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ALBANO MACIE, 2021
5. A origem do Direito Administrativo: o contributo Francês e sua
irradiação pelo mundo continental, em particular, Portugal
No sistema francês, o marco do nascimento do Direito Administrativo,
como ciência, é a Revolução Francesa, ocorrida desde o ano de 1789. O
resultado desta Revolução foi, segundo RIVERO:
“1.º (…) uma obra de destruição: a quase totalidade da Administração
do Ancién Regime desaparece. É, pelo menos na aparência, a tábua rasa, a
ruptura total com o passado. Subsistem apenas os corpos administrativos
especializados, devido ao seu carácter técnico.
2.º (…), vai tentar a Revolução edificar uma Administração racional,
uniforme e coerente. Das diversas tentativas que nesse sentido se sucedem
apenas se manterá um elemento positivo: o recorte territorial da França em
departamentos e comunas (…).
3.º (…), a Revolução formula os princípios de filosofia política que
permanecerão como base de toda a ulterior elaboração: o primado da lei,
a separação das autoridades administrativas e judiciais, o liberalismo político,
a igualdade dos cidadãos perante a Administração, o liberalismo económico
(…)”1.
Na França Revolucionária, o nascimento do Direito Administrativo não
deixou de constituir um prodígio. Com efeito, o Direito Administrativo nasce
como um verdadeiro milagre. A expressão “milagre” pertence ao autor
Prosper WEIL. Este afirma que “A própria existência de um direito administrativo
é, em alguma medida, fruto de um milagre. O direito que rege a actividade
dos particulares é imposto a estes de fora e o respeito pelos direitos e
obrigações que ele comporta encontra-se colocado sob a autoridade e a
sanção de um poder exterior e superior: o do Estado. Mas causa admiração
que o próprio Estado se considere ligado (vinculado) pelo direito. (...) Não
esqueçamos, aliás, as lições da história: a conquista do Estado pelo direito é
relativamente recente e não está ainda terminada por toda a parte. (...) Fruto
de um milagre, o direito administrativo só subsiste, de resto, por um prodígio
2 WEIL, Prosper, O Direito Administrativo, Coimbra, 1977, pp. 7-10. Sublinhado nosso.
3 Pluviose corresponde ao actual mês de Janeiro, só que na França Revolucionária tinha trinta
dias, aliás, todos os meses tinham trinta dias. Recorde-se que a 31 de Dezembro de 1805,
Napoleão Bonaparte aboliu o calendário revolucionário e introduziu a 1 de Janeiro de 1806,
o calendário Gregoriano. Os meses antes da abolição do calendário revolucionário eram
designados em França da seguinte maneira: Vindimaire (Setembro); Brumáire (Outubro);
Frimáire (Novembro); Nivôse (Dezembro); Pluviose (Janeiro); Ventôse (Fevereiro); Germinal
(Março); Floreal (Abril); Prairial (Maio); Messidor (Junho); Thermidor (Julho) e Fructidor (Agosto).
4 RIVERO, Jean, Direito Administrativo, ob. cit., p. 157.
5 RIVERO, Jean, Direito Administrativo, ob. cit., pp. 157-158.
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Portanto, os revolucionários franceses pretenderam evitar que a nova
entidade administrativa nascida do processo revolucionário continuasse a
sofrer ingerências dos parlamentares e dos tribunais judicais. Com efeito, o
princípio de separação de poderes significou, essencialmente, a
independência absoluta entre o Poder Judicial e o Poder Executivo. Façamos
falar o Professor Jean Rivero sobre o assunto: «Os revolucionários temem que
os corpos judiciários retomem no que toca à nova Administração, a tradição
de ingerência e de oposição dos parlamentos. É por isso que fazem derivar
do princípio de separação de poderes a proibição de o judicial estatuir sobre
os litígios em que a Administração está em causa (…)»6.
A separação absoluta entre o Judiciário e o Executivo reside na ideia
de que se os processos administrativos fossem julgados pelos tribunais judiciais,
dar-se-ia poder para que os juízes ordinários alvoraçassem a actividade
administrativa e, desde logo, atrapalhassem a independência da
Administração no exercício das suas funções. Esta concepção dos
revolucionários de interpretação do princípio de separação de poderes é
consagrada em lei. Com efeito, a Lei de 16-24 de Agosto de 1790 estabeleceu
que: «As funções judiciárias são distintas e residem sempre separadas das
funções administrativas. Os juízes não atrapalharão, sob pena de
prevaricação, não perturbarão, de qualquer maneira que seja, as operações
dos corpos administrativos, nem citarão os administradores por razão das suas
funções».
Esta lei quebra todas as veleidades, e mesmo todas as possibilidades,
pelos tribunais judiciais de desafiar a autoridade do Poder Executivo do
Estado7.
Procedia-se8, então, ao princípio da separação absoluta das
autoridades judiciária e administrativa, impedindo-se os tribunais de
13 Portanto, resulta líquido que a principal fonte do Direito administrativo era a jurisprudência
do Conselho do Estado.
14 O Tribunal de Conflitos é instituído pela Lei de 24 de Maio de 1872, com composição
pelo modelo francês: “A mais bela e útil descoberta moral do século passado foi, sem dúvida,
a diferença de administrar, e julgar; e a França, que a fez, lhe deveu desde logo a ordem no
meio da guerra, e aquela rapidez de recursos de homens e dinheiro (…), aquela prosperidade
rápida (…) e aquela ordem que a tem (…) feito aparecer melhorando sempre, e ganhando
em liberdade, sem perder em força e segurança” (AMARAL, Digo Freitas do, Curso de Direito
Administrativo, 3.ª edição (2.ª reimpressão), Vol. I, Almedina, 2008, p. 74. No mesmo sentido
ver a reimpressão da 4.ª edição de 2015, em 2018 deste Manual).
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autoridade poderá avocar as causas pendentes, sustá-las, ou fazer reviver os
processos findos21.
Com efeito, em 1832, foram aprovados os Decretos n.º 22, 23 e 24, de
16 de Maio, que procederam à reforma da Justiça, da Administração e da
Fazenda, respectivamente.
Assim, soavam os ventos da Revolução francesa no mundo português.
Isto corresponde a um aspecto político do regime administrativo. Agora,
olhemos para a parte doutrinária e do ensino do Direito Administrativo em
Portugal.
O Direito Administrativo, digo a Ciência da administração pública e
direito administrativo não figuravam nos títulos das cadeiras de que se
compunham os dois cursos jurídicos, - o da Faculdade de Cánones e o da
Faculdade de Leis -, organizados pelos notáveis estatutos pombalinos de 1772,
nem tam pouco nas denominações das cadeiras do quadro ordenado por
alvará de 16 de Janeiro de 180522.
Este ser das coisas é sintomático de não ter ainda ocorrido o milagre
francês, a Revolução, que só ocorrera a partir de 1789, época de início de
elaboração científica do Direito Administrativo.
Só em 1836, regista-se, em Portugal, o início do estudo do Direito
Administrativo. Diz o Professor Marcello CAETANO que “O autor que parece
ter dado tom à formação administrativa dos introdutores do sistema francês
em Portugal e dos que primeiramente o ensinaram e praticaram, foi BONNIN,
através de dois dos seus livros: os principes d´administration publique (…) e o
Abrégé des principes d´administration, publicano em 1829. A edição de 1812
dos Principes foi profusamente distribuida pelos deputados às Constituintes de
1820 (…). Mas o mais importante foi que, instituída na reforma de estudos
jurídicos de 1836 a cadeira de Direito Público Português pela Constituição,
Direito Administrativo Pátrio, Princípios de Política e Direito dos Tratados de
21Ver AMARAL, Diogo Freitas do, Curso …, ob. cit., Vol. I, p. 73.
22PEDROSA, A. L. Guimarães, Ciência da Administração e Direito Administrativo (Prelecções
feitas na Universidade de Coimbra), I, segunda edição, Imprensa da Universidade, Coimbra,
1908, p. 5.
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Portugal com os outros povos, a obra de BONNIN aparece como texto
seguido pelo primeiro Lente da Cadeira, o Dr. BASÍLIO ALBERTO DE SOUSA
PINTO”23.
