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Ao percorrer as centenas de páginas deste IARA

Nieto
ET tesísti a
tentação do prazer e do orgulho que normalmente
Essa
DOR E Vp ço é o) a LL ICAE 10 o (6 Ea TOPS NETO TENOR EAD sucul
ento e de
qualidade invejável, provindo da árvore pe Luiege Ate[ONT

ARS
asia ro
a fazer crescer. Imagino que assim sucederá com os coleg

Ee)
as
docentes que, duma ou doutra forma, terão dado o seu
módico contributo para a formação jurídica deste Lo AárT A
intelectualé académico, que é hoje o dr. Albano Macie.

ORSSTO
O Volume E de «Lições de Direito Administrativo
Moçambicano».vêm, decérto, colmatar em DES Roe te uiata
lacuna que se verifica na literaturá nacional, traduzida na
escassez de livros de indole didáctica nas prateleiras das

ROTA Mto DOS CRT


nossas ainda poticas livrarias e bibliotecas jurídicas.

Por isso, embora concebido original e principalmente para


orientar os estudantes universitários dos cursos do ix rçA

NO asso
em especial do Administrativo, creio que este livro
reveste-se, outros sim, de utilidade para todos os que nesta
EU GcM BA bo foho Doni ahh RES SINO Tas Eae
To aà advogados e
docentes; sejam funcionários e agentes da Beta pes) TRE vetor to)
Pública,

In Prefácio

Pie UE VteLNoR DISSER egos

À Caio 4: atá
FACES tea?

nasceu em 1977, em Maciene, Posto Administrativo de


Chongoene, Distrito de Xai-Xai, Província de Gaza,
Fez seus estudos pré-universitários no Instituto Médio de
Administração Pública, agora IFAPA, onde obteve a tienção

Lições de Direito
de melhor estudante do ano de 2000.

Em 2007, concluiu o Curso de Direito, na Faculdade de


Direito da Universidade Eduardo Mondlane, coma.

Administrativo
- menção, igualmente, de melhor estudante. Em 2031,
- concluiu a parte curricular do Curso de Mestrado em
Ciências Jurídicas, na mesma Universidade, em cooperação
[RU LAR D ola
lo Go Toe DDPavortoopa 9 Fat oro rata ARO PSTa RE
Lisboa.

Entre 1996 à 1997, o autor foi professor primário no Distrito


de Xai-Xai, De 2004 a 2007, O Autor foi monitor da
Disciplina de Direito Administrativo na Faculdade de
Direito da Universidade Eduardo Mondlane, onde, desde
2008, exerce as funções de Assistenté Estagiário na CÁSTIARE D
EO PETaTh tatoo A icoro ata Does Poco
TAS OPA E TR Doces
Disciplina de Ciência Política e Direito Constitucional na
mesma Faculdade.
Albano Macie

Lições de Direito
Administrativo

(5 ESCOLAR EDITORA
Índice

PREÍÁCIO reneeoesrenonernecagensa cereeerecerieereeneeererareniearraso cesonoaneaee raras TO


Nota Prévia do Autor......... eereeerereeaterareeesareeeereaeer eeemereeerrecereseesesenanieos DO
Principais Abreviaturas ............... cenmerrareaenoarererrererenaneererecererarraerrereeros 25

Lições de Direito Administrativo


Título 1
Albano Macie
Introdução geral ao direito administrativo
O 2012 by Escolar Editora, Editores e Livreiros, Lda. e à administração pública
Av. 24 de Julho, 1637 — Maputo, Moçambique
E-mail: livrariaqlivescolar.com / editoravescolareditora.com Capítulo I — O direito administrativo: evolução e definição............... 20
Internet: http://www.escolareditora.com 1. Preliminares ...........esererecessertereeres eerereeenereerererenerceracececeneeeaa 29
2. Direito Administrativo como ramo do Direito público .............. «. 29
Coordenação Editorial 2.1. Fronteiras entre o Direito público e o Direito privado:
João Costa o Direito Administrativo como ramo de Direito Público....... 29
2.2. Nascimento e desenvolvimento do Direito Administrativo .... 32
ISBN 978-989-670-032-4 2. Definição do Direito Administrativo... RR
Depósito Legal n.º 341027/12 3.1. Dificuldade e critérios de definição .............ememeseeamensaesente ss. 187
a) Critério legalista da escola francesa... 38
Capa b) Critério do serviço público também da escola francesa ....... 39
Tiago Oliveira 3.2. Noções de Direito Administrativo na doutrina actual.......... 40
4. Função do Direito Administrativo .......... reerataso neeeereaiereaeerranaies 41
Paginação 5. Tipos de normas jurídico-administrativas............ esmero 42
Mário Félix, Artes Gráficas 6. Natureza do Direito Administrativo ..........ieemnereeanes 49
6.1. Direito Administrativo como direito excepcional
Impressão e Acabamento ao Direito privado ........... eretas UnC peer
Tipografia Lousanense
Índice 7

6 Lições de Direito Administrativo rativo .... canenes 66


esetares
serem..
12. Fontes escritas do Direito Administ
o direito comum ou estatutário rerememteeceneseareneetre eennos 66
reena
6.2, Direito Administrativo com 12.1. À Constituição .... seres erecaserteemreo
eeeseteeaseseeesereeereemrtereneneo 45
.cre ra 71
nenarereaarasarenraeseracenaracave
da Administração Pública .......e 12.2, À Led cce mecreeeerarerearcarereenanes Qeree
ito comum da função ......cememaeaensareeamemeeo 72
6.3. Direito Administrativo como dire 12.3. As Convenções internacionais
carenterrearorrereneoencarerenemtnana 46 eemmeemeaeeeo E esnenerpennero 72
administrativa ....... cerasmasenarsentos rain 12.4. O Regulamento ....eesesermaescenes
.. meoeeavensencanes 46 regulamento .......meeememsterseneme
73
6.4. Posição adoptada face ao problema. a) Características do
ativo... eeeesrenasentereerõas preare 47 ...aseeeessaenenaeeeente as «73
7. Caracteres do Direito Administr b) Classificação do regulamento.....
belece um verdadeiro ...esuntesemusmesecee 77
/ 7. O Direito Administrativo esta
48 c) Titulares do poder regulamentar ....
eeaaeeracarmaerreentarceanas .....eme pecsvavorarsavnesvenea B1
regime jurídico .....memees-: rea aranncan tears d) Limites do poder regulamentar .....
ito de desequilíbrio... 48 mento... 82
7.2. O Direito Administrativo é um dire e) Sanções por violação do regula
ou jovem em relação ....emumusemesaeemememo 83
7.3. O Direito Administrativo é recente 49 f) Publicação dos regulamentos ....
ncenonananteserene crase casencavea lamentos ..........»» o 84
ao Direito Civil ........eaemenceeersrenmess qarare g) Fiscalização da legalidade dos regu
to autónomo ......emee 50 85
7.4. O Direito Administrativo é um direi nistrativo ....eeenm
51 13. Fontes não escritas do Direito Admi
to não codificado........... nenaten
eearesemenstenanecne 86
7.5. O Direito Administrativo é um direi 13.1. À Jurisprudência ...... e emenenesmeraeee
= 87
7.6. O Direito Administrativo é
um direito influenciado
13.2. O Costume... penetra Qornrecterentaravanencrara ceerrrenrarenararo
52 88
pela jurisprudência... eee
13.3. A Doutrina... eeeairar ane aaracererenasesaranesenenseatesa
um direito que oferece 89
7.7. O Direito Administrativo é se 13.4. Os princípios gerais do Direito...
terre renata name nnaconancareartanmado enta peenvasaes eeerarençentos eres DO
dificuldades no seu estudo......... 13.5. À Equidade .........- qerencaanear
RR a 53 91
. cesar ito Administrativo...
8. Ramos do Direito Administrativo.. . B4 14. Hierarquia das fontes do Dire
rativo.......eemaectereeeceemeaeeetem o das fontes
9. Delimitação do Direito Administ 55
naremato Secção II — Interpretação é aplicaçã
ereta amar eorereeraroraneoneserane eeeenereorerenasaereeroesseremecteaceremtemmo
92
9.1. Com o Direito Privado ....me. rrer 57 do direito administrativo... ...sm 92
cional... esereerereeencaneeo reco rativa ......e.cereecereeeaeeeseereneneraeares
9.2. Com o Direito Constitu 15. Interpretação da lei administ 93
eerentarececernarerener ceremereroacanesendo
58 meeaeseaesmeneaems
9.3. Com o Direito Penal .eneereaer 15.1, Órgãos de interpretação ...mmemus ocno 93
9.4. Com o Direito do Processo
Administrativo a) Legislador .... areeeeeeereocsseemseserasmeemeestercemmereeen
e csess
aeoo 59 DB
eammeoreacacertaameareortrractaso casar eaana
ncaneareat
Públ ica... caeeeanmeeeereenemseamermrenerenrero
Contencioso ..... errar
60 b) Administração
cereneereceenecarernerenereaso scseemearesrentarcameeneensermenteso 94
9.5. Com o Direito Internacional... . 61 c) Tribunais administrativos .....
va ...ceseceeemesensereases qerreeançaos meetaseensecereerereaomreeacraemnaato 95
9.6. Com a Reforma Administrati 62 d) Doutrina ..... e esecnemaseretemarame
95
Administrativo .....ecemeseeeeseneneree .....meaeeseeeeeameeaereremsesemse
10. Ciências auxiliares do Direito ems 62 15.2. Processos de interpretação
stralivo .....see arecererereerarrente ço da lei
10.1. Ciência do Direito Admini OR 15.3. Aplicação no tempo e no espa
Qreeraremarenarere qria teneeacaa pa 96
10.2. Ciência da Administração... . 65 administrativa .......... eereeareoarterrerenasesea
nistrativo. see ecmaneeseeerseeteeims ica... enpoaa ganso aves 97
Capítulo II — Fontes do direito admi n 65 Capítulo HI — Administração Públ
sua hierarquização ........meme memeemeareocemesrentarcerneceneneerameoneano 97
Secção I — Enunciação das fontes e OB 16. Noção de Administração ..... eee
eee
11. Noção de fontes de direito...
8 Lições de Direito Administrativo
Índice 9
17. À Administração Pública... eetaarieareata merrennes cerereseraos . 98 Capítulo V — Administração Pública Moçambican
17.1. Definição...... a:
eeemrarererreraserecarecereremsaraemsemtareresesreir OB Súmula Histórica... cesraraerantasareariaseras cemrerarirrean eeectreresemtsreras va
a) Administração Pública, em sentido orgânico 30. Fases da Administração Pública Nacional..
ou subjectivo........ eemerertaserreraness cemetariarias cneneemeiatorieranos eereaera . cesecerererremtaçeas 127
98 30.1 A PIÉ-ÍASE rir
b) Administração Pública, em sentido material . 127
30.2. À primeira fase (6 [5/5 Es 1535)
ou objectivo .......... ressenesasesrencersrncneasaarisererersarrererarenracosois LOO
30.3. À segunda fase (1983-1990)... iii
133
c) Administração Pública, em sentido formal... ce. 101 30.4. À terceira fase (1990 .....) iene
135
18. Fim da Administração Pública: a prossecução do interesse
Capítulo VI— Princípios Informativos da Administração
Merrrarearenaras 137
público... cearranerstsemrrreerreanasens mma irarsasa Pública. 139
sense rirsaiasac
eree eraros 102 Secção I — Princípios relativos a actividade admi
19, A Administração Pública como poder?. crtemrtasetestss reesmcar
arsera LOM
nistrativa...
31. Princípio da prossecução do interesse público ...
139
20. Administração Pública deve estar subordinada ao Direito .su 140
....... 108 32. Princípio da legalidade........ tesdertnr
21, À Administração Pública deve ser controlameme da... 109
tuna eca
ano oa ro un
renraso se nca
a) Significado............. PeMaIar e rante nara sas dana onda nes tanaas sat eras seara
nLssrnnan
ngo 143
22. Administração Pública e Função Pública...
110 b)
serias 143
Modalidades... APS REA SAM CLA ae anaLs nha SO rse tata tuto ot teraças
23. Formas jurídicas da actividade administrativa cera
mica TIL C) Objecto...
144
erenceas sr rea re
23.1 Actividade administrativa de gestão pública...
112 q)
erantaaniae
snaseaer
Conteúdo... erterrese ne rtess os raana ee estrana sa gonna ras isares stars
145
23.2. Actividade administrativa de gestão privada....
cmo 1LB 0) Efeitos...
nreseransaa pesa
145
rrrmimeesrreeraseeeameaenis, cemmererrrraseeasessassessiusaneera
24. Distinção entre administração pública e adminis
tração B Excepção acao princípio » da legalidade: estado
145
privada... mssemeerereereremeereeeiiers eoreeeserterrrerremearecssmserecrera TAS
de necessidade? ci rererreeameieniee commeescanavenseseõas
25. A administração pública eé outras funções do Estado. eee 114 33. Discricionariedade e vinculação administrativa.
145
25.1. Função administrativa efunção polca ....em .. meses 147
m 114 a) Definição..... Perteraaramerennararraaaas
25.2. Função administrativa e função legislativa. eres ras rea saia era strr ras aneanrers 147
.. 115 b) Fundamento da discricionariedade
25.3. Função administrativa e função jurisdicional cermmneresenrasarievoss 150
mo 116 c) Natureza e significado da discricionariedade
25.4. Função administrativa e 0 GOVermO ......iei ceneeaereseteraanesas 151
117 d) Âmbito ou abrangência da discricionaried
Capítulo IV - Sistemas Administrativos... iremos
ade ....im. 152
119 E) Limites da discricionariedade Cncerersarerranscsresani
26. Noção......... terrenas ermscnecerresersarmaesiremesrere
amsreresiereraneçer TITO £) Controlo do acto discricionário mecsrenracrreatasissenre
areaareas 153
27. Típos de sistemas administrativos rereeceeremareceereae
rreameceererereri ITQ 34. Princípio do respeito pelos direitos subjec
naças RR 153
27.1. Sistema administrativo tradicional ......... persenc tivos e interesse
emermesrcerneo TLO legítimos dos particulares...
27.2. Sistema administrativo judicial ou britânico cesseenmeeaersarsasararoes 154
cmemeeemrrses 120 35. Princípio da fundamentação dos a actos administrativos, marea
27.3. Sistema administrativo executivo ou de
tipo francês ......... 121 156
36. Princípio da ética e moralidade administrativa...
28. Posição das sistemas na actualidade: o judicial 158
37. Princípio da protecção da Confiança ...memenmeses
e o executivo oreteeseeeeteereremnraaraereemreeameereereermrersereemma 159
merremerrersa LDB 38. Princípio da boa fé... sumiram,
29. Sistema administrativo moçambicano......... sirene 159
125 39. Princípio da justiça... eremita VRA
aaa nOA
VGUras siso runas
n 06 161
Índice 11

10 Lições de Direito Administrativo mero 103


emenercaeeams
61. Regime jurídico .........ecereae
ceeeeaivacanenaranaos 164 oass colectivas públicas .. . 193
40. Princípio da igualdade .......emeeneeememenrerno 61.1. Criação e extinçãoo das pess
RR 165 ito público e privado.......... 194
41. Princípio da proporcionalidade cercerantened R 61.2. Capacidade jurídica de dire
166
imparcialidade .......eemmeemeseaseeemememeeereenteeo e financeira... vo. 195
42. Princípio da 61.3. Autonomia administrativa
decisão .macemcareorecnntariereanmenteranto
RR e. 168 administrativos... 195
43. Princípio da
170 61.4. Direito de celebrar contratos
serviço público... .....eeemnsmecmemeseeeereeneeeos 196
44. Princípio da continuidade do 61.5. Bens do domínio público .....
eseeeeeseeremeseemectenereeeoo 171 cesaraccaneo ererorrersesananeoroneansoasas enem 196
45. Princípio da gratuitidade........emem 61.6. Pessoal...
eorentasaavaresame quereereneenertenteneanenos 171
46. Princípio da transparência...
rativo
61.7. Sujeição ao regime administ
Administração Pública reemarenararerrentarereasararerarvara 196
47. Princípio da colaboração da de responsabilidade Give
...ss.eeseme: aerea eereeneeerereracanceoo 73 ativa ......eseeesesearererenmenanero 106
com particulares
o I74 61.8. Sujeição à tutela administr
particulares .... aa rolo externo dos tribunais
48. Princípio da articipação dos 61.9. Sujeição à fiscalização e cont
da Administração Pública... - 175 eaceaeemareaoaeeermoeamendo 197
49. Princípio da responsabilidade 176 aâministrativos .......seaeereseerereneearemcr
ao direito .....meemeeemeres reeme ceras reseesararerasaso meras 197
50. Princípio de acesso à justiça e 61.10. Fórum administrativo .......ave
organização e Funcionamento oas colectivas
Seeção II — Princípios relativos à 62. Atribuições e missões das pess
ercaaireraennaeareranaato emeentes 178 era renerraecmenrenerere reo SOT
da administração pública... eento 178
públicas: fins... .eeeeeereeeeeerenerero
198
taemerseneeeren reinar
51. Princípio da desburocratização ....memeremeenmesten 62. Órgãos das pessoasLe colectiv
as públicas...
cidadãos .......».» 179 rerareracareorareearerenecrneatocarmeaneeearenmeam
entetmetems 198
52. Princípio da aproximação dos serviços aos 693.1. Noção ...
eee 180 cc 200
52. Princípio da subordinação ou hierarquia... 63.2. classificação dos órgãos ..
corescarertrernado
descentralização administrativa..
.ceerrareraemrenteneess 181 pessoas colectivas públicas. . 202
54. Princípio da
183 64. Competências dos órgãos das
...» nes RN .......memenmemecameneeremmeeeteoo 204
55. Princípio da desconcentração
ia
64.1. Delimitação da competênc
etência. rem 205
64.2. Critérios de delimitação da comp 207
ia .........m..- cereenieetaresresrmmescenas
' 64.3. Classificação da competênc 208
Título II petência ,....m.eeeneseseemeaseree
64.4. Regras gerais sobre a com 209
competência ......veeceeseneeseereess
Organização Administrativa 65. Conflitos de atribuições e de ... 210
.. rareeteaseaemertesmasenaneso cercereaenas
187 Secção Il — Serviços Públicos. eroo 210
Organização Administrativa... . naeareeeeeearenonterenmerecnenarreneecar
É Capítulo I — Teoria Geral da 187 66. Noção... 211
a Teoria Geral... OLgÂNICO...scrsemereerenteeeeeemcames
56. Breves considerações sobre erraces 187 66.1. Serviço público: no sentido 218
ica .............» PRA eee material...
57. Noção de organização públ . 191 66.2. Serviço público, no sentido 213
stração Pública Material... icos ...m.mmes recarei
Capítulo II— Elementos da Admini 191 67. Classificação dos serviços públ
pública.......aveseeeseeenarareeem lico........mecemeeem tece en 215
58. Elementos da administração 191 68. Regime jurídico do serviço púb 215
direito público...eureerresenserescensameranents a) Requisitos e pressupostos do serv
içoo público. eranvc esraso aresse
Seeção 1 — Pessoas colectivas de LOL
eancementareraememerrenmeaneres ro ater eamintare renata rennentarenamaseono 216
59. Preliminares... ospuensano
192 b) Direitos dos utentes nene renan
ctivas Públicas cercrrenarecareretanes
60. Classificação das Pessoass Cole
12 Lições de Direito Administrativo
Índice 19
c) Princípios fundamentais do serviço público............a 217 b) Poderes do delegante.... cesecererranrarnroartartasssacrecranseaiaas 237
q) Organização dos serviços públicos ...........memamenss 218 c) Natureza dos actos do delegado... cesmremreereesereenrassensas 298
e) Natureza jurídica do acto criador da relação de utilização d) Subdelegação de poderes ou delegação ão segundo
do serviço público pelos utentes .........eem eretas aig BTAU eee meereeenraasaerarantas MICONACI Pad rannes A Dos rr egunsinaag
Capítulo IH — Relações Interorgânicas............. DVsMe vos rigesnrasranpo
pra
239
ana v sharan dd 221 72.5. Natureza jurídica... desssesresaravremieresaramaasreasrerarensarnsçs 240
69. Preliminares ......eesasiceeseese
aerearenrarerer
rantaatacsarirseenerea 2921 73. Extinção da delegação de poderes cerersarereaemacacaaeassastasrrecaresavaresss
70, Hierarquia administrativa... peanecrerorreenereaaesereserenesarearaçãs 2921
244
a) Caducidade .....rsiiearaaneaa
70.1. NOÇÃO ......ereeeeerereeraveresaroesrrrereriaeaieenaanarestacseereeaerensararesaas 291
eee nen EEE rererenes « 244
b) Substituição... erensosaaras drarraanses .. 244
70.2. Espécies de hierarquia Cerercrecereameapenecaseanioerricrantanas crestssases 223 C) Revogação... rms
a) Hierarquia
eai easrerer terrena rente rosa eaneiens 244
EMA estar 229 74. Supervisão...
b) Hierarquia externa...
eorreerrannesasagarimaeras . 245
eeeeerarnersareasaçõas 224 Capítulo IV — Relações Intersubjectivas .......mememeneemereeseeesaie
70.3. Conteúdo da relação jurídica hierárquica...
247
225 75. Preliminares.....sesseerereaseeasasesrententas
70.4. Poderes do superior hierárquico...
247
225 76. Tutela administrativa... na 247
a) Poder de direcção... ereereesaresartena 225 76.1. Generalidades........ essencia rreasa reatar eres nara
b) Poder de controlo ou de supervisão...
247
226 76.2. Definição... cr iscerererereremasmecrearemrerearee tearesease reeaenaranns 248
c) Poder disciplinar ......emessem seresta cesstecenereraeis 227 76.3. Modalidades datutela administrativa corerrenaa eorerencaverassassiaa
d) Poder de inspecção... ererearenrentaca terrenas care
249
sseseresnsantas 227 a) Quanto ao objecto ou a0 Bm ....... carreserara rereresaranes mectaseras
e) Poder de decidir recursos..
. 249
cererrmeerameaneccesrrasaasaisconeears 228 b) Quanto à forma de exercício ou 20 conteúdo... 250
É Poder de resolver conflitos de. competências cerenrerearaserimro 228 76.4. Regime jurídico da tutela administrativa ..emmsemtas 251
71. Dever de obediência do subalterno.......meimemesmeieemereerers 229 76.5. Natureza jurídica da tutela administrativa... sementes. 251
72. Delegação de poderes .....,.., terrenas cemrereresananiros ceremeaeas 281 77. Superintendência...
72.1. Noção... eeerereoerarransessvicacraressnes
amena emtierea sa serraria
entes 258.
291 77.1. Noção... erEresen Cenas aaçA res aU aa Naa Caar rreneren
253
eporenrenressaaa
be ganDada
ss eram tan aras ars quase
72.9. Elementos àou ; requisitos da delegação de poderes. perenes . 292 77.2, Instrumentos típicos de superintendência. perresererearecernneras
72.2. Figuras AÊ rertaaesimnimes rr entntminsi
253
233 77.3. Natureza jurídica da superintendência .....muneneeeeirs
a) Desconcentração originária 254
cenearesresiacreraaracaranta 233 Capítulo V — Os Sistemas de Organização Administrativa... iii
Db) Substitui
255
rear ção
rerreaeereeere terrena
... nero raras 234 78. Preliminares... eee emeeereerere meet terrenas nar erete,
Cc) Suplência.....emas
255
. 294 79. Centralização administrativa. certesranaescstceaes testes sta vensasase
seressma
arise 255
d) Representação ....... rate reeerensareremeerereetenteeerertos 235 79.1, Centralização: NOÇÃO... eemrrererareseseeenesnereneeres
é) Delegação de assinatura...
255
peaemicerrseranesenserraecesaasantaas 235 79.2. Vantagens e desvantagens da centralização ........mm 256
f) Concessão... cearenses tre nt arrasa aaa ienee ee Eee 236 80. Descentralização ...........eememreres
reinarerearer
eme enee rins
i 257
72.4, Regime jurídico... cereeenrieerreniaserierataemanta 236 89PA PRN (o 16720 PRP
257
a) Disciplina do acto de delegação... 236 80,2. Vantagens e desvantagens da descentralização .sermemareananta
257
neshosrenrensam
Índice 15
14 Lições de Direito Administrativo
276
cur 258 gt. Presidente da República ........meeememesemsecateenereremo
80.3. Espécies da descentralização .
...
cer caeerens . cerereaaraesseneserararave cena vera 259
eerere 91.1. Presidente da República............emeemese
a) Quanto à forma.... 280
91.2. Presidência da República...........me-me
b) Quanto aos graus......... eoreqaerenorraorarasacacacasenocnrentaravão qereeemeees 259 cemerararaererrensata 280
aeereeerarive 260 a) Definição e objectivos.........
80.4. Limites da descentralização .............. ERA ceaeim 282
b) Estrutura da Presidência da República cerenersress
81. Concentração e desconcentração administrativa...
260
289
viasaas
ova vee pues 91.3. Gabinete do Presidente da República...
82. Concentração ....eeeenereneneasereacrerecaseareaneenaaes or
261
283
aararrasaenancaranas « 261 91.4. Casa Civil............emsemeeeemeseneerareeaaees
83. Desconcentração ............. nreeaciaeeicarrareccasanenrencac crrema 284
91.5. Casa Militar...
83.1. Espécies de desconcentração...
91.6. Conselho Consultivo da Presidência da Replica. no. comes
285
84. Intersecção entre os sistemas de organização ....
91.7. Gabinete da Esposa do Presidente da República
. 285
269
administrativa ... cc cerereneaarranronnecranarannenrennranese detereraraareantanes 286
eanreeneetareas 2683 91.8. Quadro do Pessoai da Presidência da República...
84.1. Centralização com concentração ....... een ererereren ceramearasrescencaveranassovomêo 286
cerarecaranesa 263 91.9, Conselho de Estado...
84.2. Centralização com desconcentração... mae 287
263 91.10. Conselho Nacional de Defesa e Segurança...
84.3. Descentralização com concentração ....s.meme-emeseearemems ica)... ceras 288
tanees 264 91.11. Ministério Público (Procuradoria da Repúbl
84.4, Descentralização com desconcentração ......eemaeenera eareearerenenasnsararesraceasesnea 291
ro 264 92. GOVEINO ..ceermereneesescecreeeraeeeneeeres encerarea
85. Integração e devolução de poderes .......«...ece-seeeeereementeeemeeeo O 291
ntecoreevarenrercanerenraaraaceata « 264 92.1. Preliminares........ereeseereeeeesteemeenento PR
85.1. Preliminares..........cea ecran. AP2
nesenecemeneraceaterero 265 92.2. Composição e presidência do GOVEINO
85.2. Integração de poderes... nar eeseenentareaeea 299
terneento percrareena cemeerraranesr 265 92.3. Funções do Governo.........» ceerarmentanios qereeaaia
85.3. Devolução de poderes... cuca 293
a) Funções de garantia de execução das leis...
mento
b) Funções de asseguramento do funciona
da Administração Pública ............... eua
Títulos HI
c) Funções ligadas à promoção da satisfação
Organização Administrativa Moçambicana rn danos cr 295
das necessidades colectivas... nado rr anca nradda rrenan
92.4. Modos de exercício da competência ....
Capítulo I — Estado como Pessoa Colectiva Pública... rnemereerrereaa 296
269 92.5. Responsabilidade governamental...
86. Preliminares.. eemtareaaceção 298
delimitação .. 270 92.6. Solidariedade governamental...
87. Conceito de Estado como pessoa colectiva e sua República... cerva 299
92.7. Relacionamento com àAssembleia da
88. Corolários da consagração do Estado como pessoa ercameeeeeemarcao 300
271 92.8. Funcionamento do Governo .. aeee
colectiva pública... mememesaes cre. 301
273 92.9. Estatuto dos membros do Governo ....e
Capítulo IL— Administração o Directa do “Estado coroa ... creo 302
anicos 2783. 93. Executivo do Conselho de Ministros
89. Caracterização ........... eereamnersenaares nterarertareeronatareraareacassemesantas ......cmeemeeemeeaeeareneersaseeeens is 302
94. Primeiro-Ministro
Capítulo III - Administração Central do Estado... ameneream 275
e Denvaos nba aa cr 303
275 94.1. Gabinete do Primeiro- Ministro
90. Preliminares............. cerreecanantero pa
16 Lições de Direito Administrativo
Índice 17
95. Secretariado do Conselho de Ministros eertearaataraserestecraresteea
renss 304 110, Âmbito e objectivos da administração indirecta do Estado...
96. Ministérios... certas, 304 Secção I — Institutos Público...
332
97. Secretarias do Estado .....memmnes ercearanararoresacareoarassersreasiaas 333
307 111. Conceito.. cemencersrras eereereamrsrrarantasaaacceeeassasraaaraareaniarrs
98. Banco de Moçambique............. eorsuseasranassasmnampvosa ceeteaserertantas severa 333
307 112. Tipos de institutos públicos eeoriner cases eses
rentes ento sesasasri
cacasuasas a 334
Capítulo IV - Administração Central Independente do Estado...
309 a) Institutos reguladores e de nOPANZAÇÃO.
99. Caracterização ......meemereemeseesrisariamesseeeierrieioo cortes crerianeass mr 335
309 b) Serviços personalizados .......mmmtass
100, Classificação dos órgãos independentes .......iimmimeaie. 210 335
c) Fundações públicas CAMAvaLa av aosaaLHAS dr ru sa Sana estima as perros ess mer si
100.1. As comissões nacionais: a CNE e a CNDH ....immn.
ne 310
336
d) Fundos públicos Pes testmare rose crsaa ser risaceentess rea ta errereaneasesaremaris
a) ACNE... eameseeareramerieaaa Peeremmarresessasnasrarestssessenacanaasaaa
310
337
e) Institutos médios-politécnicos..... meme .. esanesasasa 337
313 f) Institutos gestores de fundos públicos de segurança
100,2. O Provedor de Justiça...
314 social... eortennmacepeasainasacresanassriaaseresareresareanasaenas
100.3. Os conselhos superiores... eee 338
315 g) Estabelecimentos PÓbiCOS........cieeseermserereeseririerenaneress
a) Conselho Superior da Comunicação Social. rtsentceisa 338
315 13. Regime aplicável aos institutos públicos...
b) Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMI Fu. 339
316 114. Natureza jurídica dos institutos públicos ......mmmimems,
€) Conselho Superior da Magistratura Judicial Administrativa 340
115. Extinção ......... taentenrasareanasanens Den tabc tros
anPe
naA oram nosso ss ar raa vossas
342
318 Secção II — Empresas Públicas...
d) Conselho Superior daMagistratura ão Ministério Público rrsrserereeresse serasa eeneeiios 342
116. Conceito... PArPIvosogansani ana PICA PRARVIGa Eanes galos
TELanuns ss innnAs d dra 342
s1g 127. Nota histórica sobre a empresa pública moçambicana .......
Capítulo V —- Administração Local ouà Subor dinada ão Estado. 344
cremosa 921 118. Formas de empresas públicas ......... itinere,
101. Preliminares erreeemtantaeanac erra eras t ta raaa nara estantes renan acer 349
enaae sea nentare a 921 119. Regime jurídico aplicável às empresas públicas...
102. Governo Provincial ........ 349
321 120, Personalidade e capacidade jurídicas...
a) Governador Provincial peatcerrtacireata as cemaea certa ieas ante 350
estara antentinean 329 122. Criação, modificação e extinção detrimanaa seara sonemeseranastaserantantos
b) Governo Provincial... eram irrasieeee een 351
323 122, Os estatutos Específicos .......eesreneieieies
103. Aparelho provincial do Estado... - 352
. 324 123. ÓrgÃOS .... irritantes seriamente
104. Governo [0 E | 353
325 124. Formas de controlo das e empresas públicas cemertiamseransao
105. ERRAR BRENO mms cena 354
226 125. Princípio de gestão das empresas públicas ....
106. Localidade... cemeerersaaretesa cas cuca ans rr ca cr tear erna ce reararariarasvareeeens ....es 354
327 Capítulo VII — Administração Autônoma do Estado ........ nnresar
107. Povoação ....... eoeerreceanrereaniearaaraçe eesesemnescerarasstentenrania
rorrasçora 357
327 126. Conceitualização e especificação das entidades autóno
Capítulo VI— Administração Periférica do Estado. cernearereeesarren mas... 357
renarentere 329 127. Autoridade tradicional...
108. Noção e âmbito... dVbDrdnncagehsrrsanta iirremeaereeeeeareeattareaee rare ie 358
DMaonerenp
MAs me cant ras aan
- 329 a) Definição e NALUTeza...... ee rrerermmearerererarerassarererarerttenasassma
Capítulo VII—- Administração Indirecta ão Estado... rare tios 358
remrersereecseanta 33% b) Espécies da autoridade tradicional...
109. Conceito teteeetr atenas o rraranaa res ar erra aan aereas Marra aerea mn, evesabenasrasm 358
rss r aaa ra ani c) Legitimação e reconhecimento otinasa o pelnsmattouaca srqur anta
s ar rraaaa nes 359
vo
18 Lições de Direito Administrati
Prefácio
outr as entidades
d) Funções e formas de articulação com
públicas ......ceeseeeeeencases
ti
arm pada
empa a Td
ra pn dana

eaneerarmeeteossemeramo 961
128. As associações públicas ........ves..aesem 361
a) Definição e espécies...........-
361
b) Regime jurídico .......s mes
anassacantomio Dera Ro ear e 363
c) Natureza jurídica ......eesrereeercemeo pareer
s
129. Autarquias locais.........eeereeeemeseaeenctere
a) Órgãos do poder local do Estado .......mem reererenemammesetss 364
a o especial prazer de se
... eme e 364 Uma vez mais, a nossa academia experiment
b) Conceito das autarquias locaiS.... respectivos servidores lhe
368 ver premiada com um dos raros brindes que os
c) Categoria das autarquias locais........». de um livro jurídico escrito, com
sm oecserntaso
rmeesermener têm oferecido. Trata-se, concretamente,
d) Grad......ua ereaeeeeenme
....e li um autor pátrio, jovem jurista
istrativa certa argúcia e tendenciai originalidade, por
ição das autarquias locais à tutela a dmin
e) Suje da nossa «Pérola do Índico», a
Da naanavanenataNos
371 e docente na mais velha Escola de Direito
do Estado .......mememerceesmeno nciais exigíveis para navegar
locais ........e- Vrerenatos ne 871 mesma que o cultivou e O conferiu as crede
f) Poder regulamentar das aut arquias intrincado oceano das leis,
371 sereno e seguro pela imensidão do infinito e
g) Regime do pess oal das auta rquias locais............ simples ferramentas racionais &
que, apesar disso, nada mais são do que
ém não passa de um mero ins-
373 racionalizadoras do Direito, este que tamb
Bibliografia ..........eteeeemenarecvereeress princípio, o critério orientador e O
trumento da realização da Justiça — O
ca no Estado social e democrá-
Am mais alto de toda a administração públi
tico de Direito, como é Moçambique.
Administrativo moçambicano»
O Volume I de «Lições de Direito
de ALBANO MACIE, Assistente da
(título em si sugestivo!), da autoria
Eduardo Mondlane, na área de
Faculdade de Direito da Universidade
r de preferência para o ramo
Ciências Jurídico-Políticas, mas com pendo tar
nte obra, vêm, decerto, colma
de Direito em que se enquadra a prese
ca na literatura nacional, traduzida
em parte a enorme lacuna que se verifi
nas prateleiras das nossas ainda
na escassez de livros de índole didáctica
poucas livrarias € bibliotecas jurídicas.
em duas partes (Introdução
Num conjunto de dois títulos, inseridos
ização Administrativa, respectiva-
Geral ao Direito Administrativo e Organ
overtido campo da teoria jurídica,
mente), o autor arranca do sempre contr
do Direito, sem negligenciar, porém,
passando pela história geral e local
20 Lições de Direito Administrativo
Prefácio 21
o recurso à comparação de Direitos estrangeiros, para
desaguar na dog- pação e o esforço persistentes de contemplar a legislação e os vários insti-
mática do Direito Administrativo, imprimindo-lhe aquele
dinamismo que tutos do nosso Direito Administrativo, as políticas governamentais ligadas
se alcança da visão jurisprudencial.
à administração pública, assim como planos de formação académica, à luz
No domínio teorético, convoca o pensamento jurídico
duma variada não só das teorias forasteiras trazidas para 6 texto do seu livro, mas também.
gama de juspublicistas estrangeiros, de reconhecido mérito
e competên- procurando interpretá-los baseando-se em reflexões e ideias próprias.
cia, instigando o diálogo aberto e construtivo entre si £,
igualmente, com O reflexo do esforço de teorização argumentativa não escapará à vista
juspublicistas nacionais, diálogo de que assume a mediaç
ão, mas sem de qualquer leitor que prestar a devida atenção, sobretudo, ao Capítulo TI
nunca deixar de manifestar as próprias ideias, onde a ocasião
aparece e as da primeira parte que trata das fontes do Direito Administrativo e, ainda,
circunstâncias exigem,
à parte segunda, que versa na especialidade e de forma extensa e aprofun-
A seriedade, que a aventura pelo mundo da ciência e
a militância acadé- dada, sobre o sistema de organização administrativa do País,
mica sempre exigiram, exigem e continuarão a exigir,
revela-se nas presen- A compreensão do estágio presente duma sociedade postula o recuo ao
tes lições através da convocação desses autores ao debate
e do modo como seu passado, pois este nunca se dissocia do presente, juntos imbricando dia-
o autor encara a complexa missão, que, diga-se de
passagem, com alguma lecticamente no hoje e formando o gérmen do que é o amanha. A sensibili-
ousadia a si mesmo se atribui - a de mediar correntes de
pensamento dou- dade do autor neste sentido revela-se nas breves incursões que faz ao campo
trinário da common-iaw e romano-germáânico, em
oposição permanente, da história do Direito Administrativo, em geral, e moçambicano, em espe-
envolvendo neste último sistema jurídico pensadores de
vários quadrantes cial, neste último caso chegando ao ponto de lançar algumas provocações,
do mundo (alemães, brasileiros, espanhóis, frances
es, italianos e portugue- como por exemplo quando recua até ao período pré-colonial, onde descobre
ses, entre outros), advogados de ideias nalguns
casos convergentes, mas, manifestações do fenômeno jurídico-administrativo em formações sociais
noutros tantos, divergentes ou até mesmo antagónicas.
de tipo estatal, nomeadamente nos impérios do Mivenemutapa e de Gaza!
O confronto a que o autor procede entre a doutri
na estrangeira e a As referências que faz aos legados dos sistemas administrativos colonial
doutrina nacional, apesar da insipiência que ainda
caracteriza esta última, e das Zonas Libertadas da FRELIMO constituem um estímulo à memória
constitui um exercício que, além de muito
interessante, se traduz numa
apelação aos juspublicistas pátrios, no sentido colectiva e individual da nossa moçambicanidade, bem como uma cha-
de enfrentarem, com cada mada de atenção dirigida aos cultores da História do Direito, no sentido
vez maior dedicação e firmeza, o difícil desafio de reduzir
, paulatinamente, de um maior empenhamento na pesquisa e sistematização das experiên-
a multiplicidade, diversidade e complexidade que
reinam no universo nor- cias emanadas desses sistemas e da sua verdadeira e específica influência
mativo do nosso ordenamento administrativo, de
que é apanágio a coe- sobre o Direito Administrativo moçambicano, em processo de formação e
xistência de normas muito dispersas, às vezes
conflitantes, estabelecendo de consolidação desde o período do Governo de Transição, passando pelo
nesse caótico universo a unidade de sentido
e coerência, através de um
labor teórico e doutrinário passível de conferir identi grandioso momento da fundação do Estado moçambicano independente e
dade própria é maior soberano, até aos nossos dias.
consistência ao Direito Administrativo Moçamb
icano.
Nota-se que o autor não se isenta de enfrentar Como não deixaria de ser, as prelecções de Direito Administrativo, que
desde já esse desafio, o autor disponibiliza ao público leitor, revestem-se de valor didáctico e
visto que se mostram patenteadas, em cada página
do seu livro, a preocu- pedagógico inquestionável, valor esse que corporiza o espírito, a motiva-
22 Lições de Direito Administrativo
é o obstinado recurso Nota Prévia do Autor
ção, e o escopo do livro. O sinal inequívoco disto
de diversa natureza, tra-
do autor a exemplos de práticas administrativas
pretação e aplicação
duzidos em hipóteses formuladas com base na inter
análise da jurisprudência
da legislação em vigor, em conjugação com a
administrativa.
ente para orientar a
Por isso, embora concebido original e principalm
do Direito, em
aprendizagem dos estudantes universitários dos cursos
se reveste, outrossim,
especial do Administrativo, creio que este livro
m, sejam magistra-
de utilidade para todos os que nesta área jurídica opera
agentes da Administração
dos, advogados e docentes sejam funcionários e O professor «(...) se respon-
É sempre desejável, pedagogicamente, que
Pública. € pela abordagem das matérias
não resisti a tenta- sabilize pela sua investigação autónoma
Ao percorrer as centenas de páginas deste livro, contributo para o uso. dos
acomete o lavrador que, em curriculares, escrevendo e publicando o seu
ção do prazer e do orgulho que normalmente , mas como guia e convite a
dade invejável, provindo da estudantes. Obviamente não como livro único
boa hora, saboreia o fruto suculento e de quali s surgem como um guia para
no que assim sucederá novos estudos». Portanto, as presentes Liçõe
árvore que ajudou a regar e a fazer crescer. Imagi que, não prescindindo das
a forma, terão dado o seu estudantes do Curso do Direito Administrativo
com os colegas docentes que, duma ou doutr cer um suporte no estudo da
intelectual e aca- lições dos grandes mestres, pretendem forne
módico contributo para a formação jurídica deste jovem uldades que o estudo desta
disciplina, com vista à minimização das dific
démico, que é hoje o dr. ALBANO MACIE.
e da obra, gostaria de tem demonstrado.
Considerando que se trata do primeiro volum volvem-se, tendo em conta os
ta) como acontece no Neste sentido, as presentes Lições desen
encorajar o autor a prosseguir o seu trabalho, pois, em Curso nas Universidades. Daí
ituirá um obséquio assaz planos curriculares ajustáveis e actuais
presente, a publicação do segundo volume const noções do Direito Administrativo,
nossos estudantes em parti- que constitui parte inicial, o estudo das
precioso e merecido à nossa academia e aos ração Pública, dos princípios
das fontes deste ramo do saber, da Administ e da
cular. melhor, da actividade administrativa
proveito para todos os do Direito Administrativo, ou
Os meus parabéns para 0 autor, e votos de bom ração Pública.
organização e funcionamento da Administ
que se interessarem pela leitura do livro. a geral da organização adminis-
A esta pruneira parte, segue-se à teori
m figuras de âmbito geral rela-
Maputo, Fevereiro de 2012 trativa, onde se caracterizam e enquadra
inando as Lições com o estudo
tivas a organização administrativa, term
moçambicana, tendo em conta
João André Ubisse Nguenha minuncioso da organização administrativa
Mestre em Direito a legislação vigente.
Juiz Conselheiro do €. Constitucional pag. 265.
do da (In) Justiça, Quid Jutis, 2008,
Docente da Faculdade de Direito da UEM 1 FERREIRA DA CUNHA, Paulo. Trata
24 Lições de Direito Administrativo

No segundo volume abordaremos o procedimento admini


strativo e,
dentro dele, o acto administrativo e o contrato administrati
vo; o regime
Principais Abreviaturas
das coisas públicas, os agentes administrativos, o regime da função
pública
e a polícia administrativa.
No volume três, propomo-nos a abordar o controlo da
acção adminis-
trativa, designadamente, as garantias políticas, as garant
ias dos particula-
res, entre elas, as garantias graciosas, 0 provedor de Justiça
e contenciosas,
nestas últimas, em particular, o recurso contencioso
e a organização e fun-
cionamento do Tribunal Administrativo.
Antes de terminar, é preciso deixar registado um dever
de gratidão
aos grandes ilustres do Direito Público moçambicano que
com eles tenho
aprendido bastante, desde o ano de 2004, ainda AP Administração Pública
como monitor da Disci-
plina. Refiro-me, precisamente, ao Professor Catedr AR Assembleia da República
ático Gilles Cistac, ao
Prof. doutor Machatine Paulo Munguambe, ao Prof. BPFRELIMO Bancada Parlamentar da Frente de Libertação
doutor João Martins
e ao Mestre Paulo Daniel Comoane. de Moçambique
Outro dever de gratidão vai ao Mestre João André Ubisse CCLJ Conselho Consultivo de Legalidade e Justiça
Guenha pelos
ensinamentos do dia-a-dia, e pela postura ao prefac CRM Constituição da República de Moçambique
iar as presentes lições.
CRPM Constituição da República Popular de Moçambique
Cf. Conforme
Maputo, Dezembro de 2011.
Cfr. Conferir
Albano Macie
EGEAE Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado
LPA Lei do Procedimento Administrativo
Op. cit. Obra citada
Página
PP. Páginas
PLBOAP Proposta de Lei de Bases da Organização
da Administração Pública
Vol. Volume
Título 1

Introdução geral ao direito


administrativo
e à administração pública
CAPÍTULO 1

O direito administrativo: evolução e definição

1. Preliminares

O Direito Administrativo tem por objecto a função


administrativa ou a
actividade administrativa de gestão pública;
ou melhor, o Direito Admi-
nistrativo, de uma forma aproximativa,
rege a Administração Pública.
Portanto, é, inevitavelmente, um ramo do
direito público. Sem preten-
der, por ora, adentrar para os meandros doutr
inários sobre a natureza
do Direito Administrativo, deve reconhecer-se
que a noção deste ramo de
conhecimento depende de uma outra de extre
ma importância, que é a de
Administração Pública,
Portanto, no Título I, vamos abordar a
Introdução Geral ao Direito
Administrativoe à Administração Pública.

2. Direito Administrativo como ramo do Direi


to público
2.1. Fronteiras entre o Direito público e o Direi
to privado:
o Direito Administrativo como ramo de Direito
Público
o a!

Hot arco
O Direito, como conjunto de nórmas e princípios
dotadas de coereibili-
dade, que regula a vida em sociedade, constitui
uma única realidade, divi-
stração pública 31
Introdução geral ao direito administrativo e à admini
30 Lições de Direito Administrativo
contrapor os dois ramos com
da qualidade dos sujeitos”. Assim, convém,
teóricos, práticos ou didácticos e os nas suas actuações.
dida, portanto, por motivos!, culturais, base nas diferentes posições assumidas pelos sujeit
político-ideológicos, em público e privado. Portanto, serão relações de direito público aquel
as em que o sujeito actua
três critérios para distinguir a; pelo contrário, serão
Com efeito, a doutrina tem avançado segundo os vectores de autoridade e de competênci
te, de interesse, de sujeitos e de O sujeito actua segundo os
os dois ramos? de direito, designadamen relações do Direito privado aquelas em que
, diremos que 0 critério de inte-
poderes de autoridade. Sem mais delongas princípios da igualdade e de liberdades.
destino se reserva para O critério
resse está totalmente desajustado?; igual O Direito público pode, por sua vez, bifurcar-s
e em interno e inter-
em Direito Cons-
sofrido nacional. Assim, o Direito público interno reparte-se
ta ao Direito romano às recepções; tendo processuais, Direito Finan-
+ Anível cultural, o Direito privado remon ilitou à sua codifi cação; titucional, Direito Administrativo, Direitos
um estádio que possib
um processo de cientificação, ele atingiu lho*? No âmbito internacional
m jusracionalista e não apres enta uma sedim en- ceiro, Fiscal, Criminal, Eleitoral, do Traba
pelo contrário, o Direito público tem orige traduz que rege as relações entre
encontramos o Direito Internacional Público,
ica. A nível teóric o, o Direit o priva do
tação compatível com uma codificação autênt
icações que nele ocorram correspondem à nacionais considerados como
os Estados soberanos e outros entes inter
pessoas; assim, as modif
relações estáveis entre o público,
a em jogo e operam lentamente; o Direit
alterações estruturais da própria cultur
Estado ou por ele presididas, admitindo
quebras ou artigo eleva a família a um estatuto supra-
por seu tarno, traduz relações com o fundamental e a base de toda a sociedade», este
disciplina
nível prático, a qualificação de uma intere sse público de toda a sociedade. Não só,
modificações bruscas € imprevisíveis. 4 -individual, passando a desempenhar um
destino académico, doutrinário, jurisd
icional € por reduzir o ramo a um radicalismo do
como pública ou privada decide do seu l do este critério, por parte dos civilistas acabaria se de
há que não esquecer o papel funda menta e. Do lado do Direito Público, pode falar-
profissional. A nível político-ideológico, con- individualismo, o que não é do todo verdad os
s das pessoas: prevenindo 0 arbítr io do mutuamente interesses públic os e privad
Direito privado na preservação gas esfera mais um contrato de concessão, em que se jogam em
el e assegurando o choque dos intere sses para 0 retorno do inves timen to realizado,
tingente, evitando o choque do imprevisív te dos concessionários, na busca de resultados
privado consti tuá um travão historicamente eficaz peran , em último plano.
imediatos de cada um, o Direito primeiro lugar, e a busca de lucros
entidades, vide, nestes termos, CORDEIRO
, Antôn io e o Direito Privado reside na qualidade do
a intromissão do Estado ou de outras Q critério de distinção entre o Direito Público
o jurídica. Assim, serão relações de Direito

EN
1994, PP. 62 e 65.
Menezes, Manual de Direito do Traba
lho, Coimbra, Almedina, sujeito que intervém numa determinada relaçã Estado ou outro ente
enfatiza melhor esta diferença: «ius publi- normas jurídicas em que O
A elássica e milenar sentença de ULPIANO Público aquelas em que se baseiam em de Direito
ad singulorum utilita- s de autoridade (tus imperiuwn) e sesão
cum est quod ad statum rei romanae spectat, privatum, quod público se faz investido dos seus podere ulares.
de ser reformulada, dando lugar à seguin
te: direito tutelam relações entre privados ou partic
tem» (D.1.1 fr.2). Porém, esta tese tem Privado aquelas normas jurídicas que e em termos
lina relaçõ es jurídi cas em que prepon- ou actua sem o seu poder de impéri o,
público é o conjunto de regras jurídi
cas que discip Ora, vezes sem conta 0 Estado intervém
pública; direito privado é o bloco de regras igualitários a dos particulares.
deram imediatamente interesses de ordem ho, op cit.;
cas em que predominam imediatame
nte interesses Menezes, Manual de Direito do Trabal
jurídicas que disciplina relações jurídi Nestes termos, CORDEIRO, António
tivo Brasileiro, e
CRETELLA, Jósé, Direito Administra
de ordem particular. Cfr. JUNIOR ULPIANO, na
p. 62. o privado já foi
se, 2002, pp. 5 e 6. Na verdade, entre o Direito público e o Direit
2.a Edição, Rio de Janeiro, Editora Foren Como quer Menezes Cordeiro, «A divisão l
Direito do trabalho». A actuação jus labora
>

relação
io deinteresse em jogo numa determinada eriticada, designadamente a propósito do
sua diferenciação, faz apelo ao critér o Direit o públic o e o Direit o pri-
de entre
jurídica. rebentara com a suma divisio que se preten
teleológico de uma relação jurídica
concreta. Assim,
a em que este ramo de direito é miscigenado: as relações individuais de
Este critério baseia-se no elemento vado, na medid ho per-
de regras que disciplina os interesses indivi- trabalho e as relações colectivas de trabal
ta

o Direito Privado diria respeito ao conjunto trabalho, cujo prototipo é o contrato de ões de
as utilidades públicas ou que tangem a todos tencem ao direito privado ao passo que o proces
so de trabalho e o direito das condiç
duais e o Direito Público as que respeitam na o do Trabalho
esta teoria é enfraquecida pela imprecisão Estado. Como se vê o âmbito do Direit
(o interesse da colectividade). Desde logo; Direito da Fami- trabalho reflectem a intervenção do
ca, Manua l de ..., OP»
privado: por exemplo, o à sua natureza jurídi
distinção entre o interesse público e o interesse é, desde logo, conduzido a uma hibridez quanto
mas tutela interesses público-privados (de mistura);
lia é um ramo de Direito Privado, cit., pp. 63€ ss.
que define a família como «(...) elemento
veja-se o casa do artigo 119 da Constituição
g2 Lições de Direito Administrativo
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 33
tais; bem como algumas actividades individuais e, por fim, encontramos
Um autor brasileiro a propósito do nascimento do Direito Administra-
o Direito Internacional Económico, que se ocupa da organização das rela- tivo referiu que «(...) o direito administrativo nasceu da subordinação do
ções macroeconómicas internacionais. poder à lei e da correlativa definição de uma pauta-de-direitos individuais
O Direito privado subdivide-se em Direito privado comum (Direito que passavam a vincular a Administração»º.
Civil: Obrigações, Reais, Família e Sucessões) e especial (Direito Comer- Quando é que ocorre este verdadeiro milagre?
cial, Bancário? Do trabalho? etc). Como ramo de direito autónomo,
* o direito administrativo surge n4
O Direito Administrativo, independentemente do critério à adoptar, França, no Século XvII, com a Revolução Francesa de 1798, porque ante-
é um ramo de Direito público interno. Desta forma, integram o Direito rior a este período podia assistir-se Tegrásadministrativas- -que regulamen-
Administrativo as normas marcadas, geralmente, pelos caracterés de tavam certas actividades do Estado (multas, cobrança de impostos) mas
obrigatoriedade e indisponibilidade dos interesses em jogo; os-fins e os sem que constituíssem um corpo como tal que consubstanciasse o Direito
interesses tutelados, bem como as formas de actuação da Administração Administrativo, como é hoje conhecido. Recorde-se que nesse período vin-
Pública são determinados pela lei. gava o princípio segundo o qual quod principi placuit leges habet vigorem,
que se traduz no que «o que agradar ao rei, vigora como lei» e «o rei não
pode errar (the king can do no wrong)» e foram estas ideias gue a Revo-
2.2, Nascimento e desenvolvimento do Direito Administrativo
lução combateu veementemente, introduzindo os princípios de Estado de
direito e de separação e interdependência de poderes.
O Direito Administrativo nasce como um verdadeiro milagre. A expressão
» “ Como escreve o Professor BANDEIRA DE MELLO «o Direito Admi-
«milagre» pertence ao autor Prosper WEIL. Este afirma que «A própria
nistrativo nasce com o Estado de-Direito, porque é-o Direito que regula o
existência de um direito administrativo é, em alguma medida, fruto de vm
comportamento da Administração. É ele que disciplina as relações entre
milagre. O direito que rege a actividade dos particulares é impostoa estes
“Administração e administrados, e só poderia mesmo existir a partir do
de fora e o respeito pelos direitos e obrigações que ele comporta encontra- ins-
tante em que o Estado, como qualquer, estivesse enclausurado pela ordem
-se colocado sob a autoridade e a sanção dé um poder exterior e superior: o
jurídica e restrito a mover-se dentro do âmbito desse mesmo quadro nox-
do Estado. Mas causa admiração que o próprio Estado se considere ligado mativo estabelecido genericamente»s.
(vinculado) pelo direito. (...) Não esqueçamos, aliás, as lições da história: a
A Revolução francesa constitui um marco histórico do surgimento
conquista do Estado pelo direito é relativamente recente e não está ainda da nossa disciplina. No entanto, formalmente, as regras administrati-
terminada por toda a parte. (...) Fruto de um milagre, o direito adminis- vas nascem com a Lei de 28 de Pluviose'º do Ano VIII na França e
trativo só subsiste, de resto, por um prodígio cada dia renovado. €..) Para os
que o milagre se realize e se prolongue devem ser preenchidas diversas TÁCITO, Caio, Evolução Histórica do Direito Administrativo, in Temas do Direito
Público, Vol. I, 199%, p. 2.
condições que dependem da à forma do Estado, do prestígio do direito e dos
* BANDEIRA DE MELLO, Celso António, Curso de Direito Administrativo,
26.2 Edição,
juízes, do espírito do tempo»? Malheiros Editores, 2009, p. 47.
'º Pluviose corresponde ao actual mês de Janeiro, só que na França Revolucion
ária tinha
trinta dias, aliás, todos os meses tinham trinta dias. Recorde-se que a 31 de Dezembro
? WEIL, Prosper, O Direito Administrativo, Coimbra, 1977, pp. 72-10. Sublinhad de
o nosso. 1805, Napoleão Bonaparte aboliu o calendário revolucionário e introduziu a1
de Janeiro
e à administração pública 35
Introdução geral ao direito administrativo
34 Lições de Direito Administrativo
anadas pela autora Odette
mia foi, na França, As ideias desta lei são melhor expl
primeiros autores a tratarem da disciplina na Acade judiciárias são distintas e
mestre na sua aula MEDAUAR”, senão vejamos: «As funções
MACAREL; a propósito, recorde-se as lições deste funções administrativas. Os juíze
s não
tivo como «o con- residem sempre separadas das
inaugural de 1852 em que define o Direito administra crime, não perturbarão, de qualquer
forma 0 corpo do atrapalharão, sob pena de cometer
junto de todas estas leis e de todos estes regulamentos corpos administrativos, nem citarão
s»” e na Itália, maneira que seja, as operações dos
Direito administrativo e é isto que me cabe explicar-lhe funções».
os administradores por razão de suas
ROMAGNOSI, em 1812, ração das autoridades judiciária
Direito público e Procedia-se, então, ao princípio da sepa
Em 1819, é criado, na França, a primeira cátedra de de incomodar a administração e sua
e legislativa, impedindo-se os tribunais
administrativo. que interessavam à administração.
Prosper WEIL, quando introduz 0 seu livro de «o Direit
o Administra- proibição do conhecimento dos litígios
os «conseils de préfecture» -conse-
administrativo nos Alei de 28 Pluviose do ano VII criou
tivo», dedica-se ao nascimento e surgimento do direito rno civil — encarregados, sob a presi-
tivo» como sendo o lhos de prefeitura, ou conselhos de gove
termos seguintes: «Pré-história do Direito administra certos litígios estritamente definidos.
Império. Para ele, aência dos prefeitos, de estatuírem sobre
período entre a Revolução de 1789 e O fim do Segundo a criação do Conselho de Estado,
nada e que se esbogou Entretanto, mostra WEIL que foi com
o Direito administrativo emergiu lentamente do itiu as transformações mais profun-
administrativo, ou pela Constituição do ano VIII, que perm
nos impulsos mais tarde conhecidos como do regime Conselho de Estado é conhecido; pri-
va especializada e a das. Mais ainda foi, a partir daí, que O
seja, (...) a existência de uma jurisdição administrati do governo e se viu a cargo do Primeiro
daquelas do direito meiramente, como o conselho jurídico
submissão da administração a umas regras diierentes os Chefes de Estado, de preparar um
Cônsul e; posteriormente, pelos sucessiv
privado»?, quais fizesse parte à administração'.
administração projecto para a solução dos litígios os
O Ilustre Professor trata da questão da submissão da (Maio) de 1872, concede-se ao Cons
e-
vezes eficaz que " A partir da lei de 24 de Prairial
aos tribunais revelando a guerra «dissimulada» e muitas
e (Antigo Regime), lho de Estado a justiça delegada:
era travada por parte das jurisdições do Ancien Régim
administração e de
contra as tentativas da monarquia de modernizar a issa ao controle de uma
que uma das primeiras «(...) doravante a administração é subm
reformar a sociedade. Assim, explica o mesmo directamente «em nome do povo
16-24 Agosto 1790, verdadeira jurisdição, que estatui
medidas da Constituinte foi de quebrar, pela Lei de
es, pelos tribunais francês».
«(...) todas as veleidades, e mesmo todas as possibilidad
de desafiar a autoridade do Estado» Conselho do Estado'* que estabe-
Portanto, foram! Os acórdãos do
s ao Direito administrativo,
de 1806, o calendário Gregoriano. Os meses antes da
abolição do calendário vevolucio- leceram um conjunto de princípios relativo
e maneira: Vindimaire (Setembro); Bru-
nário eram designados em França da seguirit
(Dezembro); Pluviase (J aneiro); Ventôse Paulo, Editora Revista
máire (Outubro); Frimáire (Novembro); Nivôse Administrativo em Evolução, São
(Maio); Messidor (Junho); Ther- n MEDAUAR, Odette, O Direito
(Fevereiro); Germinal (Março); Floreal (Abril); Praírial
dos Tribunais, 1992; pp. 10 — 11.
midor (Julho) e Fructidor (Agosto).
vo, 1926, p. 21. 's idem. era a jurispra-
" MASAGÃO, Mário, Conceito do Direito Administrati a principal fonte do Direito administrativo
pp. 4 e ss. 1» Portanto, resulta líquido que
2 WEIL, Prosper, O Direito Administrativo, op. cit,
dência do Conselho do Estado.
3 Idem.
36 Lições de Diveito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 37
am ma)

havendo que fazer referência ao fenomenal ARESTO BLANCO, no qual foi legislação no que for contrária à Constituição fica automaticamente revo-
estabelecido o princípio.da. responsabilidade do Estado, segundo o qual gada. A legislação anterior no que não for contrária à Constituição man-
somente a jurisdição administrativa era competente para conhecer lití- têm-se em vigor até que seja modificada ou revogada».
remain

gios envolvendo o Estado e os particulares. Foi, na verdade, o labor dos Nisto é sublime a análise da história do Direito administrativo
conselheiros DAVID, ROMIEU, PICHAT ou LEO BLU, entre outros, que moçambicano que faz o Professor GHICISTAC, «A análise da referida
consolidou o Direito administrativo como ramo de direito distinto das questão, numa perspectiva histórica, permite responder pela afirma-
regras jurídicas do direito privado. Ao nível doutrinal, temos os labores de tiva à pergunta da existência de um regime administrativo em Moçam-
LAFERRIÊRE, HAURIOU, Leon DUGUITe Gaston JÉZE. bique. Com efeito, a política de assimilação das colónias portuguesas,
4

"Em conclusão, podemos dizer que antes da revolução Francesa tinha- em geral, e da de Moçambique, em particular, ao regime da organiza-
mos o Estado de Polícia ou Absoluto, que se caracterizava, no geral, pela ção administrativa da metrópole fez com que as colónias tenham sido
falta de limites na sua actuação; depois da Revolução, são cimentadosN, consideradas como simples províncias do reino — províncias ultrama-

dois princípios básicos e demolidores da situação anterior: o de Estado de - rinas — a que se aplicavam com ligeiras alterações as leis feitas para o
direito e o da separação e interdependência de poderes. continente, os critérios de administração e os planos de governo esta-
Depois da Revolução Francesa, surgem a Lei de 28 de Pluviose do Ane belecidos e traçados para a metrópole. Nesta perspectiva, a Portaria
VIH (1800) e o labor dos comissários do tribunal de conflito, tendo sido o Provincial n.º 395, de 18 de Fevereiro de 1856, vai considerar em vigor
Aresto BLANCO" o marco mais importante, na medida em que, o Tribunal na província ultramarina de Moçambique o Código administrativo de
de Conflitos de França em 1873 estabeleceu que as actividades prestadas 1842.
pelo. Estado estão submetidas a um regime jurídico distinto das funções Assim, O sistema de administração executiva foi importado em 1 Moçam-
desempenhadas por sujeitos privados. A partir de então, o serviço público bique através da aplicação deste Código»,
torna-se critério para repartição de competências entre a jurisdição admi-
nistrativa e o Conselho de Estado Francês'º.
Em Moçambique, o Direito Administrativo, como ciência jurídica, 3. Definição do Direito Administrativo
nasce do legado histórico, porém, pode encontrar-se normas administra- *
tivas nos impérios de Mwenomutapa é de Gaza relativas à cobrança de 3.1. Dificuldade e critérios de definição
impostos, É prova evidente que o Direito administrativo moçambicano
resulta da recepção do Direito colonial português, feita através da Cons- Como asseveraram os Romanos, omnis definitio periculosa estºº. Isto para.
tituição da República Popular de Moçambique, no seu artigo 71, «Toda a dizer que «não se atingiu ainda o conceito do Direito Administrativo»,
? O Aresto Blanco pode ser lido na integra em LONG, Marceal; WRIL, Prosper; BRAI- parafraseando o pessimismo de Lorenzo Stein?,
BANT, Guy, et all, Les Grands Arrêts de la Jurisprudence Administrative. 16. Edição,
Paris, Dalloz, 2007. » CISTAC, Gi, O Direito Administrativo em Moçambique, in Workshop
on Administrative
'º BACELLAR FILHO, Romeu Felipe, Breves reflexões sobre a Jurisdição odministrativa: Law — Hotel Cardoso, Mozambique, 1st-gth April, 2009, p. 4.
uma perspectiva de direito comparado, «in» Revista de Direito Administrativo, Rio de = Toda a definição é perigosa, traduzido Hteralmente,
Janeiro, n. 273, jan-mar, 1908, pp. 65-77. * STEIN, Lorenzo, apud, CORDEIRO, António Menezes, Manual..., Op. Cit. p. 19.
39
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública
38 Lições de Dixeito Administrativo

Ao longo da vida do Direito Administrativo, foram sendo adoptados b) Critério do serviço público também da escola francesa
vários critérios para a sua definição. Dos vários critérios, elegemos dois e LAFER-
essenciais: o primeiro ligado ao nascimento do próprio Direito adminis- Este critério tem como defensores Gaston J ÉZE, Léon DUGUIT
a noção
trativo e, o segundo,à sua posterior evolução e pelo facto de ter perdurado RIBRE, que pretenderam definir o Direito Administrativo sobre
to de
do serviço público. Assim, o Direito Administrativo seria o conjun
até o Século passado. Assim, teremos:
regras relativas ao serviço público?,
ão
Para estes tratadistas, todas as situações relacionadas com à execuç
o e
a) Critério legalista da escola francesa de um serviço público seriam subtraídas à aplicação do Direito privad
sujeitas a regras especiais, as de Direito Administrativo”,
pois «a
actualmente, de escola caótica, por falta de qualquer Na crítica a esta noção, o autor Jean RIVERO é contundente,
É a chamada, mentação da
Administração não se limita a gerir serviços públicos: a regula
preocupação sistemática ou por grosseiro empirismo?. Este critério nomea-
considera o Direito Administrativo como sinónimo do direito positivo.
actividade dos particulares no quadro da política administrativa,
constitui, para
damente, que é uma parte importante da sua acção, não
Isto é, MACAREL, na sua aula inaugural em 1852, aos seus estudantes inverso,
referiu que «o conjunto de todas estas leis e de todos estes regula-
falar com propriedade, gestão de um serviço. (..). Em sentido
sos do Direito
a gestão do serviço público nem sempre utiliza os proces
mentos forma o corpo do Direito Administrativo e é isto que me cabe civil, nomea-
Administrativo; sucede que se serve de processos de direito
explicar-lhes»3, pois que 0 ser-
Outras definições podem ser ainda avançadas; a de POSADA DE damente em matéria de contratos (...). De tudo isto resulta
apelo ao Direito
viço público, para a sua gestão, não faz necessariamente
HERRERA, como sendo «o conjunto de leis adininistrativas»; ainda
Administrativo».
da escola italiana, DE GIOANNIS GIANQUINTO, diz o Mestre que a |+
«Administração em sua organização está condenada a um sistema de
1

leis: encontramó-nos aqui diante do Direito Administrativo »**.


Em conclusão, este critério não poderia ter sido aceite na actualidade,
«(..) porque é um absurdo querer reduzir todo o Direito Administrativo = Gaston JEZE-abre o seu livro referindo que é Direito Adminis
trativo, «o conjunto de
afirma que «Ao exerci-
a apenas um conjunto de textos legais comentados, trabalho puramente regras jurídicas relativas ao serviço público»; Léon
DUGUIT
trativo, que compreende o
exegético, quando se sabe que qualquer dos ramos do direito abrange, cio da função administrativa corresponde o Direito Adminis
efeitos dos actos adminis trativos e também ao
conjunto das regras que se aplicam aos
além da parte positiva, sem dúvida importantíssima, a doutrina, a juris- funcionamento dos serviços públicos» e LAFERRIERE
refere que «A Administração, de
prudência, a praxe, os usos e costumes»*. is que cumpre não confundir:
résto, considerada em conjunto, tem dois objectos principa
públicos, bem como à sua orga-
um concernente à estrutura e 40 mecanismo dos serviços
CRETELLA, José, Direito...,
nização interior e pormenorizada (...)», por todos JUNIOR
op. Cit., p. 24.
2 Cfr, MASAÇÃO, Mário, Conceito do Direito Administrativo, 1926, p. 21. Lições aos estudantes da Faculdade de
« CISTAC, Gilles, Curso do Direito Administrativo,
:3 Idem, p. 21. Mondlan e, 1997-19 98, Pp. 9.
Direito da Universidade Eduardo
4 Por todos, vide JUNIOR CRETELLA, José, Direito..., Op. Cit., p. 21. trativo , Coimbra , Almedin a, 1981, pp. 38 e 39.
2 RIVERO, Jean, Direito Adminis
5 Idem.
40 Lições de Direito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 41
3.2. Noções de Direito Administrativo na doutrina actual Aproximamo-nos do conceito do Professor Diogo FREITAS DO AMA-
RAL, segundo o qual Direito Administrativo é «ramo de direito público
Para José CRETELLA JÚNIOR, de Brasil, Direito Administrativo «é o constituído pelo sistema de normas jurídicas que regulam a organização
ramo do direito público interno, pertinente às actividades das pessoas jurí- eo funcionamento da Administração Pública, bem como as relações por
dicas públicas, quando perseguem interesses públicos ou ramo de direito ela estabelecidas com outros sujeitos de direito no exercício da actividade
público interno que regula as atividades das pessoas jurídicas públicas e a administrativa de gestão pública»,
instituição de meios e óx gãos relativosà acção dessas pessoas»"s, A Administração Pública deve ser controlada, quer interna, quer
No Brasil, ainda, para Hely Lopes MEREILLES, Direito Administra- externamente. Portanto, a este conceito, acrescentaríamos a necessidade
tivo «... sintetiza-se no conjunto harmónico de princípios jurídicos que de controlo. Assim, teríamos que é Direito Administrativo O conjunto de
regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar normas e princípios jurídicos diferente do Direito privado que rege a orga-
concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado»3º. nização, o funcionamento e o controlo da Administração pública, bem
Para Jean REVERO, de França, Direito Administrativo «é o conjunto como o seu relacionamento com outros sujeitos de direito no exercício
das regras jurídicas distintas das do direito privado que regem a actividade da actividade administrativa de gestão pública. Ou ainda, de forma mais
administrativa das pessoas públicas», simplificada, seria Direito Administrativo, o conjunto de normas e
Para Marcelo Rebelo de SOUSA, de Portugal, o Direito Administra- princípios jurídicos que disciplina a actividade administrativa
tivo «é o conjunto de princípios e de regras jurídicas que disciplinam de gestão pública.
o exercício da função administrativa do Estado-colectividade, sempre Actualmente, a parte do controlo externo é objecto de uma cadeira já
que, nesse exercício, não só está presente, como prevalece, à prossecu- autónoma na nossa Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mon-
ção do interesse público sobrei interesses privados com ele relacionados diane, o Direito do Processo Administrativo, leccionada no quinto e ter-
ou conflituantes»2,
ceiro anos, respectivamente, do Curso nocturno e diurno, do regime cur-
Temos, ainda, de Portugal, a noção de um autor clássico, Marcello ricular em revisão. O controlo parlamentar é, também, objecto do Direito
CAETANO, que considera o Direito Administrativo como «(...) O sistema parlamentar que tende a autonomizar-se, didacticamente, do Direito
das normas jurídicas que regulam a organização e o processo próprio de Constitucional.
agir da Administração Pública e disciplinam as relações pelas quais ela
prossiga interesses colectivos podendo usar de iniciativa e do privilégio de
execução prévia»3s,
4. Função do Direito Administrativo
* CRETELLA JÚNIOR, José, Direito Administrativo ..., op. cit, p. di.
*º MEREILLES, Hely Lopes, Direito Administrativo ..., op, cit. p. 29. Relativamenteà função do Direito Administrativo, historicamente, exis-
* RIVERO, Jean, Direito Administrativo..., op. cit. p. 28. tem duas teorias; green light theories e red light theories.
*” SOUSA, Marcelo Rebelo de, Lições de Direito Administrativo, Vol. 1, Lisboa,
Lex, 1909,
p.56.
“* FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, 9.8 Edição, Vol. 1,
83 CAETANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Vol. 1, 1, Edição (6.º Reim-
ad
Almedina, 2008, p. 140.
pressão), Revista e Actualizada, Coimbra, Livraria Almedina, 1997, p. 43.
* FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso ..., Vol. I, op. Cit., Pp. 155-157.
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 43
42 Lições de Direito Administrativo
« São normas funcionais as que regulam o modo de exercício da acti-
Segundo a teoria dos «green light», a função do Direito Administrativo
modo vidade administrativa, processo de funcionamento, formalidades,
é a de conferir à Administração Pública poderes de autoridade, de
. tramitação e métodos de trabalho. Por exemplo, as leis do procedi-
a que ela possa fazer sobrepor o interesse público aos interesses privados
mento administrativo; as que traçam procedimentos de tramitação
Actualménte, podemos falar da atribuição do poder de decisão unilate-
de expediente e regulamentos definidores de rotinas.
ral, o privilégio de execução prévia ou forçada dos actos administrativos à
« Dizem-se normas relacionais as que regulam as relações entre a Admi-
Administração Pública; naquilo que a LPA*, no seu artigo 19, considera de
nistração Pública e outros sujeitos de direito no âmbito da actividade
garantias da Administração Pública.
administrativa de gestão pública. Dessas relações, podemos destacar:
A teoria dos «red light» defende que a função do Direito Administra-
relações entre Administração Pública e os particulares; relações entre
tivo é a de reconhecer, aos administrados, direitos subjectivos e interes-
de duas ou mais pessoas colectivas e relações entre particulares?, Destas
ses legítimos e estabelecer garantias em favor destes frente ao Estado,
os normas, conhecem-se três bifureações: à) as que conferem poderes de
modo a limitar juridicamente os abusos do poder executivo e proteger
autoridade à Administração Pública face aos particulares; it) as que
cidadãos contra os excessos da autoridade do Estado.
do submetem a Administração Pública a deveres, sujeições, ou limita-
Criticando estas duas posições, podemos afirmar que a função
ções especiais impostos por motivos de interesse público e til) as que
Direito Administrativo não é apenas autoritária, como pretendem os
atribuem direitos subjectivos e interesses legítimos aos particulares.
green lights, nem é apenas «liberal» ou «garantística», como quererem Os
Por exemplo, a Lei do procedimento Administrativo, o Decreto n.º
red lights. Na verdade, o Direito Administrativo desempenha uma função
30/2001 e 0 Decreto n.º 15/2010, de 15 de Maio.
miscigenada: a de legitimar a intervenção da autoridade pública e proteger
interesse
a esfera jurídica dos particulares; a de permitir a realização do
Sublinhe-se que uma lei pode conter normas organizacionais, funcio-
colectivo e a de impedir que, na prossecução desse interesse, a Adminis- deste ou
nais e relacionais, não havendo uma única lei que trate somente
tração Pública esmague ilegitimamente os interesses privados. acio-
daquele tipo de normas. Por exemplo, a LPA contém normas organiz
nais, funcionais e relacionais.
5. Tipos de normas jurídico-administrativas?”

