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Sínteses de Direito Processual Civil III

PARTE I – EXECUÇÃO PROCESSUAL

TÍTULO I - INTRODUÇÃO

CAP. I – FUNDAMENTOS. PRINCÍPIOS E FONTES

1. Justificação constitucional

A justificação constitucional estritamente formal reside no art. 20 CRP, que consagra que o direito de acesso aos tribunais implica
também o direito a um processo de execução.

Art. 2/1/2.ª parte CPC: confirma que o direito de acesso aos tribunais é também um direito à tutela executiva.

TEDH + TC têm afirmado através da sua jurisprudência, que o direito à tutela jurisdicional do 20/1 CRP implica uma tutela efectiva ou
completa, nomeadamente uma tutela executiva.

Ac. TC 1169/96, de 20/11/1996: Declara que se compreende no direito de acesso aos tribunais, previsto no 20/1CRP, o direito a um
processo de execução, ou seja, o direito a que, através do órgão jurisdicional se desenvolva e efective toda a actividade dirigida à
execução da sentença proferida pelo tribunal. Mas tal garantia de tutela executiva também decorre do n.º 4 do mesmo artigo: ao
estabelecer que a decisão em prazo razoável, deve ser obtida, mediante processo equitativo, i.e, um processo justo porque procurou
cumprir a sua funcionalidade material de garantia dos direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos, acometida ao direito à
tutela jurisdicional.
Esta idoneidade do processo traduz-se tanto numa exigência de tutela jurisdicional efectiva (268/4 CRP), pelo seu conteúdo, como pela
oportunidade temporal (20/4) CRP, como pela execução das medidas de tutela cujos efeitos não se possam produzir pela simples
prolação da decisão – efectividade da execução.
Se não houvesse um direito constitucional à execução, todas as garantias feitas valer na fase declarativa não teriam servido para nada.
Esta realização coactiva dos direitos através do Estado está presente nas disposições do 2/2 CPC e no 10/4 CPC.

2. Realização coactiva da prestação

No processo declarativo (10/2 CPC) → As acções declarativas visam a produção de um título jurídico judicial (a sentença, 607 CPC), que
imponha ao réu a pretensão material do autor.
O efeito jurídico de uma sentença pode ser:
 Autónomo e suficiente para resolver o litígio (como acontece nos pedidos de simples apreciação e nos pedidos
constitutivos→ Há uma satisfação unilateral da pretensão do autor, por meio de sentença;
 Ou o tribunal pode impor ao réu um comando, ordem ou mandamento de actuação, condenando-o na prestação de uma
coisa/facto (10/3/b)CPC).

As sentenças proferidas em acção de condenação carecem de uma satisfação bilateral da pretensão do autor. Este comando tanto pode
ser decretado para eliminar a violação de um direito (ex: condenação de cumprimento), como para prevenir uma ameaça de violação
de um direito, como acontece numa acção inibitória ou numa providência cautelar.

O réu pode não realizar a prestação, apesar de ter contra si uma sentença com trânsito em julgado.

O direito à tutela jurisdicional do art. 20 CRP impõe uma competência dos tribunais ou outros órgãos do Estado (como o agente de
execução) para a promoção da execução forçada do título judicial, em conformidade com o art. 2/1 CRP.
Porque é que tem de haver um direito à execução?
 Enquanto nas acções constitutivas e de simples apreciação o juiz cria ou reconhece um direito, nas acções condenatórias
pretende-se que o réu seja condenado a prestar uma coisa ou de um facto.
 Existe um direito à execução, porque nas acções condenatórias, solicita-se ao tribunal que enuncie um comando de
actuação ao réu (de forma positiva ou negativa). O efeito declarativo, per si, não é suficiente e pode não realizar a tutela
jurisdicional.
 Se a sentença não for cumprida, podem acontecer várias coisas:
- Sanção pecuniária compulsória, se for uma sentença de pagamento de quantia certa;
- A sentença pode servir como título executivo para uma nova ida aos tribunais, desta feita uma acção executiva.

A acção executiva aparece porque há uma insuficiência da acção declarativa.

Uma sentença condenatória não cumprida pode ser executada, mas pode também haver acções executivas que não são baseadas em
sentenças. Veja-se o art. 10.º e o 703.

 Enquanto a declarativa só precisa de uma petição inicial, uma sentença e dos pressupostos processuais. A executiva precisa
disso tudo e de um título executivo (art. 703).
 Enquanto a acção declarativa começa com a pergunta: será que o autor tem razão? A acção executiva começa com um título
executivo: começa com a resposta “porque o autor tem o direito e ele carece de ser executado”. Não há execução sem
título executivo.

O que é que justifica a acção executiva?


- A insuficiência da acção declarativa,
- A tutela jurisdicional efectiva (art. 20 CRP).

No plano do direito material, o CC, no art. 817, determina que « Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o
direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas
leis de processo.» - enuncia que um credor tem a faculdade fazer valer o cumprimento forçadamente. Qualquer obrigação obriga um
dever de cumprimento voluntário, mas implica também a possibilidade de um cumprimento forçado.

O objecto material de qualquer execução civil é qualquer direito subjectivo privado a uma prestação. Pode ser um direito de crédito,
como um direito real. Onde haja um direito a uma prestação, então há aí a possibilidade de o fazer valer forçadamente.

A acção executiva é a acção em que o autor requer (ao tribunal) como efeito jurídico as providências adequadas à realização
coactiva de um direito ou de um poder a uma prestação enunciado num título legalmente suficiente, através de actos materiais.

Nesta definição inclui-se a acção executiva em sentido impróprio. Em sentido próprio é a destinada à realização coactiva de uma
prestação. Em sentido impróprio é a acção em que há necessidade, depois da sentença, de serem praticados actos materiais. É
sentido impróprio, porque é um efeito secundário.

O que distingue a acção executiva?

A ae não se confunde com uma sentença de execução específica, porque se baseia numa acção num título executivo, que se Tripartição
concretiza em actos materiais: pagamento de quantia certa, penhora, entrega de uma coisa certa, prestação de facto . As objectiva
providências adequadas para a realizar são actos materiais. É isto que a distingue de uma sentença de execução específica.

3. Integração nos tipos de acções

Existem duas espécies de acções, segundo o art.10/1 do CPC:

Acção a) Acção de simples apreciação:


Declarativa É pedido ao tribunal que declare a (in)existência dum direito ou de um facto jurídico. Ex: A, que se arroga proprietário de um
prédio, pretende que a existência do seu direito seja judicialmente declarada;
(art.10/2
b) Acção de condenação:
+ 3 CPC)
Pretende-se que o réu seja condenado a prestar uma coisa ou de um facto. Pode ser precedida por uma acção de simples
apreciação (onde se declara a (in)existência prévia de um direito) ou não.
No primeiro caso, quando existe lugar a uma acção de simples apreciação inicial, ou seja, quando há um pedido de
declaração prévia de um direito ou de um facto jurídico, dizemos que estamos perante uma cumulação de pedidos (art.555
CPC). Ex: A, que pediu ao tribunal que reconhecesse o seu direito de propriedade, pede também que condene D, possuidor
do prédio em causa, a restituir-lho.
No segundo caso, quando apenas se pede a condenação do réu, o juízo prévio de apreciação é apenas um pressuposto lógico
do juízo condenatório pretendido.
Um pressuposto lógico da condenação é também a violação de um direito. No entanto, não é necessário que a mesma esteja
consumada à data do recurso a juízo ou até à data da sentença. Nestes casos, basta que haja uma previsão da violação do
direito, dando lugar a uma intimação ao réu para que se abstenha de o violar (art.1276 CC) ou à sua condenação a satisfazer
a prestação no momento do vencimento – pedido de prestações vincendas (art.557 CPC) e julgamento no caso de
inexigibilidade da obrigação (art.610 CPC):
c) Acção constitutiva:
Pela sentença, o juiz cria novas situações jurídicas entre as partes, constituindo, impedindo, modificando ou extinguindo
direitos e deveres que só nascem com a própria sentença – ex: dissolução de um casamento por divórcio. O aspecto
declarativo da sentença reside fundamentalmente na definição só para o futuro ou retroactivamente da situação jurídica
constituída.

A acção executiva tem por finalidade reparar um direito violado. Providencia-se, de forma coativa, a prestação devida
(art.10/4 CPC). Passa-se da declaração concreta da norma jurídica, para a sua actuação prática, mediante o desencadear de
Acção
mecanismos de garantia, postulados por um órgão do Estado, dotado de jus imperii (os tribunais) – art. 2 CPC. Desta forma,
Executiva o Estado tutela a atividade de resolução/extinção do conflito - garantia jurisdicional efetiva como um direito individual à
(art.10/6 CPC) tutela jurisdicional (art. 20º CRP). Se não houvesse este direito constitucional à execução, todas as garantias feitas valer não
teriam propósito e estar-se-ia a preterir a garantia de igualdade entre as partes, já que uma sentença não executada
permanece inoperante em detrimento de uma parte (Caso TEDH Hornsby/Grécia, 1997).
a) Acção executiva para pagamento de quantia certa;
b) Acção executiva para entrega de coisa certa;
c) Acção executiva para prestação de facto.

