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1. Introdução
É assente no âmbito da doutrina que, dentre os elementos que compõem o poder
jurisdicional, o árbitro possui os de cognitio, vocatio e notio, sendo desprovido, no
entanto, de coertio e executio[1]. É que, por questões de política legislativa, a Lei nº
9.307/1996 ("Lei de Arbitragem") não delegou aos árbitros poderes para exercer atos
de força. De fato, conquanto possa conhecer, processar e julgar a controvérsia que
lhe é submetida pelas partes por força da convenção de arbitragem, ao árbitro não é
dado promover atos executórios que viabilizem o cumprimento forçado da obrigação
estabelecida no laudo arbitral.
Resta, assim, ao juízo estatal processar as execuções de sentenças arbitrais, seguindo
o mesmo procedimento previsto para a execução judicial, já que o laudo arbitral é
considerado, para todos os efeitos, um título executivo judicial. Deverão ser
observadas, nesse sentido, as disposições sobre o cumprimento de sentença
previstos na legislação processual, inclusive as regras especiais quando o caso
envolver um dos entes integrantes da Fazenda Pública.
Nas palavras de Pedro Batista Martins, "as sentenças que se exaurem na simples
declaração, e nada mais, são aquelas meramente de cunho declaratório. Almejam,
simplesmente, a declaração do direito em confronto", ao passo que "a sentença de
conteúdo constitutivo, muito embora contemple a declaração do direito, vai além
dessa simples declaração, pois interfere na relação jurídica preexistente para
modificá-la, extingui-la ou criá-la". Ainda segundo o mencionado autor, "a sentença
de conteúdo condenatório, apesar de conter uma declaração do direito, diferencia-se
das demais pela sanção nela contida. Aí está o seu quid. Com ela se quer o
cumprimento forçado de uma obrigação", isto é, "a sentença condena o devedor ao
cumprimento da prestação contratada"[2].
Nessa toada, por simplesmente declararem um direito ou constituírem uma situação
jurídica, as sentenças declaratórias e constitutivas, por si só, entregam o bem da vida
almejado pela parte requerente - respectivamente, certeza e estado jurídico novo -,
não ensejando, portanto, execução[3]. Por outro lado, por impor uma obrigação a
uma das partes do contencioso, a sentença condenatória não basta em si; seu
cumprimento depende da prática de atos da parte condenada. Assim, caso não haja
o adimplemento voluntário da obrigação reconhecida na sentença condenatória,
necessário se fará o manejo de execução forçada.
Diante dessa circunstância, a Lei de Arbitragem, em seu art. 31, estabeleceu que "a
sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da
sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui
título executivo". Tal previsão encontra-se em consonância com o Código de Processo
Civil, que também qualifica a sentença arbitral como título executivo judicial no rol
taxativo previsto em seu art. 515.
Nessa esteira, a princípio, apenas sentenças arbitrais condenatórias demandarão a
prática de atos executórios, na medida em que aquelas de conteúdo puramente
declaratório e constitutivo serão suficientes para reconhecer o direito vindicado pela
parte, conferindo certeza a um fato ou criando, modificando ou extinguindo uma
situação jurídica.
Além disso, por se tratar a execução da sentença arbitral de uma nova relação
processual - e não mera continuidade do mesmo processo -, necessário se fará a
citação pessoal do executado, não bastando a mera intimação do advogado que
patrocinou seus interesses na arbitragem.
São prazos distintos, para diferentes situações, com consequências diversas. E, desta
forma, ambas as previsões convivem.
Assim é que o Código de Processo Civil previu, nos arts. 534 e 535, um regramento
diferenciado para a execução de sentenças que imponham obrigações de pagar
quantia à Fazenda Pública. De acordo com os mencionados dispositivos, a execução
da sentença se dará a requerimento do exequente, que deverá apresentar
demonstrativo discriminado e atualizado do crédito, de modo a viabilizar a intimação
da Fazenda Pública, na pessoa de seu representante judicial.
Uma vez intimada, a Fazenda Pública poderá adotar duas condutas: impugnar ou não
a execução. No primeiro caso, o ente público deverá alegar uma das matérias
constantes do rol previsto no art. 535 do Código de Processo Civil, sendo certo que a
impugnação será dotada de efeito suspensivo, em razão da interpretação conferida
ao art. 100, § 5º, da Constituição Federal, que estabelece a necessidade de trânsito
em julgado para a expedição do precatório.
Por outro lado, caso a Fazenda Pública deixe de ofertar impugnação, o juiz deverá
aplicar os meios de satisfação do credor previstos no art. 100 da Constituição Federal,
determinando a expedição de precatório judicial ou requisição de pequeno valor, a
depender do montante do crédito executado. Ademais, por força do disposto no art.
85, § 7º, do Código de Processo Civil, não incidirão honorários de sucumbência de
execução neste caso.
Em primeira ordem, valem as mesmas observações feitas no item anterior no que diz
respeito à necessidade de citação pessoal do executado. Com efeito, o cumprimento
da sentença depende da instauração de uma nova relação processual, se fazendo
necessário chamar formalmente a Fazenda Pública a participar do processo, o que, no
entanto, poderá ser feito de forma eletrônica, na forma do art. 246, §§ 1º e 2º, do
Código de Processo Civil.