Conhecem-se três tipos de normas jurídico-administralivas, nomead


a- 6. Natureza do Direito Administrativo
mente, orgânicas, funcionais e relacionais.
Direito
São três as teses que têm sido apresentadas quanto à natureza do
» Dizem-se normas orgânicas as que organizam e estruturam à ÁAdmi- Adminis-
Administrativo, nomeadamente, a tese que considera o Direito
nistração Pública. Por exemplo, o estatuto orgânico de um Ministé-
trativo como direito excepcional ao Direito privado; a tese que considera
rio e as leis orgânicas.
pública podem praticar
a no BR n.º 32,1 Série.
38 Às empresas concessionárias ou pessoas colectivas de utilidade
3 A LPA é aprovado pela Lei n.0 14/2011, de 10 de Agosto, publicad actos administrativos em relação com os particulares; ou
no trespasse ou subconcessão
DO AMARAL, Diogo, Curso... Vol. 1, op.
37 Para mais desenvolvimentos, vide FREITAS de contratos administrativos.
cit. pp. 142 e 55.
44 Lições de Direito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 45

O-Direito. Administrativo como Direito comum da Administração Pública Chama-se atenção aqui ao facto de as normas constantes da primeira
e a tese que considera o Direito Administrativo como Direito comum da parte do Código Civil não serem privativas do Direito Civil, mas gerais do
função administrativa. Direito, encontrando-se aí depositadas, por homenagem histórica.
Desenvolvamos as teses.

6.2. Direito Administrativo como direito comum ou estatutário


6.1. Direito Administrativo como direito excepcional da Administração Pública
ao Direito privado
1 Esta tese parte do pressuposto de que existem duasespéci
de direitos:
es
Esta tese está ligada à própria história do nascimento deste ramo de direito, gerais e estatutários.
segundo a qual o Direito Administrativo «é um direito excepcional; isto é, Os gerais regulam a actividade administrativa, independentemente
um conjunto de excepções ao direito privado. O Direito privado — nome- dos sujeitos que intervêm na relação e os estatutários aplicam-se a uma
adamente o Direito Civil -- era a regra geral, que se aplicaria sempre que categoria de sujeitos,
não houvesse uma norma excepcional de Direito Administrativo aplicável. Assim, o Direito Administrativo é um direito estatutário ou comum
Daqui resulta uma consequência da maior importância: havendo da Administração Pública porque regula uma certa categoria de sujeitos
um caso omisso na legislação administrativa, a integração da respectiva de direito, nomeadamente, as Administrações Públicas, enquanto sujeitos
lacuna devia fazer-se mediante recurso às regras ou nos princípios gerais de direito. Logo à partida, as relações entre particulares não seriam regi-
do Direito privado», das pelas normas.relacionais administrativas, como vimos ao caracterizar
Estaé uma concepção histórica, e, como tal, ultrapassada, pois ligada estas normas.
à problemática de autonomia do Direito Administrativo que, actualmente, Garcia de ENTERRÍA, o representante desta tese na Espanha, chega às
não se coloca na medida em que o Direito Administrativoé um sistema seguintes conclusões: i) que o Direito Administrativo é um direito público;
dê normas e. princípios jurídicos, desde logo, cogrente; estruturado e com ii) o Direito Administrativo é direito comum ou estatutário das Adminis-
lógica interna. Com efeito, resulta que, em caso de lacuna em determinada trações Públicas e iii) a presença da Administração Pública é um requisito
léradministrativa, deve Irecorrer-se à analogia dentro do Direito Adminis- necessário para que exista uma relação jurídico-administrativas,
trativo, o recurso aos seus princípiôs gerais e nunca aos: princípios gerais O Professor DIOGO FREITAS DO AMARAL move, contra esta tese,
do Direito Civil. severas críticas, nomeadamente que «não é por ser estatutário que o
Não se encontrando solução nos princípios gerais do Direito Adminis- Direito Administrativo é direito público. Há normas de direito privado que
trativo, deve recprrer-se aos princípios gerais do Direito público e não do são específicas da Administração Pública (regras especiais sobre arrenda-
Direito privado. Por fim, aos princípios gerais do Direito que se encontram mentos do Estado (...). O Direito Administrativo não é, por conseguinte,
na primeira parte do Código Civil. o único ramo de direito aplicável à Administração Pública. Esta também
9 FREITAS DO AMARAL, Diogo, «Direito Administrativo», in Dicionário Jurídico da *º ENTERRIA, Garcia de & FERNANDEZ, T.R., Curso de Derecho Administrativo, apud
Administração Pública, IV, col. 17 e ss. FREITAS DE AMARAL, Diogo, «Direito Administrativo» ... op. cit. , col. 17 ess.
pública 47
Introdução geral ao direito administrativo e à administração
46 Lições de Direito Administrativo
mais abrangente,
é um direito espe- Em conclusão, o Direito Administrativo tende a ser
actua sob égide do direito privado administrativo, que públicos, para abarcar
o Administrativo», superando a perspectiva subjectiva, a de sujeitos
cífico dos sujeitos de direito público, mas não é Direit privadas, exerçam a
aqueles sujeitos que constituídos sob formas jurídicas
sob contratos de conces-
actividade administrativa pública, por exemplo,
causa é o exercício
o são de uso de domínio público. Portanto, o que está em
6.3. Direito Administrativo como direito comum da funçã
da função administrativa.
administrativa

administrativa
O Direito Administrativo é direito comum da função
em função 7. Caracteres do Direito Administrativo
porque o seu âmbito de aplicação se define objectivamente
ça da Admi-
da actividade administrativa de gestão pública e a presen , um meio de afirmação do
relação jurídico- OQ Direito Administrativo é, ao mesmo tempo
nistração Pública não é um requisito para que exista istração Pública
O FREITAS DO poder, conferindo prerrogativas de autoridade à Admin
“administrativa. Esta é a posição defendida por DIOG s e interesses legítimos
e um meio de afirmação dos direitos subjectivo
AMARAL. os dos cidadãos ocorre
dos administrados. Esta afirmação dos direit
a um conjunto de restrições
quando a Administração Pública é sujeita
a Administração Pública, na
e limitações na sua actuação. É assim que
6.4. Posição adoptada face ao problema as exigências da acção admi-
sua actuação, deve procurar harmonizar
esses legítimos dos parti-
el falar hoje numa crise nistrativa com os direitos subjectivos e inter
Como afirma Maria João ESTORNINHO, «é possív 1, de 7 de Julho, no seu
, sem dúvida, a culares!*. Não é por acaso que a Lei n.º 9/200
de crescimento do Direito Administrativo, a qual obriga brio entre 0 interesse
artigo 109, manda funcionar O princípio de equilí
uma redefinição das suas fronteiras conceptuais», o esteja em jogo a decreta-
Direito Administra- público e o direito dos administrados, quand
Neste sentido, René CHAPUS introduz a sua obra istrativos, nomeadamente,
istração e Direito ção da suspensão de eficácia de actos admin
tivo Geral, com um título designado «Direito da Admin de causar prejuízo irre-
é um que: «(...) a) a execução do acto seja susceptível
Administrativo» e «considera que o «Direito da Administração» rente (...); b) a suspensão
o público e em parte parável ou de difícil reparação para o reque
direito misto, constituído em parte por regras de direit co concretamente prosse-
iras constituem, por seu não represente grave lesão do interesse públi
por regras do próprio direito privado. As prime
guido (...)».
lado, o Direito Administrativo»*. que os traços essenciais
Feita esta caracterização geral, podemos dizer
seguintes: regime jurídico, dese-
«+ FREITAS DE AMARAL, Diogo, «Direito Admini
strativo», in Dicionário da Administra- do Direito Administrativo pátrio são os
com influência jurispru-
ção Pública, ... Op» Ci. pp. 17 € 5S..
Privado: Contributo para estudo da
quilíbrio, juventude, autonomia, não codificado,
2 ESTORNINHO, Maria João, A Fuga para 0 Direito
actividade de direito privado da Administração Pública,
Colecção teses, Coimbra, Alme- dencial e difícil de estudo.
dina, 1999, Pp. 348.
Général, apud ESTORNINHO, Maria João,
as CHAPUS, René, Droit Administratif ..., Vol, op. cit., p. 161.
a Cfr. FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso
A Fuga... Op. Cil., p. 350.
48 Lições de Direito Administrativo
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública
49
71. O Direito Administrativo estabelece um verdadeiro regime Contudo, é bem verdade que a Administração Pública, no. âmbito
jurídico das actuações bilaterais, conhece restrições no momento de formação
dos contratos administrativos, que, após a perfeição, a Administração
O Direito Administrativo estabelece, através da lei, um verdadeiro Pública retorna, já na fase de execução do mesmo, os seus poderes de
regime jurídico nas suas relações com outros sujeitos de direito, quer
autoridade.
conferindo direitos subjectivos e interesses legítimos aos particulares,
Tudo se passa da seguinte maneira: na formação do contrato, os
quer conferindo poderes de autoridades à Administração Pública numa
poderes da Administração Pública hibernam, isto é, sofrem restrições
relação jurídico- administrativa concreta; bem como estabelece meios
e limitações, porém, acto seguinte, já na execução, estes poderes emer-
| eficazes de controlo da actividade administrativa (meios gracinsos e gem: aplica sanções, fiscaliza a obra e modifica unilateralmente as
contenciosos).
prestações.
/ É neste sentido que Prosper WEIL refere que o Direito administrativo
emergiu lentamente do nada e que se esboçou nos impulsos mais tarde
o ” conhecidos como do regime administrativo, ou seja, «(...) a existência de 7.3: O Direito Administrativo é recente ou jovem em relação
uma jurisdição administrativa especializada e a submissão da administra-
ao Direito Civil
ção a umas regras diferentes daquelas do direito privado»,
A juventude do Direito Administrativo só é possível, comparando-o, 20
Direito Civil que é milenar. Assim, o Direito Administrativo conhece sua
72. O Direito Administrativo é um direito de desequilíbrio
elaboração dogmática a partir do Século xrx, sendo daí que os seus concei-
tos privativos são ainda recentes.
O Direito Administrativo, como escreve o Professor Gilles CISTAC
, «é um Como sintetiza ESTORNINHO, existe um «(...) arreigado «sentimento
— direito que organiza um regime de dificuldades entre as pessoas
envolvi- de inferioridade» (SANTI PASTOR) dos administrativistas em face dos
das numa relação jurídica especifica», Porém, o deseguilíbrio
em causa cultores do Direito Civil Na verdade, o Direito Administrativo nasceu,
há-de constituir um verdadeiro regime jurídico, porque os poderes
funcio- sem dúvidas, numa situação de dependência em relação ao Direito Civil,
nais e as obrigações da Administração Pública são exercidas e execut
adas aparecendo corno um conjunto de regras especiais para as relações jurídi-
conforme o bloco de legalidade.
cas da Administração, em termos de excepções às regras gerais contidas
À Administração Pública, através do Direito Administrativo, são-lhe
no Código Civil causando, aliás, à época, grande escândalo entre os jus-
conferidos poderes jurídicos nas suas relações com os particu
lares de que -privatistas»??,
estes não gozam nas suas relações, como por exemplo, de tomar
decisões Como dissemos, esta corrente de conceber a natureza jurídica do
“ unilaterais que se impõem independentemente.da vontade destes
— a pos- Direito Administrativo — direito excepcional — é histórica, e, portanto, foi
sibilidade de recurso ao privilégio de execução prévia.
condenada ao desaparecimento.
45 WEIL, Prosper, O Direito Administrativo, op. cit. ppgess.
sé CISTAC, Gilles, Curso de Direito. -» OP. Cit, Pp. 12.
* ESTORNINHO, Maria João, À fuga..., op. cit. p. 334.
FT

pública 51
Introdução geral ao direito administrativo e à administração
so Lições de Direito Administrativo
O voto do Conselheiro DAVID, neste caso, foi fulminante na autono-
7.4. O Direito Administrativo é um direito autónomo mização do Direito Administrativo. Ele utilizou
método próprio para jul-
em termos de direito
gar, e, deixou de lado o Código Civil e colocou o feito
de direito possa
Com ROCCO, existem três requisitos para que um Tamo público, derrogatório e exorbitante do direito comum.
Este foi o começo
merecer
considerar-se autónomo mormente: «1) extensão bastante para da elaboração do regime jurídico-administrativo,
e consequente autono-
dominadas por
estudo adequado e particular; Hi) doutrinas homogéneas,
discipli- mização do Direito Administrativo.
conceitos gerais comuns e distintos dos informadores de outras Da autonomia do Direito Administrativo resulta
que, em casos de lacu-
is para
nas é iii) método próprio, ou seja, utilização de processos especia processar-se-á através
sa», O que nas na legislação administrativa, a sua integração
o conhecimento da verdade que constitui o objecto da pesqui
insti- dos seguintes passos:
importa para a autonomia de um ramo de conhecimento é objecto,
legis-
tutos, método e princípios próprios, para além de uma elaboração Analogia dentro do Direito Administrativo, não sendo
possível tesol-
lativa própria. ver;
vamente no
A autonomia do Direito Administrativo é marcada decisi Princípios gerais do Direito Administrativo;
caso Agnés
ano de 1873, pelo Tribunal de Conflitos de Paris, no famoso » Analogia nos outros ramos do Direito público;
no dia 8
«BLANCO», com o voto do Conselheiro DAVID. O caso deu-se, Princípios gerais do direito público;
BLANCO foi aplica-se a fun-
de Fevereiro de 1873, da seguinte maneira: a menina Agnês « Princípios gerais de Direito, persistindo a omissão,
companhia
atropelada por comboio público (trem), pertencente a uma ção de substituição prevista no artigo 3
ão Código Civil, criando,
ança com uma do espírito do sistema, se
de manufactura de fumo (tabaco), que tem grande semelh desta feita, o intérprete a norma dentro
ou a responsa- privado, como tal.
indústria privada, mas de natureza pública. A família solicit houvesse de legislar e nunca o recurso ao Direito
dois membros
bilização do Estado pelos danos causados (amputação dos
inferiores).
da causa, não codificado
Houve, em primeiro lugar, antes de se. conhecer do fundo. 7.5. O Direito Administrativo é um direito
se O fórum
necessidade de resolver o problema de conflito de jurisdições,
competente era administrativo ou comum? não está codificado. À legisla-
Odete fm Moçambique, o Direito Administrativo
O caso foi entregue ao Tribunal de Conflitos de Paris. Como refere cão administrativa está dispersa em vário
s diplomas normativos. Isto é,
do Século xIx, nos ende sintético, científico e sis-
MEDAUAR, citando BENOIT, à «luta havida em meados pão existe um tal instrumento que se pret
trás dele, contra a de criação recente em Moçam-
meios judiciários, contra o Direito Administrativo e, por temático. Sendo o Direito Administrativo
uma tábua de sal- é recém-nascido (1975), não seria
jurisdição administrativa», tendo sido o Caso BLANCO bique, em particular, porque 9 Estado
vação, ramo de direito, por não haver,
de aconselhar, por ora, a codificação deste
um código.
José, Direito Admi- ainda, doutrina suficiente para a sustentação de
8 Alfredo, Principi di diritto commerciale, apud CRETELLA JUNIOR,
nistrativo..., Gp. Cit., p. 8.
Direito... Op. cit. p. 9
s Nestes termos, vide JÚNIOR CRETELLA, José,
ss Nestes termos, idem. .
João Batista Gomes, Direito Administrativo... Op. Clt.; p- 125.
se MOREIRA,
52 Lições de Direito Administrativo
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 53
7.6. O Direito Administrativo é um direito influenciado pela A doutrina moçambicana é, ainda, bastante embrionária; a legislação
Jurisprudência administrativa não está codificada; a Administração Pública, ainda, está a
ser reformada, encontrando-se na sua terceira fase; o Estado é recente; o
O Direito Administrativo nasceu via jurisprudencial: as decisões do Con- Tribunal Administrativo, como tal, sô começou a funcionar efectivamente,
selho de Estado brotaram muitas regras de Direito Administrativo, desem- em 1993, porque hibernado desde 1975; a própria Faculdade de Direito
penhando o mesmo papel que as normas previstas no Código Civil, para manteve-se encerrada até 1987: a legislação que ainda hoje é aplicada é
as relações entre privados. Veja-se que tais decisões são conhecidas pelos antiga, remontando desde o tempo colonial, sendo a sua reforma lenta, o
nomes dos recorrentes. Por exemplo, o axesto BLANCO, deve-se à recor- que leva à sua inadaptação à realidade actual.
rente, como atrás vimos, e o arresto BAC d'ELOKA. Que dizer disto?
A flexibilidade das leis administrativas resulta do facto de o juiz «as fiar Logo, diremos que, na verdade, o acesso ao conhecimento jurídico-
para poder estatuir acerca do litígio que lhe fora submetido tinha, ao formulá- -administrativo é, ainda, deficiente em Moçambique, o que acrescenta as
las, a preocupação, de não se vincular demasiado para o futuro, de maneira a dificuldades no seu estudo, aliado à complexidade da área.
mais tarde poder ter em conta as circunstâncias próprias de cada caso (...)»s?.
Na nossa Pátria, o Direito Administrativo nasce não por via jurispru-
dencial, mas pela recepção do sistema português e por via legislativa, que
8, Ramos do Direito Administrativo
tem adoptado várias soluções tendo em conta a necessidade de reformar,
cada vez mais, a Administração Pública, com vista a sua modernização. Pretendemos com os ramos do Direito Administrativo distribuir ou demar-
Porém, os juízes administrativos desempenham um papel importante na
car capítulos algo diferentes, tendo em conta as matérias que recobrem.
concretização das normas e dos princípios gerais do direito.
Deste modo, teremos o Direito Administrativo geral e especial.
Como refere FREITAS DO AMARAL «(...) não basta saber 0 que diz
Diz-se Direitoat.
e tar
A geral às normas e princípios que são
a lei ou que sobre ela prescrevem os autores: é necessário conhecer o que
válidos para todas as áreas do Direito Administrativo e para toda a actua-
decidem os tribunais, para saber quais as soluções que efectivamente
ção da Administração Pública.
vigoram como direito positivó numa dada ordem jurídica»s:,
À parte geral vai estruturar o Direito Administrativo com base em con-
ceitos gerais ou, freguentemente, normativos, em institutos e em padrões
de actnação e de organização, com carácter genéricos, São exemplos as
7.7. O Direito Administrativo é um direito que oferece fontes de Direito Administrativo, formas de actuação, de organização,
dificuldades no seu estudo regras de procedimento, coisas públicas, regime jurídico de controlo
administrativo, responsabilidade civil da Administração Pública, etc.
A questão que se deve colocar é a seguinte: será fácil o acesso ao conheci-
M “ a“
.

É Direito Administrativo especial aquele que se ocupa da ordenação de


mento administrativo em Moçambique? aguenta a
ramos concretos de Direito Administrativo oou de determinados domínios
& RIVERO, Jean, Direito..., op. cit, p. 37.
8 Diogo, Curso de Direito... Op. eit., p. 167.
“ WOLFF, Hans J,, BACHOF, Otto e STOBER, Rolf, Direito..., op. cit., p: 253.
ss
54 Lições de Direito Administrativo Inirodução geral ao direito administrativo e à administração pública

com o Direito
parciais da influência administrativa. Regra geral, o Direito Administra- taremos o Direito Administrativo com O Direito privado,
vo, Direito
tivo especial encontra-se regulado em leis especiais e está sujeito a deter- constitucional, Direito penal, Direito do processo administrati
minadas sectorizações. Este direito complementa e modifica 0 Direito internacional e com a Reforma administrativa.
Administrativo geral, São, exemplificadamente, os seguintes ramos do
Direito Administrativo especial.
9.1. Com o Direito Privado
a) Direito da Função Pública;
o nos planos
b) Direito das Autarquias Locais; O Direito Administrativo tem relações com o Direito Privad
não estabelece
c) Direito Administrativo Econômico ou Direito Econômico; da técnica jurídica e dos princípios jurídicos. Todavia,
materiais dos pro-
d) Direito Administrativo Social; nenhuma relação quanto ao objecto, idade e soluções
e) Direito Administrativo Militar; blemas. Ora vejamos:
f) Direito Financeiro e Orçamental;
jurídica (conceitos, instrumentos técnicos e
) Quanto à técnica
g) Direito Tributário ou Fiscal;
em que,
h) Direito Administrativo do Ambiente; nomenclatura dos institutos), existem relações na medida
foi bus-
i) Direito Administrativo da Cultura e da Ciência; sendo, o Direito Administrativo jovem, no seu surgimento
, algumas
j) Direito de Polícia e de Ordenação; car ao Direito privado, na qualidade de direito «velho»
o Direito
k) Direito Administrativo dos Media. noções como a de contrato «administrativo»; igualmente,
strativo
privado, embora mais antigo, buscou do Direito Admini
ral, desen-
Pode destacar-se alguns ramos, dos atrás expostos, que se autonomiza- inspiração para formatar a noção de acto jurídico unilate
adminis-
ram pedagogicamente, porque, cientificamente, ainda, são ramos do Direito volvido naquele ramo de direito através da teoria do acto
sobre o Direito
Administrativo, nomeadamente: o Direito das antarquias locais, O Direito trativo. Não só, «A influência do Direito Privado
aquele absorveu
econômica, o Direito fiscal, o Direito financeiro, o Direito do ambiente e o público chega a tal ponto que, em alguns países,
unpedindo
Direito da função pública que, com a reforma em curso, na Faculdade de durante muito tempo o próprio Direito Administrativo,
sua formação e desenvolvimento, (...) no Direito anglo-norte-
Direito da UEM, tende, pedagogicamente, a autonomizar-se.
-americano»*,
considerado
ii) No plano de princípios, o Direito Administrativo foi
Civil, daí que
9. Delimitação do Direito Administrativo como direito excepcional ou exorbitante do Direito
de confiança,
muitos princípios como os da boa fé e da protecção
vo.
Pretendemos encontrar os pontos comuns e diferenciadores entre o do Direito privado, são acolhidos pelo Direito Administrati
Privado da
Direito Administrativo e outros ramos do saber jurídico. Assim, confron- Actualmente, assiste-se ao nascimento de um Direito

* Idem. * MERELLES, Hely Lopes, Direito.:., OP. Cit., Pp. 33-


56 Lições de Direito Administrativo
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 57
Administração Pública, para além de que q Direito Administrativo
do direito público na medida em que procedem os pressupostos de analo-
acolhe alguns princípios do Direito privado, em particular, da Lei
gia aceites pelo legislador».
do Trabalho, quando se trata da falta de contrato de provimento na Porém, conhecem-se giferenças básicas entre o Direito Administrativo
“Função Pública, e o Direito privado, no que diz respeito: Go.objectô, porque o Direito
privado ocupa-se das relações estabelecidas entre particulares e o Direito
Neste. sentido, o Tribunal Administrativo referiu, no Acórdão n.º
Administrativo da função administrativa e das relações entre a Adminis-
29/1.2 /98, da Primeira Secção, quando colocado a resolver a problemá-
tração Pública e os particulares e outros sujeitos de direito; ii) aa idade e
tica da falta de um contrato de provimento escrito entre a Faculdade de
origem, o Direito privadoé mais antigo e nasce em Roma, Itália, e oo Direito
Ciências e António José Carlos Paulo Mabumo, em que o segundo deveria “administrativoé recente e nasce na França, com a Revolução francesa; iil)
leccionar a disciplina de Química, que «(...) não se pode falar da ausência
às soluções materiais que consagram para os problemas concretos de que
de um contrato e, ainda que este faltasse, tal facto não poderia ser impu- se ocupam: o Direito privado gira em torno da igualdade e hiberdade eo
tado ao recorrente. Não pode, pois, a recorrida vir a0 processo alegar que Direito Administrativo, em torno da autoridade e competência.
não existe contrato, procurando justificar, aqui e agora, O não cumpri-
mento da lei.
O contrato existiu, só que ele não foi formal, no sentido de que não foi 9.2. Com 9 Direito Constitucional
reduzido a escrito; terá sido consensual e, esta falta, só pode ser imputada
à recorrida. É certo que, a nível do Direito Administrativo, não encontra-
Com o Direito Constitucional, o Direito Administrativo mantém relações
mos um preceito similar que nos possa conduzir a essa conclusão, mas,
íntimas, pois ambos cuidam da mesma entidade, o Estado. Ademais,
com referência ao número 1 do artigo 10 do Código Civil, facilmente pode- Tel.) 0 Direito Administrativo é, em múltiplos aspectos, q complemento,
remos chamar para o caso em apreço o que se encontra disposto na Lei n.º 0 desenvolvimento, a execução do Direito Constitucional: em grande
8/85, de 14 de Dezembro, vulgo Lei do Trabalho. “medida as normas de Direito Administrativo são corolário de normas de
Com efeito, se o n.º 1 do artigo 5 desta Lei define o que é contrato de Direito Constitucional
»sº,
trabalho, o n.º 5 do mesmo artigo e Lei prescreve que: «A relação jurídico-
Porém, «diversificam-se em que o Direito Constitucional interessa-
“laboral presume-se existente pelo simples facto de o trabalhador estar
-se pela.estrutura estatal e pela. instituição política do governo, ao passo
a executar uma determinada actividade remunerada com conhecimento
que o Direito Administrativo cuida, tão-somente, da organização interna
e sem oposição da entidade empregadora». Mas o número 3 do artigo 7
dos órgãos da Administração, de seu pessoal e do funcionamento de seus
desta Lei foi mais longe, pois que consagrou o princípio de que a falta de
serviços», Não só, a Constituição é a fonte directa e indirecta de toda a
forma escrita presume-se imputávelà entidade empregadora, a qual fica
competência administrativa.
automaticamente sujeita a todas as consequências legais e não afecta
a
validade do contrato (...). ? GILLES CISTAC, Jurisprudência Administrativa de Moçambique, Vol. 1 (1994-1999),
* Deste modo, parece não ser repugnável aceitar o princípio de Imprensa Universitária, 2003, pp. 512 e ss.
que
aquela norma do direito privado possa ser aplicada numa relação jurídica & FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso..., Vol. 1, op. Cit, p. 185.
“ MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo..., op. cié., p. 31.
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública so
58 Lições de Direito Administrativo

, organiza lícito criminal de justiça, assentando cada um em normas € princípios


Em conclusão, o Direito Constitucional estrutura 0 Estado
e define direitos, diversos.
o poder político, institui órgãos essenciais do Estado
o Direito Administrativo
Kberdades e garantias individuais, ao passo que
ção Pública, da
ocupa-se da organização e funcionamento da Administra
relações entre a Admi- 9.4. Com o Direito do Processo Administrativo Contencioso
actividade administrativa de gestão pública e das
dos princípios consti-
uistração Pública e outros sujeitos de direito dentro r
Estamos em face duma «(...) relação de protector a protegido, o protecto
tucionais previamente estabelecidos.
está ao serviço do protegido. Isto é, (...) o regime do contencioso é desti-
nado a garantir o respeito das regras de fundo (ou, em outras palavras,
do direito substantivo) e a solução dos conflitos aos quais eles podem ser
9.3. Como Direito Penal
motivo»,
na medida em O Processo Administrativo é o instrumento ao serviço do Direito
«O Direito Administrativo reflecte-se no direito penal, e
das respectivas nor- Administrativo, estabelecendo-se relações de direitos «sancionadores»
que oferece padrões para à determinação material
do facto de a apre- «direitos determinadores».
mas de direito penal. Fundamentalmente, trata-se
ante para o direito Por exemplo, suponha-se que, Aspásia, funcionária do Estado, em ser-
ciação jurídico-administrativa também ser relev
dministrativa, está sem- viço no Ministério das Finanças, na Direcção Nacional de Contabilidade
penal. Nesta forma de acessoriedade jurídico-a
de deveres de Direito Pública, é punida disciplinarmente com a sanção de despromoção pelo
pre em causa a punição do não-cumprimento
Director Nacional do Património do mesmo Ministério, após um processo
Administrativo»*º.
a acessoriedade reside disciplinar, Imaginemos, sem, por ora, necessidade de debate, se o acto
Explicando melhor a citação, podemos dizer que
a necessidade de prote- é definitivo e executório, que Aspásia pretende recorrer contenciosamente
no fim segurança da Administração Pública, com Patri-
Criminal é repressivo e 0 da decisão alegando incompetência relativa do Director Nacional do
ger a sociedade contra o crime: Assim, o Direito ico.
tivo. mónio para aplicar a pena por não ser o seu legitimo superior hierárqu
Administrativo, no âmbito da segurança, é preven de
visam cominar sanções Nos termos do Direito Administrativo (direito substantivo) o acto
«As normas de Direito Administrativo não de
sociedade, mas sim punição está inquinado de vício de incompetência relativa, cuja forma
para quem ofender os valores essenciais de uma
que seja possível evitar invalidade é a nulidade suprível (anulabilidade). Logo, a punição (despro-
estabelecer uma rede de precauções, de tal forma
rvar», ao passo que O moção) produz efeitos ab initio, devendo ser arguida num prazo de um
a prática de crimes ou a ofensa aos valores a prese
é, tem fundamentalmente ano, perante autoridade competente, sob pena de convalidação,
Direito Criminal «é um direito repressivo, isto
ser aplicadas aos auto-
em vista estabelecer as sanções penais que hão-de
se confunde com o » CHAPUS, René apud CISTAC, Gilles, Direito Processual Administ
rativo Contencioso;
res dos crimes (...)»*%: o ilícito administrativo não
Teoria e Prática, Vol. I, Escolar Editora, 2010, p. 91.
penas
Direito... Op. Cit. p. 288. + Nos termos do n.º 3 do artigo 113 do EGEAE, «São competentes para aplicação das
&o WOLFF, Hans J., BACHOF, Otto e STOBER, Rolf. aos funcionár ios que lhes estão subordina dos: a) à nível central: Direc-
Vol. 1, op. cit., p. 189. de despromo ção
& FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso...,
tores Nacionais (...)».
*º Idem.
60 Lições de Direito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública
61
Aspásia pode recorrer contenciosamente ao Tribunal Administra- Com o Direito Internacional Público, como escreve o Professor CIS-
tivo, num prazo de noventa dias, tendo em conta que é um acto anulá- TAC, «Hoje em dia muitas normas administrativas dos Estados têm por
vel. fonte tratados, convenções e acordos internacionais»ss, desde que ratifi-
O Processo Administrativo fornece o prazo dentro do qual Aspásia cados, passam a vigor como tais (desenvolveremos este tema nas fontes
deverá recorrer para ver materializado o seu direito. Suponhamos que de direito),
Aspásia recorre depois de seis meses de punição; ao Tribunal nada res- O Direito Internacional Administrativo, que é parte ou ramo do Direito
tará senão indeferir in limine por extemporaneidade a petição inicial do Internacional Público,
] regula aspectos da Administração Pública interna.
recurso contencioso de Aspásia, o que, efectivamente, conduz à perda de Portanto, é constituído por normas e princípios ratificados no sistema
efectividade do direito de Aspásia, tornando-o inoperante. interno mas que corporizam os chamados tratados, acordos e convenções
Nesta situação, Aspásia tem o direito em termos do Direito Adminis- internacionais.
trativo (substantivo), porém, este não pode ser efectivado porque desres- Com o Direito Administrativo Internacional, as intimidades são quase
ria
peitou uma norma do Direito Processual Administrativo que nos indica o inexistent
mena
es, porque este é o Direito Administrativo suí genere, das orga-
ee
caminho a seguir para a solução dos nossos litígios com a Administração nizações internacionais, como a ONU,
Pública.
Portanto, o Processo Administrativo é um direito sancionador que
presta importante utilidade na efectivação do Direito Administrativo, que 9.6, Com a Reforma Administrativas
é o Direito determinador.
Nas palavras do artigo 2.º do Código do Processo Civil «A todo o Diz-se Reforma Administrativa ao «(...) conjunto sistemáticode providên-
direito, excepto quando a lei determinar o contrário, corresponde uma cias destinadas a melhorar aAdministração Pública de um dado país, por
acção, destinada a fazê-lo reconhecer em juízo (...)», Para o nosso exem- “forma a torná-la, por um lado, mais eficiente na prossecução dos
seus fins
plo, o meio processual adequado e fornecido pelo Processo Administrativo e, por outro, mais coerente com os princípios que a regem»'”.
É o recurso contencioso de anulação que melhor faria reconhecer o direito A Reforma do Sector Público, como bem dizia o Antigo Presiden
te da
de que Aspásia goza perante o Juiz Administrativo, tendo em conta de que República, JOAQUIM CHISSANO, a 25 de Junho de 2001, perante
o lan-
se trata, eventualmente, de um acto administrativo definitivo e executório camento da Estratégia Global da Reforma do Sector Público, «(...) falamos
emanado pelo Director Nacional ilegítimo. da Reforma do Sector Público porque não estamos completamente
satis-
feitos com qualquer coisa na organização e funcionamento deste universo
de instituições do Estado. Significa que vamos mudar dentro do Sector
9.5. Com o Direito Internacional Público alguma coisa que precisa de ser mudada para ajustá-lo de uma
forma permanente e contínua às necessidades e anseios da socieddasé às
aa

As diferenças devem ser colocadas sob, três. ordens: com o Direito Inter-
Ceirimas

nacional Público, Direito Internacional Administrativo e com o Direito *s CISTAC, Gilles, Curso de Direito..., op. cit., p. 11,
S% FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso... Vol. I op. cit. pp. 197 e ss,
Administrativo Internacional.
Y Idem, p. 197.
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 63
62 Lições de Direito Administrativo
se confunde com o do Direito Administrativo, ora com o do Direito Cons-
aos constantes desafios do
políticas globais do Governo para responder titucional, porque não da própria Teoria Geral do Estado; quer, por outro,
desenvolvimento econômico e social», porque passou a considerar-se como simples parte da Sociologia, técnica
objecto a admi-
Concluindo, a Reforma da Administrativa tem como de organização do trabalho administrativo ou da Política. Portanto, falta-
na obtenção dos fins
nistração de um país, visando obter maior eficiência lhe conteúdo jurídico.
istrativa com Os princí-
pretendidos e mais coerência da actividade adinin Actualmente, resta à Ciência da Administração, o estatuto de «(...)
pios a quea Administração Pública está submetida. ciência social que estuda a Administração Pública como fenómeno da vida
quotidiana de um povo e procura encontrar uma explicação científica para
os diversos factos e situações ligados à Administração e fornecer soluções
10. Ciências auxiliares do Direito Administrativo para o aproveitamento da sua organização e do seu funcionamento, inclu-
sive no quadro da chamada Reforma Administrativa»?
10.1. Ciência do Direito Administrativo

capítulo da ciência jurídica


Diz-se Ciência do Direito Administrativo «(..)o
ico-administrativo»*.
que tem por objecto o estudo do ordenamento juríd
pela doutrina de
A Ciência do Direito Administrativo é complementada
legislativa é importante
produção normativa € jurisprudencial. A doutrina
se à lei e tem como
na medida em que a Administração Pública subordina-
sua tarefa analisar a
sen fundamento e limite a mesma, sendo desta forma,
qualidade.
necessidade de produção legislativa e melhoria da sua

10.2. Ciência da Administração

cimento autónomo foi


A Ciência da Administração, como ramo de conhe
e o seu objecto
condenada ao desaparecimento, quer, por um lado, porqu

Sector Público (CIRESP), Estratégia Global


8 Comissão Interministerial da Reforma do
Imprensa Nacional de Moçambique, 2001,
da Reforma do Sector Público (2001-2011),
seu discurso afirmando que «A reforma
Maputo, p. 8. O Antigo Presidente continuou no
ento permanente e contínuo de
do Sector Público deve ser entendida como um movim
global e às políticas básicas do
ajustamento do Sector Público às alterações do contexto
tado no tempo».
Governo e não como um evento unitário, isolado e delimi
cito P. 55
6% CAUPERS, Joãa, Introdução au Direito... op. 7 FAUTO DE QUADROS, «Estado», in Polis, II, col. 143 e ss.
Direito..., Op. Cit., p. 158
7 WOLFF, Hans J., BACHOF, Otto e STOBER, Rolf,
CAPÍTULO II

Fontes do direito administrativo

SECÇÃO 1
Enunciação das fontes e sua hierarquização

12. Noção de fontes de direito

São fontes de direito, os lugares donde brotam as regras jurídicas; ou se


quisermos, «os modos de formulação e de revelação do direito objectivo,
isto é, os diversos processos de gestação das normas jurídicas»?
As normas jurídicas podem nascer de várias maneiras. Como escreve
Jean RIVERO, «a elaboração espontânea, que conduz à norma consuetu-
dinária; a elaboração pela autoridade pública, que conduz à norma escrita,
de que a lei é o protótipo; por fim, a elaboração pelo juiz, que conduz à
norma jurisprudencial»?, Podemos acrescentar a este elenco, aquelas fon-
tes que resultam da elaboração pelos jurisconsultos, que conduz à norma
doutrinal,
Assim, são fontes de Direito Administrativo. todas.as manifestações
escritas ou não que tenham implicação nas situações jurídico-adminis-
qm
trativas. Com efeito, estudaremos as fontes escritas, em primeiro lugar,
= ERÂNCIO, J. Mello & MARTINS, H. Antunes, Dicionário de Conceitos e Princípios Jurt-
dicos, 3.2 edição, Coimbra, Livraria Almedina, 1993, ver fontes de direito.
3 Direito Administrativo..., Op. Cit., p. 58.
4
66 Lições de Direito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 67

seguindo-se, as fontes não escritas do Direito Administrativo e, por fim, a nais”. A Lei n.º 8/2003 não prevê o escalão de povoação”. A questão
sua hierarquia. essencial é confrontar esta organização dos órgãos locais com a dos órgãos
do poder local.
Diremos que, segundo, estamos em face da estruturação, ainda que
273
12. Fontes escritas do Direito Administrativo não completa, dos órgãos do poder local, que se completa com o artigo
da Constituição, ao referir que as autarquias locais são 05 municípios e as
Estudaremos, a seguir, as seguintes fontes: a Constituição, à Lei, as con- povoações. Por seu turno, são municípios as cidades e vilas. É, as povoar
venções internacionais ratificadas e o Regulamento. ções correspondem à sede dos postos administrativos?.
Qual é a diferença entre à expressão povoação do Artigo 7 e do artigo
273, n.º 1? Não será a mesma circunscrição territorial?
12.1. À Constituição A despeito desta confusão de nomenclatura, o Professor Gilles CIS-
TAC, no seu «Olhar crítico sobre o Projecto de Revisão da Constituição:
A Constituição é a Lei fundamental do Estado moçambicano, prevalecendo questões de método», escreveu que «Algumas dúvidas surgem imediata-
sobre todas as restantes normas do ordenamento jurídico?*, Portanto, ela mente. Em primeiro lugar, a Constituição vigente não prevê esta unidade
de 19
«é a fonte directa e indirecta de todas as competências que se exercem na territorial (n.o 1 do artigo 4). Em segundo lugar, a Lei n.º 8/2003,
ordem jurídica administrativa». de Maio (...) não prevê este escalão territorial. Em terceiro lugar, a pala-
A Constituição estabelece, quer as competências e regras de procedi- vra «Povoação» aparece no âmbito das autarquias locais. (...). Não existirá
mento dos órgãos administrativos, quer também, as normas de organi- algumas contradições em chamar pela mesma palavra duas organizações
o
zação e funcionamento da Administração Pública. Ora vejamos algumas: distintas; a povoação como drgão local do Estado no Projecto e a povoaçã
como autarquia local da legislação vigente? (..)»?.
a) Quanto à organização territorial e administrativa: o artigo É, na verdade, uma confusão de designação, contudo diferente em
7 traça a organização territorial de Moçambique, que consiste em provin- conteúdo, que seria evitável. Deve assinalar-se que esta confusão termi-
da
cias, distritos, postos administrativos, localidades e povoações. Continu- nológica é removida pelo o artigo 61 da Proposta de Lei de Revisão
ando, as zonas urbanas estruturam-se em cidades e vidas. os princípios &
“ Cfr, N.º 1 do artigo 2, da Lei n.º 8/2003, de 19 de Maio, que estabelece
Alguns reparos há que fazer: normas de organização, competên cias e funciona mento dos órgãos locais do Estado nos

Primeiro, estamos em face da estruturação dos órgãos locais do escalões de provincia, distrito, posto administr ativo € de localidade ,
Maio já integra
Estado, regulada pela Lei n.º 8/2003, de 19 de Maio, cuja função é repre- ” Refira-se que a Proposta de Lei de revisão da lei n.º 8/2008, de 19 de
como uma circunscr ição administr ativa, com estrutura própria, nomeada-
a povoação
sentar o Estado ao nível local para a administração do desenvolvimento da povoação e 0 conselho administr ativo, sendo o chefe nomeado pelo
mente, o chefe
do respectivo território e contribuem para a unidade e integração nacio- Governador da Província (artigos 56 E 57).
* Cfr. Artigo 273 da Constituição da República,
de Revisão
» In Parecer da universidade Eduardo Mondlane sobre o texto Final do Projecto
a de Moçambique, Maputo, Setembro de 2004, pág. 16, do
% Para o efeito, ver o n.º 4 do artigo 2 da Constituição da República, da Constituição da Repúblic
7% RIVERO, Jean, Direito... Op. Cit., p. 59. Anexo 1
68 Lições de Direito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 69
Constituição da República depositada no dia 12 de Outubro de 2011 pela a prevalência do interesse nacional e a realização da política unitária do
Bancada Parlamentar da Frelimo, eliminandoo termo povoação constante Estado (artigo 138);
do artigo 273 da Constituição: «1. É eliminada à expressão «e as povoa- )) O princípio de nomeação dos dirigentes e agentes dos órgãos cen-
ções» no número 1 e a expressão «on da povoação» no número 4, ambos trais do Estado e a definição por lei da forma, organização e competências
do artigo 2793(...)». no âmbito da Administração Pública;
Em suma, a povoação, no âmbito do poder local corresponde à sede k) No que diz respeito à legislação básica: a Assembleia da República
do posto administrativo e a povoação no âmbito dos órgãos locais corres- aprova os instrumentos que regem o funcionamento do Estado e a vida
ponde a uma circunscrição inferior à localidade. A única confusão prende- económica social através de leis e deliberações de carácter gênérico (artigo
-se com a designação formal e não no conteúdo propriamente dito.
169);
b) Quanto à forma do Estado: a Constituição estabelece um Estado DB Quanto ao controlo da legalidade dos actos administrativos e da
unitário descentralizado administrativamente, consistindo na existência de aplicação das normas regulamentares da Administração Pública, cabe ao
autarquias locais, o que significa que, na sua organização, o Estado respeita Tribunal Administrativo (artigo 228);
o princípio da autonomia das autarquias (artigo 8 da Constituição). m) Quanto aos princípios de actuação e de estruturação da Adminis-
e) O princípio da responsabilização do Estado pelos danos causados tração Pública: o de respeito pelo interesse público, respeito pelos direi-
por actos ilegais dos seus agentes ou pela violação dos direitos fundamen-
tos e liberdades fundamentais, da legalidade, igualdade, imparcialidade,
tais (artigo 58).
ética, da justiça, da descentralização, desconcentração de aproximação
d) À proibição aos tribunais, e neste caso, ao Tribunal Administrativo
dos serviços aos cidadãos (artigos 249 e 250);
de aplicar normas ou princípios que ofendam a Constituição: fiscalização n) O princípio da hierarquia administrativa (artigo 252);
concreta (artigo 214);
o) Quanto à garantia dos administrados: garante-se o direito à tutela
e) No que diz respeito à propriedade: esta só pode ser expro-
jurisdicional efectiva e ao direito ao recurso contencioso fundado em ile-
priada por causa do interesse público e dá lugar à uma indemnização justa
galidade de actos administrativos, desde que prejudiquem seus direitos
(artigo 82):
(artigo 253, n.º 3). Pode falar-se de eventual conflito deste dispositivo com
f) Quanto ao domínio público: é domínio público do Estado a zona- o artigo 27, n.º 1, da Lei n.º 9/2001, de 7 de Julho, do Processo Adminis-
marítima, espaço aéreo, património arqueológico, as zonas de protecção trativo Contencioso, que estabelece que só é possível o recurso conten-
da natureza, o potencial hidráulico, as estradas e linhas férreas, as jazidas
cioso de actos definitivos e executórios,
minerais e demais bens como tal classificados por lei (artigo 98, n.º 2).
mu
Mas tal conflito é, a nosso ver, aparente: poisa Lei ordinária, muito
g) A fiscalização da execução do Orçamento e deliberação sobre a bem, pode continuar a manter o requisito de definitividade e executo-
Conta do Estado pelo Tribunal Adrninistrativo (artigo 191);
riedade do acto administrativo, como condição principal para o recurso.
h) O princípio da separação de poderes e sua interdependência (artigo A par deste requisito, o que veio a estabelecer a Constituição de 2004, data
134); venia, é ampliar a possibilidade de protecção dos direitos subjectivos e.
D Definição dos órgãos centrais do Estado, para além dos órgãos de interesses legítimos dos particulares.
soberania, os órgãos governativos e as instituições a quem cabe garantir
Como fez tal ampliação?
1
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública
70 Lições de Direito Administrativo
direito a 60% sobre
no n.º 3 pode intentar uma acção destinada a reconhecer o seu
Embora se advague a consagração da teoria do acto lesivo
o seu salário base.
do artigo 253 da CRM, literis: «É assegurado aos cidadãos interessados o ofende
- Em relação ao segundo caso, em que à Administração Pública
direito ao recurso contencioso fundado em ilegalidade de actos adminis não derive de um acto
ria- um direito ou interesse de um particular, em que tal
trativos, desde que prejudiquem os seus direitos», não quer, necessa o Professor Diogo FREITAS
administrativo, mas, por exemplo, como refere
mente, dizer que seja abandonada a teoria clássica, mas sim, lança-se um apreende bens de um admi-
DO AMARAL, «no exercício do seu ius impera,
convívio entre as duas teorias na ordem jurídica moçambicana. o administrativo, e o interes-
nistrado, sem base em nenhum acto ou contrat
Como isto funcionará, então? acção administrativa
sado pretende a respectiva devolução; pode propor uma
Haverá situações de utilização de meios contenciosos comuns, entre dos referidos bens»*.
para obter o reconhecimento do seu direito à devolução
os quais, o recurso contencioso de anulação, cujo objecto continuará à ser strativo não defi-
Mais, é recorríve! contenciosamente um acto admini
o acto definitivo e executório; ou, ainda, acto executório que não sendo
nitivo, desde que tenha sido executado.
definitivo desde que tenha sido executado, por um lado.
«(...)
Por outro, pode considerar-se, em abstracto, situações em que,
-
não havendo litígio, os administrados fundadamente careçam do reconhe
12.2. A Lei
cimento declarativo da titularidade de um direito subjectivo ou de um inte-
o a
resse legítimo e, bem assim, os casos em que à ofensa da Administraçã Porém, no seu sentido for-
A Lei pode ser definida em vários sentidos.
um direito ou interesse de um particular não derive de um acto administra- com características de
respeite mal, são todas as disposições gerais e abstractas,
tivo (pois então o meio a utilizar seria o recurso de anulação), nem a, fixidez, coercibilidade,
obrigatoriedade, impessoalidade, precisão, certez
a um contrato administrativo (pois então o meio a utilizar seria uma acção da Assembleia da República
s), permanência, unidade e novidade, provindas
sobre a interpretação, validade ou execução de contratos administrativo
meio a uti- ou do poder legislativo.
nem haja de ser reparada mediante indemnização (pois, entã,o o os órgãos com
No sentido material, tais disposições, viram de todos
lizar seria uma acção sobre responsabilidade da Administração) pão, , inclui-se a própria lei
poder de editar normas gerais e abstractas. Assim
Para o caso de reconhecimento declarativo da titularidade de um executivo, das autar-
artigo 61 do Regulamento do Estatuto Geral dos Fun- em sentido formal, as normas provindas do poder
direito, pense-se no conclusão, inclui a lei constitucional, ordinária,
locais, etc. Em
do Estado, literis: «1. O bónus especial é atribuído a
quias
cionários e Agentes amplo.
e supe- decretos-lei e os regulamentos no seu sentido
funcionários e agentes do Estado com habilitações de nível médio aplicável às relações
ivo Assim, «a lei administrativa não é qualquer lei
rior e é fixado nas seguintes percentagens à incidir sobre o respect apenas aquela que confere
listas e travadas por órgãos da Administração, (...),
vencimento da carreira, categoria ou função exercida: Especia do interesse público, disci-
poderes de autoridade para O prosseguimento
outros licenciados, 60%». sários para esse efeito»,
- plina o seu exercício ou organiza os meios neces
Imaginemos que um funcionário, após conclusão do nível de licencia
tura, a Administração Pública não processa os 60% sobre o seu salário. Ele Ss Idem, pp. 25 € 26.
Direito Administrativo, Vol. L, Coimbra,
da Constituição, : CAETANO, Marcello, Tratado Elementar de
% FREITAS DO AMARAL, Diogo ir MIRANDA, Jorge, Nos Dez Ános
-Casa da Moeda, Lisboa, 1986, p. 25- 1943; Pe 49-
imprensa Nacional
y2 Lições de Direito Administrativo
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 73
12.8. Às Convenções internacionais a) Características do regulamento

Comecemos com o artigo 18 da Constituição: «1. os tratados e acordos Podemos destacar as seguintes características:
internacionais, validamente aprovados e ratificados, vigóram na ordem
jurídica moçambicana após a sua publicação e enquanto vineularem ) O regulamento constitui uma fonte secundária, contudo de vulto,
internacionalmente o Estado de Moçambique. 2. As normas de Direito do Direito Administrativo e uma das manifestações do poder
internacional têm, na ordem jurídica interna, o mesmo valor que asst- administrativo, através do poder regulamentar, cuja elaboração
mem os actos normativos infraconstitucionais emanados da Assembleia cabe a uma autoridade executiva, central ou local, que o distingue
da República e do Governo, consoante a sua respectiva forma de recep- da lei formal, que provém do poder legislativo.
ção». ii) O regulamento subordina-se à lei. Consequentemente, em caso
Que conclusões tirar deste artigo? de conílito, prevalecerão as normas legais sobre as regilamenta-
Primeiro, são dois os grupos de normas internacionais, nomeada- res.
mente, os tratados que são ratificados pela Assembleia da República (alí- Hi) Às vezes, o regulamento desenvolve minuciosamente a lei, quando
nea t), do n.º 2, do artigo 179), e os acordos internacionais que são ratifi- se tratar de regulamento executivo: assim, o regulamento só pode
cados pelo Governo (alínea g) do n.º 1, do artigo 204). estatuir dentro dos limites impostos pela lei.
Segundo, os tratados têm, na ordem jtrídica, o mesmo valor que asleis iv) O regulamento constitui a auto-disciplina da própria Administra-
ordinárias e os acordos o mesmo valor que o regulamento ou decretos do
ção Pública, pois a lei fixa as regras gerais.
Conselho de Ministro. v) O surgimento da nova lei revoga automaticamente o regulamento
Assim, desde que devidamente ratificadas e publicadas e conterem anterior que com ela não se condizer.
preceitos para cuja aplicação sejam competentes os órgão administrativos,
as convenções internacionais impõem-se à Administração Pública.

b) Classificação do regulamento

12.4. O Regulamento Os regulamentos podem ser classificados de várias maneiras. Porém,


vamos considerar os seguintes critérios: 1) quanto à sua relação com a lei;
Diz-se regulamento administrativo ao conjunto de disposições escritas ii) quanto ao objecto; iit) quanto ao domínio da sua aplicação e iv) quanto
gerais e abstractas, subordinadasà lei e/ou à Constituição, emanadas por à projecção da sua eficácia.
Pine
órgãos incumbidos de exercer a função administrativa, sobre matéria pró-
pria da sua competência.
D) Quanto à sua relação com a lei, os regulamentos podem ser com-
Abordaremos a.seguir as características e classificações possíveis do
oq
plementares,
CA a pm
executivos ou dependentes, independentes, autôno-
regulamento, o
name
ra dat 2 0 art pa e

mos, delegados e de necessidade,


Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 75
74 Lições de Direito Administrativo

e publicados em São independentes de qualquer lei, no sentido, por exem-


São executivos «os que são elaborados
plo, de que os serviços administrativos podem ser organizados
seguimento a uma lei e para assegurar à respectiva execução pelo
e estruturados internamente por via de um regulamento que
desenvolvimento dos seus preceitos basilares»*. Estes regulamen-
não se funda em lei alguma, por um lado. Por outro, o são, no
tos não podem dispor para além da lei, ou restringir o seu alcance,
sentido de necessidade pública ou urgência, embora tendo em
sab pena de ilegalidade. Portanto, desenvolvem minuciosamente o
conta uma determinada situação factual.
conteúdo da lei de forma a adequar a sua aplicação a casos concre-
São, ainda, independentes quando resultem de um comando
tos, e daí serem conhecidos por regulamentos secundum legem.
constitucional, fora das matérias reservadas à competência legis-
Por exemplo, a Lei n.º 8/2003, de 19 de Maio, refere, no seu
lativa. Por exemplo, as alíneas h), 1) e j) do artigo 204, conferem
artigo 58, que «Compete ao Conselho de Ministros regulamentar
ao Governo a faculdade de aprovar regulamentos independentes
esta Lei, até seis meses a contar da data da sua publicação».
no âmbito da política laboral e de segurança social, nos sectores de
Assim, o Conselho de Ministro tem a obrigação de produzir um
con- educação e saúde e na promoção da política de habitação.
regulamento complementar ou executivo para desenvolver o
São autônomos os regulamentos que estão ligados à institui-
teúdo desta lei.
os regulamentos que ção, pela Constituição, de matéria de reserva ao poder regulamen-
Doutra banda, são independentes
tar da Administração Pública, não podendo, o legislador intervir
são totalmente livres da subordinação a uma lei ordinária, para
em tais matérias.
dizer que « (...) não necessitam de fundar-se em específicas leis
Para o efeito, o n.º 4 do artigo 143 da Constituição dispõe que
anteriores»*4.
assi- «os actos regulamentares do governo revestem a forma de decreto,
Como esclarece o professor CISTAC, «(...) alguns autores
quer quando determinados por lei regulamentar, quer no caso de
milam regulamentos independentes e autónomos, pode observar-
regulamentos autónomos».
-se numerosas diferenças entre as duas categorias de regulamen-
O Legislador constituinte não foi ao pormenor até ao ponto de
tos. O conceito de regulamento autónomo é ligado a instituição
, O poder alcançar a devida diferença entre os regulamentos autóno-
de matéria reservada ao Poder regulamentar. Nestas matérias
do mos e independentes. Na verdade, trata-se de regulamentos inde-
princípio é que não deve existir lei, o que não é o caso na figura
pendentes, porque ao compuisarmos o texto constitucional não
regulamento independente. Os regulamentos independentes não
que se vislumbram matérias reservadas ao poder regulamentar como
precisam de ter por base ou fundamentos actos legislativos
tais, em que o legislador não possa intervir no âmbito do n.º 1 do
definam a competência subjectiva e objectiva para à sua emissão; ao referir que «Compete à Assembleia
artigo 1:79 da Constituição,
por outro lado, não há reserva regulamentar. O poder legistativo as questões básicas da política interna
da República legislar sobre
pode intervir nestas matérias»,
e externa do país.
Dizem-se delegados os que resultam de uma autorização
8 CAETANO. Marcello, Tratado Elementar...,op. cit. p. 82.
4 ABREU, J.M. Coutinho de, Os regulamentos administrativos e o
princípio da legali- legal para a Administração Pública emanar normas gerais e abs-
dade, Coimbra, Livraria. Almedina, 1987, p. 62. tractas, sem contudo, se encontrarem subordinadas à lei. Resul-
ss CISTAC, Gilles, Curso de Direito..., Op. cit., Pp. 9.
76 Lições de Direito Administrativo
Introdução geral ao direito administrativo e à admin
istração pública 7
tam de uma investidura legislativa à Administração
Pública, e não municipais, que só são aplicáveis aos respectivo
do poder regulamentar. s municípios ou
vilas.
São regulamentos de necessidade os independentes,
porém, São institucionais os produzidos pelos institutos públicos
podendo conter já estes, normas contra legem devido à ou
sua natu- associações públicas, produzindo seus efeitos no âmbito
reza de urgência ou necessidade pública. da juris-
dição dessas instituições. Por exemplo, os regulament
Para q seu surgimento, a Administração Pública manif os aprova-
esta à dos pela Universidade Eduardo Mondlane.
sua vontade, criando situações gerais, impessoais
e objectivas, iv) Quanto à projecção da sua eficácia, podem ser inter
que, mesmo contrariando a ordem jurídica nos e exter-
vigente, visam uma nos.
determinada situação de facto, que requer uma
solução imediata. São regulamentos internos aqueles cujos efeitos se proje
ctam
“+
N ) Quanto ao objecto, os regulamentos podem ser de
organização, de unicamente no interior da pessoa jurídica que os emano
funcionamento e de polícia. u. Não
pretendemos, por ora, debater a problemática de que estes
São de organização os regulamentos «que proce regula-
dem à distri- mentos podem produzir seus efeitos na esfera de
buição das funções pelos vários departamentos e unida outros sujeitos,
des de uma embora digam respeito à organização e funcionament
pessoa colectiva pública, bem como à repartição o dessas pes-
de tarefas pelos soas jurídicas.
diversos agentes que ai trabalham»*s,
E, serão externos os que se enquadram no âmbit
São de funcionamento os regulamentos que regem o dia a o das nor-
mas relacionais, produzindo efeitos jurídicos na
dia dos serviços administrativos públicos. esfera de outros
sujeitos de direito, fora daquele que os emanou,
Os regulamentos de organização e funci
onamento constam,
regra geral, dos mesmos diplomas legais e
dizem respeito às nor-
mas orgânicas e funcionais.
c) Titulares do poder regulamentar
Dizem-se regulamentos de polícia os
que têm « (...) por
objecto o estabelecimento de restrições
à liberdade individual, a Queremos saber, quem tem poderes de estatuir
fim de assegurar preventivamente à segurança, de forma genérica e abs-
a tranquilidade e a tracta a níveis central e local, na Administração Públic
salubridade públicas», Visam evitar a produção a?
de danos sociais Em primeiro lugar, procuraremos tais autoridades
devido a comportamentos de alguns indivíduos ao nível constitu-
na sociedade. cional. Assim, diremos que tem competência para
Quanto ao domínio da sua aplicação, podem emitir os regulamentos:
ser gerais, locais e
institucionais.
) O Presidente da República. Primeiro, porqu
A distinção entre os primeiros dois reside no âmbit e cabe a ele, nos
o territorial, termos do n.º 1 do artigo 146, da Constituição, «in fine»,
pois os gerais aplicam-se em todo o território «(.)
de Moçambique, e zela(r) pelo funcionamento correcto dos órgãos do Estad
os locais nas circunscrições territoriais, por exemp o».
lo, as posturas Atenção que este dispositivo não confere ao Presidente da Repú-
é FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de blica poderes de criar nenhum órgão da Administração
Direito... Vol. II, op, cit,, p. 162, Pública,
57? CAETANO, Marcello, Tratado Elementar...
, op. cit,, p. 85. como se pretendeu ao fundamentar a Presidência a criaçã
o da Auto-
à administração pública 79
Introdução geral ao direito administrativo e
78 Lições de Direito Administrativo
para a consecução das com-
Conselho de Coordenação gurar-se «necessárias e apropriadas»
ridade Nacional da Função Pública e O petências expressas.
pelo próprio Presi-
da Legalidade e Justiça. O primeiro, revogado Portanto, a última parte do nº 1 do
artigo 146 da Constitui-
pronunciar e O segundo fundamento da aprovação
dente antes de o Conselho Constitucional se
Constitucional. ção não podia, por si só, constituir
declarado inconstitucional pelo Conselho de 27 de Abril, que criou o
emanado um do Decreto Presidencial nº 25/2005,
Com efeito, o Presidente da República havia
27 de Abril, que criava Q CCLJ»*º.
Decreto Presidencial n.º 25/2007, de Segundo, pode criar regulamentos
no âmbito da manutenç ão
lidade, declarado incons-
Conselho Coordenador da Justiça e Lega da ordem pública, tomando medidas
de polícia administrativa
amentou, a dado passo
titucional. O Conselho Constitucional fund necessárias à manutenção da ordem
pública.
dade, não se mostra cor- todos os actos normativos
no referido Acórdão que «Nesta conformi Nos termos do artigo 158 da CRM,
ente, do enunciado da
recto pretender retirar-se, pura € simplesm do Presidente da República assumirã
o a forma de decreto presi-
Constituição competências
última parte do n.º 1 do artigo 146 da acho presidencial.
ia conjugação com pre- dencial, e os demais, a forma de desp
do Presidente da República, sem a necessár de Ministros. Com efeito, o Cons
e-
e, lhe atribuam compe- ii) O Governo ou Conselho
ceitos constitucionais que, expressament as regulamentares, quer para
lho de Ministros pode emitir norm
tências. de regulamentos autônomos.
entender-se que € pre- a execução das leis, quer nos casos
Não se mostra igualmente adequado ão).
o anterior confere poderes (N.º 4 do artigo 143 da Constituiç de
ceito constitucional referido no parágraf entes, O Conselho
alterar e extinguir órgãos No caso dos regulamentos independ
implícitos ao Chefe do Estado para criar, nos termos do artigo 204 da
das competências refe- Ministros pode emanar regulamentos
e instituições, fora e para além do quadro Constituição.
, porquanto, como foi
ridas nos artigos 159 a 162 da Constituição A lei, também, pode conferir poder
regulamentar ã0 Conselho
po definir o estatuto do
referido, aquele preceito tem como esco de Ministros.
o competências. sem hesitar
Presidente da República, não estabelecend HS) Os Ministros. Ao nível da
Constituição podemos
de admitir competências a-
Não sendo de excluir a hipótese têm, em princípio, poder regul
a, as mesmas devem, con- concluir que os Ministros não ou
implícitas do Presidente da Repúblic -lhes ser conferido pelas leis
o das normas constitu- mentar. Porém, este poder pode s-
tudo, decorrer claramente da interpretaçã pelo decreto presidencial e pelo
decreto do Conselho de Mini
as competências deste
cionais que dispõem expressamente sobre tros.
órgão de soberania. o chefes dos serviços, podem.
à doutriná constitu- Por outro lado, os ministros, send
A conclusão anterior está de acordo com emitir regulamentos no ambito
da organização e funcionamento
poderes implícitos, a qual lamentos tomam à forma de
cional dominante sobre os chamados
iamente de poderes dos seus ministérios. Os seus regu
considera que tais poderes decorrem necessar diploma ministerial.
necessários para a plena
explícitos, sendo aqueles instrumentais e
, seriam teóricos e de
efectivação destes últimos que, doutro modo CC/o7,
citas devem confi- 6 de Novembro; Processo n.º 03/
sa acórdão n.º 05/CC/2007, de
impossível efectivação. As competências implí
80 Lições de Direito Administrativo
Introdução geral ao direito administrativo e À administraçã
o pública 81
Iv) Os governadores provinciais. No âmbito
dos poderes de orga- gado por título adequado, como por exemplo, contra
nização e funcionamento dos seus serviços, podem emitir to de conces-
normas são de serviço públicos”,
regulamentares e no âmbito da garantia da ordem pública.
Assim,
diz a alínea j) do n.º 1 do artigo 17 da Lei n.º 8/2008,
de 19 de
Maio, que o Governador Provincial pode «tomar providências d) Limites do poder regulamentar
e
dirigir as instruções adequadas ao comandante provincial da polí-
cia da República de Moçambique, no âmbito da preservação da O poder regulamentar é limitado. Com efeito, o primei
ro limite coloca-se
ordem e segurança públicas». em relação à própria Constituição da República. Assim:
Podem, ainda, emitir regulamentos de necessidade
ou de
urgência, no âmbito da alínea X) do n.º 1, do artigo
17 da Lei n.º | Nenhum regulamento pode ser elaborado violando as normas e
8/2009, de 19 de Maio. princípios estabelecidos na Constituição da República, sob
O poder regulamentar do Governador exterioriza-se pena
por via de de invalidade: inconstitucional pode ser o regulamento
cireular (n.º 2 do artigo 19 da mesma lei). indepen-
dente que viole as matérias constantes do n.º 2 do Artigo
v) Às autarquias locais. Nos termos do artigo 278 da Constituição 179 da
Constituição, por serem exclusivas da Assembleia da Repúbl
da República «as autarquias locais dispõem de poder ica.
regulamen- O regulamento não pode violar alei. A lei prefere sempre em
tar próprio, no limite da Constituição, das leis e dos rela-
regulamentos ção ao regulamento. O regulamento não pode abrang
emanados das autoridades com poder tutelar». er matérias
Os regulamen- reservadas ao poder legislativo, salvo os regulamentos de
tos, quando provindos do órgão colegial (assembleia execu-
autárquica), ção, previstos pela própria lei; só existe poder regulamentar
dizem-se posturas municipais. fora
da previsão constitucional, quando a lei o permitir.
vi) Os institutos e associações públicas. Normalmente, as leis, ii) Os regulamentos emanados pelos órgãos inferiores
os decretos, ou estatutos, que criam estes devem respei-
entes atribuem-lhes tar os emanados pelos órgãos superiores.
poderes regulamentares. Não havendo forma especia
l de exterio- 1) O regulamento não pode dispor contra a
regra geral da aplicação
rização dos regulamentos por eles emanados.
da leino tempo: o regulamento não pode dispor retroactivam
vii) Embora tenha natureza de empresa pública, sendo ente,
pessoa colectiva como regra geral, salvo quando beneficie o cidadão ou
de direito públicos, a Constituição da República confer outras pes-
e poderes soas jurídicas, por força do artigo 577 da CRM.
regulamentares ao Banco de Meçambique, cujos
actos tomam v) O regulamento tem de respeitar os princípios gerais do Direito
a forma de Aviso (n.º 5 do artigo 149).
Administrativo, princípios gerais do Direito Público
vii) As entidades privadas. Estas podem e princípios
dispor de poder regula- gerais do Direito, em geral.
mentar especial, quando no exercício de um poder
público, outor- vi) O regulamento deve obedecer a forma de exteriorizaç
ão e com-
* Q Banco de Moçambique, nesté diploma design petência orgânica previstas, quer na Constituição, quer
ado por «banco» é uma pessoa colectiva nas leis e
de direito público, dotada de autonomia admini
strativa e financeira, com natureza de
decretos de habilitação.
empresa pública. Nestes termos, n.º 1 do Artigo
1 da Lein.º 01/92, de 3 de Janeiro.
*º QUEIRÓ, Afonso, Lições de Direito Administrati
vo, Vol. I, Coimbra, 1976, D. 415.
à administração pública 83
introdução geral ao direito administrativo e
82 Lições de Direito Administrativo
ii) Sanção administrativa: acresce-se aqui que podem ocorrer,
e) Sanções por violação do regulamento o da multa, normal-
por exemplo, para O particular, o pagament
do salário minimo
mente, calculada tendo em conta O critério
contêm o elemento sanção causa, encerramento do
Sabemos que nem sempre as normas jurídicas nacional, a suspensão da actividade em
ou daquele regulamento elamento de alvará, embargo
na sua estrutura. Porém, pode ser o caso deste estabelecimento, suspensão ou canc
que sendo os regulamento «(...)
o que nos leva a seguir a Tegra geral de administrativo, demolição da obra e
etc.
sanção»?.
regras de direito, hão-de estar providas de
regra geral, não havendo
As sanções administrativas são executórias,
te, salvo as sanções penais.
necessidade de recurso ao tribunal competen f) Publicação dos regulamentos
for agente administrativo
São de três tipos as sanções, quando o infractor
ntar depende da sua publica-
que deveria aplicar 0 regulamento: A entrada em vigor de uma norma regulame -
rá haver excepções nas próprias dispo
ção, como regra geral, porém, pode
«nulidade absoluta, ou na sua entrada em vigor. Assim, diremos
1) Sanção administrativa: consiste na sição finais do regulamento sobre a
praticados em contrário
anulabilidade dos actos administrativos que:
o recai sobre os actos
das regras regulamentares»*, Esta sançã
República, do Conselho de
jurídicos da Administração. i) Os regulamentos do Presidente da
os agentes administrativos or do Banco de Moçambi-
H) Sanção disciplinar: incide sobre Ministros, dos Ministros e do Governad
regulamentar aplicável blica, L.à Série, (artigo 144
que têm a obrigação de acatar a norma gue são publicados no Boletim da Repú
incorre nas seguintes
aos respectivos serviços. O agente infractor da CRM).
pública, multa, des- de Província são publicados «na
penas disciplinares: advertência, repreensão 1) Os regulamentos do Governador
do artigo 81 da Lei n.º habituais», Nós preferimos
promoção, demissão e expulsão, nos termos ordem de serviço ou outras práticas
uto Geral dos Funcio-
14/2009, de 17 de Março, que aprova O Estat que tivesse sido nos «lugares de estilo».
publicados no Boletim da Repú-
nários e Agentes do Estado. iii) Os regulamentos autárquicos são
infraetor, pela entidade
ij) Sanção penal: consiste na aplicação, ao biica, 3.2 Série.
competente, de penas curtas de prisão,
multas, apreensão de ins-
iv) Quanto aos regulamentos dos institutos públicos, associações
trumentos de contravenção ou transgressões. idas não existe, em termos
públicas e entidades privadas atrás refer
icação. Os lugares de estilo
legais, especificidade do local de publ
que não sejam agentes admi- publicação através do Jornal
Por outro lado, podemos ter infractores são os mais adequados, ou mesmo
as seguintes sanções:
nistrativos. Para estes casos podemos ter com maior circulação.

acima.
i) Sanção penal: remissão para o ponto ii)
OP. eit., p. 89. de 19 de Maio.
2 CAETANO, Marcello, Tratado Elementar... 93 N.º 2 do artigo 17 da Lei n.º 8/2003,
” Idem, p. 90.
84 Lições de Direito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 85
g) Fiscalização da legalidade dos regulamentos
mente, a Administração Pública material; que é constituída pelas pessoas
colectivas do direito público e pelos serviços públicos.
Nos termos do n.º 2 do artigo 228 da CRM, o controlo da aplicação das Outro ponto que se pode considerar, também, assente é o pertinente
normas regulamentares emitidas pela Administração Pública cabe ao a declaração da ilegalidade dos actos normativos dos órgãos do Estado, a
Tribunal Administrativo. Portanto, o Tribunal Administrativo não tem qual incumbe ao Conselho Constitucional (alínea a) do n.º 1 do artigo 244
competência para a fiscalização abstracta da legalidade dos regulamentos da CRM). Tais órgãos são, nomeadamente, o Presidente da República, a
administrativos emitidos pela Administração Pública, senão a sua aplica- Assembleia da República, o Conselho de Ministros”, os Ministros, a CNE,
ção num caso concreto. o Banco de Moçambique, etc.
Nestes contexto, a redacção do n.º 1 do artigo 13 da Lein.º 25/2009, de Portanto, não é fiscalizável, abstractamente, pelo Conselho Consti-
28 de Setembro, atinente à orgânica da jurisdição administrativa, segundo tucional a legalidade dos regulamentos emitidos pelas autarquias locais,
a qual «A declaração, com força obrigatória geral, da ilegalidade de uma associações e fundações públicas, empresas públicas e institutos públi-
norma regulamentar emitida pela Administração Pública, nos termos da cos. Sendo assim, será possível, à face do n.º 2 do artigo 228 da CRM,
presente lei, apenas produz efeitos desde o momento do seu trânsito em entender-se que o Tribunal Administrativo é a sede legal para o controlo
Julgado», precisa de uma melhor elucidação. abstracto da legalidade dos regulamentos destes entes, com referência aos
Antes de uma análise profunda do dispositivo legal atrás referido, é números 1 e 5 do artigo 13 da Lei n.º 25/2009, de 28 de Setembro?
preciso chamar à colação o n.º 5 do mesmo artigo, para uma leitura conju- Embora sem habilitação legal expressa nos termos constitucionais,
gada, Hiteris: «Excluem-se do regime de declaração de ilegalidade deter- data vénia, é compreensível, à face do artigo 13 da Lei n.º 25/2009, de 28
minado neste preceito as situações previstas na alínea a) do número 1 do de Setembro, que o Tribunal Administrativo possa conhecer, através da
artigo 244 da Constituição, na parte aplicável». fiscalização abstracta, dos regulamentos emanados pelos entes referidos
A referida alínea a) do n.º 1 do artigo 244 da Constituição defere a no parágrafo anterior.
competência de fiscalização abstracta da legalidade dos regulamentos
emitidos pelos órgãos do Estado ao Conselho Constitucional, expressis
verbis: «1. Compete ao Conselho Constitucional: a) apreciar e declarar 13. Fontes não escritas do Direito Administrativo
ainconstitucionalidade das leis e a ilegalidade dos actos normativos dos
órgãos do Estado». Nas fontes não escritas do Direito Administrativo, vamos abordar a juris-
Ora, que dizer destes dispositivos? prudência, o costume, a doutrina, os princípios gerais do Direito e a equi-
Primeiro, é preciso distinguir a Administração Pública, referida pelo dade.
artigo 228, dos órgãos do Estado aludidos pela alínea a) do n.º 1 do artigo
244, ambos da Constituição.
“ Foi o casa do regulamento sobre o exercício da segurança privada, em que o Conselho
Ponto assente, nos termos do n.º 2 do artigo 228 da CRM, é que 0 Constitucional declarou, por um lado, a inconstitucionalidade das normas daquele regu-
Tribunal Administrativo é competente para o controlo da aplicação das lamento em relação à Constituição e, por outro, declarou a ilegalidade daquelas normas
normas regulamentares emitidas pela Administração Pública, designada- regulamentares em relação ac Cédigo Comercial, para tanto, cfr. www.consclhoconstitu
cional.org.mz
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 87
86 Lições de Direito Administrativo

13.1. A Jurisprudência” do texto objecto de interpretação”. Neste sentido, referiu Marcelio CAE-
TANO que os tribunais «(...). Podem em certas circunstâncias desempe-
Diz-se jurisprudência a «orientação seguida na resolução dos casos con- phar um papel relevante na criação de novas formas jurídicas e de novos
cretos pelas autoridades competentes». aireitos individuais»*º.
caracte-
Esta noção é ampla, admitindo, a par dos tribunais administrativos, Nos ensinamentos de Jean RIVERO, a jurisprudência tem duas
dade
uma jurisprudência burocrática. Porém, detenhamo-nos na dos tribunais rísticas, nomeadamente; «a flexibilidade» e o «hermetismo». Flexibili
o
administrativos. porque o juiz administrativo não gosta de fórmulas rígidas, que teriam
A jurisprudência administrativa é constituída pelas decisões dos tri- inconveniente de o vincular para o futuro de um modo demasiado apertado;
sempre
bunais competentes que exercem jurisdição em assuntos administrativos, e hermetismo, porque as fórmulas em que 0 juiz se exprime nem
interpretando e aplicando leis. É ponto assente que a jurisprudência, no são inteligíveis por si mesmas, o que exige necessidade de familiarização”º.
assentos. Em
sentido formal, não é fonte de direito, porque o juiz não emana normas A terminar este ponto, importa destacar os chamados
da Repáú-
jurídicas, senão aplicá-las na resolução de casos concretos e, ainda mais, termos constitucionais, os assentos são publicados no Boletim
rativo têm
cada acórdão do tribunal administrativo estatui para esse caso concreto blica, 1.2 Série. Os assentos do «Supremo»? Tribunal Administ
os tribunais admi-
em que o juiz intervém. força obrigatória geral pois, traçam uma doutrina para
Perante um caso concreto, pode acontecer que o juiz administrativo pistrativos inferiores.
procure a norma, o princípio aplicável ou o caso análogo nos textos nor-
mativos e não chegue a conclusão nenhuma. Neste caso, é preciso relem-
brar o princípio da proibição do non liquet, consagrado nos termos do 13.2. O Costume
n.º 1 do artigo 8.º do nosso Código Civil, segundo o qual «O tribunal não actos, seguida
pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou ale- Diz-se costume a prática reiterada, a repetição material de
juridicamente rele-
gando dúvida insanável acerca dos factos em litígio». de persuasão da obrigatoriedade dessa conduta como
tos: 1) o uso eli) a
Com efeito, o juiz administrativo deve substituir o legislador, nos ter- vante. Por assim dizer, o costume comporta dois elemen
mos do n.º do Artigo 10.º, do mesmo Código, criando tma norma dentre
consciência da sua obrigatoriedade.
não perante o
Faltando esta convicção da obrigatoriedade, estaremos
do espírito do sistema. Portanto, fala-se da função de substituição. de uma regra de con-
Para além da função de substituição, fala-se ainda da função de adap- costume, mas o uso, isto é, observância habitual
a lei: 1) contra
tação que o juiz pode exercer. duta. O costume é de três espécies, quando relacionado com
Esta função consiste em enquadrar a legislação ultrapassada às neces- legem; ii) secundum legem e iii) praeter legem.
sídades modernas, afastando-se, se for necessário, do sentido primitivo 2 CISTAC, Gilles, Curso... Op. Cif., Pp. 25.
8 Manual... op. cit, p. 87.
9 Direito... Op. Cit. p. 85-
tribunal superior na hierarquia dos tri-
os Seguimos de perto os ensinamentos do Professor Gilles CISTAC, Curso de Direita Admi- ma A final de contas, o Tribunal Administrativo é um
com igual valor de Tribuna! Supremo dentro
nistrativo...; Op. Cit., pp. 23 € 55. bunais administrativos, fiscais e aduaniros,
9% CAETANO, Marcello, Manual..., Vol. 1, op. cit. p. 87. da hierarquia dos tribunais judiciais.
88 Lições de Direito Administrativo
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 89
Será o costume fonte do Direito Administrativo? A doutrina pode desempenhar um papel! importante na emissão de
O costume como tal não é fonte do Direito Administrativo. Porém, normas jurídicas, como também, na estruturação das teses fundamentais
existem as chamadas práticas administrativas, rotinas ou praxes admi-
existentes nos vários sistemas, o que pode orientar a Reforma Adminis-
nistrativas que consistem em hábito de conduta generalizado, constante e trativa. Portanto, mesmo assim, a communis opínio doctorum não é fonte
uniforme, que os funcionários adoptam ao interpretar as leis e os regula- imediata do Direito Administrativo, mas sim, fonte indirecta.
mentos diante de problemas concretos que lhes são colocados no seu dia
a dia e nas relações com os particulares, que às vezes, não se encontram
escritas, mas que resultam das decisões dos superiores hierárquicos"! 13.4. Os princípios gerais do Direito
Portanto, as práticas administrativas não são fontes de Direito Admi-
nistrativo, mas normas técnicas, desprovidas da «opinio inris vel necessi- O artigo 274 da Constituição da República estabelece que «Nos feitos sub-
tatis», que corporiza o costume, ditadas pela oportunidade e conveniência
metidos a julgamento, os tribunais não podem aplicar leis ou princípios
dos serviços, que ofendam a Constituição». (sublinhado nosso).
É a prova evidente de que os princípios são fontes de Direito, e, em
13.3. A Doutrina particular, do Direito Administrativo. Veja-se, por exemplo, o Acórdão
Higino CHIPAMBELE, elucida a obrigatoriedade de a Administração
A doutrina é o direito científico, que consiste nas opiniões de cultores de direito,
Pública subordinar-se aos princípios gerais do direito e, em particular, do
dos jurisconsultos e cutros juristas. Formalmente, não é fonte de direito, muito
Direito Administrativo. Neste sentido, referiu o Tribunal Administrativo
menos do Direito Administrativo. Porém, há que ter em conta a influência que
que «(...). Assim, não cabe ao tribunal pronunciar-se, em concreto, sobre
a doutrina desempenha nos acórdãos do nosso Tribunal Administrativo. a medida da pena. Porém, e sem pôr em causa o princípio da divisão de
Por exemplo, no acórdão Fernando José BICA, de 14 de Abril de 1998, o
poderes que é inerente à essência dos órgãos da Administração Pública, o
Tribunal Administrativo, para fundamentar a sua deliberação, quando
solici- Tribunal tem o dever e a obrigação de verificar se estes ou os respectivos
tado a pronunciar-se sobre a extemporaneidade do prazo de recurso, baseou-
agentes observam, em cada caso concreto, os princípios que informam a
-se na doutrina e disse «(...) o prazo de dez dias contou a partir da data da
sua actuação e que se acham consagrados na lei e na doutrina»,
notificação do despacho punitivo; e não se interrompeu, ante tal reclamaç
ão, Na verdade, tratava-se de a Administração Pública, ao aplicar a pena
porquanto, é princípio assente na doutrina, que «a reclamação não interrom
pe de expulsão ao recorrente, não ter observado os princípios da justica, da
nem suspende os prazos legais de impugnação do acto administrativo, sejam fundamentação e da proporcionalidade dos meios. Com efeito, o recor-
eles de recurso gracioso ou de recurso contencioso », «in» Direito Adminis-
rente havia furtado 15 resmas de papel A4 que, posteriormente, foram
trativo — Volume IV — Pág, 32, das lições aos alunos do Curso de Direito,
em recuperados pela entidade recorrida.
1987/88, do professor Diogo Freitas do Amaral»'es,
Com efeito, a subordinação da Administração Pública ao princípio
9! Cfr. JUNIOR CRETELLA, José, Direito Administrativo... Op. cit., p. 81.
da legalidade deve ser entendido como subordinação ao bloco da lega-
12º Idem.
“+ Acórdão n.º 26/03-15, Processo n.0 79/02-05, Tribunal Administrativo. Este acórdão
18 CISTAC, Gilles, Jurisprudência..., Vol. L, Op. cit., p. 402.
foi proferido a 16 de Dezembro de 2009.
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 91
vo
go Lições de Direito Administrati

to Administrativo aplicáveis ao c) Quando as partes tenham previamente convencionado o recurso à


lidade, isto é, a todas as fontes de Direi equidade, nos termos aplicáveis à cláusula compromissória».
caso concreto.
entais que se encontram na
Os princípios constituem normas fundam
e de roteiro que orientam
base de toda a legislação, servem-lhe de directiva
nto histórico e servem de 14. Hierarquia das fontes do Direito Administrativo
o sistema legislativo de um povo em dado mome
s??, são, pois, fontes de
pressuposto básico do qual descendem as norma
Hierarquizar é escalonar as fontes de direito segundo o princípio de
Direito Administrativo.
prevalência, em caso de conflitos, das normas superiores sobre as infe-
riores.
As fontes escritas têm primazia sobre as fontes não escritas.
13.5. A Equidade
Assim, teremos, em primeiro lugar, a Constituição e as leis constitucio-
direito. A equidade nais, no grau superior, sendo que a sua violação pelas normas inferiores
A equidade ajuda para a compreensão da justiça e do
caso concreto é résultado traduzir-se-á numa inconstitucionalidade.
não se confunde com o direito. A justiça perante
aplicação. Em segundo lugar, temos as leis ordinárias: a Assembleia da República
de ajustamentos das leis durante o processo da sua
administrativa, aprova leis e o Governo, sob autorização daquela, aprova os decretos-lei.
A equidade é um meio de interpretação da norma
determinadas ações em Ambos são leis ordinárias com o mesmo valor formal e idêntica força obri-
transformando-se num «(...) modo de valorar
em dado momento gatória.
correspondência a ditames da consciência coletiva,
cias do direito e da Ao mesmo nível das leis ordinárias encontram-se as convenções inter-
histórico, para torná-la compatível com as exigên
ções extraordiná- nacionais ratificadas pela Assembleia da República,
citada consciência colectiva, fácil é concluir as aplica
ade discricionária da A violação da lei, no sentido formal, pela norma que lhe seja subordi-
rias dos princípios equitativos no campo da ativid
ões de aplicação desse nada, gera uma ilegalidade.
Administração, sendo mesmo o limite das condiç
de, resvalaria para o Em terceiro lugar, temos os regulamentos provindos do Presidente
poder que, sem Os critérios traçados pela equida
da República; em quarto lugar os do Conselho de Ministros e os acordos
arbítrio»'!º,
norma jurídica. Aliás, o internacionais; em quinto lugar, temos os diplomas ministeriais.
Em conclusão, a equidade não cria, como tal,
«Os tribunais só podem Quanto aos regulamentos dos órgãos desconcentrados e descentrali-
próprio artigo 4.º do Código Civil reconhece que
zados: governadores provinciais e autarquias. Os dois regulamentos con-
resolver segundo a equidade:
terão, na verdade, mediadas restritivas ao nível das suas circunscrições
territoriais, o que implica recorrer ao princípio da especialidade. Porém,
a) Quando haja disposição legal que 0 permita;
ca não seja indis- ambos subordinar-se-ão à regulamentação nacional,
b) Quando haja acordo das partes e a relação jurídi
ponível;
OP. cit., p. 85.
ws Cfr. JUNIOR CRETELLA, José, Direito Administrativo...,
mo Iden, itálico nosso,
92 Lições de Direito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo e à administraçã
o pública 92
SECÇÃO If 15.1. Órgãos de interpretação
Interpretação e aplicação das fontes
do direito administrativo São órgãos de interpretação da lei, o legislador, a Administração Pública,
os tribunais administrativos e a doutrina.