4. Princípios que regem a acção executiva

Existem dois tipos de princípios:


- Estruturantes (de fonte constitucional),
- Instrumentais (infraconstitucionais)

Os princípios que regem o procedimento de execução do título são:

Princípios constitucionais:

 Princípio da igualdade entre as partes:


Art. 13 e 20/4 CRP
Art. 4 CPC (igualdade substancial)
É o princípio mais controvertido. Diz-se que há uma igualdade formal, porque tem uma série de desvios ao p. da igualdade
que favorecem o credor (favor creditoris). Embora, aparentemente, a igualdade esteja presente, está muitas vezes ausente.
Na acção declarativa não há nenhuma razão para as partes não estarem em igualdade. Na acção executiva, sabemos que o
autor tem um direito.
Enquanto o processo declarativo é jurisdicional. RP defende que o processo executivo é administrativo.
Concluindo: o p. da igualdade está limitado pelo favor creditoris.

Uma manifestação do favor creditoris é o:

 Princípio do contraditório/direito à defesa:


Art. 20/4 CRP
Art. 3 CPC
Todos temos direito a evitar o efeito que vai ser decretado.
Excepção: art. 3/2 CPC
O problema é que a lei estabelece a favor do credor que o direito de defesa só tem lugar depois dos actos executivos. Só
depois dos actos executivos, é que o agente de execução cita o executado para se defender.
A forma sumária da acção executiva estabelece que só depois dos actos executivos é que o “executado” tem a possibilidade
de se defender. E a forma sumária é a mais comum.
Em relação ao requerimento executivo, o contraditório exerce-se de forma
A ausência de oposição à execução não tem consequências sobre a execução e não beneficia, nem prejudica o autor, porque
ele já tem o direito declarado – pelo contrário, na acção declarativa, a falta de contestação tem consequências em relação
ao autor.
A defesa, na acção executiva não se faz numa “contestação”, antes é feita sobre uma “oposição/embargos de executado”. É
um incidente declarativo, que não tem efeito suspensivo, e corre num processo em separado da execução.

Excepção ou moderação ao princípio do contraditório nos actos executivos: É possível a prática de actos executivos
(penhora, apreensão para entrega) sem audição prévia do executado nos casos expressos de execução para pagamento de
quantia na forma sumária, nos termos do 855/3 e 856/1, e na execução para entrega de coisa certa com base em sentença
(626/3).

 Princípio da legalidade da decisão:


Vale tanto para os despachos do juiz de execução - despacho liminar (726) e despacho supervenientes (734) -, como para os
despachos do agente de execução – despacho de determinação da modalidade de venda (812). Ambos devem decidir
segundo a lei, devendo na fundamentação de direito respeitar o 607/3.
→ Qualquer decisão judicial ou do agente de execução deve ser proferida segundo a lei e não sobre juízos de equidade.

 Princípio da publicidade:
Os actos processuais não são secretos, o processo é consultável (no CITIUS e nas secretarias). É registado – registo
informático de execuções.

 Princípio da economia processual:


Art. 20 CRP
Art. 130 CPC – não se podem praticar actos inúteis na acção executiva
Cada acto apenas é devido ou admissível se for útil para a finalidade executiva, sob pena de ilicitude, nos termos do 130.
Além disso, o acto terá a forma mais adequada à função, conforme o 131/1. Para tal, o processo poderá ter actos na forma
oral, actos concentrados e actos praticados perante o agente de execução, sem a mediação de funcionário judicial ou de
documento escrito.

Princípios instrumentais

 Princípio dispositivo:
Depende da vontade das partes o início da execução, a modificação objectiva e subjectiva da execução e a extinção da
mesma.
Depende da vontade do autor o objecto da execução. .
O impulso processual é privado e a determinação do objecto também.
É uma expressão da autonomia privada.

 Princípio da oficialidade:
Responde á pergunta “Pode o Estado praticar actos processuais sem ser a pedido de uma das partes oficiosamente?”.
Os actos processuais que são da competência do Estado, tendem a ser praticados oficiosamente. Tirando o requerimento
executivo, o Estado, através do agente de execução, não necessita que seja requerido nada para serem praticados os actos
processuais.

 Princípio da legalidade da forma processual:


Cabe a lei determinar a sequência dos actos processuais (forma de processo, actos a ter lugar, etc). Contudo, as partes
podem requerer ao tribunal que adapte o procedimento à situação (art. 547 CPC – expressão do princípio da adequação
formal e da economia processual). Ou seja, as partes podem requerer a adequação formal.
Excepção: Nos processos arbitrais, as partes podem acordar como vai ser o procedimento.

 Princípio da cooperação:
Art. 7 CPC
Dever de litigância de boa-fé (art. 8 CPC), sob pena de estarem sujeitos ao regime da litigância de má-fé (art. 542 CPC).
Art. 858 CPC – Quando o credor move uma acção executiva quando o crédito já foi satisfeito
Art. 751/1 CPC – Quando o executado “esconde” bens

Princípios privativos da acção executiva

 Princípio da patrimonialidade:
Não há execução sobre direitos de personalidade, são sim os direitos patrimoniais.
Ex: A penhora pode ter efeitos, p.e., no direito à habitação, no direito á saúde.
Há de haver um limite quando o ataque ao património tem uma consequência sobre os direitos de personalidade.

 Princípio da proporcionalidade:
Arts. 751/2 e 735/3 CPC
Os actos executivos implicam uma constrição à esfera jurídica patrimonial do executado. É natural que estas restrições à
esfera patrimonial, que é constitucionalmente tutelada, devem ser proporcionais. Só se devem praticar os actos
estritamente necessários à satisfação do direito do credor.

 Princípio da formalização:
Art. 10/3 CPC
A acção executiva está dependente do título executivo.

 Favor creditoris:
Normalmente entende-se que é um princípio, mas para RP não é um princípio. Trata-se apenas de um conjunto de
excepções ao princípio da igualdade e, na dúvida, deve prevalecer o princípio da igualdade. O favor creditoris é um conjunto
de normas que já está a limitar um princípio constitucional. Trata-se de um conjunto de excepções ao princípio da igualdade.
Isto reforça a posição da parte passiva (devedor).
TEIXEIRA DE SOUSA e MANUEL DE ANDRADE assinalam como identitário da acção executiva o que designam como favor
creditoris: a execução seria um processo sem igualdade material de fundo entre credor e devedor executado, prevalecendo
a posição daquele sobre a deste. No dizer de LEBRE DE FREITAS, a actuação da garantia de um direito subjectivo pré-definido
leva a que o executado não goze de paridade de posição com o exequente.
Assim, notas deste princípio seriam, p.e., a eventual dispensa de citação prévia à penhora (727) ou ser, por regra, da
responsabilidade do exequente a designação/destituição do AE (720/1e4).

CAP. II – OBJECTO E ESPÉCIES DE EXECUÇÃO

6. Causa de pedir

Facto jurídico concreto do qual decorre o efeito jurídico pretendido pelo autor.

ALBERTO DOS REIS, LOPES  Entendem que a causa do pedido é o título jurídico (judicial ou extrajudicial), que
CARDOSO, ANSELMO DE segundo o 10/5 serve de fundamento à acção cumprindo a função de título executivo.
CASTRO
TEIXEIRA DE SOUSA, LEBRE DE  A causa de pedir é o incumprimento.
FREITAS

 Factos de aquisição/constitutivos do direito ou poder a uma prestação exigível.


RUI PINTO
 Para o Professor, o título executivo é apenas um documento enquanto forma de um
facto jurídico. Este facto é a aquisição de um direito a uma prestação pelo
exequente. Assim, a causa de pedir é o facto aquisitivo do direito ou o poder à
prestação. É o que decorre do art. 817 CC, p.e.

A causa de pedir integra a constituição do direito ou poder na esfera do credor e a exigibilidade da obrigação - exigida pelo
art. 713 e subentendida no 817 CC.

Art. 817 CC - Exige o facto aquisitivo + o facto da obrigação não ser voluntariamente cumprida

É fundamental que se faça acompanhar do título executivo (recognitivo do direito ou ser o título executivo constitutivo do direito).

A lei exige que o credor demonstre por meio do título a existência da obrigação, nos termos do art. 703, e que a obrigação é
exigível (art. 713).

A causa de pedir da execução comporta factos principais (atinentes à aquisição do direito) e factos complementares
(atinentes à exigibilidade), podendo ser definida como os factos de aquisição de um direito ou poder a uma prestação
exigível – por isso se diz que a causa de pedir é complexa.

Ex: Na execução da quantia mutuada não restituída, o credor deve demonstrara a titularidade do dever de restituição actual
dessa quantia, i.e., a data da constituição e a data do vencimento da obrigação: não o incumprimento do contrato de
mútuo.

Se o título for um título de crédito, qual é a causa de pedir? A causa de pedir é a emissão do título de crédito.

7. Pedido

 Objecto imediato → Realização coactiva da prestação devida (art. 724/1/f))

Consiste na realização de actos materiais de ingerência na esfera patrimonial do devedor, destinados a produzir os mesmos efeitos
jurídicos e económicos que adviriam da realização voluntária da prestação.

 Objecto mediato → O objecto da prestação devida, com a diferença de a mesma ser realizada coactivamente.