Deveras, o referido Decreto foi editado com o objetivo regulamentar arbitragens que
tenham por finalidade dirimir litígios que envolvam a União ou as entidades da
administração pública federal indireta e as concessionárias, arrendarárias,
autorizatárias ou os operadores portuários em relação ao inadimplemento no
recolhimento de tarifas portuárias e outras obrigações financeiras perante a
administração do porto e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários - ANTAQ. E
seu art. 12 estabelece que "o árbitro ou o presidente do colegiado dos árbitros
solicitará à autoridade judiciária competente a adoção das providências necessárias à
expedição de precatório ou de requisição de pequeno valor, conforme o caso".
Assim, para as sentenças que reconheçam obrigação de fazer ou não fazer, o art. 536
confere ao magistrado uma maior liberdade no uso de medidas coercitivas, ao
estabelecer que, decorrido o prazo estabelecido na sentença, "o juiz poderá, de ofício
ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela
pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do
exequente". Ou seja, pode o juiz adotar medidas atípicas destinadas ao cumprimento
da obrigação, não obstante o Código elenque algumas medidas típicas, dentre as
quais a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o
desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva.
De outro lado, para as sentenças que reconheçam obrigação de entregar coisa, o art.
538 determina que, "não cumprida a obrigação de entregar coisa no prazo
estabelecido na sentença, será expedido mandado de busca e apreensão ou de
imissão na posse em favor do credor, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel".
No mais, serão respeitadas as disposições referentes ao procedimento de
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.
Tais normas, que se aplicam à Fazenda Pública sem qualquer restrição, devem
também ser observadas no cumprimento de sentença arbitral, não havendo grandes
questões que demandem alteração do procedimento previsto na legislação. Talvez as
únicas particularidades que se poderia invocar se tratam da possibilidade de o árbitro
fixar, desde logo, na sentença arbitral, medidas coercitivas para a satisfação da
obrigação e a hipótese de o juiz, posteriormente, revogá-las ou modificá-las no curso
do cumprimento de sentença.
Quanto à primeira questão, há quem defenda que o árbitro não poderia estabelecer
qualquer medida coercitiva na sentença arbitral (v.g. a imposição de astreites), visto
que tal atividade teria natureza executória. Assim, caberia apenas ao Poder Judiciário,
enquanto detentor privativo do uso da força, determinar a aplicação de tais medidas.
[31]
Contudo, tal raciocínio não se afigura correto, já que é dado ao árbitro lançar mão de
medidas coercitivas ou cautelares.[32]O que lhe é vedado é fazer cumprir tais
medidas[33], sendo necessário, para tanto, recorrer ao auxílio do Poder Judiciário.
Assim é que, conforme afirma Luiz Olavo Baptista[34], aplicação de multa com
caráter de astreinte para levar uma parte a cumprir determinada providência ou
adotar certa conduta está inserida no poder jurisdicional do árbitro.
Já quanto a segunda questão, poder-se-ia aventar que, estando a medida coercitiva
prevista no laudo arbitral, sobre ela houve a formação da coisa julgada, não podendo
o juiz promover qualquer modificação. Nada obstante, tal também problema também
se passa com a sentença judicial, não havendo qualquer razão para diferenciação.
E, quanto a esta última, o art. 537, § 1º, do Código de Processo Civil é expresso em
permitir que o juiz da execução, de ofício ou mediante requerimento, modifique o
valor ou a periodicidade da multa vincenda, caso verifique que se tornou excessiva
ou que o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou
justa causa para o descumprimento. O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez,
também possui jurisprudência sedimentada de que "a decisão que comina a multa
não preclui nem faz coisa julgada material. Assim, é possível a modificação do valor
dessa sanção até mesmo de ofício, a qualquer tempo, inclusive na fase de execução,
quando irrisório ou exorbitante" [35].
Desse modo, por ostentar natureza de título executivo judicial, também se mostra
possível a majoração ou redução da multa fixada na sentença arbitral durante o curso
da execução, adequando-a o magistrado às necessidades do caso concreto, para o
cumprimento forçado da obrigação.[36]
6. A adoção de medidas despidas de força para o cumprimento da sentença
arbitral: a divulgação da informação sobre o inadimplemento
Por fim, vale mencionar que, conquanto seja despido de poderes para executar atos
de força, podem os árbitros - ou até mesmo a instituições arbitrais - adotar medidas
que estimulem o cumprimento da obrigação por parte do devedor, como é o caso da
divulgação da informação de que a parte vencida não cumpriu a obrigação
reconhecida na sentença arbitral[37]. Com efeito, é possível que o regulamento de
arbitragem da instituição arbitral eleita pelas partes contenha previsões dessa
natureza.
A título ilustrativo, cite-se a disposição contida no art. 11.2 do Regulamento de
Arbitragem do Centro de Mediação e Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-
Canadá (CAM-CCBC): "na hipótese de descumprimento da sentença arbitral a parte
prejudicada poderá comunicar ao CAM-CCBC, para que divulgue a outras instituições
arbitrais e às câmaras de comércio ou entidades análogas no país ou no exterior".
Embora despidas de caráter de força, parece certo que tais medidas podem possuir
alguma repercussão na esfera do devedor, visto que terá sua imagem prejudicada
perante terceiros.
7. Conclusão
Considerando que o ordenamento jurídico nacional não atribuiu aos árbitros o poder
de praticar atos de força, a execução da sentença arbitral deverá ser requerida pela
parte vencedora junto ao Poder Judiciário, aplicando-se ao requerimento as mesmas
regras do procedimento de cumprimento de sentenças judiciais. No presente
trabalho, buscou-se analisar no presente algumas características próprias da sentença
arbitral, que exigem determinadas adaptações do procedimento legal da execução
de títulos judiciais previsto no Código de Processo Civil Civil, inclusive no que diz
respeito à execução contra a Fazenda Pública.
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