15. Interpretação da lei administrativa


a) Legislador
À interpretação da lei administrativa deve ter em conta três pilares, nomea-
damente!: O órgão legiferante, ou melhor, donde emana a lei, realiza uma interpr
e-
tação autêntica, esclarecendo a lei duvidosa através de uma nova lei, o
i) A desigualdade jurídica entre a Administração e os particulares; que
lhe confere autenticidade, autoridade e imperatividade. A lei interpr
eta-
ii) A presunção da legalidade e legitimidade dos actos emanados pela tiva desenvolve e define o sentido de normas legais anteriores suscept
íveis
Administração Pública; de entendimentos contraditórxios:es,
ui) A necessidade de os poderes discricionários da Administração Alei interpretativa pode ser aplicada Tetroactivamente, em
derrogação
Pública serem exercidos estritamente, tendo em conta a prosse- à regra geral estabelecida no artigo 12.º do Código Civil, desde que
cução do interesse público, colocado a cargo da Administração disso
não resulte ofensa aos direitos subjectivos e interesses legalme
Pública. nte prote-
gidos.
No nosso ordenamento, para além do legislador, podem aprovar
Quanto à interpretação da lei administrativa, recorremos às regras diplo-
mas interpretativos as autoridades detentoras do poder regulam
gerais da interpretação constantes do nosso Código Civil, artigo 9.º. entar desde
que o façam para interpretar as normas anteriores que eles
Porém, interpretar a lei é, restritivamente, determinar o alcance e o seu próprios tenham
aprovado, e nunca para um dispositivo de escalonament
verdadeiro sentido. o superior.

Devemos, ao sentido restrito, acrescentar que a interpretação abrange


ainda a descoberta de solnções não expressas na lei, o que-nos remete aos b) Administração Pública
casos de resolução de omissões legislativas (lacunas) pelo intérprete
da
les.
A interpretação feita pelas autoridades administrativas
Em homenagem ao princípio da economicidade, abordaremos só produz efeitos
os para a Administração Pública, e nunca para os tribun
órgãos de interpretação e os respectivos processos (literal e lógico). ais. Como ensina
Marcello CAETANO, «As autoridades que têm a seu cargo
a execução das
leis administrativas por meio de actos jurídicos fazem
interpretação pôr
uma das seguintes maneiras:
“7 Veja-se, neste sentido, MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo... op. cit.,
P. 39. "ê CAETANO, Marcello, Manual..., Op. Cit., p. 116.
96 Lições de Direito Administrativo
CAPÍTULO HI
0 indeferimento tácito, con-
dudeiro sentido e alcance do artigo 59 sobre
tar os actos administrativos
traposto ao princípio do dever de fundamen
Administração Pública
impostos aos órgão administrativos?
Pública perante um caso
Como interpretar o silêncio da Administração
o 10 do Decreto n.º 30 /2001), por
concreto que tem o dever de decidir (artig
fundamentada, particularmente,
umlado, e, por outro, tal decisão deverá ser
nte à pretensão do particular?
quando for de conteúdo negativo relativame
actos administrativos
Neste sentido, o princípio da fundamentação dos
perante O indeferimento tácito,
e do dever de decidir terão de preponderar É necessário precisar a noção da Administ
ração, no geral, que permitirá, a
o que permitirá ao parti-
sistematicamente, derrogando aquele dispositivo, a expressão «pública», o que
princípios atrás aludidos. posteriori, abordá-la depois de adicionar-lhe
cutar dele recorrer, alegando a violação dos é dizer, Administração Pública.
permite voltar ao passado,
Outro elemento importante é o histórico, que Em segundo momento, importa estudar os princípios básicos
que
os pareceres emitidos sobre a lei e
analisando-se os trabalhos preparatórios, regem a actividade administrativa, a organizaçã
o e funcionamento da
lica.
os debates no Plenário da Assembleia da Repúb Administração Pública que, na verdade, const
ituem princípios fundamen-
amentando, desta forma, O
tais do próprio Direito Administrativo, fund
lei administrativa exercício do podex administrativo.
15.3 Aplicação no tempo e no espaço da

quando não ofendam direitos sub-


Salvo as leis interpretativas, também,
gidos, a lei não tem, regra geral, 16. Noção de Administração
jectivos e interesses legalmente prote
ar situações futuras. Contudo, há
efeito retroactivo. Isto é, a lei visa regul Universal da Língua Portuguesa,
cionais a esta regra estabelecidas Administração, segundo o Dicionário
que ter em conta todas as situações excep gestão de negócios públicos e
significa «acção de administrar, governo,
no artigo 12.º do Código Civil. particulares; conjunto de normas destinad
as a ordenar & controlar a pro-
gada por outra, quando se não
Alei só deixa de vigorar quando for revo determinado resultado (...)»'8,
7, n.º 1 do Código Civil). Isto é o dutividade e eficiência tendo em vista um
destine a vigorar temporariamente (artigo Na verdade, o conceito geral de Administ
ração pode ser extraído do pró-
da lei no tempo.
básico que se poderia dizer sobre a aplicação prio termo «Administrar», que significa
dirigir com autoridade, orientar,
Quanto ao espaço! ou organizações para um Ou
presidencial e do Conselho de controlar e conduzir grupos de indivíduos
As leis, os decretos-lei, os decretos
avisos do Governador do Banco mais objectivos comuns.
Ministros, os diplomas ministeriais e Os
nacional. Os regulamentos
de Moçambique vigoram em todo o território guesa, Textos editores, ver à palavra
«administra-
nciais vigoram nas suas res- us Dicionário Universal da Língua Portu
das autarquias locais, dos governadores provi
ção».
pectivas circunscrições territoriais.
98 Lições de Direito Administrativo 99
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública
Assim, Administração «significa o mesmo que resolução executiva de
entes que exercem a função administrativa, quer no Estado, quer noutras
assuntos (...), trata-se de uma actividade orientada para um fim, e, em geral
pessoas colectivas públicas.
planificada, contudo, diferentemente do que acontece na governação,
Pelo critério negativista de definir esta noção, pode dizer-se que Admi-
Do atrás exposto resulta que a Administração consiste na função de se
nistração Pública corresponde ao complexo de órgãos e entes públicos que
conseguir alcançar certos e determinados objectivos, através de uma orga-
não se reconduzem à esfera do poder legislativo, muito menos, do judi-
nização, cooperação, responsabilização e combinação de meios humanos,
cial. Na verdade, a noção de Administração Pública em sentido orgânico
materiais e financeiros.
comporta duas realidade diferentes, por um lado, as organizações, isto é,
Com efeito, é tarefa básica da Administração « (...) fazer as coisas por
as pessoas colectivas públicas dotadas de personalidade jurídica, ou não
meio das pessoas de maneira eficiente e eficaz. (...), [por isso, é] a principal
(pode falar-se em serviços públicos), e, por outro, os indivíduos, isto é, os
chave para a solução dos mais graves problemas que atualmente afligem o
agentes administrativos e funcionários públicos.
mundo moderno»"s,
Nas pessoas colectivas públicas, encontra-se o próprio Estado-Admi-
nistração, por um lado, que integra os serviços centrais, que é o Governo,
os ministérios, as direcções, as repartições públicas, os órgãos e serviços
17. A Administração Pública
locais do Estado, como os governos provinciais, por exemplo. Por outro,
teremos as autarquias locais, que nos termos do n.º 1 do Artigo 273 da
1741. Definição
Constituição da República, são os municípios e as povoações e, como tal,
integram o poder local do Estado, em contraposição aos órgãos locais do
Existe, actualmente, unanimidade entre os tratadistas do Direito Admi-
Estado.
mistrativo, quanto as acepções em que a Administração Pública pode ser
O que se disse no parágrafo anterior corresponde ao critério do subs-
definida, Desta forma, a Administração Pública pode ser definida em três
trato territorial da Administração Pública em sentido orgânico, sem afas-
sentidos variados, nomeadamente; orgânico ou subjectivo, material ou
tar, logicamente, a conhecida classificação em administração estadual
objectivo e formal,
directa, indirecta e autónoma.
Todavia, existe, ainda, dois outros substratos, que correspondem à
Administração Pública em sentido orgânico: i) o institucional, que com-
a) Administração Pública, em sentido orgânico ou subjectivo
preende a existência de institutos públicos, como por exemplo, os esta-
belecimentos públicos com personalidade jurídica como a Universidade
Nose sentido, a Administração Pública deve escrever-se com A-majús-
e Eduardo Mondlane, Universidade Pedagógica, etc., as fundações e enti-
ula, sendo evidente que esta noção corresponde ao complexo de órgãos e
, . ma ,

“14
WOLPF,e THans J., BACHOF, Otto e STOBER, Rol. Direito Admin us O Governo da República de Moçambique é o Conselho de Ministros, que integra o Pre-
istrativo, Vol. L Fun-
dação Calouste Gulbenkian, 2006, p. qL. sidente da República, o Primeiro-Ministro e os Ministros. As figuras de Vice-ministro
"5 CRIAVENATO Idalberto, Introdução à .
a a
,
pais e de Secretário de Estado não fazem parte da composição do Governo, embora possam
5 ção à Teoria Geral da Admini: Artigos 200 €
: ,
Editora Campus, p.14. ministração, 6.º Edição, participar das sessões do Governo, quando, para efeito, convidados. Cfr.
201 da Constituição da República.
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 103
100 Lições de Direito Administrativo
indi-
dades reguladoras, e também, de entidades públicas empresariais, como, nação de actos concretos e executórios para a prossecução directa,
os Caminhos de Ferro de Moçambique, Telecomunicações de Moçambi- recta, contínua, regular e imediata do interesse público.
que, a Electricidade de Moçambique, etc.; ii) o associativo, que inclui as A administração pública é desenvolvida não só pelo Estado, como tam-
jurídicos, e/
associações públicas, por exemplo, a Ordem dos Advogados de Moçambi- bém por outras entidades públicas diferentes dele em termos
tal conte-
que, dos Engenheiros, dos Médicos, etc. ou pelas entidades privadas que exercem poderes públicos para
Concluindo, podemos, com o Professor Diogo Freitas do Amaral, defi- ridas por concessão.
material,
nir Administração Pública em sentido orgânico, dizendo que «é o sistema Neste contexto, diz-se Administração Pública, em sentido
e indivíduos
de órgãos, serviços e agentes do Estado, bem como das demais pessoas funcional ou objectivo «a actividade típica dos organismos
m em
colectivas públicas, que asseguram em nome da colectividade a satisfa- que, sob a direcção ou fiscalização do poder político, desempenha
a
ção regular e contínua das necessidades colectivas de segurança, cultura nome da colectividade a tarefa de promover à satisfação regular e contínu
ico
e bem-estar», das necessidades colectivas de segurança, cultura e bem-estar econôm
o
Este sistema de órgãos, serviços e agentes do Estado distingue-se dos e social, nos termos estabelecidos pela legislação aplicável e sob o control
órgãos, serviços e agentes do poder legislativo ejudicial, que também, têm dos tribunais competentes»*º.
as orien-
a sua administração, neste caso, administração parlamentar"? e adminis- Desta noção ressalta, desde logo, que à Política é que traça
Admini stração
tração da justiça, respectivamente. tações gerais e define o interesse público geral a cargo da
o Pública
Em suma, a Administração Pública é o «conjunto de órgãos e serviços Pública, através da lei, o que sujeita a actuação da Administraçã
ao controlo
públicos qe assegura a realização de actividades administrativas, visando ao princípio da legalidade, com as consequentes submissões
a satisfação de necessidades colectivas» "9, externo pelos tribunais competentes da sua actuação.
vinculada,
Portanto, a administração pública é uma actividade neutra,
normalmente, à lei e à técnica.
b) Administração Pública,
em sentido material ou objectivo

A Administração Pública, em sentido material ou objectivo, também, se c) Administração Pública, em sentido formal
designa por Administração Pública, em sentido funcional, e, como tal, cor-
«à jurisdici-
responde, no sentido amplo, à actuação caso por caso, isto é, actividade A Administração Pública corresponde, em sentido formal,
o formal
concreta do Estado, e como tal, escreve-se com a-minúscula. dade formal da actuação administrativa. Assim, a Administraçã
as decisões
Neste-sentido, a Administração Pública corresponde à actividade que é neste sentido refere-se ao tipo e ao modo como são produzidas
desenvolvida pelos órgãos, serviços e agentes do Estado mediante a ema- e preparadas as estruturas»?.
Pública age,
Corresponde, na verdade, ao modo como a Administração
inado contexto. Assim,
o FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito... Vol. I, Op. cif., pp. 33 € 34. se organiza, funciona, € é controlado num determ
à Administração parlamentar rege-se pela Lei n.º 31/2009, de 29 de Setembro, que
1, op. cit., p- 48.
regula a orgânica geral da Assembleia da República. ro FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito..., Vol.
Direito..., Op. Cit. Pp: 49050.
"» Glossário da Lei de Bases da Organização da Administração Pública. = WOLFE, Hans J., BACHOF, Otto e STOBER, Rok,
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 103
102 Lições de Direito Administrativo

o sentido formal da Administração Pública há-de concretizar-se com o n.º 16/1.3/2000, de 18 de Abril, cujo recorrente é Victor Simão DAR-
estudo dos sistemas adinimistrativos. SAN e recorridos os Ministros da Indústria e Comércio e do Plano e
Finanças.
O recorrente solicita ao Tribunal Administrativo a suspensão do
18, Fim da Administração Pública: a prossecução do interesse concurso público para. alienação de 80% do património da MORFEU-
público “Fábrica de Colchões, Emitada, e também, da FAPAM-fábrica de Passa-
manarias de Moçambique, aberto pela Comissão Nacional de Avaliação
Como ensina Diogo Freitas do Arnaral, «quando se fala em administração e Alienação, até que seja proferido o acórdão definitivo sobre o recurso
pública, tem-se presente todo o conjunto de necessidades colectivas cuja por ele interposto.
satisfação é assumida como tarefa fundamental pela colectividade, através Esgrimindo seus argumentos, o Tribunal Administrativo começou por
de serviços por esta organizados e mantidos. (...). Assim, onde quer que referir que «o pedido do recorrente traduz, no mínimo, um equivoco acerca
exista e se manifeste com intensidade suficiente uma necessidade colec- da natureza jurídica dos actos da Administração Pública (...), a Administra-
tiva, aí surgirá um serviço público destinado a satisfazê-la, em nome e no cão pública goza da prerrogativa de, na prossecução dos interesses colec-
interesse da colectividade». O mesmo autor termina referindo que tais tivos, determinar livre e unilateralmente, a sua conduta. É o princípio da
necessidades colectivas podem reconduzir-se a três espécies fundamen- supremacia do interesse público sobre a vontade antagônica de um parti-
tais: a segurança, a cultura e o bem-estar! cular, desde que tal interesse seja legítimo e a actuação da Administração
Resulta, inequivocamente, que a Administração Pública prossegue o inte- Pública não represente arbítrio, nem tão-pouco colida com os princípios
resse público, como fandamento de toda e qualquer actividade sua. Neste sen- fundamentais a observar numa sociedade que viva sob o manto dum Estado
tido, o n.º 1 do artigo 249 da Constituição da República refere que «A Adminis- de Direito»,
tração Pública serve o interesse público e na sua actuação respeita os direitos e A Administração Pública detém meios de acção administrativa para a
liberdades fundamentais dos cidadãos». A actividade administrativa éneuixa e prossecução do interesse público de segurança, cultura e bem-estar, dife-
desinteressada, com responsabilidade técnica e legal pela execução, ao pôr em rentemente dos privados: o poder administrativo.
prática as opções fundamentais traçadas pela função política. A Administração Pública, actuando como poder, deve estar subordi-
Vai ser o interesse público que delimita a acção das pessoas colectivas nado ao direito e controlada a sua actividade.
públicas, sendo «fundamental afirmar que o interesse público é absoluta-
mente indissociável de qualquer actividade administrativa, seja ela levada
a cabo através de formas jurídico-públicas ou jurídico-privadas»"ºs, 19. À Administração Pública como poder?
Assim, o interesse público é superior a qualquer interesse privado.
Neste sentido, asseverou o Tribunal Administrativo através do Acórdão O Mestre Paulo Daniel COMOANE diz que «é comum, embora não total-
mente pacífica, a caracterização da Administração Pública como um
-1a FREITA
Pa
S DO AMARAL, Diogo,
1 Curso de Direito..., Vol. L, op. cit. pp. 25-27.
2 (2000-2002),
“ Nestes termos, Idem, p. 28. “5 CISTAC, Gilles, Jurisprudência Administrativa de Moçambique, Val,
“1 ESTORNINHO, Maria João, A Fuga para o Direito..., op; cit, p. 363. Textos editores, 2006, pp. lil ess.
104 Lições de Direito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 105

poder», No dizer deste Mestre, citando Jean RIVERO, «caracterizar convencendo a justificação da Direcção Provincial para abrir novo con-
a Administração Pública através dos poderes que detém sobre os parti- curso, de que a Embimo não honra os compromissos contratuais, por
culares não é correcto, pois nem sempre a Administração Pública nas suas exemplo, na obra de reabilitação do Clube de Manjacaze.
relações com os particulares recorre aos poderes públicos. Basta pensar Assim, o Tribunal Administrativo, perante o conflito, sentenciou que
nos casos em que a Administração Pública celebra contratos com os par- «(...) a decisão de abrir um novo concurso consubstancia um autêntico acto
ticulares, agindo de acordo com os vectores da liberdade e igualdade con- administrativo com carácter definitivo e executório, que (...), é um acto em
tratual». que a Administração Pública se manifesta plenamente como autoridade,
Esta excepção nos contratos administrativos é tendencial: na forma- como poder. É designadamente o acto Jurídico em que se traduz no caso
ção do contrato administrativo, a Administração Pública aparece sujeita a concreto o poder administrativo, sob a forma característica de poder de
limitações e restrições. Todavia, na execução e extinção do contrato admi- decisão unilateral dotado de privilégio de execução prévia».
nistrativo já não se pode dizer o mesmo, porque a Administração Pública «Para isso a lei dá às suas decisões força obrigatória que os particulares
surge investida de seus poderes públicos, nomeadamente: de fiscalização, iêm de acatar sob pena de, sem necessidade de sentença judicial, a Admi-
de modificação unilateral e de aplicação de sanções. nistração poder impor coercivamente o que decidiu. (...). A isto se chama
A Administração Pública «é um verdadeiro poder porque define, de o privilégio de execução prévia (...)»',
acordo com a lei, a sua própria conduta e dispõe dos meios necessários Diz-se privilégio de execução prévia, nos termos da alínea g) do Artigo
para impor o respeito dessa conduta e para traçar a conduta alheia naquilo 1 do decreto n. º 30/2001, de 15 de Outubro, o «poder ou capacidade legal
que com ela tenha relação»!??. de executar actos administrativos definitivos e executórios antes da deci-
O Acórdão n. º 8/1.2/2000, de 22 de Março, do Tribunal Administra- são jurisdicional sobre o recurso interposto pelos interessados».
tivo, cujo recorrente é Embimo-Construção civil e manutenção de imóveis É assim que todos os actos da Administração Pública presumem-se
e recorrido a Direcção Provincial de Educação de Gaza, demonstra eviden- legais, até o pronunciamento em contrário pelo tribunal competente, Para
temente em que medida a Administração Pública é um poder para traçar a que o tribunal competente se pronuncie, é preciso que o particular recorra
conduta alheia e impor o seu respeito. do acto através do recurso contencioso de anulação, tentando demonstrar
Neste acórdão, a recorrente solicitou uma providência cautelar (mas a invalidade do acto perante aquele.
que deveria ser suspensão de eficácia) pedindo que a Direcção Provincial Anão atribuição ao recurso de efeito suspensivo tem projecção prática,
de Educação de Gaza se abstenha de realizar um novo concurso relativo como assinala o Professor Gilles CISTAC, « (...) o facto de que o parti-
às obras de reabilitação da Escola Primária do 2.º Grau de Chókwé e da cular recorre do acto administrativo não impede que este seja executado e
residência destinada aos professores, na praia de Bilene, alegando que a Administração poderá executar este acto apesar de ter um recurso deste,
apresentou melhor preço, e como tal, devendo ser considerada vencedora, pendente perante o juiz»"º.
segundo as normas de adjudicação de empreitadas de obras públicas, não
“8 CISTAC, Gilles, Jurisprudência.., Op. Cit., pp. 75 e ss.
mo CISTAC, Gilles eCHIZIANE, Eduardo (Coordenação), Aspectos jurídicos, económicos e 29 CAETANO, Marcello, Manual... Vol. 1, op. cit. pp. 15 e 16.
sociais do uso e aproveitamento da Terra. Maputo, Livraria Universitária, 2003, p. 143. mo CISTAC, Gilles, O Direito Administrativo em Moçambique, texto apresentado no Semi-
“7 CAETANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Vol. L Coimbra, p. 15. nário sobre o Direito Administrativo em Moçambique, Maputo, Abril de 2009, p. 12.
106 Lições de Direito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 107
meras

Portanto, a Administração Pública caracteriza-se como um verdadeiro O poder administrativo traduz-se ou manifesta-se em:
poder público: o poder administrativo.
| * O poder administrativo compreende o poder executivo do Estado e de ) Poder regulamentar, que é a faculdade que é dada à Adminis-
outras entidades públicas não estaduais! tração Pública de estatuir de forma geral e abstracta, elaborando
O poder administrativo é consequência da separação de poderes entre regulamentos administrativos.
| a Administração e a Justiça (poder executivo e judicial) que, historica- i) O poder de decisão unilateral, que consiste em a Administração
mente, se encontravam concentrados nas mãos do monarca. No campo Páblica, perante casos concretos, agir de forma unilateral, defi-
| administrativo, a separação de poderes significou retirar à Administração uindo o direito aplicável, através de emanação de actos admi-
a função de julgar e dos Tribunais a função administrativa, do que resultou nistrativos ou decisões administrativas, independentemente de
os seguintes corolários: , recurso aos tribunais.
ii) O privilégio de execução prévia, que é a faculdade de a Admi-
| D Existência, por um lado, de órgãos administrativos, que se devem nistração Pública impor, de forma coactiva, as suas decisões sem
ocupar da função administrativa e, por outro, de órgão judiciais recurso prévio ao tribunal competente, nos termos definidos na
| que se devem ocupar da função Jurisdicional; legislação aplicável.
ii) Existência de duas magistraturas: a administrativa e a judiciária. iv) O regime especial dos contratos administrativos, que consiste
As duas magistraturas são incompatíveis entre si, não podendo, em a Administração Pública actuar de forma bilateral, celebrando
nem o juiz, nem o órgão administrativo desempenhar, simultane- contratos administrativos com os particulares, em matérias devi-
amente, a função administrativa e judiciária. damente delimitadas e que não seja possível emanar decisões uni-
iii) Existência de independência recíproca entre a Administração e à laterais.
| Justiça: a autoridade administrativa não pode dar ordens à antori-
dade judiciária, e vice-versa. Porém, pode a Justiça orientar, inti- As chamadas garantias da Administração Pública, para decaicar a epí-
| mar para um dado comportamento e «condenar», bem como anu- grafe do artigo 19 da Lei n.º 14/2011, de 10 de Agosto, que aprova 0 pro-
lar ou declarar nulos ou inexistentes as decisões administrativas cedimento administrativo, solidificam o chamado poder administrativo.
em sede do contencioso administrativo. E, nos termos precisos, são garantias da Administração pública:
| iv) Existência de um foro especial para julgar questões administrati-
a vas, nomeadamente, o Supremo Tribunal Administrativo e os tri- * O privilégio de execução prévia;
bunais administrativos e não os tribunais comuns. « A obrigatoriedade da apresentação imediata do funcionário ou
v) Existência de um Tribunal de Conflitos para dirimir conflitos de agente da Administração Pública ao respectivo superior hierárquico
Jurisdição (competências) entre os tribunais administrativos e os para efeitos de entrega do serviço aseu cargo, por motivo da cessa-
tribunais judiciais, em última instância, de funcionamento inter- ção da relação de trabalho, transferência, destacamento, licença de
mitente, com composição paritária. longa duração ou quando tenha de ser sujeito à privação de liber-
* CL FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito..., Vol. IL, op. cit. pp. 48€ 19. dade;
stração pública 109
Introdução geral ao direito administrativo e à admini
108 Lições de Direito Administrativo
ões emergentes de
* O direito de regresso em caso de indemnização a terceiros pelos Pelo contrário, no nosso sistema, todas as situaç
submetidas ao Direito
danos causados por actos ilegais dos funcionários ou agentes da actividades administrativas de gestão privada ficam
todas as situações emergen-
Administração Pública, no exercício das suas funções; privado, e, logicamente, à jurisdição comum, e
ao Direito público,
- O poder de execução coerciva dos actos administrativos definitivos tes da actividade de gestão pública ficam submetidas
quentemente, ao fórum
e executórios. em particular, ao Direito Administrativo, e, conse
tribunais administra-
especial — o Supremo Tribunal Administrativo e os
tivos.
Pública ao Direito,
20. Administração Pública deve estar subordinada ao Direito Nesta matéria de subordinação da Administração
Constituição da República
e, em particular, 20 princípio de legalidade, a
249, que: « Os órgãos
Como atrás dissemos, a Administração Pública é um verdadeiro poder. foi mais sublime ao referir, no seu n.º 2, do artigo
à lei e actuam com
Porém, este poder decorre e é exercido nos termos do Direito. Portanto, da Administração Pública obedecem à Constituição €
dade, da ética e da
não se trata de um poder arbitrário. A Administração Pública deve estar respeito pelos princípios da igualdade, da imparciali
vinculada ag Direito. Este é um ponto assente na actualidade: a Adminis- justiça».
pio da legalidade
tração Pública só faz o que a Lei permite (deve haver habilitação legal) e, o A subordinação da Administração Pública ao princí
a actividade admi-
particular só não faz o que a lei proíbe (actua no âmbito da licitude). Ora, tem consequências jurídicas, nomeadamente, que toda
io da lei e tem carác-
questão essencial é saber que direito é esse a que a Administração Pública nistrativa de gestão pública está submetida ao impér
e interesses legítimos
se deve subordinar? Será ele público? Privado? Qu pelo contrário, ambos? ter jurídico, para além de que os direitos subjectivos
garantias dos
Toda a actividade administrativa é jurídica: ela gera direitos e deveres dos particulares estão assegurados através das chamadas
quer para a Administração Pública na sua organização, funcionamento e rela- particulares.
positivo que regulamenta
cionamento com terceiros, quer para os particulares. Com efeito, a actividade Em fim, é o direito, o direito administrativo
s para a actividade
administrativa decorre da lei, sendo ela que define o interesse geral da colecti- toda a actividade administrativa, criando as forma
vidade, delimita e fundamenta a actuação da Administração Pública administrativa e limitando o seu exercício.
A resposta às questões suscitadas passa, necessariamente, em saber se
o princípio da legalidade é aplicável à actividade administrativa de direito
privado (actividade administrativa de gestão privada), porque quanto à 21. A Administração Pública deve ser controlada
actividade administrativa de gestão pública, não se colocam quaisquer
Os órgãos, serviços e agentes do Estado, no âmbito da sua actuação, estão
problemas, tanto que é o princípio da legalidade que fundamenta e deli-
da sua subordinação ao bloco de
mita a actuação da Administração Pública. sujeitos a vários tipos de controlo, fruto
técnico, jurídico, disciplinar e
Por exemplo, na Inglaterra, quer a Administração Pública, quer os par- legalidade. O controlo pode ser, desde logo,
podem ser agrupadas em dois
ticulares estão submetidos ao mesmo direito, isto é, ao Direito privado, político. Contudo, estas formas de controlo
interno e externo, on se qui-
não havendo distinções entre as actuações públicas e privadas, o que tem grandes grupos, nomeadamente, O controlo
respectivamente,
consequências quanto ao fórum, que é comum. sermos, o auto-controlo e o hetero-controlo,
10 Lições de Direito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 21

O auto-controlo pode ser sintetizado como aquele que ocorre dentro da «As expressões «Administração Pública» e «Função Pública» são
própria Administração Pública perante os seus órgãos através das garan- expressões correntemente usadas, podendo afirmar-se que fazem parte do
tias graciosas e impugnatórias (reclamações e recursos administrativos) e nosso quotidiano e que possuem uma natural interpretação entre si, de
das actividades de inspecção administrativa. tal forma que a segunda é substância viva da primeira, a sua manifestação
Por seu turno, o controlo externo comporta duas subvertentes, a juris- personalizada ou a organização humana sem à qual não poderia funcionar
dicional e a parlamentar. O controlo externo jurisdicional é operacionali- a estrutura orgânica que é a Administração Pública»,
zado através do Tribinal Administrativo e dos tribunais administrativos. A Função Pública abrange, tão somente, todos os trabalhadores da
O controlo externo parlamentar é exercido pela Assembleia da República. Administração Pública vinculados pelo Direito Administrativo, portanto
Existem, na verdade, dois oulxos controlos. Primeiro, que embora por um regime específico, e como tal delimita-se da Administração Pública
sendo órgão da Administração Central do Estado, exerce um controlo pelos conceitos funcionários públicos e agentes do Estado, para diferen-
sobre a actividade administrativa pública, que é o Provedor de Justiça. ciar com o outro pessoal que irabalha para a Administração Pública.
O segundo é aquele que é exercido pelo cidadão sobre a Administração
Pública, daí a obrigatoriedade de a Administração Pública pautar-se pelos
princípios de transparência da sua actividade e participação dos adminis- 29. Formas jurídicas da actividade administrativa
trados na gestão da coisa pública.
Embora criticada esta concepção, têm sido distinguidas entre aquelas
actividades que se realizam sob o manto do direito público (actividades
22, Administração Pública e Função Pública administrativa de gestão pública) e as que decorrem sob égide do direito
privado (actividades administrativas de gestão privada).
Haverá alguma diferença entre a Administração Pública e Função As noções de gestão pública e privada, como determinantes da com-
Pública?
petência, respectivamente, da justiça administrativa e da justiça comum,
A evolução indica, hoje, a tendência de autonomização da Função foi desenvolvida, especialmente, na decisão do Caso Terrier, em 1903, &
Pública, como objecto de estudo de um tal Direito da Função Pública (por-
solidificou-se com o Caso Société Commerciale de IÓuest Africain (Caso
que aqui só se pode falar de autonomia pedagógica e não científica).
BAC d'Eloka), decidido em 1921",
«A Função Pública designa o corpo constituído pelo conjunto de indi-
Em resumo, nos dois arrestos considerou-se que, certos serviços são
víduos que, de forma subordinada e hierarquizada prestam o seu trabalho,
da natureza, da essência mesma da Administração Pública, impondo-se,
como profissionais especializados, no desempenho de funções próprias e
para garantia da independência e do pleno exercício dos poderes, que seu
permanentes dos diversos serviços que integram a administração central
contencioso seja da competência administrativa, outros, em vez disso, são
ou local do Estado», Quanto ao conceito de Administração Pública, este
da natureza privada, apesar do interesse geral, os quais, se desenvolvidos
é, sobejamente, conhecido.
3 VEIGA E MORA, Paulo, A Privatização da Função Pública, Coimbra editora, 2004, p. 17.
se VEIGA E MOURA, Paulo, Função Pública. Regime jurídico, direitos e deveres dos fun- à
1% Cfr. MOREIRA, João Batista Gomes, Direito Administrativo: da rigidez autoritária
cionários e agentes, Vol. 1, 2º edição, Coimbra editora, 2001, p.17
flexibilidade democrática, Editora Fórum, 2005, p. 126.
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 113
112 Lições de Direito Administrativo

pelo Estado, o são ocasionalmente, pelo facto de nenhum particular deles 28.2, Actividade administrativa de gestão privada
ter-se encarregado, devendo as contestações surgidas em decorrência de
-
sua exploração serem decididas pela jurisdição comum", A Administração Pública serve-se, na sua actuação, das formas jurídico
-privadas, apresentando-se com o papel de um empresário, por não
Assim, o Direito Administrativo passou a desenvolver-se entre a dico-
tomia direito público e direito privado, ou melhor, gestão pública e ges- se verificarem os pressupostos exigidos no âmbito da actuação pública.
tão privada da Administração. Cabendo regular as actividades de gestão Assim, a Administração Pública actuará, no domínio das empresas públi-
pública ao Direito Administrativo e de gestão privada ao Direito privado, cas, sociedades de direito civil ou comercial, ou outras formas legais, com
ocorrendo assim, quanto ao fórum, a aplicação do Direito privado.
Na verdade, a Administração Pública «(...) adopta as formas de orga-
nização e/ou as formas de actuação jurídico-privadas, para com isso se
29.1. Actividade administrativa de gestão pública furtar ao regime de direito público a que normalmente está sujeita»"3º,

Os actos de gestão pública compreendem o exercício de um poder público.


O Direito Administrativo abrange e regula unicamente a actividade admi- 24. Distinção entre administração pública e administração
nistrativa de gestão pública. Nesta perspectiva, a Administração Pública privada
actuará sob manto do Direito Público, mormente, o Direito Administra-
acção
tivo. Tanto a administração pública, quer a privada, consistem numa
humana visando prosseguir certos e determinados objectiv os definid os
Para o estudo-da actividade administrativa de gestão pública têm sido
de cer-
avançadas várias perspectivas, nomeadamente: com vista ao alcance de certos resultados, o que implica a adopção
.
tos princípios à busca de eficiência. Porém, conhecem dissemelhanças
i) Do Acto Administrativo, para os que o consideram como núcleo A administração pública prossegue funções públicas, isto é, assuntos
o,
essencial do Direito Administrativo, do Regulamento Administra- da colectividade e dos seus membros — o interesse público. Por exempl
rte público
tivo e do Contrato Administrativo; a segurança, ordem pública, cultura, possibilidade de transpo
alheio, isto é, à
ii) Do Serviço Público, da Polícia administrativa e de Apoio à inicia- acessível. Quem administra coisa pública age em nome
tiva privada (assentimento e controlo); administração pública é determinada por terceiros e para utilidade destes.
ares:
ni) Do Procedimento Administrativo; Todavia, a administração privada prossegue fins pessoais ou particul
ção ao inte-
iv) Da Relação jurídico-administrativa. tanto podem ser fins lucrativos, como altruístas, sem vincula
resse geral da colectividade.
a busca
Optaremos por uma perspectiva ecléctica, pois estas perceptivas não É verdade que até pode haver actividade privada que, visando
como fim
podem ser consideradas como estanques. de lucros, se confunda com a prestação de interesse público,

95 Idem, = ESTORNINHO, Maria João, 4 Fuga..., op. Cit., p. 17.


14 Lições de Direito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 115

essencial. Pense-se na associação privada dos fornecedores de água nas Assim, vamos analisar a função administrativa conforme o regime
zonas de Magoanine, Marracuene, Zimpeto, em fim, ao redor das cidades democrático que é prevalecente, hoje, em Moçambique, e diremos que:
de Maputo e Matola. Ão fornecer a água desempenham uma actividade
que, normalmente, caberia à Administração, prestar o interesse público i) Quanto ao seu objecto: a função administrativa satisfaz regular e
de fornecimento de água. O que ocorre apesar desta aparente presta- continuamente as necessidades colectivas de segurança, cultura e
ção pública, o que os fornecedores privados de água pretendem é buscar bem-estar e a função política define as grandes opções que o País
ganhos pessoais, os lucros, através de cobranças de água aos utentes. enfrenta ao traçar os rumos do seu destino colectivo's”,
Como dissemos, a Administração Pública é um poder. Portanto, para a ii) Quanto à natureza: a função administrativa é executiva, levando
prossecução do interesse público, utiliza poderes de autoridade para impor a cabo, diariamente, uma série de actos que certa finalidade
coactivamente as suas decisões perante os particulares, sem necessidade reclama, concretizando desta forma as orientações definidas ao
de ter que recorrer aos tribunais competentes. Ao passo que a administra- nível político; a função política é « (...) criadora, cabendo-lhe em
ção privada pauta-se pela regra da igualdade, não podendo impor coacti- cada momento inovar em tudo quanto seja fundamenta! para a
vamente as suas decisões. conservação e o desenvolvimento da comunidade»:s8,
As necessidades colectivas são o âmago de actuação da administração iii) Quanto aos limites de actuação: a função administrativa é condi-
pública, ao passo que a administração privada incidirá sobre necessidades cionada e secundária, subordinando-se toda a sua actividade ao
individuais, ou que não atingem à colectividade no seu todo. bloco legal; a função política é primária e livre, pois que só tem
limites ao nível do Direito Político e a Constituição é o instrumento
que limita a sua actuação.
25. À administração pública e outras funções do Estado iv) Consequentemente, a função política é exercida pelos órgãos supe-
riores do Estado, designadamente, o Presidente da República, a
A administração pública constitui também uma função-a função adminis- Assembleia da República e o Governo; desde logo, sendo a fun-
trativa-, merecendo, desta feita, um estudo distintivo com as outras funções ção administrativa continua, instrumental, concreta e executiva,
do Estado, nomeadamente, as funções política, legislativa e jurisdicional. sujeita-se à direcção e fiscalização dos órgãos políticos.
Porém, interessa, também, distinguir a administração pública do
Governo,
25.2. Função administrativa e função legislativa

25.1. Função administrativa e função política À função legislativa consiste em elaborar normas gerais e abstractas, as
leis formais, que «regem o funcionamento do Estado e a vida económica e
A função administrativa varia conforme o regime político e épocas. Por-
tanto, a função administrativa de hoje em Moçambique não é igual à ante-
"7 Cfr, FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito... Vol. 1, 0p. Cit, P. 44.
rior de 1990.
88 Idem.
o pública 117
Introdução geral ao direito administrativo e à administraçã
116 Lições de Direito Administrativo
o o qual
social (...)»!3º, e, como tal, é exercida pela Assembleia da República, «(...)
É, na verdade, a concretização do princípio dispositivo, segund
s»,
como o mais alto órgão legislativo na República de Moçambique», «A iniciativa e o impulso processual incumbe às parte
daí que a Administração
Assim, do que ficou exposto em 25.1., podemos concluir que à função Ao passo que a função administrativa é activa,
em nome da colectivi-
política está ao mesmo nível que a função legislativa. Ora, a Assembleia da Pública deve criar serviços públicos para satisfazer,
intensidade suficiente:
República é, por excelência, um órgão político. dade, as necessidades colectivas onde surjam com
colectivas para
Os órgãos, serviços e agentes do Estado estão, em toda a sua actividade a administração pública anda a procura de necessidades
funcional, sujeitos aos mandamentos das leis às exigências do interesse satisfazê-las.
ao controlo
público definido pelas funções legislativa e política. Portanto, não há que Como assinalámos, a Administração Pública está sujeita
dade e o compor-
falar, na administração pública, da liberdade nem de vontade pessoal. externo pelos tribunais competentes, daí que a activi
ização a priori e a
Apesar deste esforço de diferenciação, as funções podem entrecru- tamento administrativos podem ser sujeitas à fiscal
e a independência, a
zar-se, nomeadamente, nos casos em que um acto legislativo, que em posteriori pelos juízes, cujo estatuto lhes confer
lidade', ao passo
termos de conteúdo, reveste carácter de um acto administrativo, é o caso inamovibilidade, a imparcialidade e a ixresponsabi
pios de hierar-
que o pessoal administrativo trabalha sujeito aos princí

+
da Lei n.o 12/2002, de 30 de Abril, que consagra o dia 4 de Outubro ernos exercem
como feriado nacional, dia da Paz e da Reconciliação's:; como também quia administrativa, donde resulta que os agentes subalt
legítimos superiores
existem actos administrativos que em termos de conteúdo são gerais e a sua actividade sob ordens e instruções dos seus
o e, livremente, serem
abstractos. hierárquicos, podendo, por conveniência de serviç
ão, chefia e confiança
transferidos ou exonerados dos cargos de direcç
livremente.
facto de ambas encon-
25.3. Função administrativa e função jurisdicional Porém, o comum entre estas duas funções é o
legislativa e serem
trarem-se subordinadas à lei elaborada pela função
A função jurisdicional consiste em aplicar o direito no âmbito de resolução ambas executivas e secundárias.

de casos concretos a ela submetidos pelos interessados. Desta forma, O juiz


só intervém existindo conflito, o que lhe confere o carácter passivo: isto é,
a instância tem de ser provocada, não cabendo ao juiz andar a procura de 25.4. Função administrativa e o Governo
conflitos para dirimir.
o Governo da Admi-
Embora de difícil materialização, é preciso distinguir
138 Cfr, N.o 2 do artigo 169 da CRM. nistração.
da Administração Central
me N.º 1 do artigo 169 da CRM. Na verdade, o Governo é o principal órgão
no BR n.º 17, 1 Série, Suplemento, é constituída por único executivo, e como tal,
do Estado que tem a incumbência de exercer o poder
w Esta Lei, que foi publicada
artigo e diz: «Único: É consagrado o dia 4 de Outubro como feriado nacional, dia da paz
e da Paz». Como se vê, o conteúdo deste acto legislativo não reveste as características é o órgão superior da Administração Pública.
de generalidade e abstracção, é como se fosse uma decisão administrativa que, por sua
“2 Vide n.º 1 do artigo 264.º do Código do Processo Civil,
importância, foi transfigurada para aprovação pela Assembleia da República, no âmbito
da sua competência legiferante. us Artigo 217 da Constituição da República.
118 Lições de Direito Administrativo

Porém, podemos avançar no seguinte sentido: «governar é tomar as


CAPÍTULO IV
decisões essenciais que empenham o futuro nacional: uma declaração de
guerra, um plano econômico. A Administração, por seu lado, é uma tarefa
quotidiana que desce até aos actos mais humildes: o giro do carteiro, o Sistemas Administrativos
gesto do sinaleiro que regula o trânsito. Só que é muito difícil demarcar
a fronteira entre os dois domínios: a nomeação de um alto funcionário
terá um alcance governamental, se indica uma mudança política, ou um
significado puramente administrativo. A distinção não tem, pois, alcance
Jurídico (...)»'44,
26. Noção
É preciso assinalar que o Governo é, ao mesmo tempo, órgão que
exerce a função administrativa, como também, a função política. Portanto,
Diz-se sistema administrativo, na esteira de Joao CAUPERS'*, o «(...) modo
é um órgão anfíbio ou híbrido.
jurídico típico de organização, funcionamento e controlo da administra-
O Governo conduz politicamente os negócios públicos. «A constante,
ção pública», «em função do tempo e do espaço»,
porém, do Governo é a sua expressão política de comando, de iniciativa, Com os sistemas administrativos procuramos saber como é que a
de fixação de objetivos:do Estado e de manutenção da ordem jurídico
Administração Pública, ao longo dos tempos e espaços, se organizou,
vigente'ss,
»
estruturou e funcionou. Para o efeito, começaremos por estudar a Admi-
nistração Pública na monarquia absoluta dos Séculos xvrt e xvrlI, segui-
damente, os sistemas que nascem após a revolução francesa e perduram
até os dias de hoje. Terminaremos por examinar o sistema administrativo
moçambicano.

27. Tipos de sistemas administrativos

27.1. Sistema administrativo tradicional

Este sistema vigorou durante a monarquia absoluta, na Europa, baseado


na concentração de poderes e na confusão entre a vontade do Rei e a Lei.
Consistiu, em suma, no seguinte”,

“tt RIVERO, Jean, Direito..., op. cit., p. 16. “6 CAUPERS, João, Introdução ao Direito Administrativo, Âncora editora, 2001, p. 43.
“5 MEIRELLES, Hely Lopes, Direito. “” FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito... Vol. 1, op. cit., p. 99.
.., op. cit., p. 60.
“8 Idem, pp. 1ÓG ess.

da
istração pública 121
Introdução geral ao direito administrativo e à admin
120 Lições de Direito Administrativo
si, senão acompanha-
cional: não nistração Pública não são exequíveis de per
i) Indiferenciação das funções administrativas e jurisdi plena jurisdição face à
o das por uma sentença judicial nesse sentido),
há separação de poderes, muito menos Estado de Direito. Todo anular-as deci-
Administração Pública e aos particulares (o juiz pode
poder de administrar e julgar encontra-se nas mãos da Coroa. em caso de desacato,
monarca, sões ilegais e impor o seu cumprimento, que,
ii) A Administração Pública está subordinada à vontade do ) e garantias jurí-
podem dar lugar à prisão da autoridade em causa
não havendo possibilidade de os particulares invocarem quaisquer
dicas dos particulares.
direitos contra o poder, pois estão na posição de súbditos: insuf-
ciência de garantias jurídicas dos particulares face à Administração
Pública. francês
27.3. Sistema administrativo executivo ou de tipo
Com a revolução francesa, nasce o Estado de Direito que rompe com administrativo, cujo
de É, também, conhecido por sistema de contencioso
este sistema de concentração de poderes, para uma nova viragem, à para o resto do mundo. Resulta,
a berço é a França, donde se propagou
separação de poderes. Estamos, já, no iluminismo. A partir desta época, da acirrada luta que se travou
jurídico, com como nota Hely Lopes MERELLLES, «(...)
actividade da Administração Pública é conferida um carácter , que então exercia funções
no caso da Monarquia entre o Pariamento
as necessárias consequências daí advenientes. sentavam as administrações
o, jurisdicionais, e os independentes, que repre
Nascem, assim, dois sistemas típicos: o judiciário ou do tipo britânic
locais»'4º,
ou de jurisdição única e outro de contencioso administrativo, o sistema
Desta luta, resultou que:
executivo ou do tipo francês.
são distintas e permanecerão separadas
i) As funções judiciárias
os juizes, sob pena de
das funções administrativas. Não poderão
27.2. Sistema administrativo judicial ou britânico as actividades dos
prevaricação, perturbar, de qualquer maneira,
ça da Administração
na maio- corpos administrativos"º: separação da Justi
Este sistema nasce no Reinó Unido e, estende-se, actualmente,
th e Pública;
ria dos países com raízes anglo-saxônicas (os países da Commonweal r-juiz, isto é, os tribunais, em
o sistema ii) Firmou-se o sistema de Administrado
Estados Unidos da América, com particularidades). É o chamad as funções administra-
trativa ou particular, Os comuns, não podem inva dir
de controlo judicial, em que todos os litígios de natureza adminis are cerem, 'os admi-
comuns, com tivas ou mandar citar, para perante eles, comp
privada (particulares entre si) são resolvidos pelos tribunais ão final dos litígios entre
nistradores, por actos funcionais”: a decis
a aplicação do direito privado. es é da competência dos
a Administração Pública e os particular
No essencial, este sistema caracteriza-se por: activa, proferindo, ao invés de
órgãos superiores da Administração

* Separação de poderes, Estado de Direito, descentralização, sujeição “9 Direito... Op. Cit, pp. 48 e 49-
da Administração Pública aos tribunais comuns e ao Direito comum, we Lei 16, de 24 de Agosto de 1790.
esa de 3 de Agosto de 1791.
execução judicial das decisões administrativas (as decisões da Admi- 1 Neste sentido, A Constiluição franc
122 Lições de Direito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 123
sentença, um parecer, que é ou não homologado pelo poder Execu- anular, declarar a nulidade e inexistência das decisões, sem con-
tivo'!s?, tudo, declarar as consequências daí adyenientes, nem condenar a
Administração Pública a tomar alguma decisão ou comportamento.
Assim, este sistema vai caracterizar-se, essencialmente, por: De tudo atrás exposto, resulta que os tribunais administrativos não
gozam de plena jurisdição, como ocorre no sistema judicial.
a) Separação de poderes: a Justiça e a Administração Pública jamais
são exercidas pela mesma entidade;
b) Estado de Direito; 28, Posição dos sistemas na actualidade: o judicial
c) Subordinação da Administração Pública ao Direito Administra- e o executivo
tivo e aos tribunais administrativos: consistiu na criação de um
fórum especializado para dirimir litígios entre a Administração Devido à globalização que se assiste na actualidade, as diferenças entre os
Pública e os particulares com aplicação de um Direito, também, dois sistemas tem vindo a ser atenuadas, porém, o núcleo duro dos siste-
especial, o Direito Administrativo, que deriva, necessariamente, mas mantém-se, nomeadamente:
da subordinação dos órgãos, serviços e agentes do Estado à pros-
secução de fins públicos, ou interesse público, como se sabe, ele é a) Quanto ao direito «e fórum aplicáveis à Administração Pública
indisponível; (controlo jurisdicional): no sistema executivo, encontramos,
d) Centralização: visando construir um aparelho administrativo dis- ainda, a Administração Pública subordinada ao Direito Adminis-
ciplinado, obediente e eficaz e as entidades locais perdem a auto- trativo e aos tribunais administrativos, enquanto no sistema judi-
nomia e não passam de simplés instrumentos administrativos do cial, esta continua subordinada 20 Direito comum e aos tribunais
poder central'ss; comuns;
e) Privilégio de execução prévia: constitui poderes conferidos à Admi- Isto é, no sistema francês, encontramos, ainda, à dualidade de
nistração Pública pelo Direito Administrativo de executar as suas jurisdições — existem tribunais para dirimirem assuntos públicos e
decisões por autoridade própria e sem necessidade de alguma sen- tribunais para assuntos entre os particulares: tribunais administra»
tença do tribunal nesse sentido; tivos e tribunais comuns, respectivamente.
f) Garantias jurídicas dos particulares: é conseguência do Estado de
b) Quanto à técnica jurídica utilizada nos dois sistemas, esta continua
Direito, a concessão aos particulares de um conjunto de garantias ainda bem distinta;
jurídicas contra os abusos da Administração Pública perante o tri-
e) Às garantias jurídicas no sistema judicial são mais eficazes que
bunal administrativo. Porém, o tribunal administrativo só pode no sistema executivo: excepto o caso dos poderes discricionários
da Administração Pública, no sistema judicial os tribunais podem.
“* Para mais desenvolvimentos desta característica, vide CISTAC, Gilles, O Direito Admi-
. nistrativo..., op. cit, p. 21.
impor e substituir-se a esta, O que não ocorre nitidamente no sis-
Vo “* Nestes termos, vide FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de tema executivo, apesar de se reconhecer a possibilidade de o juiz
Direito..., Vol. 1, op. cit.
P. 309. administrativo, em casos de execução das suas sentenças, poder
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 125
124 Lições de Direito Administrativo

declarar o comportamento devido pela Administração Pública, por- 29. Sistema administrativo moçambicano
que, às vezes, esta não cumpre não por falta de vontade, mas por
ignorância do dever de extrair as consequências devidas da sen- Como caracterizar o sistema administrativo moçambicano? A que sistema
tença. pertencemos?
Ninguém negará que o nosso sistema foi influenciado pelo Direito
Apesar destas diferenças, quanto aos princípios fundamentais dos dois colonial português, recebido em 1975, pela Constituição, ao referir, no
sistemas, podemos assinalar algumas aproximações, nomeadamente: seu artigo 71, que: «(...). A legislação anterior no que não for contrário
à Constituição, mantém-se em vigor até que seja modificada ou revo-
a) Na execução das decisões administrativas: é possível, no sistema gada».
executivo, o particular dirigir-se àos tribunais para solicitar a A resposta a estas questões deve ser encontrada na Constituição,
suspensão de eficácia de uma decisão da Administração Pública. Assim, diremos que a Constituição estabelece:
desde que se verifique alguns pressupostos, exemplificadamente,
de que a execução da decisão seja susceptível de causar prejuízo a) Um Estado de Direito Democrático (artigo 3);
irreparável ou de difícil reparação para o requerente ou para O b) Um Estado unitário descentralizado administrativamente (Artigo
interesse que com o recurso pretenda acautelar'4, Surgem, ne 8);
sistema judicial, os chamados administrative tribunais, que, e)A garantia de acesso aos tribunais (artigo 62);
embora não sendo verdadeiros tribunais administrativos, ema- d) A separação e interdependência de poderes (artigo 134);
nam decisões, por via de um procedimento administrativo, injun- e) Um fórum especializado para o controlo da legalidade dos attos
tivas directamente aos particulares sem necessidade de sentença administrativos, da aplicação dos regulamentos, das despesas
judicial, como é do sistema; públicas, neste caso, o tribunal administrativo e os tribunais admi-
nistrativos (artigo 228);
b) A adopção nos dois sistemas da figura de Provedor de Justiça, não
importando a sua designação neste ou naquele sistema, O certo é Como princípios fundamentais da estruturação da Administração
Pública, a descentralização e desconcentração (artigo 250);
que ela é uma realidade em ambos os sistemas;
cidadãos
Na organização administrativa: actualmente o sistema judicial g) Q respeito pelos direitos e liberdades fundamentais cdlos
tende a centralizar-se é o executivo a descentralizar-se. na actuação da Administração Pública (artigo 249);
No sistema executivo, assiste-se, actualmente, à tendência de pri- b) Direitos e garantias dos administrados através do recurso conten-
d)
vatização da Administração Pública, e no judicial à publicização da cioso perante o Tribunal Administrativo e os tribunais administra-
Administração Pública. tivos (artigo 253);
1) O Provedor de Justiça (artigo 256 e seguintes).

Noutros diplomas legais, para além da Constituição, podemos encon-


I
Cfr . Alínca a) do artigo 109 da lei n.º 9/2001, de 07 de Julho, publicado no BR n.º 27,
a trar os seguintes traços fundamentais do sistema:
Série.
126 Lições de Direito Administrativo

a) A suspensão de eficácia dos actos administrativos como um dos


CAPÍTULO V
meios processuais acessórios, cujos pressupostos resumem-se no
seguinte: causar o acto prejuízo irreparável ou de difícil reparação
Administração Pública Moçambicana:
para o requerente, a suspensão quando concedida não represente
Súmula Histórica
grave lesão ao interesse público em causa no acto e não resultem
do processo fortes indícios de ilegalidade do recurso (artigos 108 e
seguintes da Lei n.º 9/2001, de 7 de Julho-Lei do Processo Admi-
nistrativo Contencioso):
b) O privilégio de execução prévia ou poder de execução forçada: como
sendo a capacidade legal de executar actos administrativos definiti- 30. Fases da Administração Pública Nacional
vos e executórios, mesmo perante a contestação ou resistência fisica
dos destinatários (alínea f) do artigo 1 do Decreto n.º 30/2001, de 15 A Administração Pública moçambicana sofreu grande influência do sis-
de Outubro, sobre as Normas de Funcionalismo Público). tema português por razões sobejamente conhecidas. Quando o Estado
moçambicano nasceu a 25 de Junho de 1975, por razões óbvias, não houve,
Caracterizado, brevemente, o nosso sistema, é preciso enquadrá-lo nos
quanto ao sistema normativo, um corte imediato, tendo a CRPM admitido,
dois sistemas existentes: será ele judicial ou executivo? Ou pelo contrário
no seu artigo 71, a aplicabilidade da legislação colonial desde que esta não
miscigenado?
fosse contrária aos princípios estruturantes do novo Estado.
Existirá, actualmente, um sistema misto?
A história da Administração Pública moçambicana é vasta e rica, e pode-
Alguma doutrina não admite a existência de um sistema puro, e
mos, prescindindo de estudá-la no tempo colonial, dividi-la em três períodos,
argumenta: « (...) hoje em dia, nenhum país aplica um sistema de con-
Porém, temos um pré-período, cuja análise se impõe, ligado à génese
trolo puro, seja através do Poder Judiciário, seja através de tribunais
da FRELIMO, como esta estruturou as chamadas zonas libertadas, pois
administrativos»'5s,
que essa estrutura influenciou de forma decisiva o primeiro periodo.
E quanto a nós?
Seguidamente, teremos o primeiro período qu fase que vai de 1975 à 1989:
Éverdade, o que ocorre é a predominância das características deste ou
à segunda fase que arranca de 1983 à 1990 e a última que vai de 1990 até à
daquele sistema, o que caracteriza um sistema de tendencial ou predomi-
actualidade. Com brevidade, vamos analisar estas fases.
nância X ou Y. Mas, também, não repugna a hibridez de um sistema, pois,
é responder aos novos ventos que sopram na actualidade: a globalização.
Éassim que o nosso sistema, tal como o executivo originário, foi inspi-
30,1. A pré-fase
Tar-se no sistema judicial, trazendo daquele, embora com inovações neces-
sárias, à suspensão de eficácia e a descentralização. Portanto, o nosso sis-
A organização da FRELIMO nas zonas libertadas influenciou bastante o
tema é fortemente executivo, ou de contencioso administrativo
. Sistema que Moçambique enveredou após a proclamação da independên-
————n
“* FAGUNDES, Seabra apud MEIRELLES, Hely Lopes, Direito..
., Op: cit, p. 48, cia nacional, nomeadamente:
à administração pública 129
Introdução geral ao direito administrativo e
128 Lições de Direito Administrativo
ais dos mesmos
mais do que funções a serem exercidas pelos secretários-ger
« A criação das zonas libertadas levou a FRELIMO a ser
ponto de Estados;
um movimento político, mas um governo que consistia, do de Absil, que extingue a Direcção-
io das c) Decreto-Lei n.º 171/74, de 25
vista administrativo, na gestão dos seus membros, no domín
o, como -Gera! de Segurança;
relações internacionais, representando o povo moçambican Assembleia Nacional e
material. d) Lei n.º 2/74, de 14 de Maio, que extingue a
na mobilização de apoio internacional, quer político, quer
busca a Câmara Corporativa;
* A Consagração da democracia popular, entendida como que define a estrutura constitucio-
os e não e) Lei n.º 3/74, de 14 de Maio,
do direito de uma expressão da vontade de todos os cidadã ica até à entrada em
base de nal transitória que regerá a organização polít
apenas de uma minoria esclarecida, o que veio a constituir a blica Portuguesa. Nesta
vigor da nova Constituição Política da Repú
concepção democrática da FRELIMO; o das Forças Arma-
populares e Lei clarifica-se que o Programa do Moviment
« A institucionalização de reuniões populares, comités relações políticas,
pro- das funciona como instrumento modelador das
mais tarde assembleias populares, pratica de colectivos como de todo o articulado
sociais e económicas, resultando a revogação
cesso de formulação e tomada de decisões, o que se contrapôs à deci- oa este Programa.
libertadas da Constituição de 1933 que fosse contrári
são individual. Como a própria FRELIMO diz, «As zonas das Forças Armadas,
ta ao estilo € No referido Programa do Movimento
são a nossa principal fonte de inspiração no que respei «caricatos», com O
traça-se um conjunto de princípios, a priori
método de trabalho(...), e à educação ideológica». hecer as independên-
objectivo de, ao invés de imediatamente recon
à solução das guerras no
aprovação cias das colónias, reconhece « a) (...) que
A pré-fase é caracterizada, igualmente, do lado colonial pela ão de condições para um
casos, poderiam ultramar é política, e não militar; b) Criaç
de um conjunto de dispositivos legais que, nalguns dos do problema ultramarino;
a «enganar» à debate franco e aberto, a nível nacional,
ser classificados de dissimuladores e, noutros, tendentes ica ultramarina que
das Nações c) Lançamento dos fundamentos de uma polít
comunidade internacional, nomeadamente, a Organização
to de medidas conduza à paz» (Ponto 8 do Programa).
Unidas, que, a partir de 1960, haviam aprovado um conjun da Declaração das
ação dos povos Caricato, ainda, porque após aprovação
que estabeleciam e reconheciam o direito de autodetermin independências aos países
Nações Unidas sobre à concessão das
oprimidos. No geral, podemos mencionar os seguintes: 1514, de 14 de Dezembro de
e povos coloniais pela Resolução n.º
têm o direito de livre deter-
s o Presi- 1960, segundo a qual, todos os povos
a) Lei n.º 1/74, de 25 de Abril, que destitui das suas funçõe a suj eição dos povos a uma
Nacional e minação da sua condição política e que
dente da República, o Governo e dissolve a Assembleia dos direitos fundamentais e
por aquelas dominação constituía uma denegação
o Conselho de Estado e todos os poderes ora exercidos como comprometedora
ão Nacional; atentatória à Carta das Nações Unidas, bem
entidades passaram a ser exercidos pela Junta de Salvaç Portugal aboliu o estatuto
Governado- da causa da paz e cooperação mundial,
b) Decreto-Lei n.º 169/74, de 25 de Abril, que exonera 08 simulação, Os Estados.
ndo estas das províncias ultramarinas, criando, sob
res-Gerais dos Estados de Angola e Moçambique, passa novos Estados eleições, das
Neste caso, o colonizador promove nos
“o PARTIDO FRELIMO, Projecto de teses para o 4.º Congresso do Partido, Colecção 4.º quais são eleitos Governadores.
Congresso, 1982, p. 14,
130 Lições de Direito Administrativo
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 191

Esta táctica servia para «ludibriar» as Nações Unidas, como se efec-


* A criação de estruturas governativas para assegurar a transfe-
tivamente, Portugal tivesse materializado as recomendações da Decia-
rência de poderes, que funcionarão durante o período de tran-
ração n.º 1514. Mas nada disto resultou, porque as colónias se rebela-
sição que se inicia de 7 de Setembro até 25 de Junho de 1975.
ram ainda mais rumo à conquista das independências totais e efectivas.
Essas estruturas eram: Um Alto-Comissário nomeado pelo Pre-
f) Lei n.º 6/74, de 24 de Julho, que estabelece um regime transitório
sidente de Portugal; Um Governo de Transição nomeado por
de governo para os Estados de Angola e de Moçambique.
acordo entre a FRELIMO e o Estado Português; Uma Comissão
8) Lein.º 7/74, de 27 de Julho, que esclarece o alcance do n.º 8 do capí-
Militar Mista nomeada por acordo entre a FRELIMO e o Estado
tulo B do Programa do Movimento das Forças Armadas Portuguesas.
Português;
Podemos apelidar esta Lei de «auto-demolidora» do regime colo-
* A outorga de poderes de representação, de defesa de integridade
nial. Primeiro, porque pretende materializar definitiva e claramente
territorial de Moçambique, de promulgação de normas jurídicas
a Declaração n.º 1514 de 1960 das N ações Unidas sobre o reconhe-
e asseguramento do cumprimento de acordos entre a FRELIMO
cimento do direito dos povos à autodeterminação, que outrora tinha
e o Estado Português ao Alto-Comissário;
sido negada pelo regime colonial; segundo, Portugal reconhece com
* A entrega ao Governo de Transição de funções legislativa e exe-
esta lei que a guerra era insuportável para o povo português e o teatro
cutiva, de administração do território, de defesa e salvaguarda da
das operações era, completamente, desfavorável, nada mais restando
ordem pública e da segurança das pessoas, da gestão económica
senão «o reconhecimento do direito à autodeterminação, com todas
e financeira, da execução de acordos entre a FRELIMO e o Estado
as suas consequências, que inclui a aceitação da independência dos
Português e da reestruturação da organização judiciária;
territórios ultramarinos e a derrogação da parte correspondente do
* A composição do Governo de Transição: Um Primeiro-Ministro
artigo 1.º da Constituição Política de 1999»!37,
nomeado pela FRELIMO (Joaquim Alberto Chissano); Nove
Nesta sequência, é deferido um conjunto de poderes ao Presi-
Ministros, designadamente da Administração Interna; da Jus-
dente da República Portuguesa para concluir acordos relativos 40
tiça; da Coordenação Económica; Informação; Educação e Cul-
exercício do direito à autodeterminação dos povos colonizados.
tura; Comunicações e Transportes; Saúde e Assuntos Sociais; de
Assim, estavam abertas as portas para a negociação e conclusão
Trabalho e das Obras Públicas e Habitação. À FRELIMO nomeou
dos Acordos de Lusaka, a 7 de Setembro de 1974.
seis ministros e o Estado português três;
h) Veio o próprio Acordo de Lusaka, assinado entre o Estado Portt-
* À criação de uma Comissão Militar Mista, com igual número de
guês e a Prente de Libertação de Moçambique, em Lusaka, em
7 de representantes entre a FRELIMO e o Estado Português, cuja mis-
Setembro de 1974. Este acordo pode ser resumido no seguinte:
são é o controlo da execução do acordo de cessar-fogo;
* A marcação da data da independência total e completa para
* A previsão da criação de um Corpo da Polícia para a manutenção
Moçambique, a 25 de Junho de 1975, dia do aniversário da
fun- da ordem e segurança das pessoas;
dação da FRELIMO;
* A aceitação de um compromisso de estabelecer e desenvolver
a re ar laços de amizade e cooperação construtiva entre o Povo Moçam-
5 Clr artigo 2.º da Lei n.º 7/74, de 27 de Julho, bicano e o Povo Português, nos domínios cultural, científico,
o pública 133
192 Lições de Direito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo e à administraçã

técnico, econômico e financeiro, numa base de independência, 30.2. A primeira fase (1975-1 983)
igualdade, comunhão de interesses e respeito da personalidade
ÉS MACHEL pro-
de cada povo; A 25 de Junho de 1975, o Presidente SAMORA MOIS
da em vigor da Cons-
A aceitação pela FRELIMO das responsabilidades decorrentes clama a independência nacional, que marca à entra
optou-se por um
dos compromissos financeiros firmados pelo Estado Português tituição da República Popular de Moçambique, na qual
nos principios de
em nome de Moçambique desde que tenham sido assumidos no modelo de Administração Pública socialista baseada
único partido.
efectivo interesse de Moçambique; centralização e concentração de poderes, apoiado num
para à materia-
* O compromisso conjunto de eliminar as sequelas de colonialismo A proclamação da independência criou as condições
is do povo: a rechpe-
e criação de uma verdadeira harmonia racial, daí a qualidade de lização de algumas das aspirações mais fundamenta
hospitais e das clínicas
moçambicano não se definir pela cor da pele, mas pela identifica- ração da terra, as nacionalizações do ensino, dos
ado o desmantelamento
ção voluntária com as aspirações da Nação Moçambicana; privadas e dos prédios de rendimento. É intensific
criação de um novo, que
* A previsão da criação de um Banco Central, com funções de banco do aparelho de Estado colonial e organiza-se a
emissor, com o compromisso de Portugal transferir para o novo reflecte o poder popular e dirija a economia. 158
ao princípio da
banco as atribuições, o activo e o passivo do Departamento de A Administração Pública encontra-se subordinada
único Partido (Frelimo), que
Moçambique do Banco Nacional ultramarino; legalidade socialista, conduzida por um
construção do socia-
* O Estado Mocambicano nascente exercerá a soberania plena e comanda a interpretação e aplicação da lei, visando a
ituição moçambicana, era
completa nos planos interno e internacional, bem como a livre tismo. Portanto, como rezava o artigo 4 da Const
de opressão e exploração
escolha do regime político e social que considerar mais adequado preciso proceder à «eliminação das estruturas
está subjacente; à exten-
aos interesses dos moçambicanos e estabelecer instituições poli- coloniais e tradicionais e da mentalidade que lhes
o prosseguimento da luta
ticas de forma livre. ção e reforço do poder popular democrático (...),
i) Lei n.º 8/74, de 9 de Setembro, que cria para funcionarem em contra o colonialismo e o imperialismo».
de edificação do
Moçambique, até 25 de Junho de 1975, como estruturas governati- OQ II Congresso da FRELIMO definiu a estratégia
estratégia e garantia da
vas, o cargo de Alto-Comissário, Um Governo de Transição e Uma socialismo no País. Para a materialização desta
o III Congresso deliberou a
Comissão Militar Mista; direcção da classe do processo revolucionário,
sta.
criação do Partido Frelimo — Partido Marxista-Lenini
rem um espírito
. A terminar esta fase, a fim de travar a acção deliberada de desagrega- Nesta fase, ainda, «as pessoas produzem mais, adqui
rativas»,
ção económica e financeira, o Governo de Transição adoptou o Decreto- de trabalho mútuo e assim aparecem as coope
ma politico instalado
-Lei n.º 16/75, que estabeleceu as formas de combate à sabotagem econó- Como conclui o Professor Gilles CISTAC, o siste
Jmaxista-leninista caracie-
mica e os mecanismso de controlo das empresas onde tais manobras se em Moçambique após a independência, «(..
a da separação de poderes,
venificassem, através de comissões administrativas. riza-se por três aspectos fundamentais: a recus
s, Documentos do 3.º Congresso, D. 17.
ss FRELÍMO, Directivas Económicas e Sociai
o 4.º Congresso; 0P- cit., pp. 14-15.
so PARTIDO FRELIMO, Projecto de teses para
134 Lições de Direito Administrativo 135
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública

a concentração progressiva da totalidade do poder e a total subordinação « O Decreto n.º 16/78, de 21 de Outubro que aprova as Normas de
do poder administrativo ao poder político», Trabalho e Disciplina no Aparelho do Estado;
Nesta fase, a Administração Pública teve de suportar de todas as for- A Lei n.º 2/81, de 30 de Setembro, que aprovou o regime de orga-
mas, Os seguintes factores perturbadores do seu curso normal: nização e funcionamento das Empresas Estatais e revogou o Esta-
tuto-Tipo das Empresas Estatais;
» À retirada (fuga) dos trabalhadores brancos (colonos), nos primei-
A FRELIMO é o Partido da vanguarda que dirige os interesses
ros dezoito meses após a independência nacional, o que, em ter- nacionais e a classe de operários e camponeses;
mos de recursos humanos, significou a perda de maior número de Aprovação do Plano Prospectivo Indicativo (PPT), que vigoraria de