Ex: objecto mediato do direito de crédito ao pagamento é a entrega de uma quantia pecuniária.

O direito só pode ser exigido depois do vencimento (art. 713)

O objecto devido da prestação e o objecto efectivo da execução são coincidentes



Esta coincidência é tendencial, pois, se se verificar a impossibilidade (legal ou prática) de obtenção dos mesmos efeitos que adviriam do
cumprimento espontâneo, pode o credor pretender um efeito jurídico sucedâneo. Nesse caso, o pedido de cumprimento específico da
prestação dá ligar a um pedido de cumprimento por equivalente

Tripartição objectiva
A lei arruma o procedimento executivo segundo o objecto mediato e existem 3 procedimentos:
Art. 10/6

Pagamento de quantia certa Prestação de facto
Entrega de quantia certa

 Pagamento de quantia certa: O procedimento de quantia certa é matriz para as outras formas de processo.

Quando o objecto da prestação é a entrega de quantia pecuniária, vale a sequência processual da execução para pagamento de
quantia certa dos arts. 724 a 877.

o efeito jurídico pedido pelo credor é o pagamento da quantia, obtendo, assim, resultado idêntico ao do pagamento que fosse
efectuado na data e nos termos devidos.

O ius imperii do Estado vai concretizar-se nos actos instrumentais ao pagamento forçado: apreensão de bens, seguida da sua venda. Os
meios enunciados no 795/1 serão já os modos de satisfação dos interesses do credor no cumprimento
.
Aplica-se a norma legitimadora do 817CC e podemos falar numa patrimonialidade da execução em sentido próprio.
Esta modalidade tem como objecto mediato as prestações pecuniárias dos arts. 550 e ss do CC

Notas sobre moeda estrangeira:

Se a obrigação for de quantidade, o cumprimento das obrigações pecuniárias faz-se em moeda que tenha curso legal no país à data do
pagamento, i.e., vem em euros (550CC). Sendo obtida pela entrega do produto da venda ou mediante pagamento voluntário.
Se obrigação em moeda estrangeira já será uma obrigação alternativa (558/1CC), começando por ser executada a obrigação primária
(em moeda estrangeira). Mas, como não tem curso legal no território nacional, trata-se de uma obrigação valutatária pura (obrigações
pactuadas em moeda estrangeira, onde as partes convencionam a obrigação de pagar m moeda estrangeira, que se torna a única
prestação possível em virtude da imperatividade do vínculo obrigacional), tendo que haver execução específica dessa moeda
estrangeira em execução para entrega de coisa certa.
Se não se encontrar no património do devedor a moeda estrangeira (867/1) ou se a moeda foi substituída por moeda que entretanto
passou a ter curso legal, ou, ainda, se o devedor, no prazo da oposição à execução optar por cumprir em moeda acional (868/2), a
execução será convolada em execução para pagamento de quantia certa em moeda com curso legal.
Diversamente, se no título executivo a referência a moeda estrangeira é feita somente como moeda de cálculo deve ser intentada
execução para pagamento de quantia certa.

Por outro lado, tratando-se de obrigação de moeda específica deve distinguir-se entre o devedor que se comprometeu a pagar em
moeda metálica ou se tem por referência o valor dessa moeda (552CC):

- No caso do devedor que se comprometeu a pagar em moeda metálica cumpre-se uma cláusula ouro-efectivo. A eventual execução
será para entrega de coisa certa (moeda específica) – ex: o devedor obrigou-se a entregar 100 libras de ouro;

- No segundo caso, quando se e tem por referência o valor dessa moeda cumpre-se uma cláusula de ouro-valor com duas variantes: i)
o devedor cumpre entregando a quantidade de moeda corrente, correspondente à moeda específica ou a certo metal – ex: o devedor
obrigou-se a entregar o valor em euros de 100 libras de ouro -; ii) o devedor cumpre entregando a quantidade de moeda específica ou
de certo metal, correspondente a um quantitativo em moeda corrente e a execução será para entrega de coisa certa, sem prejuízo da
necessidade de prévia liquidação da sua equivalência com a moeda corrente – ex: o devedor obrigou-se a entregar 10000 euros em
libras de ouro ou em moedas de 2 euros.
Por fim, assemelhando-se ao primeiro caso, são todas as situações em que o dinheiro seja considerado coisa infungível: então trata-se
de obrigações monetárias, pelo que correrá a execução para entrega dessa coisa certa – ex: o devedor obrigou-se a pagar em certas
notas (identificadas) de 100 euros ou certas de libras de ouro.

 Entrega de coisa certa:

O exequente é titular da prestação de uma coisa determinada e pretende que o tribunal apreenda essa coisa ao executado e
seguidamente lha entregue (827 CC).

Se não se encontrar a coisa:
Procedes-e à liquidação do seu valor e do prejuízo resultante da falta da entrega, penhorando-se e vendendo-se bens do executado
para o pagamento da quantia liquidada (867 CC) → Pode convolar-se num processo de pagamento de quantia certa

Procura-se um resultado idêntico ou a um seu equivalente.

Pode ter por base:


a) Uma obrigação – ex: por escritura pública, o proprietário obriga-se, a mediante retribuição, proporcionar o gozo temporário de uma
coisa a outrem, que, para obter a entrega, propõe uma acção executiva;
b) Um direito real – ex: numa acção de reivindicação, o possuidor ou detentor é condenado a entregar a coisa reivindicada ao
proprietário e este pede a execução da sentença.

Não se trata de executar o património do devedor, i.e., de procurar obter liquidez à custa da sua alienação forçada, mas de opor ao
executado, proprietário ou possuidor de certo bem, um direito prevalecente do exequente. Neste caso, o credor pode apreender um
bem que é seu ou sobre o qual tem um direito que pode opor ao devedor, em ordem a colocá-lo na sua esfera de afectação. Ver 817.

Essa execução segue a sequência processual da execução para entrega de coisa certa dos arts. 859 a 867. Tal como na penhora, o
Estado irá apreender bens, não para os vender ou adjudicar, mas para posterior entrega ao exequente que sobre eles invoca um
direito.
Efeito jurídico pedido pelo credor → Entrega da coisa na posse do executado, pois esse seria o resultado que se atingiria com o
cumprimento.

O efeito jurídico situa-se no campo da posse – ex: o proprietário requer a entrega do bem, tendo por título executivo sentença de
acção de reivindicação (1311CC) – ou detenção – ex: o comodatário requer que o comodante lhe devolva coisa que esbulhara, tendo
por título executivo a sentença de acção de restituição na posse (1133/2 e 1278CC).

 Prestação de facto:

Art. 868 e ss CPC e aplica-se subsidiariamente as regras de entrega de quantia certa, ex vi 550/2 CPC

Facto fungível → O exequente pode requerer que ele seja prestado por outrem à custa do devedor (828 CC), sendo então apreendidos
e vendidos os bens deste que forem necessários ao pagamento do custo da prestação.

Facto infungível → O exequente só pode pretender a apreensão e a venda de bens do devedor suficientes para o indemnizar do dano
sofrido com o incumprimento (868 CC).
Também se pode convolar num procedimento de entrega de quantia certa, se o facto for infungível e o executado não o prestar, há
lugar a uma indemnização ou a uma quantia a título compulsório.

No caso da violação dum dever de omissão, ou seja, numa prestação de facto negativo, o exequente pedirá a demolição da obra que
porventura tenha sido efectuada pelo devedor, à custa deste, assim como à indemnização do prejuízo sofrido, ou uma indemnização
compensatória (829 CC e 876 CPC).

7.1. Execução específica e execução não específica

 Execução específica → Quando se dá a coincidência entre o objecto devido da prestação e o objecto efectivo da execução.

 Execução não específica → Quando não existe coincidência, estamos perante uma execução não específica ou por
equivalente, caso em que, dado o princípio da patrimonialidade da execução.

Podem ser executadas especificamente as prestações cujo objecto é indiferente ao incumprimento:


- a prestação de entrega de coisa certa;
- a prestação de facto fungível por terceiro, ainda que mediata ou indirecta;
- a prestação de facto negativo, quando represtinável por via de demolição ou outro acto de reposição do estado inicial .

Diversamente, as prestações cujo objecto não é indiferente ao incumprimento apenas podem ser executadas não especificamente:
- a prestação de facto infungível, quando o devedor não realizar a prestação em mora;
- a prestação de facto negativo não represtinável

E a execução da prestação de pagamento de quantia pecuniária?


