões de improcedência, que encerram uma fase processual. Nesses casos, há precedentes do STJ que
entendem ser cabível a apelação.
De qualquer forma, não se pode esquecer que a opção legislativa rumou para o cabimento de agravo de instrumento, a
enfrentar a decisão interlocutória de mérito, apesar de enquadrar-se ao conceito de sentença. Parece se tratar de uma decisão
política com vistas à prática do instituto, a tornar célere a fase processual.

Conclusão
Conforme exposto, a fase de liquidação de sentença não é regra no sistema normativo brasileiro, já que satisfaz a
necessidade decorrente de sentenças genéricas ou ilíquidas.
De qualquer modo, o conhecimento a respeito das hipóteses de cabimento, dos detalhes a respeito das modalidades de
liquidação, bem como dos recursos cabíveis das decisões da fase processual é fundamental para que o advogado ou a
advogada atue com precisão em favor de seus clientes.
A opção pela modalidade adequada, a ciência a respeito da possibilidade de pactuação de negócio jurídico processual e a
opção pelos melhores critérios de liquidação podem abreviar, e muito, a distância entre a pretensão e a conquista do direito
material desejado por meio do processo judicial.
Assim, uma fase processual que parece não ter muita importância pode representar grande diferencial em termos de
resultados processuais, importante objetivo para qualquer advogado ou advogada.
Mais conhecimento para você
Se você quiser saber mais sobre temas relacionados ao dia a dia da advocacia, continue a leitura aqui no blog da Aurum:

 Ônus da prova no Novo CPC: tudo o que um advogado deve saber


 Lei 13.777, ou Lei da Multipropriedade: o que é, vantagens e aplicações
 Contestação: veja dicas incríveis para acertar na redação
 Litispendência: como o advogado deve agir nesses casos
 Common law e civil law: veja as semelhanças e diferenças
 Entenda as mudanças nos embargos infringentes após o Novo CPC
Continue acompanhando os conteúdos do blog! Assine a newsletter da Aurum para receber e-mails exclusivos com as
novidades sobre o universo do direito e da tecnologia.
ASSINE A AURUM NEWS E RECEBA OS MELHORES CONTEÚDOS PARA ADVOGADOS
E aí, gostou do texto? Tem alguma dúvida sobre liquidação de sentença? Compartilhe com a gente nos comentários
abaixo! 😉
// PRÓXIMO ARTIGO 6 motivos para transformar seu acompanhamento processual

22.000 ADVOGADOS
já controlam seus processos e prazos com o software jurídico Astrea
EXPERIMENTE GRÁTIS

Rodrigo Tissot
Advogado. Sócio de Bertoncini, Gouvêa & Tissot Advogados. Pós-graduando em Direito Empresarial
pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP). Bacharel em Direito pela Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC). Membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/SC. Desenvolve
pesquisa nas áreas de Direito Empresarial, Direito do Consumidor e Direito Civil.

Você também pode gostar