.
efectivos;
1981 até ao ano de 1990 e, é este plano que servia de «umbrella»
* Às acções de desestabilização levadas a cabo pela Rodésia de Jan dos planos estatais centrais dos anos subsequentes;
Smith e do regime sul-africano do apartheid;
* A Administração Pública está subordinada ao Partido FRELIMO;
* Às acções de desestabilização levadas a cabo pela guerra civil movida
» O Presidente da República é, ao mesmo tempo, Presidente da
contra o Estado;
Assembleia Popular (artigo 42 da CRPM), é o Chefe de Estado
* À sucessão de períodos de graves inundações e secas, sobretudo (artigo 47 da CRPM), cria ministérios, nomeia e demite os mem-
entre os anos 1978-1980.
bros do Conselho de Ministros, o presidente e o vice-presidente do
* Apesar destes constrangimentos, a Administração Pública moçam-
Tribunal Supremo, o Procurador-Geral da República, os Governa-
bicana é caracterizada pela adopção das seguintes políticas e instru-
dores da província, o Governador e o vice-Governador do Banco
mentos fundamentais:
de Moçambique, é o Comandante em Chefe das Forças Populares
- Lein.º 14/78, de 28 de Dezembro, com as alterações posteriores
de Libertação de Moçambique (artigo 48 da CRPM) e preside o
resultantes da Lei nº 4/85, de 12 de Novembro, que é a Lei do Con- Conselho de Ministros (artigo 52 da CRPM).
selho de Ministros;
* Lein.º 5/78, de 22 de Abril, que cria os Conselhos Executivos das
Assembleias Distritais e Conselhos Executivos das Assembleias de 30.3. A segunda fase (1983-1990)
Cidade;
* Decreto n.º 4/81, de 30 de Junho, incluindo as alterações que Como podemos demonstrar através do Preâmbulo da Lei n.º 2/83, de 23
o resutam do Decreto n.º 9/85, de 11 de Dezembro, que estabelece de Maio «O ano de 1983 é o ano do IV Congresso do Partido Frelimo, que
as normas de Organização e Direcção do Aparelho Estatal Central, constitui um acontecimento histórico e decisivo na luta que travâmos pela
vulgarmente conhecidas por NODAEC;
construção do socialismo na nossa Pátria»,
A * Decreto-Lei n.º 47/77, de 28 de Abril que Cria o Gabinete do Neste sentido, a segunda fase tem o seu embrião no IV Congresso da
Governador Provincial;
FRELIMO, ano em que se reconheceu publicamente que o poder estava
e Gu
cs q AC, Gilles
mt
, História
E A)
da Evolução Constitucional da Pátria Amada excessivamente centralizado, tendo-se tornado sobredimensionado a nível
«in» GDI, Evo-
uução Constitucional da Pátria Amada, Maput central e muito fraco a nível das províncias, distritos e cidades.
o, CEDIMO, SARL, 2009, p. 18.
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 1937
136 Lições de Direito Administrativo

Neste sentido, foi empreendido um conjunto de reformas aos níveis 30.4. À terceira fase (1990 ...... )
político, econômico e social, nomeadamente:
Esta fase inicia a 2 de Novembro de 1990, com aprovação da Nova Consti-:.
* Reforma constitucional tendente a desacumular os poderes excessi- tuição da República. Esta Constituição vai exprimir, de forma expressa, O

vos do Presidente da República: assim, cria-se o cargo de Presidente abandono da centralização e concentração do poder administrativo numá

da Assembleia Popular e de Primeiro-Ministro, através da Lei n.º única pessoa colectiva pública, o Estado-Administração; abandona-se o
4/ 86, de 25 de Julho. O Governo passou a ser dirigido por um Pri- plano ceritral e orienta-se a economia para O mercado; o Estado e o Partido
são tidos como entidades diferentes; surge O multipartidarismo; os direitos
meiro-Ministro (artigo 59). Neste sentido comenta o Professor Cis-
tac que « E uma inovação importante num duplo sentido. Primeiro, e liberdades fundamentais são ampliados; há clareza no regime político e
o Presidente da República cessa de dirigir o Governo e, segundo, o no sistema de governo; a Administração Pública passa à ser, claramente,
Chefe do Governo é o Primeivo-Ministro, o que pode abrir via, tec- objecto de controlo externo por um tribunal especializado, o Tribunal Admi-
nicamente, à prática de um parlamentarismo mono-partidário e que nistrativo; a Administração Pública assiste ao processo de privatização, cujo
vem a desaparecer com a Constituição de 1990, em que o Presidente cume foi a aprovação da Lei n.º 15/91, relativa a reestruturação, transforma-
da República é o Chefe do Governo», ção e redimensionamento do sector empresarial do Estado.
Em 4 de Outubro de 1992, é assinado o Acordo Geral de Paz, em Roma,
— Introduz-se o Programa de Reabilitação Económica (PRE), parti-
cularmente, em 1987, com o objectivo de liberalizar a economia e entre o Presidente da República, Joaquim Alberto CHISSANO e o Líder
da RENAMO, Afonso DHLAKAMA, Este acordo é domesticado na ordem
sucessivamente deixá-la orientar-se para o mercado;
jurídica interna através da Lei n.º 13/92, de 14 de Outubro, como condição
- Introduz-se o processo de privatização da actividade administra-
da sua eficácia.
tiva, cujo regime foi timidamente estabelecido pelo Decreto do dos
Em Maio de 1992, o Governo aprovou o Programa de Reforma
Conselho de Ministro n.º 21/89, que aprovou o regulamento de local do
Órgãos Locais, que visava reformular o sistema de administração
alienação de empresas, estabelecimentos, instalações e participa- n.º 3/94, de 13 de
Estado. No âmbito deste processo, foi aprovada a Lei
ções do Estado: | de
Setembro, criando os chamados distritos municipais, fruto do processo
descentralização, ora esboçado.
É preciso, ainda, sublinhar que Moçambique continuava nesta fase do poder
Como se sabe, até 1994, à Constituição não previa os órgãos
a enfrentar a difícil situação da guerra de desestabilização, com graves
local, senão os órgãos locais; debate-se, então, O problema de constituciona-
efeitos na organização e funcionamento da Administração Pública e
lidade do regime estabelecido pela Lei dos distritos municipais, que os criava
não há, de facto, um tribunal administrativo em funcionamento como e financeira.
como entes dotados de autonomia administrativa, patrimonial
tal, uma emenda
É, por isso, que em 1996, a Assembleia da República aprovou
Conebiuelona! Da á consagrar on institucionalizar os órgãos do poder
TÃO, Gilles, História da Evolução Constitucional da Pátria Amada, op. cit., p. 29- de Novem-
ocal. Portanto, foi aprovada a Lei Constitucional n.º 9/96, de 22
e
ue vide
ara mais desenvolvimentos sobre o processo de privatizações em Moçambiq
WATY, Teodoro Andrade, Direito Económico, Maputo, W&W Editora, Limitada, 2011. bro, que estabeleceu os princípios & disposições sobre o poder local na Consti-
tuição da República, sob «Título TV-Poder Local».
pirZ7a e ss.
138 Lições de Direito Administrativo

Desta forma, a Lein.º 3/04, de 13 de Setembro foi revogada por inconveni-


CAPÍTULO VI
ência constitucional e aprovada a Lei sobre o Quadro Jurídico para a impianta-
ção das autarquias locais, designadamente, a Lei n.º 2/97, de 18 de Fevereiro.
Princípios Informativos da Administração Pública
Em resumo, o quadro jurídico-administrativo posterior a 1990, é carac-
terizado por:

* Adopção de uma nova realidade constitucional, baseada no multi-


partidarismo, economia virada para o mercado, redução do inter-
vencionismo estatal na economia, passando o Estado a exercer o
“papel de regulador;
Como ponto de partida, vamos estudar os princípios informativos da
* A Administração Pública subordina-se ao bloco de legalidade;
Administração Pública que são os mesmos que informam o Direito Admi-
* A designação dos titulares do poder político é por via de eleições
nistrativo. Os princípios «são as proposições básicas, fundamentais, típi-
periódicas;
cas que condicionam todas as estruturações subsequentes. Princípios,
* À Administração Pública passa a ser controlada externamente pelo
neste sentido, são os alicerces, os fundamentos da ciência»,
Tribunal Administrativo e pelo Legislativo;
Com efeito, estudaremos duas grandes subdivisões dos princípios fun-
* À actividade administrativa sujeita-se a duas formas de gestão: a
. damentais do Direito Administrativo. Em primeiro lugar, abordaremos os
gestão pública que ainda se encontra subordinada ao direito Admi-
“Princípios relativos à actividade administrativa em si; e os relativos à orga-
nistrativo e ao tribunal especial e a gestão privada, que se subordina
nização e funcionamento da Administração Pública, em segundo plano.
ao Direito e aos tribunais comuns;
* A ampliação do leque das garantias jurídicas dos administrados;
* À institucionalização da descentralização e desconcentração adminis-
SECÇÃO I
trativas:
Princípios relativos a actividade administrativa
* Institucionalização de um verdadeiro Estado de Direito «administrativo»;
* Institncionalização dos processos de reforma contínua na admi- Vamos, sequencialmente, estudar os seguintes princípios da actividade
nistração pública: i) simplificação de procedimentos; ii) aprovação
administrativa: da prossecução do interesse público, da legalidade, da
“e de instrumentos legais básicos de organização e funcionamento
decisão, do respeito pelos direitos subjectivos e interesse legítimos dos
da Administração Pública, bem como do seu relacionamento com
particulares, da fundamentação dos actos administrativos, da ética e
outros sujeitos de direito; iii) implantação gradual dos tribunais
moralidade administrativa, da protecção da confiança, da boa fê, da jus-
administrativos em todas as províncias;
tiça, da igualdade, da proporcionalidade, da imparcialidade, da decisão,
* Reformas constitucionais: a destacar a de 2004 e o actual processo
da continuidade do serviço público, da gratuitidade, da transparência, da
em curso, cuja data de lançamento formal e oficial foi o dia 12 de
Outubro de 2011. e rm

“88 Nestes termos, vide JUNIOR CRETELLA, José, Direito Administrativo..., Op. Cit. p. 44.
141
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública
140 Lições de Direito Administrativo
stração
tesponsabi- cuja definição é feita pelo legislador e a sua satisfação pela Admini
colaboração da Administração Pública com particulares, da o, a
direito. Pública no desempenho da função administrativa, como por exempl
lidade, da participação dos particulares e do acesso à justiça e ao se
segurança e a saúde pública".
O princípio da prossecução do interesse público tem sete consequên-
cias essenciais!”
31, Princípio da prossecução do interesse público
stração
1) Só a lei pode definir o interesse público a cargo da Admini
A principal característica que distingue a actividade administrativa pública actua
Pública, salvo casos de habilitação. À Administração Pública
das diversas actividades de administração privada é o interesse público:
de como um instrumento de satisfação do interesse público.
será sempre, o interesse público supremo «sobre a vontade antagónica
Neste sentido, a Administração Pública tem somente a prer-
um particular, desde que tal interesse seja legítimo e a actuação da Admi- livre
os rogativa de, na prossecução do interesse público, determinar
nistração Pública não represente arbítrio, nem táo-pouco colida com
e unilateralmente, a sua conduta, desde que a sua aciuação não
princípios fundamentais a observar numa sociedade que viva sob o manto
represente arbítrio e nem colida com o bloco legal”.
dum Estado de Direito». público,
11) A lei não define, completa e exaustivamente, O interesse
Assim, «A Administração Pública serve o interesse público (...)»!º interpre-
em certos casos, competindo aí à Administração Pública
«(...) sem prejuízo dos direitos e interesses dos administrados protegidos
tar esse interesse público e desenvolvê-lo, dentro dos limites que
por lei»:6%, gozando, para o efeito, de prerrogativas de, na sua prossecução,
resultam da própria lei”.
determinar, livre e unilateralmente, a sua conduta. público
Quer dizer que o Legislador pode definir o interesse
O interesse público é indissociável de toda e qualquer actividade admi- uên-
de forma «precisa ou imprecisa», o que tem como conseq
nistrativa, quer de gestão pública, quer de gestão privada, assentando a ionário na
sob o cia à concessão à Administração de um poder discric
diferença no facto de que, num caso, a Administração Pública actuar da sua con-
determinação de oportunidade para a concretização
manto do direito público e, noutro, do direito privado?
duta.
O interesse público, como o interesse geral da comunidade definido do variável»,
iii) Anoção do interesse público é «uma noção de conteú
por lei, conhece duas espécies: i) o interesse público primário, cuja defin!- para dizer
não sendo possível defini-lo de forma rígida e inflexível,
ção e satisfação compete aos órgãos governativos'S do Estado no desem-
penho das funções política e legislativa, il) o interesse público secundário, II, op» Cil., Pp. 96.
é PRRITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito..., Vol.
ativo, vide CIS- 7 Idem, pp.96 ess.
e Neste sentido, o Acórdão Victor Simão DARSAN, do Tribunal Administr 0 Acórdão DARSAN, n.o 16/2000, de 18
p. 111. » Para mais desenvolvimentos, pode consultar-se
TAC, Gilles, Jurisprudência Administrativa..., Vol II, op. cit., em CISTAC, Gilles, Jurisprudência...
de Abril, do Tribunal Administrativo, publicado
165 Cfr. N.º 1 do Artigo 249 da Constituição da República.
nto op. Clt., p. 111.
ws Cfr, artigo 5 da Lei n.º 14/2011, de 10 de Ágosto, que aprova à Lei de Procedime cit., p. 170.
* ESTORNINHO, Maria João, 4 Fuga para o Direito... op.
Administrativo, publicada nó BR n.º 32, Série. Constit ucionai s da Admini stração Pública, apud
CORREIA, Sérvulo, Os Princípios
3

17 Vide para mais desenvolvimentos ESTORNINHO, Maria João, A Fuga ao Direito..., OD


. ESTORNINHO, Maria João,4 Fuga... Op. Cit., Pp. 170.
cit., pp. 168 ess. II, op. cif., p. 37.
7 FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito..., Vol.
ss Falamos do Presidente da República, da Assembleia da República e do Governo.

a
142 Lições de Direito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 149

que acompanha adinâmica social: o que é interesse público ontem, vil) «A obrigação de prosseguir o interesse público exige da Administra-
pode não sê-lo hoje. ção pública que adopte, em relação a — cada caso concreto, as melho-
Bee Rar
iv) Uma vez definido ointeresse Público pela lei, cabe àà à Aciministração res soluções possíveis, do ponto de vista administrativo (técnico e
financeiro): é o chamado dever de “boa administração” 78p xs,
de agir»'s por parte da Administração Pública.
v) O princípio da especialidade, também, aplicável às pessoas colec-
tivas públicas":é o interesse público que delimita a capacidade
jurídica dos entes públicos
32. Princípio da legalidadeo
e a competência dos respectivos
órgãos. . a) Significado
vi) «As consequências de uma eventual não prossecução do interesse
público, a propósito de uma determinada actuação concreta da O significado deste princípio está consagrado no direito positivo e, é de
Administração. Uma vez que só o interesse público definido por á onde começaremos a abordá-lo, Assim, nos termos do artigo 5 da Lei
lei pode constituir motivo principalmente determinante das actu- n.º 14/2009, de 17 de Maio, que.aprova o Estatuto Geral dos Funcionários
ações administrativas, quer elas sejam levadas a cabo de meios e Agentes do Estado, o princípio da legalidade consiste no que «n.º 1. Na
jurídico-públicos, quer através de meios jurídico-privados»'”. sua actuação, os funcionários e agentes do Estado obedecem à Constitui-
Uma eventual não prossecução do interesse público pela Admi- ção da República e demais leis. (...)».
nistração Pública, a favor de interesses privados, consubstanciará O Tribunal Administrativo expressou o princípio da legalidade da
um dos vícios do acto, administrativo emanado nesse
sse sentido, o seguinte maneira: «Num Estado de Direito, a Administração Pública está
chamado desvio de poder. Nas palavras do n.º 3% do Artigo
Artigo 4 do adstrita ao princípio da legalidade que não se limita à obediência às leis, em
Decreto n.º 30/2001, de 15 de Ontubro, «os poderes dos órgãos da sentido formal, mas ao «Bloco legal» que inclui os princípios do Direito,
Administração Pública não poderão ser usados para a prossecução em geral, e os princípios do Direito Administrativo em particular»!
de fins diferentes dos atribuídos pela lei».
Esta posição do Tribunal indica, no sentido de que o princípio da lega-
Portanto, o acto é ilegal e, como tal, pode ser anulado perante lidade deve ser tomado como princípio de juridicidade da actividade admi-
o tribunal competente, Não só, a situação pode, ainda, ser mais
nistrativa, em que todo o Direito (normas jurídicas e princípios) deve ser
grave, quando o órgão ou agente prossegue interesses privados em
vez de interesse público, no exercício das suas funções, consubs- "8 «Dever de boa administração» impõe à Administração Pública a prossecução do inte-
tancia corrupção, que pode desaguar na responsabilidade disciplt- resse público da forma mais eficiente. «A actividade administrativa deve traduzir-se
nar e/ou criminal. em actos cujo conteúdo seja também inspirado pela necessidade de satisfazer da forma
mais expedita e racional possível o interesse público constitucional e legalmente fixado».
Vide, FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito... , Val. Ty ópreityprgs—
"5 SOARES, Rogério, Direito Administrativo, apud ESTORNINHO,
Maria João, A Fuga... » FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito..., Vol. II, op. cit., p. 38.
Op. Cit, p. 1712.
So Nestes termos, vide, Idem., p, 38 ess.
"6 FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito... Vol.
II, op. cit, p. 97. “ Vide o Acórdão Aguiar Camilo GUIRRUGO, de 25 de Outubro de 2000, cfr. CISTAC,
” ESTORNINHO, Maria João. + Fuga.., Op. Cil, P.
171. Gilles, Jurisprudência... Vol. TI, op. cit, p. 335.
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 145
144 Lições de Direito Administrativo

tomado em conta no exercício da função administrativa, o que implica, em c) Objecto


primeiro lugar, que a Administração Pública não pode emanar actos que
estejam em contradição com a lei anterior; e por outro, mesmo que tenha
O princípio da legalidade incide sobre todo o tipo de comportamento da
sido a própria Administração Pública a emanar a lei, deve à ela submeter- Administração Pública. Isto é, sobre todas as manifestações do poder
-se sem reservas: a lei impõe-se ao seu próprio autor. administrativo, designadamete, os regulamentos, as decisões unilate-
Com efeito, a lei é o limite, como também, o fundamento da activi- rais, os contratos administrativos e as operações materiais. A isto, diz-se

dade administrativa. Esta concepção é fruto de uma longa evolução his- objecto do princípio da legalidade.
tórica do princípio da legalidade, sendo de destacá-lo na fase do Estado
liberal.
d) Conteúdo
Nesta fase, o princípio da legalidade aparece formulado na perspec-
tiva negativa, sendo a lei o limite da acção administrativa: a Admiúnistra-
Quanto ao conteúdo, o princípio da legalidade consiste na subordinação
ção Pública podia fazer tudo aquilo que o Rei entendesse, só podendo da Administração Pública ao bloco da legalidade.
ofender os direitos e interesses dos particulares com fundamento numa
lei anterior. Afirma-se, na verdade, a sujeição da Administração Pública
à lei, fazendo tudo o que a lei não proíbe — princípio da liberdade -; e) Efeitos
em contraposição da situação actual em que a Administração Pública só
pode fazer aquilo que a lei lhe permite que faça — princípio da compe- O princípio da legalidade tem efeitos: 1) efeito negativo que consiste, em
tência. primeiro momento, no que a Administração Pública, em nenhum caso,
pode deixar de observar a lei, nem que esta seja seu autor e, por fim, qual-
quer acto da Administração Pública, que num caso concreto, víole a lei, é
b) Modalidades ilegal e, como tal, passível de anulação ou declaração da sua nulidade ou
inexistência perante o fórum competente; e ii) efeito positivo, segundo o
O princípio da legalidade conhece duas perspectivas ou modalidades, qual qualquer decisão da Administração Pública presume-se legal até o
nomeadamente: pronunciamento em contrário pelo tribunal competente (anulação, decla-
ração de nulidade ou de inexistência), o que impõe o seu acatamento pelos
pode con-
i) Negativa: em que nenhum acto de categoria inferior à lei destinatários, sob pena de execução forçada.
trariar o bloco legal, sob pena de ilegalidade. É, por assim, dizer à
prevalência ou preferência da lei em caso de conflitos com actos
inferiores a ela: proíbe-se as actuações contra legem. f) Excepção ao princípio da legalidade: estado de necessidade?
ii) Positiva: em que nenhum acto de categoria inferior à lei pode ser
praticado sem fundamento nela. Trata-se da reserva ou precedên- Numa sitnação de normalidade, a Administração Pública funciona
cia da lei: proíbe-se as actuações praeter legem. seguindo um formalismo próprio imposto pela lei para a concretização da
146 Lições de Direito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 147

actividade administrativa que, sendo violado, pode implicar a ilegalidade tegido por lei a fim de prevenir o perigo de lesar um direito ou interesse
da acção administrativa. Ora, a excepção ao princípio da legalidade deve superior» (n.º 4 do artigo 4 da Lei n.º 14/2013).
ser entendida como o afastamento desse rito procedimental pela Adminis- De todas as formas, em caso de a Administração Pública actuar em
tração Pública (violação das regras de competência orgânica, de forma e estado de necessidade, os lesados têm direito a ser indemnizados nos ter-
de processo) por causa de situações anormais ou alheias à vontade desta, mos gerais da responsabilidade daquela (cfr. n.º 4 do artigo 4 da Lei n.º
como guerras, calamidades naturais, ou estado de sítio, sem embargo das 14/2011, de 10 de Agosto).
devidas indemnizações aos abrangidos pelas medidas administrativas.
É neste sentido que o n.º 4 do artigo 4 do Decreto n.º 30/2001, de
15 de Outubro, cifra que «os actos administrativos praticados em estado 33. Discricionariedade e vinculação administrativa
de necessidade com preterição das regras estabelecidas neste diploma
são válidos, desde que os resultados não pudessem ter sido alcançados de a) Definição
outro modo»,
É no sentido anterior que se pronuncia o n.º 8 do artigo 4 da Lei n.º A lei nem sempre define de forma precisa a actividade administrativa,
14/2011, de 10 de Agosto. cabendo à Administração Pública determinar com precisão a situação jurí-
De notar que se trata de uma actuação da Administração Pública auto- dica em causa. Assim, a Administração Pública goza de um privilégio de
rizada pela lei, para actuar à margem desta. Contudo, não escapa ao con- escolha entre um ou outro rumo na prossecução de um interesse público
trolo do tribunal competente, devendo, perante o fórum, a Administração concreto, contudo, dentro dos limites permitidos pela lei. Portanto, a dis-
Pública provar a existência de tais situações excepcionais que a levaram à cricionariedade não resulta da falta ou ausência da lei, mas sim procede da
actuar à margem do processo normal, sem embargo do dever de indemni- própria disciplina legal,
zar nos termos gerais da responsabilização do Estado. A discricionariedade administrativa consiste na faculdade que a lei
Desta feita, o estado de necessidade consubstancia a única excepção, confere à Administração Pública de escolher, entre várias, a decisão que,
permitida por lei, em que a Administração Pública pode, numa situação em seu entender, melhor corresponda à satisfação de um dado interesse
anormal, actuar sem seguir o devido processo, mesmo que tal actuação público específico's2,
implique o sacrifício de direitos subjectivos e interesses legítimos dos par- A discricionariedade cabe no conceito de legalidade administrativa,
ticulares, porque, afinal. habilitada por lei. sendo dentro dele que o intérprete ou a Administração Pública faz o preen-
Fica registado que o estado de necessidade, como excepção, não exelui chimento da liberdade ou faculdade caso a caso através de actos de valora-
a ilegalidade do comportamento da Administração Pública, apenas o jus- ção. Pode questionar-se, se esta valoração é pessoal ou subjectiva do órgão
tífica, e é verificado no momento da prática da decisão, aquilatado no sen- que deve decidir ou não?
tido de não lesar interesses superiores dos que se pretende proteger. É a Logicamente, a resposta tem de antes, ser encontrada nas valorações
actuação, em termos concretos, do princípio da proporcionalidade. preexistentes e delimitadas por uma norma legal, o que permitirá que as
É neste sentido que se refere a lei: «O estado de necessidade é verifi-
cado no momento da decisão de se sacrificar um direito ou interesse pro- “e Cir, Dicionário Jurídico da Administração Pública, Vol. IV, Lisboa, 1991, ver letra D,
p. 122.
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 149
148 Lições de Direito Administrativo

decisões daí advenientes sejam sindicáveis perante os tribunais, dentro comissão de serviço, à função pública, às instituições ou empresas públi-
dos limites impostos por ela. cas, com acordo prévio do dirigente da instituição e do próprio funcioná-
Como explica Rudolf LAUN, quando é conferido um poder discricioná- rio».

rio aos órgãos do poder executivo, estes «têm o poder de determinar eles Note-se que, neste artigo, podemos retirar dois tipos de actos: actos
próprios, segundo o seu modo de ver e o seu querer, um e outro, em con- discricionários e actos totalmente vinculados.
sonância com os deveres do cargo, qual deva ser o fim próximo, imediato, Comecemos com os discricionários: a nomeação e exoneração do pes-
da sua actuação». Quando o «interesse público» é incluído no conceito de soal do Gabinete do Presidente da Assembleia da República estão sujeitas
discricionariedade, isto significa (segundo LAUN): «Aquilo que a autori- à liberdade de escolha do respectivo presidente. Primeiro, ele pode optar
dade considera ser o interesse público é no sentido jurídico efectivamente em escolher, para nomear, funcionários da Assembleia da República, ou
o interesse público». Por outras palavras: «Quando podemos admitir que, escolher pessoas que não sejam funcionários da Assembleia, isto é, fazer a
segundo a vontade da lei, duas possibilidades entre si contrapostas são escolha fora da Assembleia da República e mesmo fora da Função Pública.
Segundo, ele pode exonerá-los a qualquer momento (mas dentro das
igualmente conformes ao direito, e.a autoridade, portanto, pode optar por
A ounão-A, sem agir contrariamente ao direito em qualquer das alternati- regras de boa fé e no interesse público).
vas, então temos (...) poder discricionário», Esta situação prescreve os contornos do poder discricionário de que 0
Mais elucidativo é a opinião de FORSTHOFF, quando afirma que 0 Presidente da Assembleia da República goza. Dentro deste artigo 13 encon-
poder discricionário, nada mais quer dizer senão «um espaço de liberdade tramos, ainda, um acto vinculado. É que independentemente das escolhas
para a acção e para a resolução, a escolha entre várias espécies de conduta para nomeação, o vínculo deste pessoal com o Gabinete do Presidente da
igualmente possíveis (...) o direito positivo não dá a qualquer destas espé- Assembleia da República cessa imediatamente com a cessação do mandato
cies de conduta preferência sobre as outras»'*. do Presidente da Assembleia da República. Neste caso, a cessação do vín-
O poder discricionário dá à Administração Pública o espaço livre de culo é automático, nem que o novo Presidente queira manter aquele pessoal,
apreciação para poder decidir dentre duas ou várias alternativas dentro pois, nestes casos, deverá proceder a uma nova nomeação, como se tivesse
dos limites impostos pela lei. Engendremos um exemplo. feito novas escolhas mas que recaíram no mesmo pessoal, Como demons-
O artigo 13 da Lei n.º 31/2009, de 29 de Setembro, atinente à orgânica tramos com o nosso exemplo, a vinculação assenta no que, em certos casos,
geral da administração da Assembleia da República precisa que: «1. Os alei «(...) regula dada situação em termos tais que não resta para o adminis-
membros do Gabinete «do Presidente da Assembleia da República»186 trador margem alguma de liberdade, posto que a norma a ser implementada
são nomeados e exonerados (...) de entre os funcionários da Assembleia da prefigura antecipadamente com rigor e objectividade absolutos os pressu-
República, cessando funções a qualquer tempo, por decisão do Presidente postos requeridos para a prática do ato e o conteúdo que este obrigatoria-
da Assembleia da República e automaticamente com a cessação de fun- mente deverá ter uma vez ocorrida a hipótese legalmente prevista»,
ções deste. 2. Os membros do Gabinete podem ainda ser requisitados em É, na verdade, a situação prevista no n.º 1 do artigo 13 da Lei n.º
31/2009, em que o pessoal do Gabinete do Presidente da Assembleia da
*3 ENGISCH, Karl, Introdução ao Pensamento Jurídico, 10.2 Edição, Lishoa, Fundação
Calouste Gulbenkian, 2008, pp. 216/217. 8 BANDEIRA DE MELO, Celso António, Curso de Direito Administrativo, 26.4 Edição,
“4 Idem, p. 217. 186 Palavras nossas inseridas para elucidar mais o sentido. São Paulo, Malheiros Editores, 2009, p. 951.
150 Lições de Direito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 151

República cessa, automaticamente, as suas funções com a cessação do


dever jurídico de buscar, identificar e adotar a solução apta para, no caso
mandato do titular do cargo.
concreto, satisfazer de maneira perfeita a finalidade da lei e na inexorável
contingência prática de servir-se de conceitos pertinentes ao mundo do
valor e da sensibilidade, os quais são conceitos chamados vagos, fluidos
b) Fundamento da discricionariedade ou imprecisos»,

São várias as teses sobre o fundamento do poder discricionário.


Algumas ensinam que a discricionariedade procede do deliberado c) Natureza e significado da discricionariedade
intento legal de conferir à Administração Pública certa liberdade para
decidir se no caso concreto, tendo em conta sua posição mais favorável Quanto à natureza, o poder discricionário só «(...) existe, por definição,
para reconhecer, diante da multiplicidade dos factos administrativos, a única e tão-somente para proporcionar em cada caso a escolha da provi-
melhor maneira de satisfazer a finalidade da lei nas situações empíricas dência ótima, isto é, daquela que realize superiormente o interesse público
emergentes, almejado pela lei aplicanda. Não se trata, portanto, de uma liberdade para
Outras fundamentam a disericionariedade na impossibilidade mate- a Administração decidir a seu talante, mas para decidir-se do modo que
rial de o legislador prever todas as situações, donde a necessidade de torne possível o alcance perfeito do desiderato normativo (..,)»!88,
recorrer a fórmulas de regulação mais flexíveis, capazes, bem por isso, de Para Freitas do Amaral «(...) na discricionariedade, a lei não dá ao
abarcar amplamente os acontecimentos sociais, dimanando daí a zona de órgão administrativo competente liberdade para escolher qualquer solu-
liberdade que assiste ao administrador.
ção que respeite o fim da norma, antes o obriga a procurar a melhor
O Professor FREITAS DO AMARAL refere que «juridicamente, o poder solução para a satisfação do interesse público de acordo com princípios
discricionário fundamenta-se, afinal, quer no princípio da separação dos jurídicos de actuação, A discricionariedade não é uma liberdade mas um
poderes, quer na própria concepção do Estado Social de Direito, enquanto poder-dever jurídico»'8,
Estado prestador e constitutivo de deveres positivos para a Administra-
Em suma, a discricionariedade representa uma liberdade, só que esta
ção, que não prescinde, antes pressupõe, uma margem de autonomia juri-
obedece aos limites impostos pela lei, obrigando à Administração Pública,
dica. É a conjugação desta dupla ordem de razões que justifica, pois, ma
numa actuação concreta, a integrar, embora segundo critérios subjectivos
abertura no grau de densidade das normas, através do qual se confere á
próprios, com o seu juízo a norma legal, a fim de materializar os fins defi-
Administração competência para assegurar uma melhor adequação da
hidos pela norma. Este juízo baseado em critérios subjectivos próprios do
decisão às circunstâncias concretas»'S6,
órgão administrativo não deve constituir arbítrio.
O Professor BANDEIRA DE MELO entende que «o fundamento da dis-
Quanto ao significado, a discricionariedade quer dizer, como senten-
ericionariedade (ou seja, a razão pela qual a lei a instituiu) reside, simulta-
cia o Professor FREITAS do AMARAL, «(...) só há poder discricionário
neamente, no intento legislativo de cometer ao administrador o encargo, O
"7 Celso António, Curso de Direito Administrativo, op. cit., pp. 057 € 958.
“ê BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio, Curso... Op. Cit., D. 430.
“é FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito..., Vol, IL, op, cit pp. 86 e 87. “ FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso... Vol. IF, op. cit. p. Ba.
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 153
152 Lições de Direito Administrativo

quando, e na medida em que a lei o confere»"º. Portanto, o poder discri- * A exposição dos motivos de direito e de facto que levaram o autor a
cionário não representa e nem constitui um poder arbitrário; nem resulta emanar um determinado acto, desde que a lei não imponha o dever
da ausência da lei, mas sim, da disciplina jurídica aplicável à Administra- de fundamentar. Por exemplo, imaginemos que o novo Presidente da
ção Pública. Assembleia da República, depois da posse, decide reconduzir todo o
Não deve confundir-se a discricionariedade com a arbitrariedade, pessoal do Gabinete anterior. Aqui não se impõe a fundamentação.
pois esta (arbitrariedade) é a acção, onde a resolução de um problema ou « Aaposição nos actos discricionários dos elementos acessórios, desig-
tomada de decisão depende apenas do desejo e vontade de quem a ema- nadamente, o termo, a condição e o modo.

nou e aquela, como já foi expendido, e a liberdade de agir dentro e nos * Os passos a seguir na formulação da decisão.
limites impostos pela lei.

e) Limites da discricionariedade
d) Âmbito ou abrangência da discricionariedade
A discricionariedade administrativa conhece os seguintes limites:
Em que momento o órgão administrativo pode recorrer ao poder discri-
cionário? « Os próprios pressupostos legais justificadores do acto, nas palavras
São várias as situações: do Professor BANDEIRA DE MELO, «a finalidade normativa».
A lei é que vai conferir e determinar o fim do poder discricionário,
« A escolha do momento ou oportunidade para a emanação de um acto. porque nunca existe uma margem de liberdade absoluta.
Porexemplo: a cessação de funções do pessoal do Gabinete do Presidente « O segundo limite diz respeito à possibilidade dea própria Adminis-
da Assembleia da República, nos termos do n.º 1 do artigo 14 da Lei n.º tração Pública elaborar um conjunto de normas aplicáveis a situa-
31/2009, de 29 de Setembro, está à disponibilidade do Presidente, fite- ções em que os seus órgãos poderiam ter uma margem de liberdade
ris: «(...), cessando as funções a qualquer tempo, (...)». Assim, nomeado de actuação. Neste caso, estaremos perante situações de «auto-
um funcionário para integrar o Gabinete do Presidente, a faculdade deo -vinculação»'s3 da Administração Pública, sendo que qualquer acto
fazer cessar está à disponibilidade do presidente, podendo o fazer cessar emanado fora dos limites estabelecidos por aquelas normas é ilegal.
antes do mandato ou no fim deste por imperativo legal.
* «A decisão de praticar ou não um certo acto administrativo». Só
faz sentido falar neste sentido se o acto a praticar não for vinculado. PD Controlo do acto discricionário
Por exemplo, a decisão de preenchimento de todas as vagas existen-
tes no Gabinete do Presidente da Assembleia depende do titular do Da leitura do artigo 28 da Lei n.º 9/2001, de 7 de Julho, relativo ao pro-
cargo, não havendo obrigatoriedade neste sentido. cesso administrativo contencioso, pode gizar-se uma conclusão segundo

199. Idem, p. 87. 92 BANDEIRA DE MELO, Celso António, Curso..., Op. Cit., p. 963.
“a Expressão extraída de FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso... Vol. II, op. cit., p. 95:
'º FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso... Vol. Il, op. cit,, p. 93.
154 Lições de Direito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 155

a qual, o acto discricionário é controlável contenciosamente, no que diz disposição, um conjunto de meios jurídicos para a defesa dos seus direitos,
respeito ao exame da finalidade, fiscalizando-se a legitimidade da actua- desde logo, o direito à reclamações, aos recursos hierárquicos, recursos
ção da Administração Pública. Ora, este controlo só existe quando ocorra contenciosos, a suspensão de eficácia e às acções.
o desvio de poder. O princípio em estudo é constituído por dois conceitos de extrema
Como tal, o recurso contencioso terá como fundamento o desvio de importância, cuja distinção se impõe. Desta forma; diz-se direito subjec-
poder (alínea e) do artigo 28 da Lein.º 9/2001, de7 de Julho). Na verdade, o tivo, na esteira de António Meneses CORDEIRO, «(...) o produto de uma
desvio de poder como motivo relevante constitui somente regra, na medida permissão normativa centrada em torno do aproveitamento de um deter-
em que pode o acto ser atacável alegando-se os outros motivos referidos minado hem, ou seja, a permissão normativa do aproveitamento de deter-
no artigo 28, já que o poder discricionário é uma margem de liberdade de minado bem»"s,
actuação dentro dos limites traçados pela lei. Portanto, para além do desvio É verdade que esta noção é importada dos Direitos Reais, porém tem
de poder, o particular pode fundamentar o seu recurso com base na usurpa- importância inegável na compreensão do direito subjectivo. O que pode
ção do poder, vício de forma, incompetência ou violação da lei. ocorrer é na actuação da Administração Pública, esta violar ou prejudi-
car o aproveitamento, por parte dos particulares, de uma situação jurí-
dica que é-lhes favorável. Por exemplo, diz o n.º 4 do artigo 61, do Decreto
34. Princípio do respeito pelos direitos subjectivos e interesse n.º 62/2009, de 8 de Setembro, que aprova o Regulamento da Lei n.º
legítimos dos particulares 14/2009, de 17 de Março, que «1. O bónus especial é atribuído a fincio-
nários e agentes do Estado com habilitações de nível médio e superior e é
Este princípio corresponde à vertente subjectiva do princípio da legali- fixado nas seguintes percentagens (...) licenciados 60%. (...)».
dade, O que está em causa é a necessidade de a Administração Pública na Imaginemos, agora, que Aspásia, funcionária do Ministério das Finan-
prossecução do interesse público, ter de respeitar os direitos subjectivos e ças, concluiu 0 nível em 2009 e apresentou aos serviços o respectivo certi-
interesses legítimos dos particulares, impendendo o dever de a Adminis- ficado de habilitações, para efeitos de bonificação.
tração Pública fundamentar as suas decisões, em particular quando lese as Neste caso, estamos em presença de um verdadeiro direito subjectivo
posições jurídico-subjectivas dos particulares. (o direito ao bónus especial), exigível à Administração Pública, sem con-
O n.º 1 do artigo 249 da Constituição impõe o respeito, na actuação da dicionalismos, pois que merecedor de uma protecção legal directa e ime-
Administração Pública aos direitos e liberdades fundamentais dos cida- diata,
dãos. Esta questão, embora não bem desenvolvida, encontrou guarida ao Ora, no interesse legítimo há, também, uma protecção legal,
nível regulamentar, através do artigo 5 do Decreto n.º 30/2001, de 15 de Porém, «indirecta, de segunda linha — o interesse protegido directamente
Outubro. Com efeito, «Os órgãos da Administração Pública, observando é o interesse público -, o particular não pode exigir à Administração que
o princípio da boa-fé, prosseguem o interesse público, sem prejuízo dos satisfaça o seu interesse, mas apenas que não o prejudique ilegalmente —
direitos e interesses legítimos dos particulares protegidos por lei». e, em caso de ilegalidade, o particular não poderá realizar plenamente o
Desde logo, em caso de a actuação da Administração Pública preju-
dicar os direitos e interesses legítimos dos particulares, estes têm à sua e e

“% Direitos Reais, Lisboa, 1978, p. 305.


Introdução gera! ao direito administrativo e à administração pública 157
156 Lições de Direito Administrativo
que lhido ao nível da regulamentação independente do Conselho de Ministros,
seu interesse em tribunal, mas, tão-somente, eliminar os actos ilegais
pelo Decreto n.º 30/2001, de 15 de Outubro, no artigo 12, segundo o qual
o tenham prejudicado».
«A Administração Pública deve fundamentaos r séus actos administrativos
Por exemplo, imaginemos que o Secretariado Geral da Assembleia da
que impliguem designadamente o indeferimento do pedido ou a revoga-
República abriu, em 2009, um concurso público para o preenchimento
ção, alteração ou suspensão de outros actos administrativos anteriores».
de duas vagas de Técnico Legislativo N1. Neste concurso, suponhamos
A lei impõe à Administração Pública a necessidade de motivar as suas
gue concorreram cem candidatos, dentre os quais Mário, Daniel, Ani-
decisões, particularmente, as que possam prejudicar os direitos subjecti-
nha, Ricardina, Nicolina e Manamélia. Nicolina qualificou-se em primeiro
vos e interesses legítimos dos particulares. Isto é, a Administração Pública
lugar, mas posteriormente, houve queixa de que ela detinha o exame do
deve informar (o que impõe a notificação das decisões, ou publicação,
concurso, com o respectivo guião de correcção.
dependendo da forma aplicável ao acto) aos particulares, de forma escrita,
Neste caso, pense-se que Manamélia, que ficou em terceiro lugar,
«os porquês» da rejeição dos seus pedidos, da suspensão, revogação ou
requere, apresentando provas da ocorrência ao órgão competente, soli-
alteração das decisões anteriormente tomadas, em particular, quando as
citando que a Nicolina seja afastada e ela assuma, automaticamente, o
novas prejudicam as situações anteriores, ou as agravam.
segundo lugar.
Relativamente a este princípio, o Tribunal Administrativo, face ao
Isto não quer, necessariamente, dizer que O segundo classificado
recurso contencioso de anulação do despacho do Presidente do Conselho
assuma o primeiro lugar e muito menos que a queixosa passa à ocupar à
Municipal de Maputo, cujo recorrente é Agy M. AGY, referiu que « (o)
segundo lugar.
um despacho, entanto que acto administrativo definitivo, ou seja, uma
A Administração Pública deverá invalidar o concurso e, dentro das
manifestação de vontade do órgão de Administração, que é susceptível de
suas prerrogativas de autoridade, abrir novo concurso.
produzir efeitos jurídicos na esfera jurídica dos particulares, deve revestir
Assim, no interesse legítimo, o particular tem o direito de não ser pre-
ar a forma escrita e ser devidamente fundamentado, o que não se verifica no
judicado em violação da lei, ao passo que no direito subjectivo, o particul
caso sub judice»,
tem direito a uma decisão final favorável.
O caso resume-se no séguinte: AGY é titular do direito do uso e apro-
veitamento de terra sobre a parcela 18, talhão 112, da Malanga, com licença
de construção válida por dois anos. Constatou que, quando pretendeu ini-
35. Princípio da fundamentação dos actos administrativos
ciar as obras, ainda dentro do prazo, a parcela estava «entulhada de mato
e de diversos carros velhos», tendo, na oportunidade, sido informado pelo
A fundamentação dos actos administrativos é imposta, desde logo, à
Conselho Municipal que o seu direito havia sido revogado, despacho que
Administração Pública pela Constituição da República, no sentido de que
o recorrente não tomou conhecimento, uma vez que tal formalidade foi
«Os actos administrativos (...) são fundamentados quandoA afectem direi-
observada após o recorrente ter apresentado a reclamação.
tos ou interesses dos cidadãos legalmente tutelados»'*. É, também, aco-
nistrativos que impliquem, designadamente o indeferimento do pedido ou a revogação,
vs FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso..., Vol II, op. cit., . 65.
a alteração ou a suspensão de actos administrativos anteriores».
6 Ponto 2, do artigo 254. Pode consultar-se, igualmente, o artigo 14 da Leí n.º 14/2011, de
“w CISTAC, Gilles, Jurisprudência..., Vol II, op. cit. pp. 549e ss.
to de Agosto: «A Administração Pública tem o dever de fundamentar os seus actos adimi-
158 Lições de Direito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 150

Mais, ainda, o princípio da fundamentação impõe à Administração consciência moral na actuação da Administração pública, portanto, a
Pública, em cada actuação concreta, em particular, que possa lesar ou consciência moral administrativa e não comum.
prejudicar direitos ou interesses alheios, a indicação das razões de facto A ética e a moralidade jurídica têm projecções de maior importân-
e de direito, que terão levado a Administração Pública a decidir desta e cia no âmbito do exercício dos poderes discricionários da Administração
não daquela maneira. Assim, «O dever de fundamentar constitui uma Pública, que se exige ao órgão que actue, neste âmbito, com honestidade,
formalidade essencial (...), em obediência ao princípio geral do Direito não prejudicando outrem, dando, desta forma, a cada um o que lhe per-
que assim considera todas as formalidades prescritas por lei. A sua tence, o que torna a ética e a moral integrantes do Direito e como elemento
não observância gera a ilegalidade do acto administrativo, por vício de indissociável na aplicação deste à actividade administrativa.
forma, (...)» 198, Em fim, a ética e a moral administrativas devem integrar o conjunto
Em suma, a fundamentação do acto administrativo há-de ser de elementos de validade da actuação da Administração Pública, quer sob
expressa, clara, coerente e suficiente. Ou seja, não deve ser deixada ao formas pública, quer privada.
particular a descoberta das razões da decisão administrativa; os moti-
vos não podem ser obscuros ou de difícil compreensão, nem padecer de
vícios lógicos; a fundamentação deve ser adequada à importância e cir- 37. Princípio da protecção da confiança
cunstância da decisão.
O princípio da protecção de confiança autonomizou-se do princípio da boa
fé, assumindo «(...) particular relevância na proibição da retroactividade
36. Princípio da ética e moralidade administrativa de algumas leis administrativas, dos regulamentos e dos actos administra-
tivos em geral, na irrevogabilidade dos actos administrativos constitutivos
O princípio da ética e moralidade administrativa constitui, hodiernamente, de direito dos particulares, a não ser com fundamento em ilegalidade e
um. dos pressupostos de validade dos actos da Administração Pública, não no prazo de impugnação contenciosa, e na ampliação da responsabilidade
seria sem conteúdo que a Constituição da República impõe no seu n.º 2, civil pré-contratual da Administração Pública para além da ocorrência de
do artigo 249, que «Os órgãos da Administração Pública (...) actnam com «culpa in contrahendo», sempre que haja legítima confiança do virtual
o respeito pelo (a) ética (...)». co-contraente»*º, Portanto, o princípio da protecção da confiança actua,
Aética e a moral jurídica devem ser entendidas como sendo o conjunto Somente, em circunstâncias particulares que assim o exigirem.
de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração»
!ºº.
Este princípio impõe aos órgãos e agentes do Estado, na sua actuação,
a distinção entre o mal e o bem, o que nos conduz, filosoficamente, à 38. Princípio da boa fé

“ê Tribunal Administrativo, Acórdão n.º 45/1.3/2000, de 19 de Setembro, Processo 42/98, O princípio da boa fé coloca dois limites negativos à actividade admi-
Primeira Secção. nistrativa, nomeadamente: a) «A Administração Pública não deve atrai-
“ RAURIOU, Maurice, Précis Elémentaires de Droit Administratif, apud MEREILLES, CC m—

Hely Lopes, Direito Administrativo..., op. cit, p. 89. “º SOUSA, Marcelo Rebelo de, Lições de Direito.., Op. Cit. p. 118.
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 161
160 Lições de Direito Administrativo

puseram num certo 99. Princípio da justiça


çcoar a confiança que 05 particulares interessados
e prosseguido um
comportamento seu; não deve, depois de ter iniciado ,
para o preenchi- Nos termos do n.º 1 do artigo 6 do Decreto n.º 30/2001, de 15 de Outubro
procedimento tendente ao recrutamento de agentes
, desistindo de levar o «No exercício das suas funções e no seu relacionamento com as pessoas
mento de determinados lugares, mudar de ideias forma
nstâncias imprevis- singulares ou colectivas, a Administração Pública deve actuar de
procedimento ao seu termo, salvo se ocorrerem circu o deste
lo); b) A Admi- justa (...) ». Contudo, este regulamento não nos diz qual é o conteúd
tas e ponderosas (dificuldades orçamentais, por exemp ado.
dimento legalmente princípio. Nem o n.º 1 do artigo 7 da LPA esclarece o signific
nistração Pública também não deve iniciar o proce
de atingir um Para tal, lançaremos mão à doutrina e à jurispradência para o alcance
previsto para alcançar um certo objectivo com propósito
não deve, por exem- do seu conteúdo.
objectivo diverso, ainda que de interesse público;
um imóvel, não Diz-se justiça 0 «conjunto de valores que impõem ao Estado e a todos
plo, desencadear o procedimento de classificação de
ganhar tempo até os cidadãos a obrigação de dar a cada um o que é lhe devido em fun-
para proteger este de eventuais agressões, mas para
priação por ção da dignidade da pessoa humana», Como reconhece Hurbert HART
se encontrar em condições de proceder à respectiva expro
«Há, portanto, uma certa complexidade na estrutura da ideia de justiça.
utilidade pública»”**. cons»
da protecção de con- Podemos dizer que consiste em duas partes: um aspecto uniforme ou
Os que não aceitam a autonomização do princípio n-
em dois sub-prin- tante, resumido no preceito «tratar da mesma maneira os casos semelha
fiança entendem que o princípio da boa fé concretiza-se quando,
da materialidade tes», e um critério mutável ou variável usando para determinar
cípios, nomeadamente, o da protecção de confiança e o es (...)»?º4,
para uma dada finalidade, os casos são semelhantes ou diferent
subjatente.
cio de posições Este extracto mostra o quão complicado é o problema da justiça, mas
A materialidade subjacente consiste em que «o exercí a inda-
material, ou seja, não bas- como refere FREITAS DO AMARAL, «em primeiro lugar, obriga
jurídicas se processe em termos de verdade o do
de formal com gar, em sede de direito positivo, o que é justiça: O problema filosófic
tando apurar se tais condutas apresentam uma conformida Em
ponderação substancial dos conceito de justiça transforma-se, assim, num problema jurídico (...).
a ordem jurídica mas impondo-se, antes, uma o da
segundo lugar, torna-se indispensável analisar a incidência do princípi
valores em jogo».
confiança, ao pria- justiça em todas as formas de actuação da Administração Pública (...)»2º5,
Assim, automizando-se o princípio da protecção de justiça
cente, nesta perspec- Existiram, e existem sectores que entendem que o princípio da
cípio da boa fé restar-lhe-á o da materialidade subja de
éuma directriz de carácter programático ou doutrinário, ou um critério
tiva.
2 do artigo 8 da lei n.º 14/2011, de 10 de Agosto,
& moralidade administrativa, que a «(...) Administração Pública devê seguir
Nos termos do n.º da sua
a Administração Pública «(...) deve ponderar-se 08 na sua actuação, mas nos termos que ela própria decidir, em função
boa fé quer dizer que
do direito, relevantes em face das situações consi- interpretação dos interesses em causa e do seu entendimento acerca da
valores fundamentais
deradas e, em termos especiais, a confiança suscitada na contraparte pela
ada». * Idem, p. 119.
actuação em causa e o objectivo a alcançar com à actuação realiz 24 O Conceito de Direito, Fundação Calouste Gulbenkian,
5.º edição, Lisboa, 2007, P- 174.
Direitos Fundamentois dos Administrados, «in»
“s FREITAS DO AMARAL, Diogo,
«" CAUPERS, João, Introdução ao Direito..., op. cit., P. 8a. 1986, p. 19.
MIRANDA, Jorge (Org), Nos Dez Anos da Constituição, Imprensa Nacional,
2» FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso... VOL. IL, op. cit., D- 138.
162 Lições de Direito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 168

melhor forma de prosseguir o interesse colectivo. Por isso, a violação do cionalidade material, e nos termos próprios do regime jurídico da incons-
princípio da justiça nunca invalidaria o acto administrativo, nem serviria titucionalidade. Fora destes casos, portanto, o tribunal não pode conside-
como fundamento autónomo do recurso contencioso »2ºs, rar ilegal o acto injusto — e deve confirmá-lo. Se o acto é discricionário, a
Esta posição foi seguida pela Administração Parlamentar (Secreta- sua injustiça emana do órgão administrativo que exerceu mal os poderes
riado Geral da Assembleia da República) ao sancionar o cidadão Higino legais, e não a lei que os conferiu para serem bem exercidos, e portanto
CHIPAMBELE com a pena de expulsão, depois de um processo discipli- com justiça. (...). Assim, o acto discricionário injusto é ilegal, e pode ser
nar, por acusação de desvio de resma de papel que, posteriormente fora contenciosamente anulado nos termos gerais»"ºº,
recuperado, e sem considerar o facto de o réu ser primário. O princípio da justiça pode revestir três modalidades:
Contudo, o Tribunal Administrativo viria a anular o despacho ale- A primeira, violação do princípio da justiça «stricto sensu», o acto
gando que «Qutrossim, as “Normas de Funcionamento dos serviços da será ilegal, e passível de anulação pelo tribunal competente, quando a
Administração Pública”, (...) estabelecem princípios sobre os quais deve Administração pública emanar um acto que imponha ao seu destinatá-
conduzir-se a actuação dos órgãos e, obviamente, dos respectivos s agen- rio um sacrificio do seu direito, resultante de má fé ou dolo por parte da
tes da Administração Pública, no desempenho das suas funções e no seu Administração Pública.
relacionamento com os cidadãos, incluindo, portanto, os servidores da A segunda consiste na violação do princípio da igualdade, que impõe à
Administração Pública. Dentre outros, destacam-se os princípios da jus- Administração Pública tratar da mesma maneira os casos semelhantes. Ao
tiga, (...), através dos quais se impõe, correlativamente, a actuação justa contrário, o acto será ilegal por injustiça.
dos órgãos (...); ao aplicar a medida máxima das penas previstas no artigo Por exemplo, um homem escolhe arbitrariamente um dos filhos para
177 do E.G.F.E., contra toda a corrente das circunstâncias atenuantes que castigo mais severo do que o infringido aos outros culpados da mesma
militam a favor do recorrente e que, dos autos, resultam inequivocamente falta, ou se tivesse castigado a criança por alguma infracção, sem procurar
provados, a entidade recorrida revela não ter ponderado, devidamente, ver se era ela realmente o autor da falta“.
o conjunto dos elementos que resultam do processo disciplinar, os quais A terceira modalidade consiste na violação do princípio da propor-
devem concorrer na aferição da medida disciplinar, de acordo com os cionalidade, no sentido deque os actos da Administração que sacrifiquem
princípios da justiça e da proporcionalidade dos meios. (,..)»2º7, ou restrinjam direitos subjectivos e interesses legítimos dos particulares
Como chegou o Tribunal a esta posição. devem ser proporcionais ao mal que pretendem evitar; ou melhor, nas
Com razão, a posição anterior não pode ser aceite, pois a justiça « é um expressões do n.º 3 do Artigo 14, do Decreto n.º 30/2001, de 15 de Outu-
valor jurídico; (...) o valor supremo. (...) em princípio é ilegal o acto admi- bro «(...) os agentes da Administração deverão adoptar as (medidas) que
nistrativo injusto. (...). Se o acto é vinculado, e se foi praticado de acórdo acarretam consequências menos graves para a esfera jurídica do parti-
com a lei, a sua eventual injustiça resultará directamente da injustiça da cular». Ao contrário, os actos serão injustos e, portanto, ilegais.
lei. Ora, os tribunais administrativos não podem deixar de aplicar uma lei Em conclnsão, como demonstrou o nosso Tribunal Administrativo, a
em vigor com fundamento na sua injustiça, salvo os casos de inconstitu- justiça está para além da legalidade e, como tal, se impõe à Administração
“6 Idem, p. 19.
8 MIRANDA, Jorge (Otg.), «in» Nos Dez Anos..., Op. cit., p 20.
“7? Acórdão n.º 26/09-15, de 16 de Dezembro; Processo n.º 79/02-15.
= Nestes termos, HART, Hurbert L. A., O Conceito..., op. Cit., p. 172.
164 Lições de Direito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo é à administração pública 165

pública o dever de actuar com o respeito aos princípios gerais do Direito, A primeira consiste na proibição de discriminação. Isto é, uma medida
em particular, do direito Administrativo, sob pena de ilegalidades. é discriminatória se estabelece uma identidade ou uma diferenciação de
tratamento para a qual, à luz do objectivo que com ela se vise prosseguir,
não existe justificação material bastante.
40. Princípio da igualdade A segunda assenta na obrigação de diferenciação, pois, a igualdade
não é absoluta, daí a adopção pela Administração pública, por força da lei,
Este princípio é expressa da seguinte maneira pelo n.º 2 do Artigo 14 de medidas administrativas especiais de protecção em relação aos mais
do Decreto n.º 30/2001, de 15 de Outubro, «Í vedado aos órgãos e ins- desfavorecidos, em relação às classes mais pobres da sociedade, ou em
tituições da Administração Pública privilegiar, prejudicar, privar de relação aos deficientes, aos mais novos ou à terceira idade.
qualquer direito ou isentar de qualquer dever jurídico um cidadão por
motivo da sua cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, estado
civil dos pais, situação económica, posição social, filiação partidária ou 41. Princípio da proporcionalidade
religiosa»,
Como entender este conteúdo? «A proporcionalidade implica que, de entre as medidas convenientes para
Esta regra impõe os critérios de discriminação possíveis, mas não a prossecução de qualquer fim legal, os agentes da Administração pública
exprime uma regra que imponha ou exclua qualquer outra diferenciação. deverão adoptar as que acarretem consequências menos graves para à
Assim, haverá igualdade quando há possibilidade de comparação entre esfera jurídica do particular». Este conteúdo é retomado pelo n.º 3 do
dois ou mais objectos, para deles extrair elementos que sejam comuns. artigo 6 da LPA, com a ressalva do termo particular para administrado, o
Logo, são os elementos comuns que serão objecto da não discriminação da que é acertado, na medida em que a palavra administrado é mais abran-
Administração Pública na sua actuação, devendo os tratar de forma igual, gente: abrange as pessoas físicas e morais ou colectivas, ao passo que 0
porque juridicamente iguais. termo particular refere-se tão somente às pessoas físicas.
Assim, o princípio da igualdade impõe o tratamento do modo igual Este princípio impõe a adequação, a necessidade e o ajustamento
que é juridicamente igual e de maneira diferente o que é juridicamente dos actos da Administração Pública ao interesse público em concreto
diferente. Desta forma, o princípio da igualdade se projecta em duas direc- a prosseguir, o que evitará consequências gravosas aos particulares
ções?» , envolvidos.
Assim, com o Professor Diogo Freitas do AMARAL*S, podemos dizer
“e O n.º 1 do artigo 6 da LPA define a igualdade nos termos seguintes: «Nas suas relações que a proporcionalidade conhece três dimensões essenciais, nomeada-
com os particulares, a Administração Pública não deve privilegiar, beneficiar, prejudi-
mente: a adequação, a necessidade e 6 equilíbrio.
car, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever jurídico o administrado por
motivo de ascendência, sexo, cor, raça, origem étnica, lugar de nascimento, estado civil, «A adequação significa que a medida tomada deve ser causalmente
religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição ajustada ao fim que se propõe atingir. Procura-se, deste modo, verificar
sociai».
Seguiremos de perto a orientação de AMARAL, FREITAS DO, Diogo, Curso..., Vol. IH, “2 N.º 9 do Axtigo 14, do Decreto n.º 30/2601, de 15 de Outubro.
x

Op. Cit., p. 125. “3 FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso..., Vol. II, op. cit., p. 129.
166 Lições de Direito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 167

a existência de uma relação entre duas variáveis: o meio, instrumento, esqueceu-se desta acusação ao processar o relatório e a proposta de fixa-
medida, solução, de um lado, o objectivo ou finalidade, do outro. ção da pena. O comportamento desta funcionária (instrutora) causou pre-
À necessidade significa que, para além de idônea para o fim que se juízos ao interesse público, certamente mais gravosos do que aqueles que
propõe alcançar, a medida administrativa deve ser, dentro do universo das advêm da conduta do recorrente. Contudo, depois de afirmar que todos
abstractamente idôneas, a que lese em menor medida os direitos e inte- os artigos da acusação se encontravam provados, o instrutor do processo
resses dos particulares (...). O centro das preocupações desloca-se para a usou de inesperada tolerância em relação à funcionária e limitou-se a
ideia de comparação: a operação central a efectuar é na verdade a con enquadrar a matéria disciplinar no artigo 174, 0 que, por influência das
paração entre uma medida idónea e outras medidas também idóneas»?!, atenuantes (...), se reduzia a uma multa de 60 dias (...).
«Finalmente, a vertente do equilíbrio (gu proporcionalidade em sen- Como pode o instrutor considerar ter havido confissão espontânea
tido estrito) exige que os benefícios que se esperam alcançar com uma (...) se a funcionária negou os factos que sustentam a sua cumplicidade
medida administrativa adequada e necessária suplantem, à luz de certos no descaminho de direito? E, se assim é, não parece tão diáfana a aplica-
parâmetros materiais, os custos que ela por certo acarretará»2's, ção da outra atenuante relativa à falta de intenção dolosa? Esta análise do
Processo disciplinar serve para demonstrar que o instrutor usou um cri-
tério dualista na apreciação dos factos, o que influenciou definitivamente
42. Princípio da imparcialidade o autor do acto recorrido. Dessa violação do princípio da imparcialidade
resultou uma injusta punição do recorrente»?7,
No Direito Positivo, este princípio é definido da seguinte maneira: «A impar- A imparcialidade impõe «que os órgãos e agentes administrativos
cialidade impõe que os funcionários e agentes do Estado se abstenham de ajam de forma isenta e equidistante relativamente aos interesses em jogo
praticar actos ou participar na prática de actos ou contratos administrati- nas situações que devem decidir ou sobre os quais se pronunciem sem
vos, nomeadamente de tomar decisões que visem interesse próprio, do seu carácter decisório»,
cônjuge, parente ou afim, bem como de outras entidades com as quais possa Na prática, o princípio da imparcialidade conhece três níveis de pro-
ter conflito de interesse nos termos da lei»26, jecções: 1) a de impedimentos, em que se proibe ao órgão ou agente da
O Acórdão Aguiar Camilo GUIRRUGO demonstra melhor o conteúdo Administracao Publica de intervir nos procedimentos, actos, ou contratos
deste princípio, nos termos seguintes: «(...) não se entende o critério do que respeitem a questões que tenham interesse pessoal, familiar ou afins,
instrutor do processo Disciplinar que, ao apreciar o comportamento de devendo o agente ou órgão comunicar a quem de direito; ii) a de escu-
Margarida Macobole, fez constar da Nota de Acusação um artigo sobre sas, que consubstancia situações em que não existe proibição absoluta de
a sua cumplicidade no delito de descaminho de direitos e, em seguida, intervenção, mas em que esta deve ser excluída por iniciativa do próprio
titular do órgão; e iii) a de suspeições, que se prende com situações em que
** CANAS, Vitalino, Princípio da proporcionatidade, apud FREITAS DO AMARAL, Diogo,
Curso... Vol. TI, op. cit. p. 129.
*7 Acórdão n.º 61/12/2000, de 25 de Outubro, Processo n.º 21/2006, do Tribunal Admi-
“s FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso... Vol. II, op. cit,, p. 131.
nistrativo,
“* Ponto 3 do Artigo 6, da Lein.º 14/2009, de 17 de Março, que aprova o Estatuto Geral dos
“ê Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo Português apud FREITAS DO AMARAL,
Funcionários e Agentes do Estado (EGRAR).
Diogo, Curso do Direito..., Vol. 1, op. cit., p, 140.
Introdução geral ao direito administrativo € à administração pública 169
168 Lições de Direito Administrativo
tra-
não existe proibição absoluta de intervenção, mas que esta deve ser exclu- requerimento, o órgão competente tenha praticado um acto adminis
ída por iniciativa do cidadão interessado. tivo sobre o mesmo pedido formulado pelo mesmo administrado e com os
Estas situações atrás aludidas consubstanciam a vertente negativa do mesmos fundamentos». Tal é o conteúdo do artigo 11 da LPA.
princípio da imparcialidade, segundo a qual os órgãos e agentes do Estado A LPA veio desenvolver e clarificar mais o conteúdo do Decreto
da
estão impedidos de intervir em procedimentos, actos, ou contratos, nomea- 30/2011, ampliando os sujeitos privados airavés da consagração
apeli-
damente, de tomar decisões que visem interesse próprio, do seu cônjuge, expressão «administrados». O número 2 veio consagrar aquilo que
parente ou afim, bem como de outras entidades com as-quais possa ter daríamos de excepção de caso decidido.
conflito de interesse nos termos da lei, como definido no Estatuto Geral Está consagrado o dever de agir por parte da Administração Pública, o
dos Funcionários e Agentes do Estado. que desde logo, conflitua com a consagração da regra geral de que a falta
,
Na perspectiva positiva, a imparcialidade significa «(...) dever, por de decisão dentro do prazo constitui o indeferimento tácito. Na verdade
parte da Administração Pública, de ponderar todos os interesses públicos havendo o dever de agir ou de decidir, lógica e sistematicamente, o legis-
a
secundários e os interesses privados equacionáveis para o efeito de certa lador só teria que estabelecer o deferimento tácito como regra geral e
está
decisão antes da sua adopção. (...) a ausência de ponderação dos diferentes excepção o indeferimento tácito. Note-se que ao lado do dever de agir,
interesses em jogo — a qual, na maioria dos casos, é detectada pela funda- o dever de fundamentar os actos da Administração.
a o
mentação — é, pois, o vício em que o princípio da imparcialidade aparece a É por isso que o professor Marcelo REBELO DE SOUSA classific
suportar, ao lado dos restantes princípios jurídicos (...)»?'9, regime aplicável em Portugal de benigno para a Administração Pública,
«(...) pois não obriga a tratar com maior atenção os pedidos dos adminis-
trados, como aconteceria se o seu silêncio valesse deferimento»*??º,
43. Princípio da decisão Neste sentido, o nosso regime foi mais longe, impondo à Administra-
-
ção Pública o dever de remeter para o órgão competente, com 0 conheci
para
Como estabelece o artigo 10 do Decreto n.º 30/2001, de 15 de Outubro, O mento do interessado, se o assunto, erradamente, tiver sido remetido
outro incompetente a razão da matéria ou hierarquia (n.º 2 e 3 do artigo
princípio da decisão impõe aos «1. (...) órgãos da Administração Pública
decidirem (o dever de) sobre todos os assuntos que lhes sejam apresen- 10 do Decreto n.º 30/2001, de 15 Outubro).
lhe são
tados pelos particulares». Mais, ainda, «2. Os órgãos administrativos A Administração Pública tem, para decidir dos assuntos que
Decreto
devem decidir sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam remetidos, um prazo de 25 dias (n.º 1€ 5; ambos do artigo 58, do
ias
apresentados pelos administrados, designadamente os que lhes disserem n.º 30/2001, de 15 de Outubro), salvo casos de realização de diligênc
caso informa r o
directamente respeito e, ainda, os relativos a quaisquer petições, represen- de natureza externa para a prática do acto, devendo neste

tações, queixas, reclamações ou recursos apresentados em defesa da lega- particular interessado (n.º 3 e 4, do mesmo artigo).
lidade ou do interesse geral. 3. Não há dever de decisão quando, há menos
de um ano, contado desde a prática do acto até à data da apresentação do

“ REBELO DE SOUSA, Marcelo, O Concurso Público, apud FREITAS DO AMARAL,


Diogo, Curso..., Vol. II, op, Git., Pp. 144 € 145. “o Lições de Direito... Op. Eit., p. 134.
170 Lições de Direito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 171

44. Princípio da continuidade do serviço público 45. Princípio da gratuitidade

Nos termos do artigo 14 da Proposta de Lei de Base da Organização da À gratuitidade quer dizer, regra geral, que o procedimento administrativo
Administração Pública «A organização da Administração Pública deve é desencadeado independentemente do pagamento de taxas. Todavia,
garantir, através dos seus órgãos, funcionários e demais agentes, que o existem situações em que a lei impõe o pagamento de prestações por parte
serviço público não seja interrompido em virtude da indisponibilidade de dos administrados, nomeadamente: taxas, emolumentos ou compensa-
quem tenha o dever legal de o prestar». ção de despesas efectuadas pela Administração Pública (n.º 3 do artigo 16
Neste contexto, os serviços públicos, de acordo com a sua natureza??, da LPA).
devem ser mantidos em funcionamento a todo o custo? porque, na ver- Apesar da exigência legal, existem situações em que a lei permite que
dade, levam a cabo determinadas actividades que apresentam traços o particular seja isento de pagamento de serviços, mormente, situações
peculiares para a vida da Nação moçambicana, ou mesmo, de uma comu- de insuficiência econômica, pobreza absoluta, cuja prova é efectuada pelo
nidade autárquica. Pense-se, por exemplo, numa eventual interrupção atestado do chefe da localidade, ou do posto administrativo da área de
dos serviços públicos de saúde, de polícia etc., o Estado e a sociedade residência do interessado (n.º 3 do artigo 16 da LPA).
colapsavam, ou reinaria um verdadeiro caos. Com efeito, a continuidade
ou à permanência, e a regularidade são caracteres incontornáveis do ser-
viço público. 46. Princípio da transparência
Contudo, não sé vá confundir a continuidade com regularidade. Um
serviço contínuo há-de ser aquele cujo funcionamento não pode ser inter- Nos termos do artigo 7 do Decreto n.º 30/2001, de 15 de Outubro, a trans-
rompido; ao passo que a regularidade tem a ver com normalidade, o que é
parência «z. (...) implica a publicidade da actividade administrativa». Tal
regular. Portanto, diremos que o fim da Administração Pública é a satisfa- é, igualmente, o conteúdo do n.º 1 do artigo 15 da LPA.
ção das necessidades colectivas, de forma contínua e regular. A publicidade é a divulgação oficial dos actos da Administração
É verdade que a lei pode discriminar aqueles serviços do Estado que Pública para conhecimento público, em particular, aos visados, iniciando-
podem ser interrompidos, habilitando, desta forma, os órgãos do Estado
-se, regra geral, a partir daí a produção de efeitos jurídicos.
decidirem sobre as situações em que tais serviços podem ser interro
mpi- A publicidade constitui, por exemplo, nos actos administrativos, um
dos.
requisito de eficácia do acto perante a ordem jurídica. Neste caso, a publi-
cidade operar-se-á, por via de notificação do acto aos interessados.
Para além da notificação, podemos acrescentar todas as outras formas
* Exceptuam-se alguns serviços que pela sua natureza podem não possíveis e permitidos em direito, por exemplo, a publicação no Jornal
ser permanentes e con-
tínuos, por exemplo, o Serviço Público de Administração de Eleições, inicialmente, fun-
com maior circulação, em editais nas vitrinas de acesso aos interessados,
cionava nos momentos eleitorais, embora, actualmente, a Lei da
Comissão Nacional de
Eleições estabeleça a permanência destes serviços. no Boletim da República, para casos de actos normativos, delegações de
“É Para parafrasear VEDEL, Droit Administratif apud CRETELLA JUNIOR, José, poderes, nomeações, promoções, punições que caibam anotação pelo Tri-
Direito... Op. cit. p. 52,
bunal Administrativo ou tribunais administrativos.
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 173
172 Lições de Direito Administrativo

Com efeito, o n.o 2 da LPA reforça a necessidade de publicação de dado a conhecer à recorrente, é ineficaz para produzir quaisquer efeitos
regulamentos, normas e regras processuais de tal modo que as pessoas sobre a sua esfera jurídica e é, por isso, um despacho inexistente e nulo».
as condições juri- Um aspecto importante, mas quanto a nós, pertencente ao princípio
singulares e colectivas possam saber antecipadamente
dicas em que poderão realizar os seus interesses e êxercer seus direitos. da imparcialidade e não da transparência, é referido no n.º 4 do artigo
Como consequência da necessidade de uma gestão transparente da 15 da LPA, quando afirma que «Na Adminisiração Pública é obrigatória
coisa pública, impõe-se a submissão da Administração Pública à fiscaliza- a adopção de um comportamento que não ofereça, directa ou indirecta-
mente, vantagens a terceiros, nem solicitar, nem prometer e aceitar-se,
ção e auditoria periódicas pelas entidades com competência para O efeito
(cfr. n.º 3 do artigo 15 da LPA). Como vimos, a fiscalização pode ser interna
para benefício próprio ou de outrem, tratamento favorável sobre os servi-
ou externa, podendo ser feita, quer pelos tribunais administrativos, quer gos a prestar».

pelos próprios órgãos da Administração Pública, ou peló cidadão.


O princípio da publicidade foi bem explanado no Acórdão ENTRE-
POSTO DE MOÇAMBIQUE SARL, em que o Conselho Municipal (Diree- 47. Princípio da colaboração da Administração Pública com
ção de Construção e Urbanização) desanexou, da parcela 3 do talhão 108, particulares
ora concedida na totalidade à recorrente, a parcela 3 À, concedendo-a
à empresa Transportes KAN, Lda., sem contudo, ter sido comunicada à O princípio da colaboração com os particulares consiste em a Administra-
Entreposto sobre qualquer revogação da licença ora concedida, ção Pública prestar as informações orais ou escritas, bem como os escla-
O Tribunal Administrativo deliberou que «(...). De acórdo com um recimentos que os particulares lhes solicitem; apoiar e estimular as inicia-
princípio geral de Direito Administrativo que é aplicável aos diversos tivas dos particulares, receber as suas informações e considerar as suas
sugestões?4,
órgãos da Administração Pública, o acto administrativo, para ser válido
Contudo, podemos, ainda, referir os seguintes aspectos neste princi-
e produzir os efeitos jurídicos pretendidos, tem de ser complementado
pio:
com actos e formalidades que lhe vão conferir eficácia, sem os quais ele
não produzirá efeitos. De entre as formalidades essenciais e, para 0 caso
em análise, a publicidade do acto constitui um passo indispensável, na a) A Administração Pública apoia e estimula as iniciativas privadas e,
e
medida em que o despacho recorrido tem como consequência extinguir destes, recebe sugestões e informações sobre a sua organização
funcionamento;
ou diminuir os direitos da recorrente Entreposto Comercial de Moçam-
bique, SARL, ao pretender desanexar, por essa via, uma das parcelas do b) A colaboração implica, também, a publicidade da actividade admi-
talhão 108 anteriormente concedida à recorrente por despacho de 8.6.90 nistrativa;

da mesma entidade»*=3, c) Os particulares têm o direito de acesso aos arquivos e registos admi-
se trate
Doravante, o Egrégio Tribunal conclui que «O despacho recorrido do nistrativos mediante pedido, bem fundamentado, quando
Presidente do Conselho Municipal da Cidade de Maputo, porque não foi de informação legítima que não consubstancie interesse directo,

n.º 30/2001, de 15 de Outubro.