 TEIXEIRA DE SOUSA + REMÉDIO MARQUES:
Execução não específica → porque pode ser cumprida com qualquer moeda com curso legal, retirada do património do devedor ou
obtida através da alienação desse património ou de uma parcela dele.
 LEBRE DE FREITAS
Entende que se trata de uma forma de execução específica indirecta porquanto, antes do pagamento efectivo, tem de ocorrer uma
apreensão ou venda de bens.
 RUI PINTO
Discorda de ambos os pontos de vista.
O carácter fungível das obrigações pecuniárias do 550 e ss CC impede que se afirme um carácter não específico da execução, pois o
exequente tem direito, ex vi 20/1 CRP, a deduzir um pedido com essas qualidades materiais: a entrega de quantia em que
consubstancia o pagamento. Esse pagamento tnato pode ser por entrega de dinheiro em espécie, consignação de rendimentos ou por
entrega do produto da venda (795/1, 798 e 803/1). Portanto, por regra a execução para pagamento de quantia certa é específica.
Assim não será se a satisfação for feita por meio de adjudicação dos bens penhorados, ao abrigo do 705/1 e 799. Nessa eventualidade,
a execução para pagamento de quantia certa não é específica, já que a extinção da obrigação não decorre do cumprimento (762 e ss
CC), mas de uma dação, em cumprimento ou pro solvendo, consoante as situações, 837 e ss CC.
Portanto, a causa de pedir na execução cambiária não coincide com a sua causa debendi.
Nesta análise da causa pedendi da acção executiva confirma-se que o fundamento material desta é o mesmo fundamento material da
acção condenatória: os factos de aquisição de um direito ou poder a uma prestação exigível. Desse facto aquisitivo deduzem-se tanto
um poder de exigir o cumprimento ao devedor, como um poder de execução forçada.
TÍTULO II - ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA EXECUTIVA

CAP. I – TRIBUNAL

Tribunais comuns e juízos de execução

Processo executivo → Impulso processual é dirigido aos tribunais de execução, com competência para controlar a legalidade dos actos
executivos e julgar as respectivas impugnações.

Reforma de 2003 :
Criou os tribunais com competência exclusiva para as execuções: os juízos de execução (74/2/h) + 126 LOFTJ/2008).
No âmbito desta alteração, não existiam juízos de execução em todas as comarcas do País. Entre juízos de execução criados e juízos de
execução criados, mas não instalados, desenvolveu-se a seguinte rede de tribunais de execução:
a) criados e instalados: 1.º, 2.º, 3.º Juízo de Execução da Comarca de Lisboa, 1.º e 2.º Juízo de Execução da Comarca do Porto, Oeiras,
Loures, Sintra, Maia, Guimarães, Ovar, Águeda e V.N. de Gaia;
b) criados, mas não instalados: Braga, Coimbra, Leiria e Matosinhos.
Posteriormente, na LOSJ, passou a prever-se genericamente no art. 81 que o tribunal de comarca fosse estruturado em instâncias
centrais e locais. A par existiriam tribunais de competência alargada por várias comarcas, nos termos do art.83 da mesma Lei.
Nas instâncias centrais podiam ser criadas secções de competência especializada, nomeadamente de execução (81/2/g). Quando não
fossem criadas secções de execução, a competência executiva seria das instâncias centrais no âmbito das acções executivas de
natureza cível de valor superior a 50.000€ e, residualmente no que não fosse atribuído àquelas, das instâncias locais, em secções de
competência genérica.

Nova organização judiciária (em vigor desde 1/09/2014 (DL 49/2014, 27/03)):
Prevê a distribuição territorial das secções de execução por todas as Comarcas, salvo as Comarcas dos Açores, Beja, Bragança, Castelo
Branco, Guarda, Portalegre e Viana do Castelo. Nomeadamente, preveem-se secções de execução nas Comarcas de Aveiro, Braga,
Coimbra, Leiria, Lisboa, Lisboa Norte, Lisboa Oeste, Madeira, Porto, Porto Este, Santarém, Setúbal, Vila Real e de Viseu.
Entretanto, sobrevieram alterações trazidas pela Lei 40-A/2016, 22/12 e pelo DL 86/12016, 27/12. Determinou que os tribunais de
comarca desdobram-se em juízos, a criar por DL, que podem ser de competência especializada, de competência genérica e de
proximidade (arts. 81 e 130). Esses juízos estão arrolados no 130/3, sendo que as novidades são a alteração de designação para “juízo”
das anteriores “secções”, e passa a prever-se o juízo “central cível” (em vez das secções cíveis das instâncias centrais) e o juízo “local
cível” (em vez das secções cíveis das instâncias locais). Em consequência, em razão da matéria podem existir, num tribunal de comarca
juízos de família e menores, de trabalho e de comércio, com competência para executar as suas decisões (122/1/f), 126/1/m) e 128/3)
e juízos de execução, ao abrigo do 81/3/j.

Tribunais arbitrais
Um dos aspectos identitários da Reforma de 2008 foi a previsão de tribunais arbitrais institucionalizados com competência para as
execuções. Seriam centros de arbitragem que assegurariam o julgamento de conflitos, adoptariam decisões de natureza jurisdicional e
realizariam actos materiais de execução. No entanto, o regime foi revogado em bloco pelo art.4/e) da Lei 41/2013, 26/06.

8. Competência funcional activa + 9. Competência funcional passiva

Art. 723/1 - Competências do juiz


∟ Competência restrita, tipificada e residual → Por contraste, o AE tem uma competência ampla, não tipificada, correspondente a um
poder geral de direcção do processo, segundo o 719/1. Em suma, no silêncio da lei, a competência será do AE.

Só pode aferir a legalidade dos actos processuais dentro do que lhe for pedido ou dentro dos seus poderes de conhecimento oficioso.

Competência dos juiz relativamente ao AE:


 Não tem poder de o destituir (art. 720/4), mas mantém legitimidade para dar conhecimento à Ordem dos Solicitadores e AE
ou à CAAJ de factos susceptíveis de constituírem infracção disciplinar
 Pode, ex vi 723/2, aplicar multa ao AE (mas também às partes, aos intervenientes ou a terceiros) quando os seus pedidos de
intervenção para despacho liminar ou para resolução de uma questão sejam manifestamente injustificados.
Reforma de 2013:
Assiste-se a um aumento das competências não jurisdicionais expressamente acometidas ao juiz: proferir despacho liminar (723/1/a),
despacho superveniente (734), despacho de redução ou isenção de penhora de rendimento periódico (738/6), autorizar o uso de força
pública (757/3), autorizar o fraccionamento de imóvel divisível (759/1), presidir à sessão de abertura de propostas de compra em carta
fechada (829/1), nomear fiscal ou administrador de estabelecimento comercial (782), proferir despacho autorizativo da abertura
perante juiz de propostas de venda de estabelecimento em carta fechada (800/3 e 829/2), proferir despacho de autorização da venda
antecipada (814/1), julgamento da prestação de contas nas execuções de prestação de facto (871/1 e 872/1).

10. Secretaria

A secretaria de execução tem competências restritas típicas, sumariadas nos n.º 3 e 4 do art. 719

Tem os seguintes grupos de competências:


a. funções acometidas pelo 157 (719/3); (719/4)
b. competências especificamente atribuídas no 712 a 723;
c. notificação oficiosa do AE da pendência de procedimentos ou incidentes de natureza declarativa deduzidos na execução e dos actos
aí praticados que possam ter influência na instância executiva;
d. competências avulsas, nomeadamente a organização do processo em suporte físico, a passagem de certificado para consulta do
registo informático e a actualização/rectificação da lista pública de execuções.

Natureza electrónica do suporte e da publicidade dos processos executivos:

Suporte: Desde a Reforma de 2003 que foi assumido pelos responsáveis políticos que a uma massificação das dívidas de consumo, ter-
se-ia de responder com uma massificação do uso da informática na acção executiva. Esse uso teria de ter lugar tanto no suporte físico
do processo, como na sua publicidade. No plano do seu suporte, o processo executivo é um processo electrónico no seio da
plataforma CITIUS e assumem expressão electrónica todas as vicissitudes, como a distribuição, designação de AE os actos processuais e
os actos externos ao processo, mas dele instrumentais. Também é electrónica a consulta das partes ao processo (163/3). Paralelo ao
CITIUS, também existe o SISAAE. Ao CITIUS estão adjudicados os actos processuais destinados ao juiz e à secretaria e ao SISAAE os
actos estritamente executivos. Ver. 163/1.

Publicidade: Além da tramitação electrónica, o legislador de 2003 criou o registo informático de execuções, previsto no 717 e 718 e
tem como fim dos objectivos: i) a criação de mecanismos expeditos para conferir eficácia à penhora e à liquidação dos bens – permite
conhecer que execuções estão ou estiveram pendentes contra o devedor, quais os bens envolvidos e quais os credores que
apareceram para reclamar os créditos (cfr. 794/1) , apresentando-se como um verdadeiro cadastro do executado e as actualização são
efectuadas diariamente pelo AE, sendo o registo eliminado após o cumprimento integral da obrigação; ii) prevenção de eventuais
conflitos jurisdicionais resultantes de incumprimento contratual, o que implica, p.e, que o registo possa ser consultado por terceiros
com interesse legítimo antes da concretização do negócio jurídico (ver718/4).