O estudo do Direito Administrativo iniciado em 1836 foi restrito, devido à
sua junção com outras disciplinas. A partir de 1844, o ensino do Direito
Administrativo foi associado à cadeira de Direito Criminal. Em 1853, criou-se a
disciplina de Direito Administrativo Português e Princípios de Administração,
separando-se assim do Direito Criminal. Em 1857, o dr. JUSTINO ANTÓNIO DE
FREITAS publicou as lições sobre Instituições de Direito Administrativo
Português, adoptadas como compêndio de aulas. Em 1859, a cadeira passou
a designar-se unicamente Direito Administrativo, sendo leccionada no 3.º ano
da Faculdade de Direito de Coimbra. Mas, em 1865, houve de novo uma
alteração, a 7.ª cadeira do curso passou a designar-se Princípios Gerais e
Legislação Portuguesa sobre administração pública, sua organização e
contencioso administrativo24.
Em 1901, realizou uma reforma do curso de Direito na Universidade de
Coimbra, passando o curso a ter 19 cadeiras, sendo a 9.ª cadeira com a
designaçã «Ciência da Administração e Direito Administrativo», leccionada
no 3.º Ano.
Até o surgimento da obra do Professor Marcello Caetano, da qual
falaremos, podemos afirmar que a literatura portuguesa na área do Direito
Administrativo foi dominada pela casuística. “Não se pode sequer falar de
orientação exegética, porque os códigos administrativos não eram
comentados, glosados, desenvolvidos, mas simplesmente anotados com a
indicação das leis extravagantes, da jurisprudência dos tribunais, das
resoluções e circulares do Ministério do Reino”25.
26 MONDLANE, Eduardo. Lutar por Moçambique, 1.ª ed. Moçambicana, Colecção Nosso
Chão. Maputo, Centro dos Estudos Africanos, 1995, p. 31.
27 Ver MACIE, Albano, Forças Armadas na Segurança Interna. O caso de Moçambique (Tese
século XIX. Modelos, doutrinas e leis, Instituto de Ciências Sociais, Lisboa, 2017, p. 37.
33 Veja-se como era descrita a situação colonial em Moçambique: resume no seguinte o
militar, para o intelectual, através de publicações. Pode-se apontar os casos do Jornal Brado
Africano mais activo a partir de 1932, embora já tivesse surgido em 1920 uma organização
chamada Grémio Africano, mas que não resistiu e sucumbiu perante o regime fascista, sem
embargo aqui de se referir a uma ala desta organização que conseguiu fundar o Instituto
Negrófilo, mais tarde conhecido por Centro Associativo dos Negros de Moçambique. Na
década de 1940, entrou em cena de contestação, através de artes e poesia, uma faixa de
intelectuais constituída por pintores, poetas e escritores, destacando-se Malangatana
Valente Nguenha, José Craveirinha, Luís Bernardo Honwana e Noémia de Sousa. Em 1949,
com punho do Doutor Eduardo Mondlane, é constituído o Núcleo dos Estudantes Secundários
Africanos (NESAM) ligado ao Centro Associativo dos Negros de Moçambique, que através de
actividades culturais e sociais, conduzia a campanha política entre a juventude. Um pouco
antes da NESAM, em 1947, regista-se em Maputo (Lourenço Marques) uma série de
contestações laborais no cais e em plantações em redor da Cidade Capital, que culminaram
com uma greve, embora não bem-sucedida em 1948, tendo sido a maior parte dos grevistas
deportada para São Tomé e Príncipe. O início da década de 60 representou o apogeu da
contestação. A agitação cresceu também na zona norte do País. Foi precisamente a 16 de
junho de 1960, que o crescimento da contestação culminou com o massacre de Mueda
(MACIE, Albano, Forças Armadas na Segurança Interna, Ob. cit., pp. 99-101). Escreve
MONDLANE que “Depois do massacre, a situação no Norte nunca mais voltou ao normal.
Espalhou-se por toda a região um ódio amargo contra os portugueses e ficou de uma vez
por todas demonstrado que a resistência pacífica era inútil” (MONDLANE, Eduardo, Lutar por
Moçambique, ob. cit., p. 99).
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- MANU (Mozambique African National Union), formada em 1961, a
partir de vários pequenos grupos já existentes entre moçambicanos
trabalhando no Tanganhica e Quénia, sendo um dos maiores o Mozambique
Makonde Union;
- UNAMI (União Africana de Moçambique Independente), fundada por
exilados da região de Tete que viviam em Malawi”36.
A FRELIMO, Frente de Libertação de Moçambique, foi fundada a 25 de
Junho de 1962, em Dar-Es-Salam, República Unida da Tanzânia, fruto da
unificação dos três movimentos.
A 7 de Setembro de 1974, a FRELIMO e o Governo Português celebraram
o Acordo de Lusaka, que teve como escopo a transferência dos poderes do
Governo colonial para a FRELIMO, como legítimo representante do Povo
Moçambicano37, o que conduziu à proclamação da Independência
Nacional, a 25 de Junho de 1975.
Como resultado, a FRELIMO aprovou, na VII Sessão do seu Comité
Central, realizada no Tofo, Província de Inhambane, em 20 de Junho de 1975,
a Constituição da República Popular de Moçambique, o acto jurídico
fundador do Estado Moçambicano independente e soberano.
O novo Estado, o Estado de Democracia Popular, tinha como
objectivos fundamentais:
Assim, segundo Karl Marx, o Estado e o Direito são superestruturas, isto é, produtos e reflexos
da infraestrutura constituída pelos modos de produção. Os modos de produção determinam
as relações entre as classes sociais. Essas relações estão transpostas nas superestruturas (o
Direito, o Estado, a religião, a ideologia) que têm por objectivo operacionalizá-las e sancionar
a sua violação. O Estado é, nesta perspectiva, um instrumento das classes exploradoras cuja
finalidade é manter a sua dominação. Ele é produto e manifestação do carácter
inconciliável das contradições de classe. Assim, o Estado é apenas um instrumento de
opressão. Para devolver ao ser humano a sua liberdade e dignidade, o Estado deve, pois,
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A questão da forma do sistema de governo nos países da África e da
Ásia recém-independentes adquiriu um significado político especial devido à
existência, em muito deles, de um grande número de tribos e grupos
nacionalistas ainda não constituídos em nações, assim como devido às
diferenças étnicas, rácicas, e religiosas entre as tribos, os grupos nacionais e
as nações. As potências coloniais deixaram em herança aos jovens Estados
um novelo extraordinariamente complexo de contradições nacionais. Na
desaparecer na sua forma actual e para isso, Marx propõe a necessidade de se atacar as
causas do aparecimento do Estado e, consequentemente, mudar os modos de produção,
suprimindo a propriedade privada dos instrumentos de produção (Ver. MARX, K. e ENGELS, F.,
Manifesto do Partido Comunista, Instituto Nacional do Livro e do Disco, 1979, p. 33 e ss.;
CISTAC, Gilles, Evolução Constitucional da Pátria Amada, CEDIMO, SARL, Maputo, 2009, pp.
15-16). Como esclarece CISTAC, sobre a teoria Marxista, com a apropriação dos meios de
produção, as classes exploradoras desaparecerão e o Estado como instrumento de opressão,
será privado da sua razão de ser e, consequentemente, se enfraquecerá, e desaparecerá a
função política do Estado e mudança radical de sua natureza (CISTAC, Gilles. Evolução ...,
ob. cit., [126], p. 16).
À concepção Marxista do Estado, Lenine trouxe importantes acréscimos, nomeadamente, a
teoria da ditadura do proletariado. Segundo esta teoria, o Estado, instrumento de opressão,
deve ficar temporariamente em funcionamento mesmo quando a classe dominante é o
proletariado. Ele não deve mudar a sua natureza, mas continuar a exercer a sua opressão,
mas ao serviço do proletariado que o exercerá contra as antigas classes exploradoras até ao
seu desaparecimento completo. Todavia, o proletariado ainda demasiado inculto
politicamente para conduzir a sociedade para a edificação do comunismo, deve ser guiado
na sua acção pelo Partido Comunista. Segundo Lenine, o Partido Comunista é a vanguarda
da classe operária e dos camponeses. Ele deve animar e supervisionar permanentemente
todos os órgãos do Estado e todas as organizações que enquadram o povo. Para poder
realizar a sua missão, o Partido Comunista deve organizar-se de forma muito estrita e ter uma
disciplina rigorosa. Todavia, ele deve também permanecer uma organização democrática.