“s CISTAC, Gilles, Jurisprudêneia..., Vol. II, op. cit., pp. bol e ss. “4 Para tanto, vide o Artigo 9 da LPA e o artigo 8 do Decreto
174 Lições de Direito Administrativo
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 175
às entidades competentes, exceptuando-se informações sigilo 49. Princípio da responsabilidade da Administração Pública
sas ou classificadas como tais (artigos 9 da LPA e 94
do Decreto
n.º 30/2001, de 15 de Outubro).
Nos precisos termos do artigo 13 da LPA, «A Administração Pública res-
ponde pelos actos ilegais dos seus órgãos, funcionários e agentes no exer-
48. Princípio da participação dos particulares cício das suas funções de que resultem danos a terceiros, nos mesmos
termos da responsabilidade civil do Estado, sem prejuízo do respectivo
Este princípio cria uma possibilidade de os particulares intervi
direito de regresso, nos termos da lei»=:*,
rem no A responsabilização do Estado, na actualidade, pelos prejuízos causa-
âmbito do exercício da função administrativa, daí que «os órgãos
e insti- dos pelo seu pessoal não sofre contestação a nível mundial, estruturando
tuições da Administração Pública promovem a participação das pessoas
o Estado, e daí a sua consagração a nível da lei fundamental. Este prin-
singulares e colectivas que tenham por objecto a defesa dos seus
interes- cípio, por um lado, é uma garantia dos particulares contra as actuações
ses, na formação de decisões que lhes disserem respeito», (artigo
9 do danosas do pessoal do Estado; é o caso do Acórdão CAMIONAGEM DE
Decreto n.º 30/2001).
No mesmo sentido, o artigo 10 da LPA refere que «A Administraçã MOÇAMBIQUE”, Lda, em que a Administração Pública foi condenada a
o pagar a esta empresa 2.318.928.495,00mt (três biliões, trezentos e dezoito
Pública deve promover a participação e defesa dos interesses dos adminis
- milhões, novecentos e vinte e oito mil, quatrocentos e noventa e cinco
trados, na formação das decisões que lhes disserem respeito».
Contetido meticais), da antiga família, a título de indemnização, por danos patrimo-
ampliado é conferido a este princípio pelo artigo 13 da Proposta de
Lei de hiais e morais causados pela 9.a Secção Laboral do Tribunal Judicial da
Base da Organização da Administração Pública, nos termos seguint
es: que
os órgãos colegiais da Administração Pública integram, Cidade de Maputo.
na medida legal,
pessoas vindas da sociedade civilzss.
A participação dos particulares liga-se ao processo de tomada de deci- só «A Administração Pública responde pela conduta dos agentes dos seus órgãos e ins-
sões, em primeiro lugar, como por exemplo, na prática de um acto tituições de que resultem danos a terceiros, nos mesmos termos da responsabilidade
admi- civil do Estado, sem prejuízo do seu direito de regresso, conforme as disposições do
nistrativo, celebração de um contrato administrativo e na elabora
ção de Código Civil» (Artigo 13 do Decreto n.º 90/2001), Este dispositivo acrescenta em rela-
regulamentos administrativos e, por outro, na defesa ção à LPA as expressões Código Civil, Contudo, é mais acertada a redacção da LPA que
de interesses pró-
prios da comunidade, ou individualizados. utiliza as expressões «nos termos da lei». É preciso notar que o artigo 16 da Proposta
de Lei de base da Organização da Administração pública veio estabelecer a responsabi-
lidade pessoal, nomeadamente, dos titulares dos órgãos, dos funcionários e agentes do
Estado, incluindo o princípio da responsabilização solidária com o Estado. Mas esta res-
ponsabilização pessoal tem um alcance no âmbito de individual, em primeiro lugar, daí
Constitui as expressões responde civil, criminal, disciplinar é fnanceiramente e, por outro, uma
as E :
sociedade
s
civil,
2.
as pessoas
.
que fazem parte das associações, sindicatos, organi-
administração virada para o controlo de resultados no que diz respeito ao desempenho
zações não governamentais, organizações colectivas Isgitimamen
te existentes com liga- dos titulares nomeados para os ôrgãos, exigindo-se, portanto, o recurso aos contratos-
são material com a administração pública, cfr. n.º
2 do artigo 13 da Proposta de Lei de -programas e ao estabelecimento de mecanismos de gestão orientados para a consecu-
base da Organização da Administração Pública. Atençã
o que estão excluídos deste leque ção dos resultados.
os partidos políticos.
“7 Acórdão n.º 18/2005-1a Secção do tribunal Administrativo, Processo n.º 97/093/1-5.
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 177
1726 Lições de Direito Administrativo
Este princípio dirige-se a duas entidades, designadamente: à Adminis-
Esta acção de efectivação de responsabilidade civil extracontratual do
sen- tração Pública e o Juiz Administrativo.
Estado derivou do facto de a 9.a Secção Laboral ter proferido uma
Relativamente à Administração Pública, éste princípio impõe que esta,
tença condenatória contra a empresa Camionagem, por despedimento
ao decidir, em particular, quando a decisão afecte os direitos subjectivos
de trabalhadores injustificadamente. A empresa interpôs, tempestiva-
e interesses legítimos dos particulares, respeite o dever de fundamentar,
mente, recurso de apelação ao Tribunal Supremo, só que 0 Tribunal não
pois é a fundamentação que permite o exercício esclarecido do direito ao
fez subir o recurso. Entretanto, embora tivesse admitido q recurso, o Tri
recurso, para além de que assegura a transparência e à reflexão decisória:
bunal Judicial admitiu o requerimento de execução contra a empresa,
remetido pelos trabalhadores ora despedidos injustificadamente, e, ilo-
ela pacifica a sociedade, legitima as decisões da Administração Pública e
garante o direito ao recurso de forma esclarecida e permite o controlo das
gicamente, ordenou, acto contínuo, à penhora, e posterior venda, de um
bem patrimonial da empresa (viatura camião cavalo completo e uma decisões por parte dos interessados.
Quando se dirige ao Juiz Administrativo, estamos em sede da tutela
plataforma). Terminada a execução, foi quando o Tribunal fez subir o
jurisdicional efectiva. A tutela jurisdicional efectiva quer dizer que:
recurso de apelação, que julgado pelo Tribunal Supremo, declarou nula
a sentença do Tribunal Judicial, nascendo, daí, toda a responsabilidade
Ao administrado não pode ser limitado o acesso aos tribunais;
do Estado,
+ O tribunal deverá agir de forma imparcial e independente;
Por outro, é «(...) condição de eficácia do aparelho administrativo, Na
« O tribunal tem o dever de responder às petições dos administrados
medida em que só será eficiente a Administração que for responsabilizada
pelos seus erros»??,
dentro de um prazo razoável (celeridade processual),
O princípio da responsabilização traduz-se na obrigação de indemni-
« O tribunal deve garantir a existência de dupla instância (possibili-
dade de recurso ao tribunal superior);
zar vs prejuízos decorrentes das suas acções e omissões no exercício da
actividade administrativa de gestão pública. + Se deve assegurar os meios contenciosos, através dos quais O admi-
pistrado deverá recorrer ao tribunal, sem restrições baseadas na
exigência de o particular seguir os típos legais dos meios proces-
suais previstos na lei (tipicidade dos meios processuais adminis-
50. Princípio de acesso à justiça e ao direito
tranivos);
« Qtribunal deve garantir o procedimento judiciário justo;
O artigo 17 da LPA define o princípio de acesso a justiça e ao direito nos
seguintes termos: «Aos administrados é garantido o acesso à jurisdição » O tribunal deve utilizar técnicas processuais idóneas à efectiva tutela
dos de quaisquer direitos sindicáveis,
contenciosa administrativa, para a obtenção da fiscalização judicial
actos da Administração Pública, bem como para a tutela dos seus direitos « A falta de meios econômicos não pode ser um factor limitante de
ou interesses legítimos, nos termos da legislação do processo administra- acesso aos tribunais;
tivo contencioso». A obrigação do patrocínio e apoio judiciário aos carenciados.
«

= da Função Pública, ob. cit., p. 176.


VEIGA E MORA, Paulo,4 privatização
1:78 Lições de Direito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo e À administração pública 179

SECÇÃO E mente protegidos dos administrados. A desburocratização constitui um


Princípios relativos à organização e funcionamento conceito indeterminado que incide, quer sobre a estruturação administra-
da administração pública tiva, quer sobre o procedimento administrativo.
No primeiro plano, a desburocratização contra-indica estruturas des-
Neste capítulo abordaremos os princípios da desburocratização, da subor- necessariamente complexas, duplicações de atribuições ou competências,
dinação ou hierarquia, da aproximação dos serviços aos cidadãos; da des- distanciamento excessivo entre entidades administrativas e administrados
centralização e da desconcentração. e entre os órgãos de instrução e de decisão e os destinatários destas. No
segundo plano, a desburocratização opõe-se a procedimentos administra-
tivos demasiado longos, não vocacionados para decisões céleres, parcimo-
51. Princípio da desburocratização niosas em termos de meios e ajustadas na relação entre estes e os fins»,
É desta forma que o Antigo Presidente da República, Joaquim CHIS-
O axtigo 12 da LPA enuncia este princípio da seguinte maneira: «A Admi- SANO, enalteceu no lançamento da Reforma do Sector Público que se pre-
nistração Pública deve ser estruturada e funcionar de modo a aproximar tende que este «(...) seja ágil, descentralizado, desburocratizado, simpli-
os serviços às populações e de forma não burocratizada, com a finalidade ficado, modernizado, competitivo e preocupado com os resultados e pela
de materializar a celeridade, a economia no eso de recursos disponíveis qualidade dos serviços prestados ao cidadão. Seja democratizado e com
para maximizar os resultados e a eficiência das suas decisões». um alto grau de institucionalização de formas participativas que permi-
É necessário que'o Legislador harmonize as leis, devendo adequar O tam não só identificar com maior segurança os anseios e necessidades dos
princípio, em termos de redacção, da Proposta de Lei de Base da Organiza- cidadãos, mas também, que crie um espaço para a participação da socie-
ção Administrativa?, no seu artigo 6, ao do artigo 12 da LPA. Pois, a Pro- dade na busca de soluções para os problemas de desenvolvimento»2ss,
posta refere, literis: «A desburocratização determina a adopção de mode-
los organizacionais qué permitem a articulação da Administração Pública,
nomeadamente através do estabelecimento da estrutura integrada, a atri- 52. Princípio da aproximação dos serviços aos cidadãos
buição de competências aos órgãos, funcionários e agentes subordinados, a
criação de balcões de atendimento e outras formas de articulação orgânica». Na colocação dos desafios da Reforma do Sector Público, a CIRESP disse
Seja como for, a desburocratização visa maior eficiência das decisões que era um dos desafios básicos «(...) reduzir a distância entre 0 aparelho
administrativas, celeridade, economia de meios e melhor ajustamento dos burocrático e a sociedade, conceber e operar mecanismos de participação
meios aos fins, do cidadão — exigência básica dos processos democráticos», ao mesmo
Assim, para REBELO DE SOUSA, «sem desburocratização, diminui tempo, a CIRESP reconheceu que havia no Sector Público a «carência ou
a susceptibilidade de assegurar o respeito dos direitos e interesses legal- ausência de infra-estruturas administrativas em muitos Distritos e Postos

“ Idem, pp. 138 e 139.


“o AR-VII/Prop. Lei/162/31.08.2011.
“* Comissão Interministerial da Reforma do Sector Público (CIRESP), Estratégia Global
“So REBELO DE SOUSA, Marcelo, Lições de Direito...,
Gp. CÊ, p. 197. da Reforma do Sector Público, ..., Gp. Cif., p. 10.

aid
Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 181
180 Lições de Direito Administrativo
enção do
«O princípio da hierarquia explica a possibilidade da interv
Administrativos; fraca cobertura do Aparelho de Estado em todo o terri- a essa
s e superior para a fixação da competência em casos de conflito. Graças
tório nacional mais precisamente ao nível dos Postos Administrativo marcha ininter -
intervenção, a máquina administrativa não interrompe à
Localidades»,
rupta que a caracteriza».
É a preocupação que o Governo demonstrou na necessidade de concre- relação
ser- Assim, a hierarquia administrativa vai consubstanciar uma
tizar este princípio, que consiste em a Administração Pública montar straçã o. Desta
isto de subordinação que opera entre os órgãos da Admini
viços administrativos e provê-los de pessoal junto das comunidades, ordens e instru-
importa, forma, cabe aos subordinados o dever de obediência às
é, junto das localidades, postos administrativos e distritos, O que tais ordens não
avan- ções dos superiores hierárquicos legítimos, desde que
desde logo, a desconcentração e descentralização administrativas, dever de obe-
conflituem com a lei criminal, porque, neste caso, cessa O
cando, desta forma, a Administração Pública às comunidades. s
de diência. A hierarquia concretiza-se por via de uma pirâmide: os podere
Como fruto deste princípio, podemos falar do processo em curso inação
instalação física dos tribunais administrativos ao nível das capitais pro- dos superiores hierárquicos actuam de cima para baixo e a subord
diminuirá a no sentido contrário.
vinciais, aproximando estes serviços aos seus utentes, O que ao seu
A questão de ordens legítimas e legais é melindrosa, quanto
distância e tempo de espera, para além de descongestionar o próprio Tri-
cumprimento pelo subordinado. Assim, o Direito confere ao subordinado
bunal Administrativo. como por
algumas garantias contra O cumprimento de ordens ilegais,
ao cometi mento
exemplo, quando se trata de ordens ilegais que não leyam
respeitosa
de crime, o subordinado poderá valer-se do chamado direito da
53. Princípio da subordinação ou hierarguia consubs-
representação; e, em tratando-se de ordens ilegais que possam
ncia ao seu cum-
«1. Os fun- tanciar crime, o subordinado exercerá o direito de resistê
O artigo 252 da Constituição, cuja epígrafe é hierarquia, refere que
funções, devem primento (art. 80 da CRM).
cionários e demais agentes do Estado, no exercício das suas
O dever de
obediência aos seus superiores hierárquicos, nos termos da lei. 2.
de crime».
obediência cessa sempre que o seu cumprimento implique a prática
E, mais, ainda, os órgãos e os serviços da Administração Pública estrut
uram 54. Princípio da descentralização administrativa
os poderes de
-se na base da hierarquia administrativa e, esta compreende ica, «A Admi-
funcio- Segundo o n.º 1 do artigo 250 da Constituição da Repúbl
autoridade e de direcção dos superiores hierárquicos sobre os órgãos, tralização
de de ins- nistração Pública estrutura-se com base no princípio de descen
nários e demais agentes subalternos, dispondo aqueles da faculda interesse geral possa ser
(..)»; ou «(...) implica que a prossecução do
peccionar, supervisionar e impor a disciplina”, do Estado-
Direito Admi- encarregue a outras pessoas colectivas públicas diferentes
A Constituição impõe, por um lado, um princípio básico do põe duas condi-
nistrativo, mas por outro, coloca limitações quanto ao seu cumprimento pelos -Administração»?5, Assim, «a descentralização pressu
ções:
subordinados.
Cil., Pp. 49.
às CRETELLA JUNIOR, José. Direito Administrativo ..., OP.
= Idem, pp. 45 ess. de Lei de Base da Organiz ação da Administração Pública.
o Pública. 3 Cfr. artigos da Proposta
as Cfr. artigo 15 da Proposta de Lei de Base da Organização da Administraçã

E
182 Lições de Direito Administrativo Introdução geral ao direito administrativo e à administração pública 182

1. Em primeiro lugar, ela implica uma distinção, entre a soma das 55. Princípio da desconcentração.
necessidades que a administração deve prover, entre as que interes-
sam o conjunto da população — todos os moçambicanos precisam Segundo estabelece o n.º 1 do artigo 250 da Constituição da República,
de ser defendidos daí a existência de uma defesa nacional — e as «A Administração Pública estrutura-se com base no princípio de (...) des-
que permanecem específicas a uma colectividade — a condução da concentração (...)».
água à aldeia, uma rede de transportes colectivos no âmbito de uma Na senda, ainda, dos textos legais, preconiza o artigo 4 da Proposta de
cidade, O reconhecimento de uma categoria de assuntos locais» dis- Lei de Base da Organização da Administração Pública que «1. A descon-
tintas dos assuntos nacionais é o primeiro dado de qualquer descen- centração determina a transferência originária ou a delegação de pode-
tralização (...). res dos órgãos superiores da hierarquia da Administração Pública para os
2. Em segundo lugar, a descentralização supõe a outorga às colecti- órgãos locais do Estado ou para os funcionários e agentes subordinados.
vidades, da personalidade jurídica que implica a autonomia finan- 2. A delegação de poderes deve resultar expressamente da lei».
ceira, sem as quais, na falta de recursos próprios e de qualquer A desconcentração é uma modalidade da centralização. Chama-se des-
possibilidade de acção, está fora de questão que elas possam gerir concentração «esta transferência, para um agente local do Estado, de um
interesses próprios das respectivas populações (...)»227, poder de decisão até aqui exercido pelo chefe supremo da hierarquia»?39,
Na desconcentração, é sempre o Estado que decide; mas no local, e não
Portanto, a descentralização administrativa traduz-se na existência de desde Maputo. Segundo a fórmula de PROUDHON, é o mesmo martelo
entidades diferentes de Estado-Administração, na Administração Pública, que bate, mas encurtâmos-lhe o cabos,
que exercem a função administrativa, quer consistindo na existência de
autarquias locais (que permitem a participação dos interessados na ges-
tão dos seus próprios problemas e assente na base territorial); e noutros
entes sem base territorial (os institutos públicos, empresas públicas, fun-
dações e associações públicas), para além, de integrar, como refere Mar-
celo REBELO DE SOUSA, «(...) pessoas colectivas privadas, como, por
exemplo, as misericórdias, as concessionárias, as sociedades de capitais
públicos»,

*? CISTAC, Gilles, O processo de descentralização em Moçambique. Seminário realizado


nã Beira e em Nampula, de 24 à 29 de Junho de 1996 pela Faculdade de Direito da Uni- “9 RIVERO, Jean e WALINE, Jean, Droit Administratif, apud CISTAC, Gilles, O processo
versidade Eduardo Mondlane, Maputo, 1996, pp. 5 € 6. de descentralização..., Op. Cit., Pp. 7.
“8 Lições de Direito Administrativo, VolI, Op. Cit, p. 139. “o Idem.
Título II
Organização Administrativa
| É

CAPÍTULO I

Teoria Geral da Organização Administrativa

56. Breves considerações sobre a Teoria Geral

A Teoria Geral da Organização Administrativa consiste em


« caracterizar

"todo o; domínio da organização administrativa Na verdade, a teoria geral


estuda as “questões de ordem geral e comum a toda a organização adminis-
trativa, indicando soluções sobre os modos de estruturação da Adminis-
tração Pública.
O estudo da Teoria Geral da Organização Administrativa reveste-
-se de grande importância porque, focando todos os aspectos gerais da
Organização Administrativa, fornece noções e princípios básicos que têm
Tararate dra
aplicação directa ou fornecem esquemas de enquadramento éé Tatidcinio
atra nã Leteras

fundamental, dondeo legislador de um país pode apoiar-se para fazer as


grandes opções de organização administrativa do seu país. Portanto, a É
organização administrativa é resultado da opção legislativa de cada país,
isto é, é a lei que determina a organização administrativa de um deter-
ae de tm e

Fr minado país.

57. Noção de organização pública

Organizar, como escreve Marcello CAETANO, «ésinuues dispor


“e
os elementos
Necessários para prosseguir determinados objectivos segundo uma ordem
Organização Administrativa 189
188 Lições de Direito Administrativo
ções, ou melhor, não podem figurar como sujeitos de relações jurídicas.
estável que assegure a adequada integração € coordenação de actividades
Por exemplo, como demandar um tribunal judicial, um ministério, como
humanas empregadas sobre a base da divisão do trabalho».
demandar um Hospital Central de Maputo? Logicamente, o demandante
Mas como tal, organização pública «é um grupo humano estruturado
encontrará grandes dificuldades em fazer com que uma daquelas insti-
pelos representantes de uma comunidade com vista à satisfação de neces-
tuições, como tal, o indemnize por danos. Portanto, sendo o tribunal da
sidades colectivas predeterminadas desta»”. Neste sentido, o conceito de
primeira instância que não fez subir o recurso ao supremo e, como não
organização pública integra quatro elementos”, nomeadamente: te,
bastasse, ter executado a sentença condenatória recorrida, logicamen
o ofendido demandará o Estado-Administração, como pessoa colectiva
D Um grupo humano.
pública dotada de personalidade e-capacidade jurídicas.
ii) Uma estrutura. Isto é, que é o modo particular de relacionamento
A personalidade jurídica é um atributo jurídico que é concedido a um
de vários elementos da organização entre si e com o meio social em
ente para que, no âmbito de uma determinada matéria específica, possa
que ela se insere.
agir como sujeito capaz de assumir obrigações e ser titular de direitos.
iii) O papel determinante dos representantes da colectividade no
O legislador toma, em primeiro lugar, para atribuir a personalidade jurí-
modo como se estrutura a organização.
dica, o substrato (pessoas, bens, organizações, fins e interesse) que con-
iv) Uma finalidade — a prossecução do interesse público e sua conse-
siste numa matéria, ou num centro autónomo de interesses que possam
quente satisfação.
ser realizados por uma vontade ao seu serviços. Loga, o interesse colectivo
e a vontade funcional são elementos da matéria ou do substrato.
As organizações públicas não detêm personalidade jurídica, daí a falta
Em segundo lugar, ao lado do substrato, 0 Estado para atribuir perso-
de referência na definição desse elemento. Como refere CAUPERS, «isto
nalidade jurídica, há-de impor a necessidade de reconhecimento, que é a
explica-se por duas razões:
atribuição da personalidade jurídica ao substrato. A partir deste momento,
a pessoa colectiva é autónoma, capaz de ser titular de direitos e assumir
— Porum lado, porque muitas organizações são desprovidas de perso-
obrigações.
nalidade jurídica (...);
— Por outro, porque existem — (...)-cada vez mais organizações públi-
cas que revestem formas jurídicas de direito privado -associações,
fundações e sociedades».

Se muitas organizações públicas estão desprovidas de personalidade


jurídica, quer isto dizer que elas não podem assumir direitos e obriga

" Manual de Direito... Op. Cif., Pp. 175.


: CAUPERS, João, Introdução ao Direito..., op. cit., p. 88. Administrativo, Vol. 1, op.
S Nestes termos, vide CAETANO, Marcello, Manual de Direito
3 Idem.
cit., pp. 176 ess.
* Ibidem.

b:
Cem

CAPÍTULO II

Elementos da Administração Pública Material

58. Elementos da administração pública

À administração pública é integrada por pessoas colectivas


de direito
público e serviços públicos.

SECÇÃO 1
Pessoas colectivas de direito público

59. Preliminares

Às pessoas colectivas do direito público correspondem às pessoa


s colecti-
vas públicas e, como tal, diferem-se das pessoas colecti
vas do direito pri-
vado pelos critérios de criação, fim e capacidade jurídica.
Desta forma, dizem-se pessoas colectivas de direito público
DO mama, mara . ET q . .

os entes
colectivos criados por iniciativa pública para assegu
mta rar, em nome colec-
tivo, a prossecução necessária de interesses públicos,
dispondo para tal; Pro
de poderes públicos e submetidas a deveres públicos. Portan
caro pop to, a pessoa
colectiva pública é um dos sujeifo
o fm me testa
s na relação jtrídico-administrativas.
——
* Neste sentido, FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direit
o Administrativo, Vol. I,
op. cit., p. 584.

P:
strativa 193
Organização Admini

nvolvimen-
strativo nã o das sua s atr ibu ições, para mas dese
Lições de Direito Admini 0u rcelo Rebelo de
19 o natureza lucrativa obra do Professor Ma
ssária, por ta r a
rt ic ip am , de fo rma imediata € nece tos, o estudante po de co ns ul
1, pp. 154€ 88.
As pessoa s cole
ctivas pa
ra: tiva do Estado-c
olectivi- de Di re it o Ad mi nistrativo, Volume
íc io da fu nção administstr SOUSA, Liçõ es
€ xe rc ngem UM
direito próprio, no
s co le ct iv as de di reito público abra
as pessoa o, as autar-
dade”. Na verdade, gr up o humano (por exempl
soc ial ou
substrato de privilégio b eneficio de
61, Regime jurídico
)
a or ga ni za çã o par a administração em
quias locais); ou um es), à uma direcção de um
onial (fundaçõ
terceiros de uma massa patrim
de pessoas fisicas ou colect-
estabelecimento público e a uma associação Q regime jurídico das pessoas colectivas públicas
varia conforme O tipo
o)º.
vas, dotadas de capacidade jurídica (corporaçã de pessoa colectiva (isto é, é multiforme-não
sendo igual para todas as
ao legislador de cada país
pessoas colectivas), cabendo a sua formatação
icas ao criar a pessoa colectiva.
560. Classificação das Pessoas Colectivas Públ Desta forma, o regime jurídico das pessoas colect
ivas compreende o

que a seguir se segue:


ificam-se em.
As pessoas colectivas de direito público class

a colectiva de tipo territo-


- Estado-Administração, que é uma pesso 61.1. Criação e extinção das pessoas colectivas públi
cas
rial e populacional;
nal (institutos públicos); criadas por lei, ou iniciativa
Pessoas colectivas de natureza institucio As pessoas colectivas de direito público são
ial (empresas públicas);
« Pessoas colectivas de natureza empresar pública local, nunca por acto administrativo,
e «ingressa no campo do direito,
iativo (corporações € asso-
Pessoas colectivas públicas do tipo assoc sem se confundir com a pessoa jurídica de direit
o privado», A criação de pes-
ciações públicas); ta do facto de este não con-
soas colectivas pelo Estado-Administração resul
e território, nomeada-
Pessoas colectivas públicas de população seguir atingir com as suas actividades os fins
a que se propõe na plenitude.
moçambicano, € regiões autó-
mente, as autarquias locais, no caso Portanto, «(...) o Estado constitui ou recon
hece as pessoas jurídicas menores,
s, até então). próprio
nomas, no caso português (Madeira e Açore como suficientes, por si, para a missão que
se destinam, visto que é o
atribui a qualidade de sujeitos
Estado quem cria e estrutura os entes a quem
o grau (maior ou menor) de de fato,
A distinção acima aludida tem como base de direito, ou então, acolhe a estrutura de
entidades já constituídas
cas em relação ao Estado. sujeitos
dependência das pessoas colectivas públi espontaneamente, com formação histórica,
reconhecendo-os como
utilizando-se vários crité-
É possível ensejar-se outras classificações, de direito» -neste último caso, estamos à falar
de autarquias locais.
entre os fins prosseguidos e 9 que cria ou reconhece as
rios, como por exemplo, quanto à relação Qual é a razão de ser O Estado-Administração
ante no substrato, O critério da
substrato; quanto ao elemento determin outras pessoas colectivas de direito público?
strativo, Vol. 1, op. cit., pp. 148
7 REBELO DE SOUSA, Marcelo, Lições de Direito Admini * CRETELLA JUNIOR, José, Direito
Administrativo..., Op. Cit., p- 125.

e 149. o... op. cit. p. 542.


º Idem.
Rolf, Direit
8 WOLFF, Hans )., BACHOF, Otto e STOBER,
194 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa 195

Tudo reside no que o Estado-Administração exerce, por direito pró- dade conhece limites, nomeadamente, o de exercer tais poderes com vista
desvie, sob pena
prio, a função administrativa do Estado-colectividade, que deriva neces- ao alcance daqueles fins institucionais, sem que deles se
sariamente do poder soberano (as suas atribuições e serviços são determi
- de os 6rgãos procederem ultra vires".
. Sendo
nados pelo poder legislativo), e é o cerne da Administração Pública
trativos
uma entidade a se não se confunde com os seus agentes adminis
e políticos, que nela prestam a sua actividade, ou o dirigem
, muito menos 61.3. Autonomia administrativa e financeira
com os cidadãos.
nomia administrativa e finan-
Quanto à extinção, as pessoas colectivas são extintas por lei
ou decisão As pessoas colectivas públicas detêm auto
.
as
pública local, não se sujeitando ao regime aplicável às pessoas colectiv ceira.
conferido aos órgãos de
privadas, nomeadamente, a dissolução, a falência ou a insolvê
ncia. Diz-se autonomia administrativa o «(...) poder
actos administrativos
uma pessoa colectiva de direito público de praticar
eçam a todos os requisi-
definitivos, que serão executórios desde que obed
a financeira quando
61.2. Capacidade jurídica de direito público e privado tos para tal efeito exigidos por lei. (...). Há autonomi
e os outros que a lei lhe
os rendimentos do património da pessoa colectiva
ável livremente,
Fala-se da capacidade jurídica para exprimir a aptidão para ser
titular de permite cobrar sejam. considerados receita própria, aplic
é gémea da
um acervo de direitos e obrigações. Logo, a capacidade jurídica segundoo orçamento.
ter * autoridade dos seus órgãos».
personalidade jurídica. Neste contexto, «toda a pessoa colectiva pode
a colectiva pública está
capacidade de direito público ou de direito privado» e patrimônio
próprio. É preciso notar que a criação de uma pesso
to, decorre desta
Esta conclusão deriva, necessariamente, das formas jurídicas da activid
ade ligada a satisfação das necessidades colectivas. Portan
o
administrativa, nomeadamente, a capacidade jurídica de direito
público regra que a auton omia financeira nãoé condição essencial paraà criaçã
rr qm ri

corresponde à gestão pública e a capacidade jurídica do direito privado e de pessoas colectivas públicas.
património próprio derivam da gestão privada.
Destaquemos a capacidade jurídica de direito público. À pessoa colec-
tiva pública tem poderes públicos, nomeadamente, poderes de autoridade 61.4. Direito de celebrar contratos administrativos
, con-
sobre os particulares, poderes de lançar taxas, de fazer regulamentos
celebrar os contratos
fiscar, de autonomia administrativa e financeira, celebração de contratos As pessoas colectivas têm capacidade jurídica de
tivo, excepto
administrativos, como também, pode assinalar-se um conjunto de deve- administrativos, submetidos ao regime do direito administra
as empresas públicas. ' mM
res, como o de responsabilidade civil.
É preciso sublinhar que à pessoa colectiva pública é atribuído um leque
de poderes para o exercício cabal das suas atribuições, porém, tal capaci-
“ Nestes termos, Idem, pp. 202. € 203.
“ CAETANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Vel. 1, op. cit. p. 182. 9 Ihidem,, p. 222.

+
196 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa 197

61.5. Bens do domínio público 61.9. Sujeição à fiscalização e controlo externo dos tribunais
administrativos
As pessoas colectivas podem deter bens submetidos ao regime público,
como também, ao regime privado. As contas das pessoas colectivas públicas estão sujeitas à fiscalização da
Terceira Secção do Tribuna! Administrativo, incluindo as empresas públi-
cas e sociedades com capitais maioritariamente públicos (alinea e) do
61.6. Pessoal
artigo 3 da Lei n.º 26/2009, de 29 de Setembro).
O pessoal que presta a actividade para as
pessoas colectivas públicas está
submetido ao regime da função pública,
excepto os trabalhadores das
empresas públicas que se regem pela lei 61.10. Fórum administrativo
geral (Lei do trabalho), não obs-
tante o facto de esta lei funcionar como
lei geral, e, portanto, capaz de
preencher as lacunas do regime da funçã Os litígios surgidos no âmbito das suas actividades, as pessoas colectivas
o pública.
respondem perante o Tribunal Administrativo e os tribunais administrati-
vos, excepto quanto às empresas públicas.
61.7. Sujeição ao regime administrativo Chama-se atenção ao facto de que a excepção, quanto às empresas
de responsabilidade públicas, não vale, quando se tratar de controlo financeiro, pois, nos ter-
civil
mos do artigo 3 da Lei n.º 26/2009, de 29 de Setembro, atinente ao regime
Às pessoas colectivas públicas que causarem relativo à organização, funcionamento e processo da 2.2 Secção do Tribunal
danos a terceiros, no âmbito Administrativo, estão sujeitos à jurisdição administrativa e dos Tribunais
da prossecução do interesse público, respo
ndem, civilmente, nos termos
do regime administrativo aplicável, excep Administrativos, alínea e) «as empresas públicas e as sociedades decapitais,
to as empresas públicas, pois, exclusiva ou maioritariamente, públicos».
respondem nos termos gerais.

61.8. Sujeição à tutela administrativa 62. Atribuições e missões das pessoas colectivas
públicas: fins
A lei permite que uma certa pessoa colectiva públi
ca possa intervir na
gestão de outra pessoa colectiva, com vista As atribuições ou fins da pessoa colectiva pública «corresponde (m) a certa
a assegurar a legalidade ou O
mérito da sua actuação. necessidade colectiva ou certa zona da vida social», e o Estado-Admi-
nistração há-de criar as pessoas colectivas públicas «especialmente para

“ MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Actividade Constitucional do


Estado, Tomo V, 3.º edição, Coimbra editora, 2004, pp.7ess.
198 Lições de Direito Administrativo
Organização Administrativa 199
aqueles fins em razão dos quais a personalidade lhes foi
reconhecida: tal é . institucionalizado de poderes funcionais a exercer pelo indivíduo ou pelo
o princípio da especialidade das pessoas colectivas»'s.
“colégio de indivíduos que nele estiverem providos com o Objectivo de
«O princípio da especialidade implica, pois, por um Ama. meo
lado, a atasdeterm
mt
tamo
i- exprimir a vontade juridicamente imputável a essa pessoa colectiva»,
“Âmnoção deste ilustre mestre aponta para a perspectiva institucional
da
jurídica, por outro, um ajustamento. funcioúal do.exercício
da cápacidade: . noção de órgão, no sentido de empreendimento que se realiza e perdura
.aós fins. a atingir. €..). O princípio da especialidade não. impede
, porém,” no meio social.
que a pessoa colectiva pratique actos seg ligação directa e
mp mai ram aro imediata com * Porém, existe uma outra perspectiva que considerar o órgão como indi-
o fins, quando tais actoss sejam acessórios da gestão, ou
instrumentais “duo, ou.titular, ou melhor, como 2 pessoa física que, em cada momento,
“dela, ou se reputem, por uso ou consenso comum, comp mer
reendidona.
s encarna a instituição e forma a vontade da pessoa colectiva.
esfera jurídica das pessoas colectivas em geral»!s, >» > Para além destas perspectivas, podemos acrescentar a perspectiva que
Note-se que a lei pode conferiràa uma mesma pessoa
colectiva uma “vê no órgão um cargo ou mandato, no sentido de função do titular, isto é,
multip
ottpicica licida de de atribui ções e, neste caso, impõe-se destacar as princi-
Sa o papel institucionalizado que é lhe atribuído.
pais das acessórias; ou entre à primárias e secundárias; ou
te es catam cem eme a a obrigatórias e Nesta toda querela doutrinária, importa dizer que « (...). Tado depende
facultativas, ficando a realização dass segundas ao critério
dos respectivos da perspectiva em que nos colocamos e sob qual pretendemos analisar o
órgãos, se a lei não impuser o cumprimento de uma delas,
problema»'8,
Apesar destas situações, os órgãos da pessoa colect
iva pública não ca Desta forma, existem trêsperspectivas na teoria geral do Direito Admi-
podem praticar actos fora das atribuições acometidas
por lei às respectivas nistrativo em que se pode abordar o conceito de órgão, nomeadamente:a
pessoas colectivas sob pena de nulidade, por terem
agido ultraviris. a organização administrativa, a da actividade administrativa e das garan-
As atribuições do Estado como pessoa colectiva pública não
estão definidas “tias
as dos particulares's.
numa lei específica. Portanto, encontram-se dispersas por
vária legislação. Na perspectiva da organização administrativa (Administração Pública
No que diz respeito às missões, podemos dizer que estas
são tarefas no sentido subjectivo), os órgãos devem ser tidos como instituições; é, por
desenvolvidas pelos diversos serviços públicos.
isso, que, nesta perspectiva, encontramos os modos de designação dos
titulares dos titulares dos órgãos, isto é, como é que as pessoas físicas che-
gam a ocupar Os seus cargos ou mandatos.
63. Órgãos das pessoas colectivas públicas
Na perspectiva daqu aeeactividade
qa
administrativa, o conceito de órgão
deve ser tomado no sentido de indivíduo, ou pessoa física que encarnou
63.1. Noção
a instituição, pois interessa quem tomou uma determinada decisão, uma
eae qm a

vez que a vontade funcionalé manifestada, em termos práticos, por indi-


» Dizem-se órgãos das pessoas colectivas públicas,
na esteira de Marcello víduos.
Caetano, «(...) o elemento da pessoa colectiva que consis
te num centro.
7 CARTANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Vol. 1, op. cit., p. 204.
“ Idem, pp. 202. € 203. p. 202. 8 FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso do Direito Administrativo, Vol. 1, op. cit., p. 591.
o “ Idem.
Organização Administrativa 201
200 Lições de Direito Administrativo

Em conclnsão, os órgãos são os centros de imputação dos poderes fun- a. Critério da forma de designação: i) representativos, que são eleitos
cionais e manifestam a vontade funcional que a lei imputou às pessoas e ii) não representativos, que são designados por via de outros processos,
colectivas públicas. como a nomeação e cooptação.
4. Órgãos centrais e locais. Conforme exercem os seus poderes a nível do
território nacional (Ministério); ou local (antarquia, província, distrito, etc.).
69.2. Classificação dos órgãos 5. Órgãos primários, secundários e vicários: os primários dispõem
de uma competência própria para decidir; os secundários, dispõem de
São vários os critérios utilizados para classificar os órgãos, e ela tem rele- competência delegada, quer de forma originária ou derivada e vicários,
vância prática assinalável. que exercem competências por substituição dos seus títulares em caso de
impedimentos ou ausências (exemplo, os vice-presidentes).
+. Critério do número de titulares: podemos falar de: i) órgãos sin- 6. Órgãos permanentes e temporários: quer tenham duração indefi-
gulares e ii) colegiais, quer se trate de um titular ou mais de umi titular, nida e quer actuem por um período determinado por lei, respectivamente.
respectivamente. Logo, sendo órgão singular, este decide e, sendo colegial, 7. Órgãos simples e complexos: quer tenham uma estrutura unitária,
delibera, e para as suas reuniões ou sessões, requere o preenchimento de logo simples, ou mesmo colegiais, desde que os seus titulares só possam.
quórum para reunir e deliberar validamente; como também, a sua com- actuar colectivamente quando reunidos; e quer tenham estrutura diferen-
posição tem, em regra, de ser em números ímpares, às vezes, quando seja ciada, isto é, constituídos por titulares que exercem, também, competên-
número par, confere-se, ao presidente do órgão, o voto de qualidade para cias próprias, tal é o caso de Conselho de Ministros, em que cada ministro
casos de desempates na obtenção das deliberações. detém competência própria.
Na verdade, os órgãos colegiais têm uma especificidade própria devido
ao facto de que na sua composição integram diversos merabros, desde 0 Como é que o direito positivo trata estas matérias?

presidente, vice-presidente, se for o caso, e o secretário, A resposta vem da Lei do Procedimento Administrativo”, artigo 21
Para o órgão colegial reunir, é preciso que haja convocatória para O seguintes. Assim teremos que:
efeito. As sessões do órgão podem ser ordinárias e extraordinárias. As for-
mas de deliberação vão desde a maioria relativa, isto é, havendo quórum * Cada órgão administrativo tem um presidente e um secretário a ele-
ger pelos membros do órgão colegial, excepto se outra indicação for
de deliberação, a deliberação será expressa pelos votantes que se pronun”
ciaram em número maior; a maioria absoluta em que a deliberação se feita por lei. O presidente do órgão convoca as suas sessões, dirige-
obtém por mais de metade dos votos, tendo em referência a composição -as e orienta os trabalhos do mesmo; bem como fixa a ordem do dia.
são substituídos, em casos de impedi-
do órgão (50%+1); a maioria qualificada, que pode ser de dois terços, três O presidente e o secretário
quartos; e unanimidade que requer a totalidade de votos favoráveis. mentos, pelo vogal mais antigo e pelo mais jovem, respectivamente
2. Critério do tipo de funções exercidas: i) órgãos activos; que deci- (artigos 21 e 22);
dem ou executam as decisões; ii) órgãos consultivos; que dão opiniões OU
parecerés; in) de controlo, que fiscalizam. » Lejn.º 14/2011, de 10 de Agosto, publicada no Boletim da República
n.º 82, 1 Série.
| q 202 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa 209

* O órgão colegial reúne-se de forma ordinária e extraordinária, a fixar tam a vontade funcional das pessoas colectivas. Porém, para que os órgãos
livremente, se não houver indicação contrária por lei; possam manifestar tal vontade, precisam de um conjunto de poderes.
As deliberações do órgão colegial são obtidas, regra geral, por maio- Com efeito, «o complexo de poderes funcionais conferidos por lei a
ria simples (n.º 1 artigo 32). Na leitura do n.º 1 do artigo 32, pode cada órgão para o desempenho das atribuições da pessoa colectiva em
se entender que a lei quis consagrar a maioria absoluta, mas não que esteja integrado constitui o que se chama competência desse órgão».
| é isso, pois trata-se de maioria de membros presentes, desde que Acasalando os conceitos pessoa colectiva, atribuições, órgãos e com-
constituído o quórum de deliberação. É uma redacção confusa do petência, diriamos que as atribuições dizem respeito às pessoas colectivas
| n.º 1 mas que o sentido úti! a extrair-se, outro não seria senão o atrás e a competência aos órgãos. Desta conjugação resultam consequências
exposto?:, Porque, na verdade, o n.º 2 é que vem tratar da maioria importantes, nomeadamente?*:
absoluta que se obtém com cinquenta por cento dos votos mais um
| voto, com referência à composição do órgão: * Que qualquer órgão da pessoa colectiva pública, no âmbito da pros-
Nas deliberações, em caso de empate, a lei conferiu ao presidente secução do interesse público, está limitado pela sua própria compe-
.
I

| o voto de qualidade com vista ao desempate. Assim, tratando-se tência, não sendo de tolerar que este invada competências de outros
| de escrutínio expresso, vencerá o lado em que o sentido de voto do órgãos da mesma pessoa colectiva pública, sob pena de incompetên-
presidente tiver incidido. Sendo o escrutínio secreto esta regra não cia a razão da matéria, embora relativa, o que conduz à anulabilidade
funciona, pois em caso de empate deve marcar-se nova votação, não da decisão.
| havendo solução, procede-se à votação nominal - chamada por lista * Que o órgão da pessoa colectiva, para além delimitação anterior,
nominal dos membros (artigo 3; encontra-se limitado pelas atribuições da pessoa colectiva em cujo
Em cada sessão do órgão, lavra-se uma acta, contendo os debates, que nome actua, sendo-lhe proibido praticar quaisquer actos sobre
deverá ser assinada pelos presentes, indicando-se, em caso de haver matéria estranha aos fins da pessoa colectiva, sob pena de praticar
vencidos, os motivos que justificam as suas posições (artigo 35). actos ultra vires, desde logo nulos e de nenhum efeito.

Assim, estas duas ilações conduzem-nos à seguinte conclusão: «as


64. Competências dos órgãos das pessoas colectivas públicas atribuições da pessoa colectiva e as competências dos seus órgãos limi-
N materia
tam-se, reciprocamente, uma às outras: nenhum órgão administrati
em que que nr
vo
Como é sabido, por um lado, as atribuições são os interesses postos por pode prosseguir atribuições da pessoa colectiva a que pertence por meio
lei a cargo das pessoas colectivas públicas e, por outro, os órgãos manifes- de competências que não sejam as suas, nem tão-pouco pode exercer a sua
| * «1,As deliberações são tomadas por maioria absoluta de votos dos membros presentes na competência fora das atribuições da pessoa colectiva em que se integra»*s.
reunião, excepto nos casos em que, por disposição legal, se exija maioria qualificada ou se
mostre suficiente maioria retativa». “ CABTANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, op. cit, p. 228.
| «2. Se for exigível maioria absoluta e esta não se verificar, nem houver empate, pro- “ Cfr. FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, Op. cit,
= cede-se imediatamente a nova votação e, se aquela situação se mantiver, a deliberação é Pp. 605.
adiada para a reunião seguinte, na qual basta a maioria relativa». 5 Idem.
Organização Administrativa 205
204 Lições de Direito Administrativo

em caso algum, praticar actos pelos quais recusem ou transmitam


Excepto no Estado-Administração, regra geral, nas pessoas colectivas
os seus poderes para outros órgãos da Administração Pública ou
públicas, cada órgão detém um acervo de poderes funcionais diferenciados
mesmo para entidades privadas.
para prosseguir o mesmo fim da pessoa colectiva. Dito doutra maneira: no
Estado-Administração, vários órgãos detêm competências similares para
Sobre a irrenunciabilidade e inalienabilidade, estatuio artigo 36 da Lei
prosseguirem fins diferentes e nas restantes pessoas colectivas, vários
do Procedimento Administrativo que «1. A competência é definida por lei
órgãos detém competências diversificadas para prosseguirem as mesmas
ou por regulamento e é irrenunciável e inalienável, sem prejuízo do dis-
atribuições.
posto relativamenteà delegação de poderes e à substituição 2. É nulo todo
o acto ou contrato que tenha por objecto a renúncia à titularidade ou ao
64.1. Delimitação da competência exercício da competência dada aos órgãos administrativos, sem prejuízo
da delegação de poderes e figuras afins.
A delimitação da competência segue o princípio da legalidade. Ísto é, a lei Esta definição legal deixa claro que o legislador adere à tese de que a
é que confere e delimita a competência dos órgãos das pessoas colectivas
delegação de poderes tem a natureza de alienação de poderes, o que choca
com a teoria geral da delegação de poderes na medida em que o delegante
públicas. Logo, os órgãos das pessoas colectivas só podem fazer aquilo que
não pode avocar os poderes delegados, muito menos pode revogar os actos
a lei permite, contrariamente aos particulares que podem fazer tudo o que
a lei não proíbe.
praticados pelo delegado.
Do que se disse, resulta que a competência:

* Não se presume, devendo resultar da lei, excepto casos de compe-


64.2. Critérios de delimitação da competência
tência implícita. Por exemplo, nos termos do n.º 1 do Artigo 78 da
A competência pode ser delimitada ou fixada em razão da matéria, do grau
Lei n.º 31/2009, de 29 de Setembro, que aprova a Orgânica Geral da
hierárquico, do lugar e do tempo. Há quem acrescente à competência a
Assembleia da República, compete ao Presidente da Assembleia da
razão do valor.
República, sob proposta do Secretário-Geral, nomear os directores
de Divisão. Ora, a mesma Lei em nenhum momento atribui compe-
a) Competência a razão da matéria; diz respeito ao conteúdo em
tência ao Presidente para exonerar os directores de Divisão. Quer
que certo órgão da Administração Pública vai actuar. Por exemplo,
dizer que esta competência está implícita na de nomear. Perma-
compete, nos termos da Lei Orgânica da AR, à Comissão
«É imodificável, isto é, ninguém pode alterar o conteúdo ou a divisão
nente da AR aprovar normas de execução orçamental e, por seu
da competência feita por lei, se não ela mesma, através da sua alte-
turno, compete ao Presidente da Assembleia da República executar
ração pelo órgão competente;
e fazer executar as deliberações da Comissão Permanente;
« É irrenunciável e inalienável: excepto os casos de delegação de colec-
poderes para órgãos subalternos e de concessão a outras entidades b) Competência em-razão da hierarquia: haverá numa pessoa
privadas, nos casos previstos na lei, os órgãos da AP não podem, tiva pública um conjunto de órgãos escalonados de forma a cons-
206 Lições de Direito Administrativo
Organização Administrativa 207
tituir uma hierarquia. Por exemplo, podemos ter num Ministério;
64.3. Classificação da competência
um Ministro, Secretário Permanente, Director Nacional, Chefe de
Departamento Central. Os poderes serão distribuídos de forma ver-
A competência pode ser classificada segundo vários critérios, nomeada-
tical desde o Ministro até o Chefe de Departamento Central, for-
mente;
mando uma cadeia hierárquica. Embora, a competência do supe-
rior hierárquico inclua a dos subordinados, existem casos em que
a) Quanto ao modo de atribuição: a competência pode ser própria
a lei difere aos subordinados competência exclusiva, emanando,
e delegada. É própria quando fixada pela lei e delegada, quando
desta forma, o subordinado actos definitivos e executórios;
resulta de uma manifestação da vontade de um outro órgão admi-
c) Competência em razão do território: a competênciaé repartida
nistrativo através do processo de delegação de poderes, normail-
conforme as circunscrições territoriais, nomeadamente, órgão cen-
mente, superior hierárquico;
tral, em que a competência é exercida no âmbito nacional; órgão
b) Quanto à inserção da competência nas relações inter-orgânicas:
local, em que a competência se circunscreve, por exemplo, ao dis-
é comum quando a competência do superior hierárquico engloba a
trito, a autarquia, a província:
dos subordinados, nos casos necessários para prevenir a jurisdição,
d) Competência em razão do tempo: a competência diz respeito, regra
ou casos de escusas do subordinado em decidir, o superior tomar
geral, ao momento presente, portanto, arrepia ao direito, no geral,
a decisão no lugar deste, se estiverem integrados na mesma hie-
a produção de actos retroactivos ou diferidos pelos órgãos da Admi-
rarquia; e bxcl lusivay reservada quando esta pertence unicamente
nistração Pública; poema io o unia a qm rd

* aos subordinados, não se incluindo na dos superiores. Neste caso,


e) Competência em razão do valor: esta delimitação depende do r
* o subordinado toma decisões definitivas e executórias que cabem
t ibuído à causa (por exemplo, o valor até ao qual o
recurso. contencioso, como também, o recurso hierárquico facul-
cbtnal presisa julga sem recurso ordinário — cinquenta vezes 0
“ Ctativo. Não sendo o subordinado órgão independente, apesar de
salário mínimo nacional) cu atribuído à matéria sobre a qual o órgão
gozar de uma competência exelusiva, pode receber ordens supe-
deva decidir; por exemplo, imaginemos que o Director Nacional é
riores para alterar ou revogar as decisões que tenha tomado, em
investido de uma competência em matéria orçamental de autorizar
homenagem aos poderes do superior hierárquico;
despesas até quinhentos mil meticais; apesar de não ser expressão
c) Quanto ao número de órgãos titulares: é singular quando per-
monetária, a Lei de Terras concede o poder de o Governador pro-
tence a um único órgão; conjunta quando pertence a dois ou mais
vincial autorizar o direito de uso e aproveitamento da terra até O
órgãos administrativos diferentes de forma simultânea devendo ser
limite máximo de 1000 hectares (alínea 2) do n.º 1 do artigo 22).
exercida por todos num amúnico
NE Termacto. É o caso dos despachos intermi-

nisteriais ou conjuntos;
A violação da competência nos termos da delimitação atrás exposta d) Quanto à substância: a competência é va, quando é con-
corresponde à incompetência à razão dessa mesma delimitação, Os exité-.
ação Ter ferida ao órgão para tomar decisão sobre um certo assunto; e revo-
rios de delimitação da competência são cumuláveis e actuam simultanea-
gatória quando extingue ou faz cessar os efeitos de uma decisão
mente, salvo situações que excluem a competência em razão de valor.
anteriormente tomada;
208 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa 209

e) Competência separada: em que o subalterno pode praticar actos administrativo pode suscitar oficiosamente a incompetência ou através do
administrativos executórios e não definitivos, pois cabem recurso próprio interessado particular.
hierárquico necessário. Se o particular erradamente enviar, dentro do prazo, um requerimento
a um órgão (incompetência relativa) que pertence ao mesmo Ministério ou
pessoa colectiva, este deve providenciar o envio oficiosamente do requeri-
64.4. Regras gerais sobre a competência” mento ao órgão competente, comunicando o facto ao particular em causa.
Se o órgão que recebeu o requerimento erradamente for de outro Minis-
A competência fixa-se no momento em que se inicia o procedimento adimi- tério ou pessoa colectiva diferente (incompetência absoluta), este deverá,
nistrativo, sendo irxelevantes as modificações de facto e a maioria das com urgência, devolver o requerimento ao particular, indicando o órgão
modificações de direito que ocorram, posteriormente. competente (cfr. artigo 41 da LPA).
É neste sentido que o artigo 37 da Lei do Procedimento Administra-
tivo traduz o momento da fixação da competência «1, A competência fixa-
-se no momento em que tem início o procedimento, sendo irrelevantes as 65. Conílitos de atribuições e de competência
modificações de facto que ocorram posteriormente, excepto os casos de
o órgão territorialmente competente passe a ser outro, circunstância em Os conflitos de atribuições ou competências podem ser positivos ou nega-
que o processo deve ser-lhe remetido oficiosamente. 2. São, igualmente, tivos.
irrelevantes as modificações de direito, a não ser que seja extinto o órgão É conflito positivo «(...) quando dois ou mais órgãos da Administração
a que o procedimento estava adstrito, se deixar de ser competente ou Se reivindicam para si a prossecução da mesma atribuição ou o exercício da
lhe for atribuída a competência de que anteriormente estivesse carecida». mesma competência»?”, e haverá conflito negativo «quando dois ou mais
Se a decisão final de um procedimento depender de uma questão que órgãos consideram simultaneamente que lhes faltam as atribuições ou a
seja da competência de um outro órgão administrativo ou dos tribunais competência para decidir um dado caso concreto» 2º,
(questão prejudicial), deve o órgão competente suspender a sua actua Diz-se conflito de atribuições se a questão ocorrer entre duas pessoas
ção até que aqueles se pronunciem, salvo se da não resolução imediata colectivas, na especificação dos seus fins; e de competências se o conflito
do assunto resultarem graves prejuízos, devendo o órgão administrativo ocorrer em relação aos poderes funcionais. Quando o conflito ocorrer
conhecer do assunto, que produzirá seus efeitos no âmbito desse procedi- entre um órgão administrativo e outro judicial ou legislativo, estaremos
mento administrativo (n.º 1 do artigo 38 da LPA). em face de conflito de jurisdições.
O órgão administrativo, antes de decidir, deve fazer o auto-controlo Como resolver os conflitos?
da competência, verificando se de facto é ou não competente para conhe- Os conflitos de atribuições entre dois ministérios deverão ser resolvi-
cer da questão controvertida. Logicamente, deve, se for o caso, solicitar dos pelo Presidente da República, como órgão com competência para Os
parecer jurídico para poder actuar com exactidão e certeza. Esta é a regra criar (n.º 2 do artigo 49 da LPA).
estabelecida pelo artigo 40 da LPA, havendo a acrescentar que O órgão
= FREITAS DO AMARAL, Diogo. Curso de Direito Administrativo, Vol 1, gp, cit., p. 615.
2 Seguiremos de perto as regras fixadas pela Lei do Procedimento Administrativo. 2:Idem,
210 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa 211
Entre os órgãos de pessoas colectivas públicas diversas, os conflitos ção do Caso Blanco, julgado pelo Tribunal de Conflitos Francês, em 1879.
serão resolvidos pelo Tribunal Administrativo (n.º 4 do artigo 49 da LPA). Neste aresto restou afirmado que as actividades prestadas pelo Estado
Para os restantes casos, a solução pode resultar de acordo, ou na falta estão submetidas a um regime jurídico distinto daquele atribuído às fún-
rio ea PÉ “etapa AL taraça
deste, pelos respectivos ministros ou superiores hierárquicos. ções desempenhadas por sujeitos privados. (...). A importância do Caso
O procedimento para a resolução de conflitos pode arrancar da inicia- Bianco se deve ao fato de que, desde o seu julgamento, o critério aglutina-
tiva dos órgãos ou do particular prejudicado. dor do Direito Administrativo deixa de ser a noção de puissanse public e
Tratando-se de conflito de competência territorial, por exemplo, em passa a ser a ideja de serviço público.
que dois municípios vizinhos se arrogam ser competentes ou incompeten- Além do Caso Blanco tambémé paradigmático, na jurisprudência
tes para conhecer de uma determinada matéria, o critério de resolução é francesa, o Caso Terrier. Nesse julgamento, um particular ingressa com
fixado pelo artigo 39 da LPA, que consiste em designar o órgão cuja locali- uma medida contra uma prefeitura pretendendo receber um prémio por
zação oferece, de acordo com as circunstâncias, maiores vantagens para a ter executado o serviço de caça às víboras. Na decisão do litígio, o Conse-
boa resolução da matéria em causa, É, na verdade, a expressão do critério lho de Estado deliberou pela possibilidade de aplicação da noção de ser-
da proximidade. viço público para actividades locais e pela configuração da actividade de
aiii
caça às cobras como um serviço público. O caso apresenta especial inte-
resse porque, de acordo com o Comissário ROMIRU, responsável pelo
SECÇÃO TI julgado, «a criação de um serviço público não implicava a estação
Serviços Públicos de umcorpo de: agentes-públicos, mas poderia dar-se pela necessidade
de satisfazer a uma necessidade pública, um interesse geral em um dado
66. Noção momento», Ar
Depois deste pequeno historial, vamos utilizardois critérios) para defi-
O conceito de serviço público não é unívoco na doutrina. Recorde-se que nir o serviço público, nomeadamente, o critério. orgânico. eo critério mate-
os grandes mestres franceses pretenderam construir o Direito Adminis- rial,
q Vaca
trativo tendo como pedra angular a noção de serviço público.
Nisto, vale a pena discorrer a tese de doutoramento de Adriana da Costa
Ricardo SCHIERS, Esta autora sintetiza a evolução do serviço público na 66.1. Serviço público no sentido orgânico
França e, portanto, vamos destacar alguns aspectos ligados ao nascimento
dos serviços públicos e do próprio regime jurídico-administrativo, senão A Lei de Bases da Organização da Administração Pública define serviço
do Direito Administrativo. público como sendo sorganizações de meios humanos e materiais inte-
«Normalmente atribui-se às decisões do Conselho de Estado Francês grados no seio das pessoas colectivas públicas, encarregues de executar
as primeiras construções teóricas sobre o serviço público. É usual a cita- materialmente a actividade administrativa».
mem
Tm
” SCHIBR, Adriana da Costa Ricardo, Regime Jurídico do Serviço Público: Garantia Fon-
damental do Cidadão e Proibição de Retrocesso Social, Curitiba,
2009, Pp.5 ess. o Idem., pp. 20 ess,
Organização Administrativa 213
212 Lições de Direito Administrativo

É serviço público «(...) o conjunto de agentes e de meios que uma pessoa Na verdade, neste sentido, o serviço público corresponde aos agentes
pública afecta a uma mesma tarefa (...)»3. Ou melhor, «são as organiza- administrativos que executam e contribuem na preparação das decisões a
ções humanas criadas no seio de cada pessoa colectiva pública com o fim de serem tomadas pelos órgãos.
desempenhar as atribuições desta, sob a direcção dos respectivos órgãos»”,
Podemos ainda dizer que os serviços públicos « (...) são as estruturas
organizativas encarregadas de preparar e executar as decisões dos órgãos 66.2. Serviço público, no sentido material
das pessoas colectivas que prosseguem uma actividade administrativa
pública», No sentido material, o serviço público « (...) designa uma actividade de
Com Marcello CAETANO, os serviços públicos correspondem « ao interesse geral que a Administração entende assumir (...)»%*. As activida-
modo de actuar da autoridade pública a fim de facultar, por modo regular des que constituem o serviço público variam conforme as exigências de
e contínuo, a quantos deles careçam, os meios idóneos para a satisfação de cada povo e de cada época. Portanto, este sentido, pode corresponder à
uma necessidade colectiva individualmente sentida», missão do serviço público, numa dada época e sociedade.
São elementos deste conceito, os seguintes: «Também não é a atividade em si que tipifica o serviço público, visto
que algumas tanto podem ser exercidas pelo Estado quanto pelos cida-
* Os serviços públicos são estruturas organizativas ou organizações dãos, como objecto da iniciativa privada, independentemente da delega-
humanas que, constituídas por pessoas físicas, prestam o serviço a ção estatal, a exemplo do ensino, que, ao lado do oficial, existe o particular,
cargo de certa pessoa colectiva pública; sendo aquele um serviço público e este, não Cn,
» Os serviços públicos existem no seio de cada pessoa colectiva pública
e dela dependem e, como tal, não têm personalidade jurídica;
* Os serviços públicos preparam e executam as decisões dos órgãos 67. Classificação dos serviços públicos
da pessoa colectiva pública e actuam sob direcção destes. Logo, os
órgãos dirigem os serviços e estes auxiliam a actuação dos órgãos, Vamos classificar os serviços públicos, tendo em conta a doutrina e a Lei
pois são eles que manifestam a vontade funcional das pessoas colec- de Bases de Organização da Administração Pública:
tivas públicas.
* Oserviço público materializa o desempenho dos fins da pessoa colec- a) Serviços públicos quanto à sua finalidade: teremos serviços de
tiva pública, isto é, «(...) corresponde à satisfação de uma necessi- polícia, saúde, obras públicas, transporte, educação, cultura, de
dade de interesse geral», identificação civil, etc.;
à
b) Serviços públicos como unidades de trabalho: tem a ver com
* RIVERO, Jean, Direito Administrativo, op. cit. pp. 491 e 492. actividade a desenvolver, teríamos serviços de gestão patrimonial,
* FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. 1, op. cit., p. 619»
83 CAUPERS, João, mtrodução ao Direito Administrativo, op. Cit., p. 116.
* CAETANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Vol, H, op. cif., p. 1067. % Idem, p. 492.
p. 295.
* RIVERO, Jean, Direito Administrativo, 9p. Cit., D. 493. % MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo... Op. cit.,
214 Lições de Direito Administrativo
Organização Administrativa 275
orçamental, de estatística. E, neste ponto de vista, pode falar-se de
ainda, serem de cogrdenação*? e técnicos* (n.º 4 do artigo 51 da
Serviços principais (burocráticos e operacionais) e.secundários ou
PLBOAP).
auxiliares; o
"c) Serviços públicos propriamente ditos: «(...) os que a Administra-
ção presta directamente à comunidade, por reconhecer sua essen-
68. Regime jurídico do serviço público
cialidade necessidade para a sobrevivência do grupo social e do
próprio Estado»3º, é o caso dos serviços de defesa nacional, de poli-
a) Requisitos e pressupostos do serviço público
cia, da saúde pública, de identificação civil, etc; que devem ser pres-
tados pelo poder público;
Para que o serviço pública exista é preciso que se satisfaça um conjunto de
d) Serviços de utilidade pública: «são os que a Administração, reco-
exigências e situações de facto, nomeadamente:
ghecendo sua conveniência (não essencialidade, nem necessidade)
para os membros da colectividade, presta-os directamente ou
* A autoridade pública competente aprecie as exigências do interesse
aquiesce em que sejam prestados por terceiros (concessionários...),
geral, embora seja de forma discricionária;
nas condições regulamentadas e sob seu controle, mas por-conta e Aria A e ma arm
» A autoridade pública competente deve decidir a criação do serviço
risco dos prestadores, mediante remuneração dos usuários», São público, que pode ser ex níhilo
ou resulte da transformação de uma
exemplos, os serviços da portagem de Maputo/Matola, de inspec-
actividade privada preexistente, através da lei (sentido formal e
ção periódica dos veículos, etc.:
material) e, é ela que deve decidir sobre a sua extinção;
e) Quanto às funções que exercem: os serviços públicos podem ser
executivos”, de controlo, de auditoria e de fiscalização”, Podem,
* «1. Os serviços de coordenação promovem a articulação em domínios onde esta neces-
sidade seja permanente. 2. Incumbe aos serviços de coordenação: a) harmonizar a for-
E Idem.
mulação e execução de políticas públicas da responsabilidade do Governo; b) assegurar a
utilização racional conjugada e eficiente de recursos na Administração Pública; c) emitir
9 Ibidem, p. 296,
pareceres sobre as matérias que, no âmbito da sua acção coordenadora, lhes sejam sub-
*º OsServiços Públicos executivos garantem a prossecução das políticas governamen
tais dt metidas. 3. À organização, funcionamento e natureza dos serviços de coordenação são
responsabilidade de cada Ministério, prestando serviços no âmbito das suas atrib
uições definidos por despacho do dirigente que os criar ou estatuto orgânico da entidade de que
ou exercendo funções de apoio técnica, nos seguintes domínios: a) prestação de servi-
fazem parte, podendo neste caso ser intra ou interministeriais».
gos directos ao cidadão e demais entidades; b) implementaçã do plano
o e programa do 8 «1, Os serviços técnicos executam actividades predominantemente técnicas, observando
sector; c) concretização das políticas definidas pelo Governo; d) estudos e conce
pção ou normas ou procedimentos de carácter técnico que exigem formação técnica especiali-
planeamento; e) gestão de recursos organizacionais e f) relaç
ões internacionais. zada, noméadamente no âmbito das operações materiais da administração pública.
$
«1, Os serviços de controlo, auditoria e fiscalização exercem funções permanen
tes de 2.0s serviços referidos no número anterior exercem as seguintes actividades: a) pres-
acompanhamento e de avaliação da execução de políticas governamen
tais, podendo tar serviços de natureza técnica no âmbito da realização do serviço público; b) propor a
integrar funções inspectivas ou de auditoria, com vista a zelar pelo subsi
stema de adopção de procedimentos técnicos a observar numa determinada área de actividade da
controlo interno. 2. Quando a função dominante seja a inspectiva, os serviços de con-
administração publica; c) estudos e planeamento técnicos; d) propor novos modelos de
trolo, auditoria e fiscalização designam-se inspecções-gerais, inspecções sectoriais
funcionamento no âmbito da modernização da administração pública; e) outras funções
ou inspecções provinciais, quando se trate, respectivamente, de serviços centrais ou
provinciais», técnicas que lhes fovera cometidas»,
“ RIVERO, Jean, Direito Administrativo, op. cit., p. 496.
Organização Administrativa 217
216 Lições de Direito Administrativo
« Ter a liberdade de acesso às suas prestações;
O acto de autoridade pública criador do serviço público deve indicar
* Direito a indemnizações pelos danos que os serviços públicos vierem
a designação do mesmo, gidentificação das respectivas funções e a
a causar, que, neste caso, são imputáveis à respectiva pessoa colec-
sua organização interna;
tiva, sabido que o serviço público não tem personalidade jurídica,
* O serviço público tem de ser actual e eficiente;
« Modicidade, isto é, aplicação de tarifas razoáveis;
« Definição clara da gestão do serviço: gestão pública ou privada;
+ Q serviço deve ser cortês no tratamento dos indivíduos, o que impõe
c) Princípios fundamentais do serviço público
a sua modificabilidade conforme a variação do interesse público;
O serviço público deve obedecer, no seu funcionamento, aos seguintes
« Garantia da permanência, isto é, a continuidade do serviço público,
princípios fundamentais:
em particular, quando se tratar de serviços essenciais;
* Generalidade, que impõe serviço igual para todos;
Racionalização dos serviços no momento da sua criação, para evitar
+ Princípio da continuidade dos serviços públicos: sejam quais forem
as circunstâncias, os serviços públicos, em particular, os essenciais,
a sobreposição de serviços (artigo 60 da PLBOAP);
devem ser mantidos de forma contínua, tendo em conta que o inte-
« Integração numa pessoa colectiva pública;
resse público é contínuo. Desta forma, o funcionamento do serviço
* Prossecução de fins da pessoa colectiva pública;
dos cidadãos e público não pode tolerar interrupções, o que exige do legislador a
* Vinculação do serviço aos direitos fundamentais
conciliação entre a continuidade do serviço público e o direito à
outros princípios de direito;
greve consagrado na Constituição e no EGEAE;
Organização mediante regulamento administrativo.
+ Princípio da modificabilidade do serviço público: resulta da varia-
ção do interesse público, Isto é, o conceito de interesse público é
flexível, devendo ser acompanhado pela necessidade de modificar
b) Direitos dos utentes
o funcionamento dos serviços públicos, sem contudo prejudicar os
direitos adquiridos (artigo 59 da PLBOAP);
Os utentes dos serviços gozam de um conjunto de direitos subjectivos
» Princípio da igualdade de tratamento: qualquer particular, desde
públicos, nomeadamente:
que preenchidos os pressupostos exigidos por lei, tem o direito de
obter as prestações que o serviço público fornece, sem distinção de
- Exigir da Administracao Publica ou ao particular concessionário O
sexo, raça, religião, filiação, opção partidária, etnia, etc.;
serviço que se obrigou a prestar;
« Princípio da gratuitidade, sem embargo de pagamento de taxas
* Exigir o respeito pelos direitos adquiridos em casos de modificação
reduzidas somente pelos utentes, que visam atender o custo do fun-
dos serviços públicos, que, eventualmente, os afecte;
cionamento ou da existência do serviço, porque os serviços públi-
« Exigir a prestação regular do serviço público, desde que instalado O
equipamento necessário. Este direito liga-se à limitação da greve nos cos não têm fim lucrativo, salvo quando se acharem integrados nas
empresas públicas;
serviços essenciais; ou dispensa dos seus prestadores;
| 218 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa 219

* Princípio de concorrência ou de monopólio: nada obsta a que os ser- e) Natureza jurídica do acto criador da relação de utilização
viços públicos actuem em concorrência, quer também, em regime de do serviço público pelos utentes
| exclusividade;
o » O direito organiza, a favor do serviço público, um regime jurídico O debate doutrinário sobre esta matéria é rico. Temos:
de dificuldades entre pessoas envolvidas numa relação jurídica
| específica: relações de desequilíbrio. ) Os administrativistas, como o Professor FREITAS DO AMARAL,
preferem a perspectiva segudo a qual o acto criador da relação
jurídica de utilização de um serviço público é de contrato, porque a
d) Organização dos serviços públicos fonte dessa relação é um acordo de vontades, um acto jurídico bila-
teral; e, não qualquer, mas administrativo, porque o seu objecto é
ça pm mm
Os serviços públicos podem organizar-se de três formas diversas: a utilização de um serviço público e o seu principal efeito é a cria-
rs
mm rt irado
ção de uma relação jurídica administrativass.
+ Serviços horizontais, que se diferenciam conforme as actividades, 5) Ouiros administrativistas, como o Professor Marcello CAETANO,
matéria ou tarefas a tratar; veêm nesse acto um simples facto jurídico privado do particular
* Serviços territoriais, os de âmbito nacional, que são centrais; e 0s ou, então, um acto administrativo de admissão**.
de âmbito local ou periféricos, que se circunscrevem à uma circuns- li) Os civilistas, como
jo Antunes VARELA, consideram o acto como um
crição; contrato civil de prestações de serviços, ou actuações geradoras de
« Serviços verticais, que têm a ver com o princípio da hierarquia relações contratuais de facto”.
administrativa, distribuindo os serviços em escalões de topo à
base. Quanto à nós, a natureza do acto de utilização do serviço público pelos
particulares pode consistir
metano = mma
num facto, ou. relações TR
contratuais
rr prai
de facto,
A PLBOAP trata desta matéria na secção relativa à «organização por exemplo, a vontade de um indivíduo pretender captar através do seu
interna dos serviços públicos», artigos 56 e seguintes. Neste sentido, à receptor a imagem e som da TVM, como serviço público, que é livre e
organização interna dos serviços públicos é adequada às respectivas fun” espontânea; outra situação tem a everres
com a necessidade
ento atender de apresentar um
Desta
= ções e obedece a uma estrutura bierarquizada, que pode ser combinada Tequerimento solicitando a prestação do Serviço. público, que ao ser defe-
— com a organização vertical de funções.
: À estruturação dos serviços públicos deverá, no máximo, observar OS tequisitos exigidos por regulamento.
| princípios da eficiência, eficácia, produtividade no seu desempenho e n2 Por outro, existem situações em que se exige, para a obtenção do ser-
sua
ia gestão, bem. como a racionalização dos recursos humanos. Yiço público, o cumprimento de certas obrigações de carácter económico
| A estrutura dos serviços públicos traduz-se, materialmente, na cria- CC — aaa

ção de unidades orgânicas, especializadas conforme os serviços públicos * FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. 1, op. cit., p. 630.
é CAENTANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Vol. IE, op. cit, pp. 1079 € ss.
a prestar.
? VARELA, Antunes, Obrigações em geral, Vol. 1, Coimbra, 1993, D, 225
220 Lições de Direito Administrativo

e de algumas cláusulas contratuais, por exemplo, os serviços públicos de CAPÍTULO III


electricidade, Internet, telefone, água; etc. assinando o particular um ver-
dadeiro contrato administrativo. Relações Interorgânicas
Assim, divemos que a natureza jurídica do acto criador de utilização
do serviço público é miscigenado ou, híbrido, misto, dependendo dos fins
pretendidos pelo particular ao apelar para um serviço público.

69. Preliminares

Dizem-se relações interorgânicas aquelas que se desenvolvem no âmbito


interno de uma pessoa colectiva pública. Isto é, as relações que se estabe-
lecem entre os órgãos da pessoa colectiva pública.
Assirn, entre os órgãos da mesma pessoa colectiva podem desenvolver-
-se as seguintes situações: a hierarquia administrativa, a delegação de
poderes e a supervisão.