Publicidade aberta: a lista pública das execuções:

Regime: A reforma de 2008/2009 instituiu uma lista pública de execuções, disponível por via electrónica, publicitando as execuções
que se tenham extinguido por não se encontrarem bens penhoráveis para pagamento total da dívida (art.16-A/1 DL 201/2003, 10/09).
A utilidade primária desta lista será a de permitir uma rápida detecção dos casos de incobrabilidade de dívidas e desse modo conferir
eficácia à penhora e liquidação de bens, prevenir eventuais conflitos jurisdicionais resultantes do incumprimento contratual e
promover o cumprimento pontual das obrigações. Todavia, há uma utilidade secundária: pressionar o devedor a pagar as dívidas.. Ao
ser de acesso aberto, qualquer sujeito pode tocar no bom nome do devedor e limitá-lo no seu acesso ao tráfego contratual (cfr. 16-
A/2 e 16-C/2)

Constitucionalidade: A pressão referida supra será constitucional? Até onde pode ser constrangido o devedor para se conseguir uma
satisfação do credor? Não será a inclusão do nome do devedor numa “lista negra” uma restrição desrazoável ao seu direito ao bom
nome? Não deverão apenas ilícitos criminais justificar um registo ominoso?
Se a solução de registo informático de execuções é equilibrada, porque há uma legitimidade específica de acesso, o mesmo já não se
pode dizer da lista pública de execuções. O interesse do tráfego jurídico em geral e o credor em especial, prevalece sobre o direito do
devedor ao desconhecimento por terceiro das suas dívidas. Aqui houve uma viragem no paradigma social e jurídico: ser devedor sem
património passa a apresentar grande desvalor jurídico. Entendemos que a lista pública de devedores não é equilibrada perante a CRP.
CAP. II – O AGENTE DE EXECUÇÃO

A figura do AE foi introduzida pela Reforma de 2003, sob a designação de “solicitador de execução”.
Tem o poder geral de direcção do processo.
É um profissional liberal contratado pelo exequente.
∟ O juiz mantém alguma forma de poder geral de controlo e reserva dos actos de jurisdição.

Legitimação legal para o desempenho das funções processuais de AE

Art. 162 EOSA



Porém, em casos estritamente previstos na lei, as funções processuais de AE podem ser desempenhadas pelo oficial de justiça (722/1).

Nessa eventualidade, o AE será o escrivão de direito, titular da secção onde corre o processo de execução, conforme o 59/2 Portaria
n.º 282/2013, 29/08. Contudo, não se aplica ao oficial de justiça o estatuto do AE, nem as disposições da Portaria (cfr. 722/2).

Estatuto profissional:

 Acesso à profissão
- Regem-se por um estatuto profissional próprio, composto por vários preceitos normativos do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e
Agentes de Execução, assim como uma série de Regulamentos dimanados da EOSAE.
- Têm uma Cédula Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, pela qual prova a sua inscrição naquela ordem e do direito ao uso
do título profissional de AE (104/1 EOSAE).
- Os requisitos cumulativos da inscrição estão nos arts. 105 e 106 ECS.
- Para ser AE é obrigatória a frequência com sucesso de um estágio, podendo requerer a inscrição no mesmo os titulares de
licenciatura em direito ou em solicitadoria, tendo este uma duração de 18 meses, com uma fase de formação e uma fase de avaliação,
com exame final sobre processo executivo. Ver. 163/9 CPC e 107 EOSAE, 95 EOSAE.

 Incompatibilidades e impedimentos
- O exercício das funções de AE está condicionado por um regime de normas deontológicas que estabelecem incompatibilidades e
impedimentos, reguladas, respectivamente, pelos arts. 165 e 166 EOSAE.

 Deveres
O AE tem deveres especiais e deveres gerais.
Os deveres especiais estão elencados pelos arts. 186 a 179 EOSAE. Subsidiariamente, naquilo não coberto pelo âmbito específico
daquele regime especial, valem, ex vi 168/1 EOSAE, os deveres gerais associados da OSAE, dos arts. 119, 121 a 131 EOSAE.
Este vasto leque de deveres pode arrumar-se em seis grupos: dever de legalidade e justiça (124EOSAE), deveres de imparcialidade ou
independência (125/e)/f) + 168/1/d) EOSAE), deveres de diligência (168/1/a), 121/3, 168/1/g), 124/2/d), 168/1/c), 168/1/h e 129/2
EOSAE), deveres de informação (168/1/b/i), 173/3/4, 169/1 EOSAE), dever de sigilo (127/1 EOSAE) e deveres de organização (171/2,
168/1/f), 123, 124/2/j), 168/2/b) a f)m 168/1/a).
Tem, ainda, deveres de prática de certos actos acessórios (168/1/n), 174/1, 121/2 e 121/3, 125, 168/1/k), 169 EOSAE).

Honorários e despesas

 A responsabilidade pelo pagamento

Art. 721/1 → Os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a
terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo exequente. Depois de pagos pelo exequente, estes gastos irão
integrar as custas de parte que aquele tem direito a receber do executado (533/2/a), sendo pagos pelo produto da venda, conforme o
disposto no 541.

Se o produto da venda não for suficiente, os valores suportados pelo exequente podem ser reclamados para reembolso junto do
executado, ressalva também o 721/1. Parece que assim o que se quer dizer é que pode o exequente instaurar nova execução contra o
devedor tendo por objecto a dívida de custas.

Mas mesmo esse ulterior direito de reembolso sobre o executado conhece excepções. Efectivamente, a Portaria n.º 282/2013, 29/08,
estabelece no 45/2 que se o exequente por sua iniciativa, requeira ao agente de execução a prática de atos não compreendidos na
remuneração fixa prevista na tabela do anexo VII da presente portaria é exclusivamente responsável pelo pagamento dos honorários e
despesas incorridas com a prática dos mesmos, não podendo reclamar o seu pagamento ao executado exceto quando os atos
praticados atinjam efetivamente o seu fim.

Em qualquer caso, os abusos nunca dão direito a pagamento, como dimana o 45/4 da Portaria, o agente de execução que, por sua
iniciativa, pratique atos desnecessários, inúteis ou dilatórios, é responsável pelos mesmos, não podendo reclamar a qualquer das
partes o pagamento de honorários ou despesas incorridas em virtude da sua prática.

Que consequências tem para a marcha da execução a falta de pagamento pelo exequente das quantias devidas ao agente de execução
a título de honorários e despesas?

O CPC prevê duas consequências:


1. Assim, para o pagamento necessário para o impulso processual inicial, o 724/6 vem fixar que o requerimento executivo só
se considera apresentado na data do pagamento da quantia inicialmente devida. Trata-se de um modo de lidar com a
questão, mas cuja constitucionalidade é duvidosa, em face do direito de acção garantido pelo 20/1 CRP.
Para a promoção dos actos processuais posteriores, o 721/2 prevê que a execução execução não prossegue se o exequente
não efetuar o pagamento ao agente de execução de quantias que sejam devidas a título de honorários e despesas. Logo, o AE
não estará obrigado a praticar os actos da marcha do processo que lhe compitam, o que lhe dá razões para se recusar a
praticar diligências de citação ou penhora.
Pelo nº 3, a instância extingue-se logo que decorrido o prazo de 30 dias após a notificação do exequente para pagamento das
quantias em dívida, sem que este o tenha efetuado, aplicando-se o disposto no n.º 3 do artigo 849. Trata-se de um prazo
processual peremptório, sujeito à regra do 138. Remete-se, então, para o 849/3, segundo o qual a extinção da execução é
comunicada, por via eletrónica, ao tribunal, sendo assegurado pelo sistema informático o arquivo automático e eletrónico do
processo, sem necessidade de intervenção judicial ou da secretaria. Assim, a extinção é notificada ao exequente, ao
executado, apenas nos casos em que este já tenha sido pessoalmente citado, e aos credores reclamantes (849/2).
2. Nota discriminativa: Para os honorários relativos aos actos processuais posteriores ao requerimento executivo, o exequente
deve pagar após a notificação (247 e ss) da nota discriminatória de honorários e despesas emitidas a partir do SISAAE. Nessa
notificação deve contar: nota discriminada de honorários/despesas, interpelação para pagamento e aviso de que na falta de
pagamento em 30 dias se extinguirá a instância nos termos do nº3, e se formará título executivo nos termos do n.º5, ambos
do 721. Também é aplicado o nº4.
A nota discriminativa da qual não se tenha reclamado, constituí título executivo das dívidas por ela certificadas, desde que
acompanhada da sua notificação pelo AE ao interveniente processual perante o qual invoca o direito ao pagamento de
honorários/despesas. Trata-se, assim, de um título executivo avulso e compósito, beneficiando da cláusula remissiva do
703/1/d).
Relativamente a este mecanismo, importa tecer algumas notas:
* A nota discriminativa basta-se com a forma particular produzida a partir do SISAAE e autenticada pelo próprio AE;
* A expressão “ interveniente processual” permite que o título sirva para o AE promover execução dos seus créditos contra o
exequente, como para o exequente reclamar forçadamente o reembolso dessas despesas ao executado, sempre ao abrigo do
721/1 conjugado com o 53/1.

 Dever de informação
Princípio cardinal do sistema de remuneração do AE é o da informação.
Tanto o exequente como o executado, por diferentes razões, têm interesse em serem informados do valor dos honorários – art. 44
Portaria n.º 282/2013, 29/08. Este dever de informação vem acompanhado do princípio da transparência – 44/ 6 Portaria n.º
282/2013, 29/08.

 Valor
O AE tem direito a receber remuneração, segundo os arts. 43 a 55 da Portaria n.º 282/2013, 29/08.