A conciliação entre esta dupla exigência, da disciplina partidária e da democracia do
partido, segundo Lenine, resulta da aplicação do princípio do centralismo democrático. O
processo de decisão no Partido se desenrola em duas fases. Na primeira fase, se desenvolve
um debate livre, os dirigentes consultam a base sobre a política a seguir em relação a cada
problema; a cada nível, as soluções hipotéticas são apreciadas e teses são elaboradas e são
transmitidas ao nível superior onde elas são confrontadas e sintetizadas. Este processo
caminha até a cúpula onde a decisão é tomada. A esta fase crescente, sucede a fase
decrescente: as decisões tomadas no topo devem ser executadas de forma rigorosa pela
base, a todos os níveis, qualquer que seja o parecer que foi inicialmente formulado. Além
disso, o carácter democrático da organização manifesta-se também na eleição das
instâncias superiores pelas instâncias inferiores e devem apresentar relatórios periódicos sobre
a sua actuação. Assim, porque a democracia existe no Partido e que este ausculta as
aspirações das massas, Lenine acredita que a ditadura do proletariado é “um milhão de
vezes mais democrática que a democracia burguesa” (Ver LENINE, Vladimir I. O Estado e a
Revolução. Lisboa-Moscovo: Editorial «Avante», Ed. Progresso, 1978, pp. 32 e ss.; CISTAC, Gilles.
Evolução ..., ob. cit., p. 17).
Todavia, este raciocínio fundamenta-se num duplo postulado que numa perspectiva histórica
não se verificou, a saber: o partido é o fiel intérprete das aspirações das massas e que a
democracia funciona realmente dentro dele (CHANTEBOUT, B. Droit Constitucionnel et
Science Politique, p. 262 apud CISTAC, Gilles, Evolução ..., ob. cit., p. 17).
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administração colonial dividiram-se artificialmente as tribos e os povos; as
fronteiras estatais foram feitas sem ter em conta os factores nacionais,
económicos e geográficos; ao saírem das colónias, as potências imperialistas
complicaram ainda mais no sistema de governo, atiçando as desavenças
inter-tribais e religiosas41.
Por este facto, é característica dos jovens Estados, como Moçambique,
uma aspiração à formação de uma forma unitária (centralizada) de sistema
de governo, que possibilite o reforço do poder central e o fortalecimento da
sua soberania, a união das diferentes tribos e grupos nacionais numa nação
una, a formação de um mercado nacional único42.
Portanto, passamos a caracterizar a nova ideia de direito na
Constituição de 1975, que se traduziu nas seguintes características
marcantes43:
- Implantação de um Estado Socialista, baseado na democracia
popular, cujos objectivos era a construção de uma sociedade livre de
exploração do homem pelo homem; uma política económica
intervencionista segundo a qual incumbe ao Estado agir em todos os sectores
da vida económica para impedir que a circulação do poderio económico
conduza a uma dominação de algumas camadas possuidoras sobre o
conjunto dos cidadãos e para garantir ao Estado os rendimentos que lhe
permitam realizar a sua política de redistribuição (art.º 2.º, 6.º e 10.º da CRPM);
- O princípio de Estado Máximo, segundo o qual deve ser o Estado a
fazer o controlo de tudo que é essencial da vida do Estado e da sociedade:
planifica, promove e impulsiona a economia (art.º 3.º, 9.º e 10.º da CRPM);
- O carácter nacionalista, que é formulado na Constituição através da
apropriação da terra e dos recursos naturais (art.º 8.º da CRPM);
- A visão leninista do Partido de Vanguarda, entendida não como um
grupo de pessoas apenas ou uma oligarquia de poder, prestígio e privilégio,
Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane, Vol. II, Junho de 1997, pp. 225-203.
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elas cumpram a sua tripla missão de educação, de dissuasão e de repressão,
Samora Machel considerou como fundamental o conhecimento das
diferentes realidades sócio-culturais no nosso Pais. Samora Machel, dirigindo-
se aos deputados perguntou se os chamados «defensores populares»
contribuem para a descoberta da verdade e do crime, como é do interesse
do povo, ou são os maus imitadores dos advogados do capitalismo?
Porque é que as cadeias estão cheias de presos que aguardam
durante longos meses o seu julgamento? Porque não se julgam os criminosos
nos locais de residência, nos locais de trabalho, ou mesmo onde o criminoso
praticou o crime envolvendo, no julgamento, as populações que foram
vítimas desses actos anti-sociais? – perguntou ainda Samora Machel,
observando que na aplicação da justiça e na formação dos quadros que a
administram há aspectos importantes a corrigir?
A decisão e críticas feitas pelo Chefe do Estado mereceram uma
calorosa aprovação por parte dos deputados”.
A 9 de Março de 1987, depois de uma exposição54 feita ao Senhor
Ministro da Justiça, ao Presidente do Tribunal Superior de Recurso e ao
Procurador-Geral da República, pelos magistrados judiciais e do ministério
público, alegando a decisão do Presidente da República, Samora Machel,
que fora anunciada na II Conferência Nacional da Organização da
Juventude de Moçambique, realizada em Março de 1986, de «reabrir a
Faculdade de Direito», procuraram saber das medidas, passos e dificuldades
que estavam em curso para a concretização da decisão presidencial.
A 17 de Agosto de 1987, a Faculdade de Direito da Universidade
Eduardo Mondlane foi, finalmente, aberta, numa sessão dirigida pelo Reitor
da Universidade, Dr. Rui Baltazar dos Santos Alves, cujas aulas já tinham
iniciado no dia anterior. É nesta reunião que é apresentado o professor doutor
Machatine Paulo Munguambe, como novo Director da Faculdade de Direito.
54Consta que a exposição tinha sido assinada pelos ilustres Abdul Carimo Mahomed Issá,
Afonso Armindo Henriques Fortes, Sinai Josefa Nhatitima, Fernando Cunha, Isabel Rupia, Rosa
White e Afonso António Antunes.
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Na fase da retomada, a Faculdade funcionou apenas com alunos do
3.º ano, num total de 80 estudantes-trabalhadores.
O calendário apresentado obedecia ao início de cada ano lectivo
para o mês de Julho, devendo a partir de 1988, receber os novos ingressos.
Desde esta altura, a Faculdade cresceu e ganhou robustez,
colocando-se hoje como referência no ensino do Direito em Moçambique,
ministrando os cursos do 1.º Ciclo (licenciatura), 2.º Ciclo (Mestrado) e 3.º Ciclo
(Doutoramentos). Os programas de ensino foram sendo ajustados às
necessidades de cada época da evolução social, económica, cultural e
política do País.
A nossa disciplina é lecionada no segundo ano do 1.º Ciclo, quer no
período laboral, quer no período pós laboral.
Em termos de ensino da nossa disciplina, há que registar os seguintes
contributos, entre outros:
- a regência do Mestre Paulo Machatine Marrengane Munguambe,
que também assumiu as funções de Director da Faculdade, (…) modificou o
ensino da disciplina, mas o seu magistério teve como referência as obras do
Professor Marcello Caetano e Diogo Freitas do Amaral.
- Em 1993, a Faculdade conta com uma grande aquisição, na área do
Direito Administrativo, o Professor Catedrático Gilles Cistac, de origem
francesa, que modificou o ensino da disciplina metodologicamente e em
termos dos conteúdos.
- Ingressou na disciplina, desde 2010, depois da nomeação do Professor
Paulo Machatine Munguambe, como Presidente do Tribunal Administrativo, o
doutor João Martins, assumindo a regência do Direito Administrativo no
período laboral.
- Desde 2015, com a morte do Professor Gilles Cistac, barbaramente
assassinado a 3 de Março de 2015 e do doutor João Martins, assumiu a
regência da Disciplina o Professor Paulo Daniel Comoane, antigo assistente
dos dois professores, e actualmente Juiz Conselheiro do Tribunal
Administrativo.
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Em termos de literatura no âmbito do Direito Administrativo
moçambicano, há a registar, entre outros, o seguinte relevante para o ensino
da disciplina:
- do Juiz Conselheiro do Tribunal Administrativo, dr. Januário Fernando
Guibunda, “Dúvidas em Direito Administrativo”, Alcance editores, 2012;
- do Juiz Conselheiro do Tribunal Administrativo, Professor Paulo Daniel
Comoane, “Aplicação da Lei do Trabalho nas Relações de Emprego Público”
(Dissertação de Mestrado), Almedina, 2007;
- do dr. Alfredo Chambule, “Garantias dos Particulares, Vol. I”, Imprensa
Nacional, 2002;
Em particular, da nossa autoria, contam-se:
- Lições de Direito Administrativo Moçambicano, Vol. 1, Escolar Editora,
2012;
- Lições de Direito Administrativo Moçambicano, em especial, Função
Pública: Funcionários e Agentes do Estado, 2015;
- Lições de Direito Administrativo Moçambicano: Actividade
administrativa e garantias dos administrados, Vol. III, 2015;
- Lições de Direito Administrativo Moçambicano, Vol. 2, Escolar Editora,
2018;
- Tratado do Direito da Função Pública, Escolar Editora, 2021;
- Descentralização em Moçambique, Escolar Editora, 2021.