70. Hierarquia administrativa

70.1. Noção

«Os funcionários e demais agentes do Estado, no exercício das suas fun-


ções, devem obediência aos seus superiores hierárquicos, nos termos da
lei», É a consagração constitucional, como vimos, do princípio da hierar-
quia administrativa.
A hierarquia administrativa é consequência da organização vertical
dos serviços, porque, na verdade, apesar de existir a organização horizon-

** Ponto 1, do artigo 252 da Constituição da República.


222 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa 229

tal dos serviços, esta não origina a hierarquia administrativa, pois corres- rarquia administrativa, a existência de pelo menos um órgão e um
pondeà especialização dos serviços em razão da matéria, distribuindo-os agente administrativo, em que o primeiro é superior do segundo
queime vera eim ae

por pessoas colectivas. (subalterno on subordinado);


À organização vertical dos serviços, mediante hierarquia dos serviços * Quer o subordinado, quer o superior devem actuar para a prosse-
«(...) consiste no seu ordenamento em unidades que correspondem subu- cução de atribuições comuns — é o que se diz comunidade de atribui-
nidades de um cu mais graus e podem agrupar-se em grandes unidades, ções entre os elementos da hierarquia;
escalonando-se os poderes dos respectivos chefes de modo a assegurar a « Existência de uma relação jurídica, embora imprópria, constituída
harmonia de cada conjunto. (...). Esta ordem ascendente corresponde a pelo poder de direcção, que corresponde ao lado activo da relação
um crescendo de dimensão e de competência: por via de regra o serviço de (superior), e pelo dever de obediência legal, do lado do subalterno,
gr au supe
superior tem mais ampla competência, em razão do lugar ou matéria, que equivale ao lado passivo da relação;
que o de grau inferior»,
Como afirma, era diante, este mestre, a hierarquia de serviços corres- Em resumo, a hierarquia pressupõe, sempre, pelo menos duas figuras:
ponde a hierarquia das respectivas chefias. Assim, por definição, diz-se uma que chefia, comanda e dirige e outra que obedece.
hierarquia administrativa «o modelo de organização administrativa
vertical, constituído por dois ou mais órgãos e agentes com atribuições
comuns, ligados por um vínculo jurídico que confere ao superior o poder 70.2. Espécies de hierarquia
de direcção, e impõe ao subalterno o dever de obediência»?
Para Paulo OTERO, hierarquia administrativa «traduz o modelo de A relação hierárquica conhece duas modalidades. A hierarquia interna
organização vertical da Administração Pública mediante o qual se esta- e a hierarquia externa. Todavia, a hierarquia externa é a que interessa o
belece umn vínculo
víne jurídico entre uma pluralidade de órgãos da mesma Direito Administrativo,
pessoa colectiva, conferindo-se a um deles competência para dispor da
vontade decisória de todos os restantes órgãos, os quais se encontram ads-
a) Hierarquia interna
Dito desta maneira, o conceito de hierarquia administrativa engloba os
seguintes elementos: É a de menos para o Direito Administrativo e corresponde a um modelo
de organização da Administração Pública que incide sobre os. serviços
« Existência de um vínculo
Air entre dois ou mais órgãos e agentes admi- públicos, RO seu sentido orgânico. É, por isso, que consubstancia uma hje*
nistrativos. É condição sine qua non para que se possa falar da hie- Jarquiã. dos agentes, a ao invés dese: distribuir podéres. for cionais entre os
órgãos, divide-se, verticalmente, o trabalho ou tarefas entre os agentes.
* CAETANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Vol. IL, op. cit., p. 245. Os subalternos limitam-se, tão sómente, a desenvolver actividades,
*º FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. 1, op. cit. p. 634 não praticando -actos- administrativos porque despidos de competência
* OTERO, Paulo, Direito Administrativo — relatório, Lisboa, 2001, p. 245.
“ Cf. Idem, p. 695. para o efeito. Veja-se, por exemplo, o Artigo 37 da Lei orgânica da admi-
Organização Administrativa 225
224 Lições de Direito Administrativo

de desempenhar actividades, praticam actos administrativos. E estes não


nistração da Assembleia da República, que diz que: «1. À Divisão Geral
esgotam a sua eficácia dentro da esfera jurídica da pessoa colectiva em
Administração, Planificação e Finanças compreende: a) Divisão de Admi-
cujo nome foram praticados: são actos externos, projectam-se na esfera
nistração e Planificação; b) Divisão de Finanças. 2. A Divisão de Finan-
jurídica de outros sujeitos de direito, atingem particulares».
ças (...) compreende: a) Departamento de Orçamento e Contabilidade;
b) Departamento de Previdência Social; c) Departamento de Património;
d) Departamento de Controlo Interno».
Aqui, estamos em face de uma hierarquia interna, criando-se divisões
70.3. Conteúdo da relação jurídica hierárquica
e departamentos. E mais, dentro desta organização, nem o Director Geral
da A hierarquia administrativa consubstancia uma relação jurídica hierár-
pode emanar actos administrativos, tudo cabendo ao Secretário-Geral
quica, atribuindo aos seus intervenientes situações jurídicas activas e pas-
Assembleia da República, que o faz sob delegação de certos poderes pelo
sivass. Assim, 20 superior hierárquico cabem-lhe os seguintes poderes:
Presidente da Assembleia da República.
poder de direcção, poder de controlo ou supervisão, poder disciplinar,
Portanto, estes órgãos praticam, normalmente, actos internos e entre
poder de inspecção, poder de decidir recursos e poder de resolver conft-
eles distribuem-se tarefas e não poderes de decisão com efeitos externos.
tos de competência.
Neste contexto, não se vê a possibilidade destes órgãos emanarem deci-
O subalterno, como «sujeito passivo», impende sobre ele o dever de
sões que possam produzir efeitos fora do Secretariado Geral da Assem-
obediência legal.
bleia da República, vinculando os particulares.
Disto resulta que a hierarquia interna é «modelo vertical de organi-
zação interna dos serviços públicos que assenta na diferenciação entre
superiores e subalternos»,
70.4. Poderes do superior hierárquico

a) Poder de direcção
b) Hierarquia externa
Diz-se poder de direcção à faculdade que o superior hierárquico tem de
emanar ordens e instruções relativas à matéria de serviço aos seus subor-
É o modelo mais importante para o Direito Administrativo.
que 9 dinados, visando o bom funcionamento dos serviços. Ele decorre do exer-
Estamos em presença de uma hierarquia vertical de órgãos, em
competên cias, cício de cargo de chefia, prescindindo da consagração legal, e só é eficaz
objecto já não incide sobre a distribuição de tarefas, mas de
actos admi- no âmbito das relações hierárquicas, não produzindo efeitos fora destas.
atribuindo-se aos subalternos poderes funcionais de emanar
Disto resulta que as ordens, instruções ou circulares não podem funda-
nistrativos com efeitos externos.
€ mentar o recurso contencioso de anulação perante o Tribunal ou tribunais
A hierarquia externa surge no âmbito da pessoa colectiva pública,
não do serviço público. «Por isso, (...), os subalternos não se limitam à “ Idem, p. 639.
ivo, Vol.
ss Para parafrasear REBELO DE SOUSA, Marcelo, Lições de Direito Administrat
I, op. cit, p. 213.
83 FREITAS DO AMARAL, Curso do Direito Administrativo, Vol. 1, op. cit., p. 639.

É.
226 Lições de Direito Administrativo
Organização Administrativa 227
Administrativo (s); salvo se estas contiverem normas jurídicas, porque
Em casos de competência exclusiva ou reservada por lei ao subalterno,
neste caso, «(...) podem ser probatoriamente relevantes, por exemplo,
o superior não pode revogar ou suspender a decisão do seu subalterno,
para efeito de fundamentação de actos administrativos externos. Assim
porque esta competência não se integra no poder de supervisão do supe-
acontece se o órgão subalterno remeter para o conteúdo de ordem ou ins-
rior hierárquico, salvo casos de competência separada.
trução que explicite os motivos de Direito e de facto de certa decisão rela-
Igualmente, este poder é inerente à hierarquia administrativa, não
tivamente a determinada situação ou conjunto de situações fácticas»s. o o
precisando de consagração legal.
Às ordens, que podem ser escritas ou verbais, consistem em impo- designa de poder de
A este poder, o professor Marcello CAETANO
sições ou comandos individuais e concretos, que visam a adopção pelo
superintendência, em que o superior revê, confirma, revoga ou modifica
subalterno de uma determinada conduta (acção ou omissão), em matéria
os actos dos seus subalternos.
objecto de serviço.
Normaimente, quando a ordem é de execução imediata pode ser dada
oralmente, e sendo de execução diferida ou continuada, é aconselhável
c) Poder disciplinar
que seja dada por escrito, embora existam superiores que o fazem verbal-
mente.
Consiste na possibilidade de o superior hierárquico aplicar aos seus subordi-
As instruções são comandos gerais e abstractos. «Através delas o supe-
nados medidas disciplinares, previstas no EGFAE (artigo 81), nomeadamente;
nor impõe aos subalternos a adopção, para o futuro, de certas condutas
a advertência, repreensão pública, multa, despromoção, demissão e expulsão.
sempre que se verifiquem situações previstas». As instruções, quando
É assim que, perante infracções cometidas pelos subordinados, o superior
sejam transmitidas por escrito, e de igual para todos os subalternos, desig-
detém este direito de punir. O direito de punir só intervém quando, no rela-
nam-se de circular.
cionamento entre a Administração Pública e os seus funcionários ou agentes,
surgir qualquer fractura que impede aquela de realizar, em toda a sua dimen-
são, os objectivos que lhe foram confiados.
b) Poder de controlo ou de supervisão

O poder de supervisão traduz-se na possibilidade de o superior hierár-


d) Poder de inspecção
quico revogar ou suspender os actos administrativos praticados pelos

Consiste na «(...) faculdade queo superior possui de tomar conhecimentã,


sua iniciativa, o superior hierárquico avoca (chama a si) a resolução de
directamente ou por seus delegados, de todos os actos e factos ocorridos
um caso concreto; ou ii) na sequência de um recurso hierárquico inter-
no desempenho dos serviços sob sua direcção»,
posto pelo particular interessado sobre a decisão tomada por agente
O superior hierárquico controla e fiscaliza, de forma contínua, o com-
subalterno seu,
portamento dos seus subalternos e o fancionamento dos serviços sob sua
% Idem, p. 215,
*? FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, op. cit. p. 642.
88 CAETANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Vol, X, op. cit. p. 245.
Organização Administrativa 229
228 Lições de Direito Administrativo

alçada, podendo, da fiscalização, resultar processos de inquérito e sindi- 71. Dever de obediência do subalterno
cância.
sujei-
Na verdade, a instauração do processo de inquérito não tem que, neces- Como dissemos, a relação hierárquica pressupõe a existência de dois
rela-
sariamente — e muitas vezes não conduz — ao desabrochar de processo tos: superior e subalterno. Agora, cabe analisar O lado «passivo» da
disciplinar, o certo é que é um instrumento imperioso para, enquanto não ção jurídica.
r-
houver certezas sobre os factos e seus autores, se ir desbravando terreno Ao poder de direcção corresponde.o dever de obediência dos subalte
que permita concluir até que ponto é possível ver no material recolhido nos.
substrato para um procedimento disciplinar. Portanto, o inquérito é um Diz-se obediência o dever de acatar e cumprir as ordens e instru-
trabalho realizado à montante e instrumental ao processo disciplinar. ções legais do legítimo superior hierárquico pertinentes à matéria de
O poder de inspecção é instrumental dos poderes de direcção, de serviço.
e
supervisão e de disciplina. Nos termos do n.º 1 do artigo 40 do Estatuto Geral dos Funcionários
Agentes do Estado, «o dever de obediência não inclui a obrigação de cum-
prir ordens e instruções ilegais».
e) Poder de decidir recursos Assim, o dever de obediência tem os seguintes requisitos:

ões;
É a faculdade que o superior hierárquico tem de reapreciar decididos em « Ser o legítimo superior do subalterno a dar as ordens e instruç
primeira linha pelos seus subordinados, podendo da apreciação, eventu- « Que tais ordens e instruções sejam em matéria de serviço;
legais
almente, confirmar, revogar ou mesmo substituir a decisão anterior. Este * Que tais ordens e instruções sejam legítimas e presumidas
poder só pode ser exercido se houver sido intentado um recurso hierár- pelo subalterno.
quico pelos interessados.
uico não
Neste contexto, as ordens e instruções do superior hierárq
te, contrá-
podem ofender a Constituição, não podem ser, manifestamen
para as
£) Poder de resolver conflitos de competências rias à lei, que não provenham de uma entidade sem competência
(n.º 2 do
emanar e não impliquem a preterição das formalidades legais.
Este poder consiste na «(...) faculdade de o superior declarar, em casos de artigo 40 do EGFAE).
ilegal, ou que
conflito positivo ou negativo entre subalternos seus, a qual deles pertence O subalterno, considerando que a ordem ou instrução é
deve dar, de
a competência conferida por lei». do seu cumprimento pode resultar perigo de vida ou danos,
sob pena
O poder de resolver conflitos de competências é exercido havendo imediato, conhecimento por escrito ao seu superior hierárquico,
nção da ordem
pedido de um interessado, ou mesmo a pedido dos respectivos subalter- de ser solidariamente responsável. E, nos casos de manute
”.
nos. e instrução pelo superior, esta deverá ser reduzida a escrito*

» FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, op. £it., p. bdd- so Cf n.º 3e4 do artigo 40 do EGFÃE.
230 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa 231

$ O nosso legislador resolveu, em parte, um grande problema que tem firme, por escrito (n.os 3€4 do artigo 40 do EGFAR). É um dever que se
sido debatido na doutrina, a questão de saber se a ordem intrinsecamente impõe ao superior de reduzir a ordem à escrito, porque como bem diz o
ilegal deve ou não ser cumprida pelo subalterno. no 1 do mesmo artigo, «o dever de obediência não inclui a obrigação de
” O nosso legislador responde dizendo que sim, desde-que.seja reduzida cumprir ordens e instruções ilegais», o que é dizer, o subordinado não
pelo superior hierárquico a escrito, o que afastará a responsabilidade do deve cumprir a ordem se esta não for reduzida a escrito, independente-
subalterno executor, porque ao contrário responderá solidariamente com mente de quaisquer circunstâncias; ii) se a ordem for ilegal e implicar o
o seu superior. Porém, há que acrescentar que se a ordem levar ao cometi- cometimento de crime: o subordinado deve abster-se imediatamente de
mento do crime, o subalterno não deverá dá-la seguimento. cumprí-la.
Na doutrina, as soluções têm sido divergentes:
A corrente hierárquica, defendida por LABAND, MAYER. e outros,
refere que existe sempre dever de obediência, não assistindo ao subalterno 72. Delegação de poderes
o direito de interpretar ou questionar a legalidade das determinações do
superior. Admitir o contrário, seria subverter a razão de ser da hierarquia. 721. Noção
Quando muito, e em caso de fundadas dúvidas quanto à legalidade intrin-
seca de uma ordem, o subalterno poderá exercer 0 direito da respeitosa O Decreto n.º 30/2001, de 15 de Outubro, ao abordar a figura de delegação
representação junto do superior expondo-lheas suas dúvidas, mas tem de poderes, começa no seu n.º 1, do artigo 22, por dizer que: «Os órgãos da
de cumprir efectivamente a ordem se esta for mantida ou confirmada por Administração Pública competentes para decidir determinadas matérias
aquele*!, podem, nos limites da lei, delegar poderes delegáveis a outros órgãos ou
Para a corrente legalista, defendida por HAURIOU, Gaston JEZE agentes de escalão inferior para a prática de actos administrativos sobre
e Santi ROMANO, não existe dever de obediência em relação às ordens as mesmas matérias»,
consideradas ilegais. Estas correntes apresentam bifurcações: i) o dever Na verdade, trata-se de uma autorização para o órgão subalterno pra-
de obediência cessa, quando a ordem implicar o cometimento de crime; ticar actos administrativos, desde que a lei não impeça, sabre determinada
ii) o dever de obediência cessa se a ordem for patente e inequivocamente matéria.
ilegal, por ser contrária à letra e espírito da lei; iii) o dever de obediência
é Q artigo 42 da LPA, sobre a delegação de poderes refere que: «t. Os órgãos administra-
cessa quando a ordem for ilegal, seja qual for o motivo do vício, pois todos
tivos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre
devem obediência à leis”. que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um acto de delegação de
-* Em conelusão, o nosso legislador adopton as seguintes situações: 1) se poderes, que outro órgão, funcionário ou agente pratique actos administrativos sobre a
a ordem for ilegal e não implicar o cometimento de crime: o subordinado mesma matéria. 2. Através de um acto de delegação de poderes, os órgãos administra-
tivos competentes para decidir em determinada matéria podem sempre permitir, inde-
deve dar conhecimento ao seu superior hierárquico, para que este a con- pendentemente de lei de habilitação, que o seu imediato inferior hierárquico, adjunto ou
substituto pratiquem actos de administração ordinária nessa matéria. 3. O disposto no
“ Nestes termos, FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. 1 número anterior aplica-se, igualmente, para a delegação de poderes dos órgãos colectivos
0p. cit., p. 649. nos respectivos presidentes, excepto verificando-se lei de habilitação específica que esta-
“ Idem, pp. 649e
650. beleça uma particular distribuição de competências entre os diversos órgãos».
Organização Administrativa 233
232 Lições de Direito Administrativo

A doutrina define delegação de poderes da seguinte maneira: «(...) de delegar os seus poderes ao subalterno, praticando para o efeito
acto pelo qual um órgão normalmente competente para a prática de certos um acto jurídico, a que designamos de acto de delegação. No acto
actos jurídicos autoriza um outro órgão ou um agente, indicados por lei, a de delegação, o delegante deve especificar clara e positivamente
ão
praticá-los também »*4. os poderes que delega, pois permite distinguir entre a delegaç
melhor discerni -
ampla e a delegação restrita, ou mesmo para O
mento entre os poderes delegáveis e indelegáveis;
72.2. Elementos ou requisitos da delegação de poderes A publicidade do acto de delegação no meio de comunicação oficial:
isto visa permitir que a delegação de poderes possa ser conhecida,
Para que se possa falar de delegação de poderes, ou desconcentração deri- conferindo-lhe eficácia. O n.º 2 do artigo 44 da LPA manda publicar
vada de competência, impõe-se distinguir entre os requisitos de validade o acto de delegação e subdelegação de poderes no Boletim da Repú-
das
da delegação (lei de habilitação, existência de dois órgãos — delegante e blica, 1.3 Série, para o caso dos órgãos centrais e para os órgãos
delegado — e acto de delegação) e os de eficácia (publicação): autarquias locais a publicação é feita no boletim autárquico e nos
lugares de estilo, não existindo aquele boletim. igual princípio deve
« A existência de uma lei de habilitação (n.º 1 do artigo 42 da LPA): aplicar-se relativamente aos órgãos locais do Estado, com a ressalva
uma lei que preveja que o superior hierárquico pode, querendo de que a publicação não se faz no boletim autárquico, mas nos luga-
manifestar sua vontade, transferindo no todo ou em parte dos seus res de estilo.
poderes para o seu subordinado passar a praticar actos adminis-
trativos sobre a mesma matéria. O n.º 2 do artigo 42 da LPA exclui
o requisito lei de habilitação quando se trate de permitir ao imediato 72.3. Figuras afins
subordinado, adjunto ou substituto que pratiquem actos de admínis-
com
tração ordinária nessa matéria. A administração ordinária deve ser Pretendemos, desde já, delimitar a figura de delegação de poderes
o ori-
entendida como toda a matéria que faz parte da gestão corrente (de outros institutos semelhantes a ela, nomeadamente; desconcentraçã
assinatura,
expediente geral e corrente), que não exija tamanha complexidade. ginária, substituição, suplência, representação, delegação da
* A existência de dois órgãos da mesma pessoa colectiva pública, ou concessão e delegação de serviço.
mesmo de diferentes pessoas colectivas públicas: o primeiro órgão,
que é, normalmente, o superior hierárquico, designa-se por dele-
gante, e o outro, que é o subordinado ou agente, designa-se por a) Desconcentração originária
delegado;
iva da
* A existência de acto de delegação ou manifestação da vontade do A desconcertação originária resulta directamente e de forma definit
vontad e
delegante: mecanismo pelo qual o delegante expressa a sua vontade lei, sem necessidade de o superior ou o delegante manifestar sua
pode revo-
neste sentido. Na desconcentração originária, o delegante não
que pode
gar, ao passo que na delegação tudo fica ao critério do delegante,
'1 CAETANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Vol. 1, op. cit,, p. 226.

E:
234 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa 295

revogar. Por isso, a delegação de poderes é precária e releva bastante a tinuidade das funções. Normalmente, ao se assegurar o preenchimento
vontade do delegante, enquanto a desconcentração originária consubstan- de vagas pela primeira vez, a lei manda que seja constituída, simultanea-
cia uma transferência legal de competências. mente, a lista de suplentes.
Os suplentes não são delegados e muito menos substitutos.

b) Substituição
d) Representação
«A substituição dá-se quando, como conseguência da violação de deveres
juncionais por parte de órgão de certa pessoa colectiva, órgão de outra À representação tem como pressuposto a existência deça
duascr pessoas
ar
pessoa colectiva assume a competência do primeiro, exercendo-a de colectivas públicas distintas. Os efeitos jurídicos dos actos praticados pelo
modo a que os respectivos efeitos se repercutam na esfera jurídica da enti- representante fazem-se sentir na esfera jurídica do representado, como
dade substituída», se o representado fosse o seu verdadeiro autor. Assim, o representante
Na substituição, uma entidade alheia invade a esfera jurídica de actua em nome do representado; ao passo que o delegado actua em nome
outrem e, em nome daquele, pratica actos cujos efeitos se fazem sentir na próprio, embora os dois se integrem, no geral, na mesma pessoa colectiva
esfera jurídica do substituído. “pública, para salvaguardar aqueles casos em que a delegação pode operar
“Tudo se passa como se fosse O substituído a actuar. Porém, na dele- no âmbito de duas pessoas colectivas distintas.
gação de” poderes, existe, em primeiro lugar, uma. vontade expressa do
o delegante, e os actos praticados pelo delegado produzem efeitos na sua
esfera jurídica e, por último, não existe nenhuma sanção ou uma situação e) Delegação de assinatura
de ausência do titular.
O exercício de funções em substituição ou acumulação de funções A delegação de assinatura consiste em o subalterno. assinar. acorrespon-
abrange os poderes delegados ou subdelegados no titular (n.º 2 do artigo dência expedida pelo superior hierárquico, visando aliviá-lo
as
do excesso de
48 da LPA). trabalho. Quem ioma as decisõésé o superior hierárquico e não o agente
subalterno, Como melhor assevera FREITAS DO AMARAL, citando GON-
CALVES André Pereira, «tudo se passa como se o delegante guiasse a
c) Suplência mão do delegado que assina, ou este usasse um carimbo com o home do
delegante»*, o chamado fac-simile.
À suplência ocorre em casos de vacatura (vagatura ou vacância), ausência,
falta ou impedimento do titular do cargo. Verificados os factos atrás des-
critos, a lei, de forma transitória, assegura, através de um suplente, a con-

REBELO DE SOUSA, Marcelo, Lições de Direito Administrativo, Vol. 1, op. cit., p. 195» ê FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. 1, op. cit. p. 666.
Organização Administrativa 237
236 Lições de Direito Administrativo
deles, as faculdades abrangidas. Ela deve também ser realizada através de
f) Concessão
enumeração taxativa. Não é legal o recurso a cláusula gera |, a enumera-
ção exemplificativa ou a tipos”.
A concessão concede a um sujeito de direito privado o exercício da fun-
Esta distinção, como dissemos, permite distinguir entre os poderes
ção administrativa relativa a uma actividade económica lucrativa, a ser
delegáveis e indelegáveis.
gerida por conta e risco próprios do privado, fazendo-se pagar por taxas a
Seguidamente, o acto de delegação deve ser conhecido pelo público,
cobrar. A semelhança com a delegação de poderes reside na transferência
em geral, e pelos interessados, o que se impõe a sua publicação no Boletim
de poderes, porém, para o caso da concessão para um sujeito privado, ao
da República, ou a sua afixação nos lugares de estilo. Só assim, o acto de
passo que, para 6 caso da delegação, a transferência é feita para um sujeito
delegação será eficaz.
público.
jurídicas; como O delegado, ao praticar actos administrativos no âmbito da delegação
Logo, é forçada a comparação entre estas duas figuras
a delegação de de poderes, deve fazer tal referência ou mencionar que actua nessa quali-
também, o é, quanto à delegação de serviço. Na verdade, ,
para sujeitos de dade (mencionando o titular dos poderes delegados, o acto de delegação
serviço ocorre quando a Administração Pública transfere
serviço público. data da sua delegação e local de publicação), o que permite aos adminis-
direito privado a gestão, embora sem fins lucrativos, de um
trados escolher o meio adequado para a impugnação das decisões tomadas
pelo delegado, nomeadamente, que ele actuou não no âmbito das compe-
tências exclusivas, mas delegadas, ao que cabe recurso hierárquico neces-
72.4. Regime jurídico
sário (artigo 45 da LPA).

No regime jurídico da delegação de poderes, abordaremos as seguintes


matérias: disciplina do acto de delegação, os poderes do delegante, natu-
b) Poderes do delegante
reza dos actos-praticados pelo delegado e o sub regime da subdelegação de
competências.
O delegante, concretizada a delegação de poderes ao seu subalterno, goza
dos seguintes poderes: i) de orientar o exercício dos poderes delegados
por via de directivas e instruções; 1) de chamar a si (avocar) os pode-
a) Disciplina do acto de delegação deci-
res delegados em casos concretos em que pretende que seja ele a
assunto, às vezes,
dir (visa evitar que haja duas decisões sobre o mesmo
Em primeiro lugar, o acto de delegação deve especificar as competências delegados,
contraditórias, por isso, deve o delegante avocar os poderes
que o delegante autoriza ao seu agente subalterno a praticar «(...) o due de revogar os
ficando este, sobre aquele assunto, sem poder decidir); iii)
permite qualificar a delegação como ampla ou restrita. Na especificação iv) de
actos praticados pelo delegado ao abrigo da delegação de poderes;
dos poderes funcionais cabe também a indicação sobre se, para cada dentre
decidir recursos hierárquicos (necessários, se a delegação ocorrer
poder, se delega a faculdade de praticar múltiplos ou apenas um acto;
pelo delegado. (...). A especificação dos poderes delegados tem de ser feita
, Val 1, op. cit., p. 200.
positivamente, indicando precisamente os poderes transferidos e, dentro & REBELO DE SOUSA, Marcelo. Lições do Direito Administrativo
em
228 Lições de Direito Administrativo
Organização Administrativa 2939

da hierarquia administrativa e impróprios, quando não haja hierarquia


o particular poderá interpor um recurso hierárquico facultativo (se
administrativa) sobre os actos praticados pelo delegado no âmbito da
a delegação se tiver desenrolado no âmbito da hierarquia adminis-
delegação de poderes.
trativa).
A LPA resume no seguinte os poderes do delegante ou subdele-
“Os actos do delegado terão mesmas características como se
gante: 1) emitir instruções ou directivas vinculatórias sobre o modo
fosse o verdadeiro titular de poder a praticá-los. Sendo assim, os
como devem ser exercidos os poderes delegados ou subdelegados e ii)
actos do delegado serão definitivos e executórios, cabendo recurso
o delegante ou subdelegante gozam dos poderes de avocar, bem como
hierárquico facultativo. Quanto à nós, esta tese perverte a distinção
de revogar os actos praticados pelo delegado ou subdelegado salvo os
entre competências exclusivas e delegadas, bem como os próprios
actos constitutivos de direito em que só podem ser revogados na parte
poderes do delegante. Repugna aceitar esta tese.
em que sejam desfavoráveis aos interesses dos seus destinatários, ou
i) Não sendo definitivos. Aos actos praticados pelo delegado cabem
que os seus destinatários dêem a sua concordância à revogação e não
recurso hierárquico necessário ao delegante.
se trate de direitos ou interesses indisponíveis (n.º 2 do artigo 47 en.º
Sendo o delegante, superior hierárquico do delegado, caberá
2 do artigo 136).
aos actos praticados por este, o recurso hierárquico necessário para
Para evitar que sejam tomadas duas decisões, às vezes, contraditó-
o delegante, pois que os actos praticados pelo delegado não serão
rias, a tese segundo a qual o delegante não se despoja dos seus poderes ao
definitivos, embora sejam executórios. É uma tese pacífica com os
delegá-los ao seu agente subalterno deve ser combatida, e substituída pela
fundamentos da delegação de poderes.
possibilidade de, o delegante, querendo decidir sobre certa matéria, cuja
Nãoà sendo o delegante superior hierárquico do delegado,
competência fora delegada, avocar ou chamar a si os poderes que lhe per-
cabe o recurso hierárquico impróprio, na medida em que a dele-
mitam decidir, porque a delegação é livre e espontânea e a lei ao permitir
gação de poderes se desenvolveu entre duas pessoas colectivas
tal situação não obriga a um tal dever de delegar.
distintas.

c) Natureza dos actos do delegado


d) Subdelegação de poderes ou delegação do segundo grau
Os actos praticados pelo delegado, ao abrigo da delegação de poderes
, são É a chamada delegação do segundo grau, em que o delegado se transforma
debatidos na doutrina, quanto à sua natureza jurídica, sob duas perspee-
num sub-delegante, transferindo os poderes delegados para o sub-dele-
tivas*:
gado.
A subdelegação opera quando a lei o permitir e o delegante do pri-
1) Sendo os actos do delegado definitivos e executórios, cabe à eles meiro grau anuir que o seu agente subalterno (delegado do primeiro grau)
imediatamente um recurso contencioso de anulação e, querendo,
possa transferir os poderes para outra pessoa (sub-delegado),
* Para tanto, vide PREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. L O regime jurídico da subdelegação é idêntico ao da delegação de pode-
Op. cit., Pp. 675 € 676. res, não havendo necessidade de repetir estas matérias.
Organização Administrativa 241
240 Lições de Direito Administrativo
zação do delegante). Se
legalmente, esta é condicional (depende de autori
72.5. Natureza jurídica autorização, acarre-
o delegado praticar actos administrativos sem prévia
de os actos serem inqui-
tará as devidas consequências, nomeadamente, as
Conhecem-se três perspectivas de análise da natureza jurídica da delega-
nados de vício de forma.
ção de poderes. entre O
Quando se debate a natureza jurídica da delegação de poderes, as pers-
Não podemos falar com firmeza de competência simultânea
ao delegante, daí a lei
pectivas que serão objecto de análise procuram dar resposta à seguinte delegante e O delegante. A competência pertence
delegação, por meio de
atribuir a este os poderes de orientar o exercício da
questão: quem é, legalmente, o titular dos poderes delegados? Ou nas aqueles actos.
palavras de João CAUPERS, «a quem é que a lei atribui a competência? »%. instruções, poderes de avocação e de revogar todos
Freitas do Amaral, é
A terceira tese, defendida pelo Professor Diogo
São cinco, as doutrinas que dão resposta à presente questão:
a do delegado só existe
a de transferência de exercício: «(...) a competênci
poderes delegados é o
A primeira tese, defendida pelo Professor Rogério EHRARDT SOA- por força do acto de delegação; e o exercício dos
cio de uma competên-
RES, é a de alienação: a delegação de poderes é um acto de translação ou exercício de uma competência alheia, não é 0 exercí
delegados, está a exer-
alienação de competência do delegante para o delegado. Por via de conse- cia própria. O delegado, quando exerce os poderes
r uma competência
quência, «o delegante não só não poderia exercer a mesmã competência, cer uma competência do delegante, não está a exerce
a competência do
depois de delegada, com ou sem avocação, como não poderia revogar 05 própria. Esclareça-se, todavia, que O delegado exerce
Ver, do exercício em nome
actos praticados pelo delegado »?º. delegante em nome próprio: trata-se, à NOSSO
.
A titularidade dos poderes, segundo esta tese, passa por força da lei próprio de uma competência alheia.
tem a natureza de
Claro está que, para nós, a delegação de poderes
de habilitação do delegante para o delegado. Assim, o delegante não pode e não, obviamente, de
exercer sobre o delegado os seus poderes, muito menos, pode avocar as uma transferência do exercício da competência,
À titularidade não é
competências delegadas, porque as alienou. uma transferência da titularidade da competência.
0 que justifica que ele possa
A segunda tese, que é defendida pelo Professor André Gonçalves transferida, permanece sempre no delegante,
casos, revogar os actos pratica-
revogar a delegação, que possa, em certos
PEREIRA e anuída pelo professor Marcello CAETANO, posteriormente, ação, que tenha 0
ização: esta tese defende que a lei de habilitação conferiu ab dos no exercício da delegação, que tenha poder de orient
é
initio competências quer para o delegante, quer para o delegado. Porém, poder de avocação (...)»?.
assaca uma crítica a esta
a lei atribui condicionalmente esta competência ao delegado, pois depen- O Professor Marcelo REBELO DÊ SOUSA
a apenas uma objecção
tese e refere que «A tese acabada de resumir suscit
derá da manifestação de vontade do delegante, autorizando o delegado à r poder de que se não é
exercer aqueles poderes. de fundo e que é a de admitir que se possa exerce
cio, frequente no Direito,
O delegado só poderá praticar actos administrativos depois de emana- Btular. Uma coisa é a titularidade sem exercí
titularidade, realidade, a
ção pelo delegante do acto de delegação, apesar de deter a competência, Público e Privado, outra o exercício sem gozo ou
nosso ver, logicamente inaceitável»?.
j CAUPERS, João, Introdução ao Direito Administrativo, op. Cit. p. 129. 684.
Direito Administrativo, Vol. I, op. cit,, p.
REBELO DE SOUSA, Marcelo. Introdução ao Direito Administrativo, Vol 1, op. Cit, * FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso do 1, op. eit., p. 207-
” REBELO DE SOUSA, Marcelo. Lições de Direito Administrativo, Vol.
p.205.
242 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa 243

A quarta tese, defendida pelo Professor Paulo OTERO, é a de trans- Porém, ao abrigo do n.º 2 do artigo 11, da mesma lei: «O Presidente da
ferência de exercício. com préviauma titularidade
rama as
simultânea de delegante e Assembleia da República pode delegar no Secretário-Geral as seguintes
mem cem anime
delegado: esta tese considera que a lei de habilitação confere, simultanea- competências: b) nomeação de pessoal de quadro comum».
mente, ao delegante a titularidade e o exercício de certa competência e ao Esta lei atribui a iitularidade dos poderes funcionais de admitir e
delegado a mera titularidade, dependendo o correspondente exercício de nomear q pessoal do quadro ao Presidente da Assembleia da República.
acto de transferência que é o acto de delegação de poderes. Na mesma ocasião, e em artigo diferente, habilita ao Presidente da
«Esta tese choca-se com o regime legal sobre avocação e revogação, Assembleia da República a delegar os poderes de admissão e nomeação do
já que ele implica, como vimos, a inexistência de competência simulta- pessoal do quadro comum ao Secretário-Geral.
nea e de revogabilidade dos actos do delegante pelo delegado no contexto A lei, quando habilita ao Presidente da Assembleia da República, quer
dessa competência. Também, contra ela vale a faita de protecção legal de dizer que há uma permi uldade normativa de o Secretário-Geral
interesse legítimo do delegado (...)»?s, passar a exercer aqueles poderes que, originariamente, não lhe pertencem.
A quinta tese, defendida pelo Professor Marcelo REBELO DE SOUSA, Assim, o desempenho daquelas competências depende da vontade
é a de transferência de exercício, de gozo ou de titularidade dos poderes própria do Presidente da Assembleia da República em delegá-las. Não
de delegante para o delegado: «(...) a lei de habilitação só confere com- basta a habilitação legal, releva bastante a vontade do titular dos poderes,
petência ao delegante e não ao delegado. Mas, a mesma lei permite-lhe em emanar o acto de delegação.
que transfira algumas das faculdades incluídas num ou em vários poderes Emanado o acto de delegação, ou melhor, delegados os poderes ao
funcionais que a competência integra. Secretário-Geral, o Presidente da Assembleia da República não pode tomar
O acto de delegação de poderes procede a essa transferência, que não é ou praticar actos, ou melhor, não pode admitir ou nomear pessoal do qua-
só de exercício, é, também, de gozo ou de titularidade. Só
Jóque nem todas as dro comum, salvo nos casos em que, pretendendo admitir ou nomear, pes-
faculdades são transferíveis. Daí os poderes do delegante relativamente à soalmente, como verdadeiro titular dos poderes, avoque-os.
actuação do delegado e ainda de avocação e de revogação da própria dele- O Presidente da Assembleia da República, ao avocar os poderes, o
gação. Estes poderes são legalmente intransferíveis (...)»74, Secretário-Geral fica deles despojados, não podendo praticar actos nessa
Quanto a nós! matéria.
Devemos partir de algum exemplo prático: O Presidente da Assembleia da República pode, igualmente, supervi-
Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 10, da Lei n.º 34/2009, de sar e orientar o exercício daqueles poderes; bem como revogar os actos
29 de Setembro, que define e regula a orgânica geral da administração da praticados pelo subalterno. Mas não pode, com o subalterno, simultane-
Assembleia da República, compete ao Presidente da Assembleia da Repú- amente, depois de delegados os poderes, praticar actos administrativos
blica, como órgão de gestão, «c) admitir e nomear o pessoal do quadro da sobre a matéria cuja competência fora delegada.
Assembleia da República, mediante concurso público», Portanto, ocorre, na delegação de poderes, uma permissão ou facul-
dade normativa, ao delegado, de passar a agir, sobre determinada maté-
% Idem, p. 207.
ria, quando, para o efeito, lhe seja consentido pelo delegante, de actuar
* REBELO DE SOUSA, Marcelo. Lições de Direito Administrativo, Vol. 1, op. cit. p. 208. nos mesmos termos que ele actuaria.
Organização Administrativa 245
244 Lições de Direito Administrativo
ocorre por
à sua publicação para efeitos de conhecimento. A revogação
79. Extinção da delegação de poderes cação, daí a preca-
acto de vontade do delegante, sem necessidade de justifi
A delegação de poderes extingue-se por: caducidade, substituição e revo- riedade da delegação de poderes (alínea a) do artigo 47 da LPA).
gação.

74. Supervisão
a) Caducidade
olam um con-
A supervisão traduz uma quase-hierarquia, em que se desenr
va pública, em
Quando a delegação de poderes se destinar à prática de um único acto — junto de relações entre dois órgãos da mesma pessoa colecti
quando esgotados os seus efeitos (alínea a) do artigo 47 da LPA). Consu- quico do segundo
que.o primeiro (supervisionante) não é superior hierár
o, designada-
mado o acto, a delegação tem-se por extinta. (supervisionado), mas pode agir sobre os actos do segund
mente, revogando-os.
supervisionado.
O órgão supervisionante não pode dar ordens ao órgão
colegial
b) Substituição A supervisão ocorre nas relações interorgânicas entre um órgão
o, das relações
e seus membros. É o caso, no nosso ordenamento jurídic
Embora refutável a tese, a delegação, sendo fiduciária ou de confiança entre entre o Primeiro-Ministro e os ministros.
o delegante e o delegado, extinguir-se-ia por substituição de um dos titula-
res — isto é, por ocorrência de um evento futuro: a substituição do anterior
titular.
Porém, concebendo-se a delegação de poderes como resultando das rela-
ções estabelecidas nos serviços visando a prossecução do interesse público,
nada justificaria a caducidade da delegação de poderes por simples facto de
substituição do delegado ou delegante, Tudo deve ser encarado dentro das
relações de serviço ou funcionais. Portanto, não é defensável a tese adoptada
pela alínea b) do artigo 47 da LPA segundo a qual «A delegação e a subdele-
gação de poderes extingue-se: (...) b) (...) ou da mudança do titular do órgão,
funcionário ou agente delegante ou delegado, subdelegante ou subdelegado».

c) Revogação

Sendo a delegação de poderes resultante de uma vontade do delegante,


este pode, a qualquer momento, revogar o acto de delegação, procedendo
CAPÍTULO IV

Relações Intersubjectivas

75. Preliminares

São relações intersubjectivas aquelas que se desenrolam entre órgãos de


duas pessoas colectivas públicas diferentes. Assim, pode falar-se da tutela
administrativa e da superintendência,

76. Tutela administrativa

76.1. Generalidades

À tutela administrativa é um instituto que designa o controlo ou fiscaliza-


my

ção, ou ainda, a vigilância que um órgão de uma pessoa colectiva pública


“exerce sobre os actos de outra ou outras pessoas colectivas públicas, den-
tro dos limites previstos e definidos pela lei.
y A tutela não se pode confundir com a hierarquia administrativa e
muito menos com a tutela civil.
“A hierarquia administrativa desenrola-se no interior de uma pessoa
colectiva pública, e implica dar ordens e instruções, aplicar sanções e
demais poderes que o superior pode exercer semgusia: érospieveja-pois
são inerentes à hierarquia, ao passo que a tutela faz parte das relações
intersubjectivas e só existe quando a lei a prever (não se presume).
mn ça aa ia ma amam ao rioa im ad
E rieraEas
Organização Administrativa 249
248 Lições de Direito Administrativo
L,
órgão tutelar»?, Visa, ainda, na esteira de FREITAS DO AMARA
A tutela civil visa necessariamente assegurar o exercício dos direitos de e tutelada
«assegurar, em nome da entidade tutelar, que a entidad
um incapaz, o Direito Administrativo emprestou esta expressão do Direito
cumpra as leis em vigor (...) e garantir que sejam adoptadas soluções
Privado para designar um instituto típico do Direito Administrativo, Por- »?”;
convenientes e oportunas para a prossecução do interesse público
tanto, podemos falar de um simples aproveitamento de nomenclatura, sobre
« Objecto dos poderes tutelares: a tutela administrativa recai
dentró daquelas relações entre os dois ramos de direito.
a legalidade e mérito dos actos administrativos da pessoa tutelada,
que se leva a cabo através de inspecções, inquéritos, sindicâncias
e ratificações; bem como solicitar informações e esclarecimentos
76.2. Definição tutelar
sobre decisões administrativas? A tutela confere à entidade

Segundo o Professor Marcello CAETANO, diz-se tutela administrativa os poderes de: autorizar ou de aprovar as decisões da entidade tute-
e tute-
lada, fiscalizar, ratificar os actos administrativos da entidad
«(...) o poder conferido ao órgão de uma pessoa colectiva de intervir na
lada e aplicar sanções.
gestão de outra pessoa colectiva autónoma — autorizando ou aprovando
os seus actos, fiscalizando os seus serviços ou suprindo a omissão dos seus
deveres legais -, no intuito de coordenar os interesses próprios da tutela
com os interesses mais amplos representados pelo órgão tutelar», 76.3. Modalidades da tutela administrativa
A tutela administrativa tem como elementos essenciais: s.
A tutela administrativa pode classificar-se segundo dois critério
A pessoa colectiva pública tutelar: a entidade que goza e exerce 08
poderes tutelares;
a) Quanto ao objecto ou ao fim
A pessoa colectiva pública tutelada: o ente sobre o qual incidem os
poderes da entidade tutelar, que pode ser pública ou privada; -
Como descrita no artigo 4 da Lein.º 7/97, de 31 de Maio, à tutela adminis
Actividades tutelares: conjunto de providências que o ente tutelar
trativa quanto ao fim pode ser de legalidade e de mérito.
toma em relação à pessoa tutelada;
A lei de habilitação: é o instrumento que autoriza o ente tutelar à de legali-
« Diz-se de legalidade a tutela que incide sobre o controlo
exercer a tutela, delimitando o âmbito dos seus poderes, o tipo de
dade das decisões da entidade tutelada.
tntela a exercer e os sujeitos à tutela. Por exemplo, podemos falar de oportunidade,
. É de mérito a tutela que incide sobre o controlo
da Lei n.º 7/97, de 91 de Maio, relativa ao regime jurídico da tutela a.
conveniência ou mérito das decisões da entidade tutelad
administrativa do Estado a que estão sujeitas as autarquias locais;
« Fim da tutela: esta visa «coordenar os interesses próprios da enti-
dade tutelada com os interesses mais amplos representados pelo
* Idem.
Administrativo, Vol. 1, 0p. Cit. p- 700.
7 FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curse de Direito

75 Manual de Direito Administrativo, Vol. E, op. cit. D. 230.


* N.º1 do artigo 4, da Lein.º 7/97, de 31 de Maio.
250 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa 251

b) Quanto à forma de exercício ou ao conteúdo que actos são esses sujeitos a recurso tutelar, pois bem, com a pre-
sente redacção chega-se facilmente a conclusão de que todos os actos
A tutela administrativa quanto ao conteúdo pode ser integrativa, inspec- autárquicos são passíveis de recurso ao órgão de tutela.
tiva, sancionatória, revogatória e substitutiva. * Tutela substitutiva consiste em a entidade tutelar suprir omissões
da entidade tutelada, praticando os actos devidos, em nome e conta
É tutela integrativa ou correctiva, a que incide sobre o poder de da entidade tutelada nos termos definidos na legislação aplicável,
autorizar ou não (tutela integrativa a priori) ou aprovar ou não Portanto,é, igualmente, uma tutela excepcional.
(tutela integrativa a posteriori) os actos da entidade tutelada;
Diz-se tutela inspectivo, a que consiste na faculdade de o órgão tute-
lar fiscalizar os órgãos, serviços, documentos e contas da entidade 76.4. Regime jurídico da tutela administrativa
tutelada;
* Tutela sancionatória a que consiste em a entidade tutelar aplicar Vamos realçar os aspectos importantes do regime da tutela administra-
sanções à entidade tutelada na sequência de prática de ilegalidades tiva:
graves no âmbito da gestão, a responsabilidade culposa pela inob-
servância das suas atribuições, negligências no exercício das suas * Atutela administrativa deve, necessariamente, resultar de uma pre-
competências e dos deveres funcionais (artigo 9 da Lei n.º 7/97, de visão normativa (da lei), o que é dizer, a tutela administrativa não se
31 de Maio). Esta tutela pode levar até à dissolução das autarquias presume.
locais ou mesmo, se quisermos, a extinção da pessoa colectiva; ou * A possibilidade de impugnação administrativa ou contenciosa das
a perda de mandato do órgão executivo da autaquia (Presidente do decisões da entidade tutelar.
Conselho da autarquia); * Atutela administrativa não envolve o poder de orientar ou de a enti-
Vo
* Diz-se tutela revogatória, uma tutela excepcional, que confere ao dade tutelar se imiscuir nas actividades da entidade tutelada. Por-
órgão tutelar o poder de revogar as decisões do órgão tutelado.
Esta tutela reduz o conteúdo da autonomia das autarquias locais, mia das pessoas colectivas tuteladas.
na medida em que, quase todas as decisões destes entes podem ser A tutela das autarquias locais incide sobre a legalidade e mérito dos
postas em causa perante o órgão de tutela, o que transforma a autar- seus actos administrativos (artigo 2 da Lei n.o 7/97, de 31 de Maio).
quia de um órgão de poder local para órgão local do Estado (corre-se
o risco de passar-se da descentralização para uma desconcretração,
ou se quisermos pode ser uma desconcentração dissimulada). Por- 76.5. Natureza jurídica da tutela administrativa
tanto,é infeliz a redacção do n.º 3 do artigo 4 da Lei n.º 6/2007,
deg de Fevereiro, quando estabelece esta forma de tutela ao referir No debate da natureza jurídica da tutela administrativa, está em causa
que «Das decisões dos órgãos autárquicos cebe recurso aos órgãos a delimitação da tutela com as figuras afins, nomeadamente a tutela civil e
de tutela (...)». Ou o legislador podeia, muito bem, ter estabelecido à hierarquia administrativa,
querara — * 2 ps
Organização Administrativa 253
252 Lições de Direito Administrativo

Para a tese que compara a tutela administrativa à tutela civil, defen- 77. Superintendência
dida nos primórdios do Direito Administrativo, consiste em que a tutela
administrativa serve para prevenir ou remediar as deficiências que têm 771. Noção
surgido na actuação das pessoas colectivas criadas ou não pelo Estado,
tal como ocorre na tutela civil, em que se visa assegurar o suprimento das - Há superintendência, quando uma pessoa colectiva pública de atribuições
incapacidades. múltiplas detém os poderes de definir os objectivos e orientar ou guiar a
A segunda tese é como refere o Professor Marcello CAETANO; «Nos actuação de outras pessoas colectivas públicas de fins singulares, por meio
poderes tutelares é, de resto, fácil encontrar os poderes hierárquicos de directivas e recomendações, quando tenham sido criadas por aquela ou
enfraquecidos ou quebrados pela autonomia»?. Mas nós vimos quais a lei as tenha colocado na sua dependência.
eram as diferenças entre a hierarquia administrativa e a tutela admi- Assim, a superintendência compreende os seguintes aspectos essen-
nistrativa ao iniciarmos o estudo desta figura. Portanto, há diferenças ciais:
assinaláveis.
Dissemos que a tutela administrativa confere poderes de vigilância + Existência de duas pessoas colectivas ou mais, sendo uma superin-
ou de fiscalização a entidades maiores sobre entidades autônomas meno- tendente é outras superintendidas, pelo facto de terem sido criadas
res, porque, às vezes, criadas por aquelas, e outras não, em particular, às por aquela, ou sujeitas à sua dependência legalmente.
autarquias que são anteriores ao próprio Estado. Portanto, não repugna « A superintendência consiste na definição de objectivos e orientação
que a doutrina utilize, embora sem tradição no Direito Administrativo,
a da actuação das pessoas superintendidas.
expressão controle, para afastar a semelhança com a tutela civil. Isto tra- * A superintendência é exercida por via de directivas (a pessoa supe-
duz, como refere Maria João ESTORNINHO; um «(...) arreigado
“senti- rintendente impõe objectivos a atingir pela pessoa superintendida,
mento de inferioridade” (SANTI PASTOR) dos administrativistas
em face porém, deixa uma margem de liberdade de escolha dos meios com
dos cultores do Direito Civil. Na verdade, o Direito Administrativo nasceu, vista ao alcance dos objectivos traçados) e recomendações (a pes-
sem dúvidas, numa situação de dependência em relação ao Direito Civil, soa superintendente convida a pessoa superintendida para agir num
aparecendo como um conjunto de regras especiais para as relações jurídi- certo sentido).
cas da Administração, em termos de excepções às regras gerais contidas - A superintendência não se presume, deve resultar da lei.
os jus-
no Código Civil causando, aliás, à época, grande escândalo entre
-privatistas»*º,
v7.2. Instrumentos típicos de superintendência

A superintendência tem como instrumentos as directivas e as recomen-


dações.
São directivas, «(...) as orientações genéricas, que definem imperati-
7» CAETANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Vol. L, op. cit., pp- 230-231. vamente os objectivos a cumprir pelos seus destinatários, mas que lhes
so A fuga para o Direito..., Op. Cit. Pp. 934.
254 Lições de Direito Administrativo

deixam liberdade de decisão quanto aos meios a utilizar e às formas a CAPÍTULO V


adoptar para atingir esses objectivos»,
Dizem-se recomendações, os «(...) conselhos emitidos sem a força de Os Sistemas de Organização Administrativa
qualquer sanção para a hipótese do não cumprimento»?

4 3+ Ê , A
77.8. Natureza jurídica da superintendência:

A doutrina tem debatido a natureza jurídica da superintendência, procu-


rando saber, se estaremos em face de uma tutela administrativa reforçada, 78. Preliminares
ou pelo contrário, em face de hierarquia enfraquecida; ou ainda, perante
o poder de orientação. TT Neste capítulo, como matérias, ainda, ligadas à teoria geral da organiza-
À superintendência é uma tutela reforçada na medida em que ela ção administrativa, falaremos dos sistemas de organização administrativa,
inchw, para além de poderes tutelares (de vigilância ou de fiscalização), nomeadamente, a centralização e descentralização administrativa; con-
poderes de orientação e de definição dos objectivos a serem prosseguidos centração e desconcentração e integração e devolução de poderes.
pela pessoa superintendida.
A segunda tese consiste em considerar a superintendência como hie-
rarquia reforçada, na medida em o poder de orientação e as faculdades 79. Centralização administrativa
recomendatórias e de emanar directivas constituem o enfraquecimento do
poder de direcção do superior na hierarquia administrativa. 79.1. Centralização: noção
-* Aúltima tese consiste em considerar a superintendência como poder
de orientação da actuação das pessoas superintendidas. É esta tese que é Centralizar é, no plano jurídico, convergir de periferia para o centro,
consentânea com a natureza da superintendência. deferindo ao poder central a resolução dos negócios mais importantes
da Administração Pública. Porém, a convergência, na centralização, se
dá de forma externa, entre pessoas colectivas, por exemplo, seo Estado-
“Administração enfardela ou enfeixa em torno de si a maioria | ou todas das
maço meme rem
Y
atribuições de outra pessoas colectivas públicas. Portanto, não existirá,
nesse País, nenhuma outra pessoa colectiva pública incumbida, portei, do
exercício da função administrativa. Foi o caso moçambicano n no Período
& FREITAS DO AMARAL, Diogo; Curso do Direito Administrativo, Vol. IK, op. cit, p. 719 1975-1990. e
8 Idem, p. 720,
*s Cf FREITAS DO AMARAL, Diogo,
No plano político-administrativo, centralização só faz sentido, j
Curso do Direito Administrativo, Vol. If, Op. Cits
PP.720-722. existindo a descentralização administrativa, baseada nas autarquias locais.
257
Organização Administrativa
256 Lições de Direito Administrativo

Deste modo, a centralização consistirá em que os órgãos das autarquias 80. Descentralização
os
locais (presidente e assembleia autárquica) sejam livremente designad
ou exonerados pelos órgãos do Estado; quando estes órgãos se encon- 80.1. Noção
ou
trarem sujeitos ao dever de obediência ao Governo ou Partido Único; centro, distri-
descentralizar é afastar do
quando as suas decisões se encontram sujeitas ao controlo mérito mais Ao contrário da centralização, das ou não
pessoas co lectivas públicas, eria
intenso, buir, segundo a lei, por várias entralização
inistra ção Pública. À desc
pelo Estado, as atribuições da Adm
«descongestionamento» extern
o, saindo-se do centro
é um fenómeno de
79.2. Vantagens e desvantagens da centralização para situar-se na periferia. a fun-
tralizar consiste em confiar
Ora, no plano jurídico, descen pes-
Estado, co mo também, a outras
Concebida desta maneira, a centralização apresenta, por um lado, algu- cão administrativa não somente ao , as autar-
ção e território, nomeadamente
mas vantagens, nomeadamente: soas colectivas de tipo popula existência de
ar, juridicamente, é igual à
quias locais. Logo, descentraliz is as diver-
dis tribui pelas autarquias loca
« Assegura a unidade do Estado e homogeneidade da acção política autarquias locais, isto é, o Estado decisão dos
o Pública, conferindo-lhes a
e administrativa; bem como permite uma melhor coordenação do sas atribuições da Administraçã
rição.
exercício da função administrativa e uniformidade das posições, evi- negócios da respectiva circunsc consiste na
vo, descentralização
tando que os órgãos locais resolvam os problemas segundo as cir- No plano político-administrati poderem ele-
lei, de as populações locais
cunstâncias que os caracteriza; susceptibilidade conferida por ao invés de
locais (presidente € assembleia),
ger os órgãos das autarquias autarquias locais
, quando a lei confere às
Por outro, a centralização tem o inconveniente de: serem nomeados centralmente nceira e patri-
cert o grau de aut ono mia , quer administrativa, quer fina
um quando a lei as
dade política do Estado; ou
+ Gerara hipertrofia do Estado, o gigantismo do poder central, a ineficá- monial, sem prejuízo, da uni de forma, mais
meira mão, de legalidad e, e
cia da acção administrativa (porque tudo está nas mãos do poder cen- submete à uma tutela, em pri
o é o caso moçambicano.
tral). É como reconheceu, para o caso moçambicano, O Partido Frelimo, atenuada, à de mérito, com

no seu IV Congresso, em 1983, que o Estado estava sobredimensionado


a nível central e muito fraco ao nível das províncias e distritos. ens da descentralização
* Inibe a participação das populações locais na gestão da vida local
e 80.2. Vantagens e desvantag
na escolha dos seus dirigentes locais; em-se algumas vantagens:
* A acção administrativa tem mais custos e as decisões, mesmo de Com a descentralização, conhec
ou
questões de gestão diária, ficam dependentes do poder central is na escolha dos seus dirige
ntes € na
dos seus representantes e, assim, a máquina administrativa fun- + Assegura as liberdades loca
tização do interesse local;
ciona mais lenta na satisfação do interesse público local. escolha das opções para à concre
258 Lições de Direito Administrativo
Organização Administrativa 259
| * Limita o poder central na sua tentativa de intromissão na gestão
a) Quanto à forma
local;
| * Permite maior participação da comunidade local, exprimindo as
Quanto à forma, a descentralização pode ser:
suas sensibilidades junto dos sens legítimos representantes, que não
arriscarão, fazendo ouvidos de mercadores, sob pena de nas próxi-
* Territorial: a que resulta, necessariamente, na existência de autar-
mas eleições não merecerem confiança local:
quias locais;
* Assegura uma melhor eficácia e menos custos:
* Institucional: a que faz nascer os institutos públicos e empresas
* Rapidez e acerto nas decisões, pois as populações locais resolvem os
públicas;
-séiis próprios problémas que não serão totalmente iguais com os das
* Associativa: a que brota as associações públicas.
“outras circunscrições.
“e Porque referido ao local, a descentralização cria uma descoordena-
À primeira forma de descentralização (territorial), visando clarificar os
- / ção no exercício da função administrativa;
conceitos, corresponde a uma verdadeira descentralização, daí que falar de
/ “+ Nem sempre os representantes eleitos e funcionários locais, esta-
descentralização, em Moçambique é falar da existência de autarquias locais.
of rão convenientemente preparados, o que pode gerar o mau uso dos quo mer ra a ara rem mer eat mi ram
rar

As duas últimas (institucional e associativa) correspondem, em bom


poderes discricionários da Administracao Publica.
rigor,à chamada devolução de poderes.
A Doutro lado, a descentralização apresenta alguns inconvenientes
o À que importa salientar:
N b) Quanto aos graus
ANE * Porque referido ao local, a descentralização cria uma descoordena-
Ny ção no exercício da função administrativa;
À descentralização, relativamente aos graus, pode consistir em:
* Nem sempre os representantes eleitos e funcionário locais, esta-
rão convenientemente preparados, o que pode gerar o mau uso dos * Simples atribuição da personalidade jurídica de direito privado.
Não é descentralização qua tale, poisé uma descentralização pri-
poderes discricionários da Administração Pública.
vada:
* Atribuição da personalidade jurídica do direito público; das auto-
80.3. Espécies da descentralização nomias administrativa, financeira e patrimonial; da faculdade de
emanar regulamentos administrativos.

no Conhecem-se duas espécies de descentralização:


A descentralização
mmpsmma
administrativa
mica cos a
de que atrás falamos contrapõe-se à
. Aescêstralização política, consistindo esta última na existência de regiões

cano, mas por exemplo, português.


«4
Organização Administrativa 261
260 Lições de Direito Administrativo

80.4. Limites da descentralização 82, Concentração


unica-
Consistindo a descentralização na outorga de alguns poderes a entidades Concentrar é fazer convergir para o centro o poder decisório, ficando
, limitando-
menores que o Estado, a sua actuação deve conhecer alguns limites para mente nas mãos do chefe ou do superior hierárquico mais elevado
às decisões tomadas
que não perturbe a unidade do Estado e da acção governativa; bem como -se os agentes subalternos a prepararem e executarem
em torno de si
a violação da lei. superiormente. Na concentração, O chefe máximo enfeixa
na centralização.
Diremos que a descentralização conhece limites legais, isto é, defini- todos os poderes decisórios e não atribuições como ocorre
evitar a multi-
dos ao nível da lei que concede, ou reconhece a existência de certa pessoa Diz-se que a concentração permite, como vantagens,
actuação harmoniosa
colectiva pública diversa do Estado-Administração. plicidade de centros decisórios visando garantir uma
dos subordina-
A iniciativa pública que cria uma determinada pessoa colectiva pública da Administração Pública e amplia o âmbito de actividades
mãos de pessoas menos
ao definir as suas atribuições, segundo o princípio de especialidade, há-de dos, motivando-os; bem como evita entregar nas
atribuir poderes funcionais proporcionais aos fins pretendidos. Assim, se preparadas o poder decisório.
como desvantagens, a
os órgãos da pessoa colectiva actuarem fora dos fins definidos por lei, as Porém, combate-se concentração, alegando-se
às solicitações
suas decisões, de nenhuma maneira, produzirão os respectivos efeitos, diminuição da eficiência dos serviços, demora na resposta
e a especialização nas
porque nulos, ab into. endereçadas à Administração Pública, não permit
menos relevantes
O outro limite resulta, necessariamente, de a lei habilitar o Estado, funções, leva a que os superiores se ocupem de tarefas
responsabilidade.
depois de criada, ou reconhecida a pessoa colectiva pública, de interferir em prejuízo de questões preponderantes e de maior
nos actos de gestão da pessoa colectiva, nomeadamente, através da tutela
administrativa e da superintendência. Porém, quer a superintendência 83. Desconcentração
quer a tutela administrativa só existem quando a lei permitir, e devendo
os órgãos do Estado actuar dentro dos limites traçados na Jei. » interno de competên-
Diz-se desconcentração ao «descongestionamento
pública. Na desconcen-
cias que se opera dentro de uma pessoa colectiva
o e os seus agentes
tração, o poder decisório se reparte entre 0 chefe máxim
81. Concentração e desconcentração administrativa subalternos, sem contudo comprometer os poder
es de direcção e supervi-
são que cabem ao superior hierárquico.
A concentração e desconcentração administrativa dizem respeitoà orga- Como refere o Professor Gilles CISTAC, «é
sempre o Estado que
nização administrativa interna de uma dada pessoa colectiva pública, res- do a fórmula de Prou-
decide; mas no local, e não desde Maputo. Segun
pectivamente, na ausência e existência, respectivamente, de distribuição tamos-lhe o cabo». (...) Na
dhon, «é o mesmo martelo que bate, mas encur
vertical de competência entre diversos graus ou escalões de hierarquia. do Estado por um
desconcentração, a decisão é sempre tomada em nome
Portanto, diferentemente, da centralização e descentralização, a concen-
dos seus agentes (...)»*.
tração e desconcentração de competências são sistemas interno e âqueles
Moçambique, op. Cit. pp-7 € 8.
externos. % CISTAC, Gilles, O Processo de Descentralização em
262 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa 269

PA desconcentração conhece, por um lado, vantagens, nomeadamente: a transferir as suas competências aos seus agentes subalternos,
aumenta a eficiência dos serviços públicos; maior rapidez na resposta das desde que manifeste a sua vontade, emitindo o acto de delegação de
preocupações dos cidadãos; especialização das funções o que proporciona poderes.
maior conhecimento das questões a resolver e liberta os superiores das
questões consideradas de bagatelas administrativas.
Por outro, apontam-se algumas desvantagens, multiplicação de cen- 84. Intersecção entre os sistemas de organização
tros decisórios em prejuízo à harmonia desejada na função administrativa, administrativa.
desmotivação dos agentes subalternos, pois reduzem-se as actividades
destes, e maior possibilidade de conferir poderes decisórios a funcionários 84.1. Centralização com concentração
menos preparados.
É possível conceber-se um sistema centralizado com concentração de com-
petências, em que existe num determinado Estado uma única pessoa colec-
83.1. Espécies de desconcentração x tiva pública — Estado-Administração —- (centralização), ficando reservado ao
Governo o poder decisório para todo o território nacional (concentração).
O estudo das espécies da desconcentração de competências faz-se tendo
em conta três critérios, nomeadamente:
84:2, Centralização com desconcentração
* Quanto aos níveis, a desconcentração pode ser: de nível central,
quando se circunscrever no âmbito dos serviços da Administração Existe uma única pessoa colectiva pública, que é o Estado-Administração
Central; de nível local, se, se situar ão nível dos serviços locais do (centralização), porém, o peder decisório não se encontra, somente no
Estado. superior hierárquico, repartindo-se entre os vários subordinados
agentes apra
meme mam iam tm re A o quan Mir Ed
Quanto aos graus, a desconcentração pode ser absoluta ou relativa. nos escalões de hierarquia administrativa externa (desconcentração de
E absoluta quando é mais intensa, podendo transformar os órgãos competências).
subalternos em órgãos independentes, o que acaba afectando a hie-
rarquia administrativa, pervertendo-se em si o conceito de descon-
centração.É relativa, quandoé menos intensa, colocando, ainda, 84.9. Descentralização com concentração
os agentes subalternos na verdadeira linha de subordinação hierár-
quica. Neste caso, temos, num determinado país, uma multiplicidade de pessoas
* Quanto às formas, a desconcentração pode ser originária, quando colectivas públicas, criadas ou não pelo Estado, (descentralização), porém,
resulta directamente da lei, repartindo-se, ab initio, a competência o poder decisório em cada uma dessas pessoas colectivas encontra-se -cen-
entre o superior e o agente subalterno; e derivada, que corresponde trado ou convergido no superior hierárquico mais elevado (concentração)
à delegação de poderes, quando a lei habilite o superior hierárquico de cada pessoa colectivaa pública.
Cotia
— mo uteçtimes orar
Organização Administrativa 265
264 Lições de Direito Administrativo

84.4. Descentralização com desconcentração 85.2. Integração de poderes

Existe, num determinado país, uma multiplicidade de pessoas colectivas Na esteira de FREITAS DO AMARAL, diz-se integração de poderes «o
públicas (descentralização), «(...) somar-se-á, dentro de cada uma delas, a sistema em que todos os interesses públicos a prosseguir pelo Estado,
repartição de competência entre órgãos superiores e subalternos»*s (des- ou pelas pessoas colectivas de população e território, são postos por lei a
concentração). cargo das próprias pessoas colectivas a que pertencem».

85. Integração e devolução de poderes 85.3. Devolução de poderes

85.1. Preliminares Devolução de poderes é «o sistema em que alguns interesses públicos do


Estado, de outras pessoas colectivas de população e território são postos
Quando se estuda a devolução e integração de poderes, procura-se saber por lei a cargo de pessoas colectivas públicas de fins singulares»,
se as pessoas colectivas de população e território, nomeadamente, O A devolução consiste na entrega ou na transferência de atribuições
Estado-Administração ou a autarquia local, para o caso moçambicano, de pessoas colectivas maiores para pessoas colectivas públicas menores,
dentro do elenco de atribuições múltiplas a elas acometidas pela lei, segundo o princípio de especialização. Assim, à cada pessoa colectiva
teriam ou não transferido para outras pessoas colectivas menores, como pública menor corresponderá um fim singular, podendo as pessoas maio-
é o caso de criarem uma empresa pública ou, pelo contrário, um instituto res criarem quantas pessoas menores forem necessárias, visando melhor
público. prosseguir os seus fins ou atribuições.
Se não criaram ou não transferiram algumas atribuições a essas pes- A devolução de poderes tem as seguintes vantagens e desvanta-
soas, isto significa que estamos no âmbito da integração de poderes. Ora, gens;
se tiverem transferido algumas atribuições, teriam aceitado a figura de
devolução de poderes. « Das vantagens temos que: i) permite maior comodidade e eficiên-
Como atrás frisamos, a verdadeira descentralização é aquela que con- cia na gestão visando criar eficiência e desburocratizar os serviços
siste no reconhecimento, dentro do Estado, de autarquias locais. As outras administrativos; ij) permite maior ajustamento na prossecução dos
formas de descentralização, nomeadamente, a institucional e associativa, interesses públicos postos a cargo da pessoa colectiva maior, quando
circunserevem-se no âmbito da devolução de poderes. éria as pessoas menores, evitando perda de tempo na solução de
assuntos colocados pelos administrados.

op. cit., p. 713-


& FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. 1,
*” Idem.
88 Cf FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. 1, op. Cit.
& FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. 1, op. Cit., p. 659- P. 714.
266 Lições de Direito Administrativo

* Das desvantagens, pode apontar-se a proliferação de centros deci-


sórios, de patrimónios separados, de fenómenos financeiros que
meto

escapani ao controlo éefectivo da pessoa colectiva maior. Porém, cste


argumento nãoé suficiente para arrepiar caminho no processo de
devolução de poderes, desde que comedidos.

Quanto ao regime jurídico da devolução de poderes podemos dizer


que este instituto deve resultar, necessariamente, da lei. As pessoas colec-
tivas menores são auxiliares ou instrumentais, ao serviço das pessoas
colectivas maiores que as criaram. As pessoas colectivas menores (institu-
tos públicos e empresas públicas, ou mesmo associações) não são. entida-
des a se, embora possam deter autonomia administrativa é financeira, não
Títulos HI
sendo, portanto, pessoas
as independentes, porque colocadas sob dependên-
cia do Conselho de Ministros, por exemplo; ôsos presidentes dos conselhos Organização Administrativa
de administração das empresas Públicas são nomeados pelo Primeiro
-
“Ministro. Moçambicana
CAPÍTULO 1

Estado como Pessoa Colectiva Pública

86, Preliminares

das quais, se fala de


O Estado, como tal, pode assumir várias acepções,
é Estado-Administração.
Estado como pessoa colectiva pública maior, isto
Assim, podemos ter:

ente titular de direitos


« Estado como entidade internacional, que é o
e de Estado deten-
e deveres no plano internacional. Portanto, fala-s
ona com outros
tor de soberania (Estado soberano, quando se relaci
eles vigora o princi-
Estados congéneres, daí se pode dizer que entre
pio par in par non habbet jurisdictione);
, esta acepção cor-
Estado como comunidade política ou como nação
(Povo) que vivem
responde ao Estado como conjunto de indivíduos
o, se acham ligados
dentro de um território ou, embora não vivend
i de per si O poder
a ele pelo vínculo de nacionalidade, que institu
o cuja essência se
político; portanto, estamos em presença do Estad
circunscreve na Constituição da República.
sponde ao Estado
Estado como órgão administrativo, que corre
compete exercer à fun-
como pessoa colectiva pública maior, a qual
o, sendo ele que
ção administrativa, por excelência, por direito própri
OU reconhece as pessoas
cria as outras pessoas colectivas menores,
caso, às autarquias
colectivas de população e território (no nosso
locais, historicamente, porque anteriores à ele).
o70 Lições de Direito Administrativo
Organização Administrativa Moçambicana 271
O Estado como pessoa colectiva pública vai prosseguir todos os fins múl-
provar que o agente actuou culposamente, o património do Estado
tiplos definidos pela Constituição e demais leis. Para o efeito, o Estado-Admi-
será reintegrado, por via do direito de regresso;
nistração dispõe de uma capacidade jurídica de direito, quer público (poder
* Não se confunde com outros entes administrativos, porque ou o
regulamentar, de decisão unilateral, de celebrar contratos administrativos,
Estado as cria (pessoas colectivas públicas menores), ou as reco-
direitos relativos ao domínio público, bem como assumir a responsabilidade
nhece legalmente e a partir daí passam a existir como tais (autarquias
civil por actos de gestão pública praticados por seus agentes; exercer a tutela
locais). As pessoas colectivas menores têm, regra geral, atribuições
administrativa sobre pessoas colectivas públicas menores, a superintendên-
singulares, enquanto o Estado tem sempre atribuições múltiplas, e
cia, exercer os poderes de direcção e de supervisão), quer privado (prática
normalmente, o Estado exerce sobre estes entes podéres de controto,
de actos ligados a direitos sobre o património privado, ou melhor figura em
de superintendência e de direcção;
situações jurídicas activas e passivas regidas pelo Direito Privado).
* Não se confunde com os cidadãos, é por isso que a Administração
Pública estabelece normas relacionais que disciplinam o seu relacio-
namento com os administrados, actrando, regra geral, investido dos
87. Conceito de Estado como pessoa colectiva
seus poderes de autoridade; porém, nada repugna que o cidadão, mui-
e sua delimitação
tas vezes, seja titular, face ao Estado, de situações jurídico-activas.

Diz-se Estado-Administração ou Estado como pessoa colectiva pública «(...)


pessoa colectiva de tipo associativo, de população e território, unitário ou
88. Corolários da consagração do Estado como pessoa
simples e de fins gerais ou múltiplos e, em qualquer caso, desinteressados»'.
colectiva pública
Desta forma, o Estado-Administração não pode ser confundido? com os
governantes que o dirigem, funcionários que o servem, entidades autónomas
São as seguintes as consequências da qualificação do Estado como pessoa
que o integram, bem como com os cidadãos que com ele entrem em relação.
colectiva pública:
Assim:

a) «Distinção entre o Estado e outros sujeitos de direito (...);


* O Estado-Administraçao não se confunde com os seus governantes,
b) Enumeração, constitucional e legal, das atribuições do Estado;
porque aquele é permanente e estes são indivíduos que, de forma
c) Estabelecimento, por via constitucional ou legal, de órgãos do
transitória, exercem os cargos públicos. Portanto, o Estado é eterno
Estado; '
e os governantes mudam-se;
d) Definição das atribuições e competências a cargo dos diversos
* Não se confunde com os funcionários e agentes porque estes são
órgãos do Estado;
indivíduos que actuam ao serviço do Estado, que, embora o Estado
e) Possibilidade de distinção entre órgãos e representantes, perma-
seja responsável pelos actos dos seus agentes, q posteriori, se, se
nentes ou ocasionais, do Estadoȼ;
* REBELO DE SOUSA, Marcelo, Lições de Direito Administrativo,
Vol. I, op. cit., p. 242. * FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. 1, op. cit., p. 216-
* CÊ FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol.
1, op. Cit. p. 214. «217.
272 Lições de Direito Administrativo

£) Distinção entre o pessoal que trabalha para a Administração


CAPÍTULO II
Pública: funcionários e agentes do Estado e das autarquias locais
regidos pelo EGFAE; pessoa! das empresas públicas regido pela
Lei do trabalho;
Administração Directa do Estado
g) Atribuição de autonomia patrimonial, financeira e administrativa
às pessoas colectivas públicas menores, e a sua submissão ao con-
trolo, à superintendência e ao poder de direcção do Estado.