Contudo, AE não pode fixar livremente as tarifas e percentagens, aplicando-se os valores delimitados das tabelas integrantes dos
anexos VI, VII e VIII da citada Portaria.
No que concerne aos honorários, estes podem compreender uma parte fixa, estabelecida para determinados tipos de actividade
processual, e uma parte adicional variável, dependente da consumação dos efeitos ou dos resultados pretendidos com a actuação do
agente de execução. As despesas são as necessárias à realização das diligências efectuadas no exercício das funções de AE, desde que
comprovadas. Ver art. 51 Portaria n.º 282/2013, 29/08.

Inspecções, fiscalização e responsabilidade

A actuação está sujeita a inspecções e fiscalizações levadas a cabo pela OSAE. A Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de
Justiça tem competência de fiscalização. E, além da responsabilidade civil e penal, com os seus requisitos específicos, o AE está sujeito
a responsabilidade disciplinar (180 EOSAE).

Aquisição e perda de competência

 Designação
É designado pelo exequente, de entre os AE inscritos ou registados em qualquer comarca constantes de uma lista oficial, prevista no
100 EOSAE.
Não havendo agente de execução inscrito ou registado na comarca, as diligências são realizadas por oficial de justiça (art.722/1/c).
Se o exequente não designar AE será a secretaria a fazê-lo, nos termos do 720/2/3, notificando o AE dessa designação, que é feita por
via eletrónica (36/2/3 Portaria n.º 282/2013, 29/08 + 720/8). A não aceitação é feita através do SISAAE e imediatamente notificada ao
mandatário judicial do exequente. Neste caso, deverá ser feita nova designação pelo exequente, em 5 dias, sob pena de se devolver à
secretaria o poder novamente de o designar.
Pode dizer-se que a designação do AE assenta na confiança que o credor possa colocar num concreto e conhecido AE.

 Substituição e destituição
O AE pode ser substituído por morte, incapacidade definitiva ou por cessação das funções de AE (39/1 Portaria n.º 282/2013, 29/08).
Mas também pode sobrevir a necessidade de substituição se o AE for suspenso pela CAAJ por período superior a 10 dias ou se for
interdito definitivamente (39/2 Portaria n.º 282/2013, 29/08).
Segundo o 720/4 e os arts. 38 e 40 Portaria n.º 282/2013, 29/08, o AE pode ser substituído pelo exequente, devendo expor o motivo
da substituição, ou pode ser destituído pelo órgão com competência disciplinar. Assim, o executado pode participar à Ordem ou à
CAAJ, factos praticados susceptíveis de constituir infracção disciplinar (185/1/f EOSAE) e requerer a destituição do AE- Entre ele e a
destituição (eventual) estende-se todo um muro inaceitável num Estado de Direito.

Actos. Natureza jurídicas

Competências pré-executivas
O AE pode exercer competências antes da acção executiva, no Procedimento extrajudicial pré-executivo (PEPEX), pela Lei 32/2014, de
30/05, regulamentada na Portaria 233/2014, de 14/09.

Mecanismo de pesquisa de bens penhoráveis, previamente a eventual eventual execução, na forma sumária, por credor, que disponha
do competente título executivo. Se os bens forem encontrados, antecipa-se a fase 1 da execução; se não forem encontrados, remete-
se o devedor para a lista pública de execuções, podendo o credor requerer certidão de incobrabilidade para fins tributários.

Competências executivas
 Poder geral de direcção do processo
Poder geral de controlo, residual e passivo, actualmente acometido ao juiz, no 723/1, contrapõe-se o 719/1, um poder geral de
direcção da instância executiva pelo AE.
Compete ao AE efectuar todas as diligências de execução, incluindo, as citações, notificações e publicações, nos termos do 10 e ss. da
Portaria n.º 282/2013, 29/08. E, nas segundas, incluem-se, ainda, as citações nos apensos declarativos por força do 710/3 a contrario.
Trata-se de uma competência ampla, não tipificada, e, por isso, tendencialmente, expansiva.
Mais: com o 719/2 há uma pós-competência. Por exemplo: o agente da execução extinta é o competente para realizar as diligências
decorrentes de uma posterior anulação da venda de bens.
Da articulação do 719 com o 723, concluímos que na acção executiva, os actos processuais do Estado são, em regra, actos do AE.
Neste quadro geral, o AE realiza actos executivos e não executivos, e profere decisões (723/1/c).
 Actos executivos e não executivos
A competência fundamental do AE é a prática de actos materiais de realização coactiva da prestação.
Esses são actos executivos proprio sensu. Trata-se, entre outros, dos actos de penhora (719/1, 755 e ss), recebimento do documento
de depósito de quantia devida ao executado por terceiro (777/1/b), pagamento, nas suas diversas modalidades, maxime, por venda
(719/1, 795 e ss), liquidação e pagamento dos créditos exequendos e custas (719/1, 796/1), recebimento do pagamento voluntário
(846/2), apreensão e entrega de bens (861).
Instrumentais aos anteriores, são os actos não executivos, como a promoção da regular tramitação do processo executivo (citações,
notificações e publicações, 719/1/2.ª parte) e actos preparatórios dos actos executivos, maxime, da penhora, como as diligências
prévias à penhora (749), a introdução dos dados da execução do registo informático de execuções (717/3) e os atos postulativos em
que o agente deduz um pedido ao juiz ou a terceiro, v.g, a solicitação de auxílio das autoridades policiais (757/2/3) ou o pedido de
despacho judicial de autorização de entrada em domicílio (757/4).
 Decisões
As decisões são os actos processuais em que o AE resolve uma questão jurídica, oficiosamente ou a pedido de uma parte,
interveniente ou terceiro.
Podemos arrumar as decisões do AE em dois grupos, consoante o seu objecto imediato:
- Decisões sobre a relação processual: admissão ou recusa do requerimento executivo (855/2/a) e remessa do requerimento executivo
para despacho liminar (855/2/b).
- Decisões sobre a realização coactiva da prestação: qualificação jurídica do direito do terceiro detentor como penhor ou direito de
retenção 747/2), designação e remoção do depositário dos bens (756 e 761), levantamento da penhora por falta de andamento do
processo (763), autorização de pagamento por consignação de rendimentos (803), decisão sobre a modalidade da venda, avaliação dos
bens e formação de lotes (812) e despacho de extinção da execução (849).

Regime e meios de impugnação

 Regime
Os actos e decisões do AE regulam-se pelas suas normas específicas. Completando-as, estão previstas regras gerais para todos os actos
e decisões do AE sobre:
- prazo dos actos: o agente de execução realiza as notificações da sua competência no prazo de 5 dias e pratica os demais atos no
prazo de 10 dias (720/7)
- competência territorial: o AE designado pode provir de qualquer comarca, quando escolhido pelo exequente, ou da comarca ou das
suas limítrofes, quando designado pela secretaria (720/1/3)
- delegação de competências: os actos que impliquem deslocações cujos custos se revelem desproporcionados podem ser efetuadas, a
solicitação do agente de execução designado e sob sua responsabilidade, por agente de execução do local onde deva ter lugar o ato ou
a diligência ou, na sua falta, por oficial de justiça (720/5) e quaisquer diligências materiais do processo executivo que não impliquem a
apreensão material de bens, a venda ou o pagamento, por empregado ao seu serviço, devidamente credenciado pela OSAE (720/6).
No caso especial das decisões do AE, poder-se-á, na medida do necessário, e pela sua natureza, concitar a aplicação de regras que
regulam os actos do juiz. Tal está de acordo com a sujeição do AE aos impedimentos e suspeições dos juízes (166 EOSAE). Assim, são
aplicáveis aos actos decisórios do AE as disposições reguladoras dos actos dos magistrados quanto ao dever de fundamentação do 154,
e a regra geral do esgotamento do poder decisório, enunciada no 613.

 Meios de impugnação. A reclamação dos actos do agente de execução (remissão)


Sendo actos processuais, os actos do AE estão sujeitos às regras gerais das nulidades, por erro de procedimento.
Desde logo, valem os regimes das nulidade primárias – falta ou nulidade de citação seguem o 188 e ss; em qualquer outro caso, os
regimes das nulidades secundárias, do 195 e ss. Naturalmente, que as nulidades processuais dos actos do AE são objecto do regume
comum de arguição, conhecimento, efeitos e sanação de nulidades (cfr. 189, 191, 192, 196 a 202).
No entanto, importa não esquecer que os actos de penhora do AE conhecem meios próprios de impugnação: oposição à penhora,
protesto do acto de penhora e os embargos de terceiro.
No caso especial das decisões do AE, elas podem ser nulas, nos termos do 615/1, carentes de reforma ou rectificações de erros
materiais, como sucede com o despacho de um juiz – cfr. 614 e 616/1. O AE pode, oficiosamente ou a requerimento, rectificar erros
materiais, por aplicação analógica do 614. Mas não tem competência para conhecer das nulidades decisórias do 615 ou de pedidos de
reforma do 616/2: os respectivos fundamentos são causa de “impugnação” ao abrigo do 723/1/c).