- Manual de Direito Administrativo, Editora Escolar, 2021.
§2.º
Essência do Direito Administrativo
8. O regime administrativo
Num texto interessante escrito pelo extinto Professor Gilles CISTAC, sobre
o Direito Administrativo em Moçambique, este, citando Maurice HAURIOU,
MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO VOL. 1
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escreveu que “Todos os países modernos assumem funções administrativas,
mas nem todos possuem regime administrativo”55.
Assumir funções administrativas significa simplesmente providenciar as
necessidades colectivas de ordem pública e assegurar o funcionamento de
alguns serviços públicos para a satisfação do interesse geral e a gestão dos
assuntos públicos56.
Qualquer Estado assume funções administrativas. Contudo, os Estados
podem desempenhar estas funções de uma de duas formas: Ou exerce as
funções administrativas confiando-as ao controlo de um poder jurídico
especial e submetidas ao controlo também de um tribunal especial; ou as
exerce submetidas a um regime jurídico comum ou ordinário e ao tribunal
comum, em igualdade de circunstâncias com os cidadãos em geral.
Ora, sendo as funções exercidas num modelo comum igual a dos
cidadãos, em termos da sua disciplina jurídica e controlo jurisdicional, então
esses Estados não têm regime administrativo. É o caso do Reino Unido da Grã
Bretanha, que não dispõe de regime administrativo, pois “… o direito é “um”,
no sentido de que, em princípio são as mesmas regras que regem todas as
relações jurídicas dentro de um mesmo Estado, qualquer que seja a natureza
dessas relações jurídicas. Para ser mais rigoroso, isto não quer dizer que não
existe um "Direito Administrativo" nos países anglo-saxónicos. Em bom rigor, em
todos os Estados, quaisquer que sejam, existe necessariamente, do ponto de
vista material, um conjunto de regras que se chamam "Direito Administrativo",
que regem a organização e as competências das autoridades administrativas
e definem os direitos e as garantias dos administrados quando eles sofrem um
prejuízo em relação a essas autoridades. O que não existe nesses países é um
“modelo europeu” e, sobretudo, um “modelo francês” de Direito
Administrativo”57.
55 HAURIOU, Maurice, Precis de Droit Administratif et de Droit Public, apud CISTAC, Gilles, O
Direito Administrativo em Moçambique, ob. cit., pp. 2-5.
56 CISTAC, Gilles, O Direito Administrativo em Moçambique, … ob. cit., p. 2.
57 CISTAC, Gilles, O Direito Administrativo em Moçambique, … ob. cit., pp. 2-3.
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As diferenças entre o regime administrativo e o anglo-saxónico residem
na espécie e não no género, isto é, na maneira de submeter a Administração
Pública ao Direito. Com efeito, no sistema executivo “as regras administrativas
específicas, apesar do seu número e importância, são apresentadas como
tendo um carácter excepcional e derrogatório do direito comum que seria o
direito privado; e que este, apesar de que ele regula muito pouco a
actividade da Administração Pública, é apresentado como o direito comum
da sua acção. Pois, trata-se, antes de tudo, de uma questão de hábito face
às necessidades e inevitáveis regras administrativas específicas”58.
Para os países que receberam o regime administrativo, como o nosso,
apresentam as seguintes características59-60:
- centralização das funções administrativas numa autoridade jurídica
do poder executivo, seguida de uma separação das atribuições entre o
Poder Executivo e o Poder Judicial, no que se refere à administração do
Direito.
O poder executivo, representado pelo Governo, como autoridade
central e principal da Administração Pública, enquanto jurídico, incumbe-lhe
estabelecer o quadro normativo que regulará a sua própria actividade e
actuação. Com efeito, incumbe ao Governo exercer o poder regulamentar
próprio (regulamentos independentes) e delegado pelo Legislador
(regulamentos executivos), bem como exercer o poder legislativo por
autorização da Assembleia da República (Decretos-lei)61.
- os agentes administrativos não estão sob autoridade directa dos
tribunais comuns e das leis gerais (Lei do trabalho), mas sim sob autoridade
hierárquica de superiores que pertencem ao poder executivo e a sua
actuação é regulada por regulamentos e leis especiais (art.º 251 da CRM);
58 BÉNOIT, F. P., n.º 98 apud CISTAC, Gilles, O Direito Administrativo em Moçambique, … ob.
cit., p. 3.
59 HAURIOU, Maurice, Précis de Droit Administratif, p. 1-3.
60 CISTAC, Gilles, O Direito Administrativo em Moçambique, … ob. cit., p. 3.
61 Cfr. artigos n.º 4 do artigo 142; n.º 3 do artigo 178, ambos da CRM.
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- as decisões das autoridades do poder executivo gozam de auto-
executoriedade sem que seja necessária a intervenção prévia dos tribunais –
privilégio de execução prévia [Alínea d) do art.º 19 da Lei n.º 14/201162];
- os funcionários têm um regime especial de responsabilidade civil em
caso de danos causados no exercício das suas funções e por causa deles,
subtraído do regime geral (Art.º 58 da CRM);
- uma dualidade de jurisdições: uma para julgar os cidadãos, no geral
(Tribunais Judiciais) e outra especial para julgar a Administração Pública,
nomeadamente a jurisdição administrativa (Art.ºs 222 e 227 da CRM);
- a Administração Pública actua pela “via administrativa” e não pela
“via judicial”. Isto é, as decisões da Administração Pública são executórias, e
para serem cumpridas não é preciso que sejam acompanhadas por uma
sentença judicial prévia, a Administração Pública pode constranger o faltoso
a cumprir coercivamente, através da polícia administrativa;
- a Administração Pública submete-se às normas diferentes das do
Direito Privado, isto é, a um direito especial, o Direito Administrativo.
Em conclusão, o regime administrativo consiste na “… ideia de uma
centralização das funções administrativas sob a autoridade jurídica do Poder
Executivo e, a seguir, de uma separação das atribuições entre o Poder
Executivo e o Poder Judicial no que diz respeito à própria administração do
Direito”63. Isto é, o regime administrativo assenta num duplo critério: i) a
submissão da Administração Pública a um direito especial, o Direito
Administrativo e ii) a existência de uma jurisdição especial para julgar a
Administração Pública em caso de litígios com outros sujeitos de direito, ou
para fiscalizar jurisdicionalmente a actividade administrativa,
nomeadamente, a Jurisdição Administrativa –Tribunal Administrativo e
tribunais administrativos.
62 Publicada no Boletim da República, I Série, n.º 32, de 10 de Agosto de 2011, Lei que regula
a formação da vontade dos órgãos da Administração Pública e estabelece normas de
defesa dos direitos e interesses dos particulares.
63 HAURIOU, Maurice, Precis de Droit Administratif et de Droit Public, apud CISTAC, Gilles, O
64 Aprovada pelo Decreto-lei n.º 23229, de 15 de Novembro de 1933. A RAU entrou em vigor
nas Colónias a 1 de Janeiro de 1934 e a sua aplicação dependia das divisões administrativas
existentes em cada Colónia (Moçambique e Angola).
65 RIVERO, Jean, Direito Administrativo, ob. cit., pp. 159-161.
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prefeitura criados ao nível do prefeito, como entidades de justiça delegada,
com uma competência reduzida, que também emitem pareceres para a
Administração activa do seu nível (Prefeito). Como se pode notar, é ainda a
própria Administração que decide, mas depois da intervenção do órgão de
consulta. Estes pareceres podiam ou não ser homologados pela
Administração Pública, em teoria.
G. e Outros, Teoria Geral Marxista-Leninista do Estado e do Direito, 2.º Volume, (Capítulo XVI).
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contenciosos interpostos das decisões da Administração Pública» (artigo 167
e 173).
Na sequência da execução do artigo 174 da Constituição de 1990, a
Assembleia da República aprovou a Lei n.º 5/92, de 6 de Maio, que
estabeleceu as competências, a organização, a composição e o
funcionamento do Tribunal Administrativo. A partir deste momento, a
Jurisdição Administrativa tinha todos os instrumentos para efectivamente
funcionar no modelo do Estado de Direito Democrático.
O novo Tribunal Administrativo é constituído:
- pelo Plenário;
- Três Secções, nomeadamente, 1.ª Secção, do Contencioso
Administrativo; 2.ª Secção, do Contencioso Aduaneiro e Fiscal e 3.ª Secção,
da Fiscalização da Despesa Pública e Visto, repartindo-se esta em duas
Subsecções, nomeadamente a de fiscalização das despesas públicas e a de
visto.