89. Caracterização

A Administração Directa do Estado compreende os serviços directamente


prestados pelos órgãos do Estado, os órgãos centrais, órgãos independen-
tes, locais e os de representação do Estado no estrangeiro (artigo 32 da
PLBOAP). Assim, a administração directa do Estado concentra em si as
seguintes características de que, as pessoas colectivas públicas menores,
não dispõem:

* Unicidade: o Estado é o único ente do género pessoas colectivas


públicas, que existe por direito próprio e com multiplicidade de atri-
buições; embora as autarquias locais detenham população e terri-
tório a par do Estado, existem quando reconhecidas por lei e são,
em Moçambique, em número de 42, podendo o número crescer con-
forme o princípio de gradualismo adoptado na Lei n.º 2/97, de 26 de
Fevereiro; mas o Estado é único;
* Carácter originário: o Estado nasce por direito próprio, diferen-
temente das outras pessoas colectivas públicas que são criadas por
este ou reconhecidas por lei (autarquias locais);
* Territorialidade: o Estado é a única entidade que exerce o seu poder
em todo o território nacional, abrangendo o das autarquias locais,
daí a forma unitária do Estado moçambicano (artigo 8 da CRM);
274 Lições de Direito Administrativo
CAPÍTULO II
Multiplicidade das atribuições: o Estado acumula todas as atribui-
ções definidas pela Constituição e pela lei, nomeadamente, de admi-
nistração geral (a segurança interna e externa e as relações interna- Administração Central do Estado
cionais), económicas, culturais e sociais; de que as restantes pessoas
colectivas não detêm;
Pluralismo de órgãos e serviços;
Organização em ministérios;
Personalidade jurídica una apesar de estar organizado em ministé-
rios, pois estes não detêm personalidade jurídica;
Instrumentalidade: a administração do Estado constitui um instru- go. Preliminares
mento para o desempenho dos fins do Estado-comunidade política, s do
encontrando-se subordinado ao Conselho de Ministros, que é um Diz-se Administração Central do Estado, quando os órgãos e serviço
l.
órgão, por um lado, administrativo e, por outro, político; Estado exercem suas competências em todo o território naciona
s do Estado
Estrutura hierárquica: o artigo 252 da CRM consagra O princípio da A Constituição da República define como órgãos centrai
tivos e as ins-
«(...) os órgãos de soberania, o conjunto dos órgãos governa
»

subordinação hierárquica, em contraposição do princípio da auto- nacional e a rea-


nomia;
tituições a quem cabe garantir a prevalência do interesse
estes órgãos incumbe
Supremacia: o Estado-Administração exercerá, regra geral, em rela- lização da política unitária do Estado», Como tal, a
da lei e a definição
ção a todos os sujeitos que com ele entrem em relação jurídica espe- exercer a soberania, a normação das matérias do âmbito
representar
cífica, poderes de autoridade, podendo, todavia, variar a intensidade de políticas nacionais. E mais, compete exclusivamente a eles,
l, a defesa nacional,
do poder, dependendo de maior ou menor autonomia, em tratando
- o Estado, definir a organização do território naciona
moeda e as
-se de relações jurídicas com outras pessoas colectivas públicas,
por a ordem pública, a fiscalização das fronteiras, a emissão da
exemplo, com as autarquias locais, o Estado exerce poderes de tutela relações diplomáticas*.
como órgãos
de legalidade, em primeira linha. Com efeito, a Constituição, no seu artigo 133, definiu
leia da República, o
de soberania, o Presidente da República, a Assemb
Governo, os tribunais e o Conselho Constitucional.
distinguir entre
Ao falar-se dos órgãos centrais do Estado é preciso
embora sejam
órgãos administrativos e não administrativos. Assim,
os Tribunais e o Conselho
órgãos do Estado, a Assembleia da República,
Pública. Ora vejamos, à
Constitucional não são órgãos da Administração
19 da Proposta de Lei de Bases da
4 Artigo 198, pode consultar-se, igualmente, o artigo
P).
Organização Administrativa de Moçambique (PLBOA
5 Cf artigo 139 da CRM.
276 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa Mocambicana 277

Assembleia da República é um órgão de soberania que pertence ao poder O Presidente da República, como cargo ou função, assume, simulta-
legislativo, os Tribunais e o Conselho Constitucional são órgãos do Estado, neamente, duas funções; a de ser um órgão político e um órgão adminis-
mas incluídos no poder judicial, ou bem dito, na função jurisdicional. trativo.
Desta forma, isolamos o poder executivo, a que o Governo é o protó- Diz-se que é um órgão político porque, como refere Marcello CAE-
tipo. O Governo é o órgão de soberania, por excelência, do poder executivo TANO, «em todos os regimes, a par dos políticos que são os titulares dos
do Estado, órgãos governativos e, por isso, se situam acima da Administração, certos
Como é sabido, o Governo é chefiado pelo Presidente da República, agentes administrativos designados para o exercício de funções de con-
outro órgão de soberania, e, portanto, do poder executivo. fiança política»,
Neste contexto, o nosso estudo, quanto aos órgãos centrais do O Presidente da República é, na verdade, titular de órgãos governati-
Estado-Administração há-de estabelecer a seguinte ordem”: o Presi- vos, designadamente, a Presidência da República e o Governo.
dente da República, o Governo, o Primeiro-Ministro, os Ministérios, É preciso discernir, neste estudo, entre aquilo que são os poderes do
Secretarias do Estado, Procuradoria Geral da República e o Banco de Presidente da República enquanto órgão político e enquanto órgão admi-
Moçambique. nistrativo.
Enquanto órgão político, o Presidente da República é o Chefe do Estado,
simboliza a unidade nacional, representa a Nação no plano interno e inter-
91. Presidente da República nacional e zela pelo correcto funcionamento dos órgãos do Estado“,
É daí que, a ele compete”:
Neste ponto, vamos abordar o Presidente da República, a Presidência da
República e os órgãos de consulta do Presidente da República, designada- * Dirigir-se à nação através de mensagens e comunicações; informar,
mente, o Conselho de Estado e o Conselho Nacional de Defesa e Segurança
anualmente, à Assembleia da República sobre a situação geral da
e a Procuradoria Geral da República.
nação; decidir a realização de referendos; decretar a mobilização
geral ou parcial; convocar eleições gerais; dissolver a Assembleia
da República; nomear, demitir e exonerar, o Procurador-Geral da
91.1. Presidente da República
República, o Vice-Procurador-Geral da República e os Procurado-
res-Gerais Adjuntos;
O Presidente da República é um órgão unipessoal eleito por sufrágio uni-
versal directo, igual, secreto, pessoal e periódico? (de cinco em cinco anos). 9 CAETANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Vol. II, Coimbra, Almedina,
Portanto, decide e não delibera, p. 672.
to Cf. n.º 1 do artigo 146 da CRM.
“ dá dissemos atrás que este dispositivo não confere ao Presidente da República o poder
* CE nº g do artigo 146 da CRM.
de criar nenhum órgão da Administração Pública, como se pretendeu ao fundamentar a
? A PLEBOAP, no seu artigo 23, inclui nos órgãos centrais as comissões nacionais com natu-
Presidência a criação da Autoridade Nacional da Função Pública e o Conselho de Coorde-
reza interministerial e outras criadas a esse nível,
nação da Legalidade e Justiça.
8 CE Artigo 148 da CRM.
" Cf artigos 159 e 161, ambos da CRM,

14
Organização Administrativa Moçambicana 279
278 Lições de Direito Administrativo
Programa
« Nomear o Presidente do Tribunal Supremo, do Conselho Constita- o efeito e sem sujeição a debate!*; em caso de rejeição do
República
cional e do Tribunal Administrativo; Quinquenal do Governo, após debaie, O Presidente da
novas elei-
« Celebrar os tratados internacionais, orientar a política interna e pode dissolver a Assembleia da República, convocando
emergência,
externa, receber cartas credenciais dos Embaixadores e enviados ções legislativas'*, a declaração do estado de sítio e de
l Supremo
diplomáticos de outros países e nomear, exonerar e demitir os Embai- as suas nomeações em relação aos Presidentes do Tribuna
strativo
xadores e enviados diplomáticos da República de Moçambique; e seu vice, do Conselho Constitucional, do Tribunal Admini
Assem-
estão sujeitas à ratificação, para produzir os efeitos, pela
sua cessar
Porém, apesar de serem, igualmente, actos políticos, mas por conveniên- bleia da República; a declaração do estado de guerra ou
compete à
cia do estudo, diremos que compete ao Presidente da República, enquanto ção está sujeita ao parecer da Assembleia da República!*;
contra
órgão administrativo e superior da Administração Pública”; Assembleia da República requerer o exercício da acção penal
República
o Presidente da República”. Cabe, ainda, ao Presidente da
República,
« Convocar e presidir as sessões do Conselho de Ministros. É bem ver- o poder de veto das leis aprovadas pela Assembleia da
promulga-
dade que o Presidente da República pode delegar esta competência isto é, as leis para poderem valer como tais devem ser
to a ele 0
ao Primeiro-Ministro, o que ocorre de forma automática, bem como das pelo Presidente da República, cabendo neste momen
: 1)
a sua avocação é, igualmente, automática sem necessidade de quais- exercício do poder de veto, depois de devidamente fundamentado
fan-
quer formalidades; pode devolver a lei à Assembleia da República com mensagem
Recorde-se que quando a Sessão do Conselho de Ministro visar a s sobre a
damentada para reexame; ii) como pode, havendo dúvida
al a veri-
formulação de políticas governamentais, deverá, obrigatoriamente, sua constitucionalidade, requerer ao Conselho Constitucion
o de
ser dirigida pelo Chefe do Governo, excluindo-se qualquer possibili- ficação preventiva da sua constitucionalidade, servindo o acórdã
ção à Assem-
dade de delegação de competência. fundamento para a não promulgação e posterior devolu
* Nomear, demitir e exonerar o Primeiro-Ministro, os Ministros e bleia da República;
os titu-
Vice-Ministros, os Governadores provinciais; os reitores e vice-rel- Com o poder judicial: o Presidente da República nomeia
o, Vice-Presi-
tores das universidades públicas, o Governador e Vice-Governador lares dos cargos de Presidente do Tribunal Suprem
Administrativo,
do Banco de Moçambique e os Secretários de Estado; dente; do Conselho Constitucional e do Tribunal
República; cabe
« Criar ministérios e comissões de natureza interministerial. embora sujeitos à ratificação pela Assembleia da
ente da Repú-
ao Tribunal Supremo, em plenário, julgar o Presid
OQ Presidente da República desenvolve um conjunto de relações com a incapacidade
blica's: cabe ao Conselho Constitucional declarar
outros órgãos de soberania, nomeadamente:
» Artigo 25 do Regimento da Assembleia da República,
- Com a Assembleia da República: presta a informação anual sobre à '5 Cf, artigo 188 da CRM,
situação geral da Nação em Sessão Plenária e solene convocada para 16 Cf artigo 285 dá CRM.
? CE n.º 9 do artigo 153 da CRM.
“ Cf artigo 160 da CRM, 8 Cf. n.º 5 do artigo 153 da CRM.
280 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa Mocambicana 281

do Presidente da República e verificar a perda de mandato, decla- instituições do Estado, forças políticas, sociedade civil e com outras enti-
rar a inconstitucionalidade dos actos normativos do Presidente da dades a nível internacional?,
República e referendos propostos por este órgão, verificar a cons- As competências da Presidência da República encontram-se reparti-
titucionalidade dos actos normativos de forma preventiva quando das tendo em conta as áreas de intervenção do Presidente da República,
solicitada pelo Presidente da República e os requisitos legais para a nomeadamente:
candidatura a este cargo.
* No domínio da chefia do Estado e do Governo e relações internacio-
Este relacionamento concretiza, nas palavras do artigo 134 da Consti- nais”; a Presidência assegura a assistência ao Presidente da Repú-
tuição, a interdependência de poderes. Como se vê, a figura do Presidente blica na realização das suas funções constitucionais nestes planos;
da República concentra em si um leque de poderes que lhes reconduz a assiste-o na verificação do respeito pela Constituição e correcto fun-
uma figura incontornável do sistema. Daí, caracterizar-se este sistema de cionamento dos órgãos do Estado, nos assuntos de natureza diplo-
governo, de presidencialista atípico. mática e na programação e preparação das suas actividades: bem
como em tarefas específicas;
* No domínio da Defesa e Ordem Pública: à Presidência da Repú-
91.2. Presidência da República blica cabe assegurar a assistência ao Presidente da República na
direcção das Forças de Defesa e Segurança, em questões de defesa
a) Definição e objectivos e segurança nacional, de defesa militar, em coordenação com os
Ministérios da Defesa Nacional e do Interior; bem como Serviço
A Presidência da República tem a natureza de órgão central de aparelho de Informação e Segurança do Estado. Cabe, ainda, a Presidência
de Estado qne assiste o Presidente da República no exercício das suas fun- tomar medidas que garantam a integridade e segurança do Presi-
ções”. Neste sentido, a Presidência da República configura-se como insti- dente, sua família e das instalações da Presidência; bem como prote-
tuição que se protela no tempo. ger os locais, permanente ou provisoriamente, ocupados pelo Chefe
De iurg condendo pode começar-se a cogitar que esta instituição seja do Estado, incluindo o controlo de acesso às mesmas;
definida por lei, logicamente, proposta pelo respectivo titular, no que diz * No domínio da administração e recursos humanos?: a Presidên-
respeito a sua estrutura fixa, cia deve assegurar as funções de planificação, gestão de finanças,
A Presidência da República, como empreendimento, incumbe-lhs, por de património, de logística, protocolo e recursos humanos afectos à
um lado, apoiar directamente o Presidente da República no exercício das Presidência.
suas funções na qualidade de Chefe de Estado, do Governo e de Coman-
dante em Chefe das Forças Armadas de Defesa e Segurança, Por outro,
assistir o Presidente da República nas suas Telações com o Governo, outras *o Cf artigo 2 do mesmo Decreto Presidencial.
* Cf n.º1 do artigo 3 do Decreto Presidencial n.º 14/2005, de 14 de Março.
* N.º 2 do artigo 3 do Decreto Presidencial n.º 14/2005, de 14 de Março.
º Nestes termos, artigo 1 do Decreto Presidencial n.º 14/2005
, de 14 de Março. 3 Cf n.º 3 do mesmo artigo.
Organização Administrativa Moçambicana: 283
282 Lições de Direito Administrativo
fiuncio- « São estruturas da Presidência da República?s, nomeadamente; o Gabi-
A Presidência assegura todas as actividades inerentes ao bom
das funções nete do Presidente da República, a Casa Civil e a Casa Militar.
namento da instituição, bem assim, ao melhor desempenho
que importa,
deferidas ao Presidente da República pela Constituição, o
Chefe do Referir que estas estruturas subordinam-se, directamente, ao Presi-
nomeadamente, a prestação de assessoria e apoio directo ao
ia do dente da República.
Estado e a necessidade de adopção de medidas visando a melhor
desempenho do Presidente e o desenvolvimento institucional.

91.3. Gabinete do Presidente da República


b) Estrutura da Presidência da República
O Gabinete doPresidente da República é constituído, actualmente,

Para melhor desempenho das funções atribuídas à Presidência, esta por quatro Ministros na Presidência; oito Conselheiros; um Ádido de
há-de ser dotada de uma estrutura que corresponde à sua envergadura. Imprensa; Secretariado; Gabinete de Estudos; Gabinete Jurídico e Gabi-
, de nete de Imprensa?
É neste sentido que o artigo 5 do Decreto Presidencial n.º 14/2005
14 de Março, vai incumbir ao Secretário-Geral da Presidência
de elabo- OQ Gabinete assegura o apoio directo ao Presidente da República no
rar, ouvido o Conselho Nacional da Função Pública, o respectivo
estatuto exercício das suas funções de Chefe do Estado, do Governo, de garante
orgânico. da Constituição e de Comandante em Chefe das Forças de Defesa e Segu-
Neste contexto, como fundamenta o Presidente da República,
no pre- rança; coordena e organiza os elementos de estudo e informação; elabora
âmbulo do Decreto Presidencial n. º 15/2005, «A realização dos
objectiv os estudos e pareceres; prepara as decisões do Presidente da República;
definidos no Decreto acima referido exige o estabelecimento de um
qua- define e garante a execução do plano de comunicação social do PR e outras
dro orgânico que habilite a Presidência da República desempenhar
eficaz- actividades determinadas superiormente”.
mente as funções».
ções.
Assim, a Presidência é organizada em áreas, estruturas e institui
91.4. Casa Civil
à Chefia do
+ São áreas de actividades da Presidência, o apoio directo da
Estado e do Governo, a Defesa e Ordem Pública e Administra
ção e A Casa Civil é dirigida por um Ministro, nomeado pelo Presidente
Repú-
recursos humanos?. República, assistido pelo Chefe do Gabinete do Presidente da
olve
Todavia, o Decreto Presidencial em nenhum ponto desenv blica?.
se refere às
as áreas de estruturação da Presidência, e muito menos
sendo const- *s Ponto 1 do artigo 2 do Decreto Presidencial n.º 15/2005, de 14 de
Março.
suas missões e actividades que desenvolvem, acabando Decreto Presidencial
2 Vide o ponto 3 do artigo 2 do Decreto supra, conjugado com o
midas pelas estruturas.
n.º 16/2005, de 14 de Março.
= Cf. artigo 1 do Estatuto Orgânico, aprovado pelo Decreto Presidencial n.º 15/2005,
de 4 * Cf, artigo 4 do Decreto Presidencial n.º 15/2005, de 14 de Março.
de Março. : Nestes termos, vide artigo 8, Idem.
284 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa Moçambicana 285

À Casa Civil cabe garantir o funcionamento da Presidência da Repú- as instituições militares e de segurança e colabora com o Secretariado do
blica, assegurar a relação entre o Presidente da República e o Governo Conselho Nacional de Defesa e Segurança, entre outras actividades?
e outras instituições do Estado a nível interno e com outras entidades a
nível internacional; apoia o Presidente da República na realização das
suas actividades; elabora o programa geral de trabalho da Presidência da 91.6. Conselho Consultivo da Presidência da Repúblicas
República em consulta com os diversos órgãos do Estado e velar pela sua
gestão e execução; zela pela execução das decisões do Presidente; assegura O Conselho Consultivo é um colectivo dirigido pelo Presidente da Repú-
a preparação, realização e conclusão das visitas do Presidente da Repá- blica e tem por funções analisar questões fundamentais da actividade do
blica, entre outras”, Presidente da República e sobre elas dar parecer.
Cabe ao Ministro na Presidência para Assuntos da Casa Civil gerir Compete ao Conselho Consultivo estudar as decisões dos órgãos do
e dispensar os recursos humanos necessários para o funcionamento Estado e do Presidente da República, apreciar e emitir pareceres sobre
correcto da Casa Civil e do Gabinete da Esposa do Presidente da Repú- actividades de preparação, execução e controlo do plano e orçamento no
blica; bem como a gestão dos recursos financeiros e materiais da Casa âmbito dos objectivos e funções da Presidência, apreciar as propostas de
Civilt, lei a submeter à Assembleia da República ou ao Conselho de Ministros.
É preciso fazer referência, ainda, no âmbito da Casa Civil, à existência O Conselho Consultivo é composto por Ministros na Presidência, Chefe
de outros dois ministros, nomeadamente, o Ministro na Presidência para da Casa Militar, Conselheiros, Adido de Imprensa, Director do Gabinete
Assuntos Parlamentares, das assembleias provinciais e autárquicos e O do Presidente da República e Quadros a designar pelo Presidente da Repú-
Ministro na Presidência para Assuntos Sociais. blica, Podem, ainda, participar do Conselho Consultivo outros técnicos e
especialistas, para o efeito, convidados.
Este órgão reúne-se ordinariamente de dois em dois meses e, extraor-
91.5. Casa Militar dinariamente, quando o Presidente da República, para o efeito, o convocar.

À Casa Militar é dirigida por um Chefe, com o estatuto de Ministro, ao qual


incumbe exercer o comando militar das forças militares e policiais basea- 91.7. Gabinete da Esposa do Presidente da Repúblicas
das na Presidência da República, nomear os efectivos da Casa Militar (cf.
artigo t1 do Decreto Presidencial em estudo). O Gabinete da Esposa do Presidente da República é uma instituição subor-
Cabe à Casa Militar prestar assistência ao Presidente da República, dinada à Presidência da República, com independência fencional, sem
no desempenho das funções relativas aos assuntos de defesa e segurança, prejuízo de subordinação, quanto aos seus recursos humanos à Casa Civil.
zelar pela segurança do Presidente da República, da sua família, convi-
dados e instalações, assegura a ligação entre o Presidente da República e 8! Cf, Artigo 6, do mesmo Decreto Presidencial.
* Artigo 12 do Decreto supracitado.
* Nestes termos, artigo 5 do mesmo Decreto Presidencial. 8 Cf. Artigos 3 e 7 do Decreto Presidencial n.º 15/2005, de 14 de Março, que aprova o Esta-
*º CE artigo 9, do Decreto Presidencial supra. tuto Orgânico da Presidência da República.
Organização Administrativa Moçambicana 287
286 Lições de Direito Administrativo
te apoiar sitio ou de emergência, realização do referendo e convocação de eleições
Ao Gabinete da Esposa do Presidente da República compe gerais”,
das iniciativas de
a Esposa do Presidente da República na realização O Conselho de Estado detém uma composição heterogénea, como o
nas suas
carácter social e cultural que ela decidir realizar; bem como próprio Presidente do órgão realçou na tomada de posse de um membro
à qualidade de Esposa do Presidente da
funções oficiais inerentes seu, particularmente, que «A composição heterogénea deste órgão cria
República, uma oportunidade para que beneficiemos de uma diversidade de opini-
é dirigido por um
O Gabinete da Esposa do Presidente da República ões, saberes e experiências, reflexos da nossa realidade política, social e
Director de Gabinete, cultural (...). Esta diversidade contribui para cultivar o Estado de Direito e
a cultira democrática e para reforçar as instituições democráticas».
Assim, o Conselho de Estado é composto pelo próprio Presidente da
91.8. Quadro do Pessoal da Presidência da República República, que o preside, o Presidente da Assembleia da República, o Pri-
meiro-Ministro, o Presidente do Conselho Constitucional, o Provedor de
cia da Repú-
O quadro de pessoal que presta a sua actividade à Presidên Justiça, os antigos Presidentes da República não destituídos do cargo, os
5, de 14 de Março,
blica foi aprovado pelo Decreto Presidencial n.º 16/200 antigos Presidentes da Assembleia da República, sete personalidades de
em:
e diz respeito ao quadro geral do pessoal civil, que se reparte reconhecido mérito indicados pela Assembleia da República, de harmonia
com o princípio de representatividade parlamentar, pelo período do man-
Dirigentes superiores do Estado; dato, quatro personalidades, também, de reconhecido mérito, indicadas
Funções de Direcção e chefia; pela sociedade civil e o segundo candidato mais votado ao cargo do Presi-
Funções de confiança; dente da República.
Pessoal de carreira de regime geral. As sessões do Conselho do Estado não estão abertas à assistência do

público, devido ao carácter dos assuntos nelas debatidos.


€ setenta e dois
Ao todo, o quadro de pessoal civil é de quatrocentos
lugares,
91.10. Conselho Nacional de Defesa e Segurança

91.9. Conselho de Estado O Conselho Nacional de Defesa e Segurança é um órgão de Estado, sob
alçada do Presidente da República, na qualidade de Comandante-Chefe
um órgão político de
O Conselho de Estado tem a natureza jurídica de das Forças de Defesa e Segurança, com tarefas consuliivas no que diz
res-
artigo 164 da CRM).
consulta do Presidente da República (ct. n.º 1 do peito aos assuntos de soberania nacional, integridade territorial, defesa
É presidido pelo Presidente da República.
dente da República
Compete ao Conselho de Estado aconselhar o Presi s Cf. artigo 166 da CRM.
ias seguintes: dis-
e emitir pareceres, obrigatoriamente, sobre as matér % Em www.portaldogoverno.org.mz.
do estado de 3 Cf n.º 2 do artigo 164 da CRM.
solução dá Assembleia da República, declaração de guerra,
288 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa Moçambicana 289

do poder democraticamente instituído e à segurança”, A este órgão cabe, 224 da CRM). Neste sentido, de Ministério Público, pode questionar-se
nomeadamente, emitir parecer sobre a declaração de guerra, suspensão porguê chamá-lo para aqui?
das garantias constitucionais e declaração do estado de sítio e de emer- A resposta é simples: como Ministério Público, de facto, não interessa
gência, a utilização das zonas de protecção total ou parcial destinadas à a sua abordagem aqui, pois intervém em questões ligadas ao ordenamento
defesa e segurança do território nacional, às missões de paz no estran- judiciário, mas porque «(...) compreende a (...) Procuradoria-Geral da
geiro e analisar e acompanhar as iniciativas de outros órgãos de Estado República (...)» (n.º 3 do art. 224 da CRM), faz sentido aboórdá-lo aqui, no
que visem garantir a consolidação da independência nacional, o reforço do sentido de que exerce competências de natureza estritamente administra-
poder político democrático e a manutenção da lei e da ordem, tivas relativas a emissão de pareceres quando solicitados pelo Governo,
À composição deste órgão consta do artigo 2 da Lei n.º 8/96, de 5 de nomeadamente:
Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 2/2005, de 12 de Abril,
que inclui: Presidente da República, que o preside, o Primeiro-Ministro, o « Emitir pareceres jurídicos nos casos de consulta obrigatória previs-
Ministro da Defesa Nacional, o Ministro do Interior, o Ministro dos Negó- tos na lei ox por solicitação do Conselho de Ministros (alínea d) do
cios Estrangeiros e Cooperação, o Ministro das Finanças, o Ministro dos artigo 12 da Lei n.º 21/2007, de 1 de Agosto).
Transportes e Comunicações, o Ministro da Justiça, o Director-Geral do
SISE, o Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas de Moçamhbi- Qutro tanto que podemos aqui debater é a inserção orgânica do Minis-
que, o Comandante Geral da Polícia, dois membros designados pelo Presi- tério Público, dentro da configuração dos poderes do Estado, se é um órgão
dente da República e cinco membros eleitos pela Assembleia da República integrado no poder executivo, judicial ou legislativo?
segundo o princípio da proporcionalidade. Em Portugal, GOMES CANOTILHO defende que «A magistratura do
O Conselho Nacional reúne-se trimestralmente e, extraordinaria- Ministério Público não tem, como se deduz já considerações anteceden-
mente, quando convocado para o efeito pelo respectivo Presidente. tes, uma “natureza administrativa”. Integra-se no poder judicial. À função
Visando assegurar o seu funcionamento, o Conselho Nacional de do magistrado do Ministério Público é, porém, diferentemente da do Juiz:
Defesa e Segurança dispõe de um Secretariado permanente e está sob esta aplica e concretiza, através de inserção de normas de decisão, o direito
alçada da Presidência da República, competindo ao Presidente da Repú- objectivo a um caso concreto Gurisdictio); aquele colabora no exercício do
blica aprovar o seu estatuto orgânico. poder jurisdicional, sobretudo através do exercício da acção penal e da ini-
ciativa de defesa da legalidade democrática. À autonomia de sua “magistra-
tura” radica na sua vinculação a critérios de legalidade e objectividade e pela
91.11. Ministério Público (Procuradoria da República) sua exclusiva sujeição dos magistrados do Ministério Público às directivas,
ordens e instruções previstas na lei do Ministério Público (..,)»3.
O Ministério Público constitui uma magistratura hierarquicamente orga- No Brasil, é lapidar a lição do Ministro (Juíz Conselheiro, cá entre nós)
nizada, subordinada ao Procurador-Geral da República (n.º 1 do artigo Sepúlveda PERTENCE, nos termos seguintes: «De minha parte, porém
? Nestes termos, n.º 1 do Artigo 268 da CRM. 3 GOMES CANOTILHO, José Joaquim. Direito Constitucional e teoria da Constituição,
38 Cf artigo 269 da CRM,
3.2 Edição, reimpressão, Coimbra, Livraria Almedina, 1993, p. 652.
Organização Administrativa Moçambicana 291
290 Lições de Direito Administrativo
é um órgão
estou em que a questão tem muito mais de fascinação teórica que de designação órgãos de soberania. Mas ninguém negará que ele
ades contri-
consequências dogmático-jurídicas. Continuo vencido — com Pontes de central ao lado dos órgãos de soberania, mas as suas activid
da legali-
Miranda (Comentários à Constituição de 1946, 1953, III, 192) de que subs- buem para a prossecução do interesse público e para a defesa
tancialmente as funções do Ministério Público são administrativas: «Se dade democrática.
do Título X
bem que ligado ao ordenamento judiciário, não faz parte da Justiça —, não Em conclusão, a colocação tópica e o conteúdo normativo
definir explici-
é órgão jurisdicional, mas administrativo. É um dos ramos do Poder Exe- da CRM desvelam, a renúncia, por parte do constituinte, de
do Estado.
cutivo». Explica-se a função do Ministério Público pela inércia da função tamente a posição do Ministério Público entre os Poderes
jurisdicional: por isso mesmo essencialmente ativo, não exerce jurisdição.
Embora, como bem definido na Constituição, desempenhe função essên-
cial à Justiça: “é órgão, ou conjunto de órgãos” — disse Pontes de Miranda 92, Governo
(ob. loc. cits.), com felicidade — “pelo qual se exerce o interesse público em
que a justiça funcione”»*º. 92.1. Preliminares
O ilustre Juíz brasileiro continua afirmando que «(...) ao meu ver, con
ndo funções polí-
razão, que a questão da colocação constitucional do Ministério Público Como vimos, o Governo é um órgão miscigenado, exerce
e adminis-
entre os poderes é uma “questão de somenos”, pois o verdadeiro problema tica, legislativa (por autorização da Assembleia da República)
órgão adminis-
é o da sua independência. O mal é que partimos de um preconceito de uni- trativas. Porém, cumpre, por ora, estudar o Governo como
ivo.
pessoalidade e verticalidade hierárquica do Poder Executivo, que o Estado trativo. Isto é, aquele órgão consubstancia 0 poder execut
à administração
moderno não concebe mais e que está desmentido pelos fatos, de que 0 No geral, cabe ao Conselho de Ministros assegurar
pública e pela
direito comparado dá exemplos significativos. Recordava, a propósito do país, garantir a integridade territorial, velar pela ordem
volvimento eco-
da Justiça Administrativa da França que — integrada, embora, organica- segurança e estabilidade dos cidadãos, promover o desen
olver e consolidar a
mente, no Poder Executivo —, é um organismo cuja independência propi- nómico, implementar a acção social do Estado, desenv
ciou o florescimento de algumas das construções mais preciosas do Direito legalidade e realizar a política externa do pais,
«O Governo da
Administrativo moderno (..)»%. Começaremos por definir o Governo, ge iure condito,
.
Em Moçambique, o legislador constituinte não quis tomar parte do República de Moçambique é o Conselho de Ministros»
é correcto afirmar que o Governo é o órgão central e
debate e, desde logo, a autonomização do Ministério Público em título Desta forma,
strar O Estado,
próprio, o Título X, o que revela a renúncia dos progenitores da Lei Fun- principal da Administração Pública, que incumbe admini
controlo a nível
damental em definir, de forma expressa, a inserção constitucional desta resumindo-se as suas «(...) funções na execução, decisão e
instituição. Ademais, o constituinte não se referin a este órgão no artigo nacional»,

133, que é onde exprime o princípio de separação de poderes, através da

e a tutela da probidade admi- « Cf n.º 1 do Artigo 203 da CRM.


º SAN DES JUNIOR, António Roberto, O Ministério Público
nistrativa, «in» Revista Jus Navegaudi, consultado em 27 de Agosto de 2011. 3 Artigo 200 da CRM.
* Idem. *s Artigo 1, in fine, da Lein.º 14/78, 28 de Dezembro.
292 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa Moçambicana 299

92.2. Composição e presidência do Governo Vice-Ministros e Secretários de Estado», acrescentamos, na qualidade


de convidados, até então.
O Governo ou Conselho de Ministros é composto pelo Presidente da Repú-
blica, Primeiro-ministro e pelos Ministros. Podem ser convocados para as
sessões do Conselho de Ministros os Vice-Ministros é os Secretários de 92.3. Funções do Governo
Estado“. Na revisão constitucional é ponto assente que os vice-ministros
passam a ser membros do Governo (artigo 10 da Proposta de Revisão da As funções administrativas do Conselho de Ministros serão estudadas,
Constituição da BPFRELIMO). tendo em conta a seguinte tripartição: i) funções de garantia de execu-
O Governo é chefiado pelo Presidente da República, a quem cabe con- ção das leis; ii) funções de asseguramento do funcionamento normal das
vocá-lo e dirigi-lo. Porém, o Conselho de Ministros, quando as sessões se Administração Pública e iii) funções ligadas à promoção da satisfação das
destinarem a tratar da implementação das políticas anteriormente def- necessidades colectivas.
nidas e outras decisões, pode ser convocado e presidido pelo Primeiro- Estudadas as competências do Conselho de Ministros, vamos analisar
“Ministros. os modos de exercício dessas finções, nomeadamente; for forma colegial
Porém, como assevera Vitalino CANAS «o Presidente da República, e singular ou individual.
sendo Chefe do Governo (...), tem logicamente de ser parte integrante desse Todas as funções que serão, doravante, objecto de estudo, podem tra-
Governo (...). Já no que toca ao Conselho de Ministros, há vários preceitos duzir-se juridicamente em regulamentos administrativos, resoluções, actos
constitucionais que indiciam inequivocamente que o Presidente da Repú- administrativos, contratos administrativos e através de operações materiais.
blica é uma entidade exterior ao Conselho de Ministros, não podendo ser
considerado um membro. Assim, quando se diz que o Conselho de Minis-
tros responde perante o Presidente da República e perante a Assembleia a) Funções de garantia de execução das leis
da República (...) e observa as decisões do Presidente da República (...),
qualquer dessas disposições pressupõe uma relação entre duas entidades Em primeiro lugar, o Conselho de Ministros, na qualidade de Governo de
autónomas». Moçambique deve garantir que as leis e as resoluções da Assembleia da
O mesmo autor responde, dizendo que «o Governo é o órgão executivo República, decretos-lei e demais legislação; bem como as decisões do Pre-
mais abrangente, integrando o Presidente da República, como seu chefe, sidente da República e as da sua responsabilidade sejam cumpridas unita-
o Primeiro-Ministro, os Ministros, os Vice-Ministros e os Secretários de riamente em todo o território nacional, conforme os princípios relativos à
Estado. O Conselho de Ministros é composto pelo menos pelo Primeiro- organização e funcionamento da Administração Públicas”.
“Ministro e pelos Ministros; eventualmente, poderão integrá-lo também Como sabemos, o interesse público a cargo da Administração Pública
é definido pela lei, cabendo a esta interpretá-lo e materializá-lo, através de
4 Cf. Artigo 201 da CRM.
actividades materiais, no quotidiano da sociedade moçambicana.
* CE. Alínea e) don.º 2 do Artigo 205 da CRM.
a? CANAS, Vitalino, O Sistema de Governo Moçambicana na Constituição de 1990,
«in» “8 Idem.
Revista Luso-Africana de Direito, Vol. I, Lex, 1997, p. 176.
«9 Nestes termos, vide alínea e) do Artigo 5 da Lei n.º 14/78, de 28 de Dezembro.
Organização Administrativa Moçambicana 205
294 Lições de Direito Administrativo

Em segundo lugar, apesar de incumbir ao Governo a execução das leis, Dirigir a política laboral e de segurança social;
este prepara as propostas de leis a submeter à Assembleia da República, « Dirigir os sectores do Estado, em especial a educação e saúde;
prepara a celebração de tratados internacionais e celebra, ratifica, adere e « Garantir a defesa e consolidação do domínio público do Estado e do
denuncia acordos internacionais em matérias da sua competência gover- património do Estado;
nativa; bem como aprova decretos-lei mediante autorização da Assem- + Dirigir e coordenar as actividades dos ministérios e outros órgãos
bleia da República e regulamentos administrativos (cf. alíneas g), €) e d) subordinados ao Conselho de Ministros;
entar
do n.º 3 do artigo 204 da CRM). « Analisar a experiência dos órgãos executivos locais e regulam
os
a sua organização e funcionamento é tutelar nos termos da lei,
órgãos das autarquias locais;
b) Funções de asseguramento do funcionamento da Administração Dirigir a política interna e externa do país.
Pública

O Governo prepara o Programa Quinquenal do Governo a aprovar no iní- c) Funções ligadas à promoção da satisfação das necessidades
cio de cada Legislatura pela Assembleia da Repúblicas”, o Plano Social e colectivas
Econômico e o Orçamento do Estado, para além de proceder à sua exe-
olvimento
cução após aprovação pela Assembleia da República, (alínea e) do n.º 1 Em relação a este ponto, o Governo deve promover 0 desenv
educação, da
do artigo 204 da CRM). O Plano Econômico e Social e o respectivo Orça- económico e social, dirigir a política laboral, de habitação, da
mento são aprovados, no primeiro ano da Legislatura, no mês de Março saúde e de segurança social, estimular e apoiar o exercício da actividade
do consumidor
e, posteriormente, a partir da segunda Sessão Ordinária da Assembleia da empresarial e da iniciativa privada e proteger os interesses
tivo e o apoio à
República que ocorre a partir do mês de Outubro. Não sendo aprovados e do público em geral e apoiar O desenvolvimento coopera
estes documentos pela Assembleia da República, o Governo funciona no produção familiar,
ano seguinte utilizando os anteriores documentos, q que significa que O O Conselho de Ministros controla a administração autónoma do
poderes de
exercício anterior é reconduzido para o ano seguinte, incluindo as suas Estado, através da tutela administrativa; bem como exerce
singu-
alterações", superintendência sobre outras pessoas colectivas públicas com fins
es aos Ministé-
Nos termos dos artigos 204 da CRM e 5 da Lei n.014/78, de 28 de lares. É verdade que estes poderes de controlo são entregu
as autarquias
Dezembro, o Governo assegura as seguintes funções: rios especializados segundo as matérias, por exemplo, para
o Estatal e das
locais, a tutela é exercida pelos Ministérios da Administraçã
o das empre-
* Assegurar a ordem pública e a disciplina social; Finanças, conforme as áreas de actuação; 0 poder de control
* Promover e regulamentar a actividade económica e dos sectores sas públicas é, igualmente, exercido pelos Ministérios das respectivas
a pelo Minis-
sociais; áreas, por exemplo, a Electricidade de Moçambique é tutelad
* Cf. artigo 198 da CRM.
“ Cf. n.º 2 do Artigo 152 do Regimento da Assembleia da República. sa Cf artigo 204 da CRM.
296 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa Moçambicana 297

tério da Energia; Aeroportos de Moçambique pelo Ministério dos Trans- nunca pode acarretar, em caso de incumprimento, consequências agu-
portes e Comunicações. das ao Conselho de Ministros na medida em que o Chefe do Governo é o
próprio Presidente da República, exercendo as suas funções o Primeiro-
-Ministro na qualidade de delegado.
92.4. Modos de exercício da competência Não poderá o Presidente da República cogitar em demitir o Governo
por falta de cumprimento das actividades, pior ainda que nem o pró-
Todas as competências e os objectivos a cargo do Conselho de Ministros prio texto constitucional prevê uma disposição nesse sentido. Pois seria
traduzem-se, juridicamente, em regulamentos, resoluções, contratos. um contra-senso, em o Legislador Constituinte consagrar um sistema de
administrativos, decisões unilaterais e em operações materiais. governo presidencialista, em que a figura do Presidente concentra todos
Com efeito, a competência do Conselho de Ministros pode ser exercida os poderes de dissolução, embora atenuados, na sua pessoa, até à quali-
de forma colegial e singular ou individual. dade de Chefe do Governo, e «meia volta», conferir a este o poder de auto-
De forma colegial, a competência é exercida pelo próprio Conselho de -demitir-se.
Ministros reunido em sessões de trabalho, donde toma medidas em forma Mas, a responsabilidade, neste âmbito, pode recair e recai, pesada-
de deliberações, nomeadamente, emanando decretos-lei, quando autorizado mente, sobre os outros membros do Conselho de Ministros, individual-
pela Assembleia da República, decretos e resoluções. As deliberações, neste mente, nomeadamente, o Primeiro-Ministro, os Ministros e mesmo
sentido, são tomadas por consenso, não havendo, as questões são decididas os convidados (Vice-Ministros e Secretários de Estado). Estes, indivi-
pelo Presidente da República ou pelo Primeiro-Ministro, consoante os casos. dualmente, por incumprimento das decisões do Conselho de Ministros,
A competência do Conselho de Ministros pode ser exercida pelos podem ser exonerados, «a bel prazer» dos seus cargos pelo Presidente
Ministros individualmente, é o caso da tutela administrativa, que é exer- da República.
cida pelos Ministros da Administração Estatal e das Finanças ou da supe- A segunda face da responsabilidade do Governo refere-se à Assembleia
rintendência sobre pessoas colectivas criadas pelo Estado-Administração, da República, em que o Conselho de Ministros responde perante ela pela
é o caso da Electricidade de Moçambique, cujo controlo é exercido pelo realização da política interna e externa e presta-lhe contas das suas activi-
Ministro da Energia. dades nos termos da leis.
Neste âmbito, depois de investida a Assembleia da República, no início
do mandato, o Governo deve apresentar a esta, o seu Programa Quinque-
92.5. Responsabilidade governamental nal (do mandato sufragado pelo eleitorado nas eleições gerais), a Proposta
do Plano Econômico e Social e o Orçamento, ambos, desse ano (nº1 do
À responsabilidade do Conselho de Ministros é bifronte. artigo 206 da CRM).
Primeiro, responde perante o Chefe do Governo pela realização da A aprovação daqueles instrumentos governativos inicia o período em
política interna e externa e presta-lhe contas das actividades realizadas”. que a responsabilidade do Governo, perante a Assembleia da República
Na verdade, trata-se de um regime benigno de responsabilidade, porque consistirá em sessões de perguntas e respostas ao Governo; exposição

ss Cfr. artigo 207 da CRM, 4 Idem.


Organização Administrativa Moçambicana 303
302 Lições de Direito Administrativo

Nos casos de flagrante delito e por crime doloso, a Constituição impõe que a) Assistir o Presidente da República na elaboração do Programa do
o Presidente da República autorize a suspensão do infractor das funções Governo;
para o prosseguimento do processo, logicamente, depois da acusação. b) Aconselhar o Presidente da República na criação de ministérios e
Todos os membros do Governo (ministros) têm o mesmo estatuto, comissões de natureza ministerial e na nomeação de membros do
sendo iguais entre si. Governo e outros dirigentes governamentais;
c) Elaborar e propor o plano de trabalho do Governo ao Presidente
da República;
93. Executivo do Conselho de Ministros d) Garantir a execução das decisões dos órgãos do Estado pelos mem-
bros do Governo;
O artigo 6 da Lei n.º 14/78, de 28 de Dezembro define o Executivo do Con- e) Presidir às reuniões do Conselho de Ministros destinadas a tratar
selho de Ministros como sendo o órgão com funções de direcção, execução da implementação das políticas definidas e outras decisões;
e controlo no intervalo entre as sessões do Conselho de Ministros. Este f) Coordenar e controlar as actividades dos ministérios e outras ins-
órgão assegura o controlo da realização contínua das tarefas e decisões do tituições governamentais;
Governo, coordena e controla sistematicamente o cumprimento das deci- g) Supervisar o funcionamento técnico-administrativo do Conselho
sões deste, programas e prazos. de Ministros.
Portanto, o Executivo do Conselho de Ministros é um órgão de perma-
nência, funcionando no interregno das sessões do Governo. O facto de um Para o exercício das suas funções, o Primeiro-Ministro é assistido por
Ministro pertencer a este órgão não lhe confere um estatuto diferente do um Gabinete e um Secretariado que é, ao mesmo tempo, Secretariado do
dos restantes. Conselho de Ministros.

94. Primeiro-Ministro 94,1. Gabinete do Primeiro-Ministro

o-
Em Moçambique, devido ao sistema do governo vigente, o Primeiro- O Gabinete do Primeiro-Ministro é o órgão de apoio directo ao Primeir
tro que cabe
“Ministro não é o Chefe do Governo. Neste sentido, ele é o assistente/con- Ministro na realização das suas funções. É ao Primeiro-Minis
selheiro do Presidente da República, na qualidade de Chefe do Governo, definir a estrutura, organização e funcionamento do seu Gabinete.
que o nomeia e o exonera livremente. Portanto, podemos dizer que 0 Pri-
meiro-Ministro é o órgão da Administração Central do Estado que assiste
e aconselha o Presidente da República na direcção do Governo.
No geral, compete ao Primeiro-Ministro, nos termos do n.º 2 do artigo
205 da Constituição, o seguinte:
304 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa Moçambicana 205

95. Secretariado do Conselho de Ministrosºs qualidade e garantir a necessidade de aproximar os serviços ao


administrado;
O Secretariado do Conselho de Ministros é o órgão encarregue de prestar o c) Especialização de funções, visando agregar as funções homogé-
apoio técnico, administrativo e material à actividade do Governo, preparar neas do ministério por serviços preferencialmente de média ou
e acompanhar a execução do seu calendário de actividades e organizar a grande dimensão, com competências bem definidas, de acordo
agenda de trabalhos do Conselho de Ministros. com o princípio da segregação de funções, com vista à respon-
O Secretariado do Conselho de Ministros subordina-se, no exercício sabilidade pelos resultados e à promoção da desburocratiza-
das suas funções, ao Presidente da República, podendo este decidir esta- ção;
belecer esta subordinação ao Primeiro-Ministro. d) Coordenação e articulação, visando assegurar a existência de cir-
A organização e funcionamento do Secretariado do Conselho de Minis- cuitos de informação e comunicação simples e coerentes;
tros são regulados por diploma aprovado pelo Presidente da República. e) Eficiência organizacional, garantindo que o desempenho das fun-
ções comuns, seja atribuído a serviços já existentes em cada minis-
tério, não determinando a criação de novos;
96. Ministérios f) Simplificação de procedimentos, impondo-se reduzir o número
de níveis hierárquicos de decisão ao mínimo indispensável à ade-
O Ministério é o órgão central do Aparelho de Estado criado, modificado quada prossecução dos objectivos do serviço;
ou extinto por decisão do Presidente da República, para assegurar a tea- g) Modificabilidade dos serviços públicos, privilegiando, face a emer-
lização das atribuições do Governo decorrentes da Constituição da Repú- gência de novas atribuições, a reestruturação dos serviços existen-
blica. O Ministério é dirigido por um Ministro, que pode ser coadjuvado tes sem prejuízo da criação de novos.
por um ou mais Vice-Ministros, consoante decisão do Presidente da Repú-
biica. Os Ministérios obedecem a uma estrutura interna baseada em áreas de
O Ministério orienta-se, na sua organização e funcionamento, por um actividades e é estruturado em órgão e serviços.
conjunto de princípios, Destes princípios, podemos destacar: O Mimistério é constituído pelos seguintes órgãos singulares; o Minis-
tro, Vice-Ministro, Secretário Permanente, Directores Nacionais, Dixecto-
a) Originalidade, visando adequar a estrutura à missão, garantindo a res Nacionais-Adjuntos, Inspectores-gerais e seus adjuntos, Inspectores
justa proporção entre a estrutura operativa e a estrutura de apoio Nacionais e seus adjuntos, Chefes de Departamento e Chefes de Reparti-
com vista à consecução dos objectivos: ção.
b) Desconcentração, com a vista assegurar um equilíbrio adequado No Ministério, existem, igualmente, órgãos colegiais, nomeadamente:
entre serviços centrais € locais, para a prestação de um serviço de o Conselho Coordenador, o Conselho Consultivo e o Conselho Técnico,
todos com competências consultivas, cuja composição é definida pelo res-
& A matéria relativa ao Secretariado do Conselho de Ministros foi extraída da Proposta de
Lei de Bases de Organização da Administração Pública moçambicana. pectivo estatuto orgânico.
& Q estudo dos ministérios segue os termos gerais da LBOAP.
dr
Organização Administrativa Moçambicana 307
306 Lições de Direito Administrativo

Os Ministérios apresentam a seguinte estrutura”: 97. Secretarias do Estado?”

a) Direcções Nacionais ou Direcções que se estruturam em Departa- As Secretarias do Estado são criadas pelo Presidente da República, no
mentos e Repartições; âmbito das suas competências constitucionais, sendo que as suas atri-
b) Inspecções e auditoria sectoriais, podendo, nos casos de Ministé- buições corresponderão a uma área de actividade da organização de um
rios com atribuições horizontais, ser Inspecções-Gerais com com- Ministério, ou a um ramo ou sector delimitado e especializado.
petências inspectivas externas; A organização interna das Secretarias de Estado deve seguir uma
c) Gabinetes que integram serviços de apoio técnico ou consultivo: estrutura mais simplificada que a dos Ministérios, estruturando-se em
d) Gabinete do Ministro órgãos e serviços.
e) Departamentos autônomos Os Secretários de Estado são superintendidos pelo Ministro da área
específica de actividade da Secretaria, não obstando que se possam subor-
Existem, por outro, os quadros de pessoal de cada Ministério que esta- dinar directamente ao Conselho de Ministros.
belecem o número de lugares a ocupar pelos funcionários e agentes, em Quanto ao regime, este é regulado pelo respectivo estatuto orgânico
obediência aos princípios definidos na lei que cria a Secretaria ou pela Lei de Bases da Organização da Administra-
As atribuições de um Ministério e a sua organização são definidas pelo ção Pública.
Decreto Presidencial que os cria, até ao nível da chamada competência
fixa.
Consoante as suas atribuições principais, os Ministérios podem ser 98. Banco de Moçambique
políticos*”, de defesa“, segurança, sociais, económicos?” e/ou técnicos”.
Nada obsta que um mesmo ministério seja, ao mesmo tempo, técnico € O Banco de Moçambique é o Banco Central da República de Moçambique
político. (n.º 1 do artigo 132 da CRM). À organização, estrutura, funcionamento
rege-se por legislação específica, nomeadamente, a Lei n.º 1/92, de 3 de
Janeiro,
O Banco de Moçambique foi criado a 17 de Maio de 1975, através do
s Cfr, artigo 30 da PLEBOAP.
Decreto n.º 2/75, como resultado da implementação dos entendimen-
São políticos, aqueles ministérios cujas atribuições se relacionam com 6 exercício das
tos alcançados entre a Frente de Libertação de Moçambique (FRE-

da Justiça, interior.
principais funções de soberania do Estado, por exemplo, o Ministério
LIMO) e o Governo Colonial Português, no âmbito dos Acordos de
for-
São de defesa, segurança ou militares, aqueles ministérios que se relacionam com às
&

ças armadas de defesa.


apoio social, na acti- Lusaka, para a Independência de Moçambique, tendo herdado o patri-
6 São sociais, os ministérios que intervém em matérias de cultura, de
vidade laboral, desportiva, etc. mónio e valores do Departamento de Moçambique do Banco Nacional
72 Os económicos são aqueles que no seu quotidiano lidam com matérias económ
icas,
Ultramarino.
financeiras e monetárias. a-
7 São técnicos, os que se dedicam à promoção das infra-estruturas, exercendo funções pre- 2 Nesta parte, seguimos, de perto, a Proposta de Lei de Bases da Organização Administr
dominantemente técnicos. tiva.
308 Lições de Direito Administrativo

No acto da sua constituição, foi definido como objectivo do Banco de


CAPÍTULO IV
Moçambique o exercício das funções de Banco Central e de Banco Comer-
cial. Porém, o processo de liberalização da economia moçambicana levou
à reforma do sistema financeiro nacional, que teve o seu ponto mais alto Administração Central Independente do Estado
na separação institucional no exercício das funções do Banco Central e
de funções de Banco Comercial. Esta separação foi concretizada em 1992,
com a aprovação da Lein,º 1/99, de 3 de Janeiro — Lei Orgânica do Banco
— que define a natureza, objectivos e funções do Banco Moçambique como
Banco Central, As funções comerciais passaram para uma nova entidade, o
ex-Baneco Comercial de Moçambique, criado através do Decreto n.º 3/99,
de 25 de Fevereiro?,
O Banco de Moçambique é uma pessoa colectiva de direito público, 99. Caracterização
com natureza de empresa pública, dotada de autonomia administrativa,
financeira e patrimonial”, A Administração Independente do Estado consiste num conjunto de
O Banco de Moçambique tem como atribuições: a preservação de órgãos e serviços que escapam à hierarquia do Governo e exercem funções
valor da moeda nacional; a promoção da realização de correcta política consultivas, de controle, de supervisão, administrativas e/ou mistas. Isto
+

monetária; a orientação da política de crédito com vista à promoção do é, estes órgãos não se subordinam, no desempenho das suas furnições admi-
crescimento e desenvolvimento económico e social do país; a gestão de nistrativas, a ninguém. Assim, no desempenho das suas funções, devem
disponibilidades externas de forma a manter adequado volume de meios obediência à Constituição e às leis e regem-se pelos princípios de indepen-
de pagamento necessários ao comércio internacional é disciplinar a acti- dência, imparcialidade e transparência.
vidade bancária?s. Os órgãos da Administração Independente do Estado apresentam um
É preciso realçar que, no cumprimento das suas atribuições, o Banco conjunto de caracteres, nomeadamente?:
de Moçambique observa as políticas definidas pelo Governo.
O estudo exaustivo do Banco de Moçambique é matéria de uma disci- a) Eleição, regra geral, pela Assembleia da República, podendo inte-
Plina com autonomia didáctica, nomeadamente, o Direito Bancário. Por- grar titulares designados pela sociedade civil;
tanto, remete-se 0 estudo minucioso aquela disciplina curricular. b) Os seus titulares são inamovíveis e não são responsabilizados pelas
opiniões que emitem no âmbito do exercício das suas funções;
c) Os seus titulares, visando garantir a isenção e imparcialidade,
observam as normas sobre incompatibilidades, bem como códigos
de ética e de conduta;
* Verwww.bancomoçanz, visitado em Maio de 2oJa,
” Cfr.n.º1 doartigo1 da Lein.º 1/92, de 9 de Janeiro.
7% Vide os artigos 34 e 35 da Proposta de Lei de Bases da Organização Administrativa e
* Nestes termos, vide q artigo 3 da Lein.º 1/99, já citada,
FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. 1, op. cit. p. 309
Organização Administrativa Moçambicana 311
910 Lições de Direito Administrativo
país já conhecia
ziram em Moçambique uma instituição idêntica, pois q
d) Os órgãos nomeados pelo Governo não o representam, nem estão Comissão Elei-
processos eleitorais, cuja gestão estava encarregue à uma
sujeitos às suas instruções; ro). É o caso da
toral, criada pela Lei Eleitoral (Lei n.º 1/77, de 1 de Setemb
e) Os seus titulares não podem ser dissolvidos e demitidos, salvo eleições realizadas
Comissão Eleitoral que organizou e supervisionou as
renúncia.
entre os dias 25 de Setembro a 4 de Dezembro de 1977.
o processo
O referido Protocolo IIL estabelece que, para «Organizar
al de Eleições com-
eleitoral, o Governo constituirá uma Comissão Nacion
100. Classificação dos órgãos independentes sionais e pessoais,
posta por pessoas que, pelas suas características profis
cia em relação a
dêem garantias de equilíbrio, objectividade e independên
Os órgãos independentes são constituídos pelas comissões nacionais, O a designar na referida
todos os partidos políticos. Um terço dos membros
Provedor da Justiça, os Conselhos Superiores, nomeadamente: da Comu-
Comissão será apresentada pela Renamo».
nicação Social e das magistraturas judicial, judicial administrativa e do NE que «(...) reti-
Sobre esta questão, escreve o Professor Paulo COMOA
Ministério Público (artigo 35 da PLEBOAP). a sua génese, a CNE foi
ram-se ilações importantes sobre a forma como, desde
evolução e consolidação.
vista e, sobretudo, como se deverá perspectivar a sua
asseguradas pela
Com efeito, quando as garantias que se pretendem sejam
100.1. As comissões nacionais: a CNE e a CNDH e pessoais, fica-se, desde
CNE dependem das características profissionais
co-administrativo, este
funcional logo, com a impressão de que, do ponto de vista jurídi
As comissões nacionais gozam de autonomia administrativa e titulares»?,
órgão foi e é encarado na perspectiva dos respectivos
em relação aos demais órgãos do poder central e local do Estado. de designação dos mem-
nacio- A questão da natureza, composição e formas
São, até agora, duas as comissões nacionais, Temos a Comissão vexata quaestio ao nível da
Humanos bros da CNE constitui, ainda, actualmente,
nal de Eleições (CNE) e a Comissão Nacional! dos Direitos ou não na Assembleia da
doutrina, dos partidos políticos representados
(CNDH). ade civil.
República, bem como das organizações da socied
de se saber se a CNE
Os debates acerca da matéria giram em torno
de supervisão dos proces-
deve ou não realizar, para além das actividades
a) A CNE er executivas, como tem
sos e recenseamentos eleitorais, outras de caráct
nível constituciorial, onde se
al, a quem vindo a ser. Esta questão tem uma solução ao
A CNE é um órgão administrativo, independente e imparci
A CNE definiu a CNE como órgão de supervisão.
incumbe a supervisão do recenseamento e dos actos eleitorais”. da sua composição.
Acordos Gerais No segundo momento, o debate gira em torno
é um órgão cuja previsão estava directamente ligada aos no máximo, os elementos que
do Pro- O debate tem sido no sentido de se reduzir,
de Paz, assinados em Roma, no dia 4 de Outubro de 1992, através
vez, introdu-
tocolo III, embora não sejam os Acordos que, pela primeira COMOANE, Paulo Daniel, Uma Visão Jurídico-Administr
ativa da Comissão Nacional
rio de Reflexão sobre o Processo Elei-
de Eleições (CNE), EISA, texto utilizado no Seminá
tora] moçambicano, Maputo, 22 de Junho de 2006.
7 Cfr. Artigo 195 da CRM,
312 Lições de Direito Administrativo
Organização Administrativa Moçambicana 313
compõem a CNE, privilegiando-se os provenientes da sociedade civil em
de eleição para eleição, incluindo as que ocorreram na vigência da actual
detrimento dos indicados pelos partidos com representação parlamentar.
Constituição, sem introduzir, salvo raras excepções, soluções substancial.
Mas esta é uma história que só começou, pois não tem colhido nenhum
mente novas.
consenso, devido ao carácter político de que se reveste a própria CNE.
A aprovação da Lei nº 8/2007 visou tornar a CNE num órgão despar-
No que se refere às formas de designação, tendo em conta a neces-
tidarizado, através da integração no seu seio de membros provenientes
sidade de profissionalização do órgão, o dia é, ainda, madrugada. Quer
da sociedade civil, e reforçar & sua profissionalização de harmonia com o
os partidos representados na Assembleia, quer os não representados, ten-
princípio da imparcialidade nos termos do nº 3 do artigo 1935 da Constitui-
dem a pretender que tenham representação na CNE, com a alegação de
ção. Por sua vez, a Lei nº 10/2007 teve como objectivo regular uma situ
que é neste órgão onde se delibera sobre o futuro político dos partidos,
ação nova, isto é, a eleição de membros das assembleias provinciais, con-
relativamente à obtenção de assentos parlamentares. Mas a tendência,
forme o nº 1 do artigo 142 da Constituição. Já quanto às Leis nºs 7/2007
actualmente, consiste na indicação de um maior número de membros peia
e 9/2007, notamos que as inovações substanciais introduzidas não foram
sociedade civil, constituindo problema de maior as formas de como estas
suficientes para justificar a opção pela substituição da legislação anterior,
organizações vão proceder.
que poderia ter sido mantida com alterações pontuais. Renova-se, deste
A nossa sugestão é que as matérias relativas à natureza, composição e
modo, 0 apelo registado em anteriores processos de validação e proclama-
formas de designação, bem como as atribuições da CNE deveriam constar
ção dos resultados eleitorais, nomeadamente, no Acórdão nº 2/CC/2009,
da Constituição da República, passando este órgão à categoria de órgão
de 15 de Janeiro, relativo às Eleições dos Órgão das Autarquias Locais,
constitucional e não constitucionalizado, pois a incerteza sobre estas
sobre a «... necessidade de se estabilizar e consolidar a legislação eleito-
matérias leva a que, à cada acto eleitoral, corresponda a uma legislação
rai, por forma a evitar-se, para cada novo acto eleitoral, a aprovação de
eleitoral, prejudicando-se a consistência e harmonia institucional.
nova legislação»?.
O Acórdão n.º g0/CC/2009, de 27 de Dezembro, do Conselho cons-
titucional tece um conjunto de lições dirigidas ao Legislador, criticando-
-Se as sucessivas alterações da Legislação Eleitoral. O Juiz Constitucional,
b)ACNDH
neste aspecto, refere que «(...) Não estão em causa as alterações legislati-
vas feitas para adequar as leis quer às modificações constitucionais quer
No âmbito do cumprimento das suas obrigações internacionais, o Estado
às realidades supervenientes. Porém, a adequação não implica necessa-
moçambicano aprovou e mandou publicar uma lei que estabelece uma Comis-
riamente a substituição completa das leis em causa, pois a mesma pode
são Nacional dos Direitos Humanos. Esta lei visa assegurar o respeito pelos
conseguir-se através do mecanismo de revisão pontual, o qual apresenta
direitos humanos no país, com o envolvimento da sociedade civil e decorre
largas vantagens práticas na medida em. que permite ao aplicador da lei
das normas internacionais e práticas recomendadas, especialmente, pelos
identificar de forma fácil, clara e precisa as normas alteradas, bem como
Princípios de Paris, que norteiam o estabelecimento e o funcionamento de
compreender as inovações introduzidas sem necessidade de confrontar
na íntegra os sucessivos textos legais. Esta observação prende-se com as ? Processo n.º38/CC/2009, Acórdão do Conselho Constitucional relativo à Validação e
frequentes mudanças da legislação eleitoral que se têm verificado no país Proclamação dos Resultados das Eleições Presidenciais, Legislativas e das Assembleias
Provinciais, de 28 de Outubro de 2009.
Organização Administrativa Moçambicana 315
314 Lições de Direito Administrativo
decisório, bastando-se com as recomendações que faz aos órgãos do
tem como funções a
Instituições Nacionais dos Direitos Humanos. A CNDH Estado, com vista a reparação ou prevenção das ilegalidades e injustiças.
os no País através de pro-
promoção, protecção e defesa dos direitos human O Provedor de Justiça tem um estatuto equivalente a de um Ministro.
são deverá colaborar
gramas de educação sobre direitos humanos. A Comis
no âmbito da assis-
com as autoridades competentes na adopção de medidas
desfavorecidos em
tência jurídica e judiciária aos cidadãos financeiramente 100.3. Os conselhos superiores
ação de propostas de
causas relativas à violação dos direitos humanos; elabor
acionais sobre direi-
lei visando a harmonização das normas regionais e intern Os conselhos superiores são órgãos administrativos de gestão, disciplina
tos humanos no ordenamento jurídico moçambicano. e consulta nas respectivas áreas de actuação, cuja organização e funciona-
Direitos Huma-
O processo de exiação de uma Comissão Nacional de mento são reguladas por legislação específica a aprovar pela Assembleia
ade, participando as.
nos é, por natureza, participativo e inclusivo na socied da República.
diversas esferas sociais. Pode falar-se, actualmente, dos seguintes conselhos superiores:
mina que a CNDH
Assim, à Lei n.º 33/2009, de 22 de Dezembro, deter
eivil; três perso-
tem como membros quatro representantes da sociedade
a e da saúde, desig-
nalidades ligadas aos sectores da educação, da justiç a) Conselho Superior da Comunicação Social
ros de tutela; três per-
nadas pelo Primeiro-Ministro, ouvidos os minist
matérias relacionadas
sonalidades com conhecimento ou experiência em R uma entidade, constitucionalizada nos termos do artigo 50, de consulta
eleitos pela Assembleia da
com a promoção e defesa dos direitos humanos, e disciplina, que assegura a independência dos meios de comunicação
ade parlamentar €
República de acordo com 6 princípio de representativid social, no exercício do direito à informação, a liberdade de imprensa, bem
de Moçambique.
ainda um representante da Ordem dos Advogados como dos direitos de antena e de resposta.
Este órgão emite pareceres prévios às decisões do Governo sobre O
Hcenciamento de canais privados de televisão e rádio, bem como intervém
100.2. O Provedor de Justiça*º na nomeação e exoneração dos directores gerais dos órgãos de Comunica-
ção Social do Sector Público,
como função à garantia dos
O Provedor de Justiça é um órgão que tem O Conselho Superior da Comunicação tem uma composição de desig-
justiça na actuação da
direitos dos cidadãos, a defesa da legalidade e da nação mista, que tenta encontrar um equilíbrio na Sociedade, nomeada-
ia da República, por maioria
Administração Pública, eleito pela Assemble mente: os de nomeação presidencial; os de eleição pela Assembleia da
de dois terços dos deputados. República, segundo a representação proporcional; os eleitos pelas organi-
nistração Central do Estado
OQ Provedor de Justiça é um órgão da Admi zações profissionais dos jornalistas e o eleito pelas empresas e instituições
funções, devendo obser-
independente e imparcial no exercício das suas jornalísticas”,
Provedor da Justiça não tem poder
vância à Constituição e demais leis. O
s que regem a
“ Cfr. Artigo 38 da Lei n.º 18/91, de 10 de Agosto, que define os princípio
actividade da imprensa e estabelece os direitos e deveres dos seus profissionais.
Bo Cfr. Artigo 256 e ss. da CRM.
216 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa Mocambicana s17
b) Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ)* de 21 de Junho de 2000, na qualidade de órgão de gestão e disciplina da
Magistratura.
É o órgão de gestão e disciplina das respectivas magistraturas. O Conselho A referida deliberação determinava que o ora requerente cessasse as
Superior da Magistratura Judicial encerra em si um conjunto de compe- funções de Juiz da 2.º Classe que vinha exercendo na Secção da Instrução
tências de cariz administrativo, desde a nomeação, promoção, exoneração Criminal, junto do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo.
e disciplina respeitantes a magistrados judiciais apreciação do mérito pro- Notificado o Presidente do Tribunal Supremo, na qualidade de pre-
fissional e exercer a acção disciplinar sobre os funcionários da Administra- sidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial, respondeu e ale-
ção da Justiça propor a realização de inspecções, sindicâncias e inquéritos gou que aquele meio processual acessório intentado pelo requerente não
aos tribunais, até à emissão de pareceres e recomendações sobre a política deveria seguir os subsequentes trâmites, antes que o Tribunal se debruce e
judiciária. decida, por acórdão, sobre as questões prévias suscitadas, nomeadamente,
Portanto, o Conselho Superior da Magistratura Judicial pratica actos a incompetência do Tribunal Administrativo para conhecer da suspensão
materialmente administrativos, passíveis de recurso contencioso de anu- de eficácia pelo facto de pretender atacar matérias relacionadas com as
lação perante o Tribunal Administrativo, na medida em que colocar em deliberações do C,S.M.J.
causa posições jurídicas dos particulares. Neste conflito, o Tribunal Administrativo foi peremptório referindo
O Conselho é constituído por vinte membros, dos quais cinco são elei- que «Por definição e pelo conjunto e substância das atribuições e forma
tos pela Assembleia da República, segundo o princípio da representação de funcionamento, constata-se que o CSM, não obstante o facto de
proporcional; dois nomeados pelo Presidente da República; sete constitu- não se subordinar às instruções ou ordens de outros órgãos, é, efectiva-
ídos por magistrados judiciais de diversas categorias, todos eleitos pelos mente, um órgão administrativo, cujos actos praticados são, objectiva
seus pares e dois nomeados pelo Presidente da República, sujeitos a rati- e dominantemente, de natureza administrativa e que, por isso mesmo,
ficação pelo Parlamento, sendo um o Presidente do tribunal Supremo e têm de se submeter à respectiva disciplina, ou seja, à intervenção dos
por inerência do CSMJ e outro Vice-Presidente. Os restantes quatro são tribunais administrativos, que são órgãos a quem a Constituição e a lei
constituídos por Oficiais de Justiça, de intervenção restringida à discussão incumbem de assegurar, de forma efectiva, as garantias contenciosas
e votação de matéria relativa ao mérito profissional e ao exercício da fun- reconhecidas a todos os cidadãos, incluindo, neste caso, os próprios
ção disciplinar sobre oficias de justiça, magistrados judiciais. Assim, o conflito que opõe o ora requerente e o
Embora com efeito histórico, faz sentido chamar à análise o Acórdão CSMJ, porque emergente da deliberação que determinou a cessação de
n.º 05/1.2/2002, da Primeira secção do Tribunal Administrativo, no qual funções assumidas e acordadas na base dum contrato celebrado com um
é recorrente Luís Timóteo Matsine, em que fez seguir a suspensão de efi- órgão de vocação administrativa (CSMJ), enquadra-se, perfeitamente,
cácia da deliberação da Comissão Permanente do Conselho Superior da no conceito de matéria administrativa, cujos recursos compete 40 Tri-
Magistratura Judicial, tomada no decurso da sua 59.º Sessão Ordinária, bunal Administrativo conhecer e decidir, por força dos preceitos conti-
dos na CRM ena lei (..)»8.
à Ver artigo 220 e ss. da CRM e artigos 128 e SS. da Lei n.º 7/2009, de 11 de Março, que
aprova o Estatuto dos Magistrados Judiciais.
3 Vide artigo 29 da Lei supracitada. “* Acórdão n.º 05/12/2009, de 12 de Abril; Processo n.º 75/200.
Organização Administrativa Moçambicana 319
318 Lições de Direito Administrativo

A) d) Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público (CSMMP)


c) Conselho Superior da Magistratura Judicial Administrativa (COMJ

Adminis- É um órgão de gestão e disciplina da Magistratura do Ministério Público.


É, igualmente, um órgão de gestão e disciplina da Magistratura
O CSMMP é composto por treze individualidades, dos quais cinco elei-
trativa, Fiscal e Aduaneira.
strativa é cons- tos pela Assembleia da República, segundo à representação proporcional;
O Conselho Superior da Magistratura Judicial Admini
do pelo um nomeado pelo Presidente da República, que é, ao mesmo tempo, Pro-
tituído por onze membros, dos quais um é o Presidente, nomea
da República; curador-Geral e Presidente do CSMMEP; dois nomeados pelo Presidente da
Presidente da República, sujeita à ratificação da Assembleia
um deles magis- República para os cargos de Vice-Procurador-Geral e quatro eleitos pelos
dois nomeados pelo Presidente da República, sendo
leia da República, seus pares”.
trado judicial administrativo; três, eleitos pela Assemb
Adminis-
segundo a representação proporcional; dois Juízes Conselheiros
dos tribunais
trativos eleitos pelos seus pares e três juízes profissionais
eleitos pelos seus
administrativos, fiscais e aduaneiro, respectivamente,
pares,
r os Oficiais de
Nesta Magistratura, 0 Legislador ao invés de integra
u utilizar termes
Justiça no conjunto dos membros do CSMJA, preferi
Administrativa
como «participam no Conselho da magistratura Judicial
ados pelos seus
quatro oficias de justiça (...)»º. Estes oficiais são design
pares, segundo a tipologia dos tribunais administrativos.
, com inter-
Na verdade, os oficiais de justiça fazem parte do CSMJA
tantes ao mérito
venção restrita à discussão e votação das matérias respei
sobre os oficiais de jus-
profissional e ao exercício da função disciplinar
tiça.
uinte, quando
Outra crítica deve ser dirigida ao Legislador Constit
optando por definir à
procede a uma diferenciação entre magistraturas,
texto constitucional,
composição, estrutura e funcionamento do CSM no
CSMJA à Lei, O
remetendo a definição, composição e funcionamento do
enquanto, na verdade,
que pode denotar algum tratamento diferenciador,
e de valor idêntico, dife-
trata-se de realidades com estatutos equiparáveis
rentes somente pela especialidade da segunda magistratura.
de 11 de Março, que define o órgão de gestão
8 Neste sentido, o artigo 2 da Lei n.º 9/2009, 8 Artigo 56 da Lei n.º 22/2007, atinente a Orgânica do Ministério
Público e Estatuto dos
e disciplina dos juízes da jurisdição administrativa, fiscal e aduaneira.
Magistrados do Ministério Público.
8% N.º 2 do artigo 2, da mesma Lei.
CAPÍTULO V

Administração Local ou Subordinada do Estado

101. Preliminares

A Administração Local do Estado representa, ao nível local, o Governo,


bem como participa na administração do desenvolvimento do respectivo
território e contribue para a unidade e integração nacionais, exercendo
competências de decisão, execução e controlo no respectivo escalão.
Portanto, constitui a continuidade do Governo ao nível da província,
distrito, posto administrativo, localidade e de povoação, não escapando
a hierarquia do Governo, na sua organização e funcionamento", Desta
forma, vamos estudar, sequencialmente, os governos provincial e distrital,
o posto administrativo, a localidade e a povoação,

102. Governo Provincial

À província é a maior unidade territorial da organização política, econó-


mica e social da administração local do Estado.
A província é constituída por distritos, postos administrativos, locali-
dades e povoações, abrangendo «as áreas das autarquias locais, compreen-
didas no respectivo território»,

es Cfr, n.º 1 do artigo 7 e 141, ambos da CRM.