Reclamação dos actos processuais do executado

 Introdução
O 723/1/c) determina que ao juiz compete julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do
agente de execução, no prazo de 10 dias. O artigo prevê dois meios distintos de defesa contra estes actos: a) reclamação dos actos do
AE e b) impugnação de decisões do AE. É bom ver que esta tem por objecto os actos decisórios, e a reclamação de todos os restantes,
executivos ou não.
Podemos definir a reclamação dos actos do AE como meio de revogação de actos processuais decisórios e não decisórios do AE com
fundamento em ilegalidade ou erro de julgamento de factos que não sejam objecto de meio processual especial.
A causa de pedir é a ilegalidade ou erro e o pedido é a revogação (objecto imediato) de um acto do AE (objecto mediato)

 Pedido
A revogação prevista no 723/1/c) tem como pedido a revogação do acto processual ou despacho do AE com fundamento num erro de
direito ou de facto. Contudo, como também é próprio dos meios impugnatórios, além da revogação poderá ser pedida a substituição
por acto processual ou despacho válidos ou adequados.
Decorre da letra da al. c) que o objecto desta “reclamação” são actos processuais, tanto decisórios, como não decisórios. A reclamação
não se destina a “não actos” do AE.
As omissões de actos ou despachos devem ser relevadas em sede de nulidades inominadas, nas condições do 195 e ss. Nesta sede, elas
podem ser impugnadas tanto pelas partes, como por terceiros intervenientes.
No entanto, alguma doutrina (LEBRE DE FREITAS e RIBEIRO MENDES) defende que se o AE não praticar os actos em prazo, cabe
reclamação. RUI PINTO discorda.
Na opinião do Professor, estamos perante um problema comum às nulidades inominadas: quando se considera que o acto não foi
praticado e quando se considera que está em “mora processual”?
No plano teórico, na segunda hipótese não há cumprimento dos prazos processuais por parte do Estado-juiz ou do estado-AE, mas é
ainda processualmente possível a prática do acto. Ainda não há omissão, mas há uma inação processual. Há ausência de
procedimento, mas não erro de procedimento.
No plano prático, podemos ensaiar um critério distintivo.
Assim, se for esgotado o prazo para o acto devido (720/7) e o agente realizar os actos processuais que se lhes seguem na tramitação,
estamos perante uma omissão de acto processual. Não cabe reclamação, mas nulidade nos termos do 188 ou 195 e ss – ex: o
executado não foi citado de todo; então, mal conheça a pendência da execução (v.g., toma conhecimento de que já lhe foram
penhorados bens e citados credores com garantia real) intervém no processo e vai arguir falta de citação, sob pena de sanação da
nulidade, nos termos do 188 e 189.
Diversamente, se já se esgotou o prazo do 720/7, sem que o AE tenha praticado só actos seguintes, há uma mora processual. No plano
formal, o acto não está ainda omitido, pelo que ainda não houve nulidade: o interessado carece que o juiz ordene ao AE que o pratique
ou que explicite o sentido da sua vontade, de o praticar ou não praticar.
A propósito do 723/17d), entendemos que regula todos os pedidos que não sejam de revogação de acto ou decisão, desde que
tenham utilidade processual e não sejam objecto de meios especiais como a arguição de nulidade inominada do 195 e ss. A al. d)
permite ao juiz desempenhar uma função ordenadora ou correctora do AE – da “mora” na prática de actos ou no proferimento de
despachos, e das meras irregularidade – e de resolução de dúvidas, dentro do perímetro do dever de esclarecimento do tribunal,
próprio do princípio da cooperação (7/1/4). Assim, não cabe ao tribunal suprir as insuficiências no domínio do direito objectivo seja
dos mandatários, seja do AE.
Por fim, importa salientar que há actos do AE que não podem ser objecto de reclamação. Nos termos do 630/1, admitem recurso os
despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário. Um acto é praticado no exercício de um
poder discricionário se o seu teor for neutro perante a lei – ex: para a fixação do valor base julgar ou não “vantajoso” promover
diligências necessárias à fixação do valor do bem de acordo com o valor de mercado. Um acto é de mero expediente se não é idóneo e
afectar os direitos processuais ou substantivos das partes – ex: a informação do AE sobre o estado da execução prestada pelo
exequente, a fixação das horas de mostra dos bens pelo AE depositário, a fixação da data de determinada diligência de penhora ou
venda.

 Causa de pedir: recondução a um âmbito de não concurso com outros meios


A reclamação tem como fundamento a ilegalidade processual ou material do acto ou do despacho do AE; tratando-se de despacho,
soma-se um outro fundamento: erro de julgamento de factos processualmente relevantes.
Trata-se de uma causa de pedir impugnatória: o fundamento não é, p.e., reabrir o contraditório. Por exemplo, não constitui
fundamento invocável para efeitos do 723/1/a) os interessados na venda pretenderem ser novamente ouvidos para efeitos do AE
determinar que a venda fique sem efeito, por falta de depósito (825/1/a). os prazos da sua audição são peremptórios.
Sucede que essa causa de pedir é, na verdade, comum a outros meios de impugnação, pelo que poderia, em abstracto, ocorrer um
concurso de meios de defesa de um mesmo acto processual.
Exemplo: uma penhora levada a cabo em domicílio sem autorização judicial é ilegal por violar o 757/4; o respectivo pedido de
revogação do acto de penhora tanto pode ser feito em sede de reclamação, nos termos do 723/1/a), como em sede de arguição de
nulidade, ao abrigo fo 196. De igual modo, a penhora de bens impenhoráveis ou de bens do fiador executado com benefício da
excussão prévia, tanto pode ser objecto de oposição à penhora (784/1/b), como de reclamação. Enfim, a violação das regras de citação
funda reclamação e funda arguição da nulidade da citação, nulidade principal prevista no 191.
E, no limite, pode um terceiro que viu um bem seu penhorado, reclamar a penhora, em vez de embargo de terceiro? O legislador nada
clarificou quanto à relação entre a reclamação e os meios pré-existentes no CPC, como a oposição à penhora ou a arguição de
nulidade. Pelo que cabe ao intérprete perscrutar no sistema a lógica e a ordem possíveis.
Devemos distinguir o âmbito de concurso entre a reclamação e os restantes meios de impugnação e o âmbito de não concurso. Para os
distinguir temos de ter em conta seja os fundamentos, seja os actos a que eles dizem respeito.
Esta tarefa não é fácil de realizar perante a oposição à penhora e as nulidades processuais principais que se fundam em vícios típicos
ou se referem a certos actos processuais típicos, do que perante as nulidades processuais inominadas do 196. Deste modo, vai ser útil
a delimitação preliminar em que já excluímos a omissão de actos processuais.
Comecemos pelas ilegalidades e actos que estão excluídos do âmbito de outros meios de defesa; para elas, a reclamação é o meio de
impugnação único e adequado.
Em primeiro lugar, estamos a referir-nos a algumas previsões expressas de reclamação de certos actos processuais. No seu âmbito
específico não se admite a invocação de nulidade. São reclamações especiais; em tudo o que nelas não se regule valem as regras do
723/1/a)/2.
Assim, prevê a lei que do acto de recusa do requerimento executivo, na forma sumária, cabe reclamação para o juiz, 725/2 e 855/2/a).
É a mesma reclamação que cabe de idêntica recusa da secretaria, 725/2.
A lei prevê no 812/7 que se o executado, o exequente ou um credor reclamante “discordar” da decisão que determina a modalidade
de venda e o valor base, cabe ao juiz decidir; da decisão deste não há recurso. Parece ainda ser uma forma especial de reclamação.
Por fim, a nota discriminatória de honorários e despesas tem na reclamação para o juiz o seu expresso meio de impugnação, conforme
diz o 721/5 e o 46 da Portaria 282/2013, de 29/08.
Em segundo lugar, em qualquer acto processual do AE pode ocorrer a violação das normas que regulam o estatuto do AE. P.e.:
violação dos deveres de diligência. Tomadas em si mesma, essas violações não são causa de nulidade processual, dado não serem erro
de procedimento, por isso, constituem causa de pedir de reclamação.
Em terceiro lugar, os despachos do AE apresentam adicionais fundamentos atinentes aos julgamentos que encerram. A saber:
i) ilegalidade por violação da lei substantiva ou violação da lei do processo, incluindo nulidades exclusivamente decisórias arroladas no
615/1/b) a e) – ex: nulidade por violação de lei do processo: o AE profere decisão para a qual não tem competência;
ii) erros de julgamento de factos processualmente relevantes, p.e., erro no julgamento dos pressupostos da admissão de reforço da
penhora (751/4) ou no julgamento de ocorrência efectiva de uma causa de extinção da execução, nos termos do 849.
Para ambos os casos, a impugnação disponível é a de tipo reclamatório para o juiz.
Existem, porém, legalidades e actos processuais que integram o âmbito de outros meios de defesa. Ora, damos barato que não se
pretendeu que a reclamação fosse um meio exclusivo – o único meio – de impugnação de actos de autoria do AE, qualquer que fosse o
seu objecto, efeitos e destinatários.
Postulamos, também que tampouco o legislador pretendeu que a reclamação constituísse um meio alternativo àqueles outros e que
fosse deixado ao interessado escolher entre a reclamação e os outros meios – que escolhesse entre, p.e., invocar uma
impenhorabilidade na oposição à penhora e invocá-la na reclamação.
Por isso, resta a conclusão de que a reclamação de acto do AE não pode ser deduzida quando a lei preveja um meio processual mais
adequado ao fundamento invocado pelo interessado. Dito de outro modo: prevalece o meio processual de âmbito especial.
Assim, as ilegalidade materiais da penhora são objecto tanto de oposição à penhora, como de embargos de terceiros. Mas já a penhora
de bens do exequente pode ser impugnada em reclamação do acto de penhora, dado não se tipificar outro meio.
Quanto às nulidades dos actos processuais, i.e., vícios de procedimentos, o CPC dá um regime específico de arguição e suprimento: as
nulidades principais da falta de citação e nulidade de citação, as nulidades secundárias de prática de acto ou despacho do AE que a lei
não admita ou omissão da sua prática, são objecto de requerimento nos termos do 188, 191 e 195.
Este regime afasta, pela sua especialidade, a reclamação da al. c). Em especial, o regime geral da arguição de nulidade inominada vale
tanto para as partes, como para os intervenientes, como seja, os preferentes ou os terceiros adquirentes – p.e., o comprador de
imóvel pode arguir a nulidade por omissão de emissão de título de transmissão, como impõe o 827/1.