Até 2001, a Jurisdição Administrativa aplicou principalmente a sua Lei
Orgânica e a RAU. Neste ano, entrou em vigor a Lei n.º 9/2001, de 7 de Julho,
que estabeleceu as regras processuais do Tribunal Administrativo.
A Jurisdição Administrativa, com a revisão da Constituição, em 2004, e
as alterações subsequente do seu estatuto e das normas de processar, tem
vindo a desenvolver-se, encontrando-se actualmente representada em todas
as províncias do país, através dos tribunais administrativos provinciais,
constituindo-se hoje o Tribunal Administrativo, o topo da hierarquia dos
tribunais administrativos, fiscais e aduaneiros71.
SECÇÃO II
DEFINIÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
§1.º
§2.º
Noção do Direito Administrativo
90 AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 3.ª ed., Almedina, Coimbra,
2006, p. 155.
91 SOUSA, Nuno J. Vasconcelos Albuquerque, Noções de Direito Administrativo, Coimbra
94 STEIN, Lorenzo, apud, CORDEIRO, António Menezes, Manual…, ob. cit., p. 19.
95 RIVERO, Jean, Direito Administrativo…, ob. cit., p. 25.
96 ZANOBINI, Guido, Corso di diritto, apud PARADA, Roman, Derecho Administrativo, ob. cit.,
p. 27.
97 MAURER, Hart, Derecho Administrativo Alemán, Universidad Nacional Autónoma de México,
2003, p. V-19.
99 ENTERRIA, García, Derecho Administrativo, ob. cit., p. 36.
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De Brasil, registamos as definições de:
- Hely Lopes MEREILLES, o Direito Administrativo “... sintetiza-se no
conjunto harmónico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes
e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e
imediatamente os fins desejados pelo Estado”100.
- José CRETELLA JÚNIOR, Direito Administrativo “é o ramo do direito
público interno, pertinente às actividades das pessoas jurídicas públicas,
quando perseguem interesses públicos ou ramo de direito público interno que
regula as atividades das pessoas jurídicas públicas e a instituição de meios e
órgãos relativos à acção dessas pessoas”101.
- Maria Sylvia Zanella di PIETRO, sendo o Direito Administrativo “o ramo
do direito público que tem por objecto os órgãos, agentes e pessoas jurídicas
administrativas que integram a Administração Pública, a atividade jurídica
não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a consecução
de seus fins, de natureza pública”102.
Em Portugal, podemos anotar as seguintes definições:
- Marcello CAETANO considera o Direito Administrativo como “sistema
das normas jurídicas que regulam a organização e o processo próprio de agir
da Administração Pública e disciplinam as relações pelas quais ela prossiga
interesses colectivos podendo usar de iniciativa e do privilégio da execução
prévia”103.
- Marcelo Rebelo de SOUSA define o Direito Administrativo como “… o
conjunto de princípios e de regras jurídicas que disciplinam o exercício da
função administrativa do Estado-colectividade, sempre que, nesse exercício,
não só está presente, como prevalece, a prossecução do interesse público
sobre interesses privados com ele relacionados ou conflituantes”104.
- Diogo FREITAS DO AMARAL, segundo o qual Direito Administrativo é
“ramo de direito público constituído pelo sistema de normas jurídicas que
105 FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, 3.ª Edição, Vol. I, Almedina,
2008, p. 140.
106 Ver definição do Professor Marcello Caetano em Manual de Direito Administrativo, ob. cit.,
p. 43, onde utiliza a expressão «privilégio da execução prévia» para definir o Direito
Administrativo; Quanto à utilização das palavras «poderes de autoridade» ( ver. Supra n.º 11).
107 SOUSA, Nuno J. Vasconcelos Albuquerque, Noções de Direito Administrativo, ob. cit., p. 38.
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- O Direito Administrativo não é direito «próprio» e «exclusivo» do Poder
Executivo108. Não é próprio, embora seja direito, por excelência, da
actividade do Executivo, porque regula também a função administrativa dos
demais poderes públicos do Estado, como o Parlamento e o Judiciário
(pense-se, e.g., na nomeação de um funcionário parlamentar ou de um juiz,
respectivamente), bem como o exercício das prerrogativas administrativas
por particulares que sejam concessionários de poderes públicos (por
exemplo, a empresa privada que gere a portagem de Maputo/Matola-
TRAC); não é direito exclusivo109 do Poder Executivo, porque este e outras
pessoas administrativas públicas são também regidos por outros ramos de
direito, que não o direito administrativo;
- não se pode definir o Direito Administrativo como direito excepcional
do direito privado, pois o Direito Administrativo é um direito autónomo, com
princípios jurídicos e produção normativa próprios.
Paolo, Notas de Introdução ao Direito Administrativo, ob. cit., pp. 11-18; BLANQUER, David,
Derecho …, ob. cit., pp. 39-57; SOUSA, Nuno J. Vasconcelos Albuquerque, Noções de Direito
Administrativo, ob. cit., pp.37-54.
111 Ver, por exemplo, o artigo 213 da Constituição que diz que “Nos feitos submetidos ao
julgamento os tribunais não podem aplicar lei ou princípios que ofendem a Constituição”.
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não se basta nisto, pois, abrange também as chamadas relações jurídico-
administrativas; e aplica-se excepcionalmente aos entes de direito privado
que exercem poderes públicos por delegação ou concessão da
Administração Pública, bem como se aplica a outros poderes públicos que
exercem materialmente e por força da lei a actividade administrativa,
nomeadamente, os casos do poder legislativo e judicial.
113Podem ser identificados vários tipos de normas administrativas, a exemplo de: i) normas de
conduta, as que se destinam a regular o comportamento dos agentes administrativos e os
administrados de modo geral; e normas de organização, que estruturam os órgãos,
organismos e serviços administrativos; ii) normas de acção, que regulam a actividade da
administração com vista à prossecução do interesse público; normas de relação, que,
embora tutelando os interesses públicos, visam garantir aos particulares uma posição
autónoma e com relevância externa, isto é, uma posição que exorbita da esfera da
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administração; iii) normas internas, que obrigam apenas os agentes administrativos e com
eficácia reservada exclusivamente ao âmbito interno da administração; externa, as que se
têm eficácia externa bilateral, que, dirigindo-se à administração e, portanto, aos seus
agentes, produzem também efeitos em relação aos cidadãos ou, de um modo geral, a
sujeitos estranhos a ela; iv) normas materiais, que estatuem sobre direitos e obrigações
recíprocas da administração e dos particulares; as instrumentais, que disciplinam as
condições de desenvolvimento, da actividade da administração ou dos particulares, no
exercício dos seus direitos ou no cumprimento das suas obrigações respectivas (Ver QUERÓ,
Afonso Rodrigues, Lições de Direito Administrativo, Vol. I, Coimbra, 1976, pp. 283-287).
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- normas relacionais, que conferem direitos subjectivos e interesses
legítimos aos administrados114;
- normas relacionais, que prevêem deveres, restrições ou ónus por
motivos de interesse público; que colocam travões à Administração Pública
de modo que respeite os direitos e interesses dos administrados.
§3.º
Direito Administrativo como ramo de Direito Público, sua dinstinção
com o direito privado
114 O termo «administrados» é mais amplo que «particulares», o primeiro designa as pessoas
físicas e morais ou colectivas públicas ou privadas; e o segundo designa unicamente as
pessoas físicas – pessoas humanas.
115 Ao nível cultural, o Direito privado remonta ao Direito Romano às recepções; tendo sofrido
um processo de cientificação, ele atingiu um estádio que possibilitou a sua codificação; pelo
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A divisão do Direito, em público e privado, remota a ULPIANO116, Jurista
Romano, na base da célebre distinção entre “ius publicum” e o “ius privatum”.
No geral, pode dizer-se que as relações jurídicas do direito privado
caracterizam-se essencialmente pelos valores enunciados no artigo 405.º do
Código Civil, segundo o qual as partes “… têm a faculdade de fixar livremente
o conteúdo dos contratos, celebrar contratos … ou incluir nestes as cláusulas
que lhes aprouver”. Anuncia-se aqui os princípios da autonomia da vontade,
liberdade de contratação e de estipulação, que constituem, no fundo, a
autonomia privada. Acrescenta-se aqui o princípio da igualdade entre os
sujietos no direito privado.