és Cfr, n.º 3 do artigo 12 da Lei n.º 8/2009, de 19 de Maio, pertinente aos princípios e
normas de organização, competências e funcionamento dos órgãos locais do Estado nos
escalões de província, distrito, posto administrativo e de localidade,
Organização Administrativa Mocambicana 323
922 Lições de Direito Administrativo

Ao nível da província, encontram-se os seguintes órgãos administra- b) Governo Provincial


tivos:
ador, Secretário
O Governo da Província é composto pelo próprio Govern
Directores Pro-
« O Governador de Província; Permanente Provincial e pelos Directores Provinciais?. Os
pio da especialidade
« O Governo Provincial. vinciais são nomeados centralmente, segundo o princí
da área de actuação, ouvido o Governador Provincial.
restringiu a composi-
O artigo 20 da Lei n.º 8/2003, de 19 de Maio,
de algumas instituições
a) Governador Provincial ção do Governo Provincial, excluindo os delegados
Viação; de Meteorolo-
centrais, nomeadamente, do Instituto Nacional de
devido às funções que
O Governador Provincial é um órgão de Administração Pública local (Pro- gia; de Gestão de Calamidades, entre outros, que,
ação, nem que fosse
víncia), nomeado pelo Presidente da República, representando âquele exercem ao nível local, seria aconselhável a sua integr
nível a autoridade central da administração do Estado. a título de convidados.
a proposta do plano
O Governador Provincial concentra, em si, um conjunto de poderes Compete, no geral, ao Governo provincial aprovar
funcionamento dos órgãos
funcionais que vão desde a representação do Presidente da República é e orçamento provincial; supervisar à acção e o
suscitem, em relação à apli-
da autoridade central na Província; dirigir o Governo Provincial; dirigir locais do Estado; deliberar sobre questões que
da administração do
a preparação e execução das propostas do PES e OE na província; decidir cação de decisões emanadas das autoridades centrais
medidas preventivas
sobre a questão de gestão dos recursos humanos do Estado pertencentes Estado e fazer o acompanhamento da execução das
ao quadro de pessoal provincial; criação de unidades de prestação de ser- ou de socorro, entre outras”,
de garantir a execução,
viços de saúde primários, bem como escolas primárias de ensino geral, O Governo Provincial é o órgão encarregado
traçada ao nível central.
tomar providências e dirigir instruções adequadas ao Comandante Pro- ao nível da Província, da política governamental
ivo da Província, que dispõe de
vincial da PRM, no âmbito da preservação da ordem e segurança pública Portanto, o Governo Provincial é o execut
ração da administra-
e entre outrosºº. autonomia administrativa no quadro da desconcent
Os actos do Governador, quando individuais e concretos (ordens), ção central?,
quinze em quinze
tomam a forma de Despacho do Governador e, quando sejam abstractos € O Governo Provincial reúne-se, ordinariamente, de
para O efeito, pelo Gover-
gerais (instruções), revestem a forma de Circular do Governador?! dias e, extraordinariamente, quando convocado
Na prática, o Governador de Província dirige o Governo da Provín- nador de Província.
a quem é conferido
cia. Existe, ao nível do Governo Provincial, um órgão
e controlo das activi-
um papel incontornável na organização, planificação

sa Vide o artigo 20, da Lei supracitada.


ss Cfr. artigo 17 da Lei retromencionada.
» Cfv. Artigo 17 da lei n.º 8/2003, de 19 de Maio. 4 Cfr. artigo 18, da mesma Lei.
* Nestes termos, n.º 2 do artigo 17, da Lei supra. os Nestes termos, vide o artigo 21.
324 Lições de Direito Administrativo
Organização Administrativa Moçambicana 225
dades do Governo, nas áreas da função pública e administração local, que
Podemos acrescentar neste rol de instituições, as Delegações provin-
é o Secretário Permanente,
clais, a quem incumbe representar ao nível local as pessoas colectivas de
O Secretário Permanente, nos termos do artigo 22 da Lei n.º 8/2009,
direito público de natureza institucional e empresarial.
de 19 de Maio, assegura o funcionamento permanente e regular dos ser-
viços técnico-administrativos, no âmbito da gestão de recursos humanos,
materiais e financeiros das áreas da sua actuação. O Secretário Perma-
104. Governo Distrital
nente é nomeado pelo Primeiro-ministro, sob proposta do Ministro que
superintende na função pública e administração local do Estado, ouvido,
O Distrito constitui uma circunscrição abaixo da Província, decalcando o
ou por proposta do Governador Provincial.
modelo provincial ao nível local. Desta forma, a administração do distrito
Diferentemente do que ocorre 20 nível central, o Secretário Perma-
é composta pelo Administrador Distrital e pelo Governo Distrital.
nente de um Ministério é nomeado pelo Primeiro-ministro, após aprova-
O Administrador distrital representa, ao nível daquela circunscrição,
ção em concurso público de avaliação curricular aberto para o efeito.
a autoridade central do Estado, e é nomeado pelo Ministro que superin-
Parece incompreensível a rejeição, ao nível local, do decalque do modelo
tende na área da administração local do Estado, sendo actualmente, o
de designação do Secretário Permanente de um Ministério, o que seria acon-
Ministro da Administração Estatal, sob proposta ou ouvido o Governador
selhável, na medida em que do espírito da figura de Secretário Permanente
Provincial.
se pretende que seja aquela que sirva de ponte entre os órgãos políticos, cuja
O Administrador distrital responde, individualmente, pelas activida-
nomeação está estritamente dependente da confiança política e, às vezes,
des administrativas perante o Governo Provincial.
pode obedecer ao critério dos mandatos. Assim, podemos vaticinar que o
Ao Administrador compete um leque de poderes, politicamente, ape-
que se pretendeu é que o Secretário Permanente fosse um órgão de topo de
teciveis tais como a consolidação e reforço da unidade nacional; a promo-
hierarquia das carreiras profissionais, com uma vasta experiência na área
ção da participação das comunidades e da autoridade tradicional; coor-
da função pública e da administração pública quer local, quer central, que
denação das acções de prevenção, protecção e defesa civil da população;
funcionasse como se de «memória» da instituição se tratasse.
criação e extinção de serviços distritais; entre outras.
O Governo distrital é composto pelo Administrador de distrito, Secre-
tário Permanente Distrital e pelos Directores dos serviços e incambe-lhe
108. Aparelho provincial do Estados
realizar o Programa do Governo ao nível do distrito e é composto por
Administrador Distrital; Secretário permanente Distrital e Directores Dis-
O aparelho provincial do Estado é o conjunto de órgãos e instituições
que tritais.
compõem o Governo ao nível da Província. Assim, temos a Secretaria Pro-
Às sessões do Governo distrital realizam-se, mensalmente, e de forma
víncial; o Gabinete do Governador; as Direcções provinciais e
os serviços extraordinária quando convocadas para o efeito pelo respectivo adminis-
provinciais.
trador.
O intervalo mensal de sessões demonstra a necessidade de os órgãos
% Cfr artigo 23 da lei n.º 8/2003, de 19 de Maio. distritais se ocuparem de actividades produtivas no teatro das operações,
Organização Administrativa Moçambicana 327
326 Lições de Direito Administrativo
participação
Ao chefe do posto incumbe a promoção e organização da
o que configura, na verdade, o distrito como pólo de desenvolvimento, zelar pela manu-
das comunidades locais, na solução dos seus problemas;
sendo lá onde a actividade governamental deve fazer-se sentir com muita do desenvolvimento
tenção da ordem e tranguilidade pública; promoção
intensidade, para o combate eficaz da pobreza. ação de reuniões
O aparelho distrital do Estado é composto pela Secretaria Distrital; de actividades económicas, sociais e culturais; realiz
ções.
pelo Gabinete do Administrador e pelos serviços distritais”. públicas para informação e auscuktação das popula

105. Posto Administrativo 106. Localidade?

que representa, na sua


O Posto Administrativo resume-se na pessoa do seu órgão, isto é, o Chefe O órgão da Localidade é o Chefe da Localidade,
dina-se ao Chefe do Posto
do Posto Administrativo. A Proposta de Lei de Revisão da Lei n.º 8/200%, área de actuação, a autoridade central e subor
Provincial, ouvido ou por
veio acrescentar ao Posto Administrativo um órgão que designa de con- Administrativo. Ele é nomeado pelo Governador
selho administrativo (alínea b) do artigo 50). Este órgão apoia 0 Chefe do proposta do Administrador Distrital.
organização da partici-
Ao Chefe da Localidade incumbe a promoção e
Posto no exercício das suas funções e é composto por representantes dos
seus problemas; zelar pela
sectoxes da administração pública representados no Posto. pação das comunidades tocais, na solução dos
promoção do desenvolvi
O Chefe do posto é o órgão superior ao nível do posto e representa manutenção da ordem & tranguilidade pública;
ais.
a autoridade administrativa central ao nível do Posto Administrativo, mento de actividades económicas, sociais e cultur
subordinando-se ao Administrador Distrital.
O Chefe do Posto é nomeado pelo Ministro que superintende na área
administração local, ouvido o Governador provincial, sem prejuízo
de 107. Povoação
aquele delegar estas competências ao Governador Provincial. Constituição da República de
A Povoação é uma circunscrição criada pela
a Localidade e não pode ser
2004, e corresponde a uma estrutura inferior
273 ga CRM se refere, que é
” (O Governo aprovou o Decreto n.º 6/2006, de 12 de Abril, que definiu
a estrutura tipo da
confundida com a povoação a que o artigo
Distrital deve.
orgânica do governo distrital e sen estatuto orgânico. Assim, o Governo uma categoria das autarquias locais.
Serviço Distrital de Planea-
no mínimo, conter os seguintes órgãos: Secretaria Distrital; e à circunscrição territo-
e tecnologia ; Serviço A povoação do artigo 273 da CRM correspond
mento e Infra-estruturas; Serviço distrital de Educação, Juventude
distrital de Saúde, Mulher e Acção Social; Serviço Distrital de Actividad es Econômica s rial da sede do posto administrativo.
o artigo 61 da Proposta
Relativamente a esta polémica termínológica,
dizer que o-Administrador
e o Gabinete do Administrador. Isto quer, necessariamente,
díveis ao bom funcionamento depositada no dia 13
de Lei de Revisão da Constituição da República
Distrital pode propor a criação de outros serviços imprescin
de prestação de serviços ao cidadão com
do Governo, fundamentados na necessidade
r da Frelimo, em Sede da
maior qualidade e eficácia. de Outubro de 2011 pela Bancada Parlamenta
8 Artigos 48 e 49 da Lei n.º 8/2008, de 19 de Maio.
31 de Agosto
9º Esta proposta foi depositada na Assembleia da república pelo governo no dia
de 2011 coin quota AR-VII/Prop. Lei/163/31.08.2011, wo Artigo 49 e 50 da Lein.º 8/2008, de 19 de Maio.
328 Lições de Direito Administrativo

Assembleia da República, põe termo a ela, eliminando o termo povoação


CAPÍTULO VI
constante do artigo 273 da Constituição: «1. É eliminada a expressão «e
as povoações» no número 1 e a expressão «ou da povoação» no número 4
Administração Periférica do Estado
ambos do artigo 2793(..)».
A Proposta de Lei de revisão da Lei dos órgãos locais do Estado cria
a estrutura da povoação e diz que ela consiste no chefe da povoação e no
conselho administrativo, sendo que o chefe subordina-se ao chefe da loca-
lidade e é designado pelo Governador da Província (artigos 55 e 56 da Pro-
posta de Lei).
108. Noção e âmbito

À Administração Periférica, para o presente estudo, deve ser distinguida da


Administração Local do Estado, ou subordinada, embora esta enquadre,
latamente, a primeira, sob pena de repetição de conteúdos, na medida em
que todas as representações, ao nível interno do Estado e demais pessoas
colectivas institucionais ou associativas, está referida na administração
local ou subordinada. Logo, o nosso estudo centra-se nas representações
no exterior do Estado, dos institutos públicos e das associações públicas.
O nosso estudo não vai fugir daquilo que poderá vir a ser a Lei de Bases
da Organização da Administração Pública”,
Com efeito, a Administração Periférica do Estado é aquela que abrange
as representações do Estado-Administração e demais pessoas colectivas
públicas não territoriais, designadamente, os institutos públicos e associa-
ções públicas no estrangeiro, que funcionam sob direcção dos respectivos
órgãos centrais e regulados por diplomas específicos.
Desta forma, são órgãos da administração periférica do Estado, desig-
nadamente, as missões diplomáticas e missões consulares e especiais.
As missões consulares são os consulados gerais, os consulados e agên-
cias consulares.
A Proposta de Lei de Bases de Organização da Administração Pública
prevê a existência de Cônsul Honorário.

1 Cfr, artgos 47 e ss. da PLEBOAP,


CAPÍTULO VII

Administração Indirecta do Estado

109. Conceito

ins-
A administração indirecta do Estado compreende-o conjunto das
criadas
tituições públicas, dotadas de personalidade jurídica própria,
por iniciativa dos órgãos centrais do Estado para desenvolver actividade
acto da
administrativa destinada à realização dos fins estabelecidos no
sua criação!
-
Regra geral, as pessoas colectivas criadas no âmbito da adminis
trativa ,
tração indirecta do Estado podem gozar de autonomia adminis
criação
financeira e patrimonial, devendo para O efeito, o acto de sua
fazer tal menção.
Na administração indirecta, o Estado-Administração transfere os
personali-
seus poderes para entidades que ele próprio cria e confere-lhes
vimos,
dade jurídica para a prossecução de um dos seus objectivos. Como
quando estudamos os sistemas de organização administrativa, esta trans-
.
ferência de poderes podemos designá-la de devolução de poderes
indirecta dó
A devolução de poderes correspondênte à administração
os públicos,
Estado, distinguindo-se o Banco de Moçambique, os institut
as fundações públicas e sector empresarial do Estados,

Administrativa.
1º Cfr. Artigo 60 da Proposta de Lei de Bases da Organização
a de Lei de Bases da Organiz ação Adminis trativa.
13 Cfr. Artigo 62 da Propost
382 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa Moçambicana 339

A Proposta de Lei de Bases de Organização da Administração Pública direitos e assumir deveres estritamente necessários para a realização do
integra o Banco de Moçambique na Administração Indirecta do Estado, interesse que lhes for cometido por lei» e que «as pessoas colectivas
nos artigos 79 e 80. É, na verdade, uma instituição com natureza de integradas na administração indirecta do Estado dispõem de capacidade
empresa pública, mas por questão metodológica, tratamos esta instituição jurídica pública, podendo praticar actos de gestão privada desde que tal se
como órgão da administração central do Estado. mostre necessário à prossecução das suas atribuições» 'ºs,
Estudaremos, sequencialmente, os institutos públicos e o sector
empresarial do Estado, ou melhor, as empresas públicas.
110. Âmbito e objectivos da administração indirecta do Estado
Na esteira da Proposta de Lei de Bases da Organização Administrativa, a SECÇÃO 1
administração indirecta do Estado incumbe aos Banco de Moçambique, Institutos Público
institutos públicos, as fundações públicas, os fundos públicos e o sector
empresarial do Estado e quaisquer outras entidades públicas dotadas de 111. Conceito
personalidade jurídica, desde que não integradas noutras categorias de
pessoas jurídicas (artigo 62). Diz-se instituto público, na doutrina, «(...) uma pessoa colectiva pública,
À anteproposta de Lei de Bases da Organização Administrativa explica de tipo institucional, criada para assegurar o desempenho de determina-
que a administração indirecta do Estado tem como objectivos, os seguin- das funções administrativas de carácter não empresarial, pertencentes ao
tes (artigo 69): Estado ou a outra pessoa colectiva pública»19,
Anossa Proposta de Lei de Bases define institutos públicos como sendo
* Promover a descentralização administrativa não territorial, através «pessoas colectivas de direito público, dotadas de personalidade jurídica
da transferência das responsabilidades do Estado para entes meno- própria e são eriadas com o fim de realizar os objectivos fixados no acto
res de modo a tornar mais eficaz e eficiente, bem como menos one- da sua criação» (n.º 1 do artigo 68). Em seguida, refere que os institutos
roso o exercício da actividade administrativa. públicos podem dispor de autonomia administrativa, financeira e patri-
monial, nos termos da lei. (n.º 2 do mesmo artigo)
Assim, o Estado ao criar uma pessoa colectiva integrada na adminis- Do conceito legal, podemos concluir que os institutos públicos são cria-
tração indirecta do Estado deve ter em conta a necessidade de racionali- dos por um acto de autoridade, nomeadamente, o Decreto dó Conselho
zação dos recursos humanos, financeiros e materiais na medida em que de Ministros, sob proposta do Ministro de tutela, não cabendo & nenhum
essas actividades são transferidas para 0 novo ente. outro órgão os criar (n.º 1 do artigo 70).
À Lei de Bases enuncia, acto contínuo, o princípio de especialidade
aplicável às pessoas colectivas públicas e o conteúdo da sua capacidade
jurídica, respectivamente, que «pessoas colectivas integradas na Admi- 104 Cfr, artigo 65.
sos Cfr, artigo 64 da PLEBOAP,
nistração Indirecta do Estado só podem dispor de poderes públicos, de 16 FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, op. Cit., p. 3693.
Organização Administrativa Moçambicana 335
334 Lições de Direito Administrativo
ou não Institutos de prestação de serviços;
A segunda ideia é a de que os institutos públicos podem dispor
Institutos reguladores;
de autonomia administrativa, financeira e patrimonial.
de autono- Institutos fiscalizadores;
Ota, se o instituto público não dispõe de mínimas condições
tertium genus, Institutos de infra-estruturas;
mia, nas suas diversas facetas, há que falar de um instituto
às pessoas colectivas de direito » Institutos de normalização;
tendo em conta o regime jurídico aplicável
insti- Institutos de gestão;
público. Isto quer, necessariamente, dizer que o progenitor de um
administra- Serviços personalizados;
tuto deverá, no mínimo, conferir a este ente uma autonomia
r-lhe outras facetas. Fundações públicas;
tiva, podendo, superveniente e gradualmente, conferi
atribui- Fundos públicos;
Portanto, o pressuposto de criação de um instituto público é a
de um interesse « Estabelecimentos públicos.
ção, no mínimo, de autonomia administrativa; existência
ta
público cuja prossecução só pode ser possível pela administração indirec is, na medida
Neste estudo, vamos destacar alguns tipos instituciona
em termos de custos e eficácia. ser combinados O
é que as atribuições do instituto em que, excepto as fundações e fundos públicos, podem
O terceiro elemento essencial
acto resto dos institutos.
público, ou seja, os fins para os quais é criado são definidos pelo
do Conselho de
constitutivo do instituto, melhor, pelo acto normativo
io
Ministros, não podendo ter fins múltiplos genéricos, devido ao princíp
a) Institutos reguladores e de normalização
da especialidade a que se sujeitam.
uma empresa
O quarto é que o instituto público não se pode confundir com ão ou regulação das activida-
de todas as facetas que Os institutos reguladores visam à normalizaç
pública, pois, esta é, desde o seu nascimento, detentora ionamento entre o sistema
regras des de uma área ou sector produtivo, do relac
corporizam o regime de uma pessoa colectiva pública e as respectivas , bem como exercer funções
de civil. e os agentes que lhes não estejam vinculados
excepcionais quanto ao regime do pessoal e de responsabilida de diferentes intervenientes
pode ter um de arbitragem e à composição de interesses
Chama-se atenção ao facto de que um instituto público
o e não ao regime nessa área.
regime de pessoal sujeito ao contrato individual de trabalh e Qualidade (INNOQ),
É exemplo, o Instituto nacional de Normalização
da função pública.
criado pelo Decreto n.º 2/93, de 24 de Março.

112. Tipos de institutos públicos"?


b) Serviços personalizados
ficação feita pela Lei
A tipologia dos institutos públicos vai seguir a especi o à orgânica de um Minis-
te: São serviços personalizados, Os que, pertencend
de bases, segundo as funções que desempenham, nomeadamen hes personalidade jurí-
tério, o Conselho de Ministros decide conceder-l
anteproposta de lei de bases de
7 Neste ponto, seguimos os princípios estabelecidos pela dica (n.º1, artigo 81 da PLBOAP).
organização administrativa.
326 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa Moçambicana 297
Os serviços personalizados do Estado, quando por opção estatutária d) Fundos públicos
não disponham de plena autonomia administrativa e financeira subordi-
nam-se ao respectivo Ministério de Tutela ou ao órgão para a que a lei
Os fundos públicos são pessoas colectivas de direito público, criadas por
remeter (n.º 1 artigo 81 da PLBOAP).
decisão do Conselho de Ministros, destinadas a angariar e gerir, no inte-
Desta definição, podemos extrair que os serviços personalizados são, resse geral, fundos públicos a empregar no desenvolvimento de determi-
na verdade, órgãos do Estado e o seu patrimônio, finanças e pessoal é do
nadas áreas de interesse público.
Estado. Tendo personalidade jurídica, esta serve, unicamente, para efeitos
Os fundos públicos seguem o princípio da unicidade, segundo o qual é
do direito privado, no que ao património diz respeito.
proibida a existência de mais do que um fundo numa mesma área de ser-
viço público da Administração Pública.
Do resto, é aplicável aos fundos públicos tudo o quanto foi dito sobre
c) Fundações públicas as fundações públicas,
Exemplificando, podemos falar do Fundo Nacional de Turismo, tute-
As fundações públicas são pessoas colectivas de direito público, criadas lado pelo Ministério do Turismo, cujas funções são, essencialmente:
por decisão do Conselho de Ministros, destinadas a gerir, no interesse
geral, património ou fundos públicos (artigo 82 da PLBOAP).
» Elaborar programas de promoção turística e garantir a sua execução.
Deste conceito, podemos extrair que as fundações públicas são pessoas
* Estimular acções que se relacionem com o turismo e possam concor-
colectivas de direito público de tipo institucional, criadas pelo Decreto do
rer para a sua valorização.
Conselho de Ministros, com substrato assente no património ou fundos de
Contribuir para o financiamento de empreendimentos de recupera-
natureza pública.
ção e de implantação de infra-estruturas turísticas.
Outro tanto é que as fundações, devido ao sen substrato, podem ser
* Patrocinar as tarifas dos transportes aéreos, rodoviários e fervoviá-
criadas independentemente de existir património naquele momento, que
rios, do País quando se justifique necessário para o desenvolvimento
possa constituir seu substrato patrimonial. Assim, o substrato dix-se-á
de um destino turístico no País.
fundacional (artigo 85).
* Apoiar quaisquer outros empreendimentos de imteresse turístico
As fundações devem apresentar, na sua denominação, menções que
que visem conservar a ecologia, a moral, a identidade e patrimônio
permitam a sua distinção dos restantes tipos institucionais.
cultural.
A PLEBOAP atribui, quanto ao pessoal, um duplo regime. No que
diz respeito às funções que impliquem a prática de actos de autoridade,
o regime é de direito público, e no que se refere a funções excluídas do
e) Institutos médios-politécnicos
âmbito público, o regime é o geral, isto é, do contrato individual do traba-
lho (artigo 86).
Os institutos médios politécnicos visam promover o ensino técnico-profis-
sional destinado à formação e aperfeiçoamento de técnicos de várias áreas
ligadas aos fins da Administração Pública, nomeadamente, a segurança,
Organização Administrativa Moçambicana 339
338 Lições de Direito Administrativo
Públicos, as Escolas Superiores Públicas, os Institutos Superiores Politéc-
cultura e o bem-estar. Estes institutos têm regime especial e são, normal-
administrativa e tutelados pelos Mínis- vicos Públicos, as Academias Públicas ou outras que forem assim classifi-
mente, dotados de autonomia
cadas pela Lei do Ensino Superior (LEBOA, art.).
tros das áreas respectivas. Por exemplo, o Instituto Médio Politécnico de
As instituições do ensino superior são pessoas colectivas de direito
Saúde, criado pelo Diploma Conjunto do Ministro da Saúde e de Educação
público, dotadas de autonomia científica, pedagógica, administrativa, finan-
n.º 64/2010, de 24 de Março, sito no bairro Jorge Dimitrov, Cidade de
ceira e patrimonial e gozam de autonomia disciplinar sobre q seu pessoal.
Maputo.
Estes entes regem-se pelos princípios de democratização do ensino,
da valorização dos ideais pátrios, da ciência e humanidade, da liberdade
f) Institutos gestores de fundos públicos de segurança social de criação cultural, artística, científica e tecnológica e da participação no
desenvolvimento económico, científico, social, cultural do país, da região
Os institutos gestores de fundos de segurança social têm um substrato e do mundo.
assente no fundo de pensões ou mesmo de bens que, no momento da As instituições do ensino superior estão submetidas à avaliação da
criação, pode não existir. Incumbe a estes institutos a promoção de ins- qualidade do ensino e são regidas, regra geral, pela Lei do Ensino Superior.
crições de trabalhadores e entidades empregadoras. Portanto, O interesse
o
público que circunda a criação destes órgãos é a necessidade de protecçã
social dos trabalhadores, garantindo-se a sua subsistência nas situaçõe
s de 113. Regime aplicável aos institutos públicos
velhice, falta ou diminuição de capacidade para o trabalho, bem como dos ação,
familiares sobreviventes em caso de morte; assim. como criando condiçõe
s No regime jurídico dos institutos públicos, vamos analisar a organiz
suplementares de sobrevivência. o estatuto do pessoal e o controlo.
Um exemplo claro destes institutos é o Instituto Nacional de Segu-
con-
1. Quanto à organização, os institutos públicos obedecem a um
rança Social criado pelo Decreto n.0 17/88, de 27 de Dezembro. regras relati-
junto de princípios relativos à sua gestão; a um conjunto de
a-
vas à sua estrutura orgânica; bem como observam as regras de respons
bilidade e estatuto dos seus membros. o
9) Estabelecimentos públicos s
No que diz respeito aos princípios de gestão, os institutos público
de exce-
Na esteira das Lições de Diogo Freitas do AMARAL, são estabe
lecimentos devem prestar um serviço aos cidadãos de acordo com os padrões
adopta-
públicos «os institutos públicos de carácter cultura! ou social, organiz ados lência, de garantia de eficiência económica custos e nas soluções
qualquer decisão
como serviços abertos ao público, e destinados a efectuar prestaç
ões indi- das, da fundamentação da oportunidade econômica de
os quantifica-
viduais à generalidade dos cidadãos que delas careçam»'!ê, cuja execução implique despesa pública; gestão por objectiv
ao plano de
São estabelecimentos públicos as instituições do ensino superio
r, dos e avaliação periódica em função dos resultados; sujeição
ios
designadamente, as Universidades Públicas, os Institutos Superiores actividades ou contratos-programa; bem como a sujeição aos princíp
relativos à actividade administrativa (artigo 85 da PLBOAP).
68 FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. 1, op. Cit. p. 371
340 Lições de Direito Administrativo
Organização Administrativa Moçambicana 341
Quanto à estrutura, os institutos públicos, regra geral, inchuem um
A primeira tese é defendida pelo Professor Marcelo Caetano e anuída
conselho de direcção e um fiscal único ou um conselho fiscal. Nos institu-
pelo Professor Diogo Freitas do Amaral, segundo a qual, os institutos públi-
tos de gestão de fundos on reguladores, ou, quando normas internacionais
cos têm um substrato institucional autónomo, diferente do Estado ou dele
assim o impuser, a estrutura será adequada àquelas normas.
destacado, que a lei confere personalidade jurídica. Neste sentido, a ordem
Os membros dos institutos públicos obedecem a um mandato, com
jurídica criará um sujeito de direito com base numa instituição distinta do
possibilidade de renovação, podendo ser livremente exonerados por quem Estado — seja ela um serviço, um património ou um estabelecimento".
os nomeou. A nomeação dos membros é feita por comissão de serviço,
Esta tese arrasta consigo três consequências: a primeira, é que os
com direito a indemnização, caso sejam exonerados sem justa causa base-
órgãos dos institutos públicos não são órgãos do Estado; a segunda, é que
ada em conveniência de serviço ou motivo disciplinar.
o pessoal que presta a sua actividade nos institutos públicos é privativo
O princípio da responsabilidade é o da solidariedade pelos actos prati- destes, não integrando a categoria especial de funcionários públicos; a ter-
cados no exercício das suas funções, salvo se estes tiverem votado vencido,
ceira, é que as finanças e o património dos institutos públicos são paraes-
ou estiverem ausentes e da decisão que faz nascer a responsabilidade se
taduais, isto é, dizem respeito a estes entes"º,
distanciarem,
À segunda tese é defendida pelo Professor de Coimbra, Afonso de
H. No que diz respeito ao estatuto do pessoal, os institutos públicos Queiró, que vê nos institutos públicos órgãos personalizados do Estado.
seguem um regime bifronte: o regime regra é o da função pública, no que Portanto, esta concepção defende que os institutos públicos não são ver-
diz respeito a funções sujeitas à gestão pírblica e regime de contrato indi- dadeiras entidades distintas do Estado, sendo, por isso, meros órgãos do
vidual de trabalho, quanto à gestão privada. Estado, com uma personalidade jurídica para efeitos de direito privado,
nomeadamente patrimoniais!",
HI. No que diz respeito ao controlo, este pode ser administrativo e
Esta tese apresenta consequências essenciais, nomeadamente, que os
contencioso. No controlo administrativo, os institutos públicos sueitam-
órgãos, o pessoal, o património e as finanças dos institutos públicos são
-se à tutela e superintendência administrativas sobre os actos e órgãos
estaduais e os interesses que prosseguem são estaduais e não é concebível
pelo Ministro da respectiva área de actuação.
que se arroguem ao direito de impugnar os actos do Estado ou propor
O controlo jurisdicional dos institutos públicos é feito pelo tribunal
...4 acções contra o mesmo"?,
administrativo,
Ora, para 0 nosso caso, vejamos o que diz o nosso direito positivo.
Primeiro, os institutos públicos têm personalidade jurídica (art. 81 da
PLBOAP); segundo, os institutos públicos prosseguem fins específicos,
114. Natureza jurídica dos institutos públicos
devendo ter uma vocação especializada, a fixar no acto da sua criação (art.

Quando se debate a problemática da natureza jurídica dos institutos públi- 19 Nestes termos, FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. 1,
op. cit., p. 380.
cos, procura-se saber se estes entes têm ou não um substrato antônomo e
“e Idem.
interesses públicos próprios on não e, como tal, que lhes permite diferen- m Cfr. FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, op. cit,
ciar do Estado. p- 381
uz Nestes termos, Idem.
Organização Administrativa Moçambicana 343
342 Lições de Direito Administrativo
ou especifica-
81 da LEBOA); terceiro, cada instituto público é objecto de tutela e supe- pessoas colectivas de direito público de tipo institucional,
ante na medida
mente, de tipo empresarial. Esta delimitação se faz import
rintendência a exercer pelo dirigente do órgão central do Estado que supe- -Administração
em que existem empresas públicas integradas no Estado
rintende a área de actividade do instituto (art. 90 da PLEBOAP). a, muito menos
ou em autarquias locais que não tem personalidade jurídic
Das disposições acima elencadas, podemos concluir que os institutos É o caso das Far-
públicos são, em Moçambique, regra geral, pessoas colectivas de direito as autonomias administrativa, financeira e patrimonial.
s.
mácias do Estado que continuam como empresas pública
público, com personalidade distinta do Estado, com património e finanças e materializam
As empresas públicas constituem um dos conteúdos
próprias, o que nos faz aproximar à tese defendida pelos professores Diogo
strativa. Em conceito,
Freitas do Amara! e Marcelio Caetano. o princípio de gestão privada da actividade admini
económicas de fim
Porém, a excepção reside nos chamados serviços personalizados dizem-se empresas públicas as « (...) organizações
as públicas»"8,
que, na verdade, se aproximam da tese defendida pelo Professor Afonso lucrativo, criadas e controladas por entidades jurídic
tos integradores.
Deste conceito, podemos destacar os seguintes elemen
QUEIRÓ, pois são órgãos integrados na orgânica de um Ministério e a ele públicos com a
se subordinam. A autonomia administrativa e financeira que lhes é confe-
A empresa pública combina, no seu substrato, capitais
s para o mercado,
técnica e o trabalho, para a produção de bens e serviço
rida é tendencial. ados"+. Estes elemen-
mediante venda por preços economicamente calcul
só que, para O
tos correspondem ao conceito de unidades de produção,
115. Extinção ão, elemento estrutural
caso de empresas públicas, tais unidades de produç
à produção de lucros,
da empresa, hão-de destinar-se, estatutariamente,
Os institutos públicos, como espécies do género pessoa colectiva de direito ro, as empresas
Nos termos do artigo 1, da Lein.º 17/91, de 3 de Feverei
público, hão-de extinguir-se por via de um acto de autoridade de igual ou os ou fornecidos por
públicas são criadas pelo Estado, com capitais própri
superior valor daqueles que lhes criou, quando o interesse público deter- socio-económicos do
outras entidades públicas no quadro dos objectivos
minante da sua criação tiver deixado de ter relevância específica; ou que mesmo.
o prazo para o qual foram criados tenha esgotado; ou que eles
tenham públicas, detendo capi-
Nos termos desta prescrição legal, as empresas
pela sua
alcançado os resultados previstos no acta constitutivo ou mesmo tais públicos, sujeitar-se-ão ao controlo público
, o que, necessariamente,
reestruturação e insuficiência de património. zação (conselho de admi-
implica que os órgãos de administração e fiscali
exonerados livremente pelo
nistração e conselho fiscal) são nomeados e
SECÇÃO II Estado, nos termos da lei.
do AMARAL, «antes de
Empresas Públicas A empresa pública é, como refere Diogo Freitas
o seu carácter público não lhe
mais, uma empresa em sentido econômico;
entidades públicas (...)»”5.
116. Conceito advém apenas de a maioria do capital pertencer a
Vol. L, op. cit.; p. 392.
de Direito Administrativo,
as vs FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso
As empresas públicas, que aqui serão estudadas, são pessoas colectiv 4 CARTANO, Marcello, Manual de Direito Admin
istrativo, Vol , op.Cit.; D. 378.
o Administrativo, Vol. 1, op. cit. p. 392.
de direito público e, como tal, podem ser classificadas como espécies das us FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direit
344 Lições de Direito Administrativo
Organização Administrativa Moçambicana 345
Este autor destaca como elementos essenciais os seguintes: primeiro,
tores que, exemplificadamente, poderiam levar à intervenção do Governo,
que a empresa pública é uma empresa e, segundo, que as empresas sujei-
contam-se o encerramento total ou parcial da empresa, iminência de des-
tam-se ao controlo público.
pedimento de trabalhadores, abandono, desvio de fundos ou descapitali-
zação.
Neste sentido, o Governo de Transição poderia intervir através da fis-
117. Nota histórica sobre a empresa pública moçambicana
calização ou administrando de per si a empresa sujeita à intervenção, bem
como suspender as funções dos órgãos. Foi dentro deste contexto que as
A história público-empresarial moçambicana deve ser analisada com empresas foram sendo dirigidas por comissões administrativas, nomeadas
recurso aos seguintes diplomas legais, fundamentais:
nos termos deste Decreto-Lei.
A partir de 28 de Abril de 1977, através do Decreto-Lei n.º 18/77, as
* Decreto-Lei n.º 16/75, de 13 de Fevereiro;
comissões administrativas foram transformadas em empresas estatais.
* Decreto-Lei n.º 17/77, de 28 de Abril;
Esta decisão resultou da necessidade de materializar os objectivos da edi-
* Decreto-Lei n.º 18/77, de 28 de Abril;
ficação de uma sociedade socialista, o que impunha a consolidação e o
* Lei n.º 2/81, de 30 de Setembro:
desenvolvimento do sector estatal na esfera da produção e da circulação e
* Decreto n.º 21/89, de 2gde Maio;
a necessidade de a actividade privada sujeitar-se aos interesses da econo-
* Lein.º 13/91, de 3 de Agosto;
mia nacional.
* Lein.º 15/91, de 3 de Agosto:
Assim, nascia com este Decreto-Lei 0 regime das empresas estatais.
* Decreto n.º 27/91, de 21 de Novembro;
O estatuto-tipo das empresas estatais foi aprovado pelo Decreto-Lei
Decreto n.º 28/91, de 21 de Novembro;
n.º 17/77, de 28 de Abril, As empresas estatais são, na verdade, a forma
Decreto n.º 70/98, de 23 de Dezembro.
superior de organização de unidades de produção, e são propriedade de
todo o Povo moçambicana, perante quem os trabalhadores da empresa
A história empresarial moçambicana começa com a entrada em vigor
estatal respondem!6,
do Decreto-Lei n.º 16/75, de 13 de Fevereiro, adoptando várias medidas
As empresas estatais sujeitam-se ao registo comercial (art. 10), não
tendentes a garantir a paz social e o progresso económico de Moçambique.
sendo as suas contas sujeitas ao julgamento pelo Tribunal Administra-
Lê-se nas justificações do referido diploma que «Essas medidas, umas de
tivo, embora se sujeite a resolução de litígios envolvendo estas unidades e
carácter econômico visando possibilitar a maior intervenção do Estado em
outros sujeitos de direito aos tribunais comuns (n.º 2 do art. 8).
ordem a dinamizar a actividade económica ou impedir que essa actividade
Nos termos estatutários, as empresas estatais são definidas como
seja deliberadamente prejudicada (...)».
sendo «(...) unidades de produção socio-económicas criadas pelo Estado
Este diploma estipulava, nos termos gerais, que se alguma
empresa para exercerem uma actividade de acordo com o plano de desenvolvi-
não funcionasse em termos de contribuir para o desenvolvimento da eco-
mento nacional, e funcionando sob a direcção do Estado, com o objectivo
nomia moçambicana e para a satisfação das necessidades colectivas,
pode-
ria ser intervencionada peito Governo de Transição (art. 1.º), Entre
os fac-
nº Fundamentação/Justificações do Decreto-Lei n.º 17/77, de 28 de Abril
Organização Administrativa Moçambicana 347
246 Lições de Direito Administrativo

(art. 1.º dos estatutos Este novo diploma veio a clarificar alguns aspectos do regime anterior, que
de edificar a base material da democracia Popular»
se podem resumir nos seguintes pontos essenciais:
das Empresas Públicas).
Estado, embora
O património das empresas estatais é patrimônio do
com à autonomia admi- - Que as empresas estatais são importantes células da sociedade
se atribuía personalidade e capacidade jurídica, socialista onde se forja o Homem Novo e têm a responsabilidade de
nistrativa, financeira e patrimonial (art. 2.º).
te, permitir que garantir de acordo com os princípios do partido FRELIMO, a cons-
Na verdade, esta personificação visava, tão somen
o privado, em termos tante elevação do nível político, técnico, científico e cultura! dos tra-
as empresas estatais agissem no âmbito do direit
nuidade do Estado, balhadores (art. 2).
restritos ao património. São estas unidades a conti
os são, igualmente, do + Queas empresas estatais devem praticar a emulação socialista (art. 2);
os seus órgãos são estaduais, os seus funcionári
estatutos se pudesse con- « Que as empresas estatais podem ter âmbito nacional ou local e
Estado. Embora com a leitura do artigo 17 dos
empresas Estatais está são criadas pelo Decreto do Conselho de Ministros e pelo Diploma
cluir o contrário quando diz que «O pessoal das
individuais de traba- Ministerial conjunto entre os Ministros do Plano, das Finanças € do
sujeito ao regime jurídico que regula os contratos
Ministro que superintende a área de actividade da empresa, respec-
lho».
ma regia tais con- tivamente;
Todavia, nada disso é como tal. Primeiro, que diplo gica-
Recorde-se que a pri- * Que as empresas estatais seguem um plano orientado metodolo
tratos? Se havia, era, na verdade, o Código Civil, mente pela Comissão Nacional do Plano e submissão da sua
conta-
em 1985, através da Lei
meira legislação laboral privada foi aprovada bilidade ao Plano Nacional;
suas disposições finais
n.º 8/85, de 14 de Dezembro. Veja-se mais que nas * Que, em casos de conflitos que não sejam contratuais
ou económi-
que contrariam a pre-
dizia que «São revogadas todas as disposições legais cos, a sua resolução cabe aos tribunais populares.
um instrumento legal
sente lei»"?, Desde logo, prova-se a inexistência de
res das empresas esta-
direccionado para regular o regime dos trabalhado
de trabalho no Aparelho do Esta situação manteve-se, embora com algumas alterações não profun-
tais, senão o decreto que aprovava as normas 3 de Agosto,
das, até o ano de 1991, ano da aprovação da Lei n.º 13/91, de
Estado. o Estado inter-
sentido, de personalidade que veio determinar que as empresas em relação às quais
Em suma, não há que se falar, no verdadeiro de 13 de
particular, a financeira € patri- vencionou, nos termos e para efeitos do Decreto-Lei n.º 16/75,
jurídica, muito menos das autonomias, em Fevereiro, poderão ser objecto das transformações previstas
no artigo 2.
is, no seu funcionamento,
monial. Não é por acaso que as empresas estata Tais transformações consistiam em transferir as empresas
estatais
o, com subordinação
regiam-se pelo princípio do centralismo democrátic intervencionadas para o Estado e integrá-las no sector empresa
rial do
empresa aos interesses da
das estruturas inferiores às superiores, e da Estadous. Era o início da privatização da Administração Pública
e o nasci-
maioria representada pelo Estado (n.º 1 do art. 6.º).
no revogou O estatuto-tipo
Em 1981, pelo Decreto-Lei n.º 2/81,0 Gover 8 Sector empresarial do Estado é, nos termos do art. 2,
da Lein.º 15/91, de 3 de Agosto, «o
i n.º 18/77, de 28 de Abril.
das empresas estatais aprovado pelo Decreto-Le conjunto das empresas públicas e estatais, as sociedades comerci
ais cujo capital pertença
pessoas colectiv as de direito público, as empre-
exclusivamente ao Estado e ou a outras
ro, publicada no BR n.º 50, I Série, 5º
“7 Cfr. artigo 174 da Lein.º 8/85, de 14 de Dezemb sas, estabelecimentos e instalações cuja propriedade tenha
revertido para 0 Estado».
suplemento,
948 Lições de Diveito Administrativo Organização Administrativa Moçambicana 349

mento da actividade administrativa de gestão privada. Seguidamente, foi 118. Formas de empresas públicas
aprovada a Lei n.º 15/91, de 3 de Agosto, com o fim de reestruturar, trans-
Ermida

formar e redimensionar o sector empresarial do Estado, incluindo privati- Embora a Lei n.º 17/91, de 3 de Agosto, não faça a distinção, mostra-se
zar € alienar a título oneroso as empresas, estabelecimentos, instalações e necessário fazer-se a separação de águas dentro da categoria empresa
participações sociais de propriedade do Estado. A reestruturação do sector pública, nomeadamente:
empresarial do Estado excluiu a alienação e privatização de unidades liga-
das à produção, distribuição e comercialização de bens e produtos quer * Empresa pública sob forma societária, as chamadas Sociedades
básicos, quer de primeira Anônimas com natureza privada. Para o nosso caso, veja-se, por
necessidade, que, pela sua natureza, devam ser realizadas por regime exemplo, a MCEL.
de exclusividade por empresas do Estado ou em concorrência com empre- * Empresa pública sob forma pública, que são pessoas colectivas
sas privadas; os sectores ligados à prestação de serviços públicos à comu- públicas, portanto, regidas pela Lei n.º 17/91, de 3 de Agosto.
nidade que, pela sua essencialidade, devam ser proporcionados ou contro- * Empresas públicas sob forma público-mista, na medida em que
lados pelo Estado (n.º 1, do art. 4). são participadas financeiramente e regidas igualmente pela Lei
Os sectores estratégicos em cansa deviam ser, especificamente, defi- n.º 17/91, de 3 de Agosto.
nidos pelo Conselho de Ministros, incluindo, forçosamente, os sectores * Empresas públicas integradas no Estado-Administração ou autar-
ligados à produção e emissão de notas e moeda divisionária; exploração quias locais, sem contudo, detiverem personalidade jurídica, muito
de lotarias, totobola e concessões de jogo e concessão de direitos para uso, menos qualquer tipo de autonomia.
usufruto, gestão e disposição de recursos minerais, em particular, para a
contratação de pesquisa e exploração (n.º 2 do art. 4). Portanto, para este caso, interessa o estudo do regime da empresa
Com este diploma legal, podemos concluir o seguinte importante: pública sob forma pública e mista, dotadas de personalidade jurídica e
respectivas autonomias, na sua plenitude.
— Cria-se q sector público empresarial;
- Procede-se à sua reestruturação e redimensionamento:
- Do processo referido no ponto anterior resultou que: 119. Regime jurídico aplicável às empresas públicas
* Certas empresas estatais não foram transformadas, nem alienadas,
- muito menos privatizadas, continuando como órgãos do Estado; O regime-quadro das empresas públicas moçambicanas é estabelecido pela
* Certas empresas estatais foram transformadas em empresas Lei n.º 17/91, de 9 de Agosto, e pelos estatutos de cada empresa pública.
públicas; ou criadas ex novo empresas públicas; Deve realçar-se que o Governo submeten uma Proposta de Lei que revoga
* Certas empresas estatais foram privatizadas e alienadas onerosa- a Lei n.º 17/91, de 3 de Agosto.
mente de forma total ou parcial, Na referida Proposta de Lei, clarifica-se a dupla tutela das empresas
* Certas empresas estatais foram transformadas em sociedades públicas, e à substituição do termo «subordinação» por «tutela»; deli-
anónimas com capitais públicos. mita-se melhor as competências próprias do Conselho de Administração
Organização Administrativa Moçambicana 351
950 Lições de Direito Administrativo

ho Fiscal de cinco Para a Proposta, autonomia administrativa quer dizer que a empresa
das empresas públicas; reduz-se O mandato do Consel pública tem a faculdade de gerir os seus recursos (n.º 2 do artigo 22).
de Administração
para quatro anos e acresce-se O mandato do Conselho A autonomia financeira quer dizer que a empresa pública tem a capacidade
ra-Se O carácter
de três anos para quatro anos renovável duas vezes; consag de gerar receitas no decurso dá sua actividade operacional que cubram a
públicas; a sujeição da
excepcional de concessão de subsídios às empresas
das Finanças e a possi- totalidade das respectivas despesas (n.º 3 do mesmo artigo) e, por fim, a
contratação da dívida à aprovação pelo Ministro
as de segurança social autonomia patrimonial quer significar que a empresa pública tem a capa-
bilidade de as empresas públicas manterem sistem
cidade de adquirir, registar, gerir e dispor de bens patrimoniais necessá-
complementar”. rios à prossecução do seu objecto (n.º 4).
estabelecido pelo
Neste contexto, só importa abordar o regime geral
de 3 de Agosto. Isto não quer dizer que não possam ser criadas empresas públicas
legislador ordinário, nomeadamente, na Lei n.º 17/91,
que não tenham as capacidades financeira, patrimonial e administrativa
plenas, pois como se tem dito, a criação de empresas públicas tem como
suporte as satisfação das necessidade colectivas, por via de gestão privada
120. Personalidade e capacidade jurídicas da Administração Pública, o que justifica a criação de empresas embora
geral é a atribuição, às sem autonomias plenas.
O primeiro aspecto a tomar em conta no regime
2).
empresas públicas, de personalidade e capacidade jurídica (art.
eriza-se por ser
A personalidade jurídica das empresas públicas caract
dos respectivos órgãos. 121. Criação, modificação e extinção
a se, distinguindo-se, logicamente, do Estado e
destes entes.
Não havendo, portanto, confusão quanto à autonomia
aquela que lhes As empresas públicas são criadas por Decreto do Conselho de Ministros
A capacidade jurídica das empresas públicas deve ser
obrigações necessárias € (n.º 1 do art. 3). O acto de criação das empresas públicas deve indicar,
permite gozar de um leque de direitos e assumir
claramente, de acordo tom o n.º 2 do art. 3,0 órgão do aparelho de Estado
proporcionais aos fins para. Os quais são criadas. que faz superintendência e tutela, |
ência com o acto constitu-
As empresas públicas são, desde a sua emerg
financeira e patrimonial. A criação das empresas públicas deve ser fundamentada, demons-
tivo, detentores das autonomias administrativa,
as empresas públi- trando-se as vantagens de índole econômica, técnica e financeira, bem
Estas autonomias querem significar, no geral, que
ram 0 seu patri- como o projecto de estruturação orgânica, acompanhados de pareceres a
cas administram e dispõem livremente dos bens que integ serem emitidos por entidades dos ministérios de finanças e planificação
privado do Estado
mónio sem sujeição às normas relativas ao domínio (cfr. n.º 2 do art. 3).
nientes da sua activi-
(n.º 2 do art. 16), bem como cobram as receitas prove A modificação das empresas pode dar-se através da fusão, cisão e
tários (art. 19).
dade ou que lhes sejam facultadas nos termos estatu
transformação.
A Proposta de lei veio explicitar melhor as autonomias.
Comecemos com a fusão. Esta dá-se, de harmonia com o art. 32,
»s É na essência as alterações de fundo que a Proposta de Lei traz. Esta Proposta
foi apro- quando duas ou mais empresas se reúnem, formando uma única. Este
vado pelo Conselho de Ministros, na sua 10.2 Sessão Ordinária realizada a 29 de Março
processo pode dar-se por incorporação de uma ou duas empresas nou-
de 2011.
352 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa Moçambicana 353

tra, mediante transferência de património daquela ou daquelas empre- 3. O objecto.


sas; Ou pela criação de uma entidade ex novo, que recebe 0 património 4. O fundo de constituição.
daquela (s). 5. O órgão de subordinação e constituição, competência e funciona-
A cisão implica, nos termos do art. 33, em primeiro lugar, extinção ou mento dos seus órgãos.
destaque de parte do património e, em segundo plano, implica a divisão
do património da empresa extinta, passando a constituir novos entes; Ou Finamente, os estatutos devem prever, se disso for o caso, a possibili-
para o caso de destaque de patrimônio, a criação de novo ente ou integra- dade de abertura de delegações nas províncias (n.º 3 do art. 5),
ção do património em empresa já existente.
Por fim, a transformação, que dá lugar a uma alteração profunda da
empresa pública, passando esta de empresa pública sob forma pública para 128. Órgãos
empresa pública sob forma societária. Assim, a transformação implica
uma autorização do Conselho de Ministro de a empresa pública passar Manifestam a vontade funcional das empresas públicas o conselho de
para o regime de sociedade anónima de responsabilidade limitada ou em administração e o conselho fiscal (art. 9).
sociedade por quotas (art. 44). O conselho de administração tem uma composição variável. A varia-
A extinção das empresas públicas dá-se por acto de autoridade, com o ção da composição está ligada à natureza e dimensão da pessoa colectiva
fim de reorganizar as actividades, ou de pôr termo à actividade anterior- pública. Assim, a composição é de cinco ou sete membros.
mente desenvolvida por não justificar-se no quadro dos objectivos sócio- O presidente do conselho de administração é nomeado e exonerado
-económicos. pelo Primeiro-Ministro, cabendo ao ministro da área de actuação da
Como é sabido, não são aplicáveis às pessoas colectivas públicas as empresa nomear e exonerar os restantes membros. Devem integrar obri-
regras de dissolução, insolvência e falência das sociedades comerciais, gatoriamente o conselho de administração um membro nomeado pelo
igualmente, estas regras não são aplicáveis às empresas públicas, por ministro da área das finanças e um membro representante dos trabalha-
maioria de razão, são espécies daqueles entes, dores da empresa (art. 10).
O mandato dos órgãos é de três anos, renováveis, por iguais períodos.
Com a proposta de revisão da Lei das empresas públicas, o mandato passa
122. Os estatutos específicos a ser de quatro anos (n.º 3 do artigo 11).
O conselho fiscal é composto de, entre três a cinco membros, de acordo
Os estatutos das empresas públicas, que são aprovadas, em anexo, ao acto com a dimensão e natureza da empresa. Os fiscais são nomeados pelo
de criação, devem conter (nºs 1 e 2, ambos do art. 5): ministro que superintende a área das finanças, ouvido o ministro da área
de actuação da empresa (art. 14). Com a Proposta de Lei mencionada, o
1. A denominação da empresa, seguida da sigla «E.P.» ou «Empresa Conselho Fiscal passa a ser constituído por três membros, sendo um pre-
Pública». sidente e dois vogais e o seu mandato é reduzido para três anos e renovável
2. A sede e área geográfica da sua actividade. por um máximo de dois períodos (n.º 3 do artigo 11).
54 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa Moçambicana 355

124. Formas de controlo das empresas públicas o uso de domínio público a elas afecto, gestão e protecção de ins-
talações e do pessoal, cobrança de rendimentos de serviços, ao uso
O controlo das empresas públicas reduz-se à tutela e superintendência. público dos serviços, à sua fiscalização e definição das penalidades.
É verdade que o n.º 2 do artigo 3 fala de subordinação destas pessoas colec- Em caso de litígios entre as empresas públicas e outros sujeitos de
tivas, mas a bom rigor, trata-se das duas formas de controlo que acima direito, estas respondem nos termos da lei geral, no que diz respeito
aludimos. Aliás, o próprio legislador veio a reconhecer, na fundamentação à regra geral (gestão privada), para excluir todas as situações de uti-
da Proposta de Lei, afirmando que altera a designação «subordinação» lização de poderes de autoridade;
para «tutela». A contabilidade das empresas públicas segue as regras próprias da
Neste contexto, o Governo, ao criar uma empresa pública, define, nos contabilidade comercial e industrial e não administrativa. Quer isto
respectivos estatutos, o órgão do aparelho do Estado que é responsável dizer que a contabilidade das empresas públicas deve corresponder
pela superintendência e tutela. às necessidades da gestão empresarial corrente e permitir um con-
O controlo a que se sujeitam as empresas públicas inclui a aprovação do trolo orçamental permanente, bem como a fácil verificação da cor-
seu regulamento pelo órgão de tutela e superintendência; as autorizações, respondência entre os valores patrimoniais e contabilísticos (artigo
no âmbito dos empréstimos; a definição dos objectivos económico-finan- 27 da Lein.º 17/91, de 3 de Agosto);
ceiros; a definição da política de preços, caso a empresa detenha posição As contas das empresas públicas não são submetidas ao julga-
monopolista ou domínio do mercado; a definição da política salarial; apro- mento dos tribunais administrativos (artigo 29 da Lei n.º 17/91,
vação dos orçamentos de exploração e de investimento; o controlo sobre de 2 de 3 de Agosto). Assim, as contas das empresas públicas são
os planos de gestão previsional; entre outras formas de controlo. fiscalizadas
pelo Ministério da área de subordinação e pelo Ministério das Finan-
ças, com obrigatoriedade de serem publicadas no BR por conta da
125. Princípio de gestão das empresas públicas empresa (n.º 2 do artigo 28 da Lei n.º 17/91, de 3 de Agosto). Mas
este princípio é, na verdade, não verdade, pois, nos termos do artigo
Às empresas públicas é aplicável o princípio de gestão privada, do qual a da Lei n.º 26/2009, de 29 de Setembro, atinente ao regime relativo
resulta que: à organização, funcionamento e processo da 3.º Secção do Tribunal
Administrativo e revoga as Leis nºs 13/97, 14/97 e 16/97, ambos de
+ A actividade administrativa exercida pelas empresas públicas é 10 de Julho, estão sujeitos à jurisdição administrativa e dos Tribu-
pública, porém, a sua gestão é de natureza privada; nais Administrativos, alínea e) «as empresas públicas e as socieda-
« A actividade administrativa exercida pelas empresas públicas subor- des de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos».
sub-
dina-se ao Direito privado (civil e comercial); O pessoal que presta a sua actividade nas empresas públicas é
e regido pela
+ Apesar da regra geral acima enunciada, as empresas públicas podem metido ao regime do contrato individual do trabalho
da
lançar mão ao Direito público, excepcionalmente, nos casos de Lei do Trabalho, o que exclui, desde logo, a aplicação do regime
rendimento des-
expropriação por utilidade pública, concessão ou licenciamento para Função Pública. O pagamento de impostos sobre 0
356 Lições de Direito Administrativo

tes trabalhadores segue o regime geral aplicável às empresas priva-


CAPÍTULO VIII
das (n.º 1 do artigo 43 da Lei n.º 17/91, de 9 de Agosto);
* Oregime de segurança social é o aplicável às empresas privadas, cuja
gestão é feita pelo Instituto Nacional de Segurança Social. Contudo,
Administração Autónoma do Estado
a proposta de revisão da lei, as empresas públicas podem criar os
seus sistemas de segurança social paralelos ao INSS;
* As empresas públicas estão sujeitas ao registo na Conservatória do
Registo Comercial (artigo 7 da Lei n.º 17/91, de 3 de Agosto);
* Em termos de contencioso, no que diz respeito à actividade adminis-
trativa de gestão privada, que é a regra geral, são competentes os tri-
126. Conceitualização e especificação das entidades
bunais comuns. Contudo, actuando as empresas públicas sob égide
de poderes de autoridade, serão competentes os tribunais adminis- autónomas
trativos, com aplicação do Direito público.
Como ensina o Professor Diogo Freitas do AMARAL, «a administração
autónoma é aquela que prossegue interesses públicos próprios das pes-
soas que a constituem e por isso se dirige a si mesma, definindo com inde-
pendência a orientação das suas actividades, sem sujeição a hierarquia
ou a superintendência do Governo»,
Nesta conformidade, podemos dizer que a administração autónoma
do Estado encera em si um conjunto de entes que não foram criados pelo
Estado, mas que cabe a este a sua tutela. Por vezes, esses entes prosse-
guem interesses das suas comunidades locais, tendo em conta a organi-
zação linhageira assente no parentesco, tendo no culto dos antepassados
uma das características marcantes da sua religiosidade, falamos neste
caso, da autoridade tradicional.
Em alguns casos, esses entes representam uma criação de grupos de
cidadãos com interesses públicos próprios específicos, às vezes sem perso-
nalidade jurídica, falamos agora das associações públicas.
Por fim, podemos falar de entes que, não tendo, igualmente, sido cria-
dos pelo Estado, são anteriores a ele, mas que as reconhece, sendo dota-

"o FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, op. cit., pp. 419
e 420,
Organização Administrativa Moçambicana 359
358 Lições de Direito Administrativo
tiva comunidade
Estas autoridades exercem o poder no seio da respec
dos de um substrato populacional e territorial, referimo-nos às autarquias rias e no respeito
local, de acordo com os valores e normas consuetudiná
locais.
pela Constituição e demais leis.
Portanto, para o caso moçambicano e pela nossa opção de estudo, são escalões, segundo a
As autoridades tradicionais são organizadas em
três as espécies de entidades autónomas, nomeadamente: escalões representam à
realidade prevalecente na comunidade local. Estes
ionais locais.
diferença hierárquica existente entre 05 chefes tradic
« A autoridade tradicional;
» Ag associações públicas,
* As autarquias locais.
c) Legitimação e reconhecimento

é feito pelas popu-


O processo de legitimação das autoridades traditionais
127. Autoridade tradicional aos usos e costumes da
lações das respectivas comunidades, com respeito
be aos órgãos locais
zona. Legitimadas as autoridades tradicionais, incum
a) Definição e natureza sessão solene organi-
do Estado proceder ao seu reconhecimento, numa
os da República e
que «o Estado reconhece e valoriza a zada para o efeito, ande se atribui as insígnias, símbol
A CRM, no seu artigo 118, refere o n.º 15/2000, de 20
pelas populações e segundo o direito fardamento ou distintivo próprio (artigo 5 do Decret
autoridade tradicional legitimada
de Junho).
consuetudinário». is obriga às entidades
anteriores ao nascimento do Estado O reconhecimento das autoridades tradiciona
Estes entes são, na verdade, âquelas autori-
forma de organização social linhageira públicas e privadas a respeitarem, nas suas relações com
moçambicano e representam uma comunidade local e que
dades, os valores, usos e costumes da respectiva
assente no parentesco, tendo no culto aos antepassados uma das suas a.
não sejam contrários à lei e à dignidade da pessoa human
características marcantes da sua religiosidade.
A autoridade tradicional é legitimada pelas populações locais, regra
geral, segundo o princípio hereditário, com base na história e cultura. Não ades
d) Funções e formas de articulação com outras entid
havendo este critério, a sua designação é feita segundo a capacidade de
públicas
liderança, idoneidade e aceitação pela população local respectiva.
de áreas de articulação da
O Decreto n.º 15/2000 define um conjunto
do Estado e seu enquadra-
autoridade tradicional com os órgãos locais
b) Espécies da autoridade tradicional o 4).
mento na autarquia local, se disso for o caso (artig
com os órgãos locais nas
Assim, as autoridades tradicionais articulam
São espécies da autoridade tradicional, os chefes tradicionais, OS secre- unidade nacional, pro-
actividades que concorram para à consolidação da
tários de bairros ou aldeia e outros líderes legitimados como tais pelas satisfação das necessi-
comunidades locais (artigo 1 do Decreto n.º 15/2000, de 20 de Junho). dução de bens materiais e de serviços com vista a
360 Lições de Direito Administrativo
Organização Administrativa Moçambicana 961
dades básica e de desenvolvimento local. E, o seu relacionamento com os
órgãos do Estado inclui as seguintes áreas: 128. As associações públicas

a) Paz, justiça e harmonia social;


a) Definição e espécies
b) Recenseamento e registo da população;
Associações públicas são as «pessoas colectivas públicas, de tipo associa-
c) Educação cívica e elevação do espírito patriótico;
tivo, destinadas a assegurar autonomamente a prossecução de determina-
d) Uso e aproveitamento da terra;
dos interesses públicos pertencentes a um grupo de pessoas que se orga-
e) Segurança alimentar;
nizam com esse fim»'2!,
8) Habitação própria:
Às associações públicas, cujo substrato assenta na associação e nas
8) Saúde pública;
pessoas, compreendem associações de pessoas singulares e associações de
h) Educação e cultura;
entidades públicas e/ou de-carâcter misto.
) Meio ambiente;
Ás associações públicas de entidades privadas ou singulares repre-
J) Abertura e manutenção de vias de acésso;
sentam os interesses públicos pertencentes aos associados. Estas associa-
k) Resolução de conflitos, sem prejuízo dos limites estabelecidos em
ções podem ser representativas de uma profissão, ao que se designam de
legislação própria;
ordem profissional. Quanto às ordens profissionais, que representam os
interesses duma classe, no caso moçambicano, podemos falar da Ordem
Os órgãos locais do Estado deverão articular com as autoridades tra-
dicionais, auscultando
dos Advogados, Ordem dos Engenheiros, Ordem dos Médicos e Ordem
opiniões sobre a melhor maneira de mobilizar e
organizar a participação das comunidades locais na concepção e imple- dos Econômistas.
mentação de programas e planos económicos, sociais e culturais, em prol As associações de entidades públicas resultam de uma união de pes-
do desenvolvimento local (artigo 2 do Decreto n.º 15/2000), soas colectivas menores, romeadamente, as autarquias locais, designad
a
Relativamente ao enquadramento da autoridade tradicional, este só é entre nós de Associação Nacional dos Municípios de Moçambique.
possível, nas circunscrições onde existam autarquias locais. Desta forma,
O enquadramento consiste no que os órgãos das autarquias locais podem
auscultar as opiniões e sugestões das autoridades tradicionais reconheci- b) Regime jurídico
das pelas comunidades como tais, de modo a coordenar com elas a realiza
ção de actividades que visem a satisfação das necessidades específicas das Às associações públicas são sempre criadas pelo acto de poder, em parti-
referidas comunidades. cular, as ordens profissionais pela Assembleia da República, através de um
acto legislativo. Pelo princípio de identidade da forma, estes entes serão
extintos por acto de poder.

1 FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. 1, op.


cif., pp. 428
e 424.
Organização Administrativa Moçambicana 368
362 Lições de Direito Administrativo

no c) Natureza jurídica
Quanto ao regime, as associações regem-se pelo Direito público,
ade jurídica
que se refere aos actos de gestão pública e dispõem de capacid a seguinte ques-
podendo, uo Na natureza jurídica das associações públicas discute-se
pública necessária à prossecução dos interesses a seu cargo, ações públicas
contra- tão: a que categoria de administração do Estado as associ
domínio de gestão pública, praticar actos administrativos, celebrar
s. Por maioria pertencem?
tos administrativos e aprovar regulamentos administrativo oma?
Serão elas de administração indirecta ou administração autón
de razão, no que diz respeito à gestão privada, as associações submetem-se o aplicável.
Pois a resposta a dar determina ipso facto o regime jurídic
ao regime geral das associações. professores Rogé-
subme- A tese de administração indirecta é defendida pelos
As associações públicas, embora gozando de autonomia, estão , embora tenha
como ao con- rió Soares e antes pelo próprio Diogo Freitas do AMARL
tidas ao regime de tutela e superintendência do Estado, bem públicas cria-
ados ou mudado de posição. Esta tese entende que «as associações
trolo pelos respectivos membros, através de órgãos sociais apropri Estado, tal como
das pelo Poder pertencem à administração indirecta do
de mecanismos jurisdicionais. ações públicas
os institutos públicos estaduais (...) tal valeria para as associ
Na sua organização e funcionamento, as associações públicas obede- os e as asso-
criadas pelos municípios (...). Assim, entre os institutos públic
cem a um conjunto de regras e princípios, nomeadamente: uma diferença
ciações públicas haverá uma diferença estrutural, mas não
funcional»,
a) Autonomia e independência dos poderes do Estado; autónoma, que é defendida por Jorge
A tese da administração
b) Articulação e coordenação com as entidades estatais; e FREITAS DO AMA-
uma asso- MIRANDA, Gomes CANOTILHO, Vital MOREIRA
c) Unicidade, sendo proibida a existência de mais do que ncem à administra-
RAL, entende que «(...) as associações públicas perte
ciação pública por cada área de interesse público; a maior parte delas, isto
s, ção autónoma -ou, pelo menos, assim sucede com
d) Respeito pelos direitos fundamentais e liberdades dos membro que não sejam mera
a Ins- é, com as associações públicas propriamente ditas,
sem prejuízo de que quando se trate de ordens profissionais . Isto significará
fachada para encobrir a actuação unilateral do Estado
crição condiciona o exercício da profissão. distintas do Estado-
que tais associações são «realidade sociologicamente
e) Formação democrática dos órgãos. constituem «uma
da Constituição -comunidade e elevadas a entidades administrativas»;
f) Proibição de exercício de funções que nos termos são «auto-administração
manifestação de auto-adininistração social»; e
e das Leis correspondem a atribuições sindicais. dos com interesses
pública de interesses sócias específicos compenetra
tural'e funcional-
cujos titulares públicos». Assim, as associações públicas serão estru
As associações públicas dispõem de órgãos sociais, mente distintas dos institutos públicos» "3.
os seus membros,
são designados por via de eleições democráticas entre Aderimos à segunda tese-por ser consentânea com
a estrutura das nos-
itos e perfil dos can-
podendo os respectivos estatutos estabelecer os requis capítulo relativo à admi-
sas lições, e pelo enquadramento desta figura no
didatos. a sua natureza.
nistração autónoma o que, à priori, determina
Administrativo, VOL 1, Op. Cit. p. 473
2: FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito
3 Idem, p. 474
364 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa Moçambicana 365

129. Autarquias locais sonalidade jurídica que implica a autonomia em todas as suas facetas, sem
embargo dos poderes de enquadramento e acompanhamento da gestão
a) Órgãos do poder local do Estado municipal pelo Estado. Portanto, a autonomia não é sinónimo de inde-
pendência.
Dissemos órgãos do poder local do Estado em contraposição dos órgãos Estas pessoas colectivas públicas têm como substrato as populações e
locais do Estado. Os órgãos do poder local têm como objectivo organi- o território sobre o qual estão baseadas.
zar a participação dos cidadãos na solução dos problemas próprios da sua b) Órgãos representativos próprios: as autarquias locais detêm dois
comunidade e promover o desenvolvimento local, o aprofundamento e a órgãos, designadamente, um deliberativo e outro executivo, todos eleitos
consolidação da democracia, no quadro da unidade do Estado, ao passo - por um sufrágio universal, directo, igual, secreto, pessoal e periódico dos
que os órgãos locais do Estado representam o Governo a nível local (pro- cidadãos eleitores residentes na respectiva circunscrição territorial, de
víncia, distrito, posto administrativo e localidade) (n.º 1 do artigo 271 e 141 cinco eim cinco anos.
da CRM, respectivamente). Dos dois órgãos, um é deliberativo e outro é êxecutivo, isto é, a assem-
O poder local é uma forma de manifestação da descentralização admi- bieia municipal e o presidente do conselho municipal, respectivamente.
nistrativa territorial e a autonomia local é a expressão da descentralização De iure condendo, mostra-se justificado implantar nas autarquias um
administrativa. sistema de «governo parlamentar», em que o órgão executivo não é direc-
O poder local compreende a existência das autarquias locais (n.º 1 tamente eleito pelo povo. À sua designação deve resultar da lista partidá-
artigo 272 da CRM). “ia, coligação partidária ou grupo de cidadãos eleitores que tiver maioria
nas eleições para a assembleia municipal. Nestes sentido, o cabeça de lista
assumiria, automaticamente, as funções executivas do município.
b) Conceito das autarquias locais O grande problema consistiu no decalque ao nível local do sistema
aplicado para a eleição dos órgãos Presidente da República e-Assembleia
Às autarquias locais, por definição legal, «são pessoas colectivas públicas, da República, respectivamente, para o presidente do conselho e a assem-
dotadas de órgãos representativos próprios, que visam a prossecução dos bleia autárquica, esquecendo-se que, ao nível local, o que se pretende é a
interesses das populações respectivas, sem prejuízo dos interesses nacio- gestão dos interesses das comunidades, nomeadamente, recolha do lixo,
nais e da participação do Estado» (n.º do artigo 272 da CRM). água, saneamento, vias municipais, etc; assuntos politizados sem necessi-
Este conceito encerra um conjunto de elementos que precisam de ser dade, acabando por comprometer a satisfação das necessidades mínimas
explicitados, nomeadamente, órgãos representativos próprios, interesses locais a favor de um debate político desnecessário em casos de renúncia
das populações respectivas, interesses nacionais, autonomia local e parti- ou acarretando gastos avultadíssimos em caso de segunda volta, tendo em
cipação do Estado. conta o número de autarquias existentes. N
A propósito, escreve o Mestre João André Ubisse GUENHA que «Em
a) Pessoas colectivas públicas: o reconhecimento pelo Estado das relação ao Presidente do Conselho Municipal ou de Povoação, a Lei n.º
autarquias locais como pessoas colectivas supõe sempre a outorga da per- 18/2007, reproduz, mutandis muiandis, o sistema de eleição do Pre-

findi
Organização Administrativa Mocambicana 367
366 Lições de Direito Administrativo
idade
sidente da República. Tal opção parece não ser a mais adequada, pois a Hberdade e de iniciativa e, por isso, constitui um elemento de «divers
aplicação do sistema maioritário de duas voltas nas eleições autárquicas inevitável» que se acomoda mai aos princípios de igualdade e de uniformi-
pode vir a acarretar custos incalculáveis, na eventualidade de se mostrar dade muito próprios dos estados modernos».
efectiva
necessária, dentro do mesmo processo eleitoral, a realização da segunda A autonomia local, por definição, é o «direito à capacidade
lei, sob
volta em muitas autarquias. O caso da eleição do Presidente do Conselho de as autarquias locais regulamentarem e gerirem, nos termos da
uma parte
Municipal de Nacala Porto, em 2008, veio demonstrar que à segunda volta sua responsabilidade e no interesse das respectivas populações,
não é mera hipóste, ela pode acontecer de facto. Portanto, propõe-se uma importante dos assuntos públicos».
s, aque-
reflexão com vista a alterar o sistema de eleição do Presidente do órgão Aos interesses locais se sobrepõem os interesses nacionai
ntantes
executivo da autarquia». les cuja satisfação cabe ao Governo Central, ou aos seus represe
locais (Governo Provincial). Por exemplo, a Estrada Nacional n.º 1 que
Depois de avaliar as consequências menos vantajosas do sistema
, Vila da
actual de eleição do Presidente do órgão executivo autárquico, o Mestre atravessa as autarquias da Cidade de Maputo, da Vila da Manhiça
Cidade de
GUENHA propõe que «A alternativa ao sistema actual poderia ser, por Macia, Cidade de Xai-Xai, Cidade de Maxixe, Vila da Massinga;
e nacio-
exemplo, estabelecer que é eleito Presidente do Conselho Municipal ou Mocuba, etc., não faz parte de interesse local mas sim de interess
Nacional de
de Povoação o candidato que encabeça a lista mais votada na eleição dos nal, cabendo a sua reparação e manutenção à Administração
membros da Assembleia da respectiva autarquia (...). Desde fogo, dispen- Estradas (ANE); a defesa nacional e a diplomacia.
a descentra-
saria a realização de eleições intercalares, nos casos de renúncia, incapaci- É, por isso, que o Professor Gilles CISTAC refere que «(...)
que a admi-
dade permanente ou morte do Presidente do Conselho da Autarquia (...), lizáção implica uma distinção entre a soma das necessidades
população
pois a vacatura poderia ser preenchida pelo segundo candidato eleito da nistração deve prover, entre as que interessam O conjunto da
ia de
mesma lista pela qual concorreu o Presidente cessante»'*, — todos os moçambicanos precisam de ser defendidos, daí a existênc
-
c) Interesse das respectivas populações: tem a ver com os interesses uma defesa nacional, -e as que permanecem específicas a uma colectivi
rtes
comuns e específicos das populações respectivas e incluem o desenvolvi- dade — a condução da água à autarquia local, uma rede de trauspo
vicinais nas
mento econômico e social local; meio ambiente, saneamento hásico e qua- colectivos no âmbito de município, a manutenção das vias
cimento
lidade de vida; abastecimento público; saúde; educação; cultura, tempos zonas rurais ou a recolha de resíduos sólidos nas urbes. O reconhe
nacio-
livres e desporto; polícia da autarquia e urbanização, construção e habita- de uma categoria de «interesses locais», distinta da de interesses
(...)»"º8,
ção (artigo 6 da Lein.º 2/97, de 18 de Fevereiro). nais, é o primeiro dado de qualquer descentralização
A estes interesses se encontra a necessidade de atribuir às autarquias d) Participação do Estado: a nossa definição de autarquia local
do Estado.
locais um maior grau de autonomia local que se funda « (...) numa base implica a existência, no seio da autarquia, de um representante
territorial e implica, por natureza, a aceitação de uma certa margem de
Rditora,
rs CÂNDIDO DE OLIVEIRA, António, Direito das Autarquias Locais, Coimbra
4 UBISSE GUENHA, João André, Reforma do Sistema Eleitoral «in» Instituto de Apoio 1993, p. 185.
Local.
à Governação e Desenvolvimento, Proposta de Revisão Constitucional para Boa Gover- 7 CE N.º 1 do artigo 3 da Carta Europeia da Autonomia
Livraria Universitária, Uni-
nação, CIEDIMA, Maputo, 2011, p. 128. “8 CISTAC, Gilles, Manual de Direito das Autarquias Locais.
2 Idem. versidade Eduardo Mondlane, 2001, Pp. 22.
368 Lições de Direito Administrativo Organização Administrativa Moçambicana 369
Ássim, a solução foi a de que «(...) tanto pode haver um órgão que repre- Cidade de Quelimane, Cidade de Tete, Cidade de Nampula, Cidade
senta o Estado em simultâneo nos vários municípios abrangidos por certa de Pemba, Cidade de Lichinga, Cidade da Chókwé, Cidade de Chi-
extensão territorial, como pode haver um órgão cuja jurisdição coincida buto, Cidade da Maxixe, Cidade de Dondo, Cidade de Manica,
totalmente com a área da autarquia local», Cidade Mocuba, Cidade de Gurué, Cidade de Nacala, Cidade da Ilha
A participação do Estado na autarquia local viria a ser concretizada de Moçambique, Cidade de Angoche, Cidade de Cumba e Cidade de
com a representação do Estado e dos seus serviços na circunscrição terri- Montepuez,
torial pertencente à autarquia local. Estes serviços, logicamente, subordi- b) Vilas: Manhiça, Namaacha,NMacia, Mandlakazi, Massinga, Vilan-
nam-se aos órgãos centrais ou locais do Estado, devendo articular-se com kulo, Marromeu, Gorongosa, Bárue, Gondola, Moatize, Ulóngue,
os órgãos autárquicas no exercício das suas competências (art. 8 da Lei Milange, Alto Molócue, Morapo, Ribáue, Mocimboa da Praia,
n.º 2/97, de 18 de Fevereiro). Mueda, Lago e Marrupa.

A institucionalização das autarquias locais obedece ao princípio do


c) Categoria das autarquias locais gradualismo!s?,

A Constituição da República reconhece as seguintes categorias de autar-


quias locais: os municípios e as povoações (n.º 1 do art. 273), embora a d) Gradualismo
Proposta de Revisão da Constituição da BPFRELIMO elimine a categoria
de povoação. O princípio do gradualismo condiciona a reforma ou a criação das autar-
Diz mais a Lei Fundamental: os municípios correspondem à circunscri- quias locais, Portanto, é um princípio programático, tendo em conta uma
ção territorial das cidades e vilas e as povoações correspondem à circuns-
visão realística da situação prevalecente no país.
crição territorial da sede dos-postos administrativos (n.º 289 do art. 279).
Os progenitores do processo de descentralização em Moçambique
A Lei Mãe admite que a lei ordinária estabeleça outra categoria de
caracterizaram a manifestação deste princípio da seguinte forma:
autarquia local superior ou inferior ao município e às povoações. Logica-
«O princípio do gradualismo manifesta-se a vários níveis:
mente, a categoria superior só pode ocorrer com a fusão de dois municípios
ou duas povoações e a categoria inferior, com à valorização da localidade.
a) O número de cidades e distritos beneficiários da descentralização
Coneretizemos as categorias de autarquias conforme a realidade pre-
far-se-á, pelo menos, em duas ou três fases: primeiro Serão benefi-
valecente:
cladas só algumas cidades e eventualmente alguns distritos, objecto
das experiências-piloto (reforma parcial); depgis a reforma esten-
a) Municípios: Cidade de Maputo, Cidade da Matola, Cidade de Xai-
der-se-á tendencialmente a todas as cidades (reforma global),
-Kai, Cidade de Inhambane, Cidade da Beira, Cidade de Chimoio,
ficando de fora apenas as que evidenciarem, por motivos espe-
“2 VVYAA, Autarquias Locais em Moçambique. Antecedentes e regime jurídico, Lisboa-
so A Lei n.º 3/08, de 2 de Maio, veio acrescentar mais dez vilas municipais às anteriores
"Maputo, 1998, p. 52.
trinta e três já existentes,
Organização Administrativa Moçambicana 371
s70 Lições de Direito Administrativo
os acto-
c) Acriação de novas autarquias locais tem de tomar em conta
cialmente relevantes, maiores dificuldades; por fim, mesmo estas s;
res geográficos, económicos, sociais, culturais e administrativo
beneficiarão da reforma; histórica
interesses nacionais vs. interesses locais, razões de ordem
b) As atribuições e competências serão reconhecidas ou transferidas ução
e cultural; avaliação da capacidade financeira para a prossec
gradualmente, de acordo com uma programação prévia;
das atribuições que lhe estiverem cometidas.
c) Concomitantemente, os recursos financeiros e humanos serão colo-
cados à disposição dos municípios, gradualmente, também, acom-
panhando o ritmo da transferência de competências; tiva
dimi- e) Sujeição das autarquias locais à tutela administra
d) A tutela abrandará, gradualmente, à medida que forem
do Estado
nuindo, por imposição legal, os casos em que o órgão tutelar tenha
de interferir na tomada de decisão pelos órgãos municipais; na verifica-
As autarquias locais sujeitam-se a tutela do Estado, que consiste
e) Finalmente, o próprio processo de democratização ou de legitimação autárquicos.
ção da legalidade e mérito dos actos administrativos dos órgãos
democrática dos órgãos municipais será gradual. No início da reforma, se
A tutela sobre a legalidade dos actos administrativos materializa-
o preenchimento dos cargos políticos far-se-á basicamente nos mol- bem como
através de inspecções, inquéritos, sindicâncias e ratificações,
des actuais, com uma ou outra alteração mais premente, sem. embargo (art.4 da Lei n.º
através de solicitação de informações e esclarecimentos
de o novo sistema institucional entrar em vigor logo de princípio» ma,
7/97, de 31 de Maio).
n.º 7/97, 31 de
O regime da tutela administrativa é definido pela Lei
Este princípio, como se vê, visava evitar um corte imediato com a situ- de 9 de Fevereiro.
Maio, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 6/2007,
ação prevalecente. Portanto, o gradualismo significou e significa, ainda
hoje, que a reforma deverá ser faseada na criação de autarquias locais,
faseada na transferência de recursos, atribuições e competências para as
£) Poder regulamentar das autarquias locais
autarquias locais e faseada na atenuação da dependência e vínculo com os
órgãos do poder central do Estado. consiste na ema-
As autarguias locais gozam de poder regulamentar, que
Com efeito, a Lei n.º 2/97, de 18 de Fevereiro, relativa ao quadro jurí- da Constituição, das
nação de comandos genéricos e abstractos no límite
dico para a implantação das autarquias locais, procurou consagrar este es, destacando-se
de "eis e dos regulamentos emanados pelos órgãos tutelar
princípio, no artigo 5, sob epígrafe «factores de decisão». Tais factores
as posturas municipais.
decisão resumem-se, no seguinte:

a) A alteração das áreas das autarquias locais é, sempre, precedida de +


g) Regime do pessoal das autarquias locais
consulta aos seus órgãos;
b) A criação ou modificação das autarquias locais é feita por Jei; locais é submetido ao
O Pessoal que presta actividade nas autarquias
op- cit. regime da Função Púbica.
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