 Pressupostos processuais
O tribunal da execução é o competente para receber e julgar a reclamação ou impugnação, 723/1/c) + 91/1.
Essa competência mantém-se em duas situações limite: para a impugnação do despacho de extinção da execução (844) e para a
impugnação do despacho de não reabertura da execução (850).
Apresentam legitimidade para reclamar os sujeitos directa e efectivamente afectados pelo acto, seja parte, interveniente ou mesmo
terceiro, por força das regras gerais de legitimidade do 631/2 e 30/1. No caso dos despachos sobre requerimento de parte tem
legitimidade quem viu o pedido julgado improcedente. Como se viu, tmbém “não parte” ou meros intervenientes (depositários,
compradores, preferentes, remidores) podem reclamar – ex: o comprador de imóvel pode reclamar para o juiz dos erros de teor do
título de transmissão a seu favor, passado nos termos do 827/1.

 Procedimento
A reclamação é um incidente, já que vai terminar numa decisão judicial sobre uma questão jurídica, material ou processual. Por isso,
podem aplicar-se-lhe, por analogia, as normas gerais do 293 e ss no que forem compatíveis com o 723/1/c). O procedimento começará
sempre a requerimento do interessado. A competência prevista no 723/1/c) não é de exercício oficioso. O tribunal não poderá
conhecer dos vícios em questão se não for a pedido das partes. O requerimento de reclamação deve ser deduzido no prazo de 10 dias
a contar da notificação do acto ou do seu conhecimento, se este ocorrer primeiro (149).
Na ausência de previsão legal, a reclamação não tem efeito suspensivo, prosseguindo a marcha do processo. Daí que o juiz tenha que
decidir num curto prazo.
Todo processo ocorrerá em modo contraditório, devendo ser ouvida a parte contrária, ao abrigo do 3/3, pois os efeitos jurídicos do
acto também lhe dizem respeito. O AE não é parte na questão de reclamação, por isso não tem que ser ouvido, no entanto, o tribunal
pode solicitar-lhe esclarecimentos.
O juiz fará o julgamento das reclamações de actos do AE no prazo de 10 dias. O uso de reclamação fora do seu âmbito deve redundar
em absolvição da instância por falta de pressuposto processual inominado de não concurso com outros meios. Se o pedido for
manifestamente injustificado, o juiz pode aplicar multa ao requerente (723/2), por se tratar de má-fé processual objectiva, por dolo ou
negligência grave.

 Decisão final
Se o acto decisório do AE for revogado, pode ser necessário a sua repetição, ergo substituição, consoante as circunstâncias processuais
– ex: se o AE, por lapso, não fez a identificação sumária dos bens levado à venda no anúncio (817/3), o acto precisa ser completado.
De igual modo, se o acto for declarado nulo nos termos do 615/1 ou se for revogado por erro de julgamento de direito ou de facto, na
maior parte das vezes tem de ser substituído, se havia sido proferido a requerimento da parte ou se for um acto processual que o
procedimento não possa dispensar.
A competência para o proferimento de um despacho substitutivo é do juiz de execução ou do AE?
Suponha-se, p.e., que o executado requerera ao AE que declarasse extinta a execução por ter pago a dívida (849/1/a) e que o AE
indeferiu o requerimento com fundamento em que a responsabilidade não foi toda satisfeita. Trata-se de um caso em que
manifestamente pode ser deduzida impugnação ao abrigo da al.c). Ora, se o juiz a julgar procedente, revogado o despacho do AE, terá
competência para proferir despacho substitutivo de extinção da instância?
Entendemos que sim, uma vez que no nosso sistema recursal prevalece a regra da substituição. Como se trata de actos declarativos de
situações jurídicas – e não de actos materiais, que exigem competência executiva - , o juiz pode proferir despacho substitutivo do
despacho revogado.
Não há recurso da decisão do juiz sobre a reclamação ou impugnação – excepção ao 627/1, prevista no 723/1/c). No entanto, o
853/2/b) prevê que cabe recurso de apelação da decisão do juiz que determine a suspensão, a extinção ou a anulação da execução.
Mas impõe-se uma interpretação restritiva: a regra não se aplica aos despachos que, com esse teor, o juiz profira em sede do 723/1/c).
Ainda assim, pode ser objecto de rectificação de erro material, de suprimento de nulidade e reforma, como decorre do 613/2/3.

Definitividade dos despachos do agente de execução


- Proferido o despacho, o AE fica com a competência decisória esgotada. Ele não pode revogar oficiosamente a sua decisão (613/1);
- O AE pode oficiosamente ou a requerimento rectificar erros materiais, 614. Mas não tem competência para conhecer das nulidades
decisórias do 615 ou de pedido de reforma do 616/2;
- O despacho do AE pode, apenas, ser revogado por impugnação do interessado (723/1/c), sob pena de sanação dos respectivos vícios;
- O despacho do AE considera-se definitivo depois de não ser susceptível de impugnação perante o juiz, seja por que o prazo de 10 dias
decorreu sem a sua dedução, seja porque a decisão que julgou a impugnação improcedente transitou em julgado.

Natureza jurídica do agente de execução e dos seus actos. Responsabilidade Civil


LOPES REGO: o solicitador é um profissional liberal;
LEBRE DE FREITAS: é um misto de profissional liberal e funcionário público, assumindo, assim natureza híbrida.
Lei 154/2015, 14/09: art. 162/1 determina que agente de execução é o auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público,
exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza nos processos de execução, nas notificações, nas
citações, nas apreensões, nas vendas e nas publicações no âmbito de processos judiciais, ou em atos de natureza similar que, ainda
que não tenham natureza judicial, a estes podem ser equiparados ou ser dos mesmos instrutórios.
Efectivamente, na acção executiva, o AE aparece como um oficial público que é auxiliar de justiça, na expressão de LEBRE DE FREITAS,
exercendo ius imperii em nome do Estado, seja na direcção do processo, seja na realização de actos materiais de realização coactiva da
prestação. Afinal é esse seu papel que explica o estatuto específico, exigente no plano dos princípios, deveres e sanções.
Mas, ao mesmo tempo, o AE não é um funcionário do Estado. É um profissional liberal. Não há relação laboral ou hierárquica do AE
perante o Estado, maxime, o juiz.
No entanto, o sistema actual de designação pessoal e de destituição, nos termos do 720/1/4, parece colocar o AE na dependência do
exequente. Alguns vêm aí um contrato de prestação de serviços, na subespécie de mandato. RUI PINTO discorda, nunca se constitui
mandato entre o AE e o exequente, na medida em que este possa dar instruções àquele ou algo do género, sobre a penhora, a venda
ou o pagamento. Para além de que o AE está sujeito a um dever de imparcialidade (119 e 168/1) – que garantem que é também AE do
executado.
RUI PINTO está de acordo com o 163/3 EOSAE, segundo o qual, o AE, ainda que nomeado por uma das partes, não é mandatário desta
nem a representa. Isto tem consequências teóricas e práticas de relevo:
- a paragem do processo por falta de actos processuais do AE não é imputável a negligência do exequente (277/c) e 281/5);
- negada a relação de mandato como o exequente, sobressai a sua natureza de auxiliar de justiça, que na prossecução do interesse
público, exerce poderes de autoridade pública. O AE exerce poderes do Estado e actua por conta e em nome dele;
- em consequência desta representação do Estado pelo AE, é forçoso concluir que o Estado pode ser responsabilizado pelas actuações
dolosa ou negligentes do AE (art. 12 Lei 67/2007) - danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por
violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da
função administrativa.
- pode também o exequente ser responsabilizado por culpa in elegendo – ex: se um AE causar dano ao executado por actos que
integram um padrão de comportamento reiterado e que era objecto de processos disciplinares já pendentes à data da escolha do
agente, o Estado pode responder nos termos da responsabilidade civil extracontratual e o credor também, por não poder ignorar
aqueles.
Por fim, em qualquer cenário, o AE que viole os seus deveres legais e deontológicos responde civilmente pelos danos causados pelas
suas actuações (maxime, deveres de legalidade e diligência) eventualmente em responsabilidade solidária com a parte coautora do
facto danoso ou que, ao menos, o podia ter impedido.

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