O direito privado, como regulador das relações entre sujeitos que
actuam segundo o princípio da liberdade e em pé de igualdade, subdivide-
se em:
- Direito privado comum, que corresponde ao chamado direito civil,
que se compõe de direito das obrigações, direitos reais ou das coisas, direito
da família e direito das sucessões.
contrário, o Direito Público tem origem jusracionalista e não apresenta uma sedimentação
compatível com uma codificação autêntica. Ao nível teórico, o Direito privado traduz
relações estáveis entre pessoas; assim, as modificações que nele ocorram correspondem a
alterações estruturais da própria cultura em jogo e operam lentamente; o Direito público, por
seu turno, traduz relações com o Estado ou por ele presididas, admitindo quebras ou
modificações bruscas e imprevisíveis. Ao nível prático, a qualificação de uma disciplina como
pública ou privada decide do seu destino académico, doutrinário, jurisdicional e profissional.
Ao nível político-ideológico, há que não esquecer o papel fundamental do Direito privado
na preservação das esferas das pessoas: prevenindo o arbítrio do contingente, evitando o
choque do imprevisível e assegurando o choque dos interesses mais imediatos de cada um,
o Direito privado constitui um travão historicamente eficaz perante a intromissão do Estado
ou de outras entidades, vide, nestes termos, CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito
do Trabalho, Coimbra, Almedina, 1994, pp. 62 e 63.
116 A clássica e milenar sentença de ULPIANO enfatiza melhor esta diferença: “ius publicum
est quod ad statum rei romanae spectat, privatum, quod ad singulorum utilitatem” (Digesto
1.1 fr. 2). Porém, esta tese tem de ser reformulada, dando lugar à seguinte: direito público é o
conjunto de regras jurídicas que disciplina relações jurídicas em que preponderam
imediatamente interesses de ordem pública; direito privado é o bloco de regras jurídicas que
disciplina relações jurídicas em que predominam imediatamente interesses de ordem
particular. Cfr. JUNIOR CRETELLA, José, Direito Administrativo Brasileiro, Rio de Janeiro, Editora
Forense, 2.a Edição, 2002, pp. 5 e 6. Na verdade, ULPIANO, na sua diferenciação, faz apelo
ao critério de interesse em jogo numa determinada relação jurídica, critério que não é
rigoroso, nem certo
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- Direito privado especial, que se compõe de direito comercial, direito
do trabalho117, direito bancário, direito industrial, etc.
As relações jurídicas do direito público caracterizam-se, no geral, por
regular a actividade das entidades públicas, quando actuam investidos das
suas prerrogativas de autoridade e dentro da sua competência legalmente
definida. O Direito Público compõe-se de:
- Direito Constitucional;
- Direito Administrativo;
- Direitos Processuais Administrativo, Civil, Penal, Laboral, etc.;
- Direito Fiscal, Financeiro e Tributário;
- Direito Penal, etc.
Apesar desta forma simples que utilizamos para a distinção entre os dois
ramos de direito, o problema da separação de águas é deveras melindroso,
pois, saber quando é que uma relação jurídica é de natureza privada ou
pública foi sempre problemático, tendo-se erguido vários critérios para dar
resposta ao problema.
117 Como quer Menezes CORDEIRO, “A divisão entre o Direito público e o Direito privado já foi
criticada, designadamente a propósito do Direito do trabalho”. A actuação jus laboral
rebentara com a summa divisio que se pretende entre o Direito público e o Direito privado,
na medida em que este ramo de direito é miscigenado: as relações individuais de trabalho,
cujo protótipo é o contrato de trabalho e as relações colectivas de trabalho pertencem ao
direito privado ao passo que o processo de trabalho e o direito das condições de trabalho
reflectem a intervenção do Estado. Como se vê o âmbito do Direito do Trabalho é, desde
logo, conduzido a uma hibridez quanto à sua natureza jurídica, Manual de ..., ob. cit., pp. 63
e ss
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aquelas em que os sujeitos actuantes são entes privados ou particulares. Ora,
vezes sem conta o Estado ou outro ente público intercede ou actua sem o
seu poder de império, e em termos igualitários a dos particulares, mas não
deixa de ser uma entidade pública. É o caso de um Ministério que se vincula
através de regras do direito civil, adquirindo uma viatura numa empresa
privada, sem que a compra proceda de concurso público aberto para o
efeito, porque neste caso, o direito aplicável é o público.
118Ver neste sentido, SOUSA, António Francisco de, Direito Administrativo, Prefácio, Lisboa,
2009, p. 126.
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exercício de poderes de autoridade seja direito público. Por exemplo,
enquanto para WOLF o direito que o Estado tem sobre a propriedade, nos
termos do Código Civil, é direito público, porque apenas legitima ou autoriza
o Estado; já para BACHOF e BETTERMAN trata-se de direito privado, porque
não toma o Estado como ente munido de poderes de autoridade, mas
apenas como proprietário ou parte num negócio jurídico-civil119.
Segundo, de todas as teorias, a mais adequada para diferenciar o
direito público do privado é a de subordinação, hierarquia ou de poderes de
autoridade. Mas para o Direito Administrativo, independentemente do critério
a adoptar, é um ramo de Direito Público Interno. Desta forma, integram o
Direito Administrativo as normas marcadas, geralmente:
- pelos caracteres de obrigatoriedade e indisponibilidade dos interesses
em jogo;
- os fins e os interesses tutelados, bem como as formas de actuação da
Administração Pública são determinados pela lei.
119 MAURER, Hart, Derecho …, ob. cit., pp.53-54 e SOUSA, António Francisco de, Direito
Administrativo, ob. cit., p. 126.
120 SOUSA, António Francisco de, Direito Administrativo, ob. cit., pp. 123 e 127.
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jurídico-privadas, nem que esteja presente a Administração Pública como um
dos sujeitos.
- a determinação da jurisdição competente para dirimir os litígios entre
a Administração e os particulares, sendo competente a Jurisdição
Administrativa sempre que se tratar de relações jurídico-administrativas, como
critério de base;
- a determinação da responsabilidade civil extracontratual do Estado e
demais entes públicos: é sempre competente a Jurisdição Administrativa
sempre que o dever de indemnizar nasça da actividade administrativa de
gestão pública; sendo competente a Jurisdição Ordinária, sempre que a
Administração tenha actuado no quadro do direito privado;
- a determinação do âmbito do privilégio de execução prévia, que é
somente aplicável quando se tratar de executar decisões resultantes de
utilização das prerrogativas de autoridade;
- é ainda critério de diferenciação entre as pessoas colectivas públicas
das pessoas colectivas privadas
124 Lei n.º 23/2007, publicada no Boletim da República, I Série, n.º 31, de 1 de Agosto, Lei do
Trabalho.
125 O Doutor Paulo COMOANE, sobre o posicionamento do Tribunal Administrativo tem
MAURER, Hart, Derecho …, ob. cit., pp.60-62 e SOUSA, António Francisco de, Direito
128
129 ESTORNINHO, Maria João, A fuga para o direito privado, ob. cit., p. 121.
130 ESTORNINHO, Maria João, A fuga para o Direito Privado, ob. cit., pp. 122-123.
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os súbditos, comportando-se, portanto, o «Fisco» como um mero particular,
que podia ser demandado pelos particulares.
Então, o «Fisco» passou, por um lado, a representar o Estado não
soberano como titular de um património que podia ser demandado pelos
particulares; e por outro, a teorização do Direito Privado da Administração
impôs ao «Fisco» a subordinação a diversas sujeições jurídico-públicas mais
intensas131.
Exposta a breve nota histórica, resta agora olhar para a terminologia
«Direito Privado da Administração» e «Direito Administrativo Privado». Qual é a
mais correcta?
No Direito Comparado, optam pela terminologia «Direito Administrativo
Privado», os autores Rogério Ehrhardt Soares132, José Carlos Vieira de
Andrade133 e Luiz Cabral de Moncada134. Pela terminologia «Direito Privado
da Administração» militam Diogo Freitas do Amaral135, Vital Moreira136, Maria
João Estorninho137, entre outros.
O «Direito Privado da Administração» acentua a perspectiva de Direito
Privado, aparecendo o Direito Administrativo num plano secundário, como
direito de aplicação excepcional. Como direito regulador de uma
determinada entidade que exerce funções administrativas é conformado ou
afastado em determinadas circunstância, em virtude de aplicação de
preceitos e vinculações do Direito Administrativo138.
O «Direito Administrativo Privado» traduz a ideia do Direito Administrativo
aplicável a entidades que, exercendo funções administrativas, conduzem a
131 CORREIA, José Manuel Sérvulo, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos
Administrativos, Almedina, Coimbra, 1987, p. 390.
132 SOARES, Rogério Ehrhardt, “Princípio da Legalidade e Administração Constitutiva”, In
BFDC, Vol. LVII, Coimbra, 1981, p. 177.
133 ANDRADE, José Carlos Vieira de, Lições de Direito Administrativo, 2.ª edição, Coimbra, 2011,
pp. 67 e ss.
134 MONCADA, Luís Cabral de, A relação jurídica administrativa: para um novo paradigma de
142 FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso ..., ob. cit., Vol. I, pp. 155-157.
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Em conclusão, pode apontar-se as seguintes tarefas fundamentais do
Direito Administrativo, na actualidade:
- a garantia dos administrados. O Direito Administrativo garante a
protecção jurídica efectiva dos administrados perante as actuações da
Administração, desde que sejam ilegais e prejudiciais dos seus direitos – artigo
252, n.º 3 da Constituição;
- a consagração do procedimento administrativo, como modo de
realização do Direito Administrativo143, pois, através do procedimento
protegem-se os direitos fundamentais dos cidadãos. O procedimento
administrativo consagra um conjunto de direitos e garantias aos cidadãos,
nomeadamente, de serem comunicados pela Administração Pública o início
de abertura de um procedimento que possa pôr em causa os respectivos
direitos subjectivos e interesses legítimos, bem como o direito de serem
ouvidos, informados pelo responsável da direcção do procedimento toda e
qualquer situação que lhes disser respeito e de intervirem nele quando possa
implicar a restrição, modificação ou extinção dos direitos e interesses
legítimos144;
- a criação de um sistema de vinculação da Administração Pública,
regulando os modos de formação da vontade desta e sua execução;
- a criação de mecanismos jurídicos para a Administração Pública
sobrepor o interesse público ao interesse particular, atribuindo-lhe
prerrogativas de autoridade de que os particulares não dispõem nas suas
relações, nomeadamente o privilégio de execução prévia, o poder de
decisão unilateral (acto administrativo e regulamento administrativo), o poder
de execução coerciva das decisões administrativas, o poder de requisição
administrativa de funcionário ou bens dos particulares, o direito de regresso
em caso de indemnização a terceiros por danos causados por actos ilegais
dos agentes públicos, etc.145.
143 Cfr. WAHL, Rainer, apud CUNHA, Paulo Ferreira da, O Procedimento Administrativo, Livraria
Almedina, Coimbra, 1987, p. 130.
144 MACIE, Albano, Lições de Direito Administrativo Moçambicano, Vol. II, Escolar Editora,
147ENTERRIA, Garcia de & FERNANDEZ, T.R., Curso de Derecho Administrativo, apud AMARAL,
Diogo Freitas do, “Direito Administrativo”, … ob. cit. , col. 17 e ss.
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O Professor DIOGO FREITAS DO AMARAL move, contra esta tese, severas
críticas, nomeadamente que “não é por ser estatutário que o Direito
Administrativo é direito público. Há normas de direito privado que são
específicas da Administração Pública (regras especiais sobre arrendamentos
do Estado (...). O Direito Administrativo não é, por conseguinte, o único ramo
de direito aplicável à Administração Pública. Esta também actua sob égide
do direito privado administrativo, que é um direito específico dos sujeitos de
direito público, mas não é Direito Administrativo”148.
148 AMARAL, Diogo Freitas do, “Direito Administrativo”, …, ob. cit., col. 17 e ss..
149 SOUSA, Marcelo Rebelo de e MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral,
Introdução e princípios fundamentais, Tomo I, 3.ª edição, Dom Quixote, Lisboa, 2008, p. 55.
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exclusivo da função administrativa: esta pode ainda regular-se por normas de
direito privado.
§4.º
Rasgos gerais do Direito Administrativo
24. Generalidades
O Direito Administrativo é, ao mesmo tempo, um meio de afirmação do
poder, conferindo prerrogativas de autoridade à Administração Pública e um
150 ESTORNINHO, Maria João, A Fuga para o Direito Privado, ob. cit., p. 348.
151 CHAPUS, René, Droit Administratif Général, apud ESTORNINHO, Maria João, A Fuga ..., ob.
cit., p. 350.
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meio de afirmação dos direitos subjectivos e interesses legítimos dos
administrados.
A afirmação dos direitos dos cidadãos ocorre quando a Administração
Pública é sujeita a um conjunto de restrições e limitações na sua actuação. É
assim que a Administração Pública, na sua actuação, deve procurar
harmonizar as exigências da acção administrativa com os direitos subjectivos
e interesses legítimos dos particulares152. Não é por acaso que a Lei n.º
7/2014153, no seu artigo 132, manda funcionar o princípio de equilíbrio entre o
interesse público e o direito dos administrados, quando esteja em jogo a
decretação da suspensão de eficácia de actos administrativos,
nomeadamente, que: “(…) a) a execução do acto seja susceptível de causar
prejuízo irreparável ou de difícil reparação para o requerente (…); b) a
suspensão não represente grave lesão do interesse público concretamente
prosseguido (…)”.
Feita esta caracterização geral, podemos dizer que os traços essenciais
do Direito Administrativo pátrio são os seguintes: regime jurídico, desequilíbrio,
juventude, autonomia, não codificado, com influência jurisprudencial e difícil
de estudo.
159 Nestes termos, CRETELLA JUNIOR, José, Direito Administrativo ..., ob. cit., p. 8.
160 MOREIRA, João Batista Gomes, Direito Administrativo …, ob. cit., p. 125.
161 Nestes termos, vide JÚNIOR CRETELLA, José, Direito ..., ob. cit., p. 9.
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elaboração do regime jurídico-administrativo, e consequente
autonomização do Direito Administrativo.
O Direito Administrativo apresenta um objeto próprio, método próprio,
institutos próprios e princípios informativos sectoriais, alicerce do regime
jurídico específico e peculiar, disciplinador dos institutos, bem como uma
elaboração legislativa própria.
Por isso, “a autonomia do direito administrativo impõe-se, porque
estamos diante de um ramo do direito público que tem objeto próprio — a
Administração — , método próprio, critérios publicísticos, trabalhados a partir
do momento categorial — institutos próprios, afectação, desafectação,
autarquias, concessões — , e princípios informativos próprios ou sectoriais, ou
seja, proposições que se encontram na base dos institutos administrativos,
legitimando-os, como, o princípio da hierarquia, o princípio da continuidade,
o princípio da indisponibilidade, o princípio da presunção da verdade, o
princípio da auto-executoriedade, o princípio do poder-dever, o princípio da
tutela administrativa, o princípio da auto-tutela administrativa, o princípio da
igualdade dos administrados, o princípio da especialidade”162.
Por estas razões, o Direito Administrativo é uma disciplina com
autonomia científica, legislativa e pedagógica, sendo que, em caso de
lacunas, estas preencher-se-ão:
1.º - com o recurso à analogia das normas e princípios gerais do Direito
Administrativo;
2.º - com recurso à analogia das outras normas e princípios de outros
ramos do Direito Administrativo e princípios gerais do Direito Público;
3.º - com recurso, por último, às normas e princípios gerais do Direito,
que se encontram depositados na primeira parte do Código Civil (artigo 1.º -
396.º).
Ver neste SOUSA, Marcelo Rebelo de e MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo
164
165 São defensores destas teses MALLEIN; DE GIOANNIS e MANTELLINI apud PEDROSA, A. L.
Guimarães, Ciência da Administração …, ob. cit., pp. 156-157.
166 São defensores destas soluções SOLON, MEUCCI, COTELLE, DUCROQ e outros apud
170 AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito …, ob. cit., p. 167.
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Em relação à doutrina, o campo administrativo conta ainda com
pouca produção interna, recorrendo-se ainda ao sistema europeu que não
se coaduna com a realidade nacional, como ficou demonstrado supra n.º
7.1.
SOTOBER, Rolf; BACHOF, Otto e WOLFF, Hans J., Direito Administrativo, ob. cit., pp. 494-495.
171
172Alínea a) do artigo 3 da Lei n.º 7/2014, de 28 de Fevereiro, Lei do procedimento
administrativo contencioso.
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as formas legais de actuação, nem os direitos subjectivos atribuídos por lei.
Desde logo, por isso, a discussão da relação jurídica não constitui o ponto de
Arquimedes do direito administrativo”173.
Apesar disso, “para o trabalho no direito administrativo é importante
que a ideia das relações jurídico-administrativas leve a novas visões e possa
ajudar na descoberta e na ultrapassagem de vicios estruturais de direito
administrativo (…). Assim, os direitos e deveres entre a Administração e as
pessoas civis devem ser conduzidos a uma relação de equilíbrio. Por outro
lado, a figura jurídica das relações de direito administrativo propicia-se a
conduzir o factor tempo a um equilíbrio razoável no lugar da “captação do
momento da actuação administrativa” e a incluir a posição de terceiros e as
relações jurídicas poligonais174 e complexas. Por conseguinte, a figura jurídica
das relações de direito administrativo serve à complementação de aspectos
especiais da doutrina das formas de actuação”175.
Podemos abreviar que a relação jurídico-administrativa constitui um
conceito genérico de todas as relações bilaterais e plurilaterais, externas e
internas, entre a Administração e as pessoas civis, as quais dizem respeito aos
direitos e deveres opostos resultantes de uma relação jurídica, visando servir à
173 WOLFF, Hans J., BACHOF, Otto e STOBER, Rolf, Direito ..., ob. cit., p. 497.
174 São relações jurídicas poligonais ou multipolares, aquelas as relações em que, para além
do destinatário de uma medida administrativa, estão também abrangidos outros sujeitos que
são chamados de “terceiros”. Todavia, para que estejamos perante uma relação
administrativa multipolar, não basta que haja mais do que dois sujeitos, é necessário também
que esses sujeitos não estejam agrupados “enquanto titulares conjuntos de apenas duas
posições jurídicas subjetivas contrapostas (Cfr. FREITAS, Dinamene Geraldes Faria de,
As Relações Administrativas Multilaterais: reflexos da figura no novo regime do contencioso
administrativo, Lisboa, 2003, p.13). Em Moçambique, a noção de relações jurídicas poligonais,
multipolares ou complexas não foi ainda estudada, nem utilizada pela jurisprudência, pois a
delimitação da competência contenciosa não se baseia no conceito de relação jurídica
administrativa, embora no âmbito substantivo o conceito de contrato administrativo seja
construído a partir da relação jurídico-administrativa (artigo 176, n.º 1 da Lei n.º 14/2014, de
10 de Agosto). A nossa ordem jurídica baseia-se na ideia de direitos e interesses legalmente
protegidos, o que permite a tutela das posições jurídicas dos administrados que, numa
relação com a Administração, pudessem sair lesados com as actuações ou omissões
administrativas (Artigo 252 da Constituição). Portanto, a ideia de interesse legalmente
protegido contém a delimitação dos administrados que se inserem no círculo de sujeitos que
fazem parte da relação jurídica administrativa, isto é, o conjunto de indivíduos que podem
ser afectados por uma decisão da administração a favor de um requerente, por exemplo,
de uma licença de direito de uso e aproveitamento da terra; de uma licença ambiental, de
uma licença de construção de prédio urbano.
175 WOLFF, Hans J., BACHOF, Otto e STOBER, Rolf, Direito ..., ob. cit., p. 498.
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concretização das funções especiais do direito administrativo e aos direitos
fundamentais dos atingidos. Por outro lado, também nas relações jurídicas
entre entes da Administração se trata de relações jurídico-administrativas176.
Portanto, as relações jurídico-administrativas estão juridicamente
limitadas à utilização das normas jurídicas do direito público, excluíndo as
situações em que a Administração actua sob o manto do direito privado. A
relação jurídica administrativa cria vínculos jurídicos entre dois ou mais sujeitos
de direito, sendo:
- uma pessoa colectiva pública, como sujeito activo, e um administrado
(pessoa individual ou colectiva privada) como sujeito passivo, embora tenha
algumas posições jurídicas. Mas, sempre a autoridade administrativa actua
com posição de supremacia.
- uma pessoa colectiva pública com uma outra pessoa colectiva
pública, por exemplo, Estado-Administração com as autarquias locais ou com
as províncias ou distritos; isto é, uma relação jurídica entre entidades
administrativas.
Por isso, hoje a relação jurídico-administrativa constitui uma categoria
consolidada do direito administrativo177.
A relação jurídico-administrativa cria posições jurídicas entre as partes
envolvidas.
176 WOLFF, Hans J., BACHOF, Otto e STOBER, Rolf, Direito..., ob. cit., p. 496.
177 WOLFF, Hans J., BACHOF, Otto e STOBER, Rolf, Direito..., ob. cit., p. 496.
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consequentemente em relação à Administração Pública: passaram os
cidadãos a ser titulares de direitos, liberdades e garantias fundamentais.
O direito subjectivo, por definção, é um poder jurídico reconhecido a
um sujeito por uma norma jurídica, em virtude da qual o referido sujeito pode
exigir de outra pessoa, para efeitos de satisfação de interesse próprio, um
acto de facere, non facere ou suportar178. Na verdade, trata-se de uma
faculdade ou aprovação normativa a um sujeito de uma relação jurídica de
aproveitamento de uma posição jurídica colocada à disposição pela ordem
jurídica.
Assim, podemos dizer que o direito subjectivo público consiste no poder
jurídico concedido a um indivíduo, por força de uma norma de direito
público, para poder exigir do Estado determinado comportamento, com vista
à satisfação dos próprios interesses179.
O significado prático do direito subjectivo público radica na
possibilidade da sua exigibilidade perante os tribunais. Deste ponto de vista,
resulta que o direito subjectivo público faz parte da relação entre o Estado e
o cidadão. Nos termos dos artigos 70, 62 e n.º 3 do artigo 252, todos da
Constituição, respectivamente, o cidadão tem direito de recorrer aos tribunais
contra os actos que violem os seus direitos e interesses reconhecidos pela
Constituição e pela lei; sendo que o Estado garante o acesso dos cidadãos
aos tribunais e, por fim, assegura-se aos cidadãos interessados o direito ao
recurso contencioso fundado em ilegalidade de actos administrativos, desde
que prejudiquem os seus direitos.
O pressuposto lógico e jurídico do direito subjectivo público é a
obrigação jurídica que corresponde a outra pessoa; obrigação que, por sua
parte, se baseia numa disposição jurídica objectiva. Portanto, não há direito
subjectivo sem a obrigação legal prévia correspondente, enquanto, pelo
contrário, a existência de uma obrigação legal sem direito subjectivo
correlato é perfeitamente concebível180.
181 MAURER, Hartmut, Derecho Administrativo Alemán, ob. cit., pp. 163-164.
182 Cfr. Artigo 26.º do Código do Processo Civil.
183 Cfr. Artigo 44 da LPAC.
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O direito subjectivo é uma faculdade pessoal, com protecção directa
pela lei, sendo, por isso, exigível perante a Administração. Por exemplo, na
França, a defesa judicial do direito subjectivo faz-se através do recurso de
pleno contencioso, atacando-se a ilegalidade da decisão ou a omissão que
afecta o direito; mas o interesse legítimo não tem somente incidência numa
situação pessoal, mas a sua defesa judicial visa evitar que o sujeito sofra
pessoalmente com a ilegalidade. Na noção de interesse legítimo existe um
elemento de apreciação subjectiva, visto que a protecção legal é reflexa ou
indirecta, sem a possibilidade de se exigir em benefício pessal à
Administração, mas sim, que esta, ao decidir, não prejudique ilegalmente a
posição jurídica pessoal. Na França, a defesa judicial do interesse legítimo
cabe no recurso por excesso de poder184.
Na doutrina italiana, é possível surpreender três citérios para distinguir
direitos subjectivos dos interesses legítimos185:
187 WOLFF, Hans J., BACHOF, Otto e STOBER, Rolf, Direito..., ob. cit., p. 627.
188 WOLFF, Hans J., BACHOF, Otto e STOBER, Rolf, Direito..., ob. cit., p. 628.
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Estas obrigações assumem um carácter mais especial no caso de
funcionários públicos, agentes do Estado, agentes das forças de defesa e
segurança, pois são conteúdo de uma relação jurídica hierárquica, passando
a recair sobre estes o chamado dever de obediência.
As obrigações podem classificar-se de diversas formas, tendo em conta
o tipo de conduta imposta directa ou indirectamente pela lei189:
189 WOLFF, Hans J., BACHOF, Otto e STOBER, Rolf, Direito..., ob. cit., p. 230-634.
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c) obrigações que exigem uma tolerância ou omissão. Neste tipo de
obrigações, o cidadão suporta na sua esfera jurídica ónus públicos, podendo
ser-lhe imposto ónus de facere, por exemplo, uma servidão administrativa;
requisição de bens seus para a prestação de interesse público; colocação de
instalações de energia eléctrica; etc.
As obrigações administrativas devem ser impostas através de um títuo
jurídico, seja, por autorização legal; seja por decisão judicial; seja por decisão
administrativa executiva; seja por contrato administrativo; ou outro acto
juridicamente legítimo.